Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites
ESPLENDOR TEXANO
Cinco anos na prisão por um crime que ele não cometeu...
Esse foi o tempo que Austin Leigh teve que esperar para limpar seu nome e voltar a se reunir com sua amada Becky. Mas, quando ele finalmente foi solto, Becky estava casada com outro. Agora, Austin está determinado a descobrir quem foi o assassino que destruiu sua vida e arruinou sua única chance de amar. Ele procura justiça – e vingança. Mas o que ele descobre ao longo do caminho é algo um pouco diferente.
O nome dela é Loree Grant, e ela sobreviveu a sua própria tragédia. Ela é o tipo de amigo que Austin nunca teve, uma verdadeira companhia em sua longa estrada de perdão e redenção. E Austin lentamente despe sua alma para essa forte e linda mulher, ele começa a abrir seu coração... ao amor.
Abril de 1887.
Momentos roubados para nunca serem recuperados. Memórias que não valiam a pena serem lembradas permaneciam na extremidade de sua consciência, pouco dispostas a serem esquecidas.
Cinco anos morrendo lentamente.
Austin Leigh olhou para o portão da Prisão de Huntsville, sabendo que o resto de sua vida estava esperando do outro lado, lado este que ele tinha deixado cinco anos atrás quando doze homens o tinham considerado culpado de assassinato.
Depois de sobreviver mil oitocentos e vinte e cinco dias como um —escravo do estado—, ele uma vez mais vestia suas próprias roupas. A camisa de cambraia azul ficava solta em seus ombros largos, e sua calça curta de brim ameaçava deslizar através de seus quadris estreitos. Mas elas eram dele, as roupas que ele usava aos vinte e um anos quando tinha toda a vivacidade da mocidade, quando tolamente acreditava que uma pessoa apenas precisava correr atrás de um sonho para realizá-lo.
Nos anos que se passaram, ninguém tinha lavado suas roupas, e quando ele fechava os olhos, imaginava sentir uma fragrância de baunilha, um cheiro feminino desvanecendo, sentia dedos esbeltos tocando sua camisa pela última vez, sentia o sabor das lágrimas e lábios dela durante a despedida agonizante.
Becky. A doce Becky Oliver. Dentro de seu coração, as memórias distantes valsavam e ele a via claramente—sorrindo para ele, rindo com ele, amando-o sob as estrelas em uma noite banhada pela lua. Uma noite em que eles tinham se dado tanto um ao outro, não sabendo que ações de outras pessoas roubariam tudo.
O som de algemas tinindo o tirara de seu devaneio. Com repugnância, ele encarou o guarda que soltava as algemas que circundavam seus pulsos. O ferro caiu e Austin esfregou as cicatrizes rosadas que tinham se formado ao longo dos anos.
—Então, agora, menino—, o guarda começou, —não faça nada lá fora que faça você voltar para cá. Eu posso não ser tão compreensivo da próxima vez—.
—Apenas abra o maldito portão—, Austin rosnou por entre dentes trincados.
O guarda estreitou os olhos como que contemplando as consequências de bater em um homem à beira de recuperar a liberdade. Então abriu o portão. O ranger das dobradiças ecoou no silêncio do amanhecer.
Austin fechou um pouco os olhos ao encontrar o céu claro que havia além das paredes. Ele parecia intocado pela sujeira e degradação que existia dentro da prisão. Com passos largos e longos, ele caminhou para a liberdade, apreciando o primeiro fôlego com um ar não fétido. O coração dele se apertou quando viu por um momento seus dois irmãos de pé na frente com três cavalos.
—Você parece péssimo—, Dallas disse, com a voz estrangulada com emoções.
Austin se perguntou quando a cor prata tinha aparecido no cabelo preto de Dallas. Os sulcos em sua testa tinham se aprofundado e pontos brancos estavam visíveis em seu bigode espesso. —Eu me sinto péssimo—, ele disse, forçando a boca a formar um sorriso.
Dallas o puxou contra o peito. —Maldição, menino, o que diabos achou que estava fazendo?—.
Austin lutou para sair do abraço forte do irmão. A última vez que tinha visto Dallas, ele estava lutado para viver. Austin tinha temido o momento quando teria que enfrentar o inflexível olhar marrom de Dallas e explicar suas ações. —Eu pensei que era o melhor a fazer—.
Virando, ele achou mais fácil encontrar o olhar de Houston. O irmão do meio tinha se sentado atrás dele durante o julgamento. A guerra tinha destruído parte do rosto de Houston, mas os anos seguintes o tinham tratado mais amavelmente. Ou talvez fosse simplesmente por que o tapa olho de couro preto permanecesse inalterado e assim parecesse que tudo estava a mesma coisa.
Austin não tinha a intenção de dar a Houston nada além de um aperto de mão, mas assim que suas palmas crespas se encontraram, ele se encontrou em um abraço intenso. Houston sempre tinha sido um homem de poucas palavras, e agora Austin estava agradecido pelo silêncio do irmão. —Vejo que você trouxe o Trovão Negro—.
Ele se livrou do abraço de Houston e montou o garanhão cor de ébano em um movimento fluido, contínuo, apreciando sentir o cavalo sob si. Certo de que seus irmãos o seguiriam, ele deixou sua bota preta bater nos flancos de Trovão, fazendo o cavalo partir em um galope firme.
A estrada se abriu diante dele, mas ele temia que não importasse o quão rápido ou quão longe ele montasse, ele verdadeiramente não escaparia das paredes que o tinham cercado... não até que visse Becky. Tocasse-a. Abraçasse-a. Fizesse-a sua esposa.
O coração de Austin cresceu quando viu a enorme casa de adobe. Ele carregava o pó de vários dias de viagem, mas neste momento, isto parecia sem importância.
Ele estava em casa.
Enquanto se aproximavam da casa de Dallas, Austin viu uma menina saltar da varanda e correr para dentro. Ele parou o cavalo e desmontou, os irmãos fizeram o mesmo.
A menina saiu pelos fundos da casa, os cachos loiros saltando ao redor dos ombros minúsculos, os braços muito abertos. —Tio Austin! Você voltou!—.
Ela saltou para ele, e ele a segurou nos braços.
—Eu estou tão contente!—, ela chorou. —Senti tanto sua falta!—, sua suave bochecha tocou a bochecha áspera dele, os braços firmemente ao redor de seu pescoço.
Ele inclinou a cabeça para trás, vendo alegria refletida no verde de seus olhos. A filha mais velha de Houston tinha três anos de idade quando ele tinha partido. —Maggie May quando você cresceu?—.
—Muito tempo atrás. Eu e o Rawley vamos para a escola agora—.
—É mesmo?—, ele olhou além dela e viu um menino alto debruçado contra a viga da varanda, o cabelo preto nitidamente aparado, as roupas quase novas.
—Hm-hmm—, ela o assegurou.
Ele a abaixou e lentamente se aproximou de Rawley Cooper. Austin não ficou surpreso quando Dallas tinha escrito informando que ele e Dee tinham adotado o menino. —Ouvi dizer que sou seu tio agora—.
—Você não precisa ser, nós não temos o mesmo sangue. Apenas se você quiser ser—.
Austin puxou o menino para perto dele. —Ah, claro que eu quero ser—.
Por que ele não tinha percebido que estas crianças continuariam a crescer sem ele ao redor, fazendo-o perder tanto?
Ele ouviu o som de pés minúsculos enquanto quatro meninas pequenas surgiam, suas vozes altas o lembravam do gorjear de pássaros. —Papai! Papai! Papai!—.
Ajoelhando, Houston embalou três meninas loiras contra o peito. Amelia tinha dado a luz a Laurel no Natal antes de Austin partir para a prisão. Amanda e A. J. tinham sido apenas palavras rabiscadas em uma carta até agora. Assim como Faith, a beleza de cabeleira escura que Dallas erguia nos braços.
—Você está em casa!—, Dee chorou.
Alta e esbelta, ela era uma maravilhosa visão para olhos cansados enquanto graciosamente deslizava através da varanda, o sorriso brilhando o suficiente para cegar um homem.
—Você ficou magrelo—, ela disse enquanto abraçava Austin e batia em suas costas.
—Eles não cozinham como você—.
Ela riu. Deus, ele tinha se esquecido como um riso verdadeiro e desinibido lavava um homem e o preenchia com alegria desenfreada.
—Eu não cozinho—, ela o lembrou. —Amelia cozinha—. Ela andou para o lado. Antes de poder respirar, Amelia o envolvia com os braços, abraçando-o com força. A primeira mulher que tinha entrado em suas vidas. Deus, ele a amava tanto… quase tanto amava Becky.
Quando Amelia se afastou, Austin sorriu. —Eu sei que uma daquelas meninas tem que ser Laurel Joy. Ela não podia nem engatinhar quando eu parti. As outras ainda não estavam aqui—.
—Você terá bastante oportunidade para conhecer e se enturmar—, Amelia o assegurou. —Agora nós temos ceia esperando—.
—Soa como o paraíso. Eu não tenho uma comida decente… há anos—.
Amelia e Dee deslizaram as mãos pelos braços dele e o levaram para casa. Como um homem perdido no deserto, Austin procurava algo familiar que o guiasse em direção ao abrigo bem-vindo da família, mas ele não achou nada. Um retrato de Dallas e sua família estava na parede. Um novo tapete estava no corredor.
As meninas passaram apressadas por ele enquanto entravam na sala de jantar. A mesa velha de carvalho não havia mais, tinha sido substituída por uma mais longa que pudesse acomodar a família crescente. Dallas e Houston tinham colocado as meninas nas cadeiras altas antes de tomarem seus lugares. Maggie bateu levemente na cadeira vazia entre ela e Rawley. —Sente com a gente, Tio Austin—.
Parecendo inesperadamente desajeitado e fora de lugar, ele se jogou na cadeira. Diante dele havia uma tigela cheia até a borda com guisado, o vapor subindo em espirais. A boca de Austin encheu d’água. Ele não tinha percebido o quão faminto estava. Ele levantou a colher, se curvou para frente e colocou os cotovelos sobre a mesa, permitindo que seus braços circulassem a tigela, formando uma barreira protetora ao redor de seu jantar. Ele sorveu duas colheradas antes dos cabelos de trás de seu pescoço se arrepiarem e ele percebeu que todo mundo estava olhando para ele.
Ele se virou e viu o olhar de Maggie. Com olhos verdes e arregalados, ela o olhava como se ele fosse um estranho.
—Você não acha que vai roubar minha comida, vai?—, ele perguntou, a voz baixa, e teve medo de ter falhado miseravelmente em fazer brincadeira com seu comportamento estranho.
Ela apertou os lábios, sua testa se enrugando enquanto ela lentamente movia sua cabeça de um lado para o outro.
Austin se endireitou e deu uma olhada em torno da mesa, perguntando-se por que ele se sentia tão isolado quando estava cercada por sua família. —Minhas desculpas. Parece que eu me esqueci de como se come ao redor de pessoas decentes—.
—Não há nenhuma necessidade em se desculpar—, Amelia disse. —Nós somos uma família, pelo amor de Deus. De qualquer maneira, você devia ter comido nesta mesa nos últimos cinco anos—.
Ele trocou o olhar para Dallas. Eles tinham viajado para o rancho da mesma maneira que eles tinham passado a vida antes de Amélia chegar—não fazendo nenhuma pergunta, não compartilhando nenhum sofrimento. —Acredito que você vai querer conversar sobre isto—.
Dallas agitou a cabeça. —Era sua vida, sua decisão. Mas você devia saber que eu contratei um detetive para achar o assassino de Boyd. Infelizmente ele não teve sorte—.
—Ele ainda está procurando?—.
—Ele não está mais se dedicando a isso, mas mantém os ouvidos atentos. Quem quer que tenha sido que matou Boyd, sabia o que estava fazendo. Não deixou qualquer evidência—.
—Por que nós não discutimos isto depois do jantar?—, Dee sugeriu.
Se esticando, Dallas cobriu a mão de Dee. —Desculpe. Às vezes, é difícil lembrar que Boyd era seu irmão—.
Dallas não podia ter falado palavras mais verdadeiras. Boyd McQueen possuía um temperamento que parecia ter sido uma cria do diabo, enquanto Dee tinha a índole de um anjo.
—Eu tenho bolo mármore esperando na cozinha—, Amelia anunciou. —Nós precisamos comer enquanto ainda está morno—.
Bolo quente e guisado, sorrisos constantes e os modos inocentes de crianças. Austin tinha-os dado por certo na sua juventude, mas ele estava determinado a apreciar este momento.
A noite tinha caído quando Austin estava de pé na varanda e assistia a carroça cheia que ia para o norte com a família de Houston. Uma lua crescente sorria no céu escuro, estrelas piscando ao lado dela. —Eu não consigo acreditar que Houston tenha tantas meninas—, Austin disse.
Girando o olhar na direção da carroça, Dallas se debruçou contra a viga. —Eu acho que pode haver outra a caminho. Amelia não comeu muito hoje à noite—.
—E você e Dee? Vocês vão ter mais nenhum?—.
Dallas lentamente agitou a cabeça. —Não. Faith foi um milagre que nós não estávamos esperando. Acredito que um homem deve se considerar o mais sortudo dos homens quando tem um milagre em sua vida—.
Austin entendia de milagres. Ele tinha um esperando por ele. —Acho que vou dar um passeio na cidade—.
Um silêncio preencheu o ar, espesso, pairando, como se algo precisasse ser dito. Permissão, Austin achava que era isso. Ele estava esperando que Dallas desse a ele permissão para sair sozinho mas ele não pediria mais o consentimento do irmão. Ele era um homem crescido, livre para ir e vir como desejasse. Ele andou para fora da varanda.
—Becky está casada—, Dallas disse com a voz baixa.
Austin sentiu como se alguém o tivesse acertado firmemente com os punhos na boca do estômago. Incapaz de levar até eles, ele temeu que seus joelhos pudessem faltar. Ele colocou o braço em torno da viga para que não tropeçasse abaixo os degraus restantes. Engolindo em seco, ele forçou as palavras a passarem pelo nó doloroso que tinha se formado em sua garganta. —Becky Oliver?—.
Dallas o encarou honestamente. —Sim—.
—Com quem ela se casou?—.
—Cameron—.
Cameron McQueen? Irmão da Dee? Austin tragou a bílis em chamas que subia em sua garganta. —Quando?—.
—Mais ou menos dois anos atrás—.
Austin encarou o irmão. —Por que diabos você não mencionou essa notícia nas suas cartas?—.
—Eu não achei que a prisão seria o melhor lugar para você saber disto—.
—Você poderia ter me dito isso a qualquer momento durante os últimos dias—.
—Não vi qualquer razão para arruinar sua volta ao lar—.
Sua volta ao lar? Sem Becky ele não tinha nenhum lar para voltar. Ele saltou da varanda e bateu no chão firme com um propósito em seus passos largos.
—Aonde você está indo?—, Dallas gritou atrás dele.
—Aonde diabos eu quiser—, Austin deu de ombros enquanto andava altivamente em direção ao celeiro.
Ele nunca tinha selado um cavalo tão depressa nem montado tão firme quanto agora. Trovão Negro estava batendo os cascos acabando com a distância entre Austin… e Becky.
Quando as luzes tênues das lamparinas de Leighton surgiram, queimando na noite, Austin puxou as rédeas. O garanhão protestou e parou rápido se empinando, seu relincho ecoando através das planícies vastas. Austin recuperou o controle e bateu levemente no pescoço suado do cavalo. —Desculpe-me, velho—.
Ele virou o olhar em direção à cidade. Ele podia ver a silhueta do Magnífico Hotel de Dee. E a estação de trem. Os caminhos da via férrea alcançaram a cidade enquanto ele tinha estado na prisão. Ele viu o esboço de edifícios que não reconhecia, ruas, casas, uma cidade… uma cidade que ele um dia tinha conhecido… uma cidade que era agora dolorosamente nada familiar.
E em algum lugar dentro daquela cidade, embaixo das sombras da noite, Becky estava deitada dentro dos braços de outro homem.
A dor o cortou, intensa, dominante. E as lágrimas que ele tinha segurado por cinco longos anos, torturosos anos, finalmente tinham atingido a liberdade. Curvando a cabeça, ele cravou os dedos nas coxas enquanto os soluços faziam seu corpo estremecer.
Becky o tinha abandonado quando ele mais tinha precisado dela… e ele nem tinha sabido disso.
As memórias o tinham levado até o armazém geral. Os negócios tinham florescido em ambos os lados do prédio de frente falsa onde Becky Oliver tinha trabalhado com o pai. Ele se ressentiu por todas as estruturas que cheiravam a madeira nova, se ressentiu por todas as coisas que continuavam as mesmas.
Ele parou o cavalo e encarou a placa que ainda dizia ARMAZÉM GERAL OLIVER. Becky vivia nos cômodos acima da loja. Uma luz pálida se derramava pelas janelas de cima então Austin percebeu que ela ainda vivia lá—com Cameron.
Ele desmontou, amarrou o cavalo na grade e caminhou ao longo da rua entre os dois edifícios. Ele olhou para o local onde tinha beijado Becky pela primeira vez. Cameron a teria beijado lá? O estômago dele se revirou com o pensamento.
Ele ouviu a pancada de um engradado batendo no chão. Enquanto dobrava a esquina, com a luz da lamparina agarrada contra a parede da loja, ele viu Cameron McQueen levantar um engradado de madeira da carroça e empilhá-lo próximo à porta da parte de trás e agarrar outro. Se ele e Cameron ainda fossem amigos, ele o teria perturbado por causa do avental branco engomado que ele usava por cima da camisa branca impecável.
Cameron agarrou outra caixa, e então parou como se sentisse a presença de outra pessoa. Ele deu uma olhada por cima do ombro, seu cabelo loiro caindo através da testa. Com olhar cauteloso, ele o abordou devagar. —Austin, é bom ver você—.
—Eu aposto que sim—. Austin jogou o punho contra o rosto de Cameron. Cameron cambaleou para trás e bateu no chão com uma pancada irritante que soou como se um engradado de tomates tivesse caído e virado.
—Levante, seu filho da mãe!—.
Movendo o maxilar de um lado para outro, Cameron rolou. —Eu não vou lutar com você—.
—Você não tem que lutar comigo, mas pelo menos me dê a satisfação de te bater até cansar—.
Cameron ficou de joelhos, perto o suficiente de Austin. Ele bateu em Cameron novamente e o mandou estatelado de volta no chão. —Você era o meu melhor amigo, maldito! Eu confiei em você!—.
Cameron olhou com os olhos semicerrados para ele, sangue escorrendo junto à bochecha. —Juro por Deus, eu tentei não a amar—.
—Não foi o suficiente. Levante-se—.
Cameron ficou de pé com dificuldade, os braços oscilando de um lado para o outro como pás quebradas de um moinho de vento.
—Ao menos levante as mãos e me dê alguma satisfação—, Austin ordenou.
Cameron agitou a cabeça. —Se você quer me bater até cansar, vá em frente. Eu não vou te impedir—.
Uma ira impotente surgiu em Austin. Ele bateria nele até cansar, certo—ou talvez mais. Ele puxou o braço
—Cameron!—, uma voz doce o chamou.
Austin virou a cabeça. A luz da lamparina iluminava Becky enquanto ela permanecia de pé na entrada, segurando um menino contra o peito.
Ela era a coisa mais bonita que ele já tinha visto. Os anos roubados começaram a se derreter, da maneira que ele sabia que iriam.
—Papai!—, o menino chorou, se torcendo nos braços da mãe. Os anos vieram de volta furiosamente. Ela não era Becky Oliver, sua garota. Ela era Becky McQueen, esposa de seu melhor amigo.
—Cameron, você ainda não acabou?—, Ela perguntou suavemente.
Austin percebeu então que as sombras o escondiam, que a luz da lamparina não o tocava. De onde estava, Becky não podia ver o sangue que escorria pelo rosto de Cameron.
—Eu estarei aí em um minuto—, Cameron disse tranquilamente, mantendo o perfil voltado para ela.
—Bem, não demore muito. A ceia está ficando fria—. Ela desapareceu na loja, e Austin soube que ela estava provavelmente subindo os degraus que levavam para o segundo andar, para a casa que ela compartilhava com Cameron.
—Juro por Deus, Austin, eu não queria que as coisas ficassem desse jeito—, Cameron disse com a voz baixa.
Austin deu um passo ameaçador na direção dele. Cameron vacilou mas não foi para trás. —Pense nisto—, Austin disse, a voz fervendo com dor e traição. —Ela me amou primeiro—.
—Acredite em mim, esse pensamento me assombra noite e dia—.
Austin desejou apenas ter batido em Cameron novamente e mantido sua boca fechada. Ele queria machucar o homem, e ele sabia pelo desespero que havia nos olhos azuis de Cameron que ele tinha conseguido isso. Ele não sabia por que esse conhecimento não trazia nenhuma satisfação mas apenas servia para aumentar sua raiva pela situação que era incapaz de mudar.
Ele vivamente movimentou a cabeça. —Bem, eu estou contente por ouvir isto—. Abruptamente, ele se girou e andou a passos largos pela ruela até que ele alcançou a passarela de madeira. Ele nunca tinha se sentido tão perdido em toda vida.
Embora sua família tivesse dado boas-vindas a ele com os braços abertos, ele não se sentia mais parte deles. Seus irmãos tinham esposas, crianças e negócios bem sucedidos. E o que Austin tinha? Nada além de uma reputação manchada que ele nunca deveria ter possuído.
Andando altivamente pela passarela de madeira, ele ficou surpreso por seus pés não racharem as tábuas com o peso de sua raiva enquanto ia em direção à outra extremidade da cidade onde a taverna se situava.
A fumaça deixava o ar espesso e ele entrou furiosamente através das portas de balanço da taverna. Um espelho dourado enorme estava na parede atrás do bar e refletia os fregueses que ocupavam as cadeiras ou estavam de pé contra as paredes.
Ele sentiu olhares sobre si, e mesmo entre o estrondo de vozes e risos roucos, ele achava que ouvia as pessoas severamente sussurrando seu nome. Ele andou relaxadamente em direção ao bar lotado e enganchou o salto de sua bota na grade de metal que corria ao logo do bar. Os homens próximos se moveram para longe como ele tivesse feridas infeccionadas sobre o corpo. Ele jogou uma moeda no contador. —Uísque—.
O garçom do bar levantou um vidro e despejou a bebida fermentada cor de âmbar, o olhar nunca deixando Austin. Sempre espantava Austin o fato de Beau poder servir bebidas sem nenhuma vez olhar o que estava fazendo.
—Ouvi dizer que você voltaria para casa logo—, Beau disse enquanto olhava Austin cautelosamente.
—Bem, você ouviu direito—. Austin cruzou os braços sobre o bar e se debruçou para frente ligeiramente.
Beau colocou o copo cheio na frente dele. —Eu não quero nenhum problema aqui—.
—Eu não planejo começar nenhum—, Austin o assegurou.
Com um aceno de cabeça rude, Beau andou relaxadamente para a outra extremidade do contador, enxugando a madeira à medida que ia nadando. Um calafrio glacial passou pela espinha de Austin. Ele detestava a sensação de ser observado e julgado. Na prisão, os guardas o tinham encarado, cachorros tinham seguido todos seus movimentos, outros prisioneiros o observavam e mediam com seus próprios padrões baixos.
Ele virou a cabeça ao redor e parou o clarão azul dos olhos em Lester Henderson. O digno banqueiro estava de pé no bar, os olhos escuros presos em um rosto que muito se assemelhava a massa de pão. Evitando o olhar dele, Lester bebeu o restante de sua cerveja. Ele passou uma mão gorducha pela boca, endireitou os ombros e abordou Austin.
—Eu não tive nenhuma escolha a não ser votar culpado—, Henderson disse, a voz presa. —A evidência—.
—Eu sei qual era a evidência. Eu estava no maldito julgamento—.
—Não posso dar um empréstimo para um homem que acabou de sair da prisão—.
—Eu pedi um empréstimo?—.
—Não, mas eu apenas queria poupá-lo de pedir—. Henderson correu para longe como um esquilo que tinha achado a última noz no chão.
Austin envolveu o copo com os dedos e estudou o conteúdo. Assim que terminasse o uísque, ele iria começar a limpar seu nome. Ele não acreditava que levaria muito tempo. Ele sempre soube que Duncan McQueen tinha jogado a culpa nele.
Ele trouxe o copo para os lábios, se inclinou para trás e viu o reflexo de uma faca levantada em sua direção.
Ele rapidamente se moveu, mas não depressa o suficiente. A dor agonizante rasgou suas costas. Ele se jogou para o lado, girou e jogou o punho contra o rosto de Duncan McQueen antes que o homem pudesse atingi-lo novamente. Enquanto Duncan cambaleava para trás, Austin agarrou a mão que segurava a faca e a jogou com força contra o contador de madeira. A faca caiu no chão.
Austin sentiu um punho bater inesperadamente em seu queixo. Dor ricocheteou por sua cabeça enquanto seus joelhos faltavam. Ele bateu contra o chão duro, a escuridão invadindo sua vista. Ele ficou de joelhos, tentando ficar de pé, o gosto amargo de sangue enchendo sua boca.
—Seu bastardo!—, Duncan rugiu antes de se jogar sobre Austin.
Austin mudou seus esforços, saltou para o lado e chutou Duncan no joelho. Grunhindo, Duncan caiu no chão e agarrou a faca. O ódio queimava brilhantemente dentro de seus olhos escuros enquanto de um salto ele ficava de pé. —Cinco anos! Isto foi tudo que eles deram a você por ter assassinado meu irmão porque Dallas é dono desta parte do estado. Eles deviam ter enforcado você!—, ele brandiu a faca sangrenta pelo ar. —Eu é que vou dar a justiça que você merece—.
—Não em minha taverna!—, Beau disse enquanto dobrava a esquina do bar, uma arma de fogo na mão. Ele empurrou o ombro de Duncan. —Para trás—.
Com a cabeça latejando e as costas pulsando, Austin lutou para ficar de pé e encarou Duncan. —Do que diabos você está furioso, Duncan? Você matou Boyd e fez parecer que fui eu que fiz—.
—Não vejo como pode ter sido isso—, Beau disse com a fala arrastada. —Duncan apareceu aqui de tarde e ficou sentado naquele canto direito ali até o amanhecer se embriagando—.
—Por que eu mataria meu irmão?—, Duncan perguntou, repugnância em sua voz.
Essa era a uma resposta que Austin não tinha.
—Todo mundo sabe que você o assassinou—, Duncan rosnou.
Austin observou os homens que se reuniam em torno do bar. Conhecer o que havia em seus olhos falou mais alto do que palavras de Duncan. Ele não via nenhuma dúvida. Nenhum olhar de interrogação. Ele viu nada além de certeza absoluta olhando para ele. Todos pensavam que ele tinha assassinado Boyd McQueen.
—Por que diabo teria meu irmão escrito seu nome no chão antes de morrer?—, Duncan exigiu.
Por que realmente?
Austin se sentou atrás dos degraus da casa de Dallas e olhava para a lua. Ele deu de ombros, fazendo careta com a dor causada pelo movimento. Depois de deixar a taverna, ele parou na casa do médico, mas o homem não estava lá. Quando Austin chegou a casa, a hemorragia tinha parado assim ele simplesmente mudou de camisa. Não havia nenhuma necessidade de alarmar sua família. Eles tinham tido preocupação suficiente nos últimos cinco anos. Além disso, ele tinha sobrevivido a coisas piores na prisão.
Ele ouviu a porta se abrir e o eco de passos suaves. Examinando por sobre o ombro, ele viu Dee se sentar ao lado dele no degrau.
—Você estava certa. Você me disse que cinco anos eram uma eternidade quando uma pessoa não tem liberdade—, ele disse na quietude da noite.
Usando os dedos, ela tirou as mexas escuras do cabelo dele da testa. —Nem todas as prisões vêm com paredes. Dallas era a chave que abria a minha—.
Austin virou o olhar dela para o pálio de estrelas, permitindo que um silêncio sociável caísse ao redor deles.
—Qual é nome do filho deles?—.
—Andrew. Nós o chamamos de Drew—, Dee disse tranquilamente.
—Eu bati no pai dele hoje à noite—.
—Eu não estou bem certa de que Cameron não mereceu—. Ela colocou a mão sobre a dele. —Mas eu sei o quanto ele ama Becky. Eu acho que ele pode tê-la amado antes de você ir para a prisão—.
—Isso não faz o que ele fez certo—.
Ela suspirou. —Eu sei que isto é difícil para você, mas Dallas perdoou Houston por tomar Amelia dele. Talvez com o tempo, você possa perdoar Cameron——
—Minha situação é completamente diferente da de Dallas. Tudo o que ele tinha dado a Amelia era um bilhete de trem. Eu dei a Becky meu coração e cinco anos da minha vida—.
—Becky ofereceu testemunhar que estava com você na noite em que Boyd foi morto, mas você não permitiu isto. Você não pode culpá-la agora pelos anos que você passou na prisão. Não é justo—.
—A vida nunca é justa, Dee. Ter Houston e Dallas como irmãos deveria ter me ensinado isso há muito tempo, mas eu tive que aprender sozinho—. Ele olhou em direção ao horizonte. —Tanta coisa mudou. Tudo é diferente do que eu esperava—.
—Nem tudo. Seu violino é o mesmo. Eu cuidei dele como você pediu. Eu estava esperando que você tocasse algo para mim hoje à noite—.
Ele deu uma olhada na silhueta do instrumento que descansava em seu colo. —Eu não ouço mais a música, Dee. Enquanto eu estava na prisão, ela secou e morreu—.
Ele ficou de pé e caminhou para o celeiro. Ele precisava montar, sentir o vento bater contra o rosto. Ele tinha terminado de selar Trovão Negro quando ouviu um baque e um grunhido virem da parte de trás do celeiro. Ele andou a passos largos para o cômodo de trás e espiou o lado de dentro. Rawley lutava para mover uma caixa. —Você não deveria estar na cama?—, Austin perguntou.
Rawley se virou, o rosto queimando vermelho claro. —Eu queria limpar este cômodo primeiro. Preciso valer o que ganho—.
Austin se debruçou contra a armação da porta. —Rawley, você sempre trabalhou mais duro do que eu já fiz, e Dallas nunca me excluiu—.
—Você tem o sangue dele, eu não—. Rawley caminhou para a mesa de trabalho e começou a colocar no lugar as ferramentas que outra pessoa tinha deixado espalhadas.
—Isso não importa para Dallas—
—Importa para mim—.
Austin estudou o menino enquanto ele arrumava o cômodo. —Foi por isso que você não aceitou o nome de Dallas quando ele adotou você?—.
Rawley parou. —Eu percebi que era melhor assim—. Ele estudou Austin. —Eu sempre me perguntei… o que você fez para conseguir uma cidade com o seu nome?—.
Austin sorriu. —Eu não tenho uma cidade com o meu nome—.
—Claro que tem. Eu fui uma vez em uma cidade chamada Austin—.
—A capital? É o contrário. Eu que tenho o nome da capital. Nosso pai nos deu nomes de cidades—, a mente de Austin começou a girar com as possibilidades. —Por Deus—.
—O quê?—, Rawley perguntou.
—Eu preciso ir—. Austin correu através do celeiro, montou em Trovão Negro e galopou noite afora.
Uma hora mais tarde, ele batia na porta do segundo andar do armazém geral. Quando a porta abriu, a voz ficou presa em sua garganta. Por que ele não tinha considerado que poderia ver Becky se viesse aqui? Por que a dor tinha que apunhalar seu coração, rasgando um ferimento ainda aberto?
Deus todo poderoso, ele desejava poder odiá-la. Ele queria sacudi-la. Queria gritar com ela. Mas, acima de tudo, ele queria abraçá-la, sentir o corpo dela contra o dele, seu calor derretendo o gelo que tinha penetrado a alma dele.
—Eu preciso conversar com Cameron—, ele disse rápido.
O choque refletido nos olhos azuis dela depressa virou raiva. Becky colocou as mãos firmemente contra o peito dele e o empurrou com força, fazendo com que ele tropeçasse. —Bem, ele não precisa conversar com você. Como ousa? Você bateu—
—Becky!—.
Ela girou sobre o próprio eixo. Cameron estava de pé na entrada, um olho roxo e inchado. —Drew está chamando você. Eu cuidarei disto—.
Austin viu o maxilar dela se apertar antes de ela dar a ele um olhar mordaz e passar por Cameron para o lado de dentro.
—Você quer entrar?—, Cameron perguntou.
Austin agitou a cabeça, perguntando-se por que ele veio ver o homem que o tinha traído. Ele caminhou para a grade e olhou para a cidade, as luzes das lamparinas lutando contra a escuridão. Os passos quietos de Cameron, hesitantes enquanto ele ia para o lado de Austin tinham trazido de volta as memórias das confidências que eles tinham compartilhado.
—Todos estes anos eu pensei que Duncan tinha atirado em Boyd e organizado a evidência para me acusar—. Ele deu uma olhada lateralmente para o amigo de sua mocidade, de repente percebendo que perder aquela amizade de Cameron machucava quase tanto perder o amor de Becky. —Mas nossos caminhos se cruzaram hoje à noite e eu percebi que estava errado. Rawley disse algo, entretanto, que me deu o que pensar. E se Boyd não escreveu meu nome no chão——
—Ele escreveu. O xerife Larkin me levou para o lugar onde ele achou Boyd. Ele escreveu seu nome no chão da planície naquele dia—.
—Mas e se ele não queria dizer eu, mas sim a cidade? E se ele não conhecia o nome do homem que o matou, mas sabia que ele tinha vindo de Austin?—.
—Isto é procurar agulha no palheiro, não é?—.
—Isto é tudo que tenho—, Austin disse. —As pessoas me evitam como se eu tivesse febre do carrapato ou algo pior. Eu sabia que os homens no júri tinham votado culpado por causa da evidência, mas eu nunca achei que eles realmente acreditassem, lá fundo, que eu tinha assassinado Boyd. Eu preciso provar que sou inocente, e eu só poderei fazer isso se descobrir quem o matou. Ele tinha algum negócio em Austin?—.
—Boyd nunca confiou em mim. Às vezes ele saía por alguns dias, mas ele nunca dizia aonde ia—.
Austin deu alguns passos para trás. —Acredito que não fará mal montar até Austin e ver se consigo descobrir alguma coisa—.
—Acho que faria o mesmo se estivesse no seu lugar, mas cuide da sua retaguarda. Se o homem que matou Boyd está em Austin, eu não acredito que ele vai dar boas-vindas à idéia de ser achado—.
Austin se virou para ir aos degraus, se deteve, e deu uma olhada por cima do ombro. —Se algum dia eu ouvir que Becky não está feliz, eu terminarei o que comecei hoje à noite—.
Cameron manteve o olhar dele. —É justo—. Austin desceu apressado os degraus. Algum bastardo tinha roubado cinco anos de sua vida. Ele tinha a intenção de fazer com ele pagasse por todos os minutos.
Xingando com força, Austin encarou o corte embaixo da ferradura de Trovão Negro. Ele soltou a pata dianteira do cavalo, esticou o corpo dolorido, e empurrou seu chapéu preto Stetson empoeirado da cabeça. Exausto, ressentido por todo pó que cobria cada prega de seu corpo, ele estava de pé sob o sol de abril sentindo como se estivesse andando no meio de agosto.
Usando a manga de sua camisa de cambraia, ele enxugou o suor sobre a testa, fazendo careta quando a dor veio do ombro esquerdo e desceu até as costelas. Ele acreditava que o corte que tinha recebido na rixa com Duncan já tivesse curado, mas ele supôs que montar o dia todo, até tarde da noite, e dormir no chão não tinham sido o melhor tratamento para o ferimento. Quando ele tinha montado de Leighton vários dias antes, ele não tinha pensado em nenhum modo de limpar ou costurar o dano. Só um pensamento vinha à sua mente: a cidade de Austin poderia ter a chave que o levaria ao assassino de Boyd, o homem cuja culpa provaria a inocência dele.
Deslizando os dedos no bolso do colete, ele retirou o mapa que Dallas tinha dado a ele. Exausto, ele estudou as linhas que marcavam o começo de sua jornada até seu destino final. Ele colocou o papel enrugado de volta no bolso. Ele não alcançaria a cidade até hoje à noite.
Colocando o chapéu bem fundo até cobrir a testa, ele suspirou com força. Ele não estava com nenhum humor para caminhar, mas o dano no garanhão não deixava nenhuma escolha. Olhando em direção ao horizonte, ele viu fumaça subindo em espirais dentro das árvores. Ele puxou as rédeas por entre os dedos e marchou pelo bosque. As setas de luz solar e o prolongamento das sombras tecidas pelos galhos, ofereciam a ele um pouco de repouso do calor abafado. Com sensação de perda, ele se lembrou de um tempo quando tinha apreciado a beleza das pequenas coisas que o cercava. Agora ele apenas queria chegar aonde estava indo.
Ele ouvia uma batida ocasional como se alguém estivesse rachando lenha. Com a abundância de árvores e arbustos, ele não imaginava que alguém tivesse que depender de esterco de vaca para fazer fogo.
Uma clareira larga se abriu diante dele. Cortinas brancas de renda ondulavam na janela aberta de uma pequena casa de madeira pintada de branco. Uma porta de cor desbotada estava entreaberta. Próximo da casa, um menino esquelético usando um chapéu velho, jaqueta puída e calças curtas lutava para cortar madeira. Um cachorro grande dormia embaixo da sombra de uma árvore próxima. Os vários marrons com branco de seu pelo lembraram a Austin uma colcha feita de retalhos. Enquanto Austin cautelosamente o abordava, o cachorro abriu os olhos, rosnou e lentamente ficou de pé o máximo que podia, repuxando os lábios e aumentando o rosnado.
Movendo-se depressa, o menino se abaixou, virou e apontou um rifle para Austin. Austin levantou os braços. —Whoa! Eu não estou procurando problemas—.
—O que você está procurando?—.
—Austin. Fica a quantos quilômetros daqui?—.
—Metade de um dia indo com um bom cavalo—. O menino curvou a cabeça, a borda amarrotada do chapéu fazendo sombra em seu rosto. —O seu cavalo parece que está mancando da perna direita—.
A perspicácia do menino pegou Austin de surpresa, e ele admirou isto. —É. Ele cortou o casco em uma pedra. Os seus parentes estão?—.
O menino deu um aceno brusco com a cabeça. —Só meu irmão. Acho que seria melhor se você tirasse sua arma—.
Austin desatou a tira de couro em sua coxa e lentamente desafivelou o cinto. Cautelosamente removendo o coldre, ele colocou a arma no chão, o olhar vasculhando a área. Ele se perguntou onde o resto da família estava trabalhando. Ele não viu nenhum campo precisando de cultivo ou gado para ser criado. O aroma de pão assado ainda fresco e carne flutuavam através da porta aberta da casa. —Algo certamente cheira bem—.
—O guisado—.
—Será que você poderia furtivamente pegar uma tigela para mim se eu terminar de cortar a madeira para você?—.
O menino virou o olhar para a madeira dispersa ao redor de um toco de árvore velha, então olhou de novo para Austin. —O que você quer fazer em Austin?—.
—Estou procurando uma pessoa—.
—Você é um oficial da lei?—.
—Não. Meu cavalo está machucado. Eu já caminhei mais do que gostaria. Estou cansado, com calor e faminto. Eu posso cortar aquela madeira duas vezes mais rápido do que você pode e estou disposto a fazer isto por uma tigela de guisado. Então eu seguirei meu caminho—.
Lentamente, o menino relaxou os dedos e abaixou o rifle. —Parece uma troca justa—.
Arregaçando as mangas até os cotovelos, Austin andou a passos largos para o toco de árvore. Ignorando os resmungos do cachorro que tinha vindo fazer uma inspeção mais íntima em suas botas, Austin levantou o machado, colocou um tronco sobre o toco, e jogou o machado sobre a madeira seca. Ele abafou um gemido quando a dor estourou através de suas costas. Quando alcançasse seu destino, a primeira coisa que faria era achar um médico.
—Eu vou tomar sua arma—, o menino disse indecisamente. —E seu rifle—.
—Justo. Tem uma faca Bowie no alforje—. Ele não ligou para as precauções do menino, mas ele queria a confiança absoluta que ele supôs que teria. Ouvindo os pés nus do menino baterem suavemente no chão enquanto caminhava para casa, Austin deu uma olhada por cima do ombro. O menino tinha levado o alforje dele também.
Austin encarou no cachorro. —Seu dono não é muito de confiar, não é?—.
O cachorro latiu. Austin deu uma olhada para sua esquerda e viu um galinheiro e uma estrutura de madeira que oferecia proteção para uma vaca leiteira. Ele achou isso estranho porque a propriedade tinha um celeiro enorme.
Ele jogou o machado sobre a madeira, perguntando-se se ele estava desperdiçando seu tempo viajando para a capital. Se ele tivesse algum bom-senso, iria para a para casa e tentaria reconstruir uma vida que nunca deveria ter sido destruída. Mas o orgulho teimoso não o permitiria o luxo de voltar. Sua família acreditava que ele era inocente. Becky sabia que ele era inocente. Mas as dúvidas para sempre permaneceria na mente de todas as outras pessoas.
Quando ele dividiu e empilhou madeira suficiente para durar por uma semana, ele andou relaxadamente para a casa, abriu a porta da varanda, e se debruçou contra a viga que sustentava a grade que corria ao longo da casa. O cachorro se levantou, esticou, bocejou e foi para mais próximo dos pés de Austin.
—Mudou de idéia sobre mim, não é?—.
Erguendo a cabeça, o cachorro soltou um pequeno bocejo antes de voltar para o lugar onde estava. Austin estava extremamente tentado a se enrolar ao lado do cachorro e dormir. Em vez disso, olhou na direção do horizonte onde o sol gradualmente estava afundando atrás das árvores. Enquanto estava à toa, detestava ver o sol se pôr. Ele desprezava a noite. A solidão sempre acompanhava a escuridão.
—Aqui está a sua comida—, o menino disse por detrás dele.
Austin deu uma olhada por cima do ombro, a mão estendida parada na metade do caminho. Com a respiração presa, ele lentamente ficou de pé. As calças curtas e os pés nus eram os mesmos, mas tudo tinha mudado. O chapéu amassado e a jaqueta rotas tinham ido embora. Assim como o menino.
—O que você está olhando?—, uma voz indignada perguntou.
Austin poderia ter dito uma centena de coisas. A trança longa, espessa com o cabelo loiro pálido jogado por cima do ombro estreito. O avental branco engomado que estava amarrado à cintura mais minúscula que ele já vira. Ou os olhos. Sem a sombra do chapéu, eles reluziram como um ouro fulvo.
Ele arrancou seu Stetson da cabeça e deu um passo para trás. —Minhas desculpas, madame. Eu pensei que você era um menino—.
Um sorriso tentador brincou através dos lábios dela. —É mais fácil fazer o trabalho quando estou usando as calças curtas do meu irmão. Além disso, normalmente não há ninguém para notar.—
—E a sua família?—.
Uma enorme tristeza apareceu nas profundidades douradas dos olhos dela. —Enterrados lá atrás—.
Então eles estavam por perto como ela tinha dito a ele, mas não em posição de ajudar. Ela estendeu a tigela na direção a ele.
—Aqui. Tome—.
Ele agarrou o oferecimento, os dedos crespos dele tocando os dela. Os dois pularam para trás, então foram para frente para pegar a tigela e suas cabeças bateram. Xingando quando a dor ricocheteou em sua cabeça, Austin esticou a mão e pegou a tigela, de forma eficaz parando sua queda. O guisado vazou pelos lados de cima, queimando o dedo polegar dele.
—Maldição!—, ele trocou a tigela para a outra mão e apertou o dedo polegar contra a boca. Ele observou a mulher. Os olhos dela tinham se arregalado e ela estava enxugando as mãos no avental. Ele se lembrou das muitas vezes que Houston tinha ralhado com ele por xingar na frente de Amelia, e sentiu um calor se espalhar pelo rosto. —Minhas desculpas por xingar—, ele ofereceu.
Ela agitou a cabeça. —Eu devia ter te avisado que o guisado está quente. Eu pegarei um pano úmido—.
Antes de ele poder pará-la, ela desapareceu dentro da casa. Austin se sentou sobre a varanda, perguntando-se se estava com febre. Como ele poderia ter possivelmente confundido aquela mulher minúscula com um menino?
Ele pensou que se apertasse o corpo dela contra o dele, o topo da cabeça dela se ajustaria contra o centro do peito dele. Incrivelmente delicada, ele a lembrava da porcelana boa que Dee usava agora sobre a mesa. Uma batida descuidada a quebraria em mil fragmentos.
Ele viu um flash de esterco colorido nas calças curtas logo antes da mulher se ajoelhar na frente dele. Ela tomou a mão dele sem perguntar e apertou um pano úmido contra a área vermelha. —Eu pus um pouco de óleo no pano. Isso deve tirar a dor—.
Sua voz era tão suave quanto uma nuvem flutuando no céu, e novamente ele se perguntou como ele a tinha confundido com um menino. Ligeiramente, a mão dela segurava a dele, mas ainda assim ele sentiu os calos da palma da mão dela. Suas unhas eram pequenas, lascadas em um lugar ou dois, mas limpas. E seu toque era a coisa mais doce que ele tinha conhecido em cinco anos.
Ela deu uma olhada embaixo do pano. —Eu não acho que vai dar bolha—. Ela tocou o dedo na cicatriz rosa que circulava os pulsos dele. —O que aconteceu aqui?—.
Austin enrijeceu, a garganta ficou presa, e ele desejou ter tirado um tempo para soltar as mangas depois que tinha terminado de cortar a madeira. Ele pensou em mentir, mas ele tinha aprendido há muito tempo a tolice das mentiras. —Correntes—.
Ela ergueu o olhar para ele, a testa delicada franzida, ansiedade escurecendo seus olhos, implorando para que ele respondesse uma pergunta que ela parecia hesitante em colocar em voz alta.
Ele engoliu em seco. —Eu fiquei algum tempo na prisão—.
—Pelo que?—, ela sussurrou.
—Assassinato—.
Ele esperou que o horror varresse o rosto dela, não a teria culpado se ela se chocasse e fosse para casa ou se fosse buscar o rifle. Ao invés, ela continuou a segurar o olhar dele, calada, estudando-o como se buscasse algum segredo há muito enterrado. Ele considerou dizer a ela que ele não tinha matado ninguém, mas ele tinha aprendido que as vozes de doze homens falam mais alto do que a de um. Infelizmente, até que ele provasse que não era a pessoa que tinha matado Boyd McQueen, ele era o culpado.
—Quanto tempo você esteve na prisão?—, ela finalmente perguntou.
—Cinco anos—.
—Isto não é muito tempo por assassinato—.
—É tempo o suficiente—.
Soltando a mão e o olhar, ela foi para longe dele. —Você devia comer. Você o recebeu—.
Ele deu um aceno com a cabeça rude antes de começar a comer o guisado. Ela se sentou no degrau inferior da varanda e pôs um pé sobre outro. Ela tinha os dedos dos pés mais atraentes que ele já tinha visto. O segundo dedo do pé era torto e apontava para além do dedão como uma seta quebrada dando a direções para a cidade.
Ela bateu sobre a coxa. —Venha aqui, Digger[1]—.
O cachorro trotou até ela e aconchegou a cabeça em seu colo. Ele olhou para Austin com olhos suplicantes.
—Digger?—, Austin perguntou.
Ela afundou os dedos no pelo espesso marrom e branco do animal. —Sim, ele está sempre descobrindo coisas. Você tem um nome?—.
—Austin Leigh—.
—Eu achei que Austin era para onde você está indo—.
—É. Eu nasci aqui perto. Meus pais me deram o nome da cidade—.
—Devem confundir sempre—.
—Para falar a verdade não. Há vinte anos não volto lá—. Ele retornou sua atenção para o guisado, lembrando de um tempo quando conversar era mais fácil, quando sorrir para mulheres trazia muito prazer.
—Eu sou Loree Grant—.
—Agradeço a sua hospitalidade, Senhorita Grant—. Ele acabou com o guisado da tigela.
—Você quer mais guisado?—, ela perguntou.
—Se você tiver mais sobrando—.
Ela levantou, tomou a tigela e caminhou para a casa. O cachorro gemeu um pouco. Austin esticou a mão para afagar o animal. Uma onda de vertigem o assaltou. Ele agarrou a extremidade da varanda e respirou profundamente.
—Você está bem?—.
Ele deu uma olhada por cima do ombro. Loree estava na varanda, de forma indecisa, a tigela de guisado fresco em sua mão. Ele ficou de pé, com medo do que o que ele já tinha comido não ficasse por muito tempo dentro do estômago. —Acho que uma tigela foi o bastante. Desculpe ter te dado o trabalho de trazer uma segunda tigela. Eu estava me perguntando se… com a noite se aproximando… você se importaria se eu dormisse no seu celeiro.
Precaução flutuou pelos olhos dourados dela, mas ela deu a ele um aceno com a cabeça aos arrancos.
—Agradecido. Você pode ficar com o alforje e as armas até a manhã se isso ajudar seus medos sobre a minha estadia. Antes de eu sair, deixe-me saber quais tarefas devo fazer para pagar pela dormida aqui—.
Ele andou a passos largos em direção a Trovão Negro, desejando poder conseguir selar o cavalo antes de desmaiar de esgotamento.
Ele não tem os olhos de um assassino. Loree repetiu o que pensava como uma ladainha confortante enquanto se sentava com as pernas cruzadas sobre a cama, o rifle carregado descansando em seu colo, o olhar fixo na porta.
Cinco anos atrás, ela tinha examinado os olhos de um assassino. Ela sabia que eles eram inumanos e frios. Os olhos de Austin Leigh não eram assim. Ela voltou à atenção para o fogo que queimava na lareira. No centro, onde o calor queimava mais quente, o retorcer das chamas azuis refletiam a cor dos olhos dele. Os olhos refletiam dor e sofrimento. Ela se perguntou se alguma das pregas que havia no canto de seus olhos tinha sido esculpida pelo riso.
Um estrondo de trovão foi audível ao longe e ela desejou que a tempestade tardasse até que ele partisse, mas ela achava improvável. O relógio sobre a lareira tinha acabado de bater meia-noite.
O telhado do celeiro tinha mais buracos do que o céu da noite tinha estrelas. Ainda assim ofereceria a ele mais proteção do que as árvores. E ele provavelmente tinha uma capa impermeável. Todos os vaqueiros tinham, e ele certamente parecia um vaqueiro. Alto e com os membros compridos com um passo articulado e solto que mostrava que ele não corria para estar em lugar nenhum.
A chuva começou a bater no telhado com uma batida de staccato. Ela se encolheu. As noites ainda estavam frescas, mas ele não tinha pedido cobertores adicionais ou um travesseiro, e ele não podia fazer um fogo dentro do celeiro. Ela amaldiçoou por sob a respiração. Ele não era problema dela. Ele era um assassino, pelo amor de Deus.
Se ele tivesse os olhos de um assassino. Então ela poderia parar de se preocupar sobre ele e se preocupar mais consigo mesma. Se seus olhos não tivessem desolação enquanto ele falava da prisão. Ela se perguntou quem ele teria matado. Se é que havia alguma boa razão para assassinar alguém.
Ela apertou os dedos em torno do rifle. Alguma razão justificava assassinato? Ela tinha se perguntado incontáveis vezes desde a noite em que o assassino tinha subitamente caído sobre eles. A resposta sempre a iludia. Ou talvez a resposta fosse que ela quisesse se iludir.
Ela deslizou para fora da cama e foi caminhando até seu baú da esperança. Ela se ajoelhou diante dele e colocou o rifle no chão. Ela deslizou o dedo pelo cedro que o pai dela tinha lixado e envernizado com brilho para seu décimo quarto aniversário. Por três anos ela cuidadosamente tinha colocado seus sonhos dentro dele… até a noite em que o assassino a arrastou para o celeiro. Seus sonhos tinham morrido naquela noite, junto com sua mãe, pai e irmão.
A chuva caía mais forte. O vento fazia os galhos das árvores baterem nas janelas. O trovão rugiu.
Ela ergueu a tampa do baú pela primeira vez desde aquela noite fatídica. Os sonhos esquecidos a chamaram. Ela arrastou os dedos por cima da flanela suave de uma camisola. Ela queria que ela parecesse delicada em sua noite de núpcias assim ela bordou a frente com flores até os punhos da manga. Ela ficou tocando as extremidades das linhas costuradas em um minúsculo vestido para uma criança que agora sabia que nunca existiria.
O assassino tinha entrado na vida dela com a força de um tornado. Ele roubou tudo, e quando ela tinha tentado recuperar um pouco do que ele tinha tomado—ele deu sua vingança final. Com uma risada, uma risada horrorosa que ecoou pela noite, ele despedaçou a alma dela.
Ela baixou a tampa com força e cravou os dedos nas coxas. Ela não tinha nenhum futuro porque o passado se mantinha firmemente agarrado em seu presente.
Ela ficou de pé, caminhou para a lareira, e agarrou a lamparina que estava sobre ela. Usando a chama da lareira, ela iluminou a lamparina. Ela tirou sua capa da parede e deslizou para dentro dela, chamando-se de tola. Então ela caminhou para o canto e puxou duas colchas de uma pilha de linho. Digger lutou para ficar de pé, o corpo estremecendo dos ombros até o rabo.
—Fique!—, ela ordenou. O choramingo rasgou seu coração. O cachorro conseguia se machucar mais facilmente do que uma solteirona da cidade. Loree suavizou a voz. —Se você ficar molhado e barrento, eu não poderei deixar você entrar. Eu não demorarei muito—. Ela andou para o lado de fora. Raios listravam o céu negro. Chuva cravejava a Terra. O celeiro era tão preto quanto uma tumba. Ela não conseguiu se lembrar se havia uma lamparina pendurada no celeiro. Ela tremeu quando as memórias a assaltaram.
Satanás tinha subido dos confins do Inferno e tinha feito o celeiro dela seu domínio. Tinha chovido naquela noite também, e a água tinha lavado o sangue dela pela terra.
Ela apertou as costas contra a porta. Ela não tinha entrado no celeiro desde então. A boca ficou seca, a carne fria. Tão fria. Tão fria quanto à morte que quase a tinha reivindicado.
Austin Leigh não era uma preocupação dela, mas as palavras tocaram fundo. A mãe dela o teria convidado para casa e teria dado a ele abrigo e calor. Palavras inocentes de sua mãe a atravessaram. —Não existe nenhum estranho neste mundo, Loree. Apenas amigos que nós ainda não encontramos—.
Lá no fundo, ela conseguiu juntar sua coragem. Apertando as colchas, com a lamparina balançando para os lados, Loree adentrou o celeiro, pulando sobre poças, caindo em outras. Ela parou tropeçando na entrada do celeiro. —Sr. Leigh?—.
Ela levantou a lamparina. As sombras ligeiramente retrocederam, pairando além do brilho pálido da lamparina. Com todos os buracos no telhado, o celeiro se assemelhava a uma caverna com cachoeiras. Concentrando-se para que as memórias não voltassem, ela deu um passo. —Sr. Leigh?—.
Ela tinha vendido todos os seus animais com exceção de uma vaca e algumas galinhas. Ela ouviu o cavalo bufar e o viu de pé no estábulo distante. Usando a lamparina para iluminar seu caminho, ela estudou no interior do estábulo e alcançou o garanhão, que estava seguro na área mais seca do celeiro. Como um homem que colocava o bem-estar do cavalo acima do seu seria um assassino?
Segurando a lamparina mais alto, ela olhou para dentro do estábulo. O cavalo cutucou o ombro dela. —Onde está seu dono?—.
O animal acenou com a cabeça.
—Você é uma grande ajuda—. Ela girou em direção ao gemido baixo. O brilho da lamparina foi para o estábulo oposto, revelando um homem enrolado contra o canto, virado de lado, joelhos comprimidos contra o corpo, braços apertados com força contra o corpo. Ela foi na direção do estábulo. —Sr. Leigh, eu trouxe algumas colchas para você—.
A resposta dele foi um gemido. Andando dentro do estábulo, ela notou que as roupas dele estavam ensopadas e ele estava visivelmente trêmulo. Abraçando as colchas, ela se ajoelhou ao lado dele. Regatos minúsculos escorriam pelo seu rosto. Ele tinha removido o colete que estava usando mais cedo e o tinha dobrado embaixo da cabeça. A camisa encharcada abraçava seu corpo, esboçava a curva de sua espinha, as costas que iam se estreitando. —Sr. Leigh?—.
Lentamente ele abriu os olhos. —Senhorita Grant, eu não machucaria você—.
—Eu percebi isto—.
—Mesmo?—, ele riu baixinho. —Você não confia em mim porque eu estive na prisão. Um homem faz escolhas na vida, e ele precisa aprender a viver com elas. Mas ele nem sempre sabe o que essas escolhas vão custar. Ajudaria muito saber o preço antes de tomar a decisão—.
A angústia refletida em seu rosto, banhado pela luz da lamparina, fez com que ela quisesse aninhá-lo dentro de seus braços, confortá-lo do mesmo modo como ela tinha feito com o irmão quando ele era um menino. Nunca tinha passado pela cabeça dela que ele se sentiria ofendido se ela tomasse suas armas. Ela desejava poder tê-lo deixado de lado, mas ele usava a arma tão facilmente. —Eu sinto muito—.
Os lábios dele se abriram em um sorriso sardônico. —Você não me mandou para a prisão. Eu que fiz isso comigo—. Ele se apoiou em um cotovelo e se debruçou na direção dela, o sorriso sumindo para o esquecimento. —Você sabe a pior parte? A solidão. Você se sente sozinha, Senhorita Grant?—.
—O tempo todo—, ela sussurrou enquanto colocava a lamparina de lado, agitava uma colcha e a jogava por cima das costas dele. Tremendo como estava, o calor no corpo a surpreendeu. Ela apertou a mão contra a testa dele. —Meu Deus, você está com febre. Você está doente?—.
—Um homem não achou que eu ter passado cinco anos na prisão não tinha sido um castigo justo. Ele pensou que eu devia pagar com a minha vida. Ele me apunhalou nas costas. Eu acho que pode estar ulcerando—.
—Nós precisamos levar você para casa para que eu possa olhar melhor o ferimento—.
—Não seria… adequado—.
Curiosidade faiscou dentro dela, fazendo-a ficar maravilhada com as circunstâncias que tinham feito esse homem que se preocupava com a respeitabilidade dela cometer assassinato. As pessoas pareciam matar com pequenas provocações: uma carta tirada rapidamente da parte inferior do baralho em vez do topo, uma pequena meia-verdade que florescia como uma mentira feia.
—Eu agradeço pela sua preocupação com a minha reputação, mas ninguém está ao redor para notar—. Agarrando os braços dele, ela lutou para fazê-lo ficar de pé. Gemendo, ele cambaleou para frente antes de pegar equilíbrio. Ela levantou a lamparina. —Apóie-se em mim—, ela ordenou.
—Eu esmagarei você—.
—Eu sou mais forte do que pareço—.
Ele atirou um braço para cima dos ombros dela, e apoiou os joelhos no lugar.
—Eu sou mais pesado do que pareço—, ele disse com a voz baixa, mas ela quase pensou que tinha ouvido um sorriso escondido dentro das palavras.
Ela deslizou o braço ao redor da cintura dele. —Vamos—.
A colcha caiu de seus ombros, deslizou entre seus corpos, e se arrastou na lama enquanto eles marchavam em direção a casa. O vento uivava, jogando a chuva forte lateralmente. A cobertura da varanda não podia protegê-los da tempestade impiedosa. Ela deixou o homem e alcançou o trinco da porta. O vento abriu a porta com força, quase levando o braço dela junto. Ela puxou Austin Leigh. —Venha para o lado de dentro!—.
Ele entrou na casa tropeçando. Ela o seguiu, bateu a porta e colocou o trinco no lugar, imaginando ter ouvido um uivo de protesto do vento. Digger ergueu a cabeça, soltou um lamento pequeno, se virou e voltou a dormir.
Loree olhou para o homem de pé em sua casa, perguntando-se o que diabos ela faria com ele agora. Ele parecia prestes a desmoronar a qualquer momento. Ela colocou a lamparina na mesa e puxou uma cadeira. —Sente-se—.
Ele obedeceu, curvando os ombros e envolvendo os braços ao redor de si mesmo. Ela andou para detrás dele e se encolheu quando viu a mancha marrom atrás de sua camisa. Ela poderia ter notado mais cedo se ele não estivesse usando um colete.
—Vamos tirar sua camisa—. Com os dedos trêmulos, ela desabotoou a camisa dele, e a tirou de dentro da calça, arrancando a camisa grudada do corpo. Então ela estudou o pus que descia ao longo do corte. A carne estava irritada e vermelha em volta, e ela se perguntou brevemente como ele tinha conseguido rachar a madeira. —Eu vou ter que remendar. Vamos te levar para a cama—.
Ela o ajudou a ficar de pé. Ele a seguiu sem reclamar enquanto ela o levava para o quarto. —Você pode terminar de se despir sozinho?—, ele ficou de pé, envolto em silêncio. Ela embalou as bochechas eriçadas dele entre as mãos. As imagens dela fazendo a mesma coisa com o pai logo antes de beijá-lo e dar boa noite quando era uma criança a inundaram. —Escute. Você tem que tirar essas roupas molhadas e ir para a cama. Você consegue fazer?—.
Ele deu um breve aceno com a cabeça como se até isso fosse um esforço demasiado.
—Bom—. Ela foi apressada até o armário, retirou uma toalha e a jogou na cama. —Você pode usá-la para se secar. Eu vou trazer água salgada e quente para tirar a infecção depois que costurar a ferida. Eu voltarei em alguns minutos—. Ela escapou do quarto, fechando a porta.
Austin se sentou na extremidade da cama e tirou as botas, fazendo careta quando a dor o assaltou. Ele devia ter percebido que suas costas estavam inflamando e buscado um médico antes, mas limpar seu nome fez com que tudo o mais parecesse insignificante.
Ele tirou a calça comprida ensopada, jogando-as no chão. Ignorando a toalha, ele rastejou para a cama, puxou os cobertores até a cintura, e se dobrou por sobre o estômago. Os próximos minutos seriam desagradáveis, mas pelo menos ele estaria na companhia de uma dama bonita.
Uma batida suave soou contra a porta antes que abrisse uma fresta. —Você está na cama?—, ela perguntou tranquilamente.
Ele forçou a palavra a passar por sua língua espessa. —Sim—.
Ela entrou no quarto e colocou a tigela e uma faca na mesa ao lado da cama. Franzindo as sobrancelhas, ela sentou sobre a cama e tocou na bochecha dele. —Você não se secou—.
Ele pensou em dizer a ela que tinha tido sorte em ter conseguido deitar na cama, mas ele não achava que valia o esforço. Ela agarrou a toalha e bateu suavemente a leve umidade do rosto dele, os sulcos na testa profundos. A toalha continuou tocando os pelos que cobriam o maxilar dele, e ele desejou ter tomado um tempo para se barbear naquela manhã. Ela se debruçou para mais perto, a protuberância suave de seus seios pequenos apertando-se contra o ombro dele enquanto ela envolvia as mechas do cabelo dele com a toalha e a torcia para tirar a água da chuva. Fechando os olhos, ele inalou o odor doce dela e se lembrou da flor azul que cobria as colinas pelas quais ele tinha viajado.
O toque dela era gentil, cuidadoso, como se ela achasse que poderia machucá-lo. Quantas vezes nos últimos cinco anos ele tinha pensado em Becky o tocando dessa forma? Quando ele ansiava por um banho quente que ele sabia que estava anos longe, ele pensava em tomá-lo com ela, secá-la depois, não se mexendo enquanto ela o secava. Então eles fariam amor até o amanhecer, lentamente, vagarosamente, o modo como eles deveriam ter feito na primeira vez.
Ele abriu os olhos, as chamas atrás deles aumentando, e ele temeu que isso tivesse pouco a ver com a febre. Ternamente, a mulher tocava sua bochecha, a preocupação em seus olhos trazendo as palavras de seu coração devastado. —Por que ela não esperou?—.
Ela se debruçou para mais perto até que ele viu os anéis pretos que circulavam o ouro de seus olhos. —Quem?—.
—Becky. Ela prometeu me esperar até que eu saísse da prisão… mas ela se casou com Cameron—. Ele fechou os olhos com força, desejando que ela tivesse deixado a chuva em seu rosto para que suas lágrimas tivessem um lugar para se esconderem.
Loree nunca tinha visto um homem chorar. Ela não achava que este homem normalmente cederia às lágrimas. Sua febre e dor estavam derrubando os muros que ela preferia que tivessem ficado de pé. A mulher dentro dela nunca saberia o quão profundo o amor doía dentre deste homem, e ela se viu desejando que uma mulher ela não conhecia tivesse esperado por ele.
Ele enterrou o rosto no travesseiro. —Apenas faça o que é preciso fazer para que acabe logo com isto—, ele disse com a voz falhando.
Ela se perguntou se ele tinha percebido que ela tinha tomado tempo para secar o rosto e cabelo dele para que assim pudesse adiar a tarefa desagradável que a aguardava. Ela não apreciava a idéia de cortar a carne dele. Ela permitiu que seu olhar vagasse através das costas nuas dele. Algumas cicatrizes indicavam que ele não desconhecia a dor. Ela se perguntou o que ele tinha feito para merecer o golpe, se a mulher que o tinha abandonado sabia de tudo que ele tinha sofrido.
O olhar dela parou abruptamente onde o lençol encontrava os quadris estreitos dele. Ela engoliu em seco. Embaixo do lençol não havia nada além de carne. Ela agarrou uma colcha e a jogou em cima da silhueta de suas pernas e nádegas, como se fazendo isso pudesse vesti-lo. Ela apertou as mãos juntas para que parassem de tremer. —Eu serei tão gentil quanto puder. Eu sei que vai machucar, mas tente não se mover—.
Ele juntou os punhos em torno do travesseiro, os músculos firmes das costas se apertando. Respirando fundo para ganhar forças, ela levantou a faca e cortou o ferimento. Ele vacilou. —Eu sinto muito—, ela sussurrou repetidamente enquanto continuava a cortar. Então ela tomou o pano que tinha embebido na água quente e salgada e o aplicou na ferida.
Ela ouviu a respiração dele silvar entre os dentes. —Eu sinto muito, eu sei que machuca. Os raspões e cortes do meu irmão estavam sempre infeccionando. Ele sempre gritava muito alto quando mamãe o limpava. Pelo menos você não grita—.
Ela soube que estava divagando, tentando se distrair da tarefa tanto quanto distraí-lo da dor. Os músculos dele eram definidos, e ela soube que ele tinha trabalhado duro na vida. Mas até com todo o trabalho, ele conseguia ter as mãos mais bonitas que ela já tinha visto. Embora seus dedos agora estivessem juntos, ela os tinha notado quando ele estava comendo mais cedo.
Ela não conseguia imaginar que mãos tão bonitas tinham matado. Em vez disso, ela as imaginou tocando um violino. O pai dela tinha dedos longos e com eles ele tinha criado uma música mágica.
Não, um assassino não devia ter mãos bonitas. Elas deveriam ser feias, como as dela, com dedos curtos, grossos e pequenos, manchados e encrespados.
E um assassino não deveria possuir olhos azuis profundos cheios de lágrimas.
Depois de repetidamente aplicar o pano molhado quente no ferimento, ela trouxe a lamparina para mais perto e estudou o corte. Ainda parecia vermelho e quente, mas estava limpo. —Eu acho que isto é tudo o que é necessário fazer hoje à noite—.
Ele soltou um suspiro e suas mãos soltaram o travesseiro. Girando a cabeça ligeiramente, ele olhou para ela. —Desculpe pelo trabalho—.
Ela não sabia se já tinha ouvido alguém soar tão cansado. Ela passou os dedos pelos cabelos pretos dele. —Tente dormir. Nós queremos que a sua febre baixe—.
Ela jogou cobertores adicionais pelos braços dele e uma parte de suas costas, deixando a ferida exposta ao ar. Lentamente, suavemente, ela arrastou a mão de um lado para outro pelos ombros largos dele, acima do ferimento. Ela começou a cantar a balada que tinha feito seu pai desertar e voltar para casa da guerra, enquanto tantos outros pereceram. Ele tinha dado o nome dela como uma homenagem a canção, e ela frequentemente se perguntava se devia sua existência ao dom de composição de alguém.
Ela cantou até sentir a tensão deixar o corpo de Austin, até que ela ouviu sua respiração quieta. Ela se moveu para uma cadeira de balanço e o assistiu durante a noite, enxugando o suor de sua testa, mantendo os cobertores dobrados ao redor dele, perguntando-se que tipo de homem iria para a prisão por assassinato… então lamentou pela mulher que não tinha esperado o retorno dele.
Loree não tinha a intenção de investigar. Ela recuperou o alforje de Austin Leigh com o intento de descobrir se ele tinha outras roupas para vestir. A busca dela parou no momento em que achou o precioso souvenir dele. Sentando com as pernas cruzadas no chão ao lado da tina que emitia a fumaça de água quente, ela afagou as mechas de cabelo vermelho que ele tinha juntado com uma tira de veludo branca. Ela tinha poucas dúvidas de que as mechas sedosas tinham pertencido a sua amada Becky. Quando ela as segurou contra a luz do sol matutina que se infiltrava pela janela, elas emitiram um brilho de vários tons avermelhados, diferentemente do cabelo dela que não tinha nenhuma cor.
Ela acreditava que ele já possuía o precioso souvenir antes de ir para a prisão. Ela não conseguia vê-lo pedindo o cabelo a uma mulher que tinha se casado com outro. Quando ela trouxe o cabelo para debaixo do nariz, ela sentiu a fragrância de baunilha que se desvanecia e que se misturava com o odor do homem que estava na cama dela. Depois de cuidar dele pela noite, ela tinha se familiarizado com muitos aspectos dele.
Ela se perguntou há quanto tempo ele possuía o símbolo do desejo de seu coração e ficou maravilhada com um amor tão grande que mesmo agora fez com que ele tivesse partido com uma parte da mulher que o tinha traído.
—O que você está fazendo?—.
Loree soltou arfou um som minúsculo sob o estrondo da voz brava dele e empurrou a mecha de cabelo para dentro do alforje e olhou por cima do ombro. Austin Leigh estava apoiado sobre um cotovelo, o azul penetrante dos olhos a encarando.
—Nada. Eu… eu lavei suas roupas esta manhã e então percebi que você não tinha nada para vestir. Sua febre abaixou próximo do amanhecer, eu pensei que você poderia querer um banho—. Ela bateu as mãos trêmulas contra a tina de madeira para enfatizar suas boas intenções. Ela levantou o alforje dele. —Eu estava olhando se você tinha algumas roupas limpas—.
Os olhos dele se estreitaram com suspeita. —Eu tenho—.
—Oh, que bom—. Ela ficou de pé e colocou o alforje ao pé da cama, certa de que ele não apreciaria saber o que ela tinha achado. —Você se sente forte o suficiente para conseguir fazer tudo sozinho?—.
—Estou disposto a tentar—.
—Eu começarei a preparar o café da manhã—.
Austin assistiu a mulher correr para fora do quarto como um coelho assustado. Ele não tinha nenhuma posse de valor para ser roubada, e, ainda que tivesse, ele não achava que Loree Grant era pessoa de roubar. Apesar de sua cautela, ela tinha sido generosa em relação a ele—oferecendo comida, abrigo e ajuda quando ela podia da mesma maneira facilmente tê-lo deixado sofrer sozinho. Ainda assim, ele tinha tido pouco isolamento nos anos passados e desejava isto agora.
Ele se sentia como um homem que tinha descido goela abaixo três garrafas de uísque barato sem respirar. Ele rolou para posição de sentar, todos os músculos e ossos que ele possuía protestando contra o movimento. Ele balançou as pernas para cima e depois para o lado da cama e tomou um momento para respirar. Os olhos dele pararam nas botas—polidas até brilhar—de pé ao lado da cadeira de balanço. Bom Deus, como ele iria pagar à mulher de volta tudo o que ela tinha feito a ele desde sua chegada?
Ele se forçou a ficar de pé. Uma onda de fraqueza o assaltou quando ele fechou os olhos, disposto mesmo a ficar de pé.
Como os movimentos de um homem velho que tinha sido jogado de um cavalo várias vezes, ele chegou à banheira. A mulher tinha pensado em tudo. Ele afundou no calor divino, deixando que a água levasse os dias de sujeira e pó de seu corpo. Inclinando para trás, ele fechou os olhos. Momentos da noite anterior se entrelaçaram em sua mente como uma tapeçaria elaborada. Toques suaves sobre sua testa febril. Água fresca descendo por sua garganta em brasas. Uma voz gentil oferecendo conforto.
E lágrimas. Lágrimas dele. Ele gemeu. O que o tinha possuído para que falasse a mulher sobre Becky? Curvando a cabeça, ele cravou os dedos nas laterais da tina. Os pensamentos de Becky enchiam sua mente, seu coração, desde o primeiro momento em que seu olhar tinha caído sobre ela sete anos antes. Ela era uma parte dele tanto quanto o próprio nome.
Um nome que poderia ter custado a ele o amor dela.
Usando o sabão duro de lixívia, ele esfregou sem dó o rosto e o corpo e lavou o cabelo. A dor ainda pulsava em suas costas, mas de longe era bem menor do que na véspera. Ele tinha sido um tolo em sair de casa sem ter sido atendido por um médico, entretanto ele parecia ter ganhado a habilidade de ser um tolo.
Ele ficou de pé e se secou. Colocando a toalha ao redor da cintura, ele caminhou para a cama e removeu o equipamento de barbear de seu alforje. Ele andou relaxadamente para a cômoda da mulher e estudou seu reflexo no espelho. Ele realmente não tinha tomado tempo para se olhar desde que tinha deixado a prisão. Ele de repente sentiu a dura realidade, ele tinha envelhecido mais do que qualquer um dos irmãos. Fendas fundas tinham crescido nos cantos de seus olhos. O vento, chuva e sol tinham trabalhado juntos para gastar, formar e moldar o rosto de um menino no semblante endurecido de um homem. Ele dificilmente se reconhecia e sentiu falta dos sorridentes olhos azuis que sempre olhavam de volta para ele.
Ele soltou o queixo que se encostou ao peito e deu um suspiro pesado. De todas as coisas que tinham mudado, ele odiou acima de tudo ele ter mudado—por dentro e por fora. Ele era mais estranho a si mesmo do que a mulher que estava preparando o café da manhã.
Movendo a escova, penteando-se, e com um espelho ao lado, ele deixou a caixa de barbear sobre a cômoda. Usando a água morna que ela tinha colocado na tigela, ele colocou um pouco de espuma no rosto, e olhou para os pequenos bibelôs dispersos sobre a cômoda. Ele parou e arrastou os dedos por sobre uma caixa de madeira lisa. Gravado na madeira tinha a silhueta de um violino. Ele virou o olhar para a porta. Ela tinha olhado os pertences dele…
Cuidadosamente ele tocou a tampa da caixa e lentamente a ergueu. Uma música começou a tocar. Ele abaixou a tampa. Uma caixinha de música.
Agitando a cabeça, Austin começar a barbear a barba de vários dias do rosto. Então ele puxou as roupas limpas de seu alforje, colocou a calça comprida e as botas. Pegando a camisa e a toalha, ele caminhou para a porta e silenciosamente a abriu.
Aroma de biscoito recentemente assado e café flutuaram na sua direção. Ele se debruçou contra o umbral da porta e viu Loree mexer em algo em uma panela no fogão de ferro fundido. Ela usava um vestido com desenhos de margarida e o mesmo avental branco que tinha usado na véspera amarrado na cintura. Os quadris estreitos balançavam em um movimento circular como se estivessem imitando o movimento da colher. O ritmo suave da voz dela enchia o quarto com uma canção.
—O que você está cantando?—.
Ela girou, os olhos arregalados, a mão apertada contra a garganta. —Oh, você me assustou—.
—Eu sinto muito—.
Ela agitou a cabeça. —Tudo bem. Eu apenas não estou acostumada a ter companhia. Eu estava cantando Lorena. Meu pai me disse que eles cantavam essa música em torno da fogueira do acampamento durante a guerra. O fazia se sentir tão nostálgico que uma noite ele acabou se levantando e começou a caminhar de volta para casa—. Ela se voltou para o fogão. —Eu não queria te perturbar com o meu barulho—.
—Eu dificilmente chamaria de barulho—.
Ela deu uma olhada por cima do ombro. —Você achou tudo o que precisava?—.
—Sim, madame—. Ele levantou a toalha. —Eu estava me perguntando se você poderia secar as minhas costas—.
—Oh, sim—. Ela enxugou as mãos no avental antes de puxar uma cadeira. —Por que você não se senta?—.
Austin cruzou a pequena distância que os separava, deu a ela a toalha, sentou na cadeira, e dobrou os braços por cima das costas da cadeira. Ela apertou a toalha contra o ferimento dele. Ele fechou os olhos, apreciando o toque, tão gentil quanto à primeira brisa da primavera. Ele tinha ficado tanto tempo sem uma mulher, sem a paz de presença que uma mulher pode oferecer a um homem. Na realidade, era mais do que o toque. Era a canção dela, a fragrância de flores. O sorriso que ela estava hesitante em dar. O ouro de seus olhos.
Ligeiramente, ela apertou os dedos em torno do ferimento. —Eu não vejo qualquer sinal de infecção se formando, mas ainda está vermelho e feio. Eu me pergunto se deveria costurar—.
—Está sangrando?—.
—Não—.
—Então deixa para lá. Eu já tive problemas demais—.
—Vai deixar uma cicatriz feia—.
—Não será a primeira—.
Virando, ela levantou uma garrafa marrom que tinha sido colocada próxima de alguns panos. Ele suspeitou que ela tinha antecipado que ele precisaria de cuidado adicional esta manhã. Irritou-o precisar da ajuda dela. Por que Duncan não podia tê-lo cortado em algum lugar que ele pudesse alcançar e tratar sozinho? Ele supôs que deveria estar agradecido por ter se movido rápido o bastante para evitar que Duncan tivesse a oportunidade de apunhalá-lo mais profundamente.
—Eu pensei em colocar um pouco de iodo agora pela manhã—, ela ofereceu.
—Certo—.
Ela puxou a rolha e o odor pungente chegou ao nariz dele. Ela encharcou o pano com o líquido marrom avermelhado. Dallas sempre tinha muito carinho com o medicamento, despejando-o sobre todos os cortes e arranhões que Austin já tinha tido. Ele supôs que era porque o irmão tinha visto muitos homens morrendo de infecção durante a guerra. Ele provavelmente não estaria sentando aqui agora se ele tivesse contado a Dallas sobre a ferida.
—Isto vai arder—, ela disse tranquilamente.
Austin friccionou os dentes e cravou os dedos nas costas da cadeira. Quando ela tocou o pano nas costas dele, ele puxou o ar com um severo silvo.
—Eu sinto muito, mesmo—, ela sussurrou, e ele pensou ter ouvido lágrimas em sua voz.
Ele focou a atenção no homem que esperava achar em Austin. A cada dia o homem o devia mais. Ele não estaria sentado aqui lutando contra a dor se o homem não tivesse fugido depois da matar Boyd.
Ela tirou o pano, e Austin soltou uma respiração lenta e longa. Ele se levantou da cadeira enquanto ela embrulhava a bandagem ao redor do peito e das costas dele.
—Você vai ter que manter limpo e deixar um médico olhar quando você chegar a Austin—.
—Sim, madame—.
Os dedos dela trilharam um ferimento antigo no ombro dele.
—Alguém atirou em você—, ela disse tranquilamente.
—Sim, madame. Há pouco menos de seis anos atrás—.
Ela puxou a mão como se ele a tivesse mordido. Ela colocou a garrafa de iodo em uma estante, esfregou as mãos na pia e as enxugou no avental, repetidas vezes, ele achou que ela poderia até arrancar a pele.
—Algo errado?—, ele perguntou enquanto ficava de pé e colocava a camisa.
—Eu não esperava que você se limpasse tão bem—.
O rubor dela o deixou mais contente do que suas palavras. —Eu… eu tenho um pouco de mingau de aveia se você quiser—.
Ele virou a cadeira e se sentou novamente sobre ela. —Só café—.
Ela jogou o mingau de aveia em uma tigela e o colocou em frente ao lugar em que se sentava à mesa antes de despejar o café em uma xícara e o dar para ele. —Eu tenho leite e——.
—Apenas café—.
Ele colocou as mãos em torno da xícara, absorvendo seu calor, esperando enquanto ela despejava algum café para si e tomasse sua cadeira. Enquanto ela esvaziava seis colheres de açúcar no café, ele a assistiu divertido. Ele não tinha se divertido durante algum tempo. Ela era incrivelmente inocente. Vivendo fora aqui, só, longe da cidade, longe da influência das pessoas, como poderia ser diferente?
Talvez não completamente inocente. Até enquanto ela oferecia a ele comida e abrigo, cautela ficava sempre em seus olhos, uma precaução como se a qualquer momento ela temesse que ele pudesse atacá-la como um cão raivoso.
Ela deu uma olhada para cima e corou novamente. —Eu gosto de pouco café com açúcar—.
—Por que você gosta dele tão doce?—.
O rubor aumentou e ela abaixou o olhar. Austin se amaldiçoou e se perguntou o que diabos ele achava que estava fazendo. Ele não tinha que paquerar uma mulher, especialmente uma tão inocente quanto ela. —Eu aprecio tudo o que você fez por mim ontem à noite—.
—Você nunca deveria deixar um ferimento sem cuidado por tanto tempo—.
—Eu tinha outras coisas em mente—. Ele trouxe a xícara aos lábios e estudou a mulher sentada a sua frente. Ela estava jogando açúcar no mingau de aveia. Um canto da boca de Austin se curvou para cima. Ele pensou que ela ganharia tempo se simplesmente despejasse o mingau de aveia no açucareiro.
Tendo conhecido poucas mulheres na vida, ele desenvolveu uma admiração por elas, uma apreciação que até a traição de Becky não tinha conseguido diminuir. Ele não tinha nenhuma memória da mãe. A esposa de Houston—Amelia—foi a primeira mulher com a qual ele tinha realmente falado. Ele sempre gostava do modo como ela o escutava, como se ela verdadeiramente achasse que ele tinha algo importante para compartilhar. Ele até tocou o violino para ela quando ele nunca tinha ousado tocá-lo para qualquer outra pessoa. Então Becky Oliver se mudou para cidade e Austin pensou que ela era um anjo—seu anjo. Tanto quanto ele queria odiá-la, ele apenas parecia capaz de sentir falta dela.
—Exceto construir um novo celeiro para você, o que mais eu posso fazer para pagar por sua generosidade?—, ele abruptamente perguntou, mais severamente do que pretendia, as memórias de Becky estragando seu humor.
Ela levantou a cabeça rapidamente, as sobrancelhas delicadas juntas por sobre os olhos cheios de confusão. —Eu acho que você deveria gastar o dia descansando e reunindo forças—.
—Eu preciso ver o meu cavalo—.
—Eu alimentei e o escovei esta manhã—.
—E lavou minhas roupas e poliu minhas botas. Bom Deus, você nunca para?—.
Ela virou o olhar para o mingau de aveia restante. —Eu gosto de me manter ocupada—. Ela ficou de pé, pegou a tigela e a xícara e levou ambas para a pia.
—Minhas desculpas, Senhorita Grant. Eu não tinha que jogar minha frustração em você—.
—Não importa—.
Mas ele se importava, mais porque ela achava que não importava. Austin jogou a cadeira para trás e ficou de pé. Ela se virou, cautela por nos olhos.
—Eu não duvido que você tenha cuidado bem do meu cavalo, mas eu quero verificá-lo de qualquer maneira—. Ele saiu da casa. O cachorro saltou através do jardim e pulou no peito de Austin, as patas enormes, molhadas e barrentas. Austin coçou atrás das orelhas dele. —Se você fosse de guarda, precisaria fazer um trabalho melhor a protegendo de mim—.
O cachorro caiu as quatro patas no chão e ficou olhado para ele como se estivesse medindo seu valor. Então ele latiu e pulou para longe para perseguir uma borboleta.
Austin andou a passos largos para o celeiro. A luz solar fluía através dos buracos. Trovão Negro se aproximou. Ele esfregou o nariz do garanhão. —Então ela está cuidado bem de você, também, não é?—.
Ele deu uma olhada em torno da estrutura em estado precário. Partida e puída no fim, uma corda estava pendurada em uma viga. Ele se perguntou o que mantinha uma mulher solitária vivendo aqui. Por que ela não parava de trabalhar e se movia para a cidade? Ele tinha brincado com ela quando mencionou consertar o celeiro, mas ele não estava certo de que poderia cortar madeira suficiente para pagar sua dívida.
Ele pegou um cabresto que estava pendurado na parede e o deslizou em Trovão Negro antes de levar o garanhão para o sol. No curral, ele se curvou e levantou a pata dianteira do cavalo até os joelhos dele. Ele estudou o ferimento infeccionando e se perguntou se suas costas pareciam tão feias quanto à pata do cavalo quando a Senhorita Grant cuidou dela.
Soltando a pata do cavalo, ele soube que não viajaria hoje. Ele olhou em direção a casa. O cachorro ou tinha capturado a borboleta ou tinha desistido porque estava estirado embaixo da sombra de uma árvore distante. Uma fraqueza surgiu nas pernas de Austin. Irritava-o ter de admitir que Loree estava certa—ele não estava recuperado o suficiente.
Ele andou relaxadamente até a árvore. Sempre alerta, o cachorro abriu um olho e o fechou. Um flash de luz amarela chamou a atenção de Austin e ele virou o olhar. Ele se debruçou contra o tronco de árvore áspera. Uma sensação estranha de satisfação o atingiu quando ele observou Loree ficar de pé no meio do jardim com um corço mordiscando algo de sua palma da mão em forma de xícara. Três outros cervos estavam despedaçando a folhagem crescente. Uma família, ele pensou, e o descontentamento jogou a paz para escanteio.
—Eu poderia colocar um pouco de arame farpado para você—, ele disse.
O cervo saltou para o espesso arvoredo. Loree girou, as sobrancelhas ligeiramente douradas firmemente juntas. —Por que eu precisaria de arame farpado?—.
—Para proteger o seu jardim. E manter-se afastada de animais desagradáveis—.
Ela olhou na direção das árvores onde o cervo tinha desaparecido. —Eles não são desagradáveis e as árvores sempre crescem mais do que eu preciso—. Ela caminhou na direção dele, olhando-o com suspeita. —Como você está se sentindo?—.
Como se tivesse caído de um cavalo, ficado com o pé preso no estribo e sido arrastado através do estado.
—Um pouco cansado. Você tem algum querosene? O casco do meu cavalo está infeccionando. Eu preciso cuidar dele—.
—Eu sinto muito. Eu não pensei em verificar os cascos—.
—Você não tinha a obrigação de se preocupar com o meu cavalo—.
Ou comigo. Ele tinha mostrado de si muito mais do que gostaria que ela visse. Ela era uma estranha, mas ele tinha desconcertantes memórias de sentimentos que tinha dito a ela…
Ele a seguiu até a casa e recuperou a faca do alforje enquanto ela achava o querosene. Quando ele retornou ao lado de fora, ela estava esperando ao lado do Trovão Negro, afagando a crina do cavalo.
Andando para longe do garanhão, ela voltou o olhar para a faca que Austin segurava. —Você quer que eu segure a cabeça dele?—.
—Não é necessário. Ele é treinado—. Dando as costas ao cavalo, ele trouxe o casco para cima e o colocou entre seus joelhos e afundou a faca no ferimento. Ele ouviu um relincho logo antes da dor afiada ricochetar em seu traseiro. Ele soltou o casco e saltou para longe do cavalo. —Filho de uma—! Maldição!—.
Ele esfregou o traseiro enquanto o cavalo balançava a cabeça como uma mulher que balança o nariz com indignação. Então ele ouviu um riso.
Leve e vagando pelo ar, como uma estrela que se move embaixo dos céus. Ele girou a atenção para a mulher. Ela apertava os dedos contra os lábios, mas ele viu os cantos da boca que estavam levantados, levando o sorriso até os olhos, brilhando como uma moeda dourada. —Você acha que é engraçado, Senhorita Grant?—.
Ela agitou a cabeça vigorosamente. —Não, Sr. Leigh. Isso não seria o que eu o treinaria a fazer—.
Uma bolha de riso escapou por entre os lábios dele e tocou uma corda de calor funda dentro de seu peito. —Acredite em mim, ele inventou aquele truque quando eu não estava por perto—.
Ela soltou a mão e ele a viu lutar para conter o sorriso. —Você não parece ter sorte—.
—Oh, eu tenho sorte, Senhorita Grant. Infelizmente, ela é má sorte—.
O sorriso dela murchou. —Eu sinto muito—.
—Você não é a causa dela—. Ele empurrou o dedo polegar na direção do cavalo. —Eu segurarei a cabeça dele se você esfregar o querosene em seu casco—.
Ele agarrou o cabresto do outro lado da cabeça do Trovão Negro. Quando Loree se curvou para agarrar o casco, Austin quase agradeceu o cavalo por tê-lo beliscado. A saia erguida revelava seus tornozelos nus e estava colada em seu traseiro. Como diabos ele a tinha confundido com um menino na véspera? Sua febre devia ter confundido seu cérebro.
Loree Grant era um pequeno pedaço delicado de feminilidade. Da mesma maneira de quando ela estava no fogão, ela balançava os quadris ligeiramente junto com o movimento da mão, passando o querosene no casco do cavalo. Senhor, era uma tortura assisti-la, imaginar aquele traseiro apertado contra ele, girando—
Ela soltou o casco, se endireitou e o encarou.
—Há qualquer outra coisa que eu possa fazer pelo cavalo?—.
Ele engoliu em seco e soltou os dedos do cabresto. —Não—.
Ela abaixou o olhar para o chão e fez uma linha nele com o dedão do pé. —Eu devia provavelmente——ela deu uma olhada para cima depressa, então para baixo— —verificar seu traseiro, ter certeza de que ele não cortou a pele—. Ela ergueu o olhar. —Não seria nada bom ter uma infecção——ela acenou com a mão pelo ar——aí atrás—.
Ele sorriu calorosamente. —Não, madame, com certeza eu não quero. Eu juro, Senhorita Grant, quando eu parei aqui ontem, eu não tinha nenhuma intenção de lhe causar tantos problemas—.
—Não é nenhum problema, Sr. Leigh. Além disso, eu colocarei iodo nele para que não infeccione—.
Ele assistiu a pressa dela em correr para a casa e decidiu que era uma boa coisa que o medicamento queimasse mais do que brasa. Caso contrário, ele não sabia como suportaria os dedos gentis dela tocando seu traseiro e fazendo com que o corpo dele reagisse.
Loree bombeou água na pia, e então começou a esfregar as mãos trêmulas. O que a tinha possuído para que se oferecesse a olhar o traseiro de Austin Leigh? Ela se perguntou se o iodo seria efetivo se ela simplesmente o despejasse em uma bacia e dissesse a ele que se sentasse nela e molhasse o ferimento. Se havia mesmo um ferimento para ser medicado.
Ela ouviu o som de botas na varanda. Ela inspirou profundamente, agarrou uma toalha e secou as mãos. Ela deu uma olhada por cima do ombro. Ele estava de pé, no quarto, olhando tão desconfortável quanto ela se sentia.
Ela puxou as cortinas de lado permitindo que o sol do final da manhã se despejasse para o lado de dentro. Ela apontou para uma cadeira no lado oposto ao que ele tinha se sentado naquela manhã. —Eu posso provavelmente aproveitar melhor o sol se você estiver lá—.
Ele deu um aceno com a cabeça lento e longo, mas ela pensou ver preocupação refletida em seus olhos azuis.
—Eu serei gentil—, ela o assegurou.
—Não é isso o que me preocupa—, ele murmurou enquanto se movia para detrás da cadeira.
Ela agarrou a garrafa de iodo e um pano. Ela se apressou até a mesa, mas uma vez que ela chegou desejou ter caminhado mais lentamente. Ela puxou a rolha e ensopou o pano. Ela só queria ter feito isto uma vez, realmente não queria fazer desta vez. Ela deu uma olhada para cima. Ele estava olhando firmemente para algo na parede distante.
—Eu… eu acho que você precisa abaixar… suas calças curtas—, ela disse indecisa.
Ela viu um músculo da bochecha dele se puxar.
—Por que você não vem atrás de mim?—, ele sugeriu.
Ela andou ao redor dele e tentou não pensar nos botões que os dedos dele estavam soltando. A respiração dela ficou entrecortada. Ela assistiu enquanto ele agarrava as costas da calça curta e lutava para abaixar um lado enquanto mantinha a outra metade levantada. Ele se curvou para frente ligeiramente.
—Você pode erguer a camisa?—, ela perguntou.
Ela olhou com assombro quando a pele dele surgiu. Tão incrivelmente branca que a lembrava nuvens de um dia do verão, mas acima do quadril, a pele era tão marrom quanto à terra. Ele devia ter frequentemente trabalhado sem camisa, e ela percebeu com intranquilidade súbita que ela estava para tocar em uma parte dele que nem o sol já tinha tocado.
—A pele está rasgada?—.
Ela vacilou com a aspereza na voz e voltou o olhar para a área onde ele deteve a jornada da descida de suas calças curtas. A carne e sangue rasgados tinham arruinado o que era até então liso traseiro. —Sim—.
Cuidadosamente ela tocou nas calças curtas, as pontas dos dedos passando rapidamente por sobre a pele dele. Ele saltou quando ela apertou a marca vermelha do pano em sua carne.
—Eu sinto muito. Eu só… eu só preciso que você abaixe um pouco mais—. Ela abaixou até onde ousou, agradecida pelo cavalo tê-lo beliscado no alto do bumbum.
Ela apertou o iodo contra o ferimento, ouvido o influxo afiado de sua respiração, e viu os dedos dele se apertarem ao redor da camisa. —Eu sinto tanto—.
—Confie em mim. Quanto mais arder, melhor—.
Ela ouviu a tensão em sua voz e trabalhou tão rápido quanto podia, apertando o pano contra o ferimento.
—Deus todo-poderoso! O que você está fazendo, Loree?—.
Loree se girou com o som da voz inesperada, perdendo o equilíbrio, e tombando em Austin quando ele se girava também, lutando parar agarrar as calças curtas. Ele a alcançou, xingou com raiva e a soltou para agarrar suas calças curtas antes que elas deslizassem ainda mais.
Loree teria rido se não fosse pelo homem jovem de pé na sua entrada, encarando-a. O coração dela estava batendo tão forte que parecia que um bando de cavalos tinham feito um estouro entre suas orelhas. —Dewayne, o que você está fazendo aqui?—.
Dewayne Thomas removeu o chapéu, o cabelo loiro refletindo a luz do sol, os olhos marrons estreitos enquanto observava Austin. —Vim verificar você depois da tempestade de ontem à noite. Ouvi dizer que houve tornados. Queria ter certeza de que você estava bem—. Ele moveu o queixo. —Quem é isso?—.
—Sr. Leigh. Ele estava viajando para Austin, mas seu cavalo começou a mancar—
—Então por que ele está tirando as roupas na sua casa?—.
—Ele não estava tirando as roupas. Eu estava tratando a ferida que o cavalo fez ao beliscar o traseiro dele—. Ela levantou o pano manchado como evidência. —Eu estava apenas aplicando um pouco de iodo no ferimento para que não infeccionasse—.
—Bom Deus, Loree, eu achei que você teria mais bom-senso em não deixar um estranho entrar em sua casa depois que aquele homem assassinou sua família—.
Pelo canto do olho, ela viu Austin Leigh empurrar a cabeça ao redor, o olhar fixo nela.
—O que você sabe sobre este cara aqui?—, Dewayne perguntou.
—Eu sei tudo o que preciso saber—.
—Você sabe o que um homem pode fazer uma vez que suas calças curtas estejam abaixadas?—.
—Já chega, Dewayne!—, ela gritou. Ela correu para a pia, jogou o pano nela e começou freneticamente a lavar as mãos. Com lágrimas nos olhos, ela sentiu o silêncio pesado penetrar no aposento. Ela ouviu passos hesitantes.
—Eu não fiz por mal, Loree, mas eu era o melhor amigo do Mark. Ele gostaria que eu cuidasse da irmã dele—.
Ela agarrou uma toalha, começou a secar suas mãos, lentamente girou e se forçou a sorrir. —Eu sei, Dewayne—.
Como se as palavras dela reforçassem sua posição, ele se virou para Austin. —Quais são seus negócios em Austin?—.
—Meus negócios em Austin são problema meu—, Austin disse, os olhos duros, a boca em uma linha firme. —Mas eu não sou nenhuma ameaça para a senhorita Grant. Assim que meu cavalo estiver curado, estarei a caminho—.
Dewayne bufou. —Supostamente, devo acreditar no que você diz—.
—Eu menti uma vez na minha vida e isso quase custou a vida do meu irmão. Eu vou precisar de um ótimo motivo antes de mentir novamente—. Ele balançou a cabeça em direção a Loree. —Eu agradeço seu cuidado gentil, Senhorita Grant. Eu terminarei de cuidar do meu cavalo agora—.
Ela o viu passar pela porta, as costas firmes e ela de alguma maneira soube que a desconfiança de Dewayne tinha ferido Austin mais do que seu cavalo ou algum homem em taverna tinha feito.
—Eu não gosto dele ficar aqui—, Dewayne disse, a inflexão na voz a lembrando uma criança petulante de três ano de idade. —E se ele descobrir o que nós fizemos?—.
—Como ele vai descobrir?—.
Dewayne puxou o lábio inferior. —Você poderia dizer a ele—.
—Por que eu faria isto?—.
—Você confia nele o suficiente para abaixar as calças dele, você poderia confiar a ele nosso segredo—.
—Ele não tem nenhum interesse em qualquer coisa aqui. Ele só quer curar o cavalo para que assim possa partir. Ele tem sido um perfeito cavalheiro. Ele cortou madeira para mim—
—Eu poderia cortar madeira para você—.
Sorrindo suavemente, ela tocou o queixo de Nick, lembrando quando ele tinha montado até ela depois que tinha feito a barba pela primeira vez, querendo se exibir. —Você não pode cuidar de mim sempre—.
Dewayne corou e pendeu a cabeça. Em momentos como esse ela achava difícil olhar para ele e não ver como o irmão poderia ter sido se tivesse chegado a ser um homem. Ele só tinha quatorze quando o assassino o tinha pendurado nas vigas. Só quatorze anos. Com que frequência ela desejava ter morrido e ele vivido?
—Então por que você não se muda para a cidade, Loree?—.
—Eu gosto de viver aqui—. No auto-imposto exilo o seu castigo pelo que tinha acontecido naquela noite e por tudo o que tinha se seguido.
—Mas e se parar aqui um cara que não seja um cavalheiro?—.
—Eu tenho o meu rifle e o Digger. Lembra de como ele te atacou na primeira vez que você apareceu depois que eu o achei?—.
Dewayne riu. —Eu ainda tenho as cicatrizes na minha canela. Você tem certeza de que foi o cavalo do homem e não o Digger que o mordeu?—.
Loree balançou a cabeça pensando. —Estranhamente, ele só rosnou para o Sr. Leigh. Ele não o atacou—.
—Talvez Digger esteja ficando como você. Confiando muito—.
Sorridente, ela agitou a cabeça. —Não, ele afugentou um homem em uma carroça vendendo medicamentos na semana passada. Eu acho que Digger atacaria qualquer pessoa que ele achasse que me prejudicaria—.
—Bem, se a tempestade não fez nenhum dano aqui, então eu acho que irei para a casa. Se aquele cara ainda estiver ao redor hoje à noite, você tranca a porta—.
Simplesmente para satisfazê-lo, ela disse, —eu irei—.
Ela caminhou para o lado de fora com ele, abraçou-o como sempre fazia — o modo como ela abraçava o irmão—e assistiu ele montar no cavalo e partir. Então ela foi até o homem que estava escovando o garanhão próximo ao curral.
—Dewayne não quis te ofender—, ela disse tranquilamente.
—Não me ofendi—. Ele parou de escovar o cavalo e encontrou o olhar dela. —Por que você não me disse que alguém tinha assassinado a sua família?—.
—Por que você não me disse que mentiu?—.
—Não é o mesmo—.
—Como é diferente?—.
—Apenas é—. Ele caminhou ao redor do cavalo e começou a escovar o outro lado como se precisasse de distância entre eles. —Eu disse a você que eu servi um tempo na prisão por assassinato—. A mão dele parou, os olhos azuis capturando os olhos dela. —Eu não sou um assassino—.
A garganta dela se apertou. Ela sabia que ele falava a verdade. Ele não era um assassino de sangue frio. Lembrando da carne enrugada em seu ombro—uma cicatriz semelhante a que ela possuía—o tipo de cicatriz que a bala deixa para trás, ela tinha imaginado que ele tinha matado em autodefesa, atirando no homem que tinha atirado nele. —Eu sei disto. Você não tem os olhos de um assassino—.
Ele pareceu relaxar como se ela tivesse tirado um fardo de seus ombros. —Quem ele pendurou?—, ele perguntou com a voz baixa.
Loree deu um passo para trás, o coração começou a bater forte. —O quê?—.
—Há uma corda oscilando nas vigas no celeiro—.
Ela teve que dar crédito a Austin Leigh. Ele não deixava nada passar. Dewayne tinha tirado o irmão dela de lá. Até ontem à noite, ela nunca tinha achado coragem para retornar ao celeiro, muito menos remover a corda que tinha levado a vida de seu irmão. —Meu irmão. Ele nos arrastou para o celeiro, nos prendeu, e pendurou meu irmão antes de atirar em nós—.
O horror surgiu nas profundidades dos olhos dele. —Ele atirou em você?—.
Estranhamente, a reação dele disse mais a ela sobre ele do que qualquer outra coisa. Ele não era um homem que machucaria uma mulher.
—Sim, mas ele não verificou se eu estava morta. Acho que, por eu ser tão pequena, ele achou que uma bala seria suficiente—.
—A justiça o achou?—.
—Não—.
Ele riu zombeteiramente. —É assim que funciona. Eles me mandam para a prisão, e deixam um homem que assassinou três pessoas sair livre. É bom pensar sobre o sistema da justiça às vezes—.
Ela tinha se perguntado sobre a justiça durante muito nos anos, perguntando-se se ela existia.
—Foi por isso que você deixou o celeiro se destruir?—.
Uma vez mais, a perspicácia dele a surpreendeu. Ela movimentou a cabeça. —Eu não consigo entrar lá—.
—Você foi lá dentro me procurar—.
Ela sentiu o calor subir em suas bochechas. —Porque eu estava preocupada com você. Minha mãe sempre brigava comigo porque eu me preocupo mais com os outros do que comigo mesma. Ela disse que isso me traria problemas algum dia. Eu pensei em queimar o celeiro, mas tenho medo que a ladeira inteira pegue fogo—.
—Imagino que o amigo do seu irmão teria ajudado você a fazer isto—.
—Dewayne é doce e uma boa pessoa, mas às vezes ele faz ou diz coisas sem pensar nas consequências—.
—Ele parece gostar de você—.
—Ele foi a pessoa que nos achou. Eu provavelmente estaria morta se não fosse por ele—. Ela se virou, as memórias amargas dando luz a imagens que chamuscavam a sua alma dolorida. Uma mão morna, gentil, veio descansar sobre seu ombro.
—Eu sinto muito—.
Ela examinou os olhos azuis que refletiram não apenas uma dor forte como a dela, mas também ausência de sonhos. Cada um tinha sofrido resultados de mortes, e ela não conseguiu evitar pensar que ele era tão vítima quanto ela. Nenhum dos dois tinha escapado incólume. —Não foi sua culpa—.
—Não, não foi, mas fiz você se lembrar—. Ele tirou a mão do ombro dela e deu um suspiro. —Então agora eu devo a você mais do que devia antes. Deve haver alguma coisa que eu possa fazer por você—.
—Realmente eu preciso de algo feito—.
—Diga o que é e eu farei. Eu pago as minhas dívidas—.
Ele pagava suas dívidas. Loree perguntava-se se essa era a razão pela qual ele não parecia amargo demais pelo tempo que tinha gastado na prisão. Ele tinha matado alguém. Ele tinha desistido de uma parte da própria vida. Ele tinha pagado sua dívida.
Agora ele queria reembolsá-la. Ela não achava que seu orgulho aceitaria que sua companhia era pagamento suficiente. Não, ele precisava de uma tarefa. Sorridente, ela começou a ir embora, acreditando que ele a seguiria. Ela sabia a tarefa perfeita para aqueles dedos longos e bonitos dele.
Seguindo a mulher enquanto ela entrava na casa, Austin se admirou com o balanço gentil de seus quadris. Ele se admirou ainda mais com a coragem que tinha permitido a ela colocar os medos e memórias de lado para vir ajudá-lo na noite anterior.
Mais do que isto, ela tinha deixado passar o que sabia sobre o passado dele. Fazia tempo que ele não recebia um presente tão bom. Ele tinha um pouco de dúvida se ela tinha chorado na cama. Ela possuía um coração tão puro quanto o ouro de seus olhos.
Inferno, quando ele achasse o homem que tinha roubado cinco anos da vida dele, talvez ele procurasse pelo homem que tinha matado a família dela e o levaria à justiça.
Ela parou e lançou o braço na direção do jardim. —Sua tarefa—.
A tarefa acabou sendo bem simples: colher morangos maduros e vermelhos do jardim e colocá-los suavemente no balde para que assim eles não ficassem machucados. Ela disse a ele que não gostava da fruta ferida. Baseado no fato de que ela tinha dedicado mais da metade do jardim para os morangos, Austin percebeu que ela tinha carinho por eles.
Próximo ao crepúsculo, ela colocou uma colcha embaixo de uma árvore e pegou duas tigelas grandes. Uma estava cheias com morangos lavados. A outra com docinho.
Ela se estatelou sobre a colcha, tirou um morango da tigela, rolou-o ao redor do açúcar e o jogou na boca. Ela fechou os olhos e soltou um gemido baixo que fez Austin querer gemer.
Contra seu melhor juízo, ele se esticou na colcha ao lado dela e se apoiou sobre um cotovelo. Ela abriu os olhos e sorriu para ele. —Não existe nada melhor do que o primeiro morango da primavera—.
Ele discordava. Ele poderia ter dito cem coisas: o sorriso dela, as bochechas dela beijadas pelo sol, as mechas de seu cabelo que escapavam da trança e emolduravam seu rosto como pétalas de um dente-de-leão. Quando era um menino, ele respirava fundo e soprava as pétalas de dente-de-leão pela brisa. Agora mesmo, ele queria soprar suavemente, gentilmente, a respiração tão quieta quanto um sussurro que tocasse a nuca dela.
Digger apareceu em torno do canto da casa. Loree agarrou um morango e o jogou no ar. O cachorro saltou, a boca suja pegando a fruta madura. O animal bateu no chão sujo e rolou. Loree riu jovialmente, fazendo Austin se lembrar da primeira vez que ele tinha colocado um arco sobre um violino e criado uma sequência. A música tinha soado da mesma maneira doce porque tinha sido inesperado: algo que ele tinha criado. Ele se viu desejando que tivesse sido ele a fazer Loree rir. Não o cachorro estúpido.
—Pegue alguns morangos—, ela disse enquanto lançava outro para o cachorro antes de pegar um para si mesma.
Austin trouxe um morango para os lábios e mordeu a fruta suculenta. A doçura encheu sua boca. Não precisava de açúcar. Ele se divertia vendo Loree cuidadosamente passar cada morango no açúcar antes de comê-lo. Ele ficou quente quando a língua dela saiu lentamente da boca e meticulosamente capturou cada grão errante de açúcar que tinha ficado agarrado em seus lábios. Ele pensou que o beijo dela teria sabor de morangos e açúcar.
Ele tinha estado muito tempo sem uma mulher, e estava tendo um problema dos diabos em manter os pensamentos no lugar. Assistindo as mechas do cabelo dela serem chicoteadas pelo vento ao redor do rosto, ele quis tocá-lo também. Ele queria tocar nas bochechas arredondadas com os dedos e a ponta arrebitada do nariz dela com os lábios. Ele tinha conhecido pouquíssimas mulheres na vida, e embora uma tivesse arrancado seu coração e cortado em pedaços, ele não conseguia se obrigar a odiar as mulheres.
Ele percebeu que as mulheres eram como os homens. Algumas boas. Algumas ruins. Algumas inconstantes. Ele tinha gostado de uma inconstante e isso tenha custado muito a ele. Mas apesar do preço alto que ele tinha pagado, ele não conseguia se ver passando os dias restantes sem o conforto de uma mulher. Assim que limpasse seu nome, ele tomaria uma esposa. Ele queria o que seus irmãos mais velhos tinham conseguido. Nenhum deles tinha ganhado a esposa sem pagar um preço.
Um silêncio confortante desceu ao redor deles enquanto as sombras se prolongavam. O cachorro foi à beira da clareira, latiu e correu de volta para pegar outro morango. Austin estava começando a duvidar da habilidade do cachorro de proteger Loree. Diferente da última noite quando o cachorro tinha rosnado para ele, ele não viu agora nenhum sinal de agressividade. O cachorro o lembrava um filhote de cachorro grande.
—Por que você mora aqui, Senhorita Grant?—.
Ela virou a cabeça para olhar para ele. —Eu gosto de ver o pôr-do-sol, aprecio os morangos——
—Não. Eu quero dizer por que você está aqui sozinha? Por que não se muda para a cidade? Eu não creio que aqui é uma fazenda para trabalhar. O que a mantém aqui?—.
—Memórias. Nós estávamos felizes aqui. Eu acho que sinto que se eu partir, estarei abandonando a minha família—.
Ao longe, ele viu uma cerca de estacas brancas cercando três lápides de granito. —Quantos anos você tem?—.
—Dezessete. Que idade você tinha quando foi para a prisão?—
—Vinte e um—.
—Isso parece jovem—.
—Não tão jovem quanto dezessete—.
Ela afundou outro morango no açúcar. —Você mencionou um irmão…—.
Ele movimentou a cabeça. —Houston—.
Os olhos dela se arregalaram enquanto ela mordia outro morango. Ela riu enquanto o suco vermelho escorria pelo queixo. Ele fechou as mãos com força para impedir que seus dedos levassem o caldo de volta até os lábios dela, ou melhor ainda, que o levasse até os lábios dele. Ela enxugou o rosto com o avental. —Outra cidade?—.
—Sim. Meus pais viveram lá durante algum tempo—.
—Você esteve em Houston?—.
—Não, eles viveram lá antes de eu nascer—.
Ela suspirou saudosamente e olhou na direção das árvores. —Eu costumava sonhar em viajar o mundo e olhar as estrelas de cidades diferentes—. Ela virou o olhar para ele. —Você acha que as estrelas parecerem diferentes no outro lado do mundo?—.
—Eu não sei. Nunca pensei nisto. Nunca sonhei tão grande—.
—Com o que você sonha?—.
Casar com Becky. Construir uma família. Mas isso antes… uma memória distante chamejou atrás de sua mente, ele de pé na extremidade de um desfiladeiro, gritando seu sonho… e escutando enquanto o eco o trazia de volta para ele. Então a memória morreu como uma chama que se apaga porque não há ar suficiente para mantê-la queimando. —Eu não me lembro—.
—Meu pai costumava me dizer que eu tinha que pôr meu coração no meu sonho se quisesse que ele se realizasse. Como se põe o coração em algo?—.
Austin não tinha nenhuma idéia. Ele viu os irmãos despejarem seus corações sobre as mulheres que amavam, e ele pensou que tinha feito o mesmo com Becky, mas se ele tivesse, ela teria esperado por ele. Ele estava certo disto. Seja como for que o amor deles tenha sido, não tinha sido forte o suficiente para suportar a separação, e ele não conseguia se impedir de questionar o que mais o amor poderia não ter suportado.
O cachorro veio através das bordas do crepúsculo, se abaixou próximo ao chão e rosnou, trincando os dentes. A preocupação marcou o rosto de Loree que ficou de joelhos. —Digger, o que foi?—.
O cachorro latiu e saltou de volta para as árvores, desaparecendo entre os arbustos. Um grito agudo passou pelo ar.
—Lince!—, Loree gritou enquanto ficava de pé. —Digger!—
O cachorro latiu e o grito felino veio intenso novamente, seguido por um ganido de dor ecoando no ar.
—Não!—, Loree gritou enquanto começava a correr na direção das árvores.
Austin ficou de pé, a seguiu e agarrou seu braço, detendo sua corrida frenética por entre as árvores. —Onde está meu rifle?—.
—No canto do quarto dianteiro, perto da lareira—.
—Venha comigo enquanto eu o pego—.
Ela agitou a cabeça vigorosamente. —Eu esperarei aqui mas se apresse—.
Ele não confiava que ela ficaria, mas ele ouviu outro ganido ferido do cachorro, e o grito alto e vitorioso do gato, e soube que não havia tempo para discussões. Com o coração saltando, ele correu para dentro da casa. Ele agarrou o rifle, o carregou e colocou um punhado de balas no bolso. Então ele saiu correndo, dobrou a esquina e parou cambaleante.
A mulher tinha ido embora!
—Loree!—, o temor fez com que quaisquer pensamentos racionais fossem jogados de lado. Ele andou altivamente em direção às árvores onde o cachorro tinha desaparecido. —Loree!—.
Ele não mais ouvia os sons da batalha. Um silêncio tímido cobria o bosque. Ele andou cuidadosamente por entre as árvores, o coração martelando. Quando ele achasse a mulher planejava sacudi-la por tê-lo assustado dessa forma. Como ela ousava arriscar a vida por um cachorro estúpido?
Ele a encontrou de joelhos entre duas árvores de carvalho poderosas, balançando de um lado para o outro, lágrimas silenciosas, fluindo pelas bochechas, os braços ao redor do cachorro. Austin se ajoelhou ao lado dela. —Loree?—.
Ela abriu os olhos, as profundidades douradas revelando seu extremo pesar. —Ele era tudo o que eu tinha—, ela sussurrou fraca. —Ele era apenas um cachorro, mas eu o amava—.
—Eu sei—, ele disse baixinho. —Pegue o rifle e eu o levarei para a casa—.
—Deixe-me o segurá-lo só um minuto… enquanto ele ainda está quente—.
Ela enterrou o rosto no pêlo espesso de Digger. Austin observou as árvores com os ouvidos em alerta. Ele não gastava de pensar em Loree convivendo sozinha com animais selvagens. Ele não se importava com os cervos, mas um lince era outra história.
Suavemente, ele tocou ombro de Loree. —Nós precisamos voltar antes que fique muito escuro—.
Ela ergueu a cabeça, fungou e concordou com a cabeça. Sangue manchava a frente de seu vestido e o pânico surgiu nele. —Você está machucada—.
Ela deu uma olhada para baixo antes de erguer um olhar vazio para ele. —Não, é o sangue do Digger. O gato tinha ido quando eu cheguei aqui—.
—Você devia ter ficado na casa como eu te disse—.
—Eu estava preocupada com o Digger. Ele nunca fugia de uma briga—.
—Cristo, sua mãe estava certa. Você coloca um cachorro antes de si mesma—
—Eu coloco qualquer pessoa, qualquer coisa que eu ame antes de mim. Eu não vejo isso como um defeito—.
Ele não queria ter soado severo, não queria dar uma lição nela, mas ele achava que ela poderia ser a próxima vítima do felino se eles não se movessem logo. —Tome o rifle—.
Ela o agarrou, e ele deslizou os braços embaixo do cachorro. Ele ignorou a dor que passou por suas costas enquanto tentava erguer o animal pesado. Com a escuridão os rodeando, eles entraram silenciosamente em casa, as botas quebrando os ramos secos, os pés amassando as folhas frágeis que tinham morrido no último outono.
—Você o enterraria próximo ao jardim? Lá era onde ele gostava de cavar—, ela disse baixinho enquanto eles se aproximavam da casa.
—Com certeza. Você tem uma pá?—.
—No celeiro—.
—Eu pegarei. Por que você não vai lá dentro se lavar?—.
Concordando com a cabeça, ela se debruçou e deu um beijo apertado no topo da cabeça do cachorro. —Adeus, Digger—.
Austin a assistiu correr até a frente da casa, deixando-o se sentindo um inútil. Dar conforto nunca tinha sido seu ponto forte, era algo que ele desconhecia até Amelia entrar em sua vida.
Ele deitou o cachorro no chão. Caminhou para a colcha onde ele tinha compartilhado alguns momentos pacíficos com Loree. Em sua pressa para chegar ao cachorro, ela tinha atropelado a tigela e derramado o açúcar em cima da colcha. As formigas estavam fazendo um piquenique. Austin levantou a tigela e jogou fora o resto do açúcar, desejando saber como aliviar o pesar de Loree assim tão facilmente.
Loree tinha acendido uma lamparina para repelir a escuridão e os medos constantes que a cercavam. Ela aqueceu uma balde com água, removeu as roupas manchadas de sangue, as juntou e jogou em um canto do quarto. Agora ela estava diante da cômoda, desnudada da cintura para cima, usando nada além de suas roupas de baixo de linho, esfregando, esfregando o sangue do peito, das mãos, dos braços. Tanto sangue.
Ela ergueu o olhar para o espelho e viu o reflexo de Austin Leigh de pé na entrada, assistindo-a com uma intensidade que em circunstâncias ordinárias poderia tê-la assustado.
Mas esta noite não era ordinária. Ela tinha tido o último pedaço de amor que ela conhecia arrancado de sua vida. Ela girou para enfrentar o homem que tinha dado ao seu amado Digger um lugar final para descansar. —Eu não consigo tirar esse sangue—.
Ela assistiu enquanto os músculos da garganta dele trabalhavam enquanto engolia em seco, viu o aperto das mãos dele se soltarem antes que ele silenciosamente caminhasse através do quarto com os pés nus. Em uma parte distante de sua mente, ela percebeu que ele deveria ter deixado as botas sujas do lado de fora.
Em silêncio, ele tomou o pano da mão dela, o imergiu no balde d’água, torceu e suavemente, lentamente, passou o pano pelo rosto dela, os olhos azuis tocando-a como os raios de sol que saúdam o amanhecer, aquecendo quando alguns momentos antes ela estava gelada.
Ele enxugou a garganta, os ombros e foi descendo o pano. Ele tocou o polegar na cicatriz acima do seio esquerdo dela. —Aqui foi onde ele atirou em você?—, ele perguntou rouco.
Ela pôde apenas movimentar a cabeça em anuência, sabendo que ele não precisava de uma resposta quando sua boca substituiu o dedo.
—Como ele pôde machucar você?—.
Outra pergunta que ela não tinha uma resposta. Ela o sentiu tremer quando as juntas rapidamente passaram pela elevação do seio dela. Ele agitou a cabeça ligeiramente.
—Não há mais sangue—, ele disse bruscamente enquanto dava um passo para trás.
Ela agarrou a mão dele. —Há sangue em você—.
Ele deu uma olhada para baixo na camisa. De acordo com o acordo deles, os dedos dela começaram a soltar os botões. Ela ouviu a respiração dele prender. Ela nunca tinha sido tão corajosa, nunca tinha se despido para um homem. O embaraço pela antecipação tinha sido suprimido pela necessidade. Uma necessidade que ela não entendia completamente, mas ela sabia que existia porque alcançava seu coração e alma.
Ela removeu a camisa e a bandagem manchada de sangue. Tomando o pano da mão dele, ela o passou no peito dele embora não visse nenhum sangue.
Com a palma da mão crespa, ele embalou a bochecha dela e segurou seu rosto até que o olhar dela encontrou o dele e o segurou. Ela ouviu sua respiração desigual. Sob a mão que descansava no peito dele, ela sentiu a rápida batida de seu coração.
Ela há muito tempo tinha aceitado o fato de que viveria os restos de seus dias sozinha. Ela não tinha percebido o quanto sentia a falta do odor, da visão, dos sons e dos toques criados por outra pessoa. Ela achava que efetivamente conseguia espantar a solidão.
Agora, ela sabia que a solidão apenas tinha se escondido, estava se fortalecendo, esperando até que as defesas dela estivessem baixas para atacar. Todos os dias e noites em silêncio e sozinha de repente a atacaram. O preço de uma vida. Ela odiava esses dias. Odiava todos eles e o homem cujas ações a tinham condenado a solidão.
Ela de repente se sentia sem atrativos e defeituosa, desejando coisas que ela nunca tinha conhecido: o sorriso do marido, o riso de crianças.
O olhar de Austin se moveu para os lábios dela, o azul de seus olhos escurecidos até que ela sentiu o calor de um fogo, queimando e brilhando, criando ao mesmo tempo em que consumia. Ele abaixou a cabeça ligeiramente e os lábios dela se separaram.
—Tão doce—, ele sussurrou, e ela se perguntou se dentro das palavras, ela tinha ouvido um pedido de desculpa.
Então sua boca estava apertada contra a dele, morna, suave, úmida, e ela teve seu primeiro gosto de um homem. Bem no fundo, ela sorriu. Ele tinha gosto de morangos.
Então ele aprofundou o beijo, e quando a língua buscou a dela, ela ficou na ponta dos pés, e envolveu o pescoço dele com os braços e deu a ele tudo o que ele pedia.
Ele gemeu do fundo da garganta e ela sentiu a pressão do peito dele contra os seios dela. O braço dele serpenteou em torno dela, apertando-a para mais perto de si.
Ela nunca tinha sido imprudente, entretanto a solidão nunca tinha sido tão grande, nunca a tinha consumindo tanto. Ela nunca tinha sentido a necessidade de sentir segura, nunca tinha sentido com tanta força a necessidade de ser amada. Ela não se iludia. Ele não a amava. Nos olhos dele, ela viu o reflexo da solidão. Eles tinham corações parecidos que eram assombrados por um passado que tinha roubado seus sonhos. Ainda assim, ele partiria e nunca olharia para trás.
E com esse pensamento, ela achou conforto. Ela podia aceitar o que ele oferecia, sabendo que ele nunca descobriria os segredos que o assassino a tinha forçado a esconder bem fundo. Austin Leigh nunca a olharia com repugnância. Daqui a anos, quando ela desse vazão as memórias deste homem, ela apenas veria o desejo que escurecia o azul de seus olhos.
A boca se arrastava junto à garganta, os beijos apertados contra a carne sensível embaixo da orelha. —Tão doce—, ele repetiu com a respiração rota, como se uma ladainha comandasse suas ações.
Ele a guiou para a cama, tirando rapidamente as roupas restantes em seu corpo antes de deitá-la. Mantendo o olhar dela, ele lentamente desabotoou a calça comprida como se desse a ela tempo para dizer a ele que o que ele estava oferecendo, não era o que ela desejava.
Mas ela queria, mais do que ela já tinha desejado algum dia, fugir da solidão. Quando ele estirou o corpo magro e alto ao lado do dela, ela nunca tinha parecido tão minúscula, tão delicada. Ele envolveu os seios dela com a mão, moldando os contornos enquanto a boca provocava e atiçava. Desejo cresceu dentro dela, forte o suficiente para enviar a solidão para o esquecimento. Por uma noite, ela teria o que nunca poderia ter novamente: o toque de um homem, palavras sussurradas de um homem, a força e a habilidade de um homem de manter a solidão à distância.
A boca desceu até a dela, firme, devoradora, mas as mãos permaneciam gentis, como se ela fosse feita de cristal. Ela arrastou os dedos pelos músculos firmes dos ombros dele, cravando os dedos em suas costas, com cuidado para evitar o ferimento que tinha criado um laço entre eles.
Quando a mão dele desceu rapidamente até a barriga dela, ela estremeceu. Quando ele a tocou intimamente, ela ofegou, os dedos dele fizeram promessas que ela sabia que o corpo dele cumpriria.
Ele se moveu até que seu quadril estava aconchegado entre as coxas dela. Então lentamente, cautelosamente, ele uniu o corpo ao dela. A dor era passageira, sentir a totalidade dele a satisfazia. Enquanto se movia contra ela, o passado foi ficando borrado, o futuro que a aguardava tinha perdido a importância. Tudo o que importava neste momento era a união. As sensações que ela nunca tinha sabido que existiam e que os envolvia, passava por dentro dela, criava beleza onde ela só tinha conhecido feiúra. Ela se divertiu com o som dos gemidos guturais dele, sentir suas estocadas firmes, rápidas.
E então ela clamou, se arqueando debaixo dele quando tudo se derramava em êxtase.
Enquanto ele estremecia em cima dela, ela ouviu um nome ser sussurrado com raiva por entre os lábios dele. De repente tudo que tinha passado não significava mais nada… e a solidão aumentou dez vezes mais.
Austin parou, a respiração trabalhosa, o suor brilhando pelo corpo trêmulo, abominação e culpa surgiram dentro dele quando sentiu Loree enrijecer embaixo de seu corpo.
Ironicamente, ele não tinha pensado em Becky quando o nome dela tinha escapado de seus lábios, mas ele não achava que diminuiria a dor em Loree se ele dissesse isto a ela. De fato, ele não conseguia pensar em nada para dizer, nada a fazer que aliviasse a dor que tinha causado a ela—e machucá-la era a última coisa que ele pretendia.
Ele saiu de dentro dela. Ela rolou para o lado, dando as costas para ele e puxou os joelhos na direção do peito. Esticando-se, ele puxou um cobertor e a cobriu.
Ele saiu da cama, pegou as calças curtas, as enfiou, e saiu rapidamente. Ele foi furiosamente para o curral e jogou a palma da mão contra uma viga. O som da madeira vibrando ecoou ao seu redor. Ele bateu na viga novamente. Ele a teria chutado se tivesse se lembrado de colocar as botas. Ele segurou a grade superior do curral, apertou os olhos com força, e pendeu a cabeça.
Ele poderia argumentar que tinha ficado muito tempo sem uma mulher, mas ele sabia que o argumento teria sido uma mentira porque ele sabia que se tivesse estado com uma mulher durante à tarde, ele iria querer Loree à noite.
Ela era incrivelmente doce, pura e inocente… todos os aspectos deliciosos da juventude que um homem perde quando envelhece. Quando ele a beijou, sentiu o toque tentador de sua língua, ele era nessa hora o homem que tinha sido antes da prisão. Um homem que acreditava em bondade. Ela tinha tocado na parte tenra dele que ele teve que esconder a fim de sobreviver dentro das paredes da prisão. Com os braços circulando o pescoço dela, ela tinha enviado as boas intenções dele para a perdição e tinha soltado todos os desejos e necessidades que ele tinha mantido firme sob as rédeas.
E por aqueles poucos momentos de esplendor, quando ele a tinha abraçado bem perto, a solidão que sempre tinha comido sua alma tinha cessado seu banquete.
Até que ele negligentemente tinha sussurrado o nome de outra.
Então a solidão o consumiu uma vez mais e convidou a culpa para o novo banquete.
Ele jogou a palma da mão contra a viga. Por que diabos o nome de Becky tinha escapado de seus lábios? Ela não tinha estado em seus pensamentos. Diabos, ele não estava pensado em nada. Estava apenas sentindo, sentindo com uma intensidade que ele não tinha experimentado em anos. Talvez essa fosse a razão pela qual ele tinha falado o nome dela. Ele sempre tinha associado suas emoções profundas a Becky.
E isso, com toda a certeza, não tinha sido justo com Loree.
Ele até poderia ter conseguido se perdoar se ele tivesse algo a oferecer a ela—mas ele não tinha nada. Que mulher gostaria de se casar com um homem recém saído da prisão? Um homem que não podia provar sua inocência.
Ele não tinha nenhum trabalho, nenhuma perspectiva.
Dentro da mente, ele viu os olhos dourados dela cheios com confiança. Ela queria o conforto que ele tinha a oferecer, e pegando-o, ela o tinha devolvido. Ele nunca tinha desejado saborear qualquer coisa o tanto que ele queria saboreá-la, tocá-la o tanto que ele queria tocá-la, saber o que… Ele achava impossível acreditar que tão pouco tempo tinha se passado desde que ele tinha colocado os olhos sobre ela pela primeira vez.
Novamente ele jogou a palma da mão contra a viga. Quando a mão dele agarrou a viga, uma mão delicada cobriu a sua.
—Você vai quebrar a mão se não tiver cuidado—, ela disse baixinho.
O coração de Austin bateu tão alto que ele apenas ouvia o som dos grilos. Loree estava de pé sob o luar pálido, o olhar atento. Ela tinha colocado uma camisola e jogado um cobertor por sobre os ombros.
—Não creio que seria uma grande perda—.
Ela tomou a mão dele, a girou e deu um beijo apertado contra o centro da palma. —Eu discordo—.
—Loree—
—Está tudo bem. Eu estava pensando em outra pessoa também—.
As palavras dela atravessaram o coração dele como uma faca bem afiada entrando profundamente, a dor o pegando com a guarda baixa. Ele sabia que as merecia, sabia que ela tinha todo o direito de dizê-las a ele, mas ele não gostou de ouvi-las. —Em quem você estava pensando?—.
Ela angulou o queixo desafiadoramente. —Jake—.
Ele ouviu um leve vacilo na voz dela e soube sem qualquer sombra de dúvida que ela estava mentindo. Se ela estava tentando machucá-lo ou salvar um pouco do próprio orgulho, não importava. Ele devolveria e ela o que pudesse.
—Então ele é um homem incrivelmente sortudo—, ele disse, surpreso pela aspereza na própria voz.
Ela voltou o olhar para os pés nus. —De qualquer maneira, não há nenhuma razão para você dormir aqui fora. O celeiro provavelmente ainda está úmido—.
Até mesmo agora, depois que ele a tinha machucado, ela estava mais preocupada com ele do que consigo mesma. —O sono não vem fácil para mim—.
—Para mim também—.
Ele balançou o rosto dela, e com o dedo polegar, enxugou uma lágrima que brilhava num canto do olho. —Nós somos uma dupla e tanto, hein?—.
Ela deu a ele um sorriso hesitante e concordou com a cabeça. Ele embalou as bochechas dela e abaixou a boca até a dela, dando o beijo como forma de desculpa que ela não aceitaria com palavras. Ela oscilou na direção dele e colocou os braços ao redor de seu pescoço.
Ele arrastou os lábios junto à garganta dela até que alcançou a curva do ombro. —Loree, saiba que eu nunca tive a intenção de machucar você—.
—Eu sei—.
Ele deslizou o braço por baixo dos joelhos dela e a ergueu. Embalando-a bem perto, ele a levou para casa. Com o pé, ele fechou a porta atrás de si e caminhou para o quarto.
Cuidadosamente ele a deitou na cama. Ela se virou para o lado, e ele jogou o cobertor por cima dela. Ele caminhou para o outro lado da cama. E sem remover a calça comprida se deitou em cima das cobertas e jogou o braço ao redor dela. Ela enrijeceu. Ele deu um selinho no topo da cabeça dela. —Eu vou apenas abraçar você, Loree. Acredite ou não, isto era tudo o que eu tinha intenção de fazer quando entrei em casa mais cedo procurando por você—.
Ele ouviu um soluço abafado e apertou os braços ao redor dela. Outro soluço veio. Cuidadosamente, ele a virou em sua direção. —Venha aqui, docinho—.
Ela rolou dentro do círculo dos braços dele e apertou o rosto contra seu peito. As lágrimas mornas molharam a pele dele.
—Eu sinto muito, Loree. Eu sinto tanto—.
Os soluços ficaram mais altos, as lágrimas fluíram mais livremente, e ele pôde fazer muito pouco além de abraçá-la bem perto, sabendo que ele era a causa de sua aflição.
Um estrondo despertou Loree de um salto. Com o nariz entupido e os olhos ardendo, ela rastejou para fora da cama. A luz do sol da manhã passava pelas cortinas.
Ela ouviu outro impacto. O que raios Austin estava fazendo para si mesmo agora?
Ela correu para fora da casa e parou tropeçando. Levantando a mão para proteger os olhos do clarão da manhã, ela olhou para o homem que botava abaixado o telhado do celeiro dela. Ele soltou uma tábua e a lançou no chão. —O que você está fazendo?—, ela gritou para ele.
O peito nu, ele se virou e empurrou o chapéu para fora da testa com o dedo polegar. —Achei que você queria queimar o celeiro—.
—Eu quero—.
—Então eu planejo queimá-lo. Achei que seria mais fácil fazer pilhas de madeira para nós podermos administrar melhor sem as árvores o cercando—.
—Você vai abrir seu ferimento das costas—.
—Essa preocupação é minha—.
—Será minha preocupação se infeccionar—.
Ele esfregou o dedo polegar em cima da cabeça do martelo, estudando-o. Então ergueu o olhar sério para ela. —Eu partirei assim que terminar com o celeiro—.
Ela ouviu o remorso atado em sua voz, e seu coração apertou como se soubesse que tinha um sonho que não poderia alcançar. Ela sempre soube que ele partiria. Ainda assim ela não esperava que ele pudesse levar uma parte dela com ele. —Eu farei o café da manhã—.
—Apenas café para mim—.
Ele retornou a sua tarefa. Por vários minutos ela o assistiu trabalhar e percebeu que embora a noite anterior tivesse causado sua angústia, ela não tinha nenhum remorso. Apesar do fato de já ter estado na prisão, ela sabia que ele era um bom homem, honrado da sua própria maneira.
E ela se perguntou se a mulher que ele tinha amado alguma vez tinha pensado sobre ele dessa forma, e se ela verdadeiramente conhecia o lugar que tinha no coração dele.
Ela caminhou para a casa, esfregou o rosto, escovou e trançou o cabelo, e colocou um vestido limpo. Foi até a cozinha e começou a preparar seu mingau de aveia matutino. A vida dela era cheia de rotinas. Ela tinha que se lembrar de não colocar uma tigela com comida para Digger, mas ela não conseguia parar de escutar seu latido. Ela sutilmente sentia sua ausência enquanto trabalhava pela cozinha, nunca o achando sob os pés. Ele nunca mais perseguiria outra borboleta ou lamberia sua mão.
As lágrimas brotaram em seus olhos e aumentaram quando ela colocou uma xícara de café na mesa e viu o açucareiro que ela tinha deixado do lado de fora na noite anterior. Ela se lembrou de tê-lo derrubado, derramando seu conteúdo pela colcha. Ela passou o dedo ao redor da beirada. Agora ele estava cheio.
Que tipo de homem era Austin Leigh para se dar ao trabalho de recuperar sua tigela e enchê-la com açúcar?
Ela ouviu o som das botas dele deslizarem pela sua varanda e pisar na entrada da porta. —Seu café está pronto—, ela disse a ele, evitando seu olhar, virando para o fogão para jogar o mingau de aveia na tigela. Ela escutou quando ele puxou a cadeira e se sentou, um gesto que parecia mais íntimo depois da noite que eles tinham compartilhado.
Ela se sentou à mesa e, com dedos trêmulos, ergueu a colher e começou a polvilhar o açúcar em cima do mingau de aveia. Ela sentiu o olhar dele fixo nela, mas não conseguiu se forçar a olhar para ele.
—Loree, sobre ontem à noite—
—Eu prefiro não discutir isto—. Ela perdeu a conta do número de colheradas de açúcar e decidiu que não importava. Ela apenas despejaria o açúcar até que não visse mais a aveia.
—Eu não tenho nada para oferecer a você, Loree—.
Ela repentinamente levantou o olhar até o dele. Ele tinha tirado o chapéu e colocado uma camisa. O cabelo preto enrolava em cima do colarinho. Ela desejou ardentemente passar os dedos nele. —Eu não me lembro de ter pedido nada—.
Os olhos dele estavam sombrios. —Você não pediu, mas você merece tudo—tudo o que um homem daria a uma mulher se pudesse—.
—Você não me forçou. Eu sabia o caminho que estava seguindo—.
—Eu disse a você que às vezes um homem faz escolhas quando não sabe o preço a pagar. Você sabe o preço?—.
Ela abaixou o olhar para o mingau de aveia. —Não—, ela admitiu tranquilamente. —Mas eu pagaria novamente—. Olhando para ele, ela forçou um sorriso trêmulo. —Embora eu não sabia como vou olhar para Dewayne na próxima vez que ele vier depois do que ele disse ontem—.
—Você não pode olhar para uma mulher e saber se ela já compartilhou o corpo com um homem—.
Compartilhar. Ela se sentiu como se não tivesse dado nada e tivesse tomado tudo. —Às vezes você diz as coisas de um jeito que eu fico me perguntando se você era um poeta—.
Ele agitou a cabeça. —Eu não tenho nenhum talento com palavras. Ontem à noite serviu como uma evidência disto. Eu aprecio o café. É melhor que eu volte para o celeiro—.
Assistindo-o caminhar pela casa, ela se perguntou quanto tempo demoraria a ele sair para nunca mais retornar. Ela empurrou a tigela de mingau de aveia para o lado, descontente com a aparência da superfície. De repente, vorazmente desejando memórias que ela pudesse acumular e levar para longe as noites solitárias, ela se levantou da cadeira e saiu correndo, indo depressa para o curral. O cavalo dele pastava perto. Um animal bonito que pertencia a um homem lindo.
Ela virou a atenção para o celeiro. Com uma melancolia que ela sabia que não deveria sentir, ela assistiu Austin trabalhar. Na noite anterior ela tinha recebido uma amostragem do que ela nunca teria. Ela não queria desejar tão intensamente algo que nunca poderia ter.
—Pegue o querosene!—.
Loree voltou para o presente quando Austin subiu sinuosamente pelo celeiro.
—Vá buscar alguns cobertores velhos, também—, ele disse a ela. —Eu vou pegar alguns baldes com água—.
—Não há muito para queimar—, ela disse, estudando a pilha escassa de madeira rota.
—Achou melhor que a gente comece com pouco fogo até que saiba até onde pode controlar—.
Ela foi buscar o querosene e os cobertores como ele tinha instruído, retornando a tempo de vê-lo colocar o último balde com água no lugar. Ele tomou o querosene dela e molhou a madeira. Suor brilhava em suas costas bronzeadas, e ela se preocupou com seu ferimento. Não parecia tão severo quanto na véspera, mas ela estava certa de que iria deixar uma cicatriz dentada.
Quando ele terminou, mostrou um fósforo. —Quer ter a honra?—.
Ela movimentou a cabeça aos solavancos. Ele levantou o pé, riscou o fósforo na sola da bota e o deu para ela. Ela se aproximou o máximo que se atrevia e jogou o fósforo sobre a madeira encharcada com querosene. Ela assistiu a chama crescer e se estender através da pira. A madeira crepitou e escureceu. A fumaça subiu em direção às nuvens. Ela cruzou os braços sob os seios, sentindo como se estivesse finalmente fazendo algo para pôr o pesadelo no descanso eterno.
O celeiro tinha sido uma lembrança pavorosa de como aqueles que ela amava tinham morrido. Ela odiava a corda acima de tudo, mas ela nunca conseguiu se forçar a tocá-la.
—Eu quero queimar a corda, também—, ela sussurrou aos arrancos nunca tirando os olhos da chama ígnea.
Ele colocou os braços ao redor dela, trazendo as costas dela contra seu peito. Ela deu boas-vindas à força do seu abraço. Ele encostou os lábios ligeiramente nas têmporas dela. —Já está queimando—.
Suas palavras não a surpreenderam. De alguma maneira, ele parecia capaz de antecipar as necessidades dela antes que ela soubesse que as tinha. —Meu irmão era tão jovem. Eu desejava que ele tivesse me enforcado ao invés dele—.
Os braços de Austin se apertaram ainda mais ao redor ela. —É por isso que você vive aqui sozinha—para se castigar por ter vivido quando eles morreram?—.
Ela manteve o silêncio porque ele tinha a habilidade misteriosa de entendê-la muito mais do que qualquer outra pessoa já tinha.
Suavemente, ele a girou dentro dos braços, dobrou os dedos embaixo do queixo dela e jogou sua cabeça para trás.
—Loree, eu escutei você falando sobre sua família. Eu sei que você os amava. Para você amá-los tanto quanto fazia, eles tinham que te amar em retorno. Eles não iriam querer que você vivesse aqui sozinha—.
Olhando em seus olhos sérios, ela desesperadamente queria explicar tudo—o medo, a fúria, o ódio. Com certeza um homem que tivesse a vida dele a entenderia, mas se ele não a entendesse algo muito pior do que viver sozinha o resto da vida a aguardava.
—Eu estou aqui porque quero estar. Eu estou… contente—. Ou pelo menos ela tinha sido até a noite anterior.
O olhar dele dizia que não acreditava nela. —Eu gastei cinco anos cercados por homens, mas eu estava só porque não existia ninguém com quem eu me importasse, ninguém em quem eu confiasse. Você não tem que viver assim, Loree. Pegue suas coisas e eu te levarei para Austin——
Ela foi para longe dele. —Eu não posso—.
—Por quê?—.
—Porque aquela noite ainda vive dentro de mim! Você não sabe o que eu fiz!—.
—Você sobreviveu—.
Lágrimas queimaram os olhos dela. —Se fosse assim tão simples. Eu estou aqui porque mereço estar. Chame de castigo. Chame de prisão perpétua. Chame do que você quiser. Eu fiz minha decisão e não vou partir—. As lágrimas rolaram pelas bochechas dela. —Apesar do que você achou, eu sabia exatamente o que você queria dizer quando disse que uma pessoa faz decisões sem saber o preço a pagar—mas indiferente a isso, uma vez que você age de acordo com a sua decisão, você ainda assim tem que pagar o preço—. Cinco anos atrás o preço tinha sido os sonhos dela.
—Ainda que custe a sua vida? Loree, seu amigo Dewayne estava certo. Você não sabia nada sobre mim quando aceitou minha oferta de cortar sua madeira por uma tigela de guisado. Eu podia ter tentado machucar você—.
—Eu tomei suas armas—.
Ele deu uma risada melancólica. —Você acha que isso teria me parado?—.
—Digger teria parado você—.
—Você não tem mais o Digger—.
Ela se encolheu com a lembrança.
Ele xingou severamente e a agarrou. —Venha aqui—.
Ela tentou resistir, mas ele era insistente, segurando-a em seus braços e trazendo o rosto dela contra seu peito. —Eu sinto muito. Eu não devia ter dito isto, mas eu estou preocupado com você, docinho. Eu não gosto da idéia de você viver aqui sozinha—.
—Eu ficarei bem—, ela o assegurou, embora soubesse que não era a verdade absoluta. Depois que ele partisse, ela seria mais só do que já tinha sido em toda sua vida.
Ele a segurou, as mãos deslizando para cima e para baixo nas costas, confortante e forte, o silêncio quebrado apenas pelo estalo e crepitar do fogo. Pareceu que uma eternidade tinha passado antes de ele finalmente falar, e quando o fez, era como se a discussão deles nunca tivesse acontecido.
—Eu acho que nós ficaremos bem se mantivermos o fogo pequeno assim. Eu vou voltar ao celeiro, jogar as tábuas, e você poderá alimentar o fogo com elas—.
Soltando-a, ele encontrou seu olhar. —Grite se as coisas saírem do controle—.
Ela movimentou a cabeça, muda, sabendo que trabalhando com ele, apressaria sua partida. Sabendo que todas as vezes que ela olhasse nas profundidades de um fogo, ela veria o azul dos olhos dele.
Ao anoitecer Loree estava exausta, mas ela sentia um pouco de paz. Mais da metade do celeiro estava queimando em brasas.
Ela deitou na cama, se enrolou embaixo das cobertas, escutando enquanto Austin se movia no cômodo dianteiro. Depois da ceia, ele tinha arrastado a banheira e a ajudado a encher com água quente. Enquanto ele cuidava do cavalo e mexia nas cinzas mais uma vez, ela apreciava o luxurioso calor da água e se mimava usando um sabão francês que tinha guardado em seu baú da esperança.
Quando ela se secou e pôs uma camisola limpa, abriu a porta para descobrir que ele estava sentado nos degraus.
—Você se importaria se eu tomar um banho?—, ele perguntou tranquilamente, e ela não pôde mais ignorar aquele apelo em seus olhos implorando para que ela confiasse nele e ignorasse o sol que estava descendo no horizonte.
Agora ele estava se banhando, e tudo que ela conseguia pensar era na água que livremente batia no peito que ela tinha tocado. Ela o imaginava se barbeando, penteando o cabelo e deslizando dentro das calças curtas.
Ela se perguntou aonde ele iria dormir hoje à noite, e continuamente se perguntava onde ela gostaria que ele dormisse. Ela ouviu várias pancadas seguidas pelo som de algo raspando então ela soube que ele estava esvaziando a tina e a levando. Ela segurou a respiração, esperando, escutando, imaginando.
A casa ficou muda. Virando o corpo, ela apertou o rosto contra o travesseiro em um esforço de esconder a decepção. Ele a tinha deixado só.
Austin caminhou em torna casa numerosas vezes, procurando pelo sono que não vinha. Ele sabia por experiência que seria muito de achá-lo depois da meia-noite.
Além disso, ele precisava de ar. Loree tinha usado um pouco de sais de banho luxuosos, e embora eles cheirassem doce nela, eles emitiam um cheiro forte que o levava até o paraíso. Senhor, se os irmãos dele sentissem seu cheiro, as gozações nunca acabariam.
Esse pensamento o tinha feito se virar para o noroeste, olhando para uma parte do Texas que estava além de seu campo de visão. Ele se perguntou o que os irmãos estavam fazendo. Sem dúvida, o que quer que fosse, estavam fazendo com as esposas. Ele não invejava o amor que eles tinham em suas vidas, mas ele os invejava por terem a alegria de dormir com uma mulher todas as noites—simplesmente dormir com ela.
Ele nunca tinha dormido com uma mulher noite afora como na noite anterior. Ele achou incrivelmente confortante escutar a respiração suave de Loree depois que suas lágrimas tinham acabado.
Ele desejou nunca ter causado as lágrimas dela. Ele olhou para os escombros que tinham sobrado do celeiro. Pelo menos ele pôde reembolsá-la levando um pouco de suas memórias dolorosas — memórias que ele desejava que ela nunca tivesse possuído.
Com um suspiro fundo, ele se dirigiu à varanda onde tinha guardado seu equipamento mais cedo antes de começar a derrubar o celeiro. Ele pensou em abrir seu catre sob as estrelas, mas a prisão o tinha ensinado que ele deveria apreciar os momentos bons quando eles vinham. E fazia muito tempo desde que ele tinha conhecido qualquer coisa boa quanto Loree Grant.
Loree ouviu a porta se abrir e prendeu a respiração. Ela há muito tempo tinha desistido de achar que Austin se juntaria a ela e tinha apagado a lamparina. Agora apenas a luz pálida do luar se derramava em seu quarto. Ela escutou o som de passos suaves de pés nus ficando mais próximos. Ela sentiu a cama afundar sob o peso dele.
Ele se deitou sobre as cobertas como tinha feito na noite anterior. O braço desceu sobre o corpo dela, firme e pesado. Ela sentiu o calor do peito nu dele contra suas costas através da camisola. Ele apertou a bochecha contra o topo da cabeça dela. Ela ouviu o que pensou ser um suspiro quieto de satisfação seguida por um ronco suave.
Para um homem que dizia que o sono não vinha tão facilmente, ele adormeceu incrivelmente depressa. Contente, ela fechou os olhos e caiu no sono.
Austin despertou próximo do amanhecer. Alguma hora durante a noite, Loree tinha rolado para cima dele. A bochecha dela estava apertada contra o peito dele, a mão enrolada ao lado do corpo dele. A respiração morna dela tocava a pele dele. Nesta manhã seu rosto não estava inchado de chorar e seu nariz não estava vermelho. A tentação de acordá-la com um beijo e fazer amor foi quase maior do que ele podia suportar.
Mas ele a tinha machucado uma vez. Ele não arriscaria fazer isto novamente. Ela merecia um homem cujo coração não era amarrado com o passado.
Ela nunca acharia um homem assim se continuasse a viver aqui sozinha. O que o bastardo que tinha assassinado a família dela tinha feito a ela? Austin sabia que ele não a tinha estuprado mas ele a tinha feito fazer algo que a atormentava. Dee estava certa quando tinha dito a ele que nem todas as prisões vinham com paredes. Austin profundamente desejou possuir a chave que libertaria Loree de seu passado.
Ela suspirou e se aconchegou para mais perto dele. Ele estava tentado a ficar aqui o dia todo, apenas a abraçando, escutando os pequenos barulhos que ela fazia, apreciando seu odor de flores que era parte dela, mas ele se conhecia bem o suficiente para saber que sua resistência estava se debilitando.
E se ele fizesse amor com ela novamente, ele teria que ficar. Na primeira vez, uma necessidade de compartilhar conforto os tinha impulsionado. A culpa o corroía, mas de um modo estranho, ele tinha como se justificar indo embora. Mas se suas necessidades o levassem a se enterrar profundamente dentro dela de novo…
Ele apertou os lábios contra as têmporas dela. Ele precisava ter ido embora ao anoitecer.
Loree assistiu Austin trabalhar como se os cães de caça do inferno estivessem em seu encalço. As placas de madeira caíam por terra com um ritmo fixo. E com cada pancada, ela sabia que ele estava mais próximo de partir.
Próximo ao crepúsculo, eles estavam de pé assistindo as brasas morrerem lentamente. Loree envolveu a barriga com os braços. —Eu deveria ter feito isso há muito tempo atrás—. Ela virou e encontrou o olhar dele. —Obrigada—.
Ele tocou a bochecha dela. Sorrindo de uma forma estranha, ele pendeu a mão para o lado. —Você tem um pouco de fuligem na bochecha. Achei que poderia limpar, mas eu acabaria sujando mais. Parece ser um hábito meu—.
—Acho que um banho seria bom então—.
Ele bateu o chapéu contra a coxa. —Não pra mim. Não hoje à noite—.
Ele andou a passos largos e passou por ela em direção à varanda. O coração dela se apertou enquanto ele erguia a sela e com passos longos e determinados se aproximava do garanhão.
—Com certeza, você vai querer comer antes de partir—, ela disse embora soubesse que quanto mais ele ficasse, mais difícil seria vê-lo ir.
—Eu arranjarei algo na cidade—.
Ela torceu as mãos juntas. —Será meia-noite antes de você chegar lá—.
—Eu acharei algo—. Ele colocou a sela no lugar e soltou o estribo. Ele atirou o alforje por cima da anca do cavalo.
—Prometa-me que você vai deixar um médico olhar suas costas—.
Ele parou. —Eu não valho a pena sua preocupação, Loree—.
—Prometa-me—, ela repetiu obstinadamente.
Ele deu uma olhada por cima do ombro e sorriu, o primeiro sorriso genuíno que ela tinha visto cruzar seu rosto, e ele quase roubou a respiração dela. Ela desejou que ele tivesse dado o sorriso a ela ao meio-dia em vez de no final do crepúsculo quando não seria nada além de uma memória sombreada.
—Eu prometo—, ele disse.
—Você cumpre suas promessas, não é?—.
—Todas que fiz—.
—Então me prometa que você cuidará de si mesma também—.
—Só se você me prometer fazer o mesmo—.
Ela concordou com a cabeça, a garganta comprimida com tudo que ficava sem ser dito. Como ela conseguia ter feito algo tão íntimo com um homem e não sabia como dizer a ele tudo o que queria que ele soubesse?
—Pense em se mudar para a cidade—, ele disse tranquilamente.
—Eu não posso—.
—Uma mulher como você merece mais do que memórias em sua vida—
—Você precisa ir antes que fique muito escuro—, ela sussurrou, as lágrimas ardendo atrás de seus olhos.
—Quando eu acabar meus negócios em Austin, eu poderia parar por aqui na volta ——
—Não—. Ela agitou a cabeça enfaticamente. —Seria melhor se você não fizesse isso—.
—Eu vou me preocupar com você, Docinho—, ele disse com a voz baixa como se não se sentisse confortável admitindo sua preocupação.
—Eu ficarei bem—, ela o assegurou.
Ele deu um aceno com a cabeça brusco e, com um movimento flexível, subiu na sela. —Se você precisar entrar em contato comigo—por qualquer motivo—eu estarei no Hotel Driskill—.
—Esse é luxuoso—.
—Foi o que ouvi—.
Ele tocou a ponta do dedo na borda do chapéu. —Senhorita Grant, sem sombra de dúvida, é a mulher mais doce que eu já conheci—.
Ele colocou o garanhão preto em galope.
Loree assistiu ele desaparecer no crepúsculo que desvanecia. Então ela ficou de joelhos e chorou. Ele estava errado. Uma mulher como ela não merecia mais do que memórias na vida.
Ela merecia ser enforcada.
Austin caminhou pelas ruas da capital do estado se perguntando o que diabos ele achava que estava fazendo. Sua experiência em achar algo era limitada a achar esterco de vaca nas planícies do West Texas. Dallas o tinha ensinado a usar um rifle, arma e faca mas até essas habilidades eram inúteis aqui. Ele tinha deixado sua arma de fogo no alforje no quarto no hotel.
Ele chegou próximo a meia-noite, se registrou ansioso em um quarto e dormiu pela noite. Ele estava cansado até os ossos e esperava adormecer assim que sua cabeça batesse no travesseiro.
Mas o travesseiro não cheirava como a delicada cama de Loree. Apesar de ser confortável, não tinha a coisa que ele desejava: uma dama tão minúscula que de alguma maneira tinha conseguido deslizar por debaixo dos muros que cercavam seu coração.
Era absurdo gostar tanto dela quanto ele gostava depois conhecê-la por tão pouco tempo, mas ele não conseguia tirá-la da cabeça. Todas as vezes que ele ouvia um riso suave, ele girava achando que era ela. Quando ele passava por uma mulher na rua, ele as comparava com a mulher que tinha cuidado de seu ferimento—e ele as achava carentes. Nenhuma carregava um sorriso sincero. Nenhuma caminhava sem pretensão. Ele não podia ver os dedos de seus pés nus, as bochechas queimadas, ou os olhos dourados cheios com lágrimas.
E ele queria o que não podia ter: ver aqueles olhos inundados de felicidade. Mas até o pensamento de ir até ela não tinha nenhum lugar no coração dele já que ele não tinha nada a oferecer a ela. Ele só traria mais dor até que limpasse seu nome. Se ele a levasse para Leighton, ela teria que suportar os olhares suspeitos que seguiriam os passos dele. A sombra do passado dele a tocaria, e ele não conseguiria suportar a idéia. Com essa realização, sua determinação em achar o assassino de Boyd McQueen aumentou.
Ele caminhou através das portas de uma taverna e começou a se sentir mais em casa. As tavernas não diferiram tanto de uma cidade para outra.
Enxugando um copo, o garçom ergueu uma sobrancelha escura. —O que posso fazer por você?—.
Austin balançou a cabeça em direção à placa em cima do bar que ostentava BARTON SPRINGS UÍSQUES DE ÓTIMA QUALIDADE.
—Eu beberei um uísque—.
O garçom sorriu. —Boa escolha—.
Ele despejou a bebida fermentada de cor âmbar em um copo e o colocou na frente de Austin. Austin se debruçou para frente, colocou os cotovelos por sobre o contador e envolveu o vidro com as mãos. —Você tem muito trabalho aqui?—.
O garçom concordou com a cabeça. —Principalmente de noite. Não muito durante o dia—.
—Você poderia dizer por aí que eu estou pagando cinquenta dólares para qualquer um que saiba qualquer coisa sobre um homem chamado Boyd McQueen?—.
O garçom do bar chupou a ponta do bigode com o canto da boca e começou a mastigá-lo, os olhos estreitando pensativos. —Outro cara está pagando quinhentos—.
O estômago de Austin se contraiu com força. —Que cara?—.
O garçom do bar movimentou a cabeça em direção à parte de trás. —O cara naquela mesa no canto—.
Austin girou e estudou o homem que se sentava em uma mesa distante. Usando uma jaqueta preta e colete de brocado vermelho, ele lembrava a Austin um jogador. Os dedos agilmente colocavam uma carta atrás da outra na mesa.
—Ele apenas senta lá e joga baralho sozinho o dia todo—, o garçom do bar disse.
—Eu tomarei a garrafa de uísque—, Austin disse enquanto colocava o dinheiro sob o balcão e agarrava o pescoço da garrafa junto com um copo. Ele andou relaxadamente através do chão de taco, as esporas chiando. Ele achou conforto no som que não tinha ouvido por cinco anos. —Ouvi dizer que você está procurando por informações sobre Boyd McQueen—.
O homem levantou os olhos das cartas, alfinetando Austin com seu olhar escuro. —Sim—.
—Descobriu alguma coisa até agora?—.
—Não—.
Não apreciando as respostas breves do homem, Austin tentou manter-se calmo. —Quinhentos dólares é muito dinheiro—
—Não vai sair do meu bolso—.
A suspeita espreitava atrás da mente de Austin. —De quem você vai receber?—.
—Do seu irmão—. Com a ponta da bota, o homem empurrou uma cadeira para longe da mesa. —Sente-se—.
—Você é o detetive que Dallas contratou?—.
—Sim—.
Cautelosamente Austin sentou na cadeira. —Como você sabia quem eu era?—.
—Você tem os olhos do seu irmão—.
Austin lançou um suspiro de desgosto. —Não é nenhuma maravilha você não ter localizado a pessoa que assassinou Boyd. Dallas tem olhos marrons—. Ele se debruçou adiante, abrindo os olhos bem largos. —Os meus são azuis—.
—Eles têm o mesmo formato, e os dois mostram homens de pouca paciência. Você tem sobrancelhas espessas, queixo quadrado e um maxilar que se aperta quando está irritado—. Com uma mão, ele varreu as cartas estendidas sobre a mesa e as reorganizou com um movimento silencioso. —E você caminha como um homem que acabou de passar cinco anos na prisão e não sabe se pode confiar em alguém—.
Austin abaixou o uísque, encheu o copo novamente, e despejou o líquido âmbar no copo vazio que estava ao lado do braço do homem. Ele particularmente não gostava do fato do homem o tê-lo resumido tão facilmente e corretamente. Com o povo da cidade realmente achando que ele tinha sido capaz de assassinar e depois da traição de Becky, ele tinha perdido muita confiança na espécie humana. Embora o toque de Loree certamente o tivesse feito querer acreditar no valor das pessoas. —Dallas não me disse seu nome—.
—Alexander Wylan—.
—O que o trouxe para esta cidade?—
—Seu irmão me mandou um telegrama—.
Austin se debruçou para frente. —O que você acha da minha teoria de que Boyd quis dizer esta cidade e não o meu nome quando escreveu 'Austin' no chão?—.
Wylan jogou as cartas na mesa e bebeu todo o uísque do copo antes de encontrar o olhar de Austin. —Eu estou aqui, não estou?—.
—Mas você acha que é besteira—.
Wylan agitou a cabeça e pacientemente começou a arrumar as cartas, uma face para baixo e seis para cima. —Eu admito que quando eu recebi o telegrama do seu irmão me dizendo o que você pensava, eu ri alto, mas estou tão desesperado quanto você e da mesma maneira estou irritado. Nunca tinha levado mais do que seis semanas para resolver um caso. Este aqui está demorando muito tempo e está arruinando minha reputação, sem mencionar o meu orgulho. Se McQueen não tivesse escrito seu nome no chão, eu diria que ele estava no lugar errado, na hora errada e um vagabundo teria sorte—.
Austin esfregou as mãos de alto a baixo no rosto. —Mas ele escreveu meu nome. Maldição, eu desejava que meus pais estivessem morando em Galveston quando eu nasci—.
Wylan riu. —É, poderia ter economizado a todos nós vários problemas—.
Austin tomou um gole do uísque. —Você não descobriu nada mesmo?—.
—Infelizmente, não—.
—Então o que faremos?—.
Wylan começou a virar cartas e reorganizar as outras que estavam na mesa. —Nós esperamos—.
Saber esperar nunca tinha sido um ponto forte de Austin. Ele achava que os guardas da prisão tinham feito a paciência descer na goela abaixo dele, mas agora que ele era uma vez mais dono de si—não mais um escravo do estado — a impaciência tinha se tornado sua companheira.
Ele gastou três dias caminhando nas ruas, conversando com as pessoas das tavernas. Quanto pior a taverna, mais esperança ele tinha de encontrar alguma informação. Embora Boyd McQueen parecesse uma pessoa respeitável na comunidade, ele possuía um lado mais escuro que fazia as entranhas de Austin se revirarem. Ele tinha que admitir que não o aborrecia o fato de o homem ter tido um fim intempestivo. Ele apenas lamentava que ele tivesse sido a pessoa a pagar por esta morte.
Ele esperava que agora ele já tivesse um vislumbre de informações. Ele passou pelo o correio e abordou os estábulos Griedenweiss. Ele tinha uma necessidade de montar firme e forte pelas colinas, sentir os cascos de Trovão Negro batendo no chão embaixo dele, levando-o para longe de uma indagação enganosa em direção a… um futuro desconhecido.
Pelo canto do olho, ele viu um movimento leve e virou o olhar. Um menino com não mais do que sete anos estava puxando uma caixa de madeira ao longo da passarela de madeira. Havia uma placa pendurada na caixa.
VENDO FILHOTES DE CACHORRO
25 CENTAVOS
Austin mudou de direção, andou largadamente até o outro lado da rua, e facilmente alcançou o menino. —O que você tem aí?—, ele perguntou.
O menino parou e enrugou a testa. —Você não lê?—.
Austin sorriu. —Sim, eu leio. Que tipo de cachorros são estes?—.
A confusão encheu os olhos marrons do menino enquanto ele passava o nariz na manga da blusa. —Um com quatro patas e um rabo—.
Sufocando um riso, Austin se agachou ao lado da carroça. O menino obviamente não sabia muito sobre raças. Austin estudou os dois filhotes de cachorro que caíam em cima um do outro. Um minúsculo marrom e branco o atraiu. Ele levantou o cachorro e o estudou por todos os ângulos.
—Esse é um menino—, a criança disse a ele.
—Sim, eu posso ver. Qual o tamanho da mãe dele?—.
O menino levantou a mão até a altura de sua cintura. —Desse tamanho—.
—Acha que ele será um bom cachorro de caça?—.
O menino concordou com a cabeça vivamente. Austin percebeu que ele não sabia se o cachorro seria bom em caçar, mas ele precisava se livrar dele. O filhote de cachorro se torceu, latiu e mordeu o dedo polegar de Austin. Um lutador. Ele gostou disto. —Eu ficarei com este aqui—.
—O outro é melhor—, o menino disse.
—Por quê?—.
—Por que o outro é uma menina. Se você ficar com ela, um dia você vai poder ter mais cachorros que não custarão nada—.
Rindo, Austin endireitou o corpo e tirou do bolso uma moeda. —Eu só preciso de um—.
Ele deu a moeda de prata para o menino. —Não gaste tudo em um só lugar—, Austin disse colocando o cachorro embaixo do braço.
Se sentindo mais contente do que em vários dias, Austin andou relaxadamente até o estábulo onde tinha deixado Trovão Negro aos cuidados de seus funcionários. Ele montou no cavalo e colocou o cachorro entre suas coxas. Então ele virou o garanhão para oeste e o colocou em um galope tranquilo.
Ele alcançou seu destino quando o sol começava a pintar sua despedida através do céu. Tinha sido muito tempo desde que ele tinha pensado sobre o pôr-do-sol como qualquer outra coisa exceto o sol se afundando, ainda assim ele quase imaginou ouvir a bola ígnea anunciar o fim de sua jornada diária.
O coração dele bateu mais forte quando a casa surgiu, ele colocou Trovão Negro num galope de passeio. Ele viu Loree sentada na varanda, os cotovelos sobre os joelhos, o queixo embalado na palma da mão enquanto olhava para o horizonte. Sua trança estava jogada por sobre o ombro, a ponta enrolada próxima à cintura. Como se sentindo sua presença, ela se endireitou e olhou em sua direção. Lentamente, ela ficou de pé, um sorriso tentativo tocando seus lábios. —Oi—.
O coração dele parecia que tinha sido apertado por um punho forte. Ele parou o cavalo próximo à varanda. —Olá—.
Ela cruzou um pé nu sobre o outro e pôs as mãos nas costas, se esticando e fazendo o vestido se esticar por sobre seus seios. A boca de Austin ficou tão seca quanto o West Texas em agosto.
—Você achou o homem que estava procurando?—.
—Não—.
Ela estudou Trovão Negro, a testa delicada franzida em curiosidade óbvia. —O que você está segurando?—.
Austin deu uma olhada para a coxa. —Cachorro—.
Desmontando, ele se lembrou de um tempo quando conseguia falar mais do que uma palavra sem sua garganta se fechar. Ela o tinha persuadido a não retornar, e ele tinha ficado desconfiado das boas-vindas que ela daria a ele. Ele não a teria culpado se ela pegasse um rifle e atirasse nele dessa vez. Embalando o animal na palma da mão, ele o estendeu na direção dela. —É para você—.
Lágrimas brotaram nos olhos dela, e o sorriso hesitou antes de retornar mais brilhante do que antes. Ela tomou o filhote de cachorro e o esfregou contra a bochecha. —Ele é bonito—.
Ela sentou na varanda e colocou o cachorro em seu colo, correndo as mãos pequenas pelo pelo marrom e branco do animal, e Austin sentiu uma pontada de inveja.
Ela se debruçou para perto do cachorro. —Você tem um nome?—, a língua rosa serpenteou para fora e ele lambeu o queixo e o nariz. Loree riu e Austin sentiu uma seta de pura alegria perfurar sua alma. Ela olhou para ele. —Ele tem um nome?—.
Austin foi até a varanda, mantendo uma distância respeitosa, sabendo que era absurdo se preocupar sobre respeitabilidade depois do que eles tinham compartilhado. —Entre a cidade e aqui, eu estava o chamando de Two-Bits[2]. Foi isso que ele me custou—.
—Two-Bits—, ela repetiu enquanto arranhava as orelhas pequenas do cachorro. O corpo do cachorro visivelmente estremeceu e soltou um som profundo da garganta que fez Austin trocar de posição na varanda, perguntando-se o que precisaria fazer para que Loree passasse as mãos nele.
Ela estudou Austin. —Obrigada—.
—O prazer foi meu—. Era verdadeiramente um prazer ver os olhos brilhantes como ouro tocados pelo sol, e ele desejou ter mais para oferecer a ela. Ela voltou a atenção para o cachorro, e Austin trocou o olhar para o pôr-do-sol, percebendo o porquê de ter vindo. Na cidade, cercado por pessoas, a solidão era afiada e crescia. Mas aqui nesta varanda, sentando ao lado desta mulher, a solidão ia para longe.
—Você e Becky estavam comprometidos?—.
Ele virou rápido a cabeça e encontrou o olhar hesitante dela. Ela lambeu os lábios. —Eu estava apenas curiosa. Eu sempre pensei que eu conheceria tudo sobre um homem antes de…—
Até sob a luz desvanecendo, ele viu o embaraço incendiar as bochechas dela. Ele a viu tragar.
—Apenas parece que nós… pulamos algumas etapas—, ela disse suavemente.
Ela lutou para manter o olhar dela e seu coração vacilou. Ele a devia. Mais do que poderia pagar. Inclinando para frente, ele apoiou os cotovelos nas coxas e apertou as mãos firmemente juntas. —Não, nós não estávamos comprometidos. Nós falamos em casar mas nunca anunciamos. Acho que eu pensei que seria assim mas que ainda não estava na hora—.
—Você conheceu o homem com quem ela se casou?—.
—Era o meu melhor amigo—.
A condolência encheu os olhos dela. —Isso deve ter sido tão duro—perder Becky e seu melhor amigo—.
Ele encolheu os ombros. —Eu sempre disse a Cameron que ele precisava cuidar de Becky se eu não pudesse. Acredito que ele levou minhas instruções ao pé da letra—. Ele mexeu o maxilar de um lado para outro, sabendo que devia parar, mas esta mulher tinha um jeito de fazê-lo querer continuar a falar. —Eles têm um filho. Doeu quando eu o vi pela primeira vez. Então, pensei…—
Ela se debruçou na direção dele. —O que você pensou?—.
A boca ficou seca e ele olhou para as pontas desgastadas de suas botas. —Que talvez ela não estivesse dormindo nos braços do Cameron de noite—. Ele desatou as mãos, com medo de que a tensão que passava nelas quebrasse um osso.
—Você acha que ela é feliz?—.
Ele enxugou as mãos nas coxas. —Eu espero que seja—. Estudando-a, ele deu um sorriso triste. —De verdade, eu desejo que seja—.
Alcançando ele, ela entrelaçou os dedos nos dele. —Imagino que ela deseje o mesmo para você—.
Estranhamente, ele pensou que ela estava provavelmente certa. Ele fechou os dedos suavemente ao redor dos dela e esfregou o dedo polegar da mão livre de um lado para outro nos nós dos dedos dela. —Então me conte sobre Jake—.
Ela juntou as sobrancelhas. —Jake?—.
Uma alegria injustificada o acertou, e ele teve que lutar para manter o sorriso guardado dentro do peito e manter o rosto sério. Ele suspeitou que não existisse nenhum Jake na vida dela. —Sim, Jake. Lembra? Você estava pensando nele—
Os olhos dela se arregalaram. —Ah, Jake—.
Ela tentou puxar a mão, mas Austin a apertou. —Então me conte sobre ele—.
O cachorro caiu do colo, bateu no chão com um ganido e se esticou depois de levantar. Loree parou de lutar e abaixou o olhar para os pés nus. —Não há nenhum Jake—.
Austin deslizou o dedo embaixo do queixo e jogou o rosto dela para trás até que o olhar dela encontrasse o dele. —Eu suspeitei disso—.
—Por quê? Por que eu sou sem-graça?—.
—Você não é sem-graça, Loree. Há algo em você—uma doçura que borbulha lá do fundo. Toca seus olhos, seus lábios. Quando um homem tiver o seu afeto, ele será um bobo se te deixar—. Ele passou o dedo polegar por sobre o carnudo lábio inferior dela. —Eu sou conhecido por ser um bobo—.
—Você diz que ganhou meu afeto. Se você acredita nisto, está enganado. Eu nem conheço você. Eu estava machucada e precisava de conforto. Você ofereceu, e, apesar de ser errado, eu o aceitei. Isto é tudo—.
—Eu estava errado, Loree?—.
Mesmo com a invasão da escuridão, ele ainda viu as lágrimas prontas para fluírem em seus olhos enquanto ela vivamente concordava com a cabeça.
—Por que você teve que dizer o nome dela?—, ela disse bruscamente. —Agora, eu não posso nem fingir que você me quis. Eu sei que você estava pensando em outra pessoa—. Ela saiu da varanda como uma bala disparada de um rifle. Ela moveu a mão desdenhosamente no ar. —Não importa. Você me usou. Eu usei você—. Ela levantou o cachorro e o abraçou contra o peito. —Você não me deve nada—.
Mas devia sim, e ele devia a ela porque ele não achava que Loree Grant pudesse usar alguém, mesmo que sua vida dependesse disto. Ele ficou de pé devagar, o olhar nunca deixando o dela. —Talvez eu me deva algo—.
—O que isso quer dizer?—, ela perguntou.
—Eu não estou certo—. Ele montou em Trovão Negro e deu um toque com o dedo na borda do chapéu. —Cuide-se, Senhorita Grant—.
Ele bateu os saltos da bota nos flancos do cavalo e o colocou em um meio-galope. Austin gastou cinco anos pensando em uma bela mulher de cabelos avermelhados e olhos azuis. Ele não pretendia gastar o resto da vida pensando em uma mulher de cabelos loiros e olhos dourados que o tinha tocado numa noite e enviado todo seu bom senso para a perdição.
Ele tinha dado a ela o maldito cachorro. Ele não tinha nada mais para oferecer a ela. E ela estava certa. Até o coração dele não estava livre.
Austin Leigh não a devia nada. Loree repetiu a ladainha nos dias seguintes enquanto assistia Two-Bits brincar por seu jardim. Ele era um protetor feroz. Enquanto ela o assistia atacar as minhocas que descobria, ela não conseguia se lembrar de quando tinha rido tanto.
Two-Bits nunca substituiria Digger em seu coração, mas ele estava devagar ganhando seu próprio lugar, diferente mas da mesma maneira precioso. Ela se perguntava se alguma mulher algum dia substituiria a mulher que Austin guardava no coração. Ela achava improvável. Ela duvidava que o coração dele tivesse algum lugar para outra.
Ela desejou ter mantido a ferida enterrada bem no fundo e não tê-la mostrado a ele quando a visitou. Ela o mandou para longe com suas acusações. A gora ele nunca retornaria. Ela sabia que seria melhor assim, mas a solidão aumentou por alguma razão incompreensível quando ela o viu montado no cavalo, ela sentiu como se uma parte dela tivesse voltado para casa.
De pé no jardim, ela ouviu o rápido bater dos cascos dos cavalos e o som de rodas girando. Ela se virou com o coração imitando o som do carro de duas rodas à medida que ele se aproximava, dois cavalos de baía trotavam diante dele. Austin puxou as rédeas para trás, saltou da carruagem preta, e tirou o chapéu da cabeça. —Dia, Senhorita Grant—.
A respiração dela ficou presa com o sorriso morno que ele deu a ela. —O que você está fazendo?—.
—Bem…—. Ele girou o chapéu nas mãos enquanto caminhava em direção a ela. —Eu disse a você que meus pais viviam próximo a Austin. Meu irmão desenhou um mapa da área para mim antes de eu partir. Eu acordei esta manhã com desejo de ver a antiga casa. Eu desejava que você me desse o prazer da sua companhia—.
Ele parou os passos e seus dedos se apertaram em torno da borda do chapéu. —Mas eu não estou cortejando você, Loree. Eu não tenho nada a te oferecer e isso eu quero deixar claro desde o início, mas já que você mencionou que não me conhece bem… e pensando que você deveria conhecer, eu pensei que você poderia gostar de vir—. O sorriso dele diminuiu. —E eu gostaria de você lá comigo—.
—Eu podia fazer alguma comida e nós poderíamos ter um piquenique—.
O sorriso dele retornou, mais profundo do que antes. —Eu fiz o pessoal da cozinha do hotel nos preparar algumas coisas e eu trouxe os cobertores da minha cama…—. O olhar dele devagar vagou sobre ela. —Então você não teria que sujar suas calças curtas—.
—Oh—. Ela deu uma olhada para baixo para as roupas do irmão. —Você me dá tempo de colocar um vestido?—.
Ele colocou o chapéu no lugar. —Eu tenho tempo para você fazer qualquer coisa que desejar—.
—Eu não vou demorar—, ela o assegurou enquanto se apressava e passava por ele e corria para casa, o coração batendo com tanta força que ela estava certa de que ele poderia ouvir. Ele voltou. As razões não importavam, e ela não se importava por ele não a estar cortejando. Ela passaria o dia sem a solidão a devorando.
Ela se lavou depressa antes de entrar no vestido amarelo desbotado. Ela rolou as meia sobre seus pés com calos e a puxou até acima das canelas antes de esticar a mão embaixo da cama e pegar os sapatos pretos. Ela colocou os pés no odiado couro, fechou os botões, os pés presos em algo que ela sempre considerou um instrumento de tortura.
Mas, por razões que ela não podia entender, hoje ela estava contente por usá-los. Ela quase torceu o tornozelo com o primeiro passo que tomou em direção ao espelho. Ela olhou seu reflexo, desejando que o vestido fosse um pouco mais na moda, o cabelo mais colorido. Ela não era bela. Ainda assim Austin tinha alugado uma carruagem de duas rodas e dois cavalos e vindo até aqui, buscando sua companhia, quando, com certeza, ele tinha conhecido várias mulheres na cidade.
Ela jogou a trança por cima do ombro, odiando o modo como ela fazia com que ela parecesse uma garotinha. Mas ela nunca tinha tentado ser mais feminina ou na moda e não tinha nenhuma idéia de por onde começar. Com um suspiro, ela agarrou um manto roto, por via das dúvidas, pois eles poderiam não voltar antes do anoitecer e foi em direção à porta.
Austin se desencostou da viga da varanda enquanto ela fechava porta, o manto jogado por cima do braço. Ela não tinha notado antes como a camisa dele parecida estar recentemente lavada, recentemente passada. O cabelo não mais se enrolava ao redor do colarinho, estava ligeiramente menor, cortado nas pontas, e quando a brisa soprou por ele e foi até ela, ela sentiu o cheiro de sabão e um odor que era exclusivamente dele. Para um homem que não a estava cortejando, ele tinha se preocupado bastante. Quando ela terminou sua observação lenta, ergueu o olhar para os olhos azuis cintilantes dele.
—Você está usando sapatos—, ele disse tranquilamente, mas ela percebeu a diversão em sua voz. —Eu estava começando a me perguntar se você tinha algum—.
—Eu os uso no inverno… e em ocasiões especiais—. O calor aqueceu suas bochechas. —Eu nunca passeei em uma carruagem de duas rodas—.
—Então você vai gostar. Essa carruagem é boa—.
Ela andou para fora da varanda, e ele deu um passo para o lado dela, a mão descansando facilmente nas pequenas costas dela. A carruagem tinha dois bancos. O banco de trás tinha duas caixas.
—O que tem nessas caixas?—, ela perguntou.
—Nosso almoço está em uma, e o seu cachorro está na outra—. Olhando para ele, ela quase tropeçou nos próprios pés. Ele a segurou e sorriu. —Não achei que você iria querer deixá-lo aqui sozinho. Eu o coloquei na caixa com alguns cobertores e o meu relógio de bolso. Ele foi direto dormir—.
Ele tomou a mão dela, ajudou-a a subir na carruagem, e sentou-se ao lado dela, as coxas se encostando. Ela apertou os joelhos bem juntos e colocou as mãos sobre o colo. Ele ergueu as rédeas e deu uma batida gentil no traseiro dos cavalos. Juntos, eles seguiram adiante em um trote.
Eles ficaram em silêncio por vários momentos, a zona rural surgindo diante deles, banhado pelo azul das Bluebonnets.
—Eu amo essa estação do ano—, Loree disse saudosamente, —quando as flores cobrem as colinas—.
—Essa fragrância me lembra você—.
Estudando-o, achando o olhar dele sobre ela, ela deu uma risada tímida. —Eu as junto, seco e borrifo a água das pétalas em torno da casa. Às vezes eu coloco na minha água do banho—.
Os olhos dele se escureceram e ela se perguntou se ele estava pensando sobre a noite quando ele a tinha lavado. Os olhos dele se moveram até os lábios dela e ela soube que ele realmente estava.
—Qual a distância até a sua antiga casa?—, ela perguntou apressadamente.
—Se o mapa do meu irmão for preciso, eu acho que vai demorar uma hora mais ou menos—.
A jornada levou um pouco mais de duas horas, e Loree achou que tinham sido as duas horas mais agradáveis de sua vida, embora eles tivesse falado pouco. Quando ele finalmente parou a carruagem, Loree sentiu algo sombrio vir dele. Ela não podia dizer que o culpava. Ervas daninha cresciam por todos os lados, e uma estrutura dilapidada que poderia ter sido uma vez uma cabana de um quarto os saudou.
Embora ela tivesse crescido com pouco, ela sabia que ela teve mais do que ele poderia ter possuído aqui. A carruagem balançou enquanto ele descia. Ele caminhou em torno dos cavalos e foi para o lado dela, estendendo a mão. Ele a ajudou a sair, então colocou a mão embaixo da cadeira e juntou um punhado de Bluebonnets. Ela ficou surpresa por se sentir levemente trêmula quando as mãos dele a envolveu.
—Eu não me lembro muito do lugar—, ele disse tranquilamente enquanto a levava para longe da carruagem.
—Que idade você tinha quando partiu?—, ela perguntou.
—Cinco—.
Eles caminharam até uma árvore de carvalho, os galhos se estendendo graciosamente, as folhas abundantes sussurrando na brisa. Pendurado no galho mais baixo, estava um pedaço de corda balançando ao vento ligeiramente. No chão à direita dela, entre as ervas daninhas e roseiras bravas, estava de pé uma lápide de madeira.
Lovita Leigh.
Esposa e Mãe.
Profundamente Amada, Sentimos sua falta
1829–1865
Austin soltou a mão de Loree, removeu o chapéu, ficou de joelho ao lado do sepulcro, puxou as ervas daninha até que fez uma pequena clareira, e colocou as flores em frente à lápide. Ele apoiou o antebraço sobre a coxa e curvou a cabeça.
Loree sentiu um momento de dúvida, sentiu-se desajeitada porque ela estava familiarizada com todo o aspecto exterior do homem e entendia tão pouco do homem que morava do lado de dentro. Ainda assim, desde o início, ela tinha sido atraída pela angústia que os olhos dele falavam quando a voz não o fazia.
Ela se ajoelhou ao lado dele e pousou a mão em seu antebraço, apertando suavemente. Ele girou a mão ligeiramente e a recuou até que pudesse entrelaçar os dedos nos dela.
—Eu não me lembro como ela era—, ele disse tranquilamente. —Um homem deveria se lembrar de sua mãe—.
—Você se lembra dela senão não teria sentido a necessidade de vir aqui—. Ela tocou as pétalas azuis das flores que ele tinha colocado no chão. —Eu aposto que você escolheu as flores para ela—.
Um olhar distante surgiu no canto dos olhos dele e um canto da boca se levantou. —Sim, eu escolhi—. Ela riu. Não porque ela achasse que era engraçado, mas porque a fazia se sentir feliz. Ele fechou os olhos. —Deus, ela tinha uma risada bonita… como uma música—.
—Ela contava a você histórias na hora de dormir?—.
Ele abriu os olhos, e o coração dela se alegrou em ver que uma pequena parte da tristeza dele tinha se derretido.
—Ela me contava histórias, mas não com palavras. Ela usava canções. Eu me lembro que ela se sentava na extremidade da cama, e eu via os dedos acariciando as cordas de violino enquanto ela movia o arco e os sons mais bonitos fluíam pela madeira das cordas. Eu tentava com todas as forças não adormecer para que assim eu pudesse continuar observando suas mãos. Eu amava olhar atentamente suas mãos—. Girando a cabeça ligeiramente, ele sorriu calorosamente. —Eu me lembro das mãos. Ela tinha os dedos mais longos——.
—Como os seus—.
Surpresa brotou no rosto dele. Ele ergueu a mão que ela não estava segurando, girou, e a estudou por todos os ângulos. —Eu acho que sim. Eu nunca tinha notado antes—.
—Você devia aprender a tocar violino—.
Ela sentiu a mão dele se endurecer dentro da dela.
—Você tem que ouvir a música em seu coração antes de poder criá-la com um violino. Eu não posso fazer isto—, ele disse.
—Você podia tentar——.
—Eu não posso—.
Ele ficou de pé, puxando-a para cima junto com ele, os dedos se apertando ao redor dos dela enquanto ele ia para longe do sepulcro. Loree tropeçou enquanto o seguia. Ele se virou, segurou-a e a estabilizou.
—Você está bem?—, ele perguntou, preocupação claramente refletida em seus olhos.
As bochechas dela ficaram mornas, e ela de repente desejou ter gastado os últimos cinco anos praticando para ser uma senhora como a mãe dela queria em vez de pensar que nenhum homem a olharia do mesmo modo como Austin Leigh a estava olhando agora. Ela movimentou a cabeça aos arrancos e deu a ele um sorriso pálido. —Eu apenas não estou acostumada aos meus pés no couro—.
Como que se divertindo, ele lentamente agitou a cabeça e deu uma olhada nos sapatos gastos dela. Inesperadamente ele ficou de joelhos e deu um tapa na coxa levantada. —Ponha seu pé aqui em cima—.
—O que você vai fazer?—.
Ele agarrou um tornozelo e ergueu o pé dela. Ficando desequilibrada, ela apoiou os dedos sobre o ombro dele. Ela assistiu com assombro ele livrar os botões do sapato dela. Ela pensou em puxar o pé, insistindo que os sapatos estavam onde deveriam estar, mas ele levantou a cabeça e ela caiu nas profundidades de seus olhos azuis, muito azuis. Quantas vezes durante a última semana ela tinha se pegado olhando nas chamas de um fogo, procurando pelo calor do olhar dele?
Ele soltou o sapato, e quando ela removeu o pé da coxa dele, ele o segurou e colocou no lugar. Com o olhar preso no dela, ele lentamente subiu pelo tornozelo dela, embaixo da saia, subindo pela canela, passado pelo joelho até que tocaram na carne nua da coxa acima de sua meia-calça. Uma flecha de calor escaldante passou por ela e ela cravou os dedos nos ombros dele.
Usando os dedos polegares, ele rolou a meia-calça para baixo da perna dela, enquanto os dedos se arrastavam pela pele, o olhar nunca deixando o dela, os olhos azuis se escurecendo até que ela sentiu como se algo tivesse se acendido dentro dela. O coração batia tão forte que ela estava certa de que ele poderia sentir a batida através do pé dela. Ele passou rapidamente a meia-calça pelo pé dela, e finalmente abaixou o olhar para o pé nu dela. Ele esfregou o dedo por cima do pé.
—Você tem dedos atraentes—.
—Eles são tortos—, ela disse a ele como se ele não tivesse uma visão clara dos dedos enquanto ele massageava cada dedo do pé completamente antes de se mover para o próximo.
Ela se sentia como se cada osso do corpo dela estivesse se derretendo, e ficava surpresa por ainda ter a habilidade de ficar de pé.
—Você quebrou este dedo do pé?—, ele perguntou enquanto alcançava o dedo do pé próximo ao dedão.
—Não. Meu pai tinha os dedos assim. Ele o chamava de dedo martelo. Veja, parece um martelo—.
Ele deu um sorriso que por pouco quase fez o ar deixar o corpo dela. Ela estava muito consciente dele. As memórias do modo como um homem toca uma mulher ameaçavam tornar as cinzas frias em um fogo ardente. Ela tirou o pé da coxa dele.
Como se ele soubesse exatamente o que ela tinha se lembrado, ele bateu levemente na coxa e o sorriso cresceu. —O outro pé—.
Ela deu uma respiração funda para se acalmar. —Eu posso tirá-lo—. Para seu embaraço, a voz dela vacilou, mas ele não riu. Ele apenas virou aqueles olhos azuis para ela, desafiando-a. —Vamos, Docinho. Dê-me seu outro pé antes que você quebre seu lindo pescoço—.
Ela nunca conseguia resistir a um desafio. Ela pisou na coxa dele. Ele riu profundamente, com gosto, como um homem que se lembra de como é apreciar a vida.
—Então você também fica irritada—, ele disse enquanto atacava os botões.
—Às vezes—. Ela assistiu a destreza com que os dedos dele trabalhavam. —Não é muito frequente—.
Ele jogou o sapato no chão e começou a deslizar a mão pela perna dela. Ela não estava certa de que conseguiria sobreviver se ele removesse a outra meia-calça dela, e quando ele ergueu o olhar até o dela, ela estava certa de que não iria.
—Onde está seu pai?—, ela perguntou, tentando se distrair da sensação maravilhosa dos dedos dele correndo por baixo da saia dela.
Ele piscou, detendo as mãos atrás do joelho. —Ele morreu em Chickamauga—.
—Então ele lutou na guerra—.
—É—.
—Quem criou você então?—.
—Meus irmãos—.
Ele tinha mencionado um. —Quantos irmãos você tem?—.
—Dois. Eles são consideravelmente mais velhos do que eu. Ambos lutaram na guerra ao lado do meu pai. Eu não me lembro do meu pai, mas meu irmão mais velho supostamente parece com ele—.
Ele começou a massagear o joelho dela.
—Você não está ficando cansado de ficar de joelhos?—.
Ele sorriu calorosamente. —Não—.
—Eu estou ficando cansada de me equilibrar em uma perna—.
Ele apenas pareceu arrependido enquanto se desculpava e puxava a meia-calça dela. Assim que a meia-calça saiu sem tocar os dedos do pé, ela removeu o pé da coxa dele. Ele não pareceu ofendido enquanto colocava a meia-calça no sapato dela.
Loree tirou um momento para apreciar a sensação da grama embaixo das solas dos pés, mas de alguma maneira não era tão bom se comparado com a coxa morna dele contra seu pé. Ele agarrou os sapatos e endireitou o corpo longo, desengonçado.
—Eu os colocarei na carruagem—, ele ofereceu.
Ela o assistiu caminhar até a carruagem, desejando não ter tantas emoções misturadas por causa dele. Temendo o toque dele que mexia com ela, desesperadamente desejando aliviar a solidão que a presença dele tinha causado. Por mais que Dewayne a visitasse, ele nunca conseguia levar a solidão embora.
Austin tirou Two-Bits da caixa e o deixou no chão, rindo enquanto o cachorro pulava atrás de uma borboleta. Ela gostou do estrondo de seu riso, o brilho em seus olhos enquanto ele caminhava para ela, a leve curva dos lábios, e o calor da mão enquanto ele envolvia o cachorro e continuava a jornada para dentro de seu passado.
A noite estava caindo quando Austin parou a carruagem de duas rodas na frente da casa de Loree. Ele colocou a caixa contendo o filhote de cachorro dormente sobre a mesa, acendeu a lamparina e caminhou pela casa como se a possuísse, verificando todos os cantos e armários escuros.
—Tudo parece estar em ordem—, ele disse com a voz baixa, e Loree se perguntou por que todo mundo sempre falava mais baixo à noite.
Ela olhou na direção da porta do quarto, e ela se perguntou o quê, se é que havia alguma coisa, ele estava esperando agora. Uma vez que eles tinham compartilhado uma intimidade, como se fazia para estabelecer limites?
—Eu agradeço muito você ter ido comigo hoje—.
Ela virou rápido o olhar para ele. —Eu me diverti—.
—Mesmo?—, ele perguntou, girando o chapéu nas mãos.
Ela sorriu suavemente. —Sim—.
—Bom—. Ele deu uma olhada depressa em torno do quarto. —É melhor eu volta para cidade, pegar a carruagem e levar os cavalos para o estábulo.
Com passos largos e longos ele cruzou o quarto e abriu a porta. Loree o seguiu até a varanda, a luz pálida da lamparina se derramando pela entrada e através de seu rosto. Dentro das sombras, ela viu os dedos dele mexendo na borda do chapéu.
—Loree…—
A respiração dela parou e ela a segurou. Ela não sabia onde acharia a força para recusá-lo se ele pedisse para voltar para o lado de dentro. Ele tomou um passo para mais perto e afagou os nós dos dedos pela bochecha dela.
—Loree, eu não estou cortejando você—, ele disse tranquilamente.
—Você me disse isso hoje mais cedo. Eu não esqueci—.
—Eu só quero ter certeza de que você entendeu isto—.
—Eu entendi—.
—Bom—.
A boca cobriu a dela, o braço dele envolveu sua cintura, trazendo o calor do corpo dela contra o dele. Quente, úmido e faminto, os lábios sentindo e provocando. Por sua própria iniciativa, ela passou os braços ao redor do pescoço dele e respondeu ao beijo com igual fervor. Ela sabia que estava errado. Ela não tinha nada de duradouro para oferecer a ele.
Quando ele finalmente a soltou, Loree estava surpresa por suas pernas conseguirem sustentá-la.
—Entre antes que eu faça algo que nós vamos nos arrepender—, ele disse bruscamente com a voz rota.
Ela concordou com a cabeça, deslizou para o lado de dentro e fechou a porta. Ela apertou a orelha contra a porta. Passaram-se longos momentos antes de ela ouvir as botas dele batendo pela varanda, levando-o para longe, antes de ela ouvir o som da carruagem de duas rodas pela noite.
Ela escorregou até o chão e enterrou o rosto entre as mãos, mas ela não podia esconder verdade. Se ele não falado nada, ela o teria pedido para ficar.
Austin olhou para as cinco cartas em sua mão. A rainha de copas parecia extremamente só sem outras figuras fazendo companhia. Ele entendia esse sentimento. Cristo, solidão tinha sida sua companheira na maior parte de sua vida. Ele amava os irmãos, mas seguindo seus passos, ele tinha achado pouco afeto, e, quando veio, tinha sido pouco mais do que um aceno rápido ao se fazer um trabalho bem feito. Ele não se ressentia disto. O mundo dos homens era completamente diferente do mundo da mulher.
Amelia o tinha ensinado esse afeto profundo com um toque: os dedos esbeltos tocando em um punho firme, um roçar da mão em um ombro, um abraço ou um beijo na bochecha. As pequenas coisas que quebravam a parede poderosa da solidão. Mas Amelia tinha pertencido primeiro a Dallas, então a Houston, mas nunca a Austin. Tanto quanto ela tinha aliviado seu coração abandonado, ela também o tinha deixado querendo mais. Até que ele tinha colocado os olhos pela primeira vez em Becky.
Ela tinha sido dele: para olhar, sorrir, rir com ele—sempre que ele tinha procurado. Mas ele tinha guardado as mãos e os lábios para si mesmo, esperando que ela tivesse idade o suficiente. Ela tinha quase dezessete quando ela a beijou pela primeira vez. E nove meses mais tarde, ele estava sentando em uma cela fria com nada além de memórias. E a solidão aumentou porque ele sabia o que era viver sem ela.
Ele disse a si mesmo que tinha sido a solidão que o tinha feito montar até a casa de Loree Grant tarde da noite. Ele tinha simplesmente montado Trovão Negro e ido até a casa já escura. Mais de uma vez ele teve que se impedir de desmontar e bater à porta dela. Ele não acreditava que ela apreciaria ser acordada de seu sono às duas horas da manhã. E o que ele poderia dizer?
Eu não consigo dormir sem te abraçar, sentir seu cheiro, escutar o som de sua respiração noite afora.
Ele tinha chegado ao ponto de arrancar algumas bluebonnets do campo e colocá-las sob o travesseiro no hotel para que assim pudesse fingir que ela estava próxima.
Havia uma semana desde que ele a tinha levado até sua antiga casa e a solidão tinha aumentado a cada dia desde então. Ele não estava em posição de cortejá-la, não tinha nada a oferecer a ela, e embora ele tivesse dito isso a ela, ele viu um pouco de esperança refletida em seus olhos dourados. Ele não conseguia aguentar a idéia de desapontá-la, e ele temeu, que se passasse muito mais tempo com ela, ele acabaria fazendo isto.
—Você está dentro ou fora?—.
Austin levantou rápido o olhar até o detetive. Wylan erguia uma sobrancelha. Austin abaixou as cartas. —Eu sinto como se nós estivéssemos desperdiçando nosso tempo. Ou pelo menos eu estou. Sinto como se estivesse simplesmente desperdiçando meu tempo aqui—.
Wylan juntou as cartas e começou seu movimento silencioso e furioso. —Eu terminei de visitar o último dos bordéis ontem à noite. Não surgiu qualquer informação—.
—Você tem visitado bordéis?—.
—Sim. Não dá para saber o que um homem pode dizer no calor da paixão.
Austin sabia muito bem a verdade daquela declaração. —Eu poderia ter te evitado esse problema—.
Wylan sorriu. —Oh, não foi nenhum problema—.
A atitude fácil do homem começava a aparecer. Austin plantou os cotovelos na mesa e se debruçou para frente. —Boyd McQueen tinha preferência por meninos—.
As cartas que Wylan tinha embaralhado saíram voando de suas mãos e descrença brotou em seu rosto. —O quê?—.
Austin esfregou o maxilar se perguntando o quanto poderia dizer sem se deixar transparecer. Ele tinha descoberto as perversões de Boyd através de Rawley. Furioso com um passado que era incapaz de mudar, Austin atirou uma bala por cima da cabeça de Boyd na taverna e anunciou que nada o faria ter maior prazer do que libertar o chão de sua sombra. Aquelas palavras serviram para condená-lo tanto quando Boyd ter escrito —Austin— no chão. Austin suspirou profundamente. —Boyd gostava de machucar meninos, entre outras coisas—.
—O filho do seu irmão?—.
—Eu não disse isto—.
—Você não tem que dizer. O menino tem um olhar assustado. Eu não consegui compreender o que tinha colocado o pavor lá—. Wylan despejou uísque no copo e deu uma golada. —Eu preciso dizer a você, quanto mais eu aprendo sobre Boyd McQueen mais eu desejo não achar o homem que o matou. Entretanto há a questão da sua inocência—.
Austin tocou o copo de uísque dele. —Eu gastei cinco anos pensando que alguém o tinha matado de propósito e me acusado. O pensamento de ficar quites queima dentro de mim. Agora, eu estou começando a achar que eu não tive sorte. Ninguém preparou nada para me prejudicar. Alguém assassinou Boyd e eu fui o culpado por isto. Se não tivesse destruído minha vida, eu estaria aplaudindo quem o assassinou—.
—Esta é a razão pela qual eu continuarei procurando, mas isto me dá um ângulo diferente: um pai irado, um menino que McQueen poderia ter machucado que finalmente virou homem… As pessoas não serão muito favoráveis em compartilhar esse tipo de informação, mas eu manterei isso em mente enquanto busco alguma coisa—.
—Eu estou pensando em ir para casa. Vejo que não estou fazendo nada de útil aqui. Boyd roubou cinco anos da minha vida. Eu não quero que ele tome mais nenhum—.
Wylan juntou as cartas dispersas e começou a jogar um jogo solitário. —Eu vou ficar aqui mais alguns dias, então vou voltar para o Kansas, ver se estas novas informações trazem qualquer coisa à superfície—.
McQueens mudou do Kansas para o Texas vários anos atrás. Se Dee não tivesse trazido tanta alegria para a vida de Dallas, Austin teria desejado que eles nunca tivessem deixado o Kansas.
—Sr. Leigh?—.
Austin deu uma olhada para a direção da voz hesitante. O reconhecimento surgiu e ele ficou de pé. —Dewayne, certo?—.
—Sim, senhor. Eu fui visitar Loree hoje. Ela parecia mal. Eu tenho o pressentimento de que você é a causa, mas ela disse que não é dá minha conta julgar—.
A culpa o cortou como uma faca corroída. Ele devia ter honrado o pedido dela para que nunca retornasse. —Isso foi generosidade dela—.
—Ela é do tipo generoso —uma falha— se você quer saber a verdade. Eu não gosto de vê-la machucada—.
—Eu não tenho nenhuma intenção de machucá-la—. Tinha sido essa intenção que o tinha mantido longe dela quando tudo dentro dele queria vê-la novamente.
—Bom, eu sei que não, pois se você tivesse, teria que se ver comigo—.
Dewayne girou sobre os pés. Austin sentou na cadeira e encontrou o olhar especulativo de Wylan.
—O que foi tudo isso?—.
—Pessoal—, Austin disse logo antes de beber seu uísque, apreciando as chamas em seu esôfago. Dewayne obviamente tinha uma queda por Loree. Diabos, quem não teria?
—Nada que possa me ajudar a achar o assassino de Boyd?—.
—Não, mas o que me custaria se você procurasse por outro assassino?—.
—Nenhum centavo. Seu irmão já está me pagando o suficiente para achar dez assassinos—.
—Quais informações você precisa?—.
—Ajudaria o nome. A descrição. Qualquer coisa mesmo. O que você sabe sobre ele?—.
—Não muito. Ele matou uma família—
—Sr. Leigh?—.
Austin girou a cabeça. Dewayne oferecia um envelope. —Eu esqueci que Loree tinha me pedido para deixar isto no Driskill para você, mas acredito que posso te entregar aqui mesmo—.
Austin tomou o envelope, estudando o rabisco no papel que parecia ter sido escrito com uma mão trêmula. —Agradeço—.
Dewayne deu a ele um aceno com a cabeça lento antes de passear para longe.
—Isso é da sua Loree?—.
—Ela não é minha Loree—. Austin rasgou o envelope e retirou a carta que ela tinha escrito. As palavras tinham alegria, medo, e fizeram o terror o envolver. Ele ficou de pé, jogando a cadeira no chão.
—O que foi?—.
—Eu estava errado. Ela é a minha Loree. Faça o que for preciso para achar o assassino de Boyd. Eu vou voltar para o rancho de Dallas—.
Sua Loree. Austin ficou de pé na entrada do quarto dela, observando-a. Ela era muito confiante, deixando a porta da frente e a porta de seu quarto aberta. E o cachorro também não era nada bom. Ele não sentiu nem a presença, nem o seu cheiro ao se aproximar, apenas continuava a roer um dos sapatos pretos próximo a cama de Loree, rosnando para ele como se ele fosse uma ameaça quando a ameaça real estava se debruçando contra a cabeceira da cama dela.
Usando o vestido de margarida colorida, ela estava sentada no chão, as pernas dobradas embaixo do corpo, os pés saindo por debaixo de seu traseiro. A trança espessa jogada sobre o ombro. Ela tinha aberto um baú de madeira e estava devagar removendo peças minúsculas de roupa, espalhando-as sobre o colo, e os pressionando com os dedos, como se cada peça fosse preciosa—tão preciosa quanto à criança que crescia dentro dela.
O filho dele.
Os joelhos dele pareciam dois morangos que tinham ficado muito tempo no galho, até ficarem moles e inúteis. A nota dela não tinha pedido nada dele. Ela não esperava nada dele. Ela simplesmente queria que ele soubesse que ela estava carregando o bebê dele.
Ele tinha juntado seus pertences no hotel, selado Trovão Negro e montado firme, todas as palavras da carta dela queimando como brasa em sua mente, ecoando em seu coração. Ele desejou poder oferecer a ela mais do que um futuro incerto e sonhos despedaçados.
Ele saiu de perto da cabeceira da cama. Os saltos de suas botas ecoaram pelo quarto enquanto ele caminhou na direção dela, o estômago dando um nó como se alguém o tivesse laçado e dado um puxão na corda com força. Ela virou a cabeça, cautela presente em seus olhos dourados enquanto ele se aproximava. Tirando o chapéu da cabeça, ele se agachou ao lado dela. —Olá—.
Ela deu a ele um sorriso tentador, os dedos enrugando o vestido minúsculo enquanto ela o alisava através do colo. —Oi—.
—Dewayne me deu a sua carta—.
—Você não tinha que vir—.
Uma seta de tristeza perfurou a alma dele. —Se acredita nisto, Loree, você não me conhece mesmo—.
Lágrimas brotaram nos olhos dela enquanto virava o olhar para a roupa delicada em seu colo. Esticando o dedo polegar, ele capturou uma lágrima que lentamente rolava pelo canto do olho dela. —Eu estou indo para casa, Loree—.
Ela se virou rápido e olhou para ele. —Você achou o homem que estava procurando?—.
—Não, mas eu acho que é improvável que o encontre, depois de todo este tempo. Eu gastei os últimos cinco anos morrendo. Eu quero voltar a viver—.
Ela deu a ele um sorriso hesitante. —Eu ainda não sei onde fica sua casa—.
—West Texas. Meu irmão tem um rancho. Desde quando consigo me lembrar, eu o ajudo no trabalho, pastoreando o gado—.
O sorriso dela cresceu. —Eu achava que você era um vaqueiro—.
Não por escolha. Ele sempre tinha odiado administrar uma fazenda, sempre tinha sonhado em partir, mas os lugares que a vida o tinha levado não eram exatamente o que ele tinha em mente. O olhar dele se moveu para o estômago dela, liso como uma tábua. Ele estava para viajar por outra trilha que não tinha escolhido conscientemente, mas, de uma forma estranha, ele tinha o pressentimento de que esta não o daria remorsos.
—Eu ficaria realmente honrado se você se casasse comigo—, ele disse com a voz baixa.
Mais lágrimas encheram os olhos dela antes que evitasse o olhar dele. Ele desejava que as flores azuis não desaparecessem das colinas. Ele queria ter trazido alguma. Talvez ele devesse ter se conformado com as flores vermelhas e amarelas que ainda permaneciam nos campos. Ou talvez ele devesse ter trazido uma tira amarela clara para o cabelo dela, qualquer coisa para acompanhar as palavras que tinham soado tão frias quanto um rio em janeiro. Ele a viu bater as lágrimas dos olhos, sabendo que ele era a causa delas.
Ela o estudou e deu a ele o sorriso mais triste que ele já tinha visto. —Não—.
Ele sentiu como se ela tivesse batido no peito dele com uma caçarola de ferro. —O que você quer dizer com não?—.
—Eu quero dizer que não quero me casar—.
—Então por que você me mandou a carta?—.
—Eu achei que você tinha o direito de saber sobre a criança—.
—Eu tenho mais do que o direito de saber. Eu tenho a responsabilidade de cuidar. Eu não vou deixá-lo ser rotulado como um bastardo—.
Ela vacilou e angulou o queixo. —Ela—.
—O quê?—.
—Eu acho que é uma menina—.
Isso parecia fazer sentido para ele porque os homens Leigh eram apenas capazes de ter meninas. —Certo, muito certo. É uma menina. Se você diz, então é o que vai acontecer—. Ele suavizou a voz. —E as pessoas cochicharão sobre você, também, e não me diga que não haverá ninguém ao redor para notar. Você não pode viver como um ermitão com uma criança. Você não pode negar o mundo somente porque viu o lado mais feio dele. Case comigo, Loree—.
—Você me ama?—.
A pergunta feita tranquilamente foi como um punho fechando o coração dele. —Eu gosto de você o suficiente—, ele respondeu honestamente. —Você não gosta de mim?—.
—Eu gosto do que eu sei sobre você, mas o que eu realmente sei? Até alguns minutos atrás, sua casa podia ser na lua e eu nem saberia—.
—Bom, eu não vivo na lua. Eu vivo no West Texas, e tenho os meios para prover você—não da forma como eu gostaria, mas eu acho que é tolerável—.
—Tolerável?—.
—Droga, Loree! Eu fiz algo errado com você e estou disposto a fazer o que for preciso para fazer tudo direito—.
—Convencer a me casar com um homem que não me ama é fazer direito?—.
—Talvez não seja o certo para nós, mas isto será o certo para o bebê. Nós temos que colocá-lo em primeiro lugar—.
—Você ainda ama Becky?—.
O estômago dele se apertou, e ele trincou o maxilar. Wylan certamente tinha estado certo sobre palavras faladas no calor da paixão. Ele tinha articulado uma palavra, e esta mulher iria jogá-la contra ele pelo resto de sua vida. Ele ficou de pé e furiosamente saiu da casa. Ele se dirigiu a uma pilha de madeira, arrancou o machado do toco, ergueu um toco e jogou o machado contra ele.
Ele tentou se pôr no lugar de Loree, lembrando-se do alívio que tinha sentido quando ela confessou que não havia nenhum Jake. Mas para ela, sempre existiria uma Becky. O primeiro amor dele.
—O que você está fazendo?—, ela perguntou por detrás ele.
Ele lançou a madeira dividida sobre a pilha e levou outro toco até o tronco. —Cortando para você vinte anos de madeira. Eu vou consertar sua casa, pintá-la e fazer qualquer outra coisa aqui que precise ser feita. Você não quer se casar comigo? Certo. Mas eu com certeza não vou deixar uma criança minha sofrer por causa de um engano que eu cometi—.
Mas eu com certeza não vou deixar uma criança minha sofrer por causa de um engano que eu cometi.
Aquelas palavras ecoaram pela mente de Loree enquanto ela deitava na cama incapaz de dormir. Elas tinham dito muito a ela sobre o homem. Ele sempre aceitava a responsabilidade de suas ações.
Mas, então, se ela fosse honrada consigo mesma, ela já saberia disto, ela tinha aprendido esse fato na primeira noite quando ele tinha cortado madeira por uma tigela de guisado.
Ela não sabia pequenas coisas sobre ele: sua comida favorita, cor preferida. Ela não sabia se ele dançava ou cantava.
Mas ela sabia coisas importantes: que ele era um homem raro que pensava mais com o coração do que com a cabeça. Quando ele amava, amava profundamente e anos não diminuíram seu afeto mesmo que as memórias enfraquecessem. Ela o viu lamentar pela perda de uma mulher, viu colocar flores no túmulo de vinte anos de sua mãe. Tinha dado a ela como presentes um celeiro queimado e um filhote de cachorro.
Mas, acima de tudo, ela gostava do conforto da presença dele, o calor de seu toque. Durante algum tempo, ele tinha aliviado o sofrimento e a solidão dela.
Nas últimas duas horas ela tinha ouvido Austin trotar ao redor de sua casa. Ele não tinha nenhum celeiro no qual dormir. Ela tinha deixado a porta da frente destrancada, a porta para seu quarto entreaberta, uma parte dela desejando que ele dormisse com ela—apenas dormisse, o braço ao redor dela, a respiração tocando de leve sua nuca.
Ela aguçou o ouvido vários vezes, mas não mais o ouviu. Ele provavelmente tinha se ajeitado na carroça que tinha trazido junto com os planos de arrastá-la para o West Texas como sua esposa.
Ela apertou a mão sobre a barriga. Não era a primeira vez que as ações de uma noite para sempre mudariam sua vida, mas suas ações estavam alcançando uma criança inocente.
Austin estava certo. Sua criança sofreria por causa de seu engano. Nascido fora de um matrimônio, ela carregaria a vergonha que pertencia a eles por direito.
Ela se livrou dos cobertores e se sentou na cama. Com os pés nus, usando nada além da camisola, foi andando pela casa, abriu a porta da frente e viu Austin sentado nos degraus da varanda. Ele deu uma olhada por cima do ombro. Ela sentiu o olhar dele viajar do topo da cabeça dela até as pontas dos dedões do pé antes de voltar à atenção para a escuridão que se estirava através dos céus.
Ela sabia que rejeitar a proposta dele o tinha machucado. Ele não tinha se reunido a ela para a ceia. Ele preparou um banho para ela, mas não se deu o mesmo no luxo. Ele parecia ter a intenção de dar tudo a ela e não tomar nada para si.
A boca ficou tão seca quanto algodão. E ela cruzou a varanda e se sentou ao lado dele. Os joelhos estavam separados, os cotovelos descansando sobre as coxas, as mãos entrelaçadas, o olhar focado na distância. Nas sombras da noite, ela viu a brisa leve balançando o cabelo preto em cima do colarinho.
—Tem várias estrelas caindo hoje à noite—, ele disse com a voz baixa.
Ela seguida a direção do olhar dele. Uma bola de luz desceu curva pelo céu preto e desapareceu como um sonho que nunca deveria ter existido.
—Faça um desejo, Loree—, ele disse tranquilamente.
Ela fechou os olhos. Um desejo. Se ela tivesse permissão de fazer apenas um desejo, ela desejava poder aliviar o passado deste homem que se sentava ao lado dela. Ela achou que, de todas as pessoas, ele entenderia tudo o que ela tinha feito, as coisas que o assassino a tinha feito fazer. Ela desejou poder dizer a ele sem arriscar perder qualquer afeto que ele pudesse ter por ela.
—O que você desejou?—, ele perguntou.
Abrindo os olhos, ela o estudou. Ele a observava, e até na escuridão, ela sentiu a intensidade do olhar dele. —Se eu disser a você, não se realizará. Você fez um pedido?—.
Ele se debruçou em direção a ela, se escorando em um cotovelo. —Eu desejei que você se casasse comigo—.
A batida do coração dela aumentou, batendo mais rápido do que as passadas de um corredor. Ele pegou a ponta enrolada da trança dela e a levou até os lábios. Ela quase imaginou sentir a respiração dele tocando-a, os lábios suavemente a acariciando.
—Eu quero que você se case comigo por causa da nossa filha——
—Filho—.
A mão dele parou, as mechas do cabelo descansando contra seu queixo. —Mais cedo você disse—
—Bem, agora eu acho que é um menino—. Ela virou a cabeça na direção do ombro. —Eu não posso decidir o que é—.
Ele riu baixo. —Case-se comigo porque você me faz sorrir quando eu já não tinha sorrido há muito tempo—.
—Há menos de uma semana atrás, você me disse que não estava me cortejando, que não tinha nada para me oferecer—.
—Isso foi antes de eu saber que você precisaria do meu nome—. Ele embalou a bochecha dela. —Eu daria a você o mundo se pudesse, Loree, mas eu tomei uma decisão cinco anos atrás e isto limita as coisas que eu posso oferecer a você. A única coisa que eu tenho e que posso te dar é o meu nome, e eu me odeio muito por não poder dá-lo a você limpo. Mas eu trabalharei duro. Eu acho que posso dar a você—e nossas crianças—uma boa vida. Eu sei que posso dar a você uma vida melhor do que a que você tem aqui. Pelo menos comigo você não terá solidão—.
Durante o último mês, ela podia contar o número de dias que contiveram uma promessa de felicidade. A promessa sempre chegava com ele. A criança poderia ter um pai que tinha estado na prisão ou nenhum pai. Era o passado mais importante do que o presente? E quem ela era para julgar? O passado dela era tão manchado quanto o dele.
—Você me promete uma coisa?—, ela perguntou indecisamente.
—Qualquer coisa—.
O estômago estremeceu, e ela apertou as mãos firmemente juntas. —Você me promete que nunca mais fará amor comigo se estiver pensando na Becky?—.
Um silêncio profundo desceu entre eles. Mais cedo ele tinha mencionado crianças, e não criança, e ela sabia que ele esperava mais que um casamento somente no nome. Ela também sabia que poderia facilmente vir a gostar deste homem, talvez ela já gostasse mais do que devia. Seu coração se partiria se ele novamente sussurrasse o nome de outra enquanto estivesse unindo o corpo ao dela.
—Eu prometo—, ele disse bruscamente.
—Então eu me casarei com você—por causa da criança—.
Um sorriso morno surgiu no rosto dele, e ele deslizou os nós dos dedos sobre a bochecha dela. —Eu farei ser bom para você, Docinho. Você não lamentará ter se casado comigo—.
Ele trouxe o rosto dela em sua direção e a beijou. Não com paixão, nem com fogo. Mas apenas com um pedido de desculpas e compreensão.
Ela sabia que nunca lamentaria se casar com ele, e ela desejou que ele nunca descobrisse o que ela tinha feito, as ações que tinham começado a transformar a vida dela em uma vida de solidão. Porque se ele descobrisse, ela temia profundamente que ele lamentaria ter se casado com ela.
—Oh meu Deus!—.
Enquanto as rodas da carroça giravam, Loree trocou Two-Bits de posição no colo e olhou para a estrutura enorme de adobe. Torres nos cantos. Um telhado ameado. Ela nunca tinha visto qualquer coisa assim. —Isto é uma pousada?—.
Ao lado dela no banco da carroça, Austin riu. —Não. Esta é a casa do meu irmão—.
Loree apertou a mão contra a barriga como que para proteger a criança. —É tão grande—.
—Eu acho que é terrivelmente feia—.
—Bem, não é exatamente o que eu gostaria em uma casa——
—O que você quer, Loree?—.
Ela se virou com um tom sério na voz. Eles tinham se casado em Austin, com apenas Dewayne e a família dele como convidados. Ela usou um vestido e sapatos novos e macios de couro branco que Austin tinha comprado para ela. Ela carregou um buquê de flores silvestres que ele tinha escolhido para ela.
Ela tinha ficado muito nervosa, mas também tinha sentido uma faísca de felicidade porque ele a tinha tratado com reverência e respeito, e ele constantemente se preocupava com ela. Muitos anos tinham se passado desde que alguém além de Dewayne tinha se preocupado com ela.
Ele embalou os pertences dela, carregou a carroça, e viajou mais lento do que o passo de uma lesma como se temesse que o chacoalhar da carroça causasse a perda do bebê. De noite eles dormiram um nos braços do outro, sob as estrelas, mas ele nunca tinha exercido seus direitos de marido.
—Algo menor—, ela o assegurou. Então ela sorriu brilhantemente. —Algo muito menor—.
Ele correspondeu ao sorriso dela. —Eu sou capaz de dar a você algo assim—.
Ela deslizou Two-Bits dentro da caixa no piso da carroça. Ele não mais parecia um filhote de cachorro e rapidamente estava superando o tamanho da caixa. Austin prometeu construir uma casa para o cachorro assim que eles chegassem.
—Nós vamos ficar com o seu irmão?—.
—Durante algum tempo. Até que a gente se ajeite. Decidir o que nós queremos, onde nós queremos viver. Eu tenho um pouco de dinheiro economizado, mas ele não nos manterá por muito tempo—.
A carroça passou por um celeiro enorme que não se assemelhava ao da casa dela. Ela ouviu o tinir do ferro que o ferreiro trabalhava próximo ao celeiro. Os cavalos trotavam ao redor de um curral grande. Ao longe ela viu uma longa e estreita casa de madeira e um prédio de tijolos. Ela se sentiu como se estivesse viajando por uma cidade em miniatura. Homens usando capas e chapéus empoeirados passeavam entre os edifícios. Apenas alguns reconheceram Austin enquanto ele passou com a carroça por eles.
Ela poderia ter pensado que ele não conhecia os outros não fosse pelo comprimir de seu maxilar. Ele parou a carroça na frente da varanda. Um homem e uma mulher que se sentavam em um banco lentamente ficaram de pé. O homem de pé era tão alto quanto Austin, e ela percebeu pelas características do rosto que ele era irmão de Austin. A mulher era quase tão alta quanto ele. Esbelta, ela se movia graciosamente através da varanda.
—Você devia ter mandado dizer que estava a caminho de casa—, ela disse enquanto flutuava degraus abaixo.
Austin saltou da carroça, caminhou vivamente até ela e a abraçou ferozmente. —Não sabia quanto tempo iríamos demorar. Não queria que você se preocupasse conosco—.
—Você descobriu alguma coisa?—, o irmão dele perguntou e Loree sentiu no tom de sua voz que ele era um homem que não perdia tempo.
—Nada de nada—, Austin disse enquanto andava em direção à carroça e estendia os braços na direção dela.
Loree enxugou as palmas suadas na saia antes de apoiá-las nos ombros dele. Ele agarrou a cintura dela, e ela se sentiu tremer por sob as roupas. Ela encontrou o olhar dele e viu preocupação em seus olhos. Ela tentou dar a ele um sorriso de certeza, mas temeu ter falhado miseravelmente.
Ele a trouxe até o chão e deslizou o braço ao redor dela. —Este é o meu irmão Dallas e sua esposa, Dee—.
Dee sorriu lindamente e Dallas parecia que estava esperando pelo som de um trovão.
—Seus pais deram nomes de cidades a todos os filhos?—, Loree perguntou.
—Sim, eles deram—. Austin encontrou o olhar escuro do irmão. —Essa é Loree. Minha esposa—.
Dallas estreitou os olhos. —Sua esposa?—.
O choque subiu ao rosto de Dee, antes que eles se aquecessem e ela desse um sorriso sincero a Loree. Avançando, colocou os braços ao redor dos ombros de Loree. —Que maravilha! Bem-vinda à família—.
Quando Dee a soltou, uma onda de náusea atingiu Loree, e o mundo de repente girou ao redor dela. Ela cambaleou para trás. Austin a alcançou e segurou. As bochechas dela queimaram quando preocupação tomou o rosto de Dee.
—Você está bem?—, Dee perguntou.
Loree concordou com a cabeça. —É apenas o bebê. Eu fico um pouco tonta quando fico muito tempo sem comer—.
—O bebê?—, Dallas falou com a voz entrecortada. —E quando este evento sagrado aconteceu?—.
Pelo tom da voz, Loree não estava bem certa de que ele verdadeiramente achasse que tinha sido um evento sagrado, mas ela não iria deixar que ele pensasse que ela estava envergonhada por carregar uma criança do irmão dele. Ela empinou o queixo. —Fim de janeiro—.
—Dee, por que você não leva Loree para dentro e dá a ela algo gelado para beber?—, Austin sugeriu. —Eu tenho medo de que eu possa ter forçado um pouco tentando chegar aqui antes do anoitecer—.
Dee envolveu a cintura de Loree com o braço. —Eu adoraria tirá-la deste calor. Entre—.
Loree deu uma olhada por cima do ombro para Austin.
—Vá—, ele a persuadiu.
Austin viu Dee guiar sua esposa para casa. Então ele encontrou o clarão ardente do olhar de Dallas.
—Ela é sua esposa e nem sabe o nome do seu irmão?—, ele perguntou.
—Eu disse a ela que tinha irmãos. Eu mencionei Houston para ela. Ache que eu apenas nunca cheguei a mencionar o seu nome. Não leve como algo pessoal—. Austin andou sobre a varanda. Dallas agarrou o braço dele e o empurrou de volta para baixo.
—Deixe-me dizer isto diretamente—, Dallas disse, a voz fervendo. —Cinco anos atrás você dormiu com Becky Oliver e para proteger a reputação dela você manteve a boca fechada e acabou na prisão. Agora, você se foi e menos de quatro meses aparece na minha porta com uma esposa—uma esposa grávida, ainda por cima. Ou você tem problema em manter sua calça comprida abotoada ou então você tem a propensão a se envolver com mulheres que não têm nenhuma moralidade—
O sermão de Dallas terminou com o punho de Austin acertando seu queixo e o mandando cambaleando para trás. Ele caiu com força no chão. Levou toda a força de vontade de Austin segurar a mão para não bater novamente no irmão. —Você não sabe porcaria nenhuma sobre a situação, e até que o faça, mantenha sua maldita boca fechada!—.
Austin subiu furiosamente os degraus e abriu a porta com força. —Loree, nós estamos partindo!—.
Ele desceu altivamente os degraus, respirando com força, tentando se tranquilizar antes de Loree chegar ao lado de fora.
Dallas ficou de pé, limpando com o dorso da mão o sangue que escorria pelo canto da boca. —Onde diabos você pensa que está indo, menino?—, Dallas exigiu.
—Eu não sou um menino. A prisão arranca o menino das pessoas. Aonde eu vou não é da sua conta—, Austin rosnou. Ele se virou com o som de passos e estendeu a mão na direção de Loree. —Vamos, Docinho—.
A preocupação fez pregas surgirem na testa dela. —Algo errado?—, ela perguntou, com o olhar indo dele para Dallas.
—Não, eu acabei de decidir que nós ficaríamos melhor no hotel da cidade—. A ansiedade não saiu do rosto dela. Ele apertou a mão dela. —Honestamente—.
Ele a ajudou a entrar na carroça, então subiu, soltou o freio e bateu as rédeas. Ele imaginou que voltar para casa com a esposa seria difícil. Ele apenas não achava que isso acabaria com os últimos laços que ele tinha com a família.
Olhando para o céu da noite através da janela do escritório, Dallas sentia necessidade de atravessar as planícies a cavalo, subir no topo de um de seus moinhos de vento, e escutar o ruído criado pela brisa constante. Ao invés disso, ele quietamente bebia uísque e se perguntava onde tinha errado.
Ele ouviu os passos quietos, bebeu o uísque restante, e colocou o copo de lado.
—Você está pronto para me dizer por que Austin bateu em você?—, Dee perguntou suavemente.
—Eu questionei a moralidade da esposa dele—.
—Então, eu estou contente por ele ter batido em você. Diz bastante a respeito dos sentimentos dele pela mulher—.
—E eu questionei a habilidade dele de manter a calça comprida abotoada—.
—Oh, Dallas, você não fez isso—.
Ele se virou e enfrentou a esposa. —Maldição, Dee, até onde eu vejo, ele deve ter dormido com ela dois minutos depois que a encontrou. Ele deu a si mesmo uma sentença de prisão perpétua com uma mulher que mal conhece—
Ela angulou a cabeça e ergueu uma sobrancelha escura.
—Droga! Nossa situação era diferente—.
—Eu percebo isto. Você não me conhecia nada quando nos casamos—.
Ele se virou, olhando de volta para a noite, para o passado. —Eu o criei, Dee. Desde que ele tinha cinco anos, eu era mais um pai do que um irmão. Eu odeio vê-lo desperdiçar sua vida, tomando decisões que não o levam para lugar nenhum—.
Ela colocou a mão sobre um ombro dele, um hábito que tinha adquirido quando percebeu que suas costas tinham pouca sensibilidade depois da surra que ele tinha recebido cinco anos antes como resultado da cobiça do irmão mais velho dela. —Você deu a ele uma boa criação. Agora você tem que dar a ele a liberdade para seguir sozinho—.
Ele virou rápido a cabeça. —E se eu não gostar da vida que ele está fazendo sozinho?—.
—Por mais difícil que seja, você vai ter que aprender a aceitar. Algum dia Rawley e Faith nos deixarão. Tudo o que nós podemos desejar é que a fundação que nós demos seja forte o suficiente para sustentar seus sonhos… e fracassos—.
Ele a puxou para seu abraço e apertou a bochecha contra o topo da cabeça dela. —Eu me lembro de ter voltado para casa e tê-lo encontrado vivendo como um animal. Eu não sei há quanto tempo nossa mãe tinha estado morta antes de nós chegarmos até lá ou como Austin fez para sobreviver. Levou semanas para que Houston ganhasse a confiança dele. Então ele olhava para tudo que nós dávamos a ele como se tivesse medo de que levássemos embora. Eu sempre desejei que ele tivesse sonhos grandes, e fosse mais distante do que eu já ousei. Eu sinto como se tivesse falhado—.
Ela se debruçou para trás e envolveu o rosto dele entre suas mãos. —Você sabe qual era o maior medo do Cameron?—.
Dallas piscou com a mudança abrupta de assunto. —Eu não tenho nenhuma idéia—.
—Uma vez que Austin percebesse que Cameron e Becky estivessem casados, ele colocasse um anúncio público dizendo à cidade que ele tinha estado com Becky na noite em que Boyd foi morto. Nem ele nem Becky o teriam culpado por ele ter feito isso, mas ele não o fez. Becky confiou nele naquela noite e ele não traiu essa confiança. Como você pode ter falhado quando o criou para ser um jovem tão bom, que aceita a responsabilidade por seus atos?
—Loree e eu não tivemos muita oportunidade de conversar, mas eu sei que ele a encontrou a caminho de Austin. Ela não sabia onde ele vivia até hoje. Ele podia ter saído da vida dela e nunca ter olhado para trás. Em vez disso, ele a convenceu a se casar com ele. Você não falhou, Dallas. Você o criou para ser o tipo de homem do qual você pode de orgulhar de chamar de 'irmão'—.
Dallas deu um suspiro cansado. —Se eu não falhei nos vinte anos no quais eu o criei, eu tenho medo de que possa ter falhado hoje—.
—Apenas se você deixar que o que aconteceu esta tarde fique entre vocês. Ele precisa mais da gente agora do que já tenha precisado antes, e eu estou certa de que amanhã ele acordará com alguns remorsos também. Vá conversar com ele de manhã cedinho—.
—O que foi que eu fiz para merecer uma esposa tão sábia?—.
Ela sorriu sedutoramente. —Venha para a cama e nós tentaremos descobrir—.
Rindo, ele a segurou nos braços e desejou que o irmão mais jovem não tivesse cometido o maior engano de sua vida.
Puxando a cortina para o lado, Austin olhou para a rua quieta onde as lamparinas lutavam para manter a escuridão à distância. Ele nunca tinha se sentido tão inseguro em toda sua vida.
Ele ouviu os movimentos da esposa enquanto ela, atrás da tela, colocava a camisola. O dia em que eles tinham se casado, eles tinham retornado a casa dela e dormido em sua cama. Apenas dormido. Um abraçando o outro.
Eles tinham continuado aquele ritual pela jornada, mas hoje à noite ele precisava de mais. A única família que ele tinha, estava compartilhando este quarto com ele e as memórias que eles tinham criado tinham apenas algumas semanas.
As memórias com Dallas tinham anos.
Ele queria—o toque de Loree em sua pele, o odor dela enchendo suas narinas, queria saborear os lábios dela. E, droga, ele não sabia como conseguir isto.
Ele tinha feito amor duas vezes em sua vida. Nenhuma das duas vezes tinha sido planejada. Ele tinha buscado conforto, dado conforto.
A única vez que ele tinha estado em um quarto com uma mulher com a qual ele sabia que tinha direito ao corpo, ele saiu do quarto por não importar o quanto ele tivesse pagado a ela, ele não conseguia se forçar a querê-la.
—Eu nunca tinha estado em um lugar tão legal—, Loree disse tranquilamente.
Austin soltou a cortina e enfrentou a esposa. As mãos dela estavam apertadas em frente ao corpo. Ele sorriu, desejando aliviar tanto o nervosismo dela quanto o dele mesmo. —Dee apenas se contenta com o melhor—.
—Por que nós não ficamos com o seu irmão?—.
Austin passou as mãos pelo cabelo. —Porque ele ainda me vê como um menino. Nunca notou que eu cresci—.
—Ele está bravo porque você se casou comigo—.
A tristeza na voz dela o fez cruzar o quarto com um só pensamento: confortá-la. Ele embalou o rosto delicado dela entre suas mãos grandes. —Não importa. Ele não tem um cachorro nesta briga—.
Ela piscou, um canto da boca se curvando. —O que isso quer dizer?—.
—Quer dizer que você—nosso casamento—não é da conta dele—. Ele deslizou os dedos polegares através da testa dela, embaixo de suas têmporas, através de suas bochechas. —Minhas razões para casar com você são apenas da minha conta—. Os olhos dela o atraíam do mesmo modo que o ouro atrai os mineiros, e ele se sentiu como se estivesse viajando em uma mina, guiado pela luz e a escuridão, procurando pelos tesouros que estavam lá dentro. Ele tocou os dedos polegares nos cantos de sua boca. Ele tinha dado a ela um beijo superficial depois que eles tinham trocado os votos. Tinha sido menos do que satisfatório. Ele não estava certo do que ela esperava deste casamento, mas ele estava absolutamente certo do que procurava.
Ele abaixou a boca até a dela, saboreando a doçura de sua língua. As mãos pequenas se apertaram contra o peito dele, e ele se perguntou se ela sentia a batida firme de seu coração. Ele a guia em direção à cama e eles caíram juntos sobre a suavidade do colchão. Ele teria que se lembrar de elogiar Dee pelo bom gosto na escolha da mobília.
Austin colocou o corpo frágil de Loree embaixo do seu. Ele iria com calma hoje à noite, bem devagar, saboreando todos os momentos, cada centímetro do corpo dela, certificando-se de não causar a ela nenhum desconforto. Ele arrastou os lábios ao longo da coluna esbelta da garganta dela e imergiu a língua na base oca da no final da garganta.
—Lembre-se da promessa—, ela suavemente pleiteou.
Promessa? Ele tinha feito tantas ultimamente. Achar o homem que tinha assassinado Boyd. A promessa de amar Loree, honrá-la, e cuidar…
Nunca tocá-la se estivesse pensando em Becky.
Gemendo, ele rolou de cima dela e jogou o braço por cima dos olhos, o corpo doendo com necessidade e desejos que não seriam realizados. Ele sentiu a rigidez do corpo dela deitado ao lado dele. Ela não se moveu— nem um braço, nem um pé. Ele não estava nem certo de que ela estivesse respirando.
Ele a estudou por fora do braço e viu uma lágrima solitária sair de seus olhos firmemente fechados e trilhar em direção a sua orelha. Raiva, tristeza e culpa o inundaram.
Ele jogou as pernas para fora da cama, se sentou e esfregou as mãos de alto a baixo pelo rosto. Então ficou de pé, tirou o chapéu da cabeceira da cama e se dirigiu à porta.
—Aonde você está indo?—.
—Eu preciso de ar fresco—. Ele abriu a porta com força, parou e examinou por sobre o ombro a mulher que estava agora sentada na cama, o rosto uma máscara de angústia. —Eu não estava pensando nela, Loree—, ele disse com a voz baixa. —Mas eu não vou ficar anunciando isso todas as vezes que te tocar. Você vai ter que aprender que eu mantenho as minhas promessas—. Ele forçou o corpo tenso a não bater com estrondo a porta após sua saída.
Ele andou a passos largos pelo hotel. O calor abafado da noite de verão o envolveu, não oferecendo nenhum conforto. Os saltos de suas botas ecoavam pela passarela de madeira. Ele desceu e permitiu que o chão abafasse seus passos.
Ele parou abruptamente em frente ao armazém geral. Ele viu uma luz pálida ardendo dentro de uma janela de cima. Ele se perguntou onde o menino dormia. Ele se perguntou onde o Becky e Cameron se abraçavam noite afora.
Ele começou a caminhar novamente, em direção a outra extremidade da cidade. Ele ouviu o som de piano desafinado ecoando através da taverna. Uma garrafa de uísque o atraía, mas ele nunca tinha apreciado beber só.
E seu companheiro de bebedeira da mocidade estava provavelmente fazendo amor passional com Becky agora mesmo. Ele foi para o estábulo, selou Trovão Negro e montou pela noite, tentando escapar da prisão invisível que cercava seu coração.
Ele sentia o terror que o tinha engolfava quando eles o tinham posto na solitária. A solidão tinha sido absoluta, assustadora. Da mesma maneira que era agora. Amar Becky tinha sido tão fácil. Eles nunca tinham discutido, ela nunca questionava.
Mas enquanto ele montava, não era Becky que assombrava seus pensamentos. Era Loree com seus olhos dourados que não confiavam nele e com um coração que poderia nunca ser dele.
Segurando o chapéu em um punho apertado, Austin se debruçou contra a viga da varanda de Dallas e assistiu o amanhecer que trazia cores majestosas para o dia. Ele se lembrou de um tempo quando tinha celebrado o amanhecer com seu violino. Agora, frequentemente ele dava boas-vindas ao amanhecer com uma maldição.
A porta da frente se abriu. Dallas passou debaixo do arco da entrada e parou quase tropeçando quando seu olhar encontrou o de Austin. Austin saiu de perto da viga. —Eu estou aqui para me humilhar. Eu tenho uma esposa, um bebê a caminho e nenhum modo de sustentá-los. Cameron é provavelmente o único nesta cidade que me contrataria, mas eu não consigo me ver empilhando latas e varrendo o chão—. Ele engoliu em seco. —Mas eu farei isto se for necessário—.
—Bom dia para você, também—, Dallas disse, um canto da boca erguendo o bigode.
Austin afundou contra a viga. —Precisava botar para fora o que vim dizer antes que perdesse a coragem—.
Dallas deu um aceno com a cabeça lento enquanto caminhava para a extremidade da varanda. O sol matutino batia em seu rosto contundido.
—Como está seu maxilar?—, Austin perguntou.
—Dolorido. Você me deixou com um dente solto—.
Austin vacilou. —Desculpe—.
—Eu mereci, e foi menos doloroso do que a dura que levei da minha esposa ontem à noite—. Dallas colocou o chapéu Stetson preto de aba larga em sua cabeça e andou para fora da varanda. —Eu estava indo procurar você. Já que você me poupou da dificuldade de achá-lo, por que você não dá um passeio comigo?—.
Austin conhecia o irmão bem o suficiente para saber que ele nunca pedia. Até mesmo quando as palavras soavam como uma pergunta sempre era uma ordem. Austin se ajeitava sobre a sela enquanto Dallas montava no cavalo que seu capataz tinha trazido. Então como a maior parte de sua vida, ele seguiu a trilha que seu irmão tinha marcado.
Eles montaram em silêncio por longos momentos, as planícies se abrindo diante deles. Austin nunca tinha apreciado a expansão larga de terra tanto quanto o irmão. Até recentemente, as cidades é que o atraíam, o movimento constante das pessoas indo a lugares, o estrondo das rodas das carroças, a batida dos cascos dos cavalos.
—Eu nunca soube quais eram os seus sonhos—, Dallas disse, a voz profunda retumbando acima da pradaria, —mas eu achei que eles te levariam além deste lugar. Você sempre olhou em direção ao horizonte como se tivesse herdado a veia errante de nosso pai—.
—Eu pensei em partir mais de uma vez, mas quando eu finalmente fiz, com toda a certeza eu não fui aonde queria ir—.
—Então você está pensando em fazer desta casa seu lar?—, Dallas perguntou.
—Eu gostaria, mas depende de Loree. A família dela foi assassinada há alguns anos atrás e ela tinha vivido só desde então. Eu pensei que ela acharia mais fácil viver aqui onde poderia se acostumar a ter pessoas ao redor—e eu queria mantê-la longe das memórias—.
—Parece que eu errei feio ontem. Eu te devo desculpas por isto—.
Austin sempre tinha sabido que seu irmão era um grande homem, mas ele nunca tinha parecido maior do que neste momento. A garganta de Austin se apertou. —Eu percebo agora que deveria ter enviado um telegrama—
—Poderia ter feito as coisas um pouco mais fáceis para Loree. Uma esposa e um bebê prendem um homem queira ele ser preso ou não—.
—Eu tinha aceitado isso antes de pedir a Loree que se casasse comigo. Ela merece mais na vida do que posso dar a ela—.
Dallas olhou para o horizonte. —Dee me ensinou que a única coisa que importa é o que você dá a ela de coração—.
—Meu coração não é inteiramente livre—.
Dallas o perfurou com um olhar escuro. —Então eu diria que você fez um estrago terrível nela—.
—Eu não vou argumentar com relação a isto, mas vou tentar fazer o melhor para ela—.
Dallas deu a ele um aceno com a cabeça lento e longo. —Bem, esta expansão está ficando muito grande para um homem lidar. Creio que eu podia usar alguma ajuda—.
—E tem como sair pagamento adiantado?—.
Um canto da boca de Dallas se ergueu, levando o fim de seu bigode junto. —Aqueles eram salários de um menino—. Ele esfregou a contusão do maxilar. —Como você tão diplomaticamente me mostrou ontem, está na hora de eu perceber que você é um homem. Vamos voltar para a casa e nós combinaremos os pormenores—.
Loree estava de pé na passarela de madeira do lado de fora do hotel. A cidade tinha crescido. Ela nunca teria reconhecido se não fosse pelo hotel. Enquanto eles montavam na noite anterior, a silhueta volumosa do edifício surgiu diante deles, jogando a de volta em uma noite cinco anos antes.
—Por que esta cidade?—, ela sussurrou por baixo da respiração. Com o West Texas tão vasto, por que Austin não poderia ter morado em outro lugar?
O destino tinha uma raiva cruel dela. Não havia nenhuma dúvida sobre isto.
A cidade não possuía nenhuma evidência de ela ter estado aqui antes. Ela nem sabia o nome. Nem se importava. Mas ela orgulhosamente tinha uma placa na sua entrada agora: Leighton.
Nomeada com o nome da família do marido dela. Por que o destino tinha enviado até a porta dela um homem que vivia no lugar que ela nunca mais queria ver?
Mas, mais ainda, ela se perguntou se o destino seria gentil o suficiente para devolver esse homem a ela.
Ele não tinha retornado ao quarto de hotel na noite anterior, e ela se perguntava onde ele estaria, se ele a tinha abandonado. Ela desejou manter a insegurança para si mesma. O que importava se ele pensava em outra pessoa desde que a abraçasse?
Garota estúpida, estúpida! Ela se puniu. Ela sabia que a dor refletida em seu olhar tinha-o machucado profundamente. Ela queria confiar, mas a vida a tinha ensinado a gostar da precaução. E por causa das lições da vida, ela sabia que precisava de uma arma de fogo.
Ela passeou ao longo da passarela de madeira, o estômago estremecendo enquanto as pessoas passavam ao redor dela. Os homens tocaram os dedos nas bordas de seus chapéus, alguns até sorriram para ela, mas ela se recusou a olhá-los nos olhos.
Ela estava agradecida quando viu a placa ARMAZÉM GERAL DO OLIVER. Ela deslizou para o lado de dentro, se encolhendo quando o sino em cima da porta anunciou sua chegada.
Uma mulher de pé atrás do contador olhou para cima e sorriu calorosamente. —Oi. Em que posso te ajudar?—.
Loree enxugou as palmas úmidas na saia. —Eu apenas gostaria de dar uma olhada—.
—Deixe-me saber se puder te ajudar com qualquer coisa—.
Loree concordou com a cabeça apreciando a oferta e passou para o corredor mais próximo. Brinquedos de todas as formas e tamanhos a saudaram. Ela não tinha visto muitas crianças na cidade, mas tinha notado uma escola vermelha próxima ao hotel. Ela supôs que a criança dela frequentaria essa escola. Ela e Austin poderiam comprar brinquedos aqui. Ou ele mesmo fabricaria os brinquedos?
Ela levantou um chocalho de madeira. Seu marido sabia talhar madeira? Que talentos escondidos ele possuía? O conhecimento escasso que ela possuía dele crescia de forma frustrante a cada dia. Ela supôs que deveria ser suficiente que ela não o temesse e que ele na maior parte do tempo tivesse consideração com ela.
Ainda assim ela não conseguiu evitar desejar ter uma parte dele para si. Ela se perguntou se ele tinha sido distante com as pessoas ou se a prisão o tinha deixado assim.
Como ela poderia não o ter transformado?
O coração dela saiu do ritmo, batendo instável com o pensamento de barras de ferro, paredes de tijolo e guardas. Como ele tinha sobrevivido cinco anos sem liberdade? Ela sabia que isto provavelmente a mataria.
Cuidadosamente, ela colocou o chocalho de volta sobre a estante. Ela teria que descobrir se ele planejava fazer um antes que ela o comprasse. E ela teria que descobrir se eles tinham dinheiro para comprá-lo. Ela precisava do pouco dinheiro que possuía para algo mais importante.
Ela caminhou até o contador. A mulher parou de espanar as prateleiras atrás do contador e girou. Seu cabelo vermelho estava puxado de volta em um coque elegante. A cor lembrava as mechas que Loree tinha descoberto no alforje de Austin. A mulher tinha os olhos de um azul da cor do céu do verão.
—Você achou o que estava procurando?—, ela perguntou com uma voz suave.
Loree apertou os dedos ao redor de sua barriga. —Eu estava procurando por uma arma de fogo pequena, algo como uma Derringer—.
A testa delicada da mulher se enrugou. —Nós não temos mais armas de fogo desde que o armeiro veio para cidade. Você achará a loja dele—
—Becky!—.
O coração de Loree ficou pequeno como se um punho de ferro o tivesse apertado. Quantas Beckies poderiam residir nesta cidade? Quantas com o cabelo da cor de folhas de outono?
Um homem alto entrou furiosamente pela cortina de trás do contador. Com a mão ele tirou o cabelo loiro de cima da testa. —Eu acabei de ver Austin—.
—Ele voltou?—.
—Sim, e o maior de tudo , ele se casou—. Loree viu o sangue fugir do rosto de Becky, e desejou que as reações do próprio rosto não estivessem tão perceptíveis assim.
—Casou? Com quem diabos ele se casou?—, ela sussurrou, a voz dita dolorosamente baixa. Então como se só então se lembrasse de que estava com uma cliente, ela piscou várias vezes e retornou sua atenção para Loree. —Eu sinto muito. Você quer o armeiro. Você o achará no fim da Rua Principal, próximo à taverna. Eu sei que o Sr. Wesson poderá ajudar você—. Ela se voltou para o homem. —Cameron, ele disse a você sobre a esposa?—.
Loree não queria ouvir a resposta. Ela saiu apressada do armazém geral. Uma vez fora, ela se encostou contra a frente do edifício. A mulher dentro da loja era bonita. Como que ela podia esperar que Austin não pensasse naquela mulher quando sua esposa era tão incrivelmente sem-graça?
Então ela se lembrou do que o homem disse. Ele tinha acabado de ver Austin. Ela andou apressada ao longo da passarela de madeira e voltou para o hotel. Subiu os degraus e abriu a porta do quarto como um tufão.
Austin estava ao lado da cama, colocando as roupas em uma mala sobre ela. Ele se virou, a testa profundamente enrugada. —Onde você estava?—.
Ela fechou a porta mais tranquilamente do que a tinha aberto e entrou no quarto. —Eu precisava de algo. Eu fui ao armazém geral—.
Ele se aproximou da cama, agarrou sua camisola, e a empurrou dentro da bolsa. —Nós estamos voltando para a casa de Dallas—.
—Eu encontrei uma mulher no armazém geral. Uma Becky—.
Ele se enrijeceu. O coração dela batia tão firme que estava certa de que ele podia ouvir. —Ela é a sua Becky?—.
—Não, ela não é a minha Becky—, ele respondeu por entre dentes trincados. Ele agarrou a escova de cabelo dela da mesa ao lado da cama e a jogou dentro da bolsa.
—Ela era a sua Becky?—, ela perguntou, incapaz de deixar para lá por razões que não conseguia entender.
Com um movimento rápido como um tiro, ele enviou a bolsa e tudo dentro para o chão. Ela tropeçou para trás. Ela nunca o tinha visto verdadeiramente bravo e se perguntou se ela o tinha provocado muito.
Ele se jogou sobre a cama, apoiando os cotovelos sobre as coxas, se debruçou para frente e enterrou o rosto entre as mãos. Ela ouviu a respiração severa dele e viu a tensão em seus ombros. Ele estendeu uma mão. —Venha aqui—.
Mas os pés dela continuavam pregados no lugar. Ela não sabia nada sobre o modo como ele agia com raiva. Se ele desse de si mesmo o tanto de raiva quanto dava de paixão…
Ele olhou para cima, o tormento em seus olhos aprofundando enquanto encontrava o olhar dela. —Venha aqui, Loree. Por favor—.
A angústia em sua voz fez com que ela caminhasse em direção a ele, buscando confortar as memórias dolorosas que sua constante perturbação trazia a ele. Enquanto se aproximava, ele a alcançou, colocou as mãos na cintura dela e a trouxe de pé entre suas coxas.
Ele deu uma respirada funda e trêmula, encarando um botão do justilho dela. —Sim, ela era a minha Becky—. Ele jogou a cabeça para trás, o olhar azul profundo capturando o olhar dela. —Mas ela não é mais, e nunca será novamente—.
Ele apertou um beijo na barriga ligeiramente arredondada dela, no lugar onde a criança deles crescia. —Eu preciso de você, Loree—, ele disse bruscamente.
Ela jogou os braços ao redor dele, apertando a cabeça dele contra sua barriga. Como a mulher podia não ter esperado por ele? Com demônios a assombrando e nenhuma família, os últimos cinco anos tinham sido uma eternidade, mas pelo menos ela tinha as estrelas da noite, o sol nascendo ao amanhecer, a liberdade para caminhar aonde quer que quisesse. —Eu a odeio porque ela te feriu—, ela disse, a voz fervendo.
—Ela não merece seu ódio—.
—Ela não merece sua lealdade ou o seu amor—.
Ele inclinou a cabeça para trás, encontrando o olhar dela. —Cinco anos é muito tempo—.
—Eu teria esperado—, ela disse, surpresa pela veemência de sua voz, mais surpresa por perceber que as palavras eram verdadeiras. Se ela fosse afortunada o suficiente para possuir o amor dele, ela o esperaria para sempre.
Um canto da boca dele se ergueu e ele levou as mechas soltas do cabelo dela para detrás da orelha. —Sabe, eu acredito que você teria—.
—Eu odeio ela ter te machucado—.
—E eu odeio ter te machucado—.
—Você não me machucou de propósito. Eu sei disto—.
—Mas eu não imagino que isso diminua a dor—.
Não, a dor tinha sido aguda, agonizante mas ela estava cansada de deixar a ferida se infeccionar. Ela precisava abri-la, limpá-la e deixá-la cicatrizar.
—Ela é muito bonita—, ela relutantemente admitiu.
Ele sorriu amplamente. —Ela é sim—.
Ele a abaixou até que ela se sentasse no colo dele. Ele embalou a bochecha dela. —Assim como você—.
Ela empurrou a mão dele para longe e evitou seu olhar, o calor incendiando seu rosto. —Não, eu não sou. Eu sou mais feia do que o traseiro de uma mula—.
Quando ele não saiu na defesa dela, ela ousou observá-lo. Estreitando os olhos, ele estudava as características dela. —Não fique me olhando—.
—Como que eu vou achar a feiúra?—.
—Está aqui para o mundo inteiro ver—.
—Onde?—.
Ela franziu os lábios. —O meu nariz, em primeiro lugar. A ponta levanta como um galho quebrado—.
—E eu que pensava que parecia com uma pétala desabrochando—.
Os olhos dele ficaram mornos, um toque de humor cintilando no meio.
—E meu lábios. Eu quase não tenho o lábio superior e o inferior parece inchado como se tivesse sido picado por uma abelha—.
—Para mim ele lembra um morango rechonchudo, maduro e apenas esperando para ser saboreado—.
Ela sentiu um calor derramar em seu rosto enquanto os olhos dele se escureciam.
—Meu cabelo—, ela disse com pressa, desesperada em convencê-lo de suas falhas. —Não tem nenhuma cor—.
Ele tomou a trança dela e levou a ponta aos lábios. —Eu sempre pensei que ele parecia ter sido tecido com a luz da lua. Creio que é por isso que eu roubei um pouco dele—.
Ela enrugou a testa. —O quê?—.
Ele se debruçou para trás ligeiramente, colocando a mão no bolso, e tirou várias mechas do cabelo dela, amarrados com uma tira delicada.
—Quando você fez isto?—.
—Na primeira noite em que dormi com você, depois que você adormeceu—.
As lágrimas encheram os olhos dela enquanto ela apertava a mão contra a boca. —Oh, Austin. Você deve gostar um pouco de mim para carregar o meu cabelo com você—.
—Eu gosto de você mais do que um pouco, Loree. Eu não teria casado com você se não fosse assim—.
Ela sabia que não deveria perguntar, sabia que arriscaria enfurecê-lo novamente, mas ela tinha que saber. —E as mechas do cabelo de Becky que você carregava?—.
—Eu sei que palavras não podem desfazer ações, mas eu desejo que ações possam desfazer um dano causado por uma palavra descuidada—. Ela viu o pomo de Adão se mover devagar de cima para baixo à medida que ele engolia em seco. —Eu os queimei… no dia em que nós queimamos o celeiro—.
Ela o estudou, tentando entender o significado de suas ações. —Por quê? Você não tinha que se castigar—
—Eu não estava me castigando. Queimar o celeiro era um modo de você deixar o passado para trás. Pensei que estava na hora de deixar meu passado descansar, também—.
—Mas você ainda a ama—.
O dedo polegar dele afagou a bochecha dela. —Eu amo a memória dela—.
A diferença soou leve para ela, se é que existisse mesmo. Ela não estava mais competindo contra uma mulher—apenas uma memória. Talvez se ela tivesse amado alguém antes de Austin entrar em sua vida, ela pudesse entender melhor o quão difícil era esquecer. Como as coisas eram, tudo o que ela sabia era que desejava que não tivesse existido ninguém antes dela.
—Ontem à noite, eu tive medo que você não voltasse—, ela confessou baixinho.
Os lábios dele se estenderam em um sorriso com um calor que a tinha aquecido da cabeça aos pés.
—Sentiu minha falta, é?—, ele perguntou, e ela ouviu a leve provocação em sua voz.
—Aonde você foi?—, ela perguntou, sem estar pronta para admitir o quanto tinha sentido falta dele.
—Montando—. Ele suspirou profundamente. —Eu precisava montar—.
—A noite toda?—
—A noite toda—.
Ela percebeu então o quão cansado ele parecia. Havia sombras sob seus olhos. O rosto permanecia sem barbear. —Eu terminarei de guardar as coisas se você quiser dormir um pouco antes de nós partirmos—, ela ofereceu.
—O que eu quero é um pequeno beijo—. Ele trouxe o rosto dela para mais perto do dele. —Eu sei que é difícil, mas confie em mim, Loree—.
Ela indecisamente concordou com a cabeça. —Eu estou tentando—.
Ele juntou os lábios aos dela e a rolou sobre a cama, segurando a bem perto, trazendo-a para debaixo dele, a boca nunca deixando a dela. Ele embalou a cabeça dela, segurando-a enquanto mergulhava a língua em sua boca.
Desajeitadamente, ela abriu as coxas enquanto os lábios dele trabalhavam magicamente. O calor cresceu dentro dela, e ela desejou que ele a beijasse para sempre.
Ele gemeu baixo do fundo da garganta e separou a boca da dela. —Tão doce—, ele murmurou.
Ela apertou o rosto contra a curva do ombro dele. Ela ouviu a sua suave respiração. Ela ergueu a cabeça ligeiramente para olhá-lo. Ele tinha adormecido.
Ela o soltou. Ele aumentou o aperto, girando para o lado e trazendo as pernas para cima da cama, formando um casulo ao redor dela. —Não saia ainda—, ele murmurou.
—Eu não irei—, ela sussurrou, aconchegando-se contra ele. Ela estava determinada a parar de sentir ciúme pela mulher bonita que trabalhava no armazém geral. Ela era parte do passado de Austin. Loree era seu futuro.
O coração de Loree batia aos arrancos enquanto eles se aproximavam da casa de Dallas. Ela viu o irmão de Austin aguardá-los no curral, um menino ao seu lado. Enquanto Austin parava a carroça na frente da casa, eles seguiram na direção deles. Loree soube sem dúvida que o menino era filho de Dallas. Ele andava como o pai.
—Achei que você apareceria mais cedo—, Dallas disse, um tom autoritário na voz que fez Loree pensar que o homem sempre conseguia o que queria.
—Eu adormeci—, Austin disse enquanto ajudava Loree a descer da carroça.
—Durante o dia?—, Dallas perguntou.
—Sim, nem todo mundo trabalha do amanhecer até a meia-noite construindo impérios—, Austin disse dando uma piscada de olho.
—Não há nada errado em construir impérios—, Dallas o informou.
—Não disse que havia—, Austin disse. —Estou apenas assinalando que nem todo mundo faz isto—.
Quando já estava firmemente no chão, Loree deu uma olhada ao redor, sentindo-se como um arbusto cercado por árvores de carvalho poderosas. Até o filho de Dallas tinha alguns centímetros a mais do que ela.
Dallas tirou o chapéu da cabeça. —Acho que me esqueci de te dar boas-vindas à família ontem—.
Antes de ela entender o que estava acontecendo, ele tinha tomado sua mão, se debruçado para frente e beijado sua bochecha.
—É um prazer ter você aqui—, ele disse enquanto soltava a mão dela. —Este é o meu filho, Rawley—.
O menino tirou o chapéu quase da mesma maneira que o pai tinha feito. —Nós estamos muito contentes por ter você aqui, Tia Loree—.
Ele deu um olhar furtivo para o pai que deu a ele um aceno de aprovação com a cabeça, e ela se perguntou quantas vezes eles tinham praticado a saudação. Two-Bits escolheu aquele momento para fazer sua presença conhecida. Ele saltou, colocou as patas no lado da carroça e começou a latir.
Um sorriso largo dividiu o rosto de Rawley enquanto ele se apressava na direção da carroça. —Você tem um cachorro?—.
—Sim. Por que você não o tira daí?—, Austin sugeriu. —Ele está provavelmente doido para correr por aí—.
Rawley ergueu Two-Bits em seus braços. O cachorro se torceu, serpenteando a língua para fora para provar o nariz de Rawley. Rawley colocou Two-Bits no chão e ficou de joelhos para esfregar a barriga do cachorro enquanto ele rolava de barriga para cima.
—Qual é o nome dele?—, Rawley perguntou.
—Two-Bits—, Loree disse a ele, com dor no coração. O menino lembrava muito o irmão dela. Ela julgou que ele tinha idade próxima do irmão dela antes de morrer.
Rawley deu uma olhada por cima do ombro, o rosto torto. —Quem deu esse nome a ele?—.
—Eu—, Austin disse. —Por que você não o leva para a parte de trás da casa? Nós provavelmente precisaremos prendê-lo de noite para que assim ele não fuja—, Austin disse.
—Ele pode ficar no meu quarto—, Rawley sugeriu.
—Eu acho que não—, Dallas disse.
O rosto de Rawley pendeu enquanto ele dava ao pai um aceno brusco com a cabeça. —Vamos, Two-Bits—, ele gritou enquanto começava a correr. O cachorro o seguiu como se tivesse achado um novo amigo.
—Rawley!—, Dallas gritou.
O menino parou tropeçando e se virou. —Sim, senhor?—.
—Está muito quente, você pode dormir na parte de trás da varanda hoje à noite se quiser—.
Rawley sorriu brilhantemente. —Obrigado, Sr. D!—, Loree voltou a atenção para Dallas a tempo de pegar um vislumbre de um sorriso antes que ele o tirasse do rosto.
—Ainda não consegue fazê-lo chamar de pai?—, Austin perguntou.
Dallas agitou a cabeça. —Não, mas não importa. Ele é meu filho. Eu acharei Dee. Ela está esvaziando uns quartos para que vocês dois possam colocar seus pertences—, Dallas disse.
Loree esperou até que Dallas tivesse desaparecido na casa antes de perguntar, —Por que Rawley não o chama de pai?—.
—Dallas e Dee o adotaram. Ele não era tratado muito amavelmente antes deles o trazerem para suas asas. Acho que ele ainda acha difícil confiar em homens—.
—Alguém bateu nele?—.
—Entre outras coisas—. Como se sinalizasse o fim da conversa, Austin tomou sua mão. —Vamos. Eu te mostrarei a casa—.
Mesmo que ele não tivesse dito nada a ela, Loree saberia qual quarto teria pertencido a Austin. Sorridente, ela pegou sua camisa amarrotada e calças curtas do chão.
—Suponho que Dee não tenha estado aqui desde que eu parti—, ele disse enquanto colocava a mala sobre a cama.
Ela não achava que ninguém tinha estado no quarto. Tinha o odor dele, desaparecendo por causa de suas ausências, mas entranhada pelos anos que ele tinha dormido aqui.
Ele puxou os cobertores na cama até cobrir os travesseiros e sorriu encabulado. —Nunca vi muito sentido em fazer a cama pela manhã só para desfazê-la de noite—.
Ele enxugou as mãos no traseiro. —Deixe-me conversa com Dee sobre alguns lençóis limpos—.
Ele saiu e Loree vagou em torno do quarto. Ela imaginava que ele seria um reflexo do homem antes de ter estado na prisão. Estava escassamente mobiliado como se ele nunca tivesse planejado ficar: uma cama, uma escrivaninha, uma cômoda.
Nenhum retrato estava pendurado nas paredes. Nada insinuava permanência, mas era seu quarto e sobre a cômoda descansava um violino. Com reverência, Loree arrastou os dedos pelo verniz opaco. Um trincado aqui e um arranhão ali não diminuíam a beleza do instrumento. Ainda assim, ele parecia abandonado e solitário.
—Dee pensou que a empregada tivesse limpado aqui—, Austin disse enquanto voltava ao quarto. —Ela disse que enviará Maria para cuidar da gente—.
—Eu posso mudar a cama—
—Aprecie o luxo de ser servida porque você só terá isto enquanto estiver aqui—.
—Seu irmão é muito rico, não é?—.
—Sim, mas eu não o invejo por isto. Ele trabalhou duro por cada centavo—.
Ela voltou à atenção para a cômoda. —Esse é o violino que sua mãe tocava para você?—.
Colocando as mãos nos bolsos, ele lentamente se aproximou. —Sim, é—.
—Meu pai tocava violino. Ele achava que música era importante. Ele me levava a Austin uma vez por semana para que assim eu pudesse ter lições de piano. Eu não tinha nenhum talento natural, mas tentei aprender. Eu podia ensinar você o que sei. Você podia tocar o violino da sua mãe—.
—Não—.
—Mas seria um tributo para sua mãe, um modo—
—Não. Eu não posso tocar e você não pode me ensinar—.
—Mas como você sabe se não tentar?—
—Confie em mim. Eu sei—.
Confusa, ela o viu se virar para a direção da porta. Ela não queria que o momento terminasse em decepção. —Austin?—.
Ele deu uma olhada por cima do ombro. —Eu vou pegar o resto das nossas coisas—.
Ela deu a ele um sorriso hesitante. —Você poderia desenhar para mim um mapa da casa para que assim eu não me perca quando estiver andando pela casa?—.
Ele riu. —É terrivelmente grande, não é? Dallas não faz nada com medidas pequenas—.
—Eu acho que ele está planejando ter uma família grande—, ela concluiu.
O sorriso dele foi para longe. —Eles estavam contando com isto, mas Dee teve um acidente alguns anos atrás. Ela não dará mais crianças a Dallas—.
Ela envolveu o próprio corpo com os braços. —Eu sinto tanto. Será que eu se ficar aqui e tiver o bebê isso não a deixará chateada?—.
Austin agitou a cabeça. —Uma coisa que você deve saber sobre os homens Leigh, eles tendem a se casar com mulheres generosas—.
Ele desapareceu pela porta. Loree cruzou o quarto, abriu um conjunto duplo de portas e andou até a sacada. Ela estava contente por eles terem deixado a cidade. Tinha despertado memórias que a tinham impedido de dormir na noite anterior.
Ela desejava que a presença de Austin hoje à noite mantivesse os pesadelos à distância.
Sangue. Estava em todos os lugares. Aos montes, vermelho, quente, brilhando na noite. Cobrindo as mãos, ensopando as roupas.
Ela não conseguia fazê-lo parar de correr como um rio furioso. Ela estava se afogando, afogando em sangue.
O grito rasgou a noite tranquila. Dallas se levantou da cama enquanto Dee girava de lado e aumentava a chama na lamparina.
—O que diabos foi isto?—, Dallas perguntou.
O grito agudo aterrorizado veio novamente.
—Veio do quarto de Austin—, Dee disse enquanto se dirigia à porta.
Dallas saltou da cama, apressado atrás dela no corredor e agarrou seu braço. —Aonde você pensa que está indo?—.
—Ajudar—.
—Deixe-me ir primeiro—, ele ordenou, tomando a lamparina dela. Não havia como dizer o que estava esperando do outro lado. A mulher estava sempre indo apressada para lugares onde não devia.
Silenciosamente ele abriu a porta do quarto e observou Austin do lado de dentro. A luz da lamparina jogava um brilho pálido em torno do quarto. Ele ouviu os soluços severos da mulher.
Dee passou por Dallas e caminhou para dentro do quarto, dando a ele nenhuma escolha a não ser segui-la.
Sentado na cama, os cobertores jogados ao redor da cintura, Austin segurava Loree. —Está tudo bem, Loree. Foi apena um sonho ruim—, ele disse com a voz baixa enquanto a balançava de um lado para outro, afagando suas costas.
—Eu não sabia onde você vivia. Não sabia. Eu não devia ter vindo aqui—, ela lamentou.
—Está tudo bem, Docinho. Ninguém vai machucar você aqui—.
Ela balançou a cabeça para longe do ombro e a luz da lamparina brilhou em suas lágrimas. —Eu estou tão assustada, Austin—.
Ele apertou o rosto dela contra seu ombro. —Eu sei que você está, mas eu vou te ajudar, Loree. Você verá—.
Dee foi na direção da cama. —Vou aquecer leite para Loree.—, ela sussurrou. —Sempre ajuda as crianças a voltarem a dormir quando acordam de um sonho ruim—.
Austin deu uma olhada por cima do ombro para ela, gratidão marcada em seu rosto. —E ponha muito açúcar—.
Dee passou por Dallas e colocou a mão em seu braço. —Acenda a lamparina deles, e os dê um pouco de isolamento enquanto eu aqueço um pouco de leite—.
Quando ela deixou o lado dele, Dallas caminhou para a mesa ao lado da cama e iluminou a lamparina. —Precisa de qualquer outra coisa?—.
Agitando a cabeça, Austin se acomodou na cama, levando a esposa com ele. Dallas ouviu os soluços sufocantes dela e as palavras de conforto que Austin repetia. Ele andou a passos largos de volta para seu próprio quarto, abriu a porta que ia para a sacada e saiu para a noite. Ele estava tremendo quase tanto quanto imaginava que Loree estivesse. Respirando fundo várias vezes ele olhou para o pálio espesso de estrelas.
Longos momentos se passaram antes que ele ouvisse os passos suaves de Dee. Ela se juntou a ele na sacada e esfregou a mão em seu braço nu. —Loree está dormindo. Volte para a cama—.
—Você viu as costas dele? Eles bateram nele na prisão—.
Não era uma pergunta, mas ela respondeu de qualquer maneira. —Parece que sim—.
—Quando nós acharmos o homem que matou o seu irmão, eu vou enforcá-lo na árvore mais próxima—.
—Você precisa deixar a lei lidar—
Ele se virou. —A lei enviou o meu irmão para a prisão—.
—A lei não é perfeita, mas você tem que confiar nela para servir a justiça. Você tem que deixar que a lei envie o real assassino para a prisão—.
—Seria melhor que eles o condenassem a forca, e eu quero uma cadeira na primeira fila—.
Austin segurou Loree enquanto ela dava um gole no leite morno que Dee tinha preparado. Ela estava tremendo tanto que a cama se agitava.
Depois de tudo que ela tinha sobrevivido, ele não ficava surpreso que ela ainda tivesse pesadelos. Durante a jornada, ele tinha ouvido os gemidos dela algumas vezes durante o sono. Pareceu que o quanto mais distante eles viajavam de Austin, mais inquieta ela ficava quando dormia. Ele desejou que trazê-la aqui não tivesse sido um engano, mas ele temeu que ela continuasse a viver como um ermitão se eles ficassem na casa dela.
Ela deu a ele um sorriso trêmulo e devolveu a xícara vazia. —Obrigada—, ela sussurrou.
Ele colocou a xícara de lado, e com o dedo polegar, enxugou o bigode de leite que tinha ficado sobre o lábio dela. —De nada—.
Ela deu uma risada desajeitada. —Eu estou tão envergonhada. Seu irmão deve pensar—
—Ele não pensa nada—, ele a assegurou, deitando-a e dobrando contra seu corpo. Senhor, ela se ajustava tão bem, embora estivesse começando a inchar por causa da criança. Enquanto descansava contra o peito dele, a mão dela se enrolava como uma pétala de uma flor que se fechava pela noite. Ele envolveu a mão dela, enquanto a outra preguiçosamente afagava as costas dela. Ele beijou a testa dela. —Você estava sonhando com sua família?—.
Ela moveu a cabeça de cima a baixo contra o peito dele. —E o homem que os matou. Havia tanto sangue—, ela sussurrou rouca.
—Como que ele é?—.
Ele sentiu o caminho de um calafrio pelo corpo dela.
—Eu não quero falar sobre ele—.
—Enquanto eu estava em Austin, conversei com um detetive sobre caçar o homem —
Ela empurrou o olhar para longe e olhou para ele, medo refletido em seus olhos. —O quê?—.
—Eu achei que te daria paz se o homem fosse achado e enforcado pelo que fez a sua família. Mas eu não pude dar ao detetive informações suficientes. Se você me disser o que sabe sobre ele—
Ela agitou a cabeça violentamente. —Não, não, eu não quero que ele seja procurado—.
—Docinho, eu não vou deixar que o homem que te machucou—
—Não!—, ela enterrou o rosto contra o peito dele. —Já faz cinco anos. Por favor, deixe para lá—.
—Não está certo ele ter assassinado três pessoas e sair por cima—.
Ele a sentiu tensa dentro de seus braços enquanto agitava a cabeça. Ele a trouxe para mais perto. —Eu não te forçarei, Loree, mas pense nisto. E se ele está matando outras pessoas?—.
Loree fechou os olhos com força. Ela devia ter dito a Austin tudo antes que eles tivessem se casado embora ela pudesse ter sacrificado qualquer afeto que ele sentisse por ela. Mas ela queria o que ele estava oferecendo ao bebê dela.
Estranho como um ser pequeno, que ainda nem tinha nascido, podia trazer tantas responsabilidades. Ela teve que fazer o que era melhor para o bebê. Ela tinha que colocá-lo em primeiro lugar. Então ela manteve seu silêncio.
Um detetive que procurasse pelo homem que tinha matado sua família seria um pesadelo pior do que o que ela tinha despertado gritando. Se alguém perseguisse o homem que tinha matado sua família, ele descobriria coisas sobre o pai que Loree queria que ficasse em segredo.
A única paz que ela tinha era o fato de saber que o assassino não iria matar mais nenhuma pessoa.
—Loree? Isto é diminutivo para Lorena?—, Dallas perguntou.
Austin viu a esposa se virar na mesa do café da manhã voltando à atenção para o irmão dele. Havia sombras descansando embaixo de seus olhos. Ele desejou ter o poder de libertá-la de seus pesadelos.
—Sim, é—, ela disse. —Meu pai me disse que essa era a canção favorita dele em torno da fogueira do acampamento durante a guerra—.
—Não na minha unidade—, Dallas disse. —Eu proibia meus homens de tocarem, cantarem ou pensarem nisto—.
—Por quê?—, Rawley perguntou.
—Porque elas faziam os homens sentir tanta falta de suas casas que acabavam desertando. Não podia tolerar um homem fugindo de suas responsabilidades—.
Loree virou o olhar para Austin, e ele notou a vermelhidão nas bochechas dela. Ele deu uma piscada. Dallas tolerava menos que a maioria dos homens, e Austin estava contente por Loree não ter compartilhado a história de exército do pai dela com seu irmão.
—Posso adicionar a tarefa de cuidar do cachorro da Tia Loree a minha lista de tarefas?—, Rawley perguntou.
Austin deu uma golada em seu café, assistindo Rawley esperar esperançosamente a permissão do pai.
—Você não acha que já tem tarefas suficientes?—, Dallas perguntou enquanto pegava um pouco dos ovos em seu prato.
—Mas eu gosto de cuidar de cachorros, e eu não tenho que vigiar nenhum desde que o da mamãe foi viver com os amigos dela—.
Pelo canto do olho, Austin viu a esposa se debruçar para frente na mesa e olhar para Dee.
—Enquanto ela carregava a ninhada, ficava um pouco irritável, então eu pensei que seria melhor deixá-la livre. Ela ainda vem para casa, mas não tão frequentemente—, Dee disse.
Loree agitou a cabeça. —Eu não entendo por que você a deixou livre—
—Era um cachorro de pradaria—, Dallas disse com desgosto.
Loree piscou, confusão refletida em seus olhos. —Você tinha um cachorro de pradaria como bicho de estimação?—.
—Sim—, Austin disse, sorrindo amplamente. —Dallas até fez um arreio. Talhou até o nome do cachorro nele—.
—Eu e Wrawley queremo um cachorro—, Faith disse em sua cadeira alta ao lado de Dee.
—Talvez você possa pegar emprestado com sua tia Loree por um tempo—, Dallas sugeriu.
—Posso, Tia Loree?—, Rawley perguntou. —Eu cuidarei bem dele—.
Loree sorriu suavemente. —Eu apreciaria a ajuda—.
—Agora está acertado—, Dallas começou. Austin escutou com uma orelha enquanto Dallas enumerava todas as coisas que ele precisava fazer naquele dia. Ele se lembrou de um tempo que fazia todas as tarefas e ainda tinha tempo para ir à cidade visitar Becky.
Agora, parecia que sua lista de responsabilidades o deixava com pouco tempo até para visitar a própria esposa. Ele a observou enquanto ela jogava duas colheres de açúcar em seu café e começava a mexer. Austin alcançou através da mesa a xícara e tomou dela. Quando ela começou a protestar, ele a silenciou com uma sobrancelha erguida. Então ele colocou mais quatro colheres de açúcar na bebida fermentada antes de dá-la de volta para ela. —Não há escassez de açúcar por aqui—.
As bochechas dela ficaram com a cor do amanhecer. —A maioria das pessoas não usa tanto açúcar quanto eu—.
—Talvez se eles fizessem, seriam tão doce quanto você—.
O rubor dela aumentou e ela abaixou o olhar para o prato.
—Você ouviu uma maldita palavra do que eu disse?—, Dallas perguntou.
Austin trocou o olhar para o fim da mesa. —Ouvi todas as palavras. Eu quero levar Loree até Houston esta manhã para que ela possa escolher um cavalo—.
Estreitando os olhos, Dallas esfregou o dedo polegar e o indicador pelo bigode. —Credito que Amelia vá arrancar seu couro se você não levar Loree e apresentá-la—.
Austin deu ao irmão um aceno com a cabeça. —Eu achei a mesma coisa. Eu prefiro encarar a sua ira a da Amelia—.
Dallas se debruçou para trás na cadeira e riu.
Austin parou a carruagem de duas rodas de Dallas, incapaz de fazer pouco mais do que olhar fixamente para a casa enorme e nada familiar. Uma sacada sobressaía de um quarto no segundo andar. Algum tipo de grade luxuosa cercava a varanda que circundava a casa. Um lado da casa formava um semicírculo. Cortinas amarelas bem claras ondulavam do lado de fora das janelas grandes.
—O que há?—, Loree perguntou.
—Houston sempre preferiu solidão. Eu nunca esperei vê-lo com vizinhos—.
—Certamente é uma casa luxuosa—, Loree disse.
—Sim—, Austin respondeu, sentindo apreensão em seu estômago. Ele moveu as rédeas, enviando as duas éguas pretas em um trote. Além do curral onde Houston trabalhava com um palomino selvagem, Austin viu a casa que ele tinha ajudado a construir. Parecia abandonada. Austin virou o olhar de volta para a casa maior.
Uma mulher andava sobre a varanda e acenava, uma menina minúscula em seu quadril, outra menina agarrada a sua saia.
—Bom Deus—, Austin murmurou.
Loree se debruçou em direção a ele. —O quê?—.
Ele agitou a cabeça. —Eu nunca teria acreditado nisto—. Ele parou os cavalos e o carro de duas rodas próximo ao curral ao mesmo tempo em que Houston deslizava entre os sarrafos. Austin freou e desceu do carro de duas rodas. —Não me diga que essa casa é sua, é?—, ele ordenou.
Houston fez uma careta. —Asquerosa, não é? Eu não estava procurando por isto, mas o sucesso me achou. Percebi que pelo menos eu poderia dar à mulher uma casa luxuosa—. Ele esfregou o lado cicatrizado do rosto. —Eu ouvi dizer que a câimbra do Cupido te pegou—.
Interiormente, Austin se encolheu com a frase do irmão. Os vaqueiros a usavam sempre que tinham o desejo de se casar. —Sim, você pode dizer isto—. Girando para Loree, Austin a ajudou a sair da carroça e deslizou o braço protetoramente ao redor dela. —Minha esposa precisa de um cavalo—.
—Não vai se preocupar em fazer apresentações?—, Houston perguntou.
—Eu pensei que era óbvio que você é meu irmão e que ela é minha esposa—.
Houston tirou o chapéu da cabeça. Austin ouviu uma arfada minúscula de Loree. Ele tinha crescido com as cicatrizes de Houston. Ele não tinha pensado em avisar Loree sobre elas.
—Bem-vinda à família—, Houston disse tranquilamente.
Os lábios de Loree se estenderam no maior sorriso de compreensão que Austin já tinha visto. —Eu estou muito feliz por estar aqui—, ela disse.
Houston deu o seu sorriso torcido. —Você tem que ser a alma mais clemente da terra para dizer isso depois de encontrar Dallas—.
—Eu acho que o nosso anúncio o pegou de surpresa—, ela disse.
—Sim, você poderia dizer que nos pegou desavisados, mas Austin sempre teve dificuldade em compreender quando deveria abrir a boca e quando deveria mantê-la fechada—.
—Quanto tempo você planeja ficar aqui fora com os cavalos em vez de trazer sua esposa para casa para que assim eu possa conhecê-la?—.
Austin se virou com a voz de boas-vindas de Amélia. Ela gingou em direção a ele, uma menina em cada braço. Houston andou a passos largos na direção dela e tomou ambas as meninas.
—Eu te disse para não carregá-las—, ele disse.
—Você me diz muitas coisas—, ela disse, a voz cheia de provocação.
Austin riu para a barriga grande dela. —Eu irei. Quando eu estava em casa antes, Dallas me disse que você deveria estar carregando outra porque não estava comendo—.
Amélia riu. —Eu não posso comer qualquer coisa nos primeiros três meses. Você pode pensar que eu ficaria fraca, mas eu apenas continuo a ficar mais rechonchuda a cada menina que nós temos—. Ela girou ligeiramente e sorriu. —Você deve ser Loree. Eu estou tão agradecida por Austin ter alguém para amar—.
Austin viu o rubor surgir no rosto da esposa. —Bem, eu não estou certa——, ela começou.
—Eu estou—, Amélia disse, interrompendo-a. Ela lançou os braços ao redor de Loree e a abraçou bem junto de si. —Bem-vinda à família—.
Então ela deu um passo para trás, rindo. —Olhe isto. Alguém que eu realmente posso alcançar. Dee é tão alta quanto uma árvore, e estes homens aqui não são nada diferentes—. Ela deslizou o braço ao redor de Loree. —Por que você não entra em casa um pouco? Nossas outras duas meninas estão assando biscoitos. Eles não serão comestíveis, mas nós podemos fingir que estamos comendo—.
Austin escutou o riso da esposa enquanto ela caminhava em direção a casa com Amélia. Amélia sempre tinha um modo de por as pessoas à vontade. Ele nunca tinha sido mais agradecido a ela do que agora. Ele deu uma olhada para Houston. —Quer que eu leve uma das meninas?—.
—Certo—. Houston deu a menor.
—Qual é essa?—, ele perguntou.
—A. J—.
Austin a trocou de posição nos braços. —Oi, A. J. eu aposto que você não se lembra de seu Tio Austin, não é?—.
Ela cobriu os olhos e enterrou o nariz minúsculo contra o ombro dele. Deus, ela era tão incrivelmente pequena e morna. Um nó se formou na garganta dele enquanto pensava que ele logo teria uma destas também.
—Já que você veio na carruagem de Dallas, creio que vocês dois fizeram as pazes—, Houston disse.
—Ele disse a você sobre isto?—, Austin perguntou.
Houston deu a ele um sorriso inclinado para um lado. —Sim—.
—O que é tão engraçado?—.
—O mundo inteiro tem medo do Dallas. Ele só levou socos duas vezes na vida—e ambas as vezes o punho era de um de seus irmãos—.
Austin riu. —Eu esqueci que você tinha batido nele. Eu nunca soube o porquê—.
Houston encolheu os ombros e começou a caminhar em direção a casa. Austin foi atrás dele. —Por que você bateu nele?—.
—Ele questionou a virtude de Amélia. Eu desaprovei suas dúvidas—.
Austin estava aliviado por saber que Loree não era a única cuja virtude Dallas tinha duvidado, mas ele também sabia que Amélia já estava casada há bastante tempo antes de sua barriga começar a inchar com uma criança. Austin engoliu em seco. —Loree está grávida—.
Houston deu uma olhada para ele. —Eu sei—.
—Ela é uma mulher decente—
—Nunca duvidei disso nem por um minuto. Diabos, Austin, eu te levei para um bordel pela primeira vez, e você saiu de lá tão puro quanto entrou. As mulheres decentes são o único tipo que sempre te atrai—.
—Não acredito que você tenha mencionado isso a ele quando ele passou por aqui—.
—Acredito que ele sabia pois me disse que se alguém ousasse olhar para a sua esposa com qualquer coisa exceto admiração, eles responderiam a ele—.
O nó na garganta de Austin se apertou um pouco. —Eu não estava certo de como ele se sentia—
—Você é seu irmão bebê. Ele tentaria te proteger do mundo se pudesse, e isto é provavelmente onde ele errou. Algumas lições simplesmente precisam ser aprendidas do modo difícil—.
Loree dobrou o cobertor, colocou-o na caixa e ergueu o olhar para a mulher que estava de pé no outro lado da cama fazendo a mesma coisa. —Eu espero que não tenha te chateado—.
Dee deu uma olhada para cima. —Claro que não. Por que você acha isto?—.
Loree encolheu os ombros. —Você me fez me sentir tão bem-vinda, e aqui estamos nós, depois de apenas uma noite, saindo—.
Dee sorriu com compreensão. —Eu estou contente que Amélia e Houston tenham oferecido a vocês a casa desocupada para morar. Eu sei que é difícil casar com alguém que você só conhece há pouco tempo. Eu não conhecia Dallas quando me casei com ele. Se minha família tivesse os pés no chão, eu acho que jamais o teria conhecido—.
—Eu sinto muito tomar a mobília deste quarto—.
—Sempre foi do Austin. Eu frequentemente pensei em substituí-la, mas eu queria que ele voltasse para casa e encontrasse algo familiar. Eu tinha medo de que todas as mudanças pudessem dominá-lo—.
Loree puxou uma linha solta do cobertor. —Você deve amá-lo muito para aceitar o que ele fez—.
—Eu entendo por que ele fez. Eu odiei vê-lo ir para a prisão, mas a decisão era dela e eu respeito isto—.
Entendimento, respeito, aceitação. Ela se perguntou se Austin daria isso a ela facilmente quando descobrisse toda a verdade sobre o passado dela. Ela supôs que teria que construir uma base de amor antes que as faltas pudessem ser reveladas e aceitas.
—Dallas e Austin já devem ter movido a mesa para o abrigo a essa hora. Você quer ir lá fora e dizer a eles que nós estamos quase terminando aqui?—, Dee perguntou.
Loree concordou com a cabeça, caminhou para a entrada, e se deteve. —Dee?—.
Dee deu uma olhada para cima para ela, Loree mordiscou o lábio inferior. —Fico agradecida por você não estar me julgando—.
Os olhos marrons de Dee se arregalaram. —Por causa do bebê?—.
Loree concordou com a cabeça depressa.
Uma riqueza de compreensão e condolência encheu os olhos marrons de Dee. —Uma criança é um presente, Loree, não importa as circunstâncias. Além disso, é o filho de Austin. Nós vamos mimar o pobre bebê, eu te prometo—.
Loree não duvidava. Ela já tinha visto que todas as crianças nesta família eram consideradas preciosas.
Ela caminhou corredor abaixo pela escadaria extensa e larga. As notas discordantes de um piano viajaram através da sala de estar dianteira. Ela andou relaxadamente em direção ao quarto, os sons destoantes fazendo com que os nervos dela rangessem antes de caírem em silêncio. Ela estudou a sala.
—Você praticou uma hora todo dia como eu te disse?—, uma mulher rotunda perguntou a Rawley.
Ele encolheu os ombros.
—Levante-se, jovem—, ela ordenou.
Mais lento do que gelo que derrete no inverno ele deslizou para fora do banco e ficou de pé.
—Estique a mão—.
Ela viu Rawley estender a mão, a palma para cima. A mulher pegou uma vara de madeira e a levantou.
—Você nem pense em bater nele—, Loree rosnou enquanto entrava furiosamente no quarto.
Rawley se girou tão rápido que perdeu o equilíbrio e caiu sobre o banco. Os olhos da mulher se retraíram mais do que seu nariz.
—Como ousa interferir com a lição—
—Eu estou interferindo com sua crueldade, não com a lição—.
—O Sr. Leigh está me pagando um bom dinheiro—
—Para ensinar o filho dele e não para bater nele—.
—Ele está preguiçoso e irresponsável—
—Irresponsável? Que horas você saiu da cama esta manhã?—.
—Eu não vejo o que isso tem a ver com a situação—.
—Esta criança estava de pé antes do sol nascer para realizar suas tarefas e ele sai de noite quando todos pensam que ele está na cama, então não me diga que ele é irresponsável. Você é irresponsável—. Loree pegou a vara da mão da mulher e a partiu em dois.
O queixo da mulher se agitou. —Como ousa! Espere até que o Sr. Leigh ouça sobre isto—. Ela saiu furiosamente da sala.
Loree deslizou até o banco ao lado de Rawley, deu a ele um sorriso morno, e começou a tocar —Greensleeves—[3].
—Sr. Leigh! Sr. Leigh!—.
De pé na carroça, segurando uma mesa pesada, Austin deu uma olhada por cima do ombro para ver algo que parecia com o início de uma tempestade de pó vinha na direção deles.
—Solte isto!—, Dallas ordenou, e Austin alegremente soltou, ouvindo o gemido da carroça sob o peso.
A esposa do banqueiro parou cambaleante. —Ela quebrou minha vara!—.
—Quem?—, Dallas perguntou.
Ela apontou o dedo para Austin. —Acredito que seja sua esposa—.
Austin sentou no lado da carroça. —Se Loree quebrou sua vara——ele engoliu o riso——estou certo de que ela teve uma boa razão—.
—Eu não tolerarei interferência daquela grosseirona quando eu estiver ensinando—, a mulher disse.
—Eu conversarei com ela—, Dallas disse.
—O inferno que você irá—, Austin disse. Ele encarou a mulher. —E ela não é uma grosseirona—.
—Ela é casada com um assassino—
—Meu irmão não é um assassino—.
—Eu estava no julgamento—
—Isso foi o suficiente, Sra. Henderson. Por que você não vai para casa e nós conversamos sobre isto amanhã?—, Dallas sugeriu.
Ela arrebitou o nariz. —Eu não acho que posso ensinar Rawley. Aquele menino é tão preguiçoso quanto o pai—
—Eu sou o pai dele—.
—Não de sangue—
—Agora já chega—. Dallas empurrou a mesa e a jogou colidindo contra a parte de trás da carroça. —Jackson!—.
Um homem desengonçado e alto saiu apressado do celeiro. —Sim, senhor?—.
—Escolte a Sra. Henderson para casa—.
Deixando a mulher xingar e esbravejar, Dallas andou a passos largos em direção a casa. Austin saltou da carroça e o alcançou. —Você tem que ter piedade do pobre Lester por ser casado com aquela mulher—.
Dallas bufou.
—O que você vai fazer?—, Austin perguntou enquanto Dallas entrava altivamente pela porta da frente.
—Descobrir o que realmente aconteceu—.
Austin ouviu a música vinda da sala de estar. Dallas parou de um salto na porta. Querendo assegurar de que ele pudesse entrar entre Dallas e Loree se a necessidade surgisse, Austin deslizou passando pelo irmão e congelou.
Loree estava tocando o piano com Rawley sentado ao lado dela, assistindo enquanto as mãos dela se moviam sobre as teclas. Ela atingiu a corda final e colocou as mãos dobradas sobre o colo.
—Eu nunca poderia tocar assim—, Rawley disse, a voz cheia de assombro.
—Você poderia se quisesse—, Loree disse. —Mas o segredo é—você quer?—.
Rawley agitou a cabeça. —Eu prefiro estar fora cuidando do gado—.
—Então é isso que você deveria fazer—.
—Mas eu não quero desapontar o Sr. D. Ele não vai gostar do que aconteceu com a senhora Henderson, não mesmo—, Rawley disse baixinho.
—Claro que ele não gostará—, Loree disse. —Ela tem sorte por eu ter entrado neste quarto e não o seu pai. Ele a deixaria careca se a visse tentando machucar você—.
—Você acha?—.
—Eu sei disso—. Ela se moveu no banco. —Rawley, ele ama muito você—.
—Eu sei que sim, mas eu não sou realmente filho dele. O filho dele está enterrado lá fora, embaixo do moinho de vento. Ele morreu por minha causa—. Abaixando a cabeça, Rawley esfregou o dedo ao longo da extremidade do piano. —Eu nunca disse isso alto, mas eu sei que é verdade—.
—Rawley!—.
Rawley saiu do banco com a voz intensiva do pai, e Loree parecia que tinha saltado para fora da pele.
—Sim, senhor?—.
—Eu preciso conversar com você, filho—, Dallas disse mais tranquilamente. —Lá fora—.
Dallas girou abruptamente e saiu descendo os degraus. Rawley saiu apressado atrás dele. Austin andou relaxadamente pelo quarto e se espreguiçou em uma cadeira próxima ao piano.
—O que você acha que ele vai dizer ao Rawley?—, Loree perguntou, preocupação marcada entre suas sobrancelhas.
—Imagino que ele vai explicar ao menino que ele é realmente filho dele—.
—Quanto tempo você estava ali?—.
—Tempo suficiente para saber que Rawley vai pastorear o gado em vez de bater em um piano—.
Loree respirou com um suspiro de alívio. —Eu estou começando a pensar que o seu irmão mais ladra do que morde—.
—Só quando é sobre a família. Não se engane quanto a isto—.
Austin ouviu o riso de Loree enquanto ele levava o cavalo até o curral. Mover-se em seu próprio lugar pareceu pôr Loree mais à vontade. Ele passeou pela casa, dobrou a esquina e se debruçou contra a viga que sustentava a varanda. A satisfação o tingiu quando o olhar dele caiu em Loree, sentada no chão, os pés nus saindo debaixo da saia. Rawley estava agachado ao lado dela enquanto Two-Bits gania e sacudia o rabo como se não houvesse amanhã.
—Sente!—, Rawley ordenou, engrossando a voz.
O cachorro ficou agitando o traseiro a meio caminho do chão antes de erguê-lo novamente e começar a sacudir novamente o rabo.
—Sente!—, Rawley repetiu. Austin pensou que ele soava muito parecido com Dallas.
Dessa vez o cachorro estatelou o traseiro contra o chão. Loree sorriu brilhantemente e bateu palmas enquanto Rawley lançava ao cachorro um pedaço de comida. Loree deu uma olhada para Austin, e seu sorriso ficou quente. —Você está em casa—.
Ele andou relaxadamente até ela, estendeu a mão, e a ajudou a ficar de pé. —Sim. O que você dois estão fazendo?—.
—Ensinando Two-Bits a sentar—, Rawley explicou enquanto lançava para o cachorro outro petisco. O cachorro o devorou como se não comesse há semanas quando Austin sabia que não era o caso.
—Rawley fez uma coleira—, Loree disse enquanto esticava a mão e acariciava o cachorro.
—Usei um cinto velho. Sr. D me ensinou como talhar no couro—. Rawley apontou. —Veja, eu fiz o nome do cachorro—.
—Você fez um bom trabalho—, Austin disse, contente por ver como suas palavras tinham deixado Rawley feliz. O menino tinha recebido pouquíssimos elogios antes de vir morar com Dallas.
—Sr. D me disse que quando o Two-Bits tiver alguns filhotes, eu vou poder ficar com um—.
—Isso pode demorar um pouco—, Austin disse.
—Sr. D disse a mesma coisa. Disse que me daria um cachorro agora se eu quisesse, mas eu decidi que quero um cachorro como o Two-Bits—. Rawley deu um passo para trás. —Bem, melhor eu ir para casa—.
—Diga a seu pai que eu verificarei o limite norte amanhã—.
Rawley deu a ele um aceno com a cabeça rápido. —Sim, senhor. Adeus, Tia Loree—.
—Obrigada pela coleira—, ela disse calorosamente.
—De nada—. Ele se apressou até o cavalo, montou e botou o cavalo em um galope.
Austin viu a poeira assentar. —Você fez de propósito, não fez?—, Loree perguntou.
Ele trocou o olhar para ela. —Fez o quê?—.
—Deu a ele uma mensagem para levar para ‘seu pai’. Suponho que Dallas já saiba que você vai verificar o limite norte amanhã—.
Austin esfregou o lado do nariz. —Foi tão óbvio assim que eu quero que o menino perceba que Dallas é o pai dele?—.
—Provavelmente para ele não, mas eu estou começando a conhecer você um pouco mais. Dallas diz às pessoas o que ele quer. Você tem a tendência a guiá-las sem deixar que elas saibam que você as está guiando—.
Esticando, ele tomou a mão dela e a arrastou até ele até que os pés estivessem sobre suas botas. —Então se eu quiser te guiar em direção a um beijo de ‘estou contente por você estar em casa’, o que eu faria?—.
—O que faz todas as noites. Coloca as minhas mãos nos seus ombros e coloca as suas mãos na minha cintura. Então me deita—
Ele não a deixou terminar, apenas colocou os lábios sobre os dela, permitindo que a semente do amor começasse a germinar. Ele desejou mais que tudo que ela não tivesse sido forçada a se casar com ele, mas se ela não estivesse aqui—ela estaria em Austin e ele estaria aqui, desejando estar com ela.
Ele manteve o beijo doce e curto porque sua determinação estava se debilitando. O que ele realmente queria era erguê-la nos braços, guiá-la até o quarto e fazer amor com ela até o amanhecer—mas aquela maldita promessa o parou porque ele não sabia como convencê-la de que estava apenas pensando nela.
Loree guardou um gemido quando a boca dele deixou a dela. Ela esperava muito ansiosa a volta dele para casa à noite. E sorriu calorosamente. —Você está pronto para a ceia?—.
—Faminto—.
Loree entrou na casa. Uma área principal do andar térreo se abria para uma área da cozinha. O quarto que ela e Austin compartilhavam era do lado de fora. Os degraus dentro daquele quarto iam para o segundo andar onde dois outros quartos esperavam a decisão deles de como deveriam ser usado.
Ela tinha trazido algumas coisas de sua casa próxima a Austin: uma cadeira de balanço, sua escrivaninha, a caixinha de música. Eles tinham a mobília do quarto de Austin, a mesa de Dee e Dallas e um sofá de Amélia e Houston.
Nada que insinuasse permanência… e ainda assim, ela se sentia satisfeita. Ela estava aprendendo bastante sobre o marido. Ele era um homem de hábitos simples. Ele despertava todas as manhãs antes do amanhecer e se sentava na varanda dianteira, esperando pelo amanhecer, as mãos envolvendo uma xícara de lata com apenas café preto. Ele nunca começava o dia com uma refeição, sempre comia o almoço com os peões, e retornava à noite com um apetite voraz.
A noite caiu enquanto eles terminavam a comida, e ela se juntou a Austin na varanda. Ela apreciava estes momentos quando ele parecia mais relaxado e contente. Ela se sentou no degrau superior. —Como foi o seu dia?—, ela perguntou tranquilamente.
Um canto de boca de Austin se curvou para cima. —Cansativo. Eu certamente não me lembro de me sentir tão cansado assim nas noites anteriores. Deve ser a idade me alcançando—.
Ela ligeiramente riu. —Você é tão incrivelmente velho—. Girando, ele apertou as costas contra a viga, endireitou as pernas e trouxe o pé dela para seu colo. Ele esfregou o dedo polegar pela sola do pé dela. —Como foi o seu dia?—.
—Amélia veio me visitar—.
—Ela não está sendo uma vizinha aborrecida, está?—.
—Não, eu acho que ela está propositadamente tentando nos deixar a sós. Ela me disse que você ajudou construir a casa—.
—Ajudei a adicionar o quarto e os cômodos de cima—.
—Eu gosto de pensar que nossas crianças vão andar em um chão que você ajudou a martelar no lugar—. Ela mordeu o lábio inferior, levantou uma mão e olhou com os olhos semicerrados na direção do sol poente. —Você vê aquela árvore ali?—.
Austin deu uma olhada por cima do ombro. —Sim?—, a árvore não era o que ela chamaria de bonita. Curvada, nodosa e torta parecia que tinha gastado muito de seu tempo lutando contra os ventos solitários e raramente tinha ganhado.
—Nós podemos pendurar um balanço nela?—.
—Nós podemos pendurar qualquer coisa nele que você queira, Docinho—.
Two-Bits saltou na varanda, sacudiu o rabo e latiu antes de se acomodar ao lado do quadril dela.
Austin riu. —Ele é um guardião tão feroz—.
—Ele é uma boa companhia, e ele dá a Rawley uma desculpa para me visitar. Ele me lembra tanto o meu irmão—.
Os dedos de Austin pararam sua jornada calmante em cima das solas dos pés dela. —Você realmente sente falta do seu irmão, não é?—.
—Alguns dias são mais duros do que outros, mas eu acho que é sempre assim quando você perde alguém que ama—.
Ele começou a massagear os pés dela novamente. —Falando de alguém que a gente ama, eles estão pondo aqueles que eles amam na cama—.
A noite cobria a terra. Loree olhou para a casa ao longe. Luzes se derramavam pela janela do segundo andar. Uma janela ficou na escuridão.
—Essa é a A. J.—, Austin disse.
—O que quer dizer A. J.[4]?—, Loree perguntou.
—Anita June. O segundo nome de Amanda é April. Quando eles querem, colocam os nomes das filhas com os meses dos anos em que nasceram. A minha esperança é que você não esteja planejando fazer isto—.
—E se eu estiver?—, ela desafiou.
—Então é isso o que faremos—. Austin apontou em direção a casa. —Eles estão vindo para a minha janela favorita—.
Loree deu uma olhada para trás por cima do ombro. Duas outras janelas estavam agora escondidas na escuridão. Ela assistiu a luz da última janela desaparecer.
—Esse é o quarto da Maggie. Espere um minuto…—, a luz novamente começou a queimar do lado de dentro. Austin riu.
—O que ela está fazendo?—, Loree perguntou.
—Não tenho idéia, mas ela aumenta aquela lamparina todas as noites—.
—Você a ama tanto—.
—Eu amo todos eles, mas eu só conhecia Maggie… e Rawley. Mas eu estou devagar começando a conhecer os outros—. Ele bocejou e bateu levemente nos pés dela. —Ache que é melhor eu ir para cama—.
Ele endireitou o corpo, tomou a mão dela, e a colocou de pé. —Não sei se você já notou o teatro que Dee construiu na cidade. Vai ocorrer a primeira apresentação na semana que vem. Ela convidou a família inteira para ir—.
—Isso deve ser divertido—.
—Sim—, ele respondeu, mas pensou ter ouvido uma dúvida em sua voz. —Vá. Eu estarei lá logo—.
Seguindo sua cerimônia noturna, ela foi para o quarto, deslizou dentro da camisola, rastejou para a cama, diminuiu a lamparina e esperou. Ela ouviu o marido caminhar o perímetro da casa como se abominasse desistir de outro dia. Ele se juntou a ela um pouco mais cedo do que tinha feito na noite anterior. Apertando um beijo contra a têmpora dela, ele a apertou no círculo de seus braços.
Enquanto ela estava deitada lá, escutando a respiração dele, sabia que ele estava dando o máximo que podia para não desonrar seu voto, e ela amaldiçoou a noite em que o tinha feito fazer uma promessa para ela.
Loree deu uma olhada em seu reflexo no espelho. A tira amarela no fim de sua trança parecia incrivelmente infantil, ainda que tivesse sido um presente de Austin. Ela a arrancou do cabelo e se jogou sobre a cama, movendo a tira por entre os dedos, repetidas vezes.
Austin tinha ido com Houston assim que viu Dallas e sua família chegarem na carruagem de duas rodas, deixando Loree terminar de se aprontar sozinha. Ela não queria envergonhá-lo parecendo uma garotinha quando eles frequentassem a peça no teatro. Só que ela não tinha nenhuma idéia de como parecer uma adulta. Ela ouviu a batida suave na porta. —Entrando—.
Dee colocou a cabeça para dentro do quarto. —Como estamos indo?—.
Loree levantou a tira. —Eu apenas preciso compreender o que fazer com esta tira. Eu não quero machucar os sentimentos de Austin não a usando—.
Dee entrou no quarto, e Loree desejou ter uma desculpa plausível para fugir desse compromisso. O vestido vermelho de Dee ressaltava sua aparência pálida, o cabelo preto e os olhos marrons, deixando-a devastadoramente bonita. —Oh, eu estou certa de que nós podemos pensar em algo para fazer com isto. Você não acha, Amelia?—.
Sorrindo calorosamente e segurando uma caixa grande, Amelia entrou valsando atrás de Dee. O cabelo dourado da Amelia estava preso em coque gracioso com cachos. O verde de seu vestido enfatizava o verde de seus olhos. Ela parecia radiante.
Dee retirou a cadeira na frente da penteadeira. —Loree, por que você não se senta aqui?—.
—Por que nós não colocamos o vestido primeiro?—, Amelia sugeriu.
Incrivelmente envergonhada, Loree deu uma olhada para seu melhor vestido. —Eu estou usando meu vestido—.
Amelia caminhou para a cama, abaixou a caixa e arrancou a tampa. —Eu pensei que você gostaria de usar o vestido que Austin mandou fazer para você—.
Loree deu um passo hesitante. —Que vestido?—.
Com um floreado, Amelia puxou um pano de renda e seda para fora da caixa e o segurou para que Loree visse. —Este aqui—.
Lágrimas arderam nos olhos de Loree. O justilho de um amarelo pálido tinha uma gola em V. Havia passando dentro do V até os ombros. A saia tinha uma abertura atrás, as partes eram ligadas com tiras amarelas, formando uma saia de renda pregueada.
—Austin mandou fazer este vestido?—, Loree perguntou, tocando o material suave com assombro.
—De certa forma—, Amelia admitiu. —Ele me disse que você precisava de algo para vestir. Ele insistiu que tinha que ser amarelo porque você ficava bonita de amarelo—
—Ele disse isto?—, Loree perguntou. —Que eu ficava bonita?—.
Amelia sorriu calorosamente. —Ele disse. Mas não sabendo do gosto das mulheres com roupas… e com a experiência desafortunada que eu tive com os gostos de Dallas para traje de mulheres, eu vigiei os esforços da costureira do vestido—.
—Eu não tinha idéia—, Loree começou.
—Eu acho que ele quis que fosse uma surpresa—.
—Oh, é mesmo—.
—Por que você não o coloca—, Dee sugeriu, —e então nós trataremos de arrumar seu cabelo—.
Loree agarrou a trança. —Eu não acho que posso colocá-la no topo da minha cabeça—.
—Nós podemos fazer qualquer coisa que você queira—.
Austin se sentou na sala de estar de Houston, largado na cadeira, olhando pela janela para o lado de fora, desejando poder pensar em um meio de fugir de sua obrigação de família.
Pelo modo como Rawley estava torcendo o rosto, Austin percebeu que ele estava procurando por uma desculpa, também. Rawley enfiou o dedo atrás do colarinho de sua camisa branca engomada, parecendo que poderia sufocar a qualquer minuto. Então seu rosto se clareou. —Eu deveria checar o rebanho—.
Dallas trocou o olhar da janela e movimentou a cabeça devagar. —Provavelmente devia—.
O alívio lavou o rosto do Rawley enquanto ele andava a passos largos para a porta.
—Se o rebanho significar mais para você do que a sua mãe—, Dallas adicionou.
Rawley parou tropeçando e deu uma olhada por cima do ombro.
—O teatro é um dos sonhos da sua mãe. Ela está um pouco nervosa sobre hoje à noite—, Dallas disse.
Rawley respirou fundo. —Então eu acho que devo estar lá—.
—Creio que sim—.
Rawley alcançou o bolso da camisa e retirou uma vara de sarsaparilla. Delicadamente, Faith andou até ele. —Dá—.
—É o meu último—, Rawley disse enquanto o quebrava pela metade e dava um pedaço a ela. Então ele encarou Maggie que estava sentada em um canto, vigiando suas três irmãs. —Creio que você quer também—.
Ela levantou uma bolsa. —Nós ainda temos as balas de limão que o Tio Dallas trouxe—.
—Se aquelas mulheres não se apressarem, as meninas terão dores de barriga antes que a gente saia daqui—, Houston disse.
—Contanto que elas estejam dirigindo sua carroça, não há problema para mim—, Dallas disse.
—Por que elas estão demorando?—, Austin perguntou.
—Diabos, nunca se sabe com as mulheres—, Dallas disse.
Austin ouviu o som de passos na varanda dianteira. A porta se abriu. Amelia e Dee entraram, parecendo menininhas tentando guardar um segredo enorme. Então Loree entrou e Austin sentiu como se um cavalo selvagem tivesse acabado de ar um coice em seu peito. Senhor, a pequena com quem ele tinha se casado iria atrair os olhares de todos os homens na cidade.
Lentamente ele ficou de pé. O sorriso do Loree hesitou e ela tocou a mão com a luva na nuca.
—Você não gostou?—, ela perguntou.
—Eu acho que está bom—, ele disse, perguntando-se de onde tinha vindo sua voz irritante.
—Amelia disse que você mandou fazer a roupa—.
—Sim. Eu apenas não sabia que iria ficar assim—.
—Eu posso trocar——
—Não!—, três vozes masculinas falaram em uníssono.
Do hotel Loree tinha visto o lado de fora do teatro, mas ela nunca tinha imaginado a opulência que havia escondida no lado de dentro. Velas chamejavam em lustres de cristal. Um tapete vermelho espesso com desenhos cobria cada centímetro do chão. Espelhos dourados adornavam as paredes. Degraus extensos e largos em cada canto do hall iam até as sacadas.
Ao final do hall havia um quarto onde os pais podiam deixar suas crianças nas mãos de mulheres capazes pagas para gostar deles. Até onde Loree podia perceber, Dee tinha pensado em tudo e projetado o teatro para dar às pessoas de Leighton uma noite que eles nunca esqueceriam.
Pareceu que todo mundo dentro de mil e quinhentos quilômetros tinha vindo para a apresentação de abertura. Loree nunca tinha estado em um cômodo com tantas pessoas.
Austin tomou o cotovelo dela e se debruçou para baixo. —Eles estão servindo champanha ali. Você quer?—.
—Você acha que eles têm água?—.
Sorridente, ele levou uma mecha perdida do cabelo dela para detrás de sua orelha. —Se eles não tiverem, eu acharei. Por que você não espera aqui com Rawley até que Dee e Dallas voltem do quarto de bebês onde deixarão Faith?—.
Ela ligeiramente movimentou a cabeça.
—Rawley, eu estou deixando sua tia sob seus cuidados. Você cuida dela, agora—.
Rawley endireitou os ombros. —Sim, senhor—.
O coração de Loree inchou enquanto ela via seu marido fazer sua passagem pela multidão. Alto, magro, ele parecia incrivelmente bonito com sua jaqueta preta e camisa branca engomada.
—Quanto tempo demora a peça?—, Rawley perguntou, tirando a atenção dela de Austin.
—Umas duas horas eu acho—.
—Há alguma chance de Romeu e Julieta ser uma história sobre um menino e seu cachorro?—, Rawley perguntou.
Loree lutou para conter o sorriso. —Não, é uma história de amor—.
—Um menino pode amar seu cachorro—, ele disse esperançosamente.
O sorriso de Loree ganhou liberdade. —Nesta história ele ama uma mulher—.
Rawley fez uma careta. —Eles não vão se beijar, não é?—.
—Você não gosta de beijos?—.
—Nunca tentei, mas não consigo achar que seja divertido. Até onde eu sei, parece que eles estão trocando saliva. Eu prefiro trocar bolas de gude—.
—Rawley!—.
Loree se virou na hora em que Maggie se chocava contra Rawley. Ofegante, ela apertou o braço dele. —Rawley, um dos atores está ali mostrando às pessoas sua espada. Que espada! Vamos!—.
Ela arrastou o braço dele, mas Rawley o puxou de volta. Ele deu um olhar rápido para Loree, e ela viu o desejo em seus olhos. —Eu não posso. O tio Austin disse que eu ficasse aqui com a Tia Loree—.
Maggie não foi discreta em sua decepção. —Droga, Rawley, nós não estaremos longe—.
Rawley hesitou, então agitou a cabeça. —Não posso fazer isto. Dei minha palavra—.
Loree colocou a mão sobre o ombro dele. —Vá. Eu ficarei bem—.
—Tio Austin pode não gostar disto—.
—Eu explicarei tudo para ele—.
—Acho que eu posso ir lá rápido e dar uma olhada—.
Maggie agarrou a mão dele. —Vamos, Rawley. Você não acreditará no brilho da espada. Parece afiada o suficiente para cortar a cabeça de um Longhorn—.
Loree os viu passar através da multidão. O irmão dela tinha aproximadamente a idade de Rawley quando tinha morrido. Ela não conseguia se lembrar se ele tinha visto uma espada.
Ela sentiu uma batida leve em seu braço e se virou. Seu estômago se revirou ao ver o homem e a mulher diante dela.
—Oi—, Becky disse sorrindo calorosamente. —Eu não sabia que você ainda estava na cidade—.
Loree deu um aceno com a cabeça aos arrancos. —Sim. Sim, eu vivo aqui agora—.
—Que maravilha! Você terá que ir me visitar um pouco no domingo quando a loja estiver fechada. Você achou a arma que estava procurando?—.
—Por que ela precisaria de uma arma?—, Austin perguntou por detrás dela.
O coração de Loree bateu tão forte que ela estava certa de que ele tinha sentido enquanto colocava a mão possessivamente sobre a cintura dela. —Aqui está sua água—, ele disse tranquilamente.
Com uma mão trêmula, Loree tomou o copo dele. —Obrigada. Eu já estava começando a sentir sua falta—.
Austin sorriu calorosamente, abaixou a cabeça e deu um beijo rápido nos lábios dela. —Eu estava sentindo falta de você, também—.
Loree virou o olhar e viu a compreensão brotar nos olhos de Becky enquanto o sangue drenava de seu rosto.
—Austin, é tão bom te ver você novamente—, Becky disse com a voz hesitante. —Como você está?—.
—Mais sábio—.
—Cameron me disse que você tinha se casado… eu apenas… acabei de perceber que… já encontrei sua esposa—, Becky gaguejou.
—Ela mencionou que tinha se encontrado com você. Loree, Docinho, você encontrou o Cameron?—.
—Eu o vi, mas eu não acho que nós realmente nos conhecemos—.
—Ele é o irmão de Dee. Eu não estou certo de já ter mencionado isto—, Austin disse.
—Não, você não fez. Você só mencionou que ele tem sido o seu melhor amigo—.
Cameron parecia que iria passar mal a qualquer momento. —Austin——
—Se você nos dá licença—, Austin disse, —nós precisamos achar nossas cadeiras. Dee nunca nos perdoaria por faltar à cena de abertura—.
Austin ofereceu o braço. Loree o agarrou, com medo de que pudesse afundaria no chão se não tivesse o suporte dele. A multidão se separou enquanto eles caminharam para a escadaria extensa. Ela ouviu um murmurado —assassino— e seu coração bateu descompassado. Ela deu uma olhada para seu marido, viu o maxilar dele trincar e percebeu que as pessoas estavam murmurando sobre ele. Ela angulou o queixo orgulhosamente.
—Eu nunca vi uma peça antes. Eu sempre quis ver uma—.
Austin deu uma olhada para ela.
Ela sorriu com o coração nos olhos. —Eu estou muito contente por ser você a pessoa que está me levando—.
—Docinho, eu não acho que conseguiria subir estes degraus sem você ao meu lado—.
Ele tomou a mão dela no topo dos degraus. Eles caminharam ao longo do patamar, passando por várias entradas com cortinas antes de Austin puxar uma para trás e levar Loree para a escuridão de um balcão.
—Obrigado, Loree, por você parecer orgulhosa por me ter ao seu lado—, ele sussurrou.
—Eu estava orgulhosa—.
Ela sentiu um momento de vacilo antes de ele a pegar nos braços e abaixar a boca até a dela. Ela enroscou os braços ao redor do pescoço dele, respondendo ao beijo com um fervor que a surpreendeu. Ela queria furar olhos e puxar cabelos. Ela queria perguntar àquelas duas pessoas como eles podiam ter traído o marido dela, o pai de sua criança, o homem que ela estava começando a amar.
Austin grunhiu e tropeçou para o lado, levando-a com ele. A cortina foi puxada de lado e a silhueta de Dallas apareceu na entrada.
—O que você está fazendo?—, Dallas exigiu.
—Procurando por nossas cadeiras—, Austin disse, a mão roçando rapidamente sobre a dela antes de segurá-la com firmeza.
Então o caos estourou quando a família lotou a sacada pequena.
—Todo mundo tome seus lugares—, Dee disse excitadamente. —Eles abrirão as cortinas a qualquer minuto—.
—Qual é a minha cadeira?—, Maggie perguntou. —Eu quero me sentar na frente—.
—Senhoras na frente—, Dallas disse, —Homens atrás—.
—Loree vai sentar comigo—, Austin disse.
—Isso mesmo e eu me sento com Amelia—, Houston adicionou.
—Certo—, Dallas rosnou.
—Nós colocaremos as crianças, Austin e Loree atrás—— Dallas começou.
—As crianças não conseguirão ver—, Amelia assinalou.
—Eu não me importo de não posso ver—, Rawley disse.
—Então você não verá a espada lutar—, Maggie disse a ele. —Você precisa ver a espada lutar—.
—Eu não me importo de sentar atrás—
—Houston e eu nos sentaremos atrás—, Amelia disse.
—Não, Dallas e eu somos mais altos. Nós nos sentaremos atrás—, Dee ofereceu.
—Não, Dee, esse é o seu sonho—
—Mas eu quero que você veja—
Austin puxou a mão de Loree. —Vamos—, ele sussurrou. —Nós nos sentaremos atrás—.
Ele a guiou em direção ao lado mais distante. Enquanto se sentavam, ele manteve a mão ao redor dela. Ela ouviu sua risada baixa. —Acho que eu comecei isto tudo ao querer me sentar com você—.
—Eu estou grato com o que você fez porque eu realmente não queria me sentar com qualquer outra pessoa—.
Ele arrastou o dedo junto ao maxilar dela. —Eu estou contente. Loree, eu me senti muito desajeitado lá embaixo, com as pessoas olhando e sussurrando. Eles ainda não se acostumaram com a minha volta para casa—.
—Minha casa podia nos dar as coisas que nós precisamos—.
—Eu quero que você tenha coisas que você quer não apenas as coisas que você precisa—.
—Acabou!—, Dallas rugiu. —Todo mundo tem cinco segundos para colocar seus traseiros nas cadeiras. Quem estiver de pé ao fim do prazo sairá do balcão—.
Começou um novo caos.
—Vamos, Rawley—, Maggie chorou enquanto o puxava para uma cadeira na frente.
Ela se estatelou na frente de Austin. Ele bateu no ombro dela. —Troque de lugar com Rawley para que a Tia Loree possa ver—.
Ela e Rawley trocaram de cadeiras. Enquanto os adultos restantes discutiam os acordos dos assentos, Maggie girou e olhou para Austin. —Eu e o Rawley podemos cuspir nos lados do balcão?—.
—Claro, especialmente se o seu Tio Cameron estiver lá embaixo—.
—Ele não está. Eles têm cadeiras no balcão, também—. Ela apontou para o lado. —Eles estão logo aí—.
Loree viu o olhar de Austin seguir a direção do dedo de Maggie. Ele enrijeceu. Cameron e Becky estavam sentados sozinhos no balcão próximo ao deles.
—Você não gosta mais do Tio Cameron, não é?—, Maggie perguntou.
Austin girou a cabeça de volta e olhou para ela. Amelia pôs a mão no ombro da filha.
—Meia-volta, senhorita—. Ela deu a Austin um sorriso de desculpas antes de tomar a cadeira ao lado da de Maggie. Houston se sentou ao lado dela.
Dee se sentou ao lado de Loree e riu ligeiramente. —Eu não percebi que seria tal provação—. Ela bateu levemente no joelho de Dallas. —Você lidou com a situação muito bem—.
—Da próxima vez todo mundo pega seu próprio balcão—.
Um homem caminhou sobre o palco e um silêncio desceu sobre o público.
—Senhoras e senhores! O Teatro Royal Shakespearean está honrado em estar nessa cidade adorável. Hoje à noite apresentaremos Romeu e Julieta—.
Ele saiu do palco. As cortinas lentamente começaram a se abrir, mas Loree não achou nenhum interesse na peça. Ela se perguntou quais pensamentos estariam passando na mente do marido. A mão dele tinha apertado a dela quando Maggie tinha feito aquela pergunta. O aperto continuava. Ele olhava para frente, mas ela não achava que ele estava prestando mais atenção a peça do que ela. Ela se debruçou na direção dele. —Eu quero ir para o lado de fora—.
Ele virou a cabeça e até nas sombras ela viu a preocupação marcada em seu rosto. A mão dele se fechou mais firmemente ao redor da dela. —Você está bem?—.
Ela ligeiramente movimentou a cabeça. —Eu preciso apenas de ar fresco—.
Ele se debruçou para baixo e sussurrou para Dallas, —Nós vamos lá fora por alguns minutos—.
Rawley se virou na cadeira. —Eu posso ir?—.
Dallas deu um aceno com a cabeça rápido e ficou de pé. Austin ajudou Loree a ficar de pé e eles foram andando entre as cadeiras.
—Eu sinto muito—, ela sussurrou quando pisou no pé de Dee. Mas Dee não pareceu notar que eles passavam, ela olhava apenas para frente. Eles passaram das cortinas e Loree respirou fundo.
—Você está certa de que está bem?—, Austin perguntou.
—Eu apenas me senti um pouco tonta—.
—Você quer ir se sentar na carruagem?—.
—Nós podíamos dar um passeio?—.
—Claro—. Ele envolveu a mão dela com a dele e eles desceram os degraus.
—Você conseguiu entender alguma coisa do que os atores estavam dizendo?—, Rawley perguntou enquanto ia junto deles.
—Nem uma palavra—, Austin disse.
Eles caminharam pelo hall e Austin abriu a porta da frente. Loree passou pela porta. Austin deu uma olhada por cima do ombro. —Você vem?—.
Loree notou o vacilo em Rawley. Ela deu uma olhada para o lado de dentro. Na outra extremidade, no quarto de bebês, Faith estava com o nariz apertado contra o vidro.
—Acho que eu vou ficar com a Faith—, Rawley murmurou.
—Há mulheres lá dentro para cuidar deles—, Austin o assegurou. —Ela está bem—.
—Ela não parece bem. Ela parece triste—, Rawley disse. —Eu não gosto de ver a minha irmã infeliz—.
Ele andou altivamente em direção ao quarto. Austin riu. —Eu acho que Faith não poderia ter pedido um irmão melhor—. Ele deu uma olhada para Loree. —Eu não podia ter pedido uma esposa melhor—.
Loree se sentiu enrubescer enquanto andava ia para a passarela de madeira. Austin a seguiu e tomou sua mão. —Onde você quer caminhar?—.
—Qualquer lugar—.
—Nós vamos para a outra extremidade da cidade, então—. Ele deu quatro passos largos e longos antes de ajustar o comprimento de seus passos ao passos dela.
—Então, por que você precisa de uma arma?—, ele perguntou tranquilamente.
O passo dela hesitou e ela olhou para ele. —Eu queria que você esquecesse sobre isto—.
—Não há muito para esquecer—.
Ela suspirou com força. —Eu estava em uma cidade estranha, eu não sabia se você voltaria——
Ele parou abruptamente e se virou para enfrentá-la, dor evidente em seus olhos. —Você achou que eu tinha abandonado você?—.
—Não, para falar a verdade não. Eu estava apenas… assustada—.
Ela sentiu que ele estava procurando no rosto dela, procurando por algo que ela nunca poderia deixá-lo ver.
—O que exatamente você teme?—.
—O passado. Eu tenho medo de que ele tenha nos amarrado de uma forma mais forte do que qualquer um de nós percebe—.
—Por causa de Becky?—.
—Por causa de muitas coisas—.
—Eu não posso mudar meu passado—.
Infelizmente, ela não podia mudar o dela também. Ela podia apenas desejar nunca mostrar seu lado feio para Austin ou suas crianças. —Compartilhe algo bom comigo—.
Os olhos azuis dele escureceram e os lábios se estenderam em um sorriso morno com promessas fervorosas. Ele colocou as mãos em ambos os lados da cintura dela e a trouxe contra ele. —O que exatamente você tem em mente?—.
—Uma história. Conte-me uma boa história sobre seu passado—.
Rindo, ele soltou a cintura dela, tomou sua mão e começou a caminhar. —Eu sou ruim em contar histórias—.
A noite se fechou ao redor deles. As lamparinas ao longo da rua lançaram sua luz pálida sobre a passarela de madeira. A cidade parecia quase deserta com a maior parte de seus residentes frequentando a peça. Ela viu a luz pálida se derramando para o lado de fora da taverna na outra extremidade da cidade, junto com o riso tumultuado e o eco metálico de um piano.
Ela tropeçou quando o salto de seu sapato bateu em uma tábua solta na passarela de madeira. Austin a segurou, então se ajoelhado e ofereceu a coxa. —Dê-me seu pé—.
—O que você vai fazer?—.
Ele deu uma olhada para ela e ela viu a resposta em seu olhar.
—Eu estou toda arrumada. Não posso ficar descalça—.
Ele angulou a cabeça e ergueu uma sobrancelha. —Nós vamos voltar ao teatro para assistir a peça?—.
Ela se lembrou do quão tenso ele tinha estado dentro do edifício, como o corpo dele e seu toque tinham relaxados quando eles foram para o lado de fora. —Não—.
—Então coloque seu pé aqui em cima—.
Colocando as mãos nos ombros dele, ela apoiou o pé em sua coxa e o observou soltar habilmente os botões e remover o sapato do pé dela.
—Você tem dedos tão bons—, ela disse enquanto ele rolava a meia-calça.
—Você acha?—.
—Hmm-hm—. Ela apreciou sentir a passarela de madeira embaixo do pé nu e colocou o outro pé sobre a coxa dele. —Eu queria que você me deixasse a te ensinar a tocar o violino da sua mãe—.
As mãos dele pararam.
—Leva tempo e paciência, mas eu tenho ambos—, ela o assegurou.
Ele tirou o sapato, agarrou o outro e endireitou o corpo. —Eu não posso tocar violino, Loree—.
—Se você tentasse—
—Eu não posso—.
As palavras eram faladas como definitivas.
—Querer é poder—, ela murmurou.
—O quê?—.
Ela agitou a cabeça. —Apenas algo que a minha mãe costumava dizer para mim—.
Ele colocou os sapatos em uma mão, e colocou a mão livre ao redor da dela e começou a caminhar.
—Dallas tem gado, Houston tem os cavalos. O que você tem?—.
—Você—.
O sorriso dele era morno, e o coração dela tremulou.
—Antes de mim, o que você tinha? Quais eram os seus sonhos?—.
Os passos dele diminuíram de velocidade como se seguissem seus pensamentos, voltando em um tempo em que ele sonhava. —Dallas é um homem de influência poderosa—. Ele a perfurou com o olhar. —Eu o amo e admiro, Loree. Nunca pense que não faço—.
—Eu não pensaria—.
Ele deu um aceno curto com a cabeça. —Eu queria ir a algum lugar onde as pessoas nunca tivessem ouvido falar dele. Eu queria fazer o meu nome por mim mesmo, sabendo que ganhei o reconhecimento por minha causa e não por causa dele. Isso faz algum sentido?—.
Ela concordou com a cabeça compreendendo tudo. —Aonde você teria ido?—.
Ele agitou a cabeça lentamente. —Nunca pensei muito sobre isso. Quando… quando eu conheci a Becky, o pensamento de partir saiu da minha cabeça—.
—Ela se tornou seu sonho então—.
Ele parou de caminhar, debruçado um ombro contra o lado do edifício, e a trouxe para perto. —Não. Ela não se tornou. Ela apenas me fez parar de pensar nele—. Ele arrastou os dedos longos junto ao maxilar dela. —Você me fez começar a pensar em sonhos novamente—.
Ele imergiu a cabeça e encostou os lábios no dela. —Você me faz pensar em muitas coisas. Desde o primeiro momento em que eu percebi que você não era um menino—.
Ele colou a boca na dela, fazendo-a ficar na ponta dos pés. Os pés dela subiram nas botas dele, fazendo-a ficar mais alta. Os braços dele se fecharam em torno dela, segurando-a perto enquanto ele embalava sua bochecha e jogava a cabeça dela para trás com a outra mão. Ele arrastou a boca quente junto à garganta dela.
—Doce, doce Loree. Por Deus, eu preciso de você—, ele disse bruscamente.
O calor a rodeou, por todos os lados. A cabeça dela caiu para trás. —Diga… me Dida o que você teria feito para fazer seu nome por si mesmo—.
—Eu poderia—
Ele fez um som gutural e tropeçou para trás. Loree se desprendeu dele e aterrissou com força o traseiro no chão.
—Seu maldito assassino filho de uma cadela!—, um homem gritou enquanto jogava Austin contra o prédio de tijolo.
Austin grunhiu e deslizou até o chão.
—Eles deveriam ter enforcado você!—, o homem o chutou no lado. Gemendo, Austin rolou como uma bola.
—Não!—, Loree gritou enquanto rastejava em direção a um dos sapatos que Austin tinha soltado. Ela o jogou no homem, batendo nele justamente na lateral da cabeça.
O homem deu um passo para trás. Ela jogou o outro sapato nele, agradecida por vê-lo sumir entre as sombras.
Loree subiu na passarela de madeira. —Austin?—.
Ele gemeu enquanto rolava e ela suavemente colocou a cabeça dele em seu colo. Ela sentiu uma umidade morna, pegajosa, cobrindo suas mãos e soltou um grito aterrorizado.
—Eu não consigo tirar o sangue—, Loree falou por entre dentes trincados enquanto lavava as mãos na bacia com água morna que o médico tinha trazido.
Austin ouviu o tremor de pânico em sua voz, e viu o modo brutal como ela esfregava as mãos, e tinha medo de que ela pudesse ferir a pele. Ele saiu de perto do médico que estava examinando sua cabeça.
—Ei, jovem— Dr. Freeman começou.
Austin levantou a mão. —Só um minuto—.
Ele cruzou o quarto e tomou as mãos de Loree. Ela virou rápido o olhar para ele, e ele quase pode ver as memórias horrorosas refletidas em seus olhos dourados.
—Eu não consigo tirar o sangue—, ela disse bruscamente.
Ele se lembrou de como ela tinha continuado a se esfregar na noite em que Digger morreu, embora ela tivesse lavado todo o sangue. —Eu posso tirar—, ele disse tranquilamente. Ele imergiu a mão dela na água, então lentamente, suavemente passou os dedos em cima das mãos limpas dela. Ternamente ele as enxugou. —Viu? O sangue se foi—.
Com a testa enrugada, Loree deu uma olhada para as mãos, então ergueu uma e tentou tocar nas costas da cabeça dele. Ele agarrou a mão dela antes que ela pudesse sujá-la de sangue novamente. Lágrimas brotaram nos olhos dela. —Alguém machucou você—.
Ele beijou as pontas dos dedos dela. —Eu vou ficar bem. Vá se sentar no quarto da frente com Dee—.
Ela concordou com a cabeça antes de deixar o quarto, fechando a porta atrás de si. Ele desejou poder tê-la poupado da visão de seu sangue. Austin andou de volta até a cadeira e se sentou fazendo careta quando o médico tocou de leve algo contra sua cabeça. —Maldição! Isso queima—.
—Eu só quero me certificar de que o corte esteja limpo antes de dar os pontos. Nós não precisamos de uma infecção—, Dr. Freeman disse, o corpo mais esquelético e alto do que Austin se lembrava.
—Você está certo de que Loree está bem?—, ele perguntou. Com medo de que ela pudesse ter sido machucada, ele insistiu que o Dr. Freeman a examinasse primeiro.
—Ela está bem—, Dr. Freeman disse. —Ela só não tem muito estômago para sangue, é tudo—.
Austin pensou que ele também não teria se visse alguém assassinando sua família.
—Quem atacou você?—, Dallas perguntou da entrada.
—Eu não sei—.
—Duncan?—.
Austin encarou o irmão. —Eu disse, não sei. Ele veio por detrás e jogou a minha cabeça contra a parede. Tudo foi ficando escuro e mais escuro—.
—Eu montarei e conversarei com Duncan amanhã—
—E o quê? Vai dizer a ele para ficar longe de mim quando você nem sabe se foi ele? Ele não é o único na cidade que pensa que eu deveria ter sido enforcado—.
Os olhos de Dallas se estreitaram. —Quem mais?—.
—A maior parte da cidade—.
—Então eu vou colocá-los em seus lugares—.
—É a sua palavra contra um veredicto de culpado. Apenas fique longe disto. Você estará apenas pedindo problemas ao se envolver—.
—Maldito! Isso começou comigo!—
—E terminará comigo—. Ele deu um suspiro cansado. —Eu aprecio sua vontade de tomar uma atitude, mas a verdade é que eu fiz algumas coisas estúpidas sem pensar. Eles foram meus enganos e sou eu quem tem que pagar por eles. Sem esses enganos, nenhum júri teria me achado culpado—.
Ele esperou uma nova discussão. Em vez disso, ele viu respeito surgir nos olhos do irmão mais velho. —Cristo, você cresceu, não é?—.
Austin deu a ele um sorriso indiferente. —Sim—.
A porta se abriu e Dee colocou a cabeça pela abertura. —Dr. Freeman, Loree disse que algo está acontecendo com o bebê—.
Austin saiu da mesa. —Maldição! Eu achei que você a tinha olhado—.
—Eu fiz—, Dr. Freeman disse enquanto saía do quarto, seguido por Austin em seus calcanhares.
Loree estava sentando em uma cadeira estofada na sala de estar do Dr. Freeman. Austin se ajoelhou ao lado dela e envolveu a mão ao redor do punho apertado dela. —Loree?—.
Lágrimas vislumbravam em seus olhos. —Oh, Austin, eu acho que estou perdendo o bebê—.
Austin ouviu os ossos rangerem enquanto o Dr. Freeman abria caminho entre os joelhos dela. —Quanto dói?—, ele perguntou.
Um olhar de surpresa surgiu no rosto de Loree. —Bem, não dói exatamente—.
—O que acontece exatamente?—, Dr. Freeman perguntado.
Loree lançou um olhar de lado para Austin antes de voltar sua atenção para o Dr. Freeman. —Bem, eu meio que senti——ela mordeu o lábio inferior e enrugou a testa——sabe quando você salta em um riacho e o ar fica preso em suas roupas de baixo e meio que fica lá por um minuto depois de você bater na água e então borbulha e faz cócegas? É assim que eu senti—.
Austin pensou que o Dr. Freeman parecia estar à beira de uma risada, o rosto do homem ficou carmesim e Austin pôde dizer que ele estava lutando para conter o riso. —Não posso dizer que já tive ar preso em minhas roupas de baixo—. Ele deu uma olhada por cima do ombro para Dee. —Acha que ela acabou de sentir o bebê rolar?—.
Dee sorriu calorosamente. —Acho que sim—.
Com maravilha refletida nos olhos dourados, Loree apertou a mão contra a barriga. —Eu senti o bebê rolar? Ela está bem?—.
—Eu estou certo de que ela está muito bem—, Dr. Freeman disse.
O ar rarefeito do final de agosto entrava pela janela aberta, fazendo pouco para esfriar o corpo suado de Austin. A lua se derramava no quarto, valsando com a escuridão.
Ele viu a sombra de seu violino que descansava no topo de sua escrivaninha. Antes ele podia ouvir a música muito antes de tocar nas cordas.
Uma vez ele tinha sonhado com um violino especial—criado com suas próprias mãos—que faria a música mais doce de todas.
Agora, ele estava contente por tocar as cicatrizes e os arranhões do violino de sua mãe—se ele uma vez mais tivesse a habilidade de trazer a música à vida dentro de seu coração...
—Austin, o que você está fazendo?—, Loree sussurrou com sono.
Ele caminhou para a cama, se esticou ao lado dela e espalhou os dedos sobre sua barriga. —Não conseguia dormir—.
—Sua cabeça está doendo?—.
—Não, está boa—.
—O homem que você matou e foi para a prisão por assassinato—
—Era um filho de uma cadela que não merecia um pingo de preocupação—.
—Ele deve ter significado algo para alguém para um homem te atacar. Eu o ouvi dizer que você devia ter sido enforcado—.
Ele embalou a bochecha dela. —Eu direi a você o quão desprezível ele era. Uma noite atrás do hotel, ele empurrou alguns engradados de madeira sobre Dee e saiu sem olhar para trás. Dee perdeu o bebê que estava carregando e quase perdeu a vida. Então ele pagou ao pai do Rawley para matar Dallas. Eu não lamento a morte dele. Eu só lamento que eu fui mandado para a prisão por causa disto—. Ternamente, ele tocou os lábios nos lábios dela. —Eu que vou acordar com pesadelos se nós continuarmos com essa conversa. Vamos falar sobre qualquer outra coisa. Diga para mim novamente como é sentir quando o bebê se move dentro de você—.
—Eu fiquei assustada a princípio porque achei que algo estava errado. Minha mãe nunca tinha me falado sobre as coisas que acontecem quando se tem um bebê. Eu não sabia que o sentiria rolar… ou que seria tão maravilhoso—. Ela virou para o lado, enterrando o rosto na curva do ombro dele. —Eu estou contente porque nós vamos tê-la. Eu estava embaraçada a princípio… tão envergonhada—
Ele jogou o rosto para trás. Ele não podia ver o ouro nos olhos dela, mas não parou de procurá-lo. —Loree, a vergonha é minha, não sua, nunca sua—.
—Austin, eu queria você perto de mim naquela noite. Eu nunca tinha me sentido tão só em toda minha vida—.
Ele procurou na escuridão, achou a mão dela e a trouxe até seus lábios. —Na prisão…—
—O quê?—
Ele engoliu em seco. Como se apenas removendo as correntes removessem as memórias. —Havia uma cela. Dentro dela era preto como piche. Se o guarda tinha dor de dente ou se estava de mau humor, ele jogava alguém nessa cela—. Ele sentiu o suor aparecer inesperadamente em sua pele e tremeu, embora a noite estivesse morna. Os dedos se apertaram ao redor dos dela. —Eu não podia respirar naquela cela. Eu pensei que iria enlouquecer. A noite em que eu cheguei em casa e Dallas me disse que Becky tinha se casado, eu me senti como se ele tivesse me empurrado dentro daquela cela—.
Ela apertou um beijo contra o peito dele. —Eu sinto muito—.
—Na primeira noite em que eu te abracei, eu senti uma chama de esperança como se eu pudesse ser capaz de escapar—.
Ele sentiu lágrimas mornas deslizarem em seu peito. —Uma destas noites, Loree, eu vou deixar do lado de fora daquela porta todas as memórias que eu tenho. Quando isso acontecer eu vou fazer amor com você até o amanhecer—. Os braços dela deslizaram ao redor dele e ela trouxe o corpo perto dele o suficiente para que ele sentisse todas as curvas do corpo dela. —Deus, eu amo quando você faz isto—, ele sussurrou, trazendo-a mais perto.
—Eles são pessoas agradáveis, não são?—.
O peito dele amortizou o som das palavras dela, mas ele sabia sem perguntar a quem ela se referia. Becky e Cameron. —Sim, eles são. É isso que faz tudo mais difícil. Eu não consigo odiá-los—.
Ela o apertou com força, e ele sentiu os tremores correrem de leve pelo corpo dela. —Eu estou contente—, ela sussurrou rouca. —O ódio poderia devorar você… fazer você fazer coisas…—
Ele apertou um beijo contra as têmporas dela e saboreou o sal de uma lágrima. —O que você sabe sobre ódio, Loree?—.
—O homem que assassinou minha família. Eu o queria morto. Eu o queria morto com tanta força que era como ele se rastejasse dentro de mim—.
Ela começou a ficar com a respiração ofegante e ele ouviu um soluço quebrado. —Shh. Shh. Loree, não se castigue. Está sendo uma noite ruim. Não pense no passado. Pense no futuro—. Ele continuou a arrulhar para ela, sentindo o corpo dela relaxar dentro dos seus braços. O soluço começou a se retirar e ela começou a respirar. —Isto mesmo, Docinho. Pense na menina—
Ela fungou. —Menino—.
Ele riu baixo. —Oh, é um menino agora, é?—.
—Eu acho—.
Ele a trouxe mais perto. A noite estava morna, incrivelmente quente, mas ele a manteve dentro do círculo de seus braços. Ele não estava mentindo quando disse a ela que acordaria com pesadelos, mas ele tinha descoberto que se ela ficasse aconchegada contra ele, ele poderia manter as memórias odiadas à distância.
—Conte-me sobre o seu casamento—.
Loree parou de amassar a massa de pão e deu uma olhada para o rosto cheio de expectativa de Maggie. A criança estava sentada no fim da mesa, as pernas dobradas em cima da parte inferior na cadeira, a mão segurando um toco de lápis parado acima do diário.
—Meu casamento?—.
Maggie concordou com a cabeça vivamente. —Eu quero escrever uma história sobre ele—.
Loree deu uma olhada pela janela. Ela viu o céu cinza. Ela não podia acreditar quão depressa o outono tinha se retirado dando passagem para o inverno. Ela voltou sua atenção para Maggie. —Você escreve muitas histórias?—.
Maggie moveu a cabeça para cima e para baixo.
—Quando você escreve todas estas histórias?—.
—De noite é a melhor. Normalmente fica mais quieto quando os meus pais dão um monte de beijos. Ele diz que quer ver os pés da mamãe se contorcerem, então ela começa a dar uma risadinha. Então de repente, tudo fica realmente quieto. Os seus pés se contorcem quando o Tio Austin te beija?—.
Loree sentiu o rosto ficar morno. Ela tinha que admitir que Maggie não era uma criança tímida, mas ela não conseguia esperar a hora de dizer a Austin que sabia o que Maggie ficava fazendo de noite quando a luz novamente ficava visível em seu quarto. Ela começou a bater na massa de pão. —Às vezes—.
—Eu aposto que os pés da Tia Becky se contorcem. Quando o Tio Cameron se casou com ela, ele a beijou por um tempo realmente longo. Até o Tio Dallas teve que limpar a garganta alto. Me deu o maior susto—.
Loree imaginou que qualquer barulho que Dallas fizesse de propósito a surpreenderia. —O casamento deles foi legal?—.
Maggie encolheu os ombros. —Foi muito pequeno. Havia apenas nós. E Tia Becky foi tão tola. Ela começou a chorar. Ela disse que não sabia como ia falar para o tio Austin que o tinha amado primeiro mas depois tinha amado e se casado com o tio Cameron—. Maggie revirou os olhos. —Mas uma vez que você ama alguém, você não parar de amá-lo—.
—Não, eu acho que não—. Loree se perguntou onde a criança tinha ganhado tanta sabedoria e se ela a perderia quando ficasse mais velha.
Uma batida breve soou na porta na frente e Loree foi abri-la Houston estava com uma expressão apavorada no rosto. Suas outras três filhas estavam com ele, os olhos arregalados. —Amelia está tendo o bebê. Eu posso deixar os novinhos com você?—.
—Com certeza—. Enxugando as mãos no avental, Loree cruzou o cômodo e conduziu as crianças para o lado de dentro.
Os ventos frios de novembro chicoteavam Austin enquanto ele e Trovão Negro iam para casa. Ele levantou o colarinho de sua jaqueta preta com pelo de ovelha e abaixou o chapéu ainda mais para cobrir a testa. A noite estava se aproximando e ele apreciava sua chegada.
As noites tinham se tornado sua hora favorita do dia. Loree o dava boas-vindas com os braços bem abertos, comida quente e um beijo ainda mais quente. Eles se sentavam na frente do fogo, enrolados um ao redor do outro, esperando os movimentos da criança.
Austin tinha crescido ao redor de um irmão criando gado, outro irmão criando cavalos… mais a maravilha de ter uma criança que ele tinha ajudado a criar dentro de uma mulher que ele adorava o fazia se sentir… humilde.
Ele parou Trovão Negro, desmontou e começar impacientemente a tarefa de cuidar de seu cavalo antes de cuidar de suas próprias necessidades. Ele viu uma luz de lamparina se derramar para o lado de fora da janela e o frio da noite se retirou para um calor inesperado.
Ele terminou a tarefa e andou a passos largos para a casa, antecipação surgindo em seus passos. Ele abriu a porta com tudo e congelou.
—Tio Austin—, três pequenas magpies[5] gorjearam, correram através do cômodo e envolveram as pernas dele.
—Nós estamos fazendo biscoitos para o bebê—, Laurel disse. —Quer um?—.
O que ela estendeu na direção dele tinha uma pequena mordida. Loree passeou através da sala e começou a puxar as meninas para trás. —Vamos, meninas. Pelo menos deixem o Tio Austin tirar a jaqueta—.
Ele encontrou o olhar de Loree enquanto encolhia os ombros e tirava a jaqueta. Ela olhou para ele implorando. —Amelia entrou em trabalho de parto esta manhã. Houston trouxe as meninas para que eu cuidasse delas—.
Austin viu atrás dela uma mesa lotada com biscoitos. —Eu disse a elas que nós assaríamos biscoitos até que o bebê nascesse. Eu não sabia que levaria o dia todo—.
A porta se abriu e bateu nas costas de Austin. Maggie abriu passagem. —Não ainda. Papai disse que vai ser a qualquer hora. Então nós podemos assar um pouco mais de biscoitos?—.
—Você não acha que já tem biscoitos suficientes?—, Austin perguntou.
—Mas Tia Loree disse—
—Ela não sabia que sua mãe levaria tanto tempo—, Austin explicou. —E, pra mim, a Tia Loree parece cansada—.
—Nós podíamos brincar de Peixe[6]—, Maggie sugeriu.
—Está um pouco tarde para pescar—, Austin disse.
Maggie riu. —Você é tão tolo, Tio Austin. É um jogo—.
Loree se sentou na cadeira de balanço, assistindo o marido brincar de cartas com as sobrinhas. Eles se sentaram em um círculo, jogando cartas e as anunciando. Ela suspeitou de que ele estava roubando porque a minúscula A. J. que estava sentada em seu colo enquanto ele segurava as cartas dela e as dele estava ganhando várias mãos enquanto Austin repetidamente ficava sem nenhuma carta. Era um momento estranho para perceber que ela tinha se apaixonado por ele.
O pai dela roubava também, mas sempre em seu benefício… e ela nunca tinha visto Austin fazer qualquer coisa que o colocasse na frente de qualquer outra pessoa.
Enquanto a noite passava lentamente, ele levava cada menina dormente para a cama. Próximo à meia-noite, uma batida finalmente soou na porta. Parecendo exausto, Houston entrou na casa.
—É uma menina. Gracie—.
—Como está Amelia?—, Austin perguntou.
—Ela sofreu bastante e o Dr. Freeman disse que essa provavelmente será a última. Deixe-me juntar as meninas—
—Por que você não as deixa ficar?—, Loree disse tranquilamente. —Elas já estão adormecidas. Eu as levarei logo de manhã—.
—Você está certo disso?—.
—Certo—.
—Se Maggie aumentar a lamparina depois que você for dormir, você poderia ignorar? Eu sei que ela entrou em casa mais cedo e pegou seu diário. Ela gosta de escrever nele depois que todo mundo está dormindo. Nós supostamente não deveríamos saber—.
Austin bateu de leve no ombro do irmão. —Vá. Você parece que vai desmoronar—.
Houston foi até a porta. Austin se virou para Loree. —Fique comigo perto do fogo um pouco—.
Ele se esticou no sofá e ela se enrolou do lado dele, vendo a dança das chamas dentro da lareira.
—Eu quase não tenho mais açúcar—, Loree disse baixinho.
—Eu trarei uns cinco quilos amanhã—.
—Eu não uso tanto assim—, ela disse, sabendo que ele a estava provocando.
—Eu sei—.
O silêncio desceu ao redor deles. Descendo a mão, Austin alargou os dedos por sobre a barriga crescida dela. —Você é menor do que Amelia—.
—Minha mãe era minúscula. E não teve quaisquer problemas—.
—Dallas queria ser pai. Houston queria ser pai. Não é que eu não queira ser pai, mas pensar que este carinha está vindo ao mundo me assusta demais—.
—Me assusta, também—, ela admitiu.
Ele envolveu a mão ao redor da dela. —Eu cometi muitos enganos em minha vida, Loree. Eu quero que você saiba que eu não considero esta criança como um deles—.
Ela encontrou o olhar dele, o amor que ela sentia por ele aprofundando. —Eu sabia que você achava isso—.
Austin estava de pé contra a parede da sala de jantar na casa de Dallas e assistia as atividades tumultuadas com interesse. O Natal sempre tinha sido sua hora favorita do ano.
Ao lado dele, Loree cuidava de Gracie. Seis semanas tinham se passado desde seu nascimento, e era evidente que Houston tinha finalmente conseguido uma filha que se assemelhava a ele, com cabelos pretos e olhos escuros. Austin apreciava assistir Loree cuidando de crianças.
Ele não conseguia se lembrar o que ela achava que o bebê seria esta semana, mas se fosse um menino ou uma menina, ele queria que ela tivesse aquilo que ele tinha crescido sem: o conforto de uma mãe. E ele sabia sem sombra de dúvida que com Loree, suas crianças teriam o melhor.
—Quando o Tio Cameron vai chegar?—, Maggie perguntou enquanto pegava uma noz de uma tigela vermelha clara e a jogava rápido na boca.
Dee parou, o prato de molho de maçã a meio caminho da mesa. Ela lançou um olhar furtivo a Austin antes de responder. —Ele não vai celebrar o Natal conosco este ano—.
Um olhar de horror varreu o rosto de Maggie. —Mas e o feno especial das renas?—.
Limpando a garganta, Dee colocou o prato na mesa entre tortas de abóbora e velas que cheiravam a canela. —Eu estou certa de que o Papai Noel virá ainda que nós não tenhamos o feno—.
—Não, ele não virá—, Maggie disse enquanto cruzava os braços na altura do peito e fazia beicinho.
—Alguém devia dizer a ela a verdade: não há nenhum Papai Noel—, Rawley sussurrou ao lado de Austin.
Austin assistiu Rawley ir até Maggie e pôr a mão em seu ombro. Ele não sabia se poderia ficar de pé vendo a decepção se formar em seu rosto quando Maggie ouvisse a verdade.
—Ei, pirralha, nós podíamos provavelmente usar um pouco do feno do celeiro—, Rawley disse a ela com voz confortante.
Maggie enrugou o nariz. —Não é feno de rena. E se der dor de barriga nelas?—.
—Então nós teríamos certeza se há um Papai Noel—. Maggie riu, os olhos verdes cintilando tanto quanto as velas que iluminavam a árvore de pé no canto da sala de estar dianteira. Rawley empurrou um ombro dela. —Vamos. Talvez a gente ache algum que possa servir—.
—Peguem suas jaquetas—, Dee ordenou enquanto voltava para a cozinha.
Enquanto eles caminhavam em direção à porta, Faith ficou de pé e saiu correndo atrás deles. —Wawley, eu quero ir, também—.
—Venha então, pequena—.
Ela guinchou quando ele a levantou nos braços. —É uma maravilha que esta menina tenha aprendido a caminhar—, Amelia disse enquanto chegava ao lado de Austin. —Do jeito como o irmão a fica carregando—.
Ele virou o olhar e Amelia o estava estudando. —Não olhe para mim assim—, ele ordenou.
—De que modo?—, ela perguntou, os olhos verdes contendo uma inocência que ele não acreditava.
—Como se você soubesse o que estou pensando. É muito irritante quando você faz isto, e você tem feito isto desde que eu te conheço. Diabos, você provavelmente sabia que eu estava mentindo sobre o cavalo de Houston ter quebrado a perna daquela vez—.
Ela sorriu para ele do modo que ele supôs que as mães sorriam para as crianças errantes. —Eu suspeitei na hora—.
—Então por que você não disse nada?—.
—Porque eu achei que era um dilema que você precisava descobrir por si mesmo—assim como agora—. Ela bateu levemente no ombro dele antes de tomar sua filha de Loree.
Austin girou e alcançou as crianças que estavam enfiando os braços nas mangas de seus casacos. Ele abriu a porta e os seguiu para o lado de fora, se debruçou contra a viga da varanda e os viu marchar para o celeiro. O vento frio que o chicoteava parecia mais quente que seu coração.
Ele ouviu a porta abrir silenciosamente e deu uma olhada por cima do ombro. A mulher tinha o costume de entrar na vida dele quando ele mais precisava. Esticando as mãos, ele agarrou a mão de Loree e a puxou contra si, os braços formando um casulo ao redor dela.
—Feno especial para rena—. Ele bufou. —De onde Cameron tirou isso?—, embora ela mantivesse silêncio enquanto ele olhava para o celeiro, ele sentiu o olhar dela indo fundo em sua alma.
—Eu amo aquelas crianças—, ele finalmente conseguiu dizer, as palavras passando pelo nó que tinha se formado em sua garganta. —Eu faria qualquer coisa por eles—. Ele trocou o olhar para ela, dando um tempo, precisando medir a reação dela a fim de achar a verdade. —Eu não entrarei na cidade e tarei comigo Cameron e sua família se isso machucar você—.
Calor e certeza fizeram o ouro dos olhos dela brilhar como tesouro de um mineiro enquanto ela ficava na ponta dos pés. Ele imergiu a cabeça, dando boas-vindas ao toque leve dos lábios dela contra os seus.
—Eu pegarei sua jaqueta—, ela disse, andando para longe dele.
Ele a trouxe de volta para seus braços e abaixou a boca até a dela e a beijou como um homem que tinha vivido muito tempo nos confins do inferno e estava só agora começando a ver um vislumbre do céu.
De pé no segundo andar, Austin levantou o colarinho de sua jaqueta de pele de carneiro. Pela janela de vidro canelado, ele viu os ramos de uma árvore que parecia que poderia ter sido remanescente do último Natal—ou tinha sido trazida para dentro depressa para acomodar os últimos planos minuciosos.
Cameron nunca tinha celebrado o Natal na casa de Dallas antes de Austin ir para a prisão, mas ele supôs que já que ele era irmão de Dee, sua família tinha dado boas-vindas a ele em sua casa depois que Austin tinha partido. Ele empurrou as mãos trêmulas e úmidas nos bolsos da jaqueta. Ele deveria ter trazido Loree com ele. Às vezes ele achava que poderia enfrentar qualquer coisa se ela estivesse de pé ao lado dele. O que era mesmo que Houston tinha dito a Amelia no dia em que tinha se casado com ela? —Com você ao meu lado eu sou um homem muito melhor do que já fui um dia sozinho—. Austin não tinha entendido o significado das palavras no momento — mas elas estavam certamente começando a fazer sentido agora.
Respirando fundo, ele bateu na porta. Passos pesados ecoaram do outro lado. Cameron abriu a porta e Austin viu seu choque rapidamente virar preocupação.
—Algo aconteceu com a Dee?—, Cameron perguntou.
—Não. Com a Maggie—.
—Oh, Cristo. O que você precisa que a gente faça?—.
Austin se virou quando as memórias o inundaram, e o arder em seus olhos tinha pouco a ver com o vento amargo. Cameron tinha sido seu primeiro—e melhor—amigo, o tipo de homem que sempre colocava os outros antes de si mesmo.
—Deixe-me pegar a chave da loja e eu a abrirei. Você pode levar o que precisar—
—Eu preciso de feno de rena—.
O queixo de Cameron caiu. —O quê? Você disse que algo aconteceu a Maggie—.
—Sim. O coração dela se partiu quando descobriu que você não estava vindo com seu feno de rena especial, então reúna a sua família. Eu quero voltar antes de escurecer—.
—Você não precisa de mim. Apenas coloque algum feno em sacos de aniagem e diga a eles que é feno de rena. Eu tenho alguns sacos na loja que posso conseguir para você—. Cameron tornou a entrar na casa.
—Não será o suficiente—, Austin disse. Cameron se deteve e deu uma olhada por cima do ombro. —Eles acham que você é o único que pode entregar o feno especial—.
—Olhe, Austin—
—Eu acho que você tem duas escolhas. Você pode vir comigo agora ou vai ter que ir com Dallas mais tarde porque assim que ele vir os rostos tristes daquelas crianças—
—Becky, pare de trabalhar!—, Cameron gritou. —Nós vamos passar o Natal com a minha irmã—.
Austin riu baixo enquanto Cameron desaparecia na casa. Parecia bom depois de todo este tempo achar algo que estava exatamente o mesmo depois de todos esses anos: Cameron ainda morria de medo de Dallas.
—Tio Cameron, você veio!—, Maggie gritou enquanto se levantava do chão, derramando a tigela de pipoca que estava segurando. —Você trouxe o feno de rena?—.
De pé na entrada da sala de estar dianteira, Austin assistiu com interesse enquanto sua família dava boas-vindas às visitas. Os sorrisos ficaram maiores. O riso estourou junto com abraços e tapas nas costas.
Com um sorriso largo, Dee foi até ele e beijou sua bochecha. —Obrigada. Eu sei que foi duro para você—.
Ele deu uma olhada para Loree enquanto saudava Becky com um sorriso morno e dava um biscoito para Drew.
—Você não tem idéia—, Austin disse baixinho. —Eu preciso unir os cavalos—.
Ele foi para o lado de fora, trouxe a carruagem até o celeiro e soltou os cavalos. O vento que uivava através das rachaduras não era forte o suficiente para abafar o som de risos que ele ouvia vindo do lado de dentro da casa. Ele deu um tapinha na anca de cada cavalo, enviando-os para o curral pela porta lateral do celeiro.
O crepúsculo esteve se aproximando. Dallas teria a casa cheia esta noite. Ele se perguntou se ele e Loree deveriam voltar para seu próprio lugar onde dormiriam em seu quarto velho com mobília nova na medida em que iam planejando.
—Você está bem?—, uma voz baixa perguntou por detrás ele.
Ele virou sorrindo, tomou a mão de Loree e a trouxe para perto. —Agora estou—.
As bochechas dela ficaram com um matiz rosado como se tivesse ficado sentada diante de um fogo confortável. De repente ele desejou que eles estivessem em casa, sentados diante de uma lareira, enrolados um no outro.
—A jornada foi desconfortável?—, ela perguntou.
Ele encolheu os ombros. —Nós não conversamos. Você teria pensado que nós estávamos rumo a um enterro se Drew não ficasse saltado sobre o assento, cantando 'Jingle Bells' o tempo todo—.
Os olhos dela se arregalaram. —Becky disse que ele tem dezoito meses. Eu acho que é impressionante ele conseguir cantar uma música—
Austin agitou a cabeça. —Não era a canção. Eram apenas as duas palavras. 'Jingle Bells. Jingle Bells. Jingle Bells. Repetidas vezes. De lá até aqui—.
—As crianças estão tão excitadas—, ela começou.
—Sim. Eles pareciam um estouro de cavalos selvagens quando Cameron entrou—.
Ela colocou a mão sobre o coração dele. —Ainda que eles não tivessem vindo, parece que este Natal seria difícil para você—.
—O último Natal que eu estive aqui…—. A voz dele diminuiu enquanto agitava a cabeça. —Foi tão diferente. Dee tinha acabado de perder o bebê. Rawley estava vivendo aqui há apenas algumas semanas, e estava ainda com medo—. Ele passou os nós dos dedos pela bochecha dela e sorriu. —A única sobrinha que eu tinha era Maggie. Foi uma noite muito silenciosa. Eu tenho a sensação de que hoje à noite será qualquer coisa exceto quieto—.
—Minha família morreu logo depois do Natal. Eu nunca mais celebrei o Natal desde então—.
Ele a envolveu com os braços ainda mais perto e apertou a bochecha dela contra o topo da cabeça dele. —Ah, Loree, eu sinto tanto. Eu não pensei no que esta época do ano deve significar para você—.
Ela jogou a cabeça para trás e encontrou olhar dele. —É maravilhoso ter crianças ao redor pegando os doces e agitando os presentes—. Tomando a mão dele, ela a colocou sobre a barriga crescida. —Eu estou contente por estar aqui—.
—Ah, Docinho, eu estou—, o movimento embaixo de sua mão deteve suas palavras. Ele deu a esposa um sorriso lento e morno. —Por Deus, eu amo quando ele faz isto—.
Os joelhos dele rangeram quando ele se agachou e colocou a bochecha contra a barriga de Loree. Ela entrelaçou os dedos pelo cabelo dele, e ele percebeu a satisfação que existia nos menores momentos. De repente não importava que ele nunca tivesse passado o Natal com mais da metade das pessoas na casa do seu irmão.
O que importava era que ele estaria compartilhando o dia com Loree e com uma criança que ainda não tinha nascido.
—Tio Austin!—, Maggie parou cambaleante logo depois de ter dobrado a esquina do estábulo. Seus olhos viraram dois grandes círculos verdes. —Eu posso escutar?—, ela não esperou por uma resposta e se apressou, estava com dois sacos de aniagem em uma mão, e apertou o ouvido contra a barriga de Loree. Austin deu uma olhada e viu a expressão surpresa de Loree.
Maggie juntou as sobrancelhas. —Não parece ser uma menina—, ela anunciou.
—Creio que você saberia—, Austin disse.
Maggie movimentou a cabeça com entusiasmo, os cachos loiros saltando. —Mamãe sempre deixa o papai e eu escutarmos. Papai até conversa com o bebê antes de ele nascer!—.
—Eu não acredito nisto—, Austin disse a ela.
Ela moveu a cabeça para cima e para baixo. —Ele faz isso. Eu me lembro de quando ele conversava comigo antes de eu nascer. Ele me disse que me amava mais do que qualquer coisa—. Ela colocou um saco de aniagem na mão dele. —Nós precisamos conseguir o feno de rena. Vamos!—.
Ela correu para fora do celeiro. Austin lentamente endireitou o corpo e tomou a mão da esposa, escoltando-a.
—Eu não consigo ver Houston sendo bobo o suficiente para conversar com a barriga da esposa—, Austin disse.
—Ele estava conversando com o bebê—.
Austin virou rápido a cabeça. —Você diz que assim como ele você acha que o bebê pode ouvir—.
Loree encolheu os ombros. —Talvez. Eu não sei—.
Ele deu uma olhada para a barriga arredondada da esposa. Ele se sentiria um tolo conversando com ela. Ele encontrou o olhar dela. —Eu vou esperar até que ele nasça—.
Ele fechou os dedos mais firmemente ao redor dos dela enquanto eles se aproximavam da casa. Crianças davam risadinhas enquanto lançavam o feno dos sacos de aniagem pelo jardim, varanda e neles mesmos.
—Há um truque para isto?—, ele perguntou enquanto se aproximavam de Dallas.
—Não ponha isto nas mãos de uma criança de três anos de idade—, Dallas advertiu enquanto esperava pacientemente Faith cuidadosamente escolher um único pedaço de palha da pilha que ele segurava na mão. Ela se curvou e a colocou no chão. Então meticulosamente peneirou a palha na mão, procurando por outro pedaço de sua preferência.
Austin limpou a garganta. —Você ficará aqui a noite toda—.
—Sim, e esta não é a pior parte. Nós precisamos lembrar onde eles colocaram todo o maldito feno para que de manhã a gente cate todos eles antes que eles acordem—. Ele ergueu uma sobrancelha. —Então eles pensarão que alguma maldita rena o comeu—.
Austin se ajoelhou ao lado da sobrinha. Ela parou, a palha apertada entre o dedo indicador e o polegar minúsculos, os olhos marrons enormes. Ele sorriu amplamente. —Você quer dar meu feno para a rena, também?—.
Ela moveu a cabeça para cima e para baixo, tomou o saco, e o deu para o pai. Dallas fez uma carranca e disse uma advertência por entre os dentes trincados, —Espere até o próximo ano—.
Austin jogou a cabeça para trás e riu. Deus, era bom estar em casa… saber que existiria um Natal no próximo ano… e que ele estaria aqui.
Ofegante, Maggie se apressou, Rawley em seu encalço. —Tio Dallas, eu e o Rawley podemos colocar um pouco na sacada do seu quarto?—.
—Claro—.
—Eu, também—, Faith disse enquanto estendia os braços para Rawley.
Ele a ergueu nos braços. —Pegue as bolsas dela, Pirralha—.
Maggie aliviou Dallas de seu fardo e saiu apressada atrás de Rawley, as pernas pequenas incapazes de acompanhar os passos largos e longos.
—Ela nunca parece se importar de ele a chamar de pirralha—, Loree disse tranquilamente. —Por que ele a chama assim?—.
—Acho que é porque ela é como a mãe que fala o que está pensando — mesmo quando ele deseja que ela não faça. Quando Rawley começou a ir à escola, ele de alguma maneira ganhou inimizade do professor. O professor o estava castigando por não aprender depressa o suficiente. Rawley estava muito envergonhado para me contar. Creio que ele pensou que merecia. Maggie pensou diferente e me contou—.
—Então você conversou com o professor e resolveu as coisas?—, Loree perguntou.
—Diabos, não. Dei a ele seu salário e o mandei seguir seu rumo. Contratei outro professor. Ninguém, ninguém além de mim castiga as minhas crianças. E você estava certa. Se eu tivesse pegado aquela professora de piano levantando a mão para o meu menino, eu a deixaria careca. Nunca te agradeci por ter interferido—. Ele foi embora e Loree ficou olhando suas costas.
—Eu não gostaria de ter a inimizade dele—, ela disse baixinho.
—Eu não acho que você tenha com que se preocupar. Essa é a coisa mais próxima de 'eu te devo uma' que eu já ouvi o Dallas falar—, Austin disse.
Austin estudou a abundância de comida que se estendia através da mesa comprida e pesada de carvalho. Todas as vezes que ele se virava, Dee ou Amelia vinha pela porta que levava à cozinha trazendo mais comida. Ele levantou algo que parecia uma minúscula torta, segurou-a embaixo do nariz e cheirou. Tinha cheiro de passas. —O que é isto?—.
Amelia parou de fatiar um bolo em pedaços e olhou para cima. —Torta de Mincemeat—.
Austin deu um aceno com a cabeça lento e jogou o pedaço rápido na boca. Uma combinação de sabor penetrante e doce preencheu sua língua. —Muito bom—, ele disse enquanto engolia rápido e agarrava outro pedaço.
—Você me faria o favor de dizer a Maggie que ela pode vir decorar os biscoitos agora?—.
—Certo—, ele disse enquanto roubava outro pedaço de torta e se dirigia à sala de estar. Ele nunca teria acreditado que a casa velha e grande de adobe de Dallas pareceria tão morna e confortável. Dee tinha adicionado tantos pequenos detalhes. Tinha colocado grinaldas nas portas, folhagem verde aqui e arcos com tiras vermelhas e acetinadas lá.
Ele dobrou a esquina e entrou na sala de estar e parou cambaleando na entrada, o caminho bloqueado por Becky, que tinha obviamente planejado deixar a sala de estar. O rosto dela queimou carmesim, lembrando-o das meias que Dee tinha pendurado em cima da lareira. Então o olhar azul pálido dela foi para cima. Ele lentamente virou o olhar para o arco acima de sua cabeça e seu estômago se apertou como se ele fosse um pacote envolto em uma tira bem apertada.
Maldito visco!
Se tivesse sido qualquer outra pessoa lá de pé—Dee ou Amelia—ele teria rido cordialmente e dado um beijo sonoro nos lábios. Mas não Becky. Cinco longos anos tinham se passado desde que ele a tinha segurado, beijado, e ficado perto o suficiente para sentir o seu odor de baunilha e contar as sardas em seu nariz.
Ele não tinha que examinar a sala de estar para saber que eles tinham conseguido a atenção de todo mundo. A boca tinha ficado seca como uma tempestade de areia. Becky deu a ele um sorriso trêmulo, e ele percebeu que havia um apelo mudo em seus lindos olhos azuis, mas ele não podia compreender o que ela pedia.
Ele engoliu em seco, abaixou a cabeça e deu um beijo rápido na bochecha dela, e se virou para o lado, dando a ela a liberdade de passar por ele. Ele nunca tinha ficado tão contente em ouvir algo quanto o som dos passos dela deixando o cômodo.
Esticando a mão, ele pegou o visco de seu suporte e encarou brevemente o irmão mais velho, ousando-o a dizer qualquer coisa sobre o que ele tinha acabado de fazer.
—Maggie—, sua voz soou como a de um homem que tinha submergido depois de se afogar. Ele limpou a garganta. —Maggie, sua mãe disse que os biscoitos estavam prontos para serem decorados—.
Maggie empurrou o presente que tinha agitado de volta debaixo da árvore e saiu correndo da sala de estar.
Austin cruzou o quarto e se agachou ao lado da cadeira de balanço. Loree parou seu gentil balanço e encontrou o olhar dele. Ele levou um cacho perdido para longe da bochecha dela. —Você poderia dar de volta a Houston a filha dele e vir comigo por um minuto?—.
Ela movimentou a cabeça ligeiramente e se levantou da cadeira. Austin deslizou a mão embaixo do cotovelo dela e a ajudou a ficar de pé. Houston parou de ajudar suas outras três filhas a colarem pedaços de papel coloridos em um barbante e ficou de pé.
—Agradeço por você tê-la colocado para dormir. Às vezes não há nada como o toque de uma mulher—.
—Tia Loree podi me balançá?—, Amanda perguntou.
—Talvez daqui a pouco—, Houston disse pacientemente. —Eu acho que o seu tio Austin precisa dela agora—.
O irmão dele não poderia ter falado palavras mais verdadeiras. Austin envolveu a mão de Loree e saiu com ela do cômodo. A risada das mulheres veio da sala de jantar. Ele lançou um olhar hesitante para Loree. —Você quer se juntar a elas?—.
—Talvez mais tarde. Eu acho que você precisa de algo—.
—Preciso, sim—, ele admitiu enquanto abria a porta do escritório de Dallas.
Um fogo baixo queimava dentro da lareira servindo como única luz no quarto. As cortinas estavam recuadas e revelavam o céu da noite sem nuvens, mil estrelas e uma lua com um brilho dourado claro. —Eu apenas precisava de um pouco solidão. Eu te levaria para fora se não estivesse tão frio—, ele disse enquanto a levava até a janela que cobria maior parte da parede.
—Eu gosto de estar aqui quando está morno, sabendo que está frio lá fora—, ela disse tranquilamente.
Ele deslizou os dedos pela bochecha dela e segurou seu queixo. —Eu queria me desculpar por antes, por ter beijado Becky na entrada… eu não sabia o que fazer… se eu te machuquei—
—Não machucou. Ela e Cameron eram amigos, agora eles são da família. Nossos caminhos constantemente vão se cruzar, nem sempre será como preferiríamos mas eu posso aceitar isto—. Ela abaixou as pestanas. —Além disso, ela parecia tão desconfortável quanto você—.
—Suponho que você podia beijar o Cameron para ficar quites comigo—.
—Mas, por que eu iria querer beijar o Cameron quando amo você?—.
Ela pendeu a cabeça como que envergonhada enquanto seu coração batia como um garanhão indomado viajando pelas planícies. Ele tinha ouvido aquelas três pequenas palavras antes, em sua mocidade, mas elas não o tinham feito sentir uma fraqueza nos joelhos. Ele nem estava certo de quanto tempo ele conseguiria ficar de pé. Ela o amava. Esta doce e pequena mulher o amava.
—Loree?—.
Loree deu uma olhada para cima e viu assistiu Austin oscilar o visco na frente de seu nariz. Ela sorriu calorosamente. —Você não precisa disto—.
Ela ficou na ponta dos pés, jogou os braços ao redor do pescoço dele e se apertou contra ele. Ele deu boas-vindas a ela como na primeira noite quando os dois tinham precisado de conforto. A boca dele era quente e voraz como se não conseguisse saboreá-la o suficiente.
Ela não tinha planejado dizer a ele que o amava, mas ela achava que ele precisava ouvir essas palavras tanto quanto ela. Ela sabia que não podia competir com as memórias dele, mas ela tinha ficado cansada de se preocupar se o passado—dele e dela—poderia afetar seus futuros.
Ela tinha este momento, quando ele a segurava como se nunca mais a fosse soltar, este momento, quando o mundo continha tudo o que importava: calor, segurança e a possibilidade de amor. Ela não tinha nenhuma dúvida de que ele gostava dela e a estimava. Talvez não da mesma maneira que ele tinha feito com Becky, mas ele tinha sido mais jovem então. De vez em quando ela pegava vislumbres do jovem que ele poderia ter sido. Ela não poderia devolver a ele sua juventude, mas ela poderia dar a ele seu amor—incondicional.
E se ele continuasse a amar outra, ela não permitiria que seu amor por ele diminuísse.
Ele arrastou a boca junto à área sensível embaixo da orelha dela. Ela sentiu como se o fogo que saía da lareira a estivesse cercando, chamas lambiam sua carne. Ele desabotoou os botões superiores do justilho habilmente e imergiu a língua na parte oca na base da garganta dela. Ela cravou os dedos nos ombros dele, precisando de força para não derreter até o chão.
—Ah, Docinho—, ele disse bruscamente, a respiração tocando rapidamente a curva do seio dela, —por que nós nunca fazemos isto em casa?—.
Ela jogou a cabeça, dando a ele acesso mais fácil. —Sua promessa, eu acho—.
—Minha promessa?—, os lábios dele se moveram para mais baixo. —Minha promessa? Que vá para o inferno!—, ele apertou a boca no vale entre os seios dela. —Eu estava apenas pensando em você, Loree. Eu juro por Deus, estava apenas pensando em você—.
Ele se moveu para longe dela, fixou o antebraço na janela, e apertou a testa contra o vidro, a respiração severa e trabalhosa. Estudando seu perfil torturado, ela observou o pomo de Adão dele subir e descer enquanto engolia em seco. Lágrimas brotaram nos olhos dela. Sem pensar, ela tinha respondido a pergunta dele com a desculpa que ela se dava todas as noites quando ele simplesmente a abraçava e não pedia nada mais.
—Austin—
Alcançando-a, ele tomou sua mão, trouxe até os lábios e apertou um beijo na ponta dos dedos. —Nós provavelmente devíamos voltar para os outros. Eu precisarei distribuir os presentes logo—.
Virando, ele deu a ela um sorriso caprichoso e começou a abotoar seu justilho. —Você me faz esquecer tudo sobre decoro, Loree… e promessas—. Ele fechou o último botão e endireitou o colarinho dela. —Um dia destes, Docinho, eu vou te beijar até que você esqueça sobre promessas—.
—Promete?—, ela perguntou, uma sugestão de provocação na voz.
Os olhos dele ficaram mornos. —Prometo—.
Ele deslizou os dedos entre os dela, apertando a palma da mão áspera contra a dela. —Vamos. Minha parte favorita do Natal está próxima—.
Sua excitação era contagiante enquanto ele a levava do escritório de Dallas. Eles criariam novas memórias para substituir as velhas, e ela imaginava que cada Natal seria simplesmente mais maravilhoso do que os anteriores.
Eles caminharam até a sala de estar. Alguém iluminou as velas nos galhos da árvore de sempre-viva. As chamas brilhavam fazendo uma dança de sombras em torno do quarto.
As cortinas estavam abertas. A noite entrava. O fogo na lareira queimava brilhantemente. Todo mundo tinha se reunido dentro do cômodo, alguns sentados, alguns de pé, muitas crianças jogadas no chão.
—Oh, aí estão vocês—, Dee disse sorridente. Ela tomou a mão livre de Loree. —Nós temos a tradição de cantar uma canção antes de abrirmos os presentes. Nós estávamos nos perguntando se você tocaria o piano enquanto nós cantamos—.
Loree sentiu o conforto de se sentir incluída como se tivessem deslizado ao redor dela um cobertor morno enquanto Austin apertava sua mão. —Eu adoraria. O que eu deveria tocar?—.
—Noite Feliz—.
—Uma das minhas favoritas—, Loree disse enquanto soltava a mão de Austin e caminhava até o piano. Ela se sentou no banco e secou as palmas úmidas na saia. Austin veio ficar de pé ao lado dela.
—Você vai fazer direito—, ele falou da boca para fora.
Ela sorriu e concordou com a cabeça. —Espero que sim—.
—Certo, todos, Loree vai tocar 'Noite Feliz'. Todo mundo fique de pé para que a gente cante junto como uma família—, Dee comandou.
Loree deu uma olhada por cima do ombro. Os maridos e esposas tinham juntado as crianças ao redor deles, famílias distintas que se reuniam para formar uma. Onde estava um fotógrafo quando se precisava de um?
Ela enxugou as mãos novamente na saia antes de colocar os dedos nas teclas de marfim. As notas soaram e o cômodo ficou cheio com vozes desafinadas — e pela primeira vez ela ouviu a voz do marido em uma canção. Ele carregava a melodia como ninguém mais no quarto, como se a melodia fosse parte dele.
O olhar dele capturou o dela, mantendo-a encantada, e ela desejou que a canção nunca terminasse, mas eventualmente ela foi embora, deixando um momento de silêncio respeitoso em sua partida.
Austin sorriu para ela, esfregou as mãos juntas em antecipação, e deu um passo para longe do piano. Loree se virou no banco de piano para assistir a troca de presentes.
—Você pode me ajudar a passar os presentes, Pirralha—, Rawley disse enquanto se ajoelhava na frente da árvore.
—Você não tem que me dizer—, Maggie respondeu enquanto soltava para o lado dele. —Eu sempre te ajudei—.
Austin sorriu tranquilamente, deu um passo para trás e afundou sobre o banco ao lado de Loree, o olhar focado na árvore. Ele tomou a mão dela. —Acho que você tocou realmente bem—, ele disse com a voz baixa.
Ela pensou que seu coração poderia se despedaçar quando se lembrou dele dizendo mais cedo que precisava distribuir os presentes. Nos anos enquanto ele esteve fora, a responsabilidade obviamente tinha caído em Rawley até que todo mundo tinha se esquecido de um tempo em que outra pessoa os tinha entregado.
Ela apertou o braço de Austin. —Fiquei surpresa ao ver como você canta bem—.
Ele encolheu os ombros. —Eu apreciava música—.
—Eu queria que você me deixasse te ensinar a tocar—
—Ei, Tio Austin, este aqui é para você—, Maggie disse, oferecendo um pacote grande.
—Bem, eu vou—, Austin disse com um sorriso enquanto agitava a caixa. —Essa é quase tão grande quanto à caixa que você deu a Rawley no primeiro ano em que me ajudou a entregar os presentes. Você se lembra?—.
Maggie enrugou a testa e agitou sua cabeça. —O que ele ganhou?—.
—Uma sela—.
—Eu não me lembro—.
Austin tocou o nariz dela. —Não importa. Seria melhor você voltar a ajudá-lo—.
Ela correu para longe. Loree se debruçou para perto e sussurrou, —ela devia ser muito nova quando você partiu—
—Três anos—.
Ele olhou para ela e sorriu tristemente. —Acho que nós não podemos escolher quais memórias manteremos quando crescermos—.
Mas ela sabia que para sempre guardaria a memória do primeiro Natal de seu marido após sair da prisão. Mesmo com ela ao seu lado, ela achava que ele nunca tinha parecido tão só.
Austin despertou como já fazia há vários meses, bem antes de o sol nascer, com a esposa enrolada contra ele, a mão descansando no centro do seu peito nu. Ele amava estes primeiros momentos de consciência, ouvindo a respiração de Loree, sentindo seu calor, sabendo que ela seria sua pelo resto da vida.
Ele apertou um beijo na testa dela e cuidadosamente a mudou de lado. Ela suspirava suavemente e se moveu até que estava aconchegada no lugar onde ele estava antes. Ele trouxe os cobertores até os ombros dela.
Ele levou a lamparina para a cômoda e aumentou um pouco a chama. Ele deu uma olhada na direção da cama. Loree não se mexeu. Ele voltou a sua tarefa e correu o dedo no estojo de madeira que ela tinha dado a ele de Natal. No topo, alguém tinha talhado o nome dele em uma escrita caprichosa. O presente dele para ela—uma pequena caixa de música—era pálido em comparação ao presente dela.
—Se você não vai tocar o violino da sua mãe, você precisa mantê-lo bem cuidado—, Loree disse a ele. —Algum dia, talvez seu filho o toque—.
Seu filho. Ele pensou nos dedos minúsculos de Drew e se perguntou quando os dedos de uma criança seriam longos o suficiente para tocar um violino. Laurel, a filha de Houston provavelmente poderia tocá-lo. Ela tinha cinco anos agora e precisaria de um violino menor.
Ele imaginou a alegria de ensinar a uma criança as maravilhas da música. Ele poderia ensinar aos próprios filhos… ele pegou uma das partituras que Loree tinha dado a ele. Todos os pontos pretos pareciam percevejos rastejando pelas páginas. Lê-las não era nada como ler um livro. Loree poderia ensinar as crianças deles a tocarem.
Silenciosamente ele colocou as roupas e deslizou no corredor. A casa parecia incrivelmente quieta depois da festividade da noite anterior. As crianças finalmente adormeceram ao redor da meia-noite, desistindo de seu pedido de ver Papai Noel. As meias estavam agora cheias com guloseimas e presentes adicionais estavam esperando debaixo da árvore na sala de estar.
Ele desceu a escadaria sinuosa e larga e agarrou sua jaqueta com pelo de ovelha de uma prateleira e saiu pela porta da frente. Então ele caminhou até a cozinha, preparou seu café matutino, e andou até a parte de trás da varanda.
Ele sentou no degrau superior, envolveu a xícara de lata morna com as mãos e esperou… esperou pelo primeiro raio de sol que tocasse o céu e revelasse sua beleza… esperou para ouvir a música em sua alma que sempre o acompanhava ao amanhecer antes de ir para a prisão.
Ele ouviu a porta abrir e deu uma olhada por cima do ombro, antecipando a visão de sua esposa, tonta de sono.
—O que você está fazendo?—, Cameron perguntou.
Ele evitou o olhar dele e apertou a xícara. —Eu estava apreciando o amanhecer—.
—Se importe se eu me juntar a você?—
Austin encolheu os ombros. —Não é minha varanda—.
Cameron se jogou ao lado dele e envolveu os braços ao redor da própria barriga. —Está frio esta manhã—.
Austin observou o vapor subir de seu café.
—Loree parece legal—, Cameron disse.
Austin deu um olhar cortante para Cameron. —Ela é legal—.
Cameron concordou com a cabeça. —Ela não parece que tem muito mais tempo—.
Austin estreitou os olhos. —Você está contando os meses? Porque se for, eu terei que te levar para detrás do celeiro e te ensinar a lição de se meter em seus próprios negócios—.
—Não, eu não estava contando. Eu estava apenas dizendo. Isto é tudo—.
—Bom, porque eu não gostaria nada de você contando os meses—. Austin estendeu a xícara em direção a Cameron. —Tome um gole antes que os seus dentes batendo despertem todo mundo. Ajudará a te aquecer—.
Cameron tomou a xícara sem hesitar e deu um longo gole. —Obrigado—.
—Becky provavelmente nunca me perdoaria se eu deixasse você congelar até a morte aqui fora—, Austin disse, olhando para o horizonte, procurando pela primeira sugestão de um raio solar.
—Ela sentiu sua falta demais enquanto você estava na prisão—. Cameron disse apertando as mãos entre os joelhos. —Eu também—.
Austin riu tristemente. —Você dois tiveram um jeito muito estranho de mostrar isto—.
Um silêncio sufocante desceu entre eles, ao redor deles. Austin viu os dedos do amanhecer empurrarem a noite.
—Depois que Boyd morreu, meu pai não queria mais nada comigo porque eu não aprovei o que o Boyd fez—pagar a alguém para matar Dallas. Dallas me ofereceu um trabalho—
Austin virou sua atenção para Cameron. —Você teria molhado suas calças curtas todas as vezes que ele te desse uma ordem—.
Um sorriso se arrastou no canto da boca de Cameron. —Sim, foi por isso que eu pensei em ir trabalhar para o pai da Becky. Ela e eu colocamos uma caixa no quarto de armazenamento. Todas as vezes que chegava alguma engenhoca nova, nós as colocávamos na caixa porque ela sabia o quanto você amava coisas novas—.
Austin deu um gole em seu café antes de dar a xícara de volta para Cameron. —Realmente não me importava muito com elas. Elas eram apenas uma desculpa para ir até cidade e ver Becky—.
Cameron bebeu a bebida fermentada preta e a devolveu. —Ela escreveu algumas cartas para você. Mas não conseguiu colocar o endereço da prisão. Ela não conseguia nem pensar em você estando lá assim ela apenas as colocava nas caixas porque assim elas estariam esperando por você quando você voltasse para casa—.
Austin deu um olhar cortante para Cameron. —Uma dessas cartas me dizia que ela tinha se apaixonado por você?—.
—Eu duvido… já que ela nunca se apaixonado por mim—. Ele viu Cameron engolir em seco. —Nós estávamos casados há pouco mais de oito meses quando Drew nasceu—.
—Bebês vêm rápido—.
—Ele não veio. Meu pai estava morrendo. Ele pediu para me ver. Eu sempre tive a sensação de que ele não gostava muito de mim. Nunca soube o porquê, mas ele não quis morrer sem me dizer que eu não era filho dele. Levou seis anos para que ele percebesse que minha mãe tinha se apaixonado pelo capataz. Seu nome era Joe Armstrong. Meu pai—eu não consigo parar de pensar nele como meu pai—disse que atirou em Joe Armstrong no coração e o enterrou onde ninguém nunca o acharia—.
—Você acredita nele?—.
Cameron concordou com a cabeça. —Sim. Dee se lembra do capataz. Disse que sempre tinha se lembrado dele, mas ela era tão inocente que nunca tinha juntado as coisas—.
—E quando você descobriu a verdade, você se voltou para Becky—.
Cameron deu a ele um aceno com a cabeça aos arrancos. —O pai dela tinha morrido alguns meses antes e assim eu acho que ela sabia como eu estava sofrendo. Eu sempre a amei, mas eu não queria que as coisas tivessem ficado desse jeito—. Ele enterrou os cotovelos nas coxas e enterrou o rosto entre as mãos. —Cristo, eu nunca quis que ela tivesse que se casar comigo—.
Austin olhou em direção a luz dourada através do horizonte—com um matiz tão brilhante quanto os olhos de Loree. Ele se perguntou se ela já estava acordada. Já tinha passado da hora de ela se juntar a ele na varanda. Senhor, ele sentia falta dela.
—Drew parece ser uma boa criança—, ele disse tranquilamente.
A cabeça de Cameron se ergueu. —Oh, ele é ótimo. E Becky o adora. Eu tinha medo de que ela pudesse se ressentir dele—como meu pai se ressentiu de mim — mas ela não o faz. Ela o ama com todo o coração—.
—Ela te ama, também, Cameron—. As palavras cortaram profundamente, remexendo a ferida que tinha ficado infeccionada por muito tempo.
A dúvida surgiu nos olhos de Cameron. —Você que está dizendo—.
—Por que diabos eu diria isso a você se não fosse verdade? Você não acha que seria melhor para o meu orgulho pensar que ela ainda me ama?—.
—Eu não a toquei desde que você saiu da prisão. Eu tinha medo de que ela desejasse que fosse com você. Eu não conseguia suportar a idéia de que talvez ela estivesse pensando em você enquanto eu estivesse fazendo amor com ela—.
Austin jogou o café restante no chão frio. Ele fez a Loree uma promessa e de repente, não parecia que seria difícil mantê-la. Qualquer coisa que ele e Becky tiveram um dia… era nada além de uma memória distante.
—Um tolo cego poderia ver que ela ama você mais do que já me amou. Por que diabos você acha que eu tenho estado tão bravo todos estes meses? Não porque ela se casou você. Mas porque ela não me amou tanto quanto ama você—.
—Sério?—.
Austin deu um aceno enérgico com a cabeça. —Sim—. Ele estudou Cameron por um minuto. —Você me disse que o seu pai matou o seu verdadeiro pai?—.
Cameron deu um aceno com a cabeça hesitante e lento. —Difícil de acreditar que eu vivi com um assassino todos aqueles anos e nunca soube—.
—Você acha que há uma chance de ele ter matado Boyd?—.
—Isso me ocorreu, mais de uma vez, mas por que ele teria matado Boyd? Boyd não fazia nada de errado com ele—.
Austin deu um suspiro com força. —Maldição. Queria saber quem o matou. Eu não gosto de ter o veredito de culpado sobre a minha cabeça—.
—Não parece aborrecer Loree—.
—Loree olha para o mundo de forma diferente da maioria das pessoas. Alguém assassinou a família dela, mas ela de alguma maneira conseguiu manter uma parte de sua inocência. Eu tenho medo de que se nós ficarmos aqui… se ela ouvir muitas pessoas sussurrando sobre mim, especulando quem eu poderia assassinar da próxima vez… que ela perca esse pouco de inocência—.
—Você está pensando em partir?—.
Austin encolheu os ombros. —Eu não sei aonde nós iríamos ou o que eu provavelmente faria, mas eu penso nisto às vezes. Houston me disse uma vez que quando um homem ama uma mulher, ele faz o que é melhor para ela, não importa o quanto custe para si mesmo. Eu pagaria qualquer preço para ver Loree feliz—.
—Ela parece bastante feliz—.
—Eu acho que posso fazê-la mais feliz. Eu sei que posso. Houston me disse que ele acha que pode ter se apaixonado por Amélia no minuto em que a viu. Eu não senti isso com Loree, mas quando ela saiu daquela casa, eu senti como se… eu tivesse voltado para casa—.
—Você acha que Dallas se apaixonou por Dee na primeira vez que a viu?—.
Austin agitou a cabeça, memórias da juventude surgindo como um caleidoscópio de imagens esquecidas. —Não. Ele provavelmente se apaixonou por ela quando descobriu que ela tinha um nariz. Você se lembra da cara dele ao erguer o véu e ver o rosto dela pela primeira vez?—, Austin riu.
Cameron começou a rir. —A cara dele? Você deveria ter visto a sua cara!—.
—Minha? E a sua?—.
O riso ficou mais alto, se entrosando com os raios do amanhecer.
Loree deslizou os dedos por entre as cortinas da cozinha e espreitou a abertura minúscula. Austin ria com tanta vontade que ele estava quase dobrado, o queixo quase batendo nos joelhos.
—Oh meu Deus!—, Becky sussurrou atrás dela. —Diga que isto é Austin e Cameron rindo—.
Loree deu um passo para trás, surpresa por ver lágrimas até as bordas dos olhos de Becky enquanto ela espiava pela cortina.
—Eu não podia ter pedido um presente melhor de Natal—. Becky fechou os olhos com força e deu um suspiro rápido. —Quase matou Cameron perder amizade de Austin—. Ela abriu os olhos e agarrou a mão de Loree. —Vamos. Vamos nos sentar com eles—.
—Eu não estou certa de que nós deveríamos—
—Oh, eu estou. Eu sei que nunca será como antes… mas está próximo—. Becky abriu a porta. —Do que você dois estão rindo?—, ela exigiu saber dos homens que estavam sentados na varanda.
Com a respiração presa, Loree se virou e viu Becky de pé com as mãos plantadas nos quadris, as pernas bem abertas. Ela viu o sorriso de Austin aumentar, os olhos ficando mornos enquanto ele estendia a mão. Ela queria voltar para dentro de casa e morrer até que percebeu que o olhar dele estava fixo nela.
—Venha aqui, Docinho—, ele disse com um tom lento que fez o coração dela correr.
Ela passou por Becky e deslizou a mão até a dele, pensando que ela nunca tinha parecido tão morna ou confortante, então os dedos dele envolveram os dela e ele a puxou até seu colo. Ele abriu a jaqueta e a envolveu como se ela fosse uma jóia valiosa que devesse ser protegido por um tecido aveludado. Ele a envolveu com uma mão e pegou os pés nus com a outra. Ela estava no nível dos olhos dele e pela intensidade do azul do olhar dele, ela teria pensado que ele estava ciente apenas dos dois sentados na varanda no amanhecer frio.
—Sobre o que você estava rindo?—, Becky repetiu enquanto se jogava sobre o colo de Cameron quase o estatelando na varanda.
—Nós estávamos nos lembrando do dia em que Dallas se casou com a Dee—, Cameron disse, endireitando o corpo e pondo os braços ao redor de Becky.
—O que tinha de tão engraçado nisto?—, Becky perguntou.
—Cameron me disse que índios tinham cortado o nariz da Dee—, Austin disse, o olhar nunca deixando Loree. Ela ficou quente, mas ela achava que isso tinha pouco a ver com o calor do corpo que vinha através da roupa dela. —Eu disse a Dallas. Ele ficou surpreso em descobrir que a esposa tinha um nariz—.
—Eu me lembro agora. Todo mundo ficou de queixo caído quando ele ergueu o véu dela, mas eu nunca soube o porquê—, Becky disse. Ela enrugou a testa. —Ele se casou com ela pensando que ela não tinha um nariz?—.
—Ele era um homem desesperado—, Austin disse tranquilamente. —Os homens desesperados nunca pensam nas coisas—.
Loree quis dizer a ele que mulheres desesperadas não pensam nas coisas também. Ela tinha estado desesperada uma vez, tão incrivelmente desesperada que tinha feito algo que nunca teria se visto capaz de fazer. Em tempos inesperados a memória a atingia como uma cascavel… uma cascavel dando um alerta. Sua memória infernal não mostrava benevolência.
Ela ouviu o som de passos pesados e se virou ligeiramente. Dallas dobrava a esquina, sacos de aniagem juntos em maços nas mãos.
—Por que diabos vocês estão aqui de bobeira?—, ele exigiu sem parar seu passo largo. Ele jogou os sacos de aniagem sobre a varanda. —Peguem o feno—.
Alcançando atrás dele, Austin agarrou os sacos e deu um par para Cameron. —Acho que seria melhor se começássemos logo—.
Loree saiu do colo dele e apertou mais o próprio corpo. —Eu preciso me vestir—.
A mão de Austin estava em sua cintura, prevenindo-a de voltar para a casa.
—Eu, também—, Becky disse. —Eu te verei daqui a pouco, Cameron—.
—Certo, pegue o feno da sacada do quarto de Rawley—.
Ela sorriu. —Suponho que ele esqueceu que nós estávamos indo dormir no quarto dele na noite passada—. Ela desapareceu na casa.
Austin trocou o olhar de Loree para Cameron. —Por que você não continua? Eu pegarei lá em cima—.
—Certo—. Cameron pulou da varanda e foi em direção a um distante monte de feno.
Austin retornou o olhar para ela, os dedos apertando a bolsa.
—Tudo bem?—, ela perguntou.
Ela viu o pomo de Adão lentamente deslizar de cima para baixo. Os olhos azuis queimando como chamas prestes a voltar à vida. —Tudo está muito bem. De fato, eu acho que já tem sido bom durante algum tempo e eu apenas não tinha notado—. Ele embalou a bochecha dela. —Eu amo você, Loree—.
O coração dela bateu forte contra as costelas. —Você não tem que dizer isso só porque eu disse——
—Não é por isso que eu estou dizendo—. Ele abaixou a cabeça ligeiramente. —Eu estou dizendo por que é verdade—.
Ele acabou a distância entre as bocas e os corações, com um beijo que fez o corpo dela parecer com uma piscina de cera quente e derretida, facilmente moldada para atender aos desejos dele. E mais ainda para atender aos desejos dela, desejos que giravam dentro dela. Ela deslizou as mãos embaixo dos ombros da jaqueta com pele de ovelha e sentiu o calor confortante de seu corpo. Ele trouxe o casaco ao redor dela. Os pés dela subiram nas botas dele. E o bebê rolou entre eles.
Austin se afastou e deu uma olhada para baixo para a pequena elevação. Então ergueu o olhar. —Acho que nós vamos ficar o dia todo aqui, empacote as suas coisas, vá até o baile de Natal que Dee dará na cidade… então iremos para casa—.
Ela deu a ele um aceno rápido com a cabeça.
—Não me lembre de nenhuma promessa que eu fiz no passado quando nós chegarmos em casa—.
Ela ficou com a voz presa na garganta, forçando-a puxar as palavras. —Eu não irei—.
Um sorriso preguiçosamente lento se estendeu através do rosto dele, ela leu uma nova promessa, uma promessa que ela afetuosamente desejava que ele mantivesse.
Com passos largos e longos, Austin levou a caixa de presentes para a carroça. Ele e Loree tinham sido abençoados na noite anterior com um sortimento de presentes que ia de artigos para o bebê até um quadro que Faith suspeitasse ser um cavalo apenas porque tinha sido feito de marrom.
Depois de colocar a caixa atrás da carroça, ele mexeu no conteúdo até que achou uma das partituras de música que Loree tinha dado a ele. Ele a abriu novamente e estudou os círculos pretos e ovais com varas e bandeirinhas estranhas. Ele supôs que não custaria nada pedir a Loree que explicasse a ele. Se faziam sentido para ela, talvez pudessem fazer sentido para ele também.
—Austin?—.
A voz serena de Becky veio por detrás ele. Ele colocou a folha na caixa, girou e percebeu que tinha mentido para Loree.
Ele tinha dito a ela uma vez que um homem não poderia dizer se uma mulher tinha feito amor, mas de pé aqui, olhando para o brilho morno nas bochechas de Becky, ele não tinha nenhuma dúvida de que ela tinha sido amada completamente.
—Eu apenas queria te agradecer—, ela disse suavemente.
—Pelo quê?—.
—Pelo o que quer que você tenha dito a Cameron que o fez parar de duvidar do meu amor—.
—Eu apenas disse a verdade—. Ele se virou e empurrou para o mais distante possível a caixa nas costas da carroça.
Becky surgiu ao lado dele. —Eu amei você, sabe—, ela disse tranquilamente.
Ele encontrou o olhar dela. —Eu sei—.
—O que nós tivemos foi incrivelmente doce… e jovem—. Ela enrugou a testa. —Eu não sei se isso faz sentido—.
—Faz—.
—Se nós tivéssemos nos casado cinco anos atrás—sem que você tivesse ido para a prisão—eu não sei se o nosso amor teria sobrevivido aos anos de transcurso. Eu acho que nós teríamos sido contentes, mas nunca verdadeiramente felizes—.
As palavras não quiseram sair da garganta dele e ele pode apenas movimentar a cabeça.
—Eu sei que tem sido difícil para você desde que voltou. Cameron e eu acabamos de conversar sobre algumas coisas que nós realmente não tínhamos discutido antes. Eu estou disposta a fazer um anúncio público dizendo que você estava comigo na noite em que Boyd foi morto—.
Austin sentiu como se o ar tivesse sido arrancado de seus pulmões. As emoções entupiram sua garganta. Ele sabia que aquele anúncio custaria a Becky mais do que sua reputação. Custaria o orgulho de Cameron.
—Eu fico agradecido, Becky. Mais do que talvez nunca entenda, mas eu acho que causaria mais danos do que faria bem. Esta é a razão pela qual eu disse a você para não falar nada cinco anos atrás. A maioria das pessoas pensaria que você estava mentindo para me proteger, além disso, suas palavras colocariam dúvidas sobre sua reputação na mente de todos. Não vale a pena dar a chance de que isso machuque não só você e Cameron, mas Drew também—.
Ele viu o alívio surgir no rosto dela. —Mas você sabe que nós estamos à disposição—.
Ele deu um aceno vivo com a cabeça. —Melhor voltar para o seu marido. Não quero que ele fique com ciúme—.
—Uma parte de mim sempre amará você, Austin—. Ela se debruçou e deu um beijo na bochecha dele. O coração dele se apertou.
—Eu também—, ele disse bruscamente.
Ele o viu andar em direção a casa, os quadris balançando suavemente para os lados. Dentro do coração, ele deu ao amor de sua mocidade uma despedida muda.
O Salão de baile do Magnífico Hotel tinha mudado ao longo dos anos—como tudo na vida de Austin. Não eram mais janelas até o teto, eram espelhos. O quarto cômodo parecia maior do que era com Austin de pé com os irmãos, Loree ao seu lado.
Enquanto Amelia e Dee andavam apressadas em torno do cômodo certificando-se de tudo estava em ordem, as crianças sentadas nas cadeiras ao longo da parede, como escadinhas, dos mais velhos até os mais jovens, com os mais novinhos aconchegados nos braços de Houston. As meninas balançavam os pés, os saltos batendo no lado inferior da cadeira. Rawley estava olhando para frente, parecendo totalmente entediado. Austin entendia o que ele estava sentindo.
O cozinheiro de Dallas andava a passos largos, as pernas separadas como um homem que ainda tem um cavalo embaixo de si, o violino sob o braço. Ele usava um bonito terno preto que Austin nunca tinha esperado que o homem possuísse.
—O tocador de violino está aqui—, Maggie anunciou. —Você tem que dançar comigo, Rawley—.
O horror varreu o rosto de Rawley. —De jeito nenhum—.
—Vai sim—. Maggie inclinou o nariz para cima. —Tio Dallas, Rawley não tem que dançar comigo?—.
Sem prestar atenção, Dallas acenou pelo ar, a atenção focada na esposa. —Não tem nada demais, Rawley. Provavelmente é bom praticar—.
Gemendo, Rawley fez uma carranca para Maggie, que tinha um sorriso de triunfo. Faith deslizou para fora da cadeira, andado nas pontas dos pés através do chão e subiu no colo de Rawley.
—Dança comigu, Wawley—.
Ele levantou um dedo. —Uma dança—. Ele encarou Maggie. —Uma dança—. Segurando Faith com um braço, ele se debruçou para frente e encarou cada uma das primas, o dedo apontado para o teto. —Uma dança e é só—.
Ele afundou de volta contra a parede, botou uma mão no bolso da camisa e tirou uma vara de sarsaparilla.
—Dá—, Faith ordenou.
—É a minha última—, Rawley disse, mas mesmo assim ele a dividiu em seis pedaços e a distribuiu entre as meninas, jogando o último pedaço e menor na boca.
Ele encontrou o olhar de Austin por sobre a cabeça de Faith. —Eu espero que o seu bebê seja um menino—.
—Acha que tem que igualar as coisas um pouco, não é?—.
Rawley deu a ele um aceno rude com a cabeça. —Nós, os homens estamos em desvantagem—.
Austin riu, lembrando de um tempo quando isso era exatamente o que Dallas queria: mais mulheres no West Texas.
Ofegante, Amelia veio apressada e tomou Gracie de Houston. —Acho que já está quase tudo pronto—.
—Quem vai cuidar dos mais jovens enquanto você e eu dançamos?—, Houston perguntou.
—Eu terei muito prazer em cuidar das meninas—, Loree disse, os dedos apertados ao redor dos de Austin. —Eu não consigo me imaginar dançando hoje à noite. Neste vestido vermelho eu pareço uma maçã de cabeça para baixo—.
Austin a observou lentamente, então se debruçou por sobre ela e sussurrou em sua orelha, —eu sempre gostei de mordiscar maçãs—.
O rosto dela queimou num vermelho profundo, e ele desejou poder achar algum canto escuro e escondido onde pudesse saboreá-la. Seu temor era que uma vez que começasse, ele seria incapaz de parar. Ele não conseguia se lembrar de já ter desejado tanto uma coisa quanto queria sentir Loree neste momento.
As pessoas começaram a chegar. À noite eles foram ao teatro, Austin viu apenas os cidadãos bem sucedidos de Leighton. Eles estavam aqui essa noite, eram vaqueiros, os disputadores, os canteiros, e os carpinteiros. As senhoritas que trabalhavam no hotel e restaurante de Dee usavam vestidos de festa e foram levadas para dançar antes que a música começasse a tocar.
Quando as primeiras notas de Cookie começaram a preencher o ar, um rugido subiu e as pessoas começaram a dançar a sério.
—Nós vamos aceitar a oferta que você fez de cuidar das meninas se você estiver certa de que não se importa—, Houston disse.
—Eu não me importo—, Loree o assegurou enquanto soltava a mão de Austin e tomava Gracie nos braços.
—Nós só dançaremos uma dança—, Amelia disse.
—Dancem o quanto quiser—.
—Vou fazer minha esposa parar de trabalhar um pouco e começar a dançar—, Dallas disse antes de sair andando.
Com um palavrão, Rawley trocou a posição de Faith em seu colo, ficou de pé e estendeu a mão para Maggie. —Vamos, Pirralha. Você pediu primeiro—.
Maggie pulou para fora da cadeira e o seguiu para a área de dança.
Austin ajudou Loree a se sentar na cadeira que Maggie tinha desocupado, e então se sentou ao lado dela, colocando Faith em seu colo. Ela se esticou e deu um beijo pegajoso com cheiro de sarsaparilla em sua bochecha. —Te amo—.
—Amo você, também—, Austin disse baixinho.
Ele deu uma olhada para Loree. —Você também—.
Ela apertou a bochecha contra o ombro dele.
—Nós não ficaremos muito tempo—, ele prometeu. Ele olhou em volta para os pares valsando.
—Eles todos parecem tão felizes—, Loree disse tranquilamente.
Cameron e Becky passaram depressa na frente deles antes de desaparecem na multidão. —Sim, eles parecem—, Austin disse.
Quando a música parou momentaneamente, Amelia veio e tomou Gracie de Loree. —Vamos, meninas. Vamos beber um pouco de ponche—.
Houston pegou A. J. nos braços antes de estender uma mão na direção de Faith. —Está com sede?—.
Ela concordou com a cabeça e deslizou para fora do colo de Austin. Austin assistiu as sobrinhas, todas em vestidos vermelhos idênticos passearem em direção à mesa parecendo artistas de circo. Ele deu uma olhada para Loree, as mãos dobradas por sobre a curva do estômago. Ele se debruçou na direção dela. —Você dança?—.
Ela enrugou o nariz. —Eu fui a alguns bailes em Austin, mas isso foi há muito tempo atrás—.
Ele puxou suavemente um cacho oscilando próximo da têmpora dela. —Foi aí que você encontrou Jake?—.
—Eu disse a você que não existia nenhum Jake—.
—Com quem você dançou?—.
Suspirando, ela estreitou os olhos. —Eu dancei com alguém chamado John e… um Michael—.
—Só?—.
—Eu não era exatamente a bela do baile—.
—Do que os garotos da cidade sabem?—, ele perguntou.
—Uma mulher bonita quando eles a veem—.
—Não mesmo—. Ele ficou de pé, ofereceu a mão e a ajudou a ficar de pé.
—Achei mesmo que os tinha visto aqui—, Cameron disse, desviando atenção de Austin de Loree. —Você se importaria se eu dançasse com sua esposa?—.
Austin pegou o olhar de surpresa nos olhos de Loree, e de repente, ele quis que todos os homens neste quarto dançassem com ela. —Não, eu não me importo—.
—Você não se importa também?—, Cameron perguntou a Becky. —Eu estou te deixando em boa companhia—.
Becky sorriu. —Vá em frente—.
Cameron estendeu a mão em direção a Loree. Ela hesitou antes de deslizar a mão dentro da dele. —Eu não tenho muito equilíbrio nos últimos dias—.
Cameron riu. —Tudo bem. Eu também não tenho muito—. Austin viu Cameron levar Loree para a área de dança. Os passos dela eram desajeitados, meio que em falso. Cameron riu baixinho, e até com o estrondo dos outros dançarinos, Austin ouviu o riso gentil de Loree.
—Você e eu nunca chegamos a dançar—, Becky disse tranquilamente.
Austin virou o olhar para ela. O azul real de seu vestido realçava a sombra de seus olhos. —Não, nós nunca dançamos—.
Ela lambeu os lábios. —Nós não vamos dançar hoje à noite, vamos?—.
—Não, nós não vamos—.
Ela virou o olhar para os dançarinos. —Cameron não se importaria—.
—Mas isso poderia machucar Loree—.
Ela o observou. —Você a ama?—.
—Sim, amo—.
—Então ela é uma mulher de muita sorte—.
—Ela não teve muito até agora, mas eu pretendo mudar isto—. Ele pendeu a cabeça quando a música se silenciou. —Se você me dá licença, eu acho que vou dançar com minha esposa agora—.
Ele deu uma olhada em direção à área de dança, tentando segurar as rédeas de sua impaciência enquanto Cameron escoltava Loree de volta para ele. As bochechas dela estavam afogueadas, os olhos cintilantes. Ele a teria agarrado e arrastado para a área de dança, mas tinha algo especial em mente.
—Não tropeçou, hein?—, ele perguntou enquanto eles se aproximavam. Ele riu quando Loree mostrou a língua para ele.
—Vamos, Docinho, sente-se—, ele ordenou.
Loree se estatelou na cadeira, agradecida por não estar se segurando neles. —Obrigada, Cameron—, ela gritou.
Cameron deu uma olhada por cima do ombro e piscou para ela antes de levar Becky de volta em direção à área de dança. Loree deu um suspiro profundo. —Eu não queria mas acho que gosto do Cameron. Ele é bom.
—É claro que ele é bom. Eu não teria amigos maus—, Austin disse enquanto se ajoelhava na frente dela e erguia seu pé.
Ela se debruçou para frente. —O que está fazendo?—.
—Tirando seus sapatos—.
Ela puxou o pé. —Austin, aqui não—, ela sussurrou rouca.
Ele olhou para ela com olhos azuis que refletiam a inocência de uma criança. —Por quê?—.
Ela olhou para ele, tentando pensar em uma razão aceitável. —Não seria adequado. Uma mulher não mostra os tornozelos em público—.
—Sua saia é longa o suficiente para que seus tornozelos não apareçam. Além disso, os seus dedos devem estar doendo. Eu já vi o Cameron dançar antes. Ele pode ser bom mas ele não sabe mover direito os próprios pés—.
Ela jogou uma mão sobre a boca para evitar rir alto. Os dedos realmente estavam doendo. Ele bateu levemente na própria coxa. —Vamos, Docinho—.
Ela roeu o lábio inferior. Ela supôs que se ela apenas ficasse sentada…
—Ta certo, mas não deixe ninguém ver o que você está fazendo—, ela sussurrou enquanto colocava o pé sobre a coxa dele.
Ela amava ver os dedos longos dele trabalhando habilidosamente para desabotoar seus sapatos. Ela queria ver os dedos viajando ao longo das cordas do violino de sua mãe. Ela sabia que ele tinha ficado tocado pelo estojo de violino que ela deu a ele de Natal, mas ela ficou desapontada por ele não ter demonstrado nenhum interesse nas partituras que ela tinha dado a ele.
Ele deslizou o sapato para debaixo da cadeira, e quando ela teria trazido o pé para o chão, ele o segurou contra sua coxa e começou a roçar os dedos polegares em um círculo pela planta do pé. —Oh, Deus, isso é bom—, ela disse. —Você tem mãos tão boas—.
—Espere até ver como elas serão boas mais tarde—.
Ela não sabia se o cintilar nos olhos dele estava provocando ou se estava sério, e ela não estava certa de que queria saber. Ele colocou o pé dela no chão, puxou o outro e removeu o sapato. Ele esfregou o pé dela até que toda a dor tivesse desaparecido.
—Como se sente?—, ele perguntou.
—Maravilhosa—.
—Ótimo—. Ele ficou de pé e estendeu a mão. —Você me honrará com esta dança?—.
Loree arregalou os olhos. —Eu não tenho sapatos—.
Ele sorriu calorosamente. —Eu sei disto, Docinho. Eu acabei de tirá-los—.
—Eu não posso dançar sem sapatos—.
—Claro que pode—.
Ela pensou em se sentir nos braços dele, os pés livres passando pelo chão liso de taco…
—Cameron disse que você nunca aprendeu a dançar—.
—Ele não sabe de tudo—.
A música parou. —Então você já dançou antes—.
—Uma vez… com Amelia—.
Ela quase saltou na cadeira, esperança chamejando dentro dela. —Apenas com Amelia?—.
—Apenas com Amelia. Eu a estava compartilhando com uma dúzia de vaqueiros no momento, e tudo que nós sabíamos fazer era girar, bater o pé no chão e bater as palmas das mãos—.
—Você nunca valsou com ninguém?—.
—Nunca—.
Lentamente ela ficou de pé. —O que mais você nunca fez?—.
Ela soube pelo escurecer dos olhos dele que ele entendeu o que ela estava perguntando.
—Nunca dancei com uma mulher que amo—.
O ciúme era uma coisa insignificante, mas ela nunca tinha conhecido tal alegria. Ela sorriu calorosamente. —Eu não gostaria de perder a oportunidade de ser a primeira—.
—Docinho, o mais importante é que eu pretendo que você seja a última—.
Antes de ela ter a chance de responder, ele colocou a mão em sua cintura e a levou até a área de dança. O cômodo tinha duas lareiras, mas nenhum fogo queimava tão brilhantemente quanto os olhos dele. Os pés descalços dela deslizavam sobre o chão e ela se perguntou o porquê de as mulheres se preocuparem em usar sapatos.
Quando a música acabou, ela deslizou o braço pelo dele e o permitiu que a levasse da área de dança.
Cameron e Becky os alcançaram. —Eu nunca tinha visto você dançar antes—, Cameron disse. —Não sabia que você podia—.
Austin encolheu os ombros. —Agora, sabe—.
—Eu acho que é porque você estava sempre tocando a música—.
Austin começou a ir embora, mas Loree parou, olhando para Cameron, o coração trovejando nos ouvidos. —O que… o que você quer dizer com ele tocar a música?—.
—Austin tocava violino e sempre que nós tínhamos ocasiões para dança, ele que fazia a música—. Ele deu uma olhada para Austin. —Eu achei que você tocaria hoje à noite—.
—Eu não toco mais—.
—Eu sinto muito ouvir isto—, Cameron disse. —Ninguém toca como você. Você deveria ter ouvido, Loree. Era lindo—.
Ela sentiu o olhar de Austin preso nela. Ela deslizou o braço para fora do braço dele. —Sim, eu deveria ter ouvido—.
As tensões da valsa flutuavam em torno do quarto. Ela começou a tremer da cabeça aos pés. —Eu não estou me sentindo bem. Com sua licença—.
Ela não esperou uma resposta. Ela não se preocupou em juntar seus sapatos ou casaco. Ela simplesmente correu. Abrindo passagem pela multidão como uma mulher louca, o coração despedaçado.
Ela finalmente conseguiu chegar ao salão de entrada. Ela foi em frente, abriu a porta com tudo e saiu tropeçando para a noite fria. Lágrimas nos olhos. Ela tinha dito a ele que o amava.
E ela tinha percebido agora que não sabia nada sobre ele.
O passeio para casa foi silencioso. Muito silencioso.
Austin deu desculpas por terem que sair cedo. Naturalmente, todos quiseram verificar Loree para se certificarem de que o bebê não estava planejando vir cedo.
A única vez que o olhar dela encontrou o dele, ele viu nada além de dor em seus olhos. Ele parou a carroça. Loree se moveu no banco.
—Loree, espere que vou te ajudar—.
Ele saltou da carroça e correu para dar a volta. Ela já tinha alcançado o chão.
—Você vai se machucar com essa teimosia—, ele disse sério.
—E você me machuca com suas mentiras—.
—Eu nunca menti—.
—Mas também nunca me disse a verdade—.
Ela se virou sobre os pés e foi para casa. Austin agarrou a caixa de presentes da parte de trás da carroça e foi atrás dela. Os raios de luar perfuravam a escuridão.
—Você vai fazer um fogo na lareira?—, ela perguntou. —Estou com frio—.
Ele colocou a caixa na mesa, caminhou para a lareira e se agachou. Riscou um fósforo e viu as labaredas ganharem vida. Ele ouviu o som de papel e uma batida. Ele se virou e viu Loree remover algo da caixa.
—Sua caixa de música está na parte inferior—, ele disse a ela.
—Eu não estou procurando pela caixa de música—.
Lentamente, ele endireitou o corpo. —Loree—
Ela se virou, marchou para a lareira, e jogou algo nela.
As partituras.
Ele ficou de joelhos e as agarrou batendo-as para tirar as chamas que já as estava devorando. Ele encarou Loree. —Por que você fez isso?—.
—Você já sabe tocar o violino. Todos estes meses, você me deixou fazer papel de tola—
—Não, eu nunca fiz isso—.
—Por que você não me disse? Quando eu pedi a você—implorei—que me deixasse te ensinar, por que você não me disse, 'eu já sei tocar, Loree'—.
Ele viu lágrimas brilharem dentro dos olhos dela. —Loree—
—Você disse que me ama. Você acha que o amor supostamente deve ferir? Não mesmo. Seja lá o que for que Becky te ensinou sobre o amor, está errado. Deveria curar. Deveria fazer você se sentir contente por estar vivo. Deveria te ajudar a conviver com o passado.
—Você não pode me amar se não me deixar entrar em seu coração. Ou abra o seu coração para mim e me convide para entrar ou me leve de volta para casa. Mas não me diga que me ama quando você não sabe o que é amar—.
Ela se virou, caminhou até o quarto e bateu a porta.
Austin engoliu um gemido agonizante que teria sido o nome dela. O que ela sabia sobre o coração dele? O que ela sabia sobre amor? O amor olhava profundamente dentro de uma pessoa. Amelia não via as cicatrizes que Houston tinha em sua alma? O amor entendia o que outros não conseguiam. Dee não entendia a natureza dura de Dallas quando ninguém mais tinha entendido?
Loree era a pessoa que não sabia nada sobre amor. Ele foi andando altivamente para a porta do quarto dela, colocou a mão na maçaneta e ouviu os soluços dela. Ele apertou a testa contra a porta.
Cristo, quantas vezes ele a tinha feito chorar? Com que frequência ele a tinha machucado?
Ela estava certa. Ele deveria levá-la de volta para casa. Ela tinha o nome dele. Isso era tudo que ela precisava.
Ele saiu furiosamente de perto do quarto, abriu a porta da frente, saiu apressado e bateu a porta depois de sair. A última coisa que ele precisava era que ela ouvisse o coração dele se despedaçar.
Loree despertou com o som de uma criança chorando. Ela esfregou o sal de suas lágrimas secas dos cantos dos olhos e, com eles semicerrados, olhou para a escuridão. Setas de luar entravam pela janela, formando a silhueta de um homem, de pé com a cabeça curvada, o braço indo e voltado, empurrando e puxando o arco lentamente através das cordas tensas de um violino.
As cordas ressoando com profunda e imensa solidão encheram o quarto. Loree se sentou na cama, sentindo o nariz entupido. Ela agarrou um lenço enquanto os gemidos continuavam. Ela queria escapar da cama e envolver os braços em torno de alguém, aliviar a dor que ela ouvia no ecoar das notas do violino. A melodia pungente trouxe lágrimas frescas aos seus olhos e fez seu coração se apertar. Em toda sua vida, ela nunca tinha ouvido uma canção que alcançasse e capturasse sua alma.
A melodia caiu em um silêncio dolorido. Austin ergueu a cabeça, e ela viu suas lágrimas, descendo junto às bochechas, brilhando ao luar.
Ela deslizou para fora dos cobertores, os pés nus batendo no chão frio. —O que você estava tocando?—, ela perguntou reverentemente, não querendo perturbar a atmosfera que continuava no quarto.
—Isso foi o meu coração se despedaçando—, ele disse com a voz rota.
Ela sentiu como se o próprio coração dela pudesse se despedaçar enquanto ela dava um passo na direção dele. —Austin—
—Não pare de me amar, Loree. Se você quiser que eu aprenda o que são aqueles pequenos percevejos pretos naqueles pedaços de papel, eu aprenderei. Você quer que eu toque o violino do amanhecer ao pôr-do-sol, droga, eu tocarei até a meia-noite, só não pare de me amar—.
Ela jogou os braços ao redor do pescoço dele e sentiu os braços dele deslizando pelas costas dela, o violino tocando o traseiro dela. —Oh, Austin, eu não conseguiria parar de amar você mesmo que eu quisesse—.
—Eu sei como amar, Loree. Eu só não sei como manter uma mulher me amando—.
—Eu sempre amarei você, Austin—, ela disse dando beijos em seu rosto. —Sempre—.
Ela sentiu um movimento leve para longe dela enquanto ele colocava o violino de lado, e então os braços vieram ao redor dela, mais firme do que antes. —Deixe-me amar você, Loree. Eu preciso amar você—.
A boca desceu até a dela, capturando-a, desespero evidente enquanto a língua descia, profundamente. E então, como se sentisse a rendição dela, a exploração ficou gentil. As mãos dele começaram a circular, descendo pelos lados dos quadris, quadris que tinham se alargado enquanto ela carregava a criança.
As mãos viajaram para cima, até que tocaram os seios com as palmas das mãos. Os dedos longos sentiam os moldes que a natureza já estava alterando, preparando para o dia em que ela nutriria sua criança.
Ele embalou a bochecha dela, aprofundando o beijo, enquanto a outra mão soltava os botões de sua camisola. Ele deslizou a mão pelo material aberto, a palma crespa fazendo a forma de uma concha em seu seio liso. Ela sentiu os dedos dele tremerem enquanto o polegar circulava o mamilo dela, fazendo-o endurecer e ficar tenso com seu toque.
A respiração dele estava severa, ele deslizou a boca ao longo da garganta dela. Ele imergiu a língua na base oca da garganta dela.
—Eu estou apenas pensando em você, Loree—, ele disse bruscamente.
Ela deu um passo para trás. —Eu sei—. E ela sabia, profundamente dentro de sua alma, aonde a música dele tinha ousado viajar alguns momentos antes, ela sabia que ele estava pensando nela. As lágrimas que ele tinha derramado tinham sido por ela. A música que ele tinha tocado tinha sido por ela.
O beijo e o toque gentil—pertenciam a ela agora, assim como ele.
A boca dele desceu rapidamente junto à pele dela, entre o vale de seus seios, a respiração morna como uma brisa do verão. Ele arrastou a boca pela curva do seio dela. A língua circulava o mamilo antes de ele fechar a boca em torno da ponta tensa e sugar.
Como um fósforo que atiça uma chama, o corpo dela respondeu, um calor ganhou vida. Os joelhos dela vacilaram e ele a puxou contra seu corpo, segurando-a. Lentamente, ele endireito o corpo e dentro dos lânguidos raios de luar, ela viu o profundo azul de chamas queimando do olhar dele.
Ele deslizou as mãos entre o tecido aberto, soltando-o por cima dos ombros dela até que ele estava livre para deslizar pelo corpo dela e cair aos seus pés. Ela o viu engolir em seco.
—Deus, você é linda—.
A voz dele soou tão espessa quanto melado, e seu olhar foi mais eloquente do que suas palavras. Os dedos tremiam enquanto ela corria os dedos pelos ombros e peito largo dele, sabendo que ela estava à beira de selar para sempre a cripta que mantinha as promessas velhas fechadas. Um movimento, um toque, uma palavra… e eles nunca mais poderiam retornar ao que tinham sido.
—Diga novamente para mim—, ela sussurrou.
—Eu estou apenas pensando em você, Loree—, ele disse, a voz rota, a respiração desigual.
Ela sorriu calorosamente para o rosto do homem que amava. —Não, diga que me ama—.
—Eu amo você—.
Ela envolveu as mãos dele e deu um passo em direção à cama, e viu os lábios dele se estenderem em um sorriso lento, sedutor. Mais outro passo para trás e ela afundou sobre a cama.
Austin arrancou a camisa por sobre a cabeça e jogou as calças curtas para o chão. Ela viu o luar brincar com os músculos firmes de seu corpo antes de ele se esticar ao lado dela na cama.
—Agora, você precisa me dizer—, ele disse enquanto mordiscava o lóbulo da orelha dela e passava a língua em torno da concha de sua orelha.
—Eu amo você—, ela sussurrou enquanto seu corpo se contorcia.
—Ah, Docinho, eu vou te fazer muito feliz—.
A promessa dele garantia algo que ela não duvidava. —Eu já sou feliz—.
Ele se apoiou sobre o cotovelo. —Tudo será melhor, Loree. Tudo—.
Ele abaixou a boca até a dela com uma urgência renovada. Ela tocou a mão no peito dele e sentiu a batida rápida de seu coração. Antes ele teria ficado em cima dela, agora ele apertava o corpo contra o lado dela, a mão indo livremente de cima da barriga dela para a junção de suas coxas.
Ela gemeu quando os dedos dele imitaram as ações de sua língua, varrendo, mergulhando, aquecendo, queimando. Ela correu as mãos pelos lados dele, cravando os dedos no quadril magro, e rolou para o lado, precisando dele perto, sabendo com um momento de remorso que sua barriga inchada não permitiria que ele ficasse tão perto quanto ela precisava.
A necessidade brotou dela, o desejo se incendiou. Ela deu beijos no rosto dele, na garganta e peito cobertos de orvalho, querendo-o, como ela nunca tinha desejado qualquer coisa. Ele ficou de barriga para cima e estendeu a mão para ela. —Venha aqui, Loree—.
Os ombros dele saíram da cama enquanto ele se debruçava para cima ligeiramente e colocava as mãos grandes de cada lado dos quadris dela, guiando-a até que ela montasse nele. Ela viu as sombras e o luar acariciarem o corpo magnífico dele quando ela percebeu um momento de hesitação. Mantendo uma mão plantada no quadril dela, ele embalou sua bochecha com a outra mão e segurou seu olhar. —Me pare se eu te machucar—.
Ela arrastou o olhar ao longo do comprimento do corpo dele até o lugar onde seus corpos se encontravam. Ela envolveu os dedos ao redor dos dele. Ele gemeu e ela sentiu um tremor passar pelo corpo dele. Embalando os quadris dela, ele a ergueu e a abaixou tão suavemente quanto o amanhecer que encontra o dia até que eles se tornam um.
Ele soltou um suspiro profundo e longo. —Oh, Docinho, você é tão gostosa—.
Ela curvou os ombros para frente. —Você também é gostoso—.
Rindo baixo, ele passou os dedos pelo cabelo dela, segurando o rosto dela entre as palmas de suas mãos. —Eu não quero machucar você, então eu preciso que você… cavalgue—.
Ela desejou poder se dobrar para frente e beijar os sulcos entre suas sobrancelhas. Ele parecia ter medo de poder tê-la desapontado. Mas como ele poderia desapontá-la quando ele a amava?
Ela correu a mão pelo peito dele, ao longo de seu corpo, se debruçou um pouco para frente, moveu os quadris e apreciou o som da inspiração forte dele. Ele tinha dado tanto a ela: o poder de amá-lo, o poder de satisfazê-lo.
Mantendo os olhos nos dele, ela começou a balançar os quadris. As mãos dele deslizaram pelos seios dela, os dedos longos que ela amava buscavam, provocavam e ela percebeu que ele não tinha renunciado a todo seu poder.
Sensações desenfreadas a rasgaram, e ela sentiu como se ele a tocasse tão facilmente quanto tocava seu violino. As sensações se elevaram até que o corpo dela ficou tenso e ela gemeu em êxtase.
Ela ouviu o gemido gutural de Austin enquanto ele estremecia embaixo dela, e na quietude que se seguiu, ela ouviu a respiração severa dele. Segurando os ombros dela, ele suavemente girou ambos, o corpo nunca deixando o dela. Ele passou os dedos pelo cabelo dela, a palma descansando contra sua bochecha como se toda sua força tivesse sido drenada. Embaixo da mão dela, o coração dele batia forte.
Os lábios dele se estenderam em um sorriso contente e ela suspirou. Então o sorriso dela desapareceu e a testa se enrugou. —Austin?—.
—Hmm?—.
—O que são percevejos pretos?—.
—O quê?—, ele perguntou com sono.
Ela ergueu a cabeça, tentando perceber as feições dele nas sombras. —Mais cedo você me disse algo sobre percevejos no papel——
—Oh, isto. Eu estava falando sobre aquelas partituras que você me deu de Natal. Eu deixarei você me ensinar a lê-las—.
Ela se apoiou em um cotovelo. —Você não sabe ler a música?—.
—Não—.
—Mas aquela canção que você tocou—
—Disse a você… aquilo era meu coração partindo. E espero que nunca mais eu a ouça—.
Ela se sentou completamente, puxando os cobertores ao redor dos ombros nus para repelir o frio do quarto. —Austin, eu não entendo—.
—Eu não sei se posso explicar—.
—Tente—.
Ele colocou a mão atrás da cabeça. —Enrole-se contra mim primeiro—.
Ela aconchegou a bochecha contra o ombro dele enquanto o braço dele a envolvia, a mão indo e voltando do ombro até o cotovelo dela. Ela passava a mão no peito dele, os dedos brincando com um pelo que às vezes tocava seu nariz.
—Não sei por onde começar—, ele finalmente disse após o silêncio.
—Do princípio seria bom—.
—Explicar as coisas com palavras nunca foi fácil para mim. Eu não sei se o que eu vou dizer fará sentido—.
—Eu sou uma ouvinte paciente—.
—Você é, Docinho. Certo. Vou tentar—. Ele limpou a garganta. —Eu acho que tinha mais ou menos sete anos na primeira vez. Nós estávamos conduzindo o gado para o norte ao longo da trilha Shawnee—.
—Você estava conduzindo o gado quando tinha apenas sete anos?—.
—O máximo que fazia era seguir Dallas e juntar esterco de vaca para as fogueiras do acampamento à noite. De qualquer maneira, uma noite eu dormi debaixo de uma carroça. Eu ouvi um som. Parecia com o vento, mas não havia nenhuma brisa nessa noite. Estava quieto como a morte, como se algo estivesse esperando. Então eu me levantei. Cookie—o homem que tocou o violino hoje à noite—estava arrumando a comida para os homens que voltariam às duas horas. Eu perguntei se ele tinha ouvido alguma coisa. Ele queria saber como era o som. Eu não consegui descrever. Ele sempre mantinha o violino por perto assim e eu o peguei… e toquei o que tinha ouvido—.
—Assim?—, ela perguntou assombrada.
—Assim—.
Ela ergueu a cabeça. —Como você pode fazer isto?—.
—Tudo que eu consigo pensar são nas noites em que eu via minha mãe tocando na época em que eu era preso comigo mesmo—.
Ela nunca tinha ouvido falar de algo assim, mas ela não podia desconsiderar o fato de que a canção que ele tinha tocado anteriormente tinha sido impecável.
—Cookie me ensinou algumas notas, algumas canções, mas ele não tem a sua paciência. Então num Natal, Dallas e Houston me deram um violino, eu tinha um pouco menos de dezesseis anos antes de descobrir que ele tinha sido da minha mãe—.
—Mas você tinha me dito que não podia tocar. Por que mentiu—
Ele a rolou, subiu em cima dela e segurando suas bochechas em uma concha. —Eu não estava mentindo, Loree. Eu sempre ouvi a música em meu coração… mas eu perdi essa habilidade quando fui para a prisão. Era como se a música tivesse secado e morrido. Eu achei que nunca mais a ouviria. Como eu poderia tocar violino se não pudesse ouvir a música? Então ultimamente, eu comecei a ficar louco porque eu estava ouvindo trechos de música—quando você me olhava ou sorria para mim. Mas eu não podia me agarrar a isto, não podia segurá-la. Então, ontem à noite, você me disse que me amava e eu ouvi a música, tão doce, tão suave. Assustou-me ouvi-la tão claramente depois de tanto tempo.
—Hoje à noite, eu machuquei você—novamente. Eu iria te deixar ir, Loree. Eu aceitaria te devolver para Austin. Mas eu ouvi a fenda do meu coração… e eu soube que seria isso o que eu ouviria pelo resto da minha vida. Não me deixe, Docinho—.
A alegria transbordou e ela levou as mexas de cabelo dele para fora de sua testa. —Eu não irei—.
Ela viu o sorriso dele se alargar sob o luar.
—Você devia ouvir a música que está no meu coração agora—, ele disse tranquilamente.
—Você a tocaria para mim?—, ela perguntou.
—Com certeza, Docinho, mas não com o meu violino—.
A boca dele desceu cobrindo a dela, e as mãos começaram a tocar uma canção de amor pelo corpo dela.
Os ventos de janeiro sopravam frios e amargos e Loree se mexeu no banco da carroça se aconchegando contra Austin.
—Mulher teimosa—, ele murmurou enquanto deslizava o braço ao redor dela. —Você podia estar em casa sentada em frente a um fogo quentinho—.
—Eu prefiro estar sentada ao seu lado—.
Ele se debruçou na direção dela e deu um beijo rápido em seus lábios. —Eu estou contente—.
Ela dobrou o manto embaixo do queixo, trazendo-o para mais perto das orelhas. Os ventos uivavam através das planícies como uma mulher lamentando um amor perdido. Ela imaginou Austin tocando a melodia para ela quando eles chegassem a casa.
A cidade surgiu. O estômago dela se apertou com a memória que ela trouxe a sua mente. Ela trouxe o ar gelado para o fundo de seus pulmões, soltando uma respiração esfumaçada.
—Parece que Papai Noel trouxe para Cameron uma placa nova—, Austin disse.
Loree olhou na direção do armazém geral, a respiração engatando.
ARMAZÉM GERAL MCQUEEN.
Os dedos dela se apertaram ao redor do braço de Austin. —Eu pensei que o nome dele era Oliver—.
—Não, esse era o pai da Becky—. Ele deu uma olhada de lado para ela, uma expressão incrédula em seu rosto. —Todo esse tempo você achou que o nome deles era Oliver?—.
Ela concordou com a cabeça, medo entupindo sua garganta. —Então Dee é uma McQueen, também?—.
—Não, ela é um Leigh. Costumava ser uma McQueen—.
—Eles têm mais alguém da família?—.
—Eles têm um irmão, Duncan—.
—Isso é tudo?—.
—Até onde eu sei—.
Ele parou a carroça na frente da loja, desceu e ofereceu os braços para ela. Ela se moveu através do banco e ele a ajudou, os braços puxando-a para si.
—Bom Deus, Loree, você está tremendo como uma folha ao vento—.
—Eu estou apenas com frio—, ela mentiu.
—Vamos para o lado de dentro—.
Ele se dirigiu a loja—o último lugar que queria ir. Ele abriu a porta e entrou apressado no lado de dentro. Os sinos em cima da porta tiniram e quase a fizeram seu saltar.
Cameron saiu da parte de trás, secando as mãos em uma toalha. —Você escolheu um dia ruim para vir à cidade—.
—Não estava tão frio assim quando nós partimos—, Austin disse enquanto levava Loree para o fogão preto barrigudo. —Sente aqui, Loree—.
Ela fez como ele instruiu e deu a ele a liberdade para remover suas luvas.
—Aqui, esfregue sua mão na frente do fogão—.
—Eu ficarei bem—, ela o assegurou.
Ele sorriu e se debruçou para baixo. —Eu vou te aquecer todinha quando nós chegarmos em casa. Que tal isso para uma promessa?—.
Ela devolveu o sorriso dele. —Eu farei você cumpri-la—.
Ele tocou o dedo no nariz dela antes de girar para Cameron. —Você ainda tem cordas de violino?—.
O rosto de Cameron se dividiu em um sorriso largo. —Você voltou a tocar?—.
Austin encolheu os ombros. —Um pouco. De vez em quando. Quando a música vem—.
Loree escutou com uma orelha enquanto a conversa continuava. Ela uma vez tinha conhecido um homem chamado McQueen, mas Cameron não se parecia com ele, nem na aparência, nem no temperamento. Talvez eles fossem primos ou parentes distantes ou não tinham nada em comum além do mesmo nome.
Ela esfregou as mãos juntas e quase imaginou ver sangue—vermelho claro, brilhando ao luar. —Austin, por favor, posso ter minhas luvas de volta?—.
—Claro—.
Ele deu as luvas grossas de volta para ela, e ela deslizou as mãos para o lado de dentro delas. Ela sempre parecia mais segura quando suas mãos estavam cobertas.
—Você quer aquele chocalho sobre o qual você estava me falando?—, ele perguntou.
Ela concordou com a cabeça e se forçou a ficar de pé com as pernas trêmulas. Ela deu uma olhada para Cameron. Ele deu seu um sorriso morno que acalmou os medos dela.
Ninguém tão agradável quanto ele poderia ser relacionado com o diabo que tinha assassinado a família dela.
—Oh, vamos, Loree. Por favor!—.
Loree franziu os lábios, cruzou os braços em cima da barriga e lutou para resistir ao apelo daqueles hipnotizantes olhos azuis. Ele tinha substituído a corda dias antes e não havia mais uma desculpa para não praticar. —Não. Não até que você domine isto—.
Austin afundou de volta na cadeira como uma criança petulante e começou a puxar as cordas de seu violino. —É uma canção tão chata. Apenas o mesmo som várias vezes. Entendo porque o Rawley odiou as lições de piano—.
—Você não pode tocar canções complicadas até aprender as fáceis—.
Ele pulou para frente. —Tenha piedade de mim e apenas me deixe tentar. Se você estiver certa… eu voltarei para ‘Mary Had a Little Lamb’(*)… a menos que eu mate o cordeiro antes—.
Loree não conseguiu parar o riso de vir à tona. Como ela podia esperar que um homem que tocava com o coração ficasse contente com a música de outras pessoas? Pela primeira vez, ela estava tendo vislumbres verdadeiros do jovem que ele tinha sido antes de ir para a prisão.
Quando ele despertava ao amanhecer, ainda levava o café para a varanda e se sentava no degrau superior, mas em vez de olhar para o horizonte, ele apoiava o violino embaixo do queixo e Loree ouvia o amanhecer enquanto o via.
Ela conheceu o som do crepúsculo e da meia-noite… e o riso fácil de seu marido. As tarefas do rancho que antes o tinham cansado não mais saíam com palavras. Ele voltava para casa, ansioso pelos beijos dela e seus braços ao redor de seu pescoço. Como presente, ele dava a ela informações
(*) N. da R.: —Mary Had a Little Lamb— (—Maria tinha um carneirinho—) é uma música para crianças estadunidense do século XIX, cuja letra é atribuída à Sarah Josepha Hale.
sobre seu dia até que ela podia ouvir o mugir do gado que ele marcava com brasa ou o estalo do arame farpado que ele remendava. Ele podia ser um homem de não sabia explicar as coisas com palavras, mas com a música, ele tinha a habilidade de criar mundos.
Contra o que achava melhor, ela desdobrou uma parte mais complicada da música e jogou na frente dele. —Aqui. Toque isto—.
Avidamente, ele se debruçou e estudou a folha de música. Então ele
respirou fundo, ergueu o violino, e, sem tirar o olhar das notas, começou a tocar—a melodia mais bonita que ela já tinha ouvido.
Ela se sentou assombrada, vendo os dedos dele tirarem notas das cordas, seguindo o caminho do arco enquanto ele o movia —lenta e longamente —repetidas vezes. Não era de se estranhar que ele fosse tão hábil em tocar o corpo dela.
Ela ergueu o olhar e achou os olhos dele, a expressão serena. Ele parou o arco, abriu os olhos e encontrou o olhar dela.
—Você estava certa—, ele disse tranquilamente. Com um suspiro, ele colocou a folha de lado e voltou à atenção para a melodia que tinha tocado antes.
—Eu estava errada—, ela disse enquanto puxava a folha para longe dele. —O que você estava tocando?—.
—Você gostou?—.
—Achei que era bonito—.
—Quanto?—.
—Quanto você quer de elogio?—.
—Muito. Foi muito bonito?—.
Ela se sentou de volta na cadeira, estreitando os olhos, perguntando-se se a verdade iria subir à cabeça dele, mas como ela poderia mentir? ——Eu pensei que era a canção mais bonita que eu já ouvi—.
Um sorriso morno e lento se estendeu pelo rosto dele. —Eu a chamo de ‘Loree’. É o que eu ouço no meu coração sempre que olho para você—.
—Você ou o seu coração precisam de óculos—.
Ele colocou o violino de lado, levantou da cadeira e se ajoelhou ao lado dela, colocando as mãos ao redor dos braços dela. —Por que você não pode acreditar que é bonita?—.
Ela tinha ficado brava com ele por ele não ter dito a ela que ele tocava violino. Como ele se sentiria se ela revelasse a verdade agora mesmo? Ela tinha acabado de ganhar seu amor. Com algumas palavras, ela sabia que poderia perdê-lo… e nunca mais recuperá-lo.
Ele se debruçou adiante, colando a boca com a dela, levando o passado e as dúvidas para longe. Os ossos dela viraram mingau, os pensamentos ficaram dispersos como folhas de outono antes dos ventos do inverno. Ela cravou os dedos nos ombros dele.
—Você é linda, Loree—, ele disse bruscamente enquanto arrastava a boca junto à garganta dela. —Deus, eu quero você—.
Ela amava aquelas palavras, sussurradas dos lábios dele. —Eu sei, mas o médico disse que nós temos que praticar abstinência—.
Com um suspiro pesado, ele ficou de pé de novo. —Isto é pior do que praticar ‘Mary Had a Little Lamb’—.
—Não será por mais muito tempo—.
Alcançando atrás dele, ele pegou o arco do violino e o bateu contra a barriga enorme. —Escute, jovem—.
Com a boca bem aberta, Loree olhava para ele e ele deslizou o violino entre o queixo e o ombro. —Você disse que era tolo conversar com uma criança antes de ela nascer—.
—É tolo conversar—, ele disse, rindo. —Mas eu vou tocar para ele. Isto não é tolo, não mesmo—.
—O que você vai tocar?—.
—Algo rápido e vivo para tirar da minha mente o beijo lento e longo que eu queria dar nos lábios da mãe dele—.
Bebericando o café, Austin se sentou na varanda na escuridão anterior ao amanhecer. O casaco tirava o frio do ar do inverno recente. A primavera chegaria logo. No ano passado ele tinha saído da prisão. Este ano ele celebraria a chegada da primavera com uma esposa e uma criança.
E um futuro incerto.
Poucas pessoas o encaravam como antes. Ele não mais ouvia sussurros pelas costas. Mas o fato permanecia de que aos olhos da lei ele era um assassino.
Esse fato tinha alcançado Loree.
Ele temia que alcançasse sua criança.
Ele entendia de administrar uma fazenda, mas Dallas era o único rancheiro que ele conheceu que contrataria um homem com família. Ele odiava administrar uma fazenda, mas era a única habilidade que possuía. Ele queria dar o mundo a Loree, mas ele não conseguia ver isso acontecendo um dia.
Ele ouviu os passos gentis da esposa. Sorridente, ele se virou. O medo no rosto dela fez o pânico surgir dentro dele. Ele ficou de pé. —Loree, o que está havendo?—.
—Eu senti um puxão no meu estômago e ouvi um estalo alto. Quando eu saí da cama, havia água entre as minhas pernas. E um pouco de sangue—.
—Você acha que o bebê está vindo?—.
Os olhos dela se alargaram e ela agarrou o umbral da porta. Austin correu para o lado dela, segurando-a enquanto sua respiração ficava ofegante. Finalmente a respiração dela ficou mais calma e ela olhou para ele. —Eu acho que o bebê está vindo—.
—Certo. Não fique em pânico—.
—Eu não estou—, ela o assegurou.
Ele a levantou nos braços e começou a descer os degraus.
—Aonde nós estamos indo?—, ela perguntou.
—Eu vou te levar ao médico—.
—E se não der tempo? Eu não quero estar lá fora na pradaria——
—Você está certa. Você está certa. Nós vamos——, ele se virou e entrou na casa. —Vou te colocar na cama…—, cuidadosamente ele a deitou sobre o colchão. Ele envolveu a mão dela e apertou a testa contra sua têmpora. —Docinho, eu não sei o que fazer—.
—Vá chamar Amélia e peça a Houston para trazer o médico—.
O alívio o inundou, e ele se perguntou aonde diabos tinha ido seu bom senso. Ele ergueu a cabeça e tirou o cabelo dela da testa. —Eu posso fazer isto—.
A mão dele se apertou ao redor da dela, e ela começou a respirar com dificuldade novamente, o rosto em um gesto de dor. O que diabos tinha possuído Houston para fazer sua esposa passar por isto cinco vezes? Austin planejou praticar abstinência pelo resto de sua vida.
Quando ela soltou o aperto, o medo refletido em seus olhos era mais profundo do que antes. —Eu não achava que as dores viriam tão rápidas, tão cedo—.
—É assim mesmo—, ele mentiu. —Eu me lembro de quando Amélia teve Maggie, tudo aconteceu tão rápido que nós mal tivemos tempo de respirar—.
—Eu quero uma menina—, ela disse sem fôlego.
—Então é isso o que nós teremos—.
—Ou um menino—.
Ele riu baixo. —Será um dos dois, Docinho. Isso eu posso prometer a você—.
—Eu não entendo por que nós temos que ficar aqui fora enquanto ela está lá—, Austin disse enquanto destruía as ervas daninha na frente de sua varanda com seus passos constantes. Two-Bits seguia seus passos como se ele também tivesse percebido a causa de sua preocupação. O crepúsculo estava surgindo. Por que está demorando tanto?
—É assim mesmo—, Houston disse.
—Eu acho que isso é muito tolo—, Austin disse.
—Eu concordo—, Dallas disse. —Eu acho que se você quiser ficar lá a vendo sofrer, você deveria ir lá—.
Austin parou cambaleante. —Quanto você acha que ela está sofrendo?—.
Dallas encolheu os ombros. —Bem, ela não está gritando…—
—Isso não significa nada. Amélia nunca deu gritos e ela sofre bastante—, Houston disse.
—Então por que nós fazemos isto?—, Austin perguntou. Os irmãos olharam para ele como se ele tivesse comido carne de vaca louca.
—Por que demora tanto?—, ele perguntou.
—É assim mesmo—, Houston disse.
Ele encarou o irmão. —Acho que você podia dar algumas respostas melhores—.
—Não. Eu me faço estas mesmas perguntas todas as vezes—.
—Eu nunca mais vou tocá-la—, Austin jurou.
—Você vai tocá-la—, os irmãos disseram em uníssono.
E, droga, ele sabia que iria, na primeira chance que tivesse. Ele subiu até a varanda, entrou furiosamente na casa, e foi até a porta de seu quarto—e desejou a Deus não ter feito isso.
O rosto de Loree estava contorcido pela dor enquanto ela expirava e inspirava, grunhido e gemendo. Então ela ficou detrás da cama, respirando com força. Austin ouviu um gemido minúsculo e o rosto adorável de Loree se encheu com maravilha e amor.
—É um menino—, Dr. Freeman anunciou.
Austin viu o médico colocar a criança no braço de Loree. Loree sorriu suavemente, então olhou para Austin, os olhos cheios até a borda com lágrimas e os olhos brilhando como ouro de um tesouro.
Mas o tesouro estava aconchegado dentro de seus braços.
—É um menino—, ela disse sem fôlego. —Eu sabia que seria—.
Sorridente, Austin caminhou em direção à cama como um homem seguro em um sonho. Ele tinha uma esposa. Ele tinha um filho. A responsabilidade deveria pesar sobre ele, mas ele achava que realmente poderia flutuar sobre as nuvens.
Ele se ajoelhou ao lado da cama. Ela tocou a cabeça da criança. —Olhe, tem cabelo preto como você—. O sorriso dela era radiante enquanto ela continuava acariciando a mão do bebê. —E seus dedos são longos—.
Ela virou rápido o olhar para Austin. —Eu estou tão contente por ele tem as suas mãos e não as minhas—.
Ele embalou a bochecha dela. —Ele é lindo, Loree. Como a mãe—. Ele tocou os lábios nos dela. —Deus, eu amo você—.
—Você quer segura-lo?—.
Ele virou o olhar para o filho. —Segurar ele?—.
—Hm-hmm—. Ela moveu a criança para mais perto dele. —Com certeza você quer segurá-lo—.
—E se eu o soltar?—.
—Você já soltou as suas sobrinhas?—.
—Eu nunca as segurei quando elas eram minúsculas. Eu esperei até que elas estivessem grandes o suficiente para se segurarem em mim—.
—Ele não tem dentes ainda, então ele não morderá—, ela o assegurou.
Ele engoliu em seco e deu um aceno com a cabeça, não querendo desapontá-la depois de ela ter trabalhado tão duro. Ele deslizou as mãos embaixo da dela.
—A cabeça dele é um pouquinho mole então a segure direitinho—.
—Não cairá nem nada, não é?—, ele perguntou.
Ela riu com alegria. —Não—.
Ele trouxe o menino para a curva do braço. —Olá, jovenzinho—.
O bebê piscou os olhos azuis.
—Ele está olhando para mim, Loree. Olhe para isto—. Ele balançou o bebê na direção dela. —Ele está olhando para mim. Você acha que ele sabe quem eu sou?—.
—Estou certa de que sim—.
—Eu posso mostrá-lo para Houston e Dallas?—, ele perguntou, parecendo uma criança com um brinquedo novo.
—Eu não vejo por que não—.
Com o maior cuidado, ele ficou de pé e se virou em direção à porta. Os irmãos já estavam de pé lá, rindo quase tanto quanto ele. —Eu tenho um filho. Vocês podem acreditar nisto? Um filho—.
Ele examinou Loree por cima do ombro. —Como nós vamos chamá-lo?—.
Ela lambeu os lábios. —Eu queria dar a ele o nome da minha família, Grant—.
—Grant—, Austin repetiu. —Eu gostei—.
Naquela noite, depois que todos tinham partido, Loree escutava com lágrimas nos olhos Austin tocar seu violino para fazer o filho dormir com uma canção que tinha o nome dele.
A brisa fresca entrava na varanda dianteira enquanto Loree se balançava, o filho embalado em seus braços. Três semanas tinham se passado desde seu nascimento, e ela não achava que já tivesse desejado com tanta vontade a chegada da primavera.
Ela ouviu o estrondo de rodas de carruagem e deu uma olhada por cima do rosto do filho dormente. Ela sorriu e acenou para Becky enquanto ela parava os cavalos.
Loree enviou a faísca de ciúme que normalmente sentia quando via Becky para o esquecimento. Ela tinha dado a Austin a coisa que Becky nunca tinha dado: um filho.
Becky deu alguns passos e se debruçou, deslizando o manto de Grant. —Ele não é precioso?—, Becky sussurrou. Sorrindo amplamente ela encontrou o olhar de Loree. —Eu acho que ele se parece com Austin—.
—Ele tem os olhos dele—, Loree admitiu. —Quando estão abertos—.
Becky se endireitou e se debruçou contra a grade da varanda. —Eu sempre pensei que Austin tinha os olhos lindos — muito lindos para um homem na verdade—. Ela suspirou como se tivesse levando uma memória.
—Você gostaria de algo para beber?—, Loree ofereceu enquanto começava a se levantar.
Becky colocou a mão no ombro dela e segurou suas costas. —Não se levante. Eu trouxe algumas coisas para você. Eu queria vir antes mas Drew pegou catapora. Então Cameron pegou dele. Eu nunca vi ninguém tão doente quanto ele. Eu queria esperar até que tivesse certeza de que não traria a doença para cá, mas foi difícil não vir—.
—Eu fico agradecida por você ter vindo—.
Becky sorriu. —Eu não consigo te dizer como fiquei feliz por Austin—. O sorriso dela cresceu. —Você devia tê-lo visto, andando pela cidade fumando charutos. Eu nunca o vi tão orgulhoso e faz muito tempo desde que o tinha visto tão feliz. Fez meu bem ao meu coração ver isto—.
Ela olhou para a distância. —Eu sempre me senti tão culpada—.
—Por se casar com Cameron?—.
Becky trocou o olhar de volta para Loree. —Não. Por não dizer às pessoas que Austin estava comigo na noite em que Boyd McQueen foi assassinado—.
Loree sentiu o estrondo de seu coração batendo contra as costelas e o sangue drenando de seu rosto. Os olhos de Becky se arregalaram.
—Oh, meu Deus. Ele não disse a você? Eu estava certa de que ele tinha, você sendo sua esposa e tudo. Eu sinto tanto. Eu devia ter mantido minha boca fechada. Deixe-me pegar as coisas que trouxe na carruagem—.
Loree ficou de pé e cravou os dedos no braço de Becky para detê-la de partir. —Por que… por que pessoas se importariam por que ele estava com você na noite em que Boyd McQueen morreu?—.
—Se eles soubessem que ele estava comigo, então eles poderiam ter acreditado que ele não matou Boyd—.
Loree soltou Becky e afundou na cadeira de balanço. —Boyd McQueen? Ele foi para a prisão por ter matado Boyd McQueen?—.
—Com certeza você sabe disto—, Becky disse.
Loree agitou a cabeça. —Eu sabia que ele tinha ido para a prisão por assassinato. Ele nunca tinha me dito o nome do homem que supostamente tinha assassinado. Eu nunca pensei em perguntar—.
—Bem, deixe-me dizer a você aqui mesmo e agora que ele não assassinou Boyd McQueen—.
Loree ergueu o olhar para Becky. —Eu sei disto. Com todo o meu coração eu sei—.
Austin passeou na casa, as primeiras flores da primavera embrenhadas em sua mão. Ele viu Loree sentada em uma cadeira de balanço diante da lareira vazia, balançando para frente e para trás no quarto.
Ele se ajoelhou ao lado dela, a tristeza nos olhos dela causando um nó apertado em seu peito. —Onde está Grant?—.
—Dormindo no berço—.
Ele estendeu um presente na direção dela. —Eu trouxe algumas flores para você—.
Ela virou o olhar para a mão dele. —Você era inocente—.
Alcançando-a, ele agarrou o braço da cadeira de balanço e girou a cadeira para que assim pudesse vê-la mais claramente. —Não entendi—.
Ela ergueu os olhos monótonos para ele. —Becky veio hoje—.
—Ela disse algo que te chateou?—.
Ela agitou a cabeça ligeiramente, lágrimas enchendo até a borda de seus olhos e ela tocou os dedos trêmulos na bochecha dele. —Você foi para a prisão por matar Boyd McQueen. Eu não sabia. Todos estes anos, eu não sabia—.
—Todos estes anos? Docinho, você me conhece há menos de um ano. Se eu nunca mencionei o nome dele, foi porque eu não percebi que significaria qualquer coisa para você—.
—Eu não sabia que você era inocente—.
—Eu disse a você que não era um assassino—.
—Eu pensei que você tinha tentado me dizer que você não tinha matado a sangue frio. Eu pensei que tinha sido autodefesa—.
—E você se casou comigo mesmo assim, achando que eu matei alguém?—.
—Eram seus olhos, seus olhos azuis. Eles não eram olhos de um assassino—.
Ele sorriu calorosamente. —Então, veja. Perceba. Você não escuta seu coração. Eu estava fazendo a mesma coisa com a minha música. Não estava escutando—.
—Eles bateram em você na prisão, não é?—.
—Loree, isto tudo é passado. Não importa mais. Eu tenho você e Grant——
—Quem deu a você a facada nas costas? A que eu cuidei—.
Ele deu um suspiro fundo perguntando-se por que ela estava se segurando a essa descoberta como um cachorro faminto que segura um osso. —Duncan McQueen. Irmão de Boyd. Nós entramos em uma briga logo depois de que eu saí da prisão. Ele acha que eu deveria ter sido enforcado—.
—Ele é a pessoa que atacou você na noite da peça?—.
—Eu não sei se foi ele quem me atacou naquela noite. Estava escuro—.
—Mas poderia ter sido——
—O que isto importa——
Ela saiu da cadeira de balanço como uma bala e se virou para ele. —Importa, sim. Deus, você não sabe o quanto importa e você me odiaria se soubesse—.
Ela correu para o quarto e bateu a porta. Ele ouviu o filho dar um gemido. Um silêncio seguiu e ele soube, instintivamente, que Loree tinha levado o filho ao peito.
Agora mesmo ele não se importaria de ficar seguro contra o peito de Loree, confortado e amado.
Ele olhou para as flores deformadas em sua mão e, de alguma maneira, sentiu como se elas refletissem a sua vida.
Austin bateu na porta e esperou uma eternidade até Becky abri-la. —O que exatamente você disse a Loree?—.
Becky fez careta e gemeu. —Eu disse a ela que nós estávamos juntos na noite em que Boyd foi morto—.
Austin amaldiçoou severamente e tirou o chapéu da cabeça.
—Eu achei que ela sabia!—.
—Pensou que ela sabia o quê?—, Cameron disse enquanto chegava na entrada.
Austin viu o sangue drenar do rosto de Becky. —Eu achei que Loree sabia que Austin estava comigo na noite em que Boyd morreu—.
As bochechas de Cameron ficaram vermelhas e ele evitou o olhar dela. —Oh—.
—Eu não quero te causar embaraço, Becky, mas isto foi tudo que você disse?—.
—Isto foi tudo o que eu disse—.
—Você não disse nada específico, qualquer coisa que possa tê-la… ferido?—.
—Nada. Eu sinto muito—.
Austin colocou o chapéu sobre a cabeça. —Não é culpa sua. Por algum motivo essa história nunca acaba—.
—Você e Loree brigaram?—, Houston perguntou.
Austin deu uma olhada em direção à varanda dianteira da casa de Houston e viu a esposa sentada na cadeira de balanço. Ele não podia dizer se ela estava conversando com Amelia. Maldição, ele desejava que ela conversasse com alguém.
Ele segurava uma tábua de madeira para o novo curral de Houston enquanto Houston martelava o prego numa ponta e Dallas martelava no lado oposto. —Eu não sei o que aconteceu. Não faz nenhum sentido para mim. Ela se casou comigo pensando que eu matei alguém. Ela descobriu que eu não tinha matado e agora não conversa comigo. Eu não consigo entender—.
—Isto é por que ela é uma mulher—, Dallas disse com o prego dentro da boca. Ele o tirou de entre os dentes e apontou para o nariz de Austin. —Você não pode entender bem as mulheres se não tentar. Eu estava casado com Dee por algumas semanas antes de perceber que quando ela dizia que algo estava bom — era porque não estava nada bom mesmo—.
—Mas você não se sentiria muito feliz se descobrisse que não estava casado com um assassino?—, Austin insistiu.
—É o bebê—, Houston disse.
Austin virou a cabeça e encarou Houston. —O que Grant tem a ver com isto?—.
Houston deu uma batida final no prego e andou de volta para inspecionar seu trabalho antes de acenar com o martelo para Austin. —Sempre que Amelia tem um bebê, ela fica…—, ele passou o dedo polegar pelas cicatrizes no lado esquerdo do rosto, logo abaixo do tapa-olho de couro. —Ela fica… difícil. Sim, esse é o melhor jeito de descrever—.
—Não consigo imaginar Amelia sendo difícil—, Dallas disse. —Ela não era quando eu estava casado com ela—.
—Ela não deu a você nenhum bebê. Confie em mim. Ela fica difícil—.
—De que modo?—, Austin perguntou, pensando que talvez Houston tivesse acertado o seu problema.
—Bem, como você sabe, Gracie nasceu em novembro. Uma semana depois que ela nasceu, Amelia me gritou. Quase quebrei o meu pescoço indo até ela, e você sabe o que ela queria?—.
Austin deu uma olhada para Dallas que fazia não com a cabeça.
—Ela queria que eu me sentasse e ordenasse pedidos de Natal do catálogo da Montgomery Ward. Botou na cabeça que nós tínhamos que pedir naquele dia ou eles não chegariam aqui a tempo. Tive que vir como um furacão até o correio em Leighton—naquele mesmo dia. Não importava se eu tinha cavalos para trabalhar——
—Você poderia dizer não a ela—, Dallas disse.
Houston olhou para Dallas como se o homem fosse maluco. —Eu suponho que você diga não a Dee o tempo todo—.
—Nunca diga não a ela, mas nós não estamos falando sobre mim. Estamos falando sobre você——
—Na verdade, nós estamos falando sobre mim—, Austin lembrou os irmãos com desgosto.
Os dois voltaram a atenção para ele. Houston esfregou o lado do nariz. —Está certo—. Ele olhou com os olhos semicerrados. —Como ela descobriu que estava errada sobre você depois de todo este tempo?—.
Austin baixou o olhar e chutou o chão com a bota. —Becky. Ela visitou Loree e de alguma maneira surgiu a conversa de que ela e eu estávamos juntos naquela noite—.
—Ela está provavelmente se sentindo desprezada então—, Dallas disse.
—Por que ela se sentiria desprezada? Isso foi há seis anos——
—Como eu disse antes, você não pode entender as mulheres. Elas não fazem nenhum sentido—.
—Então o que eu faço?—.
—Converse com Dee—.
—Converse com Amelia—.
Os irmãos ofereceram o conselho ao mesmo tempo, e ele se perguntou por que eles não tinham dito isso desde o começo.
—Você dois são inúteis, sabiam?—, ele disse.
—Bem, isto poderá te alegrar—, Dallas disse. —Eu recebi um telegrama do Wylan. Ele estava jogando pôquer e o nome de Boyd surgiu. Algo sobre enganar alguém por causa de algumas terras. Então ele vai ver o que mais pode achar—.
Austin agitou a cabeça. —Eu estou certo de que ele é um bom homem, mas depois de todo este tempo, ele não vai achar nada. Qualquer trilha deixada para trás não é nada além de poeira ao vento—.
—Eu não quero ir—, Loree insistiu.
Austin suspirou com força. —Dee disse que você precisa sair de casa——
—Eu saí de casa no último domingo quando você foi ajudar Houston com o curral—, ela assinalou.
Ela o viu mover o maxilar de um lado para outro. Ela sabia o que precisava fazer. Ela precisava dizer a ele a verdade e pedir seu perdão. Mas e se ele fosse incapaz de perdoá-la?
Ele segurou os ingressos na direção dela. —Essa é uma apresentação especial. Eles só estarão no teatro hoje à noite. Amelia ofereceu cuidar de Grant——
—E se alguém atacar você——
A condolência encheu os olhos dele e ele embalou o rosto dela. —É com isso que você está se preocupando? Agora que você entende por que eu fui atacado, você está com medo de que eu seja machucado?—.
Ela vivamente concordou com a cabeça. —Vamos apenas ficar aqui, Austin—.
—Docinho, você não vê? Se nós nos escondermos aqui, então quem me atacar terá ganhado. Quem matou Boyd ganhou. E eu não vou deixar que nenhum bastardo arruíne a minha vida—.
Ela se virou, embrulhando os braços em volta do próprio corpo. —Eu não posso ir—.
Ela esperou protestos adicionais, mas em vez disso, ela apenas ouviu o eco dos passos dele enquanto ele deixava o quarto. Ela podia fazer as pessoas pararem de olhar para ele. Ela podia fazer as pessoas pararem de cochichar sobre ele. Ela podia fazer as pessoas pararem de atacá-lo. Mas ela não podia dar a ele de volta os cinco anos que ele tinha, sem querer, roubado dele. E sem isto, do que serviam os outros?
Ela ouviu o lamento breve do violino e se virou. Austin estava de pé na entrada, o instrumento na mão.
—Por favor?—, ele deu três golpes rápidos nas cordas. —Por favor? Por favor? Por favor?—.
Ela mordeu de volta um sorriso. —Não—.
Mais três golpes rápidos enquanto ele andava no quarto. —Eu terei que tocar algo triste—. Um som abandonado encheu o quarto. —E eu prefiro tocar algo feliz—. Ele tocou uma melodia mais rápida. —Dê-me uma razão para tocar algo feliz—.
Por ele, ela se forçou a deixar os medos de lado. —Certo—.
Ele gritou, jogou o violino sobre a cama, colocou as mãos na cintura dela e a ergueu em direção ao teto. —Você ficará feliz, Docinho—.
Ela examinou o rosto de seu amado, o brilho nos olhos azuis e pediu a Deus que nunca tivesse se apaixonado por ele.
O salão de entrada estava quase vazio quando eles chegaram, e Loree não podia ter se sentido mais agradecida quando Austin tomou sua mão e subiu apressado a escadaria extensa até o balcão.
Ele recuou as cortinas e ela entrou na alcova escura. Ela tinha acabado de entrar quando viu a silhueta de Dee girar, sorrir e acenar para eles. Loree se sentou na poltrona ao lado de Dee.
Dee apertou a mão dela. —Eu estou tão contente por você ter vindo. Essa é uma apresentação especial—.
Austin se debruçou para frente. —Que peça é essa, afinal?—.
O sorriso de Dee cresceu. —Não é uma peça—.
As cortinas se separaram e revelaram um grupo de pessoas que se sentavam formando uma meia-lua, instrumentos a postos. A respiração de Loree prendeu quando Austin envolveu a mão dela e se moveu na cadeira.
Um homem caminhou pelo palco, curvou nitidamente a cintura e então foi até uma caixa. Ele ergueu uma vara fina e longa e a moveu pelo ar, a música alcançou até as vigas do teto.
A mão de Austin se fechou com mais força ao redor da dela, e ela soube que ele tinha falado a verdade. Ela estava feliz por ter vindo, feliz por ela ter dado a ele a oportunidade de ouvir uma sinfonia. Ela se moveu na cadeira, lágrimas nos olhos ao ver o assombro e a maravilha visíveis no rosto dele.
—Olhe para todos aqueles violinos—, ele sussurrou. —Eles se movem iguais, como um rebanho de gado pastando—.
—Eles estão seguindo a mesma música—.
—Lendo aqueles pequenos percevejos pretos. Quanto tempo você acha que levou para eles aprenderem a tocar assim juntos?—.
—Anos—.
—Soa poderoso, não é?—, ele perguntou.
Ela beijou os cabelos dele e apertou a bochecha contra seu ombro. —Muito poderoso—.
Eles chegaram em casa sem infortúnios. Loree desejou poder acreditar que Austin estava seguro. Havia um ano desde que ele tinha sido solto, seis meses desde que alguém o tinha jogado contra um edifício. Se apenas ela soubesse com certeza que nenhum dano o atingiria, ela poderia manter seu segredo enterrado fundo dentro de sua alma.
Grant deu um choramingando. Ela se sentou na cama, desabotoou o justilho, e sorriu enquanto ele sugava seu mamilo, a boca febrilmente trabalhando. —Ficou faminto, não é?—, ela perguntou enquanto passava os dedos pelo seu cabelo preto. —Quando você ficar maior, você pode ajudar seu pai a cuidar dos cavalos depois que nós formos à cidade—. Inclinando-se para baixo, ela apertou um beijo na fronte dele. —Eu vou melhorar, Grant. Eu vou parar de me preocupar. Eu não posso mudar o passado, mas eu posso ser uma boa esposa e fazer o melhor para o seu pai. Eu percebi isso ao observá-lo hoje à noite. Oh, você deveria ter visto o rosto dele——
Ela ouviu a porta da frente se fechar e trocou Grant dentro de posição nos braços. Austin entrou no quarto, saltou sobre a cama, e jogou as partituras na direção dos quadris.
—Ensine-me, Loree—.
Ela piscou os olhos. —O quê?—.
—Ensine-me. Eu não reclamarei. Eu tocarei a mesma canção várias vezes — como você quiser que eu faça. Eu farei o que for preciso—.
—Leva tempo——
—Que é a única coisa que eu não tive mas hoje à noite, ensine-me uma canção, uma canção complicada—.
Ela trocou Grant de posição no ombro e começou a esfregar as costas dele. —Você quer que eu te ensine hoje à noite?—.
Ele rolou para fora da cama e começou a compassar. —Toda minha vida, Loree, eu tenho procurado por algo, perguntando-me onde eu pertencia. Dallas sempre soube que ele pertencia ao gado e Houston... diabos, ele praticamente se torna um cavalo quando trabalha com eles. Mas eu nunca soube o que devia fazer. Não até hoje à noite—.
—Havia um tempo em que eu pensei em fazer um violino e achar meu caminho para viver para sempre. Nunca tinha me ocorrido subir num palco e encher o coração das pessoas com música—.
Ele ficou de joelhos aos pés da cama e envolveu o braço ao redor da cintura dele. —Eu quero ir ver o Sr. Cowan — o maestro—amanhã. Eu quero tocar para ele. Eu quero pedir a ele para me levar com ele, deixar que eu me torne parte de sua orquestra—.
—E quanto a nós?—.
—Você e Grant virão comigo. Nós talvez tenhamos que deixar Two-Bits com Rawley, mas o menino o ama. Ele dará a ele uma boa casa. E eu vou mostrar o mundo a você—.
O mundo. Ela sentiria falta de Two-Bits, mas ela viu o sonho de Austin refletido tão claramente em seus olhos azuis—queimando mais brilhante e mais quente do que qualquer chama no coração de um fogo, e ela soube, no fundo de seu coração, que todos os sonhos que ele tinha perdido tinham sido por causa dela.
O último sonho que ele tinha achado era a chance dela dar a ele. Ela deitou Grant, adormecido, na cama ao lado dela e passou os dedos pelos cabelos escuros de Austin, fazendo cachos. —Não—, ela disse tranquilamente.
—Não?—, a confusão foi visível nos olhos dele.
—Não, eu não ensinarei você a tocar uma canção. Se você vai impressionar o Sr. Cowan, você vai ter que tocar com o seu coração, e você só poderá fazer isso se tocar uma canção de dentro de você—.
Ela o viu engolir em seco. —E se ele não gostar de como eu toco?—.
—Como ele poderia não gostar? Você tem um dom raro. Seu coração não está em quaisquer das canções que eu dei a você de Natal. Você precisa tocar uma de suas canções—.
—Qual?—.
—A que significar mais para você—.
Ele deu um aceno com a cabeça hesitante e lento. —Como eu poderei convencê-lo de que eu posso tocar com os outros?—.
—Você apenas tocará para ele, e ele achará um jeito de fazer dar certo—.
—Você poderia passar a minha camisa de domingo?—.
Ela sorriu. —E eu cortarei seu cabelo e apararei suas unhas—.
Ele riu. —Você provavelmente devia me barbear, também—. Ele ergueu as mãos. —Veja o quanto eu estou tremendo—.
Ela envolveu as mãos ao redor das dele. —Apenas toque com o seu coração—.
—Eu quero isto, Loree, como nunca quis qualquer outra coisa—.
Ela se despediu dele ao amanhecer, o violino embaixo do braço embalado dentro do estojo de madeira que ela tinha dado a ele de Natal. Então ela se sentou no degrau superior com Grant em seus braços e esperou.
Ela mediu a distância até a cidade, o tempo que ele levaria para tocar e percebeu que ele montaria para casa em um galope. A manhã estava acabando quando ele retornou e ela nunca ficou tão contente em ver alguém.
Ele desmontou, colocou o estojo na varanda e se sentou ao lado dela.
—Trouxe para você—, ele disse, estendendo um punhado de flores vermelhas e amarelas.
—Elas são lindas—, ela disse enquanto as pegava.
—Eu não consegui achar nenhuma azul—.
—Tudo bem. Eu gostei delas—.
Ele tocou o minúsculo punho de Grant. Os dedos do menino se abriram e envolveram o dedo maior que estava esperando por ele.
—Ele tem um aperto forte—, Austin disse tranquilamente. —Não vai demorar muito e ele poderá segurar um arco—.
—Eu não achei que você levaria tanto—, Loree disse, ansiosa para saber tudo o que tinha acontecido. —Eu acho que você tem muitos detalhes para arrumar, viagem a organizar——
—Ele não pode me usar, Loree—.
Ela não poderia ter ficado mais chocada se ele dissesse a ela que o sol começaria a surgir no oeste. —Ele é surdo?—.
Ele deu a ela um sorriso triste. —Não—.
—Por que ele não quis você?—.
Ela viu o pomo de Adão dele ir para cima e para baixo. —Ele não achou que as pessoas em sua companhia estariam confortáveis viajando com um assassino—.
—Mas você não é um assassino!—.
—A lei diz que eu sou e isto é tudo o que importa—. Ele endireitou o corpo. —Eu preciso mudar de roupa e ir consertar algumas cercas para Dallas no lado leste—.
Ela o viu desaparecer na casa e até sem a ajuda de seu violino, ela ouviu seu coração se despedaçar.
Loree parou a carroça e observou o marido, de pé com uma perna reta e a outra curvada, o cotovelo descansando sobre a cerca, o arame farpado enrolado no chão como uma tira recentemente tirada do cabelo de uma menina.
O chapéu sombreando o rosto, mas ela sabia que ele estava olhando ao longe, em direção aos caminhos da via férrea que ele não podia ver, mas sabia que existiam. Ela ouviu o apito de trem solitário tomar a tarde.
Austin andou para trás, girou, deslizou o chapéu pela testa com o polegar e deu seu um sorriso preguiçoso e morno. —Ei, Docinho, não esperava te ver aqui—.
Ele andou relaxadamente até a carroça e a garganta de Loree ficou seca. —Eu trouxe o almoço—.
—Eu quero um pouco—.
Ele colocou as mãos na cintura dela e a desceu do banco. —Coma um pouco também, docinho—, ele disse, o olhar fixo no dela.
Ela ficou na ponta dos pés e jogou os braços ao redor do pescoço dele, beijando-o como se não o visse há semanas.
—Hmm, eu senti falta disto—. Passando a mão ao redor dela, ele agarrou a cesta de piquenique enquanto ela pegava Grant.
Ela se sentou na colcha que Austin espalhou no chão e deitou Grant próximo ao seu quadril. Austin se esticou ao lado dela.
—Você me pegou sonhando acordado—, ele disse com a voz baixa.
—Com o que você estava sonhando?—.
—Várias coisas. Eu me encontrei com Houston a caminho de casa esta manhã e nós conversamos—.
—Sobre o quê?—, ela perguntou, dando a ele um pedaço de queijo. Ela tinha preparado o piquenique tão rápido quanto o casamento deles.
Ele colocou o queijo de lado como se realmente não tivesse nenhum interesse por ele. —Ele está ganhando reputação de ter os melhores cavalos deste lado do Rio Grande. Ele está precisando de ajuda assim eu me ofereci para começar a trabalhar para ele nos meus dias de folga. Eu pensei que nós podíamos juntar dinheiro para viajar um pouco—.
—Aonde nós iríamos?—.
—Aonde você quiser—. Ele se debruçou em direção a ela e segurou seu queixo. —Eu vou te dar boa vida, Loree. Você verá. Ela pode não ser cheia com as coisas que você sonhou, mas será boa—.
—Se eles achassem a pessoa que matou Boyd McQueen—tudo mudaria para você, não mudaria?—.
—Com certeza iria. Mas isto não vai acontecer, Loree. Faz seis anos. O fato é que o homem teve sorte, e eu não—.
Austin sentou na varanda, olhando para o céu sem luar sabendo que sono seria tão enganoso quanto seus sonhos.
Ele ouviu a porta abrir, mas não se preocupou em virar. Dallas uma vez tinha dito a ele que um homem tinha que aprender com os erros que cometia. Austin nunca tinha esperado que as lições fossem tão duras.
Ele pegou o vislumbre dos pés nus de Loree enquanto ela se sentava ao lado dele. Ele sentiu um fantasma de sorriso tocar seus lábios. Ele girou ligeiramente e trouxe os pés dela para seu colo, roçando os dedos nas solas dos pés dela.
—Sonhando novamente?—, ela perguntou.
—Não se pode sonhar acordado de noite—, ele disse baixinho. —Mas eu estava pensando — não há nenhuma razão que eu não possa tocar no teatro da Dee—. Ele se debruçou na direção dela e sorriu. —Uma apresentação especial—.
—Isso faria você feliz?—.
Ele moveu o dedo polegar em um círculo que ia se alargando. —Você me faz feliz—.
Ela tirou os pés do colo dele. Até nas sombras, ele pôde ver lágrimas brilhando dentro dos olhos dela. —Eu disse a você que faria tudo certo—.
—Nunca será certo. Oh, Deus, Austin. Eu não sabia, e agora eu tenho tanto medo, mais medo do que eu tinha antes porque eu tenho tanto a perder agora—.
—Loree, você não está fazendo sentido—.
Ela andou através da varanda até que suas coxas se tocaram e ela tomou as mãos dele nas suas, segurando as dele abertas, roçando os dedos nelas várias vezes, como se quisesse memorizar todas as linhas e calos.
—Minha mãe odiava o West Texas—.
O estômago dele se revirou e desejou ter mantido o sonho de tocar na orquestra para si mesmo. Ele deu a ela a esperança de sair apenas para desapontá-la em seguida com seus enganos do passado. —Nós viajaremos, Loree—.
Ela agitou a cabeça. —Deixe-me dizer tudo antes que você diga qualquer coisa—.
—Certo—.
Ela limpou a garganta. —Meu pai comprou um pouco de terra depois da guerra. Ele a comprou barato e não era muita terra. Então ele estendeu seus limites e colocou um anúncio no jornal—.
—Seu pai era um grileiro?—.
Ela concordou com a cabeça. A prática tinha sido extensamente usada depois da guerra, poupando os homens de considerável esforço em ações de escritura. Dallas sempre tinha avisado aos irmãos que a prática traria problemas. Ele tinha arquivos legais de cada centímetro de terra que possuía.
—Meu pai costumava dizer que pegar terra era como o jogo, às vezes se ganhava, às vezes se perdia. Ele era um bom homem, mas jogar era sua fraqueza—.
—Quando minha mãe se recusou a se mudar, ele pôs seu sonho de administrar uma fazenda de lado. Ele costumava mostrá-los para mim no meu aniversário, mostrava o mapa e me dizia que eu podia ser uma fazendeira—.
—Uma noite ele ficou envolvido em um jogo de pôquer em Austin. E acabou devendo a um jogador muito dinheiro... dinheiro esse que ele não tinha. Então ele deu a posse da terra dizendo que os limites eram maiores do que verdadeiramente eram—.
—A terra era tão vasta. Muitos rancheiros bem sucedidos estendiam seus limites e meu pai ficou confiante de que Boyd McQueen ficaria satisfeito com o negócio que tinha feito—.
O estômago de Austin se apertou. —Boyd McQueen adquiriu a terra dele do seu pai?—.
—Um pouco a oeste daqui. Meu pai não sabia que alguém tinha a reivindicação legal de uma boa parte da terra, a melhor parte, onde o rio flui. Eu não sei por que McQueen demorou tanto para ter sua vingança depois que percebeu que o meu pai o tinha enganado. Ele não me pareceu ser um homem de paciência——
—Ele é a pessoa que matou a sua família?—.
—E eu o matei—.
Ela falou as palavras sem emoção: nenhum ódio, nenhuma raiva, nenhum medo.
Austin olhou para ela e então desatou a rir. —Deus, Loree, por um minuto você me assustou até o último fio de cabelo. Você falou tão séria—. Ele respirou fundo. —Eu agradeço você estar disposta a mentir para tomar a culpa por ter assassinado Boyd para que assim eu possa——
—Eu não estou mentindo. Levou três meses para que ficasse forte o suficiente para viajar depois que ele atirou em mim e levou mais um mês para que eu o seguisse—.
Ele soltou a mão dela e ficou de pé. —Você está me dizendo que, jura por Deus, que atirou em Boyd?—.
—Atirei e matei. Dewayne estava comigo—.
Ele tremeu tanto que achou que o chão poderia se agitar. Sua esposa era uma assassina. Sua esposa era uma assassina!
Não importava o quanto ele repetisse isto na mente, não importava o quanto ele pensasse nisto, ele não conseguia ver Loree assassinando ninguém. Ele começou a compassar. A música que troveja por sua alma era horrorosa. Ele queria cobrir as orelhas para bloquear o som. Ele queria achar a pessoa que tinha matado Boyd para que assim ele pudesse limpar seu nome.
Ele não apenas tinha achado a pessoa, como tinha se casado com ela e se apaixonado por ela. Ele parou de compassar e parou abruptamente e encarou a esposa. —Perdoe-me por duvidar da sua palavra, Loree, mas você é muito doce——
Ela ficou de pé. —Eu tinha dezessete anos, fui amarrada como um porco, junto com o meu pai e a minha mãe. Ele tomou o meu irmão e só Deus sabe o que ele fez com ele. Tudo o que nós ouvimos foram seus gritos. Então ele o devolveu e o enforcou. Ele tinha quatorze anos, Austin. Olhe para Rawley e imagine o que McQueen pode ter feito com ele—.
Austin não tinha o que imaginar. Ele sabia exatamente o que Boyd tinha feito com ele, algo que nenhum homem deveria fazer com um menino.
—Você sabe quanto tempo que leva para uma pessoa morrer quando está pendurada?—, ela perguntou. —Meu irmão não merecia morrer daquela maneira. Meu pai não merecia ver o filho sofrer assim—.
Ela sentou na varanda, embrulhando o corpo com os braços e começou a se balançar de um lado para outro. —Eu sei que devia ter ido procurar a lei, mas… eu não queria o nome do meu pai arrastado pela lama. E eu não queria que as pessoas soubessem o que McQueen tinha feito ao meu irmão. Não havia nenhuma testemunha. Era só a minha palavra contra a dele. Eu não vim aqui com a intenção de matar. Eu queria algo justo. Mas ele começou a rir…—
Abaixados no escurecer do crepúsculo, ela e Dewayne esperavam. Quando Boyd McQueen saiu de casa, montou em seu cavalo e pegou a estrada rumo ao norte, eles o seguiram, e, quando o rancho não estava mais visível, Loree conseguiu reunir coragem. Então ela colocou o cavalo num galope rápido, Dewayne seguindo-a.
Ela gritou o nome dele. McQueen deu a volta e parou o cavalo. Loree pegou a arma. —Desça de seu cavalo—.
Ele fez como ela instruiu e Loree desmontou também. —Você é filha do Grant. Eu pensei que tinha te matado—. —Você pensou errado—, ela respondeu com um falso tom de desafio.
O coração dela estava aos saltos e as mãos tremendo. Ela tinha praticado tirar a arma do coldre rapidamente, mas temeu que quando tivesse que realmente fazer isto, não conseguisse. —Eu vou dar a você o que você não deu a minha família. Uma chance—.
Ele deu um sorriso sardônico que não alcançou os olhos. —Oh? Como um duelo? Eu atiro, você atira e quem ficar de pé é o vencedor? E que tal o seu amigo aqui, eu posso matá-lo também?—, ele bufou zombeteiramente. —Você não tem a coragem para matar. Quer saber o que eu fiz com o seu irmão quando o levei? Eu gostei de ouvi-lo gritar—. Ele começou a rir. —Seu irmão queria que eu parasse ——o riso dele ficou mais alto— —implorou que eu parasse——
Loree não percebeu que tinha puxado o gatilho até que ouviu a explosão e viu os braços de McQueen se abrirem quando ele cambaleou para trás e caiu no chão.
—Oh, Deus—, ela gritou enquanto caía junto ao corpo, pegava um lenço do bolso dele e o apertava contra a mancha escura que se espalhava por sua camisa branca. Ele gemeu.
Dewayne se ajoelhou ao lado dela. —Você atirou, Loree. Ele vai morrer. Nós precisamos sair daqui—.
—Ajude-me a parar——
Então McQueen deu um rugido e agarrou o pulso dela. O sangue cobrindo as mãos dela fazendo-as fáceis de deslizar e ela conseguiu se soltar. Ela tropeçou para trás.
—Sua cadela! Eu arrastarei você para o inferno comigo—. Ele começou a rir. —Guarde as minhas palavras! Eu arrastarei você para o inferno comigo!—.
—E ele fez. Ele me arrastou para o inferno. Eu vivi só, com medo de que se tivesse uma família, o que fiz os teria machucado. Eu não sabia que já tinha machucado você—. As lágrimas fluíram junto às bochechas, Loree se dobrou e apertou o rosto contra os joelhos.
—Você achou que poderia ser mais rápida que ele?—, Austin perguntou atordoado.
—Culpe a minha mocidade, o meu pesar ou a minha vergonha. Eu não queria que ninguém soubesse tudo o que tinha levado aquela noite acontecer ou o que tinha acontecido naquela noite. Eu não pude não fazer nada—.
—Então, assim que atirou nele, você partiu?—.
Enxugando as lágrimas, ela concordou com a cabeça. —Ele estava tirando a arma do coldre quando nós montados e fomos embora. Nós fomos até um rio. Eu não conseguia tirar o sangue das minhas mãos. Eu tentei e tentei, mas não conseguia—. Ela começou a enxugar as mãos no vestido. —Às vezes, eu sinto como se o sangue dele ainda estivesse aqui—.
Austin escutou com horror e medo crescentes… e mais, com a realização de que ela estava falando a verdade. Ela estava ligada à terra… o elo perdido que o detetive tinha descoberto. Ele se sentou ao lado dela e tomou suas mãos frias como gelo, as mãos tremendo dentro das dele. —Loree, escute—. Ele a agitou até que a cabeça dela se virou rápido para ele o olhar vazio substituído por lágrimas.
—Eu sinto tanto, Austin. Eu nunca soube que alguém tinha ido para a prisão por ter matado o McQueen. Eu pensei que nós estávamos seguros. Eu voltaria e confessaria se soubesse——
—Não importa, mas eu tenho que conversar com Dallas agora mesmo. Eu quero que você entre na casa e cuide de Grant. Você pode fazer isso pra mim? Confie em mim para cuidar de tudo. Certo?—.
—Você contará para o xerife, não é? Nós limparemos o seu nome——
Ele apertou o dedo contra os lábios dela. —Eu preciso conversar com Dallas hoje à noite. Então nós decidiremos amanhã o que vamos fazer—. Ele pôs o braço ao redor dela e a ajudou a ficar de pé. Ela estava tremendo tanto quanto ele. Ele a escoltou para casa, deixou-a na cama, e puxou os cobertores ao redor dela, dobrando-os embaixo de seu queixo.
—Não me odeie, Austin—, ela disse baixinho.
—Eu não odeio você, Loree. Cuide de Grant se ele acordar. Lembra de meses atrás, antes de ele nascer, quando nós dissemos que ele tinha que vir em primeiro lugar? Isso ainda é verdade. Nada mudou—.
Ela deu a ele um aceno fraco com a cabeça. Senhor, ele não queria deixá-la, mas ele sabia que era imprescindível conversar com Dallas o quanto antes. —Eu não vou demorar—, ele prometeu.
Ele saiu apressado da casa, selou Trovão Negro, montou e saiu pela noite como um homem perseguido por demônios.
Dallas amava aqueles primeiros momentos quando ele rastejava na cama e sua esposa se enrolava contra ele. Ela ronronava como um gatinho contente e ele ainda não tinha se virado para assegurá-la de seu contentamento.
Ele cobriu a boca de Dee, bebendo profundamente a glória que ela oferecia.
A porta do quarto se abriu contra a parede, e ele disparou da cama, nu como no dia em que tinha nascido. Ele arrancou um cobertor da cama para se cobrir e encarou o irmão mais novo. —O que diabos você pensa que está fazendo?—.
—Eu preciso conversar com você—, Austin disse, a respiração difícil. O olhar preocupado se virou para Dee. —Você, também—.
—Você se importa se nós nos vestirmos?—, Dallas ganiu.
Austin o examinou como se apenas agora tivesse notando sua falta de roupa. Ele deu um aceno brusco com a cabeça. —Isso seria bom—. Ele desapareceu corredor abaixo.
Dallas olhou para Dee. —Da última vez que um dos meus irmãos entrou repentinamente no quarto assim, eu perdi uma esposa—.
Sorridente, ela escapou da cama e pegou seu robe. —Bem, você não tem que se preocupar com isso dessa vez—.
Ele colocou a calça comprida antes de segui-la até o estúdio. Como um animal enjaulado, Austin compassava de um lado para outro na frente da janela ao longo do comprimento da parede. Ele apontou para a escrivaninha sem diminuir os passos largos. —Por que você não se senta?—.
Dallas sentou na cadeira de couro atrás da escrivaninha, apoiando o cotovelo no descanso da cadeira, e esfregou o dedo polegar e o indicador pelo bigode enquanto Dee se sentava na cadeira ao lado da escrivaninha e colocava as pernas embaixo dela. Austin continuava andando.
—Você tem algo para me dizer nesta hora ingrata?—.
—Eu não sei muito bem como dizer—.
—Diretamente é normalmente o melhor meio—.
Austin moveu a cabeça e parou abruptamente. —Eu matei Boyd—.
Dallas ficou tão quieto quanto a morte e encarou o irmão. —O que disse?—.
—Eu matei Boyd—.
Dallas plantou as mãos na escrivaninha e lentamente ficou de pé. —Deixe-me ter certeza de que eu entendi tudo o que você acabou de dizer. Por seis anos, você reivindicou ser inocente, permitiu que sua família ficasse proclamando a sua inocência; e eu venho pagando a um homem para achar a prova de sua inocência. E agora você está me dizendo que é culpado do assassinato?—.
Ele viu o sangue drenar do rosto de Austin antes de ele dar um aceno brusco com a cabeça. —Isso mesmo—.
—Mas você estava com Becky naquela noite—, Dee o lembrou.
—Depois. Eu o matei e então fui buscar Becky, planejando usá-la como meu álibi, mas não consegui me forçar a fazer isto. Eu sei que destruí a sua confiança em mim, e eu nunca poderei recuperá-la. Amanhã, eu pegarei a minha família e nós partiremos——
—Não vamos fazer nada precipitado—, Dallas ordenou. —Nós apenas vamos dormir. As coisas ficarão mais claras pela manhã—.
—De manhã, eu quero que você telegrafe para Wylan e diga a ele para parar de buscar o assassino—.
Dallas estreitou os olhos e deu ao irmão um longo e lento aceno com a cabeça, estudando-o.
Austin deu um passo em direção à escrivaninha. —Dê-me a sua palavra de que a primeira coisa que fará pela manhã será enviar o telegrama—.
—Dou a minha palavra—.
Ele viu o alívio surgir no rosto do irmão como água descendo pelas rochas. Austin virou para Dee. —Eu sei que eu devo muito a você, Dee, Boyd sendo seu irmão e tudo. Eu não sei como, mas eu acharei um jeito de devolver tudo que devo—.
—Você não me deve nada, Austin—, ela o assegurou.
—Eu preciso dizer a Houston e Amélia. Eu farei isto amanhã. E Cameron—. Ele virou o olhar para Dallas. —Eu posso colocar um anúncio no jornal, não posso?—.
—Como eu disse, não vamos fazer nada sem pensar—.
Austin deslizou a mão para dentro do bolso e deu um passo para trás. —Eu preciso voltar para casa, para Loree—.
—Irei até você pela manhã e nós resolveremos isto—.
Austin concordou com a cabeça. —Eu realmente sinto muito—.
—Eu também—, Dallas disse baixinho. Ele seguiu com o olhar o irmão deixando o quarto. Ele caminhou até a janela e viu por um momento Austin galopar pela noite. —Então, quem diabos você acha que ele está protegendo agora?—.
—Se ele estiver seguindo os passos dos irmãos mais velhos, tem que ser a mulher que ama—, Dee disse suavemente enquanto surgia atrás dele e colocava os braços ao redor de seu peito.
—Cristo, eu desejo que você esteja errada—.
Loree ouviu os passos na varanda e lentamente se levantou da cadeira de balanço. A porta abriu silenciosamente e Austin deslizou para o lado de dentro. Ele pendurou o chapéu na maçaneta da porta e ficou de pé olhando para as botas. Ele parecia um homem que tinha acabado de tirar o peso do mundo dos ombros.
—Austin?—.
Ele se virou rápido e deu um sorriso fraco. —Achei que você estaria dormindo. Deve estar perto da meia-noite—.
—Quase. O que Dallas disse?—.
—Que nós cuidaremos disto—.
Ela enrugou a testa. —O que isso quer dizer?—.
Ele cruzou o pequeno espaço que os separava. —Quer dizer que nós cuidaremos disto. Eu não quero você diga a ninguém o que me disse hoje à noite—.
—Como isso vai limpar o seu nome?—.
—Não se preocupe em limpar o meu nome. Preocupe-se com aquele menininho que está dormindo no berço no nosso quarto—.
—Você não contou a Dallas, não é?—.
Ele jogou a cabeça para trás e passou as mãos pelo cabelo. —Como eu tinha te dito antes, ele contratou um detetive. Recentemente ele notificou Dallas dizendo que achava que tinha descoberto um vínculo sobre a terra. Eu não sei por que levou tanto tempo——
—Porque meu pai comprou a terra com um nome falso. Vários homens usavam nomes diferentes depois da guerra, especialmente se eles tivessem algo a esconder. Ele tinha desertado. Ele tinha medo de que eles não vendessem a terra para ele se soubessem a verdade…—, ela olhou para ele implorando. —Meu pai não era um homem ruim——
—Ele apenas mentia e enganava—.
Lágrimas queimavam os olhos dela. —Eu nunca quis que soubessem——
—Ninguém saberá. Eu disse a Dallas que enviasse um telegrama para o detetive e dissesse a ele que seus serviços não eram mais necessários—.
—E ele concordou, assim… tão facilmente?—.
—Ele é meu irmão. Confia em mim—. Ele se agachou diante da lareira. —Eu vou apagar o fogo. Você continua a cama. Eu vou para lá daqui a pouco—.
Ela entrou no quarto e subiu na cama, trazendo os cobertores para cima do corpo. O alívio a inundou quando ela ouviu os passos dele e viu sua silhueta na entrada. Como se ela nunca mais fosse vê-lo novamente, ela observou o modo como ele se segurava na cabeceira da cama enquanto deslizava a bota no bootjack e a arrancava. Ela escutou uma pancada e então outra e os passos suaves dos pés dele enquanto ele caminhava para a cama, arrancando a camisa por cima da cabeça. Ela viu a sombra dele soltar as calças que foram ao chão. De manhã, ela cataria alegremente todas as roupas dele e verificaria furos e botões perdidos antes de lavá-las.
A cama afundou sob o peso dele enquanto ele se esticava ao lado dela, ele dobrou os braços embaixo da cabeça e ficou olhando para o teto.
—Por que eles achavam que você tinha matado o McQueen?—, ela finalmente trouxe à tona a coragem para perguntar.
Ela o ouviu tragar no silêncio que seguiu a sua pergunta.
—Muitas razões—.
—Você disse que cometeu alguns enganos——
—Sim—.
—O que você fez?—.
Ele suspirou profundamente. —A terra que seu pai tinha reivindicado pertencia a Dallas. Boyd e Dallas lutaram por ela. Dallas fez um pacto com o diabo. Ele casaria com a irmã dele e quando ela lhe desse um filho, ele teria que transferir por escritura a terra para Boyd. Eu disse a você o que aconteceu atrás do hotel—.
—Na época, nós não sabíamos que tinha sido Boyd. Dee ouviu uma criança chorar—Rawley. Boyd machucou o menino de um modo que nunca deveria ter machucado. Quando Rawley confiou em mim, eu entrei na taverna—como um grande homem—dei um tiro acima da cabeça de Boyd e disse a ele que a coisa que eu mais gostaria seria libertar o chão de sua sombra—.
—Havia várias testemunhas. Então quando ele apareceu a morto, eles acharam que eu tinha executado minha ameaça—.
—Mas Becky sabia que não tinha sido assim—, ela disse suavemente, entendendo a extensão do amor dele por Becky. Ele sabia o que seu silêncio podia custar.
—Eu não achava que eles me considerariam culpado então eu disse a ela que não dissesse nada—.
—Mas depois que eles te consideraram culpado——
—Não vejo como isso teria feito qualquer diferença. Boyd escreveu ‘Austin ‘ no chão antes de morrer—.
—Eu me pergunto por que ele não escreveu meu nome—.
—Minha suposição é de que ele tenha planejado escrever mas tenha morrido antes de conseguir. Escrevendo seu nome não teria ajudado se ninguém soubesse onde te achar por isso ele escreveu o nome da cidade primeiro—.
O coração dela bateu rápido contra as costelas com a realização de que isso o tinha levado até Austin. —O homem que você estava procurando em Austin——
Ele rolou na cama e embalou a bochecha dela. —Parece que não era realmente um homem—.
Ela fechou os olhos com força. —Como você deve me odiar—.
O dedo polegar dele circulou a bochecha dela em uma carícia gentil. —Loree, não cometa nenhum engano. Eu o teria matado naquela noite mas Becky me desviou. Boyd pagou a alguns homens para matar Dallas e eles o chicotearam quase até a morte. Nós não podíamos provar qualquer coisa porque ele tinha matado os assassinos enquanto eles dormiam. Ele era uma cria do inferno e eu estou exausto de ele nos alcançar de lá e atormentar as nossas vidas. Nós vamos deixar isso para trás. Eu não estou dizendo que será fácil, mas, por Deus, eu não vou deixar que ele me roube mais nada—. Ele desceu a mão até o ombro dela e o apertou suavemente. —Venha aqui—.
Ela se moveu até que se aconchegou no abraço dele. —Amanhã, nós decidiremos o que fazer—, ele disse a ela. —Mas agora eu preciso dormir—. Ela ouviu o bocejo profundo dele. —Ontem à noite eu não dormi, preocupado com esta manhã—.
Esta manhã. Quanto tempo parecia que tinha se passado desde que ele tinha partido à procura de seu sonho. Todos os sonhos que ele já tinha sonhado, ela tinha roubado dele.
O aperto nela diminuiu, os dedos soltaram seu ombro. Ela ouviu a respiração dele, profunda e lenta. Ela estava pasma por ele ter dormido depois do que ela tinha dito a ele e pensou que teria sido mais fácil se ele tivesse dito cobras e lagartos e que a odiava.
Ela podia apenas imaginar que ele ainda não tinha entendido as verdadeiras implicações de sua confissão. Mais cedo ou mais tarde, ele olharia através do quarto e perceberia tudo o que ela lhe tinha custado.
Ela ouviu um grito pequeno, suave, pela noite. Ela deslizou sob o braço de Austin e caminhou pelo caminho familiar na escuridão, erguendo o filho nos braços e se ajustou na cadeira de balanço próxima à janela. Ela o segurou contra o peito. O punho minúsculo dele estava apertado contra a carne dela enquanto amamentava sofregamente.
Ela amava a criança tanto quanto amava o pai dela. O olhar dela viajou através do quarto até que viu a sombra escura do marido, adormecido. Ela se perguntou com o que ele sonhava.
Ela se perguntou quanto tempo demoraria até o seu amor virar ódio. Quanto tempo antes que ele começasse a censurá-la e contasse todas as coisas que ela tinha roubado dele.
Cinco anos de sua vida na prisão, e ela podia apenas imaginar os horrores que ele teria experimentado lá—um homem com um coração que ouvia músicas tão lindas. Não era à toa que a música tinha morrido dentro dele.
Ela não podia devolver a ele aqueles anos. Ela não podia remover as cicatrizes de suas costas… ou retornar a ele a mulher que ele um dia tinha amado, mulher essa que estaria casada com ele até hoje se Loree tivesse sabido que alguém tinha sido preso por matar Boyd McQueen. Ela teria se entregado seis anos atrás e confessado se soubesse.
Ela não podia devolver a Austin todas as coisas que ela tinha sem querer tirado dele, mas ela podia retornar o que ela tinha recentemente tomado. Com sua inocência comprovada, ele seria verdadeiramente livre dos muros que ainda o cercavam. Ele podia procurar seu sonho e não existiria nada para impedi-lo de alcançá-lo.
Ela deu uma olhada para baixo para a pequena alegria em seus braços. Como ela poderia deixá-lo? Se ela se entregasse, ela não tinha dúvidas de que teria que deixar o filho. Ela iria para a prisão da mesma maneira que Austin tinha ido. Para dar a Austin seu sonho, ela tinha que desistir do dela. Seu coração se partia com a idéia de nunca mais segurar esta criança novamente, de não vê-la crescer, dar seu primeiro passo. Mas a cada dia que ela esperava, sua dívida por ter matado McQueen apenas aumentava.
E ela não conseguia mais tolerar a idéia de Austin continuamente pagar por suas ações. Lágrimas fluíam junto suas bochechas. Como ela poderia saber que o Destino era mais cruel do que Boyd McQueen?
Austin despertou com uma estranheza que não pôde identificar. Ele ouviu pássaros gorjeando do lado de fora da janela. Ele ouviu o filho brincando no berço próximo. Mas ele não pode ouvir Loree.
Ele jogou os cobertores e as pernas para fora da cama. Seu olhar caiu sobre o filho, os olhos azuis, largos, os punhos balançando no ar. —Ei, rapazinho. Onde está sua mamãe?—.
Grant respondeu com um arrulho e os pés chutaram excitadamente. Austin colocou a calça comprida antes de erguer o filho nos braços. —Bem, você está seco e não está gritando, então ela deve ter te alimentado—. Com o dedo polegar, ele enxugou a baba da boca do filho.
—Nós temos que acertar muitas coisas—sua mamãe e eu—mas eu não quero que você se preocupe. Eu estou me preocupando o suficiente por todos nós—.
Ele entrou no quarto dianteiro. A luz da manhã entrava pelas janelas. Um calafrio passou por ele. Ele se dirigiu à porta. Algo na mesa chamou sua atenção. Ele andou e levantou o papel. Com letras desiguais como se ela estivesse tremendo no momento, rabiscou, —Perdoe-me—.
Um tiro de medo passou por seus órgãos como se ele tivesse levado uma bala disparada de um rifle Winchester. Ele saiu pela porta da frente e tropeçou sobre a varanda. —Loree!—.
Segurando o filho bem perto, tentando não chacoalhar o menino, Austin se apressou até o curral como se, ao se aproximar, mudasse o que ele já estava vendo. O cavalo dela tinha ido. Ele jogou a palma contra a viga e gritou o nome dela, sabendo que fazer isso era inútil. Ela não podia ouvi-lo.
Grant começou a ficar inquieto. Austin suavemente o balançou. —Está tudo bem. Eu estou certo de que a sua mamãe saiu para um passeio matutino—. Deus, ele desejava que isso fosse verdade.
Ele caminhou de volta para casa e olhou cada centímetro como se apenas agora a estivesse olhando tudo pela primeira vez. —Acho que nós perdemos o amanhecer. Eu dificilmente sei começar o dia sem ver o amanhecer, mas eu preciso mais do meu café matinal—.
Ele colocou Grant em uma pilha de colchas, mas o menino começou a gritar como se seu coração pudesse partir. Grandes lágrimas gordas desceram por suas bochechas.
—Certo, certo—, Austin disse enquanto colocava o filho sobre seu antebraço. As lágrimas e os gritos pararam tão depressa quanto tinham começado. —Eu vou esperar sua mamãe chegar para tomar meu café—. Ele passou a mão pelo cabelo. —Ela não pode ter ido muito longe—.
Ele ouviu um relincho de cavalo e o alívio surgiu dentro dele. Ele saiu apressado para o lado de fora e tropeçou ao ver Dallas montado em seu cavalo.
—Você enviou aquele telegrama para Wylan?—.
Dallas tirou o chapéu da cabeça e jogou seu antebraço por cima do chifre da sela. —Claro que fiz. Foi a primeira coisa que fiz esta manhã, assim como prometi—.
—Bom—.
—Encontrei com o Xerife Larkin enquanto estava na cidade. Parece que sua esposa deu a ele uma visita brilhante esta manhã cedo—.
Austin sentiu todo o sangue drenar de seu rosto, os joelhos ficando fracos e seu coração estava batendo como um estouro de gado.
—Ela disse ao Xerife Larkin que ela matou Boyd McQueen—.
Respirando fundo, Austin abriu a porta da cadeia e entrou no escritório dianteiro. As celas ficavam atrás de outra porta, que Austin sabia, por experiência própria, que Larkin mantinha entreaberta. O suor brotava na testa de Austin e ele tremia como se ele fosse a pessoa presa.
Ele não tinha nenhuma memória boa da prisão. Seu julgamento tinha sido na taverna. O juiz tinha presidido de um tamborete atrás do bar. Austin se sentou em uma mesa, humilhado porque Larkin não tinha soltado suas mãos. Ele esfregava os pulsos agora como se o metal frio ainda estivesse tocando sua pele.
Larkin estava largado em sua cadeira, os pés sobre a escrivaninha, a barriga fazendo curva sobre o cinto. Austin sabia que em algum lugar atrás daquele olhar insolente o homem tinha algumas qualidades redentoras ou seu irmão nunca o teria contratado.
Austin engoliu em seco. —Ouvi dizer que a minha esposa entrou aqui esta manhã dizendo que matou Boyd McQueen—.
Larkin removeu o fósforo de entre os dentes. —Sim—.
—Ela mentiu—.
Larkin levantou a testa acinzentada. —Fale—.
Austin sentiu uma faísca de esperança acender dentro dele e andou para mais perto. —Eu queria deixar a cidade com aquela orquestra que esteve aqui alguns dias atrás, mas eles não quiseram que um homem que foi preso condenado por assassinato viajasse com eles. Loree, com seu coração doce, pensou que se ela dissesse que tinha matado Boyd, eles me deixariam ir com eles—. Ele ridicularizou e agitou a cabeça. —Mulheres. Elas não entendem as complexidades da lei—.
Larkin apontou o fósforo para ele. —Então, está me dizendo que você matou Boyd?—.
—Isso mesmo. Quando você me prendeu seis anos atrás, certamente sabia o que estava fazendo. Eu me ressenti muito por você ter percebido que tinha sido eu—mas tive que te admirar também—.
Larkin jogou os pés no chão. —Bem, eu fui enganado. Sua esposa contou uma história convincente—.
—Eu aposto que sim—.
Larkin ficou de pé e escolheu um molho de chaves de sua escrivaninha. Ele andou relaxadamente em direção à porta de trás como um homem que não tem nenhuma pressa. Então ele parou, girou e esfregou a orelha. —Suponho que você disse a ela onde escondeu a arma de fogo—.
Austin sentiu como se Larkin tivesse dado um soco em seu estômago. —O quê?—.
—A arma de fogo que você usou para matar Boyd. Sua esposa sabia exatamente onde tinha estado todos estes anos. Creio que você deve ter dito isso ela—.
—Sim, eu disse—.
—E onde estava?—.
Austin fechou os olhos. Diabos, ele nem sabia onde Boyd tinha morrido. —Eu o enterrei embaixo de uma Artemísia——, ele abriu os olhos e deu um suspiro de alívio quando Larkin movimentou lentamente a cabeça.
—E você a envolveu em algo antes de enterrá-la. Pode me dizer o que era isso?—.
—Uma tira de cobertor—.
Ele soube pelo olhar duro do xerife que ele tinha dado a resposta errada. —Um lenço de linho que tinha as iniciais bordadas de Boyd e o seu sangue ensopado—, Larkin disse.
—Larkin, deixe-a ir—.
—Não posso fazer isto. Meu trabalho é servir a justiça e seis anos atrás uma injustiça foi feita e isto eu não posso omitir—. Ele empurrou a cabeça para o lado. —Você quer conversar com ela?—.
—Não, por Deus, eu não quero conversar com ela—. Ele girou sobre os pés, saiu altivamente do escritório e bateu a porta atrás de si.
Se ele a visse, ele tinha medo de que dissesse a ela que ela ao se entregar, tirou dele o sonho mais precioso que ele já tinha tido.
E o que isso traria de bom para eles?
Austin deitou o filho dormente no berço. Três dias tinham se passado—três dias sem Loree—e todo minuto tinha sido um inferno. Ele queria vê-la como nunca tinha desejado qualquer coisa em sua vida, mas ele tinha medo de que se a olhasse por detrás das barras, enjaulada como um animal, ele caísse de joelhos desesperado.
Tão quieto quanto um rato, ele andou nas pontas dos pés pelo quarto.
—Você parece mal—.
A cabeça surgiu, e ele encarou Houston de pé na entrada da frente. —Eu me sinto muito mal. Você quer café?—.
—Não—. Houston andou para o lado de dentro, o chapéu na mão. —Acabei de pensar que você gostaria de saber que o juiz itinerante chegou. O julgamento de Loree será amanhã—.
O estômago de Austin se revirou. —Considerando o fato de que McQueen matou a família dela, talvez eles a soltem—, ele disse esperançosamente.
—Se você tivesse se encontrado com o advogado dela como o resto da família, saberia que não é Boyd que está à prova aqui—.
Ele não gostou da censura que ouviu na voz do irmão. —O que você quer que eu faça, Houston? Minhas responsabilidades não foram embora só porque minha esposa decidiu limpar sua consciência. Eu tenho tarefas para fazer e tenho que cuidar do bebê. Leva horas para eu conseguir dar um pouco de leite a ele. Todas as vezes que eu vou trocá-lo, ele faz xixi em mim——
—Eu sabia que ele era esperto—.
—O que isso quer dizer?—.
—Você me disse uma vez que se uma mulher te amasse o tanto que Amélia me ama, você rastejaria pelo inferno por ela—.
—Eu rastejei pelo inferno. E não recomendo a jornada—. A fúria que tinha construído dentro de si estourou inesperadamente como um rio furioso. Ele plantou as mãos embaixo da mesa e a jogou contra a parede. —E agora Loree vai rastejar pelo inferno. Eu disse a ela que cuidaria de tudo—. Ele virou, a angústia quase o dobrando. —Por que ela tinha que confessar?—.
Ele ouviu o choro de surpresa de Grant e sentiu como se o telhado fosse desmoronar sobre ele a qualquer momento.
—Deixe-me pegá-lo—, Houston ofereceu, cruzando o quarto sem esperar uma resposta. Austin ouviu o silêncio e se perguntou quanto tempo ele duraria. Houston saiu do quarto segurando Grant nos braços. —Por que eu não o levo para casa? Amélia pode alimentá-lo——
—Eu não sei o que vou fazer, Houston. Eu não posso suportar a idéia de ela ir para a prisão—.
—Então veja se vai gostar disso. Duncan tem uma petição para que ela seja enforcada—.
Austin ficou de pé na entrada, olhando ao longo do comprimento das barras de ferro que compunham as celas da prisão. Ele viu Loree na cela na outra extremidade, a cela em que ele uma vez tinha dormido, comido e se preocupou enquanto aguardava seu julgamento. Ele não queria tê-la abandonado, mas ele tinha percebido agora, com uma claridade surpreendente, que ele tinha feito exatamente isso.
Ela estava de pé sobre a cama ao lado da parede de tijolo, sobre as pontas dos pés nus, agarrando-se contra as barras da janela, observando a noite.
—O que você está fazendo?—, ele perguntou enquanto andava em direção à última cela.
Ela girou e quase tombou para fora da cama antes de recuperar o equilíbrio. Com os olhos arregalados e a mão apertada na garganta, ela agarrou uma das barras de ferro, saiu da cama e pisou no que ele sabia ser um chão frio de pedra. —Eu estava procurando por uma estrela cadente para que assim eu pudesse fazer um desejo—.
—O que você desejaria?—.
Ela angulou a cabeça ligeiramente e deu a ele um sorriso trêmulo. —Se eu disser a você, não se realizará. Entretanto ele provavelmente não se realizará de qualquer maneira. Eu estava desejando que você me perdoasse—.
Ela parecia tão minúscula de pé naquela cela com seu vestido amarelo e os pés nus. Ele enrugou a testa. —Esse é um vestido novo?—.
Ela concordou com a cabeça depressa. —Dee trouxe. Ela fez Larkin me levar para o hotel para que assim eu pudesse tomar um banho. Ele não queria, mas quando ela começou a gritar, ele pulou da cadeira. Eu desejava ter a coragem dela—.
Ele sorriu ligeiramente com uma memória distante. —Você deveria tê-la visto quando ela se casou com Dallas. Ela se escondeu debaixo da escrivaninha dele na noite do casamento—.
Os olhos dela se arregalaram. —Eu não consigo imaginar isto—.
—Ela era assim—.
Ela mordeu o lábio inferior. —Como está Grant?—.
—Sentindo falta da mãe—.
Lágrimas fluíram até a borda dos olhos dela.
—Ele não come muito então Houston o levou para Amelia para que ela possa cuidar dele—.
—Eu não poderia mais ser útil para ele. Meu leite secou completamente… por causa da preocupação, acho—.
Contra sua vontade, ele desceu os olhos para os peitos dela… e sua cintura minúscula… e seus quadris arredondados. Como ela sobreviveria à aspereza da prisão?
—Por que você teve que vir aqui e confessar? Eu disse a você que cuidaria de tudo—.
—Admitindo que você matou McQueen. Não foi assim que você cuidou da situação? Não foi por isso que você disse a Dallas para que enviasse um telegrama para o detetive?—, embrulhando os braços ao redor do corpo como se estivesse com dor, ela girou. Ele viu os ombros estreitos dela se agitando. Ainda que ele esticasse as mãos através das barras, ele seria incapaz de tocá-la.
—Loree?—, ele disse bruscamente.
Ela girou devagar, lágrimas descendo pelas bochechas. Ela caminhou na direção dele e suas mãos apertaram as barras até que suas juntas ficaram brancas. —Austin, você não vê? Você perdeu cinco anos de sua vida por minha causa. Se não fosse por mim, você nunca teria perdido a música, você poderia realizar seu sonho de tocar o violino com uma orquestra. Se não fosse por mim, você estaria casado com a mulher que você ama—.
Lágrimas entupiram a garganta dele e queimaram seus olhos. Alcançando através das barras, ele segurou a bochecha dela. —Loree, Eu estou casado com a mulher que amo. Eu falhei tanto assim em demonstrar meu amor para você?—.
Um soluço roto atravessou o peito dela. Austin puxou-a para perto e sentiu os braços dela ao redor de suas costas.
—Larkin!—.
O xerife andado relaxadamente e se debruçado contra a entrada.
—Destranque a cela para que assim eu possa entrar—.
Larkin removeu o palito de entre os dentes e agitou a cabeça. —Não posso fazer isto—.
—Ela não vai escapar. Apenas me deixe ir para o lado de dentro—.
—Todas as vezes que um membro da sua família entra aqui eu tenho que burlar as regras. Não desta vez—. Ele foi embora.
Loree fungou. —Está tudo bem, Austin—.
—Não, não está—.
Ele a soltou, caminhou para a parede, e deslizou até que seu traseiro bateu no chão. Loree fez o mesmo. Ele deslizou a mão pelas barras e envolveu a mão dela.
—Você está assustada?—, ele perguntou baixinho.
—Apavorada—.
Um silêncio sufocante desceu entre eles.
—Você me faz um favor?—, Loree perguntou.
—Qualquer coisa—.
—Você pensará em algo agradável para dizer a Grant sobre mim quando ele estiver crescendo? Eu acho que esta vai ser a parte mais dura, não poder vê-lo crescer… e ver você envelhecer—.
Ele não podia discutir quanto a isto. Ele pensou em tudo que tinha perdido—como depressa suas sobrinhas e sobrinho tinham crescido e mudado, se tornando pessoas que ele mal reconhecera. —Eu direi a ele o quanto você gosta de açúcar e o quão doce você é—.
Um canto da boca de Loree se ergueu momentaneamente, então abaixou novamente. —Eu quero que você me dê o divórcio—.
—O quê?—.
Os dedos dela se apertaram ao redor dos dele. —Meu advogado acha que eu pegarei pelo menos cinco anos, talvez mais. Eu já disse a ele que prepare os documentos para que assim a gente os assine antes de eu ir. Eu quero que você se case com alguém que seja uma boa mãe para Grant—.
Ele se moveu de lado para que pudesse ficar cara a cara com ela. —Não. Eu vou esperar por você, Loree. No dia em que você sair da prisão eu estarei de pé no portão com Grant ao meu lado—.
Ela agitou a cabeça vigorosamente. —Nós dois sabemos o quanto é fácil fazer essa promessa e o quanto será difícil mantê-la—.
—Dez anos, vinte, vinte e cinco. Não importa, Loree. Eu esperarei—.
Ele se esticou através das barras, trazendo-a perto o máximo que podia com o maldito ferro os separando, e desejou ter o poder de conter a chegada do amanhecer.
O amanhecer chegou, as setas de luz do sol adentravam a prisão escura. Austin trouxe para Loree uma refeição do hotel e a viu mordiscar a torrada que ele tinha coberto com manteiga, açúcar e canela. Ele despejou tanto açúcar no café que o fundo da xícara pareceu um lodo de um rio quando ele tentou mexe o café.
Agora eles estavam de pé, pé contra pé, dedos entrelaçados, as palavras insignificantes enquanto eles esperavam pelo Xerife Larkin. A única coisa que Austin ficava agradecido era o fato de Leighton agora ter um salão e o julgamento dela não ter que ser feito na taverna.
—Tia Loree?—.
Austin virou a cabeça ao ouvir a voz hesitante de Rawley. Ele sentiu os dedos de Loree se apertaram ao redor dos dele, e ele percebeu que ela desejava que o menino não a visse aqui. —Ei, Rawley, você não devia estar na escola?—, Austin amavelmente perguntou.
Rawley deu um passo na direção dele. —Não, não vai ter nenhuma escola hoje por causa do julgamento—.
Loree olhava para ele como se desejasse estar em qualquer lugar, mas não onde estava.
—Tia Loree, eles estão dizendo que você matou Boyd McQueen. É verdade?—.
—Rawley——, Austin começou, mas Loree apertou o dedo contra os lábios dele.
Ela angulou a cabeça, lágrimas brilhando dentro das profundidades douradas de seus olhos. —Sim, Rawley, eu o matei—.
Ele removeu o Stetson empoeirado preto como se tivesse acabado de entrar em uma igreja. —Então eu estou agradecido a você—.
Loree virou o olhar confuso para Austin, então olhou de volta para Rawley. —Rawley, eu não me orgulho do que fiz—.
—Não percebi que você não estava. Uma vez o Sr. D me disse que há diferença entre ser ruim e fazer coisas ruins. Às vezes, uma pessoa faz algo porque não tem escolha. Ela pode não gostar do que fez… mas isso não a torna má. Eu acho que essa é a sua situação, e eu também já passei por isso—. Ele colocou o chapéu no lugar. —Eu vou cuidar direitinho do Two-Bits até você voltar para casa então não se preocupe com ele—.
—Eu agradeço—, Loree disse suavemente, dando a ele um sorriso morno.
Ele deu um aceno brusco com a cabeça antes de sair.
Ela fechou os olhos com força. —Pelo menos, McQueen nunca tocará nosso filho—.
Passos pesados ecoaram pelo lado de fora do corredor. Larkin veio, girando o chaveiro ao redor do dedo. —Bem, está na hora—.
Austin deu um passo para o lado e Larkin emperrou a chave na fechadura. Ele a girou até que um audível clique ecoou entre as celas. Ele abriu a porta com tudo. —Saia—.
Loree caminhou indecisamente para o lado de fora da cela. Austin a envolveu nos braços, ignorando a carranca que Larkin fez para ele.
—Vai dar tudo certo, Docinho—.
Ela concordou movendo a cabeça contra o peito dele.
—Lembre-se que eu esperarei, não importa o tempo—.
Ela ergueu o rosto e o virou para o lado, lágrimas até a borda do olho. —Eu desejo que você não espere—.
Ele deu um sorriso morno e enxugou uma lágrima do canto do olho dela. —Você estava certa, Docinho. Se você me disser qual é o seu desejo, ele não vai se realizar—.
Ele ouviu o tinir de ferros e olhou por sobre o ombro de Loree e viu Larkin destrancando as algemas.
—Por Deus, Larkin, não ponha isso nela—.
—Eu não tenho escolha. É a regra—.
—Que maldita regra?—, Austin exigiu. —Ela se entregou, caramba. Mostre a ela algum respeito por ter feito isto—.
Larkin rolou o fósforo de um lado para o outro na boca. —Certo—, ele disse relutantemente. E jogou a cabeça para o lado. —Vamos—.
Loree deu um passo, parou e olhou por sobre o ombro. Austin agitou a cabeça. —Eu não posso ir, Loree—.
Ela deu a ele um sorriso cheio de condolência e compreensão. —Eu sei—.
Ela angulou o queixo orgulhosamente, endireitou os ombros e foi pelo corredor com Larkin, seguindo-o até o escritório dianteiro. Ele esperou, até que ouviu a porta da frente se fechar antes de se deixar tomar pela dor. Seu gemido agonizante ecoou entre as celas vazias. Ele bateu na parede de tijolo até que suas juntas estavam machucadas e sangrando.
De alguma maneira, apesar de tudo que ela tinha suportado, Loree tinha conseguido manter uma aura de inocência e doçura. A prisão faria o que Boyd McQueen tinha sido incapaz de fazer: mataria seu espírito e acabaria com cada fragmento de generosidade dela.
Ele jogou a palma da mão contra a parede e a dor ricocheteou pelo seu braço. Mesmo sabendo o inferno que a esperava, ela iria alegremente para a prisão no lugar dele.
Loree decidiu que não era um julgamento, mas sim uma audição. As pessoas precisam ouvi-la dizer como ela tinha matado Boyd McQueen. Eles precisam ouvir Duncan exigir que ela fosse enforcada por ter matado seu irmão. E eles precisam ouvir o advogado pedir indulgência porque ela tinha confessado.
E agora o juiz Wisser estava ponderando sobre o destino dela, parecia que ele tinha adormecido, as mãos estavam cruzadas por sobre a barriga, os lábios franzidos, os olhos fechados. Apenas as moscas no cômodo lotado ousavam fazer algum som.
Ela estava contente por Austin não ter vindo com ela. Ela achava que poderia aceitar ouvir sua sentença com dignidade desde que ela não tivesse que ver o quanto o fato de ela ir para a prisão o machucaria.
O juiz Wisser abriu rápido os olhos e se debruçou para frente. —Loree Leigh, a decisão deste tribunal é que você é realmente culpada. Você tem qualquer coisa a dizer em seu favor antes que eu pronuncie sua sentença?—.
A boca de Loree ficou tão seca quanto um deserto e seu coração estava batendo tão firme contra as costelas que ela estava certa de que elas rachariam. Ela pôde apenas agitar a cabeça.
—Muito bem, então. Levando em conta as circunstâncias——
—Eu tenho algo a dizer—.
Loree se virou. Austin subiu no corredor entre os bancos, um propósito firme nos passos largos, enquanto as pessoas viravam seus pescoços uns para os outros, sussurrando e cochichando.
—Seis anos atrás você me mandou para a prisão por um assassinato que eu não cometi—.
—Uma injustiça que eu pretendo consertar hoje…—
—Você não pode consertá-la—, Austin disse a ele. —Não importa o que você faça, você não poderá desfazer o que já fez. Eu vivi em um inferno por cinco anos, não por causa de Loree, mas por causa de Boyd McQueen. Ele era um homem ruim que machucava crianças pelo puro prazer de feri-las. Ela escutou os gritos do irmão de quatorze anos de idade enquanto McQueen o torturava. Então ela teve que vê-lo enforcar o irmão. McQueen atirou nela, na mãe e no pai. Ele pagou a um homem para matar o meu irmão e cortou a garganta de três homens na pradaria——
—Você não pode provar isto!—, Duncan rugiu.
Austin se virou para ele. —Então quem fez isto, Duncan? Você? O Cooper disse a Dee que um irmão dela tinha pagado a ele para matar Dallas. Se não foi Boyd, então tem que ser você porque eu, com certeza absoluta, sei que não foi Cameron—.
Duncan empalideceu e se jogou na cadeira. —Não fui eu—.
Austin se voltou para o juiz novamente. —Eu sei que nós não podemos tomar a lei em nossas próprias mãos. Eu não estou dizendo que Loree deveria ter seguido Boyd, mas eu sei que o homem não valia essa preocupação toda. Uma injustiça foi feita aqui seis anos atrás. Não piorem isto hoje buscando a justiça para um homem que não sabia o significado da palavra.
—Eu desisti de cinco anos da minha vida pelo assassinato dele. Deixe que esses anos sirvam como se fossem de Loree e, se isto não for o suficiente, então me levem de volta para a prisão——
Loree ficou de pé. —Não!—.
—Duncan quer que alguém seja enforcado, então que seja eu——
—Não!—, Loree gritou.
—Porque se você me tira-la agora, por Deus, eu vou morrer de qualquer maneira—e onde está a justiça nisto?—.
Loree nunca tinha estado tão apavorada em toda sua vida porque parecia que o juiz estava seriamente meditando sobre as palavras que Austin tinha acabado de dizer.
O juiz Wisser virou para ela um olhar cortante. —Loree Leigh, eu te condeno a vida toda…—
Austin fechou os olhos, curvou a cabeça e apertou os punhos.
—Ao lado deste homem—.
Austin levantou a cabeça.
—Que Deus tenha piedade de sua alma—. O juiz Wisser bateu o martelo. —Este tribunal está encerrado—.
A sala do tribunal estourou com gritos e salvas. Loree olhou para seu advogado. Ele sorriu e cutucou o braço dela. —Vá. Você está livre—.
Ela girou e achou Austin esperando por ela. Ele abriu os braços largos e ela caiu contra ele, jogando os braços ao redor de seu pescoço. Ele a envolveu no abraço.
—Ah, Loree—, ele sussurrou próximo à orelha dela. —Você devia ouvir a música—.
Exausta, Loree afundou na água quente emitindo fumaça. O dia tinha sido gasto apreciando a liberdade: sentindo a brisa calma bater no rosto, escutando cada uma das crianças dizendo a ela quanto eles tinham sentido sua falta, segurando Grant bem perto, apreciando o calor da mão de Austin ao redor da sua.
E agora eles estavam em casa, e ele estava roçando um pano com sabão pelo braço dela.
—Você não tem que me lavar—, ela disse suavemente embora não estivesse certa de que teria a força para fazer isto sozinha. Ela não tinha dormido nada desde que tinha ficado na delegacia sob as ordens do Xerife Larkin.
—Eu quero—.
Ele passou o pano lentamente pela curva dos seios dela.
—Dr. Freeman disse que se eu deixar o Grant mamar, meu leite pode voltar—. Os olhos dela se fecharam. —Eu gosto disso—.
—Espero que isto aconteça—.
—Você… não tem que me lavar—.
—Você tinha dito o contrário—, ele a lembrou e ela ouviu o riso na voz dele. —Eu não tenho que te amar mas amo mesmo assim—.
Ela se forçou a abrir os olhos. —Como você pode me amar quando eu tomei tantas coisas de você?—.
—Como eu posso não te amar quando você me devolveu tanto?—.
Lágrimas brotaram nos olhos dela. —Me mataria se eles te enforcassem—.
—Bom, eles não fizeram. Cameron e Dee tiveram uma longa conversa com Duncan depois do julgamento. Acho que ele não conseguia aceitar o tipo de homem que era o irmão—.
—Então ele nos deixará em paz?—.
Ele empurrou as mexas de cabelo dela que tinham caído no rosto. —Ele nos deixará em paz—.
—E o seu sonho?—
—Eu vou terminar de lavá-lo e colocá-lo na cama—.
Ela sorriu cansada. —Eu quis dizer sua música—.
—Eu tocarei para você. Para Grant. E para minha família—.
Ela se perguntou se ele ficaria contente com isso para sempre, sabia que se perguntasse a ele, ele diria a ela um ‘sim’ quando a verdade era um ‘não’. Ela guardou as dúvidas e preocupações para si mesma, e prestou atenção no cuidado que ele tinham em lavá-la, secá-la, e levá-la para cama.
Ele dobrou os cobertores ao redor dela, e, enquanto ela começava a dormir, ouvia-o movendo o arco sobre o violino criando uma música que soava muito parecido com satisfação.
—Foi a canção mais linda que eu já tinha ouvido—, Sr. Cowan disse enquanto agarrava outro biscoito. —Não consegui tirá-la da cabeça—.
Saltando Grant no colo, Loree sorriu. —Austin tem um modo de tocar a música que vem de dentro de seu coração. Eu acho que isto a torna inesquecível—.
—Se a música é inesquecível, então ele também deve ser, minha querida—. Ele se debruçou para frente e piscou. —E eu, junto com ele—.
Loree ouviu os passos na varanda e se levantou da cadeira enquanto Austin adentrava pela porta. Ela sorriu brilhantemente. —Austin, olhe quem está aqui—.
Austin removeu o chapéu e estudou o Sr. Cowan ceticamente. —O que te traz aqui?—.
—Você, meu menino querido. Como eu estava dizendo a sua esposa adorável aqui, a sua canção tem me maravilhado desde que a ouvi. Eu quero que você venha tocar para mim—.
Austin pendurou o chapéu num prego. —Fico agradecido, Sr. Cowan, mas eu não estou interessado—.
Sr. Cowan deu um passo para trás. Loree simplesmente olhou para o marido. —O que você quer dizer com não está interessado?—.
—Eu não era bom o suficiente antes. Nada mudou—.
—Tudo——
—Não, Loree. Não é isso o que eu quero—.
Com apelo nos olhos, Loree olhou para o Sr. Cowan. —Deixe-me falar com ele a sós sobre esta oportunidade——
—Eu não vou mudar de idéia—, Austin insistiu.
Naquele momento ela desejou ter uma caçarola na mão para batê-la na cabeça dura dele. Ela sabia que o orgulho dele estava fazendo-o jogar o sonho ao vento.
Sr. Cowan ficou de pé. —Eu sei que essa não é uma decisão para ser feita sem pensar. Afetará sua família por muitos anos. Eu estou hospedado no Magnífico Hotel em Leighton — melhor hotel deste lado do Mississipi—e tenho que confessar que essa foi parte da razão pela qual eu não me importei de viajar de volta para esta área. Mas eu devo pegar o trem de manhã então, deixarei uma lista dos meus destinos com Sra. Curtiss na escrivaninha da frente. Se, a qualquer hora que você mude de idéia, apenas envie um telegrama para mim—. Ele levantou um dedo. —Mas você precisará decidir antes da próxima primavera porque nós partiremos para a Europa e então será mais difícil fazer os acordos—.
Ele ergueu o chapéu da mesa. —Sra. Leigh, foi um prazer passar a tarde em sua companhia—.
Ele andou a passos largos para fora da casa como um homem sem preocupações no mundo.
—Você não deveria ter enviado para ele um telegrama sem discutir antes comigo—, Austin disse.
—Eu não enviei nenhum telegrama—.
—Você não disse a ele que eu era inocente?—.
—Não—.
Austin foi apressado para o lado de fora, Loree em seu encalço. Sr. Cowan estava subindo na sua carruagem de duas rodas.
—Sr. Cowan, como o senhor ficou sabendo da minha inocência?—.
Sr. Cowan baixou o pé que subia até a carruagem e se endireitou. —Não tinha ouvido sobre isso até este segundo. Mas essa notícia é excelente—.
—Você veio aqui pensando que eu era culpado de assassinato?—.
—Isso mesmo—.
—Eu não entendo. Uma semana atrás——
—Uma semana atrás a sua canção não tinha me mantido acordado com remorso todas as noites—.
Austin olhou para Loree e deslizou a mão ao redor da dela antes de olhar de volta para o Sr. Cowan. —Eu não sei como ler música. Loree tem me ensinado, mas eu não sou um aluno muito dedicado—.
Sr. Cowan encolheu os ombros. —Não importa, querido menino. Você não vai tocar com a orquestra—.
Austin enrugou a testa. —Você me deixou perdido de novo. Por que você veio aqui——
—Porque eu quero que você seja meu solista. São as suas canções que eu quero. Seu dom—.
—E a minha família?—.
—Elas virão com você, claro—.
Austin deu a ele um aceno com a cabeça. —Deixe-me discutir isto com minha esposa hoje à noite, e eu lhe informarei pela manhã—.
—Excelente—.
A noite estava agradável quando Austin parou os cavalos. Eles deixaram Grant com Amelia assim Loree e Austin puderam ter algum tempo para pensar nas coisas. Ela permitiu que ele fosse à frente em silêncio porque ela sentia que algo o estava aborrecendo.
Pelo que tinha acontecido nos últimos dias, ela não o culparia se ele quisesse o divórcio.
Ela ouviu a água que passava apressada sobre as pedras. Através da escuridão ela viu uma série de cachoeiras ao luar. Austin a ajudou a desmontar, então ele a guiou até a colcha que tinha espalhado próximo às quedas. Ele se jogou ao lado dela.
—Aqui é bonito—, ela sussurrou maravilhada.
—Houston se casou com Amelia aqui. Eu não conhecia o lugar até aquele dia—.
Um momento de silêncio ecoou entre eles antes de ele dizer baixinho, —Aqui era onde eu estava na noite em que Boyd morreu—.
O coração dela bateu forte contra as costelas. —Austin——
—Eu quero te contar sobre aquela noite——
—Você não tem que fazer isso. Becky ——
Ele embalou a bochecha dela. —Loree, eu preciso dizer a você sobre aquela noite—.
Ela desceu o olhar para o próprio colo e fez que sim com a cabeça. —Certo—.
—Dallas sempre tinha estado lá para mim—tão forte. Eu comecei a pensar sobre ele ser tão invencível. O pai de Rawley tinha chicoteado ele nas costas até que ele estava em carne viva. Dee conseguiu levar Dallas até nossa casa, mas ele estava lutando contra uma febre. Ele perdeu muito sangue. Eu estava apavorado achando que ele morreria… e nós iríamos atrás de quem? Nós sabíamos que Boyd estava por detrás e eu planejava ir atrás dele. Mas eu parei para ver Becky antes de fazer isso e nós terminamos aqui—.
Ele levantou o rosto dela até que os olhares se encontraram. Segurar o olhar dele foi a coisa mais difícil que ela já tinha feito.
—Eu quero que você entenda que eu tinha vinte e um anos e estava assustado. Eu amei Becky tanto quanto um homem de vinte e um anos de idade que sabe pouco sobre amor pode amar. Quando ela me ofereceu conforto, eu alegremente aceitei—.
Ela o ouviu engolir em seco.
—Prostitutas nunca me atraíram… até que aquela noite, eu nunca…—, a voz dele foi diminuindo.
—Você não tem que me dizer isso—.
—Eu nunca tinha estado com uma mulher até aquela noite—não daquele modo. E eu nunca toquei outra mulher até você—.
Ele a soltou e pegou o violino. —Escute isto—, ele ordenou. Então começou a tocar uma melodia calmante, repetidas vezes. —Essa é a Canção Becky—.
Ela lambeu os lábios. —É adorável—.
—Mas nunca muda. Sempre fica a mesma. Não cresce. Não aprofunda. Não desafia. Nunca mudou—. Ele colocou o violino sobre o ombro. —Eu quero que você ouça a canção que eu toquei para o Sr. Cowan, a canção que ele não pôde esquecer—.
Ela trouxe as pernas até a direção dos seios e envolveu os joelhos com os braços. A música começou suavemente, muito suavemente, e ela imaginou uma criança descobrindo as maravilhas de um dente-de-leão, soprando suas pétalas e vendo–as flutuar pela brisa. Tão suavemente quanto o amanhecer que empurrava a noite, a canção foi ficando mais profunda, mais forte. As notas ecoavam ao redor deles, trovejando contra as quedas, enchendo a noite até que o corpo dela estremecesse e seu coração sentisse imensa alegria. A canção falava de destino, glória e esplendor.
Ela ficou maravilhada com a melodia que vinha de dentro do homem que amava, e ela soube que sempre se lembraria deste momento mesmo quando as cordas finais vibrassem e ficassem em silêncio.
Ela não conhecia nenhuma palavra merecedora de seus esforços, nenhum elogio seria adequado o suficiente para dizer o que ele tinha acabado de compartilhado com ela, então ela disse idioticamente, —Isso foi lindo—.
—Eu chamo esta canção de 'Minha Loree'. É isso que eu ouço no meu coração quando olho para você, quando abraço você, quando amo você—. Ele deixou o violino de lado e foi até ela até que seus quadris estavam colados. Ele emoldurou o rosto dela entre as mãos. —Becky foi parte da minha mocidade e eu sempre a amarei—da mesma maneira que eu sempre amarei minha mãe. Isso não significa que eu ame você menos. Ela foi a primeira mulher com quem eu fiz amor e essa memória nunca me deixará. Mas tudo fica pálido se comparado a tudo que sinto por você. Eu a amei tanto quanto um menino pode amar—. Ele arrastou o dedo polegar junto à bochecha dela. —Eu amo você tanto quanto um homem pode amar—.
Ele colocou a boca sobre a dela com uma ternura que refletia suas palavras. Ele tirou as roupas dela mesma maneira que amanhecer leva a escuridão para longe, calmamente, tranquilamente, com reverência e sem pressa. Então ele arrancou as próprias roupas e suavemente a deitou sobre a colcha.
O ar da noite ainda carregava um pouco da primavera, e ela soube que deveria sentir frio, mas tudo que ela sentia era o calor glorioso do corpo dele cobrindo o dela. Ela tocou os dedos na cicatriz antiga do ombro dele. —Você nunca me disse quem atirou em você—.
Ele apertou um beijo na carne enrugada do ombro dela. —O mesmo homem que atirou em você—.
—Ele se entranhou nas nossas vidas——
—Nos nossos passados, Loree. Ele nunca mais nos tocará—.
Ela estava cansada do passado ter uma conexão com o presente. Ela queria um futuro rico com o amor que este homem podia dar a ela. —Faça amor comigo, Austin—.
Ele deu um sorriso preguiçoso e morno. —Oh, eu farei, Docinho. Com todo o meu coração—.
Ele abaixou a boca até a dela e suas línguas valsaram como a música criada por seus corações. Ela passou os dedos pelo cabelo espesso dele, puxando-o para perto. Ele mordiscou o queixo dela, antes de arrastar a boca ao longo da garganta dela.
—Tão doce—, ele disse bruscamente.
E ela se sentiu doce. Pela primeira vez em cinco anos, ela parecia verdadeiramente doce e imaculada pelo passado. Ele sabia os segredos feios dela, seus enganos tolos, os aceitava e a amava apesar deles. Para os dois, ela sabia que a inocência estaria para sempre perdida, mas juntos eles poderiam recuperar o riso, a alegria e a promessa de um amanhã.
E a música. Embora ele não estivesse tocando o violino, ela quase imaginava ouvir as cordas trovejando por seu coração enquanto ele deslizava os lábios pela curva dos seios dela. A língua dele rodeou o mamilo dela, testando, provocando. Ela esfregou as mãos ao longo do músculos dos ombros dele, ombros que tentavam carregar seu fardo.
—Ouça a música, Loree—, ele sussurrou antes de voltar a aproximar as duas bocas, quente e voraz, os dedos afagando, trazendo à superfície a sinfonia alojada dentro de sua alma.
Então ele entrou no corpo dela e o crescendo alcançou novas alturas, aumentando ao redor dela, com a força de seu amor. Cada estocada a levava mais alto, mais distante, até que ela alcançou o ápice. Enquanto ele crescia dentro dela, ela segurava o azul dos olhos dele e sentia o calor das chamas mais quentes enquanto ele a levava acima dos extremos da realização.
O corpo dela se contorceu ao mesmo tempo em que ele, ambos estremecendo como as sequências tensas de um violino habilmente tocado. Com a estocada final, ele clamou o nome dela.
E o nome ecoou por sobre as quedas e pelo coração dela de tal modo que mesmo depois que caiu em silêncio… permaneceu.
Abril de 1898.
—Nossa! O que é aquilo?—.
Os dedos de Austin se apertaram ao redor da mão de Loree, e ela soube que ele se encolhia a cada escolha de palavras do filho de oito anos. Ele se debruçou para frente para olhar ligeiramente pela janela do carro de passageiro enquanto o trem fazia estrondo pelos caminhos.
—Uma baca—, ele disse a Zane.
—Mas tem um chifre tão longo—.
—Por isso que nós o chamamos de Longhorn. Se nós pudéssemos ber seu traseiro, saberíamos pela marca a quem pertence—.
—Eu aposto que pertence ao Tio Dallas—, Grant disse. Aos dez anos, ele era autoridade em todas as coisas.
—Pai, eu posso montar num dos cabalos do Tio Houston?—, Matt de seis anos perguntou.
—Claro, pode. Eu não ficaria surpreso se ele te der um—.
—Pra mim?—, Matt perguntou, os olhos arregalados com descrença.
—Sim—.
—Eu bou chamá-lo de Grande—, Matt disse, os olhos azuis cintilando.
Austin se debruçou na direção de Loree. —Por favor, me diga que em algum lugar da nossa bagagem você colocou os ‘vês’ deles—.
Rindo, ela apertou a mão dele para oferecer certeza. —Eu estou certa de que eles aparecerão quando nossos filhos ficarem algum tempo com os primos—.
—Nós não devíamos ter ficado tanto tempo em Londres—.
—Isso significa que nós nunca voltaremos?—.
—Docinho, se você quiser voltar, nós voltaremos. Eu darei a você o que você quiser. Sabe disto—.
Sim, ela sabia. Nos anos de transcurso, ele tinha dado a ela o mundo — Roma, Paris, Londres, entre outros—a mão frequentemente junto a dela, e cinco filhos.
Joseph escapou da cadeira, cruzou a extensão pequena e colocou as mãos pequenas no joelho de Austin. Diferentemente de seus irmãos que herdaram os dedos esbeltos e longos de Austin, Joseph tinha dedos curtos e grosso como os de Loree. —Eu posso ser um baqueiro?—, ele sussurrou.
Austin o ergueu até o colo. —Você pode ser qualquer coisa que queira—.
—Eu não toco bem—, ele disse como se compartilhassem um segredo.
—Você toca melhor do que eu quando tinha quatro anos—.
Os olhos dourados de Joseph se arregalaram enquanto o sol refletia em seu cabelo loiro. —Berdade?—.
—Dou minha palavra—.
Loree deu ao marido um sorriso apreciativo. Aos quatro anos, Austin nunca tinha tocado violino, mas ela sabia que ele nunca mencionaria aquele fato para Joseph. Ele amava Joseph porque o menino se parecia com Loree. Ele amava todos os outros filhos porque se pareciam com ele na aparência, temperamento e talento.
O apito do trem ressoou pelo ar.
—A cidade!—, Zane gritou e os meninos subiram na janela e apertaram os narizes contra o vidro.
Austin pegou Mark do colo de Loree e o ergueu para que ele pudesse ver a cidade por cima da cabeça dos irmãos.
—Esse prédio é o teatro da Tia Dee?—, Zane perguntou.
—É—.
—Nós bamos nos apresentar lá?—, Grant perguntou.
—Nós poderíamos. Nós teremos que discutir isto com sua Tia Dee—.
—Eu aposto que ela bai deixar—, Grant o assegurou.
O trem balançou e parou. Loree juntou os meninos enquanto Austin agarrava o estojo com seu violino e dava tempo aos outros passageiros para desembarcarem. Junto com os outros instrumentos aconchegado contra seu corpo, o estojo tinha ganhado algumas cicatrizes para lembrá-lo de suas jornadas ao longo dos anos.
Com Mark de dois anos de idade firme em seu quadril, ela permitiu que Austin levasse os meninos até a plataforma de madeira. Ele segurou a mão dela.
—Você está nervoso, não está?—, ela perguntou.
—Faz muito tempo—.
—Tio Austin?—.
Austin girou ao ouvir a voz com entonação profunda. Loree viu o reconhecimento e a surpresa surgirem em seus olhos enquanto ele olhava para o homem alto, desengonçado vestido como se tivesse acabado de sair do pasto.
—Bom Deus! Rawley?—.
O homem sorriu e estendeu uma mão. —Sim, senhor—.
Austin o trouxe para um abraço. —Por Deus, menino. Você cresceu—.
Rawley deu um passo para trás. —Sim, senhor, eu acho que sim—. Ele tirou o chapéu e deu a Loree um sorriso morno. —Tia Loree—.
Austin tomou Mark dos braços dela. Ela ficou na ponta dos pés e jogou os braços ao redor de Rawley. —É tão bom ver você—.
Ele a abraçou com força. —Você é uma visão para olhos cansados, com certeza—.
Ele a soltou. —A mãe disse que a plataforma quebraria com o peso da família inteira então todo mundo está esperando no salão de baile do hotel—.
—Nossa! Bocê é um baqueiro?—, Zane perguntou.
Um sorriso lento se arrastou na quina da boca de Rawley. —Acho que sou—.
—Você tem uma arma?—.
—Sim, mas eu não posso usá-la aqui na cidade por causa da ordem que proíbe armas de fogo—.
—E um cabalo?—.
—Sim—. Rawley agarrou o estojo do violino. —Eu carrego isso para você—.
—Obrigado—, Austin disse enquanto o entregava a ele.
Rawley jogou o dedo polegar para trás. —É melhor nos irmos para o hotel antes que a mãe envie um destacamento para nos procurar—.
—Bocê já biu um destacamento?—, Zane perguntou enquanto corria para acompanhar os passos largos e longos de Rawley.
—Uma vez eu já montei com um. Alguns homens roubaram o banco aqui na cidade, e isso não foi legal—.
—Bocê pegou eles?—, Zane perguntou.
—Não. Última vez que ouvi falar, eles estavam fazendo um buraco na parede—. Rawley saiu da plataforma e bateu na coxa. —Two-Bits!—.
O cachorro saiu de sua sombra e trotou para seu lado. Loree se ajoelhou no chão, rindo com o encanto enquanto o cachorro lambia seu rosto.
—Bocê tem um cachorro?—, Zane perguntou enquanto os meninos começavam a acariciar Two-Bits.
—Não, ele é o cachorro da sua mãe. Eu só cuido dele—.
—Ele bai morar com a gente?—, Matt perguntou.
—Creio que sim—, Rawley disse.
Loree ficou de pé. —Você não vai sentir falta dele?—.
Rawley deu uma olhada por cima do ombro. —Nós realmente precisamos chegar ao hotel—.
—Two-Bits bai morar com a gente, mãe?— Zane perguntou.
—Acho que não. Acho que ele iria sentir muita falta de Rawley—. Rawley girou a cabeça e ela viu o alívio em seus olhos. —Mas eu estou certa de que nós poderemos achar outro cachorro em algum lugar—.
—Isto se nós decidirmos ficar—, Austin lembrou a ela e os meninos.
—Eu quero ficar—, Zane disse, —se isso quer dizer que nós poderemos ter um cachorro—.
—E um cabalo—, Matt acrescentou.
Austin deslizou as mãos ao redor da de Loree. —Vamos—.
A cidade tinha crescido e Austin não podia conseguiu evitar de se sentir orgulhoso pelo irmão. Qualquer homem teria sentido inveja do pai que tivesse criado um jovem que tão pacientemente respondia as perguntas dos meninos enquanto eles entravam no hotel.
Rawley abriu a porta que dava acesso ao salão de baile. Apertando a mão ao redor da de Loree, Austin respirou fundo e entrou embaixo da arcada. Os gritos e salvas ressoaram ao redor dele. Pedaços minúsculos de papel e tiras voaram na frente de seu rosto.
Mais que sua família o dava boas-vindas. Parecia que a maior parte da cidade estava lotando o salão.
—Tio Austin!—.
Virando, Austin sentiu como se tivesse sido jogado de volta no tempo—quando tinha vinte anos—e estava olhando para Amelia novamente, sorrindo e radiante… só que ele nunca tinha sido tio de Amelia. —Maggie May?—.
Ela assentiu vivamente e lançou os braços ao redor do pescoço dele. —Eu senti sua falta—, ela gritou.
—Eu senti sua falta, também—, Austin disse com a voz rouca.
Rawley chegou perto. —Cuidado com o que fala para ela. Ela acha que é mais esperta que todos nós porque está indo para aquela universidade em Austin—.
—Você podia ir, também, Rawley—, Maggie disse, ousadia refletindo em seus olhos verdes.
—Não mesmo, Pirralha. Eu tenha vacas para cuidar—.
—Você e suas vacas—. Ela olhou para os filhos de Austin. —Você e os meninos vão ajudar Rawley a cuidar do gado?—.
Todos os filhos tinham movido a cabeça para cima e para baixo excitadamente.
—Bom Deus, você não sabe fazer meninas?—, Houston perguntou.
Austin sorriu para o irmão. —Você parece que não mudou nada—.
—Apenas não dá para notar quando o rosto é tão sem atrativos quanto o meu—.
Austin viu lágrimas derramando nos olhos da mulher de pé ao lado de Houston. Seu cabelo não era tão loiro quanto tinha sido antes, mas ele achava que ainda assim eles pareciam ter sido tecidos com raios de luar. Ele a pegou nos braços. —Amelia—.
Ela o abraçou bem perto.
—Você começou tudo isso, sabia—, ele sussurrou. —Você foi a primeira, a pessoa que nos ensinou que nós não deveríamos ser tão fortes—.
Ela bateu levemente nas costas dele. —Eu não perderia isso por nada no mundo—.
—Eu preciso de um abraço—.
Austin olhou por cima da cabeça de Amelia e sorriu para Dee. —Quem teria pensado que você ficaria tão mandona?—.
Os braços se juntaram em um abraço feroz. —Você não me viu mandona ainda. Eu tenho para você três apresentações marcadas no meu teatro—.
—Dee—- Ela sacudiu o dedo. —Eu não vou ter um violinista famoso internacionalmente em nossa cidade e não fazê-lo tocar no meu teatro—.
—Eu não sei se sou tão famoso assim—
—Loree mandou para a gente todos os recortes de jornal—
Ele deu uma olhada para a esposa, que simplesmente sorriu para ele.
—Claro, nós não podemos ler a maior parte deles sendo escrito em idioma estrangeiro e tal—
—Agora eu consigo ler os da França—, Maggie disse.
Rawley revirou os olhos. —Veja, eu disse a você que ela acha que é mais esperta que a gente—
—Não mais esperta, só mais estudada—, ela disse.
—Experiência é o melhor professor—, Rawley disse. —Dallas me ensinou isto—.
—E eu que achava que você não estava prestando atenção—.
Austin girou com a voz intensa do irmão mais velho. Os anos tinham transformado o cabelo de Dallas em prata e sombreado seu bigode com sombras variadas de cinzas. As pregas ao redor de seus olhos e boca tinham aprofundado. O olhar de Dallas vagou de cima a baixo em Austin, e ele desejou de todo coração que seu irmão não achasse defeitos nele.
Um sorriso lento surgiu no rosto de Dallas. —Eu sempre soube que os seus sonhos o levariam de nós. Só não achava que eles o manteria afastado por tanto tempo—.
—Bem, nós estamos em casa agora—. Ele não sabia como as palavras eram verdade até que abraçou o irmão. Ele deu a Loree o mundo… e agora ele queria dar a ela e os meninos uma casa.
Rawley saiu do salão de baile e foi até a varanda. —Faith, Tio Austin e Tia Loree estão aqui. Você não vai lá recebê-los?—.
Ela girou, lágrimas visíveis nas bordas de seus olhos. —Oh, Rawley, eu não quero que ele me veja assim, não depois de todos esses anos—.
Ele a olhou de cima a baixo. Ele não entendia nada sobre moda, mas ele achava que ela estava linda no vestido vermelho. —Não há nada errado com a sua aparência—.
—Eu não tenho seios—.
O olhar desceu até os seios dela, lisos como uma tábua de madeira bem lixada. A irritação surgiu nele porque ele tinha olhado. —Por Deus, Faith, você só tem treze anos. Você não deveria ter seios—.
—Eu tenho quase quatorze. A A. J. só tem onze e já tem seio—.
—Eu não acho que aquelas dois pequenos montinhos podem ser chamados de seios—
—Você notou!—.
Ele fechou os olhos. —Você vai me esfolar vivo—. Ele abriu os olhos. —Não é como se eu estive desejando ela ou qualquer coisa do tipo. Ela é minha prima, pelo amor de Deus—.
—Mas você notou—.
E como não notaria? Todas as filhas do Tio Houston tinham boas curvas, mas isso não queria dizer que ele tinha pensamentos lascivos apenas porque tinha notado. Ele se debruçou contra a parede, cravou o salto da bota entre os tijolos, e decidiu segurar sua língua porque não havia nenhum maldito meio de ganhar desse argumento dela. Ele puxou uma vara de sarsaparilla do bolso.
—Dá—, ela ordenou oferecendo a mão.
—É a minha última—, ele disse enquanto a quebrava pela metade e dava um pedaço a ela. —Quer me dizer o que realmente está te aborrecendo?—.
—Eu amo John Byerly e ele ama Samantha Curtiss. Eu sei que é porque ela já tem seios e eu não—.
—O que você quer com o John? Ele é um baixinho—.
—Todos os meninos perto de mim são baixinhos—.
Ele não podia discutir isto. Ela já estava perto do ombro dele, e ele tinha a impressão de que ela não tinha acabado de crescer.
—Ninguém nunca vai me amar, Rawley—.
Ele saiu da parede e pôs os braços ao redor dela. —Eu amo você, Faith—.
—Mas você é meu irmão e isso não conta—.
Ele segurou o queixo dela. —Você não quer alguém que esteja olhando apenas para o seu exterior. Você quer alguém que se importe o suficiente para te olhar por dentro porque por dentro nunca envelhece, enruga ou fica cinza—.
Ela fungou. —Se ninguém me chamar pra dançar, você dançará comigo?—.
—Claro, Senhorita Leigh, eu ficaria honrado—.
Ele deslizou o braço dela dentro do dele e a levou para o Salão Principal. Ele tinha a sensação de que nos anos seguintes Faith destruiria vários corações. Seu maior medo era de que o dele fosse um desses.
Com um irmão de cada lado, Austin permitiu que seu olhar vagasse pelo salão. Cookie tocava o violino e os pares valsavam. Os homens ainda eram em maior número que as mulheres, mas não muito. Suas sobrinhas estavam se tornando jovens, seu sobrinho um bom jovem.
—Foi isto o que você pressentiu quando respondeu ao anúncio da Amelia todos aqueles anos atrás?—, ele perguntou a Dallas.
—Não. Eu não sabia que seria assim tão bom—, Dallas disse.
—Mesmo que você não tenha acabado com ela?— Houston perguntou.
—Embora você a tenha roubado de mim—, Dallas enfatizou.
—Eu sempre achei que tinha sido melhor assim—, Austin disse.
—É verdade—, os irmãos concordaram.
Austin viu Rawley se aproximar. —Dallas, eu preciso voltar para o rancho e checar o rebanho—.
Dallas deu a ele um aceno com a cabeça lento e longo. —O que você achar melhor—.
Rawley estendeu a mão para Austin. —Tio Austin, é bom ter você em casa. Acho que nos veremos em casa mais tarde—.
—Creio que sim—.
—Tio Houston, eu vigiaria aquele cara dançando com a Maggie—.
—Ele e aqueles outros três que a seguiram de casa até a escola. Eu disse a ela que poderia faltar a escola porque essa era uma ocasião especial, mas aqueles caras… não se dedicam aos estudos pelo que vejo—.
—Eles são dedicados a ela—. Rindo, Rawley bateu levemente no ombro de Houston antes de sair do quarto.
—Ainda não conseguiu fazê-lo te chamar de pai?—, Austin perguntou.
Dallas agitou a cabeça. —Não, mas não importa. Ele é meu filho e ele sabe disto muito bem—.
Austin viu por um momento seu próprio filho andar na direção dele com uma jovem a reboque.
—Pai, essa é Mary McQueen—, Grant disse.
A menina tinha os olhos azuis da cor do céu do verão e cabelo que refletiam a cor vermelha. Austin se agachou. —Olá, Mary McQueen—.
—O menino fala engraçado—.
—É porque ele não tem estado no Texas há muito tempo—.
—Você vai cuidar disto?—.
Com o som da voz do velho amigo, Austin lentamente endireitou o corpo e estendeu a mão. —Cameron—.
O aperto de mão de Cameron era firme. —Austin, você parece um homem que se encontrou várias vezes com o sucesso—.
—Eu podia dizer o mesmo para você. Como estão os negócios no armazém geral?—.
—Muito bom, embora ele seja muito modesto para admitir—, Becky disse ao lado dele. —Ele expandiu a loja para incluir o segundo andar e tem todas as mercadorias divididas em departamentos. Nós realmente vivemos em uma casa agora—. O sorriso dela se suavizou. —Nós temos ficado tão orgulhosos de te seguir ao redor do mundo. Dee tem todas as suas notícias de jornal—.
—Você parece feliz, Becky—.
—Eu sou—. Ela girou ligeiramente para o menino jovem de pé ao lado dela. —Você se lembra do Drew?—.
—Com certeza—.
—E você acabou de encontrar nossa Mary—.
—Eu disse a Mary que bocê tocaria para ela—, Grant o informou.
Austin ergueu a sobrancelha para seu primogênito. —Você disse, é?—.
O filho concordou com a cabeça. —Se você tocar para ela, então eu tocarei para você dançar depois porque eu sei o que a mamãe quer dançar e o cavalheiro que está tocando não tem nada a mínima idéia de como tocar—.
—Não diga isso a ele—.
—Não, senhor, eu não o ofenderia. Então, você tocará para Mary?—.
—Eu acho esta idéia maravilhosa—, Dee disse enquanto deslizava o braço pelo de Dallas. —Você podia tocar para todos nós. Eu sei que nós não somos da realeza——
—Como você pode dizer isto, Dee, quando é casada com o rei do West Texas?—.
Dallas bufou. —Se você vai tocar, toque logo. Eu desejo dançar com a minha esposa—.
Loree soube no momento em que a multidão se silenciou que Austin tinha a intenção de tocar para eles. A reverência que ele tinha pelo seu dom era visível quando andava no palco e colocava o violino no ombro.
As primeiras notas da música doce encheram o ar e Loree sorriu. Ela conhecia a canção. Sempre começava a mesma, mas o final mudava ao longo dos anos, ficando mais profunda e mais forte, um reflexo de seu amor. Ela nunca se cansava de ouvi-la. Nunca se cansava de ver seu marido criar a melodia das cordas da mesma forma que ele dava vida à paixão: com cuidado, devoção e atenção a todos os mínimos detalhes.
Os três filhos mais velhos tinham preferência pela música. Grant se juntou a Austin e agraciou o público com seu talento.
—Ele irá mais distante do que eu já sonhei—, Austin disse a ela uma vez. E ela se perguntou se fosse aquela revelação que o tinha trazido de volta para casa, para que ele pudesse dar raízes aos filhos assim como asas.
A música foi para longe como pétalas de dente-de-leão ao vento. Um silêncio aterrorizado penetrou no ar antes de alguém ousar perturbá-lo batendo palmas. Austin sorriu e se curvou. O grito aumentou pedindo outra canção e o marido dela simplesmente agitou a cabeça.
—Se vocês me dão licença, eu gostaria de dançar com a minha esposa agora—. Ele deu o violino para Grant e sussurrou algo em sua orelha antes de descer do palco provisório.
O coração do Loree se aqueceu quando ele a abordou se ajoelhou na frente dela e bateu em sua coxa. —Vamos, querida—.
Ele tirou um sapato dela e então o outro antes de ficar de pé e fazer sinal para seu filho. A música flutuou na direção deles e Austin a conduziu para a pista de dança. O olhar azul dele nunca deixou o dela e ficou mais morno e tinha promessas que ela sabia que ele cumpriria.
Ela viajou o mundo. Ela tinha valsado com a realeza.
Mas ela era mais feliz quando Austin a segurava dentro do círculo de seus braços e a cercava com o esplendor de seu amor.
[1] Digger = escavador.
[2] Two-Bits = Vinte e cinco centavos. Bit, moeda de prata espanhola ou mexicana que valia 12,5 centavos e era usada em algumas partes dos Estados Unidos.
[3] Greensleeves é o nome de uma canção folclórica inglesa, que serve como base para a forma musical intitulada —romanesca—.
[4] Maggie May (maio), Anita June (junho), Amanda April (abril), Gracie e Laurel Joy.
[5] magpies = junção de Maggie (diminutivo para Margaret) + pássaros.
[6] Peixe, no original Go Fish, conhecido no Brasil como Desconfio.
Lorraine Heath
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