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Series & Trilogias Literarias
15
41º 54’ 0” N e 87º 39’ 0” O.
Todos os doze acordaram juntos no piso de pedra. Haviam caído numa rua asfaltada por uma fina camada de piche. Aquela sim havia sido uma viagem dolorida.
O grupo se levantou ao ver algumas pessoas se afastarem deles rapidamente. As mulheres vestiam saia com excessivo tecido nas nádegas, eram compridas e usavam luvas, chapéu e sombrinha para o calor que já começava a afetar a todos. Os homens usavam chapéu alto, do tipo cartola e usavam paletó e gravatas que pareciam mesmo indicar um tempo antigo.
— Devem estar assustados, pois — concluiu Bonilha.
— Estamos secos, perceberam? — Enrichetta falava com Hélder que olhava em volta atônito.
— Nossa! Que dor de cabeça! — reclamou Lânia.
— Sua diabete? — perguntou Zôra.
— Não sei como fica.
— Lânia não pode ficar sem alimentação. Bantuh! Encontre alimento! — Zôra falou e Bantuh concordou com um movimento de cabeça, sumindo pela rua.
Sean se aproximou de Lânia.
— Por que não me disse professora?
— Porque não queria preocupá-lo.
Sean sorriu com carinho e Zôra sentiu ciúme quando ele olhou em volta.
— Já estive aqui!
— Noutra vida Sr. Queise?
— Não, Omana, nessa vida. Acho até que tirei fotos dela — Sean apontou para a ponte que viam logo adiante. —, ou que o sobrou dela.
— “Sobrou”? — Enrichetta não gostou do que ouviu.
— Onde estamos Sr. Queise? — Hélder quis saber.
Sean pegou o GPS e leu a coordenadas.
— 41º 54’ 0” N e 87º 39’ 0” O.; Chicago, às margens do Lago Michigan.
— O que fazemos aqui? — Ebiere olhava para o céu tentando entender algo.
— Droga! Precisamos saber a data... — Sean começou a andar.
— Por que essa merda de data, Sr. Queise? — Lenny o seguia nervosa e Isadora só o observava, sedenta por ele, pronta para dar o bote.
A rua estava movimentada, carroças e carruagens puxadas a cavalo faziam o trânsito ficar frenético. Ninguém se entendia e ser atropelado era a coisa mais banal naqueles tempos.
— Aonde vai, Sean?! — gritou Lânia o vendo se distanciar.
Sean que se vestia igual estancou.
— Não sei... — ficou momentaneamente confuso ao ver que estava andando sem perceber no meio do transito caótico.
— Por que a data é importante, Sean bonitinho? — insistiu Isadora Gastón.
— Porque se estou certo, vamos passar por outra catástrofe, Dra. Gastón.
Ela o encarou numa atitude curiosa.
— Onde estamos exatamente? — Narciso emendou.
Sean leu o nome da rua.
— Rua Garcia. Esta construção também não me é estranha.
— Chicago Post Office! — respondeu Zôra. — Esquina da Rua Deadborn com a Rua Garcia.
— Como sabe? — perguntou Lenny.
— Sei! — respondeu Zôra olhando Sean.
Ele decididamente não gostava de vê-la falando daquele jeito.
— Até quando vamos ficar tendo aulas de história querida Zôra? — Narciso irritou-se.
— Até conseguirmos voltar? Talvez? — foi Sean quem respondeu.
— Nossa! O Sean bonitinho anda irônico — foi a vez de Isadora o irritar.
— Não me chame assim! — ele a fuzilou com um olhar. — Vamos sair daqui! — Sean deu a ordem. — Estamos no meio de uma rua frequentada.
— Bantuh vai voltar.
— O encontramos no caminho, Srta. Trevellis — Sean tomou a decisão já indo embora e Zôra também não gostou de como foi chamada.
Lânia, Enrichetta e Bonilha o seguiam. Isadora e Narciso deram de ombro e o seguiram também. Atrás Ebiere, Lenny, Omana e Hélder.
— Droga! — Zôra não viu alternativa a não ser ir atrás de todos.
Mas não antes de perceber passos furtivos não muito longe dali.
— Temos que conseguir roupas da época — falou Sean. — Estamos chamando atenção.
— Concordo! Porque se os alienígenas estiverem nos observando — Hélder viu duas mulheres passarem. —, acabemos por nos misturar vestindo-nos iguais.
— É uma boa ideia — concordou Ebiere.
— Zôra, Lenny, Lânia e Isadora — Sean chamou-as. —, tragam roupas um pouco mais sofisticadas — pediu. —, caso contrário, não poderão circular normalmente por certas ruas — e se virou para a cosmóloga. — Srta. Ebiere é melhor ficar.
— Conheço a força da minha cor, Sr. Queise, num mundo escravagista. Vou ficar escondida com o Senhor.
— Ok! E você Bonilha, traga roupas para nós homens.
— Sim, aqui como em qualquer sociedade as pessoas usam roupas para mostrar sua posição social — falou Isadora olhando para os lados, olhando um local e outro para conseguir roupas.
— Disso parece que nossa Isadora fashion entende — Narciso foi cruel.
— Gay!
— Controle-se! — Zôra se impôs. — Não quero desarmonia aqui! — e se aproximou de Isadora. — Aqui não!
As duas se olharam e Sean se alertou com o ‘aqui não’.
Zôra se virou e dar de encontro com ele.
— É perigoso chamar atenção! — foi o que Zôra completou.
— Que tipo de roupa trago exatamente? — quis Bonilha saber.
— Se inspire no seu redor — pediu Sean ainda observando Zôra atentamente.
Um silêncio caiu no grupo.
— Vamos por ali! — apontou Zôra para algumas lojas de roupas.
— Percebeu a entonação do ‘aqui’ da Dra. Zôra, Sr. Queise? — falou Ebiere.
— Quando Oscar a chamou para trabalhar Ebiere?
— Quando você terminou o programa de Spartacus.
Sean se virou para ela.
— Não perguntei isso.
Ebiere arregalou os olhos e nada mais.
— Sr. Oscar Roldman disse que eu precisava vir.
— Porque Oscar sabia que Oliver seria morto. O astrônomo, cosmólogo que os insectóides escolheram.
Os olhos negros na pele de Ebiere brilharam.
— Sim!
— Mas você sabe mais do que diz, não?
— Sobre uma Progress M-60 a ser colocada em órbita por um foguete portador Soyuz-U?
— Droga! — Sean explodiu e puxou Ebiere no que Narciso se distanciou olhando figuras desenhadas numa coluna. — O que é onda evanescente?
Ebiere olhou para o lado.
— Achei que soubesse.
— O que é ressonância de plasmons de superfície?
— Achei que o Senhor e Zôra tiveram muito tempo para conversarem em Bangladesh.
— Pare de achar ‘tanto’ Doutora agente de Oscar. Responda!
— Onda de Plasmons de Superfície ou OPS, são ondas eletromagnéticas longitudinais, que se propagam na interface entre um metal e um dielétrico, uma substância que possui alta resistência ao fluxo da corrente elétrica.
— O dielétrico neste caso sou eu?
— Qualquer substância submetida a um campo elétrico muito alto pode se ionizar e se tornar um condutor.
— No caso aqui, eu.
— Sim. As ondas acústicas e as ondas de plasmons de superfície não são fenômenos onde ocorre perda de energia por radiação, mas por ondas evanescentes.
— Foi por isso que meu corpo não deixou as paredes do túnel se colapsar na casa de Bangladesh?
— Veja Sr. Queise, na engenharia elétrica, a informação é deduzida da modulação em amplitude, AM, ou frequência, FM, do carregador. É assim que a informação é definida. Então em 1994, Gunter Nimtz, anunciou ter conseguido transmitir a 40a sinfonia de Mozart em um guia de micro-ondas a 4,7 vezes a velocidade da luz ‘c’! Este foi o clímax dos experimentos de seu grupo envolvendo ondas evanescentes.
— Está desacreditando Einstein, Srta. Ebiere?
— Não Sr. Queise. Mas temos uma violação da noção de causalidade da Relatividade Restrita quando o que ocorre é que a frente de um pacote de onda luminoso nada pode exceder ‘c’; contudo, o seu pico pode.
— A analogia entre o tunelamento quântico de partículas e ondas eletromagnéticas foi usada para medir o tempo de tunelamento de pacotes de micro-ondas limitados em frequência no regime evanescente em guias de onda. Essa limitação em frequência é usada, por exemplo, em transmissão de rádio, Srta. Ebiere.
— Viu? No fundo o Senhor sabia — Ebiere sorriu-lhe e Sean fez menção de que ela continuasse. — Com relação ao lindo experimento realizado por Steinberg, com luz visível, parece que o efeito não é genuinamente quântico, contudo, através de uma interferência de dois fótons, os detectores existentes são incapazes de medir diretamente uma diferença no tempo de chegada dos fótons detectados — Ebiere viu Hélder, Enrichetta e Omana e sua perna curta, voltando de sua andança. — Rolf Landauer em 1993, num interessante artigo de divulgação termina com um desafio: “Temos realmente certeza de que, sinalizando com a polarização dos fótons, não haveria nenhuma chance de uma rara propagação super luminosa de um fóton?”.
Narciso apareceu do nada se prostrando entre os dois e ficou assim os observando. Sean não pôde perguntar mais, apesar de não gostar de ver Narciso tão próximo dele. Havia recebido muita informação junta. Ele precisava digerir tudo aquilo.
Cabides e algumas peças colocadas em prateleiras foram usurpados. Lânia e Isadora conseguiram mais roupa adiante e uma sacola improvisada elas arranjaram. Então Zôra, Lânia, Lenny, Isadora e também Bonilha, voltaram com as roupas.
Depois os doze andaram muito até chegar ao final da Rua DeKoven com a Rua Jefferson, atrás de um lugar seguro para se trocarem e passarem a noite, visto que começava a escurecer num céu estranhamente avermelhado.
— “A noite fica mais escura antes do amanhecer”.
— O que disse Sr. Queise?
— A segunda profecia Maia dizia que a partir de 1999, com o eclipse do Sol em 11 de agosto, aconteceria em meio de um grande alinhamento planetário, com quase todos os planetas se alinhando em forma de uma cruz cósmica.
— Mas sabemos que não houve nada em 2012.
— Não houve?
— O que quer dizer Sr. Queise?
— Dizer, Dra. Omana, que assim como o inventor e sua máquina do tempo, mudamos o que deixamos para trás, mudamos o que já fora 2012 antes de sairmos do hotel Damaraland.
Todos se olharam e Narciso parou em frente a uma plaqueta que balançava com a golfada de ar quente que os tomou novamente.
— Patrick O’Leary’s! — Narciso leu e Sean teve a sensação da queda de Lânia antes que acontecesse.
Esticou o braço segundos antes que ela sequer passasse mal e pegou Lânia que desmaiou; ele a ergueu com carinho.
— Vamos Narciso! — disse Sean com Lânia no colo e Narciso acelerou o passo.
Zôra percebeu que Sean se desenvolvia rapidamente dentro do túnel de tempo.
— Ali tem um celeiro! — apontou Bonilha.
— Ótimo! Temos mesmo que conseguir um lugar para ficar por agora.
— E se algo acontecer Sean bonitinho? — Isadora quis saber.
— “Algo”? — Sean quis entender.
Isadora não falou mais e Sean acomodou Lânia num monte de feno dentro de um celeiro com um estábulo dentro. Lenny foi procurar água com Enrichetta e Omana enquanto Ebiere anunciou que ia atrás de Bantuh. Hélder e Narciso pegaram alguns ancinhos para repuxar um tanto de feno que atrapalhava a passagem enquanto Isadora só os rodeava.
Os cavalos não estavam no celeiro e algumas poucas pessoas circulavam por perto. Uma ou duas vacas pastavam não muito longe dali e o cheiro os alcançou.
— Uhm! Isso cheira mal — reclamou Isadora.
— Metil mercaptana, pois; um composto sulfurado volátil.
Isadora desdenhou Bonilha e suas explicações químicas.
— Podemos matar uma vaca e comer? — Hélder questionou.
— Está louco?! — gritou Zôra. — Não podemos interferir em nada.
— Mas precisamos comer — Hélder começava a se enervar, não gostando de se imaginar em meio as tais experiências da Poliu.
— O que é aqui Sean bonitinho?
— Não sei, Dra. Gastón — Sean voltou a verificar o GPS com a cabeça de Lânia em seu colo.
— A leitura mudou? — Bonilha quis saber.
— Latitude 41° 54’ 0” N e Longitude 87° 39’ 0” O. Estamos em Chicago realmente.
Lânia acordou com os cabelos ruivos e enrolados em total desalinho e ele sobre ela.
— Você está bem professora?
— Estou fraca... — Lânia baixou a cabeça sobre o feno percebendo o ciúme de Zôra.
— Eu disse que tínhamos que esperar Bantuh! — a voz de Zôra era forte. — Lânia precisa comer.
— Todos nós precisamos Srta. Trevellis.
Zôra não gostava de como ele a chamava. Percebia a diferença de como ele chamava Lânia.
— Bonilha, Hélder e Narciso, voltem pelo caminho feito e encontrem Bantuh; encontrem Ebiere também — Zôra deu a ordem.
Bonilha e Hélder foram a contragosto. Narciso permaneceu no lugar.
Sean Queise só se ergueu do chão e ele correu estábulo afora.
— Idiota! — exclamou Sean com vontade.
— Não adianta provocar Narciso, Sr. Queise. Ele não queria estar aqui.
— Todos nós; suponho? — Sean outra vez quis entender as entrelinhas de Zôra.
Zôra Trevellis se fechou novamente se trocando com uma das roupas trazidas e saindo do estábulo a procura do quê, Sean não soube. Apesar de tudo, Sean a achou linda naquelas vestes, na saia com o traseiro arrebitado. Ele também ficou atraente com o terno de gabardine preto, usando só a calça e a camisa. Depois deu o nó na gravata estranhamente colocada abaixo do colarinho. Seu corpo másculo, malhado, se desenhou no tecido colante da camisa branca, o que não passou despercebido por Isadora que vestia um vestido verde com decote, e que o fez acentuar rasgando-o um pouco mais. Com tanta sensualidade, a roupa desenhou as curvas sinuosas da ruiva esposa do falecido Oliver Gastón, que Sean acreditava ter sido assassinado por Isadora.
Lenny, Enrichetta e Omana voltaram com um jarro de água feito de madeira que mais lembrava um barril. Isadora se afastou e chegou ao outro extremo do estábulo, parecendo ficar perplexa com algo.
— Sean?! — gritou Isadora.
Sean correu até o final do celeiro a encontrando debruçada sobre algo.
— O que encontrou Sra. Isadora? — Sean viu que ela não se moveu e se aproximou quando ela girou-lhe fazendo-o cair sobre o feno. — O que está fazendo... — e Isadora saltou sobre ele fazendo suas mãos hábeis alcançarem seu sexo. — Ah! Enlouqueceu...
Isadora o beijava e ele tentava de todas as maneiras a afastá-la, segurar-lhe as mãos.
— Ahhh! — exclamou excitada.
— Me largue Isadora... — mas o sexo dele encaixou-se na mão dela em movimentos rápidos. — Não... Não... — Sean tentava raciocinar, mas a boca dela caminhou cintura abaixo. — Não Isadora... Não faça...
Ela não pretendia obedecer-lhe.
— Algum problema Senhora Gastón? — Zôra foi tão sutil quanto sua aproximação.
Sean quis respirar, mas achou que não se lembrava de como.
Quando o ar voltou aos pulmões, Zôra já tinha dado meia volta, assegurando que Isadora ia à sua frente. As duas caminhavam em silêncio até onde os outros estavam no começo do celeiro. Zôra sorriu gentil para Isadora que agradeceu com o mesmo cinismo. Sean demorou a voltar chegando depois que Bantuh voltou com a comida, acompanhado de Narciso, Hélder e Bonilha que o havia encontrado escondido atrás de umas árvores próximo a uma grande ponte.
— Onde está Ebiere?
— Não a vimos.
— Não disse que a procurassem?
— Não vimos Ebiere no caminho, Zôra.
— Voltem e...
— Não! Tenho que comer! — Hélder se alterou. — Ou acha que por que estamos viajando no tempo meu corpo não tem fome?
— E frio merda! — falou Lenny.
— E sono! — falou Omana.
— E cansaço! — falou Enrichetta.
— Basta! — Sean se impôs. — Estamos nessa roubada junto. Eu vou procurar Ebiere e vocês fiquem aqui e comam.
— Não pode sair...
Sean só a encarou e Zôra não gostou daquele olhar de superioridade. Ele era um Queise, ela uma Trevellis. Sean saiu e Isadora foi atrás enquanto Bantuh separava a comida para os doze do grupo.
— Sean? — Isadora chamou outra vez e Sean trocou olhares com Zôra que foi atrás dos dois. — Calma, Sean bonitinho! — Isadora apontou para uma moeda que encontrou no chão, do lado de fora do estábulo. — Não vou lhe agarrar! — e ela viu Sean se aproximar suspeito. — Não agora! — Isadora completou e ele estancou e Isadora gargalhou. Sean voltou a se aproximar e pegou a moeda dela. — O que está escrito aí? — apontou Isadora para a moeda.
— Me espanta que uma paleontóloga não saiba ler latim.
Isadora só gargalhou. Ela era uma Ph.D e Sean vestido com aquele costume a excitava cada vez mais quando se aproximou para cheirá-lo.
— Anni 64, Decennia 7, Saecula 1 — Sean leu e recuou.
— Estamos no ano 64?
— Não! — olhou de lado. — É claro que não.
— Voltamos no tempo?
— Já disse que não! — foi categórico.
— Então qual é dessa moeda aqui? — Isadora irritou-se.
— Não sei. A moeda é de Roma, a Roma de Nero.
Isadora se aproximava outra vez e Sean recuou já com medo das atitudes nada convencionais dela.
— E o que é aqui, pois? — Bonilha também havia saído atrás deles, aproximou-se dos três e retirou o paletó azul marinho que usava.
— Chicago! Já disse! — e Sean olhou Zôra o encarando e deu mais um passo longe de Isadora que continuava colada nele.
— O que esses insectóides querem nos mostrando Roma de Nero, Sr. Queise? — Omana se aproximou.
— É só se lembrar de que desgraça passou-se no século 1 de Nero — Narciso ironizou.
Lânia os alcançou com Hélder, Bantuh, Enrichetta e Lenny:
— O incêndio de Roma — disse a professora.
Lenny, Enrichetta e Omana se espalharam apavoradas.
— Deixe-me levá-la para deitar-se, professora — Sean pegou Lânia pelo braço, mas ela estava fraca. Sean a ergueu no colo e Isadora não gostou, ela ia atrás dele quando Zôra a fuzilou e Isadora recuou.
— O incêndio foi em 64? — continuou Hélder tentando entender o raciocínio de Sean e Lânia.
— E agora? — Enrichetta ficou atordoada sentando-se num pequeno banco de madeira.
— Narciso e Bonilha, deem algumas voltas. Procurem saber em que data está essa Chicago antiga e não se separem por nada. Eu vou atrás da Srta. Ebiere — anunciou Sean no que deixou Lânia deitada.
— Não saia sozinho, Sr. Queise. Vá com... — Zôra percebeu Isadora dando um passo em direção a ele. — Vá com Enrichetta e Hélder. Talvez vá precisar de uma mulher.
Sean, Enrichetta e Hélder saíram caminhando cada vez para mais longe do estábulo. Sean olhava as coordenadas de Spartacus mudando, poucos segundos era verdade, mas mostrando que o satélite de observação seguia-o. Ele nada deixou transparecer.
As ruas estavam agitadas como era de se esperar. Pessoas e cavalos disputavam o entroncamento das ruas Monroe e Dearborn. Uma forte lufada de ar quente os lançou ao chão.
— Ahhh!!! — Enrichetta caiu com Hélder sobre ela. — Doutor Hélder! — reclamou.
— Desculpe-me Doutora.
Sean os olhou. Não gostou da forte corrente de ar quente. Olhou o GPS, as coordenadas começavam a se movimentar enlouquecidamente. Spartacus avisava que algo estava para acontecer.
— Venha! Vamos! — Sean levantou Enrichetta do chão. — Precisamos achar Ebiere.
Os três se puseram a andar novamente e Sean se impressionou pela beleza local, pela imagem surreal de construções datadas de outro século. Ficou pensativo em como entender aquela viagem. Olhou Enrichetta e Hélder fazendo o mesmo, deslumbrados por fazerem parte de um livro de história.
“Nossa história?” pensou Sean confuso.
Sean sentiu o piso quente. Enrichetta começou a saltar um pé atrás do outro no que suas sapatilhas de tecido se aqueciam.
— O que...
Hélder olhava o chão soltando fumaça.
— O piso está aquecendo Sr. Queise?
Sean olhava o piso de terra batida, alternado por pedras largas de paralelepípedos soltando fumaça de seus encontros.
— Não sei... — foi só o que respondeu.
Narciso e Bonilha circulavam perto dali. Sean os alcançou e Bonilha bradava com um jornal nas mãos.
— The Chicago Tribune. October, 10, 1871, pois!
— Não é possível! — falou Enrichetta nervosa. — Já está fazendo calor antes dos pequenos focos de incêndio?
— Como é que é? — Narciso não entendeu.
Mas Sean sim.
— Como isso pode estar acontecendo Sr. Queise? — Hélder olhou em volta.
— Não sei Hélder. Não sei.
A parede oeste do edifico de escritório ao lado deles começou a mudar de cor, escurecia como se um pincel vivo interferisse na imagem vivida.
— O que... — Enrichetta saltou para detrás de Sean.
— Que está acontecendo? — Narciso também quis se esconder atrás dele.
— Viu isso? — Hélder queria respostas de Sean. — A parede se pintou sozinha?
— Não é pintura! — Sean a tocou. — É fuligem...
— Outra vez um lapso, pois? — Bonilha parecia começar a raciocinar como Sean.
— Meu Deus!!! Meu Deus!! Vamos embora!!! — correu Enrichetta gritando pela rua.
— Enrichetta?! — Sean gritou atrás dela. Ambos se chocaram com um, dois, três transeuntes. — Volte Doutora! Não podemos nos separar! — Sean não conseguia alcançá-la no burburinho da cidade agitada.
As pessoas da Chicago antiga se olhavam, não entendiam aquela gritaria, aquela correria, nem o personagem exótico que se misturava a eles. Nem Sean Queise nem os outros viajantes o viram, mas ele os via; os seguia também. Sean correu até o final da Rua Monroe para depois entrar numa ruela suja, enterrando seus pés numa lama que antes não estava ali. Ele começou a achar que o fato das paredes se colapsarem na passagem deles era por que eles eram muitos e todos eles estavam de alguma forma alterando o tempo, provocando um racha na fenda temporal como quando Kelly sumiu para a Era do gelo.
Sean saiu noutra rua sem conseguir localizar Enrichetta. La só mulheres de chapéus, sombrinhas colorida, todas levantadas ao mesmo tempo e o piso seco. Estancou fazendo Hélder se chocar com ele. Atrás vinham Bonilha e Narciso.
— Onde agora Senhor... — e Hélder mal teve tempo de projetar uma frase e Sean voltou a correr se misturando cada vez mais, se perdendo e se encontrando numa rua lotada com os três atrás dele.
— O que houve, pois? — perguntou Bonilha?
— Perdemos a Dra. Enrichetta — respondeu Hélder.
— Onde ela está Sr. Queise? — Narciso se rodeava.
— Não sei... A perdi de vista.
— E agora, pois?
— Vamos! Vamos voltar ao celeiro e se reunir com todos. Depois voltaremos todos juntos e procuraremos Ebiere e Enrichetta.
— Não podemos deixá-las... — apontava Hélder nervoso, suado.
— Não podemos nos perder Hélder. Temos que ficar juntos ou vamos afetar cada vez mais os acontecimentos.
— Mas a Dra. Enrichetta...
— Ela não devia ter corrido.
— Sr. Queise tem razão, Hélder — Bonilha olhava em volta. — Vejam! — apontou para outra parede da loja de comércio que escurecia como a anterior.
— Por todos os Santos, Sr. Queise, a Dra. Enrichetta pode estar em pânico. Não podemos deixá-la.
— Não vamos deixá-la, Dr. Hélder. Já disse! — Sean estava firme em sua decisão. — Mas agora temos que voltar e nos juntar aos outros. Voltaremos como disse, mais tarde, todos juntos, e as ruas estarão mais vazias; e então será mais fácil encontrá-la.
Sean se virou e voltou por onde haviam saído. Narciso não pensou em cogitar. Ainda não havia comido. Zôra impactou quando viu Sean, Narciso, Hélder e Bonilha com as calças sujas até o joelho.
— Onde estiveram?
— A Dra. Enrichetta se perdeu — foi só o que Sean falou.
— Oh! Não... Isso não podia ter acontecido.
— Acharam Ebiere? — Omana arregalava os olhos.
— Também não — Narciso correu e começou a comer com as mãos sujas mesmo.
— O Sr. Queise disse que voltaremos mais tarde, pois — Bonilha anunciou indo comer.
Hélder passou por ele abatido.
— Por que só mais tarde, Sr. Queise? — Zôra quis saber.
— Na noite de domingo — disse ele. —, uma noite morna e seca, com um vento excepcional que veio através da pradaria do sudeste, aproximadamente 08h30min PM, quando um fogo quebrou para fora no lado ocidental e foi contíguo com o distrito abaixo.
— “Fogo”? Que fogo? — Isadora e Lenny falaram uníssonas.
— De acordo com relatórios da área, o fogo tinha começado na Rua DeKoven, onde fica a atual ‘Academy of fire’ — Sean ainda encarava Zôra.
— Outra catástrofe então? — Narciso procurava algo em volta. — Era só o que o faltava.
— O que tanto procura? — Sean perguntou.
Narciso impactou. Não sabia que Sean o vigiava.
— Nada! Um papel...
Zôra pegou do chão os sapatos que tirara e começou a reunir um pouco da comida que Bantuh havia trazido num embrulho de tecido voltando até a porta do celeiro.
— Vamos sair daqui! — anunciou ela. — Vamos ficar no Palmer Hotel! — e ela só ouviu Sean rir. — Do que está rindo Sr. Queise? — falou ela em tom de desafio.
Sean não se deixou levar por ela e sua maneira de mandar em todos.
— “Vamos ficar no Palmer Hotel”. Estamos de férias?
— Você não... — Zôra ia tocá-lo, mas foi segura com força.
— Não me faça girar! — falou Sean entre dentes cerrados. — Não vamos a lugar algum, Srta. Trevellis. Não sem Ebiere e Enrichetta.
— Ai... — Zôra sentiu dor na mão forte que a apertava e Bantuh se pôs entre eles.
Sean foi obrigado a largá-la.
— Qual é o lance do hotel? — Omana percebeu algo no ar.
— O Palmer Hotel original foi aberto em 1871 e apenas 13 dias após a inauguração foi o único hotel a sobreviver ao grande incêndio de Chicago — Sean ergueu o sobrolho com ainda Zôra na mira dele.
— “Incêndio”? — desesperou-se Lenny.
— “Incêndio”? — desesperou-se Isadora
— Que ‘incêndio’? Que incêndio Zôra? — desesperou-se Narciso.
— Parece que a querida Zôra sabia que se fossemos ao hotel sobreviveríamos — riu Isadora.
— Isso é que dá não estudar história como o Sr. Queise — gargalhava Narciso.
Sean deu dois passos sendo barrado por Hélder e Bonilha.
— Qual é o lance do hotel Sr. Queise? — Omana voltou a questionar.
— Após o incêndio, ele foi chamado de ‘O único hotel à prova de fogo do mundo’, pois foi construído principalmente em ferro e tijolo. Além disso, o piso de sua barbearia supostamente foi ‘azulejado’ com moedas de prata o que ajudou durante o incêndio.
— “Moedas de prata”? — Isadora falou sozinha. — Como essa aí na sua mão?
Todos se olharam apavorados.
— Explique isso Zôra! — Narciso se adiantou agora muito nervoso.
— Não tenho nada a explicar.
— Explique-se!!! — Narciso começava a se descontrolar não sentindo muita confiança em Zôra.
— Não grite comigo Narciso!!!
— Uhm... — e ele se afastou do grupo.
— O que sabe mais, Sean? — falou Lânia com carinho, aliviando um pouco a tensão.
— O que encontramos nos livros de história, na Internet; que em 1870, Chicago era o principal fornecedor de cereais, gado e madeira, e possuía uma população de cerca de 300 mil habitantes. No verão de 1871, uma temporada anormalmente seca, com apenas um quarto da precipitação normal tendo caído. Então, um incêndio na zona sul logo engolfou a cidade. O ‘Grande Incêndio de Chicago’, que se iniciou num estábulo, logo se espalhou devido a ventos secos e fortes.
Uma golfada de ar quente tomou conta dos dez e o coração de Sean veio a boca; e ele olhou o entorno esperando a cor mudar. Mas a cor do estábulo não mudou.
Sean ficou em duvida se havia entendido ou não aquele jogo.
— O incêndio pode já ter passado? — Narciso desejou até.
— A cidade foi totalmente destruída. Está vendo destruição em volta, Narciso?
— O estábulo do incêndio... É onde estamos? — Lânia perguntou.
— Provável professora! — Sean olhou em volta. — Provável que por isso suas paredes não mudaram de cor.
Narciso, Hélder e Bonilha se olharam entendendo.
— A história não conta que o fogo se iniciou no curral de uma fazendeira, quando uma vaca chutou uma lanterna que caiu sobre o feno? — Omana quis saber.
— Como o rio corta a cidade como um ‘Y’ e o fogo se localizava do lado de cima de uma das pernas do rio, ninguém se preocupou muito em apagar, já que o rio se encarregaria de segurar o estrago. Já deu pra imaginar o estrago, Narciso? A cidade inteira foi destruída. Do que existia, só a antiga Torre de Água, na Michigan Avenue, permanece até hoje — Sean enfim comeu algo retirado do embrulho de tecido.
— Se o fogo começou por aproximadamente um tempo, temos tempo para fugir, não? — quis Lânia saber.
— Isso pode ser lenda — Hélder irritou-se. — A história tradicional diz que a origem do fogo começou por uma vaca que derrubou uma lanterna de querosene no celeiro, mas Michael Ahern, repórter republicano de Chicago, foi quem criou a história da vaca, e admitiu em 1893 que a tinha feito para enfeitar a história. Na verdade o calor veio de uma vaga, que havia atingido a cidade com temperaturas altíssimas.
— Uma vaga... — Sean deixou a frase inacabada. Lânia olhou para Sean que não tirava os olhos de Zôra. — Vagas de calor?
— O que? — Isadora pareceu não entender.
— Vagas de calor são situações fora do comum em que a temperatura da atmosfera é muito superior à temperatura média para essa região e para essa época do ano.
— Catástrofe! — completou o calado Bantuh.
— O departamento de fogo da cidade não recebeu o primeiro alarme até 09h40min PM, quando um alarme de fogo foi puxado em uma farmácia. Temos uma chance de sairmos daqui antes — Sean olhava em volta, para cima, de novo em volta.
— Como Sean? — Lânia o olhou com atenção.
— Atravessando a ponte! — Zôra fora precisa dessa vez.
Sean temeu algo naquela frase.
— Mas a ponte da Rua Van Buren foi totalmente destruída — Sean lembrou-se.
Zôra ergueu o embrulho de tecido com a comida e saiu.
— Acharemos outra ponte — foi só o que falou.
— Mas temos que ir atrás de Enrichetta e Ebiere.
— Não podemos ir atrás delas Sr. Queise.
— O quê? — desesperou-se Hélder.
— O quê? — desesperou-se Lânia.
— O quê, pois? — também se desesperou Bonilha.
— Não podemos ir e não iremos! — Zôra ganhou o entorno do celeiro.
Sean correu atrás dela.
— Mas a esquina das ruas Dearborn com a Garcia virou escombro — ele prosseguiu.
Zôra estancou.
— Seguiremos por outro caminho! — e Zôra se pôr a andar.
— Mas a Bateham’s Mills, na Clinton com a Harrison foi incendiada.
Zôra estancou novamente.
— Iremos para o sul! — Zôra ia voltar a andar.
— Mas o Parmelee’s Stables, o Gas Works e o Conley’s Patch na Franklin com a Rua Adams foram dizimados. Court House e toda Polk Street deixou de existir; todos no sul.
Zôra estancou de vez.
— O que há Sr. Queise?! — Zôra levantou a voz. — Está me desafiando ou querendo morrer?!
Sean não se deu ao trabalho de responder.
— Não podemos avisar? Dar o sinal? — Lânia quis saber.
— Sabe que não! — Zôra fora ríspida.
— Alguém deu.
— Mas não seremos nós.
Lânia se encolheu.
— Vejam!!! — gritou Narciso. — Há alguns jornais no lixo.
Todos foram olhar. Bonilha puxou Sean com tanto empenho que ele quase perdeu o equilíbrio.
— Por que os insectóides querem saber sobre o calor Sr. Queise? As formigas se manifestam melhor no calor, Sr. Queise?
Sean teve a sensação de ‘cair a ficha’ quando percebeu que Zôra estudou entomologia porque sabia do encontro com as formigas, a talvez, uma guerra com elas.
— A Poliu...
— Como, pois, a Dra. Zôra sabia Sr. Queise? — Bonilha também entendeu. — Acha que ela é pré-cognitiva? Pós-cognitiva?
— Acredita Bonilha, que alguém tem o dom de saber e talvez até dominar todos os desastres naturais?
— Responda você Sr. Queise.
Sean o olhou não gostando muito para onde o assunto ia ser levado.
— Só posso responder que as catástrofes têm o poder de destruição infinitamente superior a sua capacidade de reagir a elas.
— É isso que eles temem? Os insectóides temem catástrofes, pois?
— Sim, Bonilha. Temem não se adaptarem a elas — e a visão de Sean se perdeu no infinito.
— Mas e nós?
Zôra percebeu que Bonilha e Sean falavam afastados, não sabia o porquê de não mais conseguir ler os pensamentos dele. Lânia também os percebeu conversando, voltou atrás e a professora puxou Sean.
— A merda dos papéis estão chamuscados — apontou Lenny para o chão.
— Outra vez, algumas coisas do futuro vêm antes do acontecido — falou Isadora observando Zôra atentamente.
— O carro amassado antes da batida — ironizou Narciso e Sean o ergueu pela roupa. A roupa alinhada que Narciso usava se ergueu junto. — Que há? O que eu disse?
E o estampido de uma arma disparada atravessou Sean que viu Narciso se incendiando. Sean o largou e Narciso foi ao chão sem entender o porquê daquele rompante.
— Venha! — Lânia afastou Sean outra vez.
Bonilha e Bantuh levantaram Narciso do chão e todos se abstiveram de comentários quando Sean se soltou de Lânia e largou o peso do corpo, sentando-se no meio fio da calçada.
— Levante-se! — Zôra não teve pena dele nem de ninguém. — Está anoitecendo!
Todos obedeceram.
A noite caiu e os doze viajantes caminhavam. Sean observava o pouco movimento da rua próxima onde pararam. Ficou pensando onde mais poderiam se esconder, sem dinheiro para pagar uma estalagem ou o Hotel Palmer.
— Estamos seguros aqui! — foi Zôra quem se aproximou.
Sean sentiu todo seu corpo estremecer no som da voz dela. Ela realmente estava bela naquela roupa.
— “Seguros”? — Sean riu. — Acho que nunca mais vamos estar seguros Senhorita.
Zôra percebeu que ele não fora irônico com seu sobrenome e aproximou-se um pouco mais.
Sean até desejava aquilo, com ela o observando encostado na parede, com os braços musculosos desenhados na camisa de puro algodão, começando dar sinais de que não demoraria em se deixar pegar apaixonada por ele.
— Está desistindo? — ela se recuperou.
— Não sei o que estou fazendo.
— Os alienígenas não vão nos testar por muito tempo.
— Deve saber melhor do que eu — e nada mais falou.
Zôra também o perturbava e ele temia que ela percebesse.
Bantuh estava sentado fazendo uma mistura de pães e verduras para Lânia comer novamente.
— Ela precisa de insulina — anunciou Zôra.
— Deus... Como vamos conseguir isso aqui?
— Não sei.
— Pensei que sempre soubesse de tudo.
— Por que me magoa?
Sean estancou e ela se afastou. Sean quis ir atrás dela, mas Bantuh se aproximou dele.
— A comida é pouca, Senhor. Tenho que buscar mais.
— Não pode se afastar do grupo Bantuh. Acho que Ebiere deve ter sido pega pela cor dela.
— A Doutora Lânia precisa de algo que talvez eu possa encontrar.
Sean olhou para o grupo.
— Vamos! Ajudo-te a conseguir mais.
Saíram Sean e Bantuh pelas ruas da cidade da antiga Chicago e a noite caía. A cor de Bantuh chamava realmente atenção e Sean desistiu. Pediu que ele não se expusesse mais e Bantuh voltou sozinho para desespero de Zôra. Sean foi ele próprio atrás de pão ou algo mais quando viu um jovem nobre, reconhecível pelas roupas que usava, pelo seu andar, pela bengala incrustada de joias que portava. Ele o olhou de lado ao passar e o jovem nobre carregava um saco de veludo contendo moedas com as quais o viu pagar duas garrafas do que julgou ser vinho bom, numa grande adega. Sean o esperou passar, e viu que ninguém os seguia.
Quando o jovem nobre contornou uma casa de roupas, nem teve tempo de ver o que o atingiu, Sean desejou e o corpo do nobre girou até seus pés soltarem do sapato de couro de crocodilo, fazendo todo o conteúdo do saco de veludo voar pelos ares, e a ruela estreita foi seu porto. O jovem nobre levantou-se desesperado a catar as moedas percebendo faltarem duas. Ficou olhando em volta tentando entender no que tropeçou, o que lhe houve, mas as duas moedas de um dólar e Sean Queise já estavam longe dali.
— Sempre tem a primeira vez — sorriu cínico.
Havia uma data incrustada na moeda; 1871. Nada podia mais lhe dar certeza do que aquilo. Bantuh o esperava à sombra de uma árvore nos arredores da cidadela quando Sean voltou carregando muita coisa. Ele havia comprado massa num ‘ristorante’ italiano; lá também pegou alguns talheres. Não soube como não cedeu a tentação de avisar do que os esperava, mas temeu as palavras de Zôra e nada comentou sobre a ‘Chicago de 1871’. Depois torceu que o dono do ristorante tivesse sido um dos sobreviventes daquela fatídica noite.
— Que macarrão mais frio — reclamou o empolado Narciso ao comer o pão no estábulo.
Sean parou de comer e o ficou observando.
— Coma Narciso! — falou Zôra. — Não quero mais ouvir alguma reclamação.
Ele deu de ombros.
— Dá um pouco desse negócio! — Narciso apontou para a cerveja.
— Não sou seu empregado — Bantuh também não tinha a mínima paciência com ele.
Narciso deu de ombros novamente.
— Vamos sair atrás de Ebiere e Enrichetta — Zôra levantou-se. Lânia enfim sentiu que Zôra não era tão fria quanto pensava ser. — Eu, você e Bantuh — falou para Sean que parou o garfo no ar.
Ele só a olhou e Zôra ganhou a rua. Sean foi atrás dela com Bantuh, Hélder, Omana, Bonilha e Narciso na cola.
— Eles querem ir — foi só o que Bantuh falou.
Zôra nada falou ao encarar Sean em silêncio. Deixaram Isadora, Lenny e Lânia sozinhas no estábulo da rua estreita e partiram. A noite ganhava contornos de estrelas brilhantes. Estava clara e suas silhuetas não podiam ser escondidas. Eles procuraram muito apesar de manterem-se distante dos habitantes de Chicago.
— Veja! — Bonilha mostrou o grande Palmer Hotel mais à frente deles.
— Seja lá o que estiver acontecendo, o incêndio ainda não ocorreu — Sean olhou em volta.
Narciso olhava uma pilastra e crop circles desenhados o fez impactar. Sean viu Narciso arrancar o pedaço de panfleto pregado na parede e guardou-o achando não estar sendo visto.
Sean redobrava cada vez mais a atenção para com ele.
— Que vamos fazer? — Narciso falou enfim ao voltar para perto deles.
Àquela hora, as ruas estavam cheias; a noite quente fazia as pessoas irem e virem.
— Havia algum evento na cidade na noite do incêndio? — Omana olhava o redor com desconfiança.
— Estou a acreditar que não, pois? Está calor...
— Foi bom nos vestir igual a eles — Narciso se olhou sem se preocupar com as preocupações alheias.
— Vamos voltar! — anunciou Zôra. — Já andamos muito.
— Não! Ebiere está aqui! — Sean foi categórico.
— Aqui aonde? — Zôra o olhou.
— No hotel! — Sean apontou para o Palmer Hotel. — Posso senti-la lá, presa.
— Seus dons podem não estar funcionando aqui.
Sean colou nela:
— Com ou sem dons, não vou a lugar algum sem encontrar Ebiere e Enrichetta, Srta. Trevellis.
Zôra não tinha mesmo como argumentar.
— Tentaremos encontrar algum estabelecimento onde possamos dormir — foi só o que disse.
— Sem morremos queimados, não? — Narciso foi rápido.
Foi a vez de Zôra fuzilá-lo.
— Só falei — e Narciso calou-se.
— Vamos buscar Lânia e as outras então — propôs Omana.
— Eu vou ao Palmer Hotel. Posso me passar por turista e tentar comprar uma escrava no mercado negro.
— Como Sr. Queise?
— Com dinheiro — Sean mostrou sua mão.
Zôra nada perguntou. Virou-se para voltar com Bonilha, Omana mancando, Bantuh, Narciso e Hélder a seguindo e Sean começou a andar em direção ao hotel quando um estampido o fez paralisar de dor. Sua língua grudou-se na garganta e a voz não saía.
Sean os viu se afastando e chamou Zôra, mas ela nada ouviu nenhum pensamento que escapou dele. Sean olhou para frente e viu toda a rua ondular e o Hotel Palmer, à sua frente, ficar nublado.
Ele movimentou os olhos como se só eles pudessem se mover, paralisado entre uma dimensão e outra, e chamou Ebiere. Mas só as lágrimas dela ele podia sentir. Caiu de joelhos na rua de pedras sem que Zôra, Bonilha, Omana, Hélder, Bantuh e Narciso o vissem. Mas algo, alguém, o via.
Sean agora sentiu a presença dele ali, do décimo terceiro viajante. E podia sentir o cheiro fétido de carniça, podia sentir o cheiro do medo que ele exalava, e desesperou-se por estar preso, sem sair da calçada.
“Ebiere?” Sean a chamou.
O silêncio se impôs ali.
“Bantuh?!” Sean gritou.
Bantuh parou de andar logo depois e toda sua tez embranqueceu e Zôra estranhou ele parar de andar.
— O que houve Bantuh?
— Sr. Queise! — olhou para o chão e o tocou. — Ele está gritando no meio das pedras.
— Gritando? — olhou Omana para um lado.
— Gritando? — olhou Hélder para o outro lado.
— “No meio das pedras”? — e Zôra voltou correndo, sem pensar nas consequências.
— Hei Dra. Zôra? — Bonilha não acreditou naquilo.
Sean continuava de joelhos, na calçada do hotel, sem nada a falar. Zôra o encontrou ali, paralisado e tentou erguê-lo. Mas Sean, todo seu corpo estava petrificado, unido às pedras da calçada como se ele tivesse sido esculpido junto.
Os outros chegaram e se apavoraram para o corpo de pedra de Sean Queise.
— O que houve com ele?
— Não sei... Não sei... — Zôra se desesperava tentando puxá-lo.
Hélder e Bonilha também tentaram, mas o corpo petrificado não se movia.
— Por que ele parece feito de pedra?
— Por que ele não está mais aqui — foi Narciso quem falou pegando a caneta e desenhando algo num pedaço de papel.
— O Sr. Queise viajou sem nós? — Omana se agitou.
— Como pôde?, pois, como pôde? — Bonilha tentava arrancar Sean do chão, um Sean paralisado, enxergando e ouvindo tudo.
Desesperado para avisar que havia alguém ali cheirando restos de mamute e o pânico se espalhou no que o incêndio irrompeu toda a rua, todas as esquinas, todas as moradias, e o céu tomou-se pela fumaça, pelo calor descomunal, pelo inferno que se tornou a Chicago de 1871.
— De onde veio esse fogo?! — gritava Narciso olhando o fogo alastrar-se na velocidade da luz.
Bantuh desesperava-se para soltar-se de um vergalhão que lhe caiu sobre os ombros o levando ao chão.
— Sean?! Sean?! Levante-se!!! — desesperava-se Zôra.
Mas Sean não conseguia responder. Ele olhava a cidade em chamas sem conseguir mover-se no chão, quando todo seu corpo se moveu e não se moveu. Sean olhou para baixo e se viu ajoelhado, com Zôra gritando e Bonilha tentando puxá-lo. Sean olhou para frente, havia saído do corpo quando os gritos de Ebiere o alcançaram.
“Ebiere?!”
“Sr. Queise?”
“Ebiere?”
“Socorro!”
E a alma de Sean entrou no hotel; um Sean duplo que correu por homens e mulheres que fugiam do incêndio, da morte, que alcançou escadas entalhadas de madeira, que aqueciam a todos que tocavam, mas que ele volitava, porque Sean era só alma.
“Ebiere?”
“Socorro Sr. Queise!”
E Sean encontrou um corredor escuro dois andares abaixo do nível da rua. Lá, homens e mulheres acorrentados, mal tratados de desnutridos. Lá uma Ebiere caída, com o rosto ferido e quase sem roupas. Sean derrubou o primeiro homem, o segundo e o terceiro. Eles não souberam bem o que os acontecia, mas ficaram de ponta cabeça, com braços e pernas amarrados de uma maneira que a física não explicava.
Gritos e lamurias e lágrimas, e dor e sangue, e Sean alcançou Ebiere que não conseguia entender um Sr. Queise feito de rabiscos, e que se moldava ali para medo e pavor dos três homens amarrados.
“Venha!”
“Não posso Sr. Queise”.
Sean viu o ferimento profundo atravessando seu estômago.
“Não! Não! Venha!”, e Sean sentiu que pegou nas mãos dela.
E Ebiere sabia que nada na sua vida de cientista lhe prepara para ser resgatada por uma alma que se moldava longe do corpo original até que Sean alcançou a porta do hotel e um estampido o levou de volta ao corpo ajoelhado e aprisionado à calçada, com Zôra ainda gritando.
— Sean?! Sean?! — berrava Zôra para a figura de pedra.
— Mejuffou... — foi só o que disse. — Temos que ir!
— Sean?! Sean?! — berrava Zôra sem querer escutar. — Sean?! Sean?! Sean?!
— Chega Zôra! — Omana também se desesperava.
— Não!!! Não!!! Sean?! — ela o puxava até sentir que o corpo empedrado voltava a maciez da pele humana e toda a parede lateral do hotel colapsou em cima deles, de outros que por lá passavam.
— Ahhh!!! — os gritos se espalharam pela noite e Lânia, Lenny e Isadora se apavoraram no estábulo.
No meio do centro de Chicago a morte se espalhava.
— Como isso pôde... — Omana tentava raciocinar.
— Meu Deus! — foi o que Zôra respondeu. — Chicago pegou fogo rápido demais.
O calor subia pelo piso já aquecido e todo o centro comercial irradiou-se em chamas lançadas para o ar como numa dança de morte, dor, desespero; vermelhas, alaranjadas, roxeadas, cores que os faziam sentir todo seu poder de destruição.
— Não podemos, pois controlar os eventos antes do acontecido, não é? — quis Bonilha saber.
Zôra ia responder.
— Não sem as ondas evanescentes, não é Srta. Trevellis? — Sean enfim se desgrudou das dimensões e a encarou.
Zôra se virou para trás e viu Ebiere ferida, desmaiando. Hélder e Sean a pegaram do chão.
— Gire Sr. Queise! — Zôra o encarou.
— Não! Ebiere vai morrer na viagem.
— Gire!
— Precisamos salvá-la primeiro!
— Gire Sr. Queise!!! — berrou Zôra em meio aos gritos de Chicago que chegaram até eles. Bonilha e Hélder ajudaram Narciso a sair de debaixo de algumas telhas que se espatifaram no chão. — Precisamos girar! Sabe que precisamos porque também ouviu não?!
— O que eu ouvi?
— O tiro!!! — Zôra ainda gritava.
Sean ficou atordoado. Ela também havia escutado o estampido.
“Harmônicas temporais, Sr. Queise, que devido a deformações espaço-temporal fazem com que sons do passado se reflitam no presente. Às vezes no mesmo lugar onde anteriormente foram produzidos”, soaram as palavras de Oliver Gastón.
Bonilha apoiava Narciso que machucara o pé.
— Pode correr? — perguntou Sean a Narciso.
— Sim... Ahhh! — Narciso pisou em falso e sentiu dor.
E uma nova onda de calor os atingiu.
— O estábulo... — Zôra arregalou os olhos.
— Temos que voltar para a rua estreita! Lânia, Lenny e Isadora estão na linha do incêndio! — e Sean pegou Ebiere no colo, acelerando o passo.
Bonilha, Narciso, Omana, Hélder e Bantuh se olharam, olharam para Zôra, olharam para Sean e todos correram arrastando Narciso, agora dando de encontro com a massa desesperada, que fugia que tentava em vão apagar os incêndios, salvar o pouco que tinham.
O fogo se alastrava pelas ruelas sinuosas.
— Dra. Zôra?! Cuidado, pois!!! — Bonilha gritou logo atrás dela.
Uma tora de madeira incendiada caiu sobre ela.
— Ahhh!!! — gritou a bela.
Sean passou o corpo de Ebiere para Hélder e arrancou a sua camisa, lançando-a sobre a madeira e arrastando a madeira em chamas para longe dela.
— Está ferida?
— Dói... — falou ela vendo o seu próprio braço queimado e sangrando.
Ele arrancou agora um pedaço da roupa dela e amarrou na ferida para estancar o sangramento. Provável, algum material cortante preso à madeira a cortara. Já Bantuh tentava desesperado olhar em volta procurando algo para amenizar a dor dela.
— Agora não Bantuh!!! — gritou Sean percebendo que ele se desesperava ao vê-la em perigo. E queria mesmo ter podido entender aquilo. — Vamos!!! — Sean a ergueu do chão colocando-a sobre um dos ombros.
Zôra corria arrastada por um Sean sem camisa quando Omana mesmo mancando, pegou o outro ombro de Zôra e a amparou. Bonilha e Bantuh levavam Narciso.
— Por que tudo acontece fora da ordem?! — gritou Narciso.
— Não sei!!! — a voz de Sean mal se propagava no fogo que se alastrava por tudo, por todos. — Não havia incêndio e de repente um estampido!!!
— “Estampido”? Mas as paredes se pintaram de preto antes — relembrou Hélder quando Narciso protegeu algo no seu bolso.
Sean largou Zôra no ar com Omana e foi para cima dele.
— O que tem aí?! — gritou o empurrando dos braços de Bonilha e Bantuh, que foram ao chão junto com Narciso.
— Nada!!! — gritava apertando cada vez mais o paletó do costume.
— O que está escondendo?! — Sean o agarrou do chão e o ergueu o jogando mais longe ainda.
— Sean?! — gritou Zôra. — Pare com isso!!! Não podemos brigar!!!
— Ah! É?! — Sean gritou com ela. — E por que não?! Por que não?! — berrava perante as chamas que os alcançava cada vez mais rápido.
Sean então se virou bruscamente e foi para cima de Narciso o agarrando novamente e o socando.
— Socorro!!! Socorro!!! — Narciso tentava se desvencilhar, mas Sean era mais forte, mais ágil.
— O que está escondendo?!
— Não estou escondendo... — tentou Narciso falar, mas Sean o agarrou novamente. — Largue-me!!! Largue-me!!!
— Mostre-me!!! — Sean chacoalhava-o sem piedade quando Narciso esticou a mão e entregou-lhe um panfleto rasgado depois de ir ao chão pelo novo soco.
— O que é isso?! — gritou Omana e o fogo tomava conta da rua e as casa desabavam ao redor deles. — Ahhh!!! — gritou Omana.
— Sean?! — gritava Zôra querendo chamar sua atenção para o redor.
Sean não ouvia, não via nada. Tinha só Narciso na sua mira.
— Não é o primeiro que vê não é?!
— Não!!! Havia algo desenhado na rocha em Pompéia e em Barguna!!!
O fogo crispava já perto de seus corpos.
— Sean?! — desesperava-se Zôra.
— O mesmo crop circle?! — gritava ele com Narciso.
— Sim!!!
— E o que é isso?! — apontou Hélder nervoso vendo Bantuh chegar com água.
— Fale, pois!!! — também gritou Bonilha com Narciso.
— O mesmo!!!
— Mesmo de onde?! Fale!!!
— O mesmo desde o início!!!
— Igual ao do Hotel Damaraland?!
— Não!!! — gritava Narciso para ser ouvido. — Igual ao que Dalton fez ao reaparecer!!!
— Do que está...
— As formigas!!! São as formigas!!! — se espremia Narciso para se defender dele.
— E por que não há diferença nesses crop circles?!
— Não sei... Não sei... — Narciso pareceu hesitar.
— Vamos morrer idiota!!! — berrava Hélder vendo o fogo tocar o piso próximo a eles.
O fogo derrubava mais uma construção e desesperados os moradores de Chicago corriam.
— Fale logo!!! — implorava Zôra.
Narciso parecia realmente evitar o assunto.
— Qual foi o primeiro crop circle?! — Sean o chacoalhou.
Narciso perdeu o equilíbrio sobre o pé machucado e foi ao chão aquecido novamente.
— Um Dearinth!!! O crop circle de Dearinth, dizem, foi projetado por Oberon Zell, como um emblema que representa a ‘igreja de todos os mundos’, um grupo religioso de neo pagãos!!!
— “Dearinth”?!
— O símbolo é baseado em projetos antigos do labirinto, e incorpora as imagens da rainha e o deus Horned!!! Os nove anéis concêntricos simbolizam os nove níveis da iniciação na igreja!!!
— Nove?!
Narciso levantou-se e mostrou o desenho que fez em Pompéia e o que achou em Barguna, com o que encontrara perto do estábulo.
— Achei na hora que não tinha relacionamento já que a figura é mística há muito tempo!!! — a voz de Narciso mal reverberava. — Veja!!! Pode ver aqui um corpo de mulher nua e acima um corpo masculino?! — mostrou o crop circle recolhido.
— Não entendi!!! — gritava Sean no que o pouco som saía.
— Não posso dizer que estejam copulando Sr. Queise, mas estão envolvidos de qualquer forma, simbolizando a unidade misteriosa do deus e da rainha que o chama!!!
Sean agora se apavorou mesmo, pelo crop circle estar na Chicago de 1871.
— Vamos embora!!! — Sean ainda sem camisa pegou Ebiere do chão.
— Você mesmo disse que não podemos levá-la Sr. Queise! Ela não vai resistir à viajem.
— Ótimo! Ficamos!
— O que?! — gritou Omana.
— O que?! — gritou Hélder.
— O que?! — gritaram Narciso e Zôra.
— Vamos buscar Lânia, Isadora e Lenny. Talvez Enrichetta tenha voltado ao estábulo. E vamos atravessar a ponte e sair da Chicago incendiada.
— Enlouqueceu? Não podemos mudar os eventos.
— Que eventos?! Que eventos se eu não morri aqui? Então não vou mudar nada sobrevivendo.
— Não! Não! Os alienígenas querem que passemos novas etapas, novas catástrofes... — e foi a vez de Zôra ser erguida pelo vestido que usava.
— Não sei de que droga está falando ‘filha de Trevellis’, mas não vou deixar Ebiere morrer para satisfazer seu contatinho com eles.
— Meu contatinho? Meu contatinho?! — Zôra se alterava. — Nosso contato Sr. Queise!
— Seu contato! Seu e de seu pai! — e Sean se pôs a correr com Ebiere nos braços.
Omana, Hélder, Bonilha e Narciso começaram a correr atrás dele. Zôra e Bantuh ficaram para trás no que ele a segurou enquanto todos se afastavam.
— Mejuffou! Não pode deixar que algum de nós morra.
— Sinto muito Bantuh. Mas você ouviu Narciso. Ele decifrou o número nove.
Bantuh arregalou os olhos que mais pareciam duas contas brancas no rosto em pânico.
— Mejuffou! Está dizendo que três de nós deve morrer?
Zôra se aproximou dele.
— Não sou eu quem faz as regras do jogo Bantuh. E você melhor do que ninguém sabe que não podemos ir contra as ordens da colônia — e Zôra se foi.
Bantuh arregalou os olhos novamente e um décimo terceiro viajante os observava, tão assustado quanto.
Bantuh correu e alcançou Zôra.
— Mejuffou!!! Mejuffou!!!
E Zôra o calou no que estancou.
— Não se atreva a falar para ninguém. Ouviu?
Bantuh só concordou com um movimento de cabeça sabendo que ela leu-lhe a mente.
Mas não sem antes olhar para trás e dar de cara com Sean e Ebiere desmaiada nos braços. Ele havia chegado ali mais rápido do que Bantuh imaginava.
— Você o viu, não Bantuh?
— O crop circle onde... — ia perguntar.
— O décimo terceiro viajante!
E uma lufada de fogo lançou-se sobre eles. Casas e prédios vieram abaixo.
— Ahhh!!! — gritaram todos, indo ao chão.
— Vamos morrer!!! — gritou Omana.
— Não estou enxergando nada!!! — Narciso desesperou-se.
O fogo avermelhava a noite e o cheiro de morte se alastrava em meio a fumaça espessa que dominou tudo.
— Vamos!!! — Sean deixou Bantuh e levantou Bonilha do chão. Depois pegou Ebiere novamente e partiram. — Precisamos voltar para onde está Lânia, Lenny e Isadora!!!
Eles correram como podiam. Sean olhou para o lado sem enxergar direito.
— Onde está Narciso?! — gritou.
Zôra parou. Rodeou Bonilha, Omana, Hélder, Sean com Ebiere nos braços e Bantuh, a procura dele.
— Não sei!!! Ele estava conosco, não estava?!
— Ele estava... — Sean tossiu pela fumaça espessa que os atingiu. —, estava com o pé machucado... — e Sean voltou a largar o corpo de Ebiere com Hélder e voltou correndo.
— Sean?! — gritou Zôra. — Volte aqui!!! — mas Sean corria em meio ao caos. Desespero e morte no ar impregnado de fuligem que tomava conta da Chicago antiga. — Sean?! — tossia e gritava atrás dele.
Bantuh correu junto e Bonilha, Hélder com Ebiere, e Omana não viram alternativa a não ser segui-los outra vez.
— Sr. Queise?! Dra. Zôra?! — gritava Bonilha quase não respirando.
Sean não parava, ele havia tido aquela visão. Não acreditou quando ela se materializou. Estancou quase sendo derrubado por Zôra que se chocou com ele. Os dois assistiram os segundos finais do Ph.D Narciso Amorin que morria queimado às suas frentes.
Zôra virou o rosto e protegeu-se da cena no peito nu de Sean que sentiu uma mescla de dor e desespero.
— Vamos!!! — gritou Bantuh os puxando.
— Não!!! — Zôra tossia muito. — Temos que levar o corpo dele!!!
— Como?! — tentou Sean se fazer ouvir perante o barulho de gritos de gente correndo, morrendo. — Ia deixar Ebiere viva para trás e vai levar um corpo queimado?!
— Não discuta Sr. Queise!!! — ela gritava. — Não podemos sair daqui sem deixar ninguém!!!
— Mas disse que...
— Controle-se!!! — e seu berro o calou.
— Vamos!!! Vamos!!! — Bantuh os puxou novamente sem que Sean tivesse alternativa a não ser fugir e abandonar o corpo de Narciso.
Ele então se virou e os sete voltaram a correr em meio à massa cada vez mais desorientada; crianças, mulheres e homens feridos ao longo do caminho.
Havia muita fumaça, e eles mal conseguiam respirar nas ruas estreitas em chamas.
— Lânia?! — gritou Zôra ao vê-las.
— Zôra?! — chamou Lânia.
Zôra a viu. Correu para o outro lado da rua. Lenny e Isadora estavam apavoradas com tudo.
— Vamos!!! — tossia. — Temos que sair daqui!!!
Sean chegou com Bantuh, Omana, Hélder, Ebiere e Bonilha. Ele estranhou não mais ter ouvido o estampido da arma.
— Tem algo errado!!!
— Com o que Sean?!
— Com o túnel professora!!!
— Merda! Por que diz isso, Sr. Queise?!
— Não sei Lenny!!! — o barulho do fogo era ensurdecedor. — As pedra-pomes que caíram antes, as pessoas calcinadas em quem tropecei na praia, o jornal antes do ciclone, o garoto eletrocutado e agora um incêndio acontecendo na hora exata de Chicago!!!
— Vamos!!! — o crispar das chamas eram ensurdecedoras. — Temos que sair daqui!!!
— “Girando”?! — Isadora olhou Sean.
— Não, Sra. Gastón. Vamos sair daqui sem ir embora, até Ebiere se curar e encontramos a Dra. Enrichetta!!! Precisamos tentar deixar passar o incêndio e fazer os próprios alienígenas abrirem a fenda para nos tirar daqui!!!
— Para então chegarmos à nave Sean bonitinho?!
Zôra impactou e Sean só encarou Isadora que se divertia com aquilo.
— Ficou louca Zôra?! — gritou Lânia com ela.
— Zôra sempre quis isso, pois!!! — Bonilha completou.
Sean se aproximou de Zôra e Bantuh se pôs entre os dois sem que nenhum dos dois movesse um único músculo do lugar.
“É o exoesqueleto que você quer, não?” pensou Sean.
Zôra arregalou os olhos e não respondeu. Sean sorriu cínico começando a compreender o jogo da filha de Mr. Trevellis.
Lânia olhou para os lados.
— Onde está Narciso?! — Lânia tirou o paletó que Bonilha lhe dera e o colocou em Sean.
— Eu sinto... — Sean a olhou com toda atenção.
— “Ohm!” Game over!!! — exclamou Isadora as gargalhadas.
— O que é aquilo?! — apontou Bantuh logo adiante e o som da tragédia não deixava eles se ouvirem direito.
— The Randolph Street Bridge!!!
— As pessoas estão atravessando-a!!! — Isadora começou a correr para ela.
— Vamos também!!! — Zôra a seguiu.
O GPS bipou. Todos nove correram para a ponte, menos Sean que estancou com a mão no bolso da calça. Ele não sabia que o GPS era capaz de bipar. Tinha certeza que nem ele nem Gyrimias haviam feito qualquer modificação assim.
Sean olhou para o céu avermelhado, tomado pela fumaça e pouco ou nada enxergou. Mas Spartacus se comunicava com ele. Olhou o GPS novamente, as coordenadas estavam fragmentadas:
— 41.88570184240471º N e 87.63773343282949º O — leu e percebeu que Spartacus o mandava um pouco mais longe das coordenadas originais e Sean olhou em volta reconhecendo aquela cena; as chamas e a ponte incendiada. — Litografia de Currier & de Ives mostrando o povo fugindo através da ponte da Rua Randolph. Droga! — e Sean correu com a multidão. — “Em toda parte espanar, fumar, flamas do calor, trovão pela queda de paredes, pelo crispar do fogo, silvar da água, rugir dos motores, zurrar das trombetas, rugido do vento, confusão”, falou um sobrevivente.
Sean era empurrado, sem conseguir nem se quer colocar os pés no chão, tamanha era a massa de gente que se aglomerava nela. Sean se agarrou numa corda e conseguiu estancar.
— E agora? — perguntou Zôra agora atrás dele.
Ele se virou assustado com a aproximação repentina dela.
— “Agora”? — ele olhou a massa desesperada correndo. — Eles a atravessaram para fugir do incêndio.
— Sobreviveram?
— Não!
— Sinto muito Sr. Queise, mas precisamos sair daqui.
— Tenho até medo de perguntar ‘como’ Srta. Trevellis.
E ela não fez de rogada. Tocou-o de uma maneira que Sean só entenderia quando acabasse de girar, com todo seu corpo desmantelando-se.
16
37° 3’ 37” N e 94° 31’ 51” W.
A chuva havia molhado o corpo dolorido, desmaiado na poça de água que se formara. Sean abriu os olhos e primeiro veio a imagem de uma grama bem cuidada, úmida, depois alguns carros estacionados perto dali e crianças assustadas olhando o corpo sujo e vestido como se voltasse da missa. Por fim, o som do burburinho da rua, casas lotadas de gente e as crianças perto dele.
— Oi? — perguntou uma delas em inglês. — Você está bem?
Sean tentou abrir a boca, mas ela parecia que havia sido triturada. Tudo doía.
As crianças se olharam e saíram correndo. Sean tentou se erguer, mas o chão parecia mais confortável.
“Droga!” soou por todo corpo a pouco desmantelado.
Sean se ergueu enfim. Ergueu-se e arregalou tantos os olhos que por pouco não volta ao chão. Ele estava no meio de um bairro residencial, com carros modernos, atuais, e muitas casas com antenas parabólicas. Agora voltou ao chão por sua vontade, e com as pernas amolecidas se arrastou para detrás de um carro estacionado.
Tentou ler as coordenadas no GPS; 37° 3’ 37,99” N e 94° 31’ 51,38” W.
— Missouri? Droga! Se isso aqui for Joplin — Sean olhou em volta seguindo as regras do jogo dos insectóides. —, então isso aqui não vai ser nada bom.
Sean se ergueu novamente. Deu alguns passos capengas e depois correu. Precisava se afastar dali antes das crianças darem o alarme de um homem caído. Correu e as placas dos carros confirmavam; ele estava em Joplin. E se fosse uma Joplin de 2011, então um catastrófico tornado de vórtices múltiplos, categoria F5, atingiria a cidade no final da tarde de domingo, 22 de maio, como o tornado a atingir a maior largura máxima, quase uma milha, 1,6 km, durante o seu caminho através da parte sul da cidade.
Sean precisava achar os outros.
— Sr. Queise... — sussurrou Omana com os olhos arregalados e um resto de hambúrguer na mão. — Venha! Acabamos de comer.
Sean correu até ela e ambos se dirigiram para o estacionamento da lanchonete.
— Onde conseguiram roupas? — Sean a viu de jeans e camiseta branca.
— Nos varais.
Ambos entraram na lanchonete:
— Não me diga que hoje é 22 de maio — falou Sean para Lenny no que a viu. Lenny só apontou o relógio eletrônico na parede e Sean leu-o. — Droga! — depois viu que duas mesas estavam ocupadas; numa mesa Zôra, Bantuh, Lânia e Bonilha, na outra mesa, Lenny, Isadora, Hélder e Ebiere parecendo adormecida. Sean e Omana sentaram-se à mesa de Zôra. — A Dra. Enrichetta?
— Ainda não a vimos Sr. Queise. E se o corpo de Narciso não veio junto, então o dela também não virá.
— O que há com Ebiere?
— Ela não acordou.
— Está viva?
— Respirando Sr. Queise.
— Droga! E agora?
— Se Lenny estiver certa, e me parece que vai estar, já que participou disso tudo — Zôra olhou a metereologista. —, então temos que escapar antes do final da tarde.
— Não podemos! — exclamou Sean e um ‘Oh!’ correu entre eles. — Os insectóides nos querem aqui e fugir antes do tornado destruir Joplin não vai nos ajudar muito.
— Merda! E vamos passar por tudo aquilo de novo? — Lenny arregalou os olhos.
— Estava aqui em 2011?
— Eu escolhi estudar meteorologia por causa disso aqui. Minha casa ficava, ou fica — olhou para fora da lanchonete pela janela. —, há dois quarteirões daqui.
— Corremos, pois, o risco de darmos de encontro com uma jovem Lenny, Sr. Queise?
— Não sei o que dizer Dr. Bonilha.
— Chame-me só de Bonilha, pois. Pelo menos nós dois podemos extinguir tais doutorados.
— Será bem vindo, Bonilha — Sean olhou para os lados.
— Então qual o próximo passo Sean?
— Entender como conseguimos entrar na fenda que abro girando após aquele som de estampido, apesar da distância entre nós quando a fenda abre e fecha.
E todos olharam para Zôra, que agora perdeu a paciência.
— Isso é complexo!
— Porque se fosse simples, os alienígenas não teriam escolhido a Enrichetta — Omana se enervou.
— Só estou querendo dizer que os alienígenas têm nossos marcadores genéticos. Então não há como não viajarmos juntos.
— O Sr. Queise apareceu doze horas depois em Pompéia, vocês três horas depois em Bengala. Diga-me então o que não estou entendendo? — o grandalhão Hélder também se enervava.
— Nada sei sobre o tempo de cada um Hélder.
— Então também não deve saber por que os ‘marcadores genéticos’ de Narciso ou de Enrichetta não foram trazidos — provocou Isadora.
Zôra olhou Bantuh que olhou Zôra. E Sean viu aquela troca de olhares.
— Venha! — Lânia pegou Sean na mão. — Venha comer um hambúrguer — e ambos sumiram de vista.
— Nossa! Aquela encalhada não perde tempo — Isadora se irritou.
— E você morre de inveja, não Isadorazinha? — Omana não perdeu a chance.
— Cala boca sua aleijada.
E Omana saltou de uma mesa noutra quando seu corpo parou no ar. Zôra imediatamente a voltou onde estava sentada, antes que alguém no restaurante visse.
— Nem pense em destruir o equilíbrio Omana.
— Mas foi ela...
— Controle-se! — Zôra fuzilou a ambas. — Vamos embora daqui antes que algum parente de Lenny resolva vir aqui matar a fome.
Lânia e Sean viram todos se levantando e foram atrás. Alcançaram a rua cheia de carros e pessoas aparentemente inertes ao futuro delas.
— Está bem! Próxima etapa? — perguntou Isadora a Zôra.
— Se a ideia dos alienígenas é passar por catástrofes então vamos buscar abrigo.
E Sean gargalhou com gosto e todo nervoso que lhe dava direito.
— O que? — Sean encarou Zôra. — Acha mesmo que eles estão empreendendo todo esse teatrinho conosco para nos ver nos proteger debaixo de pontes e bunkers Srta. Trevellis?
— O que propõe Sr. Queise?
— Por que acha que proponho algo Srta. Trevellis? — e a chuva desceu sobre eles.
— O que foi isso?
— Massa de ar instável, cisalhamento do vento e um gatilho.
— Um o que?
E um estampido levou todos ao chão.
— Ahhh!!! — gritaram os dez viajantes.
Depois a sirene da defesa civil que soou em Joplin.
— Sean? — Lânia arregalou os olhos.
— 20 minutos para o tornado nos atingir professora.
Todos se olharam e Zôra encarava Sean que encarava Zôra.
Hélder apertou mais o braço em torno de Ebiere e Omana espremeu os olhos perante o silêncio.
— Sean? — insistiu Lânia.
— E nós, como muitos moradores de Joplin, não vamos atender.
Todos voltaram a se olhar e Zôra ainda encarava Sean que encarava Zôra quando o céu escureceu e um tornado se fez.
— Sean? — a voz de Lânia ficava cada vez mais apreensiva quando o tornado tocou o chão. — Sean? — e as sirenes tocaram incessantes.
— Quanto tempo, pois?
— Estimados 38 minutos do início ao fim Bonilha. E testemunhas oculares e caçadores de tempestades irão relatar que vários vórtices girarão em torno de nós.
— Sean? Por favor, não!
— Sinto professora.
E todos olharam em volta, para ele, em volta e Zôra ainda encarava Sean, sabendo que ele a desafiava quando a parte sul, densamente povoada, sentiu os ventos do tornado que inclinavam árvores numa intensidade F0.
— Vamos avisá-los, pois! — Bonilha se enervou.
— Não podemos! — Zôra só olhava Sean.
— Podemos então nos avisar merda?
— Ninguém vai telefonar para Damaraland, Lenny.
— Merda! Merda!
Sean e Zôra ainda se olhavam e o vento e a chuva já começavam a balançá-los, quando vórtices se juntaram e a intensidade do vento se tornou um F1.
Pessoas e carros se agitaram em meio às sirenes enlouquecidas.
— Vamos nos abrigar! — a chuva molhava todos e Hélder sentiu que Ebiere escorregava de seu abraço. — Por favor, Sr. Queise, ela não vai aguentar.
— Todos vão aguentar Hélder. É essa a proposta dos insectóides.
— Mas eles querem o que? Ver-nos levantar do chão por um tornado?
— Não sei o que eles querem Hélder. Pergunte a Srta. Trevellis.
Mas Zôra só o observava.
— Mejuffou?
— Cale-se Bantuh! — foi o que ela respondeu e o tornado continuou a se fortalecer, e como ele rasgou, outras subdivisões de tornados rasgaram e tocaram o solo.
Gritos e correria se intensificaram e Sean, Zôra, Bantuh, Lânia, Isadora, Omana, Lenny, Bonilha, Hélder e Ebiere permaneciam ali, no meio da rua tumultuada, no meio do buzinaço, gritos e correria, com a chuva caindo em meio a carros sendo abandonados.
— Vamos nos proteger! — e Hélder correu arrastando Ebiere paralisada.
Zôra ainda encarava Sean, e Isadora e Omana correram como podiam, sem muita orientação quando o tornado se dividiu em mais vórtices que tocaram o chão atingindo intensidade F2.
— O que quer provar Sean?! — gritou Lânia a fim de ser ouvida.
— Nada... — falou calmamente.
— Ahhh... — e Lânia correu para se abrigar sendo seguida por Lenny e Bonilha, que via ali, entre Sean e Zôra, algo que ele não poderia participar.
Bonilha então pegou no braço de Bantuh para levá-lo, mas ele se desvencilhou quando placas, semáforos e árvores balançaram loucamente.
— Mejuffou?
— Vá! — Zôra deu a ordem e Bantuh seguiu Lânia, Lenny e Bonilha quando mais um, dois, três tornados tocaram o solo se juntando com intensidade F3.
— Devia ir com eles Srta. Trevellis!
— Não vou a lugar algum Sr. Queise!
— Como queira!
Ambos sorriram e pedaços de placas, telhas e cercas de madeira e placas de gramas e carrinhos de bebe, e todo tipo de brinquedos saíram do chão.
Numerosas casas sendo destruídas e vários veículos sendo lançados ao redor, sobre eles e o grande e fenomenal tornado cruzou a Schifferdecker Ave, produzindo sua primeira área de danos como F4, com vários edifícios comerciais, escolas, igrejas bem construídas sendo destruídas.
O final da tarde de domingo, 22 de maio de 2011 se acentuava e Sean e Zôra eram balançados de um lado a outro quando um pedaço de madeira se tornou uma lança e os atingiu sem atingi-los; Sean havia levantado a mão e o pedaço de madeira parou no ar.
— Por que não fez isso na Era do Gelo?
— Meus dons não me alcançaram.
— E por que acha que os tem agora?
— Não morremos, morremos? — sorriu-lhe cínico e o pedaço de madeira seguiu outro caminho.
O vento castigava e eles mal conseguiam abrir os olhos para ver árvores, postes de energia, carros, destroços molhados pela chuva, arrancados pelo vento sendo lançados para um lado e outro e eles ainda em pé, no meio do asfalto.
— O que eles querem Sr. Queise?! — gritava agora Zôra para ser ouvida. Treliças de aço deformadas, retorcidas, enroladas como papel quando outro som tornou-se tão ensurdecedor que nem mil locomotivas atingiriam tamanha força hertz. — Conhecer nossos dons?! Mas que tipo de dons Sr. Queise?! Segurar no ar pedaços do que nos podem atingir?! Não!!! Eles querem mais!!! — e casas eram desmanteladas, levantadas pelo ralo e giradas até fazerem parte do tornado que alargava, até que ambos entraram dentro dele.
— Ahhh!!! — o som era ensurdecedor e a dor da velocidade da água dilacerava suas roupas fazendo suas peles sangrarem.
— Vamos morrer!!!
— Não!!! Não vamos!!!
— Estou sendo chicoteada pela água Sr. Queise!!! O que mais quer provar?!
— Por que sempre acha que quero provar algo Srta. Trevellis? — e o tornado tocou o chão com a intensidade F5 em meio a gritos, lamurias, casas, corpos e Enrichetta estava dentro do vórtice.
— Enrichetta!!! — apontou Zôra.
Sean esticou a mão e tentou alcançá-la, mas a distância dela ia além da metragem terráquea. Todo o tornado tocava o solo e carregava energias, mortos, e mais gritos, mais lamurias e Enrichetta.
— Não!!! — gritava Sean tentando inclinar a força do tornado que arredondou, voltou ao formato de funil e novamente arredondou.
— Sr. Queise?! O que está fazendo?!
— Ajude-me!!!
— Não pode interferir, lembra-se?!
— Não!!! Enrichetta vai escapar!!!
— Ela já não está entre nós!!!
— Não!!! Não!!!
— ‘Não’ falo eu!!! Não pode interferir no tornado ou mais gente dos que as 550 pessoas registradas, vão morrer!!! E nem vão se ferir apenas 1150!!! Vamos matar todos!!!
— Não!!! Não!!!
— Solte o vórtice Sr. Queise!!!
Mas Sean não o soltava e a velocidade atingiu 320 km por hora quando o concreto do piso do estacionamento rasgou metros e metros de piso, sendo erguidos pela força do tornado que arrancou vergalhões de concreto e os lançavam 60 jardas de distância, cruzando o ônibus escolar, jogado dali numa garagem de ônibus das proximidades; paredes de tijolos maciços, janelas e portas arrancadas.
Uma montanha de destroços, e corpos, e o céu se abriu levando Sean ao chão enfraquecido, sangrando, ferido por tudo que passou por ele. Zôra também estava agachada, com a adrenalina ainda pulsando nas veias.
— Conseguimos?
Sean olhou em volta.
— Não sei o que responder... — e Sean só viu destruição.
— Vamos! — ela se ergueu com a roupa em trapos. — Temos que encontrar todos e... — e Zôra girou no que Sean tocou-a.
17
Hotel Damaraland; Damaraland, Namíbia.
Sala de refeições.
24 de outubro; 12h21min.
O gerente Kaunadodo parecia ser o único que gostava daquela situação. Havia equilíbrio nos nove. Kelly estava encostada à janela da sala de refeições onde um precário almoço foi preparado por Lumumba.
— Srta. Garcia? — Oscar a viu paralisada, olhando o céu da janela.
— Senhorita Kelly Garcia? — Gyrimias também tentou uma comunicação.
— O Sol está brilhando lá fora... — ela falou com a voz arrastada.
— O Sol está o quê, Srta. Garcia?
— O Sol está brilhando lá fora — Kelly repetiu.
Emiko estava atrás dela.
— Ela está surtando? — perguntou Mr. Trevellis com sua impecável ironia.
— Não! O Sol realmente está brilhando — disse o paleontólogo japonês.
Oscar passou por ela sendo seguido por Yerik, Paolo, Emiko, Kaunadodo, Lumumba, Gyrimias, depois seguido por Mr. Trevellis carregando Kelly. E os que lá fora do Hotel Damaraland chegaram mal podiam acreditar.
Havia Sol, calor, pássaros voando.
— De onde...
— De onde eles vêm? — Gyrimias completou Emiko.
Oscar correu com toda sua idade e capacidade, perante o calor de quase 44º que fazia no deserto da Namíbia, para dentro da suíte de número quatro, e o ventilador girava com toda força.
Ligou o notebook e códigos indecifráveis corriam pela tela. Sean se comunicava com Spartacus.
Kelly entrou logo depois.
— Por que nove?
Oscar sentiu um frio percorrer-lhe.
Ela havia entendido algo.
— Narciso decifrou o crop circle.
— Ele já havia decifrado.
— Não. Ele o fez lá.
— “Lá?”
Oscar se virou para ela.
— Eles têm que estar como nós, em número de nove viajantes.
— Por quê?
— Para o jogo funcionar.
— Mas Palakika disse antes de morrer que Narciso havia decifrado treze.
— Na época parecia estar funcionando.
— Mas Yerik foi expulso do jogo.
— Porque havia alguém mais lá.
— “Alguém?” — agora Kelly teve medo. — Quem é esse alguém?
— Ainda não captei os pensamentos de Sean.
— E o Senhor pode?
— Por que acha que não? — se virou para ela.
— Não acho nada Sr. Roldman. Não com a genética de ambos.
E Oscar ainda a encarava.
— Mr. Trevellis não pode saber.
— Ele não lê pensamentos.
— Não. Ele não lê — ergueu o sobrolho.
— E acha que vou contar porque Sra. Nelma me obriga a contar tudo?
— Não a estou julgando Srta. Garcia. Conheço os dons de persuasão dela — e deu dois passos que Kelly recuou. Oscar percebeu que ela não o tinha em muito respeito. — Não sou eu quem deve temer Srta. Garcia
— Não! São os números da matemática do caos, porque nove significa que alguém mais vai ser expulso do jogo — e Kelly se virou saindo.
Oscar sorriu cínico. Sabia que Kelly era inteligente, capaz de tudo, e que fora escolhida por Nelma há muito tempo, que Mona ajudara na escolha dela, da geóloga trazida da Espanha para Sean se apaixonar por ela.
E que Sean sabia sobre aquilo.
18
51° 24’ 20” N e 30° 3’ 25” E.
Sean abriu os olhos. Estava caído num chão cimentado, coberto por folhas secas. Em volta, o silêncio.
Ele se ergueu com a roupa ainda úmida e toda cortada pela fúria do tornado e se viu num lugar abandonado, com uma roda gigante decrépita, carrinhos de bate-bate envoltos por folhas secas, debaixo do que já fora um teto de placas de metal e amianto, agora enferrujado, rodeados de mais e mais brinquedos corroídos pela ferrugem e uma coleção de prédios a sua esquerda, abandonados.
As pernas amolecarem pela viagem inusitada, mesmo sabendo que fora Zôra quem abriu a fenda daquela vez. E ele ficaria muito feliz em saber que ela sofria também. Sean se tocou, percebeu que seu rosto estava ferido, suas mãos e braços e procurou o GPS, mas ele não estava no bolso da calça. Olhou em volta nervoso, chutando folhas e coisas ali há muito abandonadas e encontrou o GPS aos pés de Isadora.
Daquilo ele teve medo.
— Parece que somos somente nós Sean bonitinho.
Daquilo ele também teve medo.
— Dê-me o GPS, Sra. Gastón.
— Não! — sorriu perigosa e sua mão o agarrou de uma forma que Sean levantou do chão de folhas secas.
Ele lançou os braços para cima e se soltou dela enfiando quatro dedos endurecidos na garganta dela com um golpe de Krav Maga que transferiu o peso na força da explosão e fez Isadora tossir, tentando respirar.
Isadora caiu de joelhos, desesperada para o ar subir e Sean correu.
Mas ela só o olhou e Sean dobrou no ar.
— Ahhh!!! — e foi lançado longe, com seu corpo rolando, rolando e rolando. Quando Sean acabou de rolar ele estava sangrando ainda pelas feridas do tornado e viu Isadora se aproximando dele. Esticou a mão, mas o GPS não se moveu da mão dela. Sean olhou Isadora sorrindo e se aproximando e voltou a desejar que o GPS viesse até ele, mas nada se moveu. — Eu deveria... ter medo de você, não Sra. Gastón?
— Deveria? — e ela gargalhou de uma maneira assustadora.
Sean se levantou e caiu. Levantou-se novamente e caiu. Levantou-se e correu.
Tudo estava vazio, e não era só de pessoas era um esvaziamento existencial vindo da tristeza, da fuga; tudo estava morto literalmente. E ruas vazias, carros abandonados, bicicletas, escolas, igrejas; aquilo era uma cidade fantasma.
Ele olhou para cima e tentou se comunicar com Spartacus, mas nada conseguiu. Olhou para trás e viu Isadora se aproximando. Entrou num dos edifícios vazios, e escadas e paredes descascadas, portas e maçanetas em decomposição; tudo morto.
— Droga! Droga! — Sean sentia que todos seus ossos, os 206, haviam sido afetados. Como ele fez com Dalton, seu corpo havia sido dobrado. — Droga! Droga! Droga! — Sean subia degrau após degrau, ganhando andar após andar, visitando corredores e apartamentos abandonados; lá jornais com as consignas do Partido Comunista, livros de marxismo, jogos infantis de inspiração militar e escudos da URSS. Cansando, sentindo suas forças esvaecerem até alcançar o 9° andar e lá invadir a porta de ferro enferrujada que abriu para um telhado para então ver que estava realmente numa cidade sem vida. — Droga... — quase não respirava quando viu Isadora chegar ali volitando.
Sean olhou para cima e um relampejo de energia o atingiu feito um raio, tomando conta de seu corpo que vibrou e fez Spartacus se mover poucos segundos de graus. Sean foi ao chão de joelhos pela descarga elétrica e a informação chegou ao notebook dele, na suíte de número quatro do Damaraland Hotel, onde Oscar Roldman observava Spartacus se movendo.
— Ele conseguiu? — a voz forte de Mr. Trevellis ecoou no silêncio do quarto.
— Não sei... — soou de um Oscar Roldman tenso.
— E você e seu filho ficam sem saber algo?
— Não somos tudo isso, Trevellis.
— Zôra?
— Spartacus não conseguiu rastreá-la. Há algo interferindo.
— O que?
— Radiação!
— Oscar... — e Mr. Trevellis deu um passo e calou-se.
E não foi nenhum dom paranormal que fez Mr. Trevellis parar de falar; foi pura emoção. Ele saiu do quarto e encontrou Kelly ali parada. Mr. Trevellis passou por ela e um silêncio maior se fez ali.
Já Sean tinha problemas. Ele se levantou a fim de correr de volta à porta e Isadora levantou a mão o fazendo paralisar. Ela sorriu malévola e mostrou-lhe o GPS como numa troca.
— Tire!
E Sean não precisou de dons para saber o que ela queria.
— Está brincando não?
— Você sabe que não brinco com sexo Sean bonitinho. E sabe que somos do tipo que precisam de sexo desesperadamente, então tire a roupa. Preciso do seu sexo.
— Não Isadora, você precisa da minha energia. A que retira durante o ato sexual.
— O que Sean bonitinho? Com medo?
— Sabe que não tenho de vocês, do tipo que você é.
Isadora gargalhou mais perigosa ainda e toda sua pele alaranjou.
— Tire! — soou um pouco mais forte.
E Sean olhou para cima novamente e outro raio desceu até o piso da cobertura, caindo aos pés de Isadora.
Ela gargalhou com gosto.
— Acha o que Sean bonitinho? Que pode me atingir com um desses seus raiozinhos?
— Quem disse que era para atingir você Sra. Gastón? — e outro raio caiu em Sean o fazendo sumir dali.
Isadora arregalou os olhos e estava sozinha na cobertura do edifício abandonado.
— Ahhh!!! — berrou Isadora furiosa e correu até o alpendre para ver que Sean se teletransportara para baixo, e corria pela rua deserta, por entre carros e tudo mais que havia sido deixado ali. — Ahhh!!! — berrou outra vez.
Ela então saltou os nove andares, e caiu no chão que estremeceu toda rua, todo quarteirão e fez Sean se erguer do chão, metros adiante e a ele voltar na onda evanescente que ela provocou.
— Droga! — foi só o que ele exclamou vendo Isadora correndo atrás dele, sabendo que ela era do tipo que não se machucava facilmente.
Mais edifícios se fizeram a sua frente, um conjunto de dez, com não mais que seis andares. Havia um pátio central onde as entradas dos edifícios se encontravam. Lá um parque com balança, escorregador, gira-gira e muitos papéis, garrafas pet, e coisas que com certeza levariam mais tempo do que o normal para se deteriorar naturalmente, e tudo ficou no escuro no que o céu avermelhou e raios brotaram dele.
— O que está fazendo Sean?! — berrava Isadora chegando perto.
Sean parou e olhou para cima sabendo que não era ele quem fazia aquilo quando um, dois, cinco, dez raios atingiram o solo.
— Droga!!! — berrou ele tentando escapar da chuva elétrica que caía sobre eles sabendo que aquilo não era nada bom; não num solo ainda faltando 900 anos para se livrar da radiação.
— Vamos Sean bonitinho. Para que correr? Isso só vai dificultar nossa copula.
“Copula?” aquilo sim era assustador.
Sean entrou num dos edifícios abandonados, num dos dez edifícios ali à sua frente, e sentiu que toda sua energia se esvaecia rápido demais, que estava sangrando, sem alimentação e descanso, e com dor pelo corpo, numa cidade fantasma sob um céu radioativo.
Desejou e conseguiu se teletransportar do primeiro ao segundo andar. E do segundo ao terceiro quando todo seu corpo foi espremido contra a parede.
— Ahhh!!!
— Eu disse que não corresse!
— Está me machucando...
— Vou fazer mais que isso — e sua mão atingiu as calças úmidas dele.
Sean arregalou os olhos azuis para a parede onde estava sendo espremido, imprensado pela força paranormal dela, e todo seu corpo vibrou no que sua calça foi retirada.
— Não faça isso Isadora... Não faça... Ahhh... — e todo seu corpo se excitou no que ele viu pelo canto dos olhos, Zôra beijando cada parte do corpo, agora nu, dele.
— Ahhh... Sean bonitinho... — e Isadora voltava a ser ela, para então ser Kelly.
— Não... Não... — e Sean se excitou mais ainda com Kelly lhe tocando das maneiras mais libidinosas possíveis. — Não faça Isadora!
— Não sou Isadora! Sou Kelly!
— Não Isadora...
— Ahhh... — Isadora se excitava, o imprensando mais ainda contra a parede que fez estremecer de uma maneira, que lascas dela foram ao chão.
— Não Isadora... Há radiação em tudo que tocamos, não vê?
— Cale-se! — e o corpo dela se projetou entre ele e a parede, onde ainda estava imprensado pela força paranormal dela.
Sean arregalou os olhos azuis para uma Kelly alaranjada.
— Não... Não... Se você conseguir tirar energia tântrica de mim...
— Cale-se! — e uma Kelly alaranjada lambia as feridas do rosto dele.
— Não... Não... Vai abrir nossos corpos para... Ahhh... — e estava difícil se concentrar em sobreviver, com seu corpo nu sendo arrastado contra o corpo nu dela. — Não Isadora... Não...
— Cale-se Sean!
— Não... Vamos ficar radioativos se... — e seu sexo foi agarrado por Isadora que o colocou dentro dela. — Ahhh... Não!!! — agora Sean se enervou, ele nunca havia permitido que a verdadeira Kelly o fizesse, nunca se permitiu amá-la com medo da perda; amizade, Computer Co., o mercado, sua família — e Sean sumiu.
Isadora abriu os olhos voltando a ser a ruiva atrevida e se viu nua, sozinha no corredor do terceiro andar, sabendo que ele havia subido e volitou, o encontrando no telhado do edifício, vendo que ele não tinha para onde fugir se não teletransportar outra vez. Mas Sean estava cansado, com forças e emoções minadas, sangrando sob um céu de chuva elétrica que ensurdecia ambos, sabendo que a morte era a única maneira de sair de tudo aquilo.
E antes que Isadora o alcançasse, ele pulou a mureta e se jogou.
— Sean?! — gritou Isadora no telhado.
— Sean?! — gritou Lânia na rua, o vendo cair.
Isadora se jogou atrás dele e antes que Sean tocasse o chão, Zôra ergueu a mão e ele parou a milímetros do chão.
— Enlouqueceu?! — gritou Zôra com a roupa também destruída pelo tornado e ela viu Sean que riu até Zôra o largar no chão e ele realmente cair a poucos centímetros dele.
Isadora então alcançou o chão fazendo tudo tremer outra vez e Lânia e Zôra caíram quando dois, cinco, oito raios tocaram o chão.
— Ahhh!!! — gritaram todos.
— Corram!!! — Sean, Zôra e Lânia correram e se protegeram debaixo de uma marquise mais corroída que seus pares.
Isadora então se aproximou firme, e alaranjada e Lânia e Zôra não esperaram qualquer explicação, correram com Sean correndo atrás delas para o mais longe que podiam de Isadora quando mais dez, doze raios tocaram o chão.
— Ahhh!!! — gritaram Sean e Zôra, atingidos pela tempestade elétrica.
— Sean?! — desesperou-se Lânia.
E Sean foi ao chão com todo seu corpo em curto circuito quando Isadora o levantou do chão, com ele ainda vibrando.
— Eu disse para não correr não disse Sean bonitinho? — e Isadora ergueu a mão com a energia renovada pelo sexo dele, e lançou o corpo de Zôra e Lânia longe que ficou rolando, rolando e, rolando.
Folhas, restos de uma coisa e outra, muito sangue, e Isadora tinha Sean preso em sua mão, uma mão de tamanho triplicado, preso a um braço de tamanho triplicado e um corpo triplicado e alaranjado.
— Eu realmente... — Sean mal respirava. —, devia ter medo, não?
— Por quê? Essa ‘Isadora’ não lhe excita mais?
— Não quero... — e tossiu pela mão na garganta que não deixava pensar nem respirar. —, não vou discutir com você...
— Vai discutir com a filhinha protegida do papai? Vai discutir com a secretariazinha? Ou talvez com a professora encalhada? — e Isadora largou Sean, no que foi ao chão desmaiada.
Sean arregalou os olhos azuis e viu Lânia suja e arranhada, com um ancinho enferrujado na mão.
— Ela mereceu... — suas mãos ainda tremiam.
Sean não se deu ao trabalho de responder. Verificou o corte na cabeça de Isadora e verificou se ela ainda vivia, enquanto o corpo dela voltava ao tamanho natural.
Depois tirou o GPS das mãos dela e se comunicou com Spartacus, não gostando do que leu.
— O que mostra o GPS Sr. Queise? — Hélder que apareceu do nada.
— Onde estão os outros Hélder?
— Não sei Sr. Queise. Cheguei à coisa de uma ou duas horas, dentro de um caminhão abandonado.
— Tudo está abandonado Hélder.
— O que o GPS mostra Sean?
— 51° 24’ 20” N e 30° 3’ 25” E, professora — Sean os viu esperando mais. — Pripyat, Ucrânia. E pelo estado fantasmagórico do Parque de Diversões aonde cheguei, e o resto desses edifícios, estamos perto da fronteira com a Bielorrússia, onde fica a central nuclear de Chernobyl; lugar onde ocorreu o maior acidente nuclear da história, em abril de 1986.
— Minha nossa santíssima — Lânia foi ao chão sentindo-se fraca.
— Mas isso não faz sentido, Sr. Queise. Os alienígenas querem se adaptar aos desastres naturais e esse foi considerado o maior erro humano cometido.
— Desastres Hélder. Essas são as regras do jogo deles.
— Você vem de uma família de cientista não Hélder?
— Sim Dra. Zôra! Minha família vivia aqui em Pripyat, até o incidente, o único desastre que pontuou sete na Escala Internacional de Eventos Nucleares, o INES. Quando a Ucrânia se separou da então União Soviética, nos mudamos para Munique.
— Então Lenny morava em Joplin, na época do tornado e Hélder morava aqui? O que não estou entendendo Sean? — e Lânia viu Isadora acordando e levantou o ancinho em posição de defesa.
— Não faça isso professora! — Sean viu Isadora arregalar os olhos para Lânia e toda sua pele se alaranjou novamente.
— O que... — falou Lânia.
— O que... — falou Hélder.
Os dois se afastaram e Isadora caiu novamente.
— Ela está fraca.
— E o que a fortalece Sr. Queise?
— Sexo.
— Ah! Não esperava mesmo ouvir outra coisa — e Zôra gargalhou para então olhar Sean e Hélder sérios e Lânia ainda em choque. — Ah! Desculpe-me! Não estou brincando. Eu sabia que Isadora é uma alienígena.
— Sim! O alienígena que contou a Mona e sobre o ‘contato’.
Lânia arregalou os olhos para Zôra e Sean, e Hélder nem isso fez no que embranqueceu.
— Estávamos esse tempo com um alienígena perto de nós Zôra?
— Mona disse que ela não era perigosa Lânia.
— Não. Nenhum um pouco — Sean viu ela se virar para ele. — Ah! Desculpe-me! Estou brincando. Eu sabia que Isadora é uma alienígena.
— Como... — Lânia olhou Zôra que fuzilava Sean pela ironia. — Mas por que meu pai... Mas por que meu pai...
— Seu pai havia me avisado para que não me descuidasse com Isadora, que ela era perigosa. Só não imaginei que...
— Não conseguiu lê-la Sean?
— Nem todos ficam tão disponíveis assim professora — e ele ainda encarava Zôra que não gostou de ser encarada.
— E você dormiu com ela mesmo assim? Quanta frieza Sean! — Lânia se virou e foi embora.
Sean nada falou e Zôra pegou Isadora pelo colarinho da blusa e a arrastou sem querer ter ouvido aquilo.
— Vamos achar os outros — foi só o que a entomologista disse.
— E como sabe que eles vieram Dra. Zôra? — a língua de Hélder se descolou da boca.
— Sei!
— Claro que ela sabe! Porque os alienígenas nos querem em número de nove, não Srta. Trevellis?
— E como saber se algum de nós não morreu no tornado de Joplin? — Lânia ainda olhava Isadora alaranjada sendo arrastada por Zôra e a ideia de sexo de Sean com uma alienígena. — Eu havia corrido para uma igreja, quando depois todos ali, fomos levados para um abrigo subterrâneo.
— Eu também consegui um bunker num posto de gasolina para onde levei Ebiere — completou Hélder. — Depois apareci aqui sem ela.
— E você Zôra? Onde se protegeu? — Lânia quis saber ao vê-la com as roupas rasgadas como Sean e com marcas de cortes pelo rosto e braços.
Mas Zôra só escorregou um olhar para Sean que nem isso fez.
— Numa escola! — mentiu.
Zôra prosseguiu a frente deles arrastando uma Isadora desmaiada, enfraquecida e alaranjada e Lânia rasgou um pedaço da sua blusa para Sean limpar o sangue do rosto, que lhe agradeceu.
— Acha que ela é um deles Dra. Zôra? — perguntou Hélder.
— Não doutor.
— E como sabe? — Sean a desafiava.
— Sei!
Sean sabia que ela responderia aquilo.
Os cinco continuaram por metros, e nada nem ninguém. Zôra resolveu voltar aonde Sean aparecera.
— Acha que a cidade foi evacuada há muito tempo Sean? — Lânia olhava um lado e outro e só desolação.
— A maior parte da radiação foi emitida nos primeiros dez dias, professora. De 26 de abril a 04 de maio de 1986. Então 1800 helicópteros vieram e jogaram cerca de 5000 toneladas de material extintor, como areia e chumbo, sobre o reator que ainda queimava.
— Me lembro de que dia 05 de maio a radiação cessou, mas papai resolveu evacuarmos mesmo assim — emendou Hélder. — Então a radiação voltou dia 15 de maio, quando apareceram novos focos de incêndio e emissão radioativa. Então em 12 de dezembro de 2000, depois de várias negociações, a Usina de Chernobyl foi desativada.
— E em que ano acha que estamos Sean?
— Não sei professora... Não há nada aqui vivo ou funcionando... — e um uivo de lobo os calou.
— A não serem os lobos... — falou Lânia.
— Vamos procurar um abrigo para dormir. Não vai ser nada bom sermos devorados por lobos — anunciou Zôra.
— Ah! Não se preocupe ‘filha de Trevellis’, os alienígenas não vão deixar que nos machucassem porque somos nove.
Zôra largou o corpo de Isadora no chão e se virou furiosa para Sean que na duvida parou de falar.
— Pouco se fala do desastre ocorrido em 26 de abril de 1986 — Hélder tentou aliviar a coisa e Zôra, ainda furiosa e encarando Sean, agarrou Isadora pela blusa e voltou a arrastá-la. Hélder prosseguiu. —, mas o local passou a ser um dos maiores santuários de preservação animal, tendo grande quantidade de lobos, veados, castores, águias e outras espécies apesar da destruição e da radioatividade.
— Eu li que trabalhadores vêm todos os dias de Slavutich, uma cidade construída longe daqui, para se assegurar que o material radioativo que ainda está aqui seja mantido em segurança.
— A zona de exclusão em torno de Chernobyl tem um raio de 30 quilômetros, onde trabalham cerca de 3.500 pessoas.
— Então onde eles estão Dr. Hélder?
— Os ‘liquidadores’, ou profissionais de diferentes especialidades que combateram a catástrofe, ainda formam um contingente de mais de duzentas mil pessoas na Ucrânia e devem... — e o som de um tiro os levou ao chão, os desacordando.
51° 23’ 20” N e 30° 06’ 25” E.
O ferro cantava estridente no encaixe, de tanta força que era empregada. As crianças brincavam e havia barracas de doces, som e muitas luzes. A grande roda gigante girava e uma leva de crianças animadas acabava de abandonar os carrinhos de bate-bate. Mais a frente, uma fila de crianças animadas esperavam sua vez quando Sean, Zôra, Lânia, e Hélder acordaram.
Zôra se ergueu em alerta e Sean olhou um lado e outro e viu que era o lugar onde aparecera anteriormente.
— Estão todos bem?
— Isadora ainda está desacordada.
— O que... O que aconteceu Sr. Queise?
Sean olhou o GPS.
— 51° 23’ 20” N e 30° 06’ 25” E... Meu Deus... Estamos dentro da área de Chernobyl ativada.
— Como assim ‘área’? — Lânia se esticou vendo as crianças brincando, o céu aberto e um dia lindo despontando ali. — Como assim ‘ativada’?
— Mais que merda está acontecendo aqui? — Lenny se aproximou dos cinco.
— Dra. Lenny? Onde você estava?
— Estava? Acabei de abrir os olhos Dr. Hélder.
O grandalhão Hélder se aproximou e ia tocar na testa dela para ver por que ela estava avermelhada, como em febre, e Sean segurou a mão dele. Hélder olhou Sean segurando sua mão e voltou a olhar Lenny assustada e avermelhada.
— Está sentindo algo Dra. Lenny?
Lenny se tocou e nada sentiu.
— Não Dr. Hélder! Por quê?
Hélder voltou a olhar Sean, que olhou Zôra, que olhou Lânia, que não tirava Isadora desmaiada de sua vista.
— Sábado, 26 de abril de 1986, à 01h23min58seg, hora local, o quarto reator da usina de Chernobyl, conhecido como ‘Chernobyl-4’, sofreu uma catastrófica explosão de vapor que resultou numa série de explosões, e um derretimento nuclear — a voz de Hélder era de emoção.
Lenny olhou um e outro.
— Estamos em Chernobyl?
— Como você viveu em Joplin, Hélder viveu aqui — falou Lânia.
— Você viu os outros?
— Não Sr. Queise.
— Droga! Acho que voltamos no tempo dentro do tempo.
— Aparecemos depois da explosão e voltamos antes, Sean?
— Sim professora.
— Como pode?
— A tempestade elétrica! — exclamou Hélder entendendo o desastre natural que o jogo proporcionava.
— Acha que foi uma tempestade desses raios que caíram que destruíram Chernobyl-4?
— Há alguma controvérsia sobre a exata sequência de eventos após 01h22min30seg Dra. Lânia, devido a inconsistências entre declaração das testemunhas e os registros da central, é que a ONU estima que cerca de 4000 pessoas, morreram de doenças relacionadas com o acidente. Contudo, a versão mais comumente aceita é que a primeira explosão aconteceu aproximadamente à 01h23min47seg, sete segundos após o operador ordenar a parada total.
— Mas a primeira teoria publicada em agosto de 1986, atribuía a culpa aos operadores da usina.
— E a segunda teoria publicada em 1991, atribuía o acidente a defeitos no projeto do reator RBMK, especificamente nas hastes de controle.
— Os dois, pois. Para falar a verdade — completou Bonilha se aproximando com Bantuh e Omana carregando Ebiere ainda desacordada.
Hélder correu e a pegou no colo. Todos perceberam que ele estava apaixonado.
— Ela parou de sangrar?
— Não há nenhum sinal vital nela. Sinto Dr. Hélder — falou Omana.
Hélder chorou.
— Precisamos enterrá-la Hélder — falou Sean.
— Entendo! — foi só o que exclamou o apaixonado físico.
— O que houve com Isadora? — perguntou Omana para a paleontóloga desmaiada e alaranjada.
— Chuva elétrica — foi Zôra quem falou.
Sean, Lânia e Hélder não a desmentiram.
— Merda! Vamos ter que carregar mais uma desacordada?
— Cale a boca desbocada — Lânia se irritou.
— Mas que merda! E você ainda a defende depois de tudo?
— Controlem-se! — Zôra teve que se impor outra vez. — Precisamos sair daqui e procurar abrigo. E não será qualquer abrigo. Na madrugada de hoje para amanhã, estaremos mortos pela radiação.
— Havia alguns bunkers contra radiação na cidade. É que ninguém sabia o que ia acontecer quando a equipe operacional planejou testar, se as turbinas poderiam produzir energia suficiente para manter as bombas do líquido de refrigeração funcionando, no caso de uma perda de potência até que o gerador de emergência fosse reativado — falou Hélder. — Então, para prevenir o bom andamento do teste, foram desligados os sistemas de segurança e o reator teve que ter sua capacidade operacional reduzida para 25%.
— Mas o procedimento não saiu de acordo com o planejado, pois.
— Não Dr. Bonilha. Ninguém podia prever que o nível de potência do reator cairia para menos de 1% e por isso a potência teve que ser aumentada.
— Porque trinta segundos depois do começo do teste, houve um aumento de potência repentina e inesperada e o sistema de segurança do reator, que deveria ter parado a reação em cadeia, falhou — falou Sean.
— Sim Sr. Queise, em segundos, o nível de potência e temperatura subiram tanto que o reator ficou descontrolado e houve uma explosão violenta.
— O que fez a cobertura de proteção de 1000 toneladas não resistir e a temperatura de mais de 2000° C, o que derreteu as hastes de controle e fez o grafite que cobria o reator incendiar-se e o material radiativo começou a ser lançado na atmosfera — reiterou Sean.
— Mas por que os alienígenas querem que passemos por esse desastre, pois? — Bonilha quis saber.
— Também já nos perguntamos isso Bonilha. E a resposta é adaptação.
— Mas já jogamos duas bombas em Hiroshima e Nagasaki Sr. Queise — afirmou Lenny. — E tudo se consertou.
— Se consertou? — Lânia se alterou. — Onde você vive Lenny? Até hoje há locais sem...
— Lenny... Lânia... — Bonilha esperou as duas, o olharem. —, a explosão ocorrida aqui teve força superior a quatrocentas vezes as bombas lançadas sobre...
— Tem haver com o exoesqueleto! — e Sean tirou todos de seus pensamentos.
Um ‘Oh!’ surgiu ali.
— Eles querem testar o exoesqueleto deles aqui em Chernobyl Sean?
— Não sei ao certo professora. Sementes de trigo retiradas do local produziram mutações, mas a soja parece ter se adaptado à alta radiação. Então não sei se os insectóides estão querendo saber, se o comportamento da radiação neles ou nos seres vivos é mais parecido com o trigo, ou com a soja.
— Mas onde está o exoesqueleto, pois?
— Não sei Bonilha.
— Mas você sabe tanto para não saber nada filho de Oscar.
— Então você que tudo sabe, filha de Trevellis, deveria responder a questão do porque você querer o tal exoesqueleto.
— Eu nunca disse que o queria. Sou uma entomologista. O quero estudar.
— Para ajudar as formiguinhas do nosso planeta? — e Sean foi esbofeteado por ela.
Outro ‘Oh!’ e Sean ficou furioso com ela.
— Acho melhor as doutoras Zôra, Lânia, Omana e Lenny procurarem o tal abrigo Sr. Queise. Levarão a Dra. Isadora com elas — falou Hélder.
— Concordo... — soou uma Omana em choque com o bofetão de Zôra em Sean.
— Eu, você, o Dr. Bonilha e Bantuh, vamos enterrar a Dra. Ebiere, e procurar comida para passarmos o evento em segurança — Hélder encarou um Sean transtornado. — Até lá, saberemos se os alienígenas vão aparecer ou não para testar os tais exoesqueletos — e o grandalhão Hélder saiu empurrando Sean.
— Isso!
— Sim!
— Também acho! — também foram as respostas.
Os homens saíram juntos e Sean ainda tentava se controlar.
— Não devia provocá-la, pois.
— Não devia estar aqui Bonilha.
— Nenhum de nós teve escolha Sr. Queise, mas sabíamos o risco do tipo de experiência em que nos envolvíamos — também falou Hélder. — A Dra. Zôra, sempre nos alertou. Ela sempre foi honesta quanto a isso. Por isso nos fez prometer que não a abandonaríamos.
— Então vocês sabiam sobre as tais viagens?
— Não! — exclamou Bonilha. — Sabíamos apenas que os insetos alienígenas queriam se adaptar ao planeta Terra, pois, e a Poliu preferiu oferecer ajuda a vê-los nos dizimar.
— Meu Deus! Trevellis ofereceu ajuda? — Sean encarou Bantuh calado.
— Era isso ou não estaríamos no controle, pois.
— “Controle”? E temos controle sobre algo Bonilha? Está vendo realmente algum controle aqui?
E deslocaram-se da área do parque de diversões.
— Eu sinto se foi enganado Sean, mas seu pai Fernando Queise, sabia sobre os riscos quando aceitou financiar isso tudo, pois.
Sean girou os olhos mais descontrolado ainda, ao saber que a Computer Co. estava envolvida.
— O que mais sabem além da necessidade das tais viagens?
— Já dissemos que não sabíamos sobre as ‘tais viagens’. Era para ser uma experiência de contato, controlada, na Era do gelo, para adaptação dos insetos alienígenas ao frio. Por isso o trabalho da desbocada Ph.D Lenny era importante, pois.
— Imaginávamos que os insetos alienígenas estivessem nos avisando sobre uma possível e repentina mudança climática, provocada por uma inversão do eixo terrestre, anunciada pelas profecias Maias para 2012.
— Mas isso não aconteceu.
— Não é o fato de se vai ou não acontecer, é quando — emendou Hélder.
— O que aparentemente se confirmou quando Dalton disse ter estado num lugar com vulcões. E que um novo resfriamento ia acontecer, pois.
— Então Trevellis convenceu a todos vocês que toda essa experiência era para o bem da Terra? — e Sean gargalhou e viu Bantuh calado. — Me prive disso todos vocês.
— Não estamos mentindo, pois. Por isso nos assustamos quando disse que havia ido ao velho oeste e que os insetos alienígenas estavam lá, caçando girafas.
— Qual é a das girafas Hélder? — Sean de repente ergueu o grandalhão físico do chão com as mãos.
— Não sabemos Sr. Queise! A Dra. Isadora ou o que seja ela foi trazida pela Poliu. E não estamos mentindo, já que nem a Dra. Lânia sabia que ela era uma alienígena alaranjada.
Bonilha estancou:
— ‘Uma’ o que, pois?
Sean devolveu Hélder ao chão, o fuzilando.
— O Dr. Bonilha precisa saber o que vai acontecer se Isadora acordar, Sr. Queise. Porque ela vai estar furiosa com todos nós.
E Sean nada mais falou. Deixou Hélder contando a Bonilha as novas enquanto alcançavam a rua, por onde eles haviam fugido de Isadora.
Lá o prédio de nove andares, mais adiante o conjuntos de edifícios residenciais de seis andares, habitados; mais à frente, um modesto comércio.
— Incrível! — exclamou Sean de repente. — Estive aqui quando cheguei. Tudo estava morto e desolado. E agora...
— Agora também não é muito. Isso aqui era uma cidade construída para abrigar cientistas, trabalhadores e suas famílias, então não vai haver muito comércio disponível Sr. Queise — falou Hélder.
— Vamos ter que tentar tudo Hélder.
— Lá! — apontou Bantuh para um mercado ao lado de uma farmácia.
— Muito bom Bantuh! Temos que conseguir comida e remédios. E também roupas igual aos dos trabalhadores locais, para nós e para as doutoras.
Bantuh saiu em busca de roupas.
— Por que segurou minha mão Sr. Queise? — falou Hélder.
Sean parou de andar e o olhou.
— A vermelhidão no rosto de Lenny foi feita pela radiação.
— Mas ela acabou de chegar e a explosão ainda não ocorreu Sr. Queise.
— A sequencia de eventos está sempre fora de ordem, Hélder. Como as pedras-põem antes do vulcão explodir em Pompéia ou as ruas molhadas antes do tornado chegar a Joplin.
— E a moeda de Nero na Chicago de 1870, pois.
— Exato Bonilha.
— Por que acha que isso acontece Sr. Queise?
— Não sei. Mas por mais que os insectóides tentem, não há como se voltar no tempo, no tempo exato do tempo.
— E se tudo que fizemos até agora estiver errado Sr. Queise? E se a Dra. Isadora inventou tudo isso, mentiu esse tempo todo por causa da... — e Hélder foi calado por Sean que desejou que ele se calasse.
Hélder olhou Bantuh voltando com roupas nas mãos e Bonilha ainda esperando o resto da frase, mas Hélder não conseguia falar.
— Vamos pensar assim Hélder... — Sean ainda controlava a mente de Hélder. —, não sabemos exatamente o que fazemos aqui, mas viemos até aqui, correto? Então vamos continuar o tal experimento.
— Acha saudável Sr. Queise?
— Não Bantuh. Não há nada saudável nessa experiência. Mas vamos ter que continuar até descobrir como sair desse jogo e conseguir encontrar uma maneira de chegar até eles.
— Até os insetos alienígenas?
— Sim Bantuh! Caso contrário vamos morrer e deixar que eles se adaptem à Terra.
— Mas Mejuffou não vai permitir.
— Não sei até onde sua ‘Mejuffou’ está envolvida com tudo isso Bantuh, então não vou descuidar um segundo dela — e Sean se aproximou de Bantuh. — Aconselho fazer o mesmo.
Sean os deixou e caminhou até o mercado, entrando e saindo de lá de mãos vazias, depois entrou na farmácia e também saiu de lá de mãos vazias. Os três o olharam voltar e suas mãos se lotaram de sacolas com pá, enxada, comidas variadas, remédios e uma arma carregada. Os três só se olharam. Já Zôra, Lânia, Omana, Lenny e Isadora desacordada chegaram a uma cabana numa floresta. Esperaram quase meia hora até perceberem que a cabana não era habitada.
Omana entrou espirrando.
— Desculpe-me! Sou alérgica a tudo.
Zôra nada falou.
Omana encontrou um lampião e acendeu com o óleo encontrado na prateleira mais alta.
— O que é aqui Zôra?
— Estamos próximo ao Rio Pripyat, Lânia — olhou em volta. —, e pelo montante de material de pesca deve ser isso mesmo, uma cabana de pesca.
— Como Sean e os outros vão nos encontrar?
— Não se preocupe! O Sr. Queise vai nos encontrar — e Zôra foi pura ironia para com a professora.
— Vamos pescar algo? — perguntou Lenny.
— Acho melhor não. Se os eventos estão fora de ordem aqui também, então corremos o risco de nos contaminar.
— Foi isso o que aconteceu a Isadora?
— Não sabemos o que aconteceu a ela Omana. Arrume a mesa e encontre pratos e talheres.
— Você está no comando Zôra?
Zôra se virou para Omana não gostando do tom usado e os homens chegaram.
— Não! Eu estou! — foi Sean quem respondeu com todas aquelas exclamações.
Omana então se virou e nada mais falou.
Abriu portas e gavetas e Lenny também prosseguiu na arrumação.
— Sean? — mas Lânia o abraçou.
Zôra só o observou.
— Enterramos Ebiere professora. Eu sinto por não podermos ter feito isso com Narciso e Enrichetta.
— Eu sei Sean.
— Mejuffou... — Bantuh abaixou a cabeça e entregou a sacola com comida a Zôra.
Sean percebeu que a ela, ele devia obediência.
Quis realmente ter entendido aquilo, mas não captava nada vindo da filha de Mr. Trevellis.
— Trouxemos roupas iguais aos dos trabalhadores locais. Se alguém chegar aqui, diremos que trabalhamos na usina.
Ninguém discordou e cada um pegou uma muda de roupa, sapatos emborrachados e uma toca branca, se trocando. Omana e Lânia trocaram Isadora ainda desacordada e alaranjada. Depois Sean, Zôra, Lânia, Bantuh, Hélder, Omana, Lenny, e Bonilha jantaram.
Um sono começou a bater e Lenny e Omana se aconchegaram num canto, com uma coberta cada uma, e Omana voltou a espirrar.
— O que vamos fazer, pois? — a voz de Bonilha invadiu a noite.
— Esperar! — exclamou Zôra.
Lânia, Sean, Lenny, Omana, Bonilha, Bantuh e Hélder se olharam.
— Mas a usina vai explodir de madrugada Dra. Zôra?
— Não temos alternativa Dra. Omana. Não sabemos o que fazer.
— Sobreviver é uma opção — Sean respondeu.
Ela o encarou.
— O que pretende Sr. Queise? Invadir a usina e não permitir que desliguem o reator?
— Não! Em Pripyat ficava ‘Júpiter’, uma fábrica militar secreta identificada apenas com um número. Camuflada como produtora de gravadores, a Júpiter fazia peças para a indústria de defesa.
— Que tipo de peças Sr. Queise?
— Equipamentos elétricos e eletrônicos Omana.
— Está, pois, querendo dizer algo Sean?
— Sim Bonilha. Estou querendo dizer algo — e Sean encarou Zôra. —, porque esse é o verdadeiro motivo pelo qual os insectóides nos trouxeram a Chernobyl.
— “Verdadeiro”? — perguntou Lânia.
— O que há lá Sr. Queise?
— A gigantesca fábrica está dividida em um complexo de edifícios, com escritórios na parte mais alta — todos olharam Sean sabendo que ele sabia mais que aparentava. —, e localizada no centro do local, está o grande edifício da fábrica, num plano aberto, rodeado por essa série de edifícios menores.
— Que você vigiava através de Spartacus — e Zôra não esperou ele falar mais nada.
— Que eu vigiava através de Spartacus, enquanto Palakika me vigiava através de Spartacus — sorriu Sean mais irônico ainda.
— Então você sabia Zôra? — Lânia não se conformou por mais aquela traição.
— Espere! Espere! — Bonilha se enervou. — Mas se Chernobyl-4 vai explodir...
— Mas a Júpiter não explodiu. E a fábrica não foi permanentemente abandonada após o desastre — e todos olharam Hélder sabendo mais que aparentava. — Ela ainda funcionou por mais dez anos.
— Merda! E a contaminação Sr. Queise?
E foi Hélder quem olhou Sean que olhou Hélder.
— Não sei dizer nada sobre isso, Lenny. Mas sei que a água no chão é altamente radioativa. E que um passo nela e você pode dizer adeus a seus sapatos emborrachados — apontou Sean para os pés dela.
— E ainda quer que nos levar para lá Sr. Queise?
— Sim Omana. Porque Bonilha pode entender o que tem lá.
Bonilha olhou um e outro totalmente confuso.
— Como assim ‘o que tem lá’, pois?
— É! Como sabe tudo isso Sr. Queise? Leu a mente de alguém que trabalhou lá? — Omana se alertou.
— Trabalhou? — Sean riu com gosto. — Achei que a Poliu nunca tivesse abandonado aquilo.
E Zôra ficou realmente incomodada com todos os olhares se voltando contra ela.
— Alguns agentes da Poliu se interessaram por aquele lugar. A Poliu instalou equipamentos lá, já que o local apresentava segurança contra radiação, mesmo com altos níveis de radiação alfa, e talvez vestígios de plutônio em caixas guardadas — Zôra enfim falou.
E todos se olharam.
— Vamos ‘filha de Trevellis’! Vá até o fim!
Zôra se levantou e Lânia a puxou para sentar-se novamente.
— Vá até o fim Zôra.
— Plasma! — Sean não esperou ela falar. — Testes com armas de plasma! Exoesqueletos terráqueos com armas de plasma! Exoesqueletos nossos para se proteger dos exoesqueletos deles. E teste de combustíveis para... — e Sean se ergueu em alerta.
Lânia, Bantuh, Lenny, Bonilha, Hélder e Omana se levantaram também.
— O que houve Sr. Queise?
— Ouviu algo Sr. Queise?
— Por que levantou Sean?
— Perfume professora.
Omana se ergueu toda e encarou Zôra tranquila.
— Octanol!
E raios laser enegrecidos invadiram a cabana.
— Ahhh!!! — gritaram todos e copos, vidros, comida e medicamentos em cima da mesa explodiram com os raios que os acertaram.
— Se protejam, pois!!! — gritava Bonilha.
Sean alcançou a bolsa de medicamentos e Zôra a puxou para ela.
— Dê-me o revolver Srta. Trevellis!!! — gritou ele.
— Não podemos atirar... — falou calmamente.
— Dê-me Srta. Trevellis!!!
— Dê o revolver a Sean, Zôra!!! — se enervou Omana quando ela saltou de onde estava e Zôra ergueu a mão e ela voou longe.
— Já disse que não podemos atirar... — e mais raios laser explodiram tudo.
— Ahhh!!!
— Vamos morrer Srta. Trevellis!!!
— Se atirarmos, vamos morrer — insistia ela calmamente.
E mais laser explodiu.
— Sim, vamos morrer!!! Parabéns, Srta. Trevellis!!!
E a luz do lampião a óleo explodiu fazendo óleo quente cair e iniciar um incêndio.
— Ahhh!!! — gritava Lânia e Lenny ficando reféns contra a parede.
— Apague o fogo!!! — Sean perdia o controle com a filha de Mr. Trevellis.
— Apague você!
— Chega Zôra!!! Agora não é hora para... Ahhh!!! — e Omana foi tomada pelo fogo. — Ahhh!!! — ardia em chamas.
E Zôra ergueu a mão e a água, que veio de algum lugar, e em grande quantidade, cobriu a cabana.
— Ahhh!!! — todos foram tomados pela parede de água que caiu e atravessou as telhas, apagando o fogo em Omana que caiu desmaiada.
— Meu Deus!!! — Sean correu e alcançou a sacola de medicamentos quando ela sumiu das suas mãos. — Não faça isso Srta. Trevellis!!! — berrou Sean agora totalmente descontrolado.
— Dê os medicamentos a Sean, Zôra!!! — berrava Lânia.
— Não posso...
Sean correu e alcançou a porta quando Zôra ergueu a mão e ele foi lançado sobre Bonilha e Lenny. Lânia aproveitou a distração sabendo que Zôra não podia ler-lhe e pegou a bolsa, tirando e escondendo o revolver na blusa do uniforme, e pegando os medicamentos, correu até Sean que se arrastou até Omana, que com a roupa e a pele queimada, entrou em choque anafilático.
— Sean?! — Lânia se desesperou.
Sean abriu uma injeção de adrenalina e injetou na barriga dela para evitar a queda da pressão arterial ou a obstrução respiratória e Omana abriu os olhos os fechando depois.
— Pare Sr. Queise! — Zôra viu Sean e Lânia a olharem. — Sabe que ela não pode sobreviver!
— Doutora?! — Bonilha se enervava com ela.
— Sinto Bonilha! Mas eu estou no comando!
— Que comando, pois?! Vamos é todos morrer!!!
— Não Bonilha! Um de nós tem que morrer!
— Quê?! — gritava Lenny. — Ficou louca, merda?! Tínhamos que ser nove não tínhamos?!
— E temos que ser nove Lenny! — Zôra em compensação não parecia se abalar. — Pare de gritar!
— Pare de gritar?! Pare de gritar?! Merda!!! Estamos em nove!!!
— Não! Estamos em dez Lenny... — e um novo ataque a laser explodiu as vidraças de vidro da cabana.
— Ahhh!!! — gritaram todos no que vidros e estilhaços atingiram a todos sem exceção, e Bantuh viu sua perna esquerda se tomar de sangue no que três estilhaços de vidro cortaram-lhe a carne.
— Mejuffou!!! Mejuffou!! — berrava descontrolado e Sean o puxou com a força do pensamento até onde ele estava e arrancou um pedaço da camisa dele fazendo um torniquete, para então arrancar os vidros.
— Deixe Omana morrer Sr. Queise!
— O que?!
— É Omana ou outro de nós!
Sean olhou Lânia, que olhou Lenny, que olhou Bantuh, que olhou Bonilha, que olhou Hélder, que olhou Isadora desacordada.
— Então deixe a Dra. Isadora morrer!!! — berrou Hélder.
— Isadora não morre Dr. Hélder! — exclamou Zôra e um novo ataque arrancou telhas fazendo-as despencar sobre eles.
— Ahhh!!!
— O que eles estão fazendo?!
— Nos forçando a sair!
E mais explosão de raios enegrecidos se fez.
— Ahhh!!! — gritaram todos.
— Vamos sair daqui merda!!! — e Lenny correu para a porta quando um novo ataque explodiu-a. — Ahhh!!! — gritou Lenny e a porta e ela, foram lançadas longe pela nova explosão.
— Ahhh!!! — gritaram todos outra vez.
— Maldita!!! — Sean espumava de raiva. — Você sabia que nós éramos o alvo deles!!!
— Não se altere Sr. Queise! Eu não sabia que... — e o som de algo pesado, metálico, quebrando árvores, galhos e estremecendo o chão se fez, silenciando a todos.
Sean não teve alternativa a não ser teletransportar todos no que um insectóide em seu exoesqueleto negro invadiu a cabana. Ele entrou e toda sua estrutura negra brilhou de satisfação, ao ver a cabana vazia, no que o reator de número 4 explodiu.
51° 21’ 04” N e 30° 07’ 55” E.
— Ahhh!!! — gritaram Sean, Zôra, Lânia, Bonilha, Hélder e Bantuh no que seus corpos foram lançados contra a parede de metal enferrujado.
Juntas, vieram Isadora, Lenny e Omana desacordada.
— O que... O que... — e Bonilha não conseguiu terminar a frase.
Sean se levantou, correu e caiu. Levantou-se, correu e caiu sentindo-se mais fraco que nunca. Arrastou-se e verificou que o corpo de Isadora continuava alaranjado e ela ainda estava desacordada. Havia pulsação, mas como o corpo alienígena dela funcionava, ele não tinha a mínima ideia. Depois verificou Lenny e ela acordou no que ele a tocou.
— Onde... Onde... — e Lenny vomitou.
Sean trocou olhares com Hélder e ambos sabiam que Lenny fora exposta a algum tipo de radiação.
— Acalme-se Lenny. Saímos da cabana.
— Omana? — Lenny apontou para o corpo caído mais distante e Sean correu.
Omana não respirava.
— Droga!!! — explodiu.
— Acalme-se você agora, Sr. Queise — Hélder deu uma pancadinha no ombro em sinal de conforto.
Mas não havia conforto ali, nem Sean se sentia confortável com que o que acabara de fazer.
— Você girou Sean? — Lânia percebeu aquilo.
Sean só olhou Zôra. E ela sabia que ele não havia girado. Que ele controlava aquilo, o teletransporte.
Ele se odiou por ter sido pego.
— Por que não nos disse Sr. Queise?
— Disse o que Hélder?
— Isso que fez fazendo...
— Hélder! — exclamou Lânia ainda zonza. — Vamos deixar isso para lá — e se virou para Sean. — Sabe onde estamos Sean?
Sean tocou-se ainda atordoado e o GPS estava no bolso.
— 51° 21’ 04” N e 30° 07’ 55” E!
— Então nos movemos um pouco?
Sean olhou o grande espaço abandonado, de paredes de ferro enferrujado e muita água empoçada.
— Provável estamos na Júpiter pós explosão, e pós abandono.
E Lenny saltou do chão ao se lembrar da água contaminada.
— Merda! Então estamos em algum ano depois de 1996?
— Provável!
— E agora? O que o Dr. Bonilha tem que fazer aqui?
— Não sei Hélder. Mas ele é bioquímico e os insectóides querem algo com ele.
— Mas achei que ele estava estudando formaldeído, para os motores das naves — Lânia olhou um e outro.
Sean então se aproximou de uma Zôra calada, que fazia um curativo na perna ferida de Bantuh.
— O que a Poliu fazia aqui Srta. Trevellis?
— Parou de me chamar de ‘Zôra’? — provocou-o.
— O quê?! — se alterou.
Zôra se ergueu e o encarou.
— Não gosto da intimidade de como me chama, Sr. Queise. Nem permito que grite comigo. Estou no comando.
— Não sou seu subordinado, ‘Zôra’! Nem trabalho para a Poliu.
— Tem tanta certeza assim?
— Chega Zôra! Chega Sean!
— ‘Chega’ não professora. Não é motor de nave que Bonilha vinha fazer aqui — Sean ainda encarava a bela morena filha de Mr. Trevellis.
— Vinha fazer aqui? — perguntou Lenny.
— Vinha fazer aqui? — perguntou Lânia.
— Vinha fazer aqui? — perguntou Hélder.
Bonilha olhou um e outro e largou os ombros.
— Estive aqui mês passado, pois.
— O que?
— Como?
— Merda! Por que não nos disse Bonilha?
Bonilha esperou Lânia, Hélder e Lenny se exaltarem.
— Depois do desastre de Chernobyl, diferentes tipos de pesquisas foram realizadas a fim de determinar, exatamente como a precipitação radioativa afetou a química da flora e da fauna, mas até hoje, quase trinta anos mais tarde, não é totalmente conhecida como.
— Merda! — explodiu Lenny. — Omana era botânica!
Lânia olhou Zôra para então olhar o corpo morto de Omana que Sean também havia trazido.
Hélder se levantou a procura de algo para enterrá-la.
— Não podemos enterrá-la Hélder — Sean viu Hélder parar. — Se tocarmos nessa terra, os produtos usados pela Poliu vão nos matar.
— A Dra. Omana esteve aqui com você Dr. Bonilha?
— Sim Dra. Lânia.
— O que faziam?
— Estudávamos carcaças, pois.
— Exoesqueletos nossos ou alienígenas?
— Não Dra. Lânia. Carcaças de insetos em geral.
— A ‘outra entomologista’ Felicity Bertizzolo também esteve aqui?
— Sim Sean.
— Adaptação... — soou de um Bantuh apavorado.
— A crença diz que quanto menor o tempo de vida de uma espécie, mais rápido ela se adapta ao ambiente alterado, mas se assim fosse de fato, todos os insetos, roedores e aves menores de Chernobyl estariam totalmente adaptados — falou Sean.
— O que obviamente não estão, merda — Lenny abriu os braços, nervosa.
— Um estudo realizado em 550 indivíduos de 48 espécies diferentes de aves, feito por uma equipe de pesquisadores da Noruega, França e USA, mostrou que o tamanho médio dos cérebros dessas aves ficou de cerca de 5% menor do das aves que não residem na zona de exclusão — falou Zôra.
— Aves estressadas têm a capacidade de alterar o tamanho de alguns dos seus órgãos, a fim de tornar-se menos sensível a condições ambientais difíceis, e especialmente aves migratórias que viajam longas distâncias, muitas vezes encolhem certos órgãos para o uso de energia, pois — falou Bonilha.
— Mas o cérebro é, no entanto o último órgão a ser sacrificado pela radiação, o que praticamente deixa aumento da radiação de fundo como a única razão plausível para isso — completou Hélder.
— Que tipo de estudos fazia aqui Bonilha?
— Durante a minha estadia na zona, notei que insetos como mosquitos, pareciam ser significativamente maiores do que mosquitos médios, e que também suas picadas coçavam tudo, pois.
— São observações subjetivas, Bonilha — retrucou Zôra. — Não pode conceder a precisão destas.
— A radiação afetou, pois, as substâncias da saliva dos mosquitos fêmeas que normalmente causam coceira, Dra. Zôra.
— E toda uma floresta ficou vermelha após a explosão — Lânia olhou um e outro.
— O que é Bonilha? Ser mordido por um mosquito de Chernobyl não vai te machucar mais do que ser mordido por um mosquito dito normal. A exposição à radiação não afetou as espécies nem as transformou em mutantes, ameaças a outras espécies, ou um ‘Spiderman’ da vida real.
— Por que Trevellis acha que a radiação pode mudar o exoesqueleto de formigas terráqueas?
Agora Zôra se enervou com Sean.
— Como você é ridículo Sr. Queise! Meu pai nunca quis formigas mutantes.
— Seu pai é capaz de qualquer coisa para dominar os insectóides Zôra. E ele sabe que a flora reage de forma diferente à radiação do que a fauna. E você sabe disso tão bem, que aceitou fazer parte desse jogo ridículo de... — e o som de um tiro os tirou dali.
19
Hotel Damaraland; Damaraland, Namíbia.
Sala de leitura.
25 de outubro; 11h11min.
A sala de leitura do Hotel Damaraland estava vazia, e fazia um estranho frio com o cair da tarde. A temperatura parecia ter voltado ao normal e as comunicações também. Oscar temeu pedir que alguém da região viesse e descobrisse corpos enterrados. Resolveram não chamar mais ninguém até ver como tudo funcionaria, já que Kaunadodo disse que daria conta da cozinha e cada um cuidaria de sua suíte.
— Vai fazer alguma coisa, calculo? — Mr. Trevellis não parecia vir com voz de bons amigos.
Oscar ergueu o sobrolho da agenda que lia para ver Mr. Trevellis.
— Deveria dizer o mesmo de você, Trevellis?
— De mim? — Mr. Trevellis riu sentando na poltrona macia, após encher uma xícara com um chá borrento, mas de bom aroma. Depois o grande homem de pele jambo deixou cair os olhos sobre a agenda nas mãos de Oscar. — Está lendo a agenda de...
— Zôra! — completou Oscar Roldman com gosto.
Mr. Trevellis deixou cair por terra qualquer sinal de boas vizinhanças e cerrou o cenho.
— Como conseguiu isso?
— Estava no cofre de professor Dr. Antenor.
— Cofre de Zôra.
— Que seja.
— Dê-me!
— Por que não me contou sobre a mãe de Zôra?
Mr. Trevellis arregalou tanto os olhos que sua face jambo alargou-se pelo exercício.
— Você não... Você não... Você não... Zôra é...
— “É”?
— Especial!
Oscar viu Mr. Trevellis olhar para agenda e Kelly ia entrando na sala quando ouviu o diálogo entre os poderosos e se escondeu.
— Por que nunca me disse Trevellis? — insistia Oscar. — Ou Zôra sabia que você já se relacionava com alienígenas?
Mr. Trevellis caiu em tensa gargalhada, sentindo-se prisioneiro de Oscar Roldman como nunca fora até então.
— Enlouqueceu ou o que?
— O louco sou eu?
Mr. Trevellis parou de gargalhar. Sua feição ficou séria, carregada e ele enfrentou Oscar.
— Dê-me isso! — levantou-se e esticou a mão.
Os dois se encararam.
— Que ideia mais genial a sua que obrigar Mona Foad a ensinar-lhe bloquear a mente, Trevellis. Isso faria com que eu, Sean e Zôra jamais soubessem que ela era filha de uma alienígena.
— Zôra nunca... — Mr. Trevellis perdeu a voz no sarcasmo. — Zôra nunca... — a pele jambo se iluminou. — Ela não podia saber...
— Com todo o poder dela? Com Mona trabalhando um dom ‘especial’ como aquele? Acha mesmo Trevellis?! — gritou.
— Não grite comigo! — Mr. Trevellis sentiu toda sua musculatura retesar. — Zôra é especial. Só isso! E Mona... — falou Mr. Trevellis para um Oscar sob controle. — Ela prometeu-me que nunca contaria.
— Não sei se Mona contou algo, mas a agenda de Zôra é explicita. Ela sabe que é uma híbrida.
— Miserável... — soou da boca trêmula, e Mr. Trevellis caiu sentado com todo seu peso e arrogância na poltrona macia.
— Quem é afinal Zôra, Trevellis?
— Eu e minha esposa Lola estávamos separados, quando eu conheci Stevia.
— É como a chamava?
— Sim. Stevia, minha flor... Dei-lhe um nome mais humano.
Oscar realmente não sabia o que falar.
— Lola aceitou criar uma criança alienígena?
Mr. Trevellis fez um sinal negativo quase imperceptível.
— Ela não sabia — Mr. Trevellis olhou Oscar lhe olhando. — Minhas duas outras filhas, Umah e Dolores, já estavam crescidas, e o fato de uma criança chegar sem esperarmos nos uniu novamente. Zôra aparentemente seguiu o crescimento equivalente aos humanos até fazer quatros anos e começar a desenvolver dons.
— O que Lola fez?
— Descobriu! Confrontou-me! Disse que eu estava tomado pelo poder. Que comandar a Poliu já não me bastava, que eu queria dominar outros mundos. Eu nunca disse que ele era realmente minha filha.
Oscar pigarreou:
— Achei que só Sean fosse capaz de se envolver com alienígenas.
— Não me compare a seu filho! — Mr. Trevellis enervou-se. — Não me envolvo sexualmente com alienígenas por extravagância.
— “Extravagância”? Por que odeia tanto Sean, Trevellis? Vocês são tão iguais — sorriu cínico.
— Amei Stevia como nunca amarei nenhuma outra mulher nessa Terra, Oscar.
— Não quero saber disso!
Mr. Trevellis ergueu o sobrolho. Não entendeu o caminho tomado por Oscar para aquele assunto.
— Fale Oscar! Você não quer seu filho envolvido emocionalmente com Zôra? É isso? — Oscar nada falou, mas Mr. Trevellis já sabia o que ele não falou. E as surpresas só aumentavam para Kelly; porque Zôra ser uma alienígena a petrificou. — Então saiba Oscar amigo velho, que também não quero Sean envolvido com minha filha. Entendeu? — e Mr. Trevellis o olhou desconfiado. — Vai contar a ele que ela é minha filha?
— E por que acha que Sean já não sabe?
— Porque Zôra não sabe que é minha filha.
— Não é o que a agenda diz. Além de Mona a preparando para se comunicar com alienígenas, e ainda acha que sua filha não sabe?
— Você nunca perdoou a Poliu, não é Oscar?
Oscar o encarou furioso.
— “Perdoar”? Só eu tive que fazer sacrifícios nessa vida.
— “Sacrifícios”? — gargalhou Mr. Trevellis. — Como abandonar seu filho na barriga de Nelma? Não assumi-lo as vésperas de seu nascimento? Permitir que Fernando o criasse como um hacker?
— Cale-se! Cale-se! — e as mesas e poltronas saíram do chão e a ele voltaram num estrondo. — Fernando sempre foi um bom homem, nosso amigo. E ele fez melhor que eu faria.
— Wow! — gargalhava Mr. Trevellis recuperando o jogo. — Vai me dizer que não queria tê-lo criado? Dado ‘boa-noite’ todas as noites?
— Chega!!! — Oscar Roldman levantou-se num rompante deixando cair a agenda.
Mr. Trevellis com todo seu tamanho se arqueou para pegá-la tão rápido quanto Oscar com toda sua idade a resgatou.
Mr. Trevellis riu:
— Deixe-me adivinhar, Oscar amigo velho. É sobre Sandy Monroe que vamos falar em seguida?
Oscar Roldman sentiu sua própria respiração ficar pesada.
— Sandy é passado!
— Para quem? — e Mr. Trevellis se levantou dando sinais que já ia.
— Preocupado com Sean, Trevellis? Que notícia...
— Sem ironias Oscar. Estamos no mesmo barco há muito tempo.
— Não navego no seu barco, Trevellis. Nunca naveguei.
— A quem quer enganar? Você não tem escrúpulos, Oscar, como nem Fernando, nem Nelma, nem ninguém da ‘nossa área’ — riu arrumando os óculos escuros que teimavam em cair no suor do momento. — Porque você arrastou Sean para cá, e o arrasta para todos seus casos ‘difíceis’.
Oscar Roldman queria naquele momento fazer mais que usar de palavras para machucar Mr. Trevellis.
— Não fui eu quem roubou uma arma alienígena e obrigou os alienígenas a saírem de sua Ortotênia e vir até aqui resgatá-la.
— Zôra não trouxe nada! Foi o destrambelhado e incompetente do Dalton que...
— A quem acha que vai enganar Trevellis? Meus dons? Porque sei que Dalton não roubou nada. Foi obrigado a fazer a viagem à Era do gelo porque os alienígenas estavam lá testando sua adaptação. E quase foi morto quando os insectóides descobriram que ele estava ali tentando devolver algo.
— Já disse que Zôra não fez nada. Não há como trazer nada do éter já que a viagem é pura projeção.
— Talvez Mona não saiba responder isso, mas Zôra descobriu como fazê-lo. E toda essa experiência de contato ‘amigável’ e ‘controlável’ foi por água abaixo, com os insectóides querendo fazer testes com sua filha, meu filho e os Ph.D, só para se vingar do acordo quebrado pela Poliu.
— Eu não sabia que o incompetente do Dalton ia falhar devolvendo a luva do exoesqueleto. Já disse que não fazia parte do plano chegar tão perto de um exoesqueleto. Tínhamos permissão dos insectóides para estudá-lo, e em troca usaríamos os Ph.D mais hábeis a fim de ajudá-los com o combustível para irem embora, porque disseram que iam embora — Mr. Trevellis explodia. — E eles nunca souberam que estudávamos seus sinais matemáticos, que estudávamos sua energia de plasma, que estudávamos a engenharia mecatrônica do domo que por vezes nos fechavam aqui, que estudávamos a acústica do som que abria as fendas, nem que criávamos um exoesqueleto para nós enquanto testávamos seu combustível contra a radiação, aproveitando o que sobrou de Chernobyl.
— Até Dalton trazer as girafas...
— Não exatamente. Dalton não conseguiu devolver e voltou com a porcaria daquela luva, mas as girafas vieram sozinhas, dias depois.
— O que significa as tais girafas Trevellis?
— Não sei. Victor Hugo não conseguiu ler a mente de Isadora e Domingos morreu, antes de entender toda a biologia de sistemas de Isadora.
— Ou morreu sabendo de tudo, já que estava roubando a luva do exoesqueleto para ele, porque Domingos talvez não tenha descoberto sobre a biologia de Isadora, mas descobriu a biologia de Zôra e que ela devia ser um deles já que vestiu o exoesqueleto e ele se moldou nela.
E Mr. Trevellis despencou o corpo pela emoção, com toda sua glote se fechando e a respiração dificultada para sair dos pulmões. Ele olhou Oscar sabendo que ele sabia que ele estava tendo um ataque. Oscar o tocou e o coração de Mr. Trevellis recebeu uma descarga elétrica fazendo os batimentos cardíacos normalizarem.
— Eu... Eu... Obrigado... — saiu fraco, mas verdadeiro.
Oscar fechou a agenda e jogou contra ele que ainda sentia todo peito doer.
— Eu amo meu filho Trevellis. E por isso estou aqui. Ficou é pensando o quanto de amor você tem por Zôra — e ameaçou sair.
— Oscar... — ainda soava fraco. — Zôra não sabia que todo o exoesqueleto se transportaria com ela, nem que o insectóides dentro dele fosse morrer na travessia. Ela... Ela...
— ‘Ela’ conseguiu desestabilizar o equilíbrio que mantinha estável o fenda pelo qual os alienígenas iam e vinham.
— Ela não teve culpa Oscar... A luva do exoesqueleto se vestiu nela e Zôra fez a viagem pela dimensão paralela quebrando...
— Quebrando o equilíbrio que os mantinham longe de nós. Então eu pergunto, Trevellis; que maldito equilíbrio é esse?
Mr. Trevellis sentia que nada mais seria igual depois daquilo.
— O equilíbrio do formigueiro — Mr. Trevellis ergueu-se e encostou-se à mesa que sentiu o peso excessivo.
— Meu Deus Trevellis!
— Acha que seu filho sabe?
— Não sei o que dizer.
Mr. Trevellis olhou em volta. Seus olhos caíram novamente sobre a agenda de Zôra.
Oscar já sabia de tudo, percebeu.
— Eu nunca quis que Zôra participasse do grupo de espiões psíquicos que Mona Foad comandava na Poliu. Mona foi criada para fazer outros trabalhos.
— “Outros trabalhos”? — Oscar achou graça. — Você criou Mona para fazer seus trabalhos sujos à ‘longa distância’. Criou ‘monstros’ que eram capazes de espiar, vigiar, espezinhar a vida alheia sem sair da Poliu. Capazes de destruir alguém pelo poder da mente, fazerem outros tomar decisões errôneas como ‘se matar’.
Mr. Trevellis piscou nervoso.
— Não induzi Sandy Monroe ao suicídio, Oscar...
— Se Sean sonha... — engoliu a seco. — Se ele sequer sonhar com essa hipótese, Trevellis, a Poliu já era — e Oscar se virou para ir embora.
— O que Sean ia fazer morfando Spartacus, Oscar meu velho?
Oscar parou, engoliu a seco a resposta e foi embora. Não viu Kelly ali escondida porque ela já havia ido embora, mas a sentiu ali, escondida, o tempo todo.
E Kelly havia corrido com toda força e vontade até a suíte de número dois.
— Temos um problema, Gyrimias — Kelly adentrou numa velocidade que fez Gyrimias gritar de susto.
— Senhorita... — Gyrimias correu a colocar o travesseiro na frente do pijama quadriculado que Kelly achou brega, mas, porém nada disse se concentrando em algo que passou pela cabeça dela.
— Sean está em apuros — bebeu toda a água da jarra dele. — E não falo da viagem. Falo sobre Zôra.
— Parcelado o que penso...
— Parcele nada, Gyrimias. Não é ciúme.
— Ah! — sorriu sem graça. — Claro!
— Zôra é alienígena.
— Quê?! — e o susto o fez cair sentado na cama.
Kelly acomodou-se na poltrona a frente dele.
— Temos que acessar os mainframes de Spartacus.
— Como?
— Não sei, mas Sean precisará se comunicar com Spartacus para sair de lá; lá sei lá onde.
— “Precisará”? Mas o Senhor Sean Queise se comunica com ele o tempo todo.
— Se Sean tivesse realmente completado uma comunicação como faz, Gyrimias, já teria voltado.
Gyrimias arregalou os olhos. Entendeu o que ela dizia.
— A Doutora...
— Sabia!
— E como poderemos ajudar? — Gyrimias se inclinou interessando.
— Pelo notebook de Sean.
— Que está na suíte do Senhor Oscar Roldman? — apontou nitidamente apavorado para o nada.
— Sim — sorriu cínica. — Aquele mesmo.
— E o que vamos fazer exatamente?
— Não sei. Mas acredito que Spartacus vai fazer sozinho se você liberar a tal senha que se duplicou.
Gyrimias ficou mais branco que já era.
— Parcelado o que penso, penso que jamais o Senhor Sean Queise lhe diria isso.
— Não! Ele não disse!
— E a Senhorita sabe...
— Eu sei porque era eu quem entrava duplicado.
— Parcelado... Foi o Senhor Sean Queise quem lhe ensinou?
— Não. O Sr. Fernando — e o olhar de Gyrimias fez Kelly recuar. — Isso agora não é importante Gyrimias! — cortou a dor dele. — Spartacus precisa fazer o que sabe fazer, se não o maldito formigueiro não vai conseguir vir a Terra.
— Que maldito formigueiro? O dos insectóides?
— Esse mesmo.
— Mas vamos ajudar a trazê-los?
— Ele já veio Gyrimias, por isso todos aqueles crop circles. Mas deve ter ficado preso no tal buraco negro onde se escondia até então, porque Sean morfou Spartacus de alguma forma que nem minha melhor imaginação feminina alcança.
— Parcelado... — e Gyrimias parou. — Mas se ajudarmos o formigueiro a vir à Terra, isso ajudará o Senhor Sean Queise?
— Nada pode ajudar Sean, Gyrimias a não ser ele mesmo; ele e aqueles poderes de ‘ficção científica’. Mas uma coisa eu sei, se o formigueiro conseguir atravessar a fenda, então os viajantes estarão livres para voltar. E aí, meu querido Gyrimias, o problema passa a ser da Poliu, não nosso.
O nerd Gyrimias Leferi nunca mais seria o mesmo.
20
30° N e 18 O.
O ar ficou pesado, Lânia e Helder foram os primeiros a sentir a pressão em suas narinas.
— O ar... — Lenny arregalou os olhos até avermelharem-se.
— Não respiro... — Bonilha sentiu-se sendo contraído.
Zôra e Sean também sentiram que seus corpos agiam de uma maneira fora do comum quando Zôra ergueu-se com dificuldades e olhou em volta, olhou todos e voltou a olhar em volta.
Estavam numa terra úmida, empapada, cheirando a enxofre.
— Estamos todos aqui?
— Isadora... — apontou Lenny com dificuldades.
— Ela... — e Bonilha sentiu dificuldades para chegar até ela. — Ela ainda tem pulsação, pois.
— Mas que merda há afinal com Isadora, Zôra?
— Não sou médica Lenny. Não volte a perguntar.
Lenny olhou Bonilha que olhou Lenny.
— Você girou Sr. Queise? — falou Hélder.
— Não... — falou Sean sentindo que tudo nele era puro cansaço. — Eu não fiz nada...
— Eu não lhe toquei também. Tenho certeza — falou Zôra.
— Mas ouvimos o som do tiro, não?
— Eu ouvi Sean — sorriu Lânia.
E Zôra não gostava daquilo.
— Deus... — Sean viu a gigantesca floresta fechada onde estavam. — Que plantas são essas?
— Merda! Omana está morta para responder.
— Onde estamos Mejuffou? — falou Bantuh.
— Não sei...
— Ainda estamos em Chernobyl?
— Não... — Sean olhou em volta ainda sentindo dores pelo corpo. — Isso é uma floresta de coníferas. De sequoias gigantes, diga-se de passagem.
— Sim... Enormes, pois — falou Bonilha dobrando todo o pescoço para olhar para cima.
— Lenny o que é esse cheiro?
Lenny olhou o céu de uma cor azul até então nunca vista.
— Parece... — Lenny fungou e fungou. — Parece enxofre Lânia.
— Na verdade... — fungou Bonilha. —, é uma mistura de dióxido de carbono e dióxido de enxofre, vinda erupções vulcânicas maciças.
— Sean — Lânia deu a mão para ele levantar-se. As roupas dele encharcavam-se da água insalubre. — Você precisa dormir um pouco.
— Todos precisam Lânia — agora Zôra não se segurou.
— Mais Sean que todos. Ele nos teletransportou daquela cabana para aquela fábrica. Isso o desgastou.
E Sean até queria retrucar Lânia, bancar o comando de Zôra e girar de volta para Damaraland, mas estava mesmo debilitado, fraco.
— Merda! E todo esse esforço de nada adiantou. Fomos tirados daquela fábrica antes de saber o que fazíamos ali.
— Acredite Lenny, os insectóides fizeram exatamente o que queriam e não saímos antes de saber algo — soou um Sean cínico.
— O que quer dizer, pois, Sean?
— Você é o bioquímico Bonilha — Sean ergueu o sobrolho. — Traduza o que quero dizer.
Lânia, Lenny e Hélder olharam Bonilha.
— Eu não sei do que ele está falando, pois?
E Zôra se ergueu se aproximando de Sean.
— Do que está falando Sr. Queise?
— Não vai dizer ‘Eu sei’ Srta. Trevellis? Não! Não vai dizer! E não vai dizer, porque não sabe — e Sean viu os olhos dela brilharem.
— Do que é que ele está falando Bonilha?! — Zôra se virou furiosa para ele o fazendo recuar.
— Farinha de aveia seca ou pasta de trigo, pois.
Todos se olharam não entendo o que Bonilha quis dizer.
Só a face embranquecida de Zôra traduziu aquilo.
— Formigas amam substâncias amiláceas, não Srta. Trevellis?
— Farinha de aveia seca ou pasta de trigo... — repetiu Zôra. — Uma vez dentro de seus estômagos, os grãos se misturam com os sucos digestivos e expandem, explodindo e matando as formigas.
— Mas que merda mais ridícula é essa? — e Lenny caiu em risada. — A Poliu com todos aqueles equipamentos de última geração contrataram um Ph.D para fazer veneno caseiro para explodir formigas alienígenas?
— Não Lenny. A Poliu não se deu a esse trabalho. Mas sabia que os insectóides não iam se aproximar disso; não sem morrerem — sorriu Sean para Bonilha. — Porque Etanol é um composto orgânico, obtido através da fermentação de substâncias amiláceas. E Hitler durante a Guerra produzia etanol das batatas para gerar combustível; tudo emergencial.
— Emergencial? — Lânia olhou Bonilha. — E por que precisávamos de tal emergência, se vocês conseguiam sair de Damaraland e ir a Fábrica Júpiter?
— Como você, Lânia, recebo ordens, pois. Fiz o que me mandaram fazer, mesmo sabendo que ganhei meu Ph.D desenvolvendo mais que álcool de batatas.
— Mas mais que isso, não Bonilha? — Sean queria atingir Zôra Trevellis. — Um pouco de levedura selvagem e o etanol C2H5OH se torna metanol CH3OH, incolor, semelhante ao etanol, mas que no seu processo metabólico, oxidado pela enzima catalase, transformasse em aldeído fórmico HCOH e acido fórmico HCOOH. E não foi você Srta. Trevellis, quem fez questão de rir de Kelly e sua bebida bombástica de formol? — e Sean voltou a olhar todos. — Contudo, incrível como a própria natureza se ajuda, não? Porque basta injetar o etanol no sangue e ele oxida-se no lugar do metanol; e o que antes podia causar uma cegueira só vai dar uma bela enxaqueca.
— Aonde quer chegar Sean?
— Eu? Em nenhum lugar professora. Porque a coisa era simples assim... Como todo equipamento dos insectóides, exoesqueleto, naves, e tudo mais eram controlados por atividades do cérebro do alienígena, ele também recebia sinais sensoriais da máquina e produzia ele próprio o combustível do seu exoesqueleto. Mas como nós não pudemos nos dar ao luxo de nascer insectóides, então nós, íamos ter que criar nosso próprio combustível caso... — e Sean parou.
— Caso o mundo terminasse e nós íamos ter que começar a nos adaptar de novo, produzindo algo longe da sofisticada dessulfurização de gás combustível fóssil, que contém enxofre, que provável era no que se tornaria nosso querido ar respirável, e assim pudéssemos manter nossos exoesqueletos funcionando — Hélder arregalou os olhos e Lânia sentiu-se tonta. —, porque não seria um ar, não só irrespirável como radioativo.
— Merda! — explodiu Lenny.
— Parabéns Hélder. Descobriu o porquê de leveduras radioativas — Sean gargalhava.
— Como pode estar rindo disso Sean? Estamos a um passo da destruição.
— Estamos professora?
— Leia o GPS Sr. Queise — pediu Zôra cansada, triste e decepcionada.
Sean procurou e não o encontrou.
— Outra vez? — ergueu-se ainda zonzo e girou em torno de si mesmo. — Onde ele está? — olhou ele para Zôra.
— Não me olhe assim. Não o peguei.
— Não disse que o pegou. Disse?
— Vamos parar os dois! — foi a vez de Bantuh enervar-se. — Seja como foi caímos juntos, como em Chicago, Mejuffou.
— O ar está pesado, não? — Lenny ainda fungava. — E vou dizer uma coisa, em toda minha vida de metereologista, nunca vi um céu desses — apontou para cima.
— Já senti esse cheiro... — Lânia tocava a umidade das folhas ao redor.
— Onde? Nos pântanos da Flórida? Turfas do Canadá? Israel? — Lenny ainda tentava entender o céu.
Sean olhou Zôra nervosa, visivelmente nervosa quando um grito monstruoso perpetuou por toda a floresta.
— Ahhh!!! — gritaram todos.
— Que merda foi essa? — perguntou Lenny.
— Manadas de elefantes? — perguntou Bantuh.
— Manadas de que, pois? — Bonilha olhava para os lados sentindo-se oprimido pelo número de plantas gigantes ao seu lado.
— Por favor, Sean se comunique com o satélite de observação.
— Não consigo professora.
— Consegue! — Zôra desafiava-o.
— Chega Zôra! — Lânia se irritou com ela. Depois voltou a olhar Sean e ele desmaiou. — Sean?!
Hélder e Bonilha correram e o pegaram do chão o levando para perto de uma terra mais seca.
Sean abriu os olhos e Spartacus girou; Sean fechou os olhos.
— Sr. Queise? — perguntou Hélder.
Sean abriu os olhos de novo e Spartacus girou outra vez; Sean voltou a fechar e abrir os olhos e encarou Zôra de longe.
— Estamos no Oceano Atlântico, entre o Mediterrâneo e o Caribe.
— Entre o que? — Lenny olhava para o chão umedecido e fedido.
— Como assim ‘no Oceano Atlântico’ Sr. Queise? Numa ilha, pois?
— Não... No meio dele.
— O que quer dizer com isso Sean... Ahhh!!! — Lânia gritou quando novamente um som gutural atravessou o local.
Todos ficaram em silêncio e em alerta.
Sean olhou Lânia tremendo.
— Estamos no que já foi o Mar de Tétis.
— Mar de que?
— Quando o supercontinente Pangeia iniciou sua ruptura, ela fez surgir um oceano entre duas grandes massas continentais, a Laurásia ao norte, e o Gondwana ao sul. Esse oceano que os separou foi chamado de Mar de Tétis, que corresponde ao protomediterrâneo, durante grande parte do Mesozoico, professora.
— E vamos ser projetados para dentro d’água?
— Não. Mas se há agora uma terra pantanosa sob nossos pés, então estamos saímos do Carbonífero, no que os cientistas chamavam de ‘Planeta das árvores’, e foi graças a essas gigantes plantas, produzirem ligninas, que gerou 300 milhões de anos de produção de oxigênio, o que fez insetos ser do tamanho de elefantes — e Sean olhou para cima. —, e se todas essas coníferas são atuais, então estamos na latitude de 30° N e 18° O do Equador.
— Em que parte exata do Equador, Sr. Queise?
— Isso não importa agora Lenny. Estamos no meio dos grandes insetos.
— Dinossauros?! — gritou Bonilha caindo sentado.
— Insetos dinossauros! — Sean exclamou e Lenny vomitou. Hélder correu a acudi-la e Bantuh perdera a cor ao lado de uma Zôra totalmente estável. — Plantas como ginkgos, cavalinhas e sequoias prosperaram até o Jurássico formando imensas florestas tropicais dando esse ar sinistro e perigoso.
— “Ar sinistro e perigoso” Sr. Queise? — Hélder bateu nas coxas. — Era só o que nos faltava.
Sean fuzilou Zôra, não se conformando por ter sido enganado.
— Mas que merda, merda, merda — foi o que Lenny falou ao voltar a si. — E qual o desastre agora?
— Você deve saber, metereologista desbocada — atacou Lânia. — Nessa época ocorriam muito fenômenos meteorológicos...
— Como a queda de um meteoro, pois?
— Cale-se Bonilha!
— Calar-me Lânia? Diga-me como devo me calar perante isso? — Bonilha apontava para os lados.
— A Terra sofreu uma grande perda de camada de ozônio antes do jurássico e do meteoro que matou os dinossauros — falou Lenny sentindo vontade de vomitar outra vez. —, graças as erupções vulcânicas extensas, houve um superaquecimento pela sulfurização, o que destruiu 90% da fauna e flora. Foi mesmo um milagre estarmos aqui.
Sean fuzilou Zôra outra vez.
— Não me olhe assim Sr. Queise.
— “Não me olhe assim”?! — agora Sean berrou descontrolado com ela. — Sabia que vínhamos parar aqui?!
— Não sabia...
— Sabia!!!
— Não grite comigo! Eu não sabia!
— Você sabe tudo!!! Sempre sabe tudo!!!
— Mas não sabia que viríamos aqui... Droga! — explodiu Zôra. — Já disse que não sei mais o sentido dessa experiência. Então como posso saber em qual terremoto, maremoto, tornado ou desastre, vamos parar?
— Estão sabia que viríamos?
— Não! Sabia da experiência dos alienígenas. Só isso! Eu avisei a Poliu, os alertei; e foi só isso.
— “Só isso”?! — gritou.
— Não grite comigo! Porque quando sua sócia teve seu momento de fama dando ataques de ciúme, ela rompeu a fenda e acabou provocando as viagens.
— Minha sócia? Agora foi Kelly a culpada?
— Foi ela sim. Ela e seu ciúme.
—Não fale dela assim! — Sean arregalou os olhos azuis. — Isso é ridículo! Você sabia que nós... Ahhh!!! — jogou as mãos para o ar.
— Sabia o que? Sabia o que Sr. Queise? Já disse que não sabia sobre essas viagens, nem sobre etanol e seus derivados para nos readaptar a um planeta explodido, nem que a Poliu produzia exoesqueletos. Então se estamos nessa furada, foi porque Kelly Garcia rompeu a fenda e por isso foi parar na Era do gelo.
— Mentira! Você colocou o planeta em risco quando rompeu o acordo!
— Que?!
— Você e sua luva maldita. Você e seu subordinado Dalton que não sabia nem devolver produto de roubo.
— Produto de que? Com quem pensa que está falando?
— Com uma ladra!
— Eu sou ladra Sr. Queise?! — passou a gritar. — E você nos vigiando sem autorização é o que?! Hacker?!
— Não a estava vigiando filha de Trevellis. Que de adotada não tem nada, já que tem sangue de assassino.
— Não sou ladra!!! — agora era só gritaria. — Não sou assassina!!!
— E como chama, deixar Omana morrer?!
— Kelly começou tudo isso, não eu!!!
— Kelly não fez nada!!!
— Não devia tê-la trazido!!!
— Eu não trouxe ninguém!!! Eu não me trouxe!!! Você fez Dalton me arrastar a Namíbia!!!
— Eu não o arrastei a lugar algum Sr. Queise!!! Foi seu zíper que não mantém fechado que o arrastou atrás de Isadora!!!
— Maldita!!! — e Sean a empurrou fazendo Zôra realmente ir ao chão e Bantuh saltar na frente dele mostrando todas as fileiras de dentes como um animal.
Sean recuou no que Bantuh mais parecia um felino. Porque foi exatamente naquilo que ele se transformou; grande, peludo e feroz felino.
Lenny, Lânia, Bonilha e Hélder recuaram em pânico vendo que Bantuh era um animal enorme.
— Controle-se Bantuh! — exclamou Zôra. Mas Bantuh rugia ferozmente para Sean que dava passos para trás. — Controle-se Bantuh! É uma ordem!
E Bantuh se ergueu com pernas, fazendo os pelos negros sumirem e voltar a ter pele de ébano brilhante, com todos os dentes do grande felino recuando, até a arcada dentária humana aparecer.
— Meu Deus! O que é ele?
— Isso realmente importa Sr. Queise?
— Quantos alienígenas mais, filha de Trevellis?
— Não me chame assim! Sou a Dra. Zôra Trevellis!
— Não para mim, filha de Trevellis — e Sean foi se sentar ao lado de Lânia em choque.
Lenny e Bonilha também correram do lugar onde estavam e ficaram perto de Sean. O grandalhão Helder ainda estava paralisado pelas tantas revelações.
E foi a revelação do roubo o que mais lhe alertou.
— Então você roubou aquela luva Dra. Zôra?
— Eu não roubei nada Hélder! — Zôra ainda estava furiosa. — Ela tomou conta do meu braço quando me teletransportei até a nave. E era até então uma viagem controlada, que a Poliu fez dezenas de vezes para acertarmos a experiência, que era bilateral; porque íamos ganhar conhecimento — e todos se calaram. — E eu realmente sinto muito, Sr. Queise. Desesperei-me quando ela tomou meu braço e não queria sair. E por mais que eu desejasse a luva não abria. Fugi com medo que eles achassem que eu estava lá roubando algo — olhou Sean a olhando. — E eu não sabia que aquele insectóide seguiu-me e entrou na fenda. Cheguei com o corpo dele morto — e caiu no chão cansada.
E Sean quis levantar-se, correr, acudi-la, abraçá-la, beijá-la.
— Droga... — soou nervoso.
— Devia ter sido mais honesta Dra. Zôra.
— Eu... — e Zôra olhou Sean olhando o chão. — A Poliu não permitiu, Hélder. A Computer Co. havia investido muito dinheiro.
Sean levantou os olhos do chão e a encarou:
— Por que meu pai faz isso?
— Não sei o porquê, mas sei que meu pai é capaz de tudo para conseguir o que quer. Chantagem deve fazer parte do pacote.
Os olhos de Sean lacrimejaram e ele se levantou indo para longe deles.
— Sean? — chamou Lânia. — Não se afaste de nós, Sean?
Mas Sean sumiu das vistas deles.
Zôra foi atrás.
— Aonde vai? — disse ela ao se aproximar dele.
— Encontrar o GPS.
— Ele se perdeu Sr. Queise.
— Como sabe Srta. Trevellis? ‘Sei’?
— Por que me trata dessa maneira?
— Dessa o que?
E Zôra se virou sendo pega pelo braço por ele. Ela olhou seu braço e todo seu corpo aqueceu. Os olhos dois se encontram e Sean a largou. Mas Zôra fez o impensável e alcançou os lábios dele o beijando.
Sean arregalou os olhos azuis e os olhos verdes dela brilharam para ele. Sean não moveu um único músculo e Zôra soltou seus lábios dos dele.
Sean voltou para onde estavam os outros sem tocar no assunto e Zôra largou os ombros em sinal de derrota. Ele não ia dar uma chance a ela, não a ela.
— Como ela está Bonilha? — Sean apontou para Isadora ao lado dele.
Bonilha a tocou.
— Estável, pois. Como se estivesse adormecida.
— Acha que ela está morta Sr. Queise?
— Não sei o que dizer Hélder. Não tenho a mínima ideia que tipo de alienígena ela é — e Sean viu Bantuh o olhando. Depois Sean olhou em volta, para o céu e em volta novamente. — Precisamos de um lugar seco e seguro para passarmos a noite. Depois estudamos o próximo passo.
— E como vamos achar esse lugar seguro Sean?
— Se Bantuh é tudo isso que parece ser, professora... — e Sean parou de falar quando Bantuh ergueu-se e rugiu para ele.
— Controle-se Bantuh... — a voz de Zôra era fraca, mas Bantuh obedeceu. — Continue Sr. Queise...
— Precisamos que Bantuh suba numa dessas árvores e estude o terreno. De lá de cima sua visão deve encontrar uma caverna segura para passarmos a noite.
Zôra só inclinou a cabeça e Bantuh tomou a forma de um grande e peludo felino negro impactando novamente Lenny, Lânia, Bonilha e Hélder, e Bantuh saltou na árvore subindo rapidamente.
— E agora? — Zôra ainda parecia fraca.
— Uma missão da NASA visitou o Iucatã, na zona de Chicxulub, onde há 65 milhões de anos caiu um meteoro, que alguns julgam ser o causador de extinções em massa. E alguns cientistas levantaram que o impacto foi pior do que conta a história, porque a composição do lugar onde caiu era rica em enxofre, que se volatilizou gerando gás e vapor que se transformou em ácido.
— Uma combinação letal... Merda!
— Acalme-se Lenny.
— Acha mesmo que devo Lânia?
Lânia não respondeu. Deu alguns passos e abraçou Sean para desespero de Zôra.
— Se não sairmos daqui rápido vamos morrer pela queda do meteoro, Sean?
Mas Sean nada respondeu. Havia algo maior ali.
— Octanol...
— Como é que é? — Bonilha se alertou.
Lenny e Hélder se deram as costas e Zôra ergueu-se do chão sentindo aquilo, o cheiro.
— São os alienígenas Sean? — sussurrou Lânia.
— Não professora... É um... — e Sean parou. — Todos os indícios de erro estão aqui.
— Como é que é? — a pele de Zôra brilhou.
— Não foi Kelly, fui eu.
— Você? O que fez Sr. Queise?
— ‘Broken Hill’, em Kabwe, Zâmbia — e Sean encarou Zôra. — Eu rachei a fenda ao matar o Neandertal — Sean olhou para todos já que Zôra não respondeu. — E tudo mudou, vem mudando, fatos estranhos, viajantes no tempo, eventos antecipados e Enrichetta no tornado de Joplin.
— Do que está falando Sr. Queise? Viu Enrichetta no tornado?
— Sim Hélder. E fatos estranhos ocorrem há muito tempo, como um trilobita, um inseto que viveu somente durante a era Paleozoica, e que foi encontrado fossilizado com a marca de um pé calçado, sobre ele. Mas homens pré-históricos não usavam sapatos.
— Acha que nós... — e Lenny não terminou a frase. — Merda!
— Há pegadas humanas fósseis encontradas na região da Valdecevilla, na Rioja, Espanha feitas a 70 milhões a.C..
— 70 milhões? — perguntou Hélder.
— Há pegadas humanas encontradas ao lado de pegadas de dinossauros, no famoso ‘Vale dos Gigantes’, ao longo do leito do rio Paluxy, próximo de Glen Rose, no Texas, Estados Unidos.
— Sim. O professor Narciso fez parte da equipe do Dr. Dougherty que em 1971, investigou um registro de centenas de pegadas na região, e calculou-se que eram prováveis de 65 milhões a.C. — completou a matemática Lânia.
— Acha que há outros como nós que já viajaram para o passado, pois? — Bonilha fez uma careta.
— Ou somos nós que as fazemos? — Lenny se perguntou outra vez.
Sean outra vez quis adivinhar os ‘eu sei’ de Zôra, mas ela não falou nenhum dessa vez e um lufar de ar quente atrás dele os alertou.
Ela e Sean sentiram a presença do décimo viajante mais perto do que antes.
— O que houve? — sussurrou Lânia.
— Há mais alguém aqui.
— Merda... — e Lenny teve sua boca calada por Hélder que suava de nervoso.
Porque fosse o que fosse, parou.
— Se foi? — Bonilha se aproximou. — Quem era, pois?
— Não sei Bonilha... Mas alguém mais viaja conosco.
Lenny olhou Lânia, que olhou Hélder, que olhou Bonilha, que olhou Zôra.
— Sabia, pois, doutora?
— Era só uma impressão, Bonilha.
— Que já não é mais — Lenny foi cínica.
— Não... Não é... — e Zôra foi até o corpo de Isadora a levantando e colocando sob suas costas. — Vamos! Precisamos de uma caverna! — e ela estava no comando.
Bantuh chegou e anunciou que havia encontrado abrigo. Pegou o corpo de Isadora das costas de Zôra e o grupo o seguiu atravessando uma espessa floresta de Ginkgos, pinheiros e outras coníferas abundantes, como pteridófitos, samambaias e fetos.
Ainda ali predominava os gimnospermos; magnoliófitas ou antófita, e Zôra segurou Sean pelo braço.
— Pense nele, Sr. Queise.
— O que?
— Pense no GPS!
Todos olharam Sean como se ele fosse tão irreal quanta a situação.
— O que acha que sou?
— Pense nele! — ordenou Zôra outra vez.
Sean pensou e algo voou sobre suas cabeças.
— Ahhh!!! — gritaram todos se jogando ao chão, derrubando o corpo desacordado de Isadora dos braços de Bantuh.
Sean e Zôra se enfrentaram com olhares.
— Veja! — apontou Bantuh correndo atrás do que fora lançado sobre eles. — É o GPS!
Todos voltaram a olhar Sean com a mesma fisionomia de antes e ele esticou a mão e o GPS saiu da mão de Bantuh para sua mão.
— Vai usá-lo Sean?
— Sinto professora, mas olhe para cima? Tudo era diferente na época Carbonífera; as constelações, as posições das estrelas — Sean guardou o GPS na roupa do uniforme de Chernobyl que todos ainda usavam, se virou e prosseguiu em silêncio.
Ninguém mais nada falou e Zôra sorriu vitoriosa. Aquilo Lânia viu e Zôra viu que ela viu, parando de sorrir.
A caverna escolhida por Bantuh gastou duas horas de caminhada até chegarem nela. Eles chegaram e um grupo arranjou folhas secas a fim de fazerem uma cama, e outro grupo acendeu uma fogueira do lado de fora já que a noite fechada, de ar muito oxigenado, caiu e todos sentiram a umidade do ambiente os afetar. Lenny se deitou sentindo enjoo e Sean sentindo fome e sono. Lânia sem cerimônia se deitou no colo dele e Sean logo viu Zôra incomodada. Hélder e Bonilha adormeceram próximo à entrada da caverna e Bantuh foi explorar o redor, atrás de algo para comerem enquanto Lenny, com enjoo e sem conseguir relaxar, explorava cada vez mais a caverna adentro.
— Vejam!!! — gritou Lenny de longe.
Sean e Zôra sobressaltaram.
— Onde está Lenny?
— Não sei.
Os dois correram e encontraram Lenny num grande espaço, em frente de uma cachoeira que não parecia fazer sons, descendo por uma parede de esmeraldas incrustadas.
Hélder correu e Bonilha também. Lânia foi a última a chegar.
— Que lindo... — Lânia deu um passo e Sean a segurou.
— Não professora! Não toque nada! — e um zumbindo fez todos entrar em estado de alerta.
Bonilha fungou e fungou.
— Está doce, pois não?
— Abelhas?
— Abelhas não fazem colmeias em áreas úmidas como cavernas Bonilha e Lenny — falou Zôra. — Elas trabalhavam muito para retirar a umidade do mel, e não mudaram muito em todos esses milhões de anos.
— Se a doutora diz... — e o zumbido invadiu a caverna.
— Ahhh!!! — gritaram todos e uma grande abelha, um monstro de quase quatro metros zunia na entrada do espaço invadido, atraída pelo calor da fogueira, pela movimentação de estranhos à entrada da colmeia.
— A caverna é uma...
— Cale-se, Sean! Ela vai ouvir-nos.
— E ela pode... — e Sean parou de falar no que Bantuh atiçou a tocha para cima dela.
— Não!!! — gritou Zôra fazendo a abelha se virar e ver com seus muitos olhos, Sean e ela parados atrás dela.
— Boa ideia ter gritado — Sean não podia ser mais cínico e Zôra abriu os braços numa característica posição de quem ia abrir a fenda. — Enlouqueceu?! — Sean arrastou Zôra. — O que você está fazendo?
— Estou a afastando daqui!
— Como? Abrindo um portal que não dominamos? — e Sean a viu com os olhos brilhando. — Ou dominamos Srta. Trevellis?
Zôra o fuzilou e o bater das asas da abelha gigante levantou terra, pedregulhos e a água da cachoeira que molhou a todos.
— Ahhh!!! — forma os gritos de Lenny e Hélder, que correram para cada vez mais dentro da caverna apavorando Sean Queise.
— Não!!! — Sean tentou ir atrás deles.
— Sean?! — Zôra correu atrás dele.
— Hélder?! Lenny?! — Sean gritava e corria, embrenhando-se pelos muitos tuneis que ficavam escuros longe da entrada, e tudo escureceu. — Deus... — mas o som da abelha ainda estava ali, nos tuneis.
— Sean?! — gritava Zôra muito longe.
Sean não conseguir enxergar nada na escuridão.
— Zôra?! Hélder?! Lenny?! — mas ninguém respondia. — Zôra?! — e Sean se virou para sentir os muitos olhos brilhando na escuridão.
Sean correu cada vez mais, entrava em tuneis que ficavam cada vez mais abafados, cheirando a doce. Tudo era pavor, e ele precisava dar um jeito de voltar para onde entrara ou ia acabar dentro da colmeia, que pelo que parecia, usava a umidade da caverna contrariando Zôra.
“Sean…” ficava cada vez mais longe.
Sean parou de correr. E parou porque não era mais o cheiro adocicado do ar que o alertara, era octanol. Os insectóides também estavam ali. Contudo, ali onde, ele não esperou descobrir. Virou-se e correu já não se importando se ia dar de encontro com a abelha, quando localizou um esboço do corpo de alguém à sua frente e a agarrou no que a abelha enterrou o ferrão no chão da caverna.
Sean se teletransportou levando Lenny, e reaparecendo na frente de Hélder, Lânia, Bonilha, Zôra e Bantuh apavorados, à beira da cachoeira incrustada de esmeraldas. Zôra então levantou as mãos e uma grande rocha se deslocou fechando a entrada que levava aos muitos tuneis, trancando a abelha e sua colmeia ali.
Quando a grande rocha parou de rolar, ela se virou para trás e um estampido soou pelo ouvido de Sean. Ele se virou para frente e correu.
— O que foi Sean? — Lânia quis saber indo atrás dele.
Mas Sean estancou à entrada da caverna. Olhou para os lados, girando em torno de si, perdido, confuso, atordoado.
— O que foi agora Sr. Queise? — perguntou Zôra também ao encontrá-los.
— Ouviram isso?
— Zumbido de abelha?
“Quando houver o aviso de alerta, verifiquem o local de refúgio bem como o trajeto”.
— Ouviram? — mais foi para Zôra quem Sean perguntou.
— Ouvimos o que exatamente?
“Usem roupas que lhe permitam liberdade. Refugiem-se a pé”.
— Vozes... — e Sean ouvia vozes, muitas vozes que falavam ao mesmo tempo.
— Que tipo de vozes?
— Alertas...
— Que tipo de alertas?
Lânia, Lenny, Hélder, Bantuh e Bonilha nada entenderam.
— Do que está falando Sean?
— Eu falando? Eles falaram! — apontou para a entrada da caverna.
— “Eles”? — Lânia, Zôra, Lenny, Hélder, Bantuh e Bonilha se viraram e não havia ninguém ali.
— Está se sentindo bem Sr. Queise?
— Não! Eles estão falando todos ao mesmo tempo; ‘Quando houver o aviso de alerta, verifique o local de refúgio bem como o trajeto’ — repetiu.
— ‘Eles’ quem Sr. Queise?
— Eles Srta. Trevellis! — exclamou Sean de olhos vidrados. — Porque se surgir o alerta para Tsunami, temos que sair da praia.
— Sair de onde? — Lânia olhava um e outro sem saber ao certo o que acontecia ali.
— Que praia, pois? — girou Bonilha em volta dele.
E Zôra levantou a mão calando a todos.
— Pode repetir o alerta Sr. Queise?
Sean se virou com os olhos ainda vidrados e respondeu:
— ‘Quando houver o aviso de alerta, verifique o local de refúgio bem como o trajeto’.
— Está bem... — e Zôra ergueu a mão pedindo para ninguém se movesse. — Sr. Queise? — nada. — Sr. Queise? — chamou Zôra outra vez, mas Sean continuava a ouvir vozes saindo da entrada da caverna. — Sr. Queise está me ouvindo?
E Sean se jogou no chão da caverna colando seus ouvidos para ouvir melhor, impactando a todos:
— Ouviram? Eles estão dando o alerta para saírem da praia.
Lânia, Lenny, Hélder, e Bantuh se jogaram no chão para escutar e Bonilha escorregou um olhar para Zôra que mais dizia ‘excesso de oxigênio nele?’.
— Sr. Queise...
— Não! Não! Eles estão correndo, se afogando...
— Quem está... — e Hélder olhou um e outro em pânico.
— Não vê?! — Sean desesperou-se.
— Merda... — falou Lenny não vendo ninguém.
— Você está bem Sean? — falava Lânia.
— Eles... — Sean apontou para frente. — Eles sofrem! Eles sofrem! Eles sofrem!
— Quem está sofrendo Sr. Queise?
— Os que escaparam do terremoto, mas o tsunami os pegou.
— “Terremoto”? — perguntou Hélder.
— “Tsunami”? — perguntou Lânia.
— Sim! Sim! Eles sofrem em português, professora.
— Eles sofrem em que?
— Que merda Sr. Queise! Está nos assustando... — Lenny começou a chorar.
— Não! Não! Eles sofrem! Eles sofrem! Eles sofrem! Eles sofrem! Eles sofrem! Eles sofrem!
E Zôra tocou Sean.
Mas diferente das outras vezes, Sean Queise só caiu desmaiado.
30° N e 18 O.
Sean acordou pelo estampido de uma arma. Zôra estava parada à sua frente.
— Me assustei... — Sean olhou-a confuso.
Depois olhou em volta e se viu no grande espaço com a cachoeira incrustada de esmeraldas.
Ainda estavam no final do Carbonífero.
— Você melhorou?
— Do que? — perguntou ele percebendo que estavam sozinhos. — Os outros?
— Dormindo na entrada da caverna, com medo da abelha — apontou para a grande rocha que fechou a entrada dos muitos tuneis.
— O que é isso? — olhou para as mãos dela que trazia folhas com comida quente.
— É um mamífero monotremado cozido. Bantuh o caçou.
— Havia monotremados mamíferos nessa época?
— Não sei, está tudo misturado nessa viagem, mas sei que podemos comer um ornitorrinco.
E Sean comeu. Tinha muita fome.
— Um fogo tão alto à entrada da caverna não vai atrair outro inseto grande?
— Então já percebeu que eles não mais apareceram?
— É um pouco diferente dos livros de ficção — Sean olhou-se sozinho com ela. — Amanheceu?
— Não.
— Você me tocou?
— Queria?
Sean se alertou.
— Quis dizer...
— Sei o que quis.
E Sean olhou Zôra ainda em pé, e ela ali, e eles sozinhos. E ele não soube mais o que falar, fazer, quando Zôra inclinou-se. Sean sentiu todo seu corpo aquecer. Ele também sabia o que ela queria.
— O que vai fazer?
— Por que acha que vou fazer algo?
— Está a centímetros da minha boca...
— Sua boca... — e os olhos de Zôra brilharam, os lábios umedeceram, e ela o beijou.
Sean não quis perguntar mais nada. Inclinou-se e a beijou também. Mãos que se tocavam, navegavam um pelo rosto do outro, e Zôra abriu um botão da camisa dele. Sean não sabia o que pensar se queria pensar algo.
A beijou enquanto as mãos dela abriam os outros botões. Lânia acordou e viu Zôra e Sean se beijando. Abaixou os olhos em lágrimas e voltou ao lugar onde dormia enquanto Zôra tirava a camisa dele.
— Os outros...
— Não há outros...
— Zôra não... — e Sean recuou sem poder ir muito longe com o corpo dela brecando. — Não posso...
— Pode...
— Os outros...
— Não há outros...
E ele sabia que não havia outros, outras, ninguém, e abriu os botões da blusa do uniforme dela, fazendo um par de seios explodirem no sutiã. A pele de Zôra brilhou e Sean beijou-lhe os seios. Um, e outro. Ela se inclinou e o tocou. E nem o zíper esperou abrir, tirar, pedir permissão; estava no comando. Ergueu-se sobre ele o derrubando no chão gelado e Sean sentiu todo o corpo dela sobre o dele.
Ficou confuso, excitado.
Os cabelos negros, lisos, ainda perfumados soltaram-se do resto de coque que os prendiam. Caíram-lhe sobre o peito viril, nu, que Zôra tocou, lambeu. Os olhos azuis dele brilharam, os olhos verdes dela brilharam, explicavam-se em pura adrenalina. Sean quis mais, tocou-a no seio; ela permitiu invadindo o sexo dele.
— Ahhh... — ele excitou-se no que ela dominou-o, desejou-a também.
Zôra o tocava, delineava cada traço dele, quando Sean a virou, ficando sobre ela. E ela quis mais trançando as pernas sobre ele.
Sean invadiu a lingerie, tocando-lhe com dedos hábeis, excitados. Zôra também lhe chupou a pele, fazendo marcas se moldarem; ombro, peito, dor e pecado que se misturavam.
— Ahhh! — ela se excitava cada vez mais, invadia-o cada vez mais, desejando-o como nunca.
E os dedos da mão dele que evoluíram para lutar descobriam o sexo alheio, feminino, desejado.
Zôra girava o corpo numa dança fazendo-os irem e virem, molhando-os no sexo feminino, oferecido. Ele excitava-se cada vez mais até cair em si.
— Não... — a largou no chão tirando os dedos de dentro dela. — Eu... — olhou seus dedos molhados pelo sexo dela. — Eu...
— Você?
— Eu...
— Você? — alterou-se.
— Desculpe-me Srta. Trevellis... — e Sean limpou os lábios, os dedos, todo o cheiro dela que penetrou na calça suja.
Os dois trocaram olhares intensos e Zôra saiu furiosa do espaço da cachoeira quando algo quente se fez aos pés dele. Algo que se desenhava no chão da caverna com fogo, onde os dois haviam se deitado.
Um crop circle que tomava forma em meio a muitas curvas.
“Dearinth!” Sean temeu o que pensou e todo o redor girou.
— Ahhh!!! — e as paredes da caverna realmente giravam ao redor dele. — Zôra?! — e Sean não saía do lugar. — Zôra?! O que está fazendo?! — e tudo girava; cores, formas, água, esmeraldas e plantas que eram arrancadas do redor e giravam. Sean saiu do espaço amplo e chegou à entrada da caverna não encontrando ninguém. Saiu da caverna e encontrou um mundo agora Jurássico que também girava do lado de fora, como dentro do ralo de um tornado. — Zôra?! — a chamava, mas ela não parecia estar ali. Sean correu e uma nuvem de poeira vermelha soltou do chão. — Zôra?! — Sean corria e corria. — O que está acontecendo?! — e tudo girava ao redor dele, o desorientando.
Esquerda, direita, leste, oeste, já não faziam mais sentido, e ele não sabia o que acontecia ali quando mais poeira vermelha levantou.
Sean pegou o GPS e tudo estava descontrolado. Números que não se firmavam em nenhuma coordenada, e o calor que a poeira trazia, o sufocava.
“E temo que seja por isso que o querem aqui Senhor Queise” e a voz de Oliver se fez ali.
Sean só teve tempo de arregalar os olhos e girafas se lançaram em sua direção numa fuga desembestada. Ele correu junto, mas estava cansado, fraco, sem dormir a dias e as girafas alcançaram-no quando ele se jogou ao chão com elas passando por cima dele sem o tocar.
— Ahhh!!! — cada átomo, cada molécula das girafas lhe atravessavam sem o tocar realmente, quando um rasgo na poeira trouxe um grande insectóide, dentro de seu exoesqueleto, montado numa girafa, o observando. Sean sentiu seu coração disparar, seu medo tornar-se nítido ainda caído no chão, com o insectóide dentro do exoesqueleto, o olhando e uma mão apareceu de dentro do tornado de poeira e o tocou. — Ahhh!!! — Sean gritou novamente e tudo girou ao seu redor, nele, na consciência que se perdeu na grande viagem.
21
43° 17’ 49” N e 5° 22’ 51” E.
O cheiro era de vinagre azedo. O feno no piso, as carroças estacionadas, o rio que corria ao lado dele. Sean abriu os olhos, olhou em volta, mas não conseguiu ligar o local a nada que sua memória já tivesse gravado. Outra vez fez a viagem sem o grupo. Porque como quando em Pompéia, Barguna, Joplin, e Pripyat, ele chegou sozinho, num mundo estranho.
Ele olhou em volta, não havia montanhas, montes, pontes. Mas o redor não mentia; Sean ainda não conseguira voltar ao Hotel Damaraland.
— Droga! — praguejou.
O som começava a reverberar por todos os lados. O latido de cães um pouco longe e um rinchar de cavalos próximos chegaram até ele. Havia pouca gente ali por perto, um ou dois homens enfardando o feno.
Sean correu e tentou se esconder atrás da choupana que apareceu à sua frente. Crianças choravam dentro, uma única mulher tomava conta delas e Sean viu pela fresta da parede de barro socado, o que julgou ser uma moradia. Ele a rodeou com cuidado, vendo que havia um grande espaço interno com seis camas, uma mesa quadrada de madeira rústica, dois bancos. As crianças se amontoavam no canto oposto ao dele junto há três cabras novas.
A mulher se encostava a uma peça de madeira pintada de vermelho parecendo cozinhar, se vestindo com uma roupa justa que lhe colava os braços usando um longo casaco de veludo laranja. Ela tinha o que Sean julgou serem colares caindo sobre o rosto doente e magro e o odor forte de dentro da choupana era de urina, fezes, sangue. Tudo ali. No piso da casa, fora dela.
Sean se apavorou com as ideias que lhe surgiram e procurou o GPS no bolso da roupa; 43° 17’ 49” N e 5° 22’ 51” E, marcavam as coordenadas.
“Estamos na França!” pensou.
Olhou em volta e tentou ver o resto do povoado, mas não havia mais ninguém. Só a choupana e um grande celeiro. Estranhou também a quantidade de cruzes de madeiras enterradas no chão, do lado oposto aos homens trabalhando. Ficou na duvida se estava dentro de um cemitério quando resolveu seguir adiante, e ganhou uma estrada longa.
Sean andou muito até perceber que um burburinho vinha de longe. Continuou a caminhar pela estrada de terra e cascalho, uma vez ou outra tropeçando em algo com os sapatos de borracha de Pripyat.
O burburinho aumentava, anunciava que um grande centro estava à sua frente. Sean sentiu o cheiro, porcos em sua maioria, que estavam encurralados num chiqueiro. Mais adiante uma pilha de roupas e sapatos chamou-lhe a atenção. Ele procurou algo para colocar em cima da calça e camisa, mas as roupas cheiravam mal, tinham pulgas. Desistiu voltando a andar por ruelas que abriam e fechavam, formando caminhos estreitos por detrás de algumas moradias; especiarias, perfumes, tecidos finos, couros trabalhados, azeite, tâmaras e figos eram vendidos ao longo do espaço.
Gritos ecoaram adiante, Sean se escondeu temendo algum tipo de polícia e viu sete homens se autoflagelando como numa procissão. Eram seguidos por gozadores e desordeiros que se agitavam e agitavam todos ao redor, com crianças e mulheres correndo horrorizadas, para longe dos homens que com chicote nas mãos, se chicoteavam a fazer o sangue espirarem para os lados.
— Flagelantes... — soou da sua boca.
Sean ficou confuso, não conseguia entender o porquê de estar ali. Desistiu de qualquer contato, voltando para perto do rio escuro e fétido onde havia aparecido, a imaginar se o resto do grupo também aparecera por lá.
Contornando o rio, havia um punhado de árvores cerradas escondendo uma mata fechada. Sean decidiu que era mais seguro ir por lá. E como não conhecia o terreno preferiu margear a água sentindo-se cansado, com fome, sono, sede. Aproximou-se da água para beber e uma imagem borrada se fez no fundo. Sean olhou em volta, não imaginava o que fazia o reflexo. Aproximou-se da borda da água e uma silhueta começava a tomar forma, um corpo que explodiu para fora da água o fazendo se jogar na margem.
— Ahhh!!! — gritou Sean vendo o que julgou ser um homem morto, jovem, de pequena estatura, com a pele dilacerada, inchada. Ele sentiu enjoo, vontade de vomitar, vomitou. Quando se ergueu, uma mão lhe tocou. Isadora estava paralisada, lhe olhando. — Isadora? — mas ela não se movia, sua tez era lívida, pura estagnação sanguínea. Ela desabou por sobre as mãos dele e Sean a agarrou antes que tocasse o chão. Afastou-a para longe da água, do corpo morto. — Isadora? — Sean chacoalhou-a. — Isadora? Fale comigo! — ordenava ele a uma mulher uma vez alaranjada agora estava sem cor.
O que significava aquilo, ele não soube se responder.
A água não parecia o melhor remédio naquela hora e ele olhou em volta procurando qualquer coisa que a fizesse recobrar a consciência. Estava em pânico com a figura quase cadavérica da Dra. Isadora Gastón.
Sean chacoalhou-a novamente. Seu rosto queimava em febre, suas mãos tremiam sem controle. Ele se afastou novamente olhando em volta e numa clareira, se acentuava uma construção de pedras que mais lembrava uma gruta. Sean a arrastou para lá e entrou a acomodando dentro da gruta. Depois saiu à procura de comida, lembrando-se da choupana antes visitada, e pensou em buscar ajuda. E até sabia que Zôra lhe avisara sobre contatos, sobre interferir no passado, mas por ironia se ele não fizesse alguma coisa ninguém mais teria futuro. Voltou a choupana e um silêncio macabro tomava conta do local. O cheiro de urina também se acentuava e Sean teve ânsia outra vez. Ele se aproximou não mais vendo os dois homens que trabalhavam o feno, não mais ouvindo o choro das crianças, nem o rinchar dos cavalos.
Sean olhou em volta e olhou para o céu tentando entender o silêncio. Verificou o GPS outra vez, e ainda registrava a mesma coordenada, arriscou-se a olhar em volta, já não se importando de vestir-se como um cientista de Chernobyl.
A choupana era fétida, os pratos de comida haviam sido abandonados com restos de pães e comida dentro, agora devorados por fungos; puro mofo. Sean girou em torno dele, a cena de decrepitude o apavorava. Saiu alcançando a passos largos o celeiro onde o feno supostamente era guardado e a cena foi mais tenebrosa ainda; corpos de quatro crianças estavam amontoados sob o corpo da mulher cozinheira que ainda usava o longo casaco de veludo laranja.
Mais três corpos estavam amontoados noutro canto e o cheiro era de vinagre forte quando um choro miúdo o fez impactar. A última criança, por debaixo da pilha de corpos, choramingava.
— Deus... — Sean correu e se aproximou, mas os corpos estavam enegrecidos, tomados por bulhões de pus que cheiravam ‘estábulo’. Ele empurrou um corpo após o outro de cima da criança e tentou sentir sua pulsação. — Deus... Deus... — Sean impactou novamente no que o choro cedeu. — Não! — eles haviam sido abandonados por algo, alguém. Sean olhou em volta. Não acreditou como o tempo se passara tão rápido desde sua chegada, do encontro com Isadora e o retorno. — Ahhh!!! — gritou ao se chocar com um corpo quente à entrada do celeiro.
— Você está bem? — Zôra perguntou.
— Oh! — ele abraçou-a e Zôra sentiu seu coração disparar. Ficou na duvida se retribuía ou não a explosão de sentimento, e Sean abriu os olhos vendo Lânia, Bantuh, Lenny, Hélder e Bonilha o olhando; Sean recuou perante o ímpeto. — Desculpe-me... Eu...
— Ãh... Você está bem? — Zôra voltou a perguntar agora visivelmente abalada com a aproximação.
— Eu... — Sean olhou em volta. — Não sei...
Lânia, Bonilha e Bantuh se aproximaram. Lenny e Hélder observavam os corpos de longe, com o estomago embrulhado.
— Onde você estava? — perguntou Lânia o abraçando sem as restrições impostas por Zôra a ela mesma. — Chegamos faz uma semana.
Sean arregalou os olhos azuis no que Lânia falou aquilo.
— “Uma semana”? Mas... Onde estiveram?
— Por aí — respondeu Lenny nervosa. — Escondidos noutra aldeia já que o centro estava lotado de merda — olhou um e outro. — literalmente de merda, estrume, dejetos...
— Ele já entendeu Lenny. Obrigada.
Lenny fuzilou Zôra.
— Conseguiram comer algo?
— A maioria dos alimentos estava estragada, Sean. Há muita sujeira pelas ruas — falava Lânia ainda o abraçando.
Zôra não conseguia tirar os olhos dela e ela sabia.
— Lembra-se de algo, Sr. Queise? — Hélder quis saber.
Sean olhou em volta e não havia crop circles.
— Não... Sumi do Carbonífero, Jurássico, sei lá, quando tudo girou.
— Você girou Sr. Queise? — Lenny perguntou ainda longe.
— Não Lenny. Foi o entorno que girou. A caverna, a floresta, e encontrei... — e Sean olhou Zôra sabendo que não devia falar sobre as girafas e o insectóide dentro do exoesqueleto. — Encontrei Isadora...
— Onde está Isadora? — questionou Zôra sem perceber aquilo.
— Eu a deixei escondida numa gruta — apontou para fora. —, próximo daqui...
— Como chegou aqui, pois? — Bonilha perguntou.
— Não sei... Cheguei não faz mais de meia-hora e quando voltei aqui... — apontou.
— “Meia hora”? — Hélder não acreditou no que ouviu quando no fundo do celeiro, outra voz fraca se fez.
Sean e Zôra correram e Abba estava tomada de bulbos.
— Meu Deus! — Sean se inclinou para tocá-la e Zôra o segurou. Ele se virou atônito para ela. — Vai dizer o que Srta. Trevellis? Que precisamos matá-la?
— Você sabe que sim.
Sean olhou Lenny, Lânia, Hélder e Bonilha com Bantuh, ainda de longe, os olhando.
— Do que está falando?
— Estamos em nove Sr. Queise.
— Enquanto Isadora estiver desativada podemos manter Abba conosco.
— Sabe que...
— Por favor, Zôra.
E Zôra viu a maneira íntima como ele a chamou. E não havia cinismo ali.
— Então temos que matá-lo Sr. Queise.
— Sabe que não conseguimos nos aproximar dele ou já teríamos o visto.
— É isso ou Abba tem que morrer.
Sean se inclinou e pegou Abba do chão. Zôra girou os olhos pela escolha dele e o ajudou segurando Abba pelo outro braço.
— Obrigado.
Os olhos dos dois eram puro brilho.
— Dra. Abba? — Hélder correu para ajudá-los, mostrando que conhecia realmente a verdadeira identidade de Ebiere, Lumumba e Abba.
— Não Hélder! — exclamou Sean com força. — Ela está doente.
— Mas você e a Dra. Zôra a estão tocando.
Sean olhou Zôra que o olhou.
— Faça o que Sean mandou Hélder — falou Zôra com a mesma intimidade. — Ele está no comando agora.
Lenny, Lânia, Hélder, Bonilha e Bantuh se olharam, e Sean percebeu a intimidade com seu nome. Os oito saíram do celeiro e caminharam bons metros de distância, até chegarem à gruta onde Sean deixara Isadora.
— Isadora acordou... — sussurrou Sean antes de chegarem perto dos outros.
— O que? — Zôra quase deixa escapar o corpo de Abba.
— Por favor, Zôra. Se eles ouvirem isso vão entrar em pânico...
— Eu estou em pânico Sr. Queise...
— Chame-me de Sean...
E ela só escorregou um olhar esverdeado para ele.
— E sabe por que ela acordou?
— Não... Nem sei por que está desacordada? Pensei que ela tivesse se abastecido com... — e Sean parou. —, com sexo...
O entorno da gruta estava em silêncio. Os oito se aproximaram e viram Isadora ainda lá, desacordada, mas febril.
— Isadora está com febre? — anunciou Lânia.
— Alienígenas tem febre Doutora?
— Não conhecemos a biologia nem a bioquímica de outros humanoides Hélder — falou Zôra vendo que algo acontecia com Isadora se ela acordara.
— Ela também perdeu aquela cor alaranjada — apontou Lânia, mas Sean e Zôra nada falaram.
Bantuh acendeu um fogo e Lânia e Lenny fizeram uma cama de folhas onde Sean deitou o corpo de Abba.
— O que ela tem Sean?
— Bulbos.
— Sabe onde estamos, pois?
— 1348! Peste bubônica! — Sean exclamou tanto que todos paralisaram a respiração. — Segundo o GPS estamos na França. Pelo tamanho da cidade é a Marselha do século XIV.
— O que? — os olhos de Hélder se ergueram até deixar sua face avermelhar.
— “Peste”, Sean? Então aquela gente doente no celeiro tinha... — Lânia estancou a fala.
— Está brincando, pois? — Bonilha viu Sean estancar. — É! Não deve estar brincado, pois...
— E agora? O que fazemos aqui?
— Não sei Hélder — Sean olhou todos. — Mas novas análises de DNA revelaram que a doença que dizimou a população europeia, entre os séculos VI e VIII d.C. era uma forma ancestral da peste bubônica.
— Ancestral de quando?
— Muitos historiadores já suspeitavam que a “Praga de Justiniano”, doença altamente contagiosa que matou mais de metade da população europeia, entre os anos de 541 e 750 d.C., era na verdade a peste bubônica.
— A praga foi uma das causas da queda do Império Romano do Oriente quando o imperador Justiniano I ainda reinava em Constantinopla, Sr. Queise, então volto a perguntar? O que fazemos aqui? — falou Hélder.
— Não sei Hélder, volto a responder — falou Sean. — A Peste Negra matou mais de 100 milhões de pessoas entre 1347 e 1351, e a Europa levou mais de cem anos para se recuperar após ter reduzido a sociedade ao caos.
“Caos” ecoou em Lânia.
— O que diz o GPS?
— 43° 17’ 49.92” N e de 5° 22’ 51.6” E. Nada mudou.
— Einstein dizia que todo o conhecimento da realidade parte da experiência e termina nela. Começo a entender o que ele dizia — falou Zôra.
— Essa fenda ou portal fractal, é definido por uma relação de recorrência em cada ponto do espaço, não professora? Tal como o plano complexo?
Todos se olharam.
— Sim Sean! Estes fractais como o conjunto de Mandelbrot e o fractal de Lyapunov, também são chamados de fractais de fuga do tempo.
— Por isso giramos? Por causa das curvas? E por isso não andamos em linha reta dentro da fenda?
— Sim. Um fractal jamais alcançará uma linha reta, salvo quando a fórmula que o constitui assim o permita. Como o Conjunto de Mandelbrot e o Fractal de Lyapunov que mencionei. Porém... — Lânia olhou um e outro. —, para tudo, há uma exceção e no caso da Teoria do Caos, podemos associa-la totalmente aos fractais, também no conhecido “Mandelbrot set”, no Conjunto de Mandelbrot, onde podemos observar discos inteiros, cuja dimensão é dois.
— Dois? — Sean olhou Zôra, e ela nem isso se atreveu a fazer. — Deus... Mas isso nos limita a...
— Limita-nos a que Sr. Queise?
— A nada Lenny... A nada...
— No entanto Sean, isto não é de surpreender, o que é verdadeiramente surpreendente é que o limite do conjunto Mandelbrot também tem uma dimensão de Hausdorff de 2 — e Lânia se animou mesmo se tocando e percebendo-se com febre. — E já viram um Conjunto de Julia? Um fractal relacionado ao Conjunto de Mandelbrot? Aproximações de fractais são encontradas frequentemente na natureza, e estes objetos exibem uma estrutura complexa próxima aos objetos matemáticos, porém finitas se as observarmos em maiores escalas.
— Mas ainda em número de dois.
— Sim Sean... Como se fossem espelhados.
E um silêncio caiu quebrado por Bantuh.
— Estamos aonde afinal Mejuffou?
— Na peste francesa. E em 541 d.C. ou 1348 d.C., tanto faz. Só precisamos saber o que os insetos alienígenas querem com essa pandemia.
— Se não foram eles que a criaram, pois.
— De que merda está falando Dr. Bonilha?
— De ‘merda’ alguma, Lenny. Todo e qualquer bom conspiratório sabe que doenças contagiosas com a peste e a AIDS foram criadas em laboratório. ‘Qual’ é o que nos perguntamos, pois.
— Teorias de conspiração Bonilha?
— Você sabe que sim Sean. Nos vigia incessantemente — e Bonilha viu todos trocaram olhares.
Mas Sean não foi adiante.
— Como Walter Bowart, um jornalista americano que acreditava que a CIA controlava os USA por meio de um exército secreto de agentes zumbis, que foram submetidos a operações de controle da mente? — ria Lenny. — Ou Gary Allen, comentarista chefe da sociedade John Birch, que acreditava que a extinta URSS era secretamente controlada pela família Rockfeller?
E o silêncio demorou um pouco a sair dali
— Teorias de conspiração são paranoias — enfim falou Lânia.
— A ideia da Teoria de conspiração não é simplesmente o produto de paranoicos isolados, ela tem uma longa história política professora.
— Acredita em lunáticos como o que jura que é contatado regularmente por lagartos alienígenas, que lhe contam coisas como os segredos que existem no calendário gregoriano, Sr. Queise? — perguntou Hélder.
— Depende de até onde acredita em lunáticos, Hélder? — Sean sorriu-lhe. — Porque Louis Pawels dizia que numa vida intelectual normal, não utilizamos a décima parte das nossas possibilidades de atenção, prospecção, memória, intuição ou coordenação. Provavelmente, já existem mutantes entre nós, ou pelo menos, homens que já deram alguns passos sobre a estrada que, um dia ou outro, todos nós percorreremos.
— Mutantes Sean?
— Ou paranormais? — perguntou Lenny num desafio.
Sean olhou Lânia e Lenny.
— Louis dizia que se alguns dos profundos conhecimentos sobre a matéria e a energia, sobre as leis que regem o Universo, foram elaborados por civilizações atualmente desaparecidas, desse mundo ou não, e se conservaram através dos séculos, fragmentos desses conhecimentos — Sean olhou um e outro. —, então pode ter sido ditos por espíritos superiores, ou paranormais, ou bruxos, ou mutantes, mas numa linguagem forçosamente incompreensível para o ser comum.
— Como Mona e sua família, com seus segredos milenares egípcios... — soou de Zôra.
— Então, espíritos desta natureza, empenhados em passar despercebidos simplesmente para não sofrerem negações, usariam os conspiradores, pois.
— Então porque tantas personalidades ilustres acreditam em conspiração Sean? Em doenças espalhadas no mundo para dizimar povos? Será que não há nelas uma porção de verdade?
— Verdade dessa merda de peste ser alienígena? — ria Lenny.
— Não se podia evitar Mejuffou? — perguntou Bantuh.
— Não Bantuh. A peste do século XIV surgiu durante o cerco à colônia de Genova, Caffa, na Crimeia, em Outubro de 1347 pelos Tatares, que era um povo mongol. E a peste foi quase certamente disseminada pelos mongóis enquanto Ghengis Khan com as suas hordas de nômades mongóis, conquistava toda a estepe da Eurásia setentrional, da Ucrânia até à Manchúria — falou Zôra. — A peste praticamente entrou na Europa, trazida do extremo-oriente, na sequência das invasões mongóis. Foi só a partir do século XIX que o conhecimento científico permitiu determinar o mecanismo de propagação da doença e as medidas sanitárias mais adequadas para controlá-la.
— Doença que matou tantos tatares, que eles foram obrigados a retirar-se — Sean completou. — E os habitantes que ‘sobreviveram’ tiveram de ser queimados em piras, já que não havia mão de obra suficiente para enterrá-los.
— A transmissão teria sido feita pelos ratos pretos de Caffa, os rattus rattus, que carregavam em suas pulgas Xenopsylla cheopis, a bactéria Yersinia pestis, infectando os ratos nestas cidades — prosseguia Zôra disputando o conhecimento.
— Então por quê? — Lânia se levantou e ficou em pé olhando Zôra.
— Por que o que?
— Por que ainda estamos viajando Zôra?
Zôra olhou um e outro.
— Não sei Lânia.
— Engano seu! — Lânia deu dois passos em direção a Zôra. — Você sabe! Sempre soube! — e deu mais dois passos. — Porque isso aqui sempre teve uma lógica — e Lânia deu mais dois passos.
— Não se aproxime de mim, Lânia — Zôra se ergueu em posição de defesa.
— Hei vocês duas, pois — Bonilha se colocou entre as duas que até então ele nunca vira brigarem. — Agora não é...
— Você tem razão, Dr. Bonilha... — Lânia começava a se distanciar de Zôra e Zôra percebeu o afastamento, percebendo que Lânia entendera algo. — Acho melhor eu me afastar.
Zôra olhou Lenny, Hélder, Bonilha e Sean a olhando.
— Lânia está cansada — Zôra tentava algo.
— Cansada Zôra? — e Lânia se aproximou de Sean o abraçando.
— Não faça isso Lânia — pediu Zôra.
— Por que Zôra? — perguntava Lânia. — Tem medo que ele saiba que... Ahhh!!! — e foi ao chão com o som que dilacerava seu tímpano.
— Professora?
— Ahhh!!!
Sean tentou levantá-la do chão e viu que Zôra só a observava.
— O que está fazendo Zôra?
— Por que acha que faço algo? — Zôra ainda encarava Lânia no chão gritando de dor.
— Ahhh!!! — berrava Lânia.
— Pare Dr. Zôra! — exclamou Hélder com força.
Mas Zôra continuava a olhar Lânia de uma maneira penetrante.
— Ahhh!!! — gritava Lânia de dor.
— Vai matá-la!!! — berrou Sean desesperado ao vê-la sofrendo.
— Ainda não!
— O que está fazendo Zôra? — Sean segurou o braço de Zôra que se esquivou.
— Estou controlando-a! — vociferou para ele que não acreditou naquilo. — E antes que diga, não nos estou reduzindo a dois.
Sean recuou ao ver seus olhos verdes brilhando numa intensidade indescritível, pronto a dizer exatamente aquilo, que Zôra os estava reduzindo a um fractal de duas pessoas vivas apenas.
Hélder então deu vários passos para cima de Zôra com Bantuh explodindo uma arcada dentária felina para ele.
— Não Bantuh!!! — gritou Sean. — Não Hélder!!!
— Por quê?
— Porque sim! — foi a resposta dele quando viu Lânia se levantar e correr. — Professora?! — Sean correu atrás dela e Zôra foi ao chão, consumida pela força usada.
Zôra abriu os olhos para ver Hélder e Lenny em choque e Bantuh meio homem meio felino.
E ela só disse:
— Ajude Sean...
E Bantuh correu até ganhar quatro patas peludas e sumir dali. Já Lânia se distanciava cada vez mais enquanto Sean e Bonilha corriam atrás dela.
— Sean? Sean? — corria Bonilha com dificuldades de alcançar a velocidade de Sean Queise.
Sean então parou:
— Volte Bonilha!
— Para onde, pois?
— Volte ao acampamento. Vou atrás de Lânia antes que ela se machuque.
— Mas...
— Sem ‘mas’ Bonilha. Não vê que eles a estão dominando? — e Sean sumiu deixando Bonilha, que só percebeu um vulto grande e cheio de pelos negros passarem por ele. Mais a frente Sean a alcançou à beira do rio onde ele tentava beber água quando chegou. — Professora? — a chamava. — Me escute! — Sean percebeu que ela parara de beber. — Não os deixe dominá-la, entendeu? Professora? Não os deixe falar o que fazer... Não beba isso — mas Lânia se levantou, acionou o cão da arma que tirara da sacola em Chernobyl e apontou para própria cabeça. — Não! — exclamou Sean com força.
— Não se aproxime! Estou avisando!
— Por favor, não Lânia...
Mas Lânia voltou a correr e Sean correu atrás dela, quando Lânia acelerou e se jogou para dentro do lago e Sean se jogou atrás dela, fazendo os dois desaparecerem antes de ambos tocarem a água contaminada.
Sean e Lânia reapareceram afastados da borda do rio e Sean tirou a arma da mão dela.
— Sean... — e ela perdeu as forças.
— Meu Deus professora... Enlouqueceu?
— Não... Não... Largue-me... — implorava quase sem forças.
— Não me ouviu?! — gritou. — Eles querem matá-la!!! — berrava Sean para Lânia, que numa nova explosão de energia escapou dos braços de Sean e lançou o corpo para mais próximo da água na mesma proporção que Sean tentava segurá-la com o uso da força paranormal.
Mas Lânia queria fugir, não conseguia saber do que, para onde; queria até morrer.
— Deixe-me!!!
— Pare Professora Lânia!!! Isso está contaminado!!!
— Não!!! Não!!! Não!!! — berrava a todo pulmão.
— Pare Lânia!!! — gritava ele agora tentando segurá-la com as mãos, em plena dificuldade com Lânia esperneando, lançando as pernas para todos os lados. — Vamos cair!!! — Sean viu que sua força paranormal não mais conseguiria fazer ambos se teletransportarem.
A água se aproximava dos pés e se distanciava. Mais e mais corpos vinham à tona e Hélder e Lenny chegaram sem saber o que fazer.
— Não!!! Não!!! Não!!! — berrava Lânia.
— O que eles fizeram?! — Sean gritou com Zôra. — O que você fez?! — berrava Sean descontrolado com ela.
— Eu não fiz nada!!! — respondeu Zôra assustada.
— Quero morrer!!! — gritava Lânia.
— Não!!! Não quer Professora!!! — tentava Sean segurar ela que esperneava a tentar fugir de seus braços.
— Quero!!! Quero morrer!!! Deixe-me morrer!!!
— Ela não pode morrer Sean!!!
— Diga isso a ela!!!
— Ela vai quebrar o equilíbrio ou todos vão morrer em Damaraland!!!
— Não!!! Não!!! Não!!! — Lânia berrava descontrolada cada vez mais perto da água.
Zôra ergueu as mãos e a água então se levantou como num tsunami controlado, e corpos que haviam lá sido jogados, que de lá fizeram seus jazigos, ergueram-se junto.
Putrefação e morte impregnaram o ar.
— Professora?!
— Não!!! Não!!! Não!!! — gritava Lânia nos braços musculosos de Sean que usava de força cada vez mais.
— Chega!!! — gritou Zôra e os corpos putrefatos então se ergueram; dez, vinte, mais de cinquenta, e a água fétida se ergueu; 10, 15, 20 metros a partir do chão, e tudo foi lançado longe no que Lânia se soltou de Sean e se jogou, caindo no terreno seco.
Zôra encarou Sean e o rio estava vazio.
Lenny, Hélder e Bonilha caíram sentados pelo choque e foi a vez de Sean ter medo da filha de Mr. Trevellis.
Ele levantou Lânia do chão que ainda chorava dentro do que já fora um rio.
— Eu queria morrer! — Lânia chorava. — Eu queria morrer... — e parou de falar arregalando os olhos. — Eu sei o que está acontecendo aqui, Sean — Lânia então se levantou e caminhou, cambaleando até o acampamento.
Sean olhou em volta, o rio seco, os corpos putrefatos com toda a água do rio ainda suspensa, e então tudo voltou ao rio.
— Ahhh... — ele impactou e tudo voltou para onde haviam saído.
Sean olhou Zôra que olhou Sean.
— A ‘Teoria da Catástrofe’ é uma área da Matemática... — Lânia caiu no chão, esgotada. —, que deve seu nome ao fenômeno que pode ser presenciado num simples experimento.
— Do que está falando professora?
Ela enxugou o rosto molhado.
— Numa máquina parabólica — e Lânia encarou Zôra. —, desenhamos uma curva que delimita duas regiões distintas. Com um ímã dentro de um ‘V’ criado, temos duas posições de equilíbrio e com o ímã fora do ‘V’ apenas uma. Ao transitar de uma parte para outra, um equilíbrio oculto é criado e só é percebido quando o equilíbrio anterior desaparece.
— Deus... — Sean olhou em volta, começou a entender.
— Isso pode ser interpretado como uma analogia a outras situações que ocorrem na natureza e na sociedade. Na matemática o sistema era estável e mudava pouco com as mudanças em um de seus parâmetros, no caso a posição do ímã. No entanto, o equilíbrio original se perdeu bruscamente quando esse parâmetro atravessou uma linha demarcatória. Invertendo o processo, voltando aos poucos a posição do ímã ao longo da trajetória. Seguida, a passagem pela linha demarcatória onde ocorreu a catástrofe, não restabelece o equilíbrio anterior.
— E como estabilizamos a parábola da catástrofe?
— Para conseguir isso é preciso voltar mais, saindo da região em ‘V’ pela direita.
— Estamos vivendo as catástrofes e nossa presença as desequilibra, pois.
— Eles coexistem como possibilidades Dr. Bonilha, mas a parábola assume apenas um deles. Fora dessa região, só existe um equilíbrio — e suspirou esgotada mesmo. — A passagem do ímã pelas linhas demarcatórias representa a criação ou a destruição de um dos pontos de equilíbrio.
— Precisamos encontrar o equilíbrio rápido, Mejuffou — falou Bantuh no que retornou ninguém sabe de onde.
— Então era isso o tempo todo — Sean encarou a filha de Trevellis. — Um jogo.
— Um o quê? — Lenny se enervou; ela que nem sabia por que estava naquela loucura.
— Estamos jogando, Lenny. Nós somos os jogadores e os alienígenas criam os ambientes para jogarmos.
— Está falando de videogame, pois?
— Achei que não acreditasse que isso tudo é realidade virtual?
— Eu sei que tudo isso é real. Um jogo real! E fomos inseridos dentro dessa espécie de jogo de aprendizado. “Game over!”, disse Isadora, lembra? — Sean encarou Zôra.
— Vamos mesmo ter que completar algo, Mejuffou Zôra? — Bantuh enfim falou.
— Temos que sair ‘daqui’ — Zôra olhava e olhava para os lados sentindo mais alguém.
— Eu não vou girar.
— E eu não vou mais viajar para nenhum lugar — Bonilha estancou no chão. — Acho que Narciso tinha razão. Devemos ficar esperando eles desistirem.
— Os alienígenas não vão desistir, merda!
— Não sou ‘merda’, mas alguém que entendeu que já houve resfriamento, vulcão, ciclone, vaga de calor, tornado, acidente nuclear, super oxigenação, peste, e sabe lá o que mais — Bonilha estava se descontrolando tanto quanto o grupo. — Inclusive se levarmos em conta que qualquer fenômeno, natural ou não pode se levar a uma catástrofe, pois — completou.
— Afundamento de terra, incêndio florestal, furacão, avalanche, terremoto, e se já não houve a tal queda de meteoro — falou Lânia.
E um silêncio caiu ali.
— Vou ver como está Isadora — Sean voltou a realidade, e entrou pela boca estreita da gruta.
Ela ainda se encontrava na mesma posição deixada quando Abba gemeu. Hélder correu até ela.
— Não a toque Hélder!!! — gritou Sean e Hélder parou.
— Precisamos salvá-la Sr. Queise.
— Vamos salvá-la Hélder. Mas não a toque!
Mas Zôra também afastou Sean de Abba e auscultou seu pulmão, aproximando seu ouvido.
— Há líquido nos pulmões dela? Talvez catarro, pois?
— Quando a bactéria alcança os pulmões, transforma-se em peste pulmonar, letal em três dias se não for tratada de forma adequada — respondeu Zôra.
Sean levantou-se a saiu para procurar água limpa.
— Aonde você vai, Sr. Queise?
— Por aí, Srta. Trevellis — e ele a odiou pela distância que voltava entre eles.
— Perguntei aonde vai? — foi atrás dele.
— Procurar água.
— Volte Sr. Queise!
— Abba precisa abaixar a febre — apontou nervoso olhando Hélder ao longe.
— A água está contaminada.
— E?
— Você vai se contaminar.
— Deixe que eu me preocupe com isso.
— Não. Nós nos preocupamos com... — e Zôra parou de falar outra vez sentindo alguém mais ali.
Mas Sean a largou lá, sem completar a frase e voltou para perto dos outros.
— Bantuh? Você sabe procurar alguma fonte de água subterrânea com galhos? — perguntou Sean. — Se não achar, cuidado com as cisternas; qualquer reservatório criado pelo homem pode estar contaminado — depois se virou para o bioquímico. — Bonilha! Precisamos de um pouco daquele fungo da choupana, há pães e restos de comida abandonados — Bonilha e Bantuh saíram.
— O que eu faço Sean? — a voz de Lânia era fraca.
— Você descanse. Precisa recuperar forças até comer. Vou ver se encontro frutas e leite — depois Sean se virou para a metereologista. — Lenny, prossiga controlando o que vê nos céus, qualquer mudança climática que possa apagar o fogo nos avise. E você Hélder, consiga qualquer coisa que não seja panelas de cobre, prefira estanho — e Sean viu Hélder sumir e Lenny ficar próxima à fogueira, então se virou para Zôra. — Todos esses erros são provocados pela aproximação do formigueiro na fenda, não Srta. Trevellis
— Entendeu o joguinho deles ou está só blefando?
— Eu não sei o que eu entendi, ou se ainda virá terremotos, maremotos ou cometas do fim do mundo... Mas sei que a magnetosfera é a extensão do campo magnético do planeta no espaço. Ela fornece proteção vital contra a radiação solar abrasadora, que de outro modo esterilizaria a Terra. O campo magnético provavelmente não desapareceria de uma vez, mas ele poderia enfraquecer, enquanto os polos trocam de posições — Sean olhou em volta agora sentindo algo errado. —, onde a onda de radiação resultante poderia causar câncer, reduzir as colheitas e confundir animais migratórios.
— Por que os alienígenas fariam isso Sean? — soou uma Lânia cansada.
Sean se aproximou dela e a sentiu com febre. Depois se ergueu e encarou Zôra.
— Temos que sair daqui ou vamos todos adoecer.
— O que quer que eu faça Sr. Queise, que eu já não teria feito?
— Por que eles não constroem o formigueiro aqui Zôra? — propôs Lânia. — Por que trazer o deles?
Mas Zôra calou-se.
— Responda filha de Trevellis. Não é a entomologista responsável por essa insanidade?
Bantuh voltava com água e Bonilha com o fungo. Hélder também se aproximou com o que pareciam vasilhas de estanho e todos encararam Zôra que riu.
— Agora falta dizer que estou do lado dos alienígenas? Os ajudando a se fixarem na Terra?
— É Spartacus, não filha de Trevellis?
— O satélite de observação que os alienígenas não vão poder utilizar porque você o modificou ‘filho de Oscar’?
E foi a vez de Sean rir.
— Acha o que Zôra? Que vou cair nessa que estamos passando o que estamos passando porque os insectóides queriam se vingar de mim? Então me levaram até Damaraland, me enfiaram numa fenda temporal e me fizeram atravessar buracos de minhocas através das muitas catástrofes por que os proibi de usar meu satélite de observação? — gargalhava de puro ódio. — Ou era você que ia se utilizar dele para se orientar pela fenda numa ‘viagem controlada’, filha de Trevellis, e eu estraguei tudo?
— Não estou os ajudando a se fixarem na Terra!!! — berrou descontrolada.
Bantuh outra vez se pôs na frente dela antecedendo algo.
— Vamos acabar com essa baboseira! — foi a vez de Lânia pedir ao segurar a cabeça que parecia querer explodir.
— Isso mesmo! Vamos nos focar em Abba — Sean se virou para ela. —, ela precisa de socorro urgente — Sean viu Bantuh largar Zôra ainda o encarando e entregou a água que deixou fervendo antes da discussão. — Bonilha? — Sean ainda vibrava de ódio. — Consegue se utilizar de mofo e fazer uma penicilina básica?
— A ação do antibiótico penicilina, produzido por alguns fungos, inibindo o crescimento de bactérias ao seu redor é um exemplo clássico de alelopatia — Bonilha aceitou o desafio.
A noite caiu. A constante viagem pela fenda os estavam consumindo. O corpo de Sean também estava fatigado. Sentia-se minado, afetado emocionalmente, com sua resistência perigosamente baixa. Porque diferente dos outros, o tempo que ficou perdido dentro da fenda, e o fez aparecer uma semana depois que os outros, não pareciam ter o mesmo tamanho. Ele não entendia como podia acontecer aquela disparidade.
Ficou pensando no filósofo Santo Agostinho e sua ideia de que o tempo não era mensurável.
Hélder se ofereceu para ficar ao lado de Abba e dar-lhe de uma em uma hora a infusão preparada por Bantuh misturado ao que Bonilha pôde fazer com o mofo.
Bantuh, Bonilha, e Lânia foram descansar depois da sopa com uma galinha morta e limpa por Bantuh, e ainda algumas verduras ainda plantadas, que ele encontrou em algumas choupanas abandonadas. Já Lenny vomitou. A radiação a afetava cada vez mais rápido.
A noite estava extremamente clara, como se uma grade de holofotes houvessem sido inseridos na paisagem. Sean e Zôra iriam revezar na vigia ao acampamento improvisado alguns metros adiante; distantes, porém um do outro.
Mas Zôra acabou com aquilo no que se aproximou dele.
— Queria me desculpar...
Sean foi pego de surpresa quase adormecendo.
— Não sei do que está falando...
Zôra abaixou a cabeça e a levantou:
— De como venho lhe tratando.
Sean a olhou de lado.
— Cresceu como uma Trevellis.
Zôra sorriu.
— Nasci ‘Trevellis’, Sr. Queise.
Sean a encarou.
— O que está querendo dizendo com isso?
— Que sou filha de Mr. Trevellis com outra mulher. Que Lola me adotou achando que eu havia sido abandonada por uma agente da Poliu.
— Lola nunca...
— Antes de morrer de câncer. Meu pai contou.
— Deus... Quanta frieza.
— Mr. Trevellis não fez por mal.
— Não. Só quis lavar um pouco sua honra — e Sean viu Zôra parar de falar. Ele suspirou. — Desculpe-me...
Ela sorriu apenas e Sean a viu pelo canto do olho, chegando cada vez mais perto. O coração dele disparou feito adolescente, feito o jovem que ainda era. Zôra tocou o rosto dele com os lábios suaves. Ele se virou totalmente e Zôra o olhou com mais ênfase, milímetros de distância. Sean se inclinou, e ela também. Noutra inclinação, e Sean tocou-lhe os lábios.
Zôra os engoliu.
— Sean... — se desejavam, se beijavam se excitavam.
Os lábios dançavam um sobre o outro, molhavam-se de libido, de tesão. Giravam, voltavam ao lugar de início e iniciavam-se novamente. Esqueceram o local, a dor, a morte, e Sean se virou para ir embora.
— Desculpe-me Zôra, mas... — e algo voou em sua direção. — Ahhh!!! — gritou Sean ao sentir um pedaço da sua pele sendo arrancada com um pedaço da blusa do uniforme de Chernobyl.
— Sean?! — berrou Zôra ao vê-lo caído.
Sean se arrastou confuso, sob a Lua iluminada, sem ver o que lhe atingira quando enfim, o Neandertal que os seguias se mostrou.
— Deus... — Sean arregalou os olhos azuis e a lança enterrou na grama seca de onde ele sumira.
— Sean?! Corra!!! — gritou Zôra.
E Sean correu. Metros à frente quando o Neandertal percebeu que ele havia, como antes, sumido. O Neandertal então parou de olhar Sean correr e se virou. Sean percebeu que o Neandertal mudou de direção.
— Não!!! — Sean se projetou e chegou a Zôra antes do Neandertal que enfiou a lança e encontrou novamente o piso de grama seca.
Ele ergueu o rosto bruto e inclinou a cabeça tentando entender o que acontecia e Sean e Zôra corriam quando ela tropeçou numa planta que imediatamente se enrolou até o seu joelho.
— Ahhh!!!! — foi a vez de ela ir ao chão se vendo cada vez mais amarrada pela planta rasteira, gigante e que com certeza não pertencia a Marselha de 1348 d.C. — Sean?! — gritava Zôra enquanto era arrastada.
— Zôra?! — gritou Sean para Zôra que tentava se soltar a planta que se enrolava cada vez mais.
— Ela está... Ahhh!!!! Sean?! — Zôra gritou de dor. — Ela está me apertando!!!
— Deus... Deus... Deus... — Sean usava de toda força para soltá-la enquanto ambos erram arrastados, e ele sumiu dali e reapareceu com uma tocha na mão, queimando a planta carnívora e jurássica, que se ergueu do chão um, três, cinco metros e se virou para se enroscar em Sean que desapareceu.
Sean reapareceu mais a frente pegando Zôra do chão.
— Aquela planta veio do jurássico?!
— Corra!!! Corra!!! Corra!!! — se desesperava quando a lança do Neandertal alcançou os dois passando entre eles.
— Ahhh!!! — eles se jogaram ao chão com Zôra e Sean se levantando, se separando e correndo.
— Não vá para o acampamento ou o Neandertal vai atacá-los!!!
E Zôra mudou novamente o trajeto correndo, e dando a volta no Neandertal que ficou ali de cara dura e bruta observando ela correr em círculos. Sean também parou de correr e ficou tentando entender o que ela fazia quando um, cinco, dez tornados, em meio a uma chuva de raios elétricos tocou o solo de grama seca.
— Ahhh!!! — o som do estrondo fez todos gritarem e Hélder, e Bantuh se alertarem no acampamento.
— Fique com elas!!! — Hélder gritou para Bolinha que arrastou Isadora e Abba para mais dentro da gruta e a chuva caiu em calibre grosso.
Lenny arrastou Lânia com febre e Hélder e Bantuh alcançaram Sean que ainda via Zôra correndo em círculos.
— Aquilo é um homem das cavernas?! — Hélder estancou e dois raios caíram na árvore seca iniciando um incêndio.
— Corram!!! Corram!!! Corram!!! — Sean agarrou os dois e os empurrava quando Bantuh escapou das suas mãos. — Volte Bantuh!!!
Mas Bantuh correu em direção a Zôra para ajudá-la quando uma parede de água o carregou levando embora.
— Aquilo foi... Aquilo foi...
— Aquilo foi Barguna!!! — gritou Sean.
Hélder se virou em choque.
— O que está acontecendo?!
— Tudo está acontecendo!!! — e pedra-pomes caíram sob eles.
— Ahhh!!! — gritaram de dor com a pele queimando.
— Corra Hélder!!! Volte ao acampamento e mande todos se preparem para viajar!!! — Sean viu Hélder dar meia volta e voltar ao acampamento, quando viu Zôra ainda correndo quando o Neandertal ergueu sua lança. — Não!!! — gritou Sean para chamar a atenção do Neandertal e a fenda abriu. — Ahhh!!! — Sean gritou sendo lançado longe. — Droga!!! Droga!!! Não era para abrir agora!!!
— Entre Sean!!! — gritava Zôra.
— Precisamos matá-lo Zôra!!!
— Entre Sean!!!
— Não!!! Não!!! — e todo o piso rachou. — Ahhh!!! — Sean foi lançado longe pelo piso que ruía. — Zôra?! Zôra?! Mate-o!!!
E a corrida circular de Zôra aumentou fazendo a fricção dos seus pés na grama seca atear fogo no chão.
— Arghhh!!! — gritou o Neandertal vendo que tudo em volta dele pegava fogo. — Arghhh!!!
E Zôra aproveitou e correu. Chegou a Sean quando um zunir tomou conta de Marselha de 1348. Os dois mal entenderam e a lança atingiu Sean, agora cravando em seu ombro.
— Ahhh!!!
— Sean?!
— Corra Zôra!!! — Sean foi ao chão ferido. — Prepare todos para a viagem!!!
— Não você...
— Corra!!! Corra!!! Corra!!!
— Mas que inferno!!! — e Zôra correu em direção ao acampamento.
Tonto pela dor, pela situação complicada, Sean ficou no chão, de joelhos, quando o Neandertal saiu do círculo de fogo e se aproximou dele. Sean ergueu os olhos e o Neandertal arrancou a lança do ombro dele.
— Ahhh!!! — Sean se inclinou pela dor imensurável e o Neandertal colou a lança cheia de sangue no rosto dele; tinha ódio, temor, confusão com o entorno.
Sean olhou a lança, mas ela não se teletransportou das mãos dele. Ele o encarou e tentou se teletransportar, e cinco raios caíram ao redor deles, mas ele não conseguiu.
O Neandertal ergueu todo o sobrolho peludo e se inclinou; apavorado, inseguro com o seu redor, fora de seu habitat, acuado, viajando sabe-se lá há quanto tempo, e a imagem ao redor mudou freneticamente.
Tudo havia sido calcinado e o céu se tornou vermelho. Um ar sulfúrico caiu sobre eles e Zôra foi ao chão aquecido, vendo Bonilha, Hélder, Lânia e Lenny a olhando, quase sem respirar. Zôra olhou para cima e já não existia floresta seca, noite da peste, nem o rio de mortos purulentos. Todo o redor estava reduzido a cinzas e Zôra voltou para onde havia deixado Sean.
Ali agora só eles e o Neandertal em meio a réstias de animais, plantas e um Mar de Tétis enchendo de água, em meio a um ar quase irrespirável.
Sean tossiu e correu os olhos para ao lado e viu que algo havia extinguido todo tipo de vida na Terra.
— Deus... — e Sean se jogou sobre o Neandertal que foi ao chão, com ambos rolando pelo domínio da lança, em meio ao que um meteoro entrou na atmosfera terrestre. E antes que toda aquela radiação os atingisse, Sean o socou, e o socou e o socou com suas mãos evoluídas, sentindo que nada parecia o derrubar. O Neandertal então ergueu Sean que voou metros distantes. — Ahhh!!! — a dor era insuportável e o sangue jorrava por todo seu corpo.
— Sean?! — gritou ela.
Mas Sean rolou, levantou e correu, sendo pego outra vez pelos pés pelo Neandertal. Sean o chutou, mas o Neandertal o agarrou mais forte. Os corpos outra vez rolaram em luta corporal e o Neandertal espirrou agora seu sangue ao ser socado, agarrado pelos punhos de Sean que o socou, o socou e o socou sentindo dor nas cicatrizes antigas, nas atuais.
Ele correu, mas a lança estancou sua corrida parando centímetros dele, Sean se virou e o Neandertal o atacou pelas costas fazendo-o ir de rosto no chão, sentindo a coluna travar pela dor. Sean então foi erguido pela roupa, e socado no estômago, para então ser jogado longe.
O Neandertal correu e pegou a lança e voltou para onde Sean estava e Sean tentou se levantar, mas a lança se enterrou próximo a sua cabeça. Sean rolou para um lado, e o Neandertal ergueu a lança e outra vez a enterrou perto do ombro de Sean que escorregou para o outro lado. O Neandertal outra vez ergueu a lança e enterrou no ombro já ferido de Sean.
— Ahhh!!! — a dor era imensurável.
E Zôra não podia mais deixar aquilo acontecer.
— Hei?! — gritou ela.
O Neandertal arrancou a lança do ombro de Sean novamente e ele foi ao delírio pela dor empregada. O Neandertal correu de lança em punho e atravessou Zôra pelo estômago.
— Não!!! — Sean gritou em meio ao deserto calcinado e Zôra havia se separado em duas; metade para um lado, metade para o outro. — Deus... — e Sean não acreditou no que viu.
O Neandertal também se apavorou, não conseguindo compreender o que via, o que o fizeram ver e se virou para Sean ainda caído. Sean se ergueu como pôde e tentou se arrastar para longe quando a voz dupla de Zôra se fez.
— Hei?! — chamou uma.
— Hei?! — chamou a outra.
O Neandertal correu outra vez com a lança para atravessar uma das partes de Zôra, e essa segunda parte também se dividiu em duas. O Neandertal olhou para um Sean que se arrastava e para três pedaços de Zôra que corriam.
Mas foi atrás de Sean quem o Neandertal se pôs a correr novamente.
As três partes de Zôra gritaram mais desesperadas ainda.
— Hei?!
— Hei?!
— Hei?!
O Neandertal sem nada compreender voltou e arremessou-se junto com a lança numa das partes da cabeça dela, e pedaços do rosto de Zôra se despedaçaram não muito longe uns dos outros, quando uma das metades dela correu para ajudar Sean caído, ferido.
Mas outra lança foi lançada e Zôra viu que a lança atravessava rapidamente o espaço de metros que os separava e que Sean ia morrer.
Um zumbido se fez e a lança foi atingida pelo raio negro que saiu da mão de Zôra. Sean caiu e arregalou os olhos vendo o braço de Zôra ser tomado pelo exoesqueleto.
— Você... — e uma descomunal onda evanescente de areia, água, carros, gente, lodo, fogo, plantas e dinossauros, tudo numa mesma massa, antecedeu o som. — O meteoro!!! — gritou Sean.
Zôra só teve tempo de atirar no Neandertal que se desintegrou e tudo aquilo embaçou, distorceu, girou.
360, 720, 1080, 1440, 1800, 2160, 2520, 2880, 3240, 3600 graus, e a fenda se abriu engolindo a todos.
22
Hotel Damaraland; Damaraland, Namíbia.
Suíte de número quatro.
26 de outubro; 07h07min.
Kelly Garcia viu que o silêncio reinava no Hotel Damaraland, sabia que era hora de agir como até então nunca fizera. A suíte de número quatro estava na penumbra e só a noite invadia suas luzes pelas janelas inexistentes. Oscar dormia quando ela se postou ao lado dele. Todo seu pavor jorrava pelos poros.
Oscar Roldman virou para o outro lado, e abriu e fechou os olhos fingindo estar dormindo. Esboçou um pequeno sorriso sabendo que era Kelly quem pegava o notebook de Sean, o desconectando da parede. E nem o banho que tomara para anular qualquer perfume que seu corpo tivesse, faria Oscar não senti-la; porque ele sabia que a próxima parada do notebook era a suíte de número dois.
Kelly entrou suada, nervosa, com toda sua estrutura abalada no quarto de Gyrimias Leferi.
— Ele não acordou? — logo perguntou Gyrimias.
— Não.
— Parcelado o que conheço, acho que o Senhor Oscar Roldman sabia que estava lá, Senhorita Kelly Garcia.
— Eu também!
E Gyrimias gelou:
— Então o Senhor Oscar Roldman sabe que vamos alterar Spartacus?
— Não sei Gyrimias. Mas vou ajudar Sean a voltar.
— Parcelado tudo, acha que o Senhor Sean Queise ainda está vivo?
— Cale-se!!! — gritou.
— Desculpe-me! Parcelada minhas vontades, temo...
— Não parcele mais nada Gyrimias! — Kelly apontou para a mesa. — Trabalhe!
Gyrimias pegou o notebook e o ligou. Como Sean o ensinara, ele acessava Spartacus.
— Ele está morfando.
— Tente acessá-lo Gyrimias.
— Não consigo Senhorita Kelly Garcia.
— Tente Gyrimias! Tente! Tente! Sean precisa que Spartacus esteja livre.
— Eu só desenvolvi a estrutura de níquel. Não sei como e aonde ele a instalaria.
— Instalar o que Gyrimias? Os mainframes foram mesmo morfados?
— E não foram? — Gyrimias digitava.
— É claro que não! Sean os fez com seus dons paranormais.
— Que se anularam dentro do buraco de minhoca pela...
— Tente!!! — berrou.
Gyrimias voltou em choque para o notebook:
— Estão liberados... — quase sua voz não se faz.
E Kelly se inclinou até bem perto de Gyrimias:
— Então agora é só torcer para que Sean acesse os mainframes da Computer Co. ao invés do satélite Spartacus?
— Os mainframes fazem parte de Spartacus, Senhorita Kelly Garcia. Não vejo como ele não morfou os mainframes se...
E Kelly se inclinou até colar em sua pele.
— Vá dormir Gyrimias... — e a voz de Kelly não era a sua voz. — A noite vai ser longa...
E Gyrimias gelou, perdeu a voz e a ação. Porque sabia o que era aquela ordem, de quem era voz que lhe dava aquela ordem. Inclinou o pescoço para um lado até ele estalar e sem se virar, voltou a digitar como um louco com as ideias que surgiam.
— Sabe Senhorita Kelly Garcia... — e Gyrimias escorregou um olhar para ver que o corpo atrás dele não era o dela. —, podemos levar em conta três propostas de tolerância à falha dos agentes de mobilidade; as duas primeiras empregam redundâncias de hardware para alcançar este objetivo mesmo, mas a terceira utiliza um mecanismo muito mais complexo, porque não propõem a utilização de redundância de hardware.
Sean/Kelly só o olhou de cima.
— Prossiga... — soou a voz de Sean.
E Gyrimias diria que nunca o medo lhe atingira tanto.
— Parcelado... — soou. —, podemos propor melhorias nesta terceira proposta já que somente as diferenças existentes entre estas duas primeiras, são na verdade o que propõe o mecanismo de tolerância à falha dos agentes de mobilidade, que emprega as redundâncias de hardware.
— Prossiga... — voltou a soar a voz de Sean.
Gyrimias se tomou de coragem e prosseguiu:
— Parcelado o que sei Senhor... Senhorita..., os agentes de mobilidade, cada um deles, possuem múltiplos agentes como membros de backup...
— Gyrimias?
— Ãh? — Gyrimias olhou para Kelly vendo Sean em rabiscos ao lado dela que não se moveu, nem temeu aquilo, e voltou a digitar, sabendo que Sean devia a estar acostumado àquilo, a parecer e desaparecer para ela. — Podemos evitar que um membro de um backup se perca durante a falha da máquina principal, se os fizéssemos operar simultaneamente com a máquina principal, onde as estações móveis registram-se somente com um agente de origem, é verdade, mas os demais agentes membros de backup deste HD ‘ouvem’ essas mensagens.
— Gyrimias... — e a voz de Sean era fraca.
Gyrimias e Kelly se viraram e viram que Sean sangrava por todo o corpo e que todo seu rosto tinha ferimentos profundos.
— Sean?! — gritou Kelly encerrando aquela conexão. — Sean... — e ela caiu no chão da suíte chorando, e Gyrimias realmente não sabia o que fazer. — Sean pode... — Kelly se uniu de forças, uma que nem soube existir. — Sean pode acessar essas propostas?
— Eles estão interferindo nos registros.
— ‘Eles’ quem?
— Os insetos. Quero dizer os insectóides.
— E para que precisariam fazer isso, Gyrimias?
Gyrimias olhou o vazio do quarto.
— Ele está ferido, não Senhorita Kelly Garcia? — mas antes que Gyrimias ouvisse uma resposta, um terceiro personagem já estava lá dentro; e era um terceiro personagem para lá de físico. — Senhor Oscar...
— Chame Mona! — Oscar havia adentrado a suíte de número dois não deixando se perder tempo com explicações que Kelly jamais entenderia. — Ela não me atenderá, mas vocês conseguiram algo.
— Mona é mulher esperta Sr. Roldman, ela já deve saber que Sean corre perigo.
— Não pode saber Srta. Garcia.
— Como assim? A película se desmanchou.
— A nossa Srta. Garcia. Não onde está Sean.
— Mas ele veio até...
— O espírito ferido dele, veio. Sean está morrendo Kelly... — e foi como uma suplica toda aquela intimidade. — Por favor... Chame Mona...
— Mas como a Senhora Mona Foad nos ajudará, Senhor Oscar Roldman?
— Com a ajuda de... — e Oscar parou de falar no que o som de um tiro se fez.
— Senhor? Senhor Oscar Roldman?
Mas Oscar não conseguia responder. E não conseguia porque havia algo mais ali em Damaraland, uma força paranormal nunca vista.
— Kelly... — e Oscar viu que Kelly e Gyrimias nada ouviram. Porque havia algo errado, algo haver com a contagem dos nove. — Srta. Kelly... — Oscar era a calma e o controle em pessoa. — Pegue minha mão direita com sal mão esquerda — e a esticou para ela que a olhou. —, e pegue a mão esquerda de Gyrimias que vai pegar o notebook de Sean de um lado e dar o outro lado para minha mão esquerda.
Os dois se olharam.
— Mas...
— Pelo menos uma vez, Kelly? — e Oscar sabia que Kelly estava assustada. — Confie em mim!
E Kelly nem soube por que obedeceu, mas a mão direita dele pegou sua mão esquerda, e sua mão direita acomodou a mão esquerda de Gyrimias que segurou o notebook com a direita levantando-o para Oscar tocá-lo e um raio negro veio do um crop circle que tomou forma e se fechou.
— Ahhh!!! — gritaram Oscar, Kelly e Gyrimias se vendo volitando dentro do que parecia uma cápsula com o formato do desenho feito no chão da suíte de número dois.
— Ahhh!!! — ecoou pelo resto do Hotel Damaraland, pelo deserto da Namíbia e uma nuvem vermelha tomou conta de tudo.
Oscar, Gyrimias, Kelly e o notebook ficaram fechados numa bolha de energia de plasma, desprendidos do chão em gravidade zero, e o ar se extinguiu do lado de fora, extinguindo tudo e qualquer material elétrico, danificado pela sobrecarga de material ácido que os cobriu.
Oscar sabia, ele pressentiu aquilo como o diário de Zôra avisara.
“Filha de Trevellis!" ainda teve de pensar.
Quando o som de um tiro se arrastou por cada centímetro do Hotel Damaraland tudo ganhou peso.
— Ahhh!!! — todos foram ao chão duro.
— Senhorita Kelly Garcia? — Gyrimias se virou para ela derramando gotas de suor que haviam sido suspensas na falta da gravidade.
— Gyrimias... Oh... Gyrimias... — Kelly olhava atordoada para os lados com móveis, roupas de cama e banho, mala e todo tipo de utensílios que Gyrimias havia trazido, esparramados no chão derretido.
— Senhor... — e foi para Oscar quem Gyrimias se virou agora. — Esse ácido... Esse ácido...
— Vamos! — Oscar ergueu Kelly do chão que ainda estava de olhos arregalados. — Vamos ver quantos morreram dessa vez.
E foi a vez de Gyrimias arregalar os olhos no impacto de não precisar da resposta.
23
38° 42’ 0” N e 9° 10’ 0” W.
Foi Bonilha, dessa vez, quem mais se sentiu em casa, conhecedor de onde passava, pelo menos no que reconheceu o lugar que toda sua infância passara; Portugal. Mas ele caiu numa areia macia, com seu corpo amarrado por fios de energia a Isadora que adquirira sua a cor laranja de volta.
— Olá Bonilha...
Bonilha arregalou os olhos e Isadora abriu uma bocarra o engolindo.
— Ahhh!!! — seu grito ecoou por 38° 42’ 0” N e 9° 10’ 0” W.
38° 42’ 0” N e 9° 10’ 0” W.
Lânia, Zôra e Bantuh caíram dentro de um grande tonel de uvas amassadas.
— Hei?! — gritou uma mulher encorpada. — O que estão fazendo?
— O que ela disse? — perguntou Lânia.
— Acho melhor sairmos daqui — respondeu Zôra.
Os três correram para dentro das parreiras de uvas que estavam sendo recolhidas.
— Hei?! — gritava um.
— Hei?! — gritava outro quase caindo da escada.
Lânia, Zôra e Bantuh não viram alternativas a não ser parar de correr.
— Onde está Sean?
— Não sei... — Zôra procurava um lugar onde conseguir parar, mas todos os olhavam cada vez que paravam. — Ele estava muito ferido.
— Acha que Sean...
— Cale-se! — Zôra alterou-se. — Não repita isso!
Lânia não repetiu. Olhou Bantuh e voltou a olhar em volta os muitos vinhedos onde estavam, por onde corriam e se escondiam.
— Que lugar é esse?
— Não sei Lânia... Que tal não fazer mais perguntas e continuar a correr?
E os três correram sem muita direção.
— Onde está Lenny? Ela estava na caverna conosco — Lânia também queria saber.
— Não sei Lânia. Já disse que não sei como essas viagens estão acontecendo.
— Mas Sean estava com você...
— Chega! — Zôra outra vez foi forte na entonação. — Precisamos de comida e roupas — falou Zôra em português para a mulher encorpada que estancou na frente dos três.
O espanto de Lânia foi total, ela não havia visto a mulher aparecer e nem entendia uma única palavra do que Zôra falava com a mulher encorpada, que os viu vestindo roupas diferentes, masculinas, e nem se quer imaginou de onde eles vinham, sendo uma mulher de pele mais morena, uma loira de cabelos extremamente claros e seu escravo.
Zôra leu o pensamento dela, e temeu algo.
— Sigam-me! — a mulher encorpada falou quando Zôra dominou seus pensamentos.
Lânia e Bantuh obedeceram.
38° 42’ 0” N e 9° 10’ 0” W.
Sean abriu os olhos sentindo-se tonto pela dor; e era muita dor a que sentia, fazendo a imagem à sua frente, ainda embaçada, demorar a se formar. O ambiente gélido, perfumado por incenso, tinha uma música suave ao fundo e ele tentou entender o que cantavam o que entoavam.
Fechou e abriu os olhos como quem acordava com sono, de um sonho com Kelly, e Gyrimias, e tocou-se no ombro, percebendo que sangrava muito, que tinha febre, que estava morrendo.
A imagem voltava a se firmar e Sean enfim reconheceu a música:
— Sacra... — sussurrou no silêncio do ambiente.
Sean olhou para trás, havia grandes e extensas fileiras de bancos de madeira envernizada. Depois olhou para os lados e novamente para frente, e imagens de santos se espalhavam por todo o ambiente. Duas mulheres de véu negro, roupas escuras, de renda, encolhidas num canto o observavam sujo, provavelmente ferido.
— Mendigos... — ele ouviu dizerem.
Estava sujo, rasgado, ensanguentado, morrendo.
Sean procurou seu GPS com dificuldades em mexer o braço e não desmaiar de dor.
— 38° 42’ 0” N e 9° 10’ 0” W — olhou em volta. — Não pode ser... — voltou a prestar atenção na conversa das duas mulheres; elas falavam um português carregado, casto, e voltou a olhar o GPS ainda tonto de dor. — Estou em Lisboa, Portugal — voltou a olhar em volta tentado se erguer e as mulheres, metros de distância, voltaram a se afastar. — Buhhh! — exclamou Sean fazendo a nave toda ecoar.
Elas saíram correndo dando tempo para ele atravessar toda a igreja com calma, com dificuldades, morrendo.
Sean olhou para o chão e seu sangue fazia uma trilha. As feridas abertas, a infecção tomando conta do seu fluxo sanguíneo e o perfume dela, de Kelly, na suíte de número dois. Porque ele sabia que estivera lá, que dentro da fenda ele se projetara com o que extinguia do resto de energia e saúde que tinha, para vê-la pela última vez; porque sabia que morria.
A igreja tinha um estilo gótico, um estilo arquitetônico surgido na Europa Ocidental nos séculos XIII a XV que tinha como principal característica a abundante utilização de arcos e abóbadas em ogiva.
E Sean a conhecia, já a visitara, terra natal de seu pai Fernando, terra de uma das mais competitivas Computer Co., da primeira Computer Co., da melhor Computer Co., sob o comando de seu pai. Porque sabia que Fernando era o melhor, que ele nunca conseguiria ser igual a ele, a ter seu respeito completo; profissionalmente, sentimentalmente e seu corpo cedeu.
Sean se agarrou ao amadeirado banco da igreja de três naves e cinco tramos, com cabeceira com capela-mor saliente e de maior altura, ladeada por quatro absidíolas poligonais escalonados, a evolução do modelo das cabeceiras das igrejas mendicantes mais importantes do Convento do Carmo, e arregalou os olhos.
— Deus... Estou na ruína do Convento do Carmo... — olhou em volta. —, do que ainda é o Convento do Carmo antes da ruína do terremoto... — e uma mão pousou sobre seu ombro.
Sean ergueu os olhos azuis, rodeados de sangue que escorria do rosto bonito.
— O jovem terá que sair! — falou um homem vestindo farda antiga.
Sean olhou para trás do homem, e as duas mulheres que o repudiaram deviam ter feito alguma reclamação.
— Estou ferido... — Sean respondeu em português de Portugal.
O guarda olhou as vestes dele; sujas e ensanguentadas.
— O jovem precisa de abrigo? — perguntou o homem vestindo farda antiga.
Mas havia algo nele que o fez lembrar-se de alguém.
— Eu o conheço?
— Não — o homem vestindo farda antiga sorriu-lhe, o ajudando a caminhar.
E Sean caminhou, sentindo uma dor dilacerante ao chegar à porta da igreja do Convento do Carmo, quando o chão de mármore se tomou por uma areia branca e Bonilha e Isadora chegavam amarrados um ao outro. Sean ergueu a mão para chamá-los e a boca de Isadora cresceu, cresceu, e ela engoliu a cabeça de Bonilha que chacoalhava todo até ela arrancar a cabeça dele.
Isadora se virou para trás e viu Sean a vendo com o sangue e pedaços de Bonilha na sua boca e sorriu para ele.
— Ahhh!!! — Sean gritara e toda sua roupa ensanguentada se tomou de água, com a areia da praia, também se tomando de água no que uma grande onda tomou conta de tudo. — Ahhh!!! — voltou a gritar indo ao chão de mármore do Convento do Carmo.
— Jovem... — ecoou por ali.
E Sean percebeu que Lânia, Bantuh e Zôra não haviam vindo com ele, que Bonilha e Isadora vieram juntos e que ela o havia matado. E o pior, Sean sentia que algo acontecia a Hélder e Lenny, numa terra de vulcão ativo. Ergueu-se com dificuldades e encarou o homem vestindo farda antiga, agora mais próximo dele, próximo a ponto dele enfim reconhecê-lo.
— Mona... — e Sean desmaiou.
24
38° 42’ 1” N e 9° 10’ 0” W.
Sean abriu os olhos, estava numa cama de colchão de molas que se movimentavam quando ele se virava, tentava se virar. O quarto era de madeira; chão, parede, teto, e havia um doce perfume de incenso no ar, mas o perfume de comida vinha de outro ambiente. E ele queria poder se transportar para lá se a dor não fosse tamanha.
Ele se olhou, vestia-se de calça larga, escura, de algodão, limpa, presa por um alfinete de cabeça. Também usava uma blusa folgada, de linho, de cor clara e cordões que a amarrava no lugar de botões. Tocou-se, tinha os cabelos loiros grandes e barba de pelo menos um mês. Arriscou-se a levantar e caminhar até a porta. Estava descalço e com fome. Na parede ao lado, um grande espelho com pés de madeira mostravam um jovem em plena recuperação.
Sean ergueu a blusa de linho e cor clara e viu que uma grande cicatriz atravessava seu ombro esquerdo, também ao longo do tórax, cicatrizes tão grandes quanto, ainda mostravam inflamação; o rosto estava recuperado. Abriu a porta e o quarto dava para um corredor estreito, comprido e pintado de bege, com o som de música sacra reverberando por todo ele.
O corredor desembocava numa escadaria, Sean desceu muitos andares até chegar num salão abafado, espaçoso também forrado de madeira, de pé-direito baixo com convidativas mesas e bancos de madeira. Uma Senhora encorpada saía de uma das portas que se desenhavam no salão, trazia um caldeirão de sopa e alguns pratos de metal, que Sean calculou serem de estanho.
Ela lhe sorriu e lhe indicou um dos bancos. Sean sorriu e aceitou. Ela lhe serviu sopa de galinha. Sean deliciou-se com a primeira refeição decente desde o começo daquelas viagens malucas.
— Obrigado! — agradeceu em português com todo sotaque que sua família tinha.
— Não há de que! — falou a Senhora encorpada num sotaque português mais forte do que possuía seus avós, seu pai.
— Sean... — esticou uma mão para ser cumprimentada.
— Maria Dolores — cumprimentou-o.
— Onde estou?
— Alguns homens da cidade o trouxeram para o convento.
Sean a olhou assustado.
— Achei que não recebessem homens de fora.
— Achou? — Maria Dolores viu Sean parar a colher no ar. — Recebemos enfermos — apontou para os ferimentos.
— Obrigado por isso também.
— Tenho que dizer que os frades tiveram muito trabalho, e fizeram muitas orações para curar-lhe.
Sean lembrou-se do Neandertal, da lança, da calcinação da Era dos Dinossauros, e da dor com que girou até acordar no banco da igreja do convento, sangrando.
— Quando cheguei aqui?
— Um mês atrás.
— Um mês... — se olhou. — Por que não consigo me lembrar?
— Não sei. Dizem que você estava ‘desligado’; levantava-se, tomava banho, comia e deitava.
Sean nada entendia de como o tempo ali funcionava.
— O guarda?
— “Guarda”?
— Quem me trouxe mesmo?
— Alguns homens o encontraram sangrando no chão, próximo ao Palácio Real de Alcântara.
— Atualmente Rua 1º de Maio... — Sean falou sozinho olhando a mulher lhe olhar.
— Acho bom acabar de comer e voltar a descansar. Depois alguém irá ao seu quarto trocar o curativo.
Maria Dolores pegou a panela pesada e se virou para voltar à cozinha.
— Perdão! — Sean a viu se virar. — Quantos frades moram aqui, Maria Dolores?
— A quantidade exata?
E Sean teve medo de interferir, de avisar sobre o terremoto.
— Eu... Nada — ficou cabisbaixo e Maria Dolores se virou para sair de novo. — Sabe se outros...
— “Outros”?
— Outros como eu... Vestindo roupas... — Sean não sabia como falar. —, iguais.
— Há um mês, uma mulher e seus dois escravos mergulharam num tonel da plantação de videiras — riu. — Foi um comentário geral.
Sean arregalou os olhos azuis.
— “Dois escravos”?
— Nas vinhas, junto a ribeira; na maceração de uvas.
— E sabe tudo isso porque o comentário foi geral?
Maria Dolores desceu a panela pesada em cima da mesa e o ficou observando.
— Sim. Alcântara, freguesia do Concelho de Lisboa, ficou comentando o fato inédito.
— A plantação fica depois do aqueduto?
— Aquela construção grande?
— O Aqueduto das Águas Livres ergue-se sobre o vale de Alcântara, Começou a ser construído no ano de 1743.
— Sim, só tinha água em Alfama.
— Alfama, o bairro histórico de Lisboa, conhecido internacionalmente pelos seus bares de fado.
Maria Dolores sorriu-lhe.
— Não entendo o que fala Sean.
Sean sorriu-lhe de volta.
— Sabia que Alcântara deriva da palavra árabe al-qantara, que significa ponte, porque chamavam assim, a ponte que atravessava a ribeira nessa área, e que acabou por se chamar ribeira de Alcântara... — e Sean viu Maria Dolores ainda sorrindo. Sean suspirou e desistiu da aula de história. — Disse que uma mulher e seus dois escravos ainda trabalhavam lá?
— Acho que disseram que o escravo foi para a Fábrica de pólvora para... — e a mulher viu Sean sair correndo.
E Sean subia todos os degraus aos pares, entrando no seu quarto, virando-o todo como pôde, atrás do GPS sem o encontrar.
“O guarda fardado?” lembrou-se.
— Será que ele pegou? Não, não pode ser. A mulher disse que homens me trouxeram...
Sean abriu a porta do seu quarto para sair novamente, e não havia ninguém ali no corredor. Entrou em todos os quartos que desembocavam no estreito e comprido corredor e percebeu que os quartos eram simples; cama, mesa, cadeira, armário de madeira de boa qualidade e um crucifixo na parede com restos de velas na mesa.
“Está debaixo do colchão”, Sean ouviu falar.
Ele se virou atônito tendo a impressão de ter ouvido a voz de Mona amiga.
— Mona? — ele chamou, mas não houve resposta. Sean olhou em volta, levantou o colchão do nono quarto que vasculhava e debaixo do colchão o aparelho de GPS estava dentro de uma bíblia, que mal conseguiu ser fechada. — Eles pensam que é obra dos infernos — olhou o GPS mudando as coordenadas, e que outra vez giravam como loucas sem, porém sair da mesma região.
Porque se fosse o terremoto de 1755 a acontecer, aquilo sim seria o inferno, com o terremoto atingindo grande área de Portugal, e Lisboa estava no seu raio de destruição. Sean se virou e saiu, e precisava era sair dali do convento, porque se a escravatura em Portugal continental foi proibida somente a 12 de fevereiro de 1761, então ele precisava alcançar Lânia e seus ‘dois escravos’ Zôra e Bantuh. Só realmente não sabia como chegar lá a pé, já que o principal aqueduto media 19 km, e incluindo os canais secundários, totalizavam 58 km.
Ele tinha cada vez mais certeza que precisava entender a jogada dos alienígenas, precisava acessar Spartacus para permitir que o formigueiro entrasse no espaço terráqueo já que atrapalhou algo de alguma forma, e também precisava da ajuda de Mona Foad se quisesse impedir esse algo; o tempo era a chave para suas respostas.
Sean conseguiu sair do convento, caminhou muito até sentir-se cansado, exausto pelas viagens e pelos ferimentos.
Ficou ali, no meio da Portugal do século XIX, com Zôra Trevellis nas lembranças dele. Porque havia algo nas atitudes dela, que completavam todas as lacunas; ele só não sabia o que exatamente. Ou sabia. Porque algo, uma ideia, passou de repente pela sua cabeça; porque não era só o tempo a chave para suas respostas, mas o espaço, o espaço-tempo que realmente importava ali.
Sean então se concentrou. Não girou, mas abriu os braços como Zôra fizera na ‘Era do gelo’, e todo o entorno aos poucos se embaçou feita uma imagem de TV fora de sintonia, e ele se tomou de rabiscos, transferindo-se de onde estava para outro local, sem qualquer dificuldade.
38° 42’ 2” N e 9° 10’ 0” W.
A vida no cultivo e feitio do vinho era dura. Lânia lutava contra a diabete roubando algumas poucas uvas apesar do açúcar excessivo contido na frutose. Ela não conseguira convencer a matrona, que Bantuh e Zôra eram escravos livres, presentes de seu pai. Para todos ali, Lânia era uma ladra mentirosa, como muitos que ali chegavam se dizendo estrangeiros abastados quando na verdade eram todos quase falidos.
Os três acabaram ficando lá, prisioneiros da situação.
Lânia e Zôra há um mês trabalhavam nas videiras, começando com o nascer do Sol e só descansando com o cair da tarde. Bantuh era o que mais sofria, misturado aos escravos da Fábrica de pólvora, ele estava para ser vendido. Zôra controlava como podia a mente de todos que perto dele se aproximavam, mas sabia que aquela situação não podia se sustentar por muito tempo.
Ainda não havia nenhum sinal de Lenny, nem de Sean, apesar de Zôra dizer a ela, dia após dia, que os dois estavam pertos; pertos onde, Lânia não sabia. Mas Lânia se desesperava mesmo, era quando perguntava sobre Hélder, Abba, e Bonilha, e Zôra dizia que deles, eles não saberiam mais nada, o que computava a perda de mais três num jogo onde nove viajantes eram importantes. Só sobre Isadora, Zôra se recusava a dizer algo.
O Sol se punha quando todos da colheita se reuniram para mais uma refeição e Lânia deu um jeito de se aproximar de Zôra.
— Onde está Bantuh, Zôra? Por que ele não voltou? Você disse que ele voltaria ontem a noite.
— Agora não...
— “Agora não”?
— Shiuuu! Não chame atenção. Eu o estou mantendo invisível aos olhos dos compradores.
— Como? Que compradores?
— Já disse para não chamar atenção, Lânia — e saiu de perto dela já que também se mantinha invisível toda vez que o controlador das vinhas aparecia.
Mas Lânia estava perplexa com aquela revelação. Precisava saber mais.
— Como o mantém invisível, Zôra?
— Não quero falar sobre isso — pegou outra cesta de uva do chão.
— Por que não foi levada também se você tem a pele amorenada?
Zôra a fuzilou.
— Queria que eu tivesse sido levada? — foi irônica.
Lânia não respondeu, olhou em volta, algumas mulheres a observavam.
— Onde está Bantuh? — insistiu nervosa.
— Trabalhando na Fábrica de pólvora.
— E por que alguém ia vendê-lo?
— A escravatura só foi proibida aqui somente a 12 de fevereiro de 1761.
— Como sabe?
— Sei!
— Sabe tudo! — Lânia irritou-se e Zôra continuou a andar. — Como deve saber o porquê de precisarmos passar por tudo isso, só porque algum punhado de formigas alienígenas não tem onde viver.
— Ignorâncias como essas que fizeram do homem o grande causador da extinção de algumas formigas, Lânia.
— “Ignorância”?
— Mais de mil anos cavoucando tudo e agora dizem que o mundo todo é responsável pelas ações deles — e Zôra se afastava das videiras. — Caras de pau!
— Nossa! Quanta defesa por alienígenas...
— Cale-se!!! — Zôra gritou e Lânia saiu do chão com seu pescoço apertando até seus olhos lacrimejarem.
Lânia foi ao chão tossindo e mulheres correram a acudi-la enquanto Zôra ia embora sem sequer tocar nela. Sean havia chegado sem que ambas pudesse ver ou ouvi-lo, e esperou ali, quieto, em meio às videiras, vendo Zôra se afastar e Lânia correr atrás dela furiosa.
— Me matar não vai ajudar seu formigueiro! — exclamou furiosa.
Sean não acreditou no que ouviu e Zôra se virou furiosa para ela com os olhos verdes brilhando, quando ele entrou na frente de Lânia antes que qualquer outra ação paranormal de Zôra matasse a professora.
Zôra o fuzilou com ele ali, a encarando, a desafiando, também. Como também não acreditou que não tivesse conseguido prever a presença dele.
— Sean? — Lânia abraçou-o por trás com força e Zôra a odiou muito mais. — Você está bem? — perguntou.
— Sim, professora — Sean ainda encarava Zôra. — E você? — virou-se ainda envolto pelo abraço dela e tocou-lhe os cabelos loiros e encaracolados.
Aquilo sim fez Zôra odiar ambos. Ela se virou e foi embora para onde haviam ficado durante todo aquele tempo; um casebre não muito longe das videiras.
— Zôra fez...
— Eu sei! — foi a resposta dele; e que a silenciou.
Os dois andaram até o casebre e Sean entrou vendo uma mesa de madeira encostada num canto da parede, à direita da porta com um banco de madeira próximo, um fogão a lenha e o que parecia ser um armário com uma cortina florida, fazendo às vezes de porta, escondendo louças e mantimentos.
Zôra se aproximou da mesa e tirou um pouco de pão da cesta e ofereceu queijo e vinho. Os dois trocaram olhares e só. Depois Sean pediu água para lavar as mãos e Zôra apontou uma porta onde um quarto com uma bacia contendo água e toalhas ficavam em cima de uma camiseira. Sean viu duas camas e algumas poucas roupas em cima de duas cadeiras.
Voltou à sala e viu Zôra e Lânia caladas; mudas.
— Como sabia que estávamos aqui? — a voz de Zôra não era de boas vizinhanças.
— Me contaram sobre o mergulho de vocês no tonel — riu vendo que Zôra nada demonstrava, nenhuma única emoção.
Já Lânia sorriu sem graça. Sentiu-se feia naquelas vestes e arrumou os cabelos loiros e cacheados, caídos do coque usado para trabalhar; queria estar bonita para ele e Zôra percebeu.
Sean também.
— Sabe onde estamos? — perguntou Zôra.
— Portugal. Sismo de 1755.
Zôra olhou em volta como que procurando um foco.
— Precisamos resgatar Bantuh da Fábrica de pólvora de Barcarena, no Concelho de Oeiras, Distrito de Lisboa.
— Ele foi levado, Sean. Mas Zôra o mantém invisível — contou Lânia com cinismo.
— “Invisível”? — Sean parecia não ter entendido quando Lânia se virou e voltou a abraçá-lo; ele dessa vez apenas sorriu e se afastou indo tomar vinho e comer arroz, pão e queijo. Ambas perceberam. — Eu apareci ferido, morrendo, no que antes fora o Convento do Carmo — Sean viu as duas se olharem. — Homens da cidade me levaram até eles — e ele encarou Zôra. — Eles me salvaram Srta. Trevellis.
— Sinto muito!
Lânia olhou um e outro sabendo que Sean queria avisá-los e Zôra proibia.
— Até quando?
— Até sempre! Não podemos avisar ninguém — Zôra viu Sean comer furioso, e beber o vinho mais furioso ainda. — Eu sinto muito, mas você sabe que o ano de 1755 insere-se numa era fulcral de uma grande transformação social; Revolução Industrial, Iluminismo, e Capitalismo — e Zôra pousou sua mão sobre a dele. —, onde se lançou as bases de uma sociedade moderna em alguns países da Europa Ocidental!
E ele soltou-se de sua mão.
Ambas perceberam a frieza.
— Eu sei que o sismo influenciou de forma determinante muitos pensadores europeus do Iluminismo... — Sean a encarou — Foram muitos os filósofos que fizeram menção ou aludiram ao terremoto nos seus escritos, como Voltaire em seu ‘Candide’ e ‘Poème sur le désastre de Lisbonne’; um poema sobre o desastre de Lisboa...
E ambas perceberam algo mais.
— Acha que tudo é uma cadeia de fatos, Sean?
— Não sei o que dizer professora, mas o terremoto ou sismo de Lisboa foi suficiente para Voltaire refutar a ‘Teodiceia’ de Leibniz!
— Se mexer-nos numa única pedra, toda a estrutura desmoronara Sr. Queise.
E Sean olhou o telhado de telhas de barro aparentes, aturdido.
— Lenny? — perguntou ele.
— Não veio conosco Sean.
— Droga! Achei que Lenny tivesse conseguido viajar.
— Por que diz isso Sean?
Ele paralisou.
— Por nada... Achei que todos... — e Sean não tirava os olhos do telhado sabendo que as duas esperavam mais. —, achei que tivessem escapado daquela época calcinada; só isso.
— E os outros?
— Outros? — Sean olhou Zôra lhe olhando, lhe decifrando era bem verdade. — Bonilha e Isadora estão numa praia.
— Sabe qual?
— Não. Mas se o sismo ainda não aconteceu, e o tsunami que se seguiu a ele ainda não inundou tudo, então Isadora ainda não comeu a cabeça de Bonilha.
— Sean?! — gritou Lânia sentindo que ia vomitar.
Mas Zôra continuava ali, firme, só o olhando.
— Você sabia filha de Trevellis? — e Sean até sabia que Zôra nada falaria. — Sim! Você sabia filha de Trevellis; porque sempre sabe tudo.
Lânia olhava um, olhava outro.
— Vocês querem parar com isso?! — berrou descontrolada em prantos. — Até quando vocês vão continuar essa guerrinha?
— Por que acha que estamos guerreando professora?
— Porque estão!!! — berrou entre lágrimas. — Porque essa guerrinha de nervos entre vocês dois matou todos nós — e Lânia viu Zôra se virar furiosa para ela e Sean outra vez se colocou na frente dela.
— Não! — e a voz dele a fez sair do sério.
Zôra se levantou e virou de costas para eles.
— Sabe se Hélder e Abba também conseguiram Sean? — Lânia sabia que havia sido protegida, que aquela proteção significava mais para Zôra que para Sean.
— Sim, professora.
As duas se olharam.
— Traduza ‘sim’ filho de Oscar.
— Sim. Eles conseguiram fazer a passagem de volta para Damaraland.
Lânia se virou para Zôra com as pernas bambas, a fim de uma explicação, e uma explosão estremeceu tudo.
— Ahhh!!! — gritaram os três quando as telhas de barro do casebre desabaram sob eles.
— Lânia?! Lânia?! — gritava Sean tirando telha após telha de cima da professora, lotada de barro seco e tudo mais que despencou sobre ela. — Você está bem? Lânia? Responda! — Sean a sacudiu e sacudiu.
— Sim... — soou fraco.
Sean se virou e viu Zôra, suja de tijolos e tudo mais o encarando.
— Obrigada por perguntar! Também estou bem!
Sean não se fez de rogado com a face fria de Zôra.
— Onde fica a Fábrica de pólvora?
— Eram duas fábricas separadas pela ribeira de Barcarena; a Fábrica de Baixo e a Fábrica de Cima, que funcionou entre 1540 e 1940. Não sei em qual Bantuh está.
E Sean se aproximou mais ainda, a quase roubar o ar dela.
— Então também deve saber por que as girafas nunca mais apareceram se elas apareceram, quando Isadora já não podia mais me contar?
E Zôra se viu despreparada.
— Como é que é?
— Porque ao contrário de você, folha de Trevellis, sei o porquê das girafas não estarem aqui, em todos os eventos catastróficos que vivemos.
Zôra escorregou um olhar para Lânia que sentada nos escombros esperava ouvir uma resposta, mas Zôra calou-se.
— Vamos Zôra... Fale... — mas Lânia viu Zôra continuar calada. — Fale Zôra...
— Ela não vai falar professora — Sean quase misturava os poros com os dela pela proximidade. Os olhos de ambos se cruzaram. — E não vai falar porque ela sabe que o responsável por essa experiência não caça girafas — e sorriu cínico.
— “Não caça”? Mas quem caça não faz parte da experiência? E quem faz parte da experiência Sean?
— A Srta. Trevellis, que trouxe todo o exoesqueleto para a Terra, não é? — e foi a vez dele ver que Zôra não gostou daquilo. — Porque o insectóide que morreu, sabia que Zôra havia voltado a nave para pegar um exoesqueleto inteiro, e não algo do tipo ‘desesperei-me quando ela tomou meu braço e não queria sair. E por mais que eu desejasse a luva não abria’.
— Então eles continuarão a vir atrás de nós, Sean? Zôra? — Lânia olhou um e outro e a guerrinha de nervos ainda estava ali. — Por que até quando vamos ficar nesse jogo Sean? Zôra? Um dos dois realmente sabe o que acontece aqui? — e ambos nada falaram. — Vou embora... — e Lânia saiu dos escombros.
— Vai atrás dela?
— Por que eu iria?
— Porque você... — e a voz de Zôra ficou tão distante que Sean via os lábios dela se moverem, mas o som não chegava até ele.
Sean olhou em volta e estava surdo. E estava surdo porque o som não se propaga no vácuo, onde não há ar.
E o chão tremeu.
— Ahhh!!! — gritaram os três uníssonos ao caírem.
Sean correu para um lado e Zôra para outro e ambos arregalaram os olhos para o enorme vão que se abriu entre eles, separando o casebre ao meio.
— O que... O que... — e Sean não teve tempo para formular mais nada, correu e o grande vão se abriu mais ainda levando tudo para dentro dele; casebre, videiras, carroças de uva, tonéis gigantes, gente, tudo engolido.
Sean correu e levantou Lânia ainda atordoada pelo chão aberto sob seus pés. Zôra havia ficado do outro lado do grande vão e gritos ecoaram por toda Lisboa.
— Deus... — e Sean correu de volta à cidade.
Mas Zôra leu o pensamento dele.
— Não Sean!!! — mas Zôra viu Sean correr tanto que as duas mal conseguiam acompanhar. — Sean?! — gritava Zôra do outro lado do grande vão que se abriu entre eles. — Não faça isso Sean!!!
Sean parecia ensurdecido, tomado por uma fúria fora do comum.
— Estou cansado Zôra!!! Chega!!!
— Não!!! Não!!!
— Basta Zôra!!! Não vou ficar parado vendo gente morrer sem nada poder fazer.
— Sean?!
— Não adianta!!! — gritava ele do outro lado do grande vão, correndo para o aqueduto, tentando alcançar o centro de Lisboa, o convento onde fora salvo, onde fora curado e tudo se desmanchava aos olhos de muitos, dele próprio.
— Não faça isso Sean!!! Não os avise!!!
Mas Lânia não conseguia acompanhar nem Sean nem Zôra do outro lado do grande buraco. Ela ofegava, ainda em choque pelo desabamento do casebre e corria vendo Sean e Zôra muito à frente dela.
— Sean?! — gritava Zôra. — Não faça isso!!!
— Não!!! Não!!! — Sean corria. — Não vou ser brecado, Zôra!!!
Gritos de dor e desespero se espalhavam pela Lisboa de 1755.
— Sean?! — Zôra gritava a correr também. — Não faça!!!
Mas Sean não parava de correr, a imagem dos quartos de madeira, do incenso, das orações tomava conta de sua conduta. Não podia deixar aqueles que lhe salvaram morrer, padecer.
Lânia ainda tentava, com toda sua força acompanhá-los, mas não conseguia alcançá-los. Viu quando Sean parou de braços abertos para o céu, para um céu que nem sabia se existia mesmo, e se concentrou com todo seu esforço e o grande vão aberto aos seus pés se fechou.
— Sean?! Não faça isso!!! — gritava Zôra desesperada. — Não interfira!!!
E Sean interferiu; as mudou de lugar junto com ele.
Lânia piscou e pisava uma calçada, no centro da cidade de Lisboa, com uma grande construção à sua frente sendo destruída. Lânia piscou de novo e Sean corria em direção a construção, ao Convento do Carmo em meio a casas caindo, pessoas sendo soterradas, gritos de desespero no incêndio que irrompeu pela cidade. Lânia piscou pela terceira vez e viu Zôra sumindo de seu raio de visão, com Sean correndo por ruas esburacadas de uma Lisboa destruída e Zôra alcançando ele, o tocando, quando uma onda gigante se desenhou, os engolindo.
— Ahhh... — se perdeu por ali.
Lânia estava se afogando.
Sean a procurou em vão porque o tsunami os engolia, engolia a cidade; vozes, gritos, barcos, redes, areia e fúria no desespero de todos que se afogavam na orla marítima.
Não houve estampido de uma arma, nem Sean ou Zôra giraram, mas Lânia caiu com toda força no lounge do Hotel Damaraland.
Kelly só teve tempo de gritar de susto e alertar todo o hotel enquanto Sean desmaiava, sendo levado cada vez mais para o fundo das águas lusófonas, sem conseguir saber do paradeiro de Bonilha e Isadora.
Mas Isadora foi a próxima a cair no chão de terra avermelhada e batida do Hotel Damaraland. E foi a vez de Gyrimias entrar em pânico ao ver o corpo de Isadora tomado por uma cor alaranjada e sua boca ainda aberta, de tamanho avantajado, com a cabeça de Bonilha dentro dela.
E Gyrimias nunca correu tanto e tão rápido na vida:
— Senhor?! Senhor?! — Gyrimias gritava atônito a deslocar os óculos pelo excesso de suor e medo quando Oscar apareceu vindo do anda, literalmente, e Gyrimias se chocou com ele desmaiando.
Isadora só encarou Oscar Roldman e Mr. Trevellis foi o próximo a chegar.
— Meu... — e Mr. Trevellis não completou a frase porque Lânia derrubou Isadora com uma pá.
Lânia se virou para todos:
— Da outra vez foi um ancinho.
Todos olharam Isadora em meio ao sangue de Bonilha agora se misturando ao dela.
— Ela era alaranjada? — e Mr. Trevellis só olhou Oscar lhe olhando furioso.
— Era... — respondeu Hélder dobrando os joelhos, pelas pernas fracas.
Kaunadodo, Lumumba, Yerik, Emiko e Kelly correram para ajudar Hélder e a imagem de uma Abba nítida, voltando do longo sono, se fez ali.
Todos então se viraram para eles.
— Sean? — perguntaram Kelly e Oscar uníssonos.
— Não sabemos...
— Zôra? — foi a vez de Mr. Trevellis
— Também não sabemos...
Depois todos se viraram e Lenny apareceu, coberta de um pó acinzentado, encarando um e outro e outro e outro.
— Onde está Paolo? Ele tinha razão... — Lenny voltou a olhar um e outro. —, eu estava no Monte Tambora em 1815 quando ele explodiu, e todo hemisfério Norte ficou sem verão em 1816 — continuava olhar um e outro. —, e faltou alimento matando milhares na Europa porque... Por que estão me olhando? Paolo tinha razão... Não veem? Aquele monstro mecatrônico alienígena explodiu o...
— Lenny... — soou de Kelly.
— Sen-sentimos muito... — soou de Yerik.
E Lenny desmaiou.
25
Hotel Damaraland; Damaraland, Namíbia.
Suíte de número nove.
27 de outubro; 12h37min.
Lenny vomitou outra vez o piso do banheiro da suíte de número nove, em Damaraland.
Oscar a acudiu no que ela voltou a si.
— Paolo? Por quê? — chorava copiosamente.
Emiko e Yerik a ajudaram a voltar a seu quarto.
Do outro lado, na poltrona, uma Lânia também em choque, com Kelly lhe aplicando insulina.
— Dra. Lenny? — chamou Oscar e Lenny fixou-lhe os olhos. Viu-se na sua suíte com Oscar, Kelly, Mr. Trevellis, Yerik, Gyrimias, Lumumba, Oscar, Emiko e Lânia à sua volta. — Sean estava com você na explosão do Monte Tambora?
— Não... não sei...
— Ele está... — Oscar não conseguiu.
— Vivo? — Kelly conseguiu completar.
— Até onde eu sei... — olhou um e outro. — Merda! Conseguimos sair da Era dos insetos dino e veio aquele Neandertal de merda e...
— “Era dos insetos dino”? — perguntou Mr. Trevellis. — “Neandertal”?
Lenny olhou Lânia ainda debilitada e respondeu por elas.
— Caímos na era das tais vegetações gigantescas, Sean disse final do Carbonífero, com oxigênio em excesso e grandes insetos, no meio do que Sean chamou de ‘protomediterrâneo’, com fauna e flora gigantescas quando sumimos sem mais nem menos e fomos levados para aquela merda de Peste Bubônica quando...
— Peste? — Mr. Trevellis achou não ter ouvido direito.
— Mas que merda! Não vou conseguir falar se ficar me repetindo...
— Hei? — Mr. Trevellis se ergueu da poltrona num rompante com todo seu peso. — Com quem pensa que está falando?
— Com quem nos mandou para essa merda toda.
— Sua insubordinada.
— Não trabalho para você, seu merda! Estava aqui por causa do Paolo que você matou, seu merda.
— Mas que...
— Acalme-se Trevellis! — Oscar se colocou na frente dele antes que ele chegasse até a meteorologista desbocada. — Por favor, Dra. Lenny contenha suas palavras e nos explique por onde estiveram.
Lenny olhou Yerik, Lumumba, Kaunadodo, Emiko, Kelly e Gyrimias.
— Onde está Hélder, Bantuh, Bonilha, Abba e aquela merda de alienígena da Isadora?
— Doutora... — Oscar a advertiu novamente e Lenny fez uma careta. — O Dr. Bonilha não veio, ou o resto dele.
Lenny arregalou os olhos para Oscar.
— O Doutor Bonilha Moreno veio dentro da boca da Doutora Isadora Gastón — Gyrimias ainda estava atordoado pela cena.
— Que merda! — olhou um e outro. — A prenderam onde? Porque Zôra disse que Isadora não morria.
— Ela está presa Dra. Lenny. Por favor, volte a nos contar.
— Mas Zôra disse... Zôra disse...
— Acredite em mim, Dra. Lenny — sorriu Oscar com força e determinação quando outro personagem inédito entrou na suíte de número nove.
— Eu a tranquei de uma forma que ela não sairá mais! — e a voz de Mona Foad, da avantajada egípcia, ex-agente da Poliu, se fez ali.
E todos a conheciam o suficiente para saber que ela realmente estava ali, em Damaraland.
Mr. Trevellis foi o único a recuar e Lenny olhou um e outro.
— Está bem! A coisa começou a destrambelhar na Vaga de calor de Chicago, onde Narciso morreu queimado, Enrichetta sumiu, e Ebiere foi sequestrada e ferida. Então saímos de lá e chegamos ao Tornado de Joplin quando... E depois uma semana antes de Sean...
— Você disse ‘Vaga de calor de Chicago’ e ‘Tornado de Joplin’?
— Sim Sr. Roldman. Sean achava que estávamos sendo inseridos em grandes catástrofes para ensinarmos algo aos alienígenas — Lenny olhou Mona e continuou. — Entenderam toda a merda? Os alienígenas queriam aprender algo com nossos erros.
Oscar desistiu da educação dela.
— Onde estiveram? Desde o início, por favor.
— Acho que tudo começou com Kelly, Sean e Zôra no resfriamento da última ‘Era do gelo. Então sumimos daqui e todos nós fomos ao Vulcanismo de Pompéia e ao Ciclone Bhola de Barguna. Mas na Vaga de calor, no grande incêndio de Chicago, foi a primeira vez que chegamos todos juntos, para então as coisas mudarem, e começarmos a sumir e morrer. Depois veio o Tornado de Joplin onde Sean viu Enrichetta dentro do tornado, e depois o acidente radioativo na Usina quatro de Chernobyl, mas Sean nos tirou da explosão nos teletransportando para a Fábrica Júpiter.
— “Fábrica Júpiter”? — Oscar se alterou encarando Mr. Trevellis que desviou o olhar e deu de frente com o olhar de Mona Foad.
— O laboratório experimental da Poliu! — exclamou ela.
Mr. Trevellis nada falou.
— Só descobrimos essa merda toda de experimentação de trigo e soja da Poliu, depois que Bonilha nos contou. Aliás, Sean o obrigou a contar, porque ele leu seus pensamentos.
E Oscar virou-se furioso para o amigo velho.
— O que a Poliu queria lá Trevellis?
Mr. Trevellis respirou pesado:
— Tínhamos um acordo com os insetos alienígenas, visando conhecimento em troca de sua adaptação à Terra.
— Fez o que?! — explodiu Kelly como nunca. — Sean sempre teve razão quanto sua insanidade.
— Olha aqui sua...
— Chega Trevellis! — Oscar o segurou. — Chega Kelly! — e Oscar voltou a usar de intimidade; Kelly e Gyrimias se olharam. — Continue Trevellis! — Oscar pediu.
— Por que eu que tenho que continuar algo? Foi Mona quem fez acordos com eles, que fizeram acordo com a alaranjada.
E todos olharam Mona encarando Mr. Trevellis.
Mas Oscar estava furioso demais para saber quem fez o que.
— Continue Trevellis!
— Ahhh!!! — bufou. — Testaríamos um exoesqueleto deles no que sobrou da radiação de Chernobyl. Em troca, estudaríamos seu exoesqueleto, o devolvendo sempre no final de cada dia. Mas éramos vigiados constantemente, toda nossa equipe, porque parece que os insetos não acreditavam em nós — riu debochado.
— Não deviam confiar mesmo nessa merda toda — Lenny olhou Oscar. —, porque Bonilha testava álcool etanol, o tal ‘perfume’ que Sean sentia quando os alienígenas de merda se aproximavam.
E um ‘Oh!’ surgiu ali.
— Continue doutora!
Lenny encarou Mr. Trevellis que não gostou nem um pouco dela.
— É que Bonilha testava sementes de trigo e soja sob o efeito da radiação porque cada um respondia diferente, e ambos faziam álcool.
— Álcool radioativo? Por quê?
— Acho que para derrubar todo o mecanismo mecatrônico deles quando eles usassem o ‘combustível de batata’ de Hitler — Lenny gargalhou e poucos entenderam.
Mas Gyrimias se incomodou com o que ouviu e Oscar leu-lhe.
— Sean sabia Gyrimias?
— Acho que... — Gyrimias olhou primeiro para Mona e depois para Kelly o fuzilando. — Parcelado o que acho...
— Gyrimias!!! — Oscar berrou como nunca e toda energia se alterou ali.
Gyrimias soou litros, mas foi em frente.
— Senhor Sean Queise sabia sobre a fábrica próxima a Chernobyl e as experiências da Poliu lá, porque usou Spartacus para atravessar as barreiras dos espiões psíquicos — e foi tudo falado rápido e de uma vez. — Ele se conectou pela mente aos mainframes do satélite de observação, que se comunicaram aos mainframes da Poliu, e ele conseguiu se materializar lá sem acionar os tais espiões.
— Meu Deus! O que Sean estava... — e Oscar não conseguiu completar a pergunta para Mona porque ela não lhe olhou nos olhos; e Oscar sabia que jamais conseguiria ler nada nela, dela. — O que mais Gyrimias?
— Ele descobriu que a Poliu estava fazendo o tal ‘combustível de batata’, que Adolf Hitler usou para as emergências de guerra. Ele desconfiava que a Poliu estava se preparando para ‘emergências’. Quais, ele ainda não sabia, mas desconfiava que a Poliu se preparava para uma guerra que perderia.
— Meu Deus, Trevellis!
E Mr. Trevellis nem teve tempo de falar algo e Gyrimias prosseguiu:
— O Senhor Sean Queise descobriu que a Poliu havia comprado uma jazida abandonada em Kabwe, Zâmbia, e que armazenava material radioativo lá. Mas também descobriu que a jazida tinha um estranho formato interno, algo como tuneis. Só que Spartacus não conseguiu invadir as paredes da jazida, e nem ele conseguiu dessa vez se teletransportar para lá, o que o levou a pensar que a jazida abandonada fosse, na verdade, um esconderijo alienígena que a Poliu ‘cuidava’.
E um ‘Oh!’ dos fortes soou ali.
Oscar sentou-se; porque precisa realmente se sentar.
— Depois de Chernobyl Doutora... — a voz do pedido de Oscar para que Lenny prosseguisse foi fraca, carregada de emoção conflitante. Ela, porém estava de olhos arregalados para o tufo de cabelo que se soltava da cabeça. Lenny ergueu os olhos do tufo e encarou Oscar Roldman. — Sinto realmente por isso, Doutora...
E Lenny nem teve tempo de se erguer da cama, vomitando o chão. Emiko e Yerik a acudiram e Kelly entregou-lhe um copo de água.
Lenny então voltou a olhar Oscar, agora com lágrimas nos olhos.
— Depois veio a era dos gigantes... no protomediterrâneo... Mas como eu disse, saímos de lá sem saber o que aconteceu a todos nós, até chegarmos à peste e o Neandertal aparecer.
— Como esse Neandertal conseguiu estar lá?
— Acho que ele era carregado, provocando erros temporais, já que Zôra disse em Chernobyl que estávamos em dez, mas quando olhávamo-nos, nos víamos em nove viajantes — e Lenny se virou para Mr. Trevellis. — Por isso Zôra disse que Omana tinha que morrer — outro ‘Oh!’ e Mr. Trevellis não se moveu. —, porque a merda da conta do fractal de Lânia, dizia que tínhamos que estar em nove, e para fazer o Neandertal aparecer, precisávamos nos livrar de alguém, já que Isadora estava sei lá como, adormecida, diferentemente de Ebiere.
— Como a Dra. Omana morreu?
— Morreu queimada pelo ataque dos insetos alienígena ao esconderijo em Chernobyl, sem que Zôra permitisse Sean de salvá-la.
Oscar olhou tonto para Mr. Trevellis e Mr. Trevellis para Mona.
— Os insectóides atacaram vocês? Por quê? Eles haviam interferido alguma vez?
— Não... — Lenny pensou e pensou. — É verdade! Nunca haviam atacado.
— Se-seria por causa da Fá-Fábrica Júpiter, Sr. Roldman?
— Não sei o que dizer Dr. Yerik.
— Houve mortes aqui também Dra. Lenny... — falou Emiko até então calado. — Alguns logo que vocês viajaram.
— Mas foi a maldita da Isadora quem matou meu pai — falou uma Lânia fraca, com a voz rouca pela emoção.
— Sim Dra. Lânia. Sinto por isso também.
Depois Oscar viu Lenny chorando outra vez.
— Eu sei que tenho Ph.D e tal, mas nada disso vai me curar da radiação, não é? — Lenny viu Oscar só a olhar. — Merda... — e voltou a olhar Oscar. — Paolo? — e Lenny chorou outra vez.
— Ontem, antes da chegada de vocês. Houve um ajuste, acredito que o último, já que vocês voltaram.
— Por quê? Por quê? — chorava copiosamente.
— Porque Bantuh ficou! — a exclamação de Mona era dilacerante.
— Está dizendo que Zôra interferiu para Bantuh ficar e isso matou Paolo?
— Seria qualquer um de nós, Lenny — Emiko também estava emocionado. —, já que não entendemos como funciona a escolha deles, nem o porquê de trocarem Yerik por Bantuh quando vocês desapareceram.
— Todos nós nos questionamos mesmo, o porquê de Isadora, Ebiere e Bantuh estarem lá, já que a lista dos insetos alienígenas contava com a presença de Oliver, Domingos, Yerik e Ignácia.
— Então existia uma lista?
— Sim, Srta. Kelly— respondeu Emiko.
— Sean sabia?
— Não sabemos…
— Como era essa lista?
— Não sabemos ao certo — agora foi Lânia quem respondeu. —, já que foi Isadora quem disse que havia uma lista feita a dedo; e Isadora, Ebiere e Bantuh não faziam parte da lista.
— Merda! No começo ninguém sabia que Ebiere era astrofísica, e que ela tomou o lugar de Oliver — falou Lenny se descontrolando de novo.
— O fato de Isadora ter sido colocada lá pelos insetos alienígenas, foi porque ela matou meu pai Oliver, um astrônomo.
— Porque Oliver sabia que quando a nebulosa formiga se aproximasse cataclismos horríveis aconteceriam — a voz de Mr. Trevellis calou a todos.
Mas Lenny prosseguiu:
— Merda! Por isso ninguém entendeu o porquê de Isadora estar lá, ela queria estar perto de Sean — e Lenny viu Lânia afetada por ter ouvido e falado tudo aquilo. — Depois Bantuh foi colocado no lugar da sumida Ignácia, que deve ter feito uma barganha para rever a filha e acabou morta.
— Bantuh não se separa de Zôra — falou Mr. Trevellis.
— Acha que Bantuh fez algo para Ignácia ter escolhido desistir da viagem? — perguntou Lânia.
— Ou fez ou facilitou algo — falou Mr. Trevellis — Porque Bantuh não deixaria Zôra correr perigo — e Mr. Trevellis viu Oscar lhe olhando. — Não sei por que aquele homem não solta dela, está bem?
— Ele é um alienígena — falou Lânia.
— Ele é o que? — Kelly quase surta.
— Sean ficou furioso com Zôra e questionou-a sobre quantos alienígenas mais naquela viagem, mas Zôra não respondeu.
— E Bantuh era um animal do tipo felino, com pelos negros, dentes e tamanho descomunal — completou Lenny.
E Mr. Trevellis saiu do chão até dobrar os 170 quilos no ar e ir ao chão quase sem ar. Emiko e Yerik correram a ajudá-lo e Mr. Trevellis só conseguiu olhar Oscar, sabendo que ele se vingara por ter metido seu filho naquilo.
— Não me olhe... — e Mr. Trevellis tossiu pela dor, pelo ar entrando no peito dolorido. —, sabemos que Sean nunca faz o que não quer... — insinuou que Sean Queise sabia o que fazia em se meter naquilo.
— Mas nada disso explica Yerik ter sido devolvido — falou Emiko vendo a guerra paranormal.
— Explica se pensarmos que o fractal era de número treze, e éramos doze viajantes. Então o Neandertal era o décimo terceiro viajante — falou Lânia.
— Por isso o equilíbrio — o Ph.D em planetas Dr. Lumumba enfim se manifestou. — O Neandertal foi levado junto quando a fenda abriu aqui.
— Então ele estava aqui em Damaraland?
— Provável quando a Senhorita, o Senhor Sean Queise e a Doutora Zôra Trevellis voltaram na ‘Era do gelo’ — falou Gyrimias.
— Você disse que o Neandertal apareceu? — Kelly indagou Lenny sem querer ter ouvido aquilo, de Sean e Zôra sozinhos, e Sean sabendo que aquilo aconteceria; não quis mesmo acreditar naquilo.
— Sim. E o Neandertal atacou Sean. Zôra tentou defendê-lo, mas Sean ficou seriamente ferido quando tudo calcinou, feito a queda do meteoro que calcinou a Era dos dinossauros.
— Então eu, Bantuh, Zôra e Sean, fomos para o sismo de 1755, em Portugal — falou Lânia. — Sean chegou ferido, mas foi socorrido e salvo por frades do Convento do Carmo.
Oscar arregalou os olhos e foi Mr. Trevellis quem perguntou:
— Vocês tiveram contato com o passado?
— Não tivemos alternativa, Mr. Trevellis. Sean chegou morrendo.
— Você sabia não Mona? — questionou Oscar.
— Você me chamou não?
— Kelly lhe chamou.
— Porque você mandou.
Oscar olhou Kelly olhando-o.
— Desde quando mando em você, Mona?
— Desde o momento que Sean entrou no Convento do Carmo morrendo e você me teletransportou para lá.
Um ‘Oh!’ correu ali.
— Como o Senhor conseguiu colocar a Senhora Mona Foad lá?
— A pergunta devia ser, como Oscar conseguiu levar Mona e não trazer o filho... Ahhh!!! — e Mr. Trevellis voltou a dobrar, sabendo que seu corpo de meia idade e peso excessivo não ia aguentar mais uma dobra daquela.
Mas Oscar estava furioso demais para levar em conta aquilo.
— Acha o que? Não sou eu quem obriga a filha entrar num formigueiro alienígena, Trevellis.
— Não... — e o ar não voltava ao pulmão de Mr. Trevellis. — Você é aquele... — e Emiko voltou a ajudá-lo a se erguer. —, você é aquele que ama seu filho...
E foi a vez de Oscar Roldman ser brecado pela mão de Mona que não se moveu do lugar.
— Agora não é hora! — sua voz era forte e exclamativa. — Você me fez levar Sean ao convento e lá ser medicado, sabendo dos riscos dele contaminar a história e acabar por fazer parte dela, porque ama seu filho — e Mona encarou Mr. Trevellis calado. —, mas nada disso vai ajudar Sean a encontrar as respostas que vocês dois querem; Oscar... Trevellis...
Outro ‘Oh!’ realmente se fez ali e Kelly ficou furiosa com Oscar Roldman. Porque a Sra. Nelma Queise tinha razão, Mr. Trevellis queria Sean na Poliu e Oscar Roldman queria Sean no comando da Polícia Mundial, quando fosse a sua vez de se aposentar. E como Fernando Queise um dia fizera Oscar também queria Sean predestinado a continuar seu legado.
— Nunca quis... — e Oscar sentou-se. —, nunca quis colocar Sean em perigo, mas quando o vejo realmente envolvido com essa busca, não posso me eximir de minhas responsabilidades, do dom que o fiz herdar, do que Sean se tornou — e Oscar encarou Mr. Trevellis ainda com dificuldades de respirar. —, porque ao contrário do que pensa e diz Trevellis, eu sempre dei boa noite ao meu filho; todas as noites.
E um silêncio se fez.
— E o que houve depois disso, Lânia? — foi a vez de Kelly continuar o interrogatório.
— Sean conseguiu nos localizar nas videiras, trabalhando, e ele e Zôra começaram outra discussão quando o primeiro sismo derrubou o telhado do casebre onde morávamos há um mês, em cima de nós. Depois Sean nos teletransportou para o centro de Lisboa porque queria salvar os frades que o salvaram. Zôra ficou agressiva outra vez, dizendo que não podíamos interferir, mas Sean estava irredutível e uma grande onda de água salgada nos cobriu, e eu fui lançada aqui.
— Um tsunami?
— Acredito que sim. Mesmo porque Sean havia ouvido avisos sobre tsunamis quando estivemos na Era dos gigantes.
— Sean ouviu algo que não estava lá? — questionou Mona.
— Isso não deve ser nada para quem lê as coordenadas, conversando com um satélite de observação que ficou no século XXI.
Mona olhou Oscar, que olhou Kelly, que olhou Gyrimias, que olhou Mr. Trevellis sorrindo.
E Mr. Trevellis gostava dele, do filho de Oscar quando Hélder invadiu a suíte de número nove; vinha acompanhado de Abba.
E foi para Oscar Roldman quem Abba se dirigiu.
— Desculpe-me por tudo Sr. Roldman. Não pude fazer muita coisa por seu filho.
E todos olharam Oscar.
— Foi o Senhor quem mandou Abba sumir daqui quando o domo se desestabilizou? — Emiko estava em choque.
Mas foi a risada sarcástica de Mr. Trevellis quem acordou a todos.
— Parece-me que Sean tem uma genética e tanto.
— Hélder se lembra de um grande som que o deixou surdo e ele caiu aqui em Damaraland — foi Abba quem falou. — Pode ser o eco que Ebiere estudava?
— Não sei Dra. Abba. E agradeço mesmo tudo que passou, por Sean.
Abba abaixou a cabeça.
— Eu quem agradece Sr. Roldman. Apesar da sonolência que não me permitia acordar, ouvi o Sr. Queise barganhando algo com a Dra. Zôra, porque ele escolheu salvar-me.
— Sean... — e Oscar sentiu-se mal.
— Vamos não acalmar Oscar! — a voz de Mona ainda era firme. Depois se virou para Hélder. — Lembra-se de algo Dr. Hélder?
— Es-Estão achando que Hélder es-estava no Monte Tambora tam-também? — Yerik soltou a língua.
Hélder olhou um e outro.
— Só me lembro de ver aquele Neandertal atacando o Sr. Queise e a Dra. Zôra, e ele mandando retornar ao acampamento porque iríamos viajar.
— Sean disse que vocês iriam viajar? Então ele realmente conseguir abrir a fenda?
— No começo ele girava feito louco, mas nos teletransportou da cabana para Fábrica Júpiter durante o ataque alienígena. Então algo realmente acontecia de estranho lá. Algo que nossa pesquisa sobre o mecanismo de plasma da fenda, se mostrou errada.
— Mas eu sumi da era dos grandes, aparecendo horas antes do Monte Tambora explodir. Então por que dessa vez nos separamos?
— Acha que Sean e Zôra também estiveram na explosão do Monte Tambora? Antes ou depois do sismo de Portugal?
Todos se olharam.
— Algo que identifique onde esteve Dr. Hélder? — insistiu Lumumba. — Porque o Monte Tambora ou Vulcão Tambora, era um estratovulcão, também conhecido como um vulcão composto. O que sobrou dele ainda está lá, na Ilha de Sumbawa, na Indonésia, flanqueada tanto ao norte como ao sul por crosta oceânica.
— Demorou séculos para abastecer a câmara de magma, mas sua atividade vulcânica atingiu o pico entre 05 e 10 de abril de 1815, atingindo nível 7 no índice de explosividade vulcânica, realizando a maior erupção desde a erupção do Lago Taupo em 181 DC — falou Kelly mostrando que como geóloga estudara sua história.
— Por isso o som ensurdecedor... — falou Hélder atingido.
Mas Kelly se virou furiosa para Oscar.
— Era isso que a Dra. Enrichetta, Engenharia acústica estudava? O eco da explosão do Monte Tambora? — e Kelly nem imaginava estar entendendo toda a jogada. Mas o silêncio ali respondeu tudo. — A Dra. Enrichetta trabalhava com a Dra. Ignácia e Dalton, ambos os geólogos que estudavam o Monte Tambora. E Palakika, a ‘técnica’ que Isadora fez questão de contar, mas que era geomática, e estudava o terreno, usando Spartacus clandestinamente — e se virou para Mr. Trevellis — Ou não!
— Kelly... — advertiu Oscar.
— Então Sean e Zôra estão lá mesmo? — Lânia não se conformou com aquilo.
— Mas que merda! Houve um vulcanismo em Pompéia — falou Lenny. — Por que os insectóides repetiriam a catástrofe?
Mas Kelly se virou para Oscar:
— Era isso não Sr. Roldman? Toda essa baboseira de viagens para treinar Sean e Zôra a enfrentar o formigueiro, que provável vai se instalar no que sobrou do Monte Tambora depois das formigas batedeiras terem treinado viver, sob a radiação da jazida abandonada.
E um ‘Oh!’ se seguiu com olhares para Kelly que até então fazia o papel de consorte de Sean Queise.
— Nelma sempre soube não Kelly?
E Mona não gostou do que Oscar ia falar.
— Soube? — Kelly se assustou.
— Fazer escolhas...
E Mr. Trevellis só arregalou os olhos para ambos.
— E por que o Monte Tambora? Por que não outro? — Abba quis saber.
— Porque não é o Tambora atual que os insectóides desejam não o que sobrou dele, como disse Kelly — e Oscar a olhou com interesse redobrado. —, mas algo que remonta aos 12.000 habitantes da ilha, e que morreram. Porque só 26 sobreviveram. E no total, as erupções acompanhadas de terremotos mataram 90.000 pessoas — Oscar também tentava reorganizar suas ideias. — Mas 1816 foi chamado de o ‘ano sem verão’, porque a erupção do Tambora provocou escuridão do sul da China até o norte da Austrália, atingindo praticamente toda a zona tropical, provocando uma Anomalia climática, um ‘Inverno vulcânico’, que alterou o clima da Europa, matando milhares de pessoas de fome, já que toda a plantação foi destruída pela falta de Sol.
— É verdade — lembrou-se Lenny. —, merda, a temperatura média caiu entre 1 e 2,5º C abaixo da normal na Nova Inglaterra e no oeste da Europa.
— Sim — completou Gyrimias. —, e o mercado agrícola faliu em Nova York e na França, onde o trigo alcançou os mais altos preços do século XIX. Também se seguiu uma epidemia de tifo que se juntou à crise de fome, começando a expansão da Irlanda para o resto das Ilhas Britânicas, onde 1816 também viu uma péssima colheita na Índia, proliferando fome e cólera.
Mas Emiko de repente lembrou-se de algo.
— Disse ‘Sean e Zôra’ Srta. Kelly. Mas e Bantuh?
— Bantuh está com Zôra! Provisoriamente! — e a exclamação de Oscar Roldman foi forte e dirigida a Mr. Trevellis. — O que Trevellis deve saber já que sabe que Zôra é um deles.
E ninguém conseguiu se quer dizer um ‘Oh!’. Só Lânia que acordou para algo.
— Então Zôra é uma alienígena?
— Não acredito no que fez Oscar amigo velho... — e Mr. Trevellis saiu com o coração cortado.
Oscar olhou Mona e ele sabia que ela desaprovara o que ele fizera, dissera. Porque aquilo ela fez questão que ele captasse. Hélder saiu, atrás dele foram Abba, Lumumba, Emiko, Yerik e Kaunadodo até então calado. Lânia se levantou e Kelly ajudou-a, a ir para sua suíte.
Mona também saiu e Lenny fechou os olhos e adormeceu.
Gyrimias se virou para sair quando sentiu seu braço sendo seguro por uma mão. Ele se virou e viu Oscar lhe olhando. Gyrimias engoliu aquilo a seco.
— Encontre uma coordenada na soma de todas as catástrofes visitadas. Há algo faltando, ou não compreendi a jogada.
— Mas a Senhorita Kelly Garcia está bem perto da compreensão.
— Sim!
— Mas Senhor...
— Não parcele Sr. Gyrimias! Faça! — a voz forte e comandativa de Mona Foad voltou ali.
— Está bem, Senhora — e Gyrimias sentou-se à cadeira da escrivaninha e pegou um papel para anotar.
— Resfriamento, 14° 26’ S e 28° 27’ E; Vulcanismo 40° 49’ N e 14° 25’ E; Ciclone 22° 8’ N e 90° 8’ E — e Mona viu Gyrimias escorregar um olhar para Oscar. — Vaga de calor, 41º 54’ N e 87º 39’ O; Tornado, 37° 3’ N e 94° 31’ W — e Mona viu Gyrimias voltar a escorregar um olhar para Oscar. — faça Gyrimias! — e ela viu Gyrimias voltar a fazer. — Acidente radioativo, 51° 24’ N e 30° 3’ E; Meteoro 30° N e 18 O.
— Por que não há os minutos?
— Porque Sean não conseguiu usar Spartacus já que a leituras das efemérides estavam fora de onde estariam nos últimos milhões de anos — Mona viu Gyrimias só olhar Oscar e prosseguiu. — Peste bubônica, 43° 17’ N e 5° 22’ E; Sismo, 38° 42’ N e 9° 10’ W, e por fim, Inverno vulcânico, 8° 14’ S e 117° 57’ E e 45° 59’ 42” N e 7° 12’ 58” E.
— Por que dois invernos vulcânicos?
— Não são dois, Gyrimias! — falou Oscar. — 8° 14’ S e 117° 57’ E fica na Ilha de Sumbawa e 45° 59’ 42” N e 7° 12’ 58” E, Cantão de Valais, Suíça, onde a fome mais afetou.
— Um ano chamado de ‘Ano sem verão’ — e Gyrimias nada mais falou.
26
Hotel Damaraland; Damaraland, Namíbia.
Suíte de número onze.
28 de outubro; 04h55min.
Mona Foad Almeida foi arrancada da cama e lançada no meio do que parecia ser uma gaiola estranhamente circular. O cheiro fétido anunciava que urina e excrementos se misturavam aos seus pés. Ela abriu os olhos e foi a vez de sons metálicos soarem desesperadamente, como se uma música eles fossem. Mona conseguiu levantar-se e ver que girafas, de todas as espécies a rodeavam. Estavam ariscas, tensas, perigosamente furiosas. Mona Foad tentou realmente entender onde estava e olhou para cima, o teto da gaiola brilhava, parecendo ser feito de uma espécie de metal que se ondulava conforme seus olhos se fixavam nele.
— Nave-mãe... — soou dela.
Um grande portão foi erguido. A gaiola ficou pequena pela agitação de girafas, que eram aos poucos carregadas para fora dela por enormes formigas.
Mona prendeu a respiração temendo ser levada junto e uma formiga se aproximou dela. Seu tamanho se aproximava de 2 metros e todo seu corpo brilhava pela queratina, que aos poucos se fechava por lâminas extremamente finas e negras, montando-se um exoesqueleto, fazendo o corpo da enorme formiga se fechar ali dentro.
Ela então esticou um longo braço, apontando para fora da gaiola e Mona engoliu a seco a ordem. Mona saiu e foi jogada com força na areia fétida, úmida de sangue, com muitas girafas já mortas, ao redor. Ao redor também uma tribuna, onde nobres insectóides se deliciavam pela morte das girafas capturadas.
Mona olhou em volta com mais atento, estava numa arena onde formigas inteligentes caçavam girafas, apreciavam a morte. Um raio negro atingiu a areia próxima, e Mona sentiu o calor emanar do piso. Girafas se agitaram para cima dela e ela caiu sendo pisoteada uma vez e outra mais, e outra mais até ser arrastada.
Manoel Almeida se virou na cama, abriu um olho com o outro ainda adormecido e viu o travesseiro de Mona vazio. O outro olho se abriu e ele correu um olhar pelo quarto, até se ver sozinho na cama do casal. Ele voltou a olhar o travesseiro vazio, e a fronha e o lençol se umedeceu.
Manoel levantou de supetão e viu a cama molhada, tomada de sangue.
— Mona?! — gritou Manoel. — Jesus Cristo... Mona?! — tentava entender aquele sangue, sabendo, porém que ela estava e não estava lá. — Mona? — olhou um lado do quarto. — Mona? — e olhou para o outro lado do quarto. — Sean? — Manoel chamou-o, mas nada, nem ninguém apareceram; só a cama lotando de sangue. — Mona?! Mona?! — e Manoel se desesperou acendendo as luzes e vendo uma Mona feita de rabiscos se moldando ali. E o medo nunca lhe foi tão profundo como naquele momento. — Sean?! Sean?! — mas nem Sean respondia. Manoel correu ao telefone, mas sabia que não era assim que as coisas funcionavam para eles, para o tipo de Mona, uma mulher que ele aceitara como era, com tudo que achava esquisito e fora do comum. E como amigo de longa data de Fernando Queise e trabalhando na Computer Co. há tantos anos, sabia que não podia fazer o que ia fazer, mas a visão de uma Mona projetada fora da cama, sangrando, não lhe dava alternativa. — Oscar?! — gritou Manoel. — Faça alguma coisa!!!
E Oscar acordou.
E arregalou os olhos vendo o teto do hotel Damaraland tomado por um material que parecia metal. Em volta areia e sangue e o cheiro de girafas.
Oscar só teve tempo de olhar para o chão e os sapatos se colocaram nos seus pés. A porta foi a próxima a ser aberta e Oscar invadiu a madrugada fria da Namíbia, correndo, levantando a areia vermelha e Kelly apareceu no trajeto dele, também Gyrimias, Mr. Trevellis e Emiko, o paleontólogo.
— Senhor... — Gyrimias se apavorou.
— Agora não Gyrimias! — e os cinco estavam dentro do carro Land Rover da expedição. Ninguém nada falou e Oscar se virou para Emiko. — Nos leve às girafas!
Emiko colocou a marcha no ‘Drive’ e o carro levantou poeira.
— Oscar... — ainda tentou Mr. Trevellis que se calou logo após.
O carro alcançou as tendas do sítio arqueológico e Oscar quase salta antes do carro ser freado. Correu até a tenda do fundo e um banho de sangue se fazia ali, com as girafas que vieram logo após a viagem de Dalton, mortas.
— Mas o que...
— Mona está lá! — Oscar apontou para o chão ensanguentado. — Precisamos ajudá-la Trevellis!
E Mr. Trevellis arregalou os olhos.
— O que quer que eu faça?
— Onde está o exoesqueleto?
— Eu não sei...
— Sabe Trevellis!!!
— Então se você sabe que eu sei, por que não o encontra?
— Emiko? — chamou Oscar desesperado por ajuda.
Emiko se agachou tocando os corpos dilacerados das girafas e o encarou.
— A Dra. Zôra conseguiu devolver.
Oscar encarou Mr. Trevellis e Mr. Trevellis voltou a arregalar os olhos.
— Eu não sabia! — exclamou Mr. Trevellis sendo pela primeira vez, verdadeiro.
— Mas Zôra usou uma luva na Era do gelo? — Kelly só olhava o redor tomado por sangue e pedaços de girafas espalhados.
Oscar olhou novamente Emiko, um espião psíquico preparado para bloqueá-lo.
— A luva é dela... — Emiko olhou um e outro. —, faz parte dela...
Oscar deu dois passos para cima de Mr. Trevellis que recuou e viu Oscar sumir dali.
— Oscar? Oscar? — Mr. Trevellis girava em redor dele. — Oscar?! — berrou.
— Parcelado... — Gyrimias olhou Kelly e correu para fora da tenda, e entrou na tenda maior, onde muitos computadores e mainframes da Computer Co. ainda funcionavam.
— O que é isso aqui Gyrimias? — ela o alcançou entrando na tenda.
— Devia perguntar para seu protetor... — soou de um Gyrimias no mínimo sincero e atrevido.
Kelly não acreditou no que ouviu, vendo Mr. Trevellis lhe olhar.
— Consegue acessar Oscar e Mona, Gyrimias? — questionou Mr. Trevellis.
Mas Gyrimias digitava como um louco fazendo Spartacus girar no espaço.
— Não vai fazer o que eu acha que vai fazer, não é Gyrimias? — e Kelly ficou mais brava ainda. — Porque eu disse que Sean precisa que o formigueiro venha.
— Não sei o que o Senhor Sean Queise precisa Senhorita Kelly Garcia, mas deixá-los virem à Terra, para depois a Poliu ‘se virar’, não vai salvar o Senhor Oscar Roldman, nem a Senhora Mona Foad.
E Kelly escorregou outro olhar raso para Mr. Trevellis, que se interessou mais por Kelly Garcia, e o verdadeiro motivo da escolha de Nelma Queise.
— Por favor, Gyrimias. Sean precisa que o formigueiro venha.
— O Senhor Sean Queise como todos os outros na Terra só serão salvos, se o formigueiro for interrompido Senhorita Kelly Garcia — e se virou para ela e Mr. Trevellis que virão os mainframes trabalhando em toda sua memória.
— Hei?! — gritou Emiko na tenda das girafas mortas e Mr. Trevellis Kelly e Gyrimias correram para lá. — Vejam!
E a imagem de rabiscos de Oscar Roldman com Mona carregada em seus braços, se fez ali.
Mr. Trevellis correu e ajudou Oscar a segurar o corpo quase morto de Mona quando os dois se materializaram. Ambos só trocaram olhares sabendo que Oscar conseguiu algo mais que Gyrimias atrapalhando a entrada do formigueiro no espaço terrestre.
27
45° 59’ 42” N e 7° 12’ 58” E.
Sean acordou molhado de água salgada, com seu ombro voltando a sangrar. Tentou se erguer, mas a dor era tamanha. O corpo tombou ainda umedecido pelas águas do tsunami de Portugal, sabendo que havia mudado de lugar, já que estava no meio de um vale congelado.
Ele olhou para cima, as nuvens estavam carregadas, o dia estava enegrecido anunciando uma tempestade, e havia muita neve em volta. E ele até se perguntou se havia voltado à Era do gelo quando leu as efemérides.
“45° 59’ 42” N e 7° 23’ 18” E”, Sean estava em algum lugar próximo ao Cantão de Valais, Suíça.
— Spartacus morfou! — foi a única certeza que teve. E o satélite de observação Spartacus morfado, significava que o formigueiro fora interrompido de entrar na atmosfera terrestre. — Droga! — e o quanto ele foi interrompido podia significar a destruição do formigueiro todo ou uma legião de insectóides irados, enfurecidos, e vingativos, prontos para destruir o planeta Terra.
Procurou o GPS, mas ele não estava com ele, nas roupas doadas pelo Convento do Carmo; uma calça de amarrar na cintura, uma camisa de linho branco, agora suja de terra e sangue. Ele não viu alternativas se não procurar abrigo, o céu estava fechado, ele tinha frio e fome, e percebeu que ninguém veio com ele.
Sean andou muito, e tudo aquilo o cansava num ar carregado de sulfetos. Sons ficavam próximos, e ele percebeu que havia ali um vilarejo; casas de madeira, pedras largas no chão tomado pela neve, e ruelas estreitas entre as casas e um som metálico, fraco, se fez ali.
Sean correu e o GPS estava jogado atrás de uma lata de lixo. Temeu que a água do tsunami que os engoliu, tivesse estragado o GPS, mas depois de tudo pelo qual já passara, arriscou que ele funcionasse, e as coordenadas giravam como loucas. 45.746944° e 7.439167°, 45.746947° e 7.439169°, 45.746939° e 7.439158° e 45.746940° e 7.439170° até estacionar em 46° 6’ 0” N e 7° 13’ 0” E.
Sean ficou tentando fazer contas. Estava na Suíça, isso era certo; calculou estar em alguma região do Cantão de Valais, próximo ao Vale de Bagnes, onde já estivera no futuro, esquiando.
Olhou em volta, se olhou, e sua camisa tomou-se por mais um fio de sangue. Precisava descobrir que ano estava, quem veio com ele e pelo que teriam que passar agora, quando sentiu que Hélder, Abba, Lânia, Isadora e Lenny haviam feito a passagem. Respirou aliviado com aquilo, mesmo olhando o entorno e nada entendendo. E como não sentia que Zôra e Bantuh havia conseguido voltar a Damaraland, resolveu ficar naquele vilarejo mesmo, e tentar conseguir roupas adequadas à época e alimento. Mas foi só a noite cair e algumas casas começarem a fechar suas janelas, que Sean sentiu que era seguido. Ele paralisou sem saber o que fazer e preferiu andar a passos largos, entrando e saindo das ruelas que começavam a ficar cada vez mais vazias.
À frente, uma igreja de pedra no centro da praça e ele deu de encontro com dois lindos pares de olhos azuis.
— Bonsoir! — uma das jovens deu ‘Boa noite!’
Sean demorou a ouvir o som, que chegava muito depois da boca pronunciá-las. Ele então olhou em volta e outra vez não soube como agir, para onde fugir.
— Bonsoir... — respondeu ele.
As garotas vestiam-se com esmero; roupas brancas e de renda, saias rodada, cabelos loiros quase brancos, maquiagem pesada nos rostos.
Século XIX, Sean calculou.
Com nada mais que dezesseis ou dezoito anos, as garotas, gêmeas com certeza, o olhavam interessadas. E o sangue da roupa dele foi o que mais lhe chamavam atenção.
Uma delas tentou tocá-lo e Sean recuou.
— Vous êtes blessé? — apontou uma delas.
— Est-ce que le sang? — apontou a outra.
“Você está ferido?” “Isso é sangue?”, Sean traduziu.
— Oui! — respondeu que sim.
— Quel âge avez-vous réellement?
Sean não sabia se devia responder sua idade, nome ou qualquer coisa que o ligasse ao futuro, mas estava congelando.
— J’ai 23 nas... Faim... Froid...
As meninas sorriram-lhe gentil no que ‘fome e frio’ foi dito. Elas o chamaram com movimentos de mão e Sean saiu do lugar não sabendo se devia sair, conversar ou segui-las, mas as jovens voltaram a sorrirem e olhá-lo com um olhar sapeca, apontando para frente.
Sean engoliu a seco sem saber se a mãe ou o pai das meninas seriam tão gentis assim.
— La maman de vous? — ele ainda perguntou sobre a mãe delas ao segui-las.
Mas elas sorriram tímidas e sapecas uma para a outra e as bochechas avermelharam-se, pintando os rostos brancos. E Sean achou mesmo que elas estavam aprontando algo com ele, com o estranho com cara de estrangeiro.
Mas Sean tinha fome, frio.
O caminho era uma íngreme subida, por detrás de construções do vilarejo, para uma casa de madeira, de tamanho grande e aparentemente confortável. As meninas olharam-no mais uma vez para terem certeza que o jovem e belo, de cabelo comprido e desalinhado, barbudo e mal trapilho, ainda as seguia.
Sean ficou a pensar se não teria sido melhor ter procurado Zôra e Bantuh, mas a casa em que as meninas o fizeram entrar era quente, com bons e confortáveis móveis de veludo verde. Havia uma grande sala contigua e uma grande mesa de madeira maciça com um bolo e uma moringa de água em cima.
— L’eau à boire? — Sean apontou para a água de beber em cima da mesa.
Uma das meninas o serviu e Sean deliciou-se com o líquido pedindo mais. A outra menina apontou o bolo e Sean aceitou com um movimento positivo. A menina deu-lhe um pedaço, e tanto a água como o bolo tinham um gosto bom.
Apavorou-se por estar interagindo com o passado.
Uma das meninas mostrou uma escada de madeira com um tapete de tecido trançado e colorido nos degraus e indicou que ele subisse. Sean subiu atrás de uma delas enquanto a outra gêmea subia atrás dele o observando.
Havia pelo menos cinco portas no andar de cima e ele continuou a seguir a garota à frente dele, até uma das portas mostrarem-se ser um quarto espaçoso, de toras de madeira no chão, parede e teto, e cama de pitões de carvalho e poltronas enormes. La também uma grande escrivaninha com uma cadeira sem assento, e noutro canto uma larga camiseira de onde a menina tirava uma muda de roupa.
— Chaussures, chemise, chaussettes, manteau...
— Camisa, calça, meias, casaco... — e Sean pediu para ela parar, ele sabia que não podia estar se envolvendo tanto, porque diferentemente do convento, ele acordou vestido e tratado.
Sean voltou a ver as duas garotas lhe olhando e agradeceu não precisar dar explicações, mas se sentiu incomodado por elas ficarem o olhando tirar a camisa suja e ensanguentada, quando seu torso musculoso, malhado, surgiu.
— Voulez-vous prendre une douche? — e uma delas tomou a dianteira perguntando e oferecendo um banho.
Sean pesou todas as consequências e as duas garotas se viraram e saíram atrás de água quente. Ele entrou no quarto anexo, e lá um banheiro de decoração rústica como toda a casa, e uma banheira de porcelana e pés de ferro. Ele voltou a tirar a camisa e uma das meninas voltou com uma chaleira enchendo a banheira. Ela se virou para ele e viu as cicatrizes dos muitos ataques de lança. Os dois trocaram olhares e Sean não soube bem o que falar, preferindo não fazê-lo, quando a segunda garota chegou com a água, despejando-a também.
Elas lhe sorriram tímidas, admirando a beleza dele e saíram. Sean estava cansado demais para pensar nas consequências de seus atos, com frio, e entrou nu na água quente sentindo todas suas forças se reunirem.
As toras das paredes se umedeceram pela umidade, pelo vapor e pelo olhar das meninas escondidas, o vigiando por um buraco. Sean afundou sabendo que não devia ter entrado na casa delas, quando o som de passos pesados na grande escadaria de tecidos trançados nos degraus reverberou até ali, e uma grande mulher de pele tão branca quanto a neve que voltava a cair, adentrou o banheiro. Sean impactou por vê-la ali parada, com uma toalha na mão e uma lamina. A grande mulher branca então colocou tudo na cadeira e saiu. Ele se levantou sabendo que as duas garotas o observavam e alcançou a toalha, amarrando-a na cintura e pegou a lamina fazendo a barba, e as roupas as vestindo, e voltando o GPS no bolso do casaco. Depois desceu e encontrou a mesa da sala de jantar colocada para quatro pessoas, e a grande mulher branca estava em pé, esperando ele se servir. Sean viu que havia mais um lugar à mesa e todo seu corpo se alertou.
Havia um erro ali, um que não previu.
Ele sentou-se e se serviu de cenouras, batatas e cebolas em conservas quando a grande mulher branca lhe serviu Raclette, raspando o queijo aquecido sobre o prato. Sean viu uma refeição nutritiva, particularmente consumida pelos camponeses na área montanhosa fria, como há muito não sentia, comia. As duas garotas se serviram logo depois, e então a grande mulher branca serviu-lhe vinho branco e picles com presunto cru.
Sean estava sendo convidado a algo, a um jantar, a um erro, e seus olhos se fecharam. Ele se alertou e os abriu rapidamente vendo as duas garotas lhe olhando, a grande mulher branca lhe olhando e seus voltaram a se fechar. Sean os abriu e só fechou, os abriu e sentiu que adormecia que adormecera.
46° 6’ 0” N e 7° 13’ 0” E.
Quando Sean abriu os olhos o dia havia se firmado e o perfume de octanol invadia todo o quarto, toda a cama onde ele se deitava nu, ladeado pelas garotas gêmeas, também nuas. Ele deu um salto da cama de olhos arregalados, se vendo sem roupa, sem saber ao certo o que fizera, se fizera, sabendo, porém que nada daquilo era bom.
Um apito se fez do lado de fora da casa e Sean tentou se teletransportar, mas nada funcionou. Ele tentou girar, abrir os braços, mas outra vez nada aconteceu, porque nem aquilo ele previra.
Vestiu-se como soube e pegou o GPS que não firmava nenhuma coordenada. Olhou em volta e não viu alternativa a não ser a janela do quarto, no segundo andar da casa, e o telhado que alcançou vendo a casa ser invadida por policiais, moradores do vilarejo e as garotas abrirem os olhos e gritarem. A grande mulher branca tentava a todo custo não permitir que os policiais e o povo comum entrassem no quarto, e as duas garotas se esconderam com os lençóis, mostrando que não havia ninguém mais ali além delas duas enquanto Sean pulava do telhado na neve, correndo em seguida, alcançando o centro do vilarejo, onde corria nervoso, suado, para longe do burburinho quando a Geleira de Giétro se mostrou estranhamente congelada. Porque havia gelo pelas paredes das casas, no piso e carroças.
Sean voltou e se aproximou de uma casa de comércio, que abria suas portas de madeira para então ler a data num papel pardo na parede do estabelecimento; junho.
“Junho?”, Sean olhou para cima, e viu o céu e a geleira, e o frio e a geleira, e o frio e o comerciante colocando seus poucos produtos à venda, com o burburinho de moradores, reclamando da escassez da comida e dos preços abusivos.
Aquilo realmente o alertou, porque escassez de alimentos era a maior tragédia que o ser humano podia passar, e se os insectóides ainda rondavam as grandes catástrofes, ele precisava achar Zôra e Bantuh e saírem dali o mais rápido possível, porque o fato de estarem pela primeira vez num lugar que se assemelhava a Era do gelo, já que aquele frio acontecia numa época de verão, com o Sol brilhando, faziam todos seus alertas de perigo e erros iminentes se ativarem; porque tudo aquilo ia muito além de duas garotas gêmeas atrevidas.
Sean se virou para ir embora e um musculoso jovem ruivo o encarava.
— A Condessa Ferguette vai lhe matar por isso!
“Condessa?” e Sean ficou sem resposta.
Uma pancada na cabeça o fez enterrar na neve.
28
46° 6’ 0” N e 7° 13’ 0” E.
Sean abriu os olhos, sentindo a boca dolorida do contato com a neve fria. Ergueu-se de supetão percebendo que ainda vestia as roupas dadas pelas garotas gêmeas, de olhos azuis. Olhou em volta e estava numa cela que cheirava água parada, urina; um calabouço de paredes de pedras maciças, grades de ferro envelhecido, que tocou quando os sons de saltos o alertaram; alguém se aproximava.
Olhou em volta novamente e a cela não tinha janelas se não pelo pequeno buraco na parede há uns quatro metros de altura; nada em volta para subir, o ar mal conseguindo descer, e uma mulher alta usando um vestido branco de puro algodão, rodado e cheio de babados, e com o rosto escondido no capuz da capa de veludo azul marinho bordada, parada à frente da sua cela.
Ela tirou as luvas de veludo azul marinho, mostrando uma cor de pele amorenada e deu a ordem ao guarda que a acompanhava, que abrisse a grade da cela e Sean recuou no que a mulher alta e perfumada, de um perfume diferente do octanol, adentrou sua cela, com a grade sendo fechada a chave e o guarda se afastando deles.
— Parece que seu zíper não consegue ficar fechado não Sr. Queise?
E Sean nunca teve tanto medo do que ouviu, viu. Lá, parada, Zôra Trevellis, que tirou a capa de veludo azul marinho bordado.
— Zôra... — ele impactou. — Está brincando comigo, não?
— “Brincando”? — Zôra mudou totalmente seu semblante. — Não fui eu quem nos abandonou Sr. Queise.
— Fiz o que? — se exaltou olhando para os lados, para a cela fedida e abafada. — Você enlouqueceu ou o que?!
— Recomendo que não grite Sr. Queise. Não vai gostar de saber que a plebe não interage com a monarquia.
— Com a... O que?! Você só pode estar louca! — riu extremamente nervoso. — Não escutou o tiro? O tiro que abre a fenda? Claro que não! Porque foi o Monte Tambora que explodiu! — Sean viu Zôra escorregando os olhos para o lado. — Sabe onde estamos?
— Unus pro omnibus, omnes pro uno.
— “Um por todos, todos por um” — traduziu Sean. — Parabéns filha de Trevellis. Porque cheguei ontem em 45° 59’ 42” N e 7° 12’ 58” E, Geleira de Griér, e hoje estamos em 45° 59’ 42” N e 7° 12’ 58” E, Vale de Bagnes, Cantão de Valais, Suíça, provável em 1816.
— 1816? — riu debochada.
— Isso! 1816! E sabe por que estamos aqui? Sabe?! — berrou Sean não ouvindo respostas. — Porque os insectóides treinavam algo na Era do Gelo, porque 1816 foi o ‘Ano sem verão’, ‘Ano da pobreza’, O verão que nunca foi’, graças ao Inverno Vulcânico provocado pela erupção do Monte Tambora, provocando um resfriamento que os cientistas chamaram posteriormente de ‘Pequena Era do Gelo’ — e se afastou nervoso depois de explodir cada palavra daquela.
— Ótimo! Descobrimos enfim!
— “Descobrimos enfim”? Fácil assim? Só uma descoberta? — gargalhou mais descontrolado ainda. — Isso foi um desastre agrícola, Srta. Trevellis, no que o historiador John D. Post chamou de ‘a última grande crise de subsistência no mundo ocidental’! — e ele não esperou Zôra retrucar nada. — E ‘não’, Srta. Trevellis, os insectóides não são bonzinhos Srta. Trevellis, mas alguém é.
Ela o encarou.
— Como assim alguém...
— Acha mesmo que os insectóides se dariam ao trabalho de nos mostrar um monte de desastres naturais, para que um bando de Ph.D e um nerd, mostrasse como escapar deles se nem nós conseguimos escapar de nada?! — gritava furioso. — Não!!! Mas há alguém nos mostrando o que vai acontecer à Terra, Srta. Trevellis; terremotos, tsunamis, terremotos e dúzias de incêndios se alastrando por todo o planeta, calcinando tudo, toda nossa colheita, moradia e energia, no ataque do formigueiro que Gyrimias impediu de entrar na Terra.
— Gyrimias... Gyrimias... Ele não podia fazer isso.
— Não! Ele não podia! Porque pedi a Kelly que ele não fizesse! Mas ele fez mesmo assim, para salvar Mona e Oscar — e Sean caiu sentado.
— Sean...
— Não me chame pelo nome! Não somos íntimos! — falou cada vez mais furioso e dois guardas apareceram para ver a gritaria.
— Achei que havia dito que não ia gostar de brincar com a monarquia.
— É! Você disse Condensa! — e Sean passou a mão pela cabeça que ainda doía.
E Zôra gargalhou.
— Não tive alternativa depois que você aceitou a atenção das garotas.
— Eu não aceitei nada! Estava com frio, fome e cansado.
— Não sei como. Deve ter tido tempo de descansar nos braços de Kelly.
— Nos braços de quem? Eu não voltei ao Damaraland Srta. Trevellis. Não tive esse direito.
— Hélder e os outros conseguiram.
— E como você sabe, hein? Hein?!
— Não grite! Vão lhe levar para castigos imensuráveis se você se exceder dessa maneira.
— E de que maneira acha que devo me exceder Condensa?
Zôra o olhou de cima e abaixo e Sean ficou mais furioso ainda.
Depois ela olhou em volta e subiu o vestido para não arrastá-lo da cela suja e se sentou na calma dura e cheia de trapos.
— Hélder, Abba, Lânia, Lenny e Isadora conseguiram voltar.
— Bonilha?
— Dentro da boca dela.
— Wow... — e Sean se inclinou com vontade de vomitar. — Por que só nós dois ficamos?
— Bantuh também ficou. E por isso alguém morreu em Damaraland.
Sean agora teve medo de prosseguir com aquilo.
— Kelly...
— Ela está viva!
— Como... como sabe?
— Sei!
E Sean voltou a virar os olhos.
— Onde está Bantuh?
— Não sei. Nesses últimos meses não o vi e nem soube dele.
— “Últimos meses”? Deus... Eu só levei minutos para afundar quando o tsunami nos atingiu e cheguei aqui.
— Tsunami em que vocês nos meteu! — Zôra ergueu-se furiosa.
— Como é que é? Acha que eu...
— Acho Sr. Queise? Fomos parar na praia, porque você nos teletransportou para lá.
— Eu não levei ninguém. Muito menos ‘nós’. Só queria chegar ao convento e...
— E avisá-los! E sabendo que não podia!
E ele se aproximou dela.
— Tire-me daqui! Vão me enforcar ou coisa pior, mesmo todos sabendo que não toquei naquelas garotas.
— “Mesmo sabendo?”
— Sim Srta. Trevellis. Minhas calças não tinham zíper!
E Zôra não respondeu àquilo.
— Por que acha que os insetos alienígenas nos querem exatamente aqui Sr. Queise?
— Não acho nada. Mas estudei história o suficiente para saber que a explosão do Monte Tambora desencadeou um Inverno Vulcânico, que não permitiu que o verão acontecesse em boa parte do mundo. E não só a fome destruiu e matou Srta., Trevellis, também epidemias de cólera e tifo. Os efeitos foram generalizados e duraram muito além do inverno. No leste da Suíça, o verão de 1816 e 1817 foi tão frio que uma barragem de gelo se formou de Giétro até aqui em Bagnes. E apesar dos esforços do engenheiro Ignaz Venetz de drenar o crescente lago, a barragem de gelo desmoronou catastroficamente em Junho de 1818.
— Onde você apareceu?
— No meio da catástrofe eminente, na geleira, e já que os eventos acontecem em segundos, a avalanche vai matar 44 pessoas.
— 44? — Zôra pensou em lago.
— São 44 pessoas Zôra, não um número. Mas que droga! Você, Lânia, e Narciso e os malditos números, tudo por causa dos números, dos fractais, dos crop circles e avisos de alienígenas alaranjados.
— Sabe que isso vai além de um ‘contato!’, não sabe?
— Não sei nada. Não sou o Ph.D aqui que sabe tudo.
Zôra esperou ele se acalmar. Depois viu que aquilo seria impossível.
— Tome! — ela esticou-lhe um pacote embrulhado em puro veludo. — Seu GPS!
Ele o pegou e outra vez estranhou a oscilação.
— Droga!
— O que há com ele?
— Não sei. Desde ontem que o GPS, não se estabiliza. E advinha Srta. Trevellis? Na manhã do dia 16 de junho, barulhos terríveis e violentos de detonações foram ouvidos, como o tiro que sempre ouvimos. E advinha? O alerta foi dado, mas às 16h30min a barragem rompeu e 18 milhões de m³ de água invadiu o Vilarejo de Bagnes. E adivinha? Em 46° 6’ 0” N e 7° 13’ 0” E.
Zôra olhou para os lados temendo ir adiante com tudo aquilo.
— Têm acontecido coisas mais estranhas aqui que sons de tiros... — ela o viu levantar os olhos do GPS e encará-la. — Monstros negros que cavalgam na noite de Lua cheia.
— “Monstros”? — Sean voltou a olhar o GPS descontrolado. — Nós somos os monstros, Srta. Trevellis. E vamos mesmo nos tornar o monstro assassino que vai destruir o Planeta Terra se não conseguirmos destruir os insectóides que sobraram, antes que esses números aqui descritos se estacionem — mostrou-lhe o GPS.
— E se eles ‘estacionarem’?
— Tudo o que passamos até agora vai se compilar.
Ela olhou para a cama de pedra e os cobertores que mais pareciam farrapos.
— Espere a noite chegar e um dos meus serviçais virá abrir-lhe a cela.
— Um dos? Está levando mesmo a sério o papel de Condessa, pelo visto.
E Zôra segurou-o pelo braço com força.
— Cheguei aqui sete meses atrás, com fome, frio e meu corpo ainda debilitado pela briga com aquele maldito Neandertal. Depois, um mês naquelas videiras, no Sol, havia consumido meu corpo — e ela viu Sean nada cogitar. — E o Conde Ferguette foi o único quem me estendeu uma mão, uma mão a uma mulher de pele escura, fora dos padrões europeus, e que estava a ponto de ser vendida como escrava sexual — e ela viu Sean outra vez nada cogitar.
— Você devia...
— Eu devia nada! E não me venha com histórias sobre como levo a sério o que, se isso significar minha segurança... — e Zôra viu Sean nada cogitar, porque talvez ele soubesse mais do que cogitar. — Você sabe não? Sempre soube!
— Não sei o que sei Srta. Trevellis, ou se quero realmente saber o que você realmente é, ou saber que aquela luva que incorpora sua mão, seja mais alienígena que você realmente é, mas sei que estamos numa enrascada maior do que já estivemos — e se aproximou dela que ainda o segurava pelo braço, sentindo que todo corpo dela se aquecia. — E isso, porque ambos sabemos que sobrar apenas nós dois sempre foi o intuito dos insectóides.
— Um intuito que me parece não sabe qual ser...
— Não me subestime... Posso surpreendê-la quando menos esperar...
E os olhos verdes de Zôra brilharam.
— À noite! Depois do jantar! Ou seja, lá o que lhe dão para comer — sorriu cínica. — E corra o mais rápido que puder sumindo da região. Porque quando o Conde Ferguette souber que suas filhas gêmeas estiveram nuas na cama com um homem...
— Eu não fiz nada! — Sean se alterou.
Ela sorriu mais cínica ainda, e bateu o anel nas grades de ferro chamando o guarda. Voltou a colocar as luvas e levantar o capuz de veludo bordado na cabeça, e se virou para ele, voltando a se aproximar tanto que o perfume dela o invadiu.
— Cuidado Sr. Queise! Porque como percebeu, aqui seus dons não funcionam — e se foi.
Sean só arregalou os olhos.
46° 6’ 0” N e 7° 13’ 0” E.
A noite chegou e lá estava o serviçal como Zôra havia lhe prometido, abrindo as grades de ferro da sua cela imunda. Era um homem grande, rude, e suas mãos estavam envoltas em finas tiras de couro exalando cheiro era forte e inebriante de álcool e seus derivados.
“Octanol!” Sean temeu o que sentiu.
— A Condessa Ferguette mandou lhe entregar — o serviçal entregou-lhe um saco de veludo colorido e perfumado.
Sean sentiu o peso das moedas de ouro.
— Para que vou precisar?
— Siga-me! — foi só o que respondeu, subindo por uma escadaria apertada e suja, que escorria dejetos de todos os tipos pela parede.
E à frente deles, degraus e mais degraus iluminados pela tocha que o serviçal carregava.
— Onde estamos indo?
— Próximo do norte.
— Os monstros moram naquela redondeza?
Mas não houve nenhuma resposta dessa vez.
“Monstros”, Sean que sim.
A luz da noite fechada até foi uma benção, Sean protegeu-se com a capa de veludo azul marinha bordada dada e se embrenharam numa floresta escura, com sons de cães e o piar de corujas ouvindo-se ao longe, quando um par de pés marcava a neve ao lado dele.
Sean escorregou um olhar, mas não havia ninguém, só marcas de pegadas, de perfume alienígena.
Uma cabana de pedra, acesa, com o telhado lotado de neve ficava na curva que fizeram. Havia cinco ou seis cachorros amarrados na porta, e o serviçal os afastou para ele entrar.
Sean o olhou assustado.
— Achei que ia sair de Bagnes, que as moedas de ouro fossem para isso? — mas Sean viu o serviçal se virar, andar alguns metros e enterrar a tocha acesa num tronco de árvore recém-cortada, indo embora. Os cães rosnaram para ele, e Sean engoliu a seco; havia sido abandonado. Tirou o GPS do bolso e olhou para noite estrelada. Porém Spartacus não girou, nada recebeu, porque seus dons não funcionavam ali. — Mas que droga! — explodiu.
Sean entrou na cabana de pedra. Não era muito espaçosa, mas era um bocado convidativa, com um redondo tapete de pele no chão, uma cama de lençóis macios, lotada de almofadas de veludo e seda da melhor qualidade. Uma grande lareira de pedra queimava madeira aquecendo o ambiente, e ele tirou a capa e ficou a observar melhor o entorno.
Lá, uma mesa baixa coberta de frutas, vinhos e queijos. Havia pães de todos os tipos, Peixes defumados e um leitão assado não muito tempo atrás. Lá também toalhas, roupas, uma folha que mais parecia um espelho emoldurando a parede, e uma banheira de mármore travertino já cheia de água quente.
Sean teve medo daquilo, da cabana, da comida, da água quente, e do fato de saber que era observado pela mesma coisa que caminhava na floresta com ele, invisível. Contudo tirar o odor daquela cela foi mais convidativo que sua própria segurança. Porque fosse o que fosse aquela coisa invisível, se ela quisesse tê-lo atacado, já teria feito. Tirou a roupa e mergulhou na água limpa, cheirosa a ficar submerso. O calor o aliviava, o contato o acalmava, o perfume o deliciava, quando sons de um animal em galope se aproximando o alertaram. Sean ergueu-se, se enrolou numa toalha e correu até a janela vendo que não havia nenhum animal lá fora.
— Eu não tive alternativa... — falaram atrás dele.
Sean se virou de supetão e a voz de Zôra se fez, mas ela continuava invisível.
— E qual era a alternativa Srta. Trevellis?
— Matá-lo! — e a imagem dela se tomou de rabiscos até ela se materializar ali.
Sean nada moveu.
— Mas você não o fez.
— Não... — ela andou passos curtos até ele e soltou os cabelos, fazendo os cabelos negros e lisos escorreram pelo pescoço de pele jambo, brilhante, perfumada. — Meu pai não deixou.
Sean agora arregalou os olhos.
— Trevellis... — e não terminou. — E por quê? Pela amizade ao meu pai? Pela Computer Co. já ter investido tanto? — entristeceu.
— Nada sei sobre seus problemas familiares Sr. Queise, mas os insetos alienígenas sabiam que você chegaria até aqui vivo — e Zôra viu Sean a olhar com interesse. —, com todas as respostas para impedi-los.
Sean sorriu.
— O futuro não existe Srta. Trevellis, então como sabiam que eu chegaria até aqui?
— Porque sabiam que eu não o mataria, que eu não permitiria que quando Spartacus estivesse sob o comando de Oliver, você tivesse que ser eliminado.
— Oliver trabalhava para... — e Sean parou tentando organizar suas ideias. — Mas Palakika já usava Spartacus. Por que os insectóides não me mataram?
— Tentaram...
— Isadora? Mas ela tinha outros planos para mim, não? Porque eu consegui chegar até Damaraland, decifrar enigmas, viajar com vocês, sobreviver, e tudo porque Trevellis não queria me matar... — e foi a vez de Sean ver Zôra lhe olhar com interesse, com o calor da cabana, ele nu enrolado na toalha e vinho e comida farta na mesa. — Não Srta. Trevellis. Era você quem me queria nessa experiência, porque sabia que ela aconteceria depois que você matasse o insectóide responsável pelo ‘Contato!’ — e Zôra nada falou. —, porque sabia que matá-lo, desestabilizaria o domo e toda vinda do formigueiro, para que as verdadeiras experiências, as experiências de adaptação dos insectóides fossem expostas, e tudo o que eles faziam viessem à tona, ao conhecimento da Poliu que romperia o acordo bilateral; um acordo que envolvia uma honestidade mutua que uma Trevellis não conhecia.
— Acha mesmo que sou desonesta Sr. Queise?
— Não Srta. Trevellis... Sua honestidade para com a Poliu que lhe criou, que lhe deu uma família, foi louvável. Porque você realmente esteve na Era do Gelo, porque encontrei você com o rosto queimado, porque você queria dar um recado a todos eles, aos seus — e Sean viu que os olhos verdes brilharam numa intensidade nunca vista. —, porque mesmo sendo uma insectóide como eles, você não me queria morto — e Zôra se aproximou tanto que nada, nenhum único átomo passava por eles. — Porque você me salvou duas vezes... Porque seu pai se importa comigo... E porque... — e ele foi beijado. Zôra abriu os olhos e Sean tomou o rosto dela, a beijando também, fazendo mãos descerem, alcançarem o vestido de seda gelada, bordada, retirada. Ela voltou a encará-lo e Sean viu Zôra nua, em silêncio, esperando algo. Algo que ele lhe deu a tocando maliciosamente, dentro fora, com lábios tomando sua boca, que ele desceu até a toalha, até seu sexo, que ela engoliu. — Ahhh...
Zôra então o soltou, e a cama foi o próximo passo, deitar o próximo passo, a penetração o próximo passo. Sean a olhou com interesse se movimentando, encaixada nele, com todo o calor da lareira os aquecendo, exalando o perfume do corpo jambo, brilhante, macio, úmido, em pleno gozo.
Porque ambos eram adrenalina pura, queda vertiginosa, êxtase total.
Mas Zôra se desencaixou dele e Sean levantou-se num rompante. E ele o fez porque todo seu corpo se alertou. Ele vestiu a calça e caminhou até a mesa se servindo de vinho quando a voz dela voltou a soar.
— Eu não tive alternativa...
E a voz dela demorou a se firmar quando ele se virou e a encarou:
— Não diga que eu também devia ter medo de você Zôra.
— Eu não tive alternativa...
E Sean cerrou os olhos. Porque tudo estava ali, todas as respostas, todo o sinal de erro.
— Você os matou Srta. Trevellis? Você matou todos os Ph.D?
— Eu não tive alternativa...
E Sean arregalou os olhos azuis.
— Porque era você no comando esse tempo todo! — Sean viu Zôra se levantar, andar até ele, se inclinar até seus lábios, e ele recuar. — Era você no velho oeste caçando as girafas? As que não mais apareceram nas viagens? — e Zôra se inclinou mais uma vez com Sean recuando. — Porque era você controlando o exoesqueleto que explodiu-nos em Chernobyl... — e Sean nem teve tempo de fechar os olhos e copos, pratos, frutas e vinho explodiram em cima da mesa no que a luva se fechou na mão de Zôra e ela disparou.
— Eu não tive alternativa! — soou forte.
E toda a adrenalina dele esparramou, jorrou pelos poros que se abriram sentindo todo perigo.
— Não Srta. Trevellis... — a voz quase não saiu. — Você não viu alternativa quando descobriu que sua mãe era uma insectóide e que Trevellis havia rompido o acordo com seu povo, que voltaria para se vingar de sua mãe, e sua atitude impensada de se envolver com... Ahhh!!! — e Sean gritou quando foram as pedras da lareira atrás dele que explodiram no que a luva se fechou, e raios enegrecidos se lançaram. — Está louca?!
— Louca? Não! Não! Eu te amo!
— Você não me ama Srta. Trevellis. Sou apenas...
— Não! Não! Barganhe!
— Barga... O que? Enlouqueceu? — Sean se virou para ela em meio aos caos.
— Barganhe Sean!
E Sean viu a mão tomada pelo exoesqueleto e toda sua glote explodindo na garganta.
— E o que eu teria para barganhar? — e Sean esperou Zôra responder com os seios empinados, o sexo úmido, pedindo que ele voltasse, se deitasse, penetrasse cada centímetro do corpo jambo que lhe desejava, e outra vez a verdade estava ali, sempre estivera, mesmo quando Kelly foi levada, mesmo quando Zôra os salvou dos Neandertais, mesmo quando o salvou do décimo terceiro viajante. — Deus... Nunca houve experiência alguma, não? Você enganou a Poliu, que viu a oportunidade de ter uma civilização avançada, com toda sua tecnologia armamentista, não Srta. Trevellis? Então você enganou Isadora e toda a história de alienígenas querendo um contato, enganou Mona e a história de uma civilização alienígena, de insectóides, que tinham o intuito de colonizar o maravilhoso e fértil Planeta Terra; um planeta contraditório, cheio de terremotos, vulcanismo e pestes, capazes de destruir as formigas alienígenas, e enganou seu pai.
— A Poliu...
— A Poliu não Srta. Trevellis; você! Porque enquanto você era preparada por seu pai, financiada pela Computer Co., para o maravilhoso contato de insectóides — e Zôra nada falou dessa vez. —, o verdadeiro contato com os insectóides era promover a vinda deles.
— Como pode julgar-me dessa maneira? Eu fiz tudo isso por amor Sean. Por amor a você.
— E você sabe amar Srta. Trevellis? Porque você mentiu para seu pai, mentiu para um monte de Ph.D, os obrigando a estudar o domo, as armas de plasmas, o exoesqueleto, os fractais e as fendas no tempo, e as girafas, inimigas naturais das formigas, porque nunca houve roubo de exoesqueleto, nem morte de um insectóide, não?! — gritou e o som agudo da arma na mão de Zôra se fez.
— Não me obrigue a isso Sean...
— A me matar? Mesmo com a maravilhosa interação da Poliu, permitindo que os insectóides testassem sua sobrevivência no frio extremo, calor extremo e todas os extremos que a história da Terra, que já esteve a beira da extinção, na ponta do dedo dos sapiens sapiens que são capazes de acabar com sua própria raça numa explosão nuclear, que faria Chernobyl parecer brincadeira de criança?! — se alterou novamente tirando Zôra do equilíbrio.
— Não me olhe assim! Não sou como vocês!
— Não! Não é! Você é uma insectóide muito inteligente, acostumada ao comando. Por isso a lista, os Ph.D escolhidos a dedo, escolhidos de acordo os desastres vividos, sendo preparados para a grande viagem — e encarou-a novamente. — Porque nunca houve roubo de exoesqueleto, nunca houve morte de um insectóide, e nunca houve uma arma trazida por Dalton, que você controlou com a mente como fez em Portugal, o obrigando a falar o que você queria que ele falasse. Porque eu li a mente dele, Srta. Trevellis, e não havia viagem alguma a um lugar vulcânico, porque dentro de Dalton, só havia o medo.
— Não... Não... Barganhe Sean... — e tudo aquilo soou sensual, inebriante, com o corpo nu de Zôra se aproximando dele.
— Barganhar? Como se atreve?
— Como me atrevo? Você não entende? Foi por amor Sean...
— Amor a quem Srta. Trevellis?
— Não me chame assim!!! — e sua mão acionou o exoesqueleto que explodiu a cama, lençóis, fazendo as penas dos travesseiros tomarem conta de tudo. — Eu levei muito tempo para chegar até aqui, fazer tudo isso, para lhe ter, para provar a eles...
— Para provar aos insectóides que eu não era como Trevellis? Que sua escolha era melhor que da sua mãe? — e foi a primeira vez que Sean viu os olhos verdes de Zôra lacrimejarem. — Deus... Por isso você precisava desesperadamente que eu fosse a Namíbia, que eu lhe ajudasse a abrir a fenda, que eu lhe amasse....
— Porque eu te amo Sean...
— Você ama seu povo Srta. Trevellis!
— Não... Não...
— Sim! Por isso que os números eram tão importantes para manter o domo, e por isso os Ph.D tinham que morrer, pelo equilíbrio do formigueiro abaixo do Hotel Damaraland!!!
— Não! Não! — também se alterava. — Foi por você Sean! Porque eu te amo!
— Não me ama!
— Não! Não! Eu amo você!
— Ama a ponto de matá-la, não? Por isso Kelly não podia estar na Namíbia, na suíte, na minha cama, porque sabia que minha mãe a escolheu, porque sabia que eu a amaria... — e Sean parou, e parou porque todo o ambiente, todo o entorno daquele ambiente caótico se tomou de octanol. — Não faça isso...
— Eu não tenho alternativa! — e aquela foi uma exclamação forte quando o som agudo de lâminas se fez e todo o corpo de Zôra se fechou no exoesqueleto.
— Deus... — e Sean correu para a porta usando só uma calça, descalço, invadindo a noite fria e a floresta escura e congelada quando um raio enegrecido atingiu as árvores à sua frente e elas explodiram. — Ahhh!!! — gritou, caiu e voltou a se levantar e correr. E Sean corria sentindo seus pés congelarem na neve, seu corpo todo pedir calor e ele sentir que seu ombro voltava a sangrar pelo esforço empreendido, quando mais raios enegrecidos atingiram as árvores em torno dele e uma nova explosão quase o deixou surdo. — Ahhh!!! Pare com isso Zôra!!!
— Barganhe Sr. Queise! — e todo o exoesqueleto estava e não estava ali.
Porque Sean olhava, e a via e não a via, porque ela entrava em modo de invisibilidade.
— Deus... Deus... — corria desesperado pela floresta sentindo que não tinha para onde fugir, que seus pés congelavam, o congelavam, e raios enegrecidos tomaram conta da noite, arrancando lascas de árvores, grama congelada e um som de quebra, quebrando a geleira. — Não Zôra!!!
— Barganhe Sr. Queise! — e um som mais agudo ainda se fez.
Sean viu que o céu parecia feito de rabiscos que se mesclavam às nuvens materializando uma grande nave-mãe alienígena.
— Não Zôra!!! Isso tudo vai explodir!!!
— Barganhe!
— Não!!! Não mate ninguém... Ahhh!!! — e mais raios saíram da mão dela, com o som de quebra acentuando, de gelo em estado de quebra se fazendo.
Sean olhou para cima e toda geleira trincava no que a nave mãe alienígena se moldou.
— Barganhe Sr. Queise! — soou metálico.
Mas Sean corria, congelava e fugia quando o encontro com o corpo de Bantuh o levou ao chão.
Toda adrenalina de Sean Queise se esparramou pelo medo de vê-lo ali, de saber que ele o entregaria, quando Bantuh se tomou de pelos negros, dentes grandes e afiados e partiu para cima de Zôra.
— Deus... — foi só o que Sean conseguiu falar, vendo que o grande e feroz felino lutava com o exoesqueleto. Sean não esperou pelo desfecho, mesmo porque sabia que desfecho teria aquilo, se já vira o fim dele, e correu desorientado, congelando, sem saber onde estava quando chamou Spartacus, mas ele não se moveu. — Não!!! Não!!! Não!!! — berrava, corria, fugia tentando se comunicar com Spartacus que não o alcançava. — Mona?! — gritava Sean desesperado, em meio aos gritos horrendos que o grande felino Bantuh emitia ao ser comido. — Mona?! — Sean nem se quer olhava para trás, desesperado, perdendo as forças e Spartacus girou seguido do encontro com o exoesqueleto de Zôra. — Ahhh!!! — e foi a vez de Sean se chocar com o exoesqueleto feito de laminas e cair no chão.
E o exoesqueleto ficou ali, lhe encarando caído.
— Barganhe... — soava metálico.
E toda a adrenalina de Sean se esparramou pelo corpo.
— Sabe que não vou permitir que a levem, não é Srta. Trevellis? — e Sean viu a mão de Zôra dentro do exoesqueleto apontar para ele e disparar. — Ahhh!!! — e Sean foi lançado com toda força na areia quente de Damaraland, Namíbia.
— Sean?! — gritou Kelly vendo Sean rolando, rolando, e parando só de calças, no chão do deserto quente, com uma Zôra nua surgindo, pisando a areia, se dirigindo para eles com todo seu corpo se fechando num exoesqueleto. — Ahhh!!! — Kelly gritou e Sean esticou a mão a fazendo desaparecer no que a mão de Zôra lançou um raio enegrecido que incendiou o lugar onde Kelly a pouca estava.
— Não faça isso Zôra!!! — e foi Mr. Trevellis quem gritou.
Zôra então se virou para ele apontando a mão.
— Não Zôra!!! — gritou Sean. — Ele é seu pai!!! — e Zôra atirou quando Oscar tocou em Mr. Trevellis e ambos saíram do raio de ação do raio.
— Ahhh!!! — foi a vez de soar uma Zôra irritadíssima de dentro do exoesqueleto.
Hélder, Gyrimias, Abba, Lumumba, Kaunadodo, Yerik, Emiko, Lânia e Lenny também alcançaram a área do combate e Zôra apontou a mão para eles, que só não foram atingidos porque algo, alguma coisa feito um escudo de energia os fechou dentro.
Zôra então se virou furiosa para Mona Foad que gastou toda sua energia e foi ao chão a encarando:
— Devo dizer a seu pai agora o que me fez abandonar a Poliu, Zôra?
E Mr. Trevellis e Oscar impactaram no que todo chão cedeu e se abriu.
— Ahhh!!! — e todos caíram num formigueiro.
Hélder, Gyrimias, Abba, Lumumba, Kaunadodo caíram de um lado, Yerik, Emiko, Lânia e Lenny do outro lado e Oscar, Mr. Trevellis, Sean e Kelly no meio, vendo que Mona não havia caído ali; nem ela nem Zôra, no que parecia um grande espaço de sacrifícios.
Mas foi Yerik quem se adiantou:
— O-O que é i-isso?
— O formigueiro! — foi Kaunadodo quem respondeu.
— Kelly? — Sean se arrastou até ela desacordada. — Kelly? Kelly? — a chacoalhava quando Kelly abriu os olhos e os arregalou.
— Sean... — ela sentiu o cheiro.
— Octanol! — foi Isadora quem respondeu.
E todos correram para o mais longe possível e Sean abraçou Kelly instintivamente.
— O que foi Sean bonitinho? Com medo do que aquela Mona enfraquecida, já não é capaz de fazer?
— Onde está Mona, Isadora?
— Usufruindo da mesma hospitalidade que vocês me deram.
— Onde você a prendeu Isadora?! — Mr. Trevellis estava furioso e descontrolado.
— E quem disse que fui eu? — e uma grande e oca risada se seguiu do aumento de tamanho dela e da cor de sua pele, que se alaranjou encarando Oscar. — Vamos Oscar bonitinho... Diga a todos que está com medo de que Mona não possa me controlar? Porque ela não pode! Ninguém pode! — e se aproximou de Oscar que se viu dominado por ela de uma maneira que todo seu corpo dobrou.
— Oscar?! — Sean gritou e Isadora o puxou até ela.
— Sean?! — foi a vez de Kelly gritar e Sean desesperou-se.
E desesperou-se porque o olhar de Isadora foi pior do que de Zôra querendo barganhá-lo para não machucar Kelly. Porque Kelly era só o que lhe importava, porque ela foi até ali por ele, e porque ele a amava.
E Isadora leu tudo aquilo.
— Ah... Mas que entrave mais lindo, um pai preocupado que eu não machuque sua prole, e a prole com medo que a empregada seja levada pelos insectóides — e Isadora riu de uma maneira que Kelly olhou Sean intensamente a ponto dele não conseguir dizer nada. Mas Isadora continuou lá, com seu tamanho descomunal e Sean grudado nela, quando todos exalaram um dor de octanol tão forte, que o cheiro alcoólico quase fez todos ali perderam os sentidos. — Vamos Sean bonitinho... — Isadora continuava muito próxima dele. —, diga a sua empregada de uma vez que ela é o real motivo para tudo isso, para o ciúme de Zôra ter provocado esse racha na fenda.
— Sean... — e Kelly escorregava um olhar para Sean outro para Isadora.
— Vamos Sean bonitinho... Conte que a fenda veio buscar Zôra, que barganhou a vida de Sean bonitinho pela sua, Kelly bonitinha... — gargalhava quando Kelly escorregou um novo olhar e Sean só disse ‘Não!’. E o que aquele ‘não’ significava Kelly não esperou decifrar, correu com todas suas forças. — Ahhh!!! — Isadora soltou Oscar dobrado e desmaiado, e Sean quase sem ar, e correu atrás de Kelly que corria, entrando e saindo de câmaras cada vez mais profundas, de areia vermelha, cheirando a fertilizante.
— Kelly?! — também corria Sean atrás dela, também entrando e saindo de câmaras escuras, desorientado pelo calor e dor que se esparramava por seu corpo, e estancou ao ver Kelly na mão descomunal de uma Isadora alaranjada e alienígena. — Por favor, Isadora...
Mas Isadora nada falou, nada exigiu.
— Ahhh... — e Kelly estava sendo sugada.
— Não Isadora!!! — Sean percebeu que não foi só trancar Mona o que Isadora fez, ela também lhe roubou algo muito precioso, algo que fez Mona enfraquecer; uma força paranormal que fazia e permitia Isadora os dominar. — Por favor, Isadora! Peça o que quiser, mas não a mate.
— Ahhh... — e Kelly virou os olhos e Sean voltou a encarar uma Isadora alaranjada sugando a vida dela.
— Não... Não... Isadora não... — e Sean viu Kelly perder os sentidos no que um último suspiro se misturou ao raio negro que saiu da mão do exoesqueleto que lá chegou, e o corpo descomunal de Isadora foi ao chão, atingida, no que Sean se projetou no éter e arrancou Kelly do chão para então se materializar longe dali, correndo com ela desmaiada em seus braços.
— Sean... — Kelly voltava a si, vendo o teto do formigueiro se projetar sobre ela e ela no colo de Sean correndo. E Sean corria e voltava a sangrar na mesma velocidade. — Você está... — e Kelly era carregada sem saber para onde ele corria.
Porque mais e mais tuneis e câmaras se multiplicavam, quando os piores pesadelos de Sean Queise se fizeram; casulos e mais casulos, por toda a extensão da parede da grande e iluminada câmara que atingiram.
Sean perdeu as forças pelo impacto e Kelly deslizou de seus braços.
— Deus... — soou de sua boca.
— Sean... — Kelly olhou em volta sentindo que o ar enfim voltava aos pulmões. — Sabe o que é isso?
Mas Sean não conseguia responder quando se aproximou dos casulos, e viu insectóides hibernando.
— Eles já vieram...
— Sean? Quem veio... — e Kelly paralisou a fala e os pensamentos ao ver que os casulos estavam lotados de insectóides. — Sean... — e ela viu Sean mandar-lhe calar.
E Kelly calou-se em meio ao cheiro de octanol misturado a todo o piso de areia, quando o som agudo de muitas lâminas se fez na grande e iluminada câmara, e Sean os teletransportou dali, voltando com Kelly ao local da queda, encontrando Oscar acordando e Mr. Trevellis amparando-o.
— “Se a rainha tiver sucesso encontrando um local adequado para estabelecer sua colônia, ela irá escavar uma pequena câmara e se fechará nela para sempre”.
Mr. Trevellis arregalou os olhos e todos se olharam.
— Onde eles estão? — o coração de Mr. Trevellis reverberava na glote.
— Aqui!
— A-A fundação de uma no-nova colônia através da fragmentação o-ocorre também quando a den-densidade populacional da co-colônia está bastante alta... — a voz do engenheiro genético Yerik se fez seguido das laminas se abrindo e Zôra se materializando nua, com toda sua pele jambo brilhando.
— Não é uma nova colônia! — a voz dela se fez ali.
— O formigueiro de Stevia... — Mr. Trevellis quase não conseguiu.
— Sempre soube não filho de Oscar? — Zôra deu dois passos até ele e Kelly se escondeu atrás dele. — Você os sentia toda vez que pisava a areia quente do Damaraland.
Sean escorregou um olhar para Oscar e Mr. Trevellis que não acreditavam no que ouviam, e o exoesqueleto se fechou na mão de Zôra, que atirou na parede da câmara.
— Ahhh!!! — gritaram todos e o corpo de Isadora caiu no chão, se materializando alaranjada e morta pela arma de plasma do exoesqueleto.
— Achei que ela não podia ser morta? — Lânia não acreditou no que Zôra havia se tornado, ainda nua, ali, com um exoesqueleto fazendo parte dela.
— Mas Isadora absorveu todos os dons paranormais de Mona — foi Sean quem falou. —, inclusive o ‘dom de morrer’ — e Sean se virou para a parede vazia. — Leve todos daqui!
Todos olharam para Sean e para Zôra e outra vez para Sean.
— Com que está falando, Sean?
E Kaunadodo se materializou.
Kelly e Gyrimias impactaram e Kaunadodo se inclinou numa reverencia a Zôra e se aproximou de Lânia, Lenny, Hélder, Emiko, Yerik, Abba, Lumumba, Gyrimias e Kelly e desapareceu com eles.
Oscar e Mr. Trevellis então olharam para Sean e para Zôra e outra vez para Sean.
— Kaunadodo é um confederado — falou Sean.
Oscar e Mr. Trevellis se olharam outra vez, agora sabendo que a Confederação Intergaláctica ia além da ficção científica, e que seres multidimensionais agiam em planetas para a proteção dos mesmos.
— Sean querido?
— Histórias contam que há 35 milhões de anos atrás, grandes forças das trevas se espalharam pelas galáxias e começaram a conquistar com sucesso, milhares de sistemas estelares. Para evitar que essas forças negativas interdimensionais dominassem e explorassem a Via Láctea, surgiu a Confederação Intergaláctica cerca de 4,5 milhões de anos atrás, nos defendendo de uma colonização insectóide.
— Desde quando sabia Sean?
— Desde o dia em que cheguei e Kaunadodo temia o desequilíbrio, já que Dalton se desesperava em manter-nos aqui, comandado pela mente de sua filha, Trevellis; e que sem saber, era peça do jogo.
E Zôra nada falou, argumentou.
— Zôra... — e Mr. Trevellis não teve chances porque Zôra se fechou dentro do exoesqueleto.
— Não Trevellis... — foi a vez de Oscar o segurar. — Não pode fazer isso de novo.
E Zôra dentro do exoesqueleto olhou para Mr. Trevellis sabendo que ele ia tentar barganhar, fazer isso de novo.
— Você a matou! — soou dela.
E Mr. Trevellis arregalou os olhos com todos os sentimentos a flor da pele.
— Não Zôra... Não...
— Você a matou depois de exigir que o povo dela fosse trancado naqueles casulos — e Zôra acionou a arma quando Mr. Trevellis deu um passo e Oscar o segurou novamente. — Você a matou mesmo depois que ela os trancou lá!!! — e a luva acionou.
— Não Zôra! — exclamou Sean com força. — Ele é seu pai!
— Ela era minha mãe!
— Sua mãe era Lola! — e foi um Mr. Trevellis furioso quem disse aquilo.
Zôra se virou e dois passos do exoesqueleto o alcançaram muito rápido.
— Zôra!!! — gritou Sean fazendo-a a parar.
— O formigueiro está chegando Sr. Queise! E eles estarão em grande número aqui na Terra para enfrentar os humanos!
— O formigueiro não conseguiu Zôra...
— E eles possuem um exército pronto para lutar Sr. Queise!
— Sabe que o formigueiro não virá Zôra! Sabe que você não conseguiu. Por isso eles exigem que você volte. Para pagar por seu erro como sua mãe pagou.
— Não!!! — e Zôra atirou para cima fazendo o teto e todas as paredes estremecerem.
— Ahhh!!! — Sean, Oscar e Mr. Trevellis se tomaram de areia que despencou do teto.
— Você vai romper o formigueiro de Stevia Zôra!!! — gritou Sean. — Precisa fechar a fenda que abriu ou muitos mais vão morrer!
— Zôra abriu uma... — e Mr. Trevellis não conseguiu completar no que ela se virou para ele de arma acionada.
— Zôra abriu uma fenda na Geleira de Bagnes, voltamos para cá, mas ainda estamos presos àquela catástrofe — e Sean viu Zôra se virar furiosa para ele. — Quando a geleira romper a Namíbia vai ser tomada pela avalanche, pela neve que vai descer e matar mais que 44 pessoas no Cantão de Valais, Zôra.
— Eu não tenho alternativa!
— Você tem Zôra! Todos têm o livre-arbítrio. E você vai matar muita gente aqui na Namíbia.
— Zôra... — e Mr. Trevellis outra vez nada conseguiu quando Zôra andou até ele.
— Por favor Zôra! Mande-os de volta! — foi o que Sean falou.
Ela parou e se virou para ele com o exoesqueleto se abrindo.
— Barganhe!
— Sabe que eu não posso... Que seu pai também não pôde... Por isso Stevia se matou.
— Não!!! Ele matou minha mãe!!! — e Zôra apontou para Mr. Trevellis e Oscar.
— Não Zôra!!! Sua mãe se matou porque não podia deixar que a Terra sofresse. O planeta pelo qual ela se apaixonou, o planeta onde ela decidiu que você nasceria, porque ela veio a Terra para procriar Zôra!!!
— Não!!! — gritou Zôra desesperada.
— Sim Zôra! Você não pode lê-lo, mas Mr. Trevellis não está mentindo.
— E você o defende apesar de tudo? De tudo que ele lhe fez a vida toda?
— Zôra...
— Apesar de Sandy?
E Sean sabia que precisava conseguir aquilo.
— Sandy se matou porque era culpada. Stevia se matou porque era culpada.
— Não!!!
— Sim Zôra! Stevia escolheu a Terra sem consultar seu povo. Ela decidiu tudo e catástrofes aconteceram por essa decisão. Não cometa o mesmo erro!
— Barganhe Sean...
— Não Zôra...
— Barganhe!!!
E Kelly apareceu ali, depois de correr o risco de descer o buraco aberto, e o abraçou. Sean nunca teve tanto medo de perdê-la quanto naquele momento, quando viu o fino raio laser se moldar. Sean a abraçou protegendo Kelly com seu corpo e tudo ruiu para Zôra que abriu o exoesqueleto e ergueu os braços.
— Zôra não!!! — berrou Mr. Trevellis
A fenda abriu e rapidamente começou a colapsar no que uma grande parede de neve se formou do outro lado. Zôra então sorriu para Sean, e seus olhos esverdeados nunca foram tão bonitos.
— Eu não sou o que você pensa Sr. Queise... Porque amei Lola como uma mãe... — e Zôra entrou na fenda que se fechou antes da geleira romper.
— Zôra!!! — Mr. Trevellis foi ao chão de joelhos.
E os gritos de Mr. Trevellis foram ouvidos por toda Namíbia.
FINAL
Computer Co. House’s; São Paulo, capital; Brasil.
23° 36’ 19” S e 46° 41’ 45” W.
28 de abril; 11h11min.
Talvez os dias e noites nunca mais fossem ser iguais depois do que Sean passara. Uma cadeia de fatos e tragédias que o atingiu de muitas formas.
O satélite de observação Spartacus funcionava, e nenhum movimento suspeito, no meio da galáxia, parecia acontecer ali. Sean sabia que aquilo era impossível, que havia uma energia escura que ninguém detectava, mas que acontecia em 70% do Universo. Contudo, a ideia de investigar a Poliu o deixava inquieto. Porque talvez não quisesse mais saber tanto sobre seus dons; um dom que se desenvolvia sem limites.
O chefe de operações da Poliu, Mr. Trevellis havia dado um tempo no trabalho, o que por si só já era extraordinário. Ele nunca se ausentara da corporação de inteligência chamada Poliu, mas o acontecimento que desencadearam na perda da filha, o tivesse atingido por dentro, numa área que poucos tinham acesso; seus sentimentos.
Sean também tinha problemas com aquilo, com os sentimentos. Seu pai e sua mãe se separando, Oscar em silêncio, a Computer Co. sob auditoria, e Kelly fugida, sem querer conversar com ele, sobre nada que não estivesse ligado a Computer Co..
Ele sabia que aquilo, seu relacionamento com Kelly Garcia estava em modificação, que nada mais era como antes, que seus sentimentos se modificaram, e que em nenhum momento ele duvidara de seu amor por ela.
Se Kelly sabia daquilo, ele não sabia, mas havia uma chance ali, na escolha de Nelma Queise.
— Posso entrar? — perguntou Kelly com uma bandeja de água e frutas após leve batida na porta da cobertura da Computer Co. do Brasil, em São Paulo, capital.
— Entre Kelly... — sorriu.
— O feriado de ‘Primeiro de Maio’ se aproxima, e queria saber se posso viajar à Polinésia Francesa.
— Wow! “Polinésia”? — riu do extremo.
— Eu vou Sean!
E Sean sentiu a frieza.
— Claro... Deve ser muito bom refugiar-se naquelas águas límpidas.
Ela deu passou furtivos e recuou. Depois voltou a se aproximar e sentou-se ao lado dele, após puxar uma cadeira.
— Os alienígenas temiam algo Sean?
Sean impactou pela pergunta. Ela não falara mais nada desde quando voltaram ao Brasil, nem sobre seus dons.
— Nós!
— “Nós”?
— Nós Kelly... Os únicos capazes de realmente destruir a Terra — Sean sorriu-lhe com carinho e Kelly gelou. Ele pegou nas mãos delicadas dela e as beijou sabendo que ela gelava, que ela o gelava, que ela se distanciava.
E Kelly teve medo de seus pensamentos invadidos. Porque talvez tudo aquilo fosse só uma máscara.
Suspirou e se levantou do lado dele.
— Um dia vamos ter que... — e Kelly parou.
Sorriu-lhe, recolheu os copos usados, beijou sua face, e saiu.
E Sean a amou por aquilo.15
41º 54’ 0” N e 87º 39’ 0” O.
Todos os doze acordaram juntos no piso de pedra. Haviam caído numa rua asfaltada por uma fina camada de piche. Aquela sim havia sido uma viagem dolorida.
O grupo se levantou ao ver algumas pessoas se afastarem deles rapidamente. As mulheres vestiam saia com excessivo tecido nas nádegas, eram compridas e usavam luvas, chapéu e sombrinha para o calor que já começava a afetar a todos. Os homens usavam chapéu alto, do tipo cartola e usavam paletó e gravatas que pareciam mesmo indicar um tempo antigo.
— Devem estar assustados, pois — concluiu Bonilha.
— Estamos secos, perceberam? — Enrichetta falava com Hélder que olhava em volta atônito.
— Nossa! Que dor de cabeça! — reclamou Lânia.
— Sua diabete? — perguntou Zôra.
— Não sei como fica.
— Lânia não pode ficar sem alimentação. Bantuh! Encontre alimento! — Zôra falou e Bantuh concordou com um movimento de cabeça, sumindo pela rua.
Sean se aproximou de Lânia.
— Por que não me disse professora?
— Porque não queria preocupá-lo.
Sean sorriu com carinho e Zôra sentiu ciúme quando ele olhou em volta.
— Já estive aqui!
— Noutra vida Sr. Queise?
— Não, Omana, nessa vida. Acho até que tirei fotos dela — Sean apontou para a ponte que viam logo adiante. —, ou que o sobrou dela.
— “Sobrou”? — Enrichetta não gostou do que ouviu.
— Onde estamos Sr. Queise? — Hélder quis saber.
Sean pegou o GPS e leu a coordenadas.
— 41º 54’ 0” N e 87º 39’ 0” O.; Chicago, às margens do Lago Michigan.
— O que fazemos aqui? — Ebiere olhava para o céu tentando entender algo.
— Droga! Precisamos saber a data... — Sean começou a andar.
— Por que essa merda de data, Sr. Queise? — Lenny o seguia nervosa e Isadora só o observava, sedenta por ele, pronta para dar o bote.
A rua estava movimentada, carroças e carruagens puxadas a cavalo faziam o trânsito ficar frenético. Ninguém se entendia e ser atropelado era a coisa mais banal naqueles tempos.
— Aonde vai, Sean?! — gritou Lânia o vendo se distanciar.
Sean que se vestia igual estancou.
— Não sei... — ficou momentaneamente confuso ao ver que estava andando sem perceber no meio do transito caótico.
— Por que a data é importante, Sean bonitinho? — insistiu Isadora Gastón.
— Porque se estou certo, vamos passar por outra catástrofe, Dra. Gastón.
Ela o encarou numa atitude curiosa.
— Onde estamos exatamente? — Narciso emendou.
Sean leu o nome da rua.
— Rua Garcia. Esta construção também não me é estranha.
— Chicago Post Office! — respondeu Zôra. — Esquina da Rua Deadborn com a Rua Garcia.
— Como sabe? — perguntou Lenny.
— Sei! — respondeu Zôra olhando Sean.
Ele decididamente não gostava de vê-la falando daquele jeito.
— Até quando vamos ficar tendo aulas de história querida Zôra? — Narciso irritou-se.
— Até conseguirmos voltar? Talvez? — foi Sean quem respondeu.
— Nossa! O Sean bonitinho anda irônico — foi a vez de Isadora o irritar.
— Não me chame assim! — ele a fuzilou com um olhar. — Vamos sair daqui! — Sean deu a ordem. — Estamos no meio de uma rua frequentada.
— Bantuh vai voltar.
— O encontramos no caminho, Srta. Trevellis — Sean tomou a decisão já indo embora e Zôra também não gostou de como foi chamada.
Lânia, Enrichetta e Bonilha o seguiam. Isadora e Narciso deram de ombro e o seguiram também. Atrás Ebiere, Lenny, Omana e Hélder.
— Droga! — Zôra não viu alternativa a não ser ir atrás de todos.
Mas não antes de perceber passos furtivos não muito longe dali.
— Temos que conseguir roupas da época — falou Sean. — Estamos chamando atenção.
— Concordo! Porque se os alienígenas estiverem nos observando — Hélder viu duas mulheres passarem. —, acabemos por nos misturar vestindo-nos iguais.
— É uma boa ideia — concordou Ebiere.
— Zôra, Lenny, Lânia e Isadora — Sean chamou-as. —, tragam roupas um pouco mais sofisticadas — pediu. —, caso contrário, não poderão circular normalmente por certas ruas — e se virou para a cosmóloga. — Srta. Ebiere é melhor ficar.
— Conheço a força da minha cor, Sr. Queise, num mundo escravagista. Vou ficar escondida com o Senhor.
— Ok! E você Bonilha, traga roupas para nós homens.
— Sim, aqui como em qualquer sociedade as pessoas usam roupas para mostrar sua posição social — falou Isadora olhando para os lados, olhando um local e outro para conseguir roupas.
— Disso parece que nossa Isadora fashion entende — Narciso foi cruel.
— Gay!
— Controle-se! — Zôra se impôs. — Não quero desarmonia aqui! — e se aproximou de Isadora. — Aqui não!
As duas se olharam e Sean se alertou com o ‘aqui não’.
Zôra se virou e dar de encontro com ele.
— É perigoso chamar atenção! — foi o que Zôra completou.
— Que tipo de roupa trago exatamente? — quis Bonilha saber.
— Se inspire no seu redor — pediu Sean ainda observando Zôra atentamente.
Um silêncio caiu no grupo.
— Vamos por ali! — apontou Zôra para algumas lojas de roupas.
— Percebeu a entonação do ‘aqui’ da Dra. Zôra, Sr. Queise? — falou Ebiere.
— Quando Oscar a chamou para trabalhar Ebiere?
— Quando você terminou o programa de Spartacus.
Sean se virou para ela.
— Não perguntei isso.
Ebiere arregalou os olhos e nada mais.
— Sr. Oscar Roldman disse que eu precisava vir.
— Porque Oscar sabia que Oliver seria morto. O astrônomo, cosmólogo que os insectóides escolheram.
Os olhos negros na pele de Ebiere brilharam.
— Sim!
— Mas você sabe mais do que diz, não?
— Sobre uma Progress M-60 a ser colocada em órbita por um foguete portador Soyuz-U?
— Droga! — Sean explodiu e puxou Ebiere no que Narciso se distanciou olhando figuras desenhadas numa coluna. — O que é onda evanescente?
Ebiere olhou para o lado.
— Achei que soubesse.
— O que é ressonância de plasmons de superfície?
— Achei que o Senhor e Zôra tiveram muito tempo para conversarem em Bangladesh.
— Pare de achar ‘tanto’ Doutora agente de Oscar. Responda!
— Onda de Plasmons de Superfície ou OPS, são ondas eletromagnéticas longitudinais, que se propagam na interface entre um metal e um dielétrico, uma substância que possui alta resistência ao fluxo da corrente elétrica.
— O dielétrico neste caso sou eu?
— Qualquer substância submetida a um campo elétrico muito alto pode se ionizar e se tornar um condutor.
— No caso aqui, eu.
— Sim. As ondas acústicas e as ondas de plasmons de superfície não são fenômenos onde ocorre perda de energia por radiação, mas por ondas evanescentes.
— Foi por isso que meu corpo não deixou as paredes do túnel se colapsar na casa de Bangladesh?
— Veja Sr. Queise, na engenharia elétrica, a informação é deduzida da modulação em amplitude, AM, ou frequência, FM, do carregador. É assim que a informação é definida. Então em 1994, Gunter Nimtz, anunciou ter conseguido transmitir a 40a sinfonia de Mozart em um guia de micro-ondas a 4,7 vezes a velocidade da luz ‘c’! Este foi o clímax dos experimentos de seu grupo envolvendo ondas evanescentes.
— Está desacreditando Einstein, Srta. Ebiere?
— Não Sr. Queise. Mas temos uma violação da noção de causalidade da Relatividade Restrita quando o que ocorre é que a frente de um pacote de onda luminoso nada pode exceder ‘c’; contudo, o seu pico pode.
— A analogia entre o tunelamento quântico de partículas e ondas eletromagnéticas foi usada para medir o tempo de tunelamento de pacotes de micro-ondas limitados em frequência no regime evanescente em guias de onda. Essa limitação em frequência é usada, por exemplo, em transmissão de rádio, Srta. Ebiere.
— Viu? No fundo o Senhor sabia — Ebiere sorriu-lhe e Sean fez menção de que ela continuasse. — Com relação ao lindo experimento realizado por Steinberg, com luz visível, parece que o efeito não é genuinamente quântico, contudo, através de uma interferência de dois fótons, os detectores existentes são incapazes de medir diretamente uma diferença no tempo de chegada dos fótons detectados — Ebiere viu Hélder, Enrichetta e Omana e sua perna curta, voltando de sua andança. — Rolf Landauer em 1993, num interessante artigo de divulgação termina com um desafio: “Temos realmente certeza de que, sinalizando com a polarização dos fótons, não haveria nenhuma chance de uma rara propagação super luminosa de um fóton?”.
Narciso apareceu do nada se prostrando entre os dois e ficou assim os observando. Sean não pôde perguntar mais, apesar de não gostar de ver Narciso tão próximo dele. Havia recebido muita informação junta. Ele precisava digerir tudo aquilo.
Cabides e algumas peças colocadas em prateleiras foram usurpados. Lânia e Isadora conseguiram mais roupa adiante e uma sacola improvisada elas arranjaram. Então Zôra, Lânia, Lenny, Isadora e também Bonilha, voltaram com as roupas.
Depois os doze andaram muito até chegar ao final da Rua DeKoven com a Rua Jefferson, atrás de um lugar seguro para se trocarem e passarem a noite, visto que começava a escurecer num céu estranhamente avermelhado.
— “A noite fica mais escura antes do amanhecer”.
— O que disse Sr. Queise?
— A segunda profecia Maia dizia que a partir de 1999, com o eclipse do Sol em 11 de agosto, aconteceria em meio de um grande alinhamento planetário, com quase todos os planetas se alinhando em forma de uma cruz cósmica.
— Mas sabemos que não houve nada em 2012.
— Não houve?
— O que quer dizer Sr. Queise?
— Dizer, Dra. Omana, que assim como o inventor e sua máquina do tempo, mudamos o que deixamos para trás, mudamos o que já fora 2012 antes de sairmos do hotel Damaraland.
Todos se olharam e Narciso parou em frente a uma plaqueta que balançava com a golfada de ar quente que os tomou novamente.
— Patrick O’Leary’s! — Narciso leu e Sean teve a sensação da queda de Lânia antes que acontecesse.
Esticou o braço segundos antes que ela sequer passasse mal e pegou Lânia que desmaiou; ele a ergueu com carinho.
— Vamos Narciso! — disse Sean com Lânia no colo e Narciso acelerou o passo.
Zôra percebeu que Sean se desenvolvia rapidamente dentro do túnel de tempo.
— Ali tem um celeiro! — apontou Bonilha.
— Ótimo! Temos mesmo que conseguir um lugar para ficar por agora.
— E se algo acontecer Sean bonitinho? — Isadora quis saber.
— “Algo”? — Sean quis entender.
Isadora não falou mais e Sean acomodou Lânia num monte de feno dentro de um celeiro com um estábulo dentro. Lenny foi procurar água com Enrichetta e Omana enquanto Ebiere anunciou que ia atrás de Bantuh. Hélder e Narciso pegaram alguns ancinhos para repuxar um tanto de feno que atrapalhava a passagem enquanto Isadora só os rodeava.
Os cavalos não estavam no celeiro e algumas poucas pessoas circulavam por perto. Uma ou duas vacas pastavam não muito longe dali e o cheiro os alcançou.
— Uhm! Isso cheira mal — reclamou Isadora.
— Metil mercaptana, pois; um composto sulfurado volátil.
Isadora desdenhou Bonilha e suas explicações químicas.
— Podemos matar uma vaca e comer? — Hélder questionou.
— Está louco?! — gritou Zôra. — Não podemos interferir em nada.
— Mas precisamos comer — Hélder começava a se enervar, não gostando de se imaginar em meio as tais experiências da Poliu.
— O que é aqui Sean bonitinho?
— Não sei, Dra. Gastón — Sean voltou a verificar o GPS com a cabeça de Lânia em seu colo.
— A leitura mudou? — Bonilha quis saber.
— Latitude 41° 54’ 0” N e Longitude 87° 39’ 0” O. Estamos em Chicago realmente.
Lânia acordou com os cabelos ruivos e enrolados em total desalinho e ele sobre ela.
— Você está bem professora?
— Estou fraca... — Lânia baixou a cabeça sobre o feno percebendo o ciúme de Zôra.
— Eu disse que tínhamos que esperar Bantuh! — a voz de Zôra era forte. — Lânia precisa comer.
— Todos nós precisamos Srta. Trevellis.
Zôra não gostava de como ele a chamava. Percebia a diferença de como ele chamava Lânia.
— Bonilha, Hélder e Narciso, voltem pelo caminho feito e encontrem Bantuh; encontrem Ebiere também — Zôra deu a ordem.
Bonilha e Hélder foram a contragosto. Narciso permaneceu no lugar.
Sean Queise só se ergueu do chão e ele correu estábulo afora.
— Idiota! — exclamou Sean com vontade.
— Não adianta provocar Narciso, Sr. Queise. Ele não queria estar aqui.
— Todos nós; suponho? — Sean outra vez quis entender as entrelinhas de Zôra.
Zôra Trevellis se fechou novamente se trocando com uma das roupas trazidas e saindo do estábulo a procura do quê, Sean não soube. Apesar de tudo, Sean a achou linda naquelas vestes, na saia com o traseiro arrebitado. Ele também ficou atraente com o terno de gabardine preto, usando só a calça e a camisa. Depois deu o nó na gravata estranhamente colocada abaixo do colarinho. Seu corpo másculo, malhado, se desenhou no tecido colante da camisa branca, o que não passou despercebido por Isadora que vestia um vestido verde com decote, e que o fez acentuar rasgando-o um pouco mais. Com tanta sensualidade, a roupa desenhou as curvas sinuosas da ruiva esposa do falecido Oliver Gastón, que Sean acreditava ter sido assassinado por Isadora.
Lenny, Enrichetta e Omana voltaram com um jarro de água feito de madeira que mais lembrava um barril. Isadora se afastou e chegou ao outro extremo do estábulo, parecendo ficar perplexa com algo.
— Sean?! — gritou Isadora.
Sean correu até o final do celeiro a encontrando debruçada sobre algo.
— O que encontrou Sra. Isadora? — Sean viu que ela não se moveu e se aproximou quando ela girou-lhe fazendo-o cair sobre o feno. — O que está fazendo... — e Isadora saltou sobre ele fazendo suas mãos hábeis alcançarem seu sexo. — Ah! Enlouqueceu...
Isadora o beijava e ele tentava de todas as maneiras a afastá-la, segurar-lhe as mãos.
— Ahhh! — exclamou excitada.
— Me largue Isadora... — mas o sexo dele encaixou-se na mão dela em movimentos rápidos. — Não... Não... — Sean tentava raciocinar, mas a boca dela caminhou cintura abaixo. — Não Isadora... Não faça...
Ela não pretendia obedecer-lhe.
— Algum problema Senhora Gastón? — Zôra foi tão sutil quanto sua aproximação.
Sean quis respirar, mas achou que não se lembrava de como.
Quando o ar voltou aos pulmões, Zôra já tinha dado meia volta, assegurando que Isadora ia à sua frente. As duas caminhavam em silêncio até onde os outros estavam no começo do celeiro. Zôra sorriu gentil para Isadora que agradeceu com o mesmo cinismo. Sean demorou a voltar chegando depois que Bantuh voltou com a comida, acompanhado de Narciso, Hélder e Bonilha que o havia encontrado escondido atrás de umas árvores próximo a uma grande ponte.
— Onde está Ebiere?
— Não a vimos.
— Não disse que a procurassem?
— Não vimos Ebiere no caminho, Zôra.
— Voltem e...
— Não! Tenho que comer! — Hélder se alterou. — Ou acha que por que estamos viajando no tempo meu corpo não tem fome?
— E frio merda! — falou Lenny.
— E sono! — falou Omana.
— E cansaço! — falou Enrichetta.
— Basta! — Sean se impôs. — Estamos nessa roubada junto. Eu vou procurar Ebiere e vocês fiquem aqui e comam.
— Não pode sair...
Sean só a encarou e Zôra não gostou daquele olhar de superioridade. Ele era um Queise, ela uma Trevellis. Sean saiu e Isadora foi atrás enquanto Bantuh separava a comida para os doze do grupo.
— Sean? — Isadora chamou outra vez e Sean trocou olhares com Zôra que foi atrás dos dois. — Calma, Sean bonitinho! — Isadora apontou para uma moeda que encontrou no chão, do lado de fora do estábulo. — Não vou lhe agarrar! — e ela viu Sean se aproximar suspeito. — Não agora! — Isadora completou e ele estancou e Isadora gargalhou. Sean voltou a se aproximar e pegou a moeda dela. — O que está escrito aí? — apontou Isadora para a moeda.
— Me espanta que uma paleontóloga não saiba ler latim.
Isadora só gargalhou. Ela era uma Ph.D e Sean vestido com aquele costume a excitava cada vez mais quando se aproximou para cheirá-lo.
— Anni 64, Decennia 7, Saecula 1 — Sean leu e recuou.
— Estamos no ano 64?
— Não! — olhou de lado. — É claro que não.
— Voltamos no tempo?
— Já disse que não! — foi categórico.
— Então qual é dessa moeda aqui? — Isadora irritou-se.
— Não sei. A moeda é de Roma, a Roma de Nero.
Isadora se aproximava outra vez e Sean recuou já com medo das atitudes nada convencionais dela.
— E o que é aqui, pois? — Bonilha também havia saído atrás deles, aproximou-se dos três e retirou o paletó azul marinho que usava.
— Chicago! Já disse! — e Sean olhou Zôra o encarando e deu mais um passo longe de Isadora que continuava colada nele.
— O que esses insectóides querem nos mostrando Roma de Nero, Sr. Queise? — Omana se aproximou.
— É só se lembrar de que desgraça passou-se no século 1 de Nero — Narciso ironizou.
Lânia os alcançou com Hélder, Bantuh, Enrichetta e Lenny:
— O incêndio de Roma — disse a professora.
Lenny, Enrichetta e Omana se espalharam apavoradas.
— Deixe-me levá-la para deitar-se, professora — Sean pegou Lânia pelo braço, mas ela estava fraca. Sean a ergueu no colo e Isadora não gostou, ela ia atrás dele quando Zôra a fuzilou e Isadora recuou.
— O incêndio foi em 64? — continuou Hélder tentando entender o raciocínio de Sean e Lânia.
— E agora? — Enrichetta ficou atordoada sentando-se num pequeno banco de madeira.
— Narciso e Bonilha, deem algumas voltas. Procurem saber em que data está essa Chicago antiga e não se separem por nada. Eu vou atrás da Srta. Ebiere — anunciou Sean no que deixou Lânia deitada.
— Não saia sozinho, Sr. Queise. Vá com... — Zôra percebeu Isadora dando um passo em direção a ele. — Vá com Enrichetta e Hélder. Talvez vá precisar de uma mulher.
Sean, Enrichetta e Hélder saíram caminhando cada vez para mais longe do estábulo. Sean olhava as coordenadas de Spartacus mudando, poucos segundos era verdade, mas mostrando que o satélite de observação seguia-o. Ele nada deixou transparecer.
As ruas estavam agitadas como era de se esperar. Pessoas e cavalos disputavam o entroncamento das ruas Monroe e Dearborn. Uma forte lufada de ar quente os lançou ao chão.
— Ahhh!!! — Enrichetta caiu com Hélder sobre ela. — Doutor Hélder! — reclamou.
— Desculpe-me Doutora.
Sean os olhou. Não gostou da forte corrente de ar quente. Olhou o GPS, as coordenadas começavam a se movimentar enlouquecidamente. Spartacus avisava que algo estava para acontecer.
— Venha! Vamos! — Sean levantou Enrichetta do chão. — Precisamos achar Ebiere.
Os três se puseram a andar novamente e Sean se impressionou pela beleza local, pela imagem surreal de construções datadas de outro século. Ficou pensativo em como entender aquela viagem. Olhou Enrichetta e Hélder fazendo o mesmo, deslumbrados por fazerem parte de um livro de história.
“Nossa história?” pensou Sean confuso.
Sean sentiu o piso quente. Enrichetta começou a saltar um pé atrás do outro no que suas sapatilhas de tecido se aqueciam.
— O que...
Hélder olhava o chão soltando fumaça.
— O piso está aquecendo Sr. Queise?
Sean olhava o piso de terra batida, alternado por pedras largas de paralelepípedos soltando fumaça de seus encontros.
— Não sei... — foi só o que respondeu.
Narciso e Bonilha circulavam perto dali. Sean os alcançou e Bonilha bradava com um jornal nas mãos.
— The Chicago Tribune. October, 10, 1871, pois!
— Não é possível! — falou Enrichetta nervosa. — Já está fazendo calor antes dos pequenos focos de incêndio?
— Como é que é? — Narciso não entendeu.
Mas Sean sim.
— Como isso pode estar acontecendo Sr. Queise? — Hélder olhou em volta.
— Não sei Hélder. Não sei.
A parede oeste do edifico de escritório ao lado deles começou a mudar de cor, escurecia como se um pincel vivo interferisse na imagem vivida.
— O que... — Enrichetta saltou para detrás de Sean.
— Que está acontecendo? — Narciso também quis se esconder atrás dele.
— Viu isso? — Hélder queria respostas de Sean. — A parede se pintou sozinha?
— Não é pintura! — Sean a tocou. — É fuligem...
— Outra vez um lapso, pois? — Bonilha parecia começar a raciocinar como Sean.
— Meu Deus!!! Meu Deus!! Vamos embora!!! — correu Enrichetta gritando pela rua.
— Enrichetta?! — Sean gritou atrás dela. Ambos se chocaram com um, dois, três transeuntes. — Volte Doutora! Não podemos nos separar! — Sean não conseguia alcançá-la no burburinho da cidade agitada.
As pessoas da Chicago antiga se olhavam, não entendiam aquela gritaria, aquela correria, nem o personagem exótico que se misturava a eles. Nem Sean Queise nem os outros viajantes o viram, mas ele os via; os seguia também. Sean correu até o final da Rua Monroe para depois entrar numa ruela suja, enterrando seus pés numa lama que antes não estava ali. Ele começou a achar que o fato das paredes se colapsarem na passagem deles era por que eles eram muitos e todos eles estavam de alguma forma alterando o tempo, provocando um racha na fenda temporal como quando Kelly sumiu para a Era do gelo.
Sean saiu noutra rua sem conseguir localizar Enrichetta. La só mulheres de chapéus, sombrinhas colorida, todas levantadas ao mesmo tempo e o piso seco. Estancou fazendo Hélder se chocar com ele. Atrás vinham Bonilha e Narciso.
— Onde agora Senhor... — e Hélder mal teve tempo de projetar uma frase e Sean voltou a correr se misturando cada vez mais, se perdendo e se encontrando numa rua lotada com os três atrás dele.
— O que houve, pois? — perguntou Bonilha?
— Perdemos a Dra. Enrichetta — respondeu Hélder.
— Onde ela está Sr. Queise? — Narciso se rodeava.
— Não sei... A perdi de vista.
— E agora, pois?
— Vamos! Vamos voltar ao celeiro e se reunir com todos. Depois voltaremos todos juntos e procuraremos Ebiere e Enrichetta.
— Não podemos deixá-las... — apontava Hélder nervoso, suado.
— Não podemos nos perder Hélder. Temos que ficar juntos ou vamos afetar cada vez mais os acontecimentos.
— Mas a Dra. Enrichetta...
— Ela não devia ter corrido.
— Sr. Queise tem razão, Hélder — Bonilha olhava em volta. — Vejam! — apontou para outra parede da loja de comércio que escurecia como a anterior.
— Por todos os Santos, Sr. Queise, a Dra. Enrichetta pode estar em pânico. Não podemos deixá-la.
— Não vamos deixá-la, Dr. Hélder. Já disse! — Sean estava firme em sua decisão. — Mas agora temos que voltar e nos juntar aos outros. Voltaremos como disse, mais tarde, todos juntos, e as ruas estarão mais vazias; e então será mais fácil encontrá-la.
Sean se virou e voltou por onde haviam saído. Narciso não pensou em cogitar. Ainda não havia comido. Zôra impactou quando viu Sean, Narciso, Hélder e Bonilha com as calças sujas até o joelho.
— Onde estiveram?
— A Dra. Enrichetta se perdeu — foi só o que Sean falou.
— Oh! Não... Isso não podia ter acontecido.
— Acharam Ebiere? — Omana arregalava os olhos.
— Também não — Narciso correu e começou a comer com as mãos sujas mesmo.
— O Sr. Queise disse que voltaremos mais tarde, pois — Bonilha anunciou indo comer.
Hélder passou por ele abatido.
— Por que só mais tarde, Sr. Queise? — Zôra quis saber.
— Na noite de domingo — disse ele. —, uma noite morna e seca, com um vento excepcional que veio através da pradaria do sudeste, aproximadamente 08h30min PM, quando um fogo quebrou para fora no lado ocidental e foi contíguo com o distrito abaixo.
— “Fogo”? Que fogo? — Isadora e Lenny falaram uníssonas.
— De acordo com relatórios da área, o fogo tinha começado na Rua DeKoven, onde fica a atual ‘Academy of fire’ — Sean ainda encarava Zôra.
— Outra catástrofe então? — Narciso procurava algo em volta. — Era só o que o faltava.
— O que tanto procura? — Sean perguntou.
Narciso impactou. Não sabia que Sean o vigiava.
— Nada! Um papel...
Zôra pegou do chão os sapatos que tirara e começou a reunir um pouco da comida que Bantuh havia trazido num embrulho de tecido voltando até a porta do celeiro.
— Vamos sair daqui! — anunciou ela. — Vamos ficar no Palmer Hotel! — e ela só ouviu Sean rir. — Do que está rindo Sr. Queise? — falou ela em tom de desafio.
Sean não se deixou levar por ela e sua maneira de mandar em todos.
— “Vamos ficar no Palmer Hotel”. Estamos de férias?
— Você não... — Zôra ia tocá-lo, mas foi segura com força.
— Não me faça girar! — falou Sean entre dentes cerrados. — Não vamos a lugar algum, Srta. Trevellis. Não sem Ebiere e Enrichetta.
— Ai... — Zôra sentiu dor na mão forte que a apertava e Bantuh se pôs entre eles.
Sean foi obrigado a largá-la.
— Qual é o lance do hotel? — Omana percebeu algo no ar.
— O Palmer Hotel original foi aberto em 1871 e apenas 13 dias após a inauguração foi o único hotel a sobreviver ao grande incêndio de Chicago — Sean ergueu o sobrolho com ainda Zôra na mira dele.
— “Incêndio”? — desesperou-se Lenny.
— “Incêndio”? — desesperou-se Isadora
— Que ‘incêndio’? Que incêndio Zôra? — desesperou-se Narciso.
— Parece que a querida Zôra sabia que se fossemos ao hotel sobreviveríamos — riu Isadora.
— Isso é que dá não estudar história como o Sr. Queise — gargalhava Narciso.
Sean deu dois passos sendo barrado por Hélder e Bonilha.
— Qual é o lance do hotel Sr. Queise? — Omana voltou a questionar.
— Após o incêndio, ele foi chamado de ‘O único hotel à prova de fogo do mundo’, pois foi construído principalmente em ferro e tijolo. Além disso, o piso de sua barbearia supostamente foi ‘azulejado’ com moedas de prata o que ajudou durante o incêndio.
— “Moedas de prata”? — Isadora falou sozinha. — Como essa aí na sua mão?
Todos se olharam apavorados.
— Explique isso Zôra! — Narciso se adiantou agora muito nervoso.
— Não tenho nada a explicar.
— Explique-se!!! — Narciso começava a se descontrolar não sentindo muita confiança em Zôra.
— Não grite comigo Narciso!!!
— Uhm... — e ele se afastou do grupo.
— O que sabe mais, Sean? — falou Lânia com carinho, aliviando um pouco a tensão.
— O que encontramos nos livros de história, na Internet; que em 1870, Chicago era o principal fornecedor de cereais, gado e madeira, e possuía uma população de cerca de 300 mil habitantes. No verão de 1871, uma temporada anormalmente seca, com apenas um quarto da precipitação normal tendo caído. Então, um incêndio na zona sul logo engolfou a cidade. O ‘Grande Incêndio de Chicago’, que se iniciou num estábulo, logo se espalhou devido a ventos secos e fortes.
Uma golfada de ar quente tomou conta dos dez e o coração de Sean veio a boca; e ele olhou o entorno esperando a cor mudar. Mas a cor do estábulo não mudou.
Sean ficou em duvida se havia entendido ou não aquele jogo.
— O incêndio pode já ter passado? — Narciso desejou até.
— A cidade foi totalmente destruída. Está vendo destruição em volta, Narciso?
— O estábulo do incêndio... É onde estamos? — Lânia perguntou.
— Provável professora! — Sean olhou em volta. — Provável que por isso suas paredes não mudaram de cor.
Narciso, Hélder e Bonilha se olharam entendendo.
— A história não conta que o fogo se iniciou no curral de uma fazendeira, quando uma vaca chutou uma lanterna que caiu sobre o feno? — Omana quis saber.
— Como o rio corta a cidade como um ‘Y’ e o fogo se localizava do lado de cima de uma das pernas do rio, ninguém se preocupou muito em apagar, já que o rio se encarregaria de segurar o estrago. Já deu pra imaginar o estrago, Narciso? A cidade inteira foi destruída. Do que existia, só a antiga Torre de Água, na Michigan Avenue, permanece até hoje — Sean enfim comeu algo retirado do embrulho de tecido.
— Se o fogo começou por aproximadamente um tempo, temos tempo para fugir, não? — quis Lânia saber.
— Isso pode ser lenda — Hélder irritou-se. — A história tradicional diz que a origem do fogo começou por uma vaca que derrubou uma lanterna de querosene no celeiro, mas Michael Ahern, repórter republicano de Chicago, foi quem criou a história da vaca, e admitiu em 1893 que a tinha feito para enfeitar a história. Na verdade o calor veio de uma vaga, que havia atingido a cidade com temperaturas altíssimas.
— Uma vaga... — Sean deixou a frase inacabada. Lânia olhou para Sean que não tirava os olhos de Zôra. — Vagas de calor?
— O que? — Isadora pareceu não entender.
— Vagas de calor são situações fora do comum em que a temperatura da atmosfera é muito superior à temperatura média para essa região e para essa época do ano.
— Catástrofe! — completou o calado Bantuh.
— O departamento de fogo da cidade não recebeu o primeiro alarme até 09h40min PM, quando um alarme de fogo foi puxado em uma farmácia. Temos uma chance de sairmos daqui antes — Sean olhava em volta, para cima, de novo em volta.
— Como Sean? — Lânia o olhou com atenção.
— Atravessando a ponte! — Zôra fora precisa dessa vez.
Sean temeu algo naquela frase.
— Mas a ponte da Rua Van Buren foi totalmente destruída — Sean lembrou-se.
Zôra ergueu o embrulho de tecido com a comida e saiu.
— Acharemos outra ponte — foi só o que falou.
— Mas temos que ir atrás de Enrichetta e Ebiere.
— Não podemos ir atrás delas Sr. Queise.
— O quê? — desesperou-se Hélder.
— O quê? — desesperou-se Lânia.
— O quê, pois? — também se desesperou Bonilha.
— Não podemos ir e não iremos! — Zôra ganhou o entorno do celeiro.
Sean correu atrás dela.
— Mas a esquina das ruas Dearborn com a Garcia virou escombro — ele prosseguiu.
Zôra estancou.
— Seguiremos por outro caminho! — e Zôra se pôr a andar.
— Mas a Bateham’s Mills, na Clinton com a Harrison foi incendiada.
Zôra estancou novamente.
— Iremos para o sul! — Zôra ia voltar a andar.
— Mas o Parmelee’s Stables, o Gas Works e o Conley’s Patch na Franklin com a Rua Adams foram dizimados. Court House e toda Polk Street deixou de existir; todos no sul.
Zôra estancou de vez.
— O que há Sr. Queise?! — Zôra levantou a voz. — Está me desafiando ou querendo morrer?!
Sean não se deu ao trabalho de responder.
— Não podemos avisar? Dar o sinal? — Lânia quis saber.
— Sabe que não! — Zôra fora ríspida.
— Alguém deu.
— Mas não seremos nós.
Lânia se encolheu.
— Vejam!!! — gritou Narciso. — Há alguns jornais no lixo.
Todos foram olhar. Bonilha puxou Sean com tanto empenho que ele quase perdeu o equilíbrio.
— Por que os insectóides querem saber sobre o calor Sr. Queise? As formigas se manifestam melhor no calor, Sr. Queise?
Sean teve a sensação de ‘cair a ficha’ quando percebeu que Zôra estudou entomologia porque sabia do encontro com as formigas, a talvez, uma guerra com elas.
— A Poliu...
— Como, pois, a Dra. Zôra sabia Sr. Queise? — Bonilha também entendeu. — Acha que ela é pré-cognitiva? Pós-cognitiva?
— Acredita Bonilha, que alguém tem o dom de saber e talvez até dominar todos os desastres naturais?
— Responda você Sr. Queise.
Sean o olhou não gostando muito para onde o assunto ia ser levado.
— Só posso responder que as catástrofes têm o poder de destruição infinitamente superior a sua capacidade de reagir a elas.
— É isso que eles temem? Os insectóides temem catástrofes, pois?
— Sim, Bonilha. Temem não se adaptarem a elas — e a visão de Sean se perdeu no infinito.
— Mas e nós?
Zôra percebeu que Bonilha e Sean falavam afastados, não sabia o porquê de não mais conseguir ler os pensamentos dele. Lânia também os percebeu conversando, voltou atrás e a professora puxou Sean.
— A merda dos papéis estão chamuscados — apontou Lenny para o chão.
— Outra vez, algumas coisas do futuro vêm antes do acontecido — falou Isadora observando Zôra atentamente.
— O carro amassado antes da batida — ironizou Narciso e Sean o ergueu pela roupa. A roupa alinhada que Narciso usava se ergueu junto. — Que há? O que eu disse?
E o estampido de uma arma disparada atravessou Sean que viu Narciso se incendiando. Sean o largou e Narciso foi ao chão sem entender o porquê daquele rompante.
— Venha! — Lânia afastou Sean outra vez.
Bonilha e Bantuh levantaram Narciso do chão e todos se abstiveram de comentários quando Sean se soltou de Lânia e largou o peso do corpo, sentando-se no meio fio da calçada.
— Levante-se! — Zôra não teve pena dele nem de ninguém. — Está anoitecendo!
Todos obedeceram.
A noite caiu e os doze viajantes caminhavam. Sean observava o pouco movimento da rua próxima onde pararam. Ficou pensando onde mais poderiam se esconder, sem dinheiro para pagar uma estalagem ou o Hotel Palmer.
— Estamos seguros aqui! — foi Zôra quem se aproximou.
Sean sentiu todo seu corpo estremecer no som da voz dela. Ela realmente estava bela naquela roupa.
— “Seguros”? — Sean riu. — Acho que nunca mais vamos estar seguros Senhorita.
Zôra percebeu que ele não fora irônico com seu sobrenome e aproximou-se um pouco mais.
Sean até desejava aquilo, com ela o observando encostado na parede, com os braços musculosos desenhados na camisa de puro algodão, começando dar sinais de que não demoraria em se deixar pegar apaixonada por ele.
— Está desistindo? — ela se recuperou.
— Não sei o que estou fazendo.
— Os alienígenas não vão nos testar por muito tempo.
— Deve saber melhor do que eu — e nada mais falou.
Zôra também o perturbava e ele temia que ela percebesse.
Bantuh estava sentado fazendo uma mistura de pães e verduras para Lânia comer novamente.
— Ela precisa de insulina — anunciou Zôra.
— Deus... Como vamos conseguir isso aqui?
— Não sei.
— Pensei que sempre soubesse de tudo.
— Por que me magoa?
Sean estancou e ela se afastou. Sean quis ir atrás dela, mas Bantuh se aproximou dele.
— A comida é pouca, Senhor. Tenho que buscar mais.
— Não pode se afastar do grupo Bantuh. Acho que Ebiere deve ter sido pega pela cor dela.
— A Doutora Lânia precisa de algo que talvez eu possa encontrar.
Sean olhou para o grupo.
— Vamos! Ajudo-te a conseguir mais.
Saíram Sean e Bantuh pelas ruas da cidade da antiga Chicago e a noite caía. A cor de Bantuh chamava realmente atenção e Sean desistiu. Pediu que ele não se expusesse mais e Bantuh voltou sozinho para desespero de Zôra. Sean foi ele próprio atrás de pão ou algo mais quando viu um jovem nobre, reconhecível pelas roupas que usava, pelo seu andar, pela bengala incrustada de joias que portava. Ele o olhou de lado ao passar e o jovem nobre carregava um saco de veludo contendo moedas com as quais o viu pagar duas garrafas do que julgou ser vinho bom, numa grande adega. Sean o esperou passar, e viu que ninguém os seguia.
Quando o jovem nobre contornou uma casa de roupas, nem teve tempo de ver o que o atingiu, Sean desejou e o corpo do nobre girou até seus pés soltarem do sapato de couro de crocodilo, fazendo todo o conteúdo do saco de veludo voar pelos ares, e a ruela estreita foi seu porto. O jovem nobre levantou-se desesperado a catar as moedas percebendo faltarem duas. Ficou olhando em volta tentando entender no que tropeçou, o que lhe houve, mas as duas moedas de um dólar e Sean Queise já estavam longe dali.
— Sempre tem a primeira vez — sorriu cínico.
Havia uma data incrustada na moeda; 1871. Nada podia mais lhe dar certeza do que aquilo. Bantuh o esperava à sombra de uma árvore nos arredores da cidadela quando Sean voltou carregando muita coisa. Ele havia comprado massa num ‘ristorante’ italiano; lá também pegou alguns talheres. Não soube como não cedeu a tentação de avisar do que os esperava, mas temeu as palavras de Zôra e nada comentou sobre a ‘Chicago de 1871’. Depois torceu que o dono do ristorante tivesse sido um dos sobreviventes daquela fatídica noite.
— Que macarrão mais frio — reclamou o empolado Narciso ao comer o pão no estábulo.
Sean parou de comer e o ficou observando.
— Coma Narciso! — falou Zôra. — Não quero mais ouvir alguma reclamação.
Ele deu de ombros.
— Dá um pouco desse negócio! — Narciso apontou para a cerveja.
— Não sou seu empregado — Bantuh também não tinha a mínima paciência com ele.
Narciso deu de ombros novamente.
— Vamos sair atrás de Ebiere e Enrichetta — Zôra levantou-se. Lânia enfim sentiu que Zôra não era tão fria quanto pensava ser. — Eu, você e Bantuh — falou para Sean que parou o garfo no ar.
Ele só a olhou e Zôra ganhou a rua. Sean foi atrás dela com Bantuh, Hélder, Omana, Bonilha e Narciso na cola.
— Eles querem ir — foi só o que Bantuh falou.
Zôra nada falou ao encarar Sean em silêncio. Deixaram Isadora, Lenny e Lânia sozinhas no estábulo da rua estreita e partiram. A noite ganhava contornos de estrelas brilhantes. Estava clara e suas silhuetas não podiam ser escondidas. Eles procuraram muito apesar de manterem-se distante dos habitantes de Chicago.
— Veja! — Bonilha mostrou o grande Palmer Hotel mais à frente deles.
— Seja lá o que estiver acontecendo, o incêndio ainda não ocorreu — Sean olhou em volta.
Narciso olhava uma pilastra e crop circles desenhados o fez impactar. Sean viu Narciso arrancar o pedaço de panfleto pregado na parede e guardou-o achando não estar sendo visto.
Sean redobrava cada vez mais a atenção para com ele.
— Que vamos fazer? — Narciso falou enfim ao voltar para perto deles.
Àquela hora, as ruas estavam cheias; a noite quente fazia as pessoas irem e virem.
— Havia algum evento na cidade na noite do incêndio? — Omana olhava o redor com desconfiança.
— Estou a acreditar que não, pois? Está calor...
— Foi bom nos vestir igual a eles — Narciso se olhou sem se preocupar com as preocupações alheias.
— Vamos voltar! — anunciou Zôra. — Já andamos muito.
— Não! Ebiere está aqui! — Sean foi categórico.
— Aqui aonde? — Zôra o olhou.
— No hotel! — Sean apontou para o Palmer Hotel. — Posso senti-la lá, presa.
— Seus dons podem não estar funcionando aqui.
Sean colou nela:
— Com ou sem dons, não vou a lugar algum sem encontrar Ebiere e Enrichetta, Srta. Trevellis.
Zôra não tinha mesmo como argumentar.
— Tentaremos encontrar algum estabelecimento onde possamos dormir — foi só o que disse.
— Sem morremos queimados, não? — Narciso foi rápido.
Foi a vez de Zôra fuzilá-lo.
— Só falei — e Narciso calou-se.
— Vamos buscar Lânia e as outras então — propôs Omana.
— Eu vou ao Palmer Hotel. Posso me passar por turista e tentar comprar uma escrava no mercado negro.
— Como Sr. Queise?
— Com dinheiro — Sean mostrou sua mão.
Zôra nada perguntou. Virou-se para voltar com Bonilha, Omana mancando, Bantuh, Narciso e Hélder a seguindo e Sean começou a andar em direção ao hotel quando um estampido o fez paralisar de dor. Sua língua grudou-se na garganta e a voz não saía.
Sean os viu se afastando e chamou Zôra, mas ela nada ouviu nenhum pensamento que escapou dele. Sean olhou para frente e viu toda a rua ondular e o Hotel Palmer, à sua frente, ficar nublado.
Ele movimentou os olhos como se só eles pudessem se mover, paralisado entre uma dimensão e outra, e chamou Ebiere. Mas só as lágrimas dela ele podia sentir. Caiu de joelhos na rua de pedras sem que Zôra, Bonilha, Omana, Hélder, Bantuh e Narciso o vissem. Mas algo, alguém, o via.
Sean agora sentiu a presença dele ali, do décimo terceiro viajante. E podia sentir o cheiro fétido de carniça, podia sentir o cheiro do medo que ele exalava, e desesperou-se por estar preso, sem sair da calçada.
“Ebiere?” Sean a chamou.
O silêncio se impôs ali.
“Bantuh?!” Sean gritou.
Bantuh parou de andar logo depois e toda sua tez embranqueceu e Zôra estranhou ele parar de andar.
— O que houve Bantuh?
— Sr. Queise! — olhou para o chão e o tocou. — Ele está gritando no meio das pedras.
— Gritando? — olhou Omana para um lado.
— Gritando? — olhou Hélder para o outro lado.
— “No meio das pedras”? — e Zôra voltou correndo, sem pensar nas consequências.
— Hei Dra. Zôra? — Bonilha não acreditou naquilo.
Sean continuava de joelhos, na calçada do hotel, sem nada a falar. Zôra o encontrou ali, paralisado e tentou erguê-lo. Mas Sean, todo seu corpo estava petrificado, unido às pedras da calçada como se ele tivesse sido esculpido junto.
Os outros chegaram e se apavoraram para o corpo de pedra de Sean Queise.
— O que houve com ele?
— Não sei... Não sei... — Zôra se desesperava tentando puxá-lo.
Hélder e Bonilha também tentaram, mas o corpo petrificado não se movia.
— Por que ele parece feito de pedra?
— Por que ele não está mais aqui — foi Narciso quem falou pegando a caneta e desenhando algo num pedaço de papel.
— O Sr. Queise viajou sem nós? — Omana se agitou.
— Como pôde?, pois, como pôde? — Bonilha tentava arrancar Sean do chão, um Sean paralisado, enxergando e ouvindo tudo.
Desesperado para avisar que havia alguém ali cheirando restos de mamute e o pânico se espalhou no que o incêndio irrompeu toda a rua, todas as esquinas, todas as moradias, e o céu tomou-se pela fumaça, pelo calor descomunal, pelo inferno que se tornou a Chicago de 1871.
— De onde veio esse fogo?! — gritava Narciso olhando o fogo alastrar-se na velocidade da luz.
Bantuh desesperava-se para soltar-se de um vergalhão que lhe caiu sobre os ombros o levando ao chão.
— Sean?! Sean?! Levante-se!!! — desesperava-se Zôra.
Mas Sean não conseguia responder. Ele olhava a cidade em chamas sem conseguir mover-se no chão, quando todo seu corpo se moveu e não se moveu. Sean olhou para baixo e se viu ajoelhado, com Zôra gritando e Bonilha tentando puxá-lo. Sean olhou para frente, havia saído do corpo quando os gritos de Ebiere o alcançaram.
“Ebiere?!”
“Sr. Queise?”
“Ebiere?”
“Socorro!”
E a alma de Sean entrou no hotel; um Sean duplo que correu por homens e mulheres que fugiam do incêndio, da morte, que alcançou escadas entalhadas de madeira, que aqueciam a todos que tocavam, mas que ele volitava, porque Sean era só alma.
“Ebiere?”
“Socorro Sr. Queise!”
E Sean encontrou um corredor escuro dois andares abaixo do nível da rua. Lá, homens e mulheres acorrentados, mal tratados de desnutridos. Lá uma Ebiere caída, com o rosto ferido e quase sem roupas. Sean derrubou o primeiro homem, o segundo e o terceiro. Eles não souberam bem o que os acontecia, mas ficaram de ponta cabeça, com braços e pernas amarrados de uma maneira que a física não explicava.
Gritos e lamurias e lágrimas, e dor e sangue, e Sean alcançou Ebiere que não conseguia entender um Sr. Queise feito de rabiscos, e que se moldava ali para medo e pavor dos três homens amarrados.
“Venha!”
“Não posso Sr. Queise”.
Sean viu o ferimento profundo atravessando seu estômago.
“Não! Não! Venha!”, e Sean sentiu que pegou nas mãos dela.
E Ebiere sabia que nada na sua vida de cientista lhe prepara para ser resgatada por uma alma que se moldava longe do corpo original até que Sean alcançou a porta do hotel e um estampido o levou de volta ao corpo ajoelhado e aprisionado à calçada, com Zôra ainda gritando.
— Sean?! Sean?! — berrava Zôra para a figura de pedra.
— Mejuffou... — foi só o que disse. — Temos que ir!
— Sean?! Sean?! — berrava Zôra sem querer escutar. — Sean?! Sean?! Sean?!
— Chega Zôra! — Omana também se desesperava.
— Não!!! Não!!! Sean?! — ela o puxava até sentir que o corpo empedrado voltava a maciez da pele humana e toda a parede lateral do hotel colapsou em cima deles, de outros que por lá passavam.
— Ahhh!!! — os gritos se espalharam pela noite e Lânia, Lenny e Isadora se apavoraram no estábulo.
No meio do centro de Chicago a morte se espalhava.
— Como isso pôde... — Omana tentava raciocinar.
— Meu Deus! — foi o que Zôra respondeu. — Chicago pegou fogo rápido demais.
O calor subia pelo piso já aquecido e todo o centro comercial irradiou-se em chamas lançadas para o ar como numa dança de morte, dor, desespero; vermelhas, alaranjadas, roxeadas, cores que os faziam sentir todo seu poder de destruição.
— Não podemos, pois controlar os eventos antes do acontecido, não é? — quis Bonilha saber.
Zôra ia responder.
— Não sem as ondas evanescentes, não é Srta. Trevellis? — Sean enfim se desgrudou das dimensões e a encarou.
Zôra se virou para trás e viu Ebiere ferida, desmaiando. Hélder e Sean a pegaram do chão.
— Gire Sr. Queise! — Zôra o encarou.
— Não! Ebiere vai morrer na viagem.
— Gire!
— Precisamos salvá-la primeiro!
— Gire Sr. Queise!!! — berrou Zôra em meio aos gritos de Chicago que chegaram até eles. Bonilha e Hélder ajudaram Narciso a sair de debaixo de algumas telhas que se espatifaram no chão. — Precisamos girar! Sabe que precisamos porque também ouviu não?!
— O que eu ouvi?
— O tiro!!! — Zôra ainda gritava.
Sean ficou atordoado. Ela também havia escutado o estampido.
“Harmônicas temporais, Sr. Queise, que devido a deformações espaço-temporal fazem com que sons do passado se reflitam no presente. Às vezes no mesmo lugar onde anteriormente foram produzidos”, soaram as palavras de Oliver Gastón.
Bonilha apoiava Narciso que machucara o pé.
— Pode correr? — perguntou Sean a Narciso.
— Sim... Ahhh! — Narciso pisou em falso e sentiu dor.
E uma nova onda de calor os atingiu.
— O estábulo... — Zôra arregalou os olhos.
— Temos que voltar para a rua estreita! Lânia, Lenny e Isadora estão na linha do incêndio! — e Sean pegou Ebiere no colo, acelerando o passo.
Bonilha, Narciso, Omana, Hélder e Bantuh se olharam, olharam para Zôra, olharam para Sean e todos correram arrastando Narciso, agora dando de encontro com a massa desesperada, que fugia que tentava em vão apagar os incêndios, salvar o pouco que tinham.
O fogo se alastrava pelas ruelas sinuosas.
— Dra. Zôra?! Cuidado, pois!!! — Bonilha gritou logo atrás dela.
Uma tora de madeira incendiada caiu sobre ela.
— Ahhh!!! — gritou a bela.
Sean passou o corpo de Ebiere para Hélder e arrancou a sua camisa, lançando-a sobre a madeira e arrastando a madeira em chamas para longe dela.
— Está ferida?
— Dói... — falou ela vendo o seu próprio braço queimado e sangrando.
Ele arrancou agora um pedaço da roupa dela e amarrou na ferida para estancar o sangramento. Provável, algum material cortante preso à madeira a cortara. Já Bantuh tentava desesperado olhar em volta procurando algo para amenizar a dor dela.
— Agora não Bantuh!!! — gritou Sean percebendo que ele se desesperava ao vê-la em perigo. E queria mesmo ter podido entender aquilo. — Vamos!!! — Sean a ergueu do chão colocando-a sobre um dos ombros.
Zôra corria arrastada por um Sean sem camisa quando Omana mesmo mancando, pegou o outro ombro de Zôra e a amparou. Bonilha e Bantuh levavam Narciso.
— Por que tudo acontece fora da ordem?! — gritou Narciso.
— Não sei!!! — a voz de Sean mal se propagava no fogo que se alastrava por tudo, por todos. — Não havia incêndio e de repente um estampido!!!
— “Estampido”? Mas as paredes se pintaram de preto antes — relembrou Hélder quando Narciso protegeu algo no seu bolso.
Sean largou Zôra no ar com Omana e foi para cima dele.
— O que tem aí?! — gritou o empurrando dos braços de Bonilha e Bantuh, que foram ao chão junto com Narciso.
— Nada!!! — gritava apertando cada vez mais o paletó do costume.
— O que está escondendo?! — Sean o agarrou do chão e o ergueu o jogando mais longe ainda.
— Sean?! — gritou Zôra. — Pare com isso!!! Não podemos brigar!!!
— Ah! É?! — Sean gritou com ela. — E por que não?! Por que não?! — berrava perante as chamas que os alcançava cada vez mais rápido.
Sean então se virou bruscamente e foi para cima de Narciso o agarrando novamente e o socando.
— Socorro!!! Socorro!!! — Narciso tentava se desvencilhar, mas Sean era mais forte, mais ágil.
— O que está escondendo?!
— Não estou escondendo... — tentou Narciso falar, mas Sean o agarrou novamente. — Largue-me!!! Largue-me!!!
— Mostre-me!!! — Sean chacoalhava-o sem piedade quando Narciso esticou a mão e entregou-lhe um panfleto rasgado depois de ir ao chão pelo novo soco.
— O que é isso?! — gritou Omana e o fogo tomava conta da rua e as casa desabavam ao redor deles. — Ahhh!!! — gritou Omana.
— Sean?! — gritava Zôra querendo chamar sua atenção para o redor.
Sean não ouvia, não via nada. Tinha só Narciso na sua mira.
— Não é o primeiro que vê não é?!
— Não!!! Havia algo desenhado na rocha em Pompéia e em Barguna!!!
O fogo crispava já perto de seus corpos.
— Sean?! — desesperava-se Zôra.
— O mesmo crop circle?! — gritava ele com Narciso.
— Sim!!!
— E o que é isso?! — apontou Hélder nervoso vendo Bantuh chegar com água.
— Fale, pois!!! — também gritou Bonilha com Narciso.
— O mesmo!!!
— Mesmo de onde?! Fale!!!
— O mesmo desde o início!!!
— Igual ao do Hotel Damaraland?!
— Não!!! — gritava Narciso para ser ouvido. — Igual ao que Dalton fez ao reaparecer!!!
— Do que está...
— As formigas!!! São as formigas!!! — se espremia Narciso para se defender dele.
— E por que não há diferença nesses crop circles?!
— Não sei... Não sei... — Narciso pareceu hesitar.
— Vamos morrer idiota!!! — berrava Hélder vendo o fogo tocar o piso próximo a eles.
O fogo derrubava mais uma construção e desesperados os moradores de Chicago corriam.
— Fale logo!!! — implorava Zôra.
Narciso parecia realmente evitar o assunto.
— Qual foi o primeiro crop circle?! — Sean o chacoalhou.
Narciso perdeu o equilíbrio sobre o pé machucado e foi ao chão aquecido novamente.
— Um Dearinth!!! O crop circle de Dearinth, dizem, foi projetado por Oberon Zell, como um emblema que representa a ‘igreja de todos os mundos’, um grupo religioso de neo pagãos!!!
— “Dearinth”?!
— O símbolo é baseado em projetos antigos do labirinto, e incorpora as imagens da rainha e o deus Horned!!! Os nove anéis concêntricos simbolizam os nove níveis da iniciação na igreja!!!
— Nove?!
Narciso levantou-se e mostrou o desenho que fez em Pompéia e o que achou em Barguna, com o que encontrara perto do estábulo.
— Achei na hora que não tinha relacionamento já que a figura é mística há muito tempo!!! — a voz de Narciso mal reverberava. — Veja!!! Pode ver aqui um corpo de mulher nua e acima um corpo masculino?! — mostrou o crop circle recolhido.
— Não entendi!!! — gritava Sean no que o pouco som saía.
— Não posso dizer que estejam copulando Sr. Queise, mas estão envolvidos de qualquer forma, simbolizando a unidade misteriosa do deus e da rainha que o chama!!!
Sean agora se apavorou mesmo, pelo crop circle estar na Chicago de 1871.
— Vamos embora!!! — Sean ainda sem camisa pegou Ebiere do chão.
— Você mesmo disse que não podemos levá-la Sr. Queise! Ela não vai resistir à viajem.
— Ótimo! Ficamos!
— O que?! — gritou Omana.
— O que?! — gritou Hélder.
— O que?! — gritaram Narciso e Zôra.
— Vamos buscar Lânia, Isadora e Lenny. Talvez Enrichetta tenha voltado ao estábulo. E vamos atravessar a ponte e sair da Chicago incendiada.
— Enlouqueceu? Não podemos mudar os eventos.
— Que eventos?! Que eventos se eu não morri aqui? Então não vou mudar nada sobrevivendo.
— Não! Não! Os alienígenas querem que passemos novas etapas, novas catástrofes... — e foi a vez de Zôra ser erguida pelo vestido que usava.
— Não sei de que droga está falando ‘filha de Trevellis’, mas não vou deixar Ebiere morrer para satisfazer seu contatinho com eles.
— Meu contatinho? Meu contatinho?! — Zôra se alterava. — Nosso contato Sr. Queise!
— Seu contato! Seu e de seu pai! — e Sean se pôs a correr com Ebiere nos braços.
Omana, Hélder, Bonilha e Narciso começaram a correr atrás dele. Zôra e Bantuh ficaram para trás no que ele a segurou enquanto todos se afastavam.
— Mejuffou! Não pode deixar que algum de nós morra.
— Sinto muito Bantuh. Mas você ouviu Narciso. Ele decifrou o número nove.
Bantuh arregalou os olhos que mais pareciam duas contas brancas no rosto em pânico.
— Mejuffou! Está dizendo que três de nós deve morrer?
Zôra se aproximou dele.
— Não sou eu quem faz as regras do jogo Bantuh. E você melhor do que ninguém sabe que não podemos ir contra as ordens da colônia — e Zôra se foi.
Bantuh arregalou os olhos novamente e um décimo terceiro viajante os observava, tão assustado quanto.
Bantuh correu e alcançou Zôra.
— Mejuffou!!! Mejuffou!!!
E Zôra o calou no que estancou.
— Não se atreva a falar para ninguém. Ouviu?
Bantuh só concordou com um movimento de cabeça sabendo que ela leu-lhe a mente.
Mas não sem antes olhar para trás e dar de cara com Sean e Ebiere desmaiada nos braços. Ele havia chegado ali mais rápido do que Bantuh imaginava.
— Você o viu, não Bantuh?
— O crop circle onde... — ia perguntar.
— O décimo terceiro viajante!
E uma lufada de fogo lançou-se sobre eles. Casas e prédios vieram abaixo.
— Ahhh!!! — gritaram todos, indo ao chão.
— Vamos morrer!!! — gritou Omana.
— Não estou enxergando nada!!! — Narciso desesperou-se.
O fogo avermelhava a noite e o cheiro de morte se alastrava em meio a fumaça espessa que dominou tudo.
— Vamos!!! — Sean deixou Bantuh e levantou Bonilha do chão. Depois pegou Ebiere novamente e partiram. — Precisamos voltar para onde está Lânia, Lenny e Isadora!!!
Eles correram como podiam. Sean olhou para o lado sem enxergar direito.
— Onde está Narciso?! — gritou.
Zôra parou. Rodeou Bonilha, Omana, Hélder, Sean com Ebiere nos braços e Bantuh, a procura dele.
— Não sei!!! Ele estava conosco, não estava?!
— Ele estava... — Sean tossiu pela fumaça espessa que os atingiu. —, estava com o pé machucado... — e Sean voltou a largar o corpo de Ebiere com Hélder e voltou correndo.
— Sean?! — gritou Zôra. — Volte aqui!!! — mas Sean corria em meio ao caos. Desespero e morte no ar impregnado de fuligem que tomava conta da Chicago antiga. — Sean?! — tossia e gritava atrás dele.
Bantuh correu junto e Bonilha, Hélder com Ebiere, e Omana não viram alternativa a não ser segui-los outra vez.
— Sr. Queise?! Dra. Zôra?! — gritava Bonilha quase não respirando.
Sean não parava, ele havia tido aquela visão. Não acreditou quando ela se materializou. Estancou quase sendo derrubado por Zôra que se chocou com ele. Os dois assistiram os segundos finais do Ph.D Narciso Amorin que morria queimado às suas frentes.
Zôra virou o rosto e protegeu-se da cena no peito nu de Sean que sentiu uma mescla de dor e desespero.
— Vamos!!! — gritou Bantuh os puxando.
— Não!!! — Zôra tossia muito. — Temos que levar o corpo dele!!!
— Como?! — tentou Sean se fazer ouvir perante o barulho de gritos de gente correndo, morrendo. — Ia deixar Ebiere viva para trás e vai levar um corpo queimado?!
— Não discuta Sr. Queise!!! — ela gritava. — Não podemos sair daqui sem deixar ninguém!!!
— Mas disse que...
— Controle-se!!! — e seu berro o calou.
— Vamos!!! Vamos!!! — Bantuh os puxou novamente sem que Sean tivesse alternativa a não ser fugir e abandonar o corpo de Narciso.
Ele então se virou e os sete voltaram a correr em meio à massa cada vez mais desorientada; crianças, mulheres e homens feridos ao longo do caminho.
Havia muita fumaça, e eles mal conseguiam respirar nas ruas estreitas em chamas.
— Lânia?! — gritou Zôra ao vê-las.
— Zôra?! — chamou Lânia.
Zôra a viu. Correu para o outro lado da rua. Lenny e Isadora estavam apavoradas com tudo.
— Vamos!!! — tossia. — Temos que sair daqui!!!
Sean chegou com Bantuh, Omana, Hélder, Ebiere e Bonilha. Ele estranhou não mais ter ouvido o estampido da arma.
— Tem algo errado!!!
— Com o que Sean?!
— Com o túnel professora!!!
— Merda! Por que diz isso, Sr. Queise?!
— Não sei Lenny!!! — o barulho do fogo era ensurdecedor. — As pedra-pomes que caíram antes, as pessoas calcinadas em quem tropecei na praia, o jornal antes do ciclone, o garoto eletrocutado e agora um incêndio acontecendo na hora exata de Chicago!!!
— Vamos!!! — o crispar das chamas eram ensurdecedoras. — Temos que sair daqui!!!
— “Girando”?! — Isadora olhou Sean.
— Não, Sra. Gastón. Vamos sair daqui sem ir embora, até Ebiere se curar e encontramos a Dra. Enrichetta!!! Precisamos tentar deixar passar o incêndio e fazer os próprios alienígenas abrirem a fenda para nos tirar daqui!!!
— Para então chegarmos à nave Sean bonitinho?!
Zôra impactou e Sean só encarou Isadora que se divertia com aquilo.
— Ficou louca Zôra?! — gritou Lânia com ela.
— Zôra sempre quis isso, pois!!! — Bonilha completou.
Sean se aproximou de Zôra e Bantuh se pôs entre os dois sem que nenhum dos dois movesse um único músculo do lugar.
“É o exoesqueleto que você quer, não?” pensou Sean.
Zôra arregalou os olhos e não respondeu. Sean sorriu cínico começando a compreender o jogo da filha de Mr. Trevellis.
Lânia olhou para os lados.
— Onde está Narciso?! — Lânia tirou o paletó que Bonilha lhe dera e o colocou em Sean.
— Eu sinto... — Sean a olhou com toda atenção.
— “Ohm!” Game over!!! — exclamou Isadora as gargalhadas.
— O que é aquilo?! — apontou Bantuh logo adiante e o som da tragédia não deixava eles se ouvirem direito.
— The Randolph Street Bridge!!!
— As pessoas estão atravessando-a!!! — Isadora começou a correr para ela.
— Vamos também!!! — Zôra a seguiu.
O GPS bipou. Todos nove correram para a ponte, menos Sean que estancou com a mão no bolso da calça. Ele não sabia que o GPS era capaz de bipar. Tinha certeza que nem ele nem Gyrimias haviam feito qualquer modificação assim.
Sean olhou para o céu avermelhado, tomado pela fumaça e pouco ou nada enxergou. Mas Spartacus se comunicava com ele. Olhou o GPS novamente, as coordenadas estavam fragmentadas:
— 41.88570184240471º N e 87.63773343282949º O — leu e percebeu que Spartacus o mandava um pouco mais longe das coordenadas originais e Sean olhou em volta reconhecendo aquela cena; as chamas e a ponte incendiada. — Litografia de Currier & de Ives mostrando o povo fugindo através da ponte da Rua Randolph. Droga! — e Sean correu com a multidão. — “Em toda parte espanar, fumar, flamas do calor, trovão pela queda de paredes, pelo crispar do fogo, silvar da água, rugir dos motores, zurrar das trombetas, rugido do vento, confusão”, falou um sobrevivente.
Sean era empurrado, sem conseguir nem se quer colocar os pés no chão, tamanha era a massa de gente que se aglomerava nela. Sean se agarrou numa corda e conseguiu estancar.
— E agora? — perguntou Zôra agora atrás dele.
Ele se virou assustado com a aproximação repentina dela.
— “Agora”? — ele olhou a massa desesperada correndo. — Eles a atravessaram para fugir do incêndio.
— Sobreviveram?
— Não!
— Sinto muito Sr. Queise, mas precisamos sair daqui.
— Tenho até medo de perguntar ‘como’ Srta. Trevellis.
E ela não fez de rogada. Tocou-o de uma maneira que Sean só entenderia quando acabasse de girar, com todo seu corpo desmantelando-se.
16
37° 3’ 37” N e 94° 31’ 51” W.
A chuva havia molhado o corpo dolorido, desmaiado na poça de água que se formara. Sean abriu os olhos e primeiro veio a imagem de uma grama bem cuidada, úmida, depois alguns carros estacionados perto dali e crianças assustadas olhando o corpo sujo e vestido como se voltasse da missa. Por fim, o som do burburinho da rua, casas lotadas de gente e as crianças perto dele.
— Oi? — perguntou uma delas em inglês. — Você está bem?
Sean tentou abrir a boca, mas ela parecia que havia sido triturada. Tudo doía.
As crianças se olharam e saíram correndo. Sean tentou se erguer, mas o chão parecia mais confortável.
“Droga!” soou por todo corpo a pouco desmantelado.
Sean se ergueu enfim. Ergueu-se e arregalou tantos os olhos que por pouco não volta ao chão. Ele estava no meio de um bairro residencial, com carros modernos, atuais, e muitas casas com antenas parabólicas. Agora voltou ao chão por sua vontade, e com as pernas amolecidas se arrastou para detrás de um carro estacionado.
Tentou ler as coordenadas no GPS; 37° 3’ 37,99” N e 94° 31’ 51,38” W.
— Missouri? Droga! Se isso aqui for Joplin — Sean olhou em volta seguindo as regras do jogo dos insectóides. —, então isso aqui não vai ser nada bom.
Sean se ergueu novamente. Deu alguns passos capengas e depois correu. Precisava se afastar dali antes das crianças darem o alarme de um homem caído. Correu e as placas dos carros confirmavam; ele estava em Joplin. E se fosse uma Joplin de 2011, então um catastrófico tornado de vórtices múltiplos, categoria F5, atingiria a cidade no final da tarde de domingo, 22 de maio, como o tornado a atingir a maior largura máxima, quase uma milha, 1,6 km, durante o seu caminho através da parte sul da cidade.
Sean precisava achar os outros.
— Sr. Queise... — sussurrou Omana com os olhos arregalados e um resto de hambúrguer na mão. — Venha! Acabamos de comer.
Sean correu até ela e ambos se dirigiram para o estacionamento da lanchonete.
— Onde conseguiram roupas? — Sean a viu de jeans e camiseta branca.
— Nos varais.
Ambos entraram na lanchonete:
— Não me diga que hoje é 22 de maio — falou Sean para Lenny no que a viu. Lenny só apontou o relógio eletrônico na parede e Sean leu-o. — Droga! — depois viu que duas mesas estavam ocupadas; numa mesa Zôra, Bantuh, Lânia e Bonilha, na outra mesa, Lenny, Isadora, Hélder e Ebiere parecendo adormecida. Sean e Omana sentaram-se à mesa de Zôra. — A Dra. Enrichetta?
— Ainda não a vimos Sr. Queise. E se o corpo de Narciso não veio junto, então o dela também não virá.
— O que há com Ebiere?
— Ela não acordou.
— Está viva?
— Respirando Sr. Queise.
— Droga! E agora?
— Se Lenny estiver certa, e me parece que vai estar, já que participou disso tudo — Zôra olhou a metereologista. —, então temos que escapar antes do final da tarde.
— Não podemos! — exclamou Sean e um ‘Oh!’ correu entre eles. — Os insectóides nos querem aqui e fugir antes do tornado destruir Joplin não vai nos ajudar muito.
— Merda! E vamos passar por tudo aquilo de novo? — Lenny arregalou os olhos.
— Estava aqui em 2011?
— Eu escolhi estudar meteorologia por causa disso aqui. Minha casa ficava, ou fica — olhou para fora da lanchonete pela janela. —, há dois quarteirões daqui.
— Corremos, pois, o risco de darmos de encontro com uma jovem Lenny, Sr. Queise?
— Não sei o que dizer Dr. Bonilha.
— Chame-me só de Bonilha, pois. Pelo menos nós dois podemos extinguir tais doutorados.
— Será bem vindo, Bonilha — Sean olhou para os lados.
— Então qual o próximo passo Sean?
— Entender como conseguimos entrar na fenda que abro girando após aquele som de estampido, apesar da distância entre nós quando a fenda abre e fecha.
E todos olharam para Zôra, que agora perdeu a paciência.
— Isso é complexo!
— Porque se fosse simples, os alienígenas não teriam escolhido a Enrichetta — Omana se enervou.
— Só estou querendo dizer que os alienígenas têm nossos marcadores genéticos. Então não há como não viajarmos juntos.
— O Sr. Queise apareceu doze horas depois em Pompéia, vocês três horas depois em Bengala. Diga-me então o que não estou entendendo? — o grandalhão Hélder também se enervava.
— Nada sei sobre o tempo de cada um Hélder.
— Então também não deve saber por que os ‘marcadores genéticos’ de Narciso ou de Enrichetta não foram trazidos — provocou Isadora.
Zôra olhou Bantuh que olhou Zôra. E Sean viu aquela troca de olhares.
— Venha! — Lânia pegou Sean na mão. — Venha comer um hambúrguer — e ambos sumiram de vista.
— Nossa! Aquela encalhada não perde tempo — Isadora se irritou.
— E você morre de inveja, não Isadorazinha? — Omana não perdeu a chance.
— Cala boca sua aleijada.
E Omana saltou de uma mesa noutra quando seu corpo parou no ar. Zôra imediatamente a voltou onde estava sentada, antes que alguém no restaurante visse.
— Nem pense em destruir o equilíbrio Omana.
— Mas foi ela...
— Controle-se! — Zôra fuzilou a ambas. — Vamos embora daqui antes que algum parente de Lenny resolva vir aqui matar a fome.
Lânia e Sean viram todos se levantando e foram atrás. Alcançaram a rua cheia de carros e pessoas aparentemente inertes ao futuro delas.
— Está bem! Próxima etapa? — perguntou Isadora a Zôra.
— Se a ideia dos alienígenas é passar por catástrofes então vamos buscar abrigo.
E Sean gargalhou com gosto e todo nervoso que lhe dava direito.
— O que? — Sean encarou Zôra. — Acha mesmo que eles estão empreendendo todo esse teatrinho conosco para nos ver nos proteger debaixo de pontes e bunkers Srta. Trevellis?
— O que propõe Sr. Queise?
— Por que acha que proponho algo Srta. Trevellis? — e a chuva desceu sobre eles.
— O que foi isso?
— Massa de ar instável, cisalhamento do vento e um gatilho.
— Um o que?
E um estampido levou todos ao chão.
— Ahhh!!! — gritaram os dez viajantes.
Depois a sirene da defesa civil que soou em Joplin.
— Sean? — Lânia arregalou os olhos.
— 20 minutos para o tornado nos atingir professora.
Todos se olharam e Zôra encarava Sean que encarava Zôra.
Hélder apertou mais o braço em torno de Ebiere e Omana espremeu os olhos perante o silêncio.
— Sean? — insistiu Lânia.
— E nós, como muitos moradores de Joplin, não vamos atender.
Todos voltaram a se olhar e Zôra ainda encarava Sean que encarava Zôra quando o céu escureceu e um tornado se fez.
— Sean? — a voz de Lânia ficava cada vez mais apreensiva quando o tornado tocou o chão. — Sean? — e as sirenes tocaram incessantes.
— Quanto tempo, pois?
— Estimados 38 minutos do início ao fim Bonilha. E testemunhas oculares e caçadores de tempestades irão relatar que vários vórtices girarão em torno de nós.
— Sean? Por favor, não!
— Sinto professora.
E todos olharam em volta, para ele, em volta e Zôra ainda encarava Sean, sabendo que ele a desafiava quando a parte sul, densamente povoada, sentiu os ventos do tornado que inclinavam árvores numa intensidade F0.
— Vamos avisá-los, pois! — Bonilha se enervou.
— Não podemos! — Zôra só olhava Sean.
— Podemos então nos avisar merda?
— Ninguém vai telefonar para Damaraland, Lenny.
— Merda! Merda!
Sean e Zôra ainda se olhavam e o vento e a chuva já começavam a balançá-los, quando vórtices se juntaram e a intensidade do vento se tornou um F1.
Pessoas e carros se agitaram em meio às sirenes enlouquecidas.
— Vamos nos abrigar! — a chuva molhava todos e Hélder sentiu que Ebiere escorregava de seu abraço. — Por favor, Sr. Queise, ela não vai aguentar.
— Todos vão aguentar Hélder. É essa a proposta dos insectóides.
— Mas eles querem o que? Ver-nos levantar do chão por um tornado?
— Não sei o que eles querem Hélder. Pergunte a Srta. Trevellis.
Mas Zôra só o observava.
— Mejuffou?
— Cale-se Bantuh! — foi o que ela respondeu e o tornado continuou a se fortalecer, e como ele rasgou, outras subdivisões de tornados rasgaram e tocaram o solo.
Gritos e correria se intensificaram e Sean, Zôra, Bantuh, Lânia, Isadora, Omana, Lenny, Bonilha, Hélder e Ebiere permaneciam ali, no meio da rua tumultuada, no meio do buzinaço, gritos e correria, com a chuva caindo em meio a carros sendo abandonados.
— Vamos nos proteger! — e Hélder correu arrastando Ebiere paralisada.
Zôra ainda encarava Sean, e Isadora e Omana correram como podiam, sem muita orientação quando o tornado se dividiu em mais vórtices que tocaram o chão atingindo intensidade F2.
— O que quer provar Sean?! — gritou Lânia a fim de ser ouvida.
— Nada... — falou calmamente.
— Ahhh... — e Lânia correu para se abrigar sendo seguida por Lenny e Bonilha, que via ali, entre Sean e Zôra, algo que ele não poderia participar.
Bonilha então pegou no braço de Bantuh para levá-lo, mas ele se desvencilhou quando placas, semáforos e árvores balançaram loucamente.
— Mejuffou?
— Vá! — Zôra deu a ordem e Bantuh seguiu Lânia, Lenny e Bonilha quando mais um, dois, três tornados tocaram o solo se juntando com intensidade F3.
— Devia ir com eles Srta. Trevellis!
— Não vou a lugar algum Sr. Queise!
— Como queira!
Ambos sorriram e pedaços de placas, telhas e cercas de madeira e placas de gramas e carrinhos de bebe, e todo tipo de brinquedos saíram do chão.
Numerosas casas sendo destruídas e vários veículos sendo lançados ao redor, sobre eles e o grande e fenomenal tornado cruzou a Schifferdecker Ave, produzindo sua primeira área de danos como F4, com vários edifícios comerciais, escolas, igrejas bem construídas sendo destruídas.
O final da tarde de domingo, 22 de maio de 2011 se acentuava e Sean e Zôra eram balançados de um lado a outro quando um pedaço de madeira se tornou uma lança e os atingiu sem atingi-los; Sean havia levantado a mão e o pedaço de madeira parou no ar.
— Por que não fez isso na Era do Gelo?
— Meus dons não me alcançaram.
— E por que acha que os tem agora?
— Não morremos, morremos? — sorriu-lhe cínico e o pedaço de madeira seguiu outro caminho.
O vento castigava e eles mal conseguiam abrir os olhos para ver árvores, postes de energia, carros, destroços molhados pela chuva, arrancados pelo vento sendo lançados para um lado e outro e eles ainda em pé, no meio do asfalto.
— O que eles querem Sr. Queise?! — gritava agora Zôra para ser ouvida. Treliças de aço deformadas, retorcidas, enroladas como papel quando outro som tornou-se tão ensurdecedor que nem mil locomotivas atingiriam tamanha força hertz. — Conhecer nossos dons?! Mas que tipo de dons Sr. Queise?! Segurar no ar pedaços do que nos podem atingir?! Não!!! Eles querem mais!!! — e casas eram desmanteladas, levantadas pelo ralo e giradas até fazerem parte do tornado que alargava, até que ambos entraram dentro dele.
— Ahhh!!! — o som era ensurdecedor e a dor da velocidade da água dilacerava suas roupas fazendo suas peles sangrarem.
— Vamos morrer!!!
— Não!!! Não vamos!!!
— Estou sendo chicoteada pela água Sr. Queise!!! O que mais quer provar?!
— Por que sempre acha que quero provar algo Srta. Trevellis? — e o tornado tocou o chão com a intensidade F5 em meio a gritos, lamurias, casas, corpos e Enrichetta estava dentro do vórtice.
— Enrichetta!!! — apontou Zôra.
Sean esticou a mão e tentou alcançá-la, mas a distância dela ia além da metragem terráquea. Todo o tornado tocava o solo e carregava energias, mortos, e mais gritos, mais lamurias e Enrichetta.
— Não!!! — gritava Sean tentando inclinar a força do tornado que arredondou, voltou ao formato de funil e novamente arredondou.
— Sr. Queise?! O que está fazendo?!
— Ajude-me!!!
— Não pode interferir, lembra-se?!
— Não!!! Enrichetta vai escapar!!!
— Ela já não está entre nós!!!
— Não!!! Não!!!
— ‘Não’ falo eu!!! Não pode interferir no tornado ou mais gente dos que as 550 pessoas registradas, vão morrer!!! E nem vão se ferir apenas 1150!!! Vamos matar todos!!!
— Não!!! Não!!!
— Solte o vórtice Sr. Queise!!!
Mas Sean não o soltava e a velocidade atingiu 320 km por hora quando o concreto do piso do estacionamento rasgou metros e metros de piso, sendo erguidos pela força do tornado que arrancou vergalhões de concreto e os lançavam 60 jardas de distância, cruzando o ônibus escolar, jogado dali numa garagem de ônibus das proximidades; paredes de tijolos maciços, janelas e portas arrancadas.
Uma montanha de destroços, e corpos, e o céu se abriu levando Sean ao chão enfraquecido, sangrando, ferido por tudo que passou por ele. Zôra também estava agachada, com a adrenalina ainda pulsando nas veias.
— Conseguimos?
Sean olhou em volta.
— Não sei o que responder... — e Sean só viu destruição.
— Vamos! — ela se ergueu com a roupa em trapos. — Temos que encontrar todos e... — e Zôra girou no que Sean tocou-a.
17
Hotel Damaraland; Damaraland, Namíbia.
Sala de refeições.
24 de outubro; 12h21min.
O gerente Kaunadodo parecia ser o único que gostava daquela situação. Havia equilíbrio nos nove. Kelly estava encostada à janela da sala de refeições onde um precário almoço foi preparado por Lumumba.
— Srta. Garcia? — Oscar a viu paralisada, olhando o céu da janela.
— Senhorita Kelly Garcia? — Gyrimias também tentou uma comunicação.
— O Sol está brilhando lá fora... — ela falou com a voz arrastada.
— O Sol está o quê, Srta. Garcia?
— O Sol está brilhando lá fora — Kelly repetiu.
Emiko estava atrás dela.
— Ela está surtando? — perguntou Mr. Trevellis com sua impecável ironia.
— Não! O Sol realmente está brilhando — disse o paleontólogo japonês.
Oscar passou por ela sendo seguido por Yerik, Paolo, Emiko, Kaunadodo, Lumumba, Gyrimias, depois seguido por Mr. Trevellis carregando Kelly. E os que lá fora do Hotel Damaraland chegaram mal podiam acreditar.
Havia Sol, calor, pássaros voando.
— De onde...
— De onde eles vêm? — Gyrimias completou Emiko.
Oscar correu com toda sua idade e capacidade, perante o calor de quase 44º que fazia no deserto da Namíbia, para dentro da suíte de número quatro, e o ventilador girava com toda força.
Ligou o notebook e códigos indecifráveis corriam pela tela. Sean se comunicava com Spartacus.
Kelly entrou logo depois.
— Por que nove?
Oscar sentiu um frio percorrer-lhe.
Ela havia entendido algo.
— Narciso decifrou o crop circle.
— Ele já havia decifrado.
— Não. Ele o fez lá.
— “Lá?”
Oscar se virou para ela.
— Eles têm que estar como nós, em número de nove viajantes.
— Por quê?
— Para o jogo funcionar.
— Mas Palakika disse antes de morrer que Narciso havia decifrado treze.
— Na época parecia estar funcionando.
— Mas Yerik foi expulso do jogo.
— Porque havia alguém mais lá.
— “Alguém?” — agora Kelly teve medo. — Quem é esse alguém?
— Ainda não captei os pensamentos de Sean.
— E o Senhor pode?
— Por que acha que não? — se virou para ela.
— Não acho nada Sr. Roldman. Não com a genética de ambos.
E Oscar ainda a encarava.
— Mr. Trevellis não pode saber.
— Ele não lê pensamentos.
— Não. Ele não lê — ergueu o sobrolho.
— E acha que vou contar porque Sra. Nelma me obriga a contar tudo?
— Não a estou julgando Srta. Garcia. Conheço os dons de persuasão dela — e deu dois passos que Kelly recuou. Oscar percebeu que ela não o tinha em muito respeito. — Não sou eu quem deve temer Srta. Garcia
— Não! São os números da matemática do caos, porque nove significa que alguém mais vai ser expulso do jogo — e Kelly se virou saindo.
Oscar sorriu cínico. Sabia que Kelly era inteligente, capaz de tudo, e que fora escolhida por Nelma há muito tempo, que Mona ajudara na escolha dela, da geóloga trazida da Espanha para Sean se apaixonar por ela.
E que Sean sabia sobre aquilo.
18
51° 24’ 20” N e 30° 3’ 25” E.
Sean abriu os olhos. Estava caído num chão cimentado, coberto por folhas secas. Em volta, o silêncio.
Ele se ergueu com a roupa ainda úmida e toda cortada pela fúria do tornado e se viu num lugar abandonado, com uma roda gigante decrépita, carrinhos de bate-bate envoltos por folhas secas, debaixo do que já fora um teto de placas de metal e amianto, agora enferrujado, rodeados de mais e mais brinquedos corroídos pela ferrugem e uma coleção de prédios a sua esquerda, abandonados.
As pernas amolecarem pela viagem inusitada, mesmo sabendo que fora Zôra quem abriu a fenda daquela vez. E ele ficaria muito feliz em saber que ela sofria também. Sean se tocou, percebeu que seu rosto estava ferido, suas mãos e braços e procurou o GPS, mas ele não estava no bolso da calça. Olhou em volta nervoso, chutando folhas e coisas ali há muito abandonadas e encontrou o GPS aos pés de Isadora.
Daquilo ele teve medo.
— Parece que somos somente nós Sean bonitinho.
Daquilo ele também teve medo.
— Dê-me o GPS, Sra. Gastón.
— Não! — sorriu perigosa e sua mão o agarrou de uma forma que Sean levantou do chão de folhas secas.
Ele lançou os braços para cima e se soltou dela enfiando quatro dedos endurecidos na garganta dela com um golpe de Krav Maga que transferiu o peso na força da explosão e fez Isadora tossir, tentando respirar.
Isadora caiu de joelhos, desesperada para o ar subir e Sean correu.
Mas ela só o olhou e Sean dobrou no ar.
— Ahhh!!! — e foi lançado longe, com seu corpo rolando, rolando e rolando. Quando Sean acabou de rolar ele estava sangrando ainda pelas feridas do tornado e viu Isadora se aproximando dele. Esticou a mão, mas o GPS não se moveu da mão dela. Sean olhou Isadora sorrindo e se aproximando e voltou a desejar que o GPS viesse até ele, mas nada se moveu. — Eu deveria... ter medo de você, não Sra. Gastón?
— Deveria? — e ela gargalhou de uma maneira assustadora.
Sean se levantou e caiu. Levantou-se novamente e caiu. Levantou-se e correu.
Tudo estava vazio, e não era só de pessoas era um esvaziamento existencial vindo da tristeza, da fuga; tudo estava morto literalmente. E ruas vazias, carros abandonados, bicicletas, escolas, igrejas; aquilo era uma cidade fantasma.
Ele olhou para cima e tentou se comunicar com Spartacus, mas nada conseguiu. Olhou para trás e viu Isadora se aproximando. Entrou num dos edifícios vazios, e escadas e paredes descascadas, portas e maçanetas em decomposição; tudo morto.
— Droga! Droga! — Sean sentia que todos seus ossos, os 206, haviam sido afetados. Como ele fez com Dalton, seu corpo havia sido dobrado. — Droga! Droga! Droga! — Sean subia degrau após degrau, ganhando andar após andar, visitando corredores e apartamentos abandonados; lá jornais com as consignas do Partido Comunista, livros de marxismo, jogos infantis de inspiração militar e escudos da URSS. Cansando, sentindo suas forças esvaecerem até alcançar o 9° andar e lá invadir a porta de ferro enferrujada que abriu para um telhado para então ver que estava realmente numa cidade sem vida. — Droga... — quase não respirava quando viu Isadora chegar ali volitando.
Sean olhou para cima e um relampejo de energia o atingiu feito um raio, tomando conta de seu corpo que vibrou e fez Spartacus se mover poucos segundos de graus. Sean foi ao chão de joelhos pela descarga elétrica e a informação chegou ao notebook dele, na suíte de número quatro do Damaraland Hotel, onde Oscar Roldman observava Spartacus se movendo.
— Ele conseguiu? — a voz forte de Mr. Trevellis ecoou no silêncio do quarto.
— Não sei... — soou de um Oscar Roldman tenso.
— E você e seu filho ficam sem saber algo?
— Não somos tudo isso, Trevellis.
— Zôra?
— Spartacus não conseguiu rastreá-la. Há algo interferindo.
— O que?
— Radiação!
— Oscar... — e Mr. Trevellis deu um passo e calou-se.
E não foi nenhum dom paranormal que fez Mr. Trevellis parar de falar; foi pura emoção. Ele saiu do quarto e encontrou Kelly ali parada. Mr. Trevellis passou por ela e um silêncio maior se fez ali.
Já Sean tinha problemas. Ele se levantou a fim de correr de volta à porta e Isadora levantou a mão o fazendo paralisar. Ela sorriu malévola e mostrou-lhe o GPS como numa troca.
— Tire!
E Sean não precisou de dons para saber o que ela queria.
— Está brincando não?
— Você sabe que não brinco com sexo Sean bonitinho. E sabe que somos do tipo que precisam de sexo desesperadamente, então tire a roupa. Preciso do seu sexo.
— Não Isadora, você precisa da minha energia. A que retira durante o ato sexual.
— O que Sean bonitinho? Com medo?
— Sabe que não tenho de vocês, do tipo que você é.
Isadora gargalhou mais perigosa ainda e toda sua pele alaranjou.
— Tire! — soou um pouco mais forte.
E Sean olhou para cima novamente e outro raio desceu até o piso da cobertura, caindo aos pés de Isadora.
Ela gargalhou com gosto.
— Acha o que Sean bonitinho? Que pode me atingir com um desses seus raiozinhos?
— Quem disse que era para atingir você Sra. Gastón? — e outro raio caiu em Sean o fazendo sumir dali.
Isadora arregalou os olhos e estava sozinha na cobertura do edifício abandonado.
— Ahhh!!! — berrou Isadora furiosa e correu até o alpendre para ver que Sean se teletransportara para baixo, e corria pela rua deserta, por entre carros e tudo mais que havia sido deixado ali. — Ahhh!!! — berrou outra vez.
Ela então saltou os nove andares, e caiu no chão que estremeceu toda rua, todo quarteirão e fez Sean se erguer do chão, metros adiante e a ele voltar na onda evanescente que ela provocou.
— Droga! — foi só o que ele exclamou vendo Isadora correndo atrás dele, sabendo que ela era do tipo que não se machucava facilmente.
Mais edifícios se fizeram a sua frente, um conjunto de dez, com não mais que seis andares. Havia um pátio central onde as entradas dos edifícios se encontravam. Lá um parque com balança, escorregador, gira-gira e muitos papéis, garrafas pet, e coisas que com certeza levariam mais tempo do que o normal para se deteriorar naturalmente, e tudo ficou no escuro no que o céu avermelhou e raios brotaram dele.
— O que está fazendo Sean?! — berrava Isadora chegando perto.
Sean parou e olhou para cima sabendo que não era ele quem fazia aquilo quando um, dois, cinco, dez raios atingiram o solo.
— Droga!!! — berrou ele tentando escapar da chuva elétrica que caía sobre eles sabendo que aquilo não era nada bom; não num solo ainda faltando 900 anos para se livrar da radiação.
— Vamos Sean bonitinho. Para que correr? Isso só vai dificultar nossa copula.
“Copula?” aquilo sim era assustador.
Sean entrou num dos edifícios abandonados, num dos dez edifícios ali à sua frente, e sentiu que toda sua energia se esvaecia rápido demais, que estava sangrando, sem alimentação e descanso, e com dor pelo corpo, numa cidade fantasma sob um céu radioativo.
Desejou e conseguiu se teletransportar do primeiro ao segundo andar. E do segundo ao terceiro quando todo seu corpo foi espremido contra a parede.
— Ahhh!!!
— Eu disse que não corresse!
— Está me machucando...
— Vou fazer mais que isso — e sua mão atingiu as calças úmidas dele.
Sean arregalou os olhos azuis para a parede onde estava sendo espremido, imprensado pela força paranormal dela, e todo seu corpo vibrou no que sua calça foi retirada.
— Não faça isso Isadora... Não faça... Ahhh... — e todo seu corpo se excitou no que ele viu pelo canto dos olhos, Zôra beijando cada parte do corpo, agora nu, dele.
— Ahhh... Sean bonitinho... — e Isadora voltava a ser ela, para então ser Kelly.
— Não... Não... — e Sean se excitou mais ainda com Kelly lhe tocando das maneiras mais libidinosas possíveis. — Não faça Isadora!
— Não sou Isadora! Sou Kelly!
— Não Isadora...
— Ahhh... — Isadora se excitava, o imprensando mais ainda contra a parede que fez estremecer de uma maneira, que lascas dela foram ao chão.
— Não Isadora... Há radiação em tudo que tocamos, não vê?
— Cale-se! — e o corpo dela se projetou entre ele e a parede, onde ainda estava imprensado pela força paranormal dela.
Sean arregalou os olhos azuis para uma Kelly alaranjada.
— Não... Não... Se você conseguir tirar energia tântrica de mim...
— Cale-se! — e uma Kelly alaranjada lambia as feridas do rosto dele.
— Não... Não... Vai abrir nossos corpos para... Ahhh... — e estava difícil se concentrar em sobreviver, com seu corpo nu sendo arrastado contra o corpo nu dela. — Não Isadora... Não...
— Cale-se Sean!
— Não... Vamos ficar radioativos se... — e seu sexo foi agarrado por Isadora que o colocou dentro dela. — Ahhh... Não!!! — agora Sean se enervou, ele nunca havia permitido que a verdadeira Kelly o fizesse, nunca se permitiu amá-la com medo da perda; amizade, Computer Co., o mercado, sua família — e Sean sumiu.
Isadora abriu os olhos voltando a ser a ruiva atrevida e se viu nua, sozinha no corredor do terceiro andar, sabendo que ele havia subido e volitou, o encontrando no telhado do edifício, vendo que ele não tinha para onde fugir se não teletransportar outra vez. Mas Sean estava cansado, com forças e emoções minadas, sangrando sob um céu de chuva elétrica que ensurdecia ambos, sabendo que a morte era a única maneira de sair de tudo aquilo.
E antes que Isadora o alcançasse, ele pulou a mureta e se jogou.
— Sean?! — gritou Isadora no telhado.
— Sean?! — gritou Lânia na rua, o vendo cair.
Isadora se jogou atrás dele e antes que Sean tocasse o chão, Zôra ergueu a mão e ele parou a milímetros do chão.
— Enlouqueceu?! — gritou Zôra com a roupa também destruída pelo tornado e ela viu Sean que riu até Zôra o largar no chão e ele realmente cair a poucos centímetros dele.
Isadora então alcançou o chão fazendo tudo tremer outra vez e Lânia e Zôra caíram quando dois, cinco, oito raios tocaram o chão.
— Ahhh!!! — gritaram todos.
— Corram!!! — Sean, Zôra e Lânia correram e se protegeram debaixo de uma marquise mais corroída que seus pares.
Isadora então se aproximou firme, e alaranjada e Lânia e Zôra não esperaram qualquer explicação, correram com Sean correndo atrás delas para o mais longe que podiam de Isadora quando mais dez, doze raios tocaram o chão.
— Ahhh!!! — gritaram Sean e Zôra, atingidos pela tempestade elétrica.
— Sean?! — desesperou-se Lânia.
E Sean foi ao chão com todo seu corpo em curto circuito quando Isadora o levantou do chão, com ele ainda vibrando.
— Eu disse para não correr não disse Sean bonitinho? — e Isadora ergueu a mão com a energia renovada pelo sexo dele, e lançou o corpo de Zôra e Lânia longe que ficou rolando, rolando e, rolando.
Folhas, restos de uma coisa e outra, muito sangue, e Isadora tinha Sean preso em sua mão, uma mão de tamanho triplicado, preso a um braço de tamanho triplicado e um corpo triplicado e alaranjado.
— Eu realmente... — Sean mal respirava. —, devia ter medo, não?
— Por quê? Essa ‘Isadora’ não lhe excita mais?
— Não quero... — e tossiu pela mão na garganta que não deixava pensar nem respirar. —, não vou discutir com você...
— Vai discutir com a filhinha protegida do papai? Vai discutir com a secretariazinha? Ou talvez com a professora encalhada? — e Isadora largou Sean, no que foi ao chão desmaiada.
Sean arregalou os olhos azuis e viu Lânia suja e arranhada, com um ancinho enferrujado na mão.
— Ela mereceu... — suas mãos ainda tremiam.
Sean não se deu ao trabalho de responder. Verificou o corte na cabeça de Isadora e verificou se ela ainda vivia, enquanto o corpo dela voltava ao tamanho natural.
Depois tirou o GPS das mãos dela e se comunicou com Spartacus, não gostando do que leu.
— O que mostra o GPS Sr. Queise? — Hélder que apareceu do nada.
— Onde estão os outros Hélder?
— Não sei Sr. Queise. Cheguei à coisa de uma ou duas horas, dentro de um caminhão abandonado.
— Tudo está abandonado Hélder.
— O que o GPS mostra Sean?
— 51° 24’ 20” N e 30° 3’ 25” E, professora — Sean os viu esperando mais. — Pripyat, Ucrânia. E pelo estado fantasmagórico do Parque de Diversões aonde cheguei, e o resto desses edifícios, estamos perto da fronteira com a Bielorrússia, onde fica a central nuclear de Chernobyl; lugar onde ocorreu o maior acidente nuclear da história, em abril de 1986.
— Minha nossa santíssima — Lânia foi ao chão sentindo-se fraca.
— Mas isso não faz sentido, Sr. Queise. Os alienígenas querem se adaptar aos desastres naturais e esse foi considerado o maior erro humano cometido.
— Desastres Hélder. Essas são as regras do jogo deles.
— Você vem de uma família de cientista não Hélder?
— Sim Dra. Zôra! Minha família vivia aqui em Pripyat, até o incidente, o único desastre que pontuou sete na Escala Internacional de Eventos Nucleares, o INES. Quando a Ucrânia se separou da então União Soviética, nos mudamos para Munique.
— Então Lenny morava em Joplin, na época do tornado e Hélder morava aqui? O que não estou entendendo Sean? — e Lânia viu Isadora acordando e levantou o ancinho em posição de defesa.
— Não faça isso professora! — Sean viu Isadora arregalar os olhos para Lânia e toda sua pele se alaranjou novamente.
— O que... — falou Lânia.
— O que... — falou Hélder.
Os dois se afastaram e Isadora caiu novamente.
— Ela está fraca.
— E o que a fortalece Sr. Queise?
— Sexo.
— Ah! Não esperava mesmo ouvir outra coisa — e Zôra gargalhou para então olhar Sean e Hélder sérios e Lânia ainda em choque. — Ah! Desculpe-me! Não estou brincando. Eu sabia que Isadora é uma alienígena.
— Sim! O alienígena que contou a Mona e sobre o ‘contato’.
Lânia arregalou os olhos para Zôra e Sean, e Hélder nem isso fez no que embranqueceu.
— Estávamos esse tempo com um alienígena perto de nós Zôra?
— Mona disse que ela não era perigosa Lânia.
— Não. Nenhum um pouco — Sean viu ela se virar para ele. — Ah! Desculpe-me! Estou brincando. Eu sabia que Isadora é uma alienígena.
— Como... — Lânia olhou Zôra que fuzilava Sean pela ironia. — Mas por que meu pai... Mas por que meu pai...
— Seu pai havia me avisado para que não me descuidasse com Isadora, que ela era perigosa. Só não imaginei que...
— Não conseguiu lê-la Sean?
— Nem todos ficam tão disponíveis assim professora — e ele ainda encarava Zôra que não gostou de ser encarada.
— E você dormiu com ela mesmo assim? Quanta frieza Sean! — Lânia se virou e foi embora.
Sean nada falou e Zôra pegou Isadora pelo colarinho da blusa e a arrastou sem querer ter ouvido aquilo.
— Vamos achar os outros — foi só o que a entomologista disse.
— E como sabe que eles vieram Dra. Zôra? — a língua de Hélder se descolou da boca.
— Sei!
— Claro que ela sabe! Porque os alienígenas nos querem em número de nove, não Srta. Trevellis?
— E como saber se algum de nós não morreu no tornado de Joplin? — Lânia ainda olhava Isadora alaranjada sendo arrastada por Zôra e a ideia de sexo de Sean com uma alienígena. — Eu havia corrido para uma igreja, quando depois todos ali, fomos levados para um abrigo subterrâneo.
— Eu também consegui um bunker num posto de gasolina para onde levei Ebiere — completou Hélder. — Depois apareci aqui sem ela.
— E você Zôra? Onde se protegeu? — Lânia quis saber ao vê-la com as roupas rasgadas como Sean e com marcas de cortes pelo rosto e braços.
Mas Zôra só escorregou um olhar para Sean que nem isso fez.
— Numa escola! — mentiu.
Zôra prosseguiu a frente deles arrastando uma Isadora desmaiada, enfraquecida e alaranjada e Lânia rasgou um pedaço da sua blusa para Sean limpar o sangue do rosto, que lhe agradeceu.
— Acha que ela é um deles Dra. Zôra? — perguntou Hélder.
— Não doutor.
— E como sabe? — Sean a desafiava.
— Sei!
Sean sabia que ela responderia aquilo.
Os cinco continuaram por metros, e nada nem ninguém. Zôra resolveu voltar aonde Sean aparecera.
— Acha que a cidade foi evacuada há muito tempo Sean? — Lânia olhava um lado e outro e só desolação.
— A maior parte da radiação foi emitida nos primeiros dez dias, professora. De 26 de abril a 04 de maio de 1986. Então 1800 helicópteros vieram e jogaram cerca de 5000 toneladas de material extintor, como areia e chumbo, sobre o reator que ainda queimava.
— Me lembro de que dia 05 de maio a radiação cessou, mas papai resolveu evacuarmos mesmo assim — emendou Hélder. — Então a radiação voltou dia 15 de maio, quando apareceram novos focos de incêndio e emissão radioativa. Então em 12 de dezembro de 2000, depois de várias negociações, a Usina de Chernobyl foi desativada.
— E em que ano acha que estamos Sean?
— Não sei professora... Não há nada aqui vivo ou funcionando... — e um uivo de lobo os calou.
— A não serem os lobos... — falou Lânia.
— Vamos procurar um abrigo para dormir. Não vai ser nada bom sermos devorados por lobos — anunciou Zôra.
— Ah! Não se preocupe ‘filha de Trevellis’, os alienígenas não vão deixar que nos machucassem porque somos nove.
Zôra largou o corpo de Isadora no chão e se virou furiosa para Sean que na duvida parou de falar.
— Pouco se fala do desastre ocorrido em 26 de abril de 1986 — Hélder tentou aliviar a coisa e Zôra, ainda furiosa e encarando Sean, agarrou Isadora pela blusa e voltou a arrastá-la. Hélder prosseguiu. —, mas o local passou a ser um dos maiores santuários de preservação animal, tendo grande quantidade de lobos, veados, castores, águias e outras espécies apesar da destruição e da radioatividade.
— Eu li que trabalhadores vêm todos os dias de Slavutich, uma cidade construída longe daqui, para se assegurar que o material radioativo que ainda está aqui seja mantido em segurança.
— A zona de exclusão em torno de Chernobyl tem um raio de 30 quilômetros, onde trabalham cerca de 3.500 pessoas.
— Então onde eles estão Dr. Hélder?
— Os ‘liquidadores’, ou profissionais de diferentes especialidades que combateram a catástrofe, ainda formam um contingente de mais de duzentas mil pessoas na Ucrânia e devem... — e o som de um tiro os levou ao chão, os desacordando.
51° 23’ 20” N e 30° 06’ 25” E.
O ferro cantava estridente no encaixe, de tanta força que era empregada. As crianças brincavam e havia barracas de doces, som e muitas luzes. A grande roda gigante girava e uma leva de crianças animadas acabava de abandonar os carrinhos de bate-bate. Mais a frente, uma fila de crianças animadas esperavam sua vez quando Sean, Zôra, Lânia, e Hélder acordaram.
Zôra se ergueu em alerta e Sean olhou um lado e outro e viu que era o lugar onde aparecera anteriormente.
— Estão todos bem?
— Isadora ainda está desacordada.
— O que... O que aconteceu Sr. Queise?
Sean olhou o GPS.
— 51° 23’ 20” N e 30° 06’ 25” E... Meu Deus... Estamos dentro da área de Chernobyl ativada.
— Como assim ‘área’? — Lânia se esticou vendo as crianças brincando, o céu aberto e um dia lindo despontando ali. — Como assim ‘ativada’?
— Mais que merda está acontecendo aqui? — Lenny se aproximou dos cinco.
— Dra. Lenny? Onde você estava?
— Estava? Acabei de abrir os olhos Dr. Hélder.
O grandalhão Hélder se aproximou e ia tocar na testa dela para ver por que ela estava avermelhada, como em febre, e Sean segurou a mão dele. Hélder olhou Sean segurando sua mão e voltou a olhar Lenny assustada e avermelhada.
— Está sentindo algo Dra. Lenny?
Lenny se tocou e nada sentiu.
— Não Dr. Hélder! Por quê?
Hélder voltou a olhar Sean, que olhou Zôra, que olhou Lânia, que não tirava Isadora desmaiada de sua vista.
— Sábado, 26 de abril de 1986, à 01h23min58seg, hora local, o quarto reator da usina de Chernobyl, conhecido como ‘Chernobyl-4’, sofreu uma catastrófica explosão de vapor que resultou numa série de explosões, e um derretimento nuclear — a voz de Hélder era de emoção.
Lenny olhou um e outro.
— Estamos em Chernobyl?
— Como você viveu em Joplin, Hélder viveu aqui — falou Lânia.
— Você viu os outros?
— Não Sr. Queise.
— Droga! Acho que voltamos no tempo dentro do tempo.
— Aparecemos depois da explosão e voltamos antes, Sean?
— Sim professora.
— Como pode?
— A tempestade elétrica! — exclamou Hélder entendendo o desastre natural que o jogo proporcionava.
— Acha que foi uma tempestade desses raios que caíram que destruíram Chernobyl-4?
— Há alguma controvérsia sobre a exata sequência de eventos após 01h22min30seg Dra. Lânia, devido a inconsistências entre declaração das testemunhas e os registros da central, é que a ONU estima que cerca de 4000 pessoas, morreram de doenças relacionadas com o acidente. Contudo, a versão mais comumente aceita é que a primeira explosão aconteceu aproximadamente à 01h23min47seg, sete segundos após o operador ordenar a parada total.
— Mas a primeira teoria publicada em agosto de 1986, atribuía a culpa aos operadores da usina.
— E a segunda teoria publicada em 1991, atribuía o acidente a defeitos no projeto do reator RBMK, especificamente nas hastes de controle.
— Os dois, pois. Para falar a verdade — completou Bonilha se aproximando com Bantuh e Omana carregando Ebiere ainda desacordada.
Hélder correu e a pegou no colo. Todos perceberam que ele estava apaixonado.
— Ela parou de sangrar?
— Não há nenhum sinal vital nela. Sinto Dr. Hélder — falou Omana.
Hélder chorou.
— Precisamos enterrá-la Hélder — falou Sean.
— Entendo! — foi só o que exclamou o apaixonado físico.
— O que houve com Isadora? — perguntou Omana para a paleontóloga desmaiada e alaranjada.
— Chuva elétrica — foi Zôra quem falou.
Sean, Lânia e Hélder não a desmentiram.
— Merda! Vamos ter que carregar mais uma desacordada?
— Cale a boca desbocada — Lânia se irritou.
— Mas que merda! E você ainda a defende depois de tudo?
— Controlem-se! — Zôra teve que se impor outra vez. — Precisamos sair daqui e procurar abrigo. E não será qualquer abrigo. Na madrugada de hoje para amanhã, estaremos mortos pela radiação.
— Havia alguns bunkers contra radiação na cidade. É que ninguém sabia o que ia acontecer quando a equipe operacional planejou testar, se as turbinas poderiam produzir energia suficiente para manter as bombas do líquido de refrigeração funcionando, no caso de uma perda de potência até que o gerador de emergência fosse reativado — falou Hélder. — Então, para prevenir o bom andamento do teste, foram desligados os sistemas de segurança e o reator teve que ter sua capacidade operacional reduzida para 25%.
— Mas o procedimento não saiu de acordo com o planejado, pois.
— Não Dr. Bonilha. Ninguém podia prever que o nível de potência do reator cairia para menos de 1% e por isso a potência teve que ser aumentada.
— Porque trinta segundos depois do começo do teste, houve um aumento de potência repentina e inesperada e o sistema de segurança do reator, que deveria ter parado a reação em cadeia, falhou — falou Sean.
— Sim Sr. Queise, em segundos, o nível de potência e temperatura subiram tanto que o reator ficou descontrolado e houve uma explosão violenta.
— O que fez a cobertura de proteção de 1000 toneladas não resistir e a temperatura de mais de 2000° C, o que derreteu as hastes de controle e fez o grafite que cobria o reator incendiar-se e o material radiativo começou a ser lançado na atmosfera — reiterou Sean.
— Mas por que os alienígenas querem que passemos por esse desastre, pois? — Bonilha quis saber.
— Também já nos perguntamos isso Bonilha. E a resposta é adaptação.
— Mas já jogamos duas bombas em Hiroshima e Nagasaki Sr. Queise — afirmou Lenny. — E tudo se consertou.
— Se consertou? — Lânia se alterou. — Onde você vive Lenny? Até hoje há locais sem...
— Lenny... Lânia... — Bonilha esperou as duas, o olharem. —, a explosão ocorrida aqui teve força superior a quatrocentas vezes as bombas lançadas sobre...
— Tem haver com o exoesqueleto! — e Sean tirou todos de seus pensamentos.
Um ‘Oh!’ surgiu ali.
— Eles querem testar o exoesqueleto deles aqui em Chernobyl Sean?
— Não sei ao certo professora. Sementes de trigo retiradas do local produziram mutações, mas a soja parece ter se adaptado à alta radiação. Então não sei se os insectóides estão querendo saber, se o comportamento da radiação neles ou nos seres vivos é mais parecido com o trigo, ou com a soja.
— Mas onde está o exoesqueleto, pois?
— Não sei Bonilha.
— Mas você sabe tanto para não saber nada filho de Oscar.
— Então você que tudo sabe, filha de Trevellis, deveria responder a questão do porque você querer o tal exoesqueleto.
— Eu nunca disse que o queria. Sou uma entomologista. O quero estudar.
— Para ajudar as formiguinhas do nosso planeta? — e Sean foi esbofeteado por ela.
Outro ‘Oh!’ e Sean ficou furioso com ela.
— Acho melhor as doutoras Zôra, Lânia, Omana e Lenny procurarem o tal abrigo Sr. Queise. Levarão a Dra. Isadora com elas — falou Hélder.
— Concordo... — soou uma Omana em choque com o bofetão de Zôra em Sean.
— Eu, você, o Dr. Bonilha e Bantuh, vamos enterrar a Dra. Ebiere, e procurar comida para passarmos o evento em segurança — Hélder encarou um Sean transtornado. — Até lá, saberemos se os alienígenas vão aparecer ou não para testar os tais exoesqueletos — e o grandalhão Hélder saiu empurrando Sean.
— Isso!
— Sim!
— Também acho! — também foram as respostas.
Os homens saíram juntos e Sean ainda tentava se controlar.
— Não devia provocá-la, pois.
— Não devia estar aqui Bonilha.
— Nenhum de nós teve escolha Sr. Queise, mas sabíamos o risco do tipo de experiência em que nos envolvíamos — também falou Hélder. — A Dra. Zôra, sempre nos alertou. Ela sempre foi honesta quanto a isso. Por isso nos fez prometer que não a abandonaríamos.
— Então vocês sabiam sobre as tais viagens?
— Não! — exclamou Bonilha. — Sabíamos apenas que os insetos alienígenas queriam se adaptar ao planeta Terra, pois, e a Poliu preferiu oferecer ajuda a vê-los nos dizimar.
— Meu Deus! Trevellis ofereceu ajuda? — Sean encarou Bantuh calado.
— Era isso ou não estaríamos no controle, pois.
— “Controle”? E temos controle sobre algo Bonilha? Está vendo realmente algum controle aqui?
E deslocaram-se da área do parque de diversões.
— Eu sinto se foi enganado Sean, mas seu pai Fernando Queise, sabia sobre os riscos quando aceitou financiar isso tudo, pois.
Sean girou os olhos mais descontrolado ainda, ao saber que a Computer Co. estava envolvida.
— O que mais sabem além da necessidade das tais viagens?
— Já dissemos que não sabíamos sobre as ‘tais viagens’. Era para ser uma experiência de contato, controlada, na Era do gelo, para adaptação dos insetos alienígenas ao frio. Por isso o trabalho da desbocada Ph.D Lenny era importante, pois.
— Imaginávamos que os insetos alienígenas estivessem nos avisando sobre uma possível e repentina mudança climática, provocada por uma inversão do eixo terrestre, anunciada pelas profecias Maias para 2012.
— Mas isso não aconteceu.
— Não é o fato de se vai ou não acontecer, é quando — emendou Hélder.
— O que aparentemente se confirmou quando Dalton disse ter estado num lugar com vulcões. E que um novo resfriamento ia acontecer, pois.
— Então Trevellis convenceu a todos vocês que toda essa experiência era para o bem da Terra? — e Sean gargalhou e viu Bantuh calado. — Me prive disso todos vocês.
— Não estamos mentindo, pois. Por isso nos assustamos quando disse que havia ido ao velho oeste e que os insetos alienígenas estavam lá, caçando girafas.
— Qual é a das girafas Hélder? — Sean de repente ergueu o grandalhão físico do chão com as mãos.
— Não sabemos Sr. Queise! A Dra. Isadora ou o que seja ela foi trazida pela Poliu. E não estamos mentindo, já que nem a Dra. Lânia sabia que ela era uma alienígena alaranjada.
Bonilha estancou:
— ‘Uma’ o que, pois?
Sean devolveu Hélder ao chão, o fuzilando.
— O Dr. Bonilha precisa saber o que vai acontecer se Isadora acordar, Sr. Queise. Porque ela vai estar furiosa com todos nós.
E Sean nada mais falou. Deixou Hélder contando a Bonilha as novas enquanto alcançavam a rua, por onde eles haviam fugido de Isadora.
Lá o prédio de nove andares, mais adiante o conjuntos de edifícios residenciais de seis andares, habitados; mais à frente, um modesto comércio.
— Incrível! — exclamou Sean de repente. — Estive aqui quando cheguei. Tudo estava morto e desolado. E agora...
— Agora também não é muito. Isso aqui era uma cidade construída para abrigar cientistas, trabalhadores e suas famílias, então não vai haver muito comércio disponível Sr. Queise — falou Hélder.
— Vamos ter que tentar tudo Hélder.
— Lá! — apontou Bantuh para um mercado ao lado de uma farmácia.
— Muito bom Bantuh! Temos que conseguir comida e remédios. E também roupas igual aos dos trabalhadores locais, para nós e para as doutoras.
Bantuh saiu em busca de roupas.
— Por que segurou minha mão Sr. Queise? — falou Hélder.
Sean parou de andar e o olhou.
— A vermelhidão no rosto de Lenny foi feita pela radiação.
— Mas ela acabou de chegar e a explosão ainda não ocorreu Sr. Queise.
— A sequencia de eventos está sempre fora de ordem, Hélder. Como as pedras-põem antes do vulcão explodir em Pompéia ou as ruas molhadas antes do tornado chegar a Joplin.
— E a moeda de Nero na Chicago de 1870, pois.
— Exato Bonilha.
— Por que acha que isso acontece Sr. Queise?
— Não sei. Mas por mais que os insectóides tentem, não há como se voltar no tempo, no tempo exato do tempo.
— E se tudo que fizemos até agora estiver errado Sr. Queise? E se a Dra. Isadora inventou tudo isso, mentiu esse tempo todo por causa da... — e Hélder foi calado por Sean que desejou que ele se calasse.
Hélder olhou Bantuh voltando com roupas nas mãos e Bonilha ainda esperando o resto da frase, mas Hélder não conseguia falar.
— Vamos pensar assim Hélder... — Sean ainda controlava a mente de Hélder. —, não sabemos exatamente o que fazemos aqui, mas viemos até aqui, correto? Então vamos continuar o tal experimento.
— Acha saudável Sr. Queise?
— Não Bantuh. Não há nada saudável nessa experiência. Mas vamos ter que continuar até descobrir como sair desse jogo e conseguir encontrar uma maneira de chegar até eles.
— Até os insetos alienígenas?
— Sim Bantuh! Caso contrário vamos morrer e deixar que eles se adaptem à Terra.
— Mas Mejuffou não vai permitir.
— Não sei até onde sua ‘Mejuffou’ está envolvida com tudo isso Bantuh, então não vou descuidar um segundo dela — e Sean se aproximou de Bantuh. — Aconselho fazer o mesmo.
Sean os deixou e caminhou até o mercado, entrando e saindo de lá de mãos vazias, depois entrou na farmácia e também saiu de lá de mãos vazias. Os três o olharam voltar e suas mãos se lotaram de sacolas com pá, enxada, comidas variadas, remédios e uma arma carregada. Os três só se olharam. Já Zôra, Lânia, Omana, Lenny e Isadora desacordada chegaram a uma cabana numa floresta. Esperaram quase meia hora até perceberem que a cabana não era habitada.
Omana entrou espirrando.
— Desculpe-me! Sou alérgica a tudo.
Zôra nada falou.
Omana encontrou um lampião e acendeu com o óleo encontrado na prateleira mais alta.
— O que é aqui Zôra?
— Estamos próximo ao Rio Pripyat, Lânia — olhou em volta. —, e pelo montante de material de pesca deve ser isso mesmo, uma cabana de pesca.
— Como Sean e os outros vão nos encontrar?
— Não se preocupe! O Sr. Queise vai nos encontrar — e Zôra foi pura ironia para com a professora.
— Vamos pescar algo? — perguntou Lenny.
— Acho melhor não. Se os eventos estão fora de ordem aqui também, então corremos o risco de nos contaminar.
— Foi isso o que aconteceu a Isadora?
— Não sabemos o que aconteceu a ela Omana. Arrume a mesa e encontre pratos e talheres.
— Você está no comando Zôra?
Zôra se virou para Omana não gostando do tom usado e os homens chegaram.
— Não! Eu estou! — foi Sean quem respondeu com todas aquelas exclamações.
Omana então se virou e nada mais falou.
Abriu portas e gavetas e Lenny também prosseguiu na arrumação.
— Sean? — mas Lânia o abraçou.
Zôra só o observou.
— Enterramos Ebiere professora. Eu sinto por não podermos ter feito isso com Narciso e Enrichetta.
— Eu sei Sean.
— Mejuffou... — Bantuh abaixou a cabeça e entregou a sacola com comida a Zôra.
Sean percebeu que a ela, ele devia obediência.
Quis realmente ter entendido aquilo, mas não captava nada vindo da filha de Mr. Trevellis.
— Trouxemos roupas iguais aos dos trabalhadores locais. Se alguém chegar aqui, diremos que trabalhamos na usina.
Ninguém discordou e cada um pegou uma muda de roupa, sapatos emborrachados e uma toca branca, se trocando. Omana e Lânia trocaram Isadora ainda desacordada e alaranjada. Depois Sean, Zôra, Lânia, Bantuh, Hélder, Omana, Lenny, e Bonilha jantaram.
Um sono começou a bater e Lenny e Omana se aconchegaram num canto, com uma coberta cada uma, e Omana voltou a espirrar.
— O que vamos fazer, pois? — a voz de Bonilha invadiu a noite.
— Esperar! — exclamou Zôra.
Lânia, Sean, Lenny, Omana, Bonilha, Bantuh e Hélder se olharam.
— Mas a usina vai explodir de madrugada Dra. Zôra?
— Não temos alternativa Dra. Omana. Não sabemos o que fazer.
— Sobreviver é uma opção — Sean respondeu.
Ela o encarou.
— O que pretende Sr. Queise? Invadir a usina e não permitir que desliguem o reator?
— Não! Em Pripyat ficava ‘Júpiter’, uma fábrica militar secreta identificada apenas com um número. Camuflada como produtora de gravadores, a Júpiter fazia peças para a indústria de defesa.
— Que tipo de peças Sr. Queise?
— Equipamentos elétricos e eletrônicos Omana.
— Está, pois, querendo dizer algo Sean?
— Sim Bonilha. Estou querendo dizer algo — e Sean encarou Zôra. —, porque esse é o verdadeiro motivo pelo qual os insectóides nos trouxeram a Chernobyl.
— “Verdadeiro”? — perguntou Lânia.
— O que há lá Sr. Queise?
— A gigantesca fábrica está dividida em um complexo de edifícios, com escritórios na parte mais alta — todos olharam Sean sabendo que ele sabia mais que aparentava. —, e localizada no centro do local, está o grande edifício da fábrica, num plano aberto, rodeado por essa série de edifícios menores.
— Que você vigiava através de Spartacus — e Zôra não esperou ele falar mais nada.
— Que eu vigiava através de Spartacus, enquanto Palakika me vigiava através de Spartacus — sorriu Sean mais irônico ainda.
— Então você sabia Zôra? — Lânia não se conformou por mais aquela traição.
— Espere! Espere! — Bonilha se enervou. — Mas se Chernobyl-4 vai explodir...
— Mas a Júpiter não explodiu. E a fábrica não foi permanentemente abandonada após o desastre — e todos olharam Hélder sabendo mais que aparentava. — Ela ainda funcionou por mais dez anos.
— Merda! E a contaminação Sr. Queise?
E foi Hélder quem olhou Sean que olhou Hélder.
— Não sei dizer nada sobre isso, Lenny. Mas sei que a água no chão é altamente radioativa. E que um passo nela e você pode dizer adeus a seus sapatos emborrachados — apontou Sean para os pés dela.
— E ainda quer que nos levar para lá Sr. Queise?
— Sim Omana. Porque Bonilha pode entender o que tem lá.
Bonilha olhou um e outro totalmente confuso.
— Como assim ‘o que tem lá’, pois?
— É! Como sabe tudo isso Sr. Queise? Leu a mente de alguém que trabalhou lá? — Omana se alertou.
— Trabalhou? — Sean riu com gosto. — Achei que a Poliu nunca tivesse abandonado aquilo.
E Zôra ficou realmente incomodada com todos os olhares se voltando contra ela.
— Alguns agentes da Poliu se interessaram por aquele lugar. A Poliu instalou equipamentos lá, já que o local apresentava segurança contra radiação, mesmo com altos níveis de radiação alfa, e talvez vestígios de plutônio em caixas guardadas — Zôra enfim falou.
E todos se olharam.
— Vamos ‘filha de Trevellis’! Vá até o fim!
Zôra se levantou e Lânia a puxou para sentar-se novamente.
— Vá até o fim Zôra.
— Plasma! — Sean não esperou ela falar. — Testes com armas de plasma! Exoesqueletos terráqueos com armas de plasma! Exoesqueletos nossos para se proteger dos exoesqueletos deles. E teste de combustíveis para... — e Sean se ergueu em alerta.
Lânia, Bantuh, Lenny, Bonilha, Hélder e Omana se levantaram também.
— O que houve Sr. Queise?
— Ouviu algo Sr. Queise?
— Por que levantou Sean?
— Perfume professora.
Omana se ergueu toda e encarou Zôra tranquila.
— Octanol!
E raios laser enegrecidos invadiram a cabana.
— Ahhh!!! — gritaram todos e copos, vidros, comida e medicamentos em cima da mesa explodiram com os raios que os acertaram.
— Se protejam, pois!!! — gritava Bonilha.
Sean alcançou a bolsa de medicamentos e Zôra a puxou para ela.
— Dê-me o revolver Srta. Trevellis!!! — gritou ele.
— Não podemos atirar... — falou calmamente.
— Dê-me Srta. Trevellis!!!
— Dê o revolver a Sean, Zôra!!! — se enervou Omana quando ela saltou de onde estava e Zôra ergueu a mão e ela voou longe.
— Já disse que não podemos atirar... — e mais raios laser explodiram tudo.
— Ahhh!!!
— Vamos morrer Srta. Trevellis!!!
— Se atirarmos, vamos morrer — insistia ela calmamente.
E mais laser explodiu.
— Sim, vamos morrer!!! Parabéns, Srta. Trevellis!!!
E a luz do lampião a óleo explodiu fazendo óleo quente cair e iniciar um incêndio.
— Ahhh!!! — gritava Lânia e Lenny ficando reféns contra a parede.
— Apague o fogo!!! — Sean perdia o controle com a filha de Mr. Trevellis.
— Apague você!
— Chega Zôra!!! Agora não é hora para... Ahhh!!! — e Omana foi tomada pelo fogo. — Ahhh!!! — ardia em chamas.
E Zôra ergueu a mão e a água, que veio de algum lugar, e em grande quantidade, cobriu a cabana.
— Ahhh!!! — todos foram tomados pela parede de água que caiu e atravessou as telhas, apagando o fogo em Omana que caiu desmaiada.
— Meu Deus!!! — Sean correu e alcançou a sacola de medicamentos quando ela sumiu das suas mãos. — Não faça isso Srta. Trevellis!!! — berrou Sean agora totalmente descontrolado.
— Dê os medicamentos a Sean, Zôra!!! — berrava Lânia.
— Não posso...
Sean correu e alcançou a porta quando Zôra ergueu a mão e ele foi lançado sobre Bonilha e Lenny. Lânia aproveitou a distração sabendo que Zôra não podia ler-lhe e pegou a bolsa, tirando e escondendo o revolver na blusa do uniforme, e pegando os medicamentos, correu até Sean que se arrastou até Omana, que com a roupa e a pele queimada, entrou em choque anafilático.
— Sean?! — Lânia se desesperou.
Sean abriu uma injeção de adrenalina e injetou na barriga dela para evitar a queda da pressão arterial ou a obstrução respiratória e Omana abriu os olhos os fechando depois.
— Pare Sr. Queise! — Zôra viu Sean e Lânia a olharem. — Sabe que ela não pode sobreviver!
— Doutora?! — Bonilha se enervava com ela.
— Sinto Bonilha! Mas eu estou no comando!
— Que comando, pois?! Vamos é todos morrer!!!
— Não Bonilha! Um de nós tem que morrer!
— Quê?! — gritava Lenny. — Ficou louca, merda?! Tínhamos que ser nove não tínhamos?!
— E temos que ser nove Lenny! — Zôra em compensação não parecia se abalar. — Pare de gritar!
— Pare de gritar?! Pare de gritar?! Merda!!! Estamos em nove!!!
— Não! Estamos em dez Lenny... — e um novo ataque a laser explodiu as vidraças de vidro da cabana.
— Ahhh!!! — gritaram todos no que vidros e estilhaços atingiram a todos sem exceção, e Bantuh viu sua perna esquerda se tomar de sangue no que três estilhaços de vidro cortaram-lhe a carne.
— Mejuffou!!! Mejuffou!! — berrava descontrolado e Sean o puxou com a força do pensamento até onde ele estava e arrancou um pedaço da camisa dele fazendo um torniquete, para então arrancar os vidros.
— Deixe Omana morrer Sr. Queise!
— O que?!
— É Omana ou outro de nós!
Sean olhou Lânia, que olhou Lenny, que olhou Bantuh, que olhou Bonilha, que olhou Hélder, que olhou Isadora desacordada.
— Então deixe a Dra. Isadora morrer!!! — berrou Hélder.
— Isadora não morre Dr. Hélder! — exclamou Zôra e um novo ataque arrancou telhas fazendo-as despencar sobre eles.
— Ahhh!!!
— O que eles estão fazendo?!
— Nos forçando a sair!
E mais explosão de raios enegrecidos se fez.
— Ahhh!!! — gritaram todos.
— Vamos sair daqui merda!!! — e Lenny correu para a porta quando um novo ataque explodiu-a. — Ahhh!!! — gritou Lenny e a porta e ela, foram lançadas longe pela nova explosão.
— Ahhh!!! — gritaram todos outra vez.
— Maldita!!! — Sean espumava de raiva. — Você sabia que nós éramos o alvo deles!!!
— Não se altere Sr. Queise! Eu não sabia que... — e o som de algo pesado, metálico, quebrando árvores, galhos e estremecendo o chão se fez, silenciando a todos.
Sean não teve alternativa a não ser teletransportar todos no que um insectóide em seu exoesqueleto negro invadiu a cabana. Ele entrou e toda sua estrutura negra brilhou de satisfação, ao ver a cabana vazia, no que o reator de número 4 explodiu.
51° 21’ 04” N e 30° 07’ 55” E.
— Ahhh!!! — gritaram Sean, Zôra, Lânia, Bonilha, Hélder e Bantuh no que seus corpos foram lançados contra a parede de metal enferrujado.
Juntas, vieram Isadora, Lenny e Omana desacordada.
— O que... O que... — e Bonilha não conseguiu terminar a frase.
Sean se levantou, correu e caiu. Levantou-se, correu e caiu sentindo-se mais fraco que nunca. Arrastou-se e verificou que o corpo de Isadora continuava alaranjado e ela ainda estava desacordada. Havia pulsação, mas como o corpo alienígena dela funcionava, ele não tinha a mínima ideia. Depois verificou Lenny e ela acordou no que ele a tocou.
— Onde... Onde... — e Lenny vomitou.
Sean trocou olhares com Hélder e ambos sabiam que Lenny fora exposta a algum tipo de radiação.
— Acalme-se Lenny. Saímos da cabana.
— Omana? — Lenny apontou para o corpo caído mais distante e Sean correu.
Omana não respirava.
— Droga!!! — explodiu.
— Acalme-se você agora, Sr. Queise — Hélder deu uma pancadinha no ombro em sinal de conforto.
Mas não havia conforto ali, nem Sean se sentia confortável com que o que acabara de fazer.
— Você girou Sean? — Lânia percebeu aquilo.
Sean só olhou Zôra. E ela sabia que ele não havia girado. Que ele controlava aquilo, o teletransporte.
Ele se odiou por ter sido pego.
— Por que não nos disse Sr. Queise?
— Disse o que Hélder?
— Isso que fez fazendo...
— Hélder! — exclamou Lânia ainda zonza. — Vamos deixar isso para lá — e se virou para Sean. — Sabe onde estamos Sean?
Sean tocou-se ainda atordoado e o GPS estava no bolso.
— 51° 21’ 04” N e 30° 07’ 55” E!
— Então nos movemos um pouco?
Sean olhou o grande espaço abandonado, de paredes de ferro enferrujado e muita água empoçada.
— Provável estamos na Júpiter pós explosão, e pós abandono.
E Lenny saltou do chão ao se lembrar da água contaminada.
— Merda! Então estamos em algum ano depois de 1996?
— Provável!
— E agora? O que o Dr. Bonilha tem que fazer aqui?
— Não sei Hélder. Mas ele é bioquímico e os insectóides querem algo com ele.
— Mas achei que ele estava estudando formaldeído, para os motores das naves — Lânia olhou um e outro.
Sean então se aproximou de uma Zôra calada, que fazia um curativo na perna ferida de Bantuh.
— O que a Poliu fazia aqui Srta. Trevellis?
— Parou de me chamar de ‘Zôra’? — provocou-o.
— O quê?! — se alterou.
Zôra se ergueu e o encarou.
— Não gosto da intimidade de como me chama, Sr. Queise. Nem permito que grite comigo. Estou no comando.
— Não sou seu subordinado, ‘Zôra’! Nem trabalho para a Poliu.
— Tem tanta certeza assim?
— Chega Zôra! Chega Sean!
— ‘Chega’ não professora. Não é motor de nave que Bonilha vinha fazer aqui — Sean ainda encarava a bela morena filha de Mr. Trevellis.
— Vinha fazer aqui? — perguntou Lenny.
— Vinha fazer aqui? — perguntou Lânia.
— Vinha fazer aqui? — perguntou Hélder.
Bonilha olhou um e outro e largou os ombros.
— Estive aqui mês passado, pois.
— O que?
— Como?
— Merda! Por que não nos disse Bonilha?
Bonilha esperou Lânia, Hélder e Lenny se exaltarem.
— Depois do desastre de Chernobyl, diferentes tipos de pesquisas foram realizadas a fim de determinar, exatamente como a precipitação radioativa afetou a química da flora e da fauna, mas até hoje, quase trinta anos mais tarde, não é totalmente conhecida como.
— Merda! — explodiu Lenny. — Omana era botânica!
Lânia olhou Zôra para então olhar o corpo morto de Omana que Sean também havia trazido.
Hélder se levantou a procura de algo para enterrá-la.
— Não podemos enterrá-la Hélder — Sean viu Hélder parar. — Se tocarmos nessa terra, os produtos usados pela Poliu vão nos matar.
— A Dra. Omana esteve aqui com você Dr. Bonilha?
— Sim Dra. Lânia.
— O que faziam?
— Estudávamos carcaças, pois.
— Exoesqueletos nossos ou alienígenas?
— Não Dra. Lânia. Carcaças de insetos em geral.
— A ‘outra entomologista’ Felicity Bertizzolo também esteve aqui?
— Sim Sean.
— Adaptação... — soou de um Bantuh apavorado.
— A crença diz que quanto menor o tempo de vida de uma espécie, mais rápido ela se adapta ao ambiente alterado, mas se assim fosse de fato, todos os insetos, roedores e aves menores de Chernobyl estariam totalmente adaptados — falou Sean.
— O que obviamente não estão, merda — Lenny abriu os braços, nervosa.
— Um estudo realizado em 550 indivíduos de 48 espécies diferentes de aves, feito por uma equipe de pesquisadores da Noruega, França e USA, mostrou que o tamanho médio dos cérebros dessas aves ficou de cerca de 5% menor do das aves que não residem na zona de exclusão — falou Zôra.
— Aves estressadas têm a capacidade de alterar o tamanho de alguns dos seus órgãos, a fim de tornar-se menos sensível a condições ambientais difíceis, e especialmente aves migratórias que viajam longas distâncias, muitas vezes encolhem certos órgãos para o uso de energia, pois — falou Bonilha.
— Mas o cérebro é, no entanto o último órgão a ser sacrificado pela radiação, o que praticamente deixa aumento da radiação de fundo como a única razão plausível para isso — completou Hélder.
— Que tipo de estudos fazia aqui Bonilha?
— Durante a minha estadia na zona, notei que insetos como mosquitos, pareciam ser significativamente maiores do que mosquitos médios, e que também suas picadas coçavam tudo, pois.
— São observações subjetivas, Bonilha — retrucou Zôra. — Não pode conceder a precisão destas.
— A radiação afetou, pois, as substâncias da saliva dos mosquitos fêmeas que normalmente causam coceira, Dra. Zôra.
— E toda uma floresta ficou vermelha após a explosão — Lânia olhou um e outro.
— O que é Bonilha? Ser mordido por um mosquito de Chernobyl não vai te machucar mais do que ser mordido por um mosquito dito normal. A exposição à radiação não afetou as espécies nem as transformou em mutantes, ameaças a outras espécies, ou um ‘Spiderman’ da vida real.
— Por que Trevellis acha que a radiação pode mudar o exoesqueleto de formigas terráqueas?
Agora Zôra se enervou com Sean.
— Como você é ridículo Sr. Queise! Meu pai nunca quis formigas mutantes.
— Seu pai é capaz de qualquer coisa para dominar os insectóides Zôra. E ele sabe que a flora reage de forma diferente à radiação do que a fauna. E você sabe disso tão bem, que aceitou fazer parte desse jogo ridículo de... — e o som de um tiro os tirou dali.
19
Hotel Damaraland; Damaraland, Namíbia.
Sala de leitura.
25 de outubro; 11h11min.
A sala de leitura do Hotel Damaraland estava vazia, e fazia um estranho frio com o cair da tarde. A temperatura parecia ter voltado ao normal e as comunicações também. Oscar temeu pedir que alguém da região viesse e descobrisse corpos enterrados. Resolveram não chamar mais ninguém até ver como tudo funcionaria, já que Kaunadodo disse que daria conta da cozinha e cada um cuidaria de sua suíte.
— Vai fazer alguma coisa, calculo? — Mr. Trevellis não parecia vir com voz de bons amigos.
Oscar ergueu o sobrolho da agenda que lia para ver Mr. Trevellis.
— Deveria dizer o mesmo de você, Trevellis?
— De mim? — Mr. Trevellis riu sentando na poltrona macia, após encher uma xícara com um chá borrento, mas de bom aroma. Depois o grande homem de pele jambo deixou cair os olhos sobre a agenda nas mãos de Oscar. — Está lendo a agenda de...
— Zôra! — completou Oscar Roldman com gosto.
Mr. Trevellis deixou cair por terra qualquer sinal de boas vizinhanças e cerrou o cenho.
— Como conseguiu isso?
— Estava no cofre de professor Dr. Antenor.
— Cofre de Zôra.
— Que seja.
— Dê-me!
— Por que não me contou sobre a mãe de Zôra?
Mr. Trevellis arregalou tanto os olhos que sua face jambo alargou-se pelo exercício.
— Você não... Você não... Você não... Zôra é...
— “É”?
— Especial!
Oscar viu Mr. Trevellis olhar para agenda e Kelly ia entrando na sala quando ouviu o diálogo entre os poderosos e se escondeu.
— Por que nunca me disse Trevellis? — insistia Oscar. — Ou Zôra sabia que você já se relacionava com alienígenas?
Mr. Trevellis caiu em tensa gargalhada, sentindo-se prisioneiro de Oscar Roldman como nunca fora até então.
— Enlouqueceu ou o que?
— O louco sou eu?
Mr. Trevellis parou de gargalhar. Sua feição ficou séria, carregada e ele enfrentou Oscar.
— Dê-me isso! — levantou-se e esticou a mão.
Os dois se encararam.
— Que ideia mais genial a sua que obrigar Mona Foad a ensinar-lhe bloquear a mente, Trevellis. Isso faria com que eu, Sean e Zôra jamais soubessem que ela era filha de uma alienígena.
— Zôra nunca... — Mr. Trevellis perdeu a voz no sarcasmo. — Zôra nunca... — a pele jambo se iluminou. — Ela não podia saber...
— Com todo o poder dela? Com Mona trabalhando um dom ‘especial’ como aquele? Acha mesmo Trevellis?! — gritou.
— Não grite comigo! — Mr. Trevellis sentiu toda sua musculatura retesar. — Zôra é especial. Só isso! E Mona... — falou Mr. Trevellis para um Oscar sob controle. — Ela prometeu-me que nunca contaria.
— Não sei se Mona contou algo, mas a agenda de Zôra é explicita. Ela sabe que é uma híbrida.
— Miserável... — soou da boca trêmula, e Mr. Trevellis caiu sentado com todo seu peso e arrogância na poltrona macia.
— Quem é afinal Zôra, Trevellis?
— Eu e minha esposa Lola estávamos separados, quando eu conheci Stevia.
— É como a chamava?
— Sim. Stevia, minha flor... Dei-lhe um nome mais humano.
Oscar realmente não sabia o que falar.
— Lola aceitou criar uma criança alienígena?
Mr. Trevellis fez um sinal negativo quase imperceptível.
— Ela não sabia — Mr. Trevellis olhou Oscar lhe olhando. — Minhas duas outras filhas, Umah e Dolores, já estavam crescidas, e o fato de uma criança chegar sem esperarmos nos uniu novamente. Zôra aparentemente seguiu o crescimento equivalente aos humanos até fazer quatros anos e começar a desenvolver dons.
— O que Lola fez?
— Descobriu! Confrontou-me! Disse que eu estava tomado pelo poder. Que comandar a Poliu já não me bastava, que eu queria dominar outros mundos. Eu nunca disse que ele era realmente minha filha.
Oscar pigarreou:
— Achei que só Sean fosse capaz de se envolver com alienígenas.
— Não me compare a seu filho! — Mr. Trevellis enervou-se. — Não me envolvo sexualmente com alienígenas por extravagância.
— “Extravagância”? Por que odeia tanto Sean, Trevellis? Vocês são tão iguais — sorriu cínico.
— Amei Stevia como nunca amarei nenhuma outra mulher nessa Terra, Oscar.
— Não quero saber disso!
Mr. Trevellis ergueu o sobrolho. Não entendeu o caminho tomado por Oscar para aquele assunto.
— Fale Oscar! Você não quer seu filho envolvido emocionalmente com Zôra? É isso? — Oscar nada falou, mas Mr. Trevellis já sabia o que ele não falou. E as surpresas só aumentavam para Kelly; porque Zôra ser uma alienígena a petrificou. — Então saiba Oscar amigo velho, que também não quero Sean envolvido com minha filha. Entendeu? — e Mr. Trevellis o olhou desconfiado. — Vai contar a ele que ela é minha filha?
— E por que acha que Sean já não sabe?
— Porque Zôra não sabe que é minha filha.
— Não é o que a agenda diz. Além de Mona a preparando para se comunicar com alienígenas, e ainda acha que sua filha não sabe?
— Você nunca perdoou a Poliu, não é Oscar?
Oscar o encarou furioso.
— “Perdoar”? Só eu tive que fazer sacrifícios nessa vida.
— “Sacrifícios”? — gargalhou Mr. Trevellis. — Como abandonar seu filho na barriga de Nelma? Não assumi-lo as vésperas de seu nascimento? Permitir que Fernando o criasse como um hacker?
— Cale-se! Cale-se! — e as mesas e poltronas saíram do chão e a ele voltaram num estrondo. — Fernando sempre foi um bom homem, nosso amigo. E ele fez melhor que eu faria.
— Wow! — gargalhava Mr. Trevellis recuperando o jogo. — Vai me dizer que não queria tê-lo criado? Dado ‘boa-noite’ todas as noites?
— Chega!!! — Oscar Roldman levantou-se num rompante deixando cair a agenda.
Mr. Trevellis com todo seu tamanho se arqueou para pegá-la tão rápido quanto Oscar com toda sua idade a resgatou.
Mr. Trevellis riu:
— Deixe-me adivinhar, Oscar amigo velho. É sobre Sandy Monroe que vamos falar em seguida?
Oscar Roldman sentiu sua própria respiração ficar pesada.
— Sandy é passado!
— Para quem? — e Mr. Trevellis se levantou dando sinais que já ia.
— Preocupado com Sean, Trevellis? Que notícia...
— Sem ironias Oscar. Estamos no mesmo barco há muito tempo.
— Não navego no seu barco, Trevellis. Nunca naveguei.
— A quem quer enganar? Você não tem escrúpulos, Oscar, como nem Fernando, nem Nelma, nem ninguém da ‘nossa área’ — riu arrumando os óculos escuros que teimavam em cair no suor do momento. — Porque você arrastou Sean para cá, e o arrasta para todos seus casos ‘difíceis’.
Oscar Roldman queria naquele momento fazer mais que usar de palavras para machucar Mr. Trevellis.
— Não fui eu quem roubou uma arma alienígena e obrigou os alienígenas a saírem de sua Ortotênia e vir até aqui resgatá-la.
— Zôra não trouxe nada! Foi o destrambelhado e incompetente do Dalton que...
— A quem acha que vai enganar Trevellis? Meus dons? Porque sei que Dalton não roubou nada. Foi obrigado a fazer a viagem à Era do gelo porque os alienígenas estavam lá testando sua adaptação. E quase foi morto quando os insectóides descobriram que ele estava ali tentando devolver algo.
— Já disse que Zôra não fez nada. Não há como trazer nada do éter já que a viagem é pura projeção.
— Talvez Mona não saiba responder isso, mas Zôra descobriu como fazê-lo. E toda essa experiência de contato ‘amigável’ e ‘controlável’ foi por água abaixo, com os insectóides querendo fazer testes com sua filha, meu filho e os Ph.D, só para se vingar do acordo quebrado pela Poliu.
— Eu não sabia que o incompetente do Dalton ia falhar devolvendo a luva do exoesqueleto. Já disse que não fazia parte do plano chegar tão perto de um exoesqueleto. Tínhamos permissão dos insectóides para estudá-lo, e em troca usaríamos os Ph.D mais hábeis a fim de ajudá-los com o combustível para irem embora, porque disseram que iam embora — Mr. Trevellis explodia. — E eles nunca souberam que estudávamos seus sinais matemáticos, que estudávamos sua energia de plasma, que estudávamos a engenharia mecatrônica do domo que por vezes nos fechavam aqui, que estudávamos a acústica do som que abria as fendas, nem que criávamos um exoesqueleto para nós enquanto testávamos seu combustível contra a radiação, aproveitando o que sobrou de Chernobyl.
— Até Dalton trazer as girafas...
— Não exatamente. Dalton não conseguiu devolver e voltou com a porcaria daquela luva, mas as girafas vieram sozinhas, dias depois.
— O que significa as tais girafas Trevellis?
— Não sei. Victor Hugo não conseguiu ler a mente de Isadora e Domingos morreu, antes de entender toda a biologia de sistemas de Isadora.
— Ou morreu sabendo de tudo, já que estava roubando a luva do exoesqueleto para ele, porque Domingos talvez não tenha descoberto sobre a biologia de Isadora, mas descobriu a biologia de Zôra e que ela devia ser um deles já que vestiu o exoesqueleto e ele se moldou nela.
E Mr. Trevellis despencou o corpo pela emoção, com toda sua glote se fechando e a respiração dificultada para sair dos pulmões. Ele olhou Oscar sabendo que ele sabia que ele estava tendo um ataque. Oscar o tocou e o coração de Mr. Trevellis recebeu uma descarga elétrica fazendo os batimentos cardíacos normalizarem.
— Eu... Eu... Obrigado... — saiu fraco, mas verdadeiro.
Oscar fechou a agenda e jogou contra ele que ainda sentia todo peito doer.
— Eu amo meu filho Trevellis. E por isso estou aqui. Ficou é pensando o quanto de amor você tem por Zôra — e ameaçou sair.
— Oscar... — ainda soava fraco. — Zôra não sabia que todo o exoesqueleto se transportaria com ela, nem que o insectóides dentro dele fosse morrer na travessia. Ela... Ela...
— ‘Ela’ conseguiu desestabilizar o equilíbrio que mantinha estável o fenda pelo qual os alienígenas iam e vinham.
— Ela não teve culpa Oscar... A luva do exoesqueleto se vestiu nela e Zôra fez a viagem pela dimensão paralela quebrando...
— Quebrando o equilíbrio que os mantinham longe de nós. Então eu pergunto, Trevellis; que maldito equilíbrio é esse?
Mr. Trevellis sentia que nada mais seria igual depois daquilo.
— O equilíbrio do formigueiro — Mr. Trevellis ergueu-se e encostou-se à mesa que sentiu o peso excessivo.
— Meu Deus Trevellis!
— Acha que seu filho sabe?
— Não sei o que dizer.
Mr. Trevellis olhou em volta. Seus olhos caíram novamente sobre a agenda de Zôra.
Oscar já sabia de tudo, percebeu.
— Eu nunca quis que Zôra participasse do grupo de espiões psíquicos que Mona Foad comandava na Poliu. Mona foi criada para fazer outros trabalhos.
— “Outros trabalhos”? — Oscar achou graça. — Você criou Mona para fazer seus trabalhos sujos à ‘longa distância’. Criou ‘monstros’ que eram capazes de espiar, vigiar, espezinhar a vida alheia sem sair da Poliu. Capazes de destruir alguém pelo poder da mente, fazerem outros tomar decisões errôneas como ‘se matar’.
Mr. Trevellis piscou nervoso.
— Não induzi Sandy Monroe ao suicídio, Oscar...
— Se Sean sonha... — engoliu a seco. — Se ele sequer sonhar com essa hipótese, Trevellis, a Poliu já era — e Oscar se virou para ir embora.
— O que Sean ia fazer morfando Spartacus, Oscar meu velho?
Oscar parou, engoliu a seco a resposta e foi embora. Não viu Kelly ali escondida porque ela já havia ido embora, mas a sentiu ali, escondida, o tempo todo.
E Kelly havia corrido com toda força e vontade até a suíte de número dois.
— Temos um problema, Gyrimias — Kelly adentrou numa velocidade que fez Gyrimias gritar de susto.
— Senhorita... — Gyrimias correu a colocar o travesseiro na frente do pijama quadriculado que Kelly achou brega, mas, porém nada disse se concentrando em algo que passou pela cabeça dela.
— Sean está em apuros — bebeu toda a água da jarra dele. — E não falo da viagem. Falo sobre Zôra.
— Parcelado o que penso...
— Parcele nada, Gyrimias. Não é ciúme.
— Ah! — sorriu sem graça. — Claro!
— Zôra é alienígena.
— Quê?! — e o susto o fez cair sentado na cama.
Kelly acomodou-se na poltrona a frente dele.
— Temos que acessar os mainframes de Spartacus.
— Como?
— Não sei, mas Sean precisará se comunicar com Spartacus para sair de lá; lá sei lá onde.
— “Precisará”? Mas o Senhor Sean Queise se comunica com ele o tempo todo.
— Se Sean tivesse realmente completado uma comunicação como faz, Gyrimias, já teria voltado.
Gyrimias arregalou os olhos. Entendeu o que ela dizia.
— A Doutora...
— Sabia!
— E como poderemos ajudar? — Gyrimias se inclinou interessando.
— Pelo notebook de Sean.
— Que está na suíte do Senhor Oscar Roldman? — apontou nitidamente apavorado para o nada.
— Sim — sorriu cínica. — Aquele mesmo.
— E o que vamos fazer exatamente?
— Não sei. Mas acredito que Spartacus vai fazer sozinho se você liberar a tal senha que se duplicou.
Gyrimias ficou mais branco que já era.
— Parcelado o que penso, penso que jamais o Senhor Sean Queise lhe diria isso.
— Não! Ele não disse!
— E a Senhorita sabe...
— Eu sei porque era eu quem entrava duplicado.
— Parcelado... Foi o Senhor Sean Queise quem lhe ensinou?
— Não. O Sr. Fernando — e o olhar de Gyrimias fez Kelly recuar. — Isso agora não é importante Gyrimias! — cortou a dor dele. — Spartacus precisa fazer o que sabe fazer, se não o maldito formigueiro não vai conseguir vir a Terra.
— Que maldito formigueiro? O dos insectóides?
— Esse mesmo.
— Mas vamos ajudar a trazê-los?
— Ele já veio Gyrimias, por isso todos aqueles crop circles. Mas deve ter ficado preso no tal buraco negro onde se escondia até então, porque Sean morfou Spartacus de alguma forma que nem minha melhor imaginação feminina alcança.
— Parcelado... — e Gyrimias parou. — Mas se ajudarmos o formigueiro a vir à Terra, isso ajudará o Senhor Sean Queise?
— Nada pode ajudar Sean, Gyrimias a não ser ele mesmo; ele e aqueles poderes de ‘ficção científica’. Mas uma coisa eu sei, se o formigueiro conseguir atravessar a fenda, então os viajantes estarão livres para voltar. E aí, meu querido Gyrimias, o problema passa a ser da Poliu, não nosso.
O nerd Gyrimias Leferi nunca mais seria o mesmo.
20
30° N e 18 O.
O ar ficou pesado, Lânia e Helder foram os primeiros a sentir a pressão em suas narinas.
— O ar... — Lenny arregalou os olhos até avermelharem-se.
— Não respiro... — Bonilha sentiu-se sendo contraído.
Zôra e Sean também sentiram que seus corpos agiam de uma maneira fora do comum quando Zôra ergueu-se com dificuldades e olhou em volta, olhou todos e voltou a olhar em volta.
Estavam numa terra úmida, empapada, cheirando a enxofre.
— Estamos todos aqui?
— Isadora... — apontou Lenny com dificuldades.
— Ela... — e Bonilha sentiu dificuldades para chegar até ela. — Ela ainda tem pulsação, pois.
— Mas que merda há afinal com Isadora, Zôra?
— Não sou médica Lenny. Não volte a perguntar.
Lenny olhou Bonilha que olhou Lenny.
— Você girou Sr. Queise? — falou Hélder.
— Não... — falou Sean sentindo que tudo nele era puro cansaço. — Eu não fiz nada...
— Eu não lhe toquei também. Tenho certeza — falou Zôra.
— Mas ouvimos o som do tiro, não?
— Eu ouvi Sean — sorriu Lânia.
E Zôra não gostava daquilo.
— Deus... — Sean viu a gigantesca floresta fechada onde estavam. — Que plantas são essas?
— Merda! Omana está morta para responder.
— Onde estamos Mejuffou? — falou Bantuh.
— Não sei...
— Ainda estamos em Chernobyl?
— Não... — Sean olhou em volta ainda sentindo dores pelo corpo. — Isso é uma floresta de coníferas. De sequoias gigantes, diga-se de passagem.
— Sim... Enormes, pois — falou Bonilha dobrando todo o pescoço para olhar para cima.
— Lenny o que é esse cheiro?
Lenny olhou o céu de uma cor azul até então nunca vista.
— Parece... — Lenny fungou e fungou. — Parece enxofre Lânia.
— Na verdade... — fungou Bonilha. —, é uma mistura de dióxido de carbono e dióxido de enxofre, vinda erupções vulcânicas maciças.
— Sean — Lânia deu a mão para ele levantar-se. As roupas dele encharcavam-se da água insalubre. — Você precisa dormir um pouco.
— Todos precisam Lânia — agora Zôra não se segurou.
— Mais Sean que todos. Ele nos teletransportou daquela cabana para aquela fábrica. Isso o desgastou.
E Sean até queria retrucar Lânia, bancar o comando de Zôra e girar de volta para Damaraland, mas estava mesmo debilitado, fraco.
— Merda! E todo esse esforço de nada adiantou. Fomos tirados daquela fábrica antes de saber o que fazíamos ali.
— Acredite Lenny, os insectóides fizeram exatamente o que queriam e não saímos antes de saber algo — soou um Sean cínico.
— O que quer dizer, pois, Sean?
— Você é o bioquímico Bonilha — Sean ergueu o sobrolho. — Traduza o que quero dizer.
Lânia, Lenny e Hélder olharam Bonilha.
— Eu não sei do que ele está falando, pois?
E Zôra se ergueu se aproximando de Sean.
— Do que está falando Sr. Queise?
— Não vai dizer ‘Eu sei’ Srta. Trevellis? Não! Não vai dizer! E não vai dizer, porque não sabe — e Sean viu os olhos dela brilharem.
— Do que é que ele está falando Bonilha?! — Zôra se virou furiosa para ele o fazendo recuar.
— Farinha de aveia seca ou pasta de trigo, pois.
Todos se olharam não entendo o que Bonilha quis dizer.
Só a face embranquecida de Zôra traduziu aquilo.
— Formigas amam substâncias amiláceas, não Srta. Trevellis?
— Farinha de aveia seca ou pasta de trigo... — repetiu Zôra. — Uma vez dentro de seus estômagos, os grãos se misturam com os sucos digestivos e expandem, explodindo e matando as formigas.
— Mas que merda mais ridícula é essa? — e Lenny caiu em risada. — A Poliu com todos aqueles equipamentos de última geração contrataram um Ph.D para fazer veneno caseiro para explodir formigas alienígenas?
— Não Lenny. A Poliu não se deu a esse trabalho. Mas sabia que os insectóides não iam se aproximar disso; não sem morrerem — sorriu Sean para Bonilha. — Porque Etanol é um composto orgânico, obtido através da fermentação de substâncias amiláceas. E Hitler durante a Guerra produzia etanol das batatas para gerar combustível; tudo emergencial.
— Emergencial? — Lânia olhou Bonilha. — E por que precisávamos de tal emergência, se vocês conseguiam sair de Damaraland e ir a Fábrica Júpiter?
— Como você, Lânia, recebo ordens, pois. Fiz o que me mandaram fazer, mesmo sabendo que ganhei meu Ph.D desenvolvendo mais que álcool de batatas.
— Mas mais que isso, não Bonilha? — Sean queria atingir Zôra Trevellis. — Um pouco de levedura selvagem e o etanol C2H5OH se torna metanol CH3OH, incolor, semelhante ao etanol, mas que no seu processo metabólico, oxidado pela enzima catalase, transformasse em aldeído fórmico HCOH e acido fórmico HCOOH. E não foi você Srta. Trevellis, quem fez questão de rir de Kelly e sua bebida bombástica de formol? — e Sean voltou a olhar todos. — Contudo, incrível como a própria natureza se ajuda, não? Porque basta injetar o etanol no sangue e ele oxida-se no lugar do metanol; e o que antes podia causar uma cegueira só vai dar uma bela enxaqueca.
— Aonde quer chegar Sean?
— Eu? Em nenhum lugar professora. Porque a coisa era simples assim... Como todo equipamento dos insectóides, exoesqueleto, naves, e tudo mais eram controlados por atividades do cérebro do alienígena, ele também recebia sinais sensoriais da máquina e produzia ele próprio o combustível do seu exoesqueleto. Mas como nós não pudemos nos dar ao luxo de nascer insectóides, então nós, íamos ter que criar nosso próprio combustível caso... — e Sean parou.
— Caso o mundo terminasse e nós íamos ter que começar a nos adaptar de novo, produzindo algo longe da sofisticada dessulfurização de gás combustível fóssil, que contém enxofre, que provável era no que se tornaria nosso querido ar respirável, e assim pudéssemos manter nossos exoesqueletos funcionando — Hélder arregalou os olhos e Lânia sentiu-se tonta. —, porque não seria um ar, não só irrespirável como radioativo.
— Merda! — explodiu Lenny.
— Parabéns Hélder. Descobriu o porquê de leveduras radioativas — Sean gargalhava.
— Como pode estar rindo disso Sean? Estamos a um passo da destruição.
— Estamos professora?
— Leia o GPS Sr. Queise — pediu Zôra cansada, triste e decepcionada.
Sean procurou e não o encontrou.
— Outra vez? — ergueu-se ainda zonzo e girou em torno de si mesmo. — Onde ele está? — olhou ele para Zôra.
— Não me olhe assim. Não o peguei.
— Não disse que o pegou. Disse?
— Vamos parar os dois! — foi a vez de Bantuh enervar-se. — Seja como foi caímos juntos, como em Chicago, Mejuffou.
— O ar está pesado, não? — Lenny ainda fungava. — E vou dizer uma coisa, em toda minha vida de metereologista, nunca vi um céu desses — apontou para cima.
— Já senti esse cheiro... — Lânia tocava a umidade das folhas ao redor.
— Onde? Nos pântanos da Flórida? Turfas do Canadá? Israel? — Lenny ainda tentava entender o céu.
Sean olhou Zôra nervosa, visivelmente nervosa quando um grito monstruoso perpetuou por toda a floresta.
— Ahhh!!! — gritaram todos.
— Que merda foi essa? — perguntou Lenny.
— Manadas de elefantes? — perguntou Bantuh.
— Manadas de que, pois? — Bonilha olhava para os lados sentindo-se oprimido pelo número de plantas gigantes ao seu lado.
— Por favor, Sean se comunique com o satélite de observação.
— Não consigo professora.
— Consegue! — Zôra desafiava-o.
— Chega Zôra! — Lânia se irritou com ela. Depois voltou a olhar Sean e ele desmaiou. — Sean?!
Hélder e Bonilha correram e o pegaram do chão o levando para perto de uma terra mais seca.
Sean abriu os olhos e Spartacus girou; Sean fechou os olhos.
— Sr. Queise? — perguntou Hélder.
Sean abriu os olhos de novo e Spartacus girou outra vez; Sean voltou a fechar e abrir os olhos e encarou Zôra de longe.
— Estamos no Oceano Atlântico, entre o Mediterrâneo e o Caribe.
— Entre o que? — Lenny olhava para o chão umedecido e fedido.
— Como assim ‘no Oceano Atlântico’ Sr. Queise? Numa ilha, pois?
— Não... No meio dele.
— O que quer dizer com isso Sean... Ahhh!!! — Lânia gritou quando novamente um som gutural atravessou o local.
Todos ficaram em silêncio e em alerta.
Sean olhou Lânia tremendo.
— Estamos no que já foi o Mar de Tétis.
— Mar de que?
— Quando o supercontinente Pangeia iniciou sua ruptura, ela fez surgir um oceano entre duas grandes massas continentais, a Laurásia ao norte, e o Gondwana ao sul. Esse oceano que os separou foi chamado de Mar de Tétis, que corresponde ao protomediterrâneo, durante grande parte do Mesozoico, professora.
— E vamos ser projetados para dentro d’água?
— Não. Mas se há agora uma terra pantanosa sob nossos pés, então estamos saímos do Carbonífero, no que os cientistas chamavam de ‘Planeta das árvores’, e foi graças a essas gigantes plantas, produzirem ligninas, que gerou 300 milhões de anos de produção de oxigênio, o que fez insetos ser do tamanho de elefantes — e Sean olhou para cima. —, e se todas essas coníferas são atuais, então estamos na latitude de 30° N e 18° O do Equador.
— Em que parte exata do Equador, Sr. Queise?
— Isso não importa agora Lenny. Estamos no meio dos grandes insetos.
— Dinossauros?! — gritou Bonilha caindo sentado.
— Insetos dinossauros! — Sean exclamou e Lenny vomitou. Hélder correu a acudi-la e Bantuh perdera a cor ao lado de uma Zôra totalmente estável. — Plantas como ginkgos, cavalinhas e sequoias prosperaram até o Jurássico formando imensas florestas tropicais dando esse ar sinistro e perigoso.
— “Ar sinistro e perigoso” Sr. Queise? — Hélder bateu nas coxas. — Era só o que nos faltava.
Sean fuzilou Zôra, não se conformando por ter sido enganado.
— Mas que merda, merda, merda — foi o que Lenny falou ao voltar a si. — E qual o desastre agora?
— Você deve saber, metereologista desbocada — atacou Lânia. — Nessa época ocorriam muito fenômenos meteorológicos...
— Como a queda de um meteoro, pois?
— Cale-se Bonilha!
— Calar-me Lânia? Diga-me como devo me calar perante isso? — Bonilha apontava para os lados.
— A Terra sofreu uma grande perda de camada de ozônio antes do jurássico e do meteoro que matou os dinossauros — falou Lenny sentindo vontade de vomitar outra vez. —, graças as erupções vulcânicas extensas, houve um superaquecimento pela sulfurização, o que destruiu 90% da fauna e flora. Foi mesmo um milagre estarmos aqui.
Sean fuzilou Zôra outra vez.
— Não me olhe assim Sr. Queise.
— “Não me olhe assim”?! — agora Sean berrou descontrolado com ela. — Sabia que vínhamos parar aqui?!
— Não sabia...
— Sabia!!!
— Não grite comigo! Eu não sabia!
— Você sabe tudo!!! Sempre sabe tudo!!!
— Mas não sabia que viríamos aqui... Droga! — explodiu Zôra. — Já disse que não sei mais o sentido dessa experiência. Então como posso saber em qual terremoto, maremoto, tornado ou desastre, vamos parar?
— Estão sabia que viríamos?
— Não! Sabia da experiência dos alienígenas. Só isso! Eu avisei a Poliu, os alertei; e foi só isso.
— “Só isso”?! — gritou.
— Não grite comigo! Porque quando sua sócia teve seu momento de fama dando ataques de ciúme, ela rompeu a fenda e acabou provocando as viagens.
— Minha sócia? Agora foi Kelly a culpada?
— Foi ela sim. Ela e seu ciúme.
—Não fale dela assim! — Sean arregalou os olhos azuis. — Isso é ridículo! Você sabia que nós... Ahhh!!! — jogou as mãos para o ar.
— Sabia o que? Sabia o que Sr. Queise? Já disse que não sabia sobre essas viagens, nem sobre etanol e seus derivados para nos readaptar a um planeta explodido, nem que a Poliu produzia exoesqueletos. Então se estamos nessa furada, foi porque Kelly Garcia rompeu a fenda e por isso foi parar na Era do gelo.
— Mentira! Você colocou o planeta em risco quando rompeu o acordo!
— Que?!
— Você e sua luva maldita. Você e seu subordinado Dalton que não sabia nem devolver produto de roubo.
— Produto de que? Com quem pensa que está falando?
— Com uma ladra!
— Eu sou ladra Sr. Queise?! — passou a gritar. — E você nos vigiando sem autorização é o que?! Hacker?!
— Não a estava vigiando filha de Trevellis. Que de adotada não tem nada, já que tem sangue de assassino.
— Não sou ladra!!! — agora era só gritaria. — Não sou assassina!!!
— E como chama, deixar Omana morrer?!
— Kelly começou tudo isso, não eu!!!
— Kelly não fez nada!!!
— Não devia tê-la trazido!!!
— Eu não trouxe ninguém!!! Eu não me trouxe!!! Você fez Dalton me arrastar a Namíbia!!!
— Eu não o arrastei a lugar algum Sr. Queise!!! Foi seu zíper que não mantém fechado que o arrastou atrás de Isadora!!!
— Maldita!!! — e Sean a empurrou fazendo Zôra realmente ir ao chão e Bantuh saltar na frente dele mostrando todas as fileiras de dentes como um animal.
Sean recuou no que Bantuh mais parecia um felino. Porque foi exatamente naquilo que ele se transformou; grande, peludo e feroz felino.
Lenny, Lânia, Bonilha e Hélder recuaram em pânico vendo que Bantuh era um animal enorme.
— Controle-se Bantuh! — exclamou Zôra. Mas Bantuh rugia ferozmente para Sean que dava passos para trás. — Controle-se Bantuh! É uma ordem!
E Bantuh se ergueu com pernas, fazendo os pelos negros sumirem e voltar a ter pele de ébano brilhante, com todos os dentes do grande felino recuando, até a arcada dentária humana aparecer.
— Meu Deus! O que é ele?
— Isso realmente importa Sr. Queise?
— Quantos alienígenas mais, filha de Trevellis?
— Não me chame assim! Sou a Dra. Zôra Trevellis!
— Não para mim, filha de Trevellis — e Sean foi se sentar ao lado de Lânia em choque.
Lenny e Bonilha também correram do lugar onde estavam e ficaram perto de Sean. O grandalhão Helder ainda estava paralisado pelas tantas revelações.
E foi a revelação do roubo o que mais lhe alertou.
— Então você roubou aquela luva Dra. Zôra?
— Eu não roubei nada Hélder! — Zôra ainda estava furiosa. — Ela tomou conta do meu braço quando me teletransportei até a nave. E era até então uma viagem controlada, que a Poliu fez dezenas de vezes para acertarmos a experiência, que era bilateral; porque íamos ganhar conhecimento — e todos se calaram. — E eu realmente sinto muito, Sr. Queise. Desesperei-me quando ela tomou meu braço e não queria sair. E por mais que eu desejasse a luva não abria. Fugi com medo que eles achassem que eu estava lá roubando algo — olhou Sean a olhando. — E eu não sabia que aquele insectóide seguiu-me e entrou na fenda. Cheguei com o corpo dele morto — e caiu no chão cansada.
E Sean quis levantar-se, correr, acudi-la, abraçá-la, beijá-la.
— Droga... — soou nervoso.
— Devia ter sido mais honesta Dra. Zôra.
— Eu... — e Zôra olhou Sean olhando o chão. — A Poliu não permitiu, Hélder. A Computer Co. havia investido muito dinheiro.
Sean levantou os olhos do chão e a encarou:
— Por que meu pai faz isso?
— Não sei o porquê, mas sei que meu pai é capaz de tudo para conseguir o que quer. Chantagem deve fazer parte do pacote.
Os olhos de Sean lacrimejaram e ele se levantou indo para longe deles.
— Sean? — chamou Lânia. — Não se afaste de nós, Sean?
Mas Sean sumiu das vistas deles.
Zôra foi atrás.
— Aonde vai? — disse ela ao se aproximar dele.
— Encontrar o GPS.
— Ele se perdeu Sr. Queise.
— Como sabe Srta. Trevellis? ‘Sei’?
— Por que me trata dessa maneira?
— Dessa o que?
E Zôra se virou sendo pega pelo braço por ele. Ela olhou seu braço e todo seu corpo aqueceu. Os olhos dois se encontram e Sean a largou. Mas Zôra fez o impensável e alcançou os lábios dele o beijando.
Sean arregalou os olhos azuis e os olhos verdes dela brilharam para ele. Sean não moveu um único músculo e Zôra soltou seus lábios dos dele.
Sean voltou para onde estavam os outros sem tocar no assunto e Zôra largou os ombros em sinal de derrota. Ele não ia dar uma chance a ela, não a ela.
— Como ela está Bonilha? — Sean apontou para Isadora ao lado dele.
Bonilha a tocou.
— Estável, pois. Como se estivesse adormecida.
— Acha que ela está morta Sr. Queise?
— Não sei o que dizer Hélder. Não tenho a mínima ideia que tipo de alienígena ela é — e Sean viu Bantuh o olhando. Depois Sean olhou em volta, para o céu e em volta novamente. — Precisamos de um lugar seco e seguro para passarmos a noite. Depois estudamos o próximo passo.
— E como vamos achar esse lugar seguro Sean?
— Se Bantuh é tudo isso que parece ser, professora... — e Sean parou de falar quando Bantuh ergueu-se e rugiu para ele.
— Controle-se Bantuh... — a voz de Zôra era fraca, mas Bantuh obedeceu. — Continue Sr. Queise...
— Precisamos que Bantuh suba numa dessas árvores e estude o terreno. De lá de cima sua visão deve encontrar uma caverna segura para passarmos a noite.
Zôra só inclinou a cabeça e Bantuh tomou a forma de um grande e peludo felino negro impactando novamente Lenny, Lânia, Bonilha e Hélder, e Bantuh saltou na árvore subindo rapidamente.
— E agora? — Zôra ainda parecia fraca.
— Uma missão da NASA visitou o Iucatã, na zona de Chicxulub, onde há 65 milhões de anos caiu um meteoro, que alguns julgam ser o causador de extinções em massa. E alguns cientistas levantaram que o impacto foi pior do que conta a história, porque a composição do lugar onde caiu era rica em enxofre, que se volatilizou gerando gás e vapor que se transformou em ácido.
— Uma combinação letal... Merda!
— Acalme-se Lenny.
— Acha mesmo que devo Lânia?
Lânia não respondeu. Deu alguns passos e abraçou Sean para desespero de Zôra.
— Se não sairmos daqui rápido vamos morrer pela queda do meteoro, Sean?
Mas Sean nada respondeu. Havia algo maior ali.
— Octanol...
— Como é que é? — Bonilha se alertou.
Lenny e Hélder se deram as costas e Zôra ergueu-se do chão sentindo aquilo, o cheiro.
— São os alienígenas Sean? — sussurrou Lânia.
— Não professora... É um... — e Sean parou. — Todos os indícios de erro estão aqui.
— Como é que é? — a pele de Zôra brilhou.
— Não foi Kelly, fui eu.
— Você? O que fez Sr. Queise?
— ‘Broken Hill’, em Kabwe, Zâmbia — e Sean encarou Zôra. — Eu rachei a fenda ao matar o Neandertal — Sean olhou para todos já que Zôra não respondeu. — E tudo mudou, vem mudando, fatos estranhos, viajantes no tempo, eventos antecipados e Enrichetta no tornado de Joplin.
— Do que está falando Sr. Queise? Viu Enrichetta no tornado?
— Sim Hélder. E fatos estranhos ocorrem há muito tempo, como um trilobita, um inseto que viveu somente durante a era Paleozoica, e que foi encontrado fossilizado com a marca de um pé calçado, sobre ele. Mas homens pré-históricos não usavam sapatos.
— Acha que nós... — e Lenny não terminou a frase. — Merda!
— Há pegadas humanas fósseis encontradas na região da Valdecevilla, na Rioja, Espanha feitas a 70 milhões a.C..
— 70 milhões? — perguntou Hélder.
— Há pegadas humanas encontradas ao lado de pegadas de dinossauros, no famoso ‘Vale dos Gigantes’, ao longo do leito do rio Paluxy, próximo de Glen Rose, no Texas, Estados Unidos.
— Sim. O professor Narciso fez parte da equipe do Dr. Dougherty que em 1971, investigou um registro de centenas de pegadas na região, e calculou-se que eram prováveis de 65 milhões a.C. — completou a matemática Lânia.
— Acha que há outros como nós que já viajaram para o passado, pois? — Bonilha fez uma careta.
— Ou somos nós que as fazemos? — Lenny se perguntou outra vez.
Sean outra vez quis adivinhar os ‘eu sei’ de Zôra, mas ela não falou nenhum dessa vez e um lufar de ar quente atrás dele os alertou.
Ela e Sean sentiram a presença do décimo viajante mais perto do que antes.
— O que houve? — sussurrou Lânia.
— Há mais alguém aqui.
— Merda... — e Lenny teve sua boca calada por Hélder que suava de nervoso.
Porque fosse o que fosse, parou.
— Se foi? — Bonilha se aproximou. — Quem era, pois?
— Não sei Bonilha... Mas alguém mais viaja conosco.
Lenny olhou Lânia, que olhou Hélder, que olhou Bonilha, que olhou Zôra.
— Sabia, pois, doutora?
— Era só uma impressão, Bonilha.
— Que já não é mais — Lenny foi cínica.
— Não... Não é... — e Zôra foi até o corpo de Isadora a levantando e colocando sob suas costas. — Vamos! Precisamos de uma caverna! — e ela estava no comando.
Bantuh chegou e anunciou que havia encontrado abrigo. Pegou o corpo de Isadora das costas de Zôra e o grupo o seguiu atravessando uma espessa floresta de Ginkgos, pinheiros e outras coníferas abundantes, como pteridófitos, samambaias e fetos.
Ainda ali predominava os gimnospermos; magnoliófitas ou antófita, e Zôra segurou Sean pelo braço.
— Pense nele, Sr. Queise.
— O que?
— Pense no GPS!
Todos olharam Sean como se ele fosse tão irreal quanta a situação.
— O que acha que sou?
— Pense nele! — ordenou Zôra outra vez.
Sean pensou e algo voou sobre suas cabeças.
— Ahhh!!! — gritaram todos se jogando ao chão, derrubando o corpo desacordado de Isadora dos braços de Bantuh.
Sean e Zôra se enfrentaram com olhares.
— Veja! — apontou Bantuh correndo atrás do que fora lançado sobre eles. — É o GPS!
Todos voltaram a olhar Sean com a mesma fisionomia de antes e ele esticou a mão e o GPS saiu da mão de Bantuh para sua mão.
— Vai usá-lo Sean?
— Sinto professora, mas olhe para cima? Tudo era diferente na época Carbonífera; as constelações, as posições das estrelas — Sean guardou o GPS na roupa do uniforme de Chernobyl que todos ainda usavam, se virou e prosseguiu em silêncio.
Ninguém mais nada falou e Zôra sorriu vitoriosa. Aquilo Lânia viu e Zôra viu que ela viu, parando de sorrir.
A caverna escolhida por Bantuh gastou duas horas de caminhada até chegarem nela. Eles chegaram e um grupo arranjou folhas secas a fim de fazerem uma cama, e outro grupo acendeu uma fogueira do lado de fora já que a noite fechada, de ar muito oxigenado, caiu e todos sentiram a umidade do ambiente os afetar. Lenny se deitou sentindo enjoo e Sean sentindo fome e sono. Lânia sem cerimônia se deitou no colo dele e Sean logo viu Zôra incomodada. Hélder e Bonilha adormeceram próximo à entrada da caverna e Bantuh foi explorar o redor, atrás de algo para comerem enquanto Lenny, com enjoo e sem conseguir relaxar, explorava cada vez mais a caverna adentro.
— Vejam!!! — gritou Lenny de longe.
Sean e Zôra sobressaltaram.
— Onde está Lenny?
— Não sei.
Os dois correram e encontraram Lenny num grande espaço, em frente de uma cachoeira que não parecia fazer sons, descendo por uma parede de esmeraldas incrustadas.
Hélder correu e Bonilha também. Lânia foi a última a chegar.
— Que lindo... — Lânia deu um passo e Sean a segurou.
— Não professora! Não toque nada! — e um zumbindo fez todos entrar em estado de alerta.
Bonilha fungou e fungou.
— Está doce, pois não?
— Abelhas?
— Abelhas não fazem colmeias em áreas úmidas como cavernas Bonilha e Lenny — falou Zôra. — Elas trabalhavam muito para retirar a umidade do mel, e não mudaram muito em todos esses milhões de anos.
— Se a doutora diz... — e o zumbido invadiu a caverna.
— Ahhh!!! — gritaram todos e uma grande abelha, um monstro de quase quatro metros zunia na entrada do espaço invadido, atraída pelo calor da fogueira, pela movimentação de estranhos à entrada da colmeia.
— A caverna é uma...
— Cale-se, Sean! Ela vai ouvir-nos.
— E ela pode... — e Sean parou de falar no que Bantuh atiçou a tocha para cima dela.
— Não!!! — gritou Zôra fazendo a abelha se virar e ver com seus muitos olhos, Sean e ela parados atrás dela.
— Boa ideia ter gritado — Sean não podia ser mais cínico e Zôra abriu os braços numa característica posição de quem ia abrir a fenda. — Enlouqueceu?! — Sean arrastou Zôra. — O que você está fazendo?
— Estou a afastando daqui!
— Como? Abrindo um portal que não dominamos? — e Sean a viu com os olhos brilhando. — Ou dominamos Srta. Trevellis?
Zôra o fuzilou e o bater das asas da abelha gigante levantou terra, pedregulhos e a água da cachoeira que molhou a todos.
— Ahhh!!! — forma os gritos de Lenny e Hélder, que correram para cada vez mais dentro da caverna apavorando Sean Queise.
— Não!!! — Sean tentou ir atrás deles.
— Sean?! — Zôra correu atrás dele.
— Hélder?! Lenny?! — Sean gritava e corria, embrenhando-se pelos muitos tuneis que ficavam escuros longe da entrada, e tudo escureceu. — Deus... — mas o som da abelha ainda estava ali, nos tuneis.
— Sean?! — gritava Zôra muito longe.
Sean não conseguir enxergar nada na escuridão.
— Zôra?! Hélder?! Lenny?! — mas ninguém respondia. — Zôra?! — e Sean se virou para sentir os muitos olhos brilhando na escuridão.
Sean correu cada vez mais, entrava em tuneis que ficavam cada vez mais abafados, cheirando a doce. Tudo era pavor, e ele precisava dar um jeito de voltar para onde entrara ou ia acabar dentro da colmeia, que pelo que parecia, usava a umidade da caverna contrariando Zôra.
“Sean…” ficava cada vez mais longe.
Sean parou de correr. E parou porque não era mais o cheiro adocicado do ar que o alertara, era octanol. Os insectóides também estavam ali. Contudo, ali onde, ele não esperou descobrir. Virou-se e correu já não se importando se ia dar de encontro com a abelha, quando localizou um esboço do corpo de alguém à sua frente e a agarrou no que a abelha enterrou o ferrão no chão da caverna.
Sean se teletransportou levando Lenny, e reaparecendo na frente de Hélder, Lânia, Bonilha, Zôra e Bantuh apavorados, à beira da cachoeira incrustada de esmeraldas. Zôra então levantou as mãos e uma grande rocha se deslocou fechando a entrada que levava aos muitos tuneis, trancando a abelha e sua colmeia ali.
Quando a grande rocha parou de rolar, ela se virou para trás e um estampido soou pelo ouvido de Sean. Ele se virou para frente e correu.
— O que foi Sean? — Lânia quis saber indo atrás dele.
Mas Sean estancou à entrada da caverna. Olhou para os lados, girando em torno de si, perdido, confuso, atordoado.
— O que foi agora Sr. Queise? — perguntou Zôra também ao encontrá-los.
— Ouviram isso?
— Zumbido de abelha?
“Quando houver o aviso de alerta, verifiquem o local de refúgio bem como o trajeto”.
— Ouviram? — mais foi para Zôra quem Sean perguntou.
— Ouvimos o que exatamente?
“Usem roupas que lhe permitam liberdade. Refugiem-se a pé”.
— Vozes... — e Sean ouvia vozes, muitas vozes que falavam ao mesmo tempo.
— Que tipo de vozes?
— Alertas...
— Que tipo de alertas?
Lânia, Lenny, Hélder, Bantuh e Bonilha nada entenderam.
— Do que está falando Sean?
— Eu falando? Eles falaram! — apontou para a entrada da caverna.
— “Eles”? — Lânia, Zôra, Lenny, Hélder, Bantuh e Bonilha se viraram e não havia ninguém ali.
— Está se sentindo bem Sr. Queise?
— Não! Eles estão falando todos ao mesmo tempo; ‘Quando houver o aviso de alerta, verifique o local de refúgio bem como o trajeto’ — repetiu.
— ‘Eles’ quem Sr. Queise?
— Eles Srta. Trevellis! — exclamou Sean de olhos vidrados. — Porque se surgir o alerta para Tsunami, temos que sair da praia.
— Sair de onde? — Lânia olhava um e outro sem saber ao certo o que acontecia ali.
— Que praia, pois? — girou Bonilha em volta dele.
E Zôra levantou a mão calando a todos.
— Pode repetir o alerta Sr. Queise?
Sean se virou com os olhos ainda vidrados e respondeu:
— ‘Quando houver o aviso de alerta, verifique o local de refúgio bem como o trajeto’.
— Está bem... — e Zôra ergueu a mão pedindo para ninguém se movesse. — Sr. Queise? — nada. — Sr. Queise? — chamou Zôra outra vez, mas Sean continuava a ouvir vozes saindo da entrada da caverna. — Sr. Queise está me ouvindo?
E Sean se jogou no chão da caverna colando seus ouvidos para ouvir melhor, impactando a todos:
— Ouviram? Eles estão dando o alerta para saírem da praia.
Lânia, Lenny, Hélder, e Bantuh se jogaram no chão para escutar e Bonilha escorregou um olhar para Zôra que mais dizia ‘excesso de oxigênio nele?’.
— Sr. Queise...
— Não! Não! Eles estão correndo, se afogando...
— Quem está... — e Hélder olhou um e outro em pânico.
— Não vê?! — Sean desesperou-se.
— Merda... — falou Lenny não vendo ninguém.
— Você está bem Sean? — falava Lânia.
— Eles... — Sean apontou para frente. — Eles sofrem! Eles sofrem! Eles sofrem!
— Quem está sofrendo Sr. Queise?
— Os que escaparam do terremoto, mas o tsunami os pegou.
— “Terremoto”? — perguntou Hélder.
— “Tsunami”? — perguntou Lânia.
— Sim! Sim! Eles sofrem em português, professora.
— Eles sofrem em que?
— Que merda Sr. Queise! Está nos assustando... — Lenny começou a chorar.
— Não! Não! Eles sofrem! Eles sofrem! Eles sofrem! Eles sofrem! Eles sofrem! Eles sofrem!
E Zôra tocou Sean.
Mas diferente das outras vezes, Sean Queise só caiu desmaiado.
30° N e 18 O.
Sean acordou pelo estampido de uma arma. Zôra estava parada à sua frente.
— Me assustei... — Sean olhou-a confuso.
Depois olhou em volta e se viu no grande espaço com a cachoeira incrustada de esmeraldas.
Ainda estavam no final do Carbonífero.
— Você melhorou?
— Do que? — perguntou ele percebendo que estavam sozinhos. — Os outros?
— Dormindo na entrada da caverna, com medo da abelha — apontou para a grande rocha que fechou a entrada dos muitos tuneis.
— O que é isso? — olhou para as mãos dela que trazia folhas com comida quente.
— É um mamífero monotremado cozido. Bantuh o caçou.
— Havia monotremados mamíferos nessa época?
— Não sei, está tudo misturado nessa viagem, mas sei que podemos comer um ornitorrinco.
E Sean comeu. Tinha muita fome.
— Um fogo tão alto à entrada da caverna não vai atrair outro inseto grande?
— Então já percebeu que eles não mais apareceram?
— É um pouco diferente dos livros de ficção — Sean olhou-se sozinho com ela. — Amanheceu?
— Não.
— Você me tocou?
— Queria?
Sean se alertou.
— Quis dizer...
— Sei o que quis.
E Sean olhou Zôra ainda em pé, e ela ali, e eles sozinhos. E ele não soube mais o que falar, fazer, quando Zôra inclinou-se. Sean sentiu todo seu corpo aquecer. Ele também sabia o que ela queria.
— O que vai fazer?
— Por que acha que vou fazer algo?
— Está a centímetros da minha boca...
— Sua boca... — e os olhos de Zôra brilharam, os lábios umedeceram, e ela o beijou.
Sean não quis perguntar mais nada. Inclinou-se e a beijou também. Mãos que se tocavam, navegavam um pelo rosto do outro, e Zôra abriu um botão da camisa dele. Sean não sabia o que pensar se queria pensar algo.
A beijou enquanto as mãos dela abriam os outros botões. Lânia acordou e viu Zôra e Sean se beijando. Abaixou os olhos em lágrimas e voltou ao lugar onde dormia enquanto Zôra tirava a camisa dele.
— Os outros...
— Não há outros...
— Zôra não... — e Sean recuou sem poder ir muito longe com o corpo dela brecando. — Não posso...
— Pode...
— Os outros...
— Não há outros...
E ele sabia que não havia outros, outras, ninguém, e abriu os botões da blusa do uniforme dela, fazendo um par de seios explodirem no sutiã. A pele de Zôra brilhou e Sean beijou-lhe os seios. Um, e outro. Ela se inclinou e o tocou. E nem o zíper esperou abrir, tirar, pedir permissão; estava no comando. Ergueu-se sobre ele o derrubando no chão gelado e Sean sentiu todo o corpo dela sobre o dele.
Ficou confuso, excitado.
Os cabelos negros, lisos, ainda perfumados soltaram-se do resto de coque que os prendiam. Caíram-lhe sobre o peito viril, nu, que Zôra tocou, lambeu. Os olhos azuis dele brilharam, os olhos verdes dela brilharam, explicavam-se em pura adrenalina. Sean quis mais, tocou-a no seio; ela permitiu invadindo o sexo dele.
— Ahhh... — ele excitou-se no que ela dominou-o, desejou-a também.
Zôra o tocava, delineava cada traço dele, quando Sean a virou, ficando sobre ela. E ela quis mais trançando as pernas sobre ele.
Sean invadiu a lingerie, tocando-lhe com dedos hábeis, excitados. Zôra também lhe chupou a pele, fazendo marcas se moldarem; ombro, peito, dor e pecado que se misturavam.
— Ahhh! — ela se excitava cada vez mais, invadia-o cada vez mais, desejando-o como nunca.
E os dedos da mão dele que evoluíram para lutar descobriam o sexo alheio, feminino, desejado.
Zôra girava o corpo numa dança fazendo-os irem e virem, molhando-os no sexo feminino, oferecido. Ele excitava-se cada vez mais até cair em si.
— Não... — a largou no chão tirando os dedos de dentro dela. — Eu... — olhou seus dedos molhados pelo sexo dela. — Eu...
— Você?
— Eu...
— Você? — alterou-se.
— Desculpe-me Srta. Trevellis... — e Sean limpou os lábios, os dedos, todo o cheiro dela que penetrou na calça suja.
Os dois trocaram olhares intensos e Zôra saiu furiosa do espaço da cachoeira quando algo quente se fez aos pés dele. Algo que se desenhava no chão da caverna com fogo, onde os dois haviam se deitado.
Um crop circle que tomava forma em meio a muitas curvas.
“Dearinth!” Sean temeu o que pensou e todo o redor girou.
— Ahhh!!! — e as paredes da caverna realmente giravam ao redor dele. — Zôra?! — e Sean não saía do lugar. — Zôra?! O que está fazendo?! — e tudo girava; cores, formas, água, esmeraldas e plantas que eram arrancadas do redor e giravam. Sean saiu do espaço amplo e chegou à entrada da caverna não encontrando ninguém. Saiu da caverna e encontrou um mundo agora Jurássico que também girava do lado de fora, como dentro do ralo de um tornado. — Zôra?! — a chamava, mas ela não parecia estar ali. Sean correu e uma nuvem de poeira vermelha soltou do chão. — Zôra?! — Sean corria e corria. — O que está acontecendo?! — e tudo girava ao redor dele, o desorientando.
Esquerda, direita, leste, oeste, já não faziam mais sentido, e ele não sabia o que acontecia ali quando mais poeira vermelha levantou.
Sean pegou o GPS e tudo estava descontrolado. Números que não se firmavam em nenhuma coordenada, e o calor que a poeira trazia, o sufocava.
“E temo que seja por isso que o querem aqui Senhor Queise” e a voz de Oliver se fez ali.
Sean só teve tempo de arregalar os olhos e girafas se lançaram em sua direção numa fuga desembestada. Ele correu junto, mas estava cansado, fraco, sem dormir a dias e as girafas alcançaram-no quando ele se jogou ao chão com elas passando por cima dele sem o tocar.
— Ahhh!!! — cada átomo, cada molécula das girafas lhe atravessavam sem o tocar realmente, quando um rasgo na poeira trouxe um grande insectóide, dentro de seu exoesqueleto, montado numa girafa, o observando. Sean sentiu seu coração disparar, seu medo tornar-se nítido ainda caído no chão, com o insectóide dentro do exoesqueleto, o olhando e uma mão apareceu de dentro do tornado de poeira e o tocou. — Ahhh!!! — Sean gritou novamente e tudo girou ao seu redor, nele, na consciência que se perdeu na grande viagem.
21
43° 17’ 49” N e 5° 22’ 51” E.
O cheiro era de vinagre azedo. O feno no piso, as carroças estacionadas, o rio que corria ao lado dele. Sean abriu os olhos, olhou em volta, mas não conseguiu ligar o local a nada que sua memória já tivesse gravado. Outra vez fez a viagem sem o grupo. Porque como quando em Pompéia, Barguna, Joplin, e Pripyat, ele chegou sozinho, num mundo estranho.
Ele olhou em volta, não havia montanhas, montes, pontes. Mas o redor não mentia; Sean ainda não conseguira voltar ao Hotel Damaraland.
— Droga! — praguejou.
O som começava a reverberar por todos os lados. O latido de cães um pouco longe e um rinchar de cavalos próximos chegaram até ele. Havia pouca gente ali por perto, um ou dois homens enfardando o feno.
Sean correu e tentou se esconder atrás da choupana que apareceu à sua frente. Crianças choravam dentro, uma única mulher tomava conta delas e Sean viu pela fresta da parede de barro socado, o que julgou ser uma moradia. Ele a rodeou com cuidado, vendo que havia um grande espaço interno com seis camas, uma mesa quadrada de madeira rústica, dois bancos. As crianças se amontoavam no canto oposto ao dele junto há três cabras novas.
A mulher se encostava a uma peça de madeira pintada de vermelho parecendo cozinhar, se vestindo com uma roupa justa que lhe colava os braços usando um longo casaco de veludo laranja. Ela tinha o que Sean julgou serem colares caindo sobre o rosto doente e magro e o odor forte de dentro da choupana era de urina, fezes, sangue. Tudo ali. No piso da casa, fora dela.
Sean se apavorou com as ideias que lhe surgiram e procurou o GPS no bolso da roupa; 43° 17’ 49” N e 5° 22’ 51” E, marcavam as coordenadas.
“Estamos na França!” pensou.
Olhou em volta e tentou ver o resto do povoado, mas não havia mais ninguém. Só a choupana e um grande celeiro. Estranhou também a quantidade de cruzes de madeiras enterradas no chão, do lado oposto aos homens trabalhando. Ficou na duvida se estava dentro de um cemitério quando resolveu seguir adiante, e ganhou uma estrada longa.
Sean andou muito até perceber que um burburinho vinha de longe. Continuou a caminhar pela estrada de terra e cascalho, uma vez ou outra tropeçando em algo com os sapatos de borracha de Pripyat.
O burburinho aumentava, anunciava que um grande centro estava à sua frente. Sean sentiu o cheiro, porcos em sua maioria, que estavam encurralados num chiqueiro. Mais adiante uma pilha de roupas e sapatos chamou-lhe a atenção. Ele procurou algo para colocar em cima da calça e camisa, mas as roupas cheiravam mal, tinham pulgas. Desistiu voltando a andar por ruelas que abriam e fechavam, formando caminhos estreitos por detrás de algumas moradias; especiarias, perfumes, tecidos finos, couros trabalhados, azeite, tâmaras e figos eram vendidos ao longo do espaço.
Gritos ecoaram adiante, Sean se escondeu temendo algum tipo de polícia e viu sete homens se autoflagelando como numa procissão. Eram seguidos por gozadores e desordeiros que se agitavam e agitavam todos ao redor, com crianças e mulheres correndo horrorizadas, para longe dos homens que com chicote nas mãos, se chicoteavam a fazer o sangue espirarem para os lados.
— Flagelantes... — soou da sua boca.
Sean ficou confuso, não conseguia entender o porquê de estar ali. Desistiu de qualquer contato, voltando para perto do rio escuro e fétido onde havia aparecido, a imaginar se o resto do grupo também aparecera por lá.
Contornando o rio, havia um punhado de árvores cerradas escondendo uma mata fechada. Sean decidiu que era mais seguro ir por lá. E como não conhecia o terreno preferiu margear a água sentindo-se cansado, com fome, sono, sede. Aproximou-se da água para beber e uma imagem borrada se fez no fundo. Sean olhou em volta, não imaginava o que fazia o reflexo. Aproximou-se da borda da água e uma silhueta começava a tomar forma, um corpo que explodiu para fora da água o fazendo se jogar na margem.
— Ahhh!!! — gritou Sean vendo o que julgou ser um homem morto, jovem, de pequena estatura, com a pele dilacerada, inchada. Ele sentiu enjoo, vontade de vomitar, vomitou. Quando se ergueu, uma mão lhe tocou. Isadora estava paralisada, lhe olhando. — Isadora? — mas ela não se movia, sua tez era lívida, pura estagnação sanguínea. Ela desabou por sobre as mãos dele e Sean a agarrou antes que tocasse o chão. Afastou-a para longe da água, do corpo morto. — Isadora? — Sean chacoalhou-a. — Isadora? Fale comigo! — ordenava ele a uma mulher uma vez alaranjada agora estava sem cor.
O que significava aquilo, ele não soube se responder.
A água não parecia o melhor remédio naquela hora e ele olhou em volta procurando qualquer coisa que a fizesse recobrar a consciência. Estava em pânico com a figura quase cadavérica da Dra. Isadora Gastón.
Sean chacoalhou-a novamente. Seu rosto queimava em febre, suas mãos tremiam sem controle. Ele se afastou novamente olhando em volta e numa clareira, se acentuava uma construção de pedras que mais lembrava uma gruta. Sean a arrastou para lá e entrou a acomodando dentro da gruta. Depois saiu à procura de comida, lembrando-se da choupana antes visitada, e pensou em buscar ajuda. E até sabia que Zôra lhe avisara sobre contatos, sobre interferir no passado, mas por ironia se ele não fizesse alguma coisa ninguém mais teria futuro. Voltou a choupana e um silêncio macabro tomava conta do local. O cheiro de urina também se acentuava e Sean teve ânsia outra vez. Ele se aproximou não mais vendo os dois homens que trabalhavam o feno, não mais ouvindo o choro das crianças, nem o rinchar dos cavalos.
Sean olhou em volta e olhou para o céu tentando entender o silêncio. Verificou o GPS outra vez, e ainda registrava a mesma coordenada, arriscou-se a olhar em volta, já não se importando de vestir-se como um cientista de Chernobyl.
A choupana era fétida, os pratos de comida haviam sido abandonados com restos de pães e comida dentro, agora devorados por fungos; puro mofo. Sean girou em torno dele, a cena de decrepitude o apavorava. Saiu alcançando a passos largos o celeiro onde o feno supostamente era guardado e a cena foi mais tenebrosa ainda; corpos de quatro crianças estavam amontoados sob o corpo da mulher cozinheira que ainda usava o longo casaco de veludo laranja.
Mais três corpos estavam amontoados noutro canto e o cheiro era de vinagre forte quando um choro miúdo o fez impactar. A última criança, por debaixo da pilha de corpos, choramingava.
— Deus... — Sean correu e se aproximou, mas os corpos estavam enegrecidos, tomados por bulhões de pus que cheiravam ‘estábulo’. Ele empurrou um corpo após o outro de cima da criança e tentou sentir sua pulsação. — Deus... Deus... — Sean impactou novamente no que o choro cedeu. — Não! — eles haviam sido abandonados por algo, alguém. Sean olhou em volta. Não acreditou como o tempo se passara tão rápido desde sua chegada, do encontro com Isadora e o retorno. — Ahhh!!! — gritou ao se chocar com um corpo quente à entrada do celeiro.
— Você está bem? — Zôra perguntou.
— Oh! — ele abraçou-a e Zôra sentiu seu coração disparar. Ficou na duvida se retribuía ou não a explosão de sentimento, e Sean abriu os olhos vendo Lânia, Bantuh, Lenny, Hélder e Bonilha o olhando; Sean recuou perante o ímpeto. — Desculpe-me... Eu...
— Ãh... Você está bem? — Zôra voltou a perguntar agora visivelmente abalada com a aproximação.
— Eu... — Sean olhou em volta. — Não sei...
Lânia, Bonilha e Bantuh se aproximaram. Lenny e Hélder observavam os corpos de longe, com o estomago embrulhado.
— Onde você estava? — perguntou Lânia o abraçando sem as restrições impostas por Zôra a ela mesma. — Chegamos faz uma semana.
Sean arregalou os olhos azuis no que Lânia falou aquilo.
— “Uma semana”? Mas... Onde estiveram?
— Por aí — respondeu Lenny nervosa. — Escondidos noutra aldeia já que o centro estava lotado de merda — olhou um e outro. — literalmente de merda, estrume, dejetos...
— Ele já entendeu Lenny. Obrigada.
Lenny fuzilou Zôra.
— Conseguiram comer algo?
— A maioria dos alimentos estava estragada, Sean. Há muita sujeira pelas ruas — falava Lânia ainda o abraçando.
Zôra não conseguia tirar os olhos dela e ela sabia.
— Lembra-se de algo, Sr. Queise? — Hélder quis saber.
Sean olhou em volta e não havia crop circles.
— Não... Sumi do Carbonífero, Jurássico, sei lá, quando tudo girou.
— Você girou Sr. Queise? — Lenny perguntou ainda longe.
— Não Lenny. Foi o entorno que girou. A caverna, a floresta, e encontrei... — e Sean olhou Zôra sabendo que não devia falar sobre as girafas e o insectóide dentro do exoesqueleto. — Encontrei Isadora...
— Onde está Isadora? — questionou Zôra sem perceber aquilo.
— Eu a deixei escondida numa gruta — apontou para fora. —, próximo daqui...
— Como chegou aqui, pois? — Bonilha perguntou.
— Não sei... Cheguei não faz mais de meia-hora e quando voltei aqui... — apontou.
— “Meia hora”? — Hélder não acreditou no que ouviu quando no fundo do celeiro, outra voz fraca se fez.
Sean e Zôra correram e Abba estava tomada de bulbos.
— Meu Deus! — Sean se inclinou para tocá-la e Zôra o segurou. Ele se virou atônito para ela. — Vai dizer o que Srta. Trevellis? Que precisamos matá-la?
— Você sabe que sim.
Sean olhou Lenny, Lânia, Hélder e Bonilha com Bantuh, ainda de longe, os olhando.
— Do que está falando?
— Estamos em nove Sr. Queise.
— Enquanto Isadora estiver desativada podemos manter Abba conosco.
— Sabe que...
— Por favor, Zôra.
E Zôra viu a maneira íntima como ele a chamou. E não havia cinismo ali.
— Então temos que matá-lo Sr. Queise.
— Sabe que não conseguimos nos aproximar dele ou já teríamos o visto.
— É isso ou Abba tem que morrer.
Sean se inclinou e pegou Abba do chão. Zôra girou os olhos pela escolha dele e o ajudou segurando Abba pelo outro braço.
— Obrigado.
Os olhos dos dois eram puro brilho.
— Dra. Abba? — Hélder correu para ajudá-los, mostrando que conhecia realmente a verdadeira identidade de Ebiere, Lumumba e Abba.
— Não Hélder! — exclamou Sean com força. — Ela está doente.
— Mas você e a Dra. Zôra a estão tocando.
Sean olhou Zôra que o olhou.
— Faça o que Sean mandou Hélder — falou Zôra com a mesma intimidade. — Ele está no comando agora.
Lenny, Lânia, Hélder, Bonilha e Bantuh se olharam, e Sean percebeu a intimidade com seu nome. Os oito saíram do celeiro e caminharam bons metros de distância, até chegarem à gruta onde Sean deixara Isadora.
— Isadora acordou... — sussurrou Sean antes de chegarem perto dos outros.
— O que? — Zôra quase deixa escapar o corpo de Abba.
— Por favor, Zôra. Se eles ouvirem isso vão entrar em pânico...
— Eu estou em pânico Sr. Queise...
— Chame-me de Sean...
E ela só escorregou um olhar esverdeado para ele.
— E sabe por que ela acordou?
— Não... Nem sei por que está desacordada? Pensei que ela tivesse se abastecido com... — e Sean parou. —, com sexo...
O entorno da gruta estava em silêncio. Os oito se aproximaram e viram Isadora ainda lá, desacordada, mas febril.
— Isadora está com febre? — anunciou Lânia.
— Alienígenas tem febre Doutora?
— Não conhecemos a biologia nem a bioquímica de outros humanoides Hélder — falou Zôra vendo que algo acontecia com Isadora se ela acordara.
— Ela também perdeu aquela cor alaranjada — apontou Lânia, mas Sean e Zôra nada falaram.
Bantuh acendeu um fogo e Lânia e Lenny fizeram uma cama de folhas onde Sean deitou o corpo de Abba.
— O que ela tem Sean?
— Bulbos.
— Sabe onde estamos, pois?
— 1348! Peste bubônica! — Sean exclamou tanto que todos paralisaram a respiração. — Segundo o GPS estamos na França. Pelo tamanho da cidade é a Marselha do século XIV.
— O que? — os olhos de Hélder se ergueram até deixar sua face avermelhar.
— “Peste”, Sean? Então aquela gente doente no celeiro tinha... — Lânia estancou a fala.
— Está brincando, pois? — Bonilha viu Sean estancar. — É! Não deve estar brincado, pois...
— E agora? O que fazemos aqui?
— Não sei Hélder — Sean olhou todos. — Mas novas análises de DNA revelaram que a doença que dizimou a população europeia, entre os séculos VI e VIII d.C. era uma forma ancestral da peste bubônica.
— Ancestral de quando?
— Muitos historiadores já suspeitavam que a “Praga de Justiniano”, doença altamente contagiosa que matou mais de metade da população europeia, entre os anos de 541 e 750 d.C., era na verdade a peste bubônica.
— A praga foi uma das causas da queda do Império Romano do Oriente quando o imperador Justiniano I ainda reinava em Constantinopla, Sr. Queise, então volto a perguntar? O que fazemos aqui? — falou Hélder.
— Não sei Hélder, volto a responder — falou Sean. — A Peste Negra matou mais de 100 milhões de pessoas entre 1347 e 1351, e a Europa levou mais de cem anos para se recuperar após ter reduzido a sociedade ao caos.
“Caos” ecoou em Lânia.
— O que diz o GPS?
— 43° 17’ 49.92” N e de 5° 22’ 51.6” E. Nada mudou.
— Einstein dizia que todo o conhecimento da realidade parte da experiência e termina nela. Começo a entender o que ele dizia — falou Zôra.
— Essa fenda ou portal fractal, é definido por uma relação de recorrência em cada ponto do espaço, não professora? Tal como o plano complexo?
Todos se olharam.
— Sim Sean! Estes fractais como o conjunto de Mandelbrot e o fractal de Lyapunov, também são chamados de fractais de fuga do tempo.
— Por isso giramos? Por causa das curvas? E por isso não andamos em linha reta dentro da fenda?
— Sim. Um fractal jamais alcançará uma linha reta, salvo quando a fórmula que o constitui assim o permita. Como o Conjunto de Mandelbrot e o Fractal de Lyapunov que mencionei. Porém... — Lânia olhou um e outro. —, para tudo, há uma exceção e no caso da Teoria do Caos, podemos associa-la totalmente aos fractais, também no conhecido “Mandelbrot set”, no Conjunto de Mandelbrot, onde podemos observar discos inteiros, cuja dimensão é dois.
— Dois? — Sean olhou Zôra, e ela nem isso se atreveu a fazer. — Deus... Mas isso nos limita a...
— Limita-nos a que Sr. Queise?
— A nada Lenny... A nada...
— No entanto Sean, isto não é de surpreender, o que é verdadeiramente surpreendente é que o limite do conjunto Mandelbrot também tem uma dimensão de Hausdorff de 2 — e Lânia se animou mesmo se tocando e percebendo-se com febre. — E já viram um Conjunto de Julia? Um fractal relacionado ao Conjunto de Mandelbrot? Aproximações de fractais são encontradas frequentemente na natureza, e estes objetos exibem uma estrutura complexa próxima aos objetos matemáticos, porém finitas se as observarmos em maiores escalas.
— Mas ainda em número de dois.
— Sim Sean... Como se fossem espelhados.
E um silêncio caiu quebrado por Bantuh.
— Estamos aonde afinal Mejuffou?
— Na peste francesa. E em 541 d.C. ou 1348 d.C., tanto faz. Só precisamos saber o que os insetos alienígenas querem com essa pandemia.
— Se não foram eles que a criaram, pois.
— De que merda está falando Dr. Bonilha?
— De ‘merda’ alguma, Lenny. Todo e qualquer bom conspiratório sabe que doenças contagiosas com a peste e a AIDS foram criadas em laboratório. ‘Qual’ é o que nos perguntamos, pois.
— Teorias de conspiração Bonilha?
— Você sabe que sim Sean. Nos vigia incessantemente — e Bonilha viu todos trocaram olhares.
Mas Sean não foi adiante.
— Como Walter Bowart, um jornalista americano que acreditava que a CIA controlava os USA por meio de um exército secreto de agentes zumbis, que foram submetidos a operações de controle da mente? — ria Lenny. — Ou Gary Allen, comentarista chefe da sociedade John Birch, que acreditava que a extinta URSS era secretamente controlada pela família Rockfeller?
E o silêncio demorou um pouco a sair dali
— Teorias de conspiração são paranoias — enfim falou Lânia.
— A ideia da Teoria de conspiração não é simplesmente o produto de paranoicos isolados, ela tem uma longa história política professora.
— Acredita em lunáticos como o que jura que é contatado regularmente por lagartos alienígenas, que lhe contam coisas como os segredos que existem no calendário gregoriano, Sr. Queise? — perguntou Hélder.
— Depende de até onde acredita em lunáticos, Hélder? — Sean sorriu-lhe. — Porque Louis Pawels dizia que numa vida intelectual normal, não utilizamos a décima parte das nossas possibilidades de atenção, prospecção, memória, intuição ou coordenação. Provavelmente, já existem mutantes entre nós, ou pelo menos, homens que já deram alguns passos sobre a estrada que, um dia ou outro, todos nós percorreremos.
— Mutantes Sean?
— Ou paranormais? — perguntou Lenny num desafio.
Sean olhou Lânia e Lenny.
— Louis dizia que se alguns dos profundos conhecimentos sobre a matéria e a energia, sobre as leis que regem o Universo, foram elaborados por civilizações atualmente desaparecidas, desse mundo ou não, e se conservaram através dos séculos, fragmentos desses conhecimentos — Sean olhou um e outro. —, então pode ter sido ditos por espíritos superiores, ou paranormais, ou bruxos, ou mutantes, mas numa linguagem forçosamente incompreensível para o ser comum.
— Como Mona e sua família, com seus segredos milenares egípcios... — soou de Zôra.
— Então, espíritos desta natureza, empenhados em passar despercebidos simplesmente para não sofrerem negações, usariam os conspiradores, pois.
— Então porque tantas personalidades ilustres acreditam em conspiração Sean? Em doenças espalhadas no mundo para dizimar povos? Será que não há nelas uma porção de verdade?
— Verdade dessa merda de peste ser alienígena? — ria Lenny.
— Não se podia evitar Mejuffou? — perguntou Bantuh.
— Não Bantuh. A peste do século XIV surgiu durante o cerco à colônia de Genova, Caffa, na Crimeia, em Outubro de 1347 pelos Tatares, que era um povo mongol. E a peste foi quase certamente disseminada pelos mongóis enquanto Ghengis Khan com as suas hordas de nômades mongóis, conquistava toda a estepe da Eurásia setentrional, da Ucrânia até à Manchúria — falou Zôra. — A peste praticamente entrou na Europa, trazida do extremo-oriente, na sequência das invasões mongóis. Foi só a partir do século XIX que o conhecimento científico permitiu determinar o mecanismo de propagação da doença e as medidas sanitárias mais adequadas para controlá-la.
— Doença que matou tantos tatares, que eles foram obrigados a retirar-se — Sean completou. — E os habitantes que ‘sobreviveram’ tiveram de ser queimados em piras, já que não havia mão de obra suficiente para enterrá-los.
— A transmissão teria sido feita pelos ratos pretos de Caffa, os rattus rattus, que carregavam em suas pulgas Xenopsylla cheopis, a bactéria Yersinia pestis, infectando os ratos nestas cidades — prosseguia Zôra disputando o conhecimento.
— Então por quê? — Lânia se levantou e ficou em pé olhando Zôra.
— Por que o que?
— Por que ainda estamos viajando Zôra?
Zôra olhou um e outro.
— Não sei Lânia.
— Engano seu! — Lânia deu dois passos em direção a Zôra. — Você sabe! Sempre soube! — e deu mais dois passos. — Porque isso aqui sempre teve uma lógica — e Lânia deu mais dois passos.
— Não se aproxime de mim, Lânia — Zôra se ergueu em posição de defesa.
— Hei vocês duas, pois — Bonilha se colocou entre as duas que até então ele nunca vira brigarem. — Agora não é...
— Você tem razão, Dr. Bonilha... — Lânia começava a se distanciar de Zôra e Zôra percebeu o afastamento, percebendo que Lânia entendera algo. — Acho melhor eu me afastar.
Zôra olhou Lenny, Hélder, Bonilha e Sean a olhando.
— Lânia está cansada — Zôra tentava algo.
— Cansada Zôra? — e Lânia se aproximou de Sean o abraçando.
— Não faça isso Lânia — pediu Zôra.
— Por que Zôra? — perguntava Lânia. — Tem medo que ele saiba que... Ahhh!!! — e foi ao chão com o som que dilacerava seu tímpano.
— Professora?
— Ahhh!!!
Sean tentou levantá-la do chão e viu que Zôra só a observava.
— O que está fazendo Zôra?
— Por que acha que faço algo? — Zôra ainda encarava Lânia no chão gritando de dor.
— Ahhh!!! — berrava Lânia.
— Pare Dr. Zôra! — exclamou Hélder com força.
Mas Zôra continuava a olhar Lânia de uma maneira penetrante.
— Ahhh!!! — gritava Lânia de dor.
— Vai matá-la!!! — berrou Sean desesperado ao vê-la sofrendo.
— Ainda não!
— O que está fazendo Zôra? — Sean segurou o braço de Zôra que se esquivou.
— Estou controlando-a! — vociferou para ele que não acreditou naquilo. — E antes que diga, não nos estou reduzindo a dois.
Sean recuou ao ver seus olhos verdes brilhando numa intensidade indescritível, pronto a dizer exatamente aquilo, que Zôra os estava reduzindo a um fractal de duas pessoas vivas apenas.
Hélder então deu vários passos para cima de Zôra com Bantuh explodindo uma arcada dentária felina para ele.
— Não Bantuh!!! — gritou Sean. — Não Hélder!!!
— Por quê?
— Porque sim! — foi a resposta dele quando viu Lânia se levantar e correr. — Professora?! — Sean correu atrás dela e Zôra foi ao chão, consumida pela força usada.
Zôra abriu os olhos para ver Hélder e Lenny em choque e Bantuh meio homem meio felino.
E ela só disse:
— Ajude Sean...
E Bantuh correu até ganhar quatro patas peludas e sumir dali. Já Lânia se distanciava cada vez mais enquanto Sean e Bonilha corriam atrás dela.
— Sean? Sean? — corria Bonilha com dificuldades de alcançar a velocidade de Sean Queise.
Sean então parou:
— Volte Bonilha!
— Para onde, pois?
— Volte ao acampamento. Vou atrás de Lânia antes que ela se machuque.
— Mas...
— Sem ‘mas’ Bonilha. Não vê que eles a estão dominando? — e Sean sumiu deixando Bonilha, que só percebeu um vulto grande e cheio de pelos negros passarem por ele. Mais a frente Sean a alcançou à beira do rio onde ele tentava beber água quando chegou. — Professora? — a chamava. — Me escute! — Sean percebeu que ela parara de beber. — Não os deixe dominá-la, entendeu? Professora? Não os deixe falar o que fazer... Não beba isso — mas Lânia se levantou, acionou o cão da arma que tirara da sacola em Chernobyl e apontou para própria cabeça. — Não! — exclamou Sean com força.
— Não se aproxime! Estou avisando!
— Por favor, não Lânia...
Mas Lânia voltou a correr e Sean correu atrás dela, quando Lânia acelerou e se jogou para dentro do lago e Sean se jogou atrás dela, fazendo os dois desaparecerem antes de ambos tocarem a água contaminada.
Sean e Lânia reapareceram afastados da borda do rio e Sean tirou a arma da mão dela.
— Sean... — e ela perdeu as forças.
— Meu Deus professora... Enlouqueceu?
— Não... Não... Largue-me... — implorava quase sem forças.
— Não me ouviu?! — gritou. — Eles querem matá-la!!! — berrava Sean para Lânia, que numa nova explosão de energia escapou dos braços de Sean e lançou o corpo para mais próximo da água na mesma proporção que Sean tentava segurá-la com o uso da força paranormal.
Mas Lânia queria fugir, não conseguia saber do que, para onde; queria até morrer.
— Deixe-me!!!
— Pare Professora Lânia!!! Isso está contaminado!!!
— Não!!! Não!!! Não!!! — berrava a todo pulmão.
— Pare Lânia!!! — gritava ele agora tentando segurá-la com as mãos, em plena dificuldade com Lânia esperneando, lançando as pernas para todos os lados. — Vamos cair!!! — Sean viu que sua força paranormal não mais conseguiria fazer ambos se teletransportarem.
A água se aproximava dos pés e se distanciava. Mais e mais corpos vinham à tona e Hélder e Lenny chegaram sem saber o que fazer.
— Não!!! Não!!! Não!!! — berrava Lânia.
— O que eles fizeram?! — Sean gritou com Zôra. — O que você fez?! — berrava Sean descontrolado com ela.
— Eu não fiz nada!!! — respondeu Zôra assustada.
— Quero morrer!!! — gritava Lânia.
— Não!!! Não quer Professora!!! — tentava Sean segurar ela que esperneava a tentar fugir de seus braços.
— Quero!!! Quero morrer!!! Deixe-me morrer!!!
— Ela não pode morrer Sean!!!
— Diga isso a ela!!!
— Ela vai quebrar o equilíbrio ou todos vão morrer em Damaraland!!!
— Não!!! Não!!! Não!!! — Lânia berrava descontrolada cada vez mais perto da água.
Zôra ergueu as mãos e a água então se levantou como num tsunami controlado, e corpos que haviam lá sido jogados, que de lá fizeram seus jazigos, ergueram-se junto.
Putrefação e morte impregnaram o ar.
— Professora?!
— Não!!! Não!!! Não!!! — gritava Lânia nos braços musculosos de Sean que usava de força cada vez mais.
— Chega!!! — gritou Zôra e os corpos putrefatos então se ergueram; dez, vinte, mais de cinquenta, e a água fétida se ergueu; 10, 15, 20 metros a partir do chão, e tudo foi lançado longe no que Lânia se soltou de Sean e se jogou, caindo no terreno seco.
Zôra encarou Sean e o rio estava vazio.
Lenny, Hélder e Bonilha caíram sentados pelo choque e foi a vez de Sean ter medo da filha de Mr. Trevellis.
Ele levantou Lânia do chão que ainda chorava dentro do que já fora um rio.
— Eu queria morrer! — Lânia chorava. — Eu queria morrer... — e parou de falar arregalando os olhos. — Eu sei o que está acontecendo aqui, Sean — Lânia então se levantou e caminhou, cambaleando até o acampamento.
Sean olhou em volta, o rio seco, os corpos putrefatos com toda a água do rio ainda suspensa, e então tudo voltou ao rio.
— Ahhh... — ele impactou e tudo voltou para onde haviam saído.
Sean olhou Zôra que olhou Sean.
— A ‘Teoria da Catástrofe’ é uma área da Matemática... — Lânia caiu no chão, esgotada. —, que deve seu nome ao fenômeno que pode ser presenciado num simples experimento.
— Do que está falando professora?
Ela enxugou o rosto molhado.
— Numa máquina parabólica — e Lânia encarou Zôra. —, desenhamos uma curva que delimita duas regiões distintas. Com um ímã dentro de um ‘V’ criado, temos duas posições de equilíbrio e com o ímã fora do ‘V’ apenas uma. Ao transitar de uma parte para outra, um equilíbrio oculto é criado e só é percebido quando o equilíbrio anterior desaparece.
— Deus... — Sean olhou em volta, começou a entender.
— Isso pode ser interpretado como uma analogia a outras situações que ocorrem na natureza e na sociedade. Na matemática o sistema era estável e mudava pouco com as mudanças em um de seus parâmetros, no caso a posição do ímã. No entanto, o equilíbrio original se perdeu bruscamente quando esse parâmetro atravessou uma linha demarcatória. Invertendo o processo, voltando aos poucos a posição do ímã ao longo da trajetória. Seguida, a passagem pela linha demarcatória onde ocorreu a catástrofe, não restabelece o equilíbrio anterior.
— E como estabilizamos a parábola da catástrofe?
— Para conseguir isso é preciso voltar mais, saindo da região em ‘V’ pela direita.
— Estamos vivendo as catástrofes e nossa presença as desequilibra, pois.
— Eles coexistem como possibilidades Dr. Bonilha, mas a parábola assume apenas um deles. Fora dessa região, só existe um equilíbrio — e suspirou esgotada mesmo. — A passagem do ímã pelas linhas demarcatórias representa a criação ou a destruição de um dos pontos de equilíbrio.
— Precisamos encontrar o equilíbrio rápido, Mejuffou — falou Bantuh no que retornou ninguém sabe de onde.
— Então era isso o tempo todo — Sean encarou a filha de Trevellis. — Um jogo.
— Um o quê? — Lenny se enervou; ela que nem sabia por que estava naquela loucura.
— Estamos jogando, Lenny. Nós somos os jogadores e os alienígenas criam os ambientes para jogarmos.
— Está falando de videogame, pois?
— Achei que não acreditasse que isso tudo é realidade virtual?
— Eu sei que tudo isso é real. Um jogo real! E fomos inseridos dentro dessa espécie de jogo de aprendizado. “Game over!”, disse Isadora, lembra? — Sean encarou Zôra.
— Vamos mesmo ter que completar algo, Mejuffou Zôra? — Bantuh enfim falou.
— Temos que sair ‘daqui’ — Zôra olhava e olhava para os lados sentindo mais alguém.
— Eu não vou girar.
— E eu não vou mais viajar para nenhum lugar — Bonilha estancou no chão. — Acho que Narciso tinha razão. Devemos ficar esperando eles desistirem.
— Os alienígenas não vão desistir, merda!
— Não sou ‘merda’, mas alguém que entendeu que já houve resfriamento, vulcão, ciclone, vaga de calor, tornado, acidente nuclear, super oxigenação, peste, e sabe lá o que mais — Bonilha estava se descontrolando tanto quanto o grupo. — Inclusive se levarmos em conta que qualquer fenômeno, natural ou não pode se levar a uma catástrofe, pois — completou.
— Afundamento de terra, incêndio florestal, furacão, avalanche, terremoto, e se já não houve a tal queda de meteoro — falou Lânia.
E um silêncio caiu ali.
— Vou ver como está Isadora — Sean voltou a realidade, e entrou pela boca estreita da gruta.
Ela ainda se encontrava na mesma posição deixada quando Abba gemeu. Hélder correu até ela.
— Não a toque Hélder!!! — gritou Sean e Hélder parou.
— Precisamos salvá-la Sr. Queise.
— Vamos salvá-la Hélder. Mas não a toque!
Mas Zôra também afastou Sean de Abba e auscultou seu pulmão, aproximando seu ouvido.
— Há líquido nos pulmões dela? Talvez catarro, pois?
— Quando a bactéria alcança os pulmões, transforma-se em peste pulmonar, letal em três dias se não for tratada de forma adequada — respondeu Zôra.
Sean levantou-se a saiu para procurar água limpa.
— Aonde você vai, Sr. Queise?
— Por aí, Srta. Trevellis — e ele a odiou pela distância que voltava entre eles.
— Perguntei aonde vai? — foi atrás dele.
— Procurar água.
— Volte Sr. Queise!
— Abba precisa abaixar a febre — apontou nervoso olhando Hélder ao longe.
— A água está contaminada.
— E?
— Você vai se contaminar.
— Deixe que eu me preocupe com isso.
— Não. Nós nos preocupamos com... — e Zôra parou de falar outra vez sentindo alguém mais ali.
Mas Sean a largou lá, sem completar a frase e voltou para perto dos outros.
— Bantuh? Você sabe procurar alguma fonte de água subterrânea com galhos? — perguntou Sean. — Se não achar, cuidado com as cisternas; qualquer reservatório criado pelo homem pode estar contaminado — depois se virou para o bioquímico. — Bonilha! Precisamos de um pouco daquele fungo da choupana, há pães e restos de comida abandonados — Bonilha e Bantuh saíram.
— O que eu faço Sean? — a voz de Lânia era fraca.
— Você descanse. Precisa recuperar forças até comer. Vou ver se encontro frutas e leite — depois Sean se virou para a metereologista. — Lenny, prossiga controlando o que vê nos céus, qualquer mudança climática que possa apagar o fogo nos avise. E você Hélder, consiga qualquer coisa que não seja panelas de cobre, prefira estanho — e Sean viu Hélder sumir e Lenny ficar próxima à fogueira, então se virou para Zôra. — Todos esses erros são provocados pela aproximação do formigueiro na fenda, não Srta. Trevellis
— Entendeu o joguinho deles ou está só blefando?
— Eu não sei o que eu entendi, ou se ainda virá terremotos, maremotos ou cometas do fim do mundo... Mas sei que a magnetosfera é a extensão do campo magnético do planeta no espaço. Ela fornece proteção vital contra a radiação solar abrasadora, que de outro modo esterilizaria a Terra. O campo magnético provavelmente não desapareceria de uma vez, mas ele poderia enfraquecer, enquanto os polos trocam de posições — Sean olhou em volta agora sentindo algo errado. —, onde a onda de radiação resultante poderia causar câncer, reduzir as colheitas e confundir animais migratórios.
— Por que os alienígenas fariam isso Sean? — soou uma Lânia cansada.
Sean se aproximou dela e a sentiu com febre. Depois se ergueu e encarou Zôra.
— Temos que sair daqui ou vamos todos adoecer.
— O que quer que eu faça Sr. Queise, que eu já não teria feito?
— Por que eles não constroem o formigueiro aqui Zôra? — propôs Lânia. — Por que trazer o deles?
Mas Zôra calou-se.
— Responda filha de Trevellis. Não é a entomologista responsável por essa insanidade?
Bantuh voltava com água e Bonilha com o fungo. Hélder também se aproximou com o que pareciam vasilhas de estanho e todos encararam Zôra que riu.
— Agora falta dizer que estou do lado dos alienígenas? Os ajudando a se fixarem na Terra?
— É Spartacus, não filha de Trevellis?
— O satélite de observação que os alienígenas não vão poder utilizar porque você o modificou ‘filho de Oscar’?
E foi a vez de Sean rir.
— Acha o que Zôra? Que vou cair nessa que estamos passando o que estamos passando porque os insectóides queriam se vingar de mim? Então me levaram até Damaraland, me enfiaram numa fenda temporal e me fizeram atravessar buracos de minhocas através das muitas catástrofes por que os proibi de usar meu satélite de observação? — gargalhava de puro ódio. — Ou era você que ia se utilizar dele para se orientar pela fenda numa ‘viagem controlada’, filha de Trevellis, e eu estraguei tudo?
— Não estou os ajudando a se fixarem na Terra!!! — berrou descontrolada.
Bantuh outra vez se pôs na frente dela antecedendo algo.
— Vamos acabar com essa baboseira! — foi a vez de Lânia pedir ao segurar a cabeça que parecia querer explodir.
— Isso mesmo! Vamos nos focar em Abba — Sean se virou para ela. —, ela precisa de socorro urgente — Sean viu Bantuh largar Zôra ainda o encarando e entregou a água que deixou fervendo antes da discussão. — Bonilha? — Sean ainda vibrava de ódio. — Consegue se utilizar de mofo e fazer uma penicilina básica?
— A ação do antibiótico penicilina, produzido por alguns fungos, inibindo o crescimento de bactérias ao seu redor é um exemplo clássico de alelopatia — Bonilha aceitou o desafio.
A noite caiu. A constante viagem pela fenda os estavam consumindo. O corpo de Sean também estava fatigado. Sentia-se minado, afetado emocionalmente, com sua resistência perigosamente baixa. Porque diferente dos outros, o tempo que ficou perdido dentro da fenda, e o fez aparecer uma semana depois que os outros, não pareciam ter o mesmo tamanho. Ele não entendia como podia acontecer aquela disparidade.
Ficou pensando no filósofo Santo Agostinho e sua ideia de que o tempo não era mensurável.
Hélder se ofereceu para ficar ao lado de Abba e dar-lhe de uma em uma hora a infusão preparada por Bantuh misturado ao que Bonilha pôde fazer com o mofo.
Bantuh, Bonilha, e Lânia foram descansar depois da sopa com uma galinha morta e limpa por Bantuh, e ainda algumas verduras ainda plantadas, que ele encontrou em algumas choupanas abandonadas. Já Lenny vomitou. A radiação a afetava cada vez mais rápido.
A noite estava extremamente clara, como se uma grade de holofotes houvessem sido inseridos na paisagem. Sean e Zôra iriam revezar na vigia ao acampamento improvisado alguns metros adiante; distantes, porém um do outro.
Mas Zôra acabou com aquilo no que se aproximou dele.
— Queria me desculpar...
Sean foi pego de surpresa quase adormecendo.
— Não sei do que está falando...
Zôra abaixou a cabeça e a levantou:
— De como venho lhe tratando.
Sean a olhou de lado.
— Cresceu como uma Trevellis.
Zôra sorriu.
— Nasci ‘Trevellis’, Sr. Queise.
Sean a encarou.
— O que está querendo dizendo com isso?
— Que sou filha de Mr. Trevellis com outra mulher. Que Lola me adotou achando que eu havia sido abandonada por uma agente da Poliu.
— Lola nunca...
— Antes de morrer de câncer. Meu pai contou.
— Deus... Quanta frieza.
— Mr. Trevellis não fez por mal.
— Não. Só quis lavar um pouco sua honra — e Sean viu Zôra parar de falar. Ele suspirou. — Desculpe-me...
Ela sorriu apenas e Sean a viu pelo canto do olho, chegando cada vez mais perto. O coração dele disparou feito adolescente, feito o jovem que ainda era. Zôra tocou o rosto dele com os lábios suaves. Ele se virou totalmente e Zôra o olhou com mais ênfase, milímetros de distância. Sean se inclinou, e ela também. Noutra inclinação, e Sean tocou-lhe os lábios.
Zôra os engoliu.
— Sean... — se desejavam, se beijavam se excitavam.
Os lábios dançavam um sobre o outro, molhavam-se de libido, de tesão. Giravam, voltavam ao lugar de início e iniciavam-se novamente. Esqueceram o local, a dor, a morte, e Sean se virou para ir embora.
— Desculpe-me Zôra, mas... — e algo voou em sua direção. — Ahhh!!! — gritou Sean ao sentir um pedaço da sua pele sendo arrancada com um pedaço da blusa do uniforme de Chernobyl.
— Sean?! — berrou Zôra ao vê-lo caído.
Sean se arrastou confuso, sob a Lua iluminada, sem ver o que lhe atingira quando enfim, o Neandertal que os seguias se mostrou.
— Deus... — Sean arregalou os olhos azuis e a lança enterrou na grama seca de onde ele sumira.
— Sean?! Corra!!! — gritou Zôra.
E Sean correu. Metros à frente quando o Neandertal percebeu que ele havia, como antes, sumido. O Neandertal então parou de olhar Sean correr e se virou. Sean percebeu que o Neandertal mudou de direção.
— Não!!! — Sean se projetou e chegou a Zôra antes do Neandertal que enfiou a lança e encontrou novamente o piso de grama seca.
Ele ergueu o rosto bruto e inclinou a cabeça tentando entender o que acontecia e Sean e Zôra corriam quando ela tropeçou numa planta que imediatamente se enrolou até o seu joelho.
— Ahhh!!!! — foi a vez de ela ir ao chão se vendo cada vez mais amarrada pela planta rasteira, gigante e que com certeza não pertencia a Marselha de 1348 d.C. — Sean?! — gritava Zôra enquanto era arrastada.
— Zôra?! — gritou Sean para Zôra que tentava se soltar a planta que se enrolava cada vez mais.
— Ela está... Ahhh!!!! Sean?! — Zôra gritou de dor. — Ela está me apertando!!!
— Deus... Deus... Deus... — Sean usava de toda força para soltá-la enquanto ambos erram arrastados, e ele sumiu dali e reapareceu com uma tocha na mão, queimando a planta carnívora e jurássica, que se ergueu do chão um, três, cinco metros e se virou para se enroscar em Sean que desapareceu.
Sean reapareceu mais a frente pegando Zôra do chão.
— Aquela planta veio do jurássico?!
— Corra!!! Corra!!! Corra!!! — se desesperava quando a lança do Neandertal alcançou os dois passando entre eles.
— Ahhh!!! — eles se jogaram ao chão com Zôra e Sean se levantando, se separando e correndo.
— Não vá para o acampamento ou o Neandertal vai atacá-los!!!
E Zôra mudou novamente o trajeto correndo, e dando a volta no Neandertal que ficou ali de cara dura e bruta observando ela correr em círculos. Sean também parou de correr e ficou tentando entender o que ela fazia quando um, cinco, dez tornados, em meio a uma chuva de raios elétricos tocou o solo de grama seca.
— Ahhh!!! — o som do estrondo fez todos gritarem e Hélder, e Bantuh se alertarem no acampamento.
— Fique com elas!!! — Hélder gritou para Bolinha que arrastou Isadora e Abba para mais dentro da gruta e a chuva caiu em calibre grosso.
Lenny arrastou Lânia com febre e Hélder e Bantuh alcançaram Sean que ainda via Zôra correndo em círculos.
— Aquilo é um homem das cavernas?! — Hélder estancou e dois raios caíram na árvore seca iniciando um incêndio.
— Corram!!! Corram!!! Corram!!! — Sean agarrou os dois e os empurrava quando Bantuh escapou das suas mãos. — Volte Bantuh!!!
Mas Bantuh correu em direção a Zôra para ajudá-la quando uma parede de água o carregou levando embora.
— Aquilo foi... Aquilo foi...
— Aquilo foi Barguna!!! — gritou Sean.
Hélder se virou em choque.
— O que está acontecendo?!
— Tudo está acontecendo!!! — e pedra-pomes caíram sob eles.
— Ahhh!!! — gritaram de dor com a pele queimando.
— Corra Hélder!!! Volte ao acampamento e mande todos se preparem para viajar!!! — Sean viu Hélder dar meia volta e voltar ao acampamento, quando viu Zôra ainda correndo quando o Neandertal ergueu sua lança. — Não!!! — gritou Sean para chamar a atenção do Neandertal e a fenda abriu. — Ahhh!!! — Sean gritou sendo lançado longe. — Droga!!! Droga!!! Não era para abrir agora!!!
— Entre Sean!!! — gritava Zôra.
— Precisamos matá-lo Zôra!!!
— Entre Sean!!!
— Não!!! Não!!! — e todo o piso rachou. — Ahhh!!! — Sean foi lançado longe pelo piso que ruía. — Zôra?! Zôra?! Mate-o!!!
E a corrida circular de Zôra aumentou fazendo a fricção dos seus pés na grama seca atear fogo no chão.
— Arghhh!!! — gritou o Neandertal vendo que tudo em volta dele pegava fogo. — Arghhh!!!
E Zôra aproveitou e correu. Chegou a Sean quando um zunir tomou conta de Marselha de 1348. Os dois mal entenderam e a lança atingiu Sean, agora cravando em seu ombro.
— Ahhh!!!
— Sean?!
— Corra Zôra!!! — Sean foi ao chão ferido. — Prepare todos para a viagem!!!
— Não você...
— Corra!!! Corra!!! Corra!!!
— Mas que inferno!!! — e Zôra correu em direção ao acampamento.
Tonto pela dor, pela situação complicada, Sean ficou no chão, de joelhos, quando o Neandertal saiu do círculo de fogo e se aproximou dele. Sean ergueu os olhos e o Neandertal arrancou a lança do ombro dele.
— Ahhh!!! — Sean se inclinou pela dor imensurável e o Neandertal colou a lança cheia de sangue no rosto dele; tinha ódio, temor, confusão com o entorno.
Sean olhou a lança, mas ela não se teletransportou das mãos dele. Ele o encarou e tentou se teletransportar, e cinco raios caíram ao redor deles, mas ele não conseguiu.
O Neandertal ergueu todo o sobrolho peludo e se inclinou; apavorado, inseguro com o seu redor, fora de seu habitat, acuado, viajando sabe-se lá há quanto tempo, e a imagem ao redor mudou freneticamente.
Tudo havia sido calcinado e o céu se tornou vermelho. Um ar sulfúrico caiu sobre eles e Zôra foi ao chão aquecido, vendo Bonilha, Hélder, Lânia e Lenny a olhando, quase sem respirar. Zôra olhou para cima e já não existia floresta seca, noite da peste, nem o rio de mortos purulentos. Todo o redor estava reduzido a cinzas e Zôra voltou para onde havia deixado Sean.
Ali agora só eles e o Neandertal em meio a réstias de animais, plantas e um Mar de Tétis enchendo de água, em meio a um ar quase irrespirável.
Sean tossiu e correu os olhos para ao lado e viu que algo havia extinguido todo tipo de vida na Terra.
— Deus... — e Sean se jogou sobre o Neandertal que foi ao chão, com ambos rolando pelo domínio da lança, em meio ao que um meteoro entrou na atmosfera terrestre. E antes que toda aquela radiação os atingisse, Sean o socou, e o socou e o socou com suas mãos evoluídas, sentindo que nada parecia o derrubar. O Neandertal então ergueu Sean que voou metros distantes. — Ahhh!!! — a dor era insuportável e o sangue jorrava por todo seu corpo.
— Sean?! — gritou ela.
Mas Sean rolou, levantou e correu, sendo pego outra vez pelos pés pelo Neandertal. Sean o chutou, mas o Neandertal o agarrou mais forte. Os corpos outra vez rolaram em luta corporal e o Neandertal espirrou agora seu sangue ao ser socado, agarrado pelos punhos de Sean que o socou, o socou e o socou sentindo dor nas cicatrizes antigas, nas atuais.
Ele correu, mas a lança estancou sua corrida parando centímetros dele, Sean se virou e o Neandertal o atacou pelas costas fazendo-o ir de rosto no chão, sentindo a coluna travar pela dor. Sean então foi erguido pela roupa, e socado no estômago, para então ser jogado longe.
O Neandertal correu e pegou a lança e voltou para onde Sean estava e Sean tentou se levantar, mas a lança se enterrou próximo a sua cabeça. Sean rolou para um lado, e o Neandertal ergueu a lança e outra vez a enterrou perto do ombro de Sean que escorregou para o outro lado. O Neandertal outra vez ergueu a lança e enterrou no ombro já ferido de Sean.
— Ahhh!!! — a dor era imensurável.
E Zôra não podia mais deixar aquilo acontecer.
— Hei?! — gritou ela.
O Neandertal arrancou a lança do ombro de Sean novamente e ele foi ao delírio pela dor empregada. O Neandertal correu de lança em punho e atravessou Zôra pelo estômago.
— Não!!! — Sean gritou em meio ao deserto calcinado e Zôra havia se separado em duas; metade para um lado, metade para o outro. — Deus... — e Sean não acreditou no que viu.
O Neandertal também se apavorou, não conseguindo compreender o que via, o que o fizeram ver e se virou para Sean ainda caído. Sean se ergueu como pôde e tentou se arrastar para longe quando a voz dupla de Zôra se fez.
— Hei?! — chamou uma.
— Hei?! — chamou a outra.
O Neandertal correu outra vez com a lança para atravessar uma das partes de Zôra, e essa segunda parte também se dividiu em duas. O Neandertal olhou para um Sean que se arrastava e para três pedaços de Zôra que corriam.
Mas foi atrás de Sean quem o Neandertal se pôs a correr novamente.
As três partes de Zôra gritaram mais desesperadas ainda.
— Hei?!
— Hei?!
— Hei?!
O Neandertal sem nada compreender voltou e arremessou-se junto com a lança numa das partes da cabeça dela, e pedaços do rosto de Zôra se despedaçaram não muito longe uns dos outros, quando uma das metades dela correu para ajudar Sean caído, ferido.
Mas outra lança foi lançada e Zôra viu que a lança atravessava rapidamente o espaço de metros que os separava e que Sean ia morrer.
Um zumbido se fez e a lança foi atingida pelo raio negro que saiu da mão de Zôra. Sean caiu e arregalou os olhos vendo o braço de Zôra ser tomado pelo exoesqueleto.
— Você... — e uma descomunal onda evanescente de areia, água, carros, gente, lodo, fogo, plantas e dinossauros, tudo numa mesma massa, antecedeu o som. — O meteoro!!! — gritou Sean.
Zôra só teve tempo de atirar no Neandertal que se desintegrou e tudo aquilo embaçou, distorceu, girou.
360, 720, 1080, 1440, 1800, 2160, 2520, 2880, 3240, 3600 graus, e a fenda se abriu engolindo a todos.
22
Hotel Damaraland; Damaraland, Namíbia.
Suíte de número quatro.
26 de outubro; 07h07min.
Kelly Garcia viu que o silêncio reinava no Hotel Damaraland, sabia que era hora de agir como até então nunca fizera. A suíte de número quatro estava na penumbra e só a noite invadia suas luzes pelas janelas inexistentes. Oscar dormia quando ela se postou ao lado dele. Todo seu pavor jorrava pelos poros.
Oscar Roldman virou para o outro lado, e abriu e fechou os olhos fingindo estar dormindo. Esboçou um pequeno sorriso sabendo que era Kelly quem pegava o notebook de Sean, o desconectando da parede. E nem o banho que tomara para anular qualquer perfume que seu corpo tivesse, faria Oscar não senti-la; porque ele sabia que a próxima parada do notebook era a suíte de número dois.
Kelly entrou suada, nervosa, com toda sua estrutura abalada no quarto de Gyrimias Leferi.
— Ele não acordou? — logo perguntou Gyrimias.
— Não.
— Parcelado o que conheço, acho que o Senhor Oscar Roldman sabia que estava lá, Senhorita Kelly Garcia.
— Eu também!
E Gyrimias gelou:
— Então o Senhor Oscar Roldman sabe que vamos alterar Spartacus?
— Não sei Gyrimias. Mas vou ajudar Sean a voltar.
— Parcelado tudo, acha que o Senhor Sean Queise ainda está vivo?
— Cale-se!!! — gritou.
— Desculpe-me! Parcelada minhas vontades, temo...
— Não parcele mais nada Gyrimias! — Kelly apontou para a mesa. — Trabalhe!
Gyrimias pegou o notebook e o ligou. Como Sean o ensinara, ele acessava Spartacus.
— Ele está morfando.
— Tente acessá-lo Gyrimias.
— Não consigo Senhorita Kelly Garcia.
— Tente Gyrimias! Tente! Tente! Sean precisa que Spartacus esteja livre.
— Eu só desenvolvi a estrutura de níquel. Não sei como e aonde ele a instalaria.
— Instalar o que Gyrimias? Os mainframes foram mesmo morfados?
— E não foram? — Gyrimias digitava.
— É claro que não! Sean os fez com seus dons paranormais.
— Que se anularam dentro do buraco de minhoca pela...
— Tente!!! — berrou.
Gyrimias voltou em choque para o notebook:
— Estão liberados... — quase sua voz não se faz.
E Kelly se inclinou até bem perto de Gyrimias:
— Então agora é só torcer para que Sean acesse os mainframes da Computer Co. ao invés do satélite Spartacus?
— Os mainframes fazem parte de Spartacus, Senhorita Kelly Garcia. Não vejo como ele não morfou os mainframes se...
E Kelly se inclinou até colar em sua pele.
— Vá dormir Gyrimias... — e a voz de Kelly não era a sua voz. — A noite vai ser longa...
E Gyrimias gelou, perdeu a voz e a ação. Porque sabia o que era aquela ordem, de quem era voz que lhe dava aquela ordem. Inclinou o pescoço para um lado até ele estalar e sem se virar, voltou a digitar como um louco com as ideias que surgiam.
— Sabe Senhorita Kelly Garcia... — e Gyrimias escorregou um olhar para ver que o corpo atrás dele não era o dela. —, podemos levar em conta três propostas de tolerância à falha dos agentes de mobilidade; as duas primeiras empregam redundâncias de hardware para alcançar este objetivo mesmo, mas a terceira utiliza um mecanismo muito mais complexo, porque não propõem a utilização de redundância de hardware.
Sean/Kelly só o olhou de cima.
— Prossiga... — soou a voz de Sean.
E Gyrimias diria que nunca o medo lhe atingira tanto.
— Parcelado... — soou. —, podemos propor melhorias nesta terceira proposta já que somente as diferenças existentes entre estas duas primeiras, são na verdade o que propõe o mecanismo de tolerância à falha dos agentes de mobilidade, que emprega as redundâncias de hardware.
— Prossiga... — voltou a soar a voz de Sean.
Gyrimias se tomou de coragem e prosseguiu:
— Parcelado o que sei Senhor... Senhorita..., os agentes de mobilidade, cada um deles, possuem múltiplos agentes como membros de backup...
— Gyrimias?
— Ãh? — Gyrimias olhou para Kelly vendo Sean em rabiscos ao lado dela que não se moveu, nem temeu aquilo, e voltou a digitar, sabendo que Sean devia a estar acostumado àquilo, a parecer e desaparecer para ela. — Podemos evitar que um membro de um backup se perca durante a falha da máquina principal, se os fizéssemos operar simultaneamente com a máquina principal, onde as estações móveis registram-se somente com um agente de origem, é verdade, mas os demais agentes membros de backup deste HD ‘ouvem’ essas mensagens.
— Gyrimias... — e a voz de Sean era fraca.
Gyrimias e Kelly se viraram e viram que Sean sangrava por todo o corpo e que todo seu rosto tinha ferimentos profundos.
— Sean?! — gritou Kelly encerrando aquela conexão. — Sean... — e ela caiu no chão da suíte chorando, e Gyrimias realmente não sabia o que fazer. — Sean pode... — Kelly se uniu de forças, uma que nem soube existir. — Sean pode acessar essas propostas?
— Eles estão interferindo nos registros.
— ‘Eles’ quem?
— Os insetos. Quero dizer os insectóides.
— E para que precisariam fazer isso, Gyrimias?
Gyrimias olhou o vazio do quarto.
— Ele está ferido, não Senhorita Kelly Garcia? — mas antes que Gyrimias ouvisse uma resposta, um terceiro personagem já estava lá dentro; e era um terceiro personagem para lá de físico. — Senhor Oscar...
— Chame Mona! — Oscar havia adentrado a suíte de número dois não deixando se perder tempo com explicações que Kelly jamais entenderia. — Ela não me atenderá, mas vocês conseguiram algo.
— Mona é mulher esperta Sr. Roldman, ela já deve saber que Sean corre perigo.
— Não pode saber Srta. Garcia.
— Como assim? A película se desmanchou.
— A nossa Srta. Garcia. Não onde está Sean.
— Mas ele veio até...
— O espírito ferido dele, veio. Sean está morrendo Kelly... — e foi como uma suplica toda aquela intimidade. — Por favor... Chame Mona...
— Mas como a Senhora Mona Foad nos ajudará, Senhor Oscar Roldman?
— Com a ajuda de... — e Oscar parou de falar no que o som de um tiro se fez.
— Senhor? Senhor Oscar Roldman?
Mas Oscar não conseguia responder. E não conseguia porque havia algo mais ali em Damaraland, uma força paranormal nunca vista.
— Kelly... — e Oscar viu que Kelly e Gyrimias nada ouviram. Porque havia algo errado, algo haver com a contagem dos nove. — Srta. Kelly... — Oscar era a calma e o controle em pessoa. — Pegue minha mão direita com sal mão esquerda — e a esticou para ela que a olhou. —, e pegue a mão esquerda de Gyrimias que vai pegar o notebook de Sean de um lado e dar o outro lado para minha mão esquerda.
Os dois se olharam.
— Mas...
— Pelo menos uma vez, Kelly? — e Oscar sabia que Kelly estava assustada. — Confie em mim!
E Kelly nem soube por que obedeceu, mas a mão direita dele pegou sua mão esquerda, e sua mão direita acomodou a mão esquerda de Gyrimias que segurou o notebook com a direita levantando-o para Oscar tocá-lo e um raio negro veio do um crop circle que tomou forma e se fechou.
— Ahhh!!! — gritaram Oscar, Kelly e Gyrimias se vendo volitando dentro do que parecia uma cápsula com o formato do desenho feito no chão da suíte de número dois.
— Ahhh!!! — ecoou pelo resto do Hotel Damaraland, pelo deserto da Namíbia e uma nuvem vermelha tomou conta de tudo.
Oscar, Gyrimias, Kelly e o notebook ficaram fechados numa bolha de energia de plasma, desprendidos do chão em gravidade zero, e o ar se extinguiu do lado de fora, extinguindo tudo e qualquer material elétrico, danificado pela sobrecarga de material ácido que os cobriu.
Oscar sabia, ele pressentiu aquilo como o diário de Zôra avisara.
“Filha de Trevellis!" ainda teve de pensar.
Quando o som de um tiro se arrastou por cada centímetro do Hotel Damaraland tudo ganhou peso.
— Ahhh!!! — todos foram ao chão duro.
— Senhorita Kelly Garcia? — Gyrimias se virou para ela derramando gotas de suor que haviam sido suspensas na falta da gravidade.
— Gyrimias... Oh... Gyrimias... — Kelly olhava atordoada para os lados com móveis, roupas de cama e banho, mala e todo tipo de utensílios que Gyrimias havia trazido, esparramados no chão derretido.
— Senhor... — e foi para Oscar quem Gyrimias se virou agora. — Esse ácido... Esse ácido...
— Vamos! — Oscar ergueu Kelly do chão que ainda estava de olhos arregalados. — Vamos ver quantos morreram dessa vez.
E foi a vez de Gyrimias arregalar os olhos no impacto de não precisar da resposta.
23
38° 42’ 0” N e 9° 10’ 0” W.
Foi Bonilha, dessa vez, quem mais se sentiu em casa, conhecedor de onde passava, pelo menos no que reconheceu o lugar que toda sua infância passara; Portugal. Mas ele caiu numa areia macia, com seu corpo amarrado por fios de energia a Isadora que adquirira sua a cor laranja de volta.
— Olá Bonilha...
Bonilha arregalou os olhos e Isadora abriu uma bocarra o engolindo.
— Ahhh!!! — seu grito ecoou por 38° 42’ 0” N e 9° 10’ 0” W.
38° 42’ 0” N e 9° 10’ 0” W.
Lânia, Zôra e Bantuh caíram dentro de um grande tonel de uvas amassadas.
— Hei?! — gritou uma mulher encorpada. — O que estão fazendo?
— O que ela disse? — perguntou Lânia.
— Acho melhor sairmos daqui — respondeu Zôra.
Os três correram para dentro das parreiras de uvas que estavam sendo recolhidas.
— Hei?! — gritava um.
— Hei?! — gritava outro quase caindo da escada.
Lânia, Zôra e Bantuh não viram alternativas a não ser parar de correr.
— Onde está Sean?
— Não sei... — Zôra procurava um lugar onde conseguir parar, mas todos os olhavam cada vez que paravam. — Ele estava muito ferido.
— Acha que Sean...
— Cale-se! — Zôra alterou-se. — Não repita isso!
Lânia não repetiu. Olhou Bantuh e voltou a olhar em volta os muitos vinhedos onde estavam, por onde corriam e se escondiam.
— Que lugar é esse?
— Não sei Lânia... Que tal não fazer mais perguntas e continuar a correr?
E os três correram sem muita direção.
— Onde está Lenny? Ela estava na caverna conosco — Lânia também queria saber.
— Não sei Lânia. Já disse que não sei como essas viagens estão acontecendo.
— Mas Sean estava com você...
— Chega! — Zôra outra vez foi forte na entonação. — Precisamos de comida e roupas — falou Zôra em português para a mulher encorpada que estancou na frente dos três.
O espanto de Lânia foi total, ela não havia visto a mulher aparecer e nem entendia uma única palavra do que Zôra falava com a mulher encorpada, que os viu vestindo roupas diferentes, masculinas, e nem se quer imaginou de onde eles vinham, sendo uma mulher de pele mais morena, uma loira de cabelos extremamente claros e seu escravo.
Zôra leu o pensamento dela, e temeu algo.
— Sigam-me! — a mulher encorpada falou quando Zôra dominou seus pensamentos.
Lânia e Bantuh obedeceram.
38° 42’ 0” N e 9° 10’ 0” W.
Sean abriu os olhos sentindo-se tonto pela dor; e era muita dor a que sentia, fazendo a imagem à sua frente, ainda embaçada, demorar a se formar. O ambiente gélido, perfumado por incenso, tinha uma música suave ao fundo e ele tentou entender o que cantavam o que entoavam.
Fechou e abriu os olhos como quem acordava com sono, de um sonho com Kelly, e Gyrimias, e tocou-se no ombro, percebendo que sangrava muito, que tinha febre, que estava morrendo.
A imagem voltava a se firmar e Sean enfim reconheceu a música:
— Sacra... — sussurrou no silêncio do ambiente.
Sean olhou para trás, havia grandes e extensas fileiras de bancos de madeira envernizada. Depois olhou para os lados e novamente para frente, e imagens de santos se espalhavam por todo o ambiente. Duas mulheres de véu negro, roupas escuras, de renda, encolhidas num canto o observavam sujo, provavelmente ferido.
— Mendigos... — ele ouviu dizerem.
Estava sujo, rasgado, ensanguentado, morrendo.
Sean procurou seu GPS com dificuldades em mexer o braço e não desmaiar de dor.
— 38° 42’ 0” N e 9° 10’ 0” W — olhou em volta. — Não pode ser... — voltou a prestar atenção na conversa das duas mulheres; elas falavam um português carregado, casto, e voltou a olhar o GPS ainda tonto de dor. — Estou em Lisboa, Portugal — voltou a olhar em volta tentado se erguer e as mulheres, metros de distância, voltaram a se afastar. — Buhhh! — exclamou Sean fazendo a nave toda ecoar.
Elas saíram correndo dando tempo para ele atravessar toda a igreja com calma, com dificuldades, morrendo.
Sean olhou para o chão e seu sangue fazia uma trilha. As feridas abertas, a infecção tomando conta do seu fluxo sanguíneo e o perfume dela, de Kelly, na suíte de número dois. Porque ele sabia que estivera lá, que dentro da fenda ele se projetara com o que extinguia do resto de energia e saúde que tinha, para vê-la pela última vez; porque sabia que morria.
A igreja tinha um estilo gótico, um estilo arquitetônico surgido na Europa Ocidental nos séculos XIII a XV que tinha como principal característica a abundante utilização de arcos e abóbadas em ogiva.
E Sean a conhecia, já a visitara, terra natal de seu pai Fernando, terra de uma das mais competitivas Computer Co., da primeira Computer Co., da melhor Computer Co., sob o comando de seu pai. Porque sabia que Fernando era o melhor, que ele nunca conseguiria ser igual a ele, a ter seu respeito completo; profissionalmente, sentimentalmente e seu corpo cedeu.
Sean se agarrou ao amadeirado banco da igreja de três naves e cinco tramos, com cabeceira com capela-mor saliente e de maior altura, ladeada por quatro absidíolas poligonais escalonados, a evolução do modelo das cabeceiras das igrejas mendicantes mais importantes do Convento do Carmo, e arregalou os olhos.
— Deus... Estou na ruína do Convento do Carmo... — olhou em volta. —, do que ainda é o Convento do Carmo antes da ruína do terremoto... — e uma mão pousou sobre seu ombro.
Sean ergueu os olhos azuis, rodeados de sangue que escorria do rosto bonito.
— O jovem terá que sair! — falou um homem vestindo farda antiga.
Sean olhou para trás do homem, e as duas mulheres que o repudiaram deviam ter feito alguma reclamação.
— Estou ferido... — Sean respondeu em português de Portugal.
O guarda olhou as vestes dele; sujas e ensanguentadas.
— O jovem precisa de abrigo? — perguntou o homem vestindo farda antiga.
Mas havia algo nele que o fez lembrar-se de alguém.
— Eu o conheço?
— Não — o homem vestindo farda antiga sorriu-lhe, o ajudando a caminhar.
E Sean caminhou, sentindo uma dor dilacerante ao chegar à porta da igreja do Convento do Carmo, quando o chão de mármore se tomou por uma areia branca e Bonilha e Isadora chegavam amarrados um ao outro. Sean ergueu a mão para chamá-los e a boca de Isadora cresceu, cresceu, e ela engoliu a cabeça de Bonilha que chacoalhava todo até ela arrancar a cabeça dele.
Isadora se virou para trás e viu Sean a vendo com o sangue e pedaços de Bonilha na sua boca e sorriu para ele.
— Ahhh!!! — Sean gritara e toda sua roupa ensanguentada se tomou de água, com a areia da praia, também se tomando de água no que uma grande onda tomou conta de tudo. — Ahhh!!! — voltou a gritar indo ao chão de mármore do Convento do Carmo.
— Jovem... — ecoou por ali.
E Sean percebeu que Lânia, Bantuh e Zôra não haviam vindo com ele, que Bonilha e Isadora vieram juntos e que ela o havia matado. E o pior, Sean sentia que algo acontecia a Hélder e Lenny, numa terra de vulcão ativo. Ergueu-se com dificuldades e encarou o homem vestindo farda antiga, agora mais próximo dele, próximo a ponto dele enfim reconhecê-lo.
— Mona... — e Sean desmaiou.
24
38° 42’ 1” N e 9° 10’ 0” W.
Sean abriu os olhos, estava numa cama de colchão de molas que se movimentavam quando ele se virava, tentava se virar. O quarto era de madeira; chão, parede, teto, e havia um doce perfume de incenso no ar, mas o perfume de comida vinha de outro ambiente. E ele queria poder se transportar para lá se a dor não fosse tamanha.
Ele se olhou, vestia-se de calça larga, escura, de algodão, limpa, presa por um alfinete de cabeça. Também usava uma blusa folgada, de linho, de cor clara e cordões que a amarrava no lugar de botões. Tocou-se, tinha os cabelos loiros grandes e barba de pelo menos um mês. Arriscou-se a levantar e caminhar até a porta. Estava descalço e com fome. Na parede ao lado, um grande espelho com pés de madeira mostravam um jovem em plena recuperação.
Sean ergueu a blusa de linho e cor clara e viu que uma grande cicatriz atravessava seu ombro esquerdo, também ao longo do tórax, cicatrizes tão grandes quanto, ainda mostravam inflamação; o rosto estava recuperado. Abriu a porta e o quarto dava para um corredor estreito, comprido e pintado de bege, com o som de música sacra reverberando por todo ele.
O corredor desembocava numa escadaria, Sean desceu muitos andares até chegar num salão abafado, espaçoso também forrado de madeira, de pé-direito baixo com convidativas mesas e bancos de madeira. Uma Senhora encorpada saía de uma das portas que se desenhavam no salão, trazia um caldeirão de sopa e alguns pratos de metal, que Sean calculou serem de estanho.
Ela lhe sorriu e lhe indicou um dos bancos. Sean sorriu e aceitou. Ela lhe serviu sopa de galinha. Sean deliciou-se com a primeira refeição decente desde o começo daquelas viagens malucas.
— Obrigado! — agradeceu em português com todo sotaque que sua família tinha.
— Não há de que! — falou a Senhora encorpada num sotaque português mais forte do que possuía seus avós, seu pai.
— Sean... — esticou uma mão para ser cumprimentada.
— Maria Dolores — cumprimentou-o.
— Onde estou?
— Alguns homens da cidade o trouxeram para o convento.
Sean a olhou assustado.
— Achei que não recebessem homens de fora.
— Achou? — Maria Dolores viu Sean parar a colher no ar. — Recebemos enfermos — apontou para os ferimentos.
— Obrigado por isso também.
— Tenho que dizer que os frades tiveram muito trabalho, e fizeram muitas orações para curar-lhe.
Sean lembrou-se do Neandertal, da lança, da calcinação da Era dos Dinossauros, e da dor com que girou até acordar no banco da igreja do convento, sangrando.
— Quando cheguei aqui?
— Um mês atrás.
— Um mês... — se olhou. — Por que não consigo me lembrar?
— Não sei. Dizem que você estava ‘desligado’; levantava-se, tomava banho, comia e deitava.
Sean nada entendia de como o tempo ali funcionava.
— O guarda?
— “Guarda”?
— Quem me trouxe mesmo?
— Alguns homens o encontraram sangrando no chão, próximo ao Palácio Real de Alcântara.
— Atualmente Rua 1º de Maio... — Sean falou sozinho olhando a mulher lhe olhar.
— Acho bom acabar de comer e voltar a descansar. Depois alguém irá ao seu quarto trocar o curativo.
Maria Dolores pegou a panela pesada e se virou para voltar à cozinha.
— Perdão! — Sean a viu se virar. — Quantos frades moram aqui, Maria Dolores?
— A quantidade exata?
E Sean teve medo de interferir, de avisar sobre o terremoto.
— Eu... Nada — ficou cabisbaixo e Maria Dolores se virou para sair de novo. — Sabe se outros...
— “Outros”?
— Outros como eu... Vestindo roupas... — Sean não sabia como falar. —, iguais.
— Há um mês, uma mulher e seus dois escravos mergulharam num tonel da plantação de videiras — riu. — Foi um comentário geral.
Sean arregalou os olhos azuis.
— “Dois escravos”?
— Nas vinhas, junto a ribeira; na maceração de uvas.
— E sabe tudo isso porque o comentário foi geral?
Maria Dolores desceu a panela pesada em cima da mesa e o ficou observando.
— Sim. Alcântara, freguesia do Concelho de Lisboa, ficou comentando o fato inédito.
— A plantação fica depois do aqueduto?
— Aquela construção grande?
— O Aqueduto das Águas Livres ergue-se sobre o vale de Alcântara, Começou a ser construído no ano de 1743.
— Sim, só tinha água em Alfama.
— Alfama, o bairro histórico de Lisboa, conhecido internacionalmente pelos seus bares de fado.
Maria Dolores sorriu-lhe.
— Não entendo o que fala Sean.
Sean sorriu-lhe de volta.
— Sabia que Alcântara deriva da palavra árabe al-qantara, que significa ponte, porque chamavam assim, a ponte que atravessava a ribeira nessa área, e que acabou por se chamar ribeira de Alcântara... — e Sean viu Maria Dolores ainda sorrindo. Sean suspirou e desistiu da aula de história. — Disse que uma mulher e seus dois escravos ainda trabalhavam lá?
— Acho que disseram que o escravo foi para a Fábrica de pólvora para... — e a mulher viu Sean sair correndo.
E Sean subia todos os degraus aos pares, entrando no seu quarto, virando-o todo como pôde, atrás do GPS sem o encontrar.
“O guarda fardado?” lembrou-se.
— Será que ele pegou? Não, não pode ser. A mulher disse que homens me trouxeram...
Sean abriu a porta do seu quarto para sair novamente, e não havia ninguém ali no corredor. Entrou em todos os quartos que desembocavam no estreito e comprido corredor e percebeu que os quartos eram simples; cama, mesa, cadeira, armário de madeira de boa qualidade e um crucifixo na parede com restos de velas na mesa.
“Está debaixo do colchão”, Sean ouviu falar.
Ele se virou atônito tendo a impressão de ter ouvido a voz de Mona amiga.
— Mona? — ele chamou, mas não houve resposta. Sean olhou em volta, levantou o colchão do nono quarto que vasculhava e debaixo do colchão o aparelho de GPS estava dentro de uma bíblia, que mal conseguiu ser fechada. — Eles pensam que é obra dos infernos — olhou o GPS mudando as coordenadas, e que outra vez giravam como loucas sem, porém sair da mesma região.
Porque se fosse o terremoto de 1755 a acontecer, aquilo sim seria o inferno, com o terremoto atingindo grande área de Portugal, e Lisboa estava no seu raio de destruição. Sean se virou e saiu, e precisava era sair dali do convento, porque se a escravatura em Portugal continental foi proibida somente a 12 de fevereiro de 1761, então ele precisava alcançar Lânia e seus ‘dois escravos’ Zôra e Bantuh. Só realmente não sabia como chegar lá a pé, já que o principal aqueduto media 19 km, e incluindo os canais secundários, totalizavam 58 km.
Ele tinha cada vez mais certeza que precisava entender a jogada dos alienígenas, precisava acessar Spartacus para permitir que o formigueiro entrasse no espaço terráqueo já que atrapalhou algo de alguma forma, e também precisava da ajuda de Mona Foad se quisesse impedir esse algo; o tempo era a chave para suas respostas.
Sean conseguiu sair do convento, caminhou muito até sentir-se cansado, exausto pelas viagens e pelos ferimentos.
Ficou ali, no meio da Portugal do século XIX, com Zôra Trevellis nas lembranças dele. Porque havia algo nas atitudes dela, que completavam todas as lacunas; ele só não sabia o que exatamente. Ou sabia. Porque algo, uma ideia, passou de repente pela sua cabeça; porque não era só o tempo a chave para suas respostas, mas o espaço, o espaço-tempo que realmente importava ali.
Sean então se concentrou. Não girou, mas abriu os braços como Zôra fizera na ‘Era do gelo’, e todo o entorno aos poucos se embaçou feita uma imagem de TV fora de sintonia, e ele se tomou de rabiscos, transferindo-se de onde estava para outro local, sem qualquer dificuldade.
38° 42’ 2” N e 9° 10’ 0” W.
A vida no cultivo e feitio do vinho era dura. Lânia lutava contra a diabete roubando algumas poucas uvas apesar do açúcar excessivo contido na frutose. Ela não conseguira convencer a matrona, que Bantuh e Zôra eram escravos livres, presentes de seu pai. Para todos ali, Lânia era uma ladra mentirosa, como muitos que ali chegavam se dizendo estrangeiros abastados quando na verdade eram todos quase falidos.
Os três acabaram ficando lá, prisioneiros da situação.
Lânia e Zôra há um mês trabalhavam nas videiras, começando com o nascer do Sol e só descansando com o cair da tarde. Bantuh era o que mais sofria, misturado aos escravos da Fábrica de pólvora, ele estava para ser vendido. Zôra controlava como podia a mente de todos que perto dele se aproximavam, mas sabia que aquela situação não podia se sustentar por muito tempo.
Ainda não havia nenhum sinal de Lenny, nem de Sean, apesar de Zôra dizer a ela, dia após dia, que os dois estavam pertos; pertos onde, Lânia não sabia. Mas Lânia se desesperava mesmo, era quando perguntava sobre Hélder, Abba, e Bonilha, e Zôra dizia que deles, eles não saberiam mais nada, o que computava a perda de mais três num jogo onde nove viajantes eram importantes. Só sobre Isadora, Zôra se recusava a dizer algo.
O Sol se punha quando todos da colheita se reuniram para mais uma refeição e Lânia deu um jeito de se aproximar de Zôra.
— Onde está Bantuh, Zôra? Por que ele não voltou? Você disse que ele voltaria ontem a noite.
— Agora não...
— “Agora não”?
— Shiuuu! Não chame atenção. Eu o estou mantendo invisível aos olhos dos compradores.
— Como? Que compradores?
— Já disse para não chamar atenção, Lânia — e saiu de perto dela já que também se mantinha invisível toda vez que o controlador das vinhas aparecia.
Mas Lânia estava perplexa com aquela revelação. Precisava saber mais.
— Como o mantém invisível, Zôra?
— Não quero falar sobre isso — pegou outra cesta de uva do chão.
— Por que não foi levada também se você tem a pele amorenada?
Zôra a fuzilou.
— Queria que eu tivesse sido levada? — foi irônica.
Lânia não respondeu, olhou em volta, algumas mulheres a observavam.
— Onde está Bantuh? — insistiu nervosa.
— Trabalhando na Fábrica de pólvora.
— E por que alguém ia vendê-lo?
— A escravatura só foi proibida aqui somente a 12 de fevereiro de 1761.
— Como sabe?
— Sei!
— Sabe tudo! — Lânia irritou-se e Zôra continuou a andar. — Como deve saber o porquê de precisarmos passar por tudo isso, só porque algum punhado de formigas alienígenas não tem onde viver.
— Ignorâncias como essas que fizeram do homem o grande causador da extinção de algumas formigas, Lânia.
— “Ignorância”?
— Mais de mil anos cavoucando tudo e agora dizem que o mundo todo é responsável pelas ações deles — e Zôra se afastava das videiras. — Caras de pau!
— Nossa! Quanta defesa por alienígenas...
— Cale-se!!! — Zôra gritou e Lânia saiu do chão com seu pescoço apertando até seus olhos lacrimejarem.
Lânia foi ao chão tossindo e mulheres correram a acudi-la enquanto Zôra ia embora sem sequer tocar nela. Sean havia chegado sem que ambas pudesse ver ou ouvi-lo, e esperou ali, quieto, em meio às videiras, vendo Zôra se afastar e Lânia correr atrás dela furiosa.
— Me matar não vai ajudar seu formigueiro! — exclamou furiosa.
Sean não acreditou no que ouviu e Zôra se virou furiosa para ela com os olhos verdes brilhando, quando ele entrou na frente de Lânia antes que qualquer outra ação paranormal de Zôra matasse a professora.
Zôra o fuzilou com ele ali, a encarando, a desafiando, também. Como também não acreditou que não tivesse conseguido prever a presença dele.
— Sean? — Lânia abraçou-o por trás com força e Zôra a odiou muito mais. — Você está bem? — perguntou.
— Sim, professora — Sean ainda encarava Zôra. — E você? — virou-se ainda envolto pelo abraço dela e tocou-lhe os cabelos loiros e encaracolados.
Aquilo sim fez Zôra odiar ambos. Ela se virou e foi embora para onde haviam ficado durante todo aquele tempo; um casebre não muito longe das videiras.
— Zôra fez...
— Eu sei! — foi a resposta dele; e que a silenciou.
Os dois andaram até o casebre e Sean entrou vendo uma mesa de madeira encostada num canto da parede, à direita da porta com um banco de madeira próximo, um fogão a lenha e o que parecia ser um armário com uma cortina florida, fazendo às vezes de porta, escondendo louças e mantimentos.
Zôra se aproximou da mesa e tirou um pouco de pão da cesta e ofereceu queijo e vinho. Os dois trocaram olhares e só. Depois Sean pediu água para lavar as mãos e Zôra apontou uma porta onde um quarto com uma bacia contendo água e toalhas ficavam em cima de uma camiseira. Sean viu duas camas e algumas poucas roupas em cima de duas cadeiras.
Voltou à sala e viu Zôra e Lânia caladas; mudas.
— Como sabia que estávamos aqui? — a voz de Zôra não era de boas vizinhanças.
— Me contaram sobre o mergulho de vocês no tonel — riu vendo que Zôra nada demonstrava, nenhuma única emoção.
Já Lânia sorriu sem graça. Sentiu-se feia naquelas vestes e arrumou os cabelos loiros e cacheados, caídos do coque usado para trabalhar; queria estar bonita para ele e Zôra percebeu.
Sean também.
— Sabe onde estamos? — perguntou Zôra.
— Portugal. Sismo de 1755.
Zôra olhou em volta como que procurando um foco.
— Precisamos resgatar Bantuh da Fábrica de pólvora de Barcarena, no Concelho de Oeiras, Distrito de Lisboa.
— Ele foi levado, Sean. Mas Zôra o mantém invisível — contou Lânia com cinismo.
— “Invisível”? — Sean parecia não ter entendido quando Lânia se virou e voltou a abraçá-lo; ele dessa vez apenas sorriu e se afastou indo tomar vinho e comer arroz, pão e queijo. Ambas perceberam. — Eu apareci ferido, morrendo, no que antes fora o Convento do Carmo — Sean viu as duas se olharem. — Homens da cidade me levaram até eles — e ele encarou Zôra. — Eles me salvaram Srta. Trevellis.
— Sinto muito!
Lânia olhou um e outro sabendo que Sean queria avisá-los e Zôra proibia.
— Até quando?
— Até sempre! Não podemos avisar ninguém — Zôra viu Sean comer furioso, e beber o vinho mais furioso ainda. — Eu sinto muito, mas você sabe que o ano de 1755 insere-se numa era fulcral de uma grande transformação social; Revolução Industrial, Iluminismo, e Capitalismo — e Zôra pousou sua mão sobre a dele. —, onde se lançou as bases de uma sociedade moderna em alguns países da Europa Ocidental!
E ele soltou-se de sua mão.
Ambas perceberam a frieza.
— Eu sei que o sismo influenciou de forma determinante muitos pensadores europeus do Iluminismo... — Sean a encarou — Foram muitos os filósofos que fizeram menção ou aludiram ao terremoto nos seus escritos, como Voltaire em seu ‘Candide’ e ‘Poème sur le désastre de Lisbonne’; um poema sobre o desastre de Lisboa...
E ambas perceberam algo mais.
— Acha que tudo é uma cadeia de fatos, Sean?
— Não sei o que dizer professora, mas o terremoto ou sismo de Lisboa foi suficiente para Voltaire refutar a ‘Teodiceia’ de Leibniz!
— Se mexer-nos numa única pedra, toda a estrutura desmoronara Sr. Queise.
E Sean olhou o telhado de telhas de barro aparentes, aturdido.
— Lenny? — perguntou ele.
— Não veio conosco Sean.
— Droga! Achei que Lenny tivesse conseguido viajar.
— Por que diz isso Sean?
Ele paralisou.
— Por nada... Achei que todos... — e Sean não tirava os olhos do telhado sabendo que as duas esperavam mais. —, achei que tivessem escapado daquela época calcinada; só isso.
— E os outros?
— Outros? — Sean olhou Zôra lhe olhando, lhe decifrando era bem verdade. — Bonilha e Isadora estão numa praia.
— Sabe qual?
— Não. Mas se o sismo ainda não aconteceu, e o tsunami que se seguiu a ele ainda não inundou tudo, então Isadora ainda não comeu a cabeça de Bonilha.
— Sean?! — gritou Lânia sentindo que ia vomitar.
Mas Zôra continuava ali, firme, só o olhando.
— Você sabia filha de Trevellis? — e Sean até sabia que Zôra nada falaria. — Sim! Você sabia filha de Trevellis; porque sempre sabe tudo.
Lânia olhava um, olhava outro.
— Vocês querem parar com isso?! — berrou descontrolada em prantos. — Até quando vocês vão continuar essa guerrinha?
— Por que acha que estamos guerreando professora?
— Porque estão!!! — berrou entre lágrimas. — Porque essa guerrinha de nervos entre vocês dois matou todos nós — e Lânia viu Zôra se virar furiosa para ela e Sean outra vez se colocou na frente dela.
— Não! — e a voz dele a fez sair do sério.
Zôra se levantou e virou de costas para eles.
— Sabe se Hélder e Abba também conseguiram Sean? — Lânia sabia que havia sido protegida, que aquela proteção significava mais para Zôra que para Sean.
— Sim, professora.
As duas se olharam.
— Traduza ‘sim’ filho de Oscar.
— Sim. Eles conseguiram fazer a passagem de volta para Damaraland.
Lânia se virou para Zôra com as pernas bambas, a fim de uma explicação, e uma explosão estremeceu tudo.
— Ahhh!!! — gritaram os três quando as telhas de barro do casebre desabaram sob eles.
— Lânia?! Lânia?! — gritava Sean tirando telha após telha de cima da professora, lotada de barro seco e tudo mais que despencou sobre ela. — Você está bem? Lânia? Responda! — Sean a sacudiu e sacudiu.
— Sim... — soou fraco.
Sean se virou e viu Zôra, suja de tijolos e tudo mais o encarando.
— Obrigada por perguntar! Também estou bem!
Sean não se fez de rogado com a face fria de Zôra.
— Onde fica a Fábrica de pólvora?
— Eram duas fábricas separadas pela ribeira de Barcarena; a Fábrica de Baixo e a Fábrica de Cima, que funcionou entre 1540 e 1940. Não sei em qual Bantuh está.
E Sean se aproximou mais ainda, a quase roubar o ar dela.
— Então também deve saber por que as girafas nunca mais apareceram se elas apareceram, quando Isadora já não podia mais me contar?
E Zôra se viu despreparada.
— Como é que é?
— Porque ao contrário de você, folha de Trevellis, sei o porquê das girafas não estarem aqui, em todos os eventos catastróficos que vivemos.
Zôra escorregou um olhar para Lânia que sentada nos escombros esperava ouvir uma resposta, mas Zôra calou-se.
— Vamos Zôra... Fale... — mas Lânia viu Zôra continuar calada. — Fale Zôra...
— Ela não vai falar professora — Sean quase misturava os poros com os dela pela proximidade. Os olhos de ambos se cruzaram. — E não vai falar porque ela sabe que o responsável por essa experiência não caça girafas — e sorriu cínico.
— “Não caça”? Mas quem caça não faz parte da experiência? E quem faz parte da experiência Sean?
— A Srta. Trevellis, que trouxe todo o exoesqueleto para a Terra, não é? — e foi a vez dele ver que Zôra não gostou daquilo. — Porque o insectóide que morreu, sabia que Zôra havia voltado a nave para pegar um exoesqueleto inteiro, e não algo do tipo ‘desesperei-me quando ela tomou meu braço e não queria sair. E por mais que eu desejasse a luva não abria’.
— Então eles continuarão a vir atrás de nós, Sean? Zôra? — Lânia olhou um e outro e a guerrinha de nervos ainda estava ali. — Por que até quando vamos ficar nesse jogo Sean? Zôra? Um dos dois realmente sabe o que acontece aqui? — e ambos nada falaram. — Vou embora... — e Lânia saiu dos escombros.
— Vai atrás dela?
— Por que eu iria?
— Porque você... — e a voz de Zôra ficou tão distante que Sean via os lábios dela se moverem, mas o som não chegava até ele.
Sean olhou em volta e estava surdo. E estava surdo porque o som não se propaga no vácuo, onde não há ar.
E o chão tremeu.
— Ahhh!!! — gritaram os três uníssonos ao caírem.
Sean correu para um lado e Zôra para outro e ambos arregalaram os olhos para o enorme vão que se abriu entre eles, separando o casebre ao meio.
— O que... O que... — e Sean não teve tempo para formular mais nada, correu e o grande vão se abriu mais ainda levando tudo para dentro dele; casebre, videiras, carroças de uva, tonéis gigantes, gente, tudo engolido.
Sean correu e levantou Lânia ainda atordoada pelo chão aberto sob seus pés. Zôra havia ficado do outro lado do grande vão e gritos ecoaram por toda Lisboa.
— Deus... — e Sean correu de volta à cidade.
Mas Zôra leu o pensamento dele.
— Não Sean!!! — mas Zôra viu Sean correr tanto que as duas mal conseguiam acompanhar. — Sean?! — gritava Zôra do outro lado do grande vão que se abriu entre eles. — Não faça isso Sean!!!
Sean parecia ensurdecido, tomado por uma fúria fora do comum.
— Estou cansado Zôra!!! Chega!!!
— Não!!! Não!!!
— Basta Zôra!!! Não vou ficar parado vendo gente morrer sem nada poder fazer.
— Sean?!
— Não adianta!!! — gritava ele do outro lado do grande vão, correndo para o aqueduto, tentando alcançar o centro de Lisboa, o convento onde fora salvo, onde fora curado e tudo se desmanchava aos olhos de muitos, dele próprio.
— Não faça isso Sean!!! Não os avise!!!
Mas Lânia não conseguia acompanhar nem Sean nem Zôra do outro lado do grande buraco. Ela ofegava, ainda em choque pelo desabamento do casebre e corria vendo Sean e Zôra muito à frente dela.
— Sean?! — gritava Zôra. — Não faça isso!!!
— Não!!! Não!!! — Sean corria. — Não vou ser brecado, Zôra!!!
Gritos de dor e desespero se espalhavam pela Lisboa de 1755.
— Sean?! — Zôra gritava a correr também. — Não faça!!!
Mas Sean não parava de correr, a imagem dos quartos de madeira, do incenso, das orações tomava conta de sua conduta. Não podia deixar aqueles que lhe salvaram morrer, padecer.
Lânia ainda tentava, com toda sua força acompanhá-los, mas não conseguia alcançá-los. Viu quando Sean parou de braços abertos para o céu, para um céu que nem sabia se existia mesmo, e se concentrou com todo seu esforço e o grande vão aberto aos seus pés se fechou.
— Sean?! Não faça isso!!! — gritava Zôra desesperada. — Não interfira!!!
E Sean interferiu; as mudou de lugar junto com ele.
Lânia piscou e pisava uma calçada, no centro da cidade de Lisboa, com uma grande construção à sua frente sendo destruída. Lânia piscou de novo e Sean corria em direção a construção, ao Convento do Carmo em meio a casas caindo, pessoas sendo soterradas, gritos de desespero no incêndio que irrompeu pela cidade. Lânia piscou pela terceira vez e viu Zôra sumindo de seu raio de visão, com Sean correndo por ruas esburacadas de uma Lisboa destruída e Zôra alcançando ele, o tocando, quando uma onda gigante se desenhou, os engolindo.
— Ahhh... — se perdeu por ali.
Lânia estava se afogando.
Sean a procurou em vão porque o tsunami os engolia, engolia a cidade; vozes, gritos, barcos, redes, areia e fúria no desespero de todos que se afogavam na orla marítima.
Não houve estampido de uma arma, nem Sean ou Zôra giraram, mas Lânia caiu com toda força no lounge do Hotel Damaraland.
Kelly só teve tempo de gritar de susto e alertar todo o hotel enquanto Sean desmaiava, sendo levado cada vez mais para o fundo das águas lusófonas, sem conseguir saber do paradeiro de Bonilha e Isadora.
Mas Isadora foi a próxima a cair no chão de terra avermelhada e batida do Hotel Damaraland. E foi a vez de Gyrimias entrar em pânico ao ver o corpo de Isadora tomado por uma cor alaranjada e sua boca ainda aberta, de tamanho avantajado, com a cabeça de Bonilha dentro dela.
E Gyrimias nunca correu tanto e tão rápido na vida:
— Senhor?! Senhor?! — Gyrimias gritava atônito a deslocar os óculos pelo excesso de suor e medo quando Oscar apareceu vindo do anda, literalmente, e Gyrimias se chocou com ele desmaiando.
Isadora só encarou Oscar Roldman e Mr. Trevellis foi o próximo a chegar.
— Meu... — e Mr. Trevellis não completou a frase porque Lânia derrubou Isadora com uma pá.
Lânia se virou para todos:
— Da outra vez foi um ancinho.
Todos olharam Isadora em meio ao sangue de Bonilha agora se misturando ao dela.
— Ela era alaranjada? — e Mr. Trevellis só olhou Oscar lhe olhando furioso.
— Era... — respondeu Hélder dobrando os joelhos, pelas pernas fracas.
Kaunadodo, Lumumba, Yerik, Emiko e Kelly correram para ajudar Hélder e a imagem de uma Abba nítida, voltando do longo sono, se fez ali.
Todos então se viraram para eles.
— Sean? — perguntaram Kelly e Oscar uníssonos.
— Não sabemos...
— Zôra? — foi a vez de Mr. Trevellis
— Também não sabemos...
Depois todos se viraram e Lenny apareceu, coberta de um pó acinzentado, encarando um e outro e outro e outro.
— Onde está Paolo? Ele tinha razão... — Lenny voltou a olhar um e outro. —, eu estava no Monte Tambora em 1815 quando ele explodiu, e todo hemisfério Norte ficou sem verão em 1816 — continuava olhar um e outro. —, e faltou alimento matando milhares na Europa porque... Por que estão me olhando? Paolo tinha razão... Não veem? Aquele monstro mecatrônico alienígena explodiu o...
— Lenny... — soou de Kelly.
— Sen-sentimos muito... — soou de Yerik.
E Lenny desmaiou.
25
Hotel Damaraland; Damaraland, Namíbia.
Suíte de número nove.
27 de outubro; 12h37min.
Lenny vomitou outra vez o piso do banheiro da suíte de número nove, em Damaraland.
Oscar a acudiu no que ela voltou a si.
— Paolo? Por quê? — chorava copiosamente.
Emiko e Yerik a ajudaram a voltar a seu quarto.
Do outro lado, na poltrona, uma Lânia também em choque, com Kelly lhe aplicando insulina.
— Dra. Lenny? — chamou Oscar e Lenny fixou-lhe os olhos. Viu-se na sua suíte com Oscar, Kelly, Mr. Trevellis, Yerik, Gyrimias, Lumumba, Oscar, Emiko e Lânia à sua volta. — Sean estava com você na explosão do Monte Tambora?
— Não... não sei...
— Ele está... — Oscar não conseguiu.
— Vivo? — Kelly conseguiu completar.
— Até onde eu sei... — olhou um e outro. — Merda! Conseguimos sair da Era dos insetos dino e veio aquele Neandertal de merda e...
— “Era dos insetos dino”? — perguntou Mr. Trevellis. — “Neandertal”?
Lenny olhou Lânia ainda debilitada e respondeu por elas.
— Caímos na era das tais vegetações gigantescas, Sean disse final do Carbonífero, com oxigênio em excesso e grandes insetos, no meio do que Sean chamou de ‘protomediterrâneo’, com fauna e flora gigantescas quando sumimos sem mais nem menos e fomos levados para aquela merda de Peste Bubônica quando...
— Peste? — Mr. Trevellis achou não ter ouvido direito.
— Mas que merda! Não vou conseguir falar se ficar me repetindo...
— Hei? — Mr. Trevellis se ergueu da poltrona num rompante com todo seu peso. — Com quem pensa que está falando?
— Com quem nos mandou para essa merda toda.
— Sua insubordinada.
— Não trabalho para você, seu merda! Estava aqui por causa do Paolo que você matou, seu merda.
— Mas que...
— Acalme-se Trevellis! — Oscar se colocou na frente dele antes que ele chegasse até a meteorologista desbocada. — Por favor, Dra. Lenny contenha suas palavras e nos explique por onde estiveram.
Lenny olhou Yerik, Lumumba, Kaunadodo, Emiko, Kelly e Gyrimias.
— Onde está Hélder, Bantuh, Bonilha, Abba e aquela merda de alienígena da Isadora?
— Doutora... — Oscar a advertiu novamente e Lenny fez uma careta. — O Dr. Bonilha não veio, ou o resto dele.
Lenny arregalou os olhos para Oscar.
— O Doutor Bonilha Moreno veio dentro da boca da Doutora Isadora Gastón — Gyrimias ainda estava atordoado pela cena.
— Que merda! — olhou um e outro. — A prenderam onde? Porque Zôra disse que Isadora não morria.
— Ela está presa Dra. Lenny. Por favor, volte a nos contar.
— Mas Zôra disse... Zôra disse...
— Acredite em mim, Dra. Lenny — sorriu Oscar com força e determinação quando outro personagem inédito entrou na suíte de número nove.
— Eu a tranquei de uma forma que ela não sairá mais! — e a voz de Mona Foad, da avantajada egípcia, ex-agente da Poliu, se fez ali.
E todos a conheciam o suficiente para saber que ela realmente estava ali, em Damaraland.
Mr. Trevellis foi o único a recuar e Lenny olhou um e outro.
— Está bem! A coisa começou a destrambelhar na Vaga de calor de Chicago, onde Narciso morreu queimado, Enrichetta sumiu, e Ebiere foi sequestrada e ferida. Então saímos de lá e chegamos ao Tornado de Joplin quando... E depois uma semana antes de Sean...
— Você disse ‘Vaga de calor de Chicago’ e ‘Tornado de Joplin’?
— Sim Sr. Roldman. Sean achava que estávamos sendo inseridos em grandes catástrofes para ensinarmos algo aos alienígenas — Lenny olhou Mona e continuou. — Entenderam toda a merda? Os alienígenas queriam aprender algo com nossos erros.
Oscar desistiu da educação dela.
— Onde estiveram? Desde o início, por favor.
— Acho que tudo começou com Kelly, Sean e Zôra no resfriamento da última ‘Era do gelo. Então sumimos daqui e todos nós fomos ao Vulcanismo de Pompéia e ao Ciclone Bhola de Barguna. Mas na Vaga de calor, no grande incêndio de Chicago, foi a primeira vez que chegamos todos juntos, para então as coisas mudarem, e começarmos a sumir e morrer. Depois veio o Tornado de Joplin onde Sean viu Enrichetta dentro do tornado, e depois o acidente radioativo na Usina quatro de Chernobyl, mas Sean nos tirou da explosão nos teletransportando para a Fábrica Júpiter.
— “Fábrica Júpiter”? — Oscar se alterou encarando Mr. Trevellis que desviou o olhar e deu de frente com o olhar de Mona Foad.
— O laboratório experimental da Poliu! — exclamou ela.
Mr. Trevellis nada falou.
— Só descobrimos essa merda toda de experimentação de trigo e soja da Poliu, depois que Bonilha nos contou. Aliás, Sean o obrigou a contar, porque ele leu seus pensamentos.
E Oscar virou-se furioso para o amigo velho.
— O que a Poliu queria lá Trevellis?
Mr. Trevellis respirou pesado:
— Tínhamos um acordo com os insetos alienígenas, visando conhecimento em troca de sua adaptação à Terra.
— Fez o que?! — explodiu Kelly como nunca. — Sean sempre teve razão quanto sua insanidade.
— Olha aqui sua...
— Chega Trevellis! — Oscar o segurou. — Chega Kelly! — e Oscar voltou a usar de intimidade; Kelly e Gyrimias se olharam. — Continue Trevellis! — Oscar pediu.
— Por que eu que tenho que continuar algo? Foi Mona quem fez acordos com eles, que fizeram acordo com a alaranjada.
E todos olharam Mona encarando Mr. Trevellis.
Mas Oscar estava furioso demais para saber quem fez o que.
— Continue Trevellis!
— Ahhh!!! — bufou. — Testaríamos um exoesqueleto deles no que sobrou da radiação de Chernobyl. Em troca, estudaríamos seu exoesqueleto, o devolvendo sempre no final de cada dia. Mas éramos vigiados constantemente, toda nossa equipe, porque parece que os insetos não acreditavam em nós — riu debochado.
— Não deviam confiar mesmo nessa merda toda — Lenny olhou Oscar. —, porque Bonilha testava álcool etanol, o tal ‘perfume’ que Sean sentia quando os alienígenas de merda se aproximavam.
E um ‘Oh!’ surgiu ali.
— Continue doutora!
Lenny encarou Mr. Trevellis que não gostou nem um pouco dela.
— É que Bonilha testava sementes de trigo e soja sob o efeito da radiação porque cada um respondia diferente, e ambos faziam álcool.
— Álcool radioativo? Por quê?
— Acho que para derrubar todo o mecanismo mecatrônico deles quando eles usassem o ‘combustível de batata’ de Hitler — Lenny gargalhou e poucos entenderam.
Mas Gyrimias se incomodou com o que ouviu e Oscar leu-lhe.
— Sean sabia Gyrimias?
— Acho que... — Gyrimias olhou primeiro para Mona e depois para Kelly o fuzilando. — Parcelado o que acho...
— Gyrimias!!! — Oscar berrou como nunca e toda energia se alterou ali.
Gyrimias soou litros, mas foi em frente.
— Senhor Sean Queise sabia sobre a fábrica próxima a Chernobyl e as experiências da Poliu lá, porque usou Spartacus para atravessar as barreiras dos espiões psíquicos — e foi tudo falado rápido e de uma vez. — Ele se conectou pela mente aos mainframes do satélite de observação, que se comunicaram aos mainframes da Poliu, e ele conseguiu se materializar lá sem acionar os tais espiões.
— Meu Deus! O que Sean estava... — e Oscar não conseguiu completar a pergunta para Mona porque ela não lhe olhou nos olhos; e Oscar sabia que jamais conseguiria ler nada nela, dela. — O que mais Gyrimias?
— Ele descobriu que a Poliu estava fazendo o tal ‘combustível de batata’, que Adolf Hitler usou para as emergências de guerra. Ele desconfiava que a Poliu estava se preparando para ‘emergências’. Quais, ele ainda não sabia, mas desconfiava que a Poliu se preparava para uma guerra que perderia.
— Meu Deus, Trevellis!
E Mr. Trevellis nem teve tempo de falar algo e Gyrimias prosseguiu:
— O Senhor Sean Queise descobriu que a Poliu havia comprado uma jazida abandonada em Kabwe, Zâmbia, e que armazenava material radioativo lá. Mas também descobriu que a jazida tinha um estranho formato interno, algo como tuneis. Só que Spartacus não conseguiu invadir as paredes da jazida, e nem ele conseguiu dessa vez se teletransportar para lá, o que o levou a pensar que a jazida abandonada fosse, na verdade, um esconderijo alienígena que a Poliu ‘cuidava’.
E um ‘Oh!’ dos fortes soou ali.
Oscar sentou-se; porque precisa realmente se sentar.
— Depois de Chernobyl Doutora... — a voz do pedido de Oscar para que Lenny prosseguisse foi fraca, carregada de emoção conflitante. Ela, porém estava de olhos arregalados para o tufo de cabelo que se soltava da cabeça. Lenny ergueu os olhos do tufo e encarou Oscar Roldman. — Sinto realmente por isso, Doutora...
E Lenny nem teve tempo de se erguer da cama, vomitando o chão. Emiko e Yerik a acudiram e Kelly entregou-lhe um copo de água.
Lenny então voltou a olhar Oscar, agora com lágrimas nos olhos.
— Depois veio a era dos gigantes... no protomediterrâneo... Mas como eu disse, saímos de lá sem saber o que aconteceu a todos nós, até chegarmos à peste e o Neandertal aparecer.
— Como esse Neandertal conseguiu estar lá?
— Acho que ele era carregado, provocando erros temporais, já que Zôra disse em Chernobyl que estávamos em dez, mas quando olhávamo-nos, nos víamos em nove viajantes — e Lenny se virou para Mr. Trevellis. — Por isso Zôra disse que Omana tinha que morrer — outro ‘Oh!’ e Mr. Trevellis não se moveu. —, porque a merda da conta do fractal de Lânia, dizia que tínhamos que estar em nove, e para fazer o Neandertal aparecer, precisávamos nos livrar de alguém, já que Isadora estava sei lá como, adormecida, diferentemente de Ebiere.
— Como a Dra. Omana morreu?
— Morreu queimada pelo ataque dos insetos alienígena ao esconderijo em Chernobyl, sem que Zôra permitisse Sean de salvá-la.
Oscar olhou tonto para Mr. Trevellis e Mr. Trevellis para Mona.
— Os insectóides atacaram vocês? Por quê? Eles haviam interferido alguma vez?
— Não... — Lenny pensou e pensou. — É verdade! Nunca haviam atacado.
— Se-seria por causa da Fá-Fábrica Júpiter, Sr. Roldman?
— Não sei o que dizer Dr. Yerik.
— Houve mortes aqui também Dra. Lenny... — falou Emiko até então calado. — Alguns logo que vocês viajaram.
— Mas foi a maldita da Isadora quem matou meu pai — falou uma Lânia fraca, com a voz rouca pela emoção.
— Sim Dra. Lânia. Sinto por isso também.
Depois Oscar viu Lenny chorando outra vez.
— Eu sei que tenho Ph.D e tal, mas nada disso vai me curar da radiação, não é? — Lenny viu Oscar só a olhar. — Merda... — e voltou a olhar Oscar. — Paolo? — e Lenny chorou outra vez.
— Ontem, antes da chegada de vocês. Houve um ajuste, acredito que o último, já que vocês voltaram.
— Por quê? Por quê? — chorava copiosamente.
— Porque Bantuh ficou! — a exclamação de Mona era dilacerante.
— Está dizendo que Zôra interferiu para Bantuh ficar e isso matou Paolo?
— Seria qualquer um de nós, Lenny — Emiko também estava emocionado. —, já que não entendemos como funciona a escolha deles, nem o porquê de trocarem Yerik por Bantuh quando vocês desapareceram.
— Todos nós nos questionamos mesmo, o porquê de Isadora, Ebiere e Bantuh estarem lá, já que a lista dos insetos alienígenas contava com a presença de Oliver, Domingos, Yerik e Ignácia.
— Então existia uma lista?
— Sim, Srta. Kelly— respondeu Emiko.
— Sean sabia?
— Não sabemos…
— Como era essa lista?
— Não sabemos ao certo — agora foi Lânia quem respondeu. —, já que foi Isadora quem disse que havia uma lista feita a dedo; e Isadora, Ebiere e Bantuh não faziam parte da lista.
— Merda! No começo ninguém sabia que Ebiere era astrofísica, e que ela tomou o lugar de Oliver — falou Lenny se descontrolando de novo.
— O fato de Isadora ter sido colocada lá pelos insetos alienígenas, foi porque ela matou meu pai Oliver, um astrônomo.
— Porque Oliver sabia que quando a nebulosa formiga se aproximasse cataclismos horríveis aconteceriam — a voz de Mr. Trevellis calou a todos.
Mas Lenny prosseguiu:
— Merda! Por isso ninguém entendeu o porquê de Isadora estar lá, ela queria estar perto de Sean — e Lenny viu Lânia afetada por ter ouvido e falado tudo aquilo. — Depois Bantuh foi colocado no lugar da sumida Ignácia, que deve ter feito uma barganha para rever a filha e acabou morta.
— Bantuh não se separa de Zôra — falou Mr. Trevellis.
— Acha que Bantuh fez algo para Ignácia ter escolhido desistir da viagem? — perguntou Lânia.
— Ou fez ou facilitou algo — falou Mr. Trevellis — Porque Bantuh não deixaria Zôra correr perigo — e Mr. Trevellis viu Oscar lhe olhando. — Não sei por que aquele homem não solta dela, está bem?
— Ele é um alienígena — falou Lânia.
— Ele é o que? — Kelly quase surta.
— Sean ficou furioso com Zôra e questionou-a sobre quantos alienígenas mais naquela viagem, mas Zôra não respondeu.
— E Bantuh era um animal do tipo felino, com pelos negros, dentes e tamanho descomunal — completou Lenny.
E Mr. Trevellis saiu do chão até dobrar os 170 quilos no ar e ir ao chão quase sem ar. Emiko e Yerik correram a ajudá-lo e Mr. Trevellis só conseguiu olhar Oscar, sabendo que ele se vingara por ter metido seu filho naquilo.
— Não me olhe... — e Mr. Trevellis tossiu pela dor, pelo ar entrando no peito dolorido. —, sabemos que Sean nunca faz o que não quer... — insinuou que Sean Queise sabia o que fazia em se meter naquilo.
— Mas nada disso explica Yerik ter sido devolvido — falou Emiko vendo a guerra paranormal.
— Explica se pensarmos que o fractal era de número treze, e éramos doze viajantes. Então o Neandertal era o décimo terceiro viajante — falou Lânia.
— Por isso o equilíbrio — o Ph.D em planetas Dr. Lumumba enfim se manifestou. — O Neandertal foi levado junto quando a fenda abriu aqui.
— Então ele estava aqui em Damaraland?
— Provável quando a Senhorita, o Senhor Sean Queise e a Doutora Zôra Trevellis voltaram na ‘Era do gelo’ — falou Gyrimias.
— Você disse que o Neandertal apareceu? — Kelly indagou Lenny sem querer ter ouvido aquilo, de Sean e Zôra sozinhos, e Sean sabendo que aquilo aconteceria; não quis mesmo acreditar naquilo.
— Sim. E o Neandertal atacou Sean. Zôra tentou defendê-lo, mas Sean ficou seriamente ferido quando tudo calcinou, feito a queda do meteoro que calcinou a Era dos dinossauros.
— Então eu, Bantuh, Zôra e Sean, fomos para o sismo de 1755, em Portugal — falou Lânia. — Sean chegou ferido, mas foi socorrido e salvo por frades do Convento do Carmo.
Oscar arregalou os olhos e foi Mr. Trevellis quem perguntou:
— Vocês tiveram contato com o passado?
— Não tivemos alternativa, Mr. Trevellis. Sean chegou morrendo.
— Você sabia não Mona? — questionou Oscar.
— Você me chamou não?
— Kelly lhe chamou.
— Porque você mandou.
Oscar olhou Kelly olhando-o.
— Desde quando mando em você, Mona?
— Desde o momento que Sean entrou no Convento do Carmo morrendo e você me teletransportou para lá.
Um ‘Oh!’ correu ali.
— Como o Senhor conseguiu colocar a Senhora Mona Foad lá?
— A pergunta devia ser, como Oscar conseguiu levar Mona e não trazer o filho... Ahhh!!! — e Mr. Trevellis voltou a dobrar, sabendo que seu corpo de meia idade e peso excessivo não ia aguentar mais uma dobra daquela.
Mas Oscar estava furioso demais para levar em conta aquilo.
— Acha o que? Não sou eu quem obriga a filha entrar num formigueiro alienígena, Trevellis.
— Não... — e o ar não voltava ao pulmão de Mr. Trevellis. — Você é aquele... — e Emiko voltou a ajudá-lo a se erguer. —, você é aquele que ama seu filho...
E foi a vez de Oscar Roldman ser brecado pela mão de Mona que não se moveu do lugar.
— Agora não é hora! — sua voz era forte e exclamativa. — Você me fez levar Sean ao convento e lá ser medicado, sabendo dos riscos dele contaminar a história e acabar por fazer parte dela, porque ama seu filho — e Mona encarou Mr. Trevellis calado. —, mas nada disso vai ajudar Sean a encontrar as respostas que vocês dois querem; Oscar... Trevellis...
Outro ‘Oh!’ realmente se fez ali e Kelly ficou furiosa com Oscar Roldman. Porque a Sra. Nelma Queise tinha razão, Mr. Trevellis queria Sean na Poliu e Oscar Roldman queria Sean no comando da Polícia Mundial, quando fosse a sua vez de se aposentar. E como Fernando Queise um dia fizera Oscar também queria Sean predestinado a continuar seu legado.
— Nunca quis... — e Oscar sentou-se. —, nunca quis colocar Sean em perigo, mas quando o vejo realmente envolvido com essa busca, não posso me eximir de minhas responsabilidades, do dom que o fiz herdar, do que Sean se tornou — e Oscar encarou Mr. Trevellis ainda com dificuldades de respirar. —, porque ao contrário do que pensa e diz Trevellis, eu sempre dei boa noite ao meu filho; todas as noites.
E um silêncio se fez.
— E o que houve depois disso, Lânia? — foi a vez de Kelly continuar o interrogatório.
— Sean conseguiu nos localizar nas videiras, trabalhando, e ele e Zôra começaram outra discussão quando o primeiro sismo derrubou o telhado do casebre onde morávamos há um mês, em cima de nós. Depois Sean nos teletransportou para o centro de Lisboa porque queria salvar os frades que o salvaram. Zôra ficou agressiva outra vez, dizendo que não podíamos interferir, mas Sean estava irredutível e uma grande onda de água salgada nos cobriu, e eu fui lançada aqui.
— Um tsunami?
— Acredito que sim. Mesmo porque Sean havia ouvido avisos sobre tsunamis quando estivemos na Era dos gigantes.
— Sean ouviu algo que não estava lá? — questionou Mona.
— Isso não deve ser nada para quem lê as coordenadas, conversando com um satélite de observação que ficou no século XXI.
Mona olhou Oscar, que olhou Kelly, que olhou Gyrimias, que olhou Mr. Trevellis sorrindo.
E Mr. Trevellis gostava dele, do filho de Oscar quando Hélder invadiu a suíte de número nove; vinha acompanhado de Abba.
E foi para Oscar Roldman quem Abba se dirigiu.
— Desculpe-me por tudo Sr. Roldman. Não pude fazer muita coisa por seu filho.
E todos olharam Oscar.
— Foi o Senhor quem mandou Abba sumir daqui quando o domo se desestabilizou? — Emiko estava em choque.
Mas foi a risada sarcástica de Mr. Trevellis quem acordou a todos.
— Parece-me que Sean tem uma genética e tanto.
— Hélder se lembra de um grande som que o deixou surdo e ele caiu aqui em Damaraland — foi Abba quem falou. — Pode ser o eco que Ebiere estudava?
— Não sei Dra. Abba. E agradeço mesmo tudo que passou, por Sean.
Abba abaixou a cabeça.
— Eu quem agradece Sr. Roldman. Apesar da sonolência que não me permitia acordar, ouvi o Sr. Queise barganhando algo com a Dra. Zôra, porque ele escolheu salvar-me.
— Sean... — e Oscar sentiu-se mal.
— Vamos não acalmar Oscar! — a voz de Mona ainda era firme. Depois se virou para Hélder. — Lembra-se de algo Dr. Hélder?
— Es-Estão achando que Hélder es-estava no Monte Tambora tam-também? — Yerik soltou a língua.
Hélder olhou um e outro.
— Só me lembro de ver aquele Neandertal atacando o Sr. Queise e a Dra. Zôra, e ele mandando retornar ao acampamento porque iríamos viajar.
— Sean disse que vocês iriam viajar? Então ele realmente conseguir abrir a fenda?
— No começo ele girava feito louco, mas nos teletransportou da cabana para Fábrica Júpiter durante o ataque alienígena. Então algo realmente acontecia de estranho lá. Algo que nossa pesquisa sobre o mecanismo de plasma da fenda, se mostrou errada.
— Mas eu sumi da era dos grandes, aparecendo horas antes do Monte Tambora explodir. Então por que dessa vez nos separamos?
— Acha que Sean e Zôra também estiveram na explosão do Monte Tambora? Antes ou depois do sismo de Portugal?
Todos se olharam.
— Algo que identifique onde esteve Dr. Hélder? — insistiu Lumumba. — Porque o Monte Tambora ou Vulcão Tambora, era um estratovulcão, também conhecido como um vulcão composto. O que sobrou dele ainda está lá, na Ilha de Sumbawa, na Indonésia, flanqueada tanto ao norte como ao sul por crosta oceânica.
— Demorou séculos para abastecer a câmara de magma, mas sua atividade vulcânica atingiu o pico entre 05 e 10 de abril de 1815, atingindo nível 7 no índice de explosividade vulcânica, realizando a maior erupção desde a erupção do Lago Taupo em 181 DC — falou Kelly mostrando que como geóloga estudara sua história.
— Por isso o som ensurdecedor... — falou Hélder atingido.
Mas Kelly se virou furiosa para Oscar.
— Era isso que a Dra. Enrichetta, Engenharia acústica estudava? O eco da explosão do Monte Tambora? — e Kelly nem imaginava estar entendendo toda a jogada. Mas o silêncio ali respondeu tudo. — A Dra. Enrichetta trabalhava com a Dra. Ignácia e Dalton, ambos os geólogos que estudavam o Monte Tambora. E Palakika, a ‘técnica’ que Isadora fez questão de contar, mas que era geomática, e estudava o terreno, usando Spartacus clandestinamente — e se virou para Mr. Trevellis — Ou não!
— Kelly... — advertiu Oscar.
— Então Sean e Zôra estão lá mesmo? — Lânia não se conformou com aquilo.
— Mas que merda! Houve um vulcanismo em Pompéia — falou Lenny. — Por que os insectóides repetiriam a catástrofe?
Mas Kelly se virou para Oscar:
— Era isso não Sr. Roldman? Toda essa baboseira de viagens para treinar Sean e Zôra a enfrentar o formigueiro, que provável vai se instalar no que sobrou do Monte Tambora depois das formigas batedeiras terem treinado viver, sob a radiação da jazida abandonada.
E um ‘Oh!’ se seguiu com olhares para Kelly que até então fazia o papel de consorte de Sean Queise.
— Nelma sempre soube não Kelly?
E Mona não gostou do que Oscar ia falar.
— Soube? — Kelly se assustou.
— Fazer escolhas...
E Mr. Trevellis só arregalou os olhos para ambos.
— E por que o Monte Tambora? Por que não outro? — Abba quis saber.
— Porque não é o Tambora atual que os insectóides desejam não o que sobrou dele, como disse Kelly — e Oscar a olhou com interesse redobrado. —, mas algo que remonta aos 12.000 habitantes da ilha, e que morreram. Porque só 26 sobreviveram. E no total, as erupções acompanhadas de terremotos mataram 90.000 pessoas — Oscar também tentava reorganizar suas ideias. — Mas 1816 foi chamado de o ‘ano sem verão’, porque a erupção do Tambora provocou escuridão do sul da China até o norte da Austrália, atingindo praticamente toda a zona tropical, provocando uma Anomalia climática, um ‘Inverno vulcânico’, que alterou o clima da Europa, matando milhares de pessoas de fome, já que toda a plantação foi destruída pela falta de Sol.
— É verdade — lembrou-se Lenny. —, merda, a temperatura média caiu entre 1 e 2,5º C abaixo da normal na Nova Inglaterra e no oeste da Europa.
— Sim — completou Gyrimias. —, e o mercado agrícola faliu em Nova York e na França, onde o trigo alcançou os mais altos preços do século XIX. Também se seguiu uma epidemia de tifo que se juntou à crise de fome, começando a expansão da Irlanda para o resto das Ilhas Britânicas, onde 1816 também viu uma péssima colheita na Índia, proliferando fome e cólera.
Mas Emiko de repente lembrou-se de algo.
— Disse ‘Sean e Zôra’ Srta. Kelly. Mas e Bantuh?
— Bantuh está com Zôra! Provisoriamente! — e a exclamação de Oscar Roldman foi forte e dirigida a Mr. Trevellis. — O que Trevellis deve saber já que sabe que Zôra é um deles.
E ninguém conseguiu se quer dizer um ‘Oh!’. Só Lânia que acordou para algo.
— Então Zôra é uma alienígena?
— Não acredito no que fez Oscar amigo velho... — e Mr. Trevellis saiu com o coração cortado.
Oscar olhou Mona e ele sabia que ela desaprovara o que ele fizera, dissera. Porque aquilo ela fez questão que ele captasse. Hélder saiu, atrás dele foram Abba, Lumumba, Emiko, Yerik e Kaunadodo até então calado. Lânia se levantou e Kelly ajudou-a, a ir para sua suíte.
Mona também saiu e Lenny fechou os olhos e adormeceu.
Gyrimias se virou para sair quando sentiu seu braço sendo seguro por uma mão. Ele se virou e viu Oscar lhe olhando. Gyrimias engoliu aquilo a seco.
— Encontre uma coordenada na soma de todas as catástrofes visitadas. Há algo faltando, ou não compreendi a jogada.
— Mas a Senhorita Kelly Garcia está bem perto da compreensão.
— Sim!
— Mas Senhor...
— Não parcele Sr. Gyrimias! Faça! — a voz forte e comandativa de Mona Foad voltou ali.
— Está bem, Senhora — e Gyrimias sentou-se à cadeira da escrivaninha e pegou um papel para anotar.
— Resfriamento, 14° 26’ S e 28° 27’ E; Vulcanismo 40° 49’ N e 14° 25’ E; Ciclone 22° 8’ N e 90° 8’ E — e Mona viu Gyrimias escorregar um olhar para Oscar. — Vaga de calor, 41º 54’ N e 87º 39’ O; Tornado, 37° 3’ N e 94° 31’ W — e Mona viu Gyrimias voltar a escorregar um olhar para Oscar. — faça Gyrimias! — e ela viu Gyrimias voltar a fazer. — Acidente radioativo, 51° 24’ N e 30° 3’ E; Meteoro 30° N e 18 O.
— Por que não há os minutos?
— Porque Sean não conseguiu usar Spartacus já que a leituras das efemérides estavam fora de onde estariam nos últimos milhões de anos — Mona viu Gyrimias só olhar Oscar e prosseguiu. — Peste bubônica, 43° 17’ N e 5° 22’ E; Sismo, 38° 42’ N e 9° 10’ W, e por fim, Inverno vulcânico, 8° 14’ S e 117° 57’ E e 45° 59’ 42” N e 7° 12’ 58” E.
— Por que dois invernos vulcânicos?
— Não são dois, Gyrimias! — falou Oscar. — 8° 14’ S e 117° 57’ E fica na Ilha de Sumbawa e 45° 59’ 42” N e 7° 12’ 58” E, Cantão de Valais, Suíça, onde a fome mais afetou.
— Um ano chamado de ‘Ano sem verão’ — e Gyrimias nada mais falou.
26
Hotel Damaraland; Damaraland, Namíbia.
Suíte de número onze.
28 de outubro; 04h55min.
Mona Foad Almeida foi arrancada da cama e lançada no meio do que parecia ser uma gaiola estranhamente circular. O cheiro fétido anunciava que urina e excrementos se misturavam aos seus pés. Ela abriu os olhos e foi a vez de sons metálicos soarem desesperadamente, como se uma música eles fossem. Mona conseguiu levantar-se e ver que girafas, de todas as espécies a rodeavam. Estavam ariscas, tensas, perigosamente furiosas. Mona Foad tentou realmente entender onde estava e olhou para cima, o teto da gaiola brilhava, parecendo ser feito de uma espécie de metal que se ondulava conforme seus olhos se fixavam nele.
— Nave-mãe... — soou dela.
Um grande portão foi erguido. A gaiola ficou pequena pela agitação de girafas, que eram aos poucos carregadas para fora dela por enormes formigas.
Mona prendeu a respiração temendo ser levada junto e uma formiga se aproximou dela. Seu tamanho se aproximava de 2 metros e todo seu corpo brilhava pela queratina, que aos poucos se fechava por lâminas extremamente finas e negras, montando-se um exoesqueleto, fazendo o corpo da enorme formiga se fechar ali dentro.
Ela então esticou um longo braço, apontando para fora da gaiola e Mona engoliu a seco a ordem. Mona saiu e foi jogada com força na areia fétida, úmida de sangue, com muitas girafas já mortas, ao redor. Ao redor também uma tribuna, onde nobres insectóides se deliciavam pela morte das girafas capturadas.
Mona olhou em volta com mais atento, estava numa arena onde formigas inteligentes caçavam girafas, apreciavam a morte. Um raio negro atingiu a areia próxima, e Mona sentiu o calor emanar do piso. Girafas se agitaram para cima dela e ela caiu sendo pisoteada uma vez e outra mais, e outra mais até ser arrastada.
Manoel Almeida se virou na cama, abriu um olho com o outro ainda adormecido e viu o travesseiro de Mona vazio. O outro olho se abriu e ele correu um olhar pelo quarto, até se ver sozinho na cama do casal. Ele voltou a olhar o travesseiro vazio, e a fronha e o lençol se umedeceu.
Manoel levantou de supetão e viu a cama molhada, tomada de sangue.
— Mona?! — gritou Manoel. — Jesus Cristo... Mona?! — tentava entender aquele sangue, sabendo, porém que ela estava e não estava lá. — Mona? — olhou um lado do quarto. — Mona? — e olhou para o outro lado do quarto. — Sean? — Manoel chamou-o, mas nada, nem ninguém apareceram; só a cama lotando de sangue. — Mona?! Mona?! — e Manoel se desesperou acendendo as luzes e vendo uma Mona feita de rabiscos se moldando ali. E o medo nunca lhe foi tão profundo como naquele momento. — Sean?! Sean?! — mas nem Sean respondia. Manoel correu ao telefone, mas sabia que não era assim que as coisas funcionavam para eles, para o tipo de Mona, uma mulher que ele aceitara como era, com tudo que achava esquisito e fora do comum. E como amigo de longa data de Fernando Queise e trabalhando na Computer Co. há tantos anos, sabia que não podia fazer o que ia fazer, mas a visão de uma Mona projetada fora da cama, sangrando, não lhe dava alternativa. — Oscar?! — gritou Manoel. — Faça alguma coisa!!!
E Oscar acordou.
E arregalou os olhos vendo o teto do hotel Damaraland tomado por um material que parecia metal. Em volta areia e sangue e o cheiro de girafas.
Oscar só teve tempo de olhar para o chão e os sapatos se colocaram nos seus pés. A porta foi a próxima a ser aberta e Oscar invadiu a madrugada fria da Namíbia, correndo, levantando a areia vermelha e Kelly apareceu no trajeto dele, também Gyrimias, Mr. Trevellis e Emiko, o paleontólogo.
— Senhor... — Gyrimias se apavorou.
— Agora não Gyrimias! — e os cinco estavam dentro do carro Land Rover da expedição. Ninguém nada falou e Oscar se virou para Emiko. — Nos leve às girafas!
Emiko colocou a marcha no ‘Drive’ e o carro levantou poeira.
— Oscar... — ainda tentou Mr. Trevellis que se calou logo após.
O carro alcançou as tendas do sítio arqueológico e Oscar quase salta antes do carro ser freado. Correu até a tenda do fundo e um banho de sangue se fazia ali, com as girafas que vieram logo após a viagem de Dalton, mortas.
— Mas o que...
— Mona está lá! — Oscar apontou para o chão ensanguentado. — Precisamos ajudá-la Trevellis!
E Mr. Trevellis arregalou os olhos.
— O que quer que eu faça?
— Onde está o exoesqueleto?
— Eu não sei...
— Sabe Trevellis!!!
— Então se você sabe que eu sei, por que não o encontra?
— Emiko? — chamou Oscar desesperado por ajuda.
Emiko se agachou tocando os corpos dilacerados das girafas e o encarou.
— A Dra. Zôra conseguiu devolver.
Oscar encarou Mr. Trevellis e Mr. Trevellis voltou a arregalar os olhos.
— Eu não sabia! — exclamou Mr. Trevellis sendo pela primeira vez, verdadeiro.
— Mas Zôra usou uma luva na Era do gelo? — Kelly só olhava o redor tomado por sangue e pedaços de girafas espalhados.
Oscar olhou novamente Emiko, um espião psíquico preparado para bloqueá-lo.
— A luva é dela... — Emiko olhou um e outro. —, faz parte dela...
Oscar deu dois passos para cima de Mr. Trevellis que recuou e viu Oscar sumir dali.
— Oscar? Oscar? — Mr. Trevellis girava em redor dele. — Oscar?! — berrou.
— Parcelado... — Gyrimias olhou Kelly e correu para fora da tenda, e entrou na tenda maior, onde muitos computadores e mainframes da Computer Co. ainda funcionavam.
— O que é isso aqui Gyrimias? — ela o alcançou entrando na tenda.
— Devia perguntar para seu protetor... — soou de um Gyrimias no mínimo sincero e atrevido.
Kelly não acreditou no que ouviu, vendo Mr. Trevellis lhe olhar.
— Consegue acessar Oscar e Mona, Gyrimias? — questionou Mr. Trevellis.
Mas Gyrimias digitava como um louco fazendo Spartacus girar no espaço.
— Não vai fazer o que eu acha que vai fazer, não é Gyrimias? — e Kelly ficou mais brava ainda. — Porque eu disse que Sean precisa que o formigueiro venha.
— Não sei o que o Senhor Sean Queise precisa Senhorita Kelly Garcia, mas deixá-los virem à Terra, para depois a Poliu ‘se virar’, não vai salvar o Senhor Oscar Roldman, nem a Senhora Mona Foad.
E Kelly escorregou outro olhar raso para Mr. Trevellis, que se interessou mais por Kelly Garcia, e o verdadeiro motivo da escolha de Nelma Queise.
— Por favor, Gyrimias. Sean precisa que o formigueiro venha.
— O Senhor Sean Queise como todos os outros na Terra só serão salvos, se o formigueiro for interrompido Senhorita Kelly Garcia — e se virou para ela e Mr. Trevellis que virão os mainframes trabalhando em toda sua memória.
— Hei?! — gritou Emiko na tenda das girafas mortas e Mr. Trevellis Kelly e Gyrimias correram para lá. — Vejam!
E a imagem de rabiscos de Oscar Roldman com Mona carregada em seus braços, se fez ali.
Mr. Trevellis correu e ajudou Oscar a segurar o corpo quase morto de Mona quando os dois se materializaram. Ambos só trocaram olhares sabendo que Oscar conseguiu algo mais que Gyrimias atrapalhando a entrada do formigueiro no espaço terrestre.
27
45° 59’ 42” N e 7° 12’ 58” E.
Sean acordou molhado de água salgada, com seu ombro voltando a sangrar. Tentou se erguer, mas a dor era tamanha. O corpo tombou ainda umedecido pelas águas do tsunami de Portugal, sabendo que havia mudado de lugar, já que estava no meio de um vale congelado.
Ele olhou para cima, as nuvens estavam carregadas, o dia estava enegrecido anunciando uma tempestade, e havia muita neve em volta. E ele até se perguntou se havia voltado à Era do gelo quando leu as efemérides.
“45° 59’ 42” N e 7° 23’ 18” E”, Sean estava em algum lugar próximo ao Cantão de Valais, Suíça.
— Spartacus morfou! — foi a única certeza que teve. E o satélite de observação Spartacus morfado, significava que o formigueiro fora interrompido de entrar na atmosfera terrestre. — Droga! — e o quanto ele foi interrompido podia significar a destruição do formigueiro todo ou uma legião de insectóides irados, enfurecidos, e vingativos, prontos para destruir o planeta Terra.
Procurou o GPS, mas ele não estava com ele, nas roupas doadas pelo Convento do Carmo; uma calça de amarrar na cintura, uma camisa de linho branco, agora suja de terra e sangue. Ele não viu alternativas se não procurar abrigo, o céu estava fechado, ele tinha frio e fome, e percebeu que ninguém veio com ele.
Sean andou muito, e tudo aquilo o cansava num ar carregado de sulfetos. Sons ficavam próximos, e ele percebeu que havia ali um vilarejo; casas de madeira, pedras largas no chão tomado pela neve, e ruelas estreitas entre as casas e um som metálico, fraco, se fez ali.
Sean correu e o GPS estava jogado atrás de uma lata de lixo. Temeu que a água do tsunami que os engoliu, tivesse estragado o GPS, mas depois de tudo pelo qual já passara, arriscou que ele funcionasse, e as coordenadas giravam como loucas. 45.746944° e 7.439167°, 45.746947° e 7.439169°, 45.746939° e 7.439158° e 45.746940° e 7.439170° até estacionar em 46° 6’ 0” N e 7° 13’ 0” E.
Sean ficou tentando fazer contas. Estava na Suíça, isso era certo; calculou estar em alguma região do Cantão de Valais, próximo ao Vale de Bagnes, onde já estivera no futuro, esquiando.
Olhou em volta, se olhou, e sua camisa tomou-se por mais um fio de sangue. Precisava descobrir que ano estava, quem veio com ele e pelo que teriam que passar agora, quando sentiu que Hélder, Abba, Lânia, Isadora e Lenny haviam feito a passagem. Respirou aliviado com aquilo, mesmo olhando o entorno e nada entendendo. E como não sentia que Zôra e Bantuh havia conseguido voltar a Damaraland, resolveu ficar naquele vilarejo mesmo, e tentar conseguir roupas adequadas à época e alimento. Mas foi só a noite cair e algumas casas começarem a fechar suas janelas, que Sean sentiu que era seguido. Ele paralisou sem saber o que fazer e preferiu andar a passos largos, entrando e saindo das ruelas que começavam a ficar cada vez mais vazias.
À frente, uma igreja de pedra no centro da praça e ele deu de encontro com dois lindos pares de olhos azuis.
— Bonsoir! — uma das jovens deu ‘Boa noite!’
Sean demorou a ouvir o som, que chegava muito depois da boca pronunciá-las. Ele então olhou em volta e outra vez não soube como agir, para onde fugir.
— Bonsoir... — respondeu ele.
As garotas vestiam-se com esmero; roupas brancas e de renda, saias rodada, cabelos loiros quase brancos, maquiagem pesada nos rostos.
Século XIX, Sean calculou.
Com nada mais que dezesseis ou dezoito anos, as garotas, gêmeas com certeza, o olhavam interessadas. E o sangue da roupa dele foi o que mais lhe chamavam atenção.
Uma delas tentou tocá-lo e Sean recuou.
— Vous êtes blessé? — apontou uma delas.
— Est-ce que le sang? — apontou a outra.
“Você está ferido?” “Isso é sangue?”, Sean traduziu.
— Oui! — respondeu que sim.
— Quel âge avez-vous réellement?
Sean não sabia se devia responder sua idade, nome ou qualquer coisa que o ligasse ao futuro, mas estava congelando.
— J’ai 23 nas... Faim... Froid...
As meninas sorriram-lhe gentil no que ‘fome e frio’ foi dito. Elas o chamaram com movimentos de mão e Sean saiu do lugar não sabendo se devia sair, conversar ou segui-las, mas as jovens voltaram a sorrirem e olhá-lo com um olhar sapeca, apontando para frente.
Sean engoliu a seco sem saber se a mãe ou o pai das meninas seriam tão gentis assim.
— La maman de vous? — ele ainda perguntou sobre a mãe delas ao segui-las.
Mas elas sorriram tímidas e sapecas uma para a outra e as bochechas avermelharam-se, pintando os rostos brancos. E Sean achou mesmo que elas estavam aprontando algo com ele, com o estranho com cara de estrangeiro.
Mas Sean tinha fome, frio.
O caminho era uma íngreme subida, por detrás de construções do vilarejo, para uma casa de madeira, de tamanho grande e aparentemente confortável. As meninas olharam-no mais uma vez para terem certeza que o jovem e belo, de cabelo comprido e desalinhado, barbudo e mal trapilho, ainda as seguia.
Sean ficou a pensar se não teria sido melhor ter procurado Zôra e Bantuh, mas a casa em que as meninas o fizeram entrar era quente, com bons e confortáveis móveis de veludo verde. Havia uma grande sala contigua e uma grande mesa de madeira maciça com um bolo e uma moringa de água em cima.
— L’eau à boire? — Sean apontou para a água de beber em cima da mesa.
Uma das meninas o serviu e Sean deliciou-se com o líquido pedindo mais. A outra menina apontou o bolo e Sean aceitou com um movimento positivo. A menina deu-lhe um pedaço, e tanto a água como o bolo tinham um gosto bom.
Apavorou-se por estar interagindo com o passado.
Uma das meninas mostrou uma escada de madeira com um tapete de tecido trançado e colorido nos degraus e indicou que ele subisse. Sean subiu atrás de uma delas enquanto a outra gêmea subia atrás dele o observando.
Havia pelo menos cinco portas no andar de cima e ele continuou a seguir a garota à frente dele, até uma das portas mostrarem-se ser um quarto espaçoso, de toras de madeira no chão, parede e teto, e cama de pitões de carvalho e poltronas enormes. La também uma grande escrivaninha com uma cadeira sem assento, e noutro canto uma larga camiseira de onde a menina tirava uma muda de roupa.
— Chaussures, chemise, chaussettes, manteau...
— Camisa, calça, meias, casaco... — e Sean pediu para ela parar, ele sabia que não podia estar se envolvendo tanto, porque diferentemente do convento, ele acordou vestido e tratado.
Sean voltou a ver as duas garotas lhe olhando e agradeceu não precisar dar explicações, mas se sentiu incomodado por elas ficarem o olhando tirar a camisa suja e ensanguentada, quando seu torso musculoso, malhado, surgiu.
— Voulez-vous prendre une douche? — e uma delas tomou a dianteira perguntando e oferecendo um banho.
Sean pesou todas as consequências e as duas garotas se viraram e saíram atrás de água quente. Ele entrou no quarto anexo, e lá um banheiro de decoração rústica como toda a casa, e uma banheira de porcelana e pés de ferro. Ele voltou a tirar a camisa e uma das meninas voltou com uma chaleira enchendo a banheira. Ela se virou para ele e viu as cicatrizes dos muitos ataques de lança. Os dois trocaram olhares e Sean não soube bem o que falar, preferindo não fazê-lo, quando a segunda garota chegou com a água, despejando-a também.
Elas lhe sorriram tímidas, admirando a beleza dele e saíram. Sean estava cansado demais para pensar nas consequências de seus atos, com frio, e entrou nu na água quente sentindo todas suas forças se reunirem.
As toras das paredes se umedeceram pela umidade, pelo vapor e pelo olhar das meninas escondidas, o vigiando por um buraco. Sean afundou sabendo que não devia ter entrado na casa delas, quando o som de passos pesados na grande escadaria de tecidos trançados nos degraus reverberou até ali, e uma grande mulher de pele tão branca quanto a neve que voltava a cair, adentrou o banheiro. Sean impactou por vê-la ali parada, com uma toalha na mão e uma lamina. A grande mulher branca então colocou tudo na cadeira e saiu. Ele se levantou sabendo que as duas garotas o observavam e alcançou a toalha, amarrando-a na cintura e pegou a lamina fazendo a barba, e as roupas as vestindo, e voltando o GPS no bolso do casaco. Depois desceu e encontrou a mesa da sala de jantar colocada para quatro pessoas, e a grande mulher branca estava em pé, esperando ele se servir. Sean viu que havia mais um lugar à mesa e todo seu corpo se alertou.
Havia um erro ali, um que não previu.
Ele sentou-se e se serviu de cenouras, batatas e cebolas em conservas quando a grande mulher branca lhe serviu Raclette, raspando o queijo aquecido sobre o prato. Sean viu uma refeição nutritiva, particularmente consumida pelos camponeses na área montanhosa fria, como há muito não sentia, comia. As duas garotas se serviram logo depois, e então a grande mulher branca serviu-lhe vinho branco e picles com presunto cru.
Sean estava sendo convidado a algo, a um jantar, a um erro, e seus olhos se fecharam. Ele se alertou e os abriu rapidamente vendo as duas garotas lhe olhando, a grande mulher branca lhe olhando e seus voltaram a se fechar. Sean os abriu e só fechou, os abriu e sentiu que adormecia que adormecera.
46° 6’ 0” N e 7° 13’ 0” E.
Quando Sean abriu os olhos o dia havia se firmado e o perfume de octanol invadia todo o quarto, toda a cama onde ele se deitava nu, ladeado pelas garotas gêmeas, também nuas. Ele deu um salto da cama de olhos arregalados, se vendo sem roupa, sem saber ao certo o que fizera, se fizera, sabendo, porém que nada daquilo era bom.
Um apito se fez do lado de fora da casa e Sean tentou se teletransportar, mas nada funcionou. Ele tentou girar, abrir os braços, mas outra vez nada aconteceu, porque nem aquilo ele previra.
Vestiu-se como soube e pegou o GPS que não firmava nenhuma coordenada. Olhou em volta e não viu alternativa a não ser a janela do quarto, no segundo andar da casa, e o telhado que alcançou vendo a casa ser invadida por policiais, moradores do vilarejo e as garotas abrirem os olhos e gritarem. A grande mulher branca tentava a todo custo não permitir que os policiais e o povo comum entrassem no quarto, e as duas garotas se esconderam com os lençóis, mostrando que não havia ninguém mais ali além delas duas enquanto Sean pulava do telhado na neve, correndo em seguida, alcançando o centro do vilarejo, onde corria nervoso, suado, para longe do burburinho quando a Geleira de Giétro se mostrou estranhamente congelada. Porque havia gelo pelas paredes das casas, no piso e carroças.
Sean voltou e se aproximou de uma casa de comércio, que abria suas portas de madeira para então ler a data num papel pardo na parede do estabelecimento; junho.
“Junho?”, Sean olhou para cima, e viu o céu e a geleira, e o frio e a geleira, e o frio e o comerciante colocando seus poucos produtos à venda, com o burburinho de moradores, reclamando da escassez da comida e dos preços abusivos.
Aquilo realmente o alertou, porque escassez de alimentos era a maior tragédia que o ser humano podia passar, e se os insectóides ainda rondavam as grandes catástrofes, ele precisava achar Zôra e Bantuh e saírem dali o mais rápido possível, porque o fato de estarem pela primeira vez num lugar que se assemelhava a Era do gelo, já que aquele frio acontecia numa época de verão, com o Sol brilhando, faziam todos seus alertas de perigo e erros iminentes se ativarem; porque tudo aquilo ia muito além de duas garotas gêmeas atrevidas.
Sean se virou para ir embora e um musculoso jovem ruivo o encarava.
— A Condessa Ferguette vai lhe matar por isso!
“Condessa?” e Sean ficou sem resposta.
Uma pancada na cabeça o fez enterrar na neve.
28
46° 6’ 0” N e 7° 13’ 0” E.
Sean abriu os olhos, sentindo a boca dolorida do contato com a neve fria. Ergueu-se de supetão percebendo que ainda vestia as roupas dadas pelas garotas gêmeas, de olhos azuis. Olhou em volta e estava numa cela que cheirava água parada, urina; um calabouço de paredes de pedras maciças, grades de ferro envelhecido, que tocou quando os sons de saltos o alertaram; alguém se aproximava.
Olhou em volta novamente e a cela não tinha janelas se não pelo pequeno buraco na parede há uns quatro metros de altura; nada em volta para subir, o ar mal conseguindo descer, e uma mulher alta usando um vestido branco de puro algodão, rodado e cheio de babados, e com o rosto escondido no capuz da capa de veludo azul marinho bordada, parada à frente da sua cela.
Ela tirou as luvas de veludo azul marinho, mostrando uma cor de pele amorenada e deu a ordem ao guarda que a acompanhava, que abrisse a grade da cela e Sean recuou no que a mulher alta e perfumada, de um perfume diferente do octanol, adentrou sua cela, com a grade sendo fechada a chave e o guarda se afastando deles.
— Parece que seu zíper não consegue ficar fechado não Sr. Queise?
E Sean nunca teve tanto medo do que ouviu, viu. Lá, parada, Zôra Trevellis, que tirou a capa de veludo azul marinho bordado.
— Zôra... — ele impactou. — Está brincando comigo, não?
— “Brincando”? — Zôra mudou totalmente seu semblante. — Não fui eu quem nos abandonou Sr. Queise.
— Fiz o que? — se exaltou olhando para os lados, para a cela fedida e abafada. — Você enlouqueceu ou o que?!
— Recomendo que não grite Sr. Queise. Não vai gostar de saber que a plebe não interage com a monarquia.
— Com a... O que?! Você só pode estar louca! — riu extremamente nervoso. — Não escutou o tiro? O tiro que abre a fenda? Claro que não! Porque foi o Monte Tambora que explodiu! — Sean viu Zôra escorregando os olhos para o lado. — Sabe onde estamos?
— Unus pro omnibus, omnes pro uno.
— “Um por todos, todos por um” — traduziu Sean. — Parabéns filha de Trevellis. Porque cheguei ontem em 45° 59’ 42” N e 7° 12’ 58” E, Geleira de Griér, e hoje estamos em 45° 59’ 42” N e 7° 12’ 58” E, Vale de Bagnes, Cantão de Valais, Suíça, provável em 1816.
— 1816? — riu debochada.
— Isso! 1816! E sabe por que estamos aqui? Sabe?! — berrou Sean não ouvindo respostas. — Porque os insectóides treinavam algo na Era do Gelo, porque 1816 foi o ‘Ano sem verão’, ‘Ano da pobreza’, O verão que nunca foi’, graças ao Inverno Vulcânico provocado pela erupção do Monte Tambora, provocando um resfriamento que os cientistas chamaram posteriormente de ‘Pequena Era do Gelo’ — e se afastou nervoso depois de explodir cada palavra daquela.
— Ótimo! Descobrimos enfim!
— “Descobrimos enfim”? Fácil assim? Só uma descoberta? — gargalhou mais descontrolado ainda. — Isso foi um desastre agrícola, Srta. Trevellis, no que o historiador John D. Post chamou de ‘a última grande crise de subsistência no mundo ocidental’! — e ele não esperou Zôra retrucar nada. — E ‘não’, Srta. Trevellis, os insectóides não são bonzinhos Srta. Trevellis, mas alguém é.
Ela o encarou.
— Como assim alguém...
— Acha mesmo que os insectóides se dariam ao trabalho de nos mostrar um monte de desastres naturais, para que um bando de Ph.D e um nerd, mostrasse como escapar deles se nem nós conseguimos escapar de nada?! — gritava furioso. — Não!!! Mas há alguém nos mostrando o que vai acontecer à Terra, Srta. Trevellis; terremotos, tsunamis, terremotos e dúzias de incêndios se alastrando por todo o planeta, calcinando tudo, toda nossa colheita, moradia e energia, no ataque do formigueiro que Gyrimias impediu de entrar na Terra.
— Gyrimias... Gyrimias... Ele não podia fazer isso.
— Não! Ele não podia! Porque pedi a Kelly que ele não fizesse! Mas ele fez mesmo assim, para salvar Mona e Oscar — e Sean caiu sentado.
— Sean...
— Não me chame pelo nome! Não somos íntimos! — falou cada vez mais furioso e dois guardas apareceram para ver a gritaria.
— Achei que havia dito que não ia gostar de brincar com a monarquia.
— É! Você disse Condensa! — e Sean passou a mão pela cabeça que ainda doía.
E Zôra gargalhou.
— Não tive alternativa depois que você aceitou a atenção das garotas.
— Eu não aceitei nada! Estava com frio, fome e cansado.
— Não sei como. Deve ter tido tempo de descansar nos braços de Kelly.
— Nos braços de quem? Eu não voltei ao Damaraland Srta. Trevellis. Não tive esse direito.
— Hélder e os outros conseguiram.
— E como você sabe, hein? Hein?!
— Não grite! Vão lhe levar para castigos imensuráveis se você se exceder dessa maneira.
— E de que maneira acha que devo me exceder Condensa?
Zôra o olhou de cima e abaixo e Sean ficou mais furioso ainda.
Depois ela olhou em volta e subiu o vestido para não arrastá-lo da cela suja e se sentou na calma dura e cheia de trapos.
— Hélder, Abba, Lânia, Lenny e Isadora conseguiram voltar.
— Bonilha?
— Dentro da boca dela.
— Wow... — e Sean se inclinou com vontade de vomitar. — Por que só nós dois ficamos?
— Bantuh também ficou. E por isso alguém morreu em Damaraland.
Sean agora teve medo de prosseguir com aquilo.
— Kelly...
— Ela está viva!
— Como... como sabe?
— Sei!
E Sean voltou a virar os olhos.
— Onde está Bantuh?
— Não sei. Nesses últimos meses não o vi e nem soube dele.
— “Últimos meses”? Deus... Eu só levei minutos para afundar quando o tsunami nos atingiu e cheguei aqui.
— Tsunami em que vocês nos meteu! — Zôra ergueu-se furiosa.
— Como é que é? Acha que eu...
— Acho Sr. Queise? Fomos parar na praia, porque você nos teletransportou para lá.
— Eu não levei ninguém. Muito menos ‘nós’. Só queria chegar ao convento e...
— E avisá-los! E sabendo que não podia!
E ele se aproximou dela.
— Tire-me daqui! Vão me enforcar ou coisa pior, mesmo todos sabendo que não toquei naquelas garotas.
— “Mesmo sabendo?”
— Sim Srta. Trevellis. Minhas calças não tinham zíper!
E Zôra não respondeu àquilo.
— Por que acha que os insetos alienígenas nos querem exatamente aqui Sr. Queise?
— Não acho nada. Mas estudei história o suficiente para saber que a explosão do Monte Tambora desencadeou um Inverno Vulcânico, que não permitiu que o verão acontecesse em boa parte do mundo. E não só a fome destruiu e matou Srta., Trevellis, também epidemias de cólera e tifo. Os efeitos foram generalizados e duraram muito além do inverno. No leste da Suíça, o verão de 1816 e 1817 foi tão frio que uma barragem de gelo se formou de Giétro até aqui em Bagnes. E apesar dos esforços do engenheiro Ignaz Venetz de drenar o crescente lago, a barragem de gelo desmoronou catastroficamente em Junho de 1818.
— Onde você apareceu?
— No meio da catástrofe eminente, na geleira, e já que os eventos acontecem em segundos, a avalanche vai matar 44 pessoas.
— 44? — Zôra pensou em lago.
— São 44 pessoas Zôra, não um número. Mas que droga! Você, Lânia, e Narciso e os malditos números, tudo por causa dos números, dos fractais, dos crop circles e avisos de alienígenas alaranjados.
— Sabe que isso vai além de um ‘contato!’, não sabe?
— Não sei nada. Não sou o Ph.D aqui que sabe tudo.
Zôra esperou ele se acalmar. Depois viu que aquilo seria impossível.
— Tome! — ela esticou-lhe um pacote embrulhado em puro veludo. — Seu GPS!
Ele o pegou e outra vez estranhou a oscilação.
— Droga!
— O que há com ele?
— Não sei. Desde ontem que o GPS, não se estabiliza. E advinha Srta. Trevellis? Na manhã do dia 16 de junho, barulhos terríveis e violentos de detonações foram ouvidos, como o tiro que sempre ouvimos. E advinha? O alerta foi dado, mas às 16h30min a barragem rompeu e 18 milhões de m³ de água invadiu o Vilarejo de Bagnes. E adivinha? Em 46° 6’ 0” N e 7° 13’ 0” E.
Zôra olhou para os lados temendo ir adiante com tudo aquilo.
— Têm acontecido coisas mais estranhas aqui que sons de tiros... — ela o viu levantar os olhos do GPS e encará-la. — Monstros negros que cavalgam na noite de Lua cheia.
— “Monstros”? — Sean voltou a olhar o GPS descontrolado. — Nós somos os monstros, Srta. Trevellis. E vamos mesmo nos tornar o monstro assassino que vai destruir o Planeta Terra se não conseguirmos destruir os insectóides que sobraram, antes que esses números aqui descritos se estacionem — mostrou-lhe o GPS.
— E se eles ‘estacionarem’?
— Tudo o que passamos até agora vai se compilar.
Ela olhou para a cama de pedra e os cobertores que mais pareciam farrapos.
— Espere a noite chegar e um dos meus serviçais virá abrir-lhe a cela.
— Um dos? Está levando mesmo a sério o papel de Condessa, pelo visto.
E Zôra segurou-o pelo braço com força.
— Cheguei aqui sete meses atrás, com fome, frio e meu corpo ainda debilitado pela briga com aquele maldito Neandertal. Depois, um mês naquelas videiras, no Sol, havia consumido meu corpo — e ela viu Sean nada cogitar. — E o Conde Ferguette foi o único quem me estendeu uma mão, uma mão a uma mulher de pele escura, fora dos padrões europeus, e que estava a ponto de ser vendida como escrava sexual — e ela viu Sean outra vez nada cogitar.
— Você devia...
— Eu devia nada! E não me venha com histórias sobre como levo a sério o que, se isso significar minha segurança... — e Zôra viu Sean nada cogitar, porque talvez ele soubesse mais do que cogitar. — Você sabe não? Sempre soube!
— Não sei o que sei Srta. Trevellis, ou se quero realmente saber o que você realmente é, ou saber que aquela luva que incorpora sua mão, seja mais alienígena que você realmente é, mas sei que estamos numa enrascada maior do que já estivemos — e se aproximou dela que ainda o segurava pelo braço, sentindo que todo corpo dela se aquecia. — E isso, porque ambos sabemos que sobrar apenas nós dois sempre foi o intuito dos insectóides.
— Um intuito que me parece não sabe qual ser...
— Não me subestime... Posso surpreendê-la quando menos esperar...
E os olhos verdes de Zôra brilharam.
— À noite! Depois do jantar! Ou seja, lá o que lhe dão para comer — sorriu cínica. — E corra o mais rápido que puder sumindo da região. Porque quando o Conde Ferguette souber que suas filhas gêmeas estiveram nuas na cama com um homem...
— Eu não fiz nada! — Sean se alterou.
Ela sorriu mais cínica ainda, e bateu o anel nas grades de ferro chamando o guarda. Voltou a colocar as luvas e levantar o capuz de veludo bordado na cabeça, e se virou para ele, voltando a se aproximar tanto que o perfume dela o invadiu.
— Cuidado Sr. Queise! Porque como percebeu, aqui seus dons não funcionam — e se foi.
Sean só arregalou os olhos.
46° 6’ 0” N e 7° 13’ 0” E.
A noite chegou e lá estava o serviçal como Zôra havia lhe prometido, abrindo as grades de ferro da sua cela imunda. Era um homem grande, rude, e suas mãos estavam envoltas em finas tiras de couro exalando cheiro era forte e inebriante de álcool e seus derivados.
“Octanol!” Sean temeu o que sentiu.
— A Condessa Ferguette mandou lhe entregar — o serviçal entregou-lhe um saco de veludo colorido e perfumado.
Sean sentiu o peso das moedas de ouro.
— Para que vou precisar?
— Siga-me! — foi só o que respondeu, subindo por uma escadaria apertada e suja, que escorria dejetos de todos os tipos pela parede.
E à frente deles, degraus e mais degraus iluminados pela tocha que o serviçal carregava.
— Onde estamos indo?
— Próximo do norte.
— Os monstros moram naquela redondeza?
Mas não houve nenhuma resposta dessa vez.
“Monstros”, Sean que sim.
A luz da noite fechada até foi uma benção, Sean protegeu-se com a capa de veludo azul marinha bordada dada e se embrenharam numa floresta escura, com sons de cães e o piar de corujas ouvindo-se ao longe, quando um par de pés marcava a neve ao lado dele.
Sean escorregou um olhar, mas não havia ninguém, só marcas de pegadas, de perfume alienígena.
Uma cabana de pedra, acesa, com o telhado lotado de neve ficava na curva que fizeram. Havia cinco ou seis cachorros amarrados na porta, e o serviçal os afastou para ele entrar.
Sean o olhou assustado.
— Achei que ia sair de Bagnes, que as moedas de ouro fossem para isso? — mas Sean viu o serviçal se virar, andar alguns metros e enterrar a tocha acesa num tronco de árvore recém-cortada, indo embora. Os cães rosnaram para ele, e Sean engoliu a seco; havia sido abandonado. Tirou o GPS do bolso e olhou para noite estrelada. Porém Spartacus não girou, nada recebeu, porque seus dons não funcionavam ali. — Mas que droga! — explodiu.
Sean entrou na cabana de pedra. Não era muito espaçosa, mas era um bocado convidativa, com um redondo tapete de pele no chão, uma cama de lençóis macios, lotada de almofadas de veludo e seda da melhor qualidade. Uma grande lareira de pedra queimava madeira aquecendo o ambiente, e ele tirou a capa e ficou a observar melhor o entorno.
Lá, uma mesa baixa coberta de frutas, vinhos e queijos. Havia pães de todos os tipos, Peixes defumados e um leitão assado não muito tempo atrás. Lá também toalhas, roupas, uma folha que mais parecia um espelho emoldurando a parede, e uma banheira de mármore travertino já cheia de água quente.
Sean teve medo daquilo, da cabana, da comida, da água quente, e do fato de saber que era observado pela mesma coisa que caminhava na floresta com ele, invisível. Contudo tirar o odor daquela cela foi mais convidativo que sua própria segurança. Porque fosse o que fosse aquela coisa invisível, se ela quisesse tê-lo atacado, já teria feito. Tirou a roupa e mergulhou na água limpa, cheirosa a ficar submerso. O calor o aliviava, o contato o acalmava, o perfume o deliciava, quando sons de um animal em galope se aproximando o alertaram. Sean ergueu-se, se enrolou numa toalha e correu até a janela vendo que não havia nenhum animal lá fora.
— Eu não tive alternativa... — falaram atrás dele.
Sean se virou de supetão e a voz de Zôra se fez, mas ela continuava invisível.
— E qual era a alternativa Srta. Trevellis?
— Matá-lo! — e a imagem dela se tomou de rabiscos até ela se materializar ali.
Sean nada moveu.
— Mas você não o fez.
— Não... — ela andou passos curtos até ele e soltou os cabelos, fazendo os cabelos negros e lisos escorreram pelo pescoço de pele jambo, brilhante, perfumada. — Meu pai não deixou.
Sean agora arregalou os olhos.
— Trevellis... — e não terminou. — E por quê? Pela amizade ao meu pai? Pela Computer Co. já ter investido tanto? — entristeceu.
— Nada sei sobre seus problemas familiares Sr. Queise, mas os insetos alienígenas sabiam que você chegaria até aqui vivo — e Zôra viu Sean a olhar com interesse. —, com todas as respostas para impedi-los.
Sean sorriu.
— O futuro não existe Srta. Trevellis, então como sabiam que eu chegaria até aqui?
— Porque sabiam que eu não o mataria, que eu não permitiria que quando Spartacus estivesse sob o comando de Oliver, você tivesse que ser eliminado.
— Oliver trabalhava para... — e Sean parou tentando organizar suas ideias. — Mas Palakika já usava Spartacus. Por que os insectóides não me mataram?
— Tentaram...
— Isadora? Mas ela tinha outros planos para mim, não? Porque eu consegui chegar até Damaraland, decifrar enigmas, viajar com vocês, sobreviver, e tudo porque Trevellis não queria me matar... — e foi a vez de Sean ver Zôra lhe olhar com interesse, com o calor da cabana, ele nu enrolado na toalha e vinho e comida farta na mesa. — Não Srta. Trevellis. Era você quem me queria nessa experiência, porque sabia que ela aconteceria depois que você matasse o insectóide responsável pelo ‘Contato!’ — e Zôra nada falou. —, porque sabia que matá-lo, desestabilizaria o domo e toda vinda do formigueiro, para que as verdadeiras experiências, as experiências de adaptação dos insectóides fossem expostas, e tudo o que eles faziam viessem à tona, ao conhecimento da Poliu que romperia o acordo bilateral; um acordo que envolvia uma honestidade mutua que uma Trevellis não conhecia.
— Acha mesmo que sou desonesta Sr. Queise?
— Não Srta. Trevellis... Sua honestidade para com a Poliu que lhe criou, que lhe deu uma família, foi louvável. Porque você realmente esteve na Era do Gelo, porque encontrei você com o rosto queimado, porque você queria dar um recado a todos eles, aos seus — e Sean viu que os olhos verdes brilharam numa intensidade nunca vista. —, porque mesmo sendo uma insectóide como eles, você não me queria morto — e Zôra se aproximou tanto que nada, nenhum único átomo passava por eles. — Porque você me salvou duas vezes... Porque seu pai se importa comigo... E porque... — e ele foi beijado. Zôra abriu os olhos e Sean tomou o rosto dela, a beijando também, fazendo mãos descerem, alcançarem o vestido de seda gelada, bordada, retirada. Ela voltou a encará-lo e Sean viu Zôra nua, em silêncio, esperando algo. Algo que ele lhe deu a tocando maliciosamente, dentro fora, com lábios tomando sua boca, que ele desceu até a toalha, até seu sexo, que ela engoliu. — Ahhh...
Zôra então o soltou, e a cama foi o próximo passo, deitar o próximo passo, a penetração o próximo passo. Sean a olhou com interesse se movimentando, encaixada nele, com todo o calor da lareira os aquecendo, exalando o perfume do corpo jambo, brilhante, macio, úmido, em pleno gozo.
Porque ambos eram adrenalina pura, queda vertiginosa, êxtase total.
Mas Zôra se desencaixou dele e Sean levantou-se num rompante. E ele o fez porque todo seu corpo se alertou. Ele vestiu a calça e caminhou até a mesa se servindo de vinho quando a voz dela voltou a soar.
— Eu não tive alternativa...
E a voz dela demorou a se firmar quando ele se virou e a encarou:
— Não diga que eu também devia ter medo de você Zôra.
— Eu não tive alternativa...
E Sean cerrou os olhos. Porque tudo estava ali, todas as respostas, todo o sinal de erro.
— Você os matou Srta. Trevellis? Você matou todos os Ph.D?
— Eu não tive alternativa...
E Sean arregalou os olhos azuis.
— Porque era você no comando esse tempo todo! — Sean viu Zôra se levantar, andar até ele, se inclinar até seus lábios, e ele recuar. — Era você no velho oeste caçando as girafas? As que não mais apareceram nas viagens? — e Zôra se inclinou mais uma vez com Sean recuando. — Porque era você controlando o exoesqueleto que explodiu-nos em Chernobyl... — e Sean nem teve tempo de fechar os olhos e copos, pratos, frutas e vinho explodiram em cima da mesa no que a luva se fechou na mão de Zôra e ela disparou.
— Eu não tive alternativa! — soou forte.
E toda a adrenalina dele esparramou, jorrou pelos poros que se abriram sentindo todo perigo.
— Não Srta. Trevellis... — a voz quase não saiu. — Você não viu alternativa quando descobriu que sua mãe era uma insectóide e que Trevellis havia rompido o acordo com seu povo, que voltaria para se vingar de sua mãe, e sua atitude impensada de se envolver com... Ahhh!!! — e Sean gritou quando foram as pedras da lareira atrás dele que explodiram no que a luva se fechou, e raios enegrecidos se lançaram. — Está louca?!
— Louca? Não! Não! Eu te amo!
— Você não me ama Srta. Trevellis. Sou apenas...
— Não! Não! Barganhe!
— Barga... O que? Enlouqueceu? — Sean se virou para ela em meio aos caos.
— Barganhe Sean!
E Sean viu a mão tomada pelo exoesqueleto e toda sua glote explodindo na garganta.
— E o que eu teria para barganhar? — e Sean esperou Zôra responder com os seios empinados, o sexo úmido, pedindo que ele voltasse, se deitasse, penetrasse cada centímetro do corpo jambo que lhe desejava, e outra vez a verdade estava ali, sempre estivera, mesmo quando Kelly foi levada, mesmo quando Zôra os salvou dos Neandertais, mesmo quando o salvou do décimo terceiro viajante. — Deus... Nunca houve experiência alguma, não? Você enganou a Poliu, que viu a oportunidade de ter uma civilização avançada, com toda sua tecnologia armamentista, não Srta. Trevellis? Então você enganou Isadora e toda a história de alienígenas querendo um contato, enganou Mona e a história de uma civilização alienígena, de insectóides, que tinham o intuito de colonizar o maravilhoso e fértil Planeta Terra; um planeta contraditório, cheio de terremotos, vulcanismo e pestes, capazes de destruir as formigas alienígenas, e enganou seu pai.
— A Poliu...
— A Poliu não Srta. Trevellis; você! Porque enquanto você era preparada por seu pai, financiada pela Computer Co., para o maravilhoso contato de insectóides — e Zôra nada falou dessa vez. —, o verdadeiro contato com os insectóides era promover a vinda deles.
— Como pode julgar-me dessa maneira? Eu fiz tudo isso por amor Sean. Por amor a você.
— E você sabe amar Srta. Trevellis? Porque você mentiu para seu pai, mentiu para um monte de Ph.D, os obrigando a estudar o domo, as armas de plasmas, o exoesqueleto, os fractais e as fendas no tempo, e as girafas, inimigas naturais das formigas, porque nunca houve roubo de exoesqueleto, nem morte de um insectóide, não?! — gritou e o som agudo da arma na mão de Zôra se fez.
— Não me obrigue a isso Sean...
— A me matar? Mesmo com a maravilhosa interação da Poliu, permitindo que os insectóides testassem sua sobrevivência no frio extremo, calor extremo e todas os extremos que a história da Terra, que já esteve a beira da extinção, na ponta do dedo dos sapiens sapiens que são capazes de acabar com sua própria raça numa explosão nuclear, que faria Chernobyl parecer brincadeira de criança?! — se alterou novamente tirando Zôra do equilíbrio.
— Não me olhe assim! Não sou como vocês!
— Não! Não é! Você é uma insectóide muito inteligente, acostumada ao comando. Por isso a lista, os Ph.D escolhidos a dedo, escolhidos de acordo os desastres vividos, sendo preparados para a grande viagem — e encarou-a novamente. — Porque nunca houve roubo de exoesqueleto, nunca houve morte de um insectóide, e nunca houve uma arma trazida por Dalton, que você controlou com a mente como fez em Portugal, o obrigando a falar o que você queria que ele falasse. Porque eu li a mente dele, Srta. Trevellis, e não havia viagem alguma a um lugar vulcânico, porque dentro de Dalton, só havia o medo.
— Não... Não... Barganhe Sean... — e tudo aquilo soou sensual, inebriante, com o corpo nu de Zôra se aproximando dele.
— Barganhar? Como se atreve?
— Como me atrevo? Você não entende? Foi por amor Sean...
— Amor a quem Srta. Trevellis?
— Não me chame assim!!! — e sua mão acionou o exoesqueleto que explodiu a cama, lençóis, fazendo as penas dos travesseiros tomarem conta de tudo. — Eu levei muito tempo para chegar até aqui, fazer tudo isso, para lhe ter, para provar a eles...
— Para provar aos insectóides que eu não era como Trevellis? Que sua escolha era melhor que da sua mãe? — e foi a primeira vez que Sean viu os olhos verdes de Zôra lacrimejarem. — Deus... Por isso você precisava desesperadamente que eu fosse a Namíbia, que eu lhe ajudasse a abrir a fenda, que eu lhe amasse....
— Porque eu te amo Sean...
— Você ama seu povo Srta. Trevellis!
— Não... Não...
— Sim! Por isso que os números eram tão importantes para manter o domo, e por isso os Ph.D tinham que morrer, pelo equilíbrio do formigueiro abaixo do Hotel Damaraland!!!
— Não! Não! — também se alterava. — Foi por você Sean! Porque eu te amo!
— Não me ama!
— Não! Não! Eu amo você!
— Ama a ponto de matá-la, não? Por isso Kelly não podia estar na Namíbia, na suíte, na minha cama, porque sabia que minha mãe a escolheu, porque sabia que eu a amaria... — e Sean parou, e parou porque todo o ambiente, todo o entorno daquele ambiente caótico se tomou de octanol. — Não faça isso...
— Eu não tenho alternativa! — e aquela foi uma exclamação forte quando o som agudo de lâminas se fez e todo o corpo de Zôra se fechou no exoesqueleto.
— Deus... — e Sean correu para a porta usando só uma calça, descalço, invadindo a noite fria e a floresta escura e congelada quando um raio enegrecido atingiu as árvores à sua frente e elas explodiram. — Ahhh!!! — gritou, caiu e voltou a se levantar e correr. E Sean corria sentindo seus pés congelarem na neve, seu corpo todo pedir calor e ele sentir que seu ombro voltava a sangrar pelo esforço empreendido, quando mais raios enegrecidos atingiram as árvores em torno dele e uma nova explosão quase o deixou surdo. — Ahhh!!! Pare com isso Zôra!!!
— Barganhe Sr. Queise! — e todo o exoesqueleto estava e não estava ali.
Porque Sean olhava, e a via e não a via, porque ela entrava em modo de invisibilidade.
— Deus... Deus... — corria desesperado pela floresta sentindo que não tinha para onde fugir, que seus pés congelavam, o congelavam, e raios enegrecidos tomaram conta da noite, arrancando lascas de árvores, grama congelada e um som de quebra, quebrando a geleira. — Não Zôra!!!
— Barganhe Sr. Queise! — e um som mais agudo ainda se fez.
Sean viu que o céu parecia feito de rabiscos que se mesclavam às nuvens materializando uma grande nave-mãe alienígena.
— Não Zôra!!! Isso tudo vai explodir!!!
— Barganhe!
— Não!!! Não mate ninguém... Ahhh!!! — e mais raios saíram da mão dela, com o som de quebra acentuando, de gelo em estado de quebra se fazendo.
Sean olhou para cima e toda geleira trincava no que a nave mãe alienígena se moldou.
— Barganhe Sr. Queise! — soou metálico.
Mas Sean corria, congelava e fugia quando o encontro com o corpo de Bantuh o levou ao chão.
Toda adrenalina de Sean Queise se esparramou pelo medo de vê-lo ali, de saber que ele o entregaria, quando Bantuh se tomou de pelos negros, dentes grandes e afiados e partiu para cima de Zôra.
— Deus... — foi só o que Sean conseguiu falar, vendo que o grande e feroz felino lutava com o exoesqueleto. Sean não esperou pelo desfecho, mesmo porque sabia que desfecho teria aquilo, se já vira o fim dele, e correu desorientado, congelando, sem saber onde estava quando chamou Spartacus, mas ele não se moveu. — Não!!! Não!!! Não!!! — berrava, corria, fugia tentando se comunicar com Spartacus que não o alcançava. — Mona?! — gritava Sean desesperado, em meio aos gritos horrendos que o grande felino Bantuh emitia ao ser comido. — Mona?! — Sean nem se quer olhava para trás, desesperado, perdendo as forças e Spartacus girou seguido do encontro com o exoesqueleto de Zôra. — Ahhh!!! — e foi a vez de Sean se chocar com o exoesqueleto feito de laminas e cair no chão.
E o exoesqueleto ficou ali, lhe encarando caído.
— Barganhe... — soava metálico.
E toda a adrenalina de Sean se esparramou pelo corpo.
— Sabe que não vou permitir que a levem, não é Srta. Trevellis? — e Sean viu a mão de Zôra dentro do exoesqueleto apontar para ele e disparar. — Ahhh!!! — e Sean foi lançado com toda força na areia quente de Damaraland, Namíbia.
— Sean?! — gritou Kelly vendo Sean rolando, rolando, e parando só de calças, no chão do deserto quente, com uma Zôra nua surgindo, pisando a areia, se dirigindo para eles com todo seu corpo se fechando num exoesqueleto. — Ahhh!!! — Kelly gritou e Sean esticou a mão a fazendo desaparecer no que a mão de Zôra lançou um raio enegrecido que incendiou o lugar onde Kelly a pouca estava.
— Não faça isso Zôra!!! — e foi Mr. Trevellis quem gritou.
Zôra então se virou para ele apontando a mão.
— Não Zôra!!! — gritou Sean. — Ele é seu pai!!! — e Zôra atirou quando Oscar tocou em Mr. Trevellis e ambos saíram do raio de ação do raio.
— Ahhh!!! — foi a vez de soar uma Zôra irritadíssima de dentro do exoesqueleto.
Hélder, Gyrimias, Abba, Lumumba, Kaunadodo, Yerik, Emiko, Lânia e Lenny também alcançaram a área do combate e Zôra apontou a mão para eles, que só não foram atingidos porque algo, alguma coisa feito um escudo de energia os fechou dentro.
Zôra então se virou furiosa para Mona Foad que gastou toda sua energia e foi ao chão a encarando:
— Devo dizer a seu pai agora o que me fez abandonar a Poliu, Zôra?
E Mr. Trevellis e Oscar impactaram no que todo chão cedeu e se abriu.
— Ahhh!!! — e todos caíram num formigueiro.
Hélder, Gyrimias, Abba, Lumumba, Kaunadodo caíram de um lado, Yerik, Emiko, Lânia e Lenny do outro lado e Oscar, Mr. Trevellis, Sean e Kelly no meio, vendo que Mona não havia caído ali; nem ela nem Zôra, no que parecia um grande espaço de sacrifícios.
Mas foi Yerik quem se adiantou:
— O-O que é i-isso?
— O formigueiro! — foi Kaunadodo quem respondeu.
— Kelly? — Sean se arrastou até ela desacordada. — Kelly? Kelly? — a chacoalhava quando Kelly abriu os olhos e os arregalou.
— Sean... — ela sentiu o cheiro.
— Octanol! — foi Isadora quem respondeu.
E todos correram para o mais longe possível e Sean abraçou Kelly instintivamente.
— O que foi Sean bonitinho? Com medo do que aquela Mona enfraquecida, já não é capaz de fazer?
— Onde está Mona, Isadora?
— Usufruindo da mesma hospitalidade que vocês me deram.
— Onde você a prendeu Isadora?! — Mr. Trevellis estava furioso e descontrolado.
— E quem disse que fui eu? — e uma grande e oca risada se seguiu do aumento de tamanho dela e da cor de sua pele, que se alaranjou encarando Oscar. — Vamos Oscar bonitinho... Diga a todos que está com medo de que Mona não possa me controlar? Porque ela não pode! Ninguém pode! — e se aproximou de Oscar que se viu dominado por ela de uma maneira que todo seu corpo dobrou.
— Oscar?! — Sean gritou e Isadora o puxou até ela.
— Sean?! — foi a vez de Kelly gritar e Sean desesperou-se.
E desesperou-se porque o olhar de Isadora foi pior do que de Zôra querendo barganhá-lo para não machucar Kelly. Porque Kelly era só o que lhe importava, porque ela foi até ali por ele, e porque ele a amava.
E Isadora leu tudo aquilo.
— Ah... Mas que entrave mais lindo, um pai preocupado que eu não machuque sua prole, e a prole com medo que a empregada seja levada pelos insectóides — e Isadora riu de uma maneira que Kelly olhou Sean intensamente a ponto dele não conseguir dizer nada. Mas Isadora continuou lá, com seu tamanho descomunal e Sean grudado nela, quando todos exalaram um dor de octanol tão forte, que o cheiro alcoólico quase fez todos ali perderam os sentidos. — Vamos Sean bonitinho... — Isadora continuava muito próxima dele. —, diga a sua empregada de uma vez que ela é o real motivo para tudo isso, para o ciúme de Zôra ter provocado esse racha na fenda.
— Sean... — e Kelly escorregava um olhar para Sean outro para Isadora.
— Vamos Sean bonitinho... Conte que a fenda veio buscar Zôra, que barganhou a vida de Sean bonitinho pela sua, Kelly bonitinha... — gargalhava quando Kelly escorregou um novo olhar e Sean só disse ‘Não!’. E o que aquele ‘não’ significava Kelly não esperou decifrar, correu com todas suas forças. — Ahhh!!! — Isadora soltou Oscar dobrado e desmaiado, e Sean quase sem ar, e correu atrás de Kelly que corria, entrando e saindo de câmaras cada vez mais profundas, de areia vermelha, cheirando a fertilizante.
— Kelly?! — também corria Sean atrás dela, também entrando e saindo de câmaras escuras, desorientado pelo calor e dor que se esparramava por seu corpo, e estancou ao ver Kelly na mão descomunal de uma Isadora alaranjada e alienígena. — Por favor, Isadora...
Mas Isadora nada falou, nada exigiu.
— Ahhh... — e Kelly estava sendo sugada.
— Não Isadora!!! — Sean percebeu que não foi só trancar Mona o que Isadora fez, ela também lhe roubou algo muito precioso, algo que fez Mona enfraquecer; uma força paranormal que fazia e permitia Isadora os dominar. — Por favor, Isadora! Peça o que quiser, mas não a mate.
— Ahhh... — e Kelly virou os olhos e Sean voltou a encarar uma Isadora alaranjada sugando a vida dela.
— Não... Não... Isadora não... — e Sean viu Kelly perder os sentidos no que um último suspiro se misturou ao raio negro que saiu da mão do exoesqueleto que lá chegou, e o corpo descomunal de Isadora foi ao chão, atingida, no que Sean se projetou no éter e arrancou Kelly do chão para então se materializar longe dali, correndo com ela desmaiada em seus braços.
— Sean... — Kelly voltava a si, vendo o teto do formigueiro se projetar sobre ela e ela no colo de Sean correndo. E Sean corria e voltava a sangrar na mesma velocidade. — Você está... — e Kelly era carregada sem saber para onde ele corria.
Porque mais e mais tuneis e câmaras se multiplicavam, quando os piores pesadelos de Sean Queise se fizeram; casulos e mais casulos, por toda a extensão da parede da grande e iluminada câmara que atingiram.
Sean perdeu as forças pelo impacto e Kelly deslizou de seus braços.
— Deus... — soou de sua boca.
— Sean... — Kelly olhou em volta sentindo que o ar enfim voltava aos pulmões. — Sabe o que é isso?
Mas Sean não conseguia responder quando se aproximou dos casulos, e viu insectóides hibernando.
— Eles já vieram...
— Sean? Quem veio... — e Kelly paralisou a fala e os pensamentos ao ver que os casulos estavam lotados de insectóides. — Sean... — e ela viu Sean mandar-lhe calar.
E Kelly calou-se em meio ao cheiro de octanol misturado a todo o piso de areia, quando o som agudo de muitas lâminas se fez na grande e iluminada câmara, e Sean os teletransportou dali, voltando com Kelly ao local da queda, encontrando Oscar acordando e Mr. Trevellis amparando-o.
— “Se a rainha tiver sucesso encontrando um local adequado para estabelecer sua colônia, ela irá escavar uma pequena câmara e se fechará nela para sempre”.
Mr. Trevellis arregalou os olhos e todos se olharam.
— Onde eles estão? — o coração de Mr. Trevellis reverberava na glote.
— Aqui!
— A-A fundação de uma no-nova colônia através da fragmentação o-ocorre também quando a den-densidade populacional da co-colônia está bastante alta... — a voz do engenheiro genético Yerik se fez seguido das laminas se abrindo e Zôra se materializando nua, com toda sua pele jambo brilhando.
— Não é uma nova colônia! — a voz dela se fez ali.
— O formigueiro de Stevia... — Mr. Trevellis quase não conseguiu.
— Sempre soube não filho de Oscar? — Zôra deu dois passos até ele e Kelly se escondeu atrás dele. — Você os sentia toda vez que pisava a areia quente do Damaraland.
Sean escorregou um olhar para Oscar e Mr. Trevellis que não acreditavam no que ouviam, e o exoesqueleto se fechou na mão de Zôra, que atirou na parede da câmara.
— Ahhh!!! — gritaram todos e o corpo de Isadora caiu no chão, se materializando alaranjada e morta pela arma de plasma do exoesqueleto.
— Achei que ela não podia ser morta? — Lânia não acreditou no que Zôra havia se tornado, ainda nua, ali, com um exoesqueleto fazendo parte dela.
— Mas Isadora absorveu todos os dons paranormais de Mona — foi Sean quem falou. —, inclusive o ‘dom de morrer’ — e Sean se virou para a parede vazia. — Leve todos daqui!
Todos olharam para Sean e para Zôra e outra vez para Sean.
— Com que está falando, Sean?
E Kaunadodo se materializou.
Kelly e Gyrimias impactaram e Kaunadodo se inclinou numa reverencia a Zôra e se aproximou de Lânia, Lenny, Hélder, Emiko, Yerik, Abba, Lumumba, Gyrimias e Kelly e desapareceu com eles.
Oscar e Mr. Trevellis então olharam para Sean e para Zôra e outra vez para Sean.
— Kaunadodo é um confederado — falou Sean.
Oscar e Mr. Trevellis se olharam outra vez, agora sabendo que a Confederação Intergaláctica ia além da ficção científica, e que seres multidimensionais agiam em planetas para a proteção dos mesmos.
— Sean querido?
— Histórias contam que há 35 milhões de anos atrás, grandes forças das trevas se espalharam pelas galáxias e começaram a conquistar com sucesso, milhares de sistemas estelares. Para evitar que essas forças negativas interdimensionais dominassem e explorassem a Via Láctea, surgiu a Confederação Intergaláctica cerca de 4,5 milhões de anos atrás, nos defendendo de uma colonização insectóide.
— Desde quando sabia Sean?
— Desde o dia em que cheguei e Kaunadodo temia o desequilíbrio, já que Dalton se desesperava em manter-nos aqui, comandado pela mente de sua filha, Trevellis; e que sem saber, era peça do jogo.
E Zôra nada falou, argumentou.
— Zôra... — e Mr. Trevellis não teve chances porque Zôra se fechou dentro do exoesqueleto.
— Não Trevellis... — foi a vez de Oscar o segurar. — Não pode fazer isso de novo.
E Zôra dentro do exoesqueleto olhou para Mr. Trevellis sabendo que ele ia tentar barganhar, fazer isso de novo.
— Você a matou! — soou dela.
E Mr. Trevellis arregalou os olhos com todos os sentimentos a flor da pele.
— Não Zôra... Não...
— Você a matou depois de exigir que o povo dela fosse trancado naqueles casulos — e Zôra acionou a arma quando Mr. Trevellis deu um passo e Oscar o segurou novamente. — Você a matou mesmo depois que ela os trancou lá!!! — e a luva acionou.
— Não Zôra! — exclamou Sean com força. — Ele é seu pai!
— Ela era minha mãe!
— Sua mãe era Lola! — e foi um Mr. Trevellis furioso quem disse aquilo.
Zôra se virou e dois passos do exoesqueleto o alcançaram muito rápido.
— Zôra!!! — gritou Sean fazendo-a a parar.
— O formigueiro está chegando Sr. Queise! E eles estarão em grande número aqui na Terra para enfrentar os humanos!
— O formigueiro não conseguiu Zôra...
— E eles possuem um exército pronto para lutar Sr. Queise!
— Sabe que o formigueiro não virá Zôra! Sabe que você não conseguiu. Por isso eles exigem que você volte. Para pagar por seu erro como sua mãe pagou.
— Não!!! — e Zôra atirou para cima fazendo o teto e todas as paredes estremecerem.
— Ahhh!!! — Sean, Oscar e Mr. Trevellis se tomaram de areia que despencou do teto.
— Você vai romper o formigueiro de Stevia Zôra!!! — gritou Sean. — Precisa fechar a fenda que abriu ou muitos mais vão morrer!
— Zôra abriu uma... — e Mr. Trevellis não conseguiu completar no que ela se virou para ele de arma acionada.
— Zôra abriu uma fenda na Geleira de Bagnes, voltamos para cá, mas ainda estamos presos àquela catástrofe — e Sean viu Zôra se virar furiosa para ele. — Quando a geleira romper a Namíbia vai ser tomada pela avalanche, pela neve que vai descer e matar mais que 44 pessoas no Cantão de Valais, Zôra.
— Eu não tenho alternativa!
— Você tem Zôra! Todos têm o livre-arbítrio. E você vai matar muita gente aqui na Namíbia.
— Zôra... — e Mr. Trevellis outra vez nada conseguiu quando Zôra andou até ele.
— Por favor Zôra! Mande-os de volta! — foi o que Sean falou.
Ela parou e se virou para ele com o exoesqueleto se abrindo.
— Barganhe!
— Sabe que eu não posso... Que seu pai também não pôde... Por isso Stevia se matou.
— Não!!! Ele matou minha mãe!!! — e Zôra apontou para Mr. Trevellis e Oscar.
— Não Zôra!!! Sua mãe se matou porque não podia deixar que a Terra sofresse. O planeta pelo qual ela se apaixonou, o planeta onde ela decidiu que você nasceria, porque ela veio a Terra para procriar Zôra!!!
— Não!!! — gritou Zôra desesperada.
— Sim Zôra! Você não pode lê-lo, mas Mr. Trevellis não está mentindo.
— E você o defende apesar de tudo? De tudo que ele lhe fez a vida toda?
— Zôra...
— Apesar de Sandy?
E Sean sabia que precisava conseguir aquilo.
— Sandy se matou porque era culpada. Stevia se matou porque era culpada.
— Não!!!
— Sim Zôra! Stevia escolheu a Terra sem consultar seu povo. Ela decidiu tudo e catástrofes aconteceram por essa decisão. Não cometa o mesmo erro!
— Barganhe Sean...
— Não Zôra...
— Barganhe!!!
E Kelly apareceu ali, depois de correr o risco de descer o buraco aberto, e o abraçou. Sean nunca teve tanto medo de perdê-la quanto naquele momento, quando viu o fino raio laser se moldar. Sean a abraçou protegendo Kelly com seu corpo e tudo ruiu para Zôra que abriu o exoesqueleto e ergueu os braços.
— Zôra não!!! — berrou Mr. Trevellis
A fenda abriu e rapidamente começou a colapsar no que uma grande parede de neve se formou do outro lado. Zôra então sorriu para Sean, e seus olhos esverdeados nunca foram tão bonitos.
— Eu não sou o que você pensa Sr. Queise... Porque amei Lola como uma mãe... — e Zôra entrou na fenda que se fechou antes da geleira romper.
— Zôra!!! — Mr. Trevellis foi ao chão de joelhos.
E os gritos de Mr. Trevellis foram ouvidos por toda Namíbia.
FINAL
Computer Co. House’s; São Paulo, capital; Brasil.
23° 36’ 19” S e 46° 41’ 45” W.
28 de abril; 11h11min.
Talvez os dias e noites nunca mais fossem ser iguais depois do que Sean passara. Uma cadeia de fatos e tragédias que o atingiu de muitas formas.
O satélite de observação Spartacus funcionava, e nenhum movimento suspeito, no meio da galáxia, parecia acontecer ali. Sean sabia que aquilo era impossível, que havia uma energia escura que ninguém detectava, mas que acontecia em 70% do Universo. Contudo, a ideia de investigar a Poliu o deixava inquieto. Porque talvez não quisesse mais saber tanto sobre seus dons; um dom que se desenvolvia sem limites.
O chefe de operações da Poliu, Mr. Trevellis havia dado um tempo no trabalho, o que por si só já era extraordinário. Ele nunca se ausentara da corporação de inteligência chamada Poliu, mas o acontecimento que desencadearam na perda da filha, o tivesse atingido por dentro, numa área que poucos tinham acesso; seus sentimentos.
Sean também tinha problemas com aquilo, com os sentimentos. Seu pai e sua mãe se separando, Oscar em silêncio, a Computer Co. sob auditoria, e Kelly fugida, sem querer conversar com ele, sobre nada que não estivesse ligado a Computer Co..
Ele sabia que aquilo, seu relacionamento com Kelly Garcia estava em modificação, que nada mais era como antes, que seus sentimentos se modificaram, e que em nenhum momento ele duvidara de seu amor por ela.
Se Kelly sabia daquilo, ele não sabia, mas havia uma chance ali, na escolha de Nelma Queise.
— Posso entrar? — perguntou Kelly com uma bandeja de água e frutas após leve batida na porta da cobertura da Computer Co. do Brasil, em São Paulo, capital.
— Entre Kelly... — sorriu.
— O feriado de ‘Primeiro de Maio’ se aproxima, e queria saber se posso viajar à Polinésia Francesa.
— Wow! “Polinésia”? — riu do extremo.
— Eu vou Sean!
E Sean sentiu a frieza.
— Claro... Deve ser muito bom refugiar-se naquelas águas límpidas.
Ela deu passou furtivos e recuou. Depois voltou a se aproximar e sentou-se ao lado dele, após puxar uma cadeira.
— Os alienígenas temiam algo Sean?
Sean impactou pela pergunta. Ela não falara mais nada desde quando voltaram ao Brasil, nem sobre seus dons.
— Nós!
— “Nós”?
— Nós Kelly... Os únicos capazes de realmente destruir a Terra — Sean sorriu-lhe com carinho e Kelly gelou. Ele pegou nas mãos delicadas dela e as beijou sabendo que ela gelava, que ela o gelava, que ela se distanciava.
E Kelly teve medo de seus pensamentos invadidos. Porque talvez tudo aquilo fosse só uma máscara.
Suspirou e se levantou do lado dele.
— Um dia vamos ter que... — e Kelly parou.
Sorriu-lhe, recolheu os copos usados, beijou sua face, e saiu.
E Sean a amou por aquilo.
Marcia Ribeiro Malucelli
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