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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


ESPOSA POR ACIDENTE / Day Leclaire
ESPOSA POR ACIDENTE / Day Leclaire

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

ESPOSA POR ACIDENTE

 

                     Park Slope, Brooklyn, Nova York

Nikki recostou na parede e fechou os olhos, ten­tando se controlar. A voz de sua irmã conti­nuou, implacável e sincera, provocando-lhe mágoas tão dolo­rosas quanto não-intencionais.

—      Sinto muito — Krista repetiu. — Nem sei por que se deu ao trabalho de me ligar, quando já sabe a resposta. Não posso. Devo muito a Nikki e não irei abandoná-la agora.

Como não percebera?, Nikki perguntou-se, angustiada. Por que não se dera conta de que as necessidades de Krista já não eram as mesmas de sete anos atrás?

—      Ela é minha irmã, este é o motivo! — a voz de Krista elevou-se, irritada. — Desistiu de tudo para cuidar de mim, e o que você quer que eu lhe diga agora? "Obrigada, você salvou minha vida, mas vou embora?"

Salvei sua vida? Nikki balançou a cabeça. Não, havia feito tão pouco. Oferecer um lar quando o marido de Krista morrera lhe parecera a única opção lógica. E Krista estava grávida, na época. Que outra escolha haveria? A família vinha em primeiro lugar. Sempre.

—      Bem, eu não posso, e ponto final. Depois de todos os sacrifícios que ela fez por mim, o mínimo que posso fazer em troca é ficar aqui com ela. Keli e eu somos tudo o que ela possui, e ficaremos até que ela não precise mais de nós.

Nikki não esperou para ouvir o restante da conversa. Em silêncio, voltou para o corredor e entrou na saleta que usava como escritório. Aproximando-se da escrivaninha, abriu a primeira gaveta e retirou um envelope grosso, de bordas douradas. Pesava em suas mãos como um pedaço de chumbo, e o elegante cartão dentro dele era tudo, menos isso. Ao contrário, tratava-se de uma fina chapa de metal dourado, cujas letras gravadas ofereciam-lhe a solução para todos os seus problemas.

Ela havia rezado para que jamais tivesse de recorrer a uma alternativa tão drástica. Um riso abafado escapou-lhe, antes que pudesse evitar. Comprara o convite porque a situação no trabalho estava tornando-se insuportável, mas jamais lhe ocor­rera que teria um duplo motivo para ir adiante com seu plano. Infelizmente, o fato de ter ouvido a conversa de Krista não lhe deixava mais nenhuma saída, exceto aquela.

Devagar, retirou o invólucro de veludo branco do interior do envelope. Dentro deste, o cartão reluzia como se estivesse vivo, iluminando a sala com uma promessa radiosa, dourada. Para muitas pessoas,.aquele convite representaria um sonho transformado em realidade.

Antes que pudesse controlar, uma lágrima solitária deslizou pelo seu rosto.

Então, por que aquilo lhe parecia um pesadelo?

Chicago, Ilinois

      Ah, Jonah, ainda bem que você veio! — Delia Sanders correu para os braços do filho e abraçou-o com força.

Uma pontinha de divertimento iluminou a expressão séria de Jonah Alexander.

      Duvidou que eu viria? — perguntou, enlaçando a mãe num abraço carinhoso.

Ela era uma pessoa miúda, vibrante de energia. Era também uma mulher capaz de inspirar devoções eternas. Jonah passara a vida toda observando-a encantar a todos que a rodeavam com uma facilidade inconsciente. Uma qualidade única refletia-se em seus suaves olhos castanho-claros, e o sorriso acolhedor tinha o poder de conquistar até os casos mais difíceis. Ora, Jonah pensou, ela conquistara até mesmo Loren Sanders, um solteirão convicto e confirmado, num prazo de cinco segundos.

Delia enviou um sorriso de desculpas ao marido.

      Loren não tinha certeza se você estaria disposto a tirar Eric de mais esta enrascada. — Suspirou, exasperada. — E, para ser sincera, eu também não tinha. Desta vez ele realmente meteu-se numa encrenca.

Afastando-se da mãe, Jonah estendeu a mão para o padrasto.

— Não precisava esperar tanto para entrar em contato co­migo, Loren. Sabe que, para mim, a família sempre vem em primeiro lugar.

E fora assim desde que Jonah, um garotinho de dez anos duro e enraivecido, viu-se inesperadamente agraciado com um padrasto que lhe supria tanto as necessidades intelectuais como as emo­cionais. Loren acabara se tornando um amigo incondicional. E o amor profundo e duradouro que dedicava à Delia nos últimos vinte e cinco anos havia selado a eterna gratidão e apoio de Jonah.

      Você sempre foi um bom irmão para Eric — disse Loren. — Mas nossas operações na Europa o deixam tão ocupado que detestamos a ideia de incomodá-lo com isso. Além do mais, não percebemos o quanto a situação era séria, até recentemen­te. Só espero que não seja tarde demais.

Jonah atravessou a sala até as enormes janelas envidraçadas. O apartamento dos Sanders, num condomínio em Chicago, fornecia uma vista maravilhosa do Lago Michigan, uma vista que, sob circunstâncias normais, ele levaria algum tempo para apreciar.

Conte-me o que aconteceu — disse, virando-se de costas para as vidraças.

Eric apaixonou-se por uma mulher casada — Delia anun­ciou, sem rodeios. — Casada e mais velha que ele.

Jonah arqueou a sobrancelha. Não era a coisa mais esperta que Eric já fizera, mas tampouco a mais repreensível.

E...?

E ela trabalha para nós — Loren explicou. — Este... relacionamento está interferindo com o desempenho de ambos.

Juntos, quase perderam a conta de Dearfield.

Jonah praguejou baixinho. Devia ser sério, se Eric colocara esta mulher acima do cliente mais importante da empresa. O que diabos ele estaria pensando? Obviamente, o fato de estar dirigindo a filial de Nova York de nada servira para amadurecer seu meio-irmão.

Eu a conheço?

O nome dela é Nikki Ashton. Ela é...

Diretora de Projetos Especias. Sim, já ouvi falar nela. Mas não creio que a tenha visto pessoalmente. — Jonah massageou a nuca, obrigando-se a raciocinar, a despeito do cansaço. — Você a contratou logo depois que parti para Londres. Como é ela?

—      É uma mulher estonteante, uma daquelas ruivas de per­nas compridas.

—      Loren — Delia repreendeu —, sabe o quanto detesto quando você reduz as pessoas à aparência superficial.

Loren afagou o bigode grisalho e encolheu os ombros, arrependido.

—      Desculpe, querida. É difícil a gente se livrar de antigos hábitos.

—      Livre-se dela — Jonah recomendou, sem hesitar.

Loren limpou a garganta.

Receio que isso seja impossível.

Por quê?

Nossa empresa precisa dela. Primeiro, porque é brilhante — Loren admitiu. — E, segundo, porque acabou de ser indicada como candidata ao Prémio Lawrence J. Bauman. A cerimónia será daqui a seis semanas. O que iria parecer, se mandássemos embora alguém deste calibre?

Jonah estreitou os lábios. Infelizmente, o padrasto estava certo. Homens e mulheres de negócios indicados para o Prémio LJB eram os mais cobiçados, em todo país. E, se despedissem uma vencedora em potencial baseados num motivo fútil, isto poderia causar danos irreparáveis à reputação da Investimen­tos International.

Já falaram com Eric a respeito desta situação? — indagou.

Não — Delia admitiu. — Nos limitamos a esperar que tudo isso acabasse por si mesmo. Você conhece Eric. Ele troca de amor como quem troca de camisa.

—      Mas não desta vez.

Delia balançou a cabeça, lágrimas surgindo em seus olhos.

—      Ela deve ser uma mulher muito especial, para manter o interesse dele por tanto tempo.

Jonah tornou a virar-se para as janelas. Conhecia Eric o suficiente para suspeitar que qualidades seriam necessárias para ser tão "especial", a ponto de manter o interesse do meio irmão por um período de tempo prolongado. Se Nikki Ashton fosse um décimo tão inteligente quanto Loren proclamara, tam­bém percebera isso... e estaria utilizando todos os seus poderes para manter Eric "amarrado". Ele seria uma presa fácil para uma ruiva esperta e sensual.

E quanto ao marido? — Jonah perguntou, por sobre o ombro. — Ou será que o sr. Ashton não se incomoda que a sra. Ashton esteja tendo um caso com o patrão?

Nada sabemos a respeito dele, exceto que esteve fora do país neste último ano — Loren confessou. — Nem sei se o nome dele é mesmo Ashton. Ela casou-se mais ou menos na época em que começou a trabalhar conosco, mas manteve o nome de solteira. Chequei com o departamento de Pessoal, e Nikki nunca lhes forneceu maiores detalhes. Ele tampouco está incluído nos programas de seguro e benefícios da empresa. — Encolheu os ombros.

—      Receio que este seja um beco sem saída.

Um casamento moderno... Muito conveniente — Jonah observou, irónico. Virou-se para encará-los, cruzando os braços no peito. — Tudo bem, Loren. O que quer que eu faça?

Será que não poderia conversar com Eric? — Delia su­geriu, antes que o marido tivesse a chance de responder. — Ou falar com a sra. Ashton? Se o relacionamento deles está causando tantos problemas no escritório quanto Loren receia, talvez possamos transferir um ou outro.

Temos de ser cuidadosos, Delia — Loren retrucou, fran­zindo a testa. —Preciso de Eric em Nova York, neste momento.

Exceto por este incidente com a sra. Ashton, ele tem se mostrado imprescindível na empresa.

Tenho acompanhado os relatórios — Jonah comentou.

—      Tinha esperança de que Eric finalmente havia encontrado seu rumo.

—      Até esta última indiscrição, ele havia, sim. — Loren enviou um olhar preocupado ao enteado. — Também temos de agir com muito cuidado, quanto à Nikki. Ela sabe muito sobre a empresa.

Jonah estreitou os olhos.

—      Está insinuando que ela poderia nos causar algum dano sério?

—      Se for essa sua intenção... — Loren admitiu, com um ar infeliz.

—      Você não poderia ir a Nova York e descobrir o que está acontecendo? — Delia pediu, sinceramente preocupada. — Talvez estejamos exagerando.

Jonah balançou a cabeça.

—      Vou partir agora mesmo.

Mas deve estar exausto — ela protestou. — Acabou de chegar de Londres. Precisa dormir um pouco e...

Estou bem, mãe. E tampouco acredito em jet lag. — Um leve sorriso surgiu nos lábios de Jonah. — Além disso, quero chegar em Nova York antes que Eric fique sabendo que estou no país.

Cidade de Nova York, Nova York

—      O que quer dizer com "Eric não está"? — Jonah travava uma batalha perdida com sua irritação. — Onde diabos está ele?

A secretária de Eric encolheu-se na cadeira.

Sinto muito, sr. Alexander. Ele... viajou.

Viajou. — Jonah apoiou as mãos na escrivaninha. — Poderia ser mais específica, srta. Sherborne? Para onde ele foi? E quando deve retornar?

Ahn... Não tenho certeza dos detalhes. — A mulher pi­garreou. — Mas sei que fez uma reserva num vôo para Las Vegas, e deve voltar na segunda-feira.

Em Nevada? Mas que negócios ele teria lá? Não temos clientes e nem investimentos no estado de Nevada!

Era evidente que a secretária preferia estar em qualquer outro lugar que não fosse ali, congelada pelo olhar glacial de Jonah.

—      Talvez a secretária da sra. Ashton saiba de mais detalhes — sugeriu finalmente, encontrando alívio na ideia de passar o problema para outra pessoa. — O nome dela é Jan, e poderá encontrá-la na primeira sala do outro lado do corredor.

Jonah endireitou o corpo, um brilho furioso reluzindo nos olhos castanhos.

A secretária da sra. Ashton sabe dos movimentos de Eric mais do que você? Posso saber por quê?

Ah, não é isso... — a mulher balbuciou, alarmada. — Não é o que está pensando. Veja bem, é que a sra. Ashton também viajou para Nevada, e como o sr. Sanders não me disse onde ficaria hospedado, pensei que... talvez... os dois es­tariam juntos... — calou-se, com uma expressão infeliz.

Jonah afastou-se da escrivaninha.

—      Você pensou que, desde que se trata de uma viagem de negócios, a sra. Ashton e o sr. Sanders ficariam hospedados no mesmo hotel, e que Jan deve ter os detalhes. É isso? — disse, certificando-se de que a mulher percebesse o sinal de alerta em sua explicação. Uma única fofoca a respeito daquela viagem a dois e a carreira dela na Investimentos International teria um final abrupto.

Um brilho de compreensão surgiu nos olhos arregalados, e ela assentiu, suspirando.

— E isso mesmo. Foi exatamente isso que pensei.

Sem dizer mais nada, Jonah saiu da sala e cruzou o corredor. Jan provou ser uma secretária bem mais eficiente pois, embora não tivesse nenhuma informação sobre o paradeiro de Eric, sabia de todos os detalhes acerca da viagem de Nikki. Em poucos minutos, Jonah tinha em mãos uma cópia do intinerário dela e conseguira uma reserva no primeiro vôo para Las Vegas. Porém, decidiu que ainda havia uma tarefa essencial.

Ignorando Jan, abriu a porta do escritório de Nikki e entrou, fechando-a em seguida. A sala estava mergulhada na penum­bra, enquanto o sol de novembro dava lugar a um frio entar­decer. Não demoraria muito para que a hora do rush de sexta feira começasse, e Jonah sequer precisou olhar no relógio para saber que teria pouco tempo para chegar ao aeroporto de La Guardiã. Sua inspeção na sala de Nikki teria de ser rápida.

Ao olhar em volta, foi assaltado por um suave perfume floral, uma fragrância que jamais sentira antes. Só poderia pertencer a uma pessoa. Aspirou profundamente, sentindo como se pudesse guardar a essência de Nikki em seus pulmões. Não era o tipo de perfume que associaria a uma ruiva "fatal", pensou. Ao invés de cetim e rendas pretas, o perfume dela o fazia pensar num jardim de inverno repleto de flores frescas e raios de sol.

Balançou a cabeça, admirado. Mulher esperta, pensou. Qual­quer coisa mais pesada e abertamente sensual significaria um cliché, e Eric perceberia no mesmo instante. Aproximou-se da escrivaninha dela e acendeu um abajur, que iluminou os objetos no tampo de mogno. Várias pastas estavam empilhadas num dos cantos da mesa, em perfeita ordem, e havia uma foto emoldurada ao lado do abajur. Jonah pegou o porta-retratos, intrigado.

A foto de uma garotinha sorridente o surpreendeu. Jamais suspeitara que Nikki Ashton pudesse ter uma filha. Afinal, mulheres carreiristas determinadas a casar com o filho do pa­trão raramente vinham com uma prole. Observou a foto com atenção, imaginando que a menina, cujos traços delicados eram cercados por uma nuvem de cabelos vermelhos, não teria mais do que cinco ou seis anos. E estava nos braços de uma jovem mulher. Seria Nikki?, perguntou-se, curioso. Mas era impossível discernir o rosto da mãe, pois estava quase todo oculto sob os cabelos da criança. Somente os olhos, e também os cabelos, eram claramente visíveis: olhos muito azuis reluzindo de alegria, e cabelos ruivos, num tom um pouco mais escuro que os da menina.

Não era muito com que começar.

Recolocou a foto no lugar e olhou em volta, em busca de outros toques pessoais que pudessem lhe revelar mais sobre Nikki. Mas a mesa e, diabos, a sala inteira, era praticamente neutra e vazia, com uma decoração austera e uma ordem quase irritante. Seu olhar vagou até a janela, onde enfileiravam-se vários vasinhos de plantas quase mortas. Por algum motivo, aquelas plantas sugeriam um tipo de pista sobre a personali­dade de Nikki que ele foi incapaz de determinar, talvez devido à exaustão física e mental que sentia. Mais tarde. Pensaria nisso mais tarde, quando tivesse tempo.

Finalmente, Jonah deparou com a agenda de Nikki sobre a escrivaninha. Não hesitou em invadir sua privacidade e examinou rapidamente as páginas, até encontrar um envelope grosso, de bordas douradas. Retirando-o de dentro da agenda, verificou que estava vazio, exceto por um pequeno cartão retangular.

O Baile de Cinderela, dizia o cartão. Os Montague desejam-lhe alegria e sucesso em sua busca pela felicidade matrimonial. No canto de baixo, havia um endereço e a data do baile.

Era naquele mesmo dia.

Não demorou muito para que Jonah entendesse tudo. Nikki havia voado para Nevada a fim de comparecer a algum tipo de baile de casamento. Passou as mãos pelos cabelos, pensativo. Aquilo só poderia significar uma coisa: a sra. Ashton se livrara do marido desconhecido e estava disponível para casar. E Eric, sem dúvida, seria o noivo em perspectiva.

Jonah cerrou os dentes. Bem, nada disso aconteceria, se dependesse dele. Pois quando se deparasse com a linda e es­perta sra. Ashton, ela iria arrepender-se de algum dia ter pen­sado em interferir com sua família.

Iria certificar-se disso. Pessoalmente.

 

                   Baile de Cinderela dos Montague - Forever, Nevada

Nikki Ashton entrou no salão de baile esforçan­do-se para ocultar a apreensão sob uma ex­pressão tranquila. Não havia mais nenhuma dúvida: ela per­dera completamente o juízo.

Como pudera acreditar que o casamento fosse a solução para todos os seus problemas? E como podia entrar naquele salão repleto de estranhos e esperar encontrar um homem disposto a fazer o papel de seu marido pelos próximos meses? Era lou­cura. Insanidade.

E ela jamais sentira tanto medo, em toda sua vida.

Respirou fundo uma, duas, três vezes. Luzinhas ameaçado­ras dançavam diante de seus olhos.

      Olá! — uma voz feminina, num tom amigável, saudou-a. Nikki virou-se na direção da voz e deparou com uma mulher de aparência delicada, sentada ao seu lado.

Olá — respondeu, admirada por ter conseguido falar.

Não gostaria de sentar-se aqui por um instante? Temendo que, se não sentasse, poderia desabar ali mesmo, Nikki afundou na cadeira junto a uma das mesinhas que cir­cundavam o salão.

Obrigada — murmurou, deixando a bolsa na mesa.

Meu nome é Wynne Sommer — a mulher apresentou-se.

Nikki Ashton.

Os olhinhos brilhantes examinaram-na, sob uma cascata de cabelos loiros.

      Está nervosa? — Wynne indagou, com simpatia.

Pela primeira vez, no que lhe pareciam séculos, Nikki res­pondeu com a verdade:

Estou aterrorizada. — Cruzou as mãos, torcendo-as. — Não sei se conseguirei fazer isso.

Mas precisa, não é? Há pessoas que estão contando com você e esta é a única opção que lhe restou.

Nikki fitou-a, surpresa.

Como sabe disso?

Creio que reconheci um ligeiro ar de determinação em você, mesclado com desespero. — Wynne riu. — Comigo acon­tece a mesma coisa.

Você precisa casar?

Tenho dois filhos que estão contando comigo. Se não me casar, vou perdê-los.

Também tenho parentes contando comigo — Nikki des­cobriu-se confessando. — Só que estou tentando perdê-los.

Wynne assentiu, compreensiva.

      Alguns passarinhos não saem do ninho enquanto a mamãe está ali para alimentá-los.

Nikki sorriu, aliviada pela compreensão instantânea da mulher.

E mais ou menos isso. — Olhou em torno do salão repleto, feliz por estar respirando normalmente. — Faz tem­po que está aqui?

Cheguei há duas horas. Os Montague realmente têm uma casa linda. Você já os conheceu?

Logo que cheguei. Um casal adorável.

E com uma história tão romântica... Imagine ser apresentada a um completo estranho num baile, apaixonar-se perdidamente e casar na mesma noite. — Wynne suspirou. — E, cinquenta anos depois, eles ainda estão tão apaixonados um pelo outro como no primeiro dia.

Não tenho ilusões de que isso aconteça comigo — Nikki afirmou. — Isto é, acho uma ideia maravilhosa que os Montague organizem um baile a cada cinco anos, para que outros possam ter a mesma oportunidade que eles tiveram. Tenho certeza de que muitas pessoas encontram o verdadeiro amor, graças a eles. Mas isso não vai acontecer comigo, pois estou aqui por motivos práticos. Preciso me casar.

Eu também. Ainda assim... — Wynne descansou o rosto na mão. — Não sei por que não podemos ter as duas coisas. Pelo menos vou tentar. Você sabe que há também um Baile de Aniversário?

Um o quê?

Os Montague organizam um Baile de Aniversário de um ano, para todos aqueles que se casarem esta noite. — Ela suspirou. — Bem que eu gostaria de participar deste também.

Primeiro temos de casar — Nikki lembrou-a. Tornou a olhar os grupos de homens e mulheres que conversavam animadamente e lutou contra o ressurgimento de seu pânico ini­cial. — Nem sei por onde começar.

Wynne ofereceu-lhe um sorriso encorajador.

As primeiras conversas são as mais difíceis — disse. — Depois tudo fica mais fácil, acredite.

Já teve sorte de encontrar alguém? — Nikki perguntou hesitante, olhando para a amiga recém-descoberta.

Ah, já escolhi meu futuro marido. É aquele ali. — Wynne fez um gesto com a cabeça na direção de um homem alto e de aparência feroz, que conversava com uma morena empertigada.

      Bonitão, não acha?

Nikki estremeceu de leve.

Não sei, não...

Ora, não deixe que a aparência exterior a engane — Wynne falou, rindo. — Não seria um homem de verdade se não carregasse este tipo de armadura. E um lutador, está evi­dente. Você não precisa de um lutador?

Só sei que não pode ser do tipo que pressiona — Nikki respondeu, pensando em Eric.

Wynne estendeu a mão e tocou o braço de Nikki.

      O casamento é importante para você? — perguntou, séria. —       É a decisão mais importante que já tomou? Porque, se não for, é melhor você ir para casa.

Não posso — Nikki murmurou. — Não tenho nenhuma outra escolha.

Então concentre-se em seu objetivo. Olhe lá, aquele rapaz está sozinho. E a sua chance. Vá e se apresente a ele.

Nikki respirou fundo e levantou. Não poderia dizer como nem por que, mas conseguira recuperar o controle. Olhou para Wynne.

      Obrigada — disse. — Estou lhe devendo bem mais do que você imagina.

— Boa sorte. Sei que nós duas vamos precisar. Nikki assentiu com a cabeça, concordando, e encaminhou-se na direção do seu incerto futuro.

Jonah olhou novamente para o cartão que confiscara da agenda de Nikki Ashton e, depois, para o motorista do táxi.

Tem certeza de que é aqui mesmo? — indagou, em dúvida.

O Baile de Cinderela dos Montague, certo? — o motorista repetiu, num tom entediado. — Foi isso que o senhor me disse, e aqui estamos. Basta seguir todas estas pessoas. Contanto que permaneça na calçada, não tem perigo de se perder.

Jonah cerrou os dentes e jogou algumas notas no banco da frente, antes de sair do carro. Seguindo ou não pela calçada, seria impossível se perder, pois a maldita mansão era a única construção em quilómetros. Ficava no meio do deserto de Ne­vada, com a fachada toda iluminada parecendo algum tipo de bolo de noiva gigantesco. Ficou observando a ridícula arquite-tura do prédio por um instante, e depois encolheu os ombros. Que importância tinha aquilo? Se pudesse encontrar Nikki Ash­ton naquele lugar, não se incomodaria nem se tivesse sido construído para imitar uma tigela de morangos com creme.

Foi abrindo caminho por entre a multidão até a entrada da mansão, parando no vestíbulo de mármore branco para observar os arredores. Um imenso candelabro pendia do teto, com a lu­minosidade suave sendo aumentada por milhares de minúsculos prismas. Guirlandas verdes, enfeitadas com luzinhas e laços de cetim branco, decoravam os enormes pilares de mármore. O fluxo de pessoas continuava subindo e descendo as escadarias em forma de coração e, respirando fundo, Jonah seguiu em frente.

No topo da escada juntou-se à fila da recepção, que dava acesso ao salão de baile. Só então deu-se conta de que precisava' de um convite para entrar. Tocou a carteira no bolso, imagi­nando se aceitariam cartões de crédito. A fila movia-se rapi­damente e, em poucos minutos, chegou a sua vez.

Deparou-se, então, com uma das mulheres mais belas que já havia visto. Era alta, esguia, com os cabelos escuros puxados para trás. Segurava uma cesta repleta de cartões dourados, e recebeu-o com um largo sorriso.

—      Meu nome é Jonah Alexander — ele começou. — Mas, veja bem, estou com um pequeno problema...

Antes que ele pudesse completar a frase, a mulher focalizou toda sua atenção na pessoa seguinte da fila. Os lindos olhos cor de mel arregalaram-se, surpresos.

—      Olá, Ella — a voz de um homem ressoou atrás de Jonah.

O rosto dela empalideceu.

—      Rafe — ela murmurou, deixando cair a cesta no chão. Jonah abaixou-se rapidamente e colocou os cartões dourados que haviam se espalhado, de volta na cesta forrada de veludo branco. Com uma exclamção abafada, Ella ajoelhou-se ao lado dele, tentando ajudar.

—      Você está bem? — Jonah perguntou, baixinho.

Ah, sim, obrigada — ela respondeu, embora o tremor em suas mãos dissesse o contrário. Pegando o último cartão, le­vantou-se. — Obrigada pela ajuda.

Foi um prazer.

Jonah também se levantou e olhou direto para o homem a quem ela chamara de Rafe. Ele não se movera, parecendo estar plantado no solo. Os olhos frios encontraram os de Jonah, dando um aviso bem claro de que sua situação com Ella era de caráter estritamente pessoal. Ainda assim, Jonah não era do tipo que desistia de uma luta. Deu as costas para Rafe e fazendo bom uso de sua altura e porte atlético, a fim de assegurar sua posição na frente da mulher, indagou:

—      Há mais alguma coisa que eu possa fazer para ajudá-la? — Cruzou os braços e, a não ser que a garota lhe pedisse para se mover, nem mesmo um tanque de guerra o tiraria dali.

Um lampejo de nervosismo e desespero surgiu nos olhos de Ella.

—      Receio que não. Seja bem-vindo ao Baile da Cinderela. Esperamos que aproveite bem sua visita e lhe desejamos um... —A voz dela estremeceu, porém logo voltou ao normal. — Um futuro venturoso.

Por mais que quisesse ficar e ajudá-la a livrar-se de qualquer que fosse a ameaça representada por Rafe, Jonah não quis abusar da boa sorte. Afinal, conseguira entrada livre no baile e seria um tolo se não aproveitasse. Porém, ainda hesitou um pouco, como se fosse difícil livrar-se de velhos hábitos.

—      Tem certeza? — perguntou, em voz baixa. Rafe mexeu-se com impaciência, atrás dele.

—      Diga para ele ir andando, Ella. Você sabe que nosso assunto é particular.

Ella esboçou um sorriso de desculpas.

—      Rafe e eu somos... velhos amigos — disse. — Mas fico grata pela sua preocupação.

Jonah inclinou a cabeça. Depois de enviar a Rafe um último olhar de aviso, saiu da fila de recepção e praticamente mer­gulhou no salão de baile lotado. Apesar da urgência de sua missão, se Ella lhe tivesse pedido ajuda não teria hesitado nem por um instante. Não era do tipo que abandonasse uma mulher em perigo. Mas, desde que ela não lhe pedira nada... era hora de se dedicar aos negócios.

Tinha de encontrar Eric e Nikki antes que fosse tarde demais.

Porém, ao observar o salão repleto, deu-se conta da tarefa monumental a que se propusera. Encontrar o irmão seria quase impossível, pois Eric não possuía um tipo físico que se sobressaísse numa multidão. Jonah estreitou os olhos, decidindo concentrar-se nas mulheres niivas e, desta forma, talvez pudesse localizar Nikki Ashton. Sem dúvida, onde ela estivesse, Eric também estaria.

Sem querer desperdiçar mais tempo, fixou-se numa possível candidata e iniciou sua busca.

Jonah recostou-se na parede e ficou observando os dançarinos no salão. Diabos!, praguejou baixinho. Nos últimos noventa mi­nutos já se aproximara de pelo menos uma dúzia de ruivas, de todos os tamanhos e formas. E nenhuma delas era Nikki Ashton.

Sufocou um bocejo, lutando contra o extremo cansaço que ameaçava derrubá-lo. Precisava de mais café, pensou. Não. O que realmente precisava era de algumas horas de sono. Se sua missão não fosse tão urgente, daria a noite por encerrada e encontraria algum lugar onde pudesse desabar.

Mas era urgente e, cansado ou não, tinha de prosseguir.

Respirou fundo e preparou-se para seguir a próxima ruiva que se aproximasse, quando um perfume deliciosamente co­nhecido captou-lhe a atenção. Vinha de uma mulher que, a alguns passos de distância, estava de costas conversando com um sujeito baixinho e com um ar intelectual.

Jonah hesitou, observando-lhe os cabelos presos num coque jovial. Não eram avermelhados como os da jovem na foto, pen­sou, mas lembravam o tom de mogno polido, ou a cor de vívidos reflexos de um rubi.

Estava prestes a descartá-la como possível candidata a Nikki Ashton, mas naquele momento ela se virou, e o perfume tornou a atingi-lo em cheio. Se não era o mesmo perfume que ele sentira no escritório de Nikki, então era muito parecido. Ainda assim, foi o bastante para lhe despertar o instinto de caçador e, decidido a ir adiante, Jonah aproximou-se dela.

—      Ah, aqui está você — foi logo dizendo, interrompendo a conversa com um sorriso. — Desculpe pela demora.

A mulher virou-se abruptamente, os olhos batendo de frente com os dele. Havia cometido um erro, Jonah pensou no mesmo instante. Aquela não poderia ser Nikki Ashton. Não apenas a cor dos cabelos não era a mesma, mas também os olhos não combinavam com aqueles azuis da foto. Ao contrário, os dela possuíam um tom de azul-escuro e intenso, quase violeta. Es­colhera a mulher errada, novamente. Mas, desta vez, não se importou. Estava cansado, irritado, e precisando desesperada-mente de uma folga de, pelo menos, dez minutos. E pretendia passá-los em companhia de uma linda mulher.

Passou o braço em torno da cintura dela.

—      Você me prometeu a próxima valsa, lembra-se? — perguntou. Antes que ela tivesse a chance de protestar, inclinou-se na direção do baixinho. — Com licença — disse, sem o menor traço de desculpas, e levou-a para a pista de dança.

Para seu espanto, ela não disse sequer uma palavra e sim­plesmente aconchegou-se em seus braços, como se fosse um lugar a que sempre pertencera. Com o perfume suave envolvendo-o, Jonah fechou os olhos, entregando-se ao momento. Ela não fez menção de se afastar, permitindo que ele a puxasse mais para si, as curvas de seu corpo moldando-se ao corpo dele, como se ambos tivessem sido programados para aquele encaixe perfeito. Dançaram em silêncio por longos minutos, antes que a curiosidade o obrigasse a baixar os olhos para observá-la.

E, Deus, ela era linda! O rosto de traços perfeitos, a pele clara, sedosa, macia. Usava um conjunto cor de marfim, com o casaquinho bordado com minúsculas pérolas. Movia-se facil­mente, apesar da saia curta, e foi justamente a visão das lindas pernas que provocou em Jonah um impacto momentâneo, ao lembrar-se da descrição de Loren: E uma mulher deslumbrante, uma daquelas ruivas de pernas compridas. Ele franziu a testa, ainda observando sua companheira de dança com curiosidade. Se não tivesse visto a foto de Nikki, aquela mulher em seus braços combinaria perfeitamente com tal descrição.

Então, reparou na aliança de casamento enfeitando-lhe a mão esquerda, e engoliu em seco. Nikki também era casada.

—Creio que este é um bom momento para nos apresentarmos — sugeriu.

Ela enviou-lhe um olhar divertido.

—      Então quer dizer que não nos conhecemos, a despeito do que você disse a Morey?

A voz dela era profunda e tão sedosa quanto os cabelos, e o humor acrescentava um tom quase musical à pergunta.

Você me pegou — ele admitiu, sorrindo. — Mas é um erro que ficarei feliz em corrigir.

E imagino que isso também signifique que não lhe prometi esta, ou nenhuma outra dança? — Ela encarou-o, com o riso brincando nos olhos. — Prometi?

Aqueles olhos o deixavam intrigado, possuindo uma cor in­descritível, um misto de azul, violeta, índigo.

—      Você teria esquecido da promessa?

Ela balançou a cabeça, rindo baixinho.

—      Tenho uma leve suspeita de que você seria um homem difícil de esquecer.

Aquilo não foi dito como um flerte, mas sim num tom de simples constatação. Se não tivesse as suspeitas acerca da iden­tidade dela, Jonah teria ficado encantado com tal franqueza.

Meu nome é Joe Alexander — disse, usando a abreviação de seu nome.

Muito prazer. Nikki Ashton — ela respondeu.

Jonah precisou de cada grama de autocontrole para não reagir, para não arrastá-la para fora do salão e atirar-lhe acu­sações. A música parou naquele instante, mas os braços dele continuaram a enlaçá-la. Só esperava que Eric não estivesse nas proximidades, pois do contrário haveria confusão.

—      Mais uma dança.

Novamente ela enviou-lhe aquele olhar calmo, firme. . — Você não está pedindo, não é?

—      Não.

Ela hesitou, mas antes que pudesse retrucar, as luzes di­minuíram e a orquestra voltou a tocar. Era uma música lenta, romântica, escolhida para encorajar o contato físico e emocio­nal. Jonah cerrou os dentes e puxou-a mais para si, esforçan­do-se para se manter neutro, agora que sabia quem ela era. Porém, enquanto deslizavam pelo salão, seus corpos se roça­ram, e o dele estremeceu em resposta.

Ele não era o único a ser afetado, Jonah percebeu no instante seguinte. Um leve rubor coloriu as faces de Nikki, e a respiração acelerou-se. Ela não reagiria assim se estivesse apaixonada por outro homem, Jonah pensou, furioso. A não ser, é claro, que não estivesse realmente apaixonada.

Curioso para testar sua teoria, ele fez com que a mão escor­regasse através das costas de Nikki e, com um movimento suave, pressionou os quadris contra os dela. Então, deixou que seus passos ficassem mais lentos, como se a dança não passasse apenas de um pretexto para o abraço, uma carícia sutil. No breve espaço de alguns segundos, a sutileza deu lugar à sensualidade, a medida que os movimentos dela acompanhavam os seus.

Jonah estava praticamente fazendo amor com ela, ali mesmo no salão... e ela correspondia. Cada passo tornava-se parte de uma dança erótica, os seios dela colados em seu peito, os quadris e coxas moldados. Ela gemeu baixinho, quase um suspiro ofe­gante. Mas ele ouviu. E soube o que ela queria.

Também está sentindo, não é? — ele sussurrou.

Sim.

Tal admissão parecia ter sido arrancada de dentro dela. Como se surpreendida pelo próprio atrevimento, Nikki ergueu os olhos para ele, obscurecidos como o céu antes da tempestade.

Mas não se afastou, o que serviu para confirmar o que Jonah suspeitara. Se ela estivesse amando Eric, não corresponderia a ele daquela maneira.

Determinado a ter uma confirmação final, Jonah levou-a até um canto mais escuro do salão. Seus movimentos diminuíram até que o leve balançar fosse somente uma desculpa para conti­nuarem mantendo um contato mais íntimo possível. A atração que ela sentia por ele era inegável e impossível de ser ignorada. E tudo, nela, o atraía: os lábios cheios, os olhos azuis indescritíveis, os cabelos acobreados, o tom de voz baixo, profundo.

Uma parte dele lutava para manter-se distante e indiferente. Porém, por mais que se esforçasse para lembrar quem tinha nos braços, isso não bastava para diminuir a intensidade de suas reações. Jonah não sabia se estava sofrendo os efeitos do cansaço, ou se sucumbindo à intensa atração daquela mulher. Sabia apenas que era levado por um instinto nascido no sexo masculino da espécie humana milénios atrás, um instinto que o obrigava a abandonar quaisquer precauções e tomar para si o objeto de seu desejo, até pela força, se necessário.

Mergulhando os dedos por entre os cabelos dela, inclinou-lhe o rosto e beijou-a profundamente. Não preocupou-se com pre­liminares, simplesmente seguiu os instintos da maneira mais primitiva. Ela não ofereceu resistência e rendeu-se, numa doce entrega diante daquele ataque determinado. E tal capitulação, tão inesperada, levou-o quase ao limite de si mesmo.

Com um murmúrio incoerente, os lábios dela suavizaram-se, entreabriram-se, permitindo que Jonah aprofundasse o beijo. Suas línguas encontraram-se e ela estremeceu, abraçando-o como se dele dependesse sua vida. Se estivessem em qualquer outro lugar, Jonah não teria hesitado em tomar o que ela lhe oferecia com tanta paixão. Mas não podia permitir que aquele fogo intenso se expandisse, livre e solto.

Não aqui. Nem agora.

E foi este pensamento que o fez voltar à razão.

Com um murmúrio de arrependimento, ele afastou os lábios dos dela. Cometera um erro ao tocá-la, pensou, mas não pôde evitar que uma imagem de Nikki, nua numa cama, lhe surgisse na mente e quase destruísse seu autocontrole.

Devagar, ela abriu os olhos e, ao fitá-los, Jonah percebeu que estava completamente enfeitiçado. E se seu irmão os visse assim, saberia com que tipo de mulher pretendia casar. Esti­vesse ela interessada no dinheiro dos Sanders, ou apenas es­perando subir na carreira, seus motivos para casar com Eric nada tinham a ver com amor.

Jonah sentiu uma onda de raiva invadi-lo. A prova disso estava ali, presa em seus braços, evidenciada pelo desejo in­confundível refletido naquele par de olhos encantadores.

Mas onde diabos estava Eric?, indagou-se irritado. Por que não estava ali para testemunhar a duplicidade de sua futura noiva?

De alguma forma, a expressão dele traiu a violência de seus pensamentos. Com um leve murmúrio de arrependimento, Nik­ki tentou se soltar, mas Jonah abraçou-a com mais força. Ainda não, pensou. Não antes de decidir o que fazer com ela.

Calma — ele sussurrou, acariciando-lhe as costas. — Fique calma...

Joe, por favor...

Havia um tom de desespero na voz dela, e Jonah soube que se não agisse rapidamente ela iria entrar em pânico e fugir. Afrouxou o abraço, então, permitindo que ela respirasse, em­bora continuasse enlaçando-a.

Está tudo bem, Nikki. Apenas relaxe.

—      É mais fácil falar do que fazer. — Ela respirou fundo. —         Escute, isso foi um erro. Talvez...

         Talvez seja melhor conversarmos sobre amenidades, por alguns instantes — ele interrompeu. — Acha que pode ajudar?

Ela assentiu, aliviada.

Ótimo. Então, vejamos... — Jonah passou a ponta do dedo pelas pérolas que enfeitavam o casaquinho que ela usava.

         Você está linda esta noite. Está parecendo... uma noiva.

Usou aquela palavra de propósito, esperando levar a con­versa na direção de Eric e o casamento iminente. Mas, para sua surpresa, a tensão dela diminuiu.

E a dele aumentou.

Será que ela não se importava de quase ter feito amor com um completo estranho, enquanto o noivo a esperava em algum lugar nos arredores? Aparentemente não, ele concluiu, cerrando os dentes com raiva.

Nikki encolheu os ombros, atrevendo-se a encará-lo pela primeira vez em minutos.

E a ideia não é essa?

O quê? Ficar parecida com uma noiva, esta noite? — Jonah estreitou os olhos, pesando as implicações do comentário dela. Depois, tomou-lhe a mão esquerda e ergueu-a, fazendo com que a aliança de ouro reluzisse sob a fraca luminosidade.

—      Geralmente as noivas ainda não são casadas.

Desculpe — ela disse, com um risinho embaraçado. — Mas tenho usado esta aliança por tanto tempo que até me esqueci de que ainda estava em meu dedo.

Não acredito que seu marido tenha esquecido.

Não tenho marido algum. E por isso que estou aqui.

Para se casar.

Bem, é claro.

E onde está seu futuro marido?

Nikki endireitou o corpo e ofereceu-lhe um sorriso calmo, misterioso.

Não o encontrei. Ainda.

E quando ele aparecer?

Então vamos nos casar. — Ela franziu a testa de leve.

—      Não é assim que funciona?

—      Como diabos vou saber?

      Escute... — Ela umedeceu os lábios, ainda inchados pelos beijos dele.

Jonah reparou naquele gesto, sentindo a raiva crescer ainda mais. Ali estava ela, esperando pelo futuro marido enquanto o gosto de outro homem ainda permanecia em seus lábios. Que tipo de mulher era aquela? E como Eric se deixara enganar? Como se pressentisse que algo não estava certo, Nikki afas­tou-se dele completamente.

      Talvez seja o momento de nos conhecermos melhor — disse. Jonah deixou escapar um riso irónico.

      Acho que nos conhecemos bem demais, nos últimos minutos. Não concorda?

Ela percebeu o sarcasmo e cruzou os braços, defensiva.

Eu quis dizer que... Importa-se se eu lhe fizer algumas perguntas?

— Sobre o que?

      Sobre você.

Jonah encarou-a, desconfiado.

O que quer saber? Ela deu de ombros.

Podemos começar com as coisas básicas. Você veio de onde?

Moro em Chicago, mas estive no exterior por algum tempo. Ela mostrou-se interessada.

Quer dizer que morou no exterior... — Esboçou um largo sorriso. — Isso é perfeito. E vai ficar no país, ou pretende...?

Ainda não tenho planos definidos — ele respondeu, impaciente. — Preciso resolver uns problemas por aqui, talvez por uma ou duas semanas.

O desapontamento substituiu a animação no rosto dela.

      Ah, que pena... E não há nenhuma possibilidade de você mudar seus planos?

O que diabos estava acontecendo?, Jonah pensou, indignado. Será que ela planejava algum tipo de rendezvous para o futuro? Olhou-a, frustrado, sabendo que não poderia perguntar nada sem se comprometer. Mas, e quanto a Eric?

      O que você quer? — indagou. Ela enrijeceu.

Nada que se adapte aos seus pianos, infelizmente — Nikki respondeu, retraindo-se com uma remota frieza.

E como pode saber disso?

Ela deu um passo para trás, distanciando-se mais dele. Jo­nah franziu a testa, ciente de que o arroubo de antes dissipa­va-se a cada segundo. E não fazia a menor ideia de como re­cuperar o clima anterior.

      Trabalho em Nova York — ela explicou. — Se você estivesse disposto a se mudar para lá, talvez pudéssemos acertar alguma coisa. Mas...

Acertar alguma coisa? Quase cego de raiva, Jonah pegou-a pelo braço e puxou-a.

      Escute aqui, garota, vou perguntar pela última vez: o que você está querendo?

Nikki arregalou os olhos, assustada.

      Eu estava querendo saber se você se mudaria para Nova York. Mas, agora, só quero que solte meu braço.

Jonah soltou-a devagar e afastou-se. Aquilo devia ser efei­to da exaustão, pois não haveria outra desculpa para seu comportamento.

Sinto muito — murmurou, passando a mão pelos cabelos. — Não pretendia machucá-la.

Esqueça — ela retrucou. — Agora, se me der licença, preciso encontrar meu futuro marido.

E, com isso, ela girou nos calcanhares e se afastou.

 

Nikki voltou para o salão, determinada ficar o mais longe possível de Joe Alexander. Nunca, em toda sua vida, perdera o controle daquela maneira. Parou por um instante e respirou fundo, tentando acalmar-se. O que estava acontecendo? Controle era tudo, para ela.

E o perdera no instante em que Joe a tocara. Perdera? Hah! Desistira dele sem esboçar sequer uma reação!

Balançou a cabeça. Como podia ser tão tola? Desde a morte de seus pais, tomara para si o encargo de cuidar de uma va­riedade de parentes: Krista e Keli, tio Ernie e tia Selma, os primos... E, constantemente, todos eles a procuravam com seus problemas. Com uma tranquilidade fria e lógica, ela sempre fora capaz de resolver cada um que aparecesse. Mesmo quando sua situação no trabalho se tornara problemática, havia en­contrado uma solução sem pedir ajuda de ninguém.

E orgulhava-se disso. Orgulhava-se do fato de que, por pior que fosse a circunstância, jamais se tornava emocional, nunca falhara em optar por um determinado curso de ação e nunca, jamais, perdera o controle.

Até aquela noite.

Arriscou um rápido olhar por sobre o ombro. Joe continuava onde o deixara: afastado da multidão, com os braços cruzados no peito. E a observava com uma expressão intensa, sombria.

Ela olhou para o outro lado, abalada. O que acabara de acontecer? Num minuto fora beijada com loucura e paixão e, no seguinte, ele a tratara como se fosse um ser desprezível. Não fazia o menor sentido.

Cerrou os punhos, num misto de nervosismo e determinação.

Mais do que tudo, queria esquecê-lo e concentrar-se no seu objetivo. Mas não podia. Joe era fascinante demais. Desde o instante em que ele se intometera em sua conversa com Morey, ela havia ficado enfeitiçada, atirando-se nos braços dele como se tivesse esperado a vida inteira por isso.

Seriam aqueles olhos?, perguntou-se. Possuíam um estranho tom de dourado, lançando faíscas esverdeadas num momento, tornando-se obscuros e misteriosos no outro. Ou talvez fosse por causa da inteligência vívida que ela captara no modo como ele a fitava, a compreensão instintiva de que ele havia aberto sozinho seu caminho através da vida. Mas, fosse o que fosse, acendera nela uma chama instantânea.

—      Com licença — disse um rapaz, tocando-lhe o ombro. — Gostaria de dançar?

Incapaz de inventar um pretexto para a recusa, Nikki aceitou, relutante. Poderia lamentar-se mais tarde, mas não agora, quando tinha problemas mais graves para resolver. Já estava ficando tarde, e ainda não encontrara um marido adequado. Infelizmente, Joe Alexander conseguira destruir o pouco de entusiasmo que ela reunira para completar sua tarefa. E desconfiava que seria um desafio encontrar alguém capaz de concorrer com ele.

Olhou para seu parceiro de dança e esforçou-se para de­monstrar algum interesse. Era um rapaz atraente, com uma beleza quase clássica. O rosto dele era normal... sem qualquer traço que a deixasse intrigada. Os lábios eram bonitos, bem feitos, mas não sensuais e capazes de roubar beijos devasta­dores das mulheres desavisadas. Era perfeito.

E entediante.

Nikki suspirou. Precisava parar com isso! Não podia ficar comparando todos os homens a Joe. Porém, ele fora capaz de eclipsar todos os que ela havia conhecido naquela noite, in­cluindo o belo rapaz com quem dançava agora.

O que teria acontecido, para tudo dar errado?

—      Meu nome é Dan Forsythe — seu pareceiro finalmente anunciou.

Ela interrompeu sua análise e respondeu:

—      Nikki Ashton. — Será que dissera alguma coisa que o aborrecera?

E um prazer conhecê-la. Alguma coisa que fizera?

Ahn... a música está acabando.

Alguma coisa que não dissera ou fizera?

—      Você... gostaria de conversar um pouco? Nikki? — Dan parou no meio do salão. — Srta. Ashton?

Ela piscou.

—      A música acabou.

O rapaz observou-a, intrigado.

—      Sim, e por isso pensei que pudéssemos conversar um pouco, nos conhecer melhor.

Nikki exalou um suspiro disfarçado, enquanto saíam da pista de dança. Que diferença da maneira quase agressiva com que Joe se aproximara... Mas, também, se Dan a empurrasse para um canto escuro e se atrevesse a beijá-la, provavelmente ela o esbofetearia.

O que você está procurando, numa esposa? — Nikki per­guntou, decidindo ir direto ao ponto.

Filhos — ele respondeu, com os olhos reluzindo de en­tusiasmo. — Você gosta de crianças?

Receio que ainda não esteja preparada para ter filhos — ela confessou, com delicadeza. — Pelo menos por enquanto.

Ah...

A atenção de Dan focalizara-se em algum ponto atrás dela, e mesmo enquanto Nikki falava, ele continuava olhando na­quela direção. Ela conteve o impulso de virar-se, e logo ima­ginou que ele descobrira alguém mais interessante. Pigarreou, para recuperar a atenção dele.

Sabe, o problema é que eu tenho uma carreira — acrescentou.

Quer dizer que filhos estão fora de questão.

Nikki hesitou. Esqueça Joe!, obrigou-se. Concentre-se no que tem agora! Sempre soubera que algumas concessões seriam necessárias para atingir seu objetivo. Seu problema com Dan assemelhava-se com muitos que tinha de enfrentar no trabalho: duas pessoas com ambições parecidas, mas com diferentes ne­cessidades e objetivos. Só precisaria encontrar uma solução que satisfizesse a ambas as partes.

Não diria que estão completamente fora de questão — falou.

Ainda assim, não está interessada em tê-los. — Dan continuava olhando para trás dela, enquanto falava. — Está?

Se não dissesse alguma coisa bem depressa, ela iria perdê-lo.

—      Talvez possamos fazer um acordo — Nikki apressou-se em sugerir. — Se estiver disposto a esperar um pouco antes de ter filhos...

Não, esqueça. Eu... acho que não somos compatíveis. Mas foi um prazer conhecê-la.

No instante seguinte, ele desaparecia por entre a multidão.

Nikki franziu a testa. Aquilo era muito estranho. Por que Dan ficara olhando tanto atrás dela? Era como se... Ela es­treitou os olhos, desconfiada. Ele agira como se estivesse sendo intimidado por alguma coisa, ou por... alguém.

Girou o corpo rapidamente e não ficou nem um pouco sur­presa ao deparar com Joe parado ali perto. Segurava uma taça de champanhe e ergueu-a para ela, num brinde silencioso. Ora, mas era muita coragem daquele...

Será que já não se contentara em permitir que ela acredi­tasse que estava interessado nela, quando não estava? Por que agora assustava os outros, que poderiam ser mais sinceros?

Pegando pelo braço o primeiro homem que passou desacom­panhado, Nikki esboçou um sorriso convidativo.

— Gostaria de dançar comigo?

Para seu alívio, ele não recusou. Porém, os dez minutos se­guintes mostraram-se os mais terríveis de sua vida. Não demorou muito para descobrir que o "machão" com quem estava dançando procurava uma esposa cujas qualificações assemelhavam-se às de uma empregada doméstica. E, pior, dançava em círculos, de forma que a todo instante ela se via face a face com Joe.

Assim que a música parou Nikki desculpou-se e saiu da pista, determinada a encontrar um melhor lugar para a "pes­quisa". Um lugar onde Joe não estivesse por perto. Mas isso de nada adiantou pois, na meia hora seguinte, sua situação progrediu de ruim para pior.

Não importava com quem conversasse, ou para onde fosse... lá estava Joe. Por várias vezes ele chegou ao cúmulo de apro-ximar-se para ouvir a conversa, deixando-a tão nervosa a ponto de não conseguir falar com coerência.

Finalmente, ela não pôde mais aguentar. Determinada a dar um basta naquele assédio constante, despediu-se de seu ultimo desastre e foi confrontá-lo. Desta vez não perderia o controle, disse a si mesma, e comandaria a conversa. E, não importava o que acontecesse, não iria permitir que ele a tocasse.

Joe saudou-a com um sorriso preguiçoso.

Está se divertindo?

Não estou, não — ela respondeu. — E por culpa sua. Por que não me deixa em paz? O que quer de mim?

De você? Nada!

Então por que fica me seguindo?

Curiosidade.

Curiosidade? — Nikki piscou, surpresa. — Mas, por quê? Já teve sua chance comigo, mas estragou tudo. Por que não desaparece, agora, e me deixa procurar um marido?

Ele endireitou o corpo, fitando-a com atenção.

E isso que está fazendo? — perguntou. — Procurando um marido?

Bem, estou tentando! Mas você está dificultando as coisas, ficando sempre à minha volta.

Nikki pôde perceber que Joe analisava suas respostas, como se tentasge montar um quebra-cabeça complicado. Ele franziu a testa, um gesto que ela começava a reconhecer.

Diga-me uma coisa... — Joe encarou-a, irritado. — Você vai ou não encontrar-se com seu futuro marido?

Ora, é claro que sim — ela respondeu. — Isso se você parar de interferir.

E quando irá encontrá-lo?

—      Como posso saber? — Nikki retrucou, exasperada. — Não tenho uma bola de cristal!

Ele ficou pensativo.

—      Estou um pouco confuso. Tive a impressão de que você estava esperando uma pessoa específica.

Ela pousou as mãos na cintura.

—      E estou mesmo. Há algumas qualidades específicas que exijo e, para sua informação, você não preenche nenhuma delas. — A honestidade obrigou-a a corrigir-se: — Bem, talvez preencha uma ou duas, mas não as mais importantes.

Um lampejo surgiu nos olhos dele.

Talvez devêssemos discutir estas poucas possibilidades.

Esqueça — ela resmungou.

Jonah chegou a uma conclusão: ainda não sabia se ela estava ou não esperando por Eric. Infelizmente, por mais que prefe­risse uma abordagem direta, não poderia questioná-la sem le­vantar suspeitas. Mas precisava de respostas e, de uma forma ou de outra, ela iria acabar fornecendo-as.

—      Não chegaremos a lugar algum se continuarmos discutindo assim — disse. — Precisamos conversar. Que tal uma trégua?

Ela hesitou.

Não sei... Está ficando tarde e não posso me dar ao luxo de perder esta oportunidade. Se não nos acertarmos, estarei perdendo muito tempo.

Prometo não demorar. — Jonah enlaçou-lhe os ombros.

Por que não vamos lá fora?

Sem lhe dar a chance de pensar numa recusa, abriu as janelas duplas que davam para o jardim e guiou-a para fora. Um ar fresco invadiu-os, mas não estava frio. O jardim arbo­rizado estendia-se além da varanda, dando um toque incon­gruente ao deserto de Nevada. Sob a luz do luar, era possível avistar alguns bancos de madeira ocultos entre a vegetação. Poucos estavam ocupados, mas Jonah queria assegurar-se da privacidade e levou-a até mais adiante.

Num recanto mais afastado do jardim, aproximaram-se de uma mesa sob uma árvore frondosa, enfeitada com minúsculas luzinhas. Um casal acabava de deixar o lugar e o homem, depois de guardar um papel no bolso do paletó, passou o braço possessivamente em torno da cintura da mulher. Ela espiou através dos espessos cabelos loiros e enviou um sorriso a Nikki, reconhecendo-a.

Boa sorte — cochichou, antes de ser levada na direção da mansão.

Amiga sua? — Jonah perguntou, curioso.

Nos conhecemos aqui mesmo, quando cheguei — Nikki explicou. — Eu estava um pouco nervosa, e ela conversou comigo.

—      E por que estava nervosa? Nikki encolheu os ombros.

Bem, é um grande passo, não acha? Creio que eu estava em dúvida sobre se deveria ou não ir adiante com este tipo de casamento.

Este tipo de casamento? O que ela estaria querendo dizer com isso? Jonah sentou ao lado dela no banco, decidido a obter as respostas que precisava, sem importar-se mais com as conseqüências.

Esta é uma festa bastante incomum — começou, cauteloso.

Antes de ler a reportagem, eu nunca soube de nada a e respeito — ela concordou. — Imagine só, organizar um para Pessoas que querem casar.

Então ele não se enganara ao ler o cartão que encontrara na agenda dela. Aquele era mesmo um baile de casamento. Ainda assim, desconfiava que não sabia de tudo. Por exemplo... onde estava Eric?

E foi desta forma que tomou conhecimento do baile? Atra­vés de uma reportagem?

Sim, no jornal. — O sorriso dela iluminou-se, na escuridão.

—      Minha irmã leu primeiro e me mostrou. Ela achou a ideia muito divertida.

—      Mas você não.

O sorriso dela desapareceu.

Não — admitiu. — Para mim, foi como se encontrasse a solução perfeita.

Solução para quê?

Apesar de inocente, a pergunta deixou-a visivelmente perturbada.

E... uma longa história — ela disse, torcendo as mãos.

Tenho todo tempo do mundo — Jonah retrucou, determinado a descobrir o que estava acontecendo, nem que levasse a noite inteira. — Se falar sobre o assunto, talvez eu possa ajudar.

Nikki hesitou, e -ele percebeu que estava pesando os prós e contras da resposta.

Bem, imagino que, considerando-se tudo, é melhor eu ser completamente honesta...

Da maneira como fala, parece que não é sempre que pensa assim.

Ela virou-se, encarando-o com firmeza e desaprovação.

Em circunstâncias normais, acredito na honestidade acima de tudo — afirmou, num tom frio.

Mas, qualquer que seja sua história... há uma mentira envolvida — Jonah retrucou. Não tentou tranquilizá-la, e nem podia. Não quando ela havia mentido sobre alguma coisa que poderia afetar Eric.

Nikki não hesitou mais.

Sim — admitiu. — Há uma mentira.

Então me conte.

Jonah suportou mais um momento de silêncio, enquanto ela reunia seus pensamentos. Mesmo no pouco tempo em que a conhecia, havia reparado numa qualidade: seu controle e pre­cisão, o cuidado que tomava antes de falar. Era evidente que se tratava de uma pessoa segura do que fazia.

Foi tudo por minha culpa — ela começou, em voz baixa. —       Eu nunca deveria ter mentido a respeito de ser casada. De todas as possíveis confissões que Jonah esperava ouvir, aquela nem chegava perto da lista.

—      O que foi que disse?

Nikki estendeu a mão, fazendo reluzir a aliança.

—      Você me perguntou sobre isto. O que eu não lhe disse é que... trata-se apenas de um enfeite. Não sou casada. — Deixou escapar um risinho. — Bem, e nem estaria aqui, se fosse, não é?

Jonah não sabia o que responder.

—      Então, por que fingiu ser?

A empresa onde trabalho prefere executivas casadas. Quem havia lhe dito uma coisa destas?

Então você decidiu agradá-los?

Sim, de início cheguei a pensar nisso, mas não seriamente. Ou, pelo menos até que...

Sim?

Há um homem com quem trabalho. É muito gentil e... jovem.

—      E ele está interessado num relacionamento pessoal com você? Isso seria possível? Será que Loren e Delia haviam entendido mal a situação? Ou Nikki Ashton não passava de uma grande mentirosa?

—      Ele está mais do que interessado.

Ainda não estou compreendendo. Você fingiu ser casada por ser incapaz de lhe dizer um "não"? Creio que foi um tanto extremada.

Não, quando este homem é o meu patrão.

Jonah levantou-se. A maneira como ela falara, com uma inocência evidente, convenceu-o de que dissera a verdade. Que diabos, Eric! Veja só o que você provocou!

—      Por que está aqui, hoje? — indagou.

Nikki inclinou a cabeça para o lado, e um raio prateado de luar acariciou a pálida beleza de seu rosto. Sua expressão era calma e serena.

Estou aqui pelo mesmo motivo que você: preciso encontrar alguém compatível o bastante para me casar.

E não podia fazer isso em Nova York?

Provavelmente, mas todo processo de se conhecer alguém, até chegar ao casamento, é muito demorado. Vindo ao Baile da Cinderela posso conhecer uma pessoa, casar-me ainda esta noite e voltar para casa amanhã de manhã. E o problema está resolvido.

Jonah achou que entendera errado. O que, depois de quase trinta horas sem dormir, era uma possibilidade concreta. Es­treitou os lábios, pensativo. Seria melhor que tivesse entendido errado, pois não gostava nem um pouco daquilo.

—      As pessoas estão nesta festa... por este motivo? Para casarem-se com completos estranhos? Encontram-se, escolhem alguém ao acaso e se casam... tudo numa só noite?

É claro — ela respondeu, surpresa.

É claro — ele repetiu, percebendo que ela falava a sério. Muito sério. — Bem, se isso é verdade, creio que este pessoal todo está precisando urgentemente de um exame psiquiátrico.

Nikki arqueou as sobrancelhas, em dúvida.

—      Agora sou eu que não estou entendendo. Você não veio ao baile para se casar?

Jonah não tinha a menor intenção de responder aquela pergunta.

Vamos nos focalizar em você, por enquanto — sugeriu. — Podemos discutir minha situação mais tarde. — Sem lhe dar tempo para retrucar, prosseguiu: — Você quer se casar porque seu patrão recusa-se a aceitar um "não" como resposta. É isso?

Há também um motivo mais pessoal.

Qual?

Ela baixou os olhos.

—      Como disse... é particular.

Jonah fez um esforço para ocultar a impaciência.

—      Então, por causa deste motivo particular, e porque não consegue lidar com seu patrão de qualquer outra forma, você vai se casar com um estranho.

Nikki ergueu a cabeça, tornando a encará-lo.

—      Sei que parece loucura. Mas, como vê, todo mundo já pensa que sou casada.

Ele cruzou os braços no peito e comentou, com uma ponta de sarcasmo:

E por isso você vai transformar esta ficção em realidade. E... faz muito sentido.

Não tenho outra escolha — ela retrucou, ofendida. — Não estou interessada em ter um marido, nunca estive. — Recostou-se no banco, a voz adquirindo um tom doloroso. — Pelo menos não por algo tão ilusório quanto o amor.

Jonah fez uma pausa, antes de tornar a falar:

Se é assim que se sente, por que ir adiante com este plano maluco?

Porque é a solução ideal.

Talvez não.

Ela voltou a inflamar-se.

—      Escute, não pense que entrei nisso levada por um impulso de momento — disse. — Pensei muito antes de tomar a decisão.

Além de precisar resolver um problema pessoal, tenho um pa­trão que acha que está apaixonado por mim. Jonah encarou-a com frieza.

E ele está mesmo?

Não. No devido tempo ele acabará percebendo isso. Mas, até lá, preciso da proteção de um marido de verdade.

E como este marido iria protegê-la de... — Diabos, quase estragava tudo! — Como é mesmo o nome dele?

Eric — ela respondeu, com um suspiro profundo. — Não será nada fácil. Preciso de alguém sofisticado, maduro. Alguém capaz de intimidá-lo. Parte do problema é que eu disse a todo mundo que meu marido esteve fora do país durante este último ano. Infelizmente, Eric pensa que meu casamento está pas­sando por dificuldades.

Então você precisa de um homem que acabe com tais dúvidas — Jonah falou, devagar. — Com o aparecimento do marido verdadeiro, alguém que banque o cônjuge apaixonado, Eric irá perceber que não há possibilidade de um relaciona­mento futuro e pode superar a paixão.

Exatamente.

E onde está o problema? Se você já decidiu ir adiante com esta ideia maluca, então por que ainda não se casou?

Ela riu, sem nenhuma graça.

O problema é que ainda não encontrei ninguém que se adapte às minhas exigências. Ou são homens gentis e bonzinhos demais, a quem Eric faria em pedaços na primeira oportunidade, ou são do tipo independente, cada um com suas próprias exigências. E tais exigências não incluem mudarem-se para Nova York pelo período de duração do casamento.

Não acredito que não haja ninguém...

Não? E quanto a você? — Nikki inclinou-se para a frente, sem afastar os olhos dos dele. — Posso lhe oferecer uma casa, um carro e um salário modesto. Nem precisamos fazer um acordo permanente. Conheci um homem, há pouco, que procurava uma esposa temporária. Se você preferir, estou disposta a concordar com um casamento de curto prazo. Posso alugá-lo para ser meu marido por um período que seja conveniente a nós dois, sob os termos que você considerar justos, contanto que meu problema com Eric esteja resolvido na época em que obtivermos uma anulação.

Isso tudo não é um tanto exagerado? Você não pode... — Jonah calou-se, quando uma ideia súbita lhe ocorreu. — Este Eric... ele está- assediando você? Ele disse, ou fez, al­guma coisa... imprópria?

—      Não, nada disso — Nikki apressou-se em responder. — Ele é... gentil. E muito protetor.

Jonah riu um pouco.

Ah, sim. Entendo que isso possa ser um problema.

Pois não acho nada engraçado! Ele nunca me tocou, pelo menos não de maneira ofensiva, mas sei como se sente. Não estou imaginando tudo isso!

Jonah ergueu as mãos.

—      Tudo bem, eu acredito. Mas me diga uma coisa: como sabe que é pessoal? Não é possível que você tenha confundido uma atenção amigável com algo mais sério?

Ela balançou a cabeça.

—      Gostaria que fosse assim, mas não é.

Convença-me. Ela encarou-o.   -

Não sei por que deveria.

—      É você quem está desesperada por um marido. Convença-me de que realmente precisa de um.

Nikki permaneceu num silêncio pensativo por alguns ins­tantes. Depois, inclinou a cabeça para o lado.

Pois muito bem. Você é capaz de perceber quando uma mulher está atraída por você?

Às vezes — ele admitiu. — Se ela for muito óbvia.

Bem, Eric tem sido muito óbvio. Desde o início ele tem dado sinais de interesse.

E o que você fez?

Eu... eu informei-o de que não compartilhava de seus sen­timentos e que misturar negócios e prazer era sempre um erro. Mas nem é necessário dizer que ele achou que poderia me convencer do contrário, e foi aí que cometi meu primeiro engano.

Você mentiu.

Sim. Eu disse a ele que estava noiva. Depois disso, Eric continuou... esperançoso. Creio que imaginou ser capaz de me fazer mudar de ideia. Assim, já em desespero, numa segunda-feira eu apareci no escritório usando a aliança de casamento.

Seu segundo erro — Jonah intercedeu, friamente. — A aliança não serviu para refreá-lo? — A não ser que seu irmão tivesse mudado de personalidade, ele sabia que a resposta seria afirmativa.

—      Serviu, sim. Ele acabou aceitando a ideia de que um relacionamento comigo não daria certo.

—      Mas algo aconteceu, não é? Nikki assentiu, devagar.

Foi num jantar da empresa. Tive de ir sozinha, e expliquei que meu marido estava fora do país. Eric começou a insistir novamente, chegando até a fazer brincadeiras a respeito da ausência prolongada do meu marido. Mas, conforme o tempo foi passando, e eu nunca ia aos eventos da empresa acompanhada de um marido, a atitude de Eric mudou. — Nikki hesitou um pouco, como se buscasse a descrição exata. — Ele ficou indignado com a minha situação e, mais tarde, até furioso. Creio que a raiva deu lugar à suspeita, quando percebeu que eu não me importava muito por estar sozinha, entende? Ele pressente que estou escondendo alguma coisa, e acho que ima­gina que meu casamento está condenado.

Mas isso não quer dizer que...

Há mais uma coisa — ela interrompeu. — Ele me faz confidências, embora eu nada tenha feito para encorajá-lo.

Jonah ficou tenso.

Sobre o que ele fala?

Sobre a família. Principalmente do irmão mais velho. Costuma dizer o quanto admira e tenta equiparar-se a Jonah, como é difícil viver à sombra de uma lenda.

Pois me parece que ele a encara mais como uma conse­lheira maternal do que uma amante em potencial.

Eu bem que gostaria que fosse só isso. Mas quando estou perto dele, percebo o esforço que faz para se controlar. E quando ele me olha... — Nikki balançou a cabeça. — Não consigo explicar, apenas sei que uma mulher é capaz de pressentir estas coisas.

Jonah achou que já ouvira o bastante.

Então você acha que o casamento é a única solução.

Não gosto da ideia, mas não tenho escolha. Preciso encontrar uma forma de corrigir esta situação antes que fique totalmente descontrolada. E isso está começando a afetar nosso trabalho, ambos estamos cometendo erros e, mais cedo ou mais tarde, alguém irá perceber. Não posso me arriscar a perder este emprego, é importante demais para mim. — Ela levantou e aproximou-se dele. — Joe, por favor, me ajude. Você... não se casaria comigo?

Mesmo sabendo o quanto deveria ter-lhe custado aquele pe­dido, ele não mudou a resposta:

Não.

Por que não? — ela insistiu, em desespero. — O que você quer?

O que eu quero não é importante, neste momento. Escute, Nikki, você tem duas escolhas. Pode prosseguir com este plano ridículo de casamento, ou pode fazer a coisa certa.

E qual é a coisa certa?

Contar toda verdade a Eric. Diga-lhe que fingiu ser casada porque não queria envolvimentos românticos no trabalho. Diga-lhe que não está interessada em nada que não sejam os negócios e que ele precisa deixá-la em paz. Peça uma transferência para outra cidade.

Ela virou de costas, cruzando os braços como se quisesse se proteger.

Não posso.

Por quê?

Pensa que tudo é assim tão fácil? — A voz dela elevou-se, traindo os sentimentos mantidos sob rígido controle. — Acha que posso aparecer no escritório, fazer esta grande proclamação e... daí?

Daí você fica livre dele.

Não, nada disso. Antes do fim do dia todos no escritório estarão sabendo que menti a respeito do casamento por não saber como lidar com a situação junto ao meu patrão. No dia seguinte, todos os meus clientes já terão ouvido a história e, no outro dia, nossos concorrentes. Isso causaria um dano irremediável à minha reputação, à reputação de Eric, à credibilidade da empresa. Seríamos motivo de piadas. Não, obrigada. Qualquer coisa é pre­ferível a esta humilhação, inclusive o casamento.

A atitude dela em relação ao casamento o incomodava. E muito. Se ao menos tivesse tempo de pensar sobre o assunto, talvez pudesse lhe fornecer uma solução mais raozável. Porém, desde que não podia dar-se a este luxo...

Tudo bem — disse, segurando-a de leve pelo braço e puxando-a para perto de si. — Vamos lá.

Para onde?

Achar-lhe um marido. Já que está tão decidida a comprar um, então vou ajudá-la a escolher.

Nikki resistiu à pressão em seu braço.

Eu não entendo. Por que está fazendo isso?

Digamos que eu tenha uma estranha atração por casos complicados.

Mas... e quanto a você? — ela protestou. — Está ficando tarde. Não está preocupado em perder a chance de encontrar uma esposa?

Pode acreditar: encontrar uma esposa é a menor das minhas preocupações.

A menor e a última, ele pensou. Parou no meio do caminho e virou-se para ela.

—      O que foi, Nikki? Já está querendo mudar de ideia? Uma hesitação momentânea perpassou o rosto dela, mas foi logo mascarada pela determinação férrea.

Não, não vou mudar de ideia.

Então, vamos.

A meia hora seguinte serviu para provar que Nikki estava certa. Ninguém, de todos os que se aproximaram, parecia ade­quar-se às suas necessidades. E uma grade parte deles Jonah descartou, julgando-os muito fracos. Nikki tinha razão: Eric jamais os encararia como obstáculos sérios e, na verdade, até consideraria estar fazendo um favor a ela.

Há um sujeito, ali adiante, com quem ainda não falamos — disse Jonah, sem muito entusiasmo. O homem em questão era velho demais, gordo demais e com uma expressão desesperada demais. Eric o faria em picadinhos, sem dúvida, mas o prazo estava se esgotando.

Não, esse não — ela recusou, com um estremecimento. — O que acha de... — Interrompeu-se, empalidecendo. — Ali, não!

O que foi? Algo errado?

Nikki girou o corpo, praticamente atirando-se nos braços dele.

—      Me abrace! Rápido!

Jonah enlaçou-a, num gesto quase automático de obediência, e apertou-a contra si. Deslizou a mão pelas costas de Nikki, mol­dando-lhe o corpo contra o seu. Ter nos braços aquele corpo macio e quente era uma sensação divina, e Jonah aspirou com prazer o seu perfume delicioso. Se não acreditava emjet lag antes, agora não tinha mais dúvidas. Pois não havia outra explicação para suas reações: eram intensas e surrealistas demais.

Ela respirava rápido, quase em pânico, e Jonah abaixou a cabeça, cochichando-lhe no ouvido:

—      O que está acontecendo, Nikki? O que há de errado? Ela ergueu o rosto, os lábios a milímetros dos dele. Por um louco instante, Jonah pensou que ela iria beijá-lo. Então, viu a expressão em seu rosto. Uma atónita incredulidade estam­pava-se nos olhos azuis.

—      Eric está aqui — ela sussurrou.

 

Não é possível! — Nikki exclamou. — Como ele descobriu que eu es­tava aqui?

Jonah estreitou os lábios. Tinha uma boa ideia de como Eric descobrira: a eficiente Jan, secretária de Nikki, com cer­teza entregara todo serviço.

Lançou um rápido olhar na direção da área de recepção. Lá estava Eric, com uma expressão confiante, conversando com os Montague. Sem dúvida, tentava usar seu charme para con­seguir entrar no salão. E, conhecendo Eric, Jonah sabia que ele acabaria conseguindo. Praguejou baixinho. A situação era mais grave do que calculara.

Muito mais grave.

—      Venha — disse, passando o braço em torno dos ombros de Nikki e guiando-a para a saída mais próxima.

Ela estava pálida, os olhos arregalados de nervosismo.

—      O que vou fazer agora?

Jonah cerrou os dentes, tentando decidir. Fora uma grande tolice beber aquela única taça de champanhe, principalmente estando um dia e meio sem dormir. Naquele momento, seria capaz de qualquer coisa para poder tomar um banho quente e passar oito horas seguidas debaixo dos lençóis. Talvez, depois disso, pudesse planejar um curso de ação. Mas naquela noite o cansaço dificultava qualquer decisão, deixando-o num beco sem saída. Na verdade, só conseguia pensar numa solução.

—      Ao que parece, estamos sem nenhuma escolha — disse. — Se ele está mesmo tão determinado, você precisa casar com alguém a quem ele seja incapaz de intimidar.

—      Mas já esgotamos quase todas as possibilidades, esta noite. — Nikki olhou em volta do salão, ansiosa. — Não sobrou mais ninguém...

—      Sobrou, sim. Eu.

Ela precisou de quase um minuto para compreender a ex­tensão do que ele dizia. Atónita, virou-se para encará-lo.

Mas você disse que...

Esqueça o que eu disse.

Está realmente disposto a casar comigo? — Nikki indagou, incrédula. — Por quê? Isto é, não quero parecer ingrata, mas... —Uma expressão cética substituiu a surpresa. — Por que está disposto a fazer isso agora, quando antes não queria?

— Já ignorei uma dama em apuros esta noite — ele disse. —        Apenas não faz parte da minha personalidade permitir que isso torne a ocorrer.

Nem vou perguntar o que você quer dizer com isso.

Ainda bem. — Jonah enviou-lhe tim sorriso tranquilizador e indicou o corredor que levava à escada dos fundos. — Vamos encerrar logo este assunto? Precisamos de uma licença de casamento, e ouvi alguém dizer que estão sendo preparadas na biblioteca, no andar de baixo.

Nikki franziu a testa e balançou a cabeça, indicando que não seria persuadida tão facilmente. Ele quase riu alto, diante daquela ironia: ali estava, correndo o risco de brigar com toda sua família para resolver um problema que ela havia criado e, ainda assim, ela não estava satisfeita.

Se Nikki tivesse dito um "não" a Eric desde o início, em vez de inventar toda aquela história ridícula, não estariam enfrentando esta situação difícil. Agora, se ele quisesse asse­gurar-se do bem-estar de seu irmão, salvar os empregos de dois dos principais executivos da Investimentos International e também ajudá-los a acertar seus tão conturbados assuntos pessoais, então teria de tomar uma atitude drástica.

Sei que não estou em posição de discutir — Nikki dizia.

Isso é a mais pura verdade.

No entanto, tenho algumas reservas... Jonah suspirou, cansado.

Sem dúvida.

—      Primeiro... espero que você convença Eric de que somos um casal feliz. Acha que é capaz de fazer isso?

Ele estreitou os olhos, O simples fato de ela estar mencionando tal exigência era um claro sinal de que não confiava em suas habilidades. Bem poucas pessoas o insultavam daquela forma e saíam ilesas, pensou.

—      Vou convencê-lo de que, se tentar aproximar-se da minha esposa com qualquer intenção que não seja de trabalho, irá ar­repender-se amargamente. — Jonah fitou-a, deixando evidente seu desprazer. — Ou acha que ele não vai acreditar em mim?

Nikki sustentou seu olhar por longos segundos, antes de assentir, ruborizando.

Ele vai acreditar.

Otimo. Então, vamos. Ela não se moveu.

Espere um pouco, ainda não terminei. Jonah encarou-a, exasperado.

Escute aqui, garota, eu já disse que caso com você. O que mais está querendo?

Preciso me certificar de que vamos nos entender.

Pois acredite, eu entendo muito mais do que você pensa.

Estou me referindo a detalhes específicos. Não quero saber de brigas, mais tarde.

Então é melhor falar rápido, porque lhe dou precisamente trinta segundos — Jonah informou-a, irritado. — Depois disso, você se vira sozinha.

Ela pareceu levar o aviso a sério pois, sem perda de tempo, foi enumerando as dúvidas:

Muito bem. Você já concordou em convencer Eric de que somos um casal feliz. Em segundo lugar... está disposto a morar em Nova York, não é? Ficará comigo até que a situação com Eric seja resolvida?

Sim.

Terceiro: compreende que seus atos não podem colocar meu emprego em risco, nem prejudicá-lo?

Compreendo. — Jonah cruzou os braços. — Já terminou?

Só mais uma coisa. — Nikki hesitou, um brilho diferente e intenso surgindo em seus olhos. Qualquer que fosse o detalhe final, Jonah pressentiu que deveria ter sido o primeiro, e não o último da lista.

O que é?

Preciso saber quais são suas expectativas.

Ele arqueou a sobrancelha, um tanto surpreso. Antecipara uma questão bem mais crucial.

—      Espero me casar com você, salvar sua pele e, depois, deixá-la seguir seu próprio caminho feliz — respondeu. Ao mesmo tempo, estaria protegendo a Investimentos International de futuras perdas, e permitindo que Eric recuperasse o juízo.

—      E isso é tudo? — Nikki umedeceu os lábios. — Não vai... exigir mais nada de mim?

Jonah finalmente entendeu o que havia por trás da pergunta. E, com a compreensão, emergiu uma reação puramente masculina, do predador que vislumbra sua presa desprotegida e vulnerável.

—      Está perguntando se vou querer dormir com você? — indagou, indo direto ao ponto propositalmente.

Ela manteve a frieza, embora fosse evidente que isso lhe custava um enorme esforço.

—      Sim. Creio que é isso mesmo que estou perguntando.

—      Não acho que vale a pena discutirmos este assunto.

Para seu espanto, Nikki pareceu aliviada. Será que ela in­terpretava assim tão mal as discussões de negócios? Precisava ter uma séria conversa com ela, a este respeito. Não podia permitir que a empresa corresse riscos devido a conclusões erróneas da parte dela.

Agora, já esclarecemos todas as suas dúvidas?

Sim.

Então sugiro que acabemos com isso antes que seu patrão consiga entrar no baile e nos encontre. — Enviou-lhe um olhar agudo. — Ele não sabe qual é o propósito deste baile, não é?

Creio que não. Eu disse a ele que viria para cá encontrar o meu marido — Nikki explicou, incerta. — Não sei por que ele me seguiu. Talvez estivesse curioso em conhecê-lo... — Suspirou, exasperada. — Isto é, conhecer o meu marido.

Ou pode ser que ele não tenha acreditado que você iria realmente encontrar alguém. Só nos resta esperar que os Montague não expliquem a ele todos os detalhes deste baile, ou estaremos em sérios apuros. —-Jonah segurou-lhe o braço. —Vamos procurar a biblioteca.

Criados de uniformes brancos e dourados indicaram-lhes a biblioteca, onde uma funcionária pública, usando um crachá com o nome de "Dora Scott", preparava as certidões de casamento. Uma pequena fila se formava diante dela mas, até que Jonah e Nikki preencheram todos os papéis necessários, a sala se esvaziou.

Vejamos quem temos aqui — disse Dora, quando os dois se aproximaram. Estendeu a mão para os formulários.

Percebendo que estava à beira de um desastre, Jonah apres­sou-se em se apresentar.

      Meu nome é Joe Alexander.

Talvez Nikki não associasse seu apelido ao nome do meio irmão de Eric, pensou, mas se Dora decidisse proclamar em voz alta o seu nome verdadeiro, sua identidade seria facilmente revelada. E ele não tinha intenção de revelar sua conexão com Eric antes de estarem casados.

A funcionária olhou no formulário e deu uma risadinha.

Certo, Joe. — Examinou o segundo papel. — E Nicole.

Nikki — a futura noiva corrigiu, rapidamente.

Tudo bem, como quiserem. — Em poucos minutos, Dora datilografou os documentos necessários e entregou-lhes um envelope azul e branco.- — As cerimónias de casamento são realizadas nas salas ao lado do salão de baile. Entreguem este envelope à pessoa que irá oficiar o casamento. Podem guardar o certificado como uma lembrança, mas não se trata do documento legal. Este seguirá pelo correio. — Olhou-os. — Alguma pergunta?

Nenhuma — Jonah respondeu. Dora assentiu.

Neste caso, quero lhes dar um pequeno conselho: cuidem bem um do outro, certo?

      Cuidar de pessoas é o que faço de melhor — Nikki assegurou-lhe.

Engraçado... era exatamente isso o que eu ia dizer.

Que bom. Um par de almas caridosas — Dora falou, rindo. — Agora, saiam daqui, vocês dois. Ainda precisam casar, e eu tenho de trabalhar.

É melhor nos apressarmos — Jonah alertou-a, quando retornaram ao salão de baile. — Se Eric já conseguiu entrar, não quero trombar com ele num momento inoportuno.

Nikki parou na porta da primeira sala.

Parece que eles têm vários tipos de cerimónia — disse. — Qual você prefere?

Uma bem curta.

Jonah abriu a porta e eles entraram. Era perfeita. Pequena e aconchegante, com um papel de parede floral, móveis esto­fados em tons claros. Havia também uma lareira e vasos de flores frescas espalhados por toda parte. Se tivesse de escolher um cenário para Nikki, seria exatamente aquele.

      Ah, Joe, isso é lindo!

Um pastor levantou-se da cadeira perto do fogo e lhes sorriu.

      Sejam bem-vindos. É claro que esão aqui para se casar, mas antes de começarmos, devo lhes pedir que considerem seriamente a decisão que tomaram.

Jonah reprimiu um gemido exasperado. Se fizesse o que o homem pedia, talvez recobrasse a razão e desistisse de tudo. Não, o melhor seria acabar logo com aquilo... e bem rápido.

      Olhe, já consideramos tudo, decidimos e estamos com pressa. — Entregou ao pastor o envelope contendo os documentos ne­cessários. — Será que o senhor não pode nos casar e pronto?

O pastor pegou o envelope e ajeitou os óculos de aro fino sobre o nariz.

      Receio que não — respondeu, os olhos azuis tornando-se graves. — O casamento é um compromisso muito sério, vocês precisam ter certeza do que estão prestes a fazer. Assim, peço-lhes que fiquem frente a frente e olhem-se bem, um para o outro. Certifiquem-se de que estão fazendo a escolha certa.

Praguejando baixinho, mas sabendo que aquela seria a única maneira de encerrar o assunto de uma vez por todas, Jonah virou-se de frente para Nikki e observou-a friamente.

De início, a primeira coisa que reparou foi a aparência dela. Alta e bem-proporcionada, era uma linda mulher. Os translú­cidos olhos cor de violeta fitaram-no sem pestanejar. E ele gostava disso. Gostava de outras coisas nela, também.

Os lábios eram os mais macios e deliciosos que já beijara, e jamais sentira sob os dedos uma pele de textura tão delicada. Mesmo a cor acobreada dos cabelos combinava com ela. Esboçou um meio sorriso de satisfação, aprovando plenamente sua escolha.

E foi então que enxergou sob a superfície.

O penteado dela, preso num coque mas com mechas rebeldes escapando nos lados e na nuca, refletia sua natureza. Ela es­forçava-se para manter uma aparência de contida severidade, mas nem sempre conseguia. Era como se mantivesse uma luta constante com os aspectos mais tempestuosos de sua persona­lidade e a necessidade de rígido controle. Por fora, aparentava segurança e tranquilidade, porém em seu íntimo havia um fogo ardente que provavelmente a aterrorizava, ameaçando a existência tão bem organizada que ela criara. Com esta nova percepção, Jonah fitou intensamente aqueles olhos indescrití­veis... e eles traíam sua incerteza, sua paixão, bem como sua enorme força e determinação. Ele desejava aquela mulher.

Queria alimentar cada lampejo íntimo de rebelião, libertar o fogo delicioso que ela mantinha preso dentro de si, ser in­cendiado por ele. Certamente não lhe fazia bem algum manter tantas emoções contidas e, decidindo que encontraria uma for­ma de destruir seu controle, concluiu que estaria até lhe fa­zendo um favor.

Mas, neste meio tempo, precisava descobrir uma maneira de aliviar seus temores. Como em resposta aos seus pensa­mentos, um suave perfume de rosas invadiu o ar. Jonah vi-rou-se e foi até um .vaso, de onde retirou uma das rosas. — Venha cá — disse.

Um tanto hesitante, Nikki obedeceu. Ele se aproximou e, com delicadeza, prendeu a flor em seus cabelos. Ela deslizou as mãos pelo peito dele, amparando-se enquanto esperava que ele terminasse. Com uma pontinha de arrependimento, Jonah deu-se conta de que ela não ficaria nada feliz quando desco­brisse sua identidade, mas esperava convencê-la de que fizera o melhor para todos.

Ou, pelo menos, era o que dizia a si mesmo. Nikki o encarava, mal atrevendo-se a respirar enquanto ele prendia a flor em seus cabelos. Então Jonah fitou-a e sorriu, apagando totalmente todos os seus receios e dúvidas.

Estivera tão nervosa, quase sufocada pela enormidade da decisão que tomara. Quando o pastor sugerira que reconside­rassem o passo que estavam prestes a dar, ela quase saíra correndo da sala. Nem mesmo o desespero acerca de Eric seria capaz de dissuadi-la... somente a lembrança de Krista, e a conversa que ouvira no telefone, fez com que permanecesse

imóvel naquele lugar.

Mas, agora, fitando os olhos castanho-claros de Joe, sentia seus temores desaparecerem aos poucos. E ele pareceu compreender como ela se sentia, pois inclinou-se, o rosto roçando contra o seu.

— Não se preocupe — sussurrou, tranqúilizando-a. — Vou cuidar de tudo.

Selando a promessa, segurou-lhe o rosto entre as mãos e beijou-a delicadamente. Nikki entregou-se, aconchegando-se entre os braços protetores, sabendo que tudo acabaria bem. Com Joe ao seu lado seria capaz de resolver todos os problemas. Relutante, ele se afastou.

Tem alguma dúvida? — perguntou.

Nenhuma.

Então, quer casar comigo, srta. Ashton? Ela esboçou um sorriso trémulo.

Quero sim, sr. Alexander.

Já tomaram uma decisão? — o pastor indagou.

      Pode dar início à cerimónia, por favor — Nikki pediu, perfeitamente calma e segura. — E nos chame de Nikki e Joe.

A cerimónia foi surpreendentemente breve, atendendo ao pedido deles. Um pouco antes de declará-los marido e mulher, o pastor ergueu os olhos sobre os óculos e perguntou:

Gostariam de trocar alianças? Temos algumas disponíveis. São imitações, é claro, apenas para usarem até que possam substituí-las pelas verdadeiras.

Já tenho uma aliança — Nikki cochichou a Jonah. — As pessoas vão estranhar se eu aparecer com um anel diferente.

Dê-me a aliança.

Ela retirou-a do dedo e colocou-a na mão espalmada de Jonah.

      E quanto a você? — perguntou.

      Bem, eu vou precisar de uma.

O pastor estendeu-lhe um mostruário e, depois de provar duas alianças, Jonah ficou com a terceira. Para surpresa de Nikki, o modelo escolhido era muito parecido com o seu. No instante em que colocou a aliança no dedo dele, foi como se tudo aquilo se tornasse real: um breve momento no tempo, no qual o casamento adquiria uma veracidade e permanência pelas quais ela jamais esperara.

Não é um casamento permanente, disse a si mesma. É ape­nas temporário. Mas a imagem da troca de alianças tornou-se fixa e indelével em sua mente, algo que levaria consigo por toda vida.

E quando o pastor finalmente os declarou marido e mu­lher, Nikki deu-se conta de que estava numa encrenca muito, muito séria.

Apenas quando chegaram ao seu carro alugado que as dúvidas anteriores de Nikki tornaram a assaltá-la. Será que agira corretamente? Teria se casado com o homem certo? Havia per­dido completamente o juízo?

—      Então, para onde vamos, agora? — Jonah perguntou, quando entraram no carro.

—      Estou hospedada no Grand Hotel, não muito distante daqui — ela disse, lutando para manter a voz firme. — Pensei que... podíamos passar a noite lá, antes de voltarmos para Nova York.

Ele encolheu os ombros.

—      Por mim, tudo bem.

—      E pretende ficar no Grand Hotel, também? Ele fez que não.

—      Como não sabia o que aconteceria esta noite, reservei um quarto em Las Vegas.

Ele não sabia o que iria acontecer? Isso não fazia muito sentido. Certamente ele esperaria encontrar alguém e casar-se.

Por que...

O que acha de...

Ela sorriu, sentindo a tensão dissipar-se um pouco.

Desculpe — disse. — Pode falar.

Bem, já que seu hotel fica mais perto, por que não ficamos lá?

Esquecendo a própria pergunta por um instante, Nikki con­centrou-se no problema mais presente.

E quanto à sua bagagem? — perguntou. — Não quer apanhá-la agora?

Não, podemos fazer isso amanhã, à caminho do aeroporto. Estou certo de que posso arranjar as coisas mais essenciais no hotel mesmo, como escova de dentes e sabonete. Na verdade, o que realmente estou precisando é de uma boa cama.

Nikki esperava que tal comentário não significasse o que parecia. Ligou o motor e olhou-o de relance na escuridão.

—      Você deve estar cansado — comentou. Jonah virou-se para ela.

Não se deixe levar pela imaginação — disse, num tom divertido. — Por melhor que seja a ideia de uma noite de núpcias com você, uma noite de sono é ainda mais atraente.

Entendo o que quer dizer — ela retrucou, aborrecida pelo fato de ele preferir dormir... e ainda mais espantada por estar se sentindo desta forma.

Pisou no acelerador, colocando o carro em movimento. Que droga!, pensou. Por que tudo ficara tão estranho, de repente? Se ao menos conseguisse fazer de conta que ele era um cliente difícil... Estava acostumada com eles, pois fora uma das prin­cipais razões de ter sido encarregada dos projetos especiais na Investimentos International. Em todos os casos, usava suas habilidades analíticas para descobrir o que o cliente desejava e, então, partia para as negociações lançando mão de toda sua fria e calma racionalidade, mesclada com um pouco de charme.

Mordeu o lábio. Infelizmente, pensou, Joe era agora o seu marido, e não um cliente. E tinha a impressão de que nem todo seu charme ou racionalidade iriam adiantar, caso ele de­cidisse tornar-se difícil.

Tomou a estrada rumo ao hotel, determinada a manter-se no controle da situação. Afinal, não estava interessada nele como homem, pelo menos não sexualmente. Sua reação aos beijos dele haviam sido puramente hormonais, algo normal e até saudável numa mulher estressada e, por que não dizer, desesperada. Mas aprendera sua lição e não repetiria o erro.

Envolvimentos emocionais sempre levavam ao sofrimento, desilusão e ruína financeira.

Lógica e autocontrole mantinham-na segura e protegida.

Tudo o que precisava era de um marido para ajudá-la a resolver seus problemas com Eric e Krista. Assim que tudo estivesse ajeitado, ela e Joe obteriam uma anulação. E ela estaria livre... livre para viver sua vida e dedicar-se à carreira. Daria total atenção ao trabalho e não se preocuparia com mais nada. E seria feliz. Certo?

Tudo bem com você? — Jonah perguntou.

Tudo bem — ela sorriu, com um pouco de exagero. — Estou ansiosa para iniciar uma nova vida. Você sabe, esquecer o passado, pensar no futuro, essas coisas.

Ah, sei...

Nikki entrou com o carro no estacionamento do hotel e, subi­tamente, lembrou-se daquele comentário que ele fizera antes.

—      Eu estava querendo lhe perguntar... Por que você não sabia o que poderia acontecer esta noite?

Ele balançou a cabeça, confuso.

O quê?

Minutos atrás, você disse que reservou um quarto em Las Vegas porque não sabia o que iria acontecer no Baile de Cinderela.

         Eu disse? — Jonah encolheu os ombros. — Devo estar mais cansado do que pensava. Nem me lembro do que falei.

Nikki estacionou o carro e desligou o motor.

Para ser mais exata, você disse que...

Creio que eu não tinha certeza se iria conhecer alguém compatível — ele interrompeu, rápido. — Não sabia que tipo de mulheres iria encontrar naquele baile.

Somente quando estavam no elevador Nikki retomou o assunto.

Ainda não entendo — começou.

O que é que você não entende agora? — A voz dele era calma, porém um reluzir nos olhos castanhos traía uma ligeira irritação.

Você não tinha nenhuma exigência.

Ele recostou-se na parede do elevador e cruzou os braços.

Pode repetir?

Você não tinha nenhuma lista de exigências. Todos os homens com quem conversei queriam, ou esperavam, algo específico das futuras esposas. — Nikki encarou-o. — Todos, menos você.

E daí?

A porta do elevador abriu-se e ele lhe deu passagem.

Daí que... bem, você é inteligente, atraente...

Puxa, obrigado.

Lembrando-se dos beijos que trocaram, ela acrescentou:

Um pouco agressivo demais, é verdade. Ele sorriu lentamente.

Sou um homem de verdade, não um boboca.

 

E também muito modesto — ela retrucou, com uma ponta de ironia. — Mas, sem uma lista de exigências, mostrou-se muito fácil de contentar. O que, na minha opinião, é sua melhor qualidade. Então, por que achava que não encontraria alguém compatível?

Creio que sou do tipo pessimista.

Eu também sou, mas tinha confiança de que conheceria alguém.

Jonah parou no meio do corredor e estendeu a mão. Nikki olhou-o, confusa.

—      A chave — ele disse.

Relutante, Nikki abriu a bolsa e retirou o cartão plastificado. Depois, retomou o assunto.

—      O que estou tentando dizer é que... bem, você não demonstrou interesse por nenhuma outra mulher, depois que dançou comigo. Na verdade, passou o tempo todo me ajudando a encontrar um marido, ao invés de procurar uma noiva.

Qual é o quarto?

Oitenta e dois. Você gastou seu tempo e dinheiro para ir ao baile e não encontrou uma esposa.

Parando diante da porta, ele inseriu o cartão na abertura e abriu-a.

—      Se não me engano, toda aquela cerimonia por que passamos significa que encontrei uma esposa. — Abriu a porta de todo. — Você, primeiro.

Nikki hesitou.

—      Mas não sou uma esposa de verdade. E você ainda não me explicou: por que precisava se casar?

Um músculo saltou no rosto dele, imperceptível.

Pelo que sei, você é uma esposa verdadeira o bastante. E eu não precisava me casar. — Empurrou-a de leve para dentro do quarto.

Não?

Ela girou o corpo, dando de frente com ele. Era como se uma enorme barreira se interpusesse entre ela e a porta. Pela primeira vez, deu-se conta do quanto ele parecia agressivo e intimidador. Cruzou as mãos, torcendo-as, ciente de que sua autoconfiança desaparecia rapidamente.

Limpou a garganta, antes de voltar a falar.

Se não precisava casar, então por que...?

Eu não precisava de uma esposa — ele repetiu, afastando-se da porta e encaminhando-se na direção dela. — Nem todo mundo se casa porque não tem outra saída. Algumas o fazem por motivos mais comuns, como companheirismo, desejo de ter filhos, família... ou até por amor.

Ela deu alguns passos para trás, arregalando os olhos.

É isso que você queria num casamento? Amor?

Por que o súbito interesse, Nikki? — A voz dele revelava cansaço, frustração e raiva. — Tivemos a noite inteira para conversar, você podia ter feito estas perguntas antes. Mas não deu a mínima para meus motivos, só queria resolver seu pro­blema. Então, por que levantar este assunto agora?

A saleta de estar, que antes parecera tão espaçosa, torna­ra-se terrivelmente pequena.

Eu... só estava pensando por que você se casou comigo...

Porque resolvendo os seus problemas, também resolvo os meus.

Não entendo o que quer dizer.

Jonah tirou o paletó e deixou-o numa cadeira.

—      E eu não espero que entenda. Por enquanto.

Antes que ela pudesse questioná-lo a respeito, deu um passo adiante. Recuando a uma mesma distância, Nikki bateu com as costas das pernas na cama e caiu sentada.

—      É uma cama de casal — explicou rapidamente, sempre se afastando. — Tentei conseguir um quarto com duas camas de solteiro, mas o hotel está lotado.

—Acho que um de nós pode ficar no sofá e... — Fez um gesto vago na direção da saleta.

— Não vou ficar no sofá, e nem você. — O colchão afundou sob o peso dele, quando sentou. — Somos marido e mulher agora, lembra-se?

Abraçou-a por trás e, girando o corpo, posicionou-se por cima dela, impedindo-a de mover-se. Nikki limitou-se a olhá-lo, em choque.

Mas você disse que não iria... não pretendia... — Ansiosa, tentou lembrar das palavras exatas dele. — Disse que não queria dormir comigo!

Eu disse que não valia a pena discutirmos este assunto. E não vale mesmo. Certas questões não são negociáveis, e esta é uma delas. — Ele a fitava profundamente, os olhos refletindo" o ardente desejo. — Portanto, basta de discussão. Chegou a hora de entrarmos em ação.

Não...

—      Sim, sra. Alexander. Definitivamente, sim. Segurando-lhe o rosto com ambas as mãos, Jonah beijou-a delicadamente. E Nikki soube, no mesmo instante, que seria incapaz de negar-lhe o que quer que fosse. Ele tinha o poder de fazê-la esquecer de tudo, de seduzi-la.

Sentindo o corpo todo aquecer-se sob o dele, cada nervo relaxar, ela tentou resistir, explicar-lhe os motivos porque deveriam man­ter aquele relacionamento numa base apenas amigável e plató­nica. Mas as palavras perderam-se, apagadas por um desejo muito maior, que consumia toda sua capacidade de pensar.

Os botões de seu casaquinho abriram-se enquanto Jonah a beijava, formando uma trilha ardente pelo seu pescoço. Ela sabia que iria entregar-se. Ele era seu marido, e ela o desejava... e quanto! Considerando as circunstâncias, não seria errado fazerem amor.

Nikki — ele sussurrou, a voz embargada de paixão. — Lamento, mas não posso resistir.

Eu sei — ela murmurou. — Também me sinto assim.

Obrigado por compreender.

O rosto dele roçou a pele sensível de seus seios, e ela prendeu o fôlego, ansiando pela carícia que se seguiria. Jonah tomou um dos seios entre as mãos e, então...

Nada.

—      Joe? — ela chamou, baixinho, mexendo-se sob o peso do corpo dele.

Ele não respondeu e, com o passar dos segundos, o desejo foi-se aplacando. Nikki umedeceu os lábios, sentindo-se extre­mamente tola com o retorno da sanidade.

—      Tem certeza de que quer fazer isso? — indagou, incerta. Não acha que devemos nos conhecer um pouco melhor, primeiro? Joe? Joe?

E só então percebeu que ele havia caído no sono.

 

Nikki abriu os olhos quando dois ruídos simul­tâneos a fizeram despertar completamente.

Um era o barulho de água correndo, no banheiro.

O outro, uma batida tímida na porta.

Nenhum destes.sons fazia o menor sentido para ela, mas isso era normal. Antes que pudesse tomar duas boas xícaras de café, pouca coisa fazia sentido de manhã. Virou de costas e piscou, tentando entender porque o quarto lhe parecia tão estranho.

Então, lembrou-se. De tudo.

Lançou um olhar rápido e nervoso para o outro lado da cama. Joe não estava ali e apenas uma leve depressão no lençol confirmava que ele passara a noite toda ao lado dela. Isso explicava o ruído do chuveiro. O seu...marido, pensou engolindo em seco, estava tomando banho. Outra batida na porta ressoou no instante exato em que o ruído de água correndo parou.

Confrontar-se com uma criatura desconhecida no corredor lhe pareceu mais seguro do que confrontar-se com a criatura muito bem conhecida que enxugava-se depois do banho, ela concluiu. Levantou-se, pegou o robe e foi abrir a porta. Cal­culava que Joe havia pedido o café da manhã antes de fechar-se no banheiro e, afastando os cabelos do rosto, destrancou a porta e abriu-a de todo.

      Olá, Nikki — Eric saudou-a, sorridente. — Surpresa! Ela escondeu-se atrás da porta no mesmo instante, espiando apenas por uma fresta.

O que está fazendo aqui? — perguntou, num cochicho furioso. — Será que perdeu o juízo?

E o serviço de quarto? — a voz de Joe retumbou, logo atrás dela. — Estou louco por um café.

      Não é, não — ela respondeu, sem se virar. Depois, num tom mais baixo, ordenou: — Vá embora, Eric!

Mas Eric estava boquiaberto.

      Não vou a lugar algum antes que você me diga o que meu irmão está fazendo aqui.

Os olhos dela arregalaram-se de espanto.

Quem? Onde?

Ali, bem atrás de você! Meu irmão, Jonah. O que ele está fazendo com você num quarto de hotel? E deste jeito?

Nikki girou o corpo e, literalmente, sentiu que as pernas se dobravam. Nunca, em toda sua vida, havia se deparado com uma visão tão tentadora. Joe estava parado no meio do quarto usando apenas uma toalha amarrada na cintura. Sua pele era bronzeada, o peito recoberto por uma suave trilha de pêlos castanhos, e ele encaminhou-se em sua direção com a determinação de um gladiador prestes a entrar numa luta. Tudo nele exalava poder, desde a expressão resoluta dos olhos, a massa de músculos dos ombros, até as pernas sólidas e bem torneadas. Caminhava com a graça poderosa de um guerreiro, e tudo o que ela podia fazer era ficar ali e esperar, incerta das regras daquela guerra em questão.

Parando ao lado dela, Jonah enlaçou-lhe os ombros.

Bom dia, querida — disse, baixinho, enquanto beijava-lhe levemente a nuca.

Joe, o que...? — ela tentou falar, ofegante.

Não diga nada — ele interrompeu, com firmeza. Falava-lhe ao ouvido, o aviso sendo dado num tom que a deixou congelada. — Apenas concorde com tudo o que eu disser, ou vai se arrepender.

Nikki abriu a boca para protestar, mas como se antecipasse a resistência dela, Jonah beijou-a. Foi um beijo longo, lento e profundo, tornando-a incapaz de pensar ou reagir. Como ele conseguia fazer isso?, a parte racional de sua mente indagava. Com um único beijo, destruía qualquer vestígio de resistência e transformava uma mulher sensata, lógica e inteligente numa pessoa fraca e vulnerável. Como isso seria possível?

      O que diabos está acontecendo aqui? — Eric gritou.

Nikki estremeceu, tinha esquecido completamente da pre­sença dele. Mas Joe, ou seria Jonah?, sequer pestanejou. Com toda calma, separou os lábios dos dela e levantou a cabeça. Sorriu-lhe, acariciando de leve sua face rosada.

Finalmente, olhou para o irmão.

      Olá, Eric. Até quando consigo fugir para um fim de semana romântico em companhia de minha esposa, você é capaz de me encontrar. Como é que faz isso?

Eric esforçava-se para recuperar o fôlego.

      O que... quando...? Jonah suspirou.

Foi Jan, não é? Ela lhe deu todo o serviço. — Lançou um olhar de reprovação para Nikki e brincou com seus cabelos despenteados. — Você precisa dar um jeito nesta sua secretária, amor. O que pode haver de tão urgente a ponto de interromper nosso fim de semana?

Eu... — Ela abriu a boca e tornou a fechá-la, sem saber o que dizer.

Sem perda de tempo, Jonah voltou a atenção para Eric.

Então, o que há de tão urgente?

Eu não sabia... pensei que...

Já sei o que faremos — Jonah interrompeu. — Há um restaurante lá embaixo. Peça o café da manhã enquanto nos vestimos, e iremos encontrá-lo assim que for possível. — Sem esperar pela resposta de Eric, fechou a porta na cara do irmão.

O que...

Jonah tapou-lhe a boca com a mão.

Espere! — ordenou, em voz baixa. Depois, levou-a até a saleta de estar e só então retirou a mão. — Tudo bem, pode falar agora.

O que está acontecendo1? — ela perguntou, furiosa. — Quem é você, afinal?

Seu marido.

Sabe muito bem que não foi isso que perguntei! Você não é Joe Alexander?

Não.

Ele cruzou os braços no peito, chamando novamente a aten­ção dela para o tronco musculoso e bronzeado. Deus, ele era realmente um homem bonito, Nikki pensou, com um estreme­cimento interior. Fechou os olhos para bloquear aquela visão e tentou focalizar-se na situação presente.

Você é Jonah Alexander? Irmão de Eric?

Sou, sim. Dei-lhe o meu apelido, para que você não reconhecesse meu nome.

Embora já tivesse constatado isso tudo, ela não pôde evitar o choque provocado pela maneira quase indiferente com que ele confessou.

      Mas, por quê?

Um lampejo de cinismo reluziu nos olhos dele.

      Será que não pode adivinhar?

Ela sequer conseguia pensar, com ele seminu na sua frente.

      Talvez se você se vestisse... — sugeriu, fracamente. Ele esboçou um sorriso divertido.

      Vou me vestir assim que me entregarem as roupas que encomendei na loja do hotel. Estou sem bagagem, lembra-se?

Nikki abaixou a cabeça, evitando olhá-lo.

Ainda não estou entendendo — disse, por entre os dentes.

O quê, em especial, a está preocupando?

Ela percebia o riso contido na voz dele, o que a deixava ainda mais furiosa.

      O que está acontecendo? Por que você foi ao Baile de Cinderela? Por que casou comigo? — Um súbito pensamento assaltou-a e ela levantou, os cabelos caindo soltos pelos ombros.

      Estamos realmente casados, não é?

Ah, sim, legalmente.

Mas você usou um nome falso.

Usei meu apelido, da mesma forma que você. Se tivesse se dado ao trabalho de olhar na nossa certidão, veria o nome Jonah Alexander escrito com todas as letras. — Ele a encarava, irónico.

      Teria sido muito fácil fazer a ligação entre e Eric e eu.

Se soubesse disso, jamais teria me casado com você!

Sem dúvida.

      E você ainda não respondeu às minhas perguntas. Ele deu de ombros.

Fui ao baile para impedir que você casasse com Eric — respondeu.

O quê? Mas eu não estava planejando...

Agora eu já sei disso.

Mas ontem não sabia — ela afirmou, começando a en­tender tudo.

Não, até que tivemos aquela longa conversa.

No jardim — Nikki falou. Finalmente o estranho comportamento dele durante a conversa começava a fazer sentido.

      Foi por isso que me perguntou todas aquelas coisas estranhãs e ficou me seguindo por toda parte. Você nem sabia qual era o motivo do baile.

Não completamente — ele admitiu.

E o que achava que eu estava fazendo ali?

Pensei que fosse se encontrar com Eric.

Não acredito numa coisa dessas... — ela murmurou, passando a mão pelos cabelos.

As evidências eram fortes demais — ele explicou, sem nenhum tom de desculpas. — Especialmente a parte em que Eric e você estariam vindo para Nevada a negócios.

Não temos negócios em Nevada — ela afirmou, automaticamente.

Eu sei disso. — Jonah fez uma pausa, antes de acres­centar: — Bem como todos os funcionários do escritório.

Nikki não conseguia ocultar o embaraço. Ao que parecia, o interesse de Eric por ela dera margem a muitas conjecturas, sem mencionar as fofocas.

Mas não viajamos juntos — argumentou. — Eu nem sabia que Eric havia me seguido, até que o vi no baile.

Mas o principal é que vocês dois vieram para Nevada, e ambos tinham reservas neste mesmo hotel. Somando-se com os comentários sobre um possível caso entre vocês, uma pessoa de fora só podia concluir que haviam vindo para cá a fim de casarem-se em segredo.

Você tirou conclusões apressadas — ela retrucou.

Será? Não se esqueça de um outro detalhe: o Baile de Cinderela dos Montague. As poucas informações que consegui obter sugeriam que se tratava de um tipo de baile de gala para pessoas que desejavam casar.

Os olhos dela estreitaram-se, desconfiados.

E como ficou sabendo do baile?

Você deixou o convite em sua mesa.

Quer dizer que mexeu nas minhas coisas? — ela ques­tionou, indignada.

Bem, se está querendo um pedido de desculpas, vai ter de esperar sentada — ele disse, com uma indiferença gritante. — Eu tinha um trabalho a fazer, e fiz.

Então veio para Nevada acreditando que Eric e eu iríamos nos casar e determinado a impedir, certo? Por quê? Que dife­rença faria, se eu casasse com seu irmão?

         Além do fato de que eu acreditava que você já era casada e de que tem uns anos a mais que ele?

Ela empinou o queixo.

Sim. Além destes motivos.

O... relacionamento de vocês havia começado a afetar o trabalho de ambos. Você mesma reconheceu isto, ontem à noite. Por que acha que Loren me pediu para voltar para casa?

Os olhos dela arregalaram-se, alarmados.

Os Sanders... os seus pais... eles sabem?

O que eles sabem, ou melhor, o que sabiam, é que Eric estava tendo um caso com uma mulher casada e mais velha. Tudo começou com um rumor entre os funcionários da empresa, mas acabou culminando com a perda da conta de Dearfield pelos dois envolvidos.

Ah, não!

Ah, sim! — ele retrucou, com ironia. — Minha primeira recomendação foi para despedi-la, mas fiquei sabendo que é candidata ao Prémio L.J. Bauman. Se não fosse por isso, você já estaria na rua.

Por quê? — ela inquiriu. — Apenas porque tive a audácia de chamar a atenção do filho do patrão?

Não. Porque você permitiu que sua vida pessoal interferisse com os negócios.

E, assim, enviaram o famoso Jonah Alexander, o extraordinariamente competente economista e ganhador do Prémio LJB, para salvar a empresa. Foi isso? — Nikki não se esforçava para ocultar o ressentimento.

Foi, sim.

E a solução que você encontrou foi casar comigo.

Não exatamente. Esta solução foi você quem encontrou. Eu me limitei a aceitá-la.

Por quê?

Pela primeira vez a voz dele revelou algo mais que indiferença.

—      E eu tinha outra escolha? Não consegui fazê-la mudar de ideia acerca do casamento, e você não se contentava com nenhum marido que não fosse plenamente aceitável. Então, quando Eric apareceu, ou eu me casava com você ou expunha todas as suas mentiras. —Jonah aproximou-se, fitando-a quase com raiva. — E pode acreditar, sra. Alexander, se eu não achas­se que o fato de revelar a verdade pudesse arriscar a boa reputação da Investimentos International, eu não hesitaria um minuto e mandaria as consequências para o inferno.

Eu tinha de fazer alguma coisa a respeito de Eric —ela protestou.

Mas não precisava mentir. Se é capaz de tomar atitudes tão tolas em sua vida pessoal, eu me pergunto o que é que anda fazendo no trabalho.

Tal comentário atingiu-a em cheio.

Meu trabalho não merece críticas!

Exceto pela conta dos Dearfield, não é? — ele retrucou, sarcástico. — Bem, mas logo saberemos.

O que quer dizer com isso? — ela indagou apreensiva.

Quero dizer que pretendo analisar seu desempenho neste último ano. Se descobrir qualquer coisa errada, candidata ou não ao prémio LJB, você estará no olho da rua.

Ela levantou-se de um salto, pousando as mãos na cintura.

Se é assim que pensa, por que incomodou-se em casar comigo?

Acha que eu queria? — A raiva dele emergiu com toda força, refletindo-se em cada linha do rosto e nos lampejos dourados dos olhos. — Nosso casamento foi um meio inconveniente de salvar uma situação insustentável. E você, minha esposa acidental, é um estorvo temporário.

Como se atreve...

Ora, poupe-me de sua indignação — ele disparou. — Você me usou, na noite passada, tanto quanto eu a usei. O que foi mesmo que disse? Não era apenas por Eric, mas havia também um assunto particular que precisava solucionar, não é?

Aquele lembrete dele deixou-a estática. Como pudera se es­quecer de Krista e Keli?

—      É, sim — admitiu, a raiva cedendo tão rápido quanto surgira.

Bem, pelo menos Eric deixou de ser um problema. Nikki encarou-o, confusa.

Por quê?

—      Ele não vai insistir — Jonah afirmou, sucinto. — Depois do que presenciou aqui, não terá mais nenhuma dúvida de que somos casados e que nosso relacionamento é apaixonado. Se o conheço bem, ficará furioso por você não lhe ter dito a verdade sobre nós, mas irá sufocar quaisquer sentimentos que tiver a seu respeito.

Ela deu-lhe as costas, tentando evitar as lágrimas. Jamais tivera intenção de magoar Eric, quisera apenas reparar uma situação desagradável. Porém, tudo o que fizera até agora só servira para piorar as coisas.

Como vamos explicar nosso casamento a ele?

Diremos que ficamos noivos antes de eu partir para Londres, e que nos casamos pouco tempo depois, numa das vezes em que retornei aos Estados Unidos. Mantivemos tudo em segredo porque não queríamos que isso afetasse sua posição na empresa. — A voz dele adquiriu um tom cínico. — Diremos que foi tudo ideia sua. Ele vai acreditar.

Ela pressionou os lábios.

Continue.

Decidimos comemorar nosso primeiro aniversário de casamento no baile dos Montague, e planejávamos dar a grande notícia à família logo depois disso.

Você pensou em tudo — ela comentou, incapaz de esconder o ressentimento.

Bem, alguém tinha de pensar.

Pois fique sabendo que eu tinha pleno controle da situação. — Nikki virou-se para encará-lo. — Sua interferência era desnecessária.

Você tinha o controle? — Ele arqueou a sobrancelha, sarcástico. — De quê, por exemplo?

Assim que me casasse, eu...

Muito bem, vamos começar por aí. Nunca, em toda minha vida, presenciei algo tão maluco quanto este Baile de Cinderela. Você realmente pretendia casar com um perfeito estranho?

É claro que sim. — Ela fitou-o, tentando demonstrar descaso. — O que há de errado nisso?

Você ainda pergunta! — Jonah sufocou uma imprecação. — Não sabia de nada a meu respeito, nem mesmo o meu nome verdadeiro. Eu poderia ser um assassino... ou coisa pior.

O que pode ser pior do que um assassino?

Não me deixe tentado a lhe mostrar. Como pôde ser tão irresponsável?

Tenho certeza de que não havia nenhum assassino no baile — ela argumentou. — Os Montague organizam muito bem as coisas e fazem uma investigação completa de todos os convidados, antes de autorizarem a entrada.

Puxa, ainda bem.

O tom de ironia continuava presente na voz dele, mesclado com uma perigosa ameaça. Jonah estendeu a mão e pegou-a pelo braço, puxando-a para si. Ela emitiu um leve som de protesto, que ele simplesmente ignorou. Colando o corpo contra o dela, provocou-lhe um estremecimento. Nikki espalmou as mãos no peito nu, os dedos mergulhando na suave camada de pêlos, sentindo a firmeza dos músculos e a maciez de sua pele.

Joe... Jonah, por favor. Você não entende. Era perfeita­mente seguro.

É mesmo? Bem, para sua informação, minha querida esposa, eu não tinha convite algum. Entrei por aquela porta sem que ninguém fizesse nada para me impedir. Agora, diga-me novamente que todos os convidados foram investigados e que não havia perigo. Acha que sou seguro? Acha?

Nikki fitava os olhos castanhos, sentindo o poder da fúria de Jonah atingi-la em cheio. Queria afastar os olhos, mais do que tudo no mundo, mas não conseguiu.

Não — respondeu num sussurro, lembrando-se da tentativa de sedução da parte dele, quando chegaram ao hotel. — Você não é seguro. E provou isso, ontem à noite, sem sombra de dúvida.

Verdade? — Ele estreitou os olhos, considerando tal comentário. — Depois de trinta e tantas horas sem dormir, acho que qualquer pessoa é capaz de perder a noção das coisas. Não me lembro muito do que aconteceu antes de "apagar", exceto que...

Nada aconteceu! — ela interrompeu, defensiva.

Com um sorriso lento surgindo em seus lábios, Jonah en­laçou-a pela cintura, pousando as mãos em seus quadris.

Pois não é o que me lembro — disse. — Na verdade, minha última recordação é de ter adormecido recostado no travesseiro mais macio que já me ofereceram. — Baixou os olhos para os seios dela, percebendo que arfavam, agitados. — Não me incomodaria de tentar novamente.

Solte-me! — ela exigiu, mas Jonah apertou-a com mais força. Nikki aterrorizava-se com a ideia de que ele a beijasse, pois sabia que não teria forças para lutar, como sempre acontecia.

E ele também sabia.

Depois disso, não me lembro de mais nada — ele prosseguiu, no mesmo tom provocador. — Não me lembro de ter me despido, mas quando acordei de manhã eu estava sem sa­patos e sem camisa. Foi você?

Foi, sim.

Nikki desviou os olhos, incapaz de sustentar o olhar repleto de malícia. Depois do choque de vê-lo adormecer em seus braços, decidira que ele estava desconfortável demais, todo vestido. Ti­rar-lhe os sapatos não fora um grande problema, mas a camisa havia sido uma outra história... Cada botão que abria, revelando a pele bronzeada por baixo, provocara-lhe um estremecimento. Será que ele percebera o momento em que ela traçara, com a ponta do dedo, a musculatura firme de seu peito?

Arriscou um rápido olhar, mas a expressão dele nada reve­lou. Apertava-a com tanta força, colando o corpo contra o dela, provocando-lhe desejos que Nikki jamais conhecera antes.

Para seu alívio, alguém bateu na porta, livrando-a daquela doce tortura.

Acho que valeria a pena continuarmos esta conversa mais tarde — ele disse.

Pois eu acho que não — ela discordou, enrijecendo em seus braços. — Não vai abrir a porta?

Ainda estou pensando...

Não há nada o que pensar. — Nikki desvencilhou-se dos braços dele. — Só espero que sejam as suas roupas, e não Eric.

Eram as roupas. Depois de assinar a nota, Jonah virou-se para ela.

—      Com sorte, Eric deve estar compreendendo o motivo do nosso atraso, e ocupando-se em inventar uma desculpa para estar em Nevada. — Abriu os pacotes e tirou a toalha da cintura. — Você não vai se vestir também?

Sufocando uma exclamação, Nikki pegou a maleta e correu para o banheiro, batendo a porta com força. Precisou de cinco minutos para acalmar-se o bastante para ser capaz de se vestir, e mais cinco para aplicar a maquiagem necessária para dis­farçar os estragos de uma noite insone. Finalmente, voltou para o quarto usando um conjunto de saia e blusa, um traje com que normalmente ia ao trabalho, e os cabelos bem esco­vados, presos na nuca por uma presilha.

Depois de enviar-lhe um único olhar, Jonah balançou a ca­beça, desgostoso.

Nem pensar — foi só o que disse.

O que há de errado agora? — ela questionou, defensiva.

Você está parecendo minha secretária, e não minha esposa. — Aproximou-se e abriu vários botões na frente da blusa e removeu a presilha de seus cabelos. — A não ser que esteja trabalhando, você deve usar os cabelos soltos.

Por quê?

Estamos passando uma ideia, lembra-se? Criando uma imagem. Esta imagem é a de que somos casados e mal conseguimos manter as mãos afastadas um do outro. Quando entrarmos no restaurante do hotel, o primeiro pensamento que quero que Eric tenha é que acabamos de fazer amor e que, depois, vestimos as primeiras roupas que encontramos, a fim de nos reunirmos a ele. — Examinou-a com ar crítico. — Nenhuma jóia, exceto a aliança, e calce os sapatos que usou ontem à noite. Nos vestimos com pressa, lembra-se? Pronto, agora vamos.

Acabando de calçar os sapatos que ele indicara, Nikki pegou a bolsa e seguiu-o porta afora. A descida no elevador foi feita em completo silêncio. Momentos antes de a porta abrir-se, Jonah segurou-lhe o rosto entre as mãos e beijou-a, rápida e profundamente.

Odeio quando você faz isso! — ela protestou, assim que ele a soltou.

Se odeia tanto, pare de me agarrar pela camisa. E quando encontrarmos Eric, deixe tudo por minha conta, limite-se a concordar comigo. Entendido?

Não.

Pois faça, assim mesmo.

Ela assentiu, temerosa do que viria a seguir. Quando che­garam na entrada do restaurante, segurou-o pelo braço.

—      Jonah, espere. — Umedeceu os lábios, nervosa. — Por favor... não o magoe.

Ele fitou-a, friamente.

—      Acho que é um pouco tarde demais para pensar nisso, não é? Mas, se isso a faz sentir-se melhor, prometo que não lhe darei a chance de magoá-lo ainda mais.

Dito isso, pegou-a pelo braço e levou-a em direção do que, ela suspeitava, seria a conversa mais desagradável que teria em toda sua vida.

 

Oque quer dizer com "vamos para ' Chicago"? — Nikki protestou, quan­do entraram no saguão do aeroporto. — Preciso voltar para Nova York!

—      Você irá para Nova York — Jonah retrucou, juntando-se à pequena fila dos passageiros de primeira classe, — depois que passarmos em Chicago para ver meus pais.

Aquilo não era nada bom.

É mesmo necessário? — ela perguntou, num fio de voz.

E, sim. — Ele baixou os olhos para ela, interpretando corretamente sua reação. — Mas não se preocupe, é só deixar tudo por minha conta, mais uma vez.

E sofrer os mesmos olhares acusatórios e os silêncios car­regados que experimentara com Eric? Nem pensar.

—      É disso que tenho medo. Da última vez que deixei tudo por sua conta, acabei parecendo uma...

—      Mulher sem coração? Culpada? Traidora?

Ela enviou-lhe um olhar amargo.

Você está agindo assim de propósito, não é? Distorce tudo o que digo para seu próprio benefício.

Não estou distorcendo nada. Foi você quem se enroscou sozinha nesta teia de mentiras. Apenas estou tentando desfazer a confusão que você armou. E se neste processo você acaba parecendo pouco simpática, a culpa não é minha.

Ah, não? — Nikki pousou as mãos nos quadris. — Para sua informação, não fui a única mentirosa nesta história, Joe E tampouco estaria nesta enrascada se você não tivesse inter­ferido. Eu já estava com tudo planejado.

Ele emitiu um risinho sarcástico.

Quer dizer que chama de "plano" o fato de ter ido ao baile dos Montague?

Sim — ela afirmou, convicta. Depois, foi contando nos dedos:

 

Ir ao baile e encontrar um marido. Apresentá-lo no meu trabalho, com todas as honras. Eesolver um problema particular. E livrar-me de Eric delicadamente. Delicadamente. — Encarou-o.

Será que você conhece o significado desta palavra? Pois o homem com quem eu pretendia me casar teria de conhecer.

—      Já sei. Acrescentar outro personagem ao drama deveria simplificá-lo. Especialmente alguém que não conheça seu papel e nem suas falas. E nada menos que um cavalheiro, é claro.

—      A voz dele estava repleta de sarcasmo. — Agora, há uma contradição nestes termos.

Nikki mordeu o lábio para impedir o rápido fluxo de palavras que ameaçava transbordar. Sabia quando bater em retirada temporária a fim de salvaguardar seu orgulho. E, sem dúvida, aquele era o momento. Além disso, o café da manhã com Eric transcorrera exatamente da maneira que Jonah havia previsto, e fora o desastre irreparável que ela própria temera. Para sua presença em Nevada, Eric lhes dera a desculpa esfarrapada de estar visitando um cliente em potencial. Jonah repetira a história que inventara acerca do noivado e casamento. E ela ficara ali, engolindo seu café e tentando mostrar-se perdida­mente apaixonada por um dos irmãos, enquanto evitava o olhar intenso e magoado do outro.

Respirando fundo, perguntou:

O que vai dizer aos seus pais?

A verdade. No mínimo vai ser bom, para variar. — Tendo chegado a sua vez na fila, Jonah aproximou-se do balcão e entregou os bilhetes ao atendente. — Queremos fazer uma parada de uma noite em Chicago, antes de seguirmos para Nova York — disse. — Qual é o primeiro vôo de Chicago para Nova York, na segunda feira de manhã?

Não! — Nikki protestou. — Preciso estar em casa hoje à noite. Há pessoas me esperando!

Pois mude seus planos — ele retrucou, sem o menor sinal de simpatia. — Há um telefone público bem ali. Tenho certeza de que a incomparável Jan será capaz de reagendar seus compromissos sem sequer pestanejar.

Dando-se conta de que quaisquer argumentos seriam inúteis, Nikki fez o que ele sugeriu. Ligou primeiro para a irmã, dando à voz um tom leve e despreocupado.

—Só poderei voltar na segunda, pois os negócios aqui vão me tomar mais tempo do que o esperado. E... tenho uma surpresa para você.

—Para mim? — Krista indagou. — Ora, não precisava...

—Quero dizer, não é exatamente para você. É algo que tem a ver comigo, mas espero que você fique contente.

—O que é, Nikki? Me conte!

—Não posso. Acho que fui um pouco impetuosa e... — Nikki avistou as costas largas de Jonah e engoliu em seco. Fora muito impetuosa.

—      Você? Impetuosa? Não acredito!

—      Pois pode acreditar — Nikki afirmou. — Nos veremos na segunda feira, mas não sei exatamente a hora. E levarei minha surpresa comigo, está bem? Você vai adorá-lo. — Fez uma pausa, percebendo seu erro. — Isto é, vai adorar a supresa.

Krista recebeu a informação com um silêncio momentâneo.

Ah, Nikki... — disse, afinal. — O que foi que você fez?

Uma coisa maravilhosa — Nikki reafirmou, num tom confiante. Fechou os olhos, pensando: maravilhosa e aterrorizante. — Vejo você amanhã.

E vamos conversar sobre isso, não é?

Sim, é claro. Mande um beijinho para Keli. Tenho de desligar, agora.

Nikki?

Sim?

Não foi culpa sua. — Krista falava mais baixo, apressadamente. — Você não precisa passar o resto da vida tentando compensar um erro da juventude. Tem de parar de se culpar pelo que aconteceu. Não vale a pena arruinar sua vida por causa de...

Não estou fazendo nada disso — Nikki interrompeu-a, abrupta. — Só estou tentando cuidar de você e Keli. Vai dar tudo certo, prometo.

Tente cuidar de si mesma, para variar — Krista retrucou. — É tudo o que peço.

Vou fazer isso. — No devido tempo. Assim que tivesse assegurado o futuro de todos os seus familiares.

Está bem. — Krista emitiu um suspiro, do outro lado da linha. — Amo você, querida.

—      Eu também. Até amanhã, Krista.

Com os olhos ardendo pelas lágrimas, Nikki precisou de um minuto para se recompor, antes de dar o telefonema seguinte. Apesar de estar sendo incomodada em casa num domingo, Jan anotou as instruções para reagendar os compromissos de Nikki na segunda feira com a eficiência costumeira. Ela acabara de desligar quando Jonah aproximou-se.

Terminou?

Sim, está tudo certo.

Otimo. Precisamos nos apressar, nosso vôo sai daqui a quinze minutos.

Mas... você não vai ligar para seus pais e avisá-los da nossa chegada?

—      Posso fazer isso no avião. Vamos.

A viagem levou três torturantes horas, dando a Nikki tempo de sobra para refletir, embora ela passasse mais tempo se preocupando do que propriamente refletindo. Conhecera Loren Sanders quando fora contratada pela empresa e, desde então, vira-o apenas uma ou duas vezes. Apesar de ele ter-se mostrado um homem encantador, Nikki tivera a impressão de que era do tipo que não tinha muita paciência para tolices. Mas não conhecia a mãe de Jonah, exceto pelos comentários que ouvia no escritório. Histórias acerca do enorme charme e poder de sedução de Delia circulavam entre os funcionários regularmen­te. E só isso era o suficiente para deixar Nikki em pânico, diante da ideia de confrontar-se com os Sanders com sua idio­tice. Pois sabia, sem sombra de dúvida, que era isso que seria considerada: uma perfeita idiota.

Jonah estava certo. Ela fizera uma confusão total. Deveria ter forçado Eric ouvi-la e compreendê-la desde o início mas, em vez disso, montara uma mentira em cima da outra, até comprometer-se completamente. Até se admirava pelo fato de Jonah não ter revelado tudo a Eric. Porém, como ele mesmo salientara tão rudemente, se não fosse pelos danos em potencial na reputação da Investimentos International, bem como sua candidatura ao Prémio L.J. Bauman, ele a deixaria entregue ao seu destino sem pensar duas vezes.

Pelo menos Jonah não teria o que criticar a respeito de suas decisões nos negócios, pensou, numa tentativa de consolar-se. A despeito das ameaças que fizera de examinar os resultados

de seu trabalho minuciosamente, Nikki tinha certeza de que ele ficaria impressionado. Muito bem impressionado. E, com isso em mente, ela fechou os olhos a fim de descansar um pouco. Jonah baixou os olhos para a esposa. No instante em que ela adormecera, recostara-se no ombro dele, como fosse um lugar a que sempre pertencera. Para qualquer estranho que os visse, naquela posição de aconchegante familiaridade, pa­receriam realmente um casal.

Passou o dedo levemente pelo rosto adormecido, sentindo uma leve preocupação pelas linhas de cansaço que percebia em torno dos olhos dela. Sob aquele toque, Nikki suspirou, relaxando mais contra ele.

Com licença, sr. Alexander — a comissária de bordo in­clinou-se, falando baixo. — Estaremos pousando daqui a pouco. O senhor e sua esposa gostariam de um café?

Sim, obrigado — ele respondeu, assentindo. — Uma xícara sem açúcar para mim, e duas xícaras com bastante açúcar para minha esposa.

Nem incomodou-se em acordá-la, pois o aroma do café encar­regou-se disso. Ela abriu os olhos devagar, bocejou, espreguiçou-se.

—      Diga que não estou sonhando — murmurou, sonolenta.

—      Isso é mesmo café?

—      E, sim. E é todo seu.

Nikki bebeu a primeira xícara e, somente quando estava na metade da segunda pareceu dar-se conta de sua posição entre os braços dele. Endireitou o corpo, ruborizando e tentando fingir que nada acontecera. Mas Jonah não deixou passar em branco: com uma leve carícia afastou-lhe os cabelos do rosto, pensando que jamais tocara em algo tão macio e sedoso.

Sente-se melhor? — perguntou, em voz baixa, prendendo a mecha de cabelos atrás da orelha dela.

Sim, obrigada. — Nikki continuava evitando-lhe o olhar.

—Quanto tempo falta para chegarmos?

—Quinze ou vinte minutos.

A linha de preocupação, que ele havia lhe apagado dá face, tornou a surgir.

E iremos direto para a casa de seus pais?

Eles moram num apartamento. E, sim, vamos direto para lá. Não creio que haverá muito trânsito num domingo, portanto não levaremos mais do que uns quarenta minutos.

—Ah... — Ela umedeceu os lábios, reunindo coragem para fazer a pergunta que a atormentara nas últimas cinco horas.

—Você disse que iria lhes revelar a verdade. O quê, exatamente, pretende contar?

—Que Eric agiu como um tolo. Que você exagerou em sua reação. E que se eu tivesse tido a chance de dormir um pouco antes de me atirar nesta situação, teria resolvido as coisas com um pouco mais de sensatez.

Nikki lançou-lhe um olhar alarmado.

Você acha que foi um erro casar-se comigo, não é?

Foi uma solução extremada para um problema que não era tão grave. Mas não se preocupe, posso lidar com isso.

Uma sombra perpassou os olhos dela.

Não me casei com você só por causa de Eric, lembra-se? Tenho um outro motivo.

Foi o que você disse. Gostaria de me falar a respeito? — Jonah perguntou, percebendo que, qualquer que fosse o motivo, era evidente que a incomodava muito. E, por alguma razão, ela não parecia confiar nele o bastante para explicar os detalhes.

Prefiro esperar mais um pouco, se não se importa — ela respondeu. — É um tanto...

Particular, já sei. — Jonah arqueou a sobrancelha. — Espero que não me faça adivinhar. Com sua propensão para o caos, duvido que minha imaginação chegue a tanto.

Vou lhe dizer tudo... quando estiver preparada.

Espero que sim. Do contrário terei dificuldade em resolver o problema.

Não quero que resolva nada! — ela retrucou, ofendida.

      Sei cuidar dos meus próprios problemas.

      Já reparei — ele a interrompeu, antes que pudesse protestar mais. — Aperte o cinto, nós vamos aterrisar.

Quando retiraram a bagagem e pegaram um táxi para levá-los ao apartamento dos Sanders, a tarde já chegava ao fim. Delia abriu a porta assim que Jonah bateu, e abraçou-o com o entusiasmo de sempre.

      Estou tão contente por vocês terem vindo! O jantar estará pronto em uma hora, portanto há tempo suficiente para se refrescarem um pouco. — Sorriu para Nikki e estendeu-lhe a mão, com uma pontinha de reserva. — Deve ser a sra. Ashton, não é? Seja bem-vinda.

O nome dela é Nikki — Jonah intercedeu, preguiçosamente. — Nikki Alexander, para ser exato. Sra. Jonah Alexander.

Isso é demais! — Nikki virou-se para ele, fuzilando-o com um olhar. Todo seu rígido controle dissolvia-se sob o calor da fúria.

E esta era justamente a reação que Jonah havia esperado provocar, pois preferia mil vezes aquele fogo apaixonado do que a frieza que ela tentava exibir. E, conhecendo seus pais, sabia que eles também prefeririram.

Eu disse algo errado? — indagou, com um ar de falsa inocência.

Você... ainda pergunta? — ela disparou. — Será que não podia dar a notícia à sua mãe de maneira mais delicada?

Não faço nada com delicadeza, lembra-se? Boquiaberta, Delia acompanhava aquela discussão.

Vocês estão casados!

Mas, tomada pela raiva, Nikki continuava encarando Jonah, as mãos pousadas nos quadris. Achando-a mais linda do que nunca, Jonah relançou os olhos para a mãe, aliviado em ver que Delia parecia mais confusa do que chocada.

      Nem sequer lhe ocorreu a ideia de prepará-la primeiro, em vez de dar um susto em todo mundo com esta notícia? — Nikki questionou, no mesmo tom irritado.

Ele encolheu os ombros, lutando para manter uma ex­pressão séria.

Ora, não exagere. A única pessoa presente é a minha mãe. E eu prefiro ser rápido do que delicado.

Bem, isso é óbvio. — Nikki lançou-lhe um olhar reprovador. — Porém, considerando o seu ramo de trabalho, seria de se esperar que tivesse um pouco mais de diplomacia.

Nem sempre — ele confessou. — Há tempos descobri que, para ganhar dinheiro, é necessário talento e inteligência, e não tato.

Delia espiou por cima do ombro.

      Loren, é melhor você vir até aqui! — chamou.

Os olhos de Nikki reluziam, lançando faíscas ameaçadoras.

Você está fugindo do assunto — afirmou. — Você me disse que iria ligar para avisá-los de que viríamos.

Mas eu liguei... enquanto você estava dormindo. — Ela estava realmente brava, Jonah pensou. Talvez fosse efeito re­tardado de todo aquele café. — Avisei-os de que viríamos jantar.

Qual é o motivo dessa gritaria? — Loren perguntou, reunindo-se à esposa.

E foi só isso? Apenas "estamos chegando para jantar"? — Nikki continuava encarando-o, apontando-lhe o dedo em riste.

—Será que não podia ter acrescentado: "E, a propósito, Nikki Ashton e eu nos casamos, explico tudo quando chegarmos aí"?

Eles se casaram — Delia anunciou ao marido. — Jonah e Nikki.

Mas como podem ter-se casado? Ela já não é casada?

Está vendo? — Jonah falou, recostando-se no batente com um ar confiante. — Casamento é o tipo de notícia que os pais preferem ter pessoalmente.

No hall de entrada! — Nikki questionou, furiosa.

O lugar não importa. Tudo o que querem é compartilhar nossa alegria e felicidade.

Pois não parecem alegres nem felizes. Eles estão... ató­nitos — Nikki retrucou.

Eu não estou atónito — Loren resmungou para a esposa.

—Apenas um pouco confuso. Pensei que ela tivesse um caso com Eric.

Delia encolheu os ombros.

Bem, agora está casada com Jonah.

Não podia esperar que nos convidassem para entrar? — Nikki cruzou os braços, sem desviar os olhos dos de Jonah. —E, talvez, dar-lhes a notícia casualmente enquanto conversávamos, tomando um drinque?

Ele exibiu uma expressão falsamente contrita.

Acho que fui levado pela emoção do momento. Saiu sem querer.

Você, fazendo alguma coisa sem querer? — ela zombou. — Ora, não me faça rir. Você nunca age sem ter um bom motivo.

Loren olhava de um para o outro, franzindo a testa.

De quê eles estão falando? E o que aconteceu com o sr. Ashton?

Não existe nenhum sr. Ashton! — Nikki e Jonah falaram ao mesmo tempo.

Loren passou a mão pelos cabelos grisalhos.

—Ele não existe? Escutem, eu não estou entendendo nada.

Será que alguém poderia fazer o favor de me dizer o que diabos está acontecendo aqui?

Talvez fosse melhor continuarmos esta discussão lá den­tro, antes que os vizinhos comecem a reclamar — Delia sugeriu.

Excelente sugestão, mãe — Jonah aprovou.

Delia deu-lhes passagem para a sala de estar e foi fechar a porta. Um breve momento de tensão preencheu o ar, quando entraram na sala.

—      Que vista maravilhosa — Nikki comentou, numa tentativa de quebrar o gelo.

Delia ofereceu-lhe um sorriso tenso.

Você precisa ver quando está nevando.

Sim, sim... a vista é maravilhosa, a neve é maravilhosa! Más, agora me dêem uma explicação racional para tudo isso. Ou será que estou exigindo demais?

A culpa é toda minha — Nikki adiantou-se.

Acho que já lhe disse para deixar tudo por minha conta —Jonah avisou-a, ameaçador. Ela empinou o queixo.

Tudo bem, vá em frente. — Virando de costas para ele, concentrou-se na vista para o lago Michigan. Não se importava mais com a história que ele iria contar pois, de qualquer forma, os pais dele ficariam aborrecidos.

Vou tentar simplificar o mais que puder — Jonah começou. — Não há nenhum sr. Ashton. Nikki não era casada. Mas fingiu ser porque Eric estava fazendo avanços inoportunos. — Ouvindo a exclamação ofegante de Delia, balançou a cabeça.

—      Não, mamãe, não é o que está pensando. Ele só permitiu que uma "paixonite" perfeitamente compreensível levasse a me­lhor sobre o bom senso.

Loren franziu a testa.

Deixe-me ver se estou acompanhando... A fim de afastar Eric, a sra. Ashton, isto é, Nikki, inventou um casamento?

Exatamente — Jonah confirmou. — E foi aí que as coisas começaram a ficar fora de controle.

 

Pois eu diria que já estavam bem descontroladas.

Jonah trocou um olhar de concordância com o padrastro.

Sem comentários.

Será que podemos acabar logo com isso? — Nikki pediu.

—      Sei que fiz a maior confusão, não é segredo algum.

Jonah retomou a história.

—      Quando Eric continuou expressando sua preocupação a respeito da prolongada ausência do suposto marido de Nikki, ela decidiu retificar aquela situação. Ontem à noite, compareceu a um baile de casamento em Nevada, com a intenção de encontrar um marido.

Delia afundou no sofá;

Ah, minha pobre criança... Como pôde?

Parecia uma boa ideia, na hora — Nikki murmurou.

E o marido que ela encontrou fui eu. — Jonah fitou os pais, impassível. — Até que Eric fique curado desta paixão e possamos acertar os negócios em Nova York, Nikki e eu con­tinuamos casados. E vamos todos nos comportar como se fosse um casamento verdadeiro e permanente.

Bem, eu acho que vocês dois ficaram completamente loucos. — Loren aproximou;se do bar e serviu-se de uma dose de uísque. — E não quero tomar parte nisso.

Jonah olhou para a mãe e Nikki.

—      Gostaria de conversar a sós com Loren por um instante — disse.

Delia levantou-se e sorriu para Nikki.

—      Quer me acompanhar até a cozinha e checarmos como vai o jantar? — sugeriu.

Jonah esperou que as duas saíssem da sala e virou-se para o padrasto.

—      Mesmo que não concorde com minha decisão, espero contar com seu apoio — foi logo dizendo. — E espero que trate Nikki com todo o respeito que minha esposa merece. Se acha que não pode fazer isso, diga-me agora e eu vou embora.

Loren arqueou a sobrancelha.

—      Está falando sério?

Muito. Você chamou-me de volta para cuidar desta si­tuação, e é o que estou fazendo.

E a maneira como está cuidando disso que me preocupa.

Ponha a culpa no jet lag.

Loren balançou a cabeça, com um leve sorriso.

—      Mas, casamento? Jonah, você está realmente esperando que eu endosse um plano tão insensato?

—      Escute, Loren, nós temos de proteger a Investimentos International a todo custo, o que significa que não podemos demiti-la e, pelo menos por enquanto, não podemos transferi-la.

Então, o que sugere?

Pensei o seguinte... — Jonah bebeu um gole de uísque. — O Prémio LJB será entregue um pouco antes do Natal, portanto continuaremos assim até lá. Tenho um ótimo assistente em Londres, que pode encarregar-se das operações no exterior até depois das festas de fim de ano. Enquanto isso, ficarei as próximas seis semanas em Nova York, fazendo o papel de marido dedicado.

Loren enviou-lhe um olhar enviesado.

E o que estará realmente fazendo?

Vou examinar todos os relatórios de negócios de Nikki, e assegurar-me de que Eric não prejudicou nenhuma outra conta. Assim que julgar que tudo está sob controle, voltarei para Londres. Daremos um prazo de seis meses, depois disso. Então convenceremos a adorável srta. Ashton a pedir transferência para um local bem distante da influência de Eric, ou a encontrar emprego em outro lugar.

E uma solução um pouco dura demais para sua esposa, não acha?

Um lampejo de raiva surgiu nos olhos de Jonah.

Minha esposa é diretamente responsável por esta situação com Eric. Se tivesse lhe dito não, ou entrado em contato com qualquer um de nós quando surgiu o problema, não estaríamos metidos nesta confusão.

E o que vai acontecer quando a situação com Eric estiver resolvida?

Nikki e eu nos divorciamos — ele afirmou, indiferente.

Desta vez, sou eu quem vai falar — Nikki anunciou, com firmeza.

Ou, pelo menos, com a firmeza que conseguiria manter, con­siderando-se a incrível habilidade de Jonah para acabar fa­zendo tudo à sua maneira.

Veremos — Jonah retrucou, distraído. O táxi parou diante de uma belo sobrado de tijolos escuros e ele espiou pela janela do carro. — É aqui?

É, sim. Aluguei o primeiro andar, e nós ocupamos o segundo.

Nós?

Minha... minha irmã Krista e a filhinha dela, Keli. Elas moram comigo.

A foto em seu escritório.

Como...? — Nikki estreitou os olhos. — Ah, é claro! Você fez uma busca em minha mesa. Sim, aquelas são Krista e Keli.

Jonah descarregou a bagagem e pagou o motorista.

Há quanto tempo mora aqui? — perguntou enquanto subiam a escada da frente.

Desde sempre. — A resposta foi breve, pois Nikki ainda relutava em compartilhar sua intimidade com ele. — Krista e eu crescemos aqui.

Ele parou por um instante.

Presumo que você não lhe disse nada sobre nós.

Não. — Ela mordeu a pontinha do lábio. — E devo avisá-lo de que talvez ela não receba muito bem a notícia.

Não faz mal, já estou ficando acostumado. Ela é o seu outro motivo para querer casar?

É, sim. — Respirando fundo, Nikki admitiu: — Acho que deveria ter-lhe explicado antes.

Teria ajudado, mas não faz muita diferença para mim. Krista sabe que seu primeiro casamento era de mentira?

—      Sim, mas não deve saber que este também é. — Um súbito lampejo de alarme surgiu nos olhos dela. — Antes que eu me esqueça: não diga a ela, sob quaisquer circunstâncias, que você é irmão de Eric. Caso contrário, ela saberá imedia­tamente que há algo errado.

Jonah franziu a testa.

Então nos casamos por amor.

Isso mesmo. — Nikki olhava para a porta, ansiosa. — Estamos apaixonados. Louca e perdidamente apaixonados.

Já entendi. — Ele inclinou a cabeça para o lado. — Mas será que pode me dizer por quê? Qual é o nosso objetivo, aqui?

—Você não precisa saber disso. limite-se a bancar o recém-casado apaixonado. — Encarou-o, impaciente. — Consegue fazer isso?

—      É fácil.

Sem qualquer aviso, Jonah enlaçou-a e puxou-a contra o peito firme e musculoso. Antes que ela pudesse tomar fôlego para pro­testar, cobriu-lhe a boca com um beijo ardente. Perdendo com-pletamente a noção de onde estava, Nikki recostou-se na parede, em busca de apoio. E somente quando a porta da frente abriu-se de todo foi que percebeu que estivera apoiada na campainha.

—Tia Nikki! — a voz infantil exclamou. — Você chegou! Estava esperando desde... Ah!

—Jonah! — Nikki sussurrou apressada, empurrando-o pelos ombros largos. — Solte-me!

A garotinha começou a rir.

—      Mamãe, corre aqui! Tem um homem beijando a tia Nikki!

—      Meu Deus, então é isso! — uma outra voz juntou-se ao grupo.

Nikki conseguiu desvencilhar-se dos braços de Jonah e, vi-rando-se, enviou um sorriso sem graça para a irmã. No instante seguinte, quase perdeu o equilíbrio quando a sobrinha atirou-se em seu colo, dando-lhe um abraço apertado.

—      Qual é a surpresa? — Keli perguntou, ansiosa.

—      Acho que sou eu — Jonah confessou, abaixando-se para falar com a menina. — Você deve ser Keli. Eu sou seu tio Jonah.

Imobilizando-se por um segundo, Keli observou-o com atenção. O rostinho sério e compenetrado, emoldurado por uma cascata de cabelos ruivos e brilhantes, logo iluminou-se com um sorriso.

Oi! — disse. — Eu não sabia que tinha um tio.

Nem eu — Krista intercedeu, confusa. Estendeu a mão para Jonah, quando ele se levantou. — Meu nome é Krista Barrett, sou irmã de Nikki. E você é...? — Arqueou a sobran­celha, em dúvida.

Jonah Alexander — ele falou, cumprimentando-a comum aperto de mão. — Seu cunhado.

Ah, meu Deus!

Vamos todos entrar — Nikki adiantou-se. — Recuso-me a ver novamente esta cena na porta de entrada. E melhor conversarmos lá dentro.

Com um encolher de ombros, Jonah pegou as malas e entrou. Keli saltitava atrás dele, analisando o novo tio com indisfar-çável curiosidade.

Krista segurou o braço da irmã assim que passaram pela porta.

O que está acontecendo? — indagou, baixinho.

Eu me casei.

Desta vez é de verdade? — Krista insistiu, sem tentar esconder a preocupação. — Não é outro plano que inventou para afastar Eric Sanders, não é?

O casamento é de verdade — Nikki afirmou, respirando fundo e esforçando-se para dar um tom de entusiasmo e convicção à voz. — Estamos apaixonados, Krista. Perdidamente apaixonados. E o casamento é para valer. "Até que a morte nos separe".

Krista franziu a testa.

Ahn-anh...

É verdade!

Nikki enviou um olhar incerto para Jonah, que estava pa­rado na sala ouvindo o tagarelar incessante de Keli.

Esta aqui é a sala de estar — a menina dizia. — A gente deixa sempre arrumada para a tia Nikki. Ela trabalha muito, sabe, e eu a ajudo quando guardo meus brinquedos no meu quarto.

O quarto que você divide com sua mãe? — ele perguntou.

Como sabe disso?

Adivinhei. — Uma estranha expressão surgiu no rosto dele.

Bem — Krista adiantou-se, ainda atónita —, acho que isso merece uma comemoração. Tenho certeza de que há uma garrafa de champanhe em algum lugar. — Olhou para Jonah. — Seu nome não me é estranho. Será que o conheço de algum lugar? Você mora na vizinhança?

Não, você não o conhece. E ele não mora por aqui — Nikki apressou-se em responder. — Acabou de voltar do ex­terior e, como não tem para onde ir, vai ficar aqui conosco.

Acho que ficaremos um tanto apertados, aqui — Krista observou. Depois, sugeriu: — Talvez eu possa falar com minhas amigas, e encontrar outro lugar para morar.

Nikki fingiu uma expressão pensativa.

Sim, esta é uma possibilidade. Mas não há pressa.

Pressa nenhuma — Jonah intercedeu, com frieza. — Na verdade, preferimos que você e Keli fiquem aqui mesmo. Nós nos mudaremos para meu apartamento.

Nikki fitou-o, boquiaberta.

Mas...

Eu estava guardando esta surpresa como presente de casamento, querida. Krista, esta casa é toda sua — Jonah declarou, num tom que não admitia recusas. — Só passamos para lhes dar as boas novas e pegar algumas roupas de Nikki.

—      Segurou-a firmemente pelo braço, quando ela fez menção de protestar. — Não é mesmo, amor?

—      Estou tão feliz por você ter deixado tudo por minha conta — ela retrucou, vendo seus planos se dissiparem como fumaça no ar. Ciente do olhar preocupado de Krista, acrescentou: — Querido.

—      Foi um prazer... — Jonah esboçou um sorriso frio. — Meu amor.

 

Como é que pôde fazer uma coisa des­sas? — Nikki inquiriu, furiosa.

Eu? Como é que você pôde?

Ora, você não entende.

Pois não entendo mesmo! — Jonah disparou, praticamente jogando a bagagem dentro do amplo elevador. — Krista pertence à sua família. Isso não significa nada para você?

É claro que sim...

E você ainda queria atirar sua própria irmã, e sua sobrinha, para fora de casa?

Jonah virou-se para confrontá-la e o interior do elevador, antes tão espaçoso, pareceu encolher. Não era uma sensação das mais agradáveis.

Jamais obrigaria Krista a sair de casa — insistiu.

Mas tornaria as coisas tão desconfortáveis que ela acabaria tomando esta decisão sozinha, não é? — O desprezo na voz dele era cortante, destroçando o autocontrole de Nikki. — E posso apostar que vocês duas moraram naquela casa por toda a vida.

Ela não atreveu-se a responder, sabendo que a resposta iria incitá-lo ainda mais.

—      Krista não quer mais morar comigo — tentou explicar. — Ela quer mudar-se para a casa de uma amiga. Só estou tentando dar-lhe uma chance de sair sem preocupar-se comigo.

Os olhos dele flamejaram.

Ah, que bela chance! Mostrando-lhe a porta da rua!

Isso não é verdade! O problema é que ela não queria se mudar para não me deixar sozinha. Krista tem essa ideia ma­luca de que me deve alguma coisa.

Jonah cruzou os braços, com a intenção explícita de intimidá-la.

—E quem lhe deu esta ideia? Foi você?

Nikki não iria se abrir, por mais que ele quisesse forçá-la.

Não me importo com o que você pensa — disse, tensa. — Desde o início eu lhe disse que precisava de um marido para resolver dois problemas.

Eric e um problema particular, se bem me lembro. — Jonah lançou-lhe um olhar cortante. — Se eu tivesse a mínima ideia do que este problema particular envolveria, ou de como você planejava resolvê-lo, não teria me casado com você.

E se eu soubesse que você acabaria interferindo em algo que não é da sua conta, tampouco teria me casado — ela disparou de volta, com a irritação crescendo. — Krista e Keli são as pessoas mais importantes na minha vida...

Ele interrompeu com um risinho irónico.

Você demonstra isso de um modo bem engraçado.

Deixei que você "lidasse com Eric da forma que achou melhor — ela argumentou. — Por que não permite que eu faça o mesmo?

Porque existe uma grande diferença, aqui. Eu estava pensando nos interesses de Eric.

Exatamente o que estou tentando fazer com Krista! Se você tivesse me deixado agir como eu queria, tudo teria dado certo. Mas, agora, você estragou tudo o que me custou tanto trabalho para planejar. Todo esse trabalho, todas as despesas que tive para me casar... não adiantou nada. Nadai E você é o culpado!

Jonah virou de frente para as portas do elevador, cerrando os dentes.

—      Está certo, a culpa é minha. Posso viver com isso.

A raiva explodiu dentro dela com a força de um incêndio. Embora se obrigasse a aplacá-la com sua frieza e lógica de sempre, Nikki descobriu que, pela primeira vez em muito tem­po, não conseguia.

Você não tinha o direito de intrometer-se! Nenhum. Planejei tudo cuidadosamente, tentando cobrir cada desculpa que ela pudesse inventar. E, graças a você, meus planos estão arruinados!

E acha que me importo com isso? — Ele girou o corpo e encarou-a. — Não espere que eu lhe peça desculpas por proteger Krista e Keli de suas maquinações. Estou muito contente por haver interferido.

Você não entende! — Nikki fechou os olhos para ocultar a frustração.

Por causa de Jonah, Krista não se mudaria tão cedo, isso era evidente. Por que deixaria o ninho, se era mais conveniente e seguro ficar? Por que arriscar-se num mundo cruel, quando poderia usar Nikki como uma desculpa perfeita para perma­necer onde estava? Nikki precisava dela. Ela devia a Nikki. Nikki salvara sua vida.

Agora ela jamais sairá de casa — disse, baixinho.

Ainda bem.

Ainda bem? — Ela fitou-o, incrédula. — O que acha que farei quando nosso casamento acabar? Não poderei mais morar com Krista. Ela nunca tomará as rédeas da própria vida, se eu o fizer.

Tudo o que fiz foi evitar que você atirasse sua irmã e sua sobrinha na rua. — As portas do elevador abriram-se e Jonah pegou a bagagem, levando-a para a porta de entrada do apartamento. — Por que Krista não pode continuar morando na casa? Toda criança precisa de um lar estável, de um lugar que possa chamar de seu. Quando nos divorciarmos, você pode ir para um apartamento. Algo mais do seu tipo, imaculado, onde não precise se preocupar com uma criança espalhando brinquedos pela sala.

Você ainda não entendeu — ela repetiu.

Tem razão, eu não entendo. — Jonah abriu a porta e pegou-a no colo.

O que está fazendo?!

Carregando minha esposa pela soleira da porta. Bem-vinda ao lar, sra. Alexander. — Deixou-a novamente no chão.

—      Mas trate de não se acostumar.

Nikki piscou os olhos, tentando afastar o ardor que as ines­peradas lágrimas lhe provocaram. Dando-lhe as costas, para que ele não percebesse o quanto a magoara, atravessou o hall em direção da sala de estar. Uma fileira de janelas envidra­çadas forneciam um panorama magnífico de Manhatan. A mo­bília fora cuidadosamente arranjada para aproveitar aquela vista, embora pretendesse criar uma atmosfera de aconchego. Era uma sala linda, caríssima e extremamente fria.

Deve ser muito caro manter um lugar destes enquanto você está em Londres — comentou, sem se virar.

O apartamento pertence à Investimentos International —      ele explicou. — Usamos para hospedar os clientes que vêem de fora.

Loren e Delia não fazem objeções quanto a ficarmos aqui?

Esta decisão é minha. Por que iriam objetar? Nikki virou de frente para ele, curiosa.

Mas Loren não é o presidente da empresa? A decisão não seria dele?

Você não está sabendo?

De quê?

Eu sou o presidente da empresa. Admito que foi uma mudança recente mas, ainda assim, uma pessoa na sua posição deveria estar a par disso.

Eric nunca me disse nada e presumi que... — Ela encolheu os ombros. — O erro foi meu.

Um dentre muitos, eu diria.

Nikki recusou-se a permitir que ele tornasse a irritá-la.

Muito bem, e agora?

Agora vamos almoçar e, depois, para o trabalho. Imagino que Eric tenha ido ao escritório logo cedo e espalhado a notícia do nosso casamento. Quando chegarmos, iremos apresentá-la como a sra. Alexander, aceitaremos os cumprimentos dos fun­cionários, ignoraremos os olhares e cochichos curiosos, e mer­gulharemos no trabalho.

E o que vai acontecer depois que fizermos o grande anúncio? — ela indagou. — Isto é, o que acontecerá quando você voltar para a Inglaterra?

—      Só voltarei depois dos feriados de fim de ano. Temos tempo de sobra para discutir nossas opções.

Nikki estreitou os olhos.

Por que tanto tempo? No baile dos Montague você disse que ficaria aqui somente algumas semanas.

Meus planos mudaram depois que nos casamos.

Por quê? — ela repetiu.

Pareceria um tanto estranho se seu marido não estivesse presente na sua grande noite. — Ao ver a expressão confusa no rosto dela, Jonah acrescentou: — O Prémio LJB, você sabe.

Com todos os acontecimentos dos últimos dias, Nikki esquecera completamente a cerimónia de premiação. Mas ele não esquecera. Com uma compreensão súbita e devastadora, ela percebeu que sua indicação deveria ter tido um peso importante na decisão dele de se casar, quando Eric aparecera de repente no baile.

—A Investimentos International não poderia perder uma indicada ao prémio, não é? — perguntou.

Eu preferia que não.

Mas... e se a indicada não ganhar? O que acontece? Jonah inclinou a cabeça para o lado.

Ainda não sei — admitiu com franqueza. — Gostaria de ver a qualidade do seu trabalho, antes de tomar uma decisão.

Pois não vai se desapontar — ela afirmou, confiante. — Eu sou boa no que faço.

Mas ele não se mostrou muito convencido.

—      Veremos — disse.

Krista hesitou diante do balcão de recepção da Investimentos International, incerta se deveria se apresentar antes de ir à procura de Nikki. Porém, desde que não havia ninguém ali, não tinha como pedir instruções.

Nunca precisara incomodar a irmã no trabalho, mas as três últimas semanas haviam sido incomuns. Algo não estava certo. Nas poucas vezes em que estivera no novo apartamento de Nikki não tivera chance de uma conversa a sós e, por isso, decidira procurá-la ali na empresa. Agora, reparando num grupo de pes­soas reunido no final do corredor, próximo a uma grande porta dupla, encaminhou-se até lá a fim de pedir informações.

Com licença — disse, tocando levemente o ombro de um homem alto e de cabelos castanhos claros.

Shh... — Ele fez um gesto para silenciá-la, sem se virar. — Não quero perder isso aqui. Parece bom demais.

O que... — Krista começou, mas logo calou-se. Ouvia os gritos vindos do outro lado da porta. Meu Deus, aquela voz era de... Nikki!

Como teve coragem de entregar a conta dos Stamberg a outra pessoa? — sua irmã sempre controlada e fria como gelo gritava. — Esta conta é minha!

Bem, agora é de Meyerson — uma voz masculina trovejou de volta.

Krista ficou boquiaberta. Se não estava enganada, aquela voz era a do cunhado que ganhara três semanas atrás. Franziu a testa, confusa. Não sabia que ele trabalhava com Nikki.

—      Meyerson? Aquele idiota? Ele mal sabe encontrar a própria sala, quanto mais organizar um portfolio tão complicado como o dos Stamberg. Pensei que você quisesse incrementar os negócios da empresa!

E quero.

Pois bem, então escreva o que eu digo: assim você não vai conseguir.

—      Parece que você se esqueceu de quem trabalha para quem, por aqui — Jonah disparou, irónico.

—      Duvido que este problema se prolongue por muito tempo.

O que diabos isso significa?

Significa que se você continuar tomando decisões estúpidas como esta, não terá mais de se preocupar com funcionárias im­pertinentes, portfolios, contas, ou com quem trabalha para quem. Porque a Investimentos International acabará falida!

Você não sabe o que está falando.

De uma coisa eu sei: entregar esta conta a Meyerson é o pior erro que você poderia cometer.

Meyerson pode duplicar os lucros de Stamberg.

Ora, não me faça -rir. Meyerson é incapaz de duplicar a própria idade!

Quer fazer uma aposta? Ou será que você é do tipo que só fala e não age?

Você quer ação? Pois muito bem, é o que vai ter. Meyerson não apenas será incapaz de dobrar os lucros de uma única ação dos Stamberg, mas também acabará perdendo dinheiro nos poucos investimentos que já são feitos.

E se você estiver errada?

Então eu... eu vou...

O quê?

Vou dançar nua em cima da sua escrivaninha! — Krista ouviu a irmã declarar em alto e bom som. — Mas, se você perder, fará o mesmo na minha mesa!

Um murmúrio coletivo perpassou o grupo que entreouvia a discussão, e Krista recostou-se na parede, com um misto de choque e divertimento. Ali estava um lado de Nikki que ela jamais imaginara existir.

O que eu não daria para ver esta cena — um dos homens comentou, em voz baixa.

Fique quieto, Bently — o homem de quem ela havia se aproximado retrucou.

Ah, meu Deus... — gemeu um outro integrante do grupo, com uma calvice incipiente. — O que vou fazer agora?

É melhor ganhar a aposta, Meyerson, ou Alexander irá pedir sua cabeça numa bandeja — Bently avisou.

Após vários minutos de silêncio atrás da porta, Krista ouviu uma cadeira sendo arrastada.

—      Então estamos de acordo — Jonah falou. — Prepare-se para perder, minha querida esposa.

—      Hah! Você não tem a menor chance de ganhar esta aposta. A voz dela elevou-se à medida que se aproximava da porta, e o grupo se dispersou rapidamente. O homem que mandara Bently ficar quieto virou-se, pegando Krista de surpresa.

—      Não fique aí parada — disse, segurando-lhe o braço. Abriu a porta mais próxima e praticamente empurrou-a para dentro. — Nikki não vai gostar nada se souber que estávamos ouvindo a discussão.

Ele postou-se na frente dela, encostando-a contra a parede, e Krista teve dificuldade em respirar. Fechou os olhos sob a inesperada sensação que a invadia, uma sensação que não ex­perimentava há quase sete longos e solitários anos.

Por favor... — começou.

Espere um pouco — ele cochichou-lhe ao ouvido. Abriu uma fresta da porta e espiou no corredor. — Aí vem ela.

Ah, é mesmo? — Nikki estava dizendo, com uma fúria evidente. — É o que veremos!

Uma porta abriu-se e bateu com um estrondo. Nikki passou pelo corredor com o rosto vermelho. Nunca parecera tão linda e cheia de vida, Krista pensou.

A porta foi aberta novamente e Krista avistou Jonah de relance.

—Sim, veremos! Enquanto isso, vá preparando seu striptease! — Jonah bateu a porta, acentuando a declaração final.

Krista mexeu-se em seu canto apertado.

Pode me dar licença?

Ah, desculpe — ele disse, afastando-se no mesmo instante. Olhando-a, franziu a testa. — Tenho a impressão de que a conheço de algum lugar.

—      Creio que não. — Ela sorriu e estendeu-lhe a mão. — Meu nome é Krista Barret, sou irmã de Nikki.

Ele piscou, surpreso, e começou a rir.

—      Está brincando! Pois eu sou Eric Sanders, irmão de Jonah.

Ela encarou-o, atónita. Aquele era o homem que se apaixo­nara por Nikki? Que a colocara numa situação tão incómoda a ponto de ter de inventar um marido? E era irmão do marido verdadeiro de Nikki? Algo muito estranho estava acontecendo ali, não podia ser apenas coincidência. E isto talvez significasse que o casamento de Nikki não seria o simples encontro de amor que ela tanto proclamara.

Krista olhou para Eric com curiosidade. Talvez ele soubesse o que estava havendo e lhe desse uma pista.

Olhe, sei que isso é um tanto inesperado mas... gostaria de almoçar comigo? — ele convidou, antes que ela tivesse chan­ce de falar.

Não sei — Krista respondeu. — Eu pretendia conversar com Nikki.

Ele sorriu, um sorriso de menino, encantador.

Não acredito que este seja o melhor momento de falar com ela, concorda?

É, tem razão. — Ela observou-o, achando sua delicadeza e seu charme impossíveis de resistir. Além disso, aquele almoço lhe daria a oportunidade perfeita para obter informações. — Tudo bem, então vamos.

Otimo! — Um sorriso caloroso, mesclado com algo que Krista identificou como um evidente interesse masculino, surgiu na expressão dele. Eric começou a abrir a porta, mas parou, hesitante. — Acho que tenho de lhe dizer que já estive muito atraído por sua irmã. Mas nada aconteceu, você entende.

Ela tentou ocultar um sorriso divertido.

Sim, eu entendo.

Mas, sabe? Acabei de perceber uma coisa.

O quê?

Embora Nikki seja perfeita para Jonah, teria sido um pouco demais para mim. Além disso, ela é uma mulher de negócios, seguindo uma carreira, e eu gostaria de uma esposa mais tradicional. — Um sorriso lento surgiu nos lábios dele, enquanto abria a porta. — Então me diga, Krista, você gosta de crianças?

Ela riu.

      E uma pergunta interessante.

Nikki entrou no escritório e bateu a porta atrás de si. Nunca, em seus vinte e oito anos de existência, estivera tão furiosa. E tudo por causa daquele homem impossívelmente irritante.

Seu marido.

Andou de um lado para outro da sala, lutando para recobrar o controle. Mas não adiantou. Tampouco adiantou ficar olhando pela janela, nem organizar seus arquivos já tão bem organizados, nem arrumar a mesa impecável. Somente uma coisa conseguiria acalmá-la, concluiu. Com um leve sorriso, atraves­sou a sala e pegou uma caixa de papelão num dos armários. Retirou o conteúdo da caixa e foi colocando no chão, com uma precisão quase militar: um frasco de adubo para plantas, luvas, pazinha de alumínio, tesoura, vários vasos de cerâmica e um avental. Depois, voltou à janela e pegou suas plantas.

Estas lhe haviam sido entregues pôr vários funcionários seus, que tinham uma coisa em comum: nenhum jeito com plantas. Ela, ao contrário, sentia um prazer incrível em cuidar delas, tor­nando-as fortes e vigorosas novamente, antes de devolvê-las aos seus donos. E, como sempre acontecia quando lidava com plantas, a intensidade de suas emoções foi-se aplacando, a raiva dissi­pando-se até que se sentisse outra vez no controle.

Uma hora depois, passado o horário do almoço, acabou de transplantar o último vaso. Sentindo-se bem mais relaxada, juntou o equipamento, tirou as luvas e analisou o resultado do trabalho. Assentiu, satisfeita, concluindo que dois deles po­deriam ser devolvidos ainda naquela semana. Quando acabava de guardar seu material, o telefone tocou.

Nikki Ashton — falou sem pensar, e fez uma careta. — Isto é, Alexander.

Nikki, querida, aqui é Selma.

Olá, tia Selma. — Ela afastou uma mecha de cabelos do rosto e sorriu com genuíno prazer. — Como vai?

Muitíssimo bem. Excitada. E precisando urgentemente de um conselho.

Nikki animou-se.

Você sabe que estou sempre disposta a ajudar.

É claro que sei, querida. É por isso que estou sempre ligando para você.

Então, o que há de novo?

Ernie e eu recebemos uma oferta maravilhosa. — A voz de Selma refletia sua agitação. — Mas gostaríamos de discuti-la com você, antes de nos decidirmos.

Uma parte do prazer de Nikki se dissolveu. Aquilo não lhe parecia nada bom. Raramente as ideias de Selma e Ernie eram boas.

Por que não vem ao meu escritório amanhã? Na hora do almoço?

Não, não... Tem de ser ainda esta noite. Estamos muito ansiosos e não queremos esperar mais. Aliás, o tempo é pre­cioso. Iremos até a sua casa.

Nikki endireitou o corpo, enrijecendo.

Não creio que...

Krista disse que seu apartamento é maravilhoso e nós adoraríamos conhecer o seu marido. Já basta o que você fez, casando às escondidas e nos privando do prazer de uma bela festa! — Após uma ligeira pausa, Selma acrescentou: — A que horas, querida?

Nikki pensou rápido.

Que tal às seis? — sugeriu, incapaz de inventar uma desculpa razoável.

Seis horas está ótimo. Até lá, querida.

Desligando o telefone, Nikki recostou na cadeira. Daria tudo certo, pensou, numa tentativa de se tranquilizar. Se tivesse sorte, Jonah ficaria no escritório até mais tarde e ela poderia receber os parentes sem a intromissão dele. E seria bom mesmo que ele não se intrometesse... não com tia Selma e tio Ernie, pessoas com quem ela tinha de lidar com luvas de pelica.

Fechou os olhos, sentindo a tensão retornar. Talvez fosse melhor voltar aos seus vasos de plantas, pensou, suspirando.

Tudo o que precisamos é entrar com cinquenta mil dólares e teremos a franquia exclusiva — disse Selma, esfregando as mãos com entusiasmo.

Mas esta é uma oferta por tempo limitado — Ernie acrescentou. — Se não tivermos o dinheiro até depois de amanhã, perdemos este barco.

Pois este é um barco que valeria a pena perder — Nikki resmungou, baixinho.

O que foi, querida? — Selma indagou, ansiosa.

Preciso anotar a data — Nikki falou, mais alto. — Escreveu num bloquinho de notas. — E qual é o nome deste homem?

Timothy T. Tucker. Uma pessoa encantadora, não é, Ernie?

Ele realmente sabe o que está fazendo — Ernie concordou. — Nos deixou até zonzos! Da maneira como ele calculou, te­ remos nosso investimento triplicado em menos de um ano!

Nikki largou a caneta.

      Tio Ernie, nem eu consigo fazer isso. Ele deu-lhe uma palmadinha na mão.

      Sim, querida, nós sabemos. Mas não vamos culpá-la por isso.

      Você faz o melhor que pode, tenho certeza — Selma animou-a. — Temos muito orgulho de você.

Nikki gemeu.

Como conheceram este homem? O que sabem sobre ele?

Ele apareceu na nossa lanchonete, surgido do nada.

Nosso dia de sorte, esta é que é a verdade — Ernie proclamou, cruzando as mãos sobre a barriga. — Ele entrou, olhou em volta e soube que tínhamos ali um negócio lucrativo.

Posso apostar que sim — Nikki murmurou.

Provavelmente o homem observara o movimento, fizera al­guns cálculos rápidos sobre a renda mensal que obtinham, fizera algumas perguntas aos seus ingénuos tios e... voilál O nascimento de belo golpe.

Mas foi tudo muito inocente. Ele estava interessado em abrir um negócio em nossa área e curioso em saber o valor dos aluguéis.

E, é claro, tivemos de admitir que não sabíamos — tio Ernie intercedeu. — Desde que somos donos do nosso estabe­lecimento, desconhecemos o valor atual dos aluguéis.

Mas se ele está vendendo estas franquias, por que precisa alugar uma loja? — Nikki indagou, exasperada.

Para fazer com que as pessoas se interessem em comprar a Caixa Milagrosa, é óbvio.

Isso não faz sentido, tio Ernie — Nikki insistiu, mesmo sabendo que os tios não davam muita importância para lógica, razão e bom senso. — Se vocês têm a franquia para vender esta caixa, por que ele abriria uma...

Selma tocou-lhe a mão, interrompendo-a.

Não se sinta mal, querida. Também ficamos confusos, de início. Mas o sr. Tucker foi tão paciente, nos explicando tudo. Não foi, Ernie?

Respondeu a cada uma das nossas perguntas. Explicou sobre patentes, fazendo com que todos aqueles termos técnicos parecessem compreensíveis. — Ernie sorriu, orgulhoso. — Ora, agora posso falar sobre módulos de fax e componentes a cabo com qualquer especialista.

Estou vendo. — Nikki pegou a caneta e o bloco e começou a escrever. — Será que ele lhes entregou um cartão de visita, ou algo assim?

É claro. — Ernie tirou um cartão da carteira. — Ele deve estar se saindo muito bem. Veja só, o cartão é da melhor qualidade.

De onde será que ele tira tanto dinheiro? — Nikki perguntou, sem se surpreender pelo fato de os tios não captarem o sarcasmo em sua voz.

De ideias como esta da Caixa Milagrosa, imagino — Ernie respondeu, pensativo.

E como vocês irão vender estas caixas e cuidar da lan­chonete ao mesmo tempo?

Gordie e Cal vão nos ajudar.

Nikki fechou os olhos e suspirou. Deveria ter desconfiado que seus primos estariam envolvidos. Quando se tratava de um plano de investir muito dinheiro com pouco ou nenhum retorno, eles eram sempre os primeiros da fila. E seus tios, os segundos.

Então, o que acha? — Ernie perguntou, ansioso. — Podemos conseguir o dinheiro?

Nem pensar — Nikki respondeu de imediato.

Ah, Nikki, por favor. Não estamos pedindo demais, e realmente precisamos do dinheiro. — Selma remexeu na bolsa à procura de um lencinho e enxugou os olhos lacrimejantes.

—      Se não quer fazer por nós, pense em seus pobres primos. É uma oportunidade que não tornará a surgir na vida deles.

Nikki gemeu novamente.

Seria bom demais para ser verdade.

Temos uma aplicação que irá vencer na próxima semana —         Ernie lembrou-a. — Não podemos fazer um empréstimo sobre ela?

—      Já tenho um outro investimento agendado para este di­nheiro— ela respondeu.

—      E quanto a nossa poupança? Não temos o suficiente? Nikki balançou a cabeça.

Pensei que estavam economizando para abrir uma filial da lanchonete.

Isso pode esperar. Ora, com o dinheiro que conseguiremos nas vendas da...

Não.

Mas, por quê? — Selma desmanchou-se em lágrimas. — Pensei que o dinheiro fosse nosso!

E é mesmo — Nikki admitiu, desconfortável.

Então por que não podemos gastá-lo da maneira que queremos?

Vocês podem. — Jonah entrou na sala, intrometendo-se.

—      Não podem, Nikki?

 

Não, eles não podem! — Nikki retru­cou. — Fique fora disso, Jonah. Você não entende o que está acontecendo.

—      Bem, isto não é nenhuma surpresa. — Ele deixou o casaco no braço de uma poltrona e a pasta no chão. — Parece que tenho uma "queda" para o desentendimento.

Um rubor de raiva coloriu as faces de Nikki e seus olhos reluziram com um aviso cor de violeta. Jonah sorriu, satisfeito. Se a provocasse um pouco mais, ela perderia totalmente o controle, como acontecera naquela manhã. E ele adorava quan­do a fachada fria e controlada se desmanchava sob o fogo vi­brante que ela continha dentro de si.

Se não se importa, nosso assunto é particular.

Mas é claro que me importo, querida. Você ainda não nos apresentou. — Jonah aproximou-se e estendeu a mão, imaginando quem seriam aquelas pessoas. — Sou Jonah Alexander, marido de Nikki.

Ernie e Selma Crandell. — Todos trocaram apertos de mão, antes de Ernie prosseguir: — Você deve ser mesmo muito ocupado. Estamos tentando nos reunir para conhecê-lo desde que Nikki nos contou sobre o casamento, mas você sempre tinha um compromisso anterior.

É mesmo? Pois eu nem estava sabendo disso. — Jonah lançou um olhar para a esposa. — Querida, você deveria ter insistido comigo. Se eu soubesse que seus... — interrompeu-se, aguardando a explicação.

Tio e tia — ela cochichou.

—      Sim, que seus tios estavam ansiosos por me conhecer, teria encontrado um tempo disponível.

—      Bem, já que vocês não puderam estar conosco no feriado de Ação de Graças, talvez possamos nos reunir no Natal — Selma sugeriu, cautelosa. — Ou será que você tem outro compromisso? Nikki não soube dizer com certeza.

Jonah estreitou os lábios. Era evidente que Selma não sabia que ele jamais ouvira falar a respeito deles, quanto menos sobre um convite para uma reunião de família. Ernie, entre­tanto, não parecia tão ingénuo.

Talvez este não seja o melhor momento para decidir — disse, um tanto desconfortável. — Não pretendemos ser insistentes.

Ora, nada disso! — Jonah olhou para Nikki e, embora ela evitasse seu olhar, não pôde disfarçar o rubor de culpa. — Vou fazer o possível para arranjar um tempo livre. Na verdade, farei uma anotação especial em minha agenda.

Ernie assentiu, animando-se.

Otimo. Desde que somos a única família de Nikki e Krista, tentamos fazer o máximo nas festas de fim de ano. Minha esposa e a mãe delas eram irmãs, como sabe.

Eram?

Ernie enviou um olhar curioso à sobrinha.

Ela esqueceu de mencionar?

Parece que Nikki se esqueceu de mencionar muitas coisas — Jonah observou, friamente.

Ah... Bem, os pais de Nikki morreram num acidente de barco, há oito anos — Ernie explicou. — Ela era apenas uma adolescente, pobrezinha.

Nem adolescente, nem pobrezinha — Nikki apressou-se em corrigir. — Eu tinha vinte anos, estava na faculdade e era muito independente.

Oito anos atrás... — Jonah olhou-a, pensativo. Nikki sentou-se, tensa e nervosa. Toda a cor que antes coloria seu rosto desaparecera subitamente e o desejo de protegê-la de um assunto que, sem dúvida, era muito doloroso mesclava-se com uma intensa curiosidade. Ele não resistiu à tentação de pes­quisar um pouco mais. — Isso quer dizer que Krista teria...

Dezesseis anos — Selma informou, balançando a cabeça. — Aqueles quase dois anos após a morte deles foram muito trágicos. Se Edward e Angeline não tivessem morrido, talvez as coisas fossem diferentes para as meninas. Mas, com Krista casando-se tão cedo e, depois, Nikki envolvendo-se naquele terrível incidente...

Acho que já chega — Nikki interrompeu, abrupta. — Tenho certeza de que Jonah não está interessado nestes detalhes abor­recidos. Além disso, esta é uma história ultrapassada.

Ele a fitou, estreitando os olhos. Era evidente que haviam apertado um botão emocional, ali. Muito interessante.

—      Não tive intenção de aborrecê-la — disse. — Podemos guardar esta conversa para um momento mais apropriado, quando estivermos a sós.

Um lampejo de alarme surgiu nos olhos dela.

—      Não é necessário.

Mas Jonah queria saber mais. Suspeitava que o que quer que acontecera sete anos atrás seria a explicação para vários aspectos da personalidade de Nikki, como o controle rígido que ela exercia sobre as próprias emoções. E também a atitude dela em relação à família.

—      Nikki tem toda razão — ele concedeu, afinal. — Este não é o momento de falarmos sobre o passado. Na verdade, vejo que interrompi uma importante discussão financeira. — Acomodou-se no sofá e fez um gesto para que prosseguissem.

—      Por favor, fiquem à vontade.

Acho que a conversa está encerrada — Nikki anunciou, levantando-se.

Mas, e quanto ao dinheiro? — Selma virou-se para Jonah.

—      O prazo vence na quarta-feira.

—      Estou certo de que Nikki não deseja desapontá-los — Jonah assegurou-lhe. — Não é mesmo, querida?

Nikki recolheu suas anotações, a cor voltando ao seu rosto.

—      Vou pensar um pouco mais no assunto — disse, por entre os dentes.

Um tanto relutantes, Ernie e Selma também se levantaram.

—      Bem, se acha que é o melhor que pode fazer... — Selma murmurou e, depois, olhou novamente para Jonah. — E tão pouco o que estamos pedindo.

Jonah pegou os casacos do casal numa cadeira próxima.

Verei o que posso fazer — cochichou, enquanto ajudava Selma a vestir o seu.

Você é um bom rapaz — ela disse, presenteando-o com um largo sorriso. — Tão sensato... E, a propósito, seja bem-vindo a nossa família.

Ora, obrigado. — Trocou um aperto de mão com Ernie. — Prometo que Nikki entrará em contato com vocês muito em breve.

Excelente, excelente — Ernie dizia, vestindo as luvas.

—      Eu logo vi que você seria a pessoa ideal para fazê-la enxergar as coisas racionalmente.

Tio Ernie...

Está bem, está bem. — Ernie abraçou-a com carinho. — Não seja tão dura consigo mesma, minha filha. Sei que tenta fazer o melhor. Mas é óbvio que seu marido tem mais experiência em finanças e não haverá mal algum se ele der uma olhada nos prospectos de Tucker.

Depois de despedirem-se, os dois saíram. Jonah olhou para Nikki, que permanecia de costas para ele. Os cabelos estavam presos por uma presilha e ela trocara o severo traje de trabalho por um conjunto de calça comprida e blusão de malha cor de marfim. Podia sentir a tensão que emanava dela e ficou imóvel, antecipando a explosão. E não teve de esperar muito tempo.

Como se atreve a intrometer-se em meus assuntos de família? — ela inquiriu enquanto se virava, os olhos lançando fagulhas azuladas.

Também faço parte da família — ele retrucou, sorrindo.

—      Ou será que já se esqueceu?

Bem que gostaria de esquecer! — Nikki encaminhou-se para a sala com passos duros e deixou o bloco de anotações sobre a mesa de centro. — Mas você torna isso impossível!

Ôtimo. Gosto de coisas impossíveis.

Jonah observou a frustração dela crescer, e a luta que tra­vava para controlar a raiva.

Por que você fica intrometendo-se nos assuntos que não são da sua conta? — Nikki perguntou, exasperada.

Caso ainda não saiba, aquela certidão de casamento que você tanto fez para obter veio com algumas condições. Faço parte da família, agora, queira você ou não. E membros da mesma família têm permissão para se intrometerem. — Jonah aproximou-se mais, com a firme intenção de intimidá-la. — Enquanto eu for seu marido, você terá de me tratar com o respeito que esta posição me garante, está claro?

E se eu não o fizer?

Você não quer saber a resposta a esta pergunta. — Ele mergulhou a mão por entre os cabelos dela, encarando-a de frente e dando-lhe uma amostra da própria raiva. — Você fez com que eu entrasse às cegas nesta situação agora à noite. Será que faz ideia de como me senti? Eu nem podia imaginar quem seriam aquelas pessoas. Talvez Selma não tenha percebido, mas Ernie sim. E você sequer se incomodou em me informar a respeito dos convites deles, e isso foi algo que Ernie também percebeu.

Não achei que você estaria interessado — ela retrucou, sustentando-lhe o olhar.

Não minta para mina, Nikki. Sabe muito bem que não foi este o motivo. Você queria me manter bem afastado dos seus tios.

Eu tinha bons motivos para isso.

Ah? E que motivos são estes?

Ela cruzou os braços, num gesto defensivo.

Nosso casamento não é verdadeiro. Este é o motivo. Ele encolheu os ombros.

Que diferença isto faz?

 

Você sabe qual é a diferença. Não quero que eles pensem que você estará sempre presente, quando nós dois sabemos que isto não vai durar. E, caso você não tenha notado, meus tios são pessoas bondosas e generosas, que não costumam pou­par sua afeição.

Sim, eu reparei nisso — ele admitiu, lembrando-se da aceitação instantânea de Selma.

Exatamente. Eles confiam nas outras pessoas. Um pouco demais, até.

—      E eu sou alguém que não merece confiança? Ela demorou um pouco para responder.

Bem, digamos que ainda não sei com certeza — resmungou. — Mas isso não altera o fato de que você estará retornando a Londres em breve. Sei que eles irão presumir que está me abandonando, e vão sofrer com isso.

E quanto a você? Vai sofrer também?

Nem um pouco — ela afirmou, embora sem muita convicção. — Será um alívio ter minha vida de volta ao normal.

Isso significa que voltará a morar com Krista e Keli?

Não. Ainda tenho esperança de salvar aquela situação, apesar da sua interferência. E este é outro motivo pelo qual eu não quis apresentá-lo aos meus tios. Sabia que você acabaria intrometendo-se no que não devia.

Já lhe expliquei porque interferi no seu assunto com Krista.

Mas você não tinha conhecimento de todos os fatos, e o mesmo ocorreu esta noite. Não tinha o direito de dizer a Ernie e Selma que eu iria permitir que investissem o dinheiro, antes de saber de todos os detalhes.

Concordo plenamente.

Eu... — Nikki interrompeu-se, piscando. — O que foi que disse?

Você ouviu muito bem. Falei sem pensar, naquela hora.

Já que está se mostrando tão accessível, será que pode me explicar por que meteu-se na conversa daquele jeito?

Porque julguei sua atitude um pouco dura demais.

Ora, você não sabe de nada! Como pode me julgar?

Nikki... — Jonah desfez o nó da gravata com um movimento irritado, enquanto pensava num modo de lhe falar sem despertar-lhe a fúria novamente. — Eles são seus tios, não seus clientes. Se você parasse de tratá-los como se estivesse conduzindo uma transação de negócios e começasse a encará-los como membros da família, talvez...

Sou responsável pela estabilidade financeira deles.

Pois talvez não devesse ser.

Você não entende.

Estou ficando realmente cansado de ouvir esta frase. — Jonah fitou-a intensamente. — Como vou entender, se você não me explicar? E não venha me dizer que nada disso é da minha conta porque, a partir de agora, é, sim.

Ela empinou o queixo.

E se eu me recusar a lhe dizer qualquer coisa?

Aposto que seus parentes se mostrarão mais dispostos a falar. E, é claro, seria embaraçoso para você se eu obtiver as respostas através deles, não acha?

Isso é chantagem!

Ele riu baixinho, inclinando a cabeça para o lado.

É, creio que tem razão.

Por que está fazendo isso? — ela inquiriu, frustrada. — O que lhe interessam os assuntos da minha família?

Ele encolheu o ombro.

Não sei. Talvez seja porque eu levo a sério minhas próprias obrigações familiares.

Então...

Já chega, Nikki. Você vai responder minhas perguntas ou terei de procurar o tio Ernie para uma conversa "de homem para homem"?

Teimosa até o fim, Nikki cruzou os braços, calada. Jonah en­caminhou-se para o bar e abriu uma garrafa de vinho tinto. Quan­do ele acabou de encher os copos, ela já havia tomado uma decisão.

Bem? — ele perguntou, entregando-lhe a taça. Ela bebeu um gole e encarou-o com um ar de desafio.

O que quer saber?

Com que idade Krista se casou? Nikki afundou-se no sofá.

Dezessete.

E ela estava grávida de Keli?

 

Sim, mas não foi um casamento obrigatório, se é o que você está pensando. Ela e Benjie se amavam de verdade. Krista deu à luz dois dias antes de completar dezoito anos.

Então Keli tem... seis anos? — Nikki assentiu e ele juntou: — O que houve com Benjie?

Morreu num acidente de carro quatro meses depois do casamento.

Jonah respirou fundo.

Puxa, Nikki. Lamento muito.

Todos nós lamentamos — ela afirmou. — Não foi uma época muito boa.

Aposto que não. E o que Krista fez?

Nikki deu de ombros, os olhos fixos no copo de vinho.

A família de Benjie não tinha condições de ajudar, enquanto que nossos pais haviam nos deixado algum dinheiro do seguro. Assim, Krista foi morar comigo.

E está com você desde então. É você quem as sustenta?

Krista tem um emprego de meio período, mas fui eu que insisti para que ela ficasse mais tempo com Keli. O que ganho é o suficiente para nós todas.

E o que aconteceu para mudar isso? Você se cansou de viver numa casa apertada? Ou pelo fato de ter uma criança de seis anos atrapalhando seu estilo de vida?

Nikki pousou a taça da mesa com enorme cuidado, antes de virar-se para ele com a ferocidade de uma tigresa defendendo seus filhotes.

Nunca mais diga uma coisa destas — disse, tensa. — Nunca. Eu amo minha irmã, e adoro Keli desde o momento em que ela nasceu. Se fosse por mim, elas jamais sairiam de casa.

Então por que diabos você tentou expulsá-las?

Um misto de emoções perpassava o rosto dela: dor, pena, resignação.

—      Finalmente percebi que Krista estava me usando para esconder-se da vida. Ela não tem um namorado, raramente sai com amigos. Toda sua vida gira em torno de Keli e, em menor grau, de mim. Dias antes de ir ao baile dos Montague, ouvi sem querer uma conversa de Krista no telefone. Ela estava explicando a uma amiga o quanto me devia, e que não poderia me deixar porque eu precisava dela. Então, percebi que nestes anos... — Tornou a pegar o copo e bebeu todo o conteúdo.

Sem nada dizer, Jonah encheu-o novamente.

Todos estes anos você a protegeu da vida, em vez de forçá-la a encarar os problemas de frente.

Isso mesmo.

E por isso decidiu libertá-la. Na verdade, pretende obrigá-la a sair do ninho; quer ela queira ou não.

Nikki assentiu, com lágrimas surgindo em seus olhos.

—      Durante seis anos fui recebida com um abraço de Keli, ao chegar do trabalho. E agora... agora... — Cobriu o rosto com as mãos, incapaz de prosseguir.

Jonah estava ao seu lado no instante seguinte, abraçando-a.

Calma... — murmurou. — Desculpe-me, você estava certa. Eu não entendia nada mesmo.

Keli deveria ter um pai. E Krista, um marido. — Embora Nikki lutasse para se controlar, uma lágrima lhe correu pelo rosto. — Mas, enquanto eu estiver em cena, isso não vai acontecer.

—      E quanto a você? — ele indagou, massageando-lhe as costas suavemente. — Você disse que Krista, inconscientemen­te, usou-a como um abrigo para se proteger de sofrimentos futuros. Mas será que você não fez o mesmo?

Ela enrijeceu.

Sobre o que está falando?

Não creio que Krista foi a única afetada há sete anos. Selma insinuou que...

Minha tia fala demais.

Mas houve um homem, não foi?

Você não tem o...

Jonah silenciou-a com um beijo. Os lábios dela ainda guar­davam o sabor do vinho, embora muito mais doce e delicioso do que qualquer coisa que ele já provara. Resistindo à tentação de prolongar aquele momento para sempre, ele se afastou. Ti­nha de esperar, pois no momento precisava de respostas.

Havia um homem? — insistiu. — Sim ou não?

Sim.

Ele segurou-lhe o queixo, obrigando-a a encará-lo.

—      O que aconteceu? — perguntou. — Ele a abandonou por causa de Krista?

Nikki emitiu um riso amargo.

Não foi nada disso.

Mas você o amava, e ele a deixou.

Ah, sim, ele me deixou.

E durante todos estes anos você tem se enclausurado tanto quanto Krista.

Estive me dedicando à minha carreira — ela retrucou, ofendida —, e não vivendo num convento.

Jonah deslizou a mão pela sua nuca até o pescoço, numa carícia delicada.

É mesmo? — disse, baixinho. — E quantos homens entraram em sua vida depois daquele que a abandonou? — Ela tentou afastar-se, mas Jonah prendeu-a entre os braços. — Quantos, Nikki? Um, dois? Ou nenhum?

Nenhum — ela murmurou, desistindo de lutar.

Porque todos eles ameaçavam tirar algo de você — ele insistiu. — Algo que você não estava disposta a entregar.

E o amor não é isso? — Nikki indagou, cínica. — Entregar o controle a outra pessoa?

É assim que se sente em relação a Krista e Keli?

Ora, isso é diferente — ela negou de imediato. — Elas são a minha família.

—      Como é diferente? Você doa partes de si mesma a elas. As lágrimas retornaram, e Nikki fitou-o com os olhos relu­zindo como pedras preciosas.

—      Mas elas não se aproveitam disso — sussurrou. — Ao contrário, tornam-me ainda mais completa do que eu era antes de me entregar.

Jonah jamais ouvira uma descrição tão sensibilizadora da fe­licidade que o amor poderia trazer, juntamente com a devastadora possibilidade de traição. Incapaz de resistir, abraçou-a com mais força e beijou-a com todo carinho que ela lhe despertara.

Retirou a presilha dos cabelos dela e a fez deitar nas almofadas do sofá. Semanas haviam se passado desde que aca­riciara seus cabelos sedosos pela última vez, e descobriu agora o quanto ansiara por isso.

Quando tomou-a nos braços, Nikki correspondeu com tanta paixão aos seus beijos a ponto de deixá-lo zonzo.

—      Jonah — ela sussurrou, abrindo os botões de sua camisa. — Deixe-me tocá-lo.

Ajudando-a, ele tirou a gravata e puxou a camisa para fora da calça. Os beijos tornaram-se mais intensos e, com um desejo crescente, Jonah tirou-lhe o suéter, acariciando-lhe os seios e querendo mais e mais. Nikki estremeceu sob aquele toque e o ar momentaneamente frio fez com que recobrasse a razão. Ele hesitou, relutante em prosseguir com as carícias, pronto para recuar se fosse o que ela queria. Porém, ao contrário, ela arqueou o corpo., permitindo que ele beijasse seus seios.

—      São ainda mais macios do que eu me lembrava — Jonah murmurou, segurando-os entre as mãos.

Espantado, viu sua esposa de vinte e oito anos ruborizar.

Pensei que as suas lembranças daquela noite estivessem confusas.

Nem todas. Mas é claro que eu estava cansado demais para aproveitar o momento. — Encontrou-lhe os olhos, deter­minado. — Mas esta noite não estou.

Nikki devolveu-lhe o olhar com uma força que ele jamais vira em qualquer outra mulher. E, com esta percepção, uma nova descoberta o atingiu em cheio: ele não queria somente o corpo dela. Queria possuir sua alma, sua mente, suas emoções...

Tornou a beijá-la, desta vez expressando os seus sentimentos mais profundos, fazendo-a dissolver-se sob seu corpo. Ao dar-se conta de que não conseguiria se controlar por muito mais tempo, afastou-se um pouco e fitou-a. E o que viu o fez parar no mesmo instante.

Nikki o encarava com um misto de medo, desejo e ansiedade, os olhos cor de violeta reluzindo e, subitamente, Jonah soube que estaria cometendo um erro terrível se não desistisse. Re­lutante, afastou a mão.

Não quero me aproveitar de você desta forma. Não sou como o outro homem.

Eu sei que não — ela sussurrou.

Não quero que se arrependa amanhã. E, se não me en­gano, você já é uma pessoa cheia de arrependimentos.

Ela umedeceu os lábios.

—      Não, Jonah... Está tudo bem.

Mas ele percebia que a ansiedade continuava presente.

Pois não está tudo bem comigo. — Pegou a própria camisa e cobriu-a. — Caso não tenha reparado, minha querida esposa, o ato de amor, e eu disse amor e não sexo, significa abrir mão do controle. Mas isto deve ser feito de boa vontade, por ambas as partes.

Eu sei disso.

Não. Pelo contrário, desconfio que você foi forçada a entregar tudo, enquanto que seu parceiro limitava-se a receber. Imagino que alguns homens prefiram assim, mas não sou um deles. Quero uma mulher que participe completamente e não lhe tomarei nada, a não ser que você esteja disposta a me entregar. Enquanto você não confiar em mim, isto não vai acontecer.

Confiar em você? — ela repetiu, com um riso amargo. — Não acha que está pedindo demais?

Jonah não respondeu, embora continuasse fitando-a profun­damente. Ela endireitou o corpo, sentando-se no sofá e tentada a lhe contar tudo... sobre os tios, sobre a morte de seus pais e o que acontecera depois. E, principalmente, sobre a maior humilhação que sofrera em sua vida.

Porém, ele era apenas um personagem passageiro, e ela era sua "esposa acidental". Não podia confiar em ninguém, exceto em si própria. Aprendera esta lição da maneira mais difícil, e jamais a esquecera.

Ainda assim, pela primeira vez em sua vida, queria e precisava verdadeiramente de alguém. Sua necessidade de confiar nele, de entregar-lhe sua alma e coração, e também o seu corpo, pulsava dentro dela como um pássaro preso ansiando por liberdade.

Não precisa forçar nada, minha querida — ele falou, suavemente. — Eu não vou a lugar algum.

Por enquanto — ela retrucou, amarga.

Por enquanto — ele confirmou. — Vá se deitar, agora. Amanhã cedo conversaremos.

Talvez de manhã eu já tenha recobrado o bom senso — ela murmurou.

Jonah limitou-se a sorrir.

—      Seria sorte demais.

 

Na manhã seguinte Nikki encontrou Jonah à sua espera na mesa do café. No decorrer das semanas anteriores, ambos haviam calculado cuidadosamente suas indas e vindas, a fim de evitar de se encontrarem. Ao que parecia, a noite passada mudara tudo isso.

Jonah encheu duas xícaras de café, acrescentou açúcar em cada uma delas e deixou-as na frente de Nikki. Para seu alívio, ele não disse uma palavra antes que ela esvaziasse a primeira xícara. Depois, serviu-se também de café e substituiu a xícara vazia diante dela por um prato com torradas quentinhas.

Espero que não me julgue ingrata, mas o que causou este súbito ataque de dosmeticidade? — ela indagou cautelosa, pegando uma torrada. — Ou será que não vou querer saber a resposta?

É bem provável que não queira.

Mas você vai me dizer que qualquer forma, não é?

E, sim. — Jonah recostou na cadeira e cruzou os braços. — Esquecemos de discutir o assunto de Ernie e Selma, ontem à noite.

Humm... Creio que nos distraímos, não foi? — Nikki bebeu um gole de café, evitando-lhe os olhos para que não tornasse a se distrair.

De maneira bastante agradável, espero.

Com um leve rubor colorindo-lhe as faces, Nikki se fez de desentendida.

—O que quer saber? — perguntou, levando a conversa para um nível mais seguro.

Ele esboçou um sorriso breve.

—Quero saber de tudo, é claro. Mas podemos iniciar com este seu papel de conselheira económica. Como foi que isso começou?

—Eu herdei esta função — ela respondeu, encolhendo os ombros. — Meu pai era o contador da família. Quando ele morreu todos se voltaram para mim, pois na época eu cursava a faculdade de economia.

Jonah bebeu um gole de café, observando-a pensativo.

—      Você era um pouco jovem demais para arcar com tal responsabilidade, não acha?

Em particular, Nikki concordava plenamente. Em voz alta, respondeu:

—      Eles não confiavam em mais ninguém.

—      Ah, o velho tema da confiança surgindo novamente...

—      Será que podemos nos manter no assunto? — ela per­guntou, pegando mais uma torrada.

Queria afastar-se de qualquer conversa sobre o passado. E, desde que o futuro também era um tópico desagradável, só lhe restava o presente. Ironicamente, falar com ele a respeito da Caixa Milagrosa significava até um alívio.

Ainda tenho uma ou duas perguntas acerca do seu passado — ele falou, com um lampejo de fria determinação surgindo em seu olhar. — Sua tia referiu-se a um incidente envolvendo você, ocorrido seis ou sete anos atrás. O que foi?

Isso não lhe interessa — ela respondeu, muito calma. — Qual é o problema, Jonah? Pensei que você quisesse ouvir todos os detalhes escabrosos de como estou sendo fria e calculista, recusando-me a entregar aos meus tios o dinheiro que lhes pertence. Em vez disso, você está obcecado por um capítulo da minha vida que está acabado e esquecido há séculos.

Mas Jonah não mordeu a isca, como ela esperava.

Acabado, talvez. Porém, não esquecido. — Deixou que um silêncio desconfortável descesse sobre eles, antes de acrescentar: — Você não vai conseguir adiar para sempre esta con­versa sobre o passado, Nikki. Sabe disso, não é?

Não sei de nada. — Ela fitou-o, determinada. — O que estou tentando fazer é lhe explicar minhas atitudes neste momento, já que parecem ser tão importantes para você. Meu passado e meu futuro não podem lhe interessar em nada.

Ele simplesmente sorriu.

—      Você ficaria admirada em saber o quanto me interesso. Agitada, Nikki ocupou-se em adicionar mais uma colher de açúcar ao seu café.

Nao há sentido em nos envolvermos nas vidas um do outro — disse. — Nosso acordo é temporário, lembra-se?

Bem demais, até. — Jonah inclinou-se sobre a mesa e segurou-lhe a mão antes que ela colocasse mais açúcar no café.

—      Vamos fazer um trato. Você fica longe do açucareiro e eu ficarei longe do seu passado.

—      Concordo.

Um brilho divertido surgiu nos olhos dele.

Bem, pelo menos no momento. Enquanto isso, fale-me sobre este investimento.

Certo. O investimento. — Retirando a mão que ele ainda segurava, ela levantou-se e foi até a pia, onde deixou a xícara de café. — Alguém ofereceu aos meus queridos tios a inacreditável chance de possuir a franquia exclusiva de algo chamado Caixa Milagrosa.

Nunca ouvi falar. -

É mesmo? — Nikki indagou, com exagerada surpresa. — Mas é um invento brilhante! Todo mundo vai querer ter uma.

E o que faz esta Caixa Milagrosa?

Deixe-me ver se consigo lembrar de tudo... — Ela virou-se de frente para ele, pensativa. — Trata-se de um fax modem que é parte secretária eletrônica, receptor de tevê a cabo e vídeo, tudo isso convenientemente reunido num só aparelho.

Aposto que lava louça e troca notas por moedas também —          Jonah falou, secamente.

—      Ainda não. Mas somente porque o inventor não chegou a pensar nisso. — Nikki franziu a testa. — O problema é que esta Caixa Milagrosa parece muito semelhante a coisas que que estão no mercado, ou que estarão disponíveis em breve. Para pessoas como Emie em Selma, é muito fácil acreditar que já existem.

—      Um golpe interessante. Ela emitiu um risinho.

—      Ah, mas ainda não lhe contei o melhor. Meus tios poderão ter a franquia exlusiva pela bagatela de cinquenta mil dólares.

Finalmente ele ficou admirado.

Você está brincando!

Não, isso é sério demais. Este sujeito convenceu os meus tios e primos de que a tal caixa os deixará ricos, e isto significa que todos estarão tão ocupados vendendo a Caixa Milagrosa que irão negligenciar a lanchonete da família.

Jonah balançou a cabeça, desolado.

Na hora em que perceberem que tudo não passa de um golpe, os negócios estarão prejudicados.

E minha família poderá ser acusada de fraude. Se a negligência não acabar com a lanchonete, certamente os ho­norários dos advogados o farão. No fim das contas, terão gasto cinquenta mil dólares para levar a lanchonete para o fundo do poço e a si mesmos à bancarrota.

Quero que me desculpe, Nikki. Eu deveria...

Ter confiado em mim? — ela completou, arqueando a sobrancelha. — Tudo bem, eu sei como é isso. Mas vou lhe dizer como pode me compensar.

Quer que eu fale com seus tios e explique porque não devem gastar este dinheiro — Jonah adiantou-se.

Ela sorriu.

—      Ora, muito obrigada. Aceito sua sugestão. — Não se preocupou em ocultar seu divertimento. — Mas vou lhe fazer uma concessão: desta vez deixo tudo por sua conta.

Jan abriu a porta do escritório.

—      Desculpe incomodá-la, Nikki, mas há um homem na linha dois que insiste em falar com você, mas não quis deixar o nome ou número de telefone. Quer atender ou devo tentar descobrir quem é?

Nikki balançou a cabeça.

Não, pode deixar que atendo. — Pegou o telefone e apertou um botão. — Nikki Alexander — disse, automaticamente. Já estava se acostumando com o nome de casada, pensou com um sorriso irónico. Só esperava achar tão fácil desacostumar-se, quando tudo acabasse.

Ah, sra. Alexander. Finalmente. É um bocado difícil che­gar até a senhora.

Quem está falando, por favor?

Timothy T. Tucker. Estou certo de que já ouviu falar de mim.

Nikki endireitou-se na cadeira.

Não acredito. O sr. Caixa Milagrosa em pessoa.

O próprio. Falei com seus tios esta manhã e parece que há um pequeno problema.

Ah? E o que poderia ser?

—Ernie está encontrando dificuldades em obter o dinheiro para investir na minha proposta.

E foi ele quem lhe deu o número do meu telefone? Houve uma breve pausa.

Vários deles — o homem falou, propositalmente. Nikki franziu a testa, perturbada.

O que deseja, sr. Tucker?

Quero o dinheiro que Ernie e Selma me prometeram. Cinquenta mil, para ser exato.

Sinto muito, sr. Tucker, mas talvez meus tios tenham esquecido de mencionar que decidiram não investir em seu golpe... — Nikki fez uma pausa significativa antes de corri­gir-se. — Isto é, em seu projeto.

Acho que a senhora não está entendendo.

Não, é o senhor que não entende — ela informou-o, rápida.

—      Meus tios podem ser pessoas crédulas, mas eu não sou. Examinei seus prospectos e pretendo entregá-los às autoridades o mais breve possível.

—      Do que diabos a senhora está falando?

Nikki girou a cadeira, ficando de frente para a janela.

Estou falando sobre fraude. A tecnologia que o senhor afirma possuir simplesmente não existe.

Minha caixa é...

Sua caixa é tão falsa quanto o senhor — ela interrompeu. —         Adeus, sr. Tucker.

Eu não desligaria se fosse a senhora. É melhor entregaraquele dinheiro ao seu tio, ou vai se arrepender.

Pois acho que não.

Ah, não? Seus tios não são apenas crédulos, sra. Alexander. Também são pessoas muito expansivas. Nas conversas que tivemos, pude perceber o quanto se orgulham da brilhante sobrinha. — Mais uma pausa deliberada, numa cópia exatada que ela própria fizera. — Isto é, brilhante agora.

Nikki enrijeceu na cadeira.

Vá logo ao ponto, Tucker.

A senhora não era tão brilhante sete anos atrás, não é mesmo? Creio que o comité do Prémio LJB ficará muito interessado nos detalhes daquele pequeno "deslize". Não acha?

Ela segurou o fone com mais força.

—      Por acaso está me ameaçando?

—      Ah, não... Só quero me certificar de que fique do meu lado. Se estragar meu acordo com seus tios, eu exponho ao mundo este seu segredinho. Encare isso como um investimento em sua própria Caixa Milagrosa. Cinquenta mil por uma caixa que não faz absolutamente nada. Então, estamos de acordo?

Nikki fechou os olhos. Todo o esforço concentrado dos últimos sete anos, tentando compensar aquele desastre terrível, de nada servira. Sabia como as pessoas iriam interpretar o inci­dente. O comité do prémio retiraria sua indicação e, sem dúvida, ela perderia o emprego. Mas pagar cinquenta mil àquele ca­nalha na esperança de que ele mantivesse a boca fechada?

—      Nada feito — disse, baixinho. — Não vou aceitar esta chantagem, Tucker. Faça o que quiser.

—      Pois então me aguarde. — Ele desligou o telefone. Nikki fez o mesmo, olhando fixamente para a janela. E agora?,--- perguntou-se. Quase sem pensar no que fazia, levantou-se e foi para o armário pegar o material de jardinagem. Durante uma hora trabalhou e pesou suas opções. Por um breve momento, considerou a ideia de pedir ajuda a Jonah. Afinal, ele compreen­dera o problema de Krista, e também o de Ernie e Selma. Até mesmo fora procurá-los e explicara que Tucker era um trapaceiro, manejando a situação com uma diplomacia que ela própria não conseguiria nem mesmo num de seus melhores dias.

Depois, estendera sua ajuda um pouco mais. Apoiara sua sugestão de que os tios utilizassem o dinheiro para abrir uma filial da lanchonete e empregassem os primos para gerenciá-la. Quando finalmente os deixou, havia conquistado a todos.

Exatamente como fizera com ela.

Sufocando um gemido desolado, Nikki cerrou os olhos. Não, pensou, não podia ser tão irresponsável. Não podia estar apai­xonada por ele. O amor era para os tolos, obrigava as pessoas a perderem o controle. O amor não funcionava para ela, já se resignara com isso. Porém, nunca mentira para si mesma e não pretendia começar agora. Lenta e cuidadosamente, exa­minou seu coração e enxergou a verdade.

Não saberia dizer como ou quando havia acontecido. Talvez tivesse chegado pouco a pouco, sem que ela percebesse. Mas nada mudava a verdade fundamental: ela amava Jonah, pro­funda e intensamente.

Jonah...

Balançou a cabeça. Que tolice... Pois, se estava apaixo­nada, deveria confiar nele. E se confiasse nele, teria de contar sobre Tucker.

Estremeceu. Não conseguiria confessar toda a verdade. Seria incapaz de suportar seu frio olhar de desprezo. Porém, se sou­besse que ele também a amava, talvez tivesse coragem... Mas o fato mais doloroso era que Jonah não estava apaixonado por ela. Ah, sim, ele a desejava e tentava fazer com que o tempo que estivessem juntos fosse especial. Mas quando tudo termi­nasse ele partiria, deixando-a tão só como antes.

Uma batida ríspida na porta despertou-a dos pensamentos.

Nikki, quero falar com você sobre... — Jonah entrou no escritório e parou, fitando-a atónito. — O que está fazendo?

Replantando estes vasos — ela respondeu, distraída. — Faço isso sempre que preciso pensar.

Ele olhou para o batente da janela, reparando que não havia nenhum vaso ali, e depois novamente para ela.

Quer dizer que não está matando as plantas. Nikki encarou-o indignada.

Você pensou que eu as estava matando? De propósito?

—      Bem, desculpe minha ignorância. Na ocasião em que cheguei a esta conclusão ainda não sabia o quanto você pode ser maternal e dedicada.

Aquelas palavras tocaram num ponto sensível de Nikki. Ela jamais havia se considerado do tipo maternal, pelo contrário. Era uma mulher em busca de uma carreira e quaisquer pensamentos acerca de crianças eram dedicados somente à Keli. E, muito em breve, nem mesmo a companhia da sobrinha ela teria.

No que está pensando? — Jonah indagou.

Nada importante — ela disse, evitando seu olhar. Guardou o material na caixa e tirou o avental.

Estava pensando em Keli, não é? A percepção dele a desarmou.

Sim, é verdade.

Alguma vez já pensou em se casar? Isto é, casar de ver­dade, ter filhos.

Uma vez.

Ah, sim. Sete anos atrás. Nós realmente precisamos con­versar sobre isso.

Ainda não lhe contei? Estou começando a gostar de café sem açúcar. — Nikki pegou a caixa e levou-a de volta para o armário. — Imagino que você tenha vindo até aqui por um outro motivo que não seja apenas me aborrecer.

Jonah aproximou-se e, sem qualquer aviso, tomou-a em seus braços. Antes que ela pudesse protestar, beijou-a profundamente. Nikki parou de pensar no mesmo instante. A cada dia que passava isto se tornava mais fácil: enlaçou-lhe o pescoço, colando o corpo contra o dele, sentindo-lhe os contornos e a excitação.

—      Estou interrompendo alguma coisa? — a voz de Eric fez com ambos despertassem do turbilhão de sensações em que estavam prestes a mergulhar. — Você demorou tanto para pegar o relatório da conta de Dearfield que resolvi vir procurá-lo.

Jonah praguejou baixinho.

Ah, é claro. A conta de Dearfield. Nikki afastou-se dele, ruborizando.

O relatório está aqui na minha mesa, deixe-me pegá-lo.

—      Parece que a lua-de-mel ainda não acabou, hein? — Eric perguntou, com um sorrisinho.

Nikki fitou-o, horrorizada.

—      O que diabos está querendo dizer? — Jonah resmungou. —         Não estamos em lua-de-mel. Eric encolheu os ombros.

Pois para mim parece que estão.

Você está... enganado.

Como quiserem. :— Eric parou na soleira da porta. — Mas ainda bem que não sou um cliente. Não é uma atitude muito profissional fazer amor no chão do escritório. Ou será que planejavam usar a escrivaninha?

Vá para o inferno, irmãozinho — Jonah disparou. — O dia em que eu precisar de conselhos sobre profissionalismo...

Eric ergueu as mãos.

Está bem, está bem. Mas pelo menos permita-me sugerir que tranquem a porta, da próxima vez.

Ora, seu...! — Jonah cerrou os punhos, ameaçador.

Parem com isso! — Nikki gritou, sentindo as lágrimas ardendo em seus olhos. Estresse, pensou. Só podia estar estressada. Dividida entre os problemas familiares, o casamento e agora aque­le Tucker, era de surpreender que não enlouquecesse de uma vez. — Aqui está o relatório — falou, atirando-o sobre a mesa.

—      Agora, se me derem licença... — Saiu correndo da sala, antes que qualquer um dos dois pudesse dizer uma palavra.

Jonah começou a segui-la, mas Eric o impediu.

—      É melhor ficar aqui. As mulheres preferem ficar sozinhas, quando choram.

Ela estava chorando? Eric deu de ombros.

Acho que sim.

Diabos. — Uma expressão resignada cobriu o rosto de Jonah. — Pode me dizer como se tornou um especialista neste assunto, tão de repente?

Só estou usando o bom senso, para variar. E, já que estamos falando nisso, vou lhe oferecer um conselho de graça: dê um tempo para ela, Jonah. O primeiro ano de casamento é sempre difícil.

Já lhe disse que este não é...

Sim, mas o primeiro ano que vocês estiveram casados não conta de verdade, não é? Mal ficaram juntos.

Eu... ela...

Tudo bem, Jonah. Nikki deve estar estressada, só isso. Mas garanto que não é nenhum tipo de tensão sexual, depois do que acabei de presenciar. — Eric afastou-se, rindo baixinho.

Tensão sexual. Três dias depois da conversa com o irmão, as palavras ainda ressoavam na mente de Jonah. Ele deixou os talheres sobre o prato quase cheio e resmungou, com ímpetos de estrangular aquele...

O que foi que disse? — Nikki perguntou.

Disse que para mim já chega.

Sinto muito. Não gostou da comida?

Isso não tem nada a ver com comida. Mas vou resolver este problema imediatamente.

Não estou entendendo nada.

Ele levantou-se, circundou a mesa e pegou-a no colo.

Começou a entender?

Jonah! O que está fazendo?

O que deveria ter feito naquela primeira noite, se não estivesse tão cansado. E o que deveria ter feito há três noites, se não estivesse tão preocupado em bancar o marido nobre.

Encaminhou-se para o quarto e abriu a porta com um chute.

E vou fazer isso agora porque é o que nós dois estamos querendo desde o instante em que nos conhecemos.

Deitou-a na cama, esperando o protesto inevitável.

Mas ela não disse nem uma palavra.

Esperou pela ansiedade e pelo medo nos olhos dela, porém estavam serenos, apaixonados. Esperou que ela levantasse e corresse, mas ela ficou ali, à sua espera.

Jonah deitou-se ao seu lado e abraçou-a. Os beijos que se se­guiram acenderam um fogo há muito esquecido, as carícias plenas levaram-na a experimentar um prazer que ela jamais sonhara.

Você confia em mim? — ele perguntou, em certo momento.

Eu achava que não... — Nikki sussurrou, com lágrimas nos olhos. — Até agora.

Tem certeza?

Tenho, sim.

E com as palavras ainda pairando entre eles, Jonah pos­suiu-a com imensa paixão e ternura. E quando finalmente atin­giu o êxtase, Nikki estava nos braços de seu marido, o único homem que amaria para sempre.

Ela permanecia deitada enquanto a madrugada clareava o céu com a promessa de um novo dia. E naquele momento de despertar, ouviu sua voz interior, esperando que as dúvidas e incertezas retornassem. Isto, porém, não aconteceu. Agora sabia que se havia alguém em quem poderia confiar, este seria Jonah.

Girou o corpo na cama para observá-lo, no instante exato em que ele abriu os olhos. Nikki sorriu, aconchegando-se mais, e ele acariciou-lhe o rosto suavemente.

Estava na hora da verdade.

Jonah?

Sim, querida.

Ela respirou fundo, espantando-se com a facilidade com que as palavras saíram.

—      Preciso de sua ajuda.

Ele não interrompeu a carícia, mas um leve tremor em sua mão revelou à Nikki que uma emoção diferente acabara de emergir.

—      E como posso ajudá-la? — Jonah perguntou, com toda simplicidade.

 

Nikki? Você está em casa? — Jonah fechou a mão em torno do jornal que trazia, com a raiva nublando seus olhos. — Querida?

—      Estou aqui.

Ela surgiu na soleira da porta do quarto usando apenas uma camisola de seda preta. Se fosse em qualquer outra hora, Jonah se esqueceria de tudo e a levaria de volta para o quarto, tirando-lhe a camisola sem pensar duas vezes. Mas agora isto seria impensável.

Vista um robe, por favor. Precisamos conversar.

Não posso conversar assim como estou?

Para o assunto que temos de tratar, não.

Ela fez o que ele pedia e foram juntos para a cozinha.

Vamos tomar um café — ele disse. — E você pode colocar bastante açúcar no seu.

Então aconteceu o que eu temia — Nikki suspirou.

Sim, aconteceu.

Jonah deixou o jornal sobre a mesa. "Indicada para o Prémio LJB Frauda Herança da Família", dizia a manchete em letras garrafais.

Nikki endireitou os ombros e encarou-o.

Estou despedida?

Como pode me perguntar uma coisa destas?

Você tem de proteger a empresa, eu entendo — ela respondeu, com tanta calma que ele precisou se conter para não abraçá-la no mesmo instante.

Mas, ao contrário disso, enfiou as mãos nos bolsos.

—      A Investimentos International é capaz de superar este escândalo sem esperar gestos nobres de sua parte.

Ela ergueu o queixo, determinada.

Vou pedir demissão imediatamente. E assim que me ves­tir, irei buscar minhas coisas no escritório.

Pare com isso, Nikki.

Não, Jonah, está tudo bem. Eu sabia que isto poderia acontecer, quando não me submeti à chantagem de Tucker.

Recusar-se a fazer acordos com aquele homem foi uma das poucas decisões acertadas que você tomou, desde que nos conhecemos. E, antes que pergunte, a outra decisão foi confiar em mim.

Isso não é problema seu, Jonah. Eu vou dar um jeito.

Você me pediu ajuda, lembra-se? E eu lhe disse que cuidaria de Tucker. O que houve com toda aquela confiança? Será que foi somente da boca para fora?

É claro que não!

Então confie em mim, diabos! Vou impedir este canalha do Tucker nem que seja a última coisa que farei na vida.

E quanto à empresa? — Nikki insistiu. — O que vai dizer aos clientes? "Sim, ela roubou dos parentes, mas não fará o mesmo com vocês"?

Você não roubou de ninguém!

O silêncio que se seguiu foi ensurdecedor. Nikki serviu o café e riu.

Ora, muito obrigada pelo apoio.

De nada. — Jonah pegou uma xícara e sentou-se. — Querida...

Há mais alguma coisa, não é? Ele suspirou.

Receio que sim.

Conte-me tudo.

O comité do Prémio LJB quer que você compareça a uma reunião a fim de determinar se sua candidatura deve ser cancelada.

Para quando?

Segunda-feira, às nove da manhã.

Daqui a três dias... — Nikki franziu a testa. — Não posso fazer isso, Jonah. Não vou conseguir ficar diante daquelas pessoas e falar sobre meu passado. Já foi tão difícil falar com você!

Nós faremos com que eles entendam — Jonah afirmou.

Nós?

E claro, estarei o tempo todo ao seu lado.

Você vai?

Nikki, você é minha esposa. Não vou permitir que passe por tudo isso sozinha.

Ela não sabia o que dizer. Afastou a xícara e cobriu o rosto com as mãos. Jonah levantou-se e foi abraçá-la.

Shh... Eu estou aqui. Ainda.

Jonah, estou com tanto medo.

Abraçando-a com mais força, Jonah podia sentir seu corpo trémulo e frágil. Um súbito instinto de protegê-la, de livrá-la de qualquer mal, emergiu de dentro dele. Nada, nem ninguém, a atingiria.

A segunda-feira chegou depressa demais, pelo menos para Nikki. Jonah ajudou-a a escolher a roupa que usaria e, após muitas considerações, acabaram decidindo por um conjunto de seda, nem muito sóbrio, nem jovial demais.

Ao chegarem no local .da reunião, foram recebidos pelo pre­sidente do comité.

Muito prazer, sou Bill West — ele cumprimentou a ambos. Depois, focalizou a atenção em Jonah. — Não esperávamos vê-lo por aqui, sr. Alexander.

Estou certo que não. Mas eu vim, de qualquer maneira. — Jonah inclinou a cabeça para o lado. — Espero que não façam objeções.

Um tanto relutante, o presidente concordou:

O senhor será bem-vindo, contanto que se limite a observar. As acusações foram feitas contra sua esposa, e as ex­plicações terão de vir dela, apenas.

No meu entendimento, estamos aqui para responder a alegações sem qualquer substância. E fazemos isso por mera cortesia ao comité. Se no decorrer desta... reunião eu pressentir que a situação deve mudar, serei o primeiro a informá-los. — Jonah encarou-o por um instante. — Estamos de acordo?

Ah, sim, perfeitamente. — O presidente fez um gesto para que entrassem na sala. — Acomodem-se, por favor. Gos­tariam de um café?

Três, por favor. Um puro, dois com açúcar — Jonah respondeu.

Finalmente a reunião teve início, com todos sentados em torno de uma mesa. Bill foi o primeiro a falar.

—      Em primeiro lugar, gostaríamos de nos desculpar pelo incómodo que estamos causando, sra. Alexander. Mas, infeliz­mente, é importante esclarecermos este assunto. Os indicados ao Prémio LJB devem estar acima de quaisquer suspeitas, pois somente uma indicação é o suficiente para assegurar uma posição de destaque nas melhores empresas.

O que deseja saber? — Nikki indagou, bebendo um gole de café.

Tenho aqui uma informação fornecida por uma pessoa não identificada...

Timothy T. Tucker — ela interrompeu.

A senhora o conhece?

Sim. — Tentando ser o mais concisa possível, Nikki relatou o incidente com Tucker, a tentativa de extorsão, a ameaça de chantagem.

O comité discutiu a questão por alguns instantes, após o relato. Então, Bill assentiu.

Concordamos que os motivos que levaram o sr. Tucker a nos fornecer tais informações foram de fato questionáveis — ele disse. — Agora, o que precisamos saber é se estas acusações são procedentes.

Você terá de ser mais específico — Jonah intercedeu pela primeira vez.

Pois muito bem, sejamos específicos. — Bill consultou suas anotações, antes de fixar-se em Nikki. — A senhora pegou dinheiro de seus parentes e investiu-o em imóveis sem nenhum valor?

Um momento, por favor — Jonah tornou a interromper. — Nikki, conte toda a verdade. Não hesite em responder, mas não perca tempo explicando. Eles não querem explicações, só querem que você admita o que fez.

Nikki encarou o marido por um longo instante, recebendo toda a força que precisava. "Confie em mim", os olhos dele diziam.

—      Sim — ela respondeu, afinal.

Um tanto surpreso, Bill consultou as anotações.

E a senhora também fez um empréstimo bancário a fim de financiar uma compra posterior?

Fiz, sim.

E perdeu todo o dinheiro?

Perdi.

O banco executou a hipoteca sobre a propriedade original, quando a senhora deixou de pagar o empréstimo?

Sim.

E a instituição de crédito descobriu que a avaliação do imóvel fora obtida de forma fraudulenta, e que o valor da propriedade era menor do que valor do empréstimo que a senhora fez para adquiri-la?

—      O valor era de aproximadamente metade do que emprestei. Bill largou a caneta e fitou-a, atónito.

Sra. Alexander, nem sei o que dizer. Estas acusações são muito graves, e a senhora admitiu cada uma delas.

Sim, sr. West, estou ciente disto. Mas as perguntas foram feitas fora de contexto. O senhor me permitiria explicar o que de fato aconteceu?

Se a senhora puder...

Nikki lançou um rápido olhar para Jonah, antes de começar:

—      Quando meus pais morreram, há sete anos...

Uma mulher sentada ao lado de Bill levantou-se para protestar:

Não vejo que conexão a morte de seus pais possa ter com o caso em questão.

Minha esposa teve a gentileza de ouvir e responder a suas acusações — Jonah apressou-se em defendê-la. — Espero que façam o mesmo com ela.

Bill assentiu, concordando, e fez um gesto para que Nikki prosseguisse.

Os detalhes que vou lhes dar têm muito a ver com esta história — ela disse. — Além da perda emocional causada pela morte dos meus pais, minha família viu-se privada dos conselhos financeiros que meu pai fornecia a todos os parentes. E, porque eu estudava economia na época, esta responsabilidade acabou recaindo sobre mim. — Esboçou um sorrisinho irónico. — A pouca idade, juntamente com uma infeliz arrogância, fizeram-me acre­ditar que eu seria capaz de arcar com tal responsabilidade.

Creio que todos nós passamos por isso, de uma maneira ou de outra — Bill concedeu.

Fico contente que pense assim — Nikki continuou. — No meu caso, tive um professor de faculdade que tornou-se uma espécie de mentor e encorajava-me nesta nova tarefa. Sempre que surgia uma dúvida, ele me aconselhava. Quando completei vinte e um anos, ele deixou o emprego na universidade e partiu em busca de oportunidades mais lucrativas.

Investimentos no ramo imobiliário? — Bill adivinhou.

Exatamente. O mesmo investimento pelo qual estou sendo agora investigada.

Gostaria de salientar que, nesta época, ela estava sustentando uma irmã grávida que acabara de ficar viúva — Jonah tornou a intrometer-se. — Apesar de terem recebido algum dinheiro do seguro dos pais, ambas passavam por dificuldades financeiras.

É verdade — Nikki admitiu. — Creio que foi por isso que me tornei vulnerável diante da oferta do professor Wyman.

Wyman? — a mulher interrompeu novamente. — Pro­fessor Wilbert Wyman?

Este mesmo, mas ele preferia ser chamado de Bert. A senhora o conhece?

Não... Mas minha filha sim. — A mulher apertou a caneta entre as mãos. — Prossiga, por favor.

—      Bert me mostrou uma propriedade comercial que, ele jurava, seria uma fonte de lucro. Estava muito entusiasmado e me garantiu que se eu não agarrasse a oportunidade, ele o faria. — Nikki encolheu os ombros. — Então eu agarrei.

—      Pediu dinheiro aos seus parentes? Ela fez que sim.

Usamos todo o dinheiro que possuíamos.., o seguro deixado pelos meus pais, a poupança dos meus tios. — Engoliu em seco, com remorso. — Até o dinheiro guardado para pagar os estudos dos meus primos. Mas Bert sempre me assegurava de que tudo daria certo e que era impossível ganhar dinheiro sem arriscar dinheiro. E eu acreditei.

O que aconteceu depois?

Bem, logo que finalizei a compra, ele me apareceu com uma segunda proposta. Queria que eu fizesse um empréstimo no banco dando a propriedade que acabara de comprar como garantia.

E o que ele queria que a senhora fizesse com este dinheiro?

Sugeriu que o investíssemos em algo que chamou de ações de curto prazo. Compraríamos tais ações em baixa e venderíamos enquanto estavam em alta, obtendo um lucro significativo. — Nikki calou-se e respirou fundo. — Eu deveria saber que era bom demais para ser verdade. Tempos depois, fiquei sabendo que Bert super-valorizara a tal propriedade comercial para que o empréstimo nobanco fosse duas vezes maior do que o valor real.

E o que houve com o dinheiro?

Entreguei tudo a Bert. Que bela estudante de economia eu era, não é? — disse, tentando sorrir. — Ele simplesmente desapareceu, levando tudo consigo.

—      E o que a senhora fez, então?

Nikki endireitou-se na cadeira, esforçando-se para resumir friamente um dos períodos mais difíceis de sua vida.

Passei os sete anos seguintes trabalhando mais do que nunca, aprendendo tudo o que podia para jamais mais recair em erro novamente. Aos poucos, paguei minha dívida com o banco, com meus tios e primos e com minha irmã. Com juros. No ano passado, graças a diversos investimentos legítimos, pude saldar o pouco que restava.

O que aconteceu com o professor Wyman?

Não tenho ideia. Imagino que continuou enganando outros alunos crédulos.

Ele continuou — a mulher, cujo nome era Clara, inter­cedeu em voz baixa. — Mas não por muito tempo. Foi preso há cinco anos.

Nikki encarou-a, atónita.

—      Muito bem, nós agradecemos sua presença, sra. Alexander —     Bill West declarou, reunindo suas anotações. — Por en­quanto é só.

—      Não é só isso, não — Jonah disparou no mesmo instante. —        Queremos ouvir o resultado deste "julgamento" imediatamente. Ainda existe uma indicação ou será que terei de pro­curar meus advogados?

—      Um momento, por favor — Bill pediu e, em seguida, voltou-se para seus companheiros de mesa.

Os membros do comité conferenciaram aos cochichos por alguns minutos, até que ele voltou a falar.

—      Não temos objeções quanto a dar nosso parecer agora. E, desde que não há nenhuma discrepância no depoimento da sra. Alexander, concluímos que a indicação permanece. A ce­rimónia de premiação será no próximo sábado.

Temendo que Jonah interferisse outra vez, Nikki se levantou.

—      Agradeço a oportunidade de esclarecer tudo e responder suas perguntas, senhores. — Pegou o marido pelo braço e saiu da sala rapidamente.

Ele enlaçou-a pela cintura à caminho do elevador.

Vamos logo para casa — disse.

Por que tanta pressa de repente?

Já sei como vamos comemorar — ele respondeu, beijan­do-a no instante em que as portas do elevador se fecharam.

 

Antes de fazer o grande anúncio desta noite — Bill West discursava diante da multidão distribuída nas mesas do imenso salão onde, após o excelente jantar, se daria a premiação —, eu gostaria de dizer algumas palavras sobre a pessoa que foi selecionada pelo nosso comité.

Nikki engoliu em seco, nervosa, e olhou em torno da mesa. Estavam todos ali: Krista, Selma, Ernie, Loren, Delia, Eric e, principalmente, Jonah.

—      Esta pessoa enfrentou enormes dificulades — Bill dizia. — Não apenas aprendeu com erros do passado, como também beneficiou-se deles. Esta pessoa resume todos os padrões sob os quais o Prémio Lawrence J. Bauman foi criado: inteligência, perseverança, dedicação, perspicácia para os negócios e, acima de tudo, integridade. Agora, sem mais delongas, tenho o pri­vilégio de apresentar a ganhadora do Prémio LJB desta noite... sra. Nikki Ashton Alexander!

Chocada, Nikki não conseguiu se mover por um minuto in­teiro. Jonah veio em socorro, ajudando-a a levantar-se e, depois de um forte beijo, empurrando-a na direção do palco.

—      Você ganhou, minha querida. Vá buscar seu prémio!

Ela obedeceu, entorpecida, subiu os degraus, recebeu os cum­primentos e o prémio das mãos de Bill Weston. Só então, hor­rorizada, deu-se conta de que teria de fazer um discurso.

—      Eu... eu... — Incapaz de prosseguir, seus olhos recaíram sobre Jonah. Ele a fitava com um misto de carinho, orgulho, paixão. Deus, como amava aquele homem, pensou. Respirando fundo, sentiu que suas forças se renovavam. — Quero agradecer ao comité pelo prémio e pela chance que me deram de me explicar. — Olhou para Loren e Delia. — Agradeço a Investi­mentos International, por todo apoio que me deram em tempos difíceis. Foi mais do que eu esperava, e mais do que eu merecia. Agradeço a minha família pelo amor e confiança que me de­dicam. E, finalmente, agradeço ao meu marido, Jonah. — Seus olhos se encontraram novamente. — Você me deu algo que eu julgava perdido para sempre. E me provou que é possível con­fiar. Porque, sem confiança, não existe amor.

Pressentindo que não conseguiria mais conter as lágrimas, desceu do palco rapidamente, mordendo o lábio. O trajeto até sua mesa demorou uma eternidade, sendo parada a todo ins­tante para receber abraços e cumprimentos. E, durante todo o tempo, o único rosto que realmente via era o de Jonah, que a fitava de longe, sorrindo.

—      Vamos sair para comemorar! — Krista exclamou, quando o salão começava a esvaziar-se. — Com champanhe, caviar, tudo o que temos direito!

Eric concordou, sorrindo.

—      Afinal, temos dois motivos para comemorar. O prémio de Nikki e... — Levantou a mão direita de Krista, onde um enorme brilhante reluzia. — Estamos noivos.

Nikki arregalou os olhos, sem poder respirar.

Queria que você visse sua expressão, Nikki! — Krista riu. — Aposto que não contava com isso.

Agora você e Jonah não precisam mais continuar casados, se não quiserem — Eric falou, lançando um olhar para o irmão.

Nikki ficou boquiaberta.

O quê? — conseguiu dizer.

Eric e eu descobrimos tudo sobre o Baile de Cinderela — Krista adiantou-se. — E concluímos que você e Jonah devem ter-se casado por nossa causa... Você sabe, para que seguísse­ mos nossas próprias vidas.

Eric beijou o rosto da futura cunhada.

—      E foi o que fizemos. Embora eu tenha certeza de que isto foi uma surpresa para ambos.

Nikki olhou para Jonah, mas a expressão dele era impenetrável.

—      Como foi que isso aconteceu? — perguntou à irmã. Krista contou-lhe sobre o encontro com Eric no escritório, o almoço que se seguiu e os vários encontros que tiveram depois.

Uma coisa levou a outra e... aqui estamos — Eric concluiu. —       Assim, vocês não precisam mais continuar fingindo. — Sor­riu, malicioso. — A não ser, é claro, que estejam loucamente apaixonados e decidam permanecer casados.

—      Já chega, Eric! — Jonah interrompeu. — Desejo-lhes felicidades e concordo: isso merece uma comemoração. — Pela primeira vez, desde o anúncio de Krista, virou-se para Nikki.

—      Não acha, querida? Afinal, finalmente você conseguiu tudo o que queria. Certo?

Depois de deixar o prémio sobre a mesa de centro e o casaco numa poltrona, Nikki afundou-se no sofá. Estava exausta.

O que vamos fazer agora? — perguntou, temendo a frieza que via no rosto dele.

Neste exato momento, eu vou para a cama — ele respondeu. — Mas, se você está se referindo ao futuro, não creio que seja a melhor hora para termos esta discussão.

Ela sentiu um frio percorrer-lhe a espinha.

Por que não?

Porque vou partir para Londres amanhã cedo.

Londres? Mas você não me disse nada...

Achei que você já tinha muito em que pensar.

E sua volta para Londres é... definitiva? Para sempre? Pensei que você fosse passar o Natal aqui, com Selma e Ernie, conforme prometeu.

Alguma vez deixei de cumprir com minha palavra? — ele retrucou, num tom gélido.

Não — ela respondeu, num sussurro. — Você manteve todas as suas promessas. Obrigada.

Não quero seus agradecimentos — Jonah disparou, sem ocultar a raiva.

Então, o que quer de mim?

A única coisa que você parece achar impossível entregar, a despeito daquele discurso tão bonito.

A minha confiança, Jonah? É isso? Pois você a tem!

Será? — Num gesto brusco, ele tirou a gravata borboleta. —         Então, prove.

—      Como? — ela indagou, exasperada. — Você não tem problemas com sua família, sua reputação não está em perigo, e tampouco seu emprego. Você não tem segredos inconfessáveis em seu passado, para que eu possa perdoar de maneira mag­nânima. Não sei o que quer que eu faça!

Mas, sim, ela sabia. Bastava pronunciar três palavras, con­fessar o que escondera com tanto cuidado no fundo da alma. Embora estas palavras ansiassem por serem expressadas, o medo as manteve presas.

Jonah permanecia imóvel e em silêncio, esperando. Num ato de desespero, querendo dar a prova que ele queria, Nikki levantou-se do sofá e abriu o zíper do vestido de seda preta, deixando-o deslizar aos seus pés. Porém, ele não fez nenhum gesto, fosse de aprovação ou rejeição.

—      Jonah, por favor...

Finalmente ele aproximou-se e abraçou-a. Segurando-lhe o rosto entre as mãos, como se quisesse guardar na memória cada um de seus traços, sussurrou:

Dê-me um beijo de adeus, Nikki.

Não de adeus — ela retrucou, com lágrimas nos olhos. — Você vai voltar... para o Natal.

Não vamos mais prolongar esta tortura. É adeus, minha querida.

Mas você só viaja amanhã. Podemos ficar juntos esta noite.

Vou passar a noite num hotel perto do aeroporto. Minha bagagem já está lá.

Nikki balançou a cabeça, tremendo por inteiro.

Não é possível... Você vai partir... assim...?

O que há para me prender aqui?

Mas não esperou pela resposta. Afastando-se dela, pegou o casaco e saiu.

Os dias que se seguiram foram os mais terríveis da vida de Nikki. Nada, nem mesmo o sofrimento por que passara anos atrás, igualava-se ao que sentia com a ausência de Jonah.

Ela o amava, apesar de ter sido incapaz de lhe dizer. Porém, depois de muito pensar, havia chegado a conclusão de que não tinha medo de lhe confessar seus sentimentos, mas sim de ouvir a resposta.

Então, prove, ele lhe dissera. Prove que me ama, fora o que realmente quisera dizer.

Subitamente, tudo ficou claro para ela. Ainda poderia dizer as palavras mas, de alguma forma, achou que isso não seria mais o bastante.

Pegou o telefone, rezando para que tivesse tempo de realizar o plano que lhe ocorria. Daria um pouco de trabalho mas, no final, valeria a pena.

Na tarde da véspera do Natal Nikki estava em seu escritório. O último dos funcionários acabara de sair e o prédio estava vazio e silencioso. Relutante em voltar para o apartamento, permaneceu sentada na semi-escurdião, olhando pela janela. Flocos de neve caíam do céu cor de chumbo e ela sorriu levemente. Keli iria adorar aquele Natal com neve, pensou. Mas será que o fato de estar nevando não iria atrasar a chegada de Jonah?

Engoliu em seco, tentando afastar as lágrimas. Ela o amava tanto... Como pudera arriscar-se a perder a pessoa mais im­portante de sua vida?

De repente, ouviu um ruído perto da porta e virou-se. Era Jonah, parado na soleira e começando a tirar a camisa.

Jonah! — ela gritou, sem saber se ria ou chorava. — O que está fazendo?

Começando a cumprir minha promessa — ele respondeu, simplesmente, enquanto retirava o cinto da calça. — Você tinha toda razão quanto a conta dos Stamberg e estou aqui para dançar nu em sua escrivaninha. Ou será que há algum lugar melhor para isso?

Ela riu.

Posso pensar uma dezena de lugares melhores. Jonah, venha até aqui. Há uma coisa que esqueci de lhe dizer.

O que foi? Você está grávida?

Não, pelo menos que eu saiba.

Ele entrou na sala e aproximou-se dela.

—      O que é, então? Nikki respirou fundo.

—      Sabe, eu esqueci de lhe dizer que o amo. Na verdade, eu o amo muito, muito mesmo.

Jonah sorriu.

Devo realmente acreditar nisso?

É claro que sim. Principalmente porque você também me ama. Sei que você me ama. Além disso, já pensei numa maneira de lhe provar o meu amor.

Ele abraçou-a, com um largo sorriso iluminando-lhe o rosto.

—      Será que esta ideia tem algo a ver com ambos tirarmos toda nossa roupa?

Ela tornou a rir.

—      Bem, esta não é má ideia. Mas não acha melhor esperar até chegarmos em casa?

Prendendo-a com mais força entre os braços, Jonah beijou-a de leve.

—      Você ainda não entendeu, meu amor? Quando estou com você, qualquer lugar é a minha casa. — Ficou sério, fitando-a profundamente, e num tom de inquestionável compromisso com o futuro confessou: — E a propósito, minha querida esposa, eu também amo você. Muito, muito...

Beijou-a, então, provando acima de qualquer dúvida que o Natal era um tempo de milagres.

No dia seguinte a família toda reuniu-se no apartamento de Jonâh e Nikki. O ar estava repleto de sons de risos e música, aromas deliciosos, juntamente com uma alegria que chegara para ficar.

Em certo momento, a campainha tocou.

—      Você está esperando mais alguém, Nikki? — Krista per­guntou. — Estão todos aqui.

Visivelmente ansiosa, Nikki correu para a porta e abriu-a.

—      Jonah! — chamou. — É para você!

Sem demonstrar a menor pressa, ele foi atender. Nikki se­gurou-o pelo braço, empurrando-o com impaciência. Curiosos, os outros também foram para perto da porta, formando um semicírculo em torno do casal.

No hall, esperando ser atendido, estava um mensageiro ves­tido com o mesmo uniforme branco e dourado que os atendentes do Baile de Cinderela usavam.

Disseram-me que era urgente — disse o rapaz, entregando a Jonah um pacote lindamente embrulhado. — Feliz Natal!

Abra, Jonah, depressa! — Nikki apressou-o, assim que fecharam a porta.

Com um sorriso indulgente, ele retirou o papel dourado e abriu a caixa retangular. Nikki observava sua expressão mas, sem dizer nada, Jonah tornou a fechar a caixa e pegou-a pela mão, levando-a através da sala até a varanda.

O frio era cortante, mas Nikki não se importou.

Você gostou do presente? — indagou, nervosa. Ele tirou do bolso uma outra caixinha.

Talvez você queira ver o que comprei para você — disse. Nikki abriu o estojo, deparando com um par de alianças de ouro.

—      Ah, Jonah... São lindas!

—      Achei que já era hora de termos alianças de verdade. — Fitou-a, repleto de amor. — Não quero que haja mais nenhuma dúvida quanto aos meus sentimentos por você.

Ela o abraçou, sentindo a neve cair em seu rosto e mes­clando-se com suas lágrimas de felicidade.

—      Foi pela mesma razão que lhe dei os convites para o Baile de Aniversário dos Montague — murmurou. — Foi lá onde tudo começou, onde me apaixonei por você. E onde comecei a confiar novamente.

Jonah beijou-a.

—      Jamais lhe darei motivos para arrepender-se disso, Nikki, eu juro.

Ela sorriu, os olhos cor de violeta reluzindo.

—      Acredito em você, meu amor.

 

                                                                                Day Leclaire  

 

                      

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