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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


ESQUECIDAS / Blake Pierce
ESQUECIDAS / Blake Pierce

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

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O homem entrou no Salão Patom e viu-se inundado de uma nuvem espessa de fumo de cigarro. As luzes estavam fracas, uma velha música de heavy metal saía dos altifalantes e ele já se sentia impaciente.
O lugar estava demasiado quente, demasiado cheio de gente. Recuou ao sentir uma agitação passageira a seu lado; virou-se e viu um jogo de dardos a ser jogado por cinco bêbedos. Ao lado deles, decorria um animado jogo de bilhar. Quanto mais depressa dali saísse, melhor.
Olhou em torno da sala durante alguns segundos antes dos seus olhos repousarem numa mulher jovem sentada no bar.
A mulher tinha um rosto engraçado e um penteado ameninado. Estava demasiado bem vestida para um lugar daqueles.
Vai servir perfeitamente, Pensou o homem.
Caminhou na direção do bar, sentou-se no banco ao lado dela e sorriu.
“Como se chama?” Perguntou.
Apercebeu-se que não conseguia ouvir a sua própria voz sobre o ruído geral.
Ela olhou para ele, devolveu-lhe o sorrido, apontou para as orelhas e abanou a cabeça.
Ele repetiu a pergunta mais alto, movendo os lábios de uma forma exagerada.
Ela encostou-se a ele. Quase a gritar, disse, “Tilda. E o seu?”
“Michael,” Disse ele, não muito alto.
É claro que não era o seu nome verdadeiro, mas isso nem era importante. Ele duvidava que ela o conseguisse ouvir. Não se parecia importar.
Ele olhou para a sua bebida, praticamente vazia. Parecia ser uma margarita. Apontou para o copo e disse muito alto, “Quer outra?”
Ainda a sorrir, a mulher que se chamava Tilda abanou a cabeça em sinal de recusa.
Mas não o estava a sacudir. Ele tinha a certeza. Teria chegado o momento para uma atitude ousada?
Ele pegou num guardanapo de cocktail e retirou uma caneta do bolso da camisa.
Escreveu no guardanapo...
Gostaria de ir para algum lado?
Ela olhou para a mensagem. O seu sorriso aumentou. Hesitou durante alguns instantes, mas ele pressentiu que ela estava ali à procura de algo diferente. E parecia satisfeita de a ter encontrado.
Por fim, para seu deleite, ela anuiu.
Antes de saírem, ele pegou numa caixa de fósforos com o nome do bar.
Ia precisar daquilo mais tarde.
Ajudou-a a vestir o casaco e foram para o exterior. O ar fresco de primavera e silêncio repentino eram assustadores depois do ruído e calor.
“Uau,” Disse ela enquanto caminhava a seu lado. “Quase ficava surda lá dentro.”
“Presumo que não pare muito por ali,” Disse ele.
“Não,” Disse ela.
Não se adiantou, mas ele tinha a certeza que era a primeira vez que ela ia ao Salão Patom.
“Eu também não,” Disse ele. “Que experiência.”
“Bem pode repeti-lo.”
“Que experiência,” Disse ele.
Ambos se riram.
“Aquele é o meu carro,” Disse ele, apontando. “Onde gostaria de ir?”
Ela hesitou novamente.
Então, com os olhos a cintilar, ela disse, “Surpreenda-me.”
Agora ele sabia que o seu primeiro palpite estava certo. Ela estava ali à procura de qualquer coisa diferente.
Bem, na verdade, também ele.
Ele abriu a porta do passageiro e ela entrou. O homem sentou-se ao volante e começou a conduzir.
“Onde vamos?” Perguntou ela.
Com um sorriso e um piscar de olho ele respondeu, “Disse que queria ser surpreendida.”
Ela riu-se. O seu riso parecia nervoso mas agradado.
“Presumo que vive aqui em Greybull,” Disse ele.
“Nascida e criada,” Disse ela. “Julgo que nunca o tinha visto antes. Vive aqui por perto?”
“Não muito longe,” Disse ele.
Ela riu-se novamente.
“O que o traz a esta cidadezinha chata?”
“Negócios.”
Ela olhou para ele com uma expressão curiosa, mas não tocou no assunto. Aparentemente, não estava muito interessada em conhecê-lo. Isso era compatível com o seu objetivo.
Ele estacionou no parque de estacionamento de um pequeno motel chamado Maberly Inn. Estacionou em frente ao quarto 34.
“Já aluguei este quarto,” Disse ele.
Ela não disse nada.
Depois, após um curto silêncio, ele perguntou, “Sente-se bem com isto?”
Ela anuiu algo nervosamente.
Entraram juntos no quarto. Ela olhou à volta. O quarto tinha um odor desagradável a humidade e as paredes estavam decoradas com quadros feios.
Ela foi até à cama e colocou a mão sobre o colchão, verificando a sua firmeza.
Estaria ela descontente com o quarto?
Ele não tinha a certeza.
O gesto enfureceu-o – enfureceu-o terrivelmente.
Não sabia porquê, mas algo dentro de si deu sinal.
Normalmente só atacaria quando ela estivesse nua na cama. Mas agora não se conseguia conter.
Quando ela se virou para ir à casa de banho, ele bloqueou-lhe a passagem.
Os olhos de Tilda dilataram-se assustados.
Antes que conseguisse reagir, ele puxou-a para trás para a cama.
Ele tentou resistir, mas ele era muito mais forte.
Ela tentou gritar, mas antes de o conseguir, ele agarrou numa almofada e pressionou-a contra o seu rosto.
Ele sabia que em breve tudo terminaria.

 

 

 


 

 

 


CAPÍTULO UM

De repente, as luzes ligaram-se e os olhos da Agente Lucy Vargas ressentiram-se do brilho.

Os alunos sentados à sua volta começaram a sussurrar suavemente. A mente de Lucy estava profundamente concentrada no exercício – imaginar um homicídio real do ponto de vista do assassino – e era difícil sair do pesadelo.

“OK, vamos falar sobre aquilo que viram,” Disse a instrutora.

A instrutora era nada mais, nada menos do que a mentora de Lucy, a Agente Especial Riley Paige.

Lucy não era aluna. Aquela aula destinava-se apenas a cadetes da Academia do FBI. Acontecera aparecer por ali naquele dia como fazia de vez em quando. Ainda estava há pouco tempo na UAC e considerava que Riley Paige era uma fonte inesgotável de inspiração e informação. Aproveitava cada oportunidade para aprender com ela – e também trabalhar com ela.

A Agente Paige dera aos alunos detalhes de um caso de homicídio arquivado há cerca de vinte e cinco anos. Três jovens tinham sido mortas na Virginia. Dera-se ao assassino a alcunha de “Assassino da Caixa de Fósforos” porque deixava caixas de fósforos nos corpos das vítimas. As caixas eram provenientes de bares de uma zona geral perto de Richmond. Também deixava guardanapos com os nomes dos motéis onde as mulheres tinham sido mortas. Ainda assim, a investigação desses lugares não trouxera luz ao caso.

Riley disse aos alunos para usarem a sua imaginação para recriar um dos homicídios.

“Soltem a vossa imaginação,” Disse Riley antes de começarem. “Visualizem muitos detalhes. Não se preocupem em deter-se nas coisas pequenas, mas tentem captar corretamente as coisas no geral – a atmosfera, o ambiente, o cenário.”

Depois desligou as luzes durante dez minutos.

Agora que as luzes estavam outra vez ligadas, Riley caminhava de um lado para o outro na sala de aula.

Disse, “Antes de mais nada, falem-me um pouco sobre o Salão Patom. Como é que era?”

Uma mão ergueu-se no meio da sala. Riley pediu ao aluno para falar.

“O lugar não era propriamente elegante, mas tentava aparentar ter mais classe do que aquela que na verdade tinha,” Disse ele. “Mesas mal iluminadas encostadas às paredes. Algum tipo de revestimento suave por todo o lado – talvez camurça.”

Lucy estava intrigada. Ela não tinha imaginado o bar com aquele aspeto.

Riley sorriu, mas não disse ao aluno se estava certo ou errado.

“Mais alguma coisa?” Perguntou Riley.

“Havia música a tocar baixo,” Disse outro aluno. “Talvez jazz.”

Mas Lucy lembrava-se claramente de ter imaginado o ruído das músicas de hard rock dos anos 70 e 80.

Será que se tinha enganado?

Riley perguntou, “E Maberly Inn? Como é que era?”

Uma aluna ergueu a mão e Riley pediu-lhe para falar.

“Pitoresca e tão agradável quanto um motel pode ser,” Disse a jovem. “E bastante velho. Remontando a um tempo anterior ao surgimento das cadeias de motéis.”

Outro aluno falou.

“Isso parece-me bem.”

Outros alunos manifestaram a sua concordância.

Mais uma vez, Lucy ficou espantada com a forma tão diferente como tinha imaginado o lugar-

Riley sorriu mais uma vez.

“Quantos de vocês partilham estas impressões gerais – tanto do bar como do motel?”

A maioria dos alunos ergueu as mãos.

Lucy agora sentia-se algo deslocada.

“Tentem captar corretamente as coisas no geral,” Dissera-lhes Riley.

Será que Lucy tinha falhado redondamente todo o exercício?

Será que toda a gente na sala tinha captado a essência exceto ela?

Então Riley mostrou algumas imagens no ecrã.

Primeiro surgiram várias fotografias do Salão Patom – uma foto do exterior com o sinal de néon a cintilar na janela e várias outras fotos do interior.

“Este é o bar,” Disse Riley. “Ou pelo menos era o seu aspeto na altura em que ocorreram os homicídios. Não sei ao certo como está agora – ou se ainda existe.”

Lucy sentiu-se aliviada. Era bastante parecido com aquilo que tinha imaginado – um lugar degradado com paredes apaineladas e estofos de falso cabedal. Até tinha um par de mesas de bilhar e um alvo como ela tinha pensado. E mesmo nas imagens era possível ver uma espessa nuvem de fumo de cigarros.

Os alunos ficaram surpreendidos.

“Agora vamos ver o Maberly Inn,” Disse Riley.

Surgiram mais fotos. O motel parecia tão sujo como Lucy o havia imaginado – não muito antigo, mas ainda assim em mau estado.

Riley riu-se um pouco.

“Parece não coincidir bem com aquilo que imaginaram,” Disse ela.

A turma riu nervosamente em concordância.

“Porque é que visualizaram as cenas como as visualizaram?” Perguntou Riley.

Solicitou a uma jovem com a mão no ar para falar.

“Bem, disse-nos que o assassino abordara primeiro a vítima num bar,” Disse ela. “Isso aponta para ‘bar de solteiros’ na minha opinião. Um bocado foleiro, mas tentando parecer ter classe. Não imaginei um lugar do tipo classe trabalhadora.”

Outro aluno disse, “Com o motel a mesma coisa. O assassino não a levaria para um lugar agradável, nem que fosse só com o intuito de a enganar?”

Lucy agora sorria amplamente.

Agora percebo, Pensou.

Riley reparou no seu sorriso e devolveu-lho.

Disse, “Agente Vargas, onde é que tantos de nós se enganaram?”

Lucy disse, “Todos se esqueceram ter em consideração a idade da vítima. Tilda Steen tinha apenas vinte anos. As mulheres que frequentam bares de solteiros são geralmente mais velhas, rondam os trintas ou a meia idade, muitas vezes divorciadas. Por isso é que visualizaram o bar de forma errada.”

Riley concordou.

“Continue,” Disse ela.

Lucy pensou por um momento.

“Disse que ela vinha de uma família de classe média de uma pequena cidade. A julgar pelas fotos que nos mostrou anteriormente, ela era atraente e duvido que tivesse dificuldades amorosas. Então porque é que ela se deixou engatar num lugar como o Salão Patom? A minha hipótese é que estava aborrecida. Ela foi deliberadamente para um lugar que podia ser um pouco perigoso.”

E encontrou mais perigo do que aquele que procurava, Pensou Lucy.

“O que podemos todos aprender do que acabou de acontecer?” Perguntou Riley à turma.

Um aluno levantou a mão e disse, “Quando estamos a reconstruir um crime mentalmente, temos que nos assegurar que enquadramos toda a informação que temos em nossa posse. Não devemos deixar nada de fora.”

Riley parecia agradada.

“Exato,” Disse ela. “Um detetive tem que possuir uma imaginação vívida, tem que conseguir entrar na mente do assassino. Mas isso é complicado. Ao descurar um simples detalhe, pode perder-se. Pode fazer a diferença entre resolver o caso e não o resolver.”

Riley calou-se por momentos e depois acrescentou, “E este caso nunca foi resolvido. Se alguma vez irá ser... bem, duvido. Passados vinte e cinco anos, é difícil apanhar-lhe novamente o rasto. Um homem matou três jovens – e são grandes as probabilidades de ainda andar por aí.”

Riley deixou as suas palavras embrenharem-se na audiência durante alguns instantes.

“É tudo por hoje,” Disse por fim. “Sabem o que devem ler para a próxima aula.”

Os alunos saíram da sala. Lucy decidiu ficar durante mais um bocado para conversar com a sua mentora.

Riley sorriu-lhe e disse, “Fizeste um excelente trabalho de detetive ainda há pouco.”

“Obrigada,” Disse Lucy.

Ficou feliz. Todo e qualquer elogio vindo de Riley Paige significava muito para ela.

Depois Riley disse, “Mas agora quero que tentes uma coisa um pouco mais avançada. Fecha os olhos.”

Lucy fechou-os. Em voz baixa e calma, Riley deu-lhe mais detalhes.

“Depois de matar Tilda Steen, o assassino enterrou-a numa campa rasa. Consegue descrever-me como é que isso aconteceu?”

Como fizera durante o exercício, Lucy tentara entrar na mente do assassino.

“Ele deixou o corpo na cama, depois saiu do quarto do motel,” Disse Lucy em voz alta. “Olhou cuidadosamente à sua volta. Não viu ninguém. Então levou o corpo para o seu carro e colocou-o no banco de trás. Depois conduziu até uma área florestal. Um lugar que conhecia bem, mas não muito próximo da cena do crime.”

“Continua,” Disse Riley.

Com os olhos ainda fechados, Lucy conseguia sentir a frieza metódica do assassino.

“Parou o carro onde não o poderiam ver. Depois tirou uma pá da bagageira.”

Lucy sentiu dificuldades por um momento.

Era noite por isso, como é que o assassino vaguearia pelo bosque?

Não seria fácil transportar uma lanterna, uma pá e um corpo.

“Era noite de luar?” Perguntou Lucy.

“Era,” Disse Riley.

Lucy sentiu-se encorajada.

“Ele apanhou na pá com uma mão e pendurou o corpo no ombro com a outra. Começou a percorrer o bosque. Caminhou até encontrar um lugar distante que sabia não ser frequentado por ninguém.”

“Um lugar distante?” Perguntou Riley, interrompendo a recriação de Lucy.

“Definitivamente,” Disse Lucy.

“Abra os olhos.”

Lucy abriu-os. Riley estava a arrumar a sua pasta para se ir embora.

Disse, “Na verdade o assassino levou o corpo para o bosque do outro lado da autoestrada perto do motel. Só carregou o corpo de Tilda durante alguns metros. Podia ter visto luzes vindas da autoestrada e provavelmente usou a luz de um candeeiro de rua para enterrar Tilda. E enterrou-a de forma descuidada, cobrindo-a mais com pedras do que com terra. Um ciclista que ia a passar reparou no cheiro uns dias mais tarde e chamou a polícia. O corpo foi fácil de encontrar.”

Lucy ficou surpreendida com este desfecho.

“Porque é que não se deu a mais trabalho para esconder o crime?” Perguntou. “Não percebo.”

Fechando a sua pasta, Riley franziu o sobrolho pesarosamente.

“Eu também não,” Disse ela. “Ninguém sabe.”

Riley pegou na sua pasta e deixou a sala.

Ao vê-la partir, Lucy detetou amargura e desilusão na passada de Riley.

Era óbvio que por muito desligada que parecesse estar, Riley ainda se sentia atormentada por este caso arquivado.


CAPÍTULO DOIS


Naquela noite ao jantar, Riley Paige não conseguia tirar da cabeça o “Assassino da Caixa de Fósforos”. Utilizara aquele caso arquivado como exemplo na sua aula porque sabia que teria notícias dele em breve.

Riley tentou concentrar-se no delicioso guisado Guatemalteco que Gabriela tinha preparado. A sua empregada era uma cozinheira extraordinária. Riley esperava que Gabriela não reparasse que ela estava a ter dificuldades em apreciar o jantar naquela noite. Mas é claro que as miúdas repararam.

“O que é que se passa, mãe?” Perguntou April, a filha de quinze anos de Riley.

“Passa-se alguma coisa?” Perguntou Jilly, a menina de treze anos que Riley pensava adotar.

Também Gabriela olhava para Riley com preocupação.

Riley não sabia o que dizer. A verdade era que sabia que ia ser recordada do Assassino da Caixa de Fósforos no dia seguinte – um telefonema que recebia todos os anos. Não valia a pena não pensar no assunto.

Mas Riley não gostava de trazer o trabalho de casa para o seio da família. Houvera ocasiões em que apesar dos seus esforços, pusera os seus entes queridos em perigo.

“Não é nada,” Disse ela.

As quatro comeram silenciosamente durante alguns instantes.

Por fim April disse, “É o pai, não é? Incomoda-te que ele não esteja outra vez em casa.”

A pergunta apanhou Riley de surpresa. As ausências recentes do marido andavam a incomodá-la. Ela e Ryan tinham-se esforçado muito para se reconciliarem, mesmo depois de um divórcio doloroso. Agora o seu progresso parecia estar a ruir e Ryan passava cada vez mais tempo na sua casa.

Mas não era Ryan o que a preocupava naquele momento.

O que é isso dizia de si?

Estaria a acostumar-se à sua relação falhada?

Desistira?

As suas três companheiras de jantar ainda olhavam para ela, à espera que dissesse alguma coisa.

“É um caso,” Disse Riley. “Aborrece-me sempre nesta altura do ano.”

Os olhos de Jilly abriram-se muito demonstrando o seu entusiasmo.

“Conta-nos!” Disse ela.

Riley pensou no quanto podia dizer às miúdas. Não queria descrever os pormenores do crime à sua família.

“É um caso arquivado,” Disse ela. “Uma série de homicídios que nem a polícia local, nem o FBI conseguiram resolver. Tento resolvê-lo há anos.”

Jilly balançava na cadeira.

“Como é que o vai resolver?”

A pergunta espicaçou Riley.

É claro que Jilly não a queria magoar – bem pelo contrário. A jovem tinha orgulho em ter como mãe uma agente do FBI. E ainda tinha a ideia de que Riley era alguma espécie de super-heroína que nunca falhava.

Riley conteve um suspiro.

Talvez tenha chegado o momento de lhe dizer que nem sempre consigo apanhar os maus, Pensou.

Mas Riley disse apenas, “Não sei.”

Era a mais pura verdade.

Mas havia uma coisa que Riley sabia.

O vigésimo quinto aniversário da morte de Tilda Steen era no dia seguinte e ela não o iria conseguir esquecer.

Para alívio de Riley, a conversa à mesa virou-se para o magnífico jantar de Gabriela. A robusta mulher Guatemalteca e as miúdas começaram a falar em Espanhol e Riley tinha dificuldades em seguir o que diziam.

Mas não fazia mal. April e Jilly estavam ambas a estudar Espanhol, e April estava a ficar bastante fluente. Jilly ainda lutava com a língua mas Gabriela e April estavam a ajudá-la.

Riley sorriu enquanto ela via e ouvia.

A Jilly parece bem, Pensou.

Jilly era uma menina magra e de pele escura – mas já não a rapariguinha desesperada que Riley salvara das ruas de Phoenix há alguns meses atrás. Era amável e saudável, e parecia estar a ajustar-se bem à nova vida com Riley e a família.

E April estava a provar ser uma excelente irmã mais velha. Estava a recuperar bem de traumas por que tinha passado.

Por vezes quando olhava para April, Riley sentia que estava a olhar para um espelho – um espelho que mostrava o seu próprio eu adolescente de há muitos anos atrás. April tinha os olhos cor de avelã e cabelo escuro de Riley.

Riley sentiu uma imensa tranquilidade.

Talvez esteja a fazer um ótimo trabalho como mãe, Pensou.


Mas a tranquilidade depressa se dissipou.

O misterioso Assassino da Caixa de Fósforos ainda assombrava a sua mente.


*


Depois do jantar, Riley foi para o seu quarto e escritório. Sentou-se ao computador e respirou fundo algumas vezes, tentando relaxar. Mas a tarefa que estava à sua espera era de alguma forma angustiante.

Parecia ridículo ela sentir-se daquela forma. No final de contas, ela perseguira e combatera dezenas de assassinos perigosos ao longo dos anos. A sua própria vida tinha estado ameaçada mais vezes do que o razoável.

Só falar com a minha irmã não me devia deixar assim, Pensou.

Mas não via Wendy há... quantos anos já tinham passado?

Pelo menos desde que Riley era miúda. Wendy entrara novamente em contacto quando o pai de ambas morrera. Tinham falado ao telefone refletindo na possibilidade de se encontrarem pessoalmente. Mas Wendy vivia longe em des Moines, Iowa e não tinham conseguido combinar um encontro. Então tinham decidido daquela vez falarem através de um chat de vídeo.

Para se preparar, Riley olhou para uma foto emoldurada que estava à sua secretátia. Tinha-a encontrado entre os pertences do pai após a sua morte. Mostrava Riley, Wendy e a mãe. Riley parecia ter quatro anos e Wendy já devia estar na adolescência.

Ambas as raparigas e a mãe pareciam felizes.

Riley não se lembrava quando ou onde a fotografia fora tirada.

E não se recordava da sua família alguma vez ser feliz.

Com as mãos frias e a tremer, digitou a morada de vídeo de Wendy no teclado.

A mulher que surgiu no ecrã bem podia ser uma perfeita estranha.

“Olá Wendy,” Disse Riley timidamente.

“Olá,” Respondeu Wendy.

Ficaram ali sentadas a olhar uma para a oura estupidamente durante alguns momentos confrangedores.

Riley sabia que Wendy tinha cerca de cinquenta anos, sendo por isso dez anos mais velha que ela. Parecia encarar a idade que tinha sem problemas. Parecia bastante convencional. O cabelo parecia não estar a encanecer como o de Riley, mas Riley duvidava que fosse a sua cor natural.

Riley olhava para o rosto de Wendy e para a foto. Notou que Wendy se parecia com a mãe. Riley sabia que se parecia mais com o pai e não se sentia especialmente orgulhosa dessa parecença.

“Bem,” Disse por fim Wendy para quebrar o silêncio. “O que é que tens feito... nas últimas décadas?”

Riley e Wendy riram-se ambas um pouco. Até o seu riso parecia tenso e estranho.

Wendy perguntou, “És casada?”

Riley suspirou alto. Como podia ela explicar o que se estava a passar entre ela e Ryan quando nem ela sabia ao certo?

Disse, “Bem, como os miúdos dizem hoje em dia, ‘é complicado’. E quero dizer mesmo complicado.”

Seguiram-se mais uns risos nervosos.

“E tu?” Perguntou Riley.

Wendy parecia começar a descontrair um pouco.

“O Loren e eu estamos quase a fazer vinte e cinco anos de casados. Somos ambos farmacêuticos e temos a nossa própria farmácia. O Loren herdou-a do pai. Temos três filhos. O mais novo, Barton, está fora na universidade. Thora e Parish são ambos casados e têm as suas vidas. Acho que isso faz de mim e do Loren os clássicos pais cujos filhos ganharam asas e os deixaram.”

Riley sentiu uma melancolia estranha a tomar conta dela.

A vida de Wendy em nada se tinha assemelhado à dela. Na verdade, a vida de Wendy tinha sido aparentemente normal.

A sensação de estar a olhar para um espelho, como ao jantar com April, regressara.

Com exceção de que o espelho não era do seu passado.

Era de um ser futuro – alguém em quem ela se poderia ter transformado, mas que nunca, nunca poderia ser.

“E tu?” Perguntou Wendy. “Tens filhos?”

Mais uma vez Riley sentiu-se tentada a dizer...

“É complicado.”

Mas em vez disso, disse, “Duas. Tenho uma filha com quinze anos, April. E estou prestes a adotar outra – Jilly que tem treze anos.”

“Adoção! Mais pessoas o deviam fazer. Isso é ótimo.”

Riley não sentia que devia ser parabenizada no momento. Sentir-se-ia melhor se tivesse a certeza de que Jilly cresceria numa família com pai e mãe. Naquele momento, aquele assunto era uma dúvida. Mas Riley decidiu não entrar por aí com Wendy.

Em vez disso, queria tratar de um outro assunto com a irmã.

E receava que pudesse ser estranho.

“Wendy, sabes que o pai me deixou a sua cabana no testamento,” Disse ela.

Wendy anuiu.

“Eu sei,” Disse ela. “Enviaste-me algumas fotos. Parece um lugar agradável.”

As palavras eram um pouco dissonantes...

“... um lugar agradável.”

Riley tinha lá estado algumas vezes – e recentemente quando o pai falecera. Mas as suas memórias do lugar estavam longe de ser agradáveis. O pai tinha comprado quando se aposentara da Marinha. Riley lembrava-se da cabana como a casa de um velho solitário e mau que odiava toda a gente – e um homem que também todos odiavam. A última vez que Riley o vira vivo, haviam chegado a vias de facto.

“Penso que foi um engano,” Disse Riley.

“O quê?”

“Deixar-me a cabana. Foi errado da parte dele fazer isso. Devia ter ido para ti.”

Wendy parecia genuinamente surpreendida.

“Porquê?” Perguntou.

Riley sentiu todo o tipo de emoções negativas a revolverem-se dentro de si. Aclarou a garganta.

“Porque estiveste com ele no fim, quando ele estava no lar. Cuidaste dele. Até trataste de tudo depois de ele morrer – o funeral e as coisas legais. Eu não estava lá. Eu...”

Riley quase se engasgou com as palavras que proferiu de seguida.

“Penso que não conseguiria fazer o que fizeste. Nós não nos dávamos bem.”

Wendy sorriu com tristeza.

“Nós também não nos dávamos bem.”

Riley sabia que era verdade. Pobre Wendy – o pai batera-lhe regularmente até ela finalmente fugir de vez aos quinze anos. E mesmo assim, Wendy mostrara a decência de cuidar dele no fim.

Riley não o tinha feito e não conseguia evitar sentir-se culpada a esse respeito.

Riley disse, “Não sei quanto vale a cabana. Deve valer alguma coisa. Quero que fiques com ela.”

Os olhos de Wendy dilataram-se. Parecia assustada.

“Não,” Disse ela.

A franqueza da sua resposta espantou Riley.

“Por que não?” Perguntou Riley.

“Simplesmente não posso. Não quero. Quero esquecer-me dele.”

Riley sabia exatamente como é que ela se sentia. Ela sentia o mesmo.

Wendy acrescentou, “Deves vendê-la e ficar com o dinheiro. É o que quero que faças.”

Riley não sabia o que dizer.

Felizmente, Wendy mudou de assunto.

“Antes do pai morrer, ele disse-me que eras agente da UAC. Há quanto tempo estás nesse trabalho?”

“Há cerca de vinte anos,” Disse Riley.

“Bem. Penso que o pai tinha orgulho em ti.”

Um riso amargo apoderou-se de Riley.

“Não, não tinha,” Disse ela.

“Como sabes?”

“Oh, ele deu-me a entender. Ele tinha a sua forma muito particular de comunicar.”

Wendy suspirou.

“Penso que tinha,” Disse Wendy.

Seguiu-se um silêncio desconfortável. Riley não sabia do que deviam falar. No final de contas, mal tinham falado durante muitos anos. Deveriam tentar encontrar uma forma de se reunirem pessoalmente? Riley não se imaginava a viajar até Des Moines só para ver esta estranha chamada Wendy. E tinha a certeza que Wendy sentia o mesmo em relação a ela.

Afinal, o que poderiam ter em comum?

Naquele momento, o telefone de Riley tocou. Ficou grata pela interrupção.

“É melhor atender,” Disse Riley.

“Eu compreendo,” Disse Wendy. “Obrigada por este bocadinho.”

“Eu é que te agradeço,” Disse Riley.

Terminaram a chamada e Riley atendeu o telefone. Riley disse ola e depois ouviu uma voz confusa de mulher.

“Olá... quem fala?”

“Quem fala?” Repetiu Riley.

Seguiu-se um silêncio.

“O... o Ryan está em casa?” Perguntou a mulher.

As suas palavras pareciam agora distorcidas. Riley tinha a certeza de que a mulher estava bêbeda.

“Não,” Disse Riley. Hesitou durante alguns instantes. Afinal de contas, lembrou a si própria, podia ser uma cliente de Ryan. Mas ela sabia que não era. A situação era demasiado familiar.

Riley disse, “Não volte a ligar para este número.”

E desligou.

Uma fúria imensa apoderou-se dela.

Está a começar outra vez, Pensou.

Ligou para o telefone da casa de Ryan.


CAPÍTULO TRÊS


Quando Ryan atendeu o telefone, Riley não perdeu tempo a ir direita ao assunto.

“Estás a andar com outra pessoa, Ryan?” Perguntou.

“Porquê?”

“Acabou de ligar uma mulher a perguntar por ti.”

Ryan hesitou antes de perguntar, “Ficaste com o nome dela?”

“Não. Desliguei.”

“Quem me dera que não o tivesses feito. Podia ser uma cliente.”

“Estava bêbeda Ryan. E era pessoal. Percebi pelo tyom de voz.”

Ryan ficou sem saber o que dizer.

Riley repetiu a pergunta, “Estás a andar com alguém?”

“Eu... desculpa,” Gaguejou Ryan. “Não sei como é que ela conseguiu o teu número. Deve ter sido algum engano.”

Ah, podes crer que houve um engano, Pensou Riley.

“Não estás a responder à minha pergunta,” Insistiu ela.

Agora Ryan começava a ficar zangado.

“E se estiver a andar com alguém? Riley, nunca fizemos nenhum acordo de exclusividade.”

Riley ficou surpreendida. Não, ela não se recordava de terem feito um acordo desse género. Mas ainda assim...

“Eu simplesmente assumi...” Principiou ela.

“Talvez tenhas assumido demasiado,” Interrompeu Ryan.

Riley tentou contrariar o seu temperamento.

“Como é que ela se chama?” Perguntou.

“Lina.”

“É sério?”

“Não sei.”

O telefone tremia na mão de Riley.

Disse, “Não te parece que já é altura de te decidires?”

Seguiu-se um silêncio.

Por fim, Ryan disse, “Riley, tenho querido falar contigo sobre isto. Preciso de algum espaço. Toda esta cena de família – eu pensava que estava preparado para isto, mas não estou. Quero desfrutar da minha vida. E tu deves também desfrutar da tua.”

Riley conseguia discernir um tom demasiado familiar na sua voz.

Voltou ao modo playboy, Pensou.

Ele estava a saborear a sua nova ligação, afastando-se de Riley e da sua família. Ultimamente, parecia um homem mudado – mais empenhado e responsável. Ela devia ter percebido que não era coisa para durar. Ele não mudara nada.

“O que é que vais fazer agora?” Perguntou ela.

Ryan parecia aliviado por finalmente poder revelar o que pensava.

“Olha, esta coisa de andar entre a tua casa e a minha – não está a resultar para mim. Parece demasiado temporário. O melhor é ficar-me pela minha casa.”

“A April vai ficar aborrecida,” Disse Riley.

“Eu sei. Mas havemos de nos arranjar. Vou continuar a passar tempo com ela e vai tudo correr bem. Já passou por coisas bem piores.”

A loquacidade de Ryan estava a enfurecer Riley a cada minuto que passava. Estava prestes a explodir.

“E a Jilly?” Perguntou Riley. “Ela gosta muito de ti. Aprendeu a contar contigo. Ajudaste-a em imensas coisas. Como os trabalhos de casa. Ela precisa de ti. Está a passar por tantas mudanças, é tudo muito duro para ela.”

Seguiu-se outra pausa. Riley sabia que Ryan estava a preparar-se para dizer qualquer coisa de que ela não ia gostar.

“Riley, a Jilly foi uma decisão tua. Admiro-te por isso, mas não fui eu que tomei essa decisão. A adolescente problemática de outra pessoa é muita areia para a minha camioneta. Não é justo.”

Durante um momento, Riley estava tão furiosa que não conseguia falar.

Ryan regressara aos velhos tempos em que apenas os seus sentimentos importavam.

Era um caso perdido.

“Vem cá e leva as tuas coisas,” Disse ela de forma brusca. “E vem quando as miúdas estiverem na escola. Quero que tudo o que é teu desapareça daqui o mais rapidamente possível.”

E desligou o telefone.

Levantou-se da secretária e caminhou furiosamente pelo quarto.

Desejava ter um escape para a sua fúria, mas naquele momento não havia nada a fazer. Ia ter que aguentar uma noite de insónia.

Mas no dia seguinte, tomaria as providências necessárias para libertar aquela tensão.


CAPÍTULO QUATRO


Riley sabia que um ataque se aproximava e que ia ser próximo e súbito. E podia vir de qualquer lado daqueles espaços labirínticos. Esgueirou-se cuidadosamente ao longo de um corredor estreito do edifício abandonado.

Mas as memórias da noite anterior não paravam de se intrometer...

“Preciso de algum espaço,” Dissera Ryan.

“Toda esta cena de família – eu pensava que estava preparado para isto, mas não estou.”

“Quero desfrutar da minha vida.”

Riley estava zangada – não apenas com Ryan, mas também com ela por se ter deixado distrair.

Mantém-te concentrada, Disse a si própria. Tens um bandido para apanhar.

E a situação era sombria. A colega mais nova de Riley, Lucy Vargas, já tinha sido ferida. O parceiro de longa data de Riley, Bill Jeffreys, tinha ficado com Lucy. Estavam ambos a uma esquina de distância atrás de Riley, a tentar detetar atiradores. Riley ouviu a espingarda de Bill.

Com perigo à espreita à sua frente, não podia olhar para trás para ver o que se estava a passar.

“Como está a situação, Bill?” Gritou.

Agora ouvia uma série de tiros de semiautomática.

“Um abatido, faltam dois,” Gritou-lhe Bill. “Eu abato estes tipos, sem problema. E cubro a Lucy, ela vai ficar bem. Mantém os teus olhos focados no que tens à tua frente. Aquele tipo à frente é bom. Muito bom.”

Bill tinha razão. Riley não conseguia ver o atirador à frente, mas ele já tinha atingido Lucy. Se Riley não o abatesse, o mais certo era matá-los aos três.

Manteve a sua carabina M4 erguida e pronta. Há muito que não manuseava uma arma de assalto, por isso ainda se estava a habituar à sua forma e peso.

À sua frente estava o corredor com todas as portas abertas. O atirador podia estar em qualquer um daqueles compartimentos. Ela estava determinada a encontrá-lo e a abatê-lo antes que fizesse mais estragos.

Riley manteve-se junto à parede, movimentando-se na direção da primeira porta. Esperando que ele lá estivesse, manteve-se afastada da entrada, pegou na arma e disparou três vezes para o interior. Depois colocou-se à entrada e disparou mais três vezes. Desta vez pressionou a coronha contra o ombro para amparar o recuo.

Baixou a arma e viu que o compartimento estava vazio. Virou-se para se certificar que o corredor ainda estava vazio, depois pensou durante um instante sobre qual seria a sua próxima ação. Para além de ser perigoso, verificar cada compartimento daquela forma ia custar-lhe munições preciosas. Mas naquele momento, parecia não ter escolha possível. Se o atirador estivesse num daqueles compartimentos, estava preparado para matar quem tentasse ultrapassar a entrada.

Parou por um momento para avaliar as suas próprias reações físicas.

Estava agitada, nervosa.

A pulsação estava acelerada.

Respirava com dificuldade e aceleradamente.

Mas era da adrenalina ou da fúria da noite passada?

Lembrou-se outra vez...

“E se estiver a andar com alguém?” Dissera Ryan.

“Riley, nunca fizemos nenhum acordo de exclusividade.”

Dissera-lhe que o nome da mulher era Lina.

Riley perguntou-se que idade teria.

Provavelmente muito jovem.

As mulheres de Ryan eram sempre demasiado jovens.

Raios, para de pensar nele! Estava a reagir como uma novata estúpida.

Tinha que se lembrar de quem era. Ela era Riley Paige e era respeitada e admirada.

Tinha vários anos de treino e trabalho de campo.

Descera ao inferno e voltara vezes se conta. Tirara vidas e salvara vidas. Tinha sempre calma perante o perigo.

Então como podia ela deixar Ryan afetá-la daquela forma?

Abanou-se, tentando afastar as distrações da cabeça.

Dirigiu-se ao compartimento seguinte, disparou à entrada, depois entrou e disparou novamente.

Naquele momento a sua arma encravou-se.

“Raios,” Resmungou Riley audivelmente.

Por sorte, o atirador também não estava naquele compartimento. Mas ela sabia que a sua sorte podia acabar a qualquer momento. Pousou a M4 e sacou a sua pistola Glock.

Nessa altura, um movimento captou a sua atenção. Ele estava ali, naquela porta logo à frente, a espingarda apontada diretamente a ela. Instintivamente, Riley baixou-se e rebolou, evitando o disparo. Depois ficou ajoelhada e disparou três vezes, protegendo-se do recuo. As três balas atingiram o atirador que caiu no chão.

“Apanhei-o!” Gritou a Bill. Observou a figura cuidadosamente e não viu sinal de vida. Terminara.

Então Riley levantou-se e removeu o seu capacete de RV, fones e microfone. O atirador caído desaparecera, juntamente com o labirinto de corredores. Deu por si numa sala do tamanho de um campo de basquetebol. Bill estava próximo e Lucy levantava-se. Bill e Lucy também tiravam os seus capacetes. Tal como Riley usavam outros equipamentos, incluindo correias à volta dos pulsos, joelhos e tornozelos que detetavam os seus movimentos na simulação.

Agora que os seus companheiros já não eram fantoches simulados, Riley parou por um momento para apreciar a sua presença real. Pareciam um par estranho – um deles maduro e sólido, e outro jovem e impulsivo.

Mas ambos estavam entre as pessoas de quem mais gostava no mundo.

Riley já tinha trabalhado com Lucy mais do que uma vez no terreno e sabia que podia contar com ela. A jovem agente de pele e olhos escuros parecia sempre brilhar por dentro, irradiando energia e entusiasmo.

Por contraste, Bill tinha a idade de Riley e apesar dos seus quarenta anos o estarem a tornar um pouco mais lento, ainda era um excelente agente de campo.

Também ainda é um pão, Lembrou a si própria.

Durante alguns instantes pensou – agora que as coisas com Ryan não tinham dado certo, talvez ela e Bill pudessem...?

Mas não, ela sabia que era uma péssima ideia. No passado, ela e Bill tinham feito tentativas desastradas de iniciar algo sério e os resultados tinham sido desastrosos. Bill era um ótimo parceiro e um amigo ainda melhor. Seria uma estupidez estragar isso.

“Bom trabalho,” Disse Bill a Riley, sorrindo abertamente.

“Pois, salvou-me a vida, Agente Paige,” Disse Lucy a rir. “Nem acredito que me deixei atingir. Não o consegui abater quando estava mesmo à minha frente!”

“Isso faz parte do objetivo do sistema,” Disse Bill a Lucy, dando-lhe uma palmadinha nas costas. “Mesmo agentes muito experientes tendem a falhar os seus alvos a curta distância. A RV ajuda a lidar com esse tipo de problema.”

Lucy disse, “Bem, nada como ser atingida por uma bala virtual no ombro para nos ensinar essa lição.” Esfregou o ombro onde o equipamento a tinha atingido com uma ligeira ferroada para que soubesse que tinha sido atingida.

“É melhor do que se for uma real,” Disse Riley. “De qualquer das formas, desejo-te uma rápida recuperação.”

“Obrigada!” Disse Lucy, rindo novamente. “Já me sinto melhor.”

Riley guardou a pistola modelo e apanhou a falsa espingarda de assalto. Lembrou-se do recuo que sentira ao disparar ambas as armas. E o edifício abandonado não existente fora detalhado e realista.

Ainda assim, Riley sentiu-se estranhamente vazia e insatisfeita.

Mas era óbvio que tal não era culpa de Bill ou Lucy. E ela estava grata por eles se terem juntado a ela naquela manhã para aquele exercício.

“Obrigada por concordarem em fazerem isto comigo,” Disse ela. “Acho que precisava de libertar alguma tensão.”

“Sentes-te melhor?” Perguntou Lucy.

“Sim,” Disse Riley.

Não era verdade, mas pensou que uma pequena mentira não faria mal a ninguém.

“E se fôssemos buscar um café?” Perguntou Bill.

“Parece-me uma excelente ideia!” Disse Lucy.

Riley abanou a cabeça.

“Hoje não, obrigada. Fica para outro dia. Vão vocês.”

Bill e Lucy abandonaram a enorme sala de RV. Por um momento, Riley pensou se afinal deveria ir com eles.

Não, seria uma péssima companhia, Pensou.

As palavras de Ryan continuavam a ecoar na sua cabeça...

“Riley, a Jilly foi uma decisão tua.”

O Ryan tinha realmente uma lata monumental para virar as costas à Jilly.

Mas Riley agora não estava zangada. Estava dolorosamente triste.

Mas porquê?

Lentamente percebeu...

Nada é real.

Toda a minha vida, é tudo uma falsidade.

A sua esperança de ter novamente uma família com Ryan e as miúdas havia sido apenas uma ilusão.

Tal como esta maldita simulação.

Caiu de joelhos e começou a soluçar.

Demorou alguns minutos até Riley se recompor. Grata por ninguém a ter visto naquele estado, levantou-se e foi para o seu gabinete. Mal entrou, o telefone começou a tocar.

Ela sabia quem lhe ligava.

Ela esperava aquela chamada.

E sabia que a conversa não ia ser fácil.


CAPÍTULO CINCO


“Olá Riley,” Disse uma voz de mulher quando Riley atendeu a chamada.

Era uma voz doce – trémula e débil com a idade, mas amigável.

“Olá Paula,” Disse Riley. “Como tem passado?”

Paula suspirou.

“Bem, já se sabe – o dia de hoje é sempre difícil.”

Riley compreendia. A filha de Paula, Tilda, tinha sido morta naquele dia há vinte e cinco anos.

“Espero que não se importe que eu ligue,” Disse Paula.

“Claro que não, Paula,” Garantiu-lhe Riley.

No final de contas, Riley tinha iniciado a sua bastante peculiar relação há vários anos. Riley nunca trabalhara no caso do homicídio de Tilda. Entrara em contacto com a mãe da vítima muito depois do caso ser arquivado.

Esta chamada anual entre elas já era um ritual há vários anos.

Riley ainda o considerava estranho, ter aquelas conversas com alguém que não conhecia. Nem sabia qual o aspeto de Paula. Sabia que tinha sessenta e oito anos. Tinha quarenta e três, só três anos mais nova do que Riley, quando a filha fora assassinada. Riley imaginava-a como uma figura de avó carinhosa de cabelo grisalho.

“Como está Justin?” Perguntou Riley.

Riley tinha falado com o marido de Paula algumas vezes, mas nunca o conhecera.

Paula suspirou novamente.

“Faleceu no verão passado.”

“Lamento,” Disse Riley. “Como aconteceu?”

“Foi súbito, repentino. Um aneurisma – ou talvez um ataque cardíaco. Propuseram fazer uma autópsia para determinar a causa. Eu disse, ‘Para quê darem-se ao trabalho?’ Não o ia trazer de volta.”

Riley sentiu pena da mulher. Ela sabia que Tilda fora a sua única filha. A perda do marido não podia ser fácil.

“Como está a lidar com a situação?” Perguntou Riley.

“Um dia de cada vez,” Disse Paula. “É uma solidão agora.”

Havia um traço de insuportável tristeza na sua voz, como se se sentisse pronta a juntar-se ao marido na morte.

Era difícil para Riley imaginar aquela solidão. Sentiu uma enorme gratidão por ter pessoas que se preocupavam na sua vida – April, Gabriela e agora Jilly. Riley tinha suportado o medo de as perder. April estivera em perigo mais do que uma vez.

E claro, havia maravilhosos amigos como Bill que também tinha enfrentado inúmeros riscos.

Nunca os vou tomar por garantidos, Pensou.

“E você, minha querida? Perguntou Paula.

Talvez fosse por isso que Riley sentia que conseguia falar com Paula sobre coisas com que não conseguia com a maioria das pessoas.

“Bem, estou num processo de adoção de uma menina de treze anos. Tem sido uma aventura. Ah, e o Ryan voltou durante uns tempos e depois foi-se embora outra vez. Foi mais uma vez arrebatado por uma jovenzinha.”

“Que mau para si!” Disse Paula. “Eu tive sorte com o Justin. Ele nunca se tresmalhou. E penso que também ele teve sorte. Foi-se rapidamente, sem dores persistentes ou sofrimento. Espero que quando a minha hora chegar...”

A voz de Paula desvaneceu-se.

Riley estremeceu.

Paula tinha perdido uma filha para um assassino que nunca fora descoberto.

Riley também perdera alguém para um assassino que nunca fora encontrado.

Falou lentamente.

“Paula...ainda tenho flashbacks sobre isso. E pesadelos também.”

Paula respondeu num tom de voz carinhoso e preocupado.

“Não é algo que me surpreenda. Era pequena. E estava lá quando aconteceu. Eu fui poupada a esse horror.”

A palavra poupada surpreendeu Riley.

Não lhe parecia que Paula tivesse sido poupada ao que quer que fosse.

É verdade que Paula não vira a filha a morrer.

Mas perder uma filha única devia ser certamente pior do que aquilo por que Riley passara.

A capacidade de Paula de empatia altruísta sempre maravilhara Riley.

Paula continuou a falar numa voz calma.

“A dor nunca desaparece, penso que não. Talvez não devamos querer que desapareça. O que seria de nós se eu me esquecesse do Justin ou você esquecesse a sua mãe? Enquanto sofrer, sinto-me humana... e viva. É parte de quem somos, Riley.”

Riley conteve uma lágrima.

Como sempre, Paula dizia-lhe exatamente o que ela precisava de ouvir.

Mas como sempre, não era fácil.

Paula continuou, “E veja o que conseguiu da sua vida – proteger outros, procurar a justiça. A sua perda ajudou-a a tornar-se quem é – uma campeã, uma pessoa boa e preocupada.”

Um soluço único soltou-se da garganta de Riley.

“Oh, Paula. Quem me dera que as coisas não tivessem que ser assim – para nenhuma de nós. Quem me dera que eu tivesse...”

Paula interrompeu.

“Riley, falamos sobre isto todos os anos. O assassino da minha filha nunca será julgado. Não é culpa de ninguém e eu não culpo ninguém. E muito menos você. O caso nunca esteve consigo. Não é sua responsabilidade. Todos os outros fizeram o melhor que podiam. O melhor que pode fazer é falar comigo. E isso torna a inha vida sempre melhor.”

“Lamento o que aconteceu ao Justin,” Disse Riley.

“Obrigada. Agradeço-lhe do fundo do coração.”

Riley e Paula concordaram em conversar novamente no próximo ano e terminaram a chamada.

Riley estava sozinha no gabinete.

Falar com Paula era sempre emocionalmente difícil, mas tinha o condão de fazer com que Riley se sentisse melhor.

Hoje Riley só sentia pior.

Porquê?

Demasiadas coisas estão a correr mal, Apercebeu-se Riley.

Hoje, todos os problemas da sua vida pareciam estar ligados.

E de alguma forma, não conseguia deixar de se culpar por toda a perda, por toda a dor.

Pelo menos já não lhe apetecia chorar. Chorar não ajudaria. Para além disso, Riley tinha que tratar de alguma papelada. Sentou-se na secretária e tentou trabalhar.


*


Mais tarde, Riley foi de Quantico para a Brody Middle School. Jilly já estava à espera no passeio quando Riley parou o carro.

Jilly entrou no carro.

“Etive quinze minutos à espera!” Disse ela. “Despacha-te! Vamos atrasar-nos para o jogo!”

Riley deu uma risada.

“Não nos vamos atrasar,” Disse ela. “Vamos chegar mesmo a tempo.”

Riley conduziu até à escola de April.

Ao conduzir começou a preocupar-se novamente.

Teria o Ryan ido a casa buscar as suas coisas durante o dia?

E quando e como daria a notícia às miúdas?

“O que é que se passa?” Perguntou Jilly.

Riley não se apercebera que o seu rosto denotava os seus sentimentos.

“Nada,” Disse ela.

“Não é nada,” Disse Jilly. “Eu consigo perceber que se passa algua coisa.”

Riley conteve um suspiro. Tal como April e Riley, também Jilly era observadora.

Devo dizer-lhe agora? Perguntou-se Riley.

Não, não era o momento. Estavam a caminho de ver April a jogar num jogo de futebol. Não queria estragar a tarde com más notícias.

“Não é mesmo nada,” Disse ela.

Riley estacionou na escola de April minutos antes do jogo começar. Ela e Jilly fora para as bancadas que já estavam bastante bem compostas. Riley percebeu que talvez Jilly tivesse razão – talvez devessem ter chegado mais cedo.

“Onde é que nos sentamos?” Perguntou Riley.

“Ali em cima!” Disse Jilly, apontando para as bancadas superiores onde ainda havia espaço disponível. “Dali vou conseguir ver tudo.”

Treparam as arquibancadas e sentaram-se. Dali a poucos minutos, o jogo começou. April estava a jogar no meio-campo, a divertir-se imenso. Riley reparou de imediato que ela era uma jogadora agressiva.

Ao assistirem, Jilly comentou, “A April diz que quer desenvolver as suas habilidades nos próximos anos. É verdade que o futebol lhe pode dar acesso a uma bolsa?”

“Se ela realmente for boa,” Disse Riley.

“Uau. Isso é fixe. Talvez eu também possa fazer isso.”

Riley sorriu. Era maravilhoso que Jilly tivesse uma perspetiva tão positiva do futuro. Na vida que deixara para trás, Jilly nada tinha a ansiar. As suas perspetivas eram sombrias. O mais certo era não ter concluído o liceu quanto mais pensar na faculdade. Todo um mundo de possibilidades se abria para ela.

Acho que faço algumas coisas bem feitas, Pensou Riley.

Entretanto, April bateu um canto que enganou a guarda-redes adversária e marcou o primeiro golo do jogo.

Riley levantou-se batendo palmas.

E foi então que Riley reconheceu outra rapariga da equipa. Era Crystal Hildreth, a amiga de April. Riley já não via Crystal há algum tempo. Ver a rapariga despoletou algumas emoções complicadas.

Crystal e o pai, Blaine, viviam na casa ao lado da sua.

Blaine era um homem encantador por quem Riley tivera um interesse romântico e ele por ela.

Mas tudo terminara há alguns meses atrás quando algo terrível sucedera. Depois Blaine e a filha mudaram-se.

Riley nem se queria lembrar desses acontecimentos horríveis.

Olhou para a multidão. Visto que Crystal estava a a jogar, o mais certo era Blaine estar por ali. Mas naquele momento não o via.

Esperava não ter que o encontrar.


*


O intervalo chegou e Jilly pôs-se à conversa com alguns amigos que encontrara.

Riley reparou que tinha um SMS. Era de Shirley Redding, a agente imobiliária que tinha contactado para vender a cabana do pai.

Dizia...

Boas notícias! Ligue-me assim que puder!

Riley ligou para a agente imobiliária.

“Estive a debruçar-me sobre a venda,” Disse a mulher. “A propriedade deve render mais de cem mil dólares. Talvez o dobro disso.”

Riley sentiu-se entusiasmada. Esse dinheiro seria uma grande ajuda para os planos universitários das miúdas.

Shirley continuou, “Precisamos de falar sobre os detalhes. É boa altura agora?”

É claro que não era, por isso Riley combinou para conversarem no dia seguinte. Ao terminar a chamada, viu alguém a atravessar a multidão na sua direção.

Riley reconheceu-o imediatamente. Era Blaine, o seu antigo vizinho.

Notou que o homem sorridente e bem parecido ainda tinha uma cicatriz na bochecha direita.

Riley desanimou.

Será que ele culpava Riley pela cicatriz?

Ela não conseguia evitar sentir-se culpada.


CAPÍTULO SEIS


Blaine Hildreth sentiu uma série de emoções contraditórias ao atravessar a multidão. Tinha visto Riley quando ela se levantara para aplaudir. Parecera-lhe tão vital e impressionante como sempre, e Blaine não se conteve indo ao seu encontro. Agora ela olhava para ele à medida que ele se aproximava, mas ele não conseguia ler a sua expressão.

Como se sentira por vê-lo?

E como é que ele se sentira por vê-la novamente?

Blaine não conseguiu evitar recuar a um dia traumático ocorrido há mais de dois meses...


Ele estava sentado na sua própria sala de estar quando ouviu u barulho ensurdecedor vindo da porta ao lado.

Foi a casa de Riley e viu que a porta estava parcialmente aberta.

Entrou e viu o que se estava a passar.

Um homem estava a atacar April, a filha de Riley. O homem tinha atirado April ao chão e ela contorcia-se, batendo-lhe com os punhos.

Blaine interviu e afastou o atacante de April. Lutou com o homem, tentando subjugá-lo.

Blaine era ais alto do que o atacante, mas não era mais forte, nem mais ágil.

Continuou a tentar atingir o homem, mas a maioria das suas tentativas falharam e as que acertava parecia não causar qualquer impacto.

De repente, o homem deu um golpe no abdómen de Blaine que ficou imediatamente sem ar. Debruçou-se não conseguindo respirar.

Depois o atacante deu-lhe um pontapé no rosto...


... e tudo ficou negro.

Dali para a frente Blaine só se lembra de estar no hospital.

E agora, ao aproximar-se de Riley, Blaine estremecia um pouco ante aquela memória.

Tentou acalmar-se.

Quando alcançou Riley, não sabia o que fazer. Apertar as mãos parecia um pouco ridículo. Deveria abraçá-la?

Blaine viu que o rosto de Riley estava enrubescido com a vergonha. Também ela parecia não saber o que fazer.

“Olá Blaine,” Disse Riley.

“Olá.”

Ficaram ali a olhar um para o outro durante alguns instantes, depois riram do seu próprio embaraço.

“As nossas miúdas estão a jogar bem,” Disse Riley.

“Sobretudo a tua,” Disse Blaine.

O golo de April tinha impressionado Blaine.

“Estás aqui com alguém?” Perguntou Riley.

“Não. E tu?”

“Só com a Jilly,” Disse Riley. “Penso que não a conheces. A Jilly é... bem, é uma longa história.”

Blaine fez um gesto de assentimento com a cabeça.

“Já sei da Jilly pela minha filha,” Disse ele. “Adotá-la é fantástico.”

Blaine lembrou-se de mais uma coisa que a Crystal lhe dissera. Riley estava a tentar entender-se novamente com Ryan. Blaine interrogou-se como é que isso estaria a correr. O Ryan não estava ali no jogo.

Algo timidamente, Riley disse, “Ouve, estamos sentadas nas últimas bancadas. Temos algum espaço extra. Queres ver o resto do jogo connosco?”

Blaine sorriu.

“Gostaria muito,” Disse ele.

Atravessaram a multidão e subiram para as bancadas. Uma rapariguinha magra sorriu quando viu Riley aproximar-se, mas não pareceu satisfeita quando reparou que Blaine estava com ela.

“Jilly, este é o meu amigo Blaine,” Disse Riley.

Sem dizer uma palavra, Jilly levantou-se e começou a afastar-se.

“Senta-te perto de nós, Jilly,” Disse Riley.

“Vou para junto dos meus amigos,” Disse Jilly, passando por eles e continuando a descer as escadas. “Ainda tenho espaço perto deles.”

Riley parecia chocada e desanimada.

“Peço desculpa,” Disse ela a Blaine. “Aquilo foi inqualificável.”

“Não faz mal,” Disse Blaine.

Riley suspirou quando ambos se sentaram.

“Não, faz mal sim senhor,” Disse ela. “Há muitas coisas que estão mal. A Jilly está zangada porque estou sentada ao lado de alguém que não é o Ryan. Ele tinha-se mudado lá para casa e ela afeiçoou-se muito a ele.”

Riley abanou a cabeça.

“Agora o Ryan está a sair de casa,” Disse ela. “Ainda não tive a oportunidade de dizer nada às miúdas. Ou ainda não tive a coragem. Vão ficar muito sentidas.”

Blaine sentiu-se u pouco aliviado por Ryan já estar fora de cena. Ele tinha visto o ex-marido de Riley algumas vezes e a arrogância do homem deixara-o fora de si. Para além disso, tinha que o admitir, esperava que Riley não tivesse nenhum relacionamento em curso.

Mas também se sentiu culpado por reagir dessa forma.

O jogo entretanto recomeçara. Tanto April coo Crystal estavam a jogar bem, e Blaine e Riley aplaudiam de vez em quando.

Mas Blaine não conseguia parar de pensar na última vez que vira Riley. Fora pouco depois de regressar do hospital. Batera-lhe à porta para lhe dizer que ele e Crystal se iam mudar. Blaine tinha dado a Riley uma desculpa esfarrapada. Dissera-lhe que a casa ficava muito longe do restaurante.

Também tentara dar a sensação de que a mudança não era nada de especial.

“Será como se nada tivesse mudado,” Dissera-lhe ele.

É claro que não era verdade e Riley sabia-o.

Riley ficara claramente desagradada.

Aquele parecia um momento tão bom como qualquer outro para falar no assunto.

Co uma voz hesitante, Blaine disse, “Ouve Riley, peço desculpa de como as coisas correram da última vez que nos vimos. Quando te disse que nos íamos mudar. Não estava muito bem.”

“Não é preciso explicares nada,” Disse Riley.

Mas Blaine sentia as coisas de forma diferente.

Disse, “Ouve, penso que ambos conhecemos a razão pela qual eu e a Crystal nos mudámos.”

Riley encolheu os ombros.

“Pois,” Disse Riley. “Receaste pela segurança da tua filha. Não te censuro Blaine. A sério que não. Apenas estavas a ser sensível.”

Blaine não sabia o que dizer. É claro que Riley tinha razão. Ele temera pela segurança de Crystal, não pela sua. E também queria zelar pelo bem-estar mental de Crystal. A ex-mulher de Blaine, Phoebe, era uma alcoólica violenta e a Crystal ainda estava a lidar com as cicatrizes emocionais dessa relação. Não precisava de mais traumas na sua vida.

Riley tinha conhecimento das ações de Phoebe. Na verdade, ela tinha salvo Crystal de uma das fúrias alcoólicas de Phoebe.

Talvez ela realmente compreenda, Pensou ele.

Mas não podia saber o que é que ela realmente sentia.

E naquele preciso momento, a equipa das filhas marcou outro golo. Blaine e Riley aplaudiram. Assistiram ao jogo em silêncio durante alguns instantes.

Depois Riley disse,”Blaine, eu admito que fiquei desiludida contigo quando te mudaste. Talvez até tenha ficado um pouco zangada. Estava errada. Não foi justo da minha parte. Peço desculpa pelo que aconteceu.”

Ela parou de falar por um momento e depois prosseguiu.

“Senti-me muito mal com o que te aconteceu. E culpada. Ainda me sinto assim. Blaine, eu...”

Durante um momento, ela parecia estar a lutar com os seus pensamentos e sentimentos.

“Não consigo evitar pensar que trago perigo a todos os que se atravessam no meu caminho. Odeio isso no meu trabalho. Odeio isso em mim.”

Blaine começou a objetar.

“Riley, não podes...”

Riley impediu-o.

“É verdade e ambos o sabemos. Se eu fosse minha vizinha, eu também ia querer mudar. Pelo menos enquanto tivesse uma adolescente a meu cargo.”

Naquele momento, uma jogada correu mal para a equipa das suas filhas. Blaine e Riley protestaram juntamente com a multidão que apoiava a equipa da casa.

Blaine começava a sentir-se algo tranquilizado. Riley já não o levava a mal por ter tomado a decisão que tomara.

Seria possível reacenderem o interesse que haviam tido um pelo outro?

Blaine ganhou coragem e disse, “Riley, queria convidar-te e às tuas filhas para jantarem no meu restaurante. Também podes trazer a Gabriela. Eu e ela podemos falar de receitas da América Central.”

Riley ficou muito sossegada durante alguns segundos. Parecia que não tinha ouvido o que Blaine dissera.

Por fim disse, “Não me parece Blaine. As coisas estão demasiado complicadas neste momento. Mas obrigada pelo convite.”

Blaine não conseguiu evitar sentir-se desiludido. Riley estava não só a rejeitá-lo, como parecia não deixar em aberto quaisquer possibilidades futuras.

Mas nada podia fazer quanto a isso.

Assistiu ao resto do jogo com Riley em silêncio.


*


Riley ainda estava a pensar em Blaine enquanto jantava nessa noite. Perguntava-se se tinha cometido um erro. Talvez devesse ter aceite o seu convite. Ela gostava dele e tinha saudades.

Até tinha convidado Gabriela, o que era uma atitude muito querida. Ele tinha apreciado a comida de Gabriela no passado.

E Gabriela tinha preparado para aquela noite uma deliciosa refeição Guatemalteca – galinha com molho de cebola. As miúdas estavam a apreciar a refeição e a conversar sobre a vitória no futebol naquela tarde.

“Porque é que não vieste ao jogo Gabriela?” Perguntou April.

“Havias de ter gostado,” Disse Jilly.

“Sí, eu gosto de futbol.” Disse Gabriela. “Vou numa próxima oportunidade.”

Aquela parecia uma boa altura para Riley dar uma notícia.

“Tenho boas notícias,” Disse ela. “Falei com a minha corretora de imóveis hoje e ela pensa que a venda da cabana do avô pode render bastante. Pode ajudar muito para a faculdade – de ambas.”

As miúdas ficaram agradadas e conversaram sobre o assunto durante algum tempo. Mas passado pouco tempo a disposição de Jilly pareceu ensombrecer.

Por fim, Jilly perguntou a Riley, “Quem era aquele homem que estava no jogo contigo?”

April disse, “Oh, era o Blaine. Foi nosso vizinho. É o pai da Crystal. Já a conheceste.”

Jilly comeu em silêncio durante alguns instantes.

Depois disse, “Onde está o Ryan? Porque é que ele não foi ao jogo?”

Riley engoliu em seco. Ela já notara que Ryan tinha ido lá a casa durante o dia para levar as suas coisas. Chegara o momento de dizer a verdade às miúdas.

“Há uma coisa que quero dizer a todas vocês,” Começou.

Mas teve dificuldades em encontrar as palavras certas.

“O Ryan... diz que precisa de espaço. Ele....”

Não foi capaz de dizer mais nada. Percebeu pelos rostos das miúdas que não precisava. Compreenderam perfeitamente o que ela queria dizer.

Depois de alguns segundos de silêncio, Jilly desatou a chorar e saiu da mesa, correndo escadas acima. April seguiu-a para a consolar.

Riley percebeu que April estava acostumada aos desequilíbrios de Ryan. Estas desilusões ainda deviam doer, mas ela conseguia lidar com elas melhor do que Jilly.

Sentada à mesa apenas com Gabriela, Riley começou a sentir-se culpada. Seria ela completamente incapaz de manter uma relação séria com um homem?

Como se tivesse lido os seus pensamentos, Gabriela disse, “Pare de se culpar. A culpa não é sua. Ryan é um pateta.”

Riley sorriu tristemente.

“Obrigada Gabriela,” Disse ela.

Era precisamente aquilo que ela precisava de ouvir.

Depois Gabriela acrescentou, “As miúdas precisam de uma figura de pai, mas não de alguém que vai e vem daquela forma.”

“Eu sei,” Disse Riley.


*


Mais tarde nessa noite, Riley foi ver como estavam as miúdas. Jilly estava no quarto de April, a fazer os trabalhos de casa em silêncio.

April olhou para cima e disse, “Nós estamos bem mãe.”

Riley sentiu-se aliviada. Por muito triste que se sentisse pelas filhas, estava orgulhosa por April estar a confortar Jilly.

“Obrigada querida,” Disse ela e fechou a porta silenciosamente.

Pensou que April falaria com ela sobre Ryan quando se sentisse preparada. Mas para a Jilly podia ser mais complicado.

Ao descer as escadas, Riley deu por si a pensar no que Gabriela tinha dito.

“As miúdas precisam de uma figura de pai.”

Olhou para o telefone. Blaine tornara claro que queria retomar a sua relação.

Mas o que esperaria ele dela? A sua vida resumia-se às miúdas e ao trabalho. Poderia ela incluir mais alguém nela naquele momento? Será que o iria apenas desiludir?

Mas, Admitiu ela, Eu gosto dele.

E era óbvio que ele gostava dela. Na vida devia haver lugar para...

Pegou no telefone e ligou o número da casa de Blaine. Ficou desapontada ao ser recebida pelo atendedor de chamadas, mas não surpreendida. Ela sabia que o seu trabalho no restaurante muitas vezes o mantinha fora de casa à noite.

Ao sinal, Riley deixou uma mensagem.

“Olá Blaine. É a Riley. Ouve, desculpa se agi de forma um pouco distante no jogo desta tarde. Só quero dizer que se o teu convite de jantar se mantiver, podes contar connosco. Liga-me quando puderes para combinarmos.”

Riley sentiu-se imediatamente melhor. Foi para a cozinha e serviu-se de uma bebida. Ao sentar-se no sofá da sala, lembrou-se da conversa que tivera com Paula Steen.

Paula parecia estar em paz com o facto de o assassino da filha nunca vir a ser julgado.

“Não é culpa de ninguém e eu não culpo ninguém,” Dissera Paula.

Essas palavras agora perturbavam Riley.

Parecia tão injusto.

Riley terminou a sua bebida, tomou um banho e foi para a cama.

Mal tinha adormecido quando os pesadelos começaram,


*


Riley era apenas uma menina.

Atravessava um bosque de noite. Tinha medo, mas não sabia muito bem porquê.

Afinal, ela não estava propriamente perdida no bosque.

O bosque fica perto de uma autoestrada e ela conseguia ver carros a passar. O brilho de um poste de iluminação e a lua cheia iluminavam o seu caminho entre as árvores.

Então os seus olhos pousaram numa fila de três campas rasas.

A terra e pedras que cobriam as campas eram instáveis.

Mãos de mulheres irrompiam das campas.

Ela conseguia ouvir as suas vozes abafadas dizer...

“Ajuda-nos! Por favor!”

“Mas eu sou apenas uma menina!” Respondia Riley chorosa.


Riley acordou a tremer.

É só um pesadelo, Disse a si mesma.

E não era propriamente surpreendente que tivesse sonhado com as vítimas do assassino da caixa de fósforos na noite a seguir a ter falado com Paula Steen.

Respirou profundamente. Passado pouco tempo sentiu-se novamente descontraída e voltou a adormecer.

Mas então...


Ela era apenas uma menina.

Estava numa loja de doces com a mãe e a mãe estava a comprar-lhe muitos doces.

Um homem assustador com uma meia na cabeça veio na sua direção.

Apontou uma arma à mãe.

“Dê-me o seu dinheiro,” Disse à mãe.

Mas a mãe estava demasiado amedrontada para se conseguir mexer.

O homem disparou contra o peito da mãe e ela caiu mesmo em frente a Riley.

Riley começou a gritar. Virou-se à procura de alguém que pudesse ajudar.

Mas de repente, estava novamente no bosque.

As mãos das mulheres ainda remexiam nas campas.

As vozes ainda zurziam...

“Ajuda-nos! Por favor!”

Então Riley ouviu outra voz a seu lado. Uma voz familiar...

“Ouviste-as Riley. Elas precisam da tua ajuda.”

Riley virou-se e viu a mãe. O peito sangrava do disparo e o rosto tinha uma palidez mortal.

“Não as posso ajudar mãe!” Declarou Riley. “Eu sou só uma menina!”

A mãe sorriu.

“Não, não és só uma menina Riley. Já és adulta. Vira-te e vê.”

Riley virou-se e viu-se a fitar um espelho de corpo inteiro.

Era verdade.

Agora ela era uma mulher.

E as vozes ainda a chamavam...

“Ajuda-nos! Por favor!”


Os olhos de Riley abriram-se novamente.

Tremia mais do que da outra vez e tinha dificuldades em respirar.

Lembrava-se de algo que Paula Steen lhe tinha dito.

“O assassino da minha filha nunca será julgado.”

E Paula também tinha dito...

“O caso nunca foi seu.”

Riley sentiu invadir-se por uma nova sensação de determinação.

Era verdade – o assassino da caixa de fósforos não fora um caso seu.

Mas não o podia deixar esquecido no passado.

O assassino da caixa de fósforos tinha que ser finalmente apanhado.

Agora o caso é meu, Pensou.


CAPÍTULO SETE


Riley não teve mais pesadelos nessa noite, mas ainda assim o seu sono foi inquieto. De forma surpreendente, na manhã seguinte acordou cheia de energia.

Tinha trabalho a fazer nesse dia.

Vestiu-se e desceu as escadas. April e Jilly estavam na cozinha a tomar o pequeno-almoço que Gabriela lhes preparara. Ambas as raparigas pareciam estar tristes, mas não tão tristonhas como no dia anterior.

Riley viu que fora colocado um lugar na mesa para ela, por isso sentou-se e disse, “Essas panquecas estão com ótimo aspeto. Passem-mas, se faz favor.”

Enquanto tomava o pequeno-almoço e bebia o café, as miúdas começaram a parecer mais alegres. Não mencionaram a ausência de Ryan e, em vez disso, conversavam sobre outros miúdos da escola.

São resistentes, Pensou Riley.

E ambas tinham passado por momentos difíceis no passado.

Riley tinha a certeza de que também ultrapassariam aquela crise relacionada com Ryan.

Riley terminou o seu café e disse, “Tenho que ir para o meu gabinete.”

Levantou-se e deu um beijo na bochecha de April e de Jilly.

“Força em apanhar gente má, mãe,” Disse Jilly.

Riley sorriu.

“Podes crer que é isso mesmo que vou fazer,” Respondeu.


*


Assim que chegou ao gabinete, Riley abriu ficheiros no computador sobre o caso de há vinte e cinco anos. Ao aceder a velhas histórias de jornais, lembrou-se de ler algumas delas nessa altura. Era adolescente nesse tempo e o assassino da caixa de fósforos era uma história de pesadelo.

Os homicídios tinham acontecido em Virginia perto de Richmond com um intervalo de apenas três semanas entre cada morte.

Riley abriu um mapa e descobriu Greybull, uma pequena cidade à saída da Interestadual 64. Tilda Steen, a última vítima, vivera e morrera em Greybull. Os outros dois homicídios tinham ocorrido nas cidades de Brinkley e Denison. Riley conseguia ver que as cidades distavam cerca de cento e sessenta quilómetros umas das outras.

Riley fechou o mapa e debruçou-se novamente nas histórias de jornal.

Um cabeçalho se destacava...

ASSASSINO DA CAIXA DE FÓSFOROS ATACA TERCEIRA VÍTIMA!

Estremeceu um pouco.

Sim, ela recordava-se de ver aquele cabeçalho há muitos anos atrás.

O artigo descrevia o pânico que os crimes haviam despoletado na área – sobretudo entre mulheres jovens.

De acordo com o artigo, o público e a polícia perguntavam ambos o mesmo:

Quando e onde é que o assassino vai atacar novamente?

Quem vai ser a sua próxima vítima?

Mas não houvera uma quarta vítima.

Porquê? Perguntava-se Riley.

Tratava-se de uma pergunta que à qual as autoridades não tinham conseguido responder.

O assassino parecia ser um assassino em série impiedosamente motivado – o género que continuaria a matar até ser apanhado. Mas em vez disso, ele tinha simplesmente desaparecido e o seu desaparecimento tinha sido tão misterioso como os próprios crimes.

Riley começou a rever velhos registos policiais para refrescar a memória.

As vítimas não pareciam ter qualquer ligação entre si. O assassino usara o mesmo MO nos três homicídios. Engatara as jovens mulheres em bares, levou-as para motéis e matou-as. Depois enterrou os corpos em campas rasas não muito longe dos locais onde tinha cometido os crimes.

A polícia local tinha tido dificuldades em localizar os bares onde as vítimas tinham sido engatadas e os motéis onde tinham sido assassinadas.

Tal como acontece com alguns assassinos em série, ele deixara pistas para a polícia.

Tinha deixado em todos os corpos, caixas de fósforos dos bares e papel de carta dos motéis.

As testemunhas nos bares e motéis mal conseguiam dar uma descrição do suspeito.

Riley olhou para o esboço traçado há tantos anos.

Viu que o homem parecia bastante normal com cabelo castanho escuro e olhos cor de avelã. Ao ler descrições de testemunhas, reparou em mais alguns detalhes. As testemunhas tinham referido que ele parecia extraordinariamente pálido, como se trabalhasse num local que o mantivesse dentro de portas e afastado do sol.

As descrições não eram muito detalhadas. Ainda assim, parecia a Riley que o caso não deveria ter sido tão difícil de resolver. Mas fora. A polícia local nunca descobrira o assassino. A UAC tomou conta do caso apenas para concluir que o assassino ou tinha morrido ou tinha abandonado a região. Continuar as buscas a nível nacional, seria como procurar uma agulha num palheiro – uma agulha que podia nem sequer existir.

Mas houvera um agente, um mestre em resolver casos antigos que discordara.

“Ele ainda está na região,” Dissera ele a todos. “Conseguimos encontra-lo se continuarmos a procurar.”

Mas os chefes não seguiram o seu conselho e não o apoiaram. A UAC deixara o caso cair no esquecimento.

Aquele agente aposentara-se da UAC há vários anos e mudara-se para a Flórida. Mas Riley sabia como entrar em contacto com ele.

Pegou no seu telefone e ligou o seu número.

Um momento mais tarde, Riley ouviu uma voz familiar. Jake Crivaro fora seu parceiro e mentor quando ela entrou na UAC.

“Olá desaparecida,” Disse Jake. “Por onde andaste? Que tens feito? Não ligas, não escreves. Isso é forma de se tratar um velho solitário que te ensinou tudo o que sabes?”

Riley sorriu. Ela sabia que ele só estava a brincar. No final de contas, tinham-se visto há bem pouco tempo. Jake até a tinha ajudado num caso há poucos meses atrás.

Ela não perguntou, “Como tens passado?”

Lembrou-se do que ele dissera da última vez que ela perguntara.

“Tenho setenta e cinco anos. Fui operado aos joelhos e à anca. Os meus olhos estão uma miséria. Tenho um aparelho auditivo e um pacemaker. E todos os meus amigos, exceto tu, bateram as botas. Como é que achas que estou?”

Perguntar-lhe apenas o faria queixar-se novamente.

A verdade era que ele ainda estava apto fisicamente e a sua mente estava mais desperta que nunca.

“Preciso da tua ajuda Jake,” Disse Riley.

“Isso é música para os meus ouvidos. Estar aposentado é uma treta. Em que te posso ajudar?”

“Estou a espreitar um caso antigo.”

Jake riu-se.

“Os meus favoritos. Sabes, os casos antigos eram uma especialidade minha. Ainda são uma espécie de hobby. Mesmo na reforma, posso recolher e rever coisas que ninguém conseguiu resolver. Lembras-te daquele assassino apelidado de ‘rosto de anjo’ no Ohio? Resolvi esse há alguns anos. Estava na prateleira há mais de uma década.”

“Eu lembro-me,” Disse Riley. “Isso foi um excelente trabalho para alguém já fora do ativo.”

“A lisonja leva-te a qualquer lado. Então, o que é que tens para mim?”

Riley hesitou. Ela sabia que estava prestes a mexer com memórias desagradáveis.

“Este caso foi um dos teus, Jake,” Disse ela.

Jake manteve-se em silêncio durante alguns segundos.

“Não me digas,” Disse ele por fim. “O caso do assassino da caixa de fósforos.”

Riley quase perguntou, “Como é que sabes?”

Mas era fácil adivinhar a resposta.

Jake vivia obcecado com falhas do passado, sobretudo as suas. Sem dúvida que tinha conhecimento do aniversário da morte de Tilda Steen. O mais certo era também saber o aniversário das mortes das outras vítimas. Riley calculou que fosse algo que o atormentasse todos os anos.

“Isso foi antes do teu tempo,” Disse Jake. “Porque é que queres remexer outra vez nessa velha história?”

Riley sentiu amargura na sua voz – a mesma amargura que se lembrava de lhe ouvir quando ainda era uma jovem novata. Ele ficara furioso com os superiores por encerrarem o caso. E nunca deixara de ter esse sentimento, mesmo quando se aposentou.

“Sabes que tenho contactado a mãe de Tilda Steen ao longo dos anos,” Disse Riley. “Falei com ela ontem. Desta vez...”

Fez uma pausa. Como o poderia dizer?

“Acho que me impressionou mais do que o habitual. Se ninguém fizer nada, aquela pobre mulher vai morrer sem ver o assassino da filha ser julgado. Não tenho outros casos de momento e eu...”

A sua voz esmoreceu.

“Sei bem como te sentes,” Disse Jake num tom de compreensão. “Aquelas três mulheres mortas merecem mais. As suas famílias merecem mais.”

Riley sentiu-se aliviada por Jake partilhar os seus sentimentos.

“Não posso fazer muito sem o apoio da UAC,” Disse Riley. “Achas que haverá forma de reabrir o caso?”

“Não sei. Talvez. Vamos começar já a trabalhar.”

Riley conseguia ouvir os dedos de Jake a percorrerem o teclado do computador em busca dos seus ficheiros.

“O que é que correu mal quando trabalhaste no caso?” Perguntou Riley.

“O que é que não correu mal? As minhas teorias não tiveram bom acolhimento na UAC. A região era rural na altura, apenas três pequenas cidades. Mesmo assim, ao longo de uma Interestadual tão próxima de Richmond, havia inúmeras variáveis. O FBI decidiu que devia tratar-se de alguém de passagem que desaparecera. Mas o meu instinto dizia-me algo diferente – que ele vivia na região e que ainda lá devia viver. Mas ninguém quis saber do que o meu instinto indicava.”

Enquanto digitava, resmungava, “Podia ter resolvido isto há anos se não fosse o meu parceiro merdoso.”

Riley já tinha ouvido falar no parceiro incompetente de Jake que tinha sido despedido antes de Riley entrar na UAC.

Ela disse, “Ouvi dizer que lixou quase tudo em que tocou.”

“Sim, literalmente. Num dos bares, manuseou um copo em que o assassino tinha tocado esfregando as impressões digitais.”

“Não havia impressões digitais nos guardanapos ou nas caixas de fósforos?”

“Não depois de estarem cobertos de terra numa campa rasa. O tipo estragou tudo. Devia ter sido logo despedido. Mas não durou muito. Da última vez que soube, trabalhava numa loja de conveniência. Excelente escolha.”

Jake parou de teclar. Riley calculou que agora tivesse todo o material à mão.

“OK, agora fecha os olhos,” Disse Jake.

Riley fechou os olhos e sorriu. Ele ia sujeitá-la ao mesmo exercício que ela ensinara aos seus alunos. Fora com ele que Riley o aprendera.

Jake disse, “Tu és o assassino, mas ainda não mataste ninguém. Entraste no Pub McLaughlin’s em Brinkley e acabaste de te apresentar a uma rapariga chamada Melody Yanovich. Deste a entender que estavas interessado nela e as coisas parecem estar a correr bem.”

Ela começou a ver as coisas sob o ponto de vista do assassino. A cena decorria claramente na sua cabeça.

Jake disse, “Há uma pequena taça de caixas de fósforos no bar. A meio do teu engate, pegas numa e coloca-la no bolso. Porquê?”

Riley conseguia praticamente sentir a pequena caixa de fósforos entre os seus dedos. Imaginou-se a coloca-la no bolso da camisa.

Mas porquê? Perguntou-se.

Quando o caso fora aberto, havia uma teoria de senso comum a esse respeito. O assassino deixara as caixas de fósforos dos bares e o papel de carta dos motéis nos corpos das vítimas para brincar com a polícia.

Mas agora ela percebeu – Jake não pensava dessa forma.

E agora ela também não.

Riley disse, “Ele nem sabia que ia matá-la – pelo menos não quando estava no Pub McLaughlin’s, não daquela primeira vez. Ele pegou na caixa de fósforos como recordação da sua iminente conquista, um troféu pelos bons momentos que esperava passar.”

“Isso,” Disse Jake. “E depois?”

Riley conseguia visualizar claramente o assassino a ajudar Melody Yanovich a sair do carro e a acompanhá-la ao quarto de motel.

“A Melody estava disposta e ele sentia-se confiante. Mal entraram no quarto, ela foi para a casa de banho preparar-se. Entretanto, ele pegou num pedaço de papel com o logótipo do hotel – pela mesma razão porque pegara na caixa de fósforos, como recordação. Depois tirou a roupa e enfiou-se debaixo dos lençóis. Melody saiu da casa de banho...”

Riley parou para visualizar a cena de forma mais vívida.

A mulher estava nua nessa altura?

Não, não exatamente, Pensou Riley.

“Melody saiu com uma toalha embrulhada à sua volta. Nesse momento ele começou a sentir-se desconfortável. Já tivera problemas sexuais no passado. Também os teria desta vez? Ela entrou na cama e retirou a toalha e...”

“E?” Perguntou Jake.

“E soube de imediato – que não o conseguiria fazer. Estava envergonhado e humilhado. Não podia deixar a mulher escapar sabendo que ele tinha falhado. Uma fúria colossal apoderou-se dele. A sua fúria despojou-o da sua humanidade. Agarrou nela pela garganta e estrangulou-a na cama. Ela morreu muito rapidamente. A sua raiva atenuou-se e ele percebeu o que fizera e sentiu-se culpado. E...”

A mente de Riley voltou ao crime. O assassino tinha não só enterrado as vítimas em campas rasas, como o fizera junto a ruas e autoestradas. Ele sabia perfeitamente bem que os corpos seriam encontrados. Na verdade, ele certificara-se de que seriam encontrados.

Os olhos de Riley abriram-se.

“Já percebi Jake. Quando ele pegou nas caixas de fósforos e pedaços de papel pela primeira vez, ele só queria recordações. Mas depois dos crimes, usou-os para algo diferente. Deixou-os com os corpos para ajudar a polícia, não para brincar. Ele queria ser apanhado. Não tinha a coragem de se entregar, então deixava pistas.”

“Estás a chegar lá,” Disse Jake. “Eu penso os dois primeiros crimes funcionaram dessa forma. Agora olha para o resumo que a polícia local fez dos crimes.”

Riley olhou para o relatório que tinha no seu computador.

“Porque é que o último crime foi diferente?” Perguntou Jake.

Riley leu o texto. Não reparou em nada que ainda não soubesse.

“Tilda Steen estava vestida quando ele a enterrou. Parecia que não tinha sequer tentado ter relações sexuais com ela.”

Jake disse, “Agora diz-me o que aí está como causa de morte das três vítimas.”

Riley encontrou o que procurava rapidamente.

“Estrangulamento,” Disse ela. “Igual para as três.”

Jake resmoneou desanimado.

“Foi aí que a polícia local errou,” Disse ele. “As duas primeiras, Melody Yanovich e Portia Quinn foram sem dúvida estranguladas. Mas eu descobri pelo médico-legista – não havia nódoas negras no pescoço de Tilda Steen. Fora sufocada, mas não estrangulada. O que é que isto te diz?”

O cérebro de Riley começou a processar aquela nova informação.

Fechou os olhos novamente, tentando imaginar a cena.

“Algo aconteceu quando ele levou Tilda para aquele quarto de motel,” Disse Riley. “Ela confiou-lhe alguma coisa, talvez algo que nunca tinha dito a ninguém. Ou talvez ele lhe tenha dito algo a seu respeito que ela quisesse saber. Subitamente ela tornou-se...”

Riley parou.

Jake disse, “Força. Di-lo.”

“Humana para ele. Ele sentiu-se culpado pelo que ia fazer. E de uma forma distorcida...”

Riley demorou um momento para ordenar os pensamentos.

“Ele decidiu matá-la como um ato de misericórdia. Não a estrangulou com as mãos. Fê-lo de forma mais suave. Ele dominou-a na cama e sufocou-a com uma almofada. Sentiu-se com tantos remorsos que...”

Riley abriu os olhos.

“... não voltou a matar.”

Jake soltou um som de aprovação.

Ele disse, “Foi a essa mesma conclusão que eu cheguei naquele dia. E ainda assim penso. Acredito que ele ainda está na região e ainda vive assombrado pelo que fez há tantos anos atrás.”

Uma palavra começou a ecoar na mente de Riley...

Remorso.

De repente algo lhe pareceu óbvio.

Sem parar para pensar, ela disse, “Ele ainda tem remorsos Jake. E quase aposto que deixa flores nas campas das mulheres.”

Jake riu com satisfação.

“Bem pensado,” Disse ele. “Por isso sempre gostei de ti Riley. Tu entendes a psicologia e sabes como transformá-la em ação.”

Riley sorriu.

“Aprendi com o melhor,” Disse ela.

Jake esboçou um agradecimento pelo elogio. Ela agradeceu-lhe e terminou a chamada. Ficou no gabinete a pensar.

É comigo.

Ela tinha que apanhar o assassino de uma vez por todas.

Mas sabia que não o poderia fazer sozinha.

Precisava de ajuda para a UAC reabrir o caso.

Dirigiu-se ao corredor e caminhou na direção do gabinete de Bill Jeffreys.


CAPÍTULO OITO


Bill Jeffreys estava a aproveitar uma manhã invulgarmente tranquila na UAC quando a sua parceira irrompeu pelo seu gabinete adentro. Ele imediatamente reconheceu a expressão no seu rosto. Era assim que Riley Paige ficava quando estava entusiasmada com um novo caso.

Ele fez um gesto na direção da cadeira do outro lado da mesa e Riley sentou-se. Mas ao escutar atentamente a sua descrição dos homicídios, Bill ficou algo intrigado com o seu entusiasmo. Ainda assim, não fez qualquer comentário enquanto ela lhe fornecia a descrição completa da conversa que tivera ao telefone com Jake.

“Então, o que te parece?” Perguntou ela a Bill quando terminou.

“Sobre quê?” Perguntou Bill.

“Queres trabalhar neste caso comigo?”

Bill olhou-a de forma incerta.

“Claro que gostaria, mas... bem, o caso não está aberto. Está fora do nosso controlo.”

Riley respirou fundo e disse cautelosamente, “Esperava que eu e tu tratássemos disso.”

Bill demorou alguns instantes a perceber o que ela queria dizer. Depois os seus olhos abriram-se muito e ele abanou a cabeça.

“Oh, não Riley,” Disse ele. “Este já tem muito tempo. O Meredith não vai estar interessado em abri-lo outra vez.”

Bill percebeu que também Riley tinha as suas dúvidas, mas tentava escondê-la.

“Temos que tentar,” Disse ela. “Nós podemos resolver este caso. Eu sei que sim. Os tempos mudaram, Bill. Agora temos novas ferramentas à nossa disposição. Por exemplo, os testes de ADN quase não existiam na altura. Agora as coisas são diferentes. Não estás a trabalhar noutro caso agora, pois não?”

“Não.”

“Nem eu. Porque não tentarmos?”

Bill olhou para Riley com preocupação. No espaço de um ano a sua parceira tinha sido chamada à atenção, suspensa e até despedida. Ele sabia que a sua carreira às vezes estava por um fio. A única coisa que a salvara fora a sua habilidade inata para encontrar a sua presa, por vezes de formas pouco ortodoxas. Essa capacidade e a sua cobertura ocasional tinham-na mantido na UAC.

“Riley, estás a pedi-las,” Disse ele. “Não te ponhas a jeito.”

Bill percebeu que ela não gostara da sua reação e de imediato se arrependeu do que dissera.

“OK, se não o queres fazer,” Disse ela, levantando-se da cadeira, virando-se e dirigindo-se para a porta.


*


Riley não suportava a expressão “Pôr-se a jeito.”

No final de contas, agitar as águas era o que ela mais fazia. E sabia perfeitamente bem que era uma das coisas que a tornava numa boa agente.

Riley estava a sair do gabinete de Bill quando ele a chamou, “Espera um segundo. Onde é que vais?”

“Onde é que achas que vou?” Disse Riley.

“OK, OK! Estou a ir!”

Ela e Bill percorreram o corredor em direção ao gabinete do Chefe de Equipa Brent Meredith. Riley bateu à porta e ouviu uma voz dizer, “Entre.”

Riley e Bill entraram no espaçoso gabinete de Meredith. Como sempre, o chefe de equipa revelava uma presença impressionante. Estava debruçado sobre a secretária a mergulhado em relatórios.

“Seja rápidos,” Disse Meredith sem tirar os olhos do seu trabalho. “Estou ocupado.”

Riley ignorou o olhar preocupado de Bill e de forma arrojada sentou-se ao lado da secretária de Meredith.

Riley disse, “Chefe, eu e o Agente Jeffreys queremos reabrir um antigo caso e estávamos a pensar se...”

Ainda concentrado nos seus papéis, Meredith interrompeu.

“Nem pensar.”

“Huh?” Disse Riley.

“Pedido recusado. Agora se não se importam, tenho trabalho a fazer.”

Riley permaneceu sentada. Sentiu-se momentaneamente bloqueada.

Depois disse, “Acabei de falar com o Jake Crivaro.”

Meredith levantou a cabeça lentamente e olhou para ela. Um sorriso formou-se nos seus lábios.

“Como está o velho Jake?” Perguntou ele.

Riley também sorriu. Ela sabia que Jake e Meredith haviam sido amigos íntimos na UAC.

“Está rabugento,” Disse Riley.

“Sempre foi,” Disse Meredith. “Sabe, aquele velho sacana pode ser bastante intimidante.”

Riley conteve um riso. A simples ideia de que Meredith pudesse considerar alguém intimidante era bem engraçada. A própria Riley nunca se sentira initimidada por Jake.

Riley disse, “Ontem foi o vigésimo quinto aniversário do último homicídio do assassino da caixa de fósforos.”

Meredith virou-se para ela, parecendo começar a aparentar interesse.

“Lembro-me desse,” Disse ele. “O Jake e eu éramos agentes de campo nessa altura. Ele nunca conseguiu superar o facto de não o ter conseguido resolver. Conversámos muito sobre isso.”

Meredith juntou as mãos e olhou para Riley atentamente.

“Então o Jake ligou-lhe para discutir isso, foi? Ele quer reabrir o caso, sair da reforma?”

Riley sentiu um fugaz impulso de mentir. Meredith iria ser certamente mais aberto à ideia se pensasse que fora Jake que a tivera. Mas não o conseguiu fazer.

“Eu é que lhe liguei,” Disse ela. “Mas já tinha isso em mente. Lembra-se sempre nesta altura do ano. E falámos sobre algumas possibilidades.”

Meredith recostou-se na sua cadeira.

“Diga-me o que é que tem,” Disse ele.

Riley rapidamente organizou os pensamentos.

“O Jake pensa que o assassino ainda se encontra na área em que ocorreram os crimes,” Disse ela. “E eu confio no palpite de Jake. Pensamos que ele foi consumido pela culpa – provavelmente ainda está. E eu tive esta ideia de que ele pode deixar flores com regularidade na campa da última vítima, Tilda Steen. Então isso é qualquer coisa de novo para se verificar.”

Riley percebeu pelo rosto de Meredith que ele estava a ficar interessado.

“Isso pode mesmo ser uma boa pista,” Disse ele. “Que mais têm?”

“Não muito,” Disse ela. “Exceto o facto de Jake ter mencionado um copo que foi recolhido como prova.”

Meredith anuiu.

“Eu lembro-me. O idiota do parceiro dele estragou as impressões digitais.”

Riley disse, “Possivelmente ainda está guardado. Talvez possamos retirar ADN dele. Isso não era possível há vinte e cinco anos atrás.”

“Ótimo,” Disse Meredith. “Que mais?”

Riley pensou durante alguns instantes.

“Temos um velho esboço do assassino,” Disse ela. “Não é grande coisa, mas talvez os nossos colegas da informática consigam envelhecer a imagem para vermos como ele seria agora. Posso entregar isso ao Sam Flores.”

Meredith não disse nada de imediato.

Depois olhou para Bill que ainda estava junto à porta.

“Tem casos em andamento, Agente Jewffreys?”

“Não.”

“Ótimo. Quero que trabalhe neste caso com a Agente Paige.”

Sem dizer mais uma palavra, Meredith virou a sua atenção novamente para os relatórios que tinha em cima da secretária.

Riley olhou para Bill. Tal como ela, Bill estava surpreendido.

“Quando é que começamos?” Perguntou Bill a Meredith.

“Há cinco minutos,” Disse Meredith, fazendo um gesto de despedida na direção da porta. “O que é que se passa com vocês os dois? Não percam mais tempo. Mãos à obra.”

Riley e Bill saíram do gabinete a conversar com entusiasmo sobre a melhor forma de iniciarem aquela busca.


CAPÍTULO NOVE


Um pouco mais tarde, Riley deixou-se conduzir por Bill no carro do FBI até à cidade de Greybull, a cidade onde Tilda Steen tinha sido assassinada. Riley sentia-se bem por estar a trabalhar num novo caso, sobretudo um que ela tinha escolhido.

Estava um dia solarengo e quente. Riley sentiu que os seus problemas e ansiedades se desvaneciam. Agora que tinha tempo para esvaziar a cabeça, Riley começava a sentir-se diferente em relação à partida de Ryan.

Porque é que ela quereria que ele ficasse?

Obviamente que não queria que lá ficasse a dormir agora que estava a sair com outra pessoa.

E era errado deixar as miúdas viverem na ilusão de que ele fazia parte da família.

As coisas podiam ser piores, Pensou.

O Ryan podia ter andado por lá durante muito mais tempo e os efeitos nas miúdas poderiam ter sido bem mais dolorosos.

E naquele preciso momento, o telefone de Riley tocou. Viu que a chamada era de Blaine. Levou-lhe um segundo a lembrar-se que lhe deixara uma mensagem na noite passada, aceitando tardiamente o seu convite de jantar. Tanta coisa tinha acontecido durante aquela manhã que parecia que tinha passado mais tempo desde que fizera aquela chamada.

Atendeu o telefone. Blaine parecia otimista e alegre.

“Olá Riley. Recebi a tua mensagem. Sim, o convite ainda está de pé.”

“Obrigada,” Disse Riley. “Fico feliz.”

“Então quando é que vocês querem vir ao restaurante? Talvez esta noite?”

Riley detestava ter que adiar o jantar. Mas que mais podia fazer?

“Blaine, neste momento estou fora da cidade a trabalhar num caso. Volto mais logo mas posso ter que continuar a trabalhar.”

“E que tal amanhã?” Perguntou Blaine.

Riley conteve um suspiro. As coisas estavam a processar-se de forma muito rápida. A última coisa que queria era que Blaine pensasse que o estava a afastar, mas com um novo caso em andamento, ela não sabia quando é que poderia aceitar o seu convite.

A estranheza da situação foi agravada pelos olhares de Bill. Pelo seu sorriso maroto, era óbvio que ele sabia com quem é que ela estava a falar.

Riley sentiu-se corar.

Disse, “Blaine, peço imensa desculpa, mas não sei quando é que poderemos jantar.”

Blaine não respondeu. Riley sabia que ele se devia sentir intrigado. No final de contas, ela parecera tão disponível na sua mensagem. Pensou que a melhor abordagem era ser sincera.

“Não estou a ser reservada Blaine. Não estou mesmo. Prometo que quando resolver este caso vamos logo jantar ao teu restaurante. E retribuímos o convite. A Gabriela fará um jantar maravilhoso para ti e para a Crystal.”

Agora conseguia ouvir um sorrido na voz de Blaine.

“Ótimo. Deixo-te então trabalhar.”

Terminaram a chamada. O sorriso de Bill alargou-se e o embaraço de Riley aprofundou-se.

“Então quem era?” Perguntou Bill.

“Não te metas onde não és chamado,” Disse Riley com um risinho.

Bill largou uma gargalhada.

“Não, acho que me vou meter Riley. Penso que ainda sou teu amigo. É suposto meter-me. Era o Blaine, não era? O teu encantador vizinho.”

Riley anuiu silenciosamente.

Bill disse, “Então vais-me dizer o que é que se passa ou quê? Pensava que o Blaine se tinha mudado para o outro lado da cidade e que estavas a tentar resolver as coisas com o Ryan.”

Riley lembrou-se da discordância de Bill quando ela lhe dissera que ela e o Ryan estavam outra vez juntos.

“Preciso lembrar-te de tudo o que ele fez para te magoar?” Dissera Bill. “Porque eu me lembro de cada pormenor.”

“Faças o que fizeres, não me digas ‘bem te disse.’”

“Porque não?” Perguntou Bill.

Riley suspirou audivelmente agora.

Não vale a pena contrariar, Pensou ela.

Nada mais podia fazer a não ser engolir o seu orgulho.

“Porque tu me alertaste. E tinhas razão. O Ryan continua a ser o mesmo insuportável e não confiável velho Ryan.”

“Passou-te outra vez a perna, huh? Lamento ouvi-lo.” Parecia estar mesmo com pena. “Deve ser duro para as miúdas.”

Riley nem lhe conseguiu dizer como aquilo era verdade.

“De qualquer das formas,” Disse Bill. “Fico feliz por estares a dar finalmente uma oportunidade ao ‘Sr. Certo’.”

Riley resfolegou exasperada. Queria atirar-lhe alguma coisa. Em vez disso, riu-se com ele.

O telefone de Riley vibrou novamente. Era uma mensagem de Sam flores.

Riley estava contente por poder concentrar novamente a sua atenção no trabalho que tinham em mãos. Antes de deixarem Quantico, ela e Bill tinham conversado com Sam Flores, o chefe da equipa laboratorial. Pediram-lhe para começar de imediato a procurar ADN no copo e a envelhecer o velho esboço do homem que procuravam.

Riley pegou no seu tablet. Sam tinha-lhe enviado alguns novos esboços do suspeito.

“Ele enviou as novas imagens,” Disse Riley.

“Como estão?”

“Não estão grande coisa, mas vão ter que servir,” Disse Riley.

Riley comparou os esboços que Sam e a sua equipa tinham conseguido com o velho esboço. O original não era muito realista. O artista tinha sido demasiado cuidadoso. Pela experiência de Riley, alguma imaginação e criatividade por vezes ajudava a captar a personalidade de um suspeito.

Ainda assim, Riley podia ver que Sam e o seu pessoal tinham feito um bom trabalho com base no que tinham. Tinham tentado cobrir uma ampla gama de possibilidades. Num dos esboços, o homem era parecido com aquele que estava representado no velho esboço, mas com mais linhas e rugas e cabelo grisalho. Noutro, tinha mais peso e uma papada descaía. Um terceiro mostrava-o com uma barba e bigode.

Riley sabia que não devia mostrar os três esboços a potenciais testemunhas ao mesmo tempo. Só ficariam confusas. Tinha que escolher apenas um.

Riley tinha um palpite de que o esboço que mais parecenças tivesse com o original, deveria ser o escolhido. Não sabia exatamente porquê. Algo na expressão do original sugeria alguém que não alteraria de forma deliberada a sua aparência ao longo dos anos. E também porque o homem parecia ter um corpo distintamente magro. Riley calculou que ele não devia ter ganho muito peso.

É claro que poderia estar completamente errada. Mas ela sabia que o melhor era confiar no seu instinto.

Nesse momento, entraram na pequena e adormecida cidade de Greybull. Riley calculou que tivesse uma população inferior a mil pessoas.

“Qual é a nossa primeira paragem?” Perguntou Bill.

“O cemitério,” Disse Riley.

Deu indicações a Bill e chegaram ao cemitério dentro de poucos minutos. Riley espreitou um mapa do cemitério no tablet. Ela e Bill saíram do carro e começaram a caminhar entre os túmulos.

Rapidamente encontraram a campa que procuravam. Estava marcada com uma pedra modesta de tamanho médio com a inscrição...


TILDA ANN STEEN

Amada amiga e filha

1972 – 1992


As datas alarmaram Riley. É claro que ela sabia que Tilda tinha vinte anos quando fora morta, mas Riley não tinha parado para pensar que Tilda teria quarenta e cinco anos se fosse viva. Como seria a sua vida? Teria permanecido nesta pequena cidade e formado família, ou teria ido para longe em busca de uma vida diferente? Riley não fazia ideia. E a verdade era que ninguém jamais saberia.

Subitamente, Riley sentiu-se mais determinada do que nunca.

Tenho que resolver este caso.

Riley viu que dois conjuntos de flores decoravam a campa. Um era um pequeno vaso de narcisos amarelos, cor de laranja e brancos.

“Estes são bonitos,” Disse Bill, apontando para os narcisos. “Achas que são aquilo de que estamos à procura?”

Riley pensava que não. As flores não pareciam compradas em loja.

Inclinou-se e abriu uma pequena nota que estava atada à pega do vaso. A mensagem era curta, simples e sentida.


Querida Tilda,

Amor, ainda tenho saudades tuas. Vou ter sempre saudades tuas. Vou amar-te sempre.

Mãe


“São da mãe de Tilda,” Disse Riley a Bill. “Tenho a certeza que as flores são do jardim da Paula.” Ela podia imaginar Paula a cultivar cuidadosamente os bolbos que plantara numa área ensolarada.

“Paula vive aqui em Greybull?” Perguntou Bill.

“Não. Os pais de Tilda mudaram-se pouco depois do crime. Mas Paula ainda vive na Virginia, do outro lado de Richmond. O marido morreu o ano passado.”

Riley sentiu uma pontada de compreensão ao lembrar-se de Paula a dizer-lhe ao telefone...

“O que seria de nós se eu esquecesse o Justin ou você a sua mãe? Nunca vou querer endurecer a tal ponto.”

Paula sempre parecera a Riley uma pessoa corajosa. Mas ela sabia que Paula também era intensamente privada.

Como se deve sentir sozinha! Pensou Riley.

As outras flores eram um bouquet mais formal de gladíolos e cravos – um arranjo que podia ser proveniente de uma florista. Estavam colocados num cone de plástico que tinha sido espetado no chão.

Obviamente a pensar em impressões digitais, Bill calçou luvas de plástico e pegou no cone de flores, esvaziando a água. Colocou o arranjo num saco de plástico que trouxera para este propósito.

Quando uma voz ecoou. “O que é que estão aqui a fazer?”

Riley e Bill voltaram-se e viram um homem com aspeto ansioso vestido com um uniforme de segurança que caminhava na sua direção. Parecia ter cinquenta e muitos anos.

Riley e Bill mostraram os seus distintivos e apresentaram-se. OS olhos do guarda dilataram-se com interesse.

“Isto tem alguma coisa a ver com o que aconteceu a Tilda?” Perguntou o guarda. “Isso já foi há muito tempo.”

“Estamos a reabrir o caso,” Disse Bill.

“Viu quem trouxe estas flores?” Perguntou Riley

O guarda abanou a cabeça.

“Foram aqui colocadas a noite passada. Não sei por quem. As outras são de Paula Steen – conheço-a há muito tempo. Ela vem todos os anos e conversamos um pouco. Quando as flores dela murcham, retiro-as.”

Apontando para o bouquet que Bill tinha nas mãos, Riley perguntou, “Mais alguém traz flores todos os anos?”

“Sim,” Disse o guarda. “Sempre à noite. Vi-o algumas vezes.”

Riley mostrou ao guarda o esboço.

“É parecido?” Perguntou Riley.

O guarda encolheu os ombros.

“Não sei dizer. Nunca o vejo bem à noite e ele usa sempre um chapéu de abas largas que esconde o rosto. Mas é bastante alto. E magro.”

Riley captou mentalmente aqueles detalhes. Encaixavam no seu palpite de que o assassino ainda seria magro.

“O que é que ele conduzia?” Perguntou Bill.

O guarda pensou durante alguns instantes. “Um sedan normal. De cor clara, penso eu. Mas não tenho a certeza.”

“Consegue lembrar-se de mais alguma coisa a respeito dele?” Perguntou Riley.

O guarda negou, abanando lentamente a cabeça.

Bill perguntou, “Faz ideia do local onde ele pode ter comprado este arranjo?”

“Provavelmente na Corley’s Flowers,” Disse o guarda. “É a única florista da cidade.” Apontou para lá do cemitério e acrescentou, “É acolá, apenas a um quarteirão de distância de Bowers Street. Não há que falhar.”

Riley e Bill agradeceram ao guarda e saíram do cemitério. Não valia a pena em percorrerem de carro uma distância tão curta por isso foram a pé. Riley observou a cidade que parecia estranhamente pacífica. Ela e Bill passaram por transeuntes que os cumprimentaram e sorriram.

É claro que as pessoas não faziam ideia de quem eram Bill e Riley, ou sequer porque é que ali se encontravam.

Alguns nem deviam ainda ter nascido quando Tilda Steen morrera.

Fê-la sentir-se estranha, saber que ela e o seu parceiro estavam ali para agitar fantasmas que as pessoas da cidade com toda a certeza preferiam esquecer.

Ela e Bill chegaram à florista situada num antigo edifício de tijolo com um letreiro ligeiramente apagado que parecia desgastado pela idade. Riley conseguiu perceber de imediato que a Corley’s Flowers estava ali há muito tempo – provavelmente décadas antes do crime.

Riley e Bill entraram. O interior tinha um aspeto antiquado com balcões e paredes de madeira. Havia imensas flores e posters a anunciar vários tipos de arranjos. Também havia um par de fotografias emolduradas da loja de há muitos anos – uma do exterior e outra tirada naquele mesmo compartimento.

Riley percebeu que o dono se dera a muito trabalho para manter o aspeto antigo da loja. Pouco tinha mudado, exceto os arranjos nos balcões que agora eram todos artificiais. As flores reais estavam armazenadas numa arca que ocupava grande parte de uma parede.

Uma mulher sorridente aproximou-se de Bill e Riley. Disse-lhes que se chamava Loretta e perguntou se os podia ajudar.

Bill e Riley mostraram os seus distintivos e apresentaram-se.

Riley disse, “Estamos a investigar três homicídios que ocorreram nesta região há vinte e cinco anos.”

Loretta parecia intrigada.

“Lamento mas isso foi antes do meu tempo,” Disse ela.

Uma mulher idosa de aspeto bondoso saiu de um compartimento interior.

“Isto tem alguma coisa a ver com o que aconteceu a Tilda Steen?” Perguntou.

Quando Riley disse que sim, a mulher apresentou-se

“Sou Gloria Corley e esta loja está na minha família há muitos anos. Lembro-me desse horrível crime como se fosse ontem. Pobre Tilda, era tão querida por todos. E porque não seria numa cidade destas? E houve mais duas vítimas, não é verdade? Uma em Brinkley e outra em Denison. Terrível.”

Um olhar preocupado atravessou o rosto de Gloria.

“Mas ocorreu outro crime? Depois de todo este tempo, nem dá para imaginar.”

“Não,” Disse Riley. “Estamos a reabrir o caso antigo.”

Gloria pareceu algo intrigada. Riley percebeu porquê. Após vinte e cinco anos, reabrir o caso devia parecer estranho. E a verdade era que Riley sabia que era bastante estranho. Nada no caso se alterara. Não tinham surgido novas provas.

Então como é que Riley podia explicar o porquê da reabertura do caso – a esta mulher ou a qualquer outra pessoa?

Porque tive um pesadelo?

Isso soaria absurdo.

Riley considerou estranho não se lembrar de uma razão racional. Isso fê-la sentir-se mais grata por Meredith lhe ter permitido avançar.

Bill pegou no arranjo de flores do saco e mostrou-o a ambas as mulheres.

“Gostaríamos de saber se este bouquet veio da vossa loja,” Disse ele.

Gloria colocou os óculos que tinha pendurados no pescoço e observou as flores de perto.

“É um arranjo bastante normal,” Disse ela. “Não tinha um autocolante ou um cartão?”

“Não,” Respondeu Bill.

“Onde o encontraram?” Perguntou Gloria.

“Na campa de Tilda,” Disse Riley.

Os olhos da mulher abriram-se muito. Riley viu que ela percebeu que quem deixara as flores na campa podia ser o assassino.

Também Loretta examinou as flores.

“Apenas vendemos um parecido há uma ou duas semanas,” Disse ela.

Riley pegou no novo esboço que tinha no tablet e mostrou-o a Loretta.

“O comprador podia ter este aspeto,” Disse ela.

Loretta encolheu os ombros.

“Lamento mas não sou muito observadora,” Disse ela. “E não pensei que fosse importante para estar atenta – não naquele momento.”

Ela tentou recordar-se.

“Lembro-me de ele usar um sobretudo bonito,” Disse ela. “E um chapéu. Um borsalino, talvez.”

Riley entusiasmou-se ao lembrar-se – o guarda do cemitério tinha falado num homem com um chapéu de abas largas.

“Algo mais lhe chamou a atenção?” Perguntou Bill.

“Penso que era alto. Sim, lembro-me de olhar para cima.”

Riley e Bill olharam um para o outro.

“Como é que ele pagou as flores?” Perguntou Bill.

“Penso que com um cartão de crédito,” Disse Loretta. “Vou confirmar.”

Riley e Bill seguiram Loretta até ao balcão da frente. Ela percorreu os registos de computador.

Acenou quando encontrou aquilo que procurava.

“Sim, penso que é ele,” Disse ela. “Ele esteve cá anteontem. Chama-se Lemuel Cort.”

“Tem uma morada?” Perguntou Bill.

“Lamento mas não.”

Riley e Bill agradeceram a ambas as mulheres e saíram da loja.

“Temos um nome!” Disse Riley.

“E Lemuel Cort é um nome bem distinto,” Acrescentou Bill. “Se for o seu nome verdadeiro, não deverá ser muito difícil localizá-lo.”

Riley concordou. Pegou no telemóvel e ligou a Sam Flores na UAC.

“Sam, podemos ter um suspeito,” Disse-lhe. “Chama-se Lemuel Cort e contamos que viva na região onde os crimes ocorreram.”

“Vou verificar,” Disse Sam.

Riley conseguia ouvir os dedos de Sam a dançarem no teclado.

“E vive mesmo,” Disse Sam. “Vive em Glidden.”

Riley lembrava-se de ver sinais na estrada a indicar Glidden. Tinha a certeza de que era próximo.

“Consegues verificar se tem registo criminal?” Perguntou Riley.

“Feito,” Disse Flores. “Sim, cumpriu pena por violência doméstica. Isso foi há dez anos.”

Riley sentiu uma ponta de excitação.

“Obrigada Sam,” Disse ela. “Envia-me o que tiveres sobre ele, OK?”

“Claro.”

Riley terminou a chamada quando ela e Bill entravam no carro.

Bill disse, “Parece que temos um suspeito.”

“Pode ser,” Disse Riley. “Vamos.”

Bill ligou a ignição e Riley começou a dar-lhe indicações para Glidden.

Riley sentia-se ansiosa. Talvez estivessem mesmo a avançar neste caso antigo.


CAPÍTULO DEZ


Durante a viagem para Glidden, Riley leu os materiais que Sam Flores lhe tinha enviado para o tablet. Muitos deles eram artigos do jornal local.

“O que é que temos?” Perguntou Bill enquanto conduzia.

“Parece que Lemuel Cort é um cidadão proeminente,” Disse Riley. “É dono da madeireira local, pertence ao Clube Rotary local e é muito ativo na prestação de serviço público. Tem dois filhos já crescidos mas está divorciado há vários anos. Pouco depois de estar preso, a mulher Janet deixou-o.”

Bill parecia intrigado.

“Parece que se calhar devíamos falar com a sua ex-mulher,” Disse ele.

Riley continuou a percorrer a informação que tinha no tablet.

“Quem me dera que pudéssemos,” Disse ela. “Mas ela deixou a cidade e o Flores não consegue dar com ela.”

Alguns dos artigos tinham fotos de Lemuel Cort. Era sempre apresentado como alguém sorridente, bem-parecido e elegante.

Riley tentou determinar se ele se assemelhava ao esboço. Não se conseguia decidir. De qualquer das formas, não se parecia diferente do desenho.

Riley terminou a leitura do material e ergueu o olhar para ver que naquele momento passavam por quintas e propriedades de cavalos. Quando entraram em Glidden, Riley viu de imediato que a cidade era habitada por gente de classe mais alta do que Greybull. Era uma região suburbana com grandes lotes e casas impressionantes. Verificando no seu tablet, viu que muitas das casas incluíam jardins elaborados e piscinas.

Chegaram à morada e estacionaram o carro. Era uma casa de tijolo de tamanho razoável com vista para um campo de golfe. Caminharam ao longo de sebes bem cuidadas até à porta de entrada e tocaram à campainha.

Foram saudados por um homem alto, sorridente e bem vestido.

“Em que posso ajudá-los?” Perguntou.

“Chama-se Lemuel Cort?” Perguntou Riley.

“Sim,” Respondeu numa voz que soava demasiado suave para ser agradável.

Riley e Bill mostraram os distintivos e apresentaram-se.

Bill mostrou-lhe o arranjo floral e disse, “Gostaríamos de saber se é a pessoa que comprou isto.”

Lemuel Cort inclinou a cabeça com curiosidade.

“Não,” Disse ele. “Mas isto é estranho... de onde veio?”

“Possivelmente da Corley Flowers em Greybull, Sr. Cort,” Disse Riley. “Há dois dias.”

Ele sorriu com ligeira surpresa.

“Meu Deus,” Disse ele. “Isto é muito estranho.”

Riley estudou o seu rosto cuidadosamente. Era este o homem retratado no esboço? Riley ainda não conseguia ter a certeza.

“Mas perdoem-me a indelicadeza,” Disse o homem. “Entrem. E chamem-me Lemuel, por favor.”

Acompanhou-os pela entrada até uma área de refeições leve e arejada com um candelabro pendendo do teto sobre uma mesa bem polida. Na mesa estava um bouquet de flores muito parecido com o que Bill segurava, com exceção que também tinha algumas folhas verdes.

Lemuel fez um gesto na direção das flores.

“Na verdade, comprei estas em Greybull anteontem. Sentem-se. Adoraria saber porque é que aqui vieram perguntar por elas.”

Riley não sabia o que pensar. As flores provavam que ele não era o seu suspeito? Restava a possibilidade de ele ter comprado um bouquet extra como ardil para uma situação daquelas.

Riley e Bill sentaram-se à mesa. Desde que o vira que Cort a desconcertava. Agora começava a perceber porquê.

Ele é um normal cavalheiro do sul, Percebeu.

Tudo nele era perfeitamente estudado e ensaiado. O seu sotaque era tão adaptado como o seu fato, que era obviamente caro mas também ligeiramente fora de moda. A sua gravata dava-lhe um ar de excentricidade calculada mas provável.

Ele era a personificação do charme. Mas o seu charme não funcionava em Riley. Ela conhecia o seu tipo demasiado bem – não tanto de DC e Fredericksburg, mas dos seus tempos de rapariguinha em partes menos populosas da Virginia. Todas as cidades prósperas tinham pelo menos alguém como ele. Durante toda a sua vida, Riley considerara as suas pretensões bastante aborrecidas – assim como a sua obsessão por conversas sem interesse. Riley sabia que Lemuel quereria conversar sem rumo antes de passarem a assuntos mais sérios.

Ele abriu uma cabine e de lá retirou uma garrafa de whiskey.

“Aceitam um copo de bourbon?” Disse ele. “Blanton Single Barrel – o meu preferido neste momento.” E piscou o olho sorrateiramente. “Mas ainda me posso sentir tentado por um Kentucky Tavern de vez em quando.”

“Não, obrigada,” Disse Riley.

Ele serviu-se e disse, “Mas é claro que não. Estão de serviço. Talvez prefiram um café ou um chá?”

“Estamos bem,” Disse Bill.

Lemuel sentou-se, mexeu o whiskey no copo e cheirou-o.

“São do FBI, dizem? De que divisão?”

“UAC,” Disse Riley.

As sobrancelhas de Lemuel ergueram-se.

“Meu Deus! Não são vocês os especialistas em traçar perfis de assassinos? Deve ser um trabalho fascinante.”

Debruçou-se para a frente com um ar de drama satírico.

“Mas digam-me. Estão aqui a investigar um homicídio?”

“De facto estamos,” Disse Bill.

Lemuel retraiu-se um pouco, como que surpreendido. Riley pensou – a surpresa era falsa ou real. Não conseguia perceber sob o verniz de refinamento.

Antes dele falar, Riley ouviu passos a aproximarem-se.

Uma voz chamou, “Querido, temos companhia?”

Uma mulher entrou na sala. Estava bem vestida e não era muito mais nova do que Lemuel Cort. Como ele, projetava um ar de elegância e gentileza sulista.

Lemuel levantou-se da sua cadeira, tal como Bill. Riley estava silenciosamente divertida. Percebia que Bill adaptava apressadamente as suas maneiras às circunstâncias presentes. No final de contas, de acordo com os costumes anacrónicos de uma casa, um cavalheiro deve sempre levantar-se quando uma senhora entra num compartimento.

“Permitam-me que vos apresente a minha adorável esposa Thea.”

Thea baixou a cabeça timidamente. Riley suspeitou que haveria um rubor debaixo das camadas de maquilhagem.

Disse, “Ainda me estou a habituar que ele me trate assim.”

Lemuel deu uma risada. Voltou a sentar-se e Bill também.

“Estamos casados de fresco. Vamos fazer um mês de casados. Thea, estes são os Agentes Jeffreys e Paige do FBI – da UAC, para ser mais exato.”

Thea sentou-se junto a Riley e disse, “Oh, meu Deus! Isso parece sério! Não aceitam um café ou um chá?”

“Já ofereci, querida,” Disse Lemuel. “Recusaram cortesmente.”

“Nesse caso,” Disse Thea, dobrando as mãos no colo e sorrindo.

Riley pressentiu de imediato que Thea não era como Lemuel. Até o seu sotaque não era tão polido. Aquele estilo de vida era novo para ela, assim como as suas afetações.

Lemuel tomou um pequeno gole de whiskey e disse, “Minha querida, os nossos convidados estão aqui devido a um assunto muito desagradável. Dizem que ocorreu um homicídio.”

Thea suspirou audivelmente.

Riley disse, “Na verdade, não ocorreu um homicídio, pelo menos não recentemente. Estamos a reabrir um caso antigo. Algum dos senhores está familiarizado com os denominados homicídios da caixa de fósforos?”

“Lamento mas não,” Disse Thea.

“A minha mulher é nova por estas bandas,” Disse Lemuel. “Chegou à cidade para ensinar na escola primária apenas este ano.”

Lemuel franziu os lábios pensativamente.

“Os homicídios da caixa de fósforos, dizem? Diz-me algo. Sim, penso que me lembro. Três jovens mulheres foram assassinadas nesta região, não foi? Uma pena. Mas isso não aconteceu há imenso tempo? Porque é que estão a investigar agora decorridos todos estes anos? Pensaria que o caso estivesse encerrado.”

Durante alguns instantes, nem Riley, nem Bill proferiram qualquer palavra.

Os instintos de Riley diziam-lhe que algo de muito errado se passava ali.

Talvez Lemuel fosse o assassino.

Riley olhou cuidadosamente para as flores.

Por fim, disse, “Diga-me, Lemuel. Porque é que foi a Greybull comprar estas flores?”

Lemuel soltou um riso abrupto de uma única sílaba.

“Bem, não é muito longe,” Disse ele.

“Mas certamente que há floristas aqui em Glidden. Para além disso, estas flores são perfeitamente normais – do tipo que se pode comprar numa mercearia. Porquê conduzir para fora da cidade para as comprar? Parece que se deu a muito trabalho.”

Ele acenou na direção de Thea ainda a sorrir.

“Não é trabalho nenhum para a minha adorável mulher.”

Riley pressentiu que algo estava prestes a esclarecer-se. Olhou para Thea até algo captar a sua atenção.

“Esse anel é belíssimo, Thea,” Disse Riley. “Posso vê-lo?”

“É claro que sim.”

Com um sorriso de orgulho, a mulher levantou a mão na direção de Riley. O anel de casamento era simples mas atraente, com um único diamante de bom gosto. Mas não era isso que Riley queria ver.

A manga da Thea mostrava o pulso e revelava algo apenas parcialmente visível – uma grande e vermelha nódoa negra.

“Como é que isto aconteceu?” Perguntou Riley.

A mulher recolheu a mão, parecendo mais ofendida do que alarmada.

“Não me parece que lhe diga respeito,” Disse Thea.

“Nem eu,” Disse Lemuel.

Agora Riley compreendia. Lemuel tinha-lhe batido. A sua roupa podia muito bem esconder outras nódoas negras.

Riley sabia que Lemuel tinha pedido desculpa, obviamente. Os maridos violentos sempre o faziam – e ele tinha mais charme do seu lado do que a maioria. Também lhe comprara aquelas flores como forma de penitência. Mas sendo uma pessoa preocupada com as aparências, comprara as flores noutra cidade. Era mais fácil do que responder a perguntas de algum curioso local.

As suas suspeitas cresciam.

O suposto cavalheiro que fazia aquilo à sua mulher, era capaz de qualquer coisa.

Riley pensou no que fazer de seguida.

Decidiu confrontar a situação diretamente.

“Diga-me, Thea,” Disse Riley num tom agradavelmente desarmante. “Sabe que o seu marido cumpriu pena de prisão por violência doméstica há alguns anos atrás?”

“Veja lá o que diz!” Disse Lemuel.

Os olhos de Thea dilataram-se.

Não, ela não sabe, Percebeu Riley.

No final de contas, ela mudara-se recentemente. E numa cidade como aquela, os segredos escuros eram egoistamente guardados – sobretudo quando diziam respeito a um cavalheiro com tão boa reputação como Lemuel Cort.

“Não sei do que é que está a falar,” Disse a mulher com os lábios a tremer. “E não quero saber.”

Lemuel levantou-se da cadeira.

“Vou ter que pedir que saiam,” Disse ele.

Bill levantou-se. Riley sabia que não tinham opção que não fosse ir embora. Mas nem se mexeu. Colocou a mão no bolso da camisa e tirou um cartão com o seu contacto da UAC.

“Ligue-me,” Disse a Thea.”Quando estiver pronta.”

Era algo que Riley fazia quando se deparava com vítimas de violência. Já oferecera ajuda a inúmeras mulheres no passado – desde uma prostituta brutalizada pelo seu proxeneta e marido, até à mulher de um milionário sem coração. Algumas haviam aceitado a sua ajuda, outras não, pelo menos para já.

Mas Thea não aceitava o cartão.

E não era medo o que Riley lhe lia nos olhos.

Era simples indignação.

“Fique com ele,” Disse a mulher numa voz dura e zangada.

Riley estava pasmada. O sentido justo de propriedade ultrapassava qualquer medo que pudesse ter do marido. O que podia Riley fazer?

Sentiu a mão de Bill no ombro.

“Vem, temos que ir,” Disse Bill.”


*


Bill sentia a fúria de Riley enquanto caminhavam pelo corredor em direção à entrada da casa. Ele sabia por experiência própria como ela reagia a este tipo de situação.

Quando saíram porta fora, Bill ouviu a voz de Lemuel atrás dele.

“Cavalheiro...”

Bill virou-se para olhar para Lemuel enquanto Riley continuava a caminhar para o carro. Lemuel ficou a fitá-lo com uma expressão prepotente.

“Num momento mais civilizado, cavalheiro, eu e o senhor...”

Lemuel não terminou a frase.

Bill olhou para ele, tentando compreender o que ele queria dizer.

Num momento mais civilizado – o quê? Perguntou Bill a si próprio,

Quando percebeu, Bill quase riu.

Este cavalheiro estava a falar de um duelo.

Bill sorriu e apontou para Riley.

“Ela atira melhor do que eu,” Disse ele.

Sem dizer mais uma palavra, Bill virou-se e seguiu Riley até ao carro. Entraram e Bill ligou a ignição.

Antes de Bill começar a guiar, Riley disse com os dentes cerrados, “Vamos entalar aquele filho da mãe.”

Bill olhou para ela. Olhava diretamente em frente, o rosto vermelho de raiva.

“De que é que estás a falar?” Perguntou Bill. “Não podemos fazer nada. A mulher nem sequer quer ajuda. Riley, eu compreendo como te sentes mas não podes salvar toda a gente.”

Riley olhou para ele como se não acreditasse no que estava a ouvir.

Bill disse, “Não me digas que ainda acreditas que ele é o nosso assassino.”

“Tu não?” Disse Riley.

Bill percebeu que Riley estava a deixar a raiva levar a melhor sobre a lógica. Isso acontecia de tempos a tempos. E a verdade era que Bill admirava a sua capacidade de indignação moral. Riley tinha o mais aguçado sentido de certo e errado que ele conhecia. Mas em situações como aquela, competia-lhe a ele fazer-lhe ver de que lado estava a razão.

“Riley, pensa um pouco. Pensas mesmo que Lemuel comprou ambos os bouquets – um bouquet na Corley’s Flowers para a mulher e outro para a campa noutra loja? Não faz sentido. Temos que convir, ele não é o nosso homem. Estamos de volta à estava zero.”

O rosto de Riley apaziguou-se, parecendo agora mais triste do que zangado.

Bill disse, “Não podes ajudar a Thea, Riley. Ela nem quis o teu cartão.”

Numa voz calma, Riley disse, “Eu sei.”

Bill olhou para ela, compreendendo a sua situação.

“Então o que é que fazemos de seguida?” Perguntou ele.

“Voltamos a Greybull,” Disse Riley. “Há um polícia lá que trabalhou no caso. Temos que falar com ele.”

Quando Bill começou a conduzir, o telemóvel de Riley tocou e ela atendeu-o.

Bill ouviu-a a dizer numa voz alarmada, “O quê?... O quê?... OK... vou para aí logo que possível.”

E terminou a chamada.

“Tens que me levar de volta a Fredericksburg,” Disse ela. “A Jilly meteu-se em sarilhos.”


CAPÍTULO ONZE


Riley cismou silenciosamente durante grande parte da viagem de regresso a Fredericksburg. A orientadora escolar não lhe dissera muito ao telefone. A única coisa que Riley sabia ao certo era que Jilly tinha batido noutra criança na escola. Riley era esperada no gabinete da orientadora para ajudar a resolver as coisas.

Ao aproximarem-se da escola, Bill quebrou o silêncio.

“Para de te culpares, Riley.”

Riley continuou a olhar pela janela.

“O que é que te faz pensar que é isso que estou a fazer?” Perguntou ela.

“Vá lá, Riley. Estás a falar com o Bill.”

Riley hesitou, depois disse, “Tenho receio de estar a estragar tudo.”

Bill soltou um resmoneio de desaprovação.

“E então? Quem não o faz? Pensas que sou um pai perfeito? Caramba, só vejo os meus filhos aos fins-de-semana. Isso faz de mim que tipo de pai?”

Mas a situação de Bill era diferente da sua e Riley sabia-o.

“Eu sei que estou a fazer o melhor que consigo,” Disse ela. “Não é essa a questão. A questão é que o meu melhor não é suficiente. Estou perdida. A miúda tem problemas, Bill. Ela teve uma vida horrível. As assistentes sociais em Phoenix tiveram dificuldades em lidar com ela. E também os pais que a iam adotar. Porque é que eu faria melhor?”

“Tu consegues Riley. Provavelmente salvaste a vida da miúda. Não te desvalorizes.”

Bill estacionou no parque de estacionamento dos visitantes.

“Queres que vá contigo?” Perguntou ele.

Riley abanou a cabeça.

“Não. Desculpa por te arrastar até aqui. Se quiseres voltar ao trabalho, eu posso apanhar um táxi para casa.”

“Podemos voltar ao trabalho amanhã. Eu espero por ti aqui, depois levo-te a Quantico para trazeres o teu carro.”

Riley suspirou.

“OK,” Disse ela. “Mas se vires miúdos a criarem problemas não os prendas. Uma delas pode ser minha.”

Riley entrou na escola. Falou com a rececionista da escola e dirigiu-se ao gabinete da orientadora escolar. Na pequena sala ao lado do gabinete, estava Jilly sentada a ler um livro da escola.

Do outro lado da sala, estava sentado um rapaz de aspeto duro com um penso no nariz. Uma mulher estava sentada a seu lado. Pela forma como a mulher olhou para ela, Riley calculou que se tratava da mãe do rapaz.

Riley sentou-se ao lado de Jilly que fechou o livro e olhou para ela.

“Peço desculpa,” Sussurrou.

“Deves pedir mesmo,” Sussurrou Riley. “Não tens que andar a bater nas pessoas.”

“Oh, isso não lamento,” Disse Jilly. “Só lamento teres que vir. Disseram-me para ficar aqui sentada até chegares.”

A orientadora escolar de Jilly, Joyce Uderman, saiu do gabinete. Riley já se encontrara com ela várias vezes e sempre ficara com a sensação de que ela não gostava muito de Jilly. O sorriso da mulher também parecia a Riley artificial.

Aquele era um desses momentos.

“Senhora Paige, Jilly, entrem por favor,” Disse ela.

Riley e Jilly entraram no gabinete e sentaram-se. Joyce Udrrman sentou-se atrás da sua secretária.

Ainda com um sorriso vazio estampado no rosto, a orientadora disse, “Obrigada por vir Senhora Paige.”

“Diga-me, por favor, o que é que aconteceu,” Disse Riley.

“Direi num momento. Acabei de ligar ao Diretor-Adjunto Morlan. Ele vai juntar-se a nós.”

Seguiu-se um momento de silêncio confrangedor. Joyce Uderman conseguiu manter-se sempre a sorrir. Jilly tinha os braços cruzados e Riley percebia que ela estava zangada. Riley comparou mentalmente aquela miúda magricela com o rapaz consideravelmente maior que se encontrava no exterior do gabinete.

O que é que se terá passado? Perguntou-se Riley.

Mark Morlan, o Diretor-Adjunto entrou no gabinete. Riley também já se tinha cruzado com ele uma ou duas vezes. Devia ter a idade de Riley e era um homem grande, de aspeto impressionante. Também ele agradeceu a Riley ter vindo. Mas a sua expressão era séria.

Ainda a sorrir, Joyce Uderman disse, “Senhora Paige, a Jilly bateu no seu colega de turma Mark Hinkle. Ele teve que ir ao gabinete da enfermeira para ser tratado. A mãe do rapaz está muito aborrecida. Quer que a sua filha seja suspensa. Pensei que talvez fosse melhor falar com os alunos em separado e com os pais antes de tomarmos qualquer decisão.”

Morlan não se sentou.

Ele disse, “Jilly, podes explicar-nos o teu comportamento?”

Jilly falou em voz alta e zangada.

“Foi culpa do Mark. Ele estava a pedi-las.”

“Jilly,” Disse Joyce Uderman, “a violência nunca é aceitável.”

“Ele intimida,” Disse Jilly. “Mete-se com as raparigas. Diz-lhes coisas nojentas. Agarra-as de forma imprópria.”

Joyce Uderman juntou as mãos em cima da secretária.

“Ele faz-te isso, Jilly?” Perguntou-lhe.

“Não propriamente. Eu não tenho medo dele. As outras raparigas têm. Hoje gozou com o peso da Hayley Crow. Fê-la chorar. Mas mesmo assim não a deixava em paz. Juntou um grupo de rapazes e todos gozaram com ela. Ela chorou e chorou, e eles empurraram-na e o Mark não parava de os incitar. E foi aí que eu...”

Jilly fez uma pausa e depois acrescentou, “Ele mereceu.”

Riley imaginava a cena na sua mente – um rapaz duro e mau a meter-se com um rapariguinha gorda juntamente com os amigos. A Jilly fora corajosa em desafia-los a todos e em esmurrar Mark Hinkle. Mas depois de tudo aquilo que Jilly tivera que enfrentar na vida, Riley sabia que um agressor escolar não a intimidaria.

É claro que Riley também sabia que os outros dois adultos no gabinete provavelmente não viam as coisas nessa perspetiva.

Fala com cuidado, Disse a si própria.

“Não estou a defender as ações da Jilly,” Disse Riley. “Mas parece-me que esse Mark tem algumas explicações a dar. O seu comportamento pode muito bem ser descrito como assédio.”

O sorriso de Joyce Uderman desvaneceu-se.

“Penso que deverá deixar essa asserção a meu cargo e do Diretor-Adjunto Senhora Paige,” Disse ela.

Depois, Joyce Uderman virou-se para Jilly.

“Vou chamar o Mark. E tu vais pedir desculpa.”

“O quê?” Perguntou Jilly, aturdida.

“Vais dizer-lhe que lamentas e que não o voltarás a fazer.”

“Não vou!”

Riley sentiu-se verdadeiramente perplexa. Ela sabia que Jilly fizera algo de errado e que tinha que pedir desculpa. Mas também sabia como é que a Jilly se estava a sentir.

Ela disse, “Parece-me que a situação é bastante complicada.”

Mas a orientadora continuava a olhar para Jilly.

“Não vais pedir desculpa?” Perguntou.

“Não.”

Joyce Uderman recostou-se na sua cadeira.

“Então, nesse caso parece que não nos deixas opção. Isto irá ficar no teu registo permanente. Sr. Diretor-Adjunto, recomenda mais alguma ação?”

Riley temia o que se podia seguir. A suspensão seria um terrível contratempo para Jilly.

Mas o Diretor-Adjunto não disse nada durante alguns instantes. Olhou diretamente para Riley. Ela percebera que a sua disposição se alterara. Ele quase sorria.

Ele percebe, Pensou Riley. Ele compreende porque é que Jilly fez o que fez.

Por fim disse, “Jilly, prometo que vamos investigar o que o Mark fez. Mas tens mesmo de lhe pedir desculpa. Fazes isso?”

Jilly abanou a cabeça teimosamente.

“Espera fora do gabinete alguns momentos, Jilly,” Disse Joyce Uderman. “Precisamos de falar com a tua mãe em privado.”

Jilly levantou-se da cadeira e saiu. O Diretor-Adjunto fechou a porta.

Joyce Uderman disse, “Senhora Paige, a sua filha não nos dá outra hipótese. Penso que a suspensão é a melhor opção. Se voltar a suceder, pode ser expulsa.”

“Vamos ter calma,” Disse o Diretor-Adjunto. “Penso que devemos dar à mãe da jovem a hipótese de lidar com isto.”

Olhando para Riley disse, “Já tivemos problemas com Mark Hinkle. Vamos verificar o que a sua filha nos contou. E se for verdade...”

Ele não terminou a frase. Riley pressentiu pelo seu tom que Mark estaria em piores lençóis do que Jilly.

Depois acrescentou, “A Jilly precisa de escrever uma nota de desculpas e trazê-la amanhã. Deixo a seu cargo o incentivo para ela o fazer.”

Joyce Uderman olhava para ele de boca aberta.

Riley percebeu que ela não gostara nada daquela abordagem.

“Parece-lhe justo?”

“Sim,” Disse Riley.

“Ótimo,” Disse o Diretor-Adjunto. “Penso que é tudo por agora.”

Riley saiu do gabinete e encontrou Jilly de pé junto à porta. O rapaz e a mãe ainda estavam sentados. O Diretor-Adjunto chamou-os e eles entraram no gabinete. Riley e Jilly caminharam pelo corredor.

“Onde é que vamos?” Perguntou Jilly.

“Para casa,” Disse Riley.

“Estou em sarilhos?”

“Depende.”

E grande parte depende de mim, Pensou Riley.

Conseguiria convencer Jilly a escrever aquela carta?


CAPÍTULO DOZE


Quando Riley e Jilly saíram da escola em direção ao carro estacionado, Jilly parou de repente. Riley olhou para ela e viu um ar intrigado no rosto da rapariga.

“O que é que se passa?” Perguntou Riley.

“Aquele é o carro que estás a usar hoje?” Respondeu Jilly.

“Sim,” Disse Riley. “É um carro do FBI.”

“E quem é o homem que está lá dentro?” Questionou Jilly. “Já o vi antes.”

“É o meu parceiro Bill. Conheceste-o em Phoenix.”

“OK,” Murmurou Jilly e começou a caminhar novamente.

Riley entrou para o lugar do passageiro e Jilly foi para trás. Riley rapidamente voltou a apresentar Jilly a Bill. A rapariga ainda tinha um ar de aborrecimento no rosto quando colocou o cinto de segurança.

Quando Bill se encaminhou para a autoestrada para Quantico, Jilly disse, “Pensei que tinhas dito que íamos para casa.”

“E vamos. O meu carro está em Quantico. O Bill vai levar-nos até lá para o trazermos.”

Jilly calou-se e mais ninguém voltou a dizer o que quer que fosse durante a viagem. Riley sabia que Bill nunca lhe perguntaria como tinham corrido as coisas na escola. Ela também sabia que aquele não era o momento para resolver as coisas com a sua nova filha.

O silêncio era desconfortável e a viagem pareceu mais longa do que na verdade fora. Chegaram a Quantico onde o segurança os deixou passar pelo portão com um aceno. Riley olhou para trás e viu Jilly a observar o guarda com interesse. Depois os olhos da rapariga abriram-se muito com a visão do enorme edifício pelo qual passaram a caminho do parque de estacionamento onde se encontrava o carro de Riley.

“Obrigada Bill,” Disse Riley quando ela e Jilly saíram. “Voltámos ao terreno amanhã.”

Bill foi-se embora e Riley destrancou as portas do seu carro.

“Espera um minuto!” Exclamou Jilly. “Não posso ver onde trabalhas? Quero dizer, deve ser fixe! Disseste-me que há uma carreira de tiro. E uma sala de realidade virtual. Quero ver tudo!”

“Não desta vez,” Disse Riley. “Temos que conversar.”

Entraram no carro e Riley ligou a ignição.

“Em que sarilhos estou metida?” Perguntou Jilly.

“Depende. Talvez suspensão. A não ser que...”

“A não ser que quê?”

“Tens que escrever uma carta ao Mark. Tens que pedir desculpa.”

Jilly soltou um som de protesto.

“Huh-uh! A culpa não foi minha!”

Riley conteve um esgar de frustração.

Isto não vai ser fácil, Pensou.

“Jilly, tu escolheste bater no Mark.”

“Sim, bem, não era o que farias? Bates em pessoas más o tempo todo. Até as matas quando é preciso.”

Riley estremeceu com a palavra “matar”. A última coisa que ela queria que Jilly pensasse era que o seu trabalho era glamoroso – sobretudo as partes que envolviam violência.

“Jilly, fui treinada para fazer o meu trabalho. E não uso violência a não ser que seja estritamente necessário.”

Jilly cruzou os braços e olhou para a frente.

“Pensei que fosse necessário,” Disse ela.

“Bem, não era.”

“O que é que queres dizer?”

“Bem, talvez me devas dizer. Dizes que ele é um agressor. Faz coisas às raparigas. Fez a tua amiga chorar. Juntou os amigos para a fazerem sentir ainda pior. Sei que isso foi horrível. Mas o que é que podias ter feito sem ser bater-lhe?”

Jilly ficou amuada em silêncio durante um instante.

Depois disse, “Podia ter ido ter com a minha orientadora e dizer-lhe. Mas não teria servido de nada.”

“Sim, teria Jilly. A tua escola tem uma tolerância zero em relação ao bullying. E se ninguém tivesse feito nada, podias dizer-me a mim e eu teria feito queixa. Faria com que o caso não caísse no esquecimento.”

Continuaram a viagem em silêncio por um momento.

Por fim, Jilly murmurou, “Por uma vez que fosse na vida, gostava de mandar.”

Riley ficou intrigada.

“Mandar em quê?” Perguntou.

“Em tudo. Escola, família, casa, vida. O Ryan deixou-nos e eu não pude fazer nada. Estou farta que as coisas me aconteçam sempre a mim. Por uma vez queria ser eu a ditar as regras.”

Riley parou para pensar no que Jilly queria dizer com aquilo. A pouco e pouco, ela começava a perceber. Toda a sua vida, Jilly dependera apenas de si, valera-se a si, tentando resolver problemas que estavam para lá do seu controlo. Ninguém estivera presente para a apoiar, muito menos os adultos.

Durante algum tempo, Riley pensara que Jilly sentia que a sua vida estava a mudar para melhor.

Mas a partida de Ryan fora um tremendo contratempo.

O Ryan mostrara ser igual aos outros adultos que Jilly já conhecera.

Riley sentiu-se culpada.

Como é que eu pude confiar naquele filho da mãe mais uma vez?

Mas afastou esses pensamentos. Agora tinha que se concentrar na Jilly.

“Jilly, talvez todos tenhamos que mudar. Sobretudo eu. Não estou tempo suficiente em casa. Não te vejo a ti e à April o suficiente. Já ando a pensar há imenso tempo... talvez tenha chegado o momento de sair da UAC. Há muitas outras coisas que eu posso fazer – trabalho que me permitiria passar mais tempo contigo e com a April.”

Agora Jilly parecia assustada.

“Não podes desistir! Tens que continuar a apanhar gente má! Se não o fizeres, quem o far’a?

Riley ficou surpreendida com a paixão que transparecia na voz de Jilly.

Era óbvio que nada desiludiria mais Jilly do que a saída de Riley da UAC.

Bem, parece que está resolvido, Pensou Riley.

“Jilly, não estás sozinha,” Disse ela. “Eu estou aqui. Não vou a lado nenhum. Prometo. A April também cá está e a Gabriela. Tens que aprender a apoiares-te em nós. Não precisas de mandar sempre.”

Jilly não respondeu, mas Riley pressentiu que ela a ouvia.

Riley disse, “Estás a sair-te tão bem na escola. Não estragues tudo. Queres passar de ano, não queres? E ir para o secundário?”

“Sim,” Disse Jilly. “Muito.”

“Então não achas que devias escrever aquela carta?”

Jilly calou-se durante um momento.

“Devia,” Disse ela. “Mas como é que posso pedir desculpa? Não lamento nada, não me sinto mal. Não seria sincera.”

Ela tem razão, Pensou Riley.

Riley não queria encorajar Jilly a ser hipócrita.

Por fim, Riley disse, “Mesmo que não te sintas mal por ter magoado o Mark, sabes que foi uma coisa errada, certo?”

“Sim.”

“Bem, podes dizer isso. Que lamentas o que fizeste porque foi uma coisa errada.”

Riley pensou durante uns instantes e depois acrescentou, “E também podes dizer outras coisas.”

“Por exemplo?”

“Vou deixar que descubras por ti própria. Achas que consegues fazer isso?”

“Vou tentar.”

Riley esperava que Jilly estivesse a falar a sério.

Ela disse, “De qualquer das formas, um estafermo como o Mark não merece ser expulso da escola. E o Diretor-Adjunto deu-me a entender que o Mark está metido num sarilho bem maior do que tu.”

Agora Riley conseguia ouvir um sorriso na voz de Jilly.

“A sério?” Disse ela.

“A sério.”

Riley e Jilly não falaram muito mais durante o resto da viagem para casa. Mas Riley sentia-se muito melhor.

Talvez esteja a fazer algumas coisas corretamente, Pensou.


*


Quando Riley acordou na manhã seguinte, reparou de imediato num envelope que fora colocado debaixo da porta. Soube logo que era a carta de Jilly para Mark. A Jilly devia tê-la posto ali a noite passada para Riley ler.

Riley abriu a carta e leu...


Olá Mark,

Peço desculpa por te ter batido. Foi uma coisa errada. A violência nunca é boa e eu sei isso agora, e não voltarei a fazer o que fiz. Espero que estejas melhor do nariz.

Mas espero que compreendas que também fazes mal às pessoas. A forma como maltratas as raparigas, magoa-as. E magoa ver que ages dessa forma. Fico zangada, mas mais do que isso, fico triste. Para, por favor.

Atenciosamente,

Jilly


Riley sorriu. Vestiu-se e desceu as escadas. Gabriela e as miúdas já tomavam o pequeno-almoço. Riley entregou a carta a Jilly e deu-lhe um beijo na bochecha.

“Está perfeito,” Disse ela. “Estou orgulhosa de ti.”

Um sorriso explodiu no rosto de Jilly. Mas depois pareceu ficar um pouco preocupada.

“Tens a certeza que o Diretor-Adjunto vai aprovar?” Perguntou Jilly.

“Se não aprovar, vai ter que se haver comigo,” Disse Riley.

O sorriso regressou ao rosto de Jilly.

Riley sentou-se e tomou o pequeno-almoço com a família.


*


Um pouco mais tarde, Riley ficou aliviada por estar finalmente a caminho da UAC para regressar ao trabalho com Bill. Tinha deixado Jilly e a carta na escola e esperava ter resolvido pelo menos um assunto na sua vida.

Estava ansiosa por voltar ao trabalho. Havia muito a fazer naquele dia, tal como falar com o polícia em Greybull que trabalhara no caso. Ela e Bill também tinham que visitar os bares onde as vítimas tinham sido vistas com vida pela última vez.

Quando Riley entrou na Interestadual o telemóvel tocou. Colocou a chamada em alta-voz.

“Olá Riley. É Shirley Redding, a sua agente imobiliária.”

Riley ficou feliz por ter notícias dela. Não tivera tempo de falar com ela no dia anterior como queria.

“Olá Shirley. O que se passa?”

“Boas notícias! Parece que a propriedade é terreno de caça. Tenho mais do que um potencial comprador em vista. A melhor oferta está perto dos duzentos mil dólares.”

“Uau!” Disse Riley. “Devemos aceitá-la ou esperar por mais propostas?”

“Isso depende de si,” Disse Shirley. “Mas tenho um palpite que é o máximo que vamos conseguir.”

Riley nem hesitou.

“Então vamos aceitar.”

“Ótimo! Vou já ligar para o comprador!”

Riley sentiu-se feliz quando terminou a chamada,

Duzentos mil dólares!

Ia ser uma segurança formidável, saber que teria esse dinheiro para a faculdade das miúdas.

Riley começara a cantarolar uma música alegre quando o telemóvel tocou outra vez.

Atendeu, pensando que era Shirley para falarem de algum pormenor.

Em vez disso, ouviu uma voz de homem.

“Não aceite essa oferta.”

Riley estremeceu de tal forma que quase perdeu o controlo do carro.

Conhecia aquela voz demasiado bem.

Seria a última pessoa no mundo que queria ouvir naquele momento.


CAPÍTULO TREZE


Enquanto Riley tentava controlar o carro, a voz no telemóvel repetiu, “Não aceite aquela oferta.”

Não havia a mínima dúvida.

Quem ligava era Shane Hatcher.

O génio criminal ajudara Riley em mais do que um caso – mas sempre com um terrível custo, tanto pessoal como profissional.

“Está a ouvir-me?” Perguntou Hatcher.

“Estou a ouvi-lo. Não aceito a oferta ou o quê?”

“Ou – perderá uma grande oportunidade.”

E então surgiu aquele riso sinistro.

Ele disse, “Talvez seja melhor sair da autoestrada antes de discutirmos este assunto. Estará mais segura assim.”

Hatcher tinha razão. Ela estava abalada e a conduzir erraticamente. O conhecimento de cada movimento, dos detalhes mais íntimos da sua vida por parte de Hatcher, pareciam-lhe sempre estranhos.

Riley conseguiu encostar e parar o carro.

“Porque é que devo falar consigo?” Perguntou Riley.

“Porque ainda está a usar a minha pulseira.”

Riley sentiu o peso da pulseira de ouro no seu pulso. Hatcher dera-lha em Janeiro como símbolo do que ele denominara ser a sua “ligação”. A pulseira tinha um número gravado que ela usara para entrar em contacto com ele.

Todos os dias, ela tentava convencer-se a não usá-la.

Mas o controlo de Hatcher sobre ela era demasiado forte.

“Acabou de receber uma proposta pela cabana do seu pai,” Disse Hatcher. “Uma proposta de muito dinheiro. Não aceite. Não venda.”

Riley estava confusa.

Saberia ele que ela acabara de estar ao telefone com Shirley?

Estaria ele a escutar o seu telefone?

“Porque é que não devo vender?” Perguntou ela.

“Porque a quero. Gosto do lugar. Combina comigo. Gostaria de passar algum tempo lá.” Depois, rindo novamente acrescentou, “Com a sua permissão é claro.”

Riley lembrou-se da última vez que vira Hatcher. Ela fora à cabana pouco depois da morte do pai. Hatcher seguira-a até lá e o seu encontro fora tão perturbador como sempre. A última imagem que guardava dele era ele a afastar-se da cabana de costas para ela.

Porque é que não o matei quando tive a oportunidade? Pensou Riley.

Mas aquele não era o momento para pensar nisso.

Riley tinha que perceber qual era o objetivo de Hatcher.

Riley sabia que Hatcher tinha dinheiro e ligações criminosas. Ostentara o seu poder e riqueza desde que fugira de Sing Sing.

Riley disse, “Se quer assim tanto a cabana, porque é que não a compra?”

Hatcher não respondeu. Limitou-se a soltar um riso longo e ruidoso.

Então Riley compreendeu.

O “comprador” que tinha oferecido a Shirley $200,000 fora o próprio Shane.

É claro que estaria a utilizar uma identidade falsa.

Mas se a queria tanto, porque é que não a comprava?

Seria complicado, é claro. No final de contas, ele constava da lista dos mais procurados do FBI. Mas Riley sabia que Hatcher não deixaria um pequeno problema como aquele interferir no seu objetivo. Se ele realmente quisesse comprar a propriedade, arranjaria uma maneira de efetuar a transação.

Mas ele não a queria comprar.

Isso seria demasiado simples, Percebeu Riley.

Para ele era muito mais interessante que Riley continuasse a ser a proprietária.

Ele adorava jogar jogos mentais com ela.

“Não peço a escritura,” Disse Hatcher. “Só peço que olhe para o outro lado enquanto eu lá vivo.”

Riley não respondeu. Ainda lutava para compreender que raio era aquilo.

Hatcher disse, “Eu sei que tem razões para a querer vender. O dinheiro seria uma grande ajuda com duas miúdas a caminho da faculdade. Quer que tenham uma boa educação. Mas já a estão a ter, a viver consigo. A propósito, admiro aquela pequena Jilly. Ela tem nervo para derrubar um idiota daqueles. Sai mesmo à mãe.”

Riley ficou espantada. Ele até sabia do sucedido com Jilly!

Hatcher acrescentou, “Não precisa de se preocupar com fundos para a faculdade. Confie em mim, isso não será um problema, não a longo prazo.”

Riley estava cada vez mais confusa. Estaria ele a prometer subsidiar a faculdade das filhas?

Se fosse esse o caso, como é que ela poderia aceitar esse tipo de ajuda?

Pior ainda, como poderia ela recusá-la?

Ela bem sabia que Hatcher não era pessoa que aceitasse uma recusa.

Ficou ali sentada a olhar para o telefone.

Não se atreveu a colocar a pergunta óbvia – porque é que ela deveria concordar em não vender a cabana?

A resposta poderia ser demasiado horrível. Colocaria as miúdas em perigo? Talvez já as tivesse nas suas garras.

Mas não, não era o seu estilo.

Já tinha salvo a vida a April uma vez – e a de Ryan também.

Por fim, Hatcher disse, “Posso fazer valer a pena.”

“Como?”

“Como sempre faço. Dando informação.”

“Não tem qualquer informação de que eu precise,” Disse ela. “Estou a trabalhar num caso antigo. Não tenho pressa. Tenho muito tempo. Posso resolvê-lo sozinha.”

Seguiu-se um silêncio perturbador.

“Há outro caso antigo que não resolveu,” Disse finalmente Hatcher. “Não tem qualquer esperança em resolvê-lo – sem a minha ajuda.”

“Não sei do que é que está a falar,” Disse Riley.

“Estou a falar de algo que tem estado na sua mente toda a sua vida.”

Riley não queria perguntar, mas ele não disse mais nada até ela sussurrar, “O quê?”

“A morte da sua mãe. Posso entregar-lhe o seu assassino.”


CAPÍTULO CATORZE


Riley sentiu todo o seu corpo tremer de choque face às palavras de Hatcher.

Fechou os olhos, tentando recompor-se.

Durante um momento, as memórias regressaram...

Ela estava lá outra vez, uma menina numa loja de doces com a mãe, quando um homem mau com uma meia na cabeça e uma arma na mão se encaminhou para elas, e o homem mau disse à mãe, “Dê-me o seu dinheiro,” mas a mãe estava demasiado assustada para se mexer e depois...

“Ouviu-me?” Perguntou Hatcher.

Os seus olhos abriram-se novamente.

“Ouvi-o,” Disse ela.

“Temos acordo?”

A garganta de Riley estava tão apertada com a ansiedade que mal conseguia falar.

“Não acredito em si,” Conseguiu dizer.

Hatcher soltou uma risada.

“Oh, mas acredite. Porque é que não acreditaria em mim? Cumpri sempre a minha palavra, não cumpri? Sempre a ajudei, não ajudei?”

Apesar de Riley não o conseguir dizer, era verdade. Hatcher nunca a tinha desiludida, nunca desde que o conhecia.

E agora ela sentia um abismo a abrir-se debaixo dos seus pés.

Era um abismo de esperança – esperança que negara durante toda a sua vida. Subitamente aquele abismo era real.

Passara anos a dizer a si própria que nunca conseguiria fazer justiça à sua mãe.

Mas agora finalmente poderia. Podia encontrar o assassino da mãe e fazê-lo enfrentar a justiça...

... ou fazer e escolher a sua própria forma de justiça, por muito terrível que fosse.

Riley tremia por todo o lado. Lá no fundo, Riley estava em guerra consigo própria.

E April e Jilly.

E o dinheiro para a faculdade?

Ela lembrou-se do que Hatcher dissera ainda há pouco.

“Não precisa de se preocupar com fundos para a faculdade. Confie em mim, isso não será um problema, não a longo prazo.”

Era verdade.

Hatcher iria ser o seu benfeitor – se ela fizesse agora a escolha certa. É claro que tal também dependia se ele permanecia livre e rico.

E qual seria o custo para Riley?

Favores vindos de Hatcher tinham sempre um preço. Desde que o conhecia que nunca se contentara com menos do que a sua alma.

Riley sentia que perdera a sua alma para ele aos poucos, pedaço a pedaço. Iria ela agora entregar o maior pedaço da sua alma?

E quanta alma ainda teria?

Quanto tempo restaria até já não ter alma?

A tentação era terrível – e irresistível.

“Sim,” Disse ela numa voz engasgada.

“Sim o quê?”

“Temos acordo.”

Seguiu-se um silêncio. Ainda estaria em linha?

“Agora diga-me,” Disse ela. “Diga-me o que sabe. Diga-me como posso encontra-lo.”

“Calma. Sabe o que tem a fazer de seguida. E tem que o fazer agora. Neste preciso minuto.”

Riley ouviu um clique.

A chamada terminara.

Riley tremia quase incontrolavelmente. Lágrimas corriam-lhe pelo rosto. Era lágrimas de frustração por causa do controlo de Hatcher sobre ela ou lágrimas de dor pela memória da morte da mãe? Tudo parecia irremediavelmente misturado.

Mas ela fizera a sua escolha e agora tinha que prosseguir com as consequências.

É agora ou nunca, Pensou.

Ligou o número da agente imobiliária. Quando Shirley atendeu, estava a ter dificuldades em respirar.

“Shirley, pensei melhor e decidi recusar aquela oferta.”

“O quê?” Perguntou Shirley.

Riley engoliu em seco, depois forçou um tom alegre.

“Não o consigo explicar Shirley. Eu sei que soa ridículo, mas quando finalmente chegou o momento de a libertar, não consegui. Acho que afinal quero manter a cabana, pelo menos por agora. Talvez a venda mais tarde.”

Shirley parecia tanto chocada como zangada.

“Riley, é uma loucura deixar passar esta oportunidade. Podemos nunca mais ter uma oferta destas. O mercado é imprevisível. Sobretudo se as taxas de juro aumentarem.”

“Eu compreendo. Mas mudei de ideias. Quero retirar a propriedade do mercado.”

Shirley já não se conseguia controlar.

“Eu... eu não percebo. Quando falámos da primeira vez, foi tão enfática. Disse que não queria mesmo manter o lugar e que tinha más recordações dele. Disse que poderia usar o dinheiro para a faculdade das suas filhas. Trabalhei arduamente para concretizar este negócio.”

“Eu sei. Lamento.”

“Não entendo o que é que a poderá ter feito mudar de opinião em tão pouco tempo.”

Riley sabia que não lhe era possível dar uma explicação razoável.

Nem valia a pena tentar.

“Aconteceu, Shirley. Eu percebi que não a podia vender. Por isso recuse a oferta. Imediatamente. E retire-a do mercado.”

“Mas...”

“Não tenho mais nada a acrescentar.”

Terminaram a chamada. Riley ficou sentada no carro a pensar no que aconteceria de seguida. Se o palpite de Riley estivesse certo e o “comprador” fosse realmente Hatcher, Shirley estaria a ligar-lhe naquele preciso momento para lhe dar a conhecer a decisão de Riley.

Depois o que é que Hatcher faria?

Descobriria não tardava nada.

Olhou para o seu relógio e viu que se aproximava a hora de se encontrar com Bill na UAC. Ligou o carro e regressou à Interestadual.


*


Quando Riley estacionou o carro no estacionamento da UAC, reparou que recebera um SMS enquanto conduzia. O remetente era desconhecido – mas é claro que Riley sabia quem o tinha enviado.

Pegou no telemóvel e viu que a mensagem era muito curta:


Nega teu pai e recusa o seu nome.


Reconheceu as palavras de imediato. Era uma fala de Romeu e Julieta. Seguia-se ao clamor melancólico de Julieta, “Ó Romeu, Romeu! Onde estás tu Romeu?”

Ela lera a peça no secundário e vira filmes baseados na peça, por isso lembrava-se perfeitamente da cena. Julieta estava uma noite na varanda do seu quarto, suspirando pela sua recentemente despertada enfatuação por um miúdo chamado Montague. O problema era que Julieta era uma Capuleto e os Montagues eram uma família inimiga. Por isso ela queria que Romeu negasse o seu pai e recusasse o seu nome.

Mas o que é que isto tinha a ver com Riley – e ainda mais com a morte da sua mãe?

Riley sentiu-se frustrada.

Já devia saber que Hatcher não lhe entregaria informação simples e clara. Como habitualmente, iria comunicar por enigmas.

Mas o que significava este enigma? As suas mensagens crípticas tinha sempre algum significado, por muito idiotas que parecessem.

Recitou a fala alto.

“Nega teu pai e recusa o seu nome.”

Uma coisa parecia óbvia. Hatcher referia-se ao pai de Riley e à sua relação atribulada com ele. E a fala parecia ser uma espécie de instrução ou ordem.

Mas como é que ela deveria cumprir?

O pai estava morto. Como poderia ela nega-lo ou recusar o seu nome?

Talvez o estivesse a fazer agora mesmo – ao entregar a cabana a Hatcher.

Mas o que é que isso tinha a ver com a morte da mãe?

Mais uma vez, Riley sentiu o peso da pulseira no pulso. Olhou para ela e viu a pequena inscrição num dos seus elos:

“face8ecaf”

Também ela tinha sido um enigma e significava “cara a cara”.

Fora a forma que Hatcher encontrara de lhe dizer que ele era o seu espelho – um espelho que lhe mostrava as partes mais obscuras de si própria.

Mas a inscrição era mais do que isso. Era uma morada de vídeo, um meio de entrar em contacto com Hatcher.

Deveria fazê-lo agora? Deveria perguntar-lhe qual o significado da mensagem?

Riley desanimou.

É claro que ele não lhe diria.

E para além disso, talvez desta vez a mensagem não significasse nada.

Talvez Hatcher estivesse apenas a brincar com ela.

Mais tarde ou mais cedo, ele dar-lhe-ia alguma pista mais concreta.

Entretanto, iria ter que suportar muitas brincadeiras?

Ela não tinha escolha que não fosse esquecer aquilo de momento. Bill estava à sua espera e precisavam de voltar ao trabalho.

Ao sair do carro e quando caminhava na direção do edifício, o telemóvel vibrou novamente. Desta vez a mensagem era de Brent Meredith. E era tão concisa e brusca quanto possível.

Venha ao meu gabinete. Agora.


CAPÍTULO QUINZE


Riley sentiu uma onda de pânico a tomar conta de si. A mensagem do chefe parecia de alguém zangado e ela não gostava de pensar nas razões pelas quais ele podia estar furioso com ela. Uma grande questão lhe passou pela cabeça. Teria Meredith descoberto que ela andava a comunicar com Hatcher?

Continuou a caminhar na direção do edifício da UAC, a imaginar para onde se encaminhava. Se Meredith soubesse que ela acabara de trocar mensagens com um criminoso procurado pelo FBI, ele estaria muito mais do que simplesmente zangado.

Riley já tinha sido repreendida oficialmente pela sua relação com Hatcher. Não o tinha conseguido capturar mais do que uma vez e ela sabia que o seu falhanço se devia mais à sua própria relutância do que à astúcia de Hatcher.

Ninguém na UAC – nem sequer Bill – sabia que Hatcher a tinha ajudado no último caso em Seattle. E de certeza que ninguém sabia que ele a tinha contactado hoje por causa da cabana do pai.

Ou talvez ela estivesse enganada.

Talvez Meredith tivesse descoberto.

Talvez Meredith até tivesse conhecimento do seu contacto telefónico com Hatcher de há pouco.

Calma, Disse Riley a si mesma. Não entres em paranoia.

Mas o que sentia era mais culpa do que paranoia.

Ela sabia que era errado manter o contacto com Hatcher, quanto mais mergulhar mais profundamente no que quer que fosse em que a sua relação se estivesse a transformar. Ele dissera que queria trabalhar com ela. Ela considerou a ideia um delírio.

Também era errado ocultar aquela situação dos colegas que mais confiavam nela.

E talvez merecesse ter problemas por causa disso.

Aproximou-se do gabinete de Meredith apreensiva. Mas ficou surpreendida por ouvir risos a saírem da porta aberta.

Quando Riley chegou à porta e olhou para o interior, viu Bill e Meredith de pé e a rirem. Outro homem estava de costas voltadas para ela, mas ela reconheceu o físico baixo e robusto de imediato.

“Jake!” Disse ela.

Jake Crivaro virou-se com um amplo sorriso no rosto. Abraçaram-se.

Riley sentiu-se aliviada e culpada por escapar aos problemas mais uma vez.

Então a mensagem de Meredith era por causa disto, Percebeu.

“O que é que estás aqui a fazer?” Perguntou Riley a Jake.

“O que é que achas que estou aqui a fazer?” Disse Jake com a sua voz solene. “Estou a testar a segurança desta choça. E meu Deus, um maníaco qualquer pode entrar por aqui adentro e matar-vos a todos.”

Ainda a rir, Brent Meredith disse, “Este filho da mãe passou pela segurança. Entrou sem distintivo ou qualquer autorização. É o mesmo de sempre. Fiquei incrédulo ao vê-lo a entrar no meu gabinete.”

“Mas ainda ontem falei contigo,” Disse Riley. “Estavas em casa. Voaste até aqui desde Miami?”

“Sim, e tenho os braços cansados!” Disse Jake, batendo os braços como um pássaro.

Riley e os outros riram-se da piada de Jake.

Riley disse, “A sério, o que te traz cá?”

“O que é que achas que me traz cá?” Perguntou Jake a Riley. “A culpa é tua por me fazeres pensar outra vez no assassino da caixa de fósforos. Não consegui dormir a noite passada. Apanhei um voo logo de manhã. Se o iam finalmente apanhar, eu queria estar presente.”

Riley olhou para Meredith.

“Que me diz chefe?” Perguntou ela. “Podemos contar com ele?”

“Completamente,” Disse Meredith. “Ele pode ser o consultor oficial encarregue do caso. Mas o que é que ainda estão aqui a fazer? Façam-se os três à estrada. Voltem ao trabalho.”


*


Um pouco mais tarde, Bill já estava ao volante a caminho de Greybull com Riley e Jake. Jake estava sentado ao lado de Bill e iam conversando.

No banco de trás, Riley descontraía. Sentia que um peso lhe tivesse sido retirado da mente, pelo menos por agora. Era ótimo estar novamente a trabalhar com Jake. Também era ótimo pensar em algo que não fosse Shane Hatcher.

Era óbvio que Bill estava a gostar da companhia de Jake. Os dois tinham-se conhecido em Janeiro quando tinham trabalhado no caso na Flórida. Bill e Jake tinham-se dado imediatamente bem.

Quando começaram a rever o caso, Riley ficou mais atenta.

“Deixa-me ver se entendo isto,” Disse Bill. “Estes crimes são considerados crimes sexuais apesar de não ter sido encontrado sémen.”

“É verdade,” Disse Jake. “Ele pretendia ter relações sexuais com aquelas mulheres. Até as fantasias contam.”

Riley acrescentou, “As mulheres parecem tê-lo acompanhado até aos motéis de livre vontade, mas ele não terá conseguido consumar a relação sexual.”

Riley percebeu pela expressão de Bill que estava a ficar interessado.

“Então os homicídios foram atos de fúria,” Disse ele.

“O primeiro foi, sem dúvida,” Disse Jake. “Provavelmente os dois primeiros.”

“O último foi diferente,” Disse Riley. “O corpo foi encontrado vestido, por isso parece que ele não tentou ter relações sexuais com ela, apesar dessa ter sido a sua intenção original. E não foi estrangulada como as outras duas. Foi sufocada, provavelmente com uma almofada.”

“Na altura achámos aquilo muito estranho,” Disse Jake. “Era uma negação da assunção de que os assassinos em série aumentam a violência de vítima para vítima.”

Ele sorriu e anuiu quando Riley acrescentou, “Que foi uma dessas velhas noções que a pesquisa da UAC descobriu estar errada.”

“Também sugere um elemento de remorso,” Acrescentou Bill.

“É o que eu e o Jake pensamos,” Disse Riley. “Também pensamos que ele ainda se encontra na região.”

“Por alguma razão em particular?” Perguntou Bill.

Após um momento, Jake respondeu, “É um palpite.”

“Bem, ambos são conhecidos pelos vossos palpites,” Disse Bill. “E se ele ainda por cá estiver, vamos encontrá-lo.”

Espero bem que sim, Pensou Riley, lembrando-se da sua última conversa triste com Paula Steen.

O prazo para se fazer justiça já estava há muito ultrapassado.


*


Quando pararam em Greybull, Riley observou Jake a contemplar a pequena cidade adormecida.

“Já lá vão uns anos desde que aqui estiveste,” Disse ela.

“Não parece que este lugar tenha mudado muito ao longo destes anos,” Respondeu Jake. “Parece-me que não voltaram a ter uma onda de homicídios não resolvidos desde que cá estive da última vez. Por onde começamos?”

“Vamos falar com o antigo xerife, Woody Grinnel,” Disse Riley.

“O velho Woody,” Disse Jake. “Um homem impecável. Mas não um grande polícia. Não estava pronto para lidar com um caso daqueles, mas eu gostava dele. O que é feito dele?”

“Retirou-se há muito tempo,” Disse Riley. “Agora é dono de um restaurante local.”

Em poucos minutos, estacionaram em frente ao Woody’s Diner. Era um restaurante de aspeto antigo com um exterior em aço inoxidável. Entraram e apresentaram-se à empregada que se dirigiu à cozinha. Um momento mais tarde, um homem alto e sorridente passou pelas portas, limpando as mãos a um avental. Riley sabia que ele tinha a mesma idade de Jake, mas Grinnell parecia mais velho e mais delicado.

Aproximou-se de Jake e apertou-lhe a mão com afeto.

“Olhem só, Jake Crivaro. Como tem passado?”

“Ainda a viver e a respirar,” Disse Jake com uma gargalhada.

“Recebi uma chamada dizendo que alguém da UAC apareceria hoje,” Disse Grinnell a Jake. “Mas não estava à sua espera. Soube que se reformou e que está na Flórida.”

“É isso mesmo,” Disse Jake. “Finalmente aborreci-me. Decidi voltar e ver o que é que se passa na metrópole de Greybull.”

Ambos os homens se riram. Riley e Bill apresentaram-se, e Grinnell acompanhou-os até uma mesa. Uma empregada trouxe café para todos.

Grinnell disse, “Não sei se já tomaram o pequeno-almoço, mas já que cá estão têm que experimentar as minhas famosas omeletas. Por conta da casa, claro.”

O grupo concordou e Grinnell deu uma ordem à empregada. “Uma para mim também,” Acrescentou. “E diz ao cozinheiro para caprichar.”

Grinnell sentou-se ao lado de Jake e os dois conversaram sobre as suas vidas e sobre os filhos já adultos. As omeletas vieram rapidamente e o grupo começou a comer.

“Então o que é que traz a UAC cá?” Perguntou Grinnell. “As coisas têm estado tranquilas, pelo que sei.”

Riley pressentiu que Jake hesitava.

Por fim, Jake disse, “Woody, estes agentes reabriram o caso do assassino da caixa de fósforos.”

O sorriso do homem desapareceu. Riley pressentiu que aquela era a última notícia que quereria ouvir.

“Pensei que isso já estivesse esquecido,” Disse ele. “Depois de todos estes anos, calculei que o assassino já estivesse morto. Afinal de contas, ele não voltou a matar. Isso é muito raro em assassinos em série, não é? Pelo que sei, eles só param quando são apanhados ou mortos.”

Bill disse, “Na verdade, isso é um mito. Alguns assassinos em série param em definitivo.”

Riley acrescentou, “Pensamos que o assassino da caixa de fósforos possa ser esse tipo de assassino em série. E algo nos diz que ainda se encontra nesta região.”

“Um palpite, huh?” Disse Grinnell.

Agora a sua voz soava triste e soturna.

“Isso foi uma coisa horrível. Raios, um xerife de uma cidade como esta não está à espera de algo assim. A lei aqui baseia-se em verificar licenças de pesca, ver quem caça fora da época, aplicar multas de estacionamento e lidar com o bêbedo ocasional. Homicídio premeditado estava fora do meu alcance.”

Riley lembrou-se do que Jake dissera.

“Um homem impecável. Mas não um grande polícia.”

Agora ela entendia que Jake não tencionava ser crítico. O pobre homem estava simplesmente fora da sua área, a lidar com um caso horrível que até um agente experiente como Jake Crivaro tivera dificuldade em resolver.

Riley falou num tom meigo.

“Sr. Grinnell, esperamos revisitar alguns lugares e falar com algumas testemunhas aqui em Greybull. Onde fica o Patom Lounge, o lugar onde o assassino engatou Tilda Steen?”

Grinnell abanou a cabeça.

“Esse lugar fechou há anos. Converteu-se numa loja de aluguer de cassetes de vídeo até também fechar. O edifício agora está desocupado. O dono do bar deixou a região há anos e também o empregado de bar que estava de serviço nessa noite.”

Riley perguntou, “E o motel onde ocorreu o homicídio?”

“Foi destruído, agora é um parque de estacionamento. O dono que estava a trabalhar nessa noite na receção é Nolden Rich. Morreu há dois anos. Não, não há um rasto em pé em Greybull.”

Grinnell pensou por um momento.

“ Se querem verificar lugares e testemunhas, têm que ir a Brinkley. O McLaughlin’s Pub ainda lá está, apesar de não saber quem é o atual proprietário. Também a Baylord Inn ainda está de pé, o lugar onde a Melody Yanovich foi morta.”

O dedo de Grinnell desenhou um mapa invisível no tampo da mesa.

“Quererão ir a Denison também, do outro lado da Interestadual. Deixem-me que vos diga que aquela cidade já conheceu melhores dias. Mas como ninguém vai ou vem de lá, deverão encontrar tudo como naquele tempo. O motel onde o corpo foi encontrado já não existe, mas o bar onde a mulher foi engatada ainda existe.”

Acrescentou com um riso negro, “Quem sabe? Até poderão encontrar o Roger Duffy em Denison.”

Jake deu uma risada.

“Roger Duffy! Não pensava nele há anos!”

Riley não se lembrava daquele nome dos relatórios da polícia.

“Quem é ele?” Perguntou.

Jake disse, “Oh, só a menos confiável testemunha de toda a história da polícia. Estava a beber no Waveland Tap quando a Portia Quinn foi levada. Deu uma descrição bastante colorida do assassino. Disse que era um extraterrestre vindo do espaço.”

Grinnell abanou a cabeça com um sorriso.

“Da última vez que soube ainda parava no Waveland – e doido como sempre. Ainda assim, inofensivo.”

Grinnell pensou durante uns instantes e depois disse, “Ei, ainda têm aquele velho esboço?”

“Melhor do que isso,” Disse Riley. “Temos um esboço que pode mostrar o aspeto atual do assassino.”

Mostrou a imagem que tinha no tablet. Grinnell olhou para ela e abanou a cabeça.

“Mesmo assim não o reconheço. Mas outra pessoa poderá reconhecê-lo. Enviem-me por e-mail e eu imprimo-a. Coloco-a no quadro e distribuo-a como panfleto.

Riley e os companheiros concordaram que era uma boa ideia. Ela enviou-lhe a imagem de imediato.

Riley, Jake e Bill acabaram de comer. Agradeceram a Grinnell pelas omeletas e pelas informações. Ao saírem do restaurante, Riley virou-se e viu Grinnell a acenar da porta. Ainda sorria – mas já não era o mesmo sorriso afetuoso de quando tinham chegado.

Agora parecia triste e de alguma forma quebrado.

Era a mesma expressão que vira nos olhos de Gloria Corley na florista no dia anterior.

Ao entrar no carro com Jake e Bill, Riley sentiu uma pontada de pena por ter despertado as memórias tristes de Woody Grinnell e Gloria Corley.

Ela sabia que despoletaria as mesmas memórias noutras pessoas em breve.

Era a coisa certa a fazer?

Só se apanharmos o assassino, Pensou Riley.

Agora sentia que não tinham alternativa.


CAPÍTULO DEZASSEIS


Riley sentiu-se desanimada enquanto Bill conduzia até Brinkley. Ela, Jake e Bill estavam no encalço do caso antigo. Contudo, não esperava que Brinkley fosse a cidade onde pudessem desvendar algo.

Será esta a cidade certa? Interrogou-se.

Quase parecia impossível que Melody Yanovich ali tivesse sido assassinada há tantos anos atrás. Tudo era tão diferente da adormecida pequena Greybull. Em Brinkley era tudo agitado e novo com centros comerciais e complexos de apartamentos e edifícios de escritórios. Mesmo os edifícios mais antigos tinham sido remodelados e ostentavam novas e promissoras empresas.

Riley disse a Bill e Jake, “Não me parece ver aqui qualquer coisa com vinte cinco anos.”

Jake disse, “Pois, parece bem diferente de quando aqui estive pela última vez. Mas é uma cidade universitária, sabes. A Universidade de Brinkley era uma escola de mulheres antigamente e agora é mista e muito maior do que era. Brinkley está muito mudada. Cresceu em todas as direções. Mas não se preocupem, ainda existem vestígios desse antigo crime algures. Nós vamos encontra-los.”

Riley esperava que Jake tivesse razão. Mas nada do que via parecia muito encorajador. Nem o McLaughlin’s Pub. Também ele parecia ter sido ali estabelecido há pouco tempo.

Ainda assim, uma caixa de fósforos daquele pub tinha sido encontrado no corpo de Melody Yanovich – uma caixa de fósforos lembrança de um bom momento, mas depois deixada como sinal de fúria e remorso.

Riley e os seus companheiros entraram e olharam à sua volta. Tudo parecia brilhante e polido com enormes espelhos e mobília simples mas de bom gosto.

“Uau, este lugar está completamente diferente,” Disse Jake. “Mal reconheço o que quer que seja. Era bem mais pequeno, mas acrescentaram um bom pedaço. Isto era um bar de bairro – nada chique mas agradável. Agora é tanto restaurante como bar de alto nível.”

Riley olhou à sua volta. O lugar começava a encher para a hora do almoço. Todos os clientes e empregados pareciam extremamente jovens. O McLaughlin’s Pub tornara-se obviamente numa paragem para estudantes universitários abastados.

Riley e os seus companheiros foram até ao bar repleto de ecrãs de TV, alguns emitindo desportos e outros canais de notícias. Um homem jovem e alto de camisa branca e gravata preta limpava um par de óculos. Riley pensou que ele era demasiado bem-parecido, do tipo modelo.

“O que é que querem?” Perguntou o empregado com um sorriso perfeito.

Riley e Bill mostraram os seus distintivos e apresentaram-se, apresentando Jake de seguida.

“Eu chamo-me Terence Oster,” Disse o empregado. “Mas toda a gente me trata por Terry.”

Jake perguntou-lhe, “O dono ainda trabalha aqui – Bill McLaughlin?”

Terry abanou a cabeça.

“Eu nunca o conheci. Penso que ninguém o conheceu. Vendeu o pub há muito tempo. Ouvi dizer que morreu há alguns anos atrás.”

Riley mostrou o esboço no tablet.

“Lembra-se de ver este homem?” Perguntou.

Terry olhou atentamente para o esboço.

“Não, tenho a certeza que não.”

“Ele é procurado por ligação a um homicídio,” Disse Riley.

Quando Terry pareceu ficar alarmado, Bill acrescentou, “É um caso antigo, mas queremos descobri-lo se ainda andar por aí.”

“Se lhe enviar um e-mail pode imprimi-lo?” Perguntou Riley. “Colocá-lo num local onde as pessoas o possam ver? Talvez fazer cópias e passá-las?”

“Fico contente se puder ajudar de alguma forma,” Disse Terry.

Riley apontou o seu e-mail e enviou-lhe a imagem. Quando ela e os seus companheiros saíram do bar, Riley sentiu um tipo diferente de estranheza a rodeá-la. Noutros locais tivera que reavivar memórias tristes entre as pessoas que prefeririam esquecer os homicídios. Mas ali no McLaughlin’s era como entrar num mundo inocente onde os homicídios nunca tinham acontecido.

De qualquer das formas, sentiu-se uma intrusa indesejada a trazer escuridão às vidas das pessoas.

“Que fracasso,” Disse Riley ao caminharem na direção do carro.

“Vamos ter sorte,” Disse Jake. “Vais ver.”

Riley sabia que em muitos aspetos os instintos de Jake superavam os seus. Mesmo assim, ela começava a duvidar do seu otimismo.

Talvez os seus instintos estejam enferrujados, Pensou.

Entraram no carro e Bill perguntou, “Para onde vamos agora?”

“Vamos ver o motel,” Disse Riley.

Ao atravessarem a cidade a caminho do Baylord Inn, Riley foi surpreendida pela mudança da paisagem. O motel estava situado numa área florestal agradável. Havia uma casa principal de três andares que parecia ser do estilo B&B. Saíram do carro e subiram os degraus até um alpendre amplo com colunas de madeira brancas.

Na confortável entrada encontraram um casal idoso. O homem estava sentado a uma mesa a ler um jornal e a mulher estava de pé ao balcãp. Ambos olharam para o grupo que entrava. Eram gorduchos e alegres e cumprimentaram Riley e os seus companheiros com sorrisos sinceros.

Riley percebeu de imediato que eram um casal feliz há muitos anos. Provavelmente tinham filhos e netos, talvez até bisnetos. Sentiu uma pontada de inveja. Como seria ter uma relação feliz há tantos anos? Ela nem conseguia imaginar.

“Podemos ajudar-vos?” Perguntou a mulher.

Riley e Bill mostraram os distintivos e apresentaram-se. Os sorrisos do casal desvaneceram-se um pouco.

“São os donos?” Perguntou Riley.

“Somos,” Disse o homem com um encantador sotaque do sul. “Chamo-me Ronald Baylord e esta é a minha mulher Donna.”

Riley engoliu e seco ao preparar-se para explicar o objetivo da sua visita. Ficou aliviada quando Jake se adiantou.

“Não sei se se recordam de mim,” Disse ele. “Chamo-me Jake Crivaro e fui agente da UAC há uns anos atrás.”

Os olhos de Ronald Baylord dilataram-se.

“Sim, penso que me lembro de si. Veio até cá quando...”

A sua voz sumiu-se. Riley conseguiu ver que ele entendera tudo.

“Estamos a investigar um homicídio que ocorreu há muitos anos atrás,” Disse Riley.

O casal já não sorria.

“Oh meu Deus,” Disse Ronald.

“Pensávamos que já era passado,” Disse Donna. “A polícia e vocês vieram cá muitas vezes nessa altura a perguntar todo o tipo de coisas.”

Riley agora sentia mesmo pena. Mas não havia nada a dizer que pudesse tornar as coisas mais fáceis. Mostrou-lhes o esboço.

“Pensamos que o suspeito terá esta aparência agora,” Disse ela. “Reconhecem-no?”

“Não,” Disse Donna. “Tenho a certeza.”

“Eu também não,” Disse Ronald. “Se víssemos novamente o homem que veio cá naquela noite, tenho a certeza de que o reconhecíamos. Não tinha nada de especial. Chegou sozinho e pagou em dinheiro. Não vimos a pobre mulher até a descobrirmos...”

A sua voz vacilou novamente.

Riley disse, “Será que podíamos ver o quarto onde ocorreu o crime.”

“Claro.” Disse o homem.

A mulher pegou numa chave atrás do balcão e entregou-a a Riley.

“É a cabana três. Dão logo com ela se seguirem o caminho.”

Riley agradeceu ao casal e ela e os seus companheiros saíram da casa. Ao dirigirem-se pelo caminho entre as árvores, Riley ficou mais uma vez espantada com a diferença deste lugar em relação ao que tinham visto de Brinkley.

Como se estivesse congelado no tempo, Pensou.

Sentiu um arrepio familiar – o tipo de sensação que tinha quando estava prestes a sentir a forma como um crime tinha acontecido.

O Jake tinha razão, Percebeu.

Ainda havia vestígios do crime ali em Brinkley.

Na verdade, era mais do que um vestígio.

Começava a parecer uma realidade palpável.


CAPÍTULO DEZASSETE


Ao caminhar para a cabana com Bill e Jake, Riley sentiu um arrepio percorrer-lhe a espinha. Estava ligado com um flash de déjà vu.

No dia anterior ao telefone com Jake ela tentara visualizar o homicídio de Melody Yanovich do ponto de vista do assassino, mas as suas impressões na altura haviam sido incompletas e possivelmente inexatas.

Agora ia tentar novamente – aqui onde tudo tinha acontecido.

E com Jake ali para a ajudar, as suas impressões seriam muito mais fiáveis, muito mais vívidas.

E muito mais assustadoras, Pensou.

Com Jake e Bill atrás dela, Riley rodou a chave na fechadura e abriu a porta. Ligou a luz e entrou no quarto. Jake ficou perto dela enquanto Bill permaneceu na entrada.

Riley observou que o quarto era limpo e alegre com cortinas elegantes, mobília de aspeto antigo, impressões Japonesas nas paredes e uma grande cama.

“Qual é a primeira coisa em que ele repara?” Perguntou Jake.

“Repara na luminosidade do quarto com a luz ligada,” Disse Riley.

“Como é que ele se sente em relação a isso?” Perguntou Jake.

Riley fez uma pausa.

“Desconfortável. De alguma forma, inseguro. Ele tem medo da luz em alturas como esta. Revela demasiado. Ele sabe que é uma loucura, mas tem medo que ela veja o seu interior.”

“Medo que ela veja o coração de um assassino?” Questionou Jake.

As mãos de Riley esfriaram e as palmas ficaram húmidas.

“Não. Ele nunca matou ninguém. Ele nunca imaginou sequer matar alguém. Tem medo que ela veja a sua incerteza, a sua insegurança. Ele sente que todo o seu corpo emite ondas gélidas de dúvida, uma aura visível.”

Uma cómoda com gavetas chamou-lhe a atenção. Lá viu um bloco de papel contendo o logótipo do motel.

“Ele pega numa folha de papel,” Disse ela, executando a mesma ação. “Coloca-a no seu bolso juntamente com a caixa de fósforos que pegou no bar.”

“Uma lembrança?” Perguntou Jake.

Riley parou.

Ela recordava-se de seguir estes passos com Jake ao telefone. Nessa altura calculou que o assassino tinha pegado ambos os objetos como lembranças.

Mas agora estava a ter uma impressão diferente.

“Talvez parcialmente como lembrança,” Disse ela. “Mas será sobretudo um gesto nervoso. Uma distração da sua insegurança.”

Depois Riley lembrou-se que o homem não tinha estado sozinho naquele quarto.

Também havia a rapariga, Melody Yanovich.

Melody era uma caloira da universidade.

Riley disse, “Ele repara como a rapariga está nervosa – mas também ansiosa. No final de contas, ela está longe de casa pela primeira vez na vida. E esta é a sua primeira aventura a sério no mundo. A sua ânsia deixa-o desconfortável. As expetativas dela são altas. Ele não sabe se as consegue preencher.”

“Quem toma a iniciativa quando estão juntos no quarto?” Pergunta Jake.

Durante um momento, Riley não tem a certeza.

O homem agarrou nela e beijou-a?

Não, Pensou. Ele está demasiado abalado e inseguro.

“Ela toma a iniciativa,” Disse Riley. “Ela está nervosa e excitada e com pressa de começar. Abraça-o e beija-o. É um beijo desajeitado que o apanha desprevenido. Ela afasta-se e ri-se. Estará ela a rir-se dele? Ele não tem a certeza?”

Riley tentou descontrair, respirar mais lentamente. Mas não conseguiu. Isso era bom. Ela não estava apenas a ver as coisas sob o ponto de vista do assassino. Ela estava a sentir de forma visceral a sua experiência.

“O que é que ela faz de seguida?” Pergunta Jake.

Riley fez nova pausa. Quando relatou o cenário a Jake ao telefone, ela tinha a certeza de que a rapariga tinha ido logo para a casa de banho para se despir e depois voltara com uma toalha enrolada à sua volta.

Mas agora Riley estava no quarto e os acontecimentos decorriam de forma diferente na sua mente.

Lembrou-se de algo presente no relatório da polícia.

Quando as roupas da rapariga foram encontradas enterradas junto ao corpo, tinha desaparecido um botão da sua camisa. O botão aparecera no chão mesmo ao lado da cama.

Riley sentou-se na cama.

Ela puxa-o para a cama. Ela passa a mão pelo lençol fresco e limpo.

“A rapariga vai para debaixo dos cobertores, ainda a rir. Ele também vai para debaixo dos cobertores. Mas o lençol está frio. Ele e a rapariga tateiam-se mas o corpo dela está frio e as mãos também, e tudo está...”

Riley engoliu em seco face ao terror que começava a apoderar-se dela.

“Tudo está errado, nada está certo. Ele... não consegue. Pede desculpa. Está envergonhado.”

Riley tenta imaginar a reação da rapariga à impotência do assassino.

Será que lhe diz que não há problema, que sabe que pode acontecer e que talvez pudessem esperar alguns minutos e tentar novamente?

Não, ela é demasiado jovem e inexperiente.

Ela não sabe como reagir.

Limita-se a ficar ali a olhar para ele.

Riley diz, “Ele pensa – porque é que ela não faz ou diz algo útil? <será que não compreende como aquilo lhe é doloroso? Não quer saber dos seus sentimentos? Não, não quer saber e ele fica chocado com a sua superficialidade e egocentrismo, e de repente já não está frio, o seu corpo arde de raiva e sem sequer pensar no que está a fazer...”

Riley não foi capaz de verbalizar o que se seguiu.

Mas conseguiu sentir os dedos do homem a enterrarem-se na garganta da rapariga.

Conseguiu ver os olhos salientes da rapariga, ouvir os estranhos sons que a sua boca produzia.

Conseguiu sentir a vida da rapariga a desvanecer.

“Em poucos minutos acabou,” Disse Riley.”Ela está deitada com os olhos abertos. Já não respira. Ele não acredita no que acabou de acontecer. Ele quer pensar que é um pesadelo do qual acordará a qualquer momento. Mas a verdade horrível cerca-o como um nevoeiro negro.”

Jake anuiu e disse, “Ele sabe que matou um ser humano.”

Riley sentia-se um pouco tonta.

Agora está à beira das lágrimas.

“Ele pensa não, não, não, isto é impossível! Aquele não é ele, ele não é um assassino, de certeza que pode resolver as coisas, mas como?”

Ela fechou os olhos e a cena tornou-se ainda mais vívida. Ela era o assassino, sentado direito na cama, olhando para o cadáver nu.

“Ele tenta reanimá-la?” Pergunta Jake.

“Riley luta para manter o seu pânico sob controlo.

“Ele pensa que devia, mas não sabe como o fazer. Lembra-se de qualquer coisa, de pressionar o peito com ambas as mãos. Tenta uma ou duas vezes.”

Riley conseguiu sentir o esterno da mulher a estalar debaixo dos braços do assassino.

“Mas depois para e pensa. E se a reanimar? O que acontece depois? Ela chamaria a polícia. Diria o que ele lhe fizera.”

“Por isso não a pode deixar viver,” Disse Jake.

“Não,” Disse Riley. “Não agora.”

Riley prosseguiu o seu fluxo de consciência – ou antes o fluxo de consciência do assassino.

“Ele tem que se livrar do corpo. Não sabe onde, mas isso ainda não importa. Veste-se desajeitadamente e ao fazê-lo...”

Riley colocou a mão no seu próprio bolso onde pusera o pedaço de papel.

“A primeira coisa em que pensa é na caixa de fósforos e no pedaço de papel. Como lhe parecem diferentes agora! São como tangíveis peças de culpa e auto-aversão. Ele sabe que as deixará com o corpo. Talvez alguém os encontre. Talvez alguém o encontre.”

Riley penetrou na mente do assassino o até onde precisava – até onde se atrevia.

Abriu os olhos e quase caiu em cima da cama.

Sentiu a mão reconfortante de Jake no seu ombro.

“Bom trabalho,” Disse ele. “Agora já o tens. É teu. No fim vais apanhá-lo.”

Riley recompôs-se e ela e os companheiros saíram da cabana.

“Às vezes assustas-me,” Disse Bill ao dirigirem-se para a casa principal.

Às vezes assusto-me a mim própria, Pensou Riley.

Mas ela sabia que tinha que saber mais se queriam apanhar o assassino.


CAPÍTULO DEZOITO


A próxima paragem para Riley, Bill e Jake era a cidade de Denison. E Riley foi a conduzir. Sentiu-se cheia de energia depois da experiência no Baylord Inn.

O Jake tem razão, Pensou. Este assassino agora é meu.

E ela ia apanhá-lo e fazê-lo pagar pelos seus crimes.

Ou talvez não.

Como podia ter a certeza?

Um caso tão antigo apresentava desafios a que Riley não estava habituada. Felizmente, a mente do assassino ainda parecia estar acessível depois de tantos anos. Se não se estivesse a enganar. Continuaria até descobrir a verdade total.

De qualquer das formas, ela e os seus colegas não iam resolver o caso naquele dia. Já era tarde e ainda tinham que regressar a Quantico após a visita a Denison.

Enquanto Riley condizia, Bill e Jake contavam histórias de velhos casos um ao outro.

Depois de uma pausa na conversa, Bill disse a Jake, “Ei, o meu filho mais velho Kevin tem uma prova de natação amanhã. Queres vir?”

“Claro!” Disse Jake.

Riley achou estranho ouvi-los a fazer planos para o fim-de-semana. Quando fora a última vez que tivera a oportunidade de fazer aquilo com a sua equipa? Geralmente havia um sentido de urgência, uma ameaça de desastre iminente no ar, a possibilidade de ocorrer um crime a qualquer momento.

Mas não desta vez.

Não com um caso que quase fora esquecido.

Riley estava a ter dificuldades em adaptar-se a esta situação fora do normal.

Interrompendo os pensamentos de Riley, Bill disse, “E tu, Riley? Queres juntar-te a nós amanhã?”

Riley hesitou, depois disse, “Obrigada, mas não desta vez. Divirtam-se.”

Ela sabia que a sua cabeça não estaria na prova de natação. Algo estaria a atormenta-la – a misteriosa promessa de Shane Hatcher de a ajudar a encontrar o assassino da mãe.

Ela lembrava-se da sua mensagem críptica.

“Nega teu pai e recusa o seu nome.”

O que significaria?

Teria um significado importante?

Ela tentou esquecer aquilo.

Mantém a cabeça concentrada no teu trabalho, Disse a si própria.

No final de contas, teria todo um fim-de-semana para tentar perceber o enigma de Shane Hatcher.

Ao chegarem a Denison, Riley pressentiu que esta seria uma cidade muito diferente das outras. Denison ficava a oitenta quilómetros da interestadual. O campo era menos luxuriante do que em torno de Greybull ou Brinkley – e positivamente pobre em comparação com os arredores de Glidden.

Esta impressão tornou-se mais forte quando atravessou a cidade. Greybull parecia suspensa no tempo e Brinkley era surpreendentemente moderna. Por contraste, Denison parecia tristemente abandonada. Tudo parecia desalinhado – edifícios, epresas e casas maltratadas e quase em ruínas.

Passou pelo Cozy Rest Motel onde Portia Quinn tinha sido assassinada. Riley viu que estava fechado. Soubera que o dono do motel morrera há muito tempo. Esse vestígio estava definitivamente apagado.

Seria igual em toda a cidade de Denison?

Esperava que não.

Entretanto chegaram ao seu destino – o Waveland Tap, o local onde o assassino tinha engatado a sua segunda vítima. Ao estacionarem no parque de estacionamento, Riley viu que o lugar parecia especialmente arruinado. Durante um momento, receou que estivesse fechado como tantas outras empresas locais. Mas depois viu o brilho desmaiado de um sinal de néon através da janela fronteira suja.

Riley, Bill e Jake saíram do carro e entraram. Riley viu que o que outrora fora um bar próspero da classe trabalhadora era agora nada mais do que um lugar escuro e soturno. Apenas alguns clientes se encontravam sentados às mesas e no bar.

Um velho empregado de bar de aspeto descarnado limpava apaticamente o balcão com um pano. Olhou para os visitantes. Riley e Bill mostraram-lhe os distintivos e apresentaram-se bem como Jake.

“FBI, huh?” Disse o homem num tom aborrecido. “Bem, eu chamo-me Pete Burridge e sou dono deste bar.”

Depois olhou para Jake e disse, “Ei, não nos conhecemos? Sim, esteve aqui há muitos anos quando aquela rapariga foi morta – o seu nome era Portia Quinn. Sempre apanharam o assassino?”

“Não,” Disse Jake. “É por isso que estamos aqui.”

Pete Burridge riu dolentemente.

“Estão a demorar muito tempo,” Disse ele. “Seria de esperar que já tivessem desistido. Não têm casos mais recentes para resolver? Pelo que sei são assassinadas pessoas todos os dias.”

Riley ficou um pouco alarmada com a sua atitude. Pete não estava chocado, triste ou consternado com o despertar da antiga tragédia – não como as outras pessoas com quem tinham falado. Pete simplesmente parecia não se importar.

Riley mostrou-lhe o esboço.

“Pensamos que o assassino terá agora este aspeto,” Disse ela. “Reconhece-o?”

“Não, nunca o vi. Na verdade, vocês são os primeiros estranhos que aqui entram em muito tempo.”

Quando Bill começou a fazer perguntas de rotina a Pete, Riley virou a sua atenção para o que a rodeava.

Conseguiria sentir o assassino ali?

Sentou-se numa cadeira do bar, imaginando que era ele.

Ele estava sentado al lado de Portia Quinn, uma mulher local de vinte anos que trabalhava numa loja de roupas.

Tentava a mesma linha de engate que utilizara com Melody Yanovich em Brinkley.

Ela sorriu-lhe – um sinal encorajador.

Planeia matá-la? Pensou.

Não. Riley pressentiu que ele se arrependia do que sucedera da última vez. Aquilo assombrava-o e perturbava-o. Ele espera sinceramente que desta vez tudo corresse bem.

Os olhos de Riley pousaram num cinzeiro repleto de caixas de fósforos com o logótipo do bar.

Parecia inquietante vê-lo ali depois de tantos anos.

Tal como o assassino fizera naquela fatídica noite, também ela pegou numa caixa de fósforos e a colocou no bolso.

Mas antes de aprofundar o seu devaneio, ouviu um homem gritar.

“Pete, estás a falar com quem?”

Jake olhou para o homem.

“Ei, aquele é o Roger?” Perguntou a Pete.

“É.”

“Uau,” Disse Jake. “Nunca pensei vê-lo novamente. Estou surpreendido que ainda ande por aí.”

O dono do bar riu-se.

“Oh, não há nada que mate o velho Roger. Mas quando o ouvem falar, parece que todo o mundo conspira contra ele. Sobretudo o governo.”

O homem voltou a gritar a Pete.

“São os Federais, não é? Esse não é o Jake qualquer coisa? Nunca pensei ver outra vez esse filho da mãe. Diz-lhes a todos para se porem a andar daqui. Já me dão muito que fazer não aparecendo por aqui.”

“Ignorem-no,” Disse Pete.

Jake riu.

Riley lembrou-se vagamente...

Roger – onde é que eu ouvi este nome?

Depois lembrou-se – o ex-xerife de Greybull mencionara alguém chamado Roger Duffy.

Riley encaminhou-se para o lugar onde o homem estava sentado.

“Ei, onde vais Riley?” Disse Jake. “Eu lembro-me desse tipo. É completamente doido.”

Talvez seja, Pensou Riley.

Mas ela tinha um palpite que deveria descobrir por si própria.

Ao aproximar-se do homem, viu um copo de cerveja meio vazio e uma fila de copos de shot vazios à sua frente. Parecia muito velho e muito doente, com dedos reveladores de reumatismo ou gota ou ambos.

Riley sentou-se à sua frente. Estremeceu perante o fedor a álcool e o odor corporal do homem. Para além de ser bêbedo e louco, parecia que Roger raramente tomava banho.

Riley mostrou-lhe o distintivo.

“Sou a Agente Especial Riley Paige do FBI,” Disse ela. “Presumo que seja Roger Duffy.”

“Deixe-me em paz,” Grunhiu o homem.

“Tem alguma coisa em mente, Roger?” Perguntou Riley numa voz agradável.

Roger Duffy respondeu rosnando.

“Talvez me devesse contar. Vocês têm monitorizado os meus pensamentos há anos. Vocês devem saber melhor do que aquilo em que estou a pensar.”

“Não conseguimos ler a sua mente Roger,” Disse Riley.

O homem deu uma risada e levantou o copo de cerveja.

“Não? Bem, a bebedeira deve estar a resultar. É por isso que continuo a beber – para que as minhas ondas cerebrais não sejam de fácil leitura.”

Ele apontou para a cabeça.

“Não têm nada que cá estar,” Disse ele. “Desapareçam daqui.”

Riley estudou o rosto torturado do homem. Ela não tinha dúvidas de que se tratava de um esquizofrénico paranoico. Podia estar a tomar medicação, mas possivelmente não adiantava grande coisa, não com tanto álcool no sistema.

Riley estudou o seu rosto extenuado cuidadosamente.

Ela lembrava-se do que Jake dissera a seu respeito há pouco:

“Uma das testemunhas menos fiáveis de toda a história da polícia.”

Jake também dissera que a sua descrição do assassino haviam sido “bastante coloridas”.

Agora que se sentara à sua frente, Riley teve curiosidade em saber o que ele tinha visto – ou pensado que tinha visto.

Ela disse, “Roger, há vinte e cinco anos disse que viu o homem que matou Portia Quinn.”

“Diga-me alguma coisa que não sei.”

“Isso é o que eu espero de si,” Disse Riley.

Pegou no esboço do suspeito e mostrou-o a Roger.

“Pensamos que o aspeto atual do assassino possa ser este,” Disse ela.

Roger estremeceu e virou a cara.

“Não quero ver,” Disse ele.

“Porque não?”

“Para começar, ele não se parecia assim. Para começar...”

A voz de Roger desvaneceu-se. Mas Riley percebeu o que ele deixara por dizer. O homem tinha-o assustado profundamente.

“Diga-me o que viu,” Disse Riley.

“Já sabem isso,” Disse Roger, ainda de rosto voltado.

Na verdade, Riley não sabia – pelo menos não muito. A descrição de Roger parecia demasiado bizarra para constar de um registo oficial.

“Diga-me mesmo assim,” Disse Riley.

Roger virou-se lentamente na direção do bar e apontou.

“Ele estava sentado ali, ali onde estava há poucos minutos a conversar com Portia. Depois veio na minha direção. Olhou para mim. Os seus olhos não eram humanos. Uma luz azul emanava deles.”

Não há dúvida que parece louco, Pensou Riley.

Mas ela tentou não se deixar arrebatar pelo seu ceticismo.

Ela disse, “As outras testemunhas disseram que os seus olhos eram escuros como o seu cabelo – cor de avelã.”

“Pois, bem, eles não o viram como eu. Ele olhou diretamente para dentro de mim. Eu não consegui desviar o olhar. Eu sei o que vi. Depois foi à casa de banho. Eu fiquei aqui sentado com demasiado medo para me mexer. Por fim, ele saiu e olhou novamente para mim. Desta vez os olhos estavam normais – escuros como toda a gente disse. Depois voltou para o bar e levou Portia.”

Roger debruçou-se sobre a mesa.

“Aqueles olhos negros – era apenas um disfarce. Eu vi quem ele realmente era. E digo-lhe – ele não era deste mundo.”

Soltou um riso cínico.

“Mas porque é que lhe estou a contar estas coisas? Já sabe tudo. Não, isto é tudo o que lhe digo.”

Engoliu mais um gole de cerveja.

Naquele momento, Riley ouviu a voz de Bill.

“Vem Riley. Penso que já terminámos por aqui.”

Bill e Jake encaminharam-se para a saída.

Riley hesitou, ainda tentando compreender o que Roger tinha dito.

Era obviamente uma loucura.

Mas também tinha sido completamente sincero.

Pegou no seu cartão e colocou-o em cima da mesa.

“Se se lembrar de alguma coisa, gostaria que...”

“Huh-uh,” Interrompeu ele, com um aceno zangado da mão. “Já disse o que tinha a dizer. Não vai ouvir mais uma palavra minha. Se quiser descobrir mais alguma coisa, continuem a usar as vossas malditas ondas de rádio. Mas farei tudo o que estiver ao meu alcance para despistar o sinal.”

Riley sabia que não podia fazer mais nada.

Levantou-se da mesa e seguiu Bill e Jake.

“Que fracasso,” Disse Bill. “O dono tinha boas intenções mas não nos deu nada de útil. É altura de regressarmos a Quantico.”

Com um riso, Jake disse a Riley, “Parece-me que ficaste a conhecer o velho Roger.”

“Pois,” Disse Riley.

“Que história louca, não é?”

Riley não respondeu. A verdade era que ela tinha um palpite estranho. Não sabia porquê, mas o seu instinto dizia-lhe que havia um fundo de verdade no que Roger Duffy lhe contara.


CAPÍTULO DEZANOVE


Já escurecera quando Riley regressou a casa e sentia-se claramente desconfortável. Quase desejava não ter o fim-de-semana de folga. Com tempo livre, tinha a certeza que não pararia de pensar no enigma de Shane Hatcher e ainda não fazia ideia do que pensar da fala shakespeariana que ele lhe enviara.

O mais certo era não conseguir resolver nada. Isso seria o pior cenário possível.

Estava melhor a trabalhar, Pensou.

Quando abriu a porta de casa e entrou, a primeira coisa que viu foi April a correr na sua direção saltitando. Os olhos da filha demonstravam alarme.

“Mãe! Oh meu Deus! Estás em casa! Pensava que nunca mais chegavas!”

Riley ficou assustada. Ocorrera alguma catástrofe na sua ausência?

“O que é que se passa?” Perguntou.

“Estás atrasada!”

“Atrasada para quê?”

April gritou, esbracejando.

“Jantar!”

Durante um momento, Riley não soube de que é que a filha falava. Ela sabia que estava atrasada para o jantar, mas a Gabriela já o teria dado às miúdas. Riley tinha planeado preparar apenas uma sanduíche para si. Estava ansiosa por entrar na banheira de água quente e ir para a cama cedo.

Foi então que certas palavras lhe atravessaram o pensamento...

“Pego-te às oito se te der jeito,” Dissera ele.

Blaine! Ele telefonara no dia anterior e depois de conversarem durante algum tempo, tinham decidido saírem juntos para jantar; não o jantar familiar de que tinham falado anteriormente, mas um jantar entre os dois.

Riley olhou para o relógio. Eram 19:45.

“Oh meu Deus!” Disse ela.

“Não me digas que te esqueceste,” Disse April, andando de um lado para o outro agitadamente. “Há mais de meia hora que te tenho enviado mensagens.”

Riley estava cansada e não estava à espera de chamadas.

“Estava a conduzir. O meu telemóvel estava desligado.”

“Então o que é que vais fazer?”

Riley sentiu uma pontada de pânico.

“Não consigo estar pronta a tempo,” Disse ela.

“Bem, também não podes cancelar,” Disse April. “Não em cima da hora.”

Riley pegou no seu telemóvel. Viu as mensagens ansiosas que April lhe enviara. Depois enviou um SMS a Blaine.

Desculpa. Acabei de chegar a casa. Dás-me meia hora?

Esperou alguns segundos. Depois recebeu uma resposta...

OK.

April saltitava à sua volta, olhando para o telemóvel.

“Parece zangado,” Disse April.

“Não parece nada. Ele só disse OK. Vai correr tudo bem.”

April recuou e olhou para a mãe de alto a baixo.

“Não, não vai correr tudo bem,” Disse April. “Estás com um aspeto horrível. Tens o aspeto de alguém que esteve na estrada todo o dia.”

“Eu estive na estrada o dia todo.”

April agarrou-a pela mão.

“Vem,” Disse ela. “Vamos ver se conseguimos desencantar algum milagre. Temos que ser rápidas.”

Enquanto April a arrastava pelas escadas acima, Riley reparou que Jily estava sentada na sala de estar.

“Olá Jilly,” Disse Riley. “Como correu o teu dia?”

Jilly não respondeu. Limitou-se a cruzar os braços e a olhar para Riley.

Enquanto subia as escadas, Riley sussurrou a April.

“Acho que a Jilly não está muito feliz com o meu encontro.”

“Pois, eu sei,” Disse April. “Tenho tentado dizer-lhe que o Blaine é impecável. Mas há mais uma coisa que a está a incomodar. Ela tentou ligar ao pai várias vezes e ele não lhe devolve a chamada.”

Riley sentiu uma picada de fúria.

Aquele filho da mãe! Pensou.

Mas percebeu que não devia estar chocada. Ryan estava apenas a ser ele próprio. Ela só desejava que ele não tivesse dado esperanças a Jilly ao ressurgir daquela forma nas suas vidas. A April podia estar desiludida, mas já estava acostumada à irregularidade do pai. Jilly, desesperada por uma figura parental, ligara-se de forma irreversível a Ryan.

April apressou Riley na direção do quarto.

“Vai-te lavar,” Disse April. “Eu encontro alguma coisa para usares.”

Riley foi para a casa de banho, tirou a roupa e entrou no chuveiro. A água quente lembrou-lhe que lhe doía o corpo de tanto viajar. A água sabia bem, mas não tinha tempo para dela desfrutar.

Saiu do chuveiro e começou a secar o cabelo. Olhou-se ao espelho, recordando-se do que April dissera.

“Parece que andaste na estrada o dia todo.”

Seria capaz de resolver isso em menos de meia hora?

Riley saiu da casa de banho e viu que April tinha espalhado três vestidos em cima da cama. Por um momento Riley pensou na última vez que tinha usado um vestido. Depois lembrou-se que fora num funeral no mês passado. Os vestidos não eram a roupa ideal para perseguir assassinos.

Franziu o sobrolho perante a seleção de vestuário. Todos pareciam demasiado decotados ou curtos para aquela noite.

“Não sei,” Disse ela.

“Mã-ãe! Não tens tempo para esquisitices.”

Riley ignorou April e foi até ao armário. Tirou de lá um vwstido preto básico com mangas.

“E que tal este?” Perguntou.

“Mãe, esse parece matronal. Este é o teu primeiro encontro a sério com ele. Tens que parecer sexy.”

“Não quero parecer uma vamp.”

“Bem, o melhor é não pareceres chata.”

Riley vasculhou mais um pouco no armário. Ela sabia que o restaurante de Blaine era um lugar agradável. Os clientes usavam roupa desde casual a chique. Será que ela conseguiria encontrar qualquer coisa intermédia?

April começou também a vasculhar o armário até encontrar outro vestido.

“Este é perfeito,” Disse April.

“É vermelho,” Disse Riley.

“Bem, vermelho escuro. Não dá tanto nas vistas.”

April entregou o vestido a Riley. Ela olhou para ele. Não era mau de todo. O decote não era demasiado pronunciado e sabia que aquelas linhas simples lhe ficariam bem.

“OK, vamos com este,” Disse a April. “Agora sai daqui. Posso continuar sozinha.”

April olhou para o relógio.

“Tens quinze minutos,” Disse ela. “Vê lá.”

“Já disse para saíres!”

April saiu do quarto. Riley vestiu o vestido vermelho e calçou sapatos de salto alto. Olhou-se ao espelho, surpreendida com o que viu.

Tinha um aspeto bastante atraente.

Por um segundo, não parecia real, como se estivesse a usar um disfarce.

Quem suporia que ela era uma agente do FBI?

Esta sou eu? Perguntou a si mesma.

Decidiu que era uma versão do seu verdadeiro eu – uma versão que ela não avistava há muito tempo. Talvez fosse altura de se reconhecer mais vezes na mulher que via agora no espelho.

Saiu do quarto. April estava à sua espera no fundo das escadas.

“Despacha-te!” Disse April. “O Blaine acabou de parar o carro.”

April ajudou Riley a vestir o seu melhor casaco. Quando Riley saiu de casa, Blaine saiu do carro. A sorrir, deu a volta e abriu a porta do passageiro para Riley entrar.

Interrogou-se – há quanto tempo um homem não executava aquele gesto para ela?

Há muito tempo, Pensou.

Era uma sensação estranha. Pensou se se conseguiria habituar a ela.

Mas quando entrou no carro, a mensagem de Hatcher atravessou-lhe a mente outra vez.

“Nega teu pai e recusa o seu nome.”

Riley suspirou. Não conseguia deixar de pensar no significado do enigma. Será que conseguiria desfrutar aquele encontro?


CAPÍTULO VINTE


Durante o jantar com Riley, foi difícil para Blaine ignorar as imagens que lhe passavam pela cabeça. Riley parecia estar a divertir-se e ele gostava de estar com ela novamente.

Mas não conseguia deixar de pensar em tempos mais obscuros.

Ainda sentia dor nas costelas que se tinham partido naquele horrível dia em Janeiro quando tentara impedir que um monstro matasse a filha de Riley. Depois lembrou-se de outro dia terrível quando Riley salvara a sua filha da fúria da sua ex-mulher- Phoebe tinha ido a sua casa bêbeda quando ele não estava em casa, mas Riley interferira e impedira Phoebe de atacar Crystal.

Ele achava que Riley atraía o perigo, mas também lidava bem com ele. Melhor do que ele, com toda a certeza. E ele nunca esperara namorar uma agente do FBI, sobretudo alguém como ela. Contudo, considerava a sua força e genuinidade empolgantes. É claro que também era bonita e com aquele vestido vermelho, estava deslumbrante.

Blaine ficou feliz por ver que Riley se estava a divertir, sorridente e alegre, e elogiando o seu salmão grelhado.

Blaine também se lembrou de um momento agridoce ocorrido há meses em que ele e Riley tinham conversado sobre as atribulações da parentalidade – e durante uns magníficos segundos, Riley pegara-lhe na mão e apertara-a na sua. Essa era uma boa memória.

Mais do que uma vez se tinham sentido atraídos um pelo outro. Os acontecimentos e questões familiares tinham-nos separado, mas será que essa centelha ainda existia?

Iria descobrir isso esta noite?

Naquele momento estavam a terminar a sobremesa – cheesecake de framboesa preparado na cozinha do Blaine’s Grill. Riley estava a falar-lhe do caso antigo em que estava a trabalhar. Apesar das memórias que o distraíam, Blaine sentia-se fascinado pela forma como Riley se dedicava a homicídios que tinham ocorrido há vinte e cinco anos atrás.

Brilhantismo – era outro atributo que Blaine descobrira gostar muito.

“Em quantos casos não resolvidos já trabalhaste?” Perguntou ele.

“Este é o meu primeiro,” Disse Riley.

“Como te sentes? Em comparação com os outros casos, quero dizer.”

Riley ficou a pensar na pergunta.

“Sinto-me – estranha. Quando começámos, não consegui afastar um sentimento de futilidade. Tudo parecia tão distante, difícil de apreender. As provas pareciam obsoletas, como se já não importasse muito. Mas passado pouco tempo...”

Blaine reparou que Riley estremeceu um pouco.

“Parece que tudo aconteceu ontem. Como se não fosse um caso antigo. É tão urgente como qualquer caso recente.”

Encolheu os ombros e acrescentou, “Justiça é justiça, parece-me. E mais vale tarde do que nunca.”

Blaine percebeu o quanto lhe fazia falta tê-la como vizinha.

Riley comeu outro pedaço de cheesecake e suspirou afirmativamente.

“Este é o melhor cheesecake que já comi. E framboesa – a minha preferida!”

Blaine conteve um riso.

Sim, eu sei, Quis ele dizer.

Talvez mais tarde lhe pudesse dizer como sabia.

Dependia de como as coisas corressem a partir dali.

Quando acabaram de comer, Riley disse, “Obrigada Blaine. Diverti-me muito.”

“Oh, mas a noite ainda não acabou,” Disse Blaine.

Riley olhou para ele com uma expressão dúbia.

Oh não, Pensou ele. Ela pensa que me estou a atirar a ela aqui e agora.

Ele fizera planos de uma outra natureza.

E agora sentia-se tremendamente nervoso em relação ao que planeara.

“Vamos dar uma volta?” Perguntou ele.

E se ela disser não?

“Seria ótimo,” Disse Riley.

Ele ajudou-a a vestir o casaco e saíram do restaurante.

Era uma noite de Março fresca com uma agradável promessa de primavera no ar. A área à volta do restaurante de Blaine era agradável, uma zona cultural restaurada. Alguns expositores temporários estavam montados e havia materiais espalhados para montar muitas mais.

Blaine explicou enquanto caminhavam, “Amanhã vai decorrer uma grande feira de artes e artesanato aqui.”

“Ah, sim, li sobre isso,” Disse Riley. “Parece que vai ser maravilhoso.”

“Sim, haverá muitas pessoas e música. Vem, deixa-me mostrar-te uma coisa.”

Enquanto Blaine levava Riley em direção a um edifício em particular, ele ficou satisfeito por ouvir música vinda lá de dentro. Ele esperava isso, por isso tudo corria conforme o previsto.

Levou-a até ao interior do edifício onde uma grande entrada fora decorada com flores coloridas e árvores para dar as boas-vindas à primavera. Uma banda encontrava-se numa plataforma a ensaiar para o dia seguinte.

Quando o líder do grupo viu Blaine e Riley, sorriu e acenou.

Blaine piscou-lhe o olho.

Depois a banda começou a tocar uma música antiga – “One More Night” de Phil Collins.

Riley ficou deliciada.

“Mas é a minha música preferida!” Disse ela.

“Eu sei,” Disse Blaine. “Pedi ao meu amigo Mickey para a tocar esta noite.”

Riley olhou para ele surpreendida.

“Sabes? Como?”

“Da mesma forma que sabia que a tua sobremesa preferida era cheesecake de framboesa.”

Riley olhou para ele durante um momento, tentando apanhar o significado daquilo.

Depois revirou os olhos, riu e disse, “Oh, não!”

Naquela tarde, April ligara a Blaine para se assegurar que ele sabia tudo o que era necessário para se encontrar com a mãe. Ele perguntara a April qual era a sobremesa e música favorita de Riley. April ficara entusiasmada por lhe dar essa informação e muito mais.

Ainda a rir, Riley disse, “Vou ter que ter uma conversinha com aquela menina na primeira oportunidade.”

“Não sejas dura com ela,” Disse Blaine. “Estava apenas a fazer o que lhe competia.”

“Coscuvilhar sobre as coisas preferidas da mãe?”

“Precisamente.”

Riley olhou para ele por um momento. Depois com um brilho endiabrado nos olhos, disse, “Concede-me esta dança?”

Blaine sorriu e anuiu, depois conduziu-a até umas portas duplas que davam para um pátio ajardinado à meia-luz. A música agradável seguiu-os pelo fresco ar noturno.

Começaram a dançar juntos e lentamente.

Alguns instantes depois, Riley levantou o rosto e beijaram-se.

Quando o beijo terminou, uma expressão estranha e curiosa atravessou o rosto de Riley.

Blaine pensou se o beijo fora bom.

De repente, sentiu-se terrivelmente inseguro.

Então Riley disse numa voz tranquila...

“Ó Romeu, Romeu, onde estás Romeu?”

Blaine sentiu-se sorrir.

Que coisa mais romântica para se dizer! Pensou.

Mas depois percebeu que Riley não estava a olhar para ele. Olhava para uma varanda que se debruçava sobre o jardim. Uma mulher estava lá a olhar para noite.

“É claro!” Murmurou Riley em voz alta. “Porque é que não descobri isto antes?”

Blaine não conseguiu deixar de se sentir um pouco dececionado.

O momento romântico chegara ao fim.

“Tem a ver com o caso em que estás a trabalhar?”

“Não,” Disse Riley distraidamente, ainda com o olhar distante do dele. “Quero dizer, sim. Outro caso antigo.”

Depois olhou para ele e disse, “Oh Blaine, peço desculpa mas tenho que ir agora para casa. Foi maravilhoso. Temos que repetir. Prometo.”

Blaine sorriu um pouco rigidamente e levou-a até ao carro.

Enquanto conduzia Riley até casa, Blaine disse a si próprio que o encontro fora o sucesso esperado.

Mas interrogava-se quanto ao significado das suas palavras...

“Ó Romeu, Romeu, onde estás Romeu?”


CAPÍTULO VINTE E UM


Em vez de responder às ocasionais tentativas de encetar uma conversa, Riley estava concentrada num conjunto diferente de palavras. Pouco falou no caminho para casa. Ela ouvia na sua cabeça a fala da mensagem.

“Nega teu pai e recusa o seu nome.”

É claro! Pensou. O significado da mensagem de Hatcher estava relacionado com a relação atribulada que tivera com o pai – isto é, se significasse alguma coisa.

Mas agora ela sabia – estava tudo ligado ao nome que surgia na própria fala de Shakespeare.

Romeu, Romeu, Romeu...

Ela lembrava-se de outra coisa que Julieta dizia na mesma cena..

“O que contém um nome?”

A verdade é que havia muito significado naquele nome – Romeu.

Isto é, se a nova perspetiva de Riley estivesse certa.

Ela sabia que estava a ser rude, mas não o podia evitar. Se o seu palpite estivesse correto, estava à beira de fazer uma descoberta que mudaria a sua vida para sempre. O mero pensamento tirava-lhe o fôlego.

Quando Blaine parou o carro em frente à sua casa, Riley debruçou-se sobre ele e deu-lhe um rápido beijo isento de romantismo – nada como o beijo que haviam trocado no jardim.

“Oh Blaine, desculpa largar-te assim mas...”

Blaine soltou um sorriso difuso. Riley sabia que o pobre homem não fazia ideia do motivo pelo qual tinha mudado tão bruscamente.

E ela não lhe podia dizer.

Não podia dizer a ninguém – pelo menos não para já e talvez nunca.

“Tudo bem Riley,” Disse Blaine.

“Vamos encontrar-nos novamente, eu prometo.”

Mal as palavras saíram, ela pensou se seriam verdadeiras.

Se as coisas na sua vida mudassem tanto como esperava, ainda haveria lugar para Blaine?

Como poderia ela saber?

Como podia fazer tal promessa?

Disse a si própria que estava a ser irracional. No final de contas, o que significaria apanhar finalmente o assassino da mãe?

Certamente que tornaria a sua melhor – incluindo as suas relações.

Eu vou compensar o Blaine, Disse a si própria.

Mas a dúvida continuava a persegui-la.

Blaine sorriu e apertou-lhe a mão em silêncio. Riley saiu do carro e entrou em casa. Subiu logo as escadas e colocou-se em frente ao computador. Parou por um momento a pensar no seu palpite.

Lembrou-se de que o pai servira no 11º Batalhão do 30º regimento de infantaria dos Marines.

Mas nunca lhe dissera o nome da companhia que havia comandado.

Sempre parecera algo supersticioso em dizer o nome em voz alta.

Riley sabia que “Romeu” era a palavra que os militares utilizavam para a letra R – tal como “Alfa” era utilizada para A ou “Charlie” para o C. Ela também sabia que os Marines às vezes usavam essas palavras para designar companhias.

Foi ao site dos Marines dos EUA e viu a lista de companhias do 11º Batalhão, 30º Marines.

E constatou que uma das companhias era a Companhia Romeu.

Depois perguntou-se, Em que anos serviu o pai?

Lembrou-se que fora no Vietname durante o final da década de 60.

Fez uma pesquisa e rapidamente descobriu a lista de 1968 da Companhia Romeu. E logo descobriu o nome do pai:


Sweeney, Oliver J. CAPITÃO


É isto, Pensou Riley. A unidade que o pai comandou.

Encontrara o vestígio que Hatcher quisera que ela encontrasse.

Mas como devia seguir esse rasto?

Parecia haver mais de duzentos nomes naquela lista.

Seria um daqueles o nome do assassino da mãe?

Sempre tinham dito a Riley que era um homem que entrara na loja de doces para a assaltar e quem lá estivesse. Um ato aleatório de roubo transformado em homicídio. A possibilidade de que o crime estivesse de alguma forma ligado ao seu pai nunca lhe tinha ocorrido. Ele estava de serviço nessa altura.

Mas isso parecia exatamente o que Hatcher sugeria com a sua pista críptica.

E agora, como iria ela descobrir o assassino entre aqueles nomes?

Riley nem sabia quantos homens daquela lista ainda estavam vivos.

Riley ligou o n´mero da base dos Marines em Quantico, Atendeu-a um homem do departamento das informações gerais. Riley explicou que era agente da UAC, apesar de não mencionar que não estava a trabalhar no caso oficialmente.

Disse, “Preciso de toda a informação que conseguir sobre os homens que serviram na Companhia Romeu, 11º Batalhão, 30º Marines no final da década de 60. Tenho uma lista de 1968 à minha frente mas preciso de saber mais. Esse tipo de informação está disponível?”

“Com certeza,” Disse o homem. “Mas não a esta hora. Deverá ligar amanhã entre as oito e as cinco. Explique o que precisa de saber a um assistente administrativo. Nessa altura teremos todo o prazer em ajudá-la.”

Desencorajada, Riley agradeceu ao homem e terminou a chamada.

Depois sentou-se em frente ao computador a sentir-se bloqueada.

Não havia nada que pudesse fazer naquele momento.

Mas como iria conseguir dormir naquela noite?

Só posso tentar, Pensou.

Despiu-se e foi para a cama.


*


Tudo era escuridão exceto um foco de luz situado diretamente em frente de Riley.

Alguém entrou naquela luz.

Era Blaine.

Ele encaminhou-se na sua direção com um sorriso amistoso no rosto. Sem saber porquê, Riley empurrou-o para o lado.

Depois entrou Bill na luz e aproximou-se dela. Também o empurrou para o lado.

Atrás de Bill estava Brent Meredith e ela também o empurrou...

... depois Ryan...

... depois Gabriela...

... depois Jilly...

... e até April.

Afastou todas as pessoas no mundo de quem gostava.

Não sabia porquê, exceto de que tinha uma sensação terrível de que todos estavam no seu caminho.

Por fim, deu por si a enfrentar a silhueta de um homem. Não conseguia ver o seu rosto, mas sabia quem era.

Era o assassino da sua mãe.

Encontrara-o.

E agora estava sozinha com ele.

Conseguia ouvi-lo a rir entredentes satisfeito.

Pensa que ganhou, Pensou Riley. Ele pensa que me venceu.

Depois com medo pensou...

Terá ele razão?


Riley acordou e sentou-se direita na cama. Suava e tremia muito.

Só um pesadelo, Percebeu. Mas era diferente de qualquer outro pesadelo de que se lembrasse.

E por alguma razão, era extremamente assustador.

O que significava?

Sem saber porquê, Riley temia responder a essa pergunta. Pensar naquilo só a assustava mais.

Não significa nada, Decidiu. Absolutamente nada.

Riley deitou-se e voltou a adormecer. Conseguiu dormir um sono sem sonhos o resto da noite.


*


Riley acordou cedo na manhã seguinte – demasiado cedo para fazer a chamada para a Base do Corpo de Marines de Quantico.

Ao sair da cama e ao vestir-se, deu por si a pensar...

Nada de chamadas. Não hoje.

Em primeiro lugar, duvidava que conseguisse obter toda a informação de qye precisava pelo telefone. Em segundo lugar, sentia que precisava de fazer algo, de sair de casa e de lidar com alguém cara a cara.

Riley desceu as escadas e encontrou Gabriela já a preparar o jantar daquela noite.

“Buenos días, Señora Riley!” Disse com um sorriso sincero. “Não a ouvi chegar a noite passada.”

“As miúdas já acordaram?” Perguntou Riley.

“Não. A noite passada estavam a magicar o que fariam hoje consigo. Não soube o que lhes dizer.”

Riley desanimou. Claro, era sábado.

Ela não tivera em consideração que as miúdas pudessem querer fazer um programa com ela. Mas ela estava completamente absorvida com o código Romeu. Teria que as compensar de alguma forma.

“Gabriela, tenho que sair,” Disse ela. “Vou só comer qualquer coisa e vou.”

“Quando é que volta?”

Riley engoliu em seco.

“Não sei,” Disse ela. “Pode demorar um bocado.”

Gabriela olhou para ela de forma silenciosa e penetrante. Pegou no pequeno-almoço e saiu da cozinha. Comeu rapidamente a caminho do carro. Ao sair da zona de estacionamento, aquele sentimento de submersão aprofundou-se e sentiu-se misteriosamente triste.

Riley sabia que a viagem dali à Base do Corpo de Marines de Quantico era curta.

Ainda assim, teve a sensação de que ia para longe de casa.


CAPÍTULO VINTE E DOIS


Ao aproximar-se de Quantico, Riley esperava que a viagem valesse a pena. Não era uma visita que quisesse fazer. Na verdade, o medo começava a instalar-se.

Entrou pelo portão normal mas hoje não ia fazer o seu caminho habitual. Dirigia-se à Base do Corpo de Marines que ocupava grande parte da propriedade.

À medida que avançava, olhou para a estátua que simbolizava o orgulho e a honra. Era uma réplica mais pequena do Memorial de Iwo Jima do Cemitério Nacional de Arlington – a estátua de seis Marines a erguerem uma bandeira Americana.

Aquela visão não a fez sentir-se mais confortável ou bem-vinda.

Tinha demasiadas memórias desagradáveis da vida militar da sua infância.

Não estivera muitas vezes nesta parte da base – o que era estranho porque trabalhava muito perto. A Academia do FBI e a UAC eram na verdade inquilinos naquela propriedade. Mas nunca lá ia a não ser que o trabalho o exigisse.

Passou por mais uma barreira de segurança e disse ao que vinha. Depois foi direcionada para o gabinete de Dudley Carter, um assistente administrativo. A visão de tantas pessoas de uniforme agitou a sua sensação de medo. Ela lembrava-se do pai assim vestido.

Quando entrou no modesto gabinete de Carter, ficou aliviada por ver que o homem era um civil – ou pelo menos não estava a usar uniforme e não tinha nada de militar nos seus modos. Era um homem magro com óculos de lentes grossas e um maxilar pequeno.

Riley mostrou o seu distintivo e apresentou-se, explicando porque é que ali estava.

“Presumo que isto esteja relacionado com um caso do FBI,” Disse ele.

Riley sentiu um aperto na garganta ao dizer, “Sim.”

Quantas mentiras teria de contar a este homem?

Ela disse, “Preciso de informações sobre os homens que serviram na Companhia Romeu comandada pelo Capitão Oliver Sweeney no final da década de 60. Era uma unidade do 11º Batalhão, 30º Marines.”

Carter pareceu algo cético.

“Esse tipo de informação é fácil de obter online,” Disse Carter.

“Eu sei, mas eu preciso de descobrir quem ainda está vivo e localizá-los.”

Carter olhou para Riley durante um momento.

Riley começou a sentir-se nervosa.

Será que lhe iria perguntar em que caso estava a trabalhar?

Será que ele iria solicitar o nome do seu superior na UAC?

E caso perguntasse, o que é que ela diria?

Calma, Disse a si própria. Não estás propriamente a pedir informação secreta.

Por fim Carter voltou-se para o seu computador e disse, “Dê-me os anos que procura.”

Riley mencionou os anos que o pai tinha comnadado a Companhia Romeu.

Carter teclou durante algum tempo.

Disse, “Tenho duzentos e quarenta e três homens vivos e as suas moradas aqui – mas estes são apenas aqueles de quem temos registos atuais. Tenho a certeza de que ainda há alguns vivos de que não temos conhecimento. E alguns dos que eu tenho aqui já podem ter morrido desde que a nossa informação foi atualizada.”

Riley sentiu-se algum desânimo.

Como é que ela poderia descobrir o que quer que fosse entre tantos nomes?

Seria diferente se tivesse os recursos da UAC à sua disposição.

Mas estava completamente por sua conta.

“Quantos desses homens vivem na Virginia?” Perguntou.

Carter digitou no teclado.

“Vejo vinte e cinco,” Disse ele.

Terá que servir, Pensou Riley.

Pediu a Carter para imprimir a lista de nomes e moradas. Depois saiu do edifício.

Respirou melhor ao ar livre, afastada das pessoas de uniforme e da rigidez militar opressiva daquele lugar. Mas ainda estava ansiosa. Entrou no carro e sentou-se ao volante, olhando para a lista que Carter lhe imprimira.

Tinha vinte e cinco nomes e vinte e cinco moradas.

Seria esta informação útil?

Como poderia saber?

Quem quer que tivesse morto a sua mãe devia estar vivo – de outra forma, porque é que Hatcher lhe daria uma pista daquelas?

Mas seria um dos homens da lista?

Poderia ser qualquer um dos 243 nomes com que Carter tinha começado – ou nenhum.

E era apenas uma hipótese o facto do assassino viver na Virginia.

Nem sequer era um palpite.

O seu instinto não lhe dizia nada naquele momento.

Fechou os olhos com força e tentou pensar no assunto.

Um homem que serviu com o seu pai nos Marines poderia – apenas poderia – ter assassinado a sua mãe.

Ela ainda lutava para abarcar aquela probabilidade.

No final de contas, ela passara toda a sua vida a pensar que o assassino era um ladrão armado sem qualquer objetivo especifico.

Ela pensara que o homicídio fora algo sem sentido, insignificante, estúpido.

Mas agora percebia...

Era pessoal.

Pelo menos era isso que a mensagem de Hatcher dava a entender. O assassino seria alguém que tinha um ressentimento contra a sua família – provavelmente contra o pai.

Alguém que odiava o pai, Pensou. Isso não ajuda nada!

Afinal, o pai teria provavelmente inspirado desagrados ou até ódios entre quase todos os homens por si comandados. Ele fazia inimigos com mais facilidade do que qualquer outro ser humano que ela já conhecera.

Até tornara ambas as filhas suas inimigas.

Olhou para o pedaço de papel na sua mão.

Não passava disso – de um pedaço de papel. Com nomes impressos em linhas direitas, nomes seguidos de dados que também poderiam ser completamente inúteis.

Rostos, Pensou. Preciso de ver os rostos das pessoas.

E tinham que ser pessoas que odiavam o pai.

A pouco e pouco, ocorreu-lhe uma ideia de onde poderia encontrar pessoas daquelas.

Começava a lembrar-se de algo que o pai dissera sobre ser excluído.

Pegou no tablet e começou a procurar um lugar que tinha em mente. Ao fazê-lo, a ansiedade dentro dela cresceu.

Pessoas que odeiam o meu pai, Pensou com estremecimento.

Durante toda a sua vida soubera de um homem que o odiava mais do que tudo à face da terra.

Essa pessoa era ele próprio.


CAPÍTULO VINTE E TRÊS


Nas primeiras horas da tarde, Riley conduzia para oeste em direção às Montanhas Apalache. A sua apreensão aumentava a cada quilómetro que passava. À medida que a paisagem subia à sua volta, ela sentia-se a mergulhar mais profundamente na escuridão do passado.

Lembrou-se que o pai costumava frequentar um clube de veteranos em Milladore, uma pequena cidade não muito longe da sua cabana. Durante uma das suas raras visitas há alguns anos, ele queixara-se que fora expulso e banido do clube.

“Porquê?” Perguntara-lhe Riley.

“Porque é que achas?” Grunhira ele.

Ela podia pensar em milhares de razões para ele ter sido expulso. Ainda assim, sentiu pena dele. Ela sabia que ser membro do clube de veteranos tinha um grande significado para ele.

Afinal de contas, ele merecera-o.

Para se juntar ao clube de veteranos, tinha que se ter sido condecorado por serviços em combate. Ela sabia que o pai tinha ganho várias medalhas, incluindo uma de Ação em Combate e uma Medalha Expedicionária. Tinha essas medalhas orgulhosamente penduradas na parede da sua cabana. Ainda lá estavam – e provavelmente lá ficariam agora que Riley não ia vender a cabana. Não era provável que as retirasse e duvidava que Shane Hatcher também o fizesse.

Não sabia exatamente porque é que o pai tinha sido expulso do clube. Mas ainda podia encontrar alguns inimigos por lá – talvez um ninho carregado deles.

Foi até Milladore e apercebeu-se que era uma cidade muito parecida com Denison – uma cidade arruinada que já vira dias melhores. Empresas encerradas e muitas casas fechadas com o aspeto de já não estarem habitadas.

Ao estacionar o carro em frente ao clube, o edifício lembrou-lhe o Waveland Pub – tão delapidado que por um momento pensou se ainda estaria aberto. Mas havia alguns carros velhos e bicicletas no parque de estacionamento repleto de ervas daninhas, e ela viu alguns velhotes a passarem pela porta de entrada.

Quando ela saiu do carro, ouviu uma velha canção country vinda do interior do clube.

De repente pensou...

Será que me vão deixar entrar?

Riley percebeu que devia ter pensado nisso antes.

É claro que ela não era veterana.

Um homem grande a mastigar tabaco estava logo à entrada. A julgar pelo seu considerável vigor, Riley tomou-o pelo porteiro.

“Nunca a vi por aqui antes, senhorita,” Disse ele. “Que tipo de ação é que viu?”

Riley estava prestes a mostrar o seu distintivo quando outro homem disse lá de dentro:

“Deixa-a entrar Chester. Gosto do aspeto dela.”

Bem, penso que é uma forma de conseguir entrar aqui, Pensou.

Talvez fosse uma sorte. As coisas podiam correr melhor se ela não tivesse que se identificar como agente do FBI. Para já, ia deixar os homens pensarem no que raio estava ela ali a fazer.

Ao entrar, viu que o lugar estava tão arruinado por dentro como por fora. Havia ali vários homens – alguns a jogar bilhar, outros sentados em mesas e vários sentados no bar.

À primeira vista, Riley não viu nenhum homem jovem entre eles e muito menos qualquer mulher. Ali não havia veteranos do Afeganistão ou do Iraque. Esta não era uma cidade onde os jovens assentassem e vivessem as suas vidas. Provavelmente muitos daqueles homens tinham servido no Vietname, alguns na Coreia e alguns talvez na 2ª. Guerra Mundial.

Um homem sentado no bar acenava-lhe para ela se aproximar, o seu sorriso lascivo a revelar alguns dentes em falta. Riley calculou que ele seria o homem que permitira a sua entrada.

“Sente-se aqui, querida,” Disse ele, dando uma palmadinha no banco ao lado do dele.

Riley conteve o desejo de dizer que não era a sua “querida” e que se lixasse.

Agora não é o momento, Pensou.

Sentou-se no banco ao lado dele.

Ainda maliciosamente, o homem perguntou-lhe, “O que quer beber, beleza? Eu pago.”

Riley quase recusou a oferta. Mas calculou que o melhor era agradar a todos.

Para além disso, Pensou ironicamente, não estou propriamente de serviço.

Ela disse, “Quero um bourbon duplo.”

O empregado do bar riu e o sorriso do que oferecia a bebia desvaneceu-se um pouco. Riley calculou que ela pedisse qualquer coisa mais de “senhora”. Agora parecia estar um pouco intimidado.

O empregado entregou-lhe o bourbon e ela bebeu.

Planeava beber lentamente, provavelmente nem terminar a bebida. Naquele momento a bebida era uma espécie de adereço, a sua forma de se encaixar.

O empregado perguntou, “De onde é?”

“Fredericksburg,” Disse Riley.

O empregado ficou surpreendido.

“O que a traz a esta região?”

“Curiosidade,” Disse Riley. “Algum de vocês se lembra de um oficial aposentado que costumava parar qui? Chamava-se Oliver Sweeney.”

O empregado riu-se.

“Sim, penso que toda a gente aqui se lembra do velho psicopata Sweeney. Expulsámo-lo daqui há anos. Como é que ele está?”

“Está morto,” Disse Riley.

O empregado riu-se outra vez e abanou a cabeça.

“Está? Bem, estou destroçado por saber disso. O que é você é a ele?”

Riley estava prestes a dizer alguma coisa vaga antes do homem sentado a seu lado soltar uma gargalhada.

“Merda!” Disse ele. “É a filha do psicopata Sweeney, não é?”

Riley não ficou contente por a terem identificado, mas não valia a pena nega-lo.

“Como sabe?” Perguntou.

Com outra risada, o homem disse, “Raios, alguma vez se olha ao espelho? É ele cuspida e escarrada.”

Riley sentiu-se enrubescer – de vergonha ou raiva, não tinha a certeza. Mas o homem tinha razão. Às vezes quando se olhava ao espelho, via o pai a olhar para ela.

E odiava isso.

“Porque é que ele foi expulso daqui?” Perguntou.

O empregado abanou a cabeça.

“Chegou a um ponto em que ninguém podia com ele,” Disse ele. “Depois de um par de bebidas, nem se podia olhar para ele sem que nos esmurrasse.”

O homem sentado no banco acrescentou, “Como pensa que perdi estes dentes? Penso que metade destes homens passaram pelo mesmo num momento ou noutro. E nem lhe sabem dizer porquê.”

O empregado interrogou Riley com interesse.

“Mas porque é que está aqui?” Perguntou. “O que é que quer?”

Riley lutou para responder durante alguns momentos.

Mas depois apercebeu-se...

Mais vale dizer a verdade.

“Estou à procura do homem que matou a minha mãe.”

Reparou numa mudança de expressão no homem sentado a seu lado. Já não se mostrava malicioso. Parecia genuinamente empático.

“Miúda, isso é uma história antiga,” Disse ele. “Há quanto tempo é que a pobre Karen foi abatida naquela loja de doces?”

“Trinta e quatro anos,” Disse Riley.

“O Oliver nunca recuperou,” Disse o homem. “Acho que em parte foi por isso que ficou tão mau. Mas acha mesmo que vai encontrar o homem que a matou aqui?”

O empregado disse, “Acho que consigo perceber a sua lógica. Este lugar está cheio de homens que tinham razões para o odiar. Mas aqui ninguém o magoaria a esse ponto, isso é uma verdade.”

Riley tinha a impressão que o empregado tinha razão.

Estaria ela equivocada?

Antes de conseguir pensar, ouviu uma voz rude atrás dela.

“És a filha do Oliver Sweeney?”

Riley virou-se e viu um homem enorme a olhar para ela. Estava obviamente bêbedo.

Apontou para o seu nariz torto e disse, “Vê este nariz? O Oliver partiu-o. E esperei anos pela minha vingança.”

Recuou o punho e Riley sabia que vinha um murro a caminho. Felizmente, os reflexos do homem eram lentos graças ao álcool que consumira. Riley esquivou-se facilmente do golpe e o homem desequilibrou-se. Ela levantou-se da cadeira batendo-lhe com a cabeça no estômago e ambos caíram no chão.

Riley estava sentada em cima do homem. Antes dele se conseguir mover, ela ergueu o punho, pronta para o esmurrar na cara se necessário. Conseguiu perceber pela expressão espantada do homem que não ia resistir.

Mas depois olhou para cima e viu outros quatro homens juntos num semicírculo à sua volta.

Isto não vai ser fácil, Pensou.

Por um breve instante, pensou em sacar da arma.

Mas depois ouviu a voz do empregado atrás do balcão.

“Afastem-se rapazes,” Disse ele.

Ela virou-se e viu que o empregado tinha uma caçadeira nas mãos apontada ao grupo.

O homem sentado no banco soltou uma gargalhada.

“Raios, quem sai aos seus não degenera, pois não? É parecida com o seu pai em vários aspetos.”

Com a caçadeira ainda em posição, o empregado olhou para Riley com um sorriso de admiração.

“Minha senhora, gosto do seu estilo. Mas espero que compreenda que tenho que lhe pedir para sair. Nada pessoal.”

Riley vacilou por um instante.

Deveria mostrar o distintivo de agente do FBI? Não lhe parecia que adiantasse de muito.

Para além disso, o empregado tinha razão. Se alguns daqueles homens fosse o assassino da mãe, o pai já o teria morto há anos.

Saiu de cima do homem prostrado no chão e começou a caminhar para a saída.

Ao chegar à porta, ouviu a voz de um homem.

“Minha senhora...”

Ela virou-se e viu que era o porteiro que avistara mal chegara. A sua expressão era bondosa agora.

Ele disse, “O seu pai nem sempre foi um homem mau. E sem dúvida que serviu o seu país. Foi apenas a vida e o Vietname e a morte da Karen que o perturbaram. Foi assim que ficou como ficou.”

Riley ficou demasiado comovida para dizer o que quer que fosse.

O porteiro sorriu.

“E você não é propriamente uma civil, pois não?”

Riley sorriu e mostrou o distintivo.

“Sou a Agente Especial Riley Paige do FBI,” Disse ela.

“Não estou surpreendido,” Disse o porteiro. “Não havia que enganar. Então está aqui oficialmente?”

“Não,” Disse Riley. “Isto é pessoal. Só quero encontrar o assassino da minha mãe.”

O homem afastou o olhar por um momento como se estivesse a pensar em algo.

“Minha senhora, não lhe quero dizer como fazer o seu trabalho. Mas talvez esteja a ver as coisas na perspetiva errada.”

“Como assim?” Perguntou Riley.

“Bem, se está à procura de um homem que odiava o seu pai, a lista é vasta. Talvez devesse procurar alguém que ele odiava. Mau como era, não odiava assim tantas pessoas. Mas...”

O porteiro parou de falar.

“Sei de uma pessoa que ele realmente odiava,” Disse ele.

“Quem?” Perguntou Riley.

“Byron Chaney. Serviu com o Oliver no Vietname. O Byron foi ferido e foi dispensado. Foram amigos íntimos durante anos até alguma coisa correr mal entre eles. Nunca soube o que foi. Mas o seu pai odiava-o com tudo. O Byron deixou de cá vir há muitos anos.”

Riley tentou respirar calmamente.

“Onde posso encontrar esse homem?” Perguntou.

“Não sei muito bem. O Byron passou por um mau bocado, dizem. A vida dele desmoronou-se e ele também. Ficou um caco. A última vez que se soube alguma coisa dele, trabalhava a norte daqui no Forsyth Ski Resort. Penso que ainda lá estará.”

Riley estava quase demasiado excitada para falar.

“Obrigada,” Disse ela. “Obrigada.”

O homem assentiu e sorriu.

Riley caminhou na direção do carro com um sentimento de esperança renovada.


CAPÍTULO VINTE E QUATRO


Empolgada com a nova informação fornecida, Riley sentou-se no carro no parque de estacionamento do clube de veteranos. As suas mãos atrapalhavam-se nervosamente ao desdobrar a longa lista de homens vivos que tinham servido com o seu pai.

E lá estava o nome:


Chaney, Byron SARGENTO


Depois de todos aqueles anos, estaria ela a aproximar-se de descobrir a identidade do assassino da mãe?

Também não parava de pensar no que om porteiro tinha dito.

“O seu pai não foi sempre um homem mau.”

Aquela era uma perspetiva nova para Riley. Ela há muito que havia desistido de pensar que o pai alguma vez tivesse sido um homem bom.

Teria-o julgado mal?

Nunca perdera muito tempo a pensar no tipo de homem que era antes da guerra e antes da morte da mulher.

Deveria ela ter-se mostrado mais compreensiva quando ele estava vivo?

Talvez, Pensou.

Mas só se podia basear na forma como ele se comportara quando ela estava a crescer. Tinha sido cruel com ela, com a irmã, com todos.

Como é que ele poderia compreender as suas motivações?

O porteiro também dissera...

“Mau como era, não odiava assim tantas pessoas.”

Agora que Riley pensava nisso, percebeu que era verdade.

O pai estava contra o mundo e a natureza humana.

Mas quantas vezes o vira despejar a sua ira em cima de um indivíduo em particular?

Raramente – se alguma vez.

Por isso se ele odiava aquele homem chamado Byron Chaney, devia ser por um motivo forte.

Riley já ouvira falar do Forsyth Ski Resort e sabia que ficava mais a norte. Viu o serviço de GPS do carro para procurar a direção. Depois, quando estava prestes a arrancar, o telemóvel vibrou.

Sentiu invadir-se por uma onda de culpa ao ver que a mensagem era de April.

Na sua mente, Riley viu novamente o olhar silencioso de Gabriela daquela manhã quando lhe dissera que ia sair sem passar tempo com as miúdas.

Na mensagem April dizia...

Onde estás?

Riley respondeu...

Estou em Milldore.

A resposta de April foi rápida...

A trabalhar num caso?

Riley suspirou, sentindo-se ainda mais culpada.

Escreveu evasivamente...

Tenho que ver algumas pessoas hoje.

Alguns segundos depois April respondeu.

Vens jantar a casa?

Riley sentiu um nó na garganta.

Devia decidir naquele momento.

Podia ir diretamente para casa e passar o resto do dia com Jilly e April.

Podia esquecer Byron Chaney, pelo menos por hoje.

No final de contas, qual era a pressa? Tudo em que pudesse estar envolvido acontecera há muito tempo.

Podia ir ter com ele num outro dia.

Ela queria dizer, Sim, chegou a casa a tempo.

Mas os seus dedos não obedeceram à sua vontade.

Se Byron Chaney era o assassino da sua mãe, ela não podia deixar passar nem mais um dia sem o apresentar perante a justiça.

Ela não sabia que justiça seria essa, mas não podia esperar.

Digitou...

Não me parece. Vemo-nos mais tarde.

Ficou a olhar para o telemóvel durante mais de um minuto.

April não respondeu.

Riley chorou e conteve um soluço.

Tentou racionalizar a sua decisão, dizendo a si própria que haveria outros sábados e para além disso, um dia April ficaria grata por Riley ter descoberto o assassino da avó. Mas é claro que era um disparate. April nunca conhecera a avó. Porque é que ficaria grata?

Riley sabia que não havia forma de fugir à verdade.

Os seus motivos eram completamente egoístas.

Mas não podia fazer as coisas de outra forma.

Começou a conduzir rumo a norte, seguindo as direções dadas pelo GPS.


*


Durante uma hora e meia, Riley conduziu para norte na interestadual que atravessava o Vale Shenandoah. O Forsyth Ski Resort ficava situado nas encostas das Montanhas Apalache, quase no limite do estado da Virginia.

Quando chegou, viu que era o tipo de resort de inverno que dependia de neve artificial para a época. Reparou num campo de golfe vazio. Não havia dúvida que o resort proporcionava aos turistas outras atividades.

Naquele momento parecia estar entre épocas.

Estaria Byron Chaney ali a trabalhar mesmo assim?

Ela esperava que aquela não fosse uma viagem desperdiçada.

Entrou na espaçosa entrada do edifício principal. Uma mulher de meia-idade de aspeto bondoso encontrava-se na receção. Riley decidiu rapidamente que as coisas correriam melhor se se apresentasse em trabalho oficial. Por isso mostrou o seu distintivo e apresentou-se à mulher.

Riley disse, “Estou à procura de um antigo Marine, um veterano que pode estar aqui a trabalhar. Ele chama-se Byron Chaney.”

A mulher pareceu um pouco preocupada.

“Ele está metido em sarilhos?” Perguntou.

Riley não sabia como responder àquela pergunta.

Disse, “Preciso de falar com ele sobre um caso.”

A mulher parecia ligeiramente intrigada.

“Tem a certeza que é a pessoa certa?” Perguntou.

“Ele está cá?”

“Sim, tenho a certeza que sim. O Byron vive aqui na propriedade. Ele é uma espécie de faz-tudo – limpezas, reparações, trabalhos no terreno, esse tipo de coisa. Mas ele não sai desta propriedade há anos. Não sei como é que a poderá ajudar.”

Riley começava a perceber que a mulher estava a proteger Byron Chaney. Perguntou-se porquê.

“É um caso antigo,” Disse Riley.

A mulher não disse nada durante alguns instantes. Parecia muito relutante.

Por fim, apontou para o exterior.

“O mais certo é encontrá-lo no seu quarto. Fica ali no edifício da manutenção – uma pequena porta ao lado da área de armazenamento de equipamento.”

Riley agradeceu à mulher e caminhou pela propriedade bem tratada até ao edifício da manutenção. Contornou a estrutura e encontrou portas tipo garagem nas traseiras. Uma porta mais pequena tinha um sinal onde era possível ler “APENAS PESSOAL”.

Ela bateu à porta.

Não obteve resposta, por isso bateu outra vez.

Uma voz rude soou lá de dentro.

“Quem é? O que quer?”

Riley estremeceu.

Lembrava-se do homem dizer à mãe na loja de doces...

“Dê-me o seu dinheiro.”

Era a mesma voz, envelhecida pela idade?

Ainda não sabia.


CAPÍTULO VINTE E CINCO


Riley estava apreensiva. Estaria o assassino da sua mãe do outro lado daquela porta?

“Quem é?” Perguntou a voz outra vez.

Riley vacilou.

Como se deveria apresentar?

Deveria dizer de imediato que era uma agente do FBI?

Por fim disse, “Só quero falar consigo.”

“Como diz o sinal, ‘apenas pessoal’”.

Sem saber que mais dizer, Riley simplesmente respondeu, “Por favor.”

Seguiu-se um silêncio.

“Entre,” Disse o homem finalmente.

Riley abriu a porta para um espaço amplo e húmido repleto de equipamentos de todo o tipo – maquinaria de cortar a relva, ferramentas de jardinagem, pilhas de caixas em paletes. A princípio não viu ninguém.

“Aqui,” Disse uma voz.

Riley virou-se e viu uma porta aberta que conduzia a um pequeno compartimento. Foi até à porta.

O homem estava sentado numa cama e usava calças de ganga e uma camisa de flanela. Parecia velho – provavelmente mais velho do que era na verdade, calculou Riley. Era robusto e musculado, mas parecia estranhamente frágil. Tinha o cabelo cortado ao estilo militar, igual ao que o pai sempre tivera. O seu rosto marcado tinha um aspeto opaco.

O compartimento estava mal iluminado e não tinha janelas. Tudo estava muito arrumado. Uma estante ostentava alguns livros bem organizados. Um pequeno tapete estava colocado ao lado da cama.

Riley reparou de imediato na ausência de imagens ou fotografias.

O homem estava a olhar para uma velha televisão a preto e branco colocada num banco de madeira no fundo da cama. Jogava-se um jogo de futebol, mas o som estava desligado.

“O que é que quer?” Perguntou o homem sem olhar para Riley. A sua voz era rouca e arranhada. Ela entrou.

“Chama-se Byron Chaney?”

“Quem quer saber?”

Riley percebeu que ele não falaria se ela não lhe desse uma razão oficial. Mostrou o seu distintivo.

“Sou a Agente Especial Riley Paige do FBI,” Disse ela.

O homem virou a cabeça e encarou-a. Os seus olhos eram profundos e mortiços. A sua expressão demonstrava apenas alguma surpresa preocupada.

Riley avançou e sentou-se num banco junto à cama.

“Apanhou o tipo errado,” Disse ele.

“Não sabe porque é que estou aqui,” Disse Riley.

“Seja qual for o motivo, eu sou o tipo errado. Esses dias já são passado.”

Esses dias? Perguntou-se Riley.

O que é que ele quer dizer com “esses dias”?

Ela juntou as mãos para que não tremessem. Estavam húmidas e pegajosas. À medida que o tempo passava, tornava-se cada vez mais óbvio para Riley que aquele homem era o assassino da sua mãe,

O homem disse, “Ouça, estou limpo há anos. Trabalhei duro para dar a volta às coisas, à minha e tudo. E estas pessoas aqui em Forsyth são boas para mim, tomam conta de mim. O que vê neste quarto – isto é tudo o que eu tenho no mundo. Peço-lhe que não me tire isto.”

Riley não falou durante alguns instantes.

Depois perguntou, “Serviu nos Marines? Companhia Romey, 11º Batalhão, 30º regimento?”

Byron Chaney anuiu silenciosamente.

“Serviu com o Capitão Oliver Sweeney?”

Um ar estranho atravessou o rosto de Byron.

“Ele era meu comandante. Ele era meu...”

A sua voz desvaneceu e desviou o olhar. Riley pressentiu que ele ia dizer “amigo”. Mas por alguma razão, não foi capaz de dizer a palavra em voz alta.

Riley perguntou-se porquê.

Depois disse em voz baixa na sua direção.

“Riley? Disse que se chamava Riley?”

Riley anuiu.

Um sorriso invadiu-lhe o rosto.

“Oh, eu devia tê-la reconhecido de imediato. Mas calcula que não se lembra de mim. Não, é claro que não, era muito pequena. Costumava chamar-me ‘tio’”.

De repente, Riley lembrou-se.

Ela era muito nova, jogava jogos com um homem que tinha um sorriso feliz e contagioso.

Tinha-a levado a um circo. A mãe também lá estava. E a irmã.

“Tio By,” Disse em voz alta.

As memórias súbitas eram fortes mas era difícil de acreditar. Aquele homem que agora estava tão devastado tinha sido bonito e encantador. Tinha estado nas suas vidas durante tão pouco tempo... ela era tão jovem... não pensara nele durante todos aqueles anos.

O sorriso do homem intensificou-se.

Sim, ela conseguia imaginá-lo com aquele sorriso, o homem que já fora,

“Uma agente do FBI!” Disse ele num sussurro espantado. “Oh, o teu pai deve estar tão orgulhoso!”

Riley sentiu um nó na garganta.

“Byron, o pai já morreu. Tinha cancro.”

O rosto de Byron distorceu-se com o choque.

“Quando?” Perguntou.

“Em Novembro.”

Ele baixou a cabeça.

“Espero que esteja finalmente em paz,” Disse ele.

Riley sentiu todo o seu mundo às voltas, a mudar a cada segundo.

Nada na sua vida parecia real.

Seria realmente possível que este homem tivesse morto a sua mãe?

Agora não conseguia imaginar que fosse verdade.

E ainda assim, sentia que ele escondia algum segredo obscuro.

Ela falou lenta e cuidadosamente.

“Byron, não vim aqui por causa de um caso. Esta visita não é oficial. É pessoal.”

Byron olhou novamente para ela com uma expressão curiosa.

Riley disse, “Estou a tentar descobrir quem matou a minha mãe.”

Byron ficou estático. Os olhos encheram-se rapidamente de lágrimas.

“Oh Deus, Deus, Deus,” Disse ele.

A sua voz parecia carregada de culpa.

“Foi você?” Perguntou Riley com a voz trémula. “Matou-a?”

Byron gaguejava entre soluços.

“Foi... Não posso... Não sei...”

Riley já não conseguia respirar.

Ela sabia que estava prestes a descobrir algo que preferia não saber.

E sabia que uma vez conhecida a verdade, ela não conseguiria esquecê-la.

Tinha que viver com ela para o resto da sua vida.

Ela queria levantar-se da cadeira e sair do quarto. Mas sentia-se completamente paralisada.

Conte-me,” Disse.

Byron assoou o nariz e limpou os olhos com a manga. Tentou recompor-se.

“Riley, o teu pai era um bom homem. Mas também era um homem duro. Não o conseguia evitar, o Vietname transformara-o. Estava no comando e tinha que dar todo o tipo de ordens horríveis. E às vezes tinha que decidir quem vivia e quem morria – mesmo entre os seus próprios homens. Os soldados odiavam-no por isso, exceto eu. Acho que era o único que compreendia. Eu era o seu único verdadeiro amigo.”

Byron prosseguiu.

“Fui ferido numa perna e fui mandado para casa. Quando o teu pai regressou, mantivemo-nos próximos. Conheci a Karen e a tua irmã mais velha e a ti. Tornei-me da família. Mas...”

Byron parou.

“Por favor tente contar-me,” Disse Riley.

Byron aclarou a garganta ruidosamente.

“Eu vira o que a guerra lhe fizera. Bebia muito nessa altura. E vi como tratava a tua irmã, batendo-lhe sem qualquer razão. Também tratava mal a tua mãe. Oh, partia-se-me o coração.”

Byron abanou a cabeça.

“Depois o Oliver foi chamado para o Líbano. E quando ele se foi embora – bem, acho que eu e a tua mãe nos apercebemos que nos tínhamos apaixonado sem darmos conta. Envolvemo-nos.”

Riley ficou em estado de choque.

Nem nos seus sonhos mais loucos imaginara que uma coisa daquelas pudesse ter acontecido.

Byron prosseguiu, “Eu queria fazer tudo bem. Queria que ela deixasse o Oliver. Queria casar com ela. Eu amava o Oliver como um irmão, mas ele era mau para ela e eu tinha a certeza que seria bom para ela. E a tua irmã Wendy – oh, ela era rebelde, mas eu entendia-me com ela. Sabia que podia ser um bom pai para vocês as duas.”

Calou-se durante alguns instantes.

“A Karen pensou no assunto – julgo que pensou bastante. Mas no fim... não o conseguiu fazer. Não o conseguiu deixar. Não conseguiu virar-lhe as costas. E terminou tudo entre nós. E depois...”

Sufocou um esgar.

Disse, “Não consigo deixar de pensar.... Que fiz com que fosse morta.”

Riley estremeceu.

“O que é que quer dizer?” Perguntou.

“Ele descobriu tudo quando estava fora do país – sobre mim e a Karen. Não sei como. Talvez alguns dos seus amigos da cidade lhe tenha escrito sobre isso. Ele não disparou. Ele nem estava no país. Mas sempre me perguntei... se ele tinha planeado aquilo?”

Naquele momento, Riley sentiu algo para além de mero horror. Uma escuridão imensa insinuou-se dentro de si. Ela apercebeu-se que estava à beira de desmaiar.

Lutou para permanecer consciente. Tinha que ouvir a história até ao fim.

Byron disse, “Quando ele regressou do Líbano, pensei que também me matasse e quase desejei que o fizesse. Em vez disso, limitou-se a afastar-me, nunca me voltando a falar. Isso foi pior. A minha vida desmorou-se a partir daí. Bebia, lutava, roubava, cumpri pena de prisão. Demorou muitos anos até me endireitar. E agora... estou aqui.”

A sua voz desvaneceu-se e ficou a olhar para o espaço como se estivesse perdido no passado.

Ao olhar agora para ele, Riley viu um homem diferente.

Parecia que os anos haviam desaparecido e que este homem alquebrado se tornara novamente no encantador, generoso e bondoso jovem veterano que outrora fora – o homem por quem a mãe se apaixonara.

O homem com quem a mãe se podia ter casado, Apercebeu-se.

Como teria sido a vida se isso se tivesse concretizado?

A Wendy poderia não ter fugido.

E Wendy e Riley podiam chamar este homem de “Pai”.

Nessa altura alguém chamou de fora, Riley reconheceu a voz da mulher que tinha saudado na receção.

“Byron, temos um problema de canalização. Pode vir dar uma ajuda?”

Byron disse, “Sim, vou já de seguida.”

Levantou-se da cama e caminhou na direção da porta.

De repente, era como se Riley não estivesse ali.

“Byron...” Disse Riley.

Ele abanou a cabeça.

“Esquece isto,” Disse ele sem olhar para ela. “Esquece tudo o que disse.”

Riley estendeu-lhe o seu cartão.

“Tome,” Disse. “Ligue-me se se lembrar de alguma coisa.”

Byron pegou no cartão sem proferir uma palavra. Depois saiu do quarto e foi-se embora.

Riley sentou-se na cadeira durante mais de um minuto em perfeito estado de choque. Depois conseguiu ganhar coragem para abandonar o edifício e regressar ao carro.

Ao começar a conduzir, não parava de ouvir a voz de Byron.

“Esquece tudo o que disse.”

Riley bem que queria. Mas isso nunca iria acontecer.


CAPÍTULO VINTE E SEIS


Uma nuvem negra pairava sobre Riley enquanto conduzia rumo a Fredericksburg. A noite estava límpida com estrelas e uma lua luminosa. Mas mesmo assim, para Riley era a noite mais negra que já vivera.

Agarrou bem no volante para se acalmar.

Casa, Não parava de pensar. Tenho que chegar a casa.

Mas tinha a estranha e terrível sensação de que não tinha casa para a qual voltar. Parecia que tudo o que sabia da vida era uma mentira.

A sua cabeça estava inundada com imagens e memórias da sua infância.

Mas alguma delas era real?

Quase perdeu o controlo do carro. Riley sabia que não podia continuar a guiar daquela maneira.

Para além disso, ocorreu-lhe de repente que estava com fome. Não comia nada desde manhã cedo.

Tenho que parar em algum lugar, Pensou. Tenho que me controlar.

Riley saiu da autoestrada e parou numa paragem de camiões. Saiu do carro e caminhou tropegamente para o interior do restaurante, sentando-se na primeira mesa que encontrou. Pediu uma sanduíche e um café, renunciando à cerveja que lhe apetecia.

À espera da comida, tentou avaliar tudo o que acontecera.

Ainda não conseguia abarcar tudo o que descobrira.

Como é que começara sequer a percorrer esta estrada tortuosa em busca do assassino da mãe?

Depois lembrou-se da mensagem de Hatcher.

“Nega teu pai e recusa o seu nome.”

Fora aí que tudo começara. E agora que tinha um momento para juntar as peças do puzzle, percebeu que Hatcher sabia onde a pista a conduziria – a incertezas e dúvidas ainda mais profundas.

Estremeceu perante este pensamento.

Mas porquê? Perguntou-se.

Porque é que ele a tinha conduzido até este estado de dúvida acerca de tudo no mundo?

Devia ter uma razão.

No final de contas, Shane Hatcher considerava-se seu mentor – tanto como investigadora como enquanto ser humano.

Ele devia querer retirar disto algum tipo de lição.

A comida de Riley chegou. Ao beber o café e mordiscar a sanduíche, continuou a pensar.

Talvez Hatcher quisesse que ela aprendesse que nem todos os enigmas têm resposta. Se assim fosse, ensinara-lhe essa lição demasiado bem.

Sentia-se a afundar-se mais profundamente no desepero.

Mesmo abanando a cabeça e dizendo a si própria para acordar, ela sabia que aquilo era demasiado. Tinha que conversar com alguém sobre aquilo. Mas quem?

As miúdas estavam fora de questão. April já tinha muito com que lidar e Jilly não estava pronta para entrar na história da sua nova família. É claro que Ryan não era opção e Riley não conhecia Blaine o suficiente. Para Gabriela era um fardo demasiado grande. E como podia falar com Bill quando estava a trabalhar com ele num caso e não era suposto estar a tentar resolver este mistério?

Mas ocorreu-lhe uma pessoa.

Conhecia o psiquiatra forense Mike Nevins há muitos anos. Era consultor da UAC em algumas situações e era um querido amigo de Riley que a ajudara a recuperar do SPT depois de um caso especialmente traumático.

Pegou no telemóvel e começou a ligar para o seu gabinete. Mas depois lembrou-se que Mike não estaria lá num sábado à noite. Estaria com toda a certeza em casa.

Tinha o seu número de emergência. Mas seria isto uma emergência?

Riley fez uma avaliação rápida do seu estado de espírito.

Tremia e estava à beira das lágrimas.

Não achava possível passar a noite sem obter ajuda.

É uma emergência, Decidiu.

Ligou o número e Mike atendeu com a sua voz suave e agradável.

“Riley? O que é que se passa?”

Riley lutou para não chorar.

“Mike, estou mal. Aconteceu uma coisa e não consigo lidar com isto. Podes falar comigo durante um bocadinho?”

“Claro que sim. Mas não seria melhor falarmos pessoalmente?”

Riley não conseguia falar.

“Onde estás?” Perguntou Mike.

“Estou... na estrada. Numa paragem de camiões.”

“Quanto tempo demoras até chegares ao meu gabinete?”

Riley lutou mentalmente para responder àquela pergunta. Mal se lembrava do local onde se encontrava.

Por fim disse, “Talvez daqui a uma hora e meia.”

“Achas que consegues conduzir?”

Durante um momento, Riley não teve a certeza. Mas o som da voz de Mike já a tinha acalmado um pouco.

“Penso que sim,” Disse ela.

“Ótimo. Encontramo-nos no meu gabinete. Estou lá atua espera.”

Terminaram a chamada. Riley levantou-se da mesa, dirigiu-se ao carro e começou a conduzir.


*


Já era tarde quando Riley chegou ao gabinete de Mike. Estacionou e olhou para o telemóvel. Viu a última troca de mensagens com April.

April perguntara...

Jantas em casa?

E Riley respondera...

Não me parece. Vemo-nos mais logo.

Enviara aquela última mensagem há muitas horas. April nunca respondera. Estaria zangada, desiludida, amarga?

Talvez as três coisas, Pensou Riley.

E porque não estaria?

Passara o dia todo fora de casa. O seu trabalho mantinha-a muito tempo afastada de casa. Mesmo quando estava em casa, estava longe, pelo menos mentalmente.

De qualquer das formas, April agora já estaria a dormir, assim como Jilly e Gabriela.

Quando Riley chegasse a casa, entraria numa casa sossegada sem ninguém para a cumprimentar, ninguém para lhe dar um abraço e lhe perguntar como tinha corrido o seu dia.

Estaria sozinha.

E Riley não conseguia evitar pensar que o merecia.

O edifício estava encerrado, mas num botão ao lado da porta lia-se “Consultas após horas de expediente”. Quando carregou no botão, a porta abriu-se.

Entrou e encontrou Mike à sua espera na entrada do gabinete. Ela ficou surpreendida por vê-lo tão impecável e elegante como sempre, usando uma camisa cara com um colete.

Riley não conseguiu evitar sorrir.

Ao olhar para Mike ninguém adivinharia que já era tarde e que o horário de consultas há muito tinha terminado. Parecia estar a meio de um dia típico de trabalho.

Sentaram-se no seu gabinete confortável.

“Diz-me o que é que se passa,” Disse ele, parecendo muito preocupado.

A garganta de Riley doía com a ansiedade. Engoliu em seco.

“Tenho tentado resolver o homicídio da minha mãe,” Disse ela.

Os olhos de Mike esbugalharam-se. Já tinham falado muitas vezes acerca do trauma da morte da mãe.

“Não pode haver caso mais arrumado do que esse,” Disse ele.

“Eu sei Mike. Sabes, recebi uma pista estranha de uma fonte especial e a princípio não a compreendi mas...”

Mike interrompeu-a.

“Riley, espera um momento.”

Riley parou, pensando no que se passaria.

Mike disse, “Sabes que sou um acérrimo defensor da confidencialidade médico-paciente. Mas tem cuidado com o que me vais contar. Se estiveres a infringir a lei ou penses fazê-lo no futuro próximo, terei que intervir. A confidencialidade cessa de imediato. Percebes o que te estou a dizer?”

Mike olhava-a intensamente nos olhos. Aquele olhar dizia-lhe a que se referia.

Ele adivinhara de imediato que a fonte da sua informação era Shane Hatcher. Riley sabia qaue fora fácil para ele adivinhar. No final de contas, fora Mike quem a apresentara a Shane – quando Hatcher ainda estava preso em Sing Sing. Mike dissera a Riley que os conhecimentos de Hatcher seriam uma grande ajuda num caso que ela estava então a tentar resolver.

É claro que tudo era diferente agora que Hatcher estava à solta. A relação de Riley com ele era ilegal. Se Riley sequer mencionasse que estivera em contacto com Hatcher, Mike não teria outra hipótese que não informar os seus superiores, provavelmente Brent Meredith.

“Eu compreendo,” Disse Riley.

“Ainda bem,” Disse Mike. “Agora conta-me o que puderes.”

De repente Riley teve que conter as lágrimas.

“Descobri uma coisa terrível Mike,” Disse ela. “A minha mãe teve um caso pouco antes de morrer. Descobri o homem com quem ela se envolveu. Falei com ele. Chama-se Byron. Contou-me tudo. Disse que queria que ela se divorciasse do meu pai para se casarem, mas ela não o fez.”

“Isso deve ter sido um choque tremendo,” Disse Mike.

Riley conteve a respiração durante um momento e depois disse, “Penso que talvez o meu pai tenha feito qualquer coisa de terrível.”

Mike manifestou surpresa.

“Pensas que pode ter sido o assassino?”

“Não, ele estava fora do país na altura, mas ele descobriu que eles tinham um caso e o Byron pensa... e eu também penso que talvez...”

A sua voz desvaneceu.

Mike disse, “Tenta lembrar-te. Talvez quando eras pequena soubesses que algo que não compreendias se passava. Lembras-te de alguma coisa? Fecha os olhos, relaxa. Se houver alguma coisa, vais lembrar-te. Quando te lembrares, conta-me.”

Riley fechou os olhos e respirou lentamente.

Começou a recordar-se de uma cena que a intrigara toda a sua vida.


CAPÍTULO VINTE E SETE


Não fazia sentido para Riley que a cena de que se lembrava a tivesse perturbado durante tanto tempo. Nada tinha acontecido. Era apenas uma conversa que se repetia na sua cabeça muitas vezes.

E tudo lhe voltou quando de sentou com os olhos fechado no gabinete de Mike Nevins. Ainda não fazia ideia do que significava.

Mike disse, “Diz-me de que é que te estás a lembrar.”

Com os olhos ainda fechados, Riley descreveu a memória a Mike.

“Eu devia ter uns cinco anos. Enteei na cozinha e a mãe e a minha irmã Wendy estavam a conversar. A Wendy tinha uns quinze anos. A mãe estava a chorar. A Wendy não parava de dizer, ‘Mãe, fá-lo por favor’. Também estava a chorar. ‘Seremos muito mais felizes. Eu serei mais feliz. E também a Riley. Seremos todos felizes.’ Mas a mãe continuava a soluçar. ‘Não posso,’ Dizia ela. ‘Falei com o capelão. Ele explicou-me porquê. Não posso.’”.

E era aquilo. Porque é que aquela conversa ficara com ela durante tanto tempo?

De repente, era como se uma luz se tivesse ligado na mente de Riley. Abriu os olhos e olhou para Mike.

Ele disse, “Agora percebes o que se estava a passar, não é?”

Riley anuiu. “Elas estavam a falar de Byron. A mãe contou a Wendy que o Byron queria que ela se divorciasse do pai para se casarem. A Wendy queria que ela o fizesse. Implorou-lhe. Mas a minha mãe não conseguia. Estava relacionado com o que um capelão lhe tinha dito.”

Numa voz muito suave Mike disse, “Eram tempos diferentes Riley. As mulheres deviam ficar com os maridos. E se ela perguntasse a um capelão militar o que fazer, ele dir-lhe-ia que não o podia deixar. Ele diria que era uma questão de vida ou de morte. O seu marido estava a servir o país no estrangeiro numa zona de combate. Receber uma notícia daquelas podia matá-lo. Às vezes acontecia.”

Riley foi arrebatada por uma onda de tristeza – tristeza pela mãe, pela irmã e por ela.

“A Wendy fugiu pouco depois,” Disse Riley. “Acho que a mãe se culpava por isso. Nâo parava de pensar que tudo era culpa dela, até tudo o que estava errado com o pai, a forma como a tratava e toda a gente. Negou a si própria uma oportunidade de ser feliz, mas mesmo assim culpava-se. Culpou-se até ao dia em que morreu.”

Agora Riley chorava. Abriu os olhos e Mike entregou-lhe um lenço.

“Ela podia ter sido feliz,” Disse Riley. “Quando penso como poderia ter sido...”

Ela não o conseguia imaginar, quanto mais verbalizá-lo – a vida que podia ter tido se a mãe se tivesse divorciado do pai e casado com Byron.

Agora havia algo mais que precisava de dizer.

“Tive um pesadelo a noite passada Mike,” Disse ela. “Estava a afastar todos os que amo ou de quem gosto – empurrava-os para o lado, porque pensava que estavam no meu caminho. Por fim, não restava ninguém a não ser ele – o homem que matou a minha mãe.”

“Qual pensas ser o significado do sonho?” Perguntou Mike.

Riley fez uma pausa. Ainda não pensara nisso até ao momento.

“Poderá haver um preço terrível a pagar pelo que eu descobrir. Posso acabar sozinha...”

A sua voz estacou novamente e Mike sabia exatamente no que ela estava a pensar.

“Apenas com os demónios do teu passado como companhia.”

Riley anuiu.

“Riley, houve uma coisa que aprendi enquanto terapeuta. O passado passou, o passado está ausente. Tens que viver o presente. Todos temos. O aqui e agora é assustador para todos nós, sempre. É a coisa mais difícil do mundo com que lidar – muito mais difícil do que fazer as pazes com o passado. Pensa na tua mãe, consumida pela culpa, morrendo com esse fardo. Aprende com o seu exemplo. Não queres acabar como ela.”

Tudo o que Mike dizia fazia todo o sentido para Riley.

E claro, era exatamente por esse motivo que Riley lhe pedira ajuda.

Riley limpou os olhos e respirou fundo. Sentiu o corpo descontrair.

“O que planeias fazer a seguir?” Perguntou Mike.

Riley encolheu os ombros. “Acho que não há mais nada que possa fazer – isto é, descobrir o assassino da minha mãe. Vou ter que viver com a possibilidade de que o meu pai teve algo a ver com a sua morte. Nunca saberei.”

“O que é que vais fazer amanhã? Tens que trabalhar no caso do assassino da caixa de fósforos?”

“Não, só regresso a isso segunda-feira.”

“Então passa o dia de amanhã com as tuas filhas.”

Riley nem acreditava como aquilo soava simples.

Poderia ela fazer isso?

O que é que a impedia?

“Obrigada Mike,” Disse ela. “Muito obrigada.”

Mike sorriu calorosamente.

“Fico feliz por ajudar. Agora vai para casa. Já é altura de ambos descansarmos.”


*


Quando Riley acordou na manhã seguinte, o sol entrava pela sua janela adentro. Olhou para o relógio e viu que eram quase dez horas.

O dia anterior tinha-a deixado tão exausta que tinha acordado muito mais tarde que o habitual.

Alarmada. Quase saltou da cama para se preparar para ir trabalhar.

Mas então lembrou-se que era domingo – e não era um domingo como outros da sua vida. Não havia pressão de nenhum caso. Não tinha que trabalhar hoje.

Era uma sensação estranha. Pensou se se conseguiria habituar a isso. Tinha dormido que nem uma pedra, sem sonhos de que se lembrasse. Agora fechou os olhos e relaxou. Pouco tempo passou até ser despertada por um odor maravilhoso.

Bacon, Percebeu. Café.

Ouviu uma batida na porta e a voz de April.

“Mãe, vais dormir o dia todo?”

Riley sentou-se na cama, completamente desperta. April entrou pela porta adentro com um sorriso no rosto e uma bandeja cheia de comida. April levou a bandeja até ela, caminhando com cuidado para não deixar cair nada.

Depois apareceu Jilly também a sorrir.

“Bom dia mãe,” Disse ela.

Riley sentiu-se grata.

“Muito obrigada!” Agradeceu a ambas.

“Oh, não nos agradeças a nós,” Disse Jilly. “A Gabriela é que fez tudo.”

“Mas foi ideia da Jilly,” Acrescentou April.

Riley mal conseguia acreditar no que ouvia. Fora um gesto tão carinhoso das três – Gabriela, April e Jilly. Ela lembrava-se de como se sentira triste, culpada e sozinha ontem – e quão terrivelmente distante de casa.

Era como se a sua pequena família soubesse que ela precisava de algo para se sentir melhor.

Riley arranjou as almofadas atrás de si e começou a comer. As miúdas sentaram-se à beira da cama.

“Então,” Começou Riley. “O que é que vamos fazer hoje?”

Os olhos de April abriram-se muito.

“Vais ter o dia livre?” Perguntou April.

“Não vejo por que não,” Disse Riley. “Então – alguém tem ideias?”

April e Jilly olharam uma para a outra, depois para Riley.

“Há uma feira de rua em Old Town,” Disse April. “Que tal irmos lá?”

Riley lembrou-se do seu encontro encurtado com Blaine na sexta-feira passada onde vira os expositores a serem preparados – tudo prometendo muita arte, artesanato e música.

“Pensei que tivesse sido ontem,” Disse Riley.

“Começou ontem,” Disse April. “E continua hoje.”

“Isso parece-me maravilhoso,” Disse Riley. “Vamos quando terminarmos de comer.”

April e Jilly riram-se.

April disse, “Todos já comeram exceto tu.”

“O melhor é despachares-te!” Disse Jilly.

As miúdas saíram do quarto e Riley apressou-se a terminar o pequenoa-almoço.


*


Um pouco mais tarde, Riley e Gabriela já passeavam entre os expositores dos artistas com as miúdas a circular de banca em banca.

“Olhem para os bolsos!” Exclamou Gabriela, apontando.

Riley seguiu Gabriela até uma banca que exibia malas feitas à mão. Riley percebeu de imediato porque é que tuinham chamado a atenção de Gabriela. Eram coloridamente tecidas num estilo muito parecido com o Guatemalteco.

“Quer que lhe compre uma?” Perguntou Riley.

“Oh, eu já tenho uma,” Disse Gabriela.

“Mas está a ficar gasta.”

Enquanto Gabriela hesitava, Riley acenou à mulher que se encontrava na banca, pediu a mala e pagou-a. Gabriela sorriu e disse gracias duas ou três vezes.Ass miúdas surgiram a correr na sua direção.

“Ouçam! Música!” Disse April.

Gabriela e Riley seguiram as miúdas até um local amplo que Riley e Blaine tinham visita na sexta-feira à noite. E ali estava a mesma banda a tocar uma música alegre. O lugar agora estava decorado e as pessoas dançavam.

E foi nessa altura que o líder da banda reparou em Riley. Sorriu-lhe, acenou-lhe e começou a tocar “One More Night”.

Riley ficou ali a sorrir enrubescida.

“O que é que se passa?” Perguntou April. “Quem é aquele homem?”

“É só um amigo do Blaine,” Disse Riley.

April olhou para ela curisosa, obviamente a tentar perceber porque é que a mãe estava a corar. Jilly interrompeu antes que April fizesse alguma pergunta.

“Ei, Ninguém tem fome? Eu tenho.”

Rileu deu uma risada. Não, ela não tinha fome. Tomara o pequeno-almoço muito mais tarde do que elas. Mas parecia-lhe justo fazer-lhes companhia enquanto comiam alguma coisa.

Continuaram a andar à procura de um lugar para comer e acabaram por passar em frente do Baine’s Grill. O restaurante estava repleto de clientes e Blaine tinha colocado mesas no passeio. Riley não tinha qualquer intenção de passar por ali.

Ficou aliviada por perceber que não era possível conseguirem uma mesa.

Riley viu a filha de Blaine, Crystal, a andar entre as mesas, aparentemente a dar uma ajuda. De repente viu-as.

“April!” Disse Crystal com entusiasmo.

Crystal saiu do restaurante quando April foi ao seu encontro e as duas abraçaram-se como se não se vissem há muito tempo.

“O que é que estás a fazer aqui?!” Perguntou Crystal.

“Só a passear,” Disse April.

“Oh meu Deus, têm que comer aqui! Vou ficar tão ofendida se não aceitarem!”

Sem esperar por uma resposta, Crystal virou-se, acenou para um grupo de ajudantes e como magia, uma mesa extra já estava posta no exterior. As outras pessoas que estavam à espera olharam para Riley e para o seu grupo com inveja enquanto passavam pela longa fila e se sentavam.

Riley, Gabriela e as miúdas sentaram-se.

“Volto já!” Disse Crystal.

Um momento mais tarde desapareceu no restaurante atarefado e apareceu de repente um empregado. Estavam a recber tratamento VIP. Seria por causa de Crystal e April? Perguntou-se Riley. Ou por causa de mim?

“O que é que desejam?” Perguntou o empregado.

Gabriela olhava indecisa para o menu e as miúdas começaram a discutir alegremente o que iam pedir.

Riley lembrou-se do delicioso cheesecake de framboesa que comera na sexta-feira.

“Surpreenda-nos com algo doce,” Disse ela.

Riley reparou que o próprio Blaine estava a atender outros clientes. Sentiu uma pontada de tristeza pela forma como o deixara na sexta-feira. Interrogou-se se ainda falaria com ela.

Mas então Crystal dirigiu-se a ele e disse-lhe qualquer coisa ao ouvido, e Blaine olhou na sua direção, acenando e sorrindo calorosamente para Riley.

Talvez me dê outra oportunidade, Pensou.

Mas depois outra coisa chamou a atenção de Riley. Um homem de idade aproximada da do seu pai estava sentado a uma mesa com a sua família – uma mulher, filhos adultos e netos. Todos se riam e estavam a passar um bom bocado.

Durante alguns instantes, o homem pareceu-lhe Byron Chaney – ou pelo menos o Byron se a sua vida se tivesse desenrolado de forma diferente. Havia uma mulher à mesa – a filha do homem, calculou Riley – que se parecia muito com Riley. Ela sorria e brincava com o pai.

Riley sentiu uma profunda tristeza. Ali estava, a apenas alguns metros de distância – a vida que ela podia ter vivido.

De onde estava sentada, parecia perfeito – sem erros, arrependimentos e falhas como aqueles que tinham ocorrido na na sua vida.

Riley olhou à sua volta. De repente, sentiu-se terrivelmente deslocada ali entre pessoas felizes.

Era um sentimento que conhecia demasiado bem.

Amanhã regressaria ao seu elemento, a fazer aquilo que era suposto fazer – apanhar monstros e fazê-los pagar pelos seus crimes.

Era um pensamento triste, mas Riley conseguiu sorrir quando Crystal trouxe a sobremesa para a sua mesa.

Riley continuou a sorrir, mas a sua mente já estava de volta ao trabalho.

Será que ela, Bill e Jake iriam finalmente conseguir desvendar o caso do assassino da caixa de fósforos?


CAPÍTULO VINTE E OITO


Riley chegou à UAC bem cedo na manhã seguinte, sentindo-se mais do que pronta para regressar ao trabalho. A caminho do seu escritório, foi saudada por Bill e Jake que se encaminhavam para ela no correrdor.

“Parece que tivemos sorte,” Disse Bill a Riley com um sorriso.

“O que é que queres dizer?” Perguntou Riley.

Jake disse, “O Woody Grinnell ligou-me hoje de manhã. Parece que aqueles panfletos com o esboço deram resultados. Um tipo foi hoje de manhã ao restraurante do Woody e disse que podia ter visto o assassino.”

Riley ficou de imediato repleta de entusiasmo.

“Ele reconheceu o rosto no esboço?” Perguntou.

“Não exatamente,” Disse Jake. “Parece que viu o assassino na noite do crime.”

Riley sentiu-se desiludida com aquela informação.

“Há tanto tempo?” Perguntou ela. “Com certeza que falou com a polícia na altura.”

“Parece que não,” Disse Jake. “O Woody diz que devemos ir lá e falar com o homem pessoalmente. Disse-lhe que lá íamos ter o mais rapidamente possível.”

“Então vamos,” Disse Riley.

Os três encaminharam-se para fora do edifício e entraram no carro da UAC que tinham usado na sexta-feira. Quando Riley começou a conduzir, Jake e Bill conversavam sobre o fim-de-semana. Tinham passado grande parte dele juntos, começando pelo encontro de natação do filho de Bill no sábado. NO dia anterior à noite tinham assistido juntos a um jogo de basquetebol num bar.

Enquanto Bill e Jake falavam dos principais acontecimentos do jogo, Riley sentiu-se contente por se estarem a dar tão bem. Eram duas das suas pessoas preferidas no mundo e ela sabia que tinham muito em comum.

Por fim Bill perguntou, “E Tu Riley? Como foi o teu fim-de-semana?”

Riley engoliu em seco.

“Oh, andei por aqui e ali,” Disse ela.

Ficou grata por Bill e Jake retomarem a sua conversa e não lhe perguntarem mais nada. Mas enquanto conduzia, vieram-lhe à mente fragmentos do seu próprio fim-de-semana.

Ainda se sentia assombrada pela história de Byron Chaney – e pelo seu clamor repleto de culpa.

“Não consigo deixar de pensar... deixei que a matassem.”

Riley estremeceu perante a memória. Ela desejava nunca ter sucujmbido à tentadora oferta de Hatcher. Que bem é que lhe tinha feito?

Quanto mais pensava naquilo, mais duvidava que nunca resolveria o verdadeiro mistério da morte da mãe.

Tudo parecia tão fútil – o que a fez sentir-se contente por ter outro caso em que trabalhar naquele dia.

Talvez tenhamos a sorte de que precisamos, Pensou.


*


Cerca de uma hora e meia mais tarde, Riley estacionou o carro em frente ao restaurante de Woody.

Woddy cumprimentou Riley, Bill e Jake ao vê-los entrar.

“Chegaram no momento certo!” Disse Woody. “O Tony acabou a sua volta matinal e chegou há alguns minutos.”

Woody conduziu-os diretamente a uma mesa afastada dos outros clientes. E lá estava sentado um homem de aspeto perfeitamente normal com o uniforme dos Correios Americanos vestido. Riley calculou que estivesse na casa dos trinta anos.

Woody convidou o grupo a sentar-se e pediu café para todos.

“Este é Tony Veach,” Disse Woody a Riley e aos seus companheiros. “É a pessoa de quem vos falei. Ele veio cá hoje de manhã e disse que poderia ter visto alguma coisa relacionado com a noite do crime. Conta-lhes aquilo que me contaste, Tony.”

Tony parecia um pouco relutante.

“Não sei se vai ajudar muito,” Disse ele. “Foi há muito tempo. A verdade é que nem pensei nisto durante muitos anos. Vi o panfleto ontem, fui para casa, as memórias voltaram e tive pesadelos...”

A sua voz desvaneceu-se.

Riley disse, “Tente-se lembrar o melhor que puder.”

Tony bebeu um gole de café.

“Penso que teria cerca de sete anos,” Disse ele. “Os meus pais não me mantinham muito por perto e eu explorava muita coisa. Gostava sobretudo de ir para o bosque em noites luminosas.

Tony fez uma pausa por um momento, parecendo pensativo.

“Uma noite, andava eu pelos bosques – descobri mais tarde que estava mesmo próximo do local onde Tilda Steen foi enterrada. Ouvi movimento, assustei-me e baixei-me atrás de uma árvore. Espreite de trás da árvora e...”

Tony vacilou um pouco.

“Ouçam, eu era só um miúdo. Agora sou adulto e sei como é a vida. Mas naquela altura, tinha a certeza que era um fantsma.”

Riley ficou alarmada. Reparou que Bill e Jake trocavam olhares de dúvida.

Tony prosseguiu, “Corri para casa o mais depressa que pude. Não disse logo nada a ninguém. Mas alguns dias mais tarde, descobriram o corpo de Tilda nos bosques. Por isso disse ao meu pai que vira um fantasma naquela noite e no local onde tinha acontecido. Ele não acreditou em mim. Porque é que acreditaria? Ele disse-me que não havia fantasmas e que devia esquecer aquilo.”

Tony encolheu os ombros desconfortavelmente.

“Que foi o que fiz. Até agora.”

Riley preparou-se para fazer mais perguntas a Tony para tentar deslindar o que ele tinha realmente visto – Se é que vira algo.

Mas depois foi atingida por um impulso diferente.

Ela disse, “Vamos todos até lá. Agora.”

“Vamos onde?” Perguntou Woody.

“Ao local onde foi encontrado o corpo de Tilda.”

Woody argumentou ceticamente.

“Não há muito para ver – já não.”

“Vamos mesmo assim.”

Bill e Jake pareceram surpreendidos, mas Riley insistiu e o grupo saiu do restaurante. Woody e Tony foram num carro e os agentes seguiram-nos no seu veículo.

“Isto não me soa bem,” Disse Jake.

“A mim também não,” Disse Bill. “Lembra-me demasiado aquele tipo maluco em Denison – aquele que disse que o assassino era um extraterrestre. Este tipo não parece maluco, mas era um miúdo na altura e os miúdos têm imaginações férteis.”

Jake disse, “Talvez ele não tenha visto nada. Talvez nem lá estivessse naquela noite. Talvez a sua memória lhe esteja a pregar partidas. Todos sabemos como isso por vezes pode acontecer.”

Riley continuou a conduzir atrás do outro veículo sem fazer quaisquer comentários.

Ela compreendia o qu Bill e Jake sentiam, mas o seu instinto dizia-lhe algo diferente.

Já falara com duas testemunhas que pensavam ter visto algo bizarro – uma dissera que era um alienígena e o outro que era um fantasma. Só isso já parecia uma estranha coincidência, se é que se tratava mesmo de uma coincidência.

Riley tinha um palpite de que talvez não fosse.

Mas logo desanimou quando chegaram ao destino e os dois carros estacionaram na estrada. Os bosques onde o corpo fora encontrado estavam a ser desbastados para um projeto imobiliário. Escavadoras e mais maquinaria pesada estavam a trabalhar.

Riley lembrou-se do que Woody acabara de dizer.

“Não há muito para ver – já não.”

Agora percebia o que ele queria dizer. Haveria alguma possibilidade de encontrar pistas de um homicídio que ocorrera há vinte e cinco anos num lugar daqueles?

Todos saíram dos carros. Seguiram Tony. Ele apontou na direção das árvores.

“Eu vi o que vi ali.”

“Leve-nos até lá,” Disse Riley.

Ao caminharem na direção das árvores, Riley apercebeu-se que aquele pedaço de bosque não ficaria li por muito mais tempo. A qualquer momento seria derrubado pelas escavadoras. Se protelassem ainda mais este caso, o que quer que ali pudessem encontrar desapareceria.

Se é que já não desapareceu, Pensou Riley.

A pouco distância das árvores, Tony olhou à sua volta para se situar. Depois caminhou na direção de um enorme carvalho.

“Tenho a certeza que este é a árvore onde me escondi,” Disse ele. “Nunca me vou esquecer. Estão a ver este nó? Parece um rosto. Está maior do que na altura.”

Riley olhou e de facto viu que a árvore crescera.

Depois, apontando, ele acrescentou, “Vio-o a vir dali.”

“Diga-nos exatamente o que viu,” Pediu Riley.

Tony tentou recordar-se de tudo tal como acontecera.

“A primeira coisa que vi... bem, era uma loucura, mas a mim pareceu-me uma cabeça se corpo a flutuar no ar. E as mãos, estavam muito abertas por isso conseguia distinguir todos os dedos. O rosto e as mãos estavam tão iluminados que pareciam brilhar. A boca mexia-se – penso que estaria a sussurrar para si próprio, mas não o consegui ouvir. Depois vi que ele estava inteiro – estava tão escuro que os seus braços e pernas e tronco se misturavam no cenário. Os olhos dele é que me assustaram. Eram de um azul tão claro. Não pareciam naturais.”

Riley lembrou-se do que Roger Duffy dissera acerca dos olhos do suspeito.

“Uma luz azul emanava deles.”

Agora quase pensava que talvez Duffy não fosse tão maluco como parecera.

“E o seu cabelo?” Perguntou Riley.

Tony pareceu algo intrigado.

“Eu... não reparei, acho eu.”

Riley tinha a certeza de que a memória ainda lá estava. Ela só tinha que a estimular.

“Estava a brilhar como o seu rosto de mãos?” Perguntou.

Tony inclinou a cabeça pensativamente.

“Não,” Disse ele. “O seu cabelo era escuro como o resto do corpo e quase parecia desaparecer no fundo.”

Riley estava a obter uma imagem na sua mente de um rosto estranho tipo máscara e mãos tipo luvas a movimentar-se na área. Não admira que o pobre miúdo tivesse ficado assustado. Não admira que o pai lhe tenha dito que estava a dizer disparates.

“E tem a certeza que não carregava nada?” Perguntou Riley.

“Não, as suas mãos estavam vazias.”

Riley pensou durante um momento, depois perguntou, “O que aconteceu de seguida?”

Tony disse, apontando novamente, “Ele continuou por aquele caminho e desapareceu. Eu ficara estático enquanto o observara. Voltei a mim e corri na direção da estrada. Naquele preciso momento, um carro passou a alta velocidade. Talvez fosse ele, mas não pude ver o rosto do condutor.”

Bill e Jake estavam a ouvir com imenso interesse o relato de Tony.

“Que tipo de carro era?” Perguntou Bill.

“Tony abanou a cabeça.

“Não reparei. Aquilo em que reparei... bem, também falei nisso ao meu pai e ele disse que eu estava a imaginar coisas.”

“O que foi?” Perguntou Riley.

Tony libertou uma risada de incerteza.

“Talavez tenha visto muitos filmes do Godzilla. Mas tive a certeza que o topo do carro tinha sido rasgado por algum monstro pré-histórico.”

Riley interrogou-se se ele não teria imaginado essa parte. Depois de ver o que parecia ser uma espécie de fantasma a mover-se no bosque, com certeza que a sua imaginação estaria em níveis máximos. Ainda assim, sabia que tinha que manter aquele pormenor presente.

Riley perguntou a Woody, “Onde estava o corpo enterrado?”

Woody apontou.

“Ali, a poucos metros de onde nos encontramos. Eu levo-a até lá.”

“Não,” Disse Riley. “Eu vou até lá sozinha.”

Woody pareceu intrigado.

“Ela sabe o que está a fazer,” Disse Jake.

Woody encolheu os ombros.

Tony perguntou, “Há algo mais que lhe possa dizer?”

“Não me parece,” Disse Riley.

“Nesse caso, tenho que regressar à minha volta da tarde,” Disse Tony.

“E a hora de ponta de almoço está a começar no restaurante,” Acrescentou Woody.

“Podem ir,” Disse Riley. “Foram de grande ajuda.”

Woody e Tony foram para o seu carro.

Riley, Bill e Jake mantiveram-se na área florestal olhando uns para os outros.

“Queres a minha ajuda?” Perguntou Jake a Riley.

Riley sabia que ele estava a pensar na forma como a ajudara no Baylord Inn em Brinkley. Mas desta vez as coisas eram diferentes.

“Penso que é melhor fazer isto sozinha,” Disse Riley.

Jake anuiu. “Eu e o Bill esperamos no carro.”

Dali a instantes, Riley estava sozinha naquele pedaço de bosque.

Respirou devagar e profundamente ao preparar-se para penetrar num lugar terrível e escuro – a mente do assassino.


CAPÍTULO VINTE E NOVE


Riley virou-se lentamente. Num cenário como aquele, conseguiria entrar na mente do assassino?

Estava rodeada de árvores, mas o intenso sol do meio-dia penetrava por entre os ramos. Ouvia-se a maquinaria pesada a trabalhar ali por perto.

Conseguiria mesmo bloquear a luz do sol e os ruídos? Conseguiria ela imaginar estar naquele lugar numa noite sossegada de luar?

Vamos a isto, Pensou.

Pegou no tablet e percorreu os ficheiros do caso, depois encontrou fotos da cena do crime que tinham sido tiradas há vinte e cinco anos atrás. Precisava de se posicionar.

Depois caminhou na direção do local que Woody tinha assinalado. Era fácil encontrar o lugar que procurava. Tirando um troco caído, a colocação das árvores estava igual ao que surgia nas fotos.

Olhou para as fotos que mostravam o corpo descoberto de Tilda Steen de vários ângulos. Ao contrário das suas vítimas antes dela, ela estava completamente vestida quando foi enterrada. Parecia grotesca nas fotos – coberta de areia e já com sinais de decomposição visíveis.

Ao verificar a cena, Riley apercebeu-se de que uma coisa não tinha mudado ao longo dos anos. Na altura como agora, a autoestrada era visível daquele lugar. O assassino tinha enterrado a rapariga junto à estrada – tão junto que um ciclista que por ali passara alguns dias depois reparara no cheiro.

O assassino sabia que aquele corpo seria encontrado, tal como os outros haviam sido.

Guardou o tablet. Agora não ia precisar dele.

Apesar das distrações, deu por si a entrar na sua mente muito facilmente.

Numa questão de poucos minutos, parecia estar cercada por uma noite de luar. Os sons da maquinaria pesada deram lugar ao som dos grilos ao luar.

Já estava dentro dele, vendo as coisas com os seus olhos.

E lá estava Tilda aos seus pés. Na sepultura rasa que ele acabara de escavar.

Ela parecia adormecida e não morta.

Em que é que ele estava a pensar?

Como ela é pequena e leve, Pensou Riley.

Podia tê-la levado para mais longe no bosque – muito mais longe.

Mas ele queria que a encontrassem.

Talvez se alguém a encontrasse, també o encontrassem a ele e o parassem.

Agora Riley conseguia sentir os seus braços a regressarem ao trabalho, atirando terra para cima do corpo.

Mas não demasiada, Pensou Riley.

Ele não queria cobrir demasiado o corpo.

Não se deu ao trabalho de substituir toda a terra que tinha escavado para fazer a sepultura.

Em vez disso, atirou pedras, ramos, musgo e folhas para cima dela – só o suficiente para que não se visse nenhuma parte dela.

Depois ficou completo.

Nâo se sentiu aliviado, apenas sentia uma crescente auto-aversão.

Sentiu-se doente com o que tinha feito. Sentiu um sabor amargo na boca. Ele desejava poder fazer o tempo andar para trás quando ela ainda estava viva.

Na verdade, ele desejava poder recuar o relógio vários meses antes de ter morto aquelas outras duas raparigas.

Elas não merceciam morrer – não devido à sua falha.

Mas de uma forma ou de outra, ele ia ter que viver com aquele feito horrível – e com os outros também.

“Sou um homem mau num mundo mau,” Imaginou Riley que ele pensara.

Mas o que estava feito, feito estava.

Chegara o momento de sair daquele lugar.

Pegou na pá e voltou-se para regressar ao carro.

Espera lá, Pensou Riley.

Havia algo de errado com aquela imagem.

Ela lembrava-se de Tony ter descrito as suas mãos brilhantes. Estavam “abertas por isso conseguia ver todos os dedos.”

Ele estava a afastar-se da sepultura quando Tony o vira.

Mas não estava a carregar a pá. Tony tinha a certeza que ele não levava nada com ele.

Riley regressou à mente do assassino no momento em que acabara de cobrir o corpo.

Ela sentiu todo o seu corpo a estremecer de raiva e nojo.

Ele olhou para a pá que tinha na mão.

“Nunca mais,” Murmurou em voz alta.

Riley conseguia sentir a tensão no seu braço e ombros ao recolher a pá e depois a libertação quando a atirou para longe de si.

De repente, Riley saiu do seu estado de transe.

A pá!

Lembrando-se da precisa sensação imaginada de a atirar, Riley caminhou nessa direção. Os seus passos levaram-na diretamente até ao tronco caído em que reparara quando chegaram. Ajoelhou-se e retirou a cobertura vefgetal acumulada debaixo dele.

Sentiu uma ador aguda nos dedos ao atingir algo duro. Puxou até sair debaixo do tronco.

Com toda a certeza que se tratava da lâmina de uma pá. O metal estava muito enferrujado e o manípulo de madeira estava tão podre que se desfez em pedaços na sua mão. Estava ali escondido desde que a árvores caíra.

Riley sentiu apoderar-se por uma onda de desespero.

A pá podia ter servido como prova – se tivesse sido encontrada a tempo.

Mas no seu estado atual de deterioração, não servia para nada.

E no entanto, uma possibilidade estava a formar-se na sua mente.

Ele atirou a pá, Pensou.

Ele queria livrar-se de tudo o que estivesse relacionado com os homicídios.

Caminhou de volta ao carro onde Bill e Jake estavam à sua espera.

Ela não fazia ideia de qual seria o próximo passo da busca.


CAPÍTULO TRINTA


Quando Riley saiu do meio das árvores, viu que Bill e Jake estavam fora do carro a olhar para ela com expetativa.

“Conseguiste alguma coisa?” Perguntou Jake.

Riley ergueu a lâmina da pá.

“O assassino atirou-a para o lado depois de acabar de cobrir o corpo,” Disse ela. As folhas e e arbustos são espessos por aqui, por isso isto pode ter ficado coberto nos dias antes do corpo ser descoberto. Os polícias não deram com ela.”

Jake abanou a cabeça.

“Raios,” Disse Jake. “Eu queria percorrer a cena do crime com o meu pessoal. Mas foi afastado do caso antes de ter essa oportunidade. E como disse anteriormente – O Woody é uma joia de pessoa, mas nunca foi grande polícia.”

“Então em que pé estamos?” Perguntou Bill.

“Com o carro,” Disse Riley. “Ainda podemos conseguir localizá-lo.”

Jake grunhiu desaprovadoramente.

“Hipótese remota,” Disse ele. “O Tony nem sequer se lembrava da marca.”

Riley disse, “Sim, mas lembras-te do que ele disse a respeito do carro?”

Bill disse, “Ele disse que parecia que um monstro tinha rasgado o topo.”

Riley anuiu.

“Eu sei que parece uma loucura, mas vale a pena investigar. Outras partes da história de Tony começam a fazer sentido.”

Depois Jake soltou uma risada.

“Filho da mãe,” Disse ele. “Acho que percebo. Lembram-se que costumavam fazer carros com tejadilhos de vinil nos anos 70 e 80? Ficaram fora de moda por altura destes homicídios. Mas alguns desses carros ainda andavam por aí.”

Bill disse, “Claro, eu lembro-me. Esses tejadilhos de vinil eram uma chatice. Estragavam-se muito facilmente. Até as condições climatéricas os desgastavam.”

Jake acrescentou, “E lembram-se do aspeto com que ficavam quando se estaragavam?”

Bill assentiu.

“Ficavam rasgados em longs tiras – como se tivessem sido rasgados por garras gigantescas,” Disse ele. “E um carro com um tipo de dano tão visível seria fácil de identificar. O assassino deve-se ter querido livrar dele.”

Riley acrescentou, “Ele queria livrar-se de tudo relacionado com os crimes.”

Jake afagou o queixo pensativamente.

“Isso facilita um pouco a nossa busca,” Disse ele. “Estamos a falar de um carro que já era provavelmente velho em 1992, uma das marcas que tinha um tejadilho de vinil. Podemos colocar os técnicos da UAC à procura de registos. Podem verificar vendas dono a dono que ocorreram nesta área após o último homicídio. Isto se o assassino não se limitou a abandonar o carro.”

Mas Riley pensava de forma diferente. Um palpite vinha a avolumar-se desde que tivera acesso aos pensamentos do assassino. Lembrou-se da repugnância que sentira quando atirou fora a pá.

“Penso que ele não se limitou a abandonar o carro,” Disse ela. “Penso que nem sequer o vendeu. Ele já não ia matar. A simples existência do carro punha-o doente. Queria que desaparecesse – completamente.”

Jake compreendeu de imediato o que Riley estava a querer dizer.

“Ele queria destruí-lo,” Disse Jake.

Bill pegou no telemóvel.

“Temos que procurar ferros-velhos locais,” Disse ele.

Riley e Jake observavam Bill na sua busca.

“Penso que sei por onde começar,” Disse finalmente Bill. “O ferro-velho mais próximo de Greybull é o ferro-velho Codner. O anúncio diz que estão no negócio desde 1960.”

Riley estalou os dedos.

“Bingo,” Disse ela. “Vamos começar por aí.”


*


Era uma viagem curta de Greybull até ao ferro-velho. Quando Riley e os companheiros saíram do carro, ela ficou surpreendida com a aparência do local. Nunca visitara antes um ferro-velho por isso esperava que este fosse um exemplo de caos.

Em vez disso, tudo estava muito bem organizado em torno de uma ampla área aberta. O chão era de terra batida, mas estava limpo e ordenado. De um dos lados encontrava-se um edifício de metal e ao lado dele estavam imensos carros estacionados em diversos estados de delapidação. No extremo mais distante estava um barracão aberto repleto de prateleiras cheio de peças sobresselentes. Do outro lado estava uma parede sólida de metal.

Um homem de meia-idade usando calças de ganga e um capacete de segurança saiu da cabine de um grande manipulador de materiais amarelo.

“Em que vos posso ajudar?” Perguntou o homem.

Riley e Bill mostraram os distintivos e apresentaram-se, assim como a Jake.

“Deve querer falar com o dono,” Disse o homem. Apontou para o edifício principal. “Encontram-no no seu gabinete.”

Quando Riley, Bill e Jake entraram no edifício, foram saudados por uma mulher idosa vestindo fato de macaco e sapatos pesados. A mulher era robusta e fumava um cigarro.

“O que desejam?” Perguntou.

Riley e os companheiros apresentaram-se novamente.

A mulher ficou surpreendida.

“FBI?” Disse ela. “Isso não parece bom. Devo ir buscar um advogado?”

A julgar pela forma como falava sem tirar o cigarro da boca, Riley calculou que estava perante uma fumadora inveterada.

“Não,” Disse Riley. “Estamos aqui a investigar um caso de homicídio antigo e só precisamos da vossa ajuda.”

A mulher encolheu os ombros.

“Homicídio, eh? Bem, penso que não encontrarão corpos neste lugar. Mas podem procurar, talvez me tenha escapado um ou dois cadáveres.”

Soltou uma gargalhada áspera e cumprimentou Riley.

“Já agora, sou Audrey Codner. Estou aqui desde sempre.”

Riley apertou-lhe a mão.

“Então talvez nos possa ajudar,” Disse ela. “Estamos à procura de um suspeito e pensamos que ele pode ter trazido um carro para aqui à vinte e cinco anos.”

A mulher rolou o cigarro entre os lábios.

“Isso é muito tempo – antes de termos esta coisa.”

E deu uma batida num computador arcaico com a mão.

“Ainda a tentar descobrir como funciona. Na altura o meu marido Caleb matinha os registos, tudo em papel. Morreu em 1998 – que descanse em paz a sua alma geniosa.”

Por muito duras que soassem as palavras, Riley detetou uma afeção genuína na voz de Audrey.

“Venham, eu mostro-vos,” Disse Audrey.

Conduziu Riley e os seus companheiros até um compartimento repleto de estantes com caixas de cartão.

Ela disse, “Se o carro cá veio, há por aqui algures um registo.”

Riley sentiu-se assombrada pela quantidade de ficheiros que ali se encontravam.

“Que tipo de registo tem?” Perguntou. “Matriculas?”

“Não, as matriculas teriam sido devolvidas à DGV pelo proprietário. Mas temos que obter prova de posse antes de aceitarmos o carro. Geralmente isso quer dizer que temos o título. Por vezes, em vez disso tiramos uma cópia do cartão de registo. E uma cópia da carta de condução do condutor.”

Isto promete, Pensou Riley.

Trocou olhares com Bill e Jake, e pressentiu que eles pensavam da mesma forma.

A mulher subiu uma escada até uma das prateleiras.

“Qual o ano que procuram?” Perguntou.

“1992,” Disse Bill.

A mulher puxou uma pesada caixa da prateleira, desceu com ela pela escada e colocou-a em cima de uma mesa.

“Tenho três caixas desse ano,” Disse ela. “Podem começar por esta. Mas falem-me mais desse carro de que estão à procura.”

Riley disse, “Não sabemos a marca, mas pensamos que tivesse um tejadilho de vinil bastante danificado. Pensamos que o suspeito o quisesse destruir.”

Audrey soprou o cigarro.

“Isso parece-me familiar. Caleb estava aqui a trabalhar um dia quando eu fui visitar os meus pais. Quando regressei falou-me num tipo que cá tinha vindo com um carro. Estava em bom estado exceto o tejadilho de vinil que estava bastante maltratado. O Cabel disse que o homem era estranho. Qualquer coisa nos olhos, disse Caleb. Nunca me disse exatamente o que era.”

O coração de Riley começou a bater descompassadamente.

Estamos na pista certa, Pensou.

Audrey pensou durante um momento, depois disse, “Sim, o Caleb ficou muito intrigado com aquele. Um carro perfeitamente bom, só precisava de alguma reparação. Mas o tipo estava ansioso para se livrar dele. Não queria dinheiro pelo carro, mas não queria que o Caleb o revendesse ou até vendesse partes. Queria vê-lo a ser esmagado. Insistiu em ver Caleb a fazê-lo. Ela não percebeu.”

Riley teve que recuperar o fôlego.

“O seu marido alguma vez mencionou o nome do homem?” Perguntou.

“Lamento mas não,” Disse Audrey.

“E a marca do carro?” Perguntou Bill.

Audrey coçou a cabeça.

“Não, exceto que era um pouco antigo mas ainda em bom estado. E com exceção do pormenor do vinil.”

Jake perguntou, “O que acontece aos carros depois de serem esmagados?”

Audrey soltou uma gargalhada curta.

“Viu aquela montanha de metal quando chegaram? É nisso que se tornam. Depois os retalhos são vendidos. Mesmo que um carro ainda ali se encontre, boa sorte em encontrá-lo.”

Audrey deu uma palmadinha na caixa.

“Tentem encontrar aquilo que puderem.” Depois apontando para as prateleiras, acrescentou, “Se precisarem de mais coisas de 1992, estão ali. Digam-me se vos puder ajudar em mais alguma coisa.”

Audrey regressou ao gabinete e Jake abriu a caixa de cartão e começou de imediato a vasculhar o seu conteúdo.

O seu rosto demonstrou desilusão.

“Que confusão,” Disse ele. “O falecido Caleb Codner não tinha grande cuidado a manter os registos.”

Bill e Riley espreitaram a caixa, e logo Riley viu qual era o problema.

A caixa estava repleta de registos de 1992, mas sem seguirem uma ordem especifíca – certamente não por data. Parecia que Caleb tinha enfiado os ficheiros na caixa de forma aleatória quando os recebia.

Bill disse, “O melhor é pegarmos nas outras caixas.”

Riley e Jake pegaram nas duas outras caixas de 1992 e e colocaram-nas em cima da mesa. No telemóvel, Jake começou a procurar carros que tivessem tejadilhos de vinil.

Jake disse, “Estou a encontrar muitas possibilidades – Consuls, Capris, T_Birds, Cortinas, Volvos...”

Bill começou a retirar ficheiros da primeira caixa.

“Faz uma lista Jake,” Disse ele. “Isto pode demorar um bocado.”

Em poucos minutos, a mesa estava repleta de ficheiros cheios de documentos. Era difícil para Riley manter-se concentrada. O que é que estava realmente à procura, a não ser uma marca de carro que tivesse um tejadilho de vinil? A sua busca parecia tão vaga que se preocupava que lhe pudesse escapar. Ela tinha a certeza de que Bill e Jake sentiam o mesmo.


*


Depois do que pareceu uma eternidade, Jake soltou um grito de alegria exibindo um dos ficheiros.

“Acho que o descobri,” Disse ele.

Riley e Bill aproximaram-se de Jake.

O ficheiro que ele encontrara dizia “PARA NÃO REVENDER”.

Jake mostrou a Riley e Bill os papéis do ficheiro.

Jake disse, “Este carro era um Ford Granada de 1982 e tinha o mesmo tejadilho de vinil que procuramos. As instruções eram para o destruir imediatamente.”

Jake mostrou um pedaço de papel amarelado a Bill e Riley.

“Aqui está uma cópia do cartão de registo e da carta de condução.”

As imagens no papel tinham-se desvanecido e parecia que a fotocópia não era de boa qualidade. O cartão de registo parecia ter-se engelhado antes de ser fotocopiado. O rosto da carta de condução era especialmente difícil de identificar. Seria a personagem espectral descrita por Roger Duffy e Tony Veach? Possivelmente, mas Riley não conseguia ter a certeza.

Bill disse, “Parece que o Caleb não era muito exigente com o tipo de documentação que aceitava.”

Jake disse, “Bem, não o censuro. Caleb não ia pagar pelo carro, mas também não ia poder vendê-lo ou vender peças. Porquê incomodar-se com pormenores? Não havia forma de saber que estava a lidar com um assassino.”

Riley espreitou a carta de condução com atenção.

“O nome está manchado e é impossível de ler,” Disse ela. “E também os números.”

Jake acenou outro pedaço de papel.

“Talvez isto ajude,” Disse ele.

Era um recibo – e era bem legível.

O coração de Riley batia descompassadamente ao ler.

O nome do homem era Reed J. Tillerman e a morada era 345 Bolingbroke Road em Greybull.

“Pensam que é o seu nome verdadeiro?” Perguntou Jake a Riley.

Riley não respondeu, mas tinha as suas dúvidas. O nome manchado na carta de condução não parecia tão longo.

Bill estava a fazer uma pesquisa no seu telemóvel.

“Pelo menos é uma morada real,” Disse Bill. “Não é bem em Greybull. É numa área rural a pouco tempo daqui.”

“De que é que estamos à espera?” Perguntou Jake. “Vamos!”

Foram até ao gabinete e agradeceram a Audrey Codner pela sua ajuda.

“Sempre às ordens,” Disse Audrey. “Já agora, o que é que esse vosso suspeito fez exatamente?”

“Matou três mulheres,” Disse Riley.

Audrey abanou a cabeça.

“Ah, sim. O assassino da caixa de fósforos. Lembro-me bem daquela probre rapariga em Greybull. Espero que apanhem o filho da mãe. Voltem se precisarem de mais alguma coisa.”

Riley e os companheiros encaminharam-se para fora do edifício de volta ao carro, e Riley começou a conduzir. Excitada como estava, uma voz de antigamente não parava de tentar abrir caminho na sua mente,

“Dê-me o seu dinheiro.”

Era a voz do assassino da mãe – e parecia assustadoramente clara, como se a tivesse ouvido ontem.

Riley conteve um suspiro.

Tinha trabalho a fazer e não queria ser distraída, sobretudo por um asssunto em relação ao qual nada podia fazer, talvez nunca.

Talvez resolver o caso do assassino da caixa de fósforos afastasse esse antigo tormento da sua mente.

Riley esperava que assim fosse.


CAPÍTULO TRINTA E UM


Riley ficou intrigada quando chegou à morada que ela, Bill e Jake procuravam. Não se parecia nada com o covil de um assassino em série. Lia-se num sinal em frente à propriedade...


Quinta da Família Shaffer

Passeios de pónei

Animais bebés

Produção orgânica


Riley estacionou o carro uma área de estacionamento ampla de uma atraente casa de três andares. Tudo à sua volta parecia tão incrivelmente pitoresco que mal conseguia acreditar que fosse real. Era primavera na Virginia rural e a paisagem estava espantosamente verde e fresca. Parecia outro mundo e um tempo antigo, mais inocente.

Quando Riley e os seus companheiros saíram do carro, uma cabra bebé veio na sua direção. Ela retirou a mão quando o animal tentou lamber-lhe os dedos.

Ouviu uma voz de criança dizer, “O Lucky não lhe faz mal. Só está à procura de guloseimas.”

O rapaz devia ter oito ou nove anos. Estava rodeado por várias cabras bebés.

Uma mulher saiu da casa. Parecia um pouco mais nova do que Riley e apresentava uma tez corada e saudável.

Ela disse, “Fritz, leva esssas cabras de volta para o celeiro.”

O rapaz levou a pequena cabra chamada Lucky e as outras seguiram-na.

A mulher sorriu abertamente aos recém-chegados.

“Bem-vindos à Quinta da Família Shaffer,” Disse ela. “Eu sou Sheila Shaffer. Chegaram mesmo a tempo de morangos frescos.”

Riley e os colegas apresentaram-se.

Ao ver os distintivos do FBI, os olhos de Sheila Shaffer demonstraram surpresa.

Riley disse, “Estamos à procura de um homem que pode aqui ter vivido há vinte e cinco anos. O seu nome seria Reed J. Tillerman.”

A mulher parecia um pouco intrigada.

“Devem ter vindo ao lugar errado,” Disse ela. “Os Shaffers vivem aqui há gerações e nunca ouvi falar em ninguém com esse nome.”

Riley mostrou a Sheila o velho esboço que tinha no tablet.

“Não, não o reconheço,” Disse Sheila. “Lamento.”

Riley, Bill e Jake olharam uns para os outros. Riley sentia-se desiludida e viu a sua desilusão estampada nos rostos dos companheiros. Teriam a morada e o nome sido falsificados no recibo?

Não devíamos ter ficado com esperanças, Pensou Riley.

Antes de fazerem mais perguntas, surgiu um homem com um pequeno pónei Shetland. Devia ter a idade de Sheila e parecia tão amável e saudável como ela. Tal como Sheila e o rapaz, tinha sardas e era ruivo.

“Alguém quer dar uma volta de pónei?” Perguntou o homem. “Lembrei-me de perguntar antes de colocar o Jimbo no estábulo.”

A mulher disse a Riley e aos seus companheiros, “Este é Frank Shaffer, meu marido. Vive aqui há mais tempo que eu – toda a sua vida.” Depois disse a Frank, “Querido, estes senhores são do FBI. Dizem que estão à procura de alguém que poderá ter vivido aqui há vinte e cinco anos.”

Virando-se para Riley, Sheila acrescentou, “Como disse que se chamava?”

Riley mostrou o esboço a Frank. Disse, “Poderia chamar.se Reed J. Tillerman.”

“Eu era apenas um miúdo na altura,” Disse Frank. “Não me recordo do nome Tillerman, mas há qualquer coisa nesse primeiro nome, Reed...”

Calou-se.

Depois disse, “O pai seria capaz de os ajudar mas já faleceu há alguns anos. Vamos falar com a tia Maddie. Era irmã do meu pai. É a única que ainda se pode lembrar de alguma coisa.”

Riley, Bill e Jake seguiram Frank e Sheila para um quintal vedado repleto de galinhas. Uma mulher mais velha exibindo um vestido simples de algodão, dava de comer às galinhas. Riley estava espantada.

Há quem ainda faça isto à mão?

Frank disse, “Tia Maddie, estes senhores do FBI estão à procura de uma pessoa chamada Reed J. Tillerman que pode cá ter estado há vinte e cinco anos.”

Ainda a dar de comer às galinhas, a mulher riu-se.

“Vinte e cinco anos é muito tempo,” Disse ela. “Se alguma vez cá esteve, já partiu há muito.”

Frank disse, “Mas penso que me lembro de alguma coisa sobre um tipo cujo primeiro nome era Reed. O pai não alugou a nossa cabana a alguém?”

A mulher parou de dar de comer às galinhas e olhou para cima.

“Oh, meu Deus,” Disse ela. “Não pensava nele há muito tempo. O meu irmão Luther não gostava muito do seu caráter.”

Ela apontou na direção de um pasto.

“A primeira velha casa da família fica acolá – um lugar pequeno. Ninguém lá viveu durante anos. A dada altura o Luther pensou que seria boa ideia alugá-la. Mas só a alugou a um homem. Sim, penso que o seu nome era Reed qualquer coisa.”

“Sim, agora me lembro,” Disse Frank. “O pai não gostava nada dele.”

A tia Maddie abanou a cabeça.

“Não, não gostava mesmo. Aquele homem era muito peculiar, sempre tímido. Eu só o via à distância e mesmo assim só depois de escurecer. Alguma vez o viste bem Frank?”

Frank encolheu os ombros. “Não de que me lembre,” Disse ele.

“Qualquer coisa no seu aspeto arrepiava Luther,” Disse a tia Maddie. “O Luther não dia o que era, exceto que não gostava dos seus olhos. Uma noite o tal Reed qualquer coisa foi-se embora sem dizer nada e nunca mais o vimos. ‘Que faça boa viagem’, Disse Luther. Nunca mais alugou a casa a ninguém.”

Riley sentiu o entusiasmo da descoberta.

Perguntou à tia Maddie, “Pensa que o seu irmão manteve registos desse aluguer? Recibos ou algo do género?”

“Oh, duvido,” Disse a tia Maddie. “Ele queria esquecer o caso. E mesmo que tivesse, eu não saberia onde procurar.”

“Pode mostrar-nos a casa?” Perguntou Riley.

“Certamente,” Disse a tia Maddie.

A mulher idosa encabeçou o grupo na direção da pastagem e a pequena cabana apareceu pouco depois. Estava num estado de ruína absoluta. Várias vacas estavam deitadas na erva alta em frente da casa.

Frank explicou, “Usamo-la há anos para armazenamento de comida. Mas está a ficar demasiado arruinada até para isso. Muito perigosa. Planeamos deitá-la abaixo e construir um barracão decente.”

O lugar não parecia nada promissor e Riley duvidava que o assassino tivesse deixado alguns pertences no seu interior. Ainda assim, a casa intrigava-a.

“Posso ver lá dentro?” Perguntou.

Frank disse, “Claro, mas tenham cuidado. O chão está em mau estado e todo o lugar pode ceder antes de o demolirmos.”

Frank conduziu Riley entre as vacas e pelos degraus arruinados até ao alpendre. Frank emurrou a porta e convidou Riley a entrar.

A luz era difusa lá dentro mas Riley podia ver que a sala de estar estava repleta de fardos de feno. Não havia uma mobília à vista.

Frank explicou, “O nosso gado são vacas leiteiras de pastagem. No inverno gostamos de ter algum feno de qualidade à mão. É isso que armazenamos aqui.”

Mostrou a Riley uma porta que abria para outro compartimento. Estava repleto de blocos de sal e grandes contentores de lixo de metal.

“Aqueles contentores estão cheios de cereal,” Disse Frank. “O cereal aumenta a produção de leite do nosso gado.”

Riley virou-se lentamente, tentando sentir o lugar. Depois olhou para um par de portas onde viu uma casa de banho e uma cozinha, ambas despojadas de iluminação e equipamentos.

“Parece que não há muito para ver,” Disse Frank.

Era verdade – mas ainda assim, Riley apanhou uma vibração misteriosa na casa. Não era difícil imaginá-la com mobília antiga.

“Pode deixar-me sozinha por um momento, por favor?” Perguntou Riley a Frank.

Frank inclinou a cabeça incerto.

“Não é muito seguro ficar aqui,” Disse ele.

Riley quase fez um gesto na direção da arma para indicar que não estava em perigo. Depois lembrou-se...

Não é disso que ele está a falar.

“Eu fico bem,” Disse Riley com um sorriso.

Frank anuiu.

“OK, mas tenha muito cuidado.”

Frank caminhou na direção do alpendre, Riley conseguia ouvi-lo a falar com os outros lá fora.

A vibração tornou-se mais forte. Conseguiu começar a sentir a presença do assassino.

Riley respirou lentamente ao deixar o espectro do assassino expandir-se dentro de si.

Agora era uma presença familiar – familiar como no quarto de motel em Brinkley e como há pouco na área florestal onde descobrira a pá. Mais uma vez, Riley sentiu que ele estava indefeso e assustado, envergonhado e culpado.

E agora Riley sabia que ela sentia os seus sentimentos desde que estivera naquele lugar. Ela conseguia ver e senti-los vividamente. Já era noite e ela acabara de matar e enterrar Tilda Steen. Voltara para ali. Conseguia sentir a terra nas mãos.

Riley seguiu os seus passos até à casa de banho.

Era fácil imaginar a iluminação simples que ali outrora existira.

Seguindo os seus movimentos, ela acompanhou o movimento de lavagem de mãos e viu os vestígios de terra a irem pelo ralo.

Mas não era suficiente.

Ele não se sentia limpo.

Msmo um longo banho quente não seria suficiente para o fazer sentir-se limpo novamente.

Riley conseguia ouvir os seus pensamentos a ecoar no seu cérebro.

“Tenho que me livrar disto. De tido isto.”

Livrar-se da pá não fora suficiente. Nem nada que se parecesse. Ele tinha que se livrar de tudo.

Até tinha que se livrar de si próprio – ou pelo menos do homem em que se tornara desde que para ali fora viver há algumas semanas.

Vivia naquela casa desde que começara – desde que matara a estudante universitária em Brinkley, depois a outra rapariga em Denison e depois Tilda Steen em Greybull.

E agora ela conseguia ouvi-lo pensar...

“Tenho que sair desta casa.”

Teve uma noção patética de que se se livrasse de tudo à sua volta, se transformaria numa pessoa diferente.

Ela conseguia sentir o seu desespero enquanto reunia os seus pertences – tão poucos que caberiam facilmente numa pequena mala.

Seguiu os seus passos na direção da porta de entrada.

Depois ela saiu para a tarde solarenga.

Mas ainda assim sentiu a escuridão daquela noite terrível – a escuridão de que ele nunca se conseguiria libertar.

Ele imaginou que aquilo era o início do resto da sua vida – uma vida melhor.

Mas Riley sabia lá no fundo...

Ele nunca se tornara num homem bom.

Talvez nunca mais tivesse voltado a matar.

Talvez nunca mais tivesse cometido qualquer espécie de crime.

Mas no seu coração e na sua alma, ele ainda era o homem que matara aquelas mulheres.

Ele não tinha bondade dentro de si.

Por muito que tivesse querido, nunca aprendera a ser carinhoso, a importar-se com os seres humanos.

E agora, Riley pensava, o tempo já se tinha esgotado para ele para enfrentar um tribunal.

O devaneio de Riley foi interrompido por uma voz.

“Reed! Agora me lembro!”

A voz trouxe Riley de volta ao momento presente. Ela estava no alpendre com um grupo de pessoas à sua frente, não apenas Bill e Jake, mas também os Saffers – Sheila, Frank e a tia Maddie. A expressão da tia Maddie era de ansiedade e excitação.

“O seu nome era Reed. Mas esse não era o seu primeiro nome. Era o último.”

“Qual era o seu primeiro nome?” Perguntou Riley sem fôlego.

A tia Maddie recordara-se.

“James. Tenho a certeza que foi isso que o Luther me disse. Ele chamava-se James Reed.”

Riley viu os seus colegas boquiabertos. Ela estava tão entusiasmada como eles, mas sem querer elevar demasiado as esperanças.

Riley disse à tia Maddie, “Por favor, tente lembrar-se, minha senhora. O seu irmão disse-lhe mais alguma coisa a seu respeito que devamos saber?”

A mulher abanou a cabeça.

“Nada de mais – exceto que não gostava dele. Não gostava dele a ponto de nem sequer querer falar dele.”

Riley entregou à tia Maddie o seu cartão.

“Por favor, todos vocês – se se lembrarem de mais alguma coisa, quero que entrem em contacto comigo de imediato.”

Riley e os seus colegas agradeceram à família pela sua ajuda. Depois regressaram ao carro. Ficaram ao lado do carro a discutir esta nova informação.

“Então, acham que temos o nome verdadeiro?” Perguntou Bill.

“Não sei,” Disse Riley. “Pelo que sabemos, James Reed era um nome inventado e o seu verdadeiro nome era Reed J. Tillerman. Mas sei a quem podemos pedir ajuda.”

Pegou no telemóvel e ligou a Sam Flores. Colocou-o em alta-voz para que Bill e Jake pudessem fazer parte da conversa.

“Sam, precisamos de ajuda,” Disse Riley. “Estamos perto de Greybull a trabalhar no velho caso do assassino da caixa de fósforos.”

“Ah, sim,” Disse Sam. “Aquele em que envelheci um esboço para vocês. Como é que está a correr?”

“Depende,” Disse Bill.

“Talvez nos consigas ajudar,” Disse Jake.

“Digam,” Disse Sam.

Riley pensou durante um momento.

Por fim disse, “Temos dois nomes possíveis do suspeito – Reed J. Tillerman e James Reed. Um pode ser inventado, o outro pode ser o verdadeiro. O que me podes dizer sobre estes nomes?”

Riley ouviu Sam a teclar com rapidez no teclado.

Por fim disse, “Bem, tenho boas notícias e tenho más notícias. Dou-vos primeiro as boas notícias. Podem eliminar Reed J. Tillerman. Parece ser um nome comum mas não encontro um único Reed Tillerman em nenhum lado, vivo ou morto ou indiferente.”

“OK,” Disse Riley. “E as más notícias?”

“Bem, há vários milhares de homens com o nome James Reed por todo o país.”

Riley, Bill e Jake trocaram olhares.

“Podes estreitar a pesquisa a uma área mais específica?” Perguntou Jake.

“Quão específica?” Perguntou Sam.

Riley e os colegas pensaram durante um momento.

Por fim Riley disse, “Que tal pela área geral das três cidades onde os crimes ocorreram? Brinkley, Denison e Greybull?”

“Posso fazê-lo,” Disse Sam. “Mas pode demorar algum tempo. Pode ser para amanhã?”

Riley teve um impulso reflexo de lhe dizer que a situação era urgente.

No final de contas, a situação era geralmente urgente.

Mas não desta vez – não num caso antigo.

Com um quase silencioso suspiro, Riley disse, “Amanhã não há problema. Obrigada.”

Riley terminou a chamada e ela, Bill e Jake ficaram a olhar uns para os outros.

“Então – e agora?” Perguntou Jake.

Bill encolheu os ombros. “É tudo o que podemos fazer por agora. Mais vale voltarmos para Quantico. Eu conduzo desta vez.”

Riley ficou aliviada por Bill ir a conduzir. Foi para o banco de trás enquanto Bill e Jake se instalavam à frente.

Quando o carro começou a andar, o telemóvel de Riley tocou. Ela não reconheceu o número, por isso deixou-o tocar. Quem ligava deixou uma mensagem e quando Riley a ouviu, deparou-se com uma voz familiar.

“Fala Byron Chaney. Tenho que falar consigo.”


CAPÍTULO TRINTA E DOIS


As mãos de Riley tremiam enquanto segurava no telefone. Mal conseguia acreditar no que ouvia. Tivera a certeza de que nunca mais teria notícias de Byron Chaney.

Ouviu a mensagem novamente.

É ele, Pensou. É mesmo ele.

Começou a devolver-lhe a chamada mas impediu-se.

Jake e Bill estavam sentados à sua frente. Nenhum dos seus dois amigos sabia da sua busca pelo assassino da mãe. Não lhes podia dizer. Por isso, fosse qual fosse o motivo do telefonema de Byron, Riley não podia falar com ele na presença deles.

Tinha que esperar.

Estavam a caminho de Quantico, mas ela não sabia se conseguia aguentar o suspense até lá.

Para grande alívio de Riley, Bill disse-lhes que iam ter que parar para meter gasolina.

Assim que pararam na estação de serviço, Riley disse que precisava de ir à casa de banho. Saiu do carro, apressou-se na direção da loja de conveniência e fechou-se na pequena casa de banho.

Antes de tirar o telemóvel, olhou-se ao espelho.

Esta sou eu? Perguntou-se.

Estaria ela mesmo a esconder-se dos seus amigos para fazer uma chamada?

Como se tornara ela tão furtiva, tão pouco fiável, tão sigilosa?

Teve que dominar uma sensação de vergonha antes de ligar o número de Byron.

Quando a sua voz cansada atendeu, ela disse, “Sou eu. Porque é que ligou?”

“Tenho pensado nas coisas desde que cá esteve. Não consegui parar de pensar. Não consegui dormir muito. Está a dar comigo em doido.”

Durante um momento Riley pensou – Será que Byron lhe ligou realmente porque tem novas informações?

Ou apenas quereria solidarizar-se, chafurdar um pouco mais na culpa que sentia a respeito da morte da mãe? Isso era a última coisa de que Riley precisava naquele momento.

Forçou-se a si mesma a manter-se calada e a ouvir.

Então Byron disse, “Eu e o teu pai tínhamos um amigo no Vietname chamado Floyd Britson – na altura era o Sargento Floyd Britson. O Floyd localizou-me e ligou-me há alguns anos atrás. Por nenhuma razão em especial, apenas para voltar a estar em contacto, para falar dos velhos tempos. Não sabia dele há anos. Acabámos por falar no teu pai e no homem bom que ele era, mas na sua dureza e na facilidade com que fazia inimigos.”

Byron calou-se durante alguns instantes.

“Conte-me,” Disse Riley ansiosamente.

“Ele mencionou que o seu pai se tinha envolvido certa vez numa luta com outro Marine – não um homem que eu conhecesse pessoalmente. O seu pai não se limitou a bater-lhe até ficar sem sentidos. Humilhou-o em frente dos colegas, fê-lo fazer figura de palhaço, fez com que todos rissem dele, destruiu o seu respeito próprio.O tipo não conseguiu ultrapassar aquilo. Desde aquele dia que dizia a toda a gente que se ia vingar do seu pai de uma forma ou de outra.”

Byron fez nova pausa.

Depois disse, “Não pensei muito nisso quando eu e o Floy estávamos a conversar ou mesmo depois. Mas agora, quanto mais penso nisso...

A voz de Byron desvaneceu-se.

O coração de Riley batia com força agora.

“Como se chamava o homem?” Perguntou Riley. “O homem com quem o meu pai lutou?”

“Não sei. Não tenho a certeza se o Floyd me disse. Se me disse o nome, não me lembro. Tenho tentado lembrar-me, mas sem sucesso. Penso que ele não me disse mais do que aquilo que acabei de lhe congtar. Nem me disse onde é que a luta ocorreu ou quando.”

Riley lutou para evitar que a voz tremesse.

“Tenho que entrar em contacto com o Floyd Britson. Como posso contactá-lo?”

“Bem, espero que ainda esteja vivo,” Disse Byron. “Não me pareceu muito bem da última vez que falei com ele. Disse que estava num lar e que não estava muito satisfeito. Fica numa pequena cidade chamada Innis.”

Riley registou o nome de imnediato. Innis não ficava a mais de oitenta quilómetros de Quantico.

“Sabe o nome do lar?” Perguntou Riley.

“Lamento mas não.”

Riley não se lembrava de mais nada para perguntar.

“Byron, obrigada,” Disse ela. “Isto significa muito para mim.”

Riley terminou a chamada e caminhou na pequena casa de banho.

Depois usou o telemóvel para obter uma lista de veteranos da Companhia Romeu que ainda vivessem na Virginia.

E lá estava o nome:


Britson, Floyd SARGENTO


E SE Byron estivesse certo, ela conseguiria encontra-lo num lar em Innis.

Riley sabia que Innis era uma cidade pequena e deveria ser fácil localizar um lar por lá. Fez uma busca no telemóvel. Só havia um lar em Innis – o Eldon Gardens Assisted Living.

É claro que queria ir logo para lá.

Mas isso era impossível.

Recompôs-se e encaminhou-se para o carro. Viu que Bill tinha acabado de encher o depósito há já vários minutos. Esperava que ele e Jake não lhe perguntassem pela demora.

Quando ela entrou no carro, ficou aliviada por perceber que Bill e Jake estavam a conversar e nem pareciam ter reparado na sua ausência.

Bill ligou a ignição e prosseguiram o caminho até Quantico.


*


Quando todos saíram do carro no parque de estacionamento da UAC, Jake chamou Riley quando ela já se afastava na direção do seu carro.

“Ei Riley. Eu e o Bill vamos tomar uma bebida, Porque é que não te juntas a nós?”

Riley vacilou. Bill e Jake estavam a passar muito tempo juntos. Deviam estar a sentir que ela os estava a evitar.

Limitou-se a abanar a cabeça indicando que não.

Pode ver a desilusão no rosto de Jake.

Ele disse, “Anda lá Riley. Sabes que não vou estar na cidade para sempre.”

As palavras espicaçaram Riley.

Era verdade. Depois de tantos anos afastados, Riley desejava passar mais tempo com o seu mentor e velho amigo.

Mas não podia. Não agora.

Riley tentou pensar numa desculpa.

Depois Bill disse, “Deixa-a Jake. Ela quer passar tempo com as filhas. Essa é a prioridade.”

Riley sentiu-se abalada pela culpa.

Como habitualmente, Bill julgava Riley à melhor luz possível.

E estava absolutamente errado.

Mas ela não contradisse Bill, e ele e Jake dirigiram-se ao carro de Bill.

Riley olhou para o relógio quando se encaminhava para o seu carro. Se fosse já para casa, chegaria a tempo do jantar. Vacilou. Disse a si própria que poderia ir falar com Floyd Britson noutra altura.

Mas quando? Interrogou-se.

Não fazia ideia de quanto mais tempo teria que trabalhar no caso do assassino da caixa de fósforos.

Também tinha uma sensação estranha, irracional de que esta visita não podia esperar.

Entrou no carro, pegou no telemóvel e enviou uma mensagem rápida a April.

Por favor diz à Gabriela que vou chegar tarde para o jantar.

Enviou a mensagem e ficou sentada a olhar para o telemóvel durante um momento, depois escreveu.

Espero que não muito tarde.

E ainda acrescentou.

Desculpa.

Deu à chave e saiu do parque de estacionamento.


CAPÍTULO TRINTA E TRÊS


Quando Riley chegou à cidade de Innis, estava plena de expetativas confusas.

O que poderia saber de Floyd Britson?

Ajudaria a tranquilizá-la?

Ou seria melhor não saber nada?

Reparou que Innis era uma agradável cidadezinha repleta de lugares históricos e outros vestígios do seu passado colonial. O edifício que albergava os Eldon Gardens Assisted Living parecia muito moderno no meio de estruturas mais antigas. Também se parecia mais com um simpático hotel do que Riley esperava.

Riley estacionou o carro e entrou num espaçoso lobby que estava decorado com arranjos florais.

Abordou a rececionista e disse, “Gostaria de falar com um residente vosso. Le chama-se Floyd Britson.”

A mulher olhou para Riley com ar trocista.

“Não acredito que seja membro da família,” Disse ela.

Riley interrogou-se do porquê da sua certeza.

Também pensou no que dizer.

Deveria tentar entrar reclamando ser uma parente distante?

Riley engoliu um suspiro de desespero. De uma forma ou de outra, teria que mentir.

Já se estava a tornar um hábito.

Mostou o distintivo à mulher.

“Sou a Agente Especial Riley Paige do FBI. Estou a trabalhar num caso. Gostaria de falar com Floyd Britson. Penso que me poderá ajudar na minha investigação.”

A mulher agora parecia genuinamente intrigada.

“O Sr. Britson? Tem a certeza?”

Riley anuiu.

“Não sei como é que a poderá ajudar, mas...”

A mulher fez uma pausa e depois disse, “Bem, visto que é um assunto oficial, vou levá-la a ele.”

Ao percorrer o edifício com a mulher, Riley considerou o lugar estranhamentwe perturbador,

Não era desagradável – longe disso. Tudo era imensamente agradável, imaculadamente limpo e organizado, tudo em repousantes cores pastel. E os idosos por quem passou pareciam perfeitamente felizes, e as suas vozes eram sussuradas e delicadas.

Então o que é que a incomodava ali?

Rapidamente percebeu – era porque sabia que seria infeliz ali. Tanta ordem, tanta organização, seria um pesadelo para ela. Provavelmente daria em doida se alguma vez tivesse que viver num lugar daqueles.

Voltou a pensar em Byron Chaney no seu pequeno quarto.

O pouco que ele tinha na vida pelo menos era seu.

Riley esperava terminar mais como o Byron do que como os idosos que ali se encontravam.

A mulher conduziu Riley por uma porta aberta até um quarto amplo, bem iluminado e confortável que parecia uma modesta suite de hotel.

Um home idoso estava sentado numa cama de hospital e uma mulher da idade de Riley estava sentada numa cadeira a seu lado. Ambos eram Afro-Americanos. Riley soltou um suspiro de alívio por não se ter tentado fazer passar por parente.

O homem estava a olhar para o espaço. A mulher lia-lhe tranquilamente a Bíblia.

“Peço desculpa senhora Stafford,” Disse a rececionista à mulher que estava a ler. “Esta é a Agente Riley Paige do FBI. Ela queria falar com o seu pai.” Depois a rececionista disse a Riley, “Este é Floyd Britson e a sua filha Elaine Stafford.”

A rececionista saiu do quarto.

“Não compreendo,” Disse Elaine, pousando a Bíblia.

“Eu sei,” Disse Riley. “Mas se me fosse permitido falar com o seu pai...”

Elaine abanou a cabeça.

“Pode tentar,” Disse ela. “Mas o pai tem Alzheimer. Poderá não lhe conseguir dizer aquilo que pretende saber.”

Riley sentiu um arrepio de desânimo quando Elaine lhe ofereceu a sua caeeira.

Riley sentou-se e Elaine paciente e lentamente começou a falar com o pai.

“Pai, esta senhora é uma agente do FBI. Não sei o que lhe quer perguntar, mas tenho a certeza de que é importante. Podes ouvi-la? Podes tentar ajudá-la?”

O homem assentiu como se compreendesse vagamente.

“Sr. Britson, foi sargento dos Marines há muitos anos, não foi?”

“Fui,” Disse Floyd com o que parecia ser uma nota de orgulho.

“E serviu na Companhia Romeu do Capitão Oliver Sweeney, certo?”

Floyd riu-se um pouco.

Numa voz estranhamente distante disse, “Ollie o touro. Ollie Ollie.”

Riley calculou que Floyd estivesse a recordar-se de alguma velha memória do pai – uma alcunha e uma piada sobre a alcunha.

“Eu sou filha dele,” Disse Riley.

Floyd sorriu e olhou diretamente para ela.

“Pequena Riley! Meu Deus, como cresceste!”

Ele lembra-se de mim, Pensou Riley.

Riley tentou lembrar-se de Floyd na sua infância, mas caso tivesse memórias que o incluíssem, há muito que tinham desaparecido.

Ela perguntou, “Lembra-se quando a minha mãe foi morta? A mulher ... do Capitão Sweeney?”

Floyd pareceu vagamente alarmado.

“A Karen? Morta? Quando é que isso aconteceu?”

Mas depois o seu rosto assumiu uma expressão de triste compreensão.

“Ah, sim. O tiroteio. Há algum tempo. Uma mulher adorável. Horrível.”

Riley começava a sentir-se incentivada. Floyd não parecia ter o sentido de tempo ou de cronologia, mas pedaços da memória estavam a voltar à superfície.

“Faz ideia de quem o fez? Matá-la, quero dizer.”

Floyd abanou a cabeça.

“Não faço ideia. Não faço ideia nenhuma.”

Riley pensou. Qual seria a melhor forma de retirar a verdade deste homem?

“Sr. Britson...”

“Trata-me por Floyd, por favor.”

“Floyd, tem um velho amigo Marine chamado Byron Chaney. Entrou em contacto com ele há alguns anos. Falou com ele ao telefone.

Floyd riu-se suavemente.

“Se dizes que falei é porque é verdade. A minha memória já não é o que era. Dizem-me que não vai melhorar.”

“Lembra-se do Byron Chaney?” Perguntou Riley.

“Claro que me lembro do velho By.”

Riley respirou fundo.

Disse, “Quando falou com o Byron ao telefone, mencionou uma luta em que o Capitão Sweeney se tinha envolvido.”

Floyd riu-se novamente.

“O velho Ollie o touro. Entarva em montes de brigas. Nunca perdeu uma.”

“Esta foi especialmente má,” Disse Riley. “Ele humilhou uma pessoa.”

Floyd tentou recordar-se.

“Se o dizes,” Respondeu.

Riley conteve um suspiro. Pressentiu que a concentração de Floyd se estava a perder.

“Falou com o Byron sobre isso,” Disse ela. “Disse que o homem jurou vingança contra o meu pai... Capitão Sweeney.”

“Talvez o tenha feito,” Disse Floyd, parecendo cada vez mais vago.

“Lembra-se do nome desse homem?”

Floyd calou-se. Por um momento, Riley pensou que ele se desligara completamente da conversa.

Depois começou a cantarolar uma canção – um hino, Riley tinha a certeza.

Já o perdi, Pensou Riley.

Mas por fim pareceu voltar à pergunta de Riley.

“Não, não sei,” Disse ele.

Riley desanimou.

“Por favor, por favor, tente lembrar-se,” Disse ela.

Floyd concentrou-se.

“Luster,” Disse por fim.

Riley sentiu-se entusiasmada.

“É esse o nome dele?” Perguntou Ruiley.

Floyd ficou calado por um instante e depois disse outrs vez “Luster.”

“É esse o nome dele?” Perguntou Riley novamente.

Mas a cabeça de Floyd descaiu para a frente e os seus olhos já não respondiam.

Riley queria desesperadamente saber mais. Precisou de reunir todo o seu autocontrolo para não o abanar e tentar despertá-lo do seu transe.

Elaine tocou no ombro de Riley.

Ela disse, “Minha senhora, lamento. Mas isto é demais para ele. Deixe-o estar.”

Riley ficou ali sentada a olhar para Floyd durante alguns instantes.

Depois entregou o seu cartão a Elaine.

“Preciso mesmo de saber aquele nome,” Disse ela. Por favor entre em contacto comigo caso ele se lembre de mais alguma coisa.”

Pegando no cartão, Elaine disse, “Assim farei, minha senhora. Mas daqui a uma hora, duvido que se lembre de que falou consigo. Lamento muito.”

Riley sabia que nada mais havia a fazer ou a dizer ali. Agradeceu a Elaine e abandonou o edifício. Entrou no carro e foi para casa.


*


Mais tarde nessa noite, depois das miúdas e Gabriela terem ido para a cama, Riley ficou a matutar no que descobrira naquele dia – se é que descobrira algo com real significado.

Sentou-se à secretária e analisou a lista dos vinte e cinco veteranos no seu computador.

Já sabia que Byron Chaney e Floyd Britson constavam dela.

Verificou os nomes e não encontrou ninguém com o nome de Luster.

Sentiu-se confusa. Teria ouvido bem?

Sim, tinha a certeza que aquele fora o nome que Floyd dissera. Ouvira-o a proferi-lo duas vezes.

Depois lembrou-se o que Byron lhe tinha dito ao telefone.

“Ele mencionou que o teu lutou com outro Marine...”

E depois Byron acrescentou...

“... não um homem que eu conhecesse pessoalmente.”

Agora tudo parecia tão óbvio.

O Marine chamado Luster nunca pertencera à Companhia Romeu.

Por isso, como é que Riley is começar a procurá-lo?

Teria que fazer uma busca por todos os Marines a viver na Virginia que tinham servido durante aqueles anos para tentar encontrar um homem chamado Luster?

Talvez o pudesse fazer, mas naquele momento a perspetiva era excessiva para ela. E claro, Luster podia ser apenas uma alcunha.

Para além disso, porque é que se estava a dar a tanto trabalho? Se havia alguém no mundo que já sabia toda a verdade, ela sabia quem era.

Era Shane Hatcher.

Mais uma vez, olhou para a pulseira no seu pulso com a sua minúscula inscrição...

“face8ecaf”

Chegara o momento de Hatcher se deixar de joguinhos.

Chegara o momento de lhe exigir a verdade.

Riley abriu o programa de chat de vídeo e digitou os caracteres. Deixou a tocar durante um minuto.

Ninguém atendeu.

Riley estava a ferver de raiva. Teve que se conter para não agarrar no computador e atirá-lo para o chão.

Aquele filho da mãe, Pensou.

Porque é que ela fizera um pacto com o demónio?

E onde estava ele agora? E o que é que estava a fazer?

Provavelmente na cabana do pai, Pensou. Provavelmente a rir-se de mim.

Engoliu a sua raiva, desceu as escadas e serviu-se de uma bebida.

Amanhã seria outro dia – e ela estaria de volta ao caso do assassino da caixa de fósforos. Rezava para que ela, Bill e Jake tivessem mais sorte.

Não sabia quanto mais desânimo conseguiria aguentar.


CAPÍTULO TRINTA E QUATRO


Na manhã seguinte bem cedo, Riley estava a desfrutar o pequeno-almoço com a família quando o telefone tocou. Ela ainda se sentia culpada por não ter jantado com elas na noite anterior e estavam a comer num silêncio confrangedor.

O seu coração saltou quando viu que a chamada era de Bill. Deixando April, Jilly e Gabriela reunidas em torno da mesa da cozinha, Riley atendeu o telemóvel e saiu da cozinha.

“Espero que tenhas boas notícias,” Disse ela.

“Sou capaz de ter,” Disse Bill. “Cheguei à UAC cedinho. Lembras-te daquela copo que se encontrava com as provas?”

“Sim – aquele que foi manuseado pelo assassino.”

“Bem, a equipa do Sam conseguiu extrair bom ADN dele. E também têm ADN do contentor de pástico que encontrámos com as flores no cemitério. As duas amostras coincidem.”

Riley ficou empolgada. O assassino tinha colocado flores na sepultura de Tilda Steen. Ainda estava vivo e muito possivelmente a viver na região onde assassinara três mulheres.

Mas Riley lembrou-se de algo que Jake lhe dissera. O seu parceiro incompetente tinha manchado as impressões digitais no copo.

“E impressões digitais no contentor de plástico?” Perguntou Riley.

“O pessoal de Sam encontrou algumas boas. Mas não conseguiram encontrar correspondência nem das impressões, nem do ADN nos registos do FBI.”

Riley começou a pensar em inúmeras possibilidades.

“Isso não tem que ser um problema,” Disse ela. “Não se conseguirmos localizar um suspeito a sério. Se as impressões e o ADN coincidirem, termos o nosso assassino. Teria conseguido Sam encurtar a lista de nomes?”

Bill deu uma risada.

“Isso são mais boas notícias,” Disse ele. “O Sam procurou James Reed e o contrário, Reed James. Há imensos tipos com esses nomes mas apenas encontrou três com a idade certa a viver na área que nos interessa. Um está morto, por isso não é o nosso homem. E podemos com bastante segurança eliminar um dos outros.”

“Porquê?” Perguntou Riley.

“Vou-te enviar fotos dos homens agora mesmo.”

Rileu esperou durante um momento até chegar um e-mail com as fotos em anexo. As fotos eram ambas de cartas de condução recentes. Riley imediatamente percebeu aquilo a que Bill se referia. Um dos homens era Afro-Americano. E por muito estranhas que tivessem sido as descrições das testemunhas, coincidiam num pormenor.

O assassino era branco.

A outra foto mostrava um homem branco com cabelo e olhos negros.

Mas parecia-se com o esboço envelhecido que Sam lhes tinha dado?

Não exatamente, mas o suficiente para chamar a sua atenção.

Riley perguntou, “Onde é que vive o James Reed de pele branca?”

“Em Brinkley, a cidade universitária onde Melody Yanovich foi morta.”

Riley ficou em pulgas.

“Estarei na UAC daqui a nada,” Disse ela.

“Não é preciso,” Disse Bill. “Eu e o Jake vamos buscar-te. Depois podemos ir diretamente para Brinkley.”

“OK,” Disse Riley. “Dá-me apenas alguns minutos para me preparar.”

Riley voltou à cozinha e beijou Jilly e April na testa.

“Tenho que ir,” Disse ela sem fôlego.

“Vais apanhar um homem mau hoje?” Perguntou April com um sorriso.

“Talvez,” Disse Riley, devolvendo-lhe o sorriso. “Talvez.”

Riley foi para o quarto para se vestir.


*


Os três agentes estavam bem-dispostos ao dirigirem-se para Brinkley. Nenhum dizia de forma definitiva que tinham encontrado o homem que procuravam, mas Riley sabia que estavam empolgados com essa possibilidade.

Bill estava a conduzir por isso Riley pegou no tablet e procurou por James Reed habitante de Brinkley. Encontrou algumas notícias locais sobre ele.

Leu, “James Mill Redd é professor de Inglês na Universidade de Brinkley.”

“Há quanto tempo é lá professor?” Perguntou Jake.

Riley encontrou um artigo com essa informação.

“Há vinte e oito anos,” Disse ela.

“Uau,” Disse Bill. “Três anos antes dos homicídios sucederem. Pode ter sido professor de Melody Yanovich.”

Riley não disse nada. Deixou essa possibilidade instalar-se por um momento.

Ela sabia que a universidade de Brinkley já tinha sido uma escola para mulheres.

Que tipo de predador teria sido James Reed todos estes anos?

Seriam as mortes daquelas três mulheres os únicos pecados do seu passado?

Procurou mais informação online. Não viu nada sobre acusações de assédio sexual ou outro tipo de transgressão. Em vez disso, viu tinha sido galardoado com prémios no decorrer dos seus muitos anos na universidade.

Mas Riley sabia que uma lista de prémios não significava inocência. Poderia apenas querer dizer que era especialmente astuto, cruel e manipulador.

Tentou conter o seu entusiasmo enquanto Bill os conduzia de regresso à pequena e simpática cidade universitária.


*


Quando chegaram a Brinkley, Bill estacionou o carro em frente à casa de James Reed. Era uma velha e atraente casa de tijolos a pouca distância do campus. Riley pensou que lhe parecia muito adequada para um académico altamente honrado.

Foram cumprimentados à porta por uma mulher magra e elegante com um sorriso encantador. Parecia ter cerca de cinquenta anos.

“Posso ajudar-vos?” Perguntou ela.

Riley e Bill mostraram os seus distintivos e apresentaram-se, de seguida apresentando Jake.

“É aqui que vive James Mill Reed?” Perguntou Riley.

A mulher parecia intrigada.

“Sim,” Disse lentamente. “Sou a sua mulher, Shanna.”

“O seu marido está em casa?” Perguntou Riley.

“Sim. Posso perguntar o que é que se passa?”

“Gostaríamos de falar com ele, por favor,” Disse Riley.

Shanna Reed chamou.

“Jim, estão aqui umas pessoas para te ver. Parece-me se bastante... urgente.”

Uns momentos mais tarde, um homem elegante desceu rapidamente as escadas. Riley tentou de imediato avaliar se se assemelhava ao esboço envelhecido. O cabelo castanho do homem já tinha nuances grisalhas e tinha olhos castanhos.

Não parecia muito diferente do esboço.

Quando todos se apresentaram, Riley viu que o rosto de James Reed ficou subitamente pálido.

Disse à mulher, “Querida, podes dar-nos alguns minutos a sós?”

Shanna agora parecia preocupada.

“O que é que se passa?” Perguntou ela.

“Por favor,” Disse James Reed.

Shanna assentiu e subiu as escadas. James convidou os agentes a entrarem na sala de estar onde todos se sentaram. Os olhos de James encaravam os três visitantes de forma culpada.

“De que é que se trata?” Perguntou.

Agora o seu rosto parecia dilacerado.

“Sr. Reed...” Começou Bill.

Riley sabia que Bill lhe ia perguntar especificamente sobre os homicídios de há vinte e cinco anos atrás. Mas num impulso de instinto, ela decidiu efetuar uma abordagem diferente. Com um gesto subtil da mão, pediu a Bill para ser ela a iniciar o interrogatório.

Então perguntou, “Talvez nos deva dizer, Sr. Reed.”

James Reed baixou a cabeça.

“Talvez deva chamar um advogado,” Disse ele.

Riley falou suave e cuidadosamente.

“pode fazer isso. Mas eu penso que nos quer dizer.”

Reed sentou-se em silêncio durante alguns momentos.

Depois disse, “Eu sei que isto é... uma coisa chocante de se dizer...”

Riley estava ansiosa por ouvir as suas próximas palavras.

Depois disse, “Eu pensei... o estatuto das limitações...”

A sua voz desvaneceu.

Aparentemente Bill já não conseguia estar calado.

“Estatuto de limitações?” Perguntou Bill. “Não existe estatuto de limitações no homicídio.”

O homem olhou para cima.

“Mas não foi homicídio. Não exatamente.”

Riley trocou olhares intrigados com Bill e Jake.

James Reed fez um gesto implorativo.

“Aconteceu há tanto tempo. Pensava que era passado. Agora tenho uma família. Uma mulher, filhos adultos, netos. Tentei viver uma boa vida.”

Riley olhou para os seus olhos tentanto captar melhor aquilo que estava a ouvir.

Não fazia sentido.

Pela sua experiência, o tipo de monstro que mata três mulheres nunca demonstraria um arrependimento tão franco. Podia senti-lo, mas mantê-lo-ia enterrado dentro de si. Nunca o admitiria a ninguém.

Algo está errado, Pensou.

Então ele disse numa voz embargada, “Eu estava a dar uma aula na universidade St. John’s em Annapolis. Bebi com os alunos depois da aula. Fiquei bastante bêbedo. Podia ter ficado num hotel nessa noite mas decidi ir para casa. Fui estúpido. Como eu disse, fui...”

E a voz calou-se novamente.

“Ela – a rapariga – estava a andar de bicicleta à beira da estrada. Via-a perfeitamente. Mas não tinha controlo sob o meu carro, embati nela e ela caiu. Parei e saí do carro e corri para o seu corpo mas ela já estava...”

Um soluço soltou-se da sua garganta.

“Não contactei a polícia. Fui para casa. Não contei a ninguém, nem à minha mulher. Li a notícia nos jornais do dia seguinte.”

Depois, com lágrimas nos olhos, olhou para Riley, Jake e Bill.

“Mas de acordo com a Lei do Maryland... quero dizer, investiguei.... Pensei realmente...”

Jake soltou um rugido baixo.

“Sim,” Disse Jake. “O Maryland tem um estatuto de limitações de três anos em homicídio involuntário com veículo ou mesmo homicídio.”

Riley percebeu que Bill e Jake estavam tão espantados como ela.

Tal como ela, não sabiam se deviam acreditar naquela história.

Seria apenas um ardil para os distrair dos homicídios que de facto cometera?

Por fim Bill disse, “Sr. Reed, queremos que nos dê as suas impressões digitais e uma amostra de ADN de forma voluntária.”

O homem ficou chocado.

“Porquê?” Perguntou. “Acabei de confessar. Porque é que precisam de provas?”

Riley sabia que Bill estava a preparar-se para lhe falar especificamente nos homicídios que os tinham ali levado.

Mas naquele momento, os seus olhos encontraram os de Ree.

E ela soube...

Ele não é o nosso assassino.

Antes de Bill dizer o que quer que fosse, Riley disse, “Sr. Reed, vamos deixá-lo agora.”

Ela levantou-se da sua cadeira e viu as expressões perplexas dos seus colegas.

“Vamos,” Disse a Bill e Jake. “Vamos embora.”

Mal ela, Bill e Jake saíram e começaram a encaminhar-se para o carro, Bill começou a queixar-se.

“Perdeste o juízo Riley? Ele podia estar a enganar-nos.”

“O Bill tem razão,” Disse Jake. “Seria muito inteligente da sua parte inventar um ato de homicídio involuntário com veículo como álibi. Mas o tipo de homem que procuramos podia muito bem ter engendrado essa façanha. Temos que verificar a sua história. Temos que fazer mais perguntas. Temos que obter o ADN e as impressões.”

Riley abriu a porta do carro e entrou.

“Ele tem culpas no cartório mas não é o homem que procuramos, malta,” Disse ela. “Vamos embora.”

“Como é que sabes?” Perguntou Bill.

Riley abanou a cabeça.

“Por causa dos olhos,” Disse ela. “Percebi pelos olhos.”


CAPÍTULO TRINTA E CINCO


Alguns minutos mais tarde, Riley, Bill e Jake estavam sentados num café a discutir a sua decisão.

“Deixa-me ver se entendo,” Disse Bill a Riley. “Ele não é o nosso homem porque não gostas dos olhos dele?”

Riley bebeu um gole de café.

“Não se encaixam nas descrições das testemunhas,” Disse ela.

Jake soltou um ruído de desaprovação.

“Testemunhas? A que testemunhas é que te referes? Ao maluco do Roger Duffy que viu luz a sair dos olhos do assassino? Ou daquele carteiro que pensou ter visto um fantasma quando era criança?”

“Sim,” Disse Riley. “Essas testemunhas.”

Bill e Jake ficaram a olhar para ela durante alguns segundos. Riley sentiu a emanar deles uma onda de impaciência.

“Ouçam-me, os dois,” Disse ela. “Os meus instintos alguma vez se enganaram em relação a algo assim? Alguma vez?”

Riley viu as suas expressões a suavizarem.

Eles sabem que tenho razão, Pensou.

“OK, então onde é que isso nos deixa?” Perguntou Bill, quebrando o silêncio.

Riley pensou durante alguns instantes. Então uma ideia começou a formar-se na sua mente.

“Vou ligar ao Sam Flores,” Disse ela.

Pegou no telemóvel e ligou a Sam, colocando a chamada em alta-voz.

Riley disse, “Sam, precisamos de ajuda. Aqueles nomes que deste ao Bill não resultaram, mas acho que devemos fazer uma nbova tentativa.”

“Como?” Perguntou Flores.

Riley pensou por um momento.

“Sam, és bom a pensar em alternativas. Eu +enso que o nome do assassino é uma variação dos nomes que temos – James Reed e Reed J. Tillerman. Faz outra busca. Tenta todas as variações possíveis que conseguires com esses nomes.”

Riley pensou um pouco mais.

Depois disse, “Aumenta a área de buscas e dá-nos imagens.”

“OK,” Disse Flores. “Para quando precisas dos resultados?”

Riley quase repetiu o que lhe tinha dito no dia anterior.

“Pode ser amanhã.”

Mas não. Chegara a altura de resolver este caso de uma vez por todas. A justiça estava atrasada vinte e cinco anos. Não deviam esperar nem mais um minuto.

“Agora mesmo,” Disse a Flores.

E terminou a chamada. Todos aguardaram em silêncio, bebendo café e comendo.

Riley deu por si a pensar acerca da ironia do que acabara de acontecer.

Tinham encontrado um homem culpado.

James Reed só não era culpado do crime de que pensavam ser suspeito.

E Reed tinha razão – o estatuto de limitações do seu crime já tinha perscrito há muitos anos.

Reed nunca enfrentaria um tribunal agora, apenas enfrentaria o seu coração culpado.

Mas talvez isso fosse justiça suficiente.

Ainda haverá alguém inocente neste mundo? Interrogou-se Riley.

Depois estremeceu ao pensar nela – no seu pacto proibido comn Shane Hatcher, os seus momentos de violência vingativa e uma série de outros crimes e pecados. Lembrava-se especialmente da altura em que matara o psicopata que a mantivera a ela e April prisioneiras. Tinha esmagado selvaticamente a sua cabeça com uma pedra.

Depois o seu telemóvel tocou. Era uma chamada de Sam Flores.

“Tens alguma coisa para nós?” Perguntou Riley.

“Talvez. Encontrei um certo R. James Tiller que vive em Cabot. Verifiquei e descobri que o R é de Reed.”

“E imagens?”

Sam mostrou um artigo de jornal com o título, “Orador recebe bolsa de estudos do Societal Club.”

Numa fotografia a preto e branco, dois homens entregavam um certificado a uma orgulhosa adolescente que usava uma toga de graduação. De acordo com a legenda, o nome da rapariga era Sylvia Capp. O homem à sua direita era o presidente do clube. À sua esquerda estava R. James Tiller, o responsável pelo comité de serviço do clube.

Riley não podia falar muito nos olhos de Tiller, mas o seu rosto parecia extremamente pálido. Também se parecia um pouco como o esboço envelhecido, com exceção do cabelo que parecia branco e não cinzento. Mas é claro que o cabelo de alguns homens embranquecia muito precocemente.

Riley pediu a Flores a morada de Tiller e terminou a chamada.

“Parece arriscado,” Disse Jake.

“É tudo o que temos,” Disse ela. “Vamos.”


*


Cabot era um subúrbio na zona leste de Richmond. A viagem fê-los passar pela cidade, a alguma distância dos locais onde os crimes tinham sido cometidos. Mas isso não levantava quaisquer dúvidas especiais na mente de Riley. Ela sempre soubera que o assassino se poderia ter mudado daquela área. Se Reed James Tiller fosse o assassino, pelo menos não tinha saído do estado.

Talvez tenhamos sorte desta vez, Pensou.

Quando Bill parou o carro na morada fornecida por am Flores, a casa parecia tão perfeitamente normal que Riley verificou a informação novamente.

Era uma pequena casa colocada no extremo de um relvado bem tratado. Parecia-se muito com outras casas por que tinham passado ao seguirem as ruas de um bairro próximo do rio James.

Era a morada certa, mas parecia o último lugar no mundo onde se pensaria que viveria um assassino.

Riley, Bill e Jake atravessaram o relvado e tocaram à campainha.

Uma mulher de meia-idade baixa e rechonchuda abriu a porta. Riley detetou que ela já fora muito bonita. Mas o que mais chamou a atenção de Riley foi o seu aspeto normal – tal como a casa e o bairro.

“Posso ajudá-los?” Perguntou a mulher com um sorriso.

Riley, Bill e Jake apresentaram-se. A mulher pareceu surpreendida mas não alarmada.

Riley perguntou se J. Reed Tiller ali vivia.

“Sim,” Respondeu a mulher. “Sou a sua mulher, Celia.”

“Gostaríamos de falar com o Sr. Tiller se possível,” Disse Bill.

“Poderão fazê-lo a qualquer momento,” Disse Celia, ainda a sorrir. “Ele está a caminho de casa. Trabalha em Richmond.”

Parecendo um pouco confusa, acrescentou, “Ocorreu... algum tipo de problema?”

Riley não queria assustar a mulher.

“Não,” Disse ela. “Só queremos colocar-lhe algumas perguntas sobre alguém que poderá ter conhecido há muito tempo.”

A mulher descontraiu um pouco.

“Tenho a certeza que o James ficará contente por ajudar,” Disse ela.

“Nós esperamos no carro,” Disse Riley.

“Oh, não, isso não seria confortável,” Disse Celia. “Entrem.”

Ela conduziu Riley, Bill e Jake até uma sala de estar confortável e brandamente decorada.

“Deixem-me ligar ao James para lhe dizer que estão cá,” Disse ela.

Pegou no telefone e disse ao marido quem o esperava.

Desligou e disse, “O James diz que ficará contente por ajudar no que puder. Posso trazer-vos algums coisa? Chá, café, um refrigerante?”

“Estamos bem, obrigada,” Disse Riley.

Celia sentou-se, assim como Bill e Jake. Riley ficou em pé, observando a estranhamente normal sala de estar.

Ouviu Bill perguntar, “Há quanto tempo estão casados?”

Celia disse, “Há vinte e dois anos. Temos uma filha, Lena. Está na faculdade. É o seu terceiro ano na universidade Bom Secours em Richmond.

“Oh, uma escola de medicina,” Disse Bill numa voz amigável. “Presumo que queira tirar medicina.”

Riley sabia que Bill estava a ganhar tempo enquanto Riley abarcava tudo à sua volta.

Olhou cuidadosamente para as fotos emolduradas da família na parede. Mostravam os Tillers ao longo dos anos, desde o momento em que a filha era bebé até terminar o secundário.

De imediato, Riley reparou na aparência de James Tiller em todas as fotos.

O cabelo branco que surgia na notícia de jornal, não estava relacionado com a idade.

Tinha o cabelo assim desde muito novo.

Mas o que mais espantou Riley foram os seus olhos.

Eram de um azul penetrante.

É albino, Apercebeu-se Riley.

Tudo começou a fazer sentido na sua cabeça.

Ele fora descrito por testemunhas como tendo cabelo castanho e olhos cor de avelã.

Era evidente que pintava o cabelo – talvez para se disfarçar, mas possivelmente por pura vaidade juvenil.

Mas e aqueles olhos?

“Ele olhou para mim. Os seus olhos não eram humanos. Luz azul emanava deles.”

Agora Riley percebia. Para um esquizofrénico como Roger, um homem com aqueles olhos devia vir de outro mundo.

Lembrou-se de algo mais que Roger tinha dito.

“Depois foi à casa de banho. Eu fiquei lá sentado demasiado assustado para me mexer. Por fim ele saiu e olhou novamente para mim. Desta vez os olhos estavam normais – escuros como todos dizem.”

É claro! Percebeu Riley.

O assassino usava lentes de contacto. Provavelmente tinham irritado os seus olhos quando estava no bar e tirara-as por um bocado. Fora à casa de banho para as voltar a colocar.

No preciso momento em que Riley organizava estes pensamentos, a porta da frente abriu-se e alguém entrou.

Riley viu que era o próprio Tiller – pálido com cabelo branco e frios olhos azuis.

Ele entrou na sala de estar.

“A Celia disse-me que eram do FBI,” Disse ele com um sorriso. “Em que vos posso ajudar?”

“Só queremos colocar-lhe algumas perguntas,” Disse Riley, ainda de pé.

Tiller sentou-se junto à mulher.

“Celia, traz café a estes senhores,” Disse ele.

“Disseram-me que não queriam,” Respondeu Celia timidamente.

“Eu insisto,” Disse Tiller.

Tiller então perguntou aos seus convidados se queriam com natas ou açúcar.

“Traz-nos querida,” Disse Tiller a Celia.

“Claro James,” Disse Celia numa voz bastante tímida. Depois ela desapareceu na cozinha.

Esta cena esclareceu ainda mais Riley.

Era óbvio que Celia sempre fora uma mulher obediente e dócil – o único tipo de mulher com que um homem com tão profundas inseguranças a nível sexual se podia casar.

Celia regressou rapidamente com o café, servindo todos como uma perfeita anfitriã.

Com um arrepio, Riley apercebeu-se que a docilidade de Celia seria a única razão por que não a tinha assassinado. Ela não constituía qualquer ameaça para ele. Até conseguira ter relações sexuais com ela – pelo menos o suficiente para ter uma filha e Celia nada mais exigia dele.

Há muitos anos que vivia aquela vida ideal com aquela companheira ideal.

Ele pensara que os crimes que cometera eram passado.

Até agora.

O que mais surpreendeu Riley foi o seu extremo autocontrolo.

Por ter escalpelizado a sua mente várias vezes, Riley sabia que parte dele estava corroído pela culpa e pela vergonha.

Mas ao longo dos anos, aprendera a esconder esses sentimentos de todos os que conhecia.

Ela falou lentamente.

“Sr. Tiller, vejo que só teve uma filha. Porquê? Não quis ter mais?”

As suas sobrancelhas brancas juntaram-se.

“Não compreendo a pergunta,” Disse ele.

Agora havia um vestígio defensivo na sua voz. Riley teve a certeza que estava a tomar o rumo certo. Estava a questionar a sua virilidade de forma subtil – e ele não suportava isso.

Não se ela continuasse no mesmo rumo.

Chegou o momento da verdade, Pensou Riley.


CAPÍTULO TRINTA E SEIS


Sentado na sala de estar com a mulher e os três agentes do FBI, James Tiller sentiu-se furioso com a pergunta da mulher.

A puta, Pensou.

Tinha um grande descaramento em fazer-lhe uma pergunta daquelas – sobre o número de filhos que tivera.

O seu sorriso ainda o exasperava mais.

Depois ela disse, “E só teve uma filha – nenhum filho. Que pena. Com certeza que queria filhos. Se tivesse tido mais filhos, talvez um deles fosse um filho. Mas não teve. Porque será.”

James sentiu o seu rosto contorcer-se.

Passara toda a sua vida a afastar mulheres como aquela.

Quando era jovem até matara duas – aquela estudante mandona de Brinkley e aquela puta em Denison.

Quanto à terceira rapariga...

Ainda não sabia muito bem porque é que o fizera.

Lembrava-se de terem entrado no quarto de motel e dela lhe ter dito serenamente que era virgem.

Algo aconteceu.

O seu coração amolecera.

Não lhe queria fazer mal.

Mas matara-a na mesma.

De alguma forma, fora uma espécie de ato de misericórdia.

Era como se a matando, a estivesse a poupar de...

... o quê?

Da vida, pensou.

Era a única razão que lhe ocorria passados todos aqueles anos.

Mas não se podia perder nas memórias agora.

Também não podia deixar que aquela puta lhe levasse a melhor. Não sobrevivera todos aqueles anos por ser fraco ou estúpido.

“Qual a razão da vossa visita?” Perguntou, tentando parecer educado.

Ainda com aquele sorriso inbsuportável estampado no rosto, a mulher disse, “Será que alguma vez viveu em 345 Bolingbroke Road perto de Greybull. É uma adorável pequena quinta.”

Mal conseguiu não estremecer alarmado.

É claro que reconhecera a morada. Vivera lá durante o tempo em que cometera os crimes.

Porque é que o tinham localizado agora, depois de todo este tempo?

Não era justo. Ele vivera uma vida decente.

Haveria alguma forma de contrariar estes agentes?

Com certeza que não.

Provavlemente já tinham todas as provas de que precisavam.

Então porque é que a mulher lhe fazia aquelas perguntas?

Devia ser apenas para o humilhar. Ela estava a brincar com ele.

Quanto mais conseguiria suportar?

Não era razoável.


*


Riley percebia que estava a atingi-lo. Esfregava uma mão na outra. Devido à sua palidez, o seu rosto parecia extremamente vermelho.

Só mais um bocadinho, Pensou Riley.

Pareceu-lhe que ele estava a tremer um pouco.

“Sr. Tiller, conhece o assassino da caixa de fósforos? Ele matou três mulheres há vinte e cinco anos.”

Tiller agarrou os braços à cadeira.

“Não me recordo,” Disse ele. “Mas vinte e cinco anos é muito tempo.”

“Sim, é verdade, não é?”Disse ela.

Riley reparou na mudança de expressão de Celia. Ela parecia cada vez mais confusa – e cada vez mais assustada.

Ela nunca imaginou isto, Pensou Riley. Ainda não compreende.

Riley ficou a sorrir silenciosamente para Tiller durante alguns momentos.

Depois disse, “Sr. Tiller, penso que devemos ir ao cerne da questão. O FBI reabriu o caso do assassino da caixa de fósforos. E estamos a eliminar suspeitos. Garanto-lhe que esta entrevista é apenas de rotina. Apenas queremos retirá-lo da nossa lista. E será fácil fazê-lo.”

Ela susteve o seu olhar até ele piscar os olhos.

Ele levantou-se e afastou-se.

Depois Riley disse, “É que nós temos o ADN do assassino. Retirámo-lo de um copo que ele manuseou há muitos anos. E ele tem deixado flores numa das sepulturas há anos, por isso conseguimos retirar impressões digitais e ADN do vaso de flores. Agora só precisamos de si as suas impressões digitais e amostra de ADN. Temos a certeza que compreende.”

“Eu compreendo,” Disse ele.

Agora estava atrás de uma secretária a abrir uma gaveta.

Os reflexos de Riley levaram a sua mão à sua arma.

Mas Tiller moveu-se de forma extremamente rápida.

Num instante, estava atrás da cadeira da mulher, a encostar uma faca de caça à sua garganta.

Celia soltou um esgar de puro terror.

Riley, Bill e Jake agora estavam de pé. Nenhum deles tinha tido tempo de sacar das armas.

Celia conseguiu proferir as palavras, “O que é que estás a fazer?”

“Cala-te!” Disse Tiller. Empurrou a ponta da lâmina na sua pele suave.

Ela contorceu-se ligeiramente quando algumas gotas de sangue escorreram pelo pescoço.

“Mantém-te quieta!” Exigiu Tiller.

A mulher parecia atordoada. Não se mexeu nem falou.

Ele moveu a ponta da lâmina na sua carótida.

Riley sabia que ele podia cortar a artéria numa fração de segundos.

Conseguiriam então salvar a pobre mulher?

Riley duvidava.

Tiller disse a Riley, Bill e Jake.

“Coloquem as armas em cima do sofá. E os telemóveis também.”

Os três agentes fizeram o que ele pedia. Não tinham escolha.

“Calma, calma,” Dizia Bill numa voz suave. “Você não quer fazer isto.”

“Não me diga o que é que eu quero,” Disse Tiller.

“O que é que vai fazer?” Perguntou Jake.

Tiller não respondeu de imediato. Pareceu aturdido durante alguns segundos.

“Vão todos para a cave,” Disse por fim. “Vão lá ficar até...”

A sua voz desvaneceu. Riley sabia que ele não fazia ideia do que fazer de seguida.

Fez um gesto com a cabeça para a porta à sua direita.

“A cave é ali,” Disse ele. “Vão. Vão lá para baixo.”

Bill caminhou obedientemente na direção da porta com Jake e Riley atrás dele. Bill abriu a porta e começou a descer as escadas. Jake seguiu-o.

A mente de Riley procurava soluções.

Pode ver que o trico daquela porta estava preparado para fechar quando se encerrasse. Não conseguiriam sair da cave – pelo menos não rapidamente ou silenciosamente. E o que aconteceria a Celia? Tiller matá-la-ia de imediato ou faria dela refém?

Riley não podia deixar que nenhuma das situações acontecesse.

Bill e Jake estavam a descer as escadas. Ao aproximar-se da porta, Riley voltou-se e atirou-se ao assassino.

Com a atenção centrada na mão com a faca, ela agachou-se no espaço intermédio e foi contra ele. A arma voou da sua mão.

Mas o ímpeto de Riley levou-a até à mulher assustada e ambas caíram no chão. Enquanto Riley lutava para se afastar de Celia, ouviu a porta da cave fechar-se. Depois um golpe na sua própria cabeça deixou-a desorientada,

Sabia que o homem a segurava pelos cabelos, puxando a sua cabeça para trás.

Pareceu-lhe ouvir um som de algo a partir. Não sabia o que era.

Lutou para soltar as mãos que a seguravam por trás com força surpreendente.

Depois sentiu a ponta da faca na garganta.

E ouviu estas palavras: “Morre puta.”


CAPÍTULO TRINTA E SETE


James Tiller prendia-a por trás e Riley sentia-se como um animal encurralado.

A faca afiada estava encostada à sua garganta.

Vai acontecer a qualquer momento, Apercebeu-se.

A sua mente atordoada, interrogava-se como seria morrer. Depois ouviu outra voz familiar.

“Não queres fazer isso, amigo.”

Era a voz de Jake. Ou estaria ela apenas a imaginá-la?

“Adorava poder disparar,” Ouviu Jake dizer. “Simplesmente adorava.”

Riley sentiu Tiller soltá-la e a faca a cair da sua mão.

Ela saiu de ao pé dele e olhou à sua volta.

Jake estava de pé a segurar uma pequena pistola à cabeça de Tiller.

Tiller parecia horrorizado.

“Mãos atrás das costas,” Disse Jake.

Tiller obedeceu e Jake algemou-o, lendo-lhe os direitos.

A pobre da Celia estava agachada no chão, a chorar incontrolavelmente e a tremer compulsivamente. Um fio de sangue ainda lhe escorria pelo pescoço mas Riley percebeu que a ferida não era perigosa. Ela sabia que seria mais difícil para a mulher lidar com as feridas emocionais.

Bill estava próximo a falar ao telemóvel.

“Preciso de assistência,” Dizia ele. “Enviem um carro para levar um suspeito. Quem estiver mais próximo. Podem ser os polícias locais.” Ele hesitou durante um momento e olhou para a mulher a chorar. “E enviem uma ambulância. Tenho uma vítima ferida. Sem perigo de vida.”

Riley tentou levantar-se, mas não conseguiu. Por fim, sentiu a mão firme de Bill num braço a ajudá-la.

“Calma,” Disse ele. “Senta-te ali.”

Ele conduziu-a ao sofá. Riley sentou-se perto das armas e telemóveis ainda ali espalhados no local onde os haviam colocado.

Bill disse, “Tens um golpe feio na cabeça.”

“Acho que ele me deu um pontapé,” Disse Riley. “Mas já me estou a sentir melhor. Como é que vocês...”

“Rebentámos com a porta.”

Agora ela percebia o som que ouvira quando estava quase inconsciente. Bill e Jake deviam ter-se atirado contra a porta para a abrirem.

Bill agachou-se ao lado de Celia para a acalmar. Ele disse, “Chamei uma ambulância. Vão tratar de si.”

Olhou para Riley e acrecxentou, “E quero que o médico também te veja a ti.”

“Estou ótima,” Disse Riley.

Bill sorriu.

“Não, não estás,” Disse ele.

Riley tocou na testa e viu que estava a sangrar.

“Fica aqui,” Disse Bill. “Nós tratamos de tudo.”

Por uma vez, Riley fez o que lhe manadavam.

Jake tinha Tiller de cabeça no chão com as mãos algemadas atrás dele. O homem não parecia que fosse criar mais resistência.

Riley perguntou a Jake, “Onde arranjaste aquela arma?”

Jake sorriu. “Então Riley. Estás a falar com o Jake.”

Levantou as calças e mostrou um coldre de tornozelo.

Riley sorriu-lhe.

Como é que ela se podia ter esquecido que Jake trazia sempre uma arma extra? Até ela já o tinha feito em algumas ocasiões.

Enquanto esperavam pela ajuda, Riley percebeu que se sentia um pouco mais estável.

Sentia-se suficientemente bem para fazer algo que nunca pensara fazer.

Pegou no seu telemóvel e ligou a Paula Steen, a mãe de Tilda Steen.

“Riley!” Disse Paula. “Que bom saber de so! Como está?”

“Estou bem,” Disse Riley, com a voz ainda algo agitada depois de todo o stress e esforço por que tinha passado.

“Tem a certeza, querida?” Perguntou Paula com preocupação. “Parece um pouco... desligada.”

Riley deu uma risadinha.

“A sério. Estou bem. E tenho boas notícias.”

“Que notícias?”

Riley respirou fundo. Lembrou-se do que Paula lhe dizia pelo menos uma vez por ano.

“O assassino da minha filha nunca será julgado.”

Como era bom poder dizer-lhe que estava errada.

“Apanhámo-lo,” Disse Riley. “Eu e os meus parceiros. Estamos a prendê-lo neste momento.”

“Apanharam quem? Estão a prender quem?”

“Ele,” Disse Riley.

Riley fez uma pausa para que a verdade se instalasse. Depois ouviu um esgar de choque.

“Oh, meu Deus,” Disse Paula.

Riley pareceu ouvir um soluço.

“Está bem?” Perguntou Riley.

“Sim,” Disse Paula numa voz embargada. “Oh, sim. E obrigada. Mas como? Como é que conseguiram?”

“É uma longa história,” Disse Riley. “Conto-lhe tudo depois.”

Paula agora chorava.

“Onde é que ele está?” Perguntou. “Está vivo?”

“Estamos a levá-lo neste momento. Os polícias locais vão levá-lo a qualquer momento. Deve ficar por agora na esquadra de polícia de Cabot.”

“Cabot? Está em Cabot? Não é muito longe daqui.”

Por um momento, Riley ficou surpreendida, mas depois lembrou-se – apesar de nunca ter conhecido pessoalmente Paula Steen, sabia que vivia perto de Richmond.

“Vou para aí,” Disse Paula. “Para a esquadra de polícia.”

De repente Riley sentiu-se desconfortável.

“Paula, tem a certeza que é uma boa ideia? Não vai poder falar com ele.”

“Não quero saber,” Disse Paula. “Só o quero ver preso.”

Riley compreendia. A mulher mais do que merecia aquela pequena satisfação depois de todos aqueles anos.

“OK,” Disse Riley. “Encontramo-nos lá daqui a pouco.”

Riley ouviu sirenes a aproximarem-se. Naquele momento, parecia um som estranhamente alegre.


CAPÍTULO TRINTA E OITO


Um pouco mais tarde, Riley estava na esquadra da polícia a olhar para James Tillner pelo vidro da sala de interrogatório. Estava algemado à pesada mesa cinzenta e olhava para o tampo da mesma. Parecia estranhamente catatónico, quase parecia uma figura de cera.

Mas Riley pressentiu que havia muito a ferver dentro dele.

O seu Eu assassino, há tanto tempo suprimido mas sempre a espreitar, tinha-se finalmente revelado novamente.

E agora ia pagar pelas consequências.

Riley ouviu passos à sua esquerda e depois uma voz de mulher.

“Riley? Você é a Riley?”

Riley sorriu. Reconheceu a voz de imediato. Era Paula Steen. Virou-se e viu-a. Paula era a figura de doce avó que Riley sempre tinha imaginado quando falava com ela ao telefone.

“Disseram-me que a encontrava aqui,” Disse Paula, caminhado na sua direção a sorrir.

Depois tocou no penso que Riley tinha na cabeça.

“Mas foi ferida!” Disse ela.

“Não é nada.”

“Não parece que não seja nada.”

Riley riu-se.

“Já me aconteceu pior, Paula. Acredite em mim, não é nada.”

Era verdade. O médico tinha-a visto em casa dos Tillers e não tinha nenhuma concussão aparente. Mas a cabeça ia doer durante algum tempo. Ainda não queria começar a tomar os analgésicos receitados. Ainda tinha muito em que pensar.

Riley e Paula abraçaram-se timidamente.

Depois Paula olhou pelo vidro.

“É ele?” Perguntou.

“Sim,” Disse Riley.

“Ele confessou?”

“Não, mas temos muitas provas para o condenar. E na Virginia temos a pena de morte. Se ele for condenado à morte, poderá escolher entre ser eletrocutado ou a injeção letal.”

Paula ficou a olhar para ele durante um momento.

Depois gaguejou, “Ele não parece... acho que esperava...”

A sua voz apagou-se, mas Riley compreendeu. Para familiares de vítimas de homicídios, o assassino parece sempre estranhamente normal. Isso era verdade até em relação a James Tiller com a sua aparência pálida.

Paula virou-se para Riley e perguntou, “Posso... falar com ele?”

Riley estava à espera disto. E preocupava-a.

Mas como podia recusar?

Olhou para o guarda que se encontrava ao lado da porta. Ele ouvira toda a sua conversa. Assentiu a Riley e depois abriu a porta.

“Fique à entrada,” Disse Riley a Paula. “Não entre completamente na sala.”

Paula obedeceu ficando na entrada e Riley ficou atrás dela.

Numa voz trémula, Paula disse-lhe, “Sou a mãe de Tilda Steen.”

O homem olhou para ela com uma estranha expressão vazia.

Paula manteve uma determinação silenciosa.

“Todos os anos... no dia da sua morte... deixo flores na sua sepultura.”

Um pequeno sorriso atravessou o rosto de Tiller.

“Eu também deixava,” Disse ele.

Paula recuou um pouco. Riley percebeu que ela nunca o soubera.

Mas então os nervos de Paula pareceram acalmar.

Ela disse, “Se eu ainda aqui estiver, ainda viva... depois de você partir... também vou deixar flores no seu túmulo.”

O homem pareceu chocado. Riley também se sentiu assim. Mal conseguia acreditar no que ouvia.

Mas então Paula acrescentou com um silvo feroz.

“Mortas. Flores mortas.”

Paula virou-se e disse ao guarda, “Acabei.”

O guarda fechou a porta e Paula caiu nos braços de Riley desfeita em lágrimas.

“Acabou, não acabou?” Murmurou Paula entre soluços.

“Acabou,” Disse Riley.

“Graças a si,” Disse Paula.

Riley sentiu alguma culpa. Desejava ter reaberto este caso há mais tempo para o bem de Paula.

Paula beijou Riley na bochecha e saiu do edifício.


*


Quando Bill, Riley e Jake estavam a caminho de Quantico, não disseram muito durante toda a viagem. Riley sentia-se exausta e sabia que Bill e Jake também. Mas o sentimento de satisfação entre eles era palpável.

Por fim Riley perguntou a Jake, “Já te sentes pronto para te aposentares agora?”

Jake deu uma risada.

“Não sei,” Disse ele. “Não sinto que tenha feito grande coisa neste caso.”

Riley sorriu. Ela compreendia como é que ele se sentia. Era um sentimento comum depois de se terminar um caso – um sentimento de não ter feito garnde coisa.

Mas não era verdade no caso de Jake. Fora maravilhoso tê-lo de volta como parceiro e como mentor. Por muito habilitada que Riley estivesse para entrar na mente do assassino, neste caso Jake tinha-a inspirado a ir mais longe e mais fundo do que alguma vez fora. E claro, havia algo mais.

“Tu salvaste-me a vida,” Disse Riley.

Jake riu-se novamente.

“Sim, há isso. Um trabalho a sério. Claro, estou pronto para me aposentar. Mas apenas do terreno. Terei sempre montes de trabalho a fazer.”

Riley sabia o que ele queria dizer. Jake poderia sempre trabalhar em casos nunca resolvidos, tal como acontecia há muitos anos. Riley esperava que ele pudesse fazer isso até morrer.


*


Quando Riley chegou a casa, Jilly e April já tinham chegado a casa. Quando Riley entrou em casa, Gabriela e as miúdas perguntaram logo pelo penso na testa, exigindosaber se ela estava bem. Como se fosse uma inválida, levaram-na até ao sofá e sentaram-na.

“Estou bem,” Disse-lhes Riley. “Mesmo bem.”

“Apanhaste o homem mau?” Perguntou Jilly.

“Não,” Disse Riley. “Todos nós o fizemos, Eu, o Bill, o Jake e os outros também, como o Sam Flores.”

Jilly saltitava empolgada.

“Conta-nos! Conta-nos a história toda!”

Riley suspirou profundamente.

“Agora não,” Disse ela. “Deixem-me recuperar o fôlego.”

As miúdas objetaram ruidosamente, mas Gabriela acalmou-as.

“Deêm algum tempo à Señora Riley,” Disse ela.

Riley agradeceu a Gabriela e foi para o seu quarto. Quando se sentou à secretária, aconteceu algo estranho.

Toda a satisfação que sentira por resolver o caso do assassino da caixa de fósforos evaporou-se numa questão de segundos.

Em substituição dessa satisfação veio a ansiedade e a frustração.

Tinha outro caso antigo por resolver.

O caso do homicídio da própria mãe.


CAPÍTULO TRINTA E NOVE


Quando Riley se sentou à secretária, uma renovada sensação de desânimo apoderou-se dela.

Lembrou-se na sua visita a Floyd Britson no lar.

Lembrou-se da única palavra que ele dissera em resposta às suas perguntas:

“Luster”.

Seguira a pista de Hatcher até um velho homem senil que não lhe podia dizer o que ela queria saber.

Parecia uma piada doentia.

E Riley era o alvo da piada.

O desânimo de Riley estava a transformar-se em raiva.

Tudo por causa de Hatcher.

Chegara a altura de falar com ele.

Olhou novamente para a inscrição na sua pulseira.

“face8ecaf”

Da última vez que tentara contactar Hatcher através daquela morada de vídeo, não obtivera resposta.

Se tentasse agora, será que ele atenderia?

Tem que atender, Pensou Riley. Tem mesmo que atender.

Abriu o programa de chat de vídeo e digitou os caracteres.

Tocou três vezes.

E então... lá estava ele, sentado em frente a um fundo cinzento.

Uma expressão de prazer perpassava nos seus traços sombrios.

“Olá Riley,” Disse ele. “Parece-me que merece que lhe dê os parabéns. Apanhou o assassino da caixa de fósforos.”

Riley interrogou-se como é que ele obtivera aquela informação tão rapidamente.

Mas sabia que não devia ficar surpreendida.

Hatcher era um homem de meios com um alcance extraordinário. Tinha espiões por toda a parte, detetando tudo o que ele queria saber sobre alguém que lhe interessasse.

E Riley sabia que ela lhe interessava muitíssimo.

“Seu filho da mãe,” Disse Riley num tom baixo.

A expressão de Hatcher mudou para uma de dor simulada.

“Parece zangada comigo. Não sei porquê.”

Riley não se conseguia controlar por mais um segundo que fosse.

“Brincou comigo!” Rebentou. “Enviou-me numa busca inglória – e fez isso só para obter a cabana do meu pai. Bem, não vou deixar que se safe. Vou até aí e expulso-o – se não o matar primeiro.”

De repente percebeu que estava a gritar.

A sua voz ouvira-se com certeza por toda a casa.

Controla-te, Pensou. Não deixes que ele te faça isto.

Hatcher disse, “Não percebo o que está errado, Riley. Penso que fui muito prestativo. Conduzi-a até ao assassino da sua mãe. Muito honestamente não vejo porque é que ainda não o conseguiu encontrar. Localizou Floyd Britson?”

“Sim,” Disse Riley calmamente.

“Falou com ele?”

“Sim.”

“E ele disse-lhe algo, não disse? Uma única palavra.”

Riley não respondeu. Mas era óbvio que Hatcher já sabia da misteriosa declaração de Floyd...

“Luster”.

Deve ter falado com Floyd.

Deve ter ouvido Floyd dizer exatamente a mesma coisa.

“Está quase lá Riley,” Disse Hatcher. “Só precisa de mais um empurrão. Ficarei contente em dar-lhe esse empurrão aqui e agora. Mas quero um pequeno favor antes. Penso que sabe que favor é esse.”

Mais uma vez Riley não respondeu. Ela sabia muito bem o que ele queria.

Ele saboreava ouvir os segredos mais obscuros da sua vida.

O seu poder sobre ela era tão forte que ela lhe contara coisas feias acerca de si mesma – coisas que nunca contaria a ninguém.

Nesse preciso momento, Riley ouviu um toque na porta e a voz de April.

“Mãe, estás bem? Ouvimos-te a gritar.”

“Estou bem,” Respondeu Riley.

“Tens a certeza?”

“Sim. Só me zanguei com uma pessoa ao telefone. Está tudo bem agora.”

Riley ouviu April a afastar-se da porta.

Depois disse a Hatcher, “Não tenho nada para lhe contar.”

“Não?” Disse Hatcher. “E então a morte de Murray Rossum?”

Riley estremeceu.

Atingira uma memória crua e recente.

Murray Rossum fora um espécimen patético – uma criatura que se odiava a si própria que matara jovens raparigas por enforcamento.

Quando Riley o apanhara, ele enforcara-se.

Ela não fizera nada para o impedir.

Ela disse, “Vi-o morrer.”

“E gostou.”

“Não,” Disse Riley. “Mas fiquei... fascinada.”

“E um pensamento atravessou-lhe a mente quando o viu morrer. Que pensamento foi esse Riley?”

Riley estava quase à beira das lágrimas.

Hatcher tinha alcançado a terrível verdade.

Ela lembrava-se de uma pergunta que Hatcher às vezes lhe colocava.

“Já é ou está a tornar-se?”

Ele respondera uma vez a essa pergunta.

“Está a tornar-se. Está a tornar-se naquilo que sempre foi. Chame-lhe monstro ou o que quiser. E não faltará muito até ser essa pessoa.”

Agora ela lembrava-se de ver Murray morrer, os seus movimentos a abrandarem, o seu corpo a amolecer, os olhos a fechar.

“Diga-me no que estava a pensar,” Disse Hatcher.

Riley falou lentamente numa voz embargada.

“Eu pensei... eu percebi... que me estava a tornar.”

Hatcher soltou um riso satisfeito. Ela compreendia porque é que ele sentia tal gratificação.

Riley acabara de admitir perante ele a terrível verdade.

Ela estava a tornar-se como ele.

Quase como se estivesse a tornar-se parte dele.

Depois de um momento de silêncio, Hatcher disse, “Agora cerca do assassino da sua mãe – bem, ele parece ser uma criatura misteriosa, não é? Quase mágica. Um fantasma, um demónio...”

Depois com um tom carregado de significado, acrescentou:

“Um troll.”

Depois o seu rosto desapareceu.

Tinha terminado a chamada.

Riley estava a tremer. Respirou lentamente para se acalmar.

Um troll, Pensou. A mãe foi morta por um troll.

Aquela palavra, “troll” – ela sabia que se tinha tornado parte do calão contemporâneo, sobretudo para descrever pessoas com más intenções na internet.

Mas ela tinha a certeza que Hatcher não se referia a esse tipo de troll.

Riley foi à internet e procurou informação sobre trolls.

Alguma dessa informação já era do seu conhecimento – que um troll era uma criatura sobrenatural lendária, como um gnomo, um ogre ou um duende.

Mas depois encontrou uma frase que lhe chamou a atenção...

“Os trolls dos livros infanis vivem debaixo de pontes...”

O coração de Riley começou a bater com mais força.

A verdade começava a revelar-se de forma tão rápida e com tanta força que ela mal conseguia apreendê-la.

Decidiu fazer outra busca – desta vez por uma localização num mapa.

Escreveu o nome Luster.

Depois, de uma forma estranhamente automática, acrescentou: Ponte.

E ali estava num mapa mesmo à sua frente.

Havia uma Ponte de Luster Street em Vickery, Virginia – um viaduto numa área urbana.

Riley não pensou muito.

Saltou da cadeira, saiu do quarto e desceu as escadas.

Estava prestes a sair porta fora quando ouviu a voz de April.

“Mãe, onde é que vais?”

Riley virou-se e viu April com uma expressão preocupada. Foi ter com ela e segurou-a pelos ombros.

Agora Riley não conseguiu evitar chorar.

“Tenho que ir a um lugar, querida,” Disse ela. “Posso demorar-me. Mas volto. E quando voltar...”

Ela queria dizer...

“Volto de vez.”

Mas as palavras não saíam.

Também April agora chorava.

“Mãe, estás a assustar-me.”

“Eu sei,” Disse Riley com um soluço. “Mas tudo vai correr bem. Eu prometo.”

Sem dizer mais uma palavra, saiu de casa, entrou no carro e começou a conduzir.


CAPÍTULO QUARENTA


Era uma longa viagem até Vickery, Virginia. A noite envolvia Riley à medida que se aproximava das montanhas e começou a chover. Riley sentiu-se avassalada pela fadiga.

Mal conseguia acreditar que tudo tinha acontecido naquele dia.

Ela, Bill e Jake tinham localizado um assassino.

Ficara ligeiramente ferida.

Mas ali estava ela, perseguindo o mais sombrio mistério da sua vida.

O mais importante agora era manter-se acordada.

Por fim chegou a uma zona próxima de Vickery. Era uma área com grandes edifícios de metal e armazéns, e grandes estacionamentos iluminados. Ela sabia que durante o dia, aquele local estava repleto de camiões e carros. Hoje à noite parecia estar deserto.

Parou no fim da Ponte de Luster Street. Estava escuro e a chover, por isso pegou num guarda-chuva e numa lanterna antes de sair do carro.

Com a luz à sua frente, ela desceu cuidadosamente o lado da ponte. A ponte prolongava-se a um barranco, não ao leito do rio. Ainda assim, Riley tinha a certeza que o barranco devia alagar quando a chuva caísse com mais intensidade.

Com a luz da lanterna, viu alguns pertences espalhados debaixo do viaduto. Havia ali pessoas nas sombras. Parecia que a Ponte Luster era um lar para os sem-abrigo há muitos anos.

Ela dirigiu a luz à volta sobre vários homens que dormiam, alguns incomodados pela luz. Depois a sua lanterna pousou sobre um homem sentado num pedaço de cartão coberto de plástico. Agarrava numa garrafa meia-vazia de álcool para assepsia e o seu rosto estava devastado por uma longa e terrível vida.

“Quem está aí?” Perguntou o homem.

Aquela voz – era inconfundível.

Ecoara na mente de Riley toda a sua vida.

A última vez que a ouvira, dissera à mãe...

“Dê-me o seu dinheiro.”

De repente, Ruley sentiu-se paralisada. Não sabia o que dizer.

“Mostre-me o seu rosto,” Disse o homem.

Riley iluminou o seu rosto com a lanterna. Pareceu-lhe ouvir um esgar.

Depois seguiu-se um longo e horrível silêncio, tão longo que ela não tinha a certeza se alguma vez terminaria.

“Meu Deus,” Disse o homem. “A última vez que te vi...”

Riley sabia o que ele ia dizer.

“... eras uma menina numa loja de doces.”

Começou a chorar suavemente.

“Sempre soube que me encontrarias,” Disse ele.

Riley ajoelhou-se a seu lado.

“Como se chama?” Perguntou ela.

“Wade Bowman.”

Riley engoliu em seco, sepois disse:

“Conte-me o que aconteceu – naquele dia.”

Ele abanou a cabeça a chorar.

Chorou durante tanto tempo, que ela julgou que ele não voltaria a falar e pensou se alguma vez conseguiria saber a verdade da sua boca.

Mas então subitamente, para sua surpresa, ele falou.

“Eu odiava o teu pai,” Disse ele. “Ele odiava-me. Fez da minha vida um inferno. Acho que mereci. Eu era um homem duvidoso, sobretudo para soldado. Mas ele... humilhou-me, arruinou-me, retirou-me o pouco respeito próprio que tinha por mim. Perdi tudo, fiquei falido e eu...”

Parou por um momento.

“Eu queria matá-lo. Fui à procura dele. Alguém me disse que o vira a caminho de uma loja de doces. Então fui até lá para matá-lo. Mas quando entrei, ele não estava lá. Em vez dele, só vi a tua mãe.Não sabia se teria outra vez coragem para o matar. E naquele momento pensei – que melhor forma de o magoar? Posso matá-la...”

Abafou um soluço.

“Não sei porque é que disparei. Penso que o fiz para o magoar. Mas depois vi o teu rosto... e odiei-me mais do que nunca. Arrependi-me antes de terminar. A tua mãe... ela era uma pessoa maravilhosa.”

Agora chorava sem parar.

Foi fácil para Riley adivinhar o resto da sua história.

Wade Bowman tinha-se perdido para sempre numa agonia de culpa e vergonha. Provavelmente era sem-abrigo há anos – talvez desde que matara a sua mãe.

Bowman acalmou-se um pouco e limpou o rosto e olhos com a manga.

Depois pegou em qualquer coisa debaixo de um cobertor.

Era um revólver que entregou a Riley.

“Toma,” Disse ele. “Queria dar-te isto há muito tempo.”

Riley pegou no revólver. Parecia extremamente peado na sua mão. Ela sabia que segurava na arma que tinha morto a mãe.

“Está carregada,” Disse o homem. “Mata-me se quiseres.”

Riley estremeceu.

Seria fácil.

Mas será que ela queria matá-lo? O que é que ela realmente queria ao fim de todos aqueles anos?

Justiça, Pensou.

E agora a justiça estava bem ao seu alcance. Não havia estatuto de limitações em caso de homicídio. Podia prendê-lo. Podia levá-lo a julgamento. Podia mandá-lo para a prisão.

Pensou em Shane, naquilo em que ela se estava a tornar. E percebeu que podia parar de se tornar. Se matasse aquele homem, seria tarde demais.

Mas se se afastasse, podia salvar-se.

É claro que o podia prender. Mas olhou à sua volta para a miséria em que ele vivia e percebeu que a vida ali, debaixo daquela ponte, era muito pior do que qualquer prisão podia oferecer.

Porquê mandá-lo para a prisão quando já passara uma vida no inferno? De forma misteriosa, a justiça já fora feita há muitos anos.

Virou-se e começou a caminhar para se ir embora. Ouviu o choro do homem a ecoar debaixo da ponte. Voltou para o seu carro e começou a conduzir. Lembrava-se de atravessar um rio não muito atrás. Encontrou a ponte sobre o rio e estacionou o carro.

Caminhou até à ponte e olhou para a água.

Lembrou-se de algo que um filósofo outrora dissera – algo sobre como as pessoas que lutam com monstros terem cuidado para não se transformarem em monstros.

Não se recordava das palavras exatas, exceto as últimas:

“E se olhares para um abismo, o abismo olha para ti.”

Fitou o ruio sujo repelto de poluição industrial.

Pensou...

O abismo e eu agora conhecemo-nos muito bem.

Atirou a arma à água, entrou no carro e iniciou a sua viagem de regresso a casa.

Chorou todo o caminho.

Acabara.

Finalmente, após todos aqueles anos, acabara.


CAPÍTULO QUARENTA E UM


Riley chegou a casa muito tarde nessa noite. Dormiu quase até ao meio-dia e quando finalmente acordou, ficou surpreendida por perceber que se sentia bem. Vestiu-se e desceu as escadas.

Ouviu Gabriela a cantar na cozinha, o que pareceu o dia parecer ainda melhor. Quando Riley entrou para tomar café, Gabriela estava já a preparar o que parecia ser uma refeição muito especial.

“Olá Gabriela,” Disse ela.

Gabriela virou-se e sorriu.

“Buenos días, Señora Riley,” Disse ela. “Está muito atrasada, mas isso é bom. Posso preparar-lhe o pequeno-almoço?”

“Não, não vale a pena,” Disse Riley. “Parece que estás a preparar algo muito especial.”

“Sí, já se esqueceu? O Señor Blaine e a filha vêm cá jantar esta noite.”

Riley sorriu. Sim, tinha-se esquecido. Mas era bom ansiar pelo momento.

Serviu-se de café e comeu uma torta. Foi para a sala de estar e ligou a televisão num canal de cinema. Passava um velho filme que ela vira mas do qual não se lembrava do nome. Mas também não era importante.

Ao beber o café, lembrou-se da sua experiência de ontem com o abismo – e como o abismo olhara também para ela.

O abismo ainda estava na sua mente.

Provavelmente nunca desapareceria.

Mas parecia ter recuado.

Conseguia distanciar-se dele, pelo menos por agora.

A vida continua, Disse a si própria.

E ela estava pronta para uma pausa. Agora que ela, Bill e Jake tinham resolvido o caso do assassino da caixa de fósforos, não seria esperada na UAC durante algum tempo. Como também sofrera um golpe na cabeça, poderia não ter que regressar por algumas semanas.

Acabou de ver o filme, leu alguns artigos de revistas e depois assistiu ao fim de outro filme. Quase adormecera novamente quando foi acordada por atividade.

As miúdas tinham regressado da escola.

April olhou para Riley com preocupação.

“Como é que estás mãe?” Perguntou.

Riley lembrava-se – da última vez que April a vira ela estava a sair de casa para lugar incerto.

Sorriu, esperando que April não fizesse perguntas.

“Estou bem,” Disse Riley.

Felizmente, as mentes de ambas estavam mais ocupadas com outras coisas.

“Mãe, o Blaine e a Crystal vêm cá jantar!” Disse Jilly.

“Tens que te vestir!” Disse April.

Riley olhou para as suas calças.

“Eu estou vestida,” Disse.

April e Jilly reviraram os olhos.

“OK,” Disse Riley com um suspiro. “Vou-me mudar.”

Mas antes que Riley se levantasse do sofá, a campainha tocou.

Jilly foi à porta e ficou a olhar para quem estava lá fora. Depois Jilly virou-se e afastou-se, deixando a porta aberta.

Ryan entrou.

Jilly saiu e April cruzou os braços.

Ryan parecia chocado.

“Isto não é uma receção muito calorosa,” Disse ele.

“De que é que estavas à espera?” Perguntou April.

Ryan olhou para Riley como se apelando à sua interferência.

Ela contudo não tinha qualquer intenção de o fazer sentir-se mais conforável.

Riley disse, “Deves estar aqui para levar coisas que deixaste no meu quarto e na casa de banho. Empacotei tudo. Está lá em cima ao lado da porta do quarto.”

Ryan ficou algo surpreso.

Depois subiu as escadas.

Jilly regressou e as miúdas começaram a fazer os trabalhos de casa. Quando Ryan desceu as escadas com as suas coisas, não lhe deram qualquer atenção.

“Depois falamos,” Disse Ryan a Riley.

Riley limitou-se a assentir. Quase tinha vontade de fazer uma observação sarcástica, mas decidiu que não valia a pena o esforço.

As idas e vindas de Ryan eram chatas e rotineiras – sobretudo as idas. Riley esperava que ele desaparecesse de vez por muito tempo.

Quando Ryan saiu de casa, April saltou.

“As tuas calças mãe! Vai trocar as tuas calças! Qualquer coisa casual mas interessante. Veste aquelas novas calças palazzo.”

Riley subiu as escadas, encontrou as calças de que April falara, vestiu-as e olhou-se ao espelho. Era macias e fluidas e Riley gostava da forma como lhe caíam. Depois vestiu um top que acentuava as suas curvas.

Estava a calçar umas sandálias quando o telefone tocou.

Quando atendeu, ouviu uma voz jovem a dizer, “Agente Paige, chamo-me Agente Jennifer Roston. Espero que seja boa altura para ligar.”

Riley sorriu.

“Claro,” Disse ela.

Já ouvira falar de Jennifer. Era nova na UAC mas já constava que era uma jovem promessa – como a Lucy Vargas. Os seus resultados na academia eram dos melhores. Já estivera num caso em Los Angeles e recebera aplausos pelo trabalho lá desenvolvido.

“Olá Jennifer,” Disse Riley. “Bem-vinda à UAC. Espero que possamos trabalhar juntas em breve.”

Jennifer riu-se nervosamente.

“Bem, o Agente Meredith já me deu uma pequena tarefa. Penso que deixou uma mensagem na sua conta da UAC.”

“Ainda não tive oportunidade de ir ao computador,” Disse Riley.

“Devo fazer alguma pesquisa sobre um velho adversário seu – Shane Hatcher.”

Riley conteve um esgar.

“Ótimo,” Disse ela, tentando parecer agradada. “Ainda bem que alguém está com o caso.”

“Neste momento estou em Quantico a ver ficheiros. Não consigo aceder a alguns que preciso.”

Riley sabia que esses ficheiros eram a sua própria pesquisa sobre Hatcher.

Ela disse, “Bem, visto que está no caso, não tenho problema em lhe dar acesso.”

“Isso seria ótimo. Gostaria de começar a ver esses ficheiros hoje à noite. Quero ver como é que ele se governa. Deve ter contactos. Ou dinheiro.”

“Tenho a certeza que terá ambos,” Disse Riley. “Vou entrar na minha conta dentro de alguns minutos e abro tudo para si.”

Jennifer agradeceu e deu a Riley o seu código de identificação. Riley deu-lhe novamente as boas-vindas à UAC e terminaram a chamada,

Riley entrou de imnediato na sua conta da UAC. Havia, de facto, uma mensagem de Meredith explicando que Jennifer tinha a tarefa de trabalhar no caso Hatcher.

“Por favor, ajude-a conforme puder,” Escrevia Meredith.

Depois Riley abriu os seus ficheiros sobre Hatcher. Percorreu um a um, alterando o acesso para incluir a nova agente. Ela sabia que alguns continham o tipo de informação financeira que Jannifer procurava.

Quando chegou ao último ficheiro hesitou.

O seu nome era “PENSAMENTOS”.

Era uma coelação de pensamentos pessoais e observações – também incluindo informação financeira que conduziria a Hatcher.

Riley não ligara muito a essa informação.

Sempre dissera a si própria que estava demasiado ocupada.

Mas agora percebia – ela não queria dar importância a essa informação. Ela não queria destruir o acesso de Hatcher a recursos que o protegiam.

Pensasse o que pensasse dele, por muito que pensasse que o odiava, a verdade era que ele fora sempre uma grande ajuda para ela.

E havia algo nele que ela respeitava.

Ele era duro e, de uma forma muito própria, honrado.

Como o meu pai, Pensou Riley.

Ficou aliviada por Jennifer Roston ir tomar conta do caso. Já não estaria sobre os ombros de Riley. Talvez não tivesse que mentir mais. Talvez não se voltasse a sentir culpada por não o prender.

Mas aqui estava um ficheiro que podia terminar tudo para Hatcher – e dada a natureza pessoal do que continha, para a própria Riley.

Pensou durante algum tempo, sentindo que estava prestes a atravessar uma fronteira que mudaria a sua carreira para sempre.

E então tomou uma decisão.

Selecionou o ficheiro e introduziu o código.

Uma mensagem surgiu no ecrã:

Eliminar ficheiro PENSAMENTOS?

Ela clicou em sim. O ficheiro desapareceu.

Riley estremeceu.

Ela sabia que acabara de cometer um ato criminoso. Ao proteger um criminoso em fuga ela tinha quebrado o seu juramento enquanto agente do FBI.

Era um pensamento profundamente perturbador.

Ela e o abismo estavam novamente a olhar um para o outro.

E tinha um pressentimento que não seria a última vez.

 

 

                                                   Blake Pierce         

 

 

 

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