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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


ETERNA
ETERNA

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

Biblio VT

 

 

 

 

Della contou a ele sobre a organização em Dallas, que a UPF não sabia que havia outros fazendo isso, que aqueles que estavam fazendo a mesma coisa em Houston tinham sido avisados para eliminar as evidências.

Chase arregalou os olhos com as notícias.

— Mas eles ainda podem estar vivos. Isso não significa que mataram todo mundo.

A visão dela borrou um pouco mais com as lágrimas que teimavam em querer cair.

— Eles encontraram uma vala comum. Fica embaixo de um ferro-velho. — Ela engoliu outra vez. — Lembra o barulho do equipamento em cima deles? E se for isso? E se...?

A dúvida se estampou nos olhos de Chase, mas então ele piscou e ela desapareceu.

— Não. O que eu lembro é dos dois conversando, se beijando, rindo e chorando. Eu me lembro deles vivos. Por isso, não. — Ele afirmou com a convicção que ela queria... ela precisava... ouvir. — Eu não acredito. Nós estivemos lá. Sentimos o que eles sentem. Eles não estão mortos. Estão vivos.

— Mas e se estivermos errados? — O estômago de Della se contraiu. — E se eles só quisessem que a gente soubesse.

— Soubesse o quê?

— Eu não sei... talvez que eles se amavam.

Chase balançou a cabeça e depois se aproximou dela e colocou uma mão em cada ombro.

— Eles estão vivos. Eu acredito nisso.

— Eu quero acreditar. — Uma lágrima escorreu pela bochecha dela.

Ele a puxou para si. Ela descansou a cabeça no seu ombro nu, extraindo força e conforto daquele abraço, da proximidade. Mas Della não tinha ido até lá por isso. Sabia o que precisava fazer. O que tinha quase certeza de que era o mesmo que o fantasma queria que ela fizesse.

Ela se afastou.

— Eu preciso que você me empreste seu carro.

— Para ir aonde?

— Eu vou ver minha tia.

— Por causa da foto? — ele perguntou.

— Porque o fantasma quer que eu vá.

Chase estendeu o braço para a cadeira de vime e pegou o celular, em seguida pegou uma camiseta que estava pendurada na cadeira.

— Ela disse isso... que queria que você visse sua tia?

— Mais ou menos.

— Mais ou menos como? — perguntou.

Ela estendeu a mão.

— Você vai me emprestar o carro ou não?

— Não. Eu vou com você — disse ele. — Mas primeiro quero saber o que realmente está acontecendo. — Quando Della assentiu com a cabeça, ele olhou para trás, na direção da porta. — Vou pegar as chaves e os sapatos. Você pode me contar no caminho.

Ela deu a Chase o endereço e ele o colocou no GPS. Só perguntou se ela queria que ele baixasse a capota. Ela disse que não, porque estava com receio de chegar muito perto do seu antigo bairro e ser vista por alguém que a conhecesse.

Della se sentou no banco da frente, a mente tumultuada, pensando em diferentes maneiras de fazer suas perguntas à tia. Perguntas sobre Natasha. Perguntas a respeito do tio e da tia sobre os quais seu pai nunca tinha contado. Depois ela tinha que descobrir uma maneira de pedir que a tia não contasse ao pai sobre a sua visita.

— Explique o “mais ou menos” — disse Chase, interrompendo os pensamentos dela.

— O quê?

— Como é que o fantasma “mais ou menos” te disse para ver sua tia?

Quando ela não respondeu de imediato, Chase insistiu.

— Fale comigo, Della!

— Ela ligou. No dia em que estávamos no armário de Natasha, ela ligou.

— Sua tia ligou para você?

— Não, ela ligou para a mãe de Natasha. Você não lembra que a música parou e a secretária eletrônica anunciou um telefonema de Miao Hon?

Ele arregalou um pouco os olhos.

— Esse era o sobrenome de Chan! Eu não me liguei. Miao é sua tia?

Ela assentiu com a cabeça.

— Por que você não me disse?

— Eu esqueci — ela mentiu, não se importando que seu coração revelasse que não era verdade.

Chase olhou para ela com a testa franzida.

— O que sua tia queria com a mãe de Natasha?

— Não sei. Isso é o que eu acho que tenho de descobrir.

— E por que você acha isso? Será que algo mais aconteceu?

Della contou a ele que, enquanto estava conversando com Burnett, tinha voltado a ouvir mentalmente a mensagem da secretária eletrônica dos Owen.

— Então deve ser importante — disse Chase voltando a olhar para a rua. Depois de alguns segundos, ele parou num sinal vermelho e olhou para ela. — Por que você está com medo de sua tia?

— Eu não estou com medo da minha tia — contestou Della.

— Por que não queria perguntar a ela sobre a foto de Natasha?

Ela hesitou para responder, então apenas disse:

— Ela vai contar ao meu pai.

— Contar o quê? — perguntou Chase.

— Que eu fui vê-la.

— E isso é ruim? Por quê?

Ela balançou a cabeça e olhou para a frente.

— Ele é oriental — Della disse antes que pudesse se conter.

— O que isso tem a ver?

Sentindo-se desconfortável, ela suspirou e estendeu a mão para ajustar o encosto do banco.

— Você não entenderia.

— Eu poderia, se você me explicasse — disse ele.

Ela colocou o encosto do banco mais para a frente, em seguida tateou a lateral para encontrar a alavanca e mover todo o banco para adiante. Della a encontrou e o banco rangeu quando ela o moveu para a frente.

— O que o fato de seu pai ser oriental tem a ver com você não ver sua tia? — ele insistiu.

Mesmo com o banco ajustado, ela ainda não se sentia bem. Foi quando teve que aceitar que era a conversa que a deixava desconfortável.

Em sua cabeça, Della ouviu a voz do pai. Nós não lavamos roupa suja em público.

— Ele está com vergonha — ela deixou escapar, admitindo que isso lhe custara todo o seu orgulho. Imediatamente quis recuperá-lo.

— Com vergnha do quê?

— De mim — disse ela, sabendo que não poderia falar aquilo e depois simplesmente colocar um fim na conversa.

— O quê? Por quê... Não entendi.

Ela engoliu a mágoa.

— Eu estou... diferente agora. Ou... ele acha que estou. Droga, eu estou diferente! Só não do jeito que ele pensa. Será que podemos não falar mais sobre isso?

Chase franziu a testa.

— Não até que você comece a falar coisa com coisa.

Ela suspirou.

— Eu estou diferente desde a transformação. Ele acha que estou me drogando ou estou grávida. E que eu roubei coisas dele.

— Mas você não está, e eu também não vejo você roubando nada dele. De modo que não faz sentido.

Ela olhou pela janela, de repente não querendo olhar para ele.

— Eu disse que você não entenderia. — Della fechou os olhos por um segundo, mas, por alguma razão idiota, ainda queria explicar, queria que ele entendesse. — Eu era o orgulho e a alegria dele. E então...

— Então o quê?

Ela piscou, e quando abriu os olhos viu as árvores passando num borrão. Chase estaria correndo muito? Ela olhou para o velocímetro. Ele não tinha ultrapassado o limite.

Não, só ela tinha.

Seu pai teria um ataque se soubesse. E graças a Chase, ele não saberia. Devia isso a ele. Não apenas os quatrocentos dólares, mas o problema que a multa teria causado.

Quando ela olhou para a frente, a expressão dele dizia que ainda esperava uma resposta.

— Ele violou a regra da família de não se casar com ninguém que não fosse oriental também. Por isso tínhamos que mostrar à família dele que éramos tão bons quanto os orientais puros. Eu era melhor aluna na escola do que todos os meus primos e nunca arranjei problema. Mas, quando me transformei, tudo mudou. Minhas notas pioraram, eu ficava... mal-humorada e... ele não queria que sua família me visse.

— Só porque ele violou a regra da família não significa que você tem que pagar por isso. E daí que as suas notas caíram?

Ela balançou a cabeça e percebeu que tinha sido um grande erro tentar explicar.

— Os orientais são pessoas muito reservadas. Eles não querem que ninguém fique sabendo dos seus erros. E eu era...

— Um erro dele? — perguntou Chase e bateu no volante.

— Em certo sentido, sim, mas não como...

— Ah, agora estou entendendo. Seu pai é um grande filho da puta!

— Ele não é! — ela contestou e olhou para ele. Os olhos de Chase pareciam mais brilhantes, como se estivesse com raiva. E ela podia sentir crescendo dentro de si a vontade de defender o pai.

— E o fato de que você ainda se preocupar com ele faz dele um filho da puta maior ainda.

Della balançou a cabeça.

— Chase, parecia que eu era um erro. Quando me transformei e, antes de eu vir para cá, fui pega saindo à noite para conseguir sangue. Eu não estava comendo a comida da minha mãe. Ficava cansada durante o dia. Estava sofrendo porque tinha perdido o meu namorado, eu não deixava ninguém tocar em mim, porque eu estava fria, e eu não era uma pessoa muito agradável.

— A maioria dos adolescentes é assim o tempo todo! — disse ele. — Eu era, e a minha irmã podia ser um verdadeiro pé no saco. Mas os meus pais só balançavam a cabeça e diziam: “Não liguem pra isso, é só coisa de adolescente”.

— Meu pai foi criado numa cultura diferente.

— Eu sei tudo sobre os orientais. Eles não são uns imbecis.

— Meu pai não é um imbecil! — ela rebateu. — Eu poderia ter me esforçado mais para esconder as coisas, fingir...

— Você tinha se transformado na droga de um vampiro! Não era culpa sua!

— Mas ele não entendia isso. E eu não podia contar a ele.

Chase passou a mão no rosto e respirou fundo. Quando olhou para Della, ela viu que os olhos dele tinham voltado à cor normal, verde-claros.

— Sinto muito. É só que isso me deixou tão puto... — Ele suspirou. — Não se preocupe. Eu vou ser educado quando conhecê-lo.

A boca de Della se abriu um pouco.

— O que quer dizer com isso, quando conhecê-lo? Nós estamos indo para a casa da minha tia, não do meu pai. E você não vai nem entrar comigo.

Ele estacionou o carro e Della percebeu que já tinham chegado. O coração dela começou a disparar e ela sentiu um nó no estômago. Olhou para a casinha de tijolos que ficara gravada em sua memória. Ela e a irmã, Marla, tinham passado muitos fins de semana ali, correndo pelo jardim com Chan e Meiling, a irmã mais nova dele. Escondendo ovos de Páscoa nos arbustos, tomando picolés no alpendre, varrendo as folhas caídas até formar uma pilha e, então, brincando de se jogar sobre ela.

Chase se aproximou e colocou a mão no ombro dela, como se compreendesse que as suas emoções estavam à flor da pele.

— Eu não estava esperando que você me convidasse para entrar. — A voz dele estava muito calma, como se ele tentasse acalmá-la também. — E eu quis dizer que vou conhecer seu pai um dia. Vai ficar tudo bem.

Ela ignorou o comentário de que ficaria tudo bem, porque nada parecia bem, e o encarou.

— Por que você vai conhecer meu pai um dia?

Chase a fitou como se ela é que não estivesse entendendo nada agora.

— Porque estamos ligados. — A mão dele ainda estava no ombro dela. E por mais que ela quisesse negar, isso lhe dava algum conforto. Mas perceber isso aumentava um pouco mais seu tumulto emocional.

Della revirou os olhos para ele da maneira como Miranda fazia.

— Você é pirado. E eu não me dou bem com pirados! — Ela apontou o dedo para ele. — Depois que eu sair, pare o carro a algumas quadras daqui e nem pense em bisbilhotar.

Em seguida, abrindo a porta do carro, e sem nenhum plano sobre como lidar com todas aquelas questões — Chase ou as dúvidas com relação à foto de Natasha —, ela andou até a porta da tia.

Lembrou-se de um conselho que alguém tinha lhe dado uma vez. Finja até que seja verdade.

Ela esperou até o Camaro azul de Chase desaparecer rua abaixo para tocar a campainha. E quando ouviu alguém andando em direção à porta, teve vontade de sair correndo como um cãozinho assustado. Parecia que até mesmo fingir exigia uma certa dose de confiança. Pelo visto, já não lhe restava nenhuma.

Justamente quando ela estava concluindo que tinha sido péssima ideia ir até ali, a porta se abriu.

— Della? Oh, meu Deus, Della Rose! Você veio me visitar. — A tia saiu e abraçou-a antes que ela pudesse evitar.

— Oh, meu Deus! Você está congelando. Onde está o resto da família? — perguntou a tia, olhando por cima do ombro de Della, como se esperasse ver o pai, a mãe e a irmã dela.

— Estou sozinha — Della se forçou a falar. E essas palavras ecoaram dentro dela. Fazia muito tempo que ela “estava sozinha”.

— Então, você ainda está naquela escola?

Naquela escola. Della assentiu com a cabeça e se perguntou o que teriam contado à tia. Se, como o pai, ela achava que Shadow Falls era um acampamento para adolescentes problemáticos ou se ele havia dito outra coisa a ela.

— Bem, entre e saia desse frio.

Della entrou. Ela nem tinha percebido que o clima tinha esfriado até que o calor da casa a envolveu. O ar estava tão quente que parecia até espesso.

A decoração vermelha e dourada da casa estava exatamente igual à de um ano atrás. Sempre lembrava a Della um restaurante chinês, mas era agradável. Havia ainda um enorme aquário de peixes de água salgada perto da porta de entrada.

Della observou um grande peixe amarelo nadar pelo aquário, e depois respirou fundo na esperança de acalmar os nervos. Ela sentia o cheiro, e quase o gosto, de molho de soja. Como em sua própria casa, quando o pai ia para a cozinha ou a mãe fazia algum prato oriental para agradá-lo.

— Olhe pra você! — exclamou a tia Miao, examinando-a de cima a baixo. — Tão crescida! Tudo tem andando bem, de um ano para cá, desde a última vez que a vi?

— Acho que sim — disse Della.

A tia sorriu, mas o sorriso não apareceu em seus olhos. Della recordou quando os sorrisos dela chegavam aos olhos castanhos e vinham acompanhados de uma leve risada. Isso tinha sido antes da morte de Chan — a forjada.

Por alguma estranha razão, Della recordou-se da tia no funeral dizendo que não podia acreditar, que Chan não estava morto, e que uma mãe saberia.

Será que ela sentia isso agora? Será que ela sentia que Chan realmente não estava mais vivo? Della sentiu o ar preso nos pulmões.

Só por causa disso, Della se sentiu culpada novamente. Ela estava viva e Chan tinha morrido. E o sujeito que tinha feito aquela escolha estava esperando no carro. Ela tinha que parar de culpar Chase, mas talvez não tivesse superado completamente a culpa.

— Você finalmente tem peitos, mocinha! — comentou a tia.

— É um sutiã com enchimento. — Della tentou brincar também, mas o bom humor logo se dissipou quando ela percebeu quanto sentia falta da tia. Quanto sentia falta da sua antiga vida.

— Não pode ser tudo enchimento! — disse a tia. E então seu sorriso desapareceu. — Tem algo errado? Todo mundo está bem, certo?

— Sim. Eu apenas... — Ela tinha que pensar rápido. — Eu estava... minha classe foi ao Museu do Funeral. Sabe? Aquele museu maluco cheio de caixões, pessoas embalsamadas e toda aquela baboseira.

— Ah, meu Deus, mas que tarde mais alegre! — brincou ela. — Para que matéria?

— Ciências. — Ela realmente deveria ter inventado uma mentira melhor, mas era o único museu de que Della conseguia se lembrar por ali.

— Eu queria que Meiling estivesse aqui para ver você. Ela está na biblioteca estudando com as amigas.

— Eu sinto muito, também — disse Della, mas ela não sentia. Precisava falar com a tia a sós. — Percebi que estávamos perto da sua casa e pedi para um colega que estava de carro me trazer para que eu pudesse dizer olá.

— Bem, mande a sua amiga entrar.

Seu amigo. Então Della decidiu que era melhor deixar a tia presumir que fosse uma amiga.

— Ah, não. Ela não para de falar no celular. Facebook e essas coisas.

— As crianças são assim hoje em dia. Eu me recuso a permitir que Meiling leve o dela para a mesa de jantar. As famílias precisam conversar. — Um toque de tristeza encheu sua expressão. Della sabia que a tia estava pensando em Chan.

— Tem razão — Della concordou, mas conversar sobre algumas coisas não era fácil naquela família —, especialmente se tivesse alguma coisa a ver com o passado. Ela tentou pensar num jeito de trazer à tona o assunto de Natasha.

— Vou fazer um chá — disse a tia.

Eu não tenho tempo para nenhum chá!

— Só posso ficar uns minutinhos — avisou Della.

A tia foi para a cozinha e ela a seguiu.

— Só uma xícara. — De repente a tia olhou para a saída do aquecedor, junto ao teto. — Eu juro que meu aquecedor está ligado no máximo. Acabei de verificar.

Della sentiu, então. O calor no ambiente tinha desaparecido, um ar gelado tomara conta da casa, mas não o tipo normal de frio.

Um frio mortal. Não faça nevar. Não faça nevar!

Enquanto Miao se afastava para ajustar o termostato do aquecedor, Della murmurou baixinho:

— Então, você é minha tia, Bao Yu? — Dizer o nome dela fazia com que aquilo de alguma forma parecesse mais real.

Nenhuma resposta. E foi aí que ela viu. Como uma mancha num vidro, algo cintilando a alguns metros dela. Lentamente, o brilho tornou-se visível e o fantasma apareceu. Embora ela estivesse de costas para Della, olhando na direção de Miao, Della a observou.

Havia algo familiar no modo como o cabelo preto do espírito caía sobre os ombros. No formato da cabeça. Na curva do pescoço.

A emoção fez o sangue correr mais rápido nas veias de Della.

— Natasha? — perguntou Della. Lágrimas se formaram em seus olhos e seus joelhos enfraqueceram. Holiday estava certa. Natasha estava morta.


Capítulo Trinta e Quatro

— Você disse alguma coisa? — a tia perguntou ao voltar, sem nem reparar no espírito, e por uma boa razão. Ela, obviamente, não podia vê-lo.

O espírito se virou e olhou para Della. O pânico da vampira desapareceu quando ela viu o rosto do fantasma. Ela agarrou o encosto de uma cadeira para se firmar. Não era Natasha. Era a tia. O rosto era o mesmo que ela tinha visto no anuário do seu pai. O mesmo rosto da visão, todo coberto de sangue. Mas as semelhanças entre ela e Natasha eram muito grandes para ser apenas uma coincidência.

Nesse instante, Della soube qual era a mentira que Natasha tinha mencionado em seu diário. Ela tinha sido adotada. E também soube qual era a ligação entre o fantasma e Natasha. Eram mãe e filha.

Natasha era sua prima.

Mas como podia ser possível? Sua tia mal tinha saído da adolescência na época em que Natasha tinha nascido. Della rapidamente fez as contas, calculou as idades e percebeu que a tia talvez tivesse 15 ou 16 anos.

Mostre a ela. As palavras do fantasma pareceram ecoar pela casa, mas Della percebeu que só ela podia ouvi-las.

Mostrar o quê? Então Della de repente soube. Enfiou a mão no bolso para pegar a foto.

— Eu... Chan deu isso para mim. — Era mentira, mas o que mais ela poderia dizer? A verdade certamente não seria suficiente.

A mão da tia tremeu quando ela pegou a foto. Sua respiração ficou mais rápida. Quando ela ergueu os olhos, eles brilhavam com as lágrimas.

— Eu procurei esta foto. — A tia piscou várias vezes e depois engoliu.

— Ela é minha prima, não é? — perguntou Della.

A tia confirmou com a cabeça, em seguida voltou o olhar para a foto. Lentamente, correu o dedo pela imagem de Chan e, então, de Natasha.

— Sim. Eu... — Ela piscou e algumas lágrimas deslizaram dos seus cílios pretos. — Ela apareceu um dia aqui e eu soube que era minha sobrinha antes mesmo de ela falar. Ela é muito parecida com a mãe. — A voz da tia tremeu um pouco. — Eu tive que dizer a ela. Dizer a verdade. Ela chorou e eu chorei com ela.

Bao Yu se aproximou. Que verdade? Peça para que conte a verdade.

— O que disse a ela, tia Miao? Qual é a verdade?

— Que a mãe... morreu. Mas Bao Yu a amava. Ela só a colocou para adoção porque nossos pais não aceitaram a gravidez. Eram muito conservadores. E os pais do pai nem sequer aceitaram que a criança era do filho deles. Ela não teve escolha. Foi obrigada a entregá-la para adoção. Disseram que a criança iria para uma família oriental. Que iriam amá-la.

Eu queria ficar com ela. A voz do fantasma era de desespero. Eu chorei tanto quando a levaram de mim. Era o meu bebê. Meu!

Outra pergunta estava na ponta da língua de Della. Ela precisava perguntar, precisava saber.

— Como? Como foi que Bao Yu morreu?

A tia fechou os olhos.

— Ela foi morta. E agora Natasha também se foi. Assim como Chan. Por que a vida nos dá algo tão precioso e depois nos tira?

Natasha não está morta, Della disse a si mesma, e lutou para acreditar.

— Como? Como ela morreu?

— Disseram que foi num acidente de carro. Foi apenas há um mês.

— Não, não Natasha. Como Bao Yu morreu? — A temperatura na sala ficou mais fria. Até a pele de Della ficou arrepiada.

Sua tia Miao cruzou os braços por causa do frio e, se sua expressão era alguma indicação, por causa da lembrança da morte de Bao Yu também.

Olhando por cima do ombro da tia, Della viu Bao Yu parada ali perto, escutando. Quase como se precisasse de uma resposta, tanto quanto Della.

— Eu não sei — disse Miao.

Mas Della ouviu seu coração revelar que as palavras eram uma mentira.

— Eu acho que sabe, sim — disse Della. — Conte. Por favor.

— Não. Essa história não precisa mais ser contada. Há coisas que é melhor simplesmente esquecer. — Ela olhou para Della como se implorasse para a sobrinha aceitar isso.

Della recordou os testes de gravidez que seus pais tinham insistido para que ela fizesse. Será que na época o pai tinha pensado na irmã dele?

— Parece o meu pai falando, e eu acho que ele está errado. Porque você não esqueceu de fato, e nem ele.

— Ah, meu Deus! — A tia apertou os dedos nos lábios trêmulos. — Seu pai vai ficar com muita raiva se eu lhe contar isso!

Della queria insistir, dizendo que ela não tinha contado nem perto do suficiente, mas seus instintos lhe diziam que isso só iria perturbar mais a tia e não iria garantir que ela tivesse mais informações.

— Meu pai não precisa saber — disse ela. — Eu não vou contar a ele nem mesmo que estive aqui. Será o nosso segredo.

A tia pareceu suspeitar da proposta de Della, mas assentiu com a cabeça.

— Me conte o que aconteceu!

— Não, eu não posso. Já contei demais. — A tia ergueu as mãos. — Não vamos mais falar sobre o passado. Chega!

Della sentiu o calor que saía da ventilação acima. Ela olhou por sobre o ombro de Miao e a imagem do fantasma tinha evaporado, assim como o frio.

— Deixe-me pegar o chá — disse a tia, secando as lágrimas ainda em seu rosto. — Nós ainda podemos conversar...

— Me desculpe, eu não tenho tempo, eu... acho que já tenho que ir.

A tia olhou para a fotografia em suas mãos.

— Posso ficar com isto?

Della quase disse não, mas teve a nítida sensação de que era o que Chan gostaria.

— Claro. — Della começou a andar para a porta e a tia a seguiu. Certa de que ela tentaria abraçá-la outra vez, Della rapidamente pegou a maçaneta e já estava abrindo a porta quando sentiu uma mão em seu braço.

— Eu sinto sua falta, Della.

Um nó surgiu em sua garganta.

— Sinto sua falta também, tia.

— Então conserte o que quer que esteja errado na sua vida e volte para a casa dos seus pais. Você pertence a eles, e não àquela escola. Você é uma boa menina. Eu sei disso no meu coração. Então conserte isso.

Não é algo que possa ser consertado. Della arrumou a postura e disse mais uma mentira.

— Eu estou me esforçando.

* * *

— Conseguiu alguma coisa? — perguntou Chase quando Della saltou para dentro do carro.

— Vamos embora — disse ela, o coração acelerado, olhando para trás, para ter certeza de que a tia não a tinha seguido até o jardim. Della teria ouvido, mas ainda assim quis se certificar. Então sentiu o suor cobrindo a testa. Nem conseguia se lembrar da última vez que tinha transpirado!

Chase ligou o carro e desceu a rua. Então olhou para ela novamente quando acelerou o motor e engatou a segunda marcha.

— O que aconteceu?

As engrenagens em sua mente giravam enquanto ela pensava no que iria dizer. Ou quanto iria dizer. Será que não confiava nele?

— Agora eu sei qual é a ligação entre Natasha e eu.

— Qual? — Chase voltou os olhos verdes na direção dela.

— Ela é minha prima.

Ele franziu a testa e pareceu confuso.

— Isso é impossível. Vocês são apenas em quatro. Você e Marla, Chan e Meiling.

Ela estranhou o jeito como ele pronunciou o nome dos quatro com tanta familiaridade. Não, não foi o jeito como ele pronunciou, foi o fato de ele saber os nomes. Como ele sabia o nome da irmã de Chan?

Ocorreu a Della que Chan poderia ter dito a ele. Mas o primo teria dito o nome da irmã dela também? A vampira achava que não.

Della apenas olhou para ele.

— Como você sabe?

— Sabe o quê? — perguntou Chase.

— O nome deles?

Os olhos dele se arregalaram como se a pergunta o colocasse contra a parede. Ele olhou novamente para a rua.

— Estavam no arquivo — disse. — Então sua tia teve outro filho?

Ela ignorou a pergunta para fazer a sua própria.

— Que arquivo?

Ele trocou de marcha novamente. O motor do carro ronronou.

— O arquivo que eu chequei, sobre você e Chan. Assim como o arquivo que eu te mostrei sobre Natasha e Liam.

— Esse era um arquivo da UPF — disse ela.

— Sim, mas os arquivos do Conselho dos Vampiros são praticamente iguais.

Lá vinha ele de novo, a sensação de que sabia mais do que dizia a ela.

— Você ainda está com esse arquivo?

— Não — Chase disse, sem olhar para ela. — Depois que o caso chega ao fim, a gente precisa devolver o arquivo.

— O que mais ele dizia?

— Apenas coisas normais. Onde você morava, os nomes dos seus pais.

Algo não estava se encaixando, mas ela não sabia muito bem o quê.

— Então, se você sabia os nomes dos meus primos, por que não sabia que era minha tia quem ligou enquanto estávamos no armário?

Ele levantou uma sobrancelha e deu um meio sorriso.

— Quando estávamos no armário, minha mente estava concentrada em outra coisa.

Ela franziu a testa para ele. Em seguida, eureca! Seu cérebro descobriu o que a incomodava.

— Então, nesse arquivo que você tinha, havia a informação de que eu era de Shadow Falls.

— Sim.

Ela apertou os olhos.

— Então por que você foi se juntar àquela gangue? Você me disse que se juntou a ela enquanto procurava por mim e foi onde nos conhecemos.

Ele olhou para a frente e suas mãos apertaram o volante.

— Responda, droga! E olhe para mim quando responder!

Ele se virou e encontrou o olhar dela.

— O Conselho dos Vampiros sabia que você estava sendo enviada para aquela missão. Eles não queriam que eu entrasse em Shadow Falls no início, porque estavam com receio de que Burnett descobrisse quem eu era.

— Como? — perguntou ela.

— Como o quê? — Chase perguntou.

— Como você sabia que eu tinha sido designada para aquela missão?

Ele cerrou os músculos da mandíbula.

— Por que estamos falando sobre isso em vez de falar sobre como essa visita vai nos ajudar a encontrar Natasha e Liam?

— Porque eu preciso confiar em você para trabalharmos juntos.

Ele parou o carro numa área de estacionamento, desligou o motor e então bateu a mão no volante.

— Você não confia em mim? Eu te dei meu sangue, passei por aquela transformação com você, que doeu pra caramba, caso não se lembre, e lhe dei um pouco do meu poder. E você ainda acha que estou querendo te prejudicar?

Impelida pela raiva dele, ela contra-atacou.

— Eu não disse que você está querendo me prejudicar. Acho que você está escondendo coisas. Ou não está me dizendo coisas. E só para constar, eu não pedi para você se ligar a mim. Eu me lembro até de ter dito que não queria que você fizesse aquilo!

Ele rosnou, apertou o volante com as mãos, pressionou a cabeça no banco e fechou os olhos.

— Você é a garota mais teimosa...

— Não mais do que você! — ela sibilou. — Basta responder às minhas perguntas. Como sabia que eu tinha sido mandada naquela missão?

Chase virou a cabeça, soltando as mãos do volante.

— E você vai correndo contar para Burnett, certo?

Ela não via razão para mentir.

— Provavelmente.

Ele suspirou alto.

— Então, para ganhar sua confiança, eu tenho que trair o Conselho?

— Sim — disse ela.

Ele pareceu chocado quando Della deixou aquilo bem claro.

Ficou olhando para ela por um segundo como se estivesse decidindo se cedia à vontade dela ou não, e, em seguida, respondeu.

— Temos um espião na UPF. E antes que você pergunte, eu não sei quem é. E pelo que ouvi, ele não contou nada que fosse realmente prejudicial para a UPF.

Ela acreditou nele, não tanto sobre a parte do “realmente prejudicial”, mas sobre Chase não saber quem era o espião. Mas visto que ele estava finalmente respondendo às suas perguntas, ela tinha mais algumas.

— Qual era a sua missão comigo e Chan?

— Como assim? — ele perguntou.

— Qual era exatamente a sua missão? — Della repetiu, sua paciência se esgotando.

— Eu tinha que ficar de olho em você, tentar ajudá-la a passar pelo Renascimento.

— Então você foi enviado para se ligar a um de nós?

— Não, isso ficou totalmente ao meu critério. Eu estava lá para tentar fazer com que você mantivesse a sua força. Eu lhe disse que foi provado que aqueles que estão em melhor condição física têm uma taxa de sobrevida maior. Lembra que eu te fazia correr?

Ela assentiu com a cabeça.

— Agora tudo o que eu preciso saber é por que e quem?

— Por que e quem o quê?

— Por que você foi enviado e quem te enviou?

— Eu acabei de dizer que fui enviado para ajudá-la a passar pelo Renascimento.

— Então eles têm uma lista de todos os possíveis Renascidos?

A expressão dele ficou mais tensa com a frustração.

— Eu não sei se têm ou não... mas sei que sabem que são apenas algumas linhagens que levam aos renascimentos, talvez por isso eles tenham... — Ele passou a mão no rosto e então olhou para ela. — Você sabe tudo que a UPF tem?

Não, ela não sabia. Mas não estava satisfeita.

— Tem que haver uma razão para que o enviassem, Chase. Num mundo perfeito, talvez eles só se preocupassem com as pessoas. Mas este não é um mundo perfeito. E eu não acho que o Conselho dos Vampiros dê a mínima para algumas pessoas morrendo, a menos que seja em benefício próprio que eles se certificam de que elas não morram.

— Eles não são os monstros que você imagina. Os problemas entre o Conselho e a UPF são políticos. Não é porque o Conselho é do mal e a UPF é do bem.

Ela ouviu o que ele disse, mas estava muito ocupada tentando responder às próprias perguntas. De repente, uma resposta lhe ocorreu.

— Eles te mandaram para que eu fosse trabalhar para eles? Ou talvez para que eu fosse um dos seus espiões na UPF? É isso que eles realmente querem? O que eles pretendem?

— Eu já lhe disse que eles querem que você trabalhe para eles.

— Mas era o plano deles o tempo todo? Me salvar, em seguida, usar você para tentar me convencer a me tornar uma traidora?


Capítulo Trinta e Cinco

— Uma traidora? — perguntou Chase. — Então o Conselho dos Vampiros é terrível por perguntar se você quer trabalhar para eles? Que diabos você acha que Burnett vem fazendo desde que descobriu que eu sou um Renascido? O homem por quem você tem tanto respeito é um sacana por tentar me convencer a trabalhar para a UPF? Por falar nisso, por que diabos você acha que ele está trabalhando em Shadow Falls? Ou você não percebeu que muitos alunos estão trabalhando para a UPF? Ele está recrutando a nata dos sobrenaturais.

O argumento de Chase fez Della parar, mas só por um instante.

— Burnett se importa. Ele morreria por qualquer um dos alunos de Shadow Falls. E ele não resolveu se dedicar ao acampamento só para que tivesse acesso aos alunos.

— Ah, eu tenho certeza de que isso nunca passou pela cabeça dele! — disse Chase com sarcasmo.

Della se inclinou para mais perto dele.

— Acontece que eu sei que ele agiu contra a UPF e suas regras para proteger alguém. Ele colocou seu trabalho em risco pela escola. E mesmo que você tenha razão em dizer que ele superprotege seus agentes, por que acha que faz isso? — Ela espetou o peito dele com o dedo. — Não poderia ser porque ele se importa?

— E se ele não for o único? — Chase retrucou.

— O Conselho dos Vampiros não se importa.

Ela foi cutucá-lo novamente, mas ele pegou o dedo dela, com os olhos brilhantes. Chase se inclinou, Della pensou que ele despejaria a sua raiva sobre ela novamente, mas estava enganada.

— Eu não estava falando sobre o Conselho. Estava falando de mim.

Os lábios dele encontraram os dela num beijo com gosto de raiva, paixão... e, humm, ele tinha um gosto bom...

Muito bom.

Ele soltou o dedo de Della e com uma mão segurou a nuca, enquanto a outra envolvia a parte de trás de sua cabeça. A mão de Della caiu sobre o peito dele.

O beijo se aprofundou e o mesmo aconteceu com a confusão de Della.

A língua dele deslizou entre seus lábios. E ela permitiu. Deu-lhe as boas-vindas. Por fim, recuperando a razão, ela se afastou.

— Você não pode simplesmente me beijar para não responder!

— Sério? — Ele a puxou mais para perto e beijou-a novamente.

E, dane-se, ela deixou.

E finalmente o empurrou para trás.

— Responda — exigiu Della, mas sem tanta convicção.

Chase sorriu para ela.

— Eu esqueci a pergunta.

Ela queria tirar aquele sorriso da cara dele, especialmente quando percebeu que tinha esquecido a pergunta também.

Ele passou um dedo sobre os lábios dela, e o jeito sexy com que fez isso indicava que ele estava prestes a beijá-la novamente. Ela agarrou o dedo dele dessa vez.

— Por que você não marcou um encontro comigo e com o Conselho dos Vampiros?

— Eu marquei. Vamos para lá antes de ir ao aeroporto pegar Damian Bond.

— Por que não me disse?

— Eu ia dizer, mas, desde que você apareceu na minha casa hoje, tudo que eu pensei foi em levar você para ver a sua tia. — Ele puxou o dedo e tocou o queixo dela.

— Agora você vai responder às minhas perguntas?

— Que perguntas?

— Natasha é irmã de Chan?

— Não — disse Della, decidindo contar a verdade. — O fantasma é mãe de Natasha. Ela entregou Natasha para adoção.

— Então você tinha outra tia?

— Pelo jeito, o Conselho não tinha essa informação no seu relatório, hein?

— Acho que não — disse ele, parecendo preocupado. Ela quase perguntou se Chase sabia sobre o tio dela. A pergunta estava na ponta da língua.

— Como a mãe de Natasha morreu?

— Ela foi assassinada — disse Della, mas não teve coragem de dizer mais nada.

Perguntas e preocupações rapidamente começaram a se acumular na cabeça de Della.

— Se Chan e eu éramos Renascidos, isso significa que Natasha também será?

— Não é uma certeza, mas as chances são de cinquenta por cento.

Della começou a pensar em outras possibilidades.

— Ouvi dizer que, em famílias que carregam o vírus, as chances de uma pessoa se transformar são, na verdade, de cem por cento. E só quando são bem jovens. — Era por isso que Della não tinha realmente se preocupado com a irmã. — As probabilidades de ser transformada sobem se a pessoa pertence a uma das linhagens com mais propensão para o Renascimento? — Quando ele não respondeu imediatamente, ela perguntou: — Minha irmã e Meiling correm um risco maior de serem transformadas?

Ele assentiu.

— As estatísticas são de que um em cada dez membros das linhagens mais fortes é realmente suscetível a ser transformado.

— Então, o fato de eu estar perto da minha irmã ou da minha prima pode expô-las?

— A exposição só acontece através do sangue. Tal como o vírus HIV. Só estar com elas não vai fazê-las se transformar.

Della reclinou-se em seu banco e tentou digerir o que sabia.

— Ei! — ele disse, tocando o ombro dela. — Não se preocupe com coisas que não aconteceram. Vamos nos preocupar em salvar Natasha e Liam agora.

Della olhou para ele e, sabendo que estava certo, assentiu com a cabeça. Chase falou de novo.

— Você disse que sentia como se o fantasma quisesse que você visitasse sua tia. Descobriu alguma coisa que possa ajudar?

Ela refletiu sobre tudo o que tinha descoberto.

— Eu acho que não. — Olhou para Chase e ofereceu um pouco mais da verdade. — Acho que tem outra coisa.

— O quê?

— Ela quer que eu descubra quem a matou.

— Certo... — disse ele, parecendo desconfiado. — Você acha que sabe quem fez isso?

Ela olhou para Chase e refletiu se devia contar. Quase contou, então se deteve. Estranhamente, não foi porque ela não confiasse nele, mas porque ele já tinha um certo preconceito com relação ao pai dela. Ela não precisava que ele ficasse supondo o pior agora.

— Podemos apenas tentar encontrar Natasha e Liam?

— Ok — ele disse, mas sua expressão dizia que não tinha gostado. — O que você quer fazer? Aonde quer ir?

— Voltar para o Uck’s — disse ela.

— Você ainda acha que o lobisomem que farejou no restaurante tem algo a ver com Natasha?

— Acho — disse ela. — E o fantasma também. Foi por causa dele que eu descobri que eram os lobisomens que Jason Von mais temia ontem à noite.

— Então é para o Uck’s que nós vamos. — Ele estendeu a mão novamente e colocou uma mecha do cabelo dela atrás da orelha. — Nós vamos resolver isso.

— Resolver o quê?

— Tudo — disse ele. — Natasha e Liam. Você e eu.

O coração dela deu um salto, e tudo que conseguiu fazer foi concordar com a cabeça.

Chase ligou o carro e, por alguma razão maluca, ela ouviu a voz de Steve em sua cabeça.

Me prometa que, antes de se apaixonar por Chase, você vai se lembrar de que eu amei você primeiro.

Em seguida, ela ouviu a voz de Holiday. Basta ter cuidado.

Ah, droga. Será que ela ia realmente se apaixonar por Chase?

Ela ligou para Burnett e disse que voltaria para Shadow Falls dali algumas horas para lhe passar um relatório completo. Ele começou a interrogá-la por telefone, mas ela insistiu que falaria mais tarde. Ele não ficou feliz, mas aceitou depois que ela disse exatamente para onde estavam indo. Ele, obviamente, achou que não havia nada com que devessem se preocupar no Uck’s, mas não se importou que eles fossem até lá.

O que chateava Della era que ele estava certo.

Eles não conseguiram nada no Uck’s. Mas como havia alguns vampiros lá, pediram duas Cocas e conversaram sobre coisas corriqueiras. Histórias sobre os pais e a irmã dele. Mas por alguma razão, isso não lhe parecia uma coisa corriqueira. Ela queria saber todas essas coisas.

Então ele perguntou sobre o passado dela. Querendo que Chase conhecesse o lado bom do pai dela, ela contou que eles jogavam xadrez e tinham até participado de algumas competições. Contou que o pai a levava para pescar. E da noite do jogo de Palavras Cruzadas, quando a família se reunia para jogar.

Foi em algum momento da conversa que ela entendeu por que o fantasma queria que ela lesse o diário. Quando você se preocupa com alguém, quer saber até das coisas mais insignificantes. Detalhes da vida dessa pessoa. Sua tia, Bao Yu, queria saber dos detalhes da vida da filha.

Eram quase nove horas quando Chase a deixou em Shadow Falls.

— Quer que eu vá com você falar com Burnett? — ele perguntou.

— Não. Pode deixar.

Chase olhou para ela.

— Você vai contar a ele sobre o espião na UPF?

— Eu tenho que contar — disse ela. — Você vai dizer ao Conselho que eu sei sobre o espião, para ele dar o fora de lá?

— Eu já contei, quando você foi ao banheiro, logo depois que chegamos ao restaurante.

Ela suspirou.

— Pelo menos estamos sendo sinceros.

— Trabalhar para grupos adversários não muda o que existe entre nós, Della.

Mas mudaria, ela sentiu. Só não sabia ainda como. E quando mudasse, não tinha ideia de como iria lidar com aquilo.

Mas esse era apenas parte do problema.

— Eu não tenho muita certeza do que está acontecendo entre nós — disse ela.

Chase se inclinou e beijou-a novamente. Ela só deixou que o beijo acontecesse por um segundo. Depois colocou a mão no peito dele e o empurrou para trás.

— Eu posso esclarecer pra você — disse ele. — Chama-se “ligação”. E é uma coisa poderosa. Nós pertencemos um ao outro agora.

— Eu tenho que ir. — Ela se afastou e deixou-o ali, sentado no carro. E ela o ouviu indo embora e sentiu o vazio que isso sempre lhe provocava.

Ela entrou e deu a Burnett o relatório completo. E quando contou sobre o espião na UPF, uma parte dela quase se sentiu desleal com Chase. Trabalhar para grupos adversários não muda o que existe entre nós, Della. Ela voltou a ouvir as palavras de Chase e, novamente, soube que ele estava errado.

Mal Della contou a Burnett sobre o espião, ele pegou o telefone para falar com alguém da UPF. Foi na mesma hora informado de que um de seus agentes já tinha esvaziado seu escritório e deixado uma carta de demissão.

— Viu por que eu disse que o Conselho dos Vampiros não é flor que se cheire?

Della recostou-se na cadeira.

— Você não tem agentes infiltrados, tentando conseguir informações?

— De que lado você está? — perguntou Burnett.

— Do lado da UPF — ela garantiu —, mas eu não tenho certeza se deveria haver dois lados.

— Diga isso ao Conselho dos Vampiros — ele retrucou. — São eles que se recusam a trabalhar com a gente.

Depois de alguns minutos ouvindo Burnett esbravejar, Della perguntou:

— Você não conseguiu mais nada sobre os corpos?

— Eles encontraram um total de vinte até agora.

— Ainda não foram identificados? — ela perguntou, quase com medo da resposta.

— Não.

Ela quase contou a ele que Natasha era sua prima. Só não fez isso porque sabia que ele iria descobrir que a tia dela tinha sido assassinada. Então, iria descobrir a ligação com o tio. Será que ela queria que ele descobrisse isso? Se o tio tinha assassinado a tia, ele não merecia ser descoberto? Sim, merecia, mas ela queria um pouco mais de tempo para encontrar suas próprias respostas antes que Burnett metesse a mão naquela cumbuca.

E não era porque ela pensasse que o pai era culpado.

Não, disse a si mesma, enquanto caminhava de volta para sua cabana. Quando ela olhou para cima e viu as estrelas, em vez de apreciar a noite, percebeu que um outro dia tinha se passado e Natasha e Liam ainda estavam presos.

Ou mortos. O pensamento passou pela sua mente e, por mais que ela quisesse negá-lo, uma parte dela temia que estivesse acreditando no que Bao Yu queria acreditar. E se a tia apenas se recusasse a acreditar que Natasha estava morta?

Chame de amadurecimento, ou fraqueza... Della não sabia; o fato era que ela finalmente aceitou que precisava pedir ajuda e apoio. Em vez de se trancar no quarto, foi até a geladeira, pegou três refrigerantes diet e esperou que suas duas melhores amigas voltassem para casa.

Cerca de quinze minutos depois, elas chegaram, cheirando a fumaça. Obviamente, tinham estado num dos encontros em volta da fogueira.

Quando entraram na cabana e se depararam com Della, e depois viram os refrigerantes diet, pararam de rir.

— O que aconteceu? — perguntou Kylie, e ambas as amigas tomaram seus lugares à mesa.

— Tudo — disse Della. Seus problemas davam voltas em sua cabeça e ela não tinha certeza se poderia resolver qualquer um deles. Impotência. Era isso o que ela sentia. Mesmo que agora soubesse muito mais do que jamais soubera.

Então ela começou falando a verdade, o que deveria ter feito semanas atrás. Ela não era mais um vampiro normal. Ela não contou a elas que Burnett era um Renascido, mas se recusava a guardar mais segredos das amigas.

Elas ficaram sentadas ali, olhando para ela, depois olharam uma para a outra, e em seguida Miranda disse:

— Conte algo que a gente já não saiba.

— Vocês sabiam? Como?

— Nós vimos você voando bem mais rápido do que o normal — disse Kylie.

— E, uma vez, você voou pela varanda sem nem precisar correr antes — Miranda acrescentou. — Nós estávamos nos perguntando quando você ia contar. Eu disse a Kylie que ia te dar uma semana, depois disso teríamos que te encostar na parede.

Della fez uma careta.

— Eu odeio que me encostem na parede.

— Por que você não contou pra gente? — perguntou Kylie, quase parecendo magoada.

— Burnett sugeriu que eu não contasse. Então vocês não podem contar para ninguém que sabem.

— O que acontece na mesa da cozinha fica na mesa da cozinha — disse Miranda, virando uma chave imaginária sobre os lábios. Kylie concordou com a cabeça.

— Agora diga o que há de errado — exigiu Kylie.

Della explicou toda a coisa da ligação — que ela não gostava de pensar que era real, mas temia que fosse.

Elas ouviram. Com um ar de pena. Mas não ofereceram nenhum conselho útil. Como poderiam? Não entendiam mais do que ela.

— Você não conseguiu nada mais do fantasma? — Claro, Kylie adivinhara que os problemas de Della tinham a ver com o fantasma.

Della contou o que Burnett tinha encontrado, e então que ela tinha ido ver a tia Miao. Sua voz tremeu um pouco quando ela disse como tinha sido difícil vê-la — alguém de quem ela tinha sido afastada porque os pais pensavam que a filha estava fazendo coisas horríveis. Ela tremeu um pouco quando contou às amigas o que Burnett tinha descoberto e no que agora acreditava.

Kylie apenas ficou sentada ali e não disse nada, mas Della podia perceber que ela concordava com Burnett.

Então ela contou que agora sabia com certeza que o fantasma era da tia Bao Yu, e que Natasha era sua prima.

— O mais louco — continuou Della — é que, quando eu perguntei à minha tia sobre a morte de Bao Yu, era quase como se o fantasma estivesse esperando para ouvir. Como se ela não soubesse o que aconteceu.

— Isso não é tão incomum — disse Kylie. — Especialmente se foi uma morte violenta. Eles criam um bloqueio para se proteger.

— Então, a visão que ela me fez ter pode não significar nada? — perguntou Della.

Kylie hesitou.

— Tem que significar alguma coisa. Talvez seja o que ela acha que aconteceu.

— Será que isso um dia vai ficar mais fácil? — Della murmurou.

— Nem um pouco — respondeu Kylie. — Cada fantasma representa um novo desafio.

Miranda se remexeu na cadeira.

— Não que eu queira mudar de assunto, mas... Bem, para falar a verdade, eu realmente não gosto de falar de fantasmas. Você nos contou sobre a coisa da ligação, mas... aconteceu alguma coisa com Chase esta noite? Algumas mãos ou narizes foram a lugares que não deveriam?

Della suspirou, e rosnou. Ela realmente não tinha planejado falar sobre aquilo, mas por que diabos não falar?

— Ele me beijou. Três ou quatro, talvez cinco vezes.

— Então, com ligação ou não... ele ainda é um sapo? — perguntou Miranda.

— Ele está perdendo as verrugas — Della admitiu.

Miranda olhou para as mãos e, em seguida, voltou a olhar para cima.

— Liguei para Shawn esta tarde.

— Você ligou?! — Kylie perguntou, chocada, até mesmo um pouco desapontada.

— Só conversamos. Eu disse a ele que você contou que ele tinha sido esfaqueado, e nós apenas conversamos. — Ela olhou para Kylie com lágrimas nos olhos. — Eu sinto como se tivesse enganado Perry.

— Você não enganou — Della logo disse. — Ele terminou com você. Ele por acaso te ligou pelo menos?

— Não — disse Miranda. — Mas por que eu me sinto culpada?

— Porque você é uma boa pessoa. — Della balançou a cabeça. — Não, retiro o que disse. Não pode ser isso. Porque eu me senti culpada, e eu não sou uma boa pessoa.

— Sim, você é! — garantiu Miranda, enxugando uma lágrima que tinha rolado pela sua bochecha. — Você é apenas mal-humorada às vezes. E um pouco durona demais. — Ela fungou. — E joga o sorvete das outras pessoas no chão.

Kylie deu uma risadinha.

Della apenas sorriu para Miranda.

— E eu vou fazer isso de novo se você ficar chorando pelos cantos e começar a se entupir de sorvete quando seu nariz começar a escorrer.

— Meu nariz não estava escorrendo — disse Miranda.

— Estava, sim! — disse Kylie. — Mas nós te amamos assim mesmo.

Socks, aparentemente com ciúme por não estar na conversa, pulou sobre a mesa. Della passou a mão pelas costas do gato e o ouviu ronronando. O felino então virou-se e começou a se esfregar em Della, dando beijoquinhas de gato.

— Você não devia deixar que ele te beijasse — disse Miranda.

— Você só está com ciúme porque ele me ama — disse Della, dando um beijo no gatinho.

— Não, não é isso. É porque eu vi quando ele matou um rato hoje.

— Cruzes! — Della colocou o gato no chão e elas começaram a rir.

Della foi para a cama se sentindo melhor, mesmo depois de ter sido beijada por um gato devorador de ratos. Sentindo-se melhor até o celular apitar anunciando a chegada de uma mensagem de texto às três da manhã. Ela se virou, pronta para descobrir quem iria matar no dia seguinte por atrapalhar sua primeira boa noite de sono em semanas.

Seus pensamentos foram para Steve. Ela pegou o telefone e, quando fez isso, viu a Smurfette sobre o criado-mudo, olhando para ela. Pronto! No mesmo instante, sentiu falta de Chase, e todos aqueles pequenos detalhes sobre a família dele que ela tinha descoberto na noite anterior inundaram sua mente. Confusa, ao ver que tanto Steve quanto Chase faziam seu coração bater mais forte, ela pegou o celular.

O número era anônimo, mas ela sabia de quem era a mensagem. Ela não ia matar ninguém.

Porque a pessoa que enviava a mensagem já estava morta.

A mensagem, escrita em letras maiúsculas e em vermelho, simplesmente dizia: ENCONTRE NATASHA!!!

— Estou tentando! — disse Della. Então se sentou na cama e ficou o resto da noite num quarto muito frio, tentando descobrir o que precisava fazer em seguir.

Às cinco da manhã, o celular apitou novamente. Não era o fantasma. A mensagem era simples. Sinto sua falta. Steve.


Capítulo Trinta e Seis

— Della? — O senhor Yates, seu professor de ciências, fez sinal para Della se aproximar da mesa dele na manhã seguinte.

Ah, droga! Será que ele ia chamar a atenção dela por ficar divagando e não prestar atenção na aula? Provavelmente. Mas Della dificilmente conseguiria pensar nos estudos. Seus pensamentos passavam do lobisomem fora da lei para Damian Bond, depois para a falta que sentia de Chase, mesmo que não tivessem se passado muitas horas desde o último encontro, e por fim para a constatação de que uma parte dela ainda sentia falta de Steve.

Então havia a questão da reunião do Conselho dos Vampiros. Será que ela descobriria alguma coisa? Será que estava enganada ao pensar que o tio estava por trás do fato de Chase ter sido enviado para ficar de olho nela e em Chan?

E se estivesse, será que isso fazia com que ela não tivesse motivo nenhum para desconfiar dele? E se não tivesse, isso mudaria as coisas entre eles?

— Della? — chamou Yates novamente.

Della levantou-se, para fazer o que o senhor Yates tinha pedido, e ele acrescentou:

— Pegue seu material.

Seu material? Isso a fez se lembrar do dia em que tinha sido chamada na diretoria da sua antiga escola. Ela só tinha ido até lá uma vez, e não tinha sido por culpa dela.

Recolhendo o material, ela andou até a mesa do senhor Yates.

— Sim?

— Burnett quer ver você.

Ok, ela estava mais uma vez sendo chamada na diretoria. Mas esperava que não fosse porque tinha feito algo errado. Quando saiu, Miranda e Kylie acenaram para ela.

Todos os tipos de pensamento atravessaram a mente de Della quando ela deixou a sala de aula. E o pior deles fez com que Della quase perdesse o fôlego.

Será que tinham identificado um dos corpos como Natasha ou Liam?

Em menos de um minuto, Della chegou. A voz de Burnett ecoou do escritório de Holiday. Como a porta estava aberta, Della entrou sem bater.

— O que foi? — ela perguntou.

— Não é nada de mais — disse Holiday, captando instantaneamente as emoções de Della e se levantando como se quisesse lhe oferecer seu toque tranquilizante.

Della estendeu a mão, evitando o toque da amiga, pois queria lidar com o que quer que fosse sozinha.

Burnett, apoiado na mesa de Holiday, levantou-se.

— Eu só queria repassar o que vai acontecer hoje à noite no aeroporto.

Della soltou a respiração que estava presa.

— Ok. — Ela acabou de atravessar o escritório, se sentou no sofá e colocou os livros ao lado dela. Aquilo era mamão com açúcar.

— Eu vou com você. Nós encontramos Chase no aeroporto.

Ok, talvez não fosse com tanto açúcar assim, pensou Della. Ela e Chase tinham planos pré-aeroporto que envolviam uma reunião para conhecer o Conselho dos Vampiros, e ela sabia que Burnett iria se opor àquilo.

Ah, mais que inferno! A quem ela queria enganar? Ele faria muito mais do que se opor, ele ficaria possesso!

— Hã... por que Chase e eu não podemos cuidar disso sozinhos?

Burnett olhou para ela e franziu a testa do jeito que sempre fazia quando ia começar a discutir. O fato de ela conhecer as expressões que ele fazia antes de começar a discutir dizia muito sobre o relacionamento entre eles.

— Ele é um criminoso conhecido, com uma ficha de três páginas. Não vou enviar dois dos meus melhores agentes sozinhos para buscá-lo. Estarei lá, bem como um outro agente, para dar retaguarda.

O tom de voz de Burnett lhe dizia que ele não iria ceder.

— Tudo bem, mas vou de carro com Chase. Ele vai me pegar por volta das quatro da tarde.

— O avião só pousa às nove da noite.

— Eu sei — disse ela, sem explicar mais nada.

— Então...? — ele perguntou.

Ela sabia que aquele “então” significava “que diabos vocês estão planejando fazer até lá?”, mas ela fingiu que não tinha entendido. Se ele queria saber, teria que perguntar. Não que ela fosse contar. Ela não podia.

— Então eu acho que nós vamos encontrar você no aeroporto por volta das oito, ou mais cedo. Só me diga onde você quer que seja o ponto de encontro.

Ele franziu a testa.

— Não sei exatamente como dizer isso, mas eu não aprovo Chase.

Della sabia para onde a conversa estava se encaminhando, mas não tinha planejado o que fazer a respeito.

— Eu sei que você não aprova. Mas... eu, sim.

Burnett recostou-se novamente contra a mesa de Holiday, que se levantou e deu a volta para ficar quase entre eles. Sem dúvida, a fae podia sentir o clima ficando tenso. Ela provavelmente sabia que isso ia acontecer antes mesmo de Della chegar. E aquele olhar nos olhos dela, quase implorando desculpas, dizia a Della para que se preparasse — aquela conversa não seria fácil.

— Eu não confio nele — disse Burnett. — E, se bem me lembro, você também não confiava muito no começo.

— Eu sei, mas trabalhei com Chase durante todo esse tempo e vi um outro lado dele. Além disso, eu me lembro de que Holiday no começo também não confiava muito em você.

Burnett fez uma careta.

— Quer dizer que agora você está comparando você e Chase com Holiday e eu? — Ele virou-se para a esposa. — Pensei que você tinha dito que não havia nada de romântico acontecendo...

Holiday balançou a cabeça.

— Não, eu disse que ela garantiu que eles não estavam fazendo sexo.

Della bufou.

— Estou feliz que vocês dois fiquem falando sobre a minha vida sexual.

Burnett voltou a olhar para Della.

— Então, você está emocionalmente envolvida com Chase?

Ela quase negou, mas depois não conseguiu.

— Mais ou menos. — E, em seguida, na defensiva, acrescentou: — Foi você quem me designou para trabalhar com ele.

— Isso foi antes de eu saber que ele trabalhava para o Conselho e tinha informações sobre um espião na UPF.

— Para começo de conversa, foi ele mesmo quem me contou isso.

— Ele deveria ter nos contado isso há muito tempo.

Burnett ficou em silêncio e, como ela já tinha visto suas técnicas de interrogatório, sabia que ele costumava fazer isso para pressionar. E se essa era ou não a intenção dele, tinha funcionado. Ela se sentia pressionada. Mas não iria ceder. Precisava conhecer o Conselho.

— Você me designou para trabalhar neste caso com ele e eu pretendo terminar este caso com ele.

— E depois? — Burnett perguntou.

E depois? A pergunta deu voltas na cabeça dela e no coração.

— Eu não sei.

Burnett passou a mão no rosto.

— Bem. Mas existem algumas coisas que você precisa saber daqui por diante.

Della assentiu com a cabeça. E ela viu a expressão séria de Holiday, como se a fae soubesse o que vinha pela frente.

— Depois deste caso, se você continuar a ver Chase, sua carreira na UPF acabou.

Della sentiu o golpe como um soco no estômago. A dor subiu para a garganta e a apertou. Ela sabia que teria que enfrentar a fúria de Burnett por causa de Chase, mas não esperava isso.

Todas as suas esperanças, os sonhos que ela tinha se empenhado tanto para concretizar desde que chegara a Shadow Falls, seria tudo cortado pela raiz.

— Você faria isso? — perguntou, se esforçando para não chorar.

— Não. — A total sinceridade aprofundou a voz de Burnett e ele balançou a cabeça. — Mas a UPF vai.

Ela olhou para cima, com medo de que uma lágrima caísse.

— Então eu acho que, depois que este caso estiver terminado, eu tenho uma escolha a fazer.

Deixando claro que planejava encontrar Chase, ela se levantou para ir embora. Burnett pegou o braço dela.

— Não me obrigue a fazer isso, Della.

Odeie a mensagem, não o mensageiro, dizia seu coração. Esqueça que o mensageiro sabia quanto ela queria isso. Que desde que começara a trabalhar no seu primeiro caso com a UPF, Della sabia que era aquele trabalho que queria fazer pelo resto da vida.

— Eu acredito em você — disse ela, mas não podia negar que doía muito. Ela se afastou de Burnett e saiu da cabana. Tinha muito em que pensar.

O celular de Della sinalizou a chegada de uma mensagem de texto quinze minutos antes das três. Chase tinha chegado mais cedo. A mensagem dizia que ele iria esperar por ela no carro. Será que ele sentia que não era bem-vindo em Shadow Falls? Burnett o teria confrontado?

Della sabia que o líder do acampamento era bem capaz disso.

Ela atravessou o portão de Shadow Falls e viu Burnett olhando pela janela. Sua respiração ficou presa diante da visão dele. Então ela viu Holiday aparecer ao lado do marido. Provavelmente para tocá-lo para que ele se acalmasse. Talvez tivesse sido melhor se ela tivesse deixado Holiday tocá-la também.

Della tentou não se sentir culpada por decepcionar Burnett, mas não conseguiu. Ela tentou não ficar com raiva, mas não conseguiu também. Como Burnett se sentiria se fosse chantageado para que virasse as costas para alguém?

Alguém com quem ele se importasse.

Alguém que poderia muito bem vir a ser uma parte da sua vida para sempre.

E, sim, era assim que ela se sentia com relação a Chase. Uma parte dela acreditava que os laços entre eles não poderiam ser cortados. A outra parte queria pegar uma tesoura.

A visão de Chase de pé ao lado do carro, olhando para ela, acabou com sua tristeza por decepcionar Burnett, mas não fez grande coisa para acabar com a sua raiva.

De óculos de sol, Chase parecia imperturbável em sua calça jeans e camisa de mangas compridas verde-clara. Mesmo com os óculos, ela sentia o toque do olhar dele. Atraindo-a para si, captando suas emoções, necessitando-a.

Ele precisava dela.

Ela realmente não tinha percebido isso antes, mas notava agora. Ele precisava dela. O sentimento fez a dor no meio do seu peito se espalhar.

— Alguma coisa errada? — Chase andou em direção a ela.

Então Burnett não tinha falado nada para ele.

Quando ele estendeu a mão, ela se afastou e continuou andando até o carro.

— Della? — Chase chamou.

A vampira olhou para ele.

— O que não está errado? — perguntou ela, tentando evitar ao máximo falar com ele. Ou tentando decidir se precisava dizer a ele.

— Eu poderia citar algumas coisas — disse Chase, se aproximando. — O céu está azul. Não está chovendo. Vamos dar uma volta com a capota arriada e eu tenho elásticos de cabelo. Mais tarde, vamos pegar um lobisomem filho da mãe, que eu acho que vai nos levar até Liam e Natasha. E acima de tudo... você... E, exceto pelo fato de que parece chateada, está mais sexy do que nunca.

O olhar dele baixou.

— Por sinal, adoro esse jeans. Você o estava usando da primeira vez em que te vi em Shadow Falls. — Ele parou por um segundo e ergueu os olhos. — E eu vou passar a tarde toda com você.

Ele se aproximou um pouco mais e passou um dedo pelo rosto dela.

— E isso, senhorita Tsang, é o que não está errado.

Della pegou o dedo dele.

— Por que você está sempre tocando o meu rosto?

Chase sorriu.

— Porque outras partes ainda não estão liberadas para mim.


Capítulo Trinta e Sete

Della rosnou para ele e pulou dentro carro. Mas seu rosto formigava onde ele a tocara. Chase contornou o carro, abriu a porta e, com agilidade e estilo, sentou-se no banco do motorista.

— Ei, tive uma ideia! Por que você não dirige?

— Não — ela disse.

— Está com medo?

— Medo de não conseguir? Não. Medo de levar outra multa? Sim.

Ele ficou olhando para ela e então se recostou no banco e baixou os óculos para olhar diretamente nos olhos dela.

— Alguma coisa errada?

— Você já perguntou isso uma vez.

— É, perguntei, não foi? — Chase disse sarcasticamente, recolocando os óculos no lugar e cruzando os braços. — Mas eu não me lembro de você ter respondido.

Della olhou para a porta e imaginou Burnett saindo da cabana.

— Vamos dar o fora daqui — disse ela.

— Não até que você me diga o que está errado.

— Vamos indo e eu te conto no caminho. — Ou talvez não.

Ele ligou o carro e o motor ronronou, alto, suave e potente. Ele dirigiu para a rua.

— Comece a falar — mandou ele, a voz só ligeiramente mais alta do que o ronco do motor e o vento. Graças à superaudição dos dois, a conversa aos sussurros não era impossível.

— Burnett e outro agente vão nos encontrar no aeroporto.

— Isso não me surpreende. O Conselho vai enviar outro agente também. Esse Damian pelo visto é barra-pesada. — Ele olhou para ela. — Você está preocupada com a reunião do Conselho?

— Um pouco — admitiu ela, achando que assim não seria obrigada a explicar todo o resto. E era verdade. Ela não tinha a menor ideia de como iria arrancar informações deles. Se o tio não estivesse naquele Conselho, ela não sabia como faria para perguntar se eles o conheciam. Não, Della percebeu, o que ela precisava perguntar era por quê. Por que eles tinham enviado Chase para ajudá-la e ajudar Chan? Alguém estava por trás disso, não estava?

— Se você sabe lidar com Burnett, sabe lidar com o Conselho. Não vai ser problema.

E esse era o problema. Ela não sabia lidar com Burnett. A conversa daquele dia era uma prova. O problema não era Burnett, lembrou, era a UPF. Ela não tinha ideia de como lidar com eles.

— Nosso encontro é só às cinco e ainda falta um pouco. Quer fazer hora na minha casa?

— Para quê? — ela deixou escapar antes de perceber que tinha falado como uma garotinha assustada. Mas ela estava assustada, não estava? Não estava pronta para o que ele podia ter em mente. Ou talvez ele não tivesse nada em mente, mas agora provavelmente achava que ela tinha.

— A gente podia sentar na varanda e observar os pássaros — disse Chase, sorrindo levemente.

Ele estaria tirando sarro dela ou tentando fazê-la pensar que ele não tinha mais nada em mente? Com seus óculos cobrindo os olhos, ela não podia dizer com certeza. Mas tirando os beijos, algumas brincadeiras sexies e o armário — ela não poderia culpá-lo —, ele não tinha tentado fazer nada de mais.

Ele não está me pressionando para fazer sexo. Della se lembrou de ter dito isso a Holiday, e ainda acreditava em suas palavras.

— Tudo bem — disse ela. — Vamos observar os pássaros.

Tudo transcorreu bem. Eles foram para a casa de Chase e se sentaram na varanda da frente. Ele trouxe para ela um copo de sangue O negativo. Estava fresco e picante. Talvez o melhor sangue que ela já tinha provado.

Ficaram sentados ali fora por um tempo sem se falar. Não era um silêncio desconfortável, era tranquilo. Baxter se juntou a eles. De vez em quando, ele cutucava a perna dela com o focinho para que ela fizesse carinho nele. E por um instante, Della se permitiu esquecer o encontro com o Conselho, esquecer a conversa com Burnett.

Vários pássaros pousaram e voltaram a levantar voo. Chase disse a ela o nome de cada um deles. Ela quase riu quando percebeu que ele realmente era um observador de pássaros. Então, caramba! Della percebeu que gostava daquilo também. Miranda iria soltar rojões quando soubesse.

Então a mente de Della a levou de volta para o dia em que ela estivera ali antes. Quando um certo pássaro chamado Steve apareceu.

Não que ela temesse que um dos pássaros fosse ele agora. Steve estava em Paris. E por alguma razão, isso fizera com que ficasse mais fácil se aproximar de Chase. Longe dos olhos, longe do coração.

Não é bem assim, contestou o coração dela. Ela tinha pensado nele. E tinha que admitir que estava ainda mais confusa com relação ao que sentia, também.

Não, isso não era exatamente verdade. Ela sabia o que sentia por Steve. Apesar de estar zangada com ele, por se aproximar dela mesmo sabendo que estava prestes a partir, Della ainda se importava com ele. Gostava dele. Gostava muito. Se sentia atraída por ele.

O que a confundia era que sentia tudo isso por Chase, também.

E mais.

Era a parte do “mais” que a assustava. Antes, ela podia comparar o que sentia por Lee ao que sentia por Steve. A mesma atração. O mesmo tipo de desejo. Mas o que ela sentia por Chase não podia ser comparado a isso. Parecia maior. Mais intenso. Mais poderoso. E ela se sentia mais vulnerável por causa desses sentimentos. Muito mais do que se sentia com Steve.

Seria a ligação? Ela não gostava de pensar que sim, porque não queria que nada tivesse controle sobre ela. Mesmo que, às vezes, a ideia de ceder parecesse muito tentadora.

Chase se levantou da cadeira e ficou na frente dela. Colocou os óculos de sol na cabeça e, em seguida, puxou-a para que ela se levantasse. Deslizou as mãos em volta da cintura dela, e seus dedos ficaram ligeiramente abaixo da camiseta. Inclinou-se para a frente e encostou a testa na dela.

— O que você disse antes? — Os polegares de Chase tocaram a pele nua da sua cintura e ela se perguntou como um simples toque podia parecer tão bom.

— Sobre o quê? — Della perguntou e se afastou um pouco. Ela sabia aonde aquela conversa iria dar. E simplesmente não queria continuar.

— Eu não teria tocado no assunto, mas depois do que você disse...

— Então vamos esquecer o que eu disse.

— Olha, Della, eu não vou negar que, por mais que eu goste deste jeans em você, eu adoraria tirá-lo, mas...

— Essa cantada eu nunca tinha ouvido... De que música brega você tirou? — Ela olhou para Chase.

Ele franziu a testa.

— Me deixe terminar. Mas... quando chegar a hora, você é quem vai me dizer quando. Nunca vou pressioná-la para fazer qualquer coisa que não queira. Entendeu? — ele perguntou. — Você diz quando, não eu.

As palavras dele deram voltas na cabeça dela e a deixaram meio zonza. Ou será que seriam os polegares de Chase fazendo pequenos círculos na pele macia da sua cintura?

Ele suspirou.

— Só para você saber, se dependesse de mim, eu teria dito “quando” há muito tempo. — Ele sorriu, e embora se sentisse lisonjeada, estava igualmente boquiaberta.

Ela abriu a boca para falar, mas nada saiu por um segundo, e então finalmente disse:

— Eu sou... Eu não sou muito de dizer “quando”.

Mas o toque dele, a respiração contra a testa dela, causava arrepios em partes de seu corpo que normalmente não ficavam arrepiadas. E ela sabia que o “quando” estava na ponta da língua, enquanto sentia o toque agradável das mãos de Chase em torno dela.

Ele arqueou uma sobrancelha.

— Você já disse “quando” antes?

Era isso. A sensação de estar lisonjeada caiu por terra e a de estar boquiaberta prevaleceu. Ele tinha realmente perguntado aquilo? Ela deu um soco no estômago dele.

— Ugh! — Ele pôs as mãos no estômago e olhou para ela. — Isso doeu.

Della olhou para ele.

— Eu sei. Um cara nunca deveria perguntar isso. Você tem sorte de eu não ter te dado um chute no meio das pernas.

Chase deu um passo para trás, e agora parecia confuso.

— Os caras deveriam perguntar isso, sim. Um cara que se importa precisa saber. Você não tem que me dizer agora, mas antes de... chegarmos lá, precisamos conversar.

O constrangimento começou a fazer com que ela se sentisse desconfortável.

— Em primeiro lugar, quem disse que vamos chegar lá?

— Eu... bem, você meio que deu a entender que pensava que eu iria levá-la lá. E nós estamos ligados, portanto são grandes as probabilidades de que a gente chegue lá, uma hora.

Ela olhou para Chase, não acreditando na ousadia dele. Então sentiu o rosto afogueado, como no dia em que enfiara o nariz na virilha dele.

Ele ficou olhando para Della, analisando-a.

— Se você não foi lá ainda, não há por que se envergonhar.

— Eu não estou envergonhada — ela mentiu, e então ficou furiosa por Chase fazê-la se sentir assim. — Você é quem está evitando a palavra “sexo”. Eu não sou virgem, só não acho que isso seja da sua conta.

— Ok — ele disse, agora parecendo desconfortável. — Eu estava tentando ser educado.

Ela olhou nos olhos dele.

— Você é virgem?

Chase riu.

Ela quis socá-lo novamente. Com toda a força.

— Não... Não sou.

— Então por que está rindo? Será que é porque você tem uma lista de conquistas e está orgulhoso dela?

— Não — disse ele, sério. E pareceu escolher as palavras antes de finalmente dizê-las. — Acho que estou um pouco envergonhado, também. Eu estava tentando lidar com isso como um adulto. Mas acho que estraguei tudo. Só me dê uma chance.

— Você já pediu isso uma vez. E nunca me disse que tipo de chance queria. Mas eu tenho algumas ideias.

Chase riu.

— Você não vai facilitar, não é?

— Se você quer uma garota fácil, está falando com a pessoa errada.

— Não, você é a garota certa, mesmo sendo difícil. — Ele deu um passo para a frente.

Ela deu um passo para trás, lembrando-se do encontro com Burnett.

— Eu não contaria com isso. — Em seguida, percebendo quanto tempo tinha passado, ela disse: — Nós provavelmente já temos que ir.

— Só quero que te pedir mais uma coisa — disse ele.

— O quê?

— Isso. — E então ela estava nos braços dele. E Chase a estava beijando novamente. E era bom. Bom demais. As palmas das mãos dele subiram pelas costas dela, por baixo da camiseta. O toque doce trouxe de volta a lembrança da mão dele em seus seios e fez com que Della quisesse dizer “quando”.

Em vez disso, ela se afastou e olhou para ele. Com algum esforço, repetiu para si mesma.

— Temos que ir.

— Sim — ele disse e então tocou o nariz dela como dedo. — Vamos apresentar você ao Conselho. Eles vão adorar.

Dez minutos depois — dez minutos em que ela pensou freneticamente em mil maneiras diferentes de abordar o assunto do tio —, Chase parou no estacionamento de uma das lojas da cadeia de restaurantes Benny’s.

Ela olhou para o restaurante familiar, muito parecido com o que o pai a levava em quase todas as manhãs de domingo. Ou pelo menos costumava levar... porque isso não acontecia mais desde que ela fora para Shadow Falls.

— Você está de brincadeira? — perguntou Della.

— Por quê?

Ela tinha imaginado vários tipos diferentes de locais de reunião com o Conselho dos Vampiros, mas nunca um restaurante que vivia lotado.

— No Benny’s? Vou me encontrar com o Conselho dos Vampiros num restaurante familiar, onde você pode comer ovos e torradas por noventa e nove centavos?

— Eu, pessoalmente, gosto das panquecas — disse Chase.

Della continuou a olhar para ele.

— Sério?

— São boas.

Ela apertou os olhos, sabendo que ele não estava falando sério.

Chase colocou os óculos no alto da cabeça.

— Eles têm um pequeno salão na parte de trás que alugam.

— E o Conselho o alugou para me encontrar? — ela perguntou.

Ele assentiu, como se não visse problema nisso. E talvez fosse só o nervosismo que a fizesse ver a situação como um problema, mas não conseguia deixar de pensar assim.

— Mas eles usam esse lugar como escritório?

— Não — ele disse.

— Mas eles têm um escritório? — ela perguntou.

— Sim.

— Então, não confiam em mim o suficiente para me deixar ir até lá.

Chase franziu a testa.

— Você trabalha para a UPF. Conhecê-los já é um grande passo.

— Burnett levou você ao escritório da UPF.

— Isso é diferente — disse ele.

— Por quê?

— A UPF está no catálogo telefônico, é só procurar na lista de empresas federais.

— Entendi — disse ela. — Porque a UPF é uma organização legítima e dentro da lei, mas o Conselho dos Vampiros não é.

Ele franziu a testa.

— Ah, então a UPF tem mais mérito porque se esconde por trás da fachada de uma organização humana, como se fosse do governo?

— Eles estão apenas se escondendo dos seres humanos. Os sobrenaturais sabem quem eles são.

— Mas, se o Conselho dos Vampiros tentasse abrir um escritório, a UPF faria tudo para fechá-lo e colocar todos na prisão.

— Só se eles cometessem crimes — disse Della.

— Certo. E não ser registrado é crime.

Della tinha refletido sobre isso. Não era diferente do debate entre socialismo e liberalismo. Um acreditava no governo organizado e o outro não queria governo nenhum.

— Eu admito que não vejo por que não ser registrado pode ser crime, mas o problema é que a maioria dos criminosos e malfeitores não tem registro. Eles não querem ser registrados, porque sabem que o que estão fazendo é contra a lei. E porque não têm registro, as chances de fugirem são maiores.

— Ou eles simplesmente não querem ninguém metendo o nariz na vida deles. Nem todo mundo que não é registrado é criminoso.

— Eu sei — disse Della —, mas não faz menos de trinta anos que o Conselho dos Vampiros tinha viveiros de seres humanos e os usava para se alimentar?

— Não foi há um pouco mais de trinta anos que a UPF permitia a caça de lobisomens?

— Então, ambas as organizações têm esqueletos no armário — Della admitiu. — Você não pode negar que a maioria dos crimes praticados contra os seres humanos é de autoria daqueles que se recusam a ser registrados. E para que haja justiça de fato, precisamos de uma maneira de prender os responsáveis.

— É por isso que o Conselho dos Vampiros tem sua própria unidade para tentar lidar com os delinquentes.

— A UPF está tentando fazer com que as diferentes espécies trabalhem juntas.

— Não estamos promovendo o preconceito. Nós só achamos que cada espécie deve se responsabilizar pelos seus.

— O Conselho dos Vampiros está tentando ostensivamente fechar Shadow Falls — ela acusou.

— Sim, na época, eles achavam que o acampamento fazia uma lavagem cerebral nos vampiros adolescentes registrados.

— Esse acampamento que faz “lavagens cerebrais” salvou a minha vida e está salvando a vida de muitos outros.

— Eu não discordo. O Conselho estava errado. E nos últimos anos, pararam suas tentativas de fechá-lo.

— Você é registrado? — Della perguntou, sabendo a resposta, porque Burnett já tinha contado a ela.

— O Conselho achou que isso ia me dar mais cobertura.

— Você já sentiu que isso representou uma invasão à sua privacidade?

Ele hesitou.

— Seja sincero — disse ela.

— Acho que não. Mas isso pode mudar.

Della franziu a testa.

— Nós não vamos concordar nesse assunto, não é?

— Provavelmente não — disse ele. — E eu não vou levar você lá, se tudo o que pretende é discutir política.

— Eu não posso fazer perguntas?

— Perguntas sobre o caso? Sim.

— E perguntas sobre o meu caso e o de Chan?

— Eu já respondi a todas elas — disse Chase, a mandíbula firmemente cerrada.

— Talvez eles saibam de alguma coisa que você desconheça. — Ou talvez você ainda guarde segredos.

Ele passou a mão pelo rosto como se estivesse frustrado.

— Se você trabalhar para eles, poderá fazer todo tipo de pergunta.

— O que isso significa?

A expressão de Chase endureceu e sua hesitação revelou que ele estava tentando encontrar uma resposta — muito provavelmente algo que não fosse exatamente a verdade.

— Eu só queria dizer que, enquanto você trabalhar para a UPF, o Conselho vai se abrir completamente para você.

— Então, o que eles vão esconder de mim?

— Eu não disse que iriam esconder nada — disse ele.

— Você deixou isso implícito — Della respondeu.

— Eu não deixei nada implícito — disse Chase. — Olhe, vá falar com eles, mas não comece a interrogá-los. Eles não vão gostar. E a última coisa que eu quero ter que fazer é...

— É o quê? — ela disse.

Chase olhou para ela. A honestidade encheu seus olhos.

— Enfrentar o Conselho para defendê-la. Eles não são Renascidos, mas são barra-pesada.

— Você faria isso? — Della perguntou, antes que pudesse se conter.

— Só se fosse obrigado. Mas eu não quero. Então se comporte.

— Eu vou fazer perguntas — disse ela.

Ele fez cara feia.

— Tudo bem, pergunte. Mas não vá surtar se não conseguir respostas.

Eles saíram do carro e caminharam até o Benny’s. O cheiro de bacon e ovos queimados encheu o ar. A anfitriã era um vampiro e, depois de verificar seus padrões e lançar um sorriso sensual para Chase, acenou para que seguissem em frente, até o salão nos fundos.

Della o seguiu, o estômago contraído de nervosismo. Ela quase desejou que não tivesse bebido o sangue na casa de Chase. A porta do salão estava fechada. Embora tivesse autorização para entrar, ainda assim ele bateu.

— Entre. — Della ouviu uma voz baixa e profunda dizer do outro lado.

Chase olhou por cima do ombro, na direção dela, e pronunciou a palavra, “comporte-se” sem emitir nenhum som.


Capítulo Trinta e Oito

Ao contrário da frente do restaurante, o salão de trás tinha cortinas pesadas. E elas estavam fechadas. A única fonte de luz era um lustre em forma de candelabro, com algumas lâmpadas de 60 watts.

Seis homens estavam sentados na longa mesa. O olhar de Della passou rápido por todos eles, em busca de um rosto. O rosto do pai. Ou melhor, do gêmeo idêntico do pai.

Ele não estava lá.

A decepção agitou suas emoções já conturbadas. No entanto, por que ela achou que seria tão fácil? Embora aquilo não significasse que o tio não estava por trás de tudo.

Chase a apresentou. Não citou o nome dos homens individualmente, apenas apresentou-os como o Conselho dos Vampiros. E Della supôs que aquilo era tudo o que iria ouvir.

Eles não se levantaram, mas a cumprimentaram com a cabeça educadamente. Cada um deles tinha uma caneca marrom diante de si. Ela apostava que não havia café naquelas canecas.

Della estudou cada um deles rapidamente. Nenhum era oriental. Dois pareciam americanos, um era nativo norte-americano, outro era afro-americano e os últimos dois eram caucasianos. As idades variaram de trinta e poucos anos a uma centena. Ou, pelo menos, o sujeito hispânico parecia um matusalém.

Por alguma razão, ela se lembrou do dia em que estava na sala do tribunal, diante do juiz e dos jurados da UPF.

Na frente da longa mesa do Benny’s havia duas cadeiras.

— Senhorita Tsang, senhor Tallman — o mais velho do grupo falou. — Por favor, sentem-se. Gostariam de algo para beber?

Della descobriu que sua boca estava um pouco seca, mas não achava que seu estômago aguentaria alguma coisa. Ela se obrigou a andar até a cadeira e a falar.

— Não, obrigada.

— Ouvimos relatos maravilhosos do senhor Tallman sobre a senhorita — outro homem comentou.

— Tenho certeza de que ele exagerou — respondeu Della.

— Eu duvido — disse outro dos seis, um dos homens loiros que parecia ter mais ou menos a idade do pai dela.

— Ela é tudo o que eu disse — Chase falou.

O sujeito mais velho acrescentou:

— Tivemos a satisfação de saber que senhorita queria nos conhecer. E não vamos fingir que não temos esperança de que pretenda se juntar a nós como um de nossos agentes.

Ok, aquela seria uma conversa muito delicada.

— Eu não posso dizer que essa seja a minha intenção no momento. No entanto, sempre gostei de ter opções.

— Decepcionante, mas sincero, mocinha — disse outro.

— Então, por que queria nos conhecer? — perguntou o mais velho.

— Eu acho que posso dizer que era curiosidade.

— Para saber quem somos? — questionou o mais velho.

— Sim. E mais.

— Mais? A que se refere? — perguntou o mais jovem.

Ela se empertigou na cadeira e ouviu Chase se remexer ao lado dela. Não tinha chegado tão longe para ter medo de perguntar.

— Estou curiosa para saber por que motivo vocês enviaram um agente para se assegurar de que meu primo e eu conseguiríamos passar pelo Renascimento.

— Oferecemos nossas condolências pela morte do seu primo — disse o homem afro-americano do Conselho.

Condolências? Ela percebeu que não tinha o direito de ficar com raiva de Chase por não ter conseguido salvar a ela e Chan, mas...

— Vocês não poderiam ter enviado dois Renascidos para nos ajudar e salvá-lo também?

Ela voltou a olhar para o mais jovem do grupo, que parecia mais apto a responder.

— Infelizmente, não temos uma equipe para lidar apenas com esse tipo de situação — explicou ele.

— Então como é que vocês têm uma equipe para verificar cada possível Renascido?

Quando o vampiro não respondeu de imediato, ela disse:

— Existe uma razão para terem enviado alguém para verificar o meu primo e eu?

— É evidente que alguém com seus talentos e habilidades seria um trunfo para a nossa equipe de agentes — respondeu o mais jovem do Conselho agora.

— Então vocês têm uma lista de todos os potenciais Renascidos? — Della perguntou. — E enviam alguém para checar todos eles?

— Nós gostamos de nos manter informados — disse o mais velho de novo.

Della teve a sensação de que ele não tinha interesse em responder às suas perguntas, apenas em apaziguá-la.

Ele acenou com a mão envelhecida e continuou.

— Nós nos esforçamos para oferecer ajuda sempre que possível.

Mas não tinham se esforçado o bastante para salvar Chan. Se estivessem tão preocupados, poderiam ter enviado dois agentes, não poderiam?

Ela ouviu Chase sussurrar algo, mas ignorou.

— Então quem os informou sobre meu primo e eu?

— Você está de fato bem curiosa, senhorita Tsang! — o mais velho falou de novo. — E se aceitar trabalhar para nós, terá acesso a uma quantidade colossal de informações.

Della endureceu na cadeira. Por que aquilo quase parecia um suborno? O mesmo que Chase tinha oferecido antes? Vá trabalhar para eles e conseguirá suas respostas.

— Supondo que eu esteja pensando em trabalhar para vocês, acho que poderiam demonstrar sua consideração respondendo às minhas perguntas agora.

— E nós estamos respondendo — disse o mais velho.

Estão uma ova!

— Há mais alguma pergunta que gostaria de fazer? — o homem continuou. — Talvez uma que possa incentivá-la a se juntar a nós, em nossos esforços para fazer justiça pelos membros da nossa espécie? Se não houver, acho que deveríamos considerar esta reunião terminada.

Algo no tom de voz dele pareceu condescendente.

— Eu não acho que vocês realmente estejam respondendo às minhas perguntas...

— Chega! — Chase sussurrou, estendendo o braço e apertando a mão dela. Então ele se levantou. — Eu agradeço pela atenção de todos.

Della ficou sentada ali tentando decidir se seria sensato falar mais uma vez. Eles realmente não tinha feito nada para provar que ela estava certa, nem para provar que estava errada.

— Faço votos que consiga encontrar os vampiros desaparecidos, Chase. E você também, senhorita Tsang — disse um dos homens loiros.

Chase agradeceu com um aceno de cabeça, em seguida olhou para ela e fez sinal para que ficasse em pé. Quando ela não se moveu, ele pegou a mão dela. Della fuzilou-o com os olhos, pois ele estava literalmente tentando arrancá-la dali.

— Senhorita Tsang? — um dos conselheiros chamou. Ela olhou por cima do ombro, não se importando que seus olhos provavelmente estivessem brilhantes de fúria.

— Se mudar de ideia sobre trabalhar para nós, vai descobrir que há um lugar para a senhorita aqui.

Ela engoliu a resposta que queria dar, algo sobre o dia de são nunca. Então, sem dizer mais nada, saiu da sala e do restaurante tão rápido que provavelmente pareceu só um borrão para os clientes sentados no salão da frente.

Não era nem cinco e meia da tarde, mas o sol já se tinha posto e estava quase escuro. Ela saltou para o banco do passageiro e esperou Chase abrir a porta e deslizar para dentro do carro com uma calma que a irritou.

— Aquilo foi pura perda de tempo! — ela esbravejou.

— Eles responderam às suas perguntas, Della.

— Eles mais se esquivaram das minhas perguntas do que responderam.

— E você acha que com a UPF seria melhor? Acha que, se eu fosse lá fazer perguntas para os figurões da UPF, iria conseguir respostas diretas?

Ela se lembrou do seu pequeno encontro com aqueles figurões da UPF.

— Talvez não, mas por que o seu Conselho apenas não me disse o que eu queria saber, em vez de...?

— Eu me lembro de um deles lhe dizendo que você tinha um talento e uma habilidade que poderíamos aproveitar. Isso pareceu bastante direto para mim.

— Então por que isso não parece verdade?

— Talvez você simplesmente não queira que seja. — Ele fez uma pausa e olhou para a frente do carro enquanto alguém passava. — O que você está querendo descobrir?

Quando ela não respondeu, ele perguntou:

— Quer responsabilizá-los pela morte de Chan?

— Não. Eu queria... — Ela quase contou sobre o tio, sobre o assassinato da tia, em seguida ouviu mentalmente as palavras que ele tinha dito antes no carro: Se você for trabalhar para eles, pode perguntar o que quiser.

Ele jurou que não estava insinuando nada, mas... ela ainda tinha alguma dúvida.

— Talvez eu não saiba o que quero — disse ela, e havia alguma verdade nisso. Será que ela realmente queria encontrar o tio, agora que suspeitava que ele havia assassinado a tia?

Chase tirou o carro do estacionamento.

— Acho que já está na hora de irmos para o aeroporto. Você sabe onde vamos encontrar Burnett?

— Ele disse que ia ligar.

O celular dela tocou. Ela o tirou do bolso.

— Falando do diabo...

— Então você admite que ele é o diabo — disse Chase com um toque de humor.

Ela lhe lançou um olhar mal-humorado e atendeu ao telefone.

— Ei, eu estava me perguntando quando...

— Onde exatamente você está? — Burnett rosnou.

— A cerca de vinte quilômetros de Fallen, estávamos indo em direção a Houston.

— Onde?

Della recordou as placas de rua que tinha acabado de ver.

— Estamos na altura do número 290 da Howell Street.

— Espere — disse ele, em seguida, ouviu-o dizer a alguém “Eles estão perto”. E, em seguida: — Della, vocês sabem como ir para o Cooper Airport?

Ela olhou para Chase e ele fez que sim com a cabeça.

— Sim. Chase sabe. Qual o problema?

— Nós colocamos um homem no avião com Damian Bond. Dez minutos atrás, ele percebeu que o cara sentado naquele banco era apenas um sósia. Ele confessou ao nosso agente que Damian pegou um voo mais cedo, um avião menor que deve estar chegando ao Cooper Airport em quinze minutos. Temos certeza que é o voo das dez e vinte e seis da Token Airlines. Já estamos em Houston. Mesmo voando vamos levar uns vinte minutos para chegar lá. Vocês podem chegar em dez se deixarem o carro e voarem. Só não se esqueçam de levar os celulares com a foto que consta na ficha do sujeito.

Della ouviu os dois telefones anunciarem a chegada de uma mensagem. Chase olhou em volta, procurando um lugar para estacionar.

— Fiquem longe das ruas principais — continuou Burnett. — Ainda não escureceu completamente, e eu não quero que vocês sejam vistos.

— Não se preocupe, ninguém vai ver a gente — garantiu Della.

— E não... repito, não... confrontem Damian. Basta segui-lo. Ele está carregando uma pistola e gosta de usá-la. Você entendeu?

— Sim — disse ela.

— Você entendeu, Chase? — Burnett rosnou.

— Sim — respondeu Chase, e fez uma careta enquanto parava no estacionamento de uma farmácia, ao lado de algumas árvores.

Perfeito para decolar.

A linha ficou muda. Della apertou um botão e olhou para a foto de Damian Bond. Prontos ou não, aqui vamos nós.

Nove minutos e trinta segundos depois, eles aterrissaram num terreno arborizado a meia quadra do aeroporto. Era a primeira vez desde que se tornara uma Renascida que Della voava tão rápido. Se não estivesse tão preocupada com o que estavam prestes a fazer, teria realmente gostado.

O sol já tinha se posto completamente, apenas a oeste o céu ainda tinha um toque de cor para se despedir do dia.

Eles não se falaram. Não havia tempo. Se o voo adiantasse um pouco, poderiam perder a última pista para encontrar Natasha e Liam. O sangue de Della corria rápido nas veias, enquanto ela se preparava para fazer o que fosse preciso para manter Damian na mira.

Ela passou a mão no cabelo agitado pelo vento, enquanto saíam da floresta em direção ao aeroporto.

— Olha lá! — Ela viu as luzes de um avião já aterrissando e correndo pela pista de pouso do aeroporto.

— É provavelmente o avião dele — disse Chase. Eles se apressaram, tentando não chamar a atenção, quando alguns carros entraram no estacionamento do aeroporto. Entraram no prédio, que era praticamente todo de vidro, e viram que havia cerca de vinte pessoas à espera de passageiros no setor de desembarque.

Della observou uma mulher e seus dois filhos ruivos. A ordem de Burnett de apenas seguir Damian parecia uma boa ideia, pois a última coisa que Della queria era que alguém inocente se ferisse.

Seguindo Chase através da multidão, ela pôde ver o avião através das portas de vidro. Os passageiros estavam desembarcando e esperando a bagagem na esteira. Mas, até agora, não tinham visto Damian.

Ela pegou o celular novamente para ver a foto do rosto dele e, em seguida, voltou a colocá-lo no bolso.

— Olha ali o papai! — disse a mulher com os dois filhos, que se aproximaram do vidro. — Cumprimentem para o papai.

Della olhou para Chase.

— Nós vamos apenas segui-lo — ela sussurrou. — Não quero problemas aqui.

— Eu sei. — Ele olhou para a mulher, obviamente sabendo exatamente o que Della estava pensando. — Ali! — disse ele e o olhar dela disparou para o lobisomem que saía do avião. Os holofotes do lado de fora do edifício iluminavam o avião, dando a Della uma boa visão do lobisomem. Com uns 30 anos talvez, Damian usava jeans e uma jaqueta preta, provavelmente para esconder a arma. Seu cabelo escuro estava penteado para trás, dando-lhe um ar de mafioso. Os olhos dele estavam distantes. Os lábios apertados.

Uma mulher saiu do avião ao mesmo tempo que ele e o suspeito, mostrando que não era nem um pouco cavalheiro, entrou na frente dela para descer os degraus primeiro. Sem dúvida, era tão mal-educado quanto mau caráter.

— Vamos ficar mais para trás — disse Della, com medo que Damian visse dois vampiros e suspeitasse de que estavam esperando por ele. Claro que ele iria sentir o cheiro deles, mas, se não estivessem muito perto, ele não poderia suspeitar de que estavam ali por causa dele.

Esconderam-se atrás da multidão, mas Chase ficou entre dois grupos para poder ficar de olho no suspeito. Della foi um pouco mais para a direita, atrás de uma senhora mais velha, para também ter uma boa visão. Os passageiros começaram a entrar no terminal. O tumulto na sala de vidro aumentou, quando as pessoas começaram a se cumprimentar.

— Merda! — murmurou Chase.

— O que foi? — ela perguntou, olhando para ele e percebendo que Chase não estava olhando para Damian, mas para algo atrás deles.

Della se virou e viu exatamente o que o tinha feito entrar em pânico. Dois carros de polícia tinham parado em frente ao aeroporto, cantando pneu. As luzes das viaturas tingiam tudo com a cor azul.

— Será que Burnett chamou a polícia? — Chase sibilou.

— Eu acho que não — disse Della, enquanto observava quatro policiais entrarem às pressas no edifício.

Della pegou o celular para ligar para Burnett, mas, antes que pudesse discar, uma mulher gritou. Uma criança começou a chorar.

Então ouviram um tiro.


Capítulo Trinta e Nove

A bala bateu em algo metálico e ricocheteou pelo saguão.

— Polícia! — gritou um dos quatro policiais atrás deles. — Abaixem-se!

— Largue a arma! — mandou outro.

Todo mundo se jogou no chão. Della e Chase ficaram de cócoras, ambos preparados para perseguir o lobisomem, se necessário. Então Chase colocou o braço ao redor dela, segurando-a e impedindo-a de ver o que estava acontecendo. Recusando-se a ser contida, ela afastou o braço dele.

Damian e outro homem estavam na frente da parede de vidro. Ambos empunhavam armas. Mas Damian tinha algo que o outro não tinha. Ele segurava a menina de cabelos ruivos e vestido cor-de-rosa, mais ou menos da idade de Hannah. Pressionava a arma contra a cabeça da criança aos gritos, enquanto a mãe soluçava no chão.

— Se fizer alguma coisa com a criança você vai se dar mal! — gritou um policial.

Della notou o outro cara com a arma. Ele não era sobrenatural. Será que Damian tinha um cúmplice humano? Então notou que os dois homens lançavam olhares intrigados um para o outro.

Droga. Quais eram as chances de que houvesse dois criminosos no mesmo avião?

Damian olhou para os policiais.

— Larguem as armas ou eu atiro na cabeça dela.

Os soluços da mãe ecoaram com os gritos das outras pessoas no saguão. O coração de Della apertou e ela sentiu os caninos se projetarem e seus olhos arderem à medida que ficavam mais brilhantes.

O outro sujeito só ficou ali parado, com a arma na mão, parecendo atordoado. Della olhou para os policiais, se perguntando de qual daqueles caras a polícia estava atrás. Será que os crimes de Damian tinham se tornado um problema humano, ou os policiais estavam à procura do criminoso número dois?

— Mantenha a cabeça abaixada — ela ouviu Chase sussurrando, mas ela mal podia ouvi-lo sobre os gritos da multidão.

Della abaixou a cabeça, mas olhou para cima, atenta ao que estava acontecendo na frente.

— Estamos em quatro — disse um dos policiais. — E isso não vai acabar bem.

Damian lançou um olhar frio para a garotinha.

— Sim, e nós sabemos para quem vai acabar mal — disse Damian, erguendo a cabeça como se farejasse o ar, sem dúvida, captando o cheiro deles.

— Ele sabe que estamos aqui — Della murmurou, num sussurro quase inaudível.

— Sim, mas não sabe quem somos ainda — sussurrou Chase. — Portanto, fique com a cabeça abaixada. Temos mais chance de pegá-lo.

Sentindo o sangue correr nas veias, ela pôde ouvir seu coração martelando como se quisesse sair pela boca. Os gritos da criança faziam com que Della quisesse investir contra o lobisomem.

— Larguem as armas ou a menina morre! — gritou Damian, mas ele estava ocupado olhando ao redor da multidão, em vez de se concentrar nos policiais.

A mãe gritou novamente e Della viu alguém segurando a mulher. Mas ninguém estava segurando Della.

Ela tensionou os músculos da panturrilha, pronta para disparar, mas Chase deve ter pressentido seus leves movimentos. O braço dele a segurou no lugar.

— Ainda não — disse ele em seu ouvido.

Mas Della não viu alternativa. Ela viu o dedo de Damian procurando o gatilho. Arremetendo com tudo, ela mergulhou sobre ele, rezando para que conseguisse chegar até ele a tempo.

Ainda no ar, viu o Criminoso Número Dois virar a arma na direção dela.

Chase mergulhou na frente dela.

A arma disparou.

Chase! Seu coração parou, mas ela não podia parar. Tinha que salvar o bebê primeiro.

Segundos pareceram minutos. Ela agarrou o braço direito de Damian e torceu até ouvi-lo se quebrar. Ele largou o bebê, mas a mãe saltou para a frente e pegou a criança no ar. A arma de Damian bateu no chão e Della chutou-a, ouvindo-a deslizar pelo piso de ladrilhos. Em seguida, com a força concedida pela fúria, ela o empurrou para baixo. A cabeça do lobisomem bateu no chão duro com um baque.

Outra arma disparou.

Mais gritos. As pessoas começaram a correr, apavoradas.

E a polícia investiu. Della se afastou quando chegaram onde estava Damian.

Seu coração quase parou quando ela se virou para procurar Chase.

Havia pessoas em todos os lugares, caindo umas sobre as outras, na tentativa de se afastar da confusão. Os policiais seguravam o outro sujeito no chão. Outros dois policiais estavam de pé, imobilizando Damian. Ela desviou o olhar e olhou para a direita.

Da direita para a esquerda.

Não conseguia encontrar Chase.

Lágrimas encheram seus olhos. Onde ele estava, caramba?!

Ela sentiu alguém atrás dela, mas seu nariz dizia que não era Chase, então ela ignorou e continuou a procurar por ele.

Mas, em seguida, sentiu o cheiro. Não era Chase, mas outro lobisomem.

— Você está aqui para ajudar? Ou para atrapalhar? — perguntou uma voz atrás dela.

Virando a cabeça, ela viu um dos policiais. Ela tinha ficado tão tensa que não havia percebido o cheiro dele.

Mas uma rápida olhada em sua testa confirmou o que seu nariz já lhe dizia. Ele era metade lobisomem, metade humano.

— Ajudar. Eu estou... estamos com a UPF. — Della voltou-se para procurar Chase, sentindo seu pânico aumentar num ritmo assustador.

O policial pegou Della pelo braço.

— Então você precisa mostrar seu distintivo.

Antes que Della pudesse lhe lançar um olhar furioso, um rosnado soou atrás.

— Solte-a.

Ela se virou, libertando o braço do aperto do policial. Os olhos dela pousaram em Chase, e só então o ar chegou aos seus pulmões.

— Você está bem? — perguntou ela. Em seguida, ela olhou para baixo e viu o sangue empapando a manga da camisa dele. — Você levou um tiro!

— Só de raspão — disse Chase, ainda olhando para o policial.

— Eu ainda não vi nenhum distintivo — disse o lobisomem uniformizado.

O policial poderia ficar pelado e uivar para a lua que Della não estava nem aí. Tudo o que importava era Chase. E ela não confiava na avaliação que ele fizera do ferimento. Estendeu a mão, encontrou o buraco em sua camisa e rasgou-o para ver por si mesma. Ele não estava mentindo. A bala tinha apenas passado de raspão no antebraço.

Ele tinha mergulhado na frente dela para protegê-la. Tinha levado um tiro no lugar dela — arriscado a própria vida. Seu coração começou a disparar em cerca de uma dúzia de direções diferentes, assim como suas emoções. Ela queria dar um soco nele, por fazer algo tão idiota, e queria beijá-lo, porque ele estava bem.

— Feliz agora? — Chase perguntou, olhando para ela.

— Sim — disse Della. Só então ela olhou para trás e reparou que o lobisomem de uniforme estava à espera de respostas. — Eu sou uma agente júnior, trabalhando para James Burnett. Ele e vários outros agentes devem chegar aqui em menos de dez minutos. Nós vamos levar Damian Bond.

O policial provavelmente reconheceu o nome de Burnett, porque seus olhos que tinham começado a ficar brilhantes voltaram à cor normal.

— Bem, é melhor que eles se apressem. E tenham a documentação necessária. Do contrário, eles — e ele acenou com a cabeça para os outros policiais — não vão liberar o cara. E se vocês dois não quiserem ser presos também, é melhor darem o fora daqui.

Chase olhou para Della.

— Eu acho que é melhor.

Della franziu a testa.

— Não até Burnett pôr as mãos em Damian. — O lobisomem era a sua última ligação com Natasha e Liam, e Della não iria correr o risco de perdê-lo.

Chase olhou para o policial.

— Eu acho que vamos ficar mais um pouco.

Uma hora depois, estavam todos na sede da UPF. Burnett tinha chegado ao Cooper Airport em menos de cinco minutos. Ele estava acompanhado de duas viaturas e outros três agentes, que mostraram seus distintivos e sua autoridade, conseguindo irritar o departamento de polícia de Oak, Texas.

Era preciso admitir, essa era provavelmente a primeira vez que o minúsculo departamento de polícia da cidade pegava um cara da pesada — não apenas um, mas dois de uma vez —, e eles não queriam perder o crédito por isso.

No entanto, Burnett, que estava com a papelada em ordem, não parecia disposto a ir embora de mãos vazias.

Ele também livrou Della e Chase da necessidade de depor — insistindo para que a polícia local os deixasse fora do caso e do estardalhaço criado pela mídia, porque eles trabalhavam sob disfarce. Mas antes de partirem, a mãe da criança que Damian tinha feito refém procurou Della e agradeceu-lhe efusivamente, com lágrimas nos olhos.

Um senso de dever cumprido tomou conta dela. Isso era o que ela queria fazer. Mas estaria disposta a perder Chase em troca?

Burnett tinha mandado um médico esperar na sede da UPF para examinar o braço de Chase, logo que chegassem. Naturalmente Chase tentou dispensá-lo, mas Burnett não estava disposto a levar um não como resposta. Disse a Chase para deixar o médico examiná-lo... ou dar o fora dali para sempre.

Chase olhou para Della, bufou, e depois foi para outra sala ser examinado pelo médico.

Depois que a porta se fechou, Burnett se aproximou dela, a preocupação estampada no rosto. A cena no aeroporto tinha sido uma loucura, e essa era de fato a primeira oportunidade que tinham de conversar — não que Della não o tivesse visto com os olhos pregados nela —, desde que ameaçara sua carreira. Ela percebeu uma sensação dolorosa, uma mistura de dor e amor, bem no meio do peito.

Olhou para Burnett e sentiu um nó na garganta.

— Você está bem? — ele perguntou.

— Sim.

— Você salvou a vida daquela criança. Parece que é boa mesmo com bebês — ele disse, referindo-se também ao parto de Hannah.

— Apenas sorte — disse ela.

Della olhou para a porta por onde Chase tinha desaparecido.

— Ele levou aquele tiro para me proteger.

— Eu ouvi dizer. Que é a única razão pela qual eu me importo o suficiente para fazê-lo ser examinado por um médico.

Della acenou com a cabeça, mas não completamente convencida. Ela sabia que Burnett tinha alguns problemas sérios com Chase, mas de alguma forma também sentia um certo respeito. Ela só esperava que isso ajudasse quando o caso terminasse e Burnett a pressionasse para pôr um ponto-final no relacionamento entre eles.

Porque, sinceramente, ela não tinha certeza se conseguiria fazer isso.

Se a situação ficasse crítica, ela iria escolhê-lo e renunciar à sua carreira? Rezava para que não tivesse que fazer essa escolha.

— Vá para a sala de espera seis, eu vou interrogar Damian em cerca de cinco minutos e você poderá assistir.

Ela olhou para Burnett e pensou em Natasha novamente.

— Faça-o contar onde eles estão.

— O plano é esse — disse ele.

Damian Bond não estava a fim de falar. Burnett colocou as fotos de Liam e Natasha sobre a mesa. O lobisomem se recusou a olhar para elas. A pressão arterial de Della subiu e seus caninos se projetaram só ao assistir ao interrogatório.

Alguém tinha dado ao lobisomem uma tipoia, e ele ficou sentado ali com o braço apertado contra o peito com tanta força quanto a de seus lábios cerrados. Burnett, parecendo irritado, virou-se para a parede de onde eles assistiam.

— Você sabe quem está ali dentro? — ele perguntou.

Damian não respondeu, mas Burnett disse de qualquer maneira.

— Um agente do Conselho dos Vampiros.

Os olhos do lobisomem se arregalaram um pouco, mas depois ele voltou a fingir que não estava ouvindo. Mas Della o viu olhar para as fotos sobre a mesa.

Será que ele os conhecia?

Burnett continuou.

— Você já ouviu falar no que eles fazem aos lobisomens na prisão do Conselho dos Vampiros? Fazem com que as nossas prisões parecem um dia no spa.

Della olhou para Chase.

— Isso é verdade?

— Nós não temos celas individuais — disse ele. — E como os nossos prisioneiros são quase todos vampiros, um lobisomem lá teria uma vida difícil.

Della estremeceu, se perguntando como seria aquela “vida difícil”.

— E se você não falar — Burnett continuou —, nós concordamos em entregar você para eles.

O lobisomem olhou para Burnett e rosnou.

— Boa tentativa. Mas desde quando a UPF e o Conselho dos Vampiros trabalham juntos?

Burnett se sentou na cadeira em frente a ele.

— Desde quando mais de trinta recém-criados desapareceram e foram vendidos como escravos. Você tem três segundos para começar a falar ou eu vou entregá-lo a eles.

— Se Burnett estiver falando sério, vamos conseguir arrancar respostas desse otário — ameaçou Chase.

Della engoliu em seco e disse a si mesma que era a coisa certa a fazer. Mas o pensamento não caiu bem em seu estômago.

Burnett voltou a olhar para a parede.

— Eu acho que vocês já podem levá-lo — ele começou.

— Espere! — Damian deixou escapar. — Ok, eu vou falar. Mas não fui eu. Ele era meu chefe. Tyler Myers. Ele usava os recém-criados nas lutas. Pagavam muito dinheiro para vê-los lutar, e então ele dividia os lucros. Mas Tyler ficou sabendo que vocês descobriram a operação e fechou as filiais de Dallas, então deu o fora. E livrou-se dos recém-criados.

O peito de Della apertou. Ela sentiu Chase se agitar ao lado dela, como se tivesse receio do que Damian pudesse dizer.

— Quer dizer que ele foram assassinados? — perguntou Burnett.

O ar nos pulmões de Della ficou preso e ela teve que se esforçar muito para não deixar que os joelhos fraquejassem.

— Sim. Mas eu estava apenas cumprindo ordens.

Burnett agarrou o punho dele.

— Quantos? E onde estão os corpos?

Os olhos de Burnett voltaram a ficar incandescentes de fúria e Della sentiu seu próprio olhar mais brilhante.

— Eu não sei. O chefe e os outros se reuniram e se livraram de todos eles. Eu ouvi algo sobre um ferro-velho.

O braço de Chase rodeou a cintura de Della.

— Mas eu juro que não sei onde eles estão — Damian olhou para as fotos. — Mas esses não eram nossos. Eles podem ter ido com os outros, mas não são nossos. Eu me lembro dela.

Chase pegou a mão de Della e ela o ouviu respirar pela primeira vez.

— Ainda não acabou — disse ele.

— Então por que parece que acabou? — perguntou ela, sentindo o nó crescer em sua garganta.

Chase se virou e puxou-a contra ele. Ela descansou a testa em seu peito. Fechou os olhos e farejou sangue. Mas não era o sangue de Chase.

Della se afastou e olhou para ele. Liam, não Chase, olhava para ela.


Capítulo Quarenta

Della tinha passado por aquilo várias vezes — mergulhado numa visão ou o que quer que aquilo fosse —, mas isso não tornava a coisa mais fácil. Especialmente agora, quando sua certeza de que Natasha e Liam ainda estavam vivos tinha se reduzido a um tênue fio de esperança.

Natasha estava reclinada no chão de terra, com o tronco sobre o corpo nu de Liam.

Della se concentrou ao máximo e tentou forçar Natasha a perguntar a Liam onde eles estavam, mas todo o esforço foi em vão, porque ela não falou nada. Só apoiou o queixo no peito de Liam e ela sentiu os seios nus pressionados contra a solidez do abdômen dele.

Liam tirou o cabelo dos olhos dela.

— Qual é a primeira coisa que você quer fazer quando sair daqui?

Natasha franziu a testa, e Della sabia por quê. Ela não achava que eles fossem sair. Mas estava disposta a apaziguá-lo. Voltou a olhar para o peito dele, moveu a mão até um pouco abaixo do ombro direito e traçou o emblema que parecia em parte tatuagem e em parte cicatriz.

— O que você acha de remover as nossas tatuagens? — Ela passou os dedos sobre a tatuagem dele novamente.

Della estudou o símbolo semelhante a uma cruz. Será que significava alguma coisa?

Liam soltou uma risadinha.

— Eu gosto dessa ideia. Que tal irmos ouvir uma banda tocar? Você gosta de dançar?

— Adoro. Às vezes vou com as minhas amigas, Amy e Jennifer.

O barulho veio de novo. O som de máquinas pesadas.

Liam colocou o braço nas costas dela, como se soubesse que o barulho a incomodava.

— Então a primeira coisa que vamos fazer quando sairmos daqui é dançar.

Que barulho é esse? Della gritou na mente de Natasha, esperando que ela ouvisse, mas a pergunta ficou sem resposta.

— Talvez devêssemos tomar um banho primeiro — Natasha brincou. Ela descansou a cabeça no ombro dele e olhou ao redor do ambiente escuro.

Della observava tudo. As paredes eram como blocos, mas o chão era de terra, e havia algo que parecia uma passagem aberta para outra área tão escura quanto aquela onde estavam.

O que era aquele lugar?

— Juntos? — perguntou Liam, com a mão acariciando as costas nuas dela. — Vamos tomar um banho juntos.

— Sim, juntos. — Ela riu e colocou a palma da mão no peito de Liam e olhou para ele. A pele de Natasha era um pouco mais clara do que a dele.

— Sua mãe ou seu pai é negro? — perguntou Natasha.

— Meu pai era mulato.

— Era? Ele morreu?

— Não que eu saiba.

— Você o conheceu?

— Sim, ele vinha me visitar às vezes quando eu era mais novo. Mamãe não gostava dele. — Ele ficou em silêncio por um minuto. — Eles sempre brigavam. A última vez que ele apareceu, eu tinha 13 anos. Tiveram uma briga feia. Ele acusou a minha mãe de tentar me criar para ser branco. Mamãe disse que tudo o que ela queria fazer era me criar para ser um homem bom, e que isso não tinha nada a ver com a cor e tudo a ver com o caráter e que, se ele quisesse me ver, teria que se manter sóbrio e dar um bom exemplo.

— O que ele disse? — perguntou Natasha.

— Ele bateu nela. — O corpo de Liam sob Natasha enrijeceu. — Não era a primeira vez, mas foi a primeira que eu decidi fazê-lo parar — disse.

Natasha se levantou e olhou para o rosto de Liam.

— Ah, meu Deus! O que aconteceu?

— Eu peguei um taco de beisebol. Bati no braço dele. Não acho que tenha quebrado nem nada, mas com certeza machuquei. Disse para ele sair e nunca mais voltar.

— Alguma vez ele voltou?

— Eu acho que não. Mamãe se casou com Hank alguns anos depois. Ele era um cara legal. Negro, também. Mas Hank era vinte anos mais velho do que a minha mãe. Ele morreu de ataque cardíaco menos de um ano depois de terem se casado. — Liam passou a mão sobre as costas dela. — Você não me disse que seu pai morreu?

Natasha fez uma pausa.

— Sim, meu pai adotivo morreu quando eu tinha 11 anos e, quando fui procurar os meus pais verdadeiros, descobri que meu pai biológico estava morto, também.

— Quantos anos você tinha quando descobriu que foi adotada?

— Quase 18. — Ela suspirou. — Mamãe disse que iam me contar quando eu tinha 13 anos, mas, quando meu pai adotivo morreu, ela achou que isso faria com que eu me sentisse pior. — Natasha ficou em silêncio e apenas respirou por alguns segundos. — Eu acho que parte de mim sempre soube. Meu pai adotivo era de família chinesa. Mesmo quando criança, eu ficava olhando para o rosto dele e me perguntando por que não me parecia com ele.

— Você não disse que sua verdadeira mãe já morreu, também?

— Sim — disse Natasha. — Alguém a matou. Mas eles nunca encontraram o culpado.

Ele passou a mão na lateral do quadril dela. Não sensualmente, apenas com ternura, mas havia algo muito íntimo em estar nua sobre outra pessoa.

— Isso deve ter sido difícil, você procurando seus verdadeiros pais e, então, descobrindo que ambos estavam mortos.

— Foi difícil, por um tempo. Mas encontrei uma tia. Ela era boa. E tinha um filho da minha idade.

Eles ficaram em silêncio e, em seguida, Liam perguntou:

— Como é que o seu pai adotivo morreu?

— Acidente de trabalho. Foi de uma hora para outra. Mas minha mãe se casou novamente alguns anos atrás.

— Você se dá bem com o seu padrasto?

— Sim, ele é legal. Bem, muito melhor do que apenas legal... comparado com o seu pai verdadeiro. Ele ama a minha mãe, mas eu sempre tive a impressão de que ele estava apenas esperando que eu fosse embora para que a tivesse só para ele.

— Bem, até aí tudo bem — disse Liam. — Porque, quando a gente sair daqui, vamos ter o nosso próprio canto. Eu me formo em dois anos. Vamos encontrar um apartamento barato. Nós dois podemos ir para a faculdade e trabalhar meio período. Podemos dar conta. Como não precisamos mais de comida, não teremos que nos preocupar em saber quem vai cozinhar. E podemos dividir as tarefas domésticas. Vou levar o lixo para fora. E prometo não deixar cuecas sujas espalhadas pela casa.

Ela riu.

— Eu não sou uma dona de casa muito boa...

— Bom, podemos viver no meio da bagunça, então.

Ela ergueu o queixo e descansou no peito dele.

— Você sempre vai abaixar a tampa do vaso sanitário?

— Vou tentar me lembrar. — Ele riu.

Della sentiu os olhos de Natasha arderem.

— Eu quero isso — ela disse, com a voz embargada. — Quero esse apartamento. Quero viver dando bronca em você por deixar cuecas sujas espalhadas pela casa e por deixar a tampa do vaso levantada. Mas estou com tanto medo de que nada disso vá acontecer! Tanto medo de que isto seja tudo o que vamos ter...

Sábado, às 10h15, Della sentou-se no refeitório, enquanto as visitas chegavam para o dia dos pais. As vozes de todos os campistas e dos pais ecoavam pelo enorme salão e pelas vigas do telhado. Della tentou não deixar que suas emoções se irradiassem pelo ambiente lotado — havia muitos faes ali —, mas, sinceramente, o que ela mais queria era encontrar um lugar tranquilo para chorar.

Damian Bond não tinha nenhuma informação. Eles tinham voltado à estaca zero. Ela chegara em casa na noite anterior e ficara olhando para o teto durante quase a metade da noite, sentindo-se inútil e cheia de raiva. Sentindo-se sozinha. Ela sentia falta de Chase. Queria ajudar Natasha e Liam. Salvá-los. Dar a eles uma oportunidade de vida.

Della queria que a mãe ligasse para ela.

Não, ela queria que os pais aparecessem. Onde eles estariam?

As portas do refeitório de repente se abriram. Della levantou os olhos, esperando que fossem eles. Errado. Era a mãe de Derek. Della observou enquanto ela sorria para Derek, que estava sentado a uma mesa na parte de trás do refeitório, com Jenny.

Della olhou em volta. Kylie, Lucas e a mãe dela estavam conversando sobre a venda da casa dela. Lucas devia estar se acostumando à mãe de Kylie, porque ele parecia bem à vontade, não infeliz, como sempre acontecia quando Kylie o convencia a acompanhá-la nas visitas da mãe.

Miranda estava bancando a bruxinha comportada, sentada ali e ouvindo a mãe falar sobre as próximas competições.

Della pegou o celular para verificar que horas eram. Seus pais estavam quinze minutos atrasados. Estranho. O pai nunca se atrasava.

Mas, pensando bem, talvez ele não viesse hoje. Ultimamente, a cada três visitas ele deixava de vir em uma. Mas a mãe e a irmã, Marla, geralmente eram pontuais. Quanto mais cedo chegavam, mais rápido podiam ir embora. Ou pelo menos era o que parecia.

Olhando para o celular, ela se perguntava se deveria ou não ligar para a mãe. Então decidiu que não. Virando-se para trás, viu Holiday e Burnett olhando para ela com compaixão.

Ah, droga! A última coisa que queria era que todo mundo começasse a sentir pena dela. Ela estava bem. Sua família iria aparecer. Sua mãe nunca perdia o dia dos pais.

De repente, o celular de Burnett tocou. Daquela distância, Della não podia ouvir a pessoa do outro lado da linha, mas Burnett não parecia feliz.

Provavelmente era algo ligado à UPF. Seria sobre Natasha e Liam? Ela inclinou a cabeça para o lado e o ouviu sussurrar para Holiday:

— Preciso tratar disso no escritório.

Della o viu saindo. Ela estava morrendo de vontade de saber o que era, mas sabia que perguntar não era a melhor coisa a fazer. Se fossem notícias sobre Natasha e Liam, ele contaria a ela. E, se fosse sobre eles, provavelmente eram más notícias.

Dez minutos depois, o telefone de Della tocou. Ao verificar o número, a respiração de Della ficou presa na garganta. Sua irmã, Marla, nunca ligava.

— O que foi? — Ela se levantou e contornou as mesas do refeitório, afastando-se para ter uma conversa particular.

— Oi — A voz de Marla soou baixa. — A mamãe me pediu para ligar e dizer que não vamos aí hoje.

— Tudo bem — disse Della, lutando contra o aperto no coração enquanto caminhava para fora do refeitório. — Algum problema? — Ou será que vocês só decidiram desistir de mim?

— Só um segundo — disse Marla, quase num sussurro.

Della continuou seguindo em direção à floresta, para um ponto onde grandes árvores formavam um pequeno recanto. Ela ouviu a irmã andando, também. Em seguida, ouviu a porta se fechar.

— Desculpe. Eu só queria ir para o quarto, para o caso de papai estar escutando.

Sim, você não gostaria que o papai soubesse que está falando comigo. O humor de Della estava à beira de resvalar para a autopiedade quando Marla falou novamente.

— Está acontecendo alguma coisa, Della. Eu não sei o que é, mas é ruim. Você pode vir para casa?

Para casa? Oh, não!

— O quê? O que está acontecendo?

— É exatamente isso. Eu não sei. Eles não vão me dizer nada.

— Eles estão brigando? — perguntou Della. Seus pais não viviam brigando, eles realmente se amavam, mas já tinham discutido algumas vezes. E Della tinha odiado a tensão que sentira nessas ocasiões.

— Na verdade, não. A mamãe está muito chateada. Toda vez que eu a vejo, ela está com lágrimas nos olhos. E papai está agindo de forma estranha. Ele voltou para casa depois das dez ontem à noite. E, quando chegou em casa, chamou mamãe no escritório e eles ficaram lá conversando até bem tarde. — Ela fez uma pausa. — Você não acha que o papai tem uma amante, acha?

Della abriu a boca de surpresa.

— Não!

Então lhe ocorreu. A razão pela qual seus pais estavam chateados.

— O papai conversou com a tia Miao?

— Eu não sei — disse Marla. — Por quê?

— Nada — disse Della, e fechou os olhos. Merda! Ela tinha feito novamente. Decepcionado o pai e causado dor de cabeça à mãe.

— Eu quero que você volte para casa. Preciso de você. Não gosto dessa merda de ser filha única.

Desde quando sua irmã falava “merda”?

— Eu não posso, Marla. — Ela mordeu o lábio, mas sua garganta ficou apertada ao ouvir o pedido da irmã. Embora fosse muito bom saber que estavam finalmente sentindo falta dela, também era ruim saber que ela nunca poderia voltar para casa. Nunca. Jamais.

— Onde está a mamãe? — Della engoliu o nó que se formava em sua garganta.

— Ela saiu. Disse que estava indo ao supermercado. Mamãe nunca faz compras aos sábados de manhã.

— Vou ligar para ela — disse Della, mas seu estômago embrulhou ao pensar no que a mãe diria sobre ela ir visitar a tia contra a vontade do pai.

Depois de se despedir de Marla, Della ligou para a mãe.

O celular tocou duas vezes e a mãe finalmente atendeu.

— Oi, Della.

A voz da mãe não parecia normal.

— Oi, mãe.

— Eu disse para Marla ligar pra você — disse a mãe. — Será que ela esqueceu?

— Não, ela ligou — disse Della, tentando descobrir uma boa justificativa para ela ter visitado a tia.

— Olha, mãe, eu sei que vocês estão aborrecidos...

— Desculpe eu não ter retornado a sua ligação — disse a mãe. — Temos andado muito ocupados.

Della segurou firme o celular. Sua mãe nunca fora de fazer rodeios. Quando havia um problema, ela sempre contava. E rápido. Então, será que isso significava que o problema não era a visita que Della tinha feito à tia?

Um sentimento de alívio encheu o peito dela, mas, no segundo seguinte, o medo se sobrepôs a ele. Se o que estava errado em casa não tinha a ver com ela, tinha a ver com quê?

— Mãe, o que aconteceu?

— Nada... Della. — A voz da mãe fraquejou. Estava chorando?

Droga, sim, ela estava!

— Mãe, qual o problema? Apenas me diga o que é.

— Sinto muito, querida. Isso não é algo com que você precise se preocupar, ok? Provavelmente não vai ser nada.

— Você está doente ou algo assim, mamãe? — Della lembrou que uma das amigas da mãe tinha descoberto um câncer de mama. — Você encontrou algum caroço no seio ou coisa parecida?

— Não.

— É o papai? É ele...? — Seu coração apertou.

— Ninguém está doente. E você vai ter que aceitar que eu não posso falar sobre isso agora.

— Mãe, isso me assusta. Se tem algo errado, eu preciso saber.

— Agora não, querida. Concentre-se apenas em você. — Ela fez uma pausa. — Eu tenho que ir agora. Eu te amo — disse ela.

Lágrimas encheram os olhos de Della.

— Eu também te amo.

Em seguida, a mãe desligou. Della sentou-se ao lado da árvore e deu vazão às lágrimas. Chorou por tudo que estava errado em sua casa. Chorou porque parecia fazer uma eternidade que a mãe tinha dito que a amava. Chorou porque ela não achava que pudesse salvar Natasha e Liam — e eles nunca iriam alugar aquele apartamento. Todo aquele amor que tinham um pelo outro morreria com eles.

Chorou porque sentia falta de Chase.

Depois de uma boa hora chorando, ela enxugou o rosto. Ligou outra vez para Marla e disse que a mãe não iria falar, mas fez a irmã prometer que ligaria se descobrisse o que estava acontecendo.

— Aguenta firme aí, está bem? — ela disse à irmã.

— Pode deixar — disse Marla, com um ar de solidão.

— Por que você não vai ver a sua amiga Mickie? — perguntou Della. — Saia e se divirta um pouco.

— Eu vou — disse Marla. — A mãe dela vem me pegar daqui uma hora.

— Ótimo! Não faça nada que eu não faria. Nem cigarro, nem álcool, nem sexo. Beijo de língua tudo bem, mesmo que seja nojento.

Marla riu e, em seguida, disse:

— Eu sinto sua falta.

A onda de emoção bateu forte.

— Eu sinto sua falta também.

Della desligou, a dor persistente na boca do estômago, e olhou para o celular. A tentação bateu. Não faça isso. Não faça isso.

Ela fez.

Digitou o número.

— Algo errado? — Chase respondeu ao primeiro toque.

— Por que está perguntando isso? — ela questionou, tentando manter a voz firme, ao se lembrar da voz chorosa da mãe.

— Porque você devia estar com a sua família agora.

— Sim, bem... surgiu um imprevisto.

— Eles não apareceram? — Chase perguntou, parecendo ofendido.

— Não, mas isso não importa.

— Sinto muito — disse ele e, em seguida: — Merda! A sua tia contou ao seu pai que você foi visitá-la?

— Não. Eu pensei que fosse isso, mas... Falei com a minha mãe e ela deu a entender que é outra coisa. Tenho certeza de que não é nada sério.

Então, por que você sente que é?

— Eu estava pensando em Natasha e Liam — disse ela.

— Eu também. Estive pesquisando na internet as tatuagens, como a que eles tinham. Se eu encontrasse o artista que as fez, acho que poderia nos levar até eles.

— Essa é uma boa ideia — disse Della. — Por que não pensei nisso antes? Eu podia pedir para Derek fazer isso, também. Ele é bom em pesquisas na internet.

— Talvez ele tenha mais sorte do que eu — disse Chase, parecendo desapontado.

Della recostou-se contra a árvore.

— Você sabe que a primeira vez que eu vi a tatuagem, ela me lembrou... alguma coisa? Como se fosse um emblema que eu já vi antes.

— Mas você não se lembra onde?

— Não.

Houve um momento de silêncio e ela sabia que ambos estavam temendo o pior.

— Eu fiz um esboço da tatuagem — disse Chase. — Você quer que eu tire uma foto e envie para você? Assim pode mandar para Derek.

— Sim, isso seria bom.

Um pássaro pousou na árvore à direita dela. A vampira olhou para ele.

— Um pica-pau vermelho acaba de pousar aqui — ela disse, lembrando que ele tinha apontado para um, no dia anterior, em sua varanda.

Ele riu.

— Eu estou transformando você numa observadora de pássaros.

— Só porque você quer... — disse ela, mas ficou observando enquanto o pássaro se agarrava à casca da árvore e fazia um barulhinho batendo com o bico. O que Miranda tinha dito mesmo? Ah, sim, que a observação de pássaros clareava a aura.

Ela supôs que sua aura estivesse mesmo precisando clarear.

— O que você está fazendo agora? — ele perguntou.

— Falando com você. Observando pássaros.

— Além disso?

— Nada — disse ela.

— Quer dar um passeio? — Ela ouviu a expectativa na voz dele.

O coração dela bateu animado. Em seguida, desanimou outra vez. Burnett ficaria aborrecido.

— Diga que sim. — Chase parecia solitário. E ela sentia o mesmo.

— Sim — Della disse, e então: — Não.

— Sim ou não? — ele perguntou, a decepção evidente na voz.

— Sim, eu quero ir, mas não apenas para um passeio. Eu quero ir ao Uck’s. Ver se os lobisomens estão volta.

— Eu estarei aí em dez minutos... ou menos. — Ela pôde ouvir o sorriso na voz dele. E Della podia imaginá-lo em seus lábios.

— Não corra muito! — disse ela.

— Não sou eu quem leva multa por excesso de velocidade — disse ele, rindo, e desligou.

Um minuto depois, Della já estava com a imagem da tatuagem. Ao olhar para ela teve novamente a sensação maluca de que já tinha visto aquela figura em algum lugar... em algum lugar que nada tinha a ver com as visões. Mas onde, caramba?!

Ela passou a imagem para Derek e perguntou se ele podia fazer uma pesquisa para ver se achava alguma coisa. Então ela foi encontrar Holiday para dizer que estava saindo com Chase.

Conhecendo Holiday, ela provavelmente a faria pedir autorização a Burnett, mas Della não se importava. Ela precisava ver Chase. E precisava fazer alguma coisa, qualquer coisa, que pudesse ajudá-los a encontrar Natasha e Liam.

Della precisava parar de pensar nos problemas da família, pois não fazia nem ideia do que eram. Ela ainda não tinha dado dois passos quando Burnett apareceu. Obviamente, tinha vindo procurá-la.

E seu olhar lhe dizia que outra coisa tinha acontecido. Ela se lembrou do telefonema. Lembrou-se de ter pensado que eram notícias de Natasha e Liam, o que não seria bom.

Precisou de toda sua força de vontade para não se virar e correr. Ela não queria saber o que era.


Capítulo Quarenta e Um

— Seus pais não apareceram? — perguntou Burnett.

Della rezou para que só fosse isso que ele queria perguntar, que seu olhar fosse apenas de preocupação com ela...

— Não, aconteceu um imprevisto e eles não puderam vir.

Ele suspirou e seu ar triste agitou as emoções de Della também.

— O que foi?

— Eles não identificaram ninguém, mas encontraram dois homens afro-americanos e uma garota que parece oriental. Nós não temos o DNA de Natasha. Mas estamos fazendo um teste de DNA para ver se um dos homens é Liam Jones. Em troca de alguns favores, pedi para fazerem o teste o mais rápido possível. Eu te aviso logo que souber de alguma coisa.

Della começou a tremer. Ela queria gritar que não eram eles. Que eles não sabiam com certeza que Natasha e Liam estavam no ferro-velho. Que não podia ser. As lágrimas encheram seus olhos, mas ela piscou para espantá-las.

Ergueu o queixo e encontrou os olhos de Burnett.

— Chase está vindo me pegar e nós vamos voltar ao Uck’s para ver se os lobisomens estão por lá.

As sobrancelhas de Burnett se juntaram quando ele franziu a testa. Depois abriu a boca e Della sabia o que ele diria. Que ela estava perdendo tempo. Que não devia ficar saindo com Chase. Mas, então, o olhar de Burnett encontrou o dela bem quando uma lágrima escorria pelo seu rosto e ele apenas suspirou.

— Bom. Não chegue muito tarde.

Ela respirou fundo e correu para o estacionamento para encontrar Chase.

* * *

Quando ele estacionou, Della teve certeza, pela expressão dele, que Burnett tinha telefonado. Sua garganta se apertou de novo, mas ela jurou que não ia chorar. Chorar não ajudaria. Ela se lembrou de um ditado que o pai tinha uma vez traduzido do chinês. Chorar não faz nada além de regar a dor e permitir que ela cresça.

Ela não tinha tempo para que essa dor crescesse.

Chase saltou para fora do carro sem abrir a porta. Foi até ela.

— Burnett contou a você? — perguntou Della.

Ele balançou a cabeça e puxou-a para seu peito.

Ela não resistiu. Nem mesmo quando alguns pais passaram de carro. Ela o abraçou. Nunca tinha precisado tanto de braços ao redor dela quanto precisava dos dele agora.

— Vamos — ele finalmente sussurrou em seu ouvido. — Vamos para o Uck’s.

Eles entraram no carro. Ela mordeu o lábio e olhou para ele.

— Será que estamos perdendo tempo?

— Nós não vamos parar de procurar até que tenham uma identificação positiva.

Ela assentiu com a cabeça.

— Concordo.

Eles foram embora, e o vento em seu cabelo e simplesmente o fato de estar sentada ao lado de Chase fizeram com que a dor diminuísse um pouco.

Quando chegaram, viram que eram os dois únicos seres sobrenaturais no lugar.

Eles tomaram um gole de Coca-Cola e conversaram sobre as visões, tentando achar qualquer coisa que pudesse ajudá-los.

— O lugar em que eles estão não parece um ferro-velho, não é? — ela perguntou.

— Eu acho que não — disse ele.

— Que tipo de lugar poderia ser? — perguntou finalmente Della. — Parece que é subterrâneo. Tinha paredes de blocos. — Ela deixou o pensamento dar voltas na sua cabeça. — Há alguns túneis subterrâneos em Houston. Eu sei que Kylie esteve num deles um tempo atrás. Será que é alguma coisa assim?

Ele franziu a testa.

— Eu estive num deles também e não é desse jeito. O lugar em que estão é como... um túmulo ou algo assim.

Ela soltou um suspiro profundo e olhou para o celular sobre a mesa. A qualquer momento agora, Burnett poderia ligar e dizer que tudo estava acabado. Doía muito só pensar nisso.

Della foi encher seu copo de refrigerante diet na máquina, quando sentiu um leve cheiro de... lobisomem.

Ela se virou e olhou para Chase. Ele tinha, obviamente, farejado também, porque já estava de pé.

— É esse cheiro? — perguntou.

Ela inspirou novamente, à espera de que seu banco sensorial começasse a acessar os arquivos antigos. E, em seguida... ela teve certeza.

— É isso aí! — ela sussurrou, e teve que abaixar o lábio superior para esconder os caninos projetados. Não por causa do perigo, mas da sua determinação para não perder a pista dessa vez.

Ela começou a olhar ao redor. Um grupo de três rapazes estava sentado num canto, todos eles de boné.

Ela se aproximou dos três, verificando se eram lobisomens. Um barulho de repente veio da frente do restaurante.

— Onde você está indo? — alguém perguntou.

— Por que diabos ele correu? — alguém perguntou.

Della se virou e correu também; e, quanto mais perto chegava do tumulto, mais forte o cheiro ficava. Ela chegou ao balcão e, como não estava disposta a deixar o lobisomem escapar, saltou sobre ele e disparou entre fritadeiras e grelhas, esquivando-se de vários funcionários de olhar aturdido.

Ela sentiu e ouviu Chase logo atrás dela.

— Vocês não podem entrar aqui atrás! — gritou alguém, que parecia o gerente. Um gerente humano.

Ela o ignorou e seguiu seu nariz até os fundos do restaurante. Correu através de um corredor e, em seguida, por uma cozinha. Mal tinha entrado na cozinha, quando uma porta de aço sólido que levava para fora fechou com estrondo.

— Parem esses malucos! — gritou o gerente.

Della avançou, mas cerca de cinco funcionários do Uck’s Burgers a cercaram, parecendo ansiosos para obedecer ao patrão. Chase de repente apareceu às suas costas.

— Humanos demais para usarmos o nosso poder — ele sussurrou no ouvido dela.

A indecisão fervia dentro dela. Ela queria tirá-los do caminho, arrancar a porta das dobradiças e ver quem tinha acabado de passar por ela, mas sabia que Chase estava certo. Burnett havia insistido nessa lição desde o início. Demonstrações públicas de poder eram proibidas.

Ela sentiu os olhos se iluminarem e respirou fundo, tentando se acalmar.

— Quem acabou de sair por aqui? — ela perguntou.

— Quem quer saber? — perguntou o gerente. — Eu vou ter que dizer à polícia quando chamá-la.

— Não se preocupe, eu chamo pra você — Chase pegou o celular.

Ela achou que ele estava ligando para alguém do Conselho dos Vampiros. Mas depois ouviu a voz de Burnett na linha.

— Algo errado?

— Precisamos de ajuda no Uck’s. Alguém acabou de correr para fugir de nós e o gerente e seus funcionários não vão cooperar.

— Chego em cinco minutos.

Levou apenas três minutos. Burnett entrou, o distintivo em destaque, preso no cinto. Não pediu permissão para entrar atrás do balcão. Não saltou sobre ele, mas seu comportamento não era menos intimidante. Ficou ao lado de Della e de Chase e deu uma olhada rápida nos dois.

— Vocês são de onde? — perguntou o gerente, olhando o distintivo.

— Da UPF, uma agência que trabalha para o FBI em casos locais.

— Que diabos o FBI está fazendo aqui? — O gerente continuou a falar, reclamando sobre todos os clientes que tinha perdido devido à confusão. Então começou a comentar sobre os assaltos que já tinham sofrido.

Burnett o ignorou e virou-se para Della e Chase.

— O que aconteceu?

— O cara fugiu correndo — disse Chase. — Acho que ele pode ter reconhecido Della e fugido pelos fundos, e esse cara não queria que a gente fosse atrás dele.

— Eu tenho um cofre no meu escritório... — O gerente continuou falando sem parar. — Não posso simplesmente deixar que entrem aqui atrás. Vocês deviam prendê-los — o sujeito careca disse a Burnett. — Eu não acho...

Burnett se virou e olhou para o sujeito com o seu pior olhar de intimidação.

— Cale a boca! — retrucou. — Mais uma palavra e eu mando a vigilância sanitária fazer uma visitinha antes de você jogar fora aquela carne com a validade vencida que está cozinhando. E já vi mais de dez outras violações apenas andando por aqui.

Chase se inclinou.

— Esse distintivo com certeza veio a calhar.

Della olhou por cima do ombro para ele.

— Eu sei. — Aquela tinha sido a primeira coisa positiva que Chase tinha dito sobre a UPF, e ela não pôde deixar de se perguntar se ele não estaria começando a dar o braço a torcer.

Burnett não precisou dizer mais nada para o Senhor Gerente começar a se mostrar mais cooperativo. E quando Burnett perguntou quem tinha saído pelos fundos, ele começou a dar com a língua nos dentes.

— Era um dos meus novos fornecedores. Ele entrou, correu para a registradora e, quando vimos, estava voando para os fundos, tão rápido que mal o vimos. Então, esses dois pularam o balcão como se fossem sobre-humanos.

— Me traga tudo o que você tem sobre esse cara. Agora! — ordenou Burnett quando o homem não se mexeu rápido o suficiente para ele.

O gerente arrancou até o escritório. Antes de Burnett segui-lo, ele se aproximou de Chase e Della e disse em voz baixa:

— O teste de DNA deu negativo. Não era Liam.

Della queria beijar Burnett. Droga, Chase parecia tão feliz que até seria capaz de beijá-lo também.

Um sentimento tomou conta dela. Uma sensação de que ela realmente gostava. Esperança. Natasha e Liam estavam vivos e ela ia fazer tudo que estivesse ao seu alcance para se certificar de que ficassem assim. Della teve que engolir quatro ou cinco vezes para não deixar lágrimas de alegria encherem seus olhos.

Quando Burnett seguiu o gerente até o escritório, Chase passou as costas da mão contra a de Della. Um toque suave, mas que dizia muito. Chase sentia a mesma coisa. Esperança. Incrível quanto se aprecia esse sentimento depois que ele é tirado de você.

— O que o Ruivo fez? — um dos caras nos fundos perguntou.

— Ruivo? — perguntou Della. — Esse é o apelido dele?

— É assim que a gente chama ele. Cabelo ruivo e tudo mais.

Cabelo ruivo? A mente de Della começou a ligar os pontos novamente e ela encontrou mais pontos do que esperava. O último cara de cabelos ruivos que ela tinha encontrado estava no cemitério onde Chan tinha sido enterrado. O cemitério onde os seguranças tinham uniformes puídos.

E nos uniformes havia um... emblema de cruz.

De repente, ela ouviu o comentário que Chase tinha feito antes: O lugar em que estão é como... um túmulo ou algo assim. Ela se virou para Chase.

— Eu sei onde eles estão!

Burnett saiu do escritório, parecendo surpreso e um tanto satisfeito por ter conseguido alguma coisa útil.

— Ele trabalhou no cemitério, não foi? Evert alguma coisa, certo? — perguntou Della.

Burnett concordou.

— Como você sabia?

— Eles disseram que o chamam de Ruivo por causa do cabelo ruivo. E Natasha e Liam tinham tatuagens — como um marca — semelhantes ao emblema dos uniformes dos seguranças do cemitério. Eles prenderam os dois lá, Burnett, em algum tipo de tumba subterrânea.

Ele pegou o celular.

— Nós vamos virar esse cemitério de cabeça para baixo se for preciso. Vou pedir para alguns agentes nos encontrarem lá.

Já estava escuro quando chegaram ao cemitério. Della olhou para a lua, a apenas um dia de entrar na fase cheia, o que significava que os lobisomens estavam na sua fase de maior força. Não que isso a preocupasse agora.

Eles aterrissaram na entrada da frente. O luar de prata banhava um portão de metal oxidado, com o símbolo da cruz. Ela queria bater em si mesma por não ter se lembrado daquilo antes. Mas não tinha tempo para isso.

Três outros agentes vampiros apareceram em segundos. Della respirou fundo e sentiu cheiro de lobisomem do lado de fora do portão. E Ruivo estava entre eles.

Burnett emparelhou com os agentes e mandou cada um para um lado do cemitério, por onde eles iriam entrar.

— É mais provável que os guardas não estejam no escritório. Provavelmente estão andando entre os túmulos. Se cercarmos o cemitério terão menos chance de escapar. Vamos pegar esses caras — ele disse, e olhou para a lua. — Lembrem-se, eles estão mais poderosos agora.

Della e Chase foram para o lado oeste do cemitério, como Burnett tinha mandado.

Logo antes de saltar a cerca, Della sentiu um cheiro forte de lobisomem.

Chase olhou para ela, para que soubesse que ele tinha sentido também.

Ele levantou três dedos, e quando baixou o último, ambos saltaram juntos por cima da cerca de quase dois metros.

Entre dois postes enferrujados, Della ouviu lobisomens conversando.

Eles estavam perto. Muito perto.

O som dos seus passos e dos de Chase batendo no chão ecoava no escuro.

A conversa parou. O silêncio ecoou.

Ou os guardas tinham ouvido seus passos ou sentido o seu cheiro. Della não se importou. Ela estava pronta para chutar um traseiro.


Capítulo Quarenta e Dois

Eles estavam em cinco. Mesmo no escuro, Della os viu investindo com tudo para cima deles.

Chase desviou os olhos rapidamente para ela, como que para ter certeza de que Della estava pronta.

Ele podia apostar que sim. Por Natasha e Liam, ela estava pronta para fazer qualquer coisa que fosse preciso.

Ela deu um chute, atingindo o primeiro lobisomem no estômago e fazendo-o voar uns dois metros no ar. Uma árvore esperava por ele. Bateu contra o tronco com um baque agourento, então deslizou para o chão. Sua falta de tônus muscular dizia a Della que ele estava inconsciente.

Um a menos, só faltavam quatro.

Não. Faltavam três. Chase deu um gancho de direita e outro lobisomem caiu no chão, inconsciente.

Mais dois vieram para cima de Della... com facas. As lâminas prateadas refletindo o brilho da lua.

Com o canto do olho, ela viu mais seis lobisomens disparando na direção deles. Droga! Era uma alcateia inteira!

Quatro rodearam Chase. E mais dois vieram se juntar aos outros dois que a cercavam.

Ela ia chutar um deles para ter mais chance, quando outro fincou a faca em seu braço.

Ela sentiu a dor.

Cheirava a sangue.

Aquilo foi o suficiente para deixá-la com muita raiva.

O rosnado de Chase encheu o ar da noite. Temendo que ele estivesse ferido, ela olhou para onde ele estava.

Os olhos dele estavam vermelhos e brilhantes, suas presas completamente projetadas, mas ela teve impressão de que a reação de Chase tinha sido desencadeada pelo ferimento no braço dela. Ele mesmo não estava ferido.

Essa segunda olhada custou caro. Os lobisomens agora estavam mais perto. Muito mais perto. Com mãos, pés, facas, vieram para cima dela de uma só vez. Mas Della usou o seu poder para se defender, bloqueando e até desferindo alguns golpes, enquanto se movia.

Ela pegou um dos lobisomens pelo pulso, girou-o, colocando-o à sua frente, e deixou que ele tomasse por ela alguns golpes de seus amigos. Ele grunhiu, gemeu, enquanto recebia socos nas costelas.

Quando seus amigos pararam de bater, ela usou seu prisioneiro como uma bola de boliche. Chan, que era um campeão de boliche, teria ficado orgulhoso. Ele teria considerado a jogada um spare, porque apenas um tinha permanecido de pé.

Justo quando ela investiu para derrubá-lo de uma vez, Burnett apareceu. Pegou o lobisomem pelo braço e jogou-o contra uma árvore.

Della virou-se para ajudar Chase. Mas, em vez disso, ela o viu golpear seu último atacante.

Burnett olhou em volta.

— Considerando as probabilidades, vocês se saíram muito bem.

Então os olhos dele ficaram mais brilhante quando ele se aproximou de Della e sentiu o cheiro de sangue em sua camisa.

— Está tudo bem — ela murmurou. Antes que Burnett começasse a paparicá-la, Chase já estava ao lado dela fazendo justamente isso. Ele arrancou a manga da camisa para ver a ferida.

— Não é nada sério — disse ela.

Logo em seguida, o barulho de passos se aproximando rápido soou nos ouvidos de Della. Todos os três se viraram ao mesmo tempo.

Della inspirou o ar pelo nariz e sentiu cheiro de lobisomem. Mas ele não estava sozinho. Estava sendo perseguido por vários vampiros — os outros agentes da UPF.

Então ela identificou o cheiro em seu banco de memórias.

— Eu conheço esse cheiro! — disse ela e disparou.

À luz prateada da lua, ela avistou Ruivo correndo na direção dela. Ele a viu e deu uma guinada, movendo-se rápido de volta para o bosque de pinheiros altos. Mas não rápido o suficiente.

— O “brinquedinho” está de volta! — Della sibilou quando o abordou, pressionando-o contra a camada de folhas de pinheiro que cobria o chão.

Ela colocou o joelho nas costas dele.

— Se mexa e eu prometo que vou bater em você onde mais dói e você vai ficar semanas falando fino.

Quando viu que ele não iria revidar, Della o fez rolar até ficar de costas e olhou-o nos olhos.

— Onde eles estão? — Medo enchia os olhos do lobisomem e era por uma boa razão. Della não tinha a intenção de pedir duas vezes.

Ruivo, juntamente com os outros lobisomens, contou a mesma história. O proprietário do cemitério, Ramon Henderson, era cúmplice das lutas subterrâneas. Mas quando receberam de Dallas a notícia de que a UPF estava atrás deles, Henderson fez as malas, pegou seus melhores homens e voou para o México.

Eles também admitiram que havia vários recém-criados presos no cemitério, mas tudo o que sabiam era que eram mantidos em câmaras funerárias. Henderson e seus principais homens haviam se encarregado deles, os outros tinham simplesmente suposto que ele tinha descartado as provas.

Havia seis câmaras funerárias no cemitério. Chaves com o número de cada uma delas estavam penduradas na parede do escritório.

As quatro primeiras estavam vazias. Enquanto Della, Burnett, Chase e dois outros agentes corriam pelo cemitério, procurando a quinta câmara, ela repetia a si mesma para não entrar em pânico. Só faltavam alguns minutos para encontrarem Natasha e Liam. Já estamos chegando. Já estamos chegando. Ela repetia em sua cabeça, de alguma forma esperando que Natasha e Liam pudessem ouvi-la.

A porta da quinta câmara estava emperrada. Burnett correu de volta para o escritório, encontrou duas marretas num almoxarifado, e ele e Chase puseram abaixo a pesada porta de concreto.

Tão logo ela desmoronou, o mesmo aconteceu com o coração de Della. O cheiro forte de morte exalou como se quisesse escapar dali. Os dois agentes deram um passo para trás.

Burnett, cerrando os dentes, olhou para ela e Chase com empatia.

— Vocês dois ficam aqui — ele disse quando entrou na câmara escura.

— Não! — ela gritou e tentou segui-lo, mas Chase a segurou.

— Deixe que ele vá.

Ela lutou com Chase por um segundo, então leu o motivo nos olhos dele. Se fossem eles, Chase não queria que ela os visse naquele estado. Ele também não queria vê-los assim. Della encostou em Chase e lutou para se agarrar firmemente ao seu fio de esperança recém-descoberto. Mas o cheiro de morte era tão forte que ameaçava destruí-lo.

Em apenas alguns segundos Burnett saiu, com o braço cobrindo a metade inferior do rosto. Seu olhar foi para Della e Chase. Ele baixou o braço e engoliu em seco.

— Quatro corpos. Três do sexo masculino, um feminino. Eles estão em decomposição, não dá pra identificar. — Sua voz saiu grossa como se a visão o enojasse.

— Não são eles — disse Della, o pulso tão acelerado que ela o sentia vibrando na garganta. — Eles estavam sozinhos na câmera.

Burnett olhou para baixo como se procurasse reunir forças, e depois os ergueu.

— Uma mulher e um homem estavam sozinhos num cômodo.

Della sentiu a dúvida cortar seu coração como vidro.

— Ainda resta um túmulo.

Burnett assentiu, aparentemente sem se dar por vencido ainda. Ele se virou para os outros e deu ordens para que alguém chamasse um camburão para levar os corpos.

Depois pegou uma marreta, Chase agarrou a outra, e os três saíram em busca do túmulo. O último ficava no meio do cemitério. Eles não falaram enquanto andaram até lá.

A lua só irradiava luz suficiente para que pudessem enxergar algumas lápides de um branco leitoso. Quando chegaram a um túmulo mais alto que Della, ela achou que seu coração iria parar de bater. Não conseguia sorver oxigênio suficiente para encher os pulmões.

Aquela era a reta final. Se Natasha e Liam não estivessem ali...

A chave não queria abrir o cadeado que pendia da grande porta de concreto. Burnett pegou a marreta e golpeou o cadeado até quebrá-lo.

Tanto ela quanto Burnett precisaram empurrar a porta para abri-la.

A escuridão era espessa dentro do túmulo. Burnett ligou uma lanterna. O feixe de luz moveu-se para a esquerda e para a direita. Apenas uma pilha de blocos de concreto enchia a câmara. Nada de Liam. Nada de Natasha.

Chase soltou um suspiro. Della sentiu-o puxá-la mais para perto, e eles se entreolharam. Ele estava tão perto que ela podia ver que os olhos dele pareciam úmidos e sem esperança. O sentimento de frustração cresceu tanto no peito de Della que ela queria gritar. Ela se agachou no chão, abraçou as pernas e enterrou a cabeça nos joelhos. Eles tinham falhado. Della sentiu-se enjoada, seu estômago estava pesado.

— Você ouviu isso?

Ela reconheceu uma voz e sua respiração estremeceu. Não tinha sido Chase ou Burnett.

— Ouvi o quê? — Ela levantou o rosto, mas só viu escuridão.

— Um barulho — disse Liam.

— Eles devem estar enterrando outra pessoa — disse Natasha. — Eu não quero ouvir.

— Não, foi diferente. Ouça.

— Não, eu estou cansada, Liam. Quero dormir para sempre.

— Não diga isso.

— Eles estão aqui! — Outra voz soou, mais distante, e Della percebeu que era Chase. — Eles estão aqui em algum lugar!

— Eles não estão — disse Burnett. — Nós tentamos.

Della saiu da visão apenas a tempo de ver Chase pegar a marreta.

— Você ouviu isso? — ele gritou, quando bateu na parede de pedra e abriu um buraco no túmulo.

Ele devia estar na visão, também. E em algum lugar no fundo de sua alma, ela manteve apenas o suficiente da visão para ouvir Liam dizer:

— Isso? Você ouviu isso?

— Eles podem nos ouvir! — Della gritou e pulou. Ela virou à procura de uma porta ou de uma entrada no escuro.

Nada. Em seguida, seu olhar recaiu sobre a pilha de blocos de concreto.

— Ali! — disse ela. — Ali embaixo.

Burnett não parecia convencido, mas, quando ela e Chase começaram a atirar os blocos para o lado, ele ajudou.

Dez blocos pesados depois, Della viu a trava de metal que servia para abrir uma porta de aço. As lágrimas de tristeza que ela tinha derramado agora se transformaram em lágrimas de alegria.

Foi preciso que todos os três puxassem a porta para que ela se abrisse.

Della pulou para dentro do pequeno espaço. Mas não viu nada além de escuridão.

Então, ela ouviu. Uma respiração. Inspirou fundo e sentiu o cheiro de vampiros. Dois.

— Natasha? — chamou Della. — Você está aqui? — Sua visão clareou apenas o suficiente para que ela visse outra porta aberta.

— Nós estamos aqui! — disse Natasha, como se tivesse começado a chorar. — Estamos... aqui. Bem aqui.

Della abaixou-se para passar pela porta. Um feixe de luz veio atrás dela. Ela se virou e viu Chase com uma lanterna.

— Encontramos! — Ela sorriu para ele através das lágrimas.

— Eu sei. — Chase lhe entregou a lanterna e ficou ao lado dela. Seu ombro roçou contra o dela e ela se deixou saborear o toque por um segundo.

— Vamos tirar vocês daqui.


Capítulo Quarenta e Três

O doutor Whitman e a família estavam de férias, portanto Burnett precisou chamar um médico diferente para encontrá-los em Shadow Falls. Ele levou o médico e seus pacientes para um dos quartos de uma cabana vaga. Della, Chase, Burnett, Holiday e Hannah estavam todos na sala de estar. Miranda e Kylie tinham aparecido para dar apoio. Miranda abraçou Della, Kylie apenas mostrou o polegar e então elas foram embora.

Chase sentou-se ao lado de Della, como se ali fosse o seu lugar. Ela não discutiu com ele. Formavam uma equipe muito boa. Embora a maior parte dos seus pensamentos girasse em torno dos dois atrás da porta, ela não podia deixar de pensar sobre a mensagem de Burnett para ela e Chase: depois desse caso, se você continuar a ver Chase, sua carreira na UPF acabou.

Será que ela realmente teria que fazer essa escolha?

Ela olhou para Chase e se perguntou quais eram as chances de ele vir trabalhar para a UPF.

Por trás da parede, ela podia ouvir o médico examinando os pacientes. A primeira coisa que ele pediu foi sangue extra. Ele tinha trazido algumas bolsas, mas precisava de mais. Burnett saiu e voltou com quatro bolsas de suas próprias reservas.

O médico os deixou se alimentarem e ministrou soro em ambos, enquanto os monitorava. Encontrar Natasha e Liam vivos tinha acabado com o pânico de Della, mas vê-los tão magros e fracos fez com que parte do sentimento voltasse. Ambos mal tinham se mantido conscientes no caminho para Shadow Falls.

Pareciam-se com os velhos retratos de prisioneiros de guerra. O ânimo na cabana agora estava cautelosamente otimista.

Burnett estava na varanda da frente fazendo alguns telefonemas. Provavelmente para garantir que os agentes cuidariam de tudo no cemitério.

Holiday, com Hannah nos braços, foi se sentar ao lado de Della e Chase. Ela ofereceu a Della um toque suave e calmante e então algumas palavras.

— Estou orgulhosa de você. E de você! — disse ela, olhando para Chase.

— Obrigado — disse Chase, e Della viu um brilho de orgulho nos olhos dele.

Hannah sorriu para Chase e agitou os braços.

— Parece que a minha garotinha já tem bom gosto para homens! — Holiday comentou. — Eu tenho medo de que ela seja uma grande namoradeira.

Depois de um segundo, Holiday continuou.

— E estou um pouco decepcionada comigo mesma. Eu tinha sérias dúvidas, porque nunca vi um caso em que o espírito fosse capaz de se conectar com duas pessoas vivas, mas estou começando a descobrir que nada é impossível.

— Estou feliz que tudo tenha acabado bem. — Della olhou para a porta do quarto. — Eles vão ficar bem, não vão?

— Eu não sou médica, mas acho que sim.

Della inspirou e sorveu um pouco mais de ar dessa vez.

— Será que o espírito já fez a passagem? — perguntou Holiday.

Della olhou para Holiday.

— Eu não sei.

— Ah, você saberia se ela já tivesse feito — disse Holiday. — Você vai ver. É bem bonito. A recompensa por todo o seu trabalho. E vale a pena. — Ela tinha um sorriso suave no rosto.

— Então eu acho que ela ainda não fez — disse Della.

— Por que ela ainda está vagando por aí? — Chase se inclinou na direção de Della para perguntar.

— Ela pode querer se certificar de que eles estão bem. Ou pode querer algo mais.

Della recordou a visão sangrenta da tia, morta. E ela sabia, graças a Holiday e Kylie, que muitas vezes o que os fantasmas querem é justiça. Mas como ela poderia oferecer isso se o assassinato tinha acontecido havia tantos anos? E o pensamento de ainda tentar descobrir a verdade quando...

Holiday falou novamente.

— Você já encontrou a ligação entre o fantasma e esses dois?

— Ela é a mãe de Natasha — disse Della, mas não adicionou o fato de que também era sua tia. Ela sabia que isso levaria Burnett a descobrir muitas verdades. E antes que ele começasse a investigar a sua árvore genealógica, Della queria descobrir as respostas por si mesma.

Holiday sorriu.

— Eu devia ter adivinhado. — Ela fez Hannah saltitar em seu colo. — Laços maternos são muito poderosos.

Os pensamentos de Della foram para a mãe e a última vez que tinha falado com ela. Della só podia rezar para que o problema que havia surgido em sua casa estivesse resolvido. Mas assim que tivesse uma chance, ligaria para a mãe.

Vozes ecoaram do quarto e ela ouviu Natasha conversar com o médico.

Della queria falar com Natasha, mas Burnett insistiu para que fossem examinados pelo médico primeiro. E imediatamente.

Por fim, o médico saiu. Burnett entrou na cabana. Holiday, Chase e Della, todos se levantaram. O médico sorriu e de repente o ar ficou mais leve para Della.

— Eles vão ficar bem. Não sei quanto tempo mais poderiam ter aguentado. Vai levar algum tempo para recuperarem as forças. Provavelmente vão ter cicatrizes mais emocionais do que físicas, mas vão ficar bem.

Della inclinou a cabeça para trás, fechou os olhos e fez uma oração de agradecimento. Chase se inclinou e sussurrou em seu ouvido:

— Nós conseguimos.

Della abriu os olhos e sorriu para ele.

— Os pacientes precisam descansar — continuou o médico. — Mas, se quiserem fazer uma visita, tudo bem. Só não se demorem muito. Um por vez e sem muita conversa.

Burnett avançou e olhou para Della e Chase.

— Eu tenho que ir para o escritório preencher alguns papéis. Por que vocês dois não vão vê-los e eu faço o meu interrogatório mais tarde.

Della assentiu.

— Ah! — acrescentou o médico. — Eu tentei convencê-los de que descansariam melhor em quartos separados, mas eles se recusaram a se separar. Mas isso não é incomum entre vítimas que passaram por uma grande provação juntos. Recomendo que os deixem ficar juntos por um tempo.

Della apostava que Natasha e Liam ficariam juntos por muito tempo.

O celular de Chase começou a vibrar no bolso. Ele o pegou e olhou para Della.

— É o Conselho, preciso informá-los sobre tudo o que aconteceu.

Della viu Burnett fazer cara feia, mas para seu crédito, não disse nada. Ele beijou a esposa e a filha e saiu.

Depois de alguns segundos, Chase foi para a varanda atender ao seu telefonema. Della ouviu-o contando o que tinha acontecido.

Ela olhou para o médico.

— Tudo bem se eu entrar agora?

— Tudo. Mas se eles estiverem dormindo, não os incomode.

— Entendi. — Ela começou a andar em direção à porta do quarto quando Chase voltou para dentro da cabana. Foi até onde ela estava.

— Eu preciso resolver outras coisas no Conselho pessoalmente. Não devo demorar.

— Tudo bem — disse ela. Antes que Della percebesse sua intenção, ele se inclinou e a beijou. Não foi um beijo cheio de tensão sexual, apenas uma simples despedida, de alguém que se preocupava com outra pessoa. Era muito parecido, Della percebeu, com o beijo que Burnett tinha acabado de dar em Holiday.

Chase sorriu e, em seguida, passou o dedo sobre os lábios dela.

— Eu não vou demorar.

— Nós precisamos conversar — disse ela, disposta a contar sobre o ultimato da UPF.

— Faremos isso — disse ele, e Della viu em seus olhos quanto ele se preocupava com ela.

Chase se virou para ir embora, mas ela pegou a mão dele e puxou-o de volta. E ela o beijou. Esse beijo durou apenas um pouco mais. Ela sabia que Holiday e o médico estavam olhando, mas, pela primeira vez, não se importou.

— Obrigada — disse Della quando se afastou.

— Pelo quê? — ele perguntou, sorrindo.

— Por tudo.

Chase apertou a mão dela.

— Volto assim que puder.

Ela sorriu e o observou sair. Quando o viu dar um salto do lado de fora da varanda, Della sentiu como se uma parte de si mesma tivesse decolado com ele. Então se deu conta de que, de alguma forma, de alguma maneira, ela não ia deixar de ver Chase. Não importava se seus sentimentos deviam-se à ligação. Ela ainda assim os sentia. E o fato de estarem juntos estava certo. Como Natasha e Liam. Como Kylie e Lucas. Burnett e Holiday.

Quando olhou para trás, ela viu que a expressão de Holiday não era de felicidade. Mas Della recusou-se a se preocupar muito. Ia dar tudo certo. Ela tinha que acreditar nisso.

— Eu vou dar uma olhada em Natasha e Liam — disse ela.

— Faça isso — disse Holiday.

Della se aproximou da porta e fez uma pausa. Respirando fundo, não completamente certa do que ia dizer à prima e Liam, ela abriu a porta devagar.

Natasha e Liam estavam em camas de solteiro, mas alguém tinha colocado as duas juntas. Ambos estavam tomando soro. Ambos tinham os olhos fechados.

Della parou na porta, seu olhar procurando Natasha. O médico devia ter usado um pano para pelo menos tirar um pouco da sujeira do rosto dela.

Ela usava um vestido e Della suspeitava que era de Holiday. Estava quase se virando para ir embora quando os olhos de Natasha se abriram.

Della sorriu para a garota, mesmo que fosse difícil vê-la com grandes olheiras escuras sob os olhos e o rosto encovado.

Natasha retribuiu o sorriso e sentou-se um pouco.

— Você não gostaria de descansar agora? Posso voltar depois.

— Não, por favor, entre. — Natasha fez um gesto para ela e em seguida olhou para Liam, que ainda estava dormindo.

Della se aproximou.

— Eu tenho ordens do médico para não ficar muito tempo.

Natasha assentiu com a cabeça.

— Ouvi dizer que você e aquele rapaz foram os responsáveis por nos encontrar.

A indecisão deu voltas na cabeça dela. Será que deveria dizer a Natasha toda a verdade sobre o fantasma? Sim, Della concluiu. Natasha merecia saber. Della se aproximou um pouco mais e se sentou numa cadeira ao lado da cama.

— Na verdade, tivemos muita ajuda.

— A polícia, ou... como vocês a chamam? A UP... alguma coisa?

— A UPF — disse Della. — Eles são como a polícia dos seres sobrenaturais.

Della viu Natasha apertar os olhos para verificar o seu padrão.

— Então você é uma vampira, também?

Della concordou e se lembrou do que ela precisava contar à garota.

— A UPF ajudou, mas... — Ah, droga, como é que ela iria contar? — Na realidade, Natasha, sua mãe é a pessoa que mais merece crédito por encontrar vocês.

— Minha mãe? — Os olhos de Natasha se arregalaram. — Mas eu pensei... Me disseram que ela achava que eu tinha morrido.

— Não, não a sua mãe adotiva. Sua mãe biológica, Bao Yu Tsang.

Agora as lágrimas encheram os olhos de Natasha e ela tocou os lábios trêmulos.

— Eu pensei que ela estivesse morta.

Merda! Della tinha estragado tudo.

— Sim, bem, ela está. Sinto muito. Mas... ela vagou por aqui esses anos todos, provavelmente zelando por você.

Natasha olhou para Della como se ela talvez precisasse de um psiquiatra.

Della hesitou e depois acrescentou:

— Eu sei que parece loucura. Pode acreditar, é um pouco mesmo. — De repente, o frio encheu o pequeno quarto, e Della soube que sua tia estava lá.

— Você está dizendo que o espírito da minha verdadeira mãe ajudou a me encontrar?

Della assentiu.

— Sim, em resumo é isso. — Exceto que eu estava em seu corpo quando você e o dorminhoco ali estavam fazendo “aquilo”. Talvez ela não devesse contar a Natasha essa parte.

A garota olhou para as mãos como se estivesse tentando processar o que Della tinha dito.

Della deixou que ela ficasse em silêncio pelo tempo que precisasse.

Finalmente, Natasha ergueu os olhos.

— Meu primeiro impulso é dizer que você está louca. Eu não acredito em fantasmas, mas então... Eu sou uma vampira, e não acreditava em vampiros, até que fui transformada.

— É — concordou Della. — É o tipo de coisa que mexe com a cabeça da gente, não é?

Natasha apenas balançou a cabeça.

— Então, ela disse a você onde me encontrar?

— Bem, sim, quero dizer... É um pouco mais do que isso.

— O que é mais? — perguntou Natasha.

Della suspirou.

— Esta parte pode ficar só entre nós por um tempo?

— Que parte?

— Eu não vou contar nada — disse uma voz masculina.

Della desviou os olhos para Liam, agora de olhos abertos, e pela expressão dele, tinha ouvido o comentário sobre o fantasma também.

— É, você não pode contar, também — disse Della.

— O quê? — perguntou Natasha, parecendo desconfiada.

— Você e eu... nós somos primas — disse Della em voz baixa. — Bao Yu Tsang é... era irmã de meu pai.

Os olhos de Natasha se arregalaram novamente.

— Você é Della? Eu deveria ter te reconhecido. Sua... Quer dizer, a nossa tia, Miao, me mostrou fotos suas.

— Não aquela em que eu estava pelada na banheira com 3 anos de idade, espero — disse Della.

Natasha riu e lágrimas encheram seus olhos.

— Sim, ela me mostrou essa. — Ela respirou fundo. — Nem posso acreditar que estou aqui com você.

Della sentiu a emoção invadir seu coração.

— Eu me sinto assim também. E não é que eu não queira que as pessoas saibam, é que estou tentando descobrir algumas coisas sobre a nossa família, e por ora, queria que isso ficasse apenas entre nós.

— Há algo errado? — perguntou Natasha.

— Não é nada com que precise se preocupar agora. — Della sentiu a temperatura do quarto cair um pouco mais.

Natasha puxou o lençol mais para cima e balançou a cabeça. Então ela pareceu à beira das lágrimas novamente.

— Quando Chan morreu, eu... Eu fiquei devastada. Nós saímos algumas vezes. Fomos ao boliche. Mas a mãe dele, Miao, ficou tão arrasada, que eu me senti muito mal indo vê-la, porque era como se a minha presença fizesse com que ela se lembrasse dele.

Della ia começar a contar a ela que Chan naquela época não estava morto, mas que acabou morrendo depois, mas aquilo levaria muito tempo e despertaria muitas emoções. Mais tarde ela contaria tudo, mas não agora.

— O médico disse para eu não ficar muito tempo. Obviamente, tenho muito a contar a vocês. Mas teremos tempo de sobra.

Diga a ela que eu a amava.

Della lutou contra o frio no quarto.

— Sua mãe, ela amava você.

De repente, Della sentiu que Natasha precisava saber mais.

— Ela queria ficar com você, mas os pais dela eram muito antiquados e ela não teve escolha.

Natasha enxugou uma lágrima em seu rosto.

— Eu sei. Você vai vê-la novamente? Minha mãe?

— Eu mais a ouço do que a vejo. Mas eu a vi algumas vezes.

— Você pode dizer a ela que eu entendo, e que eu tive uma boa mãe e um bom pai? Diga a ela que eu não a culpo. Miao me contou o que aconteceu. Que os pais dela e os pais do meu pai não me aceitaram. Queriam que ela me abortasse, mas ela se recusou. Diga a ela que agradeço por me dar a vida. Ah, e por me salvar agora.

Della ouviu o fantasma chorar baixinho.

— Ela pode ouvi-la.

— Ela está aqui?

Della assentiu.

— Obrigada — disse Natasha.

— Sim, quero agradecer também — acrescentou Liam e estendeu a mão para tomar a de Natasha.


Capítulo Quarenta e Quatro

Mal Della tinha saído do quarto de Natasha, seu celular tocou.

— Oi — disse Chase, e o peito da vampira se aqueceu com a vontade de vê-lo. — Como estão eles?

— Bem — disse Della, embora sentisse tensão na voz dele.

— Você está bem? — perguntou ela.

— Sim, mas eu não acho que não vou conseguir voltar aí esta noite. O Conselho quer relatórios e tudo mais. Você pode sair amanhã?

— Sim — disse Della, tomando a decisão de fazer aquele encontro acontecer. Ela não se importava de ter que ir contra a vontade de Burnett. — Que horas?

— Nove da manhã? Ou oito. Vou passar com você todo tempo que puder.

— Nove — disse Della. — Vou querer dar uma passada para ver Natasha e Liam novamente.

— Certo. E quando a gente voltar, talvez eu possa visitá-los. É estranho, não é? Eu meio que sinto que os conheço.

— Eu também — disse Della, pensando que seria bom ter Natasha em sua vida.

Chase se despediu e desligou, na esperança de que o dia seguinte acabasse tão bem quanto aquele.

Uma hora mais tarde, Shawn, o agente que os tinha ajudado no caso, apareceu apenas para ver se estava tudo bem. Della, Holiday e Shawn conversaram por um tempo, e então ele e Holiday foram embora.

Depois de se certificar de que Natasha e Liam não precisavam de nada e dar à prima o número dos telefones de Holiday e de Burnett, Della foi para a sua cabana. Miranda e Kylie estavam à mesa novamente, com Cocas Diet.

Miranda tinha lágrimas nos olhos. Ah, droga.

— E aí?

Kylie pareceu esperar para ver se Miranda ia responder e, quando viu que ela não ia fazer isso, Kylie fez por ela.

— Shawn veio vê-la.

— E então? — perguntou Della olhando para a bruxa.

— Eu acho que ele gosta de mim e eu não sei o que fazer.

Della se sentou ao lado das amigas.

— Você faz o que quiser — disse ela.

Miranda balançou a cabeça e olhou para Della.

— Você não se sente nem um pouco culpada? Você gostava de Steve, e, então, puf!, simplesmente passou a sair com Chase.

Della engoliu em seco.

— Sim, às vezes eu me sinto culpada, mas então lembro que ele foi embora, não eu. E ele me disse para descobrir o que havia entre mim e Chase. — Ela olhou para Kylie. — É como Kylie. Derek se afastou de Kylie e ela percebeu que ele não era o cara. Lucas era. — Della suspirou. — Eu não quero magoar Steve, mas o que existe entre mim e Chase é maior.

— Mas eu não posso dizer o mesmo — disse Miranda. — E vocês duas disseram que Perry parece o cara certo para mim.

Kylie acenou com a cabeça.

— Talvez ele fosse o cara certo para você, na época. Eu não me arrependo do que eu tive com Derek. Ele estava ao meu lado quando precisei. Eu vou sempre sentir carinho por ele. E acho que as pessoas entram na nossa vida assim. Della precisou de Steve para ajudá-la a esquecer o idiota do ex-namorado, e você precisava de Perry para ajudá-la a se adaptar a tudo por que estava passando.

Por mais que Della normalmente detestasse a porcaria de psicanálise de Kylie, aquilo fazia sentido. Ela provavelmente sempre sentiria carinho por Steve.

Miranda virou a lata de refrigerante nas mãos.

— Eu tentei ligar para ele, e ele nem retornou a ligação. Quero dizer, se ele tivesse pelo menos me ligado, eu perguntaria se ele está saindo com outras pessoas, e se estivesse... Eu odeio Perry! E provavelmente vou tomar sorvete por uma semana. — Ela lançou a Della um olhar de quem dizia: “E não se atreva a querer me impedir!”. — Mas eu poderia dar a Shawn uma chance.

Os olhos da bruxa quase ficaram marejados novamente.

— Você já teve alguma notícia de Steve?

Della se lembrou da mensagem de texto, mas, com medo de que isso fosse magoar Miranda, ela mentiu.

— Não.

— Como estão Natasha e Liam? — perguntou Kylie, mudando de assunto.

— Eles estão bem — disse Della.

— Você deve estar orgulhosa de si mesma — disse Kylie. — Foi você quem conseguiu isso. Você chegou a ver o fantasma fazendo a passagem?

Della balançou a cabeça.

— Não.

— Isso é estranho — disse Kylie.

— Na verdade, não — disse Della. — Eu não acho que ela já tenha conseguido tudo o que quer comigo.

— O que mais ela quer? — perguntou Miranda.

— Descobrir quem a matou. — Só dizer isso já fazia com que Della tivesse certeza. O fantasma precisava saber.

— Eu odiaria ter que fazer isso — disse Kylie.

— Sim, eu também — disse Della, e teve um vislumbre da visão e do homem que se parecia com o pai dela de pé com uma faca ensanguentada na mão. — Eu acho que vou para a cama.

Della dormiu com os olhos pregados na Smurfette, pensando em Chase. Então ela ouviu a pergunta de Miranda: Você não se sente nem um pouco culpada? Você gostava de Steve, e, então, puf!, simplesmente passou a sair com Chase.

Ela não devia se sentir culpada, disse a si mesma. Steve provavelmente já sabia que iria partir quando começou a fazer tudo para conquistar o coração dela. Isso tinha sido errado.

Muito errado.


Às seis e meia da manhã seguinte, Della acordou com o telefone tocando. Caramba, será que ela tinha rolado na cama a noite toda? Ela achava que não. Realmente precisava de descanso.

Quando ela pegou o celular, avistou a Smurfette boba e sorriu. Quando viu que o telefonema era de Chase, abriu um sorriso.

— Olá! — disse ela.

— Ainda estava dormindo? — ele perguntou com a voz rouca, como se tivesse acabado de acordar também.

— Sim — disse ela.

— Desculpe, eu te acordei e... Sinto sua falta. Quer que eu encontre você às sete em vez das nove

Ela sorriu.

— Não. Tenho que visitar Natasha e Liam, e então avisar Burnett e Holiday que vou encontrar você. — E ela queria ligar para Marla também. Só para se certificar de que as coisas em casa não tinham piorado ainda mais.

Ele devia ter captado alguma coisa na voz dela.

— Você acha que vão criar problema com isso?

— Eu não vou pedir, só vou avisar que vou sair com você — disse ela.

— Porque acha que eles não iriam deixar você vir? — Chase perguntou.

— Vamos falar sobre isso mais tarde — disse ela. Mas eles teriam que ter essa conversa. Ela fechou os olhos. Será que Chase iria trabalhar para a UPF? Um sentimento de apreensão tomou conta dela e o bom humor do início da manhã desapareceu.

— Ok. Então às nove — disse ele. — O que você quer fazer? — perguntou.

Ela sentiu um pequeno tremor percorrê-la. O que ela queria fazer? Estaria pronta para deixar que aquela coisa entre eles passasse para o próximo nível?

— Por que a gente apenas não deixa as coisas fluírem?

— Parece bom. — Ele ficou quieto. — Eu sinto sua falta — disse Chase.

Ela olhou para a Smurfette.

— Eu também.

Della se levantou para tomar banho. Lavou o cabelo, depilou as pernas e até colocou um pouco de maquiagem. Com a toalha enrolada no corpo, atravessou correndo a sala de estar para voltar ao quarto. Kylie e Miranda ainda dormiam e ela preferiu sair antes que acordassem. Precisava admitir que não queria que soubessem dos seus planos, porque ela não sabia o que estava planejando.

Abriu a gaveta de roupas íntimas, encontrou um sutiã preto por baixo dos brancos de todo dia. Ela o tirou da gaveta. A peça de tecido rendado pendeu do seu dedo e ela suspirou. Estava pensando em deixar Chase ver aquele sutiã? Estava pensando em deixar Chase tirar aquele sutiã?

Ah, mas que inferno! Ela não sabia. Mas só porque o usaria, não significava que ficaria nua. Ela vestiu o sutiã e depois encontrou uma calcinha preta que combinasse.

Quinze minutos depois, já do lado de fora da cabana, fazendo a curva que levava em direção à cabana de Natasha, seu celular tocou.

Achando que seria Chase novamente, pegou o celular, ansiosa, mas uma breve olhada revelou o número de Burnett.

— O que foi agora? — ela murmurou, rezando para que não fossem más notícias. Rezando para que não fosse para lembrá-la de que seu tempo com Chase tinha terminado.

— Você já está de pé? — perguntou Burnett.

— A caminho da cabana de Natasha e Liam. Por quê?

— Você pode vir ao escritório em vez disso?

— Por quê? — ela perguntou.

— Vejo você em um minuto — disse ele, sem responder à pergunta.

Droga, droga, droga! Seus instintos lhe diziam que aquilo não era bom.

Burnett esperava no escritório de Holiday, que não estava lá, o que talvez significasse que a notícia não era tão ruim assim. Ela tinha notado que, quando as coisas eram muito ruins, ele pedia para Holiday ficar por perto para fazer, com seu toque mágico, que as notícias ruins parecessem mais toleráveis.

Della mal tinha subido os degraus da cabana quando sentiu o cheiro de Holiday e a viu saindo do banheiro. E ela não parecia feliz.

Della respirou fundo e se sentou no sofá antes que insistissem para que ela fizesse justamente isso. Holiday se aproximou e se sentou ao lado dela.

— O que foi? — perguntou Della.

Burnett pegou um grande envelope marrom e se sentou no braço do sofá.

— Eu disse a você que eu tinha algumas preocupações com relação a Chase.

Portanto, aquilo era sobre ela e Chase não se verem mais. Mas Burnett só iria desperdiçar o seu tempo.

— Eu sei. — Della olhou de Burnett para Holiday e de volta para Burnett. — Mas nós trabalhamos juntos nesse caso e foi ótimo. E eu acho... pelo menos, espero, que eu possa convencê-lo a trabalhar para a UPF.

Burnett olhou para o envelope nas mãos.

— Eu pedi para Hayden ficar invisível e se esconder na cabana de Chase para ver se ele não estava fazendo nada de errado.

Della franziu a testa.

— Isso não foi legal.

— Fique brava comigo se quiser. Mas eu fiz isso porque sabia que você não iria parar de vê-lo. E para deixá-la continuar essa relação, eu tinha que ter certeza.

Della teve um mau pressentimento. Por que Burnett estava lhe dizendo aquilo? Ele achava que tinha pegado Chase fazendo algo ilícito?

Ela olhou para o envelope que ele segurava e soube que continha algo ruim. Algo que Burnett iria usar para tentar mantê-la longe de Chase. Ela não tinha certeza do que havia ali, e não tinha certeza de que iria funcionar.

— Então, o que você tem aí? — perguntou ela.

— Para ser sincero — Burnett disse. — Eu não sei, mas está me intrigando.

— O que está te intrigando?

Quando ele não começou imediatamente a falar nem passou para ela as provas, Della ficou um pouco irritada. Pegou da mão dele o envelope.

Ele franziu a testa, mas ela franziu também.

— Della — disse Holiday como que para tentar acalmá-la.

Della revirou os olhos para a fae.

— Ele vai me mostrar isso mais cedo ou mais tarde, não vai? Vamos apenas apressar as coisas.


Capítulo Quarenta e Cinco

Eram fotografias. De tamanho grande. A primeira era de Chase na varanda de casa. Nenhuma prova que o incriminasse.

As mãos dela tremiam com a fúria que sentia por Burnett interferir na sua vida. Ela pegou a próxima foto. Chase sentado na varanda com o binóculo nas mãos. Observação de pássaros. Ah, sim, isso fazia dele uma pessoa horrível!

Ela passou para a próxima foto. Chase de pé na varanda, conversando com alguém. Um homem, de costas para a câmera, andando, por isso ele não passava de um borrão.

Ela passou para a foto que vinha depois. Suas mãos pararam de tremer. Seu coração parou de bater.

— Eu não sei o que isso significa — disse Burnett. — Chase conhece o seu pai?

— Eu... Eu... — Ela não sabia o que responder.

Della sentiu o peito ficando pesado, os olhos arderem, mas nenhuma lágrima se atreveu a cair. Ela estava muito ocupada analisando a foto. Analisando o homem que estava na varanda de Chase. Olhando fixamente para a expressão nos olhos de Chase. Ele estava zangado.

Em seguida, ela mudou o foco para o homem. O mesmo rosto do pai. A mesma altura, mas não era ele. Seu pai não tinha braços musculosos; a barriga do pai, embora ele não fosse gordo, era um pouco mais arredondada.

Aquele não era o seu pai.

Aquele era seu tio.

A emoção tomou conta dela em ondas de dor. Chase havia mentido. Andava mentindo para ela desde o início.

Raiva.

Fúria.

Traição.

E pensar que ela tinha vestido seu sutiã preto. Tinha até pensado em tirar o sutiã preto. Ela tinha praticamente caído de quatro por ele...

Não, ela não tinha caído de quatro. Mas, por Deus, ele iria cair! Pra valer.

Iria cair de quatro. E era ela que iria colocá-lo lá.

— Você está bem? — perguntou Holiday.

— Não — ela disse. Por que mentir? Burnett saberia. Mas ela disse isso numa voz baixa e tranquila. — Eu posso ficar com isso? — Ela ergueu a foto e tentou ao máximo falar de um jeito amigável.

Burnett concordou.

— Você vai confrontá-lo?

Ou matá-lo.

— Eu acho que é uma boa ideia. — Ela se levantou.

— Eu acho que não — Holiday se levantou e pegou o braço dela. — Você está muito alterada.

— Ela me parece muito bem — disse Burnett. — Deixe-a ir e conseguir respostas. Ela merece saber que tipo de jogo ele está fazendo. Pelo que sabemos, o pai dela quer que Chase encontre algo ruim em Shadow Falls para desacreditar a escola.

Meu pai não está fazendo nada. Mas Della não disse uma palavra.

Holiday continuou a segurar o braço de Della e olhar para o marido.

— Já ouviu o ditado “o silêncio pode ser mortal”? Ou a expressão “a calmaria antes da tempestade”?

— Eu não vou ficar muito tempo — disse Della. — Preciso falar com ele. E fazer algo mais.

— Não! — disse Holiday com vigor. — Vá dar uma caminhada ou uma corrida e, depois, volte aqui daqui alguns minutos e nós vamos reavaliar. Quando suas emoções se acalmarem, você pode ir falar com ele.

Della queria explicar que ela não iria se acalmar.

Como poderia? Ela tinha sido enganada.

Ele tinha brincado com ela.

Nada a deixava mais irritada do que alguém fazendo-a de boba. E ela tinha sido muito boba.

— Espere dez minutos. Dez! — insistiu Holiday.

Della assentiu. Ela tirou o celular do bolso e tirou uma foto da fotografia.

— Não vá antes de voltar para me ver — disse Holiday.

— Eu não vou — disse ela, e estava disposta a cumprir a promessa. Não que isso fosse ser fácil, tudo o que ela queria fazer agora era encontrar o Pervertido da Calcinha e dizer exatamente o que pensava dele. Mas, ela gostasse ou não, Holiday estava certa. Della tinha que planejar o que precisava dizer, porque no momento não tinha vontade nem de colocar os olhos nele novamente.

Ligados uma ova! Como ele podia dizer que era ligado a ela e depois não fazer nada além de contar mentiras? O tempo todo, ele tinha mentido. Chase sabia sobre o tio dela.

De repente, ela se sentiu enjoada. Saiu do escritório e começou a andar em direção à sua cabana, apenas para perceber que não queria falar com Kylie ou Miranda agora.

Um pouco antes de pegar a trilha que dava no bosque, ela ouviu alguém chamar seu nome.

Derek.

— Mais tarde — Della gritou e começou a decolar.

— Não! — Derek gritou. — É importante.

Ela começou a decolar de qualquer maneira, mas palavras soaram em sua cabeça.

Você precisa ouvir isso!

O frio a cercou.

— Ouvir o quê? Por que diabos eu deveria ouvir uma palavra do que você diz? — Della perguntou, falando com nada mais do que uma parede de ar frio. — Não foi você quem colocou Chase e eu juntos para trabalhar nesse caso? Eu poderia ter salvo Natasha sozinha. Eu não precisava dele!

Ela parou e virou-se para Derek, que esperava atrás dela.

— O que você disse? — ele perguntou.

— Eu não estava falando com você. Mas já que está aqui... O que foi?

Ele apertou os lábios, a preocupação enchendo seus olhos.

— Eu... Merda, Della, eu não sei como dizer isso.

— Isso é fácil. Você abre a boca e as palavras saem — disse ela, sem paciência. — Experimente.

Derek assentiu. Suspirou alto.

— Lembra quando você me pediu para verificar novamente com o detetive sobre o caso da sua tia?

Della assentiu com a cabeça.

— Como eu não o vi mais, liguei para ele na noite passada.

— E então? — Ela fez um gesto com as mãos para apressá-lo.

— O detetive me ligou de volta ontem. Ele disse que, depois que olhou os arquivos, verificou o que todos eles ainda tinham em termos de provas. — Derek arrastou os pés um pouco. — Eles fizeram alguns testes com um pouco de sangue que tinham coletado. Foram inconclusivos. Mas agora que os resultados voltaram — ele hesitou —, eles vão fazer uma prisão. Vão prender seu pai, Della. Sinto muito.

Ela ficou parada ali por alguns segundos.

As palavras de Derek davam voltas na cabeça dela. Lembra que você me pediu para verificar com o detetive novamente sobre o caso da sua tia?

Seu pai ia ser preso por assassinato e era por culpa dela.

Se ela não tivesse pedido a Derek para investigar, o caso teria sido encerrado. Não teria sido resolvido.

Ela tinha feito isso. Feito isso com seu pai — um homem extremamente reservado, que nem sequer queria pensar sobre o passado. Agora o mundo inteiro saberia. Haveria notícias, fotos nos jornais.

Seu pai seria humilhado. Pior do que isso, seria acusado de assassinato. E se eles o condenassem?

Della engoliu a dor. Lágrimas ardiam em seus olhos. Se ela não o tinha desapontado antes, tinha feito isso agora.

Não apenas ele dessa vez. Isso não iria ferir apenas ele, mas a sua mãe, a sua irmã. Isso poderia destruir sua família. Completamente.

Que diabos ela tinha feito?

Ou, melhor, como diabos ela iria corrigir aquilo?

Seu celular tocou. Ela o tirou do bolso. O número da irmã apareceu na tela.

Della atendeu à chamada.

— Oi. — Sua voz tremeu um pouco ao dizer isso.

— Della? — A voz da irmã veio junto com muitas lágrimas, assim como as que já escorriam pelo rosto de Della. — A polícia veio aqui... eles levaram o papai. — Marla soluçou. — Eles acham que ele matou alguém. A mamãe está arrasada, ela não para de chorar. Você tem que voltar para casa. Você tem que voltar!

Della ouviu o pedido da Marla. Mas como ela poderia voltar? Como iria conseguir sangue se estivesse morando na casa dos pais? Como conseguiria guardar seu segredo da família? Como poderia deixar Shadow Falls?

E como poderia não ir para casa e tentar corrigir as coisas, se tinha sido ela a causadora de tudo?

— Estou indo — disse Della a Marla. — Estou voltando para casa.

 

 

                                                                  C. C. Hunter

 

 

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