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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


FATOR SHEE AKHAN / P.2
FATOR SHEE AKHAN / P.2

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

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21
Bairro do Brooklin Velho; São Paulo, capital.
23° 37’ 48” S e 46° 40’ 41” W.
02/06; 08h00min.
E foi por uma visita que Sean Queise começou a acertar contas, no que o avião da Polícia Mundial aterrissou em São Paulo, capital. Porque as coordenadas 23° 37’ 48” S e 46° 40’ 41” W o guiaram para um bairro da capital, sabendo que lá uma garrafa de Alicante Bouschet, uva tinta da família da Vitis vinifera, resultante do cruzamento das uvas Grenache e Petit Bousche, seria bem aceita.
A campainha tocou e uma bela morena de olhos verdes e pernas roliças, sobressaltou ao ver o belo loiro de olhos azuis e barba rala, lhe sorrindo.
— Sean Queise? — sorriu Dolores Trevellis. — Quem diria?
— Impactada?
— Totalmente! — sorriu outra vez apontando para a ampla sala, contendo tudo; sala, cozinha, e quarto, num estilo pomposo e britânico. — Entre!
— Obrigado! — Sean entrou não sabendo se já estivera ali, mas sabendo que o vinho era o preferido dela. — Eu estava passando por aqui.
— Interessante saber que passava por aqui às oito horas da manhã.
Ambos riram.
— Para você! — entregou o vinho trazido.
— Nossa! Um vinho de castas cultivadas em Portugal? Isso tem alguma conotação?
— Deveria?
— Fui eu quem permiti sua entrada na Poliu de Lisboa, Sean Queise. Logo após a morte de Sandy Monroe, que era minha amiga.
— Wow!
— Impactado? — foi a vez dela.
— Totalmente! — e Sean olhou o entorno.
A decoração era branca e de madeira laqueada, que seguia um estilo inglês, com figuras de porcelana, espelhos, e muitos quadros românticos, mostrando o quanto Dolores era conservadora, como o vestido sem decotes que usava.
— Gostou? — mas foi para o apartamento que apontou.
— Já estive aqui?
— Não. Sou tão conservadora quanto minha decoração.
Sean achou graça. Ela sabia que ele a estava perfilando, lendo sua mente.
— Conservadora o suficiente para saber que você não aprovou Sandy me vigiando?
— Ela o amava.
— Não acredito nisso.
— Não quero discutir isso — e Dolores foi para a cozinha colocar gelo num balde, onde enterrou a garrafa de vinho às oito horas da manhã. — Porque não perdoei meu pai, nem Mona, nem a Poliu. Por isso o coloquei lá dentro, nos porões da corporação de inteligência, para você se tornar o que se tornou.
— Mas você continua na Poliu.
— Há coisas que são intrínsecas ao ser, não Sean Queise?
Sean também achava aquilo.
— O vinho... — apontou. — Posso? — e estourou a rolha, servindo duas taças.
— Obrigada por ter salvado a minha vida e de meus subordinados na Unicamp.
— Não há de que. Fica me devendo algo.
— “Algo”? — ela o olhou de cima abaixo. — Sua vinda aqui não foi tão ‘eu estava passando por aqui’, foi?
— Não! Nem perto do que minha ‘mamãe’ fazia — foi a sua vez dele rir.
Dolores não entendeu, mas prosseguiu atenta, alerta.
— O que quer de mim Sean?
— Seu pai sabe que tem um apartamento aqui em São Paulo?
— E por que ele deveria saber?
— Porque quero saber o quanto vocês se comunicam agente Dolores Trevellis?
— O suficiente...
— Ótimo! Conhecia Robert Avillan?
— Amigo de Oscar Roldman.
— Esse mesmo! Ele era amigo de Mark O’Connor, Ahmad Al-badi, Nazih Sab`bi, Schiller König, Stefano Cipollone, Giovanni Bacci, Aaron Augustine, Christian Tyrone, Robert Avillan e Alam Al Alam Al Alam
— Amigos de meu pai.
— Esses mesmos... Senhores das armas.
— O que quer Sean?
— Também quero uma arma, Dolores. Uma arma capaz de fazer uma máquina mudar o mundo, a visão de passado, presente e futuro.
— Do que está falando?
— Sobre siddhis, Dolores; Devanam Saha Krida anudarsanam, para testemunhar e participar dos passatempos dos deuses.
— Você é um siddha?
— Sou? É o que a pasta cor de vinho roubada da Poliu diz sobre mim?
Dolores teve medo dele.
— Não faça isso Sean. Criar um ‘Paradoxo Final’, faz o viajante do tempo mudar a história, de modo que a viagem no tempo que fez, nunca seja inventada.
— E eu nunca iria conhecer uma Sandy Monroe suicida?
— Nem uma Kelly Garcia apaixonada.
E os olhos azuis de Sean Queise brilharam.
— Dolores...
— Como chegou até aqui, Sean Queise?
— Não sei. Coordenadas, provável.
Dolores riu:
— Foram sempre as coordenadas que te guiaram, não? Você fazendo contas e comandando Spartacus pela mente. Porque dizem dentro da Poliu, que você tem uma amnésia de evento para trás ou retrógrada. Alguns amigos arriscam dizer que você tem amnésia de evento para frente ou anterógrada. Já meu pai não acreditava em nenhuma das duas.
— Trevellis acha que estou mentindo? Porque não imagina o que é acordar de repente em um lugar desconhecido, e não ter a menor ideia de como foi parar lá; estar cercado de pessoas completamente desconhecidas e receber a notícia que um e outro são seus pais, funcionários, amigos e inimigos e não reconhecê-los, não conhecer sua história, seus planos, seus erros.
— Posso perguntar algo, Dolores?
E Dolores se levantou para servir-lhes mais vinho.
— Vá em frente!
— Acha mesmo que eu posso fazer tudo isso que essa pasta cor de vinho diz?
— Nunca tive acesso a essa pasta cor de vinho Sean. Juro! Mas meu pai acreditava que sim. Isso e muito mais. ‘Coisas que até Deus duvidaria’, ele dizia.
— Achei que ele me odiasse.
— Ah! Sim! Ele te odeia! — riu. — E o ama também. Talvez o filho homem que nunca teve — e voltou a rir. — Porque sabe que ele teve três filhas mulheres e que você e minhas outras duas irmãs, Umah e Zôra Trevellis, já tiveram algo.
Sean sentiu-se mal. Não sabia de tantas coisas assim.
— Você sabia sobre a vigia?
— Ao asilo Faãn?
— Desgraçados! Vocês sabiam que eu estava vivo?
— Hei! Calma lá! Soube comentários sobre, não participei disso. E meu pai não quis me dizer se sabia.
— Droga! Quem é Tahira Bint Mohamed?
Ela viu a mudança rápida, mas conectada.
— Uma ufoarqueóloga que escreve para uma revista chamada Distopia.
— Por que a Poliu a vigia?
— A Poliu vigia todo mundo.
Sean achou graça.
— O que ela quer comigo?
— Não faço a mínima ideia. Mas ela estava onde você estava; sempre. Congressos de ufologia, reuniões ufológicas e todas as esquisitices que você frequentava. E mesmo com Kelly Garcia ali presente.
— A Srta. Garcia a conhecia?
— Não. Ou já teria dado um escândalo — Dolores riu. Mas viu que dessa vez Sean não achou graça. — Não acredito nisso. Você ama Kelly Garcia?
— Por que acha que não?
— Não acho nada. De você não duvido nada. Nem que Sandy tenha percebido que você amava sua secretária, digo, sócia.
— Não vim falar da Srta. Garcia, Dolores. Não quando me proponho a pagar o preço justo por informações.
— Nossa! Estou realmente impactada Sean Queise, porque...
— Porque você estava no meu voo para Portugal, vigiando Tahira não a mim.
— Não sei do que está falando?
— Sabe! Você estava lá Dolores, com suas pernas roliças perguntando se eu queria um aperitivo, uma água, talvez.
— Como... Como se lembrou? — Dolores levantou-se furiosa. Bebeu toda a taça e partiu para a terceira. Depois se virou para ele. — Você não podia saber que eu a vigiava. Não podia ler minha mente. Fomos treinados para bloquear vocês.
— Porque todo agente da Poliu é treinado para bloquear os espiões psíquicos que criaram.
— Interessante... — Dolores voltou a se sentar.
— Então vou voltar a perguntar, por que vigiava a Srta. Tahira?
— Porque ela estava envolvida com Mustafá Kenamun.
— Envolvida como?
— Conhece Mustafá?
— O médico ou o policial?
— O sacerdote da escola do papiro que Joh Miller frequentava.
— A escola de mistérios que detém o conhecimento sobre o Fator Shee-akhan?
— A escola que perdeu o conhecimento sobre a planta Shee-akhan, Sean Queise, após um dos iniciados, ou iluminados, ou qualquer palavra que os defina, roubar a fórmula, e começar a matar todos aqueles que detinham tal conhecimento.
— O que esse iniciado assassino quer?
— Poder total sobre a Terra. Ou não imagina o que seja entrar em outra pessoa e comandá-la?
— Wow! Por isso ele queria me eliminar?
— Acreditamos que sim.
— Quem é ele Dolores?
— Não sabemos. E acredite, não sabermos é algo inusitado.
— Nem com todos os espiões de Mona?
— Nem com eles. Não conseguimos saber nada dele.
— Porque ele é um siddha que os bloqueia.
— Acho que ele é coisa pior e mais perigosa do que a Poliu acredita.
— Mas eu não sabia nada sobre essa planta Shee-akhan, sobre esse Fator Shee-akhan ou qualquer coisa do tipo; então por que me eliminar?
— Como pode saber que não sabia nada sobre Shee-akhan? — gingou o corpo roliço.
Sean não quis prolongar aquilo. Porque não podia saber. Ou sabia e não sabia que sabia.
— E por que a Srta. Tahira é importante, Dolores?
— Ela é o último elo com a entidade de mulheres que protegiam as mulheres faraós.
— “Último elo”? E por que ela estava atrás de mim?
— Não sei, já disse. Porque ou ela havia descoberto seus poderes paranormais e precisava de sua ajuda, ou ela queria eliminá-lo antes que você dominasse o Fator Shee-akhan também.
— Porque a escola do papiro vem eliminando muita gente, porque quem mata é quem se menos espera?
— Não entendemos toda a hierarquia daquilo. Os psi de Mona são limitados porque alienígenas podem bloqueá-los também, já que foram eles quem ensinaram as técnicas milênios atrás, a iniciados como Mona e sua irmã.
— Voltamos a Srta. Tahira então?
— Não! — Dolores levantou-se e tomou a quarta taça de vinho. — Voltamos a sua proposta inicial sobre ‘pagar o preço justo por informações’ — e abriu e fechou a perna mostrando que o vestido até podia ser sem decotes, mas suas atitudes não.
Sean agora começou a gostar daquela Dolores Trevellis sob o efeito do álcool, e que perdia seu conservadorismo rapidamente nos dois primeiros botões do vestido aberto.
Ele se levantou e se serviu de mais vinho quando ela alcançou os lábios dele.
— Você é uma Trevellis...
— Você é um Roldman...
Sean gargalhou.
— E mesmo que eu fosse um Queise?
E a resposta foi a mão que abriu o cinto, o zíper, os botões da camisa, e que tirou tudo aquilo. Sean entendeu que para Dolores, naquele momento, sua linhagem não era tão importante assim. E afinal, pagar o preço justo por informações, com aquelas roliças pernas jambo deslizando sob as dele, não era nenhum fardo.
Flat de Sean Queise; São Paulo, capital.
23° 33’ 31” S e 46° 39’ 44” W.
02/06; 14h00min.
Sean girou a chave e encontrou Tahira sentada no sofá chesterfield de couro preto.
— Devia ter trocado o segredo da minha porta, não?
— Eu teria trocado também.
Sean riu. Tinha que rir. Mesmo porque ainda estava sob o feito do álcool e do corpo roliço da filha de Mr. Trevellis. Entrou, fechou a porta e ficou observando Tahira e sua escandalosa calça e blusa fúcsia, de um tecido metalizado que mais lembrava roupas espaciais.
— Você deve perder um tempo considerável no mercado encontrando roupas que combinam com você, não?
— Não estou de bom humor Sean yá habibi.
Sean voltou a rir e ela sentiu o aroma de vinho chegar até ela. Mas Sean não prolongou aquilo.
— O que você quer? — foi a frieza em pessoa.
— Precisa voltar ao Egito.
— Pode me matar aqui se quiser.
— Do que você está falando? Bebeu além da conta com a comissária?
Sean não gostou daquilo. Elas se vigiavam.
— Basta Srta. Tahira. Perguntei o que você quer?
— Jura? Já disse! Precisa voltar!
— E por que acha que quero te ajudar?
— Me ajudar? — deu uma gargalhada tão esganiçada que Sean sentiu ferir seus tímpanos. E a roupa dela, os cabelos ruivos embaraçados, e toda ela escandalosa, chamavam a atenção dele. — Quem disse que preciso de ajuda Sean yá habibi?
— Do que é que...
— Você precisa de ajuda Sean Queise, da minha ajuda. E da ajuda de Allah para conseguir desfazer tudo que fez.
— Que eu fiz? Do que...
— Sabia que não devia ter exposto aquela história.
— Eu não expus nada. Foram os espiões psíquicos de Mona Foad. Foi Joh Miller e aquelas listas. Eu só falei em congressos sobre teorias de conspiração. Nunca acreditei naquilo tudo.
— Jura? Você acreditava Sean Queise. Eu estava lá. Eu ouvia suas histórias fantásticas sobre entidades de homens sem nome entrando em corpos.
— Você é louca! Totalmente louca! Eu nunca...
— Mas você foi lá, não? Você precisava ver com seus próprios olhos. Você foi a Nabta acionar Shee-akhan!!! — gritou.
— Eu não acionei nada!
— Acionou! — exclamou furiosa. — Porque o Fator Shee-akhan entrou em você quando tocou a parede da pirâmide, tal qual Afrânio e Samira onze anos atrás.
Sean agora se sentou. Porque precisava se sentar. E porque ela sabia de muita coisa que ele não tinha a mínima ideia de como ela sabia.
“Ou sabia?”
E talvez ele soubesse, porque se viu tocando a parede de uma pirâmide, porque viu algo tocando sua pele, algo penetrando sua corrente sanguínea até sacudir o braço e aquilo não sair, navegar por ele, e tomar conta de seus olhos que enegreceram.
— Ahhh... — Sean foi ao chão do flat sentindo que estivera em Nabta Playa, provável como Tahira dissera.
— Você foi lá não?
— Eu não... Eu não sei...
— Foi Sean Queise!
— Não... Não... Eu não me lembro...
— Lembra! Porque você ativou algo que entrou em você.
— Não... Eu não fiz isso.
— Fez! E fez algo que ninguém podia fazer, que não permitiu que você morresse naquela explosão, que lhe salvou de alguma forma e de muitas maneiras porque elas precisam de você vivo, de seus dons intactos, e tudo isso para controlar aquele que roubou Shee-akhan; para você consertar seus erros, Sean Queise.
— “Elas”? — e Sean lembrou-se das noites de choros e lamurias, dos seis meses em que Jablah tentava matá-lo sem conseguir. E lembrou-se delas, das mulheres da parede do asilo, das mulheres negras e douradas com cabeça de pássaro, que morriam na fogueira; e de toda sua linhagem alienígena que pedia socorro. — O que... O que você quer de mim?
— Já disse que não quero nada de você. Só que conserte o que fez.
— Eu não fiz nada. Eu juro! Você mesmo disse que se aquilo entrou em mim, foi porque ele me escolheu.
— Ah! Muito bom Sean yá habibi! — e se aproximou dele. — Então mostre a que veio! — e se dirigiu para a porta, para sair.
— Você não vai!
Ela parou sem entender a frase.
— Como é que é?
— Não vou ao Egito com você.
— Jura? Você não manda em mim.
— Você fica! E você fica porque a Poliu te vigia.
— Eu sei o que a Poliu faz Sean Queise. Anos a fio, na minha cola. E nem sempre eles são tão bonitos, gentis e gostosos quanto sua comissariazinha. Por isso, não me venha...
— Você fica!
Tahira se aprumou. Ela o amara tanto, por tantos anos, por tantas oportunidades buscadas e agora que estava ali, ao lado dele, e ele era frio, distante. Tahira virou-se e saiu do flat batendo a porta na passagem.
Sean se levantou ainda zonzo e se olhou no espelho. Ele era exatamente aquilo, a frieza em pessoa. E precisava voltar ao Egito.
Apartamento de Kelly Garcia; São Paulo, capital.
23° 33’ 41” S e 46° 39’ 23” W.
02/06; 21h00min.
A campainha tocou sem que o interfone fosse acionado. Kelly Garcia levantou-se da cama meio zonza pelo cansaço do dia a dia, do excesso de trabalho, de jornalistas na cola querendo saber mais, e Nelma Queise querendo saber mais e mais. E ainda Sean e aquela amnésia que não a deixava mais saber qual o papel dela na vida dele, ou se já tivera algum.
Andou descalça, vestindo uma camisola de seda amarela até a porta, e olhou pelo ‘olho mágico’. Mas não foi um Sean Queise jovem de barba rala quem estava ali.
Kelly abriu a porta e Oscar Roldman a olhava.
— Boa noite Srta. Garcia.
— Por que não me procura na Computer Co. Sr. Roldman? Os porteiros ficam comentando.
— Perdão! Não quis ir a Computer Co. justamente para evitar comentários.
Ela respirou pesado.
— Entre! — Kelly o viu entrar e se acomodar no sofá.
Fechou a porta e ficou esperando tempestades.
— Nelma acha que Sean está com ciúme de mim.
— Acha?
Oscar não se mostrava já tão simpático.
— Você vai ter que desmanchar isso. Não quero meu filho mais distante ainda do que já está.
— Não sei como ‘desmanchar’ isso Sr. Roldman, porque nem sei como isso foi feito. Sean foi para o Egito, já com essa ideia maluca a nosso respeito, e voltou pior do que foi.
— Por isso mesmo! — se levantou colocando as duas mãos em seus ombros. — Quero que você me ajude... — e Oscar arregalou os olhos para a porta por onde acabara de entrar.
Kelly se virou ainda com as mãos de Oscar Roldman em seus ombros e Sean os olhava da porta aberta.
— Como você se atreve a abrir minha porta?! — gritou furiosa.
Mas Sean Queise só tinha olhos para Oscar Roldman, que tirou as mãos de Kelly Garcia que dobrou os braços tentando esconder os seios pouco escondidos na camisola bordada.
Sean então se virou e saiu.
— Sean?! — gritou agora Oscar o fazendo estancar. — Deixe de besteira e volte aqui!
E Kelly sabia que a tempestade arriava porque Sean voltou e entrou no apartamento dela mais furioso ainda.
— Só vim avisar que vou voltar ao Egito! — Sean só encarava Kelly ainda escondida pelos braços delicados e gelados pelo medo.
— Por Najma ou Tahira? — também foi uma pergunta fria.
Sean a encarou.
— Você sabe que eu a vi hoje, não?
— Eu fui ao flat...
— Como todos os dias. Perseguindo-me, me vigiando, porque eles te mandam me perseguir e me vigiar! — apontou para Oscar num tom de voz mais alto do que o necessário.
E Oscar Roldman não gostou daquela insinuação, nem daquele tom usado.
— Como se atreve seu mal educado?
Mas Kelly levantou uma mão e ambos se calaram.
— Sim! Vigio-lhe! Como todos os dias.
“Droga!”, Sean a encarou com olhares depois de fazê-lo com Oscar.
— Não vou voltar ao Egito por elas, mas tenho que dizer que a Srta. Tahira me forçou a isso, pelas coisas que ela disse. Mas não vou com ela, disse isso a ela, também.
— Entendo...
— Sei que não entende! Mas preciso me lembrar de coisas, de todas as coisas que fiz, que provoquei.
E Oscar Roldman o encarou.
— Porque sabe que fez! — foi ele quem falou.
— Basta! Porque você é tão culpado quanto eu.
— Como é que é? Como se atreve a falar comigo nesse tom?
— E em que tom quer que eu fale para um homem que me negou conhecimento?
— Deixe de besteira! Você está louco, Sean.
— Talvez sempre tenha sido louco, não Sr. Roldman? Por isso não quis assumir uma criança problema!
— Talvez mesmo. Porque talvez Trevellis tivesse razão quando aconselhou Fernando levar você a um psiquiatra.
Sean deu dois passos e Kelly segurou os outros passos que o permitiriam se aproximar do pai.
— Psiquiatra como o Dr. Juca? Para dizer que minha loucura é genética?
— Como se atreve seu…
— Por que devolveu o pacote a Samira?! — e Sean berrou descontrolado.
— Foi Fernando quem devolveu.
— Meu pai não fazia nada sem pedir-lhe orientação!
— Você está louco!
— Sempre fui?! Por que você e meu pai não deixaram saber que ela havia enviado algo a mim?!
— Deixei quem saber? — Oscar suava de nervoso. — Do que está falando?
— Você mandou meu pai devolver algo que Samira me mandou.
— Acha que eu ia envolver ainda mais uma criança de catorze anos nas loucuras da Poliu?
— Basta! Porque não fez outra coisa na sua vida além de me meter em encrencas com a Poliu, que você ajudou a criar.
— Você está louco! Totalmente louco! Você se envolveu com Trevellis, não eu.
— Você, Nelma, Fernando e Trevellis que me envolveram em tudo isso. Sempre! Sempre me obrigando a fazer coisas pelo bem da Computer Co., que criava Spartacus para você ter Trevellis nas mãos — apontou o dedo para ele.
— Sean! Não faça isso! Ele é seu pai! — Kelly se enervou mais ainda.
— Não tenho pais Srta. Garcia! — e ambos perceberam o plural. — Nem ‘mamãe’ alguma, já que até agora ela não saiu da sua ‘zona de conforto’ para me ver, para tentar algo que parece ninguém desejar... — jogou um olhar ao pai.
— Insolente...
Sean Queise ficou mais furioso com Oscar Roldman.
— Chega Sean! Porque sabe que foi você quem provocou essa distância de sua mãe — Kelly o largou.
— Provoquei? O que provoquei hein? — olhou para ela. — Hein? — olhou para Oscar. — Ou talvez tenha provocado — voltou a olhar Kelly. —, porque eu nasci para ser um troféu na mão dela, que mantinha os dois amantes me usando.
— Cale a boca Sean! — foi a vez de Oscar sair do eixo e todos quadros na parede da sala, os cinco, foram ao chão estilhaçando vidro em meio aos gritos assustados de Kelly. — Você perdeu todo respeito por sua família.
— Que família? Porque foi só um monte de incongruências que moldou minha vida.
— Você é mesmo um moleque insolente... — e Oscar desistiu se sentando, colocando os pés em cima da mesa, mostrando intimidade com o lugar.
E Sean ficou cego pelo ódio, porque o ciúme o deixava cego de ódio.
— Vá embora Sean... — a voz dela era triste. —, sei lá para onde você decidiu ir — ela o viu lhe encarar. — E só volte aqui outra vez quando tiver certeza do que fala.
— Por quê? Acha que não sei do que falo Srta. Garcia?
— Pensei que sua amnésia tivesse lhe tirado tudo, Sean querido? — Oscar voltava a desafiá-lo.
— Basta! Já disse que não quero falar com você.
— E por quê? Sabe o porquê Sean? — Oscar Roldman ergueu-se furioso. — Vamos! Mostre essa coragem que nunca teve.
— Como se atreve... — e Sean foi brecado por Kelly que segurou o corpo dele que ia outra vez para cima de Oscar.
— Atrevo-me a que, Sean? Você não seria nada sem mim. Não seria nada sem Fernando! Nada se ele não tivesse lhe dado tudo para se desenvolver, todos aqueles bancos de dados para treinar e se treinar, se tornar o que se tornou.
— Basta!!! — berrou descontrolado fazendo móveis, porcelanas e tudo que havia ali, levantar e cair de novo, em meio às luzes que apagaram e acenderam e apagaram novamente para se acender sob os olhares apavorados de Kelly Garcia.
— Deixe-o Kelly! Deixe Sean se aproximar, mostrar que não tem nada além dos nossos dons esquisitos... — e foi a vez de Oscar Roldman ser esbofeteado sem que Kelly percebesse que Sean saiu do lugar.
Ela se alarmou ao ver Oscar sangrando no chão e Sean ainda ali, a olhando.
— Nossa patrãozinho! Que monstro você se tornou?
E Sean nunca havia sentido tanta dor quanto a que sentiu naquelas palavras. Porque ela não podia ter dito aquilo, não ela quem ele amava. Virou-se e a porta fechada se abriu para ele passar, e se fechou após sua passagem.
Foi embora em choque novamente, porque talvez ele tivesse sido aquilo a vida toda, um monstro frio e esquisito.
22
Cairo International Airport; Cairo, Egito.
30º 7’ 19” N e 31º 24’ 20” E.
03/06; 14h00min.
Sean chegou ao Cairo mais tenso que da outra vez. Tenso, frio, monstro e não se lembrando de nada, ou quase nada; porque sabia que estava mais tenso que antes.
— Sean Queise? — falava num tom alto, num inglês arrastado, cheio de sotaque árabe, um homem de pele morena que suava muito. — Sean Queise? — insistiu o homem novamente, agora mais perto dele. — Eu sou o policial Mustafá, Mustafá Kenamun.
Sean não mexeu um único músculo do rosto e Mustafá também de lá não saiu.
— E eu deveria saber quem é você, policial Mustafá Kenamun? — e segurou a valise com o notebook dentro com mais força.
— Eu era o policial encarregado de sua segurança quando veio a primeira vez ao Cairo.
— Ah! — exclamou Sean, sarcástico. — É algo sobre aquela segurança que não funcionou no hotel de Heliópolis, da qual está falando? — ele viu Mustafá se encolher. — O que quer comigo, Mustafá? Além de tentar querer ativar minhas glândulas gliais?
— Você... — arregalou os olhos que quase soltaram das órbitas. — Você me reconheceu?
— Nem sei o que eu fiz — e se virou para ir embora.
— Não posso... — e segurou-o pelo braço. — Não posso deixar você ir Sean Queise, sem acompanhá-lo.
— Quem disse isso? — se largou dele. — Oscar Roldman?
— Não! — a voz esganiçada dela o atingiu. — Eu disse!
Sean se virou em choque para uma Tahira vestida ou quase isso, num curto berrante tailleur alaranjado que ele achou que tivesse vindo da loja sem a saia.
— Ainda procurando roupas especiais Senhorita? — e se virou para ir embora.
Caminhou até a esteira de malas em meio a agitação e burburinho, e retirou sua bagagem de mão, recomeçando a andar.
— Volte aqui Sean Queise! Não pode andar pelo Cairo sem minha proteção.
— Sua proteção? — gargalhava andando para fora do aeroporto.
Mustafá e Tahira se olharam.
E voltaram a segui-lo.
— Sean Queise! — Mustafá falava tão alto, que Sean resolveu parar ao ver que o homem chamava a atenção do estacionamento, do já agitado Aeroporto Internacional do Cairo. — Preciso fazer sua segurança, já disse.
— E por quê? — perguntava impaciente.
— Porque você precisa de nós para se esconder, antes que alguém perceba quem é você, Sean yá habibi.
— Antes que a prendam por falta de moral, melhor dizendo — Tahira ia falar, mas Sean emendou. — Já lhe falaram que uma mulher tem que saber se comportar aqui no Egito, Senhorita? — passou por ela indo embora.
Ela só teve tempo de girar os olhos e correr atrás dele.
— Jura? Não aprova minha toalete?
— “Toalete”? — Sean estancou a pesada mala no chão. — Deve estar me gozando, não? — ele viu Tahira sorrir de um jeito que ele não entendeu. Sean pegou a mala e recomeçou a andar para depois parar outra vez. — E o que a faz pensar que vou aceitar sua segurança, Srta. Tahira?
— Vamos Sean Queise, pense um pouco. A polícia egípcia, dessa vez, nada soube sobre a sua vinda e isso o torna um alvo fácil demais.
Sean tentou lembrar-se se sabia mais alguma coisa dela, mas nada. Talvez nem soubesse quem era ela de verdade, antes da amnésia.
“Droga!”
— Meu passaporte não foi brecado uma única vez — Sean a olhou confuso. — Mesmo eu estando morto.
— Isso! Porque você ainda está morto. Ou já tirou nova documentação e eu não sabia?
Sean não gostou de ouvir aquilo.
— Não. Estou usando cópias que tinha.
— Então? Posso fazer sua segurança? — Tahira sorriu-lhe, e Sean se pegou observando a curta roupa alaranjada da moça enquanto ela sorria.
Tentou parar de pensar naquilo.
— Droga! — nada mais disse e os três se dirigiram ao carro de Mustafá que mais parecia uma caranga. — Isso anda? — ironizou Sean, ao chegar ao estacionamento.
Mustafá não respondeu e Sean não viu outra maneira senão entrar, com Tahira percebendo que Sean trouxera a valise que deixara no táxi.
Corniche el-Nil; Cairo, Egito.
30° 2’ 37” N e 31° 13’ 46” E.
03/06; 14h55min.
Mustafá saiu do aeroporto e pegou a El-Orouba, depois a Salah Salem St até a 6 October Bridge para então alcançar a Corniche el-Nil.
Chegaram numa casa alugada por Tahira e Sean entrou sentindo todas as emanações de Samira Foad Strauss ali.
— Como conseguiu alugar o laboratório de Samira e Afrânio? — disparou nervoso.
Ela engoliu a saliva com dificuldades.
— Eu ia contar-lhe depois do jantar.
— Sabe que eu não preciso que me contem não? Que basta eu tocar paredes e objetos para sentir as energias gravitantes nelas.
— Não Sean Queise! Eu não sabia! Porque parece que você só ia aos congressos e eventos ufológicos, para se exibir para seus amigos, com a espanhola a tiracolo.
Sean deu dois passos e ameaçou avançar nela. Ela só piscou e Mustafá estava do lado dela. Tahira então se virou e foi para seu quarto batendo a porta, furiosa.
“Droga!”, Sean fechou os olhos e os punhos não acreditando que teria mesmo tido coragem de fazer algo a ela, mas Tahira fazia o sangue dele ferver de uma maneira que jamais imaginou acontecer.
Foi com sua mala e valise, para o quarto do fundo da casa para onde um Mustafá também furioso, apontou.
O quarto devia ser igual ao outro, simples; uma cama de casal, roupas de cama e banho novas, uma colcha florida e um ventilador no teto. Além daquilo, uma poltrona e um armário de madeira escura com duas portas abertas. Lá, também um banheiro particular onde Sean entrou e tomou um longo banho, tirando a barba. Apareceu na sala usando shorts, camiseta branca, meias e chinelo. Já Tahira vestia uma horrível camisola vermelha de laços coloridos feito um arco-íris.
Ambos não se falaram desde o quase avanço e aquilo estava tirando Tahira do sério. Já Sean acomodou a valise em cima de uma mesa de centro de vidro, sentou-se no sofá e ficou a observá-la. Mexia-se e remexia-se no sofá como quem está tentando uma posição que lhe agradasse, que o fizesse pensar melhor.
— Está com fome? — ela tentou um diálogo.
— Kochery!
— O quê? — Tahira o olhou com surpresa.
— Uma mistura de arroz, lentilhas, cebolas frita e espaguete, regados com um pouco de molho de tomate, e algumas gotas de molho picante.
— Como é que é?
— Sei lá! — Sean não entendeu porque falou aquilo, mas nada mais falou voltando a olhar a valise fechada.
Tahira girou os olhos indo preparar a mesa com xícaras que comprara; uma bela toalha de mesa, vaso com flores e nenhum interesse dele na sua ‘performance’.
Ela voltou logo depois.
— Eu preparei um lanche para nós dois, Sean yá habibi — e Sean não mexeu um músculo se quer. — Se bem que é só o que sei fazer... — riu para um Sean que continuava a observar a valise fechada em cima da mesa de centro. — A viagem foi cansativa? — Tahira arrumou os cabelos num coque que despencou duas vezes seu cabelo ruivo. — Eu sei que gosta de ovos com pão francês, Sean yá habibi, mas os pães aqui são em forma de broa e... — e nada dele responder. — Estou sendo castigada?
— O que queria comigo, Senhorita? — falou de repente se erguendo.
— Até que enfim você falou comigo.
— Não estou falando com você, e não vou falar com você. Estou apenas querendo saber por que você ‘morava’ no meu flat quando eu saía para trabalhar?
— Jura? Gostaria que eu tivesse morado com você lá?
— Basta Srta. Tahira! — fuzilou-a. — Eu disse que não queria que você tivesse vindo.
— Mas você não manda em mim.
— Nem você em mim! Mas você pensa que manda! Mas não manda! — e sentou-se descontrolado.
— Mas você sabe o que eu queria no seu flat.
— Não! Porque não confio numa Trevellis me dizendo coisas.
Tahira lhe o olhou de lado sabendo que era da comissária/agente Dolores Trevellis, da Poliu, de quem ele falava.
— Um furo de reportagem sobre seu contrato! — mentiu Tahira. — E fui até as últimas consequências para consegui-lo — completou.
— Wow! — Sean se virou novamente para a valise, estava nervoso e desconfiado, porque era claro que havia uma verdade ali, qual ele não sabia. — Não acredito em você.
— Eu te segui até o Egito, não?
— Não Srta. Tahira. Você não me seguiu nem até Portugal, já que tinha suas passagens compradas antes mesmo de eu comprar as minhas.
— Por que diz isso?
— Porque Dolores estava ali no voo para Portugal, te seguindo.
— Achei que não acreditasse numa Trevellis.
Sean a fuzilou.
— O que foi fazer em Portugal?
— Passear! Não foi o que eu disse quando você me perguntou?
— Não sei quando perguntei. Estou com amnésia — e ele não gostou quando Tahira riu. — Está achando graça? Então vou mudar o foco da pergunta; o que ia fazer no Egito já que também viajou para lá seis meses atrás?
— Já disse também Sean Queise! Vigiar a sua concorrência com a Eschatology Inc..
— Para a revista distopia? — foi pura ironia.
— Sim — respondeu com as ancas balançando na horrível camisola vermelha de laço arco-íris.
Ele sabia que ela mentia.
Prosseguiu:
— Por isso mandou Mustafá me seguir?
— Mustafá... — e Tahira murchou o sorriso e as ancas. — Ele me garantiu que você não o havia visto. Que você só o conheceu quando ele se apresentou na morte de Miro Capazze.
— Mas eu o vi Senhorita. Agora. Seguindo-me do aeroporto até a limusine, e pelas ruas do Cairo até o hotel, antes de Miro morrer no meu lugar.
— Você pode voltar ao passado? Ver algo que aconteceu mesmo não estando lá? — olhou em volta. — Ótimo! Isso muda tudo.
— Tudo o que? Sua relação de confiança com Mustafá?
— Como é que é?
— A Srta. Garcia disse que você esperou seis meses para me entregar a valise. Coincidentemente quando saí do coma.
— Como é que é? Não estou entendendo nada.
— Está sim. Porque Mustafá sabia que eu estava vivo. Porque ele se fazia passar pelo Dr. Mustafá, ficando horas me olhando no asilo Faãn, sem fazer qualquer leitura gliais.
Tahira olhou para a porta da frente sabendo que Mustafá estava lá fora, fazendo a guarda. E que ele a enganara.
— Precisa de ajuda!
— “Ajuda”? — insinuou. — Achei que tinha vindo para atrapalhar — e ele viu Tahira recuar ofendida, levantar-se e ir a cozinha. Sean se sentiu mal de repente. Ela então voltou e passou por ele carregando um copo de leite. — Sabe como abri-la? — apontou para a valise quebrando o silêncio que se fizera, mas Tahira não esboçou nada. — Afinal seria justo que lhe contasse tudo já que usufruíamos de tanta intimidade no frio da sacada...
Tahira o fuzilou com um olhar, e foi para o quarto dela batendo a porta com força.
“Idiota!”, pensou Sean ali sozinho, a tentar se lembrar de como abrir aquela valise quando enxergou Tahira no quarto, deitada na cama, como se a parede fosse transparente.
Levantou-se e foi até o quarto dela.
— Posso entrar? — perguntou batendo à porta, esperando que ela abrisse.
— Não!!! — gritou Tahira de lá de dentro. Mas Sean abriu a porta assim mesmo e entrou; e tudo sem tocá-la. — Não disse que não podia entrar? — Tahira escondeu o rosto.
— Precisamos conversar! — Sean viu ela se levantar da cama e abrir a janela para a noite estrelada, e voltar a sentar-se de costas para ele na poltrona do canto.
— Não tenho nada a conversar. E eu juro que não sabia que você estava vivo. Porque não sou um monstro Sean Queise, ou teria avisado sua família a fim de ter diminuído a dor deles.
Sean não esperava aquilo.
— Quem é você? — entrou no quarto e sentou-se na cama dela.
— Tahira Bint...
— A verdadeira!
Ela só suspirou e jogou a cabeça para trás.
— Minha família vem de uma linhagem de mulheres sacerdotisas, que protegiam uma linhagem de faraós mulheres, que protegiam uma entidade de homens sem nome.
— Mas não é essa a ordem exata, é?
Ela se virou para ele sem saber o que significava aquela pergunta.
— Como ordem exata?
— Afrânio desenhou na ordem exata... Os homens de crânios alongados, adorando as mulheres de máscara mortuária egípcia, adorando aquele leoa de pelagem vermelho-amarelada com máscara de íbis... — e parou quando Tahira já havia atravessado todo o quarto e respirava o mesmo ar que ele.
— Voltou no tempo?
E ele a viu muito, mas muito perto dele.
— Não... Algo que... Não me lembro.
Ela o olhou, olhou e ponderou algo, voltando a se sentar na poltrona.
— Não sei quem são esses ‘homens de crânios alongados’. E se eles são a representação dos alienígenas, então a ordem está errada. Porque nossa família tinha por trabalho e obrigação, proteger essas mulheres faraós que protegiam essa entidade de homens sem nome.
— E quem é ele? Essa entidade em forma de leoa?
— Quem era a leoa de pelagem vermelho-amarelada com máscara de íbis nunca nos foi dito, porque não era de nosso acesso — e parou de falar para o olhar com interesse na camiseta, no shorts e nas meias dentro do chinelo; e Sean leu tudo aquilo. — Essas mulheres faraós, por sua vez, faziam parte de uma escola de mistérios que cultivava o conhecimento desses alienígenas, os ‘homens sem nome’, e que chegaram à Terra e fundaram a Lemúria, que se estendia de Madagascar a Sumatra, e incluía algumas partes do que é hoje a África. Depois fundaram a Atlântida, localizada ‘para lá das Colunas de Hércules’.
— Wow! — aquilo sim era informação. — A mesma Lemúria onde nasceu a terceira raça mãe com três olhos, que perdemos na evolução, mas que agora serve para enxergar o éter e ler pensamentos. E também Atlântida, onde vivia a quarta raça mãe, e tudo segundo Madame H. P. Blavatsky; pura mitologia Srta. Tahira.
— Segundo Joseph Campbell, mitologia é o nome que damos às religiões dos outros — Tahira sorriu.
Sean percebeu algo ali.
— Prossiga! — foi só o que disse.
— Prossigo! Mas antes tenho que lhe dar os parabéns, Sean yá habibi. Sua amnésia é mesmo estranha, já que você sempre defendeu tudo isso que acabou de duvidar.
“Dizem dentro da Poliu que você tem uma amnésia de evento para trás ou retrógrada. Alguns amigos arriscam dizer que você tem amnésia de evento para frente ou anterógrada. Já meu pai não acreditava em nenhuma das duas”, soou Dolores Trevellis.
— Prossiga!
Tahira prosseguiu:
— As mulheres faraós, então sobreviventes da Lemúria e Atlântida, se instalaram entre o Egito e a Núbia, na região de Nabta Playa.
— Nabta Playa onde construíram pirâmides pontiagudas e esfinges coloridas sob a água?
— Sim. Havia água ali. Mas também construíram bibliotecas, diferentes das que conhece Sean Queise. Algumas contendo papiros que ensinavam tudo; como medicina, astronomia, astrologia, transportes, construção civil, militarismo, e uma infinidade de poderes paranormais.
— Aquela pirâmide pontiaguda que Samira e Afrânio descobriram?
— Era uma biblioteca.
— Onde ficava o papiro em branco que só escreve para siddhas.
— Boa memória... — foi tão cínica quanto ele o era.
Mas Sean ainda não caiu na rede dela.
— Era isso que fazia no meu flat? Estava esperando a entrega do pacote de Samira onze anos depois?
Tahira deu uma daquelas risadas esganiçadas.
— Está com fome Sean Queise? — levantou-se da poltrona e desamassou a horrível camisola vermelha de laços coloridos feito um arco-íris. — Uma mulher egípcia não sabe pensar de estômago vazio — e saiu do quarto o deixando lá, com mais perguntas que respostas.
Ele a seguiu e ambos sentaram à mesa e comeram.
— Sua família tem poderes? — Sean prosseguiu.
— Não como a sua.
Sean não gostou de ter ouvido aquilo.
— Se restrinja ao que eu pergunto apenas, Senhorita.
Ela deu outra risada esganiçada.
— Não Sean Queise. Não temos poderes. Apenas os protegemos.
— Onde estão esses protegidos?
— Shee-akhan matou a todos.
— Deus... Quem é Shee-akhan?
— Não sabemos. Ele se proclama assim. ‘Shee-akhan’!
— Quando isso aconteceu?
— Miro Capazze foi o último.
— Como esses escolhidos eram escolhidos?
— Nasciam assim. Crianças iluminadas, que manifestavam dons paranormais na infância. Nós os identificávamos, acolhíamos e os educávamos, os desenvolvendo.
— Como um menino Buda?
— Não. Permitíamos que seguisse usa vida; casasse, estudasse, trabalhasse, mas os mantínhamos sob vigilância.
— Você disse que o último foi Miro? Mas ele me disse... — e parou de falar.
— O que ele lhe disse?
— Não... Não me lembro...
— Jura? Que ótimo! — foi sarcástica. — Porque perdemos o pouco de controle que ainda tínhamos quando Miro morreu, e porque Miro morreu pelo Fator Shee-akhan que dominava.
— Isso era algo impossível de acontecer?
— Não sabemos ao certo. Também são poucos os sacerdotes que sobraram, e que ainda conheciam a fundo os poderes do Fator Shee-akhan. Os anos, a tecnologia, e o afastamento das pessoas das escolas de mistérios, proibidas principalmente durante a Era Medieval onde as mulheres da minha família eram tidas como bruxas, fez com que muitos ensinamentos se perdessem. Mas até então, sabíamos que crianças iluminadas não podiam morrer por CHE.
— Afinal o que é o Fator Shee-akhan?
— Os alienígenas que na Terra chegaram, trouxeram técnicas alquímicas para gerar algo em outra coisa totalmente diferente que sua real essência molecular, como níquel em ouro, depois que os Anunnakis não conseguiram mais extrair ouro de nosso planeta.
— É... Samira falava sobre o Enuma Elish — e se virou para Tahira interessada. — Prossiga...
— Essa alquimia também podia modificar tudo, inclusive plantas em uma essência verde que permitia que os alienígenas pudessem penetrar, e se esconder dentro de corpos humanos.
— Entrantes?
— Como queira chamar.
— E como entravam?
— Através dos chakras, pontos energéticos do corpo humano. Mas se você não usar a técnica correta pode provocar CHE, e fazer o corpo onde quer se esconder, se destruir pelo fogo.
— Wow! Quanta sandice... — riu.
— Jura?
Sean parou de rir na seriedade dela.
— E esse tal... tal homem que se diz ‘Shee-akhan’, fez o que afinal?
— Ficamos sem respostas. Mas em suma, usa essa seiva verde para dominar mentes e matar.
— Você disse que fui escolhido, e que por isso essa seiva de planta Shee-akhan entrou no meu organismo quando toquei a pirâmide de Nabta Playa, e que o Fator Shee-akhan me salvou daquele acidente onde o drone explodiu os carros no deserto de Garri Ring.
— Aonde quer chegar?
— Não tenho a mínima ideia Srta. Tahira, mas preciso abrir aquela valise — apontou para a mesa da sala. —, e recuperar o comando do satélite de observação, que está numa órbita espiã sem que a Polícia Mundial ou a Poliu, e consequentemente os mainframes da Computer Co., possam acessar.
— O que vai conseguir com Spartacus?
— Fotografias! — e Sean se levantou se dirigindo para seu quarto a fim de dormir. — Porque as coordenadas me guiaram a vida toda... — e ele também a deixou com mais perguntas que respostas.
Tahira, porém, percebeu que perdia o controle da situação quando bateu na porta do quarto dele e o quarto estava vazio. Voltou à sala correndo, abrindo a porta que dava para a rua e Mustafá fazia vigia.
— Ahhh!!! — gritou furiosa vendo que ele havia feito teletransporte.
Para onde, ela nem imaginava.
Cairo International Airport; Cairo, Egito.
30º 7’ 19” N e 31º 24’ 20” E.
03/06; 17h20min.
O entardecer era estonteante, com um Sol vermelho parecendo maior até do que o normal. Sean havia chegado ao aeroporto se teletransportando, com coordenadas, como sempre.
Porque precisava fugir de Tahira, do controle daquela entidade ou o que ela significasse realmente. E porque também precisava chegar à Ilha Elefantina, primeira catarata, para encontrar um homem que fazia partes de seus ‘acertos de conta’, para depois ir para Cartum, e de lá tentar alcançar Nabta Playa já que pelo Egito, por Abu Simbel, chamaria atenção para documentos de um morto.
— Fazer minha segurança? — se questionou Sean. — Me priva! — e foi fazer o check-in.
Mas Sean percebeu certa agitação ao redor do aeroporto, a polícia secreta do Egito estava toda nas ruas, e a Poliu ajudava nas investigações de possíveis agitadores.
Que agitação era aquela ele não sabia, mas sentia a Poliu ali. E não eram tão ‘bonitos, gentis e gostosos’ quanto Dolores Trevellis.
“Droga!” desistiu do avião.
Dirigiu-se para o estacionamento atrás de um táxi, decido ir para a Estação de trem, e alcançar Elefantina já que não sabia ao certo a coordenada que ia precisar para se teletransportar, ou acabaria no limbo. Porque sabia que o teletransporte era algo perigoso de fazer, que Mona nunca permitira que ele fizesse, e que seus ‘pupilos’ a temiam. E de como ele lembrava tudo àquilo, também era uma incógnita.
Um ‘Bip!’ se fez ao lado de Sean. Vinha da valise que ele carregava. Mas ela ainda permanecia travada por códigos que ele não se lembrava de qual era. E sabia que precisava conseguir abri-la, ou estaria em mais perigo do que já estivera.
— Sr. Queise? — perguntou um jovem bonito, usando calça de tecido marrom e uma jaqueta discreta por cima de uma camiseta; um turista na aparência.
Mas Sean não achava aquilo.
— O conheço?
— Sou agente da Polícia Mundial, Michel Rougart; trabalho para o Sr. Roldman.
— Oscar? — Sean olhou nervoso para um lado e outro não gostando daquilo, mas Michel Rougart entregou-lhe um envelope.
— O Sr. Roldman fez duas reservas no Hotel Old Cataract, em Aswan, próximo à primeira catarata.
— Ah! Próximo a Ilha Elefantina. Quem diria?
— Sob nomes de Sr. e Sra. McDilann, para o Senhor e para a Srta. Najma Faãn.
— Quem? — Sean achou mesmo que tinha ouvido errado. — Achei que Oscar sabia que eu estava com Tahira, que ele a mandara?
— Pois foi justamente o que o Sr. Roldman disse. Que você ia se questionar o porquê não Tahira Bint Mohamed.
— Ah! Eu ia me questionar? Wow! Ele é um Roldman, não?
Michel Rougart não entendeu, mas prosseguiu.
— As chaves do carro! — entregou.
— Chaves?
— Para chegar até a estação ferroviária.
— Estação ferroviária?
— Vai de trem, não?
— E por que eu iria de trem?
— Não pode viajar de avião. Pensei que soubesse que seu passaporte expirou três meses após sua morte.
— Não entendi. Fui para o Brasil.
— Sr. Oscar Roldman e o Embaixador Ângelo Antonio Borges o levaram de volta para o Brasil.
— E como cheguei até aqui?
O agente Michel voltou a observá-lo.
— Não chegou Sr. Queise — olhou para agentes da Poliu, que mais adiante não viram Sean e o agente Michel conversando. —, foi trazido.
E Sean sentiu um frio percorrer-lhe o corpo no que viu um homem alto, ruivo e de uma beleza esfuziante, o mesmo que todas as manhãs, aparecia na frente do asilo Faãn quando ele lá sentava para tomar Sol.
“Wlaster Helge Doover” e Sean sentiu as pernas dobrarem.
— Sr. Queise? — Michel o segurou.
— Agente Rougart? — soltou-se dele.
Michel percebeu a ironia e a frieza. Aprumou-se não gostando muito dele.
— Recomendo que saia daqui até a Estação de trem Ramsés com o GPS dentro da sua mente — observou-o. —, guiado por Spartacus que lhe guia.
— O satélite está travado por senhas.
— E precisa de senhas para acessá-lo Sr. Queise?
Sean também decididamente não gostou dele.
— Prossiga!
— As chaves são de um Mercedes-Benz azul claro, ano 76 modelo 280S. O Cairo possui muitos carros Mercedes-Benz velho, será fácil se disfarçar entre eles até a estação ferroviária.
— Por que preciso disfarçar algo?
O agente Michel parou de olhar para os lados, o que fazia incessantemente e o observou melhor ainda.
— Vai saber Sr. Queise — sorriu apenas. — A viagem de trem até Aswan é de 866 km, 12 horas e os serviços de primeira classe, com cabines confortáveis, limpas e com ar condicionado.
Sean percebeu mais duas coisas no envelope.
— De onde são essas chaves?
— Vai encontrar uma Van verde num armazém alugado na periferia de Aswan. O carro está limpo.
— E o que é essa agenda? — também quis Sean saber.
— É uma agenda de endereços. Sr. Oscar Roldman mandou entregá-la. Estão anotados vários endereços e números telefônicos. Também está anotado o endereço do ex-agente da Poliu, Sr. Joh Miller — esperou alguma pergunta, mas Sean nada esboçou. — O Sr. Roldman tentou falar com ele, mas Joh Miller disse que só vai ajudar-nos se falar pessoalmente com você.
— Wow! Joh está me esperando?
— Não sofra por antecedência, Sr. Queise. Apenas utilize as escritas em amarelo da agenda. O que está escrito em verde, azul ou vermelho é falso. Se alguém pegar a agenda, com certeza errará muitos endereços — e se virou para ir embora.
— O que Oscar mandou você fazer em Saqqara?
E foi a primeira vez que Michel Rougart sentiu-se atingido em toda sua carreira.
— Como...
— O que foi fazer em Saqqara agente Rougart? — insistiu.
— Fotografias.
— Para comparar a que?
E foi a segunda vez que Michel Rougart sentiu-se atingido em toda sua carreira.
— A fotos tiradas por Spartacus seis meses atrás.
— Quem as tirou?
— Você!
— De onde?
— Nabta Playa!
— E por que Nabta Playa se compara a Saqqara a ponto de Mona me falar dela?
— Ainda... — e Michel Rougart respirou pesado vendo Wlaster Helge Doover os olhando. — Ainda não chegamos a nada Sr. Queise.
Mas Sean sabia que Wlaster estava atrás deles.
— Ele nos viu não foi? — sorriu cínico.
E o agente da Polícia Mundial diria que foi a terceira vez que se sentiu atingido em toda sua carreira.
— Precisa de algo mais?
— Não! Porque ambos vamos descobrir se precisamos, não é? — e Sean se virou para ir embora já não vendo Wlaster por entre as colunas do aeroporto.
“Droga!”, apertou o passo e foi para o estacionamento agora com a certeza de que Tahira também o vigiava a ponto de saber sobre o passaporte de um morto.
Mas Sean também era vigiado por dois pares de olhos maquiados; olhos escurecidos como a noite, cerrados pelo ódio, tomados por um líquido esverdeado em quantidade suficiente para tomar todo seu globo ocular, e dominar suas mentes e seus corpos, e que usavam turbantes de muitas cores, que levavam em suas cabeças alongadas.
Sean alcançou o Mercedes-Benz azul claro, ano 76 modelo 280S. Leu a placa e verificou o chaveiro. Guardou a valise no porta-malas e teve dificuldades para fechá-lo. Colocou o envelope no banco do passageiro após bater a porta e derrubar todo o conteúdo do envelope no chão.
— Cartões de crédito no meu nome? — estranhou o fato de poderia ser rastreado, e percebeu que havia três e não duas reservas no Old Cataract Hotel. — Três reservas? — sentiu um frio na espinha novamente, engatou a primeira marcha e foi embora.
O trânsito parecia maluco, ninguém respeitava a já apagada faixa da rua. Carroças puxadas por burricos e charretes, comuns no meio do trânsito caótico, levavam seus condutores camponeses, vestidos de galabias escuras com turbante de várias cores na cabeça, aparentemente surdos em meio toda gritaria. Porque as buzinas eram ensurdecedoras e Sean teve dificuldades em manter-se ileso no engarrafamento do qual tentava escapar, entrando em ruas paralelas e voltando para a El Orouba, percebendo por duas vezes um velho Mercedes-Benz cupê preto, a segui-lo. Já estava chegando ao Mohamed-Ali Mosque quando se distraiu com a fechada de um táxi e foi obrigado a contornar o Mausoleum & Mosque of QuaitBay.
“Droga!”
O Mercedes-Benz cupê preto novamente apareceu no espelho retrovisor quando Sean brecou o carro em total desespero. Olhou para os lados e se viu em meio do que acreditava não ser o caminho correto.
— Mas que droga! — praguejou. — Hei?! — estacionou e chamou um menino que corria na rua. — Onde estou? — perguntou em inglês, mas o garoto respondeu que nada entendeu. — Onde fica a rua... — e Sean desistiu, tentando perguntar em árabe. — Esh-shera` Salah Salen St. Fên? — e o menino esticou os dez dedos da mão. — Ashra? Dez? Quer dizer dez dólares? — Sean virou os olhos não acreditando quando o garoto lhe sorriu. — “Dólar” você entendeu, não?
O garoto mostrou os dez dedos outra vez.
“Pergunte Kâm? - Quanto custa?; e já diga Da ghâli`awi!- É muito caro!”, ecoava a voz de Mona.
— Da ghâli`awi! — exclamou Sean. O garoto ficou muito triste com o desconto. Mostrou cinco dedos no que Sean aceitou. — Khamsa? Ok, cinco!
— Y´re in death city! — e correu após pegar cinco notas de um dólar.
— Estou na Cidade dos mortos? Ele falou em inglês? — riu não acreditando por ter sido enganado.
E parou de rir ao ver o Mercedes-Benz cupê preto passar por uma das travessas atrás dele, para depois sumir, aparecer e sumir. E aparecer e sumir começou a fazer Sean se enervar porque carros não ‘apareciam e sumiam’, não sem ativar siddhis, que ele percebeu podiam fazer grandes objetos desaparecerem.
Sean engatou a primeira e entrou numa rua que ficava cada vez mais estreita. Lembrava-se vagamente sobre a Cidade dos mortos no que lera nos prospectos que Najma pegara no hotel, e que o que no passado já foram tumbas. Um grande cemitério com mais de 500.000 pessoas vivendo lá hoje, como podiam, e com o governo fornecendo água corrente e eletricidade; um conjunto habitacional de construção bege, colorida pelas areias, onde os moradores dizem que lá já era possível desmaiar sem cair no chão.
E o carro correu tanto que se chocou com latas cheias de lixo, o fazendo ser projetado para cima do painel, com os restos contidos nas latas subindo para o alto, voltando para cima do capô do seu Mercedes-Benz azul claro, obstruindo a visão dele. A batida também quebrou os faróis, arrancou a lataria impedindo que continuasse na rua estreita.
Sean tentou dar ré, mas viu o carro Mercedes-Benz cupê preto se aproximar. Saiu do carro e viu-se enfim, estar perdido.
“Droga!”, chutou a areia sob seus pés quando um som metálico se fez não muito longe dali.
Sean ergueu-se todo e tentou localizar o som. Mas ali, somente três casas abandonadas, sem portas e janelas e a continuação da rua estreita. Pôs-se a andar e à sua frente não havia nada a se ver, olhou para trás e nada a se ver, olhou para cima e nada a se ver, olhou para sua direita e viu um homem vestido de antigo egípcio lhe apontando uma bazuca.
— Deus... — Sean arregalou os olhos azuis percebendo que o homem estava paralisado, que seus olhos estavam tomados pelo líquido Shee-akhan e que seu dedo estava no gatilho.
Sean fez sinais para ver se o homem respondia, mas nada movia nele. Sean escorregou um passo, outro e mais outro de ré e voltou ao carro abrindo o porta-malas e tirando a valise com o notebook, quando ouviu um ‘Clic!’ atrás dele. Sean se virou e só o antigo egípcio de bazuca na mão a olhá-lo. Em pânico, tentou chegar à porta travada pela parede estreita, mas não conseguiu abri-la. Voltou à porta do motorista e se jogou no banco tentando alcançar o envelope entregue pelo agente Michel Rougart e o antigo egípcio gritou ‘Shee-akhan!!!’, e Sean só teve tempo de correr, se projetar para dentro da casa abandonada e o míssil entrou com ele, atravessando várias paredes de barro, terra batida ou qualquer material com que houvesse sido construído aquilo, levantando uma bola de fogo que subiu até as nuvens, deixando muitos ao longe em pânico. Um som ensurdecedor, que invadiu a ‘Cidade dos mortos’, e Sean enfim percebeu que ele também havia atravessado algumas paredes usando algum siddhi, caindo duas casas a frente.
Levantou-se em pânico com a valise na mão, e enfiou o envelope dentro da blusa, podendo sentir a areia nos dentes tomada de um líquido que a esverdeava, que contaminava o chão que se tomou de um líquido verde.
— Shee-akhan... — vozes ao longe chegavam cada vez mais perto.
Sean correu pelo piso que esburacava a cada passo que ele dava na areia misturada, tentando desesperado atravessar a ampla sala e sair do outro lado da rua quando estancou; mais homens vestidos de egípcios antigos, com estranhos adornos na cabeça, tal quais as enciclopédias arquivaram, estavam lhe esperando.
Sean se olhou, viu que não havia voltado ao passado, que era o passado que havia vindo atrás dele no que projéteis lhe passaram de raspão. Jogou-se para dentro da casa novamente, e tentou alcançar a sala navegando pelos buracos que se fizeram, alcançando a rua onde mais egípcios antigos invadiam, e mais projéteis arrancaram um pedaço da parede coberta de madeira ali deixada.
— Droga!!! — lascas lhe feriram a testa que sangrou.
Sean tentava raciocinar em meio ao pânico, em meio à confusão mental que se encontrava e subiu a escada para um segundo andar inacabado.
“Sean... Sean... El Sean...”, sentiu seu coração vir à boca com passos muito próximos ao dele, quando alcançou a laje da casa, e um dos egípcios antigos gritou à saída do teto, atrás dele.
— Shee-akhan!!!
Sean o puxou pela cabeça adornada, o jogando feito uma bola de Rúgbi pelo ar, o fazendo atravessar certa distância e cair de lá de cima na rua, por cima de mais homens que pareciam estarem vindo do passado. Correu se vendo numa grande extensão de lajes e mais lajes de casas, percebendo que estava no teto da ‘Cidade dos mortos’, e que de mortos não tinha nada, já que o passado que deveria ter ficado nas lembranças, estava ali, agora.
— Shee-akhan!!! — gritavam atrás dele.
Sean corria por extraordinários tetos de tumbas, em meio a tiros disparados sob um céu bege de areia, com grandes mesquitas ao longe, podendo ainda ouvir as pessoas dentro de suas casas gritando e rezando para não morrer. Pulou para outro telhado, e para outro, e para outro, e mais outro até que seus pés falsearam e ele atravessou o teto de terra batida, agarrado as estruturas do que sobrara do telhado, quando a valise com o notebook lhe escapou das mãos, e caiu no chão onde mulheres e crianças gritavam desesperadas, encolhidas num canto da sala.
— Min fadlak! Por favor! — apontava desesperado para que as mulheres pegassem a valise para ele. — Min fadlak! — mas elas nada faziam a não ser gritar. — Deus! — exclamou assustado ao subir novamente e ver que a arma voltava a cuspir balas.
— Smalla’Alik! — falou de repente uma das mulheres de dentro da casa.
“Que Deus proteja você!”, traduziu ele impactado, desistindo da valise já que nenhum poder ele conseguiu ativar ali.
Sean correu, e correu, e correu para depois ver que os telhados haviam acabado. Olhou para trás e mais antigos egípcios com estranhos adornos na cabeça o seguiam, olhou para frente e nada, mais nenhum telhado para onde pular. Olhou para trás, para homens que atiravam sem piedade, e virou-se para frente saltando num toldo que arrebentou o levando ao chão duro. Sean levantou e correu feito louco, com projéteis perdidos para todos os lados da rua movimentada, jogando-se em meio a barracas que vendiam frutas invadindo uma espécie de feira.
As pessoas gritavam se jogando ao chão, e Sean as driblava como fazia com os projéteis.
Havia uma fileira de carros estacionados, desejou que algumas deles se abrissem, mas nada aconteceu. Sean então deu um chute no vidro de uma BMW branca estacionada e abriu-lhe a porta. Puxou-lhe fios debaixo do volante fazendo ligação direta, arrancando e partindo ao perceber que os antigos egípcios também invadiam a feira de frutas.
— Shee-akhan!!! — gritou um homem ao se jogar sobre o capô da BMW branca.
— Não!!! — gritou Sean desesperado a tentar brecar, a tentar tirá-lo de lá.
A BMW branca subiu na calçada levantando melões, limões, cascas de frutas. Sean atravessava o resto da feira, por dentro da feira.
— Shee-akhan!!! — gritavam os antigos egípcios em meio aos gritos histéricos da multidão, que se jogavam para todos os lados, quando uma Maserati vermelha entrou na traseira da BMW branca, fazendo Sean bater com a cabeça no volante, o fazendo sangrar novamente, e ainda o fazendo destruir o resto da feira que ele não conseguira destruir antes.
Sean viu o ocupante da Maserati vermelha pelo que restou do espelho retrovisor da BMW branca.
— Tahira?! — gritou histérico correndo para a Maserati vermelha dirigida por ela. — Você ficou louca?! — gritou do lado de fora.
— Desculpe-me Sean yá habibi — ela abriu calmamente a porta da Maserati vermelha para ele. —, não pude deixar você sozinho.
— Mustafá é um idiota!!! — gritava com as mãos à cabeça ao entrar e fechar a porta.
— Ele sumiu!
Aquilo caiu como uma ducha fria em Sean.
— O quê? — perguntou como que paralisado.
— Você está sangrando... — ela levantou a mão para limpá-lo.
— Agora não! Onde está Mustafá?
— já disse que sumiu. Porque você sumiu e Mustafá estava lá, vigiando a porta. Quando eu voltei outra vez, foi a vez dele sumir. E acredite que não foi dá mesma maneira sofisticada de você sumir.
— E como sabe?
— Porque só havia um pé dele ali — e um tiro atravessou a lataria quase o acertando na perna.
— Ahhh!!! — berraram ambos sem muito tempo para discutir o CHE de Mustafá.
— Corra!!! — Sean apontou para as chaves do carro que Tahira ligou. A Maserati vermelha acelerou e deu um cavalo de pau retornando para a feira. — Ficou louca? — e a Maserati se projetou em cima do que ainda estava no caminho; frutas, barracas e pessoas que se jogavam pela ação. — A feira não!!! A feira não!!! — gritava descontrolado.
— Por que não faz aquilo então?
— Corra!!! Corra!!!
— Responda-me!
— O que?! O que?!
— Por que não faz aquilo?
— Aquilo? Aquilo o que...
— Teletransportar a Maserati?
E ele arregalou os olhos para os antigos egípcios que vinham aos montes, dezenas e dezenas para cima dela.
— Cuidado!!! — e Sean puxou o volante. Tahira pisou no freio fazendo a Maserati dar outro cavalo de pau, dessa vez rodopiando uma, duas, três vezes levantando fumaça e antigos egípcios, que se jogavam sob o capô, no teto, por debaixo das rodas do carro. — Vai matá-los?! — berrou.
— Jura? Porque eles já estão mortos Sean yá habibi.
Sean escorregou os olhos arregalados para ela.
— Então corra!!! Corra!!! Corra!!!
— Você manda Sean yá habibi! — e a Maserati correu outra vez derrapando em cascas, restos de verduras e tudo que tinha no piso, batendo as laterais, até conseguir sair da feira, das proximidades da Cidade dos mortos e alcançar uma larga avenida fugindo deles.
Sean olhou em volta:
— Wow! Uma Maserati 3200 GT, cupê, automática? Não é pouca coisa, é? — ele viu que Tahira nem o olhou, pisava no acelerador até sair de vista dos egípcios antigos de estranhos adornos na cabeça. — Quanto? Uns 170 mil dólares?
— Passou a entender de carros, Sean yá habibi?
— Parece que sim... — e Sean pode ver que Tahira trazia no carro a valise que ele havia perdido na fuga.
Ela o olhou de esguia.
— Você estava em fuga... — falou ela com frieza. — E com aqueles estranhos antigos egípcios atrás de você...
— Não fala mais!
— Mas você...
— Não disse para não falar mais?! — e berrou descontrolado com medo de estar ali com ela. — Desde quando me segue?
— Não disse que...
— Cale-se!!! Desde quando?
— É para responder ou não? Porque estou confusa.
— Quando?! Quando?! Quando?!
— Desde sua saída do aeroporto.
— E isso porque sua família não tem poderes?
— Não tem! Já disse! Eu vinha logo atrás da Mercedes-Benz cupê preta, quando minha Maserati também entalou naquela ruela.
— E como sabia onde a ‘Mercedes-Benz cupê preta’ estaria?!
— Não grite...
— Como sabia?! — gritava.
— Eu...
— Como sabia?! Como sabia?! Como sabia?! — berrava descontrolado.
— Oscar me...
— Ahhh!!! — socava descontrolado o vidro da janela com as mãos.
— Quando te alcancei a confusão já estava armada, com uma bola de fogo tomando conta dos céus do Cairo.
Sean arrancou o envelope de dentro da camisa para lá de suja.
— E isso por que Oscar achou que eu ia querer três reservas no Old Cataract Hotel, não Senhorita Jornalista?
Tahira não respondeu e a noite caiu rapidamente. Mesmo porque ela sabia que ele sabia que Oscar Roldman a mandaria para lá também.
Mas voltaram para Corniche el-Nil, precisavam recuperar forças.
23
Corniche el-Nil; Cairo, Egito.
30° 2’ 37” N e 31° 13’ 46” E.
04/06; 05h00min.
“Você está realmente dormindo e não se levanta? Os deuses, suas criaturas, estão reclamando”, soou distante.
Sean Queise abriu os olhos e se viu deitado na cama dele, no esconderijo, sob a luz do Sol que nascia na janela aberta. E estava sendo chamado à sala. Esse segundo Sean Queise, então, volitou até a mesa onde a valise estava. Lá uma luz verde saía de dentro dela. Sean tentou tocá-la, mas sua mão atravessou-a sem que ele pudesse saber o que tinha dentro.
Sean recuou assustado e olhou suas mãos. Estavam desbotadas, e ele era só uma projeção.
“Meu filho levante-se de sua cama! Use sua sabedoria e crie um substituto para que os deuses possam deixar suas ferramentas”, soou distante outra vez.
Esse segundo Sean então voltou volitando até o quarto e se viu deitado, em curto circuito na cama.
“Levante-se Sean!”, ordenou a ele mesmo.
Mas o corpo deitado do Sean verdadeiro na cama, só conseguia dar saltos no colchão macio.
“Levante-se Sean!”, ordenou-se mais uma vez, mas só o que conseguia, era fazer o Sean verdadeiro se mexer freneticamente na cama, com homens vestidos de egípcios antigos, sobre ele.
E o Sean verdadeiro abriu os olhos na cama e se viu preso por fios de energia, que o enrolavam de uma maneira que só seus olhos se moviam parcialmente, de um lado a outro.
“Tahira?”, chamou-a.
Tahira abriu os olhos e viu seu quarto a meia luz, sentindo que seu travesseiro estava mais baixo. Arrepiou-se pelo medo de virar-se e perceber que não estava nua e sozinha na cama, no quarto. Mas Sean podia vê-la, podia porque estava lá, na cama, com ela; e ele era um terceiro Sean Queise, três Sean Queise divididos.
“Tahira?”, o Sean verdadeiro chamou-a outra vez, mas nada mais conseguiu fazer já que estava sob o controle de uma energia que o emaranhava, que o prendia à cama, sob o odor ocre da areia molhada de verde, que tomava conta do piso da casa que já fora um laboratório, para onde Samira e Afrânio levaram a planta Shee-akhan encontrada nas lamparinas, até seus corpos serem consumidos pelas chamas internas e se incendiarem.
“Ahhh!!!”, o Sean verdadeiro gritou sem que nenhum dos três Sean Queise conseguissem se mover, fazer sua voz ecoar.
Mas o terceiro Sean Queise, ao lado de Tahira, tocou o corpo nu dela.
“Tahira...”, soou ao ouvido dela.
— Por Allah! — ela fechou os olhos apavorada, sentindo a mão que lhe tocava as ancas, que subiam por seus pelos pubianos.
“Ajude-me...”
Tahira agora sabia de quem era a voz atrás dela. Virou-se e um Sean Queise desbotado feito uma marca d’água, emaranhado em algo que parecia fios de alta tensão, lhe olhava.
— Ahhh!!! — gritou saltando da cama nua, procurando uma almofada, um lençol, sua camisola que vestiu.
Tahira saltou por cima da cama, por cima dele ainda preso ao colchão por fios de energia e alcançou a porta trancada, que desesperada não conseguir abrir, para então abri-la e ela invadir a sala e dar de encontro com outro Sean Queise, agora mais nítido, que havia conseguido trocar de lugar com seu duplo, que ficou preso na cama dele.
O Sean verdadeiro então se inclinou, sabendo que os outros dois Sean Queise eram bilocações e que estavam emaranhados, minando sua energia vital quando soou de sua valise um ‘Bip!’ que ecoou por toda casa.
Ele esticou a mão e abriu o compartimento lateral esquerdo sabendo que aquela era sua mão verdadeira, e que realmente tocava a valise. Ajoelhou-se e no compartimento aberto, um teclado apareceu onde o Sean verdadeiro digitou onze letras, k-e-l-l-y-g-a-r-c-i-a, e a valise se abriu.
— Como... Como conseguiu? — a voz de Tahira era puro pânico.
O Sean verdadeiro se levantou e encarou Tahira que sentiu que havia alguém mais atrás dela. Ela se virou e havia um Sean Queise desbotado na porta de seu quarto e outro Sean Queise desbotado na porta do quarto dele, quando os dois Sean Queise se acoplaram. Ela então se virou para o Sean verdadeiro à frente da valise e viu os três Sean Queise se acoplando.
— Você faz bilocação? — ela viu Sean só sorrir-lhe cínico. — Ótimo! Você faz bilocação! — e foi se deitar furiosa sabendo que ele estivera no quarto dela, na cama dela, atrás do seu corpo nu, e que era a mão dele que a tocava.
Corniche el-Nil; Cairo, Egito.
30° 2’ 37” N e 31° 13’ 46” E.
04/06; 08h00min.
— ‘Kellygarcia’? Jura?
Sean parou a xícara de café no ar e a encarou. Estava vestido, pronto para viajar, usando botas de couro preto, uma calça jeans Balmain de corte justo e uma camisa de linho branco, para então vê-la vestindo um horrível vestido patchwork que mais lembrava retalhos costurados a esmo.
— Do que está falando?
— Pois estou falando, Sean Queise, que você digitou onze letras, ‘kellygarcia’, e abriu a maldita valise — apontou para a mesa da sala.
Sean olhou-a parecendo realmente não entender o que acontecia ali.
— Não sei do que está falando. A Srta. Garcia disse que havia tentado de tudo e seu nome, acredite, foi o primeiro que ela usou.
— Eu não sei como fez aquilo, mas você abriu a maldita valise ontem à noite.
Sean olhou um lado e outro, e andou até a mesa onde a valise estava e tentou abri-la.
Voltou a olhar Tahira e olhar a valise.
— Não falei que está fechada?
— Impossível! Eu vi você ontem; aliás, vi três de você ontem, Sean Queise, abrir a valise.
— Viu três do que? — Sean riu.
— Acha que estou mentindo?
— Não fez outra coisa até...
— Digite ‘kellygarcia’!
— Não vou...
— Digite!!! — berrou furiosa.
Sean até quis discutir o que ainda não havia tido coragem, pela invasão de privacidade, por forçá-lo a encarar que era apaixonado pela sócia ou que pelo menos não conseguir esquecer-se dela em plena amnésia, mas se inclinou e abriu o compartimento esquerdo onde um teclado apareceu e digitou ‘kellygarcia’ abrindo a valise.
Ele arregalou os olhos.
— Eu não sei... Eu não sei...
Tahira se virou e foi para o quarto para então, se virar e voltar à sala a passos largos e chegar bem perto dele o esbofeteando-o. Sean olhou-a impactado pelo ato e ela voltou ao quarto. Sean ficou olhando para os lados tentando entender o que foi aquilo, e foi atrás dela.
Uma pancada na porta de Tahira e ela estava furiosa demais para responder.
Sean teve que abri-la outra vez sem tocá-la.
— Não faça mais isso entendeu?! — ela gritou. — Nem se atreva a me tocar!!!
Sean arregalou os olhos azuis e nada falou outra vez.
— O notebook...
Ela virou para ele furiosa.
— Como é que é?
— Ele também tem uma trava sob código, então... Queria saber se você me viu abri-lo também.
Ela andou tão furiosa para cima dele que Sean recuou todos os passos que ela deu e chegou à sala de ré.
— Abra! — apontou ela.
— Já disse que não sei como.
— Abra!!!
— Não adianta gritar!
— Abra!!!
— Pare de gritar sua louca!
— Abra!!! Abra!!! Abra!!!
— Já disse para...
— Abra!!! Abra!!! Abra!!! Abra!!! Abra!!! Abra!!! Abra!!! Abra!!!
— Abracadabra!!! — Sean gritou e o notebook se abriu seguido de um “Bip!” no que Tahira se jogou sobre ele, indo ambos ao chão; junto a valise, o notebook, a mesa, vidros, vaso de flores, água e tudo mais que estava no caminho. — Isso era um Enable Sign in, uma permissão de entrada... — arregalou os olhos.
— Desculpe-me... — ela o olhou ainda em choque. — Tive medo de te perder outra vez...
Sean ficou extasiado com aquelas palavras, com o ela sobre ele, com o tapa e o toque de pelos pubianos que vieram a sua mente. Ele engoliu tudo aquilo a seco, não entendendo afinal como sua mente funcionava, mas o corpo da bela e ruiva jornalista em cima dele ativou mais que memórias.
— É o mainframe... — explicou também sem entender como lembrava aquilo. — Alguém está pedindo para ser aceito no meu sistema.
Sean esticou o braço e alcançou o teclado dando ‘Enter!’.
— VOCÊ CONECTOU A COMPUTER CO. ON LINE! — explanava o computador. — DIGA SUA SENHA!
Sean olhou Tahira de lado.
— ‘Kellygarcia’ — soou sua voz.
— SENHA CORRETA! RECONHECIMENTO VOCAL INICIADO! — houve um intervalo. — OLÁ, SR. QUEISE! ABRINDO BANCO DE DADOS!
— Algo... — e nem teve coragem de escorregar um olhar para Tahira. — Algo está tentando entrar no meu sistema? — perguntou ao notebook.
— MAINFRAMES DA POLÍCIA MUNDIAL ATIVADOS! — respondeu o sistema operacional.
— Permita entrada!
— DIGA SUA SENHA!
— Vai dizer ‘Kelly Garcia’ outra vez? Jura?
Sean só escorregou um olhar e disse:
— ‘Kellygarcia’.
— CONEXÃO PERMITIDA! CHAT DE VOZ ABERTO NO CANAL #33.
Ela se virou furiosa outra vez e foi para o quarto, e Sean arregalou os olhos azuis para o notebook, com a voz de Oscar Roldman invadindo a sala no Cairo.
— Sean querido?
— Por que fez isso?
— Fiz o quê? Aceitar abrir o Chat no seu canal de segurança?
— Canal de segurança? Eu devia saber algo sobre isso?
— Você criou o canal #33 para impedir invasores hackers no seu sistema.
— Criei? E você entrou...
— Eu não entrei! Você abriu o canal.
— Deus... Então não foi você quem...
— Eu quem? Vamos brigar outra vez?
— Não. É que eu… Eu me dividi em três ontem — olhou a porta de Tahira fechada e ele sozinho na sala. — Um de mim veio até valise, mas não conseguiu abrir porque era só uma bilocação. Voltei ao meu corpo, mas não pude acoplar porque alguma coisa o havia amarrado com fios de energias, impedido que eu voltasse ao corpo. Então fiz um terceiro de mim e fui até o quarto de Tahira chamando-a, mas ela se apavorou porque eu a toquei. Mas eu não podia tocá-la se era uma bilocação. Então, também não sei como fiz, mas consegui trocar de lugar, o segundo de mim com meu eu verdadeiro, e deixar minha bilocação amarrada na cama. E vim até a sala como um Sean Queise original e abri a valise.
Oscar estava realmente encantado com seu filho.
— Você já havia feito isso antes?
— Não sei. Estou com amnésia.
— Que não está lhe mantendo muita coisa esquecida pelo jeito.
— Não sei o que há comigo, mas quando levantei não me lembrava de ter feito tudo isso. Foi Tahira quem me fez abrir a valise, porque disse o que eu havia feito, usando uma senha... Mas que droga! Eu não me lembrava da senha.
— Não sei o que dizer. A bilocação é considerada pela Igreja Católica um ‘Carisma’ e que poucos podem receber. O Padre Pio de Pietrelcina, o teve, e dizem, o viram em dois lugares ao mesmo tempo.
— Mas eu me dividi em três. Isso quer dizer que o Sean verdadeiro era meu corpo na cama, que meu espírito saiu de mim e se tornou meu duplo, mas quem era o terceiro Sean Queise que foi até Tahira e a tocou?
— Ernesto Bozzano diz que o fenômeno de bilocação é um dos mais propícios a evidenciar a independência da alma ao corpo físico.
— A questão 92 de Alan Kardec no Livro dos Espíritos, perguntava se os Espíritos podiam dividir-se, ou existir em muitos pontos ao mesmo tempo. E os Espíritos responderam que um Espírito não podia se dividir, mas, cada um era um centro que irradiava para diversos lados, como o Sol, um somente, porém capaz de irradiar seus raios em todos os sentidos.
— Não sei o que dizer Sean. Nunca entendi muito bem como Mona ensinava ou o que fazia com seus ‘pupilos’.
— Acha que em transes, as faculdades psíquicas são extremamente ampliadas quando... — e Sean olhou um lado e outro, e energias de Samira e Afrânio se moldaram ali. — Deus...
Oscar percebeu o silêncio que se seguiu.
— Sean? O que houve?
E toda a sala mudou, se moldou num laboratório com estantes e vidros e mesas de metal espalhadas pelo piso de lajota vermelha, e o ventilador girando no teto um ar ocre.
— Acho que estou no laboratório...
— Onde? Você voltou ao passado?
— Sim. Estou vendo Afrânio e Samira. Eles estão nervosos, discutindo com alguém.
— Como ele é?
— Moreno, redondo, de estatura baixa; e ele está gritando com eles.
— Joh Miller.
— Samira está segurando o robô da Computer Co. nas mãos. Fala algo que... — e Sean apurou o ouvido. — ‘O robô...’ ‘As informações da leitura da...’ ‘Imagens captadas...’.
— Que imagens?
— De dentro da pirâmide. Antes de eles entrarem, o robô saiu de lá e parou de funcionar... Mas o robô estava lá...
— O robô gravou algo? É isso?
— Não sei. Não vai haver como acessar porque onze anos atrás, Spartacus ainda não havia sido construído, e me lembro de que meu pai mandou Barricas desmontar o robô e refazer o sistema operacional.
“E me lembro de que meu pai mandou Barricas desmontar o robô”, Oscar não sabia o que pensar daquilo.
Prosseguiu:
— Mas havia os bancos de dados, Sean querido.
— Mas fui eu quem os aprimorou.
— E quantos anos você tinha quando os aprimorou, Sean?
E tudo se desmanchou. Sean olhou em volta e estava suado, no meio da sala da casa alugada por Tahira em Corniche el-Nil, conversando com Oscar, pelo notebook, na sala de Chat #33.
— O que está dizendo Oscar? Que eu já desenvolvia programas de computadores aos catorze anos? E que fui eu quem refez o sistema do robô que hoje eu vendo?
— Sim!
“Atrevo-me a que, Sean? Você não seria nada sem mim. Não seria nada sem Fernando! Nada se ele não tivesse lhe dado tudo para se desenvolver, todos aqueles bancos de dados para treinar e se treinar, se tornar o que se tornou”, a voz de Oscar Roldman nunca foi tão real.
Sean engoliu aquilo nem sabendo como.
— Deus... Meu pai permitia que eu... Que eu...
— Sim! Permitia! Porque o queria como um Queise.
Sean caiu sentado no chão.
Estava atônito, confuso, triste.
— Por isso eles tentaram de novo...
— Tentaram o que?
— Eles tentaram ontem de novo, me matar na ‘Cidade dos mortos’ com mortos ainda vivos, Oscar.
— Do que está falando?
— Um monte deles, de antigos egípcios núbios, de pele ébano, de crânios alongados, tomados pelo Fator Shee-akhan.
— Sean, você tem certeza de que quer continuar isso? Pode voltar ao Brasil, à Computer Co., conseguir seguranças...
— Mas é isso mesmo o que pensa sobre mim? Que tenho medo de enfrentar meus erros? Porque a Srta. Garcia disse que eu nunca fui homem de fugir dos problemas.
— Sean... — e Oscar desistiu de algo. — Precisa ter cuidado redobrado.
— E acha que não sei disso? Com duas mulheres a tiracolo? — e Sean dessa vez não ouviu respostas. — Por que fez isso Oscar?
— Não vou responder a isso.
— Vai me responder então por que ontem meus dons não funcionaram sob pressão?
— Acho que não é a pressão que lhe interfere. É o nível de Shee-akhan que está no seu sistema sanguíneo.
— Como sabe... — e parou. — Dr. Juca acha que algo acentuou meus siddhis.
— Por isso sua amnésia com lembranças.
Sean olhava um lado e outro buscando respostas, foco, saber para onde prosseguir.
— Eu preciso de um favor.
— Que tipo de favor?
— Um helicóptero.
E a cara que Oscar Roldman até parecia a que o gerente de Abu Simbel fez se Sean a pudesse ter visto, e se lembrado de ter visto.
Cairo, Egito.
04/06; 13h00min.
Tahira primeiramente foi contra ir a Ilha Elefantina, porque não sabia o que ele queria lá. Sua ideia era permanecer ali no laboratório até Sean ter suas visões sobre o que ocorrera lá com os arqueólogos onze anos atrás, e depois ir a Nabta Playa resolver o ‘problema’. Mas Sean nada disse sobre suas visões recentes, e ela trancada no quarto não ouviu o diálogo dele com Oscar Roldman pelo computador.
Mas ficou furiosa mesmo, foi quando soube que eles também iam ao asilo Faãn, da Dra. Najma Faãn que ela sabia, havia ficado seis meses com seu ‘yá habibi’. Depois ficou com medo de uma briga fazer Sean Queise sumir dali sem ela, e acabar perdendo seu rastro outra vez. E era melhor acompanhá-lo sendo contra tudo do que nada, literalmente, já que precisou de Oscar Roldman e sei lá o que ele fez para conseguir, saber que ele estava na ‘Cidade dos mortos’.
Um táxi os levou até o aeroporto, cada um com uma mochila cada e poucas roupas dentro. Foram deixados num portão lateral, com pessoal da Polícia Mundial já avisado da chegada deles, e que precisavam tomar o helicóptero sem documentos.
Sean também levou a valise com o notebook dentro.
— Você conseguiu acessar o satélite?
— Ainda não! E ‘kellygarcia!’ não abriu o banco de dados de Spartacus se vai me perguntar.
— Jura? Eu não ia.
E os dois nada mais se falaram.
Tomaram o helicóptero conseguido pela Polícia Mundial e sobrevoavam naquele momento Saqqara.
“Vai a Saqqara?”, soou Mona Foad.
“Saqqara?”
“Há um muro na parte sul onde formava a fachada da chamada Tumba Sur, uma capela falsa, feita em pedra maciça.”
— Saqqara... — soou dele.
— Mais de quatro milhões de urnas foram encontradas. Algo realmente fantástico — extasiava-se Tahira tirando Sean de suas lembranças. —, e todas aquelas construções ainda são um mistério.
— Por quê?
— Jura? Pense! Qual era a utilidade de tudo isto? Para que construir túneis, câmaras e salões trinta metros abaixo do solo? E como iluminaram estes espaços para fazerem o complexo desenho cerâmico nos muros?
— Lâmpadas de Dendera.
Tahira achou graça.
— Sim, Sean yá habibi... Você defendia isso nos congressos.
— Defendia?
— Sim, Sean yá habibi. Você falava inflamado sobre a construção das pirâmides ao redor do mundo. De como alienígenas ensinaram as pedras ficarem mais leves.
— E eles ensinaram?
— Sim. Mas pense... O que é aquele enorme muro que circula a pirâmide, ou mastaba de seis degraus, que aparentemente não tem função alguma? — apontava para baixo, para Saqqara.
— Beleza arquitetônica?
— E o muro? Feito de granito sólido por dentro, e por fora, sem qualquer espaço útil. Qual a verdadeira utilidade de complexo de um milhão de toneladas de pedra, uma muralha com dez metros de altura, que apresenta catorze portas?
— Beleza arquitetônica!
— Vamos lá, Sean yá habibi. Pense melhor! Porque a arqueologia tradicional só defende seu lado darwinista, pseudocético, e que não vem a público levantar nenhuma ligação com alienígenas naquelas construções.
— Porque talvez não tenham.
Tahira deu uma daquelas gargalhadas esganiçada.
Sean ergueu o sobrolho para a jovem Tahira vestindo uma calça justa, de brim branco e uma blusa de fiapos que mais mostravam o sutiã roxo que a protegia de algo.
— Sua amnésia o tornou, um daqueles que acham que os seres humanos não passam de macacos pelados, que surgiram por acaso ou vieram de um monte de lixo orgânico? — gargalhou. — Mesmo porque teria que ignorar fatos comprovados, e passar por cima de métodos científicos — e olhou Sean a olhando, e a olhando muito. — Não acredito que teve coragem de esquecer tudo.
— Desculpe-me Srta. Tahira, não pedi para ser explodido num Jeep anos 70.
— Não sei se pediu, mas esqueceu de que a Pirâmide de Saqqara é uma pirâmide misteriosa, de data de construção desconhecida, com subterrâneos simplesmente únicos e misteriosos, em que nunca foi achada qualquer múmia dentro dela, assim como acontece com as pirâmides de Gizé. Então, qual o propósito de sua construção?
— Por que está alterada?
— Não estou alterada. Mas ela claramente não é um túmulo gigante Veja! — apontou. — Veja a fachada da casa norte tem imagens do baixo Egito, Núbia, e era local de cerimônia de Ed Sedh, o rei que recebia a coroa vermelha, que simbolizava sua autoridade sobre este território. Entre a casa norte e o templo funerário de Djoser, onde há uma capela com dois pequenos orifícios nos seus muros do qual se podia observar no pátio.
“Uma capela falsa?”, soou ele na mesa de jantar de Mona Foad.
“A finalidade era dissimular um dos acessos ao complexo subterrâneo. Na escavação descobriu-se a escada original”
Sean olhou Tahira de lado e sabia que Mona Foad falava tudo aquilo porque havia algo embutido naquilo tudo, e era algo que não se encaixava em Saqqara.
“Droga!” odiou-se por não conseguir ir além daquilo.
O helicóptero parou para abastecer em Aswan, para então seguir para Abu Hamed, no Sudão.
“Sean... Sean... El Sean...”; ele ouviu a mulher com máscara mortuária egípcia lhe chamar.
Sean olhou Tahira de lado novamente, mas ela havia se calado.
— Acredita em metempsicose, Srta. Tahira?
— “Metempsicose”? Fala de reencarnação?
— Sim! O filósofo Pitágoras esteve aqui, no Egito, e foi iniciado em ‘religiões’ que fez mudar radicalmente suas ideias. Quando voltou a Grécia, segundo Jâmblico de Cálcis, um historiador da época, Pitágoras fundou uma escola cuja doutrina filosófica falava sobre metempsicose, a filosofia pitagórica que culmina em um misticismo matemático-religioso, uma síntese das influências órficas e científicas que incluíam a sua escola... — olhou-a. —, a escola do papiro.
Tahira nada falou, nem se mexer, mexeu.
“Droga!”, havia algo errado ali, porque Joh Miller frequentava a escola onde Mustafá era um sacerdote; a escola do papiro.
— No entanto, Pitágoras era diferente de Anaximandro, um filósofo que acreditava que o princípio de tudo era uma coisa chamada apeíron, algo infinito, tanto no sentido quantitativo, quanto qualitativo; e esse apeíron era algo que ‘não surgiu nunca’, embora existisse e fosse imortal — e Sean ele viu que ganhara a atenção de Tahira.
— Prossiga... — soou maravilhoso na boca dela.
— Prossigo! Porque para os pitagóricos, o destino final do homem se condicionava ao feito de haver alcançado, a interna harmonia entre os sentidos e a razão, e só as almas harmônicas podiam alcançar a boa ventura. As restantes se viam sujeitas à metempsicose até que a harmonia de suas vidas emitisse um modo de viver divino.
— Por que está falando tudo isso?
— Porque Jâmblico de Cálcis disse: ‘O sábio fala assim: a alma, tendo uma vida dupla, uma em conjunção com o corpo, mas a outra separada de todo corpo; quando estamos despertos empregamos, na maior parte, a vida que é comum com o corpo, exceto quando nos separamos inteiramente dele através de energias puramente intelectuais e dianoéticas. Mas quando dormimos, somos como que perfeitamente livres de certas limitações, e usamos uma vida separada da geração’ — ele viu Tahira incomodada. — E também porque eu voltei a minha vida passada, Senhorita, em que nada se parecia com o que Spartacus fotografou.
Tahira deu uma risada esganiçada e parou.
— Continuo sem entender.
— Eu também... Eu também... Mas sei que vou entender da pior maneira possível. Porque a metempsicose é o termo genérico para transmigração da alma de um corpo para outro, reencarnação que pode ocorrer, como os indianos acreditam, através do Karma, para sofrermos e pagarmos por erros passados, como ter conhecido você.
— Eu... — Tahira tentou manter-se firme quase não conseguindo. — Eu sou seu karma Sean Queise?
Ela não teve respostas.
Asilo Faãn; Abu Hamed, Sudão.
04/06; 15h00min.
Najma estava cansada, aquela tarde havia sido extremamente quente quando o tempo fechou, e ela teve que correr para não tomar um banho. Começou a levantar as Senhoras para dentro do asilo, cansada de ter que levar o asilo Faãn sozinha. Porque teve que se reestruturar totalmente desde o coma de Jablah que ainda não demonstrava melhora.
Ela até chamara outros médicos e nenhum deles conseguiram chegar a um veredicto; Jablah ainda tinha parte do rosto derretido e estava em total letargia, um sono profundo tal qual Sean Queise e El Zarih quando os havia trazido de Cartum.
E Najma pensava em Sean Queise todos os dias, a cada momento, e cada atividade, com o quarto dele vazio e a cama arrumada, onde entrava todas as noites. E pensava nele naquele instante quando algo caiu dentro da cozinha fazendo um barulho enorme.
— Deve ser o Sr. Muad, pobre coitado — falou para si mesma. — Aposto que o mercado o mandou trazer minhas compras, outra vez, sozinho — e pisou em falso, escorregando na poça de uma gosma esverdeada que já invadia a copa, indo ao chão. — Por Allah... — exclamou quase sem voz. — O que...
“Najma... Najma... El Najma...”, alguém sussurrou.
Ela paralisou. Sabia que ouvira seu nome, que alguém atrás dela, a chamava. Levantou-se e virou-se, mas não tinha ninguém lá. Virou-se para frente e um Jablah retorcido a olhava com uma agulha que vertia um líquido verde.
— Jablah? — e ela viu o primeiro passo do irmão em sua direção.
Najma quis dar um passo atrás, mas estava paralisada. A única coisa que conseguia ouvir era o som ensurdecedor de pás girando no ar.
“Najma... Najma... El Najma...” falavam outra vez quando um salão amplo, de altas colunas douradas, em meio a antigas mulheres egípcias, usando máscara mortuária, banhava um corpo numa piscina perfumada; Najma podia sentir o cheiro quando o corpo retirado da grande banheira era de Jablah Faãn.
“Culpado!”, ecoou por todo o asilo.
— Não... Não... — falava Najma sem saber ao certo para quem, quando o amplo salão desapareceu fazendo-a voltar ao corredor de acesso à cozinha do asilo, e um Jablah retorcido a encarava. Ele então se inclinou e injetou a agulha nele próprio. — Não!!! — gritou Najma quando passos pesados reverberavam no hall de entrada, no salão principal, na copa, na porta de acesso a cozinha e Sean Queise se jogou sobre o corpo de Najma, que foi ao chão protegida da explosão do corpo de Jablah, que pegou fogo virando cinzas. — Ahhh!!! — gritou Najma encarando Sean sobre ela, no chão molhado de uma gosma esverdeada.
Ele a ergueu do chão e correu no que o gás do fogão que escapava, foi atingido pelo Fator Shee-akhan e toda cozinha explodiu.
— Ahhh!!! — gritaram Najma, Sean e Tahira, com os corpos dos três lançados ao chão de areia da rua, com labaredas saindo pelas janelas do asilo e Sean correu para dentro do asilo alcançando extintores de incêndio no hall de entrada do asilo.
Najma e Tahira se olharam; porque Najma não entendeu como estava ali, e Tahira não entendeu como Najma estava ali; ou no final das contas, ambas sabiam sobre os siddhis de Sean Queise. E ambas correram para dentro do asilo para ajudar Sean a apagar o incêndio, quando Najma viu os pés e as mãos de Jablah intactas em meio a réstias do incêndio.
— Não!!! — gritou e desmaiou nos braços de Tahira que só olhava Sean Queise olhando as duas.
Asilo Faãn; Abu Hamed, Sudão.
04/06; 20h00min.
Havia sido um fim de tarde e começo de noite tumultuado, com a vizinhança acionando o corpo de homens contra incêndio, e os bombeiros chegaram quase que de imediato tumultuando ainda mais a rua, com um helicóptero estacionado no meio dela e muitos, muitos curiosos em volta. A assessoria da prefeitura também havia enviado três ambulâncias para recolher os idosos e rearranjá-los em outros asilos já que lá, não havia mais condições de moradia. E Sean teve que usar de muita lábia para conseguir que bombeiros e polícia não ultrapasse a cozinha explodida e descobrissem corredores obstruídos, os levando a um depósito de mortos, e nem que retirasse seu helicóptero de lá.
Tahira se propôs a dormir no quarto de Najma, que estava ainda desacordada, e Sean teve coragem de descer até o depósito, aos destroços de quando seu corpo enorme caiu ali.
Havia ainda muito entulho obstruindo a passagem, em meio ao cheio de areia ocre e urina animal que o alertaram. Sean achou que encontrar egípcios e núbios antigos com bazucas, em nada se pareceria com encontrar aquela figura borrada de uma leoa com máscara de íbis.
Recuou e desistiu.
Sean dormiu na sala, com medo de que alguma coisa mais do passado batesse à porta.
24
Trafalgar Square; Londres, Inglaterra.
51° 30’ 27” N e 0° 7’ 40” W.
05/06; 08h00min.
— Sr. Roldman? — perguntou a secretária Lucy ao interfone, incessantemente, sem que tivesse resposta.
Mas Oscar estava absorto demais até que se levantou e foi até a antessala da secretária.
— Sra. Lucy? — Lucy estranhou o chefe naquela atitude. — Por favor, podemos conversar?
— Sr. Roldman... — se levantando indo atrás dele. E Lucy levou outro susto foi com a sala bagunçada. Oscar Roldman ferira mais uma vez a sua maneira de ser e ela sabia que algo o desesperava. — Há algo errado?
— Preciso de um favor — apontou a poltrona ao lado da lareira. — Antes, sente-se.
Ela se sentou sabendo definitivamente que havia algo errado.
— Disse um favor?
— Um favor muito especial, para ser sincero — disse Oscar encarando a secretária por debaixo dos grossos óculos que usava naquele momento, para ler. E ele suspirou profundamente indo em frente. — Eu sei que está tendo um caso com um homem apesar de você ser casada... — e antes que a secretária tentasse falar algo, ele lhe cortou a fala com um aceno de mão para que esperasse ele acabar de falar. —, e eu sei o quanto preciso ser indelicado.
— Acho que não consigo compreender, Sr. Roldman — a reação dela foi imediata.
— Não pense que a estou recriminando, Sra. Lucy. Não sou a pessoa mais indicada para isso — pigarreou. — Também pouco conheço seus motivos para ter agido dessa maneira, mas preciso que peça a ‘ele’, que devolva.
— Ainda não consigo realmente compreender, Sr. Roldman...
— Então me deixe fazer compreender, Lucy, porque ninguém pode realmente conhecer Sean Queise, entende? Por isso quero de volta a pasta cor de vinho.
A mulher que já não era mais jovem se pôs a chorar. Oscar levantou, pegou um copo, pôs água e açúcar e lhe deu também um lenço.
Lucy agradeceu, bebendo e enxugando as lágrimas.
— Eu fiz aquilo por amor... — dizia aos prantos. — Eu não sei como fui capaz... Não sei. Não sei. Porque sei que o Senhor não me perdoaria, mas ele pediu, ele implorou, e eu o amo tanto... — e parou de falar.
— Desculpe-me Lucy. Não quero saber seus motivos, mas...
— Eu sempre fui tão tola no amor. Entende? Sem filhos, uma vida dedicada ao trabalho, ao Senhor, e de novo a casa, o jantar, as roupas e... E ele é tão belo...
— Sim! De uma beleza esfuziante.
— Sim... Desde pequeno, sempre vindo a Trafalgar para me ver, me abraçar...
— O agente Wlaster Helge Doover vinha a Londres desde pequeno?
— Quem? — e Lucy chorou copiosamente até que Oscar bateu delicadamente no joelho dela e esperou ela se recuperar. — Ele pediu-me para que entrasse com suas chaves... E pegasse uma pasta cor de vinho na segunda prateleira, dentro do cofre.
— Como ele sabia? — Oscar olhou Lucy olhando-o de volta. — Ele usou algum espião psíquico para vir até aqui? Para visualizar meu cofre? — Oscar estava furioso.
— Não. Não sei... Só disse que não conseguia acessar a pasta cor de vinho por causa do material do cofre.
— Ele... Ele disse isso? — agora Oscar se alertou mais que nunca.
Porque se aquilo era verdade, se o agente Wlaster Helge Doover não tinha acesso ao material do cofre, então era porque não havia desenvolvido ensinamentos dos psi.
E Sean corre perigo de vida outra vez.
— Não... Não... Nosso Sean não pode saber — ela o olhou entre lágrimas. — Eu fiz tudo como ele pediu porque nosso Sean... Foi por amor ao nosso Sean que eu fiz tudo isso.
— Tudo isso?
— Sim. Ele me garantiu que tudo ficaria bem, que ele cuidaria de tudo, que a viagem ao Egito era para consertar erros do passado, por ter tido o amor dela e não reconhecido naquela noite... — e Lucy chorava. Oscar sentiu que precisava voltar a sentar.
— Quando... Quando ele disse isso?
— Oh! Meu Deus! Ele sabia de algo, Sr. Roldman, porque sabe que ele pode saber, não sabe? Até me mostrou fotos dele.
— Fotos? Lucy?! — gritou em choque. — Fotos do que?
— Do Egito Senhor...
— Meu Deus, Lucy! Nunca lhe passou pela mente contar-me isso? A dor que eu senti pelo meu filho morto?
Ela se jogou de joelhos no chão, às pernas dele.
— Não... Não... Eu nunca quis magoá-lo Sr. Roldman. Nunca... Nunca...
— O que... — Oscar esticou a mão pedindo silêncio. — O que Wlaster mandou você fazer exatamente?
— Quem?
E Oscar parou de vez.
— Como quem Lucy? Wlaster Helge Doover!
— Não conheço nenhum Wlaster, Sr. Roldman.
E Oscar já não sabia mais o que acontecia ali, porque de repente a mente de Lucy ficou obstruída.
— O que está fazendo Lucy?
— Fazendo Senhor? Não estou fazendo nada. Já disse, foi por amor.
— Amor a quem Lucy?
— Ao nosso Sean! — e Lucy agora não gostou das feições do patrão. — Eu... Eu disse algo de errado? Porque teria que inventar um álibi para o momento — enxugou as lágrimas no lenço que Oscar estendera. —, porque nosso Sean pediu-me para que parecesse um roubo — e olhou Oscar de olhos arregalados. —, mas eu não sabia fazer isso.
— Sean ensinou-me a bloquear-me Lucy?
E foi a vez de Lucy arregalar os olhos.
— Não... Não sei bem o que ele me ensinou Sr. Roldman, mas ele insistiu que tirasse do cofre a pasta cor de vinho e a remetesse para ele, no Egito.
— Aonde no Egito exatamente?
E Lucy sorriu tentando escapar daquilo.
— Não sei por que tanta fleuma... Nosso Sean está com amnésia então...
— Você a leu Lucy?! — Oscar quase gritou.
— Não... Sim...
— Meu Deus Lucy! Como pôde fazer isso comigo?
— Eu não... Não fiz Senhor. Porque lá só havia aquilo que nós todos conhecemos, que a Poliu conhece que nosso Sean sempre fez, então... — ela viu Oscar mandá-la parar de falar e a dispensar. — Mas não a quer de volta?
— Não Lucy. Só precisava da confirmação que Wlaster Helge Doover não conseguiu a pasta cor de vinho.
Oscar estava sorrindo de uma maneira que Lucy teve medo dele. Ela saiu e Oscar fez uma ligação.
— Trevellis?
— Amigo velho. Está atrás de mim por algo que fiz ou por algo que deixei de fazer? — gargalhou.
— Não vai achar tanta graça até saber que roubaram sua pasta cor de vinho.
— Minha o que? — Mr. Trevellis se levantou num rompante e deu alguns passos no sótão da rica casa de três andares, no nobre Bairro de Hampstead; e foi no sótão que Mr. Trevellis instalou seu atualizadíssimo escritório onde acessou seu banco de dados nos mainframes da Computer Co., alugados pela Poliu, e a câmera no cofre central não mostrava a pasta cor de vinho onde ela deveria estar. — O que você fez com minha...
— Não fui eu! — cortou-o. — Foi Robert Avillan.
— Mas ele explodiu!
— Ele havia pegado a pasta cor de vinho para mim porque eu sabia que Wlaster Helge Doover estava atrás dela, e já que Sean estava morto não havia necessidade de vocês mancharem a memória de meu filho.
— Manchar o que? Você sempre soube que Sean estava vivo.
— Desgraçado! Então você sabia?
— Calma lá, amigo velho. Porque Dolores também me confrontou e eu disse que só soube depois, já que Wlaster não é bem, o meu melhor pupilo.
— Não! Já que Wlaster Helge Doover quer o seu lugar.
E Mr. Trevellis caiu em sonora gargalhada fazendo seus 170 kg balançarem junto.
— Aquele metido a ‘Barbie’ não sabe com quem está lidando.
— Mas nós sabemos, não?
— O que está insinuando?
— Não está se perguntando por que Wlaster roubaria a pasta cor de vinho, se foi ele quem a preparou para a Poliu sob suas ordens, Trevellis?
— Não acabou de dizer que Robert... — e parou segundos para pensar. — Wlaster conseguiu roubar de você?
— Não! Sean a roubou antes.
— Mas se Robert a roubou depois que Sean morreu então...
— “Então?” Exatamente isso Trevellis. ‘Então’!
E Mr. Trevellis caiu em sonora gargalhada outra vez.
— Vamos lá amigo velho, sabe que não tenho seus dons nem nunca fui bom em charadas...
— Não. Nunca foi bom em nada Trevellis — e Oscar sabia que o silêncio de Mr. Trevellis era para que ele prosseguisse; e ele prosseguiu. — Sean instruiu Lucy a roubar a pasta cor de vinho porque não conseguia acessar o material do cofre e... — deu uma pausa. —, e ensinou Lucy a me bloquear para que eu não soubesse que ele a roubou. Quando Robert deu-me a pasta cor de vinho que tirou do cofre da Poliu, ele deu-me uma cópia, a mesma cópia que eu tinha nos meus arquivos pessoais; e Sean sabia sobre essa cópia porque fez Lucy roubar a pasta cor de vinho original e substituí-la. Agora me responda ‘Trevellis não muito bom em charadas’, por que Sean precisava da pasta cor de vinho original se ele sabia tudo sobre ela, e instruiu Lucy para que ninguém soubesse, provável ela mesma?
— Porque Sean sabia que ia ter amnésia.
— Sim Trevellis... — soou de um Oscar afetado emocionalmente.
— Lucy? — gargalhou Mr. Trevellis. — Como é ser traído por duas mulheres em quem confiava, amigo velho?
— Cale-se!!! — gritou Oscar.
E Mr. Trevellis olhou Oscar Roldman projetado à sua frente, largando o telefone que foi ao chão.
— Amigo velho... — sorriu em meio aos 170 kg em choque. — Que belo espião você não teria me dado, hein?
— O que Wlaster quer com Sean, Trevellis? — se aproximou de Mr. Trevellis, que sentiu todo o perfume caro que ele exalava.
Porque não era uma bilocação, Oscar havia realmente se teletransportado até o sótão sofisticado de Mr. Trevellis em Hampstead.
— Não sei. E estou sendo sincero amigo velho.
Oscar sentiu toda sua estrutura entrar em curto, e não sabia se estava em Hampstead ou na Trafalgar, no que seu corpo se tomou de rabiscos. Mr. Trevellis ficou encantado com os dons dos Roldmans.
— Você está bem...
— Cale-se!!! — Oscar berrou e a energia cortou-se para recuperar-se. — Você sabia que Mona reescreveu algumas informações naquela pasta cor de vinho? Que eu e Fernando a obrigamos?
— Sim. Dolores havia me contado que Fernando sabia que as Foad podiam fazer aquilo, fazer letras correrem no papel. E Wlaster deve ter ficado furioso por só ele saber o que Sean fazia, e a Poliu não cancelar contratos. Então imagino que Sean modificou a pasta cor de vinho que ficou no seu cofre, com os mesmos dons.
— Por que Wlaster não conseguia fazer a Poliu cancelar nada com a Computer Co.? Mesmo com Fernando tendo Sean e seus dons sob seu controle?
— E acha mesmo que Fernando tinha todo esse controle sobre Sean?
— Nelma teria me contado se não tivesse.
— E acha mesmo que Nelma ia querer Sean sob o controle de Fernando, que trabalhava para a Poliu, quando Nelma queria Sean, e o preparava para ficar sobre seu controle, amigo velho?
— Eu... — e Oscar sentiu outra vez a descarga elétrica.
— Mas Sean cresceu, não Oscar? E a Computer Co. passou a ser do controle dele próprio, não Oscar? E todo nosso pouco controle, porque sempre foi pouco o controle que tivemos sob Sean, desmoronou-se. E ele já não mais acreditava em Papai Noel, fadas e gnomos, mas acreditava em alienígenas, em mundos plurais, e nosso envolvimento em esconder tudo isso dele — e Mr. Trevellis via que Oscar realmente se apagava.
— O quer dizer com isso?
— Que Wlaster também viu que Sean escapava de seu domínio, que ele não podia usar todas aquelas informações, porque era sua palavra contra uma pasta cor de vinho que se reescrevia.
— Pobre Robert, ele morreu em vão. Porque Wlaster nunca teve acesso a pasta cor de vinho.
— E o que Wlaster vai fazer agora?
— Não sei. Porque nada disso lhe serve mais se Mark O’Connor morreu, não é Trevellis? — e ele viu os olhos verdes dele brilharem. — Porque há algo que está me escapando, algo que Wlaster sabe fazer e quer fazer, e que deixa Sean em um perigo do qual não sabe lidar se Wlaster usar dons... — e Oscar sumiu de vez no que toda aquela ligação siddhi se rompeu.
Mr. Trevellis deu outra gargalhada, um pouco mais confortável agora que estava sozinho. E pegou algumas coisas que caíram no chão pelo susto com um só pensamento.
“E o filho me saiu melhor que a encomenda”, voltou a achar graça.
Asilo Faãn; Abu Hamed, Sudão.
05/06; 08h00min.
Sean Queise acordou de pesadelos que diziam que seu pai estava nervoso, preocupado com ele. E era um pai de óculos de lentes grossas, com dons iguais ao dele.
— Bom dia... — e foi um ‘Bom dia!’ morno vindo de Tahira para ele vestindo a mesma calça jeans Balmain e uma camiseta branca básica.
— Bom dia Srta. Tahira — e foi um ‘Bom dia!’ interessado na bela ruiva usando uma agarrada calça cigarrete pink, blusa de muitos babados azul e que lhe cobriam o fino e esguio pescoço onde um lenço de tons terroso estava amarrado.
— A doutora já acordou. Pediu para lavar-se. Deixei-a sozinha.
— Obrigado!
— Temos algo para comer? — Tahira olhou a parede enegrecida pela fuligem, das réstias de incêndio.
— Não. Mas acho que consigo fazer café na cozinha dos fundos.
— Vou ver a doutora então.
E se separaram.
Quando Tahira e Najma voltaram, a mesa no canto do salão tinha algumas xícaras desemparelhas dos pires, café, açúcar e um queijo com pão.
— Srta. Tahira — falou ele enfim, as apresentando. —, esta aqui é a Dra. Najma Faãn.
“Doutora?”, pensou Najma sem dizer, percebendo a distância com que foi tratada.
— Dra. Najma... Esta é a Srta. Tahira Bint Mohamed... Ela está comigo porque é jornalista, fazendo uma matéria sobre a minha morte.
Foi à vez de Tahira o fuzilar.
Najma só o observou e Tahira quebrou o silêncio.
— Salaam `aleykum! — esticou uma mão para ela.
— Wa `aleykum assalaam! — respondeu a Doutora.
Sean percebeu a formalidade entre as duas, a frieza também; mulheres se decifravam.
Mas Sean não tirava os olhos da Doutora e Tahira percebeu.
— Desculpe-me demorar a chegar aqui Doutora — Sean olhou Tahira de lado. — Tive que mudar de planos e vir de helicóptero.
— Como sabia que eu precisaria... Ah! Os siddhis?
Sean não respondeu.
— Vamos tomar café. Precisamos chegar a Aswan antes do meio-dia.
“Sean... Sean... El Sean...” ecoou.
Sean se virou para Tahira e a imagem de uma mulher loira, de pele branca feita um fantasma e trejeitos finos, provável na casa dos quarenta, se fizeram.
Ele tinha certeza de que seu nome era Clarice, que era a arqueóloga que trabalhava com Afrânio e Samira, mas o que ela fazia abraçada a uma menina ruiva, de olhos verdes, com provável, quinze anos, e parecida com Tahira, ele não entendeu.
— Quantos anos tem Srta. Tahira?
Tahira o estranhou.
— Como é que é? — Tahira viu Sean com os olhos fixos em algo atrás dela. — O que está vendo, Sean?
— Nada! Só perguntei sua idade.
Najma sentou-se à mesa e começou a comer. Tahira também o fez e se voltou para ele.
— Vinte e seis anos, Sean yá habibi.
Najma a olhou e Tahira gostou de ver a doutora enciumada. Terminou o café e se levantou para arrumar sua mochila.
— O que vamos fazer em Aswan? E por que temos que levá-la? — foi o que Najma perguntou.
— Já disse! Ela é uma jornalista.
— Pensei que não gostava deles.
— “Deles”?
E Najma calou-se.
Sean sabia que se Najma tivesse falado tudo, muita coisa teria sido diferente. Mas ela não insistiu e Tahira voltou com a mochila. Najma arrastou a cadeira e foi sua vez de fazer uma pequena mala, já que não tinha muito a deixar para trás, se tudo o que tinha, já tinha ido embora; sua família, seu irmão, o asilo. E aceitou ir com ele, porque Sean era só o que lhe sobrara, e mesmo sabendo que a companhia de Tahira ia lhe estragar os planos.
— Por que temos que levá-la? — foi a pergunta de Tahira quando Najma se foi.
Ele não acreditou naquilo.
— Ela salvou minha vida, Srta. Tahira. Não posso simplesmente deixá-la aqui... — e Sean também não acreditou no sapato salto agulha que ela usava.
Nada comentou dessa vez. Só uma voz que soou por ali.
“Habaiták!”
— O que disse? — Sean olhou Tahira em pé.
— O que disse?
— Fui eu quem perguntou Senhorita.
— Disse por que temos que levá-la...
— Não! Você disse ‘Habaiták!’.
— Jura? Eu disse?
E Sean não voltou a perguntar, porque em seu conhecimento ‘Habaiták’ significava “Eu te amei!”.
Quando Najma voltou com a mala, Sean se ergueu:
— Fiquem as duas aqui! — e se virou para Tahira. — Conseguiu entender? — ela o ficou olhando abismada para o porquê da ordem.
As duas moças não tiveram nem tempo para desobedecerem, e uma pequena explosão seguida de um estrondo alcançou o corredor que dava para a cozinha.
— Sean?! — gritaram uníssonas.
Tahira se encontrava mais longe do corredor que Najma, mas acabara chegando primeiro.
— Não mandei ficar lá fora idiota?! — mas Sean gritou nervoso foi com Tahira.
— Estúpido!!! — gritou Tahira se virando e retornando para a sala. Mas Sean segurou seu braço e ela se desvencilhou. — Maa tilmisnii! Não toca em mim! — respondeu arisca.
Sean não insistiu e se virou para Najma de olhos arregalados para o chão da cozinha que incendiara, e que fora apagado com o extintor que ele ainda portava nas mãos; porque foi a mão dele que acendeu e provocou a explosão.
— Onde Jablah pegou fogo? — ele viu Najma com uma interrogação no rosto. — Umbigo? Garganta? Coração?
— Garganta... — apontou tremendo. — Depois injetou aquela e... incendiou-se! — olhou-o. — Fala de CHE? Isso é loucura!
— A combustão espontânea é conhecida por ‘fogo secreto’ — Tahira completou. — Para os alquimistas, de origem secular e alienígena.
— “Alienígena”? — espantou-se Najma olhando Sean ao invés de olhar para a jornalista que prosseguia a falar.
— Dizem que tais combustões são efeitos de poltergeist que pessoas especiais possuem — Tahira encarou Sean que ficou incomodado com os pensamentos que chegaram até ele. —, e que foram ensinados por alienígenas; alienígenas e pessoas especiais que se comunicam entre si e...
— Basta Tahira! — aquilo Sean entendeu com ou sem dons psíquicos.
— Jura? Porque achei que para um cientista da sua extirpe nunca bastasse conhecimento — riu balançando o sapato de salto agulha. — Porque em termos de Física moderna, Sean Queise, poderíamos interpretar esse fenômeno como uma forma de energia — e balançava o salto como num desafio. —, energia intermediária entre a energia química e a nuclear.
— Como sabe jornalista Tahira? — perguntou Najma.
— Minha mãe era alquimista — mas ela respondeu foi a ele.
“Sean... Sean... El Sean...”, ecoou.
— Deus... — olhou em volta perdido, transportado para um Egito antigo, para depois voltar à sala do asilo Faãn num espaço ínfimo de tempo. — Então a transmutação alquímica é a técnica para fazer a pedra ficar ‘mole’... flutuar... — Sean começava a entender como os mistérios do Universo se comportavam. Começava também a entender como a física quântica previa as muitas dimensões, e começava também a ter medo dela, de Tahira. — Em junho de 1967, um sacerdote peruano, padre Jorge Lira, descobrira o processo utilizado pelos Incas para lidar com grandes rochas, que consistia num suco de erva que tornava o material facilmente maleável.
As duas se olharam.
— Jura? Uma planta que amolece pedras? — perguntou Tahira voltando a balançar o salto do sapato agulha.
— O padre Lira dizia ter realizado com êxito experiências, macerando pequenas pedras num líquido tirado de uma planta milagrosa.
— Quanto milagrosa? — perguntou Najma.
— Não sei doutora... — e Sean ouviu a vitrola tocar. Olhou para o lado e El Zarih sentava no sofá do hall de entrada. Mas ele não estava lá, aquilo era sós rastros de energia ali impressos, vindas de vivencias, de momentos em que El Zarih esteve lá, ouvindo música. Mas Sean também sabia que El Zarih nunca ouviu música, não durante os seis meses que ali esteve, porque nunca estivera realmente de coma, porque o coma fora induzido pelo líquido verde Shee-akhan, e que era Jablah quem ‘desligava’ Sean; então quando El Zarih esteve ali ouvindo música se tornou uma incógnita. — Onde está El Zarih?
Najma pareceu paralisar nano segundos.
— Quando voltei do Cairo, El Zarih havia sumido.
— Que pena! Achei que ele tinha melhorado como eu melhorei.
— Um homem cego e doente, Sean? Como pode ter melhorado como você?
Sean não quis dar mais respostas. Pegou as coisas das duas e saiu. Pediu ao piloto do helicóptero que os levasse, ele e suas duas mulheres, até Aswan para Old Cataract. As pás giraram e Sean sentou-se. Olhou para o lado e viu a doutora falando algo; mas eram sós os lábios de Najma e as pás do helicóptero a movimentarem-se.
Sean olhou para o outro lado e não viu nada.
— Onde está Tahira?
— Quem?
— Não?! — e Sean saltou do helicóptero que começava a deixar o solo, em meio aos gritos de Najma e caiu pesado na areia da rua, e pisou pesado no piso da entrada do asilo, no piso do hall de entrada, no piso da sala e Sandy Monroe sentava-se na cadeira onde há pouco eles tomaram café. — Sandy? — Sean olhou um lado e outro da sala. — Onde está Tahira? — e os lábios colados, roxos e frios dela lhe encaravam. — Sandy? Pode ver para onde a levaram? Para onde levaram Tahira? — e Sandy o olhava.
E ele sabia que era ela, que ela vestia a roupa do noivado, que segurava o anel que sua mãe guardara, e que tinha na outra mão a arma engatilhada quando algo caiu no andar a cima.
“Sean... Sean... El Sean...”.
Sean desviou o olhar, e a escada do asilo de madeira escura e envelhecida, e de degraus soltos, se morfava, se plasmava em mármore branco da mansão dos Queise, com Sandy correndo em seu vestido de chiffon branco e as perolas batendo no corpo que chorava.
Mas não foi atrás de Sandy que Sean correu.
— Tahira?! — se jogou escada abaixo, engolindo todos os degraus de madeira escura e solta, porque era para o depósito que ele se dirigia, no que um buraco se abriu e ele caiu dentro dos degraus. E caía, caía e caía até saber que não havia um chão seguro aonde chegar. — Não!!! — gritou e o buraco fechou.
Sean voltou aos degraus, descendo outra vez para o depósito, porque lá, só os escombros que provocara. Afastou uma pedra e outra com dificuldades, sentindo o coração na glote, com medo de não saber mais lidar com tudo aquilo.
Encontrou Tahira andando à sua frente como em transe, se dirigindo para uma cama onde tubos de soro contendo uma seiva verde se projetavam ali.
“Tahira... Tahira... El Tahira...”.
— Não Tahira!!! — gritava Sean, mas ela não ouvia. Tahira se inclinou e deitou na cama. — Não Tahira! Não faça... — e Sean parou no que o cheiro de urina ocre alertou cada sinapse nervosa, que comunicou a Sean Queise que um animal estava atrás dele.
Sean escorregou um olhar e a fera lhe encarava; uma leoa com a pelagem vermelho-amarelada, e com toda sua pelagem em chamas, usando máscara de íbis que virava rabiscos, levando ambos a uma areia quente e verde, que aquecia os pés de Sean Queise que se viu num Egito antigo, em meio a homens que corriam para todos os lados quando a juba da leoa de pelagem vermelho-amarelada, varreu a areia esverdeada, e todo deserto foi envolto em uma tempestade de areia.
“Não!!!”, gritou Sean noutro mundo, só tendo tempo de se virar e se jogar sobre o piso do depósito e escapar daquela imagem.
Chegou em Tahira antes da agulha penetrar seu braço, e eles apareceram no banco do helicóptero ao lado de Najma para impacto do piloto que só ouviu os gritos dele.
— Voe!!! Voe!!! Voe!!! — no que o helicóptero levantou voo e todo asilo explodiu, desestabilizando o helicóptero.
— Não!!! — foi a vez de Najma gritar vendo tudo explodir, querendo se jogar do helicóptero, que conseguiu driblar a onda de choque e o piloto e eles três conseguiram se afastar das labaredas.
— Não! — e foi uma exclamação forte, decidida dele, que abraçou Najma chorando desesperada para o incêndio que tomou conta de tudo. — Sinto muito!
O helicóptero ganhou os céus de Abu Hamed, deixando para trás a destruição total, toda a história da família de Najma e Jablah Faãn quando Sean olhou Tahira lhe olhando.
“Foi você?”, perguntou.
Mas Sean teve medo de responder aquela pergunta.
Primeira catarata; Aswan, Egito.
24° 4’ 49.59” N e 32° 52’ 52.22” E.
06/06; 15h30min.
O Old Cataract Hotel, hoje pertencente ao Grupo Sofitel, teve seu primeiro anúncio na Gazeta Egípcia em 11 de dezembro de 1899.
Debruçado sobre uma colina de granito em frente à Ilha Elefantina, o hotel é uma maravilha egípcia à beira do Rio Nilo, 880 km ao sul do Cairo e 210 km ao sul de Luxor. Localizado no coração de Aswan, Sean não teve muita dificuldade para lá chegar. Difícil mesmo foi explicar durante a viagem, ou melhor, tentar não explicar as duas, o que lhes acontecera, o que acontecera ao asilo Faãn.
Sean entrou e acomodou Najma ainda em choque com tudo que acontecia, numa poltrona de tecido de zebra, numa sala do canto, e foi à recepção fazer o check-in dos três.
— Enigmático! — exclamou Tahira maravilhada com o lobby do hotel.
O lobby tinha um interessante jogo de colunas e arcos pintados de vermelho. Vermelho também era o estofamento dos móveis. Móveis e poltronas revestidos de veludo macio, onde a Dra. Najma aguardava cansada. Com três andares, ostentando 131 quartos de hóspedes com excelente design e transbordando passado por todos os lados, Tahira sentiu-se atravessada pela história local.
— Sabia que Agatha Christie escreveu ‘Morte no Nilo’ numa das suítes? E que o filme também foi rodado aqui? Também esteve aqui à rainha Victoria, princesa Diana, Jimmy Carter, Winston Churchill... — Tahira lia no prospecto.
Najma nem dava a mínima para ela.
— Parece mesmo que Khalida só fica em hotel do tipo cinco estrelas... — foi só o que disse de repente ao levantar-se e olhar o estranho formato da piscina, pela janela.
Tahira não entendeu. Mesmo porque as duas estavam se corroendo de ciúme uma da outra e uma controlava a outra, o tempo todo quando próximas dele.
Já Sean estava com problemas maiores, o hotel estava lotado e sua reserva era para um quarto só, composto por duas camas king size e ele rodou os olhos a quase fazê-los soltar da órbita a imaginar ‘quem dormiria com quem?’. Ele também ficou confuso para assinar Sr. McDilann, porque era o que constava nos passaportes falsos que o agente Michel Rougart entregara a ele. Já Tahira trazia o passaporte falso dela, Srta. Tahira McDilann, irmãzinha gêmea dele.
Sean só deu alguns passos e as encontrou no mesmo lugar:
— Irmã gêmea? ‘Jura’? — ele encarou Tahira que não moveu um único fio do cabelo ruivo, e Sean voltou à gerência tomando coragem para fazer um pedido ao gerente que só ergueu a sobrancelha.
— Desculpe Senhor; expliquei que... — e o gerente viu Sean esticar notas muito altas. — Para qual delas, Sr. Sean McDilann? — ele perguntou.
— Para minha irmã gêmea.
— Sim, Senhor.
Sean voltou ao lobby e elas haviam saído para o alpendre de muitas cadeiras e mesas de vime, e a exuberante vista dos coqueiros à beira do Rio Nilo quando Tahira o puxou pelo braço.
Aquilo alertou Najma que ficou a ver os dois sumirem.
— O que você quer? — Sean se viu perdido na bela paisagem.
— Falar-lhe! — o som das águas próximas era tão embalador quanto a surreal imagem do Nilo correndo ao lado do Old Cataract. Ela o viu com uma interrogação no rosto. — Por que me salvou?
— Por que não faria?
— São sempre respostas feitas de perguntas Sean yá habibi? — e ela viu Sean se virar para ir embora. — Não é só isso! — segurou-o.
Sean parou de andar vendo seu braço preso por ela, e todo seu corpo se tomou de pequenos choques elétricos.
— Prossiga...
Tahira viu Najma quase fazendo algo do tipo ‘leitura labial’. Talvez até estivesse, e Tahira mudou de lado e Najma a odiou.
— Há relatos de papiros que contam que sob o reinado do Faraó Tutmoses III, UFOs esféricos estiveram sobre o Egito, descritos como círculos de fogo, e que permaneceram sobre o céu por vários dias. Você se lembra, não? — Tahira provocou-o, mas Sean se lembrava de algo, não sabia o que. — Dizem as antiquíssimas lendas e tradições egípcias que o Amon Rá ou Deus Rá, para os ufólogos uma sutil alegoria para significar alienígenas, protegia a humanidade. Em outras palavras havia uma disputa pela posse da Terra já naqueles distantes tempos, uma disputa travada por um ser alienígena que desejava ser o ‘rei do mundo’.
— “Rei do mundo”? — Sean tentava localizar aquela informação.
— Sean yá habibi?
— Ãh? — ele arregalou os olhos.
— Está prestando atenção no que falo? Espero que esteja. Porque dizem que Imhotep, o grande arquiteto de Saqqara era um ascencionado, um iniciado, aquele que atingiu o nirvana, que controla suas energias, que já não precisa encarnar. Porém, algumas escolas iniciáticas os dividiram em dois tipos de ascencionado; os alienígenas que aqui não puderam encarnar e os alienígenas que se encontraram na Terra por várias encarnações, muitas vezes incompreendidos, queimados pela inquisição dos homens.
— Metempsicose... — Sean viu mulheres e seus corpos queimando.
Ele virou-se para o Rio Nilo e nele tentou se concentrar quando Tahira prosseguiu:
— Imhotep, o astrônomo, arquiteto, era chamado pelos gregos de esculápio, Hermes Trismegistus, ou o ‘três vezes grande’, e dizem que ao construir Saqqara ele trouxe benefícios não só materiais, mas espirituais, a toda sociedade egípcia porque conseguiu aumentar as vibrações, mostrando aos sacerdotes que existem outras dimensões e como se comunicar com elas — Tahira esperou Sean virar-se para ela. —, porque Imhotep criou ‘estradas’ eletromagnética, que facilitavam a movimentação de materiais que volitavam, porque Saqqara produzia energia taquiônica, a energia do pensamento.
— Está dizendo que usavam a energia taquiônica, kundalini, para mover os grandes blocos de pedra? Como Leedskalnin...
— Dizem...
— Quem ‘dizem’, Tahira?
— Os de fora. Os do outro mundo.
— Wow! Você é uma alienada.
— Jura? Porque o trem Maglev usa levitação eletromagnética e ninguém duvida — ela viu Sean a olhar de uma maneira inédita e ela prosseguiu em meio a toda incoerência. — Os egípcios, os do outro mundo, vieram com esse conhecimento. E quando construíram pirâmides em Gizé, fizeram uma avaliação de todos os pontos energéticos, os vórtices de energia da Terra e colocaram as pirâmides a 30 graus de latitude leste e a 19 graus de longitude Sul, pois essas coordenadas geram um campo vibratório gigantesco, sendo a maior hiperatividade do planeta. E quando a pirâmide ‘vibra’ ela gera energia taquiônica, a energia do pensamento que pode curar. Jesus Cristo usou-a para transformar a água em vinho.
— Deus... Que viagem... — e se foi rindo.
Mas Tahira pegou-o pelo braço novamente alertando Najma.
— Não estou ‘viajando’. O caduceu, o símbolo da Sociedade Médica, era a sua vara de poder. Imhotep a usava para medir a quantidade de energia vital que um ser humano processava no seu interior, e captava essa energia vital identificando onde existiam desequilíbrios celulares eletromagnéticos. Com isso, curava elevando a frequência vibratória da aura ou campo eletromagnético da pessoa. Imothep misturava a magia com a medicina; alquimia pura. Suas fórmulas e remédios estão cheios de rezas e encantamentos, pois ele acreditava que a medicina não curaria sem que recebesse poder através da energia da palavra. Seus textos e ensinamentos passaram secretamente de geração em geração durante milênios. São a base dos conhecimentos Gnóstico, Templário, Illuminati, Rosa Cruz e Maçom.
— E os gregos os chamavam de princípios herméticos... Restabelecendo os chakras... — Sean olhou o Rio Nilo. — A energia vital necessária aos órgãos afetados. E que os abrindo pode matá-los — olhou-a. — Está acontecendo algo de onze em onze anos, não Srta. Tahira? Encarnados que vem ao planeta Terra para concluir etapas.
— Minha família dizia que sim.
— Por isso eu recebi o pacote há onze anos. E como ele não foi entregue, tiveram que esperar mais onze anos... E Mona precisou me preparar...
— Do que está se lembrando?
— Não sei. “Hidashar Hidashar”; e Samira viu a hora quando entrou na pirâmide, onze horas e onze minutos... — e foi a vez dele afastar Tahira mais longe ainda da vista de Najma que foi atrás deles. — Oscar havia mandado seu agente para Saqqara. Sabe por quê?
— Não faço ideia.
— Mas ela sabia...
— Quem sabia Sean yá habibi?
— Mona amiga... — Sean viu a grande mulher sentada em meio a almofadas de veludo. — Ela disse que havia uma capela falsa para dissimular um dos acessos ao complexo subterrâneo... — e parou de falar a encarando. — Preciso de um favor seu.
— Que tipo de favor?
— Preciso conseguir fazer uma viagem astral para... — e parou de falar quando Najma se colocou ao lado deles.
— Precisamos tomar um banho e nos deitar. Estamos cansados, Sean Khalida.
Sean olhou as duas se odiando.
— Claro! Estamos cansados — e não voltou a falar nada.
Elas também nada falaram.
Os três se encaminharam para dentro do hotel e suas colunas pintadas; e paredes que os remetiam ao tempo dos faraós.
— Sabe que os egípcios tinham uma visão rica em relação as suas deidades, Sean yá habibi? — Tahira olhava em volta toda aquela decoração exuberante.
— Sei? — Sean percebeu que Najma começou a respirar mais pesado com o ‘yá habibi’ no final da frase de Tahira.
E Tahira parecia saber aquilo.
— Há no Templo de Hathor, em Dendera, entre as muitas descobertas, figuras de estranhas criaturas humanoides reptilianas; alienígenas, suponho. Alguns com corpos de macaco, alguns com cabeça de macaco, ao lado de faraós e homens com cabeça de pássaro.
— “Cabeça de pássaro”? — e Sean sentiu que pisava areia.
“Sean... Sean... El Sean...”.
Ele olhou para Tahira, para Najma e elas subiam degraus limpos e decorados. Mas Sean estava num grande deserto, quente, com cinco carros em alta velocidade vindo em sua direção. Ele voltou a olhar para os lados e elas haviam sumido, e haviam sumido porque Sean estava sentado ao volante, olhando pelo retrovisor para um pássaro metálico que sobrevoava o deserto, no que emitiu uma luz vermelha que saiu de seus olhos, e o Jeep anos 70 explodiu.
— Ahhh!!! — e Sean foi ao chão, caindo três degraus até que elas conseguissem o alcançar.
— Sean yá habibi?! — gritou Tahira.
— Sean Khalida?! — gritou Najma.
Mas Sean esticou a mão para a primeira imagem borrada que viu à sua frente, Tahira, e Najma dessa vez não pareceu querer ficar tão complacente quanto se mantinha, e a empurrou longe, fazendo Tahira descer dois degraus.
— Está louca ou o que?! — Tahira se viu quase de ponta-cabeça.
E Sean não pôde nem ter tempo de entender algo porque Tahira saltou de onde estava para cima de Najma, que menor em tamanho, tombou para trás, para cima dele.
— Ahhh!!! — gritou Najma.
— Hei?! — gritou Sean olhando Tahira se preparando para atacar Najma outra vez. — Basta as duas! Que coisa mais ridícula!
— “Ridícula”? Jura? Porque não fui eu quem começou.
— Vê-se logo que ela quer é nos distanciar do que viemos fazer aqui Sean Khalida — disparou Najma.
— Ah! É Doutorazinha? E o que viemos fazer aqui? — Tahira deu um passo e Sean a puxou para trás não gostando do que ele fez, de fazer aquilo duas vezes.
Mas Sean não havia, era deixado Tahira se machucar porque leu os pensamentos poluídos de Najma como num apertar de botão. E havia algo grande e misterioso ali.
Tahira, magoada, se virou e começou a descer os degraus.
— Volte aqui! — e Sean desceu atrás dele, pegando-a pelo braço também.
— Maa tilmisnii! Não toca em mim! — Tahira se enchia de ódio descendo a escada.
— O que pensa que está fazendo?
— Utrukiinii! Deixa-me sozinha!
— Volte! Agora! — Sean apontou para cima onde Najma parecia lhe olhar com um ar de vitória.
— Você é cego? Jura? — e Tahira subiu a passos pesados e alcançou o segundo andar onde ficava o quarto deles.
Sean percebeu ali que Tahira gostava dele. Talvez até já tivesse gostando dele muito tempo antes. Sentiu-se vazio quando Najma não perdeu tempo pela confusão e o abraçou tomando posse.
Tahira ainda pôde os ver antes de entrar.
— Precisamos descansar — e Sean tirou as mãos de Najma que o abraçava.
Havia duas camas enormes, com tendas de sedas coloridas enfeitando a grande suíte, que tinha uma ampla e ensolarada antessala ricamente mobiliada com mobiliário clássico. As malas vieram depois da confusão da escada.
Sean deu uma gorjeta ao jovem carregador trajando quepe e jaleco, e pegou o jornal local percebendo que outra vez a Poliu intervira na mídia, e nada sobre a explosão do asilo Faãn chegou aos jornais.
Um banheiro de granito bege era todo adornado de torneiras douradas, e Tahira já foi adentrando e preparando água morna na grande banheira. Ela voltou ao quarto e começou a desmanchar a mochila quando Sean a segurou pelo braço pela quarta vez.
— Desça com o carregador — ele viu Tahira olhar o jovem ainda parado ali. —, fiz check-in para você noutra suíte.
Tahira agora tinha um olhar tão odioso que aquilo atravessou todas as barreiras de Sean. Ele sentiu que ela o odiara naquele momento e que ele a amara por aquilo. Ela pegou a mochila e parou na porta ainda de costas para ele e Najma, que ela sabia, se alegrava em vê-la saindo dali, do ninho de amor.
— Parece que todo aquele sexo na sacada de Abu Simbel não foi o que eu achava, não? — e saiu. Mas a gargalhada de Sean foi tão notável que Tahira voltou do corredor. — Do que está rindo?
— Rindo do seu jeito ridículo de ser, de rir, de se vestir Srta. Tahira — olhou-a de cima a baixo.
E foi uma Tahira tomada por algo que Sean não devia ter disparado que adentrou novamente o ninho deles.
— Jura? Então meu ‘jeito ridículo de ser’ lhe provoca risadas? — chegou tão perto que Sean teve vontade de parar o que fazia e atacar os lábios vermelhos que quase grudaram aos dele. — Aliás, Sean Queise, meu jeito nunca foi empecilho para você aceitar todas as minhas exigências sexuais.
Sean gargalhou mais debochadamente ainda jogando a cabeça para trás.
— Wow! “Exigências sexuais”? — Sean virou-se para Najma que o olhava espantada. — Não vai acreditar nela, vai? — apontou para Tahira.
— Não vou Sean Khalida?
— Ela é louca Najma! Nunca tive nada com ela. Ficou se esfregando em mim no alpendre agora a pouco, não viu? — gargalhava com gosto.
— Me esfregando?! — gritou Tahira um grito abafado.
— Ah! Qual é Najma? Eu nunca tive nada com ela...
Mas Najma também não estava gostando daquela situação.
— Como pode saber? Está com amnésia — retrucou a Doutora já começando a ficar incomodada por ter entregado seus sentimentos a um homem estranho.
— Porque eu posso saber!
— Então não foi ela quem você viu nua na jacuzzi?
O jovem carregador começou a gostar do trio ali.
— Não sei do que você...
— Não é ela que lhe veio a mente quando seu sexo rígido entrou em mim?
— Sexo rígido? Jura? — Tahira gostou e não gostou daquilo.
Sean arregalou os olhos azuis para Najma e Tahira ao mesmo tempo.
— Está louca Doutora? Não fizemos... — e se virou para a jornalista. — Não tive nada com ela!
— Tivemos! — exclamava Najma.
— Não tivemos! — Sean ainda encarava Tahira.
— Também tivemos Doutorazinha... Íntimos até não poder mais na jacuzzi com vinho Chardonnay.
Sean agora arregalou os olhos. Porque não era ela quem ele havia visto, era Kelly Garcia, que seu pai colocava a mão no ombro.
— Idiota! — exclamou ele para Tahira.
— Talvez... — Tahira voltou a ficar tão próxima dele outra vez que Sean nem respirava mais. — Talvez eu seja isso mesmo, uma idiota por te amar tanto — e a ruiva e bela jornalista saiu, sem saber que ela realmente mexia com os instintos dele, que descongelaram em algum momento ali.
Sean então olhou o jovem carregador ainda animado.
— Já viu tudo?
E o jovem carregador correu atrás de Tahira como mandado anteriormente.
“Droga!”
Sean só esperou ouvir a porta do banheiro com Najma dentro ser trancada e se dirigindo à suíte de Tahira. Adentrou no banheiro da suíte dela fazendo Tahira gritar, já enrolada num rico roupão branco.
— Por que o susto? Não éramos “íntimos até não poder mais”?
— Você é um idiota!
Sean gargalhou.
— Quero saber o que Oscar pretendia mandando-nos aqui? — foi seco e direto.
— Parece que não entende nada sobre o Sr. Roldman, não?
— O que ele queria?! — gritou.
— Não grite comigo Sean Queise! Já disse que não sei! Pensei que íamos ver alguém — ela estava tão brava com ele que sua presença ali a enervava.
Sean se encostou ao batente da porta e ficou a observando.
— Sabe por que falo árabe Srta. Tahira?
Tahira arregalou os olhos.
— Como é que é?
— Sabe! Porque esta informação, como outras, estão naquela pasta cor de vinho que Mona fez com letras que não podem ser lidas — e Sean viu Tahira o encarar ainda escondida no roupão do hotel que pela primeira vez há deixava um pouco mais normal. — Mas você conseguiu ler, não foi?
— Não sei do que está falando Sean Queise. Porque a única que sei de extraordinário sobre você, era através de você, nos encontros ufológicos.
— Mentira! Estava indo a Portugal, investigar-me na Poliu onde Dolores me inseriu.
— Inserido? Isso Sean Queise... Sean Queise... — Tahira riu. — Porque você nem pode imaginar no que estava inserido.
Sean sentiu o coração acelerar.
— E no que eu estava inserido?
— Jura? Porque você disse num desses congressos, que havia participado de algo, e mesmo que o tenha feito sem saber, se arrependia de ter feito algo para a Poliu.
— Arrependido? Eu? Nunca me arrependo de nada — Sean balançou o pescoço nervoso. — Do que me arrependi?
Tahira demorou a responder. Depois sentiu a temperatura da água e largou o roupão no chão fazendo Sean impactar com as nádegas sexy dela que afundaram nos sais perfumados.
— Disse que havia grandes conspirações feitas por uma Poliu mais antiga, na Núbia, hoje Sudão. E que você tinha provas disso numa pasta cor de vinho, que iria tornar-se pública em breve, para seu desespero e da Computer Co.; provável de seus pais também.
— “Tornar-se pública”? — Sean sentiu-se tonto. — Deus... Quem ia expor ao público a pasta cor de vinho? Eu ou a Poliu?
— Não sei. Imaginei que era outra pessoa já que isso prejudicaria você e sua empresa, a Computer Co..
— Por que imaginou isso?
— Porque você estava extremante nervoso com a ideia da pasta cor de vinho ir a público, já disse. Por Allah... Falo uma língua que desconheça?
Sean não gostou da ironia.
— Eu disse quando isso ia acontecer?
— Disse que aconteceria quando o pacote chegasse, no seu vigésimo terceiro aniversário.
— Deus... Então eu sabia sobre o pacote? — Sean se sentiu tão impactado que dessa vez precisou se apoiar na parede. — Mas Kelly foi... Kelly saberia se eu tivesse dito isso em algum congresso.
— Kelly não ia a todos os congressos Sean Queise. Porque você escondia dela muita coisa.
— Não... Não... Eu nunca teria dito isso.
— Como pode se lembrar?
— Eu posso!
— Como?
— Não interessa como. Porque posso voltar ao congresso e saber o que falei.
— Então volte! — o desafiava.
— Ajude-me!
— Como?
— Preciso trazer a Computer Co. de onze anos atrás até aqui.
— Como?
— Como não é importante. Preciso que você vigie meu corpo enquanto faço essa viagem.
— Mas você não vai viajar exatamente, vai?
— Mais que isso. Vou trazer o garoto Sean Queise de catorze anos até aqui e vou ficar no lugar dele, na mansão dos Queise.
— Vai o quê? — e um par de seios explodiu na banheira.
— Não faça isso de novo Senhorita. Vai estragar todo meu equilíbrio.
— Idiota... — foi a vez dela.
Sean riu e só teve tempo de se virar para não vê-la nua, no sair da banheira. Tahira o amou por aquilo e Sean foi para o quarto. Ela apareceu vestindo um roupão démodé, e com os cabelos vermelhos semiúmidos, o vendo sentado no sofá, apreciando toda dela.
— Como vai fazer essa troca? — insistiu.
— Não tenho a mínima ideia, mas troquei meu eu duplo pelo eu original, quando abri a valise. Então sei que preciso trazer o garoto Sean e o robô que ele ‘treinava’ para ser um Queise.
— E por que não pode simplesmente voltar a onze anos atrás?
— Porque você precisa me contar o que ele faz, o que ele vê, e como conseguiu descobrir que havia recebido um pacote que não lhe foi entregue. E não sei levá-la lá por tanto tempo e acabarmos no... no limbo.
Tahira sabia que tinha mais, mas não discutiu. Tudo aquilo que Sean fazia ou dizia fazer ela só havia ouvido falar, nunca ninguém fizera até então, até Miro Capazze não tinha aqueles dons; porque Miro só conseguia voltar ao Egito alienígena sob o efeito do Fator Shee-akhan, que ele, o último de sua linhagem, dominava.
— Então vamos lá? — prendeu o cabelo e o encarou.
— Não! Não agora! Vou ter que voltar e acalmar Najma.
— Jura? E por que você precisa fazer isso Sean Queise?
Sean só sorriu e se levantou. Depois parou na porta e se virou para ela; seios voluptuosos, coxas roliças, largos quadris no roupão que mais lembrava o da sua vó Adelaide.
E eram quadris que não passavam despercebidos por ele nunca.
— Você dança?
— Quê? — a pergunta foi tão despropositada que Tahira nada respondeu e a porta se abriu e se fechou após a passagem dele, sem que a tocasse.
Old Cataract Hotel; Aswan, Egito.
06/06; 23h00min.
O travesseiro de Tahira abaixou alguns centímetros e ela arregalou os olhos, se virando. Não havia ninguém ali, mas o cheiro dele exalava por todo o quarto.
Ela se levantou nervosa após dormir nua na cama macia, e chegou a sala usando um robe de um tom azul tão berrante que Sean piscou pela ardência.
— Wow! Suas roupas conseguem me surpreender cada vez mais.
Tahira o viu sentado, com uma calça de moletom, um tênis e uma camiseta básica para lá de agarrada.
— Você também me surpreende Sean yá habibi. Gosta de mostrar o tanquinho?
Ele se olhou e riu:
— A camiseta foi presente de Najma. Ela ainda acha que sou mais magro que sou na verdade — riu com gosto.
Mas Tahira não achou graça, se virou para o quarto e Sean estava na frente dela.
— Ahhh! Não faça isso de novo! — ela o viu sorrir outra vez, e era um sorriso cínico. — Você estava no meu quarto agora pouco?
Sean olhou para a porta onde ‘aparecera’.
— Não! Por quê?
— Nada... — empurrou-o sem ver dessa vez o sorriso cínico que ele dera. — E pode esperar do lado de fora?
Ele fechou a porta sem responder. Não que ele não quisesse ter ficado lá olhando ela vestir novamente aquela horrorosa camisola de tecido acolchoado e bordado que realmente mais lembrava os da sua vó Adelaide, que ele passou a lembrar-se bem.
Nada comentou, porém e ela voltou à sala.
— Preciso me deitar na sua cama e você fica aqui na sala, filmando trazer-me.
— Jura?
Sean não respondeu àquela ironia.
— Vou me concentrar e me bilocar. Preciso que tranque portas e janelas e não atenda nada nem ninguém. Por favor, não se assuste quando eu mesclar a sala daqui ao meu quarto na mansão. Não sei mesmo como vou conseguir entrar lá novamente, porque depois da morte de Sandy… — e parou de falar. — No entanto, acredito que por ela ainda não ter se matado, não haja energias gravitantes do seu suicídio lá. E não se assuste com o jovem Sean Queise de catorze anos, ele não era uma criança fácil.
— Jura? — foi só o que ela disse.
25
Mansão dos Queise; São Paulo, capital.
23° 34’ 12” S e 46° 40’ 20” W.
11/11; 23h00min - 11 anos atrás.
Foi apenas dez dias depois da tragédia que quase levou a Computer Co. à falência que o jovem Sean Queise recebeu aquele brinquedinho, o robô que havia sido trazido do Sudão, antiga Núbia, e mais precisamente de Nabta Playa.
Fernando Queise por duas vezes pensou em jogar aquele pacote fora, mas Sean estava ali, disponível, se tornando inteligente, se tornando um Queise.
Uma pancada se fez na porta do quarto dele.
— Entre! — exclamou um garoto alto para a idade dele, olhos azuis que se escondiam nos cabelos loiros e lisos, e um corpo que começava a mostrar modificação depois de horas de academia de luta Muay Thai e defesas Krav maga.
— Achei que já tinha ido dormir filho.
O jovem Sean Queise abaixou o som de ‘The Prodigy!’.
— Não estou com sono pai — o jovem Sean de catorze anos olhou para o corpo de Fernando Queise, que ficava transparente até ver que seu pai escondia algo atrás dele. — O que tem para mim?
Fernando alisou o bigode e sorriu.
— Só vim mostrar — entrou no quarto claro, de tons marrom e azul, com muitos vídeos games e um grande fliperama ocupando quase toda parede lotada de pôsteres dos seis ‘Friends!’ e da bela Pamela Anderson de ‘Baywatch!’.
Parecia até então, um garoto normal com a cama desarrumada e a cadeira lotada de roupas, próxima a janela que estava aberta, mostrando a Lua cheia de uma primavera quente.
— Nós a conhecemos?
— Como é que é?
— A mulher morena que mandou o robô — apontou. — Nós a conhecemos?
Fernando impactou.
— Ah! Não! Ela é amiga de...
— Ah! Daquele cara grandão que não gosta de mim.
— Chega Sean! Trevellis é meu amigo de escola.
O jovem Sean Queise de catorze anos não respondeu. Sabia que não devia se meter nos negócios da família, que sua mãe ficava furiosa quando ele fazia perguntas demais.
— Posso ver? — foi o que disse.
— Trouxe para você ver, não?
O jovem Sean Queise olhou Fernando de uma maneira que ele não gostou de ser olhado.
— Obrigado... — pegou o pacote e abriu-o sentindo algo ali, uma energia que lhe tomou todo o corpo numa rigidez.
— Você está bem Sean?
— Estou... — o jovem Sean Queise olhou em volta confuso. — Posso saber o que é isso?
— Um robô que a Computer Co. estava desenvolvendo.
— E por que ele tem areia?
— Um robô arqueológico.
— O que provocou os jornais me seguirem na escola?
Fernando sabia que ele sabia algo; o quê, não sabia.
— Ele sofreu uma pane no sistema, e não anunciou a rachadura na parede que causou o desabamento de uma pirâmide, que matou três arqueólogos no Sudão.
— Wow... Estamos encrencados? É por isso que a mamãe está nervosa?
— Sua mãe está nervosa?
O jovem Sean Queise percebeu que falara demais. Que ela sempre voltava feliz das viagens de férias pela Europa, mas que pela primeira vez, haviam viajado a Londres, fora das férias escolares dele, e ela voltara nervosa.
— Posso mexer nele?
— Perdemos o sistema Sean, não tem como consertá-lo. Vamos mandar para a linha de garbage e destruí-lo.
O jovem Sean Queise olhou o robô lhe olhando, sabendo que havia algo muito errado ali.
— Posso...
— Não Sean. Só trouxe para mostrá-lo.
— Ok! Devolvo amanhã.
Fernando olhou o quarto bagunçado de um garoto de catorze anos e sorriu.
— O sistema de laser foi danificado pela areia, e há componentes que derreteram pelo calor de 48 graus. No demais, é só ‘garbage’.
— Ok! Devolvo amanhã — repetiu.
Fernando não sabia se havia feito a coisa certa, mas Mona Foad avisara ainda pelo telefone que se ele não desse o pacote a Sean, o pacote voltaria onze anos depois, e onze anos depois, e onze anos depois, e voltaria para um Sean cada vez mais doente, fraco e triste, porque o futuro de Sean era nublado. E Fernando tinha medo daquela mulher, uma mulher vidente ou qualquer coisa assim que se importava demais com seu filho. E Fernando tinha realmente medo daqueles poderes, daquele tipo de poderes iguais de Oscar Roldman, iguais de seu filho.
Mas Mr. Trevellis tinha Mona Foad em tão alta estima, que Fernando se via numa eterna baixa de guarda. Não era diferente naquele momento, e ele fizera o que Mona Foad mandara.
— Amanhã de manhã o robô vai para Portugal; ok?
— Por que Portugal?
— Porque Barricas vai finalizar o sistema e faremos outras linhas de robôs.
— Massa...
E Fernando saiu.
O jovem Sean Queise de catorze anos sentiu todo seu corpo amolecer depois de toda tensão, tentando não demonstrar nada para seu pai. Porque também não sabia o que lhe fizera ficar tenso, mas havia algo ali, nos olhos do robô. O volume voltou a subir no aparelho de som e ele o olhou, o volume de ‘The Prodigy!’ que aumentou estremecendo todo quarto. O jovem Sean Queise então se virou e a gaveta lotada de ferramentas se abriu, mostrando um quarto que mais parecia uma oficina mecânica, e Sean abriu a traseira do robô que mais parecia um carrinho com cabeça e esteiras no lugar dos pés, retirando de dentro a placa derretida.
“Droga!”, percebeu que estava mesmo derretida.
Foi até a estante lotada de livros de filosofia e física, e pegou um maçarico ali escondido, e arrumou a lente de aumento começando a corrigir alguns setores da placa quando algo soou ali perto.
“Sean... Sean... El Sean...”.
O jovem Sean Queise de catorze anos se arrepiou todo e ordenou o som que abaixasse com um pensar. O som abaixou e ele virou-se para o quarto agora a meia-luz e em silêncio absoluto, e nada viu. Balançou a cabeça e voltou à placa quando sentiu que havia alguém ali.
— Quantos anos você tem? — o jovem Sean Queise de catorze anos nem tirou os olhos da placa onde trabalhava e o velho Sean Queise impactou.
Ele não poderia tê-lo visto ali, ele era só uma projeção do Sean Queise que ficara no Egito.
— Vinte e seis... — e o som mal saiu da sua boca.
O jovem Sean Queise teve medo de se virar, mas encarou aquilo. Mesmo porque vinha tendo visões para lá de estranhas já muito tempo.
— Wow! Como você é parecido comigo.
O velho Sean Queise ficou impactado duas vezes, olhava uma fotografia sua viva.
— Ah! Achei que eu...
— Que você havia se modificado?
— Não... Não pode estar me vendo. Não me lembro de já ter me visto mais velho.
— Entendo... — e o jovem Sean Queise voltou à placa do sistema corrompido. — Então acha que não podemos fazer isso?
— Isso o que?
— Voltar no tempo.
E o velho Sean Queise olhou em volta, para a bagunça, os pôsteres na parede, o fliperama.
— Não podíamos estar tendo essa conversa...
— E o que você quer comigo? — e o jovem Sean Queise se virou para ele. — Ou com você? — riu.
— O robô! — apontou. — Samira Foad Strauss nos mandou.
— Foi a arqueóloga morena quem me mandou o pacote?
— Como sabe que ela... — e o velho Sean Queise impactou mais uma vez. — Não sabia que havia recebido o pacote? Fernando havia mandando de volta... — e parou de falar.
— Que pacote foi mandado de volta? Papai me disse que ele chegou hoje de manhã.
E o velho Sean Queise realmente não estava entendendo. Só sabia que não podia falar nada, modificar nada, nenhum pensamento.
— Fernando... Nosso pai disse que o sistema estava corrompido, mas sei que o robô viu algo. Algo que preciso saber o que é antes que Barricas o destrua.
— Massa! Papai cogitou isso agora a pouco.
E o velho Sean Queise sentiu-se mal por ter brigado tanto com seu pai, porque parecia que ele fora um pai bom.
— Consegue algo com o robô?
— Você não consegue?
E o velho Sean Queise ergueu a mão em direção ao robô sem sair do lugar.
— Não! Não há energias gravitantes saindo dele. E nem sei se Barricas chegou a reaproveitar o material com que foi feito, depois que o desmontou, então... Então o que posso conseguir dele, é o que está em suas mãos — apontou novamente.
— Wow! Isso é massa, não? Além de conversar com mortos converso comigo mesmo do futuro — e o jovem Sean Queise riu. —, apesar de você parecer um tanto desbotado.
— É porque estou bilocado; sou uma projeção.
— Deveria entender o que falou?
Ambos riram.
— Não pode falar isso a ninguém.
— E para quem acha que vou conseguir falar?
Ambos riram outra vez, sabendo que não tinham amigos, que no final das contas eles se afastaram dele por aquilo mesmo, por ele ser um esquisito.
O velho Sean Queise olhou em volta novamente, e teve saudades daquele quarto, daquela vida, do amor de seus pais e uma Sandy Monroe transloucada entrou no quarto e acionou o gatilho.
— Ahhh!!! — Sean gritou na cama de Tahira, com ela em choque ao lado dele.
— Não grite Sean... Não grite ou a gerência vem até aqui.
— Não! Não! Não! — olhou-a suando muito. — Ela se matou! A desgraçada se matou.
— Quem? De quem está falando, Sean yá habibi?
— Sandy... Ela entrou no quarto e se matou.
— Ah! Sinto muito. Você perdeu a conexão?
— Você... — olhou um lado. — Você... — olhou outro lado. — O que você fazia aqui?
— Você disse que ia trazer o quarto até a sala, mas não eu não vi nada. Entrei aqui e você estava quieto, com seu corpo imóvel.
— Eu não... Não sei... — olhou-a em choque. — Eu conversei com ele.
— Com o garoto?
— Sim...
— Com você com catorze anos?
— Sim! Sim! Já não disse?
— E você podia?
— Não sei... Não sei... Deus... Então eu recebi o pacote?
— Como assim recebeu?
— Não era um papiro. Foi o robô da Computer Co. que eu recebi onze anos atrás — caiu na cama em choque. — Mas por que Oscar disse a Kelly que eu não havia recebido o pacote? Que meu pai não o enviou. E por que Mona mandou de novo o mesmo pacote, e agora com um papiro que... Deus... — e parou. — O papiro que eu recebi não foi o mesmo papiro que Samira tirou do esquife? Será que meu papiro nunca foi egípcio, não na concepção da palavra? Será que era o mesmo tipo de papel alquímico que Mona confeccionou para a pasta cor de vinho, onde Wlaster obrigou a Poliu a divulgar coisas sobre os Queise, os Roldman e os Trevellis, para desestabilizar Trevellis pessoalmente? Um papel que permite ler-se só o que quer que se leia, o que quer que Mona escreva?
Tahira demorou um pouco até digerir tanta pergunta, mas viu Sean suando muito.
— Vou buscar água — e pegou água para ele.
— Não! Posso vomitar se tomar algo…
— Vomitar? Vai voltar lá?
— Preciso saber se ele... Quero dizer, se eu consegui reestabelecer a comunicação com o sistema.
— Mas ele só tem catorze anos.
— Tahira, eu construí o banco de dados de Spartacus com quinze anos porque provável já treinava desde muito antes.
E uma forte pancada na porta do quarto se fez os alertando.
— Sean?! — gritava Najma. — Abra Sean!!! Sei que está aí!!!
— Deus... Se ela entrar, vamos perder a conexão — Sean olhou suas mãos tomadas de uma luz. — Veja! Ele... Eu estou me chamando...
— Você está o que?
— Abra Sean!!! Ou vou mandar derrubá-la!!! — ainda gritava uma Najma tomada pelo ciúme.
— Ela vai o que? — Tahira arregalou os olhos e dois homens derrubaram a porta da suíte dela quando Sean agarrou-a pelo braço e ela só teve tempo de gritar. — Ahhh!!! — e Tahira se viu dentro do quarto de um jovem alto, bonito, com catorze anos e olhos azuis, arregalados por ver-se ali mais velho, com alguém atrás dele.
— Wow! — o jovem Sean Queise de catorze anos deu um pulo da cadeira. — Quem... Quem é ela? — perguntou.
O velho Sean Queise tremia mais impactado do que nunca.
— Você está... Você está... Não posso falar.
— Ela é ruiva?
E Tahira escorregou os olhos verdes de detrás do velho Sean Queise para vê-lo.
— Jura que você já era tão alto assim?
O velho Sean Queise fez uma careta, mas o jovem Sean Queise quis responder àquela mulher bonita.
— Sim. Os médicos disseram que eu dei um ‘estirão’ e alcancei 1.70m; e espero mesmo que não pare por aqui — o jovem Sean Queise riu olhando o velho Sean Queise com no mínimo 1.80m. — Por isso mamãe me faz fazer Krav Maga e Muay Thai, num uso combinado de punhos, cotovelos, joelhos, canelas e pés — e deu um chute no ar para impressionar uma Tahira impressionada.
— Mamãe mandou fazer Krav maga porque nos quer na Polícia Mundial! — exclamou um velho Sean Queise furioso.
— Onde? — exclamou um jovem Sean Queise confuso.
E os dois Sean se olharam e desviaram olhares. E ambos sabiam mais do que diziam.
— O robô! — apontou o velho Sean Queise cada vez mais nervoso.
— Não sei — respondeu o jovem Sean Queise. — Parece que uma das entradas do sistema ótico está danificada — e se virou para ele próprio. — Sabia que o papai estava desenvolvendo isso? Porque isso... Meu... Está à frente do tempo.
— Fernando desenvolve coisa pior para a Poliu.
— Sean! — Tahira chamou-o a atenção.
Os dois Sean se olharam novamente e desviaram olhares.
— Por que ela está vestindo uma camisola igual da vó Adelaide?
— Prossiga!
E o jovem Sean Queise não gostou de levar bronca dele mesmo.
Suspirou nervoso e prosseguiu:
— Ok... Depois que você sumiu, eu desmontei a placa de circuito impresso; as resistências de 330 O, as resistências de 10K O, as resistências de 100 O e os diodos de silício 1N4007 — apontou para peças em cima da mesa.
— O cérebro do robô é o que chamamos de pequeno computador digital, que fica dentro de um circuito integrado. A este componente chamamos microcontrolador e constitui um dos avanços mais espetaculares da Microeletrônica moderna — completou o velho Sean Queise.
O jovem Sean Queise olhou Tahira antes de continuar a se debruçar sobre o circuito do robô.
— Ok! Então refazemos a conexão e a comunicação desse cérebro com as rodas... Assim como os sensores que emprega na detecção de obstáculos... — religava tudo. — E papai disse que ele teve um problema no seguimento de trajetória, e ele saiu da pirâmide fugindo de algo, para então se encher de areia.
— ‘Papai disse’?
— Sim. Daquela maneira que ele diz — ambos riram sabendo que ele lera os pensamentos de Fernando Queise. — E agora? — o jovem Sean Queise questionou ao velho Sean Queise.
— Os circuitos eletrônicos de interface, precisam se adaptar as características do elemento que envia a informação e ordens que recebe. Vai ter que... Droga! Ainda não existem computadores com essa precisão matemática.
— Mas você sabe fazer não? Contas? É o que dizem na Computer Co. sobre... — e o jovem Sean Queise escorregou um olhar para Tahira. —, sobre nós.
O velho Sean Queise o olhou não querendo ter olhado e sentou-se na cadeira após o jovem Sean Queise se levantar e dar-lhe o robô para trabalhar. E o velho Sean Queise sentou-se sem realmente ter entendido todo o significado daquela frase, do ‘é o que dizem na Computer Co. sobre nós’, porque só depois dos quinze anos a Computer Co. falaria aquilo.
Começou a trabalhar já que estava ali, teletransportado, conversando com ele mesmo onze anos atrás, remontando uma placa e circuitos integrados com o que tinha naquela época, ao lado de um jovem Sean Queise de catorze anos, encantado com o que se tornaria.
Ambos riram, porque ambos se comunicavam; ou como diria Mr. Trevellis, como até Deus duvidaria.
— Isso aqui são componentes passivos, fabricados com materiais isoladores que oferecem uma resistência determinada à passagem da corrente elétrica, que vem definida pela Lei de Ohm. Se aplicarmos o dobro de tensão, circulará o dobro de corrente. A função entre estes dois parâmetros fundamentais é linear... — e o velho Sean Queise apontou. —, é o que eu vinha desenvolvendo com Gyrimias quando... — e de repente o encarou impactado. — Não podia lhe dizer isso, não é?
— Acho que você não podia nem estar aqui Sean yá habibi, quanto mais ‘dizer isso’ — falou Tahira muito brava quando os olhos do robô acenderam e todo o quarto se tomou de raios vermelhos. — Ahhh!!! — gritou ela.
— Shhhiu! — disseram os dois.
Tahira olhou um e outro.
— Jura?
— E agora? — o jovem Sean Queise olhava imagens desfocadas e em curto, tomando conta do quarto.
— Droga! Precisamos resolver o problema de rastreamento linear da trajetória nos manipuladores robóticos, para garantir que o erro de rastreamento tenda assintoticamente para zero, em quaisquer condições iniciais, assumindo que o modelo dinâmico do manipulador seja conhecido pelos mainframes.
— Wow! — exclamou o jovem Sean Queise sem entender nada.
— Wow! — repetiu o velho Sean Queise vendo as imagens de Afrânio em pé, ao lado de Samira, ao lado de Clarice se fazendo nítidas, dentro do que parecia ser uma pirâmide.
— Quem são? — perguntou o jovem Sean Queise.
— Os três arqueólogos mortos — apontou o velho Sean Queise quando chiados se fizeram e se firmaram.
“Anote a hora, Samira!”
“Onze horas e onze minutos, Afrânio yá habibi”.
Soou ali no quarto de onze anos atrás.
— Droga! Achei que o robô só gravasse imagens.
— Não sabia que havia sons gravados, Sean yá habibi? — perguntou Tahira.
— Não...
Os três olharam em volta e a holografia mostrava um lugar circular e iluminado por onze lamparinas. Tahira se ergueu no pé para olhar dentro das lamparinas, já que todo o quarto fazia parte da holografia e o quarto estava dentro da pirâmide aberta por ‘Abracadabra!’.
— O que há dentro das lamparinas, Sean yá habibi?
— Não sei... — olhou-a dizendo ‘Shee-akhan’.
Ambos recuaram nos pensamentos e o jovem Sean Queise nada captou, ou acharam que nada captou quando as vozes dos arqueólogos voltaram ao áudio.
“Por que eles estão oferecendo a areia àquela esquisita figura de leoa?”
“Não sei Dra. Clarice. Talvez agradecendo a terra, alguma colheita bem farta”.
“Talvez oferecendo a “Terra”, Afrânio yá habibi”.
Voltou a soar quando Afrânio arrancou o lápis do coque de Clarice e se pôs a reproduzir no caderno de anotações um croqui do que via, na exata ordem de adorações.
— Deus... — apontou o velho Sean Queise para a leoa de pelagem vermelho-amarelada feito fogo, na parede da pirâmide. — Veja!
— Nunca vi deus algum assim no Egito — Tahira se fixou na figura da leoa com máscara de íbis.
“Nunca vi deus algum assim no Egito” soou a voz de Clarice.
Tahira olhou o velho Sean Queise e agora ele sabia que havia uma ligação entre elas duas.
Nada comentou.
“Veja Afrânio yá habibi! A areia que ofertam é verde”.
“A daqui também. Ela é mesmo esverdeada... e fedida”.
“Como pode ser uma areia esverdeada? Será que tem haver com aquela planta Shee-akhan?”
“Está deduzindo isso ou fazendo leituras das energias gravitantes dela, Samira ma chère?”
“Não estou fazendo nada Afrânio yá habibi. Não consigo sentir absolutamente nada vindo dessa coisa verde”.
— Wow! — foi a vez do velho Sean Queise voltar a exclamar. — Por isso não senti nada quando entrei na pirâmide de Nabta Playa, o Fator Shee-akhan não permite nenhuma leitura energética. E foi por isso que Afrânio e Samira morreram pelo CHE, porque levaram o Fator Shee-akhan para o laboratório de Corniche el-Nil antes de saber do que a planta era capaz, já que não foram preparados pela Escola do papiro... — e o velho Sean Queise parou outra vez para ver um jovem Sean Queise interessadíssimo em tudo o que via e ouvia, quando agarrou o braço de Tahira e ambos se teletransportaram para dentro do closet.
Tahira e o jovem Sean Queise nem tiveram tempo de entender a atitude do velho Sean Queise e uma bela jovem de seus vinte e oito anos, de cabelos negros, abria a porta do quarto dele.
— Oi... Posso entrar? — e era a jovem e bela Kelly Garcia ali na porta.
— Kelly... — soou da boca do velho Sean Queise e Tahira não gostou daquilo, escondida dentro do closet com ele.
— Desculpe-me... — prosseguiu ela para o jovem Sean Queise. — Sua mãe disse que o banheiro ficava no fim do corredor, mas há tantas portas aqui.
E o jovem Sean Queise nunca havia sentido aquilo por uma mulher, nada depois de Pamella Anderson, era claro.
— Você... Você quem é?
Ela entrou.
— Sou Kelly Garcia — esticou uma mão suave para ele. — Acabei de chegar da Espanha e vim ser... — e caiu no chão com o toque de mãos de Tahira no ombro dela.
— Deus... O que fez? — perguntou o jovem Sean Queise.
— Deus... O que fez? — perguntou o velho Sean Queise.
— Nada, Sean Queise — foi aos dois que ela respondeu. — Não podia deixá-la prosseguir.
— Kelly... Kelly... — o velho Sean Queise passava a mão no rosto dela, nos cabelos negros, nas mãos dela que acariciava, de uma Kelly caída no chão do quarto dele. — Kelly? Responda... — e a levantou no colo olhando um lado e outro no bagunçado quarto, quando viu o jovem Sean Queise o olhando. — Não tire conclusões precipitadas, ok?
— Ok... — e o jovem Sean Queise cortou a própria fala para afastar as muitas roupas jogadas em cima da cama, para ela deitar.
— Vamos ao que interessa? — a voz de Tahira já não era de boa vizinhança.
Mas o velho Sean Queise estava paralisado, hipnotizado pela jovem Kelly Garcia deitada na cama, de lábios vermelhos no batom usado que ele tocou com os dedos sentindo toda a umidade.
O jovem Sean Queise arregalou os olhos azuis e foi a vez dele:
— O robô! — apontou.
O velho Sean Queise engoliu aquilo sem querer ter engolido, pensando se não havia criado um grande e maciço paradoxo com ele jovem e ele velho, e ambos sabendo tudo o que ia acontecer. Porque ficou realmente tentado a avisar sobre o Jeep anos 70, a amnésia, e o ciúme da mulher na cama, mas relevou. Não se perdoaria se quebrasse algo quando a imagem do robô ligou e começou a se adiantar na gravação.
— O que está fazendo?! — gritou Tahira.
— Eu não fiz nada! — o velho Sean Queise arregalou os olhos. — Me viu tocar em algo?
— Você não...
E a imagem e o som se firmaram outra vez.
“O que um códice sumério fazia na baixa Núbia?”
“Não sei, mas o Enuma Elish diz: ‘Meu filho, levante-se de sua cama! Use sua sabedoria e crie um substituto para que os deuses possam deixar suas ferramentas!’”.
“Você não sabe do que está falando!”
“Por que acha que não, Joh Miller? Você está com medo de que seja ele? O garoto dos Queise?”
— Quem é o baixinho? — perguntou o jovem Sean Queise.
— Um agente da Poliu — respondeu o velho Sean Queise.
— A Poliu daquele grandão que me odeia?
— Ele te ama. Você é o filho homem que ele desejava ter tido.
Os dois se olharam e riram outra vez.
Tahira não entendeu nada.
— Ande logo Sean Queise! Não sabemos o que vamos encontrar no Old Cataract se demorarmos a voltarmos.
— ‘Old’ onde? — perguntou o jovem Queise.
E o velho Sean Queise e Tahira se fuzilaram.
Mas as imagens mostravam mais, o robô ainda estava ligado dentro da pirâmide.
— Veja o chão Sean yá habibi... A areia é realmente de um tom esverdeado. Tudo, até as paredes são esverdeadas.
— Veja melhor as paredes Tahira... Está na ordem correta; crânios alongados, mulheres de máscara mortuária egípcia e a leoa de pelagem vermelho-amarelada usando máscara de íbis.
— Isso é impossível! Minha família disse que as mulheres... — e ambos pararam outra vez ao ver o jovem Sean Queise de olhos arregalados para a imagem.
— Eu sabia desde os catorze anos sobre uma nova dinastia em Nabta Playa... — e o velho Sean Queise viu Tahira se virar para ele. — Por isso mudei Spartacus de órbita...
— Quem é Spartacus? — e o jovem Sean Queise os alertou. — O escravo grego dos livros de história?
E o velho Sean Queise previu os passos de um Fernando Queise próximo à porta do quarto, quando ele se jogou, agora fisicamente, para dentro do closet com Tahira tropeçando em toda aquela bagunça, carregando o robô e a luz do laser ainda acionada.
O jovem Sean Queise só teve tempo de arrastar o biombo de madeira com a força de pensamento para frente da porta do closet e seu pai entrou.
— Você viu aquela... — e Fernando parou ao ver Kelly Garcia deitada na cama dele.
— Não tire conclusões precipitadas, ok?
Fernando olhou um Sean de catorze anos.
— Ok...
— Ela estava procurando o banheiro e desmaiou.
— E você pensou em descer para nos chamar? — olhou-a de perto.
— Não... Quero dizer... Sim... Mas ainda...
Fernando só virou os olhos.
— Ainda nada. Ajude-me a tirá-la daqui — e a pegou no colo para ciúme de um velho Sean Queise dentro do closet.
— Jura... — sussurrou Tahira sem que Sean conseguisse falar algo.
— Mas onde vai levá-la? — perguntou um Sean jovem e tão enciumado quanto o outro. — Porque se a mamãe a ver no seu colo vai ter mais problemas que eu.
— Deixe de besteira! Ela veio da Espanha para ser sua first, Sean.
— E para que preciso de uma first?
— Para que sua mãe não me traga mais problemas.
E o velho Sean Queise sentiu aquilo como nunca. Ele era um problema trazido por sua mãe. Colocou o robô na prateleira ao lado e escorregou até o chão do quarto do Old Cataract, com a porta derrubada pelos homens ali mandados.
— Como... — Tahira olhou um lado e se viu de novo no Old Cataract. — Como... — Tahira olhou outro lado e viu Sean em choque, no chão do quarto chorando. — Sean yá habibi...
Ele então se levantou e a encarou.
— Vamos! — limpou o rosto. — Temos uma visita a fazer! — e Sean saiu pegando a carteira e uma chave de carro trazida antes da viagem.
26
Elefantina; Aswan, Egito.
24° 5’ 0” N e 32° 53’ 0” E.
07/06; 03h00min.
Elefantina é uma ilha no Rio Nilo, no sul do Egito, situada frente à cidade de Aswan. Encontra-se a cerca de 900 quilômetros a sul do Cairo e tem cerca de 1500 metros de comprimento, e 500 metros de largura. Em Qubbet el-Haua, localizam-se túmulos escavados na rocha de governantes locais da época do Império Antigo, XII dinastia onde destaca-se nilômetro, mencionado pelo grego Estrabão, que era uma forma de medir o nível do Nilo, e que consistia num conjunto de oitenta degraus que se acham na costa, junto ao rio, onde é possível observar marcações nas suas paredes que remontam ao período romano.
E o endereço que constava na agenda, escrito em amarelo, dizia que o ex-agente, Joh Miller, morava na área nobre da Ilha Elefantina, um bolsão de areia.
Sean e Tahira alugaram em frente ao hotel, apesar da hora adiantada, uma felucca, espécie de barco à vela que navegava pelo Rio Nilo, para poder atravessar de Aswan até a ilha. A ruiva jornalista vestia uma comportada caftan de veludo preto, com bordados dourados e renda negra nas mangas longas, e que ia até os tornozelos, a deixando lindíssima. Sean havia mandado a direção do hotel, trazer da boutique antes de toda confusão, e ela relutou muito até vesti-la, mesmo sabendo que havia ficado linda e que os olhos dele brilharam para ela pela primeira vez.
Ambos chegaram numa afastada casa de pedras, onde estacionaram o jipe alugado no cais, e dois homens se identificaram como agentes da Polícia Mundial, lá montando guarda.
Foram levados até uma sala ampla, de paredes cobertas por tapetes persas.
— Ah-la u sahla, Sean Queise — foi logo dizendo um homem calvo, baixinho, gordo, de pele amorenada e andar engraçado, que vestia uma yelek, uma túnica tão longa quanto a de Tahira. — Sou Joh Miller.
— Obrigado por nos receber apesar da hora, Joh Miller — agradeceu Sean apontando depois para Tahira. — Essa é a jornalista Tahira Bint Mohamed, ela está comigo.
— Ah-la u sahla, Srta. Tahira Mohamed.
Ela agradeceu com um movimento de cabeça e Sean viu que os onze anos que separavam o homem da holografia, do homem que os recebia, havia sido de muita cerveja na barriga.
— É bom ver que está vivo e inteiro Sean.
— Digo o mesmo Joh Miller — e Sean sentiu todo seu corpo se arrepiar no que as mãos foram tocadas no cumprimento.
Nada comentou.
— Por que o Sr. Roldman mandou-me vê-lo Joh Miller?
Joh Miller riu.
— Mas você viria mesmo ele não mandando, não é Sean Queise? Porque sabe de algo que Oscar não sabe — apontou duas cadeiras vazias numa sala ampla, mas não muito grande, com móveis regionais, uma rede e um ventilador ocidental extremamente colorido, virando no teto alto de luzes acesas por causa da madrugada escura. — Querem karkadé? Uma infusão à base de hibiscos secos.
— Adoraria — falou Tahira rapidamente no que Sean olhou-a irritado. — O quê? Não jantei, estou com fome — completou decidida.
— Heleme é minha cozinheira — apontou o ex-agente Joh Miller para uma grande mulher que adentrou a sala vestindo um penhoar por cima da grande camisola, após ser acordada com o movimento de carro. — Karkadé, Heleme. Jib khâbez — pediu infusão para depois pedir que trouxesse pão para Tahira, que comia tal qual esfomeada as frutas que estavam ali na mesa.
Sean desistiu de tentar fazê-la mudar de atitudes, achava que no fim de tudo, gostava era do jeito escandaloso e imprevisto dela.
— Agora podemos conversar? — Sean os interrompeu.
Joh Miller riu outra vez.
— Então deixe me apresentar melhor. Sou Joh Miller, ex-agente da Poliu aqui no Egito, antes do agente Wlaster Helge Doover roubar meu lugar — foi direto.
— Achei que fosse você o traíra da Poliu que colocava na rede, em listas de e-mails, segredos da corporação de inteligência?
Joh Miller riu, tenso, porém.
— Não como os segredos que Wlaster queria divulgar.
— Segredos sobre meus dons paranormais.
— Isso! Wlaster queria divulgar sobre seus siddhis.
— E por que queria falar pessoalmente comigo?
— Porque você mandou que fosse assim.
— Mandei? — Sean olhou Tahira. — Como assim ‘mandei’?
— Porque quando me contratou disse que só voltasse a falar com você quando descobrissem que você não estava morto.
Sean nunca havia sentido tanto medo quanto naquele momento. Sua ida ao passado havia criado algo.
— “Amor é um fogo que arde sem se ver; é ferida que dói, e não se sente; é um contentamento descontente; é dor que desatina sem doer”.
— Do que está falando Sean yá habibi?
— Luís Vaz de Camões, ele criou um paradoxo em seu poema — virou-se para uma Tahira sem entender nada. — Não vê? Eu sabia. Eu sempre soube.
— Sabia o que?
— Eu falei para Mona quando estive em Portugal, que nós dois havíamos recebido o pacote, porque eu realmente me vi onze anos atrás, no meu quarto, recebendo o robô. E provável sabia que ia lhe conhecer. Por isso estava tão nervoso no voo para Portugal, pedindo para você ir direto ao ponto.
— Mas... Mas...
— Não vê Tahira? O paradoxo existe porque o poeta não sente o que dói, mas se o amor é uma ferida que dói como pode ele não sentir? E porque naquela noite, eu rompi com o que os especialistas chamam de ‘Paradoxo do Deslocamento em Trânsito’, onde um viajante do tempo leva com ele seu próprio tempo, o presente do modo exato que estava no momento de sua viagem, o que não pode afetar nem provocar qualquer alteração na história, depois que volta ao ponto de partida.
— Mas algo deu errado...
— Sim Tahira. Porque o viajante pode sofrer efeitos dessa alteração quando voltar à sua matriz temporal, já que modificou algo.
— Por Allah, Sean yá habibi... E então o jovem Sean Queise modificou algo?
— Não sei... Não sei...
— Mas por que o jovem Sean Queise também não pôde ir ao futuro e ver que ia explodir em Nabta Playa?
E Sean olhou em volta sabendo que estava tudo errado.
— O terceiro Sean...
— Quem?
— Não sei ‘quem’ Tahira, mas algo me brecou de conseguir saber que um drone se aproximava do Jeep anos 70, e que ele ia me explodir no deserto, enquanto senti na Unicamp a aproximação do drone, e saí correndo salvando Dolores e os agentes da Poliu.
— Dolores Trevellis? — Joh Miller se animou.
— A conhece suponho.
— Conhecer? Sempre estivemos juntos divulgando coisas — Joh Miller riu.
— “Juntos”? Por que Dolores queria se vingar pela morte de Sandy, sua amiga?
— “Amiga”? Não! Mais que isso! Sandy era pupila de Dolores, que a preparou para conseguir informações privilegiadas na Computer Co., com você.
— Desgraçada! — Sean sentiu que tudo aquilo estava sendo derrubado sobre ele muito rápido. — E tudo porque ela queria o cargo do pai?
— Sim.
— Sanguezinho bom aquele.
Joh Miller se divertia.
— Mas Sandy falhou, se matou e Dolores Trevellis foi castigada pelos Misteres e Mistresses da Poliu sendo deslocada para ações secundárias, o que a fez começar a me procurar para se vingar da Poliu, já que Wlaster fazia seu trabalho de derrubar a corporação de inteligência, sozinho.
— Então você e Dolores começaram a divulgar coisas que Sandy conseguia comigo?
— Sim, como o seu conhecimento sobre uma dinastia alienígena em Nabta Playa.
— Droga! Ele prestava uma atenção e tanto — Sean olhou para Tahira e ela o olhou sem entender aquela frase. Porque ele falava dele mesmo. — Como consegui encontrá-lo Joh Miller? Kelly disse que você era um ‘arquivo morto’.
— Ah! Isso só você vai poder dizer, já que não me explicou como apareceu no meio dessa sala dizendo tudo o que poderia fazer para me destruir caso eu não ‘cooperasse’. E como eu não queria que a Poliu me descobrisse, aceitei os privilégios que Oscar Roldman me propunha, como os agentes da Polícia Mundial na minha porta, me protegendo — apontou para fora.
— Então falei a Oscar que lhe contratei?
— Acho que sim. Os agentes estão lá fora, não? — apontou novamente.
— Mas ele não me disse nada... — olhou o infinito. — Droga! Em que momento exato lhe contratei, Joh Miller?
— Quando você chegou a Portugal para visitar Mona Foad, disse que iria ao Sudão no dia seguinte, e que você ia a Nabta Playa conseguir entrar na pirâmide e sentir as energias que seu ‘eu mais velho’ não conseguiu, porque de onze em onze anos, o portal se abria.
— Droga! Droga! O que eu fiz?
— Não sei. Mas disse que ia provar algo a seu pai, fechando ‘custo o que custasse’ a concorrência com a Eschatology Inc., para reaver o nome da Computer Co. no ramo arqueológico.
— E para que lhe contratei afinal? — insistiu.
— Para descobrir o último elo — Joh Miller olhou Sean outra vez alertado. —, o elo que permitiria você provar que a Computer Co. não matou os três arqueólogos.
“E por que a Srta. Tahira é importante, Dolores?”
“Ela é o último elo com a entidade de mulheres que protegiam as mulheres faraós”.
Sean só escorregou um olhar para Tahira e nada disse.
— Prossiga! — olhou Joh Miller.
— E vou prosseguir Sean Queise, porque encontrei o portal da Esfinge; o último elo.
Tahira se engasgou até ser socorrida pelo tapa que Sean deu nas suas costas. Um grande tapa que fez ela o olhar assustada.
— Você está mentindo! — disse Sean a Joh Miller.
— Não! Não! — fechou a porta que dava acesso à escada que por sua vez dava acesso a outros aposentos, e trancou também a porta que dava acesso a cozinha. — Todos concordam que a Esfinge é uma relíquia de outro tempo, de uma cultura que possuía um conhecimento muito maior.
— Esfinge? Fala da esfinge de Gizé?
— Não exatamente. Há uma tradição ou teoria que diz que a Esfinge é uma biblioteca em pedra que contém a totalidade do conhecimento antigo, e se revela à pessoa que puder decifrar as formas, correlações e medidas das diferentes partes dela.
— “Decifra-me ou te devoro”!
— Sim, este é o famoso enigma da Esfinge.
— Mas a esfinge que vi, ficava na Núbia.
— E fica!
— Fica? Em Nabta Playa?
— Num grande número de monumentos escavados no delta do Egito, existe sempre um santuário contendo uma Esfinge com a cabeça humana, que dizem ser uma forma bem conhecida do deus Harmarchis.
— E Harmarchis é uma forma mesclada do antigo nome egípcio Hor-em-Akhet, o qual significa Horus-no-Horizonte ou Horus-Habitante-no-Horizonte. Já o nome Horakhti, significa Horus-do-Horizonte.
— Isso Srta. Tahira! — Joh gostou dela, de algo nela. Depois olhou Sean não gostando do que ele gostava. — O que nos leva a acreditar que uma Esfinge está no horizonte e outra Esfinge é do horizonte. E ambas as Esfinges são chamadas habitantes do horizonte.
— Duas Esfinges? — perguntou Sean confuso quando sons ecoados de uma leoa em ataque invadiram seu ouvido, para então um calor subir da pedra que revestia a casa de Miller. Pessoas esticavam as mãos enterradas no chão da sala, pediam socorro. Sean tentava raciocinar, sentindo-se saindo do corpo. Acordou com o toque de Tahira a olhando assustado. — Ahhh...
Ela percebeu que ele viajara para algum lugar. E esperava mesmo que não fosse para a cama de uma espanhola que acabara de chegar da Catalunha.
— O que houve Sean? Está vendo coisas? — mas foi Joh Miller quem perguntou.
Sean só o olhou.
— Prossiga...
Joh Miller o fez não gostando do tom usado por ele.
— Na estela, um monólito de granito de Thutmes IV encontrada entre as patas da Esfinge, podemos observar que Gizé é descrita como “o horizonte – Akhet – de Heliopolis no oeste”, ou seja, um reflexo no oeste do que os observadores em Heliopolis podem ter visto no seu horizonte, a leste, antes do amanhecer no solstício de verão. Então as Esfinges podem ser gêmeas; Horus-no-Horizonte e Horus-do-Horizonte.
— Porque a segunda Esfinge existe realmente e está enterrada em algum lugar do deserto de Nabta Playa esperando para ser descoberta?
— Ou ela é uma imagem holográfica do portal que se abre quando os alienígenas vêm aqui.
— Deus... A Poliu está à procura do portão interdimensional que as amigas de Mona vêm energizar — concluiu Sean. — É isso que Mark O’Connor da Eschatology Inc. queria da Computer Co. em Nabta Playa, encontrar o portal; e tudo vinha de uma Computer Co. portuguesa, onde Barricas destruiu o robô que criara para uma Poliu portuguesa, onde Mona, Samira, e Clarice trabalhavam, e onde você ia visitar alguém, não é Tahira? — a olhou.
Tahira parou o terceiro pão no ar. E falou tudo que tinha a falar.
— Minha mãe dizia que vestígios comprovavam que a atual cabeça da Esfinge de Gizé era muito pequena para o seu corpo, comprovando que ela deve ter sido esculpida em uma cabeça muito maior da que encontramos parcialmente enterrada.
— Sua mãe?
Tahira sorriu sabendo que mais cedo ou mais tarde Sean chegaria ali.
— Sim Sean yá habibi. Porque ela sabia que todas as esfinges encontradas no Egito tinham suas cabeças proporcionais ao corpo, só a esfinge de Gizé é pequena; o que prova que houve uma restauração talvez pelo faraó Quéfren que a reconstruiu sua imagem.
— E que imagem a esfinge de Gizé tinha antes, Srta. Tahira?
— Minha mãe achava que ela tinha a mesma imagem de sua esfinge gêmea na Núbia; a imagem de uma faraó-leoa — olhou Sean. — A esfinge que você viu sendo construída.
— Sekhmet?
— Sim.
— Mas então falamos de alienígenas felinos?
— Mesma família, compartilhando da mesma genética e DNA espiritual que nós, que viemos das Plêiades, bem como de Arcturos e Sirius. Porque esses alienígenas felinos já viveram em Marte e no meio de nós, aqui na Terra durante a Lemúria, a Atlântida e no período do Antigo Egito, adorados por vocês, incluindo Bast, Sekhmet e muitos outros na Núbia; seres altos, com cabelos vermelho-dourado e, normalmente, olhos castanhos ou verde-dourado.
— Wow! Srta. Garcia teria dito quanta sandice — riu e parou de rir na cara séria de Tahira.
— Os Felinos são seres poderosos, altamente evoluídos, amorosos, gentis e de natureza benevolente Sean.
— O leão que vi não tinha muita benevolência em sua genética, acredite Joh — Sean e se virou para Tahira. — Teria como sua mãe Clarice confirmar isso?
— Esperem... Esperem... — Joh Miller se ergueu apontando para uma Tahira escondida na caftan. — Você é filha de Clarice?
— Filha adotiva. Minha mãe me encontrou no deserto de Nabta Playa, andando a esmo após o acidente que matou meus pais. Afrânio e Samira haviam ido para o Cairo e ela conseguiu me tirar do Egito e me levar para Portugal após chantagear o seu agente — olhou Joh Miller.
— Clarice conseguiu chantagear Wlaster? Com o que?
— Não sei. Mas até hoje ele não nos incomoda.
— E onde ele não as incomoda Srta. Tahira? Lisboa, Portugal? Onde Clarice era agente da Poliu?
— Sim Sean yá habibi...
— Deus... Por isso Dolores estava naquele voo para Portugal. Ela realmente estava atrás de você... — ele viu Tahira cabisbaixa. — Que acidente foi esse?
— Não lembro. Toda minha memória para o acidente ficou comprometida. Mas ao contrário de você, eu sabia quem eu era. Contei a Clarice que minha família pertencia a escola do papiro, que cuidava a milênios de uma entidade de homens sem nome que vieram do céu à Terra, e que nos ensinaram tratados secretos como alquimia.
Sean não acreditou naquilo, não em tudo.
— Como Clarice conseguiu abrir aquela pirâmide usando ‘Abracadabra!’ Tahira?
— Abracadabra é uma palavra cabalística, usada como um encantamento ou uma magia, na crença de que tinha a virtude de curar certas enfermidades. Pode derivar de uma frase aramaica que significa ‘eu crio enquanto falo’.
— E está intimamente ligada ao número onze, feita em onze linhas, com uma letra a menos em cada linha, de cima para baixo, formando um triangulo até a palavra ir diminuindo, até sumirem de todo.
— Sim Sean yá habibi. Por isso ela abriu a pirâmide.
— Clarice lhe contou sobre Nabta Playa e o que encontraram lá? — foi Joh Miller quem perguntou.
— Não naquele momento. Mas anos depois.
— Exatos onze anos depois. Porque foi Clarice quem mandou o segundo pacote, não? — Sean a encarou e Tahira não sabia mais como sair das mentiras que guardavam seus segredos até então. — Mas por que você ia ao meu flat?
— Para ter certeza que seu pai não iria recusá-lo pela segunda vez.
— Mas meu pai está morto.
— Seu outro pai.
— Mas recebemos o robô, você estava lá.
— Mas não foi Samira quem enviou o robô. Samira enviou o pacote com o papiro encontrado em Nabta Playa, a mesma técnica que as Foad conhecem para fazer letras se escreverem nos papéis. Quando o pacote voltou, Mona não quis nada de Samira, então Clarice o fez; guardou-o por onze anos.
— E quem mandou o robô Tahira?
— Não sei! Por favor, acredite em mim. Eu fiquei tão perplexa quando você falou sobre o robô, e depois o vimos no seu quarto, com um Sean Queise mais jovem, o desmontando.
— Deus... O que está havendo aqui? — Sean se levantou nervoso.
— Não sei Sean yá habibi. Juro! Não sei!
— Prossiga! — Sean deu a ordem a Joh Miller.
— Não há nada mais. Só dizer que as duas esfinges estiveram lá no deserto antes mesmo do povo egípcio aparecer. E que a gêmea de Gizé, é o portal que trás alienígenas à Terra.
— Então o portal é o elo... — divagava Sean vendo Joh Miller extasiado com a conversa e com a filha de Clarice. E algo dizia a ele para não gostar daquilo. — E quando o portal voltará Joh Miller? Porque se percebeu, ele não abriu quando estive em Nabta Playa, nem abriu dia 11/11, onze anos depois, quando recebi o papiro... — e algo explodiu dentro dele, com Gyrimias, Renata e Kelly adentrando a sala da Computer Co., e o robô sendo preparado para voltar a Nabta Playa, e o papiro se escrevendo no flat onde Tahira o vigiava.
Havia realmente algo ali, na alma dele se lançando no éter, nas dimensões que a mente humana não alcançava, saindo do corpo até a sala do flat, tentando tocar o papiro e sua mão atravessando-o. Sean então se viu retornando ao quarto, trocando de lugar com o corpo lá na cama, em total letargia, para então com um Sean verdadeiro atravessar a parede, porque podia atravessar paredes, e voltar à sala, abrir o pacote, ver o papiro, e os homens de crânios alongados lhe dizendo algo que não compreendia enquanto mulheres gritavam, e o som de um animal em ataque arrancava pedaços de corpos que se espalhavam à sua volta. Sean se viu girando e girando, e lá, só a imagem surreal de Samira Foad e Mr. Trevellis, os observando naquela viagem astral.
Sean voltou à casa de Joh Miller e se virou para Tahira e disse: “Precisa pedir para sair!”. Ela o olhou assustada sabendo que ele lhe falara pelo pensamento, quando algo caiu dentro da cozinha.
— Ah... — ela se ergueu pelo susto. — Precisamos ir Sean yá habibi.
— Claro! É tarde... — mas Sean não tirava a feição tensa de Joh Miller do seu raio de visão.
E ele olhava incessante para a porta da cozinha.
— Você volta quando? — limitou-se o ex-agente Joh Miller a perguntar.
— Talvez amanhã ou em dois dias...
— Terei algo mais sobre o elo para você na volta — respondeu já abrindo a porta da rua para que eles saíssem.
Os dois mal tiveram chance de se despedir e o agente Joh Miller trancou a porta com força.
— Fui só eu? Jura? — Tahira abriu a boca depois da curta espera.
— Não! Não foi só você quem achou que Joh Miller mudou depois que algo caiu na cozinha.
— Por que pediu para irmos?
— Explico no jipe! Vamos!
— Acha que tinha mais alguém lá?
— Não faça perguntas Tahira. Não agora.
Ela o olhou sem nada compreender e olhou para trás, para onde Sean olhava; a janela do segundo andar.
— O que há lá?
— Sem perguntas! — e chegaram ao jipe alugado.
A noite ainda escurecia tudo e Sean percebeu o silêncio, o medo que a falta de luz provocava.
— Por Allah, Sean yá habibi, diga-me o que houve?
— Meus siddhis não estão dormindo.
Tahira arregalou os olhos para ele e olhou para a casa.
— Acha que há realmente alguém lá? — Tahira olhou um lado e outro e a madrugada escura. — Há? — e Tahira percebeu que os dois agentes da Polícia Mundial já não estavam ali. — Sean... Sean...
Mas Sean não respondia, porque podia sentir a presença de pequenos animais na relva, podia sentir a relva molhada pela friagem, e podia sentir a friagem de outras paradas, se movimentando dentro da casa que exalou um cheiro de urina.
— Ele está aqui.
— Quem?
— O verdadeiro Shee-akhan.
— “Verdadeiro”? — disse ela. — Não estou vendo nada.
— Eu também não! Mas possuo dons que podem atingir qualquer siddhi, e reduzir meu corpo, expandir meu corpo, tornar-me pesado, leve, ter acesso a todo o lugar, perceber o que o outro deseja, e subjugar todos, Tahira. Porque posso conhecer a mente dos outros, ver e ouvir coisas de longe, me teletransportar, ou assumir qualquer forma desejada. Até morrer quando quiser — e dessa vez Tahira não expos qualquer ‘jura?’. — Mas você sabe tudo isso, não? Porque me vigiava, me seguia em congressos, ‘morava’ comigo — Sean fechou a porta do jipe e Tahira ameaçou ir atrás dele. — Fique no jipe! — apontou para o carro. — E dessa vez, me obedeça!
Sean caminhou lentamente pela alameda que se fazia à entrada da casa também vendo que os agentes de Oscar não estavam ali. Contudo, preferiu não ativar nada e agir normalmente, já que seus siddhis podiam ser percebidos pela entidade alienígena. Chegou à porta e ouviu alguma coisa se mover dentro da casa. Girou a maçaneta e percebeu que não estava trancada. Entrou na ampla sala fazendo a escuridão invadir sua retina e procurou a tomada de luz que não funcionou. Tentou outra vez e uma luz fraca acendeu pelo gerador de emergência. Sean caminhou até a porta que dava para a escada e subiu, desembocando num corredor com três portas fechadas.
Um passo, outro e o assoalho de madeira lhe traiu a presença.
Sean olhou para seus pés e depois olhou para frente sabendo que havia deixado saberem que estava ali. Mas mais um passo e outro e o som dos seus passos no dilatado assoalho era a única coisa que se escutava.
“Por que ele não me ataca?”, Sean se questionou se o medo também não era bilateral, se a entidade temia a presença de Sean tanto quanto ele a dele.
Sean se inclinou e chutou a porta ao seu lado e um quarto escuro, apareceu. Acionou a luz e uma iluminação fraca não mostrou nada fora do comum além de uma cama desarrumada.
“Onde?”; e Sean ficou a pensar que ‘onde’ era muito relativo.
Passou as mãos pelo ar como se pudesse tocá-lo, senti-lo. Mas o ‘ar’ nada lhe respondeu. Aproximou-se da porta entreaberta do armário e estava vazio.
Ele tocou o ar novamente dentro do armário e sentiu que alguém se escondera ali, não fazia muito tempo; energias gravitantes de um ser humano, do agente Michel Rougart.
“Droga!”, pensou Sean nervoso.
Sean saiu do quarto e entrou no quarto lateral da casa. Acionou a luz e outra vez uma luz fraca acendeu mostrando uma cama e uma mesa de cabeceira, uma cadeira, e ele tocou o ar sentindo energias gravitantes de um ser pequeno, sem formas definidas e sem cheiro. O que era aquilo, Sean não soube identificar, mas todos seus siddhis acordaram de vez no que o medo lhe tomou.
Sean ativou Dura-darsanam, mas nada viu de longe. Contudo ativou Dura-Sravana e ouviu as coisas de longe, a lamuria de um povo que morria sob as ordens de Shee-akhan. Mas também ouviu passos no corredor. Sean virou-se sem que seus pés fizessem movimento algum e ativou Manah-javah fazendo seu duplo, seu outro ‘Sean’ correr.
O segundo Sean atravessou a parede, chegou ao corredor e lá, duas cadeiras, uma estante e a imagem borrada de uma entidade alienígena. Sean voltou ao corpo e se posicionou em Krav maga, porque fora preparado para aquilo, para se defender, no que a luz de emergência se apagou e algo se aproximou em forma de ataque.
A luz voltou e Sean se apavorou ativando Kama-rupam assumindo a forma de uma segunda cama no quarto quando a entidade alienígena entrou.
Mas Sean estava mais apavorado que imaginava e a cama se transformou em cadeira, que se transformou em mesa, que se transformou em cadeira para se transformar em cama outra vez, e Sean já não sabia o que fazer com aquilo, com aquele estranho dom.
A entidade alienígena percebeu que algo acontecia ali e Sean ativou Mahima crescendo e imprensando tudo; cama, cadeira e algo gelado e de pele enrugada contra a parede, fazendo tijolos e argamassa explodirem para fora da casa.
— Sean yá habibi?! — gritou Tahira ao ver que algo enorme saía pela parede do segundo andar da casa.
Correu e pôde ver de longe que alguma coisa acinzentada tremia e balbuciava algo inaudível no chão do jardim.
— Droga! — Sean se virou ainda com formas desproporcionais e viu Tahira correndo para ver o corpo acinzentado da entidade alienígena caído no chão do jardim.
Voltou seu corpo ao tamanho normal e pegou o que quer que fosse aquela entidade alienígena e sumiram dali.
— Sean... — Tahira estancou vendo que ambos sumiram dali. Ela se virou e correu para a porta da casa entrando na sala ampla e escura, e a lareira da casa acendeu o fogo, explodindo a energia e iluminando o local. — Sean yá habibi?! — gritou.
Mas nada além do silêncio.
Ela se tomou de coragem e correu para a porta onde calculou ser a cozinha, entrando e abrindo gavetas e gavetas, conseguindo uma arma calibre .32 e uma faca de carne no que se virou e percebeu que lá, na cozinha, havia outra porta.
Ela pensou e decidiu averiguar o que era.
A porta dava para um pequeno hall com mais quatro portas. Tahira verificou a primeira, era a porta que levava para a parte externa da casa, onde se podia ver que havia uma garagem no fundo do terreno. Ela fechou e voltou ao pequeno hall abrindo a segunda porta, que percebeu, dava para uma dispensa com insetos e teias de aranha. Tahira recuou e percebeu que havia teias de aranha por todo o hall pequeno, e que um cheiro de coisa podre invadiu sua narina a alertando. Abriu a terceira porta e entrou no que parecia um banheiro com uma pia e uma vaso sanitário de água parada quando recuou e fechou a porta. Tomou-se de coragem e foi atrás de Heleme, a empregada, mas a quarta porta não dava para nada.
E nada era uma palavra crua para explicar o que ela via. Porque Tahira se impactou por ver o infinito ali, quando um Sean sujo de tijolos e argamassa a puxou para trás e fechou a porta.
— Enlouqueceu?! Não disse que...
— Aquilo... Aquilo...
— É um portal!
— O portal dos...
— Não! E não vai querer saber que portal é, acredite em mim.
— Você está... — ela o viu empoeirado.
— Vamos sair daqui! — e Sean tirou as mãos dela que já ia limpá-lo quando Tahira se largou dele.
— Não! Precisamos encontrar o trabalho de Joh Miller.
— Trabalho?
— A pesquisa que você contratou ele para conseguir.
— Há quanto tempo mesmo você me vigiava Senhorita?
— Há muito tempo mesmo. Até quando você dormia.
Sean não gostou de ouvir aquilo.
— Vamos! Depois você me conta sobre seu voyeurismo — a virou e a tirou do pequeno hall de quatro portas chegando à cozinha quando algo caiu no andar de cima. — Droga! Achei que não havia mais ninguém.
— Como ‘ninguém’? Vimos Joh Miller fechar a porta e ir dormir.
— Vimos? — a empurrava pela cozinha quando ela estancou. — — Não, não ‘vimos’ Srta. Tahira, porque eu não me lembro de ver nada nem de conversar com ninguém.
— Como é que é?! — Tahira gritou atônita.
— Não grite! — e a virou para ver o teto da cozinha lotado de mofo e teias de aranha. — Estou falando que Joh Miller morreu seis meses atrás, após eu o contratar.
— Como... Como...
— Como eu ainda não sei, mas se olhar em volta — e ele viu Tahira olhar tudo lotado de teias de aranhas, jornais e cartas velhas jogada no chão da casa, e muitos insetos e lixo esparramado mostrando uma casa abandonada. —, vai ver que ninguém mora aqui há algum tempo.
— O que... O que... — e Tahira quase dobra.
— Vamos! — empurrou-a para fora da cozinha. — Porque aqui só tem alienígenas cinzentos entrando e saindo Senhorita Tahira.
— Mas... Mas...
— Não! — a chacoalhou com firmeza. — Não conversamos com Joh Miller, Tahira, porque ele e sua empregada Heleme foram mortos seis meses atrás, depois que eu explodi. Já disse, não? — ela arregalou os olhos verdes. — Conversávamos com alienígenas que tomaram o corpo deles através do Fator Shee-akhan.
— Mas Joh disse... Ele disse que você o contratou... Que eu era... Que eu era filha de Clarice...
— Por isso. Os alienígenas queriam saber o que sabíamos. Para informar a Wlaster.
— Por Allah! Minha mãe corre perigo?
— Não, já que Clarice sabe manter Wlaster longe dela.
— Mas como eles sabiam tanto?
— Porque nossas memórias ficam arquivadas em algum lugar entre o espírito e a carne, no perispírito, que ficou no corpo de Joh invadido pelos alienígenas.
— Aquele cinzento que você esmagou lá fora? — e algo voltou a cair no andar de cima quando Tahira descarregou uma rajada de .32 no teto da sala feito de argamassa e areia.
— Não!!! — gritou Sean e o teto despencou sobre eles. — Idiota! O que fez?!
— Eu... eu... — e um corpo despencou sobre eles. — Ahhh!!!
Sean nem esperou a poeira abaixar e tirou dos escombros o corpo do agente Michel Rougart que jazia morto, ali.
— Ele está morto! — Sean verificou.
— Por Allah!!! Por Allah!!! — gritava descontrolada. — Eu matei um homem?!
— Não! Não! Michel já estava morto antes de você atirar Tahira...
— Ahhh!!! — mas berrava ela descontrolada
— Não grite! Vai chamá-lo Tahira...
E ela foi atacada pela leoa de pelagem vermelho-amarelada com máscara de íbis.
— Ahhh!!! — Tahira caiu no chão, ensanguentada e Sean se jogou sobre ela, fazendo seus corpos se teletransportarem para uma areia de 48 graus, vendo que o braço dela sangrava muito, e que ela entrava em choque.
— Tahira?! Fale comigo?! — chacoalhava em choque. — Tahira... Perdão... Perdão... Eu não devia tê-la trazido... — ele arrancava um pedaço da caftan dela para fazer um torniquete no braço que sangrava muito. — Tahira? Tahira? — e Sean viu que mulheres e homens egípcios pararam para olhar os dois no chão de areia quente, em meio a uma obra faraônica de uma esfinge, e pirâmides e colunas, e toda uma cidade.
E que aquilo sim fora uma grande viagem.
— Nos leve de volta... — soou ela antes de desmaiar.
Contudo Sean não pôde fazer mais nada, quando viu que não só mulheres e homens o viam ali, a leoa de pelagem vermelho-amarelada com máscara de íbis também estava lá, esperando-os.
Sean ergueu-se se colocando em posição de luta Krav maga, e a leoa de pelagem vermelho-amarelada correu sob quatro patas, e correu sob quatro patas, e correu sob quatro patas até adquirir duas pernas, que correu, que saltou sobre Sean que deu um giro de corpo, e se lançou no ar, dando um chute e uma cotovelada em pleno voo, e o atingiu por trás.
— Arghhh!!! — a leoa de pelagem vermelho-amarelada sob duas pernas rugiu perdendo a máscara de íbis, e caiu adquirindo braços, corpo de homem e cabelos ruivos, com o focinho e os dentes a mostra, em meio a rugidos que invadiam metros.
Sean não esperou, correu para o corpo de Tahira, quando o levante de areia esverdeada que a leoa de pelagem vermelho-amarelada provocou com a juba, tomou conta de tudo, e Sean nada enxergou na tempestade de areia que se seguiu. A leoa de pelagem vermelho-amarelada então correu, correu, correu e o atacou, fazendo o corpo de Sean girar no ar pelo golpe que tirou sangue de seus lábios, e abriu o ferimento no ombro, que cicatrizara da explosão.
— Ahhh!!! — Sean foi ao chão se vendo sangrar, em meio à poeira da areia quente e verde que abaixava, vendo que a leoa de pelagem vermelho-amarelada, com corpo de homem, ainda em pé, se virara mais uma vez para atacar Tahira quando foi Sean quem correu, correu, correu e saltou sobre a leoa de pelagem vermelho-amarelada com um golpe de pernas, que enroscou a cabeça da leoa entre os joelhos, e girou o corpo da leoa jogando-o pelo ar, até cair longe deles.
A leoa de pelagem vermelho-amarelada com corpo de homem, foi ao chão de areia esverdeada e quente e rolou, rolou e rolou até se recuperar do jogo, e sair em disparada mais uma vez quando se jogou sobre Sean que ergueu o braço sangrando e enlaçou o que se tornara um dos braços da leoa de pelagem vermelho-amarelada impedindo que o ataque o atingisse, aumentando a força dos movimentos do contra-ataque transferindo 2/3 do seu peso para a força de explosão, e potencializou a ação independentemente da força física empregada, fazendo uma alavanca, quebrando ossos do braço da leoa de pelagem vermelho-amarelada com corpo de homem, em duas partes.
— Arghhh!!! — a leoa de pelagem vermelho-amarelada rugiu de uma maneira que Sean sentiu ferir os tímpanos, o fazendo se afastar pelo medo.
E ele rugiu descontrolado, se erguendo com o braço dependurado, e cada vez mais irado saiu em disparada, sobre o corpo de Sean que outra vez girou as pernas, e todo seu corpo laçou a leoa de pelagem vermelho-amarelada, fazendo seu corpo e o da leoa girar juntos num salto mortal pelo ar, caindo ambos no chão de areia quente. E Sean se levantou outra vez, e outra vez se colocou em posição de defesa sabendo que podia aquilo, se defender, que sua mãe o preparara.
Mas a leoa de pelagem vermelho-amarelada com corpo de homem não desistia, colocou-se em pé outra vez e correu fazendo os dois corpos se chocarem no ar, numa troca de energia e essência, que fez Sean saber que já fora um deles, que já fora uma leoa sob a proteção de mulheres de máscara mortuária egípcia, numa terra de areia fina, quente e esverdeada quando foi ao chão, com a leoa de pelagem vermelho-amarelada caindo também.
Sean levantou-se totalmente impactado quando encarou a leoa de pelagem vermelho-amarelada e corpo de homem, que também se levantou e se virou, correndo para onde Tahira estava desmaiada. Sean quis ativar todos os siddhis que possuía, mas não era o Fator Shee-akhan agindo, era ele noutra dimensão, onde ele não sabia fazer siddhis funcionarem.
— Não!!! — Sean gritou e correu, chegando primeiro, protegendo o corpo de Tahira quando ambos se teletransportarem e apareceram pela segunda vez, no chão do quarto de porta arrancada do Old Cataract, e ela morrendo. — Tahira?! Tahira?! — Sean a chacoalhou. — Tahira?! Tahira?! Não!!! — a virou e tentou fazê-la voltar a respirar, mas Tahira não respondia.
Sean correu para fora do quarto com o ombro sangrando, sem alternativa a não ser pedir ajuda a Najma, à médica Najma.
27
Old Cataract; Aswan, Egito.
24° 4’ 49.59” N e 32° 52’ 52.22” E.
08/06; 15h58min.
A Dra. Najma Faãn não ficou nada satisfeita de ter sido excluída de toda aquela ação, quando ele contou que ambos haviam sido atacados na casa de um ex-agente da Poliu, que foram visitar na Ilha Elefantina, e jurava que precisara levar a jornalista porque era ela a fonte de informação dele. E jurara mais ainda de que não estava no quarto invadido por Najma e os funcionários do hotel, noite anterior.
Mesmo porque Najma não os encontrou lá.
Sean havia dormido no sofá, com elas no quarto, com Najma de olho na febre de Tahira. Quando acordou quase na hora do almoço, Najma sentava-se ao lado dele no sofá, com a cabeça dele no colo dela, e ela fazendo algo com as mãos na testa dele, que ele não compreendeu de imediato, mas provocou uma forte dor de cabeça, até que ele desmaiou.
“O robô!”, soou a voz de um velho Sean Queise de vinte e seis anos.
“É seu? Nosso?”, soou a voz de um jovem Sean Queise de catorze anos.
“Não. Samira Foad Strauss mandou”.
“A arqueóloga morena que me mandou o pacote?”
E o velho Sean Queise abriu os olhos, estava deitado na sua cama desarrumada, no quarto de fliperamas, vídeos games e muitos pôsteres, uma quarto de onze anos atrás, na mansão dos Queise, com uma manhã de Sol brilhante, que passava seus raios pelo voil fino da cortina.
— Sean? Meu filho? Você acordou? — falava Nelma da porta.
Sean arregalou os olhos azuis, havia acordado com vinte e seis anos dentro do corpo de catorze anos.
— Não... — respondeu confuso. — Não acordei...
O quarto estava como ele o deixou aquela noite, com roupas espalhadas e o biombo empurrado, travando as portas do closet. Sean voltou a arregalar os olhos e uma Nelma com provável trinta e poucos anos lhe sorria.
— Você está bem?
Sean tinha certeza que não.
— Sim... — foi o que respondeu ao ver o fliperama coberto de roupas que Nelma recolhia para lavar.
— Você nunca vai ser um homem organizado Sean? — e Nelma o beijou na testa.
Há muito Sean não sentia aquela emoção, a sensação daquele beijo, e o quanto amava sua mãe. Ele voltou a olhar em volta. Havia uma estante lotada de livros de filosofia, lotado de cartuchos de videogames Nintendo, muitas fotos de Pamela Anderson na parede e outros tantos livros; e porta-retratos que ele não se lembrava de tê-los.
— Não... Não vou... — lembrou-se de responder e sua mãe saiu. — Deus... Onde me meti?
Seus pés tocaram o chão, e Sean nunca imaginou um dia voltar no tempo e ser dois ao mesmo tempo, porque aquilo não era bilocação, nem duplicidade, ele era um só Sean Queise.
Seu coração disparou e Sean abriu gavetas e gavetas procurando algo, armários e pastas em busca de alguma anotação, algo que mostrasse o porquê daquela viagem. Mas ele sabia o porquê daquela viagem, estava deitado no colo de Najma, no Old Cataract e ela provável, lendo sua mente.
“Droga!”, aquilo sim era medo.
Porque precisava voltar, saber o porquê ter voltado ao corpo de catorze anos, e principalmente, como Najma sabia daquela viagem. Mas ele sabia como, sabia o porquê dela ter pedido para controlar a febre de Tahira, Najma havia lido a mente de Tahira, da mesma forma que fazia com ele.
Sean precisava brecar-lhe, não passar-lhe informações, não mostrar que Tahira estivera com ele, ali, onze anos atrás. E precisava saber como sair daquele jovem Sean Queise que via com catorze anos no pouco reflexo que se fez no disco de CD, que começava a inundar o mercado.
— Deus... — e passos na escada se fizeram outra vez.
Sean abriu a porta devagar e viu que sua mãe ainda estava ali, agora com duas empregadas da casa. Abriu a porta de vez e saiu pelo corredor, pelas escadas, descendo até a garagem e vendo alguns carros anos 90, ali estacionados.
Precisava chegar à Computer Co. House’s.
— Droga! — praguejou. Não havia a Computer Co. House’s ainda, ele construíra aquele prédio azul que Kelly mostrara, para comemorar sua entrada no comando da empresa, com dezoito anos.
Mas ele tinha que ter acesso aos mainframes, à alguém, porque estava preso no corpo dele, com catorze anos.
“O robô!”, soou a voz de um velho Sean Queise de vinte e seis anos.
“É seu? Nosso?”, soou a voz de um jovem Sean Queise de catorze anos.
“Não. Samira Foad Strauss mandou”.
“A arqueóloga morena que me mandou o pacote?”
— O pacote! — lembrou-se que seu pai ia mandá-lo para Portugal dia seguinte. Correu para dentro da casa outra vez e alcançou o escritório de seu pai. Estava trancado e Sean não conseguiu abri-lo. Desejou, mas nada aconteceu, tentou atravessar uma mão e nada, nenhum dom paranormal respondia a seu comando. — Mas como... — olhou e olhou em volta e viu que ninguém estava ali, nenhum empregado da casa, sua irmã pequena, nem sua mãe e foi até o hall se olhar no espelho. — Não... — seus olhos estavam enegrecidos, tomados pelo Shee-akhan. — Najma... A desgraçada está injetando o Fator Shee-akhan em mim.
E Sean voltou ao escritório chutando a maçaneta, que arrebentou pela pressão.
Sean entrou no escritório, fechou a porta empurrando uma cadeira contra ela, e viu o pacote ali, pronto para embarcar para Barricas, para Lisboa, Portugal. Abriu-o parando vez ou outra para ouvir algum som, e percebeu em choque que o jovem Sean Queise havia terminado a montagem do robô, quando ele e Tahira voltaram a se teletransportar ao Old Cataract.
Sean acionou novamente o robô e imagens tridimensionais do laboratório de Corniche el-Nil, invadiram o escritório da mansão dos Queise.
“Não vou discutir mais Afrânio. Mr. Trevellis não pode saber o que esse Fator Shee-akhan é capaz”.
“Não está entendendo Joh Miller, não podemos perder o apoio de Mr. Trevellis. Se Wlaster Helge Doover souber de algo, estamos fritos”.
E o velho Sean Queise dentro do corpo do jovem Sean Queise viu Afrânio secar o suor que escorregava dos óculos úmidos.
“Mas não estamos fritos! A Dra. Clarice está. Ela quem está frita e encrencada, trazendo essa menina para cá”.
Sean viu Afrânio apontar para uma menina abraçada a Clarice.
“Queria o que? Que eu a deixasse lá? Ferida?”
Sean também viu que Clarice estava nervosa.
“Não sei o que aconteceu com você, Dra. Clarice, mas a menina atravessou o portal, e ela trouxe aquela besta leão de cabeça de íbis com ela. Não posso deixar você colocar a Terra em perigo”.
E o velho Sean Queise dentro do corpo do jovem Sean Queise, viu que Clarice se ajoelhou desesperada aos pés de Samira e Afrânio.
“Não Samira! Não Afrânio! Por favor, por nossa amizade, me ajudem. Eu a quero”.
Também viu que o robô estava ligado, que Afrânio, Samira e Joh estavam realmente no laboratório de Corniche el-Nil, e que Clarice também estava lá, abraçada a uma garota que Joh chamara de ‘essa menina que atravessou o portal’.
“O jovem Queise precisa saber. Só ele poderá ajudar a menina”.
“Não! Não Afrânio! Mr. Trevellis odeia aquele menino. Todos na Poliu sabem. E tudo porque Oscar e Fernando não o deixam ter acesso a Sean, o que o deixa irado”.
“Achei que Mr. Trevellis tivesse acesso a tudo, pela amizade com Fernando”.
“Mas Fernando não deixa que a Poliu se aproxime de Sean. Ele é tudo de importante que Fernando tem”.
E o velho Sean Queise dentro do corpo do jovem Sean Queise sentiu dor naquelas palavras.
“Mas por que afinal, o loirinho é tão importante Joh?”
“Não tem ideia do que aquele menino é capaz de fazer, Dra. Clarice. Nem todos os Roldmans reunidos conseguiram alcançar o que ele faz aos catorze anos. Então imagine se Mr. Trevellis tem acesso àquele poder todo? Não haverá limites para a Poliu alcançar o que vem desejando esse tempo todo”.
“Fala do experimento ‘Contato!’?
“Falo do acesso aos Anunnaki, Samira. E sua irmã é tão vil quanto todos eles”.
“Não fale assim de Mona”.
“Não? E por acaso ela lhe auxilia em algo? Porque fui eu quem lhe trouxe para cá, que consegui sua transferência”.
Afrânio voltou a secar o suor e o velho Sean Queise dentro do corpo do jovem Sean Queise, percebeu no reflexo dos óculos dele, mostrando a imagem do robô ligado no laboratório, ao lado de uma menina ruiva, de provável, quinze anos.
— Deus...
“Vamos fazer o seguinte, Doutora. Vamos procurar Wlaster Helge Doover e pedir-lhe apoio. Se ele quer mesmo tomar o poder da Poliu, então temos que trazê-lo agora para nosso lado”.
“Não gosto de Wlaster doutor”.
“Não temos alternativa Doutora. É isso, ou vamos ter que avisar o jovem Sean Queise sobre o que lhe espera daqui em diante”.
“Mas não temos acesso ao loirinho”.
“Mas precisamos Dra. Clarice, se quisermos sobreviver a tudo isso”.
E a bateria do robô desligou-se.
— Droga! — explodiu Sean percebendo passos na escada.
Sua mãe descia com roupas e copos, e tudo que achava bagunçado no andar de cima. Mas ela nada percebeu no escritório e passou direto para a área de serviço com as duas empregadas da casa. Sean saiu do escritório e outra vez subiu as escadas entrando no quarto em choque, sem saber o que fazer, escrever, se avisar. Porque precisava se avisar, avisar que algo ia acontecer. Voltou a olhar no espelho e ver seus olhos enegrecidos quando acordou. Abriu os olhos e viu Najma sorrindo para ele.
Seu coração e todo seu corpo vibrava e tremia.
— Com frio Sean Khalida?
— Sim... — olhou em volta. — É o ar-condicionado, no último grau.
— Claro... — Najma sorriu como que vitoriosa de algo e se aproximou do aparelho de ar quando foi sua vez de ser ‘desligada’.
Sean olhou na mão o cinzeiro e toda a cabeleira escura dela desarrumada no chão.
Viu que ela estava viva e correu.
— Tahira... Tahira... — chacoalhava. — Pelo amor de Deus, acorda! — ele viu Tahira abrir os olhos e ambos viram o curativo no braço dela lotado de uma gosma verde. — Droga...
— Isso é... Isso é...
— Fator Shee-akhan!
— Estou encrencada?
— Mais do que imagina.
Ela só arregalou olhos e o encarou com os olhos enegrecidos.
— Por Allah! Seus olhos...
— Deixe-os! — afastou a mão dela, dele. — Venha! — e tirou o lençol que a cobria para vê-la nua. Ela arregalou os olhos para ele e Sean engoliu a seco se virando. Foi até o armário pegando uma das roupas de Najma. — Vista! — jogou.
— Como cheguei...
— Ontem. Eu a trouxe.
— Mas aquilo... aquilo... — ela se vestiu com dificuldades. — Aquele leão vermelho-amarelado... com máscara de íbis...
— Vamos Tahira! Agora não é hora.
— Aonde vamos?
— Consertar o mundo.
— Jura?
Foi só o que Sean a deixou falar. Ele a ergueu pelo ombro e a ajudou levantar e andar. Passaram por Najma caída e ela só olhou a médica no chão.
— Não tive alternativa. Eu sei que ela não merecia depois de me ter salvado, de ter salvado você, mas acredite, eles matam na mesma frequência que fazem o juramento de Hipócrates.
— O que houve? — chegaram ao primeiro andar e ambos se dirigiram à garagem.
— Você não vai acreditar... Mas ele sabia sobre o pacote.
— Ele? Fala de você?
— Ok! Você vai acreditar... — e Sean abriu a porta de um carro estacionado na garagem do hotel e entraram.
Tahira percebeu as atitudes dele.
— Está roubando esse carro?
— Pegando emprestado...
— E por que não abriu a porta com seus dons?
— Porque eles estão desligados
— Por Allah... — ela viu que eles ganharam a rua. — Aonde vamos?
— Preciso ir ao Nubian Village ver com meus próprios ‘olhos enegrecidos’ o estrago que fiz...
— Vai consertar erros ou o mundo?
— Os dois... — e Sean freou o carro se virando para ela. — Porque não havia uma espiã psíquica ali em Nabta Playa onze anos atrás, e sim três espiões; Samira, Clarice e Wlaster. E Wlaster é um espião psíquico que também podia abrir a pirâmide, e que também sabia se teletransportar.
— Mas ele explodiu no acidente.
— Não! — e Sean acelerou se afastando do Old Cataract. — Wlaster se teletransportou quando viu o drone se aproximando; e talvez até achasse que eu ia fazer o mesmo. Então ia denunciar meus dons, me sequestrar, sei lá. Ele só não acreditou foi o porquê de eu não conseguir ver o drone. Mas eu vi o drone, vi que ele acionou raios laser contra meu carro, mas o Fator Shee-akhan que entrou em mim, quando entrei na escavação abandonada, desligou meus dons, como agora — apontou para o líquido verde que enegrecia seus olhos azuis.
— Então não houve um paradoxo? Porque se tivesse havido, o jovem Sean Queise saberia quando crescesse que ia morrer naquele deserto.
— Acho que houve dois ou até três paradoxos, Tahira; um no quarto, quando ambos nos apaixonamos por uma Kelly muito mais velha que nós.
— Como é que é? — se esticou nervosa.
Sean acelerou e se dirigiu para o porto para alugar outra vez uma felluca e atravessar o Rio Nilo para chegarem ao Nubian Village.
— É por isso que Miro Capazze me chamava daquele jeito.
— De que jeito?
— ‘Jovem Sean Queise’!
— Como é que é?
— Porque Miro estava bilocado no laboratório de Corniche el-Nil no dia 03/11, mandado pela Escola do papiro, para vigiar a retirada do Fator Shee-akhan da pirâmide. E como um siddhi, ele me viu lá, um jovem Sean Queise de catorze anos colocando o robô numa caixa, e o enviando para o Brasil, para si mesmo.
— Por Allah! Não estou conseguindo acompanhar.
— Ok! — chegaram ao porto, alugaram a felluca e Sean prosseguiu com a explicação. — O jovem Sean Queise não podia entender todo o processo que nos levou lá aquela noite, correto? — e as águas do Rio Nilo os embalavam. — Mas ele leu minha mente quando estivemos lá, ouviu tudo o que dissemos, e ‘viu’ a minha visão do laboratório em Corniche el-Nil, em que Afrânio e Samira discutiam com Joh, porque ambos ainda não tinham sido mortos e o robô da Computer Co. não havia falhado, já que vi o reflexo do laser do robô funcionando dentro da pirâmide. E o jovem Sean Queise também viu o quanto era importante para nós e a Computer Co., que nós, eu e eu, tivéssemos acesso às informações do robô já que eu, mais tarde, com amnésia, não mais acessaria aquelas informações. Então ele voltou ao passado, onze anos atrás.
— Jura? Porque dizer que você pode voltar ao passado é ilógico, mas você o fez. Contudo você voltar ao passado já modificado e modificá-lo, se enviando o robô, deveria ser... — olhou-o sorrindo para ela. — Não deveria?
— Só isso explica o porquê de eu precisar voltar ao passado e me enviar o robô; eu sabia que iam tentar me matar, que estaria com amnésia, porque ele leu isso em mim aquela noite. Então, o velho Sean Queise, de hoje — se tocou. —, voltou ao passado e o robô estava lá, no quarto de um jovem Sean Queise, à ‘nossa’ disposição.
— Jura? Tão ilógico quanto — riu.
E ambos trocaram olhares na noite bela que começava, refletindo nas águas do Rio Nilo.
— Mas há algo que me fascina mais que tudo Tahira, o porquê de eu não me lembrar de me ver àquela noite no quarto?
— Porque está com amnésia.
— Mas se eu sabia que ia ser atacado, por que me preparei para um drone explodir-me no deserto de Nabta Playa?
— Porque o jovem Sean Queise ouviu-nos.
— Mas então por que eu sabia que o Fator Shee-akhan ia entrar em mim e me desligar a ponto de eu explodir? Porque e fui até lá para ser explodido.
— Nossa! Isso está ficando um pouco difícil...
— E Kelly nunca teve amnésia. E ela sempre me contou que me viu pela primeira vez na Catalunha, que se apaixonou por mim ali, quando acompanhei meu pai que esteve lá contratando... — e parou de falar em choque. — Mas não foi meu pai quem a contratou, e eu nunca estive na Catalunha...
— Como é que é?
— Foi minha mãe quem escolheu Kelly, foi ela quem obrigou meu pai a parar de trabalhar, me preparar para assumir a Computer Co., preparar Kelly para ser minha first, porque...
— Por quê?
E Sean teve medo de responder.
— Porque eu fiz algo naquela noite, no meu quarto.
— Você se apaixonou pela jovem Kelly chegada da Catalunha.
— Deus... O que eu fiz?
— Jura? — e Tahira riu da confusão dele.
— Não vai achar nada tão engraçado assim, quando souber que Najma conseguiu ler sua mente enquanto você dormia.
— Por Allah! Precisamos de proteção! — arregalou os olhos para um Sean de olhos arregalados.
— Pelo visto de muita proteção. Porque ela deve ter visto muito mais do que você me contou, Tahira. E porque acordei com a minha cabeça no colo dela e ela penetrando meus pensamentos.
— Ahhh!!! Não quero ouvir mais!
— Não é nada disso! Najma me fez voltar aos catorze anos; e me colocou dentro do meu corpo de catorze anos, mas com minha mente de vinte e seis anos.
— Jura? E você ficou inteligente assim por que ficou preso no seu corpo de catorze anos?
E Sean gargalhou com gosto.
— Quanta insanidade Tahira! Não é nada disso! Ela me colocou lá para ela saber o que o robô vira afinal.
— Porque é óbvio que ela derrubou nossa porta no Old Cataract.
— Sim, e quando ela entrou, sentiu energias gravitantes dentro do quarto avisando que fomos dar uma voltinha no passado, e tudo isso porque ela fazia parte da Escola do papiro.
— Nunca ouvi falar dela, nem de seu irmão.
— Mas ouviu falar de Ali Abu Faãn, não Tahira?
— Sim. Uma mente poderosa, capaz de dominar o Fator Shee-akhan.
— Um inimigo direto de Shee-akhan? Interessante!
— Mas Ali Abu Faãn não quis fazer parte da escola. Miro Capazze e Mustafá tentaram convencê-lo, mas ele tinha dinheiro e conhecimento suficiente para permanecer sozinho, na empreitada de encontrar o homem que se dizia Shee-akhan e destruí-lo.
— Para assumir seu lugar?
— Miro acreditava que sim. E que Ali Abu Faãn era tão perigoso ou mais que o homem que dominava o Fator Shee-akhan e se intitulava assim, se viesse a dominar esse fator.
— Uma escola de mistérios e magias que Miro, Mustafá e sua mãe Clarice faziam parte, não é? Por isso o ‘Abracadabra!’.
— Você está captando isso ou está se lembrando de algo Sean yá habibi?
— Não sei o que estou fazendo Tahira, porque talvez minha amnésia não tenha sido causada pelo acidente, mas causada pelo Fator Shee-akhan. De qualquer forma, Najma me fez voltar ao meu corpo de catorze anos, e eu saí do quarto, e desci até o escritório do meu pai onde o robô estava pronto para ser enviado a Barricas, em Portugal, concertado.
— O jovem Sean Queise consertou o robô aquela noite?
— Sim. E o robô não só estava ligado na pirâmide quando eles a abriram, como estava ligado no laboratório de Corniche el-Nil, onde Samira, Afrânio e Joh discutiram a atitude de sua mãe Clarice, em resgatar uma menina que saiu do portal, e que Mr. Trevellis não podia saber sobre aquilo ou me usaria para chegar nela.
— Ahhh... — Tahira nem conseguiu falar mais que aquilo.
A ilha Elefantina ainda se moldava ao longe, e os dois na felluca a viram.
— Mas também não é só isso, não é Tahira? Porque seja você ou não a menina que escapou do portal, essa menina trouxe junto, a besta leão — e Sean preferiu nada contar sobre a luta como um leão de pelagem vermelho-amarelado e pernas e braços humanos, e nem o fato de já ter sido um deles.
— Fiz o que? Não! Não! Venho de uma família que protege...
— Sim! Vem! Mas não desse Egito, não da nossa Terra.
E Tahira deu uma daquelas risadas esganiçadas.
— Está dizendo que sou uma alienígena, Sean yá habibi?
— Estou dizendo que você é de um Egito paralelo, o mesmo que Miro me levou, o mesmo que vou durante minhas viagens astrais. E se ele se mescla e se mistura de onze em onze anos, e alguns vem e outros vão, e desaparece, eu não sei, mas Jablah preparava um monte de gente para fazer essas viagens, injetando essa planta Shee-akhan. E provável esse Fator Shee-akhan entrou em mim, para que eu pudesse fazer essas viagens todas.
Tahira caiu em risada novamente.
— Kelly tem razão. Você é um insano Sean yá habibi.
— “Kelly tem razão”? — e Sean a encarou sob a luz do luar e as águas do Rio Nilo fazendo ondas, e Tahira recuou na graça lembrando que o Fator Shee-akhan ainda escurecia os olhos dele. — Porque eu realmente recebi um pacote de Samira — e ele a viu escorregar um olhar para ele. — Então a coisa deve ter sido assim: Samira entrou na pirâmide com Afrânio e sua mãe Clarice dia 01/11 e algo aconteceu, o portal ou coisa do tipo assim se abriu, trouxe a esquife e o papiro, e a vinda de uma garota; e tudo foi filmado pelo robô da Computer Co. — e Tahira voltou a escorregar um olhar. — Então Samira, Afrânio, Joh e Clarice foram para o laboratório de Corniche el-Nil dia 03/11, quando discutiram sobre você, sobre seu resgate e o fato de Clarice querer ficar com você. E por Joh estar perdendo forças na Poliu, ele e Afrânio concordaram em avisar Wlaster sobre a dinastia, sobre você e a faraó-leoa de pelagem vermelho-amarelada. Mas Samira não confiava em Wlaster, nele e em seus dons de magia negra, e deve ter conversado sobre isso com Samira, que então me enviou secretamente o papiro, obrigando Mona obrigar Trevellis, a obrigar meu pai a receber o pacote. E Samira sofreu CHE junto com Afrânio, morrendo, mesmo Mona dizendo que não morremos, porque talvez Wlaster os tenha matado, quando descobriu, que ela enviou um papiro capaz de escrever para mim sobre a dinastia, e a data de quando o portal se abrirá.
— Por Allah...
— Só que meu pai recebeu dois pacotes naquela noite de 11/11, Tahira; o primeiro pacote, um robô da Computer Co. ‘danificado’ nas escavações. E o entregou ao jovem Sean Queise, porque esse jovem Sean Queise voltou ao laboratório de Corniche el-Nil no tempo dia 03/11 e se enviou o robô. Ok até aqui? — sorriu.
Mas Tahira tinha dificuldades em concordar com aquilo, com olhos enegrecidos ou não.
— Ok... Acho...
— Mas só que meu pai recebeu um segundo pacote, sem saber que lá havia um papiro, e se irritou porque a Poliu estava envolvendo demais o seu filho naquilo. Ele então mandou de volta o segundo pacote, mesmo sendo avisado por Mona para que ele não o fizesse, porque o pacote voltaria de onze em onze anos. Ok até aqui? — sorriu outra vez. — Então dia 11/11, onze anos depois, eu recebi o pacote de Samira no escritório de São Paulo, vindo de Portugal, só que foi Clarice quem o enviou em nome de Mona, porque ela nada queria de Samira. Ok?
— Ok...
— Então naquele momento em que recebi de Renata o pacote, eu devo ter ficado muito nervoso, porque recebi um pacote com um papiro vazio, sem saber que eu teria que ter recebido onze anos antes, e porque não falamos sobre o segundo pacote naquela noite; e provável o jovem Sean Queise que voltou ao laboratório de Corniche el-Nil dia 03/11 não sabia nada sobre ele. Mas Oscar estava temendo tanto esse envio, a ponto de exigir de Kelly uma confirmação sobre sua chegada, que algo me alertou, uma luz que acendeu em algum lugar me dizendo, que havia um verdadeiro envio de Samira onze anos atrás.
— Uma grande coincidência regada a muita ficção científica.
— Não sei quanto a ficção, mas é tudo puramente científico. Porque eu nunca podia imaginar que alterei meu futuro quando me enviei o primeiro pacote contendo o robô, evitando a entrega do papiro.
— E se o papiro tivesse chegado?
— Não posso especular com algo que nunca ocorreu, porque meu livre-arbítrio de ir ao laboratório de Corniche el-Nil e me enviar o robô, mudou meu destino.
— Posso perguntar algo?
— Sim...
— Mesmo sem saber que o Fator Shee-akhan ia lhe tirar seus dons premonitórios, por que se arriscou ir a Nabta Playa sabendo que podia morrer?
“Se você recebesse um aviso em um papiro para voltar ao passado, sabendo que suas atitudes mudariam completamente o destino do mundo, sem que pudesse voltar ao presente; embarcaria ou não?”
— Porque fiz um acordo com Trevellis. Que provável envolvia a menina de Clarice.
— Você ia entregá-la?
— Não sei. Não me lembro. Mas o acordo envolvia respostas que o robô não pôde me dar onze anos atrás, porque talvez depois que nós saímos do quarto, o jovem Sean Queise consertou o robô e viu tudo aquilo que vi hoje.
— Mas mesmo assim você se arriscou. Por quê?
— Não sei o porquê Tahira. Talvez eu nunca mais vá ter essa resposta, mas ela envolve uma Kelly... — e chegaram. —, capaz de voltar ao passado, sabendo que suas atitudes mudariam completamente o destino do mundo, sem que pudesse voltar ao presente, só para me amar antes de Sandy.
E aquilo calou Tahira Bint Mohamed.
Nubian Village, Ilha Elefantina; Aswan, Egito.
24° 5’ 22” N e 32° 53 20” E.
08/06; 18h00min.
O Nubian Village é um vilarejo pitoresco, com casas brancas de fachadas pintadas, muitas vezes lembrando azulejos coloridos, abraçadas por um extenso deserto que muda de cor toda vez que grandes e ferozes tempestades de areia assolavam as ilhas; um vilarejo de ruas de terra batida, de homens de turbante brancos e coloridos, de formato totalmente local.
— Nubian Village... onde os egípcios não eram egípcios e a escrita se diferenciou... — Sean divagou andando a pé até uma casa no final da rua.
— Onde estamos indo? — Tahira se ligou no itinerário.
— A uma garagem, pegar um carro sem rastreador.
— Aonde vamos com um carro sem rastreador? — ela ficou sem respostas. Sean levantou uma cortina que fazia às vezes de uma porta, e ambos encontraram uma van amarela, com chaves que ele tirou do bolso da calça; ela percebeu. — Vou voltar a perguntar...
— Vamos dançar!
— “Dançar”? Está me gozando?
— Pareço estar?
Ele entrou e ligou o motor que roncou um pouco, e depois se firmou.
Sean deu ré e saiu da garagem da casa abandonada.
— Aonde vamos Sean Queise?
— Há um lugar onde vou encontrar alguém.
— Que lugar?
— Um bar!
— Jura? — e ela o viu fuzilá-la com aquele olhar ainda enegrecido, já não parecendo o homem educado de antes.
Sean se virou para trás e puxou uma maleta de couro, que já devia estar ali há algum tempo pelo tanto de areia que lhe cobria, e a abriu levantando poeira, e tirou e jogou um pacote para ela.
— Se vista! — e o carro arrancou pelas ruas de terra batida.
— Jura? — ela abriu a sacola, e uma fantasia de dançarina a aguardava.
E Tahira resolveu não discutir. Estava lá para ajudá-lo, afinal. Ou ele ajudá-la. Já que não se lembrava de ser uma menina que escapara de um portal interdimensional, fugindo de um leão que caçava uma faraó-leoa de pelagem vermelho-amarelada com máscara de íbis. Sentiu-se de repente só e confusa, mas Sean pegou a mão dela, a apertando com carinho, e foi a primeira vez que ela se sentiu realmente segura na vida.
Eles nada se falaram e Tahira levantou-se, indo para o banco traseiro da van onde arrancou a roupa emprestada de Najma. Sean sentiu seu corpo todo aquecer e Tahira sabia que Sean sabia que ela estava nua. Ele se conteve como um cavalheiro faria e ela achou-o uma graça. Porque sabia que o provocava, que seu corpo afinal mexia com ele como o da espanhola metida.
Jogou a caftan por cima, voltou para frente e ele a olhou com ela olhando para ele.
“Droga!”, ele desviou o olhar.
Ela voltou a adorar mexer com o adormecido.
— Eu estive pensando... — ela esperou ele olhá-la. — O primeiro calendário da história da humanidade começa com a enchente anual do Rio Nilo por volta de 3000 a.C. onde para os egípcios o ano tem 365 dias, divididos em 12 meses de 30 dias e mais cinco dias extras, dedicados aos deuses.
— Aonde quer chegar Tahira?
— Que os egípcios foram os primeiros a utilizar um calendário solar, embora os 12 meses de 30 dias tenham origem lunar, e que talvez os cinco dias extras dedicados aos deuses, após tantos milênios que os Anunnaki chegaram aqui, tenham haver com o erro de o portal ter aberto dez dias antes, dia 01/11.
— Sim... É possível...
— Porque havia três estações determinadas pelo fluxo do Rio Nilo; as cheias chamadas de ‘akket’, o semeio chamado ‘pert’ e a colheita chamada ‘shemu’. A relação entre as estações definidas pelo Nilo e as estações naturais era feita pelo nascer heliacal da estrela Sirius, que os egípcios chamavam de Sothis.
— Havia água na Esfinge... — falou de repente. — Quando começavam as cheias?
— A primeira aparição da estrela Sirius no céu da manhã, depois da sua conjunção com o Sol, determinava o início da contagem das estações das cheias.
Sean parou a Van verde e a encarou:
— Vamos! Você deve ficar linda vestida de dançarina — engatou a marcha e se foi novamente.
E Tahira não disse um único ‘Jura?’.
Bar Tyra, Nubian Village; Aswan, Egito.
24° 5’ 27” N e 32° 53 21” E.
08/06; 18h44min.
A rua próxima ao Bar Tyra estava cheia de homens usando turbantes. Sean interceptou um deles e Tahira nem teve tempo de perguntar o que ele ia fazer, quando Sean o nocauteou sem ao menos machucá-lo. Mas foi usando Krav maga e não dons que pareciam realmente estarem desligados.
Sean retirou as roupas do homem caído e vestiu sua caftan comprida e um turbante colorido verde oliva, e entrou no bar onde dançarinas exóticas costumavam se apresentar. Ele antes apontou a porta de saída e Tahira entrou por lá.
Dentro, Tahira usou da mesma técnica com Kelly, desligando a dançarina, num quarto dos fundos do bar, que em nada lembrava um camarim, e se preparou para assumir seu lugar.
Risadas de homens já alterados pela Stella, cerveja de fabricação local, e o empenho do proprietário do bar em servi-los não foram barreiras para Tahira começar sua performance.
A entrada dela podia se dizer que foi triunfal.
Sean quase fica entorpecido sem se quer ter bebido, porque ele até viu a fantasia em cores rubi e azul quando a entregou, mas vê-la vestida em Tahira tinha lá certa diferença. Para completar, ela cobria o rosto todo com um grande lenço azul, deixando só os olhos verdes ficarem de fora. Os mesmo olhos que não saíam de cima de Sean que adorou a pele branca, os cabelos ruivos e todos aqueles lenços balançando.
Uma música forte, barulhenta e cheia de instrumentos locais invadiu o antiquado aparelho de som do bar, permitindo Tahira iniciar seu estilo de dança, algo que fundia o norte africano, o Oriente Médio e a Índia a um voodoo urbano, tipo de estilos tribais, talvez de outras paradas, de outros sóis, balançando e balançando harmonicamente, levantando a energia do palco para um êxtase coletivo, antes mesmo do primeiro jogo de lenço, a seda cor de rubi que levantava e descia, presa às mãos sensuais que se contorciam como cobra.
“Também vai achar interessante a mulher egípcia, Sean amigo. Vai gostar de vê-la dançar”, lembrou-se Sean em meio a batida da música que se expandia, que entrosava, que era pura sensualidade.
E Tahira era exótica.
Num movimento de esquerda seus quadris chacoalhavam, levantavam a seda, encantavam no subir e descer. Movimentos sinuosos, tortuosos, de puro músculo, que faziam seu ventre sair e entrar, que faziam seu suor se projetar para cima de homens extasiados, excitados pela dança sexy, pedante.
Gritos e ameaças de subidas ao palco, fizeram Sean logo começar a ficar nervoso. Nunca se imaginou tendo ciúme de Tahira, ‘a idiota’; um apeal de sexo que exalava pelas gotas de suor, que pingava do corpo da bela ruiva em meio ao balanço que prosseguia; como um pêndulo de um relógio, seu dorso se projetava para esquerda e direita, e esquerda e direita outra vez.
Sua anca toda balançava e os homens batiam palmas para a cintura da jornalista, da ufoarqueóloga, da perseguidora que se movia com graça pelo espaço, circundando, espiralando, até parecer um parafuso.
Ali Abu Faãn estava lá, Sean não sabia como sabia sem dons, mas sabia que o homem usando kaban bege e turbante colorido era Ali Abu Faãn, padrinho de Jablah e Najma. E ele olhava Tahira sem, porém manifestar o mesmo entusiasmo dos outros.
“Estranho!” pensou Sean ao voltar a olhar Tahira.
E olhava porque mais um lenço, e outro, e a anca dela a balançar. Direita, esquerda, direita, esquerda, direita, esquerda. O movimento o excitava. Sean teve vontade de lançar-se no movimento. De amá-la, penetrá-la ali mesmo, perante tudo, perante todos, indo contra toda sua criação, educação, posição social.
Porque Tahira se chacoalhava.
Uma Stella veio parar na sua mão e Sean a bebeu sem saber o que bebia, atordoado a quase esquecer o que fora fazer lá, com homens gritando, bebendo e ele com o olhar nas ancas que iam e vinham, que encantavam.
Ela jogou o último lenço até ficar com uma sumária e escassa saia de véus de seda na música falada, assobiada, de sons intensos. O show terminara e Tahira viu Sean mostrar com a cabeça, o homem de kaban bege. Ela entendeu que ele ia segui-lo. Largou o palco em meio de entusiasmo geral e voltou ao camarim, pegando emprestada uma kaban branca que encontrou lá, vendo que Sean saia pela porta da frente do bar atrás de Ali Abu Faãn, que continuava a não se manifestar com nada.
Uma tempestade de areia se formou e a precipitação escureceu a rua por onde Sean caminhava.
Uma pequena lâmpada em curto se acendeu logo adiante, avisando que ali havia algum tipo de comércio, nas ruas cada vez mais estreitas, tomadas pela areia que o cegava. Sean puxou o turbante a ficar só com os olhos enegrecidos de fora, tentando enxergar que o comércio onde Ali Abu Faãn entrara era um frigorífico.
“Um frigorífico para um leão esfomeado!”
Sean olhou para trás e percebeu que Tahira ficara presa na tempestade de areia. Olhou para frente e viu a porta do frigorífico entreaberta.
Atravessou a rua e deu de encontro com ela.
— Sean... — e a mão dele, a calou.
Mal se enxergava algo ali, e Sean entrou seguido por Tahira, atravessando o que lhe pareceu à área de venda. Um homem ao longe trabalhava em meio a sons ininterruptos, ao som de lâminas ensurdecedoras.
— Alguém para atender aqui? — Sean arriscou ao adentrar no grande galpão.
— O frigorífico está fechado!!! — gritou um sudanês Ali Abu Faãn, ao fundo.
— Eu estou procurando um homem que me foi indicado.
— E quem quer encontrar? — perguntou o sudanês Ali Abu Faãn ainda sem se virar para trás.
Sean se aproximava cautelosamente observando todos os detalhes do galpão; viu máquinas de desossar carne trabalhando sozinha ao fundo, viu algumas mesas de corte sujas de sangue.
Fez sinal para que Tahira parasse onde estava e a moça estancou.
— Eu queria falar com Ali Abu Faãn — falou Sean agora mais perto do sudanês Ali Abu Faãn vendo o sangue espirrar da lâmina que cortava a carne.
— E o que quer com ele?
Sean parou de andar, esperou que o homem se virasse, mas ele continuava de costas.
— Eu queria fazer-lhe algumas perguntas — e recomeçou a se aproximar.
— Que tipo de perguntas? — mas o silêncio se fez dessa vez. — Perguntei que tipo de perguntas? — insistiu o sudanês Ali Abu Faãn com a voz mais alterada.
E Sean apareceu na frente dele com os olhos azuis.
— Perguntas sobre Shee-akhan!
— Sean?! — gritou Tahira quando o facão foi atirado.
Mas Sean desaparecera dali fazendo a lâmina cortar o ar, aparecendo, porém em cima do corpo de Tahira que foi ao chão sujo.
— Não falei para parar na porta? — apontou nervoso para a porta de entrada.
Tahira viu que os olhos azuis dele haviam voltado e ele se levantou e desapareceu, aparecendo na frente do sudanês Ali Abu Faãn, que correu para uma das portas do freezer e lá ficou paralisado, com o rosto derretendo, em frente de Tahira que outra vez não obedecera Sean Queise.
— Droga! — explodiu ele. — Saia daí Tahira!
Mas Tahira continuava ali, à frente do sudanês Ali Abu Faãn que derretia.
— Por Allah! Shee-akhan está provocando algum tipo de aquecimento?
— Já disse para sair daí?
Mas Tahira começou a dar passos mecânicos para perto do sudanês Ali Abu Faãn.
— Tahira? Não faça isso! — Sean voltou a pedir que ela parasse, mas Tahira não parou. — Pare Tahira!!! — Sean se desesperava percebendo que ela estava encantada ou qualquer coisa assim. — Tahira?!
— Shee-akhan... — sussurrava o sudanês Ali Abu Faãn com o olhar fixo em Tahira que começou a volitar até ele.
— Ahhh!!! — e Sean foi ao chão, de joelhos, amarrado por fios de energias iguais a que experimentou na casa de Corniche el-Nil, sem conseguir se mover. — Tahira?! Não!!!
Mas Tahira não ouvia. Aproximava-se do sudanês Ali Abu Faãn, que com parte do corpo derretendo agarrou-a, fazendo a pele do braço onde tocou, começar a queimar.
— Ahhh!!! — gritou Tahira de dor e calou.
— Shee-akhan... Shee-akhan... Shee-akhan... — entoava como um canto.
“Tahira?” Sean a chamou pelo pensamento, mas ela só conseguia computar a dor do sudanês Ali Abu Faãn a tocando; e onde ele a tocava, aquilo queimava feito ferro quente.
“Tahira? Escute-me! Precisa acordar ou o freezer vai fechar com você dentro”.
Mas Tahira o escutava e era só, já que Sean tentava se mover, fazer os fios de energia se soltarem de seu corpo, mas toda movimentação que fazia não surtia feito.
“Tahira? O freezer é uma passagem, que vai levá-la embora, eu não sei para onde”.
E o cheiro de pele queimada se fez ali, enquanto o sudanês Ali Abu Faãn arrastava Tahira para dentro do freezer, e a porta começou a se fechar.
Sean saiu do corpo trocando com seu duplo, e correu com seu corpo verdadeiro.
— Não!!! — berrou Sean tentando segurar a porta com toda sua força, e tudo que estava ao seu alcance psíquico ele chamou; facas, mesas, ganchos, carne congelada; tudo para cima do sudanês Ali Abu Faãn ali que foi ao chão atravessado pelas lâminas que lhe cortaram dez, onze vezes.
Ele caiu no chão com um líquido verde escorrendo do corpo, e Tahira foi ao chão também, saindo do controle da mão do sudanês Ali Abu Faãn que se ergueu, e como feito por Najma, tocou-lhe a testa.
— Ahhh... — e Tahira desmaiou.
— Não!!! — um terceiro Sean Queise se desprendeu, ele não soube de onde, e chegou ao sudanês Ali Abu Faãn com um facão, lhe cortando a mão.
— Ahhh!!! — Tahira agora acordou do transe, e do choque de ver a mão do sudanês Ali Abu Faãn decepada por Sean. Ela se levantou e viu outro Sean Queise tentando segurar com o que tinha e podia, a porta do freezer que se fechava. — Sean?!
— Venha até aqui!!! — gritou da porta.
Ela correu até ele com parte do braço queimado, e enfiou a cabeça, o corpo, quando a porta começou a imprensar os dois.
— Ahhh!!! — gritaram ambos quando um quarto, um quinto e um sexto Sean Queise apareceram ali, e seguraram a porta fazendo o verdadeiro Sean Queise conseguir tirar Tahira da porta, e a porta esmagar os três Sean Queise que surgiram ali.
Sean e Tahira impactaram e os três Sean Queise voltaram a ser três sudaneses locais, provável trabalhadores do frigorífico.
— O que... — Tahira olhou Sean. — O que... — Tahira olhou para o chão próximo à porta do freezer ensanguentado.
— Agora eu entendi o que são os ‘Sean Queise’ que surgem...
— Como é que é?
Sean olhou Tahira em choque.
— Eu posso entrar noutros corpos, e fazer cópias de mim — e caiu em risada tensa e divertida, achando aquilo o máximo.
Já Tahira ficou pensando se não era ele, Sean Queise, um alienígena Anunnaki, afinal das contas.
28
Old Cataract. Aswan, Egito.
09/06; 04h21min.
Tahira Bint Mohamed estava furiosa com Sean Queise, mas ele foi enfático, iria voltar ao hotel e resgatar seu notebook e Najma Faãn, porque ele agora acreditava que o corpo dela havia sido invadido, e que ela seria incapaz de fazer tudo aquilo que fez de real vontade. Mas Tahira não acreditava nela, achava que Sean estava era encantado com a doçura da doutora que o salvou, e cuidou dele durante seis meses.
Porque Sean não queria acreditar que a mulher que cuidara dele com tanto carinho tivesse feito aquilo, que toda sua doçura fosse superficial, e que ela estivera sim, dominada pelo Fator Shee-akhan, que agora conhecia sua força.
— Sean? — falou a Dra. Najma tendo sua fala brecada logo em seguida pelas mãos dele para que calasse.
Najma vestia uma camisola comprida quase escondendo seus delicados e pequenos, pés. E ele percebeu que a Doutora era mais delicada do que parecia.
— Shhhiu! — pediu ele a levantando bem devagar.
Ela se levantou e Sean colocou a valise com o notebook nos ombros e ambos saíram do Old Cataract, com ela obedecendo sem perguntas, e ambos descendo as escadas sem que qualquer hóspede pudesse escutar. E a manhã começava a dar pequenos sinais de luz e sons de xícaras e pratos se iniciavam no restaurante 1902. Ambos saíram do hotel por uma porta traseira que Tahira vigiava, após Sean ter derrubado cinco funcionários.
— O que aconteceu? — Najma estranhou ao ver os cinco homens caídos.
— Foi ele! — Tahira só respondeu isso.
Sean puxou as duas e Najma viu a roupa de dançarina de ventre que Tahira usava, rasgada e suja de sangue. Virou-se para Sean, e viu então que ele também usava roupas árabes, sujas de sangue.
— Por Allah... Sean Khalida... — e passou as mãos carinhosamente pelo rosto manchado de vermelho.
Sean segurou as suas mãos e empurrou Najma para dentro da Van amarela, fechando a porta. Deu a volta, entrou, desceu na banguela e só foi ligar o motor alguns metros abaixo.
— Era uma armadilha! — falou Sean ao olhá-la pelo espelho retrovisor.
Najma teve sua face deformada pelo horror.
— ‘Armadilha’?
— Sabe quem é realmente seu padrinho, Najma?
— Estamos falando sobre o que, Sean Khalida?
Tahira se virou revoltada.
— Pare de chamá-lo assim!!! — berrou e se virou para ver a cara de poucos amigos que Sean fazia.
Mas Najma nada retrucou, porque era inteligente o suficiente para saber que estava competindo com alguém difícil, e jovem, e ruiva, e vestindo uma roupa de dançarina.
— Ali Abu Faãn pertence a escola do papiro, Najma?
— Não sei Sean Khalida. Nunca soube.
— Jablah pertencia?
— Não. Meu irmão nunca... Ele nunca me disse nada.
— Então com pode saber tanto? — Tahira queria briga.
— Basta Tahira!
— Jura? Porque ela tem um padrinho que tirou você de um hospital quase morto sem perguntar nada, porque queria que seu sobrinho Jablah cuidasse de você à base de Shee-akhan.
— ‘Jura’? — foi a vez de um Sean cínico perguntar.
— Não me desafie Sean Queise, porque...
— Basta!!! — Sean agora se enervou com ela.
Mas Najma entrou na discussão.
— Ali Abu Faãn tentou matá-lo Sean Khalida?
— Sim! Eu o segui até o Bar Tyra, em Nubian Village, e depois até um frigorífico. Mas ele percebeu quem eu era no bar e ele já nos esperava.
— Quase fomos mortos, já que ele derreteu com aquela coisa Shee-akhan no corpo e me queimou — Tahira mostrou o braço infeccionado.
Najma arregalou os olhos para a ferida.
— Está infeccionada — e Najma viu Tahira olhá-la quase querendo transferir cada bactéria, cada gota de pus para ela — Por favor, deixe-me fazer um curativo nela Sean Khalida?
— Não! — proferiu Tahira irada. — Porque parece que aqui tem alguém quem não é confiável.
— Não!!!— gritou Najma, desesperada. — Eu não sabia Sean Khalida. Eu juro! Estive dormindo esse tempo todo.
Os dois, Sean e Tahira, se olharam.
— Acalme-se! — falou Sean, num forte tom de voz. — Acalmem-se, as duas, está bem? — disse recriminando a jornalista.
— Por favor, Sean Khalida. Pare num entreposto hospitalar para que eu consiga curativos.
— Eu não quero curativo dela! — fuzilou-o. — Entendeu? — e ela viu Sean ficar furioso com Tahira e obedecer Najma, seguindo até um entreposto. Ela desceu e Tahira o encarou. — Jura?
Najma voltou à Van amarela e fez o curativo com Tahira engolindo aquilo a seco, sabendo que a doutora fazia pontos com seu Sean yá habibi.
Sean engatou a primeira e seguiu.
— Aonde vamos agora?
— Não sei...
Tahira o encarou.
— Como é que é? Como assim não sabe?
— Não sei Tahira! E não sei não sabendo!
— Jura?
E os dois viraram a cara um para o outro. Sean então parou a Van amarela no acostamento da estrada, próximo a uma floresta que margeava o Rio Nilo, e o dia começava a clarear quando abriu a valise com ‘kellygarcia’ e tirou de dentro o notebook, que também abriu com ‘kellygarcia’.
— Eu pensei em todas as senhas para fazer Spartacus funcionar, mas nada dá certo.
— Acha que... — e Tahira não teve coragem de continuar.
— Não acho nada. Mais nada, porque até pensei nas muitas pessoas anotadas naquela agenda que Oscar me deu, fosse algum nome de relevância, mas tenho medo de prosseguir se o que eu penso, estiver errado.
— Não vai saber se não tentar.
E Sean puxou seus cabelos loiros, jogando-os incessantemente para trás.
— Porque eu escolhi ‘kellygarcia’ para abrir uma valise, se eu nunca havia usado essa senha?
— Como é que é?
— Pare de fazer perguntas e responda Srta. Tahira.
Ela nada mais falou.
Depois se voltou para ele, furiosa.
— Porque você a ama!
E Najma arregalou os olhos verdes para os dois.
— Sim! Eu amo Kelly! Uma Kelly que nunca vou poder amar porque a amo! — exclamou furioso.
E o silêncio caiu entre os três.
— E não vai amá-la porque não aceitou ficar naquele corpo.
— Do que é que está falando sua insana? — foi a vez de Sean perguntar.
— Insana? Eu insana? Por que voltou aquela noite Sean yá habibi?
— Porque...
— Por que exatamente àquela noite?
— Porque o robô havia...
— Não! O robô chegou exatamente na data que você mandou o robô chegar, porque você nada sabia sobre o 11/11, porque você ainda não havia recebido o segundo pacote com o papiro.
— De que droga está falando?
— De que você sabia que ela estaria lá, dia 11/11, porque sabia que Kelly Garcia havia acabado de chegar da Computer Co. da Catalunha.
— Você está...
— Louca? Insana? Com ciúme?
Sean achou que as três opções.
— Eu sabia que...
— Sabia Sean Queise. Sabia que Kelly Garcia ia entrar no seu quarto dia 11/11, que ela ia se apresentar, que você podia vê-la em toda sua essência, em seu ‘amor à primeira vista’ que você teve para com a espanhola, que você amou antes de Sandy lhe roubar dela.
E Sean chorou.
— Perdão...
— Não, Sean yá habibi. Não é para mim que você deve pedir perdão, é para suas senhas; ‘kellygarcia’ e ‘mamãe’.
E Sean arregalou os olhos azuis sabendo que Tahira fazia mais que morar no seu flat. Colocou o celular para fazer uma chamada, uma conexão via satélite para o satélite de observação Spartacus com a senha ‘mamãe’, e o satélite voltou a funcionar, e todos os mainframes giraram com novas coordenadas, fazendo Spartacus voltar à sua órbita geoestacionária e Oscar Roldman e Mr. Trevellis, cada um no seu canto do mundo, entender que Sean Queise havia voltado.
Sean então se virou para uma Tahira satisfeita e os faróis de cinco carros quase os cegaram.
— Sean...
— Quieta as duas! — e todo tipo de calibre de armas foram apontadas para a Van amarela. — Fiquem aqui! — deu a ordem e encarou Tahira. — Compreendeu? — ela nada disse e Sean levantou as mãos e saiu da Van. Homens vestidos de egípcios e núbios antigos, mas com armas novíssimas em punho, o arrastaram de lá deixando as duas na Van. — Onde está... — e uma coronhada o levou ao chão.
Um dos homens o pegou do chão e o arrastou ainda acordado, porém atordoado, por todo trajeto, até um grande portão de madeira mostrar-se ser um fechado ancoradouro de barcos abandonados. Lá dentro, a escuridão; literalmente. E também o cheiro de urina, de areia ocre que seus lábios tocaram quando foi jogado no chão de coisas rastejantes.
Todas as sinapses nervosas de Sean o alertaram e ele se ergueu ainda tonto, sentindo que havia ali centenas de entidades, desde coisas enegrecidas pela morte, até corpos acinzentados sem muita estrutura molecular, lutando pela sua existência, carregando uma energia tão negativa que tudo a sua volta era escuridão.
— AHLAN WA SAHLAN, SR. QUEISE! — falou uma voz assustadora.
— Impressão minha ou não sou tão bem vindo assim? — devolveu-lhe tentando lembrar-se daquela voz.
— TENTANDO SE LEMBRAR DE MIM, SR. QUEISE?
— Quem é você?
— SOU SHEE-AKHAN! O VERDADEIRO!
— Shee-akhan? Achei que havia me livrado de você.
E uma risada gélida ele ouviu, quando Sean se viu pisando num carpete marrom, de losangos, com uma criança correndo com seu avião lhe passando de raspão.
“O drone!”, olhou para cima e madeiras soltas mostravam um Sol querendo despontar no ancoradouro de barcos abandonados, para olhar para frente e ver aquela gente amontoada, em torno de um descomunal leão; uma fera de pelagem vermelho-amarelada feito fogo e máscara de íbis.
— O que quer comigo Shee-akhan?
— A FARAÓ-LEOA!
— E por que acha que eu consegui encontrá-la se você me interrompeu em Nabta Playa?
— CHEGA!!! — gritou Shee-akhan. — EU QUERO A FARAÓ-LEOA, DE MÁSCARA MORTUÁRIA, QUE LHE FALA.
— Sabe que não sei do que está falando, porque a explosão que você causou, provocou-me amnésia. E sabe que realmente esqueci muita coisa porque me persegue, sabendo tudo que faço e me lembro — e Sean ouviu o som do ar sendo cortado por um pássaro mecânico, um silencioso drone que se aproximava. — Najma?! — Sean gritou e seus pés correram com força sobre-humana, alcançando a porta de madeira do ancoradouro de barcos abandonados, o chão da floresta, o Rio Nilo onde margeava e Najma estava lá, sob a mira de uma arma, empunhada por um núbio antigo, de crânio alongado. — Não!!!
Mas as lágrimas nos olhos dela eram de um sentimento puro.
— Perdão Sean Khalida...
Sean desejou que o núbio antigo parasse, mas ele sorriu de uma forma que Sean sentiu que nada o atingiria, de que como na cidade dos mortos, seus dons não os alcançavam, porque como com os espiões psíquicos, eles se bloqueavam, se anulavam.
— Não diga nada Najma!
— Perdão... Eu falhei.
— Não! Não! Eu a perdoo! Eu a perdoo! Volte aqui!
Tahira não acreditou no que ouviu ali escondida, ele sabia o tempo todo quem era Najma e permitiu levá-la.
— Não, Sean Khalida. Sou culpada. Preciso pagar por meus erros.
— Não!!! — gritou ele para trás sabendo que dentro de um dos carros estava Wlaster Helge Doover. — Wlaster, não! Não a mate!
— Não, Sean Khalida. Eu falhei com Jablah, falhei com meus pais, porque o amei.
— Habaiták... — soou dos lábios de Sean.
— Habaiták... — soou dos lábios de Tahira.
— Habaiták... — soou dos lábios de Najma.
E o drone surgiu atingindo Najma e o núbio antigo com uma rajada de tiros, que lançou o corpo deles longe e destruiu a bela doutora.
— Não!!! — Sean se jogou na água e tentou alcançar o corpo sem vida dela, que boiava quando o drone deu a volta.
O drone então fechou a coordenada no corpo de Sean, que nadava até o corpo morto de Najma, e lançou projeteis que foram interceptados por armas instaladas em Spartacus, que destruíram os projeteis no ar, fazendo uma grande bola de fogo surgir nos céus de Aswan.
— Sean yá habibi?! — foi a vez de Tahira em choque correr para água e Sean saber que o drone ia fazer uma terceira investida.
— Volte Tahira!!!
— Não... Não... — ela nadava até ele e Sean largou Najma e nadou até Tahira quando o drone outra vez armou seus projeteis e fechou a coordenada em Tahira.
— Volte!!! Volte Tahira!!! — Sean alcançou outra vez Spartacus pelo pensamento, suas armas, e fechou a coordenada no drone que explodiu somente depois de lançar os projéteis nele e Tahira que se teletransportaram no momento da explosão.
Mas Sean foi jogado num túnel espiralado, e girou, e girou seu corpo em meio a estilhaços que penetraram na sua carne, durante todo o trajeto, até eles caírem na outra margem do rio, com Sean morrendo.
— Sean?! — berrava Tahira desesperada, tentando alcançá-lo. — Não!!! Sean?! — chacoalhava-o. — Ative Aparajayah!!! Ative Aparajayah!!!
E os olhos azuis dele se abriram, brilharam, fazendo Sean Queise permanecer invicto, fazendo estilhaços serem expulsos do corpo que sangrava, que morria, girando, e girando, e levando os dois de novo até o outro lado do rio, ao momento dos projeteis chegando, dos projéteis explodindo e ele se teletransportando para o passado, com os projeteis se teletransportando também, atravessando outro túnel de tempo, sendo lançados num Egito em guerra; um Egito paralelo, de homens núbios antigos que matavam seu povo em prol de um fator, que dominava a química e corpos.
Os projéteis então atingiram esses homens de crânios alongados, permitindo que crianças e mulheres escapassem e Sean e Tahira aparecessem do outro lado do Rio Nilo, com ela percebendo que Sean não estava mais ferido.
E Sean desfaleceu.
29
Rio Nilo; Egito.
10/06; 20h21min.
O barco de turismo balançava incessantemente nas águas mágicas do Rio Nilo. Tahira olhou mais uma vez o corpo belo e jovem ainda desfalecido na cama e saiu da cabine alcançando a proa com a noite caída.
— Onde estamos?
Tahira se ergueu da cadeira de madeira onde acabara de sentar-se.
— Sean yá habibi... Assustou-me.
Sean estava enrolado num cobertor.
Olhou em volta e a noite era belíssima ali.
— Como chegamos aqui?
— Em nada se pareceu com seus dons. Porque ficamos mais de três horas a deriva no Rio Nilo, num bote sem remos, que encontrei na casa de barcos abandonados. Então esse barco de turismo que estava navegando, nos encontrou e estamos aqui desde ontem.
— Najma?
— Não tive como trazer seu corpo ou a polícia seria avisada, e faria perguntas.
Sean sentou-se em choque noutra cadeira de madeira.
— A Senhorita quer mais chá? — perguntou de repente o garçom do barco de turismo que os resgatara.
— Por favor, duas xícaras.
O garçom serviu duas xícaras.
— O jantar será servido as vinte e uma, Senhorita.
— Shukran!
Sean nada falava. Só esperou o garçom se afastar.
— Eu teletransportei aqueles projeteis.
Tahira sentou-se.
— Para onde?
— Seu Egito.
— Por Allah!
— Preciso entrar em contato com Oscar, avisá-lo que Wlaster vai atrás dele.
— O que ele quer com seu pai?
— Minha genética! — e Sean tomou o chá num gole só e se levantou, voltando à cabine.
Tahira ficou o vendo sair de sua vista. Ficou lá até a sineta tocar as vinte e uma horas, avisando do jantar. Ela respirou profundamente e se levantou dando de encontro com ele novamente.
— Sean yá habibi... Assustou-me novamente.
— Diz um provérbio árabe que para cada coisa que acredito saber, dou-me conta de nove que ignoro.
— Como é que é?
— Quem é você?
— Não entendi... — um fog úmido invadiu de repente o tombadilho e os cabelos vermelhos dela brilharam na luz do luar, fazendo a fina blusa que usava delinear um belo par de seios. Os olhos dos dois se cruzaram, mas Sean não se moveu. Ele apenas a observava atentamente. Tahira cobriu os ombros gelados com um casaco conseguido pelo barco de turismo. — Está frio...
— Até quando vai brincar? — disse ele cortando a frase dela.
— Jura? — levantou da cadeira e pôs-se a rodeá-lo. — Porque não tenho a mínima ideia do que fala.
Seus rostos se misturavam pouco a pouco à neblina que invadia suas retinas, que molhava o chão de orvalho.
— Mas você sabe do que falo, porque sabe o que aquele leão de pelagem vermelho-amarelada quer.
E Tahira deu uma risada esganiçada passando por ele.
— Vou jantar. Uma egípcia não sabe pensar... — e Sean a beijou com tanta força que Tahira perdeu o equilíbrio, se ajoelhando no chão molhado, com ele a segurando pelos cabelos. — Oh... Sean... — sentiu-se tonta, excitada. —, não faça isso...
— Por que acha que vou fazer algo? — e o perfume do corpo dele, tão próximo, penetrava nas suas narinas. Sean a encarou no úmido tombadilho e seu corpo de homem bonito, másculo, viril se mostrava, dilacerava emoções baratas, fazendo-a se entregar ao destino. — Toque-me!
E Tahira sorriu lasciva querendo mesmo tocá-lo, o tocando, acariciando suas coxas, quando ele a puxou pelo cabelo a afastando dele.
— Ahhh... Sean... — mas Tahira não mais se sujeitava a ordens, não se controlava mais depois de tantos anos de desejo, de invasão, de olhares noturnos enquanto ele dormia; porque ambos sabiam que ela o vigiava, noite após noite, dentro do flat, dentro do quarto dele, dentro de seus sonhos.
Ela agarrou o sexo dele pelo jeans e Sean sentiu-se dobrar.
— Ahhh! — foi a vez dele exclamar.
Ela se levantou com ele ainda lhe puxando os fios ruivos, sedosos, e seus lábios o alçaram. Sean a encarou e o olhar dela seguiu a boca que engoliu um seio, depois outro, lambendo-os através do fino tecido da blusa, mordendo-os até ela gritar.
— O que está fazendo? — olhou para os lados nervosa, vendo o tombadilho tomado pelo orvalho.
— Por que acha que estou fazendo algo?
E Tahira não queria responder àquilo, àquilo não. Não depois de sentir as mãos dele deslizando pela nuca ruiva dela, emaranhando-se nos cabelos cor de fogo, descendo o rosto dela, a boca dela, até seu sexo. Tahira estava confusa, excitada e confusa, quando ele a fez percorrer o tecido. — Aqui não... — Tahira sentiu o amargo do brim do jeans.
— Aqui sim! — e as mãos dele também não se controlavam, subiram-na pelos cabelos e desceram até a saia dela, buscando invadi-la, envergonhá-la, perturbar o corpo da mulher desejada.
E Tahira sentiu-o, a invasão da saia, da lingerie, do sexo úmido, dedos hábeis que deslizavam por entre suas pernas, por dentro e por fora, fazendo Tahira delirar de tesão, sentir-se tonta novamente, sem ação.
— Sean...
— Cale-se!
E Tahira calou no que Sean a fez escorregar até o chão outra vez, se deliciando pelo toque, pela invasão, pelo local, pelo cheiro do rio próximo, respondendo o que seu próprio corpo perguntava há tanto tempo.
Sean desabotoou botão após botão da camisa dada, até seu corpo se expor. Depois os botões da blusa dela, até expor seus seios, os beijar sem vergonha para então jogá-la no tombadilho úmido com os seios se movimentando pelo ato.
— Sean?!
— Quem é você, Tahira? — perguntava nervoso, excitado, cúmplice daquela inusitada noite.
— Não sei do que...
— Quem é a mulher que atravessa mundos em busca da aventura?
— Não... Qual é o seu jogo?
— Por que acho que tenho um?
— Porque você nunca foi homem de não saber o que faz, para fazer tantas perguntas — mas Tahira sabia que Sean sabia o que fazia, conhecia o custo de ludibriar a noite, de fazer pecados virem à tona.
Ela então levantou e abriu-lhe o zíper da calça e o consumiu.
— Ahhh... — e ela o engoliu. — Ahhh...
Porque ela também sabia o que fazia, porque a umidade penetrava cada poro sensual de seu corpo belo e excitado.
— Viaje Sean! — sua voz era pura ordem. — Passagem só de ida!
Adrenalina pura eram seus corpos, queda vertiginosa, êxtase total, fazendo dali, do tombadilho molhado, um encontro de amantes.
Até o amanhecer.
30
Cairo, Egito.
11/06; 05h00min.
Era noite ainda e fazia frio no Cairo. Oscar Roldman saiu da pequena pousada na qual estava escondido com um casal de agentes da Polícia Mundial, se dirigindo a passos largos pelo breu que tomou conta das vielas do Cairo Islâmico. Oscar ainda pôde ver guarnições paramilitares controlando aquela área do Cairo, e sabia que aquele controle todo concentrado na região em torno da Cidadela de Salah el-Din, uma fortaleza do século 13 localizada a leste do Cairo Islâmico, aos pés da Montanha Mukattam, era para vigiar a Eschatology Inc..
Entretanto, lá, nada sabiam sobre a toca da Polícia Mundial no local, um Bar de nome Richãã, que alugaram para fazer campana.
Oscar puxou o pano do turbante colorido que lhe cobria a testa escondendo agora todo o seu rosto, e deu de encontro com um homem de olhos enegrecidos.
— Peixe? — perguntou o homem em dialeto árabe. — Duas libras egípcias — disse o preço.
— Agora não! — respondeu Oscar assustado com o liquido que navegava nos olhos dele.
— A salamo a-leikom!
— A leikom es salâm!
E o pescador se foi.
Oscar respirou aliviado voltando a caminhar, porque se considerava um homem velho para aquilo. Durante todo o dia anterior, seus dois agentes, o casal Jeffrey e Annette, se passava por comerciantes islâmicos, se misturando ao povo que frequentavam o seu bar livremente. À noite, somente eles, os agentes, o ocupavam.
Oscar Roldman entrou e percebeu Jeffrey andando incessantemente à frente de uma lareira no canto do bar, para esquentar o esqueleto.
— Nem parece que vive em Boston — falou Oscar a ele, ao entrar.
— Mas aqui faz calor durante o dia e a noite tudo congela Sr. Roldman — e Jeffrey espirrou.
E Oscar achou graça.
— Alguma coisa na rua, Senhor?
— Um ou outro homem dominado pelo Fator Shee-akhan.
— Acho que se arrisca dessa maneira sabendo que eles andam a esmo durante a madrugada, Senhor.
— Algum movimento no ‘purgatório’ em frente? — perguntou Oscar sem cogitar mais aquilo com Jeffrey.
— O ‘purgatório’ hoje tem mulheres mais bonitas que o normal — e Jeffrey voltou a espirrar. — As mulheres entraram sem burka; tinham cabelos claros, oxigenados.
— Contratadas?
— Me parece que sim. Hoje está particularmente agitado. Há homens entrando e saindo como formiga no açucareiro, e usam roupas ocidentais! — falou agora a agente Annette.
— Compradores, Annette?
— Um ou dois.
— Vendedores?
— Cinco ou seis.
— Algo grande?
— Alguns carros de luxo, algumas caixas de metal pesado. Pela leitura de Spartacus, uma ou duas caixas contendo mísseis.
— Inferno! — Oscar estava visivelmente agitado. — Drones?
— Spartacus fotografou três. Entram e saem do espaço aéreo.
— Como entram e saem?
— Não sabemos Sr. Roldman. Spartacus não os perdeu uma única vez de vista, por assim dizer, mas eles aparecem e somem do radar.
— O que acha que significa isso Senhor?
— Não sei Jeffrey. Não faço ideia do que permitiria os drones sumirem do radar.
— Algum tipo de bloqueador novo no mercado?
— Eles os manteriam stealth, invisíveis. Não ‘entrando e saindo’.
— Algum problema com o satélite de observação depois que voltou à órbita geoestacionária Senhor?
— Cientistas da Computer Co. disseram que não, e Gyrimias me garantiu que Spartacus voltou a funcionar a contento.
— Deve ser verdade, já que Spartacus fotografou Mark O’Connor vivo — falou Annette.
— Sean Queise sabe disso Senhor?
— Não. Não permiti que Sean captasse essa informação, e não é só Trevellis e a Poliu que sabem bloquear psi.
— E Sean Queise é um espião psíquico da Poliu?
Oscar se levantou tão agitado que Jeffrey ergueu as mãos em sinal de paz.
— Desculpe-me chefinho.
Porque Jeffrey e Annette eram agentes diretos de Oscar Roldman.
— Desculpe-me, a mim.
Annette e Jeffrey se olharam.
— Há algo mais Sr. Roldman.
— O que Annette?
— Spartacus foi chamado ontem, durante as explosões noticiadas pela polícia de Aswan.
— Sean?
Os dois voltaram a se olhar e Annette se levantou para pegar fotos enviadas.
Oscar olhou o envelope e o abriu.
— São imagens de um primeiro ataque drone, depois imagens de um segundo ataque drone quando Spartacus ataca esse drone, o destruindo — Annette viu Oscar olhar os dois. — Para então um terceiro ataque, de um novo drone, mas não havia um terceiro drone.
— O que significa isso?
— Nossos analistas fotográficos acreditam que o drone que fez o primeiro ataque, matou a médica Najma e um homem com ela, com rajadas de balas — ela viu Oscar voltar a olhar as fotos tiradas por Spartacus. — Depois esse mesmo drone faz uma volta e se prepara para um segundo ataque quando Spartacus atinge o drone, após ele lançar projeteis sobre o Sr. Queise e a jornalista Tahira — e Oscar viu as fotos.
E Oscar a encarou.
— Onde está vendo algo extraordinário Annette?
— Os analistas não entendem é o porquê de não haver um segundo drone, nem um terceiro ataque. Porque é o mesmo drone que volta para atacar o Sr. Queise e a jornalista Tahira pela segunda vez, só que ele havia sido destruído por Spartacus.
— Segunda vez?
— Sim. O segundo ataque atingiu o Sr. Queise, quando ele e Tahira somem da visão do satélite e apareceram do outro lado do rio, com ele ferido e o drone atingido por Spartacus.
— Sean está ferido?
— Acho que não. Porque logo depois há um terceiro ataque, quando acontece tudo igual ao segundo ataque, mas o Sr. Queise some e aparece do outro lado do rio, com ele e a jornalista sem ferimentos e o drone sumido da visão do satélite.
Os olhos de Oscar se abriram.
— Mark O’Connor? — foi o que perguntou Oscar fechando o envelope.
Jeffrey e Annette se olharam de novo, e perceberam o ‘Acabamos por aqui!’.
E eles acabaram.
— Mark O'Connor está dentro da casa, Senhor.
— Spartacus?
— Ainda com a leitura química dele.
— El Zarih?
— Não está lá.
— Wlaster?
— Ainda não chegou Senhor.
— Acredita que Wlaster vai aparecer Sr. Roldman?
— Não sei o que dizer Annette.
— Acha que mesmo com toda polícia egípcia e sudanesa atrás de Mark O'Connor, ele ainda consiga fazer negócios?
— Mark O’Connor se considera um ‘Senhor das armas’, Annette, ele não tem limites.
— Mas é um armamento pesado Senhor.
— Wlaster está se preparando para uma guerra Jeffrey. Não sei ao certo se contra nós ou contra aqueles alienígenas que vão passar pelo portal.
— Acha que o portal vai abrir no solstício de verão, em junho?
— Na década de 70, o egiptólogo amador John Anthony West estava lendo com entusiasmo os escritos do ocultista e matemático francês chamado Schwaller de Lubicz, que argumentava que os mistérios da civilização egípcia só poderiam ser desvendados quando fossem decodificados os símbolos matemáticos e místicos, inscritos na arquitetura e na arte daquele povo. E Pitágoras veio beber nessas fontes de conhecimento, porque como Lubicz, acreditava que os egípcios eram muito mais sábios do que os estudiosos supunham, e que teriam recebido seus conhecimentos de uma antiga civilização que teria desaparecido após grandes inundações cataclísmicas.
— A inundação de Noé?
— A inundação dos Anunnakis?
— Mú, Lemúria, Atlântida, e talvez outro Egito, paralelo ao nosso, para onde retornaram.
— Coexistindo conosco?
— Sim Jeffrey.
— E Wlaster quer o que, com esse povo egípcio paralelo?
— Poder!
— Poder sobre o que?
— Foi o que Trevellis exigiu de Sean, respostas em troca do conhecimento sobre a filha de Clarice.
— Acredita no que Mr. Trevellis diz?
— Ele não disse! — e Oscar sorriu de uma maneira enigmática, que somente seus agentes próximos, e somente eles, podiam entender; que ele era um Roldman.
— Wlaster entrou na casa Sr. Roldman!
— Desgraçado! Sabia que ele viria! — Oscar ficou olhando Jeffrey observar o purgatório da janela do bar e suspirou.
Depois se virou e voltou a colocar o gorro.
— Aonde vai, Senhor?
— Encará-lo!
Annete ergueu todo o rosto miúdo e bonito, olhando para Jeffrey.
— Acha uma atitude sensata Senhor?
— Não...
— Mas então...
Mas então uma grande explosão perpetuou-se pela manhã adentro e o bar Richãã desapareceu nos ares.
Rio Nilo, Egito.
11/06; 05h30min.
Sean ergueu-se em choque. Sentia como que atordoado, com uma dor inexplicável no peito. Tahira acordou nua, ao seu lado, ambos enrolados em lençóis macios na cabine do barco de turismo.
— O que houve Sean yá habibi?
— Meu pai...
— Fernando?
— Oscar!
— Por Allah!
— Helicóptero a estibordo!!! — gritou o timoneiro do lado de fora.
— Droga... — Sean olhou pela escotilha. — É um Bell Boeing V-22 Osprey.
— E o que isso significa?
— Chamei o helicóptero de Oscar sem piloto — e deu um pulo da cama procurando a roupa fornecida pelo staff do barco.
— Por Allah! Como assim ‘chamou’? — ela se enrolou no lençol.
— Não sei... — se vestiu. — Mas Oscar está em perigo — e saiu.
Tahira correu a se trocar e o alcançou na proa lotada de turistas.
— Helicóptero a estibordo!!! — gritava o timoneiro outra vez.
O helicóptero ainda se mantinha no ar.
— O que vamos fazer Sean yá habibi? O helicóptero está sobre o barco.
— Fique aqui! — Sean se virou e voltou. — E, por favor, siga com o barco até a próxima parada e vá para o Cairo. Lá, envie meu notebook para Kelly. Depois descubra qual era o papel de Mustafá na escola do papiro, e por que Afrânio e Mustafá escolheram Corniche el-Nil para montar um laboratório.
— Por que isso? Por que Corniche el-Nil era tão importante?
— Não sei. Por isso eu ia ficar no hotel do Cairo primeiramente quando vim a primeira vez ao Egito. Eu tinha um acordo com Trevellis para encontrar o paradeiro da menina de Clarice, mas a morte de Miro atraiu atenções sobre mim. Eu então me desesperei e fui para Nabta Playa, para encontrar algo na pirâmide. Mas quando cheguei lá, estava acontecendo o encontro de Mark O’Connor com fabricantes de armas pesadas. Depois o Fator Shee-akhan entrou em mim e tudo aquilo aconteceu. E com minhas memórias comprometidas, ainda não sei o que ia realmente fazer no Cairo.
— Jura...
— Sem ironia Tahira. Preciso acertar contas com Wlaster, porque foi ele quem matou Afrânio e Samira com CHE, o mesmo CHE que matou Miro e Joh; e provável matará você, porque aquele alienígena no corpo de Joh falou sobre você e sua mãe.
— Mas Wlaster nunca nos perturbou mesmo eu não sabendo que era perturbada.
— Mas você sabia Tahira. Você sempre soube.
— Acha que estou mentindo?
— Não. Mas há mais nisso tudo, não é? — e se virou para sair.
— Posso lhe perguntar algo, Sean yá habibi? — ela não esperou a concordância dele. — Por que arriscou nossas vidas voltando para buscar Najma?
— Porque eu sabia que ela havia falhado no hospital quando antigos egípcios injetaram Shee-akhan em mim, porque Wlaster queria entrar no meu corpo.
— E ela falhou?
— Não!
— Então ela sabia quem era você?
— Não!
— Mas como...
— Habaitak! Ela me amou, Tahira, e me sequestrou mesmo sabendo que eu e El Zarih éramos importantes para a seu padrinho Abu Ali Faãn. Só não sabia toda a extensão do que fazia. E Jablah foi obrigado a continuar o ‘tratamento’ de injetar Shee-akhan em mim sem que ela soubesse, ou comprometeria a segurança deles. Só não contavam com meus siddhis dominando o Fator Shee-akhan durante seis meses.
— E mataram Jablah porque ele falhou?
— Sim.
— E por que a mataram?
— Porque ela pediu para morrer — e Sean se virou para ir embora.
Tahira esticou os olhos computando tudo aquilo.
— Sean... Aonde você vai realmente?
— Paris!
— Paris?
— Sim, Per-Isium, lugar de culto à deusa Isis — e se transformou num Sean de rabiscos, até que sumiu das suas vistas com o helicóptero se distanciando do barco, e ele o pilotando.
31
Catedral de Notre-Dame; Paris, França.
48° 51’ 10” N e 2° 21’ 0” E.
12/06; 10h00min.
Passos largos se fizeram no subterrâneo da Catedral de Notre-Dame, na França.
— Não pode entrar!!! — gritou uma mulher atarracada, tentando brecar um jovem loiro, que a impactou quando apareceu no meio da sala dela, vindo do nada, e que invadiu a sala contigua que cheirava a caro charuto cubano.
— Quanta indelicadeza com uma dama — falou a voz rouca de alguém que sentava num largo sofá de couro marrom.
Sean Queise se aproximou do homem de pele jambo, de porte elegante, cabelos curtos que branqueavam e olhos extremamente esverdeados.
— Trevellis! — soou com ironia da boca dele.
— Que bom saber que sua memória volta aos poucos, ‘Sean querido’ — sorriu Mr. Trevellis.
— “Aos poucos”? — sorriu Sean.
Mr. Trevellis só ergueu um sobrolho e gargalhou com gosto, sabendo que Spartacus na sua órbita original significava uma memória voltando mais rápido do que todos esperavam. E vendo que Sean encarava o homem sentado na poltrona, ao seu lado, os apresentou.
— Esse é Christian Tyrone. Empresário de...
— Achei que o drone havia explodido você — Sean cortou a apresentação de Mr. Trevellis.
Mr. Trevellis estancou e Christian Tyrone sorriu.
— Também achei o mesmo de você.
— Também não sei como eu não explodiria, não é? Porque eu dirigia um velho Jeep anos 70 que não tinha os mesmos cavalos que seus Land Rovers.
Christian Tyrone escorregou um olhar para Mr. Trevellis que agora só observava Sean.
— Acho que começamos mal, Sr. Queise — Christian Tyrone se ergueu com intenções de cumprimentá-lo, mas Sean o sentou amarrado com fios energéticos, à cadeira.
Christian Tyrone sentiu-se grudado nela, literalmente e Mr. Trevellis deu um pulo do sofá sem, porém se levantar.
Sean então se aproximou de Christian.
— Que tipo de arma ia vender a Mark O’Connor?
Christian Tyrone voltou a olhar Mr. Trevellis que parecia não querer se envolver em algo que acontecia ali.
— Rastreamentos.
— Rastreamentos não são armas.
— Spartacus é uma.
Sean só inclinou o pescoço.
— Spartacus não estava a venda — sorriu. — Estava Trevellis? — sorriu para o jambo homem que só baforava seu charuto cubano. — Mas claro que poderia vir a estar se Wlaster tivesse conseguido que você, Christian, dominasse Para-Kaya pravesanam, inserindo-se no meu corpo.
Christian Tyrone até quis se levantar, mas fios energéticos dos quais nenhum dos dois enxergavam, o prendiam na cadeira.
— Eu não... Eu não...
— Não! Você não Christian! Mas Trevellis sabe do que falo, porque luta muito para que Wlaster não apareça durante seu sono para dominá-lo.
— Não posso ser dominado filho de Oscar.
E Mr. Trevellis foi ao chão, de joelhos, beijando-o.
Christian Tyrone arregalou os olhos e Sean se inclinou agora para ver Mr. Trevellis ajoelhado, com os lábios grudados no piso.
— Repita Trevellis! ‘Não posso ser dominado filho de Oscar’! — e gargalhou.
— Você... Você... — e Mr. Trevellis não sabia como se livrar daquela posição, da força mental dele. — Você...
— Eu o que Trevellis?
Mas Sean voltou Mr. Trevellis ao sofá e o sofá foi ao teto, preso, de ponta cabeça. Mr. Trevellis escorregou um olhar furioso se vendo preso como Tyrone, pela força paranormal de Sean Queise, quando o sofá voltou ao piso para então aparecer no deserto, com ele sentado nele, e com cinco carros se aproximando em alta velocidade, levantando a areia.
— Sean?! — Mr. Trevellis arregalou os olhos esverdeados para o entorno, e se viu sozinho no meio da areia quente. — Sean?! — berrou desesperado, preso ao sofá, vendo que os carros se aproximavam quando um drone surgiu por entre as nuvens que nem estavam ali. — Sean?! Sean?! Filho de Oscar?! — e o drone disparou um míssil que explodiu o último carro, o carro de Sean Queise. — Ahhh!!! — gritou Mr. Trevellis preso ao sofá, preso a areia com o Jeep anos 70 voando pelos ares e caindo no deserto de areia vermelha sob um Sol de 48 graus.
“Repita Trevellis! ‘Não posso ser dominado filho de Oscar’”, soou ali.
— Chega Sean!!! — mas os quatro carros Land Rovers que vinham à frente do Jeep anos 70 capotado, pararam adiante e Wlaster desceu de um deles. Atrás dele veio Mark O’Connor que engatilhou uma semi automática e disparou sobre Ahmad Al-badi, Nazih Sab`bi, Schiller König, Stefano Cipollone, Giovanni Bacci, Aaron Augustine, Christian Tyrone, Robert Avillan e Alam Al Alam. — Ahhh!!! — Mr. Trevellis berrava vendo corpos e luzes refletidas da semi automática dentro dos carros, na lataria dos carros e corpos morrendo ali dentro.
E Mr. Trevellis impactou e arregalou os olhos esverdeados mesmo, foi quando viu Christian Tyrone e Robert Avillan saindo de um dos carros destruídos, onde acabaram de serem mortos, com os olhos tomados de um líquido que os enegrecia, e foram atrás de Mark O’Connor, enquanto Wlaster tirava Sean desmaiado dos destroços do Jeep anos 70, e injetava Shee-akhan nele esperando Christian Tyrone e Robert Avillan atingirem Para-Kaya pravesanam, e conseguirem entrar nele.
Mas nada que fizesse, nenhuma posição mais estranha que a outra, permitiam que seus corpos o tomasse. Wlaster então berrou descontrolado até que toda sua pele se tomou de pelo dourado, e pernas e braços se tornassem patas e seu cabelo se tornasse uma pelagem. E a pelagem feito labaredas de fogo balançou para um lado, outro e outro mais, levantando a areia numa tempestade que cegou Mr. Trevellis ainda preso ao sofá.
Quando ele voltou a respirar e enxergar o que acontecia, estava de volta à Paris tomado pela areia da baixa Núbia, para impacto de um Christian Tyrone, que olhou Sean, e olhou Mr. Trevellis, e voltou a olhar Sean que olhava cínico para ambos.
— Fez boa viagem Trevellis?
E antes que Mr. Trevellis respondesse àquilo a testa de Christian Tyrone se abriu, e uma luz verde escapou dali.
— Ahhh!!! — gritou Christian Tyrone.
— Ahhh!!! — gritou Mr. Trevellis olhando o corpo de Christian Tyrone se tomar de adornos egípcios e núbios, sua pele dourar e seu crânio se alongar, para então se tomar de um fogo interno que o consumiu até somente os pés nos sapatos de cromo alemão, ficarem ali, ainda presos.
Mr. Trevellis tinha a pele, como se fosse possível, embranquecida pelo medo, quando deu uma grande risada.
— Sean... Sean... Você realmente me surpreendeu filho...
— Então me deixe perguntar novamente, Trevellis — Sean se inclinou para ele. —, quem era Christian Tyrone?
Mr. Trevellis se virou ainda embranquecido e pasmado para o que restou do corpo morto por CHE, com o pó dele ali.
— Então Christian Tyrone e Robert Avillan não sobreviveram?
— Não!
— E o Robert Avillan que chegou ferido ao hospital de Cartum foi um desses egípcios ou núbios antigos dentro do corpo dele?
— Sim!
— Mas Oscar conversou... Oscar esteve com Robert antes da explosão em Essex. Oscar teria percebido se... — e Mr. Trevellis arregalou os olhos. — Farinha do mesmo saco, não filho de Oscar? Porque Oscar sabia que Robert não era Robert de alguma forma, e foi lá usar Robert para avisar Wlaster do que ele faria, de que a pasta cor de vinho havia saído da Poliu e estava com ele, porque seu pai também é um siddha.
— Exato!
E Mr. Trevellis riu com gosto, querendo aquilo que Sean sabia, ter tido um filho como ele, porque filho de Oscar, de Fernando ou de quem fosse o filho, ele era o que desejava que suas filhas fossem.
E Sean captou tudo aquilo outra vez.
— E o corpo possuído de Christian Tyrone sumiu de cena, porque Wlaster precisava dele para roubar Spartacus, porque ele poderia fotografar a hora exata que os portais se abririam — e Sean se aproximou de Mr. Trevellis o liberando das amarras. — E tudo isso, porque Aurora contou a Wlaster, depois de conseguir informações com Gyrimias, que agentes da Poliu como Sandy se infiltravam na Computer Co..
— Nada sei sobre a irmã de Juca ser uma espiã psíquica da Poliu, porque nada sei sobre Sandy, já que a amiguinha da minha filha a traiu também. E o canalha do Wlaster tinha seus próprios psi, sem o conselho saber, após a saída de Mona Foad.
— Não quero falar sobre Sandy.
E Mr. Trevellis se levantou sentindo todo seu corpo doendo e encheu um copo de whisky.
— Ótimo filho de Oscar, porque também não quero falar sobre ela — e bebeu tudo num gole só.
— Mas sobre Robert Avillan vamos falar, porque Robert conseguiu roubar a pasta cor de vinho.
— Seu pai me contou! — Mr. Trevellis riu um sorriso debochado e Sean não gostou daquilo.
— Mas não para foi para Wlaster que Lucy roubou a pasta cor de vinho... — e Sean teve uma pequena vitória no suor que escorregou do rosto de Mr. Trevellis —, porque eu a ensinei a mentir para Oscar, para os dons de Oscar, exatamente como vocês bloqueiam os psi entre si. E me parece que ela se tornou uma bela espécie de teste — riu. — Lucy entregou a pasta cor de vinho para mim antes da explosão me apagar.
— Mas como você... — e Mr. Trevellis parou.
— Como eu sabia ler uma pasta cheia de papéis que se escrevem ao comando de dons paranormais? Quer mesmo saber? Jura? — e Sean riu da sua própria piada. — Porque eu devia saber, Trevellis. E devia saber que tudo aquilo ia acontecer já que me visitei quando tinha catorze anos.
— Você se... O que? Você se visitou? Está dizendo que pode voltar no tempo e... Incrível!
— “Incrível”? — e Sean gargalhou tenso. — Não Trevellis, não há nada incrível em saber o que eu realmente fiz, porque eu fiz algo que deu errado naquela pirâmide quando a toquei, porque Shee-akhan entrou em mim e não permitiu que eu morresse naquele acidente, não permitiu que todo aquele Fator Shee-akhan injetado no hospital de Cartum chegasse a meu organismo, porque atingi Advandvam, e tolerei o calor do fogo e a dor de ser explodido, para então ativar Aparajayah para permanecer invicto e ativar Ajna apratihata gatih, impedindo ordens ou comandos de outros.
— Como não ser dominado pelo Fator Shee-akhan.
— Exato! E se foi uma pena a amnésia apagar muita coisa, afloraram outras, como saber que Clarice conseguiu tirar uma menina de quinze anos, do Egito para Portugal, onze anos atrás.
Mr. Trevellis levantou-se de supetão.
— Você conseguiu achá-la?
— Devia ter deixado o ‘canalha do Wlaster’ ter matado você quando teve oportunidade — disse Sean a Mr. Trevellis.
— Não seja ridículo! — o grande homem de pele jambo gargalhou. — Você nunca teve essa oportunidade, Sean querido.
— O que? Então não sabia que o agente Wlaster Helge Doover ensinava Mona Foad a fechar seu chakra laríngeo todas as noites? — e Sean viu Mr. Trevellis arregalar os olhos, que escorregaram para o resto do corpo de Christian, e o que um chakra aberto era capaz de fazer. — Mas o agente Wlaster Helge Doover teve que suspender tal atividade, quando contei a Mona o que ela fazia enquanto saía do corpo.
— Surpreendente! Nunca pensei em vê-lo me defender.
— Não o defendi! Defendi Mona de uma corte judicial — e Sean viu Mr. Trevellis sentar-se ainda abalado. — Mona então decidiu denunciar o agente Wlaster e ele teve que apagar da mente dela informações vitais das quais ela desenvolvia.
— Mas Wlaster não conseguiu apagar nada de você, percebo?
— Ele conseguiu sim, de alguma maneira. Só não imaginava que eu, um velho Sean Queise pudesse visitar um jovem Sean Queise no passado e permitir que ele soubesse coisas. Nem que um jovem Sean Queise voltasse ao passado, e enviasse o robô da Computer Co. a ele, para quando o velho Sean Queise chegasse aquela noite de 11/11, encontrasse o robô com todas as informações necessárias.
— In... Incrível... — e Mr. Trevellis mal conseguir acreditar no que ouvia. Porque precisava mais que nunca que Sean o ajudasse na Poliu, que ele se tornasse um espião psíquico, porque tinha coisas ainda maiores acontecendo. — Eu faço um acordo!
— Não Trevellis! Não há mais acordos!
— Isso quer dizer o que, filho de Oscar?
— Isso quer dizer que Wlaster soube quando Miro Capazze morreu, que eu estava ativo, porque ele soube quando passou pelo corredor tirando Mustafá da investigação, que Clarice enviou-me novamente o papiro, um papiro que só escreve para mim, e que havia rastros gravitantes da menina que Clarice resgatou ali, à minha volta, na minha valise que Tahira mexeu no meu flat, e provável nas minhas roupas, perfumes e todo meu corpo.
— E você sabia?
— Provável eu sabia quem era Tahira porque a levei a meu quarto onze anos atrás, e sabia que ia precisar dela, mas a explosão e a amnésia atrapalhou meus planos — e viu Mr. Trevellis se abster de comentar. — Quando voltei do Egito e confrontei Oscar, ele driblou minha inteligência inventando uma pasta cor de vinho que não existia. Acho que ele queria me ferir, contando sobre minhas “outras atividades”.
— Atividades hacker, suponho — Mr. Trevellis riu baforando seu charuto cubano. —, já que ele tinha ciúme de Fernando com Nelma.
— Você não é tão esperto assim, Trevellis. Ou não estaria sendo destruído pelo próprio sangue.
Agora Mr. Trevellis se ergueu com todo seu peso e tamanho.
— Se você encostar um dedo em mais uma filha minha...
— ‘Se eu encostar’? — sorriu cínico com Mr. Trevellis avançando sobre ele e Sean mudando de lugar.
Mr. Trevellis sabia que de nada adiantaria aquilo. Ele iria se ver com Dolores mais tarde.
— O que quer de mim filho de Oscar?
— Nosso trato! O primeiro trato que fiz.
Mr. Trevellis voltou a rir.
— Não Sean Queise! Quero a menina.
— Não! A menina não! Você quer Shee-akhan! O verdadeiro Shee-akhan dentro daquele leão de pelagem vermelho-amarelada, capaz de gerar tempestades de areia com sua juba.
Mr. Trevellis pareceu ponderar algo.
— E você fecha o maldito portal?
— Não! Ela abriu, ela fecha!
— A menina?
— Não! A faraó-leoa! — Sean viu os olhos verdes de Mr. Trevellis brilharem. —, porque você nunca quis a filha de Clarice, o corpo da garota que não sobreviveu no acidente de carro da família próximo a Nabta Playa e a faraó-leoa entrou. Você sempre quis que eu encontrasse a sacerdotisa com máscara mortuária, a que fugia da leão de pelagem vermelho-amarelada com máscara de íbis, e atravessou o portal se escondendo dentro do corpo da menina Tahira, que fez sobreviver, numa maneira de se perpetuar na Terra; entrando no corpo dela. E porque você sempre soube quem era Tahira, porque Dolores a vigiava naquele voo para Portugal, quando ela foi atrás de Clarice que está morrendo de câncer, assim como Aurora, para levá-la para o Egito onde o Fator Shee-akhan pode curá-la, porque o Fator Shee-akhan transforma algo em outra coisa. O que você nunca soube… — Sean apontou para Mr. Trevellis. —, é que a faraó-leoa de pelagem vermelho-amarelada com máscara de íbis não consegue ter domínio sobre o Fator Shee-akhan aqui na Terra. E que por isso ela só é adorada pelas mulheres de máscara mortuárias naquele Egito alienígena.
— Mas elas podem filho de Oscar! Joh me garantiu, que Afrânio garantiu, que que essas mulheres egípcias com máscara mortuária podem dominar o fator Shee-akhan aqui na Terra.
— Não sei. Mas talvez Tahira tenha razão, Afrânio interpretou o desenhou daquela parede da pirâmide de uma maneira que todos nós, eu, Samira e Clarice, interpretamos errado.
— E quem pode dominar o Fator Shee-akhan?
— Ninguém pode. E nem devemos se quer, tentar começar Trevellis.
— E o que vai acontecer com Tahira?
— Deixe-a comigo. Nós também temos um trato — sorriu cínico.
— Um trato que vai fechar o portal antes ou depois de você atravessá-lo? Porque sabe que precisa resgatar seu pai, que foi levado por um leão alienígena nada amigável.
— Sim, Trevellis. Por isso preciso atravessar o portal para resgatar Oscar que foi levado por Wlaster, que na verdade morreu naquele dia, 03/11, no laboratório de Corniche el-Nil, junto a Afrânio e Samira, por CHE.
— Está querendo...
— Estou dizendo que era isso que eu ia investigar no laboratório de Corniche el-Nil, as energias gravitantes de um Wlaster morto. Porque quem vemos mostrando sua beleza esfuziante é Shee-akhan, o verdadeiro, o leão nada amigável dentro de Wlaster.
— Então Shee-akhan é aquela besta que todos os espiões psíquicos viam?
— O leão de pelagem vermelho-amarelado com máscara de íbis que atravessou o portal onze anos e entrou no corpo de Wlaster, atrás da faraó-leoa no corpo de Tahira, e que domina uma planta que domina a mente, no que chamam de Fator Shee-akhan.
Mr. Trevellis engoliu aquilo a seco. A visão de um Wlaster no deserto se transformando em um leão de pelagem vermelho-amarelada feito fogo iria assustá-lo por toda vida.
— Mas eu vi...
— Eu sei! — Sean cortou sua fala, mostrando a Mr. Trevellis que ele podia ler mentes bloqueadas. — Eu sei que Mark O’Connor está vivo, ainda comercializando armas; uma arma em especial que Joh contou aos alienígenas quando seu corpo foi tomado após minha explosão, seis meses atrás.
E um suspiro cumprido foi o que Mr. Trevellis deu:
— O que quer de mim filho de Oscar? — falou Mr. Trevellis enfim.
— Duas coisas; El Zarih e Dolores.
— Como é que é?
— O que? Acha que eu não ia querer recompensas por não me deixar amar Kelly?
E Mr. Trevellis só bufou.
Sean se fez de rabiscos até atingir Anima, a redução de um corpo para o mesmo tamanho de um átomo e atingir Manah-javah, movendo o corpo sempre que o pensamento vai, como o teletransporte ou a projeção astral, e deixar lá um Mr. Trevellis encantado com o filho de Oscar, sabendo que fez a coisa certa, que jogou todas suas fichas no jovem Queise, mesmo com Nelma furiosa, contando a Oscar o que Fernando permitia Mr. Trevellis fazer.
Afinal Nelma preparou Sean para ser um agente.
Já Sean se materializou nos subterrâneos da catedral, e uma porta de ferro enferrujado rodou seus parafusos em seu encontro com o batente, e ela foi retirada do encaixe, a ficar volitando até a luz acomodar a visão de ambos, e Sean Queise ver El Zarih e El Zarih ver Sean Queise.
“Se preocupar, não. Não morrer, Oscar” “Para ele calar, levar foi”, falou El Zarih para Sean através do pensamento.
Sean entrou no calabouço e lá uma cama pequena, os lençóis coloridos, os ventiladores sobre ele e uma mesa com muitos líquidos.
— Agora estar bem, ele. Apesar forçado, o sequestro foi, na explosão que vidas de dois agentes, Wlaster tirar — falou El Zarih agora em voz alta.
— Onde está Oscar?
— Onde seu pássaro metálico, alcançar vai.
— Spartacus? Ele vai alcançá-lo como?
— Como Mark O’Connor, querer, queria.
— Fotografando os portais. Mas eu já voltei o satélite de observação na órbita geoestacionária. Não posso... — e Sean parou. — Mas eu já havia fotografado, não? As fotos que Tahira tirou da minha valise quando voltei do apartamento de Kelly, e que ela abriu usando a senha ‘kellygarcia’; e que agora estão com Kelly.
— Com sua, alma gêmea, fotos estar sim.
“Alma gêmea?”, Sean sentiu-se mal.
— Amar ela, você está?
— Sim...
— Vamos então? — El Zarih se levantou e Sean viu que ele não tocava o chão, que como ele fazia com a porta, El Zarih também volitava.
— Quantos passaram pelo portal quando ele abriu onze anos atrás?
El Zarih não esperava aquela pergunta.
— Eu, Shee-akhan e a faraó-leoa.
— É ela que Shee-akhan quer?
— Não! Ele a mim, quer.
— Deus... É você quem domina o Fator Shee-akhan aqui na Terra?
— Sim!
— Por isso Jablah precisava de você vivo?
— Sim!
— Então você era importante para Jablah, Najma e Mustafá que com Miro, participavam da Escola de papiro.
— A menina Najma, bom coração tinha. Nada de perguntas, fazer. Amar, profissão escolhida. E você, também, ela amar.
Sean sentiu-se arrasado.
— Eu sei... Mas e Tahira? Quem é ela? Por que ela se arriscou a atravessar o portal? O que ela precisa fazer aqui na Terra?
— Precisava pessoas, encontrar. Precisava pessoas, modificar fator.
E Sean nunca teve tanto medo como naquele momento.
— Pessoas que dominar a magia da alquimia dos assírios, de se produzir algo do nada, de abrir portas com ‘Abracadabra!’ — e Sean olhou em volta. — Droga! Tahira estava atrás de Clarice?
— Ela ver, oportunidade, ali.
— Mas Clarice disse que havia alguém ainda mais poderoso que ela, ‘o loirinho dos Queise’. E Clarice era uma espiã da Poliu capaz de bloquear Mona e Samira, e elas nada saberem sobre ela, sobre seus dons. Por isso Tahira estava no meu flat, nos meus encontros ufológicos, porque precisava de meus siddhis para modificar o domínio dos leões no seu Egito alienígena.
— Sim! Entender você, tudo.
— Então Jablah procurava naqueles que injetava Shee-akhan no porão, um que pudesse ser o escolhido, o que mudaria o fator?
— Entender você.
— Mas por que Jablah tentou me matar?
El Zarih inclinou a cabeça e pareceu buscar em algum lugar do espaço aquela resposta.
Sean viu o nível de siddha que ele era.
— Jablah, descoberto foi. Matar ele, para calar. E menina Najma, calar também foi, por amá-lo.
— Deus... — e Sean saiu com El Zarih volitando atrás dele até o corredor se lotar de agentes da Poliu.
— Sean Queise... — uma voz sensual se fez ali.
— Dolores... — ele estancou.
Ela dispensou todos à volta dela, e os dezesseis agentes da Poliu saíram levando El Zarih para fora.
Dolores se aproximou dele.
— Meu pai me disse que você me queria. Não devia falar isso a um pai do tipo daquele.
Ambos riram. Havia química ali.
— Por que se ofereceu para me dar suporte na Unicamp, Dolores?
— Vai correndo contar para a secretariazinha se eu disser que foi por uma garrafa de Chardonnay? — e ela percebeu que ele voltara a ficar frio.
— Preciso novamente do helicóptero V-22 Osprey que me trouxe.
— Que você trouxe.
— Esse mesmo.
— Sinto muito, mas preciso lhe dar outro V-22 Osprey, com outra biometria instalada, ou o piloto não poderá pilotá-lo.
— Também preciso de algo mais, Dolores.
E Dolores recebeu a mensagem sobre total letargia. Não imaginava a que ponto Sean atingia tudo aquilo. Respirou pesado e se virou andando por todo o extenso corredor com Sean atrás dela.
Os dois seguiriam para fora da catedral, depois de atravessar todo pátio da catedral com Sean gostando das pernas roliças que despontavam da justa saia de corte perfeito andando à sua frente. Dolores escorregou um, dois, três olhares para trás, para vê-lo lhe apreciando. Sorriu satisfeita sabendo que nenhuma amnésia apagou o fato de que ela e sua irmã Umah, conheciam Sean há muito mais tempo que ele supunha; ou supunha, já que seu pai nunca acreditou em amnésia alguma.
“Wow!” Sean gargalhou.
Dolores também riu sabendo que ele lera seus pensamentos, mesmo ela preparada para bloqueá-lo. Porque nada mais o bloqueava. Um prédio se desenhou à frente deles e uma porta foi aberta. Lá, um extenso corredor de paredes de metal e um carrinho. Sean sentou-se ao lado dela e o carrinho se movimentou pelo extenso corredor, para baixo, andares abaixo da rua. Quando o carrinho parou, Dolores desceu e inseriu sua biometria, que abriu a porta de metal triplo, mostrando uma grande sala e muitos mainframes da Computer Co.. Se Sean sabia sobre eles antes da amnésia nada comentou. Dolores outra vez caminhou com suas pernas roliças até uma sala gelada que abriu após o uso de sua biometria outra vez, e uma grande sala de piso e paredes brancas, extremante estéril, mostrou ser apenas um cofre na parede.
— Foi daqui que Robert roubou a pasta cor de vinho?
— Sim. Entrado em vários corpos — e se virou para ele. — O que não foi um grande roubo já que você mandou Lucy trocar a pasta.
Sean só sorriu e a encarou.
— Não estou interessado em documento algum, Dolores.
— Não claro que não. Você quer a arma X 777, da qual nem se quer sonhávamos que você sabia existir.
— O que a faz achar que eu não sabia?
Ambos riram.
— X 777 usa uma reação deutério-trítio, onde um núcleo do átomo de deutério e um núcleo do átomo de trítio são combinados para formar um núcleo de hélio e um nêutron — e ela abriu o cofre se aproximando de um das muitas prateleiras esterilizadas ali.
Dolores então abriu uma caixa de um metal que não permitia acessos remotos e dentro, acomodada na espuma, uma arma de tamanho médio, quase do tamanho de uma Glock, mas com seu design arrojado, um gatilho transparente, feito por algo que se assemelhava a acrílico, mas que Sean sabia, era material alienígena.
— Wow... — soou dele.
— A fusão nuclear é o processo no qual dois ou mais núcleos atômicos se fundem, formando um novo núcleo com um número atômico superior — prosseguiu Dolores tirando a arma feita do que parecia ser acrílico, do estojo de espuma.
— A fusão nuclear usa o elemento mais abundante do universo, o hidrogênio, e com um subproduto inócuo, mas útil ainda, o hélio.
— O processo da ignição da X 777, é o mesmo que acontece no núcleo do nosso Sol, átomos de hidrogênio são comprimidos e acabam se fundindo, produzindo hélio e liberando muita energia.
— Está brincando...
— Acha? — Dolores sorriu com a ginga das pernas roliças roçando na saia. — A ideia é aquecer o hidrogênio à temperatura de 100 milhões de graus Celsius, e cruzar os dedos, esperando que a pressão gerada seja suficiente para iniciar a fusão, Sean Queise, até comprimir o hidrogênio a uma proporção, equivalente a comprimir uma bola de basquete, ao tamanho de uma azeitona e caber nessa arma scifi.
E Dolores se assustou de ver El Zarih de repente ao seu lado.
— Acha mesmo que aquela cela o prendia Dolores?
Os dois se olharam e Sean viu El Zarih inclinando a cabeça para o lado, como fizera a pouco tempo, provável lendo o que não podia ser lido ali dentro. Dolores nada percebeu e prosseguiu:
— Esta imensa compressão faz com que os átomos de hidrogênio não consigam evitar uns aos outros, e a colisão de átomos ocorra, os fundindo.
— Wow! Quinhentos trilhões de watts injetados aí dentro?
— Com apenas uma fração sendo efetivamente usada para iniciar a fusão, sim. Mas a energia libertada pela fusão é tão grande, que poucos cm³ de deutério, produzem o equivalente à combustão de 20 toneladas de carvão.
— O que pretender, você, conseguir, com energia tamanha? — El Zarih quis saber.
— Abrir um portal! — Sean encarou Dolores que sabia exatamente o que ele iria fazer com seu siddhi Advandvam, com tolerância sobre o calor, frio e o que for mais, e enfim atingir Prapti, com acesso irrestrito a todos os lugares.
— Vou dar a vocês duas jaquetas infláveis — e Dolores retirou dois pacotes vermelhos de uma prateleira lateral.
— Para que?
— Proteger seus corpos, quando você acionar a arma e ela abrir o portal. Ou serão desintegrados ou atingidos pela radiação.
— Causando câncer como o de Aurora e Clarice?
Dolores não respondeu.
— Uma vez colocada, ela precisa ser acionada para se inflar em uma espécie de casulo, porque depois, a fusão da reação de deutério-trítio aumenta rapidamente a sua taxa com o aumento de temperatura, até chegar a um valor máximo de oitocentos milhões de Kelvins, após o que gradualmente, desce, desaquece e o portal se fecha.
— Tenho até medo do que a Poliu ainda vem inventando.
— Por que acha que não faz parte de tudo isso Sean Queise? — e Dolores se virou para sair do cofre.
— Você, parte fazer? — El Zarih também quis saber.
— Não me lembro... — sorriu cínico para as pernas roliças que se afastavam e ambos saíram também.
E os dois voltaram de carrinho, agora com El Zarih volitando ao lado, até saírem do prédio da Poliu e o helicóptero V-22 Osprey os esperava.
— A Poliu não achou uma boa ideia entrarem clandestinos numa área de alto risco. Então o Comandante Helio Jonathan descerá próximo ao Mar Morto, e de lá vocês irão até a cidade de Mazra.
— E se eu não aceitar?
— Vai aceitar Sean Queise. De lá, um avião os levarão até Alexandrina, já em terras egípcias. Lá, outro helicóptero levara vocês a Nabta Playa — disse Dolores ao chegarem ao V-22 Osprey.
— Por que o Comandante Helio Jonathan não nos leva direto?
— Recebo ordens Sean Queise. Deveria obedecê-las, também — e Dolores não acreditou quando viu Sean concordar muito rápido, com um movimento de cabeça. Acreditou que não fosse ser algo tão simples assim. — Aqui estão os passaportes e dinheiro caso algo de errado até chegarem a Nabta Playa — e Dolores se virou para Sean, passando os dedos suaves pelo ombro dele, num charme só. — Tome cuidado, Sean Queise. Mesmo com todos seus siddhis, a arma X 777 ainda está em fase de testes.
— “Fase de testes”? — Sean sorriu e a agente jambo se virou para ir embora. — Dolores? — Sean olhou as belas e roliças pernas dela pararem. — Diga a seu pai, que ele nunca precisou ter um filho. Você e Umah são agentes de primeira.
— Diz isso porque a experiência de conhecer Zôra, minha terceira irmã, não deu certo? — e se foi.
Sean não sabia realmente o que responder àquilo. Ele e El Zarih entraram no V-22 Osprey e o piloto Comandante Helio Jonathan levantou voo, quando Sean inclinou-se sobre o estômago sentindo dor.
— Sandy Monroe, ponto fraco, seu. Ferida, aberta segundo chakra.
— “Segundo chakra”?
— Svadhistana, seu nome é. Chakra sacro. Dos órgãos genitais, acima. Quatro dedos do umbigo, abaixo. Ligação entre corpo físico e alma, aos prazeres sexuais chakra, ligado está — El Zarih viu Sean erguer as sobrancelhas. — Amar não consegue, Siddha Sean Queise?
Sean sentiu algo acontecendo ali, e não gostou do que sentiu.
— Como seu povo controla os chakras, El Zarih?
— Povo de energia cósmica, sermos feitos. Através dos chakras, comunicar a nós. Através dos chakras, o Universo dominar; inclusive terráqueos — e todo rosto de El Zarih se tomou de um brilho verde feito a mão de Miro Capazze que acendia.
— Qual é sua aparência verdadeira? — e Sean viu que El Zarih mostrava crânio alongado e liso, sem uma única ranhura, olhos enegrecidos, mãos com quatro dedos, e ofegava ao respirar. — Wow! — arrependeu-se de ter feito aquela pergunta e El Zarih voltou ao velho sudanês de pele ébano e turbante na cabeça.
— “Emprestada”, vários corpos. Já havia, ele, atravessar barca da morte — El Zarih virou seu rosto.
— Seu corpo já estava morto quando?
— Morto quando, portal abrir.
— Quem é Mark O’Connor e a Eschatology Inc.? E por que você era tido, como amigo dele?
— Corpo dele, amigo de Mark O’Connor, ser.
— Então Mark O’Connor estava em Nabta Playa quando o portal abriu e você, a leão de pelagem vermelho-amarelada e a faraó-leoa passaram?
— Sim.
— E Mark O’Connor não sabia que você estava dentro do corpo do amigo?
— Não.
— Então Mark O’Connor também não sabia que a leão de pelagem vermelho-amarelada e máscara de íbis, estava dentro do corpo de Wlaster?
— Não.
Mas Sean sabia que Mark O’Connor sabia e sabia de muito mais porque Mark O’Connor atirou em todos dentro das Land Rovers. E foi a mando da leão Shee-akhan/Wlaster. E El Zarih estava dentro de um dos carros. E que chegou quase morto ao hospital de Cartum, como ele.
Sean tentou fechar desesperadamente sua comunicação e se levantou sentando-se ao lado do piloto, que o viu lhe olhando até que o viu como se estivesse olhando um espelho. O piloto se apavorou em se ver, e se desligou. Já Sean tinha as mesmas feições que o piloto, sua biometria e todos seus acessos.
— Torre! Aqui é o Comandante Helio Jonathan! — abriu o canal de comunicação.
— Aqui é a torre de comando de Cartum, Sudão.
— Permissão para entrar no espaço aéreo do Sudão.
— Diga sua senha de permissão Comandante Helio Jonathan.
— HK895 Alpha KK 5567.
— Aproxime sua íris do leitor Comandante Helio Jonathan.
E Sean dentro do corpo do piloto se aproximou do leitor no painel do V-22 Osprey.
— Permissão concedida Comandante Helio Jonathan. Espaço aéreo do Sudão liberado.
— Obrigado torre de comando. Desligando comunicação.
— Entendido!
E Sean voltou ao seu corpo para então o piloto Comandante Helio Jonathan voltar da sonolência e ver que todo comando do V-22 estava no automático. Ele olhou Sean o olhando e voltou a olhar o painel em pânico, apertando muitos botões, tentando de todas maneiras mudar o trajeto, inserindo senhas e toda sua biometria, para então encarar Sean sorrindo.
O piloto nada mais falou, Sean se levantou e voltou a se acomodar na sua poltrona.
— Preciso ir ao Brasil — Sean agora comunicou a El Zarih.
— Nabta Playa, achei que ir?
— E vamos! Mas preciso ir ao Brasil...
E El Zarih inclinou a cabeça outra vez, como que buscando respostas. Sean se apavorou que ele pegasse mais informação do que estava enviando.
— Precisar as fotos?
— Sim. Preciso saber o que Spartacus fotografou porque minha amnésia não me permite lembrar... — e Sean se tornou rabiscos dentro do helicóptero V-22 Osprey, com El Zarih e o piloto olhando o corpo de Sean Queise sumir dali.
Computer Co. House’s; São Paulo, capital, Brasil.
23° 36’ 19” S e 46° 41’ 45” W.
12/06; 13h00min.
Kelly estava linda de tailleur amarelo. Vinha se dedicando ao trabalho, à Computer Co., à sua solidão. Sobressaltou ao ver o buque de rosas amarelas na sua mesa surgir do nada.
— Ahhh! — impactou mais ainda no que viu Sean Queise também surgindo ali. Primeiro como rabiscos, depois nítido como a tarde fria de outono. — Patrãozinho...
— Olá Kelly...
Ela se levantou e voltou a se sentar olhando para os lados.
— Você está...
— Estou! — e os olhos dele eram puro brilho. — São suas... — apontou para o buquê de flores. Ele viu Kelly sorrir tímida e completou. — Feliz dia dos namorados.
Kelly o olhou realmente sem entender o que acontecia ali.
— Onde você está?
— Voando...
Kelly riu. Parou na sinceridade dele.
— Aonde?
Ele se virou e olhou para o lado como se estivesse realmente aonde dizia estar.
— Sobrevoando Nabta Playa!
— Oh! Sean... Por quê? Por que se arriscar tanto?
— Por você!
— Não... Não por mim Sean...
— Por você Kelly! Por você voltar ao passado só para me amar antes de Sandy.
Kelly voltou a olhar os lados, confusa, com o coração disparado e toda sua adrenalina correndo solta.
— Sean...
— Não! Não diga nada! — e Sean se aproximou. — Toque me... — e esticou uma mão para ser tocada.
Kelly engoliu tudo aquilo e o tocou.
— Ahhh... Você é real...
— Eu disse que era. Sempre fui, Kelly.
Kelly realmente não sabia o que falar, fazer.
— O que quer de mim Sean?
— Pedir perdão.
— Não Sean. O que quer de mim?
— Pedir perdão.
— Sean... Por favor...
E ele não insistiu mais. Porque sabia que a havia magoado, porque tinha medo dela não mais lhe dar uma chance, medo que tudo estava acabado.
— As fotos... — soou dolorido.
Ela o olhou com o coração batendo e se levantou indo até o cofre, passando por ele, não acreditando no que ele fazia.
Abriu o cofre e retirou o envelope com as fotos que encontrara no flat, durante os seis meses de puro sofrimento.
— O que vai fazer?
Sean abriu o envelope e viu as fotos não acreditando realmente no que via.
— Como eu fiz isso?
— Não sei. Nunca soube realmente do que era capaz.
— Mas sou capaz de muito mais Kelly. Capaz de me apaixonar por você a ‘primeira vista’.
— Não Sean. Eu me apaixonei por você a primeira vista.
— Kelly... — Sean sorriu. — Eu tinha catorze anos.
Kelly o olhou de uma maneira que ele não entendeu, porque ele não entendeu mesmo o que significava aquele olhar.
— Eu estava perdida... Com tantas portas no corredor...
E todo o corpo dele se arrepiou.
— E você entrou no meu quarto.
— Como se lembra? Nunca comentou isso comigo.
Sean não sabia o que dizer, mas foi em frente.
— Você se apresentou. Disse que havia chegado da Catalunha e desmaiou. Meu pai chegou logo depois e te tirou do meu quarto. Foi a primeira vez que experimentei ter ciúme de você — ela levantou os olhos do chão e ia falar algo, mas seus dedos nos lábios dela, a calou. — Não! Não fale! Por favor, não fale. Eu podia acessar as fotos ainda dentro do V-22, mas eu vim até aqui Kelly, porque meu chakra está aberto, porque Sandy magoou-me, porque eu magoei você — e ele a calou quando ela outra vez abriu a boca. — Não fale! Porque eu amei você quando entrou no meu quarto Kelly, porque eu voltei ao passado, voltei o robô ao passado porque sabia que ia ter ver de novo, na essência de sua pureza, sem Sandy, Poliu ou qualquer coisa horrível que eu ainda tivesse feito — e seus dedos passearam pelos lábios dela. — Porque fiz coisas horríveis Kelly.
— Sean não...
— Eu fiz Kelly, em prol de dois pais, por não saber qual deles agradar, por ver minha mãe dividida pelo mesmo amor, amando dois homens, sem me permitir ser filho de nenhum dos dois.
— Sean... Eu te amei a primeira vista... — e chorou vendo Sean chorar. — O garoto loiro, alto, jovem e inteligente que arregalou os olhos azuis para mim quando entrei naquele quarto.
— Ahhh... Kelly... — e as lágrimas dele caíam. — O que nós fizemos?
— Não sei.
— Não! Sem ‘não sei’! Sabemos Kelly! Sempre soubemos o que fizemos.
— A Computer Co...
— É! Ela mesma! E Spartacus, e a Poliu, e minha mãe e tudo mais, todos eles.
E Kelly voltou a se sentar. Secou um olho úmido, e outro, e o encarou.
— Acho melhor ir Sean. Voltar a Nabta Playa e consertar seus erros... — e Kelly o viu parado, a sua frente, girando a cadeira dela e se inclinando. — Sean... — e ele a beijou. Kelly arregalou os olhos e todo seu corpo vibrava. Ele voltou a beijá-la, e beijá-la, e ela não sabia mais o que fazer. Ele a levantou da cadeira e beijou seu rosto, seus lábios, seu pescoço, descendo. — Sean... — e ele beijou seus seios, tirando o casaco que ela usava, erguendo a blusa, abrindo seu sutiã. — Sean? — mas ele não parou, e engoliu seu seio; Kelly se viu deitada, na cama dele, no flat. — Sean?! — ela se ergueu em choque, furiosa por ele a teletransportar, por ele a deitar na cama dele, na intimidade dele.
Mas Sean não tinha mais tempo, precisava dela, do amor dela, do perdão dela, do corpo da bela espanhola que amara a primeira vista. Porque Kelly também queria aquilo, o corpo dele. Sean tirou a camisa, os sapatos, a calça até ficar nu, esperando algo, uma reação, uma palavra. Mas ele só teve uma, Kelly tirando a saia, a lingerie, esperando o homem que ela amava tomar-lhe.
E ele a tomou, uma perna e outra, se encaixando nela.
— Ahhh... — foi uníssono.
O amor, o sexo, a libido. Tudo compartilhado, anos de supressão agora liberado.
E Sean a amou com seu sexo rígido, sem perdões ou limitações, dentro dela, entrando e saindo, enlouquecendo a cada movimento, a cada suspiro, cada respiração pesada da mulher que sempre desejara.
Porque ambos eram adrenalina pura, queda vertiginosa, êxtase total.
— Eu te amo...
— Eu te amo...
E os dois se amaram quando Sean sentiu que algo acontecia ao seu corpo, que o helicóptero V-22 Osprey aterrissava na areia fina, quente.
— Preciso ir!
— Precisa voltar!
E Sean sorriu se tomando de rabiscos, com a roupa voltando a seu corpo, deixando Kelly sabendo que ele a amava, que ela o amava.
Nabta Playa; antiga baixa Núbia, atual Egito.
22º 32’ 0” N e 30º 42’ 0” E.
12/06; 17h00min.
Sean voltou ao helicóptero V-22 Osprey e viu que nada havia mudado por ali. Já com ele, toda sua vida acabara de mudar.
— Por que eu, El Zarih? — foi o que perguntou.
— Porque você, um iniciado, ser. Em terras distantes, como agora ser. Porque um ser de grandes poderes, por tratados secretos desenvolver, você agora ser. Mesmos tratados, roubar de nós, Poliu.
— O agente Wlaster aplicou em Mona que aplicou em mim? Ensinamentos alienígenas dos quais eu já os tinha adormecido? — tentou compreender.
— Sim Siddha Sean Queise.
— E era essa informação contida na pasta cor de vinho que eu ia divulgar aos ufólogos e a Poliu precisava impedir? A informação de que podemos ativar ensinamentos de nossas vidas passadas, informações que ficam armazenadas no perispírito. Informações como os que os alienígenas acessaram no perispírito de Joh Miller.
— Divulgar ir, informação tão secreta? — El Zarih parou de falar e ficou ofegante de repente.
Sean não respondeu por puro medo.
A porta do V-22 se abriu e Sean colocou a jaqueta.
— Aconselho que vista a sua, El Zarih — Sean viu El Zarih a vestir. Pegou a maleta com a arma X 777 e a tirou do estojo de espuma colocando-a dentro da jaqueta. Fechou com o velcro, percebendo que a jaqueta se moldou de uma forma, que toda jaqueta parecia ser uma única peça. Sean respirou profundamente e saltou na areia fina, que engolia seus passos, que aquecia todo seu corpo, com o V-22 levantando voo como ele havia programado. — Foram vocês quem ensinaram a Poliu como montar a X 777?
— Não. Povo outro, ensinar.
— Deus... Tenho até medo de perguntar qual...
“Sim! São chamados de ‘entrantes’”, ecoou a voz de um Robert Avillan dominado.
“Eu sempre soube que a Poliu investigava entrantes... Trevellis usava espiões psíquicos para se comunicarem com eles. Mona os chefiava num experimento chamado ‘Contato!’. Foi lá que Sean começou a se interessar pelo tema”, soou um Oscar sabendo que conversava com alienígenas.
“Sean Queise, um paranormal, interessado em alienígenas? Uau!”.
Sean sabia que ‘povo outro’ de alienígenas o conheciam, agora.
“Droga!”.
— Aonde agora, ir? — El Zarih viu Sean apontar para a tenda de tecido rasgado, balançando ao vento do deserto, da pirâmide que despontava ao longe.
A mesma pirâmide onde Mark O’Connor levara todos seis meses atrás, a mesma pirâmide que Afrânio, Samira e Clarice descobriram onze anos antes, com a areia quente e ambos começando a sentir o calor lhes afetar.
“Sean Queise, um paranormal, interessado em alienígenas? Uau!” voltou a ecoar ali.
E El Zarih sentiu que Sean estava diferente, distante, quando o som de algo atravessou o ar.
Ambos ergueram os olhos e nada havia mudado no céu sudanês, no quente céu sudanês, quando outro som rasgou ali. El Zarih não gostou do silêncio que Sean mantinha e outro som, agora tão intenso quanto os outros, fez os tímpanos dos dois quase estourarem.
— Ahhh!!! — gritaram os dois, indo ao chão de areia quente, úmida e verde.
Sean se ergueu em choque e olhou El Zarih lhe olhando.
— Eu não, isso fazer — mas El Zarih viu Sean rodear-se, rodear-se e a pirâmide de Afrânio, Samira e Clarice se aproximava.
Sean só o olhou.
— Vamos! Está anoitecendo!
Mas El Zarih não gostou daquilo. Porque nem aquilo nem nada ele sentia.
A pirâmide enfim se fez, e a mesma tenda abandonada da escavação de onze anos atrás ainda balançava quando outro som atravessou as nuvens e um raio vermelho os atingiu.
— Ahhh!!! — e Sean e El Zarih foram lançados longe para ambos caírem numa areia que umedecia de verde cada vez mais rápido. — El Zarih... El Zarih... — Sean se arrastou até ele. — Você está bem?
El Zarih se ergueu ainda meio tonto.
— A tempestade... — e El Zarih caiu na areia verde que levantou mais areia verde.
Porque tudo se tomou de areia verde na tempestade que os cegava.
— El Zarih?! — Sean gritava desesperado sem conseguir encontrá-lo.
— Som da areia... Quente, estar...
Sean percebeu que mal podia ouvir a voz de El Zarih.
— El Zarih?! El Zarih?! — gritava quando um novo som os ensurdeceu. — Ahhh!!! — Sean gritou de dor, caindo na areia verde.
Quando Sean levantou-se, ficou em choque, porque sabia onde estava, porque o som estrondoso que escutaram vinha da arma X 777 que ele acionara ainda dentro da jaqueta, e que ele havia aberto o portal. A areia verde abaixou e Sean arregalou os olhos azuis, vendo-se numa espécie de pórtico, com dez ou doze pilonos sustentando um antigo templo egípcio com forma de pirâmide truncada, quando sentiu que se corpo volitava.
Ele tentou colocar os pés no chão, mas uma força eletromagnética o levava por uma estrada de energia taquiônica, para perto da pirâmide. Mas quem era a força do pensamento que a controlava, não sabia quando sentiu o velcro da jaqueta se abrindo. Sean ergueu o braço esquerdo para tocá-la, mas ele havia paralisado. Arregalou os olhos olhando um lado e outro, e viu que seu cérebro não controlava seu braço, nem sua mão, com sua pele esverdeando pelo líquido que lhe subia pelos pés, já dentro de sua circulação e ele ainda paralisado, sendo levado.
“Tahira?!” tentou gritar, mas todo seu lado esquerdo começava a adormecer.
A jaqueta se abriu totalmente e a arma X 777 caiu no piso de areia esverdeada sendo engolida.
“Não!!! Não!!! Não!!!”, tentava fazer sua voz sair, mas a única coisa que conseguia era ver a arma sendo engolida pelas areias esverdeadas.
“Tahira?!”, mas nada nem ninguém ali. Só uma porta sendo aberta, com cada pedaço da parede sumindo dali e uma antecâmara aparecendo, com paredes fenomenalmente altas, dentro de uma pirâmide que em nada se parecia com a de Nabta Playa, adornada de hieróglifos e imagens de homens com longos crânios alongados adorando mulheres usando máscara mortuária egípcia, adorando uma faraó-leoa, ao lado de uma leão de pelagem vermelho-amarelada, que ela dominava.
“Deus...” soou o pensamento de um Sean Queise ali paralisado, sem um único siddhi funcionando, e vozes, e lamurias, e coisas rastejantes se aproximavam.
Sean arregalou os olhos azuis e viu que toda areia se movia, que havia algo ali, que toda a areia verde tinha vida.
— Não!!! — e seus gritos agora alcançaram a parede do asilo Faãn, com as sacerdotisas mulheres ainda presas na parede destruída, do asilo destruído, queimando. — Tahira?! — e a areia esverdeada subiu pelo espaço criando formas. — Tahira?! — e eram coisas feitas de areia verde que se aproximavam dele. — Não!!! Não!!! Não!!! — e cada sinapse dele se alterou, e ele conseguiu mexer um dedo, dois, a mão, um braço, outro, as duas pernas e ele se jogou na areia afundando.
Sean caiu no chão do asilo Faãn destruído, explodido por ele, por seus siddhis, em pânico, sem saber o que fazia ali, o que ligava ambos planetas, ambos Egito.
“Sean... Sean... El Sean...”.
Sean se levantou e correu pelo asilo destruído com o ar frio da noite atingindo seu corpo, restos de tijolos que Sean levantava, jogava para os lados, para o alto.
— Onde?! Onde?! — se desesperava.
“Sean... Sean... El Sean...”.
— Basta Tahira!!! — gritou Sean, mas ela não respondia. — Onde está a maldita arma Tahira?! Onde?! Onde?! — se desesperava jogando tudo, levantando escombros, fazendo outros destroços subirem e descerem quando uma pata peluda acertou seu estomago, jogando-o longe, longe o suficiente para Sean ver que atravessou o portal novamente, e que seu estômago havia sido rasgado. — Ahhh!!! — se contorcia de dor, com a mesma dor que sentiu no V-22.
— SEAN QUEISE! — e a voz cavernosa se fez ali.
Sean abriu os olhos para ver Wlaster Helge Doover em pé, com patas no lugar de mãos, e seu sangue escorrendo dela.
“Droga...” soou distante.
Sean se ergueu em posição Krav maga, mas o leão de pelagem vermelho-amarelada no corpo de Wlaster correu, e correu, e ganhou quatro patas, o atingindo outra vez no estômago ferido, o levantando no ar, lançando longe na areia fina esverdeada, que o aquecia.
— Ahhh... — agora Sean sentia dor, uma que seus siddhis não permitiam deixá-lo sentir se na Terra estivesse.
Porque ele sabia que estava noutro Egito, noutra Núbia, em algum lugar paralelo onde fatores não agiam como antes, e Sean se ergueu ferido, sem a arma, sangrando.
Mas o leão de pelagem vermelho-amarelada estancou de repente. E estancou porque algo o fez estancar, olhando admirado para um Sean Queise que morria, numa tempestade de areia verde que se fez no balançar de uma calda de pelagem dourada, amarela feito Sol.
Quando a tempestade se foi, Sean foi de joelhos, não entendendo o que fizera o leão de pelagem vermelho-amarelada desistir de matá-lo.
— Siddha Sean Queise... Siddha Sean Queise... — soava El Zarih ao longe.
Sean já não sabia se escutava algo, se estava vivo, aonde. Só o corpo de El Zarih volitando ali, o levantando do chão, quando ele se olhou de olhos enegrecidos, com o rosto ganhando contornos animais, e sua pele se tomando de uma pelagem dourada feito Sol. El Zarih o soltou e Sean voltou à areia esverdeada, úmida, se olhando outra vez, vendo que algo acontecia com ele.
— Meu Deus... — Sean se olhou, olhou El Zarih em choque, e voltou a se olhar. — Sou um felino alienígena?
— Dominar fator Shee-akhan você, porque um deles ser.
— Porque fui um leão Shee-akhan.
— Sim yá habibi — e foi vez da voz de Tahira se fazer ali, atrás dele, com o corpo quase morto de uma Clarice envelhecida, diferente da mulher branca que Sean uma vez vira nas imagens do robô.
— Não posso... — soou da boca dele.
E El Zarih se afastou das duas.
— Precisa Sean yá habibi! Por isso eu lhe trouxe!
— Não... Não...
— Consertar erros!
— Eu não...
— ERROU! — e a voz de Tahira ficou metálica. — QUANDO ACEITOU ENCARNAR NA TERRA. QUANDO NOS ABANDONOU YÁ HABIBI.
— Metempsicose... — e Sean temeu a filosofia como nunca.
E entendeu também a Tahira de risada esganiçada, de roupas horrorosas, a idiota da jornalista que o vigiava, que o seguia, que o amara por entre curvas que dançavam entre lenços coloridos, no que ela tomou a forma de uma faraó-leoa. E o rasgo em seu estômago fechou no que a ferida se curou e a dor foi embora quando Clarice caiu dos braços de Tahira.
— MÃE!
Sean olhou Clarice morrendo.
— O que posso fazer por ela?
— O QUE SABE FAZER SEAN YÁ HABIBI.
E Sean ergueu a mão em forma de pata, que se acendeu, fazendo Clarice volitar, com todo seu corpo envelhecido e doente sendo envolto em fios de energia, até duas Clarices, três Clarices, quatro, cinco, seis, sete Clarices se formarem, e se juntarem, e se tornarem uma só.
— Sete anos terráqueos. É tudo que posso dar a ela com esse fator Shee-akhan que corre nas minhas veias. Depois, seu ciclo de encarnações fecha.
Tahira olhou a mãe querida, Clarice, abrir os olhos.
— O loirinho... — soou da boca dela. Mas Sean era tudo menos aquele loirinho de catorze anos, porque todo seu corpo havia se tomado de uma pelagem dourada feito Sol, e ele era um leão com pernas e braços e patas com garras. Clarice então se tomou de rabiscos e sumiu dali. Quando abriu os olhos, estava sozinha em Lisboa, Portugal, deitada num recamier, com um papiro na mão. Clarice se levantou em choque se vendo melhor, sem o câncer, saudável, e correu a pegar os óculos e perceber que já não mais o precisava usar, que sua visão havia voltado e que letras corriam no papel. — “Fale ‘Abracadabra!’ e acabe logo com isso” — foi o que Clarice leu no papiro. — Meu Deus! O que significa isso? — Clarice olhou um lado e outro, e pegou uma caneta e papel, escrevendo ‘seanqueise’, depois os dissolveu em letras. — Dez! — olhou em volta atordoada. — Não... não... Dez não... — e escreveu ‘abracadabra’. — Onze letras! — e reescreveu ‘seanqueises’. — Onze letras! — e seus olhos verdes brilharam. — Dois Sean Queise! Sempre foram os dois Sean Queise agindo...
E Tahira e Sean se comunicavam pelo pensamento, com ambos vendo o que Clarice descobrira quando outro som rasgou o céu.
— Drones de Mark O’Connor? — falou ele.
— NÃO SEI SEAN YÁ HABIBI. ELES NÃO DEVERIAM TER ATRAVESSADO O PORTAL.
— Mas os drones atravessam, Tahira, e entram e saem dos radares, porque usam X 777. Armas financiadas por Mark O’Connor, para invadir seu Egito, e dominar um fator que faz armas como essa — e Sean esticou a pata de pelagem dourada feito Sol, que voltou a ser uma mão, de pele branca.
— ONDE ESTÁ A ARMA?
E a resposta foi a areia em redemoinho, até X 777 sair dela e voltar à mão de Sean, e todo seu corpo voltar a ser humano, com seus olhos se colorindo de azul.
— Porque eu as domino; armas, máquinas, computadores, aqui, em outro lugar.
E uma Tahira antes faraó-leoa, se fez de rabiscos e todo seu rosto e corpo se cobriu com roupas e máscara mortuária.
— HABAITAK SEAN QUEISE YÁ HABIBI!
Os olhos azuis dele a olharam com carinho para então olhar em volta, para as paredes de muitas imagens de um Egito e Núbia antigos, com homens negros e dourados, com longos crânios alongados e ovalados adorando mulheres usando máscara mortuária egípcia, em tons de dourado e verde. E elas estavam ajoelhadas na areia verde, adorando uma faraó-leoa ao lado de seu fiel protetor, um leão de pelagem vermelho-amarelada feito fogo, usando uma máscara de pássaro íbis, e que deveria protegê-la e não matá-la.
— Eu entendi tudo errado não?
— NÃO. SÓ ESTAVA LIMITADO PELA AMNÉSIA SEAN YÁ HABIBI.
— Porque antes de Wlaster Helge Doover me explodir com o drone que comprava dos senhores das armas Mark O’Connor, eu sabia quem você era?
— NÃO. MAS SABIA QUE ALGUÉM ATRAVESSARA O PORTAL. PORQUE UM JOVEM SEAN QUEISE VIU O QUE O ROBÔ MOSTROU, APÓS ELE CONSERTÁ-LO.
— Quantos atravessaram o portal, exatamente?
— DOIS!
— El Zarih mentiu, não? Porque você conseguiu abrir o portal antes do dia 11, e o leão de pelagem vermelho-amarelada que uma vez devia te proteger, resolveu mata-la para roubar-lhe o trono, e lhe seguiu, quando você fugiu, provocando com sua juba a tempestade de areia que cobriu a visão do carro onde estava a verdadeira Tahira, seu pai e sua mãe, provocando o acidente. Você então se escondeu no corpo da menina que sofreu o acidente.
— ELA AINDA NÃO ESTAVA MORTA. POR ISSO PUDE ENTRAR E CRESCER NO CORPO DELA. CASO CONTRÁRIO, TERIA QUE TER FICADO DENTRO DO CORPO DE UMA MENINA DE QUINZE ANOS, QUE JAMAIS CRESCERIA.
— Mas quem o leão dominou? Wlaster?
— SIM! NÃO! — sorriu — ELE TAMBÉM! — e Tahira apontou para a escada onde El Zarih havia desaparecido.
— Deus... Então o leão também tomou El Zarih? Mas o verdadeiro El Zarih era amigo de Mark O’Connor, não?
— SIM. MARK O’CONNOR ESTAVA AQUI DIA 01/11, COM EL ZARIH E WLASTER, PARA VENDER ARMAS AO LEÃO DE PELAGEM VERMELHO-AMARELADA.
— E o leão tomou primeiro o corpo de El Zarih.
— SIM. DEPOIS MATOU WLASTER HELGE DOOVER E ENTERROU SEU CORPO NA PAREDE DO LABORATÓRIO. POR ISSO VOCÊ ME MANDOU LÁ, PORQUE HAVIA IDO AO CAIRO ANTES DA EXPLOSÃO PARA ENCONTRAR O CORPO DE WLASTER E SUAS ENERGIAS GRAVITANTES, QUE TAMBÉM FOI FILMADO PELO ROBÔ NO LABORATÓRIO DE CORNICHE EL-NIL SENDO MORTO POR SHEE-AKHAN, QUE ERA SÓ UM BORRÃO.
— Mas então Jablah não sabia que Najma havia me salvado de ser morto?
— JÁ DISSE QUE NÃO SEI QUEM ERA JABLAH, SEAN YÁ HABIBI.
E os olhos de Sean se arregalaram mais ainda.
— Claro! Porque El Zarih era o único que podia dizer quem era Jablah, um subalterno, que preparava humanos para atravessar o portal, porque eles preparavam um exército para voltar aqui e destruir tudo com as armas que Mark O’Connor vendia. E porque El Zarih ficava ouvindo música no hall de entrada do asilo, porque ele podia, porque havia vários Shee-akhan, porque o leão podia se multiplicar como eu fiz no frigorífico, sendo Jablah, Wlaster, e El Zarih ao mesmo tempo.
— MAS NAJMA LHE AMOU, NOS POUCOS SEGUNDOS QUE LHE VIU MORRENDO, SEAN YÁ HABIBI. E ATRAPALHOU OS PLANOS DE SHEE-AKHAN.
— Imagino o desespero do verdadeiro Jablah quando ela chegou dizendo que havia impedido de me matarem, e que o tio nos trouxera. Porque nunca permitiu que ela participasse de tudo aquilo — e olhou Tahira. — E Wlaster era só uma maneira da leoa estar dentro da Poliu, esses anos todos conseguindo informações sobre quem era você, e encontrando Clarice e uma menina adotada, da qual Wlaster não podia perturbar porque Clarice podia enxergá-lo.
— SINTO POR ISSO TUDO QUE PASSOU SEAN YÁ HABIBI. PORQUE MONA DISSE QUE SEUS PENSAMENTOS ESTAVAM POLUÍDOS, OU EU O TERIA ENCONTRADO ANTES.
— Mona sabia que eu estava vivo?
— ELA SABIA QUE WLASTER ESCONDIA ALGO, MAS COMO WLASTER ERA UMA LEOA COM DONS, ELA FICOU BLOQUEADA.
— Clarice?
— ELA FOI PESSOALMENTE PEDIR A MONA, PEDIR VOCÊ.
Sean sorriu olhando Tahira também sorrindo.
— Mas Mustafá sabia que eu estava vivo, ele me visitava todas as quintas-feiras, fingindo ser médico.
— NÃO SEI ATÉ ONDE MUSTAFÁ NOS ERA LEAL, LEAL À ESCOLA DO PAPIRO, NA QUAL A MÃE DA VERDADEIRA TAHIRA FAZIA PARTE.
— Então o acidente de carro não foi ao acaso, a mãe, o pai e Tahira estavam em Nabta Playa, preparando a abertura do portal.
— SIM. MAS COMO AGORA SABE, ABRI O PORTAL ANTES DA HORA, ANTES QUE O LEÃO DE PELAGEM VERMELHO-AMARELADA ME MATASSE, E TUDO ACONTECEU.
— Por isso Jablah prendia as mulheres de máscara mortuária na parede; uma linhagem de mulheres como você, que foram à Terra há muito tempo atrás, e se instalaram na Atlântida que ajudaram a criar, para fazer o intercambio entre os muitos mundos, ensinar alquimia, astronomia e agricultura, e promover intercambio entre alienígenas. Mas o leão Shee-akhan/Wlaster/El Zarih/Jablah, resolveu mudar o jogo e eliminar você, a última faraó-leoa desse Egito paralelo.
— VOCÊ SABIA SEAN YÁ HABIBI?
— Não. Está me contando agora.
Tahira deu uma daquelas risadas esganiçadas sabendo que ele enfim a pegara, todos seus sentimentos, e que ela o amava.
— EU SINTO POR ISSO TAMBÉM SEAN YÁ HABIBI. POR VOCÊ TER DESCOBERTO ISSO DESSA MANEIRA, DEPOIS DE ADQUIRIR ESSA PELAGEM DOURADA.
— Não sinta Tahira. Minha pasta cor de vinho diz que eu me relaciono com alienígenas ou coisas do tipo.
Ambos riram.
— SABE NÃO? QUE QUANDO VOLTAR À TERRA VAI ESQUECER TUDO, OUTRA VEZ?
— E vou esquecer tudo, porque não posso contar isso nos congressos.
Tahira deu mais uma e outra risada esganiçada e todo seu corpo tomou-se de ouro; e não só uma máscara, mas todo seu corpo dourou. Sean viu que ela se tornava de rabiscos, que ela se transferia para o desenho da parede da pirâmide, e lá ficou, quieta, sem mais poder voltar para Clarice, para o Jornal distopia, para o flat, para o corpo dele.
“Habaitak!” soou não muito distante.
— Sabe onde está Oscar, Tahira? — ele ainda falou com a parede e uma escada apareceu na areia esverdeada.
Sean sentiu gemidos, gritos de horror, sons de labaredas que se espalhavam em meio a mulheres maquiadas que queimavam na fogueira que crispava. Nada falou e desceu os degraus da escada tomada de areia verde.
O ambiente era escuro e fétido, com o cheiro ocre tomando conta de tudo.
“Sean... Sean... El Sean...”, escutou de repente.
Sean se virou e estava sozinho outra vez, confuso, sem saber se tudo o que acontecia, acontecia.
“Sean... Sean... El Sean...” voltou a ecoar no ar gelado, e Sean desceu o resto da infinidade de degraus até chegar num calabouço mais úmido e sombrio.
Correntes douradas espalhavam-se pelo chão e Sean ouviu passos. Correu com corpo de homem e vários corredores se fizeram a partir da saída da escada de pedras. Sean tentou ouvir os gritos novamente tentando localizá-los, e entrou no corredor à sua esquerda.
— Meu... — e parou de falar quando à sua frente, uma multidão reverenciava um enorme homem de pelagem cor vermelho feito fogo e cabeça de íbis. Abaixo dele, um esquife. Dentro, o corpo de Oscar Roldman.
Tudo ali era fúnebre e funesto. O terror, a presença do mal; e ele habitava lá, Sean teve certeza.
— POVO DE SHEE-AKHAN! — a voz cavernosa, igual da ancoradouro de barcos abandonados, falava. — PRECISAMOS NOS UNIR! ATRAVESSAR O PORTAL!
E gritos mais cavernosos ainda se fizeram ali.
“Atravessar o portal?”, e se Sean já tinha tido medo na vida, aquele era o momento para dizer que não.
— POVO DE SHEE-AKHAN, ESCUTE-ME!!! — gritava. — CHEGOU A HORA DE TOMARMOS O PODER!!! COMO A FARAÓ-LEOA DESEJOU!!! UM NOVO LÍDER!!!
E todo o entorno se tomou de imagens como as que o robô filmara, e correndo na areia esverdeada, estava uma faraó-leoa. Sean se olhou apavorado e viu sua mão acesa, que era ele quem fazia as imagens tomarem conta dali como Miro uma vez fizera no aeroporto do Cairo, e que talvez o robô da Computer Co. tenha filmado tudo aquilo.
Porque o jovem Sean Queise não só voltou no tempo dia 03/11 e se enviou o robô danificado, como o jovem ou o velho Sean Queise voltou mais ainda no tempo, para uma data anterior a escavação, durante a construção do robô pela equipe de Barricas, e permitiu que o robô tivesse aquilo que seus dons permitiam, gravar sons e imagens ‘à frente do nosso tempo’.
Sean não acreditou no que fez, e no que mais a amnésia roubou dele para sempre, e todos ali se movimentaram agitados quando a grande figura de um leão de pelagem vermelho-amarelada, usando uma cabeça de íbis, passou a correr na filmagem, atrás da faraó-leoa que fugia dele, que ele ia matá-la.
— NÃO!!! — berrou o leão fazendo toda estrutura de pedra e limo no entorno, vibrarem. — NÃO POVO DE SHEE-AKHAN!!! ISSO NÃO É VERDADEIRO!!!
Mas todo o corpo de Sean tornou-se um leão de pelagem dourada, e todos ali se rastejaram até ele. Sean encarou Shee-akhan/Wlaster/El Zarih/Jablah, e ele arrancou a máscara de íbis mostrando o leão de pelagem vermelho-amarelada, e tudo se tomou de chamas e os corpos ali se abriram em buracos que vertiam Shee-akhan.
— AHHH!!! — gritavam todos.
E Sean correu, e correu, e correu sobre quatro patas, tomado pela pelagem dourada, com leão de pelagem vermelho-amarelada correndo, correndo e correndo sob quatro patas, e ambos se lançando no ar, com Sean/leão sumindo e o leão de pelagem vermelho-amarelada atravessando-o, caindo do outro lado.
— NÃO!!! — gritou descontrolado quando Sean/leão abriu o esquife de Oscar Roldman e ambos se tomaram de rabiscos, sumindo dali, aparecendo na areia esverdeada, sob o Sol escaldante de um Egito paralelo.
Mulheres e homens de cabeças alongadas, egípcios, ou núbios, ou o que quer que eles fossem do outro lado do portal gritavam, e crianças e animais domésticos corriam do leão de pelagem dourado que Sean se tornara.
Oscar o viu sabendo que Sean Queise era um leão.
— NÃO TIRE CONCLUSÕES PRECIPITADAS, OK?
— Ok...
E gritos de puro desespero se fizeram, no que um leão de pelagem vermelho-amarelada se materializou e correu, correu, correu atrás deles. Sean largou Oscar no chão de areia, e correu sob quatro patas, se lançando contra o corpo d o leão de pelagem vermelho-amarelada, que também se lançou sobre ele, com seus corpos se chocando e lançando fogo para todos os lados, provocando o estrondo que ensurdeceu a todos.
— AHHH!!! — gritaram todos, homens e animais.
Um Sean/leão olhou para cima e o estrondo vinha da passagem do helicóptero V-22 Osprey, sem piloto, pelo portal.
— Sean?! — gritou Oscar.
— Entre Oscar!!! — gritou Sean/leão.
E Oscar se levantou e correu para onde o helicóptero V-22 Osprey estava aterrissando, quando o leão de pelagem vermelho-amarelada correu atrás de Oscar que corria até o V-22, e Sean/leão ganhou mais velocidade e alcançou Oscar primeiro o abocanhando pela roupa, que gritou por todo trajeto do jogo que Sean fez de seu corpo, que voou pelo ar, longe d o leão de pelagem vermelho-amarelada que ganhou pernas e braços e a forma de Wlaster, estancando a velocidade e parando para encarar um Sean/leão que voltava a ser humano.
— Por quanto tempo mais vai me atrapalhar?
Sean que ainda vestia o colete dado por Dolores, se colocou em posição de Krav maga.
— Agente Wlaster Helge Doover! Você bem que tentou não?
— Sean Queise! Eu bem que tentei!
E ambos se atacaram, lutaram, com braços em movimentos cadenciados, um tentando quebrar o outro usando 2/3 de suas forças, e ambos foram ao chão. Sean se levantou vendo Oscar levantar voo no helicóptero V-22 Osprey e correu ganhando patas novamente, ganhando pelagem dourada e velocidade, correndo de Wlaster que ganhou patas, pelagem vermelho-amarelada e correu atrás dele.
Mas Sean correu, correu, e se lançou no ar perdendo patas, pelagem dourada, atravessando a fuselagem do V-22 e caindo dentro do helicóptero com Wlaster caindo junto.
Oscar impactou ao ver Sean lutando no chão do helicóptero entre socos e pontapés com o corpo de Wlaster, quando ele virou o V-22 de ponta cabeça e ambos se chocaram contra a fuselagem do helicóptero.
— Voe para Nabta Playa!!! — ordenou Sean.
— Não Sean!!! Não podemos levá-lo de volta a Terra!!!
— Voe!!! Voe!!! Voe!!! — e Sean puxou o corpo de Wlaster, atravessando ambos a fuselagem do helicóptero, e ambos caíram na areia fina, esverdeada quando um grande estrondo seguiu-se de uma explosão e a jaqueta de Sean Queise se inflou.
O helicóptero V-22 Osprey desestabilizou e Oscar segurou-o firmemente para ver que sobrevoava Nabta Playa, e que a grande explosão abrira um grande e maciço buraco negro, e tudo estava sendo sugado para dentro; tendas, escombros, e a pirâmide de Afrânio, Samira e Clarice.
— Sean?! — gritou Oscar desesperado vendo que o buraco negro se fechava e o helicóptero perdia altitude, entrando no buraco negro também. — Sean?! — gritava desesperado, com o helicóptero V-22 Osprey em um movimento espiralado, girando, girando, girando e Nelma, a bela Nelma entrando no seu escritório da Trafalgar Square sorrindo, levando pelas mãos o loirinho Sean Queise, cheios de bexiga, feliz por mais um aniversário de morangos dos quais ele não gostava. — Sean querido... — e Oscar desmaiou com o helicóptero caindo na areia branca, quente, com carros da Poliu chegando para resgatá-lo.
Dolores desceu correndo de um dos carros.
— Sr. Roldman?! Sr. Roldman?! — e Dolores tirou Oscar que voltava a si dos destroços, vendo que o buraco negro se fechara.
— Não... Não... — mas Oscar se debatia. — Sean ficou lá...
A bela e jambo Dolores só arregalou os olhos verdes e o encarou.
— Acredita mesmo que algum dos dois Sean Queise já tenham falhado alguma vez?
E a pergunta dela calou Oscar Roldman.
FINAL
Trafalgar Square; Londres, Inglaterra.
51° 30’ 27” N e 0° 7’ 40” W.
24/07; 11h00min.
Sean Queise estava trancado numa sala da Polícia Mundial já há muito tempo quando Oscar Roldman entrou e ele se levantou.
— Aqui está a pasta cor de vinho! — Sean foi logo a esticando na mão. — A pasta cor de vinho que se escreve sozinha.
— Aonde... — Oscar tremeu.
— Interessa mesmo? — Sean o encarou e Oscar nada falou.
Oscar leu, viu que certos detalhes nunca foram escritos ali ou se apagaram.
— Acha que Trevellis aceitará isso?
Sean deu de ombros.
— Ele sempre soube o que Mona era capaz de fazer, então... — Sean sorriu cínico se levantando, e abriu a porta como um ser normal faria.
— Onde você estava?
Sean estancou.
— Consertando erros.
— Spartacus lhe filmou em Abu Hamed.
— Se você sabia onde eu estava...
— O que fazia no asilo Faãn, Sean querido? — Oscar insistiu mesmo assim.
— Enterrando o corpo de Najma, naquilo que era a única coisa de valor para ela — e se virou para Oscar. — Porque Tahira permitiu que eu soubesse onde ela escondeu o corpo de Najma depois do ataque — e saiu da sala.
Mas a voz de Oscar o alcançou no corredor.
— Você a amou Sean querido?
— Eu amei Kelly, Oscar — Sean voltou até a sala. —, desde a primeira vez que a vi — e Sean sabia que ele nada falaria, que ele sabia que Nelma usava Kelly para controlar Sean e ele próprio. — Seu silêncio é para não perguntar quando foi a primeira vez em que a vi? — e o silêncio era para aquilo mesmo. Sean abaixou a cabeça e se virou para sair outra vez. — E você? Você a amou? — foi a vez de ele perguntar.
— Eu amei Nelma, Sean. Desde a primeira vez naquela escola cara, para milionários.
— Na escola que vocês quatro frequentaram na Suíça?
— Não! Numa escola de papiros, antes de ela nascer.
Sean se voltou para ele de olhos arregalados, porque eles podiam amar o que ainda não existia.
E engoliu aquilo sentindo seu coração disparado, com uma sensação estranha de algo estranho acontecendo dentro dele, dele ser filho de uma egípcia que o segurava no colo, embalado por estranhos seres de olhos amendoados, filho de um Roldman, talhados por um dom paranormal, ‘além do nosso tempo’.
— Mas foi ao meu passado que eu voltei... — e Sean sentiu a respiração de Oscar alterar. —, porque havia um parque de diversão...
— Não faça isso Sean! Fernando te amou.
— Eu te amo Oscar — e Sean viu que foi Oscar quem sentiu todas suas estruturas desabarem. Oscar caiu sentado em choque, com lágrimas nos olhos, inclinando a cabeça até chegar à mesa e nela desabar de chorar. — Mas também amei Fernando. Porque ao contrário que Nelma pensa, posso amar dois pais.
— Sean...
Mas Sean ergueu uma mão que ficou no ar.
— Não Oscar. Não sei o que será daqui para frente, se as escolhas que fiz, as fiz corretamente; se amar Kelly, aceitando a decisão de meus pais para que me case com ela desde quando ela era uma first, ou se o amor que ambos sentimos um pelo outro, não é só solidão — e parou. — Mas decidi pagar o preço dessa escolha, e mergulhar de cabeça no precipício para amá-la como nunca amei mulher alguma.
— Sean... — e Oscar viu Sean sair pela porta. — Sean... — e Oscar viu Sean não responder. — Sean? — e ele não voltou.
Mansão dos Queise; São Paulo, capital.
23° 34’ 12” S e 46° 40’ 20” W.
24/07; 11h11min.
A campainha tocou incessantemente. Nelma correu para atendê-la, impactando ao ver Sean Queise ali parado.
— Sean?
— Olá mamãe...
Nelma não acreditou no que ouviu.
— Ahhh... — olhou para dentro meio que zonza, sem saber o que falar, depois de mais de sete meses sem vê-lo. — Feliz aniversario.
Sean sorriu fazendo sua pele brilhar.
— Obrigado!
E Nelma voltou a olhar para dentro meio zonza.
— É que não comoramos porque…
— Eu sei…
— Entre! Hoje vamos fazer bacalhau.
— Eu sei... Senti o cheiro de longe.
— Sean... — Nelma riu sabendo que aquilo podia ser verdade, porque ele era diferente, especial, um Roldman.
E porque sempre fazia bacalhau para comemorar, mesmo sabendo que o comemorava em Londres.
A sala estava arrumada como sempre, limpa, arejada quando Sean sentou-se no grande sofá de veludo e se virou para trás, impactando ao ver a maçaneta da porta do escritório do pai arrebentada.
— O... — quase não consegue. — O que houve com a maçaneta? — apontou.
— Não sei! Alguém arrombou a porta do escritório de seu pai.
Sean tremeu todo se levantando até a porta. Tocou a maçaneta, mas não havia nada lá, nenhuma energia gravitante. Abriu a porta e dentro do escritório, um notebook de última geração numa mesa de aço e vidro, uma tela de LED na parede e uma poltrona de couro novo, em meio a livros e DVDs; nada que lembrasse onze anos atrás.
Mas havia algo ali, um paradoxo criado na maçaneta arrebentada.
— Por que ainda o deixa assim?
— Lembranças são coisas boas Sean…
— Sim… são… Posso... — e Sean voltou a tremer no que sentiu sua mãe atrás dele, dentro do escritório.
— Você está bem?
— Posso... — e Sean não sabia como falar aquilo.
— Sim... — foi o que ela disse.
Sean se virou e saiu do escritório, atravessou novamente a ampla sala de visitas e chegou até a escada de mármore branco, subindo os degraus sem ouvir nada, um único grito. Chegou ao corredor e lá muitas portas como Kelly havia dito.
Sean parou de andar em frente da porta de seu quarto e sentiu que sua mãe estava ali, atrás dele, tentando decifrar sua ida até a mansão, no dia de bacalhau, depois de tantos anos do suicídio de Sandy Monroe e da morte de seu pai.
Mas Sean não teve coragem de entrar no seu quarto, de ver que havia pôsteres da Pamella Anderson na parede e um fliperama cheio de roupas sujas em cima.
— Eu...
— Entendo meu filho. Não precisa entrar — sorriu Nelma.
Mas Sean precisava entrar, saber que erros mais havia cometido. Tomou-se de coragem e virou a maçaneta. Lá, um quarto azul, arejado, com um edredom florido e um abat-jour em cima de uma mesa de cabeceira.
— Meus... — e parou.
— Eu limpei o quarto Sean. Tirei tudo que me lembrasse a sua perda.
Sean encostou-se à parede do corredor e foi até o chão, até os pés de sua mãe e chorou agarrado a ela. Nelma escorregou também e o abraçou; e Sean sentiu mais uma vez o que era ser amado.
— Perdão... — soou sofrido.
— Não há o que perdoar filho. Você não fez nada.
Mas Sean havia feito. Muita coisa que não se esqueceu.
— Sabia que Santo Agostinho não podia afirmar que não existia na memória dele aquilo de que não se lembrava, mas também não sabia como podia o esquecimento estar na memória dele, se não para que não se esquecesse dela?
— Sabia que você sempre foi um apaixonado pela filosofia?
E Sean sorriu para ela, ambos no chão do corredor, abraçados como há muito tempo.
— “Enfim, seja como for, apesar de ser inexplicável e incompreensível o modo como se realiza este fato, estou certo de que me lembro do esquecimento, que nos varre da memória tudo aquilo de que nos lembramos” — porque ele sabia, porque ele se lembrava de muita coisa.21
Bairro do Brooklin Velho; São Paulo, capital.
23° 37’ 48” S e 46° 40’ 41” W.
02/06; 08h00min.
E foi por uma visita que Sean Queise começou a acertar contas, no que o avião da Polícia Mundial aterrissou em São Paulo, capital. Porque as coordenadas 23° 37’ 48” S e 46° 40’ 41” W o guiaram para um bairro da capital, sabendo que lá uma garrafa de Alicante Bouschet, uva tinta da família da Vitis vinifera, resultante do cruzamento das uvas Grenache e Petit Bousche, seria bem aceita.
A campainha tocou e uma bela morena de olhos verdes e pernas roliças, sobressaltou ao ver o belo loiro de olhos azuis e barba rala, lhe sorrindo.
— Sean Queise? — sorriu Dolores Trevellis. — Quem diria?
— Impactada?
— Totalmente! — sorriu outra vez apontando para a ampla sala, contendo tudo; sala, cozinha, e quarto, num estilo pomposo e britânico. — Entre!
— Obrigado! — Sean entrou não sabendo se já estivera ali, mas sabendo que o vinho era o preferido dela. — Eu estava passando por aqui.
— Interessante saber que passava por aqui às oito horas da manhã.
Ambos riram.
— Para você! — entregou o vinho trazido.
— Nossa! Um vinho de castas cultivadas em Portugal? Isso tem alguma conotação?
— Deveria?
— Fui eu quem permiti sua entrada na Poliu de Lisboa, Sean Queise. Logo após a morte de Sandy Monroe, que era minha amiga.
— Wow!
— Impactado? — foi a vez dela.
— Totalmente! — e Sean olhou o entorno.
A decoração era branca e de madeira laqueada, que seguia um estilo inglês, com figuras de porcelana, espelhos, e muitos quadros românticos, mostrando o quanto Dolores era conservadora, como o vestido sem decotes que usava.
— Gostou? — mas foi para o apartamento que apontou.
— Já estive aqui?
— Não. Sou tão conservadora quanto minha decoração.
Sean achou graça. Ela sabia que ele a estava perfilando, lendo sua mente.
— Conservadora o suficiente para saber que você não aprovou Sandy me vigiando?
— Ela o amava.
— Não acredito nisso.
— Não quero discutir isso — e Dolores foi para a cozinha colocar gelo num balde, onde enterrou a garrafa de vinho às oito horas da manhã. — Porque não perdoei meu pai, nem Mona, nem a Poliu. Por isso o coloquei lá dentro, nos porões da corporação de inteligência, para você se tornar o que se tornou.
— Mas você continua na Poliu.
— Há coisas que são intrínsecas ao ser, não Sean Queise?
Sean também achava aquilo.
— O vinho... — apontou. — Posso? — e estourou a rolha, servindo duas taças.
— Obrigada por ter salvado a minha vida e de meus subordinados na Unicamp.
— Não há de que. Fica me devendo algo.
— “Algo”? — ela o olhou de cima abaixo. — Sua vinda aqui não foi tão ‘eu estava passando por aqui’, foi?
— Não! Nem perto do que minha ‘mamãe’ fazia — foi a sua vez dele rir.
Dolores não entendeu, mas prosseguiu atenta, alerta.
— O que quer de mim Sean?
— Seu pai sabe que tem um apartamento aqui em São Paulo?
— E por que ele deveria saber?
— Porque quero saber o quanto vocês se comunicam agente Dolores Trevellis?
— O suficiente...
— Ótimo! Conhecia Robert Avillan?
— Amigo de Oscar Roldman.
— Esse mesmo! Ele era amigo de Mark O’Connor, Ahmad Al-badi, Nazih Sab`bi, Schiller König, Stefano Cipollone, Giovanni Bacci, Aaron Augustine, Christian Tyrone, Robert Avillan e Alam Al Alam Al Alam
— Amigos de meu pai.
— Esses mesmos... Senhores das armas.
— O que quer Sean?
— Também quero uma arma, Dolores. Uma arma capaz de fazer uma máquina mudar o mundo, a visão de passado, presente e futuro.
— Do que está falando?
— Sobre siddhis, Dolores; Devanam Saha Krida anudarsanam, para testemunhar e participar dos passatempos dos deuses.
— Você é um siddha?
— Sou? É o que a pasta cor de vinho roubada da Poliu diz sobre mim?
Dolores teve medo dele.
— Não faça isso Sean. Criar um ‘Paradoxo Final’, faz o viajante do tempo mudar a história, de modo que a viagem no tempo que fez, nunca seja inventada.
— E eu nunca iria conhecer uma Sandy Monroe suicida?
— Nem uma Kelly Garcia apaixonada.
E os olhos azuis de Sean Queise brilharam.
— Dolores...
— Como chegou até aqui, Sean Queise?
— Não sei. Coordenadas, provável.
Dolores riu:
— Foram sempre as coordenadas que te guiaram, não? Você fazendo contas e comandando Spartacus pela mente. Porque dizem dentro da Poliu, que você tem uma amnésia de evento para trás ou retrógrada. Alguns amigos arriscam dizer que você tem amnésia de evento para frente ou anterógrada. Já meu pai não acreditava em nenhuma das duas.
— Trevellis acha que estou mentindo? Porque não imagina o que é acordar de repente em um lugar desconhecido, e não ter a menor ideia de como foi parar lá; estar cercado de pessoas completamente desconhecidas e receber a notícia que um e outro são seus pais, funcionários, amigos e inimigos e não reconhecê-los, não conhecer sua história, seus planos, seus erros.
— Posso perguntar algo, Dolores?
E Dolores se levantou para servir-lhes mais vinho.
— Vá em frente!
— Acha mesmo que eu posso fazer tudo isso que essa pasta cor de vinho diz?
— Nunca tive acesso a essa pasta cor de vinho Sean. Juro! Mas meu pai acreditava que sim. Isso e muito mais. ‘Coisas que até Deus duvidaria’, ele dizia.
— Achei que ele me odiasse.
— Ah! Sim! Ele te odeia! — riu. — E o ama também. Talvez o filho homem que nunca teve — e voltou a rir. — Porque sabe que ele teve três filhas mulheres e que você e minhas outras duas irmãs, Umah e Zôra Trevellis, já tiveram algo.
Sean sentiu-se mal. Não sabia de tantas coisas assim.
— Você sabia sobre a vigia?
— Ao asilo Faãn?
— Desgraçados! Vocês sabiam que eu estava vivo?
— Hei! Calma lá! Soube comentários sobre, não participei disso. E meu pai não quis me dizer se sabia.
— Droga! Quem é Tahira Bint Mohamed?
Ela viu a mudança rápida, mas conectada.
— Uma ufoarqueóloga que escreve para uma revista chamada Distopia.
— Por que a Poliu a vigia?
— A Poliu vigia todo mundo.
Sean achou graça.
— O que ela quer comigo?
— Não faço a mínima ideia. Mas ela estava onde você estava; sempre. Congressos de ufologia, reuniões ufológicas e todas as esquisitices que você frequentava. E mesmo com Kelly Garcia ali presente.
— A Srta. Garcia a conhecia?
— Não. Ou já teria dado um escândalo — Dolores riu. Mas viu que dessa vez Sean não achou graça. — Não acredito nisso. Você ama Kelly Garcia?
— Por que acha que não?
— Não acho nada. De você não duvido nada. Nem que Sandy tenha percebido que você amava sua secretária, digo, sócia.
— Não vim falar da Srta. Garcia, Dolores. Não quando me proponho a pagar o preço justo por informações.
— Nossa! Estou realmente impactada Sean Queise, porque...
— Porque você estava no meu voo para Portugal, vigiando Tahira não a mim.
— Não sei do que está falando?
— Sabe! Você estava lá Dolores, com suas pernas roliças perguntando se eu queria um aperitivo, uma água, talvez.
— Como... Como se lembrou? — Dolores levantou-se furiosa. Bebeu toda a taça e partiu para a terceira. Depois se virou para ele. — Você não podia saber que eu a vigiava. Não podia ler minha mente. Fomos treinados para bloquear vocês.
— Porque todo agente da Poliu é treinado para bloquear os espiões psíquicos que criaram.
— Interessante... — Dolores voltou a se sentar.
— Então vou voltar a perguntar, por que vigiava a Srta. Tahira?
— Porque ela estava envolvida com Mustafá Kenamun.
— Envolvida como?
— Conhece Mustafá?
— O médico ou o policial?
— O sacerdote da escola do papiro que Joh Miller frequentava.
— A escola de mistérios que detém o conhecimento sobre o Fator Shee-akhan?
— A escola que perdeu o conhecimento sobre a planta Shee-akhan, Sean Queise, após um dos iniciados, ou iluminados, ou qualquer palavra que os defina, roubar a fórmula, e começar a matar todos aqueles que detinham tal conhecimento.
— O que esse iniciado assassino quer?
— Poder total sobre a Terra. Ou não imagina o que seja entrar em outra pessoa e comandá-la?
— Wow! Por isso ele queria me eliminar?
— Acreditamos que sim.
— Quem é ele Dolores?
— Não sabemos. E acredite, não sabermos é algo inusitado.
— Nem com todos os espiões de Mona?
— Nem com eles. Não conseguimos saber nada dele.
— Porque ele é um siddha que os bloqueia.
— Acho que ele é coisa pior e mais perigosa do que a Poliu acredita.
— Mas eu não sabia nada sobre essa planta Shee-akhan, sobre esse Fator Shee-akhan ou qualquer coisa do tipo; então por que me eliminar?
— Como pode saber que não sabia nada sobre Shee-akhan? — gingou o corpo roliço.
Sean não quis prolongar aquilo. Porque não podia saber. Ou sabia e não sabia que sabia.
— E por que a Srta. Tahira é importante, Dolores?
— Ela é o último elo com a entidade de mulheres que protegiam as mulheres faraós.
— “Último elo”? E por que ela estava atrás de mim?
— Não sei, já disse. Porque ou ela havia descoberto seus poderes paranormais e precisava de sua ajuda, ou ela queria eliminá-lo antes que você dominasse o Fator Shee-akhan também.
— Porque a escola do papiro vem eliminando muita gente, porque quem mata é quem se menos espera?
— Não entendemos toda a hierarquia daquilo. Os psi de Mona são limitados porque alienígenas podem bloqueá-los também, já que foram eles quem ensinaram as técnicas milênios atrás, a iniciados como Mona e sua irmã.
— Voltamos a Srta. Tahira então?
— Não! — Dolores levantou-se e tomou a quarta taça de vinho. — Voltamos a sua proposta inicial sobre ‘pagar o preço justo por informações’ — e abriu e fechou a perna mostrando que o vestido até podia ser sem decotes, mas suas atitudes não.
Sean agora começou a gostar daquela Dolores Trevellis sob o efeito do álcool, e que perdia seu conservadorismo rapidamente nos dois primeiros botões do vestido aberto.
Ele se levantou e se serviu de mais vinho quando ela alcançou os lábios dele.
— Você é uma Trevellis...
— Você é um Roldman...
Sean gargalhou.
— E mesmo que eu fosse um Queise?
E a resposta foi a mão que abriu o cinto, o zíper, os botões da camisa, e que tirou tudo aquilo. Sean entendeu que para Dolores, naquele momento, sua linhagem não era tão importante assim. E afinal, pagar o preço justo por informações, com aquelas roliças pernas jambo deslizando sob as dele, não era nenhum fardo.
Flat de Sean Queise; São Paulo, capital.
23° 33’ 31” S e 46° 39’ 44” W.
02/06; 14h00min.
Sean girou a chave e encontrou Tahira sentada no sofá chesterfield de couro preto.
— Devia ter trocado o segredo da minha porta, não?
— Eu teria trocado também.
Sean riu. Tinha que rir. Mesmo porque ainda estava sob o feito do álcool e do corpo roliço da filha de Mr. Trevellis. Entrou, fechou a porta e ficou observando Tahira e sua escandalosa calça e blusa fúcsia, de um tecido metalizado que mais lembrava roupas espaciais.
— Você deve perder um tempo considerável no mercado encontrando roupas que combinam com você, não?
— Não estou de bom humor Sean yá habibi.
Sean voltou a rir e ela sentiu o aroma de vinho chegar até ela. Mas Sean não prolongou aquilo.
— O que você quer? — foi a frieza em pessoa.
— Precisa voltar ao Egito.
— Pode me matar aqui se quiser.
— Do que você está falando? Bebeu além da conta com a comissária?
Sean não gostou daquilo. Elas se vigiavam.
— Basta Srta. Tahira. Perguntei o que você quer?
— Jura? Já disse! Precisa voltar!
— E por que acha que quero te ajudar?
— Me ajudar? — deu uma gargalhada tão esganiçada que Sean sentiu ferir seus tímpanos. E a roupa dela, os cabelos ruivos embaraçados, e toda ela escandalosa, chamavam a atenção dele. — Quem disse que preciso de ajuda Sean yá habibi?
— Do que é que...
— Você precisa de ajuda Sean Queise, da minha ajuda. E da ajuda de Allah para conseguir desfazer tudo que fez.
— Que eu fiz? Do que...
— Sabia que não devia ter exposto aquela história.
— Eu não expus nada. Foram os espiões psíquicos de Mona Foad. Foi Joh Miller e aquelas listas. Eu só falei em congressos sobre teorias de conspiração. Nunca acreditei naquilo tudo.
— Jura? Você acreditava Sean Queise. Eu estava lá. Eu ouvia suas histórias fantásticas sobre entidades de homens sem nome entrando em corpos.
— Você é louca! Totalmente louca! Eu nunca...
— Mas você foi lá, não? Você precisava ver com seus próprios olhos. Você foi a Nabta acionar Shee-akhan!!! — gritou.
— Eu não acionei nada!
— Acionou! — exclamou furiosa. — Porque o Fator Shee-akhan entrou em você quando tocou a parede da pirâmide, tal qual Afrânio e Samira onze anos atrás.
Sean agora se sentou. Porque precisava se sentar. E porque ela sabia de muita coisa que ele não tinha a mínima ideia de como ela sabia.
“Ou sabia?”
E talvez ele soubesse, porque se viu tocando a parede de uma pirâmide, porque viu algo tocando sua pele, algo penetrando sua corrente sanguínea até sacudir o braço e aquilo não sair, navegar por ele, e tomar conta de seus olhos que enegreceram.
— Ahhh... — Sean foi ao chão do flat sentindo que estivera em Nabta Playa, provável como Tahira dissera.
— Você foi lá não?
— Eu não... Eu não sei...
— Foi Sean Queise!
— Não... Não... Eu não me lembro...
— Lembra! Porque você ativou algo que entrou em você.
— Não... Eu não fiz isso.
— Fez! E fez algo que ninguém podia fazer, que não permitiu que você morresse naquela explosão, que lhe salvou de alguma forma e de muitas maneiras porque elas precisam de você vivo, de seus dons intactos, e tudo isso para controlar aquele que roubou Shee-akhan; para você consertar seus erros, Sean Queise.
— “Elas”? — e Sean lembrou-se das noites de choros e lamurias, dos seis meses em que Jablah tentava matá-lo sem conseguir. E lembrou-se delas, das mulheres da parede do asilo, das mulheres negras e douradas com cabeça de pássaro, que morriam na fogueira; e de toda sua linhagem alienígena que pedia socorro. — O que... O que você quer de mim?
— Já disse que não quero nada de você. Só que conserte o que fez.
— Eu não fiz nada. Eu juro! Você mesmo disse que se aquilo entrou em mim, foi porque ele me escolheu.
— Ah! Muito bom Sean yá habibi! — e se aproximou dele. — Então mostre a que veio! — e se dirigiu para a porta, para sair.
— Você não vai!
Ela parou sem entender a frase.
— Como é que é?
— Não vou ao Egito com você.
— Jura? Você não manda em mim.
— Você fica! E você fica porque a Poliu te vigia.
— Eu sei o que a Poliu faz Sean Queise. Anos a fio, na minha cola. E nem sempre eles são tão bonitos, gentis e gostosos quanto sua comissariazinha. Por isso, não me venha...
— Você fica!
Tahira se aprumou. Ela o amara tanto, por tantos anos, por tantas oportunidades buscadas e agora que estava ali, ao lado dele, e ele era frio, distante. Tahira virou-se e saiu do flat batendo a porta na passagem.
Sean se levantou ainda zonzo e se olhou no espelho. Ele era exatamente aquilo, a frieza em pessoa. E precisava voltar ao Egito.
Apartamento de Kelly Garcia; São Paulo, capital.
23° 33’ 41” S e 46° 39’ 23” W.
02/06; 21h00min.
A campainha tocou sem que o interfone fosse acionado. Kelly Garcia levantou-se da cama meio zonza pelo cansaço do dia a dia, do excesso de trabalho, de jornalistas na cola querendo saber mais, e Nelma Queise querendo saber mais e mais. E ainda Sean e aquela amnésia que não a deixava mais saber qual o papel dela na vida dele, ou se já tivera algum.
Andou descalça, vestindo uma camisola de seda amarela até a porta, e olhou pelo ‘olho mágico’. Mas não foi um Sean Queise jovem de barba rala quem estava ali.
Kelly abriu a porta e Oscar Roldman a olhava.
— Boa noite Srta. Garcia.
— Por que não me procura na Computer Co. Sr. Roldman? Os porteiros ficam comentando.
— Perdão! Não quis ir a Computer Co. justamente para evitar comentários.
Ela respirou pesado.
— Entre! — Kelly o viu entrar e se acomodar no sofá.
Fechou a porta e ficou esperando tempestades.
— Nelma acha que Sean está com ciúme de mim.
— Acha?
Oscar não se mostrava já tão simpático.
— Você vai ter que desmanchar isso. Não quero meu filho mais distante ainda do que já está.
— Não sei como ‘desmanchar’ isso Sr. Roldman, porque nem sei como isso foi feito. Sean foi para o Egito, já com essa ideia maluca a nosso respeito, e voltou pior do que foi.
— Por isso mesmo! — se levantou colocando as duas mãos em seus ombros. — Quero que você me ajude... — e Oscar arregalou os olhos para a porta por onde acabara de entrar.
Kelly se virou ainda com as mãos de Oscar Roldman em seus ombros e Sean os olhava da porta aberta.
— Como você se atreve a abrir minha porta?! — gritou furiosa.
Mas Sean Queise só tinha olhos para Oscar Roldman, que tirou as mãos de Kelly Garcia que dobrou os braços tentando esconder os seios pouco escondidos na camisola bordada.
Sean então se virou e saiu.
— Sean?! — gritou agora Oscar o fazendo estancar. — Deixe de besteira e volte aqui!
E Kelly sabia que a tempestade arriava porque Sean voltou e entrou no apartamento dela mais furioso ainda.
— Só vim avisar que vou voltar ao Egito! — Sean só encarava Kelly ainda escondida pelos braços delicados e gelados pelo medo.
— Por Najma ou Tahira? — também foi uma pergunta fria.
Sean a encarou.
— Você sabe que eu a vi hoje, não?
— Eu fui ao flat...
— Como todos os dias. Perseguindo-me, me vigiando, porque eles te mandam me perseguir e me vigiar! — apontou para Oscar num tom de voz mais alto do que o necessário.
E Oscar Roldman não gostou daquela insinuação, nem daquele tom usado.
— Como se atreve seu mal educado?
Mas Kelly levantou uma mão e ambos se calaram.
— Sim! Vigio-lhe! Como todos os dias.
“Droga!”, Sean a encarou com olhares depois de fazê-lo com Oscar.
— Não vou voltar ao Egito por elas, mas tenho que dizer que a Srta. Tahira me forçou a isso, pelas coisas que ela disse. Mas não vou com ela, disse isso a ela, também.
— Entendo...
— Sei que não entende! Mas preciso me lembrar de coisas, de todas as coisas que fiz, que provoquei.
E Oscar Roldman o encarou.
— Porque sabe que fez! — foi ele quem falou.
— Basta! Porque você é tão culpado quanto eu.
— Como é que é? Como se atreve a falar comigo nesse tom?
— E em que tom quer que eu fale para um homem que me negou conhecimento?
— Deixe de besteira! Você está louco, Sean.
— Talvez sempre tenha sido louco, não Sr. Roldman? Por isso não quis assumir uma criança problema!
— Talvez mesmo. Porque talvez Trevellis tivesse razão quando aconselhou Fernando levar você a um psiquiatra.
Sean deu dois passos e Kelly segurou os outros passos que o permitiriam se aproximar do pai.
— Psiquiatra como o Dr. Juca? Para dizer que minha loucura é genética?
— Como se atreve seu…
— Por que devolveu o pacote a Samira?! — e Sean berrou descontrolado.
— Foi Fernando quem devolveu.
— Meu pai não fazia nada sem pedir-lhe orientação!
— Você está louco!
— Sempre fui?! Por que você e meu pai não deixaram saber que ela havia enviado algo a mim?!
— Deixei quem saber? — Oscar suava de nervoso. — Do que está falando?
— Você mandou meu pai devolver algo que Samira me mandou.
— Acha que eu ia envolver ainda mais uma criança de catorze anos nas loucuras da Poliu?
— Basta! Porque não fez outra coisa na sua vida além de me meter em encrencas com a Poliu, que você ajudou a criar.
— Você está louco! Totalmente louco! Você se envolveu com Trevellis, não eu.
— Você, Nelma, Fernando e Trevellis que me envolveram em tudo isso. Sempre! Sempre me obrigando a fazer coisas pelo bem da Computer Co., que criava Spartacus para você ter Trevellis nas mãos — apontou o dedo para ele.
— Sean! Não faça isso! Ele é seu pai! — Kelly se enervou mais ainda.
— Não tenho pais Srta. Garcia! — e ambos perceberam o plural. — Nem ‘mamãe’ alguma, já que até agora ela não saiu da sua ‘zona de conforto’ para me ver, para tentar algo que parece ninguém desejar... — jogou um olhar ao pai.
— Insolente...
Sean Queise ficou mais furioso com Oscar Roldman.
— Chega Sean! Porque sabe que foi você quem provocou essa distância de sua mãe — Kelly o largou.
— Provoquei? O que provoquei hein? — olhou para ela. — Hein? — olhou para Oscar. — Ou talvez tenha provocado — voltou a olhar Kelly. —, porque eu nasci para ser um troféu na mão dela, que mantinha os dois amantes me usando.
— Cale a boca Sean! — foi a vez de Oscar sair do eixo e todos quadros na parede da sala, os cinco, foram ao chão estilhaçando vidro em meio aos gritos assustados de Kelly. — Você perdeu todo respeito por sua família.
— Que família? Porque foi só um monte de incongruências que moldou minha vida.
— Você é mesmo um moleque insolente... — e Oscar desistiu se sentando, colocando os pés em cima da mesa, mostrando intimidade com o lugar.
E Sean ficou cego pelo ódio, porque o ciúme o deixava cego de ódio.
— Vá embora Sean... — a voz dela era triste. —, sei lá para onde você decidiu ir — ela o viu lhe encarar. — E só volte aqui outra vez quando tiver certeza do que fala.
— Por quê? Acha que não sei do que falo Srta. Garcia?
— Pensei que sua amnésia tivesse lhe tirado tudo, Sean querido? — Oscar voltava a desafiá-lo.
— Basta! Já disse que não quero falar com você.
— E por quê? Sabe o porquê Sean? — Oscar Roldman ergueu-se furioso. — Vamos! Mostre essa coragem que nunca teve.
— Como se atreve... — e Sean foi brecado por Kelly que segurou o corpo dele que ia outra vez para cima de Oscar.
— Atrevo-me a que, Sean? Você não seria nada sem mim. Não seria nada sem Fernando! Nada se ele não tivesse lhe dado tudo para se desenvolver, todos aqueles bancos de dados para treinar e se treinar, se tornar o que se tornou.
— Basta!!! — berrou descontrolado fazendo móveis, porcelanas e tudo que havia ali, levantar e cair de novo, em meio às luzes que apagaram e acenderam e apagaram novamente para se acender sob os olhares apavorados de Kelly Garcia.
— Deixe-o Kelly! Deixe Sean se aproximar, mostrar que não tem nada além dos nossos dons esquisitos... — e foi a vez de Oscar Roldman ser esbofeteado sem que Kelly percebesse que Sean saiu do lugar.
Ela se alarmou ao ver Oscar sangrando no chão e Sean ainda ali, a olhando.
— Nossa patrãozinho! Que monstro você se tornou?
E Sean nunca havia sentido tanta dor quanto a que sentiu naquelas palavras. Porque ela não podia ter dito aquilo, não ela quem ele amava. Virou-se e a porta fechada se abriu para ele passar, e se fechou após sua passagem.
Foi embora em choque novamente, porque talvez ele tivesse sido aquilo a vida toda, um monstro frio e esquisito.
22
Cairo International Airport; Cairo, Egito.
30º 7’ 19” N e 31º 24’ 20” E.
03/06; 14h00min.
Sean chegou ao Cairo mais tenso que da outra vez. Tenso, frio, monstro e não se lembrando de nada, ou quase nada; porque sabia que estava mais tenso que antes.
— Sean Queise? — falava num tom alto, num inglês arrastado, cheio de sotaque árabe, um homem de pele morena que suava muito. — Sean Queise? — insistiu o homem novamente, agora mais perto dele. — Eu sou o policial Mustafá, Mustafá Kenamun.
Sean não mexeu um único músculo do rosto e Mustafá também de lá não saiu.
— E eu deveria saber quem é você, policial Mustafá Kenamun? — e segurou a valise com o notebook dentro com mais força.
— Eu era o policial encarregado de sua segurança quando veio a primeira vez ao Cairo.
— Ah! — exclamou Sean, sarcástico. — É algo sobre aquela segurança que não funcionou no hotel de Heliópolis, da qual está falando? — ele viu Mustafá se encolher. — O que quer comigo, Mustafá? Além de tentar querer ativar minhas glândulas gliais?
— Você... — arregalou os olhos que quase soltaram das órbitas. — Você me reconheceu?
— Nem sei o que eu fiz — e se virou para ir embora.
— Não posso... — e segurou-o pelo braço. — Não posso deixar você ir Sean Queise, sem acompanhá-lo.
— Quem disse isso? — se largou dele. — Oscar Roldman?
— Não! — a voz esganiçada dela o atingiu. — Eu disse!
Sean se virou em choque para uma Tahira vestida ou quase isso, num curto berrante tailleur alaranjado que ele achou que tivesse vindo da loja sem a saia.
— Ainda procurando roupas especiais Senhorita? — e se virou para ir embora.
Caminhou até a esteira de malas em meio a agitação e burburinho, e retirou sua bagagem de mão, recomeçando a andar.
— Volte aqui Sean Queise! Não pode andar pelo Cairo sem minha proteção.
— Sua proteção? — gargalhava andando para fora do aeroporto.
Mustafá e Tahira se olharam.
E voltaram a segui-lo.
— Sean Queise! — Mustafá falava tão alto, que Sean resolveu parar ao ver que o homem chamava a atenção do estacionamento, do já agitado Aeroporto Internacional do Cairo. — Preciso fazer sua segurança, já disse.
— E por quê? — perguntava impaciente.
— Porque você precisa de nós para se esconder, antes que alguém perceba quem é você, Sean yá habibi.
— Antes que a prendam por falta de moral, melhor dizendo — Tahira ia falar, mas Sean emendou. — Já lhe falaram que uma mulher tem que saber se comportar aqui no Egito, Senhorita? — passou por ela indo embora.
Ela só teve tempo de girar os olhos e correr atrás dele.
— Jura? Não aprova minha toalete?
— “Toalete”? — Sean estancou a pesada mala no chão. — Deve estar me gozando, não? — ele viu Tahira sorrir de um jeito que ele não entendeu. Sean pegou a mala e recomeçou a andar para depois parar outra vez. — E o que a faz pensar que vou aceitar sua segurança, Srta. Tahira?
— Vamos Sean Queise, pense um pouco. A polícia egípcia, dessa vez, nada soube sobre a sua vinda e isso o torna um alvo fácil demais.
Sean tentou lembrar-se se sabia mais alguma coisa dela, mas nada. Talvez nem soubesse quem era ela de verdade, antes da amnésia.
“Droga!”
— Meu passaporte não foi brecado uma única vez — Sean a olhou confuso. — Mesmo eu estando morto.
— Isso! Porque você ainda está morto. Ou já tirou nova documentação e eu não sabia?
Sean não gostou de ouvir aquilo.
— Não. Estou usando cópias que tinha.
— Então? Posso fazer sua segurança? — Tahira sorriu-lhe, e Sean se pegou observando a curta roupa alaranjada da moça enquanto ela sorria.
Tentou parar de pensar naquilo.
— Droga! — nada mais disse e os três se dirigiram ao carro de Mustafá que mais parecia uma caranga. — Isso anda? — ironizou Sean, ao chegar ao estacionamento.
Mustafá não respondeu e Sean não viu outra maneira senão entrar, com Tahira percebendo que Sean trouxera a valise que deixara no táxi.
Corniche el-Nil; Cairo, Egito.
30° 2’ 37” N e 31° 13’ 46” E.
03/06; 14h55min.
Mustafá saiu do aeroporto e pegou a El-Orouba, depois a Salah Salem St até a 6 October Bridge para então alcançar a Corniche el-Nil.
Chegaram numa casa alugada por Tahira e Sean entrou sentindo todas as emanações de Samira Foad Strauss ali.
— Como conseguiu alugar o laboratório de Samira e Afrânio? — disparou nervoso.
Ela engoliu a saliva com dificuldades.
— Eu ia contar-lhe depois do jantar.
— Sabe que eu não preciso que me contem não? Que basta eu tocar paredes e objetos para sentir as energias gravitantes nelas.
— Não Sean Queise! Eu não sabia! Porque parece que você só ia aos congressos e eventos ufológicos, para se exibir para seus amigos, com a espanhola a tiracolo.
Sean deu dois passos e ameaçou avançar nela. Ela só piscou e Mustafá estava do lado dela. Tahira então se virou e foi para seu quarto batendo a porta, furiosa.
“Droga!”, Sean fechou os olhos e os punhos não acreditando que teria mesmo tido coragem de fazer algo a ela, mas Tahira fazia o sangue dele ferver de uma maneira que jamais imaginou acontecer.
Foi com sua mala e valise, para o quarto do fundo da casa para onde um Mustafá também furioso, apontou.
O quarto devia ser igual ao outro, simples; uma cama de casal, roupas de cama e banho novas, uma colcha florida e um ventilador no teto. Além daquilo, uma poltrona e um armário de madeira escura com duas portas abertas. Lá, também um banheiro particular onde Sean entrou e tomou um longo banho, tirando a barba. Apareceu na sala usando shorts, camiseta branca, meias e chinelo. Já Tahira vestia uma horrível camisola vermelha de laços coloridos feito um arco-íris.
Ambos não se falaram desde o quase avanço e aquilo estava tirando Tahira do sério. Já Sean acomodou a valise em cima de uma mesa de centro de vidro, sentou-se no sofá e ficou a observá-la. Mexia-se e remexia-se no sofá como quem está tentando uma posição que lhe agradasse, que o fizesse pensar melhor.
— Está com fome? — ela tentou um diálogo.
— Kochery!
— O quê? — Tahira o olhou com surpresa.
— Uma mistura de arroz, lentilhas, cebolas frita e espaguete, regados com um pouco de molho de tomate, e algumas gotas de molho picante.
— Como é que é?
— Sei lá! — Sean não entendeu porque falou aquilo, mas nada mais falou voltando a olhar a valise fechada.
Tahira girou os olhos indo preparar a mesa com xícaras que comprara; uma bela toalha de mesa, vaso com flores e nenhum interesse dele na sua ‘performance’.
Ela voltou logo depois.
— Eu preparei um lanche para nós dois, Sean yá habibi — e Sean não mexeu um músculo se quer. — Se bem que é só o que sei fazer... — riu para um Sean que continuava a observar a valise fechada em cima da mesa de centro. — A viagem foi cansativa? — Tahira arrumou os cabelos num coque que despencou duas vezes seu cabelo ruivo. — Eu sei que gosta de ovos com pão francês, Sean yá habibi, mas os pães aqui são em forma de broa e... — e nada dele responder. — Estou sendo castigada?
— O que queria comigo, Senhorita? — falou de repente se erguendo.
— Até que enfim você falou comigo.
— Não estou falando com você, e não vou falar com você. Estou apenas querendo saber por que você ‘morava’ no meu flat quando eu saía para trabalhar?
— Jura? Gostaria que eu tivesse morado com você lá?
— Basta Srta. Tahira! — fuzilou-a. — Eu disse que não queria que você tivesse vindo.
— Mas você não manda em mim.
— Nem você em mim! Mas você pensa que manda! Mas não manda! — e sentou-se descontrolado.
— Mas você sabe o que eu queria no seu flat.
— Não! Porque não confio numa Trevellis me dizendo coisas.
Tahira lhe o olhou de lado sabendo que era da comissária/agente Dolores Trevellis, da Poliu, de quem ele falava.
— Um furo de reportagem sobre seu contrato! — mentiu Tahira. — E fui até as últimas consequências para consegui-lo — completou.
— Wow! — Sean se virou novamente para a valise, estava nervoso e desconfiado, porque era claro que havia uma verdade ali, qual ele não sabia. — Não acredito em você.
— Eu te segui até o Egito, não?
— Não Srta. Tahira. Você não me seguiu nem até Portugal, já que tinha suas passagens compradas antes mesmo de eu comprar as minhas.
— Por que diz isso?
— Porque Dolores estava ali no voo para Portugal, te seguindo.
— Achei que não acreditasse numa Trevellis.
Sean a fuzilou.
— O que foi fazer em Portugal?
— Passear! Não foi o que eu disse quando você me perguntou?
— Não sei quando perguntei. Estou com amnésia — e ele não gostou quando Tahira riu. — Está achando graça? Então vou mudar o foco da pergunta; o que ia fazer no Egito já que também viajou para lá seis meses atrás?
— Já disse também Sean Queise! Vigiar a sua concorrência com a Eschatology Inc..
— Para a revista distopia? — foi pura ironia.
— Sim — respondeu com as ancas balançando na horrível camisola vermelha de laço arco-íris.
Ele sabia que ela mentia.
Prosseguiu:
— Por isso mandou Mustafá me seguir?
— Mustafá... — e Tahira murchou o sorriso e as ancas. — Ele me garantiu que você não o havia visto. Que você só o conheceu quando ele se apresentou na morte de Miro Capazze.
— Mas eu o vi Senhorita. Agora. Seguindo-me do aeroporto até a limusine, e pelas ruas do Cairo até o hotel, antes de Miro morrer no meu lugar.
— Você pode voltar ao passado? Ver algo que aconteceu mesmo não estando lá? — olhou em volta. — Ótimo! Isso muda tudo.
— Tudo o que? Sua relação de confiança com Mustafá?
— Como é que é?
— A Srta. Garcia disse que você esperou seis meses para me entregar a valise. Coincidentemente quando saí do coma.
— Como é que é? Não estou entendendo nada.
— Está sim. Porque Mustafá sabia que eu estava vivo. Porque ele se fazia passar pelo Dr. Mustafá, ficando horas me olhando no asilo Faãn, sem fazer qualquer leitura gliais.
Tahira olhou para a porta da frente sabendo que Mustafá estava lá fora, fazendo a guarda. E que ele a enganara.
— Precisa de ajuda!
— “Ajuda”? — insinuou. — Achei que tinha vindo para atrapalhar — e ele viu Tahira recuar ofendida, levantar-se e ir a cozinha. Sean se sentiu mal de repente. Ela então voltou e passou por ele carregando um copo de leite. — Sabe como abri-la? — apontou para a valise quebrando o silêncio que se fizera, mas Tahira não esboçou nada. — Afinal seria justo que lhe contasse tudo já que usufruíamos de tanta intimidade no frio da sacada...
Tahira o fuzilou com um olhar, e foi para o quarto dela batendo a porta com força.
“Idiota!”, pensou Sean ali sozinho, a tentar se lembrar de como abrir aquela valise quando enxergou Tahira no quarto, deitada na cama, como se a parede fosse transparente.
Levantou-se e foi até o quarto dela.
— Posso entrar? — perguntou batendo à porta, esperando que ela abrisse.
— Não!!! — gritou Tahira de lá de dentro. Mas Sean abriu a porta assim mesmo e entrou; e tudo sem tocá-la. — Não disse que não podia entrar? — Tahira escondeu o rosto.
— Precisamos conversar! — Sean viu ela se levantar da cama e abrir a janela para a noite estrelada, e voltar a sentar-se de costas para ele na poltrona do canto.
— Não tenho nada a conversar. E eu juro que não sabia que você estava vivo. Porque não sou um monstro Sean Queise, ou teria avisado sua família a fim de ter diminuído a dor deles.
Sean não esperava aquilo.
— Quem é você? — entrou no quarto e sentou-se na cama dela.
— Tahira Bint...
— A verdadeira!
Ela só suspirou e jogou a cabeça para trás.
— Minha família vem de uma linhagem de mulheres sacerdotisas, que protegiam uma linhagem de faraós mulheres, que protegiam uma entidade de homens sem nome.
— Mas não é essa a ordem exata, é?
Ela se virou para ele sem saber o que significava aquela pergunta.
— Como ordem exata?
— Afrânio desenhou na ordem exata... Os homens de crânios alongados, adorando as mulheres de máscara mortuária egípcia, adorando aquele leoa de pelagem vermelho-amarelada com máscara de íbis... — e parou quando Tahira já havia atravessado todo o quarto e respirava o mesmo ar que ele.
— Voltou no tempo?
E ele a viu muito, mas muito perto dele.
— Não... Algo que... Não me lembro.
Ela o olhou, olhou e ponderou algo, voltando a se sentar na poltrona.
— Não sei quem são esses ‘homens de crânios alongados’. E se eles são a representação dos alienígenas, então a ordem está errada. Porque nossa família tinha por trabalho e obrigação, proteger essas mulheres faraós que protegiam essa entidade de homens sem nome.
— E quem é ele? Essa entidade em forma de leoa?
— Quem era a leoa de pelagem vermelho-amarelada com máscara de íbis nunca nos foi dito, porque não era de nosso acesso — e parou de falar para o olhar com interesse na camiseta, no shorts e nas meias dentro do chinelo; e Sean leu tudo aquilo. — Essas mulheres faraós, por sua vez, faziam parte de uma escola de mistérios que cultivava o conhecimento desses alienígenas, os ‘homens sem nome’, e que chegaram à Terra e fundaram a Lemúria, que se estendia de Madagascar a Sumatra, e incluía algumas partes do que é hoje a África. Depois fundaram a Atlântida, localizada ‘para lá das Colunas de Hércules’.
— Wow! — aquilo sim era informação. — A mesma Lemúria onde nasceu a terceira raça mãe com três olhos, que perdemos na evolução, mas que agora serve para enxergar o éter e ler pensamentos. E também Atlântida, onde vivia a quarta raça mãe, e tudo segundo Madame H. P. Blavatsky; pura mitologia Srta. Tahira.
— Segundo Joseph Campbell, mitologia é o nome que damos às religiões dos outros — Tahira sorriu.
Sean percebeu algo ali.
— Prossiga! — foi só o que disse.
— Prossigo! Mas antes tenho que lhe dar os parabéns, Sean yá habibi. Sua amnésia é mesmo estranha, já que você sempre defendeu tudo isso que acabou de duvidar.
“Dizem dentro da Poliu que você tem uma amnésia de evento para trás ou retrógrada. Alguns amigos arriscam dizer que você tem amnésia de evento para frente ou anterógrada. Já meu pai não acreditava em nenhuma das duas”, soou Dolores Trevellis.
— Prossiga!
Tahira prosseguiu:
— As mulheres faraós, então sobreviventes da Lemúria e Atlântida, se instalaram entre o Egito e a Núbia, na região de Nabta Playa.
— Nabta Playa onde construíram pirâmides pontiagudas e esfinges coloridas sob a água?
— Sim. Havia água ali. Mas também construíram bibliotecas, diferentes das que conhece Sean Queise. Algumas contendo papiros que ensinavam tudo; como medicina, astronomia, astrologia, transportes, construção civil, militarismo, e uma infinidade de poderes paranormais.
— Aquela pirâmide pontiaguda que Samira e Afrânio descobriram?
— Era uma biblioteca.
— Onde ficava o papiro em branco que só escreve para siddhas.
— Boa memória... — foi tão cínica quanto ele o era.
Mas Sean ainda não caiu na rede dela.
— Era isso que fazia no meu flat? Estava esperando a entrega do pacote de Samira onze anos depois?
Tahira deu uma daquelas risadas esganiçadas.
— Está com fome Sean Queise? — levantou-se da poltrona e desamassou a horrível camisola vermelha de laços coloridos feito um arco-íris. — Uma mulher egípcia não sabe pensar de estômago vazio — e saiu do quarto o deixando lá, com mais perguntas que respostas.
Ele a seguiu e ambos sentaram à mesa e comeram.
— Sua família tem poderes? — Sean prosseguiu.
— Não como a sua.
Sean não gostou de ter ouvido aquilo.
— Se restrinja ao que eu pergunto apenas, Senhorita.
Ela deu outra risada esganiçada.
— Não Sean Queise. Não temos poderes. Apenas os protegemos.
— Onde estão esses protegidos?
— Shee-akhan matou a todos.
— Deus... Quem é Shee-akhan?
— Não sabemos. Ele se proclama assim. ‘Shee-akhan’!
— Quando isso aconteceu?
— Miro Capazze foi o último.
— Como esses escolhidos eram escolhidos?
— Nasciam assim. Crianças iluminadas, que manifestavam dons paranormais na infância. Nós os identificávamos, acolhíamos e os educávamos, os desenvolvendo.
— Como um menino Buda?
— Não. Permitíamos que seguisse usa vida; casasse, estudasse, trabalhasse, mas os mantínhamos sob vigilância.
— Você disse que o último foi Miro? Mas ele me disse... — e parou de falar.
— O que ele lhe disse?
— Não... Não me lembro...
— Jura? Que ótimo! — foi sarcástica. — Porque perdemos o pouco de controle que ainda tínhamos quando Miro morreu, e porque Miro morreu pelo Fator Shee-akhan que dominava.
— Isso era algo impossível de acontecer?
— Não sabemos ao certo. Também são poucos os sacerdotes que sobraram, e que ainda conheciam a fundo os poderes do Fator Shee-akhan. Os anos, a tecnologia, e o afastamento das pessoas das escolas de mistérios, proibidas principalmente durante a Era Medieval onde as mulheres da minha família eram tidas como bruxas, fez com que muitos ensinamentos se perdessem. Mas até então, sabíamos que crianças iluminadas não podiam morrer por CHE.
— Afinal o que é o Fator Shee-akhan?
— Os alienígenas que na Terra chegaram, trouxeram técnicas alquímicas para gerar algo em outra coisa totalmente diferente que sua real essência molecular, como níquel em ouro, depois que os Anunnakis não conseguiram mais extrair ouro de nosso planeta.
— É... Samira falava sobre o Enuma Elish — e se virou para Tahira interessada. — Prossiga...
— Essa alquimia também podia modificar tudo, inclusive plantas em uma essência verde que permitia que os alienígenas pudessem penetrar, e se esconder dentro de corpos humanos.
— Entrantes?
— Como queira chamar.
— E como entravam?
— Através dos chakras, pontos energéticos do corpo humano. Mas se você não usar a técnica correta pode provocar CHE, e fazer o corpo onde quer se esconder, se destruir pelo fogo.
— Wow! Quanta sandice... — riu.
— Jura?
Sean parou de rir na seriedade dela.
— E esse tal... tal homem que se diz ‘Shee-akhan’, fez o que afinal?
— Ficamos sem respostas. Mas em suma, usa essa seiva verde para dominar mentes e matar.
— Você disse que fui escolhido, e que por isso essa seiva de planta Shee-akhan entrou no meu organismo quando toquei a pirâmide de Nabta Playa, e que o Fator Shee-akhan me salvou daquele acidente onde o drone explodiu os carros no deserto de Garri Ring.
— Aonde quer chegar?
— Não tenho a mínima ideia Srta. Tahira, mas preciso abrir aquela valise — apontou para a mesa da sala. —, e recuperar o comando do satélite de observação, que está numa órbita espiã sem que a Polícia Mundial ou a Poliu, e consequentemente os mainframes da Computer Co., possam acessar.
— O que vai conseguir com Spartacus?
— Fotografias! — e Sean se levantou se dirigindo para seu quarto a fim de dormir. — Porque as coordenadas me guiaram a vida toda... — e ele também a deixou com mais perguntas que respostas.
Tahira, porém, percebeu que perdia o controle da situação quando bateu na porta do quarto dele e o quarto estava vazio. Voltou à sala correndo, abrindo a porta que dava para a rua e Mustafá fazia vigia.
— Ahhh!!! — gritou furiosa vendo que ele havia feito teletransporte.
Para onde, ela nem imaginava.
Cairo International Airport; Cairo, Egito.
30º 7’ 19” N e 31º 24’ 20” E.
03/06; 17h20min.
O entardecer era estonteante, com um Sol vermelho parecendo maior até do que o normal. Sean havia chegado ao aeroporto se teletransportando, com coordenadas, como sempre.
Porque precisava fugir de Tahira, do controle daquela entidade ou o que ela significasse realmente. E porque também precisava chegar à Ilha Elefantina, primeira catarata, para encontrar um homem que fazia partes de seus ‘acertos de conta’, para depois ir para Cartum, e de lá tentar alcançar Nabta Playa já que pelo Egito, por Abu Simbel, chamaria atenção para documentos de um morto.
— Fazer minha segurança? — se questionou Sean. — Me priva! — e foi fazer o check-in.
Mas Sean percebeu certa agitação ao redor do aeroporto, a polícia secreta do Egito estava toda nas ruas, e a Poliu ajudava nas investigações de possíveis agitadores.
Que agitação era aquela ele não sabia, mas sentia a Poliu ali. E não eram tão ‘bonitos, gentis e gostosos’ quanto Dolores Trevellis.
“Droga!” desistiu do avião.
Dirigiu-se para o estacionamento atrás de um táxi, decido ir para a Estação de trem, e alcançar Elefantina já que não sabia ao certo a coordenada que ia precisar para se teletransportar, ou acabaria no limbo. Porque sabia que o teletransporte era algo perigoso de fazer, que Mona nunca permitira que ele fizesse, e que seus ‘pupilos’ a temiam. E de como ele lembrava tudo àquilo, também era uma incógnita.
Um ‘Bip!’ se fez ao lado de Sean. Vinha da valise que ele carregava. Mas ela ainda permanecia travada por códigos que ele não se lembrava de qual era. E sabia que precisava conseguir abri-la, ou estaria em mais perigo do que já estivera.
— Sr. Queise? — perguntou um jovem bonito, usando calça de tecido marrom e uma jaqueta discreta por cima de uma camiseta; um turista na aparência.
Mas Sean não achava aquilo.
— O conheço?
— Sou agente da Polícia Mundial, Michel Rougart; trabalho para o Sr. Roldman.
— Oscar? — Sean olhou nervoso para um lado e outro não gostando daquilo, mas Michel Rougart entregou-lhe um envelope.
— O Sr. Roldman fez duas reservas no Hotel Old Cataract, em Aswan, próximo à primeira catarata.
— Ah! Próximo a Ilha Elefantina. Quem diria?
— Sob nomes de Sr. e Sra. McDilann, para o Senhor e para a Srta. Najma Faãn.
— Quem? — Sean achou mesmo que tinha ouvido errado. — Achei que Oscar sabia que eu estava com Tahira, que ele a mandara?
— Pois foi justamente o que o Sr. Roldman disse. Que você ia se questionar o porquê não Tahira Bint Mohamed.
— Ah! Eu ia me questionar? Wow! Ele é um Roldman, não?
Michel Rougart não entendeu, mas prosseguiu.
— As chaves do carro! — entregou.
— Chaves?
— Para chegar até a estação ferroviária.
— Estação ferroviária?
— Vai de trem, não?
— E por que eu iria de trem?
— Não pode viajar de avião. Pensei que soubesse que seu passaporte expirou três meses após sua morte.
— Não entendi. Fui para o Brasil.
— Sr. Oscar Roldman e o Embaixador Ângelo Antonio Borges o levaram de volta para o Brasil.
— E como cheguei até aqui?
O agente Michel voltou a observá-lo.
— Não chegou Sr. Queise — olhou para agentes da Poliu, que mais adiante não viram Sean e o agente Michel conversando. —, foi trazido.
E Sean sentiu um frio percorrer-lhe o corpo no que viu um homem alto, ruivo e de uma beleza esfuziante, o mesmo que todas as manhãs, aparecia na frente do asilo Faãn quando ele lá sentava para tomar Sol.
“Wlaster Helge Doover” e Sean sentiu as pernas dobrarem.
— Sr. Queise? — Michel o segurou.
— Agente Rougart? — soltou-se dele.
Michel percebeu a ironia e a frieza. Aprumou-se não gostando muito dele.
— Recomendo que saia daqui até a Estação de trem Ramsés com o GPS dentro da sua mente — observou-o. —, guiado por Spartacus que lhe guia.
— O satélite está travado por senhas.
— E precisa de senhas para acessá-lo Sr. Queise?
Sean também decididamente não gostou dele.
— Prossiga!
— As chaves são de um Mercedes-Benz azul claro, ano 76 modelo 280S. O Cairo possui muitos carros Mercedes-Benz velho, será fácil se disfarçar entre eles até a estação ferroviária.
— Por que preciso disfarçar algo?
O agente Michel parou de olhar para os lados, o que fazia incessantemente e o observou melhor ainda.
— Vai saber Sr. Queise — sorriu apenas. — A viagem de trem até Aswan é de 866 km, 12 horas e os serviços de primeira classe, com cabines confortáveis, limpas e com ar condicionado.
Sean percebeu mais duas coisas no envelope.
— De onde são essas chaves?
— Vai encontrar uma Van verde num armazém alugado na periferia de Aswan. O carro está limpo.
— E o que é essa agenda? — também quis Sean saber.
— É uma agenda de endereços. Sr. Oscar Roldman mandou entregá-la. Estão anotados vários endereços e números telefônicos. Também está anotado o endereço do ex-agente da Poliu, Sr. Joh Miller — esperou alguma pergunta, mas Sean nada esboçou. — O Sr. Roldman tentou falar com ele, mas Joh Miller disse que só vai ajudar-nos se falar pessoalmente com você.
— Wow! Joh está me esperando?
— Não sofra por antecedência, Sr. Queise. Apenas utilize as escritas em amarelo da agenda. O que está escrito em verde, azul ou vermelho é falso. Se alguém pegar a agenda, com certeza errará muitos endereços — e se virou para ir embora.
— O que Oscar mandou você fazer em Saqqara?
E foi a primeira vez que Michel Rougart sentiu-se atingido em toda sua carreira.
— Como...
— O que foi fazer em Saqqara agente Rougart? — insistiu.
— Fotografias.
— Para comparar a que?
E foi a segunda vez que Michel Rougart sentiu-se atingido em toda sua carreira.
— A fotos tiradas por Spartacus seis meses atrás.
— Quem as tirou?
— Você!
— De onde?
— Nabta Playa!
— E por que Nabta Playa se compara a Saqqara a ponto de Mona me falar dela?
— Ainda... — e Michel Rougart respirou pesado vendo Wlaster Helge Doover os olhando. — Ainda não chegamos a nada Sr. Queise.
Mas Sean sabia que Wlaster estava atrás deles.
— Ele nos viu não foi? — sorriu cínico.
E o agente da Polícia Mundial diria que foi a terceira vez que se sentiu atingido em toda sua carreira.
— Precisa de algo mais?
— Não! Porque ambos vamos descobrir se precisamos, não é? — e Sean se virou para ir embora já não vendo Wlaster por entre as colunas do aeroporto.
“Droga!”, apertou o passo e foi para o estacionamento agora com a certeza de que Tahira também o vigiava a ponto de saber sobre o passaporte de um morto.
Mas Sean também era vigiado por dois pares de olhos maquiados; olhos escurecidos como a noite, cerrados pelo ódio, tomados por um líquido esverdeado em quantidade suficiente para tomar todo seu globo ocular, e dominar suas mentes e seus corpos, e que usavam turbantes de muitas cores, que levavam em suas cabeças alongadas.
Sean alcançou o Mercedes-Benz azul claro, ano 76 modelo 280S. Leu a placa e verificou o chaveiro. Guardou a valise no porta-malas e teve dificuldades para fechá-lo. Colocou o envelope no banco do passageiro após bater a porta e derrubar todo o conteúdo do envelope no chão.
— Cartões de crédito no meu nome? — estranhou o fato de poderia ser rastreado, e percebeu que havia três e não duas reservas no Old Cataract Hotel. — Três reservas? — sentiu um frio na espinha novamente, engatou a primeira marcha e foi embora.
O trânsito parecia maluco, ninguém respeitava a já apagada faixa da rua. Carroças puxadas por burricos e charretes, comuns no meio do trânsito caótico, levavam seus condutores camponeses, vestidos de galabias escuras com turbante de várias cores na cabeça, aparentemente surdos em meio toda gritaria. Porque as buzinas eram ensurdecedoras e Sean teve dificuldades em manter-se ileso no engarrafamento do qual tentava escapar, entrando em ruas paralelas e voltando para a El Orouba, percebendo por duas vezes um velho Mercedes-Benz cupê preto, a segui-lo. Já estava chegando ao Mohamed-Ali Mosque quando se distraiu com a fechada de um táxi e foi obrigado a contornar o Mausoleum & Mosque of QuaitBay.
“Droga!”
O Mercedes-Benz cupê preto novamente apareceu no espelho retrovisor quando Sean brecou o carro em total desespero. Olhou para os lados e se viu em meio do que acreditava não ser o caminho correto.
— Mas que droga! — praguejou. — Hei?! — estacionou e chamou um menino que corria na rua. — Onde estou? — perguntou em inglês, mas o garoto respondeu que nada entendeu. — Onde fica a rua... — e Sean desistiu, tentando perguntar em árabe. — Esh-shera` Salah Salen St. Fên? — e o menino esticou os dez dedos da mão. — Ashra? Dez? Quer dizer dez dólares? — Sean virou os olhos não acreditando quando o garoto lhe sorriu. — “Dólar” você entendeu, não?
O garoto mostrou os dez dedos outra vez.
“Pergunte Kâm? - Quanto custa?; e já diga Da ghâli`awi!- É muito caro!”, ecoava a voz de Mona.
— Da ghâli`awi! — exclamou Sean. O garoto ficou muito triste com o desconto. Mostrou cinco dedos no que Sean aceitou. — Khamsa? Ok, cinco!
— Y´re in death city! — e correu após pegar cinco notas de um dólar.
— Estou na Cidade dos mortos? Ele falou em inglês? — riu não acreditando por ter sido enganado.
E parou de rir ao ver o Mercedes-Benz cupê preto passar por uma das travessas atrás dele, para depois sumir, aparecer e sumir. E aparecer e sumir começou a fazer Sean se enervar porque carros não ‘apareciam e sumiam’, não sem ativar siddhis, que ele percebeu podiam fazer grandes objetos desaparecerem.
Sean engatou a primeira e entrou numa rua que ficava cada vez mais estreita. Lembrava-se vagamente sobre a Cidade dos mortos no que lera nos prospectos que Najma pegara no hotel, e que o que no passado já foram tumbas. Um grande cemitério com mais de 500.000 pessoas vivendo lá hoje, como podiam, e com o governo fornecendo água corrente e eletricidade; um conjunto habitacional de construção bege, colorida pelas areias, onde os moradores dizem que lá já era possível desmaiar sem cair no chão.
E o carro correu tanto que se chocou com latas cheias de lixo, o fazendo ser projetado para cima do painel, com os restos contidos nas latas subindo para o alto, voltando para cima do capô do seu Mercedes-Benz azul claro, obstruindo a visão dele. A batida também quebrou os faróis, arrancou a lataria impedindo que continuasse na rua estreita.
Sean tentou dar ré, mas viu o carro Mercedes-Benz cupê preto se aproximar. Saiu do carro e viu-se enfim, estar perdido.
“Droga!”, chutou a areia sob seus pés quando um som metálico se fez não muito longe dali.
Sean ergueu-se todo e tentou localizar o som. Mas ali, somente três casas abandonadas, sem portas e janelas e a continuação da rua estreita. Pôs-se a andar e à sua frente não havia nada a se ver, olhou para trás e nada a se ver, olhou para cima e nada a se ver, olhou para sua direita e viu um homem vestido de antigo egípcio lhe apontando uma bazuca.
— Deus... — Sean arregalou os olhos azuis percebendo que o homem estava paralisado, que seus olhos estavam tomados pelo líquido Shee-akhan e que seu dedo estava no gatilho.
Sean fez sinais para ver se o homem respondia, mas nada movia nele. Sean escorregou um passo, outro e mais outro de ré e voltou ao carro abrindo o porta-malas e tirando a valise com o notebook, quando ouviu um ‘Clic!’ atrás dele. Sean se virou e só o antigo egípcio de bazuca na mão a olhá-lo. Em pânico, tentou chegar à porta travada pela parede estreita, mas não conseguiu abri-la. Voltou à porta do motorista e se jogou no banco tentando alcançar o envelope entregue pelo agente Michel Rougart e o antigo egípcio gritou ‘Shee-akhan!!!’, e Sean só teve tempo de correr, se projetar para dentro da casa abandonada e o míssil entrou com ele, atravessando várias paredes de barro, terra batida ou qualquer material com que houvesse sido construído aquilo, levantando uma bola de fogo que subiu até as nuvens, deixando muitos ao longe em pânico. Um som ensurdecedor, que invadiu a ‘Cidade dos mortos’, e Sean enfim percebeu que ele também havia atravessado algumas paredes usando algum siddhi, caindo duas casas a frente.
Levantou-se em pânico com a valise na mão, e enfiou o envelope dentro da blusa, podendo sentir a areia nos dentes tomada de um líquido que a esverdeava, que contaminava o chão que se tomou de um líquido verde.
— Shee-akhan... — vozes ao longe chegavam cada vez mais perto.
Sean correu pelo piso que esburacava a cada passo que ele dava na areia misturada, tentando desesperado atravessar a ampla sala e sair do outro lado da rua quando estancou; mais homens vestidos de egípcios antigos, com estranhos adornos na cabeça, tal quais as enciclopédias arquivaram, estavam lhe esperando.
Sean se olhou, viu que não havia voltado ao passado, que era o passado que havia vindo atrás dele no que projéteis lhe passaram de raspão. Jogou-se para dentro da casa novamente, e tentou alcançar a sala navegando pelos buracos que se fizeram, alcançando a rua onde mais egípcios antigos invadiam, e mais projéteis arrancaram um pedaço da parede coberta de madeira ali deixada.
— Droga!!! — lascas lhe feriram a testa que sangrou.
Sean tentava raciocinar em meio ao pânico, em meio à confusão mental que se encontrava e subiu a escada para um segundo andar inacabado.
“Sean... Sean... El Sean...”, sentiu seu coração vir à boca com passos muito próximos ao dele, quando alcançou a laje da casa, e um dos egípcios antigos gritou à saída do teto, atrás dele.
— Shee-akhan!!!
Sean o puxou pela cabeça adornada, o jogando feito uma bola de Rúgbi pelo ar, o fazendo atravessar certa distância e cair de lá de cima na rua, por cima de mais homens que pareciam estarem vindo do passado. Correu se vendo numa grande extensão de lajes e mais lajes de casas, percebendo que estava no teto da ‘Cidade dos mortos’, e que de mortos não tinha nada, já que o passado que deveria ter ficado nas lembranças, estava ali, agora.
— Shee-akhan!!! — gritavam atrás dele.
Sean corria por extraordinários tetos de tumbas, em meio a tiros disparados sob um céu bege de areia, com grandes mesquitas ao longe, podendo ainda ouvir as pessoas dentro de suas casas gritando e rezando para não morrer. Pulou para outro telhado, e para outro, e para outro, e mais outro até que seus pés falsearam e ele atravessou o teto de terra batida, agarrado as estruturas do que sobrara do telhado, quando a valise com o notebook lhe escapou das mãos, e caiu no chão onde mulheres e crianças gritavam desesperadas, encolhidas num canto da sala.
— Min fadlak! Por favor! — apontava desesperado para que as mulheres pegassem a valise para ele. — Min fadlak! — mas elas nada faziam a não ser gritar. — Deus! — exclamou assustado ao subir novamente e ver que a arma voltava a cuspir balas.
— Smalla’Alik! — falou de repente uma das mulheres de dentro da casa.
“Que Deus proteja você!”, traduziu ele impactado, desistindo da valise já que nenhum poder ele conseguiu ativar ali.
Sean correu, e correu, e correu para depois ver que os telhados haviam acabado. Olhou para trás e mais antigos egípcios com estranhos adornos na cabeça o seguiam, olhou para frente e nada, mais nenhum telhado para onde pular. Olhou para trás, para homens que atiravam sem piedade, e virou-se para frente saltando num toldo que arrebentou o levando ao chão duro. Sean levantou e correu feito louco, com projéteis perdidos para todos os lados da rua movimentada, jogando-se em meio a barracas que vendiam frutas invadindo uma espécie de feira.
As pessoas gritavam se jogando ao chão, e Sean as driblava como fazia com os projéteis.
Havia uma fileira de carros estacionados, desejou que algumas deles se abrissem, mas nada aconteceu. Sean então deu um chute no vidro de uma BMW branca estacionada e abriu-lhe a porta. Puxou-lhe fios debaixo do volante fazendo ligação direta, arrancando e partindo ao perceber que os antigos egípcios também invadiam a feira de frutas.
— Shee-akhan!!! — gritou um homem ao se jogar sobre o capô da BMW branca.
— Não!!! — gritou Sean desesperado a tentar brecar, a tentar tirá-lo de lá.
A BMW branca subiu na calçada levantando melões, limões, cascas de frutas. Sean atravessava o resto da feira, por dentro da feira.
— Shee-akhan!!! — gritavam os antigos egípcios em meio aos gritos histéricos da multidão, que se jogavam para todos os lados, quando uma Maserati vermelha entrou na traseira da BMW branca, fazendo Sean bater com a cabeça no volante, o fazendo sangrar novamente, e ainda o fazendo destruir o resto da feira que ele não conseguira destruir antes.
Sean viu o ocupante da Maserati vermelha pelo que restou do espelho retrovisor da BMW branca.
— Tahira?! — gritou histérico correndo para a Maserati vermelha dirigida por ela. — Você ficou louca?! — gritou do lado de fora.
— Desculpe-me Sean yá habibi — ela abriu calmamente a porta da Maserati vermelha para ele. —, não pude deixar você sozinho.
— Mustafá é um idiota!!! — gritava com as mãos à cabeça ao entrar e fechar a porta.
— Ele sumiu!
Aquilo caiu como uma ducha fria em Sean.
— O quê? — perguntou como que paralisado.
— Você está sangrando... — ela levantou a mão para limpá-lo.
— Agora não! Onde está Mustafá?
— já disse que sumiu. Porque você sumiu e Mustafá estava lá, vigiando a porta. Quando eu voltei outra vez, foi a vez dele sumir. E acredite que não foi dá mesma maneira sofisticada de você sumir.
— E como sabe?
— Porque só havia um pé dele ali — e um tiro atravessou a lataria quase o acertando na perna.
— Ahhh!!! — berraram ambos sem muito tempo para discutir o CHE de Mustafá.
— Corra!!! — Sean apontou para as chaves do carro que Tahira ligou. A Maserati vermelha acelerou e deu um cavalo de pau retornando para a feira. — Ficou louca? — e a Maserati se projetou em cima do que ainda estava no caminho; frutas, barracas e pessoas que se jogavam pela ação. — A feira não!!! A feira não!!! — gritava descontrolado.
— Por que não faz aquilo então?
— Corra!!! Corra!!!
— Responda-me!
— O que?! O que?!
— Por que não faz aquilo?
— Aquilo? Aquilo o que...
— Teletransportar a Maserati?
E ele arregalou os olhos para os antigos egípcios que vinham aos montes, dezenas e dezenas para cima dela.
— Cuidado!!! — e Sean puxou o volante. Tahira pisou no freio fazendo a Maserati dar outro cavalo de pau, dessa vez rodopiando uma, duas, três vezes levantando fumaça e antigos egípcios, que se jogavam sob o capô, no teto, por debaixo das rodas do carro. — Vai matá-los?! — berrou.
— Jura? Porque eles já estão mortos Sean yá habibi.
Sean escorregou os olhos arregalados para ela.
— Então corra!!! Corra!!! Corra!!!
— Você manda Sean yá habibi! — e a Maserati correu outra vez derrapando em cascas, restos de verduras e tudo que tinha no piso, batendo as laterais, até conseguir sair da feira, das proximidades da Cidade dos mortos e alcançar uma larga avenida fugindo deles.
Sean olhou em volta:
— Wow! Uma Maserati 3200 GT, cupê, automática? Não é pouca coisa, é? — ele viu que Tahira nem o olhou, pisava no acelerador até sair de vista dos egípcios antigos de estranhos adornos na cabeça. — Quanto? Uns 170 mil dólares?
— Passou a entender de carros, Sean yá habibi?
— Parece que sim... — e Sean pode ver que Tahira trazia no carro a valise que ele havia perdido na fuga.
Ela o olhou de esguia.
— Você estava em fuga... — falou ela com frieza. — E com aqueles estranhos antigos egípcios atrás de você...
— Não fala mais!
— Mas você...
— Não disse para não falar mais?! — e berrou descontrolado com medo de estar ali com ela. — Desde quando me segue?
— Não disse que...
— Cale-se!!! Desde quando?
— É para responder ou não? Porque estou confusa.
— Quando?! Quando?! Quando?!
— Desde sua saída do aeroporto.
— E isso porque sua família não tem poderes?
— Não tem! Já disse! Eu vinha logo atrás da Mercedes-Benz cupê preta, quando minha Maserati também entalou naquela ruela.
— E como sabia onde a ‘Mercedes-Benz cupê preta’ estaria?!
— Não grite...
— Como sabia?! — gritava.
— Eu...
— Como sabia?! Como sabia?! Como sabia?! — berrava descontrolado.
— Oscar me...
— Ahhh!!! — socava descontrolado o vidro da janela com as mãos.
— Quando te alcancei a confusão já estava armada, com uma bola de fogo tomando conta dos céus do Cairo.
Sean arrancou o envelope de dentro da camisa para lá de suja.
— E isso por que Oscar achou que eu ia querer três reservas no Old Cataract Hotel, não Senhorita Jornalista?
Tahira não respondeu e a noite caiu rapidamente. Mesmo porque ela sabia que ele sabia que Oscar Roldman a mandaria para lá também.
Mas voltaram para Corniche el-Nil, precisavam recuperar forças.
23
Corniche el-Nil; Cairo, Egito.
30° 2’ 37” N e 31° 13’ 46” E.
04/06; 05h00min.
“Você está realmente dormindo e não se levanta? Os deuses, suas criaturas, estão reclamando”, soou distante.
Sean Queise abriu os olhos e se viu deitado na cama dele, no esconderijo, sob a luz do Sol que nascia na janela aberta. E estava sendo chamado à sala. Esse segundo Sean Queise, então, volitou até a mesa onde a valise estava. Lá uma luz verde saía de dentro dela. Sean tentou tocá-la, mas sua mão atravessou-a sem que ele pudesse saber o que tinha dentro.
Sean recuou assustado e olhou suas mãos. Estavam desbotadas, e ele era só uma projeção.
“Meu filho levante-se de sua cama! Use sua sabedoria e crie um substituto para que os deuses possam deixar suas ferramentas”, soou distante outra vez.
Esse segundo Sean então voltou volitando até o quarto e se viu deitado, em curto circuito na cama.
“Levante-se Sean!”, ordenou a ele mesmo.
Mas o corpo deitado do Sean verdadeiro na cama, só conseguia dar saltos no colchão macio.
“Levante-se Sean!”, ordenou-se mais uma vez, mas só o que conseguia, era fazer o Sean verdadeiro se mexer freneticamente na cama, com homens vestidos de egípcios antigos, sobre ele.
E o Sean verdadeiro abriu os olhos na cama e se viu preso por fios de energia, que o enrolavam de uma maneira que só seus olhos se moviam parcialmente, de um lado a outro.
“Tahira?”, chamou-a.
Tahira abriu os olhos e viu seu quarto a meia luz, sentindo que seu travesseiro estava mais baixo. Arrepiou-se pelo medo de virar-se e perceber que não estava nua e sozinha na cama, no quarto. Mas Sean podia vê-la, podia porque estava lá, na cama, com ela; e ele era um terceiro Sean Queise, três Sean Queise divididos.
“Tahira?”, o Sean verdadeiro chamou-a outra vez, mas nada mais conseguiu fazer já que estava sob o controle de uma energia que o emaranhava, que o prendia à cama, sob o odor ocre da areia molhada de verde, que tomava conta do piso da casa que já fora um laboratório, para onde Samira e Afrânio levaram a planta Shee-akhan encontrada nas lamparinas, até seus corpos serem consumidos pelas chamas internas e se incendiarem.
“Ahhh!!!”, o Sean verdadeiro gritou sem que nenhum dos três Sean Queise conseguissem se mover, fazer sua voz ecoar.
Mas o terceiro Sean Queise, ao lado de Tahira, tocou o corpo nu dela.
“Tahira...”, soou ao ouvido dela.
— Por Allah! — ela fechou os olhos apavorada, sentindo a mão que lhe tocava as ancas, que subiam por seus pelos pubianos.
“Ajude-me...”
Tahira agora sabia de quem era a voz atrás dela. Virou-se e um Sean Queise desbotado feito uma marca d’água, emaranhado em algo que parecia fios de alta tensão, lhe olhava.
— Ahhh!!! — gritou saltando da cama nua, procurando uma almofada, um lençol, sua camisola que vestiu.
Tahira saltou por cima da cama, por cima dele ainda preso ao colchão por fios de energia e alcançou a porta trancada, que desesperada não conseguir abrir, para então abri-la e ela invadir a sala e dar de encontro com outro Sean Queise, agora mais nítido, que havia conseguido trocar de lugar com seu duplo, que ficou preso na cama dele.
O Sean verdadeiro então se inclinou, sabendo que os outros dois Sean Queise eram bilocações e que estavam emaranhados, minando sua energia vital quando soou de sua valise um ‘Bip!’ que ecoou por toda casa.
Ele esticou a mão e abriu o compartimento lateral esquerdo sabendo que aquela era sua mão verdadeira, e que realmente tocava a valise. Ajoelhou-se e no compartimento aberto, um teclado apareceu onde o Sean verdadeiro digitou onze letras, k-e-l-l-y-g-a-r-c-i-a, e a valise se abriu.
— Como... Como conseguiu? — a voz de Tahira era puro pânico.
O Sean verdadeiro se levantou e encarou Tahira que sentiu que havia alguém mais atrás dela. Ela se virou e havia um Sean Queise desbotado na porta de seu quarto e outro Sean Queise desbotado na porta do quarto dele, quando os dois Sean Queise se acoplaram. Ela então se virou para o Sean verdadeiro à frente da valise e viu os três Sean Queise se acoplando.
— Você faz bilocação? — ela viu Sean só sorrir-lhe cínico. — Ótimo! Você faz bilocação! — e foi se deitar furiosa sabendo que ele estivera no quarto dela, na cama dela, atrás do seu corpo nu, e que era a mão dele que a tocava.
Corniche el-Nil; Cairo, Egito.
30° 2’ 37” N e 31° 13’ 46” E.
04/06; 08h00min.
— ‘Kellygarcia’? Jura?
Sean parou a xícara de café no ar e a encarou. Estava vestido, pronto para viajar, usando botas de couro preto, uma calça jeans Balmain de corte justo e uma camisa de linho branco, para então vê-la vestindo um horrível vestido patchwork que mais lembrava retalhos costurados a esmo.
— Do que está falando?
— Pois estou falando, Sean Queise, que você digitou onze letras, ‘kellygarcia’, e abriu a maldita valise — apontou para a mesa da sala.
Sean olhou-a parecendo realmente não entender o que acontecia ali.
— Não sei do que está falando. A Srta. Garcia disse que havia tentado de tudo e seu nome, acredite, foi o primeiro que ela usou.
— Eu não sei como fez aquilo, mas você abriu a maldita valise ontem à noite.
Sean olhou um lado e outro, e andou até a mesa onde a valise estava e tentou abri-la.
Voltou a olhar Tahira e olhar a valise.
— Não falei que está fechada?
— Impossível! Eu vi você ontem; aliás, vi três de você ontem, Sean Queise, abrir a valise.
— Viu três do que? — Sean riu.
— Acha que estou mentindo?
— Não fez outra coisa até...
— Digite ‘kellygarcia’!
— Não vou...
— Digite!!! — berrou furiosa.
Sean até quis discutir o que ainda não havia tido coragem, pela invasão de privacidade, por forçá-lo a encarar que era apaixonado pela sócia ou que pelo menos não conseguir esquecer-se dela em plena amnésia, mas se inclinou e abriu o compartimento esquerdo onde um teclado apareceu e digitou ‘kellygarcia’ abrindo a valise.
Ele arregalou os olhos.
— Eu não sei... Eu não sei...
Tahira se virou e foi para o quarto para então, se virar e voltar à sala a passos largos e chegar bem perto dele o esbofeteando-o. Sean olhou-a impactado pelo ato e ela voltou ao quarto. Sean ficou olhando para os lados tentando entender o que foi aquilo, e foi atrás dela.
Uma pancada na porta de Tahira e ela estava furiosa demais para responder.
Sean teve que abri-la outra vez sem tocá-la.
— Não faça mais isso entendeu?! — ela gritou. — Nem se atreva a me tocar!!!
Sean arregalou os olhos azuis e nada falou outra vez.
— O notebook...
Ela virou para ele furiosa.
— Como é que é?
— Ele também tem uma trava sob código, então... Queria saber se você me viu abri-lo também.
Ela andou tão furiosa para cima dele que Sean recuou todos os passos que ela deu e chegou à sala de ré.
— Abra! — apontou ela.
— Já disse que não sei como.
— Abra!!!
— Não adianta gritar!
— Abra!!!
— Pare de gritar sua louca!
— Abra!!! Abra!!! Abra!!!
— Já disse para...
— Abra!!! Abra!!! Abra!!! Abra!!! Abra!!! Abra!!! Abra!!! Abra!!!
— Abracadabra!!! — Sean gritou e o notebook se abriu seguido de um “Bip!” no que Tahira se jogou sobre ele, indo ambos ao chão; junto a valise, o notebook, a mesa, vidros, vaso de flores, água e tudo mais que estava no caminho. — Isso era um Enable Sign in, uma permissão de entrada... — arregalou os olhos.
— Desculpe-me... — ela o olhou ainda em choque. — Tive medo de te perder outra vez...
Sean ficou extasiado com aquelas palavras, com o ela sobre ele, com o tapa e o toque de pelos pubianos que vieram a sua mente. Ele engoliu tudo aquilo a seco, não entendendo afinal como sua mente funcionava, mas o corpo da bela e ruiva jornalista em cima dele ativou mais que memórias.
— É o mainframe... — explicou também sem entender como lembrava aquilo. — Alguém está pedindo para ser aceito no meu sistema.
Sean esticou o braço e alcançou o teclado dando ‘Enter!’.
— VOCÊ CONECTOU A COMPUTER CO. ON LINE! — explanava o computador. — DIGA SUA SENHA!
Sean olhou Tahira de lado.
— ‘Kellygarcia’ — soou sua voz.
— SENHA CORRETA! RECONHECIMENTO VOCAL INICIADO! — houve um intervalo. — OLÁ, SR. QUEISE! ABRINDO BANCO DE DADOS!
— Algo... — e nem teve coragem de escorregar um olhar para Tahira. — Algo está tentando entrar no meu sistema? — perguntou ao notebook.
— MAINFRAMES DA POLÍCIA MUNDIAL ATIVADOS! — respondeu o sistema operacional.
— Permita entrada!
— DIGA SUA SENHA!
— Vai dizer ‘Kelly Garcia’ outra vez? Jura?
Sean só escorregou um olhar e disse:
— ‘Kellygarcia’.
— CONEXÃO PERMITIDA! CHAT DE VOZ ABERTO NO CANAL #33.
Ela se virou furiosa outra vez e foi para o quarto, e Sean arregalou os olhos azuis para o notebook, com a voz de Oscar Roldman invadindo a sala no Cairo.
— Sean querido?
— Por que fez isso?
— Fiz o quê? Aceitar abrir o Chat no seu canal de segurança?
— Canal de segurança? Eu devia saber algo sobre isso?
— Você criou o canal #33 para impedir invasores hackers no seu sistema.
— Criei? E você entrou...
— Eu não entrei! Você abriu o canal.
— Deus... Então não foi você quem...
— Eu quem? Vamos brigar outra vez?
— Não. É que eu… Eu me dividi em três ontem — olhou a porta de Tahira fechada e ele sozinho na sala. — Um de mim veio até valise, mas não conseguiu abrir porque era só uma bilocação. Voltei ao meu corpo, mas não pude acoplar porque alguma coisa o havia amarrado com fios de energias, impedido que eu voltasse ao corpo. Então fiz um terceiro de mim e fui até o quarto de Tahira chamando-a, mas ela se apavorou porque eu a toquei. Mas eu não podia tocá-la se era uma bilocação. Então, também não sei como fiz, mas consegui trocar de lugar, o segundo de mim com meu eu verdadeiro, e deixar minha bilocação amarrada na cama. E vim até a sala como um Sean Queise original e abri a valise.
Oscar estava realmente encantado com seu filho.
— Você já havia feito isso antes?
— Não sei. Estou com amnésia.
— Que não está lhe mantendo muita coisa esquecida pelo jeito.
— Não sei o que há comigo, mas quando levantei não me lembrava de ter feito tudo isso. Foi Tahira quem me fez abrir a valise, porque disse o que eu havia feito, usando uma senha... Mas que droga! Eu não me lembrava da senha.
— Não sei o que dizer. A bilocação é considerada pela Igreja Católica um ‘Carisma’ e que poucos podem receber. O Padre Pio de Pietrelcina, o teve, e dizem, o viram em dois lugares ao mesmo tempo.
— Mas eu me dividi em três. Isso quer dizer que o Sean verdadeiro era meu corpo na cama, que meu espírito saiu de mim e se tornou meu duplo, mas quem era o terceiro Sean Queise que foi até Tahira e a tocou?
— Ernesto Bozzano diz que o fenômeno de bilocação é um dos mais propícios a evidenciar a independência da alma ao corpo físico.
— A questão 92 de Alan Kardec no Livro dos Espíritos, perguntava se os Espíritos podiam dividir-se, ou existir em muitos pontos ao mesmo tempo. E os Espíritos responderam que um Espírito não podia se dividir, mas, cada um era um centro que irradiava para diversos lados, como o Sol, um somente, porém capaz de irradiar seus raios em todos os sentidos.
— Não sei o que dizer Sean. Nunca entendi muito bem como Mona ensinava ou o que fazia com seus ‘pupilos’.
— Acha que em transes, as faculdades psíquicas são extremamente ampliadas quando... — e Sean olhou um lado e outro, e energias de Samira e Afrânio se moldaram ali. — Deus...
Oscar percebeu o silêncio que se seguiu.
— Sean? O que houve?
E toda a sala mudou, se moldou num laboratório com estantes e vidros e mesas de metal espalhadas pelo piso de lajota vermelha, e o ventilador girando no teto um ar ocre.
— Acho que estou no laboratório...
— Onde? Você voltou ao passado?
— Sim. Estou vendo Afrânio e Samira. Eles estão nervosos, discutindo com alguém.
— Como ele é?
— Moreno, redondo, de estatura baixa; e ele está gritando com eles.
— Joh Miller.
— Samira está segurando o robô da Computer Co. nas mãos. Fala algo que... — e Sean apurou o ouvido. — ‘O robô...’ ‘As informações da leitura da...’ ‘Imagens captadas...’.
— Que imagens?
— De dentro da pirâmide. Antes de eles entrarem, o robô saiu de lá e parou de funcionar... Mas o robô estava lá...
— O robô gravou algo? É isso?
— Não sei. Não vai haver como acessar porque onze anos atrás, Spartacus ainda não havia sido construído, e me lembro de que meu pai mandou Barricas desmontar o robô e refazer o sistema operacional.
“E me lembro de que meu pai mandou Barricas desmontar o robô”, Oscar não sabia o que pensar daquilo.
Prosseguiu:
— Mas havia os bancos de dados, Sean querido.
— Mas fui eu quem os aprimorou.
— E quantos anos você tinha quando os aprimorou, Sean?
E tudo se desmanchou. Sean olhou em volta e estava suado, no meio da sala da casa alugada por Tahira em Corniche el-Nil, conversando com Oscar, pelo notebook, na sala de Chat #33.
— O que está dizendo Oscar? Que eu já desenvolvia programas de computadores aos catorze anos? E que fui eu quem refez o sistema do robô que hoje eu vendo?
— Sim!
“Atrevo-me a que, Sean? Você não seria nada sem mim. Não seria nada sem Fernando! Nada se ele não tivesse lhe dado tudo para se desenvolver, todos aqueles bancos de dados para treinar e se treinar, se tornar o que se tornou”, a voz de Oscar Roldman nunca foi tão real.
Sean engoliu aquilo nem sabendo como.
— Deus... Meu pai permitia que eu... Que eu...
— Sim! Permitia! Porque o queria como um Queise.
Sean caiu sentado no chão.
Estava atônito, confuso, triste.
— Por isso eles tentaram de novo...
— Tentaram o que?
— Eles tentaram ontem de novo, me matar na ‘Cidade dos mortos’ com mortos ainda vivos, Oscar.
— Do que está falando?
— Um monte deles, de antigos egípcios núbios, de pele ébano, de crânios alongados, tomados pelo Fator Shee-akhan.
— Sean, você tem certeza de que quer continuar isso? Pode voltar ao Brasil, à Computer Co., conseguir seguranças...
— Mas é isso mesmo o que pensa sobre mim? Que tenho medo de enfrentar meus erros? Porque a Srta. Garcia disse que eu nunca fui homem de fugir dos problemas.
— Sean... — e Oscar desistiu de algo. — Precisa ter cuidado redobrado.
— E acha que não sei disso? Com duas mulheres a tiracolo? — e Sean dessa vez não ouviu respostas. — Por que fez isso Oscar?
— Não vou responder a isso.
— Vai me responder então por que ontem meus dons não funcionaram sob pressão?
— Acho que não é a pressão que lhe interfere. É o nível de Shee-akhan que está no seu sistema sanguíneo.
— Como sabe... — e parou. — Dr. Juca acha que algo acentuou meus siddhis.
— Por isso sua amnésia com lembranças.
Sean olhava um lado e outro buscando respostas, foco, saber para onde prosseguir.
— Eu preciso de um favor.
— Que tipo de favor?
— Um helicóptero.
E a cara que Oscar Roldman até parecia a que o gerente de Abu Simbel fez se Sean a pudesse ter visto, e se lembrado de ter visto.
Cairo, Egito.
04/06; 13h00min.
Tahira primeiramente foi contra ir a Ilha Elefantina, porque não sabia o que ele queria lá. Sua ideia era permanecer ali no laboratório até Sean ter suas visões sobre o que ocorrera lá com os arqueólogos onze anos atrás, e depois ir a Nabta Playa resolver o ‘problema’. Mas Sean nada disse sobre suas visões recentes, e ela trancada no quarto não ouviu o diálogo dele com Oscar Roldman pelo computador.
Mas ficou furiosa mesmo, foi quando soube que eles também iam ao asilo Faãn, da Dra. Najma Faãn que ela sabia, havia ficado seis meses com seu ‘yá habibi’. Depois ficou com medo de uma briga fazer Sean Queise sumir dali sem ela, e acabar perdendo seu rastro outra vez. E era melhor acompanhá-lo sendo contra tudo do que nada, literalmente, já que precisou de Oscar Roldman e sei lá o que ele fez para conseguir, saber que ele estava na ‘Cidade dos mortos’.
Um táxi os levou até o aeroporto, cada um com uma mochila cada e poucas roupas dentro. Foram deixados num portão lateral, com pessoal da Polícia Mundial já avisado da chegada deles, e que precisavam tomar o helicóptero sem documentos.
Sean também levou a valise com o notebook dentro.
— Você conseguiu acessar o satélite?
— Ainda não! E ‘kellygarcia!’ não abriu o banco de dados de Spartacus se vai me perguntar.
— Jura? Eu não ia.
E os dois nada mais se falaram.
Tomaram o helicóptero conseguido pela Polícia Mundial e sobrevoavam naquele momento Saqqara.
“Vai a Saqqara?”, soou Mona Foad.
“Saqqara?”
“Há um muro na parte sul onde formava a fachada da chamada Tumba Sur, uma capela falsa, feita em pedra maciça.”
— Saqqara... — soou dele.
— Mais de quatro milhões de urnas foram encontradas. Algo realmente fantástico — extasiava-se Tahira tirando Sean de suas lembranças. —, e todas aquelas construções ainda são um mistério.
— Por quê?
— Jura? Pense! Qual era a utilidade de tudo isto? Para que construir túneis, câmaras e salões trinta metros abaixo do solo? E como iluminaram estes espaços para fazerem o complexo desenho cerâmico nos muros?
— Lâmpadas de Dendera.
Tahira achou graça.
— Sim, Sean yá habibi... Você defendia isso nos congressos.
— Defendia?
— Sim, Sean yá habibi. Você falava inflamado sobre a construção das pirâmides ao redor do mundo. De como alienígenas ensinaram as pedras ficarem mais leves.
— E eles ensinaram?
— Sim. Mas pense... O que é aquele enorme muro que circula a pirâmide, ou mastaba de seis degraus, que aparentemente não tem função alguma? — apontava para baixo, para Saqqara.
— Beleza arquitetônica?
— E o muro? Feito de granito sólido por dentro, e por fora, sem qualquer espaço útil. Qual a verdadeira utilidade de complexo de um milhão de toneladas de pedra, uma muralha com dez metros de altura, que apresenta catorze portas?
— Beleza arquitetônica!
— Vamos lá, Sean yá habibi. Pense melhor! Porque a arqueologia tradicional só defende seu lado darwinista, pseudocético, e que não vem a público levantar nenhuma ligação com alienígenas naquelas construções.
— Porque talvez não tenham.
Tahira deu uma daquelas gargalhadas esganiçada.
Sean ergueu o sobrolho para a jovem Tahira vestindo uma calça justa, de brim branco e uma blusa de fiapos que mais mostravam o sutiã roxo que a protegia de algo.
— Sua amnésia o tornou, um daqueles que acham que os seres humanos não passam de macacos pelados, que surgiram por acaso ou vieram de um monte de lixo orgânico? — gargalhou. — Mesmo porque teria que ignorar fatos comprovados, e passar por cima de métodos científicos — e olhou Sean a olhando, e a olhando muito. — Não acredito que teve coragem de esquecer tudo.
— Desculpe-me Srta. Tahira, não pedi para ser explodido num Jeep anos 70.
— Não sei se pediu, mas esqueceu de que a Pirâmide de Saqqara é uma pirâmide misteriosa, de data de construção desconhecida, com subterrâneos simplesmente únicos e misteriosos, em que nunca foi achada qualquer múmia dentro dela, assim como acontece com as pirâmides de Gizé. Então, qual o propósito de sua construção?
— Por que está alterada?
— Não estou alterada. Mas ela claramente não é um túmulo gigante Veja! — apontou. — Veja a fachada da casa norte tem imagens do baixo Egito, Núbia, e era local de cerimônia de Ed Sedh, o rei que recebia a coroa vermelha, que simbolizava sua autoridade sobre este território. Entre a casa norte e o templo funerário de Djoser, onde há uma capela com dois pequenos orifícios nos seus muros do qual se podia observar no pátio.
“Uma capela falsa?”, soou ele na mesa de jantar de Mona Foad.
“A finalidade era dissimular um dos acessos ao complexo subterrâneo. Na escavação descobriu-se a escada original”
Sean olhou Tahira de lado e sabia que Mona Foad falava tudo aquilo porque havia algo embutido naquilo tudo, e era algo que não se encaixava em Saqqara.
“Droga!” odiou-se por não conseguir ir além daquilo.
O helicóptero parou para abastecer em Aswan, para então seguir para Abu Hamed, no Sudão.
“Sean... Sean... El Sean...”; ele ouviu a mulher com máscara mortuária egípcia lhe chamar.
Sean olhou Tahira de lado novamente, mas ela havia se calado.
— Acredita em metempsicose, Srta. Tahira?
— “Metempsicose”? Fala de reencarnação?
— Sim! O filósofo Pitágoras esteve aqui, no Egito, e foi iniciado em ‘religiões’ que fez mudar radicalmente suas ideias. Quando voltou a Grécia, segundo Jâmblico de Cálcis, um historiador da época, Pitágoras fundou uma escola cuja doutrina filosófica falava sobre metempsicose, a filosofia pitagórica que culmina em um misticismo matemático-religioso, uma síntese das influências órficas e científicas que incluíam a sua escola... — olhou-a. —, a escola do papiro.
Tahira nada falou, nem se mexer, mexeu.
“Droga!”, havia algo errado ali, porque Joh Miller frequentava a escola onde Mustafá era um sacerdote; a escola do papiro.
— No entanto, Pitágoras era diferente de Anaximandro, um filósofo que acreditava que o princípio de tudo era uma coisa chamada apeíron, algo infinito, tanto no sentido quantitativo, quanto qualitativo; e esse apeíron era algo que ‘não surgiu nunca’, embora existisse e fosse imortal — e Sean ele viu que ganhara a atenção de Tahira.
— Prossiga... — soou maravilhoso na boca dela.
— Prossigo! Porque para os pitagóricos, o destino final do homem se condicionava ao feito de haver alcançado, a interna harmonia entre os sentidos e a razão, e só as almas harmônicas podiam alcançar a boa ventura. As restantes se viam sujeitas à metempsicose até que a harmonia de suas vidas emitisse um modo de viver divino.
— Por que está falando tudo isso?
— Porque Jâmblico de Cálcis disse: ‘O sábio fala assim: a alma, tendo uma vida dupla, uma em conjunção com o corpo, mas a outra separada de todo corpo; quando estamos despertos empregamos, na maior parte, a vida que é comum com o corpo, exceto quando nos separamos inteiramente dele através de energias puramente intelectuais e dianoéticas. Mas quando dormimos, somos como que perfeitamente livres de certas limitações, e usamos uma vida separada da geração’ — ele viu Tahira incomodada. — E também porque eu voltei a minha vida passada, Senhorita, em que nada se parecia com o que Spartacus fotografou.
Tahira deu uma risada esganiçada e parou.
— Continuo sem entender.
— Eu também... Eu também... Mas sei que vou entender da pior maneira possível. Porque a metempsicose é o termo genérico para transmigração da alma de um corpo para outro, reencarnação que pode ocorrer, como os indianos acreditam, através do Karma, para sofrermos e pagarmos por erros passados, como ter conhecido você.
— Eu... — Tahira tentou manter-se firme quase não conseguindo. — Eu sou seu karma Sean Queise?
Ela não teve respostas.
Asilo Faãn; Abu Hamed, Sudão.
04/06; 15h00min.
Najma estava cansada, aquela tarde havia sido extremamente quente quando o tempo fechou, e ela teve que correr para não tomar um banho. Começou a levantar as Senhoras para dentro do asilo, cansada de ter que levar o asilo Faãn sozinha. Porque teve que se reestruturar totalmente desde o coma de Jablah que ainda não demonstrava melhora.
Ela até chamara outros médicos e nenhum deles conseguiram chegar a um veredicto; Jablah ainda tinha parte do rosto derretido e estava em total letargia, um sono profundo tal qual Sean Queise e El Zarih quando os havia trazido de Cartum.
E Najma pensava em Sean Queise todos os dias, a cada momento, e cada atividade, com o quarto dele vazio e a cama arrumada, onde entrava todas as noites. E pensava nele naquele instante quando algo caiu dentro da cozinha fazendo um barulho enorme.
— Deve ser o Sr. Muad, pobre coitado — falou para si mesma. — Aposto que o mercado o mandou trazer minhas compras, outra vez, sozinho — e pisou em falso, escorregando na poça de uma gosma esverdeada que já invadia a copa, indo ao chão. — Por Allah... — exclamou quase sem voz. — O que...
“Najma... Najma... El Najma...”, alguém sussurrou.
Ela paralisou. Sabia que ouvira seu nome, que alguém atrás dela, a chamava. Levantou-se e virou-se, mas não tinha ninguém lá. Virou-se para frente e um Jablah retorcido a olhava com uma agulha que vertia um líquido verde.
— Jablah? — e ela viu o primeiro passo do irmão em sua direção.
Najma quis dar um passo atrás, mas estava paralisada. A única coisa que conseguia ouvir era o som ensurdecedor de pás girando no ar.
“Najma... Najma... El Najma...” falavam outra vez quando um salão amplo, de altas colunas douradas, em meio a antigas mulheres egípcias, usando máscara mortuária, banhava um corpo numa piscina perfumada; Najma podia sentir o cheiro quando o corpo retirado da grande banheira era de Jablah Faãn.
“Culpado!”, ecoou por todo o asilo.
— Não... Não... — falava Najma sem saber ao certo para quem, quando o amplo salão desapareceu fazendo-a voltar ao corredor de acesso à cozinha do asilo, e um Jablah retorcido a encarava. Ele então se inclinou e injetou a agulha nele próprio. — Não!!! — gritou Najma quando passos pesados reverberavam no hall de entrada, no salão principal, na copa, na porta de acesso a cozinha e Sean Queise se jogou sobre o corpo de Najma, que foi ao chão protegida da explosão do corpo de Jablah, que pegou fogo virando cinzas. — Ahhh!!! — gritou Najma encarando Sean sobre ela, no chão molhado de uma gosma esverdeada.
Ele a ergueu do chão e correu no que o gás do fogão que escapava, foi atingido pelo Fator Shee-akhan e toda cozinha explodiu.
— Ahhh!!! — gritaram Najma, Sean e Tahira, com os corpos dos três lançados ao chão de areia da rua, com labaredas saindo pelas janelas do asilo e Sean correu para dentro do asilo alcançando extintores de incêndio no hall de entrada do asilo.
Najma e Tahira se olharam; porque Najma não entendeu como estava ali, e Tahira não entendeu como Najma estava ali; ou no final das contas, ambas sabiam sobre os siddhis de Sean Queise. E ambas correram para dentro do asilo para ajudar Sean a apagar o incêndio, quando Najma viu os pés e as mãos de Jablah intactas em meio a réstias do incêndio.
— Não!!! — gritou e desmaiou nos braços de Tahira que só olhava Sean Queise olhando as duas.
Asilo Faãn; Abu Hamed, Sudão.
04/06; 20h00min.
Havia sido um fim de tarde e começo de noite tumultuado, com a vizinhança acionando o corpo de homens contra incêndio, e os bombeiros chegaram quase que de imediato tumultuando ainda mais a rua, com um helicóptero estacionado no meio dela e muitos, muitos curiosos em volta. A assessoria da prefeitura também havia enviado três ambulâncias para recolher os idosos e rearranjá-los em outros asilos já que lá, não havia mais condições de moradia. E Sean teve que usar de muita lábia para conseguir que bombeiros e polícia não ultrapasse a cozinha explodida e descobrissem corredores obstruídos, os levando a um depósito de mortos, e nem que retirasse seu helicóptero de lá.
Tahira se propôs a dormir no quarto de Najma, que estava ainda desacordada, e Sean teve coragem de descer até o depósito, aos destroços de quando seu corpo enorme caiu ali.
Havia ainda muito entulho obstruindo a passagem, em meio ao cheio de areia ocre e urina animal que o alertaram. Sean achou que encontrar egípcios e núbios antigos com bazucas, em nada se pareceria com encontrar aquela figura borrada de uma leoa com máscara de íbis.
Recuou e desistiu.
Sean dormiu na sala, com medo de que alguma coisa mais do passado batesse à porta.
24
Trafalgar Square; Londres, Inglaterra.
51° 30’ 27” N e 0° 7’ 40” W.
05/06; 08h00min.
— Sr. Roldman? — perguntou a secretária Lucy ao interfone, incessantemente, sem que tivesse resposta.
Mas Oscar estava absorto demais até que se levantou e foi até a antessala da secretária.
— Sra. Lucy? — Lucy estranhou o chefe naquela atitude. — Por favor, podemos conversar?
— Sr. Roldman... — se levantando indo atrás dele. E Lucy levou outro susto foi com a sala bagunçada. Oscar Roldman ferira mais uma vez a sua maneira de ser e ela sabia que algo o desesperava. — Há algo errado?
— Preciso de um favor — apontou a poltrona ao lado da lareira. — Antes, sente-se.
Ela se sentou sabendo definitivamente que havia algo errado.
— Disse um favor?
— Um favor muito especial, para ser sincero — disse Oscar encarando a secretária por debaixo dos grossos óculos que usava naquele momento, para ler. E ele suspirou profundamente indo em frente. — Eu sei que está tendo um caso com um homem apesar de você ser casada... — e antes que a secretária tentasse falar algo, ele lhe cortou a fala com um aceno de mão para que esperasse ele acabar de falar. —, e eu sei o quanto preciso ser indelicado.
— Acho que não consigo compreender, Sr. Roldman — a reação dela foi imediata.
— Não pense que a estou recriminando, Sra. Lucy. Não sou a pessoa mais indicada para isso — pigarreou. — Também pouco conheço seus motivos para ter agido dessa maneira, mas preciso que peça a ‘ele’, que devolva.
— Ainda não consigo realmente compreender, Sr. Roldman...
— Então me deixe fazer compreender, Lucy, porque ninguém pode realmente conhecer Sean Queise, entende? Por isso quero de volta a pasta cor de vinho.
A mulher que já não era mais jovem se pôs a chorar. Oscar levantou, pegou um copo, pôs água e açúcar e lhe deu também um lenço.
Lucy agradeceu, bebendo e enxugando as lágrimas.
— Eu fiz aquilo por amor... — dizia aos prantos. — Eu não sei como fui capaz... Não sei. Não sei. Porque sei que o Senhor não me perdoaria, mas ele pediu, ele implorou, e eu o amo tanto... — e parou de falar.
— Desculpe-me Lucy. Não quero saber seus motivos, mas...
— Eu sempre fui tão tola no amor. Entende? Sem filhos, uma vida dedicada ao trabalho, ao Senhor, e de novo a casa, o jantar, as roupas e... E ele é tão belo...
— Sim! De uma beleza esfuziante.
— Sim... Desde pequeno, sempre vindo a Trafalgar para me ver, me abraçar...
— O agente Wlaster Helge Doover vinha a Londres desde pequeno?
— Quem? — e Lucy chorou copiosamente até que Oscar bateu delicadamente no joelho dela e esperou ela se recuperar. — Ele pediu-me para que entrasse com suas chaves... E pegasse uma pasta cor de vinho na segunda prateleira, dentro do cofre.
— Como ele sabia? — Oscar olhou Lucy olhando-o de volta. — Ele usou algum espião psíquico para vir até aqui? Para visualizar meu cofre? — Oscar estava furioso.
— Não. Não sei... Só disse que não conseguia acessar a pasta cor de vinho por causa do material do cofre.
— Ele... Ele disse isso? — agora Oscar se alertou mais que nunca.
Porque se aquilo era verdade, se o agente Wlaster Helge Doover não tinha acesso ao material do cofre, então era porque não havia desenvolvido ensinamentos dos psi.
E Sean corre perigo de vida outra vez.
— Não... Não... Nosso Sean não pode saber — ela o olhou entre lágrimas. — Eu fiz tudo como ele pediu porque nosso Sean... Foi por amor ao nosso Sean que eu fiz tudo isso.
— Tudo isso?
— Sim. Ele me garantiu que tudo ficaria bem, que ele cuidaria de tudo, que a viagem ao Egito era para consertar erros do passado, por ter tido o amor dela e não reconhecido naquela noite... — e Lucy chorava. Oscar sentiu que precisava voltar a sentar.
— Quando... Quando ele disse isso?
— Oh! Meu Deus! Ele sabia de algo, Sr. Roldman, porque sabe que ele pode saber, não sabe? Até me mostrou fotos dele.
— Fotos? Lucy?! — gritou em choque. — Fotos do que?
— Do Egito Senhor...
— Meu Deus, Lucy! Nunca lhe passou pela mente contar-me isso? A dor que eu senti pelo meu filho morto?
Ela se jogou de joelhos no chão, às pernas dele.
— Não... Não... Eu nunca quis magoá-lo Sr. Roldman. Nunca... Nunca...
— O que... — Oscar esticou a mão pedindo silêncio. — O que Wlaster mandou você fazer exatamente?
— Quem?
E Oscar parou de vez.
— Como quem Lucy? Wlaster Helge Doover!
— Não conheço nenhum Wlaster, Sr. Roldman.
E Oscar já não sabia mais o que acontecia ali, porque de repente a mente de Lucy ficou obstruída.
— O que está fazendo Lucy?
— Fazendo Senhor? Não estou fazendo nada. Já disse, foi por amor.
— Amor a quem Lucy?
— Ao nosso Sean! — e Lucy agora não gostou das feições do patrão. — Eu... Eu disse algo de errado? Porque teria que inventar um álibi para o momento — enxugou as lágrimas no lenço que Oscar estendera. —, porque nosso Sean pediu-me para que parecesse um roubo — e olhou Oscar de olhos arregalados. —, mas eu não sabia fazer isso.
— Sean ensinou-me a bloquear-me Lucy?
E foi a vez de Lucy arregalar os olhos.
— Não... Não sei bem o que ele me ensinou Sr. Roldman, mas ele insistiu que tirasse do cofre a pasta cor de vinho e a remetesse para ele, no Egito.
— Aonde no Egito exatamente?
E Lucy sorriu tentando escapar daquilo.
— Não sei por que tanta fleuma... Nosso Sean está com amnésia então...
— Você a leu Lucy?! — Oscar quase gritou.
— Não... Sim...
— Meu Deus Lucy! Como pôde fazer isso comigo?
— Eu não... Não fiz Senhor. Porque lá só havia aquilo que nós todos conhecemos, que a Poliu conhece que nosso Sean sempre fez, então... — ela viu Oscar mandá-la parar de falar e a dispensar. — Mas não a quer de volta?
— Não Lucy. Só precisava da confirmação que Wlaster Helge Doover não conseguiu a pasta cor de vinho.
Oscar estava sorrindo de uma maneira que Lucy teve medo dele. Ela saiu e Oscar fez uma ligação.
— Trevellis?
— Amigo velho. Está atrás de mim por algo que fiz ou por algo que deixei de fazer? — gargalhou.
— Não vai achar tanta graça até saber que roubaram sua pasta cor de vinho.
— Minha o que? — Mr. Trevellis se levantou num rompante e deu alguns passos no sótão da rica casa de três andares, no nobre Bairro de Hampstead; e foi no sótão que Mr. Trevellis instalou seu atualizadíssimo escritório onde acessou seu banco de dados nos mainframes da Computer Co., alugados pela Poliu, e a câmera no cofre central não mostrava a pasta cor de vinho onde ela deveria estar. — O que você fez com minha...
— Não fui eu! — cortou-o. — Foi Robert Avillan.
— Mas ele explodiu!
— Ele havia pegado a pasta cor de vinho para mim porque eu sabia que Wlaster Helge Doover estava atrás dela, e já que Sean estava morto não havia necessidade de vocês mancharem a memória de meu filho.
— Manchar o que? Você sempre soube que Sean estava vivo.
— Desgraçado! Então você sabia?
— Calma lá, amigo velho. Porque Dolores também me confrontou e eu disse que só soube depois, já que Wlaster não é bem, o meu melhor pupilo.
— Não! Já que Wlaster Helge Doover quer o seu lugar.
E Mr. Trevellis caiu em sonora gargalhada fazendo seus 170 kg balançarem junto.
— Aquele metido a ‘Barbie’ não sabe com quem está lidando.
— Mas nós sabemos, não?
— O que está insinuando?
— Não está se perguntando por que Wlaster roubaria a pasta cor de vinho, se foi ele quem a preparou para a Poliu sob suas ordens, Trevellis?
— Não acabou de dizer que Robert... — e parou segundos para pensar. — Wlaster conseguiu roubar de você?
— Não! Sean a roubou antes.
— Mas se Robert a roubou depois que Sean morreu então...
— “Então?” Exatamente isso Trevellis. ‘Então’!
E Mr. Trevellis caiu em sonora gargalhada outra vez.
— Vamos lá amigo velho, sabe que não tenho seus dons nem nunca fui bom em charadas...
— Não. Nunca foi bom em nada Trevellis — e Oscar sabia que o silêncio de Mr. Trevellis era para que ele prosseguisse; e ele prosseguiu. — Sean instruiu Lucy a roubar a pasta cor de vinho porque não conseguia acessar o material do cofre e... — deu uma pausa. —, e ensinou Lucy a me bloquear para que eu não soubesse que ele a roubou. Quando Robert deu-me a pasta cor de vinho que tirou do cofre da Poliu, ele deu-me uma cópia, a mesma cópia que eu tinha nos meus arquivos pessoais; e Sean sabia sobre essa cópia porque fez Lucy roubar a pasta cor de vinho original e substituí-la. Agora me responda ‘Trevellis não muito bom em charadas’, por que Sean precisava da pasta cor de vinho original se ele sabia tudo sobre ela, e instruiu Lucy para que ninguém soubesse, provável ela mesma?
— Porque Sean sabia que ia ter amnésia.
— Sim Trevellis... — soou de um Oscar afetado emocionalmente.
— Lucy? — gargalhou Mr. Trevellis. — Como é ser traído por duas mulheres em quem confiava, amigo velho?
— Cale-se!!! — gritou Oscar.
E Mr. Trevellis olhou Oscar Roldman projetado à sua frente, largando o telefone que foi ao chão.
— Amigo velho... — sorriu em meio aos 170 kg em choque. — Que belo espião você não teria me dado, hein?
— O que Wlaster quer com Sean, Trevellis? — se aproximou de Mr. Trevellis, que sentiu todo o perfume caro que ele exalava.
Porque não era uma bilocação, Oscar havia realmente se teletransportado até o sótão sofisticado de Mr. Trevellis em Hampstead.
— Não sei. E estou sendo sincero amigo velho.
Oscar sentiu toda sua estrutura entrar em curto, e não sabia se estava em Hampstead ou na Trafalgar, no que seu corpo se tomou de rabiscos. Mr. Trevellis ficou encantado com os dons dos Roldmans.
— Você está bem...
— Cale-se!!! — Oscar berrou e a energia cortou-se para recuperar-se. — Você sabia que Mona reescreveu algumas informações naquela pasta cor de vinho? Que eu e Fernando a obrigamos?
— Sim. Dolores havia me contado que Fernando sabia que as Foad podiam fazer aquilo, fazer letras correrem no papel. E Wlaster deve ter ficado furioso por só ele saber o que Sean fazia, e a Poliu não cancelar contratos. Então imagino que Sean modificou a pasta cor de vinho que ficou no seu cofre, com os mesmos dons.
— Por que Wlaster não conseguia fazer a Poliu cancelar nada com a Computer Co.? Mesmo com Fernando tendo Sean e seus dons sob seu controle?
— E acha mesmo que Fernando tinha todo esse controle sobre Sean?
— Nelma teria me contado se não tivesse.
— E acha mesmo que Nelma ia querer Sean sob o controle de Fernando, que trabalhava para a Poliu, quando Nelma queria Sean, e o preparava para ficar sobre seu controle, amigo velho?
— Eu... — e Oscar sentiu outra vez a descarga elétrica.
— Mas Sean cresceu, não Oscar? E a Computer Co. passou a ser do controle dele próprio, não Oscar? E todo nosso pouco controle, porque sempre foi pouco o controle que tivemos sob Sean, desmoronou-se. E ele já não mais acreditava em Papai Noel, fadas e gnomos, mas acreditava em alienígenas, em mundos plurais, e nosso envolvimento em esconder tudo isso dele — e Mr. Trevellis via que Oscar realmente se apagava.
— O quer dizer com isso?
— Que Wlaster também viu que Sean escapava de seu domínio, que ele não podia usar todas aquelas informações, porque era sua palavra contra uma pasta cor de vinho que se reescrevia.
— Pobre Robert, ele morreu em vão. Porque Wlaster nunca teve acesso a pasta cor de vinho.
— E o que Wlaster vai fazer agora?
— Não sei. Porque nada disso lhe serve mais se Mark O’Connor morreu, não é Trevellis? — e ele viu os olhos verdes dele brilharem. — Porque há algo que está me escapando, algo que Wlaster sabe fazer e quer fazer, e que deixa Sean em um perigo do qual não sabe lidar se Wlaster usar dons... — e Oscar sumiu de vez no que toda aquela ligação siddhi se rompeu.
Mr. Trevellis deu outra gargalhada, um pouco mais confortável agora que estava sozinho. E pegou algumas coisas que caíram no chão pelo susto com um só pensamento.
“E o filho me saiu melhor que a encomenda”, voltou a achar graça.
Asilo Faãn; Abu Hamed, Sudão.
05/06; 08h00min.
Sean Queise acordou de pesadelos que diziam que seu pai estava nervoso, preocupado com ele. E era um pai de óculos de lentes grossas, com dons iguais ao dele.
— Bom dia... — e foi um ‘Bom dia!’ morno vindo de Tahira para ele vestindo a mesma calça jeans Balmain e uma camiseta branca básica.
— Bom dia Srta. Tahira — e foi um ‘Bom dia!’ interessado na bela ruiva usando uma agarrada calça cigarrete pink, blusa de muitos babados azul e que lhe cobriam o fino e esguio pescoço onde um lenço de tons terroso estava amarrado.
— A doutora já acordou. Pediu para lavar-se. Deixei-a sozinha.
— Obrigado!
— Temos algo para comer? — Tahira olhou a parede enegrecida pela fuligem, das réstias de incêndio.
— Não. Mas acho que consigo fazer café na cozinha dos fundos.
— Vou ver a doutora então.
E se separaram.
Quando Tahira e Najma voltaram, a mesa no canto do salão tinha algumas xícaras desemparelhas dos pires, café, açúcar e um queijo com pão.
— Srta. Tahira — falou ele enfim, as apresentando. —, esta aqui é a Dra. Najma Faãn.
“Doutora?”, pensou Najma sem dizer, percebendo a distância com que foi tratada.
— Dra. Najma... Esta é a Srta. Tahira Bint Mohamed... Ela está comigo porque é jornalista, fazendo uma matéria sobre a minha morte.
Foi à vez de Tahira o fuzilar.
Najma só o observou e Tahira quebrou o silêncio.
— Salaam `aleykum! — esticou uma mão para ela.
— Wa `aleykum assalaam! — respondeu a Doutora.
Sean percebeu a formalidade entre as duas, a frieza também; mulheres se decifravam.
Mas Sean não tirava os olhos da Doutora e Tahira percebeu.
— Desculpe-me demorar a chegar aqui Doutora — Sean olhou Tahira de lado. — Tive que mudar de planos e vir de helicóptero.
— Como sabia que eu precisaria... Ah! Os siddhis?
Sean não respondeu.
— Vamos tomar café. Precisamos chegar a Aswan antes do meio-dia.
“Sean... Sean... El Sean...” ecoou.
Sean se virou para Tahira e a imagem de uma mulher loira, de pele branca feita um fantasma e trejeitos finos, provável na casa dos quarenta, se fizeram.
Ele tinha certeza de que seu nome era Clarice, que era a arqueóloga que trabalhava com Afrânio e Samira, mas o que ela fazia abraçada a uma menina ruiva, de olhos verdes, com provável, quinze anos, e parecida com Tahira, ele não entendeu.
— Quantos anos tem Srta. Tahira?
Tahira o estranhou.
— Como é que é? — Tahira viu Sean com os olhos fixos em algo atrás dela. — O que está vendo, Sean?
— Nada! Só perguntei sua idade.
Najma sentou-se à mesa e começou a comer. Tahira também o fez e se voltou para ele.
— Vinte e seis anos, Sean yá habibi.
Najma a olhou e Tahira gostou de ver a doutora enciumada. Terminou o café e se levantou para arrumar sua mochila.
— O que vamos fazer em Aswan? E por que temos que levá-la? — foi o que Najma perguntou.
— Já disse! Ela é uma jornalista.
— Pensei que não gostava deles.
— “Deles”?
E Najma calou-se.
Sean sabia que se Najma tivesse falado tudo, muita coisa teria sido diferente. Mas ela não insistiu e Tahira voltou com a mochila. Najma arrastou a cadeira e foi sua vez de fazer uma pequena mala, já que não tinha muito a deixar para trás, se tudo o que tinha, já tinha ido embora; sua família, seu irmão, o asilo. E aceitou ir com ele, porque Sean era só o que lhe sobrara, e mesmo sabendo que a companhia de Tahira ia lhe estragar os planos.
— Por que temos que levá-la? — foi a pergunta de Tahira quando Najma se foi.
Ele não acreditou naquilo.
— Ela salvou minha vida, Srta. Tahira. Não posso simplesmente deixá-la aqui... — e Sean também não acreditou no sapato salto agulha que ela usava.
Nada comentou dessa vez. Só uma voz que soou por ali.
“Habaiták!”
— O que disse? — Sean olhou Tahira em pé.
— O que disse?
— Fui eu quem perguntou Senhorita.
— Disse por que temos que levá-la...
— Não! Você disse ‘Habaiták!’.
— Jura? Eu disse?
E Sean não voltou a perguntar, porque em seu conhecimento ‘Habaiták’ significava “Eu te amei!”.
Quando Najma voltou com a mala, Sean se ergueu:
— Fiquem as duas aqui! — e se virou para Tahira. — Conseguiu entender? — ela o ficou olhando abismada para o porquê da ordem.
As duas moças não tiveram nem tempo para desobedecerem, e uma pequena explosão seguida de um estrondo alcançou o corredor que dava para a cozinha.
— Sean?! — gritaram uníssonas.
Tahira se encontrava mais longe do corredor que Najma, mas acabara chegando primeiro.
— Não mandei ficar lá fora idiota?! — mas Sean gritou nervoso foi com Tahira.
— Estúpido!!! — gritou Tahira se virando e retornando para a sala. Mas Sean segurou seu braço e ela se desvencilhou. — Maa tilmisnii! Não toca em mim! — respondeu arisca.
Sean não insistiu e se virou para Najma de olhos arregalados para o chão da cozinha que incendiara, e que fora apagado com o extintor que ele ainda portava nas mãos; porque foi a mão dele que acendeu e provocou a explosão.
— Onde Jablah pegou fogo? — ele viu Najma com uma interrogação no rosto. — Umbigo? Garganta? Coração?
— Garganta... — apontou tremendo. — Depois injetou aquela e... incendiou-se! — olhou-o. — Fala de CHE? Isso é loucura!
— A combustão espontânea é conhecida por ‘fogo secreto’ — Tahira completou. — Para os alquimistas, de origem secular e alienígena.
— “Alienígena”? — espantou-se Najma olhando Sean ao invés de olhar para a jornalista que prosseguia a falar.
— Dizem que tais combustões são efeitos de poltergeist que pessoas especiais possuem — Tahira encarou Sean que ficou incomodado com os pensamentos que chegaram até ele. —, e que foram ensinados por alienígenas; alienígenas e pessoas especiais que se comunicam entre si e...
— Basta Tahira! — aquilo Sean entendeu com ou sem dons psíquicos.
— Jura? Porque achei que para um cientista da sua extirpe nunca bastasse conhecimento — riu balançando o sapato de salto agulha. — Porque em termos de Física moderna, Sean Queise, poderíamos interpretar esse fenômeno como uma forma de energia — e balançava o salto como num desafio. —, energia intermediária entre a energia química e a nuclear.
— Como sabe jornalista Tahira? — perguntou Najma.
— Minha mãe era alquimista — mas ela respondeu foi a ele.
“Sean... Sean... El Sean...”, ecoou.
— Deus... — olhou em volta perdido, transportado para um Egito antigo, para depois voltar à sala do asilo Faãn num espaço ínfimo de tempo. — Então a transmutação alquímica é a técnica para fazer a pedra ficar ‘mole’... flutuar... — Sean começava a entender como os mistérios do Universo se comportavam. Começava também a entender como a física quântica previa as muitas dimensões, e começava também a ter medo dela, de Tahira. — Em junho de 1967, um sacerdote peruano, padre Jorge Lira, descobrira o processo utilizado pelos Incas para lidar com grandes rochas, que consistia num suco de erva que tornava o material facilmente maleável.
As duas se olharam.
— Jura? Uma planta que amolece pedras? — perguntou Tahira voltando a balançar o salto do sapato agulha.
— O padre Lira dizia ter realizado com êxito experiências, macerando pequenas pedras num líquido tirado de uma planta milagrosa.
— Quanto milagrosa? — perguntou Najma.
— Não sei doutora... — e Sean ouviu a vitrola tocar. Olhou para o lado e El Zarih sentava no sofá do hall de entrada. Mas ele não estava lá, aquilo era sós rastros de energia ali impressos, vindas de vivencias, de momentos em que El Zarih esteve lá, ouvindo música. Mas Sean também sabia que El Zarih nunca ouviu música, não durante os seis meses que ali esteve, porque nunca estivera realmente de coma, porque o coma fora induzido pelo líquido verde Shee-akhan, e que era Jablah quem ‘desligava’ Sean; então quando El Zarih esteve ali ouvindo música se tornou uma incógnita. — Onde está El Zarih?
Najma pareceu paralisar nano segundos.
— Quando voltei do Cairo, El Zarih havia sumido.
— Que pena! Achei que ele tinha melhorado como eu melhorei.
— Um homem cego e doente, Sean? Como pode ter melhorado como você?
Sean não quis dar mais respostas. Pegou as coisas das duas e saiu. Pediu ao piloto do helicóptero que os levasse, ele e suas duas mulheres, até Aswan para Old Cataract. As pás giraram e Sean sentou-se. Olhou para o lado e viu a doutora falando algo; mas eram sós os lábios de Najma e as pás do helicóptero a movimentarem-se.
Sean olhou para o outro lado e não viu nada.
— Onde está Tahira?
— Quem?
— Não?! — e Sean saltou do helicóptero que começava a deixar o solo, em meio aos gritos de Najma e caiu pesado na areia da rua, e pisou pesado no piso da entrada do asilo, no piso do hall de entrada, no piso da sala e Sandy Monroe sentava-se na cadeira onde há pouco eles tomaram café. — Sandy? — Sean olhou um lado e outro da sala. — Onde está Tahira? — e os lábios colados, roxos e frios dela lhe encaravam. — Sandy? Pode ver para onde a levaram? Para onde levaram Tahira? — e Sandy o olhava.
E ele sabia que era ela, que ela vestia a roupa do noivado, que segurava o anel que sua mãe guardara, e que tinha na outra mão a arma engatilhada quando algo caiu no andar a cima.
“Sean... Sean... El Sean...”.
Sean desviou o olhar, e a escada do asilo de madeira escura e envelhecida, e de degraus soltos, se morfava, se plasmava em mármore branco da mansão dos Queise, com Sandy correndo em seu vestido de chiffon branco e as perolas batendo no corpo que chorava.
Mas não foi atrás de Sandy que Sean correu.
— Tahira?! — se jogou escada abaixo, engolindo todos os degraus de madeira escura e solta, porque era para o depósito que ele se dirigia, no que um buraco se abriu e ele caiu dentro dos degraus. E caía, caía e caía até saber que não havia um chão seguro aonde chegar. — Não!!! — gritou e o buraco fechou.
Sean voltou aos degraus, descendo outra vez para o depósito, porque lá, só os escombros que provocara. Afastou uma pedra e outra com dificuldades, sentindo o coração na glote, com medo de não saber mais lidar com tudo aquilo.
Encontrou Tahira andando à sua frente como em transe, se dirigindo para uma cama onde tubos de soro contendo uma seiva verde se projetavam ali.
“Tahira... Tahira... El Tahira...”.
— Não Tahira!!! — gritava Sean, mas ela não ouvia. Tahira se inclinou e deitou na cama. — Não Tahira! Não faça... — e Sean parou no que o cheiro de urina ocre alertou cada sinapse nervosa, que comunicou a Sean Queise que um animal estava atrás dele.
Sean escorregou um olhar e a fera lhe encarava; uma leoa com a pelagem vermelho-amarelada, e com toda sua pelagem em chamas, usando máscara de íbis que virava rabiscos, levando ambos a uma areia quente e verde, que aquecia os pés de Sean Queise que se viu num Egito antigo, em meio a homens que corriam para todos os lados quando a juba da leoa de pelagem vermelho-amarelada, varreu a areia esverdeada, e todo deserto foi envolto em uma tempestade de areia.
“Não!!!”, gritou Sean noutro mundo, só tendo tempo de se virar e se jogar sobre o piso do depósito e escapar daquela imagem.
Chegou em Tahira antes da agulha penetrar seu braço, e eles apareceram no banco do helicóptero ao lado de Najma para impacto do piloto que só ouviu os gritos dele.
— Voe!!! Voe!!! Voe!!! — no que o helicóptero levantou voo e todo asilo explodiu, desestabilizando o helicóptero.
— Não!!! — foi a vez de Najma gritar vendo tudo explodir, querendo se jogar do helicóptero, que conseguiu driblar a onda de choque e o piloto e eles três conseguiram se afastar das labaredas.
— Não! — e foi uma exclamação forte, decidida dele, que abraçou Najma chorando desesperada para o incêndio que tomou conta de tudo. — Sinto muito!
O helicóptero ganhou os céus de Abu Hamed, deixando para trás a destruição total, toda a história da família de Najma e Jablah Faãn quando Sean olhou Tahira lhe olhando.
“Foi você?”, perguntou.
Mas Sean teve medo de responder aquela pergunta.
Primeira catarata; Aswan, Egito.
24° 4’ 49.59” N e 32° 52’ 52.22” E.
06/06; 15h30min.
O Old Cataract Hotel, hoje pertencente ao Grupo Sofitel, teve seu primeiro anúncio na Gazeta Egípcia em 11 de dezembro de 1899.
Debruçado sobre uma colina de granito em frente à Ilha Elefantina, o hotel é uma maravilha egípcia à beira do Rio Nilo, 880 km ao sul do Cairo e 210 km ao sul de Luxor. Localizado no coração de Aswan, Sean não teve muita dificuldade para lá chegar. Difícil mesmo foi explicar durante a viagem, ou melhor, tentar não explicar as duas, o que lhes acontecera, o que acontecera ao asilo Faãn.
Sean entrou e acomodou Najma ainda em choque com tudo que acontecia, numa poltrona de tecido de zebra, numa sala do canto, e foi à recepção fazer o check-in dos três.
— Enigmático! — exclamou Tahira maravilhada com o lobby do hotel.
O lobby tinha um interessante jogo de colunas e arcos pintados de vermelho. Vermelho também era o estofamento dos móveis. Móveis e poltronas revestidos de veludo macio, onde a Dra. Najma aguardava cansada. Com três andares, ostentando 131 quartos de hóspedes com excelente design e transbordando passado por todos os lados, Tahira sentiu-se atravessada pela história local.
— Sabia que Agatha Christie escreveu ‘Morte no Nilo’ numa das suítes? E que o filme também foi rodado aqui? Também esteve aqui à rainha Victoria, princesa Diana, Jimmy Carter, Winston Churchill... — Tahira lia no prospecto.
Najma nem dava a mínima para ela.
— Parece mesmo que Khalida só fica em hotel do tipo cinco estrelas... — foi só o que disse de repente ao levantar-se e olhar o estranho formato da piscina, pela janela.
Tahira não entendeu. Mesmo porque as duas estavam se corroendo de ciúme uma da outra e uma controlava a outra, o tempo todo quando próximas dele.
Já Sean estava com problemas maiores, o hotel estava lotado e sua reserva era para um quarto só, composto por duas camas king size e ele rodou os olhos a quase fazê-los soltar da órbita a imaginar ‘quem dormiria com quem?’. Ele também ficou confuso para assinar Sr. McDilann, porque era o que constava nos passaportes falsos que o agente Michel Rougart entregara a ele. Já Tahira trazia o passaporte falso dela, Srta. Tahira McDilann, irmãzinha gêmea dele.
Sean só deu alguns passos e as encontrou no mesmo lugar:
— Irmã gêmea? ‘Jura’? — ele encarou Tahira que não moveu um único fio do cabelo ruivo, e Sean voltou à gerência tomando coragem para fazer um pedido ao gerente que só ergueu a sobrancelha.
— Desculpe Senhor; expliquei que... — e o gerente viu Sean esticar notas muito altas. — Para qual delas, Sr. Sean McDilann? — ele perguntou.
— Para minha irmã gêmea.
— Sim, Senhor.
Sean voltou ao lobby e elas haviam saído para o alpendre de muitas cadeiras e mesas de vime, e a exuberante vista dos coqueiros à beira do Rio Nilo quando Tahira o puxou pelo braço.
Aquilo alertou Najma que ficou a ver os dois sumirem.
— O que você quer? — Sean se viu perdido na bela paisagem.
— Falar-lhe! — o som das águas próximas era tão embalador quanto a surreal imagem do Nilo correndo ao lado do Old Cataract. Ela o viu com uma interrogação no rosto. — Por que me salvou?
— Por que não faria?
— São sempre respostas feitas de perguntas Sean yá habibi? — e ela viu Sean se virar para ir embora. — Não é só isso! — segurou-o.
Sean parou de andar vendo seu braço preso por ela, e todo seu corpo se tomou de pequenos choques elétricos.
— Prossiga...
Tahira viu Najma quase fazendo algo do tipo ‘leitura labial’. Talvez até estivesse, e Tahira mudou de lado e Najma a odiou.
— Há relatos de papiros que contam que sob o reinado do Faraó Tutmoses III, UFOs esféricos estiveram sobre o Egito, descritos como círculos de fogo, e que permaneceram sobre o céu por vários dias. Você se lembra, não? — Tahira provocou-o, mas Sean se lembrava de algo, não sabia o que. — Dizem as antiquíssimas lendas e tradições egípcias que o Amon Rá ou Deus Rá, para os ufólogos uma sutil alegoria para significar alienígenas, protegia a humanidade. Em outras palavras havia uma disputa pela posse da Terra já naqueles distantes tempos, uma disputa travada por um ser alienígena que desejava ser o ‘rei do mundo’.
— “Rei do mundo”? — Sean tentava localizar aquela informação.
— Sean yá habibi?
— Ãh? — ele arregalou os olhos.
— Está prestando atenção no que falo? Espero que esteja. Porque dizem que Imhotep, o grande arquiteto de Saqqara era um ascencionado, um iniciado, aquele que atingiu o nirvana, que controla suas energias, que já não precisa encarnar. Porém, algumas escolas iniciáticas os dividiram em dois tipos de ascencionado; os alienígenas que aqui não puderam encarnar e os alienígenas que se encontraram na Terra por várias encarnações, muitas vezes incompreendidos, queimados pela inquisição dos homens.
— Metempsicose... — Sean viu mulheres e seus corpos queimando.
Ele virou-se para o Rio Nilo e nele tentou se concentrar quando Tahira prosseguiu:
— Imhotep, o astrônomo, arquiteto, era chamado pelos gregos de esculápio, Hermes Trismegistus, ou o ‘três vezes grande’, e dizem que ao construir Saqqara ele trouxe benefícios não só materiais, mas espirituais, a toda sociedade egípcia porque conseguiu aumentar as vibrações, mostrando aos sacerdotes que existem outras dimensões e como se comunicar com elas — Tahira esperou Sean virar-se para ela. —, porque Imhotep criou ‘estradas’ eletromagnética, que facilitavam a movimentação de materiais que volitavam, porque Saqqara produzia energia taquiônica, a energia do pensamento.
— Está dizendo que usavam a energia taquiônica, kundalini, para mover os grandes blocos de pedra? Como Leedskalnin...
— Dizem...
— Quem ‘dizem’, Tahira?
— Os de fora. Os do outro mundo.
— Wow! Você é uma alienada.
— Jura? Porque o trem Maglev usa levitação eletromagnética e ninguém duvida — ela viu Sean a olhar de uma maneira inédita e ela prosseguiu em meio a toda incoerência. — Os egípcios, os do outro mundo, vieram com esse conhecimento. E quando construíram pirâmides em Gizé, fizeram uma avaliação de todos os pontos energéticos, os vórtices de energia da Terra e colocaram as pirâmides a 30 graus de latitude leste e a 19 graus de longitude Sul, pois essas coordenadas geram um campo vibratório gigantesco, sendo a maior hiperatividade do planeta. E quando a pirâmide ‘vibra’ ela gera energia taquiônica, a energia do pensamento que pode curar. Jesus Cristo usou-a para transformar a água em vinho.
— Deus... Que viagem... — e se foi rindo.
Mas Tahira pegou-o pelo braço novamente alertando Najma.
— Não estou ‘viajando’. O caduceu, o símbolo da Sociedade Médica, era a sua vara de poder. Imhotep a usava para medir a quantidade de energia vital que um ser humano processava no seu interior, e captava essa energia vital identificando onde existiam desequilíbrios celulares eletromagnéticos. Com isso, curava elevando a frequência vibratória da aura ou campo eletromagnético da pessoa. Imothep misturava a magia com a medicina; alquimia pura. Suas fórmulas e remédios estão cheios de rezas e encantamentos, pois ele acreditava que a medicina não curaria sem que recebesse poder através da energia da palavra. Seus textos e ensinamentos passaram secretamente de geração em geração durante milênios. São a base dos conhecimentos Gnóstico, Templário, Illuminati, Rosa Cruz e Maçom.
— E os gregos os chamavam de princípios herméticos... Restabelecendo os chakras... — Sean olhou o Rio Nilo. — A energia vital necessária aos órgãos afetados. E que os abrindo pode matá-los — olhou-a. — Está acontecendo algo de onze em onze anos, não Srta. Tahira? Encarnados que vem ao planeta Terra para concluir etapas.
— Minha família dizia que sim.
— Por isso eu recebi o pacote há onze anos. E como ele não foi entregue, tiveram que esperar mais onze anos... E Mona precisou me preparar...
— Do que está se lembrando?
— Não sei. “Hidashar Hidashar”; e Samira viu a hora quando entrou na pirâmide, onze horas e onze minutos... — e foi a vez dele afastar Tahira mais longe ainda da vista de Najma que foi atrás deles. — Oscar havia mandado seu agente para Saqqara. Sabe por quê?
— Não faço ideia.
— Mas ela sabia...
— Quem sabia Sean yá habibi?
— Mona amiga... — Sean viu a grande mulher sentada em meio a almofadas de veludo. — Ela disse que havia uma capela falsa para dissimular um dos acessos ao complexo subterrâneo... — e parou de falar a encarando. — Preciso de um favor seu.
— Que tipo de favor?
— Preciso conseguir fazer uma viagem astral para... — e parou de falar quando Najma se colocou ao lado deles.
— Precisamos tomar um banho e nos deitar. Estamos cansados, Sean Khalida.
Sean olhou as duas se odiando.
— Claro! Estamos cansados — e não voltou a falar nada.
Elas também nada falaram.
Os três se encaminharam para dentro do hotel e suas colunas pintadas; e paredes que os remetiam ao tempo dos faraós.
— Sabe que os egípcios tinham uma visão rica em relação as suas deidades, Sean yá habibi? — Tahira olhava em volta toda aquela decoração exuberante.
— Sei? — Sean percebeu que Najma começou a respirar mais pesado com o ‘yá habibi’ no final da frase de Tahira.
E Tahira parecia saber aquilo.
— Há no Templo de Hathor, em Dendera, entre as muitas descobertas, figuras de estranhas criaturas humanoides reptilianas; alienígenas, suponho. Alguns com corpos de macaco, alguns com cabeça de macaco, ao lado de faraós e homens com cabeça de pássaro.
— “Cabeça de pássaro”? — e Sean sentiu que pisava areia.
“Sean... Sean... El Sean...”.
Ele olhou para Tahira, para Najma e elas subiam degraus limpos e decorados. Mas Sean estava num grande deserto, quente, com cinco carros em alta velocidade vindo em sua direção. Ele voltou a olhar para os lados e elas haviam sumido, e haviam sumido porque Sean estava sentado ao volante, olhando pelo retrovisor para um pássaro metálico que sobrevoava o deserto, no que emitiu uma luz vermelha que saiu de seus olhos, e o Jeep anos 70 explodiu.
— Ahhh!!! — e Sean foi ao chão, caindo três degraus até que elas conseguissem o alcançar.
— Sean yá habibi?! — gritou Tahira.
— Sean Khalida?! — gritou Najma.
Mas Sean esticou a mão para a primeira imagem borrada que viu à sua frente, Tahira, e Najma dessa vez não pareceu querer ficar tão complacente quanto se mantinha, e a empurrou longe, fazendo Tahira descer dois degraus.
— Está louca ou o que?! — Tahira se viu quase de ponta-cabeça.
E Sean não pôde nem ter tempo de entender algo porque Tahira saltou de onde estava para cima de Najma, que menor em tamanho, tombou para trás, para cima dele.
— Ahhh!!! — gritou Najma.
— Hei?! — gritou Sean olhando Tahira se preparando para atacar Najma outra vez. — Basta as duas! Que coisa mais ridícula!
— “Ridícula”? Jura? Porque não fui eu quem começou.
— Vê-se logo que ela quer é nos distanciar do que viemos fazer aqui Sean Khalida — disparou Najma.
— Ah! É Doutorazinha? E o que viemos fazer aqui? — Tahira deu um passo e Sean a puxou para trás não gostando do que ele fez, de fazer aquilo duas vezes.
Mas Sean não havia, era deixado Tahira se machucar porque leu os pensamentos poluídos de Najma como num apertar de botão. E havia algo grande e misterioso ali.
Tahira, magoada, se virou e começou a descer os degraus.
— Volte aqui! — e Sean desceu atrás dele, pegando-a pelo braço também.
— Maa tilmisnii! Não toca em mim! — Tahira se enchia de ódio descendo a escada.
— O que pensa que está fazendo?
— Utrukiinii! Deixa-me sozinha!
— Volte! Agora! — Sean apontou para cima onde Najma parecia lhe olhar com um ar de vitória.
— Você é cego? Jura? — e Tahira subiu a passos pesados e alcançou o segundo andar onde ficava o quarto deles.
Sean percebeu ali que Tahira gostava dele. Talvez até já tivesse gostando dele muito tempo antes. Sentiu-se vazio quando Najma não perdeu tempo pela confusão e o abraçou tomando posse.
Tahira ainda pôde os ver antes de entrar.
— Precisamos descansar — e Sean tirou as mãos de Najma que o abraçava.
Havia duas camas enormes, com tendas de sedas coloridas enfeitando a grande suíte, que tinha uma ampla e ensolarada antessala ricamente mobiliada com mobiliário clássico. As malas vieram depois da confusão da escada.
Sean deu uma gorjeta ao jovem carregador trajando quepe e jaleco, e pegou o jornal local percebendo que outra vez a Poliu intervira na mídia, e nada sobre a explosão do asilo Faãn chegou aos jornais.
Um banheiro de granito bege era todo adornado de torneiras douradas, e Tahira já foi adentrando e preparando água morna na grande banheira. Ela voltou ao quarto e começou a desmanchar a mochila quando Sean a segurou pelo braço pela quarta vez.
— Desça com o carregador — ele viu Tahira olhar o jovem ainda parado ali. —, fiz check-in para você noutra suíte.
Tahira agora tinha um olhar tão odioso que aquilo atravessou todas as barreiras de Sean. Ele sentiu que ela o odiara naquele momento e que ele a amara por aquilo. Ela pegou a mochila e parou na porta ainda de costas para ele e Najma, que ela sabia, se alegrava em vê-la saindo dali, do ninho de amor.
— Parece que todo aquele sexo na sacada de Abu Simbel não foi o que eu achava, não? — e saiu. Mas a gargalhada de Sean foi tão notável que Tahira voltou do corredor. — Do que está rindo?
— Rindo do seu jeito ridículo de ser, de rir, de se vestir Srta. Tahira — olhou-a de cima a baixo.
E foi uma Tahira tomada por algo que Sean não devia ter disparado que adentrou novamente o ninho deles.
— Jura? Então meu ‘jeito ridículo de ser’ lhe provoca risadas? — chegou tão perto que Sean teve vontade de parar o que fazia e atacar os lábios vermelhos que quase grudaram aos dele. — Aliás, Sean Queise, meu jeito nunca foi empecilho para você aceitar todas as minhas exigências sexuais.
Sean gargalhou mais debochadamente ainda jogando a cabeça para trás.
— Wow! “Exigências sexuais”? — Sean virou-se para Najma que o olhava espantada. — Não vai acreditar nela, vai? — apontou para Tahira.
— Não vou Sean Khalida?
— Ela é louca Najma! Nunca tive nada com ela. Ficou se esfregando em mim no alpendre agora a pouco, não viu? — gargalhava com gosto.
— Me esfregando?! — gritou Tahira um grito abafado.
— Ah! Qual é Najma? Eu nunca tive nada com ela...
Mas Najma também não estava gostando daquela situação.
— Como pode saber? Está com amnésia — retrucou a Doutora já começando a ficar incomodada por ter entregado seus sentimentos a um homem estranho.
— Porque eu posso saber!
— Então não foi ela quem você viu nua na jacuzzi?
O jovem carregador começou a gostar do trio ali.
— Não sei do que você...
— Não é ela que lhe veio a mente quando seu sexo rígido entrou em mim?
— Sexo rígido? Jura? — Tahira gostou e não gostou daquilo.
Sean arregalou os olhos azuis para Najma e Tahira ao mesmo tempo.
— Está louca Doutora? Não fizemos... — e se virou para a jornalista. — Não tive nada com ela!
— Tivemos! — exclamava Najma.
— Não tivemos! — Sean ainda encarava Tahira.
— Também tivemos Doutorazinha... Íntimos até não poder mais na jacuzzi com vinho Chardonnay.
Sean agora arregalou os olhos. Porque não era ela quem ele havia visto, era Kelly Garcia, que seu pai colocava a mão no ombro.
— Idiota! — exclamou ele para Tahira.
— Talvez... — Tahira voltou a ficar tão próxima dele outra vez que Sean nem respirava mais. — Talvez eu seja isso mesmo, uma idiota por te amar tanto — e a ruiva e bela jornalista saiu, sem saber que ela realmente mexia com os instintos dele, que descongelaram em algum momento ali.
Sean então olhou o jovem carregador ainda animado.
— Já viu tudo?
E o jovem carregador correu atrás de Tahira como mandado anteriormente.
“Droga!”
Sean só esperou ouvir a porta do banheiro com Najma dentro ser trancada e se dirigindo à suíte de Tahira. Adentrou no banheiro da suíte dela fazendo Tahira gritar, já enrolada num rico roupão branco.
— Por que o susto? Não éramos “íntimos até não poder mais”?
— Você é um idiota!
Sean gargalhou.
— Quero saber o que Oscar pretendia mandando-nos aqui? — foi seco e direto.
— Parece que não entende nada sobre o Sr. Roldman, não?
— O que ele queria?! — gritou.
— Não grite comigo Sean Queise! Já disse que não sei! Pensei que íamos ver alguém — ela estava tão brava com ele que sua presença ali a enervava.
Sean se encostou ao batente da porta e ficou a observando.
— Sabe por que falo árabe Srta. Tahira?
Tahira arregalou os olhos.
— Como é que é?
— Sabe! Porque esta informação, como outras, estão naquela pasta cor de vinho que Mona fez com letras que não podem ser lidas — e Sean viu Tahira o encarar ainda escondida no roupão do hotel que pela primeira vez há deixava um pouco mais normal. — Mas você conseguiu ler, não foi?
— Não sei do que está falando Sean Queise. Porque a única que sei de extraordinário sobre você, era através de você, nos encontros ufológicos.
— Mentira! Estava indo a Portugal, investigar-me na Poliu onde Dolores me inseriu.
— Inserido? Isso Sean Queise... Sean Queise... — Tahira riu. — Porque você nem pode imaginar no que estava inserido.
Sean sentiu o coração acelerar.
— E no que eu estava inserido?
— Jura? Porque você disse num desses congressos, que havia participado de algo, e mesmo que o tenha feito sem saber, se arrependia de ter feito algo para a Poliu.
— Arrependido? Eu? Nunca me arrependo de nada — Sean balançou o pescoço nervoso. — Do que me arrependi?
Tahira demorou a responder. Depois sentiu a temperatura da água e largou o roupão no chão fazendo Sean impactar com as nádegas sexy dela que afundaram nos sais perfumados.
— Disse que havia grandes conspirações feitas por uma Poliu mais antiga, na Núbia, hoje Sudão. E que você tinha provas disso numa pasta cor de vinho, que iria tornar-se pública em breve, para seu desespero e da Computer Co.; provável de seus pais também.
— “Tornar-se pública”? — Sean sentiu-se tonto. — Deus... Quem ia expor ao público a pasta cor de vinho? Eu ou a Poliu?
— Não sei. Imaginei que era outra pessoa já que isso prejudicaria você e sua empresa, a Computer Co..
— Por que imaginou isso?
— Porque você estava extremante nervoso com a ideia da pasta cor de vinho ir a público, já disse. Por Allah... Falo uma língua que desconheça?
Sean não gostou da ironia.
— Eu disse quando isso ia acontecer?
— Disse que aconteceria quando o pacote chegasse, no seu vigésimo terceiro aniversário.
— Deus... Então eu sabia sobre o pacote? — Sean se sentiu tão impactado que dessa vez precisou se apoiar na parede. — Mas Kelly foi... Kelly saberia se eu tivesse dito isso em algum congresso.
— Kelly não ia a todos os congressos Sean Queise. Porque você escondia dela muita coisa.
— Não... Não... Eu nunca teria dito isso.
— Como pode se lembrar?
— Eu posso!
— Como?
— Não interessa como. Porque posso voltar ao congresso e saber o que falei.
— Então volte! — o desafiava.
— Ajude-me!
— Como?
— Preciso trazer a Computer Co. de onze anos atrás até aqui.
— Como?
— Como não é importante. Preciso que você vigie meu corpo enquanto faço essa viagem.
— Mas você não vai viajar exatamente, vai?
— Mais que isso. Vou trazer o garoto Sean Queise de catorze anos até aqui e vou ficar no lugar dele, na mansão dos Queise.
— Vai o quê? — e um par de seios explodiu na banheira.
— Não faça isso de novo Senhorita. Vai estragar todo meu equilíbrio.
— Idiota... — foi a vez dela.
Sean riu e só teve tempo de se virar para não vê-la nua, no sair da banheira. Tahira o amou por aquilo e Sean foi para o quarto. Ela apareceu vestindo um roupão démodé, e com os cabelos vermelhos semiúmidos, o vendo sentado no sofá, apreciando toda dela.
— Como vai fazer essa troca? — insistiu.
— Não tenho a mínima ideia, mas troquei meu eu duplo pelo eu original, quando abri a valise. Então sei que preciso trazer o garoto Sean e o robô que ele ‘treinava’ para ser um Queise.
— E por que não pode simplesmente voltar a onze anos atrás?
— Porque você precisa me contar o que ele faz, o que ele vê, e como conseguiu descobrir que havia recebido um pacote que não lhe foi entregue. E não sei levá-la lá por tanto tempo e acabarmos no... no limbo.
Tahira sabia que tinha mais, mas não discutiu. Tudo aquilo que Sean fazia ou dizia fazer ela só havia ouvido falar, nunca ninguém fizera até então, até Miro Capazze não tinha aqueles dons; porque Miro só conseguia voltar ao Egito alienígena sob o efeito do Fator Shee-akhan, que ele, o último de sua linhagem, dominava.
— Então vamos lá? — prendeu o cabelo e o encarou.
— Não! Não agora! Vou ter que voltar e acalmar Najma.
— Jura? E por que você precisa fazer isso Sean Queise?
Sean só sorriu e se levantou. Depois parou na porta e se virou para ela; seios voluptuosos, coxas roliças, largos quadris no roupão que mais lembrava o da sua vó Adelaide.
E eram quadris que não passavam despercebidos por ele nunca.
— Você dança?
— Quê? — a pergunta foi tão despropositada que Tahira nada respondeu e a porta se abriu e se fechou após a passagem dele, sem que a tocasse.
Old Cataract Hotel; Aswan, Egito.
06/06; 23h00min.
O travesseiro de Tahira abaixou alguns centímetros e ela arregalou os olhos, se virando. Não havia ninguém ali, mas o cheiro dele exalava por todo o quarto.
Ela se levantou nervosa após dormir nua na cama macia, e chegou a sala usando um robe de um tom azul tão berrante que Sean piscou pela ardência.
— Wow! Suas roupas conseguem me surpreender cada vez mais.
Tahira o viu sentado, com uma calça de moletom, um tênis e uma camiseta básica para lá de agarrada.
— Você também me surpreende Sean yá habibi. Gosta de mostrar o tanquinho?
Ele se olhou e riu:
— A camiseta foi presente de Najma. Ela ainda acha que sou mais magro que sou na verdade — riu com gosto.
Mas Tahira não achou graça, se virou para o quarto e Sean estava na frente dela.
— Ahhh! Não faça isso de novo! — ela o viu sorrir outra vez, e era um sorriso cínico. — Você estava no meu quarto agora pouco?
Sean olhou para a porta onde ‘aparecera’.
— Não! Por quê?
— Nada... — empurrou-o sem ver dessa vez o sorriso cínico que ele dera. — E pode esperar do lado de fora?
Ele fechou a porta sem responder. Não que ele não quisesse ter ficado lá olhando ela vestir novamente aquela horrorosa camisola de tecido acolchoado e bordado que realmente mais lembrava os da sua vó Adelaide, que ele passou a lembrar-se bem.
Nada comentou, porém e ela voltou à sala.
— Preciso me deitar na sua cama e você fica aqui na sala, filmando trazer-me.
— Jura?
Sean não respondeu àquela ironia.
— Vou me concentrar e me bilocar. Preciso que tranque portas e janelas e não atenda nada nem ninguém. Por favor, não se assuste quando eu mesclar a sala daqui ao meu quarto na mansão. Não sei mesmo como vou conseguir entrar lá novamente, porque depois da morte de Sandy… — e parou de falar. — No entanto, acredito que por ela ainda não ter se matado, não haja energias gravitantes do seu suicídio lá. E não se assuste com o jovem Sean Queise de catorze anos, ele não era uma criança fácil.
— Jura? — foi só o que ela disse.
25
Mansão dos Queise; São Paulo, capital.
23° 34’ 12” S e 46° 40’ 20” W.
11/11; 23h00min - 11 anos atrás.
Foi apenas dez dias depois da tragédia que quase levou a Computer Co. à falência que o jovem Sean Queise recebeu aquele brinquedinho, o robô que havia sido trazido do Sudão, antiga Núbia, e mais precisamente de Nabta Playa.
Fernando Queise por duas vezes pensou em jogar aquele pacote fora, mas Sean estava ali, disponível, se tornando inteligente, se tornando um Queise.
Uma pancada se fez na porta do quarto dele.
— Entre! — exclamou um garoto alto para a idade dele, olhos azuis que se escondiam nos cabelos loiros e lisos, e um corpo que começava a mostrar modificação depois de horas de academia de luta Muay Thai e defesas Krav maga.
— Achei que já tinha ido dormir filho.
O jovem Sean Queise abaixou o som de ‘The Prodigy!’.
— Não estou com sono pai — o jovem Sean de catorze anos olhou para o corpo de Fernando Queise, que ficava transparente até ver que seu pai escondia algo atrás dele. — O que tem para mim?
Fernando alisou o bigode e sorriu.
— Só vim mostrar — entrou no quarto claro, de tons marrom e azul, com muitos vídeos games e um grande fliperama ocupando quase toda parede lotada de pôsteres dos seis ‘Friends!’ e da bela Pamela Anderson de ‘Baywatch!’.
Parecia até então, um garoto normal com a cama desarrumada e a cadeira lotada de roupas, próxima a janela que estava aberta, mostrando a Lua cheia de uma primavera quente.
— Nós a conhecemos?
— Como é que é?
— A mulher morena que mandou o robô — apontou. — Nós a conhecemos?
Fernando impactou.
— Ah! Não! Ela é amiga de...
— Ah! Daquele cara grandão que não gosta de mim.
— Chega Sean! Trevellis é meu amigo de escola.
O jovem Sean Queise de catorze anos não respondeu. Sabia que não devia se meter nos negócios da família, que sua mãe ficava furiosa quando ele fazia perguntas demais.
— Posso ver? — foi o que disse.
— Trouxe para você ver, não?
O jovem Sean Queise olhou Fernando de uma maneira que ele não gostou de ser olhado.
— Obrigado... — pegou o pacote e abriu-o sentindo algo ali, uma energia que lhe tomou todo o corpo numa rigidez.
— Você está bem Sean?
— Estou... — o jovem Sean Queise olhou em volta confuso. — Posso saber o que é isso?
— Um robô que a Computer Co. estava desenvolvendo.
— E por que ele tem areia?
— Um robô arqueológico.
— O que provocou os jornais me seguirem na escola?
Fernando sabia que ele sabia algo; o quê, não sabia.
— Ele sofreu uma pane no sistema, e não anunciou a rachadura na parede que causou o desabamento de uma pirâmide, que matou três arqueólogos no Sudão.
— Wow... Estamos encrencados? É por isso que a mamãe está nervosa?
— Sua mãe está nervosa?
O jovem Sean Queise percebeu que falara demais. Que ela sempre voltava feliz das viagens de férias pela Europa, mas que pela primeira vez, haviam viajado a Londres, fora das férias escolares dele, e ela voltara nervosa.
— Posso mexer nele?
— Perdemos o sistema Sean, não tem como consertá-lo. Vamos mandar para a linha de garbage e destruí-lo.
O jovem Sean Queise olhou o robô lhe olhando, sabendo que havia algo muito errado ali.
— Posso...
— Não Sean. Só trouxe para mostrá-lo.
— Ok! Devolvo amanhã.
Fernando olhou o quarto bagunçado de um garoto de catorze anos e sorriu.
— O sistema de laser foi danificado pela areia, e há componentes que derreteram pelo calor de 48 graus. No demais, é só ‘garbage’.
— Ok! Devolvo amanhã — repetiu.
Fernando não sabia se havia feito a coisa certa, mas Mona Foad avisara ainda pelo telefone que se ele não desse o pacote a Sean, o pacote voltaria onze anos depois, e onze anos depois, e onze anos depois, e voltaria para um Sean cada vez mais doente, fraco e triste, porque o futuro de Sean era nublado. E Fernando tinha medo daquela mulher, uma mulher vidente ou qualquer coisa assim que se importava demais com seu filho. E Fernando tinha realmente medo daqueles poderes, daquele tipo de poderes iguais de Oscar Roldman, iguais de seu filho.
Mas Mr. Trevellis tinha Mona Foad em tão alta estima, que Fernando se via numa eterna baixa de guarda. Não era diferente naquele momento, e ele fizera o que Mona Foad mandara.
— Amanhã de manhã o robô vai para Portugal; ok?
— Por que Portugal?
— Porque Barricas vai finalizar o sistema e faremos outras linhas de robôs.
— Massa...
E Fernando saiu.
O jovem Sean Queise de catorze anos sentiu todo seu corpo amolecer depois de toda tensão, tentando não demonstrar nada para seu pai. Porque também não sabia o que lhe fizera ficar tenso, mas havia algo ali, nos olhos do robô. O volume voltou a subir no aparelho de som e ele o olhou, o volume de ‘The Prodigy!’ que aumentou estremecendo todo quarto. O jovem Sean Queise então se virou e a gaveta lotada de ferramentas se abriu, mostrando um quarto que mais parecia uma oficina mecânica, e Sean abriu a traseira do robô que mais parecia um carrinho com cabeça e esteiras no lugar dos pés, retirando de dentro a placa derretida.
“Droga!”, percebeu que estava mesmo derretida.
Foi até a estante lotada de livros de filosofia e física, e pegou um maçarico ali escondido, e arrumou a lente de aumento começando a corrigir alguns setores da placa quando algo soou ali perto.
“Sean... Sean... El Sean...”.
O jovem Sean Queise de catorze anos se arrepiou todo e ordenou o som que abaixasse com um pensar. O som abaixou e ele virou-se para o quarto agora a meia-luz e em silêncio absoluto, e nada viu. Balançou a cabeça e voltou à placa quando sentiu que havia alguém ali.
— Quantos anos você tem? — o jovem Sean Queise de catorze anos nem tirou os olhos da placa onde trabalhava e o velho Sean Queise impactou.
Ele não poderia tê-lo visto ali, ele era só uma projeção do Sean Queise que ficara no Egito.
— Vinte e seis... — e o som mal saiu da sua boca.
O jovem Sean Queise teve medo de se virar, mas encarou aquilo. Mesmo porque vinha tendo visões para lá de estranhas já muito tempo.
— Wow! Como você é parecido comigo.
O velho Sean Queise ficou impactado duas vezes, olhava uma fotografia sua viva.
— Ah! Achei que eu...
— Que você havia se modificado?
— Não... Não pode estar me vendo. Não me lembro de já ter me visto mais velho.
— Entendo... — e o jovem Sean Queise voltou à placa do sistema corrompido. — Então acha que não podemos fazer isso?
— Isso o que?
— Voltar no tempo.
E o velho Sean Queise olhou em volta, para a bagunça, os pôsteres na parede, o fliperama.
— Não podíamos estar tendo essa conversa...
— E o que você quer comigo? — e o jovem Sean Queise se virou para ele. — Ou com você? — riu.
— O robô! — apontou. — Samira Foad Strauss nos mandou.
— Foi a arqueóloga morena quem me mandou o pacote?
— Como sabe que ela... — e o velho Sean Queise impactou mais uma vez. — Não sabia que havia recebido o pacote? Fernando havia mandando de volta... — e parou de falar.
— Que pacote foi mandado de volta? Papai me disse que ele chegou hoje de manhã.
E o velho Sean Queise realmente não estava entendendo. Só sabia que não podia falar nada, modificar nada, nenhum pensamento.
— Fernando... Nosso pai disse que o sistema estava corrompido, mas sei que o robô viu algo. Algo que preciso saber o que é antes que Barricas o destrua.
— Massa! Papai cogitou isso agora a pouco.
E o velho Sean Queise sentiu-se mal por ter brigado tanto com seu pai, porque parecia que ele fora um pai bom.
— Consegue algo com o robô?
— Você não consegue?
E o velho Sean Queise ergueu a mão em direção ao robô sem sair do lugar.
— Não! Não há energias gravitantes saindo dele. E nem sei se Barricas chegou a reaproveitar o material com que foi feito, depois que o desmontou, então... Então o que posso conseguir dele, é o que está em suas mãos — apontou novamente.
— Wow! Isso é massa, não? Além de conversar com mortos converso comigo mesmo do futuro — e o jovem Sean Queise riu. —, apesar de você parecer um tanto desbotado.
— É porque estou bilocado; sou uma projeção.
— Deveria entender o que falou?
Ambos riram.
— Não pode falar isso a ninguém.
— E para quem acha que vou conseguir falar?
Ambos riram outra vez, sabendo que não tinham amigos, que no final das contas eles se afastaram dele por aquilo mesmo, por ele ser um esquisito.
O velho Sean Queise olhou em volta novamente, e teve saudades daquele quarto, daquela vida, do amor de seus pais e uma Sandy Monroe transloucada entrou no quarto e acionou o gatilho.
— Ahhh!!! — Sean gritou na cama de Tahira, com ela em choque ao lado dele.
— Não grite Sean... Não grite ou a gerência vem até aqui.
— Não! Não! Não! — olhou-a suando muito. — Ela se matou! A desgraçada se matou.
— Quem? De quem está falando, Sean yá habibi?
— Sandy... Ela entrou no quarto e se matou.
— Ah! Sinto muito. Você perdeu a conexão?
— Você... — olhou um lado. — Você... — olhou outro lado. — O que você fazia aqui?
— Você disse que ia trazer o quarto até a sala, mas não eu não vi nada. Entrei aqui e você estava quieto, com seu corpo imóvel.
— Eu não... Não sei... — olhou-a em choque. — Eu conversei com ele.
— Com o garoto?
— Sim...
— Com você com catorze anos?
— Sim! Sim! Já não disse?
— E você podia?
— Não sei... Não sei... Deus... Então eu recebi o pacote?
— Como assim recebeu?
— Não era um papiro. Foi o robô da Computer Co. que eu recebi onze anos atrás — caiu na cama em choque. — Mas por que Oscar disse a Kelly que eu não havia recebido o pacote? Que meu pai não o enviou. E por que Mona mandou de novo o mesmo pacote, e agora com um papiro que... Deus... — e parou. — O papiro que eu recebi não foi o mesmo papiro que Samira tirou do esquife? Será que meu papiro nunca foi egípcio, não na concepção da palavra? Será que era o mesmo tipo de papel alquímico que Mona confeccionou para a pasta cor de vinho, onde Wlaster obrigou a Poliu a divulgar coisas sobre os Queise, os Roldman e os Trevellis, para desestabilizar Trevellis pessoalmente? Um papel que permite ler-se só o que quer que se leia, o que quer que Mona escreva?
Tahira demorou um pouco até digerir tanta pergunta, mas viu Sean suando muito.
— Vou buscar água — e pegou água para ele.
— Não! Posso vomitar se tomar algo…
— Vomitar? Vai voltar lá?
— Preciso saber se ele... Quero dizer, se eu consegui reestabelecer a comunicação com o sistema.
— Mas ele só tem catorze anos.
— Tahira, eu construí o banco de dados de Spartacus com quinze anos porque provável já treinava desde muito antes.
E uma forte pancada na porta do quarto se fez os alertando.
— Sean?! — gritava Najma. — Abra Sean!!! Sei que está aí!!!
— Deus... Se ela entrar, vamos perder a conexão — Sean olhou suas mãos tomadas de uma luz. — Veja! Ele... Eu estou me chamando...
— Você está o que?
— Abra Sean!!! Ou vou mandar derrubá-la!!! — ainda gritava uma Najma tomada pelo ciúme.
— Ela vai o que? — Tahira arregalou os olhos e dois homens derrubaram a porta da suíte dela quando Sean agarrou-a pelo braço e ela só teve tempo de gritar. — Ahhh!!! — e Tahira se viu dentro do quarto de um jovem alto, bonito, com catorze anos e olhos azuis, arregalados por ver-se ali mais velho, com alguém atrás dele.
— Wow! — o jovem Sean Queise de catorze anos deu um pulo da cadeira. — Quem... Quem é ela? — perguntou.
O velho Sean Queise tremia mais impactado do que nunca.
— Você está... Você está... Não posso falar.
— Ela é ruiva?
E Tahira escorregou os olhos verdes de detrás do velho Sean Queise para vê-lo.
— Jura que você já era tão alto assim?
O velho Sean Queise fez uma careta, mas o jovem Sean Queise quis responder àquela mulher bonita.
— Sim. Os médicos disseram que eu dei um ‘estirão’ e alcancei 1.70m; e espero mesmo que não pare por aqui — o jovem Sean Queise riu olhando o velho Sean Queise com no mínimo 1.80m. — Por isso mamãe me faz fazer Krav Maga e Muay Thai, num uso combinado de punhos, cotovelos, joelhos, canelas e pés — e deu um chute no ar para impressionar uma Tahira impressionada.
— Mamãe mandou fazer Krav maga porque nos quer na Polícia Mundial! — exclamou um velho Sean Queise furioso.
— Onde? — exclamou um jovem Sean Queise confuso.
E os dois Sean se olharam e desviaram olhares. E ambos sabiam mais do que diziam.
— O robô! — apontou o velho Sean Queise cada vez mais nervoso.
— Não sei — respondeu o jovem Sean Queise. — Parece que uma das entradas do sistema ótico está danificada — e se virou para ele próprio. — Sabia que o papai estava desenvolvendo isso? Porque isso... Meu... Está à frente do tempo.
— Fernando desenvolve coisa pior para a Poliu.
— Sean! — Tahira chamou-o a atenção.
Os dois Sean se olharam novamente e desviaram olhares.
— Por que ela está vestindo uma camisola igual da vó Adelaide?
— Prossiga!
E o jovem Sean Queise não gostou de levar bronca dele mesmo.
Suspirou nervoso e prosseguiu:
— Ok... Depois que você sumiu, eu desmontei a placa de circuito impresso; as resistências de 330 O, as resistências de 10K O, as resistências de 100 O e os diodos de silício 1N4007 — apontou para peças em cima da mesa.
— O cérebro do robô é o que chamamos de pequeno computador digital, que fica dentro de um circuito integrado. A este componente chamamos microcontrolador e constitui um dos avanços mais espetaculares da Microeletrônica moderna — completou o velho Sean Queise.
O jovem Sean Queise olhou Tahira antes de continuar a se debruçar sobre o circuito do robô.
— Ok! Então refazemos a conexão e a comunicação desse cérebro com as rodas... Assim como os sensores que emprega na detecção de obstáculos... — religava tudo. — E papai disse que ele teve um problema no seguimento de trajetória, e ele saiu da pirâmide fugindo de algo, para então se encher de areia.
— ‘Papai disse’?
— Sim. Daquela maneira que ele diz — ambos riram sabendo que ele lera os pensamentos de Fernando Queise. — E agora? — o jovem Sean Queise questionou ao velho Sean Queise.
— Os circuitos eletrônicos de interface, precisam se adaptar as características do elemento que envia a informação e ordens que recebe. Vai ter que... Droga! Ainda não existem computadores com essa precisão matemática.
— Mas você sabe fazer não? Contas? É o que dizem na Computer Co. sobre... — e o jovem Sean Queise escorregou um olhar para Tahira. —, sobre nós.
O velho Sean Queise o olhou não querendo ter olhado e sentou-se na cadeira após o jovem Sean Queise se levantar e dar-lhe o robô para trabalhar. E o velho Sean Queise sentou-se sem realmente ter entendido todo o significado daquela frase, do ‘é o que dizem na Computer Co. sobre nós’, porque só depois dos quinze anos a Computer Co. falaria aquilo.
Começou a trabalhar já que estava ali, teletransportado, conversando com ele mesmo onze anos atrás, remontando uma placa e circuitos integrados com o que tinha naquela época, ao lado de um jovem Sean Queise de catorze anos, encantado com o que se tornaria.
Ambos riram, porque ambos se comunicavam; ou como diria Mr. Trevellis, como até Deus duvidaria.
— Isso aqui são componentes passivos, fabricados com materiais isoladores que oferecem uma resistência determinada à passagem da corrente elétrica, que vem definida pela Lei de Ohm. Se aplicarmos o dobro de tensão, circulará o dobro de corrente. A função entre estes dois parâmetros fundamentais é linear... — e o velho Sean Queise apontou. —, é o que eu vinha desenvolvendo com Gyrimias quando... — e de repente o encarou impactado. — Não podia lhe dizer isso, não é?
— Acho que você não podia nem estar aqui Sean yá habibi, quanto mais ‘dizer isso’ — falou Tahira muito brava quando os olhos do robô acenderam e todo o quarto se tomou de raios vermelhos. — Ahhh!!! — gritou ela.
— Shhhiu! — disseram os dois.
Tahira olhou um e outro.
— Jura?
— E agora? — o jovem Sean Queise olhava imagens desfocadas e em curto, tomando conta do quarto.
— Droga! Precisamos resolver o problema de rastreamento linear da trajetória nos manipuladores robóticos, para garantir que o erro de rastreamento tenda assintoticamente para zero, em quaisquer condições iniciais, assumindo que o modelo dinâmico do manipulador seja conhecido pelos mainframes.
— Wow! — exclamou o jovem Sean Queise sem entender nada.
— Wow! — repetiu o velho Sean Queise vendo as imagens de Afrânio em pé, ao lado de Samira, ao lado de Clarice se fazendo nítidas, dentro do que parecia ser uma pirâmide.
— Quem são? — perguntou o jovem Sean Queise.
— Os três arqueólogos mortos — apontou o velho Sean Queise quando chiados se fizeram e se firmaram.
“Anote a hora, Samira!”
“Onze horas e onze minutos, Afrânio yá habibi”.
Soou ali no quarto de onze anos atrás.
— Droga! Achei que o robô só gravasse imagens.
— Não sabia que havia sons gravados, Sean yá habibi? — perguntou Tahira.
— Não...
Os três olharam em volta e a holografia mostrava um lugar circular e iluminado por onze lamparinas. Tahira se ergueu no pé para olhar dentro das lamparinas, já que todo o quarto fazia parte da holografia e o quarto estava dentro da pirâmide aberta por ‘Abracadabra!’.
— O que há dentro das lamparinas, Sean yá habibi?
— Não sei... — olhou-a dizendo ‘Shee-akhan’.
Ambos recuaram nos pensamentos e o jovem Sean Queise nada captou, ou acharam que nada captou quando as vozes dos arqueólogos voltaram ao áudio.
“Por que eles estão oferecendo a areia àquela esquisita figura de leoa?”
“Não sei Dra. Clarice. Talvez agradecendo a terra, alguma colheita bem farta”.
“Talvez oferecendo a “Terra”, Afrânio yá habibi”.
Voltou a soar quando Afrânio arrancou o lápis do coque de Clarice e se pôs a reproduzir no caderno de anotações um croqui do que via, na exata ordem de adorações.
— Deus... — apontou o velho Sean Queise para a leoa de pelagem vermelho-amarelada feito fogo, na parede da pirâmide. — Veja!
— Nunca vi deus algum assim no Egito — Tahira se fixou na figura da leoa com máscara de íbis.
“Nunca vi deus algum assim no Egito” soou a voz de Clarice.
Tahira olhou o velho Sean Queise e agora ele sabia que havia uma ligação entre elas duas.
Nada comentou.
“Veja Afrânio yá habibi! A areia que ofertam é verde”.
“A daqui também. Ela é mesmo esverdeada... e fedida”.
“Como pode ser uma areia esverdeada? Será que tem haver com aquela planta Shee-akhan?”
“Está deduzindo isso ou fazendo leituras das energias gravitantes dela, Samira ma chère?”
“Não estou fazendo nada Afrânio yá habibi. Não consigo sentir absolutamente nada vindo dessa coisa verde”.
— Wow! — foi a vez do velho Sean Queise voltar a exclamar. — Por isso não senti nada quando entrei na pirâmide de Nabta Playa, o Fator Shee-akhan não permite nenhuma leitura energética. E foi por isso que Afrânio e Samira morreram pelo CHE, porque levaram o Fator Shee-akhan para o laboratório de Corniche el-Nil antes de saber do que a planta era capaz, já que não foram preparados pela Escola do papiro... — e o velho Sean Queise parou outra vez para ver um jovem Sean Queise interessadíssimo em tudo o que via e ouvia, quando agarrou o braço de Tahira e ambos se teletransportaram para dentro do closet.
Tahira e o jovem Sean Queise nem tiveram tempo de entender a atitude do velho Sean Queise e uma bela jovem de seus vinte e oito anos, de cabelos negros, abria a porta do quarto dele.
— Oi... Posso entrar? — e era a jovem e bela Kelly Garcia ali na porta.
— Kelly... — soou da boca do velho Sean Queise e Tahira não gostou daquilo, escondida dentro do closet com ele.
— Desculpe-me... — prosseguiu ela para o jovem Sean Queise. — Sua mãe disse que o banheiro ficava no fim do corredor, mas há tantas portas aqui.
E o jovem Sean Queise nunca havia sentido aquilo por uma mulher, nada depois de Pamella Anderson, era claro.
— Você... Você quem é?
Ela entrou.
— Sou Kelly Garcia — esticou uma mão suave para ele. — Acabei de chegar da Espanha e vim ser... — e caiu no chão com o toque de mãos de Tahira no ombro dela.
— Deus... O que fez? — perguntou o jovem Sean Queise.
— Deus... O que fez? — perguntou o velho Sean Queise.
— Nada, Sean Queise — foi aos dois que ela respondeu. — Não podia deixá-la prosseguir.
— Kelly... Kelly... — o velho Sean Queise passava a mão no rosto dela, nos cabelos negros, nas mãos dela que acariciava, de uma Kelly caída no chão do quarto dele. — Kelly? Responda... — e a levantou no colo olhando um lado e outro no bagunçado quarto, quando viu o jovem Sean Queise o olhando. — Não tire conclusões precipitadas, ok?
— Ok... — e o jovem Sean Queise cortou a própria fala para afastar as muitas roupas jogadas em cima da cama, para ela deitar.
— Vamos ao que interessa? — a voz de Tahira já não era de boa vizinhança.
Mas o velho Sean Queise estava paralisado, hipnotizado pela jovem Kelly Garcia deitada na cama, de lábios vermelhos no batom usado que ele tocou com os dedos sentindo toda a umidade.
O jovem Sean Queise arregalou os olhos azuis e foi a vez dele:
— O robô! — apontou.
O velho Sean Queise engoliu aquilo sem querer ter engolido, pensando se não havia criado um grande e maciço paradoxo com ele jovem e ele velho, e ambos sabendo tudo o que ia acontecer. Porque ficou realmente tentado a avisar sobre o Jeep anos 70, a amnésia, e o ciúme da mulher na cama, mas relevou. Não se perdoaria se quebrasse algo quando a imagem do robô ligou e começou a se adiantar na gravação.
— O que está fazendo?! — gritou Tahira.
— Eu não fiz nada! — o velho Sean Queise arregalou os olhos. — Me viu tocar em algo?
— Você não...
E a imagem e o som se firmaram outra vez.
“O que um códice sumério fazia na baixa Núbia?”
“Não sei, mas o Enuma Elish diz: ‘Meu filho, levante-se de sua cama! Use sua sabedoria e crie um substituto para que os deuses possam deixar suas ferramentas!’”.
“Você não sabe do que está falando!”
“Por que acha que não, Joh Miller? Você está com medo de que seja ele? O garoto dos Queise?”
— Quem é o baixinho? — perguntou o jovem Sean Queise.
— Um agente da Poliu — respondeu o velho Sean Queise.
— A Poliu daquele grandão que me odeia?
— Ele te ama. Você é o filho homem que ele desejava ter tido.
Os dois se olharam e riram outra vez.
Tahira não entendeu nada.
— Ande logo Sean Queise! Não sabemos o que vamos encontrar no Old Cataract se demorarmos a voltarmos.
— ‘Old’ onde? — perguntou o jovem Queise.
E o velho Sean Queise e Tahira se fuzilaram.
Mas as imagens mostravam mais, o robô ainda estava ligado dentro da pirâmide.
— Veja o chão Sean yá habibi... A areia é realmente de um tom esverdeado. Tudo, até as paredes são esverdeadas.
— Veja melhor as paredes Tahira... Está na ordem correta; crânios alongados, mulheres de máscara mortuária egípcia e a leoa de pelagem vermelho-amarelada usando máscara de íbis.
— Isso é impossível! Minha família disse que as mulheres... — e ambos pararam outra vez ao ver o jovem Sean Queise de olhos arregalados para a imagem.
— Eu sabia desde os catorze anos sobre uma nova dinastia em Nabta Playa... — e o velho Sean Queise viu Tahira se virar para ele. — Por isso mudei Spartacus de órbita...
— Quem é Spartacus? — e o jovem Sean Queise os alertou. — O escravo grego dos livros de história?
E o velho Sean Queise previu os passos de um Fernando Queise próximo à porta do quarto, quando ele se jogou, agora fisicamente, para dentro do closet com Tahira tropeçando em toda aquela bagunça, carregando o robô e a luz do laser ainda acionada.
O jovem Sean Queise só teve tempo de arrastar o biombo de madeira com a força de pensamento para frente da porta do closet e seu pai entrou.
— Você viu aquela... — e Fernando parou ao ver Kelly Garcia deitada na cama dele.
— Não tire conclusões precipitadas, ok?
Fernando olhou um Sean de catorze anos.
— Ok...
— Ela estava procurando o banheiro e desmaiou.
— E você pensou em descer para nos chamar? — olhou-a de perto.
— Não... Quero dizer... Sim... Mas ainda...
Fernando só virou os olhos.
— Ainda nada. Ajude-me a tirá-la daqui — e a pegou no colo para ciúme de um velho Sean Queise dentro do closet.
— Jura... — sussurrou Tahira sem que Sean conseguisse falar algo.
— Mas onde vai levá-la? — perguntou um Sean jovem e tão enciumado quanto o outro. — Porque se a mamãe a ver no seu colo vai ter mais problemas que eu.
— Deixe de besteira! Ela veio da Espanha para ser sua first, Sean.
— E para que preciso de uma first?
— Para que sua mãe não me traga mais problemas.
E o velho Sean Queise sentiu aquilo como nunca. Ele era um problema trazido por sua mãe. Colocou o robô na prateleira ao lado e escorregou até o chão do quarto do Old Cataract, com a porta derrubada pelos homens ali mandados.
— Como... — Tahira olhou um lado e se viu de novo no Old Cataract. — Como... — Tahira olhou outro lado e viu Sean em choque, no chão do quarto chorando. — Sean yá habibi...
Ele então se levantou e a encarou.
— Vamos! — limpou o rosto. — Temos uma visita a fazer! — e Sean saiu pegando a carteira e uma chave de carro trazida antes da viagem.
26
Elefantina; Aswan, Egito.
24° 5’ 0” N e 32° 53’ 0” E.
07/06; 03h00min.
Elefantina é uma ilha no Rio Nilo, no sul do Egito, situada frente à cidade de Aswan. Encontra-se a cerca de 900 quilômetros a sul do Cairo e tem cerca de 1500 metros de comprimento, e 500 metros de largura. Em Qubbet el-Haua, localizam-se túmulos escavados na rocha de governantes locais da época do Império Antigo, XII dinastia onde destaca-se nilômetro, mencionado pelo grego Estrabão, que era uma forma de medir o nível do Nilo, e que consistia num conjunto de oitenta degraus que se acham na costa, junto ao rio, onde é possível observar marcações nas suas paredes que remontam ao período romano.
E o endereço que constava na agenda, escrito em amarelo, dizia que o ex-agente, Joh Miller, morava na área nobre da Ilha Elefantina, um bolsão de areia.
Sean e Tahira alugaram em frente ao hotel, apesar da hora adiantada, uma felucca, espécie de barco à vela que navegava pelo Rio Nilo, para poder atravessar de Aswan até a ilha. A ruiva jornalista vestia uma comportada caftan de veludo preto, com bordados dourados e renda negra nas mangas longas, e que ia até os tornozelos, a deixando lindíssima. Sean havia mandado a direção do hotel, trazer da boutique antes de toda confusão, e ela relutou muito até vesti-la, mesmo sabendo que havia ficado linda e que os olhos dele brilharam para ela pela primeira vez.
Ambos chegaram numa afastada casa de pedras, onde estacionaram o jipe alugado no cais, e dois homens se identificaram como agentes da Polícia Mundial, lá montando guarda.
Foram levados até uma sala ampla, de paredes cobertas por tapetes persas.
— Ah-la u sahla, Sean Queise — foi logo dizendo um homem calvo, baixinho, gordo, de pele amorenada e andar engraçado, que vestia uma yelek, uma túnica tão longa quanto a de Tahira. — Sou Joh Miller.
— Obrigado por nos receber apesar da hora, Joh Miller — agradeceu Sean apontando depois para Tahira. — Essa é a jornalista Tahira Bint Mohamed, ela está comigo.
— Ah-la u sahla, Srta. Tahira Mohamed.
Ela agradeceu com um movimento de cabeça e Sean viu que os onze anos que separavam o homem da holografia, do homem que os recebia, havia sido de muita cerveja na barriga.
— É bom ver que está vivo e inteiro Sean.
— Digo o mesmo Joh Miller — e Sean sentiu todo seu corpo se arrepiar no que as mãos foram tocadas no cumprimento.
Nada comentou.
— Por que o Sr. Roldman mandou-me vê-lo Joh Miller?
Joh Miller riu.
— Mas você viria mesmo ele não mandando, não é Sean Queise? Porque sabe de algo que Oscar não sabe — apontou duas cadeiras vazias numa sala ampla, mas não muito grande, com móveis regionais, uma rede e um ventilador ocidental extremamente colorido, virando no teto alto de luzes acesas por causa da madrugada escura. — Querem karkadé? Uma infusão à base de hibiscos secos.
— Adoraria — falou Tahira rapidamente no que Sean olhou-a irritado. — O quê? Não jantei, estou com fome — completou decidida.
— Heleme é minha cozinheira — apontou o ex-agente Joh Miller para uma grande mulher que adentrou a sala vestindo um penhoar por cima da grande camisola, após ser acordada com o movimento de carro. — Karkadé, Heleme. Jib khâbez — pediu infusão para depois pedir que trouxesse pão para Tahira, que comia tal qual esfomeada as frutas que estavam ali na mesa.
Sean desistiu de tentar fazê-la mudar de atitudes, achava que no fim de tudo, gostava era do jeito escandaloso e imprevisto dela.
— Agora podemos conversar? — Sean os interrompeu.
Joh Miller riu outra vez.
— Então deixe me apresentar melhor. Sou Joh Miller, ex-agente da Poliu aqui no Egito, antes do agente Wlaster Helge Doover roubar meu lugar — foi direto.
— Achei que fosse você o traíra da Poliu que colocava na rede, em listas de e-mails, segredos da corporação de inteligência?
Joh Miller riu, tenso, porém.
— Não como os segredos que Wlaster queria divulgar.
— Segredos sobre meus dons paranormais.
— Isso! Wlaster queria divulgar sobre seus siddhis.
— E por que queria falar pessoalmente comigo?
— Porque você mandou que fosse assim.
— Mandei? — Sean olhou Tahira. — Como assim ‘mandei’?
— Porque quando me contratou disse que só voltasse a falar com você quando descobrissem que você não estava morto.
Sean nunca havia sentido tanto medo quanto naquele momento. Sua ida ao passado havia criado algo.
— “Amor é um fogo que arde sem se ver; é ferida que dói, e não se sente; é um contentamento descontente; é dor que desatina sem doer”.
— Do que está falando Sean yá habibi?
— Luís Vaz de Camões, ele criou um paradoxo em seu poema — virou-se para uma Tahira sem entender nada. — Não vê? Eu sabia. Eu sempre soube.
— Sabia o que?
— Eu falei para Mona quando estive em Portugal, que nós dois havíamos recebido o pacote, porque eu realmente me vi onze anos atrás, no meu quarto, recebendo o robô. E provável sabia que ia lhe conhecer. Por isso estava tão nervoso no voo para Portugal, pedindo para você ir direto ao ponto.
— Mas... Mas...
— Não vê Tahira? O paradoxo existe porque o poeta não sente o que dói, mas se o amor é uma ferida que dói como pode ele não sentir? E porque naquela noite, eu rompi com o que os especialistas chamam de ‘Paradoxo do Deslocamento em Trânsito’, onde um viajante do tempo leva com ele seu próprio tempo, o presente do modo exato que estava no momento de sua viagem, o que não pode afetar nem provocar qualquer alteração na história, depois que volta ao ponto de partida.
— Mas algo deu errado...
— Sim Tahira. Porque o viajante pode sofrer efeitos dessa alteração quando voltar à sua matriz temporal, já que modificou algo.
— Por Allah, Sean yá habibi... E então o jovem Sean Queise modificou algo?
— Não sei... Não sei...
— Mas por que o jovem Sean Queise também não pôde ir ao futuro e ver que ia explodir em Nabta Playa?
E Sean olhou em volta sabendo que estava tudo errado.
— O terceiro Sean...
— Quem?
— Não sei ‘quem’ Tahira, mas algo me brecou de conseguir saber que um drone se aproximava do Jeep anos 70, e que ele ia me explodir no deserto, enquanto senti na Unicamp a aproximação do drone, e saí correndo salvando Dolores e os agentes da Poliu.
— Dolores Trevellis? — Joh Miller se animou.
— A conhece suponho.
— Conhecer? Sempre estivemos juntos divulgando coisas — Joh Miller riu.
— “Juntos”? Por que Dolores queria se vingar pela morte de Sandy, sua amiga?
— “Amiga”? Não! Mais que isso! Sandy era pupila de Dolores, que a preparou para conseguir informações privilegiadas na Computer Co., com você.
— Desgraçada! — Sean sentiu que tudo aquilo estava sendo derrubado sobre ele muito rápido. — E tudo porque ela queria o cargo do pai?
— Sim.
— Sanguezinho bom aquele.
Joh Miller se divertia.
— Mas Sandy falhou, se matou e Dolores Trevellis foi castigada pelos Misteres e Mistresses da Poliu sendo deslocada para ações secundárias, o que a fez começar a me procurar para se vingar da Poliu, já que Wlaster fazia seu trabalho de derrubar a corporação de inteligência, sozinho.
— Então você e Dolores começaram a divulgar coisas que Sandy conseguia comigo?
— Sim, como o seu conhecimento sobre uma dinastia alienígena em Nabta Playa.
— Droga! Ele prestava uma atenção e tanto — Sean olhou para Tahira e ela o olhou sem entender aquela frase. Porque ele falava dele mesmo. — Como consegui encontrá-lo Joh Miller? Kelly disse que você era um ‘arquivo morto’.
— Ah! Isso só você vai poder dizer, já que não me explicou como apareceu no meio dessa sala dizendo tudo o que poderia fazer para me destruir caso eu não ‘cooperasse’. E como eu não queria que a Poliu me descobrisse, aceitei os privilégios que Oscar Roldman me propunha, como os agentes da Polícia Mundial na minha porta, me protegendo — apontou para fora.
— Então falei a Oscar que lhe contratei?
— Acho que sim. Os agentes estão lá fora, não? — apontou novamente.
— Mas ele não me disse nada... — olhou o infinito. — Droga! Em que momento exato lhe contratei, Joh Miller?
— Quando você chegou a Portugal para visitar Mona Foad, disse que iria ao Sudão no dia seguinte, e que você ia a Nabta Playa conseguir entrar na pirâmide e sentir as energias que seu ‘eu mais velho’ não conseguiu, porque de onze em onze anos, o portal se abria.
— Droga! Droga! O que eu fiz?
— Não sei. Mas disse que ia provar algo a seu pai, fechando ‘custo o que custasse’ a concorrência com a Eschatology Inc., para reaver o nome da Computer Co. no ramo arqueológico.
— E para que lhe contratei afinal? — insistiu.
— Para descobrir o último elo — Joh Miller olhou Sean outra vez alertado. —, o elo que permitiria você provar que a Computer Co. não matou os três arqueólogos.
“E por que a Srta. Tahira é importante, Dolores?”
“Ela é o último elo com a entidade de mulheres que protegiam as mulheres faraós”.
Sean só escorregou um olhar para Tahira e nada disse.
— Prossiga! — olhou Joh Miller.
— E vou prosseguir Sean Queise, porque encontrei o portal da Esfinge; o último elo.
Tahira se engasgou até ser socorrida pelo tapa que Sean deu nas suas costas. Um grande tapa que fez ela o olhar assustada.
— Você está mentindo! — disse Sean a Joh Miller.
— Não! Não! — fechou a porta que dava acesso à escada que por sua vez dava acesso a outros aposentos, e trancou também a porta que dava acesso a cozinha. — Todos concordam que a Esfinge é uma relíquia de outro tempo, de uma cultura que possuía um conhecimento muito maior.
— Esfinge? Fala da esfinge de Gizé?
— Não exatamente. Há uma tradição ou teoria que diz que a Esfinge é uma biblioteca em pedra que contém a totalidade do conhecimento antigo, e se revela à pessoa que puder decifrar as formas, correlações e medidas das diferentes partes dela.
— “Decifra-me ou te devoro”!
— Sim, este é o famoso enigma da Esfinge.
— Mas a esfinge que vi, ficava na Núbia.
— E fica!
— Fica? Em Nabta Playa?
— Num grande número de monumentos escavados no delta do Egito, existe sempre um santuário contendo uma Esfinge com a cabeça humana, que dizem ser uma forma bem conhecida do deus Harmarchis.
— E Harmarchis é uma forma mesclada do antigo nome egípcio Hor-em-Akhet, o qual significa Horus-no-Horizonte ou Horus-Habitante-no-Horizonte. Já o nome Horakhti, significa Horus-do-Horizonte.
— Isso Srta. Tahira! — Joh gostou dela, de algo nela. Depois olhou Sean não gostando do que ele gostava. — O que nos leva a acreditar que uma Esfinge está no horizonte e outra Esfinge é do horizonte. E ambas as Esfinges são chamadas habitantes do horizonte.
— Duas Esfinges? — perguntou Sean confuso quando sons ecoados de uma leoa em ataque invadiram seu ouvido, para então um calor subir da pedra que revestia a casa de Miller. Pessoas esticavam as mãos enterradas no chão da sala, pediam socorro. Sean tentava raciocinar, sentindo-se saindo do corpo. Acordou com o toque de Tahira a olhando assustado. — Ahhh...
Ela percebeu que ele viajara para algum lugar. E esperava mesmo que não fosse para a cama de uma espanhola que acabara de chegar da Catalunha.
— O que houve Sean? Está vendo coisas? — mas foi Joh Miller quem perguntou.
Sean só o olhou.
— Prossiga...
Joh Miller o fez não gostando do tom usado por ele.
— Na estela, um monólito de granito de Thutmes IV encontrada entre as patas da Esfinge, podemos observar que Gizé é descrita como “o horizonte – Akhet – de Heliopolis no oeste”, ou seja, um reflexo no oeste do que os observadores em Heliopolis podem ter visto no seu horizonte, a leste, antes do amanhecer no solstício de verão. Então as Esfinges podem ser gêmeas; Horus-no-Horizonte e Horus-do-Horizonte.
— Porque a segunda Esfinge existe realmente e está enterrada em algum lugar do deserto de Nabta Playa esperando para ser descoberta?
— Ou ela é uma imagem holográfica do portal que se abre quando os alienígenas vêm aqui.
— Deus... A Poliu está à procura do portão interdimensional que as amigas de Mona vêm energizar — concluiu Sean. — É isso que Mark O’Connor da Eschatology Inc. queria da Computer Co. em Nabta Playa, encontrar o portal; e tudo vinha de uma Computer Co. portuguesa, onde Barricas destruiu o robô que criara para uma Poliu portuguesa, onde Mona, Samira, e Clarice trabalhavam, e onde você ia visitar alguém, não é Tahira? — a olhou.
Tahira parou o terceiro pão no ar. E falou tudo que tinha a falar.
— Minha mãe dizia que vestígios comprovavam que a atual cabeça da Esfinge de Gizé era muito pequena para o seu corpo, comprovando que ela deve ter sido esculpida em uma cabeça muito maior da que encontramos parcialmente enterrada.
— Sua mãe?
Tahira sorriu sabendo que mais cedo ou mais tarde Sean chegaria ali.
— Sim Sean yá habibi. Porque ela sabia que todas as esfinges encontradas no Egito tinham suas cabeças proporcionais ao corpo, só a esfinge de Gizé é pequena; o que prova que houve uma restauração talvez pelo faraó Quéfren que a reconstruiu sua imagem.
— E que imagem a esfinge de Gizé tinha antes, Srta. Tahira?
— Minha mãe achava que ela tinha a mesma imagem de sua esfinge gêmea na Núbia; a imagem de uma faraó-leoa — olhou Sean. — A esfinge que você viu sendo construída.
— Sekhmet?
— Sim.
— Mas então falamos de alienígenas felinos?
— Mesma família, compartilhando da mesma genética e DNA espiritual que nós, que viemos das Plêiades, bem como de Arcturos e Sirius. Porque esses alienígenas felinos já viveram em Marte e no meio de nós, aqui na Terra durante a Lemúria, a Atlântida e no período do Antigo Egito, adorados por vocês, incluindo Bast, Sekhmet e muitos outros na Núbia; seres altos, com cabelos vermelho-dourado e, normalmente, olhos castanhos ou verde-dourado.
— Wow! Srta. Garcia teria dito quanta sandice — riu e parou de rir na cara séria de Tahira.
— Os Felinos são seres poderosos, altamente evoluídos, amorosos, gentis e de natureza benevolente Sean.
— O leão que vi não tinha muita benevolência em sua genética, acredite Joh — Sean e se virou para Tahira. — Teria como sua mãe Clarice confirmar isso?
— Esperem... Esperem... — Joh Miller se ergueu apontando para uma Tahira escondida na caftan. — Você é filha de Clarice?
— Filha adotiva. Minha mãe me encontrou no deserto de Nabta Playa, andando a esmo após o acidente que matou meus pais. Afrânio e Samira haviam ido para o Cairo e ela conseguiu me tirar do Egito e me levar para Portugal após chantagear o seu agente — olhou Joh Miller.
— Clarice conseguiu chantagear Wlaster? Com o que?
— Não sei. Mas até hoje ele não nos incomoda.
— E onde ele não as incomoda Srta. Tahira? Lisboa, Portugal? Onde Clarice era agente da Poliu?
— Sim Sean yá habibi...
— Deus... Por isso Dolores estava naquele voo para Portugal. Ela realmente estava atrás de você... — ele viu Tahira cabisbaixa. — Que acidente foi esse?
— Não lembro. Toda minha memória para o acidente ficou comprometida. Mas ao contrário de você, eu sabia quem eu era. Contei a Clarice que minha família pertencia a escola do papiro, que cuidava a milênios de uma entidade de homens sem nome que vieram do céu à Terra, e que nos ensinaram tratados secretos como alquimia.
Sean não acreditou naquilo, não em tudo.
— Como Clarice conseguiu abrir aquela pirâmide usando ‘Abracadabra!’ Tahira?
— Abracadabra é uma palavra cabalística, usada como um encantamento ou uma magia, na crença de que tinha a virtude de curar certas enfermidades. Pode derivar de uma frase aramaica que significa ‘eu crio enquanto falo’.
— E está intimamente ligada ao número onze, feita em onze linhas, com uma letra a menos em cada linha, de cima para baixo, formando um triangulo até a palavra ir diminuindo, até sumirem de todo.
— Sim Sean yá habibi. Por isso ela abriu a pirâmide.
— Clarice lhe contou sobre Nabta Playa e o que encontraram lá? — foi Joh Miller quem perguntou.
— Não naquele momento. Mas anos depois.
— Exatos onze anos depois. Porque foi Clarice quem mandou o segundo pacote, não? — Sean a encarou e Tahira não sabia mais como sair das mentiras que guardavam seus segredos até então. — Mas por que você ia ao meu flat?
— Para ter certeza que seu pai não iria recusá-lo pela segunda vez.
— Mas meu pai está morto.
— Seu outro pai.
— Mas recebemos o robô, você estava lá.
— Mas não foi Samira quem enviou o robô. Samira enviou o pacote com o papiro encontrado em Nabta Playa, a mesma técnica que as Foad conhecem para fazer letras se escreverem nos papéis. Quando o pacote voltou, Mona não quis nada de Samira, então Clarice o fez; guardou-o por onze anos.
— E quem mandou o robô Tahira?
— Não sei! Por favor, acredite em mim. Eu fiquei tão perplexa quando você falou sobre o robô, e depois o vimos no seu quarto, com um Sean Queise mais jovem, o desmontando.
— Deus... O que está havendo aqui? — Sean se levantou nervoso.
— Não sei Sean yá habibi. Juro! Não sei!
— Prossiga! — Sean deu a ordem a Joh Miller.
— Não há nada mais. Só dizer que as duas esfinges estiveram lá no deserto antes mesmo do povo egípcio aparecer. E que a gêmea de Gizé, é o portal que trás alienígenas à Terra.
— Então o portal é o elo... — divagava Sean vendo Joh Miller extasiado com a conversa e com a filha de Clarice. E algo dizia a ele para não gostar daquilo. — E quando o portal voltará Joh Miller? Porque se percebeu, ele não abriu quando estive em Nabta Playa, nem abriu dia 11/11, onze anos depois, quando recebi o papiro... — e algo explodiu dentro dele, com Gyrimias, Renata e Kelly adentrando a sala da Computer Co., e o robô sendo preparado para voltar a Nabta Playa, e o papiro se escrevendo no flat onde Tahira o vigiava.
Havia realmente algo ali, na alma dele se lançando no éter, nas dimensões que a mente humana não alcançava, saindo do corpo até a sala do flat, tentando tocar o papiro e sua mão atravessando-o. Sean então se viu retornando ao quarto, trocando de lugar com o corpo lá na cama, em total letargia, para então com um Sean verdadeiro atravessar a parede, porque podia atravessar paredes, e voltar à sala, abrir o pacote, ver o papiro, e os homens de crânios alongados lhe dizendo algo que não compreendia enquanto mulheres gritavam, e o som de um animal em ataque arrancava pedaços de corpos que se espalhavam à sua volta. Sean se viu girando e girando, e lá, só a imagem surreal de Samira Foad e Mr. Trevellis, os observando naquela viagem astral.
Sean voltou à casa de Joh Miller e se virou para Tahira e disse: “Precisa pedir para sair!”. Ela o olhou assustada sabendo que ele lhe falara pelo pensamento, quando algo caiu dentro da cozinha.
— Ah... — ela se ergueu pelo susto. — Precisamos ir Sean yá habibi.
— Claro! É tarde... — mas Sean não tirava a feição tensa de Joh Miller do seu raio de visão.
E ele olhava incessante para a porta da cozinha.
— Você volta quando? — limitou-se o ex-agente Joh Miller a perguntar.
— Talvez amanhã ou em dois dias...
— Terei algo mais sobre o elo para você na volta — respondeu já abrindo a porta da rua para que eles saíssem.
Os dois mal tiveram chance de se despedir e o agente Joh Miller trancou a porta com força.
— Fui só eu? Jura? — Tahira abriu a boca depois da curta espera.
— Não! Não foi só você quem achou que Joh Miller mudou depois que algo caiu na cozinha.
— Por que pediu para irmos?
— Explico no jipe! Vamos!
— Acha que tinha mais alguém lá?
— Não faça perguntas Tahira. Não agora.
Ela o olhou sem nada compreender e olhou para trás, para onde Sean olhava; a janela do segundo andar.
— O que há lá?
— Sem perguntas! — e chegaram ao jipe alugado.
A noite ainda escurecia tudo e Sean percebeu o silêncio, o medo que a falta de luz provocava.
— Por Allah, Sean yá habibi, diga-me o que houve?
— Meus siddhis não estão dormindo.
Tahira arregalou os olhos para ele e olhou para a casa.
— Acha que há realmente alguém lá? — Tahira olhou um lado e outro e a madrugada escura. — Há? — e Tahira percebeu que os dois agentes da Polícia Mundial já não estavam ali. — Sean... Sean...
Mas Sean não respondia, porque podia sentir a presença de pequenos animais na relva, podia sentir a relva molhada pela friagem, e podia sentir a friagem de outras paradas, se movimentando dentro da casa que exalou um cheiro de urina.
— Ele está aqui.
— Quem?
— O verdadeiro Shee-akhan.
— “Verdadeiro”? — disse ela. — Não estou vendo nada.
— Eu também não! Mas possuo dons que podem atingir qualquer siddhi, e reduzir meu corpo, expandir meu corpo, tornar-me pesado, leve, ter acesso a todo o lugar, perceber o que o outro deseja, e subjugar todos, Tahira. Porque posso conhecer a mente dos outros, ver e ouvir coisas de longe, me teletransportar, ou assumir qualquer forma desejada. Até morrer quando quiser — e dessa vez Tahira não expos qualquer ‘jura?’. — Mas você sabe tudo isso, não? Porque me vigiava, me seguia em congressos, ‘morava’ comigo — Sean fechou a porta do jipe e Tahira ameaçou ir atrás dele. — Fique no jipe! — apontou para o carro. — E dessa vez, me obedeça!
Sean caminhou lentamente pela alameda que se fazia à entrada da casa também vendo que os agentes de Oscar não estavam ali. Contudo, preferiu não ativar nada e agir normalmente, já que seus siddhis podiam ser percebidos pela entidade alienígena. Chegou à porta e ouviu alguma coisa se mover dentro da casa. Girou a maçaneta e percebeu que não estava trancada. Entrou na ampla sala fazendo a escuridão invadir sua retina e procurou a tomada de luz que não funcionou. Tentou outra vez e uma luz fraca acendeu pelo gerador de emergência. Sean caminhou até a porta que dava para a escada e subiu, desembocando num corredor com três portas fechadas.
Um passo, outro e o assoalho de madeira lhe traiu a presença.
Sean olhou para seus pés e depois olhou para frente sabendo que havia deixado saberem que estava ali. Mas mais um passo e outro e o som dos seus passos no dilatado assoalho era a única coisa que se escutava.
“Por que ele não me ataca?”, Sean se questionou se o medo também não era bilateral, se a entidade temia a presença de Sean tanto quanto ele a dele.
Sean se inclinou e chutou a porta ao seu lado e um quarto escuro, apareceu. Acionou a luz e uma iluminação fraca não mostrou nada fora do comum além de uma cama desarrumada.
“Onde?”; e Sean ficou a pensar que ‘onde’ era muito relativo.
Passou as mãos pelo ar como se pudesse tocá-lo, senti-lo. Mas o ‘ar’ nada lhe respondeu. Aproximou-se da porta entreaberta do armário e estava vazio.
Ele tocou o ar novamente dentro do armário e sentiu que alguém se escondera ali, não fazia muito tempo; energias gravitantes de um ser humano, do agente Michel Rougart.
“Droga!”, pensou Sean nervoso.
Sean saiu do quarto e entrou no quarto lateral da casa. Acionou a luz e outra vez uma luz fraca acendeu mostrando uma cama e uma mesa de cabeceira, uma cadeira, e ele tocou o ar sentindo energias gravitantes de um ser pequeno, sem formas definidas e sem cheiro. O que era aquilo, Sean não soube identificar, mas todos seus siddhis acordaram de vez no que o medo lhe tomou.
Sean ativou Dura-darsanam, mas nada viu de longe. Contudo ativou Dura-Sravana e ouviu as coisas de longe, a lamuria de um povo que morria sob as ordens de Shee-akhan. Mas também ouviu passos no corredor. Sean virou-se sem que seus pés fizessem movimento algum e ativou Manah-javah fazendo seu duplo, seu outro ‘Sean’ correr.
O segundo Sean atravessou a parede, chegou ao corredor e lá, duas cadeiras, uma estante e a imagem borrada de uma entidade alienígena. Sean voltou ao corpo e se posicionou em Krav maga, porque fora preparado para aquilo, para se defender, no que a luz de emergência se apagou e algo se aproximou em forma de ataque.
A luz voltou e Sean se apavorou ativando Kama-rupam assumindo a forma de uma segunda cama no quarto quando a entidade alienígena entrou.
Mas Sean estava mais apavorado que imaginava e a cama se transformou em cadeira, que se transformou em mesa, que se transformou em cadeira para se transformar em cama outra vez, e Sean já não sabia o que fazer com aquilo, com aquele estranho dom.
A entidade alienígena percebeu que algo acontecia ali e Sean ativou Mahima crescendo e imprensando tudo; cama, cadeira e algo gelado e de pele enrugada contra a parede, fazendo tijolos e argamassa explodirem para fora da casa.
— Sean yá habibi?! — gritou Tahira ao ver que algo enorme saía pela parede do segundo andar da casa.
Correu e pôde ver de longe que alguma coisa acinzentada tremia e balbuciava algo inaudível no chão do jardim.
— Droga! — Sean se virou ainda com formas desproporcionais e viu Tahira correndo para ver o corpo acinzentado da entidade alienígena caído no chão do jardim.
Voltou seu corpo ao tamanho normal e pegou o que quer que fosse aquela entidade alienígena e sumiram dali.
— Sean... — Tahira estancou vendo que ambos sumiram dali. Ela se virou e correu para a porta da casa entrando na sala ampla e escura, e a lareira da casa acendeu o fogo, explodindo a energia e iluminando o local. — Sean yá habibi?! — gritou.
Mas nada além do silêncio.
Ela se tomou de coragem e correu para a porta onde calculou ser a cozinha, entrando e abrindo gavetas e gavetas, conseguindo uma arma calibre .32 e uma faca de carne no que se virou e percebeu que lá, na cozinha, havia outra porta.
Ela pensou e decidiu averiguar o que era.
A porta dava para um pequeno hall com mais quatro portas. Tahira verificou a primeira, era a porta que levava para a parte externa da casa, onde se podia ver que havia uma garagem no fundo do terreno. Ela fechou e voltou ao pequeno hall abrindo a segunda porta, que percebeu, dava para uma dispensa com insetos e teias de aranha. Tahira recuou e percebeu que havia teias de aranha por todo o hall pequeno, e que um cheiro de coisa podre invadiu sua narina a alertando. Abriu a terceira porta e entrou no que parecia um banheiro com uma pia e uma vaso sanitário de água parada quando recuou e fechou a porta. Tomou-se de coragem e foi atrás de Heleme, a empregada, mas a quarta porta não dava para nada.
E nada era uma palavra crua para explicar o que ela via. Porque Tahira se impactou por ver o infinito ali, quando um Sean sujo de tijolos e argamassa a puxou para trás e fechou a porta.
— Enlouqueceu?! Não disse que...
— Aquilo... Aquilo...
— É um portal!
— O portal dos...
— Não! E não vai querer saber que portal é, acredite em mim.
— Você está... — ela o viu empoeirado.
— Vamos sair daqui! — e Sean tirou as mãos dela que já ia limpá-lo quando Tahira se largou dele.
— Não! Precisamos encontrar o trabalho de Joh Miller.
— Trabalho?
— A pesquisa que você contratou ele para conseguir.
— Há quanto tempo mesmo você me vigiava Senhorita?
— Há muito tempo mesmo. Até quando você dormia.
Sean não gostou de ouvir aquilo.
— Vamos! Depois você me conta sobre seu voyeurismo — a virou e a tirou do pequeno hall de quatro portas chegando à cozinha quando algo caiu no andar de cima. — Droga! Achei que não havia mais ninguém.
— Como ‘ninguém’? Vimos Joh Miller fechar a porta e ir dormir.
— Vimos? — a empurrava pela cozinha quando ela estancou. — — Não, não ‘vimos’ Srta. Tahira, porque eu não me lembro de ver nada nem de conversar com ninguém.
— Como é que é?! — Tahira gritou atônita.
— Não grite! — e a virou para ver o teto da cozinha lotado de mofo e teias de aranha. — Estou falando que Joh Miller morreu seis meses atrás, após eu o contratar.
— Como... Como...
— Como eu ainda não sei, mas se olhar em volta — e ele viu Tahira olhar tudo lotado de teias de aranhas, jornais e cartas velhas jogada no chão da casa, e muitos insetos e lixo esparramado mostrando uma casa abandonada. —, vai ver que ninguém mora aqui há algum tempo.
— O que... O que... — e Tahira quase dobra.
— Vamos! — empurrou-a para fora da cozinha. — Porque aqui só tem alienígenas cinzentos entrando e saindo Senhorita Tahira.
— Mas... Mas...
— Não! — a chacoalhou com firmeza. — Não conversamos com Joh Miller, Tahira, porque ele e sua empregada Heleme foram mortos seis meses atrás, depois que eu explodi. Já disse, não? — ela arregalou os olhos verdes. — Conversávamos com alienígenas que tomaram o corpo deles através do Fator Shee-akhan.
— Mas Joh disse... Ele disse que você o contratou... Que eu era... Que eu era filha de Clarice...
— Por isso. Os alienígenas queriam saber o que sabíamos. Para informar a Wlaster.
— Por Allah! Minha mãe corre perigo?
— Não, já que Clarice sabe manter Wlaster longe dela.
— Mas como eles sabiam tanto?
— Porque nossas memórias ficam arquivadas em algum lugar entre o espírito e a carne, no perispírito, que ficou no corpo de Joh invadido pelos alienígenas.
— Aquele cinzento que você esmagou lá fora? — e algo voltou a cair no andar de cima quando Tahira descarregou uma rajada de .32 no teto da sala feito de argamassa e areia.
— Não!!! — gritou Sean e o teto despencou sobre eles. — Idiota! O que fez?!
— Eu... eu... — e um corpo despencou sobre eles. — Ahhh!!!
Sean nem esperou a poeira abaixar e tirou dos escombros o corpo do agente Michel Rougart que jazia morto, ali.
— Ele está morto! — Sean verificou.
— Por Allah!!! Por Allah!!! — gritava descontrolada. — Eu matei um homem?!
— Não! Não! Michel já estava morto antes de você atirar Tahira...
— Ahhh!!! — mas berrava ela descontrolada
— Não grite! Vai chamá-lo Tahira...
E ela foi atacada pela leoa de pelagem vermelho-amarelada com máscara de íbis.
— Ahhh!!! — Tahira caiu no chão, ensanguentada e Sean se jogou sobre ela, fazendo seus corpos se teletransportarem para uma areia de 48 graus, vendo que o braço dela sangrava muito, e que ela entrava em choque.
— Tahira?! Fale comigo?! — chacoalhava em choque. — Tahira... Perdão... Perdão... Eu não devia tê-la trazido... — ele arrancava um pedaço da caftan dela para fazer um torniquete no braço que sangrava muito. — Tahira? Tahira? — e Sean viu que mulheres e homens egípcios pararam para olhar os dois no chão de areia quente, em meio a uma obra faraônica de uma esfinge, e pirâmides e colunas, e toda uma cidade.
E que aquilo sim fora uma grande viagem.
— Nos leve de volta... — soou ela antes de desmaiar.
Contudo Sean não pôde fazer mais nada, quando viu que não só mulheres e homens o viam ali, a leoa de pelagem vermelho-amarelada com máscara de íbis também estava lá, esperando-os.
Sean ergueu-se se colocando em posição de luta Krav maga, e a leoa de pelagem vermelho-amarelada correu sob quatro patas, e correu sob quatro patas, e correu sob quatro patas até adquirir duas pernas, que correu, que saltou sobre Sean que deu um giro de corpo, e se lançou no ar, dando um chute e uma cotovelada em pleno voo, e o atingiu por trás.
— Arghhh!!! — a leoa de pelagem vermelho-amarelada sob duas pernas rugiu perdendo a máscara de íbis, e caiu adquirindo braços, corpo de homem e cabelos ruivos, com o focinho e os dentes a mostra, em meio a rugidos que invadiam metros.
Sean não esperou, correu para o corpo de Tahira, quando o levante de areia esverdeada que a leoa de pelagem vermelho-amarelada provocou com a juba, tomou conta de tudo, e Sean nada enxergou na tempestade de areia que se seguiu. A leoa de pelagem vermelho-amarelada então correu, correu, correu e o atacou, fazendo o corpo de Sean girar no ar pelo golpe que tirou sangue de seus lábios, e abriu o ferimento no ombro, que cicatrizara da explosão.
— Ahhh!!! — Sean foi ao chão se vendo sangrar, em meio à poeira da areia quente e verde que abaixava, vendo que a leoa de pelagem vermelho-amarelada, com corpo de homem, ainda em pé, se virara mais uma vez para atacar Tahira quando foi Sean quem correu, correu, correu e saltou sobre a leoa de pelagem vermelho-amarelada com um golpe de pernas, que enroscou a cabeça da leoa entre os joelhos, e girou o corpo da leoa jogando-o pelo ar, até cair longe deles.
A leoa de pelagem vermelho-amarelada com corpo de homem, foi ao chão de areia esverdeada e quente e rolou, rolou e rolou até se recuperar do jogo, e sair em disparada mais uma vez quando se jogou sobre Sean que ergueu o braço sangrando e enlaçou o que se tornara um dos braços da leoa de pelagem vermelho-amarelada impedindo que o ataque o atingisse, aumentando a força dos movimentos do contra-ataque transferindo 2/3 do seu peso para a força de explosão, e potencializou a ação independentemente da força física empregada, fazendo uma alavanca, quebrando ossos do braço da leoa de pelagem vermelho-amarelada com corpo de homem, em duas partes.
— Arghhh!!! — a leoa de pelagem vermelho-amarelada rugiu de uma maneira que Sean sentiu ferir os tímpanos, o fazendo se afastar pelo medo.
E ele rugiu descontrolado, se erguendo com o braço dependurado, e cada vez mais irado saiu em disparada, sobre o corpo de Sean que outra vez girou as pernas, e todo seu corpo laçou a leoa de pelagem vermelho-amarelada, fazendo seu corpo e o da leoa girar juntos num salto mortal pelo ar, caindo ambos no chão de areia quente. E Sean se levantou outra vez, e outra vez se colocou em posição de defesa sabendo que podia aquilo, se defender, que sua mãe o preparara.
Mas a leoa de pelagem vermelho-amarelada com corpo de homem não desistia, colocou-se em pé outra vez e correu fazendo os dois corpos se chocarem no ar, numa troca de energia e essência, que fez Sean saber que já fora um deles, que já fora uma leoa sob a proteção de mulheres de máscara mortuária egípcia, numa terra de areia fina, quente e esverdeada quando foi ao chão, com a leoa de pelagem vermelho-amarelada caindo também.
Sean levantou-se totalmente impactado quando encarou a leoa de pelagem vermelho-amarelada e corpo de homem, que também se levantou e se virou, correndo para onde Tahira estava desmaiada. Sean quis ativar todos os siddhis que possuía, mas não era o Fator Shee-akhan agindo, era ele noutra dimensão, onde ele não sabia fazer siddhis funcionarem.
— Não!!! — Sean gritou e correu, chegando primeiro, protegendo o corpo de Tahira quando ambos se teletransportarem e apareceram pela segunda vez, no chão do quarto de porta arrancada do Old Cataract, e ela morrendo. — Tahira?! Tahira?! — Sean a chacoalhou. — Tahira?! Tahira?! Não!!! — a virou e tentou fazê-la voltar a respirar, mas Tahira não respondia.
Sean correu para fora do quarto com o ombro sangrando, sem alternativa a não ser pedir ajuda a Najma, à médica Najma.
27
Old Cataract; Aswan, Egito.
24° 4’ 49.59” N e 32° 52’ 52.22” E.
08/06; 15h58min.
A Dra. Najma Faãn não ficou nada satisfeita de ter sido excluída de toda aquela ação, quando ele contou que ambos haviam sido atacados na casa de um ex-agente da Poliu, que foram visitar na Ilha Elefantina, e jurava que precisara levar a jornalista porque era ela a fonte de informação dele. E jurara mais ainda de que não estava no quarto invadido por Najma e os funcionários do hotel, noite anterior.
Mesmo porque Najma não os encontrou lá.
Sean havia dormido no sofá, com elas no quarto, com Najma de olho na febre de Tahira. Quando acordou quase na hora do almoço, Najma sentava-se ao lado dele no sofá, com a cabeça dele no colo dela, e ela fazendo algo com as mãos na testa dele, que ele não compreendeu de imediato, mas provocou uma forte dor de cabeça, até que ele desmaiou.
“O robô!”, soou a voz de um velho Sean Queise de vinte e seis anos.
“É seu? Nosso?”, soou a voz de um jovem Sean Queise de catorze anos.
“Não. Samira Foad Strauss mandou”.
“A arqueóloga morena que me mandou o pacote?”
E o velho Sean Queise abriu os olhos, estava deitado na sua cama desarrumada, no quarto de fliperamas, vídeos games e muitos pôsteres, uma quarto de onze anos atrás, na mansão dos Queise, com uma manhã de Sol brilhante, que passava seus raios pelo voil fino da cortina.
— Sean? Meu filho? Você acordou? — falava Nelma da porta.
Sean arregalou os olhos azuis, havia acordado com vinte e seis anos dentro do corpo de catorze anos.
— Não... — respondeu confuso. — Não acordei...
O quarto estava como ele o deixou aquela noite, com roupas espalhadas e o biombo empurrado, travando as portas do closet. Sean voltou a arregalar os olhos e uma Nelma com provável trinta e poucos anos lhe sorria.
— Você está bem?
Sean tinha certeza que não.
— Sim... — foi o que respondeu ao ver o fliperama coberto de roupas que Nelma recolhia para lavar.
— Você nunca vai ser um homem organizado Sean? — e Nelma o beijou na testa.
Há muito Sean não sentia aquela emoção, a sensação daquele beijo, e o quanto amava sua mãe. Ele voltou a olhar em volta. Havia uma estante lotada de livros de filosofia, lotado de cartuchos de videogames Nintendo, muitas fotos de Pamela Anderson na parede e outros tantos livros; e porta-retratos que ele não se lembrava de tê-los.
— Não... Não vou... — lembrou-se de responder e sua mãe saiu. — Deus... Onde me meti?
Seus pés tocaram o chão, e Sean nunca imaginou um dia voltar no tempo e ser dois ao mesmo tempo, porque aquilo não era bilocação, nem duplicidade, ele era um só Sean Queise.
Seu coração disparou e Sean abriu gavetas e gavetas procurando algo, armários e pastas em busca de alguma anotação, algo que mostrasse o porquê daquela viagem. Mas ele sabia o porquê daquela viagem, estava deitado no colo de Najma, no Old Cataract e ela provável, lendo sua mente.
“Droga!”, aquilo sim era medo.
Porque precisava voltar, saber o porquê ter voltado ao corpo de catorze anos, e principalmente, como Najma sabia daquela viagem. Mas ele sabia como, sabia o porquê dela ter pedido para controlar a febre de Tahira, Najma havia lido a mente de Tahira, da mesma forma que fazia com ele.
Sean precisava brecar-lhe, não passar-lhe informações, não mostrar que Tahira estivera com ele, ali, onze anos atrás. E precisava saber como sair daquele jovem Sean Queise que via com catorze anos no pouco reflexo que se fez no disco de CD, que começava a inundar o mercado.
— Deus... — e passos na escada se fizeram outra vez.
Sean abriu a porta devagar e viu que sua mãe ainda estava ali, agora com duas empregadas da casa. Abriu a porta de vez e saiu pelo corredor, pelas escadas, descendo até a garagem e vendo alguns carros anos 90, ali estacionados.
Precisava chegar à Computer Co. House’s.
— Droga! — praguejou. Não havia a Computer Co. House’s ainda, ele construíra aquele prédio azul que Kelly mostrara, para comemorar sua entrada no comando da empresa, com dezoito anos.
Mas ele tinha que ter acesso aos mainframes, à alguém, porque estava preso no corpo dele, com catorze anos.
“O robô!”, soou a voz de um velho Sean Queise de vinte e seis anos.
“É seu? Nosso?”, soou a voz de um jovem Sean Queise de catorze anos.
“Não. Samira Foad Strauss mandou”.
“A arqueóloga morena que me mandou o pacote?”
— O pacote! — lembrou-se que seu pai ia mandá-lo para Portugal dia seguinte. Correu para dentro da casa outra vez e alcançou o escritório de seu pai. Estava trancado e Sean não conseguiu abri-lo. Desejou, mas nada aconteceu, tentou atravessar uma mão e nada, nenhum dom paranormal respondia a seu comando. — Mas como... — olhou e olhou em volta e viu que ninguém estava ali, nenhum empregado da casa, sua irmã pequena, nem sua mãe e foi até o hall se olhar no espelho. — Não... — seus olhos estavam enegrecidos, tomados pelo Shee-akhan. — Najma... A desgraçada está injetando o Fator Shee-akhan em mim.
E Sean voltou ao escritório chutando a maçaneta, que arrebentou pela pressão.
Sean entrou no escritório, fechou a porta empurrando uma cadeira contra ela, e viu o pacote ali, pronto para embarcar para Barricas, para Lisboa, Portugal. Abriu-o parando vez ou outra para ouvir algum som, e percebeu em choque que o jovem Sean Queise havia terminado a montagem do robô, quando ele e Tahira voltaram a se teletransportar ao Old Cataract.
Sean acionou novamente o robô e imagens tridimensionais do laboratório de Corniche el-Nil, invadiram o escritório da mansão dos Queise.
“Não vou discutir mais Afrânio. Mr. Trevellis não pode saber o que esse Fator Shee-akhan é capaz”.
“Não está entendendo Joh Miller, não podemos perder o apoio de Mr. Trevellis. Se Wlaster Helge Doover souber de algo, estamos fritos”.
E o velho Sean Queise dentro do corpo do jovem Sean Queise viu Afrânio secar o suor que escorregava dos óculos úmidos.
“Mas não estamos fritos! A Dra. Clarice está. Ela quem está frita e encrencada, trazendo essa menina para cá”.
Sean viu Afrânio apontar para uma menina abraçada a Clarice.
“Queria o que? Que eu a deixasse lá? Ferida?”
Sean também viu que Clarice estava nervosa.
“Não sei o que aconteceu com você, Dra. Clarice, mas a menina atravessou o portal, e ela trouxe aquela besta leão de cabeça de íbis com ela. Não posso deixar você colocar a Terra em perigo”.
E o velho Sean Queise dentro do corpo do jovem Sean Queise, viu que Clarice se ajoelhou desesperada aos pés de Samira e Afrânio.
“Não Samira! Não Afrânio! Por favor, por nossa amizade, me ajudem. Eu a quero”.
Também viu que o robô estava ligado, que Afrânio, Samira e Joh estavam realmente no laboratório de Corniche el-Nil, e que Clarice também estava lá, abraçada a uma garota que Joh chamara de ‘essa menina que atravessou o portal’.
“O jovem Queise precisa saber. Só ele poderá ajudar a menina”.
“Não! Não Afrânio! Mr. Trevellis odeia aquele menino. Todos na Poliu sabem. E tudo porque Oscar e Fernando não o deixam ter acesso a Sean, o que o deixa irado”.
“Achei que Mr. Trevellis tivesse acesso a tudo, pela amizade com Fernando”.
“Mas Fernando não deixa que a Poliu se aproxime de Sean. Ele é tudo de importante que Fernando tem”.
E o velho Sean Queise dentro do corpo do jovem Sean Queise sentiu dor naquelas palavras.
“Mas por que afinal, o loirinho é tão importante Joh?”
“Não tem ideia do que aquele menino é capaz de fazer, Dra. Clarice. Nem todos os Roldmans reunidos conseguiram alcançar o que ele faz aos catorze anos. Então imagine se Mr. Trevellis tem acesso àquele poder todo? Não haverá limites para a Poliu alcançar o que vem desejando esse tempo todo”.
“Fala do experimento ‘Contato!’?
“Falo do acesso aos Anunnaki, Samira. E sua irmã é tão vil quanto todos eles”.
“Não fale assim de Mona”.
“Não? E por acaso ela lhe auxilia em algo? Porque fui eu quem lhe trouxe para cá, que consegui sua transferência”.
Afrânio voltou a secar o suor e o velho Sean Queise dentro do corpo do jovem Sean Queise, percebeu no reflexo dos óculos dele, mostrando a imagem do robô ligado no laboratório, ao lado de uma menina ruiva, de provável, quinze anos.
— Deus...
“Vamos fazer o seguinte, Doutora. Vamos procurar Wlaster Helge Doover e pedir-lhe apoio. Se ele quer mesmo tomar o poder da Poliu, então temos que trazê-lo agora para nosso lado”.
“Não gosto de Wlaster doutor”.
“Não temos alternativa Doutora. É isso, ou vamos ter que avisar o jovem Sean Queise sobre o que lhe espera daqui em diante”.
“Mas não temos acesso ao loirinho”.
“Mas precisamos Dra. Clarice, se quisermos sobreviver a tudo isso”.
E a bateria do robô desligou-se.
— Droga! — explodiu Sean percebendo passos na escada.
Sua mãe descia com roupas e copos, e tudo que achava bagunçado no andar de cima. Mas ela nada percebeu no escritório e passou direto para a área de serviço com as duas empregadas da casa. Sean saiu do escritório e outra vez subiu as escadas entrando no quarto em choque, sem saber o que fazer, escrever, se avisar. Porque precisava se avisar, avisar que algo ia acontecer. Voltou a olhar no espelho e ver seus olhos enegrecidos quando acordou. Abriu os olhos e viu Najma sorrindo para ele.
Seu coração e todo seu corpo vibrava e tremia.
— Com frio Sean Khalida?
— Sim... — olhou em volta. — É o ar-condicionado, no último grau.
— Claro... — Najma sorriu como que vitoriosa de algo e se aproximou do aparelho de ar quando foi sua vez de ser ‘desligada’.
Sean olhou na mão o cinzeiro e toda a cabeleira escura dela desarrumada no chão.
Viu que ela estava viva e correu.
— Tahira... Tahira... — chacoalhava. — Pelo amor de Deus, acorda! — ele viu Tahira abrir os olhos e ambos viram o curativo no braço dela lotado de uma gosma verde. — Droga...
— Isso é... Isso é...
— Fator Shee-akhan!
— Estou encrencada?
— Mais do que imagina.
Ela só arregalou olhos e o encarou com os olhos enegrecidos.
— Por Allah! Seus olhos...
— Deixe-os! — afastou a mão dela, dele. — Venha! — e tirou o lençol que a cobria para vê-la nua. Ela arregalou os olhos para ele e Sean engoliu a seco se virando. Foi até o armário pegando uma das roupas de Najma. — Vista! — jogou.
— Como cheguei...
— Ontem. Eu a trouxe.
— Mas aquilo... aquilo... — ela se vestiu com dificuldades. — Aquele leão vermelho-amarelado... com máscara de íbis...
— Vamos Tahira! Agora não é hora.
— Aonde vamos?
— Consertar o mundo.
— Jura?
Foi só o que Sean a deixou falar. Ele a ergueu pelo ombro e a ajudou levantar e andar. Passaram por Najma caída e ela só olhou a médica no chão.
— Não tive alternativa. Eu sei que ela não merecia depois de me ter salvado, de ter salvado você, mas acredite, eles matam na mesma frequência que fazem o juramento de Hipócrates.
— O que houve? — chegaram ao primeiro andar e ambos se dirigiram à garagem.
— Você não vai acreditar... Mas ele sabia sobre o pacote.
— Ele? Fala de você?
— Ok! Você vai acreditar... — e Sean abriu a porta de um carro estacionado na garagem do hotel e entraram.
Tahira percebeu as atitudes dele.
— Está roubando esse carro?
— Pegando emprestado...
— E por que não abriu a porta com seus dons?
— Porque eles estão desligados
— Por Allah... — ela viu que eles ganharam a rua. — Aonde vamos?
— Preciso ir ao Nubian Village ver com meus próprios ‘olhos enegrecidos’ o estrago que fiz...
— Vai consertar erros ou o mundo?
— Os dois... — e Sean freou o carro se virando para ela. — Porque não havia uma espiã psíquica ali em Nabta Playa onze anos atrás, e sim três espiões; Samira, Clarice e Wlaster. E Wlaster é um espião psíquico que também podia abrir a pirâmide, e que também sabia se teletransportar.
— Mas ele explodiu no acidente.
— Não! — e Sean acelerou se afastando do Old Cataract. — Wlaster se teletransportou quando viu o drone se aproximando; e talvez até achasse que eu ia fazer o mesmo. Então ia denunciar meus dons, me sequestrar, sei lá. Ele só não acreditou foi o porquê de eu não conseguir ver o drone. Mas eu vi o drone, vi que ele acionou raios laser contra meu carro, mas o Fator Shee-akhan que entrou em mim, quando entrei na escavação abandonada, desligou meus dons, como agora — apontou para o líquido verde que enegrecia seus olhos azuis.
— Então não houve um paradoxo? Porque se tivesse havido, o jovem Sean Queise saberia quando crescesse que ia morrer naquele deserto.
— Acho que houve dois ou até três paradoxos, Tahira; um no quarto, quando ambos nos apaixonamos por uma Kelly muito mais velha que nós.
— Como é que é? — se esticou nervosa.
Sean acelerou e se dirigiu para o porto para alugar outra vez uma felluca e atravessar o Rio Nilo para chegarem ao Nubian Village.
— É por isso que Miro Capazze me chamava daquele jeito.
— De que jeito?
— ‘Jovem Sean Queise’!
— Como é que é?
— Porque Miro estava bilocado no laboratório de Corniche el-Nil no dia 03/11, mandado pela Escola do papiro, para vigiar a retirada do Fator Shee-akhan da pirâmide. E como um siddhi, ele me viu lá, um jovem Sean Queise de catorze anos colocando o robô numa caixa, e o enviando para o Brasil, para si mesmo.
— Por Allah! Não estou conseguindo acompanhar.
— Ok! — chegaram ao porto, alugaram a felluca e Sean prosseguiu com a explicação. — O jovem Sean Queise não podia entender todo o processo que nos levou lá aquela noite, correto? — e as águas do Rio Nilo os embalavam. — Mas ele leu minha mente quando estivemos lá, ouviu tudo o que dissemos, e ‘viu’ a minha visão do laboratório em Corniche el-Nil, em que Afrânio e Samira discutiam com Joh, porque ambos ainda não tinham sido mortos e o robô da Computer Co. não havia falhado, já que vi o reflexo do laser do robô funcionando dentro da pirâmide. E o jovem Sean Queise também viu o quanto era importante para nós e a Computer Co., que nós, eu e eu, tivéssemos acesso às informações do robô já que eu, mais tarde, com amnésia, não mais acessaria aquelas informações. Então ele voltou ao passado, onze anos atrás.
— Jura? Porque dizer que você pode voltar ao passado é ilógico, mas você o fez. Contudo você voltar ao passado já modificado e modificá-lo, se enviando o robô, deveria ser... — olhou-o sorrindo para ela. — Não deveria?
— Só isso explica o porquê de eu precisar voltar ao passado e me enviar o robô; eu sabia que iam tentar me matar, que estaria com amnésia, porque ele leu isso em mim aquela noite. Então, o velho Sean Queise, de hoje — se tocou. —, voltou ao passado e o robô estava lá, no quarto de um jovem Sean Queise, à ‘nossa’ disposição.
— Jura? Tão ilógico quanto — riu.
E ambos trocaram olhares na noite bela que começava, refletindo nas águas do Rio Nilo.
— Mas há algo que me fascina mais que tudo Tahira, o porquê de eu não me lembrar de me ver àquela noite no quarto?
— Porque está com amnésia.
— Mas se eu sabia que ia ser atacado, por que me preparei para um drone explodir-me no deserto de Nabta Playa?
— Porque o jovem Sean Queise ouviu-nos.
— Mas então por que eu sabia que o Fator Shee-akhan ia entrar em mim e me desligar a ponto de eu explodir? Porque e fui até lá para ser explodido.
— Nossa! Isso está ficando um pouco difícil...
— E Kelly nunca teve amnésia. E ela sempre me contou que me viu pela primeira vez na Catalunha, que se apaixonou por mim ali, quando acompanhei meu pai que esteve lá contratando... — e parou de falar em choque. — Mas não foi meu pai quem a contratou, e eu nunca estive na Catalunha...
— Como é que é?
— Foi minha mãe quem escolheu Kelly, foi ela quem obrigou meu pai a parar de trabalhar, me preparar para assumir a Computer Co., preparar Kelly para ser minha first, porque...
— Por quê?
E Sean teve medo de responder.
— Porque eu fiz algo naquela noite, no meu quarto.
— Você se apaixonou pela jovem Kelly chegada da Catalunha.
— Deus... O que eu fiz?
— Jura? — e Tahira riu da confusão dele.
— Não vai achar nada tão engraçado assim, quando souber que Najma conseguiu ler sua mente enquanto você dormia.
— Por Allah! Precisamos de proteção! — arregalou os olhos para um Sean de olhos arregalados.
— Pelo visto de muita proteção. Porque ela deve ter visto muito mais do que você me contou, Tahira. E porque acordei com a minha cabeça no colo dela e ela penetrando meus pensamentos.
— Ahhh!!! Não quero ouvir mais!
— Não é nada disso! Najma me fez voltar aos catorze anos; e me colocou dentro do meu corpo de catorze anos, mas com minha mente de vinte e seis anos.
— Jura? E você ficou inteligente assim por que ficou preso no seu corpo de catorze anos?
E Sean gargalhou com gosto.
— Quanta insanidade Tahira! Não é nada disso! Ela me colocou lá para ela saber o que o robô vira afinal.
— Porque é óbvio que ela derrubou nossa porta no Old Cataract.
— Sim, e quando ela entrou, sentiu energias gravitantes dentro do quarto avisando que fomos dar uma voltinha no passado, e tudo isso porque ela fazia parte da Escola do papiro.
— Nunca ouvi falar dela, nem de seu irmão.
— Mas ouviu falar de Ali Abu Faãn, não Tahira?
— Sim. Uma mente poderosa, capaz de dominar o Fator Shee-akhan.
— Um inimigo direto de Shee-akhan? Interessante!
— Mas Ali Abu Faãn não quis fazer parte da escola. Miro Capazze e Mustafá tentaram convencê-lo, mas ele tinha dinheiro e conhecimento suficiente para permanecer sozinho, na empreitada de encontrar o homem que se dizia Shee-akhan e destruí-lo.
— Para assumir seu lugar?
— Miro acreditava que sim. E que Ali Abu Faãn era tão perigoso ou mais que o homem que dominava o Fator Shee-akhan e se intitulava assim, se viesse a dominar esse fator.
— Uma escola de mistérios e magias que Miro, Mustafá e sua mãe Clarice faziam parte, não é? Por isso o ‘Abracadabra!’.
— Você está captando isso ou está se lembrando de algo Sean yá habibi?
— Não sei o que estou fazendo Tahira, porque talvez minha amnésia não tenha sido causada pelo acidente, mas causada pelo Fator Shee-akhan. De qualquer forma, Najma me fez voltar ao meu corpo de catorze anos, e eu saí do quarto, e desci até o escritório do meu pai onde o robô estava pronto para ser enviado a Barricas, em Portugal, concertado.
— O jovem Sean Queise consertou o robô aquela noite?
— Sim. E o robô não só estava ligado na pirâmide quando eles a abriram, como estava ligado no laboratório de Corniche el-Nil, onde Samira, Afrânio e Joh discutiram a atitude de sua mãe Clarice, em resgatar uma menina que saiu do portal, e que Mr. Trevellis não podia saber sobre aquilo ou me usaria para chegar nela.
— Ahhh... — Tahira nem conseguiu falar mais que aquilo.
A ilha Elefantina ainda se moldava ao longe, e os dois na felluca a viram.
— Mas também não é só isso, não é Tahira? Porque seja você ou não a menina que escapou do portal, essa menina trouxe junto, a besta leão — e Sean preferiu nada contar sobre a luta como um leão de pelagem vermelho-amarelado e pernas e braços humanos, e nem o fato de já ter sido um deles.
— Fiz o que? Não! Não! Venho de uma família que protege...
— Sim! Vem! Mas não desse Egito, não da nossa Terra.
E Tahira deu uma daquelas risadas esganiçadas.
— Está dizendo que sou uma alienígena, Sean yá habibi?
— Estou dizendo que você é de um Egito paralelo, o mesmo que Miro me levou, o mesmo que vou durante minhas viagens astrais. E se ele se mescla e se mistura de onze em onze anos, e alguns vem e outros vão, e desaparece, eu não sei, mas Jablah preparava um monte de gente para fazer essas viagens, injetando essa planta Shee-akhan. E provável esse Fator Shee-akhan entrou em mim, para que eu pudesse fazer essas viagens todas.
Tahira caiu em risada novamente.
— Kelly tem razão. Você é um insano Sean yá habibi.
— “Kelly tem razão”? — e Sean a encarou sob a luz do luar e as águas do Rio Nilo fazendo ondas, e Tahira recuou na graça lembrando que o Fator Shee-akhan ainda escurecia os olhos dele. — Porque eu realmente recebi um pacote de Samira — e ele a viu escorregar um olhar para ele. — Então a coisa deve ter sido assim: Samira entrou na pirâmide com Afrânio e sua mãe Clarice dia 01/11 e algo aconteceu, o portal ou coisa do tipo assim se abriu, trouxe a esquife e o papiro, e a vinda de uma garota; e tudo foi filmado pelo robô da Computer Co. — e Tahira voltou a escorregar um olhar. — Então Samira, Afrânio, Joh e Clarice foram para o laboratório de Corniche el-Nil dia 03/11, quando discutiram sobre você, sobre seu resgate e o fato de Clarice querer ficar com você. E por Joh estar perdendo forças na Poliu, ele e Afrânio concordaram em avisar Wlaster sobre a dinastia, sobre você e a faraó-leoa de pelagem vermelho-amarelada. Mas Samira não confiava em Wlaster, nele e em seus dons de magia negra, e deve ter conversado sobre isso com Samira, que então me enviou secretamente o papiro, obrigando Mona obrigar Trevellis, a obrigar meu pai a receber o pacote. E Samira sofreu CHE junto com Afrânio, morrendo, mesmo Mona dizendo que não morremos, porque talvez Wlaster os tenha matado, quando descobriu, que ela enviou um papiro capaz de escrever para mim sobre a dinastia, e a data de quando o portal se abrirá.
— Por Allah...
— Só que meu pai recebeu dois pacotes naquela noite de 11/11, Tahira; o primeiro pacote, um robô da Computer Co. ‘danificado’ nas escavações. E o entregou ao jovem Sean Queise, porque esse jovem Sean Queise voltou ao laboratório de Corniche el-Nil no tempo dia 03/11 e se enviou o robô. Ok até aqui? — sorriu.
Mas Tahira tinha dificuldades em concordar com aquilo, com olhos enegrecidos ou não.
— Ok... Acho...
— Mas só que meu pai recebeu um segundo pacote, sem saber que lá havia um papiro, e se irritou porque a Poliu estava envolvendo demais o seu filho naquilo. Ele então mandou de volta o segundo pacote, mesmo sendo avisado por Mona para que ele não o fizesse, porque o pacote voltaria de onze em onze anos. Ok até aqui? — sorriu outra vez. — Então dia 11/11, onze anos depois, eu recebi o pacote de Samira no escritório de São Paulo, vindo de Portugal, só que foi Clarice quem o enviou em nome de Mona, porque ela nada queria de Samira. Ok?
— Ok...
— Então naquele momento em que recebi de Renata o pacote, eu devo ter ficado muito nervoso, porque recebi um pacote com um papiro vazio, sem saber que eu teria que ter recebido onze anos antes, e porque não falamos sobre o segundo pacote naquela noite; e provável o jovem Sean Queise que voltou ao laboratório de Corniche el-Nil dia 03/11 não sabia nada sobre ele. Mas Oscar estava temendo tanto esse envio, a ponto de exigir de Kelly uma confirmação sobre sua chegada, que algo me alertou, uma luz que acendeu em algum lugar me dizendo, que havia um verdadeiro envio de Samira onze anos atrás.
— Uma grande coincidência regada a muita ficção científica.
— Não sei quanto a ficção, mas é tudo puramente científico. Porque eu nunca podia imaginar que alterei meu futuro quando me enviei o primeiro pacote contendo o robô, evitando a entrega do papiro.
— E se o papiro tivesse chegado?
— Não posso especular com algo que nunca ocorreu, porque meu livre-arbítrio de ir ao laboratório de Corniche el-Nil e me enviar o robô, mudou meu destino.
— Posso perguntar algo?
— Sim...
— Mesmo sem saber que o Fator Shee-akhan ia lhe tirar seus dons premonitórios, por que se arriscou ir a Nabta Playa sabendo que podia morrer?
“Se você recebesse um aviso em um papiro para voltar ao passado, sabendo que suas atitudes mudariam completamente o destino do mundo, sem que pudesse voltar ao presente; embarcaria ou não?”
— Porque fiz um acordo com Trevellis. Que provável envolvia a menina de Clarice.
— Você ia entregá-la?
— Não sei. Não me lembro. Mas o acordo envolvia respostas que o robô não pôde me dar onze anos atrás, porque talvez depois que nós saímos do quarto, o jovem Sean Queise consertou o robô e viu tudo aquilo que vi hoje.
— Mas mesmo assim você se arriscou. Por quê?
— Não sei o porquê Tahira. Talvez eu nunca mais vá ter essa resposta, mas ela envolve uma Kelly... — e chegaram. —, capaz de voltar ao passado, sabendo que suas atitudes mudariam completamente o destino do mundo, sem que pudesse voltar ao presente, só para me amar antes de Sandy.
E aquilo calou Tahira Bint Mohamed.
Nubian Village, Ilha Elefantina; Aswan, Egito.
24° 5’ 22” N e 32° 53 20” E.
08/06; 18h00min.
O Nubian Village é um vilarejo pitoresco, com casas brancas de fachadas pintadas, muitas vezes lembrando azulejos coloridos, abraçadas por um extenso deserto que muda de cor toda vez que grandes e ferozes tempestades de areia assolavam as ilhas; um vilarejo de ruas de terra batida, de homens de turbante brancos e coloridos, de formato totalmente local.
— Nubian Village... onde os egípcios não eram egípcios e a escrita se diferenciou... — Sean divagou andando a pé até uma casa no final da rua.
— Onde estamos indo? — Tahira se ligou no itinerário.
— A uma garagem, pegar um carro sem rastreador.
— Aonde vamos com um carro sem rastreador? — ela ficou sem respostas. Sean levantou uma cortina que fazia às vezes de uma porta, e ambos encontraram uma van amarela, com chaves que ele tirou do bolso da calça; ela percebeu. — Vou voltar a perguntar...
— Vamos dançar!
— “Dançar”? Está me gozando?
— Pareço estar?
Ele entrou e ligou o motor que roncou um pouco, e depois se firmou.
Sean deu ré e saiu da garagem da casa abandonada.
— Aonde vamos Sean Queise?
— Há um lugar onde vou encontrar alguém.
— Que lugar?
— Um bar!
— Jura? — e ela o viu fuzilá-la com aquele olhar ainda enegrecido, já não parecendo o homem educado de antes.
Sean se virou para trás e puxou uma maleta de couro, que já devia estar ali há algum tempo pelo tanto de areia que lhe cobria, e a abriu levantando poeira, e tirou e jogou um pacote para ela.
— Se vista! — e o carro arrancou pelas ruas de terra batida.
— Jura? — ela abriu a sacola, e uma fantasia de dançarina a aguardava.
E Tahira resolveu não discutir. Estava lá para ajudá-lo, afinal. Ou ele ajudá-la. Já que não se lembrava de ser uma menina que escapara de um portal interdimensional, fugindo de um leão que caçava uma faraó-leoa de pelagem vermelho-amarelada com máscara de íbis. Sentiu-se de repente só e confusa, mas Sean pegou a mão dela, a apertando com carinho, e foi a primeira vez que ela se sentiu realmente segura na vida.
Eles nada se falaram e Tahira levantou-se, indo para o banco traseiro da van onde arrancou a roupa emprestada de Najma. Sean sentiu seu corpo todo aquecer e Tahira sabia que Sean sabia que ela estava nua. Ele se conteve como um cavalheiro faria e ela achou-o uma graça. Porque sabia que o provocava, que seu corpo afinal mexia com ele como o da espanhola metida.
Jogou a caftan por cima, voltou para frente e ele a olhou com ela olhando para ele.
“Droga!”, ele desviou o olhar.
Ela voltou a adorar mexer com o adormecido.
— Eu estive pensando... — ela esperou ele olhá-la. — O primeiro calendário da história da humanidade começa com a enchente anual do Rio Nilo por volta de 3000 a.C. onde para os egípcios o ano tem 365 dias, divididos em 12 meses de 30 dias e mais cinco dias extras, dedicados aos deuses.
— Aonde quer chegar Tahira?
— Que os egípcios foram os primeiros a utilizar um calendário solar, embora os 12 meses de 30 dias tenham origem lunar, e que talvez os cinco dias extras dedicados aos deuses, após tantos milênios que os Anunnaki chegaram aqui, tenham haver com o erro de o portal ter aberto dez dias antes, dia 01/11.
— Sim... É possível...
— Porque havia três estações determinadas pelo fluxo do Rio Nilo; as cheias chamadas de ‘akket’, o semeio chamado ‘pert’ e a colheita chamada ‘shemu’. A relação entre as estações definidas pelo Nilo e as estações naturais era feita pelo nascer heliacal da estrela Sirius, que os egípcios chamavam de Sothis.
— Havia água na Esfinge... — falou de repente. — Quando começavam as cheias?
— A primeira aparição da estrela Sirius no céu da manhã, depois da sua conjunção com o Sol, determinava o início da contagem das estações das cheias.
Sean parou a Van verde e a encarou:
— Vamos! Você deve ficar linda vestida de dançarina — engatou a marcha e se foi novamente.
E Tahira não disse um único ‘Jura?’.
Bar Tyra, Nubian Village; Aswan, Egito.
24° 5’ 27” N e 32° 53 21” E.
08/06; 18h44min.
A rua próxima ao Bar Tyra estava cheia de homens usando turbantes. Sean interceptou um deles e Tahira nem teve tempo de perguntar o que ele ia fazer, quando Sean o nocauteou sem ao menos machucá-lo. Mas foi usando Krav maga e não dons que pareciam realmente estarem desligados.
Sean retirou as roupas do homem caído e vestiu sua caftan comprida e um turbante colorido verde oliva, e entrou no bar onde dançarinas exóticas costumavam se apresentar. Ele antes apontou a porta de saída e Tahira entrou por lá.
Dentro, Tahira usou da mesma técnica com Kelly, desligando a dançarina, num quarto dos fundos do bar, que em nada lembrava um camarim, e se preparou para assumir seu lugar.
Risadas de homens já alterados pela Stella, cerveja de fabricação local, e o empenho do proprietário do bar em servi-los não foram barreiras para Tahira começar sua performance.
A entrada dela podia se dizer que foi triunfal.
Sean quase fica entorpecido sem se quer ter bebido, porque ele até viu a fantasia em cores rubi e azul quando a entregou, mas vê-la vestida em Tahira tinha lá certa diferença. Para completar, ela cobria o rosto todo com um grande lenço azul, deixando só os olhos verdes ficarem de fora. Os mesmo olhos que não saíam de cima de Sean que adorou a pele branca, os cabelos ruivos e todos aqueles lenços balançando.
Uma música forte, barulhenta e cheia de instrumentos locais invadiu o antiquado aparelho de som do bar, permitindo Tahira iniciar seu estilo de dança, algo que fundia o norte africano, o Oriente Médio e a Índia a um voodoo urbano, tipo de estilos tribais, talvez de outras paradas, de outros sóis, balançando e balançando harmonicamente, levantando a energia do palco para um êxtase coletivo, antes mesmo do primeiro jogo de lenço, a seda cor de rubi que levantava e descia, presa às mãos sensuais que se contorciam como cobra.
“Também vai achar interessante a mulher egípcia, Sean amigo. Vai gostar de vê-la dançar”, lembrou-se Sean em meio a batida da música que se expandia, que entrosava, que era pura sensualidade.
E Tahira era exótica.
Num movimento de esquerda seus quadris chacoalhavam, levantavam a seda, encantavam no subir e descer. Movimentos sinuosos, tortuosos, de puro músculo, que faziam seu ventre sair e entrar, que faziam seu suor se projetar para cima de homens extasiados, excitados pela dança sexy, pedante.
Gritos e ameaças de subidas ao palco, fizeram Sean logo começar a ficar nervoso. Nunca se imaginou tendo ciúme de Tahira, ‘a idiota’; um apeal de sexo que exalava pelas gotas de suor, que pingava do corpo da bela ruiva em meio ao balanço que prosseguia; como um pêndulo de um relógio, seu dorso se projetava para esquerda e direita, e esquerda e direita outra vez.
Sua anca toda balançava e os homens batiam palmas para a cintura da jornalista, da ufoarqueóloga, da perseguidora que se movia com graça pelo espaço, circundando, espiralando, até parecer um parafuso.
Ali Abu Faãn estava lá, Sean não sabia como sabia sem dons, mas sabia que o homem usando kaban bege e turbante colorido era Ali Abu Faãn, padrinho de Jablah e Najma. E ele olhava Tahira sem, porém manifestar o mesmo entusiasmo dos outros.
“Estranho!” pensou Sean ao voltar a olhar Tahira.
E olhava porque mais um lenço, e outro, e a anca dela a balançar. Direita, esquerda, direita, esquerda, direita, esquerda. O movimento o excitava. Sean teve vontade de lançar-se no movimento. De amá-la, penetrá-la ali mesmo, perante tudo, perante todos, indo contra toda sua criação, educação, posição social.
Porque Tahira se chacoalhava.
Uma Stella veio parar na sua mão e Sean a bebeu sem saber o que bebia, atordoado a quase esquecer o que fora fazer lá, com homens gritando, bebendo e ele com o olhar nas ancas que iam e vinham, que encantavam.
Ela jogou o último lenço até ficar com uma sumária e escassa saia de véus de seda na música falada, assobiada, de sons intensos. O show terminara e Tahira viu Sean mostrar com a cabeça, o homem de kaban bege. Ela entendeu que ele ia segui-lo. Largou o palco em meio de entusiasmo geral e voltou ao camarim, pegando emprestada uma kaban branca que encontrou lá, vendo que Sean saia pela porta da frente do bar atrás de Ali Abu Faãn, que continuava a não se manifestar com nada.
Uma tempestade de areia se formou e a precipitação escureceu a rua por onde Sean caminhava.
Uma pequena lâmpada em curto se acendeu logo adiante, avisando que ali havia algum tipo de comércio, nas ruas cada vez mais estreitas, tomadas pela areia que o cegava. Sean puxou o turbante a ficar só com os olhos enegrecidos de fora, tentando enxergar que o comércio onde Ali Abu Faãn entrara era um frigorífico.
“Um frigorífico para um leão esfomeado!”
Sean olhou para trás e percebeu que Tahira ficara presa na tempestade de areia. Olhou para frente e viu a porta do frigorífico entreaberta.
Atravessou a rua e deu de encontro com ela.
— Sean... — e a mão dele, a calou.
Mal se enxergava algo ali, e Sean entrou seguido por Tahira, atravessando o que lhe pareceu à área de venda. Um homem ao longe trabalhava em meio a sons ininterruptos, ao som de lâminas ensurdecedoras.
— Alguém para atender aqui? — Sean arriscou ao adentrar no grande galpão.
— O frigorífico está fechado!!! — gritou um sudanês Ali Abu Faãn, ao fundo.
— Eu estou procurando um homem que me foi indicado.
— E quem quer encontrar? — perguntou o sudanês Ali Abu Faãn ainda sem se virar para trás.
Sean se aproximava cautelosamente observando todos os detalhes do galpão; viu máquinas de desossar carne trabalhando sozinha ao fundo, viu algumas mesas de corte sujas de sangue.
Fez sinal para que Tahira parasse onde estava e a moça estancou.
— Eu queria falar com Ali Abu Faãn — falou Sean agora mais perto do sudanês Ali Abu Faãn vendo o sangue espirrar da lâmina que cortava a carne.
— E o que quer com ele?
Sean parou de andar, esperou que o homem se virasse, mas ele continuava de costas.
— Eu queria fazer-lhe algumas perguntas — e recomeçou a se aproximar.
— Que tipo de perguntas? — mas o silêncio se fez dessa vez. — Perguntei que tipo de perguntas? — insistiu o sudanês Ali Abu Faãn com a voz mais alterada.
E Sean apareceu na frente dele com os olhos azuis.
— Perguntas sobre Shee-akhan!
— Sean?! — gritou Tahira quando o facão foi atirado.
Mas Sean desaparecera dali fazendo a lâmina cortar o ar, aparecendo, porém em cima do corpo de Tahira que foi ao chão sujo.
— Não falei para parar na porta? — apontou nervoso para a porta de entrada.
Tahira viu que os olhos azuis dele haviam voltado e ele se levantou e desapareceu, aparecendo na frente do sudanês Ali Abu Faãn, que correu para uma das portas do freezer e lá ficou paralisado, com o rosto derretendo, em frente de Tahira que outra vez não obedecera Sean Queise.
— Droga! — explodiu ele. — Saia daí Tahira!
Mas Tahira continuava ali, à frente do sudanês Ali Abu Faãn que derretia.
— Por Allah! Shee-akhan está provocando algum tipo de aquecimento?
— Já disse para sair daí?
Mas Tahira começou a dar passos mecânicos para perto do sudanês Ali Abu Faãn.
— Tahira? Não faça isso! — Sean voltou a pedir que ela parasse, mas Tahira não parou. — Pare Tahira!!! — Sean se desesperava percebendo que ela estava encantada ou qualquer coisa assim. — Tahira?!
— Shee-akhan... — sussurrava o sudanês Ali Abu Faãn com o olhar fixo em Tahira que começou a volitar até ele.
— Ahhh!!! — e Sean foi ao chão, de joelhos, amarrado por fios de energias iguais a que experimentou na casa de Corniche el-Nil, sem conseguir se mover. — Tahira?! Não!!!
Mas Tahira não ouvia. Aproximava-se do sudanês Ali Abu Faãn, que com parte do corpo derretendo agarrou-a, fazendo a pele do braço onde tocou, começar a queimar.
— Ahhh!!! — gritou Tahira de dor e calou.
— Shee-akhan... Shee-akhan... Shee-akhan... — entoava como um canto.
“Tahira?” Sean a chamou pelo pensamento, mas ela só conseguia computar a dor do sudanês Ali Abu Faãn a tocando; e onde ele a tocava, aquilo queimava feito ferro quente.
“Tahira? Escute-me! Precisa acordar ou o freezer vai fechar com você dentro”.
Mas Tahira o escutava e era só, já que Sean tentava se mover, fazer os fios de energia se soltarem de seu corpo, mas toda movimentação que fazia não surtia feito.
“Tahira? O freezer é uma passagem, que vai levá-la embora, eu não sei para onde”.
E o cheiro de pele queimada se fez ali, enquanto o sudanês Ali Abu Faãn arrastava Tahira para dentro do freezer, e a porta começou a se fechar.
Sean saiu do corpo trocando com seu duplo, e correu com seu corpo verdadeiro.
— Não!!! — berrou Sean tentando segurar a porta com toda sua força, e tudo que estava ao seu alcance psíquico ele chamou; facas, mesas, ganchos, carne congelada; tudo para cima do sudanês Ali Abu Faãn ali que foi ao chão atravessado pelas lâminas que lhe cortaram dez, onze vezes.
Ele caiu no chão com um líquido verde escorrendo do corpo, e Tahira foi ao chão também, saindo do controle da mão do sudanês Ali Abu Faãn que se ergueu, e como feito por Najma, tocou-lhe a testa.
— Ahhh... — e Tahira desmaiou.
— Não!!! — um terceiro Sean Queise se desprendeu, ele não soube de onde, e chegou ao sudanês Ali Abu Faãn com um facão, lhe cortando a mão.
— Ahhh!!! — Tahira agora acordou do transe, e do choque de ver a mão do sudanês Ali Abu Faãn decepada por Sean. Ela se levantou e viu outro Sean Queise tentando segurar com o que tinha e podia, a porta do freezer que se fechava. — Sean?!
— Venha até aqui!!! — gritou da porta.
Ela correu até ele com parte do braço queimado, e enfiou a cabeça, o corpo, quando a porta começou a imprensar os dois.
— Ahhh!!! — gritaram ambos quando um quarto, um quinto e um sexto Sean Queise apareceram ali, e seguraram a porta fazendo o verdadeiro Sean Queise conseguir tirar Tahira da porta, e a porta esmagar os três Sean Queise que surgiram ali.
Sean e Tahira impactaram e os três Sean Queise voltaram a ser três sudaneses locais, provável trabalhadores do frigorífico.
— O que... — Tahira olhou Sean. — O que... — Tahira olhou para o chão próximo à porta do freezer ensanguentado.
— Agora eu entendi o que são os ‘Sean Queise’ que surgem...
— Como é que é?
Sean olhou Tahira em choque.
— Eu posso entrar noutros corpos, e fazer cópias de mim — e caiu em risada tensa e divertida, achando aquilo o máximo.
Já Tahira ficou pensando se não era ele, Sean Queise, um alienígena Anunnaki, afinal das contas.
28
Old Cataract. Aswan, Egito.
09/06; 04h21min.
Tahira Bint Mohamed estava furiosa com Sean Queise, mas ele foi enfático, iria voltar ao hotel e resgatar seu notebook e Najma Faãn, porque ele agora acreditava que o corpo dela havia sido invadido, e que ela seria incapaz de fazer tudo aquilo que fez de real vontade. Mas Tahira não acreditava nela, achava que Sean estava era encantado com a doçura da doutora que o salvou, e cuidou dele durante seis meses.
Porque Sean não queria acreditar que a mulher que cuidara dele com tanto carinho tivesse feito aquilo, que toda sua doçura fosse superficial, e que ela estivera sim, dominada pelo Fator Shee-akhan, que agora conhecia sua força.
— Sean? — falou a Dra. Najma tendo sua fala brecada logo em seguida pelas mãos dele para que calasse.
Najma vestia uma camisola comprida quase escondendo seus delicados e pequenos, pés. E ele percebeu que a Doutora era mais delicada do que parecia.
— Shhhiu! — pediu ele a levantando bem devagar.
Ela se levantou e Sean colocou a valise com o notebook nos ombros e ambos saíram do Old Cataract, com ela obedecendo sem perguntas, e ambos descendo as escadas sem que qualquer hóspede pudesse escutar. E a manhã começava a dar pequenos sinais de luz e sons de xícaras e pratos se iniciavam no restaurante 1902. Ambos saíram do hotel por uma porta traseira que Tahira vigiava, após Sean ter derrubado cinco funcionários.
— O que aconteceu? — Najma estranhou ao ver os cinco homens caídos.
— Foi ele! — Tahira só respondeu isso.
Sean puxou as duas e Najma viu a roupa de dançarina de ventre que Tahira usava, rasgada e suja de sangue. Virou-se para Sean, e viu então que ele também usava roupas árabes, sujas de sangue.
— Por Allah... Sean Khalida... — e passou as mãos carinhosamente pelo rosto manchado de vermelho.
Sean segurou as suas mãos e empurrou Najma para dentro da Van amarela, fechando a porta. Deu a volta, entrou, desceu na banguela e só foi ligar o motor alguns metros abaixo.
— Era uma armadilha! — falou Sean ao olhá-la pelo espelho retrovisor.
Najma teve sua face deformada pelo horror.
— ‘Armadilha’?
— Sabe quem é realmente seu padrinho, Najma?
— Estamos falando sobre o que, Sean Khalida?
Tahira se virou revoltada.
— Pare de chamá-lo assim!!! — berrou e se virou para ver a cara de poucos amigos que Sean fazia.
Mas Najma nada retrucou, porque era inteligente o suficiente para saber que estava competindo com alguém difícil, e jovem, e ruiva, e vestindo uma roupa de dançarina.
— Ali Abu Faãn pertence a escola do papiro, Najma?
— Não sei Sean Khalida. Nunca soube.
— Jablah pertencia?
— Não. Meu irmão nunca... Ele nunca me disse nada.
— Então com pode saber tanto? — Tahira queria briga.
— Basta Tahira!
— Jura? Porque ela tem um padrinho que tirou você de um hospital quase morto sem perguntar nada, porque queria que seu sobrinho Jablah cuidasse de você à base de Shee-akhan.
— ‘Jura’? — foi a vez de um Sean cínico perguntar.
— Não me desafie Sean Queise, porque...
— Basta!!! — Sean agora se enervou com ela.
Mas Najma entrou na discussão.
— Ali Abu Faãn tentou matá-lo Sean Khalida?
— Sim! Eu o segui até o Bar Tyra, em Nubian Village, e depois até um frigorífico. Mas ele percebeu quem eu era no bar e ele já nos esperava.
— Quase fomos mortos, já que ele derreteu com aquela coisa Shee-akhan no corpo e me queimou — Tahira mostrou o braço infeccionado.
Najma arregalou os olhos para a ferida.
— Está infeccionada — e Najma viu Tahira olhá-la quase querendo transferir cada bactéria, cada gota de pus para ela — Por favor, deixe-me fazer um curativo nela Sean Khalida?
— Não! — proferiu Tahira irada. — Porque parece que aqui tem alguém quem não é confiável.
— Não!!!— gritou Najma, desesperada. — Eu não sabia Sean Khalida. Eu juro! Estive dormindo esse tempo todo.
Os dois, Sean e Tahira, se olharam.
— Acalme-se! — falou Sean, num forte tom de voz. — Acalmem-se, as duas, está bem? — disse recriminando a jornalista.
— Por favor, Sean Khalida. Pare num entreposto hospitalar para que eu consiga curativos.
— Eu não quero curativo dela! — fuzilou-o. — Entendeu? — e ela viu Sean ficar furioso com Tahira e obedecer Najma, seguindo até um entreposto. Ela desceu e Tahira o encarou. — Jura?
Najma voltou à Van amarela e fez o curativo com Tahira engolindo aquilo a seco, sabendo que a doutora fazia pontos com seu Sean yá habibi.
Sean engatou a primeira e seguiu.
— Aonde vamos agora?
— Não sei...
Tahira o encarou.
— Como é que é? Como assim não sabe?
— Não sei Tahira! E não sei não sabendo!
— Jura?
E os dois viraram a cara um para o outro. Sean então parou a Van amarela no acostamento da estrada, próximo a uma floresta que margeava o Rio Nilo, e o dia começava a clarear quando abriu a valise com ‘kellygarcia’ e tirou de dentro o notebook, que também abriu com ‘kellygarcia’.
— Eu pensei em todas as senhas para fazer Spartacus funcionar, mas nada dá certo.
— Acha que... — e Tahira não teve coragem de continuar.
— Não acho nada. Mais nada, porque até pensei nas muitas pessoas anotadas naquela agenda que Oscar me deu, fosse algum nome de relevância, mas tenho medo de prosseguir se o que eu penso, estiver errado.
— Não vai saber se não tentar.
E Sean puxou seus cabelos loiros, jogando-os incessantemente para trás.
— Porque eu escolhi ‘kellygarcia’ para abrir uma valise, se eu nunca havia usado essa senha?
— Como é que é?
— Pare de fazer perguntas e responda Srta. Tahira.
Ela nada mais falou.
Depois se voltou para ele, furiosa.
— Porque você a ama!
E Najma arregalou os olhos verdes para os dois.
— Sim! Eu amo Kelly! Uma Kelly que nunca vou poder amar porque a amo! — exclamou furioso.
E o silêncio caiu entre os três.
— E não vai amá-la porque não aceitou ficar naquele corpo.
— Do que é que está falando sua insana? — foi a vez de Sean perguntar.
— Insana? Eu insana? Por que voltou aquela noite Sean yá habibi?
— Porque...
— Por que exatamente àquela noite?
— Porque o robô havia...
— Não! O robô chegou exatamente na data que você mandou o robô chegar, porque você nada sabia sobre o 11/11, porque você ainda não havia recebido o segundo pacote com o papiro.
— De que droga está falando?
— De que você sabia que ela estaria lá, dia 11/11, porque sabia que Kelly Garcia havia acabado de chegar da Computer Co. da Catalunha.
— Você está...
— Louca? Insana? Com ciúme?
Sean achou que as três opções.
— Eu sabia que...
— Sabia Sean Queise. Sabia que Kelly Garcia ia entrar no seu quarto dia 11/11, que ela ia se apresentar, que você podia vê-la em toda sua essência, em seu ‘amor à primeira vista’ que você teve para com a espanhola, que você amou antes de Sandy lhe roubar dela.
E Sean chorou.
— Perdão...
— Não, Sean yá habibi. Não é para mim que você deve pedir perdão, é para suas senhas; ‘kellygarcia’ e ‘mamãe’.
E Sean arregalou os olhos azuis sabendo que Tahira fazia mais que morar no seu flat. Colocou o celular para fazer uma chamada, uma conexão via satélite para o satélite de observação Spartacus com a senha ‘mamãe’, e o satélite voltou a funcionar, e todos os mainframes giraram com novas coordenadas, fazendo Spartacus voltar à sua órbita geoestacionária e Oscar Roldman e Mr. Trevellis, cada um no seu canto do mundo, entender que Sean Queise havia voltado.
Sean então se virou para uma Tahira satisfeita e os faróis de cinco carros quase os cegaram.
— Sean...
— Quieta as duas! — e todo tipo de calibre de armas foram apontadas para a Van amarela. — Fiquem aqui! — deu a ordem e encarou Tahira. — Compreendeu? — ela nada disse e Sean levantou as mãos e saiu da Van. Homens vestidos de egípcios e núbios antigos, mas com armas novíssimas em punho, o arrastaram de lá deixando as duas na Van. — Onde está... — e uma coronhada o levou ao chão.
Um dos homens o pegou do chão e o arrastou ainda acordado, porém atordoado, por todo trajeto, até um grande portão de madeira mostrar-se ser um fechado ancoradouro de barcos abandonados. Lá dentro, a escuridão; literalmente. E também o cheiro de urina, de areia ocre que seus lábios tocaram quando foi jogado no chão de coisas rastejantes.
Todas as sinapses nervosas de Sean o alertaram e ele se ergueu ainda tonto, sentindo que havia ali centenas de entidades, desde coisas enegrecidas pela morte, até corpos acinzentados sem muita estrutura molecular, lutando pela sua existência, carregando uma energia tão negativa que tudo a sua volta era escuridão.
— AHLAN WA SAHLAN, SR. QUEISE! — falou uma voz assustadora.
— Impressão minha ou não sou tão bem vindo assim? — devolveu-lhe tentando lembrar-se daquela voz.
— TENTANDO SE LEMBRAR DE MIM, SR. QUEISE?
— Quem é você?
— SOU SHEE-AKHAN! O VERDADEIRO!
— Shee-akhan? Achei que havia me livrado de você.
E uma risada gélida ele ouviu, quando Sean se viu pisando num carpete marrom, de losangos, com uma criança correndo com seu avião lhe passando de raspão.
“O drone!”, olhou para cima e madeiras soltas mostravam um Sol querendo despontar no ancoradouro de barcos abandonados, para olhar para frente e ver aquela gente amontoada, em torno de um descomunal leão; uma fera de pelagem vermelho-amarelada feito fogo e máscara de íbis.
— O que quer comigo Shee-akhan?
— A FARAÓ-LEOA!
— E por que acha que eu consegui encontrá-la se você me interrompeu em Nabta Playa?
— CHEGA!!! — gritou Shee-akhan. — EU QUERO A FARAÓ-LEOA, DE MÁSCARA MORTUÁRIA, QUE LHE FALA.
— Sabe que não sei do que está falando, porque a explosão que você causou, provocou-me amnésia. E sabe que realmente esqueci muita coisa porque me persegue, sabendo tudo que faço e me lembro — e Sean ouviu o som do ar sendo cortado por um pássaro mecânico, um silencioso drone que se aproximava. — Najma?! — Sean gritou e seus pés correram com força sobre-humana, alcançando a porta de madeira do ancoradouro de barcos abandonados, o chão da floresta, o Rio Nilo onde margeava e Najma estava lá, sob a mira de uma arma, empunhada por um núbio antigo, de crânio alongado. — Não!!!
Mas as lágrimas nos olhos dela eram de um sentimento puro.
— Perdão Sean Khalida...
Sean desejou que o núbio antigo parasse, mas ele sorriu de uma forma que Sean sentiu que nada o atingiria, de que como na cidade dos mortos, seus dons não os alcançavam, porque como com os espiões psíquicos, eles se bloqueavam, se anulavam.
— Não diga nada Najma!
— Perdão... Eu falhei.
— Não! Não! Eu a perdoo! Eu a perdoo! Volte aqui!
Tahira não acreditou no que ouviu ali escondida, ele sabia o tempo todo quem era Najma e permitiu levá-la.
— Não, Sean Khalida. Sou culpada. Preciso pagar por meus erros.
— Não!!! — gritou ele para trás sabendo que dentro de um dos carros estava Wlaster Helge Doover. — Wlaster, não! Não a mate!
— Não, Sean Khalida. Eu falhei com Jablah, falhei com meus pais, porque o amei.
— Habaiták... — soou dos lábios de Sean.
— Habaiták... — soou dos lábios de Tahira.
— Habaiták... — soou dos lábios de Najma.
E o drone surgiu atingindo Najma e o núbio antigo com uma rajada de tiros, que lançou o corpo deles longe e destruiu a bela doutora.
— Não!!! — Sean se jogou na água e tentou alcançar o corpo sem vida dela, que boiava quando o drone deu a volta.
O drone então fechou a coordenada no corpo de Sean, que nadava até o corpo morto de Najma, e lançou projeteis que foram interceptados por armas instaladas em Spartacus, que destruíram os projeteis no ar, fazendo uma grande bola de fogo surgir nos céus de Aswan.
— Sean yá habibi?! — foi a vez de Tahira em choque correr para água e Sean saber que o drone ia fazer uma terceira investida.
— Volte Tahira!!!
— Não... Não... — ela nadava até ele e Sean largou Najma e nadou até Tahira quando o drone outra vez armou seus projeteis e fechou a coordenada em Tahira.
— Volte!!! Volte Tahira!!! — Sean alcançou outra vez Spartacus pelo pensamento, suas armas, e fechou a coordenada no drone que explodiu somente depois de lançar os projéteis nele e Tahira que se teletransportaram no momento da explosão.
Mas Sean foi jogado num túnel espiralado, e girou, e girou seu corpo em meio a estilhaços que penetraram na sua carne, durante todo o trajeto, até eles caírem na outra margem do rio, com Sean morrendo.
— Sean?! — berrava Tahira desesperada, tentando alcançá-lo. — Não!!! Sean?! — chacoalhava-o. — Ative Aparajayah!!! Ative Aparajayah!!!
E os olhos azuis dele se abriram, brilharam, fazendo Sean Queise permanecer invicto, fazendo estilhaços serem expulsos do corpo que sangrava, que morria, girando, e girando, e levando os dois de novo até o outro lado do rio, ao momento dos projeteis chegando, dos projéteis explodindo e ele se teletransportando para o passado, com os projeteis se teletransportando também, atravessando outro túnel de tempo, sendo lançados num Egito em guerra; um Egito paralelo, de homens núbios antigos que matavam seu povo em prol de um fator, que dominava a química e corpos.
Os projéteis então atingiram esses homens de crânios alongados, permitindo que crianças e mulheres escapassem e Sean e Tahira aparecessem do outro lado do Rio Nilo, com ela percebendo que Sean não estava mais ferido.
E Sean desfaleceu.
29
Rio Nilo; Egito.
10/06; 20h21min.
O barco de turismo balançava incessantemente nas águas mágicas do Rio Nilo. Tahira olhou mais uma vez o corpo belo e jovem ainda desfalecido na cama e saiu da cabine alcançando a proa com a noite caída.
— Onde estamos?
Tahira se ergueu da cadeira de madeira onde acabara de sentar-se.
— Sean yá habibi... Assustou-me.
Sean estava enrolado num cobertor.
Olhou em volta e a noite era belíssima ali.
— Como chegamos aqui?
— Em nada se pareceu com seus dons. Porque ficamos mais de três horas a deriva no Rio Nilo, num bote sem remos, que encontrei na casa de barcos abandonados. Então esse barco de turismo que estava navegando, nos encontrou e estamos aqui desde ontem.
— Najma?
— Não tive como trazer seu corpo ou a polícia seria avisada, e faria perguntas.
Sean sentou-se em choque noutra cadeira de madeira.
— A Senhorita quer mais chá? — perguntou de repente o garçom do barco de turismo que os resgatara.
— Por favor, duas xícaras.
O garçom serviu duas xícaras.
— O jantar será servido as vinte e uma, Senhorita.
— Shukran!
Sean nada falava. Só esperou o garçom se afastar.
— Eu teletransportei aqueles projeteis.
Tahira sentou-se.
— Para onde?
— Seu Egito.
— Por Allah!
— Preciso entrar em contato com Oscar, avisá-lo que Wlaster vai atrás dele.
— O que ele quer com seu pai?
— Minha genética! — e Sean tomou o chá num gole só e se levantou, voltando à cabine.
Tahira ficou o vendo sair de sua vista. Ficou lá até a sineta tocar as vinte e uma horas, avisando do jantar. Ela respirou profundamente e se levantou dando de encontro com ele novamente.
— Sean yá habibi... Assustou-me novamente.
— Diz um provérbio árabe que para cada coisa que acredito saber, dou-me conta de nove que ignoro.
— Como é que é?
— Quem é você?
— Não entendi... — um fog úmido invadiu de repente o tombadilho e os cabelos vermelhos dela brilharam na luz do luar, fazendo a fina blusa que usava delinear um belo par de seios. Os olhos dos dois se cruzaram, mas Sean não se moveu. Ele apenas a observava atentamente. Tahira cobriu os ombros gelados com um casaco conseguido pelo barco de turismo. — Está frio...
— Até quando vai brincar? — disse ele cortando a frase dela.
— Jura? — levantou da cadeira e pôs-se a rodeá-lo. — Porque não tenho a mínima ideia do que fala.
Seus rostos se misturavam pouco a pouco à neblina que invadia suas retinas, que molhava o chão de orvalho.
— Mas você sabe do que falo, porque sabe o que aquele leão de pelagem vermelho-amarelada quer.
E Tahira deu uma risada esganiçada passando por ele.
— Vou jantar. Uma egípcia não sabe pensar... — e Sean a beijou com tanta força que Tahira perdeu o equilíbrio, se ajoelhando no chão molhado, com ele a segurando pelos cabelos. — Oh... Sean... — sentiu-se tonta, excitada. —, não faça isso...
— Por que acha que vou fazer algo? — e o perfume do corpo dele, tão próximo, penetrava nas suas narinas. Sean a encarou no úmido tombadilho e seu corpo de homem bonito, másculo, viril se mostrava, dilacerava emoções baratas, fazendo-a se entregar ao destino. — Toque-me!
E Tahira sorriu lasciva querendo mesmo tocá-lo, o tocando, acariciando suas coxas, quando ele a puxou pelo cabelo a afastando dele.
— Ahhh... Sean... — mas Tahira não mais se sujeitava a ordens, não se controlava mais depois de tantos anos de desejo, de invasão, de olhares noturnos enquanto ele dormia; porque ambos sabiam que ela o vigiava, noite após noite, dentro do flat, dentro do quarto dele, dentro de seus sonhos.
Ela agarrou o sexo dele pelo jeans e Sean sentiu-se dobrar.
— Ahhh! — foi a vez dele exclamar.
Ela se levantou com ele ainda lhe puxando os fios ruivos, sedosos, e seus lábios o alçaram. Sean a encarou e o olhar dela seguiu a boca que engoliu um seio, depois outro, lambendo-os através do fino tecido da blusa, mordendo-os até ela gritar.
— O que está fazendo? — olhou para os lados nervosa, vendo o tombadilho tomado pelo orvalho.
— Por que acha que estou fazendo algo?
E Tahira não queria responder àquilo, àquilo não. Não depois de sentir as mãos dele deslizando pela nuca ruiva dela, emaranhando-se nos cabelos cor de fogo, descendo o rosto dela, a boca dela, até seu sexo. Tahira estava confusa, excitada e confusa, quando ele a fez percorrer o tecido. — Aqui não... — Tahira sentiu o amargo do brim do jeans.
— Aqui sim! — e as mãos dele também não se controlavam, subiram-na pelos cabelos e desceram até a saia dela, buscando invadi-la, envergonhá-la, perturbar o corpo da mulher desejada.
E Tahira sentiu-o, a invasão da saia, da lingerie, do sexo úmido, dedos hábeis que deslizavam por entre suas pernas, por dentro e por fora, fazendo Tahira delirar de tesão, sentir-se tonta novamente, sem ação.
— Sean...
— Cale-se!
E Tahira calou no que Sean a fez escorregar até o chão outra vez, se deliciando pelo toque, pela invasão, pelo local, pelo cheiro do rio próximo, respondendo o que seu próprio corpo perguntava há tanto tempo.
Sean desabotoou botão após botão da camisa dada, até seu corpo se expor. Depois os botões da blusa dela, até expor seus seios, os beijar sem vergonha para então jogá-la no tombadilho úmido com os seios se movimentando pelo ato.
— Sean?!
— Quem é você, Tahira? — perguntava nervoso, excitado, cúmplice daquela inusitada noite.
— Não sei do que...
— Quem é a mulher que atravessa mundos em busca da aventura?
— Não... Qual é o seu jogo?
— Por que acho que tenho um?
— Porque você nunca foi homem de não saber o que faz, para fazer tantas perguntas — mas Tahira sabia que Sean sabia o que fazia, conhecia o custo de ludibriar a noite, de fazer pecados virem à tona.
Ela então levantou e abriu-lhe o zíper da calça e o consumiu.
— Ahhh... — e ela o engoliu. — Ahhh...
Porque ela também sabia o que fazia, porque a umidade penetrava cada poro sensual de seu corpo belo e excitado.
— Viaje Sean! — sua voz era pura ordem. — Passagem só de ida!
Adrenalina pura eram seus corpos, queda vertiginosa, êxtase total, fazendo dali, do tombadilho molhado, um encontro de amantes.
Até o amanhecer.
30
Cairo, Egito.
11/06; 05h00min.
Era noite ainda e fazia frio no Cairo. Oscar Roldman saiu da pequena pousada na qual estava escondido com um casal de agentes da Polícia Mundial, se dirigindo a passos largos pelo breu que tomou conta das vielas do Cairo Islâmico. Oscar ainda pôde ver guarnições paramilitares controlando aquela área do Cairo, e sabia que aquele controle todo concentrado na região em torno da Cidadela de Salah el-Din, uma fortaleza do século 13 localizada a leste do Cairo Islâmico, aos pés da Montanha Mukattam, era para vigiar a Eschatology Inc..
Entretanto, lá, nada sabiam sobre a toca da Polícia Mundial no local, um Bar de nome Richãã, que alugaram para fazer campana.
Oscar puxou o pano do turbante colorido que lhe cobria a testa escondendo agora todo o seu rosto, e deu de encontro com um homem de olhos enegrecidos.
— Peixe? — perguntou o homem em dialeto árabe. — Duas libras egípcias — disse o preço.
— Agora não! — respondeu Oscar assustado com o liquido que navegava nos olhos dele.
— A salamo a-leikom!
— A leikom es salâm!
E o pescador se foi.
Oscar respirou aliviado voltando a caminhar, porque se considerava um homem velho para aquilo. Durante todo o dia anterior, seus dois agentes, o casal Jeffrey e Annette, se passava por comerciantes islâmicos, se misturando ao povo que frequentavam o seu bar livremente. À noite, somente eles, os agentes, o ocupavam.
Oscar Roldman entrou e percebeu Jeffrey andando incessantemente à frente de uma lareira no canto do bar, para esquentar o esqueleto.
— Nem parece que vive em Boston — falou Oscar a ele, ao entrar.
— Mas aqui faz calor durante o dia e a noite tudo congela Sr. Roldman — e Jeffrey espirrou.
E Oscar achou graça.
— Alguma coisa na rua, Senhor?
— Um ou outro homem dominado pelo Fator Shee-akhan.
— Acho que se arrisca dessa maneira sabendo que eles andam a esmo durante a madrugada, Senhor.
— Algum movimento no ‘purgatório’ em frente? — perguntou Oscar sem cogitar mais aquilo com Jeffrey.
— O ‘purgatório’ hoje tem mulheres mais bonitas que o normal — e Jeffrey voltou a espirrar. — As mulheres entraram sem burka; tinham cabelos claros, oxigenados.
— Contratadas?
— Me parece que sim. Hoje está particularmente agitado. Há homens entrando e saindo como formiga no açucareiro, e usam roupas ocidentais! — falou agora a agente Annette.
— Compradores, Annette?
— Um ou dois.
— Vendedores?
— Cinco ou seis.
— Algo grande?
— Alguns carros de luxo, algumas caixas de metal pesado. Pela leitura de Spartacus, uma ou duas caixas contendo mísseis.
— Inferno! — Oscar estava visivelmente agitado. — Drones?
— Spartacus fotografou três. Entram e saem do espaço aéreo.
— Como entram e saem?
— Não sabemos Sr. Roldman. Spartacus não os perdeu uma única vez de vista, por assim dizer, mas eles aparecem e somem do radar.
— O que acha que significa isso Senhor?
— Não sei Jeffrey. Não faço ideia do que permitiria os drones sumirem do radar.
— Algum tipo de bloqueador novo no mercado?
— Eles os manteriam stealth, invisíveis. Não ‘entrando e saindo’.
— Algum problema com o satélite de observação depois que voltou à órbita geoestacionária Senhor?
— Cientistas da Computer Co. disseram que não, e Gyrimias me garantiu que Spartacus voltou a funcionar a contento.
— Deve ser verdade, já que Spartacus fotografou Mark O’Connor vivo — falou Annette.
— Sean Queise sabe disso Senhor?
— Não. Não permiti que Sean captasse essa informação, e não é só Trevellis e a Poliu que sabem bloquear psi.
— E Sean Queise é um espião psíquico da Poliu?
Oscar se levantou tão agitado que Jeffrey ergueu as mãos em sinal de paz.
— Desculpe-me chefinho.
Porque Jeffrey e Annette eram agentes diretos de Oscar Roldman.
— Desculpe-me, a mim.
Annette e Jeffrey se olharam.
— Há algo mais Sr. Roldman.
— O que Annette?
— Spartacus foi chamado ontem, durante as explosões noticiadas pela polícia de Aswan.
— Sean?
Os dois voltaram a se olhar e Annette se levantou para pegar fotos enviadas.
Oscar olhou o envelope e o abriu.
— São imagens de um primeiro ataque drone, depois imagens de um segundo ataque drone quando Spartacus ataca esse drone, o destruindo — Annette viu Oscar olhar os dois. — Para então um terceiro ataque, de um novo drone, mas não havia um terceiro drone.
— O que significa isso?
— Nossos analistas fotográficos acreditam que o drone que fez o primeiro ataque, matou a médica Najma e um homem com ela, com rajadas de balas — ela viu Oscar voltar a olhar as fotos tiradas por Spartacus. — Depois esse mesmo drone faz uma volta e se prepara para um segundo ataque quando Spartacus atinge o drone, após ele lançar projeteis sobre o Sr. Queise e a jornalista Tahira — e Oscar viu as fotos.
E Oscar a encarou.
— Onde está vendo algo extraordinário Annette?
— Os analistas não entendem é o porquê de não haver um segundo drone, nem um terceiro ataque. Porque é o mesmo drone que volta para atacar o Sr. Queise e a jornalista Tahira pela segunda vez, só que ele havia sido destruído por Spartacus.
— Segunda vez?
— Sim. O segundo ataque atingiu o Sr. Queise, quando ele e Tahira somem da visão do satélite e apareceram do outro lado do rio, com ele ferido e o drone atingido por Spartacus.
— Sean está ferido?
— Acho que não. Porque logo depois há um terceiro ataque, quando acontece tudo igual ao segundo ataque, mas o Sr. Queise some e aparece do outro lado do rio, com ele e a jornalista sem ferimentos e o drone sumido da visão do satélite.
Os olhos de Oscar se abriram.
— Mark O’Connor? — foi o que perguntou Oscar fechando o envelope.
Jeffrey e Annette se olharam de novo, e perceberam o ‘Acabamos por aqui!’.
E eles acabaram.
— Mark O'Connor está dentro da casa, Senhor.
— Spartacus?
— Ainda com a leitura química dele.
— El Zarih?
— Não está lá.
— Wlaster?
— Ainda não chegou Senhor.
— Acredita que Wlaster vai aparecer Sr. Roldman?
— Não sei o que dizer Annette.
— Acha que mesmo com toda polícia egípcia e sudanesa atrás de Mark O'Connor, ele ainda consiga fazer negócios?
— Mark O’Connor se considera um ‘Senhor das armas’, Annette, ele não tem limites.
— Mas é um armamento pesado Senhor.
— Wlaster está se preparando para uma guerra Jeffrey. Não sei ao certo se contra nós ou contra aqueles alienígenas que vão passar pelo portal.
— Acha que o portal vai abrir no solstício de verão, em junho?
— Na década de 70, o egiptólogo amador John Anthony West estava lendo com entusiasmo os escritos do ocultista e matemático francês chamado Schwaller de Lubicz, que argumentava que os mistérios da civilização egípcia só poderiam ser desvendados quando fossem decodificados os símbolos matemáticos e místicos, inscritos na arquitetura e na arte daquele povo. E Pitágoras veio beber nessas fontes de conhecimento, porque como Lubicz, acreditava que os egípcios eram muito mais sábios do que os estudiosos supunham, e que teriam recebido seus conhecimentos de uma antiga civilização que teria desaparecido após grandes inundações cataclísmicas.
— A inundação de Noé?
— A inundação dos Anunnakis?
— Mú, Lemúria, Atlântida, e talvez outro Egito, paralelo ao nosso, para onde retornaram.
— Coexistindo conosco?
— Sim Jeffrey.
— E Wlaster quer o que, com esse povo egípcio paralelo?
— Poder!
— Poder sobre o que?
— Foi o que Trevellis exigiu de Sean, respostas em troca do conhecimento sobre a filha de Clarice.
— Acredita no que Mr. Trevellis diz?
— Ele não disse! — e Oscar sorriu de uma maneira enigmática, que somente seus agentes próximos, e somente eles, podiam entender; que ele era um Roldman.
— Wlaster entrou na casa Sr. Roldman!
— Desgraçado! Sabia que ele viria! — Oscar ficou olhando Jeffrey observar o purgatório da janela do bar e suspirou.
Depois se virou e voltou a colocar o gorro.
— Aonde vai, Senhor?
— Encará-lo!
Annete ergueu todo o rosto miúdo e bonito, olhando para Jeffrey.
— Acha uma atitude sensata Senhor?
— Não...
— Mas então...
Mas então uma grande explosão perpetuou-se pela manhã adentro e o bar Richãã desapareceu nos ares.
Rio Nilo, Egito.
11/06; 05h30min.
Sean ergueu-se em choque. Sentia como que atordoado, com uma dor inexplicável no peito. Tahira acordou nua, ao seu lado, ambos enrolados em lençóis macios na cabine do barco de turismo.
— O que houve Sean yá habibi?
— Meu pai...
— Fernando?
— Oscar!
— Por Allah!
— Helicóptero a estibordo!!! — gritou o timoneiro do lado de fora.
— Droga... — Sean olhou pela escotilha. — É um Bell Boeing V-22 Osprey.
— E o que isso significa?
— Chamei o helicóptero de Oscar sem piloto — e deu um pulo da cama procurando a roupa fornecida pelo staff do barco.
— Por Allah! Como assim ‘chamou’? — ela se enrolou no lençol.
— Não sei... — se vestiu. — Mas Oscar está em perigo — e saiu.
Tahira correu a se trocar e o alcançou na proa lotada de turistas.
— Helicóptero a estibordo!!! — gritava o timoneiro outra vez.
O helicóptero ainda se mantinha no ar.
— O que vamos fazer Sean yá habibi? O helicóptero está sobre o barco.
— Fique aqui! — Sean se virou e voltou. — E, por favor, siga com o barco até a próxima parada e vá para o Cairo. Lá, envie meu notebook para Kelly. Depois descubra qual era o papel de Mustafá na escola do papiro, e por que Afrânio e Mustafá escolheram Corniche el-Nil para montar um laboratório.
— Por que isso? Por que Corniche el-Nil era tão importante?
— Não sei. Por isso eu ia ficar no hotel do Cairo primeiramente quando vim a primeira vez ao Egito. Eu tinha um acordo com Trevellis para encontrar o paradeiro da menina de Clarice, mas a morte de Miro atraiu atenções sobre mim. Eu então me desesperei e fui para Nabta Playa, para encontrar algo na pirâmide. Mas quando cheguei lá, estava acontecendo o encontro de Mark O’Connor com fabricantes de armas pesadas. Depois o Fator Shee-akhan entrou em mim e tudo aquilo aconteceu. E com minhas memórias comprometidas, ainda não sei o que ia realmente fazer no Cairo.
— Jura...
— Sem ironia Tahira. Preciso acertar contas com Wlaster, porque foi ele quem matou Afrânio e Samira com CHE, o mesmo CHE que matou Miro e Joh; e provável matará você, porque aquele alienígena no corpo de Joh falou sobre você e sua mãe.
— Mas Wlaster nunca nos perturbou mesmo eu não sabendo que era perturbada.
— Mas você sabia Tahira. Você sempre soube.
— Acha que estou mentindo?
— Não. Mas há mais nisso tudo, não é? — e se virou para sair.
— Posso lhe perguntar algo, Sean yá habibi? — ela não esperou a concordância dele. — Por que arriscou nossas vidas voltando para buscar Najma?
— Porque eu sabia que ela havia falhado no hospital quando antigos egípcios injetaram Shee-akhan em mim, porque Wlaster queria entrar no meu corpo.
— E ela falhou?
— Não!
— Então ela sabia quem era você?
— Não!
— Mas como...
— Habaitak! Ela me amou, Tahira, e me sequestrou mesmo sabendo que eu e El Zarih éramos importantes para a seu padrinho Abu Ali Faãn. Só não sabia toda a extensão do que fazia. E Jablah foi obrigado a continuar o ‘tratamento’ de injetar Shee-akhan em mim sem que ela soubesse, ou comprometeria a segurança deles. Só não contavam com meus siddhis dominando o Fator Shee-akhan durante seis meses.
— E mataram Jablah porque ele falhou?
— Sim.
— E por que a mataram?
— Porque ela pediu para morrer — e Sean se virou para ir embora.
Tahira esticou os olhos computando tudo aquilo.
— Sean... Aonde você vai realmente?
— Paris!
— Paris?
— Sim, Per-Isium, lugar de culto à deusa Isis — e se transformou num Sean de rabiscos, até que sumiu das suas vistas com o helicóptero se distanciando do barco, e ele o pilotando.
31
Catedral de Notre-Dame; Paris, França.
48° 51’ 10” N e 2° 21’ 0” E.
12/06; 10h00min.
Passos largos se fizeram no subterrâneo da Catedral de Notre-Dame, na França.
— Não pode entrar!!! — gritou uma mulher atarracada, tentando brecar um jovem loiro, que a impactou quando apareceu no meio da sala dela, vindo do nada, e que invadiu a sala contigua que cheirava a caro charuto cubano.
— Quanta indelicadeza com uma dama — falou a voz rouca de alguém que sentava num largo sofá de couro marrom.
Sean Queise se aproximou do homem de pele jambo, de porte elegante, cabelos curtos que branqueavam e olhos extremamente esverdeados.
— Trevellis! — soou com ironia da boca dele.
— Que bom saber que sua memória volta aos poucos, ‘Sean querido’ — sorriu Mr. Trevellis.
— “Aos poucos”? — sorriu Sean.
Mr. Trevellis só ergueu um sobrolho e gargalhou com gosto, sabendo que Spartacus na sua órbita original significava uma memória voltando mais rápido do que todos esperavam. E vendo que Sean encarava o homem sentado na poltrona, ao seu lado, os apresentou.
— Esse é Christian Tyrone. Empresário de...
— Achei que o drone havia explodido você — Sean cortou a apresentação de Mr. Trevellis.
Mr. Trevellis estancou e Christian Tyrone sorriu.
— Também achei o mesmo de você.
— Também não sei como eu não explodiria, não é? Porque eu dirigia um velho Jeep anos 70 que não tinha os mesmos cavalos que seus Land Rovers.
Christian Tyrone escorregou um olhar para Mr. Trevellis que agora só observava Sean.
— Acho que começamos mal, Sr. Queise — Christian Tyrone se ergueu com intenções de cumprimentá-lo, mas Sean o sentou amarrado com fios energéticos, à cadeira.
Christian Tyrone sentiu-se grudado nela, literalmente e Mr. Trevellis deu um pulo do sofá sem, porém se levantar.
Sean então se aproximou de Christian.
— Que tipo de arma ia vender a Mark O’Connor?
Christian Tyrone voltou a olhar Mr. Trevellis que parecia não querer se envolver em algo que acontecia ali.
— Rastreamentos.
— Rastreamentos não são armas.
— Spartacus é uma.
Sean só inclinou o pescoço.
— Spartacus não estava a venda — sorriu. — Estava Trevellis? — sorriu para o jambo homem que só baforava seu charuto cubano. — Mas claro que poderia vir a estar se Wlaster tivesse conseguido que você, Christian, dominasse Para-Kaya pravesanam, inserindo-se no meu corpo.
Christian Tyrone até quis se levantar, mas fios energéticos dos quais nenhum dos dois enxergavam, o prendiam na cadeira.
— Eu não... Eu não...
— Não! Você não Christian! Mas Trevellis sabe do que falo, porque luta muito para que Wlaster não apareça durante seu sono para dominá-lo.
— Não posso ser dominado filho de Oscar.
E Mr. Trevellis foi ao chão, de joelhos, beijando-o.
Christian Tyrone arregalou os olhos e Sean se inclinou agora para ver Mr. Trevellis ajoelhado, com os lábios grudados no piso.
— Repita Trevellis! ‘Não posso ser dominado filho de Oscar’! — e gargalhou.
— Você... Você... — e Mr. Trevellis não sabia como se livrar daquela posição, da força mental dele. — Você...
— Eu o que Trevellis?
Mas Sean voltou Mr. Trevellis ao sofá e o sofá foi ao teto, preso, de ponta cabeça. Mr. Trevellis escorregou um olhar furioso se vendo preso como Tyrone, pela força paranormal de Sean Queise, quando o sofá voltou ao piso para então aparecer no deserto, com ele sentado nele, e com cinco carros se aproximando em alta velocidade, levantando a areia.
— Sean?! — Mr. Trevellis arregalou os olhos esverdeados para o entorno, e se viu sozinho no meio da areia quente. — Sean?! — berrou desesperado, preso ao sofá, vendo que os carros se aproximavam quando um drone surgiu por entre as nuvens que nem estavam ali. — Sean?! Sean?! Filho de Oscar?! — e o drone disparou um míssil que explodiu o último carro, o carro de Sean Queise. — Ahhh!!! — gritou Mr. Trevellis preso ao sofá, preso a areia com o Jeep anos 70 voando pelos ares e caindo no deserto de areia vermelha sob um Sol de 48 graus.
“Repita Trevellis! ‘Não posso ser dominado filho de Oscar’”, soou ali.
— Chega Sean!!! — mas os quatro carros Land Rovers que vinham à frente do Jeep anos 70 capotado, pararam adiante e Wlaster desceu de um deles. Atrás dele veio Mark O’Connor que engatilhou uma semi automática e disparou sobre Ahmad Al-badi, Nazih Sab`bi, Schiller König, Stefano Cipollone, Giovanni Bacci, Aaron Augustine, Christian Tyrone, Robert Avillan e Alam Al Alam. — Ahhh!!! — Mr. Trevellis berrava vendo corpos e luzes refletidas da semi automática dentro dos carros, na lataria dos carros e corpos morrendo ali dentro.
E Mr. Trevellis impactou e arregalou os olhos esverdeados mesmo, foi quando viu Christian Tyrone e Robert Avillan saindo de um dos carros destruídos, onde acabaram de serem mortos, com os olhos tomados de um líquido que os enegrecia, e foram atrás de Mark O’Connor, enquanto Wlaster tirava Sean desmaiado dos destroços do Jeep anos 70, e injetava Shee-akhan nele esperando Christian Tyrone e Robert Avillan atingirem Para-Kaya pravesanam, e conseguirem entrar nele.
Mas nada que fizesse, nenhuma posição mais estranha que a outra, permitiam que seus corpos o tomasse. Wlaster então berrou descontrolado até que toda sua pele se tomou de pelo dourado, e pernas e braços se tornassem patas e seu cabelo se tornasse uma pelagem. E a pelagem feito labaredas de fogo balançou para um lado, outro e outro mais, levantando a areia numa tempestade que cegou Mr. Trevellis ainda preso ao sofá.
Quando ele voltou a respirar e enxergar o que acontecia, estava de volta à Paris tomado pela areia da baixa Núbia, para impacto de um Christian Tyrone, que olhou Sean, e olhou Mr. Trevellis, e voltou a olhar Sean que olhava cínico para ambos.
— Fez boa viagem Trevellis?
E antes que Mr. Trevellis respondesse àquilo a testa de Christian Tyrone se abriu, e uma luz verde escapou dali.
— Ahhh!!! — gritou Christian Tyrone.
— Ahhh!!! — gritou Mr. Trevellis olhando o corpo de Christian Tyrone se tomar de adornos egípcios e núbios, sua pele dourar e seu crânio se alongar, para então se tomar de um fogo interno que o consumiu até somente os pés nos sapatos de cromo alemão, ficarem ali, ainda presos.
Mr. Trevellis tinha a pele, como se fosse possível, embranquecida pelo medo, quando deu uma grande risada.
— Sean... Sean... Você realmente me surpreendeu filho...
— Então me deixe perguntar novamente, Trevellis — Sean se inclinou para ele. —, quem era Christian Tyrone?
Mr. Trevellis se virou ainda embranquecido e pasmado para o que restou do corpo morto por CHE, com o pó dele ali.
— Então Christian Tyrone e Robert Avillan não sobreviveram?
— Não!
— E o Robert Avillan que chegou ferido ao hospital de Cartum foi um desses egípcios ou núbios antigos dentro do corpo dele?
— Sim!
— Mas Oscar conversou... Oscar esteve com Robert antes da explosão em Essex. Oscar teria percebido se... — e Mr. Trevellis arregalou os olhos. — Farinha do mesmo saco, não filho de Oscar? Porque Oscar sabia que Robert não era Robert de alguma forma, e foi lá usar Robert para avisar Wlaster do que ele faria, de que a pasta cor de vinho havia saído da Poliu e estava com ele, porque seu pai também é um siddha.
— Exato!
E Mr. Trevellis riu com gosto, querendo aquilo que Sean sabia, ter tido um filho como ele, porque filho de Oscar, de Fernando ou de quem fosse o filho, ele era o que desejava que suas filhas fossem.
E Sean captou tudo aquilo outra vez.
— E o corpo possuído de Christian Tyrone sumiu de cena, porque Wlaster precisava dele para roubar Spartacus, porque ele poderia fotografar a hora exata que os portais se abririam — e Sean se aproximou de Mr. Trevellis o liberando das amarras. — E tudo isso, porque Aurora contou a Wlaster, depois de conseguir informações com Gyrimias, que agentes da Poliu como Sandy se infiltravam na Computer Co..
— Nada sei sobre a irmã de Juca ser uma espiã psíquica da Poliu, porque nada sei sobre Sandy, já que a amiguinha da minha filha a traiu também. E o canalha do Wlaster tinha seus próprios psi, sem o conselho saber, após a saída de Mona Foad.
— Não quero falar sobre Sandy.
E Mr. Trevellis se levantou sentindo todo seu corpo doendo e encheu um copo de whisky.
— Ótimo filho de Oscar, porque também não quero falar sobre ela — e bebeu tudo num gole só.
— Mas sobre Robert Avillan vamos falar, porque Robert conseguiu roubar a pasta cor de vinho.
— Seu pai me contou! — Mr. Trevellis riu um sorriso debochado e Sean não gostou daquilo.
— Mas não para foi para Wlaster que Lucy roubou a pasta cor de vinho... — e Sean teve uma pequena vitória no suor que escorregou do rosto de Mr. Trevellis —, porque eu a ensinei a mentir para Oscar, para os dons de Oscar, exatamente como vocês bloqueiam os psi entre si. E me parece que ela se tornou uma bela espécie de teste — riu. — Lucy entregou a pasta cor de vinho para mim antes da explosão me apagar.
— Mas como você... — e Mr. Trevellis parou.
— Como eu sabia ler uma pasta cheia de papéis que se escrevem ao comando de dons paranormais? Quer mesmo saber? Jura? — e Sean riu da sua própria piada. — Porque eu devia saber, Trevellis. E devia saber que tudo aquilo ia acontecer já que me visitei quando tinha catorze anos.
— Você se... O que? Você se visitou? Está dizendo que pode voltar no tempo e... Incrível!
— “Incrível”? — e Sean gargalhou tenso. — Não Trevellis, não há nada incrível em saber o que eu realmente fiz, porque eu fiz algo que deu errado naquela pirâmide quando a toquei, porque Shee-akhan entrou em mim e não permitiu que eu morresse naquele acidente, não permitiu que todo aquele Fator Shee-akhan injetado no hospital de Cartum chegasse a meu organismo, porque atingi Advandvam, e tolerei o calor do fogo e a dor de ser explodido, para então ativar Aparajayah para permanecer invicto e ativar Ajna apratihata gatih, impedindo ordens ou comandos de outros.
— Como não ser dominado pelo Fator Shee-akhan.
— Exato! E se foi uma pena a amnésia apagar muita coisa, afloraram outras, como saber que Clarice conseguiu tirar uma menina de quinze anos, do Egito para Portugal, onze anos atrás.
Mr. Trevellis levantou-se de supetão.
— Você conseguiu achá-la?
— Devia ter deixado o ‘canalha do Wlaster’ ter matado você quando teve oportunidade — disse Sean a Mr. Trevellis.
— Não seja ridículo! — o grande homem de pele jambo gargalhou. — Você nunca teve essa oportunidade, Sean querido.
— O que? Então não sabia que o agente Wlaster Helge Doover ensinava Mona Foad a fechar seu chakra laríngeo todas as noites? — e Sean viu Mr. Trevellis arregalar os olhos, que escorregaram para o resto do corpo de Christian, e o que um chakra aberto era capaz de fazer. — Mas o agente Wlaster Helge Doover teve que suspender tal atividade, quando contei a Mona o que ela fazia enquanto saía do corpo.
— Surpreendente! Nunca pensei em vê-lo me defender.
— Não o defendi! Defendi Mona de uma corte judicial — e Sean viu Mr. Trevellis sentar-se ainda abalado. — Mona então decidiu denunciar o agente Wlaster e ele teve que apagar da mente dela informações vitais das quais ela desenvolvia.
— Mas Wlaster não conseguiu apagar nada de você, percebo?
— Ele conseguiu sim, de alguma maneira. Só não imaginava que eu, um velho Sean Queise pudesse visitar um jovem Sean Queise no passado e permitir que ele soubesse coisas. Nem que um jovem Sean Queise voltasse ao passado, e enviasse o robô da Computer Co. a ele, para quando o velho Sean Queise chegasse aquela noite de 11/11, encontrasse o robô com todas as informações necessárias.
— In... Incrível... — e Mr. Trevellis mal conseguir acreditar no que ouvia. Porque precisava mais que nunca que Sean o ajudasse na Poliu, que ele se tornasse um espião psíquico, porque tinha coisas ainda maiores acontecendo. — Eu faço um acordo!
— Não Trevellis! Não há mais acordos!
— Isso quer dizer o que, filho de Oscar?
— Isso quer dizer que Wlaster soube quando Miro Capazze morreu, que eu estava ativo, porque ele soube quando passou pelo corredor tirando Mustafá da investigação, que Clarice enviou-me novamente o papiro, um papiro que só escreve para mim, e que havia rastros gravitantes da menina que Clarice resgatou ali, à minha volta, na minha valise que Tahira mexeu no meu flat, e provável nas minhas roupas, perfumes e todo meu corpo.
— E você sabia?
— Provável eu sabia quem era Tahira porque a levei a meu quarto onze anos atrás, e sabia que ia precisar dela, mas a explosão e a amnésia atrapalhou meus planos — e viu Mr. Trevellis se abster de comentar. — Quando voltei do Egito e confrontei Oscar, ele driblou minha inteligência inventando uma pasta cor de vinho que não existia. Acho que ele queria me ferir, contando sobre minhas “outras atividades”.
— Atividades hacker, suponho — Mr. Trevellis riu baforando seu charuto cubano. —, já que ele tinha ciúme de Fernando com Nelma.
— Você não é tão esperto assim, Trevellis. Ou não estaria sendo destruído pelo próprio sangue.
Agora Mr. Trevellis se ergueu com todo seu peso e tamanho.
— Se você encostar um dedo em mais uma filha minha...
— ‘Se eu encostar’? — sorriu cínico com Mr. Trevellis avançando sobre ele e Sean mudando de lugar.
Mr. Trevellis sabia que de nada adiantaria aquilo. Ele iria se ver com Dolores mais tarde.
— O que quer de mim filho de Oscar?
— Nosso trato! O primeiro trato que fiz.
Mr. Trevellis voltou a rir.
— Não Sean Queise! Quero a menina.
— Não! A menina não! Você quer Shee-akhan! O verdadeiro Shee-akhan dentro daquele leão de pelagem vermelho-amarelada, capaz de gerar tempestades de areia com sua juba.
Mr. Trevellis pareceu ponderar algo.
— E você fecha o maldito portal?
— Não! Ela abriu, ela fecha!
— A menina?
— Não! A faraó-leoa! — Sean viu os olhos verdes de Mr. Trevellis brilharem. —, porque você nunca quis a filha de Clarice, o corpo da garota que não sobreviveu no acidente de carro da família próximo a Nabta Playa e a faraó-leoa entrou. Você sempre quis que eu encontrasse a sacerdotisa com máscara mortuária, a que fugia da leão de pelagem vermelho-amarelada com máscara de íbis, e atravessou o portal se escondendo dentro do corpo da menina Tahira, que fez sobreviver, numa maneira de se perpetuar na Terra; entrando no corpo dela. E porque você sempre soube quem era Tahira, porque Dolores a vigiava naquele voo para Portugal, quando ela foi atrás de Clarice que está morrendo de câncer, assim como Aurora, para levá-la para o Egito onde o Fator Shee-akhan pode curá-la, porque o Fator Shee-akhan transforma algo em outra coisa. O que você nunca soube… — Sean apontou para Mr. Trevellis. —, é que a faraó-leoa de pelagem vermelho-amarelada com máscara de íbis não consegue ter domínio sobre o Fator Shee-akhan aqui na Terra. E que por isso ela só é adorada pelas mulheres de máscara mortuárias naquele Egito alienígena.
— Mas elas podem filho de Oscar! Joh me garantiu, que Afrânio garantiu, que que essas mulheres egípcias com máscara mortuária podem dominar o fator Shee-akhan aqui na Terra.
— Não sei. Mas talvez Tahira tenha razão, Afrânio interpretou o desenhou daquela parede da pirâmide de uma maneira que todos nós, eu, Samira e Clarice, interpretamos errado.
— E quem pode dominar o Fator Shee-akhan?
— Ninguém pode. E nem devemos se quer, tentar começar Trevellis.
— E o que vai acontecer com Tahira?
— Deixe-a comigo. Nós também temos um trato — sorriu cínico.
— Um trato que vai fechar o portal antes ou depois de você atravessá-lo? Porque sabe que precisa resgatar seu pai, que foi levado por um leão alienígena nada amigável.
— Sim, Trevellis. Por isso preciso atravessar o portal para resgatar Oscar que foi levado por Wlaster, que na verdade morreu naquele dia, 03/11, no laboratório de Corniche el-Nil, junto a Afrânio e Samira, por CHE.
— Está querendo...
— Estou dizendo que era isso que eu ia investigar no laboratório de Corniche el-Nil, as energias gravitantes de um Wlaster morto. Porque quem vemos mostrando sua beleza esfuziante é Shee-akhan, o verdadeiro, o leão nada amigável dentro de Wlaster.
— Então Shee-akhan é aquela besta que todos os espiões psíquicos viam?
— O leão de pelagem vermelho-amarelado com máscara de íbis que atravessou o portal onze anos e entrou no corpo de Wlaster, atrás da faraó-leoa no corpo de Tahira, e que domina uma planta que domina a mente, no que chamam de Fator Shee-akhan.
Mr. Trevellis engoliu aquilo a seco. A visão de um Wlaster no deserto se transformando em um leão de pelagem vermelho-amarelada feito fogo iria assustá-lo por toda vida.
— Mas eu vi...
— Eu sei! — Sean cortou sua fala, mostrando a Mr. Trevellis que ele podia ler mentes bloqueadas. — Eu sei que Mark O’Connor está vivo, ainda comercializando armas; uma arma em especial que Joh contou aos alienígenas quando seu corpo foi tomado após minha explosão, seis meses atrás.
E um suspiro cumprido foi o que Mr. Trevellis deu:
— O que quer de mim filho de Oscar? — falou Mr. Trevellis enfim.
— Duas coisas; El Zarih e Dolores.
— Como é que é?
— O que? Acha que eu não ia querer recompensas por não me deixar amar Kelly?
E Mr. Trevellis só bufou.
Sean se fez de rabiscos até atingir Anima, a redução de um corpo para o mesmo tamanho de um átomo e atingir Manah-javah, movendo o corpo sempre que o pensamento vai, como o teletransporte ou a projeção astral, e deixar lá um Mr. Trevellis encantado com o filho de Oscar, sabendo que fez a coisa certa, que jogou todas suas fichas no jovem Queise, mesmo com Nelma furiosa, contando a Oscar o que Fernando permitia Mr. Trevellis fazer.
Afinal Nelma preparou Sean para ser um agente.
Já Sean se materializou nos subterrâneos da catedral, e uma porta de ferro enferrujado rodou seus parafusos em seu encontro com o batente, e ela foi retirada do encaixe, a ficar volitando até a luz acomodar a visão de ambos, e Sean Queise ver El Zarih e El Zarih ver Sean Queise.
“Se preocupar, não. Não morrer, Oscar” “Para ele calar, levar foi”, falou El Zarih para Sean através do pensamento.
Sean entrou no calabouço e lá uma cama pequena, os lençóis coloridos, os ventiladores sobre ele e uma mesa com muitos líquidos.
— Agora estar bem, ele. Apesar forçado, o sequestro foi, na explosão que vidas de dois agentes, Wlaster tirar — falou El Zarih agora em voz alta.
— Onde está Oscar?
— Onde seu pássaro metálico, alcançar vai.
— Spartacus? Ele vai alcançá-lo como?
— Como Mark O’Connor, querer, queria.
— Fotografando os portais. Mas eu já voltei o satélite de observação na órbita geoestacionária. Não posso... — e Sean parou. — Mas eu já havia fotografado, não? As fotos que Tahira tirou da minha valise quando voltei do apartamento de Kelly, e que ela abriu usando a senha ‘kellygarcia’; e que agora estão com Kelly.
— Com sua, alma gêmea, fotos estar sim.
“Alma gêmea?”, Sean sentiu-se mal.
— Amar ela, você está?
— Sim...
— Vamos então? — El Zarih se levantou e Sean viu que ele não tocava o chão, que como ele fazia com a porta, El Zarih também volitava.
— Quantos passaram pelo portal quando ele abriu onze anos atrás?
El Zarih não esperava aquela pergunta.
— Eu, Shee-akhan e a faraó-leoa.
— É ela que Shee-akhan quer?
— Não! Ele a mim, quer.
— Deus... É você quem domina o Fator Shee-akhan aqui na Terra?
— Sim!
— Por isso Jablah precisava de você vivo?
— Sim!
— Então você era importante para Jablah, Najma e Mustafá que com Miro, participavam da Escola de papiro.
— A menina Najma, bom coração tinha. Nada de perguntas, fazer. Amar, profissão escolhida. E você, também, ela amar.
Sean sentiu-se arrasado.
— Eu sei... Mas e Tahira? Quem é ela? Por que ela se arriscou a atravessar o portal? O que ela precisa fazer aqui na Terra?
— Precisava pessoas, encontrar. Precisava pessoas, modificar fator.
E Sean nunca teve tanto medo como naquele momento.
— Pessoas que dominar a magia da alquimia dos assírios, de se produzir algo do nada, de abrir portas com ‘Abracadabra!’ — e Sean olhou em volta. — Droga! Tahira estava atrás de Clarice?
— Ela ver, oportunidade, ali.
— Mas Clarice disse que havia alguém ainda mais poderoso que ela, ‘o loirinho dos Queise’. E Clarice era uma espiã da Poliu capaz de bloquear Mona e Samira, e elas nada saberem sobre ela, sobre seus dons. Por isso Tahira estava no meu flat, nos meus encontros ufológicos, porque precisava de meus siddhis para modificar o domínio dos leões no seu Egito alienígena.
— Sim! Entender você, tudo.
— Então Jablah procurava naqueles que injetava Shee-akhan no porão, um que pudesse ser o escolhido, o que mudaria o fator?
— Entender você.
— Mas por que Jablah tentou me matar?
El Zarih inclinou a cabeça e pareceu buscar em algum lugar do espaço aquela resposta.
Sean viu o nível de siddha que ele era.
— Jablah, descoberto foi. Matar ele, para calar. E menina Najma, calar também foi, por amá-lo.
— Deus... — e Sean saiu com El Zarih volitando atrás dele até o corredor se lotar de agentes da Poliu.
— Sean Queise... — uma voz sensual se fez ali.
— Dolores... — ele estancou.
Ela dispensou todos à volta dela, e os dezesseis agentes da Poliu saíram levando El Zarih para fora.
Dolores se aproximou dele.
— Meu pai me disse que você me queria. Não devia falar isso a um pai do tipo daquele.
Ambos riram. Havia química ali.
— Por que se ofereceu para me dar suporte na Unicamp, Dolores?
— Vai correndo contar para a secretariazinha se eu disser que foi por uma garrafa de Chardonnay? — e ela percebeu que ele voltara a ficar frio.
— Preciso novamente do helicóptero V-22 Osprey que me trouxe.
— Que você trouxe.
— Esse mesmo.
— Sinto muito, mas preciso lhe dar outro V-22 Osprey, com outra biometria instalada, ou o piloto não poderá pilotá-lo.
— Também preciso de algo mais, Dolores.
E Dolores recebeu a mensagem sobre total letargia. Não imaginava a que ponto Sean atingia tudo aquilo. Respirou pesado e se virou andando por todo o extenso corredor com Sean atrás dela.
Os dois seguiriam para fora da catedral, depois de atravessar todo pátio da catedral com Sean gostando das pernas roliças que despontavam da justa saia de corte perfeito andando à sua frente. Dolores escorregou um, dois, três olhares para trás, para vê-lo lhe apreciando. Sorriu satisfeita sabendo que nenhuma amnésia apagou o fato de que ela e sua irmã Umah, conheciam Sean há muito mais tempo que ele supunha; ou supunha, já que seu pai nunca acreditou em amnésia alguma.
“Wow!” Sean gargalhou.
Dolores também riu sabendo que ele lera seus pensamentos, mesmo ela preparada para bloqueá-lo. Porque nada mais o bloqueava. Um prédio se desenhou à frente deles e uma porta foi aberta. Lá, um extenso corredor de paredes de metal e um carrinho. Sean sentou-se ao lado dela e o carrinho se movimentou pelo extenso corredor, para baixo, andares abaixo da rua. Quando o carrinho parou, Dolores desceu e inseriu sua biometria, que abriu a porta de metal triplo, mostrando uma grande sala e muitos mainframes da Computer Co.. Se Sean sabia sobre eles antes da amnésia nada comentou. Dolores outra vez caminhou com suas pernas roliças até uma sala gelada que abriu após o uso de sua biometria outra vez, e uma grande sala de piso e paredes brancas, extremante estéril, mostrou ser apenas um cofre na parede.
— Foi daqui que Robert roubou a pasta cor de vinho?
— Sim. Entrado em vários corpos — e se virou para ele. — O que não foi um grande roubo já que você mandou Lucy trocar a pasta.
Sean só sorriu e a encarou.
— Não estou interessado em documento algum, Dolores.
— Não claro que não. Você quer a arma X 777, da qual nem se quer sonhávamos que você sabia existir.
— O que a faz achar que eu não sabia?
Ambos riram.
— X 777 usa uma reação deutério-trítio, onde um núcleo do átomo de deutério e um núcleo do átomo de trítio são combinados para formar um núcleo de hélio e um nêutron — e ela abriu o cofre se aproximando de um das muitas prateleiras esterilizadas ali.
Dolores então abriu uma caixa de um metal que não permitia acessos remotos e dentro, acomodada na espuma, uma arma de tamanho médio, quase do tamanho de uma Glock, mas com seu design arrojado, um gatilho transparente, feito por algo que se assemelhava a acrílico, mas que Sean sabia, era material alienígena.
— Wow... — soou dele.
— A fusão nuclear é o processo no qual dois ou mais núcleos atômicos se fundem, formando um novo núcleo com um número atômico superior — prosseguiu Dolores tirando a arma feita do que parecia ser acrílico, do estojo de espuma.
— A fusão nuclear usa o elemento mais abundante do universo, o hidrogênio, e com um subproduto inócuo, mas útil ainda, o hélio.
— O processo da ignição da X 777, é o mesmo que acontece no núcleo do nosso Sol, átomos de hidrogênio são comprimidos e acabam se fundindo, produzindo hélio e liberando muita energia.
— Está brincando...
— Acha? — Dolores sorriu com a ginga das pernas roliças roçando na saia. — A ideia é aquecer o hidrogênio à temperatura de 100 milhões de graus Celsius, e cruzar os dedos, esperando que a pressão gerada seja suficiente para iniciar a fusão, Sean Queise, até comprimir o hidrogênio a uma proporção, equivalente a comprimir uma bola de basquete, ao tamanho de uma azeitona e caber nessa arma scifi.
E Dolores se assustou de ver El Zarih de repente ao seu lado.
— Acha mesmo que aquela cela o prendia Dolores?
Os dois se olharam e Sean viu El Zarih inclinando a cabeça para o lado, como fizera a pouco tempo, provável lendo o que não podia ser lido ali dentro. Dolores nada percebeu e prosseguiu:
— Esta imensa compressão faz com que os átomos de hidrogênio não consigam evitar uns aos outros, e a colisão de átomos ocorra, os fundindo.
— Wow! Quinhentos trilhões de watts injetados aí dentro?
— Com apenas uma fração sendo efetivamente usada para iniciar a fusão, sim. Mas a energia libertada pela fusão é tão grande, que poucos cm³ de deutério, produzem o equivalente à combustão de 20 toneladas de carvão.
— O que pretender, você, conseguir, com energia tamanha? — El Zarih quis saber.
— Abrir um portal! — Sean encarou Dolores que sabia exatamente o que ele iria fazer com seu siddhi Advandvam, com tolerância sobre o calor, frio e o que for mais, e enfim atingir Prapti, com acesso irrestrito a todos os lugares.
— Vou dar a vocês duas jaquetas infláveis — e Dolores retirou dois pacotes vermelhos de uma prateleira lateral.
— Para que?
— Proteger seus corpos, quando você acionar a arma e ela abrir o portal. Ou serão desintegrados ou atingidos pela radiação.
— Causando câncer como o de Aurora e Clarice?
Dolores não respondeu.
— Uma vez colocada, ela precisa ser acionada para se inflar em uma espécie de casulo, porque depois, a fusão da reação de deutério-trítio aumenta rapidamente a sua taxa com o aumento de temperatura, até chegar a um valor máximo de oitocentos milhões de Kelvins, após o que gradualmente, desce, desaquece e o portal se fecha.
— Tenho até medo do que a Poliu ainda vem inventando.
— Por que acha que não faz parte de tudo isso Sean Queise? — e Dolores se virou para sair do cofre.
— Você, parte fazer? — El Zarih também quis saber.
— Não me lembro... — sorriu cínico para as pernas roliças que se afastavam e ambos saíram também.
E os dois voltaram de carrinho, agora com El Zarih volitando ao lado, até saírem do prédio da Poliu e o helicóptero V-22 Osprey os esperava.
— A Poliu não achou uma boa ideia entrarem clandestinos numa área de alto risco. Então o Comandante Helio Jonathan descerá próximo ao Mar Morto, e de lá vocês irão até a cidade de Mazra.
— E se eu não aceitar?
— Vai aceitar Sean Queise. De lá, um avião os levarão até Alexandrina, já em terras egípcias. Lá, outro helicóptero levara vocês a Nabta Playa — disse Dolores ao chegarem ao V-22 Osprey.
— Por que o Comandante Helio Jonathan não nos leva direto?
— Recebo ordens Sean Queise. Deveria obedecê-las, também — e Dolores não acreditou quando viu Sean concordar muito rápido, com um movimento de cabeça. Acreditou que não fosse ser algo tão simples assim. — Aqui estão os passaportes e dinheiro caso algo de errado até chegarem a Nabta Playa — e Dolores se virou para Sean, passando os dedos suaves pelo ombro dele, num charme só. — Tome cuidado, Sean Queise. Mesmo com todos seus siddhis, a arma X 777 ainda está em fase de testes.
— “Fase de testes”? — Sean sorriu e a agente jambo se virou para ir embora. — Dolores? — Sean olhou as belas e roliças pernas dela pararem. — Diga a seu pai, que ele nunca precisou ter um filho. Você e Umah são agentes de primeira.
— Diz isso porque a experiência de conhecer Zôra, minha terceira irmã, não deu certo? — e se foi.
Sean não sabia realmente o que responder àquilo. Ele e El Zarih entraram no V-22 Osprey e o piloto Comandante Helio Jonathan levantou voo, quando Sean inclinou-se sobre o estômago sentindo dor.
— Sandy Monroe, ponto fraco, seu. Ferida, aberta segundo chakra.
— “Segundo chakra”?
— Svadhistana, seu nome é. Chakra sacro. Dos órgãos genitais, acima. Quatro dedos do umbigo, abaixo. Ligação entre corpo físico e alma, aos prazeres sexuais chakra, ligado está — El Zarih viu Sean erguer as sobrancelhas. — Amar não consegue, Siddha Sean Queise?
Sean sentiu algo acontecendo ali, e não gostou do que sentiu.
— Como seu povo controla os chakras, El Zarih?
— Povo de energia cósmica, sermos feitos. Através dos chakras, comunicar a nós. Através dos chakras, o Universo dominar; inclusive terráqueos — e todo rosto de El Zarih se tomou de um brilho verde feito a mão de Miro Capazze que acendia.
— Qual é sua aparência verdadeira? — e Sean viu que El Zarih mostrava crânio alongado e liso, sem uma única ranhura, olhos enegrecidos, mãos com quatro dedos, e ofegava ao respirar. — Wow! — arrependeu-se de ter feito aquela pergunta e El Zarih voltou ao velho sudanês de pele ébano e turbante na cabeça.
— “Emprestada”, vários corpos. Já havia, ele, atravessar barca da morte — El Zarih virou seu rosto.
— Seu corpo já estava morto quando?
— Morto quando, portal abrir.
— Quem é Mark O’Connor e a Eschatology Inc.? E por que você era tido, como amigo dele?
— Corpo dele, amigo de Mark O’Connor, ser.
— Então Mark O’Connor estava em Nabta Playa quando o portal abriu e você, a leão de pelagem vermelho-amarelada e a faraó-leoa passaram?
— Sim.
— E Mark O’Connor não sabia que você estava dentro do corpo do amigo?
— Não.
— Então Mark O’Connor também não sabia que a leão de pelagem vermelho-amarelada e máscara de íbis, estava dentro do corpo de Wlaster?
— Não.
Mas Sean sabia que Mark O’Connor sabia e sabia de muito mais porque Mark O’Connor atirou em todos dentro das Land Rovers. E foi a mando da leão Shee-akhan/Wlaster. E El Zarih estava dentro de um dos carros. E que chegou quase morto ao hospital de Cartum, como ele.
Sean tentou fechar desesperadamente sua comunicação e se levantou sentando-se ao lado do piloto, que o viu lhe olhando até que o viu como se estivesse olhando um espelho. O piloto se apavorou em se ver, e se desligou. Já Sean tinha as mesmas feições que o piloto, sua biometria e todos seus acessos.
— Torre! Aqui é o Comandante Helio Jonathan! — abriu o canal de comunicação.
— Aqui é a torre de comando de Cartum, Sudão.
— Permissão para entrar no espaço aéreo do Sudão.
— Diga sua senha de permissão Comandante Helio Jonathan.
— HK895 Alpha KK 5567.
— Aproxime sua íris do leitor Comandante Helio Jonathan.
E Sean dentro do corpo do piloto se aproximou do leitor no painel do V-22 Osprey.
— Permissão concedida Comandante Helio Jonathan. Espaço aéreo do Sudão liberado.
— Obrigado torre de comando. Desligando comunicação.
— Entendido!
E Sean voltou ao seu corpo para então o piloto Comandante Helio Jonathan voltar da sonolência e ver que todo comando do V-22 estava no automático. Ele olhou Sean o olhando e voltou a olhar o painel em pânico, apertando muitos botões, tentando de todas maneiras mudar o trajeto, inserindo senhas e toda sua biometria, para então encarar Sean sorrindo.
O piloto nada mais falou, Sean se levantou e voltou a se acomodar na sua poltrona.
— Preciso ir ao Brasil — Sean agora comunicou a El Zarih.
— Nabta Playa, achei que ir?
— E vamos! Mas preciso ir ao Brasil...
E El Zarih inclinou a cabeça outra vez, como que buscando respostas. Sean se apavorou que ele pegasse mais informação do que estava enviando.
— Precisar as fotos?
— Sim. Preciso saber o que Spartacus fotografou porque minha amnésia não me permite lembrar... — e Sean se tornou rabiscos dentro do helicóptero V-22 Osprey, com El Zarih e o piloto olhando o corpo de Sean Queise sumir dali.
Computer Co. House’s; São Paulo, capital, Brasil.
23° 36’ 19” S e 46° 41’ 45” W.
12/06; 13h00min.
Kelly estava linda de tailleur amarelo. Vinha se dedicando ao trabalho, à Computer Co., à sua solidão. Sobressaltou ao ver o buque de rosas amarelas na sua mesa surgir do nada.
— Ahhh! — impactou mais ainda no que viu Sean Queise também surgindo ali. Primeiro como rabiscos, depois nítido como a tarde fria de outono. — Patrãozinho...
— Olá Kelly...
Ela se levantou e voltou a se sentar olhando para os lados.
— Você está...
— Estou! — e os olhos dele eram puro brilho. — São suas... — apontou para o buquê de flores. Ele viu Kelly sorrir tímida e completou. — Feliz dia dos namorados.
Kelly o olhou realmente sem entender o que acontecia ali.
— Onde você está?
— Voando...
Kelly riu. Parou na sinceridade dele.
— Aonde?
Ele se virou e olhou para o lado como se estivesse realmente aonde dizia estar.
— Sobrevoando Nabta Playa!
— Oh! Sean... Por quê? Por que se arriscar tanto?
— Por você!
— Não... Não por mim Sean...
— Por você Kelly! Por você voltar ao passado só para me amar antes de Sandy.
Kelly voltou a olhar os lados, confusa, com o coração disparado e toda sua adrenalina correndo solta.
— Sean...
— Não! Não diga nada! — e Sean se aproximou. — Toque me... — e esticou uma mão para ser tocada.
Kelly engoliu tudo aquilo e o tocou.
— Ahhh... Você é real...
— Eu disse que era. Sempre fui, Kelly.
Kelly realmente não sabia o que falar, fazer.
— O que quer de mim Sean?
— Pedir perdão.
— Não Sean. O que quer de mim?
— Pedir perdão.
— Sean... Por favor...
E ele não insistiu mais. Porque sabia que a havia magoado, porque tinha medo dela não mais lhe dar uma chance, medo que tudo estava acabado.
— As fotos... — soou dolorido.
Ela o olhou com o coração batendo e se levantou indo até o cofre, passando por ele, não acreditando no que ele fazia.
Abriu o cofre e retirou o envelope com as fotos que encontrara no flat, durante os seis meses de puro sofrimento.
— O que vai fazer?
Sean abriu o envelope e viu as fotos não acreditando realmente no que via.
— Como eu fiz isso?
— Não sei. Nunca soube realmente do que era capaz.
— Mas sou capaz de muito mais Kelly. Capaz de me apaixonar por você a ‘primeira vista’.
— Não Sean. Eu me apaixonei por você a primeira vista.
— Kelly... — Sean sorriu. — Eu tinha catorze anos.
Kelly o olhou de uma maneira que ele não entendeu, porque ele não entendeu mesmo o que significava aquele olhar.
— Eu estava perdida... Com tantas portas no corredor...
E todo o corpo dele se arrepiou.
— E você entrou no meu quarto.
— Como se lembra? Nunca comentou isso comigo.
Sean não sabia o que dizer, mas foi em frente.
— Você se apresentou. Disse que havia chegado da Catalunha e desmaiou. Meu pai chegou logo depois e te tirou do meu quarto. Foi a primeira vez que experimentei ter ciúme de você — ela levantou os olhos do chão e ia falar algo, mas seus dedos nos lábios dela, a calou. — Não! Não fale! Por favor, não fale. Eu podia acessar as fotos ainda dentro do V-22, mas eu vim até aqui Kelly, porque meu chakra está aberto, porque Sandy magoou-me, porque eu magoei você — e ele a calou quando ela outra vez abriu a boca. — Não fale! Porque eu amei você quando entrou no meu quarto Kelly, porque eu voltei ao passado, voltei o robô ao passado porque sabia que ia ter ver de novo, na essência de sua pureza, sem Sandy, Poliu ou qualquer coisa horrível que eu ainda tivesse feito — e seus dedos passearam pelos lábios dela. — Porque fiz coisas horríveis Kelly.
— Sean não...
— Eu fiz Kelly, em prol de dois pais, por não saber qual deles agradar, por ver minha mãe dividida pelo mesmo amor, amando dois homens, sem me permitir ser filho de nenhum dos dois.
— Sean... Eu te amei a primeira vista... — e chorou vendo Sean chorar. — O garoto loiro, alto, jovem e inteligente que arregalou os olhos azuis para mim quando entrei naquele quarto.
— Ahhh... Kelly... — e as lágrimas dele caíam. — O que nós fizemos?
— Não sei.
— Não! Sem ‘não sei’! Sabemos Kelly! Sempre soubemos o que fizemos.
— A Computer Co...
— É! Ela mesma! E Spartacus, e a Poliu, e minha mãe e tudo mais, todos eles.
E Kelly voltou a se sentar. Secou um olho úmido, e outro, e o encarou.
— Acho melhor ir Sean. Voltar a Nabta Playa e consertar seus erros... — e Kelly o viu parado, a sua frente, girando a cadeira dela e se inclinando. — Sean... — e ele a beijou. Kelly arregalou os olhos e todo seu corpo vibrava. Ele voltou a beijá-la, e beijá-la, e ela não sabia mais o que fazer. Ele a levantou da cadeira e beijou seu rosto, seus lábios, seu pescoço, descendo. — Sean... — e ele beijou seus seios, tirando o casaco que ela usava, erguendo a blusa, abrindo seu sutiã. — Sean? — mas ele não parou, e engoliu seu seio; Kelly se viu deitada, na cama dele, no flat. — Sean?! — ela se ergueu em choque, furiosa por ele a teletransportar, por ele a deitar na cama dele, na intimidade dele.
Mas Sean não tinha mais tempo, precisava dela, do amor dela, do perdão dela, do corpo da bela espanhola que amara a primeira vista. Porque Kelly também queria aquilo, o corpo dele. Sean tirou a camisa, os sapatos, a calça até ficar nu, esperando algo, uma reação, uma palavra. Mas ele só teve uma, Kelly tirando a saia, a lingerie, esperando o homem que ela amava tomar-lhe.
E ele a tomou, uma perna e outra, se encaixando nela.
— Ahhh... — foi uníssono.
O amor, o sexo, a libido. Tudo compartilhado, anos de supressão agora liberado.
E Sean a amou com seu sexo rígido, sem perdões ou limitações, dentro dela, entrando e saindo, enlouquecendo a cada movimento, a cada suspiro, cada respiração pesada da mulher que sempre desejara.
Porque ambos eram adrenalina pura, queda vertiginosa, êxtase total.
— Eu te amo...
— Eu te amo...
E os dois se amaram quando Sean sentiu que algo acontecia ao seu corpo, que o helicóptero V-22 Osprey aterrissava na areia fina, quente.
— Preciso ir!
— Precisa voltar!
E Sean sorriu se tomando de rabiscos, com a roupa voltando a seu corpo, deixando Kelly sabendo que ele a amava, que ela o amava.
Nabta Playa; antiga baixa Núbia, atual Egito.
22º 32’ 0” N e 30º 42’ 0” E.
12/06; 17h00min.
Sean voltou ao helicóptero V-22 Osprey e viu que nada havia mudado por ali. Já com ele, toda sua vida acabara de mudar.
— Por que eu, El Zarih? — foi o que perguntou.
— Porque você, um iniciado, ser. Em terras distantes, como agora ser. Porque um ser de grandes poderes, por tratados secretos desenvolver, você agora ser. Mesmos tratados, roubar de nós, Poliu.
— O agente Wlaster aplicou em Mona que aplicou em mim? Ensinamentos alienígenas dos quais eu já os tinha adormecido? — tentou compreender.
— Sim Siddha Sean Queise.
— E era essa informação contida na pasta cor de vinho que eu ia divulgar aos ufólogos e a Poliu precisava impedir? A informação de que podemos ativar ensinamentos de nossas vidas passadas, informações que ficam armazenadas no perispírito. Informações como os que os alienígenas acessaram no perispírito de Joh Miller.
— Divulgar ir, informação tão secreta? — El Zarih parou de falar e ficou ofegante de repente.
Sean não respondeu por puro medo.
A porta do V-22 se abriu e Sean colocou a jaqueta.
— Aconselho que vista a sua, El Zarih — Sean viu El Zarih a vestir. Pegou a maleta com a arma X 777 e a tirou do estojo de espuma colocando-a dentro da jaqueta. Fechou com o velcro, percebendo que a jaqueta se moldou de uma forma, que toda jaqueta parecia ser uma única peça. Sean respirou profundamente e saltou na areia fina, que engolia seus passos, que aquecia todo seu corpo, com o V-22 levantando voo como ele havia programado. — Foram vocês quem ensinaram a Poliu como montar a X 777?
— Não. Povo outro, ensinar.
— Deus... Tenho até medo de perguntar qual...
“Sim! São chamados de ‘entrantes’”, ecoou a voz de um Robert Avillan dominado.
“Eu sempre soube que a Poliu investigava entrantes... Trevellis usava espiões psíquicos para se comunicarem com eles. Mona os chefiava num experimento chamado ‘Contato!’. Foi lá que Sean começou a se interessar pelo tema”, soou um Oscar sabendo que conversava com alienígenas.
“Sean Queise, um paranormal, interessado em alienígenas? Uau!”.
Sean sabia que ‘povo outro’ de alienígenas o conheciam, agora.
“Droga!”.
— Aonde agora, ir? — El Zarih viu Sean apontar para a tenda de tecido rasgado, balançando ao vento do deserto, da pirâmide que despontava ao longe.
A mesma pirâmide onde Mark O’Connor levara todos seis meses atrás, a mesma pirâmide que Afrânio, Samira e Clarice descobriram onze anos antes, com a areia quente e ambos começando a sentir o calor lhes afetar.
“Sean Queise, um paranormal, interessado em alienígenas? Uau!” voltou a ecoar ali.
E El Zarih sentiu que Sean estava diferente, distante, quando o som de algo atravessou o ar.
Ambos ergueram os olhos e nada havia mudado no céu sudanês, no quente céu sudanês, quando outro som rasgou ali. El Zarih não gostou do silêncio que Sean mantinha e outro som, agora tão intenso quanto os outros, fez os tímpanos dos dois quase estourarem.
— Ahhh!!! — gritaram os dois, indo ao chão de areia quente, úmida e verde.
Sean se ergueu em choque e olhou El Zarih lhe olhando.
— Eu não, isso fazer — mas El Zarih viu Sean rodear-se, rodear-se e a pirâmide de Afrânio, Samira e Clarice se aproximava.
Sean só o olhou.
— Vamos! Está anoitecendo!
Mas El Zarih não gostou daquilo. Porque nem aquilo nem nada ele sentia.
A pirâmide enfim se fez, e a mesma tenda abandonada da escavação de onze anos atrás ainda balançava quando outro som atravessou as nuvens e um raio vermelho os atingiu.
— Ahhh!!! — e Sean e El Zarih foram lançados longe para ambos caírem numa areia que umedecia de verde cada vez mais rápido. — El Zarih... El Zarih... — Sean se arrastou até ele. — Você está bem?
El Zarih se ergueu ainda meio tonto.
— A tempestade... — e El Zarih caiu na areia verde que levantou mais areia verde.
Porque tudo se tomou de areia verde na tempestade que os cegava.
— El Zarih?! — Sean gritava desesperado sem conseguir encontrá-lo.
— Som da areia... Quente, estar...
Sean percebeu que mal podia ouvir a voz de El Zarih.
— El Zarih?! El Zarih?! — gritava quando um novo som os ensurdeceu. — Ahhh!!! — Sean gritou de dor, caindo na areia verde.
Quando Sean levantou-se, ficou em choque, porque sabia onde estava, porque o som estrondoso que escutaram vinha da arma X 777 que ele acionara ainda dentro da jaqueta, e que ele havia aberto o portal. A areia verde abaixou e Sean arregalou os olhos azuis, vendo-se numa espécie de pórtico, com dez ou doze pilonos sustentando um antigo templo egípcio com forma de pirâmide truncada, quando sentiu que se corpo volitava.
Ele tentou colocar os pés no chão, mas uma força eletromagnética o levava por uma estrada de energia taquiônica, para perto da pirâmide. Mas quem era a força do pensamento que a controlava, não sabia quando sentiu o velcro da jaqueta se abrindo. Sean ergueu o braço esquerdo para tocá-la, mas ele havia paralisado. Arregalou os olhos olhando um lado e outro, e viu que seu cérebro não controlava seu braço, nem sua mão, com sua pele esverdeando pelo líquido que lhe subia pelos pés, já dentro de sua circulação e ele ainda paralisado, sendo levado.
“Tahira?!” tentou gritar, mas todo seu lado esquerdo começava a adormecer.
A jaqueta se abriu totalmente e a arma X 777 caiu no piso de areia esverdeada sendo engolida.
“Não!!! Não!!! Não!!!”, tentava fazer sua voz sair, mas a única coisa que conseguia era ver a arma sendo engolida pelas areias esverdeadas.
“Tahira?!”, mas nada nem ninguém ali. Só uma porta sendo aberta, com cada pedaço da parede sumindo dali e uma antecâmara aparecendo, com paredes fenomenalmente altas, dentro de uma pirâmide que em nada se parecia com a de Nabta Playa, adornada de hieróglifos e imagens de homens com longos crânios alongados adorando mulheres usando máscara mortuária egípcia, adorando uma faraó-leoa, ao lado de uma leão de pelagem vermelho-amarelada, que ela dominava.
“Deus...” soou o pensamento de um Sean Queise ali paralisado, sem um único siddhi funcionando, e vozes, e lamurias, e coisas rastejantes se aproximavam.
Sean arregalou os olhos azuis e viu que toda areia se movia, que havia algo ali, que toda a areia verde tinha vida.
— Não!!! — e seus gritos agora alcançaram a parede do asilo Faãn, com as sacerdotisas mulheres ainda presas na parede destruída, do asilo destruído, queimando. — Tahira?! — e a areia esverdeada subiu pelo espaço criando formas. — Tahira?! — e eram coisas feitas de areia verde que se aproximavam dele. — Não!!! Não!!! Não!!! — e cada sinapse dele se alterou, e ele conseguiu mexer um dedo, dois, a mão, um braço, outro, as duas pernas e ele se jogou na areia afundando.
Sean caiu no chão do asilo Faãn destruído, explodido por ele, por seus siddhis, em pânico, sem saber o que fazia ali, o que ligava ambos planetas, ambos Egito.
“Sean... Sean... El Sean...”.
Sean se levantou e correu pelo asilo destruído com o ar frio da noite atingindo seu corpo, restos de tijolos que Sean levantava, jogava para os lados, para o alto.
— Onde?! Onde?! — se desesperava.
“Sean... Sean... El Sean...”.
— Basta Tahira!!! — gritou Sean, mas ela não respondia. — Onde está a maldita arma Tahira?! Onde?! Onde?! — se desesperava jogando tudo, levantando escombros, fazendo outros destroços subirem e descerem quando uma pata peluda acertou seu estomago, jogando-o longe, longe o suficiente para Sean ver que atravessou o portal novamente, e que seu estômago havia sido rasgado. — Ahhh!!! — se contorcia de dor, com a mesma dor que sentiu no V-22.
— SEAN QUEISE! — e a voz cavernosa se fez ali.
Sean abriu os olhos para ver Wlaster Helge Doover em pé, com patas no lugar de mãos, e seu sangue escorrendo dela.
“Droga...” soou distante.
Sean se ergueu em posição Krav maga, mas o leão de pelagem vermelho-amarelada no corpo de Wlaster correu, e correu, e ganhou quatro patas, o atingindo outra vez no estômago ferido, o levantando no ar, lançando longe na areia fina esverdeada, que o aquecia.
— Ahhh... — agora Sean sentia dor, uma que seus siddhis não permitiam deixá-lo sentir se na Terra estivesse.
Porque ele sabia que estava noutro Egito, noutra Núbia, em algum lugar paralelo onde fatores não agiam como antes, e Sean se ergueu ferido, sem a arma, sangrando.
Mas o leão de pelagem vermelho-amarelada estancou de repente. E estancou porque algo o fez estancar, olhando admirado para um Sean Queise que morria, numa tempestade de areia verde que se fez no balançar de uma calda de pelagem dourada, amarela feito Sol.
Quando a tempestade se foi, Sean foi de joelhos, não entendendo o que fizera o leão de pelagem vermelho-amarelada desistir de matá-lo.
— Siddha Sean Queise... Siddha Sean Queise... — soava El Zarih ao longe.
Sean já não sabia se escutava algo, se estava vivo, aonde. Só o corpo de El Zarih volitando ali, o levantando do chão, quando ele se olhou de olhos enegrecidos, com o rosto ganhando contornos animais, e sua pele se tomando de uma pelagem dourada feito Sol. El Zarih o soltou e Sean voltou à areia esverdeada, úmida, se olhando outra vez, vendo que algo acontecia com ele.
— Meu Deus... — Sean se olhou, olhou El Zarih em choque, e voltou a se olhar. — Sou um felino alienígena?
— Dominar fator Shee-akhan você, porque um deles ser.
— Porque fui um leão Shee-akhan.
— Sim yá habibi — e foi vez da voz de Tahira se fazer ali, atrás dele, com o corpo quase morto de uma Clarice envelhecida, diferente da mulher branca que Sean uma vez vira nas imagens do robô.
— Não posso... — soou da boca dele.
E El Zarih se afastou das duas.
— Precisa Sean yá habibi! Por isso eu lhe trouxe!
— Não... Não...
— Consertar erros!
— Eu não...
— ERROU! — e a voz de Tahira ficou metálica. — QUANDO ACEITOU ENCARNAR NA TERRA. QUANDO NOS ABANDONOU YÁ HABIBI.
— Metempsicose... — e Sean temeu a filosofia como nunca.
E entendeu também a Tahira de risada esganiçada, de roupas horrorosas, a idiota da jornalista que o vigiava, que o seguia, que o amara por entre curvas que dançavam entre lenços coloridos, no que ela tomou a forma de uma faraó-leoa. E o rasgo em seu estômago fechou no que a ferida se curou e a dor foi embora quando Clarice caiu dos braços de Tahira.
— MÃE!
Sean olhou Clarice morrendo.
— O que posso fazer por ela?
— O QUE SABE FAZER SEAN YÁ HABIBI.
E Sean ergueu a mão em forma de pata, que se acendeu, fazendo Clarice volitar, com todo seu corpo envelhecido e doente sendo envolto em fios de energia, até duas Clarices, três Clarices, quatro, cinco, seis, sete Clarices se formarem, e se juntarem, e se tornarem uma só.
— Sete anos terráqueos. É tudo que posso dar a ela com esse fator Shee-akhan que corre nas minhas veias. Depois, seu ciclo de encarnações fecha.
Tahira olhou a mãe querida, Clarice, abrir os olhos.
— O loirinho... — soou da boca dela. Mas Sean era tudo menos aquele loirinho de catorze anos, porque todo seu corpo havia se tomado de uma pelagem dourada feito Sol, e ele era um leão com pernas e braços e patas com garras. Clarice então se tomou de rabiscos e sumiu dali. Quando abriu os olhos, estava sozinha em Lisboa, Portugal, deitada num recamier, com um papiro na mão. Clarice se levantou em choque se vendo melhor, sem o câncer, saudável, e correu a pegar os óculos e perceber que já não mais o precisava usar, que sua visão havia voltado e que letras corriam no papel. — “Fale ‘Abracadabra!’ e acabe logo com isso” — foi o que Clarice leu no papiro. — Meu Deus! O que significa isso? — Clarice olhou um lado e outro, e pegou uma caneta e papel, escrevendo ‘seanqueise’, depois os dissolveu em letras. — Dez! — olhou em volta atordoada. — Não... não... Dez não... — e escreveu ‘abracadabra’. — Onze letras! — e reescreveu ‘seanqueises’. — Onze letras! — e seus olhos verdes brilharam. — Dois Sean Queise! Sempre foram os dois Sean Queise agindo...
E Tahira e Sean se comunicavam pelo pensamento, com ambos vendo o que Clarice descobrira quando outro som rasgou o céu.
— Drones de Mark O’Connor? — falou ele.
— NÃO SEI SEAN YÁ HABIBI. ELES NÃO DEVERIAM TER ATRAVESSADO O PORTAL.
— Mas os drones atravessam, Tahira, e entram e saem dos radares, porque usam X 777. Armas financiadas por Mark O’Connor, para invadir seu Egito, e dominar um fator que faz armas como essa — e Sean esticou a pata de pelagem dourada feito Sol, que voltou a ser uma mão, de pele branca.
— ONDE ESTÁ A ARMA?
E a resposta foi a areia em redemoinho, até X 777 sair dela e voltar à mão de Sean, e todo seu corpo voltar a ser humano, com seus olhos se colorindo de azul.
— Porque eu as domino; armas, máquinas, computadores, aqui, em outro lugar.
E uma Tahira antes faraó-leoa, se fez de rabiscos e todo seu rosto e corpo se cobriu com roupas e máscara mortuária.
— HABAITAK SEAN QUEISE YÁ HABIBI!
Os olhos azuis dele a olharam com carinho para então olhar em volta, para as paredes de muitas imagens de um Egito e Núbia antigos, com homens negros e dourados, com longos crânios alongados e ovalados adorando mulheres usando máscara mortuária egípcia, em tons de dourado e verde. E elas estavam ajoelhadas na areia verde, adorando uma faraó-leoa ao lado de seu fiel protetor, um leão de pelagem vermelho-amarelada feito fogo, usando uma máscara de pássaro íbis, e que deveria protegê-la e não matá-la.
— Eu entendi tudo errado não?
— NÃO. SÓ ESTAVA LIMITADO PELA AMNÉSIA SEAN YÁ HABIBI.
— Porque antes de Wlaster Helge Doover me explodir com o drone que comprava dos senhores das armas Mark O’Connor, eu sabia quem você era?
— NÃO. MAS SABIA QUE ALGUÉM ATRAVESSARA O PORTAL. PORQUE UM JOVEM SEAN QUEISE VIU O QUE O ROBÔ MOSTROU, APÓS ELE CONSERTÁ-LO.
— Quantos atravessaram o portal, exatamente?
— DOIS!
— El Zarih mentiu, não? Porque você conseguiu abrir o portal antes do dia 11, e o leão de pelagem vermelho-amarelada que uma vez devia te proteger, resolveu mata-la para roubar-lhe o trono, e lhe seguiu, quando você fugiu, provocando com sua juba a tempestade de areia que cobriu a visão do carro onde estava a verdadeira Tahira, seu pai e sua mãe, provocando o acidente. Você então se escondeu no corpo da menina que sofreu o acidente.
— ELA AINDA NÃO ESTAVA MORTA. POR ISSO PUDE ENTRAR E CRESCER NO CORPO DELA. CASO CONTRÁRIO, TERIA QUE TER FICADO DENTRO DO CORPO DE UMA MENINA DE QUINZE ANOS, QUE JAMAIS CRESCERIA.
— Mas quem o leão dominou? Wlaster?
— SIM! NÃO! — sorriu — ELE TAMBÉM! — e Tahira apontou para a escada onde El Zarih havia desaparecido.
— Deus... Então o leão também tomou El Zarih? Mas o verdadeiro El Zarih era amigo de Mark O’Connor, não?
— SIM. MARK O’CONNOR ESTAVA AQUI DIA 01/11, COM EL ZARIH E WLASTER, PARA VENDER ARMAS AO LEÃO DE PELAGEM VERMELHO-AMARELADA.
— E o leão tomou primeiro o corpo de El Zarih.
— SIM. DEPOIS MATOU WLASTER HELGE DOOVER E ENTERROU SEU CORPO NA PAREDE DO LABORATÓRIO. POR ISSO VOCÊ ME MANDOU LÁ, PORQUE HAVIA IDO AO CAIRO ANTES DA EXPLOSÃO PARA ENCONTRAR O CORPO DE WLASTER E SUAS ENERGIAS GRAVITANTES, QUE TAMBÉM FOI FILMADO PELO ROBÔ NO LABORATÓRIO DE CORNICHE EL-NIL SENDO MORTO POR SHEE-AKHAN, QUE ERA SÓ UM BORRÃO.
— Mas então Jablah não sabia que Najma havia me salvado de ser morto?
— JÁ DISSE QUE NÃO SEI QUEM ERA JABLAH, SEAN YÁ HABIBI.
E os olhos de Sean se arregalaram mais ainda.
— Claro! Porque El Zarih era o único que podia dizer quem era Jablah, um subalterno, que preparava humanos para atravessar o portal, porque eles preparavam um exército para voltar aqui e destruir tudo com as armas que Mark O’Connor vendia. E porque El Zarih ficava ouvindo música no hall de entrada do asilo, porque ele podia, porque havia vários Shee-akhan, porque o leão podia se multiplicar como eu fiz no frigorífico, sendo Jablah, Wlaster, e El Zarih ao mesmo tempo.
— MAS NAJMA LHE AMOU, NOS POUCOS SEGUNDOS QUE LHE VIU MORRENDO, SEAN YÁ HABIBI. E ATRAPALHOU OS PLANOS DE SHEE-AKHAN.
— Imagino o desespero do verdadeiro Jablah quando ela chegou dizendo que havia impedido de me matarem, e que o tio nos trouxera. Porque nunca permitiu que ela participasse de tudo aquilo — e olhou Tahira. — E Wlaster era só uma maneira da leoa estar dentro da Poliu, esses anos todos conseguindo informações sobre quem era você, e encontrando Clarice e uma menina adotada, da qual Wlaster não podia perturbar porque Clarice podia enxergá-lo.
— SINTO POR ISSO TUDO QUE PASSOU SEAN YÁ HABIBI. PORQUE MONA DISSE QUE SEUS PENSAMENTOS ESTAVAM POLUÍDOS, OU EU O TERIA ENCONTRADO ANTES.
— Mona sabia que eu estava vivo?
— ELA SABIA QUE WLASTER ESCONDIA ALGO, MAS COMO WLASTER ERA UMA LEOA COM DONS, ELA FICOU BLOQUEADA.
— Clarice?
— ELA FOI PESSOALMENTE PEDIR A MONA, PEDIR VOCÊ.
Sean sorriu olhando Tahira também sorrindo.
— Mas Mustafá sabia que eu estava vivo, ele me visitava todas as quintas-feiras, fingindo ser médico.
— NÃO SEI ATÉ ONDE MUSTAFÁ NOS ERA LEAL, LEAL À ESCOLA DO PAPIRO, NA QUAL A MÃE DA VERDADEIRA TAHIRA FAZIA PARTE.
— Então o acidente de carro não foi ao acaso, a mãe, o pai e Tahira estavam em Nabta Playa, preparando a abertura do portal.
— SIM. MAS COMO AGORA SABE, ABRI O PORTAL ANTES DA HORA, ANTES QUE O LEÃO DE PELAGEM VERMELHO-AMARELADA ME MATASSE, E TUDO ACONTECEU.
— Por isso Jablah prendia as mulheres de máscara mortuária na parede; uma linhagem de mulheres como você, que foram à Terra há muito tempo atrás, e se instalaram na Atlântida que ajudaram a criar, para fazer o intercambio entre os muitos mundos, ensinar alquimia, astronomia e agricultura, e promover intercambio entre alienígenas. Mas o leão Shee-akhan/Wlaster/El Zarih/Jablah, resolveu mudar o jogo e eliminar você, a última faraó-leoa desse Egito paralelo.
— VOCÊ SABIA SEAN YÁ HABIBI?
— Não. Está me contando agora.
Tahira deu uma daquelas risadas esganiçadas sabendo que ele enfim a pegara, todos seus sentimentos, e que ela o amava.
— EU SINTO POR ISSO TAMBÉM SEAN YÁ HABIBI. POR VOCÊ TER DESCOBERTO ISSO DESSA MANEIRA, DEPOIS DE ADQUIRIR ESSA PELAGEM DOURADA.
— Não sinta Tahira. Minha pasta cor de vinho diz que eu me relaciono com alienígenas ou coisas do tipo.
Ambos riram.
— SABE NÃO? QUE QUANDO VOLTAR À TERRA VAI ESQUECER TUDO, OUTRA VEZ?
— E vou esquecer tudo, porque não posso contar isso nos congressos.
Tahira deu mais uma e outra risada esganiçada e todo seu corpo tomou-se de ouro; e não só uma máscara, mas todo seu corpo dourou. Sean viu que ela se tornava de rabiscos, que ela se transferia para o desenho da parede da pirâmide, e lá ficou, quieta, sem mais poder voltar para Clarice, para o Jornal distopia, para o flat, para o corpo dele.
“Habaitak!” soou não muito distante.
— Sabe onde está Oscar, Tahira? — ele ainda falou com a parede e uma escada apareceu na areia esverdeada.
Sean sentiu gemidos, gritos de horror, sons de labaredas que se espalhavam em meio a mulheres maquiadas que queimavam na fogueira que crispava. Nada falou e desceu os degraus da escada tomada de areia verde.
O ambiente era escuro e fétido, com o cheiro ocre tomando conta de tudo.
“Sean... Sean... El Sean...”, escutou de repente.
Sean se virou e estava sozinho outra vez, confuso, sem saber se tudo o que acontecia, acontecia.
“Sean... Sean... El Sean...” voltou a ecoar no ar gelado, e Sean desceu o resto da infinidade de degraus até chegar num calabouço mais úmido e sombrio.
Correntes douradas espalhavam-se pelo chão e Sean ouviu passos. Correu com corpo de homem e vários corredores se fizeram a partir da saída da escada de pedras. Sean tentou ouvir os gritos novamente tentando localizá-los, e entrou no corredor à sua esquerda.
— Meu... — e parou de falar quando à sua frente, uma multidão reverenciava um enorme homem de pelagem cor vermelho feito fogo e cabeça de íbis. Abaixo dele, um esquife. Dentro, o corpo de Oscar Roldman.
Tudo ali era fúnebre e funesto. O terror, a presença do mal; e ele habitava lá, Sean teve certeza.
— POVO DE SHEE-AKHAN! — a voz cavernosa, igual da ancoradouro de barcos abandonados, falava. — PRECISAMOS NOS UNIR! ATRAVESSAR O PORTAL!
E gritos mais cavernosos ainda se fizeram ali.
“Atravessar o portal?”, e se Sean já tinha tido medo na vida, aquele era o momento para dizer que não.
— POVO DE SHEE-AKHAN, ESCUTE-ME!!! — gritava. — CHEGOU A HORA DE TOMARMOS O PODER!!! COMO A FARAÓ-LEOA DESEJOU!!! UM NOVO LÍDER!!!
E todo o entorno se tomou de imagens como as que o robô filmara, e correndo na areia esverdeada, estava uma faraó-leoa. Sean se olhou apavorado e viu sua mão acesa, que era ele quem fazia as imagens tomarem conta dali como Miro uma vez fizera no aeroporto do Cairo, e que talvez o robô da Computer Co. tenha filmado tudo aquilo.
Porque o jovem Sean Queise não só voltou no tempo dia 03/11 e se enviou o robô danificado, como o jovem ou o velho Sean Queise voltou mais ainda no tempo, para uma data anterior a escavação, durante a construção do robô pela equipe de Barricas, e permitiu que o robô tivesse aquilo que seus dons permitiam, gravar sons e imagens ‘à frente do nosso tempo’.
Sean não acreditou no que fez, e no que mais a amnésia roubou dele para sempre, e todos ali se movimentaram agitados quando a grande figura de um leão de pelagem vermelho-amarelada, usando uma cabeça de íbis, passou a correr na filmagem, atrás da faraó-leoa que fugia dele, que ele ia matá-la.
— NÃO!!! — berrou o leão fazendo toda estrutura de pedra e limo no entorno, vibrarem. — NÃO POVO DE SHEE-AKHAN!!! ISSO NÃO É VERDADEIRO!!!
Mas todo o corpo de Sean tornou-se um leão de pelagem dourada, e todos ali se rastejaram até ele. Sean encarou Shee-akhan/Wlaster/El Zarih/Jablah, e ele arrancou a máscara de íbis mostrando o leão de pelagem vermelho-amarelada, e tudo se tomou de chamas e os corpos ali se abriram em buracos que vertiam Shee-akhan.
— AHHH!!! — gritavam todos.
E Sean correu, e correu, e correu sobre quatro patas, tomado pela pelagem dourada, com leão de pelagem vermelho-amarelada correndo, correndo e correndo sob quatro patas, e ambos se lançando no ar, com Sean/leão sumindo e o leão de pelagem vermelho-amarelada atravessando-o, caindo do outro lado.
— NÃO!!! — gritou descontrolado quando Sean/leão abriu o esquife de Oscar Roldman e ambos se tomaram de rabiscos, sumindo dali, aparecendo na areia esverdeada, sob o Sol escaldante de um Egito paralelo.
Mulheres e homens de cabeças alongadas, egípcios, ou núbios, ou o que quer que eles fossem do outro lado do portal gritavam, e crianças e animais domésticos corriam do leão de pelagem dourado que Sean se tornara.
Oscar o viu sabendo que Sean Queise era um leão.
— NÃO TIRE CONCLUSÕES PRECIPITADAS, OK?
— Ok...
E gritos de puro desespero se fizeram, no que um leão de pelagem vermelho-amarelada se materializou e correu, correu, correu atrás deles. Sean largou Oscar no chão de areia, e correu sob quatro patas, se lançando contra o corpo d o leão de pelagem vermelho-amarelada, que também se lançou sobre ele, com seus corpos se chocando e lançando fogo para todos os lados, provocando o estrondo que ensurdeceu a todos.
— AHHH!!! — gritaram todos, homens e animais.
Um Sean/leão olhou para cima e o estrondo vinha da passagem do helicóptero V-22 Osprey, sem piloto, pelo portal.
— Sean?! — gritou Oscar.
— Entre Oscar!!! — gritou Sean/leão.
E Oscar se levantou e correu para onde o helicóptero V-22 Osprey estava aterrissando, quando o leão de pelagem vermelho-amarelada correu atrás de Oscar que corria até o V-22, e Sean/leão ganhou mais velocidade e alcançou Oscar primeiro o abocanhando pela roupa, que gritou por todo trajeto do jogo que Sean fez de seu corpo, que voou pelo ar, longe d o leão de pelagem vermelho-amarelada que ganhou pernas e braços e a forma de Wlaster, estancando a velocidade e parando para encarar um Sean/leão que voltava a ser humano.
— Por quanto tempo mais vai me atrapalhar?
Sean que ainda vestia o colete dado por Dolores, se colocou em posição de Krav maga.
— Agente Wlaster Helge Doover! Você bem que tentou não?
— Sean Queise! Eu bem que tentei!
E ambos se atacaram, lutaram, com braços em movimentos cadenciados, um tentando quebrar o outro usando 2/3 de suas forças, e ambos foram ao chão. Sean se levantou vendo Oscar levantar voo no helicóptero V-22 Osprey e correu ganhando patas novamente, ganhando pelagem dourada e velocidade, correndo de Wlaster que ganhou patas, pelagem vermelho-amarelada e correu atrás dele.
Mas Sean correu, correu, e se lançou no ar perdendo patas, pelagem dourada, atravessando a fuselagem do V-22 e caindo dentro do helicóptero com Wlaster caindo junto.
Oscar impactou ao ver Sean lutando no chão do helicóptero entre socos e pontapés com o corpo de Wlaster, quando ele virou o V-22 de ponta cabeça e ambos se chocaram contra a fuselagem do helicóptero.
— Voe para Nabta Playa!!! — ordenou Sean.
— Não Sean!!! Não podemos levá-lo de volta a Terra!!!
— Voe!!! Voe!!! Voe!!! — e Sean puxou o corpo de Wlaster, atravessando ambos a fuselagem do helicóptero, e ambos caíram na areia fina, esverdeada quando um grande estrondo seguiu-se de uma explosão e a jaqueta de Sean Queise se inflou.
O helicóptero V-22 Osprey desestabilizou e Oscar segurou-o firmemente para ver que sobrevoava Nabta Playa, e que a grande explosão abrira um grande e maciço buraco negro, e tudo estava sendo sugado para dentro; tendas, escombros, e a pirâmide de Afrânio, Samira e Clarice.
— Sean?! — gritou Oscar desesperado vendo que o buraco negro se fechava e o helicóptero perdia altitude, entrando no buraco negro também. — Sean?! — gritava desesperado, com o helicóptero V-22 Osprey em um movimento espiralado, girando, girando, girando e Nelma, a bela Nelma entrando no seu escritório da Trafalgar Square sorrindo, levando pelas mãos o loirinho Sean Queise, cheios de bexiga, feliz por mais um aniversário de morangos dos quais ele não gostava. — Sean querido... — e Oscar desmaiou com o helicóptero caindo na areia branca, quente, com carros da Poliu chegando para resgatá-lo.
Dolores desceu correndo de um dos carros.
— Sr. Roldman?! Sr. Roldman?! — e Dolores tirou Oscar que voltava a si dos destroços, vendo que o buraco negro se fechara.
— Não... Não... — mas Oscar se debatia. — Sean ficou lá...
A bela e jambo Dolores só arregalou os olhos verdes e o encarou.
— Acredita mesmo que algum dos dois Sean Queise já tenham falhado alguma vez?
E a pergunta dela calou Oscar Roldman.
FINAL
Trafalgar Square; Londres, Inglaterra.
51° 30’ 27” N e 0° 7’ 40” W.
24/07; 11h00min.
Sean Queise estava trancado numa sala da Polícia Mundial já há muito tempo quando Oscar Roldman entrou e ele se levantou.
— Aqui está a pasta cor de vinho! — Sean foi logo a esticando na mão. — A pasta cor de vinho que se escreve sozinha.
— Aonde... — Oscar tremeu.
— Interessa mesmo? — Sean o encarou e Oscar nada falou.
Oscar leu, viu que certos detalhes nunca foram escritos ali ou se apagaram.
— Acha que Trevellis aceitará isso?
Sean deu de ombros.
— Ele sempre soube o que Mona era capaz de fazer, então... — Sean sorriu cínico se levantando, e abriu a porta como um ser normal faria.
— Onde você estava?
Sean estancou.
— Consertando erros.
— Spartacus lhe filmou em Abu Hamed.
— Se você sabia onde eu estava...
— O que fazia no asilo Faãn, Sean querido? — Oscar insistiu mesmo assim.
— Enterrando o corpo de Najma, naquilo que era a única coisa de valor para ela — e se virou para Oscar. — Porque Tahira permitiu que eu soubesse onde ela escondeu o corpo de Najma depois do ataque — e saiu da sala.
Mas a voz de Oscar o alcançou no corredor.
— Você a amou Sean querido?
— Eu amei Kelly, Oscar — Sean voltou até a sala. —, desde a primeira vez que a vi — e Sean sabia que ele nada falaria, que ele sabia que Nelma usava Kelly para controlar Sean e ele próprio. — Seu silêncio é para não perguntar quando foi a primeira vez em que a vi? — e o silêncio era para aquilo mesmo. Sean abaixou a cabeça e se virou para sair outra vez. — E você? Você a amou? — foi a vez de ele perguntar.
— Eu amei Nelma, Sean. Desde a primeira vez naquela escola cara, para milionários.
— Na escola que vocês quatro frequentaram na Suíça?
— Não! Numa escola de papiros, antes de ela nascer.
Sean se voltou para ele de olhos arregalados, porque eles podiam amar o que ainda não existia.
E engoliu aquilo sentindo seu coração disparado, com uma sensação estranha de algo estranho acontecendo dentro dele, dele ser filho de uma egípcia que o segurava no colo, embalado por estranhos seres de olhos amendoados, filho de um Roldman, talhados por um dom paranormal, ‘além do nosso tempo’.
— Mas foi ao meu passado que eu voltei... — e Sean sentiu a respiração de Oscar alterar. —, porque havia um parque de diversão...
— Não faça isso Sean! Fernando te amou.
— Eu te amo Oscar — e Sean viu que foi Oscar quem sentiu todas suas estruturas desabarem. Oscar caiu sentado em choque, com lágrimas nos olhos, inclinando a cabeça até chegar à mesa e nela desabar de chorar. — Mas também amei Fernando. Porque ao contrário que Nelma pensa, posso amar dois pais.
— Sean...
Mas Sean ergueu uma mão que ficou no ar.
— Não Oscar. Não sei o que será daqui para frente, se as escolhas que fiz, as fiz corretamente; se amar Kelly, aceitando a decisão de meus pais para que me case com ela desde quando ela era uma first, ou se o amor que ambos sentimos um pelo outro, não é só solidão — e parou. — Mas decidi pagar o preço dessa escolha, e mergulhar de cabeça no precipício para amá-la como nunca amei mulher alguma.
— Sean... — e Oscar viu Sean sair pela porta. — Sean... — e Oscar viu Sean não responder. — Sean? — e ele não voltou.
Mansão dos Queise; São Paulo, capital.
23° 34’ 12” S e 46° 40’ 20” W.
24/07; 11h11min.
A campainha tocou incessantemente. Nelma correu para atendê-la, impactando ao ver Sean Queise ali parado.
— Sean?
— Olá mamãe...
Nelma não acreditou no que ouviu.
— Ahhh... — olhou para dentro meio que zonza, sem saber o que falar, depois de mais de sete meses sem vê-lo. — Feliz aniversario.
Sean sorriu fazendo sua pele brilhar.
— Obrigado!
E Nelma voltou a olhar para dentro meio zonza.
— É que não comoramos porque…
— Eu sei…
— Entre! Hoje vamos fazer bacalhau.
— Eu sei... Senti o cheiro de longe.
— Sean... — Nelma riu sabendo que aquilo podia ser verdade, porque ele era diferente, especial, um Roldman.
E porque sempre fazia bacalhau para comemorar, mesmo sabendo que o comemorava em Londres.
A sala estava arrumada como sempre, limpa, arejada quando Sean sentou-se no grande sofá de veludo e se virou para trás, impactando ao ver a maçaneta da porta do escritório do pai arrebentada.
— O... — quase não consegue. — O que houve com a maçaneta? — apontou.
— Não sei! Alguém arrombou a porta do escritório de seu pai.
Sean tremeu todo se levantando até a porta. Tocou a maçaneta, mas não havia nada lá, nenhuma energia gravitante. Abriu a porta e dentro do escritório, um notebook de última geração numa mesa de aço e vidro, uma tela de LED na parede e uma poltrona de couro novo, em meio a livros e DVDs; nada que lembrasse onze anos atrás.
Mas havia algo ali, um paradoxo criado na maçaneta arrebentada.
— Por que ainda o deixa assim?
— Lembranças são coisas boas Sean…
— Sim… são… Posso... — e Sean voltou a tremer no que sentiu sua mãe atrás dele, dentro do escritório.
— Você está bem?
— Posso... — e Sean não sabia como falar aquilo.
— Sim... — foi o que ela disse.
Sean se virou e saiu do escritório, atravessou novamente a ampla sala de visitas e chegou até a escada de mármore branco, subindo os degraus sem ouvir nada, um único grito. Chegou ao corredor e lá muitas portas como Kelly havia dito.
Sean parou de andar em frente da porta de seu quarto e sentiu que sua mãe estava ali, atrás dele, tentando decifrar sua ida até a mansão, no dia de bacalhau, depois de tantos anos do suicídio de Sandy Monroe e da morte de seu pai.
Mas Sean não teve coragem de entrar no seu quarto, de ver que havia pôsteres da Pamella Anderson na parede e um fliperama cheio de roupas sujas em cima.
— Eu...
— Entendo meu filho. Não precisa entrar — sorriu Nelma.
Mas Sean precisava entrar, saber que erros mais havia cometido. Tomou-se de coragem e virou a maçaneta. Lá, um quarto azul, arejado, com um edredom florido e um abat-jour em cima de uma mesa de cabeceira.
— Meus... — e parou.
— Eu limpei o quarto Sean. Tirei tudo que me lembrasse a sua perda.
Sean encostou-se à parede do corredor e foi até o chão, até os pés de sua mãe e chorou agarrado a ela. Nelma escorregou também e o abraçou; e Sean sentiu mais uma vez o que era ser amado.
— Perdão... — soou sofrido.
— Não há o que perdoar filho. Você não fez nada.
Mas Sean havia feito. Muita coisa que não se esqueceu.
— Sabia que Santo Agostinho não podia afirmar que não existia na memória dele aquilo de que não se lembrava, mas também não sabia como podia o esquecimento estar na memória dele, se não para que não se esquecesse dela?
— Sabia que você sempre foi um apaixonado pela filosofia?
E Sean sorriu para ela, ambos no chão do corredor, abraçados como há muito tempo.
— “Enfim, seja como for, apesar de ser inexplicável e incompreensível o modo como se realiza este fato, estou certo de que me lembro do esquecimento, que nos varre da memória tudo aquilo de que nos lembramos” — porque ele sabia, porque ele se lembrava de muita coisa.21
Bairro do Brooklin Velho; São Paulo, capital.
23° 37’ 48” S e 46° 40’ 41” W.
02/06; 08h00min.
E foi por uma visita que Sean Queise começou a acertar contas, no que o avião da Polícia Mundial aterrissou em São Paulo, capital. Porque as coordenadas 23° 37’ 48” S e 46° 40’ 41” W o guiaram para um bairro da capital, sabendo que lá uma garrafa de Alicante Bouschet, uva tinta da família da Vitis vinifera, resultante do cruzamento das uvas Grenache e Petit Bousche, seria bem aceita.
A campainha tocou e uma bela morena de olhos verdes e pernas roliças, sobressaltou ao ver o belo loiro de olhos azuis e barba rala, lhe sorrindo.
— Sean Queise? — sorriu Dolores Trevellis. — Quem diria?
— Impactada?
— Totalmente! — sorriu outra vez apontando para a ampla sala, contendo tudo; sala, cozinha, e quarto, num estilo pomposo e britânico. — Entre!
— Obrigado! — Sean entrou não sabendo se já estivera ali, mas sabendo que o vinho era o preferido dela. — Eu estava passando por aqui.
— Interessante saber que passava por aqui às oito horas da manhã.
Ambos riram.
— Para você! — entregou o vinho trazido.
— Nossa! Um vinho de castas cultivadas em Portugal? Isso tem alguma conotação?
— Deveria?
— Fui eu quem permiti sua entrada na Poliu de Lisboa, Sean Queise. Logo após a morte de Sandy Monroe, que era minha amiga.
— Wow!
— Impactado? — foi a vez dela.
— Totalmente! — e Sean olhou o entorno.
A decoração era branca e de madeira laqueada, que seguia um estilo inglês, com figuras de porcelana, espelhos, e muitos quadros românticos, mostrando o quanto Dolores era conservadora, como o vestido sem decotes que usava.
— Gostou? — mas foi para o apartamento que apontou.
— Já estive aqui?
— Não. Sou tão conservadora quanto minha decoração.
Sean achou graça. Ela sabia que ele a estava perfilando, lendo sua mente.
— Conservadora o suficiente para saber que você não aprovou Sandy me vigiando?
— Ela o amava.
— Não acredito nisso.
— Não quero discutir isso — e Dolores foi para a cozinha colocar gelo num balde, onde enterrou a garrafa de vinho às oito horas da manhã. — Porque não perdoei meu pai, nem Mona, nem a Poliu. Por isso o coloquei lá dentro, nos porões da corporação de inteligência, para você se tornar o que se tornou.
— Mas você continua na Poliu.
— Há coisas que são intrínsecas ao ser, não Sean Queise?
Sean também achava aquilo.
— O vinho... — apontou. — Posso? — e estourou a rolha, servindo duas taças.
— Obrigada por ter salvado a minha vida e de meus subordinados na Unicamp.
— Não há de que. Fica me devendo algo.
— “Algo”? — ela o olhou de cima abaixo. — Sua vinda aqui não foi tão ‘eu estava passando por aqui’, foi?
— Não! Nem perto do que minha ‘mamãe’ fazia — foi a sua vez dele rir.
Dolores não entendeu, mas prosseguiu atenta, alerta.
— O que quer de mim Sean?
— Seu pai sabe que tem um apartamento aqui em São Paulo?
— E por que ele deveria saber?
— Porque quero saber o quanto vocês se comunicam agente Dolores Trevellis?
— O suficiente...
— Ótimo! Conhecia Robert Avillan?
— Amigo de Oscar Roldman.
— Esse mesmo! Ele era amigo de Mark O’Connor, Ahmad Al-badi, Nazih Sab`bi, Schiller König, Stefano Cipollone, Giovanni Bacci, Aaron Augustine, Christian Tyrone, Robert Avillan e Alam Al Alam Al Alam
— Amigos de meu pai.
— Esses mesmos... Senhores das armas.
— O que quer Sean?
— Também quero uma arma, Dolores. Uma arma capaz de fazer uma máquina mudar o mundo, a visão de passado, presente e futuro.
— Do que está falando?
— Sobre siddhis, Dolores; Devanam Saha Krida anudarsanam, para testemunhar e participar dos passatempos dos deuses.
— Você é um siddha?
— Sou? É o que a pasta cor de vinho roubada da Poliu diz sobre mim?
Dolores teve medo dele.
— Não faça isso Sean. Criar um ‘Paradoxo Final’, faz o viajante do tempo mudar a história, de modo que a viagem no tempo que fez, nunca seja inventada.
— E eu nunca iria conhecer uma Sandy Monroe suicida?
— Nem uma Kelly Garcia apaixonada.
E os olhos azuis de Sean Queise brilharam.
— Dolores...
— Como chegou até aqui, Sean Queise?
— Não sei. Coordenadas, provável.
Dolores riu:
— Foram sempre as coordenadas que te guiaram, não? Você fazendo contas e comandando Spartacus pela mente. Porque dizem dentro da Poliu, que você tem uma amnésia de evento para trás ou retrógrada. Alguns amigos arriscam dizer que você tem amnésia de evento para frente ou anterógrada. Já meu pai não acreditava em nenhuma das duas.
— Trevellis acha que estou mentindo? Porque não imagina o que é acordar de repente em um lugar desconhecido, e não ter a menor ideia de como foi parar lá; estar cercado de pessoas completamente desconhecidas e receber a notícia que um e outro são seus pais, funcionários, amigos e inimigos e não reconhecê-los, não conhecer sua história, seus planos, seus erros.
— Posso perguntar algo, Dolores?
E Dolores se levantou para servir-lhes mais vinho.
— Vá em frente!
— Acha mesmo que eu posso fazer tudo isso que essa pasta cor de vinho diz?
— Nunca tive acesso a essa pasta cor de vinho Sean. Juro! Mas meu pai acreditava que sim. Isso e muito mais. ‘Coisas que até Deus duvidaria’, ele dizia.
— Achei que ele me odiasse.
— Ah! Sim! Ele te odeia! — riu. — E o ama também. Talvez o filho homem que nunca teve — e voltou a rir. — Porque sabe que ele teve três filhas mulheres e que você e minhas outras duas irmãs, Umah e Zôra Trevellis, já tiveram algo.
Sean sentiu-se mal. Não sabia de tantas coisas assim.
— Você sabia sobre a vigia?
— Ao asilo Faãn?
— Desgraçados! Vocês sabiam que eu estava vivo?
— Hei! Calma lá! Soube comentários sobre, não participei disso. E meu pai não quis me dizer se sabia.
— Droga! Quem é Tahira Bint Mohamed?
Ela viu a mudança rápida, mas conectada.
— Uma ufoarqueóloga que escreve para uma revista chamada Distopia.
— Por que a Poliu a vigia?
— A Poliu vigia todo mundo.
Sean achou graça.
— O que ela quer comigo?
— Não faço a mínima ideia. Mas ela estava onde você estava; sempre. Congressos de ufologia, reuniões ufológicas e todas as esquisitices que você frequentava. E mesmo com Kelly Garcia ali presente.
— A Srta. Garcia a conhecia?
— Não. Ou já teria dado um escândalo — Dolores riu. Mas viu que dessa vez Sean não achou graça. — Não acredito nisso. Você ama Kelly Garcia?
— Por que acha que não?
— Não acho nada. De você não duvido nada. Nem que Sandy tenha percebido que você amava sua secretária, digo, sócia.
— Não vim falar da Srta. Garcia, Dolores. Não quando me proponho a pagar o preço justo por informações.
— Nossa! Estou realmente impactada Sean Queise, porque...
— Porque você estava no meu voo para Portugal, vigiando Tahira não a mim.
— Não sei do que está falando?
— Sabe! Você estava lá Dolores, com suas pernas roliças perguntando se eu queria um aperitivo, uma água, talvez.
— Como... Como se lembrou? — Dolores levantou-se furiosa. Bebeu toda a taça e partiu para a terceira. Depois se virou para ele. — Você não podia saber que eu a vigiava. Não podia ler minha mente. Fomos treinados para bloquear vocês.
— Porque todo agente da Poliu é treinado para bloquear os espiões psíquicos que criaram.
— Interessante... — Dolores voltou a se sentar.
— Então vou voltar a perguntar, por que vigiava a Srta. Tahira?
— Porque ela estava envolvida com Mustafá Kenamun.
— Envolvida como?
— Conhece Mustafá?
— O médico ou o policial?
— O sacerdote da escola do papiro que Joh Miller frequentava.
— A escola de mistérios que detém o conhecimento sobre o Fator Shee-akhan?
— A escola que perdeu o conhecimento sobre a planta Shee-akhan, Sean Queise, após um dos iniciados, ou iluminados, ou qualquer palavra que os defina, roubar a fórmula, e começar a matar todos aqueles que detinham tal conhecimento.
— O que esse iniciado assassino quer?
— Poder total sobre a Terra. Ou não imagina o que seja entrar em outra pessoa e comandá-la?
— Wow! Por isso ele queria me eliminar?
— Acreditamos que sim.
— Quem é ele Dolores?
— Não sabemos. E acredite, não sabermos é algo inusitado.
— Nem com todos os espiões de Mona?
— Nem com eles. Não conseguimos saber nada dele.
— Porque ele é um siddha que os bloqueia.
— Acho que ele é coisa pior e mais perigosa do que a Poliu acredita.
— Mas eu não sabia nada sobre essa planta Shee-akhan, sobre esse Fator Shee-akhan ou qualquer coisa do tipo; então por que me eliminar?
— Como pode saber que não sabia nada sobre Shee-akhan? — gingou o corpo roliço.
Sean não quis prolongar aquilo. Porque não podia saber. Ou sabia e não sabia que sabia.
— E por que a Srta. Tahira é importante, Dolores?
— Ela é o último elo com a entidade de mulheres que protegiam as mulheres faraós.
— “Último elo”? E por que ela estava atrás de mim?
— Não sei, já disse. Porque ou ela havia descoberto seus poderes paranormais e precisava de sua ajuda, ou ela queria eliminá-lo antes que você dominasse o Fator Shee-akhan também.
— Porque a escola do papiro vem eliminando muita gente, porque quem mata é quem se menos espera?
— Não entendemos toda a hierarquia daquilo. Os psi de Mona são limitados porque alienígenas podem bloqueá-los também, já que foram eles quem ensinaram as técnicas milênios atrás, a iniciados como Mona e sua irmã.
— Voltamos a Srta. Tahira então?
— Não! — Dolores levantou-se e tomou a quarta taça de vinho. — Voltamos a sua proposta inicial sobre ‘pagar o preço justo por informações’ — e abriu e fechou a perna mostrando que o vestido até podia ser sem decotes, mas suas atitudes não.
Sean agora começou a gostar daquela Dolores Trevellis sob o efeito do álcool, e que perdia seu conservadorismo rapidamente nos dois primeiros botões do vestido aberto.
Ele se levantou e se serviu de mais vinho quando ela alcançou os lábios dele.
— Você é uma Trevellis...
— Você é um Roldman...
Sean gargalhou.
— E mesmo que eu fosse um Queise?
E a resposta foi a mão que abriu o cinto, o zíper, os botões da camisa, e que tirou tudo aquilo. Sean entendeu que para Dolores, naquele momento, sua linhagem não era tão importante assim. E afinal, pagar o preço justo por informações, com aquelas roliças pernas jambo deslizando sob as dele, não era nenhum fardo.
Flat de Sean Queise; São Paulo, capital.
23° 33’ 31” S e 46° 39’ 44” W.
02/06; 14h00min.
Sean girou a chave e encontrou Tahira sentada no sofá chesterfield de couro preto.
— Devia ter trocado o segredo da minha porta, não?
— Eu teria trocado também.
Sean riu. Tinha que rir. Mesmo porque ainda estava sob o feito do álcool e do corpo roliço da filha de Mr. Trevellis. Entrou, fechou a porta e ficou observando Tahira e sua escandalosa calça e blusa fúcsia, de um tecido metalizado que mais lembrava roupas espaciais.
— Você deve perder um tempo considerável no mercado encontrando roupas que combinam com você, não?
— Não estou de bom humor Sean yá habibi.
Sean voltou a rir e ela sentiu o aroma de vinho chegar até ela. Mas Sean não prolongou aquilo.
— O que você quer? — foi a frieza em pessoa.
— Precisa voltar ao Egito.
— Pode me matar aqui se quiser.
— Do que você está falando? Bebeu além da conta com a comissária?
Sean não gostou daquilo. Elas se vigiavam.
— Basta Srta. Tahira. Perguntei o que você quer?
— Jura? Já disse! Precisa voltar!
— E por que acha que quero te ajudar?
— Me ajudar? — deu uma gargalhada tão esganiçada que Sean sentiu ferir seus tímpanos. E a roupa dela, os cabelos ruivos embaraçados, e toda ela escandalosa, chamavam a atenção dele. — Quem disse que preciso de ajuda Sean yá habibi?
— Do que é que...
— Você precisa de ajuda Sean Queise, da minha ajuda. E da ajuda de Allah para conseguir desfazer tudo que fez.
— Que eu fiz? Do que...
— Sabia que não devia ter exposto aquela história.
— Eu não expus nada. Foram os espiões psíquicos de Mona Foad. Foi Joh Miller e aquelas listas. Eu só falei em congressos sobre teorias de conspiração. Nunca acreditei naquilo tudo.
— Jura? Você acreditava Sean Queise. Eu estava lá. Eu ouvia suas histórias fantásticas sobre entidades de homens sem nome entrando em corpos.
— Você é louca! Totalmente louca! Eu nunca...
— Mas você foi lá, não? Você precisava ver com seus próprios olhos. Você foi a Nabta acionar Shee-akhan!!! — gritou.
— Eu não acionei nada!
— Acionou! — exclamou furiosa. — Porque o Fator Shee-akhan entrou em você quando tocou a parede da pirâmide, tal qual Afrânio e Samira onze anos atrás.
Sean agora se sentou. Porque precisava se sentar. E porque ela sabia de muita coisa que ele não tinha a mínima ideia de como ela sabia.
“Ou sabia?”
E talvez ele soubesse, porque se viu tocando a parede de uma pirâmide, porque viu algo tocando sua pele, algo penetrando sua corrente sanguínea até sacudir o braço e aquilo não sair, navegar por ele, e tomar conta de seus olhos que enegreceram.
— Ahhh... — Sean foi ao chão do flat sentindo que estivera em Nabta Playa, provável como Tahira dissera.
— Você foi lá não?
— Eu não... Eu não sei...
— Foi Sean Queise!
— Não... Não... Eu não me lembro...
— Lembra! Porque você ativou algo que entrou em você.
— Não... Eu não fiz isso.
— Fez! E fez algo que ninguém podia fazer, que não permitiu que você morresse naquela explosão, que lhe salvou de alguma forma e de muitas maneiras porque elas precisam de você vivo, de seus dons intactos, e tudo isso para controlar aquele que roubou Shee-akhan; para você consertar seus erros, Sean Queise.
— “Elas”? — e Sean lembrou-se das noites de choros e lamurias, dos seis meses em que Jablah tentava matá-lo sem conseguir. E lembrou-se delas, das mulheres da parede do asilo, das mulheres negras e douradas com cabeça de pássaro, que morriam na fogueira; e de toda sua linhagem alienígena que pedia socorro. — O que... O que você quer de mim?
— Já disse que não quero nada de você. Só que conserte o que fez.
— Eu não fiz nada. Eu juro! Você mesmo disse que se aquilo entrou em mim, foi porque ele me escolheu.
— Ah! Muito bom Sean yá habibi! — e se aproximou dele. — Então mostre a que veio! — e se dirigiu para a porta, para sair.
— Você não vai!
Ela parou sem entender a frase.
— Como é que é?
— Não vou ao Egito com você.
— Jura? Você não manda em mim.
— Você fica! E você fica porque a Poliu te vigia.
— Eu sei o que a Poliu faz Sean Queise. Anos a fio, na minha cola. E nem sempre eles são tão bonitos, gentis e gostosos quanto sua comissariazinha. Por isso, não me venha...
— Você fica!
Tahira se aprumou. Ela o amara tanto, por tantos anos, por tantas oportunidades buscadas e agora que estava ali, ao lado dele, e ele era frio, distante. Tahira virou-se e saiu do flat batendo a porta na passagem.
Sean se levantou ainda zonzo e se olhou no espelho. Ele era exatamente aquilo, a frieza em pessoa. E precisava voltar ao Egito.
Apartamento de Kelly Garcia; São Paulo, capital.
23° 33’ 41” S e 46° 39’ 23” W.
02/06; 21h00min.
A campainha tocou sem que o interfone fosse acionado. Kelly Garcia levantou-se da cama meio zonza pelo cansaço do dia a dia, do excesso de trabalho, de jornalistas na cola querendo saber mais, e Nelma Queise querendo saber mais e mais. E ainda Sean e aquela amnésia que não a deixava mais saber qual o papel dela na vida dele, ou se já tivera algum.
Andou descalça, vestindo uma camisola de seda amarela até a porta, e olhou pelo ‘olho mágico’. Mas não foi um Sean Queise jovem de barba rala quem estava ali.
Kelly abriu a porta e Oscar Roldman a olhava.
— Boa noite Srta. Garcia.
— Por que não me procura na Computer Co. Sr. Roldman? Os porteiros ficam comentando.
— Perdão! Não quis ir a Computer Co. justamente para evitar comentários.
Ela respirou pesado.
— Entre! — Kelly o viu entrar e se acomodar no sofá.
Fechou a porta e ficou esperando tempestades.
— Nelma acha que Sean está com ciúme de mim.
— Acha?
Oscar não se mostrava já tão simpático.
— Você vai ter que desmanchar isso. Não quero meu filho mais distante ainda do que já está.
— Não sei como ‘desmanchar’ isso Sr. Roldman, porque nem sei como isso foi feito. Sean foi para o Egito, já com essa ideia maluca a nosso respeito, e voltou pior do que foi.
— Por isso mesmo! — se levantou colocando as duas mãos em seus ombros. — Quero que você me ajude... — e Oscar arregalou os olhos para a porta por onde acabara de entrar.
Kelly se virou ainda com as mãos de Oscar Roldman em seus ombros e Sean os olhava da porta aberta.
— Como você se atreve a abrir minha porta?! — gritou furiosa.
Mas Sean Queise só tinha olhos para Oscar Roldman, que tirou as mãos de Kelly Garcia que dobrou os braços tentando esconder os seios pouco escondidos na camisola bordada.
Sean então se virou e saiu.
— Sean?! — gritou agora Oscar o fazendo estancar. — Deixe de besteira e volte aqui!
E Kelly sabia que a tempestade arriava porque Sean voltou e entrou no apartamento dela mais furioso ainda.
— Só vim avisar que vou voltar ao Egito! — Sean só encarava Kelly ainda escondida pelos braços delicados e gelados pelo medo.
— Por Najma ou Tahira? — também foi uma pergunta fria.
Sean a encarou.
— Você sabe que eu a vi hoje, não?
— Eu fui ao flat...
— Como todos os dias. Perseguindo-me, me vigiando, porque eles te mandam me perseguir e me vigiar! — apontou para Oscar num tom de voz mais alto do que o necessário.
E Oscar Roldman não gostou daquela insinuação, nem daquele tom usado.
— Como se atreve seu mal educado?
Mas Kelly levantou uma mão e ambos se calaram.
— Sim! Vigio-lhe! Como todos os dias.
“Droga!”, Sean a encarou com olhares depois de fazê-lo com Oscar.
— Não vou voltar ao Egito por elas, mas tenho que dizer que a Srta. Tahira me forçou a isso, pelas coisas que ela disse. Mas não vou com ela, disse isso a ela, também.
— Entendo...
— Sei que não entende! Mas preciso me lembrar de coisas, de todas as coisas que fiz, que provoquei.
E Oscar Roldman o encarou.
— Porque sabe que fez! — foi ele quem falou.
— Basta! Porque você é tão culpado quanto eu.
— Como é que é? Como se atreve a falar comigo nesse tom?
— E em que tom quer que eu fale para um homem que me negou conhecimento?
— Deixe de besteira! Você está louco, Sean.
— Talvez sempre tenha sido louco, não Sr. Roldman? Por isso não quis assumir uma criança problema!
— Talvez mesmo. Porque talvez Trevellis tivesse razão quando aconselhou Fernando levar você a um psiquiatra.
Sean deu dois passos e Kelly segurou os outros passos que o permitiriam se aproximar do pai.
— Psiquiatra como o Dr. Juca? Para dizer que minha loucura é genética?
— Como se atreve seu…
— Por que devolveu o pacote a Samira?! — e Sean berrou descontrolado.
— Foi Fernando quem devolveu.
— Meu pai não fazia nada sem pedir-lhe orientação!
— Você está louco!
— Sempre fui?! Por que você e meu pai não deixaram saber que ela havia enviado algo a mim?!
— Deixei quem saber? — Oscar suava de nervoso. — Do que está falando?
— Você mandou meu pai devolver algo que Samira me mandou.
— Acha que eu ia envolver ainda mais uma criança de catorze anos nas loucuras da Poliu?
— Basta! Porque não fez outra coisa na sua vida além de me meter em encrencas com a Poliu, que você ajudou a criar.
— Você está louco! Totalmente louco! Você se envolveu com Trevellis, não eu.
— Você, Nelma, Fernando e Trevellis que me envolveram em tudo isso. Sempre! Sempre me obrigando a fazer coisas pelo bem da Computer Co., que criava Spartacus para você ter Trevellis nas mãos — apontou o dedo para ele.
— Sean! Não faça isso! Ele é seu pai! — Kelly se enervou mais ainda.
— Não tenho pais Srta. Garcia! — e ambos perceberam o plural. — Nem ‘mamãe’ alguma, já que até agora ela não saiu da sua ‘zona de conforto’ para me ver, para tentar algo que parece ninguém desejar... — jogou um olhar ao pai.
— Insolente...
Sean Queise ficou mais furioso com Oscar Roldman.
— Chega Sean! Porque sabe que foi você quem provocou essa distância de sua mãe — Kelly o largou.
— Provoquei? O que provoquei hein? — olhou para ela. — Hein? — olhou para Oscar. — Ou talvez tenha provocado — voltou a olhar Kelly. —, porque eu nasci para ser um troféu na mão dela, que mantinha os dois amantes me usando.
— Cale a boca Sean! — foi a vez de Oscar sair do eixo e todos quadros na parede da sala, os cinco, foram ao chão estilhaçando vidro em meio aos gritos assustados de Kelly. — Você perdeu todo respeito por sua família.
— Que família? Porque foi só um monte de incongruências que moldou minha vida.
— Você é mesmo um moleque insolente... — e Oscar desistiu se sentando, colocando os pés em cima da mesa, mostrando intimidade com o lugar.
E Sean ficou cego pelo ódio, porque o ciúme o deixava cego de ódio.
— Vá embora Sean... — a voz dela era triste. —, sei lá para onde você decidiu ir — ela o viu lhe encarar. — E só volte aqui outra vez quando tiver certeza do que fala.
— Por quê? Acha que não sei do que falo Srta. Garcia?
— Pensei que sua amnésia tivesse lhe tirado tudo, Sean querido? — Oscar voltava a desafiá-lo.
— Basta! Já disse que não quero falar com você.
— E por quê? Sabe o porquê Sean? — Oscar Roldman ergueu-se furioso. — Vamos! Mostre essa coragem que nunca teve.
— Como se atreve... — e Sean foi brecado por Kelly que segurou o corpo dele que ia outra vez para cima de Oscar.
— Atrevo-me a que, Sean? Você não seria nada sem mim. Não seria nada sem Fernando! Nada se ele não tivesse lhe dado tudo para se desenvolver, todos aqueles bancos de dados para treinar e se treinar, se tornar o que se tornou.
— Basta!!! — berrou descontrolado fazendo móveis, porcelanas e tudo que havia ali, levantar e cair de novo, em meio às luzes que apagaram e acenderam e apagaram novamente para se acender sob os olhares apavorados de Kelly Garcia.
— Deixe-o Kelly! Deixe Sean se aproximar, mostrar que não tem nada além dos nossos dons esquisitos... — e foi a vez de Oscar Roldman ser esbofeteado sem que Kelly percebesse que Sean saiu do lugar.
Ela se alarmou ao ver Oscar sangrando no chão e Sean ainda ali, a olhando.
— Nossa patrãozinho! Que monstro você se tornou?
E Sean nunca havia sentido tanta dor quanto a que sentiu naquelas palavras. Porque ela não podia ter dito aquilo, não ela quem ele amava. Virou-se e a porta fechada se abriu para ele passar, e se fechou após sua passagem.
Foi embora em choque novamente, porque talvez ele tivesse sido aquilo a vida toda, um monstro frio e esquisito.
22
Cairo International Airport; Cairo, Egito.
30º 7’ 19” N e 31º 24’ 20” E.
03/06; 14h00min.
Sean chegou ao Cairo mais tenso que da outra vez. Tenso, frio, monstro e não se lembrando de nada, ou quase nada; porque sabia que estava mais tenso que antes.
— Sean Queise? — falava num tom alto, num inglês arrastado, cheio de sotaque árabe, um homem de pele morena que suava muito. — Sean Queise? — insistiu o homem novamente, agora mais perto dele. — Eu sou o policial Mustafá, Mustafá Kenamun.
Sean não mexeu um único músculo do rosto e Mustafá também de lá não saiu.
— E eu deveria saber quem é você, policial Mustafá Kenamun? — e segurou a valise com o notebook dentro com mais força.
— Eu era o policial encarregado de sua segurança quando veio a primeira vez ao Cairo.
— Ah! — exclamou Sean, sarcástico. — É algo sobre aquela segurança que não funcionou no hotel de Heliópolis, da qual está falando? — ele viu Mustafá se encolher. — O que quer comigo, Mustafá? Além de tentar querer ativar minhas glândulas gliais?
— Você... — arregalou os olhos que quase soltaram das órbitas. — Você me reconheceu?
— Nem sei o que eu fiz — e se virou para ir embora.
— Não posso... — e segurou-o pelo braço. — Não posso deixar você ir Sean Queise, sem acompanhá-lo.
— Quem disse isso? — se largou dele. — Oscar Roldman?
— Não! — a voz esganiçada dela o atingiu. — Eu disse!
Sean se virou em choque para uma Tahira vestida ou quase isso, num curto berrante tailleur alaranjado que ele achou que tivesse vindo da loja sem a saia.
— Ainda procurando roupas especiais Senhorita? — e se virou para ir embora.
Caminhou até a esteira de malas em meio a agitação e burburinho, e retirou sua bagagem de mão, recomeçando a andar.
— Volte aqui Sean Queise! Não pode andar pelo Cairo sem minha proteção.
— Sua proteção? — gargalhava andando para fora do aeroporto.
Mustafá e Tahira se olharam.
E voltaram a segui-lo.
— Sean Queise! — Mustafá falava tão alto, que Sean resolveu parar ao ver que o homem chamava a atenção do estacionamento, do já agitado Aeroporto Internacional do Cairo. — Preciso fazer sua segurança, já disse.
— E por quê? — perguntava impaciente.
— Porque você precisa de nós para se esconder, antes que alguém perceba quem é você, Sean yá habibi.
— Antes que a prendam por falta de moral, melhor dizendo — Tahira ia falar, mas Sean emendou. — Já lhe falaram que uma mulher tem que saber se comportar aqui no Egito, Senhorita? — passou por ela indo embora.
Ela só teve tempo de girar os olhos e correr atrás dele.
— Jura? Não aprova minha toalete?
— “Toalete”? — Sean estancou a pesada mala no chão. — Deve estar me gozando, não? — ele viu Tahira sorrir de um jeito que ele não entendeu. Sean pegou a mala e recomeçou a andar para depois parar outra vez. — E o que a faz pensar que vou aceitar sua segurança, Srta. Tahira?
— Vamos Sean Queise, pense um pouco. A polícia egípcia, dessa vez, nada soube sobre a sua vinda e isso o torna um alvo fácil demais.
Sean tentou lembrar-se se sabia mais alguma coisa dela, mas nada. Talvez nem soubesse quem era ela de verdade, antes da amnésia.
“Droga!”
— Meu passaporte não foi brecado uma única vez — Sean a olhou confuso. — Mesmo eu estando morto.
— Isso! Porque você ainda está morto. Ou já tirou nova documentação e eu não sabia?
Sean não gostou de ouvir aquilo.
— Não. Estou usando cópias que tinha.
— Então? Posso fazer sua segurança? — Tahira sorriu-lhe, e Sean se pegou observando a curta roupa alaranjada da moça enquanto ela sorria.
Tentou parar de pensar naquilo.
— Droga! — nada mais disse e os três se dirigiram ao carro de Mustafá que mais parecia uma caranga. — Isso anda? — ironizou Sean, ao chegar ao estacionamento.
Mustafá não respondeu e Sean não viu outra maneira senão entrar, com Tahira percebendo que Sean trouxera a valise que deixara no táxi.
Corniche el-Nil; Cairo, Egito.
30° 2’ 37” N e 31° 13’ 46” E.
03/06; 14h55min.
Mustafá saiu do aeroporto e pegou a El-Orouba, depois a Salah Salem St até a 6 October Bridge para então alcançar a Corniche el-Nil.
Chegaram numa casa alugada por Tahira e Sean entrou sentindo todas as emanações de Samira Foad Strauss ali.
— Como conseguiu alugar o laboratório de Samira e Afrânio? — disparou nervoso.
Ela engoliu a saliva com dificuldades.
— Eu ia contar-lhe depois do jantar.
— Sabe que eu não preciso que me contem não? Que basta eu tocar paredes e objetos para sentir as energias gravitantes nelas.
— Não Sean Queise! Eu não sabia! Porque parece que você só ia aos congressos e eventos ufológicos, para se exibir para seus amigos, com a espanhola a tiracolo.
Sean deu dois passos e ameaçou avançar nela. Ela só piscou e Mustafá estava do lado dela. Tahira então se virou e foi para seu quarto batendo a porta, furiosa.
“Droga!”, Sean fechou os olhos e os punhos não acreditando que teria mesmo tido coragem de fazer algo a ela, mas Tahira fazia o sangue dele ferver de uma maneira que jamais imaginou acontecer.
Foi com sua mala e valise, para o quarto do fundo da casa para onde um Mustafá também furioso, apontou.
O quarto devia ser igual ao outro, simples; uma cama de casal, roupas de cama e banho novas, uma colcha florida e um ventilador no teto. Além daquilo, uma poltrona e um armário de madeira escura com duas portas abertas. Lá, também um banheiro particular onde Sean entrou e tomou um longo banho, tirando a barba. Apareceu na sala usando shorts, camiseta branca, meias e chinelo. Já Tahira vestia uma horrível camisola vermelha de laços coloridos feito um arco-íris.
Ambos não se falaram desde o quase avanço e aquilo estava tirando Tahira do sério. Já Sean acomodou a valise em cima de uma mesa de centro de vidro, sentou-se no sofá e ficou a observá-la. Mexia-se e remexia-se no sofá como quem está tentando uma posição que lhe agradasse, que o fizesse pensar melhor.
— Está com fome? — ela tentou um diálogo.
— Kochery!
— O quê? — Tahira o olhou com surpresa.
— Uma mistura de arroz, lentilhas, cebolas frita e espaguete, regados com um pouco de molho de tomate, e algumas gotas de molho picante.
— Como é que é?
— Sei lá! — Sean não entendeu porque falou aquilo, mas nada mais falou voltando a olhar a valise fechada.
Tahira girou os olhos indo preparar a mesa com xícaras que comprara; uma bela toalha de mesa, vaso com flores e nenhum interesse dele na sua ‘performance’.
Ela voltou logo depois.
— Eu preparei um lanche para nós dois, Sean yá habibi — e Sean não mexeu um músculo se quer. — Se bem que é só o que sei fazer... — riu para um Sean que continuava a observar a valise fechada em cima da mesa de centro. — A viagem foi cansativa? — Tahira arrumou os cabelos num coque que despencou duas vezes seu cabelo ruivo. — Eu sei que gosta de ovos com pão francês, Sean yá habibi, mas os pães aqui são em forma de broa e... — e nada dele responder. — Estou sendo castigada?
— O que queria comigo, Senhorita? — falou de repente se erguendo.
— Até que enfim você falou comigo.
— Não estou falando com você, e não vou falar com você. Estou apenas querendo saber por que você ‘morava’ no meu flat quando eu saía para trabalhar?
— Jura? Gostaria que eu tivesse morado com você lá?
— Basta Srta. Tahira! — fuzilou-a. — Eu disse que não queria que você tivesse vindo.
— Mas você não manda em mim.
— Nem você em mim! Mas você pensa que manda! Mas não manda! — e sentou-se descontrolado.
— Mas você sabe o que eu queria no seu flat.
— Não! Porque não confio numa Trevellis me dizendo coisas.
Tahira lhe o olhou de lado sabendo que era da comissária/agente Dolores Trevellis, da Poliu, de quem ele falava.
— Um furo de reportagem sobre seu contrato! — mentiu Tahira. — E fui até as últimas consequências para consegui-lo — completou.
— Wow! — Sean se virou novamente para a valise, estava nervoso e desconfiado, porque era claro que havia uma verdade ali, qual ele não sabia. — Não acredito em você.
— Eu te segui até o Egito, não?
— Não Srta. Tahira. Você não me seguiu nem até Portugal, já que tinha suas passagens compradas antes mesmo de eu comprar as minhas.
— Por que diz isso?
— Porque Dolores estava ali no voo para Portugal, te seguindo.
— Achei que não acreditasse numa Trevellis.
Sean a fuzilou.
— O que foi fazer em Portugal?
— Passear! Não foi o que eu disse quando você me perguntou?
— Não sei quando perguntei. Estou com amnésia — e ele não gostou quando Tahira riu. — Está achando graça? Então vou mudar o foco da pergunta; o que ia fazer no Egito já que também viajou para lá seis meses atrás?
— Já disse também Sean Queise! Vigiar a sua concorrência com a Eschatology Inc..
— Para a revista distopia? — foi pura ironia.
— Sim — respondeu com as ancas balançando na horrível camisola vermelha de laço arco-íris.
Ele sabia que ela mentia.
Prosseguiu:
— Por isso mandou Mustafá me seguir?
— Mustafá... — e Tahira murchou o sorriso e as ancas. — Ele me garantiu que você não o havia visto. Que você só o conheceu quando ele se apresentou na morte de Miro Capazze.
— Mas eu o vi Senhorita. Agora. Seguindo-me do aeroporto até a limusine, e pelas ruas do Cairo até o hotel, antes de Miro morrer no meu lugar.
— Você pode voltar ao passado? Ver algo que aconteceu mesmo não estando lá? — olhou em volta. — Ótimo! Isso muda tudo.
— Tudo o que? Sua relação de confiança com Mustafá?
— Como é que é?
— A Srta. Garcia disse que você esperou seis meses para me entregar a valise. Coincidentemente quando saí do coma.
— Como é que é? Não estou entendendo nada.
— Está sim. Porque Mustafá sabia que eu estava vivo. Porque ele se fazia passar pelo Dr. Mustafá, ficando horas me olhando no asilo Faãn, sem fazer qualquer leitura gliais.
Tahira olhou para a porta da frente sabendo que Mustafá estava lá fora, fazendo a guarda. E que ele a enganara.
— Precisa de ajuda!
— “Ajuda”? — insinuou. — Achei que tinha vindo para atrapalhar — e ele viu Tahira recuar ofendida, levantar-se e ir a cozinha. Sean se sentiu mal de repente. Ela então voltou e passou por ele carregando um copo de leite. — Sabe como abri-la? — apontou para a valise quebrando o silêncio que se fizera, mas Tahira não esboçou nada. — Afinal seria justo que lhe contasse tudo já que usufruíamos de tanta intimidade no frio da sacada...
Tahira o fuzilou com um olhar, e foi para o quarto dela batendo a porta com força.
“Idiota!”, pensou Sean ali sozinho, a tentar se lembrar de como abrir aquela valise quando enxergou Tahira no quarto, deitada na cama, como se a parede fosse transparente.
Levantou-se e foi até o quarto dela.
— Posso entrar? — perguntou batendo à porta, esperando que ela abrisse.
— Não!!! — gritou Tahira de lá de dentro. Mas Sean abriu a porta assim mesmo e entrou; e tudo sem tocá-la. — Não disse que não podia entrar? — Tahira escondeu o rosto.
— Precisamos conversar! — Sean viu ela se levantar da cama e abrir a janela para a noite estrelada, e voltar a sentar-se de costas para ele na poltrona do canto.
— Não tenho nada a conversar. E eu juro que não sabia que você estava vivo. Porque não sou um monstro Sean Queise, ou teria avisado sua família a fim de ter diminuído a dor deles.
Sean não esperava aquilo.
— Quem é você? — entrou no quarto e sentou-se na cama dela.
— Tahira Bint...
— A verdadeira!
Ela só suspirou e jogou a cabeça para trás.
— Minha família vem de uma linhagem de mulheres sacerdotisas, que protegiam uma linhagem de faraós mulheres, que protegiam uma entidade de homens sem nome.
— Mas não é essa a ordem exata, é?
Ela se virou para ele sem saber o que significava aquela pergunta.
— Como ordem exata?
— Afrânio desenhou na ordem exata... Os homens de crânios alongados, adorando as mulheres de máscara mortuária egípcia, adorando aquele leoa de pelagem vermelho-amarelada com máscara de íbis... — e parou quando Tahira já havia atravessado todo o quarto e respirava o mesmo ar que ele.
— Voltou no tempo?
E ele a viu muito, mas muito perto dele.
— Não... Algo que... Não me lembro.
Ela o olhou, olhou e ponderou algo, voltando a se sentar na poltrona.
— Não sei quem são esses ‘homens de crânios alongados’. E se eles são a representação dos alienígenas, então a ordem está errada. Porque nossa família tinha por trabalho e obrigação, proteger essas mulheres faraós que protegiam essa entidade de homens sem nome.
— E quem é ele? Essa entidade em forma de leoa?
— Quem era a leoa de pelagem vermelho-amarelada com máscara de íbis nunca nos foi dito, porque não era de nosso acesso — e parou de falar para o olhar com interesse na camiseta, no shorts e nas meias dentro do chinelo; e Sean leu tudo aquilo. — Essas mulheres faraós, por sua vez, faziam parte de uma escola de mistérios que cultivava o conhecimento desses alienígenas, os ‘homens sem nome’, e que chegaram à Terra e fundaram a Lemúria, que se estendia de Madagascar a Sumatra, e incluía algumas partes do que é hoje a África. Depois fundaram a Atlântida, localizada ‘para lá das Colunas de Hércules’.
— Wow! — aquilo sim era informação. — A mesma Lemúria onde nasceu a terceira raça mãe com três olhos, que perdemos na evolução, mas que agora serve para enxergar o éter e ler pensamentos. E também Atlântida, onde vivia a quarta raça mãe, e tudo segundo Madame H. P. Blavatsky; pura mitologia Srta. Tahira.
— Segundo Joseph Campbell, mitologia é o nome que damos às religiões dos outros — Tahira sorriu.
Sean percebeu algo ali.
— Prossiga! — foi só o que disse.
— Prossigo! Mas antes tenho que lhe dar os parabéns, Sean yá habibi. Sua amnésia é mesmo estranha, já que você sempre defendeu tudo isso que acabou de duvidar.
“Dizem dentro da Poliu que você tem uma amnésia de evento para trás ou retrógrada. Alguns amigos arriscam dizer que você tem amnésia de evento para frente ou anterógrada. Já meu pai não acreditava em nenhuma das duas”, soou Dolores Trevellis.
— Prossiga!
Tahira prosseguiu:
— As mulheres faraós, então sobreviventes da Lemúria e Atlântida, se instalaram entre o Egito e a Núbia, na região de Nabta Playa.
— Nabta Playa onde construíram pirâmides pontiagudas e esfinges coloridas sob a água?
— Sim. Havia água ali. Mas também construíram bibliotecas, diferentes das que conhece Sean Queise. Algumas contendo papiros que ensinavam tudo; como medicina, astronomia, astrologia, transportes, construção civil, militarismo, e uma infinidade de poderes paranormais.
— Aquela pirâmide pontiaguda que Samira e Afrânio descobriram?
— Era uma biblioteca.
— Onde ficava o papiro em branco que só escreve para siddhas.
— Boa memória... — foi tão cínica quanto ele o era.
Mas Sean ainda não caiu na rede dela.
— Era isso que fazia no meu flat? Estava esperando a entrega do pacote de Samira onze anos depois?
Tahira deu uma daquelas risadas esganiçadas.
— Está com fome Sean Queise? — levantou-se da poltrona e desamassou a horrível camisola vermelha de laços coloridos feito um arco-íris. — Uma mulher egípcia não sabe pensar de estômago vazio — e saiu do quarto o deixando lá, com mais perguntas que respostas.
Ele a seguiu e ambos sentaram à mesa e comeram.
— Sua família tem poderes? — Sean prosseguiu.
— Não como a sua.
Sean não gostou de ter ouvido aquilo.
— Se restrinja ao que eu pergunto apenas, Senhorita.
Ela deu outra risada esganiçada.
— Não Sean Queise. Não temos poderes. Apenas os protegemos.
— Onde estão esses protegidos?
— Shee-akhan matou a todos.
— Deus... Quem é Shee-akhan?
— Não sabemos. Ele se proclama assim. ‘Shee-akhan’!
— Quando isso aconteceu?
— Miro Capazze foi o último.
— Como esses escolhidos eram escolhidos?
— Nasciam assim. Crianças iluminadas, que manifestavam dons paranormais na infância. Nós os identificávamos, acolhíamos e os educávamos, os desenvolvendo.
— Como um menino Buda?
— Não. Permitíamos que seguisse usa vida; casasse, estudasse, trabalhasse, mas os mantínhamos sob vigilância.
— Você disse que o último foi Miro? Mas ele me disse... — e parou de falar.
— O que ele lhe disse?
— Não... Não me lembro...
— Jura? Que ótimo! — foi sarcástica. — Porque perdemos o pouco de controle que ainda tínhamos quando Miro morreu, e porque Miro morreu pelo Fator Shee-akhan que dominava.
— Isso era algo impossível de acontecer?
— Não sabemos ao certo. Também são poucos os sacerdotes que sobraram, e que ainda conheciam a fundo os poderes do Fator Shee-akhan. Os anos, a tecnologia, e o afastamento das pessoas das escolas de mistérios, proibidas principalmente durante a Era Medieval onde as mulheres da minha família eram tidas como bruxas, fez com que muitos ensinamentos se perdessem. Mas até então, sabíamos que crianças iluminadas não podiam morrer por CHE.
— Afinal o que é o Fator Shee-akhan?
— Os alienígenas que na Terra chegaram, trouxeram técnicas alquímicas para gerar algo em outra coisa totalmente diferente que sua real essência molecular, como níquel em ouro, depois que os Anunnakis não conseguiram mais extrair ouro de nosso planeta.
— É... Samira falava sobre o Enuma Elish — e se virou para Tahira interessada. — Prossiga...
— Essa alquimia também podia modificar tudo, inclusive plantas em uma essência verde que permitia que os alienígenas pudessem penetrar, e se esconder dentro de corpos humanos.
— Entrantes?
— Como queira chamar.
— E como entravam?
— Através dos chakras, pontos energéticos do corpo humano. Mas se você não usar a técnica correta pode provocar CHE, e fazer o corpo onde quer se esconder, se destruir pelo fogo.
— Wow! Quanta sandice... — riu.
— Jura?
Sean parou de rir na seriedade dela.
— E esse tal... tal homem que se diz ‘Shee-akhan’, fez o que afinal?
— Ficamos sem respostas. Mas em suma, usa essa seiva verde para dominar mentes e matar.
— Você disse que fui escolhido, e que por isso essa seiva de planta Shee-akhan entrou no meu organismo quando toquei a pirâmide de Nabta Playa, e que o Fator Shee-akhan me salvou daquele acidente onde o drone explodiu os carros no deserto de Garri Ring.
— Aonde quer chegar?
— Não tenho a mínima ideia Srta. Tahira, mas preciso abrir aquela valise — apontou para a mesa da sala. —, e recuperar o comando do satélite de observação, que está numa órbita espiã sem que a Polícia Mundial ou a Poliu, e consequentemente os mainframes da Computer Co., possam acessar.
— O que vai conseguir com Spartacus?
— Fotografias! — e Sean se levantou se dirigindo para seu quarto a fim de dormir. — Porque as coordenadas me guiaram a vida toda... — e ele também a deixou com mais perguntas que respostas.
Tahira, porém, percebeu que perdia o controle da situação quando bateu na porta do quarto dele e o quarto estava vazio. Voltou à sala correndo, abrindo a porta que dava para a rua e Mustafá fazia vigia.
— Ahhh!!! — gritou furiosa vendo que ele havia feito teletransporte.
Para onde, ela nem imaginava.
Cairo International Airport; Cairo, Egito.
30º 7’ 19” N e 31º 24’ 20” E.
03/06; 17h20min.
O entardecer era estonteante, com um Sol vermelho parecendo maior até do que o normal. Sean havia chegado ao aeroporto se teletransportando, com coordenadas, como sempre.
Porque precisava fugir de Tahira, do controle daquela entidade ou o que ela significasse realmente. E porque também precisava chegar à Ilha Elefantina, primeira catarata, para encontrar um homem que fazia partes de seus ‘acertos de conta’, para depois ir para Cartum, e de lá tentar alcançar Nabta Playa já que pelo Egito, por Abu Simbel, chamaria atenção para documentos de um morto.
— Fazer minha segurança? — se questionou Sean. — Me priva! — e foi fazer o check-in.
Mas Sean percebeu certa agitação ao redor do aeroporto, a polícia secreta do Egito estava toda nas ruas, e a Poliu ajudava nas investigações de possíveis agitadores.
Que agitação era aquela ele não sabia, mas sentia a Poliu ali. E não eram tão ‘bonitos, gentis e gostosos’ quanto Dolores Trevellis.
“Droga!” desistiu do avião.
Dirigiu-se para o estacionamento atrás de um táxi, decido ir para a Estação de trem, e alcançar Elefantina já que não sabia ao certo a coordenada que ia precisar para se teletransportar, ou acabaria no limbo. Porque sabia que o teletransporte era algo perigoso de fazer, que Mona nunca permitira que ele fizesse, e que seus ‘pupilos’ a temiam. E de como ele lembrava tudo àquilo, também era uma incógnita.
Um ‘Bip!’ se fez ao lado de Sean. Vinha da valise que ele carregava. Mas ela ainda permanecia travada por códigos que ele não se lembrava de qual era. E sabia que precisava conseguir abri-la, ou estaria em mais perigo do que já estivera.
— Sr. Queise? — perguntou um jovem bonito, usando calça de tecido marrom e uma jaqueta discreta por cima de uma camiseta; um turista na aparência.
Mas Sean não achava aquilo.
— O conheço?
— Sou agente da Polícia Mundial, Michel Rougart; trabalho para o Sr. Roldman.
— Oscar? — Sean olhou nervoso para um lado e outro não gostando daquilo, mas Michel Rougart entregou-lhe um envelope.
— O Sr. Roldman fez duas reservas no Hotel Old Cataract, em Aswan, próximo à primeira catarata.
— Ah! Próximo a Ilha Elefantina. Quem diria?
— Sob nomes de Sr. e Sra. McDilann, para o Senhor e para a Srta. Najma Faãn.
— Quem? — Sean achou mesmo que tinha ouvido errado. — Achei que Oscar sabia que eu estava com Tahira, que ele a mandara?
— Pois foi justamente o que o Sr. Roldman disse. Que você ia se questionar o porquê não Tahira Bint Mohamed.
— Ah! Eu ia me questionar? Wow! Ele é um Roldman, não?
Michel Rougart não entendeu, mas prosseguiu.
— As chaves do carro! — entregou.
— Chaves?
— Para chegar até a estação ferroviária.
— Estação ferroviária?
— Vai de trem, não?
— E por que eu iria de trem?
— Não pode viajar de avião. Pensei que soubesse que seu passaporte expirou três meses após sua morte.
— Não entendi. Fui para o Brasil.
— Sr. Oscar Roldman e o Embaixador Ângelo Antonio Borges o levaram de volta para o Brasil.
— E como cheguei até aqui?
O agente Michel voltou a observá-lo.
— Não chegou Sr. Queise — olhou para agentes da Poliu, que mais adiante não viram Sean e o agente Michel conversando. —, foi trazido.
E Sean sentiu um frio percorrer-lhe o corpo no que viu um homem alto, ruivo e de uma beleza esfuziante, o mesmo que todas as manhãs, aparecia na frente do asilo Faãn quando ele lá sentava para tomar Sol.
“Wlaster Helge Doover” e Sean sentiu as pernas dobrarem.
— Sr. Queise? — Michel o segurou.
— Agente Rougart? — soltou-se dele.
Michel percebeu a ironia e a frieza. Aprumou-se não gostando muito dele.
— Recomendo que saia daqui até a Estação de trem Ramsés com o GPS dentro da sua mente — observou-o. —, guiado por Spartacus que lhe guia.
— O satélite está travado por senhas.
— E precisa de senhas para acessá-lo Sr. Queise?
Sean também decididamente não gostou dele.
— Prossiga!
— As chaves são de um Mercedes-Benz azul claro, ano 76 modelo 280S. O Cairo possui muitos carros Mercedes-Benz velho, será fácil se disfarçar entre eles até a estação ferroviária.
— Por que preciso disfarçar algo?
O agente Michel parou de olhar para os lados, o que fazia incessantemente e o observou melhor ainda.
— Vai saber Sr. Queise — sorriu apenas. — A viagem de trem até Aswan é de 866 km, 12 horas e os serviços de primeira classe, com cabines confortáveis, limpas e com ar condicionado.
Sean percebeu mais duas coisas no envelope.
— De onde são essas chaves?
— Vai encontrar uma Van verde num armazém alugado na periferia de Aswan. O carro está limpo.
— E o que é essa agenda? — também quis Sean saber.
— É uma agenda de endereços. Sr. Oscar Roldman mandou entregá-la. Estão anotados vários endereços e números telefônicos. Também está anotado o endereço do ex-agente da Poliu, Sr. Joh Miller — esperou alguma pergunta, mas Sean nada esboçou. — O Sr. Roldman tentou falar com ele, mas Joh Miller disse que só vai ajudar-nos se falar pessoalmente com você.
— Wow! Joh está me esperando?
— Não sofra por antecedência, Sr. Queise. Apenas utilize as escritas em amarelo da agenda. O que está escrito em verde, azul ou vermelho é falso. Se alguém pegar a agenda, com certeza errará muitos endereços — e se virou para ir embora.
— O que Oscar mandou você fazer em Saqqara?
E foi a primeira vez que Michel Rougart sentiu-se atingido em toda sua carreira.
— Como...
— O que foi fazer em Saqqara agente Rougart? — insistiu.
— Fotografias.
— Para comparar a que?
E foi a segunda vez que Michel Rougart sentiu-se atingido em toda sua carreira.
— A fotos tiradas por Spartacus seis meses atrás.
— Quem as tirou?
— Você!
— De onde?
— Nabta Playa!
— E por que Nabta Playa se compara a Saqqara a ponto de Mona me falar dela?
— Ainda... — e Michel Rougart respirou pesado vendo Wlaster Helge Doover os olhando. — Ainda não chegamos a nada Sr. Queise.
Mas Sean sabia que Wlaster estava atrás deles.
— Ele nos viu não foi? — sorriu cínico.
E o agente da Polícia Mundial diria que foi a terceira vez que se sentiu atingido em toda sua carreira.
— Precisa de algo mais?
— Não! Porque ambos vamos descobrir se precisamos, não é? — e Sean se virou para ir embora já não vendo Wlaster por entre as colunas do aeroporto.
“Droga!”, apertou o passo e foi para o estacionamento agora com a certeza de que Tahira também o vigiava a ponto de saber sobre o passaporte de um morto.
Mas Sean também era vigiado por dois pares de olhos maquiados; olhos escurecidos como a noite, cerrados pelo ódio, tomados por um líquido esverdeado em quantidade suficiente para tomar todo seu globo ocular, e dominar suas mentes e seus corpos, e que usavam turbantes de muitas cores, que levavam em suas cabeças alongadas.
Sean alcançou o Mercedes-Benz azul claro, ano 76 modelo 280S. Leu a placa e verificou o chaveiro. Guardou a valise no porta-malas e teve dificuldades para fechá-lo. Colocou o envelope no banco do passageiro após bater a porta e derrubar todo o conteúdo do envelope no chão.
— Cartões de crédito no meu nome? — estranhou o fato de poderia ser rastreado, e percebeu que havia três e não duas reservas no Old Cataract Hotel. — Três reservas? — sentiu um frio na espinha novamente, engatou a primeira marcha e foi embora.
O trânsito parecia maluco, ninguém respeitava a já apagada faixa da rua. Carroças puxadas por burricos e charretes, comuns no meio do trânsito caótico, levavam seus condutores camponeses, vestidos de galabias escuras com turbante de várias cores na cabeça, aparentemente surdos em meio toda gritaria. Porque as buzinas eram ensurdecedoras e Sean teve dificuldades em manter-se ileso no engarrafamento do qual tentava escapar, entrando em ruas paralelas e voltando para a El Orouba, percebendo por duas vezes um velho Mercedes-Benz cupê preto, a segui-lo. Já estava chegando ao Mohamed-Ali Mosque quando se distraiu com a fechada de um táxi e foi obrigado a contornar o Mausoleum & Mosque of QuaitBay.
“Droga!”
O Mercedes-Benz cupê preto novamente apareceu no espelho retrovisor quando Sean brecou o carro em total desespero. Olhou para os lados e se viu em meio do que acreditava não ser o caminho correto.
— Mas que droga! — praguejou. — Hei?! — estacionou e chamou um menino que corria na rua. — Onde estou? — perguntou em inglês, mas o garoto respondeu que nada entendeu. — Onde fica a rua... — e Sean desistiu, tentando perguntar em árabe. — Esh-shera` Salah Salen St. Fên? — e o menino esticou os dez dedos da mão. — Ashra? Dez? Quer dizer dez dólares? — Sean virou os olhos não acreditando quando o garoto lhe sorriu. — “Dólar” você entendeu, não?
O garoto mostrou os dez dedos outra vez.
“Pergunte Kâm? - Quanto custa?; e já diga Da ghâli`awi!- É muito caro!”, ecoava a voz de Mona.
— Da ghâli`awi! — exclamou Sean. O garoto ficou muito triste com o desconto. Mostrou cinco dedos no que Sean aceitou. — Khamsa? Ok, cinco!
— Y´re in death city! — e correu após pegar cinco notas de um dólar.
— Estou na Cidade dos mortos? Ele falou em inglês? — riu não acreditando por ter sido enganado.
E parou de rir ao ver o Mercedes-Benz cupê preto passar por uma das travessas atrás dele, para depois sumir, aparecer e sumir. E aparecer e sumir começou a fazer Sean se enervar porque carros não ‘apareciam e sumiam’, não sem ativar siddhis, que ele percebeu podiam fazer grandes objetos desaparecerem.
Sean engatou a primeira e entrou numa rua que ficava cada vez mais estreita. Lembrava-se vagamente sobre a Cidade dos mortos no que lera nos prospectos que Najma pegara no hotel, e que o que no passado já foram tumbas. Um grande cemitério com mais de 500.000 pessoas vivendo lá hoje, como podiam, e com o governo fornecendo água corrente e eletricidade; um conjunto habitacional de construção bege, colorida pelas areias, onde os moradores dizem que lá já era possível desmaiar sem cair no chão.
E o carro correu tanto que se chocou com latas cheias de lixo, o fazendo ser projetado para cima do painel, com os restos contidos nas latas subindo para o alto, voltando para cima do capô do seu Mercedes-Benz azul claro, obstruindo a visão dele. A batida também quebrou os faróis, arrancou a lataria impedindo que continuasse na rua estreita.
Sean tentou dar ré, mas viu o carro Mercedes-Benz cupê preto se aproximar. Saiu do carro e viu-se enfim, estar perdido.
“Droga!”, chutou a areia sob seus pés quando um som metálico se fez não muito longe dali.
Sean ergueu-se todo e tentou localizar o som. Mas ali, somente três casas abandonadas, sem portas e janelas e a continuação da rua estreita. Pôs-se a andar e à sua frente não havia nada a se ver, olhou para trás e nada a se ver, olhou para cima e nada a se ver, olhou para sua direita e viu um homem vestido de antigo egípcio lhe apontando uma bazuca.
— Deus... — Sean arregalou os olhos azuis percebendo que o homem estava paralisado, que seus olhos estavam tomados pelo líquido Shee-akhan e que seu dedo estava no gatilho.
Sean fez sinais para ver se o homem respondia, mas nada movia nele. Sean escorregou um passo, outro e mais outro de ré e voltou ao carro abrindo o porta-malas e tirando a valise com o notebook, quando ouviu um ‘Clic!’ atrás dele. Sean se virou e só o antigo egípcio de bazuca na mão a olhá-lo. Em pânico, tentou chegar à porta travada pela parede estreita, mas não conseguiu abri-la. Voltou à porta do motorista e se jogou no banco tentando alcançar o envelope entregue pelo agente Michel Rougart e o antigo egípcio gritou ‘Shee-akhan!!!’, e Sean só teve tempo de correr, se projetar para dentro da casa abandonada e o míssil entrou com ele, atravessando várias paredes de barro, terra batida ou qualquer material com que houvesse sido construído aquilo, levantando uma bola de fogo que subiu até as nuvens, deixando muitos ao longe em pânico. Um som ensurdecedor, que invadiu a ‘Cidade dos mortos’, e Sean enfim percebeu que ele também havia atravessado algumas paredes usando algum siddhi, caindo duas casas a frente.
Levantou-se em pânico com a valise na mão, e enfiou o envelope dentro da blusa, podendo sentir a areia nos dentes tomada de um líquido que a esverdeava, que contaminava o chão que se tomou de um líquido verde.
— Shee-akhan... — vozes ao longe chegavam cada vez mais perto.
Sean correu pelo piso que esburacava a cada passo que ele dava na areia misturada, tentando desesperado atravessar a ampla sala e sair do outro lado da rua quando estancou; mais homens vestidos de egípcios antigos, com estranhos adornos na cabeça, tal quais as enciclopédias arquivaram, estavam lhe esperando.
Sean se olhou, viu que não havia voltado ao passado, que era o passado que havia vindo atrás dele no que projéteis lhe passaram de raspão. Jogou-se para dentro da casa novamente, e tentou alcançar a sala navegando pelos buracos que se fizeram, alcançando a rua onde mais egípcios antigos invadiam, e mais projéteis arrancaram um pedaço da parede coberta de madeira ali deixada.
— Droga!!! — lascas lhe feriram a testa que sangrou.
Sean tentava raciocinar em meio ao pânico, em meio à confusão mental que se encontrava e subiu a escada para um segundo andar inacabado.
“Sean... Sean... El Sean...”, sentiu seu coração vir à boca com passos muito próximos ao dele, quando alcançou a laje da casa, e um dos egípcios antigos gritou à saída do teto, atrás dele.
— Shee-akhan!!!
Sean o puxou pela cabeça adornada, o jogando feito uma bola de Rúgbi pelo ar, o fazendo atravessar certa distância e cair de lá de cima na rua, por cima de mais homens que pareciam estarem vindo do passado. Correu se vendo numa grande extensão de lajes e mais lajes de casas, percebendo que estava no teto da ‘Cidade dos mortos’, e que de mortos não tinha nada, já que o passado que deveria ter ficado nas lembranças, estava ali, agora.
— Shee-akhan!!! — gritavam atrás dele.
Sean corria por extraordinários tetos de tumbas, em meio a tiros disparados sob um céu bege de areia, com grandes mesquitas ao longe, podendo ainda ouvir as pessoas dentro de suas casas gritando e rezando para não morrer. Pulou para outro telhado, e para outro, e para outro, e mais outro até que seus pés falsearam e ele atravessou o teto de terra batida, agarrado as estruturas do que sobrara do telhado, quando a valise com o notebook lhe escapou das mãos, e caiu no chão onde mulheres e crianças gritavam desesperadas, encolhidas num canto da sala.
— Min fadlak! Por favor! — apontava desesperado para que as mulheres pegassem a valise para ele. — Min fadlak! — mas elas nada faziam a não ser gritar. — Deus! — exclamou assustado ao subir novamente e ver que a arma voltava a cuspir balas.
— Smalla’Alik! — falou de repente uma das mulheres de dentro da casa.
“Que Deus proteja você!”, traduziu ele impactado, desistindo da valise já que nenhum poder ele conseguiu ativar ali.
Sean correu, e correu, e correu para depois ver que os telhados haviam acabado. Olhou para trás e mais antigos egípcios com estranhos adornos na cabeça o seguiam, olhou para frente e nada, mais nenhum telhado para onde pular. Olhou para trás, para homens que atiravam sem piedade, e virou-se para frente saltando num toldo que arrebentou o levando ao chão duro. Sean levantou e correu feito louco, com projéteis perdidos para todos os lados da rua movimentada, jogando-se em meio a barracas que vendiam frutas invadindo uma espécie de feira.
As pessoas gritavam se jogando ao chão, e Sean as driblava como fazia com os projéteis.
Havia uma fileira de carros estacionados, desejou que algumas deles se abrissem, mas nada aconteceu. Sean então deu um chute no vidro de uma BMW branca estacionada e abriu-lhe a porta. Puxou-lhe fios debaixo do volante fazendo ligação direta, arrancando e partindo ao perceber que os antigos egípcios também invadiam a feira de frutas.
— Shee-akhan!!! — gritou um homem ao se jogar sobre o capô da BMW branca.
— Não!!! — gritou Sean desesperado a tentar brecar, a tentar tirá-lo de lá.
A BMW branca subiu na calçada levantando melões, limões, cascas de frutas. Sean atravessava o resto da feira, por dentro da feira.
— Shee-akhan!!! — gritavam os antigos egípcios em meio aos gritos histéricos da multidão, que se jogavam para todos os lados, quando uma Maserati vermelha entrou na traseira da BMW branca, fazendo Sean bater com a cabeça no volante, o fazendo sangrar novamente, e ainda o fazendo destruir o resto da feira que ele não conseguira destruir antes.
Sean viu o ocupante da Maserati vermelha pelo que restou do espelho retrovisor da BMW branca.
— Tahira?! — gritou histérico correndo para a Maserati vermelha dirigida por ela. — Você ficou louca?! — gritou do lado de fora.
— Desculpe-me Sean yá habibi — ela abriu calmamente a porta da Maserati vermelha para ele. —, não pude deixar você sozinho.
— Mustafá é um idiota!!! — gritava com as mãos à cabeça ao entrar e fechar a porta.
— Ele sumiu!
Aquilo caiu como uma ducha fria em Sean.
— O quê? — perguntou como que paralisado.
— Você está sangrando... — ela levantou a mão para limpá-lo.
— Agora não! Onde está Mustafá?
— já disse que sumiu. Porque você sumiu e Mustafá estava lá, vigiando a porta. Quando eu voltei outra vez, foi a vez dele sumir. E acredite que não foi dá mesma maneira sofisticada de você sumir.
— E como sabe?
— Porque só havia um pé dele ali — e um tiro atravessou a lataria quase o acertando na perna.
— Ahhh!!! — berraram ambos sem muito tempo para discutir o CHE de Mustafá.
— Corra!!! — Sean apontou para as chaves do carro que Tahira ligou. A Maserati vermelha acelerou e deu um cavalo de pau retornando para a feira. — Ficou louca? — e a Maserati se projetou em cima do que ainda estava no caminho; frutas, barracas e pessoas que se jogavam pela ação. — A feira não!!! A feira não!!! — gritava descontrolado.
— Por que não faz aquilo então?
— Corra!!! Corra!!!
— Responda-me!
— O que?! O que?!
— Por que não faz aquilo?
— Aquilo? Aquilo o que...
— Teletransportar a Maserati?
E ele arregalou os olhos para os antigos egípcios que vinham aos montes, dezenas e dezenas para cima dela.
— Cuidado!!! — e Sean puxou o volante. Tahira pisou no freio fazendo a Maserati dar outro cavalo de pau, dessa vez rodopiando uma, duas, três vezes levantando fumaça e antigos egípcios, que se jogavam sob o capô, no teto, por debaixo das rodas do carro. — Vai matá-los?! — berrou.
— Jura? Porque eles já estão mortos Sean yá habibi.
Sean escorregou os olhos arregalados para ela.
— Então corra!!! Corra!!! Corra!!!
— Você manda Sean yá habibi! — e a Maserati correu outra vez derrapando em cascas, restos de verduras e tudo que tinha no piso, batendo as laterais, até conseguir sair da feira, das proximidades da Cidade dos mortos e alcançar uma larga avenida fugindo deles.
Sean olhou em volta:
— Wow! Uma Maserati 3200 GT, cupê, automática? Não é pouca coisa, é? — ele viu que Tahira nem o olhou, pisava no acelerador até sair de vista dos egípcios antigos de estranhos adornos na cabeça. — Quanto? Uns 170 mil dólares?
— Passou a entender de carros, Sean yá habibi?
— Parece que sim... — e Sean pode ver que Tahira trazia no carro a valise que ele havia perdido na fuga.
Ela o olhou de esguia.
— Você estava em fuga... — falou ela com frieza. — E com aqueles estranhos antigos egípcios atrás de você...
— Não fala mais!
— Mas você...
— Não disse para não falar mais?! — e berrou descontrolado com medo de estar ali com ela. — Desde quando me segue?
— Não disse que...
— Cale-se!!! Desde quando?
— É para responder ou não? Porque estou confusa.
— Quando?! Quando?! Quando?!
— Desde sua saída do aeroporto.
— E isso porque sua família não tem poderes?
— Não tem! Já disse! Eu vinha logo atrás da Mercedes-Benz cupê preta, quando minha Maserati também entalou naquela ruela.
— E como sabia onde a ‘Mercedes-Benz cupê preta’ estaria?!
— Não grite...
— Como sabia?! — gritava.
— Eu...
— Como sabia?! Como sabia?! Como sabia?! — berrava descontrolado.
— Oscar me...
— Ahhh!!! — socava descontrolado o vidro da janela com as mãos.
— Quando te alcancei a confusão já estava armada, com uma bola de fogo tomando conta dos céus do Cairo.
Sean arrancou o envelope de dentro da camisa para lá de suja.
— E isso por que Oscar achou que eu ia querer três reservas no Old Cataract Hotel, não Senhorita Jornalista?
Tahira não respondeu e a noite caiu rapidamente. Mesmo porque ela sabia que ele sabia que Oscar Roldman a mandaria para lá também.
Mas voltaram para Corniche el-Nil, precisavam recuperar forças.
23
Corniche el-Nil; Cairo, Egito.
30° 2’ 37” N e 31° 13’ 46” E.
04/06; 05h00min.
“Você está realmente dormindo e não se levanta? Os deuses, suas criaturas, estão reclamando”, soou distante.
Sean Queise abriu os olhos e se viu deitado na cama dele, no esconderijo, sob a luz do Sol que nascia na janela aberta. E estava sendo chamado à sala. Esse segundo Sean Queise, então, volitou até a mesa onde a valise estava. Lá uma luz verde saía de dentro dela. Sean tentou tocá-la, mas sua mão atravessou-a sem que ele pudesse saber o que tinha dentro.
Sean recuou assustado e olhou suas mãos. Estavam desbotadas, e ele era só uma projeção.
“Meu filho levante-se de sua cama! Use sua sabedoria e crie um substituto para que os deuses possam deixar suas ferramentas”, soou distante outra vez.
Esse segundo Sean então voltou volitando até o quarto e se viu deitado, em curto circuito na cama.
“Levante-se Sean!”, ordenou a ele mesmo.
Mas o corpo deitado do Sean verdadeiro na cama, só conseguia dar saltos no colchão macio.
“Levante-se Sean!”, ordenou-se mais uma vez, mas só o que conseguia, era fazer o Sean verdadeiro se mexer freneticamente na cama, com homens vestidos de egípcios antigos, sobre ele.
E o Sean verdadeiro abriu os olhos na cama e se viu preso por fios de energia, que o enrolavam de uma maneira que só seus olhos se moviam parcialmente, de um lado a outro.
“Tahira?”, chamou-a.
Tahira abriu os olhos e viu seu quarto a meia luz, sentindo que seu travesseiro estava mais baixo. Arrepiou-se pelo medo de virar-se e perceber que não estava nua e sozinha na cama, no quarto. Mas Sean podia vê-la, podia porque estava lá, na cama, com ela; e ele era um terceiro Sean Queise, três Sean Queise divididos.
“Tahira?”, o Sean verdadeiro chamou-a outra vez, mas nada mais conseguiu fazer já que estava sob o controle de uma energia que o emaranhava, que o prendia à cama, sob o odor ocre da areia molhada de verde, que tomava conta do piso da casa que já fora um laboratório, para onde Samira e Afrânio levaram a planta Shee-akhan encontrada nas lamparinas, até seus corpos serem consumidos pelas chamas internas e se incendiarem.
“Ahhh!!!”, o Sean verdadeiro gritou sem que nenhum dos três Sean Queise conseguissem se mover, fazer sua voz ecoar.
Mas o terceiro Sean Queise, ao lado de Tahira, tocou o corpo nu dela.
“Tahira...”, soou ao ouvido dela.
— Por Allah! — ela fechou os olhos apavorada, sentindo a mão que lhe tocava as ancas, que subiam por seus pelos pubianos.
“Ajude-me...”
Tahira agora sabia de quem era a voz atrás dela. Virou-se e um Sean Queise desbotado feito uma marca d’água, emaranhado em algo que parecia fios de alta tensão, lhe olhava.
— Ahhh!!! — gritou saltando da cama nua, procurando uma almofada, um lençol, sua camisola que vestiu.
Tahira saltou por cima da cama, por cima dele ainda preso ao colchão por fios de energia e alcançou a porta trancada, que desesperada não conseguir abrir, para então abri-la e ela invadir a sala e dar de encontro com outro Sean Queise, agora mais nítido, que havia conseguido trocar de lugar com seu duplo, que ficou preso na cama dele.
O Sean verdadeiro então se inclinou, sabendo que os outros dois Sean Queise eram bilocações e que estavam emaranhados, minando sua energia vital quando soou de sua valise um ‘Bip!’ que ecoou por toda casa.
Ele esticou a mão e abriu o compartimento lateral esquerdo sabendo que aquela era sua mão verdadeira, e que realmente tocava a valise. Ajoelhou-se e no compartimento aberto, um teclado apareceu onde o Sean verdadeiro digitou onze letras, k-e-l-l-y-g-a-r-c-i-a, e a valise se abriu.
— Como... Como conseguiu? — a voz de Tahira era puro pânico.
O Sean verdadeiro se levantou e encarou Tahira que sentiu que havia alguém mais atrás dela. Ela se virou e havia um Sean Queise desbotado na porta de seu quarto e outro Sean Queise desbotado na porta do quarto dele, quando os dois Sean Queise se acoplaram. Ela então se virou para o Sean verdadeiro à frente da valise e viu os três Sean Queise se acoplando.
— Você faz bilocação? — ela viu Sean só sorrir-lhe cínico. — Ótimo! Você faz bilocação! — e foi se deitar furiosa sabendo que ele estivera no quarto dela, na cama dela, atrás do seu corpo nu, e que era a mão dele que a tocava.
Corniche el-Nil; Cairo, Egito.
30° 2’ 37” N e 31° 13’ 46” E.
04/06; 08h00min.
— ‘Kellygarcia’? Jura?
Sean parou a xícara de café no ar e a encarou. Estava vestido, pronto para viajar, usando botas de couro preto, uma calça jeans Balmain de corte justo e uma camisa de linho branco, para então vê-la vestindo um horrível vestido patchwork que mais lembrava retalhos costurados a esmo.
— Do que está falando?
— Pois estou falando, Sean Queise, que você digitou onze letras, ‘kellygarcia’, e abriu a maldita valise — apontou para a mesa da sala.
Sean olhou-a parecendo realmente não entender o que acontecia ali.
— Não sei do que está falando. A Srta. Garcia disse que havia tentado de tudo e seu nome, acredite, foi o primeiro que ela usou.
— Eu não sei como fez aquilo, mas você abriu a maldita valise ontem à noite.
Sean olhou um lado e outro, e andou até a mesa onde a valise estava e tentou abri-la.
Voltou a olhar Tahira e olhar a valise.
— Não falei que está fechada?
— Impossível! Eu vi você ontem; aliás, vi três de você ontem, Sean Queise, abrir a valise.
— Viu três do que? — Sean riu.
— Acha que estou mentindo?
— Não fez outra coisa até...
— Digite ‘kellygarcia’!
— Não vou...
— Digite!!! — berrou furiosa.
Sean até quis discutir o que ainda não havia tido coragem, pela invasão de privacidade, por forçá-lo a encarar que era apaixonado pela sócia ou que pelo menos não conseguir esquecer-se dela em plena amnésia, mas se inclinou e abriu o compartimento esquerdo onde um teclado apareceu e digitou ‘kellygarcia’ abrindo a valise.
Ele arregalou os olhos.
— Eu não sei... Eu não sei...
Tahira se virou e foi para o quarto para então, se virar e voltar à sala a passos largos e chegar bem perto dele o esbofeteando-o. Sean olhou-a impactado pelo ato e ela voltou ao quarto. Sean ficou olhando para os lados tentando entender o que foi aquilo, e foi atrás dela.
Uma pancada na porta de Tahira e ela estava furiosa demais para responder.
Sean teve que abri-la outra vez sem tocá-la.
— Não faça mais isso entendeu?! — ela gritou. — Nem se atreva a me tocar!!!
Sean arregalou os olhos azuis e nada falou outra vez.
— O notebook...
Ela virou para ele furiosa.
— Como é que é?
— Ele também tem uma trava sob código, então... Queria saber se você me viu abri-lo também.
Ela andou tão furiosa para cima dele que Sean recuou todos os passos que ela deu e chegou à sala de ré.
— Abra! — apontou ela.
— Já disse que não sei como.
— Abra!!!
— Não adianta gritar!
— Abra!!!
— Pare de gritar sua louca!
— Abra!!! Abra!!! Abra!!!
— Já disse para...
— Abra!!! Abra!!! Abra!!! Abra!!! Abra!!! Abra!!! Abra!!! Abra!!!
— Abracadabra!!! — Sean gritou e o notebook se abriu seguido de um “Bip!” no que Tahira se jogou sobre ele, indo ambos ao chão; junto a valise, o notebook, a mesa, vidros, vaso de flores, água e tudo mais que estava no caminho. — Isso era um Enable Sign in, uma permissão de entrada... — arregalou os olhos.
— Desculpe-me... — ela o olhou ainda em choque. — Tive medo de te perder outra vez...
Sean ficou extasiado com aquelas palavras, com o ela sobre ele, com o tapa e o toque de pelos pubianos que vieram a sua mente. Ele engoliu tudo aquilo a seco, não entendendo afinal como sua mente funcionava, mas o corpo da bela e ruiva jornalista em cima dele ativou mais que memórias.
— É o mainframe... — explicou também sem entender como lembrava aquilo. — Alguém está pedindo para ser aceito no meu sistema.
Sean esticou o braço e alcançou o teclado dando ‘Enter!’.
— VOCÊ CONECTOU A COMPUTER CO. ON LINE! — explanava o computador. — DIGA SUA SENHA!
Sean olhou Tahira de lado.
— ‘Kellygarcia’ — soou sua voz.
— SENHA CORRETA! RECONHECIMENTO VOCAL INICIADO! — houve um intervalo. — OLÁ, SR. QUEISE! ABRINDO BANCO DE DADOS!
— Algo... — e nem teve coragem de escorregar um olhar para Tahira. — Algo está tentando entrar no meu sistema? — perguntou ao notebook.
— MAINFRAMES DA POLÍCIA MUNDIAL ATIVADOS! — respondeu o sistema operacional.
— Permita entrada!
— DIGA SUA SENHA!
— Vai dizer ‘Kelly Garcia’ outra vez? Jura?
Sean só escorregou um olhar e disse:
— ‘Kellygarcia’.
— CONEXÃO PERMITIDA! CHAT DE VOZ ABERTO NO CANAL #33.
Ela se virou furiosa outra vez e foi para o quarto, e Sean arregalou os olhos azuis para o notebook, com a voz de Oscar Roldman invadindo a sala no Cairo.
— Sean querido?
— Por que fez isso?
— Fiz o quê? Aceitar abrir o Chat no seu canal de segurança?
— Canal de segurança? Eu devia saber algo sobre isso?
— Você criou o canal #33 para impedir invasores hackers no seu sistema.
— Criei? E você entrou...
— Eu não entrei! Você abriu o canal.
— Deus... Então não foi você quem...
— Eu quem? Vamos brigar outra vez?
— Não. É que eu… Eu me dividi em três ontem — olhou a porta de Tahira fechada e ele sozinho na sala. — Um de mim veio até valise, mas não conseguiu abrir porque era só uma bilocação. Voltei ao meu corpo, mas não pude acoplar porque alguma coisa o havia amarrado com fios de energias, impedido que eu voltasse ao corpo. Então fiz um terceiro de mim e fui até o quarto de Tahira chamando-a, mas ela se apavorou porque eu a toquei. Mas eu não podia tocá-la se era uma bilocação. Então, também não sei como fiz, mas consegui trocar de lugar, o segundo de mim com meu eu verdadeiro, e deixar minha bilocação amarrada na cama. E vim até a sala como um Sean Queise original e abri a valise.
Oscar estava realmente encantado com seu filho.
— Você já havia feito isso antes?
— Não sei. Estou com amnésia.
— Que não está lhe mantendo muita coisa esquecida pelo jeito.
— Não sei o que há comigo, mas quando levantei não me lembrava de ter feito tudo isso. Foi Tahira quem me fez abrir a valise, porque disse o que eu havia feito, usando uma senha... Mas que droga! Eu não me lembrava da senha.
— Não sei o que dizer. A bilocação é considerada pela Igreja Católica um ‘Carisma’ e que poucos podem receber. O Padre Pio de Pietrelcina, o teve, e dizem, o viram em dois lugares ao mesmo tempo.
— Mas eu me dividi em três. Isso quer dizer que o Sean verdadeiro era meu corpo na cama, que meu espírito saiu de mim e se tornou meu duplo, mas quem era o terceiro Sean Queise que foi até Tahira e a tocou?
— Ernesto Bozzano diz que o fenômeno de bilocação é um dos mais propícios a evidenciar a independência da alma ao corpo físico.
— A questão 92 de Alan Kardec no Livro dos Espíritos, perguntava se os Espíritos podiam dividir-se, ou existir em muitos pontos ao mesmo tempo. E os Espíritos responderam que um Espírito não podia se dividir, mas, cada um era um centro que irradiava para diversos lados, como o Sol, um somente, porém capaz de irradiar seus raios em todos os sentidos.
— Não sei o que dizer Sean. Nunca entendi muito bem como Mona ensinava ou o que fazia com seus ‘pupilos’.
— Acha que em transes, as faculdades psíquicas são extremamente ampliadas quando... — e Sean olhou um lado e outro, e energias de Samira e Afrânio se moldaram ali. — Deus...
Oscar percebeu o silêncio que se seguiu.
— Sean? O que houve?
E toda a sala mudou, se moldou num laboratório com estantes e vidros e mesas de metal espalhadas pelo piso de lajota vermelha, e o ventilador girando no teto um ar ocre.
— Acho que estou no laboratório...
— Onde? Você voltou ao passado?
— Sim. Estou vendo Afrânio e Samira. Eles estão nervosos, discutindo com alguém.
— Como ele é?
— Moreno, redondo, de estatura baixa; e ele está gritando com eles.
— Joh Miller.
— Samira está segurando o robô da Computer Co. nas mãos. Fala algo que... — e Sean apurou o ouvido. — ‘O robô...’ ‘As informações da leitura da...’ ‘Imagens captadas...’.
— Que imagens?
— De dentro da pirâmide. Antes de eles entrarem, o robô saiu de lá e parou de funcionar... Mas o robô estava lá...
— O robô gravou algo? É isso?
— Não sei. Não vai haver como acessar porque onze anos atrás, Spartacus ainda não havia sido construído, e me lembro de que meu pai mandou Barricas desmontar o robô e refazer o sistema operacional.
“E me lembro de que meu pai mandou Barricas desmontar o robô”, Oscar não sabia o que pensar daquilo.
Prosseguiu:
— Mas havia os bancos de dados, Sean querido.
— Mas fui eu quem os aprimorou.
— E quantos anos você tinha quando os aprimorou, Sean?
E tudo se desmanchou. Sean olhou em volta e estava suado, no meio da sala da casa alugada por Tahira em Corniche el-Nil, conversando com Oscar, pelo notebook, na sala de Chat #33.
— O que está dizendo Oscar? Que eu já desenvolvia programas de computadores aos catorze anos? E que fui eu quem refez o sistema do robô que hoje eu vendo?
— Sim!
“Atrevo-me a que, Sean? Você não seria nada sem mim. Não seria nada sem Fernando! Nada se ele não tivesse lhe dado tudo para se desenvolver, todos aqueles bancos de dados para treinar e se treinar, se tornar o que se tornou”, a voz de Oscar Roldman nunca foi tão real.
Sean engoliu aquilo nem sabendo como.
— Deus... Meu pai permitia que eu... Que eu...
— Sim! Permitia! Porque o queria como um Queise.
Sean caiu sentado no chão.
Estava atônito, confuso, triste.
— Por isso eles tentaram de novo...
— Tentaram o que?
— Eles tentaram ontem de novo, me matar na ‘Cidade dos mortos’ com mortos ainda vivos, Oscar.
— Do que está falando?
— Um monte deles, de antigos egípcios núbios, de pele ébano, de crânios alongados, tomados pelo Fator Shee-akhan.
— Sean, você tem certeza de que quer continuar isso? Pode voltar ao Brasil, à Computer Co., conseguir seguranças...
— Mas é isso mesmo o que pensa sobre mim? Que tenho medo de enfrentar meus erros? Porque a Srta. Garcia disse que eu nunca fui homem de fugir dos problemas.
— Sean... — e Oscar desistiu de algo. — Precisa ter cuidado redobrado.
— E acha que não sei disso? Com duas mulheres a tiracolo? — e Sean dessa vez não ouviu respostas. — Por que fez isso Oscar?
— Não vou responder a isso.
— Vai me responder então por que ontem meus dons não funcionaram sob pressão?
— Acho que não é a pressão que lhe interfere. É o nível de Shee-akhan que está no seu sistema sanguíneo.
— Como sabe... — e parou. — Dr. Juca acha que algo acentuou meus siddhis.
— Por isso sua amnésia com lembranças.
Sean olhava um lado e outro buscando respostas, foco, saber para onde prosseguir.
— Eu preciso de um favor.
— Que tipo de favor?
— Um helicóptero.
E a cara que Oscar Roldman até parecia a que o gerente de Abu Simbel fez se Sean a pudesse ter visto, e se lembrado de ter visto.
Cairo, Egito.
04/06; 13h00min.
Tahira primeiramente foi contra ir a Ilha Elefantina, porque não sabia o que ele queria lá. Sua ideia era permanecer ali no laboratório até Sean ter suas visões sobre o que ocorrera lá com os arqueólogos onze anos atrás, e depois ir a Nabta Playa resolver o ‘problema’. Mas Sean nada disse sobre suas visões recentes, e ela trancada no quarto não ouviu o diálogo dele com Oscar Roldman pelo computador.
Mas ficou furiosa mesmo, foi quando soube que eles também iam ao asilo Faãn, da Dra. Najma Faãn que ela sabia, havia ficado seis meses com seu ‘yá habibi’. Depois ficou com medo de uma briga fazer Sean Queise sumir dali sem ela, e acabar perdendo seu rastro outra vez. E era melhor acompanhá-lo sendo contra tudo do que nada, literalmente, já que precisou de Oscar Roldman e sei lá o que ele fez para conseguir, saber que ele estava na ‘Cidade dos mortos’.
Um táxi os levou até o aeroporto, cada um com uma mochila cada e poucas roupas dentro. Foram deixados num portão lateral, com pessoal da Polícia Mundial já avisado da chegada deles, e que precisavam tomar o helicóptero sem documentos.
Sean também levou a valise com o notebook dentro.
— Você conseguiu acessar o satélite?
— Ainda não! E ‘kellygarcia!’ não abriu o banco de dados de Spartacus se vai me perguntar.
— Jura? Eu não ia.
E os dois nada mais se falaram.
Tomaram o helicóptero conseguido pela Polícia Mundial e sobrevoavam naquele momento Saqqara.
“Vai a Saqqara?”, soou Mona Foad.
“Saqqara?”
“Há um muro na parte sul onde formava a fachada da chamada Tumba Sur, uma capela falsa, feita em pedra maciça.”
— Saqqara... — soou dele.
— Mais de quatro milhões de urnas foram encontradas. Algo realmente fantástico — extasiava-se Tahira tirando Sean de suas lembranças. —, e todas aquelas construções ainda são um mistério.
— Por quê?
— Jura? Pense! Qual era a utilidade de tudo isto? Para que construir túneis, câmaras e salões trinta metros abaixo do solo? E como iluminaram estes espaços para fazerem o complexo desenho cerâmico nos muros?
— Lâmpadas de Dendera.
Tahira achou graça.
— Sim, Sean yá habibi... Você defendia isso nos congressos.
— Defendia?
— Sim, Sean yá habibi. Você falava inflamado sobre a construção das pirâmides ao redor do mundo. De como alienígenas ensinaram as pedras ficarem mais leves.
— E eles ensinaram?
— Sim. Mas pense... O que é aquele enorme muro que circula a pirâmide, ou mastaba de seis degraus, que aparentemente não tem função alguma? — apontava para baixo, para Saqqara.
— Beleza arquitetônica?
— E o muro? Feito de granito sólido por dentro, e por fora, sem qualquer espaço útil. Qual a verdadeira utilidade de complexo de um milhão de toneladas de pedra, uma muralha com dez metros de altura, que apresenta catorze portas?
— Beleza arquitetônica!
— Vamos lá, Sean yá habibi. Pense melhor! Porque a arqueologia tradicional só defende seu lado darwinista, pseudocético, e que não vem a público levantar nenhuma ligação com alienígenas naquelas construções.
— Porque talvez não tenham.
Tahira deu uma daquelas gargalhadas esganiçada.
Sean ergueu o sobrolho para a jovem Tahira vestindo uma calça justa, de brim branco e uma blusa de fiapos que mais mostravam o sutiã roxo que a protegia de algo.
— Sua amnésia o tornou, um daqueles que acham que os seres humanos não passam de macacos pelados, que surgiram por acaso ou vieram de um monte de lixo orgânico? — gargalhou. — Mesmo porque teria que ignorar fatos comprovados, e passar por cima de métodos científicos — e olhou Sean a olhando, e a olhando muito. — Não acredito que teve coragem de esquecer tudo.
— Desculpe-me Srta. Tahira, não pedi para ser explodido num Jeep anos 70.
— Não sei se pediu, mas esqueceu de que a Pirâmide de Saqqara é uma pirâmide misteriosa, de data de construção desconhecida, com subterrâneos simplesmente únicos e misteriosos, em que nunca foi achada qualquer múmia dentro dela, assim como acontece com as pirâmides de Gizé. Então, qual o propósito de sua construção?
— Por que está alterada?
— Não estou alterada. Mas ela claramente não é um túmulo gigante Veja! — apontou. — Veja a fachada da casa norte tem imagens do baixo Egito, Núbia, e era local de cerimônia de Ed Sedh, o rei que recebia a coroa vermelha, que simbolizava sua autoridade sobre este território. Entre a casa norte e o templo funerário de Djoser, onde há uma capela com dois pequenos orifícios nos seus muros do qual se podia observar no pátio.
“Uma capela falsa?”, soou ele na mesa de jantar de Mona Foad.
“A finalidade era dissimular um dos acessos ao complexo subterrâneo. Na escavação descobriu-se a escada original”
Sean olhou Tahira de lado e sabia que Mona Foad falava tudo aquilo porque havia algo embutido naquilo tudo, e era algo que não se encaixava em Saqqara.
“Droga!” odiou-se por não conseguir ir além daquilo.
O helicóptero parou para abastecer em Aswan, para então seguir para Abu Hamed, no Sudão.
“Sean... Sean... El Sean...”; ele ouviu a mulher com máscara mortuária egípcia lhe chamar.
Sean olhou Tahira de lado novamente, mas ela havia se calado.
— Acredita em metempsicose, Srta. Tahira?
— “Metempsicose”? Fala de reencarnação?
— Sim! O filósofo Pitágoras esteve aqui, no Egito, e foi iniciado em ‘religiões’ que fez mudar radicalmente suas ideias. Quando voltou a Grécia, segundo Jâmblico de Cálcis, um historiador da época, Pitágoras fundou uma escola cuja doutrina filosófica falava sobre metempsicose, a filosofia pitagórica que culmina em um misticismo matemático-religioso, uma síntese das influências órficas e científicas que incluíam a sua escola... — olhou-a. —, a escola do papiro.
Tahira nada falou, nem se mexer, mexeu.
“Droga!”, havia algo errado ali, porque Joh Miller frequentava a escola onde Mustafá era um sacerdote; a escola do papiro.
— No entanto, Pitágoras era diferente de Anaximandro, um filósofo que acreditava que o princípio de tudo era uma coisa chamada apeíron, algo infinito, tanto no sentido quantitativo, quanto qualitativo; e esse apeíron era algo que ‘não surgiu nunca’, embora existisse e fosse imortal — e Sean ele viu que ganhara a atenção de Tahira.
— Prossiga... — soou maravilhoso na boca dela.
— Prossigo! Porque para os pitagóricos, o destino final do homem se condicionava ao feito de haver alcançado, a interna harmonia entre os sentidos e a razão, e só as almas harmônicas podiam alcançar a boa ventura. As restantes se viam sujeitas à metempsicose até que a harmonia de suas vidas emitisse um modo de viver divino.
— Por que está falando tudo isso?
— Porque Jâmblico de Cálcis disse: ‘O sábio fala assim: a alma, tendo uma vida dupla, uma em conjunção com o corpo, mas a outra separada de todo corpo; quando estamos despertos empregamos, na maior parte, a vida que é comum com o corpo, exceto quando nos separamos inteiramente dele através de energias puramente intelectuais e dianoéticas. Mas quando dormimos, somos como que perfeitamente livres de certas limitações, e usamos uma vida separada da geração’ — ele viu Tahira incomodada. — E também porque eu voltei a minha vida passada, Senhorita, em que nada se parecia com o que Spartacus fotografou.
Tahira deu uma risada esganiçada e parou.
— Continuo sem entender.
— Eu também... Eu também... Mas sei que vou entender da pior maneira possível. Porque a metempsicose é o termo genérico para transmigração da alma de um corpo para outro, reencarnação que pode ocorrer, como os indianos acreditam, através do Karma, para sofrermos e pagarmos por erros passados, como ter conhecido você.
— Eu... — Tahira tentou manter-se firme quase não conseguindo. — Eu sou seu karma Sean Queise?
Ela não teve respostas.
Asilo Faãn; Abu Hamed, Sudão.
04/06; 15h00min.
Najma estava cansada, aquela tarde havia sido extremamente quente quando o tempo fechou, e ela teve que correr para não tomar um banho. Começou a levantar as Senhoras para dentro do asilo, cansada de ter que levar o asilo Faãn sozinha. Porque teve que se reestruturar totalmente desde o coma de Jablah que ainda não demonstrava melhora.
Ela até chamara outros médicos e nenhum deles conseguiram chegar a um veredicto; Jablah ainda tinha parte do rosto derretido e estava em total letargia, um sono profundo tal qual Sean Queise e El Zarih quando os havia trazido de Cartum.
E Najma pensava em Sean Queise todos os dias, a cada momento, e cada atividade, com o quarto dele vazio e a cama arrumada, onde entrava todas as noites. E pensava nele naquele instante quando algo caiu dentro da cozinha fazendo um barulho enorme.
— Deve ser o Sr. Muad, pobre coitado — falou para si mesma. — Aposto que o mercado o mandou trazer minhas compras, outra vez, sozinho — e pisou em falso, escorregando na poça de uma gosma esverdeada que já invadia a copa, indo ao chão. — Por Allah... — exclamou quase sem voz. — O que...
“Najma... Najma... El Najma...”, alguém sussurrou.
Ela paralisou. Sabia que ouvira seu nome, que alguém atrás dela, a chamava. Levantou-se e virou-se, mas não tinha ninguém lá. Virou-se para frente e um Jablah retorcido a olhava com uma agulha que vertia um líquido verde.
— Jablah? — e ela viu o primeiro passo do irmão em sua direção.
Najma quis dar um passo atrás, mas estava paralisada. A única coisa que conseguia ouvir era o som ensurdecedor de pás girando no ar.
“Najma... Najma... El Najma...” falavam outra vez quando um salão amplo, de altas colunas douradas, em meio a antigas mulheres egípcias, usando máscara mortuária, banhava um corpo numa piscina perfumada; Najma podia sentir o cheiro quando o corpo retirado da grande banheira era de Jablah Faãn.
“Culpado!”, ecoou por todo o asilo.
— Não... Não... — falava Najma sem saber ao certo para quem, quando o amplo salão desapareceu fazendo-a voltar ao corredor de acesso à cozinha do asilo, e um Jablah retorcido a encarava. Ele então se inclinou e injetou a agulha nele próprio. — Não!!! — gritou Najma quando passos pesados reverberavam no hall de entrada, no salão principal, na copa, na porta de acesso a cozinha e Sean Queise se jogou sobre o corpo de Najma, que foi ao chão protegida da explosão do corpo de Jablah, que pegou fogo virando cinzas. — Ahhh!!! — gritou Najma encarando Sean sobre ela, no chão molhado de uma gosma esverdeada.
Ele a ergueu do chão e correu no que o gás do fogão que escapava, foi atingido pelo Fator Shee-akhan e toda cozinha explodiu.
— Ahhh!!! — gritaram Najma, Sean e Tahira, com os corpos dos três lançados ao chão de areia da rua, com labaredas saindo pelas janelas do asilo e Sean correu para dentro do asilo alcançando extintores de incêndio no hall de entrada do asilo.
Najma e Tahira se olharam; porque Najma não entendeu como estava ali, e Tahira não entendeu como Najma estava ali; ou no final das contas, ambas sabiam sobre os siddhis de Sean Queise. E ambas correram para dentro do asilo para ajudar Sean a apagar o incêndio, quando Najma viu os pés e as mãos de Jablah intactas em meio a réstias do incêndio.
— Não!!! — gritou e desmaiou nos braços de Tahira que só olhava Sean Queise olhando as duas.
Asilo Faãn; Abu Hamed, Sudão.
04/06; 20h00min.
Havia sido um fim de tarde e começo de noite tumultuado, com a vizinhança acionando o corpo de homens contra incêndio, e os bombeiros chegaram quase que de imediato tumultuando ainda mais a rua, com um helicóptero estacionado no meio dela e muitos, muitos curiosos em volta. A assessoria da prefeitura também havia enviado três ambulâncias para recolher os idosos e rearranjá-los em outros asilos já que lá, não havia mais condições de moradia. E Sean teve que usar de muita lábia para conseguir que bombeiros e polícia não ultrapasse a cozinha explodida e descobrissem corredores obstruídos, os levando a um depósito de mortos, e nem que retirasse seu helicóptero de lá.
Tahira se propôs a dormir no quarto de Najma, que estava ainda desacordada, e Sean teve coragem de descer até o depósito, aos destroços de quando seu corpo enorme caiu ali.
Havia ainda muito entulho obstruindo a passagem, em meio ao cheio de areia ocre e urina animal que o alertaram. Sean achou que encontrar egípcios e núbios antigos com bazucas, em nada se pareceria com encontrar aquela figura borrada de uma leoa com máscara de íbis.
Recuou e desistiu.
Sean dormiu na sala, com medo de que alguma coisa mais do passado batesse à porta.
24
Trafalgar Square; Londres, Inglaterra.
51° 30’ 27” N e 0° 7’ 40” W.
05/06; 08h00min.
— Sr. Roldman? — perguntou a secretária Lucy ao interfone, incessantemente, sem que tivesse resposta.
Mas Oscar estava absorto demais até que se levantou e foi até a antessala da secretária.
— Sra. Lucy? — Lucy estranhou o chefe naquela atitude. — Por favor, podemos conversar?
— Sr. Roldman... — se levantando indo atrás dele. E Lucy levou outro susto foi com a sala bagunçada. Oscar Roldman ferira mais uma vez a sua maneira de ser e ela sabia que algo o desesperava. — Há algo errado?
— Preciso de um favor — apontou a poltrona ao lado da lareira. — Antes, sente-se.
Ela se sentou sabendo definitivamente que havia algo errado.
— Disse um favor?
— Um favor muito especial, para ser sincero — disse Oscar encarando a secretária por debaixo dos grossos óculos que usava naquele momento, para ler. E ele suspirou profundamente indo em frente. — Eu sei que está tendo um caso com um homem apesar de você ser casada... — e antes que a secretária tentasse falar algo, ele lhe cortou a fala com um aceno de mão para que esperasse ele acabar de falar. —, e eu sei o quanto preciso ser indelicado.
— Acho que não consigo compreender, Sr. Roldman — a reação dela foi imediata.
— Não pense que a estou recriminando, Sra. Lucy. Não sou a pessoa mais indicada para isso — pigarreou. — Também pouco conheço seus motivos para ter agido dessa maneira, mas preciso que peça a ‘ele’, que devolva.
— Ainda não consigo realmente compreender, Sr. Roldman...
— Então me deixe fazer compreender, Lucy, porque ninguém pode realmente conhecer Sean Queise, entende? Por isso quero de volta a pasta cor de vinho.
A mulher que já não era mais jovem se pôs a chorar. Oscar levantou, pegou um copo, pôs água e açúcar e lhe deu também um lenço.
Lucy agradeceu, bebendo e enxugando as lágrimas.
— Eu fiz aquilo por amor... — dizia aos prantos. — Eu não sei como fui capaz... Não sei. Não sei. Porque sei que o Senhor não me perdoaria, mas ele pediu, ele implorou, e eu o amo tanto... — e parou de falar.
— Desculpe-me Lucy. Não quero saber seus motivos, mas...
— Eu sempre fui tão tola no amor. Entende? Sem filhos, uma vida dedicada ao trabalho, ao Senhor, e de novo a casa, o jantar, as roupas e... E ele é tão belo...
— Sim! De uma beleza esfuziante.
— Sim... Desde pequeno, sempre vindo a Trafalgar para me ver, me abraçar...
— O agente Wlaster Helge Doover vinha a Londres desde pequeno?
— Quem? — e Lucy chorou copiosamente até que Oscar bateu delicadamente no joelho dela e esperou ela se recuperar. — Ele pediu-me para que entrasse com suas chaves... E pegasse uma pasta cor de vinho na segunda prateleira, dentro do cofre.
— Como ele sabia? — Oscar olhou Lucy olhando-o de volta. — Ele usou algum espião psíquico para vir até aqui? Para visualizar meu cofre? — Oscar estava furioso.
— Não. Não sei... Só disse que não conseguia acessar a pasta cor de vinho por causa do material do cofre.
— Ele... Ele disse isso? — agora Oscar se alertou mais que nunca.
Porque se aquilo era verdade, se o agente Wlaster Helge Doover não tinha acesso ao material do cofre, então era porque não havia desenvolvido ensinamentos dos psi.
E Sean corre perigo de vida outra vez.
— Não... Não... Nosso Sean não pode saber — ela o olhou entre lágrimas. — Eu fiz tudo como ele pediu porque nosso Sean... Foi por amor ao nosso Sean que eu fiz tudo isso.
— Tudo isso?
— Sim. Ele me garantiu que tudo ficaria bem, que ele cuidaria de tudo, que a viagem ao Egito era para consertar erros do passado, por ter tido o amor dela e não reconhecido naquela noite... — e Lucy chorava. Oscar sentiu que precisava voltar a sentar.
— Quando... Quando ele disse isso?
— Oh! Meu Deus! Ele sabia de algo, Sr. Roldman, porque sabe que ele pode saber, não sabe? Até me mostrou fotos dele.
— Fotos? Lucy?! — gritou em choque. — Fotos do que?
— Do Egito Senhor...
— Meu Deus, Lucy! Nunca lhe passou pela mente contar-me isso? A dor que eu senti pelo meu filho morto?
Ela se jogou de joelhos no chão, às pernas dele.
— Não... Não... Eu nunca quis magoá-lo Sr. Roldman. Nunca... Nunca...
— O que... — Oscar esticou a mão pedindo silêncio. — O que Wlaster mandou você fazer exatamente?
— Quem?
E Oscar parou de vez.
— Como quem Lucy? Wlaster Helge Doover!
— Não conheço nenhum Wlaster, Sr. Roldman.
E Oscar já não sabia mais o que acontecia ali, porque de repente a mente de Lucy ficou obstruída.
— O que está fazendo Lucy?
— Fazendo Senhor? Não estou fazendo nada. Já disse, foi por amor.
— Amor a quem Lucy?
— Ao nosso Sean! — e Lucy agora não gostou das feições do patrão. — Eu... Eu disse algo de errado? Porque teria que inventar um álibi para o momento — enxugou as lágrimas no lenço que Oscar estendera. —, porque nosso Sean pediu-me para que parecesse um roubo — e olhou Oscar de olhos arregalados. —, mas eu não sabia fazer isso.
— Sean ensinou-me a bloquear-me Lucy?
E foi a vez de Lucy arregalar os olhos.
— Não... Não sei bem o que ele me ensinou Sr. Roldman, mas ele insistiu que tirasse do cofre a pasta cor de vinho e a remetesse para ele, no Egito.
— Aonde no Egito exatamente?
E Lucy sorriu tentando escapar daquilo.
— Não sei por que tanta fleuma... Nosso Sean está com amnésia então...
— Você a leu Lucy?! — Oscar quase gritou.
— Não... Sim...
— Meu Deus Lucy! Como pôde fazer isso comigo?
— Eu não... Não fiz Senhor. Porque lá só havia aquilo que nós todos conhecemos, que a Poliu conhece que nosso Sean sempre fez, então... — ela viu Oscar mandá-la parar de falar e a dispensar. — Mas não a quer de volta?
— Não Lucy. Só precisava da confirmação que Wlaster Helge Doover não conseguiu a pasta cor de vinho.
Oscar estava sorrindo de uma maneira que Lucy teve medo dele. Ela saiu e Oscar fez uma ligação.
— Trevellis?
— Amigo velho. Está atrás de mim por algo que fiz ou por algo que deixei de fazer? — gargalhou.
— Não vai achar tanta graça até saber que roubaram sua pasta cor de vinho.
— Minha o que? — Mr. Trevellis se levantou num rompante e deu alguns passos no sótão da rica casa de três andares, no nobre Bairro de Hampstead; e foi no sótão que Mr. Trevellis instalou seu atualizadíssimo escritório onde acessou seu banco de dados nos mainframes da Computer Co., alugados pela Poliu, e a câmera no cofre central não mostrava a pasta cor de vinho onde ela deveria estar. — O que você fez com minha...
— Não fui eu! — cortou-o. — Foi Robert Avillan.
— Mas ele explodiu!
— Ele havia pegado a pasta cor de vinho para mim porque eu sabia que Wlaster Helge Doover estava atrás dela, e já que Sean estava morto não havia necessidade de vocês mancharem a memória de meu filho.
— Manchar o que? Você sempre soube que Sean estava vivo.
— Desgraçado! Então você sabia?
— Calma lá, amigo velho. Porque Dolores também me confrontou e eu disse que só soube depois, já que Wlaster não é bem, o meu melhor pupilo.
— Não! Já que Wlaster Helge Doover quer o seu lugar.
E Mr. Trevellis caiu em sonora gargalhada fazendo seus 170 kg balançarem junto.
— Aquele metido a ‘Barbie’ não sabe com quem está lidando.
— Mas nós sabemos, não?
— O que está insinuando?
— Não está se perguntando por que Wlaster roubaria a pasta cor de vinho, se foi ele quem a preparou para a Poliu sob suas ordens, Trevellis?
— Não acabou de dizer que Robert... — e parou segundos para pensar. — Wlaster conseguiu roubar de você?
— Não! Sean a roubou antes.
— Mas se Robert a roubou depois que Sean morreu então...
— “Então?” Exatamente isso Trevellis. ‘Então’!
E Mr. Trevellis caiu em sonora gargalhada outra vez.
— Vamos lá amigo velho, sabe que não tenho seus dons nem nunca fui bom em charadas...
— Não. Nunca foi bom em nada Trevellis — e Oscar sabia que o silêncio de Mr. Trevellis era para que ele prosseguisse; e ele prosseguiu. — Sean instruiu Lucy a roubar a pasta cor de vinho porque não conseguia acessar o material do cofre e... — deu uma pausa. —, e ensinou Lucy a me bloquear para que eu não soubesse que ele a roubou. Quando Robert deu-me a pasta cor de vinho que tirou do cofre da Poliu, ele deu-me uma cópia, a mesma cópia que eu tinha nos meus arquivos pessoais; e Sean sabia sobre essa cópia porque fez Lucy roubar a pasta cor de vinho original e substituí-la. Agora me responda ‘Trevellis não muito bom em charadas’, por que Sean precisava da pasta cor de vinho original se ele sabia tudo sobre ela, e instruiu Lucy para que ninguém soubesse, provável ela mesma?
— Porque Sean sabia que ia ter amnésia.
— Sim Trevellis... — soou de um Oscar afetado emocionalmente.
— Lucy? — gargalhou Mr. Trevellis. — Como é ser traído por duas mulheres em quem confiava, amigo velho?
— Cale-se!!! — gritou Oscar.
E Mr. Trevellis olhou Oscar Roldman projetado à sua frente, largando o telefone que foi ao chão.
— Amigo velho... — sorriu em meio aos 170 kg em choque. — Que belo espião você não teria me dado, hein?
— O que Wlaster quer com Sean, Trevellis? — se aproximou de Mr. Trevellis, que sentiu todo o perfume caro que ele exalava.
Porque não era uma bilocação, Oscar havia realmente se teletransportado até o sótão sofisticado de Mr. Trevellis em Hampstead.
— Não sei. E estou sendo sincero amigo velho.
Oscar sentiu toda sua estrutura entrar em curto, e não sabia se estava em Hampstead ou na Trafalgar, no que seu corpo se tomou de rabiscos. Mr. Trevellis ficou encantado com os dons dos Roldmans.
— Você está bem...
— Cale-se!!! — Oscar berrou e a energia cortou-se para recuperar-se. — Você sabia que Mona reescreveu algumas informações naquela pasta cor de vinho? Que eu e Fernando a obrigamos?
— Sim. Dolores havia me contado que Fernando sabia que as Foad podiam fazer aquilo, fazer letras correrem no papel. E Wlaster deve ter ficado furioso por só ele saber o que Sean fazia, e a Poliu não cancelar contratos. Então imagino que Sean modificou a pasta cor de vinho que ficou no seu cofre, com os mesmos dons.
— Por que Wlaster não conseguia fazer a Poliu cancelar nada com a Computer Co.? Mesmo com Fernando tendo Sean e seus dons sob seu controle?
— E acha mesmo que Fernando tinha todo esse controle sobre Sean?
— Nelma teria me contado se não tivesse.
— E acha mesmo que Nelma ia querer Sean sob o controle de Fernando, que trabalhava para a Poliu, quando Nelma queria Sean, e o preparava para ficar sobre seu controle, amigo velho?
— Eu... — e Oscar sentiu outra vez a descarga elétrica.
— Mas Sean cresceu, não Oscar? E a Computer Co. passou a ser do controle dele próprio, não Oscar? E todo nosso pouco controle, porque sempre foi pouco o controle que tivemos sob Sean, desmoronou-se. E ele já não mais acreditava em Papai Noel, fadas e gnomos, mas acreditava em alienígenas, em mundos plurais, e nosso envolvimento em esconder tudo isso dele — e Mr. Trevellis via que Oscar realmente se apagava.
— O quer dizer com isso?
— Que Wlaster também viu que Sean escapava de seu domínio, que ele não podia usar todas aquelas informações, porque era sua palavra contra uma pasta cor de vinho que se reescrevia.
— Pobre Robert, ele morreu em vão. Porque Wlaster nunca teve acesso a pasta cor de vinho.
— E o que Wlaster vai fazer agora?
— Não sei. Porque nada disso lhe serve mais se Mark O’Connor morreu, não é Trevellis? — e ele viu os olhos verdes dele brilharem. — Porque há algo que está me escapando, algo que Wlaster sabe fazer e quer fazer, e que deixa Sean em um perigo do qual não sabe lidar se Wlaster usar dons... — e Oscar sumiu de vez no que toda aquela ligação siddhi se rompeu.
Mr. Trevellis deu outra gargalhada, um pouco mais confortável agora que estava sozinho. E pegou algumas coisas que caíram no chão pelo susto com um só pensamento.
“E o filho me saiu melhor que a encomenda”, voltou a achar graça.
Asilo Faãn; Abu Hamed, Sudão.
05/06; 08h00min.
Sean Queise acordou de pesadelos que diziam que seu pai estava nervoso, preocupado com ele. E era um pai de óculos de lentes grossas, com dons iguais ao dele.
— Bom dia... — e foi um ‘Bom dia!’ morno vindo de Tahira para ele vestindo a mesma calça jeans Balmain e uma camiseta branca básica.
— Bom dia Srta. Tahira — e foi um ‘Bom dia!’ interessado na bela ruiva usando uma agarrada calça cigarrete pink, blusa de muitos babados azul e que lhe cobriam o fino e esguio pescoço onde um lenço de tons terroso estava amarrado.
— A doutora já acordou. Pediu para lavar-se. Deixei-a sozinha.
— Obrigado!
— Temos algo para comer? — Tahira olhou a parede enegrecida pela fuligem, das réstias de incêndio.
— Não. Mas acho que consigo fazer café na cozinha dos fundos.
— Vou ver a doutora então.
E se separaram.
Quando Tahira e Najma voltaram, a mesa no canto do salão tinha algumas xícaras desemparelhas dos pires, café, açúcar e um queijo com pão.
— Srta. Tahira — falou ele enfim, as apresentando. —, esta aqui é a Dra. Najma Faãn.
“Doutora?”, pensou Najma sem dizer, percebendo a distância com que foi tratada.
— Dra. Najma... Esta é a Srta. Tahira Bint Mohamed... Ela está comigo porque é jornalista, fazendo uma matéria sobre a minha morte.
Foi à vez de Tahira o fuzilar.
Najma só o observou e Tahira quebrou o silêncio.
— Salaam `aleykum! — esticou uma mão para ela.
— Wa `aleykum assalaam! — respondeu a Doutora.
Sean percebeu a formalidade entre as duas, a frieza também; mulheres se decifravam.
Mas Sean não tirava os olhos da Doutora e Tahira percebeu.
— Desculpe-me demorar a chegar aqui Doutora — Sean olhou Tahira de lado. — Tive que mudar de planos e vir de helicóptero.
— Como sabia que eu precisaria... Ah! Os siddhis?
Sean não respondeu.
— Vamos tomar café. Precisamos chegar a Aswan antes do meio-dia.
“Sean... Sean... El Sean...” ecoou.
Sean se virou para Tahira e a imagem de uma mulher loira, de pele branca feita um fantasma e trejeitos finos, provável na casa dos quarenta, se fizeram.
Ele tinha certeza de que seu nome era Clarice, que era a arqueóloga que trabalhava com Afrânio e Samira, mas o que ela fazia abraçada a uma menina ruiva, de olhos verdes, com provável, quinze anos, e parecida com Tahira, ele não entendeu.
— Quantos anos tem Srta. Tahira?
Tahira o estranhou.
— Como é que é? — Tahira viu Sean com os olhos fixos em algo atrás dela. — O que está vendo, Sean?
— Nada! Só perguntei sua idade.
Najma sentou-se à mesa e começou a comer. Tahira também o fez e se voltou para ele.
— Vinte e seis anos, Sean yá habibi.
Najma a olhou e Tahira gostou de ver a doutora enciumada. Terminou o café e se levantou para arrumar sua mochila.
— O que vamos fazer em Aswan? E por que temos que levá-la? — foi o que Najma perguntou.
— Já disse! Ela é uma jornalista.
— Pensei que não gostava deles.
— “Deles”?
E Najma calou-se.
Sean sabia que se Najma tivesse falado tudo, muita coisa teria sido diferente. Mas ela não insistiu e Tahira voltou com a mochila. Najma arrastou a cadeira e foi sua vez de fazer uma pequena mala, já que não tinha muito a deixar para trás, se tudo o que tinha, já tinha ido embora; sua família, seu irmão, o asilo. E aceitou ir com ele, porque Sean era só o que lhe sobrara, e mesmo sabendo que a companhia de Tahira ia lhe estragar os planos.
— Por que temos que levá-la? — foi a pergunta de Tahira quando Najma se foi.
Ele não acreditou naquilo.
— Ela salvou minha vida, Srta. Tahira. Não posso simplesmente deixá-la aqui... — e Sean também não acreditou no sapato salto agulha que ela usava.
Nada comentou dessa vez. Só uma voz que soou por ali.
“Habaiták!”
— O que disse? — Sean olhou Tahira em pé.
— O que disse?
— Fui eu quem perguntou Senhorita.
— Disse por que temos que levá-la...
— Não! Você disse ‘Habaiták!’.
— Jura? Eu disse?
E Sean não voltou a perguntar, porque em seu conhecimento ‘Habaiták’ significava “Eu te amei!”.
Quando Najma voltou com a mala, Sean se ergueu:
— Fiquem as duas aqui! — e se virou para Tahira. — Conseguiu entender? — ela o ficou olhando abismada para o porquê da ordem.
As duas moças não tiveram nem tempo para desobedecerem, e uma pequena explosão seguida de um estrondo alcançou o corredor que dava para a cozinha.
— Sean?! — gritaram uníssonas.
Tahira se encontrava mais longe do corredor que Najma, mas acabara chegando primeiro.
— Não mandei ficar lá fora idiota?! — mas Sean gritou nervoso foi com Tahira.
— Estúpido!!! — gritou Tahira se virando e retornando para a sala. Mas Sean segurou seu braço e ela se desvencilhou. — Maa tilmisnii! Não toca em mim! — respondeu arisca.
Sean não insistiu e se virou para Najma de olhos arregalados para o chão da cozinha que incendiara, e que fora apagado com o extintor que ele ainda portava nas mãos; porque foi a mão dele que acendeu e provocou a explosão.
— Onde Jablah pegou fogo? — ele viu Najma com uma interrogação no rosto. — Umbigo? Garganta? Coração?
— Garganta... — apontou tremendo. — Depois injetou aquela e... incendiou-se! — olhou-o. — Fala de CHE? Isso é loucura!
— A combustão espontânea é conhecida por ‘fogo secreto’ — Tahira completou. — Para os alquimistas, de origem secular e alienígena.
— “Alienígena”? — espantou-se Najma olhando Sean ao invés de olhar para a jornalista que prosseguia a falar.
— Dizem que tais combustões são efeitos de poltergeist que pessoas especiais possuem — Tahira encarou Sean que ficou incomodado com os pensamentos que chegaram até ele. —, e que foram ensinados por alienígenas; alienígenas e pessoas especiais que se comunicam entre si e...
— Basta Tahira! — aquilo Sean entendeu com ou sem dons psíquicos.
— Jura? Porque achei que para um cientista da sua extirpe nunca bastasse conhecimento — riu balançando o sapato de salto agulha. — Porque em termos de Física moderna, Sean Queise, poderíamos interpretar esse fenômeno como uma forma de energia — e balançava o salto como num desafio. —, energia intermediária entre a energia química e a nuclear.
— Como sabe jornalista Tahira? — perguntou Najma.
— Minha mãe era alquimista — mas ela respondeu foi a ele.
“Sean... Sean... El Sean...”, ecoou.
— Deus... — olhou em volta perdido, transportado para um Egito antigo, para depois voltar à sala do asilo Faãn num espaço ínfimo de tempo. — Então a transmutação alquímica é a técnica para fazer a pedra ficar ‘mole’... flutuar... — Sean começava a entender como os mistérios do Universo se comportavam. Começava também a entender como a física quântica previa as muitas dimensões, e começava também a ter medo dela, de Tahira. — Em junho de 1967, um sacerdote peruano, padre Jorge Lira, descobrira o processo utilizado pelos Incas para lidar com grandes rochas, que consistia num suco de erva que tornava o material facilmente maleável.
As duas se olharam.
— Jura? Uma planta que amolece pedras? — perguntou Tahira voltando a balançar o salto do sapato agulha.
— O padre Lira dizia ter realizado com êxito experiências, macerando pequenas pedras num líquido tirado de uma planta milagrosa.
— Quanto milagrosa? — perguntou Najma.
— Não sei doutora... — e Sean ouviu a vitrola tocar. Olhou para o lado e El Zarih sentava no sofá do hall de entrada. Mas ele não estava lá, aquilo era sós rastros de energia ali impressos, vindas de vivencias, de momentos em que El Zarih esteve lá, ouvindo música. Mas Sean também sabia que El Zarih nunca ouviu música, não durante os seis meses que ali esteve, porque nunca estivera realmente de coma, porque o coma fora induzido pelo líquido verde Shee-akhan, e que era Jablah quem ‘desligava’ Sean; então quando El Zarih esteve ali ouvindo música se tornou uma incógnita. — Onde está El Zarih?
Najma pareceu paralisar nano segundos.
— Quando voltei do Cairo, El Zarih havia sumido.
— Que pena! Achei que ele tinha melhorado como eu melhorei.
— Um homem cego e doente, Sean? Como pode ter melhorado como você?
Sean não quis dar mais respostas. Pegou as coisas das duas e saiu. Pediu ao piloto do helicóptero que os levasse, ele e suas duas mulheres, até Aswan para Old Cataract. As pás giraram e Sean sentou-se. Olhou para o lado e viu a doutora falando algo; mas eram sós os lábios de Najma e as pás do helicóptero a movimentarem-se.
Sean olhou para o outro lado e não viu nada.
— Onde está Tahira?
— Quem?
— Não?! — e Sean saltou do helicóptero que começava a deixar o solo, em meio aos gritos de Najma e caiu pesado na areia da rua, e pisou pesado no piso da entrada do asilo, no piso do hall de entrada, no piso da sala e Sandy Monroe sentava-se na cadeira onde há pouco eles tomaram café. — Sandy? — Sean olhou um lado e outro da sala. — Onde está Tahira? — e os lábios colados, roxos e frios dela lhe encaravam. — Sandy? Pode ver para onde a levaram? Para onde levaram Tahira? — e Sandy o olhava.
E ele sabia que era ela, que ela vestia a roupa do noivado, que segurava o anel que sua mãe guardara, e que tinha na outra mão a arma engatilhada quando algo caiu no andar a cima.
“Sean... Sean... El Sean...”.
Sean desviou o olhar, e a escada do asilo de madeira escura e envelhecida, e de degraus soltos, se morfava, se plasmava em mármore branco da mansão dos Queise, com Sandy correndo em seu vestido de chiffon branco e as perolas batendo no corpo que chorava.
Mas não foi atrás de Sandy que Sean correu.
— Tahira?! — se jogou escada abaixo, engolindo todos os degraus de madeira escura e solta, porque era para o depósito que ele se dirigia, no que um buraco se abriu e ele caiu dentro dos degraus. E caía, caía e caía até saber que não havia um chão seguro aonde chegar. — Não!!! — gritou e o buraco fechou.
Sean voltou aos degraus, descendo outra vez para o depósito, porque lá, só os escombros que provocara. Afastou uma pedra e outra com dificuldades, sentindo o coração na glote, com medo de não saber mais lidar com tudo aquilo.
Encontrou Tahira andando à sua frente como em transe, se dirigindo para uma cama onde tubos de soro contendo uma seiva verde se projetavam ali.
“Tahira... Tahira... El Tahira...”.
— Não Tahira!!! — gritava Sean, mas ela não ouvia. Tahira se inclinou e deitou na cama. — Não Tahira! Não faça... — e Sean parou no que o cheiro de urina ocre alertou cada sinapse nervosa, que comunicou a Sean Queise que um animal estava atrás dele.
Sean escorregou um olhar e a fera lhe encarava; uma leoa com a pelagem vermelho-amarelada, e com toda sua pelagem em chamas, usando máscara de íbis que virava rabiscos, levando ambos a uma areia quente e verde, que aquecia os pés de Sean Queise que se viu num Egito antigo, em meio a homens que corriam para todos os lados quando a juba da leoa de pelagem vermelho-amarelada, varreu a areia esverdeada, e todo deserto foi envolto em uma tempestade de areia.
“Não!!!”, gritou Sean noutro mundo, só tendo tempo de se virar e se jogar sobre o piso do depósito e escapar daquela imagem.
Chegou em Tahira antes da agulha penetrar seu braço, e eles apareceram no banco do helicóptero ao lado de Najma para impacto do piloto que só ouviu os gritos dele.
— Voe!!! Voe!!! Voe!!! — no que o helicóptero levantou voo e todo asilo explodiu, desestabilizando o helicóptero.
— Não!!! — foi a vez de Najma gritar vendo tudo explodir, querendo se jogar do helicóptero, que conseguiu driblar a onda de choque e o piloto e eles três conseguiram se afastar das labaredas.
— Não! — e foi uma exclamação forte, decidida dele, que abraçou Najma chorando desesperada para o incêndio que tomou conta de tudo. — Sinto muito!
O helicóptero ganhou os céus de Abu Hamed, deixando para trás a destruição total, toda a história da família de Najma e Jablah Faãn quando Sean olhou Tahira lhe olhando.
“Foi você?”, perguntou.
Mas Sean teve medo de responder aquela pergunta.
Primeira catarata; Aswan, Egito.
24° 4’ 49.59” N e 32° 52’ 52.22” E.
06/06; 15h30min.
O Old Cataract Hotel, hoje pertencente ao Grupo Sofitel, teve seu primeiro anúncio na Gazeta Egípcia em 11 de dezembro de 1899.
Debruçado sobre uma colina de granito em frente à Ilha Elefantina, o hotel é uma maravilha egípcia à beira do Rio Nilo, 880 km ao sul do Cairo e 210 km ao sul de Luxor. Localizado no coração de Aswan, Sean não teve muita dificuldade para lá chegar. Difícil mesmo foi explicar durante a viagem, ou melhor, tentar não explicar as duas, o que lhes acontecera, o que acontecera ao asilo Faãn.
Sean entrou e acomodou Najma ainda em choque com tudo que acontecia, numa poltrona de tecido de zebra, numa sala do canto, e foi à recepção fazer o check-in dos três.
— Enigmático! — exclamou Tahira maravilhada com o lobby do hotel.
O lobby tinha um interessante jogo de colunas e arcos pintados de vermelho. Vermelho também era o estofamento dos móveis. Móveis e poltronas revestidos de veludo macio, onde a Dra. Najma aguardava cansada. Com três andares, ostentando 131 quartos de hóspedes com excelente design e transbordando passado por todos os lados, Tahira sentiu-se atravessada pela história local.
— Sabia que Agatha Christie escreveu ‘Morte no Nilo’ numa das suítes? E que o filme também foi rodado aqui? Também esteve aqui à rainha Victoria, princesa Diana, Jimmy Carter, Winston Churchill... — Tahira lia no prospecto.
Najma nem dava a mínima para ela.
— Parece mesmo que Khalida só fica em hotel do tipo cinco estrelas... — foi só o que disse de repente ao levantar-se e olhar o estranho formato da piscina, pela janela.
Tahira não entendeu. Mesmo porque as duas estavam se corroendo de ciúme uma da outra e uma controlava a outra, o tempo todo quando próximas dele.
Já Sean estava com problemas maiores, o hotel estava lotado e sua reserva era para um quarto só, composto por duas camas king size e ele rodou os olhos a quase fazê-los soltar da órbita a imaginar ‘quem dormiria com quem?’. Ele também ficou confuso para assinar Sr. McDilann, porque era o que constava nos passaportes falsos que o agente Michel Rougart entregara a ele. Já Tahira trazia o passaporte falso dela, Srta. Tahira McDilann, irmãzinha gêmea dele.
Sean só deu alguns passos e as encontrou no mesmo lugar:
— Irmã gêmea? ‘Jura’? — ele encarou Tahira que não moveu um único fio do cabelo ruivo, e Sean voltou à gerência tomando coragem para fazer um pedido ao gerente que só ergueu a sobrancelha.
— Desculpe Senhor; expliquei que... — e o gerente viu Sean esticar notas muito altas. — Para qual delas, Sr. Sean McDilann? — ele perguntou.
— Para minha irmã gêmea.
— Sim, Senhor.
Sean voltou ao lobby e elas haviam saído para o alpendre de muitas cadeiras e mesas de vime, e a exuberante vista dos coqueiros à beira do Rio Nilo quando Tahira o puxou pelo braço.
Aquilo alertou Najma que ficou a ver os dois sumirem.
— O que você quer? — Sean se viu perdido na bela paisagem.
— Falar-lhe! — o som das águas próximas era tão embalador quanto a surreal imagem do Nilo correndo ao lado do Old Cataract. Ela o viu com uma interrogação no rosto. — Por que me salvou?
— Por que não faria?
— São sempre respostas feitas de perguntas Sean yá habibi? — e ela viu Sean se virar para ir embora. — Não é só isso! — segurou-o.
Sean parou de andar vendo seu braço preso por ela, e todo seu corpo se tomou de pequenos choques elétricos.
— Prossiga...
Tahira viu Najma quase fazendo algo do tipo ‘leitura labial’. Talvez até estivesse, e Tahira mudou de lado e Najma a odiou.
— Há relatos de papiros que contam que sob o reinado do Faraó Tutmoses III, UFOs esféricos estiveram sobre o Egito, descritos como círculos de fogo, e que permaneceram sobre o céu por vários dias. Você se lembra, não? — Tahira provocou-o, mas Sean se lembrava de algo, não sabia o que. — Dizem as antiquíssimas lendas e tradições egípcias que o Amon Rá ou Deus Rá, para os ufólogos uma sutil alegoria para significar alienígenas, protegia a humanidade. Em outras palavras havia uma disputa pela posse da Terra já naqueles distantes tempos, uma disputa travada por um ser alienígena que desejava ser o ‘rei do mundo’.
— “Rei do mundo”? — Sean tentava localizar aquela informação.
— Sean yá habibi?
— Ãh? — ele arregalou os olhos.
— Está prestando atenção no que falo? Espero que esteja. Porque dizem que Imhotep, o grande arquiteto de Saqqara era um ascencionado, um iniciado, aquele que atingiu o nirvana, que controla suas energias, que já não precisa encarnar. Porém, algumas escolas iniciáticas os dividiram em dois tipos de ascencionado; os alienígenas que aqui não puderam encarnar e os alienígenas que se encontraram na Terra por várias encarnações, muitas vezes incompreendidos, queimados pela inquisição dos homens.
— Metempsicose... — Sean viu mulheres e seus corpos queimando.
Ele virou-se para o Rio Nilo e nele tentou se concentrar quando Tahira prosseguiu:
— Imhotep, o astrônomo, arquiteto, era chamado pelos gregos de esculápio, Hermes Trismegistus, ou o ‘três vezes grande’, e dizem que ao construir Saqqara ele trouxe benefícios não só materiais, mas espirituais, a toda sociedade egípcia porque conseguiu aumentar as vibrações, mostrando aos sacerdotes que existem outras dimensões e como se comunicar com elas — Tahira esperou Sean virar-se para ela. —, porque Imhotep criou ‘estradas’ eletromagnética, que facilitavam a movimentação de materiais que volitavam, porque Saqqara produzia energia taquiônica, a energia do pensamento.
— Está dizendo que usavam a energia taquiônica, kundalini, para mover os grandes blocos de pedra? Como Leedskalnin...
— Dizem...
— Quem ‘dizem’, Tahira?
— Os de fora. Os do outro mundo.
— Wow! Você é uma alienada.
— Jura? Porque o trem Maglev usa levitação eletromagnética e ninguém duvida — ela viu Sean a olhar de uma maneira inédita e ela prosseguiu em meio a toda incoerência. — Os egípcios, os do outro mundo, vieram com esse conhecimento. E quando construíram pirâmides em Gizé, fizeram uma avaliação de todos os pontos energéticos, os vórtices de energia da Terra e colocaram as pirâmides a 30 graus de latitude leste e a 19 graus de longitude Sul, pois essas coordenadas geram um campo vibratório gigantesco, sendo a maior hiperatividade do planeta. E quando a pirâmide ‘vibra’ ela gera energia taquiônica, a energia do pensamento que pode curar. Jesus Cristo usou-a para transformar a água em vinho.
— Deus... Que viagem... — e se foi rindo.
Mas Tahira pegou-o pelo braço novamente alertando Najma.
— Não estou ‘viajando’. O caduceu, o símbolo da Sociedade Médica, era a sua vara de poder. Imhotep a usava para medir a quantidade de energia vital que um ser humano processava no seu interior, e captava essa energia vital identificando onde existiam desequilíbrios celulares eletromagnéticos. Com isso, curava elevando a frequência vibratória da aura ou campo eletromagnético da pessoa. Imothep misturava a magia com a medicina; alquimia pura. Suas fórmulas e remédios estão cheios de rezas e encantamentos, pois ele acreditava que a medicina não curaria sem que recebesse poder através da energia da palavra. Seus textos e ensinamentos passaram secretamente de geração em geração durante milênios. São a base dos conhecimentos Gnóstico, Templário, Illuminati, Rosa Cruz e Maçom.
— E os gregos os chamavam de princípios herméticos... Restabelecendo os chakras... — Sean olhou o Rio Nilo. — A energia vital necessária aos órgãos afetados. E que os abrindo pode matá-los — olhou-a. — Está acontecendo algo de onze em onze anos, não Srta. Tahira? Encarnados que vem ao planeta Terra para concluir etapas.
— Minha família dizia que sim.
— Por isso eu recebi o pacote há onze anos. E como ele não foi entregue, tiveram que esperar mais onze anos... E Mona precisou me preparar...
— Do que está se lembrando?
— Não sei. “Hidashar Hidashar”; e Samira viu a hora quando entrou na pirâmide, onze horas e onze minutos... — e foi a vez dele afastar Tahira mais longe ainda da vista de Najma que foi atrás deles. — Oscar havia mandado seu agente para Saqqara. Sabe por quê?
— Não faço ideia.
— Mas ela sabia...
— Quem sabia Sean yá habibi?
— Mona amiga... — Sean viu a grande mulher sentada em meio a almofadas de veludo. — Ela disse que havia uma capela falsa para dissimular um dos acessos ao complexo subterrâneo... — e parou de falar a encarando. — Preciso de um favor seu.
— Que tipo de favor?
— Preciso conseguir fazer uma viagem astral para... — e parou de falar quando Najma se colocou ao lado deles.
— Precisamos tomar um banho e nos deitar. Estamos cansados, Sean Khalida.
Sean olhou as duas se odiando.
— Claro! Estamos cansados — e não voltou a falar nada.
Elas também nada falaram.
Os três se encaminharam para dentro do hotel e suas colunas pintadas; e paredes que os remetiam ao tempo dos faraós.
— Sabe que os egípcios tinham uma visão rica em relação as suas deidades, Sean yá habibi? — Tahira olhava em volta toda aquela decoração exuberante.
— Sei? — Sean percebeu que Najma começou a respirar mais pesado com o ‘yá habibi’ no final da frase de Tahira.
E Tahira parecia saber aquilo.
— Há no Templo de Hathor, em Dendera, entre as muitas descobertas, figuras de estranhas criaturas humanoides reptilianas; alienígenas, suponho. Alguns com corpos de macaco, alguns com cabeça de macaco, ao lado de faraós e homens com cabeça de pássaro.
— “Cabeça de pássaro”? — e Sean sentiu que pisava areia.
“Sean... Sean... El Sean...”.
Ele olhou para Tahira, para Najma e elas subiam degraus limpos e decorados. Mas Sean estava num grande deserto, quente, com cinco carros em alta velocidade vindo em sua direção. Ele voltou a olhar para os lados e elas haviam sumido, e haviam sumido porque Sean estava sentado ao volante, olhando pelo retrovisor para um pássaro metálico que sobrevoava o deserto, no que emitiu uma luz vermelha que saiu de seus olhos, e o Jeep anos 70 explodiu.
— Ahhh!!! — e Sean foi ao chão, caindo três degraus até que elas conseguissem o alcançar.
— Sean yá habibi?! — gritou Tahira.
— Sean Khalida?! — gritou Najma.
Mas Sean esticou a mão para a primeira imagem borrada que viu à sua frente, Tahira, e Najma dessa vez não pareceu querer ficar tão complacente quanto se mantinha, e a empurrou longe, fazendo Tahira descer dois degraus.
— Está louca ou o que?! — Tahira se viu quase de ponta-cabeça.
E Sean não pôde nem ter tempo de entender algo porque Tahira saltou de onde estava para cima de Najma, que menor em tamanho, tombou para trás, para cima dele.
— Ahhh!!! — gritou Najma.
— Hei?! — gritou Sean olhando Tahira se preparando para atacar Najma outra vez. — Basta as duas! Que coisa mais ridícula!
— “Ridícula”? Jura? Porque não fui eu quem começou.
— Vê-se logo que ela quer é nos distanciar do que viemos fazer aqui Sean Khalida — disparou Najma.
— Ah! É Doutorazinha? E o que viemos fazer aqui? — Tahira deu um passo e Sean a puxou para trás não gostando do que ele fez, de fazer aquilo duas vezes.
Mas Sean não havia, era deixado Tahira se machucar porque leu os pensamentos poluídos de Najma como num apertar de botão. E havia algo grande e misterioso ali.
Tahira, magoada, se virou e começou a descer os degraus.
— Volte aqui! — e Sean desceu atrás dele, pegando-a pelo braço também.
— Maa tilmisnii! Não toca em mim! — Tahira se enchia de ódio descendo a escada.
— O que pensa que está fazendo?
— Utrukiinii! Deixa-me sozinha!
— Volte! Agora! — Sean apontou para cima onde Najma parecia lhe olhar com um ar de vitória.
— Você é cego? Jura? — e Tahira subiu a passos pesados e alcançou o segundo andar onde ficava o quarto deles.
Sean percebeu ali que Tahira gostava dele. Talvez até já tivesse gostando dele muito tempo antes. Sentiu-se vazio quando Najma não perdeu tempo pela confusão e o abraçou tomando posse.
Tahira ainda pôde os ver antes de entrar.
— Precisamos descansar — e Sean tirou as mãos de Najma que o abraçava.
Havia duas camas enormes, com tendas de sedas coloridas enfeitando a grande suíte, que tinha uma ampla e ensolarada antessala ricamente mobiliada com mobiliário clássico. As malas vieram depois da confusão da escada.
Sean deu uma gorjeta ao jovem carregador trajando quepe e jaleco, e pegou o jornal local percebendo que outra vez a Poliu intervira na mídia, e nada sobre a explosão do asilo Faãn chegou aos jornais.
Um banheiro de granito bege era todo adornado de torneiras douradas, e Tahira já foi adentrando e preparando água morna na grande banheira. Ela voltou ao quarto e começou a desmanchar a mochila quando Sean a segurou pelo braço pela quarta vez.
— Desça com o carregador — ele viu Tahira olhar o jovem ainda parado ali. —, fiz check-in para você noutra suíte.
Tahira agora tinha um olhar tão odioso que aquilo atravessou todas as barreiras de Sean. Ele sentiu que ela o odiara naquele momento e que ele a amara por aquilo. Ela pegou a mochila e parou na porta ainda de costas para ele e Najma, que ela sabia, se alegrava em vê-la saindo dali, do ninho de amor.
— Parece que todo aquele sexo na sacada de Abu Simbel não foi o que eu achava, não? — e saiu. Mas a gargalhada de Sean foi tão notável que Tahira voltou do corredor. — Do que está rindo?
— Rindo do seu jeito ridículo de ser, de rir, de se vestir Srta. Tahira — olhou-a de cima a baixo.
E foi uma Tahira tomada por algo que Sean não devia ter disparado que adentrou novamente o ninho deles.
— Jura? Então meu ‘jeito ridículo de ser’ lhe provoca risadas? — chegou tão perto que Sean teve vontade de parar o que fazia e atacar os lábios vermelhos que quase grudaram aos dele. — Aliás, Sean Queise, meu jeito nunca foi empecilho para você aceitar todas as minhas exigências sexuais.
Sean gargalhou mais debochadamente ainda jogando a cabeça para trás.
— Wow! “Exigências sexuais”? — Sean virou-se para Najma que o olhava espantada. — Não vai acreditar nela, vai? — apontou para Tahira.
— Não vou Sean Khalida?
— Ela é louca Najma! Nunca tive nada com ela. Ficou se esfregando em mim no alpendre agora a pouco, não viu? — gargalhava com gosto.
— Me esfregando?! — gritou Tahira um grito abafado.
— Ah! Qual é Najma? Eu nunca tive nada com ela...
Mas Najma também não estava gostando daquela situação.
— Como pode saber? Está com amnésia — retrucou a Doutora já começando a ficar incomodada por ter entregado seus sentimentos a um homem estranho.
— Porque eu posso saber!
— Então não foi ela quem você viu nua na jacuzzi?
O jovem carregador começou a gostar do trio ali.
— Não sei do que você...
— Não é ela que lhe veio a mente quando seu sexo rígido entrou em mim?
— Sexo rígido? Jura? — Tahira gostou e não gostou daquilo.
Sean arregalou os olhos azuis para Najma e Tahira ao mesmo tempo.
— Está louca Doutora? Não fizemos... — e se virou para a jornalista. — Não tive nada com ela!
— Tivemos! — exclamava Najma.
— Não tivemos! — Sean ainda encarava Tahira.
— Também tivemos Doutorazinha... Íntimos até não poder mais na jacuzzi com vinho Chardonnay.
Sean agora arregalou os olhos. Porque não era ela quem ele havia visto, era Kelly Garcia, que seu pai colocava a mão no ombro.
— Idiota! — exclamou ele para Tahira.
— Talvez... — Tahira voltou a ficar tão próxima dele outra vez que Sean nem respirava mais. — Talvez eu seja isso mesmo, uma idiota por te amar tanto — e a ruiva e bela jornalista saiu, sem saber que ela realmente mexia com os instintos dele, que descongelaram em algum momento ali.
Sean então olhou o jovem carregador ainda animado.
— Já viu tudo?
E o jovem carregador correu atrás de Tahira como mandado anteriormente.
“Droga!”
Sean só esperou ouvir a porta do banheiro com Najma dentro ser trancada e se dirigindo à suíte de Tahira. Adentrou no banheiro da suíte dela fazendo Tahira gritar, já enrolada num rico roupão branco.
— Por que o susto? Não éramos “íntimos até não poder mais”?
— Você é um idiota!
Sean gargalhou.
— Quero saber o que Oscar pretendia mandando-nos aqui? — foi seco e direto.
— Parece que não entende nada sobre o Sr. Roldman, não?
— O que ele queria?! — gritou.
— Não grite comigo Sean Queise! Já disse que não sei! Pensei que íamos ver alguém — ela estava tão brava com ele que sua presença ali a enervava.
Sean se encostou ao batente da porta e ficou a observando.
— Sabe por que falo árabe Srta. Tahira?
Tahira arregalou os olhos.
— Como é que é?
— Sabe! Porque esta informação, como outras, estão naquela pasta cor de vinho que Mona fez com letras que não podem ser lidas — e Sean viu Tahira o encarar ainda escondida no roupão do hotel que pela primeira vez há deixava um pouco mais normal. — Mas você conseguiu ler, não foi?
— Não sei do que está falando Sean Queise. Porque a única que sei de extraordinário sobre você, era através de você, nos encontros ufológicos.
— Mentira! Estava indo a Portugal, investigar-me na Poliu onde Dolores me inseriu.
— Inserido? Isso Sean Queise... Sean Queise... — Tahira riu. — Porque você nem pode imaginar no que estava inserido.
Sean sentiu o coração acelerar.
— E no que eu estava inserido?
— Jura? Porque você disse num desses congressos, que havia participado de algo, e mesmo que o tenha feito sem saber, se arrependia de ter feito algo para a Poliu.
— Arrependido? Eu? Nunca me arrependo de nada — Sean balançou o pescoço nervoso. — Do que me arrependi?
Tahira demorou a responder. Depois sentiu a temperatura da água e largou o roupão no chão fazendo Sean impactar com as nádegas sexy dela que afundaram nos sais perfumados.
— Disse que havia grandes conspirações feitas por uma Poliu mais antiga, na Núbia, hoje Sudão. E que você tinha provas disso numa pasta cor de vinho, que iria tornar-se pública em breve, para seu desespero e da Computer Co.; provável de seus pais também.
— “Tornar-se pública”? — Sean sentiu-se tonto. — Deus... Quem ia expor ao público a pasta cor de vinho? Eu ou a Poliu?
— Não sei. Imaginei que era outra pessoa já que isso prejudicaria você e sua empresa, a Computer Co..
— Por que imaginou isso?
— Porque você estava extremante nervoso com a ideia da pasta cor de vinho ir a público, já disse. Por Allah... Falo uma língua que desconheça?
Sean não gostou da ironia.
— Eu disse quando isso ia acontecer?
— Disse que aconteceria quando o pacote chegasse, no seu vigésimo terceiro aniversário.
— Deus... Então eu sabia sobre o pacote? — Sean se sentiu tão impactado que dessa vez precisou se apoiar na parede. — Mas Kelly foi... Kelly saberia se eu tivesse dito isso em algum congresso.
— Kelly não ia a todos os congressos Sean Queise. Porque você escondia dela muita coisa.
— Não... Não... Eu nunca teria dito isso.
— Como pode se lembrar?
— Eu posso!
— Como?
— Não interessa como. Porque posso voltar ao congresso e saber o que falei.
— Então volte! — o desafiava.
— Ajude-me!
— Como?
— Preciso trazer a Computer Co. de onze anos atrás até aqui.
— Como?
— Como não é importante. Preciso que você vigie meu corpo enquanto faço essa viagem.
— Mas você não vai viajar exatamente, vai?
— Mais que isso. Vou trazer o garoto Sean Queise de catorze anos até aqui e vou ficar no lugar dele, na mansão dos Queise.
— Vai o quê? — e um par de seios explodiu na banheira.
— Não faça isso de novo Senhorita. Vai estragar todo meu equilíbrio.
— Idiota... — foi a vez dela.
Sean riu e só teve tempo de se virar para não vê-la nua, no sair da banheira. Tahira o amou por aquilo e Sean foi para o quarto. Ela apareceu vestindo um roupão démodé, e com os cabelos vermelhos semiúmidos, o vendo sentado no sofá, apreciando toda dela.
— Como vai fazer essa troca? — insistiu.
— Não tenho a mínima ideia, mas troquei meu eu duplo pelo eu original, quando abri a valise. Então sei que preciso trazer o garoto Sean e o robô que ele ‘treinava’ para ser um Queise.
— E por que não pode simplesmente voltar a onze anos atrás?
— Porque você precisa me contar o que ele faz, o que ele vê, e como conseguiu descobrir que havia recebido um pacote que não lhe foi entregue. E não sei levá-la lá por tanto tempo e acabarmos no... no limbo.
Tahira sabia que tinha mais, mas não discutiu. Tudo aquilo que Sean fazia ou dizia fazer ela só havia ouvido falar, nunca ninguém fizera até então, até Miro Capazze não tinha aqueles dons; porque Miro só conseguia voltar ao Egito alienígena sob o efeito do Fator Shee-akhan, que ele, o último de sua linhagem, dominava.
— Então vamos lá? — prendeu o cabelo e o encarou.
— Não! Não agora! Vou ter que voltar e acalmar Najma.
— Jura? E por que você precisa fazer isso Sean Queise?
Sean só sorriu e se levantou. Depois parou na porta e se virou para ela; seios voluptuosos, coxas roliças, largos quadris no roupão que mais lembrava o da sua vó Adelaide.
E eram quadris que não passavam despercebidos por ele nunca.
— Você dança?
— Quê? — a pergunta foi tão despropositada que Tahira nada respondeu e a porta se abriu e se fechou após a passagem dele, sem que a tocasse.
Old Cataract Hotel; Aswan, Egito.
06/06; 23h00min.
O travesseiro de Tahira abaixou alguns centímetros e ela arregalou os olhos, se virando. Não havia ninguém ali, mas o cheiro dele exalava por todo o quarto.
Ela se levantou nervosa após dormir nua na cama macia, e chegou a sala usando um robe de um tom azul tão berrante que Sean piscou pela ardência.
— Wow! Suas roupas conseguem me surpreender cada vez mais.
Tahira o viu sentado, com uma calça de moletom, um tênis e uma camiseta básica para lá de agarrada.
— Você também me surpreende Sean yá habibi. Gosta de mostrar o tanquinho?
Ele se olhou e riu:
— A camiseta foi presente de Najma. Ela ainda acha que sou mais magro que sou na verdade — riu com gosto.
Mas Tahira não achou graça, se virou para o quarto e Sean estava na frente dela.
— Ahhh! Não faça isso de novo! — ela o viu sorrir outra vez, e era um sorriso cínico. — Você estava no meu quarto agora pouco?
Sean olhou para a porta onde ‘aparecera’.
— Não! Por quê?
— Nada... — empurrou-o sem ver dessa vez o sorriso cínico que ele dera. — E pode esperar do lado de fora?
Ele fechou a porta sem responder. Não que ele não quisesse ter ficado lá olhando ela vestir novamente aquela horrorosa camisola de tecido acolchoado e bordado que realmente mais lembrava os da sua vó Adelaide, que ele passou a lembrar-se bem.
Nada comentou, porém e ela voltou à sala.
— Preciso me deitar na sua cama e você fica aqui na sala, filmando trazer-me.
— Jura?
Sean não respondeu àquela ironia.
— Vou me concentrar e me bilocar. Preciso que tranque portas e janelas e não atenda nada nem ninguém. Por favor, não se assuste quando eu mesclar a sala daqui ao meu quarto na mansão. Não sei mesmo como vou conseguir entrar lá novamente, porque depois da morte de Sandy… — e parou de falar. — No entanto, acredito que por ela ainda não ter se matado, não haja energias gravitantes do seu suicídio lá. E não se assuste com o jovem Sean Queise de catorze anos, ele não era uma criança fácil.
— Jura? — foi só o que ela disse.
25
Mansão dos Queise; São Paulo, capital.
23° 34’ 12” S e 46° 40’ 20” W.
11/11; 23h00min - 11 anos atrás.
Foi apenas dez dias depois da tragédia que quase levou a Computer Co. à falência que o jovem Sean Queise recebeu aquele brinquedinho, o robô que havia sido trazido do Sudão, antiga Núbia, e mais precisamente de Nabta Playa.
Fernando Queise por duas vezes pensou em jogar aquele pacote fora, mas Sean estava ali, disponível, se tornando inteligente, se tornando um Queise.
Uma pancada se fez na porta do quarto dele.
— Entre! — exclamou um garoto alto para a idade dele, olhos azuis que se escondiam nos cabelos loiros e lisos, e um corpo que começava a mostrar modificação depois de horas de academia de luta Muay Thai e defesas Krav maga.
— Achei que já tinha ido dormir filho.
O jovem Sean Queise abaixou o som de ‘The Prodigy!’.
— Não estou com sono pai — o jovem Sean de catorze anos olhou para o corpo de Fernando Queise, que ficava transparente até ver que seu pai escondia algo atrás dele. — O que tem para mim?
Fernando alisou o bigode e sorriu.
— Só vim mostrar — entrou no quarto claro, de tons marrom e azul, com muitos vídeos games e um grande fliperama ocupando quase toda parede lotada de pôsteres dos seis ‘Friends!’ e da bela Pamela Anderson de ‘Baywatch!’.
Parecia até então, um garoto normal com a cama desarrumada e a cadeira lotada de roupas, próxima a janela que estava aberta, mostrando a Lua cheia de uma primavera quente.
— Nós a conhecemos?
— Como é que é?
— A mulher morena que mandou o robô — apontou. — Nós a conhecemos?
Fernando impactou.
— Ah! Não! Ela é amiga de...
— Ah! Daquele cara grandão que não gosta de mim.
— Chega Sean! Trevellis é meu amigo de escola.
O jovem Sean Queise de catorze anos não respondeu. Sabia que não devia se meter nos negócios da família, que sua mãe ficava furiosa quando ele fazia perguntas demais.
— Posso ver? — foi o que disse.
— Trouxe para você ver, não?
O jovem Sean Queise olhou Fernando de uma maneira que ele não gostou de ser olhado.
— Obrigado... — pegou o pacote e abriu-o sentindo algo ali, uma energia que lhe tomou todo o corpo numa rigidez.
— Você está bem Sean?
— Estou... — o jovem Sean Queise olhou em volta confuso. — Posso saber o que é isso?
— Um robô que a Computer Co. estava desenvolvendo.
— E por que ele tem areia?
— Um robô arqueológico.
— O que provocou os jornais me seguirem na escola?
Fernando sabia que ele sabia algo; o quê, não sabia.
— Ele sofreu uma pane no sistema, e não anunciou a rachadura na parede que causou o desabamento de uma pirâmide, que matou três arqueólogos no Sudão.
— Wow... Estamos encrencados? É por isso que a mamãe está nervosa?
— Sua mãe está nervosa?
O jovem Sean Queise percebeu que falara demais. Que ela sempre voltava feliz das viagens de férias pela Europa, mas que pela primeira vez, haviam viajado a Londres, fora das férias escolares dele, e ela voltara nervosa.
— Posso mexer nele?
— Perdemos o sistema Sean, não tem como consertá-lo. Vamos mandar para a linha de garbage e destruí-lo.
O jovem Sean Queise olhou o robô lhe olhando, sabendo que havia algo muito errado ali.
— Posso...
— Não Sean. Só trouxe para mostrá-lo.
— Ok! Devolvo amanhã.
Fernando olhou o quarto bagunçado de um garoto de catorze anos e sorriu.
— O sistema de laser foi danificado pela areia, e há componentes que derreteram pelo calor de 48 graus. No demais, é só ‘garbage’.
— Ok! Devolvo amanhã — repetiu.
Fernando não sabia se havia feito a coisa certa, mas Mona Foad avisara ainda pelo telefone que se ele não desse o pacote a Sean, o pacote voltaria onze anos depois, e onze anos depois, e onze anos depois, e voltaria para um Sean cada vez mais doente, fraco e triste, porque o futuro de Sean era nublado. E Fernando tinha medo daquela mulher, uma mulher vidente ou qualquer coisa assim que se importava demais com seu filho. E Fernando tinha realmente medo daqueles poderes, daquele tipo de poderes iguais de Oscar Roldman, iguais de seu filho.
Mas Mr. Trevellis tinha Mona Foad em tão alta estima, que Fernando se via numa eterna baixa de guarda. Não era diferente naquele momento, e ele fizera o que Mona Foad mandara.
— Amanhã de manhã o robô vai para Portugal; ok?
— Por que Portugal?
— Porque Barricas vai finalizar o sistema e faremos outras linhas de robôs.
— Massa...
E Fernando saiu.
O jovem Sean Queise de catorze anos sentiu todo seu corpo amolecer depois de toda tensão, tentando não demonstrar nada para seu pai. Porque também não sabia o que lhe fizera ficar tenso, mas havia algo ali, nos olhos do robô. O volume voltou a subir no aparelho de som e ele o olhou, o volume de ‘The Prodigy!’ que aumentou estremecendo todo quarto. O jovem Sean Queise então se virou e a gaveta lotada de ferramentas se abriu, mostrando um quarto que mais parecia uma oficina mecânica, e Sean abriu a traseira do robô que mais parecia um carrinho com cabeça e esteiras no lugar dos pés, retirando de dentro a placa derretida.
“Droga!”, percebeu que estava mesmo derretida.
Foi até a estante lotada de livros de filosofia e física, e pegou um maçarico ali escondido, e arrumou a lente de aumento começando a corrigir alguns setores da placa quando algo soou ali perto.
“Sean... Sean... El Sean...”.
O jovem Sean Queise de catorze anos se arrepiou todo e ordenou o som que abaixasse com um pensar. O som abaixou e ele virou-se para o quarto agora a meia-luz e em silêncio absoluto, e nada viu. Balançou a cabeça e voltou à placa quando sentiu que havia alguém ali.
— Quantos anos você tem? — o jovem Sean Queise de catorze anos nem tirou os olhos da placa onde trabalhava e o velho Sean Queise impactou.
Ele não poderia tê-lo visto ali, ele era só uma projeção do Sean Queise que ficara no Egito.
— Vinte e seis... — e o som mal saiu da sua boca.
O jovem Sean Queise teve medo de se virar, mas encarou aquilo. Mesmo porque vinha tendo visões para lá de estranhas já muito tempo.
— Wow! Como você é parecido comigo.
O velho Sean Queise ficou impactado duas vezes, olhava uma fotografia sua viva.
— Ah! Achei que eu...
— Que você havia se modificado?
— Não... Não pode estar me vendo. Não me lembro de já ter me visto mais velho.
— Entendo... — e o jovem Sean Queise voltou à placa do sistema corrompido. — Então acha que não podemos fazer isso?
— Isso o que?
— Voltar no tempo.
E o velho Sean Queise olhou em volta, para a bagunça, os pôsteres na parede, o fliperama.
— Não podíamos estar tendo essa conversa...
— E o que você quer comigo? — e o jovem Sean Queise se virou para ele. — Ou com você? — riu.
— O robô! — apontou. — Samira Foad Strauss nos mandou.
— Foi a arqueóloga morena quem me mandou o pacote?
— Como sabe que ela... — e o velho Sean Queise impactou mais uma vez. — Não sabia que havia recebido o pacote? Fernando havia mandando de volta... — e parou de falar.
— Que pacote foi mandado de volta? Papai me disse que ele chegou hoje de manhã.
E o velho Sean Queise realmente não estava entendendo. Só sabia que não podia falar nada, modificar nada, nenhum pensamento.
— Fernando... Nosso pai disse que o sistema estava corrompido, mas sei que o robô viu algo. Algo que preciso saber o que é antes que Barricas o destrua.
— Massa! Papai cogitou isso agora a pouco.
E o velho Sean Queise sentiu-se mal por ter brigado tanto com seu pai, porque parecia que ele fora um pai bom.
— Consegue algo com o robô?
— Você não consegue?
E o velho Sean Queise ergueu a mão em direção ao robô sem sair do lugar.
— Não! Não há energias gravitantes saindo dele. E nem sei se Barricas chegou a reaproveitar o material com que foi feito, depois que o desmontou, então... Então o que posso conseguir dele, é o que está em suas mãos — apontou novamente.
— Wow! Isso é massa, não? Além de conversar com mortos converso comigo mesmo do futuro — e o jovem Sean Queise riu. —, apesar de você parecer um tanto desbotado.
— É porque estou bilocado; sou uma projeção.
— Deveria entender o que falou?
Ambos riram.
— Não pode falar isso a ninguém.
— E para quem acha que vou conseguir falar?
Ambos riram outra vez, sabendo que não tinham amigos, que no final das contas eles se afastaram dele por aquilo mesmo, por ele ser um esquisito.
O velho Sean Queise olhou em volta novamente, e teve saudades daquele quarto, daquela vida, do amor de seus pais e uma Sandy Monroe transloucada entrou no quarto e acionou o gatilho.
— Ahhh!!! — Sean gritou na cama de Tahira, com ela em choque ao lado dele.
— Não grite Sean... Não grite ou a gerência vem até aqui.
— Não! Não! Não! — olhou-a suando muito. — Ela se matou! A desgraçada se matou.
— Quem? De quem está falando, Sean yá habibi?
— Sandy... Ela entrou no quarto e se matou.
— Ah! Sinto muito. Você perdeu a conexão?
— Você... — olhou um lado. — Você... — olhou outro lado. — O que você fazia aqui?
— Você disse que ia trazer o quarto até a sala, mas não eu não vi nada. Entrei aqui e você estava quieto, com seu corpo imóvel.
— Eu não... Não sei... — olhou-a em choque. — Eu conversei com ele.
— Com o garoto?
— Sim...
— Com você com catorze anos?
— Sim! Sim! Já não disse?
— E você podia?
— Não sei... Não sei... Deus... Então eu recebi o pacote?
— Como assim recebeu?
— Não era um papiro. Foi o robô da Computer Co. que eu recebi onze anos atrás — caiu na cama em choque. — Mas por que Oscar disse a Kelly que eu não havia recebido o pacote? Que meu pai não o enviou. E por que Mona mandou de novo o mesmo pacote, e agora com um papiro que... Deus... — e parou. — O papiro que eu recebi não foi o mesmo papiro que Samira tirou do esquife? Será que meu papiro nunca foi egípcio, não na concepção da palavra? Será que era o mesmo tipo de papel alquímico que Mona confeccionou para a pasta cor de vinho, onde Wlaster obrigou a Poliu a divulgar coisas sobre os Queise, os Roldman e os Trevellis, para desestabilizar Trevellis pessoalmente? Um papel que permite ler-se só o que quer que se leia, o que quer que Mona escreva?
Tahira demorou um pouco até digerir tanta pergunta, mas viu Sean suando muito.
— Vou buscar água — e pegou água para ele.
— Não! Posso vomitar se tomar algo…
— Vomitar? Vai voltar lá?
— Preciso saber se ele... Quero dizer, se eu consegui reestabelecer a comunicação com o sistema.
— Mas ele só tem catorze anos.
— Tahira, eu construí o banco de dados de Spartacus com quinze anos porque provável já treinava desde muito antes.
E uma forte pancada na porta do quarto se fez os alertando.
— Sean?! — gritava Najma. — Abra Sean!!! Sei que está aí!!!
— Deus... Se ela entrar, vamos perder a conexão — Sean olhou suas mãos tomadas de uma luz. — Veja! Ele... Eu estou me chamando...
— Você está o que?
— Abra Sean!!! Ou vou mandar derrubá-la!!! — ainda gritava uma Najma tomada pelo ciúme.
— Ela vai o que? — Tahira arregalou os olhos e dois homens derrubaram a porta da suíte dela quando Sean agarrou-a pelo braço e ela só teve tempo de gritar. — Ahhh!!! — e Tahira se viu dentro do quarto de um jovem alto, bonito, com catorze anos e olhos azuis, arregalados por ver-se ali mais velho, com alguém atrás dele.
— Wow! — o jovem Sean Queise de catorze anos deu um pulo da cadeira. — Quem... Quem é ela? — perguntou.
O velho Sean Queise tremia mais impactado do que nunca.
— Você está... Você está... Não posso falar.
— Ela é ruiva?
E Tahira escorregou os olhos verdes de detrás do velho Sean Queise para vê-lo.
— Jura que você já era tão alto assim?
O velho Sean Queise fez uma careta, mas o jovem Sean Queise quis responder àquela mulher bonita.
— Sim. Os médicos disseram que eu dei um ‘estirão’ e alcancei 1.70m; e espero mesmo que não pare por aqui — o jovem Sean Queise riu olhando o velho Sean Queise com no mínimo 1.80m. — Por isso mamãe me faz fazer Krav Maga e Muay Thai, num uso combinado de punhos, cotovelos, joelhos, canelas e pés — e deu um chute no ar para impressionar uma Tahira impressionada.
— Mamãe mandou fazer Krav maga porque nos quer na Polícia Mundial! — exclamou um velho Sean Queise furioso.
— Onde? — exclamou um jovem Sean Queise confuso.
E os dois Sean se olharam e desviaram olhares. E ambos sabiam mais do que diziam.
— O robô! — apontou o velho Sean Queise cada vez mais nervoso.
— Não sei — respondeu o jovem Sean Queise. — Parece que uma das entradas do sistema ótico está danificada — e se virou para ele próprio. — Sabia que o papai estava desenvolvendo isso? Porque isso... Meu... Está à frente do tempo.
— Fernando desenvolve coisa pior para a Poliu.
— Sean! — Tahira chamou-o a atenção.
Os dois Sean se olharam novamente e desviaram olhares.
— Por que ela está vestindo uma camisola igual da vó Adelaide?
— Prossiga!
E o jovem Sean Queise não gostou de levar bronca dele mesmo.
Suspirou nervoso e prosseguiu:
— Ok... Depois que você sumiu, eu desmontei a placa de circuito impresso; as resistências de 330 O, as resistências de 10K O, as resistências de 100 O e os diodos de silício 1N4007 — apontou para peças em cima da mesa.
— O cérebro do robô é o que chamamos de pequeno computador digital, que fica dentro de um circuito integrado. A este componente chamamos microcontrolador e constitui um dos avanços mais espetaculares da Microeletrônica moderna — completou o velho Sean Queise.
O jovem Sean Queise olhou Tahira antes de continuar a se debruçar sobre o circuito do robô.
— Ok! Então refazemos a conexão e a comunicação desse cérebro com as rodas... Assim como os sensores que emprega na detecção de obstáculos... — religava tudo. — E papai disse que ele teve um problema no seguimento de trajetória, e ele saiu da pirâmide fugindo de algo, para então se encher de areia.
— ‘Papai disse’?
— Sim. Daquela maneira que ele diz — ambos riram sabendo que ele lera os pensamentos de Fernando Queise. — E agora? — o jovem Sean Queise questionou ao velho Sean Queise.
— Os circuitos eletrônicos de interface, precisam se adaptar as características do elemento que envia a informação e ordens que recebe. Vai ter que... Droga! Ainda não existem computadores com essa precisão matemática.
— Mas você sabe fazer não? Contas? É o que dizem na Computer Co. sobre... — e o jovem Sean Queise escorregou um olhar para Tahira. —, sobre nós.
O velho Sean Queise o olhou não querendo ter olhado e sentou-se na cadeira após o jovem Sean Queise se levantar e dar-lhe o robô para trabalhar. E o velho Sean Queise sentou-se sem realmente ter entendido todo o significado daquela frase, do ‘é o que dizem na Computer Co. sobre nós’, porque só depois dos quinze anos a Computer Co. falaria aquilo.
Começou a trabalhar já que estava ali, teletransportado, conversando com ele mesmo onze anos atrás, remontando uma placa e circuitos integrados com o que tinha naquela época, ao lado de um jovem Sean Queise de catorze anos, encantado com o que se tornaria.
Ambos riram, porque ambos se comunicavam; ou como diria Mr. Trevellis, como até Deus duvidaria.
— Isso aqui são componentes passivos, fabricados com materiais isoladores que oferecem uma resistência determinada à passagem da corrente elétrica, que vem definida pela Lei de Ohm. Se aplicarmos o dobro de tensão, circulará o dobro de corrente. A função entre estes dois parâmetros fundamentais é linear... — e o velho Sean Queise apontou. —, é o que eu vinha desenvolvendo com Gyrimias quando... — e de repente o encarou impactado. — Não podia lhe dizer isso, não é?
— Acho que você não podia nem estar aqui Sean yá habibi, quanto mais ‘dizer isso’ — falou Tahira muito brava quando os olhos do robô acenderam e todo o quarto se tomou de raios vermelhos. — Ahhh!!! — gritou ela.
— Shhhiu! — disseram os dois.
Tahira olhou um e outro.
— Jura?
— E agora? — o jovem Sean Queise olhava imagens desfocadas e em curto, tomando conta do quarto.
— Droga! Precisamos resolver o problema de rastreamento linear da trajetória nos manipuladores robóticos, para garantir que o erro de rastreamento tenda assintoticamente para zero, em quaisquer condições iniciais, assumindo que o modelo dinâmico do manipulador seja conhecido pelos mainframes.
— Wow! — exclamou o jovem Sean Queise sem entender nada.
— Wow! — repetiu o velho Sean Queise vendo as imagens de Afrânio em pé, ao lado de Samira, ao lado de Clarice se fazendo nítidas, dentro do que parecia ser uma pirâmide.
— Quem são? — perguntou o jovem Sean Queise.
— Os três arqueólogos mortos — apontou o velho Sean Queise quando chiados se fizeram e se firmaram.
“Anote a hora, Samira!”
“Onze horas e onze minutos, Afrânio yá habibi”.
Soou ali no quarto de onze anos atrás.
— Droga! Achei que o robô só gravasse imagens.
— Não sabia que havia sons gravados, Sean yá habibi? — perguntou Tahira.
— Não...
Os três olharam em volta e a holografia mostrava um lugar circular e iluminado por onze lamparinas. Tahira se ergueu no pé para olhar dentro das lamparinas, já que todo o quarto fazia parte da holografia e o quarto estava dentro da pirâmide aberta por ‘Abracadabra!’.
— O que há dentro das lamparinas, Sean yá habibi?
— Não sei... — olhou-a dizendo ‘Shee-akhan’.
Ambos recuaram nos pensamentos e o jovem Sean Queise nada captou, ou acharam que nada captou quando as vozes dos arqueólogos voltaram ao áudio.
“Por que eles estão oferecendo a areia àquela esquisita figura de leoa?”
“Não sei Dra. Clarice. Talvez agradecendo a terra, alguma colheita bem farta”.
“Talvez oferecendo a “Terra”, Afrânio yá habibi”.
Voltou a soar quando Afrânio arrancou o lápis do coque de Clarice e se pôs a reproduzir no caderno de anotações um croqui do que via, na exata ordem de adorações.
— Deus... — apontou o velho Sean Queise para a leoa de pelagem vermelho-amarelada feito fogo, na parede da pirâmide. — Veja!
— Nunca vi deus algum assim no Egito — Tahira se fixou na figura da leoa com máscara de íbis.
“Nunca vi deus algum assim no Egito” soou a voz de Clarice.
Tahira olhou o velho Sean Queise e agora ele sabia que havia uma ligação entre elas duas.
Nada comentou.
“Veja Afrânio yá habibi! A areia que ofertam é verde”.
“A daqui também. Ela é mesmo esverdeada... e fedida”.
“Como pode ser uma areia esverdeada? Será que tem haver com aquela planta Shee-akhan?”
“Está deduzindo isso ou fazendo leituras das energias gravitantes dela, Samira ma chère?”
“Não estou fazendo nada Afrânio yá habibi. Não consigo sentir absolutamente nada vindo dessa coisa verde”.
— Wow! — foi a vez do velho Sean Queise voltar a exclamar. — Por isso não senti nada quando entrei na pirâmide de Nabta Playa, o Fator Shee-akhan não permite nenhuma leitura energética. E foi por isso que Afrânio e Samira morreram pelo CHE, porque levaram o Fator Shee-akhan para o laboratório de Corniche el-Nil antes de saber do que a planta era capaz, já que não foram preparados pela Escola do papiro... — e o velho Sean Queise parou outra vez para ver um jovem Sean Queise interessadíssimo em tudo o que via e ouvia, quando agarrou o braço de Tahira e ambos se teletransportaram para dentro do closet.
Tahira e o jovem Sean Queise nem tiveram tempo de entender a atitude do velho Sean Queise e uma bela jovem de seus vinte e oito anos, de cabelos negros, abria a porta do quarto dele.
— Oi... Posso entrar? — e era a jovem e bela Kelly Garcia ali na porta.
— Kelly... — soou da boca do velho Sean Queise e Tahira não gostou daquilo, escondida dentro do closet com ele.
— Desculpe-me... — prosseguiu ela para o jovem Sean Queise. — Sua mãe disse que o banheiro ficava no fim do corredor, mas há tantas portas aqui.
E o jovem Sean Queise nunca havia sentido aquilo por uma mulher, nada depois de Pamella Anderson, era claro.
— Você... Você quem é?
Ela entrou.
— Sou Kelly Garcia — esticou uma mão suave para ele. — Acabei de chegar da Espanha e vim ser... — e caiu no chão com o toque de mãos de Tahira no ombro dela.
— Deus... O que fez? — perguntou o jovem Sean Queise.
— Deus... O que fez? — perguntou o velho Sean Queise.
— Nada, Sean Queise — foi aos dois que ela respondeu. — Não podia deixá-la prosseguir.
— Kelly... Kelly... — o velho Sean Queise passava a mão no rosto dela, nos cabelos negros, nas mãos dela que acariciava, de uma Kelly caída no chão do quarto dele. — Kelly? Responda... — e a levantou no colo olhando um lado e outro no bagunçado quarto, quando viu o jovem Sean Queise o olhando. — Não tire conclusões precipitadas, ok?
— Ok... — e o jovem Sean Queise cortou a própria fala para afastar as muitas roupas jogadas em cima da cama, para ela deitar.
— Vamos ao que interessa? — a voz de Tahira já não era de boa vizinhança.
Mas o velho Sean Queise estava paralisado, hipnotizado pela jovem Kelly Garcia deitada na cama, de lábios vermelhos no batom usado que ele tocou com os dedos sentindo toda a umidade.
O jovem Sean Queise arregalou os olhos azuis e foi a vez dele:
— O robô! — apontou.
O velho Sean Queise engoliu aquilo sem querer ter engolido, pensando se não havia criado um grande e maciço paradoxo com ele jovem e ele velho, e ambos sabendo tudo o que ia acontecer. Porque ficou realmente tentado a avisar sobre o Jeep anos 70, a amnésia, e o ciúme da mulher na cama, mas relevou. Não se perdoaria se quebrasse algo quando a imagem do robô ligou e começou a se adiantar na gravação.
— O que está fazendo?! — gritou Tahira.
— Eu não fiz nada! — o velho Sean Queise arregalou os olhos. — Me viu tocar em algo?
— Você não...
E a imagem e o som se firmaram outra vez.
“O que um códice sumério fazia na baixa Núbia?”
“Não sei, mas o Enuma Elish diz: ‘Meu filho, levante-se de sua cama! Use sua sabedoria e crie um substituto para que os deuses possam deixar suas ferramentas!’”.
“Você não sabe do que está falando!”
“Por que acha que não, Joh Miller? Você está com medo de que seja ele? O garoto dos Queise?”
— Quem é o baixinho? — perguntou o jovem Sean Queise.
— Um agente da Poliu — respondeu o velho Sean Queise.
— A Poliu daquele grandão que me odeia?
— Ele te ama. Você é o filho homem que ele desejava ter tido.
Os dois se olharam e riram outra vez.
Tahira não entendeu nada.
— Ande logo Sean Queise! Não sabemos o que vamos encontrar no Old Cataract se demorarmos a voltarmos.
— ‘Old’ onde? — perguntou o jovem Queise.
E o velho Sean Queise e Tahira se fuzilaram.
Mas as imagens mostravam mais, o robô ainda estava ligado dentro da pirâmide.
— Veja o chão Sean yá habibi... A areia é realmente de um tom esverdeado. Tudo, até as paredes são esverdeadas.
— Veja melhor as paredes Tahira... Está na ordem correta; crânios alongados, mulheres de máscara mortuária egípcia e a leoa de pelagem vermelho-amarelada usando máscara de íbis.
— Isso é impossível! Minha família disse que as mulheres... — e ambos pararam outra vez ao ver o jovem Sean Queise de olhos arregalados para a imagem.
— Eu sabia desde os catorze anos sobre uma nova dinastia em Nabta Playa... — e o velho Sean Queise viu Tahira se virar para ele. — Por isso mudei Spartacus de órbita...
— Quem é Spartacus? — e o jovem Sean Queise os alertou. — O escravo grego dos livros de história?
E o velho Sean Queise previu os passos de um Fernando Queise próximo à porta do quarto, quando ele se jogou, agora fisicamente, para dentro do closet com Tahira tropeçando em toda aquela bagunça, carregando o robô e a luz do laser ainda acionada.
O jovem Sean Queise só teve tempo de arrastar o biombo de madeira com a força de pensamento para frente da porta do closet e seu pai entrou.
— Você viu aquela... — e Fernando parou ao ver Kelly Garcia deitada na cama dele.
— Não tire conclusões precipitadas, ok?
Fernando olhou um Sean de catorze anos.
— Ok...
— Ela estava procurando o banheiro e desmaiou.
— E você pensou em descer para nos chamar? — olhou-a de perto.
— Não... Quero dizer... Sim... Mas ainda...
Fernando só virou os olhos.
— Ainda nada. Ajude-me a tirá-la daqui — e a pegou no colo para ciúme de um velho Sean Queise dentro do closet.
— Jura... — sussurrou Tahira sem que Sean conseguisse falar algo.
— Mas onde vai levá-la? — perguntou um Sean jovem e tão enciumado quanto o outro. — Porque se a mamãe a ver no seu colo vai ter mais problemas que eu.
— Deixe de besteira! Ela veio da Espanha para ser sua first, Sean.
— E para que preciso de uma first?
— Para que sua mãe não me traga mais problemas.
E o velho Sean Queise sentiu aquilo como nunca. Ele era um problema trazido por sua mãe. Colocou o robô na prateleira ao lado e escorregou até o chão do quarto do Old Cataract, com a porta derrubada pelos homens ali mandados.
— Como... — Tahira olhou um lado e se viu de novo no Old Cataract. — Como... — Tahira olhou outro lado e viu Sean em choque, no chão do quarto chorando. — Sean yá habibi...
Ele então se levantou e a encarou.
— Vamos! — limpou o rosto. — Temos uma visita a fazer! — e Sean saiu pegando a carteira e uma chave de carro trazida antes da viagem.
26
Elefantina; Aswan, Egito.
24° 5’ 0” N e 32° 53’ 0” E.
07/06; 03h00min.
Elefantina é uma ilha no Rio Nilo, no sul do Egito, situada frente à cidade de Aswan. Encontra-se a cerca de 900 quilômetros a sul do Cairo e tem cerca de 1500 metros de comprimento, e 500 metros de largura. Em Qubbet el-Haua, localizam-se túmulos escavados na rocha de governantes locais da época do Império Antigo, XII dinastia onde destaca-se nilômetro, mencionado pelo grego Estrabão, que era uma forma de medir o nível do Nilo, e que consistia num conjunto de oitenta degraus que se acham na costa, junto ao rio, onde é possível observar marcações nas suas paredes que remontam ao período romano.
E o endereço que constava na agenda, escrito em amarelo, dizia que o ex-agente, Joh Miller, morava na área nobre da Ilha Elefantina, um bolsão de areia.
Sean e Tahira alugaram em frente ao hotel, apesar da hora adiantada, uma felucca, espécie de barco à vela que navegava pelo Rio Nilo, para poder atravessar de Aswan até a ilha. A ruiva jornalista vestia uma comportada caftan de veludo preto, com bordados dourados e renda negra nas mangas longas, e que ia até os tornozelos, a deixando lindíssima. Sean havia mandado a direção do hotel, trazer da boutique antes de toda confusão, e ela relutou muito até vesti-la, mesmo sabendo que havia ficado linda e que os olhos dele brilharam para ela pela primeira vez.
Ambos chegaram numa afastada casa de pedras, onde estacionaram o jipe alugado no cais, e dois homens se identificaram como agentes da Polícia Mundial, lá montando guarda.
Foram levados até uma sala ampla, de paredes cobertas por tapetes persas.
— Ah-la u sahla, Sean Queise — foi logo dizendo um homem calvo, baixinho, gordo, de pele amorenada e andar engraçado, que vestia uma yelek, uma túnica tão longa quanto a de Tahira. — Sou Joh Miller.
— Obrigado por nos receber apesar da hora, Joh Miller — agradeceu Sean apontando depois para Tahira. — Essa é a jornalista Tahira Bint Mohamed, ela está comigo.
— Ah-la u sahla, Srta. Tahira Mohamed.
Ela agradeceu com um movimento de cabeça e Sean viu que os onze anos que separavam o homem da holografia, do homem que os recebia, havia sido de muita cerveja na barriga.
— É bom ver que está vivo e inteiro Sean.
— Digo o mesmo Joh Miller — e Sean sentiu todo seu corpo se arrepiar no que as mãos foram tocadas no cumprimento.
Nada comentou.
— Por que o Sr. Roldman mandou-me vê-lo Joh Miller?
Joh Miller riu.
— Mas você viria mesmo ele não mandando, não é Sean Queise? Porque sabe de algo que Oscar não sabe — apontou duas cadeiras vazias numa sala ampla, mas não muito grande, com móveis regionais, uma rede e um ventilador ocidental extremamente colorido, virando no teto alto de luzes acesas por causa da madrugada escura. — Querem karkadé? Uma infusão à base de hibiscos secos.
— Adoraria — falou Tahira rapidamente no que Sean olhou-a irritado. — O quê? Não jantei, estou com fome — completou decidida.
— Heleme é minha cozinheira — apontou o ex-agente Joh Miller para uma grande mulher que adentrou a sala vestindo um penhoar por cima da grande camisola, após ser acordada com o movimento de carro. — Karkadé, Heleme. Jib khâbez — pediu infusão para depois pedir que trouxesse pão para Tahira, que comia tal qual esfomeada as frutas que estavam ali na mesa.
Sean desistiu de tentar fazê-la mudar de atitudes, achava que no fim de tudo, gostava era do jeito escandaloso e imprevisto dela.
— Agora podemos conversar? — Sean os interrompeu.
Joh Miller riu outra vez.
— Então deixe me apresentar melhor. Sou Joh Miller, ex-agente da Poliu aqui no Egito, antes do agente Wlaster Helge Doover roubar meu lugar — foi direto.
— Achei que fosse você o traíra da Poliu que colocava na rede, em listas de e-mails, segredos da corporação de inteligência?
Joh Miller riu, tenso, porém.
— Não como os segredos que Wlaster queria divulgar.
— Segredos sobre meus dons paranormais.
— Isso! Wlaster queria divulgar sobre seus siddhis.
— E por que queria falar pessoalmente comigo?
— Porque você mandou que fosse assim.
— Mandei? — Sean olhou Tahira. — Como assim ‘mandei’?
— Porque quando me contratou disse que só voltasse a falar com você quando descobrissem que você não estava morto.
Sean nunca havia sentido tanto medo quanto naquele momento. Sua ida ao passado havia criado algo.
— “Amor é um fogo que arde sem se ver; é ferida que dói, e não se sente; é um contentamento descontente; é dor que desatina sem doer”.
— Do que está falando Sean yá habibi?
— Luís Vaz de Camões, ele criou um paradoxo em seu poema — virou-se para uma Tahira sem entender nada. — Não vê? Eu sabia. Eu sempre soube.
— Sabia o que?
— Eu falei para Mona quando estive em Portugal, que nós dois havíamos recebido o pacote, porque eu realmente me vi onze anos atrás, no meu quarto, recebendo o robô. E provável sabia que ia lhe conhecer. Por isso estava tão nervoso no voo para Portugal, pedindo para você ir direto ao ponto.
— Mas... Mas...
— Não vê Tahira? O paradoxo existe porque o poeta não sente o que dói, mas se o amor é uma ferida que dói como pode ele não sentir? E porque naquela noite, eu rompi com o que os especialistas chamam de ‘Paradoxo do Deslocamento em Trânsito’, onde um viajante do tempo leva com ele seu próprio tempo, o presente do modo exato que estava no momento de sua viagem, o que não pode afetar nem provocar qualquer alteração na história, depois que volta ao ponto de partida.
— Mas algo deu errado...
— Sim Tahira. Porque o viajante pode sofrer efeitos dessa alteração quando voltar à sua matriz temporal, já que modificou algo.
— Por Allah, Sean yá habibi... E então o jovem Sean Queise modificou algo?
— Não sei... Não sei...
— Mas por que o jovem Sean Queise também não pôde ir ao futuro e ver que ia explodir em Nabta Playa?
E Sean olhou em volta sabendo que estava tudo errado.
— O terceiro Sean...
— Quem?
— Não sei ‘quem’ Tahira, mas algo me brecou de conseguir saber que um drone se aproximava do Jeep anos 70, e que ele ia me explodir no deserto, enquanto senti na Unicamp a aproximação do drone, e saí correndo salvando Dolores e os agentes da Poliu.
— Dolores Trevellis? — Joh Miller se animou.
— A conhece suponho.
— Conhecer? Sempre estivemos juntos divulgando coisas — Joh Miller riu.
— “Juntos”? Por que Dolores queria se vingar pela morte de Sandy, sua amiga?
— “Amiga”? Não! Mais que isso! Sandy era pupila de Dolores, que a preparou para conseguir informações privilegiadas na Computer Co., com você.
— Desgraçada! — Sean sentiu que tudo aquilo estava sendo derrubado sobre ele muito rápido. — E tudo porque ela queria o cargo do pai?
— Sim.
— Sanguezinho bom aquele.
Joh Miller se divertia.
— Mas Sandy falhou, se matou e Dolores Trevellis foi castigada pelos Misteres e Mistresses da Poliu sendo deslocada para ações secundárias, o que a fez começar a me procurar para se vingar da Poliu, já que Wlaster fazia seu trabalho de derrubar a corporação de inteligência, sozinho.
— Então você e Dolores começaram a divulgar coisas que Sandy conseguia comigo?
— Sim, como o seu conhecimento sobre uma dinastia alienígena em Nabta Playa.
— Droga! Ele prestava uma atenção e tanto — Sean olhou para Tahira e ela o olhou sem entender aquela frase. Porque ele falava dele mesmo. — Como consegui encontrá-lo Joh Miller? Kelly disse que você era um ‘arquivo morto’.
— Ah! Isso só você vai poder dizer, já que não me explicou como apareceu no meio dessa sala dizendo tudo o que poderia fazer para me destruir caso eu não ‘cooperasse’. E como eu não queria que a Poliu me descobrisse, aceitei os privilégios que Oscar Roldman me propunha, como os agentes da Polícia Mundial na minha porta, me protegendo — apontou para fora.
— Então falei a Oscar que lhe contratei?
— Acho que sim. Os agentes estão lá fora, não? — apontou novamente.
— Mas ele não me disse nada... — olhou o infinito. — Droga! Em que momento exato lhe contratei, Joh Miller?
— Quando você chegou a Portugal para visitar Mona Foad, disse que iria ao Sudão no dia seguinte, e que você ia a Nabta Playa conseguir entrar na pirâmide e sentir as energias que seu ‘eu mais velho’ não conseguiu, porque de onze em onze anos, o portal se abria.
— Droga! Droga! O que eu fiz?
— Não sei. Mas disse que ia provar algo a seu pai, fechando ‘custo o que custasse’ a concorrência com a Eschatology Inc., para reaver o nome da Computer Co. no ramo arqueológico.
— E para que lhe contratei afinal? — insistiu.
— Para descobrir o último elo — Joh Miller olhou Sean outra vez alertado. —, o elo que permitiria você provar que a Computer Co. não matou os três arqueólogos.
“E por que a Srta. Tahira é importante, Dolores?”
“Ela é o último elo com a entidade de mulheres que protegiam as mulheres faraós”.
Sean só escorregou um olhar para Tahira e nada disse.
— Prossiga! — olhou Joh Miller.
— E vou prosseguir Sean Queise, porque encontrei o portal da Esfinge; o último elo.
Tahira se engasgou até ser socorrida pelo tapa que Sean deu nas suas costas. Um grande tapa que fez ela o olhar assustada.
— Você está mentindo! — disse Sean a Joh Miller.
— Não! Não! — fechou a porta que dava acesso à escada que por sua vez dava acesso a outros aposentos, e trancou também a porta que dava acesso a cozinha. — Todos concordam que a Esfinge é uma relíquia de outro tempo, de uma cultura que possuía um conhecimento muito maior.
— Esfinge? Fala da esfinge de Gizé?
— Não exatamente. Há uma tradição ou teoria que diz que a Esfinge é uma biblioteca em pedra que contém a totalidade do conhecimento antigo, e se revela à pessoa que puder decifrar as formas, correlações e medidas das diferentes partes dela.
— “Decifra-me ou te devoro”!
— Sim, este é o famoso enigma da Esfinge.
— Mas a esfinge que vi, ficava na Núbia.
— E fica!
— Fica? Em Nabta Playa?
— Num grande número de monumentos escavados no delta do Egito, existe sempre um santuário contendo uma Esfinge com a cabeça humana, que dizem ser uma forma bem conhecida do deus Harmarchis.
— E Harmarchis é uma forma mesclada do antigo nome egípcio Hor-em-Akhet, o qual significa Horus-no-Horizonte ou Horus-Habitante-no-Horizonte. Já o nome Horakhti, significa Horus-do-Horizonte.
— Isso Srta. Tahira! — Joh gostou dela, de algo nela. Depois olhou Sean não gostando do que ele gostava. — O que nos leva a acreditar que uma Esfinge está no horizonte e outra Esfinge é do horizonte. E ambas as Esfinges são chamadas habitantes do horizonte.
— Duas Esfinges? — perguntou Sean confuso quando sons ecoados de uma leoa em ataque invadiram seu ouvido, para então um calor subir da pedra que revestia a casa de Miller. Pessoas esticavam as mãos enterradas no chão da sala, pediam socorro. Sean tentava raciocinar, sentindo-se saindo do corpo. Acordou com o toque de Tahira a olhando assustado. — Ahhh...
Ela percebeu que ele viajara para algum lugar. E esperava mesmo que não fosse para a cama de uma espanhola que acabara de chegar da Catalunha.
— O que houve Sean? Está vendo coisas? — mas foi Joh Miller quem perguntou.
Sean só o olhou.
— Prossiga...
Joh Miller o fez não gostando do tom usado por ele.
— Na estela, um monólito de granito de Thutmes IV encontrada entre as patas da Esfinge, podemos observar que Gizé é descrita como “o horizonte – Akhet – de Heliopolis no oeste”, ou seja, um reflexo no oeste do que os observadores em Heliopolis podem ter visto no seu horizonte, a leste, antes do amanhecer no solstício de verão. Então as Esfinges podem ser gêmeas; Horus-no-Horizonte e Horus-do-Horizonte.
— Porque a segunda Esfinge existe realmente e está enterrada em algum lugar do deserto de Nabta Playa esperando para ser descoberta?
— Ou ela é uma imagem holográfica do portal que se abre quando os alienígenas vêm aqui.
— Deus... A Poliu está à procura do portão interdimensional que as amigas de Mona vêm energizar — concluiu Sean. — É isso que Mark O’Connor da Eschatology Inc. queria da Computer Co. em Nabta Playa, encontrar o portal; e tudo vinha de uma Computer Co. portuguesa, onde Barricas destruiu o robô que criara para uma Poliu portuguesa, onde Mona, Samira, e Clarice trabalhavam, e onde você ia visitar alguém, não é Tahira? — a olhou.
Tahira parou o terceiro pão no ar. E falou tudo que tinha a falar.
— Minha mãe dizia que vestígios comprovavam que a atual cabeça da Esfinge de Gizé era muito pequena para o seu corpo, comprovando que ela deve ter sido esculpida em uma cabeça muito maior da que encontramos parcialmente enterrada.
— Sua mãe?
Tahira sorriu sabendo que mais cedo ou mais tarde Sean chegaria ali.
— Sim Sean yá habibi. Porque ela sabia que todas as esfinges encontradas no Egito tinham suas cabeças proporcionais ao corpo, só a esfinge de Gizé é pequena; o que prova que houve uma restauração talvez pelo faraó Quéfren que a reconstruiu sua imagem.
— E que imagem a esfinge de Gizé tinha antes, Srta. Tahira?
— Minha mãe achava que ela tinha a mesma imagem de sua esfinge gêmea na Núbia; a imagem de uma faraó-leoa — olhou Sean. — A esfinge que você viu sendo construída.
— Sekhmet?
— Sim.
— Mas então falamos de alienígenas felinos?
— Mesma família, compartilhando da mesma genética e DNA espiritual que nós, que viemos das Plêiades, bem como de Arcturos e Sirius. Porque esses alienígenas felinos já viveram em Marte e no meio de nós, aqui na Terra durante a Lemúria, a Atlântida e no período do Antigo Egito, adorados por vocês, incluindo Bast, Sekhmet e muitos outros na Núbia; seres altos, com cabelos vermelho-dourado e, normalmente, olhos castanhos ou verde-dourado.
— Wow! Srta. Garcia teria dito quanta sandice — riu e parou de rir na cara séria de Tahira.
— Os Felinos são seres poderosos, altamente evoluídos, amorosos, gentis e de natureza benevolente Sean.
— O leão que vi não tinha muita benevolência em sua genética, acredite Joh — Sean e se virou para Tahira. — Teria como sua mãe Clarice confirmar isso?
— Esperem... Esperem... — Joh Miller se ergueu apontando para uma Tahira escondida na caftan. — Você é filha de Clarice?
— Filha adotiva. Minha mãe me encontrou no deserto de Nabta Playa, andando a esmo após o acidente que matou meus pais. Afrânio e Samira haviam ido para o Cairo e ela conseguiu me tirar do Egito e me levar para Portugal após chantagear o seu agente — olhou Joh Miller.
— Clarice conseguiu chantagear Wlaster? Com o que?
— Não sei. Mas até hoje ele não nos incomoda.
— E onde ele não as incomoda Srta. Tahira? Lisboa, Portugal? Onde Clarice era agente da Poliu?
— Sim Sean yá habibi...
— Deus... Por isso Dolores estava naquele voo para Portugal. Ela realmente estava atrás de você... — ele viu Tahira cabisbaixa. — Que acidente foi esse?
— Não lembro. Toda minha memória para o acidente ficou comprometida. Mas ao contrário de você, eu sabia quem eu era. Contei a Clarice que minha família pertencia a escola do papiro, que cuidava a milênios de uma entidade de homens sem nome que vieram do céu à Terra, e que nos ensinaram tratados secretos como alquimia.
Sean não acreditou naquilo, não em tudo.
— Como Clarice conseguiu abrir aquela pirâmide usando ‘Abracadabra!’ Tahira?
— Abracadabra é uma palavra cabalística, usada como um encantamento ou uma magia, na crença de que tinha a virtude de curar certas enfermidades. Pode derivar de uma frase aramaica que significa ‘eu crio enquanto falo’.
— E está intimamente ligada ao número onze, feita em onze linhas, com uma letra a menos em cada linha, de cima para baixo, formando um triangulo até a palavra ir diminuindo, até sumirem de todo.
— Sim Sean yá habibi. Por isso ela abriu a pirâmide.
— Clarice lhe contou sobre Nabta Playa e o que encontraram lá? — foi Joh Miller quem perguntou.
— Não naquele momento. Mas anos depois.
— Exatos onze anos depois. Porque foi Clarice quem mandou o segundo pacote, não? — Sean a encarou e Tahira não sabia mais como sair das mentiras que guardavam seus segredos até então. — Mas por que você ia ao meu flat?
— Para ter certeza que seu pai não iria recusá-lo pela segunda vez.
— Mas meu pai está morto.
— Seu outro pai.
— Mas recebemos o robô, você estava lá.
— Mas não foi Samira quem enviou o robô. Samira enviou o pacote com o papiro encontrado em Nabta Playa, a mesma técnica que as Foad conhecem para fazer letras se escreverem nos papéis. Quando o pacote voltou, Mona não quis nada de Samira, então Clarice o fez; guardou-o por onze anos.
— E quem mandou o robô Tahira?
— Não sei! Por favor, acredite em mim. Eu fiquei tão perplexa quando você falou sobre o robô, e depois o vimos no seu quarto, com um Sean Queise mais jovem, o desmontando.
— Deus... O que está havendo aqui? — Sean se levantou nervoso.
— Não sei Sean yá habibi. Juro! Não sei!
— Prossiga! — Sean deu a ordem a Joh Miller.
— Não há nada mais. Só dizer que as duas esfinges estiveram lá no deserto antes mesmo do povo egípcio aparecer. E que a gêmea de Gizé, é o portal que trás alienígenas à Terra.
— Então o portal é o elo... — divagava Sean vendo Joh Miller extasiado com a conversa e com a filha de Clarice. E algo dizia a ele para não gostar daquilo. — E quando o portal voltará Joh Miller? Porque se percebeu, ele não abriu quando estive em Nabta Playa, nem abriu dia 11/11, onze anos depois, quando recebi o papiro... — e algo explodiu dentro dele, com Gyrimias, Renata e Kelly adentrando a sala da Computer Co., e o robô sendo preparado para voltar a Nabta Playa, e o papiro se escrevendo no flat onde Tahira o vigiava.
Havia realmente algo ali, na alma dele se lançando no éter, nas dimensões que a mente humana não alcançava, saindo do corpo até a sala do flat, tentando tocar o papiro e sua mão atravessando-o. Sean então se viu retornando ao quarto, trocando de lugar com o corpo lá na cama, em total letargia, para então com um Sean verdadeiro atravessar a parede, porque podia atravessar paredes, e voltar à sala, abrir o pacote, ver o papiro, e os homens de crânios alongados lhe dizendo algo que não compreendia enquanto mulheres gritavam, e o som de um animal em ataque arrancava pedaços de corpos que se espalhavam à sua volta. Sean se viu girando e girando, e lá, só a imagem surreal de Samira Foad e Mr. Trevellis, os observando naquela viagem astral.
Sean voltou à casa de Joh Miller e se virou para Tahira e disse: “Precisa pedir para sair!”. Ela o olhou assustada sabendo que ele lhe falara pelo pensamento, quando algo caiu dentro da cozinha.
— Ah... — ela se ergueu pelo susto. — Precisamos ir Sean yá habibi.
— Claro! É tarde... — mas Sean não tirava a feição tensa de Joh Miller do seu raio de visão.
E ele olhava incessante para a porta da cozinha.
— Você volta quando? — limitou-se o ex-agente Joh Miller a perguntar.
— Talvez amanhã ou em dois dias...
— Terei algo mais sobre o elo para você na volta — respondeu já abrindo a porta da rua para que eles saíssem.
Os dois mal tiveram chance de se despedir e o agente Joh Miller trancou a porta com força.
— Fui só eu? Jura? — Tahira abriu a boca depois da curta espera.
— Não! Não foi só você quem achou que Joh Miller mudou depois que algo caiu na cozinha.
— Por que pediu para irmos?
— Explico no jipe! Vamos!
— Acha que tinha mais alguém lá?
— Não faça perguntas Tahira. Não agora.
Ela o olhou sem nada compreender e olhou para trás, para onde Sean olhava; a janela do segundo andar.
— O que há lá?
— Sem perguntas! — e chegaram ao jipe alugado.
A noite ainda escurecia tudo e Sean percebeu o silêncio, o medo que a falta de luz provocava.
— Por Allah, Sean yá habibi, diga-me o que houve?
— Meus siddhis não estão dormindo.
Tahira arregalou os olhos para ele e olhou para a casa.
— Acha que há realmente alguém lá? — Tahira olhou um lado e outro e a madrugada escura. — Há? — e Tahira percebeu que os dois agentes da Polícia Mundial já não estavam ali. — Sean... Sean...
Mas Sean não respondia, porque podia sentir a presença de pequenos animais na relva, podia sentir a relva molhada pela friagem, e podia sentir a friagem de outras paradas, se movimentando dentro da casa que exalou um cheiro de urina.
— Ele está aqui.
— Quem?
— O verdadeiro Shee-akhan.
— “Verdadeiro”? — disse ela. — Não estou vendo nada.
— Eu também não! Mas possuo dons que podem atingir qualquer siddhi, e reduzir meu corpo, expandir meu corpo, tornar-me pesado, leve, ter acesso a todo o lugar, perceber o que o outro deseja, e subjugar todos, Tahira. Porque posso conhecer a mente dos outros, ver e ouvir coisas de longe, me teletransportar, ou assumir qualquer forma desejada. Até morrer quando quiser — e dessa vez Tahira não expos qualquer ‘jura?’. — Mas você sabe tudo isso, não? Porque me vigiava, me seguia em congressos, ‘morava’ comigo — Sean fechou a porta do jipe e Tahira ameaçou ir atrás dele. — Fique no jipe! — apontou para o carro. — E dessa vez, me obedeça!
Sean caminhou lentamente pela alameda que se fazia à entrada da casa também vendo que os agentes de Oscar não estavam ali. Contudo, preferiu não ativar nada e agir normalmente, já que seus siddhis podiam ser percebidos pela entidade alienígena. Chegou à porta e ouviu alguma coisa se mover dentro da casa. Girou a maçaneta e percebeu que não estava trancada. Entrou na ampla sala fazendo a escuridão invadir sua retina e procurou a tomada de luz que não funcionou. Tentou outra vez e uma luz fraca acendeu pelo gerador de emergência. Sean caminhou até a porta que dava para a escada e subiu, desembocando num corredor com três portas fechadas.
Um passo, outro e o assoalho de madeira lhe traiu a presença.
Sean olhou para seus pés e depois olhou para frente sabendo que havia deixado saberem que estava ali. Mas mais um passo e outro e o som dos seus passos no dilatado assoalho era a única coisa que se escutava.
“Por que ele não me ataca?”, Sean se questionou se o medo também não era bilateral, se a entidade temia a presença de Sean tanto quanto ele a dele.
Sean se inclinou e chutou a porta ao seu lado e um quarto escuro, apareceu. Acionou a luz e uma iluminação fraca não mostrou nada fora do comum além de uma cama desarrumada.
“Onde?”; e Sean ficou a pensar que ‘onde’ era muito relativo.
Passou as mãos pelo ar como se pudesse tocá-lo, senti-lo. Mas o ‘ar’ nada lhe respondeu. Aproximou-se da porta entreaberta do armário e estava vazio.
Ele tocou o ar novamente dentro do armário e sentiu que alguém se escondera ali, não fazia muito tempo; energias gravitantes de um ser humano, do agente Michel Rougart.
“Droga!”, pensou Sean nervoso.
Sean saiu do quarto e entrou no quarto lateral da casa. Acionou a luz e outra vez uma luz fraca acendeu mostrando uma cama e uma mesa de cabeceira, uma cadeira, e ele tocou o ar sentindo energias gravitantes de um ser pequeno, sem formas definidas e sem cheiro. O que era aquilo, Sean não soube identificar, mas todos seus siddhis acordaram de vez no que o medo lhe tomou.
Sean ativou Dura-darsanam, mas nada viu de longe. Contudo ativou Dura-Sravana e ouviu as coisas de longe, a lamuria de um povo que morria sob as ordens de Shee-akhan. Mas também ouviu passos no corredor. Sean virou-se sem que seus pés fizessem movimento algum e ativou Manah-javah fazendo seu duplo, seu outro ‘Sean’ correr.
O segundo Sean atravessou a parede, chegou ao corredor e lá, duas cadeiras, uma estante e a imagem borrada de uma entidade alienígena. Sean voltou ao corpo e se posicionou em Krav maga, porque fora preparado para aquilo, para se defender, no que a luz de emergência se apagou e algo se aproximou em forma de ataque.
A luz voltou e Sean se apavorou ativando Kama-rupam assumindo a forma de uma segunda cama no quarto quando a entidade alienígena entrou.
Mas Sean estava mais apavorado que imaginava e a cama se transformou em cadeira, que se transformou em mesa, que se transformou em cadeira para se transformar em cama outra vez, e Sean já não sabia o que fazer com aquilo, com aquele estranho dom.
A entidade alienígena percebeu que algo acontecia ali e Sean ativou Mahima crescendo e imprensando tudo; cama, cadeira e algo gelado e de pele enrugada contra a parede, fazendo tijolos e argamassa explodirem para fora da casa.
— Sean yá habibi?! — gritou Tahira ao ver que algo enorme saía pela parede do segundo andar da casa.
Correu e pôde ver de longe que alguma coisa acinzentada tremia e balbuciava algo inaudível no chão do jardim.
— Droga! — Sean se virou ainda com formas desproporcionais e viu Tahira correndo para ver o corpo acinzentado da entidade alienígena caído no chão do jardim.
Voltou seu corpo ao tamanho normal e pegou o que quer que fosse aquela entidade alienígena e sumiram dali.
— Sean... — Tahira estancou vendo que ambos sumiram dali. Ela se virou e correu para a porta da casa entrando na sala ampla e escura, e a lareira da casa acendeu o fogo, explodindo a energia e iluminando o local. — Sean yá habibi?! — gritou.
Mas nada além do silêncio.
Ela se tomou de coragem e correu para a porta onde calculou ser a cozinha, entrando e abrindo gavetas e gavetas, conseguindo uma arma calibre .32 e uma faca de carne no que se virou e percebeu que lá, na cozinha, havia outra porta.
Ela pensou e decidiu averiguar o que era.
A porta dava para um pequeno hall com mais quatro portas. Tahira verificou a primeira, era a porta que levava para a parte externa da casa, onde se podia ver que havia uma garagem no fundo do terreno. Ela fechou e voltou ao pequeno hall abrindo a segunda porta, que percebeu, dava para uma dispensa com insetos e teias de aranha. Tahira recuou e percebeu que havia teias de aranha por todo o hall pequeno, e que um cheiro de coisa podre invadiu sua narina a alertando. Abriu a terceira porta e entrou no que parecia um banheiro com uma pia e uma vaso sanitário de água parada quando recuou e fechou a porta. Tomou-se de coragem e foi atrás de Heleme, a empregada, mas a quarta porta não dava para nada.
E nada era uma palavra crua para explicar o que ela via. Porque Tahira se impactou por ver o infinito ali, quando um Sean sujo de tijolos e argamassa a puxou para trás e fechou a porta.
— Enlouqueceu?! Não disse que...
— Aquilo... Aquilo...
— É um portal!
— O portal dos...
— Não! E não vai querer saber que portal é, acredite em mim.
— Você está... — ela o viu empoeirado.
— Vamos sair daqui! — e Sean tirou as mãos dela que já ia limpá-lo quando Tahira se largou dele.
— Não! Precisamos encontrar o trabalho de Joh Miller.
— Trabalho?
— A pesquisa que você contratou ele para conseguir.
— Há quanto tempo mesmo você me vigiava Senhorita?
— Há muito tempo mesmo. Até quando você dormia.
Sean não gostou de ouvir aquilo.
— Vamos! Depois você me conta sobre seu voyeurismo — a virou e a tirou do pequeno hall de quatro portas chegando à cozinha quando algo caiu no andar de cima. — Droga! Achei que não havia mais ninguém.
— Como ‘ninguém’? Vimos Joh Miller fechar a porta e ir dormir.
— Vimos? — a empurrava pela cozinha quando ela estancou. — — Não, não ‘vimos’ Srta. Tahira, porque eu não me lembro de ver nada nem de conversar com ninguém.
— Como é que é?! — Tahira gritou atônita.
— Não grite! — e a virou para ver o teto da cozinha lotado de mofo e teias de aranha. — Estou falando que Joh Miller morreu seis meses atrás, após eu o contratar.
— Como... Como...
— Como eu ainda não sei, mas se olhar em volta — e ele viu Tahira olhar tudo lotado de teias de aranhas, jornais e cartas velhas jogada no chão da casa, e muitos insetos e lixo esparramado mostrando uma casa abandonada. —, vai ver que ninguém mora aqui há algum tempo.
— O que... O que... — e Tahira quase dobra.
— Vamos! — empurrou-a para fora da cozinha. — Porque aqui só tem alienígenas cinzentos entrando e saindo Senhorita Tahira.
— Mas... Mas...
— Não! — a chacoalhou com firmeza. — Não conversamos com Joh Miller, Tahira, porque ele e sua empregada Heleme foram mortos seis meses atrás, depois que eu explodi. Já disse, não? — ela arregalou os olhos verdes. — Conversávamos com alienígenas que tomaram o corpo deles através do Fator Shee-akhan.
— Mas Joh disse... Ele disse que você o contratou... Que eu era... Que eu era filha de Clarice...
— Por isso. Os alienígenas queriam saber o que sabíamos. Para informar a Wlaster.
— Por Allah! Minha mãe corre perigo?
— Não, já que Clarice sabe manter Wlaster longe dela.
— Mas como eles sabiam tanto?
— Porque nossas memórias ficam arquivadas em algum lugar entre o espírito e a carne, no perispírito, que ficou no corpo de Joh invadido pelos alienígenas.
— Aquele cinzento que você esmagou lá fora? — e algo voltou a cair no andar de cima quando Tahira descarregou uma rajada de .32 no teto da sala feito de argamassa e areia.
— Não!!! — gritou Sean e o teto despencou sobre eles. — Idiota! O que fez?!
— Eu... eu... — e um corpo despencou sobre eles. — Ahhh!!!
Sean nem esperou a poeira abaixar e tirou dos escombros o corpo do agente Michel Rougart que jazia morto, ali.
— Ele está morto! — Sean verificou.
— Por Allah!!! Por Allah!!! — gritava descontrolada. — Eu matei um homem?!
— Não! Não! Michel já estava morto antes de você atirar Tahira...
— Ahhh!!! — mas berrava ela descontrolada
— Não grite! Vai chamá-lo Tahira...
E ela foi atacada pela leoa de pelagem vermelho-amarelada com máscara de íbis.
— Ahhh!!! — Tahira caiu no chão, ensanguentada e Sean se jogou sobre ela, fazendo seus corpos se teletransportarem para uma areia de 48 graus, vendo que o braço dela sangrava muito, e que ela entrava em choque.
— Tahira?! Fale comigo?! — chacoalhava em choque. — Tahira... Perdão... Perdão... Eu não devia tê-la trazido... — ele arrancava um pedaço da caftan dela para fazer um torniquete no braço que sangrava muito. — Tahira? Tahira? — e Sean viu que mulheres e homens egípcios pararam para olhar os dois no chão de areia quente, em meio a uma obra faraônica de uma esfinge, e pirâmides e colunas, e toda uma cidade.
E que aquilo sim fora uma grande viagem.
— Nos leve de volta... — soou ela antes de desmaiar.
Contudo Sean não pôde fazer mais nada, quando viu que não só mulheres e homens o viam ali, a leoa de pelagem vermelho-amarelada com máscara de íbis também estava lá, esperando-os.
Sean ergueu-se se colocando em posição de luta Krav maga, e a leoa de pelagem vermelho-amarelada correu sob quatro patas, e correu sob quatro patas, e correu sob quatro patas até adquirir duas pernas, que correu, que saltou sobre Sean que deu um giro de corpo, e se lançou no ar, dando um chute e uma cotovelada em pleno voo, e o atingiu por trás.
— Arghhh!!! — a leoa de pelagem vermelho-amarelada sob duas pernas rugiu perdendo a máscara de íbis, e caiu adquirindo braços, corpo de homem e cabelos ruivos, com o focinho e os dentes a mostra, em meio a rugidos que invadiam metros.
Sean não esperou, correu para o corpo de Tahira, quando o levante de areia esverdeada que a leoa de pelagem vermelho-amarelada provocou com a juba, tomou conta de tudo, e Sean nada enxergou na tempestade de areia que se seguiu. A leoa de pelagem vermelho-amarelada então correu, correu, correu e o atacou, fazendo o corpo de Sean girar no ar pelo golpe que tirou sangue de seus lábios, e abriu o ferimento no ombro, que cicatrizara da explosão.
— Ahhh!!! — Sean foi ao chão se vendo sangrar, em meio à poeira da areia quente e verde que abaixava, vendo que a leoa de pelagem vermelho-amarelada, com corpo de homem, ainda em pé, se virara mais uma vez para atacar Tahira quando foi Sean quem correu, correu, correu e saltou sobre a leoa de pelagem vermelho-amarelada com um golpe de pernas, que enroscou a cabeça da leoa entre os joelhos, e girou o corpo da leoa jogando-o pelo ar, até cair longe deles.
A leoa de pelagem vermelho-amarelada com corpo de homem, foi ao chão de areia esverdeada e quente e rolou, rolou e rolou até se recuperar do jogo, e sair em disparada mais uma vez quando se jogou sobre Sean que ergueu o braço sangrando e enlaçou o que se tornara um dos braços da leoa de pelagem vermelho-amarelada impedindo que o ataque o atingisse, aumentando a força dos movimentos do contra-ataque transferindo 2/3 do seu peso para a força de explosão, e potencializou a ação independentemente da força física empregada, fazendo uma alavanca, quebrando ossos do braço da leoa de pelagem vermelho-amarelada com corpo de homem, em duas partes.
— Arghhh!!! — a leoa de pelagem vermelho-amarelada rugiu de uma maneira que Sean sentiu ferir os tímpanos, o fazendo se afastar pelo medo.
E ele rugiu descontrolado, se erguendo com o braço dependurado, e cada vez mais irado saiu em disparada, sobre o corpo de Sean que outra vez girou as pernas, e todo seu corpo laçou a leoa de pelagem vermelho-amarelada, fazendo seu corpo e o da leoa girar juntos num salto mortal pelo ar, caindo ambos no chão de areia quente. E Sean se levantou outra vez, e outra vez se colocou em posição de defesa sabendo que podia aquilo, se defender, que sua mãe o preparara.
Mas a leoa de pelagem vermelho-amarelada com corpo de homem não desistia, colocou-se em pé outra vez e correu fazendo os dois corpos se chocarem no ar, numa troca de energia e essência, que fez Sean saber que já fora um deles, que já fora uma leoa sob a proteção de mulheres de máscara mortuária egípcia, numa terra de areia fina, quente e esverdeada quando foi ao chão, com a leoa de pelagem vermelho-amarelada caindo também.
Sean levantou-se totalmente impactado quando encarou a leoa de pelagem vermelho-amarelada e corpo de homem, que também se levantou e se virou, correndo para onde Tahira estava desmaiada. Sean quis ativar todos os siddhis que possuía, mas não era o Fator Shee-akhan agindo, era ele noutra dimensão, onde ele não sabia fazer siddhis funcionarem.
— Não!!! — Sean gritou e correu, chegando primeiro, protegendo o corpo de Tahira quando ambos se teletransportarem e apareceram pela segunda vez, no chão do quarto de porta arrancada do Old Cataract, e ela morrendo. — Tahira?! Tahira?! — Sean a chacoalhou. — Tahira?! Tahira?! Não!!! — a virou e tentou fazê-la voltar a respirar, mas Tahira não respondia.
Sean correu para fora do quarto com o ombro sangrando, sem alternativa a não ser pedir ajuda a Najma, à médica Najma.
27
Old Cataract; Aswan, Egito.
24° 4’ 49.59” N e 32° 52’ 52.22” E.
08/06; 15h58min.
A Dra. Najma Faãn não ficou nada satisfeita de ter sido excluída de toda aquela ação, quando ele contou que ambos haviam sido atacados na casa de um ex-agente da Poliu, que foram visitar na Ilha Elefantina, e jurava que precisara levar a jornalista porque era ela a fonte de informação dele. E jurara mais ainda de que não estava no quarto invadido por Najma e os funcionários do hotel, noite anterior.
Mesmo porque Najma não os encontrou lá.
Sean havia dormido no sofá, com elas no quarto, com Najma de olho na febre de Tahira. Quando acordou quase na hora do almoço, Najma sentava-se ao lado dele no sofá, com a cabeça dele no colo dela, e ela fazendo algo com as mãos na testa dele, que ele não compreendeu de imediato, mas provocou uma forte dor de cabeça, até que ele desmaiou.
“O robô!”, soou a voz de um velho Sean Queise de vinte e seis anos.
“É seu? Nosso?”, soou a voz de um jovem Sean Queise de catorze anos.
“Não. Samira Foad Strauss mandou”.
“A arqueóloga morena que me mandou o pacote?”
E o velho Sean Queise abriu os olhos, estava deitado na sua cama desarrumada, no quarto de fliperamas, vídeos games e muitos pôsteres, uma quarto de onze anos atrás, na mansão dos Queise, com uma manhã de Sol brilhante, que passava seus raios pelo voil fino da cortina.
— Sean? Meu filho? Você acordou? — falava Nelma da porta.
Sean arregalou os olhos azuis, havia acordado com vinte e seis anos dentro do corpo de catorze anos.
— Não... — respondeu confuso. — Não acordei...
O quarto estava como ele o deixou aquela noite, com roupas espalhadas e o biombo empurrado, travando as portas do closet. Sean voltou a arregalar os olhos e uma Nelma com provável trinta e poucos anos lhe sorria.
— Você está bem?
Sean tinha certeza que não.
— Sim... — foi o que respondeu ao ver o fliperama coberto de roupas que Nelma recolhia para lavar.
— Você nunca vai ser um homem organizado Sean? — e Nelma o beijou na testa.
Há muito Sean não sentia aquela emoção, a sensação daquele beijo, e o quanto amava sua mãe. Ele voltou a olhar em volta. Havia uma estante lotada de livros de filosofia, lotado de cartuchos de videogames Nintendo, muitas fotos de Pamela Anderson na parede e outros tantos livros; e porta-retratos que ele não se lembrava de tê-los.
— Não... Não vou... — lembrou-se de responder e sua mãe saiu. — Deus... Onde me meti?
Seus pés tocaram o chão, e Sean nunca imaginou um dia voltar no tempo e ser dois ao mesmo tempo, porque aquilo não era bilocação, nem duplicidade, ele era um só Sean Queise.
Seu coração disparou e Sean abriu gavetas e gavetas procurando algo, armários e pastas em busca de alguma anotação, algo que mostrasse o porquê daquela viagem. Mas ele sabia o porquê daquela viagem, estava deitado no colo de Najma, no Old Cataract e ela provável, lendo sua mente.
“Droga!”, aquilo sim era medo.
Porque precisava voltar, saber o porquê ter voltado ao corpo de catorze anos, e principalmente, como Najma sabia daquela viagem. Mas ele sabia como, sabia o porquê dela ter pedido para controlar a febre de Tahira, Najma havia lido a mente de Tahira, da mesma forma que fazia com ele.
Sean precisava brecar-lhe, não passar-lhe informações, não mostrar que Tahira estivera com ele, ali, onze anos atrás. E precisava saber como sair daquele jovem Sean Queise que via com catorze anos no pouco reflexo que se fez no disco de CD, que começava a inundar o mercado.
— Deus... — e passos na escada se fizeram outra vez.
Sean abriu a porta devagar e viu que sua mãe ainda estava ali, agora com duas empregadas da casa. Abriu a porta de vez e saiu pelo corredor, pelas escadas, descendo até a garagem e vendo alguns carros anos 90, ali estacionados.
Precisava chegar à Computer Co. House’s.
— Droga! — praguejou. Não havia a Computer Co. House’s ainda, ele construíra aquele prédio azul que Kelly mostrara, para comemorar sua entrada no comando da empresa, com dezoito anos.
Mas ele tinha que ter acesso aos mainframes, à alguém, porque estava preso no corpo dele, com catorze anos.
“O robô!”, soou a voz de um velho Sean Queise de vinte e seis anos.
“É seu? Nosso?”, soou a voz de um jovem Sean Queise de catorze anos.
“Não. Samira Foad Strauss mandou”.
“A arqueóloga morena que me mandou o pacote?”
— O pacote! — lembrou-se que seu pai ia mandá-lo para Portugal dia seguinte. Correu para dentro da casa outra vez e alcançou o escritório de seu pai. Estava trancado e Sean não conseguiu abri-lo. Desejou, mas nada aconteceu, tentou atravessar uma mão e nada, nenhum dom paranormal respondia a seu comando. — Mas como... — olhou e olhou em volta e viu que ninguém estava ali, nenhum empregado da casa, sua irmã pequena, nem sua mãe e foi até o hall se olhar no espelho. — Não... — seus olhos estavam enegrecidos, tomados pelo Shee-akhan. — Najma... A desgraçada está injetando o Fator Shee-akhan em mim.
E Sean voltou ao escritório chutando a maçaneta, que arrebentou pela pressão.
Sean entrou no escritório, fechou a porta empurrando uma cadeira contra ela, e viu o pacote ali, pronto para embarcar para Barricas, para Lisboa, Portugal. Abriu-o parando vez ou outra para ouvir algum som, e percebeu em choque que o jovem Sean Queise havia terminado a montagem do robô, quando ele e Tahira voltaram a se teletransportar ao Old Cataract.
Sean acionou novamente o robô e imagens tridimensionais do laboratório de Corniche el-Nil, invadiram o escritório da mansão dos Queise.
“Não vou discutir mais Afrânio. Mr. Trevellis não pode saber o que esse Fator Shee-akhan é capaz”.
“Não está entendendo Joh Miller, não podemos perder o apoio de Mr. Trevellis. Se Wlaster Helge Doover souber de algo, estamos fritos”.
E o velho Sean Queise dentro do corpo do jovem Sean Queise viu Afrânio secar o suor que escorregava dos óculos úmidos.
“Mas não estamos fritos! A Dra. Clarice está. Ela quem está frita e encrencada, trazendo essa menina para cá”.
Sean viu Afrânio apontar para uma menina abraçada a Clarice.
“Queria o que? Que eu a deixasse lá? Ferida?”
Sean também viu que Clarice estava nervosa.
“Não sei o que aconteceu com você, Dra. Clarice, mas a menina atravessou o portal, e ela trouxe aquela besta leão de cabeça de íbis com ela. Não posso deixar você colocar a Terra em perigo”.
E o velho Sean Queise dentro do corpo do jovem Sean Queise, viu que Clarice se ajoelhou desesperada aos pés de Samira e Afrânio.
“Não Samira! Não Afrânio! Por favor, por nossa amizade, me ajudem. Eu a quero”.
Também viu que o robô estava ligado, que Afrânio, Samira e Joh estavam realmente no laboratório de Corniche el-Nil, e que Clarice também estava lá, abraçada a uma garota que Joh chamara de ‘essa menina que atravessou o portal’.
“O jovem Queise precisa saber. Só ele poderá ajudar a menina”.
“Não! Não Afrânio! Mr. Trevellis odeia aquele menino. Todos na Poliu sabem. E tudo porque Oscar e Fernando não o deixam ter acesso a Sean, o que o deixa irado”.
“Achei que Mr. Trevellis tivesse acesso a tudo, pela amizade com Fernando”.
“Mas Fernando não deixa que a Poliu se aproxime de Sean. Ele é tudo de importante que Fernando tem”.
E o velho Sean Queise dentro do corpo do jovem Sean Queise sentiu dor naquelas palavras.
“Mas por que afinal, o loirinho é tão importante Joh?”
“Não tem ideia do que aquele menino é capaz de fazer, Dra. Clarice. Nem todos os Roldmans reunidos conseguiram alcançar o que ele faz aos catorze anos. Então imagine se Mr. Trevellis tem acesso àquele poder todo? Não haverá limites para a Poliu alcançar o que vem desejando esse tempo todo”.
“Fala do experimento ‘Contato!’?
“Falo do acesso aos Anunnaki, Samira. E sua irmã é tão vil quanto todos eles”.
“Não fale assim de Mona”.
“Não? E por acaso ela lhe auxilia em algo? Porque fui eu quem lhe trouxe para cá, que consegui sua transferência”.
Afrânio voltou a secar o suor e o velho Sean Queise dentro do corpo do jovem Sean Queise, percebeu no reflexo dos óculos dele, mostrando a imagem do robô ligado no laboratório, ao lado de uma menina ruiva, de provável, quinze anos.
— Deus...
“Vamos fazer o seguinte, Doutora. Vamos procurar Wlaster Helge Doover e pedir-lhe apoio. Se ele quer mesmo tomar o poder da Poliu, então temos que trazê-lo agora para nosso lado”.
“Não gosto de Wlaster doutor”.
“Não temos alternativa Doutora. É isso, ou vamos ter que avisar o jovem Sean Queise sobre o que lhe espera daqui em diante”.
“Mas não temos acesso ao loirinho”.
“Mas precisamos Dra. Clarice, se quisermos sobreviver a tudo isso”.
E a bateria do robô desligou-se.
— Droga! — explodiu Sean percebendo passos na escada.
Sua mãe descia com roupas e copos, e tudo que achava bagunçado no andar de cima. Mas ela nada percebeu no escritório e passou direto para a área de serviço com as duas empregadas da casa. Sean saiu do escritório e outra vez subiu as escadas entrando no quarto em choque, sem saber o que fazer, escrever, se avisar. Porque precisava se avisar, avisar que algo ia acontecer. Voltou a olhar no espelho e ver seus olhos enegrecidos quando acordou. Abriu os olhos e viu Najma sorrindo para ele.
Seu coração e todo seu corpo vibrava e tremia.
— Com frio Sean Khalida?
— Sim... — olhou em volta. — É o ar-condicionado, no último grau.
— Claro... — Najma sorriu como que vitoriosa de algo e se aproximou do aparelho de ar quando foi sua vez de ser ‘desligada’.
Sean olhou na mão o cinzeiro e toda a cabeleira escura dela desarrumada no chão.
Viu que ela estava viva e correu.
— Tahira... Tahira... — chacoalhava. — Pelo amor de Deus, acorda! — ele viu Tahira abrir os olhos e ambos viram o curativo no braço dela lotado de uma gosma verde. — Droga...
— Isso é... Isso é...
— Fator Shee-akhan!
— Estou encrencada?
— Mais do que imagina.
Ela só arregalou olhos e o encarou com os olhos enegrecidos.
— Por Allah! Seus olhos...
— Deixe-os! — afastou a mão dela, dele. — Venha! — e tirou o lençol que a cobria para vê-la nua. Ela arregalou os olhos para ele e Sean engoliu a seco se virando. Foi até o armário pegando uma das roupas de Najma. — Vista! — jogou.
— Como cheguei...
— Ontem. Eu a trouxe.
— Mas aquilo... aquilo... — ela se vestiu com dificuldades. — Aquele leão vermelho-amarelado... com máscara de íbis...
— Vamos Tahira! Agora não é hora.
— Aonde vamos?
— Consertar o mundo.
— Jura?
Foi só o que Sean a deixou falar. Ele a ergueu pelo ombro e a ajudou levantar e andar. Passaram por Najma caída e ela só olhou a médica no chão.
— Não tive alternativa. Eu sei que ela não merecia depois de me ter salvado, de ter salvado você, mas acredite, eles matam na mesma frequência que fazem o juramento de Hipócrates.
— O que houve? — chegaram ao primeiro andar e ambos se dirigiram à garagem.
— Você não vai acreditar... Mas ele sabia sobre o pacote.
— Ele? Fala de você?
— Ok! Você vai acreditar... — e Sean abriu a porta de um carro estacionado na garagem do hotel e entraram.
Tahira percebeu as atitudes dele.
— Está roubando esse carro?
— Pegando emprestado...
— E por que não abriu a porta com seus dons?
— Porque eles estão desligados
— Por Allah... — ela viu que eles ganharam a rua. — Aonde vamos?
— Preciso ir ao Nubian Village ver com meus próprios ‘olhos enegrecidos’ o estrago que fiz...
— Vai consertar erros ou o mundo?
— Os dois... — e Sean freou o carro se virando para ela. — Porque não havia uma espiã psíquica ali em Nabta Playa onze anos atrás, e sim três espiões; Samira, Clarice e Wlaster. E Wlaster é um espião psíquico que também podia abrir a pirâmide, e que também sabia se teletransportar.
— Mas ele explodiu no acidente.
— Não! — e Sean acelerou se afastando do Old Cataract. — Wlaster se teletransportou quando viu o drone se aproximando; e talvez até achasse que eu ia fazer o mesmo. Então ia denunciar meus dons, me sequestrar, sei lá. Ele só não acreditou foi o porquê de eu não conseguir ver o drone. Mas eu vi o drone, vi que ele acionou raios laser contra meu carro, mas o Fator Shee-akhan que entrou em mim, quando entrei na escavação abandonada, desligou meus dons, como agora — apontou para o líquido verde que enegrecia seus olhos azuis.
— Então não houve um paradoxo? Porque se tivesse havido, o jovem Sean Queise saberia quando crescesse que ia morrer naquele deserto.
— Acho que houve dois ou até três paradoxos, Tahira; um no quarto, quando ambos nos apaixonamos por uma Kelly muito mais velha que nós.
— Como é que é? — se esticou nervosa.
Sean acelerou e se dirigiu para o porto para alugar outra vez uma felluca e atravessar o Rio Nilo para chegarem ao Nubian Village.
— É por isso que Miro Capazze me chamava daquele jeito.
— De que jeito?
— ‘Jovem Sean Queise’!
— Como é que é?
— Porque Miro estava bilocado no laboratório de Corniche el-Nil no dia 03/11, mandado pela Escola do papiro, para vigiar a retirada do Fator Shee-akhan da pirâmide. E como um siddhi, ele me viu lá, um jovem Sean Queise de catorze anos colocando o robô numa caixa, e o enviando para o Brasil, para si mesmo.
— Por Allah! Não estou conseguindo acompanhar.
— Ok! — chegaram ao porto, alugaram a felluca e Sean prosseguiu com a explicação. — O jovem Sean Queise não podia entender todo o processo que nos levou lá aquela noite, correto? — e as águas do Rio Nilo os embalavam. — Mas ele leu minha mente quando estivemos lá, ouviu tudo o que dissemos, e ‘viu’ a minha visão do laboratório em Corniche el-Nil, em que Afrânio e Samira discutiam com Joh, porque ambos ainda não tinham sido mortos e o robô da Computer Co. não havia falhado, já que vi o reflexo do laser do robô funcionando dentro da pirâmide. E o jovem Sean Queise também viu o quanto era importante para nós e a Computer Co., que nós, eu e eu, tivéssemos acesso às informações do robô já que eu, mais tarde, com amnésia, não mais acessaria aquelas informações. Então ele voltou ao passado, onze anos atrás.
— Jura? Porque dizer que você pode voltar ao passado é ilógico, mas você o fez. Contudo você voltar ao passado já modificado e modificá-lo, se enviando o robô, deveria ser... — olhou-o sorrindo para ela. — Não deveria?
— Só isso explica o porquê de eu precisar voltar ao passado e me enviar o robô; eu sabia que iam tentar me matar, que estaria com amnésia, porque ele leu isso em mim aquela noite. Então, o velho Sean Queise, de hoje — se tocou. —, voltou ao passado e o robô estava lá, no quarto de um jovem Sean Queise, à ‘nossa’ disposição.
— Jura? Tão ilógico quanto — riu.
E ambos trocaram olhares na noite bela que começava, refletindo nas águas do Rio Nilo.
— Mas há algo que me fascina mais que tudo Tahira, o porquê de eu não me lembrar de me ver àquela noite no quarto?
— Porque está com amnésia.
— Mas se eu sabia que ia ser atacado, por que me preparei para um drone explodir-me no deserto de Nabta Playa?
— Porque o jovem Sean Queise ouviu-nos.
— Mas então por que eu sabia que o Fator Shee-akhan ia entrar em mim e me desligar a ponto de eu explodir? Porque e fui até lá para ser explodido.
— Nossa! Isso está ficando um pouco difícil...
— E Kelly nunca teve amnésia. E ela sempre me contou que me viu pela primeira vez na Catalunha, que se apaixonou por mim ali, quando acompanhei meu pai que esteve lá contratando... — e parou de falar em choque. — Mas não foi meu pai quem a contratou, e eu nunca estive na Catalunha...
— Como é que é?
— Foi minha mãe quem escolheu Kelly, foi ela quem obrigou meu pai a parar de trabalhar, me preparar para assumir a Computer Co., preparar Kelly para ser minha first, porque...
— Por quê?
E Sean teve medo de responder.
— Porque eu fiz algo naquela noite, no meu quarto.
— Você se apaixonou pela jovem Kelly chegada da Catalunha.
— Deus... O que eu fiz?
— Jura? — e Tahira riu da confusão dele.
— Não vai achar nada tão engraçado assim, quando souber que Najma conseguiu ler sua mente enquanto você dormia.
— Por Allah! Precisamos de proteção! — arregalou os olhos para um Sean de olhos arregalados.
— Pelo visto de muita proteção. Porque ela deve ter visto muito mais do que você me contou, Tahira. E porque acordei com a minha cabeça no colo dela e ela penetrando meus pensamentos.
— Ahhh!!! Não quero ouvir mais!
— Não é nada disso! Najma me fez voltar aos catorze anos; e me colocou dentro do meu corpo de catorze anos, mas com minha mente de vinte e seis anos.
— Jura? E você ficou inteligente assim por que ficou preso no seu corpo de catorze anos?
E Sean gargalhou com gosto.
— Quanta insanidade Tahira! Não é nada disso! Ela me colocou lá para ela saber o que o robô vira afinal.
— Porque é óbvio que ela derrubou nossa porta no Old Cataract.
— Sim, e quando ela entrou, sentiu energias gravitantes dentro do quarto avisando que fomos dar uma voltinha no passado, e tudo isso porque ela fazia parte da Escola do papiro.
— Nunca ouvi falar dela, nem de seu irmão.
— Mas ouviu falar de Ali Abu Faãn, não Tahira?
— Sim. Uma mente poderosa, capaz de dominar o Fator Shee-akhan.
— Um inimigo direto de Shee-akhan? Interessante!
— Mas Ali Abu Faãn não quis fazer parte da escola. Miro Capazze e Mustafá tentaram convencê-lo, mas ele tinha dinheiro e conhecimento suficiente para permanecer sozinho, na empreitada de encontrar o homem que se dizia Shee-akhan e destruí-lo.
— Para assumir seu lugar?
— Miro acreditava que sim. E que Ali Abu Faãn era tão perigoso ou mais que o homem que dominava o Fator Shee-akhan e se intitulava assim, se viesse a dominar esse fator.
— Uma escola de mistérios e magias que Miro, Mustafá e sua mãe Clarice faziam parte, não é? Por isso o ‘Abracadabra!’.
— Você está captando isso ou está se lembrando de algo Sean yá habibi?
— Não sei o que estou fazendo Tahira, porque talvez minha amnésia não tenha sido causada pelo acidente, mas causada pelo Fator Shee-akhan. De qualquer forma, Najma me fez voltar ao meu corpo de catorze anos, e eu saí do quarto, e desci até o escritório do meu pai onde o robô estava pronto para ser enviado a Barricas, em Portugal, concertado.
— O jovem Sean Queise consertou o robô aquela noite?
— Sim. E o robô não só estava ligado na pirâmide quando eles a abriram, como estava ligado no laboratório de Corniche el-Nil, onde Samira, Afrânio e Joh discutiram a atitude de sua mãe Clarice, em resgatar uma menina que saiu do portal, e que Mr. Trevellis não podia saber sobre aquilo ou me usaria para chegar nela.
— Ahhh... — Tahira nem conseguiu falar mais que aquilo.
A ilha Elefantina ainda se moldava ao longe, e os dois na felluca a viram.
— Mas também não é só isso, não é Tahira? Porque seja você ou não a menina que escapou do portal, essa menina trouxe junto, a besta leão — e Sean preferiu nada contar sobre a luta como um leão de pelagem vermelho-amarelado e pernas e braços humanos, e nem o fato de já ter sido um deles.
— Fiz o que? Não! Não! Venho de uma família que protege...
— Sim! Vem! Mas não desse Egito, não da nossa Terra.
E Tahira deu uma daquelas risadas esganiçadas.
— Está dizendo que sou uma alienígena, Sean yá habibi?
— Estou dizendo que você é de um Egito paralelo, o mesmo que Miro me levou, o mesmo que vou durante minhas viagens astrais. E se ele se mescla e se mistura de onze em onze anos, e alguns vem e outros vão, e desaparece, eu não sei, mas Jablah preparava um monte de gente para fazer essas viagens, injetando essa planta Shee-akhan. E provável esse Fator Shee-akhan entrou em mim, para que eu pudesse fazer essas viagens todas.
Tahira caiu em risada novamente.
— Kelly tem razão. Você é um insano Sean yá habibi.
— “Kelly tem razão”? — e Sean a encarou sob a luz do luar e as águas do Rio Nilo fazendo ondas, e Tahira recuou na graça lembrando que o Fator Shee-akhan ainda escurecia os olhos dele. — Porque eu realmente recebi um pacote de Samira — e ele a viu escorregar um olhar para ele. — Então a coisa deve ter sido assim: Samira entrou na pirâmide com Afrânio e sua mãe Clarice dia 01/11 e algo aconteceu, o portal ou coisa do tipo assim se abriu, trouxe a esquife e o papiro, e a vinda de uma garota; e tudo foi filmado pelo robô da Computer Co. — e Tahira voltou a escorregar um olhar. — Então Samira, Afrânio, Joh e Clarice foram para o laboratório de Corniche el-Nil dia 03/11, quando discutiram sobre você, sobre seu resgate e o fato de Clarice querer ficar com você. E por Joh estar perdendo forças na Poliu, ele e Afrânio concordaram em avisar Wlaster sobre a dinastia, sobre você e a faraó-leoa de pelagem vermelho-amarelada. Mas Samira não confiava em Wlaster, nele e em seus dons de magia negra, e deve ter conversado sobre isso com Samira, que então me enviou secretamente o papiro, obrigando Mona obrigar Trevellis, a obrigar meu pai a receber o pacote. E Samira sofreu CHE junto com Afrânio, morrendo, mesmo Mona dizendo que não morremos, porque talvez Wlaster os tenha matado, quando descobriu, que ela enviou um papiro capaz de escrever para mim sobre a dinastia, e a data de quando o portal se abrirá.
— Por Allah...
— Só que meu pai recebeu dois pacotes naquela noite de 11/11, Tahira; o primeiro pacote, um robô da Computer Co. ‘danificado’ nas escavações. E o entregou ao jovem Sean Queise, porque esse jovem Sean Queise voltou ao laboratório de Corniche el-Nil no tempo dia 03/11 e se enviou o robô. Ok até aqui? — sorriu.
Mas Tahira tinha dificuldades em concordar com aquilo, com olhos enegrecidos ou não.
— Ok... Acho...
— Mas só que meu pai recebeu um segundo pacote, sem saber que lá havia um papiro, e se irritou porque a Poliu estava envolvendo demais o seu filho naquilo. Ele então mandou de volta o segundo pacote, mesmo sendo avisado por Mona para que ele não o fizesse, porque o pacote voltaria de onze em onze anos. Ok até aqui? — sorriu outra vez. — Então dia 11/11, onze anos depois, eu recebi o pacote de Samira no escritório de São Paulo, vindo de Portugal, só que foi Clarice quem o enviou em nome de Mona, porque ela nada queria de Samira. Ok?
— Ok...
— Então naquele momento em que recebi de Renata o pacote, eu devo ter ficado muito nervoso, porque recebi um pacote com um papiro vazio, sem saber que eu teria que ter recebido onze anos antes, e porque não falamos sobre o segundo pacote naquela noite; e provável o jovem Sean Queise que voltou ao laboratório de Corniche el-Nil dia 03/11 não sabia nada sobre ele. Mas Oscar estava temendo tanto esse envio, a ponto de exigir de Kelly uma confirmação sobre sua chegada, que algo me alertou, uma luz que acendeu em algum lugar me dizendo, que havia um verdadeiro envio de Samira onze anos atrás.
— Uma grande coincidência regada a muita ficção científica.
— Não sei quanto a ficção, mas é tudo puramente científico. Porque eu nunca podia imaginar que alterei meu futuro quando me enviei o primeiro pacote contendo o robô, evitando a entrega do papiro.
— E se o papiro tivesse chegado?
— Não posso especular com algo que nunca ocorreu, porque meu livre-arbítrio de ir ao laboratório de Corniche el-Nil e me enviar o robô, mudou meu destino.
— Posso perguntar algo?
— Sim...
— Mesmo sem saber que o Fator Shee-akhan ia lhe tirar seus dons premonitórios, por que se arriscou ir a Nabta Playa sabendo que podia morrer?
“Se você recebesse um aviso em um papiro para voltar ao passado, sabendo que suas atitudes mudariam completamente o destino do mundo, sem que pudesse voltar ao presente; embarcaria ou não?”
— Porque fiz um acordo com Trevellis. Que provável envolvia a menina de Clarice.
— Você ia entregá-la?
— Não sei. Não me lembro. Mas o acordo envolvia respostas que o robô não pôde me dar onze anos atrás, porque talvez depois que nós saímos do quarto, o jovem Sean Queise consertou o robô e viu tudo aquilo que vi hoje.
— Mas mesmo assim você se arriscou. Por quê?
— Não sei o porquê Tahira. Talvez eu nunca mais vá ter essa resposta, mas ela envolve uma Kelly... — e chegaram. —, capaz de voltar ao passado, sabendo que suas atitudes mudariam completamente o destino do mundo, sem que pudesse voltar ao presente, só para me amar antes de Sandy.
E aquilo calou Tahira Bint Mohamed.
Nubian Village, Ilha Elefantina; Aswan, Egito.
24° 5’ 22” N e 32° 53 20” E.
08/06; 18h00min.
O Nubian Village é um vilarejo pitoresco, com casas brancas de fachadas pintadas, muitas vezes lembrando azulejos coloridos, abraçadas por um extenso deserto que muda de cor toda vez que grandes e ferozes tempestades de areia assolavam as ilhas; um vilarejo de ruas de terra batida, de homens de turbante brancos e coloridos, de formato totalmente local.
— Nubian Village... onde os egípcios não eram egípcios e a escrita se diferenciou... — Sean divagou andando a pé até uma casa no final da rua.
— Onde estamos indo? — Tahira se ligou no itinerário.
— A uma garagem, pegar um carro sem rastreador.
— Aonde vamos com um carro sem rastreador? — ela ficou sem respostas. Sean levantou uma cortina que fazia às vezes de uma porta, e ambos encontraram uma van amarela, com chaves que ele tirou do bolso da calça; ela percebeu. — Vou voltar a perguntar...
— Vamos dançar!
— “Dançar”? Está me gozando?
— Pareço estar?
Ele entrou e ligou o motor que roncou um pouco, e depois se firmou.
Sean deu ré e saiu da garagem da casa abandonada.
— Aonde vamos Sean Queise?
— Há um lugar onde vou encontrar alguém.
— Que lugar?
— Um bar!
— Jura? — e ela o viu fuzilá-la com aquele olhar ainda enegrecido, já não parecendo o homem educado de antes.
Sean se virou para trás e puxou uma maleta de couro, que já devia estar ali há algum tempo pelo tanto de areia que lhe cobria, e a abriu levantando poeira, e tirou e jogou um pacote para ela.
— Se vista! — e o carro arrancou pelas ruas de terra batida.
— Jura? — ela abriu a sacola, e uma fantasia de dançarina a aguardava.
E Tahira resolveu não discutir. Estava lá para ajudá-lo, afinal. Ou ele ajudá-la. Já que não se lembrava de ser uma menina que escapara de um portal interdimensional, fugindo de um leão que caçava uma faraó-leoa de pelagem vermelho-amarelada com máscara de íbis. Sentiu-se de repente só e confusa, mas Sean pegou a mão dela, a apertando com carinho, e foi a primeira vez que ela se sentiu realmente segura na vida.
Eles nada se falaram e Tahira levantou-se, indo para o banco traseiro da van onde arrancou a roupa emprestada de Najma. Sean sentiu seu corpo todo aquecer e Tahira sabia que Sean sabia que ela estava nua. Ele se conteve como um cavalheiro faria e ela achou-o uma graça. Porque sabia que o provocava, que seu corpo afinal mexia com ele como o da espanhola metida.
Jogou a caftan por cima, voltou para frente e ele a olhou com ela olhando para ele.
“Droga!”, ele desviou o olhar.
Ela voltou a adorar mexer com o adormecido.
— Eu estive pensando... — ela esperou ele olhá-la. — O primeiro calendário da história da humanidade começa com a enchente anual do Rio Nilo por volta de 3000 a.C. onde para os egípcios o ano tem 365 dias, divididos em 12 meses de 30 dias e mais cinco dias extras, dedicados aos deuses.
— Aonde quer chegar Tahira?
— Que os egípcios foram os primeiros a utilizar um calendário solar, embora os 12 meses de 30 dias tenham origem lunar, e que talvez os cinco dias extras dedicados aos deuses, após tantos milênios que os Anunnaki chegaram aqui, tenham haver com o erro de o portal ter aberto dez dias antes, dia 01/11.
— Sim... É possível...
— Porque havia três estações determinadas pelo fluxo do Rio Nilo; as cheias chamadas de ‘akket’, o semeio chamado ‘pert’ e a colheita chamada ‘shemu’. A relação entre as estações definidas pelo Nilo e as estações naturais era feita pelo nascer heliacal da estrela Sirius, que os egípcios chamavam de Sothis.
— Havia água na Esfinge... — falou de repente. — Quando começavam as cheias?
— A primeira aparição da estrela Sirius no céu da manhã, depois da sua conjunção com o Sol, determinava o início da contagem das estações das cheias.
Sean parou a Van verde e a encarou:
— Vamos! Você deve ficar linda vestida de dançarina — engatou a marcha e se foi novamente.
E Tahira não disse um único ‘Jura?’.
Bar Tyra, Nubian Village; Aswan, Egito.
24° 5’ 27” N e 32° 53 21” E.
08/06; 18h44min.
A rua próxima ao Bar Tyra estava cheia de homens usando turbantes. Sean interceptou um deles e Tahira nem teve tempo de perguntar o que ele ia fazer, quando Sean o nocauteou sem ao menos machucá-lo. Mas foi usando Krav maga e não dons que pareciam realmente estarem desligados.
Sean retirou as roupas do homem caído e vestiu sua caftan comprida e um turbante colorido verde oliva, e entrou no bar onde dançarinas exóticas costumavam se apresentar. Ele antes apontou a porta de saída e Tahira entrou por lá.
Dentro, Tahira usou da mesma técnica com Kelly, desligando a dançarina, num quarto dos fundos do bar, que em nada lembrava um camarim, e se preparou para assumir seu lugar.
Risadas de homens já alterados pela Stella, cerveja de fabricação local, e o empenho do proprietário do bar em servi-los não foram barreiras para Tahira começar sua performance.
A entrada dela podia se dizer que foi triunfal.
Sean quase fica entorpecido sem se quer ter bebido, porque ele até viu a fantasia em cores rubi e azul quando a entregou, mas vê-la vestida em Tahira tinha lá certa diferença. Para completar, ela cobria o rosto todo com um grande lenço azul, deixando só os olhos verdes ficarem de fora. Os mesmo olhos que não saíam de cima de Sean que adorou a pele branca, os cabelos ruivos e todos aqueles lenços balançando.
Uma música forte, barulhenta e cheia de instrumentos locais invadiu o antiquado aparelho de som do bar, permitindo Tahira iniciar seu estilo de dança, algo que fundia o norte africano, o Oriente Médio e a Índia a um voodoo urbano, tipo de estilos tribais, talvez de outras paradas, de outros sóis, balançando e balançando harmonicamente, levantando a energia do palco para um êxtase coletivo, antes mesmo do primeiro jogo de lenço, a seda cor de rubi que levantava e descia, presa às mãos sensuais que se contorciam como cobra.
“Também vai achar interessante a mulher egípcia, Sean amigo. Vai gostar de vê-la dançar”, lembrou-se Sean em meio a batida da música que se expandia, que entrosava, que era pura sensualidade.
E Tahira era exótica.
Num movimento de esquerda seus quadris chacoalhavam, levantavam a seda, encantavam no subir e descer. Movimentos sinuosos, tortuosos, de puro músculo, que faziam seu ventre sair e entrar, que faziam seu suor se projetar para cima de homens extasiados, excitados pela dança sexy, pedante.
Gritos e ameaças de subidas ao palco, fizeram Sean logo começar a ficar nervoso. Nunca se imaginou tendo ciúme de Tahira, ‘a idiota’; um apeal de sexo que exalava pelas gotas de suor, que pingava do corpo da bela ruiva em meio ao balanço que prosseguia; como um pêndulo de um relógio, seu dorso se projetava para esquerda e direita, e esquerda e direita outra vez.
Sua anca toda balançava e os homens batiam palmas para a cintura da jornalista, da ufoarqueóloga, da perseguidora que se movia com graça pelo espaço, circundando, espiralando, até parecer um parafuso.
Ali Abu Faãn estava lá, Sean não sabia como sabia sem dons, mas sabia que o homem usando kaban bege e turbante colorido era Ali Abu Faãn, padrinho de Jablah e Najma. E ele olhava Tahira sem, porém manifestar o mesmo entusiasmo dos outros.
“Estranho!” pensou Sean ao voltar a olhar Tahira.
E olhava porque mais um lenço, e outro, e a anca dela a balançar. Direita, esquerda, direita, esquerda, direita, esquerda. O movimento o excitava. Sean teve vontade de lançar-se no movimento. De amá-la, penetrá-la ali mesmo, perante tudo, perante todos, indo contra toda sua criação, educação, posição social.
Porque Tahira se chacoalhava.
Uma Stella veio parar na sua mão e Sean a bebeu sem saber o que bebia, atordoado a quase esquecer o que fora fazer lá, com homens gritando, bebendo e ele com o olhar nas ancas que iam e vinham, que encantavam.
Ela jogou o último lenço até ficar com uma sumária e escassa saia de véus de seda na música falada, assobiada, de sons intensos. O show terminara e Tahira viu Sean mostrar com a cabeça, o homem de kaban bege. Ela entendeu que ele ia segui-lo. Largou o palco em meio de entusiasmo geral e voltou ao camarim, pegando emprestada uma kaban branca que encontrou lá, vendo que Sean saia pela porta da frente do bar atrás de Ali Abu Faãn, que continuava a não se manifestar com nada.
Uma tempestade de areia se formou e a precipitação escureceu a rua por onde Sean caminhava.
Uma pequena lâmpada em curto se acendeu logo adiante, avisando que ali havia algum tipo de comércio, nas ruas cada vez mais estreitas, tomadas pela areia que o cegava. Sean puxou o turbante a ficar só com os olhos enegrecidos de fora, tentando enxergar que o comércio onde Ali Abu Faãn entrara era um frigorífico.
“Um frigorífico para um leão esfomeado!”
Sean olhou para trás e percebeu que Tahira ficara presa na tempestade de areia. Olhou para frente e viu a porta do frigorífico entreaberta.
Atravessou a rua e deu de encontro com ela.
— Sean... — e a mão dele, a calou.
Mal se enxergava algo ali, e Sean entrou seguido por Tahira, atravessando o que lhe pareceu à área de venda. Um homem ao longe trabalhava em meio a sons ininterruptos, ao som de lâminas ensurdecedoras.
— Alguém para atender aqui? — Sean arriscou ao adentrar no grande galpão.
— O frigorífico está fechado!!! — gritou um sudanês Ali Abu Faãn, ao fundo.
— Eu estou procurando um homem que me foi indicado.
— E quem quer encontrar? — perguntou o sudanês Ali Abu Faãn ainda sem se virar para trás.
Sean se aproximava cautelosamente observando todos os detalhes do galpão; viu máquinas de desossar carne trabalhando sozinha ao fundo, viu algumas mesas de corte sujas de sangue.
Fez sinal para que Tahira parasse onde estava e a moça estancou.
— Eu queria falar com Ali Abu Faãn — falou Sean agora mais perto do sudanês Ali Abu Faãn vendo o sangue espirrar da lâmina que cortava a carne.
— E o que quer com ele?
Sean parou de andar, esperou que o homem se virasse, mas ele continuava de costas.
— Eu queria fazer-lhe algumas perguntas — e recomeçou a se aproximar.
— Que tipo de perguntas? — mas o silêncio se fez dessa vez. — Perguntei que tipo de perguntas? — insistiu o sudanês Ali Abu Faãn com a voz mais alterada.
E Sean apareceu na frente dele com os olhos azuis.
— Perguntas sobre Shee-akhan!
— Sean?! — gritou Tahira quando o facão foi atirado.
Mas Sean desaparecera dali fazendo a lâmina cortar o ar, aparecendo, porém em cima do corpo de Tahira que foi ao chão sujo.
— Não falei para parar na porta? — apontou nervoso para a porta de entrada.
Tahira viu que os olhos azuis dele haviam voltado e ele se levantou e desapareceu, aparecendo na frente do sudanês Ali Abu Faãn, que correu para uma das portas do freezer e lá ficou paralisado, com o rosto derretendo, em frente de Tahira que outra vez não obedecera Sean Queise.
— Droga! — explodiu ele. — Saia daí Tahira!
Mas Tahira continuava ali, à frente do sudanês Ali Abu Faãn que derretia.
— Por Allah! Shee-akhan está provocando algum tipo de aquecimento?
— Já disse para sair daí?
Mas Tahira começou a dar passos mecânicos para perto do sudanês Ali Abu Faãn.
— Tahira? Não faça isso! — Sean voltou a pedir que ela parasse, mas Tahira não parou. — Pare Tahira!!! — Sean se desesperava percebendo que ela estava encantada ou qualquer coisa assim. — Tahira?!
— Shee-akhan... — sussurrava o sudanês Ali Abu Faãn com o olhar fixo em Tahira que começou a volitar até ele.
— Ahhh!!! — e Sean foi ao chão, de joelhos, amarrado por fios de energias iguais a que experimentou na casa de Corniche el-Nil, sem conseguir se mover. — Tahira?! Não!!!
Mas Tahira não ouvia. Aproximava-se do sudanês Ali Abu Faãn, que com parte do corpo derretendo agarrou-a, fazendo a pele do braço onde tocou, começar a queimar.
— Ahhh!!! — gritou Tahira de dor e calou.
— Shee-akhan... Shee-akhan... Shee-akhan... — entoava como um canto.
“Tahira?” Sean a chamou pelo pensamento, mas ela só conseguia computar a dor do sudanês Ali Abu Faãn a tocando; e onde ele a tocava, aquilo queimava feito ferro quente.
“Tahira? Escute-me! Precisa acordar ou o freezer vai fechar com você dentro”.
Mas Tahira o escutava e era só, já que Sean tentava se mover, fazer os fios de energia se soltarem de seu corpo, mas toda movimentação que fazia não surtia feito.
“Tahira? O freezer é uma passagem, que vai levá-la embora, eu não sei para onde”.
E o cheiro de pele queimada se fez ali, enquanto o sudanês Ali Abu Faãn arrastava Tahira para dentro do freezer, e a porta começou a se fechar.
Sean saiu do corpo trocando com seu duplo, e correu com seu corpo verdadeiro.
— Não!!! — berrou Sean tentando segurar a porta com toda sua força, e tudo que estava ao seu alcance psíquico ele chamou; facas, mesas, ganchos, carne congelada; tudo para cima do sudanês Ali Abu Faãn ali que foi ao chão atravessado pelas lâminas que lhe cortaram dez, onze vezes.
Ele caiu no chão com um líquido verde escorrendo do corpo, e Tahira foi ao chão também, saindo do controle da mão do sudanês Ali Abu Faãn que se ergueu, e como feito por Najma, tocou-lhe a testa.
— Ahhh... — e Tahira desmaiou.
— Não!!! — um terceiro Sean Queise se desprendeu, ele não soube de onde, e chegou ao sudanês Ali Abu Faãn com um facão, lhe cortando a mão.
— Ahhh!!! — Tahira agora acordou do transe, e do choque de ver a mão do sudanês Ali Abu Faãn decepada por Sean. Ela se levantou e viu outro Sean Queise tentando segurar com o que tinha e podia, a porta do freezer que se fechava. — Sean?!
— Venha até aqui!!! — gritou da porta.
Ela correu até ele com parte do braço queimado, e enfiou a cabeça, o corpo, quando a porta começou a imprensar os dois.
— Ahhh!!! — gritaram ambos quando um quarto, um quinto e um sexto Sean Queise apareceram ali, e seguraram a porta fazendo o verdadeiro Sean Queise conseguir tirar Tahira da porta, e a porta esmagar os três Sean Queise que surgiram ali.
Sean e Tahira impactaram e os três Sean Queise voltaram a ser três sudaneses locais, provável trabalhadores do frigorífico.
— O que... — Tahira olhou Sean. — O que... — Tahira olhou para o chão próximo à porta do freezer ensanguentado.
— Agora eu entendi o que são os ‘Sean Queise’ que surgem...
— Como é que é?
Sean olhou Tahira em choque.
— Eu posso entrar noutros corpos, e fazer cópias de mim — e caiu em risada tensa e divertida, achando aquilo o máximo.
Já Tahira ficou pensando se não era ele, Sean Queise, um alienígena Anunnaki, afinal das contas.
28
Old Cataract. Aswan, Egito.
09/06; 04h21min.
Tahira Bint Mohamed estava furiosa com Sean Queise, mas ele foi enfático, iria voltar ao hotel e resgatar seu notebook e Najma Faãn, porque ele agora acreditava que o corpo dela havia sido invadido, e que ela seria incapaz de fazer tudo aquilo que fez de real vontade. Mas Tahira não acreditava nela, achava que Sean estava era encantado com a doçura da doutora que o salvou, e cuidou dele durante seis meses.
Porque Sean não queria acreditar que a mulher que cuidara dele com tanto carinho tivesse feito aquilo, que toda sua doçura fosse superficial, e que ela estivera sim, dominada pelo Fator Shee-akhan, que agora conhecia sua força.
— Sean? — falou a Dra. Najma tendo sua fala brecada logo em seguida pelas mãos dele para que calasse.
Najma vestia uma camisola comprida quase escondendo seus delicados e pequenos, pés. E ele percebeu que a Doutora era mais delicada do que parecia.
— Shhhiu! — pediu ele a levantando bem devagar.
Ela se levantou e Sean colocou a valise com o notebook nos ombros e ambos saíram do Old Cataract, com ela obedecendo sem perguntas, e ambos descendo as escadas sem que qualquer hóspede pudesse escutar. E a manhã começava a dar pequenos sinais de luz e sons de xícaras e pratos se iniciavam no restaurante 1902. Ambos saíram do hotel por uma porta traseira que Tahira vigiava, após Sean ter derrubado cinco funcionários.
— O que aconteceu? — Najma estranhou ao ver os cinco homens caídos.
— Foi ele! — Tahira só respondeu isso.
Sean puxou as duas e Najma viu a roupa de dançarina de ventre que Tahira usava, rasgada e suja de sangue. Virou-se para Sean, e viu então que ele também usava roupas árabes, sujas de sangue.
— Por Allah... Sean Khalida... — e passou as mãos carinhosamente pelo rosto manchado de vermelho.
Sean segurou as suas mãos e empurrou Najma para dentro da Van amarela, fechando a porta. Deu a volta, entrou, desceu na banguela e só foi ligar o motor alguns metros abaixo.
— Era uma armadilha! — falou Sean ao olhá-la pelo espelho retrovisor.
Najma teve sua face deformada pelo horror.
— ‘Armadilha’?
— Sabe quem é realmente seu padrinho, Najma?
— Estamos falando sobre o que, Sean Khalida?
Tahira se virou revoltada.
— Pare de chamá-lo assim!!! — berrou e se virou para ver a cara de poucos amigos que Sean fazia.
Mas Najma nada retrucou, porque era inteligente o suficiente para saber que estava competindo com alguém difícil, e jovem, e ruiva, e vestindo uma roupa de dançarina.
— Ali Abu Faãn pertence a escola do papiro, Najma?
— Não sei Sean Khalida. Nunca soube.
— Jablah pertencia?
— Não. Meu irmão nunca... Ele nunca me disse nada.
— Então com pode saber tanto? — Tahira queria briga.
— Basta Tahira!
— Jura? Porque ela tem um padrinho que tirou você de um hospital quase morto sem perguntar nada, porque queria que seu sobrinho Jablah cuidasse de você à base de Shee-akhan.
— ‘Jura’? — foi a vez de um Sean cínico perguntar.
— Não me desafie Sean Queise, porque...
— Basta!!! — Sean agora se enervou com ela.
Mas Najma entrou na discussão.
— Ali Abu Faãn tentou matá-lo Sean Khalida?
— Sim! Eu o segui até o Bar Tyra, em Nubian Village, e depois até um frigorífico. Mas ele percebeu quem eu era no bar e ele já nos esperava.
— Quase fomos mortos, já que ele derreteu com aquela coisa Shee-akhan no corpo e me queimou — Tahira mostrou o braço infeccionado.
Najma arregalou os olhos para a ferida.
— Está infeccionada — e Najma viu Tahira olhá-la quase querendo transferir cada bactéria, cada gota de pus para ela — Por favor, deixe-me fazer um curativo nela Sean Khalida?
— Não! — proferiu Tahira irada. — Porque parece que aqui tem alguém quem não é confiável.
— Não!!!— gritou Najma, desesperada. — Eu não sabia Sean Khalida. Eu juro! Estive dormindo esse tempo todo.
Os dois, Sean e Tahira, se olharam.
— Acalme-se! — falou Sean, num forte tom de voz. — Acalmem-se, as duas, está bem? — disse recriminando a jornalista.
— Por favor, Sean Khalida. Pare num entreposto hospitalar para que eu consiga curativos.
— Eu não quero curativo dela! — fuzilou-o. — Entendeu? — e ela viu Sean ficar furioso com Tahira e obedecer Najma, seguindo até um entreposto. Ela desceu e Tahira o encarou. — Jura?
Najma voltou à Van amarela e fez o curativo com Tahira engolindo aquilo a seco, sabendo que a doutora fazia pontos com seu Sean yá habibi.
Sean engatou a primeira e seguiu.
— Aonde vamos agora?
— Não sei...
Tahira o encarou.
— Como é que é? Como assim não sabe?
— Não sei Tahira! E não sei não sabendo!
— Jura?
E os dois viraram a cara um para o outro. Sean então parou a Van amarela no acostamento da estrada, próximo a uma floresta que margeava o Rio Nilo, e o dia começava a clarear quando abriu a valise com ‘kellygarcia’ e tirou de dentro o notebook, que também abriu com ‘kellygarcia’.
— Eu pensei em todas as senhas para fazer Spartacus funcionar, mas nada dá certo.
— Acha que... — e Tahira não teve coragem de continuar.
— Não acho nada. Mais nada, porque até pensei nas muitas pessoas anotadas naquela agenda que Oscar me deu, fosse algum nome de relevância, mas tenho medo de prosseguir se o que eu penso, estiver errado.
— Não vai saber se não tentar.
E Sean puxou seus cabelos loiros, jogando-os incessantemente para trás.
— Porque eu escolhi ‘kellygarcia’ para abrir uma valise, se eu nunca havia usado essa senha?
— Como é que é?
— Pare de fazer perguntas e responda Srta. Tahira.
Ela nada mais falou.
Depois se voltou para ele, furiosa.
— Porque você a ama!
E Najma arregalou os olhos verdes para os dois.
— Sim! Eu amo Kelly! Uma Kelly que nunca vou poder amar porque a amo! — exclamou furioso.
E o silêncio caiu entre os três.
— E não vai amá-la porque não aceitou ficar naquele corpo.
— Do que é que está falando sua insana? — foi a vez de Sean perguntar.
— Insana? Eu insana? Por que voltou aquela noite Sean yá habibi?
— Porque...
— Por que exatamente àquela noite?
— Porque o robô havia...
— Não! O robô chegou exatamente na data que você mandou o robô chegar, porque você nada sabia sobre o 11/11, porque você ainda não havia recebido o segundo pacote com o papiro.
— De que droga está falando?
— De que você sabia que ela estaria lá, dia 11/11, porque sabia que Kelly Garcia havia acabado de chegar da Computer Co. da Catalunha.
— Você está...
— Louca? Insana? Com ciúme?
Sean achou que as três opções.
— Eu sabia que...
— Sabia Sean Queise. Sabia que Kelly Garcia ia entrar no seu quarto dia 11/11, que ela ia se apresentar, que você podia vê-la em toda sua essência, em seu ‘amor à primeira vista’ que você teve para com a espanhola, que você amou antes de Sandy lhe roubar dela.
E Sean chorou.
— Perdão...
— Não, Sean yá habibi. Não é para mim que você deve pedir perdão, é para suas senhas; ‘kellygarcia’ e ‘mamãe’.
E Sean arregalou os olhos azuis sabendo que Tahira fazia mais que morar no seu flat. Colocou o celular para fazer uma chamada, uma conexão via satélite para o satélite de observação Spartacus com a senha ‘mamãe’, e o satélite voltou a funcionar, e todos os mainframes giraram com novas coordenadas, fazendo Spartacus voltar à sua órbita geoestacionária e Oscar Roldman e Mr. Trevellis, cada um no seu canto do mundo, entender que Sean Queise havia voltado.
Sean então se virou para uma Tahira satisfeita e os faróis de cinco carros quase os cegaram.
— Sean...
— Quieta as duas! — e todo tipo de calibre de armas foram apontadas para a Van amarela. — Fiquem aqui! — deu a ordem e encarou Tahira. — Compreendeu? — ela nada disse e Sean levantou as mãos e saiu da Van. Homens vestidos de egípcios e núbios antigos, mas com armas novíssimas em punho, o arrastaram de lá deixando as duas na Van. — Onde está... — e uma coronhada o levou ao chão.
Um dos homens o pegou do chão e o arrastou ainda acordado, porém atordoado, por todo trajeto, até um grande portão de madeira mostrar-se ser um fechado ancoradouro de barcos abandonados. Lá dentro, a escuridão; literalmente. E também o cheiro de urina, de areia ocre que seus lábios tocaram quando foi jogado no chão de coisas rastejantes.
Todas as sinapses nervosas de Sean o alertaram e ele se ergueu ainda tonto, sentindo que havia ali centenas de entidades, desde coisas enegrecidas pela morte, até corpos acinzentados sem muita estrutura molecular, lutando pela sua existência, carregando uma energia tão negativa que tudo a sua volta era escuridão.
— AHLAN WA SAHLAN, SR. QUEISE! — falou uma voz assustadora.
— Impressão minha ou não sou tão bem vindo assim? — devolveu-lhe tentando lembrar-se daquela voz.
— TENTANDO SE LEMBRAR DE MIM, SR. QUEISE?
— Quem é você?
— SOU SHEE-AKHAN! O VERDADEIRO!
— Shee-akhan? Achei que havia me livrado de você.
E uma risada gélida ele ouviu, quando Sean se viu pisando num carpete marrom, de losangos, com uma criança correndo com seu avião lhe passando de raspão.
“O drone!”, olhou para cima e madeiras soltas mostravam um Sol querendo despontar no ancoradouro de barcos abandonados, para olhar para frente e ver aquela gente amontoada, em torno de um descomunal leão; uma fera de pelagem vermelho-amarelada feito fogo e máscara de íbis.
— O que quer comigo Shee-akhan?
— A FARAÓ-LEOA!
— E por que acha que eu consegui encontrá-la se você me interrompeu em Nabta Playa?
— CHEGA!!! — gritou Shee-akhan. — EU QUERO A FARAÓ-LEOA, DE MÁSCARA MORTUÁRIA, QUE LHE FALA.
— Sabe que não sei do que está falando, porque a explosão que você causou, provocou-me amnésia. E sabe que realmente esqueci muita coisa porque me persegue, sabendo tudo que faço e me lembro — e Sean ouviu o som do ar sendo cortado por um pássaro mecânico, um silencioso drone que se aproximava. — Najma?! — Sean gritou e seus pés correram com força sobre-humana, alcançando a porta de madeira do ancoradouro de barcos abandonados, o chão da floresta, o Rio Nilo onde margeava e Najma estava lá, sob a mira de uma arma, empunhada por um núbio antigo, de crânio alongado. — Não!!!
Mas as lágrimas nos olhos dela eram de um sentimento puro.
— Perdão Sean Khalida...
Sean desejou que o núbio antigo parasse, mas ele sorriu de uma forma que Sean sentiu que nada o atingiria, de que como na cidade dos mortos, seus dons não os alcançavam, porque como com os espiões psíquicos, eles se bloqueavam, se anulavam.
— Não diga nada Najma!
— Perdão... Eu falhei.
— Não! Não! Eu a perdoo! Eu a perdoo! Volte aqui!
Tahira não acreditou no que ouviu ali escondida, ele sabia o tempo todo quem era Najma e permitiu levá-la.
— Não, Sean Khalida. Sou culpada. Preciso pagar por meus erros.
— Não!!! — gritou ele para trás sabendo que dentro de um dos carros estava Wlaster Helge Doover. — Wlaster, não! Não a mate!
— Não, Sean Khalida. Eu falhei com Jablah, falhei com meus pais, porque o amei.
— Habaiták... — soou dos lábios de Sean.
— Habaiták... — soou dos lábios de Tahira.
— Habaiták... — soou dos lábios de Najma.
E o drone surgiu atingindo Najma e o núbio antigo com uma rajada de tiros, que lançou o corpo deles longe e destruiu a bela doutora.
— Não!!! — Sean se jogou na água e tentou alcançar o corpo sem vida dela, que boiava quando o drone deu a volta.
O drone então fechou a coordenada no corpo de Sean, que nadava até o corpo morto de Najma, e lançou projeteis que foram interceptados por armas instaladas em Spartacus, que destruíram os projeteis no ar, fazendo uma grande bola de fogo surgir nos céus de Aswan.
— Sean yá habibi?! — foi a vez de Tahira em choque correr para água e Sean saber que o drone ia fazer uma terceira investida.
— Volte Tahira!!!
— Não... Não... — ela nadava até ele e Sean largou Najma e nadou até Tahira quando o drone outra vez armou seus projeteis e fechou a coordenada em Tahira.
— Volte!!! Volte Tahira!!! — Sean alcançou outra vez Spartacus pelo pensamento, suas armas, e fechou a coordenada no drone que explodiu somente depois de lançar os projéteis nele e Tahira que se teletransportaram no momento da explosão.
Mas Sean foi jogado num túnel espiralado, e girou, e girou seu corpo em meio a estilhaços que penetraram na sua carne, durante todo o trajeto, até eles caírem na outra margem do rio, com Sean morrendo.
— Sean?! — berrava Tahira desesperada, tentando alcançá-lo. — Não!!! Sean?! — chacoalhava-o. — Ative Aparajayah!!! Ative Aparajayah!!!
E os olhos azuis dele se abriram, brilharam, fazendo Sean Queise permanecer invicto, fazendo estilhaços serem expulsos do corpo que sangrava, que morria, girando, e girando, e levando os dois de novo até o outro lado do rio, ao momento dos projeteis chegando, dos projéteis explodindo e ele se teletransportando para o passado, com os projeteis se teletransportando também, atravessando outro túnel de tempo, sendo lançados num Egito em guerra; um Egito paralelo, de homens núbios antigos que matavam seu povo em prol de um fator, que dominava a química e corpos.
Os projéteis então atingiram esses homens de crânios alongados, permitindo que crianças e mulheres escapassem e Sean e Tahira aparecessem do outro lado do Rio Nilo, com ela percebendo que Sean não estava mais ferido.
E Sean desfaleceu.
29
Rio Nilo; Egito.
10/06; 20h21min.
O barco de turismo balançava incessantemente nas águas mágicas do Rio Nilo. Tahira olhou mais uma vez o corpo belo e jovem ainda desfalecido na cama e saiu da cabine alcançando a proa com a noite caída.
— Onde estamos?
Tahira se ergueu da cadeira de madeira onde acabara de sentar-se.
— Sean yá habibi... Assustou-me.
Sean estava enrolado num cobertor.
Olhou em volta e a noite era belíssima ali.
— Como chegamos aqui?
— Em nada se pareceu com seus dons. Porque ficamos mais de três horas a deriva no Rio Nilo, num bote sem remos, que encontrei na casa de barcos abandonados. Então esse barco de turismo que estava navegando, nos encontrou e estamos aqui desde ontem.
— Najma?
— Não tive como trazer seu corpo ou a polícia seria avisada, e faria perguntas.
Sean sentou-se em choque noutra cadeira de madeira.
— A Senhorita quer mais chá? — perguntou de repente o garçom do barco de turismo que os resgatara.
— Por favor, duas xícaras.
O garçom serviu duas xícaras.
— O jantar será servido as vinte e uma, Senhorita.
— Shukran!
Sean nada falava. Só esperou o garçom se afastar.
— Eu teletransportei aqueles projeteis.
Tahira sentou-se.
— Para onde?
— Seu Egito.
— Por Allah!
— Preciso entrar em contato com Oscar, avisá-lo que Wlaster vai atrás dele.
— O que ele quer com seu pai?
— Minha genética! — e Sean tomou o chá num gole só e se levantou, voltando à cabine.
Tahira ficou o vendo sair de sua vista. Ficou lá até a sineta tocar as vinte e uma horas, avisando do jantar. Ela respirou profundamente e se levantou dando de encontro com ele novamente.
— Sean yá habibi... Assustou-me novamente.
— Diz um provérbio árabe que para cada coisa que acredito saber, dou-me conta de nove que ignoro.
— Como é que é?
— Quem é você?
— Não entendi... — um fog úmido invadiu de repente o tombadilho e os cabelos vermelhos dela brilharam na luz do luar, fazendo a fina blusa que usava delinear um belo par de seios. Os olhos dos dois se cruzaram, mas Sean não se moveu. Ele apenas a observava atentamente. Tahira cobriu os ombros gelados com um casaco conseguido pelo barco de turismo. — Está frio...
— Até quando vai brincar? — disse ele cortando a frase dela.
— Jura? — levantou da cadeira e pôs-se a rodeá-lo. — Porque não tenho a mínima ideia do que fala.
Seus rostos se misturavam pouco a pouco à neblina que invadia suas retinas, que molhava o chão de orvalho.
— Mas você sabe do que falo, porque sabe o que aquele leão de pelagem vermelho-amarelada quer.
E Tahira deu uma risada esganiçada passando por ele.
— Vou jantar. Uma egípcia não sabe pensar... — e Sean a beijou com tanta força que Tahira perdeu o equilíbrio, se ajoelhando no chão molhado, com ele a segurando pelos cabelos. — Oh... Sean... — sentiu-se tonta, excitada. —, não faça isso...
— Por que acha que vou fazer algo? — e o perfume do corpo dele, tão próximo, penetrava nas suas narinas. Sean a encarou no úmido tombadilho e seu corpo de homem bonito, másculo, viril se mostrava, dilacerava emoções baratas, fazendo-a se entregar ao destino. — Toque-me!
E Tahira sorriu lasciva querendo mesmo tocá-lo, o tocando, acariciando suas coxas, quando ele a puxou pelo cabelo a afastando dele.
— Ahhh... Sean... — mas Tahira não mais se sujeitava a ordens, não se controlava mais depois de tantos anos de desejo, de invasão, de olhares noturnos enquanto ele dormia; porque ambos sabiam que ela o vigiava, noite após noite, dentro do flat, dentro do quarto dele, dentro de seus sonhos.
Ela agarrou o sexo dele pelo jeans e Sean sentiu-se dobrar.
— Ahhh! — foi a vez dele exclamar.
Ela se levantou com ele ainda lhe puxando os fios ruivos, sedosos, e seus lábios o alçaram. Sean a encarou e o olhar dela seguiu a boca que engoliu um seio, depois outro, lambendo-os através do fino tecido da blusa, mordendo-os até ela gritar.
— O que está fazendo? — olhou para os lados nervosa, vendo o tombadilho tomado pelo orvalho.
— Por que acha que estou fazendo algo?
E Tahira não queria responder àquilo, àquilo não. Não depois de sentir as mãos dele deslizando pela nuca ruiva dela, emaranhando-se nos cabelos cor de fogo, descendo o rosto dela, a boca dela, até seu sexo. Tahira estava confusa, excitada e confusa, quando ele a fez percorrer o tecido. — Aqui não... — Tahira sentiu o amargo do brim do jeans.
— Aqui sim! — e as mãos dele também não se controlavam, subiram-na pelos cabelos e desceram até a saia dela, buscando invadi-la, envergonhá-la, perturbar o corpo da mulher desejada.
E Tahira sentiu-o, a invasão da saia, da lingerie, do sexo úmido, dedos hábeis que deslizavam por entre suas pernas, por dentro e por fora, fazendo Tahira delirar de tesão, sentir-se tonta novamente, sem ação.
— Sean...
— Cale-se!
E Tahira calou no que Sean a fez escorregar até o chão outra vez, se deliciando pelo toque, pela invasão, pelo local, pelo cheiro do rio próximo, respondendo o que seu próprio corpo perguntava há tanto tempo.
Sean desabotoou botão após botão da camisa dada, até seu corpo se expor. Depois os botões da blusa dela, até expor seus seios, os beijar sem vergonha para então jogá-la no tombadilho úmido com os seios se movimentando pelo ato.
— Sean?!
— Quem é você, Tahira? — perguntava nervoso, excitado, cúmplice daquela inusitada noite.
— Não sei do que...
— Quem é a mulher que atravessa mundos em busca da aventura?
— Não... Qual é o seu jogo?
— Por que acho que tenho um?
— Porque você nunca foi homem de não saber o que faz, para fazer tantas perguntas — mas Tahira sabia que Sean sabia o que fazia, conhecia o custo de ludibriar a noite, de fazer pecados virem à tona.
Ela então levantou e abriu-lhe o zíper da calça e o consumiu.
— Ahhh... — e ela o engoliu. — Ahhh...
Porque ela também sabia o que fazia, porque a umidade penetrava cada poro sensual de seu corpo belo e excitado.
— Viaje Sean! — sua voz era pura ordem. — Passagem só de ida!
Adrenalina pura eram seus corpos, queda vertiginosa, êxtase total, fazendo dali, do tombadilho molhado, um encontro de amantes.
Até o amanhecer.
30
Cairo, Egito.
11/06; 05h00min.
Era noite ainda e fazia frio no Cairo. Oscar Roldman saiu da pequena pousada na qual estava escondido com um casal de agentes da Polícia Mundial, se dirigindo a passos largos pelo breu que tomou conta das vielas do Cairo Islâmico. Oscar ainda pôde ver guarnições paramilitares controlando aquela área do Cairo, e sabia que aquele controle todo concentrado na região em torno da Cidadela de Salah el-Din, uma fortaleza do século 13 localizada a leste do Cairo Islâmico, aos pés da Montanha Mukattam, era para vigiar a Eschatology Inc..
Entretanto, lá, nada sabiam sobre a toca da Polícia Mundial no local, um Bar de nome Richãã, que alugaram para fazer campana.
Oscar puxou o pano do turbante colorido que lhe cobria a testa escondendo agora todo o seu rosto, e deu de encontro com um homem de olhos enegrecidos.
— Peixe? — perguntou o homem em dialeto árabe. — Duas libras egípcias — disse o preço.
— Agora não! — respondeu Oscar assustado com o liquido que navegava nos olhos dele.
— A salamo a-leikom!
— A leikom es salâm!
E o pescador se foi.
Oscar respirou aliviado voltando a caminhar, porque se considerava um homem velho para aquilo. Durante todo o dia anterior, seus dois agentes, o casal Jeffrey e Annette, se passava por comerciantes islâmicos, se misturando ao povo que frequentavam o seu bar livremente. À noite, somente eles, os agentes, o ocupavam.
Oscar Roldman entrou e percebeu Jeffrey andando incessantemente à frente de uma lareira no canto do bar, para esquentar o esqueleto.
— Nem parece que vive em Boston — falou Oscar a ele, ao entrar.
— Mas aqui faz calor durante o dia e a noite tudo congela Sr. Roldman — e Jeffrey espirrou.
E Oscar achou graça.
— Alguma coisa na rua, Senhor?
— Um ou outro homem dominado pelo Fator Shee-akhan.
— Acho que se arrisca dessa maneira sabendo que eles andam a esmo durante a madrugada, Senhor.
— Algum movimento no ‘purgatório’ em frente? — perguntou Oscar sem cogitar mais aquilo com Jeffrey.
— O ‘purgatório’ hoje tem mulheres mais bonitas que o normal — e Jeffrey voltou a espirrar. — As mulheres entraram sem burka; tinham cabelos claros, oxigenados.
— Contratadas?
— Me parece que sim. Hoje está particularmente agitado. Há homens entrando e saindo como formiga no açucareiro, e usam roupas ocidentais! — falou agora a agente Annette.
— Compradores, Annette?
— Um ou dois.
— Vendedores?
— Cinco ou seis.
— Algo grande?
— Alguns carros de luxo, algumas caixas de metal pesado. Pela leitura de Spartacus, uma ou duas caixas contendo mísseis.
— Inferno! — Oscar estava visivelmente agitado. — Drones?
— Spartacus fotografou três. Entram e saem do espaço aéreo.
— Como entram e saem?
— Não sabemos Sr. Roldman. Spartacus não os perdeu uma única vez de vista, por assim dizer, mas eles aparecem e somem do radar.
— O que acha que significa isso Senhor?
— Não sei Jeffrey. Não faço ideia do que permitiria os drones sumirem do radar.
— Algum tipo de bloqueador novo no mercado?
— Eles os manteriam stealth, invisíveis. Não ‘entrando e saindo’.
— Algum problema com o satélite de observação depois que voltou à órbita geoestacionária Senhor?
— Cientistas da Computer Co. disseram que não, e Gyrimias me garantiu que Spartacus voltou a funcionar a contento.
— Deve ser verdade, já que Spartacus fotografou Mark O’Connor vivo — falou Annette.
— Sean Queise sabe disso Senhor?
— Não. Não permiti que Sean captasse essa informação, e não é só Trevellis e a Poliu que sabem bloquear psi.
— E Sean Queise é um espião psíquico da Poliu?
Oscar se levantou tão agitado que Jeffrey ergueu as mãos em sinal de paz.
— Desculpe-me chefinho.
Porque Jeffrey e Annette eram agentes diretos de Oscar Roldman.
— Desculpe-me, a mim.
Annette e Jeffrey se olharam.
— Há algo mais Sr. Roldman.
— O que Annette?
— Spartacus foi chamado ontem, durante as explosões noticiadas pela polícia de Aswan.
— Sean?
Os dois voltaram a se olhar e Annette se levantou para pegar fotos enviadas.
Oscar olhou o envelope e o abriu.
— São imagens de um primeiro ataque drone, depois imagens de um segundo ataque drone quando Spartacus ataca esse drone, o destruindo — Annette viu Oscar olhar os dois. — Para então um terceiro ataque, de um novo drone, mas não havia um terceiro drone.
— O que significa isso?
— Nossos analistas fotográficos acreditam que o drone que fez o primeiro ataque, matou a médica Najma e um homem com ela, com rajadas de balas — ela viu Oscar voltar a olhar as fotos tiradas por Spartacus. — Depois esse mesmo drone faz uma volta e se prepara para um segundo ataque quando Spartacus atinge o drone, após ele lançar projeteis sobre o Sr. Queise e a jornalista Tahira — e Oscar viu as fotos.
E Oscar a encarou.
— Onde está vendo algo extraordinário Annette?
— Os analistas não entendem é o porquê de não haver um segundo drone, nem um terceiro ataque. Porque é o mesmo drone que volta para atacar o Sr. Queise e a jornalista Tahira pela segunda vez, só que ele havia sido destruído por Spartacus.
— Segunda vez?
— Sim. O segundo ataque atingiu o Sr. Queise, quando ele e Tahira somem da visão do satélite e apareceram do outro lado do rio, com ele ferido e o drone atingido por Spartacus.
— Sean está ferido?
— Acho que não. Porque logo depois há um terceiro ataque, quando acontece tudo igual ao segundo ataque, mas o Sr. Queise some e aparece do outro lado do rio, com ele e a jornalista sem ferimentos e o drone sumido da visão do satélite.
Os olhos de Oscar se abriram.
— Mark O’Connor? — foi o que perguntou Oscar fechando o envelope.
Jeffrey e Annette se olharam de novo, e perceberam o ‘Acabamos por aqui!’.
E eles acabaram.
— Mark O'Connor está dentro da casa, Senhor.
— Spartacus?
— Ainda com a leitura química dele.
— El Zarih?
— Não está lá.
— Wlaster?
— Ainda não chegou Senhor.
— Acredita que Wlaster vai aparecer Sr. Roldman?
— Não sei o que dizer Annette.
— Acha que mesmo com toda polícia egípcia e sudanesa atrás de Mark O'Connor, ele ainda consiga fazer negócios?
— Mark O’Connor se considera um ‘Senhor das armas’, Annette, ele não tem limites.
— Mas é um armamento pesado Senhor.
— Wlaster está se preparando para uma guerra Jeffrey. Não sei ao certo se contra nós ou contra aqueles alienígenas que vão passar pelo portal.
— Acha que o portal vai abrir no solstício de verão, em junho?
— Na década de 70, o egiptólogo amador John Anthony West estava lendo com entusiasmo os escritos do ocultista e matemático francês chamado Schwaller de Lubicz, que argumentava que os mistérios da civilização egípcia só poderiam ser desvendados quando fossem decodificados os símbolos matemáticos e místicos, inscritos na arquitetura e na arte daquele povo. E Pitágoras veio beber nessas fontes de conhecimento, porque como Lubicz, acreditava que os egípcios eram muito mais sábios do que os estudiosos supunham, e que teriam recebido seus conhecimentos de uma antiga civilização que teria desaparecido após grandes inundações cataclísmicas.
— A inundação de Noé?
— A inundação dos Anunnakis?
— Mú, Lemúria, Atlântida, e talvez outro Egito, paralelo ao nosso, para onde retornaram.
— Coexistindo conosco?
— Sim Jeffrey.
— E Wlaster quer o que, com esse povo egípcio paralelo?
— Poder!
— Poder sobre o que?
— Foi o que Trevellis exigiu de Sean, respostas em troca do conhecimento sobre a filha de Clarice.
— Acredita no que Mr. Trevellis diz?
— Ele não disse! — e Oscar sorriu de uma maneira enigmática, que somente seus agentes próximos, e somente eles, podiam entender; que ele era um Roldman.
— Wlaster entrou na casa Sr. Roldman!
— Desgraçado! Sabia que ele viria! — Oscar ficou olhando Jeffrey observar o purgatório da janela do bar e suspirou.
Depois se virou e voltou a colocar o gorro.
— Aonde vai, Senhor?
— Encará-lo!
Annete ergueu todo o rosto miúdo e bonito, olhando para Jeffrey.
— Acha uma atitude sensata Senhor?
— Não...
— Mas então...
Mas então uma grande explosão perpetuou-se pela manhã adentro e o bar Richãã desapareceu nos ares.
Rio Nilo, Egito.
11/06; 05h30min.
Sean ergueu-se em choque. Sentia como que atordoado, com uma dor inexplicável no peito. Tahira acordou nua, ao seu lado, ambos enrolados em lençóis macios na cabine do barco de turismo.
— O que houve Sean yá habibi?
— Meu pai...
— Fernando?
— Oscar!
— Por Allah!
— Helicóptero a estibordo!!! — gritou o timoneiro do lado de fora.
— Droga... — Sean olhou pela escotilha. — É um Bell Boeing V-22 Osprey.
— E o que isso significa?
— Chamei o helicóptero de Oscar sem piloto — e deu um pulo da cama procurando a roupa fornecida pelo staff do barco.
— Por Allah! Como assim ‘chamou’? — ela se enrolou no lençol.
— Não sei... — se vestiu. — Mas Oscar está em perigo — e saiu.
Tahira correu a se trocar e o alcançou na proa lotada de turistas.
— Helicóptero a estibordo!!! — gritava o timoneiro outra vez.
O helicóptero ainda se mantinha no ar.
— O que vamos fazer Sean yá habibi? O helicóptero está sobre o barco.
— Fique aqui! — Sean se virou e voltou. — E, por favor, siga com o barco até a próxima parada e vá para o Cairo. Lá, envie meu notebook para Kelly. Depois descubra qual era o papel de Mustafá na escola do papiro, e por que Afrânio e Mustafá escolheram Corniche el-Nil para montar um laboratório.
— Por que isso? Por que Corniche el-Nil era tão importante?
— Não sei. Por isso eu ia ficar no hotel do Cairo primeiramente quando vim a primeira vez ao Egito. Eu tinha um acordo com Trevellis para encontrar o paradeiro da menina de Clarice, mas a morte de Miro atraiu atenções sobre mim. Eu então me desesperei e fui para Nabta Playa, para encontrar algo na pirâmide. Mas quando cheguei lá, estava acontecendo o encontro de Mark O’Connor com fabricantes de armas pesadas. Depois o Fator Shee-akhan entrou em mim e tudo aquilo aconteceu. E com minhas memórias comprometidas, ainda não sei o que ia realmente fazer no Cairo.
— Jura...
— Sem ironia Tahira. Preciso acertar contas com Wlaster, porque foi ele quem matou Afrânio e Samira com CHE, o mesmo CHE que matou Miro e Joh; e provável matará você, porque aquele alienígena no corpo de Joh falou sobre você e sua mãe.
— Mas Wlaster nunca nos perturbou mesmo eu não sabendo que era perturbada.
— Mas você sabia Tahira. Você sempre soube.
— Acha que estou mentindo?
— Não. Mas há mais nisso tudo, não é? — e se virou para sair.
— Posso lhe perguntar algo, Sean yá habibi? — ela não esperou a concordância dele. — Por que arriscou nossas vidas voltando para buscar Najma?
— Porque eu sabia que ela havia falhado no hospital quando antigos egípcios injetaram Shee-akhan em mim, porque Wlaster queria entrar no meu corpo.
— E ela falhou?
— Não!
— Então ela sabia quem era você?
— Não!
— Mas como...
— Habaitak! Ela me amou, Tahira, e me sequestrou mesmo sabendo que eu e El Zarih éramos importantes para a seu padrinho Abu Ali Faãn. Só não sabia toda a extensão do que fazia. E Jablah foi obrigado a continuar o ‘tratamento’ de injetar Shee-akhan em mim sem que ela soubesse, ou comprometeria a segurança deles. Só não contavam com meus siddhis dominando o Fator Shee-akhan durante seis meses.
— E mataram Jablah porque ele falhou?
— Sim.
— E por que a mataram?
— Porque ela pediu para morrer — e Sean se virou para ir embora.
Tahira esticou os olhos computando tudo aquilo.
— Sean... Aonde você vai realmente?
— Paris!
— Paris?
— Sim, Per-Isium, lugar de culto à deusa Isis — e se transformou num Sean de rabiscos, até que sumiu das suas vistas com o helicóptero se distanciando do barco, e ele o pilotando.
31
Catedral de Notre-Dame; Paris, França.
48° 51’ 10” N e 2° 21’ 0” E.
12/06; 10h00min.
Passos largos se fizeram no subterrâneo da Catedral de Notre-Dame, na França.
— Não pode entrar!!! — gritou uma mulher atarracada, tentando brecar um jovem loiro, que a impactou quando apareceu no meio da sala dela, vindo do nada, e que invadiu a sala contigua que cheirava a caro charuto cubano.
— Quanta indelicadeza com uma dama — falou a voz rouca de alguém que sentava num largo sofá de couro marrom.
Sean Queise se aproximou do homem de pele jambo, de porte elegante, cabelos curtos que branqueavam e olhos extremamente esverdeados.
— Trevellis! — soou com ironia da boca dele.
— Que bom saber que sua memória volta aos poucos, ‘Sean querido’ — sorriu Mr. Trevellis.
— “Aos poucos”? — sorriu Sean.
Mr. Trevellis só ergueu um sobrolho e gargalhou com gosto, sabendo que Spartacus na sua órbita original significava uma memória voltando mais rápido do que todos esperavam. E vendo que Sean encarava o homem sentado na poltrona, ao seu lado, os apresentou.
— Esse é Christian Tyrone. Empresário de...
— Achei que o drone havia explodido você — Sean cortou a apresentação de Mr. Trevellis.
Mr. Trevellis estancou e Christian Tyrone sorriu.
— Também achei o mesmo de você.
— Também não sei como eu não explodiria, não é? Porque eu dirigia um velho Jeep anos 70 que não tinha os mesmos cavalos que seus Land Rovers.
Christian Tyrone escorregou um olhar para Mr. Trevellis que agora só observava Sean.
— Acho que começamos mal, Sr. Queise — Christian Tyrone se ergueu com intenções de cumprimentá-lo, mas Sean o sentou amarrado com fios energéticos, à cadeira.
Christian Tyrone sentiu-se grudado nela, literalmente e Mr. Trevellis deu um pulo do sofá sem, porém se levantar.
Sean então se aproximou de Christian.
— Que tipo de arma ia vender a Mark O’Connor?
Christian Tyrone voltou a olhar Mr. Trevellis que parecia não querer se envolver em algo que acontecia ali.
— Rastreamentos.
— Rastreamentos não são armas.
— Spartacus é uma.
Sean só inclinou o pescoço.
— Spartacus não estava a venda — sorriu. — Estava Trevellis? — sorriu para o jambo homem que só baforava seu charuto cubano. — Mas claro que poderia vir a estar se Wlaster tivesse conseguido que você, Christian, dominasse Para-Kaya pravesanam, inserindo-se no meu corpo.
Christian Tyrone até quis se levantar, mas fios energéticos dos quais nenhum dos dois enxergavam, o prendiam na cadeira.
— Eu não... Eu não...
— Não! Você não Christian! Mas Trevellis sabe do que falo, porque luta muito para que Wlaster não apareça durante seu sono para dominá-lo.
— Não posso ser dominado filho de Oscar.
E Mr. Trevellis foi ao chão, de joelhos, beijando-o.
Christian Tyrone arregalou os olhos e Sean se inclinou agora para ver Mr. Trevellis ajoelhado, com os lábios grudados no piso.
— Repita Trevellis! ‘Não posso ser dominado filho de Oscar’! — e gargalhou.
— Você... Você... — e Mr. Trevellis não sabia como se livrar daquela posição, da força mental dele. — Você...
— Eu o que Trevellis?
Mas Sean voltou Mr. Trevellis ao sofá e o sofá foi ao teto, preso, de ponta cabeça. Mr. Trevellis escorregou um olhar furioso se vendo preso como Tyrone, pela força paranormal de Sean Queise, quando o sofá voltou ao piso para então aparecer no deserto, com ele sentado nele, e com cinco carros se aproximando em alta velocidade, levantando a areia.
— Sean?! — Mr. Trevellis arregalou os olhos esverdeados para o entorno, e se viu sozinho no meio da areia quente. — Sean?! — berrou desesperado, preso ao sofá, vendo que os carros se aproximavam quando um drone surgiu por entre as nuvens que nem estavam ali. — Sean?! Sean?! Filho de Oscar?! — e o drone disparou um míssil que explodiu o último carro, o carro de Sean Queise. — Ahhh!!! — gritou Mr. Trevellis preso ao sofá, preso a areia com o Jeep anos 70 voando pelos ares e caindo no deserto de areia vermelha sob um Sol de 48 graus.
“Repita Trevellis! ‘Não posso ser dominado filho de Oscar’”, soou ali.
— Chega Sean!!! — mas os quatro carros Land Rovers que vinham à frente do Jeep anos 70 capotado, pararam adiante e Wlaster desceu de um deles. Atrás dele veio Mark O’Connor que engatilhou uma semi automática e disparou sobre Ahmad Al-badi, Nazih Sab`bi, Schiller König, Stefano Cipollone, Giovanni Bacci, Aaron Augustine, Christian Tyrone, Robert Avillan e Alam Al Alam. — Ahhh!!! — Mr. Trevellis berrava vendo corpos e luzes refletidas da semi automática dentro dos carros, na lataria dos carros e corpos morrendo ali dentro.
E Mr. Trevellis impactou e arregalou os olhos esverdeados mesmo, foi quando viu Christian Tyrone e Robert Avillan saindo de um dos carros destruídos, onde acabaram de serem mortos, com os olhos tomados de um líquido que os enegrecia, e foram atrás de Mark O’Connor, enquanto Wlaster tirava Sean desmaiado dos destroços do Jeep anos 70, e injetava Shee-akhan nele esperando Christian Tyrone e Robert Avillan atingirem Para-Kaya pravesanam, e conseguirem entrar nele.
Mas nada que fizesse, nenhuma posição mais estranha que a outra, permitiam que seus corpos o tomasse. Wlaster então berrou descontrolado até que toda sua pele se tomou de pelo dourado, e pernas e braços se tornassem patas e seu cabelo se tornasse uma pelagem. E a pelagem feito labaredas de fogo balançou para um lado, outro e outro mais, levantando a areia numa tempestade que cegou Mr. Trevellis ainda preso ao sofá.
Quando ele voltou a respirar e enxergar o que acontecia, estava de volta à Paris tomado pela areia da baixa Núbia, para impacto de um Christian Tyrone, que olhou Sean, e olhou Mr. Trevellis, e voltou a olhar Sean que olhava cínico para ambos.
— Fez boa viagem Trevellis?
E antes que Mr. Trevellis respondesse àquilo a testa de Christian Tyrone se abriu, e uma luz verde escapou dali.
— Ahhh!!! — gritou Christian Tyrone.
— Ahhh!!! — gritou Mr. Trevellis olhando o corpo de Christian Tyrone se tomar de adornos egípcios e núbios, sua pele dourar e seu crânio se alongar, para então se tomar de um fogo interno que o consumiu até somente os pés nos sapatos de cromo alemão, ficarem ali, ainda presos.
Mr. Trevellis tinha a pele, como se fosse possível, embranquecida pelo medo, quando deu uma grande risada.
— Sean... Sean... Você realmente me surpreendeu filho...
— Então me deixe perguntar novamente, Trevellis — Sean se inclinou para ele. —, quem era Christian Tyrone?
Mr. Trevellis se virou ainda embranquecido e pasmado para o que restou do corpo morto por CHE, com o pó dele ali.
— Então Christian Tyrone e Robert Avillan não sobreviveram?
— Não!
— E o Robert Avillan que chegou ferido ao hospital de Cartum foi um desses egípcios ou núbios antigos dentro do corpo dele?
— Sim!
— Mas Oscar conversou... Oscar esteve com Robert antes da explosão em Essex. Oscar teria percebido se... — e Mr. Trevellis arregalou os olhos. — Farinha do mesmo saco, não filho de Oscar? Porque Oscar sabia que Robert não era Robert de alguma forma, e foi lá usar Robert para avisar Wlaster do que ele faria, de que a pasta cor de vinho havia saído da Poliu e estava com ele, porque seu pai também é um siddha.
— Exato!
E Mr. Trevellis riu com gosto, querendo aquilo que Sean sabia, ter tido um filho como ele, porque filho de Oscar, de Fernando ou de quem fosse o filho, ele era o que desejava que suas filhas fossem.
E Sean captou tudo aquilo outra vez.
— E o corpo possuído de Christian Tyrone sumiu de cena, porque Wlaster precisava dele para roubar Spartacus, porque ele poderia fotografar a hora exata que os portais se abririam — e Sean se aproximou de Mr. Trevellis o liberando das amarras. — E tudo isso, porque Aurora contou a Wlaster, depois de conseguir informações com Gyrimias, que agentes da Poliu como Sandy se infiltravam na Computer Co..
— Nada sei sobre a irmã de Juca ser uma espiã psíquica da Poliu, porque nada sei sobre Sandy, já que a amiguinha da minha filha a traiu também. E o canalha do Wlaster tinha seus próprios psi, sem o conselho saber, após a saída de Mona Foad.
— Não quero falar sobre Sandy.
E Mr. Trevellis se levantou sentindo todo seu corpo doendo e encheu um copo de whisky.
— Ótimo filho de Oscar, porque também não quero falar sobre ela — e bebeu tudo num gole só.
— Mas sobre Robert Avillan vamos falar, porque Robert conseguiu roubar a pasta cor de vinho.
— Seu pai me contou! — Mr. Trevellis riu um sorriso debochado e Sean não gostou daquilo.
— Mas não para foi para Wlaster que Lucy roubou a pasta cor de vinho... — e Sean teve uma pequena vitória no suor que escorregou do rosto de Mr. Trevellis —, porque eu a ensinei a mentir para Oscar, para os dons de Oscar, exatamente como vocês bloqueiam os psi entre si. E me parece que ela se tornou uma bela espécie de teste — riu. — Lucy entregou a pasta cor de vinho para mim antes da explosão me apagar.
— Mas como você... — e Mr. Trevellis parou.
— Como eu sabia ler uma pasta cheia de papéis que se escrevem ao comando de dons paranormais? Quer mesmo saber? Jura? — e Sean riu da sua própria piada. — Porque eu devia saber, Trevellis. E devia saber que tudo aquilo ia acontecer já que me visitei quando tinha catorze anos.
— Você se... O que? Você se visitou? Está dizendo que pode voltar no tempo e... Incrível!
— “Incrível”? — e Sean gargalhou tenso. — Não Trevellis, não há nada incrível em saber o que eu realmente fiz, porque eu fiz algo que deu errado naquela pirâmide quando a toquei, porque Shee-akhan entrou em mim e não permitiu que eu morresse naquele acidente, não permitiu que todo aquele Fator Shee-akhan injetado no hospital de Cartum chegasse a meu organismo, porque atingi Advandvam, e tolerei o calor do fogo e a dor de ser explodido, para então ativar Aparajayah para permanecer invicto e ativar Ajna apratihata gatih, impedindo ordens ou comandos de outros.
— Como não ser dominado pelo Fator Shee-akhan.
— Exato! E se foi uma pena a amnésia apagar muita coisa, afloraram outras, como saber que Clarice conseguiu tirar uma menina de quinze anos, do Egito para Portugal, onze anos atrás.
Mr. Trevellis levantou-se de supetão.
— Você conseguiu achá-la?
— Devia ter deixado o ‘canalha do Wlaster’ ter matado você quando teve oportunidade — disse Sean a Mr. Trevellis.
— Não seja ridículo! — o grande homem de pele jambo gargalhou. — Você nunca teve essa oportunidade, Sean querido.
— O que? Então não sabia que o agente Wlaster Helge Doover ensinava Mona Foad a fechar seu chakra laríngeo todas as noites? — e Sean viu Mr. Trevellis arregalar os olhos, que escorregaram para o resto do corpo de Christian, e o que um chakra aberto era capaz de fazer. — Mas o agente Wlaster Helge Doover teve que suspender tal atividade, quando contei a Mona o que ela fazia enquanto saía do corpo.
— Surpreendente! Nunca pensei em vê-lo me defender.
— Não o defendi! Defendi Mona de uma corte judicial — e Sean viu Mr. Trevellis sentar-se ainda abalado. — Mona então decidiu denunciar o agente Wlaster e ele teve que apagar da mente dela informações vitais das quais ela desenvolvia.
— Mas Wlaster não conseguiu apagar nada de você, percebo?
— Ele conseguiu sim, de alguma maneira. Só não imaginava que eu, um velho Sean Queise pudesse visitar um jovem Sean Queise no passado e permitir que ele soubesse coisas. Nem que um jovem Sean Queise voltasse ao passado, e enviasse o robô da Computer Co. a ele, para quando o velho Sean Queise chegasse aquela noite de 11/11, encontrasse o robô com todas as informações necessárias.
— In... Incrível... — e Mr. Trevellis mal conseguir acreditar no que ouvia. Porque precisava mais que nunca que Sean o ajudasse na Poliu, que ele se tornasse um espião psíquico, porque tinha coisas ainda maiores acontecendo. — Eu faço um acordo!
— Não Trevellis! Não há mais acordos!
— Isso quer dizer o que, filho de Oscar?
— Isso quer dizer que Wlaster soube quando Miro Capazze morreu, que eu estava ativo, porque ele soube quando passou pelo corredor tirando Mustafá da investigação, que Clarice enviou-me novamente o papiro, um papiro que só escreve para mim, e que havia rastros gravitantes da menina que Clarice resgatou ali, à minha volta, na minha valise que Tahira mexeu no meu flat, e provável nas minhas roupas, perfumes e todo meu corpo.
— E você sabia?
— Provável eu sabia quem era Tahira porque a levei a meu quarto onze anos atrás, e sabia que ia precisar dela, mas a explosão e a amnésia atrapalhou meus planos — e viu Mr. Trevellis se abster de comentar. — Quando voltei do Egito e confrontei Oscar, ele driblou minha inteligência inventando uma pasta cor de vinho que não existia. Acho que ele queria me ferir, contando sobre minhas “outras atividades”.
— Atividades hacker, suponho — Mr. Trevellis riu baforando seu charuto cubano. —, já que ele tinha ciúme de Fernando com Nelma.
— Você não é tão esperto assim, Trevellis. Ou não estaria sendo destruído pelo próprio sangue.
Agora Mr. Trevellis se ergueu com todo seu peso e tamanho.
— Se você encostar um dedo em mais uma filha minha...
— ‘Se eu encostar’? — sorriu cínico com Mr. Trevellis avançando sobre ele e Sean mudando de lugar.
Mr. Trevellis sabia que de nada adiantaria aquilo. Ele iria se ver com Dolores mais tarde.
— O que quer de mim filho de Oscar?
— Nosso trato! O primeiro trato que fiz.
Mr. Trevellis voltou a rir.
— Não Sean Queise! Quero a menina.
— Não! A menina não! Você quer Shee-akhan! O verdadeiro Shee-akhan dentro daquele leão de pelagem vermelho-amarelada, capaz de gerar tempestades de areia com sua juba.
Mr. Trevellis pareceu ponderar algo.
— E você fecha o maldito portal?
— Não! Ela abriu, ela fecha!
— A menina?
— Não! A faraó-leoa! — Sean viu os olhos verdes de Mr. Trevellis brilharem. —, porque você nunca quis a filha de Clarice, o corpo da garota que não sobreviveu no acidente de carro da família próximo a Nabta Playa e a faraó-leoa entrou. Você sempre quis que eu encontrasse a sacerdotisa com máscara mortuária, a que fugia da leão de pelagem vermelho-amarelada com máscara de íbis, e atravessou o portal se escondendo dentro do corpo da menina Tahira, que fez sobreviver, numa maneira de se perpetuar na Terra; entrando no corpo dela. E porque você sempre soube quem era Tahira, porque Dolores a vigiava naquele voo para Portugal, quando ela foi atrás de Clarice que está morrendo de câncer, assim como Aurora, para levá-la para o Egito onde o Fator Shee-akhan pode curá-la, porque o Fator Shee-akhan transforma algo em outra coisa. O que você nunca soube… — Sean apontou para Mr. Trevellis. —, é que a faraó-leoa de pelagem vermelho-amarelada com máscara de íbis não consegue ter domínio sobre o Fator Shee-akhan aqui na Terra. E que por isso ela só é adorada pelas mulheres de máscara mortuárias naquele Egito alienígena.
— Mas elas podem filho de Oscar! Joh me garantiu, que Afrânio garantiu, que que essas mulheres egípcias com máscara mortuária podem dominar o fator Shee-akhan aqui na Terra.
— Não sei. Mas talvez Tahira tenha razão, Afrânio interpretou o desenhou daquela parede da pirâmide de uma maneira que todos nós, eu, Samira e Clarice, interpretamos errado.
— E quem pode dominar o Fator Shee-akhan?
— Ninguém pode. E nem devemos se quer, tentar começar Trevellis.
— E o que vai acontecer com Tahira?
— Deixe-a comigo. Nós também temos um trato — sorriu cínico.
— Um trato que vai fechar o portal antes ou depois de você atravessá-lo? Porque sabe que precisa resgatar seu pai, que foi levado por um leão alienígena nada amigável.
— Sim, Trevellis. Por isso preciso atravessar o portal para resgatar Oscar que foi levado por Wlaster, que na verdade morreu naquele dia, 03/11, no laboratório de Corniche el-Nil, junto a Afrânio e Samira, por CHE.
— Está querendo...
— Estou dizendo que era isso que eu ia investigar no laboratório de Corniche el-Nil, as energias gravitantes de um Wlaster morto. Porque quem vemos mostrando sua beleza esfuziante é Shee-akhan, o verdadeiro, o leão nada amigável dentro de Wlaster.
— Então Shee-akhan é aquela besta que todos os espiões psíquicos viam?
— O leão de pelagem vermelho-amarelado com máscara de íbis que atravessou o portal onze anos e entrou no corpo de Wlaster, atrás da faraó-leoa no corpo de Tahira, e que domina uma planta que domina a mente, no que chamam de Fator Shee-akhan.
Mr. Trevellis engoliu aquilo a seco. A visão de um Wlaster no deserto se transformando em um leão de pelagem vermelho-amarelada feito fogo iria assustá-lo por toda vida.
— Mas eu vi...
— Eu sei! — Sean cortou sua fala, mostrando a Mr. Trevellis que ele podia ler mentes bloqueadas. — Eu sei que Mark O’Connor está vivo, ainda comercializando armas; uma arma em especial que Joh contou aos alienígenas quando seu corpo foi tomado após minha explosão, seis meses atrás.
E um suspiro cumprido foi o que Mr. Trevellis deu:
— O que quer de mim filho de Oscar? — falou Mr. Trevellis enfim.
— Duas coisas; El Zarih e Dolores.
— Como é que é?
— O que? Acha que eu não ia querer recompensas por não me deixar amar Kelly?
E Mr. Trevellis só bufou.
Sean se fez de rabiscos até atingir Anima, a redução de um corpo para o mesmo tamanho de um átomo e atingir Manah-javah, movendo o corpo sempre que o pensamento vai, como o teletransporte ou a projeção astral, e deixar lá um Mr. Trevellis encantado com o filho de Oscar, sabendo que fez a coisa certa, que jogou todas suas fichas no jovem Queise, mesmo com Nelma furiosa, contando a Oscar o que Fernando permitia Mr. Trevellis fazer.
Afinal Nelma preparou Sean para ser um agente.
Já Sean se materializou nos subterrâneos da catedral, e uma porta de ferro enferrujado rodou seus parafusos em seu encontro com o batente, e ela foi retirada do encaixe, a ficar volitando até a luz acomodar a visão de ambos, e Sean Queise ver El Zarih e El Zarih ver Sean Queise.
“Se preocupar, não. Não morrer, Oscar” “Para ele calar, levar foi”, falou El Zarih para Sean através do pensamento.
Sean entrou no calabouço e lá uma cama pequena, os lençóis coloridos, os ventiladores sobre ele e uma mesa com muitos líquidos.
— Agora estar bem, ele. Apesar forçado, o sequestro foi, na explosão que vidas de dois agentes, Wlaster tirar — falou El Zarih agora em voz alta.
— Onde está Oscar?
— Onde seu pássaro metálico, alcançar vai.
— Spartacus? Ele vai alcançá-lo como?
— Como Mark O’Connor, querer, queria.
— Fotografando os portais. Mas eu já voltei o satélite de observação na órbita geoestacionária. Não posso... — e Sean parou. — Mas eu já havia fotografado, não? As fotos que Tahira tirou da minha valise quando voltei do apartamento de Kelly, e que ela abriu usando a senha ‘kellygarcia’; e que agora estão com Kelly.
— Com sua, alma gêmea, fotos estar sim.
“Alma gêmea?”, Sean sentiu-se mal.
— Amar ela, você está?
— Sim...
— Vamos então? — El Zarih se levantou e Sean viu que ele não tocava o chão, que como ele fazia com a porta, El Zarih também volitava.
— Quantos passaram pelo portal quando ele abriu onze anos atrás?
El Zarih não esperava aquela pergunta.
— Eu, Shee-akhan e a faraó-leoa.
— É ela que Shee-akhan quer?
— Não! Ele a mim, quer.
— Deus... É você quem domina o Fator Shee-akhan aqui na Terra?
— Sim!
— Por isso Jablah precisava de você vivo?
— Sim!
— Então você era importante para Jablah, Najma e Mustafá que com Miro, participavam da Escola de papiro.
— A menina Najma, bom coração tinha. Nada de perguntas, fazer. Amar, profissão escolhida. E você, também, ela amar.
Sean sentiu-se arrasado.
— Eu sei... Mas e Tahira? Quem é ela? Por que ela se arriscou a atravessar o portal? O que ela precisa fazer aqui na Terra?
— Precisava pessoas, encontrar. Precisava pessoas, modificar fator.
E Sean nunca teve tanto medo como naquele momento.
— Pessoas que dominar a magia da alquimia dos assírios, de se produzir algo do nada, de abrir portas com ‘Abracadabra!’ — e Sean olhou em volta. — Droga! Tahira estava atrás de Clarice?
— Ela ver, oportunidade, ali.
— Mas Clarice disse que havia alguém ainda mais poderoso que ela, ‘o loirinho dos Queise’. E Clarice era uma espiã da Poliu capaz de bloquear Mona e Samira, e elas nada saberem sobre ela, sobre seus dons. Por isso Tahira estava no meu flat, nos meus encontros ufológicos, porque precisava de meus siddhis para modificar o domínio dos leões no seu Egito alienígena.
— Sim! Entender você, tudo.
— Então Jablah procurava naqueles que injetava Shee-akhan no porão, um que pudesse ser o escolhido, o que mudaria o fator?
— Entender você.
— Mas por que Jablah tentou me matar?
El Zarih inclinou a cabeça e pareceu buscar em algum lugar do espaço aquela resposta.
Sean viu o nível de siddha que ele era.
— Jablah, descoberto foi. Matar ele, para calar. E menina Najma, calar também foi, por amá-lo.
— Deus... — e Sean saiu com El Zarih volitando atrás dele até o corredor se lotar de agentes da Poliu.
— Sean Queise... — uma voz sensual se fez ali.
— Dolores... — ele estancou.
Ela dispensou todos à volta dela, e os dezesseis agentes da Poliu saíram levando El Zarih para fora.
Dolores se aproximou dele.
— Meu pai me disse que você me queria. Não devia falar isso a um pai do tipo daquele.
Ambos riram. Havia química ali.
— Por que se ofereceu para me dar suporte na Unicamp, Dolores?
— Vai correndo contar para a secretariazinha se eu disser que foi por uma garrafa de Chardonnay? — e ela percebeu que ele voltara a ficar frio.
— Preciso novamente do helicóptero V-22 Osprey que me trouxe.
— Que você trouxe.
— Esse mesmo.
— Sinto muito, mas preciso lhe dar outro V-22 Osprey, com outra biometria instalada, ou o piloto não poderá pilotá-lo.
— Também preciso de algo mais, Dolores.
E Dolores recebeu a mensagem sobre total letargia. Não imaginava a que ponto Sean atingia tudo aquilo. Respirou pesado e se virou andando por todo o extenso corredor com Sean atrás dela.
Os dois seguiriam para fora da catedral, depois de atravessar todo pátio da catedral com Sean gostando das pernas roliças que despontavam da justa saia de corte perfeito andando à sua frente. Dolores escorregou um, dois, três olhares para trás, para vê-lo lhe apreciando. Sorriu satisfeita sabendo que nenhuma amnésia apagou o fato de que ela e sua irmã Umah, conheciam Sean há muito mais tempo que ele supunha; ou supunha, já que seu pai nunca acreditou em amnésia alguma.
“Wow!” Sean gargalhou.
Dolores também riu sabendo que ele lera seus pensamentos, mesmo ela preparada para bloqueá-lo. Porque nada mais o bloqueava. Um prédio se desenhou à frente deles e uma porta foi aberta. Lá, um extenso corredor de paredes de metal e um carrinho. Sean sentou-se ao lado dela e o carrinho se movimentou pelo extenso corredor, para baixo, andares abaixo da rua. Quando o carrinho parou, Dolores desceu e inseriu sua biometria, que abriu a porta de metal triplo, mostrando uma grande sala e muitos mainframes da Computer Co.. Se Sean sabia sobre eles antes da amnésia nada comentou. Dolores outra vez caminhou com suas pernas roliças até uma sala gelada que abriu após o uso de sua biometria outra vez, e uma grande sala de piso e paredes brancas, extremante estéril, mostrou ser apenas um cofre na parede.
— Foi daqui que Robert roubou a pasta cor de vinho?
— Sim. Entrado em vários corpos — e se virou para ele. — O que não foi um grande roubo já que você mandou Lucy trocar a pasta.
Sean só sorriu e a encarou.
— Não estou interessado em documento algum, Dolores.
— Não claro que não. Você quer a arma X 777, da qual nem se quer sonhávamos que você sabia existir.
— O que a faz achar que eu não sabia?
Ambos riram.
— X 777 usa uma reação deutério-trítio, onde um núcleo do átomo de deutério e um núcleo do átomo de trítio são combinados para formar um núcleo de hélio e um nêutron — e ela abriu o cofre se aproximando de um das muitas prateleiras esterilizadas ali.
Dolores então abriu uma caixa de um metal que não permitia acessos remotos e dentro, acomodada na espuma, uma arma de tamanho médio, quase do tamanho de uma Glock, mas com seu design arrojado, um gatilho transparente, feito por algo que se assemelhava a acrílico, mas que Sean sabia, era material alienígena.
— Wow... — soou dele.
— A fusão nuclear é o processo no qual dois ou mais núcleos atômicos se fundem, formando um novo núcleo com um número atômico superior — prosseguiu Dolores tirando a arma feita do que parecia ser acrílico, do estojo de espuma.
— A fusão nuclear usa o elemento mais abundante do universo, o hidrogênio, e com um subproduto inócuo, mas útil ainda, o hélio.
— O processo da ignição da X 777, é o mesmo que acontece no núcleo do nosso Sol, átomos de hidrogênio são comprimidos e acabam se fundindo, produzindo hélio e liberando muita energia.
— Está brincando...
— Acha? — Dolores sorriu com a ginga das pernas roliças roçando na saia. — A ideia é aquecer o hidrogênio à temperatura de 100 milhões de graus Celsius, e cruzar os dedos, esperando que a pressão gerada seja suficiente para iniciar a fusão, Sean Queise, até comprimir o hidrogênio a uma proporção, equivalente a comprimir uma bola de basquete, ao tamanho de uma azeitona e caber nessa arma scifi.
E Dolores se assustou de ver El Zarih de repente ao seu lado.
— Acha mesmo que aquela cela o prendia Dolores?
Os dois se olharam e Sean viu El Zarih inclinando a cabeça para o lado, como fizera a pouco tempo, provável lendo o que não podia ser lido ali dentro. Dolores nada percebeu e prosseguiu:
— Esta imensa compressão faz com que os átomos de hidrogênio não consigam evitar uns aos outros, e a colisão de átomos ocorra, os fundindo.
— Wow! Quinhentos trilhões de watts injetados aí dentro?
— Com apenas uma fração sendo efetivamente usada para iniciar a fusão, sim. Mas a energia libertada pela fusão é tão grande, que poucos cm³ de deutério, produzem o equivalente à combustão de 20 toneladas de carvão.
— O que pretender, você, conseguir, com energia tamanha? — El Zarih quis saber.
— Abrir um portal! — Sean encarou Dolores que sabia exatamente o que ele iria fazer com seu siddhi Advandvam, com tolerância sobre o calor, frio e o que for mais, e enfim atingir Prapti, com acesso irrestrito a todos os lugares.
— Vou dar a vocês duas jaquetas infláveis — e Dolores retirou dois pacotes vermelhos de uma prateleira lateral.
— Para que?
— Proteger seus corpos, quando você acionar a arma e ela abrir o portal. Ou serão desintegrados ou atingidos pela radiação.
— Causando câncer como o de Aurora e Clarice?
Dolores não respondeu.
— Uma vez colocada, ela precisa ser acionada para se inflar em uma espécie de casulo, porque depois, a fusão da reação de deutério-trítio aumenta rapidamente a sua taxa com o aumento de temperatura, até chegar a um valor máximo de oitocentos milhões de Kelvins, após o que gradualmente, desce, desaquece e o portal se fecha.
— Tenho até medo do que a Poliu ainda vem inventando.
— Por que acha que não faz parte de tudo isso Sean Queise? — e Dolores se virou para sair do cofre.
— Você, parte fazer? — El Zarih também quis saber.
— Não me lembro... — sorriu cínico para as pernas roliças que se afastavam e ambos saíram também.
E os dois voltaram de carrinho, agora com El Zarih volitando ao lado, até saírem do prédio da Poliu e o helicóptero V-22 Osprey os esperava.
— A Poliu não achou uma boa ideia entrarem clandestinos numa área de alto risco. Então o Comandante Helio Jonathan descerá próximo ao Mar Morto, e de lá vocês irão até a cidade de Mazra.
— E se eu não aceitar?
— Vai aceitar Sean Queise. De lá, um avião os levarão até Alexandrina, já em terras egípcias. Lá, outro helicóptero levara vocês a Nabta Playa — disse Dolores ao chegarem ao V-22 Osprey.
— Por que o Comandante Helio Jonathan não nos leva direto?
— Recebo ordens Sean Queise. Deveria obedecê-las, também — e Dolores não acreditou quando viu Sean concordar muito rápido, com um movimento de cabeça. Acreditou que não fosse ser algo tão simples assim. — Aqui estão os passaportes e dinheiro caso algo de errado até chegarem a Nabta Playa — e Dolores se virou para Sean, passando os dedos suaves pelo ombro dele, num charme só. — Tome cuidado, Sean Queise. Mesmo com todos seus siddhis, a arma X 777 ainda está em fase de testes.
— “Fase de testes”? — Sean sorriu e a agente jambo se virou para ir embora. — Dolores? — Sean olhou as belas e roliças pernas dela pararem. — Diga a seu pai, que ele nunca precisou ter um filho. Você e Umah são agentes de primeira.
— Diz isso porque a experiência de conhecer Zôra, minha terceira irmã, não deu certo? — e se foi.
Sean não sabia realmente o que responder àquilo. Ele e El Zarih entraram no V-22 Osprey e o piloto Comandante Helio Jonathan levantou voo, quando Sean inclinou-se sobre o estômago sentindo dor.
— Sandy Monroe, ponto fraco, seu. Ferida, aberta segundo chakra.
— “Segundo chakra”?
— Svadhistana, seu nome é. Chakra sacro. Dos órgãos genitais, acima. Quatro dedos do umbigo, abaixo. Ligação entre corpo físico e alma, aos prazeres sexuais chakra, ligado está — El Zarih viu Sean erguer as sobrancelhas. — Amar não consegue, Siddha Sean Queise?
Sean sentiu algo acontecendo ali, e não gostou do que sentiu.
— Como seu povo controla os chakras, El Zarih?
— Povo de energia cósmica, sermos feitos. Através dos chakras, comunicar a nós. Através dos chakras, o Universo dominar; inclusive terráqueos — e todo rosto de El Zarih se tomou de um brilho verde feito a mão de Miro Capazze que acendia.
— Qual é sua aparência verdadeira? — e Sean viu que El Zarih mostrava crânio alongado e liso, sem uma única ranhura, olhos enegrecidos, mãos com quatro dedos, e ofegava ao respirar. — Wow! — arrependeu-se de ter feito aquela pergunta e El Zarih voltou ao velho sudanês de pele ébano e turbante na cabeça.
— “Emprestada”, vários corpos. Já havia, ele, atravessar barca da morte — El Zarih virou seu rosto.
— Seu corpo já estava morto quando?
— Morto quando, portal abrir.
— Quem é Mark O’Connor e a Eschatology Inc.? E por que você era tido, como amigo dele?
— Corpo dele, amigo de Mark O’Connor, ser.
— Então Mark O’Connor estava em Nabta Playa quando o portal abriu e você, a leão de pelagem vermelho-amarelada e a faraó-leoa passaram?
— Sim.
— E Mark O’Connor não sabia que você estava dentro do corpo do amigo?
— Não.
— Então Mark O’Connor também não sabia que a leão de pelagem vermelho-amarelada e máscara de íbis, estava dentro do corpo de Wlaster?
— Não.
Mas Sean sabia que Mark O’Connor sabia e sabia de muito mais porque Mark O’Connor atirou em todos dentro das Land Rovers. E foi a mando da leão Shee-akhan/Wlaster. E El Zarih estava dentro de um dos carros. E que chegou quase morto ao hospital de Cartum, como ele.
Sean tentou fechar desesperadamente sua comunicação e se levantou sentando-se ao lado do piloto, que o viu lhe olhando até que o viu como se estivesse olhando um espelho. O piloto se apavorou em se ver, e se desligou. Já Sean tinha as mesmas feições que o piloto, sua biometria e todos seus acessos.
— Torre! Aqui é o Comandante Helio Jonathan! — abriu o canal de comunicação.
— Aqui é a torre de comando de Cartum, Sudão.
— Permissão para entrar no espaço aéreo do Sudão.
— Diga sua senha de permissão Comandante Helio Jonathan.
— HK895 Alpha KK 5567.
— Aproxime sua íris do leitor Comandante Helio Jonathan.
E Sean dentro do corpo do piloto se aproximou do leitor no painel do V-22 Osprey.
— Permissão concedida Comandante Helio Jonathan. Espaço aéreo do Sudão liberado.
— Obrigado torre de comando. Desligando comunicação.
— Entendido!
E Sean voltou ao seu corpo para então o piloto Comandante Helio Jonathan voltar da sonolência e ver que todo comando do V-22 estava no automático. Ele olhou Sean o olhando e voltou a olhar o painel em pânico, apertando muitos botões, tentando de todas maneiras mudar o trajeto, inserindo senhas e toda sua biometria, para então encarar Sean sorrindo.
O piloto nada mais falou, Sean se levantou e voltou a se acomodar na sua poltrona.
— Preciso ir ao Brasil — Sean agora comunicou a El Zarih.
— Nabta Playa, achei que ir?
— E vamos! Mas preciso ir ao Brasil...
E El Zarih inclinou a cabeça outra vez, como que buscando respostas. Sean se apavorou que ele pegasse mais informação do que estava enviando.
— Precisar as fotos?
— Sim. Preciso saber o que Spartacus fotografou porque minha amnésia não me permite lembrar... — e Sean se tornou rabiscos dentro do helicóptero V-22 Osprey, com El Zarih e o piloto olhando o corpo de Sean Queise sumir dali.
Computer Co. House’s; São Paulo, capital, Brasil.
23° 36’ 19” S e 46° 41’ 45” W.
12/06; 13h00min.
Kelly estava linda de tailleur amarelo. Vinha se dedicando ao trabalho, à Computer Co., à sua solidão. Sobressaltou ao ver o buque de rosas amarelas na sua mesa surgir do nada.
— Ahhh! — impactou mais ainda no que viu Sean Queise também surgindo ali. Primeiro como rabiscos, depois nítido como a tarde fria de outono. — Patrãozinho...
— Olá Kelly...
Ela se levantou e voltou a se sentar olhando para os lados.
— Você está...
— Estou! — e os olhos dele eram puro brilho. — São suas... — apontou para o buquê de flores. Ele viu Kelly sorrir tímida e completou. — Feliz dia dos namorados.
Kelly o olhou realmente sem entender o que acontecia ali.
— Onde você está?
— Voando...
Kelly riu. Parou na sinceridade dele.
— Aonde?
Ele se virou e olhou para o lado como se estivesse realmente aonde dizia estar.
— Sobrevoando Nabta Playa!
— Oh! Sean... Por quê? Por que se arriscar tanto?
— Por você!
— Não... Não por mim Sean...
— Por você Kelly! Por você voltar ao passado só para me amar antes de Sandy.
Kelly voltou a olhar os lados, confusa, com o coração disparado e toda sua adrenalina correndo solta.
— Sean...
— Não! Não diga nada! — e Sean se aproximou. — Toque me... — e esticou uma mão para ser tocada.
Kelly engoliu tudo aquilo e o tocou.
— Ahhh... Você é real...
— Eu disse que era. Sempre fui, Kelly.
Kelly realmente não sabia o que falar, fazer.
— O que quer de mim Sean?
— Pedir perdão.
— Não Sean. O que quer de mim?
— Pedir perdão.
— Sean... Por favor...
E ele não insistiu mais. Porque sabia que a havia magoado, porque tinha medo dela não mais lhe dar uma chance, medo que tudo estava acabado.
— As fotos... — soou dolorido.
Ela o olhou com o coração batendo e se levantou indo até o cofre, passando por ele, não acreditando no que ele fazia.
Abriu o cofre e retirou o envelope com as fotos que encontrara no flat, durante os seis meses de puro sofrimento.
— O que vai fazer?
Sean abriu o envelope e viu as fotos não acreditando realmente no que via.
— Como eu fiz isso?
— Não sei. Nunca soube realmente do que era capaz.
— Mas sou capaz de muito mais Kelly. Capaz de me apaixonar por você a ‘primeira vista’.
— Não Sean. Eu me apaixonei por você a primeira vista.
— Kelly... — Sean sorriu. — Eu tinha catorze anos.
Kelly o olhou de uma maneira que ele não entendeu, porque ele não entendeu mesmo o que significava aquele olhar.
— Eu estava perdida... Com tantas portas no corredor...
E todo o corpo dele se arrepiou.
— E você entrou no meu quarto.
— Como se lembra? Nunca comentou isso comigo.
Sean não sabia o que dizer, mas foi em frente.
— Você se apresentou. Disse que havia chegado da Catalunha e desmaiou. Meu pai chegou logo depois e te tirou do meu quarto. Foi a primeira vez que experimentei ter ciúme de você — ela levantou os olhos do chão e ia falar algo, mas seus dedos nos lábios dela, a calou. — Não! Não fale! Por favor, não fale. Eu podia acessar as fotos ainda dentro do V-22, mas eu vim até aqui Kelly, porque meu chakra está aberto, porque Sandy magoou-me, porque eu magoei você — e ele a calou quando ela outra vez abriu a boca. — Não fale! Porque eu amei você quando entrou no meu quarto Kelly, porque eu voltei ao passado, voltei o robô ao passado porque sabia que ia ter ver de novo, na essência de sua pureza, sem Sandy, Poliu ou qualquer coisa horrível que eu ainda tivesse feito — e seus dedos passearam pelos lábios dela. — Porque fiz coisas horríveis Kelly.
— Sean não...
— Eu fiz Kelly, em prol de dois pais, por não saber qual deles agradar, por ver minha mãe dividida pelo mesmo amor, amando dois homens, sem me permitir ser filho de nenhum dos dois.
— Sean... Eu te amei a primeira vista... — e chorou vendo Sean chorar. — O garoto loiro, alto, jovem e inteligente que arregalou os olhos azuis para mim quando entrei naquele quarto.
— Ahhh... Kelly... — e as lágrimas dele caíam. — O que nós fizemos?
— Não sei.
— Não! Sem ‘não sei’! Sabemos Kelly! Sempre soubemos o que fizemos.
— A Computer Co...
— É! Ela mesma! E Spartacus, e a Poliu, e minha mãe e tudo mais, todos eles.
E Kelly voltou a se sentar. Secou um olho úmido, e outro, e o encarou.
— Acho melhor ir Sean. Voltar a Nabta Playa e consertar seus erros... — e Kelly o viu parado, a sua frente, girando a cadeira dela e se inclinando. — Sean... — e ele a beijou. Kelly arregalou os olhos e todo seu corpo vibrava. Ele voltou a beijá-la, e beijá-la, e ela não sabia mais o que fazer. Ele a levantou da cadeira e beijou seu rosto, seus lábios, seu pescoço, descendo. — Sean... — e ele beijou seus seios, tirando o casaco que ela usava, erguendo a blusa, abrindo seu sutiã. — Sean? — mas ele não parou, e engoliu seu seio; Kelly se viu deitada, na cama dele, no flat. — Sean?! — ela se ergueu em choque, furiosa por ele a teletransportar, por ele a deitar na cama dele, na intimidade dele.
Mas Sean não tinha mais tempo, precisava dela, do amor dela, do perdão dela, do corpo da bela espanhola que amara a primeira vista. Porque Kelly também queria aquilo, o corpo dele. Sean tirou a camisa, os sapatos, a calça até ficar nu, esperando algo, uma reação, uma palavra. Mas ele só teve uma, Kelly tirando a saia, a lingerie, esperando o homem que ela amava tomar-lhe.
E ele a tomou, uma perna e outra, se encaixando nela.
— Ahhh... — foi uníssono.
O amor, o sexo, a libido. Tudo compartilhado, anos de supressão agora liberado.
E Sean a amou com seu sexo rígido, sem perdões ou limitações, dentro dela, entrando e saindo, enlouquecendo a cada movimento, a cada suspiro, cada respiração pesada da mulher que sempre desejara.
Porque ambos eram adrenalina pura, queda vertiginosa, êxtase total.
— Eu te amo...
— Eu te amo...
E os dois se amaram quando Sean sentiu que algo acontecia ao seu corpo, que o helicóptero V-22 Osprey aterrissava na areia fina, quente.
— Preciso ir!
— Precisa voltar!
E Sean sorriu se tomando de rabiscos, com a roupa voltando a seu corpo, deixando Kelly sabendo que ele a amava, que ela o amava.
Nabta Playa; antiga baixa Núbia, atual Egito.
22º 32’ 0” N e 30º 42’ 0” E.
12/06; 17h00min.
Sean voltou ao helicóptero V-22 Osprey e viu que nada havia mudado por ali. Já com ele, toda sua vida acabara de mudar.
— Por que eu, El Zarih? — foi o que perguntou.
— Porque você, um iniciado, ser. Em terras distantes, como agora ser. Porque um ser de grandes poderes, por tratados secretos desenvolver, você agora ser. Mesmos tratados, roubar de nós, Poliu.
— O agente Wlaster aplicou em Mona que aplicou em mim? Ensinamentos alienígenas dos quais eu já os tinha adormecido? — tentou compreender.
— Sim Siddha Sean Queise.
— E era essa informação contida na pasta cor de vinho que eu ia divulgar aos ufólogos e a Poliu precisava impedir? A informação de que podemos ativar ensinamentos de nossas vidas passadas, informações que ficam armazenadas no perispírito. Informações como os que os alienígenas acessaram no perispírito de Joh Miller.
— Divulgar ir, informação tão secreta? — El Zarih parou de falar e ficou ofegante de repente.
Sean não respondeu por puro medo.
A porta do V-22 se abriu e Sean colocou a jaqueta.
— Aconselho que vista a sua, El Zarih — Sean viu El Zarih a vestir. Pegou a maleta com a arma X 777 e a tirou do estojo de espuma colocando-a dentro da jaqueta. Fechou com o velcro, percebendo que a jaqueta se moldou de uma forma, que toda jaqueta parecia ser uma única peça. Sean respirou profundamente e saltou na areia fina, que engolia seus passos, que aquecia todo seu corpo, com o V-22 levantando voo como ele havia programado. — Foram vocês quem ensinaram a Poliu como montar a X 777?
— Não. Povo outro, ensinar.
— Deus... Tenho até medo de perguntar qual...
“Sim! São chamados de ‘entrantes’”, ecoou a voz de um Robert Avillan dominado.
“Eu sempre soube que a Poliu investigava entrantes... Trevellis usava espiões psíquicos para se comunicarem com eles. Mona os chefiava num experimento chamado ‘Contato!’. Foi lá que Sean começou a se interessar pelo tema”, soou um Oscar sabendo que conversava com alienígenas.
“Sean Queise, um paranormal, interessado em alienígenas? Uau!”.
Sean sabia que ‘povo outro’ de alienígenas o conheciam, agora.
“Droga!”.
— Aonde agora, ir? — El Zarih viu Sean apontar para a tenda de tecido rasgado, balançando ao vento do deserto, da pirâmide que despontava ao longe.
A mesma pirâmide onde Mark O’Connor levara todos seis meses atrás, a mesma pirâmide que Afrânio, Samira e Clarice descobriram onze anos antes, com a areia quente e ambos começando a sentir o calor lhes afetar.
“Sean Queise, um paranormal, interessado em alienígenas? Uau!” voltou a ecoar ali.
E El Zarih sentiu que Sean estava diferente, distante, quando o som de algo atravessou o ar.
Ambos ergueram os olhos e nada havia mudado no céu sudanês, no quente céu sudanês, quando outro som rasgou ali. El Zarih não gostou do silêncio que Sean mantinha e outro som, agora tão intenso quanto os outros, fez os tímpanos dos dois quase estourarem.
— Ahhh!!! — gritaram os dois, indo ao chão de areia quente, úmida e verde.
Sean se ergueu em choque e olhou El Zarih lhe olhando.
— Eu não, isso fazer — mas El Zarih viu Sean rodear-se, rodear-se e a pirâmide de Afrânio, Samira e Clarice se aproximava.
Sean só o olhou.
— Vamos! Está anoitecendo!
Mas El Zarih não gostou daquilo. Porque nem aquilo nem nada ele sentia.
A pirâmide enfim se fez, e a mesma tenda abandonada da escavação de onze anos atrás ainda balançava quando outro som atravessou as nuvens e um raio vermelho os atingiu.
— Ahhh!!! — e Sean e El Zarih foram lançados longe para ambos caírem numa areia que umedecia de verde cada vez mais rápido. — El Zarih... El Zarih... — Sean se arrastou até ele. — Você está bem?
El Zarih se ergueu ainda meio tonto.
— A tempestade... — e El Zarih caiu na areia verde que levantou mais areia verde.
Porque tudo se tomou de areia verde na tempestade que os cegava.
— El Zarih?! — Sean gritava desesperado sem conseguir encontrá-lo.
— Som da areia... Quente, estar...
Sean percebeu que mal podia ouvir a voz de El Zarih.
— El Zarih?! El Zarih?! — gritava quando um novo som os ensurdeceu. — Ahhh!!! — Sean gritou de dor, caindo na areia verde.
Quando Sean levantou-se, ficou em choque, porque sabia onde estava, porque o som estrondoso que escutaram vinha da arma X 777 que ele acionara ainda dentro da jaqueta, e que ele havia aberto o portal. A areia verde abaixou e Sean arregalou os olhos azuis, vendo-se numa espécie de pórtico, com dez ou doze pilonos sustentando um antigo templo egípcio com forma de pirâmide truncada, quando sentiu que se corpo volitava.
Ele tentou colocar os pés no chão, mas uma força eletromagnética o levava por uma estrada de energia taquiônica, para perto da pirâmide. Mas quem era a força do pensamento que a controlava, não sabia quando sentiu o velcro da jaqueta se abrindo. Sean ergueu o braço esquerdo para tocá-la, mas ele havia paralisado. Arregalou os olhos olhando um lado e outro, e viu que seu cérebro não controlava seu braço, nem sua mão, com sua pele esverdeando pelo líquido que lhe subia pelos pés, já dentro de sua circulação e ele ainda paralisado, sendo levado.
“Tahira?!” tentou gritar, mas todo seu lado esquerdo começava a adormecer.
A jaqueta se abriu totalmente e a arma X 777 caiu no piso de areia esverdeada sendo engolida.
“Não!!! Não!!! Não!!!”, tentava fazer sua voz sair, mas a única coisa que conseguia era ver a arma sendo engolida pelas areias esverdeadas.
“Tahira?!”, mas nada nem ninguém ali. Só uma porta sendo aberta, com cada pedaço da parede sumindo dali e uma antecâmara aparecendo, com paredes fenomenalmente altas, dentro de uma pirâmide que em nada se parecia com a de Nabta Playa, adornada de hieróglifos e imagens de homens com longos crânios alongados adorando mulheres usando máscara mortuária egípcia, adorando uma faraó-leoa, ao lado de uma leão de pelagem vermelho-amarelada, que ela dominava.
“Deus...” soou o pensamento de um Sean Queise ali paralisado, sem um único siddhi funcionando, e vozes, e lamurias, e coisas rastejantes se aproximavam.
Sean arregalou os olhos azuis e viu que toda areia se movia, que havia algo ali, que toda a areia verde tinha vida.
— Não!!! — e seus gritos agora alcançaram a parede do asilo Faãn, com as sacerdotisas mulheres ainda presas na parede destruída, do asilo destruído, queimando. — Tahira?! — e a areia esverdeada subiu pelo espaço criando formas. — Tahira?! — e eram coisas feitas de areia verde que se aproximavam dele. — Não!!! Não!!! Não!!! — e cada sinapse dele se alterou, e ele conseguiu mexer um dedo, dois, a mão, um braço, outro, as duas pernas e ele se jogou na areia afundando.
Sean caiu no chão do asilo Faãn destruído, explodido por ele, por seus siddhis, em pânico, sem saber o que fazia ali, o que ligava ambos planetas, ambos Egito.
“Sean... Sean... El Sean...”.
Sean se levantou e correu pelo asilo destruído com o ar frio da noite atingindo seu corpo, restos de tijolos que Sean levantava, jogava para os lados, para o alto.
— Onde?! Onde?! — se desesperava.
“Sean... Sean... El Sean...”.
— Basta Tahira!!! — gritou Sean, mas ela não respondia. — Onde está a maldita arma Tahira?! Onde?! Onde?! — se desesperava jogando tudo, levantando escombros, fazendo outros destroços subirem e descerem quando uma pata peluda acertou seu estomago, jogando-o longe, longe o suficiente para Sean ver que atravessou o portal novamente, e que seu estômago havia sido rasgado. — Ahhh!!! — se contorcia de dor, com a mesma dor que sentiu no V-22.
— SEAN QUEISE! — e a voz cavernosa se fez ali.
Sean abriu os olhos para ver Wlaster Helge Doover em pé, com patas no lugar de mãos, e seu sangue escorrendo dela.
“Droga...” soou distante.
Sean se ergueu em posição Krav maga, mas o leão de pelagem vermelho-amarelada no corpo de Wlaster correu, e correu, e ganhou quatro patas, o atingindo outra vez no estômago ferido, o levantando no ar, lançando longe na areia fina esverdeada, que o aquecia.
— Ahhh... — agora Sean sentia dor, uma que seus siddhis não permitiam deixá-lo sentir se na Terra estivesse.
Porque ele sabia que estava noutro Egito, noutra Núbia, em algum lugar paralelo onde fatores não agiam como antes, e Sean se ergueu ferido, sem a arma, sangrando.
Mas o leão de pelagem vermelho-amarelada estancou de repente. E estancou porque algo o fez estancar, olhando admirado para um Sean Queise que morria, numa tempestade de areia verde que se fez no balançar de uma calda de pelagem dourada, amarela feito Sol.
Quando a tempestade se foi, Sean foi de joelhos, não entendendo o que fizera o leão de pelagem vermelho-amarelada desistir de matá-lo.
— Siddha Sean Queise... Siddha Sean Queise... — soava El Zarih ao longe.
Sean já não sabia se escutava algo, se estava vivo, aonde. Só o corpo de El Zarih volitando ali, o levantando do chão, quando ele se olhou de olhos enegrecidos, com o rosto ganhando contornos animais, e sua pele se tomando de uma pelagem dourada feito Sol. El Zarih o soltou e Sean voltou à areia esverdeada, úmida, se olhando outra vez, vendo que algo acontecia com ele.
— Meu Deus... — Sean se olhou, olhou El Zarih em choque, e voltou a se olhar. — Sou um felino alienígena?
— Dominar fator Shee-akhan você, porque um deles ser.
— Porque fui um leão Shee-akhan.
— Sim yá habibi — e foi vez da voz de Tahira se fazer ali, atrás dele, com o corpo quase morto de uma Clarice envelhecida, diferente da mulher branca que Sean uma vez vira nas imagens do robô.
— Não posso... — soou da boca dele.
E El Zarih se afastou das duas.
— Precisa Sean yá habibi! Por isso eu lhe trouxe!
— Não... Não...
— Consertar erros!
— Eu não...
— ERROU! — e a voz de Tahira ficou metálica. — QUANDO ACEITOU ENCARNAR NA TERRA. QUANDO NOS ABANDONOU YÁ HABIBI.
— Metempsicose... — e Sean temeu a filosofia como nunca.
E entendeu também a Tahira de risada esganiçada, de roupas horrorosas, a idiota da jornalista que o vigiava, que o seguia, que o amara por entre curvas que dançavam entre lenços coloridos, no que ela tomou a forma de uma faraó-leoa. E o rasgo em seu estômago fechou no que a ferida se curou e a dor foi embora quando Clarice caiu dos braços de Tahira.
— MÃE!
Sean olhou Clarice morrendo.
— O que posso fazer por ela?
— O QUE SABE FAZER SEAN YÁ HABIBI.
E Sean ergueu a mão em forma de pata, que se acendeu, fazendo Clarice volitar, com todo seu corpo envelhecido e doente sendo envolto em fios de energia, até duas Clarices, três Clarices, quatro, cinco, seis, sete Clarices se formarem, e se juntarem, e se tornarem uma só.
— Sete anos terráqueos. É tudo que posso dar a ela com esse fator Shee-akhan que corre nas minhas veias. Depois, seu ciclo de encarnações fecha.
Tahira olhou a mãe querida, Clarice, abrir os olhos.
— O loirinho... — soou da boca dela. Mas Sean era tudo menos aquele loirinho de catorze anos, porque todo seu corpo havia se tomado de uma pelagem dourada feito Sol, e ele era um leão com pernas e braços e patas com garras. Clarice então se tomou de rabiscos e sumiu dali. Quando abriu os olhos, estava sozinha em Lisboa, Portugal, deitada num recamier, com um papiro na mão. Clarice se levantou em choque se vendo melhor, sem o câncer, saudável, e correu a pegar os óculos e perceber que já não mais o precisava usar, que sua visão havia voltado e que letras corriam no papel. — “Fale ‘Abracadabra!’ e acabe logo com isso” — foi o que Clarice leu no papiro. — Meu Deus! O que significa isso? — Clarice olhou um lado e outro, e pegou uma caneta e papel, escrevendo ‘seanqueise’, depois os dissolveu em letras. — Dez! — olhou em volta atordoada. — Não... não... Dez não... — e escreveu ‘abracadabra’. — Onze letras! — e reescreveu ‘seanqueises’. — Onze letras! — e seus olhos verdes brilharam. — Dois Sean Queise! Sempre foram os dois Sean Queise agindo...
E Tahira e Sean se comunicavam pelo pensamento, com ambos vendo o que Clarice descobrira quando outro som rasgou o céu.
— Drones de Mark O’Connor? — falou ele.
— NÃO SEI SEAN YÁ HABIBI. ELES NÃO DEVERIAM TER ATRAVESSADO O PORTAL.
— Mas os drones atravessam, Tahira, e entram e saem dos radares, porque usam X 777. Armas financiadas por Mark O’Connor, para invadir seu Egito, e dominar um fator que faz armas como essa — e Sean esticou a pata de pelagem dourada feito Sol, que voltou a ser uma mão, de pele branca.
— ONDE ESTÁ A ARMA?
E a resposta foi a areia em redemoinho, até X 777 sair dela e voltar à mão de Sean, e todo seu corpo voltar a ser humano, com seus olhos se colorindo de azul.
— Porque eu as domino; armas, máquinas, computadores, aqui, em outro lugar.
E uma Tahira antes faraó-leoa, se fez de rabiscos e todo seu rosto e corpo se cobriu com roupas e máscara mortuária.
— HABAITAK SEAN QUEISE YÁ HABIBI!
Os olhos azuis dele a olharam com carinho para então olhar em volta, para as paredes de muitas imagens de um Egito e Núbia antigos, com homens negros e dourados, com longos crânios alongados e ovalados adorando mulheres usando máscara mortuária egípcia, em tons de dourado e verde. E elas estavam ajoelhadas na areia verde, adorando uma faraó-leoa ao lado de seu fiel protetor, um leão de pelagem vermelho-amarelada feito fogo, usando uma máscara de pássaro íbis, e que deveria protegê-la e não matá-la.
— Eu entendi tudo errado não?
— NÃO. SÓ ESTAVA LIMITADO PELA AMNÉSIA SEAN YÁ HABIBI.
— Porque antes de Wlaster Helge Doover me explodir com o drone que comprava dos senhores das armas Mark O’Connor, eu sabia quem você era?
— NÃO. MAS SABIA QUE ALGUÉM ATRAVESSARA O PORTAL. PORQUE UM JOVEM SEAN QUEISE VIU O QUE O ROBÔ MOSTROU, APÓS ELE CONSERTÁ-LO.
— Quantos atravessaram o portal, exatamente?
— DOIS!
— El Zarih mentiu, não? Porque você conseguiu abrir o portal antes do dia 11, e o leão de pelagem vermelho-amarelada que uma vez devia te proteger, resolveu mata-la para roubar-lhe o trono, e lhe seguiu, quando você fugiu, provocando com sua juba a tempestade de areia que cobriu a visão do carro onde estava a verdadeira Tahira, seu pai e sua mãe, provocando o acidente. Você então se escondeu no corpo da menina que sofreu o acidente.
— ELA AINDA NÃO ESTAVA MORTA. POR ISSO PUDE ENTRAR E CRESCER NO CORPO DELA. CASO CONTRÁRIO, TERIA QUE TER FICADO DENTRO DO CORPO DE UMA MENINA DE QUINZE ANOS, QUE JAMAIS CRESCERIA.
— Mas quem o leão dominou? Wlaster?
— SIM! NÃO! — sorriu — ELE TAMBÉM! — e Tahira apontou para a escada onde El Zarih havia desaparecido.
— Deus... Então o leão também tomou El Zarih? Mas o verdadeiro El Zarih era amigo de Mark O’Connor, não?
— SIM. MARK O’CONNOR ESTAVA AQUI DIA 01/11, COM EL ZARIH E WLASTER, PARA VENDER ARMAS AO LEÃO DE PELAGEM VERMELHO-AMARELADA.
— E o leão tomou primeiro o corpo de El Zarih.
— SIM. DEPOIS MATOU WLASTER HELGE DOOVER E ENTERROU SEU CORPO NA PAREDE DO LABORATÓRIO. POR ISSO VOCÊ ME MANDOU LÁ, PORQUE HAVIA IDO AO CAIRO ANTES DA EXPLOSÃO PARA ENCONTRAR O CORPO DE WLASTER E SUAS ENERGIAS GRAVITANTES, QUE TAMBÉM FOI FILMADO PELO ROBÔ NO LABORATÓRIO DE CORNICHE EL-NIL SENDO MORTO POR SHEE-AKHAN, QUE ERA SÓ UM BORRÃO.
— Mas então Jablah não sabia que Najma havia me salvado de ser morto?
— JÁ DISSE QUE NÃO SEI QUEM ERA JABLAH, SEAN YÁ HABIBI.
E os olhos de Sean se arregalaram mais ainda.
— Claro! Porque El Zarih era o único que podia dizer quem era Jablah, um subalterno, que preparava humanos para atravessar o portal, porque eles preparavam um exército para voltar aqui e destruir tudo com as armas que Mark O’Connor vendia. E porque El Zarih ficava ouvindo música no hall de entrada do asilo, porque ele podia, porque havia vários Shee-akhan, porque o leão podia se multiplicar como eu fiz no frigorífico, sendo Jablah, Wlaster, e El Zarih ao mesmo tempo.
— MAS NAJMA LHE AMOU, NOS POUCOS SEGUNDOS QUE LHE VIU MORRENDO, SEAN YÁ HABIBI. E ATRAPALHOU OS PLANOS DE SHEE-AKHAN.
— Imagino o desespero do verdadeiro Jablah quando ela chegou dizendo que havia impedido de me matarem, e que o tio nos trouxera. Porque nunca permitiu que ela participasse de tudo aquilo — e olhou Tahira. — E Wlaster era só uma maneira da leoa estar dentro da Poliu, esses anos todos conseguindo informações sobre quem era você, e encontrando Clarice e uma menina adotada, da qual Wlaster não podia perturbar porque Clarice podia enxergá-lo.
— SINTO POR ISSO TUDO QUE PASSOU SEAN YÁ HABIBI. PORQUE MONA DISSE QUE SEUS PENSAMENTOS ESTAVAM POLUÍDOS, OU EU O TERIA ENCONTRADO ANTES.
— Mona sabia que eu estava vivo?
— ELA SABIA QUE WLASTER ESCONDIA ALGO, MAS COMO WLASTER ERA UMA LEOA COM DONS, ELA FICOU BLOQUEADA.
— Clarice?
— ELA FOI PESSOALMENTE PEDIR A MONA, PEDIR VOCÊ.
Sean sorriu olhando Tahira também sorrindo.
— Mas Mustafá sabia que eu estava vivo, ele me visitava todas as quintas-feiras, fingindo ser médico.
— NÃO SEI ATÉ ONDE MUSTAFÁ NOS ERA LEAL, LEAL À ESCOLA DO PAPIRO, NA QUAL A MÃE DA VERDADEIRA TAHIRA FAZIA PARTE.
— Então o acidente de carro não foi ao acaso, a mãe, o pai e Tahira estavam em Nabta Playa, preparando a abertura do portal.
— SIM. MAS COMO AGORA SABE, ABRI O PORTAL ANTES DA HORA, ANTES QUE O LEÃO DE PELAGEM VERMELHO-AMARELADA ME MATASSE, E TUDO ACONTECEU.
— Por isso Jablah prendia as mulheres de máscara mortuária na parede; uma linhagem de mulheres como você, que foram à Terra há muito tempo atrás, e se instalaram na Atlântida que ajudaram a criar, para fazer o intercambio entre os muitos mundos, ensinar alquimia, astronomia e agricultura, e promover intercambio entre alienígenas. Mas o leão Shee-akhan/Wlaster/El Zarih/Jablah, resolveu mudar o jogo e eliminar você, a última faraó-leoa desse Egito paralelo.
— VOCÊ SABIA SEAN YÁ HABIBI?
— Não. Está me contando agora.
Tahira deu uma daquelas risadas esganiçadas sabendo que ele enfim a pegara, todos seus sentimentos, e que ela o amava.
— EU SINTO POR ISSO TAMBÉM SEAN YÁ HABIBI. POR VOCÊ TER DESCOBERTO ISSO DESSA MANEIRA, DEPOIS DE ADQUIRIR ESSA PELAGEM DOURADA.
— Não sinta Tahira. Minha pasta cor de vinho diz que eu me relaciono com alienígenas ou coisas do tipo.
Ambos riram.
— SABE NÃO? QUE QUANDO VOLTAR À TERRA VAI ESQUECER TUDO, OUTRA VEZ?
— E vou esquecer tudo, porque não posso contar isso nos congressos.
Tahira deu mais uma e outra risada esganiçada e todo seu corpo tomou-se de ouro; e não só uma máscara, mas todo seu corpo dourou. Sean viu que ela se tornava de rabiscos, que ela se transferia para o desenho da parede da pirâmide, e lá ficou, quieta, sem mais poder voltar para Clarice, para o Jornal distopia, para o flat, para o corpo dele.
“Habaitak!” soou não muito distante.
— Sabe onde está Oscar, Tahira? — ele ainda falou com a parede e uma escada apareceu na areia esverdeada.
Sean sentiu gemidos, gritos de horror, sons de labaredas que se espalhavam em meio a mulheres maquiadas que queimavam na fogueira que crispava. Nada falou e desceu os degraus da escada tomada de areia verde.
O ambiente era escuro e fétido, com o cheiro ocre tomando conta de tudo.
“Sean... Sean... El Sean...”, escutou de repente.
Sean se virou e estava sozinho outra vez, confuso, sem saber se tudo o que acontecia, acontecia.
“Sean... Sean... El Sean...” voltou a ecoar no ar gelado, e Sean desceu o resto da infinidade de degraus até chegar num calabouço mais úmido e sombrio.
Correntes douradas espalhavam-se pelo chão e Sean ouviu passos. Correu com corpo de homem e vários corredores se fizeram a partir da saída da escada de pedras. Sean tentou ouvir os gritos novamente tentando localizá-los, e entrou no corredor à sua esquerda.
— Meu... — e parou de falar quando à sua frente, uma multidão reverenciava um enorme homem de pelagem cor vermelho feito fogo e cabeça de íbis. Abaixo dele, um esquife. Dentro, o corpo de Oscar Roldman.
Tudo ali era fúnebre e funesto. O terror, a presença do mal; e ele habitava lá, Sean teve certeza.
— POVO DE SHEE-AKHAN! — a voz cavernosa, igual da ancoradouro de barcos abandonados, falava. — PRECISAMOS NOS UNIR! ATRAVESSAR O PORTAL!
E gritos mais cavernosos ainda se fizeram ali.
“Atravessar o portal?”, e se Sean já tinha tido medo na vida, aquele era o momento para dizer que não.
— POVO DE SHEE-AKHAN, ESCUTE-ME!!! — gritava. — CHEGOU A HORA DE TOMARMOS O PODER!!! COMO A FARAÓ-LEOA DESEJOU!!! UM NOVO LÍDER!!!
E todo o entorno se tomou de imagens como as que o robô filmara, e correndo na areia esverdeada, estava uma faraó-leoa. Sean se olhou apavorado e viu sua mão acesa, que era ele quem fazia as imagens tomarem conta dali como Miro uma vez fizera no aeroporto do Cairo, e que talvez o robô da Computer Co. tenha filmado tudo aquilo.
Porque o jovem Sean Queise não só voltou no tempo dia 03/11 e se enviou o robô danificado, como o jovem ou o velho Sean Queise voltou mais ainda no tempo, para uma data anterior a escavação, durante a construção do robô pela equipe de Barricas, e permitiu que o robô tivesse aquilo que seus dons permitiam, gravar sons e imagens ‘à frente do nosso tempo’.
Sean não acreditou no que fez, e no que mais a amnésia roubou dele para sempre, e todos ali se movimentaram agitados quando a grande figura de um leão de pelagem vermelho-amarelada, usando uma cabeça de íbis, passou a correr na filmagem, atrás da faraó-leoa que fugia dele, que ele ia matá-la.
— NÃO!!! — berrou o leão fazendo toda estrutura de pedra e limo no entorno, vibrarem. — NÃO POVO DE SHEE-AKHAN!!! ISSO NÃO É VERDADEIRO!!!
Mas todo o corpo de Sean tornou-se um leão de pelagem dourada, e todos ali se rastejaram até ele. Sean encarou Shee-akhan/Wlaster/El Zarih/Jablah, e ele arrancou a máscara de íbis mostrando o leão de pelagem vermelho-amarelada, e tudo se tomou de chamas e os corpos ali se abriram em buracos que vertiam Shee-akhan.
— AHHH!!! — gritavam todos.
E Sean correu, e correu, e correu sobre quatro patas, tomado pela pelagem dourada, com leão de pelagem vermelho-amarelada correndo, correndo e correndo sob quatro patas, e ambos se lançando no ar, com Sean/leão sumindo e o leão de pelagem vermelho-amarelada atravessando-o, caindo do outro lado.
— NÃO!!! — gritou descontrolado quando Sean/leão abriu o esquife de Oscar Roldman e ambos se tomaram de rabiscos, sumindo dali, aparecendo na areia esverdeada, sob o Sol escaldante de um Egito paralelo.
Mulheres e homens de cabeças alongadas, egípcios, ou núbios, ou o que quer que eles fossem do outro lado do portal gritavam, e crianças e animais domésticos corriam do leão de pelagem dourado que Sean se tornara.
Oscar o viu sabendo que Sean Queise era um leão.
— NÃO TIRE CONCLUSÕES PRECIPITADAS, OK?
— Ok...
E gritos de puro desespero se fizeram, no que um leão de pelagem vermelho-amarelada se materializou e correu, correu, correu atrás deles. Sean largou Oscar no chão de areia, e correu sob quatro patas, se lançando contra o corpo d o leão de pelagem vermelho-amarelada, que também se lançou sobre ele, com seus corpos se chocando e lançando fogo para todos os lados, provocando o estrondo que ensurdeceu a todos.
— AHHH!!! — gritaram todos, homens e animais.
Um Sean/leão olhou para cima e o estrondo vinha da passagem do helicóptero V-22 Osprey, sem piloto, pelo portal.
— Sean?! — gritou Oscar.
— Entre Oscar!!! — gritou Sean/leão.
E Oscar se levantou e correu para onde o helicóptero V-22 Osprey estava aterrissando, quando o leão de pelagem vermelho-amarelada correu atrás de Oscar que corria até o V-22, e Sean/leão ganhou mais velocidade e alcançou Oscar primeiro o abocanhando pela roupa, que gritou por todo trajeto do jogo que Sean fez de seu corpo, que voou pelo ar, longe d o leão de pelagem vermelho-amarelada que ganhou pernas e braços e a forma de Wlaster, estancando a velocidade e parando para encarar um Sean/leão que voltava a ser humano.
— Por quanto tempo mais vai me atrapalhar?
Sean que ainda vestia o colete dado por Dolores, se colocou em posição de Krav maga.
— Agente Wlaster Helge Doover! Você bem que tentou não?
— Sean Queise! Eu bem que tentei!
E ambos se atacaram, lutaram, com braços em movimentos cadenciados, um tentando quebrar o outro usando 2/3 de suas forças, e ambos foram ao chão. Sean se levantou vendo Oscar levantar voo no helicóptero V-22 Osprey e correu ganhando patas novamente, ganhando pelagem dourada e velocidade, correndo de Wlaster que ganhou patas, pelagem vermelho-amarelada e correu atrás dele.
Mas Sean correu, correu, e se lançou no ar perdendo patas, pelagem dourada, atravessando a fuselagem do V-22 e caindo dentro do helicóptero com Wlaster caindo junto.
Oscar impactou ao ver Sean lutando no chão do helicóptero entre socos e pontapés com o corpo de Wlaster, quando ele virou o V-22 de ponta cabeça e ambos se chocaram contra a fuselagem do helicóptero.
— Voe para Nabta Playa!!! — ordenou Sean.
— Não Sean!!! Não podemos levá-lo de volta a Terra!!!
— Voe!!! Voe!!! Voe!!! — e Sean puxou o corpo de Wlaster, atravessando ambos a fuselagem do helicóptero, e ambos caíram na areia fina, esverdeada quando um grande estrondo seguiu-se de uma explosão e a jaqueta de Sean Queise se inflou.
O helicóptero V-22 Osprey desestabilizou e Oscar segurou-o firmemente para ver que sobrevoava Nabta Playa, e que a grande explosão abrira um grande e maciço buraco negro, e tudo estava sendo sugado para dentro; tendas, escombros, e a pirâmide de Afrânio, Samira e Clarice.
— Sean?! — gritou Oscar desesperado vendo que o buraco negro se fechava e o helicóptero perdia altitude, entrando no buraco negro também. — Sean?! — gritava desesperado, com o helicóptero V-22 Osprey em um movimento espiralado, girando, girando, girando e Nelma, a bela Nelma entrando no seu escritório da Trafalgar Square sorrindo, levando pelas mãos o loirinho Sean Queise, cheios de bexiga, feliz por mais um aniversário de morangos dos quais ele não gostava. — Sean querido... — e Oscar desmaiou com o helicóptero caindo na areia branca, quente, com carros da Poliu chegando para resgatá-lo.
Dolores desceu correndo de um dos carros.
— Sr. Roldman?! Sr. Roldman?! — e Dolores tirou Oscar que voltava a si dos destroços, vendo que o buraco negro se fechara.
— Não... Não... — mas Oscar se debatia. — Sean ficou lá...
A bela e jambo Dolores só arregalou os olhos verdes e o encarou.
— Acredita mesmo que algum dos dois Sean Queise já tenham falhado alguma vez?
E a pergunta dela calou Oscar Roldman.
FINAL
Trafalgar Square; Londres, Inglaterra.
51° 30’ 27” N e 0° 7’ 40” W.
24/07; 11h00min.
Sean Queise estava trancado numa sala da Polícia Mundial já há muito tempo quando Oscar Roldman entrou e ele se levantou.
— Aqui está a pasta cor de vinho! — Sean foi logo a esticando na mão. — A pasta cor de vinho que se escreve sozinha.
— Aonde... — Oscar tremeu.
— Interessa mesmo? — Sean o encarou e Oscar nada falou.
Oscar leu, viu que certos detalhes nunca foram escritos ali ou se apagaram.
— Acha que Trevellis aceitará isso?
Sean deu de ombros.
— Ele sempre soube o que Mona era capaz de fazer, então... — Sean sorriu cínico se levantando, e abriu a porta como um ser normal faria.
— Onde você estava?
Sean estancou.
— Consertando erros.
— Spartacus lhe filmou em Abu Hamed.
— Se você sabia onde eu estava...
— O que fazia no asilo Faãn, Sean querido? — Oscar insistiu mesmo assim.
— Enterrando o corpo de Najma, naquilo que era a única coisa de valor para ela — e se virou para Oscar. — Porque Tahira permitiu que eu soubesse onde ela escondeu o corpo de Najma depois do ataque — e saiu da sala.
Mas a voz de Oscar o alcançou no corredor.
— Você a amou Sean querido?
— Eu amei Kelly, Oscar — Sean voltou até a sala. —, desde a primeira vez que a vi — e Sean sabia que ele nada falaria, que ele sabia que Nelma usava Kelly para controlar Sean e ele próprio. — Seu silêncio é para não perguntar quando foi a primeira vez em que a vi? — e o silêncio era para aquilo mesmo. Sean abaixou a cabeça e se virou para sair outra vez. — E você? Você a amou? — foi a vez de ele perguntar.
— Eu amei Nelma, Sean. Desde a primeira vez naquela escola cara, para milionários.
— Na escola que vocês quatro frequentaram na Suíça?
— Não! Numa escola de papiros, antes de ela nascer.
Sean se voltou para ele de olhos arregalados, porque eles podiam amar o que ainda não existia.
E engoliu aquilo sentindo seu coração disparado, com uma sensação estranha de algo estranho acontecendo dentro dele, dele ser filho de uma egípcia que o segurava no colo, embalado por estranhos seres de olhos amendoados, filho de um Roldman, talhados por um dom paranormal, ‘além do nosso tempo’.
— Mas foi ao meu passado que eu voltei... — e Sean sentiu a respiração de Oscar alterar. —, porque havia um parque de diversão...
— Não faça isso Sean! Fernando te amou.
— Eu te amo Oscar — e Sean viu que foi Oscar quem sentiu todas suas estruturas desabarem. Oscar caiu sentado em choque, com lágrimas nos olhos, inclinando a cabeça até chegar à mesa e nela desabar de chorar. — Mas também amei Fernando. Porque ao contrário que Nelma pensa, posso amar dois pais.
— Sean...
Mas Sean ergueu uma mão que ficou no ar.
— Não Oscar. Não sei o que será daqui para frente, se as escolhas que fiz, as fiz corretamente; se amar Kelly, aceitando a decisão de meus pais para que me case com ela desde quando ela era uma first, ou se o amor que ambos sentimos um pelo outro, não é só solidão — e parou. — Mas decidi pagar o preço dessa escolha, e mergulhar de cabeça no precipício para amá-la como nunca amei mulher alguma.
— Sean... — e Oscar viu Sean sair pela porta. — Sean... — e Oscar viu Sean não responder. — Sean? — e ele não voltou.
Mansão dos Queise; São Paulo, capital.
23° 34’ 12” S e 46° 40’ 20” W.
24/07; 11h11min.
A campainha tocou incessantemente. Nelma correu para atendê-la, impactando ao ver Sean Queise ali parado.
— Sean?
— Olá mamãe...
Nelma não acreditou no que ouviu.
— Ahhh... — olhou para dentro meio que zonza, sem saber o que falar, depois de mais de sete meses sem vê-lo. — Feliz aniversario.
Sean sorriu fazendo sua pele brilhar.
— Obrigado!
E Nelma voltou a olhar para dentro meio zonza.
— É que não comoramos porque…
— Eu sei…
— Entre! Hoje vamos fazer bacalhau.
— Eu sei... Senti o cheiro de longe.
— Sean... — Nelma riu sabendo que aquilo podia ser verdade, porque ele era diferente, especial, um Roldman.
E porque sempre fazia bacalhau para comemorar, mesmo sabendo que o comemorava em Londres.
A sala estava arrumada como sempre, limpa, arejada quando Sean sentou-se no grande sofá de veludo e se virou para trás, impactando ao ver a maçaneta da porta do escritório do pai arrebentada.
— O... — quase não consegue. — O que houve com a maçaneta? — apontou.
— Não sei! Alguém arrombou a porta do escritório de seu pai.
Sean tremeu todo se levantando até a porta. Tocou a maçaneta, mas não havia nada lá, nenhuma energia gravitante. Abriu a porta e dentro do escritório, um notebook de última geração numa mesa de aço e vidro, uma tela de LED na parede e uma poltrona de couro novo, em meio a livros e DVDs; nada que lembrasse onze anos atrás.
Mas havia algo ali, um paradoxo criado na maçaneta arrebentada.
— Por que ainda o deixa assim?
— Lembranças são coisas boas Sean…
— Sim… são… Posso... — e Sean voltou a tremer no que sentiu sua mãe atrás dele, dentro do escritório.
— Você está bem?
— Posso... — e Sean não sabia como falar aquilo.
— Sim... — foi o que ela disse.
Sean se virou e saiu do escritório, atravessou novamente a ampla sala de visitas e chegou até a escada de mármore branco, subindo os degraus sem ouvir nada, um único grito. Chegou ao corredor e lá muitas portas como Kelly havia dito.
Sean parou de andar em frente da porta de seu quarto e sentiu que sua mãe estava ali, atrás dele, tentando decifrar sua ida até a mansão, no dia de bacalhau, depois de tantos anos do suicídio de Sandy Monroe e da morte de seu pai.
Mas Sean não teve coragem de entrar no seu quarto, de ver que havia pôsteres da Pamella Anderson na parede e um fliperama cheio de roupas sujas em cima.
— Eu...
— Entendo meu filho. Não precisa entrar — sorriu Nelma.
Mas Sean precisava entrar, saber que erros mais havia cometido. Tomou-se de coragem e virou a maçaneta. Lá, um quarto azul, arejado, com um edredom florido e um abat-jour em cima de uma mesa de cabeceira.
— Meus... — e parou.
— Eu limpei o quarto Sean. Tirei tudo que me lembrasse a sua perda.
Sean encostou-se à parede do corredor e foi até o chão, até os pés de sua mãe e chorou agarrado a ela. Nelma escorregou também e o abraçou; e Sean sentiu mais uma vez o que era ser amado.
— Perdão... — soou sofrido.
— Não há o que perdoar filho. Você não fez nada.
Mas Sean havia feito. Muita coisa que não se esqueceu.
— Sabia que Santo Agostinho não podia afirmar que não existia na memória dele aquilo de que não se lembrava, mas também não sabia como podia o esquecimento estar na memória dele, se não para que não se esquecesse dela?
— Sabia que você sempre foi um apaixonado pela filosofia?
E Sean sorriu para ela, ambos no chão do corredor, abraçados como há muito tempo.
— “Enfim, seja como for, apesar de ser inexplicável e incompreensível o modo como se realiza este fato, estou certo de que me lembro do esquecimento, que nos varre da memória tudo aquilo de que nos lembramos” — porque ele sabia, porque ele se lembrava de muita coisa.21
Bairro do Brooklin Velho; São Paulo, capital.
23° 37’ 48” S e 46° 40’ 41” W.
02/06; 08h00min.
E foi por uma visita que Sean Queise começou a acertar contas, no que o avião da Polícia Mundial aterrissou em São Paulo, capital. Porque as coordenadas 23° 37’ 48” S e 46° 40’ 41” W o guiaram para um bairro da capital, sabendo que lá uma garrafa de Alicante Bouschet, uva tinta da família da Vitis vinifera, resultante do cruzamento das uvas Grenache e Petit Bousche, seria bem aceita.
A campainha tocou e uma bela morena de olhos verdes e pernas roliças, sobressaltou ao ver o belo loiro de olhos azuis e barba rala, lhe sorrindo.
— Sean Queise? — sorriu Dolores Trevellis. — Quem diria?
— Impactada?
— Totalmente! — sorriu outra vez apontando para a ampla sala, contendo tudo; sala, cozinha, e quarto, num estilo pomposo e britânico. — Entre!
— Obrigado! — Sean entrou não sabendo se já estivera ali, mas sabendo que o vinho era o preferido dela. — Eu estava passando por aqui.
— Interessante saber que passava por aqui às oito horas da manhã.
Ambos riram.
— Para você! — entregou o vinho trazido.
— Nossa! Um vinho de castas cultivadas em Portugal? Isso tem alguma conotação?
— Deveria?
— Fui eu quem permiti sua entrada na Poliu de Lisboa, Sean Queise. Logo após a morte de Sandy Monroe, que era minha amiga.
— Wow!
— Impactado? — foi a vez dela.
— Totalmente! — e Sean olhou o entorno.
A decoração era branca e de madeira laqueada, que seguia um estilo inglês, com figuras de porcelana, espelhos, e muitos quadros românticos, mostrando o quanto Dolores era conservadora, como o vestido sem decotes que usava.
— Gostou? — mas foi para o apartamento que apontou.
— Já estive aqui?
— Não. Sou tão conservadora quanto minha decoração.
Sean achou graça. Ela sabia que ele a estava perfilando, lendo sua mente.
— Conservadora o suficiente para saber que você não aprovou Sandy me vigiando?
— Ela o amava.
— Não acredito nisso.
— Não quero discutir isso — e Dolores foi para a cozinha colocar gelo num balde, onde enterrou a garrafa de vinho às oito horas da manhã. — Porque não perdoei meu pai, nem Mona, nem a Poliu. Por isso o coloquei lá dentro, nos porões da corporação de inteligência, para você se tornar o que se tornou.
— Mas você continua na Poliu.
— Há coisas que são intrínsecas ao ser, não Sean Queise?
Sean também achava aquilo.
— O vinho... — apontou. — Posso? — e estourou a rolha, servindo duas taças.
— Obrigada por ter salvado a minha vida e de meus subordinados na Unicamp.
— Não há de que. Fica me devendo algo.
— “Algo”? — ela o olhou de cima abaixo. — Sua vinda aqui não foi tão ‘eu estava passando por aqui’, foi?
— Não! Nem perto do que minha ‘mamãe’ fazia — foi a sua vez dele rir.
Dolores não entendeu, mas prosseguiu atenta, alerta.
— O que quer de mim Sean?
— Seu pai sabe que tem um apartamento aqui em São Paulo?
— E por que ele deveria saber?
— Porque quero saber o quanto vocês se comunicam agente Dolores Trevellis?
— O suficiente...
— Ótimo! Conhecia Robert Avillan?
— Amigo de Oscar Roldman.
— Esse mesmo! Ele era amigo de Mark O’Connor, Ahmad Al-badi, Nazih Sab`bi, Schiller König, Stefano Cipollone, Giovanni Bacci, Aaron Augustine, Christian Tyrone, Robert Avillan e Alam Al Alam Al Alam
— Amigos de meu pai.
— Esses mesmos... Senhores das armas.
— O que quer Sean?
— Também quero uma arma, Dolores. Uma arma capaz de fazer uma máquina mudar o mundo, a visão de passado, presente e futuro.
— Do que está falando?
— Sobre siddhis, Dolores; Devanam Saha Krida anudarsanam, para testemunhar e participar dos passatempos dos deuses.
— Você é um siddha?
— Sou? É o que a pasta cor de vinho roubada da Poliu diz sobre mim?
Dolores teve medo dele.
— Não faça isso Sean. Criar um ‘Paradoxo Final’, faz o viajante do tempo mudar a história, de modo que a viagem no tempo que fez, nunca seja inventada.
— E eu nunca iria conhecer uma Sandy Monroe suicida?
— Nem uma Kelly Garcia apaixonada.
E os olhos azuis de Sean Queise brilharam.
— Dolores...
— Como chegou até aqui, Sean Queise?
— Não sei. Coordenadas, provável.
Dolores riu:
— Foram sempre as coordenadas que te guiaram, não? Você fazendo contas e comandando Spartacus pela mente. Porque dizem dentro da Poliu, que você tem uma amnésia de evento para trás ou retrógrada. Alguns amigos arriscam dizer que você tem amnésia de evento para frente ou anterógrada. Já meu pai não acreditava em nenhuma das duas.
— Trevellis acha que estou mentindo? Porque não imagina o que é acordar de repente em um lugar desconhecido, e não ter a menor ideia de como foi parar lá; estar cercado de pessoas completamente desconhecidas e receber a notícia que um e outro são seus pais, funcionários, amigos e inimigos e não reconhecê-los, não conhecer sua história, seus planos, seus erros.
— Posso perguntar algo, Dolores?
E Dolores se levantou para servir-lhes mais vinho.
— Vá em frente!
— Acha mesmo que eu posso fazer tudo isso que essa pasta cor de vinho diz?
— Nunca tive acesso a essa pasta cor de vinho Sean. Juro! Mas meu pai acreditava que sim. Isso e muito mais. ‘Coisas que até Deus duvidaria’, ele dizia.
— Achei que ele me odiasse.
— Ah! Sim! Ele te odeia! — riu. — E o ama também. Talvez o filho homem que nunca teve — e voltou a rir. — Porque sabe que ele teve três filhas mulheres e que você e minhas outras duas irmãs, Umah e Zôra Trevellis, já tiveram algo.
Sean sentiu-se mal. Não sabia de tantas coisas assim.
— Você sabia sobre a vigia?
— Ao asilo Faãn?
— Desgraçados! Vocês sabiam que eu estava vivo?
— Hei! Calma lá! Soube comentários sobre, não participei disso. E meu pai não quis me dizer se sabia.
— Droga! Quem é Tahira Bint Mohamed?
Ela viu a mudança rápida, mas conectada.
— Uma ufoarqueóloga que escreve para uma revista chamada Distopia.
— Por que a Poliu a vigia?
— A Poliu vigia todo mundo.
Sean achou graça.
— O que ela quer comigo?
— Não faço a mínima ideia. Mas ela estava onde você estava; sempre. Congressos de ufologia, reuniões ufológicas e todas as esquisitices que você frequentava. E mesmo com Kelly Garcia ali presente.
— A Srta. Garcia a conhecia?
— Não. Ou já teria dado um escândalo — Dolores riu. Mas viu que dessa vez Sean não achou graça. — Não acredito nisso. Você ama Kelly Garcia?
— Por que acha que não?
— Não acho nada. De você não duvido nada. Nem que Sandy tenha percebido que você amava sua secretária, digo, sócia.
— Não vim falar da Srta. Garcia, Dolores. Não quando me proponho a pagar o preço justo por informações.
— Nossa! Estou realmente impactada Sean Queise, porque...
— Porque você estava no meu voo para Portugal, vigiando Tahira não a mim.
— Não sei do que está falando?
— Sabe! Você estava lá Dolores, com suas pernas roliças perguntando se eu queria um aperitivo, uma água, talvez.
— Como... Como se lembrou? — Dolores levantou-se furiosa. Bebeu toda a taça e partiu para a terceira. Depois se virou para ele. — Você não podia saber que eu a vigiava. Não podia ler minha mente. Fomos treinados para bloquear vocês.
— Porque todo agente da Poliu é treinado para bloquear os espiões psíquicos que criaram.
— Interessante... — Dolores voltou a se sentar.
— Então vou voltar a perguntar, por que vigiava a Srta. Tahira?
— Porque ela estava envolvida com Mustafá Kenamun.
— Envolvida como?
— Conhece Mustafá?
— O médico ou o policial?
— O sacerdote da escola do papiro que Joh Miller frequentava.
— A escola de mistérios que detém o conhecimento sobre o Fator Shee-akhan?
— A escola que perdeu o conhecimento sobre a planta Shee-akhan, Sean Queise, após um dos iniciados, ou iluminados, ou qualquer palavra que os defina, roubar a fórmula, e começar a matar todos aqueles que detinham tal conhecimento.
— O que esse iniciado assassino quer?
— Poder total sobre a Terra. Ou não imagina o que seja entrar em outra pessoa e comandá-la?
— Wow! Por isso ele queria me eliminar?
— Acreditamos que sim.
— Quem é ele Dolores?
— Não sabemos. E acredite, não sabermos é algo inusitado.
— Nem com todos os espiões de Mona?
— Nem com eles. Não conseguimos saber nada dele.
— Porque ele é um siddha que os bloqueia.
— Acho que ele é coisa pior e mais perigosa do que a Poliu acredita.
— Mas eu não sabia nada sobre essa planta Shee-akhan, sobre esse Fator Shee-akhan ou qualquer coisa do tipo; então por que me eliminar?
— Como pode saber que não sabia nada sobre Shee-akhan? — gingou o corpo roliço.
Sean não quis prolongar aquilo. Porque não podia saber. Ou sabia e não sabia que sabia.
— E por que a Srta. Tahira é importante, Dolores?
— Ela é o último elo com a entidade de mulheres que protegiam as mulheres faraós.
— “Último elo”? E por que ela estava atrás de mim?
— Não sei, já disse. Porque ou ela havia descoberto seus poderes paranormais e precisava de sua ajuda, ou ela queria eliminá-lo antes que você dominasse o Fator Shee-akhan também.
— Porque a escola do papiro vem eliminando muita gente, porque quem mata é quem se menos espera?
— Não entendemos toda a hierarquia daquilo. Os psi de Mona são limitados porque alienígenas podem bloqueá-los também, já que foram eles quem ensinaram as técnicas milênios atrás, a iniciados como Mona e sua irmã.
— Voltamos a Srta. Tahira então?
— Não! — Dolores levantou-se e tomou a quarta taça de vinho. — Voltamos a sua proposta inicial sobre ‘pagar o preço justo por informações’ — e abriu e fechou a perna mostrando que o vestido até podia ser sem decotes, mas suas atitudes não.
Sean agora começou a gostar daquela Dolores Trevellis sob o efeito do álcool, e que perdia seu conservadorismo rapidamente nos dois primeiros botões do vestido aberto.
Ele se levantou e se serviu de mais vinho quando ela alcançou os lábios dele.
— Você é uma Trevellis...
— Você é um Roldman...
Sean gargalhou.
— E mesmo que eu fosse um Queise?
E a resposta foi a mão que abriu o cinto, o zíper, os botões da camisa, e que tirou tudo aquilo. Sean entendeu que para Dolores, naquele momento, sua linhagem não era tão importante assim. E afinal, pagar o preço justo por informações, com aquelas roliças pernas jambo deslizando sob as dele, não era nenhum fardo.
Flat de Sean Queise; São Paulo, capital.
23° 33’ 31” S e 46° 39’ 44” W.
02/06; 14h00min.
Sean girou a chave e encontrou Tahira sentada no sofá chesterfield de couro preto.
— Devia ter trocado o segredo da minha porta, não?
— Eu teria trocado também.
Sean riu. Tinha que rir. Mesmo porque ainda estava sob o feito do álcool e do corpo roliço da filha de Mr. Trevellis. Entrou, fechou a porta e ficou observando Tahira e sua escandalosa calça e blusa fúcsia, de um tecido metalizado que mais lembrava roupas espaciais.
— Você deve perder um tempo considerável no mercado encontrando roupas que combinam com você, não?
— Não estou de bom humor Sean yá habibi.
Sean voltou a rir e ela sentiu o aroma de vinho chegar até ela. Mas Sean não prolongou aquilo.
— O que você quer? — foi a frieza em pessoa.
— Precisa voltar ao Egito.
— Pode me matar aqui se quiser.
— Do que você está falando? Bebeu além da conta com a comissária?
Sean não gostou daquilo. Elas se vigiavam.
— Basta Srta. Tahira. Perguntei o que você quer?
— Jura? Já disse! Precisa voltar!
— E por que acha que quero te ajudar?
— Me ajudar? — deu uma gargalhada tão esganiçada que Sean sentiu ferir seus tímpanos. E a roupa dela, os cabelos ruivos embaraçados, e toda ela escandalosa, chamavam a atenção dele. — Quem disse que preciso de ajuda Sean yá habibi?
— Do que é que...
— Você precisa de ajuda Sean Queise, da minha ajuda. E da ajuda de Allah para conseguir desfazer tudo que fez.
— Que eu fiz? Do que...
— Sabia que não devia ter exposto aquela história.
— Eu não expus nada. Foram os espiões psíquicos de Mona Foad. Foi Joh Miller e aquelas listas. Eu só falei em congressos sobre teorias de conspiração. Nunca acreditei naquilo tudo.
— Jura? Você acreditava Sean Queise. Eu estava lá. Eu ouvia suas histórias fantásticas sobre entidades de homens sem nome entrando em corpos.
— Você é louca! Totalmente louca! Eu nunca...
— Mas você foi lá, não? Você precisava ver com seus próprios olhos. Você foi a Nabta acionar Shee-akhan!!! — gritou.
— Eu não acionei nada!
— Acionou! — exclamou furiosa. — Porque o Fator Shee-akhan entrou em você quando tocou a parede da pirâmide, tal qual Afrânio e Samira onze anos atrás.
Sean agora se sentou. Porque precisava se sentar. E porque ela sabia de muita coisa que ele não tinha a mínima ideia de como ela sabia.
“Ou sabia?”
E talvez ele soubesse, porque se viu tocando a parede de uma pirâmide, porque viu algo tocando sua pele, algo penetrando sua corrente sanguínea até sacudir o braço e aquilo não sair, navegar por ele, e tomar conta de seus olhos que enegreceram.
— Ahhh... — Sean foi ao chão do flat sentindo que estivera em Nabta Playa, provável como Tahira dissera.
— Você foi lá não?
— Eu não... Eu não sei...
— Foi Sean Queise!
— Não... Não... Eu não me lembro...
— Lembra! Porque você ativou algo que entrou em você.
— Não... Eu não fiz isso.
— Fez! E fez algo que ninguém podia fazer, que não permitiu que você morresse naquela explosão, que lhe salvou de alguma forma e de muitas maneiras porque elas precisam de você vivo, de seus dons intactos, e tudo isso para controlar aquele que roubou Shee-akhan; para você consertar seus erros, Sean Queise.
— “Elas”? — e Sean lembrou-se das noites de choros e lamurias, dos seis meses em que Jablah tentava matá-lo sem conseguir. E lembrou-se delas, das mulheres da parede do asilo, das mulheres negras e douradas com cabeça de pássaro, que morriam na fogueira; e de toda sua linhagem alienígena que pedia socorro. — O que... O que você quer de mim?
— Já disse que não quero nada de você. Só que conserte o que fez.
— Eu não fiz nada. Eu juro! Você mesmo disse que se aquilo entrou em mim, foi porque ele me escolheu.
— Ah! Muito bom Sean yá habibi! — e se aproximou dele. — Então mostre a que veio! — e se dirigiu para a porta, para sair.
— Você não vai!
Ela parou sem entender a frase.
— Como é que é?
— Não vou ao Egito com você.
— Jura? Você não manda em mim.
— Você fica! E você fica porque a Poliu te vigia.
— Eu sei o que a Poliu faz Sean Queise. Anos a fio, na minha cola. E nem sempre eles são tão bonitos, gentis e gostosos quanto sua comissariazinha. Por isso, não me venha...
— Você fica!
Tahira se aprumou. Ela o amara tanto, por tantos anos, por tantas oportunidades buscadas e agora que estava ali, ao lado dele, e ele era frio, distante. Tahira virou-se e saiu do flat batendo a porta na passagem.
Sean se levantou ainda zonzo e se olhou no espelho. Ele era exatamente aquilo, a frieza em pessoa. E precisava voltar ao Egito.
Apartamento de Kelly Garcia; São Paulo, capital.
23° 33’ 41” S e 46° 39’ 23” W.
02/06; 21h00min.
A campainha tocou sem que o interfone fosse acionado. Kelly Garcia levantou-se da cama meio zonza pelo cansaço do dia a dia, do excesso de trabalho, de jornalistas na cola querendo saber mais, e Nelma Queise querendo saber mais e mais. E ainda Sean e aquela amnésia que não a deixava mais saber qual o papel dela na vida dele, ou se já tivera algum.
Andou descalça, vestindo uma camisola de seda amarela até a porta, e olhou pelo ‘olho mágico’. Mas não foi um Sean Queise jovem de barba rala quem estava ali.
Kelly abriu a porta e Oscar Roldman a olhava.
— Boa noite Srta. Garcia.
— Por que não me procura na Computer Co. Sr. Roldman? Os porteiros ficam comentando.
— Perdão! Não quis ir a Computer Co. justamente para evitar comentários.
Ela respirou pesado.
— Entre! — Kelly o viu entrar e se acomodar no sofá.
Fechou a porta e ficou esperando tempestades.
— Nelma acha que Sean está com ciúme de mim.
— Acha?
Oscar não se mostrava já tão simpático.
— Você vai ter que desmanchar isso. Não quero meu filho mais distante ainda do que já está.
— Não sei como ‘desmanchar’ isso Sr. Roldman, porque nem sei como isso foi feito. Sean foi para o Egito, já com essa ideia maluca a nosso respeito, e voltou pior do que foi.
— Por isso mesmo! — se levantou colocando as duas mãos em seus ombros. — Quero que você me ajude... — e Oscar arregalou os olhos para a porta por onde acabara de entrar.
Kelly se virou ainda com as mãos de Oscar Roldman em seus ombros e Sean os olhava da porta aberta.
— Como você se atreve a abrir minha porta?! — gritou furiosa.
Mas Sean Queise só tinha olhos para Oscar Roldman, que tirou as mãos de Kelly Garcia que dobrou os braços tentando esconder os seios pouco escondidos na camisola bordada.
Sean então se virou e saiu.
— Sean?! — gritou agora Oscar o fazendo estancar. — Deixe de besteira e volte aqui!
E Kelly sabia que a tempestade arriava porque Sean voltou e entrou no apartamento dela mais furioso ainda.
— Só vim avisar que vou voltar ao Egito! — Sean só encarava Kelly ainda escondida pelos braços delicados e gelados pelo medo.
— Por Najma ou Tahira? — também foi uma pergunta fria.
Sean a encarou.
— Você sabe que eu a vi hoje, não?
— Eu fui ao flat...
— Como todos os dias. Perseguindo-me, me vigiando, porque eles te mandam me perseguir e me vigiar! — apontou para Oscar num tom de voz mais alto do que o necessário.
E Oscar Roldman não gostou daquela insinuação, nem daquele tom usado.
— Como se atreve seu mal educado?
Mas Kelly levantou uma mão e ambos se calaram.
— Sim! Vigio-lhe! Como todos os dias.
“Droga!”, Sean a encarou com olhares depois de fazê-lo com Oscar.
— Não vou voltar ao Egito por elas, mas tenho que dizer que a Srta. Tahira me forçou a isso, pelas coisas que ela disse. Mas não vou com ela, disse isso a ela, também.
— Entendo...
— Sei que não entende! Mas preciso me lembrar de coisas, de todas as coisas que fiz, que provoquei.
E Oscar Roldman o encarou.
— Porque sabe que fez! — foi ele quem falou.
— Basta! Porque você é tão culpado quanto eu.
— Como é que é? Como se atreve a falar comigo nesse tom?
— E em que tom quer que eu fale para um homem que me negou conhecimento?
— Deixe de besteira! Você está louco, Sean.
— Talvez sempre tenha sido louco, não Sr. Roldman? Por isso não quis assumir uma criança problema!
— Talvez mesmo. Porque talvez Trevellis tivesse razão quando aconselhou Fernando levar você a um psiquiatra.
Sean deu dois passos e Kelly segurou os outros passos que o permitiriam se aproximar do pai.
— Psiquiatra como o Dr. Juca? Para dizer que minha loucura é genética?
— Como se atreve seu…
— Por que devolveu o pacote a Samira?! — e Sean berrou descontrolado.
— Foi Fernando quem devolveu.
— Meu pai não fazia nada sem pedir-lhe orientação!
— Você está louco!
— Sempre fui?! Por que você e meu pai não deixaram saber que ela havia enviado algo a mim?!
— Deixei quem saber? — Oscar suava de nervoso. — Do que está falando?
— Você mandou meu pai devolver algo que Samira me mandou.
— Acha que eu ia envolver ainda mais uma criança de catorze anos nas loucuras da Poliu?
— Basta! Porque não fez outra coisa na sua vida além de me meter em encrencas com a Poliu, que você ajudou a criar.
— Você está louco! Totalmente louco! Você se envolveu com Trevellis, não eu.
— Você, Nelma, Fernando e Trevellis que me envolveram em tudo isso. Sempre! Sempre me obrigando a fazer coisas pelo bem da Computer Co., que criava Spartacus para você ter Trevellis nas mãos — apontou o dedo para ele.
— Sean! Não faça isso! Ele é seu pai! — Kelly se enervou mais ainda.
— Não tenho pais Srta. Garcia! — e ambos perceberam o plural. — Nem ‘mamãe’ alguma, já que até agora ela não saiu da sua ‘zona de conforto’ para me ver, para tentar algo que parece ninguém desejar... — jogou um olhar ao pai.
— Insolente...
Sean Queise ficou mais furioso com Oscar Roldman.
— Chega Sean! Porque sabe que foi você quem provocou essa distância de sua mãe — Kelly o largou.
— Provoquei? O que provoquei hein? — olhou para ela. — Hein? — olhou para Oscar. — Ou talvez tenha provocado — voltou a olhar Kelly. —, porque eu nasci para ser um troféu na mão dela, que mantinha os dois amantes me usando.
— Cale a boca Sean! — foi a vez de Oscar sair do eixo e todos quadros na parede da sala, os cinco, foram ao chão estilhaçando vidro em meio aos gritos assustados de Kelly. — Você perdeu todo respeito por sua família.
— Que família? Porque foi só um monte de incongruências que moldou minha vida.
— Você é mesmo um moleque insolente... — e Oscar desistiu se sentando, colocando os pés em cima da mesa, mostrando intimidade com o lugar.
E Sean ficou cego pelo ódio, porque o ciúme o deixava cego de ódio.
— Vá embora Sean... — a voz dela era triste. —, sei lá para onde você decidiu ir — ela o viu lhe encarar. — E só volte aqui outra vez quando tiver certeza do que fala.
— Por quê? Acha que não sei do que falo Srta. Garcia?
— Pensei que sua amnésia tivesse lhe tirado tudo, Sean querido? — Oscar voltava a desafiá-lo.
— Basta! Já disse que não quero falar com você.
— E por quê? Sabe o porquê Sean? — Oscar Roldman ergueu-se furioso. — Vamos! Mostre essa coragem que nunca teve.
— Como se atreve... — e Sean foi brecado por Kelly que segurou o corpo dele que ia outra vez para cima de Oscar.
— Atrevo-me a que, Sean? Você não seria nada sem mim. Não seria nada sem Fernando! Nada se ele não tivesse lhe dado tudo para se desenvolver, todos aqueles bancos de dados para treinar e se treinar, se tornar o que se tornou.
— Basta!!! — berrou descontrolado fazendo móveis, porcelanas e tudo que havia ali, levantar e cair de novo, em meio às luzes que apagaram e acenderam e apagaram novamente para se acender sob os olhares apavorados de Kelly Garcia.
— Deixe-o Kelly! Deixe Sean se aproximar, mostrar que não tem nada além dos nossos dons esquisitos... — e foi a vez de Oscar Roldman ser esbofeteado sem que Kelly percebesse que Sean saiu do lugar.
Ela se alarmou ao ver Oscar sangrando no chão e Sean ainda ali, a olhando.
— Nossa patrãozinho! Que monstro você se tornou?
E Sean nunca havia sentido tanta dor quanto a que sentiu naquelas palavras. Porque ela não podia ter dito aquilo, não ela quem ele amava. Virou-se e a porta fechada se abriu para ele passar, e se fechou após sua passagem.
Foi embora em choque novamente, porque talvez ele tivesse sido aquilo a vida toda, um monstro frio e esquisito.
22
Cairo International Airport; Cairo, Egito.
30º 7’ 19” N e 31º 24’ 20” E.
03/06; 14h00min.
Sean chegou ao Cairo mais tenso que da outra vez. Tenso, frio, monstro e não se lembrando de nada, ou quase nada; porque sabia que estava mais tenso que antes.
— Sean Queise? — falava num tom alto, num inglês arrastado, cheio de sotaque árabe, um homem de pele morena que suava muito. — Sean Queise? — insistiu o homem novamente, agora mais perto dele. — Eu sou o policial Mustafá, Mustafá Kenamun.
Sean não mexeu um único músculo do rosto e Mustafá também de lá não saiu.
— E eu deveria saber quem é você, policial Mustafá Kenamun? — e segurou a valise com o notebook dentro com mais força.
— Eu era o policial encarregado de sua segurança quando veio a primeira vez ao Cairo.
— Ah! — exclamou Sean, sarcástico. — É algo sobre aquela segurança que não funcionou no hotel de Heliópolis, da qual está falando? — ele viu Mustafá se encolher. — O que quer comigo, Mustafá? Além de tentar querer ativar minhas glândulas gliais?
— Você... — arregalou os olhos que quase soltaram das órbitas. — Você me reconheceu?
— Nem sei o que eu fiz — e se virou para ir embora.
— Não posso... — e segurou-o pelo braço. — Não posso deixar você ir Sean Queise, sem acompanhá-lo.
— Quem disse isso? — se largou dele. — Oscar Roldman?
— Não! — a voz esganiçada dela o atingiu. — Eu disse!
Sean se virou em choque para uma Tahira vestida ou quase isso, num curto berrante tailleur alaranjado que ele achou que tivesse vindo da loja sem a saia.
— Ainda procurando roupas especiais Senhorita? — e se virou para ir embora.
Caminhou até a esteira de malas em meio a agitação e burburinho, e retirou sua bagagem de mão, recomeçando a andar.
— Volte aqui Sean Queise! Não pode andar pelo Cairo sem minha proteção.
— Sua proteção? — gargalhava andando para fora do aeroporto.
Mustafá e Tahira se olharam.
E voltaram a segui-lo.
— Sean Queise! — Mustafá falava tão alto, que Sean resolveu parar ao ver que o homem chamava a atenção do estacionamento, do já agitado Aeroporto Internacional do Cairo. — Preciso fazer sua segurança, já disse.
— E por quê? — perguntava impaciente.
— Porque você precisa de nós para se esconder, antes que alguém perceba quem é você, Sean yá habibi.
— Antes que a prendam por falta de moral, melhor dizendo — Tahira ia falar, mas Sean emendou. — Já lhe falaram que uma mulher tem que saber se comportar aqui no Egito, Senhorita? — passou por ela indo embora.
Ela só teve tempo de girar os olhos e correr atrás dele.
— Jura? Não aprova minha toalete?
— “Toalete”? — Sean estancou a pesada mala no chão. — Deve estar me gozando, não? — ele viu Tahira sorrir de um jeito que ele não entendeu. Sean pegou a mala e recomeçou a andar para depois parar outra vez. — E o que a faz pensar que vou aceitar sua segurança, Srta. Tahira?
— Vamos Sean Queise, pense um pouco. A polícia egípcia, dessa vez, nada soube sobre a sua vinda e isso o torna um alvo fácil demais.
Sean tentou lembrar-se se sabia mais alguma coisa dela, mas nada. Talvez nem soubesse quem era ela de verdade, antes da amnésia.
“Droga!”
— Meu passaporte não foi brecado uma única vez — Sean a olhou confuso. — Mesmo eu estando morto.
— Isso! Porque você ainda está morto. Ou já tirou nova documentação e eu não sabia?
Sean não gostou de ouvir aquilo.
— Não. Estou usando cópias que tinha.
— Então? Posso fazer sua segurança? — Tahira sorriu-lhe, e Sean se pegou observando a curta roupa alaranjada da moça enquanto ela sorria.
Tentou parar de pensar naquilo.
— Droga! — nada mais disse e os três se dirigiram ao carro de Mustafá que mais parecia uma caranga. — Isso anda? — ironizou Sean, ao chegar ao estacionamento.
Mustafá não respondeu e Sean não viu outra maneira senão entrar, com Tahira percebendo que Sean trouxera a valise que deixara no táxi.
Corniche el-Nil; Cairo, Egito.
30° 2’ 37” N e 31° 13’ 46” E.
03/06; 14h55min.
Mustafá saiu do aeroporto e pegou a El-Orouba, depois a Salah Salem St até a 6 October Bridge para então alcançar a Corniche el-Nil.
Chegaram numa casa alugada por Tahira e Sean entrou sentindo todas as emanações de Samira Foad Strauss ali.
— Como conseguiu alugar o laboratório de Samira e Afrânio? — disparou nervoso.
Ela engoliu a saliva com dificuldades.
— Eu ia contar-lhe depois do jantar.
— Sabe que eu não preciso que me contem não? Que basta eu tocar paredes e objetos para sentir as energias gravitantes nelas.
— Não Sean Queise! Eu não sabia! Porque parece que você só ia aos congressos e eventos ufológicos, para se exibir para seus amigos, com a espanhola a tiracolo.
Sean deu dois passos e ameaçou avançar nela. Ela só piscou e Mustafá estava do lado dela. Tahira então se virou e foi para seu quarto batendo a porta, furiosa.
“Droga!”, Sean fechou os olhos e os punhos não acreditando que teria mesmo tido coragem de fazer algo a ela, mas Tahira fazia o sangue dele ferver de uma maneira que jamais imaginou acontecer.
Foi com sua mala e valise, para o quarto do fundo da casa para onde um Mustafá também furioso, apontou.
O quarto devia ser igual ao outro, simples; uma cama de casal, roupas de cama e banho novas, uma colcha florida e um ventilador no teto. Além daquilo, uma poltrona e um armário de madeira escura com duas portas abertas. Lá, também um banheiro particular onde Sean entrou e tomou um longo banho, tirando a barba. Apareceu na sala usando shorts, camiseta branca, meias e chinelo. Já Tahira vestia uma horrível camisola vermelha de laços coloridos feito um arco-íris.
Ambos não se falaram desde o quase avanço e aquilo estava tirando Tahira do sério. Já Sean acomodou a valise em cima de uma mesa de centro de vidro, sentou-se no sofá e ficou a observá-la. Mexia-se e remexia-se no sofá como quem está tentando uma posição que lhe agradasse, que o fizesse pensar melhor.
— Está com fome? — ela tentou um diálogo.
— Kochery!
— O quê? — Tahira o olhou com surpresa.
— Uma mistura de arroz, lentilhas, cebolas frita e espaguete, regados com um pouco de molho de tomate, e algumas gotas de molho picante.
— Como é que é?
— Sei lá! — Sean não entendeu porque falou aquilo, mas nada mais falou voltando a olhar a valise fechada.
Tahira girou os olhos indo preparar a mesa com xícaras que comprara; uma bela toalha de mesa, vaso com flores e nenhum interesse dele na sua ‘performance’.
Ela voltou logo depois.
— Eu preparei um lanche para nós dois, Sean yá habibi — e Sean não mexeu um músculo se quer. — Se bem que é só o que sei fazer... — riu para um Sean que continuava a observar a valise fechada em cima da mesa de centro. — A viagem foi cansativa? — Tahira arrumou os cabelos num coque que despencou duas vezes seu cabelo ruivo. — Eu sei que gosta de ovos com pão francês, Sean yá habibi, mas os pães aqui são em forma de broa e... — e nada dele responder. — Estou sendo castigada?
— O que queria comigo, Senhorita? — falou de repente se erguendo.
— Até que enfim você falou comigo.
— Não estou falando com você, e não vou falar com você. Estou apenas querendo saber por que você ‘morava’ no meu flat quando eu saía para trabalhar?
— Jura? Gostaria que eu tivesse morado com você lá?
— Basta Srta. Tahira! — fuzilou-a. — Eu disse que não queria que você tivesse vindo.
— Mas você não manda em mim.
— Nem você em mim! Mas você pensa que manda! Mas não manda! — e sentou-se descontrolado.
— Mas você sabe o que eu queria no seu flat.
— Não! Porque não confio numa Trevellis me dizendo coisas.
Tahira lhe o olhou de lado sabendo que era da comissária/agente Dolores Trevellis, da Poliu, de quem ele falava.
— Um furo de reportagem sobre seu contrato! — mentiu Tahira. — E fui até as últimas consequências para consegui-lo — completou.
— Wow! — Sean se virou novamente para a valise, estava nervoso e desconfiado, porque era claro que havia uma verdade ali, qual ele não sabia. — Não acredito em você.
— Eu te segui até o Egito, não?
— Não Srta. Tahira. Você não me seguiu nem até Portugal, já que tinha suas passagens compradas antes mesmo de eu comprar as minhas.
— Por que diz isso?
— Porque Dolores estava ali no voo para Portugal, te seguindo.
— Achei que não acreditasse numa Trevellis.
Sean a fuzilou.
— O que foi fazer em Portugal?
— Passear! Não foi o que eu disse quando você me perguntou?
— Não sei quando perguntei. Estou com amnésia — e ele não gostou quando Tahira riu. — Está achando graça? Então vou mudar o foco da pergunta; o que ia fazer no Egito já que também viajou para lá seis meses atrás?
— Já disse também Sean Queise! Vigiar a sua concorrência com a Eschatology Inc..
— Para a revista distopia? — foi pura ironia.
— Sim — respondeu com as ancas balançando na horrível camisola vermelha de laço arco-íris.
Ele sabia que ela mentia.
Prosseguiu:
— Por isso mandou Mustafá me seguir?
— Mustafá... — e Tahira murchou o sorriso e as ancas. — Ele me garantiu que você não o havia visto. Que você só o conheceu quando ele se apresentou na morte de Miro Capazze.
— Mas eu o vi Senhorita. Agora. Seguindo-me do aeroporto até a limusine, e pelas ruas do Cairo até o hotel, antes de Miro morrer no meu lugar.
— Você pode voltar ao passado? Ver algo que aconteceu mesmo não estando lá? — olhou em volta. — Ótimo! Isso muda tudo.
— Tudo o que? Sua relação de confiança com Mustafá?
— Como é que é?
— A Srta. Garcia disse que você esperou seis meses para me entregar a valise. Coincidentemente quando saí do coma.
— Como é que é? Não estou entendendo nada.
— Está sim. Porque Mustafá sabia que eu estava vivo. Porque ele se fazia passar pelo Dr. Mustafá, ficando horas me olhando no asilo Faãn, sem fazer qualquer leitura gliais.
Tahira olhou para a porta da frente sabendo que Mustafá estava lá fora, fazendo a guarda. E que ele a enganara.
— Precisa de ajuda!
— “Ajuda”? — insinuou. — Achei que tinha vindo para atrapalhar — e ele viu Tahira recuar ofendida, levantar-se e ir a cozinha. Sean se sentiu mal de repente. Ela então voltou e passou por ele carregando um copo de leite. — Sabe como abri-la? — apontou para a valise quebrando o silêncio que se fizera, mas Tahira não esboçou nada. — Afinal seria justo que lhe contasse tudo já que usufruíamos de tanta intimidade no frio da sacada...
Tahira o fuzilou com um olhar, e foi para o quarto dela batendo a porta com força.
“Idiota!”, pensou Sean ali sozinho, a tentar se lembrar de como abrir aquela valise quando enxergou Tahira no quarto, deitada na cama, como se a parede fosse transparente.
Levantou-se e foi até o quarto dela.
— Posso entrar? — perguntou batendo à porta, esperando que ela abrisse.
— Não!!! — gritou Tahira de lá de dentro. Mas Sean abriu a porta assim mesmo e entrou; e tudo sem tocá-la. — Não disse que não podia entrar? — Tahira escondeu o rosto.
— Precisamos conversar! — Sean viu ela se levantar da cama e abrir a janela para a noite estrelada, e voltar a sentar-se de costas para ele na poltrona do canto.
— Não tenho nada a conversar. E eu juro que não sabia que você estava vivo. Porque não sou um monstro Sean Queise, ou teria avisado sua família a fim de ter diminuído a dor deles.
Sean não esperava aquilo.
— Quem é você? — entrou no quarto e sentou-se na cama dela.
— Tahira Bint...
— A verdadeira!
Ela só suspirou e jogou a cabeça para trás.
— Minha família vem de uma linhagem de mulheres sacerdotisas, que protegiam uma linhagem de faraós mulheres, que protegiam uma entidade de homens sem nome.
— Mas não é essa a ordem exata, é?
Ela se virou para ele sem saber o que significava aquela pergunta.
— Como ordem exata?
— Afrânio desenhou na ordem exata... Os homens de crânios alongados, adorando as mulheres de máscara mortuária egípcia, adorando aquele leoa de pelagem vermelho-amarelada com máscara de íbis... — e parou quando Tahira já havia atravessado todo o quarto e respirava o mesmo ar que ele.
— Voltou no tempo?
E ele a viu muito, mas muito perto dele.
— Não... Algo que... Não me lembro.
Ela o olhou, olhou e ponderou algo, voltando a se sentar na poltrona.
— Não sei quem são esses ‘homens de crânios alongados’. E se eles são a representação dos alienígenas, então a ordem está errada. Porque nossa família tinha por trabalho e obrigação, proteger essas mulheres faraós que protegiam essa entidade de homens sem nome.
— E quem é ele? Essa entidade em forma de leoa?
— Quem era a leoa de pelagem vermelho-amarelada com máscara de íbis nunca nos foi dito, porque não era de nosso acesso — e parou de falar para o olhar com interesse na camiseta, no shorts e nas meias dentro do chinelo; e Sean leu tudo aquilo. — Essas mulheres faraós, por sua vez, faziam parte de uma escola de mistérios que cultivava o conhecimento desses alienígenas, os ‘homens sem nome’, e que chegaram à Terra e fundaram a Lemúria, que se estendia de Madagascar a Sumatra, e incluía algumas partes do que é hoje a África. Depois fundaram a Atlântida, localizada ‘para lá das Colunas de Hércules’.
— Wow! — aquilo sim era informação. — A mesma Lemúria onde nasceu a terceira raça mãe com três olhos, que perdemos na evolução, mas que agora serve para enxergar o éter e ler pensamentos. E também Atlântida, onde vivia a quarta raça mãe, e tudo segundo Madame H. P. Blavatsky; pura mitologia Srta. Tahira.
— Segundo Joseph Campbell, mitologia é o nome que damos às religiões dos outros — Tahira sorriu.
Sean percebeu algo ali.
— Prossiga! — foi só o que disse.
— Prossigo! Mas antes tenho que lhe dar os parabéns, Sean yá habibi. Sua amnésia é mesmo estranha, já que você sempre defendeu tudo isso que acabou de duvidar.
“Dizem dentro da Poliu que você tem uma amnésia de evento para trás ou retrógrada. Alguns amigos arriscam dizer que você tem amnésia de evento para frente ou anterógrada. Já meu pai não acreditava em nenhuma das duas”, soou Dolores Trevellis.
— Prossiga!
Tahira prosseguiu:
— As mulheres faraós, então sobreviventes da Lemúria e Atlântida, se instalaram entre o Egito e a Núbia, na região de Nabta Playa.
— Nabta Playa onde construíram pirâmides pontiagudas e esfinges coloridas sob a água?
— Sim. Havia água ali. Mas também construíram bibliotecas, diferentes das que conhece Sean Queise. Algumas contendo papiros que ensinavam tudo; como medicina, astronomia, astrologia, transportes, construção civil, militarismo, e uma infinidade de poderes paranormais.
— Aquela pirâmide pontiaguda que Samira e Afrânio descobriram?
— Era uma biblioteca.
— Onde ficava o papiro em branco que só escreve para siddhas.
— Boa memória... — foi tão cínica quanto ele o era.
Mas Sean ainda não caiu na rede dela.
— Era isso que fazia no meu flat? Estava esperando a entrega do pacote de Samira onze anos depois?
Tahira deu uma daquelas risadas esganiçadas.
— Está com fome Sean Queise? — levantou-se da poltrona e desamassou a horrível camisola vermelha de laços coloridos feito um arco-íris. — Uma mulher egípcia não sabe pensar de estômago vazio — e saiu do quarto o deixando lá, com mais perguntas que respostas.
Ele a seguiu e ambos sentaram à mesa e comeram.
— Sua família tem poderes? — Sean prosseguiu.
— Não como a sua.
Sean não gostou de ter ouvido aquilo.
— Se restrinja ao que eu pergunto apenas, Senhorita.
Ela deu outra risada esganiçada.
— Não Sean Queise. Não temos poderes. Apenas os protegemos.
— Onde estão esses protegidos?
— Shee-akhan matou a todos.
— Deus... Quem é Shee-akhan?
— Não sabemos. Ele se proclama assim. ‘Shee-akhan’!
— Quando isso aconteceu?
— Miro Capazze foi o último.
— Como esses escolhidos eram escolhidos?
— Nasciam assim. Crianças iluminadas, que manifestavam dons paranormais na infância. Nós os identificávamos, acolhíamos e os educávamos, os desenvolvendo.
— Como um menino Buda?
— Não. Permitíamos que seguisse usa vida; casasse, estudasse, trabalhasse, mas os mantínhamos sob vigilância.
— Você disse que o último foi Miro? Mas ele me disse... — e parou de falar.
— O que ele lhe disse?
— Não... Não me lembro...
— Jura? Que ótimo! — foi sarcástica. — Porque perdemos o pouco de controle que ainda tínhamos quando Miro morreu, e porque Miro morreu pelo Fator Shee-akhan que dominava.
— Isso era algo impossível de acontecer?
— Não sabemos ao certo. Também são poucos os sacerdotes que sobraram, e que ainda conheciam a fundo os poderes do Fator Shee-akhan. Os anos, a tecnologia, e o afastamento das pessoas das escolas de mistérios, proibidas principalmente durante a Era Medieval onde as mulheres da minha família eram tidas como bruxas, fez com que muitos ensinamentos se perdessem. Mas até então, sabíamos que crianças iluminadas não podiam morrer por CHE.
— Afinal o que é o Fator Shee-akhan?
— Os alienígenas que na Terra chegaram, trouxeram técnicas alquímicas para gerar algo em outra coisa totalmente diferente que sua real essência molecular, como níquel em ouro, depois que os Anunnakis não conseguiram mais extrair ouro de nosso planeta.
— É... Samira falava sobre o Enuma Elish — e se virou para Tahira interessada. — Prossiga...
— Essa alquimia também podia modificar tudo, inclusive plantas em uma essência verde que permitia que os alienígenas pudessem penetrar, e se esconder dentro de corpos humanos.
— Entrantes?
— Como queira chamar.
— E como entravam?
— Através dos chakras, pontos energéticos do corpo humano. Mas se você não usar a técnica correta pode provocar CHE, e fazer o corpo onde quer se esconder, se destruir pelo fogo.
— Wow! Quanta sandice... — riu.
— Jura?
Sean parou de rir na seriedade dela.
— E esse tal... tal homem que se diz ‘Shee-akhan’, fez o que afinal?
— Ficamos sem respostas. Mas em suma, usa essa seiva verde para dominar mentes e matar.
— Você disse que fui escolhido, e que por isso essa seiva de planta Shee-akhan entrou no meu organismo quando toquei a pirâmide de Nabta Playa, e que o Fator Shee-akhan me salvou daquele acidente onde o drone explodiu os carros no deserto de Garri Ring.
— Aonde quer chegar?
— Não tenho a mínima ideia Srta. Tahira, mas preciso abrir aquela valise — apontou para a mesa da sala. —, e recuperar o comando do satélite de observação, que está numa órbita espiã sem que a Polícia Mundial ou a Poliu, e consequentemente os mainframes da Computer Co., possam acessar.
— O que vai conseguir com Spartacus?
— Fotografias! — e Sean se levantou se dirigindo para seu quarto a fim de dormir. — Porque as coordenadas me guiaram a vida toda... — e ele também a deixou com mais perguntas que respostas.
Tahira, porém, percebeu que perdia o controle da situação quando bateu na porta do quarto dele e o quarto estava vazio. Voltou à sala correndo, abrindo a porta que dava para a rua e Mustafá fazia vigia.
— Ahhh!!! — gritou furiosa vendo que ele havia feito teletransporte.
Para onde, ela nem imaginava.
Cairo International Airport; Cairo, Egito.
30º 7’ 19” N e 31º 24’ 20” E.
03/06; 17h20min.
O entardecer era estonteante, com um Sol vermelho parecendo maior até do que o normal. Sean havia chegado ao aeroporto se teletransportando, com coordenadas, como sempre.
Porque precisava fugir de Tahira, do controle daquela entidade ou o que ela significasse realmente. E porque também precisava chegar à Ilha Elefantina, primeira catarata, para encontrar um homem que fazia partes de seus ‘acertos de conta’, para depois ir para Cartum, e de lá tentar alcançar Nabta Playa já que pelo Egito, por Abu Simbel, chamaria atenção para documentos de um morto.
— Fazer minha segurança? — se questionou Sean. — Me priva! — e foi fazer o check-in.
Mas Sean percebeu certa agitação ao redor do aeroporto, a polícia secreta do Egito estava toda nas ruas, e a Poliu ajudava nas investigações de possíveis agitadores.
Que agitação era aquela ele não sabia, mas sentia a Poliu ali. E não eram tão ‘bonitos, gentis e gostosos’ quanto Dolores Trevellis.
“Droga!” desistiu do avião.
Dirigiu-se para o estacionamento atrás de um táxi, decido ir para a Estação de trem, e alcançar Elefantina já que não sabia ao certo a coordenada que ia precisar para se teletransportar, ou acabaria no limbo. Porque sabia que o teletransporte era algo perigoso de fazer, que Mona nunca permitira que ele fizesse, e que seus ‘pupilos’ a temiam. E de como ele lembrava tudo àquilo, também era uma incógnita.
Um ‘Bip!’ se fez ao lado de Sean. Vinha da valise que ele carregava. Mas ela ainda permanecia travada por códigos que ele não se lembrava de qual era. E sabia que precisava conseguir abri-la, ou estaria em mais perigo do que já estivera.
— Sr. Queise? — perguntou um jovem bonito, usando calça de tecido marrom e uma jaqueta discreta por cima de uma camiseta; um turista na aparência.
Mas Sean não achava aquilo.
— O conheço?
— Sou agente da Polícia Mundial, Michel Rougart; trabalho para o Sr. Roldman.
— Oscar? — Sean olhou nervoso para um lado e outro não gostando daquilo, mas Michel Rougart entregou-lhe um envelope.
— O Sr. Roldman fez duas reservas no Hotel Old Cataract, em Aswan, próximo à primeira catarata.
— Ah! Próximo a Ilha Elefantina. Quem diria?
— Sob nomes de Sr. e Sra. McDilann, para o Senhor e para a Srta. Najma Faãn.
— Quem? — Sean achou mesmo que tinha ouvido errado. — Achei que Oscar sabia que eu estava com Tahira, que ele a mandara?
— Pois foi justamente o que o Sr. Roldman disse. Que você ia se questionar o porquê não Tahira Bint Mohamed.
— Ah! Eu ia me questionar? Wow! Ele é um Roldman, não?
Michel Rougart não entendeu, mas prosseguiu.
— As chaves do carro! — entregou.
— Chaves?
— Para chegar até a estação ferroviária.
— Estação ferroviária?
— Vai de trem, não?
— E por que eu iria de trem?
— Não pode viajar de avião. Pensei que soubesse que seu passaporte expirou três meses após sua morte.
— Não entendi. Fui para o Brasil.
— Sr. Oscar Roldman e o Embaixador Ângelo Antonio Borges o levaram de volta para o Brasil.
— E como cheguei até aqui?
O agente Michel voltou a observá-lo.
— Não chegou Sr. Queise — olhou para agentes da Poliu, que mais adiante não viram Sean e o agente Michel conversando. —, foi trazido.
E Sean sentiu um frio percorrer-lhe o corpo no que viu um homem alto, ruivo e de uma beleza esfuziante, o mesmo que todas as manhãs, aparecia na frente do asilo Faãn quando ele lá sentava para tomar Sol.
“Wlaster Helge Doover” e Sean sentiu as pernas dobrarem.
— Sr. Queise? — Michel o segurou.
— Agente Rougart? — soltou-se dele.
Michel percebeu a ironia e a frieza. Aprumou-se não gostando muito dele.
— Recomendo que saia daqui até a Estação de trem Ramsés com o GPS dentro da sua mente — observou-o. —, guiado por Spartacus que lhe guia.
— O satélite está travado por senhas.
— E precisa de senhas para acessá-lo Sr. Queise?
Sean também decididamente não gostou dele.
— Prossiga!
— As chaves são de um Mercedes-Benz azul claro, ano 76 modelo 280S. O Cairo possui muitos carros Mercedes-Benz velho, será fácil se disfarçar entre eles até a estação ferroviária.
— Por que preciso disfarçar algo?
O agente Michel parou de olhar para os lados, o que fazia incessantemente e o observou melhor ainda.
— Vai saber Sr. Queise — sorriu apenas. — A viagem de trem até Aswan é de 866 km, 12 horas e os serviços de primeira classe, com cabines confortáveis, limpas e com ar condicionado.
Sean percebeu mais duas coisas no envelope.
— De onde são essas chaves?
— Vai encontrar uma Van verde num armazém alugado na periferia de Aswan. O carro está limpo.
— E o que é essa agenda? — também quis Sean saber.
— É uma agenda de endereços. Sr. Oscar Roldman mandou entregá-la. Estão anotados vários endereços e números telefônicos. Também está anotado o endereço do ex-agente da Poliu, Sr. Joh Miller — esperou alguma pergunta, mas Sean nada esboçou. — O Sr. Roldman tentou falar com ele, mas Joh Miller disse que só vai ajudar-nos se falar pessoalmente com você.
— Wow! Joh está me esperando?
— Não sofra por antecedência, Sr. Queise. Apenas utilize as escritas em amarelo da agenda. O que está escrito em verde, azul ou vermelho é falso. Se alguém pegar a agenda, com certeza errará muitos endereços — e se virou para ir embora.
— O que Oscar mandou você fazer em Saqqara?
E foi a primeira vez que Michel Rougart sentiu-se atingido em toda sua carreira.
— Como...
— O que foi fazer em Saqqara agente Rougart? — insistiu.
— Fotografias.
— Para comparar a que?
E foi a segunda vez que Michel Rougart sentiu-se atingido em toda sua carreira.
— A fotos tiradas por Spartacus seis meses atrás.
— Quem as tirou?
— Você!
— De onde?
— Nabta Playa!
— E por que Nabta Playa se compara a Saqqara a ponto de Mona me falar dela?
— Ainda... — e Michel Rougart respirou pesado vendo Wlaster Helge Doover os olhando. — Ainda não chegamos a nada Sr. Queise.
Mas Sean sabia que Wlaster estava atrás deles.
— Ele nos viu não foi? — sorriu cínico.
E o agente da Polícia Mundial diria que foi a terceira vez que se sentiu atingido em toda sua carreira.
— Precisa de algo mais?
— Não! Porque ambos vamos descobrir se precisamos, não é? — e Sean se virou para ir embora já não vendo Wlaster por entre as colunas do aeroporto.
“Droga!”, apertou o passo e foi para o estacionamento agora com a certeza de que Tahira também o vigiava a ponto de saber sobre o passaporte de um morto.
Mas Sean também era vigiado por dois pares de olhos maquiados; olhos escurecidos como a noite, cerrados pelo ódio, tomados por um líquido esverdeado em quantidade suficiente para tomar todo seu globo ocular, e dominar suas mentes e seus corpos, e que usavam turbantes de muitas cores, que levavam em suas cabeças alongadas.
Sean alcançou o Mercedes-Benz azul claro, ano 76 modelo 280S. Leu a placa e verificou o chaveiro. Guardou a valise no porta-malas e teve dificuldades para fechá-lo. Colocou o envelope no banco do passageiro após bater a porta e derrubar todo o conteúdo do envelope no chão.
— Cartões de crédito no meu nome? — estranhou o fato de poderia ser rastreado, e percebeu que havia três e não duas reservas no Old Cataract Hotel. — Três reservas? — sentiu um frio na espinha novamente, engatou a primeira marcha e foi embora.
O trânsito parecia maluco, ninguém respeitava a já apagada faixa da rua. Carroças puxadas por burricos e charretes, comuns no meio do trânsito caótico, levavam seus condutores camponeses, vestidos de galabias escuras com turbante de várias cores na cabeça, aparentemente surdos em meio toda gritaria. Porque as buzinas eram ensurdecedoras e Sean teve dificuldades em manter-se ileso no engarrafamento do qual tentava escapar, entrando em ruas paralelas e voltando para a El Orouba, percebendo por duas vezes um velho Mercedes-Benz cupê preto, a segui-lo. Já estava chegando ao Mohamed-Ali Mosque quando se distraiu com a fechada de um táxi e foi obrigado a contornar o Mausoleum & Mosque of QuaitBay.
“Droga!”
O Mercedes-Benz cupê preto novamente apareceu no espelho retrovisor quando Sean brecou o carro em total desespero. Olhou para os lados e se viu em meio do que acreditava não ser o caminho correto.
— Mas que droga! — praguejou. — Hei?! — estacionou e chamou um menino que corria na rua. — Onde estou? — perguntou em inglês, mas o garoto respondeu que nada entendeu. — Onde fica a rua... — e Sean desistiu, tentando perguntar em árabe. — Esh-shera` Salah Salen St. Fên? — e o menino esticou os dez dedos da mão. — Ashra? Dez? Quer dizer dez dólares? — Sean virou os olhos não acreditando quando o garoto lhe sorriu. — “Dólar” você entendeu, não?
O garoto mostrou os dez dedos outra vez.
“Pergunte Kâm? - Quanto custa?; e já diga Da ghâli`awi!- É muito caro!”, ecoava a voz de Mona.
— Da ghâli`awi! — exclamou Sean. O garoto ficou muito triste com o desconto. Mostrou cinco dedos no que Sean aceitou. — Khamsa? Ok, cinco!
— Y´re in death city! — e correu após pegar cinco notas de um dólar.
— Estou na Cidade dos mortos? Ele falou em inglês? — riu não acreditando por ter sido enganado.
E parou de rir ao ver o Mercedes-Benz cupê preto passar por uma das travessas atrás dele, para depois sumir, aparecer e sumir. E aparecer e sumir começou a fazer Sean se enervar porque carros não ‘apareciam e sumiam’, não sem ativar siddhis, que ele percebeu podiam fazer grandes objetos desaparecerem.
Sean engatou a primeira e entrou numa rua que ficava cada vez mais estreita. Lembrava-se vagamente sobre a Cidade dos mortos no que lera nos prospectos que Najma pegara no hotel, e que o que no passado já foram tumbas. Um grande cemitério com mais de 500.000 pessoas vivendo lá hoje, como podiam, e com o governo fornecendo água corrente e eletricidade; um conjunto habitacional de construção bege, colorida pelas areias, onde os moradores dizem que lá já era possível desmaiar sem cair no chão.
E o carro correu tanto que se chocou com latas cheias de lixo, o fazendo ser projetado para cima do painel, com os restos contidos nas latas subindo para o alto, voltando para cima do capô do seu Mercedes-Benz azul claro, obstruindo a visão dele. A batida também quebrou os faróis, arrancou a lataria impedindo que continuasse na rua estreita.
Sean tentou dar ré, mas viu o carro Mercedes-Benz cupê preto se aproximar. Saiu do carro e viu-se enfim, estar perdido.
“Droga!”, chutou a areia sob seus pés quando um som metálico se fez não muito longe dali.
Sean ergueu-se todo e tentou localizar o som. Mas ali, somente três casas abandonadas, sem portas e janelas e a continuação da rua estreita. Pôs-se a andar e à sua frente não havia nada a se ver, olhou para trás e nada a se ver, olhou para cima e nada a se ver, olhou para sua direita e viu um homem vestido de antigo egípcio lhe apontando uma bazuca.
— Deus... — Sean arregalou os olhos azuis percebendo que o homem estava paralisado, que seus olhos estavam tomados pelo líquido Shee-akhan e que seu dedo estava no gatilho.
Sean fez sinais para ver se o homem respondia, mas nada movia nele. Sean escorregou um passo, outro e mais outro de ré e voltou ao carro abrindo o porta-malas e tirando a valise com o notebook, quando ouviu um ‘Clic!’ atrás dele. Sean se virou e só o antigo egípcio de bazuca na mão a olhá-lo. Em pânico, tentou chegar à porta travada pela parede estreita, mas não conseguiu abri-la. Voltou à porta do motorista e se jogou no banco tentando alcançar o envelope entregue pelo agente Michel Rougart e o antigo egípcio gritou ‘Shee-akhan!!!’, e Sean só teve tempo de correr, se projetar para dentro da casa abandonada e o míssil entrou com ele, atravessando várias paredes de barro, terra batida ou qualquer material com que houvesse sido construído aquilo, levantando uma bola de fogo que subiu até as nuvens, deixando muitos ao longe em pânico. Um som ensurdecedor, que invadiu a ‘Cidade dos mortos’, e Sean enfim percebeu que ele também havia atravessado algumas paredes usando algum siddhi, caindo duas casas a frente.
Levantou-se em pânico com a valise na mão, e enfiou o envelope dentro da blusa, podendo sentir a areia nos dentes tomada de um líquido que a esverdeava, que contaminava o chão que se tomou de um líquido verde.
— Shee-akhan... — vozes ao longe chegavam cada vez mais perto.
Sean correu pelo piso que esburacava a cada passo que ele dava na areia misturada, tentando desesperado atravessar a ampla sala e sair do outro lado da rua quando estancou; mais homens vestidos de egípcios antigos, com estranhos adornos na cabeça, tal quais as enciclopédias arquivaram, estavam lhe esperando.
Sean se olhou, viu que não havia voltado ao passado, que era o passado que havia vindo atrás dele no que projéteis lhe passaram de raspão. Jogou-se para dentro da casa novamente, e tentou alcançar a sala navegando pelos buracos que se fizeram, alcançando a rua onde mais egípcios antigos invadiam, e mais projéteis arrancaram um pedaço da parede coberta de madeira ali deixada.
— Droga!!! — lascas lhe feriram a testa que sangrou.
Sean tentava raciocinar em meio ao pânico, em meio à confusão mental que se encontrava e subiu a escada para um segundo andar inacabado.
“Sean... Sean... El Sean...”, sentiu seu coração vir à boca com passos muito próximos ao dele, quando alcançou a laje da casa, e um dos egípcios antigos gritou à saída do teto, atrás dele.
— Shee-akhan!!!
Sean o puxou pela cabeça adornada, o jogando feito uma bola de Rúgbi pelo ar, o fazendo atravessar certa distância e cair de lá de cima na rua, por cima de mais homens que pareciam estarem vindo do passado. Correu se vendo numa grande extensão de lajes e mais lajes de casas, percebendo que estava no teto da ‘Cidade dos mortos’, e que de mortos não tinha nada, já que o passado que deveria ter ficado nas lembranças, estava ali, agora.
— Shee-akhan!!! — gritavam atrás dele.
Sean corria por extraordinários tetos de tumbas, em meio a tiros disparados sob um céu bege de areia, com grandes mesquitas ao longe, podendo ainda ouvir as pessoas dentro de suas casas gritando e rezando para não morrer. Pulou para outro telhado, e para outro, e para outro, e mais outro até que seus pés falsearam e ele atravessou o teto de terra batida, agarrado as estruturas do que sobrara do telhado, quando a valise com o notebook lhe escapou das mãos, e caiu no chão onde mulheres e crianças gritavam desesperadas, encolhidas num canto da sala.
— Min fadlak! Por favor! — apontava desesperado para que as mulheres pegassem a valise para ele. — Min fadlak! — mas elas nada faziam a não ser gritar. — Deus! — exclamou assustado ao subir novamente e ver que a arma voltava a cuspir balas.
— Smalla’Alik! — falou de repente uma das mulheres de dentro da casa.
“Que Deus proteja você!”, traduziu ele impactado, desistindo da valise já que nenhum poder ele conseguiu ativar ali.
Sean correu, e correu, e correu para depois ver que os telhados haviam acabado. Olhou para trás e mais antigos egípcios com estranhos adornos na cabeça o seguiam, olhou para frente e nada, mais nenhum telhado para onde pular. Olhou para trás, para homens que atiravam sem piedade, e virou-se para frente saltando num toldo que arrebentou o levando ao chão duro. Sean levantou e correu feito louco, com projéteis perdidos para todos os lados da rua movimentada, jogando-se em meio a barracas que vendiam frutas invadindo uma espécie de feira.
As pessoas gritavam se jogando ao chão, e Sean as driblava como fazia com os projéteis.
Havia uma fileira de carros estacionados, desejou que algumas deles se abrissem, mas nada aconteceu. Sean então deu um chute no vidro de uma BMW branca estacionada e abriu-lhe a porta. Puxou-lhe fios debaixo do volante fazendo ligação direta, arrancando e partindo ao perceber que os antigos egípcios também invadiam a feira de frutas.
— Shee-akhan!!! — gritou um homem ao se jogar sobre o capô da BMW branca.
— Não!!! — gritou Sean desesperado a tentar brecar, a tentar tirá-lo de lá.
A BMW branca subiu na calçada levantando melões, limões, cascas de frutas. Sean atravessava o resto da feira, por dentro da feira.
— Shee-akhan!!! — gritavam os antigos egípcios em meio aos gritos histéricos da multidão, que se jogavam para todos os lados, quando uma Maserati vermelha entrou na traseira da BMW branca, fazendo Sean bater com a cabeça no volante, o fazendo sangrar novamente, e ainda o fazendo destruir o resto da feira que ele não conseguira destruir antes.
Sean viu o ocupante da Maserati vermelha pelo que restou do espelho retrovisor da BMW branca.
— Tahira?! — gritou histérico correndo para a Maserati vermelha dirigida por ela. — Você ficou louca?! — gritou do lado de fora.
— Desculpe-me Sean yá habibi — ela abriu calmamente a porta da Maserati vermelha para ele. —, não pude deixar você sozinho.
— Mustafá é um idiota!!! — gritava com as mãos à cabeça ao entrar e fechar a porta.
— Ele sumiu!
Aquilo caiu como uma ducha fria em Sean.
— O quê? — perguntou como que paralisado.
— Você está sangrando... — ela levantou a mão para limpá-lo.
— Agora não! Onde está Mustafá?
— já disse que sumiu. Porque você sumiu e Mustafá estava lá, vigiando a porta. Quando eu voltei outra vez, foi a vez dele sumir. E acredite que não foi dá mesma maneira sofisticada de você sumir.
— E como sabe?
— Porque só havia um pé dele ali — e um tiro atravessou a lataria quase o acertando na perna.
— Ahhh!!! — berraram ambos sem muito tempo para discutir o CHE de Mustafá.
— Corra!!! — Sean apontou para as chaves do carro que Tahira ligou. A Maserati vermelha acelerou e deu um cavalo de pau retornando para a feira. — Ficou louca? — e a Maserati se projetou em cima do que ainda estava no caminho; frutas, barracas e pessoas que se jogavam pela ação. — A feira não!!! A feira não!!! — gritava descontrolado.
— Por que não faz aquilo então?
— Corra!!! Corra!!!
— Responda-me!
— O que?! O que?!
— Por que não faz aquilo?
— Aquilo? Aquilo o que...
— Teletransportar a Maserati?
E ele arregalou os olhos para os antigos egípcios que vinham aos montes, dezenas e dezenas para cima dela.
— Cuidado!!! — e Sean puxou o volante. Tahira pisou no freio fazendo a Maserati dar outro cavalo de pau, dessa vez rodopiando uma, duas, três vezes levantando fumaça e antigos egípcios, que se jogavam sob o capô, no teto, por debaixo das rodas do carro. — Vai matá-los?! — berrou.
— Jura? Porque eles já estão mortos Sean yá habibi.
Sean escorregou os olhos arregalados para ela.
— Então corra!!! Corra!!! Corra!!!
— Você manda Sean yá habibi! — e a Maserati correu outra vez derrapando em cascas, restos de verduras e tudo que tinha no piso, batendo as laterais, até conseguir sair da feira, das proximidades da Cidade dos mortos e alcançar uma larga avenida fugindo deles.
Sean olhou em volta:
— Wow! Uma Maserati 3200 GT, cupê, automática? Não é pouca coisa, é? — ele viu que Tahira nem o olhou, pisava no acelerador até sair de vista dos egípcios antigos de estranhos adornos na cabeça. — Quanto? Uns 170 mil dólares?
— Passou a entender de carros, Sean yá habibi?
— Parece que sim... — e Sean pode ver que Tahira trazia no carro a valise que ele havia perdido na fuga.
Ela o olhou de esguia.
— Você estava em fuga... — falou ela com frieza. — E com aqueles estranhos antigos egípcios atrás de você...
— Não fala mais!
— Mas você...
— Não disse para não falar mais?! — e berrou descontrolado com medo de estar ali com ela. — Desde quando me segue?
— Não disse que...
— Cale-se!!! Desde quando?
— É para responder ou não? Porque estou confusa.
— Quando?! Quando?! Quando?!
— Desde sua saída do aeroporto.
— E isso porque sua família não tem poderes?
— Não tem! Já disse! Eu vinha logo atrás da Mercedes-Benz cupê preta, quando minha Maserati também entalou naquela ruela.
— E como sabia onde a ‘Mercedes-Benz cupê preta’ estaria?!
— Não grite...
— Como sabia?! — gritava.
— Eu...
— Como sabia?! Como sabia?! Como sabia?! — berrava descontrolado.
— Oscar me...
— Ahhh!!! — socava descontrolado o vidro da janela com as mãos.
— Quando te alcancei a confusão já estava armada, com uma bola de fogo tomando conta dos céus do Cairo.
Sean arrancou o envelope de dentro da camisa para lá de suja.
— E isso por que Oscar achou que eu ia querer três reservas no Old Cataract Hotel, não Senhorita Jornalista?
Tahira não respondeu e a noite caiu rapidamente. Mesmo porque ela sabia que ele sabia que Oscar Roldman a mandaria para lá também.
Mas voltaram para Corniche el-Nil, precisavam recuperar forças.
23
Corniche el-Nil; Cairo, Egito.
30° 2’ 37” N e 31° 13’ 46” E.
04/06; 05h00min.
“Você está realmente dormindo e não se levanta? Os deuses, suas criaturas, estão reclamando”, soou distante.
Sean Queise abriu os olhos e se viu deitado na cama dele, no esconderijo, sob a luz do Sol que nascia na janela aberta. E estava sendo chamado à sala. Esse segundo Sean Queise, então, volitou até a mesa onde a valise estava. Lá uma luz verde saía de dentro dela. Sean tentou tocá-la, mas sua mão atravessou-a sem que ele pudesse saber o que tinha dentro.
Sean recuou assustado e olhou suas mãos. Estavam desbotadas, e ele era só uma projeção.
“Meu filho levante-se de sua cama! Use sua sabedoria e crie um substituto para que os deuses possam deixar suas ferramentas”, soou distante outra vez.
Esse segundo Sean então voltou volitando até o quarto e se viu deitado, em curto circuito na cama.
“Levante-se Sean!”, ordenou a ele mesmo.
Mas o corpo deitado do Sean verdadeiro na cama, só conseguia dar saltos no colchão macio.
“Levante-se Sean!”, ordenou-se mais uma vez, mas só o que conseguia, era fazer o Sean verdadeiro se mexer freneticamente na cama, com homens vestidos de egípcios antigos, sobre ele.
E o Sean verdadeiro abriu os olhos na cama e se viu preso por fios de energia, que o enrolavam de uma maneira que só seus olhos se moviam parcialmente, de um lado a outro.
“Tahira?”, chamou-a.
Tahira abriu os olhos e viu seu quarto a meia luz, sentindo que seu travesseiro estava mais baixo. Arrepiou-se pelo medo de virar-se e perceber que não estava nua e sozinha na cama, no quarto. Mas Sean podia vê-la, podia porque estava lá, na cama, com ela; e ele era um terceiro Sean Queise, três Sean Queise divididos.
“Tahira?”, o Sean verdadeiro chamou-a outra vez, mas nada mais conseguiu fazer já que estava sob o controle de uma energia que o emaranhava, que o prendia à cama, sob o odor ocre da areia molhada de verde, que tomava conta do piso da casa que já fora um laboratório, para onde Samira e Afrânio levaram a planta Shee-akhan encontrada nas lamparinas, até seus corpos serem consumidos pelas chamas internas e se incendiarem.
“Ahhh!!!”, o Sean verdadeiro gritou sem que nenhum dos três Sean Queise conseguissem se mover, fazer sua voz ecoar.
Mas o terceiro Sean Queise, ao lado de Tahira, tocou o corpo nu dela.
“Tahira...”, soou ao ouvido dela.
— Por Allah! — ela fechou os olhos apavorada, sentindo a mão que lhe tocava as ancas, que subiam por seus pelos pubianos.
“Ajude-me...”
Tahira agora sabia de quem era a voz atrás dela. Virou-se e um Sean Queise desbotado feito uma marca d’água, emaranhado em algo que parecia fios de alta tensão, lhe olhava.
— Ahhh!!! — gritou saltando da cama nua, procurando uma almofada, um lençol, sua camisola que vestiu.
Tahira saltou por cima da cama, por cima dele ainda preso ao colchão por fios de energia e alcançou a porta trancada, que desesperada não conseguir abrir, para então abri-la e ela invadir a sala e dar de encontro com outro Sean Queise, agora mais nítido, que havia conseguido trocar de lugar com seu duplo, que ficou preso na cama dele.
O Sean verdadeiro então se inclinou, sabendo que os outros dois Sean Queise eram bilocações e que estavam emaranhados, minando sua energia vital quando soou de sua valise um ‘Bip!’ que ecoou por toda casa.
Ele esticou a mão e abriu o compartimento lateral esquerdo sabendo que aquela era sua mão verdadeira, e que realmente tocava a valise. Ajoelhou-se e no compartimento aberto, um teclado apareceu onde o Sean verdadeiro digitou onze letras, k-e-l-l-y-g-a-r-c-i-a, e a valise se abriu.
— Como... Como conseguiu? — a voz de Tahira era puro pânico.
O Sean verdadeiro se levantou e encarou Tahira que sentiu que havia alguém mais atrás dela. Ela se virou e havia um Sean Queise desbotado na porta de seu quarto e outro Sean Queise desbotado na porta do quarto dele, quando os dois Sean Queise se acoplaram. Ela então se virou para o Sean verdadeiro à frente da valise e viu os três Sean Queise se acoplando.
— Você faz bilocação? — ela viu Sean só sorrir-lhe cínico. — Ótimo! Você faz bilocação! — e foi se deitar furiosa sabendo que ele estivera no quarto dela, na cama dela, atrás do seu corpo nu, e que era a mão dele que a tocava.
Corniche el-Nil; Cairo, Egito.
30° 2’ 37” N e 31° 13’ 46” E.
04/06; 08h00min.
— ‘Kellygarcia’? Jura?
Sean parou a xícara de café no ar e a encarou. Estava vestido, pronto para viajar, usando botas de couro preto, uma calça jeans Balmain de corte justo e uma camisa de linho branco, para então vê-la vestindo um horrível vestido patchwork que mais lembrava retalhos costurados a esmo.
— Do que está falando?
— Pois estou falando, Sean Queise, que você digitou onze letras, ‘kellygarcia’, e abriu a maldita valise — apontou para a mesa da sala.
Sean olhou-a parecendo realmente não entender o que acontecia ali.
— Não sei do que está falando. A Srta. Garcia disse que havia tentado de tudo e seu nome, acredite, foi o primeiro que ela usou.
— Eu não sei como fez aquilo, mas você abriu a maldita valise ontem à noite.
Sean olhou um lado e outro, e andou até a mesa onde a valise estava e tentou abri-la.
Voltou a olhar Tahira e olhar a valise.
— Não falei que está fechada?
— Impossível! Eu vi você ontem; aliás, vi três de você ontem, Sean Queise, abrir a valise.
— Viu três do que? — Sean riu.
— Acha que estou mentindo?
— Não fez outra coisa até...
— Digite ‘kellygarcia’!
— Não vou...
— Digite!!! — berrou furiosa.
Sean até quis discutir o que ainda não havia tido coragem, pela invasão de privacidade, por forçá-lo a encarar que era apaixonado pela sócia ou que pelo menos não conseguir esquecer-se dela em plena amnésia, mas se inclinou e abriu o compartimento esquerdo onde um teclado apareceu e digitou ‘kellygarcia’ abrindo a valise.
Ele arregalou os olhos.
— Eu não sei... Eu não sei...
Tahira se virou e foi para o quarto para então, se virar e voltar à sala a passos largos e chegar bem perto dele o esbofeteando-o. Sean olhou-a impactado pelo ato e ela voltou ao quarto. Sean ficou olhando para os lados tentando entender o que foi aquilo, e foi atrás dela.
Uma pancada na porta de Tahira e ela estava furiosa demais para responder.
Sean teve que abri-la outra vez sem tocá-la.
— Não faça mais isso entendeu?! — ela gritou. — Nem se atreva a me tocar!!!
Sean arregalou os olhos azuis e nada falou outra vez.
— O notebook...
Ela virou para ele furiosa.
— Como é que é?
— Ele também tem uma trava sob código, então... Queria saber se você me viu abri-lo também.
Ela andou tão furiosa para cima dele que Sean recuou todos os passos que ela deu e chegou à sala de ré.
— Abra! — apontou ela.
— Já disse que não sei como.
— Abra!!!
— Não adianta gritar!
— Abra!!!
— Pare de gritar sua louca!
— Abra!!! Abra!!! Abra!!!
— Já disse para...
— Abra!!! Abra!!! Abra!!! Abra!!! Abra!!! Abra!!! Abra!!! Abra!!!
— Abracadabra!!! — Sean gritou e o notebook se abriu seguido de um “Bip!” no que Tahira se jogou sobre ele, indo ambos ao chão; junto a valise, o notebook, a mesa, vidros, vaso de flores, água e tudo mais que estava no caminho. — Isso era um Enable Sign in, uma permissão de entrada... — arregalou os olhos.
— Desculpe-me... — ela o olhou ainda em choque. — Tive medo de te perder outra vez...
Sean ficou extasiado com aquelas palavras, com o ela sobre ele, com o tapa e o toque de pelos pubianos que vieram a sua mente. Ele engoliu tudo aquilo a seco, não entendendo afinal como sua mente funcionava, mas o corpo da bela e ruiva jornalista em cima dele ativou mais que memórias.
— É o mainframe... — explicou também sem entender como lembrava aquilo. — Alguém está pedindo para ser aceito no meu sistema.
Sean esticou o braço e alcançou o teclado dando ‘Enter!’.
— VOCÊ CONECTOU A COMPUTER CO. ON LINE! — explanava o computador. — DIGA SUA SENHA!
Sean olhou Tahira de lado.
— ‘Kellygarcia’ — soou sua voz.
— SENHA CORRETA! RECONHECIMENTO VOCAL INICIADO! — houve um intervalo. — OLÁ, SR. QUEISE! ABRINDO BANCO DE DADOS!
— Algo... — e nem teve coragem de escorregar um olhar para Tahira. — Algo está tentando entrar no meu sistema? — perguntou ao notebook.
— MAINFRAMES DA POLÍCIA MUNDIAL ATIVADOS! — respondeu o sistema operacional.
— Permita entrada!
— DIGA SUA SENHA!
— Vai dizer ‘Kelly Garcia’ outra vez? Jura?
Sean só escorregou um olhar e disse:
— ‘Kellygarcia’.
— CONEXÃO PERMITIDA! CHAT DE VOZ ABERTO NO CANAL #33.
Ela se virou furiosa outra vez e foi para o quarto, e Sean arregalou os olhos azuis para o notebook, com a voz de Oscar Roldman invadindo a sala no Cairo.
— Sean querido?
— Por que fez isso?
— Fiz o quê? Aceitar abrir o Chat no seu canal de segurança?
— Canal de segurança? Eu devia saber algo sobre isso?
— Você criou o canal #33 para impedir invasores hackers no seu sistema.
— Criei? E você entrou...
— Eu não entrei! Você abriu o canal.
— Deus... Então não foi você quem...
— Eu quem? Vamos brigar outra vez?
— Não. É que eu… Eu me dividi em três ontem — olhou a porta de Tahira fechada e ele sozinho na sala. — Um de mim veio até valise, mas não conseguiu abrir porque era só uma bilocação. Voltei ao meu corpo, mas não pude acoplar porque alguma coisa o havia amarrado com fios de energias, impedido que eu voltasse ao corpo. Então fiz um terceiro de mim e fui até o quarto de Tahira chamando-a, mas ela se apavorou porque eu a toquei. Mas eu não podia tocá-la se era uma bilocação. Então, também não sei como fiz, mas consegui trocar de lugar, o segundo de mim com meu eu verdadeiro, e deixar minha bilocação amarrada na cama. E vim até a sala como um Sean Queise original e abri a valise.
Oscar estava realmente encantado com seu filho.
— Você já havia feito isso antes?
— Não sei. Estou com amnésia.
— Que não está lhe mantendo muita coisa esquecida pelo jeito.
— Não sei o que há comigo, mas quando levantei não me lembrava de ter feito tudo isso. Foi Tahira quem me fez abrir a valise, porque disse o que eu havia feito, usando uma senha... Mas que droga! Eu não me lembrava da senha.
— Não sei o que dizer. A bilocação é considerada pela Igreja Católica um ‘Carisma’ e que poucos podem receber. O Padre Pio de Pietrelcina, o teve, e dizem, o viram em dois lugares ao mesmo tempo.
— Mas eu me dividi em três. Isso quer dizer que o Sean verdadeiro era meu corpo na cama, que meu espírito saiu de mim e se tornou meu duplo, mas quem era o terceiro Sean Queise que foi até Tahira e a tocou?
— Ernesto Bozzano diz que o fenômeno de bilocação é um dos mais propícios a evidenciar a independência da alma ao corpo físico.
— A questão 92 de Alan Kardec no Livro dos Espíritos, perguntava se os Espíritos podiam dividir-se, ou existir em muitos pontos ao mesmo tempo. E os Espíritos responderam que um Espírito não podia se dividir, mas, cada um era um centro que irradiava para diversos lados, como o Sol, um somente, porém capaz de irradiar seus raios em todos os sentidos.
— Não sei o que dizer Sean. Nunca entendi muito bem como Mona ensinava ou o que fazia com seus ‘pupilos’.
— Acha que em transes, as faculdades psíquicas são extremamente ampliadas quando... — e Sean olhou um lado e outro, e energias de Samira e Afrânio se moldaram ali. — Deus...
Oscar percebeu o silêncio que se seguiu.
— Sean? O que houve?
E toda a sala mudou, se moldou num laboratório com estantes e vidros e mesas de metal espalhadas pelo piso de lajota vermelha, e o ventilador girando no teto um ar ocre.
— Acho que estou no laboratório...
— Onde? Você voltou ao passado?
— Sim. Estou vendo Afrânio e Samira. Eles estão nervosos, discutindo com alguém.
— Como ele é?
— Moreno, redondo, de estatura baixa; e ele está gritando com eles.
— Joh Miller.
— Samira está segurando o robô da Computer Co. nas mãos. Fala algo que... — e Sean apurou o ouvido. — ‘O robô...’ ‘As informações da leitura da...’ ‘Imagens captadas...’.
— Que imagens?
— De dentro da pirâmide. Antes de eles entrarem, o robô saiu de lá e parou de funcionar... Mas o robô estava lá...
— O robô gravou algo? É isso?
— Não sei. Não vai haver como acessar porque onze anos atrás, Spartacus ainda não havia sido construído, e me lembro de que meu pai mandou Barricas desmontar o robô e refazer o sistema operacional.
“E me lembro de que meu pai mandou Barricas desmontar o robô”, Oscar não sabia o que pensar daquilo.
Prosseguiu:
— Mas havia os bancos de dados, Sean querido.
— Mas fui eu quem os aprimorou.
— E quantos anos você tinha quando os aprimorou, Sean?
E tudo se desmanchou. Sean olhou em volta e estava suado, no meio da sala da casa alugada por Tahira em Corniche el-Nil, conversando com Oscar, pelo notebook, na sala de Chat #33.
— O que está dizendo Oscar? Que eu já desenvolvia programas de computadores aos catorze anos? E que fui eu quem refez o sistema do robô que hoje eu vendo?
— Sim!
“Atrevo-me a que, Sean? Você não seria nada sem mim. Não seria nada sem Fernando! Nada se ele não tivesse lhe dado tudo para se desenvolver, todos aqueles bancos de dados para treinar e se treinar, se tornar o que se tornou”, a voz de Oscar Roldman nunca foi tão real.
Sean engoliu aquilo nem sabendo como.
— Deus... Meu pai permitia que eu... Que eu...
— Sim! Permitia! Porque o queria como um Queise.
Sean caiu sentado no chão.
Estava atônito, confuso, triste.
— Por isso eles tentaram de novo...
— Tentaram o que?
— Eles tentaram ontem de novo, me matar na ‘Cidade dos mortos’ com mortos ainda vivos, Oscar.
— Do que está falando?
— Um monte deles, de antigos egípcios núbios, de pele ébano, de crânios alongados, tomados pelo Fator Shee-akhan.
— Sean, você tem certeza de que quer continuar isso? Pode voltar ao Brasil, à Computer Co., conseguir seguranças...
— Mas é isso mesmo o que pensa sobre mim? Que tenho medo de enfrentar meus erros? Porque a Srta. Garcia disse que eu nunca fui homem de fugir dos problemas.
— Sean... — e Oscar desistiu de algo. — Precisa ter cuidado redobrado.
— E acha que não sei disso? Com duas mulheres a tiracolo? — e Sean dessa vez não ouviu respostas. — Por que fez isso Oscar?
— Não vou responder a isso.
— Vai me responder então por que ontem meus dons não funcionaram sob pressão?
— Acho que não é a pressão que lhe interfere. É o nível de Shee-akhan que está no seu sistema sanguíneo.
— Como sabe... — e parou. — Dr. Juca acha que algo acentuou meus siddhis.
— Por isso sua amnésia com lembranças.
Sean olhava um lado e outro buscando respostas, foco, saber para onde prosseguir.
— Eu preciso de um favor.
— Que tipo de favor?
— Um helicóptero.
E a cara que Oscar Roldman até parecia a que o gerente de Abu Simbel fez se Sean a pudesse ter visto, e se lembrado de ter visto.
Cairo, Egito.
04/06; 13h00min.
Tahira primeiramente foi contra ir a Ilha Elefantina, porque não sabia o que ele queria lá. Sua ideia era permanecer ali no laboratório até Sean ter suas visões sobre o que ocorrera lá com os arqueólogos onze anos atrás, e depois ir a Nabta Playa resolver o ‘problema’. Mas Sean nada disse sobre suas visões recentes, e ela trancada no quarto não ouviu o diálogo dele com Oscar Roldman pelo computador.
Mas ficou furiosa mesmo, foi quando soube que eles também iam ao asilo Faãn, da Dra. Najma Faãn que ela sabia, havia ficado seis meses com seu ‘yá habibi’. Depois ficou com medo de uma briga fazer Sean Queise sumir dali sem ela, e acabar perdendo seu rastro outra vez. E era melhor acompanhá-lo sendo contra tudo do que nada, literalmente, já que precisou de Oscar Roldman e sei lá o que ele fez para conseguir, saber que ele estava na ‘Cidade dos mortos’.
Um táxi os levou até o aeroporto, cada um com uma mochila cada e poucas roupas dentro. Foram deixados num portão lateral, com pessoal da Polícia Mundial já avisado da chegada deles, e que precisavam tomar o helicóptero sem documentos.
Sean também levou a valise com o notebook dentro.
— Você conseguiu acessar o satélite?
— Ainda não! E ‘kellygarcia!’ não abriu o banco de dados de Spartacus se vai me perguntar.
— Jura? Eu não ia.
E os dois nada mais se falaram.
Tomaram o helicóptero conseguido pela Polícia Mundial e sobrevoavam naquele momento Saqqara.
“Vai a Saqqara?”, soou Mona Foad.
“Saqqara?”
“Há um muro na parte sul onde formava a fachada da chamada Tumba Sur, uma capela falsa, feita em pedra maciça.”
— Saqqara... — soou dele.
— Mais de quatro milhões de urnas foram encontradas. Algo realmente fantástico — extasiava-se Tahira tirando Sean de suas lembranças. —, e todas aquelas construções ainda são um mistério.
— Por quê?
— Jura? Pense! Qual era a utilidade de tudo isto? Para que construir túneis, câmaras e salões trinta metros abaixo do solo? E como iluminaram estes espaços para fazerem o complexo desenho cerâmico nos muros?
— Lâmpadas de Dendera.
Tahira achou graça.
— Sim, Sean yá habibi... Você defendia isso nos congressos.
— Defendia?
— Sim, Sean yá habibi. Você falava inflamado sobre a construção das pirâmides ao redor do mundo. De como alienígenas ensinaram as pedras ficarem mais leves.
— E eles ensinaram?
— Sim. Mas pense... O que é aquele enorme muro que circula a pirâmide, ou mastaba de seis degraus, que aparentemente não tem função alguma? — apontava para baixo, para Saqqara.
— Beleza arquitetônica?
— E o muro? Feito de granito sólido por dentro, e por fora, sem qualquer espaço útil. Qual a verdadeira utilidade de complexo de um milhão de toneladas de pedra, uma muralha com dez metros de altura, que apresenta catorze portas?
— Beleza arquitetônica!
— Vamos lá, Sean yá habibi. Pense melhor! Porque a arqueologia tradicional só defende seu lado darwinista, pseudocético, e que não vem a público levantar nenhuma ligação com alienígenas naquelas construções.
— Porque talvez não tenham.
Tahira deu uma daquelas gargalhadas esganiçada.
Sean ergueu o sobrolho para a jovem Tahira vestindo uma calça justa, de brim branco e uma blusa de fiapos que mais mostravam o sutiã roxo que a protegia de algo.
— Sua amnésia o tornou, um daqueles que acham que os seres humanos não passam de macacos pelados, que surgiram por acaso ou vieram de um monte de lixo orgânico? — gargalhou. — Mesmo porque teria que ignorar fatos comprovados, e passar por cima de métodos científicos — e olhou Sean a olhando, e a olhando muito. — Não acredito que teve coragem de esquecer tudo.
— Desculpe-me Srta. Tahira, não pedi para ser explodido num Jeep anos 70.
— Não sei se pediu, mas esqueceu de que a Pirâmide de Saqqara é uma pirâmide misteriosa, de data de construção desconhecida, com subterrâneos simplesmente únicos e misteriosos, em que nunca foi achada qualquer múmia dentro dela, assim como acontece com as pirâmides de Gizé. Então, qual o propósito de sua construção?
— Por que está alterada?
— Não estou alterada. Mas ela claramente não é um túmulo gigante Veja! — apontou. — Veja a fachada da casa norte tem imagens do baixo Egito, Núbia, e era local de cerimônia de Ed Sedh, o rei que recebia a coroa vermelha, que simbolizava sua autoridade sobre este território. Entre a casa norte e o templo funerário de Djoser, onde há uma capela com dois pequenos orifícios nos seus muros do qual se podia observar no pátio.
“Uma capela falsa?”, soou ele na mesa de jantar de Mona Foad.
“A finalidade era dissimular um dos acessos ao complexo subterrâneo. Na escavação descobriu-se a escada original”
Sean olhou Tahira de lado e sabia que Mona Foad falava tudo aquilo porque havia algo embutido naquilo tudo, e era algo que não se encaixava em Saqqara.
“Droga!” odiou-se por não conseguir ir além daquilo.
O helicóptero parou para abastecer em Aswan, para então seguir para Abu Hamed, no Sudão.
“Sean... Sean... El Sean...”; ele ouviu a mulher com máscara mortuária egípcia lhe chamar.
Sean olhou Tahira de lado novamente, mas ela havia se calado.
— Acredita em metempsicose, Srta. Tahira?
— “Metempsicose”? Fala de reencarnação?
— Sim! O filósofo Pitágoras esteve aqui, no Egito, e foi iniciado em ‘religiões’ que fez mudar radicalmente suas ideias. Quando voltou a Grécia, segundo Jâmblico de Cálcis, um historiador da época, Pitágoras fundou uma escola cuja doutrina filosófica falava sobre metempsicose, a filosofia pitagórica que culmina em um misticismo matemático-religioso, uma síntese das influências órficas e científicas que incluíam a sua escola... — olhou-a. —, a escola do papiro.
Tahira nada falou, nem se mexer, mexeu.
“Droga!”, havia algo errado ali, porque Joh Miller frequentava a escola onde Mustafá era um sacerdote; a escola do papiro.
— No entanto, Pitágoras era diferente de Anaximandro, um filósofo que acreditava que o princípio de tudo era uma coisa chamada apeíron, algo infinito, tanto no sentido quantitativo, quanto qualitativo; e esse apeíron era algo que ‘não surgiu nunca’, embora existisse e fosse imortal — e Sean ele viu que ganhara a atenção de Tahira.
— Prossiga... — soou maravilhoso na boca dela.
— Prossigo! Porque para os pitagóricos, o destino final do homem se condicionava ao feito de haver alcançado, a interna harmonia entre os sentidos e a razão, e só as almas harmônicas podiam alcançar a boa ventura. As restantes se viam sujeitas à metempsicose até que a harmonia de suas vidas emitisse um modo de viver divino.
— Por que está falando tudo isso?
— Porque Jâmblico de Cálcis disse: ‘O sábio fala assim: a alma, tendo uma vida dupla, uma em conjunção com o corpo, mas a outra separada de todo corpo; quando estamos despertos empregamos, na maior parte, a vida que é comum com o corpo, exceto quando nos separamos inteiramente dele através de energias puramente intelectuais e dianoéticas. Mas quando dormimos, somos como que perfeitamente livres de certas limitações, e usamos uma vida separada da geração’ — ele viu Tahira incomodada. — E também porque eu voltei a minha vida passada, Senhorita, em que nada se parecia com o que Spartacus fotografou.
Tahira deu uma risada esganiçada e parou.
— Continuo sem entender.
— Eu também... Eu também... Mas sei que vou entender da pior maneira possível. Porque a metempsicose é o termo genérico para transmigração da alma de um corpo para outro, reencarnação que pode ocorrer, como os indianos acreditam, através do Karma, para sofrermos e pagarmos por erros passados, como ter conhecido você.
— Eu... — Tahira tentou manter-se firme quase não conseguindo. — Eu sou seu karma Sean Queise?
Ela não teve respostas.
Asilo Faãn; Abu Hamed, Sudão.
04/06; 15h00min.
Najma estava cansada, aquela tarde havia sido extremamente quente quando o tempo fechou, e ela teve que correr para não tomar um banho. Começou a levantar as Senhoras para dentro do asilo, cansada de ter que levar o asilo Faãn sozinha. Porque teve que se reestruturar totalmente desde o coma de Jablah que ainda não demonstrava melhora.
Ela até chamara outros médicos e nenhum deles conseguiram chegar a um veredicto; Jablah ainda tinha parte do rosto derretido e estava em total letargia, um sono profundo tal qual Sean Queise e El Zarih quando os havia trazido de Cartum.
E Najma pensava em Sean Queise todos os dias, a cada momento, e cada atividade, com o quarto dele vazio e a cama arrumada, onde entrava todas as noites. E pensava nele naquele instante quando algo caiu dentro da cozinha fazendo um barulho enorme.
— Deve ser o Sr. Muad, pobre coitado — falou para si mesma. — Aposto que o mercado o mandou trazer minhas compras, outra vez, sozinho — e pisou em falso, escorregando na poça de uma gosma esverdeada que já invadia a copa, indo ao chão. — Por Allah... — exclamou quase sem voz. — O que...
“Najma... Najma... El Najma...”, alguém sussurrou.
Ela paralisou. Sabia que ouvira seu nome, que alguém atrás dela, a chamava. Levantou-se e virou-se, mas não tinha ninguém lá. Virou-se para frente e um Jablah retorcido a olhava com uma agulha que vertia um líquido verde.
— Jablah? — e ela viu o primeiro passo do irmão em sua direção.
Najma quis dar um passo atrás, mas estava paralisada. A única coisa que conseguia ouvir era o som ensurdecedor de pás girando no ar.
“Najma... Najma... El Najma...” falavam outra vez quando um salão amplo, de altas colunas douradas, em meio a antigas mulheres egípcias, usando máscara mortuária, banhava um corpo numa piscina perfumada; Najma podia sentir o cheiro quando o corpo retirado da grande banheira era de Jablah Faãn.
“Culpado!”, ecoou por todo o asilo.
— Não... Não... — falava Najma sem saber ao certo para quem, quando o amplo salão desapareceu fazendo-a voltar ao corredor de acesso à cozinha do asilo, e um Jablah retorcido a encarava. Ele então se inclinou e injetou a agulha nele próprio. — Não!!! — gritou Najma quando passos pesados reverberavam no hall de entrada, no salão principal, na copa, na porta de acesso a cozinha e Sean Queise se jogou sobre o corpo de Najma, que foi ao chão protegida da explosão do corpo de Jablah, que pegou fogo virando cinzas. — Ahhh!!! — gritou Najma encarando Sean sobre ela, no chão molhado de uma gosma esverdeada.
Ele a ergueu do chão e correu no que o gás do fogão que escapava, foi atingido pelo Fator Shee-akhan e toda cozinha explodiu.
— Ahhh!!! — gritaram Najma, Sean e Tahira, com os corpos dos três lançados ao chão de areia da rua, com labaredas saindo pelas janelas do asilo e Sean correu para dentro do asilo alcançando extintores de incêndio no hall de entrada do asilo.
Najma e Tahira se olharam; porque Najma não entendeu como estava ali, e Tahira não entendeu como Najma estava ali; ou no final das contas, ambas sabiam sobre os siddhis de Sean Queise. E ambas correram para dentro do asilo para ajudar Sean a apagar o incêndio, quando Najma viu os pés e as mãos de Jablah intactas em meio a réstias do incêndio.
— Não!!! — gritou e desmaiou nos braços de Tahira que só olhava Sean Queise olhando as duas.
Asilo Faãn; Abu Hamed, Sudão.
04/06; 20h00min.
Havia sido um fim de tarde e começo de noite tumultuado, com a vizinhança acionando o corpo de homens contra incêndio, e os bombeiros chegaram quase que de imediato tumultuando ainda mais a rua, com um helicóptero estacionado no meio dela e muitos, muitos curiosos em volta. A assessoria da prefeitura também havia enviado três ambulâncias para recolher os idosos e rearranjá-los em outros asilos já que lá, não havia mais condições de moradia. E Sean teve que usar de muita lábia para conseguir que bombeiros e polícia não ultrapasse a cozinha explodida e descobrissem corredores obstruídos, os levando a um depósito de mortos, e nem que retirasse seu helicóptero de lá.
Tahira se propôs a dormir no quarto de Najma, que estava ainda desacordada, e Sean teve coragem de descer até o depósito, aos destroços de quando seu corpo enorme caiu ali.
Havia ainda muito entulho obstruindo a passagem, em meio ao cheio de areia ocre e urina animal que o alertaram. Sean achou que encontrar egípcios e núbios antigos com bazucas, em nada se pareceria com encontrar aquela figura borrada de uma leoa com máscara de íbis.
Recuou e desistiu.
Sean dormiu na sala, com medo de que alguma coisa mais do passado batesse à porta.
24
Trafalgar Square; Londres, Inglaterra.
51° 30’ 27” N e 0° 7’ 40” W.
05/06; 08h00min.
— Sr. Roldman? — perguntou a secretária Lucy ao interfone, incessantemente, sem que tivesse resposta.
Mas Oscar estava absorto demais até que se levantou e foi até a antessala da secretária.
— Sra. Lucy? — Lucy estranhou o chefe naquela atitude. — Por favor, podemos conversar?
— Sr. Roldman... — se levantando indo atrás dele. E Lucy levou outro susto foi com a sala bagunçada. Oscar Roldman ferira mais uma vez a sua maneira de ser e ela sabia que algo o desesperava. — Há algo errado?
— Preciso de um favor — apontou a poltrona ao lado da lareira. — Antes, sente-se.
Ela se sentou sabendo definitivamente que havia algo errado.
— Disse um favor?
— Um favor muito especial, para ser sincero — disse Oscar encarando a secretária por debaixo dos grossos óculos que usava naquele momento, para ler. E ele suspirou profundamente indo em frente. — Eu sei que está tendo um caso com um homem apesar de você ser casada... — e antes que a secretária tentasse falar algo, ele lhe cortou a fala com um aceno de mão para que esperasse ele acabar de falar. —, e eu sei o quanto preciso ser indelicado.
— Acho que não consigo compreender, Sr. Roldman — a reação dela foi imediata.
— Não pense que a estou recriminando, Sra. Lucy. Não sou a pessoa mais indicada para isso — pigarreou. — Também pouco conheço seus motivos para ter agido dessa maneira, mas preciso que peça a ‘ele’, que devolva.
— Ainda não consigo realmente compreender, Sr. Roldman...
— Então me deixe fazer compreender, Lucy, porque ninguém pode realmente conhecer Sean Queise, entende? Por isso quero de volta a pasta cor de vinho.
A mulher que já não era mais jovem se pôs a chorar. Oscar levantou, pegou um copo, pôs água e açúcar e lhe deu também um lenço.
Lucy agradeceu, bebendo e enxugando as lágrimas.
— Eu fiz aquilo por amor... — dizia aos prantos. — Eu não sei como fui capaz... Não sei. Não sei. Porque sei que o Senhor não me perdoaria, mas ele pediu, ele implorou, e eu o amo tanto... — e parou de falar.
— Desculpe-me Lucy. Não quero saber seus motivos, mas...
— Eu sempre fui tão tola no amor. Entende? Sem filhos, uma vida dedicada ao trabalho, ao Senhor, e de novo a casa, o jantar, as roupas e... E ele é tão belo...
— Sim! De uma beleza esfuziante.
— Sim... Desde pequeno, sempre vindo a Trafalgar para me ver, me abraçar...
— O agente Wlaster Helge Doover vinha a Londres desde pequeno?
— Quem? — e Lucy chorou copiosamente até que Oscar bateu delicadamente no joelho dela e esperou ela se recuperar. — Ele pediu-me para que entrasse com suas chaves... E pegasse uma pasta cor de vinho na segunda prateleira, dentro do cofre.
— Como ele sabia? — Oscar olhou Lucy olhando-o de volta. — Ele usou algum espião psíquico para vir até aqui? Para visualizar meu cofre? — Oscar estava furioso.
— Não. Não sei... Só disse que não conseguia acessar a pasta cor de vinho por causa do material do cofre.
— Ele... Ele disse isso? — agora Oscar se alertou mais que nunca.
Porque se aquilo era verdade, se o agente Wlaster Helge Doover não tinha acesso ao material do cofre, então era porque não havia desenvolvido ensinamentos dos psi.
E Sean corre perigo de vida outra vez.
— Não... Não... Nosso Sean não pode saber — ela o olhou entre lágrimas. — Eu fiz tudo como ele pediu porque nosso Sean... Foi por amor ao nosso Sean que eu fiz tudo isso.
— Tudo isso?
— Sim. Ele me garantiu que tudo ficaria bem, que ele cuidaria de tudo, que a viagem ao Egito era para consertar erros do passado, por ter tido o amor dela e não reconhecido naquela noite... — e Lucy chorava. Oscar sentiu que precisava voltar a sentar.
— Quando... Quando ele disse isso?
— Oh! Meu Deus! Ele sabia de algo, Sr. Roldman, porque sabe que ele pode saber, não sabe? Até me mostrou fotos dele.
— Fotos? Lucy?! — gritou em choque. — Fotos do que?
— Do Egito Senhor...
— Meu Deus, Lucy! Nunca lhe passou pela mente contar-me isso? A dor que eu senti pelo meu filho morto?
Ela se jogou de joelhos no chão, às pernas dele.
— Não... Não... Eu nunca quis magoá-lo Sr. Roldman. Nunca... Nunca...
— O que... — Oscar esticou a mão pedindo silêncio. — O que Wlaster mandou você fazer exatamente?
— Quem?
E Oscar parou de vez.
— Como quem Lucy? Wlaster Helge Doover!
— Não conheço nenhum Wlaster, Sr. Roldman.
E Oscar já não sabia mais o que acontecia ali, porque de repente a mente de Lucy ficou obstruída.
— O que está fazendo Lucy?
— Fazendo Senhor? Não estou fazendo nada. Já disse, foi por amor.
— Amor a quem Lucy?
— Ao nosso Sean! — e Lucy agora não gostou das feições do patrão. — Eu... Eu disse algo de errado? Porque teria que inventar um álibi para o momento — enxugou as lágrimas no lenço que Oscar estendera. —, porque nosso Sean pediu-me para que parecesse um roubo — e olhou Oscar de olhos arregalados. —, mas eu não sabia fazer isso.
— Sean ensinou-me a bloquear-me Lucy?
E foi a vez de Lucy arregalar os olhos.
— Não... Não sei bem o que ele me ensinou Sr. Roldman, mas ele insistiu que tirasse do cofre a pasta cor de vinho e a remetesse para ele, no Egito.
— Aonde no Egito exatamente?
E Lucy sorriu tentando escapar daquilo.
— Não sei por que tanta fleuma... Nosso Sean está com amnésia então...
— Você a leu Lucy?! — Oscar quase gritou.
— Não... Sim...
— Meu Deus Lucy! Como pôde fazer isso comigo?
— Eu não... Não fiz Senhor. Porque lá só havia aquilo que nós todos conhecemos, que a Poliu conhece que nosso Sean sempre fez, então... — ela viu Oscar mandá-la parar de falar e a dispensar. — Mas não a quer de volta?
— Não Lucy. Só precisava da confirmação que Wlaster Helge Doover não conseguiu a pasta cor de vinho.
Oscar estava sorrindo de uma maneira que Lucy teve medo dele. Ela saiu e Oscar fez uma ligação.
— Trevellis?
— Amigo velho. Está atrás de mim por algo que fiz ou por algo que deixei de fazer? — gargalhou.
— Não vai achar tanta graça até saber que roubaram sua pasta cor de vinho.
— Minha o que? — Mr. Trevellis se levantou num rompante e deu alguns passos no sótão da rica casa de três andares, no nobre Bairro de Hampstead; e foi no sótão que Mr. Trevellis instalou seu atualizadíssimo escritório onde acessou seu banco de dados nos mainframes da Computer Co., alugados pela Poliu, e a câmera no cofre central não mostrava a pasta cor de vinho onde ela deveria estar. — O que você fez com minha...
— Não fui eu! — cortou-o. — Foi Robert Avillan.
— Mas ele explodiu!
— Ele havia pegado a pasta cor de vinho para mim porque eu sabia que Wlaster Helge Doover estava atrás dela, e já que Sean estava morto não havia necessidade de vocês mancharem a memória de meu filho.
— Manchar o que? Você sempre soube que Sean estava vivo.
— Desgraçado! Então você sabia?
— Calma lá, amigo velho. Porque Dolores também me confrontou e eu disse que só soube depois, já que Wlaster não é bem, o meu melhor pupilo.
— Não! Já que Wlaster Helge Doover quer o seu lugar.
E Mr. Trevellis caiu em sonora gargalhada fazendo seus 170 kg balançarem junto.
— Aquele metido a ‘Barbie’ não sabe com quem está lidando.
— Mas nós sabemos, não?
— O que está insinuando?
— Não está se perguntando por que Wlaster roubaria a pasta cor de vinho, se foi ele quem a preparou para a Poliu sob suas ordens, Trevellis?
— Não acabou de dizer que Robert... — e parou segundos para pensar. — Wlaster conseguiu roubar de você?
— Não! Sean a roubou antes.
— Mas se Robert a roubou depois que Sean morreu então...
— “Então?” Exatamente isso Trevellis. ‘Então’!
E Mr. Trevellis caiu em sonora gargalhada outra vez.
— Vamos lá amigo velho, sabe que não tenho seus dons nem nunca fui bom em charadas...
— Não. Nunca foi bom em nada Trevellis — e Oscar sabia que o silêncio de Mr. Trevellis era para que ele prosseguisse; e ele prosseguiu. — Sean instruiu Lucy a roubar a pasta cor de vinho porque não conseguia acessar o material do cofre e... — deu uma pausa. —, e ensinou Lucy a me bloquear para que eu não soubesse que ele a roubou. Quando Robert deu-me a pasta cor de vinho que tirou do cofre da Poliu, ele deu-me uma cópia, a mesma cópia que eu tinha nos meus arquivos pessoais; e Sean sabia sobre essa cópia porque fez Lucy roubar a pasta cor de vinho original e substituí-la. Agora me responda ‘Trevellis não muito bom em charadas’, por que Sean precisava da pasta cor de vinho original se ele sabia tudo sobre ela, e instruiu Lucy para que ninguém soubesse, provável ela mesma?
— Porque Sean sabia que ia ter amnésia.
— Sim Trevellis... — soou de um Oscar afetado emocionalmente.
— Lucy? — gargalhou Mr. Trevellis. — Como é ser traído por duas mulheres em quem confiava, amigo velho?
— Cale-se!!! — gritou Oscar.
E Mr. Trevellis olhou Oscar Roldman projetado à sua frente, largando o telefone que foi ao chão.
— Amigo velho... — sorriu em meio aos 170 kg em choque. — Que belo espião você não teria me dado, hein?
— O que Wlaster quer com Sean, Trevellis? — se aproximou de Mr. Trevellis, que sentiu todo o perfume caro que ele exalava.
Porque não era uma bilocação, Oscar havia realmente se teletransportado até o sótão sofisticado de Mr. Trevellis em Hampstead.
— Não sei. E estou sendo sincero amigo velho.
Oscar sentiu toda sua estrutura entrar em curto, e não sabia se estava em Hampstead ou na Trafalgar, no que seu corpo se tomou de rabiscos. Mr. Trevellis ficou encantado com os dons dos Roldmans.
— Você está bem...
— Cale-se!!! — Oscar berrou e a energia cortou-se para recuperar-se. — Você sabia que Mona reescreveu algumas informações naquela pasta cor de vinho? Que eu e Fernando a obrigamos?
— Sim. Dolores havia me contado que Fernando sabia que as Foad podiam fazer aquilo, fazer letras correrem no papel. E Wlaster deve ter ficado furioso por só ele saber o que Sean fazia, e a Poliu não cancelar contratos. Então imagino que Sean modificou a pasta cor de vinho que ficou no seu cofre, com os mesmos dons.
— Por que Wlaster não conseguia fazer a Poliu cancelar nada com a Computer Co.? Mesmo com Fernando tendo Sean e seus dons sob seu controle?
— E acha mesmo que Fernando tinha todo esse controle sobre Sean?
— Nelma teria me contado se não tivesse.
— E acha mesmo que Nelma ia querer Sean sob o controle de Fernando, que trabalhava para a Poliu, quando Nelma queria Sean, e o preparava para ficar sobre seu controle, amigo velho?
— Eu... — e Oscar sentiu outra vez a descarga elétrica.
— Mas Sean cresceu, não Oscar? E a Computer Co. passou a ser do controle dele próprio, não Oscar? E todo nosso pouco controle, porque sempre foi pouco o controle que tivemos sob Sean, desmoronou-se. E ele já não mais acreditava em Papai Noel, fadas e gnomos, mas acreditava em alienígenas, em mundos plurais, e nosso envolvimento em esconder tudo isso dele — e Mr. Trevellis via que Oscar realmente se apagava.
— O quer dizer com isso?
— Que Wlaster também viu que Sean escapava de seu domínio, que ele não podia usar todas aquelas informações, porque era sua palavra contra uma pasta cor de vinho que se reescrevia.
— Pobre Robert, ele morreu em vão. Porque Wlaster nunca teve acesso a pasta cor de vinho.
— E o que Wlaster vai fazer agora?
— Não sei. Porque nada disso lhe serve mais se Mark O’Connor morreu, não é Trevellis? — e ele viu os olhos verdes dele brilharem. — Porque há algo que está me escapando, algo que Wlaster sabe fazer e quer fazer, e que deixa Sean em um perigo do qual não sabe lidar se Wlaster usar dons... — e Oscar sumiu de vez no que toda aquela ligação siddhi se rompeu.
Mr. Trevellis deu outra gargalhada, um pouco mais confortável agora que estava sozinho. E pegou algumas coisas que caíram no chão pelo susto com um só pensamento.
“E o filho me saiu melhor que a encomenda”, voltou a achar graça.
Asilo Faãn; Abu Hamed, Sudão.
05/06; 08h00min.
Sean Queise acordou de pesadelos que diziam que seu pai estava nervoso, preocupado com ele. E era um pai de óculos de lentes grossas, com dons iguais ao dele.
— Bom dia... — e foi um ‘Bom dia!’ morno vindo de Tahira para ele vestindo a mesma calça jeans Balmain e uma camiseta branca básica.
— Bom dia Srta. Tahira — e foi um ‘Bom dia!’ interessado na bela ruiva usando uma agarrada calça cigarrete pink, blusa de muitos babados azul e que lhe cobriam o fino e esguio pescoço onde um lenço de tons terroso estava amarrado.
— A doutora já acordou. Pediu para lavar-se. Deixei-a sozinha.
— Obrigado!
— Temos algo para comer? — Tahira olhou a parede enegrecida pela fuligem, das réstias de incêndio.
— Não. Mas acho que consigo fazer café na cozinha dos fundos.
— Vou ver a doutora então.
E se separaram.
Quando Tahira e Najma voltaram, a mesa no canto do salão tinha algumas xícaras desemparelhas dos pires, café, açúcar e um queijo com pão.
— Srta. Tahira — falou ele enfim, as apresentando. —, esta aqui é a Dra. Najma Faãn.
“Doutora?”, pensou Najma sem dizer, percebendo a distância com que foi tratada.
— Dra. Najma... Esta é a Srta. Tahira Bint Mohamed... Ela está comigo porque é jornalista, fazendo uma matéria sobre a minha morte.
Foi à vez de Tahira o fuzilar.
Najma só o observou e Tahira quebrou o silêncio.
— Salaam `aleykum! — esticou uma mão para ela.
— Wa `aleykum assalaam! — respondeu a Doutora.
Sean percebeu a formalidade entre as duas, a frieza também; mulheres se decifravam.
Mas Sean não tirava os olhos da Doutora e Tahira percebeu.
— Desculpe-me demorar a chegar aqui Doutora — Sean olhou Tahira de lado. — Tive que mudar de planos e vir de helicóptero.
— Como sabia que eu precisaria... Ah! Os siddhis?
Sean não respondeu.
— Vamos tomar café. Precisamos chegar a Aswan antes do meio-dia.
“Sean... Sean... El Sean...” ecoou.
Sean se virou para Tahira e a imagem de uma mulher loira, de pele branca feita um fantasma e trejeitos finos, provável na casa dos quarenta, se fizeram.
Ele tinha certeza de que seu nome era Clarice, que era a arqueóloga que trabalhava com Afrânio e Samira, mas o que ela fazia abraçada a uma menina ruiva, de olhos verdes, com provável, quinze anos, e parecida com Tahira, ele não entendeu.
— Quantos anos tem Srta. Tahira?
Tahira o estranhou.
— Como é que é? — Tahira viu Sean com os olhos fixos em algo atrás dela. — O que está vendo, Sean?
— Nada! Só perguntei sua idade.
Najma sentou-se à mesa e começou a comer. Tahira também o fez e se voltou para ele.
— Vinte e seis anos, Sean yá habibi.
Najma a olhou e Tahira gostou de ver a doutora enciumada. Terminou o café e se levantou para arrumar sua mochila.
— O que vamos fazer em Aswan? E por que temos que levá-la? — foi o que Najma perguntou.
— Já disse! Ela é uma jornalista.
— Pensei que não gostava deles.
— “Deles”?
E Najma calou-se.
Sean sabia que se Najma tivesse falado tudo, muita coisa teria sido diferente. Mas ela não insistiu e Tahira voltou com a mochila. Najma arrastou a cadeira e foi sua vez de fazer uma pequena mala, já que não tinha muito a deixar para trás, se tudo o que tinha, já tinha ido embora; sua família, seu irmão, o asilo. E aceitou ir com ele, porque Sean era só o que lhe sobrara, e mesmo sabendo que a companhia de Tahira ia lhe estragar os planos.
— Por que temos que levá-la? — foi a pergunta de Tahira quando Najma se foi.
Ele não acreditou naquilo.
— Ela salvou minha vida, Srta. Tahira. Não posso simplesmente deixá-la aqui... — e Sean também não acreditou no sapato salto agulha que ela usava.
Nada comentou dessa vez. Só uma voz que soou por ali.
“Habaiták!”
— O que disse? — Sean olhou Tahira em pé.
— O que disse?
— Fui eu quem perguntou Senhorita.
— Disse por que temos que levá-la...
— Não! Você disse ‘Habaiták!’.
— Jura? Eu disse?
E Sean não voltou a perguntar, porque em seu conhecimento ‘Habaiták’ significava “Eu te amei!”.
Quando Najma voltou com a mala, Sean se ergueu:
— Fiquem as duas aqui! — e se virou para Tahira. — Conseguiu entender? — ela o ficou olhando abismada para o porquê da ordem.
As duas moças não tiveram nem tempo para desobedecerem, e uma pequena explosão seguida de um estrondo alcançou o corredor que dava para a cozinha.
— Sean?! — gritaram uníssonas.
Tahira se encontrava mais longe do corredor que Najma, mas acabara chegando primeiro.
— Não mandei ficar lá fora idiota?! — mas Sean gritou nervoso foi com Tahira.
— Estúpido!!! — gritou Tahira se virando e retornando para a sala. Mas Sean segurou seu braço e ela se desvencilhou. — Maa tilmisnii! Não toca em mim! — respondeu arisca.
Sean não insistiu e se virou para Najma de olhos arregalados para o chão da cozinha que incendiara, e que fora apagado com o extintor que ele ainda portava nas mãos; porque foi a mão dele que acendeu e provocou a explosão.
— Onde Jablah pegou fogo? — ele viu Najma com uma interrogação no rosto. — Umbigo? Garganta? Coração?
— Garganta... — apontou tremendo. — Depois injetou aquela e... incendiou-se! — olhou-o. — Fala de CHE? Isso é loucura!
— A combustão espontânea é conhecida por ‘fogo secreto’ — Tahira completou. — Para os alquimistas, de origem secular e alienígena.
— “Alienígena”? — espantou-se Najma olhando Sean ao invés de olhar para a jornalista que prosseguia a falar.
— Dizem que tais combustões são efeitos de poltergeist que pessoas especiais possuem — Tahira encarou Sean que ficou incomodado com os pensamentos que chegaram até ele. —, e que foram ensinados por alienígenas; alienígenas e pessoas especiais que se comunicam entre si e...
— Basta Tahira! — aquilo Sean entendeu com ou sem dons psíquicos.
— Jura? Porque achei que para um cientista da sua extirpe nunca bastasse conhecimento — riu balançando o sapato de salto agulha. — Porque em termos de Física moderna, Sean Queise, poderíamos interpretar esse fenômeno como uma forma de energia — e balançava o salto como num desafio. —, energia intermediária entre a energia química e a nuclear.
— Como sabe jornalista Tahira? — perguntou Najma.
— Minha mãe era alquimista — mas ela respondeu foi a ele.
“Sean... Sean... El Sean...”, ecoou.
— Deus... — olhou em volta perdido, transportado para um Egito antigo, para depois voltar à sala do asilo Faãn num espaço ínfimo de tempo. — Então a transmutação alquímica é a técnica para fazer a pedra ficar ‘mole’... flutuar... — Sean começava a entender como os mistérios do Universo se comportavam. Começava também a entender como a física quântica previa as muitas dimensões, e começava também a ter medo dela, de Tahira. — Em junho de 1967, um sacerdote peruano, padre Jorge Lira, descobrira o processo utilizado pelos Incas para lidar com grandes rochas, que consistia num suco de erva que tornava o material facilmente maleável.
As duas se olharam.
— Jura? Uma planta que amolece pedras? — perguntou Tahira voltando a balançar o salto do sapato agulha.
— O padre Lira dizia ter realizado com êxito experiências, macerando pequenas pedras num líquido tirado de uma planta milagrosa.
— Quanto milagrosa? — perguntou Najma.
— Não sei doutora... — e Sean ouviu a vitrola tocar. Olhou para o lado e El Zarih sentava no sofá do hall de entrada. Mas ele não estava lá, aquilo era sós rastros de energia ali impressos, vindas de vivencias, de momentos em que El Zarih esteve lá, ouvindo música. Mas Sean também sabia que El Zarih nunca ouviu música, não durante os seis meses que ali esteve, porque nunca estivera realmente de coma, porque o coma fora induzido pelo líquido verde Shee-akhan, e que era Jablah quem ‘desligava’ Sean; então quando El Zarih esteve ali ouvindo música se tornou uma incógnita. — Onde está El Zarih?
Najma pareceu paralisar nano segundos.
— Quando voltei do Cairo, El Zarih havia sumido.
— Que pena! Achei que ele tinha melhorado como eu melhorei.
— Um homem cego e doente, Sean? Como pode ter melhorado como você?
Sean não quis dar mais respostas. Pegou as coisas das duas e saiu. Pediu ao piloto do helicóptero que os levasse, ele e suas duas mulheres, até Aswan para Old Cataract. As pás giraram e Sean sentou-se. Olhou para o lado e viu a doutora falando algo; mas eram sós os lábios de Najma e as pás do helicóptero a movimentarem-se.
Sean olhou para o outro lado e não viu nada.
— Onde está Tahira?
— Quem?
— Não?! — e Sean saltou do helicóptero que começava a deixar o solo, em meio aos gritos de Najma e caiu pesado na areia da rua, e pisou pesado no piso da entrada do asilo, no piso do hall de entrada, no piso da sala e Sandy Monroe sentava-se na cadeira onde há pouco eles tomaram café. — Sandy? — Sean olhou um lado e outro da sala. — Onde está Tahira? — e os lábios colados, roxos e frios dela lhe encaravam. — Sandy? Pode ver para onde a levaram? Para onde levaram Tahira? — e Sandy o olhava.
E ele sabia que era ela, que ela vestia a roupa do noivado, que segurava o anel que sua mãe guardara, e que tinha na outra mão a arma engatilhada quando algo caiu no andar a cima.
“Sean... Sean... El Sean...”.
Sean desviou o olhar, e a escada do asilo de madeira escura e envelhecida, e de degraus soltos, se morfava, se plasmava em mármore branco da mansão dos Queise, com Sandy correndo em seu vestido de chiffon branco e as perolas batendo no corpo que chorava.
Mas não foi atrás de Sandy que Sean correu.
— Tahira?! — se jogou escada abaixo, engolindo todos os degraus de madeira escura e solta, porque era para o depósito que ele se dirigia, no que um buraco se abriu e ele caiu dentro dos degraus. E caía, caía e caía até saber que não havia um chão seguro aonde chegar. — Não!!! — gritou e o buraco fechou.
Sean voltou aos degraus, descendo outra vez para o depósito, porque lá, só os escombros que provocara. Afastou uma pedra e outra com dificuldades, sentindo o coração na glote, com medo de não saber mais lidar com tudo aquilo.
Encontrou Tahira andando à sua frente como em transe, se dirigindo para uma cama onde tubos de soro contendo uma seiva verde se projetavam ali.
“Tahira... Tahira... El Tahira...”.
— Não Tahira!!! — gritava Sean, mas ela não ouvia. Tahira se inclinou e deitou na cama. — Não Tahira! Não faça... — e Sean parou no que o cheiro de urina ocre alertou cada sinapse nervosa, que comunicou a Sean Queise que um animal estava atrás dele.
Sean escorregou um olhar e a fera lhe encarava; uma leoa com a pelagem vermelho-amarelada, e com toda sua pelagem em chamas, usando máscara de íbis que virava rabiscos, levando ambos a uma areia quente e verde, que aquecia os pés de Sean Queise que se viu num Egito antigo, em meio a homens que corriam para todos os lados quando a juba da leoa de pelagem vermelho-amarelada, varreu a areia esverdeada, e todo deserto foi envolto em uma tempestade de areia.
“Não!!!”, gritou Sean noutro mundo, só tendo tempo de se virar e se jogar sobre o piso do depósito e escapar daquela imagem.
Chegou em Tahira antes da agulha penetrar seu braço, e eles apareceram no banco do helicóptero ao lado de Najma para impacto do piloto que só ouviu os gritos dele.
— Voe!!! Voe!!! Voe!!! — no que o helicóptero levantou voo e todo asilo explodiu, desestabilizando o helicóptero.
— Não!!! — foi a vez de Najma gritar vendo tudo explodir, querendo se jogar do helicóptero, que conseguiu driblar a onda de choque e o piloto e eles três conseguiram se afastar das labaredas.
— Não! — e foi uma exclamação forte, decidida dele, que abraçou Najma chorando desesperada para o incêndio que tomou conta de tudo. — Sinto muito!
O helicóptero ganhou os céus de Abu Hamed, deixando para trás a destruição total, toda a história da família de Najma e Jablah Faãn quando Sean olhou Tahira lhe olhando.
“Foi você?”, perguntou.
Mas Sean teve medo de responder aquela pergunta.
Primeira catarata; Aswan, Egito.
24° 4’ 49.59” N e 32° 52’ 52.22” E.
06/06; 15h30min.
O Old Cataract Hotel, hoje pertencente ao Grupo Sofitel, teve seu primeiro anúncio na Gazeta Egípcia em 11 de dezembro de 1899.
Debruçado sobre uma colina de granito em frente à Ilha Elefantina, o hotel é uma maravilha egípcia à beira do Rio Nilo, 880 km ao sul do Cairo e 210 km ao sul de Luxor. Localizado no coração de Aswan, Sean não teve muita dificuldade para lá chegar. Difícil mesmo foi explicar durante a viagem, ou melhor, tentar não explicar as duas, o que lhes acontecera, o que acontecera ao asilo Faãn.
Sean entrou e acomodou Najma ainda em choque com tudo que acontecia, numa poltrona de tecido de zebra, numa sala do canto, e foi à recepção fazer o check-in dos três.
— Enigmático! — exclamou Tahira maravilhada com o lobby do hotel.
O lobby tinha um interessante jogo de colunas e arcos pintados de vermelho. Vermelho também era o estofamento dos móveis. Móveis e poltronas revestidos de veludo macio, onde a Dra. Najma aguardava cansada. Com três andares, ostentando 131 quartos de hóspedes com excelente design e transbordando passado por todos os lados, Tahira sentiu-se atravessada pela história local.
— Sabia que Agatha Christie escreveu ‘Morte no Nilo’ numa das suítes? E que o filme também foi rodado aqui? Também esteve aqui à rainha Victoria, princesa Diana, Jimmy Carter, Winston Churchill... — Tahira lia no prospecto.
Najma nem dava a mínima para ela.
— Parece mesmo que Khalida só fica em hotel do tipo cinco estrelas... — foi só o que disse de repente ao levantar-se e olhar o estranho formato da piscina, pela janela.
Tahira não entendeu. Mesmo porque as duas estavam se corroendo de ciúme uma da outra e uma controlava a outra, o tempo todo quando próximas dele.
Já Sean estava com problemas maiores, o hotel estava lotado e sua reserva era para um quarto só, composto por duas camas king size e ele rodou os olhos a quase fazê-los soltar da órbita a imaginar ‘quem dormiria com quem?’. Ele também ficou confuso para assinar Sr. McDilann, porque era o que constava nos passaportes falsos que o agente Michel Rougart entregara a ele. Já Tahira trazia o passaporte falso dela, Srta. Tahira McDilann, irmãzinha gêmea dele.
Sean só deu alguns passos e as encontrou no mesmo lugar:
— Irmã gêmea? ‘Jura’? — ele encarou Tahira que não moveu um único fio do cabelo ruivo, e Sean voltou à gerência tomando coragem para fazer um pedido ao gerente que só ergueu a sobrancelha.
— Desculpe Senhor; expliquei que... — e o gerente viu Sean esticar notas muito altas. — Para qual delas, Sr. Sean McDilann? — ele perguntou.
— Para minha irmã gêmea.
— Sim, Senhor.
Sean voltou ao lobby e elas haviam saído para o alpendre de muitas cadeiras e mesas de vime, e a exuberante vista dos coqueiros à beira do Rio Nilo quando Tahira o puxou pelo braço.
Aquilo alertou Najma que ficou a ver os dois sumirem.
— O que você quer? — Sean se viu perdido na bela paisagem.
— Falar-lhe! — o som das águas próximas era tão embalador quanto a surreal imagem do Nilo correndo ao lado do Old Cataract. Ela o viu com uma interrogação no rosto. — Por que me salvou?
— Por que não faria?
— São sempre respostas feitas de perguntas Sean yá habibi? — e ela viu Sean se virar para ir embora. — Não é só isso! — segurou-o.
Sean parou de andar vendo seu braço preso por ela, e todo seu corpo se tomou de pequenos choques elétricos.
— Prossiga...
Tahira viu Najma quase fazendo algo do tipo ‘leitura labial’. Talvez até estivesse, e Tahira mudou de lado e Najma a odiou.
— Há relatos de papiros que contam que sob o reinado do Faraó Tutmoses III, UFOs esféricos estiveram sobre o Egito, descritos como círculos de fogo, e que permaneceram sobre o céu por vários dias. Você se lembra, não? — Tahira provocou-o, mas Sean se lembrava de algo, não sabia o que. — Dizem as antiquíssimas lendas e tradições egípcias que o Amon Rá ou Deus Rá, para os ufólogos uma sutil alegoria para significar alienígenas, protegia a humanidade. Em outras palavras havia uma disputa pela posse da Terra já naqueles distantes tempos, uma disputa travada por um ser alienígena que desejava ser o ‘rei do mundo’.
— “Rei do mundo”? — Sean tentava localizar aquela informação.
— Sean yá habibi?
— Ãh? — ele arregalou os olhos.
— Está prestando atenção no que falo? Espero que esteja. Porque dizem que Imhotep, o grande arquiteto de Saqqara era um ascencionado, um iniciado, aquele que atingiu o nirvana, que controla suas energias, que já não precisa encarnar. Porém, algumas escolas iniciáticas os dividiram em dois tipos de ascencionado; os alienígenas que aqui não puderam encarnar e os alienígenas que se encontraram na Terra por várias encarnações, muitas vezes incompreendidos, queimados pela inquisição dos homens.
— Metempsicose... — Sean viu mulheres e seus corpos queimando.
Ele virou-se para o Rio Nilo e nele tentou se concentrar quando Tahira prosseguiu:
— Imhotep, o astrônomo, arquiteto, era chamado pelos gregos de esculápio, Hermes Trismegistus, ou o ‘três vezes grande’, e dizem que ao construir Saqqara ele trouxe benefícios não só materiais, mas espirituais, a toda sociedade egípcia porque conseguiu aumentar as vibrações, mostrando aos sacerdotes que existem outras dimensões e como se comunicar com elas — Tahira esperou Sean virar-se para ela. —, porque Imhotep criou ‘estradas’ eletromagnética, que facilitavam a movimentação de materiais que volitavam, porque Saqqara produzia energia taquiônica, a energia do pensamento.
— Está dizendo que usavam a energia taquiônica, kundalini, para mover os grandes blocos de pedra? Como Leedskalnin...
— Dizem...
— Quem ‘dizem’, Tahira?
— Os de fora. Os do outro mundo.
— Wow! Você é uma alienada.
— Jura? Porque o trem Maglev usa levitação eletromagnética e ninguém duvida — ela viu Sean a olhar de uma maneira inédita e ela prosseguiu em meio a toda incoerência. — Os egípcios, os do outro mundo, vieram com esse conhecimento. E quando construíram pirâmides em Gizé, fizeram uma avaliação de todos os pontos energéticos, os vórtices de energia da Terra e colocaram as pirâmides a 30 graus de latitude leste e a 19 graus de longitude Sul, pois essas coordenadas geram um campo vibratório gigantesco, sendo a maior hiperatividade do planeta. E quando a pirâmide ‘vibra’ ela gera energia taquiônica, a energia do pensamento que pode curar. Jesus Cristo usou-a para transformar a água em vinho.
— Deus... Que viagem... — e se foi rindo.
Mas Tahira pegou-o pelo braço novamente alertando Najma.
— Não estou ‘viajando’. O caduceu, o símbolo da Sociedade Médica, era a sua vara de poder. Imhotep a usava para medir a quantidade de energia vital que um ser humano processava no seu interior, e captava essa energia vital identificando onde existiam desequilíbrios celulares eletromagnéticos. Com isso, curava elevando a frequência vibratória da aura ou campo eletromagnético da pessoa. Imothep misturava a magia com a medicina; alquimia pura. Suas fórmulas e remédios estão cheios de rezas e encantamentos, pois ele acreditava que a medicina não curaria sem que recebesse poder através da energia da palavra. Seus textos e ensinamentos passaram secretamente de geração em geração durante milênios. São a base dos conhecimentos Gnóstico, Templário, Illuminati, Rosa Cruz e Maçom.
— E os gregos os chamavam de princípios herméticos... Restabelecendo os chakras... — Sean olhou o Rio Nilo. — A energia vital necessária aos órgãos afetados. E que os abrindo pode matá-los — olhou-a. — Está acontecendo algo de onze em onze anos, não Srta. Tahira? Encarnados que vem ao planeta Terra para concluir etapas.
— Minha família dizia que sim.
— Por isso eu recebi o pacote há onze anos. E como ele não foi entregue, tiveram que esperar mais onze anos... E Mona precisou me preparar...
— Do que está se lembrando?
— Não sei. “Hidashar Hidashar”; e Samira viu a hora quando entrou na pirâmide, onze horas e onze minutos... — e foi a vez dele afastar Tahira mais longe ainda da vista de Najma que foi atrás deles. — Oscar havia mandado seu agente para Saqqara. Sabe por quê?
— Não faço ideia.
— Mas ela sabia...
— Quem sabia Sean yá habibi?
— Mona amiga... — Sean viu a grande mulher sentada em meio a almofadas de veludo. — Ela disse que havia uma capela falsa para dissimular um dos acessos ao complexo subterrâneo... — e parou de falar a encarando. — Preciso de um favor seu.
— Que tipo de favor?
— Preciso conseguir fazer uma viagem astral para... — e parou de falar quando Najma se colocou ao lado deles.
— Precisamos tomar um banho e nos deitar. Estamos cansados, Sean Khalida.
Sean olhou as duas se odiando.
— Claro! Estamos cansados — e não voltou a falar nada.
Elas também nada falaram.
Os três se encaminharam para dentro do hotel e suas colunas pintadas; e paredes que os remetiam ao tempo dos faraós.
— Sabe que os egípcios tinham uma visão rica em relação as suas deidades, Sean yá habibi? — Tahira olhava em volta toda aquela decoração exuberante.
— Sei? — Sean percebeu que Najma começou a respirar mais pesado com o ‘yá habibi’ no final da frase de Tahira.
E Tahira parecia saber aquilo.
— Há no Templo de Hathor, em Dendera, entre as muitas descobertas, figuras de estranhas criaturas humanoides reptilianas; alienígenas, suponho. Alguns com corpos de macaco, alguns com cabeça de macaco, ao lado de faraós e homens com cabeça de pássaro.
— “Cabeça de pássaro”? — e Sean sentiu que pisava areia.
“Sean... Sean... El Sean...”.
Ele olhou para Tahira, para Najma e elas subiam degraus limpos e decorados. Mas Sean estava num grande deserto, quente, com cinco carros em alta velocidade vindo em sua direção. Ele voltou a olhar para os lados e elas haviam sumido, e haviam sumido porque Sean estava sentado ao volante, olhando pelo retrovisor para um pássaro metálico que sobrevoava o deserto, no que emitiu uma luz vermelha que saiu de seus olhos, e o Jeep anos 70 explodiu.
— Ahhh!!! — e Sean foi ao chão, caindo três degraus até que elas conseguissem o alcançar.
— Sean yá habibi?! — gritou Tahira.
— Sean Khalida?! — gritou Najma.
Mas Sean esticou a mão para a primeira imagem borrada que viu à sua frente, Tahira, e Najma dessa vez não pareceu querer ficar tão complacente quanto se mantinha, e a empurrou longe, fazendo Tahira descer dois degraus.
— Está louca ou o que?! — Tahira se viu quase de ponta-cabeça.
E Sean não pôde nem ter tempo de entender algo porque Tahira saltou de onde estava para cima de Najma, que menor em tamanho, tombou para trás, para cima dele.
— Ahhh!!! — gritou Najma.
— Hei?! — gritou Sean olhando Tahira se preparando para atacar Najma outra vez. — Basta as duas! Que coisa mais ridícula!
— “Ridícula”? Jura? Porque não fui eu quem começou.
— Vê-se logo que ela quer é nos distanciar do que viemos fazer aqui Sean Khalida — disparou Najma.
— Ah! É Doutorazinha? E o que viemos fazer aqui? — Tahira deu um passo e Sean a puxou para trás não gostando do que ele fez, de fazer aquilo duas vezes.
Mas Sean não havia, era deixado Tahira se machucar porque leu os pensamentos poluídos de Najma como num apertar de botão. E havia algo grande e misterioso ali.
Tahira, magoada, se virou e começou a descer os degraus.
— Volte aqui! — e Sean desceu atrás dele, pegando-a pelo braço também.
— Maa tilmisnii! Não toca em mim! — Tahira se enchia de ódio descendo a escada.
— O que pensa que está fazendo?
— Utrukiinii! Deixa-me sozinha!
— Volte! Agora! — Sean apontou para cima onde Najma parecia lhe olhar com um ar de vitória.
— Você é cego? Jura? — e Tahira subiu a passos pesados e alcançou o segundo andar onde ficava o quarto deles.
Sean percebeu ali que Tahira gostava dele. Talvez até já tivesse gostando dele muito tempo antes. Sentiu-se vazio quando Najma não perdeu tempo pela confusão e o abraçou tomando posse.
Tahira ainda pôde os ver antes de entrar.
— Precisamos descansar — e Sean tirou as mãos de Najma que o abraçava.
Havia duas camas enormes, com tendas de sedas coloridas enfeitando a grande suíte, que tinha uma ampla e ensolarada antessala ricamente mobiliada com mobiliário clássico. As malas vieram depois da confusão da escada.
Sean deu uma gorjeta ao jovem carregador trajando quepe e jaleco, e pegou o jornal local percebendo que outra vez a Poliu intervira na mídia, e nada sobre a explosão do asilo Faãn chegou aos jornais.
Um banheiro de granito bege era todo adornado de torneiras douradas, e Tahira já foi adentrando e preparando água morna na grande banheira. Ela voltou ao quarto e começou a desmanchar a mochila quando Sean a segurou pelo braço pela quarta vez.
— Desça com o carregador — ele viu Tahira olhar o jovem ainda parado ali. —, fiz check-in para você noutra suíte.
Tahira agora tinha um olhar tão odioso que aquilo atravessou todas as barreiras de Sean. Ele sentiu que ela o odiara naquele momento e que ele a amara por aquilo. Ela pegou a mochila e parou na porta ainda de costas para ele e Najma, que ela sabia, se alegrava em vê-la saindo dali, do ninho de amor.
— Parece que todo aquele sexo na sacada de Abu Simbel não foi o que eu achava, não? — e saiu. Mas a gargalhada de Sean foi tão notável que Tahira voltou do corredor. — Do que está rindo?
— Rindo do seu jeito ridículo de ser, de rir, de se vestir Srta. Tahira — olhou-a de cima a baixo.
E foi uma Tahira tomada por algo que Sean não devia ter disparado que adentrou novamente o ninho deles.
— Jura? Então meu ‘jeito ridículo de ser’ lhe provoca risadas? — chegou tão perto que Sean teve vontade de parar o que fazia e atacar os lábios vermelhos que quase grudaram aos dele. — Aliás, Sean Queise, meu jeito nunca foi empecilho para você aceitar todas as minhas exigências sexuais.
Sean gargalhou mais debochadamente ainda jogando a cabeça para trás.
— Wow! “Exigências sexuais”? — Sean virou-se para Najma que o olhava espantada. — Não vai acreditar nela, vai? — apontou para Tahira.
— Não vou Sean Khalida?
— Ela é louca Najma! Nunca tive nada com ela. Ficou se esfregando em mim no alpendre agora a pouco, não viu? — gargalhava com gosto.
— Me esfregando?! — gritou Tahira um grito abafado.
— Ah! Qual é Najma? Eu nunca tive nada com ela...
Mas Najma também não estava gostando daquela situação.
— Como pode saber? Está com amnésia — retrucou a Doutora já começando a ficar incomodada por ter entregado seus sentimentos a um homem estranho.
— Porque eu posso saber!
— Então não foi ela quem você viu nua na jacuzzi?
O jovem carregador começou a gostar do trio ali.
— Não sei do que você...
— Não é ela que lhe veio a mente quando seu sexo rígido entrou em mim?
— Sexo rígido? Jura? — Tahira gostou e não gostou daquilo.
Sean arregalou os olhos azuis para Najma e Tahira ao mesmo tempo.
— Está louca Doutora? Não fizemos... — e se virou para a jornalista. — Não tive nada com ela!
— Tivemos! — exclamava Najma.
— Não tivemos! — Sean ainda encarava Tahira.
— Também tivemos Doutorazinha... Íntimos até não poder mais na jacuzzi com vinho Chardonnay.
Sean agora arregalou os olhos. Porque não era ela quem ele havia visto, era Kelly Garcia, que seu pai colocava a mão no ombro.
— Idiota! — exclamou ele para Tahira.
— Talvez... — Tahira voltou a ficar tão próxima dele outra vez que Sean nem respirava mais. — Talvez eu seja isso mesmo, uma idiota por te amar tanto — e a ruiva e bela jornalista saiu, sem saber que ela realmente mexia com os instintos dele, que descongelaram em algum momento ali.
Sean então olhou o jovem carregador ainda animado.
— Já viu tudo?
E o jovem carregador correu atrás de Tahira como mandado anteriormente.
“Droga!”
Sean só esperou ouvir a porta do banheiro com Najma dentro ser trancada e se dirigindo à suíte de Tahira. Adentrou no banheiro da suíte dela fazendo Tahira gritar, já enrolada num rico roupão branco.
— Por que o susto? Não éramos “íntimos até não poder mais”?
— Você é um idiota!
Sean gargalhou.
— Quero saber o que Oscar pretendia mandando-nos aqui? — foi seco e direto.
— Parece que não entende nada sobre o Sr. Roldman, não?
— O que ele queria?! — gritou.
— Não grite comigo Sean Queise! Já disse que não sei! Pensei que íamos ver alguém — ela estava tão brava com ele que sua presença ali a enervava.
Sean se encostou ao batente da porta e ficou a observando.
— Sabe por que falo árabe Srta. Tahira?
Tahira arregalou os olhos.
— Como é que é?
— Sabe! Porque esta informação, como outras, estão naquela pasta cor de vinho que Mona fez com letras que não podem ser lidas — e Sean viu Tahira o encarar ainda escondida no roupão do hotel que pela primeira vez há deixava um pouco mais normal. — Mas você conseguiu ler, não foi?
— Não sei do que está falando Sean Queise. Porque a única que sei de extraordinário sobre você, era através de você, nos encontros ufológicos.
— Mentira! Estava indo a Portugal, investigar-me na Poliu onde Dolores me inseriu.
— Inserido? Isso Sean Queise... Sean Queise... — Tahira riu. — Porque você nem pode imaginar no que estava inserido.
Sean sentiu o coração acelerar.
— E no que eu estava inserido?
— Jura? Porque você disse num desses congressos, que havia participado de algo, e mesmo que o tenha feito sem saber, se arrependia de ter feito algo para a Poliu.
— Arrependido? Eu? Nunca me arrependo de nada — Sean balançou o pescoço nervoso. — Do que me arrependi?
Tahira demorou a responder. Depois sentiu a temperatura da água e largou o roupão no chão fazendo Sean impactar com as nádegas sexy dela que afundaram nos sais perfumados.
— Disse que havia grandes conspirações feitas por uma Poliu mais antiga, na Núbia, hoje Sudão. E que você tinha provas disso numa pasta cor de vinho, que iria tornar-se pública em breve, para seu desespero e da Computer Co.; provável de seus pais também.
— “Tornar-se pública”? — Sean sentiu-se tonto. — Deus... Quem ia expor ao público a pasta cor de vinho? Eu ou a Poliu?
— Não sei. Imaginei que era outra pessoa já que isso prejudicaria você e sua empresa, a Computer Co..
— Por que imaginou isso?
— Porque você estava extremante nervoso com a ideia da pasta cor de vinho ir a público, já disse. Por Allah... Falo uma língua que desconheça?
Sean não gostou da ironia.
— Eu disse quando isso ia acontecer?
— Disse que aconteceria quando o pacote chegasse, no seu vigésimo terceiro aniversário.
— Deus... Então eu sabia sobre o pacote? — Sean se sentiu tão impactado que dessa vez precisou se apoiar na parede. — Mas Kelly foi... Kelly saberia se eu tivesse dito isso em algum congresso.
— Kelly não ia a todos os congressos Sean Queise. Porque você escondia dela muita coisa.
— Não... Não... Eu nunca teria dito isso.
— Como pode se lembrar?
— Eu posso!
— Como?
— Não interessa como. Porque posso voltar ao congresso e saber o que falei.
— Então volte! — o desafiava.
— Ajude-me!
— Como?
— Preciso trazer a Computer Co. de onze anos atrás até aqui.
— Como?
— Como não é importante. Preciso que você vigie meu corpo enquanto faço essa viagem.
— Mas você não vai viajar exatamente, vai?
— Mais que isso. Vou trazer o garoto Sean Queise de catorze anos até aqui e vou ficar no lugar dele, na mansão dos Queise.
— Vai o quê? — e um par de seios explodiu na banheira.
— Não faça isso de novo Senhorita. Vai estragar todo meu equilíbrio.
— Idiota... — foi a vez dela.
Sean riu e só teve tempo de se virar para não vê-la nua, no sair da banheira. Tahira o amou por aquilo e Sean foi para o quarto. Ela apareceu vestindo um roupão démodé, e com os cabelos vermelhos semiúmidos, o vendo sentado no sofá, apreciando toda dela.
— Como vai fazer essa troca? — insistiu.
— Não tenho a mínima ideia, mas troquei meu eu duplo pelo eu original, quando abri a valise. Então sei que preciso trazer o garoto Sean e o robô que ele ‘treinava’ para ser um Queise.
— E por que não pode simplesmente voltar a onze anos atrás?
— Porque você precisa me contar o que ele faz, o que ele vê, e como conseguiu descobrir que havia recebido um pacote que não lhe foi entregue. E não sei levá-la lá por tanto tempo e acabarmos no... no limbo.
Tahira sabia que tinha mais, mas não discutiu. Tudo aquilo que Sean fazia ou dizia fazer ela só havia ouvido falar, nunca ninguém fizera até então, até Miro Capazze não tinha aqueles dons; porque Miro só conseguia voltar ao Egito alienígena sob o efeito do Fator Shee-akhan, que ele, o último de sua linhagem, dominava.
— Então vamos lá? — prendeu o cabelo e o encarou.
— Não! Não agora! Vou ter que voltar e acalmar Najma.
— Jura? E por que você precisa fazer isso Sean Queise?
Sean só sorriu e se levantou. Depois parou na porta e se virou para ela; seios voluptuosos, coxas roliças, largos quadris no roupão que mais lembrava o da sua vó Adelaide.
E eram quadris que não passavam despercebidos por ele nunca.
— Você dança?
— Quê? — a pergunta foi tão despropositada que Tahira nada respondeu e a porta se abriu e se fechou após a passagem dele, sem que a tocasse.
Old Cataract Hotel; Aswan, Egito.
06/06; 23h00min.
O travesseiro de Tahira abaixou alguns centímetros e ela arregalou os olhos, se virando. Não havia ninguém ali, mas o cheiro dele exalava por todo o quarto.
Ela se levantou nervosa após dormir nua na cama macia, e chegou a sala usando um robe de um tom azul tão berrante que Sean piscou pela ardência.
— Wow! Suas roupas conseguem me surpreender cada vez mais.
Tahira o viu sentado, com uma calça de moletom, um tênis e uma camiseta básica para lá de agarrada.
— Você também me surpreende Sean yá habibi. Gosta de mostrar o tanquinho?
Ele se olhou e riu:
— A camiseta foi presente de Najma. Ela ainda acha que sou mais magro que sou na verdade — riu com gosto.
Mas Tahira não achou graça, se virou para o quarto e Sean estava na frente dela.
— Ahhh! Não faça isso de novo! — ela o viu sorrir outra vez, e era um sorriso cínico. — Você estava no meu quarto agora pouco?
Sean olhou para a porta onde ‘aparecera’.
— Não! Por quê?
— Nada... — empurrou-o sem ver dessa vez o sorriso cínico que ele dera. — E pode esperar do lado de fora?
Ele fechou a porta sem responder. Não que ele não quisesse ter ficado lá olhando ela vestir novamente aquela horrorosa camisola de tecido acolchoado e bordado que realmente mais lembrava os da sua vó Adelaide, que ele passou a lembrar-se bem.
Nada comentou, porém e ela voltou à sala.
— Preciso me deitar na sua cama e você fica aqui na sala, filmando trazer-me.
— Jura?
Sean não respondeu àquela ironia.
— Vou me concentrar e me bilocar. Preciso que tranque portas e janelas e não atenda nada nem ninguém. Por favor, não se assuste quando eu mesclar a sala daqui ao meu quarto na mansão. Não sei mesmo como vou conseguir entrar lá novamente, porque depois da morte de Sandy… — e parou de falar. — No entanto, acredito que por ela ainda não ter se matado, não haja energias gravitantes do seu suicídio lá. E não se assuste com o jovem Sean Queise de catorze anos, ele não era uma criança fácil.
— Jura? — foi só o que ela disse.
25
Mansão dos Queise; São Paulo, capital.
23° 34’ 12” S e 46° 40’ 20” W.
11/11; 23h00min - 11 anos atrás.
Foi apenas dez dias depois da tragédia que quase levou a Computer Co. à falência que o jovem Sean Queise recebeu aquele brinquedinho, o robô que havia sido trazido do Sudão, antiga Núbia, e mais precisamente de Nabta Playa.
Fernando Queise por duas vezes pensou em jogar aquele pacote fora, mas Sean estava ali, disponível, se tornando inteligente, se tornando um Queise.
Uma pancada se fez na porta do quarto dele.
— Entre! — exclamou um garoto alto para a idade dele, olhos azuis que se escondiam nos cabelos loiros e lisos, e um corpo que começava a mostrar modificação depois de horas de academia de luta Muay Thai e defesas Krav maga.
— Achei que já tinha ido dormir filho.
O jovem Sean Queise abaixou o som de ‘The Prodigy!’.
— Não estou com sono pai — o jovem Sean de catorze anos olhou para o corpo de Fernando Queise, que ficava transparente até ver que seu pai escondia algo atrás dele. — O que tem para mim?
Fernando alisou o bigode e sorriu.
— Só vim mostrar — entrou no quarto claro, de tons marrom e azul, com muitos vídeos games e um grande fliperama ocupando quase toda parede lotada de pôsteres dos seis ‘Friends!’ e da bela Pamela Anderson de ‘Baywatch!’.
Parecia até então, um garoto normal com a cama desarrumada e a cadeira lotada de roupas, próxima a janela que estava aberta, mostrando a Lua cheia de uma primavera quente.
— Nós a conhecemos?
— Como é que é?
— A mulher morena que mandou o robô — apontou. — Nós a conhecemos?
Fernando impactou.
— Ah! Não! Ela é amiga de...
— Ah! Daquele cara grandão que não gosta de mim.
— Chega Sean! Trevellis é meu amigo de escola.
O jovem Sean Queise de catorze anos não respondeu. Sabia que não devia se meter nos negócios da família, que sua mãe ficava furiosa quando ele fazia perguntas demais.
— Posso ver? — foi o que disse.
— Trouxe para você ver, não?
O jovem Sean Queise olhou Fernando de uma maneira que ele não gostou de ser olhado.
— Obrigado... — pegou o pacote e abriu-o sentindo algo ali, uma energia que lhe tomou todo o corpo numa rigidez.
— Você está bem Sean?
— Estou... — o jovem Sean Queise olhou em volta confuso. — Posso saber o que é isso?
— Um robô que a Computer Co. estava desenvolvendo.
— E por que ele tem areia?
— Um robô arqueológico.
— O que provocou os jornais me seguirem na escola?
Fernando sabia que ele sabia algo; o quê, não sabia.
— Ele sofreu uma pane no sistema, e não anunciou a rachadura na parede que causou o desabamento de uma pirâmide, que matou três arqueólogos no Sudão.
— Wow... Estamos encrencados? É por isso que a mamãe está nervosa?
— Sua mãe está nervosa?
O jovem Sean Queise percebeu que falara demais. Que ela sempre voltava feliz das viagens de férias pela Europa, mas que pela primeira vez, haviam viajado a Londres, fora das férias escolares dele, e ela voltara nervosa.
— Posso mexer nele?
— Perdemos o sistema Sean, não tem como consertá-lo. Vamos mandar para a linha de garbage e destruí-lo.
O jovem Sean Queise olhou o robô lhe olhando, sabendo que havia algo muito errado ali.
— Posso...
— Não Sean. Só trouxe para mostrá-lo.
— Ok! Devolvo amanhã.
Fernando olhou o quarto bagunçado de um garoto de catorze anos e sorriu.
— O sistema de laser foi danificado pela areia, e há componentes que derreteram pelo calor de 48 graus. No demais, é só ‘garbage’.
— Ok! Devolvo amanhã — repetiu.
Fernando não sabia se havia feito a coisa certa, mas Mona Foad avisara ainda pelo telefone que se ele não desse o pacote a Sean, o pacote voltaria onze anos depois, e onze anos depois, e onze anos depois, e voltaria para um Sean cada vez mais doente, fraco e triste, porque o futuro de Sean era nublado. E Fernando tinha medo daquela mulher, uma mulher vidente ou qualquer coisa assim que se importava demais com seu filho. E Fernando tinha realmente medo daqueles poderes, daquele tipo de poderes iguais de Oscar Roldman, iguais de seu filho.
Mas Mr. Trevellis tinha Mona Foad em tão alta estima, que Fernando se via numa eterna baixa de guarda. Não era diferente naquele momento, e ele fizera o que Mona Foad mandara.
— Amanhã de manhã o robô vai para Portugal; ok?
— Por que Portugal?
— Porque Barricas vai finalizar o sistema e faremos outras linhas de robôs.
— Massa...
E Fernando saiu.
O jovem Sean Queise de catorze anos sentiu todo seu corpo amolecer depois de toda tensão, tentando não demonstrar nada para seu pai. Porque também não sabia o que lhe fizera ficar tenso, mas havia algo ali, nos olhos do robô. O volume voltou a subir no aparelho de som e ele o olhou, o volume de ‘The Prodigy!’ que aumentou estremecendo todo quarto. O jovem Sean Queise então se virou e a gaveta lotada de ferramentas se abriu, mostrando um quarto que mais parecia uma oficina mecânica, e Sean abriu a traseira do robô que mais parecia um carrinho com cabeça e esteiras no lugar dos pés, retirando de dentro a placa derretida.
“Droga!”, percebeu que estava mesmo derretida.
Foi até a estante lotada de livros de filosofia e física, e pegou um maçarico ali escondido, e arrumou a lente de aumento começando a corrigir alguns setores da placa quando algo soou ali perto.
“Sean... Sean... El Sean...”.
O jovem Sean Queise de catorze anos se arrepiou todo e ordenou o som que abaixasse com um pensar. O som abaixou e ele virou-se para o quarto agora a meia-luz e em silêncio absoluto, e nada viu. Balançou a cabeça e voltou à placa quando sentiu que havia alguém ali.
— Quantos anos você tem? — o jovem Sean Queise de catorze anos nem tirou os olhos da placa onde trabalhava e o velho Sean Queise impactou.
Ele não poderia tê-lo visto ali, ele era só uma projeção do Sean Queise que ficara no Egito.
— Vinte e seis... — e o som mal saiu da sua boca.
O jovem Sean Queise teve medo de se virar, mas encarou aquilo. Mesmo porque vinha tendo visões para lá de estranhas já muito tempo.
— Wow! Como você é parecido comigo.
O velho Sean Queise ficou impactado duas vezes, olhava uma fotografia sua viva.
— Ah! Achei que eu...
— Que você havia se modificado?
— Não... Não pode estar me vendo. Não me lembro de já ter me visto mais velho.
— Entendo... — e o jovem Sean Queise voltou à placa do sistema corrompido. — Então acha que não podemos fazer isso?
— Isso o que?
— Voltar no tempo.
E o velho Sean Queise olhou em volta, para a bagunça, os pôsteres na parede, o fliperama.
— Não podíamos estar tendo essa conversa...
— E o que você quer comigo? — e o jovem Sean Queise se virou para ele. — Ou com você? — riu.
— O robô! — apontou. — Samira Foad Strauss nos mandou.
— Foi a arqueóloga morena quem me mandou o pacote?
— Como sabe que ela... — e o velho Sean Queise impactou mais uma vez. — Não sabia que havia recebido o pacote? Fernando havia mandando de volta... — e parou de falar.
— Que pacote foi mandado de volta? Papai me disse que ele chegou hoje de manhã.
E o velho Sean Queise realmente não estava entendendo. Só sabia que não podia falar nada, modificar nada, nenhum pensamento.
— Fernando... Nosso pai disse que o sistema estava corrompido, mas sei que o robô viu algo. Algo que preciso saber o que é antes que Barricas o destrua.
— Massa! Papai cogitou isso agora a pouco.
E o velho Sean Queise sentiu-se mal por ter brigado tanto com seu pai, porque parecia que ele fora um pai bom.
— Consegue algo com o robô?
— Você não consegue?
E o velho Sean Queise ergueu a mão em direção ao robô sem sair do lugar.
— Não! Não há energias gravitantes saindo dele. E nem sei se Barricas chegou a reaproveitar o material com que foi feito, depois que o desmontou, então... Então o que posso conseguir dele, é o que está em suas mãos — apontou novamente.
— Wow! Isso é massa, não? Além de conversar com mortos converso comigo mesmo do futuro — e o jovem Sean Queise riu. —, apesar de você parecer um tanto desbotado.
— É porque estou bilocado; sou uma projeção.
— Deveria entender o que falou?
Ambos riram.
— Não pode falar isso a ninguém.
— E para quem acha que vou conseguir falar?
Ambos riram outra vez, sabendo que não tinham amigos, que no final das contas eles se afastaram dele por aquilo mesmo, por ele ser um esquisito.
O velho Sean Queise olhou em volta novamente, e teve saudades daquele quarto, daquela vida, do amor de seus pais e uma Sandy Monroe transloucada entrou no quarto e acionou o gatilho.
— Ahhh!!! — Sean gritou na cama de Tahira, com ela em choque ao lado dele.
— Não grite Sean... Não grite ou a gerência vem até aqui.
— Não! Não! Não! — olhou-a suando muito. — Ela se matou! A desgraçada se matou.
— Quem? De quem está falando, Sean yá habibi?
— Sandy... Ela entrou no quarto e se matou.
— Ah! Sinto muito. Você perdeu a conexão?
— Você... — olhou um lado. — Você... — olhou outro lado. — O que você fazia aqui?
— Você disse que ia trazer o quarto até a sala, mas não eu não vi nada. Entrei aqui e você estava quieto, com seu corpo imóvel.
— Eu não... Não sei... — olhou-a em choque. — Eu conversei com ele.
— Com o garoto?
— Sim...
— Com você com catorze anos?
— Sim! Sim! Já não disse?
— E você podia?
— Não sei... Não sei... Deus... Então eu recebi o pacote?
— Como assim recebeu?
— Não era um papiro. Foi o robô da Computer Co. que eu recebi onze anos atrás — caiu na cama em choque. — Mas por que Oscar disse a Kelly que eu não havia recebido o pacote? Que meu pai não o enviou. E por que Mona mandou de novo o mesmo pacote, e agora com um papiro que... Deus... — e parou. — O papiro que eu recebi não foi o mesmo papiro que Samira tirou do esquife? Será que meu papiro nunca foi egípcio, não na concepção da palavra? Será que era o mesmo tipo de papel alquímico que Mona confeccionou para a pasta cor de vinho, onde Wlaster obrigou a Poliu a divulgar coisas sobre os Queise, os Roldman e os Trevellis, para desestabilizar Trevellis pessoalmente? Um papel que permite ler-se só o que quer que se leia, o que quer que Mona escreva?
Tahira demorou um pouco até digerir tanta pergunta, mas viu Sean suando muito.
— Vou buscar água — e pegou água para ele.
— Não! Posso vomitar se tomar algo…
— Vomitar? Vai voltar lá?
— Preciso saber se ele... Quero dizer, se eu consegui reestabelecer a comunicação com o sistema.
— Mas ele só tem catorze anos.
— Tahira, eu construí o banco de dados de Spartacus com quinze anos porque provável já treinava desde muito antes.
E uma forte pancada na porta do quarto se fez os alertando.
— Sean?! — gritava Najma. — Abra Sean!!! Sei que está aí!!!
— Deus... Se ela entrar, vamos perder a conexão — Sean olhou suas mãos tomadas de uma luz. — Veja! Ele... Eu estou me chamando...
— Você está o que?
— Abra Sean!!! Ou vou mandar derrubá-la!!! — ainda gritava uma Najma tomada pelo ciúme.
— Ela vai o que? — Tahira arregalou os olhos e dois homens derrubaram a porta da suíte dela quando Sean agarrou-a pelo braço e ela só teve tempo de gritar. — Ahhh!!! — e Tahira se viu dentro do quarto de um jovem alto, bonito, com catorze anos e olhos azuis, arregalados por ver-se ali mais velho, com alguém atrás dele.
— Wow! — o jovem Sean Queise de catorze anos deu um pulo da cadeira. — Quem... Quem é ela? — perguntou.
O velho Sean Queise tremia mais impactado do que nunca.
— Você está... Você está... Não posso falar.
— Ela é ruiva?
E Tahira escorregou os olhos verdes de detrás do velho Sean Queise para vê-lo.
— Jura que você já era tão alto assim?
O velho Sean Queise fez uma careta, mas o jovem Sean Queise quis responder àquela mulher bonita.
— Sim. Os médicos disseram que eu dei um ‘estirão’ e alcancei 1.70m; e espero mesmo que não pare por aqui — o jovem Sean Queise riu olhando o velho Sean Queise com no mínimo 1.80m. — Por isso mamãe me faz fazer Krav Maga e Muay Thai, num uso combinado de punhos, cotovelos, joelhos, canelas e pés — e deu um chute no ar para impressionar uma Tahira impressionada.
— Mamãe mandou fazer Krav maga porque nos quer na Polícia Mundial! — exclamou um velho Sean Queise furioso.
— Onde? — exclamou um jovem Sean Queise confuso.
E os dois Sean se olharam e desviaram olhares. E ambos sabiam mais do que diziam.
— O robô! — apontou o velho Sean Queise cada vez mais nervoso.
— Não sei — respondeu o jovem Sean Queise. — Parece que uma das entradas do sistema ótico está danificada — e se virou para ele próprio. — Sabia que o papai estava desenvolvendo isso? Porque isso... Meu... Está à frente do tempo.
— Fernando desenvolve coisa pior para a Poliu.
— Sean! — Tahira chamou-o a atenção.
Os dois Sean se olharam novamente e desviaram olhares.
— Por que ela está vestindo uma camisola igual da vó Adelaide?
— Prossiga!
E o jovem Sean Queise não gostou de levar bronca dele mesmo.
Suspirou nervoso e prosseguiu:
— Ok... Depois que você sumiu, eu desmontei a placa de circuito impresso; as resistências de 330 O, as resistências de 10K O, as resistências de 100 O e os diodos de silício 1N4007 — apontou para peças em cima da mesa.
— O cérebro do robô é o que chamamos de pequeno computador digital, que fica dentro de um circuito integrado. A este componente chamamos microcontrolador e constitui um dos avanços mais espetaculares da Microeletrônica moderna — completou o velho Sean Queise.
O jovem Sean Queise olhou Tahira antes de continuar a se debruçar sobre o circuito do robô.
— Ok! Então refazemos a conexão e a comunicação desse cérebro com as rodas... Assim como os sensores que emprega na detecção de obstáculos... — religava tudo. — E papai disse que ele teve um problema no seguimento de trajetória, e ele saiu da pirâmide fugindo de algo, para então se encher de areia.
— ‘Papai disse’?
— Sim. Daquela maneira que ele diz — ambos riram sabendo que ele lera os pensamentos de Fernando Queise. — E agora? — o jovem Sean Queise questionou ao velho Sean Queise.
— Os circuitos eletrônicos de interface, precisam se adaptar as características do elemento que envia a informação e ordens que recebe. Vai ter que... Droga! Ainda não existem computadores com essa precisão matemática.
— Mas você sabe fazer não? Contas? É o que dizem na Computer Co. sobre... — e o jovem Sean Queise escorregou um olhar para Tahira. —, sobre nós.
O velho Sean Queise o olhou não querendo ter olhado e sentou-se na cadeira após o jovem Sean Queise se levantar e dar-lhe o robô para trabalhar. E o velho Sean Queise sentou-se sem realmente ter entendido todo o significado daquela frase, do ‘é o que dizem na Computer Co. sobre nós’, porque só depois dos quinze anos a Computer Co. falaria aquilo.
Começou a trabalhar já que estava ali, teletransportado, conversando com ele mesmo onze anos atrás, remontando uma placa e circuitos integrados com o que tinha naquela época, ao lado de um jovem Sean Queise de catorze anos, encantado com o que se tornaria.
Ambos riram, porque ambos se comunicavam; ou como diria Mr. Trevellis, como até Deus duvidaria.
— Isso aqui são componentes passivos, fabricados com materiais isoladores que oferecem uma resistência determinada à passagem da corrente elétrica, que vem definida pela Lei de Ohm. Se aplicarmos o dobro de tensão, circulará o dobro de corrente. A função entre estes dois parâmetros fundamentais é linear... — e o velho Sean Queise apontou. —, é o que eu vinha desenvolvendo com Gyrimias quando... — e de repente o encarou impactado. — Não podia lhe dizer isso, não é?
— Acho que você não podia nem estar aqui Sean yá habibi, quanto mais ‘dizer isso’ — falou Tahira muito brava quando os olhos do robô acenderam e todo o quarto se tomou de raios vermelhos. — Ahhh!!! — gritou ela.
— Shhhiu! — disseram os dois.
Tahira olhou um e outro.
— Jura?
— E agora? — o jovem Sean Queise olhava imagens desfocadas e em curto, tomando conta do quarto.
— Droga! Precisamos resolver o problema de rastreamento linear da trajetória nos manipuladores robóticos, para garantir que o erro de rastreamento tenda assintoticamente para zero, em quaisquer condições iniciais, assumindo que o modelo dinâmico do manipulador seja conhecido pelos mainframes.
— Wow! — exclamou o jovem Sean Queise sem entender nada.
— Wow! — repetiu o velho Sean Queise vendo as imagens de Afrânio em pé, ao lado de Samira, ao lado de Clarice se fazendo nítidas, dentro do que parecia ser uma pirâmide.
— Quem são? — perguntou o jovem Sean Queise.
— Os três arqueólogos mortos — apontou o velho Sean Queise quando chiados se fizeram e se firmaram.
“Anote a hora, Samira!”
“Onze horas e onze minutos, Afrânio yá habibi”.
Soou ali no quarto de onze anos atrás.
— Droga! Achei que o robô só gravasse imagens.
— Não sabia que havia sons gravados, Sean yá habibi? — perguntou Tahira.
— Não...
Os três olharam em volta e a holografia mostrava um lugar circular e iluminado por onze lamparinas. Tahira se ergueu no pé para olhar dentro das lamparinas, já que todo o quarto fazia parte da holografia e o quarto estava dentro da pirâmide aberta por ‘Abracadabra!’.
— O que há dentro das lamparinas, Sean yá habibi?
— Não sei... — olhou-a dizendo ‘Shee-akhan’.
Ambos recuaram nos pensamentos e o jovem Sean Queise nada captou, ou acharam que nada captou quando as vozes dos arqueólogos voltaram ao áudio.
“Por que eles estão oferecendo a areia àquela esquisita figura de leoa?”
“Não sei Dra. Clarice. Talvez agradecendo a terra, alguma colheita bem farta”.
“Talvez oferecendo a “Terra”, Afrânio yá habibi”.
Voltou a soar quando Afrânio arrancou o lápis do coque de Clarice e se pôs a reproduzir no caderno de anotações um croqui do que via, na exata ordem de adorações.
— Deus... — apontou o velho Sean Queise para a leoa de pelagem vermelho-amarelada feito fogo, na parede da pirâmide. — Veja!
— Nunca vi deus algum assim no Egito — Tahira se fixou na figura da leoa com máscara de íbis.
“Nunca vi deus algum assim no Egito” soou a voz de Clarice.
Tahira olhou o velho Sean Queise e agora ele sabia que havia uma ligação entre elas duas.
Nada comentou.
“Veja Afrânio yá habibi! A areia que ofertam é verde”.
“A daqui também. Ela é mesmo esverdeada... e fedida”.
“Como pode ser uma areia esverdeada? Será que tem haver com aquela planta Shee-akhan?”
“Está deduzindo isso ou fazendo leituras das energias gravitantes dela, Samira ma chère?”
“Não estou fazendo nada Afrânio yá habibi. Não consigo sentir absolutamente nada vindo dessa coisa verde”.
— Wow! — foi a vez do velho Sean Queise voltar a exclamar. — Por isso não senti nada quando entrei na pirâmide de Nabta Playa, o Fator Shee-akhan não permite nenhuma leitura energética. E foi por isso que Afrânio e Samira morreram pelo CHE, porque levaram o Fator Shee-akhan para o laboratório de Corniche el-Nil antes de saber do que a planta era capaz, já que não foram preparados pela Escola do papiro... — e o velho Sean Queise parou outra vez para ver um jovem Sean Queise interessadíssimo em tudo o que via e ouvia, quando agarrou o braço de Tahira e ambos se teletransportaram para dentro do closet.
Tahira e o jovem Sean Queise nem tiveram tempo de entender a atitude do velho Sean Queise e uma bela jovem de seus vinte e oito anos, de cabelos negros, abria a porta do quarto dele.
— Oi... Posso entrar? — e era a jovem e bela Kelly Garcia ali na porta.
— Kelly... — soou da boca do velho Sean Queise e Tahira não gostou daquilo, escondida dentro do closet com ele.
— Desculpe-me... — prosseguiu ela para o jovem Sean Queise. — Sua mãe disse que o banheiro ficava no fim do corredor, mas há tantas portas aqui.
E o jovem Sean Queise nunca havia sentido aquilo por uma mulher, nada depois de Pamella Anderson, era claro.
— Você... Você quem é?
Ela entrou.
— Sou Kelly Garcia — esticou uma mão suave para ele. — Acabei de chegar da Espanha e vim ser... — e caiu no chão com o toque de mãos de Tahira no ombro dela.
— Deus... O que fez? — perguntou o jovem Sean Queise.
— Deus... O que fez? — perguntou o velho Sean Queise.
— Nada, Sean Queise — foi aos dois que ela respondeu. — Não podia deixá-la prosseguir.
— Kelly... Kelly... — o velho Sean Queise passava a mão no rosto dela, nos cabelos negros, nas mãos dela que acariciava, de uma Kelly caída no chão do quarto dele. — Kelly? Responda... — e a levantou no colo olhando um lado e outro no bagunçado quarto, quando viu o jovem Sean Queise o olhando. — Não tire conclusões precipitadas, ok?
— Ok... — e o jovem Sean Queise cortou a própria fala para afastar as muitas roupas jogadas em cima da cama, para ela deitar.
— Vamos ao que interessa? — a voz de Tahira já não era de boa vizinhança.
Mas o velho Sean Queise estava paralisado, hipnotizado pela jovem Kelly Garcia deitada na cama, de lábios vermelhos no batom usado que ele tocou com os dedos sentindo toda a umidade.
O jovem Sean Queise arregalou os olhos azuis e foi a vez dele:
— O robô! — apontou.
O velho Sean Queise engoliu aquilo sem querer ter engolido, pensando se não havia criado um grande e maciço paradoxo com ele jovem e ele velho, e ambos sabendo tudo o que ia acontecer. Porque ficou realmente tentado a avisar sobre o Jeep anos 70, a amnésia, e o ciúme da mulher na cama, mas relevou. Não se perdoaria se quebrasse algo quando a imagem do robô ligou e começou a se adiantar na gravação.
— O que está fazendo?! — gritou Tahira.
— Eu não fiz nada! — o velho Sean Queise arregalou os olhos. — Me viu tocar em algo?
— Você não...
E a imagem e o som se firmaram outra vez.
“O que um códice sumério fazia na baixa Núbia?”
“Não sei, mas o Enuma Elish diz: ‘Meu filho, levante-se de sua cama! Use sua sabedoria e crie um substituto para que os deuses possam deixar suas ferramentas!’”.
“Você não sabe do que está falando!”
“Por que acha que não, Joh Miller? Você está com medo de que seja ele? O garoto dos Queise?”
— Quem é o baixinho? — perguntou o jovem Sean Queise.
— Um agente da Poliu — respondeu o velho Sean Queise.
— A Poliu daquele grandão que me odeia?
— Ele te ama. Você é o filho homem que ele desejava ter tido.
Os dois se olharam e riram outra vez.
Tahira não entendeu nada.
— Ande logo Sean Queise! Não sabemos o que vamos encontrar no Old Cataract se demorarmos a voltarmos.
— ‘Old’ onde? — perguntou o jovem Queise.
E o velho Sean Queise e Tahira se fuzilaram.
Mas as imagens mostravam mais, o robô ainda estava ligado dentro da pirâmide.
— Veja o chão Sean yá habibi... A areia é realmente de um tom esverdeado. Tudo, até as paredes são esverdeadas.
— Veja melhor as paredes Tahira... Está na ordem correta; crânios alongados, mulheres de máscara mortuária egípcia e a leoa de pelagem vermelho-amarelada usando máscara de íbis.
— Isso é impossível! Minha família disse que as mulheres... — e ambos pararam outra vez ao ver o jovem Sean Queise de olhos arregalados para a imagem.
— Eu sabia desde os catorze anos sobre uma nova dinastia em Nabta Playa... — e o velho Sean Queise viu Tahira se virar para ele. — Por isso mudei Spartacus de órbita...
— Quem é Spartacus? — e o jovem Sean Queise os alertou. — O escravo grego dos livros de história?
E o velho Sean Queise previu os passos de um Fernando Queise próximo à porta do quarto, quando ele se jogou, agora fisicamente, para dentro do closet com Tahira tropeçando em toda aquela bagunça, carregando o robô e a luz do laser ainda acionada.
O jovem Sean Queise só teve tempo de arrastar o biombo de madeira com a força de pensamento para frente da porta do closet e seu pai entrou.
— Você viu aquela... — e Fernando parou ao ver Kelly Garcia deitada na cama dele.
— Não tire conclusões precipitadas, ok?
Fernando olhou um Sean de catorze anos.
— Ok...
— Ela estava procurando o banheiro e desmaiou.
— E você pensou em descer para nos chamar? — olhou-a de perto.
— Não... Quero dizer... Sim... Mas ainda...
Fernando só virou os olhos.
— Ainda nada. Ajude-me a tirá-la daqui — e a pegou no colo para ciúme de um velho Sean Queise dentro do closet.
— Jura... — sussurrou Tahira sem que Sean conseguisse falar algo.
— Mas onde vai levá-la? — perguntou um Sean jovem e tão enciumado quanto o outro. — Porque se a mamãe a ver no seu colo vai ter mais problemas que eu.
— Deixe de besteira! Ela veio da Espanha para ser sua first, Sean.
— E para que preciso de uma first?
— Para que sua mãe não me traga mais problemas.
E o velho Sean Queise sentiu aquilo como nunca. Ele era um problema trazido por sua mãe. Colocou o robô na prateleira ao lado e escorregou até o chão do quarto do Old Cataract, com a porta derrubada pelos homens ali mandados.
— Como... — Tahira olhou um lado e se viu de novo no Old Cataract. — Como... — Tahira olhou outro lado e viu Sean em choque, no chão do quarto chorando. — Sean yá habibi...
Ele então se levantou e a encarou.
— Vamos! — limpou o rosto. — Temos uma visita a fazer! — e Sean saiu pegando a carteira e uma chave de carro trazida antes da viagem.
26
Elefantina; Aswan, Egito.
24° 5’ 0” N e 32° 53’ 0” E.
07/06; 03h00min.
Elefantina é uma ilha no Rio Nilo, no sul do Egito, situada frente à cidade de Aswan. Encontra-se a cerca de 900 quilômetros a sul do Cairo e tem cerca de 1500 metros de comprimento, e 500 metros de largura. Em Qubbet el-Haua, localizam-se túmulos escavados na rocha de governantes locais da época do Império Antigo, XII dinastia onde destaca-se nilômetro, mencionado pelo grego Estrabão, que era uma forma de medir o nível do Nilo, e que consistia num conjunto de oitenta degraus que se acham na costa, junto ao rio, onde é possível observar marcações nas suas paredes que remontam ao período romano.
E o endereço que constava na agenda, escrito em amarelo, dizia que o ex-agente, Joh Miller, morava na área nobre da Ilha Elefantina, um bolsão de areia.
Sean e Tahira alugaram em frente ao hotel, apesar da hora adiantada, uma felucca, espécie de barco à vela que navegava pelo Rio Nilo, para poder atravessar de Aswan até a ilha. A ruiva jornalista vestia uma comportada caftan de veludo preto, com bordados dourados e renda negra nas mangas longas, e que ia até os tornozelos, a deixando lindíssima. Sean havia mandado a direção do hotel, trazer da boutique antes de toda confusão, e ela relutou muito até vesti-la, mesmo sabendo que havia ficado linda e que os olhos dele brilharam para ela pela primeira vez.
Ambos chegaram numa afastada casa de pedras, onde estacionaram o jipe alugado no cais, e dois homens se identificaram como agentes da Polícia Mundial, lá montando guarda.
Foram levados até uma sala ampla, de paredes cobertas por tapetes persas.
— Ah-la u sahla, Sean Queise — foi logo dizendo um homem calvo, baixinho, gordo, de pele amorenada e andar engraçado, que vestia uma yelek, uma túnica tão longa quanto a de Tahira. — Sou Joh Miller.
— Obrigado por nos receber apesar da hora, Joh Miller — agradeceu Sean apontando depois para Tahira. — Essa é a jornalista Tahira Bint Mohamed, ela está comigo.
— Ah-la u sahla, Srta. Tahira Mohamed.
Ela agradeceu com um movimento de cabeça e Sean viu que os onze anos que separavam o homem da holografia, do homem que os recebia, havia sido de muita cerveja na barriga.
— É bom ver que está vivo e inteiro Sean.
— Digo o mesmo Joh Miller — e Sean sentiu todo seu corpo se arrepiar no que as mãos foram tocadas no cumprimento.
Nada comentou.
— Por que o Sr. Roldman mandou-me vê-lo Joh Miller?
Joh Miller riu.
— Mas você viria mesmo ele não mandando, não é Sean Queise? Porque sabe de algo que Oscar não sabe — apontou duas cadeiras vazias numa sala ampla, mas não muito grande, com móveis regionais, uma rede e um ventilador ocidental extremamente colorido, virando no teto alto de luzes acesas por causa da madrugada escura. — Querem karkadé? Uma infusão à base de hibiscos secos.
— Adoraria — falou Tahira rapidamente no que Sean olhou-a irritado. — O quê? Não jantei, estou com fome — completou decidida.
— Heleme é minha cozinheira — apontou o ex-agente Joh Miller para uma grande mulher que adentrou a sala vestindo um penhoar por cima da grande camisola, após ser acordada com o movimento de carro. — Karkadé, Heleme. Jib khâbez — pediu infusão para depois pedir que trouxesse pão para Tahira, que comia tal qual esfomeada as frutas que estavam ali na mesa.
Sean desistiu de tentar fazê-la mudar de atitudes, achava que no fim de tudo, gostava era do jeito escandaloso e imprevisto dela.
— Agora podemos conversar? — Sean os interrompeu.
Joh Miller riu outra vez.
— Então deixe me apresentar melhor. Sou Joh Miller, ex-agente da Poliu aqui no Egito, antes do agente Wlaster Helge Doover roubar meu lugar — foi direto.
— Achei que fosse você o traíra da Poliu que colocava na rede, em listas de e-mails, segredos da corporação de inteligência?
Joh Miller riu, tenso, porém.
— Não como os segredos que Wlaster queria divulgar.
— Segredos sobre meus dons paranormais.
— Isso! Wlaster queria divulgar sobre seus siddhis.
— E por que queria falar pessoalmente comigo?
— Porque você mandou que fosse assim.
— Mandei? — Sean olhou Tahira. — Como assim ‘mandei’?
— Porque quando me contratou disse que só voltasse a falar com você quando descobrissem que você não estava morto.
Sean nunca havia sentido tanto medo quanto naquele momento. Sua ida ao passado havia criado algo.
— “Amor é um fogo que arde sem se ver; é ferida que dói, e não se sente; é um contentamento descontente; é dor que desatina sem doer”.
— Do que está falando Sean yá habibi?
— Luís Vaz de Camões, ele criou um paradoxo em seu poema — virou-se para uma Tahira sem entender nada. — Não vê? Eu sabia. Eu sempre soube.
— Sabia o que?
— Eu falei para Mona quando estive em Portugal, que nós dois havíamos recebido o pacote, porque eu realmente me vi onze anos atrás, no meu quarto, recebendo o robô. E provável sabia que ia lhe conhecer. Por isso estava tão nervoso no voo para Portugal, pedindo para você ir direto ao ponto.
— Mas... Mas...
— Não vê Tahira? O paradoxo existe porque o poeta não sente o que dói, mas se o amor é uma ferida que dói como pode ele não sentir? E porque naquela noite, eu rompi com o que os especialistas chamam de ‘Paradoxo do Deslocamento em Trânsito’, onde um viajante do tempo leva com ele seu próprio tempo, o presente do modo exato que estava no momento de sua viagem, o que não pode afetar nem provocar qualquer alteração na história, depois que volta ao ponto de partida.
— Mas algo deu errado...
— Sim Tahira. Porque o viajante pode sofrer efeitos dessa alteração quando voltar à sua matriz temporal, já que modificou algo.
— Por Allah, Sean yá habibi... E então o jovem Sean Queise modificou algo?
— Não sei... Não sei...
— Mas por que o jovem Sean Queise também não pôde ir ao futuro e ver que ia explodir em Nabta Playa?
E Sean olhou em volta sabendo que estava tudo errado.
— O terceiro Sean...
— Quem?
— Não sei ‘quem’ Tahira, mas algo me brecou de conseguir saber que um drone se aproximava do Jeep anos 70, e que ele ia me explodir no deserto, enquanto senti na Unicamp a aproximação do drone, e saí correndo salvando Dolores e os agentes da Poliu.
— Dolores Trevellis? — Joh Miller se animou.
— A conhece suponho.
— Conhecer? Sempre estivemos juntos divulgando coisas — Joh Miller riu.
— “Juntos”? Por que Dolores queria se vingar pela morte de Sandy, sua amiga?
— “Amiga”? Não! Mais que isso! Sandy era pupila de Dolores, que a preparou para conseguir informações privilegiadas na Computer Co., com você.
— Desgraçada! — Sean sentiu que tudo aquilo estava sendo derrubado sobre ele muito rápido. — E tudo porque ela queria o cargo do pai?
— Sim.
— Sanguezinho bom aquele.
Joh Miller se divertia.
— Mas Sandy falhou, se matou e Dolores Trevellis foi castigada pelos Misteres e Mistresses da Poliu sendo deslocada para ações secundárias, o que a fez começar a me procurar para se vingar da Poliu, já que Wlaster fazia seu trabalho de derrubar a corporação de inteligência, sozinho.
— Então você e Dolores começaram a divulgar coisas que Sandy conseguia comigo?
— Sim, como o seu conhecimento sobre uma dinastia alienígena em Nabta Playa.
— Droga! Ele prestava uma atenção e tanto — Sean olhou para Tahira e ela o olhou sem entender aquela frase. Porque ele falava dele mesmo. — Como consegui encontrá-lo Joh Miller? Kelly disse que você era um ‘arquivo morto’.
— Ah! Isso só você vai poder dizer, já que não me explicou como apareceu no meio dessa sala dizendo tudo o que poderia fazer para me destruir caso eu não ‘cooperasse’. E como eu não queria que a Poliu me descobrisse, aceitei os privilégios que Oscar Roldman me propunha, como os agentes da Polícia Mundial na minha porta, me protegendo — apontou para fora.
— Então falei a Oscar que lhe contratei?
— Acho que sim. Os agentes estão lá fora, não? — apontou novamente.
— Mas ele não me disse nada... — olhou o infinito. — Droga! Em que momento exato lhe contratei, Joh Miller?
— Quando você chegou a Portugal para visitar Mona Foad, disse que iria ao Sudão no dia seguinte, e que você ia a Nabta Playa conseguir entrar na pirâmide e sentir as energias que seu ‘eu mais velho’ não conseguiu, porque de onze em onze anos, o portal se abria.
— Droga! Droga! O que eu fiz?
— Não sei. Mas disse que ia provar algo a seu pai, fechando ‘custo o que custasse’ a concorrência com a Eschatology Inc., para reaver o nome da Computer Co. no ramo arqueológico.
— E para que lhe contratei afinal? — insistiu.
— Para descobrir o último elo — Joh Miller olhou Sean outra vez alertado. —, o elo que permitiria você provar que a Computer Co. não matou os três arqueólogos.
“E por que a Srta. Tahira é importante, Dolores?”
“Ela é o último elo com a entidade de mulheres que protegiam as mulheres faraós”.
Sean só escorregou um olhar para Tahira e nada disse.
— Prossiga! — olhou Joh Miller.
— E vou prosseguir Sean Queise, porque encontrei o portal da Esfinge; o último elo.
Tahira se engasgou até ser socorrida pelo tapa que Sean deu nas suas costas. Um grande tapa que fez ela o olhar assustada.
— Você está mentindo! — disse Sean a Joh Miller.
— Não! Não! — fechou a porta que dava acesso à escada que por sua vez dava acesso a outros aposentos, e trancou também a porta que dava acesso a cozinha. — Todos concordam que a Esfinge é uma relíquia de outro tempo, de uma cultura que possuía um conhecimento muito maior.
— Esfinge? Fala da esfinge de Gizé?
— Não exatamente. Há uma tradição ou teoria que diz que a Esfinge é uma biblioteca em pedra que contém a totalidade do conhecimento antigo, e se revela à pessoa que puder decifrar as formas, correlações e medidas das diferentes partes dela.
— “Decifra-me ou te devoro”!
— Sim, este é o famoso enigma da Esfinge.
— Mas a esfinge que vi, ficava na Núbia.
— E fica!
— Fica? Em Nabta Playa?
— Num grande número de monumentos escavados no delta do Egito, existe sempre um santuário contendo uma Esfinge com a cabeça humana, que dizem ser uma forma bem conhecida do deus Harmarchis.
— E Harmarchis é uma forma mesclada do antigo nome egípcio Hor-em-Akhet, o qual significa Horus-no-Horizonte ou Horus-Habitante-no-Horizonte. Já o nome Horakhti, significa Horus-do-Horizonte.
— Isso Srta. Tahira! — Joh gostou dela, de algo nela. Depois olhou Sean não gostando do que ele gostava. — O que nos leva a acreditar que uma Esfinge está no horizonte e outra Esfinge é do horizonte. E ambas as Esfinges são chamadas habitantes do horizonte.
— Duas Esfinges? — perguntou Sean confuso quando sons ecoados de uma leoa em ataque invadiram seu ouvido, para então um calor subir da pedra que revestia a casa de Miller. Pessoas esticavam as mãos enterradas no chão da sala, pediam socorro. Sean tentava raciocinar, sentindo-se saindo do corpo. Acordou com o toque de Tahira a olhando assustado. — Ahhh...
Ela percebeu que ele viajara para algum lugar. E esperava mesmo que não fosse para a cama de uma espanhola que acabara de chegar da Catalunha.
— O que houve Sean? Está vendo coisas? — mas foi Joh Miller quem perguntou.
Sean só o olhou.
— Prossiga...
Joh Miller o fez não gostando do tom usado por ele.
— Na estela, um monólito de granito de Thutmes IV encontrada entre as patas da Esfinge, podemos observar que Gizé é descrita como “o horizonte – Akhet – de Heliopolis no oeste”, ou seja, um reflexo no oeste do que os observadores em Heliopolis podem ter visto no seu horizonte, a leste, antes do amanhecer no solstício de verão. Então as Esfinges podem ser gêmeas; Horus-no-Horizonte e Horus-do-Horizonte.
— Porque a segunda Esfinge existe realmente e está enterrada em algum lugar do deserto de Nabta Playa esperando para ser descoberta?
— Ou ela é uma imagem holográfica do portal que se abre quando os alienígenas vêm aqui.
— Deus... A Poliu está à procura do portão interdimensional que as amigas de Mona vêm energizar — concluiu Sean. — É isso que Mark O’Connor da Eschatology Inc. queria da Computer Co. em Nabta Playa, encontrar o portal; e tudo vinha de uma Computer Co. portuguesa, onde Barricas destruiu o robô que criara para uma Poliu portuguesa, onde Mona, Samira, e Clarice trabalhavam, e onde você ia visitar alguém, não é Tahira? — a olhou.
Tahira parou o terceiro pão no ar. E falou tudo que tinha a falar.
— Minha mãe dizia que vestígios comprovavam que a atual cabeça da Esfinge de Gizé era muito pequena para o seu corpo, comprovando que ela deve ter sido esculpida em uma cabeça muito maior da que encontramos parcialmente enterrada.
— Sua mãe?
Tahira sorriu sabendo que mais cedo ou mais tarde Sean chegaria ali.
— Sim Sean yá habibi. Porque ela sabia que todas as esfinges encontradas no Egito tinham suas cabeças proporcionais ao corpo, só a esfinge de Gizé é pequena; o que prova que houve uma restauração talvez pelo faraó Quéfren que a reconstruiu sua imagem.
— E que imagem a esfinge de Gizé tinha antes, Srta. Tahira?
— Minha mãe achava que ela tinha a mesma imagem de sua esfinge gêmea na Núbia; a imagem de uma faraó-leoa — olhou Sean. — A esfinge que você viu sendo construída.
— Sekhmet?
— Sim.
— Mas então falamos de alienígenas felinos?
— Mesma família, compartilhando da mesma genética e DNA espiritual que nós, que viemos das Plêiades, bem como de Arcturos e Sirius. Porque esses alienígenas felinos já viveram em Marte e no meio de nós, aqui na Terra durante a Lemúria, a Atlântida e no período do Antigo Egito, adorados por vocês, incluindo Bast, Sekhmet e muitos outros na Núbia; seres altos, com cabelos vermelho-dourado e, normalmente, olhos castanhos ou verde-dourado.
— Wow! Srta. Garcia teria dito quanta sandice — riu e parou de rir na cara séria de Tahira.
— Os Felinos são seres poderosos, altamente evoluídos, amorosos, gentis e de natureza benevolente Sean.
— O leão que vi não tinha muita benevolência em sua genética, acredite Joh — Sean e se virou para Tahira. — Teria como sua mãe Clarice confirmar isso?
— Esperem... Esperem... — Joh Miller se ergueu apontando para uma Tahira escondida na caftan. — Você é filha de Clarice?
— Filha adotiva. Minha mãe me encontrou no deserto de Nabta Playa, andando a esmo após o acidente que matou meus pais. Afrânio e Samira haviam ido para o Cairo e ela conseguiu me tirar do Egito e me levar para Portugal após chantagear o seu agente — olhou Joh Miller.
— Clarice conseguiu chantagear Wlaster? Com o que?
— Não sei. Mas até hoje ele não nos incomoda.
— E onde ele não as incomoda Srta. Tahira? Lisboa, Portugal? Onde Clarice era agente da Poliu?
— Sim Sean yá habibi...
— Deus... Por isso Dolores estava naquele voo para Portugal. Ela realmente estava atrás de você... — ele viu Tahira cabisbaixa. — Que acidente foi esse?
— Não lembro. Toda minha memória para o acidente ficou comprometida. Mas ao contrário de você, eu sabia quem eu era. Contei a Clarice que minha família pertencia a escola do papiro, que cuidava a milênios de uma entidade de homens sem nome que vieram do céu à Terra, e que nos ensinaram tratados secretos como alquimia.
Sean não acreditou naquilo, não em tudo.
— Como Clarice conseguiu abrir aquela pirâmide usando ‘Abracadabra!’ Tahira?
— Abracadabra é uma palavra cabalística, usada como um encantamento ou uma magia, na crença de que tinha a virtude de curar certas enfermidades. Pode derivar de uma frase aramaica que significa ‘eu crio enquanto falo’.
— E está intimamente ligada ao número onze, feita em onze linhas, com uma letra a menos em cada linha, de cima para baixo, formando um triangulo até a palavra ir diminuindo, até sumirem de todo.
— Sim Sean yá habibi. Por isso ela abriu a pirâmide.
— Clarice lhe contou sobre Nabta Playa e o que encontraram lá? — foi Joh Miller quem perguntou.
— Não naquele momento. Mas anos depois.
— Exatos onze anos depois. Porque foi Clarice quem mandou o segundo pacote, não? — Sean a encarou e Tahira não sabia mais como sair das mentiras que guardavam seus segredos até então. — Mas por que você ia ao meu flat?
— Para ter certeza que seu pai não iria recusá-lo pela segunda vez.
— Mas meu pai está morto.
— Seu outro pai.
— Mas recebemos o robô, você estava lá.
— Mas não foi Samira quem enviou o robô. Samira enviou o pacote com o papiro encontrado em Nabta Playa, a mesma técnica que as Foad conhecem para fazer letras se escreverem nos papéis. Quando o pacote voltou, Mona não quis nada de Samira, então Clarice o fez; guardou-o por onze anos.
— E quem mandou o robô Tahira?
— Não sei! Por favor, acredite em mim. Eu fiquei tão perplexa quando você falou sobre o robô, e depois o vimos no seu quarto, com um Sean Queise mais jovem, o desmontando.
— Deus... O que está havendo aqui? — Sean se levantou nervoso.
— Não sei Sean yá habibi. Juro! Não sei!
— Prossiga! — Sean deu a ordem a Joh Miller.
— Não há nada mais. Só dizer que as duas esfinges estiveram lá no deserto antes mesmo do povo egípcio aparecer. E que a gêmea de Gizé, é o portal que trás alienígenas à Terra.
— Então o portal é o elo... — divagava Sean vendo Joh Miller extasiado com a conversa e com a filha de Clarice. E algo dizia a ele para não gostar daquilo. — E quando o portal voltará Joh Miller? Porque se percebeu, ele não abriu quando estive em Nabta Playa, nem abriu dia 11/11, onze anos depois, quando recebi o papiro... — e algo explodiu dentro dele, com Gyrimias, Renata e Kelly adentrando a sala da Computer Co., e o robô sendo preparado para voltar a Nabta Playa, e o papiro se escrevendo no flat onde Tahira o vigiava.
Havia realmente algo ali, na alma dele se lançando no éter, nas dimensões que a mente humana não alcançava, saindo do corpo até a sala do flat, tentando tocar o papiro e sua mão atravessando-o. Sean então se viu retornando ao quarto, trocando de lugar com o corpo lá na cama, em total letargia, para então com um Sean verdadeiro atravessar a parede, porque podia atravessar paredes, e voltar à sala, abrir o pacote, ver o papiro, e os homens de crânios alongados lhe dizendo algo que não compreendia enquanto mulheres gritavam, e o som de um animal em ataque arrancava pedaços de corpos que se espalhavam à sua volta. Sean se viu girando e girando, e lá, só a imagem surreal de Samira Foad e Mr. Trevellis, os observando naquela viagem astral.
Sean voltou à casa de Joh Miller e se virou para Tahira e disse: “Precisa pedir para sair!”. Ela o olhou assustada sabendo que ele lhe falara pelo pensamento, quando algo caiu dentro da cozinha.
— Ah... — ela se ergueu pelo susto. — Precisamos ir Sean yá habibi.
— Claro! É tarde... — mas Sean não tirava a feição tensa de Joh Miller do seu raio de visão.
E ele olhava incessante para a porta da cozinha.
— Você volta quando? — limitou-se o ex-agente Joh Miller a perguntar.
— Talvez amanhã ou em dois dias...
— Terei algo mais sobre o elo para você na volta — respondeu já abrindo a porta da rua para que eles saíssem.
Os dois mal tiveram chance de se despedir e o agente Joh Miller trancou a porta com força.
— Fui só eu? Jura? — Tahira abriu a boca depois da curta espera.
— Não! Não foi só você quem achou que Joh Miller mudou depois que algo caiu na cozinha.
— Por que pediu para irmos?
— Explico no jipe! Vamos!
— Acha que tinha mais alguém lá?
— Não faça perguntas Tahira. Não agora.
Ela o olhou sem nada compreender e olhou para trás, para onde Sean olhava; a janela do segundo andar.
— O que há lá?
— Sem perguntas! — e chegaram ao jipe alugado.
A noite ainda escurecia tudo e Sean percebeu o silêncio, o medo que a falta de luz provocava.
— Por Allah, Sean yá habibi, diga-me o que houve?
— Meus siddhis não estão dormindo.
Tahira arregalou os olhos para ele e olhou para a casa.
— Acha que há realmente alguém lá? — Tahira olhou um lado e outro e a madrugada escura. — Há? — e Tahira percebeu que os dois agentes da Polícia Mundial já não estavam ali. — Sean... Sean...
Mas Sean não respondia, porque podia sentir a presença de pequenos animais na relva, podia sentir a relva molhada pela friagem, e podia sentir a friagem de outras paradas, se movimentando dentro da casa que exalou um cheiro de urina.
— Ele está aqui.
— Quem?
— O verdadeiro Shee-akhan.
— “Verdadeiro”? — disse ela. — Não estou vendo nada.
— Eu também não! Mas possuo dons que podem atingir qualquer siddhi, e reduzir meu corpo, expandir meu corpo, tornar-me pesado, leve, ter acesso a todo o lugar, perceber o que o outro deseja, e subjugar todos, Tahira. Porque posso conhecer a mente dos outros, ver e ouvir coisas de longe, me teletransportar, ou assumir qualquer forma desejada. Até morrer quando quiser — e dessa vez Tahira não expos qualquer ‘jura?’. — Mas você sabe tudo isso, não? Porque me vigiava, me seguia em congressos, ‘morava’ comigo — Sean fechou a porta do jipe e Tahira ameaçou ir atrás dele. — Fique no jipe! — apontou para o carro. — E dessa vez, me obedeça!
Sean caminhou lentamente pela alameda que se fazia à entrada da casa também vendo que os agentes de Oscar não estavam ali. Contudo, preferiu não ativar nada e agir normalmente, já que seus siddhis podiam ser percebidos pela entidade alienígena. Chegou à porta e ouviu alguma coisa se mover dentro da casa. Girou a maçaneta e percebeu que não estava trancada. Entrou na ampla sala fazendo a escuridão invadir sua retina e procurou a tomada de luz que não funcionou. Tentou outra vez e uma luz fraca acendeu pelo gerador de emergência. Sean caminhou até a porta que dava para a escada e subiu, desembocando num corredor com três portas fechadas.
Um passo, outro e o assoalho de madeira lhe traiu a presença.
Sean olhou para seus pés e depois olhou para frente sabendo que havia deixado saberem que estava ali. Mas mais um passo e outro e o som dos seus passos no dilatado assoalho era a única coisa que se escutava.
“Por que ele não me ataca?”, Sean se questionou se o medo também não era bilateral, se a entidade temia a presença de Sean tanto quanto ele a dele.
Sean se inclinou e chutou a porta ao seu lado e um quarto escuro, apareceu. Acionou a luz e uma iluminação fraca não mostrou nada fora do comum além de uma cama desarrumada.
“Onde?”; e Sean ficou a pensar que ‘onde’ era muito relativo.
Passou as mãos pelo ar como se pudesse tocá-lo, senti-lo. Mas o ‘ar’ nada lhe respondeu. Aproximou-se da porta entreaberta do armário e estava vazio.
Ele tocou o ar novamente dentro do armário e sentiu que alguém se escondera ali, não fazia muito tempo; energias gravitantes de um ser humano, do agente Michel Rougart.
“Droga!”, pensou Sean nervoso.
Sean saiu do quarto e entrou no quarto lateral da casa. Acionou a luz e outra vez uma luz fraca acendeu mostrando uma cama e uma mesa de cabeceira, uma cadeira, e ele tocou o ar sentindo energias gravitantes de um ser pequeno, sem formas definidas e sem cheiro. O que era aquilo, Sean não soube identificar, mas todos seus siddhis acordaram de vez no que o medo lhe tomou.
Sean ativou Dura-darsanam, mas nada viu de longe. Contudo ativou Dura-Sravana e ouviu as coisas de longe, a lamuria de um povo que morria sob as ordens de Shee-akhan. Mas também ouviu passos no corredor. Sean virou-se sem que seus pés fizessem movimento algum e ativou Manah-javah fazendo seu duplo, seu outro ‘Sean’ correr.
O segundo Sean atravessou a parede, chegou ao corredor e lá, duas cadeiras, uma estante e a imagem borrada de uma entidade alienígena. Sean voltou ao corpo e se posicionou em Krav maga, porque fora preparado para aquilo, para se defender, no que a luz de emergência se apagou e algo se aproximou em forma de ataque.
A luz voltou e Sean se apavorou ativando Kama-rupam assumindo a forma de uma segunda cama no quarto quando a entidade alienígena entrou.
Mas Sean estava mais apavorado que imaginava e a cama se transformou em cadeira, que se transformou em mesa, que se transformou em cadeira para se transformar em cama outra vez, e Sean já não sabia o que fazer com aquilo, com aquele estranho dom.
A entidade alienígena percebeu que algo acontecia ali e Sean ativou Mahima crescendo e imprensando tudo; cama, cadeira e algo gelado e de pele enrugada contra a parede, fazendo tijolos e argamassa explodirem para fora da casa.
— Sean yá habibi?! — gritou Tahira ao ver que algo enorme saía pela parede do segundo andar da casa.
Correu e pôde ver de longe que alguma coisa acinzentada tremia e balbuciava algo inaudível no chão do jardim.
— Droga! — Sean se virou ainda com formas desproporcionais e viu Tahira correndo para ver o corpo acinzentado da entidade alienígena caído no chão do jardim.
Voltou seu corpo ao tamanho normal e pegou o que quer que fosse aquela entidade alienígena e sumiram dali.
— Sean... — Tahira estancou vendo que ambos sumiram dali. Ela se virou e correu para a porta da casa entrando na sala ampla e escura, e a lareira da casa acendeu o fogo, explodindo a energia e iluminando o local. — Sean yá habibi?! — gritou.
Mas nada além do silêncio.
Ela se tomou de coragem e correu para a porta onde calculou ser a cozinha, entrando e abrindo gavetas e gavetas, conseguindo uma arma calibre .32 e uma faca de carne no que se virou e percebeu que lá, na cozinha, havia outra porta.
Ela pensou e decidiu averiguar o que era.
A porta dava para um pequeno hall com mais quatro portas. Tahira verificou a primeira, era a porta que levava para a parte externa da casa, onde se podia ver que havia uma garagem no fundo do terreno. Ela fechou e voltou ao pequeno hall abrindo a segunda porta, que percebeu, dava para uma dispensa com insetos e teias de aranha. Tahira recuou e percebeu que havia teias de aranha por todo o hall pequeno, e que um cheiro de coisa podre invadiu sua narina a alertando. Abriu a terceira porta e entrou no que parecia um banheiro com uma pia e uma vaso sanitário de água parada quando recuou e fechou a porta. Tomou-se de coragem e foi atrás de Heleme, a empregada, mas a quarta porta não dava para nada.
E nada era uma palavra crua para explicar o que ela via. Porque Tahira se impactou por ver o infinito ali, quando um Sean sujo de tijolos e argamassa a puxou para trás e fechou a porta.
— Enlouqueceu?! Não disse que...
— Aquilo... Aquilo...
— É um portal!
— O portal dos...
— Não! E não vai querer saber que portal é, acredite em mim.
— Você está... — ela o viu empoeirado.
— Vamos sair daqui! — e Sean tirou as mãos dela que já ia limpá-lo quando Tahira se largou dele.
— Não! Precisamos encontrar o trabalho de Joh Miller.
— Trabalho?
— A pesquisa que você contratou ele para conseguir.
— Há quanto tempo mesmo você me vigiava Senhorita?
— Há muito tempo mesmo. Até quando você dormia.
Sean não gostou de ouvir aquilo.
— Vamos! Depois você me conta sobre seu voyeurismo — a virou e a tirou do pequeno hall de quatro portas chegando à cozinha quando algo caiu no andar de cima. — Droga! Achei que não havia mais ninguém.
— Como ‘ninguém’? Vimos Joh Miller fechar a porta e ir dormir.
— Vimos? — a empurrava pela cozinha quando ela estancou. — — Não, não ‘vimos’ Srta. Tahira, porque eu não me lembro de ver nada nem de conversar com ninguém.
— Como é que é?! — Tahira gritou atônita.
— Não grite! — e a virou para ver o teto da cozinha lotado de mofo e teias de aranha. — Estou falando que Joh Miller morreu seis meses atrás, após eu o contratar.
— Como... Como...
— Como eu ainda não sei, mas se olhar em volta — e ele viu Tahira olhar tudo lotado de teias de aranhas, jornais e cartas velhas jogada no chão da casa, e muitos insetos e lixo esparramado mostrando uma casa abandonada. —, vai ver que ninguém mora aqui há algum tempo.
— O que... O que... — e Tahira quase dobra.
— Vamos! — empurrou-a para fora da cozinha. — Porque aqui só tem alienígenas cinzentos entrando e saindo Senhorita Tahira.
— Mas... Mas...
— Não! — a chacoalhou com firmeza. — Não conversamos com Joh Miller, Tahira, porque ele e sua empregada Heleme foram mortos seis meses atrás, depois que eu explodi. Já disse, não? — ela arregalou os olhos verdes. — Conversávamos com alienígenas que tomaram o corpo deles através do Fator Shee-akhan.
— Mas Joh disse... Ele disse que você o contratou... Que eu era... Que eu era filha de Clarice...
— Por isso. Os alienígenas queriam saber o que sabíamos. Para informar a Wlaster.
— Por Allah! Minha mãe corre perigo?
— Não, já que Clarice sabe manter Wlaster longe dela.
— Mas como eles sabiam tanto?
— Porque nossas memórias ficam arquivadas em algum lugar entre o espírito e a carne, no perispírito, que ficou no corpo de Joh invadido pelos alienígenas.
— Aquele cinzento que você esmagou lá fora? — e algo voltou a cair no andar de cima quando Tahira descarregou uma rajada de .32 no teto da sala feito de argamassa e areia.
— Não!!! — gritou Sean e o teto despencou sobre eles. — Idiota! O que fez?!
— Eu... eu... — e um corpo despencou sobre eles. — Ahhh!!!
Sean nem esperou a poeira abaixar e tirou dos escombros o corpo do agente Michel Rougart que jazia morto, ali.
— Ele está morto! — Sean verificou.
— Por Allah!!! Por Allah!!! — gritava descontrolada. — Eu matei um homem?!
— Não! Não! Michel já estava morto antes de você atirar Tahira...
— Ahhh!!! — mas berrava ela descontrolada
— Não grite! Vai chamá-lo Tahira...
E ela foi atacada pela leoa de pelagem vermelho-amarelada com máscara de íbis.
— Ahhh!!! — Tahira caiu no chão, ensanguentada e Sean se jogou sobre ela, fazendo seus corpos se teletransportarem para uma areia de 48 graus, vendo que o braço dela sangrava muito, e que ela entrava em choque.
— Tahira?! Fale comigo?! — chacoalhava em choque. — Tahira... Perdão... Perdão... Eu não devia tê-la trazido... — ele arrancava um pedaço da caftan dela para fazer um torniquete no braço que sangrava muito. — Tahira? Tahira? — e Sean viu que mulheres e homens egípcios pararam para olhar os dois no chão de areia quente, em meio a uma obra faraônica de uma esfinge, e pirâmides e colunas, e toda uma cidade.
E que aquilo sim fora uma grande viagem.
— Nos leve de volta... — soou ela antes de desmaiar.
Contudo Sean não pôde fazer mais nada, quando viu que não só mulheres e homens o viam ali, a leoa de pelagem vermelho-amarelada com máscara de íbis também estava lá, esperando-os.
Sean ergueu-se se colocando em posição de luta Krav maga, e a leoa de pelagem vermelho-amarelada correu sob quatro patas, e correu sob quatro patas, e correu sob quatro patas até adquirir duas pernas, que correu, que saltou sobre Sean que deu um giro de corpo, e se lançou no ar, dando um chute e uma cotovelada em pleno voo, e o atingiu por trás.
— Arghhh!!! — a leoa de pelagem vermelho-amarelada sob duas pernas rugiu perdendo a máscara de íbis, e caiu adquirindo braços, corpo de homem e cabelos ruivos, com o focinho e os dentes a mostra, em meio a rugidos que invadiam metros.
Sean não esperou, correu para o corpo de Tahira, quando o levante de areia esverdeada que a leoa de pelagem vermelho-amarelada provocou com a juba, tomou conta de tudo, e Sean nada enxergou na tempestade de areia que se seguiu. A leoa de pelagem vermelho-amarelada então correu, correu, correu e o atacou, fazendo o corpo de Sean girar no ar pelo golpe que tirou sangue de seus lábios, e abriu o ferimento no ombro, que cicatrizara da explosão.
— Ahhh!!! — Sean foi ao chão se vendo sangrar, em meio à poeira da areia quente e verde que abaixava, vendo que a leoa de pelagem vermelho-amarelada, com corpo de homem, ainda em pé, se virara mais uma vez para atacar Tahira quando foi Sean quem correu, correu, correu e saltou sobre a leoa de pelagem vermelho-amarelada com um golpe de pernas, que enroscou a cabeça da leoa entre os joelhos, e girou o corpo da leoa jogando-o pelo ar, até cair longe deles.
A leoa de pelagem vermelho-amarelada com corpo de homem, foi ao chão de areia esverdeada e quente e rolou, rolou e rolou até se recuperar do jogo, e sair em disparada mais uma vez quando se jogou sobre Sean que ergueu o braço sangrando e enlaçou o que se tornara um dos braços da leoa de pelagem vermelho-amarelada impedindo que o ataque o atingisse, aumentando a força dos movimentos do contra-ataque transferindo 2/3 do seu peso para a força de explosão, e potencializou a ação independentemente da força física empregada, fazendo uma alavanca, quebrando ossos do braço da leoa de pelagem vermelho-amarelada com corpo de homem, em duas partes.
— Arghhh!!! — a leoa de pelagem vermelho-amarelada rugiu de uma maneira que Sean sentiu ferir os tímpanos, o fazendo se afastar pelo medo.
E ele rugiu descontrolado, se erguendo com o braço dependurado, e cada vez mais irado saiu em disparada, sobre o corpo de Sean que outra vez girou as pernas, e todo seu corpo laçou a leoa de pelagem vermelho-amarelada, fazendo seu corpo e o da leoa girar juntos num salto mortal pelo ar, caindo ambos no chão de areia quente. E Sean se levantou outra vez, e outra vez se colocou em posição de defesa sabendo que podia aquilo, se defender, que sua mãe o preparara.
Mas a leoa de pelagem vermelho-amarelada com corpo de homem não desistia, colocou-se em pé outra vez e correu fazendo os dois corpos se chocarem no ar, numa troca de energia e essência, que fez Sean saber que já fora um deles, que já fora uma leoa sob a proteção de mulheres de máscara mortuária egípcia, numa terra de areia fina, quente e esverdeada quando foi ao chão, com a leoa de pelagem vermelho-amarelada caindo também.
Sean levantou-se totalmente impactado quando encarou a leoa de pelagem vermelho-amarelada e corpo de homem, que também se levantou e se virou, correndo para onde Tahira estava desmaiada. Sean quis ativar todos os siddhis que possuía, mas não era o Fator Shee-akhan agindo, era ele noutra dimensão, onde ele não sabia fazer siddhis funcionarem.
— Não!!! — Sean gritou e correu, chegando primeiro, protegendo o corpo de Tahira quando ambos se teletransportarem e apareceram pela segunda vez, no chão do quarto de porta arrancada do Old Cataract, e ela morrendo. — Tahira?! Tahira?! — Sean a chacoalhou. — Tahira?! Tahira?! Não!!! — a virou e tentou fazê-la voltar a respirar, mas Tahira não respondia.
Sean correu para fora do quarto com o ombro sangrando, sem alternativa a não ser pedir ajuda a Najma, à médica Najma.
27
Old Cataract; Aswan, Egito.
24° 4’ 49.59” N e 32° 52’ 52.22” E.
08/06; 15h58min.
A Dra. Najma Faãn não ficou nada satisfeita de ter sido excluída de toda aquela ação, quando ele contou que ambos haviam sido atacados na casa de um ex-agente da Poliu, que foram visitar na Ilha Elefantina, e jurava que precisara levar a jornalista porque era ela a fonte de informação dele. E jurara mais ainda de que não estava no quarto invadido por Najma e os funcionários do hotel, noite anterior.
Mesmo porque Najma não os encontrou lá.
Sean havia dormido no sofá, com elas no quarto, com Najma de olho na febre de Tahira. Quando acordou quase na hora do almoço, Najma sentava-se ao lado dele no sofá, com a cabeça dele no colo dela, e ela fazendo algo com as mãos na testa dele, que ele não compreendeu de imediato, mas provocou uma forte dor de cabeça, até que ele desmaiou.
“O robô!”, soou a voz de um velho Sean Queise de vinte e seis anos.
“É seu? Nosso?”, soou a voz de um jovem Sean Queise de catorze anos.
“Não. Samira Foad Strauss mandou”.
“A arqueóloga morena que me mandou o pacote?”
E o velho Sean Queise abriu os olhos, estava deitado na sua cama desarrumada, no quarto de fliperamas, vídeos games e muitos pôsteres, uma quarto de onze anos atrás, na mansão dos Queise, com uma manhã de Sol brilhante, que passava seus raios pelo voil fino da cortina.
— Sean? Meu filho? Você acordou? — falava Nelma da porta.
Sean arregalou os olhos azuis, havia acordado com vinte e seis anos dentro do corpo de catorze anos.
— Não... — respondeu confuso. — Não acordei...
O quarto estava como ele o deixou aquela noite, com roupas espalhadas e o biombo empurrado, travando as portas do closet. Sean voltou a arregalar os olhos e uma Nelma com provável trinta e poucos anos lhe sorria.
— Você está bem?
Sean tinha certeza que não.
— Sim... — foi o que respondeu ao ver o fliperama coberto de roupas que Nelma recolhia para lavar.
— Você nunca vai ser um homem organizado Sean? — e Nelma o beijou na testa.
Há muito Sean não sentia aquela emoção, a sensação daquele beijo, e o quanto amava sua mãe. Ele voltou a olhar em volta. Havia uma estante lotada de livros de filosofia, lotado de cartuchos de videogames Nintendo, muitas fotos de Pamela Anderson na parede e outros tantos livros; e porta-retratos que ele não se lembrava de tê-los.
— Não... Não vou... — lembrou-se de responder e sua mãe saiu. — Deus... Onde me meti?
Seus pés tocaram o chão, e Sean nunca imaginou um dia voltar no tempo e ser dois ao mesmo tempo, porque aquilo não era bilocação, nem duplicidade, ele era um só Sean Queise.
Seu coração disparou e Sean abriu gavetas e gavetas procurando algo, armários e pastas em busca de alguma anotação, algo que mostrasse o porquê daquela viagem. Mas ele sabia o porquê daquela viagem, estava deitado no colo de Najma, no Old Cataract e ela provável, lendo sua mente.
“Droga!”, aquilo sim era medo.
Porque precisava voltar, saber o porquê ter voltado ao corpo de catorze anos, e principalmente, como Najma sabia daquela viagem. Mas ele sabia como, sabia o porquê dela ter pedido para controlar a febre de Tahira, Najma havia lido a mente de Tahira, da mesma forma que fazia com ele.
Sean precisava brecar-lhe, não passar-lhe informações, não mostrar que Tahira estivera com ele, ali, onze anos atrás. E precisava saber como sair daquele jovem Sean Queise que via com catorze anos no pouco reflexo que se fez no disco de CD, que começava a inundar o mercado.
— Deus... — e passos na escada se fizeram outra vez.
Sean abriu a porta devagar e viu que sua mãe ainda estava ali, agora com duas empregadas da casa. Abriu a porta de vez e saiu pelo corredor, pelas escadas, descendo até a garagem e vendo alguns carros anos 90, ali estacionados.
Precisava chegar à Computer Co. House’s.
— Droga! — praguejou. Não havia a Computer Co. House’s ainda, ele construíra aquele prédio azul que Kelly mostrara, para comemorar sua entrada no comando da empresa, com dezoito anos.
Mas ele tinha que ter acesso aos mainframes, à alguém, porque estava preso no corpo dele, com catorze anos.
“O robô!”, soou a voz de um velho Sean Queise de vinte e seis anos.
“É seu? Nosso?”, soou a voz de um jovem Sean Queise de catorze anos.
“Não. Samira Foad Strauss mandou”.
“A arqueóloga morena que me mandou o pacote?”
— O pacote! — lembrou-se que seu pai ia mandá-lo para Portugal dia seguinte. Correu para dentro da casa outra vez e alcançou o escritório de seu pai. Estava trancado e Sean não conseguiu abri-lo. Desejou, mas nada aconteceu, tentou atravessar uma mão e nada, nenhum dom paranormal respondia a seu comando. — Mas como... — olhou e olhou em volta e viu que ninguém estava ali, nenhum empregado da casa, sua irmã pequena, nem sua mãe e foi até o hall se olhar no espelho. — Não... — seus olhos estavam enegrecidos, tomados pelo Shee-akhan. — Najma... A desgraçada está injetando o Fator Shee-akhan em mim.
E Sean voltou ao escritório chutando a maçaneta, que arrebentou pela pressão.
Sean entrou no escritório, fechou a porta empurrando uma cadeira contra ela, e viu o pacote ali, pronto para embarcar para Barricas, para Lisboa, Portugal. Abriu-o parando vez ou outra para ouvir algum som, e percebeu em choque que o jovem Sean Queise havia terminado a montagem do robô, quando ele e Tahira voltaram a se teletransportar ao Old Cataract.
Sean acionou novamente o robô e imagens tridimensionais do laboratório de Corniche el-Nil, invadiram o escritório da mansão dos Queise.
“Não vou discutir mais Afrânio. Mr. Trevellis não pode saber o que esse Fator Shee-akhan é capaz”.
“Não está entendendo Joh Miller, não podemos perder o apoio de Mr. Trevellis. Se Wlaster Helge Doover souber de algo, estamos fritos”.
E o velho Sean Queise dentro do corpo do jovem Sean Queise viu Afrânio secar o suor que escorregava dos óculos úmidos.
“Mas não estamos fritos! A Dra. Clarice está. Ela quem está frita e encrencada, trazendo essa menina para cá”.
Sean viu Afrânio apontar para uma menina abraçada a Clarice.
“Queria o que? Que eu a deixasse lá? Ferida?”
Sean também viu que Clarice estava nervosa.
“Não sei o que aconteceu com você, Dra. Clarice, mas a menina atravessou o portal, e ela trouxe aquela besta leão de cabeça de íbis com ela. Não posso deixar você colocar a Terra em perigo”.
E o velho Sean Queise dentro do corpo do jovem Sean Queise, viu que Clarice se ajoelhou desesperada aos pés de Samira e Afrânio.
“Não Samira! Não Afrânio! Por favor, por nossa amizade, me ajudem. Eu a quero”.
Também viu que o robô estava ligado, que Afrânio, Samira e Joh estavam realmente no laboratório de Corniche el-Nil, e que Clarice também estava lá, abraçada a uma garota que Joh chamara de ‘essa menina que atravessou o portal’.
“O jovem Queise precisa saber. Só ele poderá ajudar a menina”.
“Não! Não Afrânio! Mr. Trevellis odeia aquele menino. Todos na Poliu sabem. E tudo porque Oscar e Fernando não o deixam ter acesso a Sean, o que o deixa irado”.
“Achei que Mr. Trevellis tivesse acesso a tudo, pela amizade com Fernando”.
“Mas Fernando não deixa que a Poliu se aproxime de Sean. Ele é tudo de importante que Fernando tem”.
E o velho Sean Queise dentro do corpo do jovem Sean Queise sentiu dor naquelas palavras.
“Mas por que afinal, o loirinho é tão importante Joh?”
“Não tem ideia do que aquele menino é capaz de fazer, Dra. Clarice. Nem todos os Roldmans reunidos conseguiram alcançar o que ele faz aos catorze anos. Então imagine se Mr. Trevellis tem acesso àquele poder todo? Não haverá limites para a Poliu alcançar o que vem desejando esse tempo todo”.
“Fala do experimento ‘Contato!’?
“Falo do acesso aos Anunnaki, Samira. E sua irmã é tão vil quanto todos eles”.
“Não fale assim de Mona”.
“Não? E por acaso ela lhe auxilia em algo? Porque fui eu quem lhe trouxe para cá, que consegui sua transferência”.
Afrânio voltou a secar o suor e o velho Sean Queise dentro do corpo do jovem Sean Queise, percebeu no reflexo dos óculos dele, mostrando a imagem do robô ligado no laboratório, ao lado de uma menina ruiva, de provável, quinze anos.
— Deus...
“Vamos fazer o seguinte, Doutora. Vamos procurar Wlaster Helge Doover e pedir-lhe apoio. Se ele quer mesmo tomar o poder da Poliu, então temos que trazê-lo agora para nosso lado”.
“Não gosto de Wlaster doutor”.
“Não temos alternativa Doutora. É isso, ou vamos ter que avisar o jovem Sean Queise sobre o que lhe espera daqui em diante”.
“Mas não temos acesso ao loirinho”.
“Mas precisamos Dra. Clarice, se quisermos sobreviver a tudo isso”.
E a bateria do robô desligou-se.
— Droga! — explodiu Sean percebendo passos na escada.
Sua mãe descia com roupas e copos, e tudo que achava bagunçado no andar de cima. Mas ela nada percebeu no escritório e passou direto para a área de serviço com as duas empregadas da casa. Sean saiu do escritório e outra vez subiu as escadas entrando no quarto em choque, sem saber o que fazer, escrever, se avisar. Porque precisava se avisar, avisar que algo ia acontecer. Voltou a olhar no espelho e ver seus olhos enegrecidos quando acordou. Abriu os olhos e viu Najma sorrindo para ele.
Seu coração e todo seu corpo vibrava e tremia.
— Com frio Sean Khalida?
— Sim... — olhou em volta. — É o ar-condicionado, no último grau.
— Claro... — Najma sorriu como que vitoriosa de algo e se aproximou do aparelho de ar quando foi sua vez de ser ‘desligada’.
Sean olhou na mão o cinzeiro e toda a cabeleira escura dela desarrumada no chão.
Viu que ela estava viva e correu.
— Tahira... Tahira... — chacoalhava. — Pelo amor de Deus, acorda! — ele viu Tahira abrir os olhos e ambos viram o curativo no braço dela lotado de uma gosma verde. — Droga...
— Isso é... Isso é...
— Fator Shee-akhan!
— Estou encrencada?
— Mais do que imagina.
Ela só arregalou olhos e o encarou com os olhos enegrecidos.
— Por Allah! Seus olhos...
— Deixe-os! — afastou a mão dela, dele. — Venha! — e tirou o lençol que a cobria para vê-la nua. Ela arregalou os olhos para ele e Sean engoliu a seco se virando. Foi até o armário pegando uma das roupas de Najma. — Vista! — jogou.
— Como cheguei...
— Ontem. Eu a trouxe.
— Mas aquilo... aquilo... — ela se vestiu com dificuldades. — Aquele leão vermelho-amarelado... com máscara de íbis...
— Vamos Tahira! Agora não é hora.
— Aonde vamos?
— Consertar o mundo.
— Jura?
Foi só o que Sean a deixou falar. Ele a ergueu pelo ombro e a ajudou levantar e andar. Passaram por Najma caída e ela só olhou a médica no chão.
— Não tive alternativa. Eu sei que ela não merecia depois de me ter salvado, de ter salvado você, mas acredite, eles matam na mesma frequência que fazem o juramento de Hipócrates.
— O que houve? — chegaram ao primeiro andar e ambos se dirigiram à garagem.
— Você não vai acreditar... Mas ele sabia sobre o pacote.
— Ele? Fala de você?
— Ok! Você vai acreditar... — e Sean abriu a porta de um carro estacionado na garagem do hotel e entraram.
Tahira percebeu as atitudes dele.
— Está roubando esse carro?
— Pegando emprestado...
— E por que não abriu a porta com seus dons?
— Porque eles estão desligados
— Por Allah... — ela viu que eles ganharam a rua. — Aonde vamos?
— Preciso ir ao Nubian Village ver com meus próprios ‘olhos enegrecidos’ o estrago que fiz...
— Vai consertar erros ou o mundo?
— Os dois... — e Sean freou o carro se virando para ela. — Porque não havia uma espiã psíquica ali em Nabta Playa onze anos atrás, e sim três espiões; Samira, Clarice e Wlaster. E Wlaster é um espião psíquico que também podia abrir a pirâmide, e que também sabia se teletransportar.
— Mas ele explodiu no acidente.
— Não! — e Sean acelerou se afastando do Old Cataract. — Wlaster se teletransportou quando viu o drone se aproximando; e talvez até achasse que eu ia fazer o mesmo. Então ia denunciar meus dons, me sequestrar, sei lá. Ele só não acreditou foi o porquê de eu não conseguir ver o drone. Mas eu vi o drone, vi que ele acionou raios laser contra meu carro, mas o Fator Shee-akhan que entrou em mim, quando entrei na escavação abandonada, desligou meus dons, como agora — apontou para o líquido verde que enegrecia seus olhos azuis.
— Então não houve um paradoxo? Porque se tivesse havido, o jovem Sean Queise saberia quando crescesse que ia morrer naquele deserto.
— Acho que houve dois ou até três paradoxos, Tahira; um no quarto, quando ambos nos apaixonamos por uma Kelly muito mais velha que nós.
— Como é que é? — se esticou nervosa.
Sean acelerou e se dirigiu para o porto para alugar outra vez uma felluca e atravessar o Rio Nilo para chegarem ao Nubian Village.
— É por isso que Miro Capazze me chamava daquele jeito.
— De que jeito?
— ‘Jovem Sean Queise’!
— Como é que é?
— Porque Miro estava bilocado no laboratório de Corniche el-Nil no dia 03/11, mandado pela Escola do papiro, para vigiar a retirada do Fator Shee-akhan da pirâmide. E como um siddhi, ele me viu lá, um jovem Sean Queise de catorze anos colocando o robô numa caixa, e o enviando para o Brasil, para si mesmo.
— Por Allah! Não estou conseguindo acompanhar.
— Ok! — chegaram ao porto, alugaram a felluca e Sean prosseguiu com a explicação. — O jovem Sean Queise não podia entender todo o processo que nos levou lá aquela noite, correto? — e as águas do Rio Nilo os embalavam. — Mas ele leu minha mente quando estivemos lá, ouviu tudo o que dissemos, e ‘viu’ a minha visão do laboratório em Corniche el-Nil, em que Afrânio e Samira discutiam com Joh, porque ambos ainda não tinham sido mortos e o robô da Computer Co. não havia falhado, já que vi o reflexo do laser do robô funcionando dentro da pirâmide. E o jovem Sean Queise também viu o quanto era importante para nós e a Computer Co., que nós, eu e eu, tivéssemos acesso às informações do robô já que eu, mais tarde, com amnésia, não mais acessaria aquelas informações. Então ele voltou ao passado, onze anos atrás.
— Jura? Porque dizer que você pode voltar ao passado é ilógico, mas você o fez. Contudo você voltar ao passado já modificado e modificá-lo, se enviando o robô, deveria ser... — olhou-o sorrindo para ela. — Não deveria?
— Só isso explica o porquê de eu precisar voltar ao passado e me enviar o robô; eu sabia que iam tentar me matar, que estaria com amnésia, porque ele leu isso em mim aquela noite. Então, o velho Sean Queise, de hoje — se tocou. —, voltou ao passado e o robô estava lá, no quarto de um jovem Sean Queise, à ‘nossa’ disposição.
— Jura? Tão ilógico quanto — riu.
E ambos trocaram olhares na noite bela que começava, refletindo nas águas do Rio Nilo.
— Mas há algo que me fascina mais que tudo Tahira, o porquê de eu não me lembrar de me ver àquela noite no quarto?
— Porque está com amnésia.
— Mas se eu sabia que ia ser atacado, por que me preparei para um drone explodir-me no deserto de Nabta Playa?
— Porque o jovem Sean Queise ouviu-nos.
— Mas então por que eu sabia que o Fator Shee-akhan ia entrar em mim e me desligar a ponto de eu explodir? Porque e fui até lá para ser explodido.
— Nossa! Isso está ficando um pouco difícil...
— E Kelly nunca teve amnésia. E ela sempre me contou que me viu pela primeira vez na Catalunha, que se apaixonou por mim ali, quando acompanhei meu pai que esteve lá contratando... — e parou de falar em choque. — Mas não foi meu pai quem a contratou, e eu nunca estive na Catalunha...
— Como é que é?
— Foi minha mãe quem escolheu Kelly, foi ela quem obrigou meu pai a parar de trabalhar, me preparar para assumir a Computer Co., preparar Kelly para ser minha first, porque...
— Por quê?
E Sean teve medo de responder.
— Porque eu fiz algo naquela noite, no meu quarto.
— Você se apaixonou pela jovem Kelly chegada da Catalunha.
— Deus... O que eu fiz?
— Jura? — e Tahira riu da confusão dele.
— Não vai achar nada tão engraçado assim, quando souber que Najma conseguiu ler sua mente enquanto você dormia.
— Por Allah! Precisamos de proteção! — arregalou os olhos para um Sean de olhos arregalados.
— Pelo visto de muita proteção. Porque ela deve ter visto muito mais do que você me contou, Tahira. E porque acordei com a minha cabeça no colo dela e ela penetrando meus pensamentos.
— Ahhh!!! Não quero ouvir mais!
— Não é nada disso! Najma me fez voltar aos catorze anos; e me colocou dentro do meu corpo de catorze anos, mas com minha mente de vinte e seis anos.
— Jura? E você ficou inteligente assim por que ficou preso no seu corpo de catorze anos?
E Sean gargalhou com gosto.
— Quanta insanidade Tahira! Não é nada disso! Ela me colocou lá para ela saber o que o robô vira afinal.
— Porque é óbvio que ela derrubou nossa porta no Old Cataract.
— Sim, e quando ela entrou, sentiu energias gravitantes dentro do quarto avisando que fomos dar uma voltinha no passado, e tudo isso porque ela fazia parte da Escola do papiro.
— Nunca ouvi falar dela, nem de seu irmão.
— Mas ouviu falar de Ali Abu Faãn, não Tahira?
— Sim. Uma mente poderosa, capaz de dominar o Fator Shee-akhan.
— Um inimigo direto de Shee-akhan? Interessante!
— Mas Ali Abu Faãn não quis fazer parte da escola. Miro Capazze e Mustafá tentaram convencê-lo, mas ele tinha dinheiro e conhecimento suficiente para permanecer sozinho, na empreitada de encontrar o homem que se dizia Shee-akhan e destruí-lo.
— Para assumir seu lugar?
— Miro acreditava que sim. E que Ali Abu Faãn era tão perigoso ou mais que o homem que dominava o Fator Shee-akhan e se intitulava assim, se viesse a dominar esse fator.
— Uma escola de mistérios e magias que Miro, Mustafá e sua mãe Clarice faziam parte, não é? Por isso o ‘Abracadabra!’.
— Você está captando isso ou está se lembrando de algo Sean yá habibi?
— Não sei o que estou fazendo Tahira, porque talvez minha amnésia não tenha sido causada pelo acidente, mas causada pelo Fator Shee-akhan. De qualquer forma, Najma me fez voltar ao meu corpo de catorze anos, e eu saí do quarto, e desci até o escritório do meu pai onde o robô estava pronto para ser enviado a Barricas, em Portugal, concertado.
— O jovem Sean Queise consertou o robô aquela noite?
— Sim. E o robô não só estava ligado na pirâmide quando eles a abriram, como estava ligado no laboratório de Corniche el-Nil, onde Samira, Afrânio e Joh discutiram a atitude de sua mãe Clarice, em resgatar uma menina que saiu do portal, e que Mr. Trevellis não podia saber sobre aquilo ou me usaria para chegar nela.
— Ahhh... — Tahira nem conseguiu falar mais que aquilo.
A ilha Elefantina ainda se moldava ao longe, e os dois na felluca a viram.
— Mas também não é só isso, não é Tahira? Porque seja você ou não a menina que escapou do portal, essa menina trouxe junto, a besta leão — e Sean preferiu nada contar sobre a luta como um leão de pelagem vermelho-amarelado e pernas e braços humanos, e nem o fato de já ter sido um deles.
— Fiz o que? Não! Não! Venho de uma família que protege...
— Sim! Vem! Mas não desse Egito, não da nossa Terra.
E Tahira deu uma daquelas risadas esganiçadas.
— Está dizendo que sou uma alienígena, Sean yá habibi?
— Estou dizendo que você é de um Egito paralelo, o mesmo que Miro me levou, o mesmo que vou durante minhas viagens astrais. E se ele se mescla e se mistura de onze em onze anos, e alguns vem e outros vão, e desaparece, eu não sei, mas Jablah preparava um monte de gente para fazer essas viagens, injetando essa planta Shee-akhan. E provável esse Fator Shee-akhan entrou em mim, para que eu pudesse fazer essas viagens todas.
Tahira caiu em risada novamente.
— Kelly tem razão. Você é um insano Sean yá habibi.
— “Kelly tem razão”? — e Sean a encarou sob a luz do luar e as águas do Rio Nilo fazendo ondas, e Tahira recuou na graça lembrando que o Fator Shee-akhan ainda escurecia os olhos dele. — Porque eu realmente recebi um pacote de Samira — e ele a viu escorregar um olhar para ele. — Então a coisa deve ter sido assim: Samira entrou na pirâmide com Afrânio e sua mãe Clarice dia 01/11 e algo aconteceu, o portal ou coisa do tipo assim se abriu, trouxe a esquife e o papiro, e a vinda de uma garota; e tudo foi filmado pelo robô da Computer Co. — e Tahira voltou a escorregar um olhar. — Então Samira, Afrânio, Joh e Clarice foram para o laboratório de Corniche el-Nil dia 03/11, quando discutiram sobre você, sobre seu resgate e o fato de Clarice querer ficar com você. E por Joh estar perdendo forças na Poliu, ele e Afrânio concordaram em avisar Wlaster sobre a dinastia, sobre você e a faraó-leoa de pelagem vermelho-amarelada. Mas Samira não confiava em Wlaster, nele e em seus dons de magia negra, e deve ter conversado sobre isso com Samira, que então me enviou secretamente o papiro, obrigando Mona obrigar Trevellis, a obrigar meu pai a receber o pacote. E Samira sofreu CHE junto com Afrânio, morrendo, mesmo Mona dizendo que não morremos, porque talvez Wlaster os tenha matado, quando descobriu, que ela enviou um papiro capaz de escrever para mim sobre a dinastia, e a data de quando o portal se abrirá.
— Por Allah...
— Só que meu pai recebeu dois pacotes naquela noite de 11/11, Tahira; o primeiro pacote, um robô da Computer Co. ‘danificado’ nas escavações. E o entregou ao jovem Sean Queise, porque esse jovem Sean Queise voltou ao laboratório de Corniche el-Nil no tempo dia 03/11 e se enviou o robô. Ok até aqui? — sorriu.
Mas Tahira tinha dificuldades em concordar com aquilo, com olhos enegrecidos ou não.
— Ok... Acho...
— Mas só que meu pai recebeu um segundo pacote, sem saber que lá havia um papiro, e se irritou porque a Poliu estava envolvendo demais o seu filho naquilo. Ele então mandou de volta o segundo pacote, mesmo sendo avisado por Mona para que ele não o fizesse, porque o pacote voltaria de onze em onze anos. Ok até aqui? — sorriu outra vez. — Então dia 11/11, onze anos depois, eu recebi o pacote de Samira no escritório de São Paulo, vindo de Portugal, só que foi Clarice quem o enviou em nome de Mona, porque ela nada queria de Samira. Ok?
— Ok...
— Então naquele momento em que recebi de Renata o pacote, eu devo ter ficado muito nervoso, porque recebi um pacote com um papiro vazio, sem saber que eu teria que ter recebido onze anos antes, e porque não falamos sobre o segundo pacote naquela noite; e provável o jovem Sean Queise que voltou ao laboratório de Corniche el-Nil dia 03/11 não sabia nada sobre ele. Mas Oscar estava temendo tanto esse envio, a ponto de exigir de Kelly uma confirmação sobre sua chegada, que algo me alertou, uma luz que acendeu em algum lugar me dizendo, que havia um verdadeiro envio de Samira onze anos atrás.
— Uma grande coincidência regada a muita ficção científica.
— Não sei quanto a ficção, mas é tudo puramente científico. Porque eu nunca podia imaginar que alterei meu futuro quando me enviei o primeiro pacote contendo o robô, evitando a entrega do papiro.
— E se o papiro tivesse chegado?
— Não posso especular com algo que nunca ocorreu, porque meu livre-arbítrio de ir ao laboratório de Corniche el-Nil e me enviar o robô, mudou meu destino.
— Posso perguntar algo?
— Sim...
— Mesmo sem saber que o Fator Shee-akhan ia lhe tirar seus dons premonitórios, por que se arriscou ir a Nabta Playa sabendo que podia morrer?
“Se você recebesse um aviso em um papiro para voltar ao passado, sabendo que suas atitudes mudariam completamente o destino do mundo, sem que pudesse voltar ao presente; embarcaria ou não?”
— Porque fiz um acordo com Trevellis. Que provável envolvia a menina de Clarice.
— Você ia entregá-la?
— Não sei. Não me lembro. Mas o acordo envolvia respostas que o robô não pôde me dar onze anos atrás, porque talvez depois que nós saímos do quarto, o jovem Sean Queise consertou o robô e viu tudo aquilo que vi hoje.
— Mas mesmo assim você se arriscou. Por quê?
— Não sei o porquê Tahira. Talvez eu nunca mais vá ter essa resposta, mas ela envolve uma Kelly... — e chegaram. —, capaz de voltar ao passado, sabendo que suas atitudes mudariam completamente o destino do mundo, sem que pudesse voltar ao presente, só para me amar antes de Sandy.
E aquilo calou Tahira Bint Mohamed.
Nubian Village, Ilha Elefantina; Aswan, Egito.
24° 5’ 22” N e 32° 53 20” E.
08/06; 18h00min.
O Nubian Village é um vilarejo pitoresco, com casas brancas de fachadas pintadas, muitas vezes lembrando azulejos coloridos, abraçadas por um extenso deserto que muda de cor toda vez que grandes e ferozes tempestades de areia assolavam as ilhas; um vilarejo de ruas de terra batida, de homens de turbante brancos e coloridos, de formato totalmente local.
— Nubian Village... onde os egípcios não eram egípcios e a escrita se diferenciou... — Sean divagou andando a pé até uma casa no final da rua.
— Onde estamos indo? — Tahira se ligou no itinerário.
— A uma garagem, pegar um carro sem rastreador.
— Aonde vamos com um carro sem rastreador? — ela ficou sem respostas. Sean levantou uma cortina que fazia às vezes de uma porta, e ambos encontraram uma van amarela, com chaves que ele tirou do bolso da calça; ela percebeu. — Vou voltar a perguntar...
— Vamos dançar!
— “Dançar”? Está me gozando?
— Pareço estar?
Ele entrou e ligou o motor que roncou um pouco, e depois se firmou.
Sean deu ré e saiu da garagem da casa abandonada.
— Aonde vamos Sean Queise?
— Há um lugar onde vou encontrar alguém.
— Que lugar?
— Um bar!
— Jura? — e ela o viu fuzilá-la com aquele olhar ainda enegrecido, já não parecendo o homem educado de antes.
Sean se virou para trás e puxou uma maleta de couro, que já devia estar ali há algum tempo pelo tanto de areia que lhe cobria, e a abriu levantando poeira, e tirou e jogou um pacote para ela.
— Se vista! — e o carro arrancou pelas ruas de terra batida.
— Jura? — ela abriu a sacola, e uma fantasia de dançarina a aguardava.
E Tahira resolveu não discutir. Estava lá para ajudá-lo, afinal. Ou ele ajudá-la. Já que não se lembrava de ser uma menina que escapara de um portal interdimensional, fugindo de um leão que caçava uma faraó-leoa de pelagem vermelho-amarelada com máscara de íbis. Sentiu-se de repente só e confusa, mas Sean pegou a mão dela, a apertando com carinho, e foi a primeira vez que ela se sentiu realmente segura na vida.
Eles nada se falaram e Tahira levantou-se, indo para o banco traseiro da van onde arrancou a roupa emprestada de Najma. Sean sentiu seu corpo todo aquecer e Tahira sabia que Sean sabia que ela estava nua. Ele se conteve como um cavalheiro faria e ela achou-o uma graça. Porque sabia que o provocava, que seu corpo afinal mexia com ele como o da espanhola metida.
Jogou a caftan por cima, voltou para frente e ele a olhou com ela olhando para ele.
“Droga!”, ele desviou o olhar.
Ela voltou a adorar mexer com o adormecido.
— Eu estive pensando... — ela esperou ele olhá-la. — O primeiro calendário da história da humanidade começa com a enchente anual do Rio Nilo por volta de 3000 a.C. onde para os egípcios o ano tem 365 dias, divididos em 12 meses de 30 dias e mais cinco dias extras, dedicados aos deuses.
— Aonde quer chegar Tahira?
— Que os egípcios foram os primeiros a utilizar um calendário solar, embora os 12 meses de 30 dias tenham origem lunar, e que talvez os cinco dias extras dedicados aos deuses, após tantos milênios que os Anunnaki chegaram aqui, tenham haver com o erro de o portal ter aberto dez dias antes, dia 01/11.
— Sim... É possível...
— Porque havia três estações determinadas pelo fluxo do Rio Nilo; as cheias chamadas de ‘akket’, o semeio chamado ‘pert’ e a colheita chamada ‘shemu’. A relação entre as estações definidas pelo Nilo e as estações naturais era feita pelo nascer heliacal da estrela Sirius, que os egípcios chamavam de Sothis.
— Havia água na Esfinge... — falou de repente. — Quando começavam as cheias?
— A primeira aparição da estrela Sirius no céu da manhã, depois da sua conjunção com o Sol, determinava o início da contagem das estações das cheias.
Sean parou a Van verde e a encarou:
— Vamos! Você deve ficar linda vestida de dançarina — engatou a marcha e se foi novamente.
E Tahira não disse um único ‘Jura?’.
Bar Tyra, Nubian Village; Aswan, Egito.
24° 5’ 27” N e 32° 53 21” E.
08/06; 18h44min.
A rua próxima ao Bar Tyra estava cheia de homens usando turbantes. Sean interceptou um deles e Tahira nem teve tempo de perguntar o que ele ia fazer, quando Sean o nocauteou sem ao menos machucá-lo. Mas foi usando Krav maga e não dons que pareciam realmente estarem desligados.
Sean retirou as roupas do homem caído e vestiu sua caftan comprida e um turbante colorido verde oliva, e entrou no bar onde dançarinas exóticas costumavam se apresentar. Ele antes apontou a porta de saída e Tahira entrou por lá.
Dentro, Tahira usou da mesma técnica com Kelly, desligando a dançarina, num quarto dos fundos do bar, que em nada lembrava um camarim, e se preparou para assumir seu lugar.
Risadas de homens já alterados pela Stella, cerveja de fabricação local, e o empenho do proprietário do bar em servi-los não foram barreiras para Tahira começar sua performance.
A entrada dela podia se dizer que foi triunfal.
Sean quase fica entorpecido sem se quer ter bebido, porque ele até viu a fantasia em cores rubi e azul quando a entregou, mas vê-la vestida em Tahira tinha lá certa diferença. Para completar, ela cobria o rosto todo com um grande lenço azul, deixando só os olhos verdes ficarem de fora. Os mesmo olhos que não saíam de cima de Sean que adorou a pele branca, os cabelos ruivos e todos aqueles lenços balançando.
Uma música forte, barulhenta e cheia de instrumentos locais invadiu o antiquado aparelho de som do bar, permitindo Tahira iniciar seu estilo de dança, algo que fundia o norte africano, o Oriente Médio e a Índia a um voodoo urbano, tipo de estilos tribais, talvez de outras paradas, de outros sóis, balançando e balançando harmonicamente, levantando a energia do palco para um êxtase coletivo, antes mesmo do primeiro jogo de lenço, a seda cor de rubi que levantava e descia, presa às mãos sensuais que se contorciam como cobra.
“Também vai achar interessante a mulher egípcia, Sean amigo. Vai gostar de vê-la dançar”, lembrou-se Sean em meio a batida da música que se expandia, que entrosava, que era pura sensualidade.
E Tahira era exótica.
Num movimento de esquerda seus quadris chacoalhavam, levantavam a seda, encantavam no subir e descer. Movimentos sinuosos, tortuosos, de puro músculo, que faziam seu ventre sair e entrar, que faziam seu suor se projetar para cima de homens extasiados, excitados pela dança sexy, pedante.
Gritos e ameaças de subidas ao palco, fizeram Sean logo começar a ficar nervoso. Nunca se imaginou tendo ciúme de Tahira, ‘a idiota’; um apeal de sexo que exalava pelas gotas de suor, que pingava do corpo da bela ruiva em meio ao balanço que prosseguia; como um pêndulo de um relógio, seu dorso se projetava para esquerda e direita, e esquerda e direita outra vez.
Sua anca toda balançava e os homens batiam palmas para a cintura da jornalista, da ufoarqueóloga, da perseguidora que se movia com graça pelo espaço, circundando, espiralando, até parecer um parafuso.
Ali Abu Faãn estava lá, Sean não sabia como sabia sem dons, mas sabia que o homem usando kaban bege e turbante colorido era Ali Abu Faãn, padrinho de Jablah e Najma. E ele olhava Tahira sem, porém manifestar o mesmo entusiasmo dos outros.
“Estranho!” pensou Sean ao voltar a olhar Tahira.
E olhava porque mais um lenço, e outro, e a anca dela a balançar. Direita, esquerda, direita, esquerda, direita, esquerda. O movimento o excitava. Sean teve vontade de lançar-se no movimento. De amá-la, penetrá-la ali mesmo, perante tudo, perante todos, indo contra toda sua criação, educação, posição social.
Porque Tahira se chacoalhava.
Uma Stella veio parar na sua mão e Sean a bebeu sem saber o que bebia, atordoado a quase esquecer o que fora fazer lá, com homens gritando, bebendo e ele com o olhar nas ancas que iam e vinham, que encantavam.
Ela jogou o último lenço até ficar com uma sumária e escassa saia de véus de seda na música falada, assobiada, de sons intensos. O show terminara e Tahira viu Sean mostrar com a cabeça, o homem de kaban bege. Ela entendeu que ele ia segui-lo. Largou o palco em meio de entusiasmo geral e voltou ao camarim, pegando emprestada uma kaban branca que encontrou lá, vendo que Sean saia pela porta da frente do bar atrás de Ali Abu Faãn, que continuava a não se manifestar com nada.
Uma tempestade de areia se formou e a precipitação escureceu a rua por onde Sean caminhava.
Uma pequena lâmpada em curto se acendeu logo adiante, avisando que ali havia algum tipo de comércio, nas ruas cada vez mais estreitas, tomadas pela areia que o cegava. Sean puxou o turbante a ficar só com os olhos enegrecidos de fora, tentando enxergar que o comércio onde Ali Abu Faãn entrara era um frigorífico.
“Um frigorífico para um leão esfomeado!”
Sean olhou para trás e percebeu que Tahira ficara presa na tempestade de areia. Olhou para frente e viu a porta do frigorífico entreaberta.
Atravessou a rua e deu de encontro com ela.
— Sean... — e a mão dele, a calou.
Mal se enxergava algo ali, e Sean entrou seguido por Tahira, atravessando o que lhe pareceu à área de venda. Um homem ao longe trabalhava em meio a sons ininterruptos, ao som de lâminas ensurdecedoras.
— Alguém para atender aqui? — Sean arriscou ao adentrar no grande galpão.
— O frigorífico está fechado!!! — gritou um sudanês Ali Abu Faãn, ao fundo.
— Eu estou procurando um homem que me foi indicado.
— E quem quer encontrar? — perguntou o sudanês Ali Abu Faãn ainda sem se virar para trás.
Sean se aproximava cautelosamente observando todos os detalhes do galpão; viu máquinas de desossar carne trabalhando sozinha ao fundo, viu algumas mesas de corte sujas de sangue.
Fez sinal para que Tahira parasse onde estava e a moça estancou.
— Eu queria falar com Ali Abu Faãn — falou Sean agora mais perto do sudanês Ali Abu Faãn vendo o sangue espirrar da lâmina que cortava a carne.
— E o que quer com ele?
Sean parou de andar, esperou que o homem se virasse, mas ele continuava de costas.
— Eu queria fazer-lhe algumas perguntas — e recomeçou a se aproximar.
— Que tipo de perguntas? — mas o silêncio se fez dessa vez. — Perguntei que tipo de perguntas? — insistiu o sudanês Ali Abu Faãn com a voz mais alterada.
E Sean apareceu na frente dele com os olhos azuis.
— Perguntas sobre Shee-akhan!
— Sean?! — gritou Tahira quando o facão foi atirado.
Mas Sean desaparecera dali fazendo a lâmina cortar o ar, aparecendo, porém em cima do corpo de Tahira que foi ao chão sujo.
— Não falei para parar na porta? — apontou nervoso para a porta de entrada.
Tahira viu que os olhos azuis dele haviam voltado e ele se levantou e desapareceu, aparecendo na frente do sudanês Ali Abu Faãn, que correu para uma das portas do freezer e lá ficou paralisado, com o rosto derretendo, em frente de Tahira que outra vez não obedecera Sean Queise.
— Droga! — explodiu ele. — Saia daí Tahira!
Mas Tahira continuava ali, à frente do sudanês Ali Abu Faãn que derretia.
— Por Allah! Shee-akhan está provocando algum tipo de aquecimento?
— Já disse para sair daí?
Mas Tahira começou a dar passos mecânicos para perto do sudanês Ali Abu Faãn.
— Tahira? Não faça isso! — Sean voltou a pedir que ela parasse, mas Tahira não parou. — Pare Tahira!!! — Sean se desesperava percebendo que ela estava encantada ou qualquer coisa assim. — Tahira?!
— Shee-akhan... — sussurrava o sudanês Ali Abu Faãn com o olhar fixo em Tahira que começou a volitar até ele.
— Ahhh!!! — e Sean foi ao chão, de joelhos, amarrado por fios de energias iguais a que experimentou na casa de Corniche el-Nil, sem conseguir se mover. — Tahira?! Não!!!
Mas Tahira não ouvia. Aproximava-se do sudanês Ali Abu Faãn, que com parte do corpo derretendo agarrou-a, fazendo a pele do braço onde tocou, começar a queimar.
— Ahhh!!! — gritou Tahira de dor e calou.
— Shee-akhan... Shee-akhan... Shee-akhan... — entoava como um canto.
“Tahira?” Sean a chamou pelo pensamento, mas ela só conseguia computar a dor do sudanês Ali Abu Faãn a tocando; e onde ele a tocava, aquilo queimava feito ferro quente.
“Tahira? Escute-me! Precisa acordar ou o freezer vai fechar com você dentro”.
Mas Tahira o escutava e era só, já que Sean tentava se mover, fazer os fios de energia se soltarem de seu corpo, mas toda movimentação que fazia não surtia feito.
“Tahira? O freezer é uma passagem, que vai levá-la embora, eu não sei para onde”.
E o cheiro de pele queimada se fez ali, enquanto o sudanês Ali Abu Faãn arrastava Tahira para dentro do freezer, e a porta começou a se fechar.
Sean saiu do corpo trocando com seu duplo, e correu com seu corpo verdadeiro.
— Não!!! — berrou Sean tentando segurar a porta com toda sua força, e tudo que estava ao seu alcance psíquico ele chamou; facas, mesas, ganchos, carne congelada; tudo para cima do sudanês Ali Abu Faãn ali que foi ao chão atravessado pelas lâminas que lhe cortaram dez, onze vezes.
Ele caiu no chão com um líquido verde escorrendo do corpo, e Tahira foi ao chão também, saindo do controle da mão do sudanês Ali Abu Faãn que se ergueu, e como feito por Najma, tocou-lhe a testa.
— Ahhh... — e Tahira desmaiou.
— Não!!! — um terceiro Sean Queise se desprendeu, ele não soube de onde, e chegou ao sudanês Ali Abu Faãn com um facão, lhe cortando a mão.
— Ahhh!!! — Tahira agora acordou do transe, e do choque de ver a mão do sudanês Ali Abu Faãn decepada por Sean. Ela se levantou e viu outro Sean Queise tentando segurar com o que tinha e podia, a porta do freezer que se fechava. — Sean?!
— Venha até aqui!!! — gritou da porta.
Ela correu até ele com parte do braço queimado, e enfiou a cabeça, o corpo, quando a porta começou a imprensar os dois.
— Ahhh!!! — gritaram ambos quando um quarto, um quinto e um sexto Sean Queise apareceram ali, e seguraram a porta fazendo o verdadeiro Sean Queise conseguir tirar Tahira da porta, e a porta esmagar os três Sean Queise que surgiram ali.
Sean e Tahira impactaram e os três Sean Queise voltaram a ser três sudaneses locais, provável trabalhadores do frigorífico.
— O que... — Tahira olhou Sean. — O que... — Tahira olhou para o chão próximo à porta do freezer ensanguentado.
— Agora eu entendi o que são os ‘Sean Queise’ que surgem...
— Como é que é?
Sean olhou Tahira em choque.
— Eu posso entrar noutros corpos, e fazer cópias de mim — e caiu em risada tensa e divertida, achando aquilo o máximo.
Já Tahira ficou pensando se não era ele, Sean Queise, um alienígena Anunnaki, afinal das contas.
28
Old Cataract. Aswan, Egito.
09/06; 04h21min.
Tahira Bint Mohamed estava furiosa com Sean Queise, mas ele foi enfático, iria voltar ao hotel e resgatar seu notebook e Najma Faãn, porque ele agora acreditava que o corpo dela havia sido invadido, e que ela seria incapaz de fazer tudo aquilo que fez de real vontade. Mas Tahira não acreditava nela, achava que Sean estava era encantado com a doçura da doutora que o salvou, e cuidou dele durante seis meses.
Porque Sean não queria acreditar que a mulher que cuidara dele com tanto carinho tivesse feito aquilo, que toda sua doçura fosse superficial, e que ela estivera sim, dominada pelo Fator Shee-akhan, que agora conhecia sua força.
— Sean? — falou a Dra. Najma tendo sua fala brecada logo em seguida pelas mãos dele para que calasse.
Najma vestia uma camisola comprida quase escondendo seus delicados e pequenos, pés. E ele percebeu que a Doutora era mais delicada do que parecia.
— Shhhiu! — pediu ele a levantando bem devagar.
Ela se levantou e Sean colocou a valise com o notebook nos ombros e ambos saíram do Old Cataract, com ela obedecendo sem perguntas, e ambos descendo as escadas sem que qualquer hóspede pudesse escutar. E a manhã começava a dar pequenos sinais de luz e sons de xícaras e pratos se iniciavam no restaurante 1902. Ambos saíram do hotel por uma porta traseira que Tahira vigiava, após Sean ter derrubado cinco funcionários.
— O que aconteceu? — Najma estranhou ao ver os cinco homens caídos.
— Foi ele! — Tahira só respondeu isso.
Sean puxou as duas e Najma viu a roupa de dançarina de ventre que Tahira usava, rasgada e suja de sangue. Virou-se para Sean, e viu então que ele também usava roupas árabes, sujas de sangue.
— Por Allah... Sean Khalida... — e passou as mãos carinhosamente pelo rosto manchado de vermelho.
Sean segurou as suas mãos e empurrou Najma para dentro da Van amarela, fechando a porta. Deu a volta, entrou, desceu na banguela e só foi ligar o motor alguns metros abaixo.
— Era uma armadilha! — falou Sean ao olhá-la pelo espelho retrovisor.
Najma teve sua face deformada pelo horror.
— ‘Armadilha’?
— Sabe quem é realmente seu padrinho, Najma?
— Estamos falando sobre o que, Sean Khalida?
Tahira se virou revoltada.
— Pare de chamá-lo assim!!! — berrou e se virou para ver a cara de poucos amigos que Sean fazia.
Mas Najma nada retrucou, porque era inteligente o suficiente para saber que estava competindo com alguém difícil, e jovem, e ruiva, e vestindo uma roupa de dançarina.
— Ali Abu Faãn pertence a escola do papiro, Najma?
— Não sei Sean Khalida. Nunca soube.
— Jablah pertencia?
— Não. Meu irmão nunca... Ele nunca me disse nada.
— Então com pode saber tanto? — Tahira queria briga.
— Basta Tahira!
— Jura? Porque ela tem um padrinho que tirou você de um hospital quase morto sem perguntar nada, porque queria que seu sobrinho Jablah cuidasse de você à base de Shee-akhan.
— ‘Jura’? — foi a vez de um Sean cínico perguntar.
— Não me desafie Sean Queise, porque...
— Basta!!! — Sean agora se enervou com ela.
Mas Najma entrou na discussão.
— Ali Abu Faãn tentou matá-lo Sean Khalida?
— Sim! Eu o segui até o Bar Tyra, em Nubian Village, e depois até um frigorífico. Mas ele percebeu quem eu era no bar e ele já nos esperava.
— Quase fomos mortos, já que ele derreteu com aquela coisa Shee-akhan no corpo e me queimou — Tahira mostrou o braço infeccionado.
Najma arregalou os olhos para a ferida.
— Está infeccionada — e Najma viu Tahira olhá-la quase querendo transferir cada bactéria, cada gota de pus para ela — Por favor, deixe-me fazer um curativo nela Sean Khalida?
— Não! — proferiu Tahira irada. — Porque parece que aqui tem alguém quem não é confiável.
— Não!!!— gritou Najma, desesperada. — Eu não sabia Sean Khalida. Eu juro! Estive dormindo esse tempo todo.
Os dois, Sean e Tahira, se olharam.
— Acalme-se! — falou Sean, num forte tom de voz. — Acalmem-se, as duas, está bem? — disse recriminando a jornalista.
— Por favor, Sean Khalida. Pare num entreposto hospitalar para que eu consiga curativos.
— Eu não quero curativo dela! — fuzilou-o. — Entendeu? — e ela viu Sean ficar furioso com Tahira e obedecer Najma, seguindo até um entreposto. Ela desceu e Tahira o encarou. — Jura?
Najma voltou à Van amarela e fez o curativo com Tahira engolindo aquilo a seco, sabendo que a doutora fazia pontos com seu Sean yá habibi.
Sean engatou a primeira e seguiu.
— Aonde vamos agora?
— Não sei...
Tahira o encarou.
— Como é que é? Como assim não sabe?
— Não sei Tahira! E não sei não sabendo!
— Jura?
E os dois viraram a cara um para o outro. Sean então parou a Van amarela no acostamento da estrada, próximo a uma floresta que margeava o Rio Nilo, e o dia começava a clarear quando abriu a valise com ‘kellygarcia’ e tirou de dentro o notebook, que também abriu com ‘kellygarcia’.
— Eu pensei em todas as senhas para fazer Spartacus funcionar, mas nada dá certo.
— Acha que... — e Tahira não teve coragem de continuar.
— Não acho nada. Mais nada, porque até pensei nas muitas pessoas anotadas naquela agenda que Oscar me deu, fosse algum nome de relevância, mas tenho medo de prosseguir se o que eu penso, estiver errado.
— Não vai saber se não tentar.
E Sean puxou seus cabelos loiros, jogando-os incessantemente para trás.
— Porque eu escolhi ‘kellygarcia’ para abrir uma valise, se eu nunca havia usado essa senha?
— Como é que é?
— Pare de fazer perguntas e responda Srta. Tahira.
Ela nada mais falou.
Depois se voltou para ele, furiosa.
— Porque você a ama!
E Najma arregalou os olhos verdes para os dois.
— Sim! Eu amo Kelly! Uma Kelly que nunca vou poder amar porque a amo! — exclamou furioso.
E o silêncio caiu entre os três.
— E não vai amá-la porque não aceitou ficar naquele corpo.
— Do que é que está falando sua insana? — foi a vez de Sean perguntar.
— Insana? Eu insana? Por que voltou aquela noite Sean yá habibi?
— Porque...
— Por que exatamente àquela noite?
— Porque o robô havia...
— Não! O robô chegou exatamente na data que você mandou o robô chegar, porque você nada sabia sobre o 11/11, porque você ainda não havia recebido o segundo pacote com o papiro.
— De que droga está falando?
— De que você sabia que ela estaria lá, dia 11/11, porque sabia que Kelly Garcia havia acabado de chegar da Computer Co. da Catalunha.
— Você está...
— Louca? Insana? Com ciúme?
Sean achou que as três opções.
— Eu sabia que...
— Sabia Sean Queise. Sabia que Kelly Garcia ia entrar no seu quarto dia 11/11, que ela ia se apresentar, que você podia vê-la em toda sua essência, em seu ‘amor à primeira vista’ que você teve para com a espanhola, que você amou antes de Sandy lhe roubar dela.
E Sean chorou.
— Perdão...
— Não, Sean yá habibi. Não é para mim que você deve pedir perdão, é para suas senhas; ‘kellygarcia’ e ‘mamãe’.
E Sean arregalou os olhos azuis sabendo que Tahira fazia mais que morar no seu flat. Colocou o celular para fazer uma chamada, uma conexão via satélite para o satélite de observação Spartacus com a senha ‘mamãe’, e o satélite voltou a funcionar, e todos os mainframes giraram com novas coordenadas, fazendo Spartacus voltar à sua órbita geoestacionária e Oscar Roldman e Mr. Trevellis, cada um no seu canto do mundo, entender que Sean Queise havia voltado.
Sean então se virou para uma Tahira satisfeita e os faróis de cinco carros quase os cegaram.
— Sean...
— Quieta as duas! — e todo tipo de calibre de armas foram apontadas para a Van amarela. — Fiquem aqui! — deu a ordem e encarou Tahira. — Compreendeu? — ela nada disse e Sean levantou as mãos e saiu da Van. Homens vestidos de egípcios e núbios antigos, mas com armas novíssimas em punho, o arrastaram de lá deixando as duas na Van. — Onde está... — e uma coronhada o levou ao chão.
Um dos homens o pegou do chão e o arrastou ainda acordado, porém atordoado, por todo trajeto, até um grande portão de madeira mostrar-se ser um fechado ancoradouro de barcos abandonados. Lá dentro, a escuridão; literalmente. E também o cheiro de urina, de areia ocre que seus lábios tocaram quando foi jogado no chão de coisas rastejantes.
Todas as sinapses nervosas de Sean o alertaram e ele se ergueu ainda tonto, sentindo que havia ali centenas de entidades, desde coisas enegrecidas pela morte, até corpos acinzentados sem muita estrutura molecular, lutando pela sua existência, carregando uma energia tão negativa que tudo a sua volta era escuridão.
— AHLAN WA SAHLAN, SR. QUEISE! — falou uma voz assustadora.
— Impressão minha ou não sou tão bem vindo assim? — devolveu-lhe tentando lembrar-se daquela voz.
— TENTANDO SE LEMBRAR DE MIM, SR. QUEISE?
— Quem é você?
— SOU SHEE-AKHAN! O VERDADEIRO!
— Shee-akhan? Achei que havia me livrado de você.
E uma risada gélida ele ouviu, quando Sean se viu pisando num carpete marrom, de losangos, com uma criança correndo com seu avião lhe passando de raspão.
“O drone!”, olhou para cima e madeiras soltas mostravam um Sol querendo despontar no ancoradouro de barcos abandonados, para olhar para frente e ver aquela gente amontoada, em torno de um descomunal leão; uma fera de pelagem vermelho-amarelada feito fogo e máscara de íbis.
— O que quer comigo Shee-akhan?
— A FARAÓ-LEOA!
— E por que acha que eu consegui encontrá-la se você me interrompeu em Nabta Playa?
— CHEGA!!! — gritou Shee-akhan. — EU QUERO A FARAÓ-LEOA, DE MÁSCARA MORTUÁRIA, QUE LHE FALA.
— Sabe que não sei do que está falando, porque a explosão que você causou, provocou-me amnésia. E sabe que realmente esqueci muita coisa porque me persegue, sabendo tudo que faço e me lembro — e Sean ouviu o som do ar sendo cortado por um pássaro mecânico, um silencioso drone que se aproximava. — Najma?! — Sean gritou e seus pés correram com força sobre-humana, alcançando a porta de madeira do ancoradouro de barcos abandonados, o chão da floresta, o Rio Nilo onde margeava e Najma estava lá, sob a mira de uma arma, empunhada por um núbio antigo, de crânio alongado. — Não!!!
Mas as lágrimas nos olhos dela eram de um sentimento puro.
— Perdão Sean Khalida...
Sean desejou que o núbio antigo parasse, mas ele sorriu de uma forma que Sean sentiu que nada o atingiria, de que como na cidade dos mortos, seus dons não os alcançavam, porque como com os espiões psíquicos, eles se bloqueavam, se anulavam.
— Não diga nada Najma!
— Perdão... Eu falhei.
— Não! Não! Eu a perdoo! Eu a perdoo! Volte aqui!
Tahira não acreditou no que ouviu ali escondida, ele sabia o tempo todo quem era Najma e permitiu levá-la.
— Não, Sean Khalida. Sou culpada. Preciso pagar por meus erros.
— Não!!! — gritou ele para trás sabendo que dentro de um dos carros estava Wlaster Helge Doover. — Wlaster, não! Não a mate!
— Não, Sean Khalida. Eu falhei com Jablah, falhei com meus pais, porque o amei.
— Habaiták... — soou dos lábios de Sean.
— Habaiták... — soou dos lábios de Tahira.
— Habaiták... — soou dos lábios de Najma.
E o drone surgiu atingindo Najma e o núbio antigo com uma rajada de tiros, que lançou o corpo deles longe e destruiu a bela doutora.
— Não!!! — Sean se jogou na água e tentou alcançar o corpo sem vida dela, que boiava quando o drone deu a volta.
O drone então fechou a coordenada no corpo de Sean, que nadava até o corpo morto de Najma, e lançou projeteis que foram interceptados por armas instaladas em Spartacus, que destruíram os projeteis no ar, fazendo uma grande bola de fogo surgir nos céus de Aswan.
— Sean yá habibi?! — foi a vez de Tahira em choque correr para água e Sean saber que o drone ia fazer uma terceira investida.
— Volte Tahira!!!
— Não... Não... — ela nadava até ele e Sean largou Najma e nadou até Tahira quando o drone outra vez armou seus projeteis e fechou a coordenada em Tahira.
— Volte!!! Volte Tahira!!! — Sean alcançou outra vez Spartacus pelo pensamento, suas armas, e fechou a coordenada no drone que explodiu somente depois de lançar os projéteis nele e Tahira que se teletransportaram no momento da explosão.
Mas Sean foi jogado num túnel espiralado, e girou, e girou seu corpo em meio a estilhaços que penetraram na sua carne, durante todo o trajeto, até eles caírem na outra margem do rio, com Sean morrendo.
— Sean?! — berrava Tahira desesperada, tentando alcançá-lo. — Não!!! Sean?! — chacoalhava-o. — Ative Aparajayah!!! Ative Aparajayah!!!
E os olhos azuis dele se abriram, brilharam, fazendo Sean Queise permanecer invicto, fazendo estilhaços serem expulsos do corpo que sangrava, que morria, girando, e girando, e levando os dois de novo até o outro lado do rio, ao momento dos projeteis chegando, dos projéteis explodindo e ele se teletransportando para o passado, com os projeteis se teletransportando também, atravessando outro túnel de tempo, sendo lançados num Egito em guerra; um Egito paralelo, de homens núbios antigos que matavam seu povo em prol de um fator, que dominava a química e corpos.
Os projéteis então atingiram esses homens de crânios alongados, permitindo que crianças e mulheres escapassem e Sean e Tahira aparecessem do outro lado do Rio Nilo, com ela percebendo que Sean não estava mais ferido.
E Sean desfaleceu.
29
Rio Nilo; Egito.
10/06; 20h21min.
O barco de turismo balançava incessantemente nas águas mágicas do Rio Nilo. Tahira olhou mais uma vez o corpo belo e jovem ainda desfalecido na cama e saiu da cabine alcançando a proa com a noite caída.
— Onde estamos?
Tahira se ergueu da cadeira de madeira onde acabara de sentar-se.
— Sean yá habibi... Assustou-me.
Sean estava enrolado num cobertor.
Olhou em volta e a noite era belíssima ali.
— Como chegamos aqui?
— Em nada se pareceu com seus dons. Porque ficamos mais de três horas a deriva no Rio Nilo, num bote sem remos, que encontrei na casa de barcos abandonados. Então esse barco de turismo que estava navegando, nos encontrou e estamos aqui desde ontem.
— Najma?
— Não tive como trazer seu corpo ou a polícia seria avisada, e faria perguntas.
Sean sentou-se em choque noutra cadeira de madeira.
— A Senhorita quer mais chá? — perguntou de repente o garçom do barco de turismo que os resgatara.
— Por favor, duas xícaras.
O garçom serviu duas xícaras.
— O jantar será servido as vinte e uma, Senhorita.
— Shukran!
Sean nada falava. Só esperou o garçom se afastar.
— Eu teletransportei aqueles projeteis.
Tahira sentou-se.
— Para onde?
— Seu Egito.
— Por Allah!
— Preciso entrar em contato com Oscar, avisá-lo que Wlaster vai atrás dele.
— O que ele quer com seu pai?
— Minha genética! — e Sean tomou o chá num gole só e se levantou, voltando à cabine.
Tahira ficou o vendo sair de sua vista. Ficou lá até a sineta tocar as vinte e uma horas, avisando do jantar. Ela respirou profundamente e se levantou dando de encontro com ele novamente.
— Sean yá habibi... Assustou-me novamente.
— Diz um provérbio árabe que para cada coisa que acredito saber, dou-me conta de nove que ignoro.
— Como é que é?
— Quem é você?
— Não entendi... — um fog úmido invadiu de repente o tombadilho e os cabelos vermelhos dela brilharam na luz do luar, fazendo a fina blusa que usava delinear um belo par de seios. Os olhos dos dois se cruzaram, mas Sean não se moveu. Ele apenas a observava atentamente. Tahira cobriu os ombros gelados com um casaco conseguido pelo barco de turismo. — Está frio...
— Até quando vai brincar? — disse ele cortando a frase dela.
— Jura? — levantou da cadeira e pôs-se a rodeá-lo. — Porque não tenho a mínima ideia do que fala.
Seus rostos se misturavam pouco a pouco à neblina que invadia suas retinas, que molhava o chão de orvalho.
— Mas você sabe do que falo, porque sabe o que aquele leão de pelagem vermelho-amarelada quer.
E Tahira deu uma risada esganiçada passando por ele.
— Vou jantar. Uma egípcia não sabe pensar... — e Sean a beijou com tanta força que Tahira perdeu o equilíbrio, se ajoelhando no chão molhado, com ele a segurando pelos cabelos. — Oh... Sean... — sentiu-se tonta, excitada. —, não faça isso...
— Por que acha que vou fazer algo? — e o perfume do corpo dele, tão próximo, penetrava nas suas narinas. Sean a encarou no úmido tombadilho e seu corpo de homem bonito, másculo, viril se mostrava, dilacerava emoções baratas, fazendo-a se entregar ao destino. — Toque-me!
E Tahira sorriu lasciva querendo mesmo tocá-lo, o tocando, acariciando suas coxas, quando ele a puxou pelo cabelo a afastando dele.
— Ahhh... Sean... — mas Tahira não mais se sujeitava a ordens, não se controlava mais depois de tantos anos de desejo, de invasão, de olhares noturnos enquanto ele dormia; porque ambos sabiam que ela o vigiava, noite após noite, dentro do flat, dentro do quarto dele, dentro de seus sonhos.
Ela agarrou o sexo dele pelo jeans e Sean sentiu-se dobrar.
— Ahhh! — foi a vez dele exclamar.
Ela se levantou com ele ainda lhe puxando os fios ruivos, sedosos, e seus lábios o alçaram. Sean a encarou e o olhar dela seguiu a boca que engoliu um seio, depois outro, lambendo-os através do fino tecido da blusa, mordendo-os até ela gritar.
— O que está fazendo? — olhou para os lados nervosa, vendo o tombadilho tomado pelo orvalho.
— Por que acha que estou fazendo algo?
E Tahira não queria responder àquilo, àquilo não. Não depois de sentir as mãos dele deslizando pela nuca ruiva dela, emaranhando-se nos cabelos cor de fogo, descendo o rosto dela, a boca dela, até seu sexo. Tahira estava confusa, excitada e confusa, quando ele a fez percorrer o tecido. — Aqui não... — Tahira sentiu o amargo do brim do jeans.
— Aqui sim! — e as mãos dele também não se controlavam, subiram-na pelos cabelos e desceram até a saia dela, buscando invadi-la, envergonhá-la, perturbar o corpo da mulher desejada.
E Tahira sentiu-o, a invasão da saia, da lingerie, do sexo úmido, dedos hábeis que deslizavam por entre suas pernas, por dentro e por fora, fazendo Tahira delirar de tesão, sentir-se tonta novamente, sem ação.
— Sean...
— Cale-se!
E Tahira calou no que Sean a fez escorregar até o chão outra vez, se deliciando pelo toque, pela invasão, pelo local, pelo cheiro do rio próximo, respondendo o que seu próprio corpo perguntava há tanto tempo.
Sean desabotoou botão após botão da camisa dada, até seu corpo se expor. Depois os botões da blusa dela, até expor seus seios, os beijar sem vergonha para então jogá-la no tombadilho úmido com os seios se movimentando pelo ato.
— Sean?!
— Quem é você, Tahira? — perguntava nervoso, excitado, cúmplice daquela inusitada noite.
— Não sei do que...
— Quem é a mulher que atravessa mundos em busca da aventura?
— Não... Qual é o seu jogo?
— Por que acho que tenho um?
— Porque você nunca foi homem de não saber o que faz, para fazer tantas perguntas — mas Tahira sabia que Sean sabia o que fazia, conhecia o custo de ludibriar a noite, de fazer pecados virem à tona.
Ela então levantou e abriu-lhe o zíper da calça e o consumiu.
— Ahhh... — e ela o engoliu. — Ahhh...
Porque ela também sabia o que fazia, porque a umidade penetrava cada poro sensual de seu corpo belo e excitado.
— Viaje Sean! — sua voz era pura ordem. — Passagem só de ida!
Adrenalina pura eram seus corpos, queda vertiginosa, êxtase total, fazendo dali, do tombadilho molhado, um encontro de amantes.
Até o amanhecer.
30
Cairo, Egito.
11/06; 05h00min.
Era noite ainda e fazia frio no Cairo. Oscar Roldman saiu da pequena pousada na qual estava escondido com um casal de agentes da Polícia Mundial, se dirigindo a passos largos pelo breu que tomou conta das vielas do Cairo Islâmico. Oscar ainda pôde ver guarnições paramilitares controlando aquela área do Cairo, e sabia que aquele controle todo concentrado na região em torno da Cidadela de Salah el-Din, uma fortaleza do século 13 localizada a leste do Cairo Islâmico, aos pés da Montanha Mukattam, era para vigiar a Eschatology Inc..
Entretanto, lá, nada sabiam sobre a toca da Polícia Mundial no local, um Bar de nome Richãã, que alugaram para fazer campana.
Oscar puxou o pano do turbante colorido que lhe cobria a testa escondendo agora todo o seu rosto, e deu de encontro com um homem de olhos enegrecidos.
— Peixe? — perguntou o homem em dialeto árabe. — Duas libras egípcias — disse o preço.
— Agora não! — respondeu Oscar assustado com o liquido que navegava nos olhos dele.
— A salamo a-leikom!
— A leikom es salâm!
E o pescador se foi.
Oscar respirou aliviado voltando a caminhar, porque se considerava um homem velho para aquilo. Durante todo o dia anterior, seus dois agentes, o casal Jeffrey e Annette, se passava por comerciantes islâmicos, se misturando ao povo que frequentavam o seu bar livremente. À noite, somente eles, os agentes, o ocupavam.
Oscar Roldman entrou e percebeu Jeffrey andando incessantemente à frente de uma lareira no canto do bar, para esquentar o esqueleto.
— Nem parece que vive em Boston — falou Oscar a ele, ao entrar.
— Mas aqui faz calor durante o dia e a noite tudo congela Sr. Roldman — e Jeffrey espirrou.
E Oscar achou graça.
— Alguma coisa na rua, Senhor?
— Um ou outro homem dominado pelo Fator Shee-akhan.
— Acho que se arrisca dessa maneira sabendo que eles andam a esmo durante a madrugada, Senhor.
— Algum movimento no ‘purgatório’ em frente? — perguntou Oscar sem cogitar mais aquilo com Jeffrey.
— O ‘purgatório’ hoje tem mulheres mais bonitas que o normal — e Jeffrey voltou a espirrar. — As mulheres entraram sem burka; tinham cabelos claros, oxigenados.
— Contratadas?
— Me parece que sim. Hoje está particularmente agitado. Há homens entrando e saindo como formiga no açucareiro, e usam roupas ocidentais! — falou agora a agente Annette.
— Compradores, Annette?
— Um ou dois.
— Vendedores?
— Cinco ou seis.
— Algo grande?
— Alguns carros de luxo, algumas caixas de metal pesado. Pela leitura de Spartacus, uma ou duas caixas contendo mísseis.
— Inferno! — Oscar estava visivelmente agitado. — Drones?
— Spartacus fotografou três. Entram e saem do espaço aéreo.
— Como entram e saem?
— Não sabemos Sr. Roldman. Spartacus não os perdeu uma única vez de vista, por assim dizer, mas eles aparecem e somem do radar.
— O que acha que significa isso Senhor?
— Não sei Jeffrey. Não faço ideia do que permitiria os drones sumirem do radar.
— Algum tipo de bloqueador novo no mercado?
— Eles os manteriam stealth, invisíveis. Não ‘entrando e saindo’.
— Algum problema com o satélite de observação depois que voltou à órbita geoestacionária Senhor?
— Cientistas da Computer Co. disseram que não, e Gyrimias me garantiu que Spartacus voltou a funcionar a contento.
— Deve ser verdade, já que Spartacus fotografou Mark O’Connor vivo — falou Annette.
— Sean Queise sabe disso Senhor?
— Não. Não permiti que Sean captasse essa informação, e não é só Trevellis e a Poliu que sabem bloquear psi.
— E Sean Queise é um espião psíquico da Poliu?
Oscar se levantou tão agitado que Jeffrey ergueu as mãos em sinal de paz.
— Desculpe-me chefinho.
Porque Jeffrey e Annette eram agentes diretos de Oscar Roldman.
— Desculpe-me, a mim.
Annette e Jeffrey se olharam.
— Há algo mais Sr. Roldman.
— O que Annette?
— Spartacus foi chamado ontem, durante as explosões noticiadas pela polícia de Aswan.
— Sean?
Os dois voltaram a se olhar e Annette se levantou para pegar fotos enviadas.
Oscar olhou o envelope e o abriu.
— São imagens de um primeiro ataque drone, depois imagens de um segundo ataque drone quando Spartacus ataca esse drone, o destruindo — Annette viu Oscar olhar os dois. — Para então um terceiro ataque, de um novo drone, mas não havia um terceiro drone.
— O que significa isso?
— Nossos analistas fotográficos acreditam que o drone que fez o primeiro ataque, matou a médica Najma e um homem com ela, com rajadas de balas — ela viu Oscar voltar a olhar as fotos tiradas por Spartacus. — Depois esse mesmo drone faz uma volta e se prepara para um segundo ataque quando Spartacus atinge o drone, após ele lançar projeteis sobre o Sr. Queise e a jornalista Tahira — e Oscar viu as fotos.
E Oscar a encarou.
— Onde está vendo algo extraordinário Annette?
— Os analistas não entendem é o porquê de não haver um segundo drone, nem um terceiro ataque. Porque é o mesmo drone que volta para atacar o Sr. Queise e a jornalista Tahira pela segunda vez, só que ele havia sido destruído por Spartacus.
— Segunda vez?
— Sim. O segundo ataque atingiu o Sr. Queise, quando ele e Tahira somem da visão do satélite e apareceram do outro lado do rio, com ele ferido e o drone atingido por Spartacus.
— Sean está ferido?
— Acho que não. Porque logo depois há um terceiro ataque, quando acontece tudo igual ao segundo ataque, mas o Sr. Queise some e aparece do outro lado do rio, com ele e a jornalista sem ferimentos e o drone sumido da visão do satélite.
Os olhos de Oscar se abriram.
— Mark O’Connor? — foi o que perguntou Oscar fechando o envelope.
Jeffrey e Annette se olharam de novo, e perceberam o ‘Acabamos por aqui!’.
E eles acabaram.
— Mark O'Connor está dentro da casa, Senhor.
— Spartacus?
— Ainda com a leitura química dele.
— El Zarih?
— Não está lá.
— Wlaster?
— Ainda não chegou Senhor.
— Acredita que Wlaster vai aparecer Sr. Roldman?
— Não sei o que dizer Annette.
— Acha que mesmo com toda polícia egípcia e sudanesa atrás de Mark O'Connor, ele ainda consiga fazer negócios?
— Mark O’Connor se considera um ‘Senhor das armas’, Annette, ele não tem limites.
— Mas é um armamento pesado Senhor.
— Wlaster está se preparando para uma guerra Jeffrey. Não sei ao certo se contra nós ou contra aqueles alienígenas que vão passar pelo portal.
— Acha que o portal vai abrir no solstício de verão, em junho?
— Na década de 70, o egiptólogo amador John Anthony West estava lendo com entusiasmo os escritos do ocultista e matemático francês chamado Schwaller de Lubicz, que argumentava que os mistérios da civilização egípcia só poderiam ser desvendados quando fossem decodificados os símbolos matemáticos e místicos, inscritos na arquitetura e na arte daquele povo. E Pitágoras veio beber nessas fontes de conhecimento, porque como Lubicz, acreditava que os egípcios eram muito mais sábios do que os estudiosos supunham, e que teriam recebido seus conhecimentos de uma antiga civilização que teria desaparecido após grandes inundações cataclísmicas.
— A inundação de Noé?
— A inundação dos Anunnakis?
— Mú, Lemúria, Atlântida, e talvez outro Egito, paralelo ao nosso, para onde retornaram.
— Coexistindo conosco?
— Sim Jeffrey.
— E Wlaster quer o que, com esse povo egípcio paralelo?
— Poder!
— Poder sobre o que?
— Foi o que Trevellis exigiu de Sean, respostas em troca do conhecimento sobre a filha de Clarice.
— Acredita no que Mr. Trevellis diz?
— Ele não disse! — e Oscar sorriu de uma maneira enigmática, que somente seus agentes próximos, e somente eles, podiam entender; que ele era um Roldman.
— Wlaster entrou na casa Sr. Roldman!
— Desgraçado! Sabia que ele viria! — Oscar ficou olhando Jeffrey observar o purgatório da janela do bar e suspirou.
Depois se virou e voltou a colocar o gorro.
— Aonde vai, Senhor?
— Encará-lo!
Annete ergueu todo o rosto miúdo e bonito, olhando para Jeffrey.
— Acha uma atitude sensata Senhor?
— Não...
— Mas então...
Mas então uma grande explosão perpetuou-se pela manhã adentro e o bar Richãã desapareceu nos ares.
Rio Nilo, Egito.
11/06; 05h30min.
Sean ergueu-se em choque. Sentia como que atordoado, com uma dor inexplicável no peito. Tahira acordou nua, ao seu lado, ambos enrolados em lençóis macios na cabine do barco de turismo.
— O que houve Sean yá habibi?
— Meu pai...
— Fernando?
— Oscar!
— Por Allah!
— Helicóptero a estibordo!!! — gritou o timoneiro do lado de fora.
— Droga... — Sean olhou pela escotilha. — É um Bell Boeing V-22 Osprey.
— E o que isso significa?
— Chamei o helicóptero de Oscar sem piloto — e deu um pulo da cama procurando a roupa fornecida pelo staff do barco.
— Por Allah! Como assim ‘chamou’? — ela se enrolou no lençol.
— Não sei... — se vestiu. — Mas Oscar está em perigo — e saiu.
Tahira correu a se trocar e o alcançou na proa lotada de turistas.
— Helicóptero a estibordo!!! — gritava o timoneiro outra vez.
O helicóptero ainda se mantinha no ar.
— O que vamos fazer Sean yá habibi? O helicóptero está sobre o barco.
— Fique aqui! — Sean se virou e voltou. — E, por favor, siga com o barco até a próxima parada e vá para o Cairo. Lá, envie meu notebook para Kelly. Depois descubra qual era o papel de Mustafá na escola do papiro, e por que Afrânio e Mustafá escolheram Corniche el-Nil para montar um laboratório.
— Por que isso? Por que Corniche el-Nil era tão importante?
— Não sei. Por isso eu ia ficar no hotel do Cairo primeiramente quando vim a primeira vez ao Egito. Eu tinha um acordo com Trevellis para encontrar o paradeiro da menina de Clarice, mas a morte de Miro atraiu atenções sobre mim. Eu então me desesperei e fui para Nabta Playa, para encontrar algo na pirâmide. Mas quando cheguei lá, estava acontecendo o encontro de Mark O’Connor com fabricantes de armas pesadas. Depois o Fator Shee-akhan entrou em mim e tudo aquilo aconteceu. E com minhas memórias comprometidas, ainda não sei o que ia realmente fazer no Cairo.
— Jura...
— Sem ironia Tahira. Preciso acertar contas com Wlaster, porque foi ele quem matou Afrânio e Samira com CHE, o mesmo CHE que matou Miro e Joh; e provável matará você, porque aquele alienígena no corpo de Joh falou sobre você e sua mãe.
— Mas Wlaster nunca nos perturbou mesmo eu não sabendo que era perturbada.
— Mas você sabia Tahira. Você sempre soube.
— Acha que estou mentindo?
— Não. Mas há mais nisso tudo, não é? — e se virou para sair.
— Posso lhe perguntar algo, Sean yá habibi? — ela não esperou a concordância dele. — Por que arriscou nossas vidas voltando para buscar Najma?
— Porque eu sabia que ela havia falhado no hospital quando antigos egípcios injetaram Shee-akhan em mim, porque Wlaster queria entrar no meu corpo.
— E ela falhou?
— Não!
— Então ela sabia quem era você?
— Não!
— Mas como...
— Habaitak! Ela me amou, Tahira, e me sequestrou mesmo sabendo que eu e El Zarih éramos importantes para a seu padrinho Abu Ali Faãn. Só não sabia toda a extensão do que fazia. E Jablah foi obrigado a continuar o ‘tratamento’ de injetar Shee-akhan em mim sem que ela soubesse, ou comprometeria a segurança deles. Só não contavam com meus siddhis dominando o Fator Shee-akhan durante seis meses.
— E mataram Jablah porque ele falhou?
— Sim.
— E por que a mataram?
— Porque ela pediu para morrer — e Sean se virou para ir embora.
Tahira esticou os olhos computando tudo aquilo.
— Sean... Aonde você vai realmente?
— Paris!
— Paris?
— Sim, Per-Isium, lugar de culto à deusa Isis — e se transformou num Sean de rabiscos, até que sumiu das suas vistas com o helicóptero se distanciando do barco, e ele o pilotando.
31
Catedral de Notre-Dame; Paris, França.
48° 51’ 10” N e 2° 21’ 0” E.
12/06; 10h00min.
Passos largos se fizeram no subterrâneo da Catedral de Notre-Dame, na França.
— Não pode entrar!!! — gritou uma mulher atarracada, tentando brecar um jovem loiro, que a impactou quando apareceu no meio da sala dela, vindo do nada, e que invadiu a sala contigua que cheirava a caro charuto cubano.
— Quanta indelicadeza com uma dama — falou a voz rouca de alguém que sentava num largo sofá de couro marrom.
Sean Queise se aproximou do homem de pele jambo, de porte elegante, cabelos curtos que branqueavam e olhos extremamente esverdeados.
— Trevellis! — soou com ironia da boca dele.
— Que bom saber que sua memória volta aos poucos, ‘Sean querido’ — sorriu Mr. Trevellis.
— “Aos poucos”? — sorriu Sean.
Mr. Trevellis só ergueu um sobrolho e gargalhou com gosto, sabendo que Spartacus na sua órbita original significava uma memória voltando mais rápido do que todos esperavam. E vendo que Sean encarava o homem sentado na poltrona, ao seu lado, os apresentou.
— Esse é Christian Tyrone. Empresário de...
— Achei que o drone havia explodido você — Sean cortou a apresentação de Mr. Trevellis.
Mr. Trevellis estancou e Christian Tyrone sorriu.
— Também achei o mesmo de você.
— Também não sei como eu não explodiria, não é? Porque eu dirigia um velho Jeep anos 70 que não tinha os mesmos cavalos que seus Land Rovers.
Christian Tyrone escorregou um olhar para Mr. Trevellis que agora só observava Sean.
— Acho que começamos mal, Sr. Queise — Christian Tyrone se ergueu com intenções de cumprimentá-lo, mas Sean o sentou amarrado com fios energéticos, à cadeira.
Christian Tyrone sentiu-se grudado nela, literalmente e Mr. Trevellis deu um pulo do sofá sem, porém se levantar.
Sean então se aproximou de Christian.
— Que tipo de arma ia vender a Mark O’Connor?
Christian Tyrone voltou a olhar Mr. Trevellis que parecia não querer se envolver em algo que acontecia ali.
— Rastreamentos.
— Rastreamentos não são armas.
— Spartacus é uma.
Sean só inclinou o pescoço.
— Spartacus não estava a venda — sorriu. — Estava Trevellis? — sorriu para o jambo homem que só baforava seu charuto cubano. — Mas claro que poderia vir a estar se Wlaster tivesse conseguido que você, Christian, dominasse Para-Kaya pravesanam, inserindo-se no meu corpo.
Christian Tyrone até quis se levantar, mas fios energéticos dos quais nenhum dos dois enxergavam, o prendiam na cadeira.
— Eu não... Eu não...
— Não! Você não Christian! Mas Trevellis sabe do que falo, porque luta muito para que Wlaster não apareça durante seu sono para dominá-lo.
— Não posso ser dominado filho de Oscar.
E Mr. Trevellis foi ao chão, de joelhos, beijando-o.
Christian Tyrone arregalou os olhos e Sean se inclinou agora para ver Mr. Trevellis ajoelhado, com os lábios grudados no piso.
— Repita Trevellis! ‘Não posso ser dominado filho de Oscar’! — e gargalhou.
— Você... Você... — e Mr. Trevellis não sabia como se livrar daquela posição, da força mental dele. — Você...
— Eu o que Trevellis?
Mas Sean voltou Mr. Trevellis ao sofá e o sofá foi ao teto, preso, de ponta cabeça. Mr. Trevellis escorregou um olhar furioso se vendo preso como Tyrone, pela força paranormal de Sean Queise, quando o sofá voltou ao piso para então aparecer no deserto, com ele sentado nele, e com cinco carros se aproximando em alta velocidade, levantando a areia.
— Sean?! — Mr. Trevellis arregalou os olhos esverdeados para o entorno, e se viu sozinho no meio da areia quente. — Sean?! — berrou desesperado, preso ao sofá, vendo que os carros se aproximavam quando um drone surgiu por entre as nuvens que nem estavam ali. — Sean?! Sean?! Filho de Oscar?! — e o drone disparou um míssil que explodiu o último carro, o carro de Sean Queise. — Ahhh!!! — gritou Mr. Trevellis preso ao sofá, preso a areia com o Jeep anos 70 voando pelos ares e caindo no deserto de areia vermelha sob um Sol de 48 graus.
“Repita Trevellis! ‘Não posso ser dominado filho de Oscar’”, soou ali.
— Chega Sean!!! — mas os quatro carros Land Rovers que vinham à frente do Jeep anos 70 capotado, pararam adiante e Wlaster desceu de um deles. Atrás dele veio Mark O’Connor que engatilhou uma semi automática e disparou sobre Ahmad Al-badi, Nazih Sab`bi, Schiller König, Stefano Cipollone, Giovanni Bacci, Aaron Augustine, Christian Tyrone, Robert Avillan e Alam Al Alam. — Ahhh!!! — Mr. Trevellis berrava vendo corpos e luzes refletidas da semi automática dentro dos carros, na lataria dos carros e corpos morrendo ali dentro.
E Mr. Trevellis impactou e arregalou os olhos esverdeados mesmo, foi quando viu Christian Tyrone e Robert Avillan saindo de um dos carros destruídos, onde acabaram de serem mortos, com os olhos tomados de um líquido que os enegrecia, e foram atrás de Mark O’Connor, enquanto Wlaster tirava Sean desmaiado dos destroços do Jeep anos 70, e injetava Shee-akhan nele esperando Christian Tyrone e Robert Avillan atingirem Para-Kaya pravesanam, e conseguirem entrar nele.
Mas nada que fizesse, nenhuma posição mais estranha que a outra, permitiam que seus corpos o tomasse. Wlaster então berrou descontrolado até que toda sua pele se tomou de pelo dourado, e pernas e braços se tornassem patas e seu cabelo se tornasse uma pelagem. E a pelagem feito labaredas de fogo balançou para um lado, outro e outro mais, levantando a areia numa tempestade que cegou Mr. Trevellis ainda preso ao sofá.
Quando ele voltou a respirar e enxergar o que acontecia, estava de volta à Paris tomado pela areia da baixa Núbia, para impacto de um Christian Tyrone, que olhou Sean, e olhou Mr. Trevellis, e voltou a olhar Sean que olhava cínico para ambos.
— Fez boa viagem Trevellis?
E antes que Mr. Trevellis respondesse àquilo a testa de Christian Tyrone se abriu, e uma luz verde escapou dali.
— Ahhh!!! — gritou Christian Tyrone.
— Ahhh!!! — gritou Mr. Trevellis olhando o corpo de Christian Tyrone se tomar de adornos egípcios e núbios, sua pele dourar e seu crânio se alongar, para então se tomar de um fogo interno que o consumiu até somente os pés nos sapatos de cromo alemão, ficarem ali, ainda presos.
Mr. Trevellis tinha a pele, como se fosse possível, embranquecida pelo medo, quando deu uma grande risada.
— Sean... Sean... Você realmente me surpreendeu filho...
— Então me deixe perguntar novamente, Trevellis — Sean se inclinou para ele. —, quem era Christian Tyrone?
Mr. Trevellis se virou ainda embranquecido e pasmado para o que restou do corpo morto por CHE, com o pó dele ali.
— Então Christian Tyrone e Robert Avillan não sobreviveram?
— Não!
— E o Robert Avillan que chegou ferido ao hospital de Cartum foi um desses egípcios ou núbios antigos dentro do corpo dele?
— Sim!
— Mas Oscar conversou... Oscar esteve com Robert antes da explosão em Essex. Oscar teria percebido se... — e Mr. Trevellis arregalou os olhos. — Farinha do mesmo saco, não filho de Oscar? Porque Oscar sabia que Robert não era Robert de alguma forma, e foi lá usar Robert para avisar Wlaster do que ele faria, de que a pasta cor de vinho havia saído da Poliu e estava com ele, porque seu pai também é um siddha.
— Exato!
E Mr. Trevellis riu com gosto, querendo aquilo que Sean sabia, ter tido um filho como ele, porque filho de Oscar, de Fernando ou de quem fosse o filho, ele era o que desejava que suas filhas fossem.
E Sean captou tudo aquilo outra vez.
— E o corpo possuído de Christian Tyrone sumiu de cena, porque Wlaster precisava dele para roubar Spartacus, porque ele poderia fotografar a hora exata que os portais se abririam — e Sean se aproximou de Mr. Trevellis o liberando das amarras. — E tudo isso, porque Aurora contou a Wlaster, depois de conseguir informações com Gyrimias, que agentes da Poliu como Sandy se infiltravam na Computer Co..
— Nada sei sobre a irmã de Juca ser uma espiã psíquica da Poliu, porque nada sei sobre Sandy, já que a amiguinha da minha filha a traiu também. E o canalha do Wlaster tinha seus próprios psi, sem o conselho saber, após a saída de Mona Foad.
— Não quero falar sobre Sandy.
E Mr. Trevellis se levantou sentindo todo seu corpo doendo e encheu um copo de whisky.
— Ótimo filho de Oscar, porque também não quero falar sobre ela — e bebeu tudo num gole só.
— Mas sobre Robert Avillan vamos falar, porque Robert conseguiu roubar a pasta cor de vinho.
— Seu pai me contou! — Mr. Trevellis riu um sorriso debochado e Sean não gostou daquilo.
— Mas não para foi para Wlaster que Lucy roubou a pasta cor de vinho... — e Sean teve uma pequena vitória no suor que escorregou do rosto de Mr. Trevellis —, porque eu a ensinei a mentir para Oscar, para os dons de Oscar, exatamente como vocês bloqueiam os psi entre si. E me parece que ela se tornou uma bela espécie de teste — riu. — Lucy entregou a pasta cor de vinho para mim antes da explosão me apagar.
— Mas como você... — e Mr. Trevellis parou.
— Como eu sabia ler uma pasta cheia de papéis que se escrevem ao comando de dons paranormais? Quer mesmo saber? Jura? — e Sean riu da sua própria piada. — Porque eu devia saber, Trevellis. E devia saber que tudo aquilo ia acontecer já que me visitei quando tinha catorze anos.
— Você se... O que? Você se visitou? Está dizendo que pode voltar no tempo e... Incrível!
— “Incrível”? — e Sean gargalhou tenso. — Não Trevellis, não há nada incrível em saber o que eu realmente fiz, porque eu fiz algo que deu errado naquela pirâmide quando a toquei, porque Shee-akhan entrou em mim e não permitiu que eu morresse naquele acidente, não permitiu que todo aquele Fator Shee-akhan injetado no hospital de Cartum chegasse a meu organismo, porque atingi Advandvam, e tolerei o calor do fogo e a dor de ser explodido, para então ativar Aparajayah para permanecer invicto e ativar Ajna apratihata gatih, impedindo ordens ou comandos de outros.
— Como não ser dominado pelo Fator Shee-akhan.
— Exato! E se foi uma pena a amnésia apagar muita coisa, afloraram outras, como saber que Clarice conseguiu tirar uma menina de quinze anos, do Egito para Portugal, onze anos atrás.
Mr. Trevellis levantou-se de supetão.
— Você conseguiu achá-la?
— Devia ter deixado o ‘canalha do Wlaster’ ter matado você quando teve oportunidade — disse Sean a Mr. Trevellis.
— Não seja ridículo! — o grande homem de pele jambo gargalhou. — Você nunca teve essa oportunidade, Sean querido.
— O que? Então não sabia que o agente Wlaster Helge Doover ensinava Mona Foad a fechar seu chakra laríngeo todas as noites? — e Sean viu Mr. Trevellis arregalar os olhos, que escorregaram para o resto do corpo de Christian, e o que um chakra aberto era capaz de fazer. — Mas o agente Wlaster Helge Doover teve que suspender tal atividade, quando contei a Mona o que ela fazia enquanto saía do corpo.
— Surpreendente! Nunca pensei em vê-lo me defender.
— Não o defendi! Defendi Mona de uma corte judicial — e Sean viu Mr. Trevellis sentar-se ainda abalado. — Mona então decidiu denunciar o agente Wlaster e ele teve que apagar da mente dela informações vitais das quais ela desenvolvia.
— Mas Wlaster não conseguiu apagar nada de você, percebo?
— Ele conseguiu sim, de alguma maneira. Só não imaginava que eu, um velho Sean Queise pudesse visitar um jovem Sean Queise no passado e permitir que ele soubesse coisas. Nem que um jovem Sean Queise voltasse ao passado, e enviasse o robô da Computer Co. a ele, para quando o velho Sean Queise chegasse aquela noite de 11/11, encontrasse o robô com todas as informações necessárias.
— In... Incrível... — e Mr. Trevellis mal conseguir acreditar no que ouvia. Porque precisava mais que nunca que Sean o ajudasse na Poliu, que ele se tornasse um espião psíquico, porque tinha coisas ainda maiores acontecendo. — Eu faço um acordo!
— Não Trevellis! Não há mais acordos!
— Isso quer dizer o que, filho de Oscar?
— Isso quer dizer que Wlaster soube quando Miro Capazze morreu, que eu estava ativo, porque ele soube quando passou pelo corredor tirando Mustafá da investigação, que Clarice enviou-me novamente o papiro, um papiro que só escreve para mim, e que havia rastros gravitantes da menina que Clarice resgatou ali, à minha volta, na minha valise que Tahira mexeu no meu flat, e provável nas minhas roupas, perfumes e todo meu corpo.
— E você sabia?
— Provável eu sabia quem era Tahira porque a levei a meu quarto onze anos atrás, e sabia que ia precisar dela, mas a explosão e a amnésia atrapalhou meus planos — e viu Mr. Trevellis se abster de comentar. — Quando voltei do Egito e confrontei Oscar, ele driblou minha inteligência inventando uma pasta cor de vinho que não existia. Acho que ele queria me ferir, contando sobre minhas “outras atividades”.
— Atividades hacker, suponho — Mr. Trevellis riu baforando seu charuto cubano. —, já que ele tinha ciúme de Fernando com Nelma.
— Você não é tão esperto assim, Trevellis. Ou não estaria sendo destruído pelo próprio sangue.
Agora Mr. Trevellis se ergueu com todo seu peso e tamanho.
— Se você encostar um dedo em mais uma filha minha...
— ‘Se eu encostar’? — sorriu cínico com Mr. Trevellis avançando sobre ele e Sean mudando de lugar.
Mr. Trevellis sabia que de nada adiantaria aquilo. Ele iria se ver com Dolores mais tarde.
— O que quer de mim filho de Oscar?
— Nosso trato! O primeiro trato que fiz.
Mr. Trevellis voltou a rir.
— Não Sean Queise! Quero a menina.
— Não! A menina não! Você quer Shee-akhan! O verdadeiro Shee-akhan dentro daquele leão de pelagem vermelho-amarelada, capaz de gerar tempestades de areia com sua juba.
Mr. Trevellis pareceu ponderar algo.
— E você fecha o maldito portal?
— Não! Ela abriu, ela fecha!
— A menina?
— Não! A faraó-leoa! — Sean viu os olhos verdes de Mr. Trevellis brilharem. —, porque você nunca quis a filha de Clarice, o corpo da garota que não sobreviveu no acidente de carro da família próximo a Nabta Playa e a faraó-leoa entrou. Você sempre quis que eu encontrasse a sacerdotisa com máscara mortuária, a que fugia da leão de pelagem vermelho-amarelada com máscara de íbis, e atravessou o portal se escondendo dentro do corpo da menina Tahira, que fez sobreviver, numa maneira de se perpetuar na Terra; entrando no corpo dela. E porque você sempre soube quem era Tahira, porque Dolores a vigiava naquele voo para Portugal, quando ela foi atrás de Clarice que está morrendo de câncer, assim como Aurora, para levá-la para o Egito onde o Fator Shee-akhan pode curá-la, porque o Fator Shee-akhan transforma algo em outra coisa. O que você nunca soube… — Sean apontou para Mr. Trevellis. —, é que a faraó-leoa de pelagem vermelho-amarelada com máscara de íbis não consegue ter domínio sobre o Fator Shee-akhan aqui na Terra. E que por isso ela só é adorada pelas mulheres de máscara mortuárias naquele Egito alienígena.
— Mas elas podem filho de Oscar! Joh me garantiu, que Afrânio garantiu, que que essas mulheres egípcias com máscara mortuária podem dominar o fator Shee-akhan aqui na Terra.
— Não sei. Mas talvez Tahira tenha razão, Afrânio interpretou o desenhou daquela parede da pirâmide de uma maneira que todos nós, eu, Samira e Clarice, interpretamos errado.
— E quem pode dominar o Fator Shee-akhan?
— Ninguém pode. E nem devemos se quer, tentar começar Trevellis.
— E o que vai acontecer com Tahira?
— Deixe-a comigo. Nós também temos um trato — sorriu cínico.
— Um trato que vai fechar o portal antes ou depois de você atravessá-lo? Porque sabe que precisa resgatar seu pai, que foi levado por um leão alienígena nada amigável.
— Sim, Trevellis. Por isso preciso atravessar o portal para resgatar Oscar que foi levado por Wlaster, que na verdade morreu naquele dia, 03/11, no laboratório de Corniche el-Nil, junto a Afrânio e Samira, por CHE.
— Está querendo...
— Estou dizendo que era isso que eu ia investigar no laboratório de Corniche el-Nil, as energias gravitantes de um Wlaster morto. Porque quem vemos mostrando sua beleza esfuziante é Shee-akhan, o verdadeiro, o leão nada amigável dentro de Wlaster.
— Então Shee-akhan é aquela besta que todos os espiões psíquicos viam?
— O leão de pelagem vermelho-amarelado com máscara de íbis que atravessou o portal onze anos e entrou no corpo de Wlaster, atrás da faraó-leoa no corpo de Tahira, e que domina uma planta que domina a mente, no que chamam de Fator Shee-akhan.
Mr. Trevellis engoliu aquilo a seco. A visão de um Wlaster no deserto se transformando em um leão de pelagem vermelho-amarelada feito fogo iria assustá-lo por toda vida.
— Mas eu vi...
— Eu sei! — Sean cortou sua fala, mostrando a Mr. Trevellis que ele podia ler mentes bloqueadas. — Eu sei que Mark O’Connor está vivo, ainda comercializando armas; uma arma em especial que Joh contou aos alienígenas quando seu corpo foi tomado após minha explosão, seis meses atrás.
E um suspiro cumprido foi o que Mr. Trevellis deu:
— O que quer de mim filho de Oscar? — falou Mr. Trevellis enfim.
— Duas coisas; El Zarih e Dolores.
— Como é que é?
— O que? Acha que eu não ia querer recompensas por não me deixar amar Kelly?
E Mr. Trevellis só bufou.
Sean se fez de rabiscos até atingir Anima, a redução de um corpo para o mesmo tamanho de um átomo e atingir Manah-javah, movendo o corpo sempre que o pensamento vai, como o teletransporte ou a projeção astral, e deixar lá um Mr. Trevellis encantado com o filho de Oscar, sabendo que fez a coisa certa, que jogou todas suas fichas no jovem Queise, mesmo com Nelma furiosa, contando a Oscar o que Fernando permitia Mr. Trevellis fazer.
Afinal Nelma preparou Sean para ser um agente.
Já Sean se materializou nos subterrâneos da catedral, e uma porta de ferro enferrujado rodou seus parafusos em seu encontro com o batente, e ela foi retirada do encaixe, a ficar volitando até a luz acomodar a visão de ambos, e Sean Queise ver El Zarih e El Zarih ver Sean Queise.
“Se preocupar, não. Não morrer, Oscar” “Para ele calar, levar foi”, falou El Zarih para Sean através do pensamento.
Sean entrou no calabouço e lá uma cama pequena, os lençóis coloridos, os ventiladores sobre ele e uma mesa com muitos líquidos.
— Agora estar bem, ele. Apesar forçado, o sequestro foi, na explosão que vidas de dois agentes, Wlaster tirar — falou El Zarih agora em voz alta.
— Onde está Oscar?
— Onde seu pássaro metálico, alcançar vai.
— Spartacus? Ele vai alcançá-lo como?
— Como Mark O’Connor, querer, queria.
— Fotografando os portais. Mas eu já voltei o satélite de observação na órbita geoestacionária. Não posso... — e Sean parou. — Mas eu já havia fotografado, não? As fotos que Tahira tirou da minha valise quando voltei do apartamento de Kelly, e que ela abriu usando a senha ‘kellygarcia’; e que agora estão com Kelly.
— Com sua, alma gêmea, fotos estar sim.
“Alma gêmea?”, Sean sentiu-se mal.
— Amar ela, você está?
— Sim...
— Vamos então? — El Zarih se levantou e Sean viu que ele não tocava o chão, que como ele fazia com a porta, El Zarih também volitava.
— Quantos passaram pelo portal quando ele abriu onze anos atrás?
El Zarih não esperava aquela pergunta.
— Eu, Shee-akhan e a faraó-leoa.
— É ela que Shee-akhan quer?
— Não! Ele a mim, quer.
— Deus... É você quem domina o Fator Shee-akhan aqui na Terra?
— Sim!
— Por isso Jablah precisava de você vivo?
— Sim!
— Então você era importante para Jablah, Najma e Mustafá que com Miro, participavam da Escola de papiro.
— A menina Najma, bom coração tinha. Nada de perguntas, fazer. Amar, profissão escolhida. E você, também, ela amar.
Sean sentiu-se arrasado.
— Eu sei... Mas e Tahira? Quem é ela? Por que ela se arriscou a atravessar o portal? O que ela precisa fazer aqui na Terra?
— Precisava pessoas, encontrar. Precisava pessoas, modificar fator.
E Sean nunca teve tanto medo como naquele momento.
— Pessoas que dominar a magia da alquimia dos assírios, de se produzir algo do nada, de abrir portas com ‘Abracadabra!’ — e Sean olhou em volta. — Droga! Tahira estava atrás de Clarice?
— Ela ver, oportunidade, ali.
— Mas Clarice disse que havia alguém ainda mais poderoso que ela, ‘o loirinho dos Queise’. E Clarice era uma espiã da Poliu capaz de bloquear Mona e Samira, e elas nada saberem sobre ela, sobre seus dons. Por isso Tahira estava no meu flat, nos meus encontros ufológicos, porque precisava de meus siddhis para modificar o domínio dos leões no seu Egito alienígena.
— Sim! Entender você, tudo.
— Então Jablah procurava naqueles que injetava Shee-akhan no porão, um que pudesse ser o escolhido, o que mudaria o fator?
— Entender você.
— Mas por que Jablah tentou me matar?
El Zarih inclinou a cabeça e pareceu buscar em algum lugar do espaço aquela resposta.
Sean viu o nível de siddha que ele era.
— Jablah, descoberto foi. Matar ele, para calar. E menina Najma, calar também foi, por amá-lo.
— Deus... — e Sean saiu com El Zarih volitando atrás dele até o corredor se lotar de agentes da Poliu.
— Sean Queise... — uma voz sensual se fez ali.
— Dolores... — ele estancou.
Ela dispensou todos à volta dela, e os dezesseis agentes da Poliu saíram levando El Zarih para fora.
Dolores se aproximou dele.
— Meu pai me disse que você me queria. Não devia falar isso a um pai do tipo daquele.
Ambos riram. Havia química ali.
— Por que se ofereceu para me dar suporte na Unicamp, Dolores?
— Vai correndo contar para a secretariazinha se eu disser que foi por uma garrafa de Chardonnay? — e ela percebeu que ele voltara a ficar frio.
— Preciso novamente do helicóptero V-22 Osprey que me trouxe.
— Que você trouxe.
— Esse mesmo.
— Sinto muito, mas preciso lhe dar outro V-22 Osprey, com outra biometria instalada, ou o piloto não poderá pilotá-lo.
— Também preciso de algo mais, Dolores.
E Dolores recebeu a mensagem sobre total letargia. Não imaginava a que ponto Sean atingia tudo aquilo. Respirou pesado e se virou andando por todo o extenso corredor com Sean atrás dela.
Os dois seguiriam para fora da catedral, depois de atravessar todo pátio da catedral com Sean gostando das pernas roliças que despontavam da justa saia de corte perfeito andando à sua frente. Dolores escorregou um, dois, três olhares para trás, para vê-lo lhe apreciando. Sorriu satisfeita sabendo que nenhuma amnésia apagou o fato de que ela e sua irmã Umah, conheciam Sean há muito mais tempo que ele supunha; ou supunha, já que seu pai nunca acreditou em amnésia alguma.
“Wow!” Sean gargalhou.
Dolores também riu sabendo que ele lera seus pensamentos, mesmo ela preparada para bloqueá-lo. Porque nada mais o bloqueava. Um prédio se desenhou à frente deles e uma porta foi aberta. Lá, um extenso corredor de paredes de metal e um carrinho. Sean sentou-se ao lado dela e o carrinho se movimentou pelo extenso corredor, para baixo, andares abaixo da rua. Quando o carrinho parou, Dolores desceu e inseriu sua biometria, que abriu a porta de metal triplo, mostrando uma grande sala e muitos mainframes da Computer Co.. Se Sean sabia sobre eles antes da amnésia nada comentou. Dolores outra vez caminhou com suas pernas roliças até uma sala gelada que abriu após o uso de sua biometria outra vez, e uma grande sala de piso e paredes brancas, extremante estéril, mostrou ser apenas um cofre na parede.
— Foi daqui que Robert roubou a pasta cor de vinho?
— Sim. Entrado em vários corpos — e se virou para ele. — O que não foi um grande roubo já que você mandou Lucy trocar a pasta.
Sean só sorriu e a encarou.
— Não estou interessado em documento algum, Dolores.
— Não claro que não. Você quer a arma X 777, da qual nem se quer sonhávamos que você sabia existir.
— O que a faz achar que eu não sabia?
Ambos riram.
— X 777 usa uma reação deutério-trítio, onde um núcleo do átomo de deutério e um núcleo do átomo de trítio são combinados para formar um núcleo de hélio e um nêutron — e ela abriu o cofre se aproximando de um das muitas prateleiras esterilizadas ali.
Dolores então abriu uma caixa de um metal que não permitia acessos remotos e dentro, acomodada na espuma, uma arma de tamanho médio, quase do tamanho de uma Glock, mas com seu design arrojado, um gatilho transparente, feito por algo que se assemelhava a acrílico, mas que Sean sabia, era material alienígena.
— Wow... — soou dele.
— A fusão nuclear é o processo no qual dois ou mais núcleos atômicos se fundem, formando um novo núcleo com um número atômico superior — prosseguiu Dolores tirando a arma feita do que parecia ser acrílico, do estojo de espuma.
— A fusão nuclear usa o elemento mais abundante do universo, o hidrogênio, e com um subproduto inócuo, mas útil ainda, o hélio.
— O processo da ignição da X 777, é o mesmo que acontece no núcleo do nosso Sol, átomos de hidrogênio são comprimidos e acabam se fundindo, produzindo hélio e liberando muita energia.
— Está brincando...
— Acha? — Dolores sorriu com a ginga das pernas roliças roçando na saia. — A ideia é aquecer o hidrogênio à temperatura de 100 milhões de graus Celsius, e cruzar os dedos, esperando que a pressão gerada seja suficiente para iniciar a fusão, Sean Queise, até comprimir o hidrogênio a uma proporção, equivalente a comprimir uma bola de basquete, ao tamanho de uma azeitona e caber nessa arma scifi.
E Dolores se assustou de ver El Zarih de repente ao seu lado.
— Acha mesmo que aquela cela o prendia Dolores?
Os dois se olharam e Sean viu El Zarih inclinando a cabeça para o lado, como fizera a pouco tempo, provável lendo o que não podia ser lido ali dentro. Dolores nada percebeu e prosseguiu:
— Esta imensa compressão faz com que os átomos de hidrogênio não consigam evitar uns aos outros, e a colisão de átomos ocorra, os fundindo.
— Wow! Quinhentos trilhões de watts injetados aí dentro?
— Com apenas uma fração sendo efetivamente usada para iniciar a fusão, sim. Mas a energia libertada pela fusão é tão grande, que poucos cm³ de deutério, produzem o equivalente à combustão de 20 toneladas de carvão.
— O que pretender, você, conseguir, com energia tamanha? — El Zarih quis saber.
— Abrir um portal! — Sean encarou Dolores que sabia exatamente o que ele iria fazer com seu siddhi Advandvam, com tolerância sobre o calor, frio e o que for mais, e enfim atingir Prapti, com acesso irrestrito a todos os lugares.
— Vou dar a vocês duas jaquetas infláveis — e Dolores retirou dois pacotes vermelhos de uma prateleira lateral.
— Para que?
— Proteger seus corpos, quando você acionar a arma e ela abrir o portal. Ou serão desintegrados ou atingidos pela radiação.
— Causando câncer como o de Aurora e Clarice?
Dolores não respondeu.
— Uma vez colocada, ela precisa ser acionada para se inflar em uma espécie de casulo, porque depois, a fusão da reação de deutério-trítio aumenta rapidamente a sua taxa com o aumento de temperatura, até chegar a um valor máximo de oitocentos milhões de Kelvins, após o que gradualmente, desce, desaquece e o portal se fecha.
— Tenho até medo do que a Poliu ainda vem inventando.
— Por que acha que não faz parte de tudo isso Sean Queise? — e Dolores se virou para sair do cofre.
— Você, parte fazer? — El Zarih também quis saber.
— Não me lembro... — sorriu cínico para as pernas roliças que se afastavam e ambos saíram também.
E os dois voltaram de carrinho, agora com El Zarih volitando ao lado, até saírem do prédio da Poliu e o helicóptero V-22 Osprey os esperava.
— A Poliu não achou uma boa ideia entrarem clandestinos numa área de alto risco. Então o Comandante Helio Jonathan descerá próximo ao Mar Morto, e de lá vocês irão até a cidade de Mazra.
— E se eu não aceitar?
— Vai aceitar Sean Queise. De lá, um avião os levarão até Alexandrina, já em terras egípcias. Lá, outro helicóptero levara vocês a Nabta Playa — disse Dolores ao chegarem ao V-22 Osprey.
— Por que o Comandante Helio Jonathan não nos leva direto?
— Recebo ordens Sean Queise. Deveria obedecê-las, também — e Dolores não acreditou quando viu Sean concordar muito rápido, com um movimento de cabeça. Acreditou que não fosse ser algo tão simples assim. — Aqui estão os passaportes e dinheiro caso algo de errado até chegarem a Nabta Playa — e Dolores se virou para Sean, passando os dedos suaves pelo ombro dele, num charme só. — Tome cuidado, Sean Queise. Mesmo com todos seus siddhis, a arma X 777 ainda está em fase de testes.
— “Fase de testes”? — Sean sorriu e a agente jambo se virou para ir embora. — Dolores? — Sean olhou as belas e roliças pernas dela pararem. — Diga a seu pai, que ele nunca precisou ter um filho. Você e Umah são agentes de primeira.
— Diz isso porque a experiência de conhecer Zôra, minha terceira irmã, não deu certo? — e se foi.
Sean não sabia realmente o que responder àquilo. Ele e El Zarih entraram no V-22 Osprey e o piloto Comandante Helio Jonathan levantou voo, quando Sean inclinou-se sobre o estômago sentindo dor.
— Sandy Monroe, ponto fraco, seu. Ferida, aberta segundo chakra.
— “Segundo chakra”?
— Svadhistana, seu nome é. Chakra sacro. Dos órgãos genitais, acima. Quatro dedos do umbigo, abaixo. Ligação entre corpo físico e alma, aos prazeres sexuais chakra, ligado está — El Zarih viu Sean erguer as sobrancelhas. — Amar não consegue, Siddha Sean Queise?
Sean sentiu algo acontecendo ali, e não gostou do que sentiu.
— Como seu povo controla os chakras, El Zarih?
— Povo de energia cósmica, sermos feitos. Através dos chakras, comunicar a nós. Através dos chakras, o Universo dominar; inclusive terráqueos — e todo rosto de El Zarih se tomou de um brilho verde feito a mão de Miro Capazze que acendia.
— Qual é sua aparência verdadeira? — e Sean viu que El Zarih mostrava crânio alongado e liso, sem uma única ranhura, olhos enegrecidos, mãos com quatro dedos, e ofegava ao respirar. — Wow! — arrependeu-se de ter feito aquela pergunta e El Zarih voltou ao velho sudanês de pele ébano e turbante na cabeça.
— “Emprestada”, vários corpos. Já havia, ele, atravessar barca da morte — El Zarih virou seu rosto.
— Seu corpo já estava morto quando?
— Morto quando, portal abrir.
— Quem é Mark O’Connor e a Eschatology Inc.? E por que você era tido, como amigo dele?
— Corpo dele, amigo de Mark O’Connor, ser.
— Então Mark O’Connor estava em Nabta Playa quando o portal abriu e você, a leão de pelagem vermelho-amarelada e a faraó-leoa passaram?
— Sim.
— E Mark O’Connor não sabia que você estava dentro do corpo do amigo?
— Não.
— Então Mark O’Connor também não sabia que a leão de pelagem vermelho-amarelada e máscara de íbis, estava dentro do corpo de Wlaster?
— Não.
Mas Sean sabia que Mark O’Connor sabia e sabia de muito mais porque Mark O’Connor atirou em todos dentro das Land Rovers. E foi a mando da leão Shee-akhan/Wlaster. E El Zarih estava dentro de um dos carros. E que chegou quase morto ao hospital de Cartum, como ele.
Sean tentou fechar desesperadamente sua comunicação e se levantou sentando-se ao lado do piloto, que o viu lhe olhando até que o viu como se estivesse olhando um espelho. O piloto se apavorou em se ver, e se desligou. Já Sean tinha as mesmas feições que o piloto, sua biometria e todos seus acessos.
— Torre! Aqui é o Comandante Helio Jonathan! — abriu o canal de comunicação.
— Aqui é a torre de comando de Cartum, Sudão.
— Permissão para entrar no espaço aéreo do Sudão.
— Diga sua senha de permissão Comandante Helio Jonathan.
— HK895 Alpha KK 5567.
— Aproxime sua íris do leitor Comandante Helio Jonathan.
E Sean dentro do corpo do piloto se aproximou do leitor no painel do V-22 Osprey.
— Permissão concedida Comandante Helio Jonathan. Espaço aéreo do Sudão liberado.
— Obrigado torre de comando. Desligando comunicação.
— Entendido!
E Sean voltou ao seu corpo para então o piloto Comandante Helio Jonathan voltar da sonolência e ver que todo comando do V-22 estava no automático. Ele olhou Sean o olhando e voltou a olhar o painel em pânico, apertando muitos botões, tentando de todas maneiras mudar o trajeto, inserindo senhas e toda sua biometria, para então encarar Sean sorrindo.
O piloto nada mais falou, Sean se levantou e voltou a se acomodar na sua poltrona.
— Preciso ir ao Brasil — Sean agora comunicou a El Zarih.
— Nabta Playa, achei que ir?
— E vamos! Mas preciso ir ao Brasil...
E El Zarih inclinou a cabeça outra vez, como que buscando respostas. Sean se apavorou que ele pegasse mais informação do que estava enviando.
— Precisar as fotos?
— Sim. Preciso saber o que Spartacus fotografou porque minha amnésia não me permite lembrar... — e Sean se tornou rabiscos dentro do helicóptero V-22 Osprey, com El Zarih e o piloto olhando o corpo de Sean Queise sumir dali.
Computer Co. House’s; São Paulo, capital, Brasil.
23° 36’ 19” S e 46° 41’ 45” W.
12/06; 13h00min.
Kelly estava linda de tailleur amarelo. Vinha se dedicando ao trabalho, à Computer Co., à sua solidão. Sobressaltou ao ver o buque de rosas amarelas na sua mesa surgir do nada.
— Ahhh! — impactou mais ainda no que viu Sean Queise também surgindo ali. Primeiro como rabiscos, depois nítido como a tarde fria de outono. — Patrãozinho...
— Olá Kelly...
Ela se levantou e voltou a se sentar olhando para os lados.
— Você está...
— Estou! — e os olhos dele eram puro brilho. — São suas... — apontou para o buquê de flores. Ele viu Kelly sorrir tímida e completou. — Feliz dia dos namorados.
Kelly o olhou realmente sem entender o que acontecia ali.
— Onde você está?
— Voando...
Kelly riu. Parou na sinceridade dele.
— Aonde?
Ele se virou e olhou para o lado como se estivesse realmente aonde dizia estar.
— Sobrevoando Nabta Playa!
— Oh! Sean... Por quê? Por que se arriscar tanto?
— Por você!
— Não... Não por mim Sean...
— Por você Kelly! Por você voltar ao passado só para me amar antes de Sandy.
Kelly voltou a olhar os lados, confusa, com o coração disparado e toda sua adrenalina correndo solta.
— Sean...
— Não! Não diga nada! — e Sean se aproximou. — Toque me... — e esticou uma mão para ser tocada.
Kelly engoliu tudo aquilo e o tocou.
— Ahhh... Você é real...
— Eu disse que era. Sempre fui, Kelly.
Kelly realmente não sabia o que falar, fazer.
— O que quer de mim Sean?
— Pedir perdão.
— Não Sean. O que quer de mim?
— Pedir perdão.
— Sean... Por favor...
E ele não insistiu mais. Porque sabia que a havia magoado, porque tinha medo dela não mais lhe dar uma chance, medo que tudo estava acabado.
— As fotos... — soou dolorido.
Ela o olhou com o coração batendo e se levantou indo até o cofre, passando por ele, não acreditando no que ele fazia.
Abriu o cofre e retirou o envelope com as fotos que encontrara no flat, durante os seis meses de puro sofrimento.
— O que vai fazer?
Sean abriu o envelope e viu as fotos não acreditando realmente no que via.
— Como eu fiz isso?
— Não sei. Nunca soube realmente do que era capaz.
— Mas sou capaz de muito mais Kelly. Capaz de me apaixonar por você a ‘primeira vista’.
— Não Sean. Eu me apaixonei por você a primeira vista.
— Kelly... — Sean sorriu. — Eu tinha catorze anos.
Kelly o olhou de uma maneira que ele não entendeu, porque ele não entendeu mesmo o que significava aquele olhar.
— Eu estava perdida... Com tantas portas no corredor...
E todo o corpo dele se arrepiou.
— E você entrou no meu quarto.
— Como se lembra? Nunca comentou isso comigo.
Sean não sabia o que dizer, mas foi em frente.
— Você se apresentou. Disse que havia chegado da Catalunha e desmaiou. Meu pai chegou logo depois e te tirou do meu quarto. Foi a primeira vez que experimentei ter ciúme de você — ela levantou os olhos do chão e ia falar algo, mas seus dedos nos lábios dela, a calou. — Não! Não fale! Por favor, não fale. Eu podia acessar as fotos ainda dentro do V-22, mas eu vim até aqui Kelly, porque meu chakra está aberto, porque Sandy magoou-me, porque eu magoei você — e ele a calou quando ela outra vez abriu a boca. — Não fale! Porque eu amei você quando entrou no meu quarto Kelly, porque eu voltei ao passado, voltei o robô ao passado porque sabia que ia ter ver de novo, na essência de sua pureza, sem Sandy, Poliu ou qualquer coisa horrível que eu ainda tivesse feito — e seus dedos passearam pelos lábios dela. — Porque fiz coisas horríveis Kelly.
— Sean não...
— Eu fiz Kelly, em prol de dois pais, por não saber qual deles agradar, por ver minha mãe dividida pelo mesmo amor, amando dois homens, sem me permitir ser filho de nenhum dos dois.
— Sean... Eu te amei a primeira vista... — e chorou vendo Sean chorar. — O garoto loiro, alto, jovem e inteligente que arregalou os olhos azuis para mim quando entrei naquele quarto.
— Ahhh... Kelly... — e as lágrimas dele caíam. — O que nós fizemos?
— Não sei.
— Não! Sem ‘não sei’! Sabemos Kelly! Sempre soubemos o que fizemos.
— A Computer Co...
— É! Ela mesma! E Spartacus, e a Poliu, e minha mãe e tudo mais, todos eles.
E Kelly voltou a se sentar. Secou um olho úmido, e outro, e o encarou.
— Acho melhor ir Sean. Voltar a Nabta Playa e consertar seus erros... — e Kelly o viu parado, a sua frente, girando a cadeira dela e se inclinando. — Sean... — e ele a beijou. Kelly arregalou os olhos e todo seu corpo vibrava. Ele voltou a beijá-la, e beijá-la, e ela não sabia mais o que fazer. Ele a levantou da cadeira e beijou seu rosto, seus lábios, seu pescoço, descendo. — Sean... — e ele beijou seus seios, tirando o casaco que ela usava, erguendo a blusa, abrindo seu sutiã. — Sean? — mas ele não parou, e engoliu seu seio; Kelly se viu deitada, na cama dele, no flat. — Sean?! — ela se ergueu em choque, furiosa por ele a teletransportar, por ele a deitar na cama dele, na intimidade dele.
Mas Sean não tinha mais tempo, precisava dela, do amor dela, do perdão dela, do corpo da bela espanhola que amara a primeira vista. Porque Kelly também queria aquilo, o corpo dele. Sean tirou a camisa, os sapatos, a calça até ficar nu, esperando algo, uma reação, uma palavra. Mas ele só teve uma, Kelly tirando a saia, a lingerie, esperando o homem que ela amava tomar-lhe.
E ele a tomou, uma perna e outra, se encaixando nela.
— Ahhh... — foi uníssono.
O amor, o sexo, a libido. Tudo compartilhado, anos de supressão agora liberado.
E Sean a amou com seu sexo rígido, sem perdões ou limitações, dentro dela, entrando e saindo, enlouquecendo a cada movimento, a cada suspiro, cada respiração pesada da mulher que sempre desejara.
Porque ambos eram adrenalina pura, queda vertiginosa, êxtase total.
— Eu te amo...
— Eu te amo...
E os dois se amaram quando Sean sentiu que algo acontecia ao seu corpo, que o helicóptero V-22 Osprey aterrissava na areia fina, quente.
— Preciso ir!
— Precisa voltar!
E Sean sorriu se tomando de rabiscos, com a roupa voltando a seu corpo, deixando Kelly sabendo que ele a amava, que ela o amava.
Nabta Playa; antiga baixa Núbia, atual Egito.
22º 32’ 0” N e 30º 42’ 0” E.
12/06; 17h00min.
Sean voltou ao helicóptero V-22 Osprey e viu que nada havia mudado por ali. Já com ele, toda sua vida acabara de mudar.
— Por que eu, El Zarih? — foi o que perguntou.
— Porque você, um iniciado, ser. Em terras distantes, como agora ser. Porque um ser de grandes poderes, por tratados secretos desenvolver, você agora ser. Mesmos tratados, roubar de nós, Poliu.
— O agente Wlaster aplicou em Mona que aplicou em mim? Ensinamentos alienígenas dos quais eu já os tinha adormecido? — tentou compreender.
— Sim Siddha Sean Queise.
— E era essa informação contida na pasta cor de vinho que eu ia divulgar aos ufólogos e a Poliu precisava impedir? A informação de que podemos ativar ensinamentos de nossas vidas passadas, informações que ficam armazenadas no perispírito. Informações como os que os alienígenas acessaram no perispírito de Joh Miller.
— Divulgar ir, informação tão secreta? — El Zarih parou de falar e ficou ofegante de repente.
Sean não respondeu por puro medo.
A porta do V-22 se abriu e Sean colocou a jaqueta.
— Aconselho que vista a sua, El Zarih — Sean viu El Zarih a vestir. Pegou a maleta com a arma X 777 e a tirou do estojo de espuma colocando-a dentro da jaqueta. Fechou com o velcro, percebendo que a jaqueta se moldou de uma forma, que toda jaqueta parecia ser uma única peça. Sean respirou profundamente e saltou na areia fina, que engolia seus passos, que aquecia todo seu corpo, com o V-22 levantando voo como ele havia programado. — Foram vocês quem ensinaram a Poliu como montar a X 777?
— Não. Povo outro, ensinar.
— Deus... Tenho até medo de perguntar qual...
“Sim! São chamados de ‘entrantes’”, ecoou a voz de um Robert Avillan dominado.
“Eu sempre soube que a Poliu investigava entrantes... Trevellis usava espiões psíquicos para se comunicarem com eles. Mona os chefiava num experimento chamado ‘Contato!’. Foi lá que Sean começou a se interessar pelo tema”, soou um Oscar sabendo que conversava com alienígenas.
“Sean Queise, um paranormal, interessado em alienígenas? Uau!”.
Sean sabia que ‘povo outro’ de alienígenas o conheciam, agora.
“Droga!”.
— Aonde agora, ir? — El Zarih viu Sean apontar para a tenda de tecido rasgado, balançando ao vento do deserto, da pirâmide que despontava ao longe.
A mesma pirâmide onde Mark O’Connor levara todos seis meses atrás, a mesma pirâmide que Afrânio, Samira e Clarice descobriram onze anos antes, com a areia quente e ambos começando a sentir o calor lhes afetar.
“Sean Queise, um paranormal, interessado em alienígenas? Uau!” voltou a ecoar ali.
E El Zarih sentiu que Sean estava diferente, distante, quando o som de algo atravessou o ar.
Ambos ergueram os olhos e nada havia mudado no céu sudanês, no quente céu sudanês, quando outro som rasgou ali. El Zarih não gostou do silêncio que Sean mantinha e outro som, agora tão intenso quanto os outros, fez os tímpanos dos dois quase estourarem.
— Ahhh!!! — gritaram os dois, indo ao chão de areia quente, úmida e verde.
Sean se ergueu em choque e olhou El Zarih lhe olhando.
— Eu não, isso fazer — mas El Zarih viu Sean rodear-se, rodear-se e a pirâmide de Afrânio, Samira e Clarice se aproximava.
Sean só o olhou.
— Vamos! Está anoitecendo!
Mas El Zarih não gostou daquilo. Porque nem aquilo nem nada ele sentia.
A pirâmide enfim se fez, e a mesma tenda abandonada da escavação de onze anos atrás ainda balançava quando outro som atravessou as nuvens e um raio vermelho os atingiu.
— Ahhh!!! — e Sean e El Zarih foram lançados longe para ambos caírem numa areia que umedecia de verde cada vez mais rápido. — El Zarih... El Zarih... — Sean se arrastou até ele. — Você está bem?
El Zarih se ergueu ainda meio tonto.
— A tempestade... — e El Zarih caiu na areia verde que levantou mais areia verde.
Porque tudo se tomou de areia verde na tempestade que os cegava.
— El Zarih?! — Sean gritava desesperado sem conseguir encontrá-lo.
— Som da areia... Quente, estar...
Sean percebeu que mal podia ouvir a voz de El Zarih.
— El Zarih?! El Zarih?! — gritava quando um novo som os ensurdeceu. — Ahhh!!! — Sean gritou de dor, caindo na areia verde.
Quando Sean levantou-se, ficou em choque, porque sabia onde estava, porque o som estrondoso que escutaram vinha da arma X 777 que ele acionara ainda dentro da jaqueta, e que ele havia aberto o portal. A areia verde abaixou e Sean arregalou os olhos azuis, vendo-se numa espécie de pórtico, com dez ou doze pilonos sustentando um antigo templo egípcio com forma de pirâmide truncada, quando sentiu que se corpo volitava.
Ele tentou colocar os pés no chão, mas uma força eletromagnética o levava por uma estrada de energia taquiônica, para perto da pirâmide. Mas quem era a força do pensamento que a controlava, não sabia quando sentiu o velcro da jaqueta se abrindo. Sean ergueu o braço esquerdo para tocá-la, mas ele havia paralisado. Arregalou os olhos olhando um lado e outro, e viu que seu cérebro não controlava seu braço, nem sua mão, com sua pele esverdeando pelo líquido que lhe subia pelos pés, já dentro de sua circulação e ele ainda paralisado, sendo levado.
“Tahira?!” tentou gritar, mas todo seu lado esquerdo começava a adormecer.
A jaqueta se abriu totalmente e a arma X 777 caiu no piso de areia esverdeada sendo engolida.
“Não!!! Não!!! Não!!!”, tentava fazer sua voz sair, mas a única coisa que conseguia era ver a arma sendo engolida pelas areias esverdeadas.
“Tahira?!”, mas nada nem ninguém ali. Só uma porta sendo aberta, com cada pedaço da parede sumindo dali e uma antecâmara aparecendo, com paredes fenomenalmente altas, dentro de uma pirâmide que em nada se parecia com a de Nabta Playa, adornada de hieróglifos e imagens de homens com longos crânios alongados adorando mulheres usando máscara mortuária egípcia, adorando uma faraó-leoa, ao lado de uma leão de pelagem vermelho-amarelada, que ela dominava.
“Deus...” soou o pensamento de um Sean Queise ali paralisado, sem um único siddhi funcionando, e vozes, e lamurias, e coisas rastejantes se aproximavam.
Sean arregalou os olhos azuis e viu que toda areia se movia, que havia algo ali, que toda a areia verde tinha vida.
— Não!!! — e seus gritos agora alcançaram a parede do asilo Faãn, com as sacerdotisas mulheres ainda presas na parede destruída, do asilo destruído, queimando. — Tahira?! — e a areia esverdeada subiu pelo espaço criando formas. — Tahira?! — e eram coisas feitas de areia verde que se aproximavam dele. — Não!!! Não!!! Não!!! — e cada sinapse dele se alterou, e ele conseguiu mexer um dedo, dois, a mão, um braço, outro, as duas pernas e ele se jogou na areia afundando.
Sean caiu no chão do asilo Faãn destruído, explodido por ele, por seus siddhis, em pânico, sem saber o que fazia ali, o que ligava ambos planetas, ambos Egito.
“Sean... Sean... El Sean...”.
Sean se levantou e correu pelo asilo destruído com o ar frio da noite atingindo seu corpo, restos de tijolos que Sean levantava, jogava para os lados, para o alto.
— Onde?! Onde?! — se desesperava.
“Sean... Sean... El Sean...”.
— Basta Tahira!!! — gritou Sean, mas ela não respondia. — Onde está a maldita arma Tahira?! Onde?! Onde?! — se desesperava jogando tudo, levantando escombros, fazendo outros destroços subirem e descerem quando uma pata peluda acertou seu estomago, jogando-o longe, longe o suficiente para Sean ver que atravessou o portal novamente, e que seu estômago havia sido rasgado. — Ahhh!!! — se contorcia de dor, com a mesma dor que sentiu no V-22.
— SEAN QUEISE! — e a voz cavernosa se fez ali.
Sean abriu os olhos para ver Wlaster Helge Doover em pé, com patas no lugar de mãos, e seu sangue escorrendo dela.
“Droga...” soou distante.
Sean se ergueu em posição Krav maga, mas o leão de pelagem vermelho-amarelada no corpo de Wlaster correu, e correu, e ganhou quatro patas, o atingindo outra vez no estômago ferido, o levantando no ar, lançando longe na areia fina esverdeada, que o aquecia.
— Ahhh... — agora Sean sentia dor, uma que seus siddhis não permitiam deixá-lo sentir se na Terra estivesse.
Porque ele sabia que estava noutro Egito, noutra Núbia, em algum lugar paralelo onde fatores não agiam como antes, e Sean se ergueu ferido, sem a arma, sangrando.
Mas o leão de pelagem vermelho-amarelada estancou de repente. E estancou porque algo o fez estancar, olhando admirado para um Sean Queise que morria, numa tempestade de areia verde que se fez no balançar de uma calda de pelagem dourada, amarela feito Sol.
Quando a tempestade se foi, Sean foi de joelhos, não entendendo o que fizera o leão de pelagem vermelho-amarelada desistir de matá-lo.
— Siddha Sean Queise... Siddha Sean Queise... — soava El Zarih ao longe.
Sean já não sabia se escutava algo, se estava vivo, aonde. Só o corpo de El Zarih volitando ali, o levantando do chão, quando ele se olhou de olhos enegrecidos, com o rosto ganhando contornos animais, e sua pele se tomando de uma pelagem dourada feito Sol. El Zarih o soltou e Sean voltou à areia esverdeada, úmida, se olhando outra vez, vendo que algo acontecia com ele.
— Meu Deus... — Sean se olhou, olhou El Zarih em choque, e voltou a se olhar. — Sou um felino alienígena?
— Dominar fator Shee-akhan você, porque um deles ser.
— Porque fui um leão Shee-akhan.
— Sim yá habibi — e foi vez da voz de Tahira se fazer ali, atrás dele, com o corpo quase morto de uma Clarice envelhecida, diferente da mulher branca que Sean uma vez vira nas imagens do robô.
— Não posso... — soou da boca dele.
E El Zarih se afastou das duas.
— Precisa Sean yá habibi! Por isso eu lhe trouxe!
— Não... Não...
— Consertar erros!
— Eu não...
— ERROU! — e a voz de Tahira ficou metálica. — QUANDO ACEITOU ENCARNAR NA TERRA. QUANDO NOS ABANDONOU YÁ HABIBI.
— Metempsicose... — e Sean temeu a filosofia como nunca.
E entendeu também a Tahira de risada esganiçada, de roupas horrorosas, a idiota da jornalista que o vigiava, que o seguia, que o amara por entre curvas que dançavam entre lenços coloridos, no que ela tomou a forma de uma faraó-leoa. E o rasgo em seu estômago fechou no que a ferida se curou e a dor foi embora quando Clarice caiu dos braços de Tahira.
— MÃE!
Sean olhou Clarice morrendo.
— O que posso fazer por ela?
— O QUE SABE FAZER SEAN YÁ HABIBI.
E Sean ergueu a mão em forma de pata, que se acendeu, fazendo Clarice volitar, com todo seu corpo envelhecido e doente sendo envolto em fios de energia, até duas Clarices, três Clarices, quatro, cinco, seis, sete Clarices se formarem, e se juntarem, e se tornarem uma só.
— Sete anos terráqueos. É tudo que posso dar a ela com esse fator Shee-akhan que corre nas minhas veias. Depois, seu ciclo de encarnações fecha.
Tahira olhou a mãe querida, Clarice, abrir os olhos.
— O loirinho... — soou da boca dela. Mas Sean era tudo menos aquele loirinho de catorze anos, porque todo seu corpo havia se tomado de uma pelagem dourada feito Sol, e ele era um leão com pernas e braços e patas com garras. Clarice então se tomou de rabiscos e sumiu dali. Quando abriu os olhos, estava sozinha em Lisboa, Portugal, deitada num recamier, com um papiro na mão. Clarice se levantou em choque se vendo melhor, sem o câncer, saudável, e correu a pegar os óculos e perceber que já não mais o precisava usar, que sua visão havia voltado e que letras corriam no papel. — “Fale ‘Abracadabra!’ e acabe logo com isso” — foi o que Clarice leu no papiro. — Meu Deus! O que significa isso? — Clarice olhou um lado e outro, e pegou uma caneta e papel, escrevendo ‘seanqueise’, depois os dissolveu em letras. — Dez! — olhou em volta atordoada. — Não... não... Dez não... — e escreveu ‘abracadabra’. — Onze letras! — e reescreveu ‘seanqueises’. — Onze letras! — e seus olhos verdes brilharam. — Dois Sean Queise! Sempre foram os dois Sean Queise agindo...
E Tahira e Sean se comunicavam pelo pensamento, com ambos vendo o que Clarice descobrira quando outro som rasgou o céu.
— Drones de Mark O’Connor? — falou ele.
— NÃO SEI SEAN YÁ HABIBI. ELES NÃO DEVERIAM TER ATRAVESSADO O PORTAL.
— Mas os drones atravessam, Tahira, e entram e saem dos radares, porque usam X 777. Armas financiadas por Mark O’Connor, para invadir seu Egito, e dominar um fator que faz armas como essa — e Sean esticou a pata de pelagem dourada feito Sol, que voltou a ser uma mão, de pele branca.
— ONDE ESTÁ A ARMA?
E a resposta foi a areia em redemoinho, até X 777 sair dela e voltar à mão de Sean, e todo seu corpo voltar a ser humano, com seus olhos se colorindo de azul.
— Porque eu as domino; armas, máquinas, computadores, aqui, em outro lugar.
E uma Tahira antes faraó-leoa, se fez de rabiscos e todo seu rosto e corpo se cobriu com roupas e máscara mortuária.
— HABAITAK SEAN QUEISE YÁ HABIBI!
Os olhos azuis dele a olharam com carinho para então olhar em volta, para as paredes de muitas imagens de um Egito e Núbia antigos, com homens negros e dourados, com longos crânios alongados e ovalados adorando mulheres usando máscara mortuária egípcia, em tons de dourado e verde. E elas estavam ajoelhadas na areia verde, adorando uma faraó-leoa ao lado de seu fiel protetor, um leão de pelagem vermelho-amarelada feito fogo, usando uma máscara de pássaro íbis, e que deveria protegê-la e não matá-la.
— Eu entendi tudo errado não?
— NÃO. SÓ ESTAVA LIMITADO PELA AMNÉSIA SEAN YÁ HABIBI.
— Porque antes de Wlaster Helge Doover me explodir com o drone que comprava dos senhores das armas Mark O’Connor, eu sabia quem você era?
— NÃO. MAS SABIA QUE ALGUÉM ATRAVESSARA O PORTAL. PORQUE UM JOVEM SEAN QUEISE VIU O QUE O ROBÔ MOSTROU, APÓS ELE CONSERTÁ-LO.
— Quantos atravessaram o portal, exatamente?
— DOIS!
— El Zarih mentiu, não? Porque você conseguiu abrir o portal antes do dia 11, e o leão de pelagem vermelho-amarelada que uma vez devia te proteger, resolveu mata-la para roubar-lhe o trono, e lhe seguiu, quando você fugiu, provocando com sua juba a tempestade de areia que cobriu a visão do carro onde estava a verdadeira Tahira, seu pai e sua mãe, provocando o acidente. Você então se escondeu no corpo da menina que sofreu o acidente.
— ELA AINDA NÃO ESTAVA MORTA. POR ISSO PUDE ENTRAR E CRESCER NO CORPO DELA. CASO CONTRÁRIO, TERIA QUE TER FICADO DENTRO DO CORPO DE UMA MENINA DE QUINZE ANOS, QUE JAMAIS CRESCERIA.
— Mas quem o leão dominou? Wlaster?
— SIM! NÃO! — sorriu — ELE TAMBÉM! — e Tahira apontou para a escada onde El Zarih havia desaparecido.
— Deus... Então o leão também tomou El Zarih? Mas o verdadeiro El Zarih era amigo de Mark O’Connor, não?
— SIM. MARK O’CONNOR ESTAVA AQUI DIA 01/11, COM EL ZARIH E WLASTER, PARA VENDER ARMAS AO LEÃO DE PELAGEM VERMELHO-AMARELADA.
— E o leão tomou primeiro o corpo de El Zarih.
— SIM. DEPOIS MATOU WLASTER HELGE DOOVER E ENTERROU SEU CORPO NA PAREDE DO LABORATÓRIO. POR ISSO VOCÊ ME MANDOU LÁ, PORQUE HAVIA IDO AO CAIRO ANTES DA EXPLOSÃO PARA ENCONTRAR O CORPO DE WLASTER E SUAS ENERGIAS GRAVITANTES, QUE TAMBÉM FOI FILMADO PELO ROBÔ NO LABORATÓRIO DE CORNICHE EL-NIL SENDO MORTO POR SHEE-AKHAN, QUE ERA SÓ UM BORRÃO.
— Mas então Jablah não sabia que Najma havia me salvado de ser morto?
— JÁ DISSE QUE NÃO SEI QUEM ERA JABLAH, SEAN YÁ HABIBI.
E os olhos de Sean se arregalaram mais ainda.
— Claro! Porque El Zarih era o único que podia dizer quem era Jablah, um subalterno, que preparava humanos para atravessar o portal, porque eles preparavam um exército para voltar aqui e destruir tudo com as armas que Mark O’Connor vendia. E porque El Zarih ficava ouvindo música no hall de entrada do asilo, porque ele podia, porque havia vários Shee-akhan, porque o leão podia se multiplicar como eu fiz no frigorífico, sendo Jablah, Wlaster, e El Zarih ao mesmo tempo.
— MAS NAJMA LHE AMOU, NOS POUCOS SEGUNDOS QUE LHE VIU MORRENDO, SEAN YÁ HABIBI. E ATRAPALHOU OS PLANOS DE SHEE-AKHAN.
— Imagino o desespero do verdadeiro Jablah quando ela chegou dizendo que havia impedido de me matarem, e que o tio nos trouxera. Porque nunca permitiu que ela participasse de tudo aquilo — e olhou Tahira. — E Wlaster era só uma maneira da leoa estar dentro da Poliu, esses anos todos conseguindo informações sobre quem era você, e encontrando Clarice e uma menina adotada, da qual Wlaster não podia perturbar porque Clarice podia enxergá-lo.
— SINTO POR ISSO TUDO QUE PASSOU SEAN YÁ HABIBI. PORQUE MONA DISSE QUE SEUS PENSAMENTOS ESTAVAM POLUÍDOS, OU EU O TERIA ENCONTRADO ANTES.
— Mona sabia que eu estava vivo?
— ELA SABIA QUE WLASTER ESCONDIA ALGO, MAS COMO WLASTER ERA UMA LEOA COM DONS, ELA FICOU BLOQUEADA.
— Clarice?
— ELA FOI PESSOALMENTE PEDIR A MONA, PEDIR VOCÊ.
Sean sorriu olhando Tahira também sorrindo.
— Mas Mustafá sabia que eu estava vivo, ele me visitava todas as quintas-feiras, fingindo ser médico.
— NÃO SEI ATÉ ONDE MUSTAFÁ NOS ERA LEAL, LEAL À ESCOLA DO PAPIRO, NA QUAL A MÃE DA VERDADEIRA TAHIRA FAZIA PARTE.
— Então o acidente de carro não foi ao acaso, a mãe, o pai e Tahira estavam em Nabta Playa, preparando a abertura do portal.
— SIM. MAS COMO AGORA SABE, ABRI O PORTAL ANTES DA HORA, ANTES QUE O LEÃO DE PELAGEM VERMELHO-AMARELADA ME MATASSE, E TUDO ACONTECEU.
— Por isso Jablah prendia as mulheres de máscara mortuária na parede; uma linhagem de mulheres como você, que foram à Terra há muito tempo atrás, e se instalaram na Atlântida que ajudaram a criar, para fazer o intercambio entre os muitos mundos, ensinar alquimia, astronomia e agricultura, e promover intercambio entre alienígenas. Mas o leão Shee-akhan/Wlaster/El Zarih/Jablah, resolveu mudar o jogo e eliminar você, a última faraó-leoa desse Egito paralelo.
— VOCÊ SABIA SEAN YÁ HABIBI?
— Não. Está me contando agora.
Tahira deu uma daquelas risadas esganiçadas sabendo que ele enfim a pegara, todos seus sentimentos, e que ela o amava.
— EU SINTO POR ISSO TAMBÉM SEAN YÁ HABIBI. POR VOCÊ TER DESCOBERTO ISSO DESSA MANEIRA, DEPOIS DE ADQUIRIR ESSA PELAGEM DOURADA.
— Não sinta Tahira. Minha pasta cor de vinho diz que eu me relaciono com alienígenas ou coisas do tipo.
Ambos riram.
— SABE NÃO? QUE QUANDO VOLTAR À TERRA VAI ESQUECER TUDO, OUTRA VEZ?
— E vou esquecer tudo, porque não posso contar isso nos congressos.
Tahira deu mais uma e outra risada esganiçada e todo seu corpo tomou-se de ouro; e não só uma máscara, mas todo seu corpo dourou. Sean viu que ela se tornava de rabiscos, que ela se transferia para o desenho da parede da pirâmide, e lá ficou, quieta, sem mais poder voltar para Clarice, para o Jornal distopia, para o flat, para o corpo dele.
“Habaitak!” soou não muito distante.
— Sabe onde está Oscar, Tahira? — ele ainda falou com a parede e uma escada apareceu na areia esverdeada.
Sean sentiu gemidos, gritos de horror, sons de labaredas que se espalhavam em meio a mulheres maquiadas que queimavam na fogueira que crispava. Nada falou e desceu os degraus da escada tomada de areia verde.
O ambiente era escuro e fétido, com o cheiro ocre tomando conta de tudo.
“Sean... Sean... El Sean...”, escutou de repente.
Sean se virou e estava sozinho outra vez, confuso, sem saber se tudo o que acontecia, acontecia.
“Sean... Sean... El Sean...” voltou a ecoar no ar gelado, e Sean desceu o resto da infinidade de degraus até chegar num calabouço mais úmido e sombrio.
Correntes douradas espalhavam-se pelo chão e Sean ouviu passos. Correu com corpo de homem e vários corredores se fizeram a partir da saída da escada de pedras. Sean tentou ouvir os gritos novamente tentando localizá-los, e entrou no corredor à sua esquerda.
— Meu... — e parou de falar quando à sua frente, uma multidão reverenciava um enorme homem de pelagem cor vermelho feito fogo e cabeça de íbis. Abaixo dele, um esquife. Dentro, o corpo de Oscar Roldman.
Tudo ali era fúnebre e funesto. O terror, a presença do mal; e ele habitava lá, Sean teve certeza.
— POVO DE SHEE-AKHAN! — a voz cavernosa, igual da ancoradouro de barcos abandonados, falava. — PRECISAMOS NOS UNIR! ATRAVESSAR O PORTAL!
E gritos mais cavernosos ainda se fizeram ali.
“Atravessar o portal?”, e se Sean já tinha tido medo na vida, aquele era o momento para dizer que não.
— POVO DE SHEE-AKHAN, ESCUTE-ME!!! — gritava. — CHEGOU A HORA DE TOMARMOS O PODER!!! COMO A FARAÓ-LEOA DESEJOU!!! UM NOVO LÍDER!!!
E todo o entorno se tomou de imagens como as que o robô filmara, e correndo na areia esverdeada, estava uma faraó-leoa. Sean se olhou apavorado e viu sua mão acesa, que era ele quem fazia as imagens tomarem conta dali como Miro uma vez fizera no aeroporto do Cairo, e que talvez o robô da Computer Co. tenha filmado tudo aquilo.
Porque o jovem Sean Queise não só voltou no tempo dia 03/11 e se enviou o robô danificado, como o jovem ou o velho Sean Queise voltou mais ainda no tempo, para uma data anterior a escavação, durante a construção do robô pela equipe de Barricas, e permitiu que o robô tivesse aquilo que seus dons permitiam, gravar sons e imagens ‘à frente do nosso tempo’.
Sean não acreditou no que fez, e no que mais a amnésia roubou dele para sempre, e todos ali se movimentaram agitados quando a grande figura de um leão de pelagem vermelho-amarelada, usando uma cabeça de íbis, passou a correr na filmagem, atrás da faraó-leoa que fugia dele, que ele ia matá-la.
— NÃO!!! — berrou o leão fazendo toda estrutura de pedra e limo no entorno, vibrarem. — NÃO POVO DE SHEE-AKHAN!!! ISSO NÃO É VERDADEIRO!!!
Mas todo o corpo de Sean tornou-se um leão de pelagem dourada, e todos ali se rastejaram até ele. Sean encarou Shee-akhan/Wlaster/El Zarih/Jablah, e ele arrancou a máscara de íbis mostrando o leão de pelagem vermelho-amarelada, e tudo se tomou de chamas e os corpos ali se abriram em buracos que vertiam Shee-akhan.
— AHHH!!! — gritavam todos.
E Sean correu, e correu, e correu sobre quatro patas, tomado pela pelagem dourada, com leão de pelagem vermelho-amarelada correndo, correndo e correndo sob quatro patas, e ambos se lançando no ar, com Sean/leão sumindo e o leão de pelagem vermelho-amarelada atravessando-o, caindo do outro lado.
— NÃO!!! — gritou descontrolado quando Sean/leão abriu o esquife de Oscar Roldman e ambos se tomaram de rabiscos, sumindo dali, aparecendo na areia esverdeada, sob o Sol escaldante de um Egito paralelo.
Mulheres e homens de cabeças alongadas, egípcios, ou núbios, ou o que quer que eles fossem do outro lado do portal gritavam, e crianças e animais domésticos corriam do leão de pelagem dourado que Sean se tornara.
Oscar o viu sabendo que Sean Queise era um leão.
— NÃO TIRE CONCLUSÕES PRECIPITADAS, OK?
— Ok...
E gritos de puro desespero se fizeram, no que um leão de pelagem vermelho-amarelada se materializou e correu, correu, correu atrás deles. Sean largou Oscar no chão de areia, e correu sob quatro patas, se lançando contra o corpo d o leão de pelagem vermelho-amarelada, que também se lançou sobre ele, com seus corpos se chocando e lançando fogo para todos os lados, provocando o estrondo que ensurdeceu a todos.
— AHHH!!! — gritaram todos, homens e animais.
Um Sean/leão olhou para cima e o estrondo vinha da passagem do helicóptero V-22 Osprey, sem piloto, pelo portal.
— Sean?! — gritou Oscar.
— Entre Oscar!!! — gritou Sean/leão.
E Oscar se levantou e correu para onde o helicóptero V-22 Osprey estava aterrissando, quando o leão de pelagem vermelho-amarelada correu atrás de Oscar que corria até o V-22, e Sean/leão ganhou mais velocidade e alcançou Oscar primeiro o abocanhando pela roupa, que gritou por todo trajeto do jogo que Sean fez de seu corpo, que voou pelo ar, longe d o leão de pelagem vermelho-amarelada que ganhou pernas e braços e a forma de Wlaster, estancando a velocidade e parando para encarar um Sean/leão que voltava a ser humano.
— Por quanto tempo mais vai me atrapalhar?
Sean que ainda vestia o colete dado por Dolores, se colocou em posição de Krav maga.
— Agente Wlaster Helge Doover! Você bem que tentou não?
— Sean Queise! Eu bem que tentei!
E ambos se atacaram, lutaram, com braços em movimentos cadenciados, um tentando quebrar o outro usando 2/3 de suas forças, e ambos foram ao chão. Sean se levantou vendo Oscar levantar voo no helicóptero V-22 Osprey e correu ganhando patas novamente, ganhando pelagem dourada e velocidade, correndo de Wlaster que ganhou patas, pelagem vermelho-amarelada e correu atrás dele.
Mas Sean correu, correu, e se lançou no ar perdendo patas, pelagem dourada, atravessando a fuselagem do V-22 e caindo dentro do helicóptero com Wlaster caindo junto.
Oscar impactou ao ver Sean lutando no chão do helicóptero entre socos e pontapés com o corpo de Wlaster, quando ele virou o V-22 de ponta cabeça e ambos se chocaram contra a fuselagem do helicóptero.
— Voe para Nabta Playa!!! — ordenou Sean.
— Não Sean!!! Não podemos levá-lo de volta a Terra!!!
— Voe!!! Voe!!! Voe!!! — e Sean puxou o corpo de Wlaster, atravessando ambos a fuselagem do helicóptero, e ambos caíram na areia fina, esverdeada quando um grande estrondo seguiu-se de uma explosão e a jaqueta de Sean Queise se inflou.
O helicóptero V-22 Osprey desestabilizou e Oscar segurou-o firmemente para ver que sobrevoava Nabta Playa, e que a grande explosão abrira um grande e maciço buraco negro, e tudo estava sendo sugado para dentro; tendas, escombros, e a pirâmide de Afrânio, Samira e Clarice.
— Sean?! — gritou Oscar desesperado vendo que o buraco negro se fechava e o helicóptero perdia altitude, entrando no buraco negro também. — Sean?! — gritava desesperado, com o helicóptero V-22 Osprey em um movimento espiralado, girando, girando, girando e Nelma, a bela Nelma entrando no seu escritório da Trafalgar Square sorrindo, levando pelas mãos o loirinho Sean Queise, cheios de bexiga, feliz por mais um aniversário de morangos dos quais ele não gostava. — Sean querido... — e Oscar desmaiou com o helicóptero caindo na areia branca, quente, com carros da Poliu chegando para resgatá-lo.
Dolores desceu correndo de um dos carros.
— Sr. Roldman?! Sr. Roldman?! — e Dolores tirou Oscar que voltava a si dos destroços, vendo que o buraco negro se fechara.
— Não... Não... — mas Oscar se debatia. — Sean ficou lá...
A bela e jambo Dolores só arregalou os olhos verdes e o encarou.
— Acredita mesmo que algum dos dois Sean Queise já tenham falhado alguma vez?
E a pergunta dela calou Oscar Roldman.
FINAL
Trafalgar Square; Londres, Inglaterra.
51° 30’ 27” N e 0° 7’ 40” W.
24/07; 11h00min.
Sean Queise estava trancado numa sala da Polícia Mundial já há muito tempo quando Oscar Roldman entrou e ele se levantou.
— Aqui está a pasta cor de vinho! — Sean foi logo a esticando na mão. — A pasta cor de vinho que se escreve sozinha.
— Aonde... — Oscar tremeu.
— Interessa mesmo? — Sean o encarou e Oscar nada falou.
Oscar leu, viu que certos detalhes nunca foram escritos ali ou se apagaram.
— Acha que Trevellis aceitará isso?
Sean deu de ombros.
— Ele sempre soube o que Mona era capaz de fazer, então... — Sean sorriu cínico se levantando, e abriu a porta como um ser normal faria.
— Onde você estava?
Sean estancou.
— Consertando erros.
— Spartacus lhe filmou em Abu Hamed.
— Se você sabia onde eu estava...
— O que fazia no asilo Faãn, Sean querido? — Oscar insistiu mesmo assim.
— Enterrando o corpo de Najma, naquilo que era a única coisa de valor para ela — e se virou para Oscar. — Porque Tahira permitiu que eu soubesse onde ela escondeu o corpo de Najma depois do ataque — e saiu da sala.
Mas a voz de Oscar o alcançou no corredor.
— Você a amou Sean querido?
— Eu amei Kelly, Oscar — Sean voltou até a sala. —, desde a primeira vez que a vi — e Sean sabia que ele nada falaria, que ele sabia que Nelma usava Kelly para controlar Sean e ele próprio. — Seu silêncio é para não perguntar quando foi a primeira vez em que a vi? — e o silêncio era para aquilo mesmo. Sean abaixou a cabeça e se virou para sair outra vez. — E você? Você a amou? — foi a vez de ele perguntar.
— Eu amei Nelma, Sean. Desde a primeira vez naquela escola cara, para milionários.
— Na escola que vocês quatro frequentaram na Suíça?
— Não! Numa escola de papiros, antes de ela nascer.
Sean se voltou para ele de olhos arregalados, porque eles podiam amar o que ainda não existia.
E engoliu aquilo sentindo seu coração disparado, com uma sensação estranha de algo estranho acontecendo dentro dele, dele ser filho de uma egípcia que o segurava no colo, embalado por estranhos seres de olhos amendoados, filho de um Roldman, talhados por um dom paranormal, ‘além do nosso tempo’.
— Mas foi ao meu passado que eu voltei... — e Sean sentiu a respiração de Oscar alterar. —, porque havia um parque de diversão...
— Não faça isso Sean! Fernando te amou.
— Eu te amo Oscar — e Sean viu que foi Oscar quem sentiu todas suas estruturas desabarem. Oscar caiu sentado em choque, com lágrimas nos olhos, inclinando a cabeça até chegar à mesa e nela desabar de chorar. — Mas também amei Fernando. Porque ao contrário que Nelma pensa, posso amar dois pais.
— Sean...
Mas Sean ergueu uma mão que ficou no ar.
— Não Oscar. Não sei o que será daqui para frente, se as escolhas que fiz, as fiz corretamente; se amar Kelly, aceitando a decisão de meus pais para que me case com ela desde quando ela era uma first, ou se o amor que ambos sentimos um pelo outro, não é só solidão — e parou. — Mas decidi pagar o preço dessa escolha, e mergulhar de cabeça no precipício para amá-la como nunca amei mulher alguma.
— Sean... — e Oscar viu Sean sair pela porta. — Sean... — e Oscar viu Sean não responder. — Sean? — e ele não voltou.
Mansão dos Queise; São Paulo, capital.
23° 34’ 12” S e 46° 40’ 20” W.
24/07; 11h11min.
A campainha tocou incessantemente. Nelma correu para atendê-la, impactando ao ver Sean Queise ali parado.
— Sean?
— Olá mamãe...
Nelma não acreditou no que ouviu.
— Ahhh... — olhou para dentro meio que zonza, sem saber o que falar, depois de mais de sete meses sem vê-lo. — Feliz aniversario.
Sean sorriu fazendo sua pele brilhar.
— Obrigado!
E Nelma voltou a olhar para dentro meio zonza.
— É que não comoramos porque…
— Eu sei…
— Entre! Hoje vamos fazer bacalhau.
— Eu sei... Senti o cheiro de longe.
— Sean... — Nelma riu sabendo que aquilo podia ser verdade, porque ele era diferente, especial, um Roldman.
E porque sempre fazia bacalhau para comemorar, mesmo sabendo que o comemorava em Londres.
A sala estava arrumada como sempre, limpa, arejada quando Sean sentou-se no grande sofá de veludo e se virou para trás, impactando ao ver a maçaneta da porta do escritório do pai arrebentada.
— O... — quase não consegue. — O que houve com a maçaneta? — apontou.
— Não sei! Alguém arrombou a porta do escritório de seu pai.
Sean tremeu todo se levantando até a porta. Tocou a maçaneta, mas não havia nada lá, nenhuma energia gravitante. Abriu a porta e dentro do escritório, um notebook de última geração numa mesa de aço e vidro, uma tela de LED na parede e uma poltrona de couro novo, em meio a livros e DVDs; nada que lembrasse onze anos atrás.
Mas havia algo ali, um paradoxo criado na maçaneta arrebentada.
— Por que ainda o deixa assim?
— Lembranças são coisas boas Sean…
— Sim… são… Posso... — e Sean voltou a tremer no que sentiu sua mãe atrás dele, dentro do escritório.
— Você está bem?
— Posso... — e Sean não sabia como falar aquilo.
— Sim... — foi o que ela disse.
Sean se virou e saiu do escritório, atravessou novamente a ampla sala de visitas e chegou até a escada de mármore branco, subindo os degraus sem ouvir nada, um único grito. Chegou ao corredor e lá muitas portas como Kelly havia dito.
Sean parou de andar em frente da porta de seu quarto e sentiu que sua mãe estava ali, atrás dele, tentando decifrar sua ida até a mansão, no dia de bacalhau, depois de tantos anos do suicídio de Sandy Monroe e da morte de seu pai.
Mas Sean não teve coragem de entrar no seu quarto, de ver que havia pôsteres da Pamella Anderson na parede e um fliperama cheio de roupas sujas em cima.
— Eu...
— Entendo meu filho. Não precisa entrar — sorriu Nelma.
Mas Sean precisava entrar, saber que erros mais havia cometido. Tomou-se de coragem e virou a maçaneta. Lá, um quarto azul, arejado, com um edredom florido e um abat-jour em cima de uma mesa de cabeceira.
— Meus... — e parou.
— Eu limpei o quarto Sean. Tirei tudo que me lembrasse a sua perda.
Sean encostou-se à parede do corredor e foi até o chão, até os pés de sua mãe e chorou agarrado a ela. Nelma escorregou também e o abraçou; e Sean sentiu mais uma vez o que era ser amado.
— Perdão... — soou sofrido.
— Não há o que perdoar filho. Você não fez nada.
Mas Sean havia feito. Muita coisa que não se esqueceu.
— Sabia que Santo Agostinho não podia afirmar que não existia na memória dele aquilo de que não se lembrava, mas também não sabia como podia o esquecimento estar na memória dele, se não para que não se esquecesse dela?
— Sabia que você sempre foi um apaixonado pela filosofia?
E Sean sorriu para ela, ambos no chão do corredor, abraçados como há muito tempo.
— “Enfim, seja como for, apesar de ser inexplicável e incompreensível o modo como se realiza este fato, estou certo de que me lembro do esquecimento, que nos varre da memória tudo aquilo de que nos lembramos” — porque ele sabia, porque ele se lembrava de muita coisa.

 

 

                                                   Marcia Ribeiro Malucelli         

 

 

 

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