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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


ESPOSA CATIVA / Marion Lennox
ESPOSA CATIVA / Marion Lennox

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblio "SEBO"

 

 

 

A Casa Real dos Karedes

ESPOSA CATIVA

 

Uma família real dividida por orgulho e sede de poder, reconciliada pela inocência e pela paixão.

Nove anos atrás, o príncipe Andreas Karedes voltou para o reino de Aristo, no Mediterrâneo, para cumprir suas obrigações reais sem saber que Holly Cavanagh, a doce garota australiana pela qual se apaixonara, estava grávida. Tragicamente, Holly perdeu seu filho, mas um escândalo está prestes a vir à tona: a imprensa descobriu seu segredo. Agora, ela será forçada a reencontrar Andreas, e ele precisará convencê-la a ajudá-lo. O casamento é a única solução, é a paixão que jamais se extinguiu entre eles pode ser sua maior vantagem...

 

— Tinha apenas 17 anos?

— Isso aconteceu há 10 anos. Eu mal tinha saído da adolescência.

O futuro rei de Aristo olhou, furioso, para o irmão.

— Já não tivemos escândalos demais?

— Não por minha culpa.

O príncipe Andreas Christos Karedes, terceiro na linha de sucessão da coroa de Aristo, enfrentou o irmão mais velho com o desdém habitual de uma família de homens movidos por testosterona. Os irmãos eram famosos conquistadores, mas Andreas sempre fora discreto em suas aventuras.

— Até agora — disse Sebastian. — Para não falar do seu extraordinário divórcio, cujo impacto foi terrível. Mas isto é pior. Você precisa resolver esse assunto antes que afete todos nós.

— Como?

— Livre-se dela.

— Você não está sugerindo...

Sebastian evidentemente rejeitou a ideia, mas seu olhar pesaroso demonstrava que a alternativa não deixava de ser atraente. Andreas compreendeu. Desde a morte do pai, os três irmãos haviam se tornado o foco da mídia, e a inquietação política ameaçava destruí-los. Na casa dos 30 anos, todos muito belos, incrivelmente ricos, mimados e festejados, os irmãos agora precisavam enfrentar uma realidade para a qual não estavam preparados.

— Se eu fosse o nosso pai... — Sebastian disse.

Andreas deu de ombros. Quem sabe o que o velho rei faria ao descobrir o segredo de Holly? Graças a Deus, ele não soubera. Não que o rei Aegeus fosse moralista. Estavam naquela confusão justamente por causa das atitudes do pai.

— Você será um rei muito melhor do que ele — disse Andreas amavelmente. — Que acordo escuso o teria levado a dispor do diamante real?

— É isso que me preocupa — Sebastian disse. Todos sabiam que não haveria coroação até que o diamante fosse encontrado e, pelo modo como a mídia estava sedenta por sangue, talvez também não houvesse depois. Com o sumiço do diamante, as regras haviam mudado. Se houvesse mais um escândalo... Essa garota...

— Holly.

— Você se lembra dela?

— Claro que lembro.

— Então será fácil encontrá-la. Nós podemos suborná-la... faremos o que for preciso para que ela se cale.

— Se ela quisesse fazer um escândalo, teria feito há anos.

— Isso esteve escondido durante anos para ser revelado agora... — Sebastian encarou Andreas com um olhar implacável. — Isso não pode acontecer, irmão. Precisamos ter certeza de que ela não conseguirá nos derrubar.

— Vou tentar falar com ela.

— Nada de telefonemas até sabermos como ela irá reagir. O telefone dela pode estar grampeado. Vou trazê-la até aqui.

— Posso ir...

— Fique de fora até que ela esteja aqui. Você está presidindo o inquérito sobre os atos de corrupção. Nosso irmão escolheu o pior momento para se casar. Enquanto Alex estiver em lua de mel, preciso de você mais do que nunca. Se você partir agora e esse caso vazar para a imprensa, certamente perderemos a coroa.

— Como pretende persuadi-la a vir até aqui?

— Ah, eu conseguirei convencê-la — disse Sebastian com severidade. — Ela pode até ser um erro do passado, mas não conseguirá estragar nosso futuro.

 

Estava na hora de partir. De todas as despedidas pelas quais Holly já passara, aquela seria a mais difícil. O túmulo era pequeno. Uma simples placa de granito à sombra do enorme eucalipto avermelhado dera nome à fazenda australiana. A árvore era centenária. Os nativos que ali haviam vivido por gerações a chamavam de Munwannay: lugar de descanso. Quando o filhinho de Holly morrera, aquele lhe parecera o único lugar para enterrá-lo. Como poderia deixá-lo? Como poderia se afastar de tudo? Holly caiu de joelhos diante do túmulo do filho e se virou para olhar a grande e antiga casa, com suas enormes varandas e o jardim abandonado que ela sempre amara. Andreas adorara não só o jardim: gostara de tudo naquele lugar. E ela o amara.

Ela também precisaria se desligar da lembrança do príncipe Andreas Karedes. Ele tinha 20 anos e ela, 17 quando ele viera passar seis meses na fazenda do longínquo deserto australiano. Agora ela estava com 27 anos e precisava ir em frente, sair daquele lugar e esquecer um amor que estivera condenado desde o princípio. Ela adiara o máximo possível e tentara manter a propriedade em condições apresentáveis, caso aparecesse um comprador, mas a fazenda estivera à venda desde a morte de seu pai, seis meses antes, e ficara cada vez mais difícil sustentá-la e vê-la se deteriorando. Afinal, ela conseguira transferir seu trabalho como professora da "Escola através do Rádio" para a sede, em Alice Springs, e tudo se resolvera.

Holly acariciou o túmulo do filho pela ultima vez, sofrendo e sentindo saudade, mas sua atenção foi despertada pelo ruído de um helicóptero, que interrompeu a quietude da quente manhã de abril. Ele era maior e mais potente do que os usados pelos fazendeiros locais. Negro e ameaçador, ele sobrevoou os currais desertos em baixa altitude e tomou a direção da casa. Holly fez uma careta. A fazenda já fora vista por vários compradores em potencial, mas ninguém se interessara. Munwannay precisaria de um grande investimento e de entusiasmo para recuperar a sua antiga imponência.

Se fossem compradores encaminhados pelos corretores locais, a reação seria a mesma dos anteriores: diante do esplendor decadente da velha casa, do seu estado deteriorado e da infraestrutura antiquada, iriam embora. Compradores que chegavam naquele tipo de helicóptero provavelmente teriam mais dinheiro que os demais e poderiam comprar algo bem mais requintado. Holly não desejava recebê-los no seu último dia na fazenda, mas eles já estavam aterrissando, levantando uma nuvem de poeira.

De dentro do helicóptero, saíram quatro homens vestidos com jeans escuros e camisetas pretas, todos altos e fortes. Holly estranhou, porque os interessados costumavam ser fazendeiros locais que pretendiam aumentar suas terras, identificáveis pela idade e pela aparência, ou homens de terno que vinham da cidade. Porém, não fazia diferença. Ela precisava ser gentil. A venda da fazenda ajudaria a quitar as incríveis dívidas deixadas pelo pai que se recusara a acreditar que suas condições de vida haviam mudado. Holly sorriu e correu na direção do helicóptero para evitar que os homens vissem o pequeno túmulo que ela tanto prezava.

Os homens eram jovens demais para serem compradores, ela pensou enquanto se aproximava. Pareciam estrangeiros. Eram morenos como Andreas. Estavam sérios, decididos e atravessavam os currais com um desinteresse que não coincidia com o olhar avaliador de quem pretende comprar algo. Holly sentiu medo e tentou se controlar. Estava completamente sozinha e imaginava coisas: dificilmente alguém iria até ali num helicóptero como aquele para lhe fazer algum mal, e nada havia para ser roubado. Ela secou o suor frio das mãos no jeans, prendeu os cabelos atrás das orelhas, manteve o sorriso e os cumprimentou.

— Olá, posso ajudá-los? — Nenhum deles sorriu em resposta e o mal estar de Holly aumentou.

— Você é Holly Cavanagh? — perguntou o homem que vinha à frente.

— Sou. — Ao ouvir o sotaque do homem, ela se lembrou de Andreas e pensou que eles talvez fossem gregos. Talvez até viessem de Aristo, o reino insular onde nascera Andreas... a possibilidade lhe pareceu absurda, mas ela lera nos jornais que a conduta impiedosa do velho rei Aegeus transformara Aristo numa potência econômica considerável, onde havia cassinos, dinheiro fácil e rumores de corrupção em altos níveis. Talvez houvesse cidadãos com dinheiro para reformar um lugar como a fazenda. Talvez Andreas tivesse sabido que Munwannay estava à venda, ela pensou de repente. Ele a adorara. Talvez... talvez fosse melhor deixar de divagar, porque o homem chegara perto dela. Holly lhe estendeu a mão. O homem a cumprimentou, não com a leveza de um cumprimento formal. Ele apertou sua mão com secura e com frieza. Holly puxou a mão, mas o homem não a soltou.

— Você deve vir conosco — ele disse.

Ela ficou espantada.

— Como? — Mas ele já a puxava para o helicóptero.

Holly resistiu, mas outro homem a pegou pelo braço. Os dois a seguraram pelos cotovelos e quase a levantaram do chão. Holly gritou, mas não havia quem pudesse ouvi-la. Munwannay estava deserta, a não ser por aquele fiapo de mulher cujos esforços para salvar o lugar não haviam dado resultado.

— Coloque-a no helicóptero, depressa — disse o líder num idioma que ela reconheceu e que Andreas lhe ensinara para poderem conversar sem que os pais dela entendessem.

— Não. Não! — Ela tentou se soltar, mas era apenas uma mulher no meio de quatro homens treinados para usar a força bruta.

— Cale-se — mandou um deles. O outro a empurrou com tanta violência que quase lhe deslocou o braço.

— Não a machuque. — O chefe imediatamente advertiu. — O príncipe deu ordens para não machucá-la.

— O quê...? Por quê? — ela gaguejou.

Eles a colocaram dentro do helicóptero com a maior facilidade, como se fosse um fardo de palha.

— Fique quieta — disse um deles, falando como se tentasse acalmar uma criança. — Não adianta resistir. O príncipe Andreas quer vê-la e, o que ele quer, ele consegue.

 

O telefone tocou logo após o jantar. O mordomo acenou discretamente para Andreas, e ele saiu da mesa em silêncio. A família real dos Karedes estava tão ocupada, com os escândalos que a atingiam no momento, que mal sentiu a sua ausência. No tempo de seu pai, seria inadmissível sair da mesa antes de servirem o vinho do Porto aos homens. Porém, o rei estava morto. Vida longa ao rei, pensou Andreas, saindo rapidamente. Era preciso haver uma coroação. E um diamante. E nada de escândalos. Naquele clima, o segredo de Holly poderia derrubá-los do trono. Ele soube assim que pegou o fone e deu graças pela primeira parte do plano de Sebastian ter dado certo.

— Ela está a caminho — disse Georgiou.

Andreas suspirou aliviado. Não achara que seria tão fácil. Na verdade, não sabia o que pensar. Esperava que Holly estivesse casada. Ficara chocado ao saber que ela ainda estava solteira, e aquela fora a sua menor surpresa. Agora ela estava a caminho de encontrá-lo.

— Ela concordou imediatamente? Sem discutir? — Houve um silêncio prolongado do outro lado da linha e Andreas franziu a testa. — Por que não responde?

— Recebemos instruções para trazê-la de qualquer jeito.

— Você pediu a ela que viesse? Sua instrução foi para dizer a ela que viesse com urgência, para lhe oferecer todo o conforto...

— O príncipe Sebastian ordenou que ignorássemos seus protestos caso ela não concordasse. Ela estava sozinha, à espera do corretor. Resolvemos que seria melhor agirmos rápido. Qualquer discussão seria perda de tempo e poderia prejudicar a missão de trazê-la.

— Então...

— Então nós a colocamos no helicóptero, quisesse ou não. Depois a transferimos para um avião. Não houve problema. Não havia ninguém para nos ver chegar ou vê-la partir.

Andreas fechou os olhos, compreendendo as consequências do que os homens haviam feito.

— Vocês a sequestraram.

— Não havia escolha — disse Georgiou. — Ela não ouviria. Durante todo o voo, tentamos explicar a ela que o senhor queria vê-la, mas a dama está zangada demais para escutar. Ela mordeu Maris.

— Vocês lutaram com ela?

— Ela não queria vir. Claro que houve briga.

Andreas suspirou, desgostoso. Eles a haviam sequestrado... O que Holly estaria pensando? Se a notícia se espalhasse... um príncipe da nobre casa dos Karedes raptando uma mulher australiana, arrastando-a para fora do país contra a vontade...

— Ela está machucada? — ele perguntou, perplexo.

— Nós não a machucamos — Georgiou disse, na defensiva. — Obedecemos as ordens, mas ela luta como uma gata selvagem.

— Não importa como ela luta — cortou Andreas, assustado com o resultado das ordens de Sebastian. — Vocês não deveriam revidar, ela é apenas uma garota.

— Uma mulher — corrigiu Georgiou. — Uma mulher feita, misturada com uma pantera.

Andreas pensou na Holly que deixara há dez anos. Aos 17 anos ela já era geniosa. Ele passara seis meses maravilhosos na casa dos pais dela, conhecendo a vida do deserto australiano, antes de assumir seus deveres. Fora uma concessão relutante do pai para o filho caçula. O seu relacionamento com Holly se acendera do nada e se transformara num incêndio que ele desejara manter, mas Holly fora forte pelos dois.

— Você não pertence ao meu mundo, e eu não pertenço ao seu — ela dissera com firmeza, enquanto ele a abraçava pela última vez, depois de declarar que não poderia deixá-la. — Precisam de você. Sua vida está em Aristo. Você está comprometido com uma princesa, Andreas. Não torne tudo mais difícil para nós dois. Vá.

Ele partira, tentando esquecer a dor que vira no rosto de sua amada. Ela chorara, e ele quase chorara também, mas ela tinha razão. Ele era um príncipe e estava comprometido num noivado. Holly precisava cuidar dos pais idosos e tinha uma carreira promissora como professora na "Escola através do Rádio". Pertenciam a mundos opostos. Ele tentara não pensar nela durante aqueles dez longos anos. Passara por um casamento tumultuado que acabara num amargo divórcio e cumprira os seus deveres de príncipe aprisionado no aquário da corte. Sua vida se resumia a servir à coroa, que precisava ser protegida a qualquer custo e que Holly, sabendo ou não, ameaçava derrubar.

— Traga-a diretamente para o palácio, depressa — disse Andreas rispidamente ao recordar tudo o que estava em jogo.

— Só há um problema — disse Georgiou, hesitante.

— Que tipo de problema?

— Ela não está nada calma. Pode fazer um escândalo.

— Por que ela faria isso? — Andreas perguntou. Georgiou ficou calado. Talvez a pergunta tivesse sido estúpida. Se eles a haviam arrastado até ali contra a vontade... se ela ainda era a Holly que ele conhecera... — Encontro vocês no aeroporto.

— Não na pista principal — Georgiou disse depressa. — O senhor precisa falar com a dama em particular. Se é que ela vai falar com o senhor.

— Ela falará comigo — disse Andreas secamente.

— Talvez — disse Georgiou. — Há quanto tempo não a vê?

— Dez anos.

— Talvez ela tenha mudado — Georgiou falou com certa admiração. — Parece que ela aprendeu a lutar.

— Ela já lutava há dez anos.

— O senhor conseguia vencê-la? Com todo o respeito, majestade, foram precisos quatro homens fortes para segurá-la. O senhor será capaz de contê-la?

 

Estavam aterrissando. Holly desistira de lutar. Depois de ser humilhantemente jogada dentro do avião e, depois que ele levantara voo ela reconhecera que não adiantaria e se recolhera no que pretendia ser um silêncio digno. Não que ela sentisse alguma dignidade. Vestia um jeans velho e uma camiseta manchada ao ser raptada. Acabara de inspecionar os cochos e os barris de água destinados aos cangurus e aos emus, porque o gado há muito se fora. Seus cabelos estavam grossos de poeira.

Vinte e quatro horas depois, sua situação era a mesma. Lavara o rosto no banheiro do avião, mas não tinha nada para disfarçar as olheiras. Sentia-se suja, exausta e receosa, mas jamais demonstraria medo diante daqueles homens grosseiros. Talvez não fossem eles que ela deveria temer. Andreas queria vê-la, independente de sua vontade. Há dez anos, se ele a tivesse chamado, teria concordado e ido até o fim do mundo. Estivera tão apaixonada por ele que lhe daria tudo o que tivesse, e mais ainda. Quando Andreas irrompera em sua vida, ela procurava um jeito de sair da fazenda. Alto, misterioso, alegre e imponente, ele parecia querer fazer parte de sua vida tanto quanto ela queria fazer parte da dele. Haviam se apaixonado.

Mais tarde, depois que o perdera, ela imaginara se não fora essa a intenção de seus pais ao recebê-lo como hóspede. Seus pais tinham mania de grandeza e deveriam saber que, tendo uma filha jovem e impressionável, seria perigoso oferecer hospedagem ao belo príncipe, e que os dois se apaixonariam. Talvez a intenção fosse casá-la com um nobre. Quem sabe? No fim, eles haviam conseguido bem mais do que pretendiam: uma filha desolada e um neto que morrera sem ser reconhecido pelo pai. Não pense em Adam, ela ordenou a si mesma, enquanto o avião aterrissava. Não ouse chorar. Ela se controlou e olhou pela janela. Sobrevoavam o reino de Adamas, lar de Andreas.

Adamas consistia de duas grandes ilhas: a deslumbrante Aristo e as terras áridas de Calista. Andreas falara tanto sobre as ilhas que Holly sentia como se as conhecesse. No passado, as duas haviam constituído um único reino, governado pela casa real dos Karedes. Atualmente, as duas estavam dividas entre um casal beligerante de irmãos. O pai de Andreas governava Aristo com a sua ajuda e a de seus dois irmãos.

Ela sabia que Andreas se casara logo depois de voltar da Austrália. O esplendor da cerimónia fora estampado nas revistas que ela vira no armazém de Munwannay. Ao ler a notícia, ela chorara e nunca mais falara sobre ele. Àquela altura, ele já deveria ter um bando de filhos. Por que a arrastara até ali? Talvez estivesse farto de seu casamento, ela pensou. Andreas estava casado há nove anos, tempo suficiente para se cansar de uma esposa, principalmente se esta fazia parte de um casamento arranjado. Talvez ele tivesse se lembrado da paixão tumultuosa e selvagem que os levara a ultrapassar os limites da precaução. Com certeza ele não pensara que... se achava que ela... por que queria vê-la? Holly fechou as mãos com tanta força que cravou as unhas na carne. Ele não ousaria, depois de tanto tempo... mas, o problema é que se tratava de Andreas. Ele seguira em frente, e ela ficara presa no tempo, tentando manter a fazenda, construir uma carreira e sentindo-se incapaz de abandonar o pequeno túmulo. E jamais o esquecera.

O príncipe Andreas Christos Karedes, de Aristo, a esperava. O que ele queria dela? Não lhe daria nada. Nada! O que houvera entre eles acabara. Ela só precisava encontrar um jeito de se livrar daqueles gorilas e fugir. Mas, antes, veria Andreas.

O avião parou longe do aeroporto. Andreas foi ao seu encontro. Não precisava que Sebastian lhe dissesse que quanto menos gente presenciasse aquele reencontro, melhor. Andreas queria se livrar dos guardas e da tripulação, mas não foi possível. Teria que pagar bem caro pelo silêncio de todos. Impaciente, ele esperou que colocassem a escada e abrissem a porta do avião. Georgiou saiu na frente, parou no alto da escada e olhou-o com uma cara desconsolada, fazendo um gesto de rendição.

— O senhor quer que desembarque a carga? — Georgiou perguntou, olhando preocupado para os funcionários do aeroporto, que rodeavam o avião. — Ela... pode ser que haja algum problema.

— Você e seus homens podem sair do avião — Andreas disse secamente. — Eu vou entrar.

— Acha que é seguro?

— Não seja ridículo — ele retorquiu. A situação estava se tornando absurda. Embora ele odiasse pensar que ela fora sequestrada, deveria se lembrar de que ela o enganara e de que por isso estava ali. Ele tinha motivos para estar indignado, e, quanto mais cedo se livrasse dela, melhor. Talvez houvesse uma explicação muito simples, eles conversariam por alguns minutos e ela iria embora. Talvez tudo não passasse de um engano.

— Ela está no fundo do avião. Mal falou conosco desde que saímos da Austrália, e sempre com raiva — disse Georgiou, dando passagem a Andreas.

Andreas entrou na cabine e a viu. Por um instante o mundo parou. Ela parecia ser a mesma que ele sempre carregara em seu coração, a sua Holly alegre e provocante, de jeans e camiseta, com os cabelos revoltos. A sua lembrança favorita era a de Holly cavalgando nos currais, desafiando-o a acompanhá-la. Adorável Holly, com o seu corpo lindo, seus olhos brilhantes como safiras, sua inteligência e sua risada arrastada... mas ela não estava sorrindo. Seu rosto estava contraído e zangado. Ela cruzou os braços e não saiu do lugar. Parecia transtornada, exausta e furiosa. Olhou para ele de um jeito que o atingiu quase fisicamente.

— Holly... — ele falou com uma ternura incontrolável, mas que parou por ali.

— Como ousa? — ela interrompeu.

Ele se aproximou, ela levantou e começou a andar pelo corredor.

— Eu queria vê-la — ele disse.

Os olhos de Holly flamejavam.

— Pois está me vendo. Os seus gorilas me arrastaram sem dizer uma palavra e me trouxeram aqui sem uma explicação. Seus gorilas. É isso que eles são, Andreas, e você também, por empregá-los. Um gorila estúpido e covarde que precisa mandar quatro homens contra uma mulher indefesa.

— Você não é indefesa. — Ele esboçou um sorriso e tentou chegar perto dela. — Você mordeu Maris.

— Mordi. — Se o olhar matasse, Andreas estaria morto. — Gostaria de tê-lo mordido com mais força, mas talvez eu apanhasse alguma doença. Vocês todos são um poço de lixo. Por que me arrastou até aqui?

— Precisamos ter uma conversa — ele respondeu, tentando manter a calma.

— Poderia ter usado o telefone.

— Não seria inteligente — Ele deu mais um passo na direção de Holly, o que foi um erro. Ela lhe deu uma bofetada sonora e forte, que ecoou na cabine. Andreas ficou furioso e agarrou-a pelo pulso.

— Não me toque — ela vociferou, chutando-o. A bota o atingiu na canela e ele conteve um gemido.

— Sabe quais são as punições por agredir a realeza? — ele perguntou, espantado, segurando-a com destreza para mantê-la a uma distância segura.

— E você sabe qual é o castigo por sequestro internacional? — ela respondeu, ainda tentando chutá-lo. — Por ter me arrastado e trazido até aqui contra a minha vontade? Não sei o que quer comigo, Andreas Karedes. Diga aos seus gorilas para darem meia volta no avião e me levarem de volta para casa. — Ela torceu os pulsos com tanta força que ele a soltou.

Holly perdeu o equilíbrio e ele a segurou pelos ombros. Ela o esbofeteou novamente, com mais força. Se ele não tomasse cuidado, logo teria um olho roxo para explicar à imprensa.

— Eu só quero uma explicação... — ele começou a falar, mas ela estava furiosa demais para ouvir.

— Não importa o que você quer. Deixe-me ir embora.

— Não até você me dizer o que quero saber.

— Você não pode fazer isso.

— Parece que já fiz, Holly — ele disse com cansaço. — Sinto muito que você tenha sido sequestrada. Eu pretendia convencê-la, não forçá-la a vir, mas já que está aqui, é preciso que você aceite a autoridade real. Você vai ficar até que nos dê algumas explicações. — Parecia não ter funcionado. Faltara certa delicadeza à sua desculpa, e Holly percebera, porque olhou para ele muito corada, indicando que perdera o controle. Ela olhou pela janela do avião e viu um grupo de homens que aguardava para fazer a manutenção da aeronave ou para orientar a sua saída da pista.

—Aristo é um país civilizado — ela disse, aparentemente pensativa e calma.

— O que você...?

— Vocês possuem leis — ela continuou. —Acredito que haja leis contra sequestros. No passado, devia ser permitido que os reis saqueassem e estuprassem, mas creio que atualmente seja diferente.

— O que eu digo é o que vale — ele disse, admirado.

— É mesmo? Duvido. — Ela ficou pensativa, fechou os olhos e gritou.

Foi um grito incomparável, um grito aperfeiçoado há muitos anos por uma criança com tendências dramáticas e com centenas de quilômetros de espaço aberto para praticar. Um grito que fez com que todos, num raio de 200 metros, se virassem para ver o que acontecia.

Andreas a agarrou e tentou cobrir-lhe a boca. Holly lhe deu uma cotovelada no peito e continuou a gritar. Afinal, ele conseguiu tapar-lhe a boca, mas ela o mordeu com força. Ele praguejou, soltou-a e voltou para fechar a porta, em busca de um pouco de privacidade. Foi bem a tempo, porque Holly tomou fôlego e abriu a boca para gritar outra vez.

— Eu nem me daria ao trabalho — ele disse, olhando espantado para as marcas de dentes em sua mão e admirando-se que ela pudesse ter feito tal coisa... — Ninguém irá ouvi-la do outro lado da porta.

— Quero que chame a polícia — ela disse com raiva. — Chame o consulado. Você não pode fazer isso.

— Estamos em Aristo e eu pertenço à família real. Posso fazer o que quiser.

— Não comigo.

Georgiou entrou de repente e olhou espantado para a mão de seu patrão.

— O senhor está sangrando.

— Não é nada.

— Espero que ele contraia raiva e morra — sibilou Holly.

— É bem provável, já que foi mordido por uma louca...

— Esqueça — interrompeu Andreas. — Você terá de levá-la até Eueilos.

— Senhor, ela está descontrolada — Georgiou apressou-se a dizer. — Não há ninguém em Eueilos além de Sophia e Nikos, e eles estão velhos demais para defendê-lo.

— Vou dizer a eles que tranquem as armas — disse Andreas secamente. — Ela não vai machucar um casal de velhos que não tem nada a ver com isso, e não poderá fugir da ilha. — Ele olhou para o relógio. — Preciso ir. Tenho que estar no Parlamento dentro de uma hora. Se eu não aparecer, haverá muitas perguntas.

Georgiou contorceu o rosto num sorriso.

— Certo. Podemos mantê-la escondida.

— Não vou ficar escondida — Holly protestou. — Que diabos você pensa estar fazendo, Andreas?

O que ele estava fazendo? Andreas pensou no relatório sobre sua mesa e ficou preocupado. Holly era uma ameaça. Ela possuía um segredo que ele sempre tivera o direito de saber. Além disso, estava histérica.

— Estou protegendo minha família — ele disse, afinal. — Não sei o que aconteceu com você depois que parti da Austrália, mas é algo que ameaça o futuro do meu país. Sinto muito que tenha chegado a este ponto, Holly, mas eu quero a verdade. Você vai para Eueilos, onde me esperará pelo tempo que for necessário. Irei encontrá-la assim que puder.

 

Passaram-se quatro dias antes que ele pudesse partir. O inquérito sobre a corrupção atingira o seu auge e, como presidente da comissão, Andreas precisou se dedicar totalmente ao processo. Talvez Holly ficasse mais calma com o passar do tempo, mas só ele sabia o quanto era difícil se concentrar em suas tarefas. Quando ele, afinal, ficou livre, sentiu-se aliviado, mas também apreensivo.

A ilha de Eueilos era um recanto paradisíaco que Andreas ganhara do pai ao atingir a maioridade e que sempre lhe servira de refúgio contra a pompa e a realeza, que ele odiava. A ex-esposa de Andreas, Christina, não gostava de Eueilos, preferindo o brilho das grandes metrópoles. Ele sempre se sentira livre para fazer o que quisesse na sua ilha. Construíra um pavilhão, uma extravagância inspirada nas tendas do deserto que seus primos usavam na ilha vizinha, Calista. À distância, o pavilhão parecia uma série de barracas montadas em círculo. Quando o visitante se aproximava, percebia que as "tendas" eram formadas por painéis de madeira pintados de branco. Todas as paredes se movimentavam, abrindo o ambiente para deixar que a brisa do mar entrasse. Quando as paredes se abriam, no centro surgia uma enorme piscina, um luxo para quem sentisse preguiça de caminhar até a beira do mar. Andreas costumava ir para a ilha sempre que conseguia se livrar das exigências insuportáveis da vida da corte e tinha um discreto casal de empregados para cuidar da casa e dos jardins.

Enquanto aterrissava, Andreas pensou que amava a sua ilha da mesma forma que amara a casa de Holly, onde ela o ensinara a pilotar o seu pequeno Cessna. Toda vez que ele pilotava... não. Ele não pensava nela. Droga! Ele se casara, se divorciara... muita coisa acontecera desde a última vez em que a vira. Estava prestes a reencontrá-la... Andreas passou a mão no rosto. A sua pele morena não tinha uma marca, mas ele ainda sentia o peso da mão de Holly. Ela teria se acalmado a ponto de responder as perguntas que ele tinha a lhe fazer? Não havia outra opção. Ele ficaria com ela até obter as respostas que desejava e até esquecer a sugestão ultrajante de Sebastian.

Sophia o recebeu na entrada do pavilhão, e sua presença pareceu espantar as preocupações de Andreas. Ela estivera cozinhando e recendia ao aroma de baklava. Ele sorriu, como sempre fazia ao chegar. Sophia fora sua babá até que ele completasse 10 anos. Quando ele ganhara a ilha, fora procurá-la e ao marido, Nikos, para que tomassem conta do lugar.

— Ela não está aqui — disse Sophia.

As preocupações de Andreas retornaram.

— O quê?

— Ela está na praia do outro lado da ilha — disse Sophia, observando-o. — É o lugar mais longe daqui. Georgiou disse a ela que você viria. Ela disse para você não incomodá-la, a não ser que seja para providenciar um avião que a leve embora. — Ela franziu a testa. — Andreas, essa moça, Holly... ela está muito zangada.

— Não tanto quanto eu — Andreas disse gravemente.

— Não eduquei você para se vingar das mulheres — Sophia cruzou os braços. O tamanho dela não se comparava ao dele, mas a altura nada significava. Ela lhe puxaria as orelhas, se necessário. — Ela é uma boa moça — Sophia acrescentou, zangada. — E está apavorada. Eu disse a ela que nada havia a temer enquanto eu estivesse na ilha. Não sei por que você a trouxe aqui, Majestade, mas, se tocá-la, vai ter que me enfrentar.

Sophia só o chamava de majestade quando estavam na presença de terceiros ou quando estava realmente zangada. Andreas deu um sorriso contemporizador.

— Não pretendo magoá-la.

— Já magoou. Ela está com os pulsos marcados.

— Não por mim.

— Por Georgiou, o que dá no mesmo.

— Não é verdade.

— Não me venha com isso. — Ela ficou na ponta dos pés e cutucou o peito de Andreas. — Vá encontrá-la e trate-a com gentileza. Se não o fizer, terá de me dar satisfações. E não, não lhe darei baklava até que você acerte tudo com Holly. Ela levou um maiô emprestado. Quando viu a coleção de maiôs que você tem aqui para que as mulheres usem, ficou ainda mais furiosa; tanto quanto eu. Você vai precisar ser bastante cuidadoso para fazer as pazes com ela.

Andreas preferiu ir caminhando para o outro lado da ilha para se encontrar com Holly. Poderia ter usado um dos jipes, mas necessitava de tempo para se acalmar e escolher um jeito de abordar o assunto que precisavam discutir. Desde que um repórter o procurara, trazendo notícias de Holly, ele parecia estar agindo piloto automático. Tentara obter respostas rapidamente, mas precisaria ir mais devagar. Sophia tinha razão: não ganharia nada se deixasse Holly histérica como da última vez, mas seria difícil manter a calma, porque as palavras do repórter ainda o feriam profundamente.

— Você sabia que há um túmulo de criança na casa dela? Na lápide, está escrito: "Adam Andreas Cavanagh. Morto em 7 de outubro de 2000, com 7 semanas e 2 dias. Adorado filho de Holly. Anjinho amado do coração".

Adam Andreas Cavanagh. O nome e a insinuação do repórter haviam lhe causado uma dor que ele jamais pensara sentir. Antes mesmo de conferir as datas, ele compreendera a verdade e se lembrara de Holly dizendo:

— O seu país é Adamas? Que lindo. Adam é um nome forte. Se um dia eu tiver um filho, gostaria de chamá-lo de Adam.

Estavam deitados na grama, no alto de uma colina de onde podiam ver a fazenda. Em geral o terreno do deserto era seco e poeirento, mas as chuvas haviam chegado pouco antes de ele partir. A mudança em Munwannay fora miraculosa: a poeira se transformara em vegetação da noite para o dia. Fizeram amor pela última vez sobre um leito de grama macia. Ela se agarrara a ele com uma ardente paixão, falara sobre dar um nome para um filho hipotético, fora o que ele pensara, e ele partira para assumir sua vida, deixando-a para trás... Adam Andreas Cavanagh. Ele não duvidava de que a suspeita do repórter fosse verdadeira. Holly ainda era virgem quando ele a conhecera. Se fosse verdade, seria um desastre.

— Devo ter deixado uma forte marca na vida de Holly para que ela desse um de meus nomes ao seu filho — ele brincara com o repórter. — Talvez ela não conheça muitos príncipes. O pai do bebê deve ter ficado ressentido. — A intenção do comentário fora afastar qualquer suspeita, mas ele desconfiava de que o repórter não engolira a história. Em decorrência dos escândalos que haviam atingido a família real, qualquer detalhe a mais seria o caos. A imprensa bem sabia e se dedicava a escavar mais confusão. Holly era confusão. Holly fazendo um escândalo porque ele a trouxera até ali. Ela teria percebido que tinha o poder de derrubar o trono?

Andreas contornou a última duna antes de atingir a praia que Sophia lhe indicara e parou, atordoado. Holly estava a menos de dez metros. Usava apenas a parte inferior do biquíni. Estava deitada de barriga para baixo, apoiada nos cotovelos, lendo. Ele viu a linda curva de seus seios. Ela estivera nadando, e os cabelos, ainda úmidos, caíam-lhe sobre os ombros. Ela parecia... livre, ele pensou de repente. Livre de uma maneira que ele jamais seria. E extraordinariamente linda. A raiva e a tensão que apertavam o peito de Andreas nas últimas semanas se dissolveram, e ele sentiu uma sensação tão poderosa que precisou se conter. Holly não percebera sua chegada. Ele poderia simplesmente se aproximar e deitar ao lado dela, abraçando-a da mesma maneira que fazia há tantos anos. Mas ele estava ali para evitar falatórios maldosos, não para provocá-los...

— Cubra-se decentemente — ele resmungou numa voz irreconhecível.

Ela levantou a cabeça, assustada, levantou-se sobressaltada e vestiu rapidamente a parte superior do biquíni. Estava dez anos mais velha: agora tinha um corpo de mulher, cheio de curvas generosas e sensuais que poderiam levar um homem a...

— O que faz aqui? — ela perguntou, enrolando-se na toalha e segurando-a como se fosse um escudo.

— Sou o dono desta ilha — ele disse calmamente, esperando a reação que não veio. Ela ficou calada. — Preciso falar com você — ele disse, afinal. — Foi por isso que eu a trouxe aqui.

— Você poderia ter telefonado. Não estamos na Idade das Trevas.

— Não — ele concordou. — Mas o telefone pode estar grampeado.

— O seu?

— O seu.

Holly ficou admirada.

— Por que alguém iria grampear o meu telefone?

— Porque o reino inteiro quer saber o que aconteceu conosco. — Ele hesitou. — Vamos voltar para casa.

— Se você quiser me arrastar aos berros...

— Coopere, Holly.

— Dê uma boa razão pela qual eu deveria.

— Você me deve a verdade. —Ele falou com tanto ardor que a deixou imobilizada.

Holly arregalou os olhos e olhou-o, insegura.

— Eu nada lhe devo — ela sussurrou.

— Você teve um filho meu — ele falou magoado.

Ela soltou as mãos da toalha, como se nada mais tivesse a proteger.

— Tive — ela murmurou, olhando para ele com firmeza, mas deixando entrever também uma mágoa profunda.

— Você nunca me contou — Andreas falou sem aspereza. A raiva que o alimentara durante as últimas semanas de repente desaparecera.

— Não — ela disse simplesmente.

Andreas ficou calado. Tudo pareceu parar em torno deles, exceto as ondas que quebravam na areia. Nada havia que pudesse desviar a atenção da terrível e imutável verdade que se colocara entre eles.

— Creio que eu tinha o direito de saber — ele disse, afinal, percebendo que a raiva voltava a brilhar nos olhos de Holly.

— Como eu tinha o direito de receber as cartas que você prometeu me escrever. Nem um telefonema, Andreas. Nada. Só um bilhete educado, agradecendo aos meus pais pela hospitalidade, em papel timbrado, escrito por alguma secretária do palácio. Só isso.

— Você sabia que eu não podia...

— Manter um relacionamento? Claro que eu sabia. Você estava noivo antes de ir para a Austrália. Mas nós éramos jovens. Eu era uma adolescente, Andreas. Nunca havia tido um namorado. Você não tinha o direito de abusar...

— A culpa não foi só minha!

— Não, não foi — ela disse, e ele pensou ter visto o brilho de um sorriso em seus olhos. — Mas eu era só uma criança.

Esse fora o problema. Ele sabia. Ambos sabiam. O fato de ela ter apenas 17 anos, não 18, fazia toda a diferença.

— Você sabia que estava grávida quando parti? — ele perguntou, tentando se concentrar no lado pessoal, não nas consequências políticas do que acontecera.

— Sabia — ela respondeu. Andreas se encolheu. De repente o lado pessoal passou a importar mais que tudo.

— Então, da última vez...

— Ah, eu ainda não tinha certeza — ela disse. — A minha cidade não é um lugar onde se possa correr até o supermercado e comprar um teste de gravidez, mas eu já desconfiava.

— Então, por que...

— Porque você estava noivo e ia se casar — ela disse devagar, como se falasse com um simplório. — Não quero falar sobre isso, Andreas. O que você faria se tivesse descoberto que eu estava grávida?

— Teria casado com você. — Ele falou com tanta segurança que ela ficou pasma, mas balançou a cabeça e sorriu.

— Não. Seria loucura. Conversamos sobre o assunto, sobre como nos amávamos e queríamos ficar juntos. Você me traria para Aristo, meus pais se arranjariam sem mim e seu pai acabaria por perdoá-lo. Só que já havia uma princesa, Andreas. Christina estava à sua espera, e seu casamento estreitaria alianças internacionais. Você falou em desafiar seu pai, mas jamais falou em romper o noivado com Christina.

— Estávamos prometidos desde crianças — ele disse, sabendo que o argumento era tão fraco quanto fora antes. Holly jamais entendera como aquele tipo de casamento funcionava e como Christina, cinco anos mais velha que ele, fora preparada, desde a infância, para se tornar sua esposa. Christina jamais olhara para outro homem e romper o noivado teria sido devastador para ela, além de politicamente desastroso. Andreas tinha um dever, e sabia. Holly também sabia.

Holly estremeceu e deixou cair a toalha. Andreas apanhou-a rapidamente e a colocou sobre seus ombros.

— Estou ficando queimada do sol — Holly disse, encolhendo-se ao sentir as mãos dele. Ela se afastou, falando em voz monocórdia. — Preciso voltar para casa. Se isto era tudo o que você queria me dizer... já disse. Pode me arranjar um meio de voltar imediatamente para a Austrália?

— Não posso.

— Por que não? — Ela começou a andar de volta para o pavilhão.

Ela estava lhe dando as costas?

Mas não deveria fazê-lo, ele pensou. Dar as costas à realeza... ele poderia prendê-la por desacato, mas ela já ia longe. Andreas a observou e achou que, embora tivesse tido muito tempo para descansar, Holly parecia cansada. Ele notou uma cicatriz áspera que lhe subia do tornozelo até a parte posterior do joelho, que antes ela não tinha. Estava bem diferente da garota por quem ele se apaixonara, mas jamais teria medo de ser acusada de desacato. Algumas coisas não mudavam... Holly não esperou por ele. Ignorou-o e caminhou na direção do pavilhão. Andreas alcançou-a e caminhou ao seu lado.

— O que houve com a sua perna?

— Não preciso lhe...

— Não precisa, mas eu gostaria de saber. É uma cicatriz desagradável e odeio pensar que você tenha se machucado.

Holly olhou para ele com um olhar assustador.

— Você acha que um corte na perna pode me incomodar? Isso foi o de menos, Andreas Karedes. Você não faz a menor ideia do que machuca de verdade. E não me venha com o seu charme principesco. Ele não me atinge mais.

— Não? — ele sorriu.

Ela suspirou e virou o rosto.

— Esqueça. Você me seduziu uma vez. Se acha que pode me seduzir outra vez...

— Só perguntei o que aconteceu com sua perna. Isso dificilmente seria uma "cantada".

— Eu me cortei ao consertar a cerca de arame farpado.

— Você estava consertando a cerca?

— Se faz questão de saber, sim.

— Seu pai jamais permitiria que você trabalhasse na cerca.

— Não enquanto você estava lá — ela disse. — Muita coisa não aconteceu enquanto você esteve presente.

— Não entendi.

Holly se voltou para ele, corada.

— Nós estávamos falidos — ela disse, rangendo os dentes. — Eu não sabia. Ninguém sabia. Nossos vizinhos, nossos amigos. Ninguém. Meu pai escondeu de todos. Nossa fazenda era grande e imponente, tínhamos muitas terras. Você sabia que minha mãe fazia parte da aristocracia europeia? Ela jamais perdeu o gosto pelo luxo, e meu pai satisfazia todas as suas vontades. Os dois achavam que tudo daria certo. Não deu, mas eles continuaram gastando. Meu pai fez um empréstimo atrás do outro.

— Ele era rico! — disse Andreas, surpreso.

— Não era — ela afirmou. — Quando eu fiz 17 anos, eles montaram um plano maluco para me casar com algum milionário. Minha mãe entrou em contato com todas as casas reais da Europa e com todos os milionários famosos, oferecendo hospedagem para seus herdeiros, antes que assumissem seus deveres definitivamente. Você foi o primeiro que apareceu.

— Eles tinham dinheiro...

— Era apenas de fachada. Você se lembra dos bailes, dos piqueniques, o esplendor... até então eu tinha sido educada em casa porque não podíamos pagar a escola. Eu trabalhava na fazenda, mas, assim que você chegou, fui dispensada. Eu era uma jovem herdeira. Estava livre para passar o dia todo com você, se quisesse. Claro que fiquei encantada. Estava livre pela primeira vez na vida, e meus pais me empurravam para cima de você. Só que eu fiquei grávida, você foi embora e o castelo de cartas ruiu. Meu pai ficou cheio de dívidas e minha mãe simplesmente nos deixou. Ali estava eu, grávida e desesperada, e, se quer saber, completamente apaixonada.

— Apaixonada — Andreas repetiu em voz baixa.

Holly o olhou com sarcasmo.

— Esqueça. Não queria saber da história? Estou lhe contando. — As palavras saíam aos trancos, como se ela quisesse se livrar delas. — Grávida ou não, tive de trabalhar. Sim, tenho cicatrizes, mas as externas são as menores. Eu não lhe disse que estava grávida porque não deixaria que o forçassem a se casar, então tive o meu bebê e o amei tanto que minha vida mudou... —A voz de Holly falhou, mas ela continuou. — Quando ele estava quase com 2 meses teve meningite e morreu. Isso é tudo. Fim da história. — Ela fechou os olhos por alguns segundos e os abriu de novo. Aquela fora a parte mais difícil. — Eu fiz uma faculdade por correspondência para lecionar, como sempre quis, na "Escola através do Rádio", e o meu salário foi o único dinheiro que entrou na fazenda durante anos. Meu pai teve depressão, mas não queria falar em vender a fazenda e eu não podia deixá-lo. Ele morreu há seis meses. Coloquei a fazenda à venda, mas ela está quase em ruínas. Não consegui vendê-la e planejava ir embora quando os seus capangas chegaram. O que pretende fazer comigo, Andreas? Pretende me castigar ainda mais? Creia, já fui castigada o suficiente. Meu Adam morreu.

A voz dela sumiu num soluço de revolta contra ele, contra a morte do filho, contra o mundo. Desesperada, Holly enxugou o rosto com as costas da mão. Andreas tentou se aproximar, mas ela o afastou.

— Não!

— Você o chamou de Adam — Andreas odiou magoá-la ainda mais, mas sabia que, enquanto ela estivesse indefesa e descontrolada, ele teria a chance de obter algumas respostas.

— Adam Andreas — ela sussurrou. — Como o pai. Ele parecia com você. Você deveria ter visto... eu queria tanto que você o conhecesse...

Ela soluçou e foi demais. Andreas se aproximou com cautela e pegou-a pelos ombros. Holly tentou afastá-lo, mas ele a abraçou mesmo contra a sua vontade. Ela ficou dura em seus braços e tentou levantar os ombros.

— Não... não.

— Desabafe, Holly — ele disse, apertando-a com mais força e encostando o rosto em seus cabelos, tentando confortá-la.

Ela ficou mais tensa, mas subitamente ele percebeu que ela se soltava e se apoiava nele, mergulhando o rosto em seu ombro e começando a soluçar. Durou, no máximo, trinta segundos. Logo ela se empertigou e o empurrou para longe. Ela não costumava chorar facilmente, ele pensou, lembrando-se de que ela se recusara a chorar quando ele partira. Ele vira o brilho das lágrimas em seus olhos, mas ela se controlara e as contivera. Era o que ela fazia agora. Quando levantou os olhos para ele, estavam frios e desafiadores.

— Você não tem o direito de me fazer sentir assim — ela murmurou. — Você não tem direito algum.

— Eu tinha o direito de conhecer meu filho. — A frase chocou os dois. As palavras foram ditas com tanta severidade que os dois reconheceram ser uma verdade inquestionável. Ela o encarou por algum tempo e lhe deu as costas. De novo.

— Eu sei — ela disse, recomeçando a caminhada. — Se ele tivesse sobrevivido, eu teria lhe contado. Eu deveria ter lhe dito antes, mas jamais tentei escondê-lo. Se você tivesse me procurado... mas você não procurou. É preciso que entenda, quando você me deixou, meu mundo desabou. As festas que havíamos dado ultrapassaram os limites. Os credores tomaram conta de tudo. Levaram até Merryweather. — A voz dela falhou e Holly tentou se controlar, chutando a areia.

— O seu cavalo — ele disse, admirado, pensando na linda égua que ela amava.

— Ela foi o de menos — disse Holly. — Ela era uma ótima reprodutora e estava prenhe de um magnífico garanhão. Ela e o filhote valiam demais para serem mantidos. Minha mãe foi embora e meu pai caiu numa bebedeira que durou anos. Eu mantive minha gravidez em segredo até completar seis meses de gestação. A essa altura, você já estava casado, meu pai sabia que não havia pensão alimentícia que pudesse salvar a fazenda e percebi que não valeria a pena destruir seu casamento. Eu disse a eles que se tentassem chantageá-lo, eu negaria que você era o pai do bebê... eu estava tão ocupada dando um passo de cada vez que não tinha tempo de pensar em você. Não muito... — ela admitiu. — Eu precisava manter o rebanho vivo, afastar meu pai da destruição, e acho que eu também estava deprimida. Prometi a mim mesma que escreveria para você depois que o bebê nascesse, mas eu ainda me recuperava do parto quando... quando...

Holly parou, mas não se virou para Andreas. Suspirou e fez força para falar, como se as palavras ainda lhe cortassem o coração.

— Quando Adam morreu — ela disse, endireitando os ombros.

Andreas tentou imaginar o que ela havia passado. Ele jamais tivera contato com crianças. Imaginou Holly segurando um bebê. A garota indomável por quem ele se apaixonara, de repente se transformara numa mulher. Holly dando de mamar, dormindo com um bebê ao seu lado. A imagem foi tão forte que era como se ele tivesse presenciado tudo. Holly fora mãe, a mãe de seu filho.

— Eu não sei nada sobre... meningite.

— Sorte sua — ela disse secamente. — Aconteceu tão rápido: ele acordou de madrugada com febre. Chamei a assistência aérea às 6h da manhã. Eles chegaram às 8h, e ele morreu no avião, a caminho da cidade. Eles me disseram que o caso foi tão grave que não teria adiantado se eu morasse ao lado do hospital. Não haveria tempo para os antibióticos fazerem efeito.

— Sua mãe estava...?

— Longe, na Europa. Como eu decidi não admitir que você era o pai de Adam, ela lavara as mãos.

— Mas seu pai cuidou de você? — A ideia de que Holly enfrentara a morte do filho sozinha lhe era insuportável.

— Está brincando? Ele mergulhou na bebida no dia em que minha mãe foi embora e não saiu mais. Deus sabe onde ele estava no dia em que eu enterrei o meu filho, mas comigo é que não estava. — Ela abanou a cabeça. — Esqueça. Estou sozinha. Enterrei meu bebê sozinha e, desde então, cuidei de mim mesma. Isso é tudo? Não sei por que você me trouxe até aqui, Andreas, mas você podia me deixar ir embora. Tudo o que resta entre nós é uma criança morta, esta é a verdade. Deixe que eu parta e me esqueça.

 

Os dois caminharam lado a lado até o pavilhão. Holly ficou calada e Andreas não conseguiu pensar em nada para falar. Ele mal se lembrava da raiva que sentira ao saber que ela tivera um filho seu e não lhe contara. O que ela acabara de lhe dizer fora sincero, verdadeiro e terrível. A solidão de Holly o amedrontava. Parecia-lhe intolerável que ele a tivesse deixado enfrentar sozinha o parto e a subsequente morte do filho. Ele era muito jovem e a deixara para fazer um casamento digno de um rei. Pensar em Holly doía tanto que ele tentara esquecê-la. Ele era apenas um garoto, mas aquilo não servia de desculpa. Deveria ter...

— Não há motivo para se censurar pelo que aconteceu há 10 anos — disse Holly, asperamente. — A morte de Adam não sua culpa. Quanto ao resto... eu sabia que estava sendo seduzida por um príncipe, e gostei.

— Você não foi...

— Seduzida? — ela disse com o mesmo jeito da antiga Holly. — Como você chamaria o que houve entre nós? Cabelos de fios de ouro, foi o que você me disse. Olhos que se assemelham a estrelas. Seios de...

— Não precisa...

— Não mesmo, não é? — ela concordou, calando a boca.

— Foi bom — ele disse com cuidado, olhando-a de lado, recordando-se dos elogios exagerados e dos conselhos que recebera dos irmãos: "ser um príncipe tem suas vantagens no que se refere às mulheres", ele recordou Alex dizendo. "Dificilmente haverá alguma mulher que você não possa levar para a cama. É tudo uma questão de palavras bonitas, e elas estarão prontas." As palavras haviam enchido a sua cabeça e ele passara a pô-las em prática, acreditando nelas.

— Foi divertido — Holly admitiu, interrompendo as reflexões de Andreas. — Mas, antes que você fique convencido, saiba que se eu não quisesse ser seduzida, você não teria a menor chance.

— Assim como você não quer ser seduzida agora? — Droga, de onde aquilo viera? As palavras foram ditas antes que ele pudesse evitá-las. Aquele tipo de abordagem nada tinha de sensato e não correspondia ao que Sebastian planejara para os dois.

Holly suspirou, parou e recomeçou a caminhar muito depressa.

— Nós éramos duas crianças, Andreas. Não somos mais. Se você acha que uma bola de neve vai apagar um incêndio...

Andreas sorriu, divertido como sempre ficara ao ouvi-la repetir os ditados australianos: chato como um lagarto bebendo água; apatetado como um ratão; irritado como uma cobra picada.

— Eu me lembro do jeito que você falava — ele disse.

Ela o olhou como se ele tivesse ficado louco.

— Cale a boca. Se você me fizer mais um elogio, eu vou ter um ataque. Quando poderei ir embora?

— Precisamos resolver algumas coisas.

— Que coisas?

— Precisamos conversar — ele disse severamente, mas ela não ouviu e escalou a última colina antes de chegar ao pavilhão. — Conversaremos durante o jantar?

— Vá para casa, Andreas.

— Minha casa é aqui.

— Você mora em Aristo com sua mulher e seus filhos.

— Não há mulher nem filhos — ele disse. Holly se virou para ele, muito pálida.

—Ah, Andreas... — Ela engoliu em seco. — Eles morreram?

— Não — ele falou depressa, querendo apagar a dor que vira nos olhos dela. Holly conhecia a desgraça e seria natural que a enxergasse na vida dele. — Eu e Christina não tivemos filhos — ele disse gentilmente. — Nós nos divorciamos há seis meses.

— Ah — ela disse, ainda pálida, mas calma. — Sinto muito.

Nem tanto, Andreas pensou. Ela não parecia muito interessada. Por um instante ele quase desejou que Christina tivesse morrido, só para manter a simpatia que ele vira nos olhos de Holly, e que se transformara em mero desprezo. Para Andreas, a sensação era nova. As mulheres não costumavam desprezar os príncipes da família Karedes.

Mulheres? Sim, ele tivera algumas. Christina fora uma esposa infiel e o abandonara para ficar com um milionário da indústria naval. E Andreas... ora, durante os últimos anos ele não ficara sem companhia, mas ultimamente as mulheres pareciam ter desaparecido aos poucos, enquanto a imprensa se contorcia para mostrar os príncipes como incorrigíveis conquistadores, culminando numa acusação que seria capaz de derrubar o trono. A gravidade da situação o atingiu novamente. Holly achava que ele poderia colocá-la num avião e mandá-la de volta para casa, e ele talvez pudesse, se ela jurasse...

— Holly, existe alguém que possa provar que o bebê... Adam — ele corrigiu rapidamente ao ver a expressão de Holly. — Existe algo que prove que Adam era meu filho? — Ele havia pensado que ela atingira o limite máximo de raiva, mas estivera enganado. Ela se voltou para ele, vestida apenas com o minúsculo biquíni, e parou. Tinha cerca de l,60m, mas parecia muito mais alta, com o peito estufado e os olhos que flamejavam. Estava a ponto de explodir.

— O que foi que disse? — ela perguntou, como se cuspisse gelo.

Ele precisava perguntar.

— Preciso saber — disse Andreas. Ele se sentia mal por tudo que acabara de saber, mas ainda não terminara. O que estava em jogo era muito importante.

— Você quer saber se eu posso provar que você é o pai de Adam? — ela perguntou, perplexa.

— Eu sei que sou o pai do seu filho — ele disse. — Aceito sua palavra, as datas coincidem e sei que você era virgem.

— Muito obrigada! — ela disse com escárnio.

— Mas...

— Mas o quê? — Eles estavam muito próximos. Holly olhou para ele e Andreas sentiu os seus seios através da camisa. A raiva de Holly era quase palpável, unindo-os com o seu fogo.

— Holly, eu estou com problemas — ele disse simplesmente. — Estamos todos com problemas. Se alguém conseguir provar que o filho era meu, vou ter que me casar com você.

A declaração acabaria com qualquer conversa, estabelecendo um limite que Holly não ousaria ultrapassar. Ela o encarou por algum tempo e fechou os olhos.

— Você está louco. Eu não quero nada com você. — Foi tudo o que Holly disse, empurrando-o com uma força inesperada para uma mulher tão delicada. Ela marchou até o pavilhão de cabeça erguida. Sophia os esperava na entrada, com um olhar inquisitivo.

— Sua Alteza pegou sol demais — Holly disse. — Acho que ele precisa de um médico. Vou tomar um banho e me acalmar. — Ela entrou no quarto e bateu a porta com tanta força que os ventiladores do teto do enorme hall de entrada sacudiram.

Sophia e Andreas se entreolharam.

— Você quer jantar? — Sophia perguntou, afinal, embora Andreas soubesse que ela tinha dezenas de perguntas a fazer.

— Dentro de uma hora.

— Creio que Holly vai jantar no quarto — ela disse, hesitante. Era o bastante. Ele era um príncipe e tinha uma missão.

— Holly vai jantar comigo ao lado da piscina — ele disse, revelando resquícios do autoritarismo que herdara de seus ancestrais e fazendo uma pose imponente. — Diga a ela.

— Acho melhor você dizer — disse Sophia.

— Essa é a sua função.

— O meu Andreas se acovardando? — Sophia sorriu.

— Sim — ele admitiu, passando a mão na cabeça e sorrindo. Ele podia recorrer ao seu autoritarismo ancestral, mas nunca durava muito. — Por favor, Sophia, você fala com ela?

— Falo — ela disse, sorrindo e ajeitando o cabelo de Andreas, como costumava fazer quando ele tinha 6 anos. — Direi a ela que você está aflito e que precisam conversar.

— Não...

— Você está aflito. Diga a ela. — Sophia disse severamente. — Eu a conheço o bastante para saber que não aceitará nada menos que a verdade.

 

 

Andreas teria uma hora até o jantar, e nada para fazer, além de caminhar. Se andasse tanto quanto precisava, abriria uma vala no chão. Ele resolveu aproveitar o prazer da sua lagoa coberta. A piscina era um círculo perfeito com uma ilha no centro, onde havia um bar, espreguiçadeiras e guarda-sóis. Ele circulou a piscina várias vezes, com a graça e a leveza obtidas por anos de treinamento esportivo. Para Andreas, nadar equivalia a meditar. Ele esquecia as exigências da nobreza, os problemas de um casamento desastroso e até a crise ameaçadora do diamante desaparecido. Só não conseguia esquecer Holly. Ela não saía de sua cabeça, por mais que ele nadasse mais depressa.

Ele pensara tê-la esquecido. Há dez anos, ele a deixara por não ter escolha. Porém, agora, talvez houvesse... ele deveria aparentar desinteresse e explicar tudo a Holly com calma, descortinando um futuro em termos que ela compreendesse. Ela escolheria. Ele não poderia se casar com ela de uma hora para outra, Andreas admitiu. Os dias em que se arrastava uma noiva relutante para o altar haviam se acabado, e a desonra não era mais usada como incentivo.

Holly fora desonrada no passado, quando ele a abandonara. A lembrança do que ela tivera de passar sozinha... não importava. Ele tivera que ignorar a dor ao ouvi-la contar a morte do filho. Em nome da segurança do país, ele deveria manter a calma, a agudeza e o sangue frio. Mas como conseguiria, se toda vez que olhava para ela, voltava a ser um menino, um jovem príncipe com o mundo aos seus pés... com Holly aos seus pés...

Andreas precisava raciocinar e organizar seus argumentos, mas só conseguia pensar em como Holly estava linda e que ela dera à luz o seu filho, que ele não conhecera. A verdade sacudira seus alicerces e o levara a se perguntar quem ele era de fato. Ele a decepcionara e precisava compensá-la de alguma forma, mas Holly teria de concordar com sua proposta, e esta precisaria satisfazer as exigências de Sebastian, seu rei.

 

Andreas sabia que ela podia vê-lo do quarto. Ele nadava com a agilidade de um tubarão rodeando sua presa, Holly pensou, preocupada. Ela admitiu que ele era magnífico, sempre fora, mas, daquela vez, ela usaria a cabeça, controlaria seus sentimentos e o manteria à distância. Ele teria de casar com ela? Ridículo! Ele era um príncipe, e ela, uma mulher falida, mãe solteira de um filho morto. Sua casa ficava a meio mundo dali.

Holly saiu da janela: a beleza de Andreas, seu sorriso fascinante e sua personalidade dominante... abalavam o seu coração, como acontecera dez anos antes. Ela não era mais uma ingênua. Agora era uma mulher e o enfrentaria de acordo com os seus termos. Durante o jantar? Fora o que ele ordenara e, em geral ele conseguia o que queria, mas não daquela vez. Ela iria enfrentá-lo de igual para igual, Holly pensou, desesperada. Ela ainda estava de biquíni. Suas roupas limitavam-se ao jeans e à camiseta surrados. Não poderia encontrá-lo vestida daquela maneira. Ela olhou para o armário. Talvez Andreas a tivesse abastecido com as armas de que ela precisava. Precisaria ter coragem, mas... o que tinha a perder?

 

Sophia preparara um jantar digno de rei, como sempre, mas a refeição daquela noite deixou Andreas admirado. Ele pretendia vestir algo informal, mas mudara de ideia e resolvera usar terno e gravata. Deveria ir com cuidado: havia decisões importantes a serem tomadas naquela noite. As palavras de Sebastian ainda ecoavam em sua cabeça.

— Você precisa se casar com ela. Não há alternativa. Se o filho era realmente seu, um casamento de Cinderela é o melhor que poderia acontecer. Um conto de fadas desviará a atenção da realidade, — disse o nosso homem de relações públicas. — As circunstâncias sórdidas do seu divórcio serão esquecidas. Se tiver uma atitude honrada, você será perdoado. Honra é algo que falta à nossa família atualmente.

Assim que ele saiu do quarto viu a mesa lindamente enfeitada com a prataria e os cristais, onde pratos de frutos do mar fervilhavam à luz das estrelas. Só faltava Holly, sua noiva.

— Eu avisei a ela que o jantar está servido — Sophia disse discretamente. — Ela disse que vai comer no quarto. Holly é geniosa.

— Eu também — resmungou Andreas. Ele atravessou o terraço e bateu na porta do quarto. Não houve resposta. — Holly?

— Vá embora.

— Sophia não vai servi-la no quarto.

— Então ficarei com fome, porque não vou jantar com você.

— Isto é infantilidade

— Então sou infantil. E você é autoritário, arrogante e maluco. Vá embora, Andreas.

— Estou ordenando que você...

— Vá ordenar em outro lugar, seu idiota. Eu vou ficar aqui.

Andreas ficou furioso. Tentou empurrar a porta. Nada. Tentou de novo, empurrando com toda força. Nada. Talvez chamasse Nikos... ele contraiu os músculos, frustrado, e empurrou novamente, com todo o peso do corpo. A porta abriu com violência e, com o impulso, ele se estatelou no tapete do quarto. Ficou deitado enquanto Holly o observava com um ar solícito.

—Ah, coitado — ela disse com ironia. — O príncipe levou um tombo? — Ela deu o mesmo sorriso delicioso que o conquistara há dez anos. — Precisa de ajuda?

Sem pensar, Andreas estendeu a mão e ela o puxou. Ele levantou com tanto ímpeto que Holly perdeu o equilíbrio e ele a segurou. Ficaram muito próximos. A sensação era maravilhosa. Ela era a mesma Holly de quem ele se lembrara durante todos aqueles anos. O seu cheiro lembrava vagamente algo cítrico. Ele sempre achara que era o seu perfume, mas ela não tivera tempo de trazê-lo.

E o que ela vestia? Aquelas não eram roupas de quem fora vítima de um sequestro, e nem de quem pretendia comer sozinha no quarto. Usava um vestido de coquetel, cor de jade, macio e justo, com alças tão finas que mal sustentavam a adorável curva de seus seios. Uma abertura do lado revelava um pedaço estonteante de coxa que o deixou excitado. Andreas apertou as mãos de Holly num gesto involuntário de posse. Ele a desejara na primeira vez em que a vira, assim como desejava naquele momento, mas ela não o queria. Ela o empurrou com força e ele a soltou, sentindo como se perdesse um pedaço de si mesmo.

— Não me olhe desse jeito — ela disse, quase docemente. — Pare.

— Por que está usando este vestido?

— Como ele ficou em mim? — ela perguntou casualmente, embora Andreas notasse que ela corava. Holly se virou para que ele pudesse analisá-la, para ganhar espaço ou para evitar o olhar fascinado de Andreas. — Digo, comparando com todas as mulheres que já o usaram? — ela perguntou, zangada. — Vestidos de todos os tamanhos, Andreas. Lingeries, camisolas, roupas de baixo. Quantas mulheres você traz aqui contra a vontade e veste com suas lindas roupas? Isso é uma espécie de harém.

— Não é um harém.

— Não?

Bem, talvez fosse. Andreas pensou nas semanas que haviam se passado depois de seu divórcio. Seu irmão, Alex, comentara que ele estava livre e que deveria preparar a ilha como um lugar de sedução, enchendo-a com tudo de que as mulheres gostavam e que não poderiam comprar no local, e prometera encher o guarda-roupa como presente para comemorar o divórcio. Ele cumprira a palavra. A princípio, Andreas achara a ideia divertida, mas não dera certo. A vida sem Christina era muito mais fácil, mas a sedução apenas pela sedução não o atraía. Porém, quando se tratava de Holly...

Ele olhou para ela, linda naquele vestido, com os olhos brilhando de raiva, zombando dele como nenhuma mulher jamais fizera, e ficou tentado, mas não: ele tinha uma missão. Conserte as coisas, Sebastian dissera. E possuir Holly contra a vontade dela nada consertaria, além de poder ser perigoso, ele pensou, passando a mão no rosto. Ela tinha garras e sabia como usá-las. Ela era extremamente sexy.

— Então, venha jantar — ele disse, quando o que realmente gostaria de dizer seria: vamos para a cama, agora mesmo. Mas, pensando bem, seria melhor não dizer nada. Holly já se acalmara e aceitara o convite para jantar.

— Se é preciso... — disse ela, saindo pela porta antes que ele pudesse responder.

Andreas ficou para trás e se perguntou o que faria a partir dali.

 

Os dois comeram sob um silêncio pesado. Andreas estava acostumado ao silêncio. Ele e Christina mal conversaram durante anos, mas o protocolo exigia que comessem juntos e o silêncio se tornara uma regra. Porém, aquele silêncio era diferente, carregado de uma tensão quase palpável, de raiva e de... desejo? Sim, de desejo, Andreas pensou, enquanto o jantar acontecia. Ele não conseguia afastar os olhos de Holly. Ela comia bem, não seletivamente, como Christina, mas como se estivesse resolvida a saborear cada garfada da maravilhosa comida que Sophia lhes servia.

Sophia estava radiante ao ver uma mulher apreciar sua comida. Ela sempre fora formal com Christina e se recolhera à sua posição. Quando Holly tentou abrir uma das patas da lagosta e sua garra voou, Sophia riu e a apanhou do chão. Holly também riu.

— Você precisa lutar com mais vontade — disse Sophia.

Andreas estaria imaginando, ou ela teria lhe dado um olhar de advertência? Ela e Holly se entreolharam com um sorriso cúmplice. Andreas percebeu que as duas haviam se tornado amigas naquele curto espaço de tempo. Ele amava o sorriso de Holly, amava o fato de Sophia gostar dela e ser sua amiga. Será que poderia ser seu amigo? Não, ele concluiu, revoltado. Queria muito mais que amizade com ela. Queria se casar com ela, apenas um casamento formal... As palavras de Sebastian haviam sido inequívocas:

— O povo precisa ver que você fez o que era certo: casou-se com ela assim que descobriu sobre o bebê. Você será visto como um homem honrado, dará ao país um conto de fadas e irá nos tirar da crise atual. Mais tarde podemos alegar que ela sente saudade de casa e ela poderá voltar tranquilamente para a Austrália. Diremos que você irá visitá-la quando os seus deveres assim permitirem. Tudo morrerá naturalmente e o problema estará resolvido.

O que parecera lógico no escritório de Sebastian parecia impossível para Andreas. Como propor casamento a Holly sabendo que ela responderia com raiva? O que ele realmente queria... seria impossível também. Ele a desejava, mas não poderia agarrá-la contra a vontade. Sophia correria atrás dele com o ferro de passar. Se Holly concordasse... do jeito que ela estava, seria mais fácil fazer um porco voar.

Afinal, o jantar acabou. Sophia encheu as taças, embora Holly mal tocasse o seu vinho, e os deixou. A noite estava adorável. Os vaga-lumes sobrevoavam a piscina e o seu brilho refletia na água. Sophia abrira as extremidades do pavilhão e uma doce brisa soprava. O céu mostrava milhares de estrelas que multiplicavam o reflexo dos vaga-lumes na piscina. O ambiente não poderia ser mais romântico e a noite propiciava a conquista.

— Bem, você me trouxe aqui — Holly rompeu o silêncio. — O que pretende fazer comigo?

— O quê?

— Você queria saber sobre Adam — A voz dela tremeu ao pronunciar o nome do filho. — Eu poderia ter lhe contado tudo pelo telefone, mas você preferiu cometer um crime que pode levá-lo à cadeia. Qualquer corte internacional concordaria. Príncipe ou não, não estamos na Idade Média. Você me arrastou até aqui contra a minha vontade e está em território desconhecido. Se me deixar partir agora, vou gritando até a imprensa.

— Você não faria isso.

— Dê um motivo para que eu não o faça.

— Sua reputação...

— Minha reputação? — Ela levantou a sobrancelha, perplexa. — O quê? Vou ser acusada de ser mãe solteira? Que choque, que horror! Você acha que eu escondi a existência de Adam? Na cidade todos sabem que eu tive um filho. Adam foi concebido com amor, Andreas, quer você soubesse ou não. Isto nunca me causou vergonha. Se você ou um dos seus tivesse me procurado, eu falaria dele aberta e honestamente. Ele era um menininho maravilhoso, e o fato de nós o termos gerado... — Ela se interrompeu e olhou-o desafiadoramente. — Você está dizendo que a imprensa pode me crucificar se souber da existência de Adam? Não eu. Talvez você, Andreas.

Andreas concordou, pesaroso.

— Sim. Eles crucificariam a minha família. — Ele a viu franzir a testa com ironia.

— Você deve estar brincando. A nobreza sempre teve filhos do lado errado da cama. Pelo que sei, é até motivo de orgulho.

— Eu não me orgulho da existência de Adam.

— Pior para você — ela sibilou. — Você não me procurou. Perdeu a chance de conhecer seu filho, não soube da sua existência, Andreas. Esta é uma perda que eu jamais poderei fazê-lo entender.

Ele não podia pensar no assunto. O sofrimento era muito grande. Fazia menos de um mês que descobrira a existência de Adam, e algo mudara dentro dele. Ele não sabia como lidar com aquilo, nem se conseguiria. Precisava se concentrar no presente.

— Holly, preciso ser direto — ele disse, bebendo para tomar coragem. — Adam existiu. Alguém viu o túmulo. Você recebeu estrangeiros interessados em comprar a fazenda?

— Recebi — ela disse, desconfiada.

— O seu corretor sabe que eu me hospedei lá há alguns anos. Ele está usando isso para fazer propaganda.

— Eu nunca contei... — ela falou, indignada.

— Os corretores usam qualquer recurso para fazer uma venda. Você recebeu um grupo de árabes, no mês passado. Um deles viu o túmulo, notou o nome e as datas, relacionou-as comigo e contou a um primo que é repórter em Calista. Há perguntas sendo feitas. Você me disse que existem provas de que o filho é meu. — Holly ficou indignada. — Não. Eu não duvido de você, Holly. Reconheço que Adam era meu filho. — Era-lhe difícil dizer "meu filho" ao falar sobre uma criança que ele não conhecera... mas precisava prosseguir, ainda que fosse cruel. — Estou falando de estranhos. Se alguém puder provar que Adam era meu, existe uma boa chance de que o nascimento dele possa derrubar o trono.

Ele obtivera a atenção de Holly e percebeu que ela passara da indignação à estranheza.

— Como...?

— Quando engravidou, você tinha 17 anos — ele disse, fatigado. — Isso faz toda a diferença. A maioridade aqui é aos 18 anos. O rei... meu pai era um conhecido devasso. Durante os últimos dias de seu reinado, a corrupção e os escândalos estouraram, e as consequências foram devastadoras.

— O que isso tem a ver comigo? — Ela estava confusa.

— Os inimigos da minha família fariam de tudo para nos derrubar — disse Andreas.

— Os inimigos de seu pai?

— Vou tentar lhe explicar. — Andreas pensou em como parecia absurdo falar de fatos duros e frios naquele ambiente propício à sedução e à paixão. — Você sabe que o reino de Adamas está dividido em duas ilhas, Calista e Aristo. O diamante Stefani, uma pedra de incomparável beleza e sem preço, sempre foi indispensável para mantermos o trono. A carta régia diz que ninguém governará Adamas sem a bênção do diamante Stefani. Quando o reino foi dividido em dois, o diamante também foi dividido — ele disse, atendo-se a um relato transparente e simples de cuja compreensão tudo iria depender. — Cada família real tem uma metade do diamante.

— E daí?

— Daí que, depois da morte de meu pai, nós descobrimos que a nossa metade não passava de uma imitação grosseira. O casamento de meu pai era problemático, para dizer o mínimo. Ele tinha outras mulheres. Houve intrigas, desvio de dinheiro. Em algum ponto do caminho o diamante foi trocado, e, para nós, isso significa a ruína.

— Entendo. — Mas ela mudou de ideia. — Não, não entendo.

— Estamos à mercê do povo — disse Andreas. — Ou pior. Quem tiver posse das duas metades do diamante governará as duas ilhas. Se ele for encontrado pelo rei Zakari AlTarisi, de Calista, ele terá poder total. Se, como parece ter sido o caso, meu pai usou o diamante no jogo ou o deu de presente a uma de suas amantes, o poder reverterá para o povo. A fama de conquistador de meu pai é legendária. Eu e meus irmãos... também não fomos nada perfeitos no passado. Meu irmão, Alex, casou-se recentemente, mas isso não foi o suficiente para conter a revolta e a exigência de um novo governo. A notícia de que eu a engravidei quando você tinha apenas 17 anos... meu irmão acha que seria o bastante para nos derrubar. Zakari iria governar todos nós.

— Que problemão. — Holly fitou o fundo do copo. — Mas o problema não é meu, Andreas. Você me deixou sem olhar para trás.

— Eu não pretendia magoá-la.

— Não. Creio que não. Meus pais também não pretendiam. Eles nos juntaram na esperança de um casamento forçado, ou de algum dinheiro. E você nunca mentiu. Desde o início, todos sabiam do seu compromisso com Christina. Os meus pais só não esperavam que o seu senso de dever ultrapassaria sua decência.

— Minha decência...

— Sim, sua obrigação moral para com uma garota que se apaixonou por você. Você podia ser jovem, Andreas, mas era experiente, enquanto eu não tinha defesa alguma. Mas, por mais desconforto moral que tenhamos provocado há tantos anos, eu não tenho mais nada com isso — ela disse tristemente. — Dê-me um papel dizendo que eu o libero de qualquer obrigação, e vamos acabar com essa história. Eu assino. Tudo que quero é voltar para casa.

— Para um leito vazio, enquanto ensina crianças que moram a centenas de quilômetros de você?

— Você fez a sua lição de casa — ela respondeu.

— Fiz, e você não pode voltar para casa. A única coisa que poderá me salvar — nos salvar — é uma declaração de que Adam não era meu filho, e isso você não pode me dar.

— Não — ela disse docemente. Holly amadurecera muito desde que ele a deixara, pensou Andreas. O olhar dela estava repleto de calma, inteligência e compaixão.

— Eu não pediria...

— Você não me pediria para fazer tal declaração... — ela deu uma risada surda. — E isso vindo de um homem que planejou um sequestro... bem, talvez você peça, talvez não, mas não é tão simples. A minha mãe tem cópia do exame de DNA de Adam.

— A sua mãe...

— Veja você... — ela disse em tom de lamento. — Eu não estou totalmente sem família. Ainda tenho mãe. Quando você partiu e tudo desmoronou, ela foi embora, mas voltou quando o bebê nasceu. Claro que ela sabia quem era o pai. Depois que Adam nasceu, eu fiquei muito mal. Ela disse aos médicos que eu precisava de amostras do DNA para provar a paternidade de Adam e tirou cópia dos resultados. Eu adivinhei o que ela pretendia fazer e a impedi.

— Impediu o quê?

— Chantagem — ela respondeu calmamente. — Você estava recém-casado. Minha mãe viu o nascimento de Adam como uma grande oportunidade de ganhar muito dinheiro.

Andreas se lembrou de Christina ao casar e concluiu que ela pagaria. Ela sempre fora ciumenta. A notícia do filho de Holly teria causado uma separação.

— Está tudo bem — Holly disse, fatigada. — Ou estava. Minha mãe acabara de conhecer outro homem. Ele era muito rico e lhe dava tudo, mas eu sabia que ela fizera coisas no passado que poderiam... — Ela balançou a cabeça. — Não importa. O fato é que se ela o expusesse, eu poderia prejudicá-la. Ela sabia que, se eu falasse, o caso dela acabaria. Portanto, ela podia escolher entre ficar calada e aproveitar ou tentar chantageá-lo. Ela escolheu ficar quieta.

— Uau — ele exclamou.

— Sim, uau. Porém, se os seus repórteres estão cavando, a situação da minha mãe mudou. Ela irá se lembrar do pedaço de papel. A imprensa pagaria por ele?

Andreas se perguntou a mesma coisa. Se o rei Zakari descobrisse... sim, ofereceria dinheiro, e muito.

— Ela vai contar — Holly disse sem expressão. — Sinto muito, Andreas, mas não posso ajudá-lo.

— Então é isso — ele disse, pensando nas opções e reconhecendo que a única solução seria a proposta de Sebastian. — Vamos divulgar tudo, dizer que éramos jovens, que eu não sabia da sua gravidez e que, agora que soube, resolvi reparar o meu erro. Ficaremos diante do povo de cabeça erguida, Holly, mas do jeito que eu lhe disse, como marido e mulher.

 

Holly ficou em silêncio. Talvez ele devesse ter se ajoelhado, pensou Andreas enquanto o silêncio se prolongava. Talvez devesse ter lhe dado um diamante quase tão valioso quanto o Stefani desaparecido. Talvez não. Ele observou enquanto o rosto dela demonstrava uma série de emoções sucessivas e concluiu que precisava jogar limpo. E que deveria ficar ao seu lado da mesa, porque havia uma ira inconfundível no rosto de Holly e ele não queria levar outra bofetada.

— Essa proposta é sincera — ele disse, quando a tensão se tornou insuportável. — Eu ficaria honrado em me casar com você.

— Obrigada — ela respondeu, tentando ser sarcástica, mas sua voz tremeu.

— É a única solução.

— Para quem? Existem dois nessa equação.

— Eu poderia quitar as dívidas de seu pai. Eu sei que você se sente no dever de pagá-las. Eu poderia aliviá-la desse fardo, e mais.

Holly conteve a respiração e recuou na cadeira, assustada.

— Com é que você sabe?

— Eu sei tudo sobre você — ele declarou, tentando ser gentil ao vê-la apavorada. — Desde que ouvimos falar do bebê, meu irmão contratou detetives em tempo integral.

— Seu irmão.

— Sebastian, futuro rei de Aristo. Se isso for divulgado, ele perderá o trono.

— Todos vocês perderão — ela sussurrou.

— Eu e meus irmãos somos apenas príncipes e princesas.

— Apenas — ela zombou, levantando-se. — Não faça isso, Andreas. Você não pode me comprar.

— Eu sabia que jamais poderia comprá-la há dez anos — ele disse, tristonho. — Lembra-se de quando lhe pedi para continuar sendo minha amante?

— Lembra-se da minha resposta? Acho que ainda deve senti-la... — ela retrucou.

— E sinto mesmo — disse ele, tocando a orelha golpeada há anos. — Não estamos no passado, Holly. Este é o presente, e não estou lhe oferecendo um caso, e sim um casamento.

— E eu deveria estar lisonjeada? Você me arrasta até aqui...

— Por que não esquecemos o sequestro?

— Por que não? — ela zombava. — Quatro brutamontes me trazem para cá à força e você, calmamente, propõe que me case com você... claro, esqueça o que aconteceu. Uau! O maravilhoso Príncipe Andreas de Karedes me pediu em casamento! Que emoção! Sua Majestade, como poderia recusar?

— Não acha que está exagerando um pouco? — ele indagou secamente. — Não seria tão ruim assim.

— Christina se livrou do casamento bem rápido. Quantas mulheres você teve enquanto ainda estavam juntos?

— Essas coisas são compreensíveis...

— Em casamentos reais — ela rebateu. — Não nos casamentos que conheço.

— Que casamentos? — Andreas inquiriu. — A relação unilateral de seus pais? E quanto a você? Que experiências teve? E ainda se mostra resistente a se casar por amor agora.

Ela havia se levantado e se apoiava fortemente na cadeira. Talvez ele tivesse ido longe demais...

— Então sou mesmo uma solteirona — Holly murmurou. — Falida e com data de validade expirada, destinada a cair de joelhos em agradecimento pela tão generosa oferta que me é concedida.

Ela estava visivelmente nervosa, e Andreas tentava acalmá-la:

— Holly, precisamos disso.

— Não compreendo — ela disse. — Dormimos juntos quando eu tinha dezessete anos e nada que fizermos agora mudará o passado.

— Não, mas posso ser visto como um homem honrado, quando as inevitáveis acusações da imprensa aparecerem. Poderei dizer que fiquei chocado ao saber que tive um filho quando era adolescente e que agora que descobri a verdade e estou solteiro farei a coisa certa e pedirei Holly em casamento.

— Ela não aceita — Holly apressou-se em responder.

— Por que não? — Foi uma pergunta dura que trouxe de volta o silêncio.

Ela o encarava como se nunca o tivesse visto.

— Porque sou livre.

— Como?

— Tudo bem, Andreas. Estou tentando entender que você precisa fazer o que é certo e se casar comigo, mas eu seria colocada dentro do aquário real.

— Não entendi.

— Quando você costumava falar da sua vida, da fortuna, das comodidades, das festas, das mulheres, do luxo, eu não sentia inveja. Sabe o que eu pensava? Pobre menino rico. Talvez tenha sido por isso que dormi com você. Eu tinha pena.

— Pena? — ele repetiu, atónito.

— Eu sei o que acontece na nobreza e sinto arrepios. Quero poder sair na rua e comprar uma lata de feijão cozido e um pacote de biscoitos sempre que quiser.

— Feijão cozido? — Andreas não conseguia acompanhar o rumo da conversa. Todo aquele ambiente romântico, uma proposta de casamento e acabavam falando em feijão cozido?

— O que aconteceria se você quisesse feijão para o jantar?

— Eu pediria a Sophia...

— Você pediria feijão a Sophia, que estranharia, mas um pedido seu é uma ordem. Ela colocaria o feijão na lista e outro empregado iria comprá-lo. O vendedor se perguntaria por que você prefere feijão e biscoitos importados ao invés da comida nacional. Talvez Aristo fabrique excelentes biscoitos de chocolate. Por que você não colabora com a indústria? Talvez até saia no jornal.

— Você pensou em tudo — ele disse, intrigado. — Já imaginou sua vida como princesa. Isso quer dizer que já pensou em se casar comigo?

Holly olhou para ele, confusa, e suspirou.

— Carreguei seu filho durante nove meses. Claro que pensei em me casar com você. Que mulher não pensaria? Era uma solução fantasiosa para os meus problemas, mas já me recuperei.

— Por quanto tempo você me carregou em seu coração? Os investigadores disseram que não houve outro homem.

O queixo de Holly caiu e ela sugou o ar, furiosa.

— Seus investigadores podem ir para o inferno!

— O povo da região disse que a morte de Adam deixou-a desolada. Em parte, foi por minha causa? Por eu não estar presente?

— Esqueça — ela murmurou, segurando-se na mesa com força. — De todas as ideias arrogantes e presunçosas...

— Estávamos apaixonados — ele disse, levantando. — Nós nos amávamos, Holly.

— Você não sabe o que é amor. Você nunca me escreveu... — A voz dela falhou. — Eu odiei você. Odiei... — Ela engasgou e se afastou da mesa.

Andreas se aproximou, pegou-a pelas mãos e a abraçou. Holly resistiu, empurrando-o, mas ele continuou a abraçá-la até sentir que ela desistia e se apoiava em seu peito, vencida pelas emoções. Andreas esqueceu o presente. De repente, tudo o que importava era Holly, e ele a magoara. O que fazia ao propor-lhe casamento quando o passado ainda se interpunha entre eles? Ele a fizera sofrer profundamente.

— Holly, se eu soubesse... sinto muito por ter ficado sozinha. Eu queria ter sabido sobre Adam.

— Ele era...

— Posso imaginar.

— Não, não pode — ela disse, angustiada. — Ele era seu filho, e você não o conheceu.

— Sinto muito — ele repetiu, sabendo que nada do que dissesse seria suficiente.

— Por que você não me escreveu?

— Eu ia me casar com outra. Estava comprometido. Isso não quer dizer que eu não pensasse em você todo dia, durante anos.

— Isso é o que você diz — ela respondeu.

Andreas balançou a cabeça.

— Precisa acreditar em mim, Holly.

— Preciso acreditar para poder concordar com o que quer agora?

— Holly, este casamento... a necessidade de fazer o que é certo... não é só por mim e por minha família.

— Não é? — ela perguntou com sarcasmo. — Imagino que o rei Zakari seria um ótimo rei para as duas ilhas. Elas poderiam se unir num só reino de novo. Creio que você e a sua família manterão a fabulosa fortuna. Então, qual é o problema?

— Metade da nossa ilha perderia seu sustento — ele disse, segurando-a pelos punhos. — Meu pai vinculou de tal maneira os investimentos da ilha à nossa fortuna que, se não estivermos aqui, metade das indústrias de Aristo irá à falência. — Holly tentou falar, mas ele continuou. — Concordo que a situação seja insustentável, mas com o tempo podemos consertá-la. Só que não temos tempo. É preciso que haja uma coroação, e rápido. Se não encontrarmos o diamante, o povo escolherá quem irá governá-lo. Da mesma forma que você, eles vão achar que desejamos ficar para enfeitar o nosso ninho, mas não é verdade, Holly. Precisamos continuar para que a ilha mantenha sua estabilidade econômica.

— Espera que eu acredite nisso e me case com você?

— Muitas mulheres dariam um braço para ser uma princesa — ele disse com ternura, tentando conquistá-la.

— Você ficou maluco? — ela se afastou de repente e ele teve de soltá-la. — Não conheço seu mundo, Andreas. Como pode me pedir isso?

— Descubra. Volte comigo para a capital, conheça a minha família.

— E ser vista como a mulher que você seduziu há tantos anos? Ouvir todo o país dizendo que devo me casar com você? Não, obrigada.

— Então, decida — ele disse. — Case comigo agora e volte para a capital como minha esposa. Você precisa se casar comigo.

— Eu não preciso fazer nada. Eu não ganho nada com isso.

— Como pode dizer isso? — Andreas não sabia mais o que fazer. Seu instinto mandava que ele se calasse e fosse embora, mas a situação era grave demais para fugir. — Há o dinheiro, a coroa...

— Vivi muito bem sem eles até agora.

— E quanto a mim? — ele perguntou, sabendo que para ela a questão ia muito além dos fatos. — Ficou muito bem sem mim?

— Precisei ficar — ela disse, trincando os dentes. — Acha que não tentei esquecer?

— Mas mesmo assim você se lembrava — ele disse ternamente, aproximando-se devagar. — Assim como eu me lembrava. — Ele pegou as mãos dela e atraiu-a como se fosse um ímã que unisse duas partes que se encaixavam. Era o que ele desejava fazer desde que a vira furiosa e assustada no avião, e desde que a deixara há tantos anos, quando ela não passava de uma menina. Holly era uma mulher e não estava amedrontada, mas, se ela dissesse não, seria não. Andreas sentiu que Holly ainda estava furiosa e confusa, embora o deixasse abraçá-la.

Assim que seus corpos se tocaram, o sangue dele ferveu e Holly ameaçou resistir, mas cedeu, pressionando o corpo contra o dele, como se quisesse encontrar algo, que certamente existia.

Pelo menos da parte dele. Andreas sentiu seu corpo reagir ao sentir as curvas de Holly se aproximando dele e queimando-o como se fossem de fogo. Andreas deslizou as mãos pelo vestido dela e sentia o calor de seu corpo através da seda macia. O toque dele se tornou mais forte e ele a puxou para si. Após uma leve resistência, ela resolveu se render e permitiu que seus fossem comprimidos contra o peito dele.

— Lembra da primeira vez em que a beijei? — ele sussurrou. Ela abanou a cabeça. — Mentirosa — ele disse, sorrindo e pegando-a pelo queixo. Fora no baile que os pais dela organizaram pela chegada do príncipe. Ela estava toda de branco e derrubara uma taça no chão. Os dois abaixaram para recolher os cacos ao mesmo tempo. Estavam tão próximos... beijá-la parecera a coisa mais natural a ser feita. Bem como naquele instante.

Ela não resistiu. Sua raiva e hesitação haviam desaparecido. Ela o puxou pelos quadris e os dois se beijaram. Andreas achara que o que sentira com Holly fora manchado pela distância e pelo arrependimento. Quando ele fazia amor com a esposa, sentia-se frustrado e preferira concluir que a falta que sentia de Holly não passava de uma fantasia romântica e injusta com Christina. Porém, no momento em que eles se beijaram, ele percebeu que se enganara. Holly era seu coração, seu lar. Como pudera esquecer seu desejo por aquela mulher? Ele a empurrara para o canto mais escuro de sua memória, mas ali estava ela, linda, desejável e livre. Ele também estava livre.

Sebastian o mandara consertar a situação, e ele poderia fazê-lo simplesmente se casando com ela. Holly, sua esposa cativa que ele amava e desejava. Ela era sua, estava em seus braços, com o corpo colado ao seu. Aquele beijo era a fusão de dois corpos que estavam destinados a serem um só. Forjados pelo fogo, por uma chama que era real e os consumia por inteiro. Ele a levantou do chão e apertou-a contra o peito. Por um instante glorioso, sentiu que ela se submetia e o abraçava pelo pescoço, beijando-o com mais intensidade.

Mas de repente ele se mexeu e o encanto se desfez. Ela o empurrou pelo peito. Andreas tentou continuar a beijá-la, mas ela o afastou.

— Pare, Andreas.

Ele entendeu o que ela dizia: ele se virara na direção do quarto, desesperado, querendo se unir a ela tanto quanto seria possível. Ele poderia possuí-la. Ela era sua mulher. Mas aquela era Holly, e, em algum lugar, sob o desejo ardente do príncipe, havia um rapaz apaixonado. Andreas hesitou por instinto e viu, nos olhos dela, a confusão e a dúvida.

— Agapi mou... — ele disse ternamente. — Querida, o que foi?

— Não quero.

— Não me quer?

— Não foi isso que eu disse — ela sussurrou. — Desejo você tanto quanto desejo viver, e sempre desejei, mas você precisa me dar tempo para pensar, Andreas.

— Se pensar, vai recusar.

— Então, talvez eu deva recusar — ela respondeu. — Por favor, coloque-me no chão, Andreas.

— E se eu não colocar? — Ele não queria soltá-la. Malditos escrúpulos. Afinal, ele era um príncipe e ela era sua mulher. Era o que ele sentia. Holly era a mãe de seu filho e ele a desejava tanto que suas entranhas doíam.

— Se você é o homem que penso ser, não me possuirá contra a minha vontade — ela soou tão confiante que ele a colocou no chão, sentindo como se perdesse uma parte de seu coração.

— Você me deseja tanto quanto eu a desejo — ele resmungou. — Admita.

— Meu corpo o deseja — ela disse, muito calma. — Mas minha mente diz que seria loucura, e que já fizemos um filho porque as precauções não funcionaram. Devo me arriscar a engravidar de novo, a talvez passar por outra perda, por uma noite de paixão? — Foi o bastante para Andreas voltar a si. Ele viu a verdade nos olhos de Holly: um sofrimento que ele não compartilhara e que a destruíra. Ele a soltou e observou seu rosto refletir um conflito em que o bom senso saiu vitorioso. — Preciso de espaço — ela disse em voz trémula, voltando para o quarto.

— Vai pensar no que eu lhe disse?

— Sim — ela murmurou. — Também vou pensar em por que você me colocou no chão e demonstrou integridade. Apesar de tudo o que aconteceu, confio em você. Se você diz que precisa se casar comigo pelo bem de seu país, acredito, mas não significa que eu concorde. Preciso pensar no assunto. Precisa me dar tempo.

— Eu...

— Não diga mais nada. Não posso escutar.

— Holly...

— Não — ela o interrompeu e entrou no quarto.

Andreas se voltou e viu Sophia, que trazia uma bandeja para tirar a mesa. Ele percebeu que ela ouvira tudo.

— Vai me bater com uma garrafa de vinho? — ele perguntou asperamente.

Sophia sorriu sem simpatia.

— Conheço você, meu Andreas. Não a magoaria de novo.

— Eu jamais a magoaria.

— Mas já magoou.

— Ela lhe disse isso?

— Os boatos chegaram até aqui. Dizem que você teve um filho com esta moça e que ela perdeu o bebê. Conversei com ela sobre meus filhos e notei a sua dor. Agora você deve agir honradamente. O que vai fazer?

Andreas olhou para a velha e firme babá . Ela era sua serva. Seu irmão a olharia com desdém e viraria as costas. Ele não conseguia.

— Não sei — ele admitiu.

— Gosta dela.

— Já tinha me esquecido do quanto.

— Então, é preciso cortejá-la — disse Sophia, esperta. — Seja gentil, dê-lhe tempo.

— Não há tempo. Preciso resolver esse assunto.

— Se apressar as coisas, vai acabar sem nada.

— Ela precisa...

— Nada de "precisa". Ela é uma moça inteligente e não gostar de "precisar". — Os olhos espertos sorriam. — Ela será uma esposa em um milhão. Você e Christina... não, não e não. Mas você e Holly...

— Esqueça, Sophia.

— Vou esquecer — ela disse, e, para surpresa de Andreas, fez algo que não fazia há anos: deu-lhe um beijo. — Vou deixar que você resolva, que use o bom senso e o cérebro, não o sexo. Foi isso que o colocou nessa confusão. Os homens da sua família confundem tudo. Agora, seu cérebro deverá ajudá-lo a sair dessa. — Ela cutucou o peito de Andreas, riu e começou a tirar a mesa.

 

Holly ouviu o murmúrio de vozes, mas não conseguiu distinguir as palavras. Ela se encostara à porta que lhe parecia fraca demais para protegê-la. Sophia a protegeria, mas não contra si mesma. Andreas... ela sonhara com ele durante anos, e ele estava ali e a desejava. Tudo o que precisava fazer era cair em seus braços e tornar-se sua princesa. Aí é que estava o problema. Seu medo era tanto que ultrapassara o seu desejo. Ela o ouvira falar da família, do pai cruel, da mãe aristocrática, das irmãs e dos irmãos sensuais e poderosos. Ela nada sabia sobre a vida de Andreas. Ceder à chantagem dele, porque era uma chantagem, seria mergulhar no seu estilo de vida e desistir de tudo o que conhecia. Seria abandonar a esperança de voltar para casa. Ali não havia nada para ela, mas o túmulo de seu filho estava em Munwannay, onde era o seu lar. Se resolvesse ficar, se tornaria um simples acessório de Andreas.

Holly tentou controlar a respiração e pensar logicamente. Andreas não lhe declarara amor. Ele lhe propusera uma troca: ela o livraria de um problema político e ele pagaria as dívidas de seu pai. Ótimo. Em que situação isso a deixava? Deveriam ter conversado mais sobre o assunto, mas como poderiam discutir alguma coisa quando o que sentia por ele insistia em se meter no caminho? Ela o deixara conversando calmamente com Sophia e se trancara, tremendo como uma virgem. E não pretendia abrir a porta sabendo que, no minuto em que o visse, perderia a cabeça... desejo. Não passava disso. Ou passava?

As vozes se calaram. Holly ouviu Sophia tirando a mesa. Andreas deveria ter ido para a cama, onde ficaria planejando um jeito de convencê-la a se casar com ele. Casar com Andreas... era como se o céu se abrisse e ela não pudesse enxergar algo de extraordinário do outro lado e fosse se lançar no desconhecido... parecia-lhe impensável, e ela resolveu se deitar e analisar a possibilidade. Andreas dissera que o país dependia do casamento dos dois. Ele se preocupava com o país, e o país o observava, mas ela estava sozinha. Holly foi até a janela e afastou a cortina. Sophia sentiu-se observada, virou-se, sorriu e levantou os dedos cruzados para Holly. Depois, retomou seu trabalho. Holly sorriu. Não estava completamente sozinha, tinha uma aliada. Talvez apenas uma aliada não fosse o suficiente. Precisaria pensar. Não mergulharia no aquário da realeza sem conhecer os fatos. Ela e Andreas deveriam manter alguma distância e conversar.

 

Não adiantava conversar. Como conseguiria convencê-la se ele também estava confuso? Ele não conseguia esquecer que se tratava de Holly e que ele a desejava tanto que doía. Andreas fora criado para ver o casamento como uma obrigação, como resultado de uma aliança política onde a paixão era secundária. Não havia amor no casamento de seus pais. Quando ficara com Holly há tantos anos, haviam falado em fugir, mas seu senso de dever prevalecera. Agora ele recebera ordens para se casar com a mulher que desejava. Vá com calma. Aja com cuidado. É importante demais para que você estrague. Porém, ele não tinha tempo: os lobos uivavam. Sebastian apareceria a qualquer momento, para casá-los a força, se necessário. Sebastian se importava mais com o país do que seu pai, e seria um bom rei. Se aquela mulherzinha se interpusesse entre ele e o trono... maldição.

Andreas caminhava pela praia. Tinha pouco tempo e não poderia esperar que Holly lhe desse o veredicto. Ele pensou em livrar-se de Sophia, invadir o quarto e concluir tudo de maneira natural, o que não iria contra o gênio intrépido de Holly. Ela sempre fora orgulhosa, independente e forte e não perdera essas qualidades, fortalecera-as. Ela era única e ele a desejava. Então diga a ela. Faça amor com ela literalmente. Ela acreditaria nele? Andreas olhou para o mar enluarado. Ele a desejava mais que a própria vida. Se houvesse tempo, ele a cortejaria como ela bem merecia. Ele a amaria como ela merecia. Então se apresse. Faça o que puder fazer no tempo que lhe resta. Pense. Precisava convencê-la rapidamente, e isso lhe daria tempo. Ele a trouxera até ali como refém. O que seria capaz de fazê-la escolher ficar? Andreas tentou se lembrar da Holly que ele amara: livre e selvagem; encontrando-o na primeira manhã de sua chegada; saindo para a varanda acompanhada de seu cachorro. Ele parou. A ideia parecia louca, estúpida e sentimental, mas a situação era incomum e ele só precisava de um gesto... ele voltou ao pavilhão e acordou metade do palácio para conseguir o que desejava.

 

Passava das 10h quando Holly se arriscou a abrir a porta do quarto. Sophia varria o chão em volta da piscina, uma tarefa normalmente desempenhada por Nikos. Holly a ouvira cantar e concluíra que ela pretendia lhe mostrar que seria seguro sair do quarto.

— Ele se foi — disse Sophia. — Disse que voltará esta noite e mandou que você não se preocupasse.

— Não me preocupar... que tipo de ordem é essa?

— Ele disse para você nadar e aproveitar o dia, não canse sua cabeça. Mas, antes, o café da manhã.

— Acho que não estou com fome.

— Claro que está com fome — disse Sophia, sorrindo. — Ser cortejada sempre deixa uma garota com fome. Quando um homem como ele olha para você com aqueles olhos... ah, os sentidos são despertados: olfato, tato, paladar... eu também já fui jovem, sabia?

— Isso nada tem a ver com cortejar — disse Holly, evitando parecer antipática. Ela vestia um quimono de seda que não cobria muita coisa e olhou em volta, desconfiada.

— Ele se foi realmente — Sophia riu.

— Para onde?

— Quem sabe? Os príncipes... estão aqui, ali, em todo lugar. O rebuliço com a morte do rei foi tanto que há milhões de coisas para fazer. Pode ser que a mãe precise dele em casa. — A expressão de Sophia suavizou. — A rainha sofreu muito, por mais que tentasse fazer uma cara de corajosa.

— Eu não sabia.

— Tudo bem. Você não a conhece e ainda tem muito que aprender. Você precisa comer — Sophia resolveu que precisava distrair Holly. — Quer conversar enquanto eu cozinho?

— Posso preparar minhas torradas.

— Você vai ser uma princesa — disse Sophia com severidade. — Precisa se acostumar. Se fizer sua torrada vai ofender toda a equipe da cozinha.

— É mesmo?

— Claro — ela disse. — Não me importo porque você ainda não é uma princesa, mas, quando for... — Sophia olhou para ela com medo de desagradá-la. — Quando for, assumirá um novo papel e irá representar nosso país, será da nobreza.

— Eu não pertenço à nobreza.

— Pelo que vejo nos olhos do príncipe Andreas... você será.

Holly tomou o café, tentou comer sem engasgar e escapou para a praia. Sophia lhe preparou um lanche para levar.

— Mandarei avisá-la se Sua Alteza chegar — disse ela.

Para Holly, aquilo soou como uma advertência, mas ela não tinha escapatória. Estava na ilha de Andreas e deveria seguir suas regras, esperar e pensar.

Ele não voltou. Se tivesse voltado ela teria visto o avião. O sol mergulhava no horizonte, e nem sinal de Andreas. Holly estava cansada de ficar na praia, tentando raciocinar e esquecer o beijo da noite anterior, vendo a imagem de Andreas nas páginas que tentava ler. Nada estava claro, exceto seu temor pelo futuro e sua saudade do passado. Ela voltou ao pavilhão. Sophia e Nikos estavam na cozinha e conversavam em voz alta, animada. Sophia lhe contara que estavam casados há 40 anos e tinham cinco filhos. Sobre o que conversariam? E por que ela se sentia tão solitária que tinha vontade de chorar?

Holly fora solitária durante toda a sua vida. Nos últimos anos, haviam restado apenas ela, seu pai e o trabalho. Seus alunos eram vozes distantes que chegavam através do rádio. Agora ela estava acompanhada, mas a sua sensação de solidão era maior do que nunca. Talvez, pelo fato de ver Sophia e Nikos e perceber o que um longo casamento poderia ser. Talvez pelo fato de rever Andreas e imaginar o que aconteceria se fossem pessoas diferentes, num mundo diferente. Talvez, casar-se com ele não fosse pior que viver sozinha pelo resto da vida. Talvez... nada. Um avião surgiu no céu. Holly olhou para o alto e choramingou, correndo para o quarto.

 

— O jantar está servido — anunciou Nikos, batendo na porta.

Eles haviam mandado uma marionete, Holly pensou. Nikos ficava constrangido diante dela. Ela não queria nem poderia gritar com ele. Holly decidira usar o mesmo vestido da véspera. Pelo modo como Andreas a devorara com os olhos, não pretendia vestir algo diferente para provocá-lo novamente. Que cansativo, ela pensou. Andreas deveria estar acostumado a ter uma mulher diferente a cada noite. Se ele iria se cansar dela, seria melhor saber de uma vez, ou não. Nada do que ela pensava fazia sentido. A situação era sem sentido. Então saia e acabe logo com isso. Holly abriu a porta.

Nikos a acompanhou até a mesa posta sob as estrelas. Andreas já estava sentado, mas levantou no momento em que a viu. Estava muito elegante e seus olhos brilhavam como a noite. Ele sorriu e Holly sentiu-se abalada. Ele era muito sexy.

— Você está linda — ele murmurou, aproximando-se.

Holly tentou parecer zangada.

— Estou igualzinha a ontem.

— Nem tanto. O seu nariz começou a descascar.

— Deixe o meu nariz fora disso.

— Não teve um dia tranquilo? — ele perguntou, preocupado.

— O que você acha? Você me dá duas opções assustadoras e vai embora, deixando-me sozinha para resolver.

— O que você resolveu? — ele perguntou solenemente.

Ela tentou se concentrar. O que resolvera?

— Que você enlouqueceu — ela murmurou. — O que você me pede é inacreditável e injustificável. — Ela ficou atônita ao vê-lo sorrir e beijá-la na testa antes de conduzi-la até a mesa.

— Concordo. Foi o que concluí ontem à noite. Assim que a deixei, percebi que o que lhe propúnhamos era um acordo unilateral. Você se tornaria uma princesa, porém, mais do que ninguém, eu deveria saber que isso não é uma vantagem.

Holly se sentiu oca de repente. Andreas segurava a cadeira e esperava que ela se sentasse. Ela sentou e olhou para ele.

— Bem, e então? — ela conseguiu dizer.

— Bem, então... — ele rodeou a mesa e sentou.

— Então posso ir embora?

— Desculpe, mas não pode — ele disse. — O destino de muitas pessoas mudará irremediavelmente para pior se você se recusar a casar comigo.

— Então, nada mudou.

— Só minha atitude — ele disse amavelmente. — E as regras. Passei o dia negociando e fazendo compras.

— Compras? Você está brincando...

— Sophia? — ele chamou.

Nikos abriu a porta e Sophia entrou, carregando... um cachorrinho. Não era apenas um filhote. Holly ficou surpresa e levantou ao ver o animalzinho no colo de Sophia. Era um border collie, com aproximadamente doze semanas, uma inquieta trouxinha branca e preta, com grandes olhos espertos e um rabo que balançava rápido como uma hélice.

— Ele já reconhece o senhor, majestade — disse Sophia. — Não gostou nada de ser deixado na cozinha. Ele o viu e abanou o rabo.

— O quê...? — Holly mal conseguia falar.

— Estava faltando algo — explicou Andreas, olhando para Holly. — Ontem eu vi você e achei que lhe faltava algo. Então lembrei. A primeira vez em que a vi em Munwannay, você tinha uma sombra. Sempre havia uma sombra preta e branca com você: Deefer. Acho que era esse o nome.

— Deefer, o cão — Holly murmurou, aturdida.

— Um velho pastor de rebanhos.

— Um border collie, como este. — Ela não conseguia afastar os olhos do filhote.

— Meus homens me contaram tudo sobre você, mas não mencionaram cachorro algum quando a investigaram.

— Eu não tive outro depois que Deefer morreu.

Andreas estremeceu.

— Deefer já estava velho quando eu fui para lá.

— Sim — ela disse, sem coragem de dizer mais nada. Deefer vivera apenas três semanas após a morte de Adam. Seu bebê e seu cachorro...

— Posso perguntar por que não comprou outro cão?

— Meu pai não deixaria. — Ela estava louca para pegar o filhote que se agitava, mas se conteve. Aquele lhe parecia o maior golpe para seduzi-la.

— Mas vocês estavam numa fazenda. Uma fazenda produtiva.

— Sim, mas... Deefer fazia parte da loucura do meu pai. O nome verdadeiro dele não era Deefer. Ele tinha um pedigree de quilômetros. Todos os nossos cachorros tinham. Ele se chamava Cobalt Royal Rex ou algo semelhante. Deefer era seu apelido. Quando ele morreu, foi o fim. Meu pai tinha tanto orgulho dele... ele jamais admitiria um vira-latas na nossa fazenda, e um cão com pedigree custaria uma fortuna. Nunca mais pude ter um cachorro.

— Nunca mais ele permitiu... — Andreas aparentava calma. — Mas era você que fazia todo o trabalho.

— A fazenda era dele. Ele tomava as decisões.

— Ele decidiu levar a fazenda à falência ao invés de vendê-la e se mudar enquanto podia.

— A decisão também foi minha — Holly disse. — Você acha que eu não tive escolha? Mas eu a amava e ainda amo, Andreas. Adam ainda está lá... e eu quero voltar para casa. — Ela engasgou, torceu as mãos e tentou se controlar, enquanto Andreas, Nikos e Sophia a observavam. Então, como se tivesse tomado uma decisão repentina, Andreas levantou e pegou o filhote, entregando-o para ela.

— Sente — ele ordenou. Andreas colocou o filhote em seu colo, pegou na mão dela e colocou-a sobre a coleira do cão. — Este é o meu penhor — ele disse gentilmente.

— Seu penhor — ela repetiu, aturdida.

— Meu voto — ele disse. Quando Sophia e Nikos fizeram menção de sair, ele os deteve. — Não. Preciso de testemunhas. Isso não deve ser divulgado, mas sei que posso contar com a discrição de vocês. Vocês serão os únicos a saberem. Holly, estou lhe pedindo que se case comigo, pelo bem do meu povo e do meu país. Prometo não prendê-la a esse casamento nem um minuto a mais do que for necessário. Assim que tudo se acalmar, você poderá voltar para casa, para Munwannay.

— Voltar para...

— Ontem eu me ofereci para pagar as dívidas de seu pai — ele disse. — Observei você ontem à noite, pensei no que você passou sozinha e concluí que não era o suficiente. Portanto, ofereço-lhe sua vida de volta. Estou lhe dando Deefer Segundo. — Ele sorriu, olhando para o filhote. — Ou como você queira chamá-lo. E lhe dou Munwannay. Mandei que meus agentes a comprassem pelo preço que você pediu. A escritura lhe será entregue no dia do nosso casamento, além de uma quantia razoável que lhe permita abastecer a fazenda com tudo o que for necessário ou que você precisar, pelos próximos 50 anos ou mais. Tudo será seu, Holly. Não posso deixar de pedir que você se case comigo. É a coisa mais honrada a fazer. Tudo o que você precisa é dizer que sim e esse assunto estará encerrado.

Holly o fitou, abismada. Deefer Segundo se agitou em seus braços e ela instintivamente o acariciou. Ele se contorceu, deliciado, e lambeu o rosto dela. Fazia anos que ela não era beijada por um cachorro. E, na noite passada, fora beijada por um príncipe. Uma coisa de cada vez: a escritura da fazenda; casamento com um príncipe... o filhote era mais fácil.

— Como você encontrou...?

— Deu trabalho — disse Andreas, rindo. — Trabalhei a noite inteira. Eu queria um border collie que se parecesse com Deefer dos pés à cabeça. Convoquei todos os empregados disponíveis no palácio. Quando amanheceu eles ligaram para todos os canis da Europa. — Ele balançou a cabeça. — Você não faz ideia do quanto foi trabalhoso conseguir esse filhote.

Mas ele conseguira. O seu príncipe, o seu Andreas. Ele a observava de perto, tentando esconder sua ansiedade, mas ela percebeu. Ainda estaria achando que ela iria recusar? Talvez ela devesse, mas ele arregimentara um pequeno exército para lhe dar um cachorro; dissera que seu país iria à ruína, se ela recusasse, e que o futuro do povo dependeria do casamento dos dois. Parecia um contrassenso, mas, se ela acreditava nele, que outra escolha lhe restava? O que lhe custaria se casar, se isso significava que salvaria o país e poderia voltar para casa... e ele fora sincero, fizera uma promessa diante de testemunhas, uma proposta de negócios e nada mais. Tudo o que ela precisava era ignorar a forma como fora trazida até ali e esquecer o que sentia quando Andreas olhava para ela daquele jeito.

O penhor que ele lhe dera estava em seus braços. O filhote era um estranho voto, Holly pensou, levantando-se com o cãozinho no colo. O presente fora melhor que qualquer diamante. Deefer o tornara pessoal, fizera com que parecesse... quase correto, como se houvesse algum desejo...

— Você diz... você está sugerindo que podemos nos divorciar depois — ela disse, tentando raciocinar. — Mas o seu divórcio com Christina...

— Foi diferente. Christina aproveitou para me difamar num momento em que eu estava vulnerável. A hora foi péssima. O palácio estava sendo bombardeado com um escândalo após o outro. As mentiras que ela disse são a razão para que eu precise mostrar que estou fazendo o que é correto. Se você concordar, peço-lhe para manter o casamento até que Sebastian assuma o trono, porque depois não importa o que o povo pense de mim, Holly. Esse casamento, no entanto, é imprescindível. Você precisa confiar em mim.

— Mas eu confio... o que não me dá muita escolha — ela disse, esforçando-se para parecer indiferente. — Vou ser obrigada a me casar com você.

— Você tem outra pessoa? — ele perguntou de repente. — Pensei...

— O seu pessoal não investigou?

— Eles acharam que não. Estavam certos?

— Claro que estavam certos — ela disse sem conseguir se conter. Andreas sorriu.

— Isso é uma bênção.

— Para quem? — ela perguntou.

— Para mim — ele disse, ousando sorrir.

— Então você está livre para se casar com ele? — Sophia ficara muito tempo calada e quase pulava de impaciência, com um sorriso envergonhado. — É que... Alteza, estou com um suflê no forno.

— Em nome da perfeição do suflê, Holly... — disse Andreas, sorrindo.

Holly sorriu de repente, aprisionada na teia de fascínio que a prendera há dez anos. Mas, mesmo em nome do suflê, precisava ser objetiva.

— Então, será um casamento temporário. Posso ir para casa quando quiser?

— Assim que a poeira assentar, sim.

— Você irá pagar todas as dívidas do meu pai.

— Claro.

— E vai me dar um capital também?

— Sim — disse Andreas. — Algo mais?

— Posso ficar com o cachorro? — ela perguntou, recusando-se a desistir.

— Ele é seu. Ela vai precisar ficar de quarentena quando você voltar para a Austrália, mas eu cobrirei o gasto de acordo com o contrato de casamento.

— Então, terei contratos legais e completos.

— Se assim o desejar.

Holly o encarou e ele esperou calmamente por sua decisão. Sophia se agitou e olhou para a cozinha. Parecia tão desesperada que Holly se distraiu e pensou que um suflê poderia ser um motivo tão bom quanto outro qualquer para aceitar um casamento que ela considerava absurdo. Estaria louca? Era provável.

— Em nome do suflê, então... — ela tentou manter a voz calma e firme. — Por nenhum outro motivo além de um filhote e de um suflê: sim, Alteza. Aceito me casar com você.

Depois de ter concordado em se casar com um príncipe, ela comeu o suflê, uma iguaria maravilhosa. Holly se sentia flutuando numa espécie de bolha que estouraria a qualquer momento, lançando-a de volta à sua vida solitária e à necessidade de cuidar de Munwannay sozinha. Só que daquela vez ela teria dinheiro suficiente para tornar a propriedade viável. Começou a imaginar o que faria na fazenda. Cansado, Deefer se enrolara em seu colo e dormia. Os olhos de Andreas escureciam toda vez que ele olhava para ela.

— É isso que você quer? — ele perguntou, depois que Sophia serviu o café e saiu.

— Eu tenho alguma escolha? — ela perguntou, surpresa.

— Não posso forçá-la, você sabe. Acredito que seja uma troca justa.

— E é. — Claro que ela queria. Munwannay era o lugar onde Adam estava. Ter a oportunidade de ficar ali para sempre...

— O divórcio só será possível depois que o meu irmão for coroado — lembrou-lhe Andreas, trazendo-a de volta ao presente. — Parece absurdo falar em divórcio antes de nos casarmos, mas creio que é melhor fazermos um plano.

— Diga-me o que faremos a seguir. — O filhote levantou a cabeça e olhou para ela. Holly o apertou nos braços: ele era algo familiar e acolhedor em meio ao caos.

— Precisamos de um casamento real — ele disse. — Nada de grandioso. Deixaremos as pompas e solenidades para Sebastian, mas o povo reagirá favoravelmente a um casamento adequado.

— Eu não posso usar branco — ela disse.

Andreas franziu a testa.

— Claro que pode. Você não teve um filho com outro homem — ele disse, indignado. Holly se encolheu.

— Não — ela murmurou. — Só tive o seu.

— Isso significa que você pode ser uma noiva tradicional se quiser. E é melhor que seja. Os boatos dizem que eu a seduzi e abandonei, e que o seu filho morreu por negligência e pobreza. Eu sei... — disse ele ao vê-la arregalar os olhos.

— Vamos consertar essa história. O seu isolamento faz com que o povo simpatize com você. O fato de você não ter tido outro homem faz com que o povo acredite que vale a pena tê-la como esposa.

— Ah, que ótimo — Ela se fingiu de indignada. — Então, se eu tivesse tido um namorado, ou seis, nesse ínterim, seria muito...

— Melhor — ele completou bruscamente. — Se o povo a achasse volúvel, eu não precisaria casar com você.

— Você não precisa casar comigo.

— Preciso — ele respondeu. — Tenho tanta escolha quanto você.

Holly achou que seu café estava amargo e empurrou-o sobre a mesa.

— Então, seremos dois a ficar presos num casamento de conveniência.

— Isso resume tudo. — Ele suspirou. — Não faça essa cara. Você já estava melhor, mais animada, como se houvesse alguma vantagem em tudo isso.

— E há — ela disse, abraçando o filhote. — Deefer e a minha fazenda. Preciso saber as normas de quarentena para levá-lo de volta à Austrália.

— O criador me deu os detalhes, mas vamos adiar o pedido por algum tempo. Vamos nos casar primeiro.

— Quando?

— Dentro de três dias.

Holly se assustou.

— Três dias?

— Assim que voltarmos à capital, eu a apresentarei à minha família, e nos casaremos à tarde.

— Vocês estão mesmo apavorados.

— Meu irmão teme perder a coroa — disse Andreas. — Metade do país está apavorada. Não seremos absorvidos por Calista.

— E eu sou o peão...

— Nós dois somos peões.

— Por quê? Há algo que você esteja me escondendo?

Andreas abanou a cabeça, e de repente ela achou que ele parecia muito cansado. Ele passara a noite em claro para presenteá-la com um cachorro, um contrato, um futuro. Voara para buscar Deefer. Holly se comoveu e sentiu vontade de abraçá-lo e lhe acariciar o cabelo como fizera há muitos anos, mas não daria certo. Não eram mais crianças, eram adultos responsáveis, e ela temia abrir seu coração. Sophia lhe contara que o país quase pegara em armas na época do divórcio de Andreas, ao saber de seu comportamento imoral. Mas ela também lhe dissera para não acreditar, e que Christina mentira, fazendo dele um vilão. Holly olhou para ele e pensou que acreditava que ele fosse honrado, embora o país acusasse a família real de ser imoral. Ele passara o dia lutando por ela. Dera-lhe algo que ele achara que ela realmente queria. E agora... Holly tinha uma escolha. Podia continuar se lamentando ou resolver desempenhar o seu papel, e talvez até se divertisse...

— Não me importaria de me vestir de noiva — ela disse, deixando-o espantado. Holly pegou uma pastilha de chocolate com menta sobre a mesa e a mordeu. Havia algumas vantagens em ser da nobreza. Uma delas era o delicioso chocolate. — Mas não vou usar anquinhas — ela disse. — E nada de laços, mas se houver alguma tiara ou coroa, não me importo de usar algum brilho.

— Brilho...

— Diamantes cairiam bem — ela disse, tentando aparentar indiferença.

— Você não poderá usar a coroa de Aristo — ele esclareceu. — Ficaria linda, mas não esqueça que o diamante do meio é falso...

— Então não vou usá-la — ela resolveu. — Esta princesa não quer nada de falso. Quero tudo fabuloso.

— Fabuloso.

— Sim, fabuloso. Se vamos engolir um casamento real, por que não daríamos ao país o que ele merece?

— Você está falando sério?

— Estou. — Ela se concentrou na menta do chocolate, tentando falar com delicadeza. — Quer dizer, se nós dois entrássemos na igreja demonstrando que odiamos a ideia, que impressão passaríamos? Que somos dois capachos?

— Ninguém poderá dizer que você é um capacho.

— Nem você — ela disse, olhando-o com um ar de aprovação. — Não com esta roupa. Droga, Andreas, quem faz as suas roupas?

— Como vou saber? — Ele deu a volta na mesa e parou ao lado dela.

— Tem razão. — Ela fingiu não perceber que ele estava perto. — Esqueci que você tem uma equipe de alfaiates.

— Que irá mover céus e terras para lhe fazer um vestido de casamento a tempo.

— Isso seria ótimo. — Ela deu um sorriso, o que foi um erro enorme. Andreas sorriu de volta, de maneira devastadora, e tentou levantá-la pelos braços. Foi Deefer quem a salvou, porque, deitado em seu colo, ficaria imprensado sob o tampo da mesa.

Holly empurrou a cadeira e levantou sozinha, segurando o filhote como escudo.

— Preciso voltar à cidade hoje à noite — disse Andreas, e ela demonstrou o que sentia, porque ele se aproximou e ela recuou.

— Eu... por quê?

— Porque vamos nos casar em três dias.

— Você precisa... o quê? Mandar os convites? — Holly se sentia sufocar, mas não sabia como se salvar.

— Acho que sim. — Ele sorriu, olhando-a de um jeito que ela não conseguiu entender. — Há alguém que você queira convidar?

— Não conheço ninguém aqui.

— Podíamos mandar um jato para a Austrália. Você quer convidar sua mãe?

— Se ela vier, o casamento está cancelado — disse Holly.

Andreas fez uma careta.

— Tem razão, eu me lembro da sua mãe.

— Eu tento esquecê-la. Não nos falamos há anos.

Andreas olhava para ela com uma tensão controlada. Holly percebeu, mas não sabia por quê.

— Não há ninguém que você queira convidar?

— Tirando Deefer, estou só, Andreas.

— Quando nos casarmos, você terá o apoio da família real.

— Temporariamente. O casamento é falso — ela disse secamente.

— Não. O casamento é real.

— Até resolver os problemas políticos. Não precisa de uma esposa, Andreas, e eu quero voltar para casa.

— Acho que você tem razão.

A formalidade da conversa soava absurda. Era como se pisassem em ovos.

— Quando vou vê-lo de novo?

— Georgiou irá levá-la direto para o palácio na manhã do casamento. Vamos casar na capela particular, diante do mínimo de pessoas que seja necessário.

— Como sua mãe?

— Como minha mãe, a rainha, e meu irmão.

— Acho que não me sinto bem — ela disse. — O que eles acharão de mim?

— Ficarão agradecidos.

— Até parece! Eles são aristocratas, Andreas.

— Eu também, e isso não nos impediu... — Ele se calou.

Holly tentou perceber o que ele pensava. Nada. O que ele pretendia dizer permaneceria um mistério.

— Resumindo, somos apenas um homem e uma mulher — ela sussurrou. — O fato de você ser um príncipe não faz diferença. Não preciso jurar obediência, preciso?

— Não, se você não quiser.

— Vai me fazer assinar um acordo pré-nupcial?

— Receio que... os advogados irão exigir.

— Eu também acho. — Ela hesitou. — Arranje-me um advogado também.

— O quê?

— Está tudo nos seus termos. — Ela falou como se soubesse o que dizia. — Quer dizer, você me deu Deefer e me fez uma promessa, mas tudo o que tenho é a sua palavra.

— Pode confiar na minha palavra. — Ele pareceu ofendido e Holly encolheu os ombros.

— Claro, mas estou meio perdida. Você está falando em contratos. Eu também deveria falar. Quero um advogado australiano que confira tudo que você quer que eu assine.

— Onde vou achar um advogado australiano?

— Não sei. Você achou um border collie para mim. Você é bom para encontrar coisas.

— Holly...

— Acha que estou abusando da sua bondade?

— Não acho que esteja abusando de nada, mas pode confiar em mim.

— Claro, mas ainda estarei sozinha — ela disse, mortalmente séria. Quando olhava para ele, ela perdia o bom senso e esquecia de tudo. Mas era verdade: ela não passava de um peixinho no mar da corte. Sua vida estava em jogo. Dentro de poucas semanas ela voltaria para a Austrália e tudo não passaria de um sonho. Se o que Andreas prometera não acontecesse...

— Pode confiar em mim — ele repetiu.

Ela balançou a cabeça.

— Eu sei, mas ainda quero meu próprio advogado.

— Por quê?

— Porque estou com medo. Porque se trata de mim e estou prestes a vestir um vestido de noiva e a me casar com um príncipe. E pelo que me recordo, no fim, até Cinderela perdeu o sapatinho de cristal.

Andreas sorriu, relaxou um pouco e, de maneira inesperada, tirou o filhote do colo dela e colocou-o no chão.

— Vá fuçar por aí. Preciso falar um pouco com a mamãe. — Andreas pegou nas mãos de Holly num movimento instintivo, e ela não teve tempo de reagir, mas não recuou. O momento era importante demais para ter algum escrúpulo. Ela acabara de concordar em se casar com ele. Dentro de três dias estariam lado a lado e ela diria "sim". Não adiantava fugir. Além disso, não tinha medo dele. Só que... — Não deixarei que você seja prejudicada — ele disse gentilmente. A cabeça dela parou de funcionar, e Holly amoleceu.

— Andreas...

— Vou manter a promessa que lhe fiz, Holly. Eu já a magoei demais. Case comigo e juro que a deixarei livre.

Antes que ela pudesse responder, ele a beijou. Foi um beijo rude, exigente, possessivo. Selava o que havia sido dito naquela noite. O filhote fora um toque ameno, até afetuoso, mas tudo não passava de um contrato, era o que o beijo dizia, soldando duas partes num todo: o príncipe Andreas Karedes protegia seu país com um casamento de conveniência e a tomava como esposa. Mas, naquela noite, ele demonstrara ternura e fora sincero. Ela seria sua esposa e não discutiria. Apesar de seus medos, Holly se soltou nos braços de Andreas, entregando-se. Ela podia ser sua esposa cativa, mas ele não teria do que reclamar. Cumpriria a sua parte da barganha e iria até o fim como sua esposa. E, talvez...

— Preciso ir — ele disse, pesaroso, afastando-a.

Talvez, ela pensou, enquanto ele se despedia e partia. Talvez os próximos dias fossem mais emocionantes que os últimos dez anos de luto numa fazenda do deserto. Talvez... nada de talvez. Tudo não passava de um breve negócio e logo ela voltaria para a sua vida. Holly queria voltar para Munwannay, mas não naquele momento.

 

Três dias se passaram, Holly achou que tudo fora muito apressado. O plano era que ela saísse da ilha para a capital e fosse direto para o palácio, onde se casaria antes do fim do dia. Ela não vira mais Andreas. Haviam se falado por telefone.

— Está tudo pronto — ele dissera. — Ou vai estar. Você terá uma reunião com seus advogados e com os nossos. Precisa assinar os contratos. Sophia tirou suas medidas. Você só precisa vir.

— Meus advogados?

— Contratei os melhores para você — ele dissera em tom sério. — Acredite, eles são ótimos.

— Não acho que precise...

— Você não sabe do que precisa — ele a interrompeu. — Nem eu. Estamos fazendo o que é necessário, mas estou me cercando de garantias. Como está Deefer?

— Está ótimo — Deefer lhe dava segurança: era uma bola de pelos, alerta e inteligente, extremamente ligado a ela. Sem ele, ela teria enlouquecido por ficar sentada na praia pensando no casamento iminente...

— Não deixe seu nariz queimar muito, meu amor — Andreas dissera com carinho. — Irá contrastar com as rosas cor-de-rosa que minha mãe escolheu para decorar a capela.

Ele desligara, e ela ficara à espera. Esperara tanto que quase enlouquecera. O dia do casamento chegou. Assim que amanheceu, Sophia entrou no quarto e abriu as cortinas.

— Quando o dia é ensolarado, a noiva é feliz.

— O país deve estar cheio de noivas felizes — disse Holly, sentindo-se insegura e irritada. — Este país é ensolarado demais.

— Então, sorria — disse Sophia. — O dia do seu casamento...

— Não é um casamento de verdade.

— Não é?

— Sabe que não é — Holly disse, mal-humorada. — Sou uma esposa cativa.

— Ah, mas a mulher não cativa de Andreas, Christina, era um completo desastre — Sophia disse, calmamente. — Se foi o melhor que a família real conseguiu, talvez a esposa cativa seja aquela que Andreas deveria ter escolhido antes. Acho que nosso príncipe encontrou sua noiva há dez anos... só não sabia que a tinha encontrado.

— Não seja ridícula — Holly sussurrou, assustada. — Você sabe que se trata de um casamento de conveniência. Sabe que ele não quer uma esposa.

— Sei que você tem uma chance — disse Sophia, colocando a mão no rosto de Holly, num gesto sutil de bênção. — Sei que meu Andreas foi criado como um príncipe, sabendo o que lhe é devido, mas também tem um coração que tem necessidades. Não deixe de aproveitar a sua chance por falta de coragem. — Ela deu um leve sorriso. — Vá tomar um banho e depois... já separei o que você vai vestir na viagem. Mandei Georgiou comprar um traje completo e sapatos, para que você fique bem elegante. Você será fotografada de todos os ângulos a caminho do palácio. — Sophia observou o nariz descascado de Holly e suspirou. — Você está descascando. Onde já se viu uma noiva real descascar? Holly, Holly, o que Andreas vai fazer com você?

— Casar? — ela responde em voz fraca.

— Claro — disse Sophia, como se a resposta fosse tola. — Mas, e depois?

 

 

E o dia começou. Quando Holly se despediu, Sophia e Nikos se emocionaram. Ela também se comoveu e os três se separaram fungando. Ela entrou no helicóptero pilotado por Georgiou, com quem decidiu não falar. Trazia Deefer no colo. Sophia se oferecera para cuidar do filhote que Andreas mandaria buscar depois, mas Holly resolvera trazê-lo. O cãozinho era o que ela possuía de verdadeiro. E quanto ao marido?

— Gostaria de beber algo antes de aterrissar? — disse Georgiou, timidamente, através do fone.

Holly olhou para ele, furiosa.

— Prefiro engasgar a aceitar uma bebida de você, seu sequestrador pé de chinelo.

— Eu estava cumprindo ordens.

— Certo. Bem, minha ordem é que você se mantenha o mais distante possível.

— Creio que não poderei obedecê-la. Fui designado como seu segurança pessoal.

— Ah, meu Deus! — ela exclamou, indignada.

— Vai ter de se acostumar comigo. Agora, que tal uma bebida?

— Estou tentada — Holly balbuciou. — Muito tentada. Andreas virá nos receber?

— Ele só vai encontrá-la na hora do casamento — Georgiou disse, espantado. — Para não dar azar. Creio que toda a família real estará nos esperando, com exceção de Andreas.

— Ah, perfeito — ela murmurou, mudando de ideia. — Georgiou?

— Sim, senhora.

— Vou tomar um drinque — ela disse baixinho. — Um pequeno. E, Georgiou...?

— Sim?

— Bem forte.

 

Estavam todos em fila, parados sobre um tapete vermelho, para evitar que seus preciosos pés tocassem a pista de concreto. Holly os reconheceu por suas fotografias. Sebastian, futuro rei, bonito como o irmão, sério, autoritário, determinado. A rainha Tia, elegante, reservada, mas com um olhar preocupado, e de luto, observou Holly. Tia sorria serenamente para as câmeras. Acabara de sofrer a perda do marido e de saber que ele a traíra, dando sumiço ao diamante que mantinha a soberania do país. Apesar de tudo isso, ela apresentava uma serenidade surpreendente; fora criada para a vida pública. Alex não estaria presente porque estava em lua de mel. As duas irmãs de Andreas, Kitty e Lissa, estavam lá. Sophia as classificara como "duas mimadas que adoram chocar a imprensa". Holly engoliu em seco e se agarrou a Deefer, caminhando na direção de seu futuro. E, então, os flashes se iluminaram, e eram tantos que, mais tarde, tudo de que ela se lembrava era de um clarão. Houve um momento em que ela foi levada à presença dos advogados, um grupo sério que a aconselhou e explicou os termos do contrato.

— Você não poderá reivindicar mais nada da coroa. Depois que se divorciar, o príncipe Andreas não lhe deverá mais nada em matéria de apoio financeiro ou outro apoio qualquer — concluiu um dos advogados. A observação feriu-a como um espinho. Ainda meio aturdida pela bebida que Georgiou lhe oferecera, Holly assinou o contrato e, depois, alguém levou Deefer embora.

— Cuidaremos dele, senhora. Ficará na cozinha até que tudo se acalme. Ele não pode ficar com a senhora durante o casamento. — A moça parecia brincar, mas Holly pensou que não haveria ninguém com ela durante a cerimônia. Ninguém.

Chegou a hora de se vestir. Renda, chiffon, fios de ouro, babados e dobras. Nada de anquinhas nem de laços. Não que ela estivesse reparando. Holly se sentia como uma boneca, puxada, repuxada e vestida à vontade por um bando de mulheres que remexiam suas roupas, inclusive as de baixo. Manicures, maquiadoras, cabeleireiros. Tudo no plural. Holly se sentia como uma escrava num harém, sendo preparada para o senhor. Quando ficou pronta, jovens uniformizados a esperavam para escoltá-la até a igreja.

— Holly?

Ela viu Tia Karedes, que usava um lindo vestido de brocado.

— Você está adorável, querida — Tia disse amavelmente. — Andei pensando... gostaria que Sebastian a conduzisse ao altar?

— Sebastian?

— O certo seria ele ficar ao lado de Andreas — Tia disse, hesitante. — Mas, já que foi Sebastian quem exigiu este casamento, eu disse a ele que o mínimo que poderia fazer seria acompanhá-la. Se é que tenho razão e você precisa de um braço para se apoiar...

Holly estava parada no centro da sala, rodeada de empregados, exatamente como uma noiva real deveria ser. Sentia-se distante, como se flutuasse. Qualquer braço serviria, ela pensou, apavorada. Sua intenção de entrar na capela com toda a energia acabara de desmoronar. Sua coragem fora enterrada sob a sola do sapato.

— Sim, por favor — ela sussurrou. — Obrigada por oferecer.

 

Andreas não via Holly há três dias e esquecera, ou nunca tivera ideia, de que ela poderia ficar tão linda. Ela parecia uma visão etérea, envolta em renda e cetim. O vestido acentuava a beleza de seus seios. As costureiras reais haviam obedecido às instruções e haviam concretizado todas as fantasias, produzindo uma noiva digna de um rei. Ela estava vestida como deveria estar, parecendo Cinderela ao entrar no baile. Holly era linda o bastante para deixar qualquer homem sem fôlego e para encantar um príncipe... sem dúvida, Sebastian estava encantado.

Na entrada da capela, parado ao lado de Holly, vestido num uniforme de gala, o futuro rei aguardava até que a música comandasse os passos lentos com que deveriam se dirigir ao altar. A cerimônia cheia de pompa e esplendor pretendia demonstrar ao povo que a família real não se envergonhava daquela união, que não passava de uma reparação do passado.

Sebastian olhou para Andreas, como se perguntasse: "O que temos aqui? O que faço, entregando-lhe esta beleza?" Andreas se conteve para não atravessar a capela e apagar o sorriso do irmão. Se ele a tocasse... Andreas reconheceu que o irmão tentava ajudar, mas não queria que Holly se aproximasse de Sebastian nem da família real. Ele notou que Holly usava uma das tiaras da família e voltou-se para a mãe, que lhe deu um olhar de aprovação. Todos haviam aprovado seu casamento com Christina. Se ele tivesse trazido Holly para casa quando deveria... mas eram águas passadas.

Holly parecia estar apavorada. A música de fundo parou e as trombetas anunciaram a marcha nupcial. A congregação ficou de pé: a comitiva real, os dignitários políticos, todas as pessoas cuja presença fora considerada imprescindível. Sebastian apertou a mão de Holly e os dois começaram a caminhar. Ela estava muito pálida, sem expressão, e andava como se Sebastian a empurrasse para frente. Um murmúrio percorreu a capela. A noiva cativa era levada ao matadouro...

— Pare — Andreas ordenou, provocando um sobressalto na congregação. Ele teria enlouquecido? Antes que os convidados reagissem, ele abandonou o altar e atravessou a igreja. Sabia exatamente o que deveria fazer, sem se importar com o público. Holly olhou para ele, aturdida. Parecia anestesiada. — Largue-a, Sebastian. — O irmão abriu a boca para argumentar, mas Andreas lhe dirigiu um olhar que teria levado sua cabeça à guilhotina. Mas Sebastian era seu irmão e, naquele dia, sua importância era relativa quando comparada à da mulher que conduzia. Sebastian teve o bom-senso de perceber a situação, sorriu e se afastou. As trombetas se calaram. — Você parece apavorada — disse Andreas, pegando nas mãos de Holly.

— Não estou...

— Mentirosa.

— Estou apenas confusa — ela conseguiu dizer.

— Não fique — ele disse, falando de maneira que apenas ela pudesse escutar. — Isso é entre mim e eu. É o nosso casamento. Eu sou apenas Andreas, o rapaz que você amou um dia. — Ele não se importava com o que as pessoas em volta deles pensariam. Sabia que teria só alguns minutos para convencê-la a não prosseguir apenas por medo. — Está fazendo isso de todo o coração ou não? — ele sussurrou.

— De todo o coração...

— Você nunca foi covarde, Holly. Consegue montar um cavalo indomado sem sela. É capaz de derrubar um bezerro, de juntar o gado como qualquer peão. Com certeza também terá coragem para me domar. — Ouviu-se o ruído abafado de risos percorrer a capela. A situação era incomum, mas também muito romântica.

— Não tenho medo de você — ela murmurou.

— Então, o quê, querida?

— Eu...

— Você precisa de mais tempo?

A proposta a assustou. Holly arregalou os olhos, olhou para ele e depois para os convidados, alguns deles muito importantes, todos à espera de testemunhar seu casamento. De repente, o sorriso dela voltou: a princípio, hesitante, depois radiante.

— Você está me oferecendo 5 minutos?

— Seis, se você precisar.

— É muito comovente.

— Você quer se casar? — ele perguntou. —Estamos prontos, à espera.

— Você faz parecer tão simples. — A congregação inteira os ouvia, mas eles pareciam não perceber...

— Pessoas se casam todos os dias. Só porque você está usando uma tiara... tire-a, se ela a incomoda.

— Você casaria comigo sem ela?

— Eu casaria com você sem nada — Os convidados riram. Não era o que todos esperavam naquele ambiente que evocava a pompa e a história real. Era como se um sopro de frescor tivesse invadido a capela.

— Você não faria isso. — Ela sorriu. Andreas viu a moça que ela fora no passado, a garota que ainda existia por detrás da dor e da solidão.

— Faria, sim. — Ele a provocou, rindo. — Quer me testar?

— Acho que não — ela sussurrou, mas a tensão se dissolvera. Ele vencera. Ela olhou para ele do mesmo jeito que o olhava no passado, como se ele fosse apenas Andreas.

"Com este anel eu vos caso..."

Andreas colocou a aliança no dedo de Holly. Ela olhou para a joia e depois para ele. Andreas... ela sempre sonhara com aquele momento, como toda moça. O sonho se transformara em realidade, mas tudo não passava de uma farsa. Logo, o casamento acabaria e ela retornaria à vida de antes. Não. Não seria como antes. O casamento poderia durar poucas semanas, mas quando ela voltasse à Munwannay as lembranças que levaria preencheriam o resto de sua vida. Ele era seu marido. Ela pronunciara os seus votos com toda a sinceridade, embora sussurrasse. Holly usava um anel que pertencera a seu pai no dedo médio da mão direita. Tratava-se de um aro que fora forjado quando haviam encontrado ouro em Munwannay. O veio resultara em nada, mas ela ainda recordava o entusiasmo do pai quando o encontrara. O padre prosseguia a cerimônia, certo de que só havia uma aliança, mas Holly tirou o anel do dedo e lhe entregou.

— Abençoe esta — ela disse. — Use-a, Andreas.

Ela o pegou de surpresa. Ele jamais usara aliança. Não havia marca em seu dedo indicando que a usara durante o casamento com Christina. Por um instante, Holly pensou que ele recusaria. Ela o encarou com um olhar de desafio. Vamos, é preciso aceitar os meus termos também. Andreas sorriu.

— Bem, se é assim — disse o padre com um tom de alívio, abençoando a aliança. — Com este anel eu vos caso...

Mais tarde houve uma festa. Holly deixara de ser uma noiva desanimada. Andreas circulava entre os convidados, mas seu olhar sempre procurava por ela. Holly ria e conversava com todos, como se tivesse nascido para fazê-lo. Munwannay sempre fora um eixo social e ela fora educada para receber. Ele sabia, mas não esperava tanto. A lista de convidados lhe mostrara que havia muita gente que ficaria ofendida se não recebesse atenção, e ele precisava circular. Ficara preocupado com Holly, mas ela não parecia precisar de ajuda. Ela falava o idioma quase com perfeição. Sua fluência o espantava. Ela aprendera com ele quando jovem e ainda se lembrava... Holly ria, brincava, demonstrava um interesse genuíno pelas pessoas que a cercavam. Ela acolhia os convidados da mesma maneira que ele. Todos a adoravam. A cena incomum e íntima na capela havia desarmado a todos, e Holly se aproveitava do clima favorável que despertara. Andreas viu Sebastian olhando para ela disfarçadamente, com um olhar admirado e...

— Estávamos tão preocupados. Um escândalo a mais nos destruiria, mas você virou o jogo — dizia seu interlocutor, um homenzinho formal.

Quem se virou foi Andreas, desculpando-se bruscamente e atravessando a multidão para ficar ao lado da mulher. Tudo por causa do jeito que Sebastian olhava para ela. Ela era inocente. Não: ela era sua esposa. A compreensão da verdade foi como um raio de luz no meio da escuridão. Um clarão que iria desaparecer a qualquer momento. Mas, por enquanto...

— Holly — ele disse, abraçando-a pela cintura num gesto possessivo.

— Olá — disse ela, encostando-se nele, de um jeito nada aristocrático. — Está se divertindo?

— Eu não me divirto — ele disse sem pensar. Ela ficou surpresa.

— O quê? Nunca?

— Isso é trabalho.

— Não, aqui há gente realmente interessante — ela suspirou. — Estou conversando pelos próximos 50 anos. Quando voltar a Munwannay, terei o que recordar. O que estamos bebendo?

Andreas olhou para o copo cheio de bolhas douradas.

— Champanhe francês.

— Gostei. Acho que preciso de mais.

— Agora?

— Talvez não. Não é nada agradável ver uma noiva embriagada. Você acha que posso dar uma escapulida para ver Deefer?

— Ele está em boas mãos.

— Sim, mas não são as minhas. Quanto tempo dura uma recepção de casamento?

— Até que o noivo e a noiva se retirem — ele respondeu.

Ela ficou animada.

— Ei, somos nós, não somos? Então, podemos ir embora?

Tia apareceu de repente. A mãe controlava tudo desde a morte do marido. Se não fosse por ela, talvez a monarquia tivesse se desintegrado há muito tempo, pensou Andreas. Ela sempre aparecia quando precisavam dela. Tia colocou a mão no ombro do filho.

— Os mais idosos precisam ir embora. Portanto, vocês também precisam.

— Era o que Holly estava dizendo.

— Ela é uma moça esperta. — Tia sorriu para Holly, cumprimentando-a. — Você se saiu muito bem, querida.

Holly corou.

— Obrigada...

— Para uma esposa cativa — disse Andreas sem pensar.

Holly demonstrou surpresa, e ele viu que ela esquecera, pelo menos por enquanto... ela se controlou e se animou novamente.

— Ele me deu um cachorro — ela disse, como se isso explicasse tudo.

— Ele sempre foi um bom rapaz — Tia disse.

— Bom, hein? — Holly olhou para ele de um jeito que quase o fez corar, mas Tia estava mais preocupada com coisas práticas.

— Você sabe de quem deve se despedir formalmente — ela disse para Andreas. — Vocês dois, circulem. Rápido, ou irão dizer que desprezamos alguém.

— Não podemos nos separar, para ir mais depressa? — Holly perguntou.

— Você não sabe quem...

— Eu imagino — disse Holly. — Estive observando. Minha mãe me ensinou as sutilezas sociais. Aposto que eu poderia apontar cada um que se ofenderia. Mas você tem razão, claro. Não dá para confiar, e eu preciso ver o meu cachorro. Muito bem, marido, vamos nos despedir de todos e seguir nossa vida.

Holly comandava. Andreas se sentiu... dominado. Ela circulou entre os dignitários como uma profissional. Ele a conduzia, ela cumprimentava e estendia a mão como uma rainha. E bem poderia ser, ele percebeu, chocado. Ele notou que a mãe e Sebastian os observavam com ar de aprovação. Não era só ele que se orgulhava dela. O que acontecera na capela mudara tudo. Holly se transformara numa pessoa concreta para o país... uma princesa... poderiam ter um casamento de verdade? A ideia o deixou tonto. Ele a apertou pela cintura, e Holly olhou para ele, curiosa.

— Andreas?

— Está na hora de ir embora — ele conseguiu dizer.

— Sim, querido — ela disse.

A expressão íntima o deixou admirado. Holly sorriu e ele sentiu o sangue ferver. Precisavam ir embora. Ele queria tirar sua esposa dali.

 

Ela não esperava ser deixada sem cerimônia na cozinha, mas foi o que aconteceu. A festa acabara quando os dois saíram. No último minuto, ele a carregara nos braços, despedindo-se dos convidados que os brindavam com votos de felicidade. Ela ficara quieta nos braços de Andreas, mas, ao invés de levá-la para o quarto, ele chutara sucessivas portas e a carregara para a ala de serviço do palácio. Ao entrarem na cozinha, ele a colocara no chão, sem cerimônia. O lugar estava deserto, a não ser por Deefer, que dormia num cesto perto do fogão. Ele abanara o rabo antes de levantar para receber sua dona. Holly se abaixara para acariciá-lo enquanto Andreas se afastava.

— Hum, a noite de Cinderela acabou? — ela perguntara, aborrecida. — Já é meia-noite? O meu vestido ainda é um vestido...

— Fique aqui — Andreas resmungara. — Eu não esperava... tenho algo a fazer.

— Você não esperava o quê?

— Uma esposa. — Ele a levantara do chão, beijara-a rapidamente, de maneira exigente e possessiva, e a soltara. — Espere — ele dissera por sobre o ombro ao sair. — Não saia daqui.

Aonde ela iria? Não conseguiria encontrar o quarto no meio do labirinto de corredores... Holly sentou ao lado do fogão, esperou pelo marido, começou a pensar e sentiu medo. E se alguém entrasse e a encontrasse ali? Ela estaria ali quando os empregados entrassem para preparar o café da manhã? Uma noiva abraçada ao seu cachorro na cozinha seria uma visão ridícula.

— Estamos atolados — ela disse para Deefer, mas ele se enroscou em seu colo e adormeceu. Os minutos se passaram. O relógio em cima do forno a lenha tiquetaqueava como uma bomba. Holly já estava enlouquecendo.

A porta se abriu de repente e Andreas voltou, ainda estava com seu traje nupcial. Ainda estava absurdamente lindo. Ainda era seu marido.

— Estamos prontos — ele disse.

Holly teve uma visão terrível do que ouvira sobre os casamentos reais: uma dúzia de testemunhas cercaria a cama, esperando pelas evidências de sua virgindade.

— Nós quem? — ela sussurrou. Andreas riu e pegou Deefer.

— Georgiou.

— Ah, ótimo — ela murmurou. — Minha pessoa favorita.

— Meu piloto de helicóptero favorito — disse Andreas. — Tomei vinho demais para pilotar. Não que eu esteja bêbado, mas a tolerância para voar é zero. Além disso, quero me concentrar totalmente em minha esposa. Então, o que acha de Georgiou nos levar para longe daqui, de volta à nossa ilha?

Holly arregalou os olhos.

— Podemos... ?

— Acho que é o que devemos fazer. Cumprimos nosso dever, querida. O resto da noite é só nosso.

— E de Georgiou.

— Tem razão. — Ele sorriu. — Mas acho que a ilha é grande o suficiente para todos nós.

Era ridículo. Ela deveria ter insistido em trocar de roupa, Holly pensou ao sentar no helicóptero, carregando Deefer. Sentado diante dela, Andreas fechou os olhos como se meditasse. O que estaria pensando? Que tinha uma esposa? O que faria com ela? Nos velhos tempos ela seria uma virgem trêmula, apavorada com o que viria a seguir, agarrando-se aos conselhos maternos: "Não tenha medo, não há nada a temer. Deite na cama, pense na Inglaterra e logo tudo estará terminado". Holly deu uma risada , nervosa e Andreas abriu os olhos.

— No que está pensando?

— Na Inglaterra — ela disse, mordendo o lábio e achando que a tensão acabaria com ela. O que ele pretendia fazer? Se ele achava que... claro que ele achava. Tivera todo aquele trabalho para ficarem sozinhos. Haviam se casado diante de Deus e da congregação...

— Inglaterra?

— É no que as noivas pensam na noite do casamento.

— É mesmo?

— Claro — ela garantiu, tentando manter a calma. — Estou tentando imaginar as montanhas da Inglaterra. Não me perturbe.

Andreas sorriu, virou-se para a janela e a deixou em paz. Quando aterrissaram, ela não apenas tivera tempo para pensar na montanha mais alta da Inglaterra, como seus nervos estavam a ponto de explodir. O que estava fazendo? Não concordara com aquilo. O casamento só existia no papel... Não. Não quando Andreas estava tão atraente e ela se sentia daquele jeito, e haviam se passado dez longos anos. A vida de Holly na fazenda fora realmente muito solitária. Dentro de poucas semanas ela voltaria para casa e aquilo era tudo o que teria para recordar. A não ser... a não ser...

— Não posso engravidar — ela disse, de repente, enquanto o helicóptero tocava o solo. A ideia a atingira como um raio. Ela se arriscava a viver um pesadelo outra vez.

— Não vai acontecer — disse Andreas gravemente.

— Foi isso que você disse da última vez.

— Tomei precauções.

— Como fazer uma vasectomia?

— Não, embora Christina quisesse.

— Sua mulher queria que você fizesse uma vasectomia?

— Ela não queria filhos.

— E você queria?

— Mais que tudo no mundo — ele disse simplesmente, e ela percebeu que ele dizia a verdade. — Mas não se preocupe. Não com você, e não esta noite.

— Então você trouxe preservativo?

— Seis — ele disse, perdendo a seriedade. — Ou mais, se for preciso.

— Você tem uma presunção incrível.

— Que é...?

— A de que vou dormir com você.

— Você colocou a sua aliança no meu dedo.

— Isso significa...

— Que me deseja tanto quanto eu desejo você.

— Andreas, eu e você...

— Eu compreendo — ele disse amavelmente. — Não, Holly. Não estou lhe pedindo para se juntar à comitiva real. Vou manter minha palavra e deixá-la partir. Mas esta noite... espero que esta noite seja só nossa. Uma noite fora do esquema. Foi por isso que eu a trouxe aqui.

— E eu vim — ela sussurrou. — Mas se eu engravidar, Andreas...

— Vou tomar cuidado desta vez — ele disse com firmeza. — Tomarei conta de tudo.

— Você vai tomar conta...? — A realidade fria e dura mostrara sua cara. Não se tratava de um conto de fadas. Ele tomaria conta de quê? De um aborto?

— Não farei nada que você não queira — ele disse.

— Como se eu acreditasse. Trazendo-me até aqui...

— Não vou levar uma noiva relutante para a cama — ele disse secamente, quase com solenidade.

Holly quase sorriu. Ele podia ser o seu Andreas, o homem que ela amava com todo o coração, mas ainda era um príncipe. O seu príncipe.

— Não é que eu não queira, Andreas — ela sussurrou, tentando fazer com que ele entendesse. — Deus sabe o quanto desejei você durante todos esses anos.

00Ele disse, dando o sorriso que ela

— Isso é maravilhoso adorava.

— Mas existem consequências — ela acrescentou.

— Sim, existem — ele disse, sério, tocando de leve na mão dela, como para lhe dar segurança, e ela estupidamente se sentiu segura, mas não o suficiente.

— Eu seria louca se dormisse com você — ela disse, sentindo-se infeliz. — Este casamento vai durar apenas algumas semanas.

— O casamento vai durar o quanto quisermos.

— Certo. Você precisa tanto de uma noiva plebeia quanto precisaria da peste, e eu preciso voltar para casa.

— Você precisa mesmo voltar?

— Sim — Holly murmurou, pensando no pequeno túmulo. "Vou tomar conta de tudo." As palavras haviam despertado a lembrança da perda de Adam e da rápida visita de sua mãe, que lhe dissera:

— Não se importe, querida. Ele jamais casaria com você. Foi melhor perder o bebê. Agora você poderá seguir sua vida.

Ela não conseguira seguir sua vida. Trabalhara duramente, tentara viver plenamente, mas uma parte sua fora enterrada junto com Adam. Voltar...

— Isso está errado — ela murmurou, desanimada. Andreas apertou a mão dela.

— Não está. Não agora. Vamos aceitar os fatos. Não faça essa cara, meu amor. Eu não pretendo me impor a você.

— Mas você trouxe seis preservativos.

— Só para o caso... — ele disse, dando um sorriso provocante. — Só para o caso de você não me achar tão desagradável, afinal. Sou seu marido, Holly.

— Está dizendo que tem direitos?

— Direitos não. Vamos deixar correr e ver o que acontece.

Certo. Ela não dormiria com ele. Seria mais sensato, e ela conhecia bem seu... seu marido, para saber que ele não faria nada contra a sua vontade. O problema era a sua vontade, pensou Holly.

Teria que ter uma vontade de ferro. Iria com ele até o pavilhão, lhe daria boa-noite de modo civilizado... talvez se desculpasse ter-lhe dado uma ideia errada. E então dormiria em seu quarto. Sophia estaria lá. Holly se sentiu mais segura e achou que tudo daria certo, mas logo houve a primeira brecha em seu plano: o pavilhão estava deserto. Andreas abriu as portas e, quando Holly viu o que havia dentro, engasgou. Velas, centenas de velas, por todos os lados, flutuando na piscina, refletindo na água, além dos vaga-lumes que esvoaçavam, dando vida ao ambiente.

— Quantos vaga-lumes — ela murmurou.

— Paguei para que eles viessem — disse Andreas, orgulhoso.

O que mais ele pagara para conseguir? A enorme mesa fora substituída por uma mesinha perto da piscina, posta para duas pessoas. Perto da porta havia uma pilha de almofadas macias sobre a qual fora colocado um suculento osso.

— Está tentando seduzir até o meu cachorro — disse Holly, admirada, enquanto Andreas colocava Deefer sobre as almofadas. O filhote abocanhou o osso, protegeu-o com as patas, e dormiu.

— Não precisei de muito esforço —Andreas sorriu. — Deefer já foi seduzido, e agora, meu amor... — disse ele, abraçando-a pela cintura. — Agora é nossa vez.

— Andreas...

— Vamos apenas comer — ele disse, fingindo-se de inocente.

— Eu juro.

— Quando foi que você preparou tudo isso?

—Não preparei — ele disse, olhando em volta, satisfeito. — Eu esperava passar esta noite no palácio. Mas depois... pareceu muito importante. Liguei para Sophia e avisei que viríamos para cá. — Holly imaginou que Sophia já fizera aquilo antes. — Ela nunca fez isso antes —Andreas resmungou, apertando-a nos braços.

— Como você sabia...?

— Adivinhei. Apesar das aparências, este não é um costumeiro cenário de sedução, Holly.

— Não?

— Logo depois que casei, trouxe Christina até aqui. Ela odiou. Nada de lojas nem de amigos da alta sociedade. Ela nunca mais voltou, e eu nunca mais trouxe alguém aqui.

— Você nunca trouxe uma mulher aqui? — Holly duvidou.

— Só Christina?

— Eu não diria isso. Não vou mentir para você — ele disse.

— Mas nunca trouxe amante alguma, só você.

— Não sou sua amante — ela protestou, indignada.

— Talvez seja por isso que você está aqui — ele disse, abraçando-a e levantando-a do chão. — Você é minha mulher, e esta noite pretendo possuí-la. Ou melhor... — ele emendou, ao senti-la se enrijecer. — Pretendo possuí-la depois de ouvir todas as alegações razoáveis sobre por que seis preservativos não irão funcionar. Mas não vamos nos preocupar com isso agora. Sophia nos deixou um jantar. Eu não a vi comer o dia inteiro. De acordo com o que lhe reservei para esta noite, não quero uma noiva enfraquecida.

Os dois jantaram. Holly se espantou ao descobrir que estava com fome. Andreas serviu a mesa, surgindo e desaparecendo como um génio, vestido no seu uniforme de gala. O príncipe servia sua esposa com uma comida adequada à mulher de um homem em sua posição, prato após prato de delícias tentadoras. Kotosoupa Avgolemono: uma sopa de galinha com arroz, ovos e limão... Holly lembrou que Andreas preparara aquele prato para ela, numa noite em que ficaram sozinhos na fazenda. Depois que ele a deixara, ela tentara várias vezes repetir a receita, mas nunca tinha o mesmo gosto.

Naquela noite, a sopa estava perfeita. Andreas ficou olhando, enquanto ela começava a comer. Um gavião espreitando sua presa...

— Gostou? — ele perguntou.

Holly fechou os olhos e saboreou o gosto e a lembrança. Não poderia mentir.

— Parece mágica. Você me preparou o mesmo prato há alguns anos...

— Preparei. — Ele sorriu. — Você se lembrou... vou prepará-lo para você novamente, sempre que desejar, meu bem.

Ela quase se engasgou e pensou nos seis preservativos: não, não e não.

— Deixe-me em paz — ela disse, fingindo-se de virtuosa.

— Preciso me concentrar.

— Há muita coisa para se concentrar — ele concordou com seriedade. — Continue se concentrando, querida. Vou alimentá-la.

Holly continuou a comer. Não tinha outra escolha, além de estar faminta. Em seguida, Andreas serviu delicados vol au vents recheados e, depois, medalhões de filé com cogumelos ao molho de Burgundy, rodelas de aspargos na manteiga e puré de batatas com trufas!

Os dois não conversaram. Holly não conseguiria falar porque mentalmente repetia um mantra: juízo, juízo, juízo. Como poderia manter o juízo? Estava ciente de cada movimento de Andreas, de cada centelha nos seus olhos escuros. Ele a observava enquanto comia, devorando-a com os olhos. Ela deveria protestar, deveria... coma, ela disse a si mesma. Observe-o. Tente relaxar. Registre cada momento desta refeição mágica. Haverá tempo depois, para esclarecer que não irão mais longe. O medalhão sumiu. A mesa fora tirada por seu príncipe; seu garçom; seu marido. Ele lhe serviu um perfumado Semillon australiano que ela sempre apreciara.

— Como...?

— Eu me lembrei — ele disse. — Mandei que Georgiou o encontrasse para esta noite.

Holly bebeu e se sentiu extasiada; era como se suas resoluções ficassem mais fracas. Tomara apenas dois copos, dificilmente estaria embriagada. Estaria apenas... satisfeita? Encantada? Não! Mas ele se lembrara do seu vinho. Depois ele serviu a sobremesa: pequenos éclairs com cobertura de chocolate, creme de ovos e deliciosos morangos. Andreas observou enquanto Holly se deleitava com os morangos e pensou que eles poderiam estar fazendo amor. As chamas das velas tremularam, chegando ao fim do pavio, e elas se apagaram uma a uma. A noite estava acabando.

Holly esperava que Sophia aparecesse para tirar a mesa, mas não: os dois estavam sozinhos. Ela e seu marido.

— Preciso me deitar — ela disse, meio incerta.

Andreas a pegou pela mão com firmeza, certo do que aconteceria a seguir.

— Acho que perdi a nossa valsa de casamento — ele sussurrou, abraçando-a. Ela abafou uma risada.

— Esse lugar é uma armadilha.

— Eu sabia que tinha um motivo para construí-lo. Acho que o construí para esta noite — ele sussurrou junto ao ouvido dela. O calor do seu hálito se espalhou pelo corpo de Holly, aquecendo-o.

Andreas a levantou do chão, carregou-a até um dos painéis centrais e apertou um botão quase invisível. Uma valsa começou a tocar, suave e sonhadoramente. Os dois começaram a dançar. Era uma cena perfeita de sedução, e Holly estava completamente fascinada. Ela deveria protestar e fugir, mas como conseguiria, enquanto ele a abraçava? Ela se recordou da primeira vez em que dançara com ele. Fora na noite em que ele chegara a Munwannay, durante a festa que haviam dado para recebê-lo. Andreas a convidara para dançar uma valsa, ela deslizara pelo salão e sua vida mudara.

Desde então, nada mais mudara, ela pensou, estonteada. Estava se apaixonando por ele outra vez. Holly se abraçou a ele e encostou o rosto em seu peito. Ele era irresistível, seu aroma era irresistível. Forte, másculo... seu marido.

Não! Aquilo não era sensato. O casamento duraria algumas semanas, e se algo acontecesse? Mas ela o desejava tanto que chegava a doer. Sentia um vazio que só ele poderia preencher. Ele a abraçava com força, apertando-a. Seus pés se movimentavam numa perfeita harmonia. Ele antecipava cada movimento dela, ou talvez fosse o contrário... quem sabe? Seu marido...

— Andreas — ela sussurrou.

— Sim, amor?

— Cansei dessa encenação. Não aguento esperar. Danem-se os riscos. Ah, Andreas, sei que isto é loucura, mas desejo tanto ter você...

— Queria que você me desejasse — ele disse, e ela intuiu que ele sorria.

Holly deu um gemido e se afastou um pouco. Andreas estava rindo. Rindo! Seus olhos negros brilhavam de desejo.

— Quer que eu a deseje? — ele parou de rir e ficou muito sério. — Holly, eu lhe disse que não iria dormir com uma noiva relutante Você me deseja tanto quanto eu desejo você?

— Sim — ela disse, sabendo que não estava sendo sensata.

Não houve chance para mais nada; palavras não eram mais necessárias.

 

A noite estava clara e agradável. O quarto de Andreas estava com todas as persianas abertas, e a cama parecia estar sobre uma plataforma que dava direto para o mar enluarado. Andreas carregou-a nos braços e Holly se aninhou em seu peito, pensando que estava onde deveria estar. Este é o meu marido, meu coração, meu lar, meu Andreas. Não haveria mais volta. Ele a colocou no chão e ela mal conseguiu ficar de pé. Olhou para ele e viu o próprio desejo refletido nos olhos do homem que amava.

— Holly — ele sussurrou com a voz trémula de paixão. — Minha mulher.

De repente, Holly se perguntou como ficara nua e se deitara entre os lençóis de seda, sem nada que os separasse além do desejo intenso. Talvez ele a tivesse despido enquanto ela tentava livrá-lo das roupas indesejáveis que ela mal enxergava. Tudo o que via era o corpo de Andreas. Tudo o que desejava era ele. Anos antes, ela se deleitara com o corpo dele. Agora, sentia-se como se regressasse ao lar.

— Você é lindo — ela murmurou, admirada.

Andreas deu uma risada rouca e macia enquanto a abraçava.

— Você... dizendo isto para mim, querida... — Ele beijou-lhe a boca, bem como todo o seu corpo, dos pés à cabeça, e de volta, lenta e carinhosamente.

Holly gemeu de excitação e de prazer. Ela se sentia viva sob as mãos dele. Era como se seu corpo despertasse de um sono muito longo e vibrasse, aceso, em chamas. Holly também o acariciou, correndo as mãos por seus cabelos, sentindo sua pele nua, regozijando-se com o sinal evidente de sua virilidade. Seu corpo se derretia ao se colar no dele com uma ânsia que ela esquecera ser capaz de sentir. Ele era seu, ela pensou com certeza.

Durante anos ela achara que tudo não passara de um conto de fadas, que o que sentira com ele era fruto de sua imaginação. Conhecera outros homens, mas sempre os comparava a Andreas e acabava por se perguntar a quem pretendia enganar. Vivera seu conto de fadas e lhe parecera impossível voltar à vida real. Ela se agarrara à fantasia achando que era apenas imaginação e nostalgia. Mas não era. A maneira como Andreas fazia com que ela se sentisse... ele era exatamente como ela se recordava, e mais. Exigente, aristocrático, irresistível em sua pura virilidade e também terno, ávido de que ela participasse de seu entusiasmo e o compartilhasse com ele. Ele se comprazia com seu corpo, saboreando-o, acariciando-o, explorando cada centímetro com admiração, com um prazer lânguido e sensual, e esperava que ela fizesse o mesmo, que o conhecesse tanto como ele pretendia conhecê-la; que ela lhe desse tanto prazer quanto ele pretendia lhe dar; que aproveitasse aquele momento devagar, saboreando todas as sensações.

E ela o fez. A sensação do corpo de Andreas em seus braços era quase avassaladora. E quando ele enfim penetrou em seu corpo, possuindo-a, exigindo que ela seguisse seu ritmo, Holly gritou de pura alegria. Os dois se tornaram um, e a noite explodiu numa onda de puro desejo. Eles ficaram deitados, saciados, mas ainda abraçados carinhosamente, até que o calor aumentasse outra vez. A abençoada calma de depois foi substituída por uma nova onda de desejo. A noite não se limitaria a uma vez. Era como se seus corpos exigissem que fizessem amor, para compensar todas as noites que haviam perdido. A noite era importante demais para que dormissem.

Holly sempre sonhara com Andreas, e dormir ficaria para os anos áridos nos quais ela não queria pensar. Tudo o que importava no momento era Andreas. Ele mudara, ela notou durante a noite sensual. Tornara-se um homem de corpo musculoso e forte. Holly recordou que ele gostava de trabalhar na fazenda, de cortar lenha, de trocar os postes das cercas e de carregar os fardos de capim para o gado faminto. Ele deveria ter encontrado uma alternativa para se exercitar depois que deixara a fazenda, pois seu corpo estava firme, tentador e maravilhoso. Maravilhoso. A palavra ressoou na cabeça de Holly a noite inteira. Seus dedos o exploravam, sua língua o provava, suas pernas o enlaçavam possessivamente. Ainda não estavam próximos o bastante, mas poderiam estar. A cada vez que faziam amor, pareciam estar mais perto, mas a noite não seria longa o suficiente. Deveriam estar exaustos, mas não terminariam a noite dormindo.

— Você é muito mais bonita do que eu recordava — ele sussurrou a certa altura, admirado. Ela também achava que ele era.

— Holly, minha linda Holly, minha princesa do deserto.

Os dois se abraçaram no escuro, explorando, exultando, querendo mais, até que o dia afinal amanheceu. Uma profunda paz pareceu envolvê-los. Holly se sentiu de novo com 17 anos, querida, com o mundo a seus pés: seu príncipe a amava, seu homem estava em seus braços e nada daria errado na sua vida outra vez.

— Posso convidá-la para nadar, meu amor?

— Pode me levar para onde quiser — ela disse.

Andreas sorriu e beijou-lhe a ponta do nariz.

— Então vamos.

— Não sei se conseguirei mexer a ponta do meu dedinho — ela murmurou. — Talvez eu possa só me molhar.

— Então é isso que você terá — Andreas pegou-a no colo, com um sorriso travesso e correu para a porta. Holly soltou uma exclamação de surpresa.

— Estamos nus — ela disse, apavorada.

— Estamos? — Ele parou de repente, com se não tivesse lhe ocorrido. Olhou para ela e riu. — Estamos — ele disse, encantado. — Que maravilha! — Ele a carregou na direção da praia dourada e azul.

— Andreas, estamos nus — Holly riu, meio assustada. A sensação da pele de Andreas contra a sua sob o calor da manhã parecia-lhe tremendamente erótica, mas um deles precisaria ser sensato. — Mas, Sophia... — ela protestou, desesperada. — Georgiou...

— Estão todos do outro lado do pavilhão — ele disse, sem perder o passo.

— São as instruções para quando você receber alguma mulher aqui?

Andreas parou imediatamente e franziu a testa.

— Não — ele disse em tom áspero. — Nunca trouxe outra mulher aqui.

— Como se eu acreditasse.

— Pode acreditar — ele murmurou, beijando-a com tal intensidade que não deixou dúvidas. — Eu a trouxe aqui, minha mulher, minha esposa. Era hora de trazê-la para casa.

Quando chegaram à praia, ele a colocou de modo quase reverente à beira do mar. Holly prendeu a respiração ao sentir a água fria sobre o corpo quente, mas Andreas se deitou ao lado dela e a abraçou com um desejo que lhe dizia que o banho não seria calmo.

— Pensei...

— Pense o que quiser... — ele gemeu e puxou-a sob o corpo, enfiando os joelhos na areia e pegando-lhe o rosto, enquanto a abraçava mais forte, cada vez mais forte, até que seus corpos se colaram e se fundiram uma vez mais. — Não consigo nem pensar... minha Holly, agapi mou, meu amor.

 

Os dias seguintes foram um sonho, uma lua de mel. Seis preservativos? Havia muito mais de onde eles vieram, ainda bem. Uma vez que haviam começado, seria difícil parar. Holly estava tão alucinada e perdida quanto estivera aos 17 anos. Estava perdidamente apaixonada. Bastava Andreas olhar para ela que ela se derretia. Bastava ele tocá-la e cada fibra do seu ser reagia com puro desejo.

— Minha mulher ardente — ele a chamava, abraçando-a o tempo todo. — Minha esposa cativa. Acho que vou mantê-la aqui para sempre.

Por ela, tudo bem, Holly pensava sonhadoramente enquanto os dias passavam. O tempo que tivera com Andreas no passado fora constituído por momentos roubados, cheios de paixão e de culpa. A prudência a havia levado a hesitar na noite de núpcias, mas, ao abandonar a cautela, ela descobrira que nada havia para se preocupar. Tudo que existia era seu amor por Andreas. Ele podia tê-la do jeito que quisesse, e teve. Ela também. A ternura de Andreas despertara em Holly uma suavidade que ela não sabia ter.

Sophia, Nikos e Georgiou apareceram, mas todos ficaram à distância. Aquela era a ilha deserta dos dois, seu paraíso particular. Deefer também participava, correndo pela praia, perseguindo gaivotas, entrando corajosamente com eles no mar, e desmaiava, exausto e feliz, enquanto seus donos se dedicavam ao prazer e depois também se sentiam exaustos.

Claro que não poderia durar. Aproveitaram três dias e o conto de fadas acabou. Eram 11h. Eles haviam nadado e feito amor à beira do mar. Depois de voltar e tomar café ao lado da piscina, os dois haviam tomado um banho e pretendiam se vestir, mas a cama parecera convidativa... estavam enroscados depois de fazer amor, ainda tontos de calor e de paixão, quando alguém bateu na porta. Andreas praguejou.

— O que é?

— Sua Majestade, o príncipe Sebastian, deseja falar com o senhor. — Georgiou disse, constrangido.

— Maldição — Andreas beijou a testa de Holly e acomodou-a sobre a cama. — Se eu sair, você promete ficar onde está?

— Você acha que tenho forças para me mexer? Não demore.

— Se meu irmão me chama... — Ele se vestiu e saiu.

Holly teve um mau pressentimento, que depois se provou certo. Andreas demorou meia hora. Holly tomou mais um banho, vestiu um sarongue, fez um coque nos cabelos e calçou uma sandália. Estava de saída quando ele voltou. Bastou olhar para ele para perceber que o idílio havia terminado.

— Precisamos partir — ele disse.

Holly viu que ele estava preocupado e sentiu um aperto no coração.

— De volta à capital?

— Preciso ir para a Grécia. Há boatos de que o diamante desaparecido foi vendido a um comprador particular. A nobreza de Calista já está investigando. Se eles o encontrarem antes de nós... — Ele deixou a frase inacabada e se dirigiu ao banheiro. — Georgiou está preparando o helicóptero. Partimos dentro de meia hora.

Isto foi tudo. Nada de "Poderia se aprontar?", nem de "Sinto muito que a lua de mel tenha sido interrompida". Andreas voltara a ser um nobre. E como ela ficaria? Ele entrou no banho; não poderia exalar frente à sua família o aroma de todo amor que fizeram. Precisava ser um nobre e ela ficou aborrecida. Imaginou se poderia ficar ali. Claro que não poderia. Precisava voltar para a capital, começar a ver se... haveria um futuro ali para ela. Andreas jamais lhe falara sobre ter um futuro como princesa. Ou como sua esposa. Ele achava que ela ainda queria voltar para casa... claro que ela queria!

Holly saiu do quarto. Sophia a aguardava com uma expressão ansiosa.

— O que vai fazer?

— O que for preciso — Holly sussurrou. — Na verdade, Sophia, eu não sei. Mas, por enquanto... estou voltando para Aristo como uma princesa, mas quase não tenho roupas. Ajude-me a dar uma olhada neste guarda-roupa espantoso, e vamos ver se encontro algo que me deixe com um ar respeitável.

— Mais que respeitável — disse Sophia, abraçando-a. — Você precisa de um guarda-roupa que faça com que Andreas queira ficar com você.

— Só se fosse mágico — Holly disse, rigidamente. — Não vamos esperar por milagres.

Andreas ficou debaixo da água quente, sentindo-se mal. Os últimos três dias haviam sido mágicos, mas o telefonema de Sebastian o trouxera de volta à realidade da pior forma possível. O irmão o convocara e iria mandá-lo para longe.

— Não posso deixar Holly — ele respondera.

— Você fez o que tinha de fazer. Este problema está resolvido. Esqueça-a. Temos problemas maiores.

— Ela é minha esposa...

— Porque foi necessário — interrompera Sebastian. — Você nem quer ficar com ela. — Andreas ficara calado. — Certo. Eu concordo que ela é linda, mas, se você quiser mantê-la, ela precisará seguir as regras. A situação já está bem complicada, e se ela a agravar... deixe-a na ilha ou mande-a de volta para a Austrália. — Ele hesitara. — Não. Talvez seja cedo demais para isso, mas, se ela ficar por aqui, é preciso que você a mantenha quieta.

— Ela não vai nos derrubar, Sebastian.

— Neste momento, qualquer coisa pode nos derrubar — Sebastian respondera secamente. — Estamos no fio da navalha. Precisamos encontrar o diamante. Portanto, preciso de você aqui, Andreas.

Sebastian desligara, deixando-o a olhar para o vazio, odiando o aquário real como sempre odiara. Uma lembrança inesperada lhe ocorreu. Ele estivera muito doente, quando menino, e fora internado. A febre alta deixara-lhe apenas clarões de consciência. Suas visitas se restringiam ao pai, à mãe e a Sophia. Todos o rodeavam com expressão muito grave. Ele se recordava que, um dia, a mãe sentara em sua cama, numa atitude incomum, e dissera à Sophia:

— Muito bem, se é isso que os médicos ordenaram, pode levá-lo para casa. Vou ter de convencer o pai dele. Mas não deixe que ele se esqueça o que lhe é devido.

Ele passara três meses na casa de Sophia. A montanha do vilarejo tinha reconhecidas propriedades terapêuticas para doenças pulmonares e afecções cardíacas. Sophia prometera ao rei que ele seria tratado como um príncipe, mas quando a limusine os deixara na porta de casa, ela se virara para ele e o abraçara.

— Você está aqui, meu queridinho, e eu vou curá-lo — ela dissera alegremente. — Este será o nosso segredo. Durante estes três meses, quero que você seja apenas uma criança. Quero que se sinta livre.

Ele fora de fato livre. Enquanto sua saúde melhorava, ele perambulava pelo vilarejo com os meninos do local, corria, brincava, fazia travessuras, apaixonava-se pelos simpáticos vira-latas da família. Ele comia na cozinha com Sophia e Nikos, seus filhos, noras e netos. A babá o colocava na cama toda noite, beijava-o, e ele dormia como nunca dormira antes, nem depois. Ao voltar para o palácio, ele sentira que a casa de Sophia fora para ele um verdadeiro lar. Sua estada na Austrália fora uma tentativa desesperada de reviver aquela experiência, de ser normal, de voltar a ser criança. De certa forma, funcionara. Ele se apaixonara por Holly e escapara da vida da corte para o amor... porém, nas duas vezes tudo se acabara: ele fora chamado de volta ao palácio, onde demonstrações de emoção eram fraqueza, onde a palavra lar não tinha vez e onde só lhe restava o dever. Holly odiaria, e ele detestava pensar em prendê-la ao protocolo real. Sua fantasia com Holly jamais incluíra protocolos reais. Andreas saiu do banho, olhou para o quarto e viu Deefer, que o observava.

— Você será um cão real? — Andreas perguntou. Deefer inclinou a cabeça, mas logo se desinteressou, abocanhou a ponta da colcha e arrastou-a pelo chão. Talvez não, pensou Andreas. Talvez Deefer não fosse um cão da realeza, como Holly não era uma princesa. Andreas fechou os olhos, enrolou-se na toalha e preparou-se para voltar a ser um príncipe. Um príncipe com uma esposa e um cachorro. Se pelo menos os dois se ajustassem às normas da corte...

 

Estavam em lados opostos do helicóptero de novo. O aparelho não fora feito para amantes, nem para marido e mulher. Holly não se sentia como uma esposa. Estava a caminho de ser uma princesa. Sentia-se pequena, insignificante e com medo. Andreas olhava pela janela, observando Aristo se aproximar. Holly viu um bando de pessoas se acotovelando na pista do aeroporto.

— A imprensa? — ela perguntou em voz baixa. Andreas suspirou.

— Era de se esperar. Nosso casamento despertou um grande interesse. Espero que eles se afastem, agora que fiz o que era certo. — Agora que fiz o que era certo... ele olhava para fora, preocupado. Como poderia saber que o coração de Holly se partira? — Eles tirariam a minha pele se eu não casasse com você. É nisso que dá ser da nobreza. Você é pressionado desde o dia em que nasce. Sua vida não lhe pertence. Droga, se eu pudesse seguir meu próprio caminho... você estará melhor longe disso, Holly.

Ele se virou para ela, e Holly se esforçou para demonstrar calma, mas se sentia mal.

— Quanto tempo precisarei ficar aqui? — ela conseguiu dizer.

— Vou conversar com Sebastian.

Vou conversar com Sebastian. O destino do seu casamento estava nas mãos do príncipe regente. Claro. O tempo que tiveram fora uma exceção, e ela se permitira esperar que tivessem um casamento de verdade, Holly pensou, tristemente, enquanto o helicóptero pousava. Andreas cumpriria o seu dever, faria o que lhe mandassem. Três dias para recordar durante o resto de sua vida seriam o suficiente? Talvez precisassem ser. Assim que as portas se abriram, os flashes começaram a estourar e ela quase ficou cega. Andreas saiu primeiro e a ajudou a descer. Ela se agarrou à mão dele. Trajando um vestido verde, justo, ela pensou que, para enfrentar o que viria, deveria usar roupas que transmitissem poder: ombreiras, tecidos pretos...

— Como foi a lua de mel? — alguém gritou.

Ouviram-se várias risadas. Andreas agia com naturalidade. Holly se pendurava a ele como um molusco e rezava para que tudo acabasse.

— Como se sente, como uma esposa real? — alguém perguntou.

— Holly não pretende ser uma esposa da realeza — Andreas respondeu rapidamente. — Estamos casados, mas a vida de Holly é na Austrália. Ela dirige uma das mais belas fazendas do país. Eu jamais pediria a ela que desistisse de tudo para assumir deveres na corte.

Fez-se um silêncio admirado, seguido por uma torrente de perguntas que se resumiam a:

— Quer dizer que o casamento não é para valer?

— Não foi o que eu disse — respondeu Andreas depressa. — Nós nos casamos na Igreja e pretendemos manter nossos votos, mas o casamento tem um significado diferente para cada pessoa. Christina e eu fizemos um casamento real no qual se esperava que ambos desempenhassem um papel público. Holly é diferente. Seria injusto pedir-lhe tal coisa.

— Então, você vai voltar para a Austrália? — alguém perguntou. — Quando?

Existem vários fatores a considerar — disse Andreas. — Nós os avisaremos.

— Você irá participar das cerimônias reais enquanto estiver aqui?

— Sim, ela irá — respondeu Andreas.

Holly se perguntou o que estava acontecendo. Molusco? Ela parecia mais um capacho molhado. Uma esposa dócil, plantada ao lado do marido, enquanto ele respondia perguntas que lhe eram dirigidas. Ele parecia seu porta-voz.

— E como eu gosto do meu mingau? — ela ronronou, sem conseguir se conter.

— O quê? —Andreas olhou para ela. Todos fizeram o mesmo.

— Diga à imprensa como eu gosto do meu mingau — ela disse, irritada, sabendo que o resultado não seria bom. Uma onda de cólera ameaçava sufocá-la, mas ela já estava em sua crista e só podia esperar que ela arrebentasse.

— Não estamos entendendo — queixou-se um repórter.

— Quero dizer que, quando fazem uma pergunta a meu respeito, eu sou a pessoa indicada para respondê-la. Voltarei para a Austrália quando tiver vontade e quando eu resolver. Não fui feita para ser uma esposa da realeza? Até parece que fui concebida num tubo de ensaio. Desculpe, meu amor — ela disse, dando um sorriso açucarado para um atônito Andreas. — Eu sei. Uma esposa real se cala e deixa que o marido fale por ela, mas, como você acabou de dizer, não sou uma esposa real. Sou apenas uma esposa. Vamos aceitar a realidade e seguir em frente.

Andreas estava furioso. Não apenas furioso, mas paralisado de raiva. Os dois entraram na limusine, e, a caminho do palácio, ele a fitava como se ela tivesse duas cabeças. Ela também o fitava com um olhar de desafio.

— Uma esposa real fica em segundo plano — ele disse.

— Fica? Eu não saberia dizer. Não sou uma esposa real.

— Você não compreende, Holly. É indispensável que nosso comportamento seja à prova de reprimendas.

— Pensei que meu comportamento fosse à prova de reprimendas — ela disse, perigosamente calma, mas Andreas estava preocupado demais com as consequências políticas de seus atos para perceber.

— Você teve um filho fora do casamento — ele disse rudemente. — Isso já foi o suficiente.

— Suficiente?

— Para o país julgá-la. Você precisa ser modesta, calma e respeitosa.

— Respeitar você.

— Claro, sou seu marido.

— Pensei que fosse mais que isso. Pensei que fosse meu amante.

— Na nossa ilha, sim. Não aqui. Aqui você seguirá as regras impostas pela minha família. É preciso que você se cale, Holly.

— O silêncio faz parte dos votos de casamento? — ela perguntou, amavelmente.

— Foi por isso que me casei com você.

— Como? — ela parecia perguntar docemente ao marido o que ele queria dizer.

— Se a família real de Calista tivesse encontrado você antes de nós...

— Antes de... nós?

— Eu e meu irmão.

— O que a família real de Calista teria feito?

— Teria nos derrubado. Maldição, Holly. Não preciso lhe dizer tudo isso. Nunca fiz segredo...

— Não — disse ela, olhando pela janela. Estavam chegando ao palácio, mas ainda teriam algumas centenas de metros a percorrer na alameda arborizada. Se ela fugisse agora...

—Escute, Holly, não sei quanto tempo Sebastian pretende mantê-la aqui.

Ela ficou surpresa e se voltou para ele.

— Sebastian. Sebastian. Então não é você quem decide quanto tempo nosso casamento irá durar. É Sebastian!

— Ele é o futuro rei.

— Seu futuro rei — ela retrucou.

— Tem razão — disse Andreas. — Você poderá ir embora.

— Quando Sebastian me autorizar. Isso não lhe diz respeito?

— Este casamento nunca foi de verdade, Holly. Você sabia. Você sabe que eu tenho obrigações, e você... você nem consegue calar a boca em uma entrevista à imprensa.

— Não consigo, não é mesmo?

— Holly... — Andreas hesitou e estendeu a mão para ela, num gesto de trégua.

Holly olhou para a aliança no dedo dele. Andreas queria persuadi-la a fazer o que era certo. Ele agira corretamente pelo bem do país e da família. Casara-se com ela com todas as honras, e a levara para a cama de maneira espetacular. Por que não se aproveitaria de uma esposa perfeitamente aceitável? Mas, agora, o trato acabara e deveriam retomar a vida normal. Ela deveria se calar, ficar em segundo plano e se vestir discretamente. Seu marido lhe estendia a mão, esperando que ela se juntasse a ele e continuasse com a farsa. Ela concordaria, mas não passaria de uma encenação. Holly ignorou a mão que Andreas lhe estendia e pegou Deefer, que dormia no banco ao seu lado.

— Preciso saber quanto tempo — ela balbuciou.

— Quanto tempo o quê?

— Quanto tempo até que eu possa voltar para casa. — ela respondeu, irritada.

— Holly, por favor...

— Olhe, Andreas, vamos chegar a um acordo. A situação é inteiramente absurda. Eu não tinha percebido antes, mas agora compreendi. Tudo bem, vou ficar em segundo plano, calar a boca e me vestir em tons neutros. Mas é melhor que você e Sebastian estabeleçam um prazo para que eu vá embora, porque usar roupa bege vai me levar à loucura.

 

Foi pior do que usar bege. Os empregados estavam em forma para recebê-los "em casa". Andreas tinha um apartamento em uma das alas do enorme castelo de Aristo. Andreas percorreu a fila, cumprimentando e recebendo congratulações. Holly o seguiu, mas, na primeira tentativa que ela fez de cumprimentar, Andreas a interrompeu com um gesto de censura. A empregada, uma senhora de meia-idade, rapidamente deu um passo para trás.

— Esta é a senhora Pirentas, nossa governanta — disse Andreas formalmente, passando a apresentar cada um individualmente: camareiros, mordomo, valete, copeiras e jardineiros. Todos faziam uma discreta reverência, mas Holly aprendera a lição e recolhera as mãos e a língua. Estavam chegando ao fim da fila quando Tia surgiu na entrada, pegou nas mãos do filho e beijou-lhe o rosto.

— Meu filho — ela sorriu, preocupada. — Bem-vindo ao lar. Foi inconveniente levar sua mulher para longe quando precisamos tanto de você.

— Três dias, Mama — disse Andreas. — Não foi uma lua de mel muito longa.

— Não, mas, neste momento, enquanto Alex está longe... Sebastian mal foi capaz de se conter. — Tia balançou a cabeça e se virou para Holly. — Seja bem-vinda, querida. Alguém irá acompanhá-la até os seus aposentos. Andreas, Sebastian está à sua espera no escritório de seu pai. Agora.

— Eu deveria ir com Holly...

— Eu cuidarei de Holly — Tia disse, num tom que lembrava o do filho, aristocrático, determinado e imponente. — Vá, você foi chamado. Holly irá entender.

Andreas desapareceu. Holly foi deixada com uma dúzia de empregados e com a rainha. Ela não entendia. Deveria se sentir sozinha, abandonada, intimidada, mas ao invés disso tentava controlar a raiva que ameaçava dominá-la.

— Voltarei a ver meu marido... durante o jantar? — ela perguntou.

A rainha lhe dirigiu um olhar de dúvida.

Não tenho certeza. Creio que Sebastian quer que ele viaje para a Grécia.

— Grécia — Holly disse, pensativa. — Comigo?

— Você precisa ficar aqui, conhecer seu lar.

— Posso?

— Minha querida...

— Ah, não se preocupe — disse Holly ao notar o receio da rainha — Não farei um escândalo. Já me disseram que meu papel aqui deve ser neutro, e é isto que vou fazer. Quando posso ter uma audiência com Sebastian?

— O quê?

— É Sebastian quem dita as regras por aqui, não é? Então, é ele quem vai determinar quanto tempo este casamento deverá durar.

— Você quer dizer Sua Majestade, o príncipe Sebastian — Tia disse severamente. — Creio que meu filho acha que seria melhor este casamento não acabar.

Holly levantou as sobrancelhas até o meio da testa.

— Sério?

— Foi uma bela encenação na igreja. Uma encenação. Uma encenação!

— Que ótimo — Holly disse por entre os dentes. Ela pegou Deefer; sentia necessidade de seu contato reconfortante.

— Entregue o cachorro a um dos empregados — Tia disse, hesitante. — Ele é seu?

— Sim — Holly respondeu, abraçando Deefer, instintivamente.

— Podem cuidar dele na estrebaria.

— Ele ficará comigo.

— A norma do meu marido é não termos animais dentro do palácio.

Holly se perguntou se as ordens de um rei morto valeriam para sempre e se aplicariam a ela.

— Isso cria um problema — disse Holly com cuidado. — Está dizendo que eu devo dormir na estrebaria?

Tia olhou para os empregados, nervosa, e abaixou o tom de voz.

— Desde que me casei, aprendi depressa a seguir as regras.

Holly fez uma careta. Tia ainda seguia as regras depois de quantos anos de casamento?

— Mas agora você é a rainha — ela disse. — A matriarca da família. Com certeza, pode fazer as próprias regras.

— Agora é Sebastian quem faz as regras.

— Mas ele é seu filho.

— Esse assunto não é apropriado...

— Não é? — Holly estava muito tensa. — Espero discuti-lo com Andreas antes que ele parta para a Grécia. Enquanto isso, peça que alguém me leve até o meu quarto, o cachorro vai comigo, ou peça que me levem ao estábulo junto com ele. A escolha é sua, majestade.

 

Como ela tivera coragem para enfrentar a rainha? Holly sentou na magnífica cama e tentou impedir que seus dentes batessem. Deefer se aninhou em seu colo e sacudiu o rabo, solidário.

— Foi você — Holly disse. — Você me fez ficar corajosa. — Ela não se sentia valente, e sim insignificante, comum e solitária.

— Quando você acha que vamos ver Andreas? — ela sussurrou. Deefer lambeu-lhe o rosto. — Seus beijos são ótimos, mas lhes falta uma certa delicadeza. — Ela se remexeu, inquieta, e tentou dominar o medo e a solidão. Como ficaria ali, sozinha? Mas, se voltasse para casa, seria o fim. Ela se casara por um motivo. Seria loucura partir naquele momento. — É provável que ele me acorrentasse e me arrastasse de volta até aqui. Sou uma esposa cativa, Deefer. Vou acabar como Tia: submissa e apavorada, depois de anos de casamento. — Deefer lambeu-a outra vez e os olhos dela se encheram de lágrimas. Droga, não iria chorar.

Holly carregou Deefer até a porta da varanda que dava para um lindo jardim. Ela se lembrou dos cercados empoeirados, dos eucaliptos e de uma pequena lápide.

— Você vai gostar de Munwannay — ela disse para o filhote. — Pelo menos, desta vez, terei você ao meu lado. Mas gostaria de ter tudo: você, Andreas e Munwannay. Gostaria que formássemos uma família.

 

— Você partirá ao amanhecer. Tenho uma lista de contatos para ajudá-lo.

Andreas olhou para o irmão, aborrecido.

— Não posso deixar Holly aqui.

— Não pode levá-la com você. Precisa agir rapidamente e sozinho. Você tem treinamento em segurança. É o único que possui habilidade, conhecimento e discernimento para cumprir esta missão. Sabe o que irá acontecer se o diamante não for encontrado.

— Não dou a mínima para o diamante.

— E você acha que eu dou? — Sebastian perguntou, perplexo. — Preocupo-me apenas com o país e com nosso povo, assim como você.

— Zakari seria um bom governante.

— Não sabemos se isso é ou não verdade. — Sebastian foi implacável. — Há muita coisa em jogo para nos arriscarmos. Você não tem opção.

— Nunca tive — Andreas disse, amargurado.

— Não quando se arrisca o bem-estar de nosso povo.

— E quando o diamante for encontrado?

— Pode ser que você descubra que gosta de ser um príncipe — disse Sebastian, esboçando um sorriso. — E eu poderei saborear a oportunidade de ser rei, mas, enquanto isso, faremos o que for necessário. O chefe de segurança está aqui para instruí-lo.

 

 

Duas horas da manhã. Andreas abriu a porta com cuidado, temendo que ela dormisse. Holly estaria dormindo, não fosse o fato de seus nervos estarem à flor da pele. E ele se esquecera do filhote. Deefer pulou da cama assim que a porta se abriu e atravessou o quarto, latindo, deliciado por revê-lo. Holly deu um pulo na cama e sentou rigidamente.

— Nosso casamento ainda é muito recente para você entrar de mansinho depois da meia-noite — ela disse, acusadoramente. — Não acha?

— Preciso...

— Ir para a Grécia. Sua mãe me contou.

— Só vou partir amanhã.

— Que ótimo. — Ela olhou para o relógio na mesa ao lado da cama.— Mas já é amanhã. Só nos resta um dia antes de você partir.

— Holly, sinto muito, mas... sim, é hoje. Preciso partir hoje cedo.

— Você precisa salvar o mundo. Sua mãe me contou.

— O que mais ela lhe disse? — ele perguntou, apreensivo.

— Que Deefer deveria dormir no estábulo.

— Vejo que você o trouxe para cá. — O filhote pinoteava em volta das pernas de Andreas, quase se virando do avesso. Naquele dia ele não passeara na praia. Estava entediado. Andreas o pegou e acariciou-lhe a barriga.

— Não tente manipular meu cachorro — Holly disse.

Andreas sorriu e sentou na beira da cama. O coração de Holly deu um pulo. Mantenha a raiva, ela disse para si mesma, furiosa. Seria a única defesa que ela teria naquela situação, e ela bem que precisava.

— Sua mãe disse que preciso ter lições de conduta.

— Seria excelente — disse ele.

— Por que excelente?

Andreas colocou Deefer no chão e retorceu a ponta do antigo tapete persa até que o filhote se interessasse por ele. Aquela conversa lhe parecia mais importante que qualquer relíquia da família.

— Holly, talvez pudéssemos ter um casamento de verdade — ele disse com cuidado.

— Um casamento de verdade — ela repetiu em voz abafada, tentando imaginar por que, de repente, sentia como se tivessem lhe sugado todo o ar. Apenas quatro palavras: um casamento de verdade.

— Nosso plano de realizar um casamento real deu mais certo do que esperávamos. O povo a vê como minha Cinderela. Você despertou uma enorme simpatia no povo. Sebastian acha que daria certo.

Sebastian.

— Ele acha? — ela respondeu, tentando se manter calma.

— Quero que saiba...

— E eu quero você.

Pronto. Ali estava. A mesma sensação que ela tivera aos 17 anos, quando o conhecera, multiplicada por um milhão.

— Se você me quer, então não se trata nem de Sebastian nem do país. Trata-se de nós. — ela disse docemente.

— Tem razão — ele afastou as cobertas, abraçou-a e beijou-a. — Trata-se de nós.

— Mas amanhã...

— Eu sou um príncipe — ele disse quase com tristeza. — Preciso cumprir com minhas obrigações. Não deixarei que o país seja arruinado. Mas, por enquanto... por enquanto, meu amor, só existe você.

Até o nascer do dia, pensou Holly vagamente, porque Andreas a abraçava e a possuía, exigindo que ela correspondesse. Ele tinha razão. Só os dois existiam... até o dia nascer.

 

Quando ela acordou, ele já havia partido. Holly se remexeu na cama, sonolenta e saciada de tanto fazer amor. Deefer também a deixara. Quando ela olhou para a porta, o viu parado, com o focinho encostado na grande soleira de madeira.

— Volte para a cama, Deef — ela murmurou, mas o filhote ganiu e recolocou o focinho onde estava. Holly afastou as cobertas, levantou e foi buscá-lo. Ela se deitou novamente, prendendo Deefer em seus braços. Um casamento de verdade. Até parece!

— Você vai gostar da Austrália — ela murmurou. — Será um cachorro de verdade na fazenda. E eu... poderei voltar a ser eu mesma. — Sozinha e solitária, lamentando a perda do filho e de um amor. Holly, a solteirona rica — disse ela, sentando-se abruptamente ao perceber o que acabara de dizer. — Sozinha ao longo dos anos, coberta de teias de aranha e vivendo de migalhas do bolo de casamento.

Alguém bateu na porta e uma camareira entrou, com um ar contrito.

— Desculpe, senhora. Sua Majestade, a rainha Tia, programou sua aula para as 10h. Ela mandou dizer que o seu café da manhã será servido às 8h, na sala de jantar principal. Um professor de etiqueta estará à sua disposição para lhe ensinar o protocolo. — A empregada saiu.

— Uau — Holly exclamou. — Protocolo, hein? Teremos regras ao invés de ovos com bacon? — Ela estremeceu. — Sabe, Deefer, quero voltar para casa. — Mas... prometi fazer deste casamento um sucesso — ela disse, percebendo que começava a desistir. — Andreas diz que devemos ficar casados, e eu acredito nele. Mas... — Nada de mais... Nem pense em sentir saudade de casa. Vá se afundar em... protocolos.

 

Andreas ficou ausente durante onze dias intermináveis em que ela não teve permissão para sair do palácio.

— Todos pensam que vocês estão em lua de mel — dissera-lhe o burocrata que dirigia o departamento de Relações Públicas. — O povo não sabe que Andreas viajou para a Grécia. A lua de mel é uma fachada perfeita.

Uma fachada perfeita. Supunha-se que eles estivessem escondidos no suntuoso apartamento, amando-se gloriosamente. Mas Andreas estava na Grécia. E ela estava... no inferno do protocolo!

— Você deve andar três passos atrás do seu marido. Quando ele parar, você para. Se ele falar com você, fique a um passo de distância, escute, sorria e responda sucintamente. Nunca pareça discordar. Depois se afaste. Seu marido é da nobreza, você, não. Ele sempre tem precedência.

— É, mas ele não está aqui para ter precedência — Holly disse a Deefer no décimo primeiro dia, quando o levou para passear no jardim. Ela escolheu um lado do parque onde não poderia ser vista pela imprensa, mas, mesmo assim, não se sentia segura. Alguém ouvia música em uma das varandas do palácio. Provavelmente as princesas, Holly pensou. Ela quase não as via. Em geral, estavam muito entretidas com suas preocupações pessoais para perder tempo com ela. Holly não aprovou o gosto musical delas. Não gostava daquele lugar

— Quando eu voltar, tudo vai melhorar — garantira Andreas durante o curto telefonema que lhe dera. Ele parecera cansado e tenso, e fora por este motivo que ela não gritara com ele, mas acabaria por fazê-lo. Discretamente, claro. De maneira respeitosa. Se é que ele iria voltar...

Holly ficou absorta por longo tempo e se esqueceu do seu filhote. Quando voltou à realidade, era tarde demais. Deefer saíra correndo na direção do lago que ele descobrira uma semana antes e que se tornara um problema por causa dos cisnes.

— Volte aqui — ela gritou, apavorada, mas Deefer pareceu não tê-la ouvido, talvez por causa da música, talvez por estar entediado. Ele passara a manhã inteira trancado no quarto, enquanto ela tivera sua aula de protocolo. Os border collies são criados para trabalhar e seu instinto é correr pelo campo, reunindo os rebanhos. Os únicos animais que havia no palácio eram os cisnes espalhados na grama do outro lado do lago, procurando caracóis. Para Deefer, animais espalhados representavam uma ofensa contra a natureza. Ele rodeou o lago antes que Holly pudesse alcançá-lo e que os gritos dela pudessem surtir algum efeito e pulou no meio dos cisnes, latindo, muito animado. Quando as aves se espalharam, ele percebeu seu erro e começou a cercá-las. Os cisnes sacudiam as asas e recuavam, grasnando e tentando bicá-lo...

Outro filhote teria se intimidado diante de aves que tinham o dobro de seu tamanho, mas não Deefer. Ele trabalhava com tanta energia que as aves ficaram tontas e começaram a se juntar. Deefer as pastoreava como um profissional. Por que elas não voavam? Holly continuava a correr, assustada. Mas ela não fora a única a se apavorar. Acima do som da música, ela ouviu gritos que vinham da varanda e viu que, além dela, alguns homens também chegavam ao lago. Ela reconheceu o jardineiro-chefe e dois ajudantes, e seu coração quase parou ao reparar que um deles estava armado. O homem levantou o rifle...

— Não!— ela gritou.—Não! —Mas o rapaz não olhava para ela e a música estava muito alta. — Não! — ela gritou outra vez. — ele é meu. — Holly continuou correndo, contornou um arbusto que a separava de Deefer e se jogou sobre ele de um jeito que nem sabia ser capaz. Seria tarde demais? O tiro explodiu no ar. Holly sentiu uma pontada no rosto e ouviu o homem gritar, mas ela conseguira agarrar Deefer. Ela caiu no chão e rolou, abraçada ao cãozinho, enquanto os cisnes corriam para todos os lados. Ela não se importava. Salvara o seu filhote. Ele tentava se soltar, estava bem. Holly fechou os olhos...

 

— Holly...

Ela ouviu a voz dele, como que por milagre. O som vinha de longe, mas mesmo assim Holly percebeu que Andreas estava horrorizado. Ela sentiu o rosto arder, e o calor do sangue que escorria, mas Deefer estava salvo e se contorcia freneticamente em seus braços, louco para escapar e prosseguir com sua importante tarefa.

— Holly! — O grito estava mais próximo e alguém desligara a música.

Ela abriu os olhos e viu os jardineiros. O rapaz com o rifle estava pálido e recuava, aterrorizado, quando alguém quase o derrubou com um violento empurrão. Andreas se inclinou sobre Holly. Ele parecia tão apavorado que ela colocou a mão no rosto, pensando que o ferimento seria horroroso, mas não era. Ela percebeu que não passava de um pequeno corte do qual escorria um filete de sangue.

— Foi só um arranhão — ela disse.

Todos suspiraram, aliviados. Andreas a examinou para ver se havia algum ferimento mais grave.

— Meu amor. — Ele a abraçou, preocupado. Deefer ficou espremido entre os dois e deu um latido abafado, mas ninguém ligou. Será que ela estava sonhando? Não importava. Holly se aconchegou na segurança dos braços de Andreas. Mesmo que ela estivesse manchando a camisa real com seu sangue, ela resolveu ficar bem ali, ouvindo as batidas do coração dele; sentindo sua força e proteção.

Seu homem voltara para casa; e quando ela mais precisava dele. Porém, não duraria. Logo eles foram cercados e os homens falavam ao mesmo tempo, tentando explicar. Andreas sentou no chão e colocou-a no colo. Os dois mantiveram Deefer onde estava.

— Quem atirou na minha esposa? — ele perguntou num misto de fúria e resquícios de medo.

— Se me permite, senhor... — disse o jardineiro mais jovem, dando um passo para frente, como se fosse ser o derradeiro.

— Ele tentou atirar em Deefer — disse Holly num gemido. Ela olhou para o rapaz e ficou com pena. Afinal, tudo não passara de um susto, e ela agora estava com Andreas. — Eu... lá em casa, nós precisamos matar os cães selvagens que entram no pasto...

— Pois é — disse o rapaz depressa. — Nos últimos meses encontramos cinco cisnes mortos. Algum animal está passando pela cerca. O rei ordenou que eliminássemos qualquer animal que ataque os cisnes.

— Enquanto minha mulher está na linha de fogo? — Andreas perguntou, perplexo.

— Eu não sabia que o cachorro era dela. Ela apareceu correndo — balbuciou o rapaz. — Nenhuma princesa corre desse jeito. Ela se atirou sobre o cão...

— Se não, você o teria matado — Holly protestou.

— Como ela está? — A pergunta imperiosa surpreendeu a todos.

Os jardineiros se afastaram e Tia apareceu, muito elegante e... aborrecida.

— Ela está bem, mãe — disse Andreas.

Tia mostrou alívio, mas logo se controlou.

— Eu vi o cão atacar os cisnes. Conheço as ordens de seu pai. Ele mandou que protegessem seus cisnes a qualquer custo.

— Ao custo da vida de Holly? — Andreas perguntou, atônito. — Não acredito que pense dessa maneira.

— Seu pai...

— Meu pai está morto — disse Andreas claramente. —Não se trata do que ele pensa, mas do que você pensa.

— Claro que não é o que eu penso. — Ela dispensou os jardineiros — Voltem ao trabalho. Vocês seguiam ordens. Não serão responsabilizados pelo ferimento da moça.

— Mas... — O jovem jardineiro gaguejou, atordoado.

— A esposa de meu filho ficará boa — Tia disse. — Foi apenas um arranhão.

Ainda abraçado a Holly, Andreas não conseguia acreditar no que a mãe dissera.

— Não entendo por que os cisnes simplesmente não voaram — Holly balbuciou, tentando aliviar a tensão.

— Eles têm as asas cortadas — disse Tia. — Não podem voar.

— Apesar de os cisnes sempre voltarem ao seu lago original — Andreas disse amavelmente, contendo sua fúria. — Mas, por via das dúvidas, meus pais sempre cortaram suas asas.

— Ah, pelo amor de Deus... são as ordens de seu pai — disse Tia, sem a mesma segurança de antes. — É assim que as coisas são, Andreas. Eu disse a ela que mantivesse o cachorro no estábulo.

— Holly tem um cachorro, e esta é a casa dela, mãe.

— Esta não é a minha casa — Holly se levantou.

Andreas a soltou com relutância. Holly sentiu que seus joelhos tremiam e que precisaria do apoio de Andreas para enfrentar a rainha de igual para igual.

— O meu lar é na Austrália e eu vou embora!

— Você ainda não pode partir — disse Tia, chocada.

Andreas franziu a testa e Holly balançou a cabeça.

— Posso ir embora quando eu quiser. Não é mesmo, Andreas?

Ele a abraçou. Holly percebeu que ele estava tenso e a ponto de explodir, mas não apenas por causa dela: havia algo mais, que ela não sabia.

— Tem razão — ele falou calmamente. — Holly se casou comigo para nos tirar de uma crise. Ela cumpriu sua parte do acordo e está livre para partir.

— Sebastian acha que é melhor ela ficar — Tia disse secamente.

— Sebastian não manda na minha vida particular — retrucou Andreas. — Assim como meu pai não manda mais na sua. Talvez seja isso que precisamos aprender. Minha mulher é assunto meu. Se eu disser que ela pode ir, ela irá.

— Muito obrigada — disse Holly, desejando ir embora, mas ele ainda a abraçava. O rosto dela sangrava, manchando a camisa dele. Ela colocou o dedo no ferimento, e ele reparou.

— Precisamos cuidar disso — ele disse.

— Ela vai ficar — disse Tia numa voz desesperada.

— Vai mandar que cortem minhas asas? — perguntou Holly em voz trêmula. O mal-estar se tornou palpável. Deefer ficou muito quieto, como se sentisse que uma tempestade se aproximava. — Eu sou livre. Andreas é meu marido, mas isso não é o bastante para me prender. Estou voltando para casa.

Andreas ignorou os protestos da esposa e carregou-a nos braços até a enfermaria. Holly apertava Deefer contra o peito. Ela ousara desafiar a rainha, mas, no íntimo, sentia-se desabar.

— Quando foi que você voltou? — ela perguntou.

— Há dez minutos. Vim direto procurá-la.

— Você deveria ter chegado antes — ela murmurou.

— Droga, Holly, pensei que estaria segura.

— Sim. Você tem capangas armados.

— Eles não são meus capangas.

— Não, mas são contratados pela sua família.

Uma enfermeira de ar maternal entrou na sala, toda engomada e falante, e eles não puderam mais conversar. Como Holly imaginara, tudo não passara de um arranhão. A bala lhe ferira apenas a pele, mas a enfermeira insistiu em lhe fazer um enorme curativo.

— Quando estou juntando o gado, me arranho do mesmo jeito — Holly disse quando saíram da enfermaria. — Nunca fiz um curativo como este.

— Deveria — resmungou Andreas.

— Você está sugerindo que eu deveria instalar um pronto-socorro em Munwannay com o seu dinheiro?

— Se quiser, poderá construir um.

— Não quero — ela disse, revoltada.

Andreas carregava Deefer sob um braço, e a abraçava com o outro, carinhosamente. Sua ideia de voltar para casa se fortalecera com o episódio, mas ela sempre se lembraria daquele momento de ternura.

— Sentiu minha falta? — ele perguntou, sorrindo.

— Essa pergunta não é justa. Você vai ficar aqui ou vai viajar de novo?

— Viajo amanhã.

— Por quanto tempo? — ela sussurrou, com o coração apertado.

— Não sei.

— Não posso ficar aqui sem você.

— Eu compreendo. Eu esperava... mas hoje ficou claro. Deefer é um cachorro que nasceu para pastorear. Você nasceu para ser livre. Não vou permitir que minha mãe corte suas asas.

— Ela não conseguiria.

— Mas tentaria. A maldita corte inteira tentaria. Minha mãe é muito boa, mas foi dominada por meu pai durante tempo demais para ignorar o protocolo.

— Você não pensaria... — Ela hesitou, mas precisava esquecer seu orgulho e falar. Aquele era o seu homem, e deveria lutar por ele. — Você nunca pensou em ir para a Austrália?

— Vou visitá-la — ele disse.

— Claro. Para manter a aparência do nosso casamento... — Ela não conseguiu se conter. — Com que frequência?

— Não sei. — Ele foi sincero. Os dois entraram no quarto e se sentaram lado a lado na cama. Andreas colocou Deefer no chão. — Não posso fazer o que quero, Holly. Nasci para este trabalho.

— O país precisa de você.

— Precisa — ele concordou.

— Quer ele saiba ou não. Tudo bem — ela disse. — Eu realmente não espero que você volte comigo.

— Vou visitá-la sempre que puder.

— Sabe, talvez seja melhor que não vá — ela disse, sentindo-se infeliz. — Você ficou longe durante anos e não consegui esquecê-lo. Se aparecer a cada seis meses...

— Vou aparecer mais vezes que isso — ele beijou-lhe o nariz. — Você é minha esposa.

— Só no nome.

— Por direito — ele disse com firmeza. — Eu quero você Holly. Quero você aqui, na minha cama, mas reconheço que não é possível. Meu pai cortava as asas dos animais selvagens. Não farei o mesmo.

— Andreas...

— Shh — ele disse, abraçando-a. — Acalme-se, meu amor. Preciso viajar amanhã, mas vou providenciar tudo para que você parta. Vou mandá-la de barco até a Grécia, onde alguns amigos a ajudarão a embarcar para a Austrália. Diremos à imprensa que você tem negócios urgentes a resolver. Não tenha medo que Sebastian tente trazê-la de volta. O escândalo seria pior do que se não tivéssemos nos casado. — Ele planejara tudo, Holly pensou desanimada, sem conseguir argumentar. — O dinheiro foi transferido para a sua conta — ele continuou. — A hipoteca de Munwannay já foi paga. Há uma verba para comprar gado e contratar pessoal. Você deve contratar empregados experientes. Quando for visitá-la, espero ver Munwannay como era quando a conheci: uma fazenda produtiva e cheia de vida. Um lar.

— Eu...

— Você consegue, Holly — ele não a deixou falar. — É o que sempre desejou. Não haverá problemas a longo prazo. Nosso povo entende os casamentos reais, acha maravilhoso ter uma princesa australiana e sabe que meus deveres têm precedência.

— Mas Sebastian... sua mãe...

— Isso não tem nada a ver com eles, mas eu tenho um dever para com a família. É por isso que preciso continuar procurando o diamante.

— E o que você me deve...

— Já paguei o que lhe devia.

— Pagou, Andreas? — Ela fez força para não chorar. — Pagou? Você se casou comigo com todas as pompas, como se eu fosse Cinderela, e pagou para que eu viva feliz para sempre. Eu deveria estar grata, mas... Quero mais — Ela olhou para ele e viu que ele não entendera.

— Holly, esse foi um acordo de negócios, um casamento de conveniência. Sinto muito se não passou disso — ele disse gentilmente.

— Eu também sinto — ela retorquiu, furiosa. — Um acordo de negócios? Não da minha parte. Pronunciei os meus votos com a intenção de honrá-los

— Mas você não quer ficar aqui.

Holly ficou confusa. Ele não compreendera. Seria só ela que ansiava por algo que estava bem diante deles, e, no entanto, tão longe? Ela queria que ele a abraçasse e lhe dissesse que ela era realmente sua esposa e que jamais a deixaria partir. Ao invés disso, ele falava sobre o seu dever de cuidar da família.

— Acho que você deve ir embora — ela sussurrou.

— Ir...?

— De volta a onde quer que você esteja procurando o diamante.

— Só vou viajar amanhã de manhã. Pensei que...

— Vá pensar em outro lugar, Sua Alteza. Acabo de sofrer um abalo. Atiraram em mim e fui ferida. Estou com dor de cabeça, e se acha que vou dormir com você...

— A Holly que eu conhecia jamais deixaria que uma dor de cabeça a detivesse.

— Bem, a Holly que você conhecia era uma tonta — ela murmurou. — A Holly que você conhecia mergulhou nessa farsa real mas não vai afundar. Chega, Andreas. Saia, por favor.

-- Holly... — Ele pegou nas mãos dela e forçou-a a encará-lo. -- Não acredito no que você disse. — Ele deu um sorriso sedutor que costumava derretê-la e que sempre fora o causador de toda espécie de problemas. — Você não me quer?

— Não posso querer você — ela disse, desanimada. — Não entende? Por favor, Andreas, chega. Seja gentil... saia.

Ele ficou surpreso e, depois de algum tempo, saiu sem dizer mais nada. O que ela fizera? Ela o mandara embora. De qualquer maneira, ele partiria no dia seguinte. Embora ansiasse por aquela noite, Holly sabia que de nada adiantava. Mas... uma mulher mais forte teria lutado por ele, teria forças para ficar, para se submeter ao protocolo, às ausências constantes e a ter suas asas cortadas? Seria um pássaro numa gaiola. Mas, deixá-lo... eu não o estou deixando. Ele está me forçando... Se corresse e o chamasse, ele ficaria... até o amanhecer.

— Ah, Deefer — ela soluçou. Holly nunca chorava: era algo que ela odiava, mas ele a fizera chorar. — Essa é mais uma razão para que eu vá embora. Preciso ir embora. Preciso! — Ela ficaria com o coração partido. Não. Seu coração se partira há anos. Nos últimos dias ela tentara juntar os pedaços, mas não funcionara: Cinderela era um conto de fadas. Ela precisava voltar para casa...

 

Andreas atravessou o pátio do palácio, banhado pelo sol que refletia nas colunas de mármore, no granito dos degraus, nas águas do chafariz. Tudo era artificial naquele lugar. Ele pensou no lugar para onde Holly iria, o vasto deserto selvagem em que a natureza sempre vencia as tentativas do homem para dominá-la. Uma onda de nostalgia o invadiu com tanta força que ele quase precisou se segurar. Mumvannay... Holly... ele não podia mantê-la ali. Ele a trouxera à revelia e não pretendia retê-la. Sebastian e sua mãe estavam errados. Holly era selvagem, linda e livre. Ele não pretendia domá-la, mas... deixá-la ir embora...

— Eu lhe disse que queria vê-lo assim que chegasse — disse Sebastian, vindo ao encontro de Andreas.

— Holly precisava de mim.

— O que Holly precisa não me interessa. Você sabe que seu relatório é urgente. Precisei vir procurá-lo...

— É imperdoável — Andreas disse, secamente. — Quer que me executem ao amanhecer?

— Não se faça de engraçado. Sabe o que está em risco. Preciso que se concentre. Falo sério.

— Claro que fala—Andreas disse, cansado. — Eu sei a pressa do assunto. Sei o quanto todos esperam que me dedique. Vou me concentrar. Holly parte amanhã para a Austrália.

— O quê? — Sebastian ficou surpreso e zangado. — Eu lhe disse que queria que o casamento continuasse.

— E eu lhe digo que o casamento acabou — Andreas respondeu com segurança e certeza, duas coisas que não sentia. — A não ser que mande nos jogar na masmorra, você não pode fazer nada a respeito, irmão. Prepare seu departamento de Relações Públicas para que façam o melhor trabalho possível, mas o assunto não é negociável. Holly vai para casa amanhã. Ponto-final.

 

Foi incrível. Primeiro ela viajou para a Grécia em um barco pesqueiro de um amigo de Andreas. Depois, ela e Deefer foram levados até o aeroporto, de onde ela partiu na primeira classe. Antes que ela percebesse, aterrissaram em Perth, e ela se despediu, chorosa, de Deefer, que ficaria trinta dias de quarentena antes de se tornar um australiano. Quando Holly saiu da alfândega, um piloto a esperava para levá-la de helicóptero a Munwannay. Ela voltava para casa em condições econômicas bem diferentes e deveria estar satisfeita, mas sentia-se imensamente infeliz.

Ao sobrevoarem a fazenda, Holly percebeu as mudanças: havia gente se movimentando, dois carros novos estacionados, dois homens montados a cavalo. O dinheiro que Andreas lhe prometera chegara antes dela. Eles aterrissaram e um homem esguio e calejado, na casa dos cinquenta, veio recebê-los, acompanhado por um cão Blue Heeler. Um cachorro em Munwannay!

— Boa tarde, senhora — disse o homem com o sorriso indolente de quem crescera no deserto. — Meu nome é Bluey Crammond. — Ele chamou o cachorro. — Este é Rocket. Seu marido me mandou para ajudá-la a recuperar a fazenda. Ele acha que, se eu e Rocket nos dermos bem com a senhora, eu poderia ficar como capataz. A senhora é quem decide. Estamos em período de experiência e eu achei o lugar fantástico. — Ele sorriu, tranquilo, e Rocket levantou a pata.

Holly ficou encantada. O mesmo aconteceu com a empregada que a esperava na casa. Margaret Howell era uma adorável e roliça senhora que lembrava muito Sophia.

— Seu marido me disse que estou em período de experiência, que se a senhora não gostar da ideia, estou dispensada. Bluey e eu fomos muito bem pagos por um período de três meses, mas se a senhora preferir nos mandar embora... — Holly tinha certeza de que não mandaria. Andreas escolhera empregados maravilhosos.

— Pode me chamar de Honey, querida. Todos me chamam... —

Honey fora contratada por meio de uma agência em Perth e chegara a Munwannay uma semana antes de Holly. O trabalho dos dois era fantástico. A casa brilhava. Havia trabalhadores consertando as cercas, reparando anos de descaso. As outras instalações da fazenda estavam sendo consertadas. Mecânicos ajustavam as máquinas, os tratores e as bombas dos poços, garantindo a água para o gado.

— Estou contente por ir à feira agrícola com a senhora — disse Bluey respeitosamente. — Sua Alteza disse que a senhora conhece gado melhor do que ninguém, e não quero interferir. Ele disse que a senhora tem dinheiro para comprar um ótimo rebanho.

Foi o que Holly fez. Quando consultou seu extrato bancário não conseguiu acreditar. Tinha muito mais dinheiro que o necessário para deixar o lugar do jeito que merecia. Deveria estar delirando de felicidade, mas... para começar, Deefer estava longe dela. A quarentena obrigatória deveria durar um mês. Rocket era ótimo, mas não era Deefer. O pior de tudo era a ausência de Andreas, mas não adiantava se queixar, ela concluiu enquanto o tempo passava. Holly descobrira outro exemplo da eficiência do marido nos estábulos: Merryweather morrera de velhice dois anos antes, mas seus investigadores haviam encontrado seu neto, Whippy. Holly se apaixonara por ele assim que o vira e passara a cavalgar o dia inteiro, trabalhando ao lado de Bluey. À noite, quando caía na cama, estava exausta, o que a impedia de pensar que fizera uma loucura ao voltar para casa e deixar Andreas. Assim que Deefer chegasse, tudo iria melhorar, ela dizia a si mesma, desesperada, embora soubesse que não era verdade. Ela sempre ansiara por Andreas e nos últimos dias aquela ânsia se transformara num sofrimento lancinante. Ele telefonara uma semana depois que ela chegara a Munwannay. Ela acabara de voltar de sua cavalgada diária. Estava suada, empoeirada e cansada. Honey lhe entregara o fone.

— É seu marido.

Seu marido. Honey sorrira com naturalidade, mas Holly imediatamente pensara, com amargura, que seu casamento era falso e que ninguém deveria se referir a Andreas como sendo seu marido.

— Alô.

— Alô — Ele parecia cansado e tenso. — Como estão as coisas?

— Bem... quero dizer, ótimas — ela tentou acalmar seu coração. — Não acredito que tenha encontrado Whippy.

— Gostaria de ter encontrado Merry — ele disse amavelmente. — Eu também gostava dela.

Holly percebeu que ele estava sendo sincero e se lembrou de como ele gostava de cavalgar ao seu lado, de como ele amava aquele lugar e o trabalho. Se ele pudesse voltar...

— As pessoas que você contratou são fantásticas — ela disse. — Não sei como as encontrou.

— Sou bom para encontrar pessoas fantásticas — ele resmungou. — Como uma esposa, por exemplo.

— Não faça isso — ela tentou manter os pés no chão. Ele estava a meio mundo de distância. — Andreas, esse dinheiro... é demais.

— Espero que seja o suficiente até que o lugar possa se sustentar sozinho. Bluey disse que será o bastante, mas se precisar de mais, me avise.

— Não pode me dar mais.

— Você é a mãe do meu filho — ele balbuciou. — Amo Munwannay tanto quanto você e quero que seja restaurada. Posso lhe dar o que quiser, e irá aceitar.

— Ah, a arrogância — ela disse sem se conter. Ele ficou calado Quando falou, a tensão parecia ter diminuído e ela adivinhou que ele sorria.

— Insolente como sempre, hein?

— Quem, eu?

— Sim, você, minha garota do deserto, minha Cinderela.

— Não sou nada sua, Andreas — ela disse calmamente, e o bom humor dele sumiu.

— Não.

— Você está em Aristo?

— Por pouco tempo.

— Ainda à caça do diamante?

Ele prendeu a respiração antes de responder.

— Holly, isso fica entre nós. Se alguém souber...

— Estamos conversando através da linha criptografada que o seu pessoal instalou. Francamente, Andreas...

— Foi necessário — ele interrompeu. — Se você for indiscreta...

— Tenho um telefone criptografado. Posso falar o que quiser.

— Holly...

— Sim? — Ela estava furiosa, tudo lhe parecia absurdo.

— Está feliz?

A pergunta a pegou de surpresa.

— Claro que não estou feliz — ela respondeu sem querer.

— Por que não?

Porque eu amo você, seu pateta, ela pensou.

— Estou com saudade de Deefer — ela disse, afinal.

— Quando poderá pegá-lo?

— Daqui a três semanas. Preciso buscá-lo em Perth. — Ela suspirou. — O gado vai chegar na mesma data. Ele vai ter de esperar mais um dia. Isso me deixou desanimada.

— Mande alguém para pegá-lo.

— Quero ir pessoalmente. Eu... há algo mais que queira?

— Posso falar com Bluey?

— Vai perguntar sobre mim?

— Vou. Estou preocupado com você, Holly. Ouvi dizer que está trabalhando demais.

— Você também. Pela sua voz, percebo que está exausto, mas não posso ligar para o seu lacaio e pedir um relatório.

— Não estou...

— Quantas horas dormiu a noite passada?

— Isso não é da...

— Minha conta — ela completou para ele. — Não, porque não sou sua esposa, Andreas. E você não é meu marido. Vamos deixar os relatórios de lado. Muito obrigada pelo que fez pela fazenda — ela disse friamente. — Se não há mais nada... obrigada por telefonar e adeus.

Andreas desligou e ficou pensativo. Sebastian veio procurá-lo e o encontrou no mesmo lugar, de pé, ao lado da mesa. Ao ver a expressão do irmão, ficou preocupado.

— O que foi? Problemas? O diamante...

— Problema algum. — Andreas tentou controlar as emoções causadas por aquele telefonema. — Não que eu saiba. Parto para a Espanha amanhã. Estamos seguindo as pistas.

— Sei que está fazendo tudo que pode — Sebastian colocou a mão no ombro do irmão. — Está com uma aparência péssima, irmão.

— Acabo de mandar minha mulher para a Austrália.

— A ideia não foi minha. Pelo contrário, eu proibi. Já existem repercussões. O povo não gostou de vê-los separados tão cedo, por mais que você tenha explicado.

— Então permita que eu vá encontrá-la.

— Traga-a de volta — disse Sebastian. — As próximas semanas serão vitais para a segurança do país.

— E depois disso?

— Você é o terceiro na linha de sucessão. Sabe que seu lugar é aqui, quer goste ou não, e conhece seu dever.

— Enquanto isso, Alex está em lua de mel.

— Ele voltará. Ele reconhece o seu lugar.

— E você gosta dele.

— Gostar não tem nada a ver com isso. Tem a ver com a família.

— Certo.

— Você não está pensando...

— Claro que estou pensando — interrompeu Andreas. — Estou pensando tanto que a minha cabeça chega a doer. Preciso descansar um pouco. Até minha mulher percebeu que estou cansado. Minha esposa.

— É um casamento de conveniência.

— Sim — disse Andreas, fechando os olhos. — Um casamento de conveniência, a família... droga, Sebastian, deixe-me em paz.

 

Holly tomou um banho, beliscou o excelente jantar que Honey lhe preparara e caminhou até o grande eucalipto, deitando-se na grama. Fechou os olhos e deixou que a dor a atravessasse em ondas tão poderosas que achou que iria sucumbir.

— Eu consigo — ela sussurrou. — Vou em frente. Não há escolha — ela falou, dirigindo-se ao túmulo do filho. — Amo Munwannay, aqui é o meu lar. — Seu lar é onde está seu marido, ela pensou. Mas ele não precisava dela e concordara que ela ficasse ali. — Vou melhorar quando Deefer chegar — ela sussurrou, mas ninguém concordou ou respondeu. Seu filhinho estava morto. Seu marido estava em outro mundo. Ela estava sozinha.

As primeiras cabeças de gado chegaram no dia em que Holly deveria buscar Deefer em Perth, mas fora ela quem escolhera o gado e deveria conferir a entrega. As reses chegaram ao amanhecer. Vinham em grandes reboques atrelados a caminhões. O rebanho era magnífico. Ela escolhera bem. Tudo daria certo. Se trabalhasse bastante, conseguiria esquecer Andreas.

Holly trabalhou o dia inteiro, lado a lado com os empregados. Precisariam de mais gente, e também de mais gado. No dia seguinte, ela voaria até Perth para buscar Deefer e se tornaria a mais feliz das mulheres, sem ter o que reclamar. Então, por que se sentia vazia?

Às 19h ela viu o último caminhão sair da fazenda. Todos estavam cansados. Ela viu Bluey voltar ao alojamento na companhia de Rocket e pensou que no dia seguinte também estaria com seu cachorro. Honey tirava a mesa que montara na varanda para servir comida a todos durante o dia.

— Quer algo para comer, querida?

— Não, obrigada. Vou tomar um banho e dormir.

— Acho que deve reconsiderar a ideia — disse Honey, consultando o relógio. — Você vai receber uma visita. — Ela apertou os olhos e olhou o céu. — Falando do diabo... bem na hora.

— Quem...?

— Ele telefonou mais cedo — Honey disse. — Você estava no pasto. Ele disse que chegaria às 7h. Acha que ele vai querer um sanduíche?

— Ele... quem?

— Quem? Que esposa você é... — ela disse, entrando na casa com uma pilha de pratos.

Era ele, claro. O helicóptero desceu, Georgiou abriu a porta e Andreas saiu, carregando... Deefer.

— Deefer — Holly sussurrou, como se o filhote fosse mais importante que o homem que o carregava. — Deefer — ela gritou, como num sonho. Andreas colocou o filhote no chão e ele disparou na direção de Holly, pulou no colo dela e começou a lamber-lhe o rosto. — Deefer. Ah, Deef— ela disse, ameaçando explodir em lágrimas. Mas não houve tempo para choro, porque Andreas se aproximou quase tão depressa quanto o cãozinho e a abraçou. — O quê...?

— Você disse que não poderia pegar Deefer pessoalmente — disse Andreas, sorrindo com ternura. Holly se comoveu. Ele a olhava de um jeito... mas era apenas uma visita. Ela não podia se dar ao luxo de se comover...

— Você planejou tudo isso.

— Torci para dar certo. Eu não podia prometer, porque acabo de voltar da França.

Seria uma breve visita. Uma demonstração para o povo de que o casamento ainda existia. Holly mal conseguia falar. Ele chegaria e partiria quando quisesse?

— Quanto tempo vai ficar? — ela sussurrou com dificuldade.

O rosto dela estava encostado no peito de Andreas. Andreas riu e afastou-a um pouco. Os olhos dele brilhavam de alegria, e mostravam algo que ela nunca vira. Segurança? Força? Ele era realmente um príncipe, Holly pensou, percebendo que sempre o vira apenas como o homem que ela amava. Ele parecia mais seguro, como se carregasse consigo toda a sua linhagem ancestral.

— Vou ficar pelo tempo que você me quiser — ele disse.

O coração de Holly quase parou dentro do peito.

— O tempo que eu...

— O tempo que me aceitar, meu amor — ele disse, beijando-a com ternura tal que ela mal conseguiu suportar. Ela deveria ter entendido errado, mas os dois se beijavam com tanta intensidade que ele não parecia querer soltá-la. Afinal, ele se afastou e segurou-a pelos ombros, sorrindo. — Acho que Deefer precisa de ar. — Deefer se agitou nos braços de Holly, como se tivesse entendido. Andreas o colocou no chão. Rocket observava os recém-chegados de longe. Deefer o viu à distância, abanou o rabo, encantado, e lançou-se em sua nova vida. — Acha que ele vai ficar bem?

— Rocket é um ótimo cão — disse Holly. Como que para confirmar, o cachorro se abaixou e rolou no chão, submisso, quando o filhote chegou perto dele.

— Isso é saudável? — perguntou Andreas.

— Provavelmente não.

— Amanhã começa o treinamento. Primeira lição: respeitar os mais velhos.

— Estará aqui amanhã? — Andreas a beijou, e ela deixou. Quando se sentiu satisfeita, afastou-se um pouco, notando que Bluey e Honey os observavam de longe. Ela sorriu. — Temos público.

— Então precisamos dar um espetáculo — disse Andreas, puxando-a contra o peito. Holly suspirou e tentou parecer objetiva.

— Explique-se.

— Explicar o quê?

— Como você pode calmamente reentrar na minha vida.

— Estou salvando meu país — ele disse com orgulho. — Como qualquer príncipe nobre que conhece seu dever. Eu não poderia fazer diferente.

— Você tem um canguru solto no pasto.

Andreas pareceu magoado e se afastou.

— Quer dizer que estou louco? Eu, que lhe trouxe seu cachorro?

— Você é cheio de nobreza. Traz meu cachorro, salva seu país. Poderia me dizer como?

— É fácil. — Ele sorriu de um jeito que ela quase dispensou explicações e lhe pediu que a levasse direto para o quarto. Mas se esforçou para ser paciente. — Você fez muito sucesso. O povo de Aristo ama você. Quando você partiu, houve um protesto.

— Não acredito.

— Mas deveria — ele disse ternamente — porque é verdade. Fiquei fora tanto tempo que espalhamos que eu tinha vindo com você. Mas a imprensa daqui investigou e descobriu a verdade.

— Eles ligaram — ela disse, desanimada. — O que eu deveria ter feito? Mentido?

— Não lhe pedi para mentir — ele disse. — Não esperava que o fizesse. Então, Sebastian resolveu que você deveria voltar para Aristo.

— Para cortar minhas asas?

— Foi o que eu lhe disse — ele continuou, sorrindo. — Não consigo imaginá-la de asas cortadas. A impressão geral era de que nosso casamento fora uma encenação. O palácio alardeava que nosso caso era um conto de fadas. Sebastian insistia que a família era mais importante. De repente, me ocorreu...

— O quê? — ela perguntou, contendo o fôlego, sentindo que vira uma luz no final do túnel. Talvez...

— Que você é a minha família — ele a olhou com ternura.— Não tinha percebido antes, mas, de súbito, me dei conta. Você é minha esposa, Holly. Você mora aqui, num lugar que eu adoro e onde desejaria trabalhar. Meu filho foi enterrado aqui. Meu cachorro esperava que alguém o trouxesse para casa. Se o povo quer a história de Cinderela, não há nada melhor do que você escolher seu príncipe e salvá-lo, trazendo-o para ser feliz para sempre. Aqui.

Holly mal respirava. Olhava para ele, pasma.

— Você deixou Aristo por mim?

— Deixei — ele disse calmamente, mas, ao notar o olhar dela, ele abanou a cabeça. — Não. Eu não fugi do meu dever. O inquérito sobre corrupção foi concluído. Investiguei tudo o que podia sobre o diamante. Não me pergunte se ele foi encontrado ou não. Não poderia lhe dizer e não diria. É irrelevante para nós.

— Mas... sua mãe, Sebastian...

— Eles foram a minha família — ele disse gentilmente. — Depois do reinado implacável de meu pai, eles também precisarão reavaliar suas prioridades. Mas para mim o caminho é claro: tenho uma nova família. Tenho uma mulher, um cachorro e uma enorme fazenda na Austrália. Tenho uma ilha maravilhosa, onde passei as férias. Tenho você.

— Mas, você não pode — ela argumentou, atordoada. — Você é o terceiro na linha de sucessão.

— Não sou mais — disse ele, abraçando-a com força. — Deixei isso muito claro quando fiz um pronunciamento ao meu povo há dois dias. Meu irmão é perfeitamente capaz de governar o país. Alex estará ao lado dele. Além disso, e isso é o mais importante, Holly, há também minhas irmãs. Sebastian ainda não tinha percebido. Como eu, ele foi criado para acreditar que as mulheres deveriam ser relegadas a segundo plano. Ele estava errado, foi o que eu disse a todos. Fiz tudo que podia pela segurança do meu país. Agora é minha vez. Nossa vez — ele corrigiu. — Se você concordar, meu amor. A fazenda é bem grande. Acha que podemos compartilhá-la?

Holly engasgou num soluço. Ela o agarrara pelos quadris, olhava-o como se ele fosse desaparecer e temia que tudo não passasse de um sonho. Mas o rosto de seu marido, de seu amor, transmitia sinceridade. Holly olhou em volta e viu que o gado se espalhara, explorando o ambiente. Ela faria o mesmo: começaria a explorar a realidade de um casamento.

—Acho que temos espaço — ela sussurrou. — Se é o que quer de verdade.

— Como não iria querer? — Ele deu um grito de vitória, levantou-a do chão e beijou-a. — Meu amor, minha esposa Cinderela.

— Meu Príncipe Encantado — ela disse, pensativa. — Hum... isso significa que não sou mais uma princesa?

— O título é herdado — ele disse, todo convencido. — A estirpe é ancestral. Quando se abdica, o título não é revogado. Você ainda é uma princesa.

— Ninguém irá chamá-lo de príncipe por aqui. Irão chamá-lo de Rass, como faziam os homens que trabalharam com você há alguns anos.

— Rass está ótimo.

— Então... Rass?

— Sim, amor.

— Acha que podemos entrar agora? — ela sussurrou.

— Todos estão olhando.

— E o que você quer fazer que não poderia ser feito na frente dos outros?

— Vamos entrar e descobrirá.

 

Eram quase 2h da manhã quando Holly despertou com a vaga sensação de que havia algo de errado. O mesmo acontecera nas duas noites anteriores, mas como poderia haver algo de errado naquela noite? Ela estava nua, colada ao corpo do homem que amava. Era ali que ela desejava ficar pelo resto de sua vida, e disso tinha certeza, assim como confiava totalmente em Andreas. Depois de fazerem amor na noite anterior, ele lhe dissera:

— Eventualmente terei que voltar a Aristo, por razões familiares, mas serão apenas visitas, viagens curtas, Holly, e você irá comigo, como minha esposa. E nada de asas cortadas. Você não é minha esposa cativa, meu amor. Você é o meu coração, a minha família, o meu mundo.

Naquele momento ela escutava o eco daquelas palavras, que estariam em seu coração para sempre, mas ainda sentia um mal-estar. Holly se contorceu e Andreas soltou-a com relutância, acordou e sorriu ao vê-la se enrolar num lençol e sair para a cozinha, onde as compras que haviam chegado durante o dia ainda estavam empacotadas. Ela remexeu os pacotes. Onde estaria...?

Holly voltou dez minutos depois. Andreas a esperava e abriu os braços para ela, mas Holly balançou a cabeça.

— Andreas, preciso ir a um lugar. Vem comigo?

Ele não questionou nem protestou. Os dois se vestiram em silêncio. Deefer não se mexeu. Tivera um dia cheio e os deixou sair sem ele. Holly nada disse enquanto saíam de casa. Pegou na mão de Andreas e levou-o até o antigo eucalipto sob o qual Adam repousava. Ela parou ao lado do túmulo. Andreas tentou enxergar o rosto dela à luz do luar, antes de ajoelhar, afastar as folhas caídas e passar o dedo na inscrição da lápide. Era noite de lua cheia. Holly leu a inscrição com voz clara, enquanto Andreas contornava as palavras. Adam Andreas Cavanagh, seu filho, amado com todo o seu coração.

— Meu filho — Andreas sussurrou afinal, em tom de lamento. Ele olhou para Holly, e ela ajoelhou ao seu lado, pegando-lhe a mão.

— Adam foi uma bênção — ela sussurrou. — Uma alegria. Amanhã lhe mostrarei as fotografias. Ele se parecia com você.

— Eu queria tanto...

— Shh — ela o beijou ternamente. A tristeza que ela sentira durante todos aqueles anos estava agora estampada no rosto de Andreas. Tornara-se compartilhada, e com razão. Adam tivera um pai que agora estaria presente para vigiar seu túmulo. E, no futuro...

— Andreas, você se lembra de quando fizemos amor há tantos anos? Lembra-se de que tomamos precauções?

— Que obviamente não funcionaram — ele disse com ironia, olhando-a, intrigado.

— Não. Não funcionaram. — A emoção a impedia de sorrir.

— O que está querendo dizer?

— Estou dizendo que somos um casal muito fogoso — ela murmurou. — Parece não haver preservativo que seja páreo para nós. Para nós e nossos filhos.

— Nossos filhos...

— Perdemos Adam — ela sussurrou, acariciando o rosto triste de Andreas. — Mas ele ainda vive em nosso coração. E dentro de oito meses...

— Você está grávida — ele balbuciou. — Você está grávida! — A reação dele não deixava dúvida. O rosto dele se iluminou de alegria. — Você vai ter um bebê?

— Não sabia como lhe contar — ela murmurou. — Eu não tinha certeza, mas suspeitava. Hoje as compras chegaram junto com os caminhões, e eu havia acrescentado um teste de gravidez no fim da lista.

— Então, está confirmado?

— Está — ela disse, sorrindo livremente e esperando que ele a abraçasse, mas ele não o fez. Andreas parecia feliz demais para acreditar. Ele se virou para o pequeno túmulo e tocou a lápide com tanto carinho que Holly se comoveu.

— Eu não estava aqui para apoiar sua mãe quando vocês dois precisaram — ele disse em voz baixa e carinhosa. — Juro que a partir de agora estarei sempre aqui para apoiá-la, e a você, meu filho... você sempre fará parte da nossa família.

Foi o suficiente. Holly começou a chorar e a sorrir entre as lágrimas, esquecendo que sempre achara o pranto uma demonstração de fraqueza. Os olhos de Andreas também estavam cheios de lágrimas. Somos um casal de chorões, ela pensou. Andreas riu para ela e a abraçou. Ele não era um chorão. Era seu príncipe, seu homem.

— Minha família — ele murmurou. — Minha adorável esposa cativa que não é mais prisioneira. Agora o prisioneiro sou eu. Fui capturado para sempre pelo amor.

Andreas a deitou sobre o macio leito de folhas, beijou-a carinhosamente e lhe revelou o que estava contido em seu coração.

Mais tarde, de volta ao calor do lar, eles se amaram a noite inteira, até o amanhecer... e pelo resto da vida.

 

                                                                                Marion Lennox  

 

                      

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