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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


ESTAÇÃO DO AMOR / Diana Palmer
ESTAÇÃO DO AMOR / Diana Palmer

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

ESTAÇÃO DO AMOR

 

Lá estava ela. Como sempre.

Bernard Shoeman espiou pela janela e estudou a figura postada mais abaixo, na sacada do hotel da estação de esqui. O chalé dele localizava-se no flanco da montanha, defronte do hotel, e proporcionava-lhe toda a privacidade de que necessitava para compor novas músicas. Entretanto, não estava a salvo dos binóculos da mulher jovem e esguia que, da sacada rústica, perscrutava sem a menor cerimônia.

Continuando a fitá-la, enfiou as mãos nos bolsos da calça jeans. Estava acostumado a ser o centro das atenções. Líder do grupo de rock Explosão e ex-jogador do Dallas Cowboys, Bernard já era constantemente alvo do assédio feminino. Nos velhos tempos, antes do seu casamento e posterior divórcio, a adoração das fãs o lisonjeava. Não passava de um jovem fazendeiro texano, e o sucesso acenava-lhe com um mundo de aventuras e prazeres. Agora, no entanto, a fama tornava-se algo entediante. Ele havia conseguido tudo o que desejava no amor. E mais do que teria desejado daquelas tietes ávidas…

Bernard cruzou os braços, absorto em reminiscências. Com esse gesto, a camisa colou-se a seu dorso, revelando um peito largo e musculoso. As calças justas, moldavam-se aos quadris compactos e as coxas bem torneadas. Ele estava com trinta e oito anos, mas não perecia ter mais que trinta. Seu corpo continuava flexível e esbelto. Seu rosto, contudo, mantinha as pessoas a uma distância segura.

Ele escondia as feições por trás de um bigode e uma barba cerrada, e os cabelos castanhos eram uma massa rebelde que descia ate o colarinho da camisa. Tinha um rosto bonito, com um nariz reto, lábios bem desenhados e expressivos olhos azuis. Mas preferia ocultá-los para esfriar um pouco os ânimos das fãs mais afoitas. Além disso, a displicência fazia parte da sua imagem.

Deke, Jack e Johnson, os outros integrantes da banda, também cultivavam propositalmente uma aparência desleixada. Amanda, única mulher do grupo, era a exceção. Mas, fosse como fosse, o Explosão vinha conquistando prêmios por seus muitos trabalhos e havia programado uma série de concertos para promover o último disco.

O problema, naquele momento, é que Amanda estava grávida. Seria o primeiro filho dela e de Quinn Sutton, seu marido, que morava no Wyoming com o filho Elliot. Todos na família estavam tensos, pois Amanda tivera problemas com a gravidez e fora forçada a ficar em repouso para não correr o risco de perder a criança, com isso vários concertos do grupo foram cancelados, fomentando boatos de que a banda passava por uma crise e estava prestes a se dissolver.

Entre os rumores de uma crise e a admissão de que Amanda enfrentava problemas com a gravidez, não havia muita escolha. Sua família e a banda não queriam que a informação vazasse, atraindo a atenção da imprensa. Os repórteres não conheciam o endereço de Amanda no Wyoming. Valendo-se de todos os meios para obtê-lo, assediaram Bernard de tal forma, que ele se vira obrigado a fugir do estúdio de Nova York. Nem lhe ocorrera aproximar-se da casa de Amanda: era certo que os jornalistas o seguiriam até lá.

Aquele chalé no Colorado era seu último refugio. Ali esperava trabalhar numa nova composição e, quem sabe, arrebatar mais um prêmio para o currículo do Explosão. A melodia já fora definida. Agora faltavam as letras. Porém, a preocupação com o estado de saúde de Amanda e com o futuro do grupo minavam seus esforços criativos.

Talvez, pensou ele, estivesse trabalhando demais. A inspiração não fluía. Precisava espairecer um pouco. Além disso, a vigilância da desconhecida no abrigo dos esquiadores estava lhe dando nos nervos. Tinha que descobrir se ela era uma jornalista intrometida, para se precaver de futuros transtornos. A última coisa que desejava era ver os problemas pessoais de Amanda transformados em assunto do dia na imprensa nacional.

Bernard vestiu o casaco e entrou no carro. Foi então para o alojamento dos esquiadores. O atrito das correntes presa às rodas com a neve espessa produzia um ruído cadenciado, e ele deixou escapar um suspiro entediado. O mau tempo se instalara na região desde janeiro. Nos últimos dias, borrascas e quedas bruscas de temperatura haviam impossibilitado totalmente a prática de esqui.

Quando chegou ao hotel, descobriu que não havia muita gente ali. A maioria dos visitantes tinha partido. Ficaram somente os esquiadores mais otimistas, na esperança de que o tempo melhorasse.

Ele cruzou o abrigo com passos decididos. Sua estatura imponente atraiu a atenção dos presentes. Um tanto contrariado, Bernard foi direto ao escritório do proprietário.

Mark Jennings levantou-se sorrindo, e trocaram um aperto de mão.

— O que o traz aqui Bernard? Cansou-se de seu retiro no chalé?

— Quem me dera. Vim tentar descobrir qual dos seus hóspedes é o agente da CIA que anda me vigiando.

O sorriso de Mark foi substituído por uma fisionomia preocupada.

— O quê? — perguntou, subitamente alarmado.

— Uma de suas hóspedes passa um bocado de tempo me espionando com um par de binóculos. Quero saber quem ela é e o que pretende, Mark.

— Bem… tudo isso é novidade para mim.

— Não se preocupe, meu amigo — tranquilizou-o Bernard. — Não tem obrigação de vigiar seus hóspedes. Talvez ela seja apenas uma fã obcecada. Por outro lado, nada me garante que não esteja tentando levantar informações para a imprensa. Já estou farto de mexericos que correm sobre o Explosão.

— Compreendo. Em que posso ajudá-lo?

Bernard refletiu por alguns instantes.

— Vou ficar um tempo no restaurante. Talvez ela apareça logo mais, na hora do almoço. Não será difícil reconhecê-la. Está usando uma jaqueta de um azul vivo e um gorro do mesmo tom.

— Não me lembro de ter visto nenhuma mulher que corresponda a sua descrição. De qualquer modo, mal tenho saído do escritório ultimamente. Mas, com o número reduzido de hóspedes você não terá dificuldade em encontrá-la.

— Então, se não se importa, eu darei uma olhada por aí.

— Fique à vontade. Você e os outros membros do Explosão são sempre bem-vindos aqui.

— Agradeço a hospitalidade, Mark.

Os dois trocaram mais um aperto de mão. Depois Bernard dirigiu-se ao restaurante. Tentou animar-se um pouco. Não estava com a mínima disposição de caçar uma possível repórter intrometida. Já enfrentara problemas suficientes para driblar a imprensa e mantê-la afastada de Amanda.

Mas tinha que tirar aquilo a limpo, não tinha? Entrou no restaurante, resignado, olhando discretamente à sua volta. Havia ali apenas duas clientes, que dividiam uma mesa ao lado da janela, na ala contígua. Daquele ângulo não podiam vê-lo, e Bernard relanceou-as com curiosidade.

A garçonete estava limpando o balcão e lhe sorriu, afastando uma mecha de cabelo loiro da testa.

— Olá, Bernard. Há quanto tempo!

— Andei muito ocupado, Carol. — explicou ele, devolvendo-lhe o sorriso.

A moça trabalhava com Mark há anos e tornara-se uma boa amiga de Bernard. Para ele, era um alívio poder falar com uma mulher que o tratava com naturalidade, sem idolatrá-lo como as fãs.

Ela deu a volta no balcão e aproximou-se. Aí confidenciou-lhe:

— Fique alerta. Uma daquelas freguesas é repórter da revista Rolling Stone. Ouvi dizer à amiga que tem uma informação quente sobre a sua banda. Ela sabe que você alugou um chalé aqui e vai mandar uma matéria grande para a revista esta noite, usando o computador e o modem.

Exasperado, Bernard olhou de esguelha para as duas ocupantes da mesa próxima à janela. Uma delas era do tipo mignon e tinha cabelos castanhos escuros e curtos. A outra, ruiva, era alta e ostentava curvas generosas.

— Qual das duas é a repórter? — sussurrou ele.

— Não sei — admitiu a garçonete, em um tom de desculpas. — Derrubei um prato e estava recolhendo os cacos do chão quando ela começou a falar. Não tive oportunidade de ver qual das duas era a jornalista. Sinto muito, Bernard. Mas você conhece os repórteres da Rolling Stones, não?

Ele franziu o cenho.

— Quase todos já me entrevistaram alguma vez. Só que nunca vi essas duas mulheres. — Concentrou-se por um instante. — Sim tenho certeza de que nunca as vi. Talvez nossa repórter seja uma colaboradora ocasional da revista.

— Aposto que é a ruiva, — cochichou Carol.

— E eu aposto que é a morena…

Nisso, Bernard viu que a moça em questão pendurara nas costas da cadeira um casaco azul. Reconheceu-a: a garota dos binóculos.

— Talvez seja — concordou a garçonete — Realmente, lamento não poder ajudá-lo. Tem noticias do resto da banda?

— Por enquanto, não. Cada um foi para o seu canto. Estamos todos fazendo uma trégua da roda-viva dos concertos e entrevistas.

Dito isso, ele tornou a olhar para a ruiva e para a morena e despediu-se de Carol. Era melhor retirar-se antes que sua presença fosse notada pelas duas desconhecidas.

Precisava tomar uma atitude. Mas qual? Uma coisa era certa: Amanda não teria mais paz se a repórter da Rolling Stones publicasse uma matéria contando as complicações de sua gravidez.

O próprio fato de estar esperando um filho era segredo. Ninguém imaginara que a turnê do Explosão fora cancelada devido a seu estado de saúde. Felizmente, Amanda estava na fazenda do marido, a salvo das más línguas da imprensa. Quinn zelava por sua segurança com mais empenho que um guarda-costas profissional.

Bernard saiu do hotel, completamente alheio aos flocos de neve que começaram a cair maciamente. Parou do lado do carro e abriu a porta, sem se decidir a voltar para seu chalé.

O que poderia fazer para impedir que a repórter publicasse a matéria na Rolling Stone?, perguntou-se mais uma vez. Apreensivo como estava, imaginou as soluções mais mirabolantes. A primeira delas foi cortar todos os fios de telefone do hotel, impossibilitando que a garota usasse o modem para transmitir seu texto.

— Grande ideia — murmurou consigo mesmo. — Meu próximo passo será escrever histórias de ficção.

Enquanto mergulhava em ponderações, avistou a moça de azul saindo do hotel. Trazia os binóculos e uma câmara fotográfica pendurada no pescoço, além de uma mochila atirada sobre o ombro. Sem vê-lo começou a contornar o carro.

De repente, uma ideia formou-se na mente de Bernard…

Num átimo, esgueirou-se por trás da jornalista. Agarrou-a, levantando-a, colocou-a dentro do carro. Antes que ela pudesse perceber o que estava ocorrendo, Bernard ligou o motor e seguiu na direção da montanha.

Priscila O’Brien arregalou os olhos castanhos e fitou-o, mal se refazendo do susto.

— Minha nossa! — exclamou — Estou sonhando… Ou será que fui mesmo raptada por um urso pardo?

— Não sou um urso pardo — retorquiu ele.

— Mas parece.

Bernard não se dignou a olhá-la. Disse simplesmente:

— É melhor parar de me insultar.

— Escute, não sei ao certo quais são as suas intenções, mas devo avisá-lo que sofro de uma doença terrível… — mentiu Priscila.

— Não seja convencida. Não costumo seduzir anãs.

— Por acaso está me chamando de anã? Pois saiba que eu meço um metro e sessenta de altura!

Ele relanceou-a. Encolheu os ombros.

— Muito bem. Você é uma anã alta. — admitiu. E acrescentou judiciosamente: — Mas ainda é pequena demais para mim.

Priscila recostou-se no banco e cruzou os braços, melindrada. Estudou-o pelo canto do olho. Não tinha jeito de ser um psicopata assassino. Ela virou-se e encarou-o abertamente, com mais curiosidade que medo.

— O que pretende fazer comigo?

— Ainda não sei.

— Muito tranquilizador.

— Não vou machucá-la.

— Realmente, muito tranquilizador. — Priscila franziu o cenho, perscrutando as feições dele. — Será que não nos vimos antes? Você parece familiar.

— Todos me dizem isso.

— Por acaso não faz parte da brigada contra incêndios?

Bernard não pode se impedir de rir.

— Não mesmo — respondeu

— Eu estava indo procurar um cão que se perdeu…

— Não se preocupe. Ele achará o caminho de volta ao hotel.

— Depois que eu encontrasse o cachorro, iria fazer minhas malas — prosseguiu Priscila. — Estou de partida amanhã.

— Remota possibilidade — foi tudo que Bernard disse.

Ela respirou fundo, munindo-se de paciência. Aquela brincadeira já fora longe demais.

— Escuta aqui, Abominável Homem das Neves. Você está cometendo um crime grave. Pode acabar na prisão.

— Ora, por quê?

— Porque você está me sequestrando!

— Impressão sua! — replicou Bernard, sem se alterar. — Só estou oferecendo minha hospitalidade a uma turista perdida nas montanhas.

— Perdida? Eu estava perfeitamente segura diante do hotel!

— Engraçado… Pois eu tive a impressão que estava perdida. Além do mais aí vem uma borrasca. É melhor entrarmos logo.

Ele estacionou na frente do chalé. Saiu do carro, deu a volta e abriu a porta para Priscila.

— Vamos entrar — disse.

Cruzando os braços com obstinação, Priscila maneou a cabeça.

— Não vou sair deste furgão.

— Não é um furgão. É um carro com tração nas quatro rodas.

Ela ergueu o queixo, enervada.

— Que me importa! Eu não vou me mexer daqu… Ohhh!

Sem fazer caso dos protestos dela, Bernard simplesmente tomou-a nos braços e carregou-a até o chalé. Priscila estava por demais atônita para esboçar uma reação. Tinha vinte e seis anos e considerava-se uma mulher independente. Sabia que era bonita e, além disso inteligente. Sua disciplina nos estudos, aliás desencorajara os admiradores. E a escolha profissional que fizera, na área de medicina, era praticamente inconciliável com a vida amorosa. Na faculdade, ela ficava sempre as voltas com os trabalhos, provas e experiências de laboratório. Convivia com uns poucos colegas de faculdade e dedicava-se com afinco aos estudos.

Após se formar, começara um estágio. Não tinha turno definido e trabalhava nos horários e dias mais esdrúxulos: à noite, nos fins de semana e feriados. Perdera assim dois namorados, que preferiram relacionar-se com mulheres que trabalhassem em um ritmo mais normal e gostassem de sair nas noites de sábado, como o resto da humanidade.

Priscila habituara-se a deserções amorosas e aprendera a viver por si mesma. No entanto, a despeito de sua independência, não estava preparada para enfrentar aquele inexplicável sequestro.

E o que dizer de seu captor? A compleição física dele, no mínimo, era impressionante. Alto e forte, carregava-a nos braços com desconcertante naturalidade, como se ela não pesasse mais que uma pluma. Perplexa demais para reagir, Priscila deixou-se levar sem resistência. Sentia-se, de súbito, muito frágil e desamparada.

Bernard transferiu o peso dela para um dos joelhos e destrancou a porta do chalé. Flagrou o seu olhar estarrecido e dissimulou um sorriso amargo. Conhecia aquele olhar. A ex-mulher também havia fitado de modo idêntico quando o vira pela primeira vez. De início, achara-o fascinante. Mais tarde, desinteressara-se dele e voltara suas atenções para o melhor amigo de Bernard. A conta bancária do sujeito fora o argumento final para que ela pedisse a separação.

Fora um divórcio amigável. Pelo menos, aparentemente. A ex-mulher conseguira uma polpuda pensão e ficara-lhe muito grata. Quanto a ele, instalara-se na fazenda do pai e dos cinco irmãos, no Texas. Mas não por muito tempo. Embora sentisse o aconchego ali, não era mais capaz de se adaptar à vida no campo. Sua inabilidade em atirar um laço deixava a família um pouco desconcertada.

Bernard depositou Priscila no chão e trancou a porta, tendo o cuidado de guardar a chave no bolso da calça. A seguir, olhou para ela com atenção. Pareceu-lhe bastante atraente. E bastante irritada também.

Priscila ergueu o rosto, refazendo-se da perplexidade e encarou-o desafiadoramente.

— Não pode me manter aqui — informou-o, tentando conservar o autocontrole.

— Ah, não?

— Tenho compromissos. Preciso trabalhar… Aliás, preciso de um telefone para avisar o pessoal do hotel que não estou mais atrás daquele cachorro.

— Nem por sonho — disse Bernard, divertido. — Sabe cozinhar?

Ela arqueou uma sobrancelha, espantada com a pergunta.

— Cozinhar o quê, por exemplo?

— Qualquer coisa.

Enquanto falava, Bernard despiu o casaco. Priscila mordeu o lábio ao contemplar, involuntariamente, o corpo másculo. Não pode deixar de reparar no porte atlético dele. Os quadris estreitos e as pernas longas, os braços fortes que delineavam sob as mangas da camisa e o peito avantajado eram de tirar o fôlego de qualquer mulher.

Mas uma vez ela se sentiu frágil diante de Bernard.

— Posso fazer algumas torradas — respondeu distraidamente, sem deixar de fitá-lo. — Qual é a sua altura?

— Um metro e noventa.

— Você deve comer um bocado, a julgar pelo seu tamanho.

Ele levantou os ombros.

— Nem tanto. O importante não é a quantidade, mas a qualidade dos alimentos.

Priscila continuou observá-lo, como que hipnotizada.

— Quem é você? — ela perguntou afinal.

Bernard riu sem vontade. Seus olhos azuis faiscaram.

— Tire o casaco.

— O quê? — sobressaltou-se ela.

— Eu sugiro que fique a vontade. Vai passar os próximos dias aqui e não faz sentido continuar de gorro e casaco.

— Ah, isso é que não! Eu vou voltar para o hotel!

— Não acredito que consiga dar nem um passo com esse mau tempo.

Assim dizendo, ele apontou para a janela. Lá fora, os flocos de neve haviam se adensado e giravam em torvelinho furioso.

Priscila umedeceu os lábios e crispou as mãos. Estava encurralada ali, pensou. E tinha mais receio de perder o emprego do que ficar à mercê de um doido varrido.

— Meu Deus… — murmurou, cheia de aflição.

— Você está em segurança. Eu não vou lhe fazer mal. — assegurou-lhe Bernard.

— Não é isso que me preocupa. Oh, meu Deus… Meu Deus! — repetiu ela. — Vão me julgar uma irresponsável, e com toda razão! Imagine, para começo de conversa, achavam que eu era jovem demais e quase me dispensaram. Agora, usarão minha ausência como pretexto para me despedir…

— É bem provável mesmo. Mas qual o problema? Você encontrará outro trabalho — replicou Bernard, começando a ficar exasperado.

— Como esse, dificilmente!

— O que há de especial no seu emprego? É o salário, não?

Bernard falava com uma nota de sarcasmo. Ao que constava, os repórteres eram muito bem pagos para bisbilhotar a vida das pessoas e veicular matérias imprecisas, distorcidas e sensacionalistas. Ele não tinha, em suma, uma opinião muito favorável dos jornalistas. Era com extrema contrariedade que lhes concedia entrevistas, respondendo as mesmas perguntas e esquivando-se das inevitáveis indiscrições que os repórteres invariavelmente cometiam.

Era sempre a mesma ladainha. Queriam saber sua opinião sobre o aborto e as drogas. Qual era seu partido político. Como surgira o Explosão. Onde buscava inspiração para compor. Como seria o próximo disco e o próximo show… Vasculhava seu passado com perguntas insolentes e sondavam seu futuro, na tentativa de arrancar-lhe alguma frase de efeito que pudesse servir de manchete. Era insuportável.

Felizmente, com o tempo, Bernard havia desenvolvido uma couraça para se proteger daquela invasão de privacidade. Dava entrevista de forma maquinal, sem grandes envolvimentos. E sobrevivia aos eventuais ataques da imprensa.

— Se quer saber, o salário é promissor — respondeu Priscila, alheia ao rumo que os pensamentos deles haviam tomado. — E há boas perspectivas de promoção.

— É uma pena — ironizou Bernard.

— Não tem o direito de me prender aqui! — ela explodiu trêmula de indignação.

— E você não tem o direito de me espionar.

Priscila retesou-se. Olhou-o, confusa.

— Do que está falando?

— Ora, não se faça de desentendida! Você tem me vigiado com esses binóculos todos os dias. O que é isso senão espionar?

Ela pôs as mãos na cintura, num misto de espanto e ultraje. Em outra circunstâncias, certamente teria rido. O azar é que não estava com o menor senso de humor naquele momento.

— Por acaso acha que estou desesperada por companhia masculina, e ando procurando homens com meus binóculos? Francamente!

— Que tal parar com esta comovente encenação? Pensa que vai me dobrar? Esqueça, meu bem. Tenho uma larga experiência com tietes e conheço os artifícios femininos.

Priscila não resistiu e beliscou o próprio braço.

— Isto não está acontecendo. É apenas um sonho. — disse, mais para si mesma que para Bernard. — Afinal, essas coisas só acontecem nos livros e nos filmes. Os homens de carne e osso não saem por aí raptando mulheres indefesas, a menos que sejam personagens usando turbantes e montando camelos!

— Sinto muito. Eu não tinha um turbante à mão. Muito menos um camelo.

Ela ignorou a observação cínica e estreitou os olhos.

— Por que insinuou que sou uma tiete?

— E você, por que ficou me espionando? — revidou Bernard.

— Quer parar com essa ideia fixa? — Priscila gesticulou, sem conter a irritação. — Eu estava observando uma águia rara! Dois espécimes foram soltos a cerca de vinte quilômetros do hotel, dando continuidade ao programa de repovoamento da área. Vim aqui estudar as aves e acompanhar seu processo de adaptação ao meio ambiente.

Ele lhe endereçou-lhe um sorriso incrédulo, deixando à mostra os dentes muito brancos.

— Não diga que você é uma dessas ecologistas fanáticas!

— Se houvessem mais pessoas com consciência ecológica, o mundo seria muito melhor, — retorquiu Priscila com ar grave.

O ceticismo de Bernard deu lugar ao aborrecimento.

— Tentaram aumentar a população de lobos no norte — disse com voz dura. — Sabe o que aconteceu? Eles começaram a devorar ovelhas e vacas nas montanhas. Enquanto os fazendeiros perdiam suas cabeças de gado, os responsáveis por essa medidas voltaram para sua cidade e continuaram vivendo confortavelmente em seus apartamentos.

Por um momento, aquelas palavras deixaram Priscila chocada. O desprezo que revelaram era quase palpável.

— Se não houver predadores, as presas se multiplicarão e haverá um desequilíbrio ecológico. Todo mundo sabe disso. Se não acredita em mim, veja o caso dos coelhos na Austrália. Sem os inimigos naturais para controlar sua população, eles se multiplicaram pelo país e tornaram-se um problema para o governo australiano.

— Por que não mandamos nossos lobos para exterminar o excedente dos coelhos australianos?

— Seria uma boa ideia. O problema é que os lobos não sobrevivem no deserto. — ela retorquiu friamente.

— Então sugiro que os cientistas façam um cruzamento do lobo com o camelo. Ouvi dizer que tem conduzido experiências genéticas fantásticas neste país.

Priscila suspirou. Não podia acreditar que ele falava sério.

— O intuito das experiências é produzir animais mais saudáveis e plantas resistentes às pragas. — explicou, rolando os olhos.

— Mas não são seres híbridos? Que eu saiba, os híbridos são estéreis.

— Eu não conheço esses experimentos a fundo. — Priscila desconversou, tentando por um ponto final na discussão.

Bernard, no entanto, não iria desistir tão facilmente. Voltou à carga:

— Vocês não libertaram duas águias raras? Pois bem, isso não é uma experiência?

— Por favor, vamos deixar as águias de lado. Por que me trouxe aqui?

— Sou um homem solitário — ele retrucou, sempre sarcástico. — De tempos em tempos, vou até o hotel, pego o excedente de garotas de lá e trago-as para cá. Digamos que faço um programa de repovoamento em meu chalé. Aposto que a ideia agrada uma ecologista como você, não? Além do mais, pense em todas as informações quentes que poderá coletar.

— Informações? Mas que informações?

— Chega de conversa fiada. Nós dois sabemos muito bem o que você faz para sobreviver. Carol me contou tudo.

Priscila maneou a cabeça com resignação.

— Carol? Está se referindo a garçonete loira? Bem se ela lhe contou paciência… Seja lá como for, eu não estava fazendo nada ilegal, certo?

Bernard tornou a rir e disse enquanto ia á cozinha:

— Vamos esquecer Carol e as águias raras. Que tal comermos alguma coisa? A borrasca não passará tão cedo.

Ela olhou para a janela e confirmou a veracidade daquela declaração. Conformada, seguiu Bernard até a cozinha. Mas prometeu a si mesma que encontraria uma maneira de ir embora tão logo a tempestade de neve cessasse.

 

— Qual é o seu nome? — perguntou ele, lavando algumas frutas.

— Priscila O’Brian. E o seu?

Bernard riu secretamente. Aquela repórter era, com efeito, uma atriz nata. Pois muito bem, faria o jogo dela, decidiu.

— Pode me chamar de Bernard — respondeu sucintamente.

— Só Bernard?

— Isso mesmo.

Ela acercou-se da pia. Cruzou os braços.

— Como preferir. Se eu mantivesse alguém no cativeiro, provavelmente também não revelaria meu nome verdadeiro.

Priscila virou-se para o armário e começou a abrir as portas. Bernard olhou-a franzindo o cenho. O modo como ela se movia na cozinha, muito à vontade, perturbava-o.

— O que está fazendo?

— Vou preparar uma massa de panqueca. A menos que tenha intenção de prepará-la você mesmo.

Após um segundo de hesitação, ele deixou as frutas em uma travessa e forneceu-lhe os ingredientes e utensílios necessários. Priscila arregaçou as mangas da blusa de lã azul clara, começando a peneirar a farinha.

— Estava pensando em fazer ovos mexidos. Mas, se fritá-los agora, vão esfriar até que as panquecas ficarem prontas. Melhor esperar — disse Bernard.

Ele arrumou a mesa com presteza e sentou-se, observando Priscila bater a massa numa tigela.

— Você parece habituada a fazer isso. — comentou.

— Vivo por minha conta há muito tempo. Não posso me dar o luxo de comer sempre em restaurantes. Eu cozinho diariamente.

— E cozinha para alguém?

Priscila sorriu e, aquecendo óleo na frigideira, despejou ali uma porção de massa.

— Sim. Cozinho para mim — disse com simplicidade.

Bernard recostou-se à parede. Enfiou as mãos nos bolsos e analisou-a por um momento. Ela encolheu os ombros, afetando descaso.

— Não tenho tempo para relacionamentos — justificou-se. — Trabalho à noite e também em muitos finais de semana e feriados. Antes disso, estava estudando.

Ela devia ter terminado o curso colegial, Bernard concluiu. Priscila dava-lhe a impressão de ser muito jovem. Tinha olhar suave e uma expressão desarmada. Por baixo do jeans e da blusa que vestia, sua carne parecia deliciosamente rija. Havia uma cativante vulnerabilidade nas maneiras delas. Bernard não saberia definir ao certo o quê.

Sua ex-mulher era bem diferente. Mulher extremamente racional e objetiva, dedicava-se à carreira de agente imobiliária. Nas horas vagas, gostava de vestir roupas caras e ir a festas. Ao que constava. Ela e o atual marido saiam quase todas as noites…

O olhar ausente dele não escapou a Priscila.

— E você, cozinha para alguém? — ela perguntou num impulso.

— Sou divorciado — Bernard respondeu num tom apático. — Minha ex-mulher se envolveu com meu melhor amigo e pediu a separação. Eu pouco ficava em casa e não podia lhe dar muita atenção.

— Eu lamento.

— Pois não lamente. Nossa separação foi amigável. De qualquer modo, nós não tínhamos os mesmos interesses. — Ele olhou para as próprias botas e disse: — Eu queria filhos. Me agrada a ideia de morar em uma casa cheia de crianças. Tenho muitos irmãos.

Priscila virou a panqueca, deixou-a tostar e preparou-se para fritar uma segunda.

— Sorte sua, Bernard. Eu não tenho família. Minha mãe morreu quando eu era criança e perdi meu pai em um acidente de avião, há quatro anos.

— Você é filha única?

Ela assentiu com um maneio.

— Eu bem que gostaria de ter irmãos. Por outro lado, a solidão me ensinou a ser auto-suficiente. Os estudos me motivaram e me ajudaram a superar os momentos difíceis.

— Como se sustentava enquanto estava no colégio? — indagou Bernard com interesse.

— Colégio? Eu estava na faculdade. — Priscila arqueou a sobrancelha. Depois riu. — Quantos anos você acha que eu tenho?

— Dezenove… vinte talvez.

— Obrigada. Tenho vinte e seis. Já sou formada.

Ele franziu a testa olhando-a intensamente.

— E qual a sua especialização?

Antes que Priscila pudesse responder, ouviu-se um estrondo do lado de fora. Bernard precipitou-se para a janela e esquadrinhou a paisagem. A neve descera da montanha, como uma pequena avalanche, arrebentando postes de luz e cortando linhas telefônicas.

— Felizmente Mark tem geradores de emergências no hotel. E eu também. Mas os telefones ficarão mudos até o tempo melhorar — disse ele.

— Você tem telefone aqui?

— Não — Bernard respondeu, virando-se para ela. — Quando preciso fazer uma ligação, uso o aparelho do hotel. Números de telefone que não constam na lista são uma mera ilusão. Alguém sempre os descobre e liga nas horas mais inconvenientes.

Priscila lembrou-se de como seu próprio telefone tocava no meio da madrugada, com solicitações de pessoas que simplesmente não podiam esperar até amanhã seguinte para contatá-la.

— É verdade — concordou.

— Bom, acho que a situação no hotel está sob controle. Falei hoje com um sujeito da patrulha de esqui. Ele contou que havia checado o terreno e, aparentemente, estava tudo bem. Eu me pergunto o que teria causado o deslizamento de neve.

— Há várias possibilidades. Alguém esquiando além dos limites seguros. O tiro de um caçador irresponsável… Quem é que pode saber? Ah, só espero que aquele cão tenha conseguido voltar ao hotel!

Bernard deu de ombros com um gesto negligente.

— Acho que você está se preocupando à toa, Priscila. Que eu saiba, o único cachorro das redondezas é um mestiço que ronda o hotel para ganhar comida dos hóspedes. Seu dono é um austríaco que mora a um quilômetro da montanha. O cão conhece a região melhor que todos nós e dificilmente se perderia. Na certa, alguém quis lhe pregar uma peça quando afirmou que estava perdido. — Ele fez uma pausa e estreitou os olhos. — Quem lhe pediu para ir atrás do cachorro?

— Um dos instrutores de esqui, Eric. Ele me disse que iria procurá-lo de um lado enquanto eu procurava do outro. Depois, nós nos encontraríamos em um pequeno abrigo… Ei, por que está rindo?

— Eric Bayer conta essa lorota de cão perdido a todas as turistas bonitas que vêm para cá. Ele sempre tenta seduzi-las no abrigo.

Priscila corou violentamente. O plano do instrutor era tão primário que chegava a constrangê-la. Fritou uma panqueca com as mãos apressadas.

— De onde você veio? — indagou Bernard.

— Sioux City, Iowa.

— Bem que imaginei algo assim…

Ele começou a fazer os ovos mexidos, e Priscila tratou de coar um café fresco. Sentaram-se então à pequena mesa quadrada que ficava encostada na parede.

— É bom ter companhia na hora das refeições — comentou Bernard. — Não estou acostumado a passar muito tempo sozinho aqui.

— Ah, não?

— Não. Eu me isolo só quando estou trabalhando. — Ele levou uma garfada à boca, mastigou lentamente e ajuntou, divertido. — Você deveria saber disso. A Rolling Stone sempre publica uma nota quando venho para cá.

— Rolling Stones? Não são um grupo de rock inglês?

Ele limpou os lábios e bebeu um gole de suco de laranja. Sorriu com um ar zombeteiro.

— Você realmente faz isso muito bem, Priscila.

— O quê?

— A expressão inocente.

Terminando de comer os ovos mexidos, Bernard levou o prato à pia e serviu-se de uma panqueca. Cobriu-a com uma generosa camada de mel.

— É uma pena que eu tenha me esquecido de comprar geléia. — disse.

— Uma pena mesmo. Mas que história é essa de expressão inocente?

— Coma antes que seus ovos esfriem. A panqueca está deliciosa.

Priscila sorriu ao vê-lo comer com evidente satisfação.

— Você é engraçado. Está tomando café da manhã na hora do almoço. Eu me pergunto qual será o seu cardápio na hora do jantar.

— Não me preocupo com cardápios. Tenho comido frutas e cereais à noite. Não disponho de tempo para cozinhar quando estou trabalhando.

— Longe de mim me queixar. Eu adoro os cafés da manhã.

Aquela declaração, tão espontânea quanto inesperada, fez com que Bernard se descontraísse. Apanhou uma maçã e mordiscou-a. Encarou Priscila. Seu olhar percorreu-a de alto a baixo, preguiçosamente.

O corpo dela era compacto e sinuoso. Bernard gostava de seus olhos grandes e escuros, cujas íris pareciam abrigar centelhas luminosas. E gostava de sua boca também. Os lábios eram cheio e convidativos…

— Eu sei caratê — disse Priscila de repente.

— Verdade?

Ela aquiesceu com um gesto.

Bernard limitou-se a sorrir, imperturbável.

— E acha que teria alguma chance contra um homem do meu tamanho?

— Você estragou minha piada. — Priscila repreendeu-o, rindo. — Eu ia dizer que sabia caratê e outras palavras em japonês! Quanto à possibilidade de eu vencê-lo em um luta corpo a corpo… Não sei. Muitas vezes, usa-se a força do próprio adversário para suplantá-lo. Pelo menos, é o que dizem.

Observando-o por um instante, ela tornou a indagar:

— Por que pensou que eu estava espionando você?

— O que mais eu poderia pensar? Você não desgrudava os olhos daqui, sempre com os binóculos apontados para minha sala de estar…

— A águia estava pousada no topo de um dos álamos que crescem atrás do seu chalé.

Ele deu um assobio. Sua fisionomia denunciava total incredulidade.

— Está tentando me convencer de que a águia existe de fato?

— Claro. E são dois espécimes. Um casal. Aves muito bonitas e grandes. Seus olhos são belíssimos de um castanho quase dourado.

— Já vi algumas águias aqui e em Wyoming.

— Eu adoraria conhecer Wyoming. Sempre quis ir a um rodeio em Cheyenne.

— Ora, ora. Os amantes da natureza não julgam os rodeios uma prática cruel para com os animais? — provocou ele.

— Não sou radical. Além disso, os animais usados no rodeio são mais bem tratados que muita gente. Meu próprio pai costumava levar touros nas apresentações de Oklahoma.

Bernard tornou a encará-la com desconfiança. Reconhecia que Priscila era adorável. As mulheres, todavia, eram perigosas. Ele sabia disso melhor que ninguém.

— Você não disse que tinha vindo de Sioux City?

— Eu moro lá. Cresci longe de Oklahoma City. — Priscila apanhou um maçã para si e perguntou:

— Você, de onde é?

Bernard hesitou antes de responder. A reporterzinha parecia estar se divertindo com a encenação. Mas ele estava cansado demais para inventar estórias. Passara boa parte da noite acordado, debruçado sobre os versos de uma música, sem chegar a um resultado satisfatório.

— Texas. De uma cidade perto de Dallas — disse.

— Já estive naquela região. Acompanhava meu pai quando ele ia a rodeios.

— É um belo estado. Como este.

O motor do gerador de eletricidade portátil começou a ranger funestamente. Bernard voltou-se para os fundos do Chalé e apurou os ouvidos.

— Que droga — murmurou — Eu devia ter providenciado um gerador novo. Se esse aí entrar em pane, nós vamos congelar e morrer de fome.

— Não seja por isso. Você tem um belo estoque de lenha lá fora e uma lareira na sala. Em último caso, usaremos a lareira como fogão.

— É só o que nos restará fazer.

— O único caminho para sair daqui é aquele que seguimos a partir do hotel?

Ele assentiu, sem nada dizer. Estava visivelmente apreensivo.

Priscila olhou a neve através da janela e friccionou os braços, estremecendo.

— Você ainda não disse por que me trouxe pra cá, Bernard.

— Acho que isso já não tem importância. Você não poderá ir embora enquanto a nevasca persistir.

— Mas eu me importo, sim. Não é todo dia que sou raptada. Gostaria muito de saber o que eu fiz para merecer isso.

Bernard fitou-a de modo penetrante. Por fim, falou:

— Por que insiste em fazer esse jogo? Sei muito bem quem você é!

— Se não me engano, já me disse isso uma vez.

— Então não se faça de desentendida. Sabe perfeitamente por que está aqui. Você tinha intenção de escrever uma matéria que poderia arruinar a carreira de algumas pessoas e, o que é mais grave, fazer uma mulher correr o risco de perder o filho. Como pode ser tão inconsequente?

Ela o fitou com expressão confusa. Como se ele tivesse falando um idioma desconhecido.

— Não estou entendendo… Que matéria? Eu só escrevo relatórios médicos…

— Relatórios médicos? Qual é a piada agora? — Bernard imobilizou-se, ligeiramente desconcertado.

— Não é piada. Eu faço relatórios médicos, preencho receitas de medicamentos, guias de exames… coisas assim. Sou médica. É por isso que preciso voltar o quanto antes para o hotel. Do contrário, meus colegas poderão me dispensar, alegando que eu não passo de uma irresponsável! Estou em período de experiência. Se tudo correr bem, eles me aceitarão com sócia da clínica e…

— Você? Médica? — ele repetiu custando a acreditar.

— Sim. Dra. O’Brian — reafirmou Priscila com orgulho.

Bernard cerrou os punhos, balançou a cabeça com ar desolado.

— Oh, não! Peguei a pessoa errada!

— Como? Então pretendia sequestrar outra mulher?

— Sim! — respondeu ele impaciente, e se pôs a andar de um lado para outro. — Droga… droga! A esta altura, ela já deve estar a caminho de Nova York, pronta para publicar um amontoado de mentiras sensacionalistas.

— Quem?

— A maldita repórter!

— A garota que estava comigo no restaurante? Pelo que entendi, ainda ficará uns dias aqui. Depois vai encontrar o noivo em Salt Lake City e os dois irão para Los Angeles.

— Sério?

— Foi o que ela me contou.

Depois de refletir alguns instantes, Bernard encarou-a com uma ponta de esperança.

— Isso é muito importante. Talvez nem tudo esteja perdido. O que a garota disse sobre Amanda Sutton?

— Eu não me lembro bem dos nomes que ela mencionou. Estava falando sobre um grande grupo de rock prestes a se dissolver. Qualquer coisa assim.

— Que grupo? — insistiu Bernard ansioso.

Priscila sorriu-lhe como que para pedir desculpas.

— Sinto muito, mas não sou muito aficionada a música pop. Prefiro compositores eruditos.

Ele encarou-a com dureza, vagamente ressabiado.

— O que foi agora? Não precisa me olhar desse jeito — replicou Priscila, na defensiva. — Não há nada de errado gostar de música clássica… ou há?

— Não, claro que não — Bernard apressou-se em dizer, mas continuou a fitá-la surpreso — É que as pessoas da sua geração ouvem mais música pop.

— Já vi tudo. Você é fanático pela MTV, certo? Bem, respeito o seu gosto. Mas muitos artistas da atualidade se inspiram em música erudita.

— Não me leve a mal. Não estou condenando os clássicos, pelo contrário.

— Eu já gostei muito de música contemporânea. Mas você não acha que a indústria fonográfica chegou ao auge da banalização? É tudo tão estereotipado… tudo tão previsível! Estou cansada de modismos. Não aguento mais ver artista de cabelo comprido, vestindo roupas de couro e fazendo caras e bocas…

Neste ponto do discurso dela, Bernard não resistiu mais e deu uma sonora gargalhada.

— Você não existe, Priscila.

— Ora, você também não está enjoado disso? Diante da atual massificação da música. Eu prefiro ouvir compositores clássicos. Não acha que a música erudita é como uma ponte para o passado?

Ele parou de rir, sem saber o que dizer. Também gostava dos clássicos, mas fazia muito tempo que não os ouvia, a exemplo da maioria das pessoas do seu círculo de relações.

— É como entrar no túnel do tempo, Bernard. Você reproduz em um instrumento a melodia que alguém compôs há muitos séculos. E, de repente, é como se estivesse sendo transportado para aquela época, ouvindo os sons que a gente daquele tempo ouvia. Isso é algo mágico.

— Você toca algum instrumento?

— Sim. Piano. Estudei durante cinco anos, mas não sou realmente talentosa. Seja como for, eu amo a música.

— Desde que não seja rock. — lembrou ele.

— É… depende. Em geral, as músicas estão cada vez mais barulhentas. Acho que gostaria delas se ainda fosse adolescente. Hoje, prefiro melodias mais calmas. Mas há exceções, claro. Já ouvi trabalhos muito bons de artistas contemporâneos.

Bernard fitou-a com uma estranha ansiedade. Perguntou:

— Por exemplo?

— Deixe me ver… Não sou muito boa para guardar nomes, mas… acho que é uma música intitulada “Acqua”. Não me lembro quem é o autor…

Ele lembrava: aquele era um dos últimos sucessos do Explosão. Porém, absteve-se de fazer qualquer comentário.

— A música tem um solo maravilhoso de flauta. E um vocal feminino declamando versos — continuou Priscila, — Segundo o DJ fugia ao estilo do autor. A faixa, por pouco, não foi incluída no álbum da banda dele. Mas os outros integrantes insistiram para que constasse no CD.

Era verdade. Bernard compusera aquela música num momento de rara inspiração, Certa noite, sonhara com uma melodia. Ao acordar, tocara-a na guitarra e registrara-a em um gravador portátil. Fizera os arranjos e escrevera a letra em um pouco mais de uma hora. O trabalho fluíra como nenhum outro. A música tinha influência folclórica e muito diferente das demais composições que fizera para sua banda. Ele não quisera que fosse incluída no repertório do Explosão, receando que o público e a critica fossem execrá-la. Era comum a mídia crucificar o artista quando ele mudava radicalmente os rumos de seu trabalho.

Para sua surpresa, no entanto, os outros membros da banda gostaram da música e fizeram questão de colocá-la como faixa de abertura do próximo CD que lançariam. ”Acqua” arrebatara um Prêmio Grammy também. Bernard pedira que Amanda o recebesse. Ficara embaraçado de comparecer à entrega do prêmio. Aquela música dava pistas para alguns de seus sentimentos mais íntimos, e preferia que sua autoria fosse creditada a todos os integrantes do Explosão.

— E você… assistiu ao videoclipe dessa música, Priscila? — perguntou com curiosidade.

— Ah, não. Não tenho tempo de ver tevê. Geralmente escuto no rádio enquanto estou dirigindo.

Bernard sorriu. Ela gostava da sua música e nem sequer o conhecia. Não sabia ainda se devia se sentir lisonjeado ou ofendido. Indeciso, quedou-se numa espécie de limbo.

— Você tem certeza que não lembra o nome da banda que aquela repórter citou? — quis saber, retornando a questão da Rolling Stone.

Priscila desviou o olhar, um pouco constrangida. A seguir, voltou a fitá-lo.

— Eu realmente não me lembro. Estava distraída, olhando a águia pela janela — confessou —. Acho que não prestei em sua conversa. A garota estava sozinha e queria falar com alguém. Era simpática e não me incomodei de dividir a mesa com ela. Mas quando percebi que a águia estava voando perto da janela…

— Pelo jeito, você realmente gosta de animais, hein? — gracejou ele.

— É, acho que gosto. Sempre tive mania de recolher pássaros feridos. Uma vez levei uma serpente não venenosa para casa e levei a maior bronca do meu pai. Mas a cobra estava com um talho horrível na cauda e eu me senti na obrigação de cuidar dela.

Bernard encarou-a com mais intensidade do que teria desejado. Priscila devolveu o olhar e enrubesceu, desconcertada com a expressão indecifrável que percebeu em seu semblante.

Divertido com a consternação de Priscila, ele sorriu.

O coração dela bateu descompassado. Bernard não representava ameaça para sua integridade física, tinha certeza disso. O problema era que, quando lhe sorria daquele modo, fazia-a sentir uma inexplicável onda de calor. Um anseio louco que clamava pela proximidade dele…

Mas, evidentemente, devia estar um pouco desestruturada com aquela situação absurda. Não perdera o autocontrole e, afinal, Bernard e ela vinham se relacionando nos termos mais amigáveis possíveis. Isso, no entanto, não alterara o fato de que, de uma hora para outra, Priscila se vira na casa de um desconhecido. Não podia negar que isso mexia um pouco com seus nervos. Daí sua reação disparatada.

Baixou o rosto e olho-o de soslaio. Ainda assim, pensou Bernard era um homem alto e forte. Se quisesse poderia muito bem…

— Sabe que é uma pessoa totalmente transparente? Sei o que está pensando — disse ele, sem parar de sorrir. — Mas não há motivo para se preocupar. Eu nunca assediei nenhuma mulher. Comigo costuma acontecer o contrário.

Priscila não conseguiu dissimular o espanto. Com aqueles cabelos longos e a barba cerrada, Bernard definitivamente não fazia seu tipo. Não podia imaginá-lo sendo abordado por uma horda de mulheres.

— Você é muito rico?

Ele apertou os olhos. Seus maxilares contraíram imperceptivelmente.

— Por acaso está insinuando que eu sou incapaz de conquistar uma mulher?

Bernard não fez menção de se aproximar dela. Mesmo assim, seu olhar glacial fez com que Priscila se sentisse subitamente muito desconfortável.

— Não foi isso que eu quis dizer — replicou em tom débil.

— Foi, sim.

— Não, não… Não quis ofendê-lo.

— Então qual o problema?

— Bom, você é meio… cabeludo — respondeu ela, escolhendo as palavras com cuidado.

— E eu volto a perguntar: qual é o problema? Não sou o único homem do mundo que usa barba e bigode.

Priscila encolheu-se com as faces afogueadas. Arrependia-se amargamente de haver falado mais do que devia.

— Olhe, não sei como explicar. Você me deu a impressão de que quer se esconder atrás desse monte de cabelo… — Ela calou-se, enervada. Quanto mais falava, mais piorava as coisas.

Bernard deu um passo em sua direção.

— Não adianta tentar me intimidar. Você não me assusta — blefou ela sem nenhuma convicção.

Priscila parecia uma mulher pronta a defender do ataque de um cão bravo. Bernard teria achado graça dela se não estivesse se sentido tão insultado.

— Não procuro uma mulher há dez anos, Srta O’Brian — disse com os dentes cerrados. — Em compensação as mulheres vivem correndo atrás de mim. Elas não me não trégua. Se me hospedo em um hotel, os seguranças precisam que vistoriar a suíte para verificar se não há alguma mulher escondida atrás das cortinas. Eu poderia ter quantas amantes quisesse. E provavelmente já recebi mais propostas de casamento em uma semana que você em toda sua vida. E, no entanto, acha que eu só seria capaz de conquistar uma mulher com o meu dinheiro!

— Calma, por favor. Não quis ofendê-lo…

Priscila crispou as mãos nervosamente. Tornou a retroceder e sentiu algo duro às suas costas: a parede.

— Veja bem, Bernard, é irracional querer usar a força bruta como método de persuasão… — argumentou ela, estremecendo.

— Ora… Mas você não acha que eu precisaria de força bruta para ter uma mulher?

— Você me entendeu mal.

Dito isso num tom categórico, ela tentou se desvencilhar. Bernard, porém, foi mais rápido e apoiou as duas mãos na parede, encurralando-a.

— Quem pensa que é para me julgar? — disse irritado. — Olhe só para você. Passou a vida afundada em livros de medicina. O que é que entende de homens?

— Já tive alguns namorados. Na verdade, posso arranjar companhia para sair à hora que eu quiser! — defendeu-se Priscila.

— Verdade? E quanto precisa pagar a seu acompanhante? — rebateu Bernard com um sorriso cínico.

Os olhos castanhos de Priscila dardejaram. Sem pensar ela erguer a mão para estapeá-lo. Mas, com surpreendente rapidez, Bernard segurou-lhe o pulso; a seguir pressionou a palma da mão dela contra a própria face. Priscila sentiu na ponta dos dedos a pele macia e a barba densa.

— Você não sabe nada sobre amor-próprio masculino, não é? — ele indagou baixinho — Pois eu vou lhe mostrar o que acontece quando uma mulher provoca um homem…

Priscila tentou se esquivar. Entretanto, antes que tivesse tempo de reagir, Bernard se inclinou e cobriu os lábios dela com os seus…

 

Nunca havia ocorrido a Priscila que um dia seria tão bom beijar um homem que absolutamente não fazia seu tipo. Bernard movia os lábios sobre os dela com lentidão, quase doçura. Suas mãos grandes pousaram na cintura de Priscila e a trouxeram para mais perto, deixando-a aturdida.

Rígida, ela mantinha boca obstinadamente apertada. Não queria sucumbir às carícias dele.

Bernard, mordiscou-lhe o lábio inferior e sussurrou:

— Não vou machucar você. Relaxe…

— Não…

Quando Priscila entreabriu os lábios, ele a aproveitou e atiçou-os com a ponta da língua, começando a explorar sua boca sem pressa, em movimentos sensuais que quase tiraram o fôlego. Ela respirou pesadamente, incapaz de se desvencilhar daquele abraço que a fazia sentir, a um só tempo, calor, arrepios, lassidão. Era um caleidoscópio de sensações, arrebatando-a e dando-lhe uma espécie de vertigem. Nunca experimentava nada semelhante e não sabia ao certo como devia reagir ao poderoso desejo que brotava no âmago do seu ser.

Semicerrou as pálpebras e suspirou. Sem que se desse conta, passou a corresponder ao beijo. De repente, alarmada com a intensidade de sua reação ela se retesou.

Percebendo a relutância de Priscila, Bernard afastou-se um pouco para fitá-la. Os olhos azuis, toldados para uma emoção indefinível, buscaram os dela, aprisionando-os em um longo olhar. Ele roçou-lhe os lábios com a ponta do polegar. Depois, lentamente, sorriu.

— Seu beijo tem gosto de maçã — murmurou com a voz acariciante.

A forma como ele lhe falou, com a dose exata de malícia e meiguice, foi desarmante. Bernard possuía um carisma irresistível. Seu toque era como um rastro de fogo, combinando suavidade e ousadia. Priscila começou a perceber porque as mulheres o assediavam. Não era pelo seu dinheiro. Disso ela sabia agora…

Bernard continuou a fitá-la, tentando decifrar as emoções. Não vislumbrou medo nos olhos castanhos dela, mas uma inexperiência que chegava a ser cativante.

— Nada a dizer, Priscila?

Como que saindo de um transe, ela demorou a responder. Depois limitou-se a fazer um gesto de negação, fitando-o de modo interrogativo.

— Você não tem nada a temer. A despeito de haver raptado você, não sou um bruto. Aliás, os motivos para minha conduta, são acima de tudo, nobres.

Priscila encarou-o, sentindo-se de súbito desprotegida. Bernard poderia dominá-la sem nenhum esforço se assim o desejasse.

— Você é mesmo um homem… grande — ela disse involuntariamente.

— Comparando a você, eu sou, sim.

Ele a estudou por um instante. Com efeito, Priscila parecia muito pequena e frágil em seus braços. Olhou para os seios dela, pequenos e firmes, que se comprimiam contra seu tórax amplo. Priscila mal chegava a altura do seu queixo. Se a possuísse, teria que se refrear para não machucá-la.

Bernard franziu o cenho.

— O que foi? — Priscila perguntou

— Eu estava pensando que teria que ser muito cuidadoso com você na cama — ele respondeu distraidamente.

Priscila corou e empurrou-o, ultrajada.

— Me poupe de seus comentários picantes, sim?

Ele achou graça de sua indignação e não a deteve quando ela se desvencilhou.

— Por quê? Não percebe que estou sendo simplesmente consciencioso? Você é muito delicada. Em geral, sempre me relaciono com mulheres mais altas, de constituição mais forte. Até nas quedas de braço, nunca me confrontei com adversários que não fossem do meu tamanho. É tudo uma questão de equilíbrio.

Priscila continuou a encará-lo, presa de um estranho encantamento, e teve raiva da própria fraqueza. Apesar da sua exasperação, não conseguia desviar os olhos da figura imponente de Bernard. A camisa dele entremostrava os pêlos que lhe cobriam o peito. O jeans enfatizava as coxas sólidas…

Sem querer, ela tentou imaginar como seria o corpo másculo por baixo daquelas roupas. Aí, num sobressalto, interrompeu seus devaneios. Virou o rosto, mais envergonhada do que nunca.

— Você ainda não me contou qual é a sua ocupação, Bernard — disse, fingindo naturalidade.

— Fui jogador de futebol profissional.

Priscila fez um muxoxo.

— Me perdoe por minha ignorância, mas não sou fã de esportes.

— De qualquer maneira, isso foi há muito tempo.

Ela finalmente compreendeu como Bernard podia pagar um chalé caro como aquele, um ponto privilegiado com aquele. Devia ter feito uma pequena fortuna como jogador. Isso esclarecia também o assédio das mulheres…

Mas, de repente, Priscila não gostou de imaginá-lo rodeado de mulheres e, assim afastou aquele pensamento da mente.

— Quanto tempo acha que a tempestade de neve vai durar? — perguntou, abraçando a própria cintura para se aquecer.

— Alguns dias. Prometo que, tão logo o tempo melhore, eu a levarei de volta ao hotel. — Bernard deu um suspiro lembrando-se da repórter. — Eu realmente meti os pés pelas mãos nesta história. Pobre Amanda… Ela não me perdoará se o pior acontecer.

Priscila ficou alarmada ao ouvir aquele nome.

— Amanda? Quem é ela?

O motor do gerador voltou a ranger alto. Bernard apertou os lábios, aborrecido.

— Priscila, continuaremos nossa conversa depois. Preciso checar o gerador para ver se está funcionando direito. Não tenho televisão aqui, mas você poderá se distrair com meu piano e com livros da estante.

— Obrigada.

Ele começou a vestir o casaco e virou-se para Priscila.

— Acha mesmo que vão despedi-la se você não retornar ao hotel hoje?

— Não sei. — Ela notou a inquietação de Bernard e, tentando esquecer seus próprios temores, sorriu de modo tranquilizador. — Não se preocupe. Se eu estivesse no hotel, também não poderia observar as águias. Daria na mesma, não é?

Bernard devolveu-lhe o sorriso, um pouco mais aliviado.

— Talvez. Sinto muito. Eu explicarei que houve um mal entendido e tentarei interceder a seu favor. A culpa foi toda minha. Eu não a conhecia e agi sem pensar

— O que pretendia fazer com aquela jornalista?

— Eu a manteria aqui até alertar Amanda. Ela tem passado uma fase difícil e toda imprensa especializada vem tentando localizá-la para descobrir o que está acontecendo. Eu mesmo precisei fugir dos repórteres. Pensei que estivesse a salvo aqui, mas os jornalistas não dão trégua.

O fato de Bernard tentar a todo custo proteger a privacidade de Amanda fez Priscila concluir que os dois tinham um caso.

— Ela é casada? — sondou, sem resistir à curiosidade.

— Sim… Bem, fique aqui. Voltarei num minuto.

Quando ficou a sós, Priscila quedou-se pensativa. Finalmente, começava a compreender toda aquela história. Bernard apaixonara-se por uma mulher casada e a imprensa estava querendo alardear seu envolvimento. Ele devia ser muito famoso para atrair aquela tamanha atenção, mesmo tendo abandonado o esporte há tanto tempo. Priscila sorriu, imaginando como seria contar sua versão dos fatos: “Fui raptada por um astro do futebol…” Mas, na realidade, teria pouco a dizer à imprensa. Mal sabia o nome dele.

Enquanto o esperava, resolveu explorar o chalé. Cruzou a sala e embrenhou-se no corredor estreito. À direita e a esquerda viu duas suítes. Na maior havia uma enorme cama de casal. No final do corredor, Priscila descobriu mais um cômodo. Dessa vez, abarrotado com uma parafernália eletrônica: gravadores, microfones, amplificadores, um piano e um sintetizador, uma guitarra e vários pedais de efeitos sonoros. Fascinada, ela parou à porta, observando o equipamento.

Após um minuto aventurou-se a sentar-se ao piano. Tratava-se de um instrumento de indiscutível qualidade. O sonho de qualquer pianista. A música devia ser um passatempo para Bernard, e ele com certeza tinha dinheiro para satisfazer seus caprichos, Priscila concluiu.

Pressionou algumas teclas com a mão trêmula. O piano estava perfeitamente afinado. Seu som era límpido e encorpado. Ela se lembrou de sua infância. Quando ansiava por ter seu próprio piano. Tocava na casa de seus amigos se lhe pediam, mas eram raras as oportunidades que tinha para praticar. Após a morte do pai, recebera um seguro considerável. Embora o dinheiro não pudesse trazer seu pai de volta, ao ajudara-a a sobreviver naqueles tempos difíceis. Com ele, custeara parte de seus estudos e aulas de solfejo e teoria musical, além de comprar um piano de segunda mão. Tinha, assim, uma perspectiva de futuro… especialmente se seus colegas não decidissem excluí-la da sociedade…

Ela correu os dedos amorosamente pelas teclas. Semicerrou os olhos e começou a tocar Sonata ao Luar. De início, timidamente. À medida que as notas foram crescendo e a envolveram, deixou-se arrebatar pela melodia. Desfrutou o magnífico piano, tocando com todo o seu sentimento.

Quando o espectro da última nota pairou no ar, dissolvendo-se no silêncio da tarde, Priscila teve uma súbita intuição e olhou por sobre o ombro.

Bernard estava recostado ao batente da porta. Não sorria. Seu semblante exibia uma expressão enigmática, quase taciturna.

— Sinto se tomei a liberdade de…

— Por que não se dedica à carreira de pianista profissional? — perguntou inopinadamente.

— Eu escolhi a medicina e não a música.

— Uma escolha altruísta. Mas você tem uma rara sensibilidade para tocar. Ninguém nunca lhe disse isso?

Sorrindo, sem jeito, Priscila olhou à sua volta.

— Você toca por hobbie, não, Bernard?

— É. Pode-se dizer que sim.

— Nunca soube de nenhum jogador que tosse algum instrumento. Não deixa de ser… surpreendente.

— A música me preenche.

Ela tornou a sorrir e alisou o tampo do piano com reverência muda.

— Essa peça é uma verdadeira jóia.

Bernard ficou comovido com a genuína admiração de Priscila.

— Coincidência você dizer isso. Foi exatamente o que eu disse quando vi esse piano na loja.

— Bom, acho que muita gente tem fascínio pela música.

— Até mesmo jogadores de futebol — ele acrescentou, com uma nota de contrariedade.

Priscila deu uma risadinha consternada.

— Espero que não tenha me interpretado mal. Não quis menosprezá-lo. Não conheço nada do mundo dos esportes. O máximo que fiz foi jogar umas partidas de vôlei.

— Aposto que fora sua maior emoção.

— Ah, não. Minha maior emoção foi quando tirei diploma na universidade.

Ela imediatamente de arrependeu de suas palavras. Não sabia se Bernard chegara a se formar e temia constrangê-lo.

Adivinhando seus pensamentos, ele sorriu e declarou:

— Parece que você acaba de me encaixar no estereótipo de esportista inculto. E se eu lhe contasse que me formei bacharel em música?

— Verdade? Então você deu o que falar aos locutores esportivos e…

Priscila emudeceu de repente. Fragmentos de noticiários de rádio e televisão voltaram-lhe a memória. Lembrou-se de algumas manchetes de jornais e revistas. Embora não acompanhasse as notícias esportivas, chamaram-lhe a atenção uma matéria sobre um jogador de futebol que abandonara a carreira para fundar um grupo de rock. Chegara a ver algumas fotografias dele. Na época, não usava bigode e barba, e seus cabelos eram curtos…

— Meus Deus… — murmurou ela. — Você é…

Bernard sorriu.

— Então descobriu finalmente quem eu sou?

— Não é possível! Como não percebi antes? Você jogava no Dallas Cowboys. Largou o futebol no auge da carreira e foi tocar com o Explosão. Todo mundo achou que tinha enlouquecido. Depois, quando ganhou o Grammy…

— Vários prêmios Grammy — corrigiu ele com expressão divertida.

— Sim, vários. Amanda é a vocalista da banda. Mas… e o marido dela?

— Amanda é casada com um fazendeiro de Wyoming, Quinn Sutton. Está tendo uma gravidez problemática e nós procuramos manter os repórteres a distância. No momento, precisa mais do que nunca de tranquilidade e repouso.

Priscila analisou a situação, absorvendo aquelas informações.

— Você está apaixonado por Amanda?

— Agora, não mais. Quando formamos a banda, todos nós éramos mais ou menos apaixonados por ela. Amanda é uma mulher bonita e talentosa. Mas, com o tempo, passamos a encará-la como uma irmã. Eu faria qualquer coisa para protegê-la. — Bernard fez uma pausa e ressaltou: — Até mesmo raptar uma jornalista intrometida e mantê-la com a boca fechada.

Ela cruzou os braços, maneando a cabeça.

— Você foi um doido varrido, isso sim! E, não bastasse sua precipitação, ainda pegou a pessoa errada!

— Eu estava confuso. Tinha de agir depressa, antes que ela redigisse a matéria e a enviasse a redação da revista.

— Tudo bem. Qualquer um pode se equivocar. Mas eu, no seu lugar, não ficaria tão preocupado. Aquela repórter não sabe nada a respeito do estado de saúde de Amanda. Um dos funcionários do hotel lhe contou que você estava aqui e iria ficar noivo de uma mulher que conheceu na temporada de esqui. Esse era o furo de reportagem dela.

Bernard levou alguns minutos para assimilar o relato de Priscila. Aí atirou a cabeça para trás e desatou a rir.

— É absolutamente inacreditável! — exclamou.

— Nesse caso, não faz a menor diferença se ela conseguir entrar em contato com a redação.

— Não, não faz. Se a garota conseguir publicar uma bobagem dessas, não vai me afetar em nada. São tantas as distorções e matérias infundadas, que uma a mais não fará a menor diferença. — Ele passou a mão nos cabelos, afastando uma mecha que lhe insistia em cair sobre o rosto. — Mas que coisa incrível! Eu poderia ter evitado toda essa confusão…

— E poderia ter me poupado também — acrescentou Priscila agastada.

Bernard fitou-a com ar de surpresa. Aí disse, conciliador:

— Ora, eu a salvei de Eric Bayer. Isso não conta?

— Não preciso ser salva de um sujeito como aquele. Eu sei me defender. Além do mais, eu dificilmente sucumbiria aos encantos de Eric. Ele não faz meu tipo.

Aproximando-se, Bernard inclinou-se e tocou algumas teclas no piano.

— E qual é o seu tipo, Priscila?

— Vou saber quando encontrá-lo.

— Você disse que não gostava de rock — ele replicou, perscrutando os olhos castanhos dela.

— De fato. Aquela musica que eu lhe mencionei é uma exceção.

— Acho que sei qual é…

Sem deixar de fitá-la, ele sentou-se na banqueta. Começou a tocar a melodia.

— Então você é o autor — constatou Priscila, num fio de voz.

Bernard assentiu.

— Compus a maioria das músicas da banda.

Ela postou-se atrás de Bernard. Pousou as mãos em seus ombros e, com um sorriso nos lábios, desfrutou a melodia.

— Todos insistiram que essa música fosse incluída no álbum do grupo. Por mim, eu nunca a teria gravado.

— Por quê?

— É algo muito pessoal. Há certas coisas que prefiro guardar só para mim.

— Não pense assim. Seu público foi privilegiado com uma composição de grande beleza. — Priscila deslizou as mãos pelos ombros dele, num gesto inconscientemente acariciante. — É realmente uma música linda.

Bernard terminou de tocar e deixou os braços caírem. Ela, entretanto, não se moveu. Ele segurou-lhe a mão e levou-a aos lábios. Depois, virou-se para Priscila e atraiu-a para si. Suas mãos fortes descansaram possessivamente nos quadris dela, enquanto a encarava com os olhos azuis obscurecidos de desejo.

Sem proferir palavra, puxou-a com um gesto persuasivo, fazendo com que Priscila se sentasse em seu colo. Aí emoldurou-lhe o rosto com ambas as mãos e beijou-a. A princípio, com terno vagar. Depois, com crescente sofreguidão.

Ela quis repeli-lo, mas Bernard não a soltou. Logo, Priscila cedeu a seus apelos mudos e enlaçou-lhe o pescoço, estreitando-o contra si. O beijo prolongou-se, e ela entregou-se as deliciosas sensações que o contato lhe despertava.

Quando a mão de Bernard tocou-lhe o seio, Priscila ficou rígida e segurou-lhe os dedos.

Ele levantou o rosto e perscrutou-a com lenta deliberação.

— Você… você está me analisando! — acusou Priscila, ruborizando-se.

— Não parece acostumada a receber carícias mais intimas. Tem vinte e seis anos, não é? Por que nunca fez amor? — ele disse sem rodeios.

— Solte-me!

Priscila levantou-se bruscamente. Deu-lhe as costas e foi até a janela. Ajeitou nervosamente os cabelos, lutando para se recompor.

Bernard foi até ela. Enfiou as mãos nos bolsos da calça, com displicência que lhe era característica.

— Você sofreu algum trauma físico ou psicológico?

Priscila fez um gesto negativo.

— Então por que nunca se deitou com um homem?

— É uma opção minha. Não encontrei a pessoa certa. Preferi continuar virgem a me entregar a qualquer um. Não me importa o que possam pensar de mim. Estou em paz comigo mesma.

— Compreendo seu ponto de vista. Chega a ser louvável, já que hoje em dia todo mundo deita com todo mundo.

— Não necessariamente. As metrópoles ditam um comportamento mais liberal. Mas tome o exemplo de uma cidadezinha de Iowa com cem mil habitantes. Aposto que, lá, a fidelidade e o recato ainda são códigos de comportamentos muito valorizados.

— Certo. E o que acontece quando essa cidadezinha se transformar em um grande centro urbano? Os tempos estão mudando. Bem, seja lá como for, você não sabe o que está perdendo por causa do seu pudor.

Ela dirigiu-lhe um sorriso irônico, sem se curvar aos seus argumentos.

— É claro que sei o que estou perdendo: o risco de contrair uma doença fatal, entre outras coisas. Se você é partidário da liberalidade desenfreada, é melhor tomar cuidado.

Bernard tornou a rir.

— Pois eu vou lhe fazer uma confissão, Srta. O’Brian. Só um maluco se deita com todo mundo nos dias de hoje.

Priscila relaxou. Riu também. Bernard a observou fascinado. Gostava do som do seu riso. Gostava até do modo como ela se exaltava, ficando com as faces afogueadas e os olhos brilhantes. No fundo de suas íris escuras, parecia haver um pequeno duende travesso que lançava centelhas da cor do fogo.

— Vamos tirar a sorte para ver quem prepara o jantar? — propôs ele.

— Não é preciso. Eu cozinho. É só me dizer o que você gosta de comer.

— Um filé, batatas assadas e salada.

— Aposto que você como por dois.

— Mas posso arcar com as despesas. Sou rico, lembra? — ele frisou com um olhar significativo.

— Bernard… — Priscila hesitou por uma fração de segundo e falou depressa: — Retiro o que disse sobre você usar o dinheiro para conquistar as mulheres.

A seguir, ela se afastou rapidamente e desapareceu no corredor.

 

 

Nos dois dias seguintes, eles conversaram e partilharam as refeições. Bernard não tentou nenhuma investida sexual, embora Priscila percebesse o modo como a olhava.

Ele não estava se sentindo bem. Tossia muito e sua pele queimava. Provavelmente, havia se resfriado quando fora vistoriar o gerador de eletricidade. O casaco que vestia então não era, na verdade, apropriado a uma longa exposição ao frio.

O estado de Bernard piorava visivelmente, deixando Priscila cada vez mais alarmada, pois não havia possibilidade de chamar um médico nem de levá-lo ao hospital. No fim do segundo dia, já ardendo em febre, Bernard deitara-se cedo. Ainda assim, se recusara a tomar qualquer remédio.

Na manhã seguinte, sem forças, não levantou da cama. Priscila ficou à beira do desespero. Não trouxe sua maleta de primeiros-socorros e sentia-se impotente. Se ao menos tivesse um antibiótico, poderia medicar Bernard. Na presente situação, só lhe restava rezar para que ele não houvesse contraído uma pneumonia, pois, nesse caso, corria sérios riscos de vida.

Ela foi vê-lo no quarto. Estacou à porta, vacilante, e teve de se forçar para entrar. Bernard estava nu e, no abandono do sono, descobrira-se inadvertidamente. Priscila olhou-o, como que hipnotizada. Ele tinha realmente um corpo invejável. O peito era recoberto de pêlos escuros, que reapareciam tenuemente no ventre. As pernas eram longas e massivas, resultado de longos anos de treinamento físico. Os braços exibiam músculos bem definidos.

Bernard estava deitado de lado, revelando sua esplendida nudez em todos os ângulos. Priscila aproximou-se da cama, engolindo em seco. Ele remexeu-se e abriu os olhos. Soergueu-se num acesso de tosse.

— Peguei um vírus de gripe do resto da banda. Acho que já estava com a resistência baixa quando fui checar o gerador — disse com a voz rouca.

Sentou-se piscando um par de vezes. Só então se deu conta de sua nudez exposta. Sorriu.

— Me desculpe. Devo ter chutado as cobertas enquanto dormia. Mas você é médica. Já deve estar habituada a ver um homem sem roupa.

Ela não respondeu.

Bernard recostou-se no travesseiro e teve um novo acesso de tosse.

— A situação vai se complicar bastante se seu quadro piorar — disse Priscila. — Você não tem medicamentos adequados e não trouxe antibióticos comigo. Vou usar um xarope caseiro e tentar baixar sua febre com aspirinas.

— O repouso me restabelecerá. Não preciso de remédios.

Ela ignorou-o e cobriu-o cuidadosamente. Bernard fechou os olhos e não tardou a dormir, esgotado.

Priscila passou o resto do dia sentada numa cadeira, ao lado da cama. Só se ausentou uma vez, quando foi à cozinha preparar um xarope à base de limão, mel e uísque. Insistiu que Bernard tomasse também aspirinas, e ele não protestou mais. O xarope aplacou-lhe a tosse. A febre, porém não cedeu.

Até aquele momento, o gerador felizmente não dera sinais de pane e o chalé estava aquecido. Priscila encontrou um termômetro no armário do banheiro e tirou a temperatura de Bernard. Ao invés de baixar, havia subido a um grau alarmante.

Ela olhou ao seu redor, pensando numa maneira de fazer a febre ceder. Levantou-se eu foi buscar uma toalha e uma bacia com água morna. Respirando fundo, sentou-se à beira da cama e afastou os cobertores e os lençóis.

Bernard não se moveu. Quando Priscila começou a lavá-lo com a toalha úmida, despertou e perguntou com voz fraca:

— O que está fazendo?

— Esta é a única maneira de debelar a febre. A aspirina não surtiu efeito. Mas não se preocupe. Vou tomar cuidado para que você não se resfrie.

— Foi muita sorte ter raptado você. — gracejou ele. — E ainda dizem que a gente não encontra nenhum médico quando precisa.

Priscila mordeu o lábio. Mas Bernard não notou sua consternação, tornando a fechar os olhos. Ela continuou a lavá-lo e a enxugá-lo alternadamente com a parte seca da toalha. Passados alguns minutos, notou que a pele dele não estava tão abrasada. Quando passou a toalha no ventre rijo, Bernard suspirou. E, à medida que ela o tocava, o corpo másculo começou a reagir por conta própria, de uma maneira bem visível…

Priscila imobilizou-se instintivamente, corando até a raiz dos cabelos. O pior é que não conseguia desviar o olhar do corpo dele. Estava fascinada com aquela visão proibida.

Bernard descerrou as pálpebras e sorriu-lhe debilmente.

— Está tudo bem, Priscila. Não fique constrangida. É apenas uma reação natural.

Diante do silêncio dela, prosseguiu num tom gentil:

— Continue. Não se preocupe com isso. Vamos fingir que não está acontecendo nada, está bem?

Priscila assentiu mudamente. Aos poucos, esqueceu-se de seu embaraço e concentrou-se na tarefa de lavá-lo, preocupada demais com o estado de saúde dele para alimentar qualquer pudor. Passou a toalha úmida nas coxas musculosas e desceu para as pernas.

— Eu sinto muito pelo incomodo — murmurou.

— Tudo bem. Você sabe o que está fazendo, Afinal é uma médica… — Bernard interrompeu-se e lançou-lhe um olhar penetrante. — Não é?

— Mais ou menos.

Bernard arqueou as sobrancelhas.

— Mais ou menos? O que quer dizer?

Priscila pigarreou, enquanto terminava de secá-lo e cobriu-o novamente.

— Sou médica e tenho um diploma, mas…

— Mas…?

— Bem, não sou o tipo de médica que você está imaginando.

Ela depositou a bacia e a tolha ao pé da cama.

— E que tipo de médica é você? — insistiu Bernard.

Priscila olhou para ele. Sentindo-se pouco à vontade.

— Sou veterinária. — confessou num fio de voz.

 

— O quê?

Bernard sentou-se num impulso, fitando-a com a mais completa incredulidade.

— Por favor, deite-se e não se exalte — pediu-lhe Priscila, empurrando delicadamente. Está tudo sob controle. Eu fiz dois anos de curso pré-médico e conheço muito bem a anatomia humana.

— Não acredito! Estou sendo tratado por uma veterinária!

— Sou uma boa veterinária — defendeu-se ela. — Nunca perdi um paciente. Além disso, você não deveria se queixar, já que insiste em cultivar essa cabeleira. Parece mesmo um urso pardo!

Dito isso, Priscila ergueu-se, apanhou a bacia e a toalha. Virou-se e foi levá-las ao banheiro. Estava muito melindrada. Sabia que era competente, afinal de contas, mal tinha dormido à noite, preocupada em cuidar de Bernard.

Quando retornou à cabeceira da cama, ele já estava mais calmo.

— Me desculpe, Priscila. Fiquei muito surpreso, isso foi tudo. — Bernard estudou o rosto dela e acrescentou. — Você está com olheiras. Não dormiu muito na noite passada, não é?

— Fiquei na poltrona ao lado da cama. Não queria deixá-lo sozinho, porque a febre estava muito alta.

— Obrigada pela atenção.

— Não há o que agradecer. Era minha obrigação como ser humano. Eu teria feito o mesmo por qualquer pessoa nas suas condições.

Ele sorriu. Depois, assumiu um ar preocupado.

— E se ficar gripada também?

— Nesse caso, você terá de cuidar de mim enquanto não parar de nevar.

O olhar de Bernard percorreu-a de alto a baixo. Um sorriso insinuante formou-se em seus lábios.

— Pode ficar sossegada. Eu não me esqueceria de lavar cada centímetro do seu corpo. Seria uma experiência muito interessante…

— Pare de brincar comigo! Eu não achei a menor graça de ter que passar aquela toalha em você!

— Ah, não? Pois eu vou lhe dizer uma coisa. Pensei que estivesse familiarizada com a anatomia do corpo masculino, mas mudei de ideia quando a vi corar como uma colegial. Você parecia a ponto de desmaiar. Nunca ficou perto de um homem nu?

Priscila crispou as mãos desconfortavelmente.

— Que diferença isso faz? Já tratei de muitos animais machos.

— Oh, mas nós dois sabemos que há uma enorme diferença aí…

Não seria ela a contradizê-lo. Embaraçada, procurou concentrar-se em questões práticas.

— Se estiver se sentindo melhor, eu irei à cozinha preparar uma sopa.

— Você está exausta. Por que não dormimos um pouco? Depois pensaremos no que comer — Bernard sugeriu.

— Tem certeza?

— Tenho. Sinto-me muito melhor que ontem à noite. Agora trate de dormir algumas horas. Você está precisando. Prometo chamá-la se eu piorar de novo.

Priscila olhou para a porta com uma certa apreensão e tornou a encará-lo.

— E se eu não ouvir você? O quarto de hóspedes fica no final do corredor…

— Deite-se do meu lado então. A cama é grande o bastante para nós dois. — Vendo que ela ainda hesitava, Bernard insistiu: — Não seja boba. Estou fraco demais para representar uma ameaça à sua virtude.

Aquele argumento era indiscutível. Priscila sorriu timidamente, deu a volta na cama e estirou-se. Ao cobrir-se, tomou todo cuidado para que os seus corpos não se tocassem. Retraiu-se, intimidada com o tamanho avantajado de Bernard. Ao lado dele sentia-se muito, muito pequena.

— Não quer vestir uma roupa mais confortável para dormir? — perguntou ele.

— Obrigada, mas estou cansada demais. Poderia dormir por uma semana…

No minuto seguinte, ela já estava dormindo a sono solto.

 

Quando Priscila acordou, já havia escurecido. Uma minúscula luminária de tomada brilhava fracamente e Bernard ressonava tranquilo. Tinha se desembaraçado das cobertas de novo e Priscila apressou-se em ir agasalhá-lo.

Ao ajeitar lençóis e cobertores, deixou-se ficar um instante debruçada sobre ele, contemplando seu rosto pálido. Com a testa lisa e o semblante relaxado. Parecia mais jovem. Priscila perguntou-se como Bernard seria no dia a dia, quando não estava preocupado ou doente. Provavelmente nunca saberia. Ele era famoso e ela não passava de uma desconhecida. Em circunstâncias normais, seus caminhos jamais teriam se cruzado.

Com um suspiro, Priscila endireitou-se e foi para a cozinha. Descascou, lavou e cortou rapidamente os legumes. Cozinhou-os com ervas aromáticas e carne. Ao cabo de meia hora, a sopa estava pronta. Bernard precisava se alimentar bem para recuperar as forças. Praticamente não comera nas últimas vinte e quatro horas e não demoraria estar faminto.

Ela levou um prato de sopa para o quarto e depositou sobre o criado mudo. Sacudiu Bernard de leve.

— Acorde. Eu lhe fiz uma sopa. Vou tirar a temperatura e depois você pode comer.

Assim dizendo esperou que ele se sentasse e colocou o termômetro sobre sua língua. Aguardou um minuto. Ao retirá-lo, constatou que a temperatura indicada já era menos preocupante.

— A febre esta cedendo! — exclamou contente.

— Claro que está. Eu apanhei uma gripe virótica, nada mais.

— Com pode ter tanta certeza disso?

— E eu lá sei? Não sou veterinário — Bernard replicou, sublinhando a ultima palavra.

— Ainda assim tenho mais conhecimentos de medicina que você — cortou Priscila, abrindo um guardanapo no colo dele e apanhando um prato de sopa.

— Uma ova. Quando eu jogava futebol, estive em tantas salas de emergência que perdi a conta.

Ela deu-lhe uma colher e instalou-se na cadeira ao lado da cama. Sorriu intimamente. O mau humor dele indicava que se sentia mais bem disposto. Se mostrava disposição para soltar farpas já era um progresso…

— O que está esperando? Tome a sopa — disse Priscila com firmeza.

— Detesto creme de legumes.

— Pois eu lhe garanto que está deliciosa. Usei diversas ervas para temperá-la. Você vai gostar. Aliás, mesmo que não goste, tem que se alimentar. Quer ficar preso nesta cama por mais uma semana?

— Eu me recuso a tomar essa sopa. Parece comida de criança.

Priscila tornou a sorrir, sem se abalar.

— Você realmente deve estar se sentindo melhor. Está conseguindo ser intratável.

— Eu tenho fama de intratável — resmungou ele. — Pergunte à minha banda.

Como ela não reagiu as suas provocações, Bernard deu um suspiro.

— OK, fui muito desagradável com você — reconheceu, sentindo-se um pouco tolo. — Me desculpe. Mas é que essa gripe está me dando nos nervos. Eu raramente fico acamado.

Para provar a intenção de ser mais cordial ele levou uma colherada de sopa à boca e não reclamou mais. Na realidade, quando terminou de comer, chegou mesmo a elogiar os dotes culinários de Priscila.

Bernard não queria admitir, mas o fato é que estava gostando dos cuidados dela. Na posição de celebridade, vivia cercado de aduladores. O sucesso tinha facetas contraditórias. Por um lado, era como uma droga, que anestesiava a tristeza, proporcionando uma espécie de euforia. A gratificação sentida diante do reconhecimento do público e as atenções eram um prazer único. Por outro lado, cobrava-se do artista que sempre tivesse êxito em suas realizações, o que gerava uma terrível ansiedade.

Era muito difícil dissociar sua imagem pública do seu verdadeiro eu. As pessoas que se aproximavam dele, ainda que com genuína simpatia, não o viam como ele era realmente: estavam cegadas pelo brilho de sua fama e o idolatravam. Nessas condições era impossível relacionar-se com elas em pé de igualdade. Às vezes, Bernard se sentia muito só.

Já com Priscila, era diferente. Ela havia enxergado primeiro o homem, só depois o astro. Isso o deixava muito a vontade. Não precisava estabelecer barreiras para se preservar.

— Vou ficar novo em folha muito em breve. Não se acostume a ficar me paparicando, hein? — brincou, dissimulando a estranha emoção que se apoderava dele.

— Deus me livre de ficar paparicando você! — ela replicou no mesmo tom.

Bernard se recostou nos travesseiros e sentiu o corpo aquecido. Não obstante a fraqueza persistia.

— Que chateação. Estou um pouco tonto. Mas vou ter que ir ao banheiro.

Ignorando o constrangimento dela, afastou as cobertas e pôs-se de pé. Precisou apoiar-se à cabeceira para manter o equilíbrio. Mas que depressa Priscila se levantou e foi ampará-lo, passando a mão em torno de sua cintura. Dirigiram-se então ao banheiro.

— Obrigado. Eu me sinto como se tivesse sido esmagado por um trator.

— Lamento que esteja doente.

Ele a fitou com ar divertido.

— Ora, Priscila. Você até que está tirando algum proveito da situação. Assim pode me olhar à vontade… Ei, não precisa virar o rosto. Gosto quando me olha desse jeito. Gosto muito…

O coração dela bateu mais rápido. Uma súbita onda de calor percorreu seu corpo.

— Não estou olhando nada! — mentiu

— Claro que está. Não pode evitar. Você está fascinada. Não é?

Priscila diminuiu o passo, irritada que suas emoções fossem tão evidentes.

— Vou buscar uma bermuda para você e colocaremos um ponto final nesta questão.

— Esqueça. Não vou mudar meus hábitos por causa de uma veterinária pudica.

— Não sou pudica!

— Está certo.

Por uma questão de orgulho, ela preferiu fingir que não notava a expressão zombeteira de Bernard. Esperou-o à porta do banheiro e, após alguns segundos, ajudou-o a voltar para a cama. Cobriu-o, evitando olhar para o seu corpo nu.

— Felizmente a febre baixou. É provável que seja uma bronquite viral e não uma pneumonia — observou.

— Você soa muito profissional quando fala assim.

— A medicina é uma só, tanto para animais quanto para seres humanos. É lógico que há algumas diferenças na anatomia e nos procedimentos adotados, mas o tratamento de uma doença é basicamente o mesmo.

Bernard tossiu. Fechou os olhos, exaurido.

— Sinto-me miserável. É como se tivesse passado um ano sem dormir.

— Pelo que me contou de sua rotina de trabalho, gravando álbuns e viajando em turnês, é provável que quase não tenha tido descanso mesmo. Seu organismo se ressentiu disso. Mas encare essa parada forçada por outro ângulo: bem ou mal, você está repousando.

— Não encaro a situação com tanto otimismo. Em todo caso, o importante é que aquela repórter não sabe nada sobre a gravidez de Amanda. A equipe da Rolling Stone costuma lançar mão de qualquer expediente para conseguir uma boa história.

— Só agora estou me lembrando de uma coisa que a garota me contou, Bernard. Ela nem trabalha lá. Queria vender a matéria para a revista e fazer contatos para conseguir um emprego na redação. Talvez, no final das contas, não saia nem uma linha sobre a sua banda.

— Tomara.

— Vamos torcer. Ela pareceu muito otimista e ambiciosa.

Bernard a fitou com interesse e perguntou:

— E você, qual a sua ambição?

— Não sei… Quero viver em paz comigo mesma e com o mundo. Profissionalmente, estou tentando me estabelecer em uma clínica para dividir responsabilidades e não ser obrigada a cuidar de tudo sozinha. Tive muita sorte por dois veterinários experientes me aceitarem em sua clínica. Mas, como sou nova lá, preciso trabalhar dobrado para provar minha competência.

— Parece que eles é que tiveram sorte de encontrar você. Os dois são homens?

— Sim. Eles clinicam há muitos anos. Eles me veem com um certo preconceito, porque me formei recentemente e estou cheia de ideias para meu consultório.

— Talvez se sintam ameaçados. Isso é muito comum.

Priscila refletiu sobre as palavras dele e concordou.

— É provável. Seja como for, esse ainda é meu primeiro emprego. Por hora devo me resignar. Não poderei abrir meu próprio consultório tão cedo.

— O que a impede?

— Não disponho de capital para isso.

Ela foi até a janela e observou os flocos de neve que dançavam no ar.

— Mal pude pagar meus estudos e no último ano da faculdade, sobrevivi graças a um empréstimo especial do governo. Ainda tenho que saldar a dívida. Nem posso pensar em alugar um imóvel e equipá-lo.

— Compreendo.

Priscila se virou para ele e sorriu.

— Sabe, não me importo de começar por baixo. Todo mundo tem que começar de algum modo, não é? Não foi assim com você?

A indisfarçável curiosidade dela não passou despercebida de Bernard. Dispondo-se a satisfazê-la, ajeitou os travesseiros e preparou-se para contar a trajetória de sua carreira:

— Eu comecei tocando guitarra rítmica em um grupo desconhecido, que nem chegou a entrar nas paradas de sucesso. Depois, trabalhei como músico de estúdio e colaborei nos discos de diversos artistas. Acabei conhecendo Amanda e unimos nossas forças para realizar o projeto de uma nova banda. Ela cantaria e eu ficaria na guitarra-solo. Um baixista amigo meu quis tocar no grupo. Colocamos um anúncio no jornal para achar um baterista e, em menos de um mês, tínhamos formado o Explosão. — Ele fez uma pausa, perdido em reminiscências. Sorriu, satisfeito. — Nossa parceria teve uma química perfeita. Seis meses mais tarde, assinamos um contrato com uma gravadora e lançamos o nosso primeiro disco.

— Talvez o fato de você haver sido um jogador de futebol famoso também tenha ajudado a abrir as portas para a banda.

— Aí que você se engana. Ninguém me levou a sério até o Explosão entrar nos primeiros lugares das paradas.

— Explosão significa “fora-da-lei”, não? Por que batizaram com esse nome?

— Gostamos da sonoridade dele. A gravadora achou que seria carismático para os fãs. Aí tivemos que criar uma imagem que fizesse jus ao nome. Nunca viu nenhuma fotografia da banda?

— Confesso que não.

Bernard apontou para escrivaninha na outra extremidade do quarto.

— Há uma pasta azul na primeira gaveta. Abra-a e veja.

Priscila aquiesceu e foi procurar a pasta. Dentro dela havia uma pasta de divulgação do grupo.

— Isso responde a sua pergunta?

— É esclarecedor — disse ela estudando a aparência dos integrantes da banda.

Na fotografia, Amanda aparecia em primeiro plano e às suas costas, postavam-se Bernard e mais três homens de cabelos longos e rebeldes. Todos estavam muito sérios, com expressão desafiadora. No conjunto, sugeriam uma postura de transgressão.

— Nós conquistamos o sucesso com relativa facilidade — continuou Bernard. — O público adora a banda. Mas agora teremos que fazer uma pausa e suspender as atividades. Diante do estado de saúde de Amanda, as gravações e a turnê de promoção do nosso último álbum está fora de cogitação. — Ele franziu o cenho, sem ocultar a preocupação. — O pior é que eu nem posso telefonar para saber noticias de Amanda. A única coisa que me tranquiliza é que Quinn é um marido dedicado e está sempre a seu lado.

Priscila teve inveja daquela cantora que nem sequer conhecia. Gostaria de ter uma pessoa que se preocupasse com ela daquele modo. Desde que perdera o pai, passara a viver só para os estudos, levando uma vida solitária.

Distraidamente, recolheu o prato de Bernard. Seus pensamentos estavam muito longe dali.

Bernard segurou-lhe a mão e não permitiu que se afastasse.

— O que houve, Priscila? — indagou com brandura. — Você pareceu ter ficado triste de repente.

Ela encolheu os ombros e deu uma risada forçada.

— Não é nada de mais. Eu só estava pensando como seria bom ter alguém que se preocupasse comigo.

Aquele fora o mesmo pensamento que Bernard tivera. Perturbado, soltou a mão de Priscila.

— Eu poderia lhe pedir que enchesse a banheira para mim? Gostaria de tomar um banho — indagou mudando de assunto.

— Acha mesmo uma boa ideia? Você ainda está bastante debilitado. Tenho medo que se resfrie de novo.

— Isso não vai acontecer. Está quente aqui dentro.

Priscila não ficou muito convencida com o argumento dele.

— E se você ficar ainda mais fraco e tiver dificuldade de sair da banheira? Olhe só o seu tamanho! — retrucou. — Como vou puxá-lo para fora?

— Não se inquiete. Eu não me arriscaria se não me sentisse suficientemente forte.

— Está bem — concordou ela, um pouco contrafeita. — Mas depois, não vá dizer que não avisei.

Priscila encheu a banheira redonda de hidromassagem e não pode deixar de admirar o conforto da suíte. Deixou uma toalha à mão e chamou Bernard.

Ele deslizou para a água e sorriu com satisfação.

— Está perfeito. Por que não entra também? Aqui tem espaço para dois.

— Não, obrigada. Se eu quebrar a perna aí dentro quem cuidará de você? — desconversou Priscila. Embora tivesse se habituado a nudez dele, ainda se sentia intimidada com sua proximidade.

Bernard estirou-se voluptuosamente. Fitou a sem esconder a poderosa atração que sentia.

— Você não é do tipo que tem uma aventura de uma noite, não é? — disse subitamente sério.

— Eu não poderia me entregar a alguém sem amor.

— Minha mulher e eu estávamos apaixonados quando casamos. Na época, pensávamos que nosso amor seria eterno. — Ele sorriu cinicamente e acrescentou: — Foi eterno enquanto durou.

Priscila ouviu-o com interesse. Era a primeira vez que entrava em detalhes no tocante ao seu casamento.

— Aprendi que uma relação não se sustenta só com base no sexo. A atração física é importante, porém deve haver interesses e objetivos em comum. O parceiro tem que ser um amigo antes de ser um amante. Parece um lugar-comum, mas é a pura verdade. — concluiu ele.

— Não é fácil conciliar tudo isso.

— As pessoas não se dispõem mais a cultivar um relacionamento.

Bernard começou a lavar os cabelos. Priscila fez menção de sair.

— Vou deixá-lo mais à vontade…

— Deixe de bobagem. Sente-se aí.

Ela obedeceu, instalando-se num banco ao lado da pia. E tentando se descontrair.

— Todos lutam para sobreviver e não tem tempo nem de conversar — prosseguiu Bernard. — O trabalho, na vida moderna, é uma engrenagem que pode devorar as pessoas.

— Como Amanda conheceu o marido?

Ele riu.

— Ah, é uma longa história. Nós fizemos uma apresentação no Wyoming. Quinn e Amanda ficaram presos num bar durante uma tempestade de neve. Ele era um celibatário convicto e detestou Amanda. Foi antipatia à primeira vista. Mas, naquelas poucas horas de convivência, ela conseguiu fazê-lo mudar de opinião e os dois acabaram se apaixonando.

— É uma história muito engraçada.

— Você não ouviu nem a metade. Quando Quinn descobriu quem Amanda era, encheu-se de escrúpulos porque não passava de um fazendeiro de renda modesta. Simplesmente resolveu afastar-se dela. Amanda ficou muito ressentida e partiu no primeiro avião. E adivinhe o que aconteceu; houve uma pane no motor. O piloto precisou fazer um pouso de emergência e não foi muito bem sucedido. Vários passageiros ficaram feridos.

— Mas que horror…

— É. Quinn ficou fora de si.

Bernard relembrou os momentos de pesadelo que ele e os parceiros da banda tinham passado, aguardando noticias dos passageiros. Haviam partido de ônibus, mas Amanda insistira em viajar de avião.

— Sabe, Quinn participou pessoalmente do resgate de Amanda. Levaram-na de helicóptero para o hospital. Foi medicada e ficou três dias em observação. Logo que recebeu alta, ele e Quinn se casaram, ali mesmo no hospital.

— Minha nossa! — Priscila espantou-se. — Isso é o que se pode chamar de pressa!

— Os dois estavam casados há três anos quando Amanda engravidou. Infelizmente, desde o primeiro mês teve muitas complicações de saúde e precisou de acompanhamento médico constante. Só as pessoas mais próximas sabiam do problema e, quando o Explosão cancelou uma turnê nacional, começaram a correr boatos que a banda ia se dissolver.

— E o que vocês pretendem fazer? Vão reprogramar a turnê?

Bernard ensaboou os braços e o peito com movimentos maquinais. Olhou para Priscila.

— Ainda não sabemos. Acredito que Amanda continuará conosco. Mas, se ela resolver deixar o grupo, o Explosão vai acabar. Não consigo imaginar outra vocalista em seu lugar.

— Entendo — disse Priscila com simpatia. — Bem, agora esse bebê vai ser a coisa mais importante do mundo para ela.

Ele assentiu com um maneio, e por seus olhos azuis passou uma sombra de tristeza.

— Por que você e sua mulher não tiveram filhos, Bernard?

— Se não se importa, prefiro não tocar nesse assunto.

— Desculpe. Não tive a intenção de cometer uma indiscrição.

Bernard balançou a cabeça e terminou de se lavar. Um longo minuto decorreu antes que voltasse a falar.

— Ela disse que eu não seria um bom pai — desabafou por fim. — Que eu passava muito tempo fora durante as turnês.

— É absurdo. Se fosse assim, nenhum artista poderia ter filhos. E, no entanto, muitos são bons pais e se dedicam a família sempre que é possível. A meu ver a qualidade de convivência é o mais importante.

— Também acho. No fundo, ela estava procurando um pretexto para evitar a maternidade e pode dedicar-se integralmente à vida social e profissional. É uma mulher muito egocêntrica. E cruel às vezes. Chegou até a me dizer que não queria ter um filho que se parecesse comigo.

Priscila tentou analisar o rosto dele com isenção. Gostou do que viu.

— Por quê? Não vejo nada de errado com você. — disse com ar um pouco sonhador.

— Ela alegou que eu tinha um rosto grosseiro e um corpo desproporcionalmente grande.

— Esqueça isso. É uma afirmação ridícula. Você tem razão: ela deveria estar procurando pretextos para não engravidar.

Bernard fitou-a demoradamente. O desejo voltou a animar seus olhos azuis.

— Você tem uma constituição muito delicada, Priscila. Fica imaginando se tivéssemos um filho… Mas, ora, que ideia! Já seria complicado fazermos amor, quanto mais um filho.

Ela ficou totalmente desconcertada. Baixou o rosto e fingiu tirar um fiapo da blusa, sem coragem de encará-lo.

— Você já sabe como sou fisicamente — prosseguiu Bernard com suavidade. — Mas uma coisa é olhar e outra, bem diferente, é considerar o lado prático de uma relação. — Estreitou os olhos, avaliando o corpo dela. E acrescentou maliciosamente: — Aposto que você é tão pequena quanto eu sou grande.

Priscila levantou-se de um salto.

— Pare de fazer insinuações — exigiu num tom contido.

Bernard continuou a fitá-la, imperturbável. O sorriso malicioso não desapareceu de seus lábios.

— Confesse que você também já se perguntou como seria fazer amor comigo. Por que não tira a prova? Aliás, seria uma lição de anatomia para seu currículo — provocou ele. — E a satisfação seria garantida. Eu sei do que uma mulher gosta na cama.

Ela tentou conservar-se séria, mas Bernard falava com tal displicência, que lhe dava vontade de rir.

— Eu seria muito cuidadoso com você. E usaria proteção para você não correr o risco de engravidar…

— Que tal mudar de assunto? Eu não vou dormir com você.

— Quem pode saber o que acontecerá amanhã? Nada lhe garante que não mudará de ideia dentro de uma semana.

— Dentro de uma semana estarei longe daqui.

Ele não se deu por vencido.

— Nunca estive em Sioux City — comentou casualmente. — Mas imagino que você tenha crescido em um ambiente bastante conservador. Aposto que gosta de romantismo a moda antiga, não é? Acho que vou ter que cortejá-la por algum tempo.

— Você não dá o braço a torcer, hein? Já disse que não vou…

Priscila calou-se ao vê-lo levantar-se e sair da banheira. Os dois se entreolharam em silêncio. Ela apressou-se em apanhar a toalha e entregá-la a Bernard.

Ele agarrou-lhe o braço e puxou-a para si, estreitando-a contra o corpo molhado. A toalha caiu no chão. Priscila se debateu inutilmente. Enquanto torcia o corpo, na tentativa de se soltar, seus quadris se resvalaram nos dele. Bernard deixou escapar um gemido abafado.

Arquejante, Priscila imobilizou-se e o encarou. Sentia contra o ventre a evidencia de todo desejo que Bernard sentia por ela. Foi então dominada pelo irresistível desejo de abraçá-lo e sucumbir a seus apelos. Embora quisesse se controlar, suas mãos a desobedeceram e pousaram na cintura de Bernard, tateando a pele nua.

— Anã — ele sussurrou, roçando os lábios em sua têmpora.

— Gigante.

As mãos másculas espalmaram-se nas costas de Priscila e pressionaram-na. Ela sentiu os seios comprimiram de encontro ao peito musculoso. Fechou os olhos e aninhou-se nos braços possantes, aspirando o cheiro da pele úmida.

Ficaram um longo momento imóveis. Uma lágrima rolou pela face de Priscila, e ela enxugou-a furtivamente.

Naquele instante, teve certeza de que estava perdidamente apaixonada por Bernard.

 

— Devo estar fora de mim — zombou Bernard, com um sorriso irônico. — Só posso estar, para sequer considerar a ideia de fazer amor com uma anã como você. Nós seriamos totalmente incompatíveis na cama.

Ela roçou os lábios na pele nua do peito dele, sentindo os pêlos macios contra a face. Como num sonho ouviu-o suspirar de prazer.

— Não creio nisso, Bernard. O corpo da mulher é muito elástico — replicou, aspirando o cheiro da pele dele.

— E será que o seu é suficientemente elástico para acomodar o meu?

Priscila ergueu o rosto para fitá-lo e perdeu-se nas profundezas de seus olhos azuis. Um imperioso desejo a subjugava, fazendo-a arder de paixão.

— Acho que sim — respondeu sem pensar.

— Então me deixe fazer amor com você — Bernard pediu em voz baixa.

Ela acariciou-lhe o rosto, tateando na ponta dos dedos as feições escondidas sob a barba cerrada.

— Não posso, Bernard — disse por fim.

— Lá vem você de novo com suas ideias antiquadas. Estamos nos anos noventa, por Deus!

— Eu sei…

Passando o indicador nos lábios de Bernard, ela acompanhou o contorno de sua boca. Tinha vontade de se entregar a ele, de corpo e alma, sem mais resistir. Queria que Bernard lhe ensinasse a amar…

Infelizmente, os dois pertenciam a mundos diferentes. E ela não queria voltar para casa com o coração partido.

— Eu não tenho estrutura emocional para me envolver em um relacionamento passageiro. É por isso que nunca tive uma aventura de uma noite. Eu realmente quero construir um lar e uma família. Ainda não conheci ninguém que preenchesse as minhas expectativas e preferi continuar sozinha. Como eu lhe disse, é uma questão de opção. Não me importo de ser considerada antiquada. Sei que vou acabar encontrando um homem que compartilhe com os meus princípios.

Bernard afrouxou imperceptivelmente a pressão das mãos na cintura dela.

— Em outras palavras, não quer um marido permissivo.

— Bem… Há mulheres que acreditam que podem regenerar seu companheiro e forçá-lo a ser fiel. Mas, se ele já teve muitas amantes, provavelmente jamais conseguirá se ligar a uma parceira fixa. O impulso que o impele a procurar várias mulheres é parte integrante de sua personalidade.

Ele acariciou os braços de Priscila, correndo as mãos para cima e para baixo.

— Suponho que eu tenha lhe dado a impressão de ser um homem volúvel.

— Sim.

Bernard respirou fundo e questionou:

— Não acha que um dia eu poderia amar uma mulher e ser fiel para não perdê-la?

— Eu… não sei.

— Não, você realmente não sabe.

Ele hesitou um momento. Deixou os braços caírem. Afastou-se um pouco e pegou a toalha no chão. Priscila lhe entregou um roupão que estava pendurado atrás da porta. Bernard vestiu-o e sem dizer nenhuma palavra, saiu do banheiro.

— Seu cabelo ainda está molhado — observou ela, interpelando-o.

— Não se preocupe. Seca depressa.

— Espere um pouco. Sente-se um pouco na poltrona enquanto troco os lençóis.

— Obrigado. — Ele sorriu suavemente. — Você encontrará lençóis limpos no armário do corredor.

Bernard esperou que Priscila retornasse e arrumasse a cama. Deixou que ela o ajudasse a despir o roupão e deitou-se. Estava muito abatido.

— Você está bem, Bernard?

— Sim. Só um pouco cansado. Vou tirar um cochilo.

— É o melhor fazer. Precisa de mais alguma coisa?

Ele fez um gesto negativo, com os olhos cravados na blusa dela. Priscila olhou para a própria blusa e deu-se conta de que ficara encharcada. O tecido colara-se a seus seios, delineando as suaves curvas e os mamilos pequenos.

Instintivamente, cruzou os braços sobre o peito.

— Você tem seios lindos — observou Bernard, sem nenhum traço de zombaria na voz.

— São pequenos demais.

— Bobagem. Para mim, são perfeitos.

— Obrigada.

Priscila sorriu, relaxando um pouco ao constatar que o elogio fora sincero.

Bernard cruzou os braços atrás da cabeça com um movimento lânguido. Os olhos azuis fixaram os dela e cintilaram estranhamente.

— Tire a blusa e deite do meu lado. Vou beijar seus seios e lhe ensinar como gemer em dez lições…

— Não duvido de sua competência como professor — Ela replicou, aprumando-se e recuando um passo. — Mas não quero ser mais uma na sua coleção.

Priscila já se dispunha a sair quando o ouviu praguejar baixinho às suas costas.

— Para seu governo, eu não coleciono mulheres — Bernard retorquiu, com os dentes cerrados.

— Claro que não — disse ela rindo e segurando a maçaneta da porta.

— As tietes, evidentemente. Sempre estão disponíveis. Mas não vejo muito sentido em dormir com elas. As fãs não se sentem atraídas por mim, mas sim por uma imagem falsa, fabricada pela minha gravadora. Se quer saber, tive poucos relacionamentos e foram todos estáveis. Depois que me separei, não me envolvi com mais ninguém. — Ele fez uma pausa e acrescentou.

— Minha ex-mulher me deixou impotente.

Estarrecida, Priscila girou sobre os calcanhares. Perscrutou o rosto de Bernard e viu que ele não estava brincando desta vez. Sua expressão era dura e amarga.

— Mas você não é impotente!

— Não sou com você. — Os lábios dele curvaram num meio sorriso. — Não calcula a minha surpresa quando descobri isso. Depois do meu divórcio passei a evitar as mulheres com medo de falhar na cama.

Ela se recostou ao batente da porta, sentindo as pernas fraquejarem.

— E há quanto tempo se separou?

— Quase um ano.

— Ficou casado muito tempo?

— Seis anos. Antes de conhecer minha mulher, tive poucas namoradas. O futebol era meu maior interesse na vida. Treinava todos os dias e não queria desperdiçar meu tempo seduzindo mulheres. — Bernard maneou a cabeça melancolicamente. — Eu era um pouco como você. Um idealista em busca do par perfeito. Quando me casei com Virna, pensei que havia encontrado a mulher da minha vida. Só fui perceber meu engano quando já era tarde demais.

Priscila o via agora sob uma nova luz. Suas opiniões preconcebidas a respeito dele caíram por terra. Agora, era com se o estivesse visto pela primeira vez: um homem atormentado e ferido, que não correspondia nem um pouco à imagem de uma celebridade seduzida pelos prazeres fáceis.

— No final de nosso relacionamento, nós dois só nos entendíamos bem na cama — continuou ele. — Fora isso, não tínhamos mais nada em comum. Para agravar a situação, com o passar dos anos descobri que Virna ocasionalmente me traía. Aí começaram as brigas. Dizíamos coisas terríveis um ao outro. Foi um processo doloroso… Não é engraçado? Você afirmou que uma pessoa infiel permaneceria infiel para o resto da vida. Eu aprendi isso do modo mais duro.

— Mas você estava apaixonado por ela. Quando se ama, é muito difícil ter lucidez para encarar as coisas com objetividade. — Priscila franziu o cenho e indagou: — Por que sua ex-mulher o deixou impotente?

— Virna estava sempre me rebaixando com suas acusações e acabei ficando inseguro. Além disso, quando soube que me traía, não consegui mais sentir desejo por ela ou por qualquer outra mulher. Eu tinha plena consciência de que meu problema era psicológico, não físico. Portanto de nada me adiantaria procurar um médico. Eu simplesmente esperei que o tempo me curasse.

Num impulso, ela aproximou-se da cama e segurou-lhe a mão com infinita meiguice.

— Está com pena de mim? — Bernard perguntou.

— Não. Estou com pena de sua ex-mulher. Ela é tão insensível que conseguiu destruir o seu amor.

— Virna vive feliz agora. Seu atual marido não exige que seja fiel e tem dinheiro para gastar a vontade.

Priscila encolheu os ombros com descaso.

— Para mim, isso ainda seria pouco para me fazer feliz.

­Bernard endereçou-lhe um sorriso terno.

— O que faria você feliz?

— Ser amada — respondeu com simplicidade. — Ter uma família, um trabalho gratificante… enfim, conquistar realização profissional e pessoal.

— Mas eu não entendo você. Não tem mesmo nem uma trauma sexual? — perguntou ele, olhando-a com curiosidade. — Ninguém nunca tentou…

— Não. Jamais dei essa liberdade a nenhum homem. Estou muito segura das minhas convicções.

— Está certa em respeitá-las. Eu lamento se meu comportamento foi invasivo. Não devia tê-la pressionado. Mas não imagina como fiquei contente quando descobri que poderia satisfazê-la… Queria explorar todas as possibilidades que, de repente, estavam descortinando na minha frente.

— Eu adoraria que fizesse isso. Só que não me contentaria com migalhas, Bernard. Sou exigente. Para mim, amar você uma ou duas noites não seria o bastante.

Ele riu, e as linhas de cansaço em seu rosto se suavizaram.

— Você é um bálsamo para um homem cínico e calejado como eu. Acostumei-me com a hipocrisia e à superficialidade. Não é curioso? Em poucos dias nós nos tornamos muito íntimos… exceto em um aspecto.

— Nós não nos conhecemos realmente.

— Não mesmo? Pois ficaria surpresa com tudo que sei a seu respeito. Você é autoconfiante, mas, no fundo, tem medo de se machucar. Apesar de independente, você se sente só às vezes. É uma pessoa amorosa, sensível e esforçada. — Bernard calou-se um instante para fitá-la. O sorriso divertido voltou a pairar em seus lábios. — Eu sei muitas coisas mais. Quer ver? Você é exageradamente severa consigo mesma. Deveria relaxar um pouco e deixar seu senso de humor fluir. Ah, são tantos detalhes… Você prefere andar descalça a usar sapatos. Gosta de cozinhar, mas não de lavar a louça. Quando sorri aparece duas covinhas no canto de sua boca. E, por trás de sua atitude controlada, se esconde uma mulher quente e apaixonada. No dia que se entregar a um homem será uma amante insaciável, Priscila…

Ela desviou o olhar, embaraçada demais para encará-lo.

— Pare de dizer essas coisas, Bernard.

— Eu bem que gostaria de ser seu eleito. Infelizmente, já me dei mal em um casamento. Acho que não sou talhado para vida a dois.

Bernard afastou-se e indicou o espaço vazio ao seu lado.

— Sente-se aqui, Priscila. Vou lhe contar como é minha rotina de trabalho. Passo a metade do ano em turnê, numa verdadeira roda-viva, indo de cidade em cidade numa sucessão de palco e quartos de hotel. A banda tem que fazer shows para promover os discos e tem que dar entrevistas para promover os shows. O ritmo de trabalho é alucinante. Depois de cumprir o cronograma de apresentações ao vivo, faço uma pausa para descansar e cuidar de um projeto para reintegração de crianças desajustadas. Moro no Texas e, quando estou em casa, estudo música pelo menos quatro horas por dia. Se estou compondo, mergulho completamente no trabalho e me esqueço até de comer. A seguir, o Explosão se tranca num estúdio para gravar e faz um ou dois videoclipes com os carros-chefes do novo álbum.

Ele fez uma pausa para tomar fôlego. Segurou a mão de Priscila e apertou-a contra o peito. Aí disse:

— Eu seria um péssimo marido para qualquer mulher. Não culpo Virna por ter me abandonado.

— Pois eu a culpo. Se ela realmente amasse você. Seria mais compreensiva. Os maus momentos, as dificuldades, a doença, tudo isso faz parte de um relacionamento.

— Quanto a parte da doença, você já teve uma amostra — atalhou Bernard, sorrindo com a displicência que lhe era peculiar.

— Eu cuidei de você como cuidaria de qualquer outra pessoa — protestou Priscila.

— Não importa. Você cuidou de mim… ainda que ficasse enrubescendo o tempo todo… Se bem que já não esteja corando tanto agora. — Ele afagou-lhe a mão com a ponta dos dedos. — Já se habituou a minha presença, não?

— Sua presença é muito agradável quando não está de mau humor.

— Tenho meus defeitos, como todo mundo. Mas é fácil conviver comigo.

Bernard levou a mão dela aos lábios e beijou a palma macia, fazendo Priscila estremecer com um arrepio.

— Obrigado por cuidar de mim.

— Não há de que. Foi muito educativo!

— Mas não saia por aí fazendo experimentos educativos com homens que não estejam doentes — advertiu ele. Depois riu e soltou a mão dela. — Veja, comecei a ficar possessivo com você. Devo estar mesmo tendo um delírio febril…

— Parece que sim. Agora descanse. Enquanto você dorme, vou lavar a roupa e limpar a cozinha.

— Não precisa se incomodar com isso, Priscila.

— Não é incomodo nenhum. De qualquer maneira, há muita roupa suja acumulada.

— Então, mais uma vez, obrigado.

Priscila sorriu-lhe e foi cuidar das tarefas domésticas. Enquanto lavava as roupas, deu-se conta da situação e ficou espantada: ela e Bernard estavam vivendo embaixo do mesmo teto com a maior naturalidade. Era como se já se conhecessem há muito tempo.

Mas ela lembrou a si mesma, aquela era uma situação excepcional. Não podia ser confundida com o dia-a-dia de um casal comum.

Fosse como fosse, era a primeira vez que convivia tão estreitamente com um homem, E estava encantada com a experiência. Mais do que deveria até. Gostava de ouvir a voz profunda de Bernard. De ver seus sorrisos que se alternavam entre a malícia, a displicência e a ternura. Era um homem sensível e gentil. Sentiria sua falta quando fosse embora dali.

Priscila procurou não pensar no momento em que, inevitavelmente, cada qual seguiria seu próprio caminho. O pior era que estava se apagando aquele chalé. Seria o lugar perfeito para viver com o homem certo.

Ocorreu-lhe, de súbito, que talvez Bernard fosse o homem certo. O homem pelo qual ela sempre havia esperado… Priscila maneou a cabeça. Apertou os lábios, recriminando-se por aquela ideia absurda. Não negava que Bernard não lhe era indiferente. Pelo contrário. Mas era impossível começar a amar alguém em apenas quatro dias. Não bastasse isso, ele próprio afirmara que não queria se envolver seriamente com uma mulher e correr o risco de ter mais um casamento fracassado.

Terminou de lavar as roupas, colocou-as na secadora e prometeu a si mesma que esqueceria todo aquele incidente tão logo voltasse para casa.

Não pode se impedir, no entanto, de experimentar um inesperado vazio no coração.

 

Bernard dormiu a tarde inteira. Priscila leu durante algumas horas e depois foi à sala de instrumentos. Sem resistir, sentou-se ao piano e tocou uma música, seguindo uma partitura que fora deixada no tampo. Poderia ter tocado até anoitecer, não fosse o receio de acordar Bernard. Assim, levantou-se e examinou as guitarras e os violões enfileirados em pequenos pedestais.

Nisso, notou uma folha de papel ao lado de um gravador portátil. Havia alguns versos rabiscados aleatoriamente ali. Leu-os com interesse, percebendo que uma das rimas estava riscada. Provavelmente, Bernard não ficara satisfeito e pretendia alterá-la.

Priscila franziu o cenho, refletindo durante alguns instantes. Aí leu em voz alta, arriscando-se a completar o verso inacabado:

— O amor chega em breve, brota no peito e é como um pássaro vermelho recortado contra a neve…

— É isso!

Ela virou-se abruptamente, num sobressalto. Bernard estava parado à porta, enrolado no roupão. Seus olhos brilhavam e ele sorria.

— Estava com um bloqueio e não conseguia acabar essa estrofe. Sua rima ficou perfeita.

Bernard apanhou um dos violões e dedilhou a melodia, cantando baixinho. Os versos surgiram uma paisagem desolada que, aos poucos, ia ganhando vida como a chegada de um pássaro de plumagem reluzente, voando alto no céu.

Priscila experimentou uma onda de emoção ao ouvir Bernard tocar. A letra da música era realçada pela melodia e, sem querer, ela ficou com os olhos marejados.

— Você gostou? — perguntou ele, depois de dedilhar o último acorde.

— Muito — disse ela comovida.

— Ainda preciso trabalhar nela. Mas essas são as linhas básicas da melodia. Imagine, passei horas procurando uma rima e… tudo que eu precisava era a inspiração de uma veterinária com veia poética!

Bernard voltou a rir encantado.

— Você deve tratar de muitos pássaros no seu consultório, não é?

— Sim. Papagaios, periquitos e canários. A maioria aves com infecção pulmonar… — Priscila parou de falar e estudou o semblante pálido dele. — Você não deveria ter se levantado, Bernard. Por que não volta para a cama e descansa mais um pouco?

— Ouvi você tocando a minha música e fiquei curioso para saber se tinha gostado dela.

— Vai ser um sucesso, Bernard. É maravilhosa.

Contente, ele sorriu. Mas ficou sério quando flagrou uma sombra de melancolia no olhar de Priscila.

— O que houve?

Ela fitou-o por um longo momento antes de responder:

— Parou de nevar.

Bernard olhou pela janela e viu que Priscila tinha razão. O céu havia clareado e, por entre as nuvens, filtravam-se tímidos raios de sol vespertino.

— Os esquiadores agora poderão se divertir em vez de permanecer trancafiados entre quatro paredes — comentou, enfiando as mãos nos bolsos do roupão. — Amanhã, o caminho até o hotel já deverá estar transitável. Você estará livre, Priscila.

Ao proferir aquelas palavras, a voz dele soou um tanto sombria.

— Não pretendia ir correndo às autoridades para acusá-lo de sequestro, se é o que está pensando — esclareceu Priscila.

Bernard virou-se para ela.

— Não estou pensando nada disso, embora lhe deva um pedido de desculpas por tê-la trazido para cá por engano. — O olhar dele envolveu-a de um modo involuntariamente possessivo. — Suponha que você irá correndo para a clínica, não é?

— Sim. Preciso voltar para lá. Tenho que resolver diversas pendências.

— E se for despedida?

Priscila deu um suspiro desalentado.

— Bem, nesse caso, vou ter um bocado de problemas para quitar minhas dívidas. Estou pagando as prestações de um carro e moro num apartamento alugado.

— E quais são suas perspectivas de trabalho?

— Sioux City não é tão pequena. Há muitos outros veterinários na cidade. Mas não será tão fácil encontrar uma vaga.

— Sua situação profissional parece complicada, querida.

Querida. Era a primeira vez que ele a chamava assim. Priscila baixou o rosto para que ele não percebesse quanto tinha apreciado o gesto.

— Desculpe-me se me dirigi a você assim. Foi um lapso. — explicou ele, atiçando-a com um sorriso.

— Não precisa se desculpar. Eu gostei. Ninguém nunca me chamou de “querida“, exceto o carteiro. Mas ele tem quase setenta anos e não conta.

Bernard desatou a rir.

— Enquanto você estiver aqui, vou me lembrar de chamá-la assim algumas vezes. Espero que não se importe de passar mais uma noite aqui. Hoje as estradas ainda estão impraticáveis

— Eu não iria embora se você não estivesse melhor, mesmo que já houvesse parado de nevar.

Ele a encarou com uma expressão impenetrável.

— Compreendo. — foi tudo que disse.

— Achou mesmo que eu o deixaria sozinho naquele estado, com suspeita de ter contraído uma pneumonia? Além do mais, se eu estivesse doente, você também teria cuidado de mim.

— Teria, sim — Bernard concordou, dando-se conta de quanto prezava Priscila.

Em outras circunstâncias, pensou ele, aquele seria o ponto de partida ideal para um relacionamento. Contudo, haviam se conhecido na hora e no lugar errado. O fantasma do seu casamento fracassado ainda o rondava. Tinha muito medo de correr um risco que poderia redundar em uma decepção difícil de superar.

— Foi bom conhecer você, Bernard. Daqui por diante, vou ouvir seus discos. Foi um pouco arrogante de minha parte afirmar que só aprecio compositores eruditos.

— Seja como for, você tem bom gosto. Vou me lembrar de escutar mais música clássica.

— Tenta a ópera de Turandot, de Puccini. É a minha preferida — recomendou Priscila, sorrindo.

— Eu conheço. Vou comprar o CD em sua homenagem.

Ela olhou através da janela. O céu estava tingido com as cores do crepúsculo.

— Não quer comer alguma coisa, Bernard?

— Isso foi transmissão de pensamento!

Priscila dirigiu-se a cozinha e preparou panquecas com o molho de tomate e carne, e uma salada verde.

Quando voltou ao quarto para chamar Bernard, encontrou-o vestido, com os cabelos presos em um rabo de cavalo. Usava os eternos jeans desbotados e um pulôver azul que lhe acentuava o tórax amplo.

— Já deve estar enjoado de ficar deitado, mas, se preferir comer aqui posso trazer uma bandeja de comida — disse ela, olhando-o apreciativamente

— Comerei com você na cozinha. Já me sinto quase recuperado.

— É verdade. Você está com uma aparência bem melhor.

Assim, os dois sentaram-se à pequena mesa da cozinha para fazer a refeição. Bernard comeu com grande apetite. A julgar pela rapidez com que se restabelecera, estava em ótima forma física.

— Onde aprendeu a cozinhar, Priscila?

— Não fiz nenhum curso. Aprendi por necessidade. No começo cozinhava por obrigação e detestava. O resultado não era muito animador. Mas, com o tempo, comecei a gostar de pesquisar receitas e inventar pratos. Cozinhar é muito relaxante.

— Pois está de parabéns. Tudo está delicioso.

Ela sorriu, satisfeita. Quando terminaram de comer, fez café e continuaram sentados à mesa, conversando. Num dado momento Bernard emudeceu e fixou um ponto imaginário com o olhar perdido.

— Você está muito quieto.

Bernard assentiu e fitou-a com um olhar intenso.

— Fazia tempo que eu não convivia assim com uma mulher. Acabei me apegando a você, Priscila. — Ele sorriu sem vontade. — Vou sentir sua falta.

Priscila devolveu o sorriso pontuado de melancolia.

— Também vou sentir sua falta. Moro sozinha há muitos anos. Já nem sabia o que era ter alguém para conversar e partilhar refeições.

Bernard girou indolentemente a xícara vazia nas mãos.

— Poderíamos manter contato — sugeriu sem olhar para ela.

— Claro — Priscila replicou prontamente, sentindo o coração bater descompassado. Logo a seguir, recompondo-se, ajuntou: — Seria muito bom.

— Vou gostar de ver você de novo — disse, — Vou lhe dar meu endereço daqui e do Texas. Escreva para mim quando tiver vontade.

— Só se prometer responder às minhas cartas.

— Eu prometo. Sou muito bom nisso. Sempre que posso, repondo pessoalmente à correspondência dos fãs, com ajuda de minha secretária.

— Já entendi.

— Ei, não faça essa cara. Não pense que vou instruir minha secretária para responder as suas cartas.

Ela se descontraiu e maneou a cabeça.

— Está bem. Eu lhe escreverei então.

— Se eu demorar a lhe dar retorno, não vá concluir que eu me esqueci de você, hein? Tenho viajado um bocado e às vezes pode demorar uma ou duas semanas para eu receber minha correspondência.

— Prometo não tirar nenhuma conclusão.

Bernard apertou sua mão com um gesto cheio de afeto.

— Eu quero que me prometa mais uma coisa, Priscila.

— O que é?

— Arranje outro emprego.

— Não lhe cabe se preocupar com o meu trabalho.

— Seu trabalho é uma piada, querida. Estão menosprezando sua capacidade. Escute o que eu estou lhe dizendo. Se persistir, não terá chances de progredir.

— Não acha que está sendo muito pessimista, Bernard?

— Talvez. Mas aprendi a conhecer o gênero humano.

— Está certo. Quando voltar a Sioux City vou sondar o mercado de trabalho.

— Faça isso.

Priscila colocou os pratos na lavadora e, sem se virar, perguntou:

— Falta alguma coisa?

Ele aproximou-se dela, abraçando-a por trás e rodeando-lhe a cintura com os braços possantes.

— Sim. Já que não posso forçá-la a fazer amor comigo, eu gostaria que você me forçasse.

Priscila sorriu, estremecendo.

— Bobagem. Eu nunca conseguiria dominar você.

— Eu poderia cooperar…

— Não, não — replicou ela balançando a cabeça. — Se eu gostar não vou querer largá-lo mais.

Bernard depositou um beijo úmido em sua nuca e sussurrou-lhe ao ouvido:

— Eu adoraria que você me assediasse, sabia? Mas deixe estar. Depois que eu cumprir com minhas obrigações contratuais, eu é que vou assediá-la. Prepare-se…

Na manhã seguinte, conforme havia prometido, Bernard levou-a ao hotel. Percorreram os caminhos cobertos de neve em silencio. Ele se despediu dela com um abraço e palavras breves. Priscila acenou-lhe, observando seu carro distanciar-se na estrada branca. A angústia cravou-se como um punhal afiado em seu coração.

Uma hora mais tarde, já a bordo do ônibus que a levaria ao aeroporto, ela avistou o chalé de Bernard ao longe e teve que se controlar para não chorar. Agora estava a caminho de casa, tudo que vivera nos últimos dias parecia irreal. E, no entanto, sabia que já não era mais a mesma. Aquela curta temporada no Colorado havia provocado uma reviravolta em sua vida.

Em apenas cinco dias, ele conhecera o amor e também o gosto amargo da separação.

 

Não demorou para que Priscila verificasse a acuidade da advertência de Bernard com relação a seu emprego. Desde o seu retorno a Sioux City, os donos da clínica vinham sobrecarregando-a de trabalho, muito além do limite tolerável. Várias das tarefas que executava eram banais e nada acrescentavam a sua vivência profissional.

Os dois veterinários tinham um salário bem maior que o dela e mais tempo ocioso. Priscila, em compensação era frequentemente convocada a trabalhar fins de semana, enquanto seus colegas folgavam. Quando recebiam chamados para examinar animais de grande porte, ela era sempre a escolhida para fazer o atendimento. No último mês, ajudara no parto de três vacas e cuidara de um ferimento na pata dianteira de um touro bravo.

Seu corpo apresentava manchas roxas e arranhões por toda a parte. Para agravar seu descontentamento, os dois veterinários não faziam nenhuma menção de lhe aumentar o salário ou aceitá-la como sócia na clínica.

Priscila estava farta de tudo aquilo.

E havia a questão de Bernard, claro…

Ela escrevera duas cartas e, até aquele momento, não recebera resposta. Nem sequer um cartão postal. Começara a tentar rastrear o paradeiro de Bernard através dos meios de comunicação, ficando atenta a tudo que dissesse respeito ao Explosão. Numa ocasião, tivera oportunidade de assistir a reprise de uma entrevista do grupo em uma emissora de televisão. Corriam boatos de que Amanda estava prestes a dar a luz e não pretendia continuar na banda.

O silencio de Bernard abalava-a mais do que gostaria de admitir. Procurava se convencer de que estava ocupado demais para lhe escrever. Lembrava-se frequentemente do que ele lhe dissera sobre uma eventual demora em mandar-lhe noticias.

E o tempo fora passando. Dois meses. Três… Àquela altura, Priscila já deixara de ter esperanças quanto a revê-lo. Bernard provavelmente mal se lembrava dela. Afinal, haviam tido uma breve convivência e trocado alguns beijos, nada mais que isso. Ele mesmo afirmara que não desejava um envolvimento sério. Seria uma tola se alimentasse ilusões de um futuro para ambos.

O que mais magoara é que Bernard a desdenhara por completo. Nem sequer a quisera como amiga.

Talvez ele tentasse evitar um envolvimento a todo custo. Não podia culpá-lo, podia? A ex-esposa lhe destroçara o orgulho e o coração. Pisoteara-lhe até deixá-lo afetivamente aniquilado. A última coisa que Priscila desejava era aprisionar Bernard em um relacionamento que não estava disposto a cultivar.

As fãs decerto o assediavam até a exaustão. Ele já tivera o seu quinhão de mulheres tentando cercá-lo para tirar proveito de sua fama e de seu dinheiro. Priscila não queria ser mais uma na longa lista de tietes que o perseguiam na saída de shows e na porta dos hotéis.

Mas era difícil esquecer Bernard. A música que ele havia composto no chalé fora incluída numa coletânea do Explosão e transformara-se em um sucesso instantâneo. Havia mais de uma faixa inédita no novo álbum e, pelo que ela depreendia, Amanda votara à ativa e não tinha intenção de abandonar o grupo, apesar dos boatos contrários.

Priscila surpreendera-se com a qualidade da versão final da música. Os arranjos de Bernard e a sustentação dos outros instrumentos haviam realçado a melodia, numa trama de sons sutis. Como era de se esperar, ela comprara a coletânea logo que o CD chegara às lojas de discos. Ao ler o encarte vira que seu nome constara no espaço reservado a dedicatória dos integrantes da banda. Ficou bastante lisonjeada com o fato de Bernard haver lembrado que ela o ajudara a encontrar a rima para uma das composições inéditas do CD.

Quanto ao trabalho, ia de mal a pior. Priscila estava exaurida. Ao cabo de três meses num ritmo insano, não tinha mais energia nem resistência física. Decidiu então procurar outro emprego.

Em Sioux City a procura foi frustrante. Mas numa pequena comunidade rural a trinta quilômetros dali, a modesta clínica local chamou-a para uma entrevista. O proprietário tinha um sócio mais jovem, e os dois precisavam de um assistente que tomasse conta do escritório quando ambos se ausentavam para medicar animais de grande porte.

Ela não estava especialmente entusiasmada com o emprego, mas, na falta de coisa melhor, compareceu à entrevista.

— A senhorita tem qualificações necessárias para o trabalho. Qual exatamente sua experiência? — Inquiriu-lhe o proprietário da clínica, Dr. Joiner.

— Eu faço de tudo um pouco na clínica, desde atender chamados de emergência até cuidar da parte administrativa. Entre outras coisas aplico injeção, faço cirurgias de esterilização, partos, trato virose e organizo cronograma de retorno para vacinas. Enfim, tenho uma atividade bastante diversificada. O ritmo de trabalho é sempre intenso.

O Dr. Joiner trocou um olhar rápido com seu jovem sócio, Dr. Helman. A seguir, falou:

— A rotina aqui é mais tranquila. Mas temos trabalho para três pessoas. Na carta que anexou seu currículo, a senhorita mostrou interesse em ser sócia da clínica. No entanto, nós só poderíamos contratá-la como assalariada.

— Para mim está ótimo.

Priscila explicou-lhe que teria de cumprir um aviso prévio de, no mínimo, duas semanas. Ficou acertado então que, decorrido esse prazo, traria uma carta de recomendação e começaria a trabalhar ali.

Ela se despediu dos dois veterinários e voltou para Sioux City sentindo-se aliviada.

 

O pedido de demissão de Priscila não chegou a causar grande surpresa nos colegas. Redigiram uma carta de recomendação e publicaram um anúncio nos classificados, a fim de encontrar um substituto. Em apenas uma semana contrataram um estagiário recém-formado. Priscila explicou o trabalho e o orientou da melhor forma que pode.

Apesar de morar longe do emprego, ela julgou que seria precipitado mudar-se de seu apartamento em Sioux City. Era preferível aguardar alguns meses a fim de se certificar de que estava se adaptando ao novo emprego.

Já nos primeiros dias, Priscila constatou que o trabalho, com efeito, não era tão extenuante. Na verdade, na sua rotina não tinha grandes sobressaltos nem a deixava sobrecarregada. Seus novos patrões alternavam com ela os plantões noturnos e nos fins de semana e nos feriados. Era uma benção. E o mais incrível era que estava com praticamente o mesmo salário do emprego anterior.

Decorrida uma semana, Priscila começou a considerar seriamente a ideia de mudar-se de Sioux City. Estava se dando tão bem com Dr. Joiner e Dr. Helman, que valia a pena arriscar.

Encontrou uma pequena casa para alugar e pagou um adiantamento ao senhorio. Sem demora, fez as malas e encaixotou tudo que havia em seu apartamento. Não possuía muitos pertences e fez a mudança em apenas três viagens.

Em um final de semana, ainda voltou ao apartamento uma vez para recolher algumas miudezas. Quando ia saindo ouviu o telefone tocar. A linha já deveria ter sido desconectada e, como ultimamente ninguém mais estava lhe telefonando, ela deduziu que só poderia ser engano ou, na pior das hipóteses, algum corretor de seguros.

Por um segundo, teve esperanças que Bernard estivesse tentando contatá-la. Mas logo a seguir, descartou aquela possibilidade. Fazia quase cinco meses que haviam se conhecido e, aquela altura, ele certamente a esquecera. Priscila ficou um pouco entristecida com isso, pois guardava doces recordações dos momentos que havia passado ao lado de Bernard.

Ela instalou-se na nova casa e recomeçou a semana de trabalho. Na quinta-feira, faltando meia hora para o fim do expediente, vacinou um filhote de gato siamês, prescreveu-lhe as vitaminas necessárias e relaxou. Logo fecharia o consultório e iria para casa jantar. Depois, leria e ouviria um pouco de música. Seu cotidiano era simples, sem grandes luxos. Mas ela se sentia confortável pela primeira vez desde que se formara.

Os dois veterinários saíram para fazer consultas e Priscila estava sozinha na sua sala, quando chegou mais um cliente. Foi atender a porta com um sorriso profissional e, ao abri-la, ficou paralisada, segurando a maçaneta com uma expressão de perplexidade estampada no rosto.

A sua frente se postava um homem alto, de constituição robusta. Usava calça jeans, camiseta e um blazer despojado. Seus cabelos castanhos eram curtos e repicados. O rosto de linhas angulares estava perfeitamente escanhoado. E os olhos azuis brilhavam de um modo muito familiar, que fez o coração de Priscila falhar uma batida.

Ele olhou-a de alto a baixo e sorriu com aprovação.

— Está com ótima aparência. Pelo visto, não está trabalhando dobrado neste emprego.

— Bernard, é você mesmo. Meu Deus!

— Em carne e osso — ele confirmou e o seu sorriso se alargou.

— Mas… seu cabelo… a barba e o bigode…

— Cansei de parecer com um homem das cavernas. Estou mudando minha imagem.

— Você ficou muito bem com esse novo corte.

— Obrigado. Passei aqui para saber se gostaria de jantar comigo.

O coração dela disparou. Umedeceu os lábios e tentou dissimular o nervosismo. Assumindo um ar casual.

— Não há muitos restaurantes na cidade e todos são de qualidade duvidosa. — Priscila hesitou e, sem conseguir se conter, disse: — Você não respondeu as minhas cartas. Houve algum problema?

— Tive uma série de contratempos. Eu lhe contarei tudo em detalhes enquanto jantamos. Estou faminto. Passei o dia todo tentando localizar você e só tomei café da manhã no hotel.

— Então vamos comer em Sioux city — propôs ela.

Priscila fitava-o como se estivesse enfeitiçada. Não cansava de admirar Bernard. Tinha vontade de atirar-se nos seus braços e dizer-lhe que esquecesse as explicações e tudo mais. Ele estava ali, e era tudo que importava.

No entanto, Priscila não queria alimentar esperanças vãs. Provavelmente Bernard estava de passagem e só houvesse passado ali para fazer uma visita cordial.

— Espere-me um instante. Vou buscar minha bolsa e já volto — disse convidando-o a entrar. — Sente-se e fique a vontade.

Com as mãos trêmulas. Retocou a maquiagem e penteou os cabelos curtos, que lhe emolduravam graciosamente o rosto. Depois de passar rimel, lápis e uma leve camada de sombra esfumaçada nas pálpebras, aplicou batom vermelho nos lábios, realçando-lhes o contorno. Tirou o avental e o deixou no espalmar de uma cadeira. Vestia calças jeans azul clara e um suéter preto justo. As botas de salto alto lhe deram um pouco mais de segurança: com elas, não sentia tão pequena e frágil ao lado de Bernard.

Quando reapareceu na sala de espera, ele levantou-se e lançou-lhe um olhar apreciativo.

— Você fica muito bem de preto — elogiou.

— Obrigada — agradeceu Priscila, corando de satisfação.

Ela ligou o alarme e saíram. Bernard passou o braço por seus ombros displicentemente e a conduziu até o carro.

Quando Priscila viu a limusine branca que os esperava, deixou escapar uma exclamação de espanto.

— A gravadora deixa uma limusine a disposição de cada um dos integrantes da banda — explicou Bernard, — Acho desnecessário, mas pensei que você poderia gostar de andar de limusine.

O motorista adiantou-se, solicito, e abriu a porta para eles. Os dois acomodaram-se lado a lado e Bernard deu as instruções do rumo a ser tomado. Depois, fechou a cortina de vidraça que separava a cabine do chofer do compartimento de passageiros.

Enquanto seguiram pela estrada, mostrou a Priscila todas as comodidades do veículo: o bar, o telefone, a televisão e o aparelho de som.

Ela examinou tudo com interesse, e deu um assobio.

— Como é espaçosa!

— Gostou? — Bernard perguntou, esticando as pernas preguiçosamente.

Priscila aquiesceu com um sorriso, alisando o banco estofado de couro.

— Você viu que a nossa música entrou na parada de sucessos, Priscila?

— Vi. Eu queria lhe agradecer pela dedicatória no encarte do disco.

Bernard gesticulou, dispensando os agradecimentos.

— Você me ajudou, lembra? Todos adoraram, especialmente Amanda.

— Como ela está?

— Melhor, impossível. Amanda e Quinn estão nas nuvens com o filho. Os dois o levam até nas nossas sessões de gravação. — A expressão dele tornou-se um pouco melancólica. — Eu chego até invejá-los.

— O álbum também foi dedicado ao bebê, não? Li o nome Charles Sutton no encarte.

— Acertou em cheio. Charles é uma criança encantadora. Nós costumamos dizer que ele é afinado até para chorar. Vamos comprar-lhe uma bateria quando fizer dois anos.

— Não sei se Quinn vai achar muita graça da ideia.

Bernard riu.

— Provavelmente não. O moleque vai fazer um barulho infernal. — Ele despiu o blazer para ficar a vontade e fez uma careta. — Andei numa correria danada para acertar os contratos e as datas para a próxima turnê. Mas já está tudo encaminhado e não terei compromissos nos próximos dois meses.

— Então não veio aqui a trabalho? — perguntou Priscila num tom casual.

Os olhos azuis dele se estreitaram.

— Você sabe por que estou aqui, Priscila.

O coração dela bateu mais forte. Não obstante, Priscila não deixou transparecer sua agitação.

— Na verdade, não. Escrevi-lhe duas cartas e não tive resposta. Você tão pouco telefonou. É estranho ignorar uma pessoa durante quase meio ano e, sem mais nem menos, aparecer para visitá-la.

— Você está furiosa — conclui ele com um sorriso travesso. Depois, ficou sério. — Eu receava que fosse reagir assim. Não sabe quantas vezes tentei escrever lhe uma carta. Aí me dei conta de que não conseguiria expressar meus sentimentos no papel e, muito menos por telefone. E, sempre que decidia tomar um avião para vir vê-la, surgia algum imprevisto. Foram os cinco meses mais longos da minha vida, querida. Mas agora estou aqui e você não vai mais se livrar de mim…

Priscila fitou-o, tomada de emoção. Bernard segurou-lhe a mão e disse ternamente:

— Foi por isso que demorei tanto. Eu queria cumprir todas as minhas obrigações contratuais para ter esses dois meses de folga e ficar com você.

Ela afundou-se no banco, desalentada.

— Não vou me sujeitar a ser sua amante nas horas vagas, Bernard. Está perdendo seu tempo. Você acabaria me julgando igual às suas fãs.

— Nunca. Aliás, eu adoraria que você fosse minha tiete!

— Por que, posso saber? Já não está enjoado delas?

Ele afagou-lhe a mão e sorriu.

— Há um assunto que precisamos discutir nos próximos dias. — Bernard bocejou antes de continuar: — Meu Deus, estou exausto! Quase não dormi essa noite. Não imagina como foi difícil encontrar você. Tive que ligar para todas as clínicas veterinárias da cidade até descobrir onde estava trabalhando.

Priscila olhou-o com espanto.

— Você poderia ter pedido a sua secretaria que fizesse isso. Há dezenas de clínicas em Sioux City.

Diante dessas palavras, foi Bernard que se espantou.

— Ora eu não poderia confiar um assunto tão pessoal a minha secretária!

— Eu nunca pensei que você se daria a tanto trabalho para me rever… Isto é, tinha quase certeza que já nem se lembrava de mim… — Ela mordeu os lábios, embaraçada. — Vi uma fotografia sua na coluna social de um jornal. Você estava rodeado de mulheres lindas.

— A beleza não é tudo. Aliás, na maioria dos casos, não significa nada. — Bernard a contemplou por um instante, e seus olhos faiscaram. — Você é linda. E não apenas exteriormente. O seu rosto é bonito e delicado. O seu corpo me agrada. Mas o que eu mais gosto em você é o seu lado humano. Nunca ninguém teve tanta consideração por mim quanto você, naqueles breves dias que passamos no Colorado.

— Bobagem. Eu lhe disse que jamais poderia abandoná-lo com suspeita de pneumonia.

— Eu sei que você teria ficado do meu lado mesmo que me detestasse. Mas acho que você não me detesta. Não foi raiva que eu vi nos seus olhos quando se despediu de mim defronte do hotel.

— Eu estava preocupada com sua saúde. Digamos que… senti compaixão por você — mentiu ela, falando bruscamente.

— Compaixão? É isso que eu ganho? — Bernard indagou, a sua boca bonita curvou-se num sorriso irônico.

— O que você quer então?

Ele inclinou-se para Priscila e fitou-a com súbita intensidade.

— Eu quero o seu amor, Priscila. Quero que você fique obcecada por mim. Que não suporte ver outras mulheres me cercando. Que me deseje com loucura, ansiando por estar em meus braços.

Ela desviou o olhar, envergonhada. Mal sabia Bernard que já o amava e o desejava com loucura…

— E então…? — perguntou, pigarreando para que sua voz não saísse embargada.

— Eu quero muito mais que uma noite de amor com você — concluiu ele.

Priscila sentiu um nó na garganta. Não conseguiu proferir nenhuma palavra. Teve medo de acordar de repente e descobrir que estivera sonhando…

Bernard afagou-lhe os cabelos com infinita doçura.

— Eu quero ter um filho com você — disse baixinho.

Ela estremeceu de desejo ante a simples ideia de fundir seu corpo ao dele. E a reação não passou despercebida a Bernard, que tornou a sorrir.

— Você também quer, não é, Priscila? Você me contou qual o seu sonho. Então realize-o comigo. Vou te dar um lar, um marido, uma família… — Bernard fez uma pausa e emendou com uma nota de humor: — E talvez alguns animais de estimação.

— Mas meu trabalho…

— Não importa. Se quiser continuar clinicando, para mim está bem. Assim você terá uma ocupação durante as minhas turnês e as crianças poderão se distrair.

Priscila ficou a encará-lo sem dizer nada. Aquilo era bom demais para ser verdade. Mas… e se Bernard estivesse apenas sendo impulsivo? E se mais tarde se arrependesse da sua decisão?

— Eu me sinto sozinho, e você também — prosseguiu ele. — Se nos casarmos, nossa solidão acabará.

— Tenho medo que você esteja se precipitando. Há tantas mulheres que fariam tudo para…

— É você que eu quero, Priscila. Não faz ideia de como o chalé me pareceu vazio depois de sua partida. Sou muito auto-suficiente. Já fui assediado por dezenas de mulheres, inclusive durante meu casamento. Nunca quis me envolver com nenhuma delas. Mas com você foi diferente. Em questão de dias você se instalou definitivamente aqui… — Ele tocou o próprio coração. — Não consegui esquecê-la nem por um minuto. E, acredite, eu bem que tentei. Tentei por cinco meses.

Ela sorriu e provocou:

— Nesse ponto tive mais êxito que você…

Sem deixá-la terminar de falar, Bernard puxou-a para si e beijou com ardor incontido. Priscila enlaçou-lhe pelo pescoço e emoldurou-se a ele com igual paixão.

Foi um longo beijo, enquanto se tocavam com gestos sôfregos. Bernard acariciou-lhe as coxas, o ventre e os seios. Ela gemeu, ondulando o corpo sob o dele, num frenesi de volúpia.

— Você não consegue não reagir quando a toco, não é? — Bernard sussurrou-lhe ao ouvido. — É incrível como reage ao meu contato. Me beije de novo…

Deitaram-se no banco da limusine, a cada beijo que trocavam era mais excitante que o anterior. Abrasando-os e atiçando a sua fome de amor até um nível quase insuportável. Era o mais doce dos tormentos…

Priscila sentiu o sexo dele pressionando-lhe as coxas e estremeceu. Queria mais, queria sentir Bernard dentro de si.

— Eu amo você, Bernard.

— Não mais do que eu a amo… — ele murmurou com a voz entrecortada. Fitou-a com os olhos azuis cintilando. — Você vai casar comigo, com as complicações e tudo mais?

— Eu não pareço ter escolha alguma. De que outra maneira mais posso te proteger do tantão de mulheres lindas, loucas por sexo?

Ele deu uma risada e a beijou novamente, murmurando sua concordância contra sua suave e receptiva boca.

 

E assim, Priscila e Bernard se casaram seis meses após ele tê-la raptado por engano. Os outros integrantes do Explosão foram seus padrinhos na cerimônia realizada em uma pequena igreja, a mesma onde Amanda e Quinn haviam se casado.

Após a cerimônia quando Bernard e Priscila já iam entrando na limusine que os levaria embora, Amanda perguntou:

— Onde, afinal, vão passar a lua-de-mel?

— É segredo — disse Bernard rindo.

— Escreva para nós contando as novidades — pediu Quinn.

Priscila e Bernard despediram-se com acenos e sorrisos. Acomodaram-se no carro e se abraçaram.

— Essa noite você vai ser minha. E nós começamos a nossa família — disse Bernard.

Priscila segurou-lhe a mão e sorriu. Sim, Bernard tinha razão. O futuro deles estava começando naquele momento.

 

Poderiam ter escolhido um paraíso tropical como cenário para sua lua-de-mel. Porém, de comum acordo, decidiram passar aqueles dias no chalé do Colorado. Fora lá que haviam se conhecido e se apaixonado. O lugar tinha um significado muito especial para ambos.

Jantaram diante da lareira, bebendo vinho tinto. Na verdade, nenhum dos dois tinha muito apetite e quase não comeram. Enquanto traçavam caricias Priscila começou a ficar apreensiva. Experimentava uma curiosa multiplicidade de sentimentos, derivados do conflito entre o desejo e o medo do desconhecido.

Bernard percebeu a sua inquietude e afagou-lhe o rosto carinhosamente.

— Não precisamos fazer amor essa noite. Os casamentos são exaustivos e, se preferir, podemos descansar.

— Não, Bernard. Se não for hoje, eu vou cultivar o meu medo e ele crescerá.

Ele segurou-lhe o rosto, fitando-a com ternura.

— Você conhece o meu corpo. Não há porque ficar assustada.

— Mas você não conhece o meu. Tenho vergonha…

Bernard apertou-a contra si e, antes de beijá-la sussurrou-lhe ao ouvido:

— Não se preocupe. Daqui a cinco minutos, você nem vai saber o que é inibição…

A apreensão dela revelou-se, de fato, infundada. E, muito antes de se esgotar o prazo de cinco minutos sugerido por Bernard, foi dominada por desígnios da paixão e esqueceu-se completamente de todos os seus medos.

Os dois rolaram no chão, as pernas entrelaçadas e os lábios unidos em uma sucessão de beijos abrasadores. Bernard recorreu ao que restava de seu autocontrole para empurrá-la gentilmente e levantar-se. Deu-lhe a mão e ergueu-a nos braços, carregando-a até a suíte.

— Um dia desses vamos fazer amor no chão. Mas hoje é um dia especial. Eu quero que a nossa primeira vez seja em uma cama bem macia — Bernard disse com um sorriso malicioso.

Depositou-a sobre a cama e estirou-se ao seu lado. Enquanto traçada uma trilha de beijos ardentes em seu pescoço, murmurou:

— Vou amar você devagar… Virar você do avesso… Prometo que não se decepcionara…

Entre beijos e carícias, despiram-se com as mãos trêmulas e apressadas. Bernard contemplou a nudez com o olhar ardente e ela, surpresa contatou que não sentia mais vergonha. Pelo contrário: tinha vontade de se mostrar por inteiro, de exibir suas curvas para excitá-lo e subjugá-lo com o poder de sua feminilidade.

Bernard inclinou-se sobre ela, devorando-a com todos os sentidos. Os olhos azuis a miravam com voluptuosidade. As mãos grandes palmilhavam todos os seus segredos. Os lábios e a língua apossaram-se da pele nua e impingiam-lhe deliciosos arrepios. Os gemidos de Priscila e o seu cheiro de mulher também o instigavam, e Bernard movia-se sobre ela ora com lentidão, ora com ânsia febril.

Quando já não podia mais se refrear, cobriu o corpo de Priscila com o seu e começou a penetrá-la, muito devagar. Para dissipar-lhe o desconforto, beijava-a e acariciava-a reiteradamente. Ela gemia, suspirava e arfava. E, ao sentir uma pontada aguda que mesclava dor e deleite, percebeu que seus corpos estavam, enfim fundidos em um só.

Permaneceram um momento imóveis, olhando-se numa espécie de encantamento. Bernard retraiu ligeiramente os quadris e voltou a mergulhar na carne dela. Começou a movê-lo com cuidado, depois com crescente impetuosidade. Priscila ondulou os quadris na mesma cadência que ele e foi perdendo a consciência de si mesma. Enquanto arquejava, ouviu Bernard sussurrar com a voz rouca:

— Fazer amor é como compor uma sinfonia. Pense no ritmo… Isso, assim… Mais forte, meu amor… Deixe a melodia embalar você, solte o corpo…

Priscila liberou totalmente seus instintos e deixou-se guiar por eles. Logo foi sacudida por espasmos, e rodopiou num vórtice de sensações indescritíveis. Deixou escapar um grito entrecortado, arrebatada por um êxtase quase selvagem. Arqueando o corpo, acolheu o gozo de Bernard e estreitou-o contra si.

Instantes depois, quando se aquietaram, saciados, escondeu o rosto no peito largo dele. Bernard rolou para o lado, sem soltá-la aninhando-a em seus braços. Beijou-a de leve nos lábios e sorriu.

— Nós dissemos tudo que precisava ser dito, sem proferir uma única palavra — sussurrou.

— Foi… maravilhoso, Bernard.

— Foi, sim… Imagine e eu ainda receei que fôssemos ter problemas! — Ele lhe endereçou um daqueles seus sorrisos provocantes. — Nós somos totalmente compatíveis. Nunca pensei que eu amaria uma mulher desse modo. Eu quero compartilhar tudo com você. Priscila. Raptá-la, provavelmente foi a melhor coisa mais acertada que fiz na minha vida.

— Mas de agora em diante, eu exijo a primazia de ser sua única cativa.

Bernard afagou-lhe os cabelos, fitando-a com carinho.

— Você será a única, Priscila. Hoje e sempre.

E, para selar a sua promessa, beijou-a com toda paixão que abrigava em seu peito. O futuro que eles tanto haviam almejado estava apenas começando.

 

                                                                                            Diana Palmer

 

 

                      

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