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Poesia & Contos Infantis

 

 

 


FEITA PARA AMAR / Margo Maguire
FEITA PARA AMAR / Margo Maguire

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

FEITA PARA AMAR

 

                         Castelo de Kettwyck, Fim de verão, 1072

Raptada? — exclamou a majestosa lady Beatrice, sentada à frente de Kathryn de St. Marie.

— Se os escoceses bárbaros me raptassem, teriam de me ma­tar antes que eu mostrasse a face diante da civilização outra vez.

Um calafrio correu pela espinha de Kathryn. Certa­mente as novas muralhas de Kettwyck eram suficientes para impedir qualquer incursão escocesa. E havia muitos e poderosos cavaleiros normandos presentes para as fes­tividades ali, nos domínios de seu pai.

Mesmo assim, encontravam-se perto demais da fron­teira, longe da segurança da Abadia de St. Marie, onde Kathryn e a irmã, Isabel, haviam passado os últimos dez anos. Estariam vulneráveis ali, em Kettwyck? A fortaleza ainda não estava pronta, e Kathryn vira os trabalhadores colocando argamassa e pedras nas muralhas naquele dia mesmo. E ela só poderia esperar que toda aquela festa e o banquete de boas-vindas não fossem prematuros.

— O que fazem aos cativos é indescritível — disse lady Alice, a mãe de Kathryn.

— A minha filha preferiria se jogar do penhasco mais próximo a voltar à sociedade. Jamais...

As palavras da velha faladeira perderam-se no ar quando sir Geoffroi Le Chievre aproximou-se por trás de Kathryn e tocou-lhe o ombro. Faíscas de calor desceram-lhe pelo braço ao toque do rapaz. Era um belo cavalheiro e atraíra a atenção de Kathryn mais cedo, naquele dia. Tinham trocado alguns olhares, e ela ficara intrigada. Mas não esperava que viesse procurá-la ali.

— Venha, vamos dançar.

Kathryn levantou-se, mas as palavras de sua mãe a seguiram enquanto se afastava com Geoffroi do grupo de senhoras.

— Uma vez que tenha se tornado a prostituta de um escocês, é melhor estar morta.

— Não dê ouvidos àquelas velhotas — retrucou Geoffroi, conduzindo Kathryn para o pátio onde os músicos tocavam e o pessoal mais jovem se reunira para dançar. — Não quero ofender sua mãe ou as outras senhoras, mas as mu­ralhas de Kettwyck são fortes e sólidas. Nenhum escocês irá transpô-las.

— Você tem razão, é claro — murmurou Kathryn, com um sorriso, afastando os pensamentos negativos e con­centrando a atenção no jovem cavalheiro.

Afinal, tinha de lhe dar algum crédito, pois ele mal notara sua irmã, Isabel, a beldade. Isabel ficara encan­tada com a permissão do pai para que as filhas escolhes­sem seus próprios maridos. Lorde Henri estabelecera, po­rém, alguns critérios; fizera uma lista dos candidatos preferidos e os reunira ali para as festividades que marcavam a chegada das duas irmãs a Kettwyck e o reencontro com os familiares. Durante os dias seguintes, cada uma delas poderia escolher um marido.

Kathryn tinha certeza de que, mesmo sem um dote ge­neroso, Isabel não teria problemas para encontrar um noi­vo. Os lordes e cavaleiros ali presentes estavam ansiosos para atrair a atenção de sua bela irmã, enquanto Kathryn ansiava pela afeição sincera de um homem, um noivo que a honrasse e a admirasse por aquilo que ela era, não pela riqueza que lhe pudesse trazer.

Era um desejo tolo, ela sabia. As filhas dos poderosos barões normandos casavam-se para atingir metas estra­tégicas, não para satisfazer anseios egoístas. Além disso, Kathryn não tinha o mesmo encanto da linda Isabel. Não que fosse feia, mas era uma moça comum, com olhos e cabelos castanhos, enquanto Isabel tinha olhos impres­sionantemente dourados e cabelos negros lustrosos.

Kathryn crescera à sombra de Isabel, mas as duas não poderiam ser mais próximas. Kathryn não se ressentia da atenção que Isabel amealhava com sua beleza e seus mui­tos talentos. Ambas haviam sido muito bem educadas na abadia, e Kathryn tinha facilidade para aprender idiomas.

A abadessa dissera que suas habilidades conviriam bem a um marido, mas Kathryn nunca falara do fogo que queimava inextinguível em seu âmago, dos anseios pro­fundos que sentia pelo contato carinhoso de um marido. Imaginara o beijo do noivo e as carícias gentis com que a cercaria incontáveis vezes. E tais pensamentos eram pe­caminosos, pois nunca conhecera outra donzela que ad­mitisse tais desejos, nem mesmo Isabel.

Geoffroi dançava muito bem, Kathryn pensou. E dese­jou poder igualar-se a ele em graça e elegância de movi­mentos. Contudo, os passos complicados não exigiam que ele a tomasse nos braços ou mesmo lhe tocasse a mão. E, nesse caso, Kathryn nunca saberia se era Geoffroi quem escolheria como noivo. Ela precisava saber se seu toque... se seu beijo... poderiam inflamar a fogueira que queimava dentro dela. Mas parecia destinada a jamais saber, pois Geoffroi era um cavaleiro correto, observante dos costu­mes, que a manteria sob o olhar atento das matronas.

Assumindo a iniciativa, Kathryn fez um sinal para que ele a seguisse para longe do pátio lotado.

— Lady Kathryn?

Ela não respondeu, mas tomou-o pela mão e conduziu-o para o pátio externo junto à fortaleza. Com tanta gente por ali, ninguém notou que os dois se afastavam. Rindo, Kathryn levou Geoffroi para o quintal atrás da cocheira e parou num canto escuro. Um simples feixe de luar ilu­minava-lhe as faces, mas Kathryn podia ver o espanto na expressão do cavaleiro.

Ela sabia que suas ações eram muito ousadas para uma dama bem-nascida, mas queria descobrir se o contato de Geoffroi era o do homem com quem sonhava, queria saber se ele a procurava porque ela o agradava, ou porque per­cebera que Isabel já fizera sua escolha, dispensando-o.

Seria ele o homem que a trataria com amor e carinho, que lhe daria os filhos que Kathryn tanto desejava?

— Beije-me, Geoffroi. — Sua voz soou arquejante, an­siosa demais para alguém que nunca sentira culpa ou covardia. Porém, saber a motivação de Geoffroi assumira uma grande importância, e Kathryn tinha de saber se era ela que ele queria, ou se era apenas seu dote que o atraía.

— Kathryn, acho que não...

Com um murmúrio de frustração, Kathryn expulsou todas as esperanças. Se Geoffroi precisava de tempo para pensar, então ela já tivera sua resposta.

Antes que seu desapontamento se tornasse evidente, ela virou-se depressa para se afastar do belo cavaleiro. Mas assim que deu um passo, ele agarrou-a pelo braço e a virou, empurrando-a de costas contra a parede do está-bulo. Enlaçou-lhe a cintura com uma das mãos e apoiou a outra na parede, ao lado de sua cabeça.

— Você nunca foi beijada, foi? — ele perguntou, apro­ximando o rosto, e Kathryn pôde sentir a respiração quen­te do rapaz em seus lábios.

Talvez ela tivesse chegado à conclusão errada. Tudo aquilo era muito confuso, lidar com homens e seus costu­mes estranhos, tentar compreender os sinais que envia­vam e aqueles que não enviavam. E Kathryn estremeceu quando Geoffroi se debruçou, pousando a boca na sua.

Ela fechou os olhos e seu coração disparou, ao mesmo tempo que os joelhos fraquejaram quando Geoffroi afas­tou-se e depois a beijou de novo, desta vez mais intensa­mente. A ponta da língua insinuou-se contra a barreira de seus lábios. Kathryn suspirou e deixou que entrasse, correspondendo ao contato. Era uma sensação agradável, porém estranha. Geoffroi parecia estar entusiasmado, mas, passada a empolgação daquele seu primeiro beijo, Kathryn sentia apenas curiosidade, nada mais. Não fora a experiência mágica que esperava.

Ele rompeu o contato.

— Kathryn...

Gritos no pátio interromperam o que quer que Geoffroi fosse dizer, e o chão estremeceu com o estrondo de patas de cavalos.

Geoffroi agarrou a mão de Kathryn e correu na direção do tumulto na fortaleza. Guerreiros bárbaros de aspecto medonho atravessavam o portão como um enxame, ma­tando aqueles que lhes impediam o avanço.

— Onde estão os guardas? Onde estão todos os cava­leiros de meu pai? — perguntou Kathryn, correndo para a fortaleza, para Isabel e seus pais. Seriam aqueles os invasores de que as senhoras falavam? Escoceses?

— Kathryn, volte! — Geoffroi gritou. Agarrou-a pelo braço e a sacudiu. — Não seja tola! Esconda-se!

Mais uma dezena de bárbaros irrompeu com um tropel pelos portões e virou-se na direção deles.

Kathryn recuou e saiu correndo. Afastou-se por uma trilha que não sabia aonde levava e continuou a correr até não conseguir mais respirar. Parecia não haver lugar para se esconder, com tantos homens a cavalo em sua perseguição. Ela perdera Geoffroi de vista, mas não tinha como procurá-lo agora, pois dois dos cavaleiros haviam se separado do grupo e agora estavam cada vez mais perto dela.

Num esforço tremendo para salvar a própria vida, Kathryn ignorou a pressão nos pulmões e a pontada do­lorosa nos músculos laterais. Se parasse, eles a pegariam e a matariam. Ou pior... a levariam embora. Sua mãe e as outras senhoras não haviam deixado claro que seria mil vezes melhor morrer do que ser levada pelos escoce­ses? Será que ela devia rezar por uma morte rápida? O cheiro acre de fumaça chegou ao nariz de Kathryn, e ela arriscou um olhar de soslaio para trás, para ver o que estava queimando. Era o estábulo. E então deu-se conta de algo pior ainda: os dois cavaleiros continuavam em seu encalço.

Quase caiu ao continuar correndo e olhando para trás, mas recobrou-se a tempo de dar a volta ao canto de um armazém. Irrompeu para dentro do recinto e bateu a porta atrás de si, rezando para que os forasteiros passassem ao largo.

Suas preces, porém, não foram atendidas. Os homens desmontaram e a seguiram para dentro do depósito. Abri­ram a porta com um chute e riram ao se acercarem dela, falando naquela língua estranha, gutural. Se pelo menos tivesse estudado gaélico em vez de perder tempo com la­tim e inglês, ela poderia negociar a liberdade.

Kathryn recuou até a parede conforme os dois homens a encurralavam, e tentou pensar numa maneira de esca­par, mas não havia como. Então, num ato de desespero, pegou um engradado que estava perto, ergueu-o nos braços e depois o lançou em um dos homens, esperando que fosse o suficiente para distraí-los. Correu para a porta, mas não foi rápida o bastante. Eles a pegaram antes que ela saísse, e a derrubaram no chão. Seus cabelos escaparam do coque, e a manga de seu vestido rasgou-se no ombro.

Kathryn rastejou para se afastar, mas um dos homens segurou-a pelo tornozelo e puxou-a de costas pela terra, embora ela o chutasse. O outro riu e gritou algo que de­veria ser um adeus, antes de montar o cavalo e rumar na direção do tumulto no pátio.

Aos gritos, Kathryn pediu por socorro, mas percebeu que sua voz se perdia entre os brados e berros das outras vítimas que corriam por toda parte. Por pouco não vomi­tou quando o brutamonte enfiou um trapo em sua boca, quase a sufocando. Kathryn arregalou os olhos quando ele a virou para o chão e esticou seus braços para cima da cabeça e prendeu suas mãos juntas num aperto forte.

O brutamonte tirou o colar que ela usava e arrancou-lhe o cinto cravejado de jóias. Quando o homem ergueu suas saias acima dos joelhos, Kathryn sufocou um soluço e começou a se debater e a chutar desesperadamente. O captor, então, pareceu mudar de idéia e amarrou seus pulsos, juntos, com uma corda. Kathryn viu-se indefesa quando aquela criatura horrível a jogou de costas no chão e amarrou-a pelos tornozelos. Com um grunhido de esfor­ço, levantou-a do chão e jogou-a sobre o cavalo.

O baque expulsou o ar dos pulmões de Kathryn. Vendo estrelas e lutando como louca para libertar-se, ela tentou cuspir o trapo da boca, mas seus músculos pareciam não funcionar. Estava sufocando! Ia morrer ali, de uma forma ignominiosa, o corpo atravessado sobre a montaria imun­da de um escocês.

Ergueu-se nos cotovelos e tentou se jogar do cavalo, mas o homem soltou um berro medonho e a golpeou com o punho fechado.

Não, ela gritou para dentro, sem emitir som. Não quero morrer desse jeito!

Ele lhe acertou um soco mais forte, e Kathryn sentiu o cérebro estremecer dentro da cabeça antes de perder a consciência.

 

Terras fronteiriças ao norte — Braxton Fell

Por que está tão zangado? — Bryce perguntou ao irmão mais velho quando cavalgavam para o norte, em direção ao inimigo escocês. — Você nunca reclamou antes, ao ter diante de si a oportunidade de guerrear contra Léod Ferguson.

— Não gosto de receber ordens do bastardo normando — retrucou Edric, o senhor saxão de Braxton Fell.

— O rei Guilherme, você quer dizer?

Edric não viu razão para responder; a resposta era ób­via. No ano anterior, haviam recebido um número cres­cente de diretrizes do conquistador normando, a maioria delas irracionais. Os deveres que Edric fora obrigado a cumprir, como preço para manter suas propriedades, au­mentavam a cada ano que passava. Mais homens, mais mercadorias, mais lã, e pouco em retorno. Era responsa­bilidade de Edric proteger as fronteiras ao norte da In­glaterra, e ele tinha certeza de que haveria repercussões se esquivasse de seu dever. Mandara seu administra­dor enviar cartas de protesto, pois Braxton Fell sofria ultimamente com uma grave falta de recursos. Mas, mesmo assim, não houvera mudança nas exigências do rei normando.

Notícias da incursão de um grupo escocês pelas terras de Edric exigiram que ele entrasse em ação. Tinha espe­rança de que fossem os Ferguson, pois fazia tempo que não atravessavam a fronteira, fazendo estragos, saquean­do tudo, arrebanhando gado, devastando as plantações.

Seria um bônus adicional confiscar mercadorias valio­sas para si mesmo, embora Edric tivesse de esconder esse fato da esposa normanda, Cecily. Ela não precisava saber que os tributos exigidos pelo rei eram bens dos normandos. Na verdade, Edric não tinha escolha. Quando Ferguson e seus homens tinham invadido Braxton Fell, dois anos an­tes, haviam queimado os campos e matado os animais que não puderam dispersar ou carregar. Não havia mais bens de sobra em seus domínios.

Depois do casamento de Edric com Cecily, o dote da esposa trouxera algum alívio, e ninguém em Braxton Fell passara fome no ano anterior. Contudo, naquele outono, o pai de Cecily, o barão Gui de Crispin, recusara todos os pedidos de ajuda.

— Acho que você pode estar zangado porque não gos­taria de viajar para tão longe de Cecily. — O sarcasmo destilava como fel da boca de Bryce.

Edric manteve-se em silêncio, recusando-se a permitir que a provocação do irmão o atingisse. Todos em Braxton Fell sabiam que Cecily não tinha nenhum amor pelos saxões, principalmente pelo marido saxão. Mesmo assim, Edric não tivera escolha a não ser desposá-la pelo dote e para assegurar a aliança com o reino normando.

O ano anterior fora um desafio diário, na tentativa de manter a paz na casa. Cecily podia ter a beleza de uma deusa nórdica, mas o desprezava e buscava toda e qual­quer oportunidade para censurá-lo. Não fazia esforço para aprender a língua e os costumes do marido e de seu povo, e tratava com desdém todos os criados, com exceção da velha babá normanda, Berta.

Felizmente, ela ficara grávida poucas semanas depois das núpcias. Edric não tinha motivos para visitá-la no quarto de dormir assim que ela engravidara, mas Cecily dera um jeito de transformar a vida dele num inferno, com seus acessos de raiva e ciúme mesquinhos. Ao menor sinal de uma infidelidade, a mulher saía com um discurso com­prido, exigindo que ele cumprisse os votos conjugais. Edric concordava, mas sua paciência estava por um fio.

— Acha que o humor de Cecily vai melhorar depois que ela der à luz o bebê? — Bryce perguntou.

— Eu não apostaria nisso — murmurou Edric, baixi­nho. E emendou em voz alta: — Vamos esperar que sim.

Mas ele já ultrapassara o ponto de reconciliação com Cecily. A mulher tinha o temperamento de uma víbora. Edric jamais conhecera uma criatura tão desagradável e inflexível. Cecily não permitira que ele a tocasse depois do primeiro mês de casados, e Edric não podia dizer que isso o entristecesse.

O pior de tudo, e totalmente imperdoável, era que ela não queria a criança. Cecily tentara interromper a gravi­dez logo no início. Felizmente, não conseguira. Lora, a parteira, explicara que muitas mulheres, na fase inicial da gestação, tinham um humor muito instável, e que essa era provavelmente a causa da irritabilidade de Cecily.

Edric, contudo, sabia que não era bem assim. Cecily não queria um filho seu.

Apesar da gravidez, ela mandara o administrador, Oswin, fazer um pedido ao pai, que repetia mensalmente, para deixar Braxton Fell e voltar para casa. Queria pôr um fim ao casamento tão desesperadamente quanto Edric, mas o pai recusara cada solicitação.

A criança era esperada para dentro de algumas poucas semanas, e logo depois do nascimento, quando Cecily pu­desse viajar, Edric iria mandá-la para o convento em Evesham Bridge. Estava farto do casamento.

— Lorde Edric — exclamou Drogan, ao se aproximar. Drogan, um guerreiro forte e corpulento, dez anos mais velho que Edric, cavalgava ao lado dos dois irmãos. Como o mais confiável servidor de seu pai, Drogan era quase um tio para Edric e Bryce, em vez de um simples guarda pessoal. Drogan era tão íntimo como alguém da família, assim como Oswin, o administrador de Braxton.

— Eles seguiram por aquele caminho — Drogan indi­cou, apontando adiante para os rastros frescos, agora vi­síveis à luz do meio-dia. — Havia pelo menos uma carroça, mas duvido que mais de vinte e cinco ou trinta cavaleiros.

— Não podem estar longe — disse Bryce.

— Vão ficar na trilha com as carroças — ponderou Edric. — Podemos seguir pelos bosques e sair diante deles.

Drogan sorriu.

— Minha única esperança é que seja Léod Ferguson. Rumaram para a mata com todos os guerreiros atrás deles. Se a estimativa de Drogan estivesse correta, os saxões teriam vantagem em número. Mas o movimento se­ria mais lento através do bosque.

Edric e Bryce adiantaram-se, deixando Drogan pouco atrás, no comando da milícia de Braxton. Moviam-se fur­tivamente, e quando Edric ouviu o som de vozes adiante, desmontou e fez um sinal para que os homens na reta­guarda parassem.

Sob a cobertura das árvores, ele avançou até chegar a uma clareira estreita logo depois da trilha. Ali, avistou o grupo de incursão escocês. Como ele suspeitava, eram os Ferguson: Léod e o filho, Robert. Ao todo, havia apenas pouco mais de vinte escoceses na clareira.

Bryce juntou-se a Edric e disse, em voz baixa:

— Deve haver outro grupo. Parece que se separaram aqui.

— É mesmo. Ferguson nunca sai em reides com tão poucos homens — Edric retrucou, num fio de voz. — Ele deve pensar que está seguro, agora que se encontra tão perto de suas terras.

Dois prisioneiros homens estavam sentados no chão, juntos, os pulsos amarrados às costas. Várias carroças estavam no centro da clareira, e Edric não conseguiu ver se havia homens do outro lado, nem o que teria dentro das carroças. Espólios de uma incursão lucrativa, ele su­pôs, enquanto os homens se reuniam ao seu redor, posi­cionando-se para o ataque.

Agulhadas de luz feriram os olhos de Kathryn, e ela pestanejou de dor. Sua cabeça doía de uma forma abomi­nável, e a náusea revirava seu estômago. Cautelosamen­te, ela olhou ao redor e viu que estava deitada no leito de uma carroça rústica.

O que acontecera a Geoffroi?

Kathryn temeu pelo pior. Ele estava sem uma espada quando ela o puxara para longe dos dançarinos, no pátio de Kettwyck. E fora culpa sua que Geoffroi tivesse sido pego desarmado e incapaz de se defender. Kathryn piscou, afastando as lágrimas, que mesmo assim escorreram por suas faces.

Ficou imóvel, esperando não atrair a atenção dos ho­mens cujas vozes se ouviam por perto. As mãos e pés ainda estavam amarrados mas, à luz do dia, Kathryn pôde ver o nó que atava suas mãos. Usando os dentes, ela o afrou­xou e torceu os pulsos até que conseguiu soltá-los.

Em silêncio, Kathryn deitou-se de lado e ergueu os joe­lhos até o peito. Tirou a corda dos tornozelos e depois pensou no que fazer a seguir.

Não sabia quanto tempo se passara desde que fora le­vada, nem a que distância de Kettwyck se encontrava. Se conseguisse escapar da carroça sem ser vista, ela poderia fugir de seus captores durante algum tempo. Não havia dúvida de que eles logo a caçariam, mas os cavaleiros de Kettwyck certamente deviam estar no encalço dos assal­tantes. Com sorte, os homens de seu pai já estariam na trilha dos escoceses e a salvariam de um destino terrível.

Uma explosão repentina de risadas assustou Kathryn, e ela enregelou. Um instante depois, um escocês grisalho, de cabelos ruivos desgrenhados e barba espessa saltou no leito da carroça a seus pés. Gritou algo ininteligível aos outros homens, depois abaixou-se e agarrou Kathryn, erguendo-a pelos braços sem nenhuma delicadeza.

Ela gritou, mas os gritos só provocaram mais risadas de­bochadas. O escocês continuou impassível enquanto ela se debatia, mas ele a arrastou para fora da carroça. Kathryn só conseguiu choramingar quando ele a jogou sobre o ombro e a carregou para um círculo onde os homens se reuniam.

A moça no círculo era dona de um tipo suave de beleza que fez Edric não desejar estar preso a uma esposa tão desagradável e irritadiça. Ele poderia facilmente perder-se nos misteriosos olhos de corça daquela mulher, quase sentir aqueles lábios voluptuosos e cheios nos seus. As roupas da jovem estavam esfarrapadas, revelando mais das formas arredondadas do que qualquer donzela exibi­ria por vontade própria.

Edric resmungou uma praga, ciente de que não havia nada a ser feito por ela. Pelo fogo do inferno, ela era uma moça normanda, afinal, e Edric não nutria amor nenhum por gente daquela cepa. A criatura sofreria o que o destino lhe reservara, ali, no meio do mato, nas mãos dos escoce­ses, como o povo de Edric sofrerá nas mãos dos conquis­tadores normandos. Além do mais, seus homens ainda se posicionavam para o combate, e levaria longos minutos até envergarem as cotas de malha e os coletes almofadados de proteção antes de atacarem. Minutos que a moça não tinha.

Edric cuspiu de repulsa quando Léod Ferguson debru­çou-se sobre a pobre infeliz no círculo, com a intenção de violentá-la. Ela gritou, e o estômago de Edric revirou-se. A prudência foi esquecida. Com um brado de guerra, ele ergueu a espada, incitando Bryce e o resto dos homens ao redor, ainda que estivessem despreparados.

Numa massa confusa, irromperam pela clareira. Pegos desprevenidos, os inimigos reagiram estupefatos e logo eles se defrontavam com alguns poucos adversários pelo caminho; em questão de instantes, chegavam ao círculo onde o traseiro nu de Léod se erguia obsceno sobre a in­feliz donzela cativa. Edric arrancou o chefe tribal de cima da jovem, mas, assim que ficou de pé, Léod agarrou a espada de um de seus homens por perto.

— Ah, Ferguson... Pego com as calças nos tornozelos, hein? — provocou Edric, ao enfrentar o inimigo de longa data. Era um prazer raro e inesperado pôr as mãos no verme nojento.

O escocês grunhiu e usou uma das mãos para erguer a calça.

— Só não o cortei em dois, sua larva, porque não vou me rebaixar a matar um homem com o traseiro exposto ao vento.

— Como se pudesse fazer isso, moleque! — esbravejou o escocês.

Posicionou-se, de espada em punho, meio agachado para o combate. Equilibrando o peso nos pés, Léod come­çou a circular em torno de Edric.

Edric moveu-se do mesmo modo, enquanto os outros escoceses do círculo, passado o momento de surpresa, pe­gavam em armas para se defender. Ao redor, os guerreiros de Edric impediram que alguém fosse ajudar Léod, e se empenharam num combate corpo-a-corpo. O tinir das es­padas, o cheiro de sangue e de suor encheu o ar.

— Tem o traseiro murcho, mesmo para um escocês, velho. — Edric olhou de soslaio para o irmão e depois para a moça, cujos olhos castanhos pareciam enormes agora, o único traço de cor no rosto fantasmagoricamente pálido. Que idiota ele fora em se apressar em resgatá-la!

— Edric! — Bryce gritou, ao aparar um golpe de Robert, o filho ruivo do clã de Ferguson. — Tire-a daí!

— Ela pode se mexer sozinha! — Edric gritou de volta. Droga de irmão por dar mais atenção a um rostinho bonito do que ao próprio pescoço. Uma prisioneira normanda, roubada de uma propriedade vizinha, não era da sua conta. Principalmente não agora, enquanto Edric ti­nha Léod Ferguson à distância da espada.

Edric mal precisou se esforçar para aparar cada inves­tida e cada golpe da espada do adversário, muito mais velho.

— Nenhuma de suas próprias mulheres o quer, Ferguson?

— Veja só quem fala, moleque! Dizem que sua própria esposa não o suporta.

Edric sentiu o sangue pulsar nas têmporas, porém não permitiu que seu temperamento o traísse. Nenhum passo em falso o faria perder a batalha contra Léod Ferguson, o homem que causara um sem-fim de problemas a Braxton Fell. O filho da mãe não escaparia desta vez.

Léod empunhou a espada com as duas mãos, ergueu-a bem alto e depois a desceu num golpe brutal, numa ten­tativa de partir ao meio o crânio de Edric, que se desviou e contra-atacou, mas o escocês deu um jeito de se esquivar.

— Impressionante, Ferguson! — exclamou Edric.

Sem dúvida poderia acabar com o escocês naquele ins­tante, mas seria uma morte branda demais para um bas­tardo que promovera tanta destruição. No mínimo, queria uma retribuição por tudo que Léod fizera dois anos atrás.

— Atrás de você, Edric!

Edric girou o corpo e, num golpe certeiro e fulminante, matou um escocês que se infiltrara pela barreira de saxões para ajudar o chefe tribal. Outros dois inimigos se aproximaram, brandindo espada e maça, mas Edric esquivou-se do ataque e saltou para uma pedra ali perto. Acertou um chute no peito de um deles, derrubando-o ao chão, e defrontou-se com o outro, enquanto Léod dava a volta pa­ra atacá-lo por trás.

Com uma risada sarcástica, ao despachar rapidamente o escocês que enfrentava, Edric se viu frente a frente com Léod mais uma vez.

—É costume encarar um homem quando se tenta matá-lo, Ferguson!

— Ora, tente encarar seu irmão antes que Robert acabe com ele — Ferguson retrucou, com um sorriso forçado na cara sebosa.

A mulher normanda começou a gritar quando dois es­coceses tentaram arrastá-la para longe, o que distraíra Bryce. E o segundo de desatenção dera a Robert a opor­tunidade de investir, ferindo Bryce cruelmente na lateral. Ao se virar na direção que o velho inclinara a cabeça, com ar de zombaria, Edric soltou um grito gutural e, sem ra­ciocinar, cego de ódio, usou a plena força e trespassou Léod, logo abaixo do coração. Não esperou para ver o re­sultado, mas correu para impedir que Robert liquidasse Bryce.

— Drogan! — ele berrou.

Nada importava, só chegar até Bryce. Edric desviou-se de outro confronto, passou correndo pelos guerreiros, cien­te de que Drogan fazia o mesmo. Chegou ao local onde Bryce jazia ferido, justamente quando Robert se dava con­ta de que Edric matara seu pai.

O escocês soltou um urro de fúria. Virou-se, transtor­nado, para investir feito um louco sobre

Edric, enquanto Drogan debruçava-se sobre Bryce e o arrastava para longe da contenda.

Os guerreiros de Braxton, num movimento coordenado, aproximaram-se para fechá-los num círculo de proteção, mas naquele instante um escocês veio por trás e passou uma rasteira em Edric. O saxão tropeçou e caiu, porém, ágil como um felino, rolou depressa para longe do golpe de machado desferido pelo inimigo logo em seguida.

Robert, ao perceber que as chances de vencer eram mí­nimas, aproveitou-se do momento e conseguiu fugir. Logo o combate perdia força, conforme os homens se cansavam, e os escoceses abandonaram seus mortos e fugiram da clareira.

Edric deixou-os ir embora e correu para ajoelhar-se ao lado de Bryce.

Tremendo descontroladamente, Kathryn conseguiu rastejar até o espaço sob uma das carroças e se encolher, puxando os joelhos até o peito e passando os braços em torno das pernas. Sacudida por tremores de frio e de medo, ela começou a se balançar para frente e para trás, como se o movimento pudesse afastar o combate brutal que se desenrolava ao redor.

Kathryn tinha muito a temer daqueles bárbaros sa-xões, tanto quanto dos escoceses que a teriam violentado e matado. Em seus trajes rústicos de lã, de cabelos longos, com machados e maças, eram tão horripilantes quanto os escoceses.

Em algum lugar, no fundo de sua mente, Kathryn se deu conta de que tudo finalmente se tornara silencioso. A batalha terminara, e os escoceses sobreviventes fugiam.

Embora os saxões fossem vitoriosos, pareciam sombrios. Um deles agachou-se diante dela, um guerreiro cur­tido com uma juba desgrenhada de cabelos cor de linho e barba cerrada. Estendeu a mão para ela.

— Acabou, moça. Saia.

Kathryn não confiou nele. Não quis dar indicação de que tivesse compreendido o que o homem dissera, enquan­to pensava num modo de poder escapar.

— Está segura agora — o saxão insistiu, a voz grave.

— Nada de mal vai lhe acontecer.

Kathryn soltou um suspiro trêmulo e sentiu que uma lágrima escorria por sua face. Com ar ausente, limpou-a. Se pelo menos Isabel estivesse ali... Não! Não desejaria aquela situação terrível para sua irmã. Gostaria apenas de ter um pouco dos talentos de Isabel. Sua irmã saberia o que fazer.

— Não entende o que estou dizendo, entende? — o ho­mem resmungou. Apontou para o próprio peito e disse:

— Drogan. Sou Drogan de Braxton Fell. Saia.

Que outra escolha Kathryn tinha? Não poderia ficar debaixo da carroça eternamente, nem sair correndo e fu­gir daqueles saxões. O único jeito era acreditar que aquele guerreiro, sir Drogan, estivesse falando a verdade. Tudo parecia calmo na clareira agora, conforme os guerreiros saxões cuidavam dos ferimentos ou arrastavam os esco­ceses mortos para longe. O único som que quebrava o si­lêncio era o do vento, farfalhando as folhas mortas nas árvores.

Kathryn pegou a mão de sir Drogan e deixou que ele a puxasse de sob o leito da carroça. Suas pernas fraqueja­ram, mas Drogan a sustentou quando ela ia cair no chão outra vez. Então, colocou-lhe um manto fino de lã sobre os ombros para cobrir o que restara de suas roupas.

O impetuoso guerreiro de cabelos negros que matara o chefe tribal escocês aproximou-se de Drogan, sem permi­tir que o olhar glacial daqueles olhos azuis descansasse em Kathryn. Era alto, com ombros mais largos do que qualquer outro homem que ela já vira na Normandia ou na Inglaterra, e feições belas marcadas apenas por uma estreita cicatriz branca que cortava a linha escura da so­brancelha.

Se a visão da compleição física forte e máscula a fez parar, foi a expressão rude que provocou um sobressalto em seu coração. Embora o homem estivesse com a barba por fazer, Kathryn podia ver a linha dura do queixo, os tendões encordoados do pescoço. O nariz era reto e firme, a testa enrugada de preocupação. Ou talvez de raiva.

— Vamos transportar meu irmão na carroça. — Ele inclinou a cabeça num gesto rápido na direção de Kathryn, aparentemente sem demonstrar qualquer interesse ou cu­riosidade sobre ela. Um homem resoluto, teimoso. — Tra­ga-a — ordenou.

— O que tem em mente? — quis saber Drogan.

— A mulher deve ter alguma habilidade com agulha e linha — disse Edric.—Pode costurar o ferimento de Bryce.

— Mas eu... — Kathryn gaguejou as palavras em inglês antes de ponderar que, falando, denunciava o seu enten­dimento do idioma.

A mão de Edric esticou-se e circundou-lhe o pescoço, os olhos frios e cheios de fúria. Era óbvio que ele compreen­dera a tentativa de Kathryn de ludibriá-los. Havia uma força latente no aperto, mas mesmo assim ele não a ma­chucou.

Kathryn se afastou com um safanão.

— Você se recusa, mulher?

— Não, não me recuso.

Kathryn, porém, se sentira abalada pela ira na voz da­quele homem, e ainda mais com o seu contato. E ele ainda lhe endereçou um olhar de desprezo antes de se afastar.

Que bárbaro!

— Só porque sou mulher não significa que posso cos­turar um homem! — Ao contrário, ela não era uma cos­tureira muito boa, afinal, e era bastante sensível, além de tudo.

— E melhor irmos, moça. Quando lorde Edric mete uma coisa na cabeça, não é provável que mude de idéia.

Kathryn respirou fundo e seguiu sir Drogan até o local onde Edric se ajoelhara ao lado do irmão. O homem ferido jazia desmaiado, a cota de malha destroçada aberta para revelar uma mancha crescente de sangue debaixo do bra­ço. As feições poderiam ser tão belas como as do irmão, mas estavam mortalmente pálidas. Até mesmo os lábios pareciam desprovidos de cor.

— Jesu — Drogan murmurou.

Um dos homens colocou uma sacola de couro ao lado de Edric, que a abriu e retirou o conteúdo. Havia rolos de pano limpo e um pedaço de couro com duas agulhas fortes espetadas.

— Onde está a linha?

A voz de Edric traía a preocupação e o temor que sentia pelo irmão, e conforme ele revirava a sacola, Kathryn ob­servou o movimento dos músculos em seus braços e a ruga de concentração na testa.

Drogan ajoelhou-se ao lado do irmão de Edric e afastou o tecido da túnica de cima do ferimento. A visão do talho fez as pernas de Kathryn ficarem moles como mingau, e ela amontoou-se no chão perto de Drogan.

— Não creio que eu...

Sua boca ressecou-se e os dedos pareciam pedras de gelo. Ela enxugou as mãos na saia e ergueu os olhos. Não era possível que o saxão fosse insistir para que ela sutu-rasse o ferimento do rapaz.

Ele não lhe deu atenção. Continuou a remexer na sa­cola, finalmente tirando um rolo de linha rústica. Jogou a bola, junto com as agulhas, para Kathryn.

— Tome cuidado para fazer as bordas se juntarem. Kathryn engoliu a indignação diante das ordens dadas

pelo saxão grosseiro. Ninguém falava assim com ela. Era a filha de um barão... embora quanto menos ele soubesse a esse respeito, melhor. Kathryn não queria ser devolvida à família, insultada e desonrada, talvez em troca de um resgate. Havia uma grande possibilidade de sua família não pagar, de qualquer forma, por uma filha que fora violentada por invasores escoceses.

Com um suspiro profundo, ela procurou se controlar.

— Certamente deve haver alguma outra pessoa que saiba o que fazer. Eu nunca...

— E Graeme quem normalmente faz os remendos para nós — disse Drogan.

— Graeme não fará nenhum remendo hoje. — Edric indicou com a cabeça para um guerreiro ali perto que en­rolava a própria mão num trapo ensangüentado. — E já que você foi a causa da distração de Bryce, você será aque­la que fará os reparos.

Kathryn irritou-se com aquele tom arrogante, mas Drogan chamou-lhe a atenção para Bryce antes que ela pudesse fazer o comentário impulsivo que lhe veio à pon­ta da língua.

— Olhe, moça. O ferimento não é tão feio como poderia ser. É apenas um corte fundo pelo músculo rijo do rapaz.

Kathryn estremeceu e arriscou um outro olhar para a ferida. Pensou em se recusar, mas não queria se arriscar à ira do lorde saxão. Pegando a agulha, imaginou como ela poderia fazer o que lorde Edric exigira. Felizmente, sir Drogan pegou um pano limpo e enxugou o sangue do talho.

— Comece aqui, moça — ele murmurou. — Bryce não vai sentir nada.

Kathryn duvidava, mas não se atreveu a hesitar, não com o carrancudo senhor saxão tão perto, com um com­portamento tão ameaçador. Além disso, ele tinha razão. O ferimento de Bryce fora por culpa sua, assim como o destino de Geoffroi. Será que seu fardo de pecados nunca teria fim?

Enfiou a agulha e inclinou-se para mais perto do ferido. Sir Drogan tirou o pano e juntou as bordas do ferimento quando Kathryn deu o primeiro ponto.

Ela conseguiria. Tudo que precisava fazer era desviar os pensamentos para outra parte. Poderia pensar numa das muitas histórias de sua irmã enquanto trabalhava, histórias de heróis valorosos e suas belas damas.

No entanto, cada herói que lhe vinha à mente tinha a face de Edric, o Saxão, quando arrancara o escocês asque­roso de cima dela e o enfrentara até a morte.

Edric esfregou a mão no queixo barbado e soltou um suspiro vacilante. Embora o ferimento de Bryce não fosse uma perfuração no pulmão, o rapaz não estava fora de perigo ainda. Edric vira muitos ferimentos de combate se tornarem putrefatos, com a morte como resultado. E ele faria tudo em seu poder para impedir que isso acontecesse ao irmão.

Apesar dos protestos, a moça normanda costurara o talho e fizera um belo trabalho. A manta que tinha em torno dos ombros pendera conforme ela costurava, dando a Edric uma visão dos seios fartos, culminados por bicos de um rosa pálido, uma visão de que Edric estava triste­mente saudoso durante todo aquele miserável ano de ca­samento. Cada gota do sangue vermelho do irmão o inci­tava a reclamar vingança daquela mulher, levá-la para longe do acampamento e saciar sua luxúria enquanto es­tava longe de Braxton Fell, longe de Cecily.

Era algum truque normando seduzir um homem com a beleza e a promessa de um êxtase sensual só para re­peli-lo quando ele tomasse uma atitude. Porém, ele não faria nada com aquela mulher. E não desejava que ne­nhum indício de seus pensamentos lascivos chegasse aos ouvidos de Cecily, pois nada tinham a ver com a infeliz condição de seu casamento.

A mulher normanda tinha mãos pequenas, graciosas. Tentara ser gentil com Bryce, mas logo se tornara evidente que era necessário ter mais força para passar a agulha pela carne de seu irmão. Ela se encolhera a cada ponto da agulha, mas o fiel Drogan conversara com ela, encoraj an­do-a a terminar, enquanto Edric se levantara e saíra de perto, andando de um lado para outro até que ela comple­tasse a ingrata tarefa e descansasse sobre os tornozelos.

Bryce gemeu.

— Ouviu, meu lorde? — Drogan o chamou. — É um bom sinal. Ele está acordando.

A normanda parecia abalada e hesitante agora, mas Edric recusou-se a sentir pena dela, e obrigou-se a sufo­car o desejo que o avassalava diante daquela visão ten­tadora. Seria melhor concentrar-se em sua vitória sobre

Léod Ferguson e começar a planejar a destruição do filho do escocês, Robert. Mas Drogan o distraiu ao perguntar à jovem:

— Qual é o seu nome, moça?

Ela pareceu espantada por um instante, como se não compreendesse a pergunta. Quando respondeu, deu a im­pressão de estar insegura.

— Kate... eu sou... apenas Kate.

— De onde foi levada? — Drogan a questionou.

— Foi de um lugar chamado... Rushton. — Seu sotaque francês emprestava uma suavidade encantadora ao idio­ma de Edric, e ele não pôde se impedir de pensar na esposa normanda, que aprendera apenas um punhado de pala­vras inglesas, a maioria de expressões depreciativas que ela usava com liberalidade para com ele e os criados.

— Seu pessoal deve estar imaginando...

— Non! Ah... — Os músculos do pescoço esguio se mo­veram quando ela engoliu em seco.

— Não tenho razão para voltar, não depois... — Lançou um olhar para o lugar onde Ferguson a assaltara. Então ficou de pé e puxou a manta apertada em torno dos ombros, plenamente cons­ciente dos trajes arruinados. Sob as anáguas rasgadas e sujas, suas pernas eram bem-torneadas, os pés e os tor­nozelos pequenos e delicados.

Cada músculo do corpo de Edric contraiu-se quando ele pensou no calor feminino que jazia escondido debaixo da­quela combinação fina.

— Não importa — ela murmurou. — Não sou ninguém... não sentirão minha falta.

Edric estreitou os olhos ao olhar para ela. Duvidava de que a jovem não fosse ninguém, não com aquelas mãos macias e o domínio perfeito do idioma inglês. Porém, se ela não queria voltar a Rushton...

— Edric? — Era Bryce, acordado agora. Ele virou-se para responder ao irmão.

— Sim, Bryce?

— Foi Robert... eu o matarei por isso.

— Claro que o matará. Mas precisa se curar primeiro. — Edric deu um gole de água ao irmão e cobriu-o com uma manta. Depois, olhou para Drogan. — Coloque um guarda com ele, e mande os homens acenderem o fogo. Vamos dormir aqui hoje e seguir para Braxton pela manhã.

Depois, ele decidiria o que fazer com Kate.

Enquanto a noite caía, os homens acenderam pequenas fogueiras e consumiram o que havia de comida antes de fazer as camas debaixo das árvores. Edric, porém, não tinha apetite. Assumiu posição perto de Bryce, dispen­sando Drogan para que fosse descansar.

— Eu o substituirei em poucas horas, meu lorde — disse Drogan, ao pousar a mão no ombro de Edric, num gesto de conforto.

— Cuide da normanda — Edric contestou, a contragos­to. — Ela sentirá o frio da noite.

Os outros dois normandos cativos não haviam sobrevi­vido. Era possível que Léod tivesse matado Kate também, depois que ela servisse a seu propósito ali, no chão. Mesmo assim, ela era bonita o bastante para Ferguson conservá-la para si próprio, ou vendê-la a outro rico chefe tribal.

A jovem sentara-se perto do fogo com a manta de Drogan amarrada firme em torno dos ombros, de modo que não houvesse mais olhares compridos para seus belos seios. Pelo menos, Edric ainda poderia admirar suas pernas sem se mostrar tão óbvio. Estudou-a, atento à postura orgu­lhosa dos ombros, e à rigidez empertigada das costas, e viu os olhos da moça cheios de lágrimas. Bem que tentava afastá-las, pestanejando, mas escorriam por suas faces, incontroladas.

Edric gostaria de não sentir simpatia pela criatura. Preferiria não pensar na provação que suportara desde a captura. Ah, como queria detestá-la... Era uma normanda, por Deus! E caso não tivesse gritado quando seus ho­mens se equipavam e se preparavam para o combate, ele nunca teria sido compelido a correr para a clareira para resgatá-la. A confrontação teria uma estratégia, e a cota de malha de Bryce estaria presa com segurança. E seu berro no meio da batalha fora a distração que tornara Bryce vulnerável.

Edric cerrou a mandíbula e desviou os olhos para longe. A mulher estava obviamente pouco à vontade, mas ele se recusou a mostrar piedade. Não a faria ser bem-vinda ali, ou em Braxton Fell.

Ora, tinha normandos suficientes em seus domínios. Mulheres normandas, em particular.

Drogan conseguira encontrar outra manta para a jo­vem. Edric o viu arranjar um lugar para ela dormir perto da fogueira, e então se postar de pé, enquanto ela se ajei­tava no chão. Um instante depois, Drogan fazia o mesmo, arrumando a cama ali perto.

Edric teria de conversar com seu guarda pessoal a res­peito de seu comportamento. Drogan se mostrava exageradamente gentil com aquela cativa normanda.

Kathryn acordaria daquele seu sonho horrível a qual­quer momento. A manhã por certo logo viria, e ela ouviria os passarinhos cantando lá fora, o som entrando pela ja­nela de seu quarto na abadia. Depois de vestir seu traje simples, ela se reuniria à soror Agnes no curral e ajudaria a velha freira a alimentar as ovelhinhas órfãs e a jogar grãos para as galinhas, tal como fazia quase todo dia des­de que tinha nove anos de idade. Em seguida, fariam as orações e, depois, as freiras e todas as residentes laicas da abadia iriam fazer o desjejum.

Não haveria nenhum olhar vulgar de um invasor esco­cês para assombrar seu sono, nem braços cruéis que a esmagariam sem perder um instante para pensar.

Kathryn arquejou em busca de ar ao se erguer da cama na terra e olhar ao redor. Fora tudo verdade. Em meio à morte e ao desastre em Kettwyck, ela fora levada da for­taleza de seu pai. Rezou uma prece de agradecimento por ;i família estar bem protegida dentro do castelo, mas não conseguiu evitar de se preocupar com o destino de Geoffroi. Kla o atraíra para longe da fortaleza, colocando-o em pe­rigo, tal como seu grito durante o curso da batalha do dia .interior fizera com que o valente Bryce fosse tão grave­mente ferido. Não era de admirar que o irmão a encarasse com tamanho ódio; era óbvio que a responsabilizava pelo lerimento de Bryce.

O estômago de Kathryn revirou. Seu próprio povo a veria com desprezo também. Ela jamais poderia retornar a Kettwyck com honra e dignidade. Todos nos domínios saberiam que ela arrastara Geoffroi para longe da segu­rança e presumiriam que ela se tornara uma meretriz na mão dos escoceses.

Fora essa a razão que a levara a não revelar a sir Drogan seu verdadeiro nome, e o motivo pelo qual convencera aqueles saxões de que ela não era ninguém de importân­cia. Caso contrário, eles se veriam obrigados a mandar notícias a Rushton, notícias que logo se espalhariam até Kettwyck. Seu pai viria e a faria retornar para enfrentar a vergonha em casa.

A náusea revolveu-se em suas entranhas quando ela se obrigou a aceitar a realidade de sua situação. Jamais poderia voltar, mas apenas seguir em frente, fosse qual fosse o destino que a esperava nas mãos daquele senhor saxão.

Era uma poção amarga de se engolir. Sua irmã se es­forçara tanto para convencer o pai a permitir que esco­lhessem os próprios maridos, e Kathryn ansiava por se casar e ter filhos.

Era tudo que desejava, ser esposa e amante de um bom homem, e mãe de tantos bebês quan­tos o Senhor lhe concedesse. Enregelou-se ao perceber a mudança irrevogável que tomara seu futuro. Ou viveria o resto de seus dias como criada num domínio saxão, ou escolheria a alternativa que lhe parecera abominável ape­nas uma quinzena antes.

Um convento.

O coração de Kathryn pareceu parar de bater no peito. Nenhum normando honrado a aceitaria como esposa ago­ra; não se seus próprios pais a renegassem.

Kathryn arriscou um olhar para a carroça onde Bryce jazia, e avistou o frio senhor saxão. E se ela passasse o resto da vida nos domínios de Edric?

Kathryn engoliu em seco. O saxão demonstrara bem claramente o desprezo que sentia por ela. Kathryn não teria futuro nem nas propriedades dele nem em Kettwyck.

Viera de um convento e, por mais que detestasse tal al­ternativa, para um convento ela voltaria.

Já ouvira falar de uma casa religiosa em Evesham Bridge, e se deu conta de que não deveria ser longe dos domínios de lorde Edric. A abadessa era conhecida como uma mulher gentil e piedosa, e se Kathryn conseguisse um jeito de chegar lá, seria o lugar perfeito para buscar refúgio. Talvez o atencioso sir Drogan lhe arranjasse uma acompanhante.

Kathryn imaginou como Edric reagiria se soubesse que ela era filha do barão Henri Louvet. Embora entendesse pouco de política, ela supunha que seria possível que o Haxão pedisse um resgate para devolvê-la. O pai poderia ficar surpreso ao saber que ela sobrevivera ao rapto, mas pagaria por uma filha que acreditava ter sido deflorada por um escocês? O máximo que Kathryn poderia esperar era que lorde Edric se esquecesse dela assim que chegas-Hem a seu castelo. Ela daria um jeito de se esgueirar para longe e de alguma forma seguiria para Evesham Bridge.

A aurora já se anunciava, e os saxões apagaram as fogueiras e começaram a carregar os cavalos, preparan­do-se para levantar acampamento. Drogan aproximou-se de Kathryn e ajudou-a a se levantar.

— Há um local fechado logo depois daquele paredão de rochas. Se quiser um momento de privacidade antes de partirmos, eu a levarei lá agora.

Kathryn fez uso do curto tempo que lhe foi concedido, lira afortunada por estar viva, e sabia acima de qualquer reflexão que o correto seria devotar o resto da vida à prece ti n caridade. Apesar de sua aversão em retornar à vida monástica, era melhor que sofrer o escárnio de seus pais e o desprezo de seus pares até o fim de seus dias.

Os homens acomodaram Bryce o melhor que puderam na carroça e rumaram devagar para sudoeste, na direção da fortaleza de lorde Edric. O saxão usava a espada de lado, e tinha um machado preso por um laço no cabeçote da sela. Seus cabelos estavam soltos naquele dia, fartos e negros, muito mais compridos que o estilo normando, com trancas estreitas nas têmporas. Sentava-se ereto e elegante na sela, e não usava manto, deixando os braços nus até os ombros. Nunca antes Kathryn vira músculos tão fortes e bem-definidos.

Apesar de tudo, ela não conseguiu ignorar a largura dos ombros do homem e o formato afunilado do torso po­deroso até os quadris. Ela o vira combater o chefe tribal dos Ferguson e ficara admirada com toda a força e agili­dade que demonstrara. Era, em parte, culpa de Edric que ela tivesse gritado durante a batalha e distraído lorde Bryce. Se não se achasse tão embevecida pela visão dele, tão terrível e ao mesmo tempo tão instigante, poderia es­tar preparada quando os invasores tentaram arrastá-la para longe.

Tal como estava, Kathryn ficara assustada, apavorada, e quase fora levada outra vez. Se não fosse por sir Drogan, que viera em sua ajuda, ela provavelmente se tornaria prisioneira dos escoceses de novo. Um arrepio a percorreu, ao pensamento. Até o presente momento, nenhum dos saxões a ameaçara ou maltratara, se ela desconsiderasse a tarefa medonha que lorde Edric a forçara a realizar na noite anterior.

Aqueles homens a haviam alimentado e lhe dado proteção durante a noite, embora fosse evidente que seu suserano se ressentisse da presença dela. E ele a encarava da mesma forma que qualquer normando a veria; fora degradada e desonrada pelos escoceses, e dificilmente po­deria se dizer uma mulher decente, embora sua virtude permanecesse intacta.

Mortificada com a recordação do ataque vil do chefe tribal sobre ela, Kathryn enrolou-se mais ainda na manta emprestada. Ferguson lhe expusera sua lança máscula e quase a assaltara com aquilo. Edric e Bryce a tinham visto de uma forma indecente, com as saias levantadas, e com o corpete rasgado de um jeito muito além do que o recato exigiria.

Como poderia ela encarar aqueles bárbaros sem que um rubor de vergonha lhe tingisse as faces?

Sir Drogan era o único dos saxões que lhe mostrava a mais simples cortesia. Kathryn dissera a ele que não es­tava acostumada a cavalgar e, embora Edric mantivesse o passo lento para acompanhar a carroça, o homem ficou perto, conversando com ela para ajudá-la a não pensar na viagem incômoda.

— Léod Ferguson e seus homens queimaram as terras de Braxton Fell dois anos atrás — disse Drogan. — E justo que tenha encontrado o fim pela mão de lorde Edric.

— Mas lorde Bryce sofreu um ferimento muito grave...

— Robert pagará por esse ato medonho.

Kathryn não duvidava disso. Edric parecia um homem que assumia risco, não importava a que custo. E ela ima­ginou como seria sentir a proteção de braços fortes e de um corpo poderoso assim, mas sabia que nunca mais ex­perimentaria tal maravilha, não com qualquer homem.

— Está com o lábio rasgado, moça — disse Drogan. — Dói muito?

— Um pouco. Não é nada quando penso no que poderia ter acontecido.

— É mesmo, você teve sorte. Nem Edric nem Bryce poderiam ficar parados e ver uma mulher maltratada. Foi por isso que caíram sobre os escoceses em vez de esperar por um momento mais prudente.

— Sou grata por isso.

— E os outros machucados. Vi alguns arranhões... Edric virou-se e gritou:

— Será que não podemos cavalgar em paz, Drogan?

Seu tom era de irritação, e Kathryn lamentou ter atraí­do a atenção daquele homem. Os olhos frios a percorre­ram, avaliando a aparência desgrenhada, sem dúvida re­cordando da vergonha do dia anterior. Ele nunca acredi­taria que Kathryn era uma dama, e ela apressou-se a se relembrar de que não queria que ele descobrisse. Quanto menos pensasse nela, melhor. Assim, quando ela desapa­recesse, ele mal notaria.

— Não é que você está mal-humorado hoje? — Drogan observou, e riu. — Léod Ferguson está morto, seu irmão está vivo, e você não consegue se alegrar.

— Não há razão para alegria até que Bryce esteja fora de perigo.

— Eu o entregarei aos cuidados de Lora, e ele ficará bem.

— Quem é Lora? — Kathryn fez a pergunta baixinho, para não atrair a atenção de Edric outra vez.

— É a curandeira de Braxton, e a parteira — Drogan respondeu num tom de voz igualmente baixo, e Kathryn notou a admiração pela mulher na voz do saxão. — Ela cuidará bem de Bryce.

Kathryn esperava que sim, embora não pretendesse ficar em Braxton Fell o tempo suficiente para descobrir. Seria melhor viajar para Evesham Bridge o mais depressa possível.

Cavalgaram o dia todo, parando apenas para dar água aos cavalos e compartilhar uma refeição ligeira. Pouco depois do entardecer, chegaram a um riacho estreito numa área de mata, e Edric deu a ordem para pararem e montarem acampamento. Depois, pegou um arco e uma aljava de flechas e afastou-se do acampamento, rumando corrente acima.

Kathryn também se afastou, mas na direção oposta. Aquele homem podia ter feições e formas fascinantes, mas o olhar desdenhoso a intimidava. E ela não gostaria de encontrá-lo no isolamento da mata.

Seguindo o curso do riacho, Kathryn chegou por fim a um ponto retirado onde tirou a manta de sir Drogan dos ombros. Dobrou-a e colocou-a no tronco de uma árvore próxima, e depois se ajoelhou à beira d'água e começou a lavar a sujeira e o pó da pele.

Sir Drogan tinha razão, seu lábio doía mesmo, mas essa era a menor de suas preocupações. Tudo nas atuais con­dições era estranho e penoso, e Kathryn tomara a decisão certa quanto ao que deveria fazer. Recolher-se a um con­vento era a única maneira de se poupar, e à própria fa­mília, da vergonha. Ou não?

Pensou em Edric outra vez, no poder controlado que sentira na mão forte na noite anterior, quando ele a se­gurara pelo pescoço. Não a assustara. Ao contrário, ela se sentira desafiada, até mesmo estimulada pelo toque. Ele não a machucara, e Kathryn tinha certeza de que Edric se contivera de maneira intencional, deixando que a munheca se apoiasse em seu peito. Talvez não fosse raiva o que ela vira naqueles olhos.

O sangue de Kathryn ferveu ao pensamento, mas ela sacudiu a cabeça, numa auto-recriminação.

Pensar que ele a olhava favoravelmente era um mero vôo de fantasia. Mesmo que houvesse interesse masculino naquele olhar, Kathryn jamais se submeteria a um bár­baro estrangeiro. Aquela seria uma aliança insustentá­vel, em desacordo com tudo o que ela sempre esperara. Além disso, ele a odiava por ser responsável pelo ferimen­to de Bryce, e muito certamente pela herança normanda.

E, se Bryce morresse...

Kathryn estremeceu, incapaz de completar o pensa­mento. Inclinou-se para a água fria do riacho, que pouco adiantou para acalmar o calor em seu sangue, embora a ajudasse a expulsar a fadiga da viagem. Seguiam devagar para impedir a carroça de sacudir lorde Bryce mas, depois de várias horas numa sela desconfortável, cada momento a mais de cavalgada era penoso.

A quietude dos bosques de repente foi quebrada por um som baixo, quase como uma voz, que a assustou. Kathryn ficou imóvel, ouvidos atentos, e quando escutou o ruído de novo, percebeu que era o bufo de algum animal. Lentamente, ela se virou na direção do som, e se viu olhando para os olhos mais negros e imensos com que já se deparara.

 

Edric tinha de se afastar da mulher normanda. Caçar era a distração perfeita para a percepção nada bem-vinda daquele corpo tentador e de olhos tão lindos e cautelosos. A visão do lábio cortado o enfurecera e, muito facilmente, ele se vira imaginando a tocá-lo com os dedos, acalmando-lhe a dor com a boca.

Soltou um resmungo de frustração e continuou a es­quadrinhar o terreno em busca de rastros de algum bicho. Um cervo ou porco-do-mato serviriam bem a seus homens naquela noite, e o que sobrasse de carne seria um acrés­cimo bem recebido em sua cozinha.

Havia muitos sinais da presença de animais, desde o menor roedor até vestígios de um alce de bom tamanho, e Edric seguiu a trilha do bicho maior. A pista o levou até a margem do rio onde parou para um gole da água fria e límpida, e ele tentou, mais uma vez, arrancar os pensa­mentos de Kate da mente. Aqueles olhos assombrados não significavam nada para ele, nem a aparência vulne­rável e desgrenhada, que o fazia recordar-se de uma mu­lher que fora bem desfrutada na cama.

Ela era normanda. E Edric sabia por experiência que, apesar da beleza, eram criaturas geladas, frígidas, sem emoções, insensíveis.

Edric divisou a trilha de um porco-do-mato e seguiu-a além do ponto onde sabia que seus homens estavam acam­pados. Caminhou ao lado da margem do rio conforme se curvava para o sul, e chegou a um local onde a beirada se tornava rochosa, e o terreno do lado oposto se erguia em penhascos escarpados. A vegetação se tornava mais densa perto da água, mas Edric não teve dificuldade em avistar a moça normanda.

Os farrapos da combinação pareciam flutuar pelos om­bros, moldando-se aos seios, os mamilos se destacando no tecido molhado. O peito arfava, subindo e descendo com a respiração rápida, e a única cor em sua face era a dos olhos. O javali que ele rastreara estava apenas a dez pas­sos de distância de Kate, bufando e escavando o chão.

Em silêncio, Edric tirou uma flecha da aljava, ajeitou-a na corda do arco, fez mira e disparou.

Kate soltou um grito sufocado quando o animal caiu, e então afundou no chão como se os músculos não pudessem suportá-la. O javali ainda não estava morto, e Edric apro­ximou-se, tão consciente da fera como o animal estava da mulher.

Com uma única cutilada da espada, ele matou o por­co-do-mato, e depois olhou para Kate. Ela havia se ajoe­lhado antes, mas agora estava sentada no chão, com os braços passados em torno das pernas. Lágrimas inunda­vam os olhos escuros e tremores violentos sacudiam seu corpo.

Edric respirou fundo e desviou o olhar daquela forma vulnerável. O manto-xale devia estar por perto.

Quando o encontrou cuidadosamente dobrado num tronco de árvore, apanhou-o e o levou até ela. Kate, porém, pareceu não notá-lo, e Edric o abriu e o enrolou em torno dos ombros da jovem.

Não tirou as mãos, mas esfregou-lhe os braços e os om­bros numa tentativa de tranqüilizá-la.

— Está segura agora — disse, e amaldiçoou a si mesmo em silêncio por se importar.

O corpo delicado foi sacudido por um soluço abafado, e ele nada mais pôde fazer do que se agachar e puxá-la para dentro dos braços. Era apenas para confortar alguém aterrorizado além do suportável, ele se justificou, mas quando ela aconchegou-se a seu abraço e comprimiu a face contra seu peito, o gesto tornou-se algo mais. Era daquela necessidade suave, feminina, que ele tanto sentia falta desde que fizera os votos com Cecily, e Edric sentiu o corpo se agitar com a percepção. Cerrou as mandíbulas e obrigou-se a ignorar o ímpeto sensual que percorreu suas veias, mas a excitação o atingiu como um raio denteado.

Era impossível. As pressas, ele recuou. Levantou-se e deixou a norman-da onde estava sentada, e se recompôs antes de retornar ao acampamento. Ao chegar, gritou ordens aos homens para irem recolher o javali, e ajudou a acender mais fo­gueiras. Iriam festejar naquela noite, e haveria um caldo nutritivo para Bryce tomar.

E Edric esqueceria a luxúria violenta despertada pela cativa de Ferguson.

Agora Kathryn sabia. Sentira o poder e o calor dos bra­ços fortes de lorde Edric, e sabia que era aquilo com que sonhava nos últimos anos. O toque de um homem. A ca-rícia de um marido.

Presenciara a destreza de Edric em combate e, agora, na caça. Ele salvara sua virtude e sua vida, e a resgatara novamente naquela noite. Kathryn fechou os olhos e pro­curou acalmar-se. Só poderia ser o medo que a fizera rea­gir daquela forma ao saxão, pois ele não a atraía. Não realmente.

Contudo, o calor daquele corpo provocara uma onda de sensações que a haviam invadido. Aquilo era o que ela esperava sentir ao contato de Geoffroi... e o que ficara faltando quando ele a abraçara. Kathryn nunca pensara que seria um grosseirão barbado e cabeludo que desper­tasse tais emoções.

Voltou ao acampamento e se aproximou da carroça onde sir Drogan estava sentado com Bryce. Do outro lado do terreno, lorde Edric jogava alguns gravetos num cír­culo de lenha, e depois se agachou e fez as chamas ganha­rem vida. Kathryn desviou os olhos. Não era possível que sentisse atração por um saxão rude e vulgar. Ele não era nada parecido com os normandos refinados e corteses que tinham ido a Kettwyck a convite de seu pai, barbeados, de cara limpa como Geoffroi. Edric de Braxton Fell cer­tamente não era nenhum candidato ao matrimônio.

Kathryn olhou para o rapaz na carroça e virou-se para Drogan.

— Como está lorde Bryce?

Drogan deu de ombros, a expressão vincada de preo­cupação.

Kathryn franziu a testa, consternada.

— Será que Lora poderá ajudá-lo? O guerreiro suspirou.

— Espero que sim, moça. Ela é uma mulher abençoada. — Levou uma caneca de água aos lábios de Bryce e con­venceu-o a beber. — Soube que você encontrou o Mestre Porco perto do rio. Kathryn concordou.

— Pensei que seria o meu fim, mas lorde Edric apare­ceu. Salvou-me outra vez.

— O rapaz tem um talento raro para estar onde é ne­cessário — afirmou Drogan.

Kathryn agradeceu a Deus por isso.

— O abate será bem-vindo em Braxton Fell — conti­nuou Drogan. — Nossas despensas estão em péssimo es­tado, hoje em dia.

— Não é época da colheita, sir Drogan? — Kathryn indagou. O verão chegava ao fim, e ela já podia sentir o frio do outono no ar.

— Deveria ser, caso os Ferguson não tivessem arrasado nossos campos quando nos atacaram, dois verões atrás.

Kathryn não compreendeu.

— Dois anos é muito tempo, não é?

— Não tem muita experiência com guerra, tem, moça? Ela meneou a cabeça.

— Só vim da Normandia poucas semanas atrás.

— Os escoceses queimaram nossos campos e florestas, e a terra ainda não se recuperou. Muito pouco pode crescer em solo coberto de fuligem. Eles mataram o rebanho, es­palharam nossas ovelhas...

— Não eram... normandos?

— Não, moça. Vocês, normandos, são... aliados. Agora. Kathryn suspeitou, pelo tom do guerreiro, que ele não estava sendo inteiramente franco. Ela sabia pouco de po­lítica, mas o povo inglês dificilmente poderia aprovar seus conquistadores normandos. Na verdade, de todos os saxões com quem ela se encontrava agora, só sir Drogan lhe mostrava um pouco de gentileza. Os outros simples­mente a toleravam. Drogan era o único que conversava com ela, que cuidava de suas necessidades. Ao olhar ao redor para aqueles guerreiros armados com espadas e machados, Kathryn recordou-se de ouvir as histórias ter­ríveis sobre os saxões e seus costumes bárbaros. Sabia que tinha de tomar cuidado até encontrar um meio de partir para Evesham Bridge.

Relanceou o olhar na direção de Edric e o viu armar uma estrutura de madeira sobre o fogo, um espeto para assar a carne. Não demonstrava nenhuma emoção con­forme trabalhava, e nem sequer olhara para ver se ela retornara ao acampamento. Era como se o que havia acon­tecido entre os dois no rio não tivesse nem mesmo acon­tecido. Contudo, Kathryn ainda podia sentir o calor e a força daquelas mãos em seus braços e ombros.

— Sir Drogan...

— Não sou "sir" — ele retrucou. — Apenas Drogan, embora alguns me chamem de Drogan, o Branco. Os guer­reiros saxões não são a mesma coisa que seus cavaleiros normandos. Sou apenas um guarda pessoal na casa de Edric, e tem sido assim desde que aprendi a empunhar uma espada.

— Perdoe-me — Kathryn retrucou. — Então, é também errado dizer "lorde" Edric?

Drogan sorriu.

— Ah, não, moça. Pela benevolência de seu rei, ele é o conde de todas estas terras, assim como sua esposa é a "lady".

— Esposa?

— Sim. Lady Cecily.

Preocupado com o irmão e com os pensamentos lascivos despertados pela jovem normanda, Edric entrou na vila e seguiu pela viela estreita que conduzia aos portões de sua fortaleza, em Braxton Fell. Ele recebera ordens de Guilherme para construir a cidadela de pedra e madeira que era agora sua residência, mas a antiga casa senhorial de seu pai ainda continuava do terreno ao velho assenta­mento saxão. A nova fortaleza era uma estrutura formi­dável, muito mais adequada a um homem da posição de Edric, com seus três níveis, a torre e as ameias nos pas-sadiços. O estandarte de sua casa pendia da torre mais alta, prova de seu domínio ali.

Um muro alto rodeava uma boa porção da vila, porém muito dela ficava do lado de fora da barreira. Por mais impressionante que fosse, o muro pouco adiantara para proteger Braxton Fell das incursões dos Ferguson, dois anos antes, quando Edric e Bryce haviam sido chamados para se juntar ao exército de Guilherme em York, e os malditos escoceses investiram, queimando e saqueando as terras.

O povo de Braxton Fell chegara bem perto da fome no ano anterior, e muitos teriam morrido de inanição se o dote de Cecily não incluísse barricas de grãos, provisões de feijões, repolho e alho-poró, e um cento de galinhas poedeiras. No ano corrente, contudo, o sogro de Edric re­cusava-se a dar qualquer ajuda. Oswin, o administrador, lera a carta de lorde Gui com estoicismo, a voz monótona e desprovida de emoção, como se a decisão do normando em negar sua ajuda não resultasse em tempos difíceis para Braxton Fell.

Edric recusara-se a implorar. Se Gui de repente resol­vera acumular a fortuna, não seriam apenas os saxões de Braxton Fell que sofreriam. A própria filha do desgraçado normando passaria fome.

Ao levar seus cavaleiros para a fortaleza, Edric não se deu o trabalho de erguer os olhos para a janela do quarto da esposa, onde ela se confinara para as últimas semanas da gravidez. Cecily não o acolheria com prazer em casa, nem mostraria qualquer preocupação para com Bryce. Pe­garia a velha ama, Berta, e retornaria às propriedades do pai assim que ele a mandasse buscar. Mas lorde Gui recusara o último apelo da filha, tal como recusara cada um dos que ela fizera anteriormente.

Se Cecily desse um filho a Edric, ele teria seu herdeiro, e a amizade estaria selada entre Braxton Fell e os domínios normandos sem a necessidade da presença de sua mimada esposa. Ela poderia passar os dias de joelhos no convento, rezando para aprender a moderação e a humildade.

Os cavaleiros se apressaram a tomar as rédeas de Edric, enquanto Drogan ajudava a jovem normanda a desmon­tar. Vários homens se reuniram em torno da carroça de Bryce, dispostos a carregar o rapaz para a fortaleza, mas Edric pediu uma maça.

Aborrecido de uma forma irracional com a atenção que Drogan dispensava a Kate, Edric mandou o guarda cha­mar o administrador. Ele e cada um dos homens no pátio sabiam que Bryce fora ferido por causa da patética fran­cesa que não parecia saber ficar longe dos problemas.

Agora, estava prestes a lhe causar um sem-fim de pesares, assim que Cecily a visse.

A esposa de Edric sem dúvida presumiria que ele ar­riscaria tudo e um pouco mais por se sentir atraído pela bela refém, pois Cecily estava sempre a acusá-lo de in-continência sexual, apesar de Edric lhe ser dolorosamente fiel. Cauteloso, ele exibiu uma expressão estudada para não mostrar sinal da luxúria que o invadira desde que pusera os olhos sobre a moça normanda.

Tudo parecia estranhamento silencioso no pátio, mas Oswin meteu-se entre a multidão de guerreiros e chegou a Edric antes que Drogan tivesse a chance de ir chamá-lo.

— Meu senhor. — A voz do administrador soou abala­da, e ele parecia muito mais velho do que a própria idade. Ao olhar para a carroça, ficou lívido, e era evidente que se recordava da ocasião em que seus próprios filhos ti­nham sido levados para casa, ambos mortos em batalha contra os normandos. — Deus do céu! Como... Bryce não...

— Está vivo — disse Edric. — Mas o ferimento é grave. Precisamos de Lora para tratá-lo.

Os criados trouxeram a maça, e os soldados transferi­ram Bryce. Com cuidado, tiraram-no da carroça e o leva­ram para o salão nobre. Edric os acompanhou, sem se deter, conforme conversava com o administrador.

— Caímos sobre os Ferguson e lhes demos combate. Matei Léod, mas Robert feriu Bryce, e depois fugiu para as colinas com o resto de seus malditos parentes.

Edric podia ainda enxergar o local da batalha com os olhos da mente, com tanta nitidez como se estivesse lá, enfrentando Léod e Robert e o restante daquele clã de assassinos. E ainda ouvia os gritos perturbadores de Kate. Recordou a si mesmo que aquela era a coisa mais im­portante para ter em mente em relação à jovem, não a faísca de interesse feminino que vira nas raras ocasiões em que se deparara com aqueles olhos de corça, nem a maciez quente e suave daquele corpo. Ela era uma normanda. E, por sua experiência, era um povo sem cons­ciência nem alma.

— Meu senhor... — O administrador balbuciou, o com­portamento estranhamente hesitante para um homem que servira durante tantos anos como conselheiro para lorde Aidan, pai de Edric.

— Mande alguém buscar Lora. E chame o padre tam­bém — ordenou Edric, embora não tivesse qualquer de­sejo de encarar o desagradável clérigo.

O padre Algar provavelmente atribuiria a culpa daque­le infortúnio aos modos pecaminosos de Edric e Bryce, da mesma forma que condenaria os malditos escoceses que quase haviam acabado com o rapaz. Mesmo assim, Edric mantivera o velho em seus domínios, já que estava lá por mais tempo do que ele podia se recordar. Algar geralmen­te se atinha a seus deveres, pregando a religião de porta em porta, como era seu hábito, mantendo o nariz fora dos assuntos dos domínios de Braxton Fell.

Edric entrou no salão, e subia as escadas, alheio a qual­quer outra coisa a não ser ao problema de Bryce e ao dia sombrio, quando um grito dissonante e estranho conse­guiu trespassar a bruma da preocupação. Parecia o gemi­do choroso de algum animalzinho pego numa armadilha.

— Milorde... — gaguejou Oswin. — Preciso lhe falar antes que...

— Que diab... — O pavor invadiu as entranhas de Edric ao se dar conta de que o som vinha do quarto de Cecily.

Ele ouvira os gritos horríveis da esposa muitas vezes antes, mas aquele era diferente. Certo de que seus ho­mens poderiam cuidar de Bryce, Edric subiu os degraus de dois em dois até chegar à galeria no segundo andar. O quarto de Cecily ficava no fim do corredor, e Edric chegou lá depressa, e abriu a porta.

Era Berta, a velha babá normanda de Cecily, que cho­rava aos soluços, debruçada sobre a cama. Usava um manto preto volumoso com capuz que escondia tudo a não ser as mãos e o rosto. Também bloqueava a vista de Edric, da cama e de sua esposa deitada ali.

A parteira, Lora, estava de pé na frente da velha, fa­lando baixinho enquanto tentava afastá-la da cama. Edric estreitou os olhos ao se virar ligeiramente e se dirigir ao administrador que o seguira.

— Oswin?

O homem pigarreou.

— O ferimento de Bryce não é a única trag...

Os gritos agudos da velha encheram o quarto uma vez mais. Ela parecia alheia à presença de Edric, completa­mente concentrada em seu próprio pesar lancinante, ig­norando a tentativa de Lora de afastá-la dali.

— Milorde — murmurou Oswin. — Berta não quer dei­xar sua patroa. Lora e eu fizemos de tudo a não ser re­mover o corp...

De repente, os gritos da velha se intensificaram, pare­cendo que sua voz se dividira em duas. Uma multidão de criados começou a se reunir no corredor do lado de fora do quarto, mas Drogan conseguiu abrir caminho e entrar. A prisioneira normanda o seguia logo atrás, os olhos enor­mes de corça redondos e preocupados.

— Milorde... — Oswin chamou hesitante, mais uma vez.

— Fale logo, Oswin! — Edric exclamou, com rispidez. — O que está acontecendo aqui?

Berta não se afastava da cama, guardando a protegida como se o próprio Satã tentasse roubar sua patroa. Lora continuava a tentar convencê-la, usando uma estranha mistura de francês normando e inglês, procurando cada palavra que conhecia para persuadir a velha ama.

Oswin tocou o braço de Edric e disse, em voz baixa:

— O trabalho de parto de lady Cecily começou logo depois que o senhor sair para perseguir os escoceses. Lora nos contou que ela teve uma forte hemorragia... Sua es­posa deu à luz esta noite, à meia-noite.

Edric estreitou os olhos. Coisas demais estavam acon­tecendo... E Cecily se mostrava estranhamente quieta.

— O que está dizendo, Oswin?

Edric sentiu a mão de Drogan no ombro, um gesto de conforto entre companheiros, porém não lhe trouxe con­solo. Apesar de tudo que havia de errado entre ele e Cecily, Edric guardava expectativas com relação ao filho. Espe­ranças. Perder o bebê no parto...

Os lamentos de Berta recrudesceram, fazendo as têm­poras de Edric latejar dolorosamente. Ah, como gostaria de uns breves instantes de privacidade para se recom­por... Mas Lora parecia incapaz de aquietar a velha.

— Faça o que for necessário para tirá-la daqui, para que eu fique a sós com minha esposa

— Edric disse a Drogan.

— Sim, meu senhor.

Com firmeza, mas com cuidado, Drogan pousou a mão nos ombros de ama e ergueu-a da posição. E, assim que o leito ficou visível, os olhos de Edric se cravaram na forma inerte de Cecily. Sua bela esposa estava deitada no centro da cama, desprovida de cor, numa imobilidade natural com a garganta seca e as faculdades obliteradas, Edric perdeu a fala. Embora não houvesse afeição entre os dois, Cecily era sua esposa... a mulher a quem empenhara sua lealdade e sua vida. E ela... se fora.

Um estranho senso de irrealidade o assaltou. Aquilo não podia estar acontecendo... Não obstante suas diferen­ças, Edric jamais gostaria de ver Cecily morta.

Houve um movimento ao lado dela, algo que se debatia sob o lençol, e Edric aproximou-se com cuidado, temeroso de nutrir esperanças, diminuindo a distância entre si e a cama.

—Você!—Berta gritou, erguendo a mão encarquilhada para apontar-lhe um dedo acusador. E continuou, mesmo armando um choro torturado veio do leito. — Você é o res­ponsável pela morte de minha pobre Cecily! Ela não de­sejava nada...

— Berta! — repreendeu Drogan, arrastando a mulher para longe da cama. — Você precisa sair agora. Lora, dê uma ajuda aqui.

Conforme Berta se afastava, Edric puxou de lado o len­çol, revelando uma criancinha miúda e chorosa... seu filho.

Kathryn sentiu um abalo por dentro, uma sensibilidade estranha, como se fosse se despedaçar a um passo errado.

Suas pernas latejavam de cansaço, e sua mente ainda estava em torvelinho com tudo o que acontecera nos últi­mos dias. Insegura do que fazer com tantos saxões comprimindo-se ao seu redor, ela seguira Edric e Drogan pelas escadas, até aquele quarto enorme. De repente, vira-se empurrada para dentro.

Encolhera-se com os guinchos horríveis de uma velha vestida de preto, e imaginara o que poderia estar aconte­cendo. Então, de repente, Kathryn a vira, a bela senhora que jazia na cama com o bebê ao lado.

A esposa e o filho de Edric.

A velha chorava inconsolavelmente, e só com os esfor­ços de Drogan e da bonita mulher que chamavam de Lora foi que conseguiram tirá-la de dentro do quarto.

— Fique longe! — ela gritara. — Você, seu maldito saxão... você vai destruir o menino também!

— Vá embora, bruxa! — berrara o homem alto e bar­budo que conversara em voz baixa com Edric.

A mulher o ignorara, gritando impropérios no idioma natal de Kathryn, que se encolhera, horrorizada. Espera­va que ninguém compreendesse a língua.

Edric se voltou para a cama, a expressão pesarosa. E Kathryn se deu conta da situação. Podia bem imaginar o choque e a dor do lorde saxão ao encontrar a esposa morta no parto.

Assim que Lora finalmente conseguiu arrastar a velha para fora do quarto, Drogan aproveitou-se do momento e ergueu o bebezinho da cama, as mãos calejadas de espadachim parecendo fora do lugar ao manejar tamanha ino­cência.

— Você não pode pegá-lo! — a velha bruxa berrou do corredor.

Mais que depressa, Drogan virou-se e estendeu o bebê a Kathryn, antes que ela pudesse compreender o que ele fazia. Ao engolir em seco de espanto e tomar a criança nos braços, o corpinho miúdo enrijeceu-se, e o bebê come­çou a chorar.

— Lora! — chamou Edric, a voz clara e distinta acima da cacofonia dos gritos da velha e do bebê —, eu não com­preendo. Faltavam semanas ainda para a hora certa.

— Realmente, e foi por isso que ordenei que ela fizesse repouso por uma quinzena.

— Mas...

— Mas lady Cecily entrou em trabalho de parto apesar de todas as minhas precauções — explicou a parteira, e Kathryn ficou admirada com aquela interrupção atrevida. A mulher parecia não ter medo de lorde Edric e falava com ele como se fosse uma conselheira de confiança. — O processo começou bem antes que ela me chamasse... Bem antes de o senhor se afastar de Braxton Fell, milorde.

Drogan encarregou-se da velha que continuava a cho­rar incontrolavelmente, e afastou-se com ela pelo corre­dor. Kathryn, sem saber o que fazer, olhou ao redor, pegou uma manta de lã macia de uma cadeira e enrolou a crian­ça. Avistou uma pequena caneca de cerâmica com uma chupeta feita com tripa de ovelha ao lado, do tipo que ela usava para alimentar os carneirinhos de soror Agnes. O jarrinho estava cheio de leite.

Sentando-se num baú perto da janela, Kathryn enfiou o bico na boca do jarro e começou a alimentar o bebezinho, que parou de chorar e se pôs a sugar avidamente o leite.

O silêncio que se fez foi tão repentino e notável que todos se viraram de boca aberta para ela, até mesmo Lora. Constrangida, Kathryn baixou os olhos.

— É impossível! — exclamou a parteira. — A ama-de-leite está doente, e ninguém conseguiu fazer o bebê mamar.

— Talvez ele mame com ela porque a moça é normanda — disse Drogan, que acabara de voltar —, assim como a mãe dele.

— Talvez — retrucou Lora —, embora seja mais pro­vável que o bebê goste de sentir o seio macio na face. Ninguém pensou nisso, com a ama doente.

Kathryn sentiu o rosto queimar quando percebeu que a manta caíra de seu ombro, deixando o seio à mostra. Apenas o corpinho miúdo do bebê o ocultava do olhar de todos que a observavam.

Constrangida demais para encarar o saxão, Kathryn continuou a amamentar a criança, mesmo quando Edric correu o polegar pela face macia do bebê, e depois traçou a curva da orelha com o indicador. E ela sentiu o coração disparar e os mamilos se encolherem, embora o lorde não a tocasse.

— Lora, você é necessária no quarto de meu irmão — avisou Edric, virando-se para falar com os outros no quar­to. — Drogan, areje o quarto e depois vá procurar o padre.

— O que vai fazer agora, Edric? — perguntou Drogan.

— Ficarei aqui para me familiarizar com meu filho — ele retrucou, com frieza. — E sua nova babá.

Foi a vez do administrador se manifestar, num tom irritado e hostil:

— Quem é ela, milorde?

— A cativa de Ferguson.

— Outra normanda?

Lutando para puxar a manta de volta aos ombros, Kathryn continuou a dar o leite ao bebê apesar do claro desprezo do administrador. Aquele idioma áspero fazia .sua cabeça latejar, e ela fechou-se para as vozes, concen­trando a plena atenção à criança em seus braços.

Aquilo era o paraíso, provavelmente o mais perto que chegaria de cuidar de um filho com carinho maternal. Seu coração cantou ao olhar para os brilhantes olhos azuis do carotinho e ao sentir aquela mãozinha perfeita pousar cm seu seio. Ele era tão pequeno... de pele vermelha e lodo enrugado, e com um tufo de cabelos pretos que pa­reciam grossos e desarrumados demais para a cabecinha de um recém-nascido. Sugava a chupeta avidamente, e Kathryn sentiu um impulso protetor maternal por aquele bebê, pelo filho de lady Cecily.

Kathryn reconhecera a esposa de Edric. A Abadia de St. Marie era uma casa religiosa de prestígio, e muitas das vassalas do rei Guilherme passavam meses ou anos Ia por um motivo ou outro, em geral por razões de segu­rança, ou ainda como punição. Cecily fora uma das que chegara havia mais de um ano, antes do casamento. Em-I >ora Kathryn mal conversasse com ela, tinha uma clara lembrança de Cecily e da razão de sua reclusão à abadia. A dama fora exilada lá até que consentisse em se casar com o homem escolhido para ela. Aparentemente, Cecily cedera às ordens do pai, já que Kathryn não soubera mais da moça.

Até então.

Sem dúvida, lorde Edric ficara louco por Cecily no momento em que pusera os olhos nela. Cecily era alta e ma­jestosa, sem dúvida a mais graciosa e bela das donzelas.

Edric continuava parado ao lado, os pés plantados no chão, os braços musculosos cruzados sobre o peito enquan­to conversava com o administrador. Kathryn não conse­guia imaginar como ele devia estar se sentindo, com o irmão gravemente ferido em algum lugar da casa, a es­posa morta, e o filho miúdo a se agarrar à vida por um tênue fio de esperança.

O administrador saiu do quarto, ao final da conversa, deixando Kathryn sozinha com o formidável senhor de Braxton Fell. Admirada, Kathryn viu que ele se agachava diante dela, a observar a criança que sugava o leite pelo bico da mamadeira.

Apesar da barba cerrada que sombreava o queixo do saxão, Kathryn pôde ver que a boca de Edric se apertava numa linha dura, e um músculo saltava na mandíbula. A perda que ele sofrerá comovia Kathryn profundamente, porém ela começava a se sentir ridícula sentada ali, ao lado da pobre Cecily morta, amamentando o filho da mu­lher... sentindo a inesperada e indesejável pontada de atração pelo marido da criatura.

Cruzes, tinha de sumir dali... Ficar longe de Braxton Fell!

— Ele é tão... pequenino... — Edric murmurou consigo mesmo, como se Kathryn não estivesse ali. Tocou a testa do bebê.

— É mesmo — ela murmurou.

A mão de Edric era enorme e escura em contraste com a pele enrugada da criança. A admiração do lorde diante do filho era quase palpável. E um lancetada dolorida perpassou pelo seio de Kathryn quando a percepção a atingiu de novo, ao se dar conta outra vez de que nunca compar­tilharia um momento assim com o próprio marido.

Lorde Edric assustou-se ao se levantar de repente e seguir até o outro lado do quarto. Kathryn pestanejou para afastar as lágrimas que sabia que o saxão não gos­taria de ver. Fora presunção de sua parte penalizar-se pela perda de Edric, pois não passava de uma estranha ali, e uma estranha nada bem-vinda, além de tudo.

A porta de carvalho abriu-se num repente, e um homenzinho furioso entrou no quarto. Com olhos tão negros como eram brancos os cabelos, ele não tomou conhecimen­to de Kathryn, mas seguiu direto para o outro lado, para se defrontar com lorde Edric. Sir Drogan entrou logo atrás, com uma expressão preocupada.

— Edric de Braxton Fell, Deus fará recair a vingança sobre você, que escarnece da tradição, e o lançará no poço do inferno! — berrou o velho.

— Calma, padre — disse Edric, a voz baixa e ameaça­dora. — Prepare o réquiem para minha esposa pela ma­nhã. Nesse meio-tempo, ofereça intercessões pela recupe­ração de meu irmão.

— Olhe para os desastres que você forjou! — o padre de cabelos brancos exclamou, inflamado, num tom veemente. — Essa sua aliança sacrílega com tudo que é ruim...

Edric ergueu a mão, repelindo energicamente as pala­vras do clérigo.

— Padre Algar, não estou com humor para ouvir outro de seus sermões. O que está feito está...

O padre deu meia-volta para afastar-se de Edric de um modo tão abrupto que assustou Kathryn. Ela puxou a criança para mais perto do peito, num gesto protetor. O velho a encarou e ergueu um dedo em riste.

— Você! Outra vez o restolho normando!

A garganta de Kathryn fechou-se, ressecada, mas ela ergueu o queixo, desafiadora, embora não se sentisse con­fiante. As imprecações do padre a assustavam.

— Padre Algar... — O tom de Drogan era de advertên­cia, mas o padre o ignorou.

— Até mesmo este bebê é amaldiçoado por...

— Eu disse bastai — Edric rugiu. — O senhor não sabe o que diz, padre!

O padre manteve-se em silêncio por um momento, mas seus olhos redondos correram de Kathryn para lorde Edric e, depois, para o bebê.

— Drogan — Edric ordenou, num tom ríspido —, leve a normanda para o berçário.

— Sim, milorde.

— E arranje algumas roupas para ela.

Os olhos de Edric queimavam como se ele tivesse pas­sado o dia sobre uma fogueira fumacenta de acampamen­to. Com esforço, procurou focalizar a vista em Bryce, dei­tado imóvel na cama, porém mal conseguia manter os olhos abertos.

— Milorde, talvez devesse ir para a cama e dormir um pouco — sugeriu Drogan. — Com o funeral de lady Cecily pela manhã, é melhor que descanse.

— Dizem que vem em três.

— O quê, milorde?

— A morte. — Edric esfregou os olhos. — Cecily já se foi. Com Bryce tão gravemente ferido, e meu filho pequeno e frágil assim...

— Então, o padre Algar não é o único supersticioso aqui?

— Acha que algum deles vai sobreviver?

— Você mesmo ouviu Lora falando! — exclamou Drogan. — O ferimento de Bryce é do tipo que cada guerreiro re­zaria para sofrer, se fosse o caso.

A espada de Robert atra­vessou o músculo e nada mais. Quanto ao pirralho...

— Ele não tem nome, Drogan — Edric comentou, ciente de que seus pensamentos saltavam de um assunto para outro.

Nunca se sentira tão dispersivo em toda sua vida, exceto talvez durante as semanas depois que Siric e Sighelm, os filhos de Oswin, tinham morrido em combate.

Parecia que transcorrera uma existência desde que ele e Bryce corriam livremente como rapazes de cabeça fresca junto com os filhos do administrador. Siric e Sighelm eram como irmãos para Edric e Bryce. Haviam sido insepará­veis durante os anos de infância e juventude, e a morte de ambos em combate contra os normandos atingira Edric quase tão duramente como a de seu pai. Agora, Bryce jazia quase morto, e a vida do filho de Edric estava em risco também. Se o bebê morresse, o ano infernal de ca­samento com Cecily resultaria em nada, para Edric.

Será que perderia tudo de que gostava?

— Dê-lhe o nome de seu pai — murmurou Drogan. — Lorde Aidan era um guerreiro poderoso e um senhor justo. O menino não poderia ter alguém melhor por homônimo.

Edric concordou com um aceno vago. Aidan... Seria Aidan, mas a criança parecia pequena demais para sobreviver. Edric tinha certeza de que Cecily, com sua tei­mosia e humor terrível, daria à luz um filho saudável, apesar das advertências de Lora. A criatura não perdia uma oportunidade de censurá-lo por seus costumes bár­baros... e por lhe causar tanto sofrimento.

— Nunca mais. — Edric levantou-se, seguiu até uma janela e abriu a veneziana para olhar pelos campos ar­ruinados sob as estrelas.

— Milorde?

Ele voltou-se para encarar Drogan.

— Jamais me casarei outra vez.

Não tinha necessidade de uma esposa, e certamente não de outra esposa normanda, o único tipo que o rei Guilherme permitiria. Edric construiria Braxton Fell e não precisaria de qualquer ajuda normanda para tanto.

— Se o bebê sobreviver, ele será meu herdeiro — disse, com frieza. — Senão, então Bryce herdará as terras de meu pai.

Drogan concordou.

— Seu filho deu-se bem com Kate. Felizmente será ali­mentado pela mão dela.

Com que facilidade Edric podia imaginar a moça dando de mamar ao bebê no peito!

— Sim, mas será a única ajuda normanda que aceitarei.

— Não ent...

Edric meneou a cabeça e saiu pela porta. Sabia que não falava coisa com coisa. Drogan tinha razão. Ele precisava dormir.

A Fortaleza de Braxton era tão recente como o Castelo de Kettwyck, e Kathryn pensou que poderia ser até maior.

O salão nobre era imenso, com o assoalho e as paredes nuas, e uma enorme lareira incrustada na parede dos fun­dos. Sob a luz bruxuleante das tochas ao alto, era um lugar frio e sem alegria, uma combinação perfeita para o austero e melancólico senhor do lugar.

A cidadela se elevava por três níveis acima do chão, e havia múltiplas escadas, uma labirinto de aposentos, e criados em todas as direções para que Kathryn se voltas­se. Apesar disso, não havia juncos pelo assoalho frio, nem tapeçarias de parede para isolar as pedras geladas. Era uma concha vazia, certamente nenhum lar para uma dama normanda.

Kathryn recebera um quarto no segundo andar perto do aposento onde lady Cecily jazia morta. E, agora, des­frutava de toda a paz e privacidade que pudesse desejar. Contudo, o que deveria fazer com o bebê? Tinha pouca experiência com crianças, mas já que aquela parecia con­tente em dormir em seus braços, ela foi até a única cadeira no quarto e sentou-se.

Quando uma leve batida soou à porta, Kathryn levan­tou-se para atender, com medo de que o barulho pudesse acordar o bebê. Uma jovem criada entrou, com a parteira ruiva, Lora, logo atrás, carregando um embrulho de rou­pas e mantas. A mulher era muito mais jovem do que Kathryn imaginara quando Drogan se referira a ela pela primeira vez.

— Acenda o fogo, Wilona — instruiu Lora, e então se virou para Kathryn. — Eu lhe trouxe algumas coisas... Você deve ter passado por uma provação terrível, roubada de sua casa. Rushton, é isso?

Kathryn concordou com a cabeça. Não conseguia falar de seu rapto. Ainda não.

—Eu lhe trouxe algumas roupas, e algumas coisas para o bebê. Se vai ser a babá dele, irá precisar...

— Mas eu não sou babá. Eu...

O que poderia dizer de si mesma? Kathryn sabia que era melhor não deixar que ninguém soubesse quem ela era ou onde ficava seu verdadeiro lar, pois a mandariam de volta para Kettwyck, para enfrentar o escárnio da fa­mília e de seus pares.

Lora a encarou com ar crítico, mas não insistiu para que continuasse. E quando falou, suas palavras foram firmes, porém não indelicadas.

— Você precisa servir de babá para o filho de Edric até que possamos encontrar outra. A criança nasceu prema­tura, e recusou todo e qualquer alimento até você chegar. Você é a única esperança do menino, pelo menos por en­quanto.

Kathryn concordou, agarrando-se ao que o destino lhe apresentava. Afinal, como poderia objetar? O bebê era tão indefeso e tão lindo... E se ela era a única pessoa que poderia alimentá-lo, como discutir? Uns poucos dias em Braxton Fell não mudariam nada.

Lora pegou o bebê e colocou-o no pequeno berço perto da cama.

— Agora, deixe-me olhar para você. — A curandeira colocou as mãos dos lados da cabeça de Kathryn, viran-do-a de um lado e de outro, apalpando o crânio em busca de cortes e calombos. — Você tem uma esfoladura feia aqui. Algum outro ferimento? Eles... um daqueles escoce­ses... a violentou?

Kathryn meneou a cabeça. Passou os braços em torno do corpo e se afastou.

— Mas foi por pouco. Os saxões, seu suserano Edric e os homens que o acompanhavam apareceram bem a tem­po. O líder...

— Esse deveria ser Léod Ferguson. E um leproso, mas o filho ainda é pior. Abaixe a manta e deixe-me ver suas costas.

Kathryn obedeceu e quando Lora terminou de exami­ná-la, a parteira pegou uma sacola de lona com um ungüento e colocou o pote sobre a mesa.

— Pensei que poderia precisar disso. Use-o depois do banho.

— Banho? — O coração de Kathryn quase saltou com a palavra.

Lora riu.

— Sim. Wilona lhe trará a tina, e os cavalariços já re­ceberam ordens de carregar a água até aqui, para você.

As lágrimas inundaram os olhos de Kathryn diante da gentileza da mulher. Ela apontou para um vestido azul austero e cheio de pregas, as meias de lã e os sapatos, além das roupas íntimas sobre a cama. Nenhuma prin­cesa poderia querer um traje mais elegante.

— Meus agradecimentos. Você foi muito amável. Como prometido, o banho fora providenciado. Quando

Kathryn finalmente ficou a sós, deixou a manta de sir Drogan cair ao chão, tirou o trapo sujo que um dia fora uma combinação delicada, e entrou nua na tina perto do logareiro. Todos os vários cortes e escoriações arderam quando ela se sentou na água, mas seu corpo quase cantou de alegria.

Fechando os olhos por um instante, ela se inclinou para trás e se deixou envolver pelo calor e o conforto do banho. Suas nádegas e coxas estavam doloridas dos dois dias no lombo de um cavalo, mas Kathryn sentiu a tensão aliviar conforme se afundava na água quente.

Fora ingenuidade sua pensar que lorde Edric pudesse não ser casado, e ter se entretido com loucas divagações a respeito dele. Ficara a olhá-lo com ar abobalhado, de queixo caído diante da forma musculosa e dos cabelos lustrosos, devaneara com aquelas mãos grandes, quadra­das, e o tufo másculo de pêlos escuros sobre elas. Cecily era a mulher mais bonita de toda a Inglaterra e França. E embora estivesse morta, Kathryn não duvidava de que o marido pudesse comparar toda outra mulher à falecida esposa.

Suas pálpebras tremeram e se fecharam, e Kathryn mergulhou num torpor sonolento, só para acordar sobres-saltada algum tempo depois com um vagido agudo e com a água quase congelando. Não tinha idéia de quanto tem­po dormira na tina, mas o choro da criança era suficiente para acordar todos que moravam no castelo.

Ela saiu da tina às pressas e se enrolou na manta de Drogan. Enfiou um canto do tecido debaixo do braço, in­clinou-se e pegou o filho de Cecily justamente quando a porta do quarto se escancarou.

— Que confusão é essa? — perguntou Edric. Kathryn sentiu as faces queimarem de rubor. Seguiu até a porta, envergonhada de ser surpreendida em tal estado.

— Por favor, senhor — murmurou, segurando a criança contra o peito e abrindo a porta numa clara alusão para <iue ele saísse. — Não é necessário que...

— Foram os gritos de meu filho que me trouxeram aqui.

— Ele só está... com fome, meu senhor.

Kathryn encolheu os dedos do pé como se isso a aju­dasse a cobrir as pernas expostas, mas ao mesmo tempo hc sentia estranhamente agitada em perceber o olhar de Kdric sobre seu corpo.

Completamente indecente.

— Vou lhe dar leite, e ele se acalmará.

Edric não saiu, mas fechou a porta atrás de si e olhou no redor do quarto.

— Aquele é o leite para meu filho? — Foi até a lareira, pegou o jarrinho de leite que Lora colocara ali anterior­mente, e colocou um pouco numa caneca.

— Pode estar muito quente. — Kathryn tentou adotar um comportamento discreto, que uma criada teria. — Eu só...

— Mostre-me como se deve fazer.

O aposento pareceu pequeno demais com o senhor saxão ali dentro. Seu traje era a mesma túnica manchada de sangue da batalha, e as calças que ele usara nos últi­mos dois dias. Parecia impressionantemente másculo, ab­surdamente irresistível. Em detalhes perfeitos, Kathryn recordou-se do quanto se sentira segura e salva depois que ele matara o javali, quando a apertara contra o peito Corte. Sabia que aquilo nada mais fora do que um ato reflexo, pois ele acreditava que a bela esposa o esperava cm casa.

Reunindo força contra a influência de toda aquela po­tente atração masculina, Kathryn pegou o bico falso e aproximou-se da lareira. Por certo, assim que ela acal­masse o bebê com o leite, lorde Edric sairia e ela poderia respirar com tranqüilidade outra vez.

— Tenho de amarrar isto ao copo, e depois sacudir e deixar cair algumas gotas em minha mão.

A expressão de Edric tornou-se dúbia. Kathryn notou os círculos arroxeados sob os olhos injetados de sangue, e se deu conta de que aquele homem estava tão cansado que provavelmente nem percebera que ela estava despi­da, ou que era totalmente impróprio da parte dele estar ali, em seu quarto.

Ou de que a detestava.

— Foi o que Lora disse, que eu deveria ter certeza da temperatura.

Edric amarrou o bico na caneca. Quando Kathryn es­tendeu-lhe o dorso da mão, ele pegou-a e virou-a, deixando que algumas gotas do leite caíssem na parte interna do pulso.

— Este não é um local mais sensível? — perguntou.

— Está p-perfeito — Kathryn respondeu.

Sentiu uma onda de calor percorrer seu braço, e não fora o leite a causa. Ignorando o coração disparado, ela pegou a caneca, aconchegou o bebê contra o seio e se afas­tou. Sentou-se na cadeira macia do outro lado do quarto enquanto a criança gritava de fome. Então, estendeu a mão e puxou o vestido azul sobre as pernas, querendo mesmo é se arrastar para debaixo da cama e se esconder completamente.

— Merci, ah... Obrigada pela ajuda, meu senhor — murmurou, esperando que ele fosse embora. — Nós nos arranjaremos agora.

Mas Edric não saiu. Em vez disso, sentou-se na cama. Kathryn deveria se sentir ultrajada com a presença dele ali, mas não conseguiu sentir raiva, quando ele apoiou os cotovelos nos joelhos e deixou as mãos penderem entre as pernas fortes.

— Eu... peço desculpas por deixar o bebê acordá-lo.

— Ele não me acordou.

A voz de Edric era tão grossa como as veias que corriam por suas mãos e braços. Os pés pareciam enormes, enfiá-los como estavam nas botas de couro. Ele a encarava intensamente, esperando para ver se a criança se aquieta­va, e Kathryn sentiu-se inepta e desajeitada sob aquele escrutínio severo.

Ela colocou o bico da chupeta na boca do bebê, mas o menino o rejeitou e virou-se para o seio, encontrando ape­nas a lã da manta em que Kathryn se enrolara. Então, a criança soltou uma série de choramingos de cortar o coração.

— E sua pele macia que ele procura. Constrangida e consciente do próprio embaraço, Kathryn

insistiu em tentar fazer o bebê aceitar a chupeta. Mas ele começou a chorar outra vez e, no meio da gritaria, Edric desbruçou-se para frente na cama, chegando mais perto. Enfiou um dedo pela beirada da manta.

E puxou. Tudo ficou silencioso aos ouvidos de Kathryn. Ela não mais ouvia o berreiro da criança, mas só um leve sussurro conforme a manta se soltou, afastada o suficiente para que o bebê encostasse a face contra sua pele nua, enquan­to o seu bico do seio continuava escondido sob a lã macia. Ela não se atreveu a erguer os olhos para lorde Edric, mas conseguiu dar um jeito de enfiar o bico falso na boca do filho dele dessa vez. A criança começou a sugar avida­mente o leite, enquanto Kathryn saboreava a sensação do contato de lorde Edric contra sua pele sensível.

Ela duvidava de que aquela intimidade significasse alguma coisa para ele, mas a tensão contraiu suas entranhas, independentemente disso. A pulsação acelerou, latejando na veia de seu pescoço enquanto ele acariciava o filho, roçando sem querer o volume do seio. Kathryn fechou os olhos, e tudo que conseguiu fazer foi sufocar um lascivo gemido de prazer.

Edric retirou a mão de repente, com um resmungo aba­fado de irritação, levantou-se e saiu do quarto sem uma palavra, fechando a porta atrás de si.

Kathryn respirou fundo e soltou um suspiro trêmulo, ao baixar os olhos para o lindo bebezinho em seus braços.

— Nós dois sabemos que sou uma pálida substituta para sua pobre maman, não sabemos?

A criança afastou-se da caneca e desviou os olhinhos para ela, e Kathryn desejou ter o próprio filho para amar e acalentar.

E um marido que a fizesse estremecer de ansiedade. Um homem como Edric de Braxton Fell.

 

Passara bem da alvorada, e os trabalhadores encarre­gados de fazer melhorias em Braxton Fell estavam quietos, por respeito a lady Cecily.

Logo às primeiras luzes da manhã, Edric saíra para examinar suas terras. Desde os incêndios provocados pe­los Ferguson, mais da metade das reservas florestais pa­reciam estacas de lenha branca acinzentada. Os campos ainda estavam negros e cheios de fuligem, os frutos do outono desprezíveis. O moinho à beira do rio continuava mudo, as rodas quietas sem grão suficiente para moer.

Se Edric e Bryce tivessem ficado em casa dois anos antes, em vez de partir correndo para York com metade da milícia de Braxton, Léod Ferguson jamais teria a opor­tunidade de causar tanto dano. Oswin tinha razão. Com suas exigências excessivas, os normandos nada tinham trazido a não ser morte e destruição a Braxton.

Desgostoso diante da vista de suas terras arruinadas, Edric virou-se, entrelaçando as mãos às costas. Parecia uma eternidade desde que a vida fora boa em Braxton Fell.

Talvez o padre estivesse com a razão também, e Braxton Fell fosse amaldiçoada.

Edric se sentia amaldiçoado realmente toda vez que olhava para a moça normanda. Embora soubesse que não poderia ser, ele a desejava.

Aquilo nada mais era que seu sexo voluntarioso a exigir atenção feminina. Não tinha nada a ver com o modo com que a respiração dela se apressava quando ele a tocava, ou o jeito provocante com que os belos mamilos saltavam arredondados quando ela alimentava seu filho.

Ela era de uma beleza delicada, de lábios cheios e ten­tadores, os olhos escuros e expressivos. A dela não era a beleza convencional, porém frágil, diferente do rosto e das formas de Cecily, mas uma graça gentilmente arredon­dada sem bordas agudas.

Fora um puro tormento observá-la afagar a cabeça de Aidan, ver seu filho aninhar-se contra aqueles seios de veludo. O constrangimento recatado diante da falta de um traje apropriado em sua presença era mais que atraente. Edric tivera vontade de arrancar a manta de lã do corpo de Kate e provar os segredos femininos que lhe eram negados fazia tanto tempo.

Agora que não havia mais nenhuma razão para que se abstivesse, ele a levaria para a cama. Muito em breve.

O som de passos fez Edric se virar. Oswin aproxima­va-se dele do lado oposto da escarpa, a expressão séria, como sempre. O homem estava todo vestido de preto: man­to, túnica e calça. A barba estava apenas parcialmente branca e o corpo, tão poderoso como nos dias do vigor da juventude, quando lutara ao lado do pai de Edric. Ainda era um homem vigoroso.

—Wulfgar de Tredburgh está chegando a Braxton Fell, milorde. Não mencionei isso ontem...

— Que razão poderia ter Wulfgar para vir aqui? Edric fez a pergunta, mas sabia a resposta. Wulfgar

era um velho lorde feudal saxão que perdera suas terras para o rei Guilherme, passara o ano anterior tentando reunir apoio para uma rebelião saxônia, e não fora intei­ramente mal-sucedido. O homem contava com a simpatia e o patrocínio de várias famílias saxônias, conquistando um número crescente de seguidores. Deixara explícito que desejava Braxton Fell atrás de si.

Wulfgar era um problema de que Edric não precisava.

— Veja se consegue dissuadi-lo.

— É tarde demais, milorde. Não sei de sua localização, portanto não há meio de enviar uma mensagem a ele.

 

Edric praguejou baixinho. Assim que o barão Gui re­cebesse a notícia da morte da filha, viria a Braxton para visitar sua sepultura e conhecer o neto. Não seria conve­niente ter um bando de rebeldes saxões presentes quando o barão normando chegasse.

— Quero o homem fora daqui, Oswin — declarou Edric.

— Procurar briga com o rei Guilherme é inútil agora.

—Não pode saber disso, milorde. O senhor e lorde Wulfgar poderiam arregimentar uma poderosa milícia saxônia.

— Não tenho nada a ganhar com isso. — Mas muito a perder, pensou Edric. Braxton Fell precisava de tempo pa­ra recobrar-se do estrago feito pela incursão dos Ferguson.

— Não adiantaria nada reacender a animosidade normanda agora.

Oswin deixou um bufo escapar.

— Os normandos tornaram a vida uma miséria.

— Não discutirei esse ponto, mas nossas terras ainda estão sob controle saxão... meu controle.

— E quando o preço de seu feudo se tornar grande de­mais, lorde Edric?

— Basta, Oswin. — Edric não se ofendera com a atitude arrogante do administrador, pois Oswin vinha aconse­lhando os senhores de Braxton Fell por longo tempo e muito bem. Contudo, estava errado naquela questão. — Mande Wulfgar seguir seu rumo quando ele chegar aqui.

Kathryn acordou cedo. Vestiu-se, penteou os cabelos e os prendeu com uma trança simples. Com cuidado para não acordar o filho de Edric, pegou-o no colo, aninhou-o nos braços, e então saiu do quarto para ir à procura de Drogan. O guarda era o único que ela conhecia que poderia acompanhá-la até Evesham Bridge. E era imperativo par­tir tão logo fosse possível, antes que Kathryn criasse laços mais fortes com a criança.

Ela não foi longe antes de avistar Lora e duas outras mulheres saindo dos aposentos de lady Cecily. Vários ho­mens se seguiram, carregando o corpo da senhora de Braxton Fell num esquife. Edric e Drogan estavam entre eles.

Edric usava uma túnica cinza-claro com um bordado elaborado no colarinho e nos pulsos. Em trajes tão ele­gantes e com os cabelos impecavelmente amarrados na nuca, ele parecia majestoso. E embora seu rosto conti­nuasse barbudo, Kathryn podia ver que a expressão era compreensivelmente séria. O olhar perpassou por ela uma vez, rapidamente, como se a julgasse sem importância para, em seguida, pousar na criança em seus braços.

Os sinos da igreja começaram de repente a soar, e Lora aproximou-se de Kathryn.

— Venha, estamos de saída para a igreja.

Edric não olhou novamente em sua direção, mas Drogan endereçou-lhe um cumprimento educado de cabeça confor­me os homens equilibravam o esquife de Cecily nos ombros e seguiram a imponente liderança de Edric. Kathryn acompanhou as mulheres pelas escadas e através do salão. Os sinos da igreja continuavam a tocar conforme saíram para o pátio onde vários dos súditos de lorde Edric se jun­taram a eles.

O administrador aproximou-se e postou-se no caminho de Kathryn com uma expressão sombria e hostil.

— Lora, pegue o bebê — disse ele. — Não há necessi­dade dessa aí comparecer ao funeral de lady Cecily.

A não ser pelos captores escoceses, ninguém jamais fa­lara de uma modo tão rude com Kathryn antes, e ela não entendeu por que o administrador se mostrava tão irado com ela. A menos que ele também a culpasse pelo feri­mento de Bryce.

— Ela irá, Oswin. — Sem se voltar, Edric falou de seu lugar à frente do esquife de Cecily.

— Ela levará meu filho.

— Milorde...

— Aidan comparecerá ao funeral da mãe com sua babá. Edric não disse mais nada, mas voltou a conduzir a

procissão rumo à igreja. O administrador encarou Kathryn com raiva antes de se afastar, e ela respirou fundo. Então pousou os lábios na cabecinha do bebê.

— Aidan — murmurou. — E um belo nome o que lhe deram.

Ergueu os olhos e continuou a acompanhar o cortejo, com o coração acelerado ao observar a maneira distinta com que o senhor saxão liderava a procissão, e imaginou o que ele poderia estar sentindo ao carregar a esposa mor­ta para o enterro. Cecily dera à luz o filho de Edric, mas pensar na intimidade que tinham desfrutado, como ma­rido e mulher, provocou em Kathryn um estranho e incô­modo sentimento.

Aproximou-se mais de Lora conforme caminhavam, e deixou os olhos vagarem. Passaram por cabanas que es­tavam surpreendentemente quietas.

Não havia porcos fu­çando no chão, e poucas galinhas ciscavam o terreno. As pessoas eram poucas também, com somente alguns mo­radores a se juntar ao cortejo.

A maior parte da vila era fechada por uma interminável muralha de pedra e tábuas, embora Kathryn visse um bom número de casinhas do lado de fora. O cortejo fúnebre passou por estabelecimentos comerciais, do fabricante de velas, do ferreiro, do vidraceiro, do sapateiro e outros, porém tudo estava silencioso. E Kathryn pensou que tal­vez a inatividade da vila fosse parcialmente motivada pelo estado das terras de Braxton.

O malevolente padreco encontrou a procissão fúnebre à porta da igreja e conduziu todos para dentro. A velha mulher normanda toda de preto já estava lá, chorando alto, sentada num banco no fundo da igreja. Sua tristeza comoveu Kathryn, principalmente por que parecia não haver ninguém ali para confortá-la.

— Lora, pode segurar Aidan?

Estendendo o bebê para Lora, Kathryn seguiu até o fundo da igreja. Sentou-se ao lado da velha e começou a conversar com ela, esperando consolá-la.

A aia de Cecily virou-se e afundou-se nos braços de Kathryn, e a jovem afagou-lhe as costas enquanto a mulher chorava, acalmando-a e assegurando que a alma de Cecily certamente estaria no céu agora.

Os homens ficaram perto do esquife durante toda a missa. A atenção de Edric permaneceu concentrada ple­namente no ritual, enquanto o olhar de Kathryn se dividia entre observar Aidan, que dormia nos braços de Lora, e em Edric, ajoelhado com a cabeça inclinada numa atitude que transmitia devoção e tristeza.

Kathryn desviou os olhos daquele físico poderoso, e co­meçou a rezar pela alma de Cecily, pela recuperação de lorde Bryce e pela pobre Berta, além de implorar a ajuda divina para a própria fuga de Braxton. Precisava conver­sar logo com Drogan, antes que se visse completamente apaixonada pelo menininho frágil, filho do senhor saxão.

Ou pior, pelo pai dele.

Edric sentiu-se tenso e inquieto quando voltaram para casa para o velório de Cecily. Não poderia chorar a morte da mulher que tornara sua vida um inferno naqueles úl­timos meses, porém ela fora sua esposa, dera à luz seu filho, e morrera no parto.

O que ele sentia por certo não era afeição nem pesar. Era mais como uma tristeza por algo que nunca fora, que nunca poderia ser. Cecily era uma bela mulher, e ele a desejara profundamente nos primeiros dias do casamen­to. Mas bem depressa soubera que ela era fria e sem sen­timentos como um peixe que nadasse num dos muitos lagos de Braxton. Mesmo assim, não era todo dia que um homem perde a esposa.

A voz de Oswin penetrou em seu devaneio.

— E preciso cautela com a cerveja, milorde. — Juntou-se a Edric, que estava sozinho perto da lareira no salão nobre. — Nossos estoques não são o que deveriam ser.

— Veja isso, então — disse Edric, embora não anteci­passe muitos brindes em memória de Cecily. Ela insultara ou se indispusera com todos que conhecera ali em Braxton

Não se poderia dizer que o salão estava vazio, contudo. Os homens da milícia e muitos dos moradores da vila tinham vindo apresentar suas condolências. Embora de­votassem pouca afeição a lady Cecily, tinham respeito por Edric e pelo filho que seria conde depois dele, caso Edric continuasse a ter domínio sobre as propriedades de acordo com o rei normando. Isso poderia mudar facilmente, de­pendendo dos caprichos de Guilherme.

— Vieram pela comida que o senhor possa oferecer — resmungou Oswin —, não por algum afeto por sua esposa normanda.

Edric deu de ombros. Aquilo era óbvio, mas a tradição deveria ser observada. Ele não condenava Oswin pela hos­tilidade para com os normandos. Tinham causado danos inenarráveis à família do administrador, mas Oswin pre­cisava compreender que nenhum ódio traria de volta os filhos, e rebelar-se era inútil. O reinado dos saxões na Inglaterra findara.

Os músicos se postaram perto da escada, afinando seus instrumentos, e o aroma de porco assado invadiu o salão. Mesmo assim, o velório de Cecily estava visivelmente de­sanimado, em nada parecido com a profunda tristeza exi­bida pelos cânticos roucos e o choro alto que se seguira aos funerais de Siric e Sighelm. Em vez disso, os criados caminhavam silenciosamente pelo salão, enchendo cane­cas de cerveja e colocando travessas de carne e pão sobre as mesas. Quando Oswin saiu, ninguém se aproximou de Edric, todos aparentemente incertos do que dizer a ele.

Edric avistou Kate, usando o vestido azul que ela jogara sobre as pernas na noite anterior, num gesto de recato. Percebera, durante o funeral, que ela dera atenção, cari­nho e consolo à velha aia normanda, uma mulher que Kate nem mesmo conhecia.

Pelo que Edric sabia, Cecily nunca demonstrara qual­quer gentileza para com um estranho. Mas talvez ele es­tivesse dando muito crédito a Kate. A velha era norman­da, afinal, e a única pessoa de sua gente em Braxton. Era possível que estivessem conspirando juntas, planejando vingar-se de alguma forma do homem responsável pela gravidez e morte de Cecily, e pela infelicidade dela na­quele ano passado.

Contudo, quando Kate seguiu para as escadas com Lora, Edric sentiu um impulso premente de ir procurá-la, pegar aquela trança grossa de belos cabelos castanhos e enterrar a face entre os fios sedosos. Parecia impossível que ela pudesse ser tão atraente toda vestida como quan­do ele irrompera sem se fazer anunciar pelo quarto. Kate estava ainda molhada do banho, e Edric ficara novamente aturdido com toda aquela perfeição feminina.

Ele não deveria ter se demorado no quarto. Seu cérebro deveria estar avariado quando a tocara, quando enfiara os dedos pelo volume do seio macio enquanto ela alimen­tava seu filho.

Santo Deus, ela era normanda, e Edric jurara não ter nada mais com qualquer um deles, além do que fosse ab­solutamente necessário. Não havia sentido em entreter pensamentos de levá-la para a cama.

— Minhas condolências por sua perda, milorde.

Edric virou-se, desviando a atenção da figura de Kate que se retirava para focá-la na primeira pessoa a abor­dá-lo. Era Felicia, filha de Wilfred, o taberneiro. Muitas vezes Edric se divertira com aquela loira sensual, mas aquelas escapadas tinham findado assim que ele pronun­ciara os votos do matrimônio, e Cecily fizera suas exigên­cias. Mesmo assim, Felicia sempre deixara claro que ela o receberia de boa vontade de volta na cama a qualquer tempo.

— Disseram que sua esposa deu à luz um filho.

— Sim. — Edric imaginou onde Lora estaria levando Kate. Talvez fora hora de dar de mamar a Aidan, e as duas tivessem ido a um lugar com mais privacidade. Ela soltaria o corpete e...

— As coisas andam quietas no Dragão de Prata, milorde. — Felicia esboçou um sorriso malicioso e inclinou-se para Edric, comprimindo o corpo contra o dele. — Não darão pela minha falta se eu desaparecer por algum tempo.

Edric pensara nisso tantas vezes durante o ano ante­rior que mal podia acreditar que estava hesitante agora. Mas aquela não era a hora. Com tudo o que acontecera recentemente, ele não tinha ânimo para se divertir na cama com Felicia.

— Milorde?

Edric fitou-a dentro dos olhos. Felicia era tão bonita como qualquer mulher na cidade, e sabia como satisfazer os apetites sensuais de um homem. Contudo, cheirava a repolho e lúpulo azedo.

— Assim que meu irmão estiver fora de perigo e as coisas acomodadas aqui, mandarei alguém buscá-la. — Quando finalmente se deitasse com ela, Edric não iria querer preocupações para estragar o momento.

Soltou o braço do aperto de Felicia, afastou-se e rumou para as escadas. Já passava da hora de ver como estava Bryce.

— Venha, Bryce quer vê-la — chamou Lora.

— Ele está acordado agora? — perguntou a Kathryn.

— Sim, e reclamando de estar confinado na cama. Kathryn mal podia acreditar que haviam se passado

apenas três dias desde que costurara aquele horrível ta­lho. Estava no Castelo de Braxton fazia apenas uma noite e, no entanto, pareciam semanas desde que pusera os olhos em lorde Edric, desde que sentira aquela onda de excitação no peito.

Ela não tivera oportunidade de conversar com Drogan a respeito de ir para Evesham Bridge. Tinha de partir logo, antes que a afeição maternal por Aidan se tornasse mais forte. Mesmo agora seria difícil deixar o bebê.

Ninguém nunca precisara tão desesperadamente dela antes.

Kathryn abaixou a cabeça e seguiu Lora pelo corredor escuro do segundo andar. Lora passou pelos aposentos de Cecily e continuou por outra longa passagem.

Os modos da curandeira faziam Kathryn recordar-se de sua irmã, Isabel. Bem dotada, confiante e atraente na aparência, ela era dona de muitos talentos. Kathryn du­vidava de que Lora tivesse se deixado ser raptada. Cer­tamente ela, como Isabel, encontraria um meio de fugir dos invasores.

— Onde está Berta? — Kathryn indagou, preocupada com a velha.

— Em seu quarto. Ela foi para a cama depois do enterro e não sairá.

Onde é?

— No andar de cima. Ela pareceu consolar-se com você. Deveria visitá-la depois.

— Ela tem uma criada ou alguém para atendê-la?

— Oh, sim — respondeu Lora. — Mas eu acho que essa não é uma solução adequada. Não existe saxão que possa satisfazer a velha bruxa.

Kathryn ficou calada por um momento. Sentia pena da pobre mulher, que fora levada para longe de tudo que lhe era familiar para seguir Cecily até Braxton Fell. E agora que Cecily se fora, não havia nada ali para ela.

— Lorde Edric vai mandá-la de volta para a família de Cecily em Lichford?

— Sim, é provável.

— Talvez eu leve Aidan até o quarto para visitá-la de vez em quando — murmurou Kathryn.

— Seria uma gentileza, tenho certeza.

Continuaram andando, e Kathryn ficou curiosa a res­peito de Lora, que parecia se sentir-se muito em casa su­bindo escadas e atravessando corredores escuros. Gosta­va da jovem mulher, tão franca e amistosa.

— Você mora aqui no castelo, Lora?

— Não, minha cabana fica na vila, fora das muralhas.

— Sua família não se reuniu a você na igreja. Lora sacudiu a cabeça.

— Tenho uma família pequena. Sou viúva.

— Oh, sinto muito! Eu... eu não deveria...

— Não é nada. Meu marido morreu faz mais de um ano. Já não é doloroso falar dele. E quanto a você? — perguntou Lora. — Quem a espera em Rushton?

Kathryn não queria perpetuar a mentira a respeito de

Rushton, mas não conseguia encontrar nenhuma outra alternativa.

— Ninguém. — Embora Geoffroi pudesse ainda estar em Kettwyck, Kathryn imaginou mais uma vez se ele so­brevivera ao ataque. Sabia que jamais poderia enfrentar sua família, e a dele, caso o rapaz não tivesse escapado. Além daquilo que pensariam de uma prisioneira dos es­coceses, seu comportamento na noite da festa fora vergo­nhoso. Ela conduzira Geoffroi para seu...

Deus do céu, esperava que ele não tivesse sido morto...

— Eu... eu não posso voltar para casa.

— E quanto à sua família? Não ficaria feliz em saber...

— Minha gente me condenaria pelo que aconteceu — retrucou Kathryn. — Não posso voltar.

— Condená-la pelo que aconteceu? — Um vinco pro­fundo apareceu entre as sobrancelhas de Lora. — Quer dizer que julgariam você responsável por ser raptada?

Lora provavelmente não pudesse compreender a culpa de Kathryn. Ela atraíra Geoffroi para longe da festa em Kettwyck, o que poderia muito bem ter resultado na morte do rapaz. Ela pedia a Deus que ele tivesse sobrevivido, mas independentemente disso, ouvira cada palavra dita pelas senhoras em Kettwyck. E sabia exatamente como seria recebida se retornasse.

— Sim, sou uma rejeitada.

Lora lhe endereçou um olhar de soslaio.

— Tudo bem, pois Aidan ainda precisa de sua babá.

— Não posso ficar aqui também.

— Mas está aqui graças a Edric e Bryce. Se os Ferguson fossem bem-sucedidos em levá-la para os domínios do clã... — Lora estremeceu visivelmente e deixou a frase sem terminar.

Kathryn respirou fundo. Edric fora realmente seu herói e salvador, impedindo que Léod Ferguson a violentasse e quem sabe até mesmo a matasse. Contudo, Kathryn não tinha nenhum futuro ali, nem em Kettwyck também. Evesham Bridge era sua única opção.

Ela mordeu o lábio.

— Tenho planos de pedir a Drogan que me acompanhe até o convento em Evesham Bridge.

Lora encarou-a com curiosidade, e Kathryn percebeu que se equivocara. Se quisesse que acreditassem que ela era uma moça simples, não poderia pedir por um trata­mento tão especial. Nenhuma camponesa solicitaria a es­colta de um cavaleiro.

— Evesham Bridge? — Lora indagou. — Fica a dois dias de cavalgada de Braxton Fell.

— Foi uma idéia tola — disse Kathryn, esperando en­cobrir seu erro. Precisaria encontrar outro jeito de ir em­bora de Braxton Fell. — Eu... eu não vi nenhuma outra alternativa além do convento.

Passaram por uma escada estreita e curva que subia até o outro pavimento, mas não pararam até que chega­ram a uma porta aberta. Ao estacar, do lado de fora, Lora falou:

— Tenho certeza de que lorde Edric mandará que você fique, pelo menos enquanto for a única babá que seu filho aceita.

— Sim — Kathryn murmurou baixinho —, acho que você tem razão.

Dentro do quarto, um fogo queimava baixo na lareira, emitindo um pouco de calor e luz. Um guerreiro saxão de pernas compridas, de nome Alf, estava sentado numa cadeira, mas saiu do quarto para postar guarda do lado de fora quando Kathryn e Lora entraram.

Bryce estava imóvel na cama, mas acordado. Os cantos de sua boca se ergueram num sorriso quando Kathryn e Lora se aproximaram.

— Ah, eis nossa hóspede normanda. E meu sobrinho. — Sua voz soou baixa e dolorosamente fraca para um homem de seu tamanho. Kathryn imaginou se ele se re­cordava do papel que ela representara no cenário da ba­talha, quando ele fora ferido... e o momento em que o costurara. — Chegue mais perto — ele pediu.

Aidan estava acordado agora, e satisfeito por enquanto. Bryce ergueu o braço são para tocá-lo.

— É um moleque feio — disse, com um sorriso melan­cólico. — Parece o pai.

Lora pousou a mão na testa do rapaz.

— Seus olhos devem ter ficado afetados com seu ferimen­to, seu tolo atrevido. Ora, seu irmão está longe de ser feio.

Bryce começou a rir, mas fez uma careta de dor.

— Tenha dó, Lora. O que acha, Kate? Meu irmão não é o grosseirão mais feio que você já viu?

O que ela deveria dizer? Que um olhar de lorde Edric incendiava-lhe o sangue? Que seu toque fazia seus seios formigarem e seu ventre contrair-se com o tipo de percep­ção que ela nunca imaginara experimentar?

— Eu...

Um ruído à porta fez todos se voltarem.

— Deixe a normanda em paz, Bryce. — Edric passou pela porta e entrou no quarto para se postar ao lado de Kathryn. Não a fitou, mas Kathryn podia sentir o calor de seu corpo, e sentiu um nó subir pela garganta.

— Lorde Bryce está brincando, Kate — disse Lora.

— Ele não mudou desde que era um garotinho pendurado em minhas saias.

— Devo discordar, peço desculpas — caçoou Bryce mas nunca segurei suas saias.

Lora voltou-se para Kathryn.

— O jovem Bryce era meu protegido quando menino, e era também um malandrinho, se era.

— Não dê ouvidos a ela, Kate. Eu era bem-comportado...

— Grosseiro.

Kathryn perdeu o rumo da discussão quando Edric vol­tou a atenção para o bebê em seus braços. Ele cheirava ao incenso que o padre Algar usara na igreja, e ao ar frio do cemitério. Tocou a boca de Aidan, e a criança começou a sugar a ponta do dedo do pai. Kathryn fechou os olhos e engoliu em seco, aturdida com a direção de seus pen­samentos.

Edric não tirou os olhos do filho, deixando o polegar deslizar pelo queixo do menino. Mas Aidan logo começou a emitir sons entrecortados que pareciam leves arrotos, e Kathryn mudou a posição, segurando-o ereto contra o om­bro e sacudindo-o suavemente do jeito que Lora lhe mos­trara. Com meiguice, Edric amparou a cabecinha de Aidan na palma da mão, e o bebê aquietou-se, enquanto o coração de Kathryn disparava como louco no peito.

— Tem o toque, milorde — disse Lora. Encheu uma caneca de água e depois misturou um pó branco e fino de um pequeno frasco que estava numa mesa ali perto.

— O toque? — perguntou Bryce.

— Sim, o mesmo de seu pai.

— E como sabe, mulher? — Bryce zombou, quando Lora o ajudou a erguer a cabeça para beber o remédio.

Mas a mão de Edric estava tão perto da face de Kathryn, e isso a deixava tão perturbada que ela dificilmente po­deria acompanhar a brincadeira entre os dois.

— Eu tinha quase doze anos quando você nasceu, mo­leque. E minha memória não falha. Houve ocasiões em que nem sua mãe nem sua babá conseguiam acalmá-lo. Era seu pai que entrava em ação nessas horas. Ele não se importava que cuidar de filho fosse tarefa de mulher.

Bryce bebeu, fazendo uma cara feia quando engoliu o remédio.

— O que é essa porcaria, afinal?

— É para abaixar a febre. E darei uma olhada nessa ferida agora.

Bryce afastou o lençol do peito para deixar que Lora visse o ferimento. Kathryn não desviou o olhar depressa o suficiente, e a visão daquele talho horrível com os gros­sos pontos pretos fez seu estômago revirar e os joelhos amolecerem.

Ela cambaleou. Edric estendeu a mão e pegou Aidan enquanto passava um braço em torno de seus ombros.

— Respire fundo — ele disse, ao guiá-la para uma ca­deira próxima. — Melhor ainda, ponha a cabeça entre os joelhos.

No mesmo instante, Edric pensou em algo que ele iria preferir colocar entre os joelhos de Kate, mas bem depres­sa fechou aquela linha de pensamentos. Felicia logo sa­ciaria sua luxúria. Talvez não naquela noite, mas em bre­ve ele a procuraria e a levaria para a cama. Ela era perita em todos os modos possíveis de agradar a um homem, portanto não havia nenhum bom motivo para imaginar os prazeres que a boca sensual de Kate poderia lhe dar, ou de qual seria o gosto dos bicos rosados daqueles seios fartos em sua língua.

Ela ergueu a cabeça, e Edric percebeu quando um pouco de cor retornou a seus lábios. Ele nunca vira alguém ficar assim tão absolutamente pálido, tão depressa. A norman-da era a mulher mais sensível que ela já vira, e sua deli­cadeza o fez recordar-se de que ele pretendia mandar al­guém a Rushton para saber dela. Aquela jovem era muito fina e bem-educada para ser uma camponesa. Seu inglês era quase impecável, e Edric notara que os trapos da com­binação arruinada eram de um tecido caro, elegante. Era evidente que sentiriam a falta dela em Rushton, embora Edric não pudesse entender por que ela não admitia sua posição social ali.

Lora trouxe um copo de água e estendeu-o a Kate.

— Você vai ficar bem. Não é todo mundo que pode agüentar a visão de uma coisa tão feia.

— Endereçou um sorriso provocante a Bryce. — Ou uma ferida sangrenta como essa.

Edric não partilhou do tom brincalhão. Vira o ferimen­to, e nada a não ser um milagre faria com que sarasse. Iria assegurar que todas as missas na igreja de Braxton Fell fossem oferecidas pela recuperação de Bryce e pela sobrevivência do pequeno Aidan.

— Você é uma mulher descarada, Lora — disse Bryce. — Edric, diga-me por que toleramos tamanho atrevimento.

Drogan entrou no quarto logo naquele instante.

— Então, é aqui que vocês se enfiaram. — Seus olhos pousaram em Kate. — O que deu em nossa babá normanda?

O constrangimento de Kate era visível em seu rosto, e seu desconforto despertou os instintos protetores que Edric não sabia que tinha. Não era da conta de ninguém se a moça tinha um estômago fraco.

— E o velório? — ele perguntou a Drogan. — A refeição foi servida?

— Sim, e as pessoas aguardam o seu retorno — o guar­da retrucou. — Ainda não ergueu seu brinde a lady Cecily.

— Sim, já passou da hora de eu voltar. Timidamente, Kate ficou de pé e quando falou, Edric

viu-se encantado outra vez pela agradável cadência de sua pronúncia.

— Estou bem agora, lorde Edric. Peço desculpas por atrapalhá-lo com seus deveres.

Sim. Seus deveres, o mais custoso dos quais fora casar-se com Cecily. Recordou-se de que não queria nada com aquela nova normanda, e que não era de sua conta prestar atenção no rubor intrigante que lhe tingia as faces quando pegara Aidan do braço dele. Edric não era um rapaz inex­periente para ficar paralisado com o primeiro ímpeto de sensualidade, mas um homem maduro e perspicaz de vin­te e seis anos.

— Venha, milorde, e vamos deixar que lady Cecily des­canse em paz. — Drogan virou-se para Lora e ficou ver­melho até as orelhas ao se dirigir a ela. — Guardei um lugar para você em minha mesa, senhora.

Lora não notou o rubor de Drogan, pois estava concen­trada no ferimento de Bryce, e respondeu, de modo casual:

— Está certo, descerei logo.

Drogan e Edric voltaram para o salão juntos.

— Você vai precisar ser mais direto com Lora — disse Edric, em vez de divagar em pensamentos sobre o monte suave dos seios de Kate, ou o doce olhar que ela dera a seu filho.

— Oh! E eu suponho que você agora seja o mestre sedutor, hein? — retrucou o guarda, obviamente sensível quando o assunto eram seus sentimentos pela curandeira.

— Não se enfureça, Drogan. Eu simplesmente estou afirmando que Lora ainda não percebeu suas alusões sutis.

Drogan resmungou e começou a descer os degraus d escada.

— O que vai fazer com a moça normanda?

Edric sacudiu os ombros, nada disposto a discutir sobr a mulher que despertava tanto caos em sua compostura

— E óbvio que ela não é nenhuma criada ou serviçal. Alguém deve dar pela falta dela. Talvez estejam à sua procura.

— Isso não é da nossa conta — Edric foi seco. — Quem quer que ela seja, Aidan precisa dela.

Drogan inclinou ligeiramente a cabeça de lado.

— Realmente, mas ela poderia ser a filha do senhor de Rushton, ou de algum outro cavaleiro de alta estirpe. Vai pôr em risco seu relacionamento com os normandos man­tendo-a aqui?

—   Só até meu filho se alimentar com outra pessoa.

— Então precisamos procurar alguém para fazer isso.

— Mesmo se eu mandar homens com uma carta a Rushton, poderiam se passar semanas antes que receba­mos uma resposta.

— Então por que não...

— Lora me informará quando outra ama-de-leite ficar disponível. Enquanto isso, a vida de Aidan depende de Kate. Não colocarei em risco o bem-estar de meu filho para me livrar da moça.

 

Em todos os anos de Kathryn na abadia, ela não apren­dera qualquer das habilidades mais femininas no trabalho de agulha, preferindo o estudo dos números e a matemática, e ganhando fluência nos idiomas que os pa­dres podiam ensiná-la. E isso não serviria a ela, ou a qualquer outra pessoa agora. Se tivesse se casado com Geoffroi, poderia usar seus dotes de intelecto para aju­dá-lo a administrar seus domínios.

Quem sabe, no entanto, tais predicados fossem úteis em Evesham Bridge; mas, senão, haveria animais de quem cuidar nos estábulos do convento.

Kathryn percebeu que seu quarto fora destinado a ser o berçário de Braxton, contudo, surpreendentemente, era desprovido de tudo. Cecily deveria estar bastante enferma durante as últimas semanas de gravidez, caso contrário teria tornado o espaço mais agradável para o filho e a babá.

Quando a noite chegou, Kathryn sentiu fome, mas es­tava relutante em sair do quarto e se reunir aos saxões no salão. A maioria deles lhe dera uma fria recepção, embora o padre e o administrador fossem francamente hostil. Ela não tinha a mínima vontade de encontrar qualquer uni deles novamente, mas parecia que fora esquecida.

Uma leve batida à porta interrompeu seus pensamentos. Kathryn abriu-a, e se deparou com duas jovens criadas.

— Sou Rheda. Vou lhe mostrar onde conseguir leite para o bebê — disse a mais alta das duas moças. — Gwen ficará aqui para cuidar dele enquanto estivermos fora.

Kathryn não imaginara que seria encarregada de bus­car e trazer comida para si e para Aidan, mas claro que seria assim. Por que alguém serviria a ela?

— Lora nos mandou — disse Gwen, como se isso expli­casse tudo. — Você... Lora disse que entenderia nossas palavras.

— Sim, irei com você. — Kathryn puxou o xale em torno dos ombros. — Aidan deve dormir um pouco, pois acabei de lhe dar de mamar.

Era evidente que nenhuma das moças sabia como tratar Kathryn, se como uma criada tal qual elas mesmas, ou como alguém de um status superior. Kathryn conseguia compreender esse dilema, já que sua posição em Braxton Fell ficara mal definida. Ela era uma normanda também, como era a senhora de lorde Edric, mas as criadas não mostraram qualquer consideração ou simpatia. Ao contrá­rio, Kathryn podia sentir a hostilidade em Rheda.

Sem dizer nada, ela acompanhou a criada. Desceram por uma escada dos fundos, e logo encontraram um cor­redor pouco iluminado. Sabia que estavam em algum lu­tar atrás do salão nobre, pois podia ouvir as notas abafa­das da música e as vozes das pessoas reunidas para o velório de Cecily.

Passaram por inúmeros aposentos menores, alguns com portas fechadas e outras abertas, mas muito escuros para ver lá dentro. Chegaram à cozinha, onde havia um burburinho de atividade, com criadas esfregando panelas e rapazes transportando água quente para despejar nas tinas. A cozinheira dirigia todas as tarefas, que diminuí­ram de ritmo quando Kathryn passou atrás da criada até uma passagem escura.

Saíram do castelo e desceram um conjunto de degraus até o chão, e rumaram pela horta. Kathryn não teve difi­culdade de encontrar o caminho, pois a noite estava clara e a lua crescente brilhante, porém havia um vento incô­modo que chicoteava suas saias. Chegaram a um estábulo onde um velho que cheirava a ovelha as esperava. Ergueu uma jarra grande de cerâmica.

— Aqui está, Rheda — disse.

— É leite de ovelha? — Kathryn indagou.

— Sim. O que mais poderia ser? Pegamos três que ti­nham leite. — O tom do homem era ríspido, e Kathryn recuou um passo. — Há mais que suficiente para dividir com o filho do lorde.

Kathryn sentia-se muito estranha ali. Deveres inespe­rados, um idioma áspero que com freqüência fazia sua cabeça doer, e um senhor que a fazia ansiar por tudo que não poderia ter. Porém, quando sentiu o calor dos animais dentro do estábulo e ouviu o balido grave de várias ove­lhas, sentiu uma pontada de saudade da abadia.

Sua decisão de ir para Evesham Bridge era a certa.

—Vocês as mantêm presas no curral? — ela perguntou.

— Nunca fizemos isso no passado, mas depois da guer­ra com os normandos... — O velho virou-se e cuspiu no chão. — E com todo nosso rebanho quase arruinado pelos Ferguson, precisamos ter mais cuidado com as pequeninas.

— O vento está frio esta noite, Beorn — disse Rheda.

— É mesmo. Agora, é melhor vocês voltarem para o castelo antes que a tempestade desabe. — A expressão do homem ficou neutra ao se voltar e falar com Kathryn. — Um dos rapazes vai ter uma jarra de leite pronta para você duas vezes ao dia, uma pela manhã e outra ao anoi­tecer. Se não for suficiente...

— Tenho certeza de que bastará por enquanto. Kathryn pegou a jarra da mão de Rheda e voltou para

o castelo. Tentou não levar a mal a atitude rude do homem para com ela, e ficou a imaginar se Cecily se defrontava com tamanha inimizade quando vinha ali. Mesmo que fossem normandas, eram mulheres, simplesmente, e não tinham nada a ver com as batalhas sangrentas travadas pela Inglaterra.

Embora o velho tivesse sido grosseiro, dissera a verda­de: o tempo estava prestes a mudar. As nuvens começa­vam a se mover, obscurecendo o luar. Kathryn olhou para onde pisava ao correr pelas escadas, segurando a jarra com ambas as mãos. Não poderia tropeçar e derramar o leite que lhe fora dado.

Porém, quando uma violenta lufada de vento sacudiu furiosamente suas saias, ela parou, e viu lorde Edric es­perando do lado de dentro da porta, no topo das escadas.

— Onde está meu filho? — Edric perguntou. Avistara Kate saindo do castelo com a jovem criada, e pensara em onde teriam ido e em quem ficara cuidando do bebê.

— Ele está com Gwen, milorde — Rheda retrucou. — Lora nos mandou mostrar à normanda onde encontrar o leite para o bebê.

Edric nivelou o olhar severo ao da criada, ao mesmo tempo em que pegara a jarra das mãos de Kate e o esten­dia à moça.

— Presumo que você tenha outras tarefas, não?

— Sim, milorde — ela murmurou, pegando o leite e se afastando depressa.

Kathryn ia sair também, mas Edric segurou-a pelo bra­ço, mantendo-a a seu lado. Rheda foi embora sem ela.

— Uma das criadas trará o leite de Aidan. Você não deve levá-lo para o frio para buscar comida.

Ele não lhe soltou o braço, nem ela deu um passo atrás. Os cílios espessos e escuros emolduravam os belos olhos castanhos de Kathryn, e sua expressão era de cautela, porém, ah... fascinante.

— Eu n-não me im-importo de ir, meu senhor. E posso agasalhar bem Aidan.

Se ele chegasse um passo mais perto, as pontas dos seios de Kate roçariam em seu peito. Ele vira os bicos rosados quando ela se inclinara sobre Bryce para costu­rá-lo. Desde então, suas mãos formigavam de vontade de tocá-los, de sentir o peso do volume macio nas mãos, sugar os mamilos na boca. As pernas expostas eram esguias e femininas, e Edric quase conseguia senti-las enrodilhadas em torno de sua cintura, ouvir a voz gentil ofegante de excitação.

Kathryn encostou-se à parede fria de pedra, ampliando o espaço entre os dois, mas Edric não conseguiu deixá-la escapar tão facilmente.

Colocou uma das mãos na parede perto da orelha de

Kathryn. Com a outra, tocou-lhe o maxilar onde encon­trava o ouvido, deslizando o dedo para o queixo e para baixo, pela garganta. Kathryn passou a língua pelo lábio inferior e, em seguida, o mordeu, nervosa.

O sexo de Edric empinou-se de excitação, mas de algu­ma forma ele conseguiu falar com coerência.

— Você disse que não há ninguém em Rushton que vá sentir sua falta.

Ela hesitou da mesma maneira que antes, quando dis­sera o nome a Drogan.

Edric inclinou-se ligeiramente so­bre ela, deixando que as saias roçassem na virilha estra­nhamente sensível.

— Não, meu senhor. Ninguém. — O sotaque era tão suave como o resto dela, a voz a escorrer sedutoramente através de Edric, como os bocados de mel que a cozinheira lhe dava quando garoto.

— Nenhum marido? — Ele se deu conta de que sussur­rara a pergunta quando ela negou com um ligeiro meneio de cabeça. E se descobriu absolutamente feliz com a res­posta. — Então eu impedi Léod Ferguson de deflorar uma... uma inocente?

Edric ouviu-a engolir em seco.

— Sim. — Um violento rubor tingiu as faces dela. — Sou virgem, meu senhor.

O coração de Edric estrondeou no peito. Ele ja resolvera que não teria nada com aquela normanda, e, mesmo as­sim, seu corpo recusava-se a ouvir a razão. Num impulso incontido, sua mão rodeou-a pela cintura e puxou-a toda contra ele. Edric gemeu, de excitação ou de frustração, não saberia dizer, e inclinou a cabeça. Seus lábios estavam a centímetros de distância dos dela quando ele ouviu passos e vozes atrás de si.

— Lorde Edric! — Era Drogan chamando, procurando por ele.

Edric soltou Kate e afastou-se dela, e a jovem correu para longe, como se o quarto estivesse em chamas.

E estava mesmo, Edric refletiu, quando Drogan o al­cançou. Não acreditava que pudesse se incendiar assim tão violentamente por alguma mulher.

— Milorde, o senhor precisa vir depressa!

— O que aconteceu? — Edric indagou, ao seguir Drogan às pressas.

— A adega de cerveja... as barricas estão vazando, es­palhando bebida por todo o chão.

— Como pode ser isso?

— Não sei, milorde, mas Oswin mandou buscar ajuda faz alguns minutos.

Dirigiram-se apressados para o lado oposto à cozinha. Edric pegou uma tocha de um dos suportes de parede e seguiu na frente pela porta da adega. O cheiro de cerveja era mais forte que o usual e, quando chegaram ao fundo, havia meia dúzia de homens labutando para recolher a cerveja derramada em baldes.

— Oswin, temos alguns barris de sobra?

— Sim, milorde, no armazém atrás do estábulo.

— Drogan, pegue mais baldes na cozinha e onde mais possa encontrá-los — disse Edric.

—Vou pegar os barris.

Levou mais uma hora, mas conseguiram salvar o que puderam e, quando o trabalho terminou, os criados lava­ram o chão.

Edric reuniu os dois conselheiros, Oswin e Drogan na sala onde tratava de negócios. Era seu escritório, um aposento no corredor dos fundos em que examinava sua contabilidade com Oswin e discutia as questões da milícia com Drogan. Os livros de registro da propriedade ficavam guardados ali, assim como todas as cartas com as exigências do rei Guilherme e as recusas de ajuda de lorde Gui de Crispin.

— Isso não foi acidente — disse ele.

— Não poderia ser. Não com cada uma das rolhas ,n rançadas e destruídas — comentou Drogan.

Edric sentou-se na cadeira atrás da escrivaninha.

— Por que alguém haveria de querer pôr a perder nossa cerveja?

Drogan cocou a cabeça enquanto Oswin andava de um lado para outro.

— Isso tornará o inverno uma desgraça, milorde — dis­se o administrador — como se já não fosse ficar ruim o suficiente.

— Como descobriremos quem fez isso? — perguntou Edric. — Metade da vila passou por aqui esta noite. Al­guém poderia ter descido à adega e arrebentado as rolhas.

Oswin meneou a cabeça, embaraçado.

— Posso interrogar todos que compareceram ao velório, milorde. Ver se alguém sabe de algo suspeito.

— Parece a única atitude a tomar.

Aidan ainda estava dormindo quando Kathryn retor­nou ao quarto. E Gwen também cochilara. Kathryn acor­dou a garota e mandou-a embora, feliz com a tranqüila solidão do quarto. Lorde Edric quase a beijara.

Com as mãos trêmulas, ela pendurou o xale no espaldar da cadeira e depois atiçou o fogo enquanto tentava con­trolar o incêndio que queimava dentro dela. Estar parada de pé, tão perto do senhor saxão apenas, fora mais emo­cionante que o beijo de Geoffroi.

Kathryn dificilmente po­deria imaginar o que sentiria se seus lábios realmente se tocassem.

Ela levou a mão ao peito como se pudesse acalmar o coração disparado. Se Drogan não tivesse interrompido, não havia como dizer até que ponto o avanço de Edric teria chegado.

As faces de Kathryn queimaram de um constrangimen­to tardio ao pensar no que contara a ele... que era virgem. Era uma conversa nada decente entre uma mulher e um homem que não passava de um estranho para ela. O que poderia estar pensando para falar uma coisa dessas?

Mais pertinente, por que ela não se afastara do homem antes que ele tivesse a chance de encurralá-la? Era mais que provável que ele não tivesse a intenção de beijá-la. Acabara de enterrar a bela esposa, e ainda estava zangado por causa do ferimento de Bryce. Talvez tivesse alguma coisa em mente quando a obrigara a parar à porta, quando lhe tocara a face e a puxara para mais perto. Poderia ser uma forma de castigá-la através de... humilhação?

Kathryn não tinham qualquer experiência com os cos­tumes dos homens e era provável que estivesse enganada com tudo que Edric a fazia sentir. E isso a fez recordar-se de que precisava ir embora. A única razão para estar ali era Aidan, porém ela não poderia permanecer em Braxton Fell por mais tempo, ou lorde Edric teria sucesso em puni-la por sua culpa no ferimento de Bryce.

Além do mais, as notícias de sua sobrevivência certa­mente chegariam a Kettwyck. Então, todas as opções lhe seriam tiradas. E ela teria de retornar e enfrentar o es­cárnio da sociedade.

E isso era algo que Kathryn não estava disposta a su­portar.

Edric estava prestes a subir as escadas para sentar-se ao lado de Bryce outra vez, quando avistou Lora chegando ao salão com um pequeno embrulho no braço.

— Soube o que aconteceu na adega, milorde. Edric arqueou uma sobrancelha.

— As notícias andam depressa.

— Sim, realmente. Por todos os caminhos — disse Lora. — E por isso que o senhor deveria descobrir quem é real­mente Kate, antes que seus parentes apareçam procuran­do por ela.

Edric não gostou de ter de pensar em mudar qualquer coisa no momento, principalmente com relação à babá de seu filho.

— Quem ela realmente é? Ela é Kate de Rushton.

— Não é uma criada, como o senhor sabe muito bem.

— E daí?

— Ela me contou que pretender ir para o convento em Evesham Bridge.

— O quê? Ela é freira? Lora estalou a língua.

— Edric... raciocine.

Havia poucos em Braxton Fell que poderiam falar com ele com tanta familiaridade, e Lora era uma dessas pes­soas. Filha de um dos guardas de seu pai, ela crescera na velha fortaleza com Edric e Bryce, mais como uma irmã mais velha. Muitas foram as vezes em que ela tomara conta de Edric e Bryce quando garotos, embora Lora fosse apenas poucos anos mais velha que Edric.

— Kate, se é que é seu verdadeiro nome, acredita que foi desgraçada pelo rapto e não pode voltar para casa.

— Que absurdo!

— Ela é normanda, Edric. Você sabe como eles...

— Sim. Não precisa me lembrar. Lora estendeu o embrulho para ele.

— Tome. Tenho certeza de que Kate não comeu desde cedo. Talvez possa dar isso a ela e ver o que pode descobrir sobre ela enquanto eu vou colocar um novo ungüento no ferimento de Bryce.

— É provável que presumam em Rushton que ela está morta.

Lora meneou a cabeça.

— Se o pai dela sobreviveu, ele fará tudo o que for humanamente possível para encontrar a filha. O que era uma complicação de que Braxton Fell não precisava. Não quando Wulfgar de Tredburgh estava a caminho, e o pai de Cecily provavelmente chegaria a qual­quer momento. Edric pegou o pacote de comida e começou a subir as escadas justamente quando Drogan entrou no salão.

— Sra. Lora, sua falta foi sentida esta tarde — Edric ouviu-o dizer.

— Minhas desculpas — a curandeira retrucou enquan­to os dois seguiam Edric escada acima. — Não era minha intenção desapontá-los.

— Vai ver o jovem Bryce?

— Edric sabia que deveria entregar o embrulho de co­mida de volta a Lora e dizer-lhe que resolvesse o assunto, mas Drogan não lhe agradeceria por atrapalhar seu mo­mento com ela.

Assim, ele se viu rumando para o berçário, atraído pela suavidade feminina que sabia que encontra ria lá.

Seu próprio quarto não era distante do berçário, o apo sento que Cecily deixara tão lúgubre e vazio. Mostrara pouco interesse no berço feito especialmente para seu filho, e nem fizera uma peça de roupa ou um lençolzinho para o bebê. Era uma mulher desnaturada. Uma normanda.

Tudo estava quieto à porta do berçário, e Edric deu uma leve batida, em vez de entrar sem aviso como fizera antes. Não houve resposta, e ele abriu a porta e entrou.

As venezianas estavam fechadas por causa da chuva repentina, que Edric podia ouvir tamborilar lá fora. O fogo queimava baixo, mas havia luz suficiente no quarto para que visse Kate dormindo profundamente na cama. Edric a surpreendera sem roupa mais uma vez, embora ela agora usasse uma fina combinação de linho que dei­xava seus braços nus até os ombros.

Aidan não estava no berço, mas deitado ao lado dela na cama, aninhado contra o volume do seio. O menino também dormia a sono solto com o copo de leite vazio ali perto. Edric arfou diante da visão dos dois deitados juntos, e lutou contra o impulso de deslizar ao lado deles.

Resmungou uma praga entre os dentes. Deveria ter procurado Felicia no Dragão de Prata. Uma relação rápi­da teria sossegado aquela luxúria nas entranhas e ele seria capaz de pensar racionalmente de novo.

Virou-se de costas e colocou a comida de Lora sobre a mesa onde Kate a encontraria se acordasse antes da ma­nhã. Depois de colocar lenha no fogo, Edric abafou-o para a noite. Trabalhava em silêncio para não acordar nem Kate nem o bebê, mas quando se virou para dar uma última olhada na cama, viu que os olhos de Kate estavam entreabertos, desfocados.

Edric percebeu quando sua presença foi registrada na mente de Kate, pois os mamilos saltaram em contas con­tra o tecido fino da combinação. Kate era tão sensível a ele como Edric era a ela. Quando o fitou com o olhar sonolento, havia indagações naquela expressão.

— Lora lhe mandou uma refeição. Eu a trouxe. — Sua garganta parecia arder em carne viva, e ele pigarreou.

Os cabelos de Kathryn estavam soltou e se espalhavam pelo travesseiro de plumas. Os olhos tinham as pálpebras pesadas, dando a ela uma expressão de sensualidade. Edric deu um passo proibido, depois outro. Agachou-se ao lado da cama, a atenção concentrada na maneira com que ela umedecia os lábios. Ainda deixou escapar um leve som, e Kate afagou-lhe a testa de leve.

De súbito, Edric sentiu uma ponta de nostalgia em vez do impulso libidinoso que esperava. Quando garoto, certa vez irrompera pelo quarto da mãe e descobrira os pais deitados, felizes com as pernas entrelaçadas logo depois do amor. Ele sempre esperava partilhar o mesmo tipo de momentos com a esposa que fora escolhida para ele, po­rém, nunca imaginara desposar uma víbora normanda.

Kate manteve os olhos em Aidan quando acariciou o bebê.

— E triste que seu filho não vá conhecer a mãe.

A mente de Edric retornou ao presente, para quem e o que Kate era: uma moça normanda, nada mais, nada me­nos. Levantou-se e dirigiu-se à porta.

— Triste? A criatura lhe fez um serviço ao morrer. Nunca ninguém foi mais desprezível que aquela harpia normanda. Ele está bem melhor sem ela.

Kathryn nunca se sentira tão sozinha na vida. Tinha saudade de Isabel e da abadia, e dos sorrisos amistosos daqueles que serviam sua família em Kettwyck. Ali, nin­guém falava com ela a não ser que fosse absolutamente necessário. Com exceção de Lora, Drogan e Bryce, Kathryn se julgava muito malquista em Braxton.

Ficara pouco feliz ao perceber que estava certa com relação à atitude de lorde Edric. Era evidente o que ele sentia sobre os normandos, e Kathryn se dera conta de que ele a tolerava apenas por causa das necessidades de Aidan. Aquele encontro na porta dos fundos da fortaleza tivera a finalidade de fazê-la de tola, sentir-se mais vul­nerável do que ela já estava.

Não seria tão sensível a ele no futuro.

Quando a manhã nasceu, ela deu de mamar a Aidan e depois o carregou até a cozinha onde lhe deram um pedaço de pão e mel e uma xícara de cidra. Kathryn avistou Gwen, cujas maneiras foram frias e distantes.

Naturalmente ela não poderia continuar naquela si­tuação. Tinha de conversar com Lora acerca de outras formas de providência, e dizer a lorde Edric que iria em­bora. De um jeito ou de outro ela partiria para Evesham Bridge.

Na esperança de encontrar Lora no quarto de Bryce, Kathryn voltou ao segundo andar, mas viu que Edric já estava lá, de pé ao lado de Drogan.

Ansiosa para evitá-lo, ela virou-se para ir embora, mas Bryce a impediu.

— Ah, é Kate. Você não pode ficar longe de meu rosto lindo, pode? — ele sorriu de um modo caloroso, e Kathryn hesitou. Perguntaria de Lora e não se deixaria intimidar pelo irmão carrancudo de Bryce.

— Sente-se, moça — disse Drogan, antes que ela fizesse a pergunta. — E mostre-nos o bebê.

A cadeira ao lado da cama estava vaga, e Kathryn sen­tou-se, plenamente ciente dos olhos azuis glaciais de Edric sobre si.

— Está crescendo, não está? — perguntou Drogan.

— O que sabe sobre isso, velho? — indagou Bryce, jo­vialmente.

— Ah... as bochechas estão mais cheias. — O guarda estava como um peixe fora d'água com o bebê, mas Kathryn ficou feliz com a tentativa de Drogan de aliviar a tensão no quarto.

Bryce soltou uma risadinha, mas Edric continuou sem dizer nada. Virou-se de costas e dirigiu-se à janela. Abriu as venezianas e olhou para baixo, com evidente desprezo por Kathryn.

— Como está se sentindo, lorde Bryce? — ela pergun­tou, aborrecida por se sentir tão perturbada. Não fizera nada para provocar a ira de Edric. Ao contrário, se Lora fosse digna de crédito, Kathryn salvara a vida de Aidan.

— Se Lora deixasse que eu saísse da cama, eu me sen­tiria muito melhor. — Bryce relanceou os olhos na direção do irmão. — Eu descobriria quem acabou com nosso es­toque de cerveja.

— Pode deixar isso com Oswin. Logo saberemos o que aconteceu — Edric retrucou, sem se voltar.

— O estoque de cerveja? — indagou Kathryn.

— Alguém foi à adega e tirou todas as rolhas dos toneis durante o velório — explicou Drogan. — Perdemos meta­de de nossa cerveja.

— O que Oswin descobriu? — quis saber Bryce.

— Nada. — Edric apoiou as mãos na moldura da janela.

— Vai interrogar todos que estiveram no velório. Talvez alguém tenha visto alguma coisa suspeita.

— O que faremos, Edric, sem cerveja suficiente para passar o inverno? — perguntou Bryce.

— Esse é o menor de nossos problemas. Embora ainda tenhamos a maioria das galinhas enviadas pelo pai de Cecily — ele retrucou —, o resto do dote acabou.

— O dote de Cecily era... comida? — Kathryn indagou incrédula.

Quando Edric se virou, seu olhar duro incidiu direta­mente sobre ela. — Que outra razão eu teria para me ligar a uma normanda?

Kathryn engoliu em seco.

— Nossos campos estavam arruinados, muitos de nosso povo teriam morrido de fome caso eu não negociasse ali­mentos com o barão Gui.

— O que faremos este ano? — murmurou Bryce. Edric cruzou os braços no peito.

—Atacaremos os Ferguson e tomaremos o que tiverem. Bryce soltou um assobio alto quando o irmão começou a andar de um lado para outro.

— Eles nos devem... por nossos campos e florestas, e por seu ferimento. — Mais guerra? Já não foi suficiente?

— Kathryn exclamou. — Tantos serão mortos. Ou feridos, como lorde Bryce foi.

Todos os três homens a fitaram com ar de espanto.

— Você, de todas as pessoas, não deveria questionar nosso desejo de vingança contra os Ferguson — disse Edric.

Lora entrou no quarto naquele momento, e olhou para Edric e Drogan com irritação.

— Eu não disse a vocês dois que Bryce precisa de descanso?

O rosto de Drogan tingiu-se de vermelho ao pegar a bandeja que ela trazia e colocá-la sobre a mesa perto da cama.

— Sim, moça. Mas já íamos embora.

Mas Kathryn ainda não terminara. Aquela era a hora para pedir uma escolta até Evesham. A guerra contra os escoceses era assunto de Edric, e ela não desejava se me­ter. Preferiria estar bem longe de Braxton Fell quando notícias de mais ferimentos e mortes chegassem do campo de batalha.

Ergueu Aidan contra o ombro como um escudo.

— Meu senhor, tenho um pedido a fazer.

Edric voltou-se, o olhar a pousar primeiro no filho, de­pois nela. Quando falou, foi com impaciência.

— O que é?

— Eu gostaria de... de ir embora de Braxton Fell — Kathryn disse, recuando um passo.

— Há alguém que pos­sa me acompanhar até o convento em Evesham Bridge?

— Não até encontrarmos uma nova babá para Aidan — retrucou Edric. — Além disso, é muito perigoso. — Ele rejeitou o assunto com um gesto de mão, sem querer ad­mitir qualquer outro motivo que pudesse ter para querer manter a jovem em Braxton Fell.

— Se estiver preocupado com minha segurança...

— Não estou. Mas o homem que a acompanhasse estaria em risco. São quarenta milhas através de uma re­gião perigosa.

Lora deu uma risada áspera.

— Você deveria ensiná-la, como fez a mim, a se defen­der se ficar diante de algum escocês ou de outros arrua­ceiros pela estrada.

Edric lançou a Lora um olhar de pura irritação, desejoso que ela ficasse calada. Ele não tinha intenção de per­mitir que Kate fosse embora, mesmo que soubesse que seria melhor. A atração que sentia por ela era absurda, sabendo o que sabia sobre as mulheres normandas. Cecily também era uma beleza... Todo aquele exterior adorável, mas possuía uma alma tão fria como a lâmina de sua espada nos dias mais negros de inverno. Quanto mais longe Kate estivesse de Braxton Fell, melhor. Contudo...

— Eu já disse que ela não vai.

— Ao contrário, meu senhor, eu não ficarei aqui.

— Não ficará?

A jovem não se acovardou com o tom alto de voz do lorde, mas seus lábios carnudos se apertaram numa linha fina, e um pequeno vinco surgiu entre suas sobrancelhas.

— Ela deveria saber como se defender em caso de pro­blema mesmo aqui em Braxton Fell, milorde — disse Lora.

— O senhor é o melhor no corpo-a-corpo, lorde Edric — disse Drogan. — Tenho certeza de que poderia ensinar à moça uns poucos golpes.

— Não, não pode — retrucou Bryce. — Meu irmão pode saber lutar, mas é o pior professor que já tive.

— Bem, você pode ter razão quanto a isso — ponderou Drogan. — Talvez eu devesse cuidar disso. Podemos...

—Não é necessário — disse Kate. Ergueu o queixo num gesto desafiador que fez Edric desejar colar os lábios na pulsação rápida da veia no pescoço esguio da jovem, en­quanto explorava cada curva feminina daquele corpo. — Tenho certeza de que posso evitar problemas até chegar ao convento.

Edric rumou para a porta, zangado. O que algum deles sabia sobre isso? Como normanda, ela poderia bem ser sujeita a um ato hostil ali mesmo em Braxton Fell. Seu povo era decididamente pouco amistoso com os de sua raça.

— Encontre-me no solário na ala sudoeste em uma hora. Irritou-se consigo mesmo por se deixar ser incitado a ensinar a Kate o que ensinara a Lora muitos anos atrás. Tinha assuntos mais importantes a atender, começando pela reunião com seu administrador. Apressado, dirigiu-se ao escritório, onde Oswin escriturava um grande livro-caixa de capa de couro, e resolveu esquecer a lição de defesa pessoal da normanda. Ela que ficasse dentro do castelo, e não haveria nenhum problema.

— O que descobriu? — perguntou ao administrador.

— Até o momento, ninguém com quem conversei viu alguém, a não ser eu, perto da porta da adega.

Edric sentou-se à escrivaninha enquanto Oswin em­purrava o livro-caixa de lado. Segundo o conhecimento de Edric, seu administrador mantinha os registros impecá­veis, sendo um dos poucos na propriedade que aprendera a ler. O filho de Oswin, Sighelm, tinha talento para isso também, e Oswin o estava preparando para o trabalho de administração em algum momento no futuro. Edric às vezes pensava que aqueles momentos tranqüilos no es­critório faziam Oswin recordar-se demais de tudo que per­dera para os normandos. Era melhor quando estava fora esquadrinhando os campos e avaliando as outras proprie­dades de Edric.

— Quem lucra com nossa perda de cerveja? — Edric indagou.

— Wilfred, o taberneiro.

Edric meneou a cabeça. Nem nas mais loucas imagi­nações ele poderia visualizar o pai de Felicia causando tamanho problema. O taberneiro gostava de Edric e que­ria sua simpatia, o que era a principal razão da filha estar sempre disponível para ele.

— Não penso assim.

— Então não posso pensar em ninguém mais — disse Oswin. — E quanto à moça normanda? O senhor não sabe nada sobre ela.

— Kate? Como poderia fazer uma coisa dessas enquan­to estava cuidando de Aidan?

— Talvez ela não fique como bebê o tempo todo.

— Pelo que sei, ela só o deixou uma vez ao encargo de outra. — Fora na noite anterior, quando ele ficara tão perto dela que pudera sentir o cheiro do banho da véspera.

— Ela é normanda, milorde. O senhor sabe muito bem que não pode confiar nela.

— Sim. — Ela não fora sincera a respeito de quem era. Na verdade, Edric não tinha certeza de que Kate fosse seu verdadeiro nome.

Oswin começou a andar de um lado para outro.

— Tome cuidado para que ela não ponha fogo no castelo enquanto estiver aqui.

— Oswin, acho difícil que fosse do interesse dela fazer uma coisa dessas. — Por mais que Edric desgostasse dos normandos, Kate não demonstrara nada mais que uma verdadeira afeição por Aidan.

O administrador voltou para a escrivaninha e sentou-se na frente de Edric. E falou, num tom insistente:

— Milorde, o senhor deveria se encontrar com Wulfgar quando ele chegar. Com nossa milícia a apoiá-lo, nós pode­ríamos desalojar os normandos ao norte do rio Humbria. Estabeleceríamos nosso próprio reino. A filha de Wulfgar, Odelia, poderia ser sua rainha.

— Nunca mais terei uma esposa, como você sabe muito bem, Oswin. Além do mais, não faz sentido agora. Não temos os recursos para enfrentar os normandos. Lembre-se, tenho visto o rei em combate. Ele é um líder impressionante.

— E Wulfgar também.

Edric nunca vira alguém tão poderoso como o rei Guilherme. Ele e Bryce haviam testemunhado a ira do monarca normando quando debelara a rebelião em York, e ele não queria arriscar a atrair a mesma ira sobre o povo de Braxton Fell. Não fazia sentido, e seu povo já sofrerá o bastante.

Porém os Ferguson eram outro problema absolutamen­te diferente. A guerra contra eles era uma questão de honra. E de sobrevivência.

Edric empurrou o livro-caixa na direção de Oswin.

— Fale-me sobre a colheita. E muito ruim?

— Deixe-me carregar Aidan — Lora disse a Kathryn quando saíram do quarto de Bryce. — Ficarei com ele enquanto estiver tendo aula com lorde Edric.

Kathryn entregou o bebê para a curandeira e pegou a jarra de leite que ela carregava.

— Não tenho intenção de ir. Lora estacou.

— O quê?

— Ele pode esperar o dia inteiro por mim no solário, mas eu não irei lá.

— Não é prudente desafiar o lorde, Kate.

— Quero ir embora de Braxton Fell.

— Mas não há ninguém mais para cuidar de Aidan. Kathryn tentou não se sentir tão desesperada.

— E claro que você pode encontrar alguém para assu­mir meu lugar. Ajude-me, Lora.

A curandeira ponderou por um instante nas palavras de Kathryn.

— Há duas mulheres na vila que logo darão à luz seus filhos. Uma delas provavelmente vá servir.

— Você me avisará assim que...

— Claro, embora Aidan não pudesse desejar uma babá melhor.

E Kathryn não poderia imaginar que alguém amasse o bebê como ela, porém não queria terminar como Berta, completamente devotada à protegida, sem vida própria.

— Edric ensinou-me umas poucas manobras bastante efetivas... e foram bem úteis mais de uma vez antes que eu tivesse meu marido para me proteger. Que mal há em deixar Edric ensiná-la também?

Que mal há, realmente, Kathryn pensou. O desajeita-mento fora sempre uma fonte de embaraço durante toda sua vida. Ela não sabia o que a aula de Edric poderia exigir, porém não duvidava de que provavelmente deixas­se patente o quanto ela era destrambelhada.

E como ele apreciaria o fato.

— Sei o que é ser atacada por um homem... por homens. Não havia nada que eu pudesse fazer contra eles — disse Kathryn.

— Mesmo o mais forte deles pode ser derrubado. Não quer saber como?

— Claro. — Kathryn nunca desejara se sentir tão indefesa como ficara quando os Ferguson a haviam raptado de Kettwyck. — Mas Drogan é um professor mais pacien­te, eu creio.

Talvez possamos convocá-lo...

— Ele não irá contra a vontade de lorde Edric.

Kathryn não entendia por que Edric iria querer se abor­recer e perder seu tempo com ela, senão apenas para hu­milhá-la.

— Você não tem medo dele, tem?

— Claro que não — Kathryn retrucou. — E só que... Fale-me de lady Cecily. Por que ela era tão desprezada aqui?

Lora a fitou de soslaio.

— Quem disse que ela era desprezada?

— O marido.

Lora conduziu Kathryn até um aposento grande e frio. Estava mobiliado, mas não havia fogo na lareira, nem sinais de uso recente. Kathryn sentou-se num longo as­sento que ocupava o espaço em frente à lareira, e Lora colocou Aidan na almofada ao lado.

— Deixe-me acender o fogo aqui.

Lora colocou lenha na grade e dentro em pouco o fogo queimava na lareira. Enquanto isso, Kathryn imaginava se poderia falar com franqueza com Lora, pois desejava ardentemente compreender o que acontecera para fazer Edric e seu povo desprezar não apenas Cecily, mas ela mesma também.

Lora voltou a sentar-se ao lado de Kathryn.

— Por que você tem de ir com tanta pressa a Evesham Bridge?

— Não sou bem-vinda aqui, Lora. Os criados me igno­ram, ou são deliberadamente hostis. Embora possa ser por causa de minha culpa no ferimento de lorde Bryce, receio que tenha mais a ver com o fato de eu ser normanda. Lora tamborilou os dedos no joelho.

— Você conheceu lady Cecily? — ela finalmente indagou. Kathryn aquiesceu.

— Porém apenas brevemente quando ela foi à Abadia de St. Marie, na Normandia.

— E você sabe por que ela foi mandada para esse lugar?

— Porque se recusava a desposar o noivo que lhe fora escolhido.

— O noivo saxão.

Kathryn baixou os olhos. Ela já havia percebido que fora com Edric que Cecily se recusava a se casar.

— Lorde Edric lutou por seu rei — Lora explicou. — Sua "recompensa" foi Braxton Fell. Suas próprias terras foram concedidas a ele pelo rei Guilherme. O pacto deve­ria ser selado pelo casamento com uma esposa normanda de alta estirpe.

— Realmente, diziam que Cecily não se interessava em se casar.

— A verdade era que ela não tinha interesse em se casar com um saxão.

— Mas ela veio e eles se casaram...

— Lady Cecily era... infeliz aqui — disse Lora. — Não sei de sua personalidade antes do casamento, mas no ano passado ela se mostrava exigente, insuportável e desa­gradável.

Kathryn recordou-se da expressão petulante de Cecily toda vez que a vira na abadia, e se deu conta de que a jovem nunca parecera despreocupada ou feliz. Nunca lhe ocorrera que Cecily fosse simplesmente uma criatura mi­mada e mesquinha.

— Então, ela não se fez estimar por ninguém aqui.

— Para dizer o mínimo — Lora retrucou no mesmo instante. — Levará algum tempo até que nosso povo a aceite, mas em breve isso acontecerá. Verão que você não é nada igual à falecida esposa do lorde.

Kathryn duvidava de que a atitude de Edric mudasse algum dia. E não imaginava que isso acontecesse com o padre e o administrador. O ódio pelos conquistadores nor-mandos era muito forte.

Com um ligeiro menear de cabeça, ela murmurou:

— Não, preciso ir.

— Você acha que irão aceitá-la em Evesham Bridge? Kathryn sentiu o rosto queimar. Normalmente eram

apenas as viúvas e as filhas de homens prósperos que podiam ter condições de entrar para um convento. Ela esperava conseguir a admissão com a simples promessa de seu dote. Em algum momento, teria de avisar a família de que sobrevivera ao ataque dos escoceses e fora por livre vontade para Evesham Bridge para evitar o escárnio de seus pares.

— Sob as circunstâncias, eu... creio que... terão pena e me aceitarão.

A expressão de Lora mostrava claramente que ela não aceitara a alegação de Kathryn.

— Por favor, Lora, não posso dizer mais. Acredite em mim quando digo que não posso voltar para casa. O con­vento é minha única opção.

— Olhe para Aidan — argumentou a parteira. — Ele precisa de você.

A emoção pareceu dilacerar a garganta de Kathryn, e ela fechou os olhos para impedir as lágrimas de inundarem seus olhos. E trancou o coração contra o ímpeto de amor maternal, ciente de que precisava distanciar-se do bebê. Pegou o menino e estendeu-o a Lora.

— Pegue-o. Eu...

Calou-se ao perceber que Edric entrava no aposento. Lora levantou-se.

— Milorde... está na hora?

— Você me traiu! — Kathryn murmurou quando se deu conta de que estavam sentadas no mencionado solário da ala sudoeste. Lora sabia como ela se sentia sobre a aula proposta e, mesmo assim, a trouxera até ali.

— Não... Agi como amiga — Lora retrucou baixinho. — E melhor que você aprenda o que Edric pode lhe ensinar.

— Leve Aidan — Edric disse. — A normanda irá pro­curá-la quando terminarmos aqui.

— Meu senhor — disse Kathryn, com a sensação de estar encurralada mais uma vez —, eu lhe asseguro que isso não é necessário.

Lora saiu do aposento enquanto Edric dava a volta em torno de Kathryn. Imóvel diante da poltrona, ela estava tão ansiosa agora como estava na hora em que se deparara com o javali na mata. Edric chegara em seu socorro então, mas ele parecia agora um predador muito mais perigoso.

Edric foi direto ao ponto.

— Quando os escoceses a raptaram de Rushton, o que aconteceu?

A respiração de Kathryn ficou presa na garganta diante da lembrança daquela noite horrível.

— Não quero falar nisso.

— Você vai falar nisso, para que eu possa lhe mostrar como poderia ter evitado a captura.

Ele usava uma túnica simples que combinava com o azul profundo de seus olhos. A calça era preta, mas os músculos tensos das pernas se mostravam claramente de­lineados através do tecido de lã. Com as mãos nos quadris, os ombros de Edric pareciam ainda mais largos, os braços mais grossos. Kathryn esfregou as mãos úmidas e virou-se para a janela.

— Dois homens me escolheram — murmurou. — Ca­çaram-me e me encurralaram num armazém.

— O que você fez?

Ela relanceou o olhar para o saxão.

— Eu... eu não me lembro.

— Claro que se lembra — ele retrucou, deixando as mãos caírem dos lados e avançando um passo na direção dela. — Eles se separaram, não é?

Ela concordou com a cabeça.

— Você correu?

— Sim. Mas primeiro joguei uma caixa de madeira num deles.

— Adiantou?

— Não. Não teve nenhum efeito. Eles me alcançaram e me derrubaram. —A emoção travou-lhe a garganta con­forme as lembranças dos acontecimentos terríveis daque­la noite fluíam por sua mente. — Rasgaram minhas rou­pas e eu pensei... eu pensei...

— Que iriam violentá-la.

— Sim — ela murmurou, num fio de voz.

 

O sangue de Edric ferveu de raiva nas veias quando Kathryn lhe contou do ataque, de como os homens de Ferguson a tinham machucado e abusado dela. Nenhu­ma mulher deveria ter de suportar um tratamento tão humilhante, nem mesmo uma criatura desagradável como Cecily. Muito menos a gentil e delicada Kate, que olhava para Aidan com tanta afeição maternal. Os hema­tomas estavam sumindo e havia apenas um sinal do corte no lábio, mas isso não diminuía a brutalidade do assalto que ela sofrerá.

— Quando você o chutou, mirou em algum lugar em particular? — ele indagou.

Um vinco já familiar a Edric apareceu acima da so­brancelha de Kathryn.

— N-não. Por quê?

Ele chegou mais perto para ver os salpicos dourados nos olhos dela, e os espessos cílios negros que os emoldu­ravam.

— Você sabe qual é a parte mais vulnerável de um homem?

Edric percebeu que os músculos da garganta de Kate se moviam quando ela engoliu em seco.

— O nariz? Edric riu.

— Mais embaixo.

Kathryn enrubesceu, e foi a vez de Edric deglutir um nó duro que lhe travou a garganta. Ele fizera o melhor para ignorar as curvas femininas que Kathryn inadver­tidamente lhe mostrara, mas fora inútil. Nunca deveria ter ido até ali, e sim ter saído a cavalo com Oswin como planejara.

As feições de Kate se franziram de aborrecimento e quando ela deu a volta, disposta a sair pela porta, Edric bloqueou-lhe o caminho.

— Use seus joelhos ou os cotovelos... Ataque-o onde dói, e ele ficará imobilizado por alguns instantes, talvez o tem­po suficiente para você fugir.

Cruzando os braços, ela concordou.

— Obrigada, meu senhor. Farei isso. Agora, se me der licença, tenho certeza de que Lora tem outro...

— Quero que tente agora.

— Tentar?

— Sim. Vou agarrá-la. Tente me causar algum mal e saia daqui.

— Não é necessário. Eu me lembrarei do que me disse.

— Você é muito pequena para dominar um homem que a ataque. Precisa usar a cabeça. Seja imprevisível. Faça a coisa que ele menos haveria de esperar. — Ela começou a dar a volta outra vez, mas Edric enlaçou-a pela sua cintura e puxou-a contra o peito.

Kathryn ficou rija e enterrou as unhas em seu braço.

— Não... tente se virar para que você possa...

Ela chutou-lhe a canela e começou a se debater, atacando-o às cegas. Usava mãos e pernas para enfrentá-lo e, logo, Edric não teve outra escolha a não ser erguê-la do chão e apertá-la contra o corpo. Ouviu-a choramingar e percebeu que Kathryn não estava simplesmente tentando fugir dele.

Ela estava apavorada. Realmente apavorada. E ocor­reu-lhe que ela poderia estar sentindo o mesmo tipo de terror de quando os escoceses a haviam raptado. Edric sabia de guerreiros experientes que reviviam batalhas nos sonhos...

— Kate, pare.

Kathryn se lançou contra ele, as pernas a chutar sem mira, os braços a girarem sem alvo.

— Sou eu. Você está segura.

Ele mudou de posição e derrubou-a no chão, entre o sofá e a lareira, segurando-a pelos pulsos e bloqueando-lhe os chutes com as próprias pernas. A respiração de Kathryn saía em arquejos rápidos e trêmulos, e os olhos estavam cravados em um ponto além de Edric. Ele tinha certeza de que ela perdera a noção de onde se encontrava.

Quando conseguiu imobilizar-lhe as pernas com as suas, Edric soltou-lhe os pulsos para lhe tomar a cabeça entre as mãos.

— Olhe para mim! Não há um escocês dentro de um raio de cinqüenta milhas.

Os movimento desconexos diminuíram um pouco, mas Edric podia ver que Kathryn ainda estava presa nos estertores das terríveis recordações.

— Kate, calma... calma.

Edric continuou a dizer palavras suaves, mas não sabia se ela o ouvia ou o compreendia. O trauma fora muito grande, e ele precisava ser paciente.

Quando finalmente ela focalizou o olhar sobre ele, Kathryn enrijeceu-se, mas a confusão lhe toldou os olhos. Começou a tremer e respirou fundo, choramingando.

— Mon Dieu... Je m'excuse. Je ne saispas ce que/ai... — Fechou os olhos e arquejou. — Não sei o que aconteceu comigo. Eu... eu...

Edric mal a escutava. Não, do jeito em que se encon­trava, deitado sobre ela, completamente excitado pelo cor­po feminino de Kate sob o seu, não com aqueles lindos olhos cheios de espanto a fitá-lo, a buscar uma explicação para aquilo que estava acontecendo. Os lábios cheios, úmidos, eram um convite à tentação. Ele podia sentir o coração de Kate batendo no peito, sob aqueles seios macios de que seu filho tanto gostava. Num gesto impulsivo, Edric pousou a palma aberta sobre o vale entre os montes suaves. Gentilmente, perturbadoramente perto do paraí­so, ele sentiu a pulsação de Kate disparar.

— Kate...

Ele ouviu a si mesmo dizer-lhe o nome outra vez, en­quanto aquele corpo delicado parecia expandir-se e se der­reter sob o seu.

O olhar de Kate cravou-se em seus olhos, depois em sua boca.

Edric deslizou a mão para baixo, até a cintura, e aca­riciou-a de leve, para depois descer até o quadril e a perna, puxando-a para mais perto, enfiando uma perna entre as dela. Fechou os olhos e saboreou a violenta excitação que sentia. Com um gemido de prazer, baixou a cabeça e to­cou-lhe os lábios, controlando a vontade de lhe invadir a boca, com medo de aterrorizá-la outra vez.

Sentiu-a tremer e, então, os olhos de Kate se fecharam mais uma vez. Uma sensação primitiva se agitou dentro dele, como o calor do sol num dia quente. Edric aprofun­dou o beijo e Kate correspondeu, os lábios macios e acolhedores. Quando a envolveu nos braços, a respiração de Kate tornou-se acelerada e, então, a mão tocou seu ombro e subiu até a nuca. Depois, ela enterrou os dedos em seus cabelos, e Edric se entregou à carícia. Inclinou-se, abriu-lhe os lábios e deslizou a língua para dentro.

Ela era absolutamente feminina, maravilhosa, doce, meiga. Edric provou o gosto bom de cidra, e sugou-lhe a língua para sua boca. E saboreou-a, deleitando-se com ela como um homem que não conseguia se recordar da última refeição. Quando Kate se virou sob seu corpo, Edric mo­veu-se e empalmou-lhe o seio.

Kate rompeu o beijo, respirou fundo, e estremeceu.

— Edric...

Ele soltou-lhe os laços do corpete e afastou o tecido para o lado.

— Lindos.

Os montes fartos eram culminados por mamilos da cor e textura de um pêssego maduro. Kate arqueou as costas quando Edric circundou um deles com a língua. Suspi­rando, ela tomou-lhe a cabeça nas mãos e o segurou no lugar.

Com a mão livre, Edric afastou-lhe as saias de lado e aventurou-se para dentro daquele território feminino aci­ma das pernas cobertas pelas meias. Movia-se hesitante, às tentativas, tocando a depressão sensível atrás do joelho e depois deslizando para cima, pela carne macia da coxa.

Com gentileza, acariciou a junção das coxas com os nós dos dedos, e Kate fechou as pernas.

— Abra, doçura...

Sugou o outro mamilo para dentro da boca e provocou-o com a língua; e as pernas de Kate se afastaram novamente.

Edric estava tão tenso como uma lança e ansiando por tomá-la, mas a exploração de atributos tão femininos e belos como os de Kate era quase tão agradável quanto a realização final. Usando o polegar, ele traçou um círculo em torno da passagem escondida que ansiava por invadir. Deslizou um dedo para dentro enquanto acariciava o bo­tão sensível no ápice.

Um som leve como uma pluma subiu do fundo da gar­ganta de Kate, e Edric beijou-lhe a boca enquanto imitava com os dedos o ato pelo qual tanto ansiava. Ela se con-torceu, abrindo-se para ele, saudando sua invasão com inocente abandono. A respiração tornou-se mais rápida e os seios arfaram contra seu peito. Então, Kate estreme­ceu, o corpo agitado por tremores, enquanto os músculos internos se contraíam em espasmos, fechando-se sobre os dedos de Edric. E logo depois, ela se enrijeceu, e Edric percebeu que Kate alcançara a plenitude essencial que ele tanto buscara.

— Sim — ele murmurou, soltando o cinto. — E quase perfeito, não é? A única coisa que falta sou eu. Dentro de você.

Alheio ao som abafado de vozes do lado de fora, Edric puxou de lado as ceroulas, tomou uma das mãos de Kate e colocou-a em seu sexo. As pálpebras de Kate estavam pesadas, semicerradas, os olhos cheios de torpor, mas ela circundou o membro ereto com os dedos e instintivamente o guiou em direção ao portal proibido.

A porta do aposento se abriu e as vozes vagas e distan­tes se tornaram mais altas.

— Maldita vagabunda normanda!

— Padre Algar!

Era a voz de Lora agora, mas Edric não perdeu tempo ouvindo a discussão. Com mais rapidez do que julgara possível, puxou as saias de Kate para baixo, cobrindo-lhe as pernas e endireitou as próprias roupas antes que o padre Algar pudesse dar a volta à poltrona e ver até que ponto tinham chegado. Felizmente, Lora se interpôs entre o padre e os dois no chão.

Edric levantou-se e ajudou Kate a sentar-se.

— Que assunto tem para invadir os aposentos particu­lares de um homem? — ele perguntou.

Sentiu que Kate tremia, e percebeu que ela lutava para fechar os laços do corpete.

— Isso é uma ofensa contra a natureza! A mistura de saxão e normando resulta em ruína

— o padre Algar avi­sou. — Os desastres o perseguirão, Edric de Braxton Fell!

Kathryn não se atreveu a olhar para Edric, parado com as mãos nos quadris enfrentando o padre Algar. O que o senhor saxão fizera com ela fora mais estarrecedor do que qualquer coisa que Kathryn pudesse ter imaginado. Por mais que esperasse, ela não sabia que um homem poderia dar tamanho prazer a uma mulher. E pensou se ele sen­tira o mesmo.

— Mande-a embora! — grito o padre. — Estávamos muito bem livres das normandas pestilentas, mas você trouxe outra para o nosso meio.

— Tome cuidado, padre. A normanda de quem o senhor está livre era minha esposa.

— Mas sua esposa não trouxe nada além de...

— Não era de sua conta enquanto ela era viva, e não é da sua conta agora! — Edric disse as palavras num tom alto e ameaçador. — Diga qual é seu assunto e saia! O padre entrelaçou as mãos atrás das costas e virou-se.

— Seu irmão recusa o último sacramento.

As palavras do padre provocaram uma sensação de náu­sea na boca do estômago de Kathryn. Todos em Braxton Fell acreditavam que o ferimento de Bryce era sua culpa, e se ele morresse sem o sacramento, passaria a eternidade no inferno.

Por causa dela.

—Venha, Kate — disse Lora. Pegou Kathryn pelo braço e empurrou-a para a porta. — Deixe lorde Edric se enten­der com o padre Algar.

Em seu estado de confusão, Kathryn ficou feliz de se afastar dos dois homens. Mal compreendia o que acabara de acontecer com Edric, e precisava de tempo para clarear a cabeça. Lora seguiu na frente e puxou-a pelo corredor até o berçário onde Kathryn encontrou Gwen cuidando de Aidan. Pegaram o xale de Kathryn e uma manta para o bebê.

— Você está bem? — Lora perguntou, quando Gwen se retirou.

Kathryn continuou muda, mas fez um gesto afirmativo com a cabeça.

— Está um dia agradável... Um passeio lá fora seria bom para... para Aidan.

— Se pelo menos tivéssemos feito isso antes — Kathryn murmurou, as pernas ainda fracas com a experiência que partilhara com Edric. — Por que me levou para aquela sala, sabendo que eu preferiria não me encontrar com lorde Edric? Você me traiu.

A expressão de Lora era de preocupação fraternal.

— Espero que você não acredite nisso de verdade. Uma mulher precisa aprender tudo que puder para se proteger, e Edric é o mais bem qualificado para ensiná-la.

— Eu preferiria que ele apenas me desse uma arma — Kathryn resmungou. — Se eu tivesse uma faca, nenhum homem nunca mais me atacaria outra vez.

Lora enfiou a mão sob a saia e tirou uma lâmina com um cabo escuro.

— Mantenho isto aqui amarrado em minha perna. Você poderia fazer o mesmo. — Estendeu o punhal a Kathryn, que o pegou com cuidado.

— Eu... eu não posso ficar com...

— Tenho outro. Precisaremos arranjar uma correia pa­ra você. Por enquanto, mantenha-o preso na liga da meia.

— Suas habilidades não têm fim, Lora?

A parteira sorriu e rumou para a porta. E Kathryn olhou para o punhal com um ar absorto. Era óbvio que não poderia perder a cabeça outra vez como fizera antes. Se fosse atacada de novo, precisaria manter a mente ra­ciocinando. Mais tarde, na privacidade do berçário, ela arranjaria uma tira para segurar o punhal, e praticaria o gesto de pegá-lo.

E pensaria nas sugestões que Edric lhe dera... antes que a arrebatasse com um beijo e as carícias da mão.

Kathryn enrolou-se no xale, envolveu Aidan firmemen­te na manta, e seguiu Lora pelas escadas e para fora do salão. Tomaram a trilha principal para a igreja, mas vi­raram ao sul e seguiram por um terreno gramado.

Lora apontou para o alto edifício adiante, menor que a fortaleza de Edric, porém maior que qualquer cabana. Era uma estrutura feita de madeira com uma torre alta que tinha janelas compridas fechadas de seus três lados.

— Esta é a velha fortaleza, onde Edric e Bryce nasce­ram e foram criados.

— Podemos ver lá dentro?

— Não vejo por que não.

Kathryn cobriu a cabeça de Aidan com a manta para atravessar o pátio.

— O que Edric lhe ensinou? — perguntou Lora.

Kathryn quase se engasgou com a pergunta, mas de­pressa se deu conta de que Lora indagava sobre a aula de defesa. Pigarreou.

— Foi estranho... Eu não sei o que aconteceu comigo. Num minuto estávamos conversando e, de repente, senti como se estivesse revivendo o ataque em... Rushton. Lutei contra ele. Não conseguia pensar, apenas em tentar fugir.

— Bem, isso deve ser uma coisa boa. Sem dúvida ele pretendia ensiná-la a escapar. Ele lhe mostrou onde deve chutar? Ou como acertar os nós dos dedos no nariz de um homem para quebrá-lo?

— Quebrar o nariz? — O estômago de Kathryn revol­tou-se diante da idéia.

— Não? Ora, quem sabe da próxima vez. Dominada pelas sensações daquilo que acontecera no solário, Kathryn imaginou se deveria perguntar a Lora sobre as coisas que Edric a fizera sentir, e se ele poderia ter sentido o mesmo. Lora era parteira, e tivera um ma­rido. Deveria saber dessas coisas.

— Tenho certeza de que é perfeitamente natural vi-venciar o mesmo terror que você sentiu em Rushton — disse Lora. — Não faz muito tempo que vocês foram ata­cados, faz?

Kathryn meneou a cabeça.

— Parecem semanas.

— Claro que parece.

Lora abriu a porta e entrou. Kathryn seguiu-a e viu quando Lora foi até cada janela no salão e abriu as vene­zianas. Estava escuro e empoeirado lá dentro, com as an­tigas tapeçarias nas paredes e a mobília envoltas em som­bras. O salão era menor, muito mais íntimo do que aquele que Edric agora ocupava, com espaço apenas para uma mesa grande num tablado ao centro.

— Meu pai era guarda aqui, antes de Drogan — disse Lora.

Kathryn caminhou pela extensão do aposento.

— Ele falou de você antes, quando Bryce ficou ferido. Lora sorriu.

— Ele tem uma queda por mim.

Kathryn suspeitara disso. Os rubores de Drogan eram difíceis de passarem despercebidos, e ela notara a suavi­dade da voz do guarda quando falava em Lora. Mantinha a curandeira sob os olhos sempre que ela estava por perto.

— Meu marido era o melhor amigo dele.

—Você o amava muito?—Kathryn se sentiu compelida a perguntar.

— Sim. Todo casal deveria amar e ser amado como nós. Kathryn pensou se maridos e mulheres com freqüência se entregavam àquele tipo de comportamento íntimo que ela partilhara com Edric, e desejou que houvesse um ho­mem em Kettwyck tão encantado por ela como Drogan estava com Lora, um homem que não se importasse que houvesse sido levada pelos Ferguson. Assim quem sabe ela pudesse voltar para ele, e tudo ficaria bem.

Tais coisas estavam além de seu alcance agora.

Com um arrepio, ela aconchegou Aidan nos braços.

— Por que a nova fortaleza é tão fria e nua?

— Lorde Edric pensou que a noiva normanda a mobi­liária ao seu gosto.

— E ela não fez isso?

— Cecily queria apenas voltar para Lichford, os domí­nios de seu pai — respondeu Lora.

— Não se importava com nada em seu novo lar, nem com o marido.

— Acha que ela teria mudado assim que visse o filho? Lora encontrou um lampião e o acendeu, antes de subir as escadas. Kathryn a seguiu. No topo das escadas havia uma grande galeria.

— Os meninos brincavam aqui com freqüência... Edric e Bryce, junto com os filhos de Oswin.

Kathryn percebeu que Lora não lhe respondera a per­gunta sobe Cecily, contudo respeitou seu silêncio sobre o assunto. Não era certo falar dos mortos, principalmente quando parecia que não havia nada de bom a dizer.

— O que há nesses baús? — perguntou, curiosa. Lora dirigiu-se a um deles no canto nos fundos e o abriu.

— Brinquedos. — Sorriu. — Uma bola de couro e algu­mas bolas de gude, dados... peças de xadrez... — Soltou uma risada. — Eis aqui um estilingue. Edric era um terror com isto na juventude.

Ele era um terror agora, para a paz de espírito de Kathryn. Abriu outro baú e encontrou uma pilha de rou­pas. Eram lençóis e peças de vestir, todas pequenas. Não havia dúvida de que eram vestes que Edric e o irmão tinham usado quando crianças.

— Olhe — disse Kathryn, erguendo uma camisa infan­til de linho. — As de cima estão rotas pelas traças, mas as de baixo...

Tirou o resto das peças que pareciam em boas condições.

— Aidan teria uso para estas. Acha que lorde Edric se importaria se levássemos algumas coisas de volta para o castelo? As roupas e os brinquedos?

— Não posso imaginar que se importasse.

— E quanto ao administrador? Se ele souber que sou responsável por fazer mudanças, ficará zangado. Ele me despreza.

— Não é nada pessoal — comentou Lora. — Seus filhos foram mortos em combate contra os exércitos do rei, e Oswin julga todo normando responsável por isso.

— E o padre?

— Nunca foi muito são da cabeça. E de admirar que Edric não o tenha aposentado e mandado buscar um novo clérigo para substituí-lo.

Kathryn abriu uma das venezianas e olhou pelo campo ondulado e para as montanhas à distância. A floresta na­quela direção estava intacta, embora ela visse grandes áreas totalmente carbonizadas. Os campos que avistava pela janela estavam plantados, porém do lado norte da propriedade, estavam nus.

—Deve ter sido uma bela paisagem—Kathryn observou.

— Sim. A propriedade mais rica e mais bela em todo o norte do rio Humbria — reforçou Lora. — As colinas e os vales eram sagrados para o povo antigo que habitava es­tas terras.

Kathryn podia bem imaginar que fora assim. Havia algo etéreo com relação às montanhas distantes e às colinas mais próximas. Uma bruma pairava sobre elas logo pela manhã, e Kathryn quase acreditara que era um lugar mágico.

— O que vai acontecer quando o inverno chegar? Lora deu de ombros.

— Não sei.

— Talvez lorde Edric devesse tomar uma esposa. Outra com um dote generoso.

A parteira meneou a cabeça.

— Dizem que ele jurou nunca mais se casar outra vez. Principalmente...

— ...com uma normanda — Kathryn completou. Não era tola. — Mas você, Lora... tem sido gentil e tolerante, apesar de minha ascendência.

— Somos mulheres — ponderou Lora. — O que temos a ver com a morte e a destruição da guerra? Construímos lares, cuidamos dos doentes, e geramos filhos.

Kathryn concordou, mas não tinha nenhuma dúvida de que, se Edric porventura soubesse que seu pai era um dos mais poderosos barões do rei Guilherme, um soldado que lutara contra os saxões e a quem foram dados uma dúzia de domínios saxões como recompensa, ele não pen­saria nela assim de modo tão isento.

E ela fez seu próprio juramento de que ele jamais des­cobriria.

— Este é o legado de Aidan — disse, então. — Não de­veríamos pegar algumas das mobílias para o novo castelo?

Lora sorriu.

— Claro. Mas os criados de Edric podem fazer isso. Venha. Vamos voltar para o salão e escolher as coisas que levaremos.

— E esteiras de palha para o chão. Não será bom para Aidan aprender a andar num chão frio e nu — disse Kathryn, embora soubesse que não estaria ali para ver.

Edric pegou sua espada de exercícios da armaria e ru­mou para o campo, onde vários espadachins se enfrenta­vam uns aos outros para aprimorar suas habilidades.

Juntou-se a eles, esperando que com o duro exercício tal­vez pudesse suar e pôr para fora a mulher normanda de sua carne.

Jesu, nenhuma mulher reagira a ele como Kate reagira. Ele não duvidava de sua inocência, pois suas atitudes eram hesitantes e tímidas... e ainda mais fascinantes. Ela não tinha nada da fria rigidez de Cecily na cama, mas reagira a seu contato e até chegara à plenitude. E ele não conseguiu se impedir de pensar no prazer que ela lhe da­ria quando a levasse para a cama e tivessem a noite in­teira para explorar os limites de sua paixão.

Edric resmungou uma praga, sabendo muito bem que seria apenas complicar as coisas se se deitasse com ela.

— Milorde! — gritou um de seus guerreiros. — Eu o desafio!

Edric expulsou os pensamentos de sedução da mente e avançou para os homens que duelavam no campo. Os sons do combate atraíram-lhe a atenção e ele desviou o primeiro golpe de Tostig Desdentado. Era bem melhor resolver suas frustrações ali, no exercício com seus homens. Todos eles sabiam que deveriam manter-se condicionados e prontos para a batalha, pois não demoraria muito antes que Edric os conduzisse a uma incursão contra o clã dos Ferguson.

E, com sorte, Edric traria a cabeça de Robert de volta para Bryce.

Gildas jogou-lhe um machado, e Edric usou as armas para enfrentar os homens, aguçando sua proficiência, mantendo os braços e ombros fortes, as pernas rijas e ágeis. Não precisava de que ninguém lhe dissesse que era o mais poderoso de todos os guerreiros de Braxton Fell, e não gostaria de descobrir que algum de seus homens po­deria superá-lo.

Lutou ferozmente, sem esperar nada em troca. Exerci­tou-se até transpirar, e sem perder o ritmo, abaixou o machado, arrancou-a túnica de lã e retomou a luta. Uma multidão se reunia em torno para observar, mas Edric estava praticamente alheio a ela. Prestou pouca atenção a Felicia, que tinha os olhos cravados em cada movimento que ele fazia, enquanto se desviava do caminho, carre­gando dois pesados baldes de água do poço só para fitá-lo com ar de boba.

Felicia era aquela cuja cama ele visitaria. Seria uma trapalhada e coisa de tolo deixar-se envolver pelos encan­tos de uma virgem normanda, principalmente uma que resolvera entrar num convento. Ele não queria nada com mulheres castas e inexperientes. A moça da taberna não precisava de sedução gentil e, embora suas habilidades na cama fossem bem praticadas e premeditadas, ela lhe serviria muito bem.

Edric redobrou os esforços contra Tostig e Gildas, num combate feroz. Eles o atraíram e o circundaram, cada um de um lado, sem que nenhum conseguisse vantagem quando Edric aparou um golpe com a espada e girou o machado. Estava bem sintonizado com o ritmo da luta quando Lora e Kate passaram, nenhuma delas prestando qualquer atenção aos homens no pátio de treinamento.

Edric perdeu o pé e caiu de joelhos. Tostig e Gildas desferiram, cada um, o que seriam golpes mortais, caso estivessem num combate de verdade.

A infeliz conseguira outra vez. Kate provocara uma dis­tração quase fatal.

— Podemos deixar o bebê com Gwen e caminhar pela vila — sugeriu Lora.

Kathryn desviou os olhos da vista de Edric, que usava apenas uma fina camisa de linho e as calças. Cada linha do peito poderoso se delineava através da camisa molhada de suor, e os músculos do pescoço e dos ombros estavam tensos pelo esforço.

Ela sentiu um alvoroço bem fundo no ventre quando o fitou, e a mesma quentura líquida que a inundara antes, quando ele a tocara.

Desviando os olhos depressa, ela continuou a acompa­nhar Lora até o castelo. Ao lado da curandeira, que era bem conhecida e respeitada pela família e pelos domés­ticos de Edric, Kathryn deu instruções para que trouxes­sem algumas peças de mobília e os baús do velho edifício até ali. Ela examinaria tudo depois, e veria o que preci­sava ser lavado e aprontado para uso de Aidan.

— Obrigada por vir comigo conversar com os criados... Eles não se mostraram tão hostis desta vez.

— Tenho pouco a ver com isso. E seu jeito amável que os conquista. Estão começando a enxergar que você não é nada parecida com Cecily.

Retornaram pelas ruas da vila, parando pelo caminho, demorando-se em falar com as donas-de-casa e comer­ciantes. Os saxões olhavam para Kathryn com descon­fiança, mas Lora apresentou-a e incluiu-a na conversa como se a moça fosse ficar em Braxton Fell.

— Eles não gostam de me ter no meio deles — falou Kathryn quando seguiram adiante, através de uma can­cela nos fundos da muralha leste.

Cruzaram uma pequena ponte.

— É só porque você é normanda. — Contornaram um bando de gansos que passava pelo terreno. — Veja bem, não é segredo que lady Cecily não era benquista aqui. Nós viemos a conhecer os normandos através da cruel con­quista de seu rei e da esposa mimada de lorde Edric. Le­vará algum tempo, mas nosso povo vai aceitar você. Verão que não é nada parecida com os únicos outros normandos que já conheceram.

Chegaram a uma bonita cabana onde Lora cumprimen­tou uma mulher alta de cabelos grisalhos e expressão se­vera.

—Kate, esta é Elga, a mais talentosa tecelã de Braxton, e mãe de meu finado marido. Compartilhamos as acomo­dações.

Kathryn trocou cumprimentos com a senhora, e Elga convidou-a a entrar na cabana. A mulher não se mostrou hostil para com Kathryn, mas reservada de maneiras.

Lora tomou o braço da sogra e disse:

— Mostre para nós o tecido em que está trabalhando, Elga.

A mulher as levou através de uma pesada cortina que dividia sua sala de trabalho do resto da cabana. Havia uma grande janela para proporcionar iluminação adequa­da à tarefa, e dois teares que exibiam uma combinação mágica de fios coloridos formando um tecido feito à mão no centro. Várias cestas continham novelos de lã de di­versas cores, junto com longas agulhas de madeira para tricotar.

— Assim que a lã é fiada. Elga escolhe as cores e as manda tingir — explicou Lora. — Depois, tece-as nos pa­drões escolhidos.

— E lindo — comentou Kathryn, olhando com interesse para os teares e o pano que emergia de cada um. — Sem­pre julguei algo natural o tecido de minhas roupas.

Elga concordou, mas não disse nada.

— Posso ver como a senhora faz isso? — Kathryn es­perava não ofender Elga com o pedido, mas nunca vira um pano sendo tecido. A mulher não se fez de rogada, e Kathryn sentou-se num banco onde poderia observá-la fazer o trabalho.

— Então, você é a única ama-de-leite que o bebê do lorde aceita?

— Sim — retrucou Kathryn.

— Ele vai crescer um rapaz teimoso se viver muito — disse Elga.

— Como o pai — emendou Lora.

Kathryn sentiu uma ponta de preocupação pela criança a seus cuidados. E sobreviveria. Estava certa disso. Logo encontrariam alguém que pudesse alimentá-lo, e ela iria embora de Braxton Fell, confiante de que Aidan cresceria e vicejaria.

— Lembra-se do tempo em que Edric e Sighelm quei­maram a choupana da despensa, e Edric assumiu a culpa toda por isso?

Elga fez que sim.

— Ele levou uma surra de vara e nunca contou sobre seu cúmplice.

— Ninguém nunca saberia que Sighelm era tão culpado quando Edric se ele não admitisse por si mesmo.

— Sim. Teimoso. Nunca entregará os pontos para os normandos outra vez.

— Elga, que escolha ele tem? — Lora indagou. — Para manter o feudo, ele deve obedecer a todas as ordens do rei normando, não importa quão absurdas possam ser.

— Que ordens? — perguntou Kathryn. Ouvira dizer que o rei Guilherme era exigente, porém justo.

— Tributos — disse Elga. — Grãos, lã, guerreiros. Kathryn estava surpresa.

— O rei sabe da triste situação daqui?

— Naturalmente — respondeu Elga.

— Oswin mandou inúmeras cartas a Winchester, mas as respostas do rei são ríspidas — explicou Lora. — A única ordem que não é recebida com ressentimento aqui em Braxton Fell é a de manter os escoceses ao largo. Nossa gente faz isso por gerações. Não é novidade alguma.

— Mas a tarefa azeda com o sabor normando nela — retrucou Elga.

Kathryn podia bem imaginar o ressentimento de se re­ceber ordens para fazer o que era feito por anos e anos no passado. Claro que Braxton protegeria suas próprias ter­ras. Mas sob o governo normando, os domínios de Edric eram considerados propriedade única do rei Guilherme... concedida a Edric em troca de certos deveres.

A conversa foi interrompida pela voz de um homem do lado de fora, chamando por Lora. Kathryn acompanhou-a até a porta e viu Drogan parado no quintal com um car­rinho de mão cheio de lenha cortada. Seu cabelo estava penteado e a barba belamente aparada. Parecia que ele se arrumara todo e colocara uma veste limpa só para vi­sitar Lora na cabana.

A respiração de Kathryn prendeu-se na garganta ao pensar como seria bom sentir-se tão amada. O homem não se debulhava em palavras bonitas para Lora, mas sua consideração e alta estima eram evidentes de se ver.

— As noites estão frias agora. — Drogan virou-se e apontou para a lenha. — Vai precisar disso.

— Sim. — A voz de Lora assumiu uma nuance que Kathryn não ouvira antes. Estava mais suave agora, e menos firme que o normal. — Estamos em pleno outono. Obrigada, Drogan.

— Eu... só... vou empilhar a lenha para você.

As faces de Lora estavam ruborizadas quando ela fe­chou a porta e voltou para dentro.

— O homem vai muito além de "ter uma queda" por você, Lora — comentou Kathryn.

Ela concordou.

— Quando Hrothgar me namorava, eu não sabia que o amigo dele estava apaixonado por mim. Drogan afas­tou-se porque viu como eu me sentia sobre Hrothgar. Eu nunca soube... não até Elga me contar, poucos meses de­pois da morte de Hrothgar.

— Ele é um bom homem, Lora. Você poderia arranjar um pior. — Elga levantou-se, os braços cruzados sobre o peito estreito. Embora as palavras soassem sinceras para Kathryn, era evidente que a velha estava relutante em dizê-las.

Lora sentou-se, e concordou com um gesto.

— Ele é gentil, e ainda me ama. Porém, depois de Hrothgar... quero estar segura antes de encorajá-lo.

— O que a deixaria segura? — Kathryn indagou. Seu próprio teste fora o beijo de Geoffroi, e ele fora um fracasso. Edric, não. Lora meneou a cabeça.

— Não sei... Hrothgar e eu... tivemos algo que não é substituído facilmente.

— Talvez não substituído — interveio Elga. — Mas diferente, e tão bom quanto.

— Você era mãe de meu marido — disse Lora. — Está dizendo que eu deveria esquecê-lo?

— Claro que não. Mas é possível que Drogan possa lhe dar o filho que você queria ter com Hrothgar. Você vai passar o resto de seus dias chorando por meu filho morto e querendo algo que não pode ser?

Ao sentir a gravidade da conversa, Kathryn ficou de fora. Mas sabia que as palavras de Elga ficariam em seu íntimo, pois se encaixavam em sua própria situação também.

Quando chegou a hora de voltar ao castelo, Lora encheu sua velha sacola de lona com ervas medicinais e poções para Bryce, e as duas mulheres rumaram de volta, usando um caminho diferente. Era um que não passava pelo cam­po de exercício de Edric, mas seguia na direção do moinho além do portão principal e do rio que corria ao lado.

A distância, Kathryn avistou um homem que se parecia muito com lorde Edric mergulhar na correnteza veloz, e seu coração bateu um pouco mais depressa diante da visão daquelas formas vigorosas.

Um mergulho no rio era justamente o que Edric preci­sava para se lavar e se refrescar. O exercício de combate pouco fizera para aliviar a tensão que ele sentia, mas umas braçadas vigorosas resolveriam isso por certo.

Ele atravessou o rio e tentou expulsar os pensamentos de Kate da mente. Não era apenas a luxúria que o ator­mentava, mas o senso infernal de proteção. Ela fora tristemente apavorada pelos escoceses, tanto que quando ele a tocara, Kate revivera a provação vividamente.

Com uma praga, Edric se maldisse e resolveu procurar a cura para o mal que o afligia no Dragão de Prata. Felicia era uma mulher simples, sem segredos. Era experiente nos costumes do mundo e um homem não precisava ser particularmente cuidadoso com ela.

Edric nadou até os ombros queimarem com o esforço e então subiu para a margem do rio. Ao pegar os sapatos, a túnica e a camisa, ficou feliz que o sol ainda brilhasse, a espalhar um pouco de calor pelo ar. Espremeu a água das calças e ceroulas e retornou,,ao castelo, enfiando a camisa pela cabeça conforme andava.

Uma multidão estridente o encontrou ao entrar no sa­lão. Em vez da tranqüilidade usual, duas criadas varriam o chão e tiravam teias de areia que tinham se formado em todos os cantos. Oswin voltara de sua cavalgada e brigava com uma família de mendigos à porta, tentando mandá-la embora, dizendo que não havia nada sobrando na cozinha do senhor.

— Pare, Oswin — disse Edric. — Certamente devemos ter pão. E talvez uma sopa no fogo, não?

— Milorde, estamos reduzidos...

— Sim, eu sei, estamos todos com os estoques reduzi­dos, Oswin. Mas o que temos, iremos partilhar. — E rumou para os degraus, e virou-se na direção do administrador enquanto caminhava. — Eu o verei em meu escritório depois que tiver me trocado.

Ao avistar os baús e pilhas de roupa perto do tablado, Edric mudou o rumo e foi examiná-los. Quatro cadeiras haviam sido colocadas diante da lareira. Eram as cadeiras da fortaleza de seu pai, e ao lado delas estava o velho berço que sua mãe usara para ele e o irmão.

— Oswin, explique isto aqui.

Os mendigos saíram pela porta e deram a volta até a cozinha para pedir pão, e Oswin dirigiu-se até onde estava Edric. A raiva enrugava-lhe a testa.

— Aquela moça normanda mandou que isso fosse tra­zido para cá. E todo o resto. — Fez um gesto largo com o braço.

— Isto era de meu pai.

— Sim.

Edric pensara que seria melhor ter novas mobílias ali, mas Cecily se recusara a se ocupar com qualquer coisa que tornasse o salão habitável. Passava a maior parte do tempo no próprio quarto, ou na pequena capela nos fundos da fortaleza, enquanto Edric ficava com freqüência nas barracas com seus homens, aparecendo no salão apenas quando tinha assuntos a resolver no escritório.

Perturbado, ele observou três cavalariços entrarem no salão carregando cestas. Jogaram o conteúdo das cestas no chão, e as criadas espalharam o junco uniformemente com as vassouras.

De pé, parado com as mãos nos quadris, as roupas mo­lhadas do rio, ele ouviu vozes no alto das escadas e ima­ginou o que viria a seguir.

Era Kate, a conversar baixinho com Lora, que se virou e seguiu o próprio caminho. Quando Kate desceu as es­cadas, Edric sentiu um baque no peito e os joelhos amolecerem. Tentou afastar as lembranças dos seios firmes que acariciara horas atrás, e o calor líquido do ninho macio entre as pernas de Kate. Ela o tocara também... Sentira a pulsação forte de seu membro ereto.

— Milorde, diga uma palavra e tudo isso será retirado daqui — pediu o administrador. — A mulher não tem direito de...

— Não, deixe, Oswin.

Kate devia ter passado algum tempo lá fora, pois sua aparência estava corada, e sua expressão tranqüila e re­laxada. Os braços estavam vazios, mas Edric mal pensou onde seu filho poderia estar. Sentia-se por demais fasci­nado pela estrangeira e pelo modo como ela erguia as saias com a mão para descer, pelo dançar dos cabelos trançados, soltos agora das fitas, pela tonalidade brilhante de suas faces, pelo volume dos seios acima do corpete do vestido.

— Ela é normanda, milorde — lembrou Oswin, plena­mente consciente do rumo dos pensamentos de Edric. — Nada diferente de sua falecida esposa.

As palavras do administrador penetraram os pensa­mentos eróticos de Edric. Oswin tinha razão. A normanda era bem-vinda ali apenas até que encontrassem outra que fosse capaz de alimentar Aidan. Para onde ela iria depois que descobrissem uma babá substituta não era mais preo­cupação para Edric.

Contudo, quando ela se dirigiu aos cavalariços que es­palhavam os juncos, eles a ouviram atentamente, e depois fizeram uma ligeira mesura antes de retomar a tarefa. Depois, Kate ordenou a duas criadas para que levassem os rolos de tapetes cuidadosamente arrumados para fora e, surpreendentemente, elas obedeceram. Alguma coisa mudara.

 

Kathryn ficou intrigada ao ver que o administrador estava mal-humorado com todo mundo, e não apenas com ela. Não podia compreender como o homem queria mandar embora os famintos, quando ela sabia que havia comida suficiente para oferecer no castelo.

A reação de Edric a surpreendera também. Ela não o imaginara o mais gentil dos senhores e, contudo, sem he­sitação, ele partilhava suas provisões de comida com aqueles que necessitavam mais.

Quando erguera os olhos e a vira, Kathryn quase caíra ao descer os degraus. Porém o odioso administrador fizera algum comentário baixo a ele, e Edric desviara o olhar.

Foi algo como um desafio que a manteve descendo a escada na direção de Edric, que ainda estava molhado do mergulho no rio. Kathryn desejava demonstrar que o en­contro anterior não significara nada para ela, que não era nenhuma criadinha envergonhada que desmaiaria a seu toque, que o fitaria com olhos de bezerro desmamado, es­perando por uma migalha de atenção. Não era tão sensível ao charme dele.

Desviou os olhos daquelas formas molhadas e decidiu não se aproximar de Edric e do administrador hostil, mas foi conversar com os cavalariços que ela e Lora tinham arranjado para fazer o trabalho antes. Um instante de­pois, ela orientou as criadas a levar as tapeçarias do an­tigo salão para fora, para bater a poeira.

O apoio de Lora fizera muito para melhorar a atitude dos criados para com Kathryn. Desde o passeio pela vila com Lora, eles pareciam vê-la muito mais do que apenas como uma simples serva, embora continuassem inseguros de sua posição na casa.

Ainda evitando lorde Edric, Kathryn ajoelhou-se perto do maior dos baús. Dentro, havia mantas e camisinhas, capuzes e fraldas de linho. Ela escolheu as peças que jul­gou serem úteis e fez uma pilha cuidadosa ao lado do baú.

Plenamente atenta a cada movimento de Edric, ela o sentiu aproximar-se pelo outro lado do salão.

Ele pegou uma pequena manta cheia de mofo.

— Não planeja usar isso em Aidan! — ele exclamou.

— Não, meu senhor — retrucou Kathryn, ciente do cheiro másculo e do calor do corpo de Edric. Queria es­quecer o que acontecera entre ambos, não reviver a cena toda vez que ele estava perto. Mesmo.

Pegou uma pequena camisa pelos ombros e ergueu-a para que ele a visse.

— Não posso crer que o senhor foi pequeno assim para usar isto aqui — disse, e logo lamentou as palavras, pois a fizeram recordar o tamanho do sexo e da dureza suave que ela sentira ao envolver os dedos em torno dele.

Um músculo na bochecha de Edric saltou, e Kathryn percebeu que ele se recordava do mesmo momento. A atividade febril pareceu se distanciar quando Edric ajoe­lhou-se a seu lado.

— Eu nunca fui... pequeno.

As mãos de Kathryn tremiam ligeiramente, e ela as colocou em ação mais uma vez, separando as peças de dentro do baú. Era bem melhor ignorar as palavras se­dutoras, mas quando Edric pegou sua trança e puxou-a com cuidado de sobre o ombro onde descansava, o corpo de Kathryn vibrou com a percepção. Ela fechou os olhos e engoliu em seco, ciente de que encorajar qualquer ati­tude sensual entre os dois seria um erro. O calor que per­meava entre eles a queimaria se ela permitisse, e a dei­xaria sem nada.

— L-lorde Bryce estava perguntando pelo senhor. — Foi a única tática em que ela conseguiu pensar para fazê-lo ir embora. E não era exatamente uma inverdade. Quan­do ela e Lora tinham voltado ao castelo, algum tempo atrás, e ido ver Bryce, o rapaz perguntara se tinham visto o irmão.

A mão de Edric se imobilizou.

— Ainda não terminamos tudo entre nós, moça. Con­tinuaremos o que começamos.

— Não, meu senhor. Não podemos. Sou uma donzela casta e logo entrarei no convento.

Os olhos de Edric cravaram-se nos dela.

— E um erro, e você sabe muito bem. Você foi feita para minhas carícias.

Jesu, o que ele estava usando no lugar do cérebro? Por certo não era o conteúdo de sua mente.

Na quietude do quarto que Edric utilizara pouquíssimas vezes no ano anterior, ele tirou as roupas molhadas. De pé, nu, ao lado da cama, ainda estava parcialmente excitado. Não era algo difícil imaginar Kate deitada sobre as cobertas, os olhos toldados de paixão. Ele resmungou uma praga por se entreter com tais caprichos sem sentido, e forçou-se a expulsar a jovem da mente.

Enfiou-se em roupas limpas e secas e saiu do quarto, ansioso para encontrar alguém que lhe ocupasse a aten­ção. O quarto de Bryce ficara a uma curta distância, e ele encontrou o guarda do lado de fora e o padre Algar lá dentro. O quarto cheirava a incenso e estava nublado de fumaça. O padre ajoelhara-se ao lado da cama, resmun­gando preces em latim, embora Bryce estivesse dormindo. Pelo menos, tinha os olhos fechados.

— Padre Algar, é hora de dar descanso aos joelhos. — Era uma sugestão irreverente, mas quanto menos Edric visse Algar, melhor. Além disso, o homem empesteara o ar com sua defumação enjoativa. Edric não sabia como Bryce conseguia respirar.

O velho levantou-se e encarou Edric com um olhar acu­sador.

— Pagará por seus pecados, rapaz. Livre-se da normanda e arrependa-se de sua aliança sacrílega.

Edric pousou a mão no ombro do padre e empurrou-o para a porta.

— Meu arrependimento porá comida em nossas mesas, meu velho? Substituirá nossas árvores e arrumará nossos campos?

Não esperou para ouvir a resposta do padre, mas fechou a porta atrás do homem e abriu as venezianas, deixando a fumaça adocicada dispersar-se para fora.

— Pelas barbas do Todo-Poderoso, pensei que ele nunca iria embora — disse Bryce, entreabrindo um olho.

— Não pensei que estivesse dormindo. — Edric sen­tou-se ao lado do irmão. — Como está se sentindo?

— Se Lora parasse de colocar esse ungüento fedido no ferimento e me deixasse sair da cama. eu estaria ótimo.

— Confio em Lora.

— E quanto à outra? Kate?

Edric correu as palmas das mãos pelas coxas.

— Ela é normanda. Seríamos tolos em confiar nela. Bryce franziu a testa.

— Eu gosto dela.

— Tudo bem gostar dela. Apenas não confie nela.

— Ora essa, Edric. Você confia seu filho à moça. Edric levantou-se e rumou para a janela.

— Ela é mais mãe do que Cecily teria sido, tenho de concordar.

— É mais que isso.

— Não, não é. Kate está apenas se divertindo com um bebê que precisa dela antes de ir para Evesham Bridge.

— Ah... o convento. Ela é freira? — indagou Bryce.

— Não. — Edric não poderia imaginar uma freira que, em sã consciência, reagisse a seu toque do jeito que Kate fizera.

— Então, não entendo.

Claro que Bryce não entendia. Ele não passara tempo suficiente com Kate para saber das inconsistências que ela demonstrava. E se Edric descobrisse sua verdadeira história, ele receava que pudesse ser obrigado a agir, tal­vez até mesmo privar o filho da única mulher que conse­guira alimentá-lo.

— Ela é normanda, e isso é tudo de que precisamos saber.

— Não precisa ficar exasperado por isso. Eu só nunca ouvi dizer antes que uma criada pudesse entrar em Evesham Bridge. Não precisará de um dote?

Edric concordou com a cabeça. Outra pergunta sem res­posta.

— Ela ficará aqui enquanto Aidan precisar dela, não é?

— Sim — disse Edric. — Ficará.

— Ensinou-a a se proteger para quando for embora daqui?

Edric meneou de leve a cabeça. Não queria falar sobre o que acontecera no solário, nem com Bryce, nem com ninguém. Era óbvio que seu encontro apaixonado com Kate fora simplesmente o resultado de uma longa absti­nência. Não significara nada. Edric sentou-se mais uma vez e começou a conversar com Bryce sobre seus planos de atacar os Ferguson. Bryce ainda não estaria em con­dições de acompanhá-los, pois Edric planejava o ataque para breve, porém era melhor inteirar o irmão da estra­tégia. O rapaz tinha uma mente aguçada para táticas de guerra, e Edric pretendia usá-la.

— Robert Ferguson mantém uma amante numa cabana a oeste da fortaleza do pai — disse Bryce. — Fica fora da vila, no sopé de uma pequena colina perto do rio.

— Como sabe disso? Bryce sorriu.

— Isso se chama conhecer o inimigo. Pensei que ata­caríamos os domínios de Léod semanas atrás.

— Agora que Léod está morto, os arranjos de Robert com sua amante podem ter mudado. Talvez ele a leve para casa.

— Talvez, mas é melhor antecipar todas as possibili­dades. Quando você planeja ir?

— Eu gostaria de ir agora mesmo, mas Oswin aconse­lhou-me a esperar até a lua cheia.

— Ele acha que os Ferguson estarão ocupados com o luto de Léod?

Edric concordou.

— Não tenho certeza...

— Ele conhece os Ferguson há mais tempo que você, Edric.

— Sim. Então, vamos seguir o conselho dele e partir daqui a dois dias, nossa melhor ocasião para viajar à noite.

— Se o tempo ajudar — comentou Bryce.

— Iremos independentemente disso. Esperar mesmo esses dois dias me dá nos nervos.

Quando deixou Bryce para que o irmão descansasse, Edric concentrou-se na discussão dos planos de batalha, feliz por ter algo com que ocupar plenamente a atenção. Foi distraído, contudo, pelo cheiro agradável de lavanda.

Ergueu o nariz e farejou o ar, e seguiu para as escadas. Olhou para baixo, e se deparou com Kate deixando cair pequenos ramos da planta aromática sobre os juncos no salão. E ficou a observá-la a percorrer sozinha o salão, cantarolando feliz em francês. Edric imaginou quem seria sua platéia, já que ela parecia só, quando percebeu o velho berço da fortaleza de seu pai. Aidan estava deitado ali dentro, a agitar as mãozinhas e os pés no ar.

O conhecimento de francês de Edric era rudimentar. Ele dera um jeito de se comunicar com Cecily apenas por­que ela sofria para fazer compreender suas exigências, e Berta era relativamente fluente em inglês.

Assim, ele não sabia ao certo o que Kate dizia a Aidan, apenas que seu filho parecia apreciar o som daquela voz.

Assim como ele próprio. Era suave e melodiosa, e pa­recia um idioma diferente daquele que Cecily falava. Era provocante vê-la naquele momento de descuido, e quando ele fechou os olhos e deixou os sons doces o invadirem, Edric se sentiu dolorosamente excitado. O mergulho no rio nada adiantara para aliviar seu desejo.

Kate soltou um arquejo assustado quando ergueu os olhos e o viu.

— O que é isso tudo? — ele perguntou. Ela hesitou, a princípio.

— Seu salão é frio e insalubre, meu senhor. Eram ne­cessárias algumas mudanças.

Edric desceu as escadas e encontrou-a em frente à la­reira onde Aidan resmungava todo contente. Edric não poderia negar que o salão se tornara um local mais agra­dável com as alterações que Kate introduzira, embora não lhe coubesse fazer tais modificações.

— Que eu me lembre, você é uma criada aqui, Kate de Rushton. — As palavras frias foram lançadas como um desafio, porém ela não o contradisse.

— Não foram feitas para meu próprio conforto, senhor. Ele assomou sobre ela, alto e sombrio, com os braços poderosos cruzados no peito.

— Como sabe que não tenho outros planos para o meu salão?

Kathryn cerrou os dentes e resolveu que seria tão de­sagradável como o senhor saxão.

— Peço desculpas, senhor. É de meu conhecimento que seu salão mal foi habitado desde que ficou pronto.

— Suponho que Lora lhe tenha dito isso.

— Oh, acha que só Lora percebeu o estado de sua casa? Um músculo no maxilar de Edric se contraiu diante do

comentário atrevido, e ele descruzou os braços e chegou mais perto. Kathryn manteve-se firme, embora soubesse que ele poderia ordenar que ela fosse chicoteada pela in-solência. Edric segurou-a pelos ombros, e ela esperou que ele a sacudisse.

Sentiu o hálito quente de Edric acima da testa e, quan­do olhou para cima, viu que a expressão do lorde não era de raiva. Seus olhos tinham se escurecido para um azul mais profundo, e seu peito parecia se ampliar de um modo imensurável a cada respiração, roçando o bico de seus seios, e os deixando estranhamente sensíveis.

Ela deveria recuar e colocar alguma distância entre os dois, mas não conseguiu.

— Não preciso de nenhuma sirigaita normanda me di­zendo como arrumar meu salão. — Sua voz era alta e ameaçadora, mas Kathryn não sentiu medo, apenas uma percepção arrepiante da proximidade do corpo de Edric.

— Talvez seja preciso uma normanda para desempe­nhar a tarefa. — As palavras saíram quase num sussurro enquanto Kathryn sentia o mesmo tipo de calor fundente que experimentara com ele no solário. Ela deveria correr, deveria fugir o mais depressa que as pernas pudessem carregá-la, e no entanto, quando Edric aumentou a pres­são nas mãos em seus ombros e puxou-a de encontro ao peito, ela se viu paralisada.

— Já que é uma fortaleza normanda — ele murmurou, ao baixar a cabeça —, você pode ter razão.

Kathryn ergueu os olhos para fitá-lo enquanto Edric pousava a boca na sua, roçando os lábios suavemente por ela. Seus olhos se fecharam, e ele apertou-a, puxando-a ainda mais para perto, comprimindo seus seios contra o peito. E Kathryn esqueceu-se de onde estavam parados e correspondeu ao beijo com todo o ardor do recente encontro.

Edric sugou-lhe a língua para a boca ao lhe inclinar a cabeça e aprofundar o beijo. Kathryn o enlaçou pela cin­tura, e sentiu as mãos fortes deslizaram para baixo, pelas costas. E estremeceu quando ele empalmou-lhe as nádegas e empurrou-a contra sólida saliência entre suas pernas.

Um anseio primitivo a invadiu, um desejo de sentir novamente aquilo que Edric provocara dentro dela ante­riormente. E mais, muito mais. Queria senti-lo dentro de si, saber que poderia lhe dar o mesmo prazer pulsante que sentira no solário.

Era pecado, mas Kathryn não poderia rejeitá-lo, nem negar as sensações potentes que ele despertava nela. Aconchegou-se a Edric, comprimindo os seios contra o pei­to dele, aninhando a ereção dura contra a pelve.

Quando sentiu a vibração de um gemido rouco que ele emitiu na base da garganta, Kathryn afastou-se ligeira­mente. Ele escorregou as mãos para cima dos lados, até chegar a seus seios. De uma certa forma, eles estavam ainda mais sensíveis que antes, e quando Edric os empalmou por completo, e depois brincou com os mamilos, Kathryn sentiu os joelhos se dobrarem. Ele conseguiu impedi-la de cair ao chão, mas interrom­peu o beijo com um resmungo, e comprimiu a testa contra a dela. Tomou-a pela mão e começou a puxá-la para fora, mas, naquele momento, Aidan desandou a chorar.

Kathryn ficou momentaneamente desorientada, mas recobrou o bom senso quando Edric murmurou:

— Devo ter ficado insano...

Ao ver o calor selvagem naquele olhar, Kathryn pensou que ele poderia realmente estar louco. Mas a loucura não era só dele.

Edric saiu às pressas do salão. Atravessou o pátio até o estábulo, dispensou o cavalariço que se ofereceu para ajudá-lo, e selou seu próprio cavalo. Poucos minutos de­pois, estava cavalgando pelas alamedas calçadas da vila rumo ao Dragão de Prata.

A taberna ficava no canto mais distante da vila, um edifício próspero de dois pavimentos: um salão público e a cozinha no andar principal, e quartos de hóspedes acima das escadas. Muitas vezes ele desfrutara de prazer num daqueles quartos numa cama de plumas macia, com a voluptuosa saxônia que vivia e trabalhava ali. Edric pre­tendia terminar seu dia num daqueles quartos, com a mesma mulher a cavalgá-lo até que ele não conseguisse mais raciocinar.

O cheiro de cebola, feijão e repolho o assaltou quando entrou no salão público. Não esperava que o lugar esti­vesse tão lotado, mas estava escuro e barulhento, com todas as mesas cheias. As noites eram frias agora, e havia um fogo na lareira, e a fumaça pairava perto do teto.

Wilfred, o taberneiro, empurrou alguns homens de lado para dar espaço a Edric, mas o lorde avistou Drogan sen­tado com as mãos em torno de uma caneca, com um ar abatido. Então, abriu caminho entre a multidão na dire­ção do guarda, e sentou-se em frente a ele.

— O que o aflige? — perguntou, sentindo-se tão mise­rável quanto Drogan parecia.

Quando Wilfred trouxe a caneca de cerveja e colocou-a diante dele, Edric imaginou onde estaria Felicia. Ela normalmente fazia esforços para cumprimentá-lo e lhe en­contrar o melhor lugar na casa. E dissera que tudo andava tranqüilo por ali recentemente.

— Lora — resmungou Drogan.

— O quê? — Edric já esquecera do que perguntara. Esquadrinhou a multidão e viu Felicia entrar, vinda da cozinha, carregando uma grande bandeja cheia de traves­sas de comida, canecas e uma jarra. Prendera os cabelos loiros, mas algumas mechas frouxas tinham se soltado e pendiam por suas costas.

— A criatura não vai pensar em meu pedido.

—A criatura? Ah... Lora. Bem, considere-se um homem de sorte — murmurou Edric. — Mulheres respeitáveis não são para gente como nós.

Drogan resmungou alguma coisa e não respondeu, pre­ferindo engolir sua cerveja em vez disso. Edric observou Felicia andando pela multidão, a risada ruidosa soando bastante áspera a seus ouvidos. Será que sempre fora estridente assim?

Ela colocou a bandeja sobre uma das mesas e distribuiu a comida e a cerveja entre os homens antes de retornar à cozinha. Edric não se importou que ela não o tivesse notado imediatamente. Tinha a noite toda, e ele pretendia divertir-se devagar, começando naquele instante, anteci­pando as brincadeiras sensuais que logo desfrutaria numa das camas macias de Wilfred, no andar superior.

A escuridão desceu, e Kathryn sentiu-se inquieta, mais reprimida do que alguma vez já se sentira antes. Era o contato de Edric, seu beijo, que provocara isso, que a fazia sentir-se como se minúsculas mariposas esvoaçassem por sua pele e dentro de seu ventre. Andar de uni lado para outro não ajudava em nada. Finalmente, depois de con­seguir a ajuda de Gwen, ela deixou Aidan adormecido com a criada, e foi à procura de Lora.

Kathryn esperava encontrá-la no quarto de lorde Bryce, e dirigiu-se aos aposentos do rapaz, mas o encontrou acor­dado, com o guarda cochilando na cadeira ao lado. Mas Lora não estava lá. Bryce fez um gesto para que ela entrasse. Acordou o guarda e mandou-o embora.

— Já passou da hora de você se aliviar, não é, Alf?

O guarda saiu, e Kathryn sentou-se na cadeira vaga ao lado da cama, feliz com a distração. Tinha de colocar todos os seus anseios de lado, pois não passavam de uma arrematada tolice.

— Como se sente?

— Como se alguém me trespassasse com uma lâmina de aço — ele caçoou.

— Sim, mas melhorou afinal?

— Está preocupada com seu serviço? — indagou Bryce. Kathryn sacudiu a cabeça, concordando, mas quando

Bryce jogou o lençol de lado e começou a erguer a camisa, ela desviou os olhos.

— Prefiro não ver, meu senhor. Ficaria satisfeita em saber como está.

Ele lhe endereçou um sorriso malicioso.

— Esqueci de seu estômago delicado.

Kathryn duvidava disso, mas sabia que Bryce estava apenas brincando com ela.

— Então... como está?

— Dolorido. Quente. Às vezes Lora faz uma cara quan­do trata do ferimento... E sei que ela está preocupada com a febre que vai e volta. Ela se preocupa demais. — Bryce deu de ombros e cobriu-se outra vez. — Mas diga-me, não confia em seu próprio serviço?

— Já que nunca costurei um homem antes... Não.

— E mesmo?

Kathryn meneou a cabeça.

— Seu irmão me obrigou a isso.

— Edric? Obrigou?

Ela ouviu o sarcasmo no tom de voz, mas recusou-se a entrar na brincadeira.

— E verdade que o senhor recusou os últimos sacra­mentos?

Bryce baixou os olhos.

— Senhor, se sua condição mudar...

— Não me faça sermão, Kate. Já ouço o suficiente com o maldito padre e meu insuportável irmão.

— Peço desculpas. Eu não pretendia repreendê-lo. E só que tenho medo de...

— Não estou à beira da morte, lady Kate. A respiração de Kathryn acelerou-se.

— Do que me chamou?

— E apenas uma simples brincadeira — ele retrucou, dispensando a pergunta. — Lora disse que você ordenou que nossa mobília da velha fortaleza fosse trazida para cá.

Ela sentiu o rosto queimar.

— Fui tão prepotente assim?

— Absolutamente, embora Edric possa se opor a prin­cípio. Mas já que ele não pretende nunca mais se casar de novo, não haverá nenhuma esposa para exigir novo mo­biliário. E ele logo verá que precisamos usar o que temos.

Kathryn pestanejou.

— O casamento de seu irmão foi muito ruim então?

— Ruim? A única vez que os dois conversavam era quan­do Cecily. gritava com ele em sua pavorosa algaravia. Oh, desculpe-me.

— E ele gritava de volta?

— Normalmente, não. Ele passava o máximo de tempo possível longe daqui. Felizmente Aidan foi concebido logo depois das núpcias.

Kathryn sentiu o calor nas faces se intensificar. Não gostava de pensar nas intimidades que Edric pudesse ter partilhado com a esposa, embora se sentisse muito longe de estar apaixonado por ela. Isso apenas demonstrava que um homem, ele, podia não ter nenhum sentimento pela mulher em sua cama, e mesmo assim realizar o ato que os vincularia num laço de afeição e respeito, que não fosse amor.

Ela levantou-se e se afastou da cama. Começava a es­friar no quarto, e Kathryn colocou lenha no fogo.

— Então, vai para Evesham Bridge?

— Sim. E o que pretendo fazer tão logo possa ser en­contrada uma outra babá.

Bryce não disse nada, mas Kathryn sentiu que o rapaz a analisava, o que a deixou constrangida e desconfortável.

— Não posso voltar a Rushton. — O nome dos domínios saiu de sua boca como se não fosse uma mentira. Não era um bom sinal; ela começara a se acostumar a contar mentiras.

— Ser raptada a torna... inaceitável?

Kathryn fez que sim com a cabeça e, quando Bryce a fitou, ela teve a estranha impressão de que ele sabia mais sobre ela do que ela dissera.

— Nunca entenderei os normandos. Seu rei, por exem­plo, nos espremeu até que mal podemos chiar.

— O que quer dizer com isso?

— Apesar dos ataques sobre nós, ele nunca manda aju­da. Tem se recusado a aliviar nosso fardo aqui, e até mes­mo continua a mudar os termos da investidura do feudo de Edric.

Kathryn juntou as sobrancelhas com um ar preocupado.

— Ele sabe das dificuldades de vocês com os Ferguson? Bryce soltou um bufo de raiva.

— Oswin tem escrito muitas cartas, mas todas são res­pondidas rudemente, se tanto.

Kathryn nunca se dera conta do quanto o rei Guilherme era insensível.

Seu pai falava em termos elogiosos sobre ele, dizendo de sua valentia em batalha e de sua genero­sidade para com os barões normandos. Aparentemente, sua bondade não se estendia aos domínios de um saxão, os quais ela sabia que eram muito poucos.

Seria possível que o rei Guilherme explorasse Edric? Que usasse o senhor saxão e seus homens para seus pró­prios propósitos, sem dar nada em troca? Aquele não era o mesmo rei de quem seu pai falava tão bem. Ou talvez ela fosse estúpida.

— Não é de admirar que seu administrador me odeie.

— Ele mudará de idéia... se você ficar.

— Não posso.

Não, se Kathryn desejava manter a castidade, pois não duvidava de que, se ficasse, Edric conseguiria seduzi-la. A idéia tanto a apavorava como a empolgava. Kathryn ansiava pela experiência que Edric poderia lhe proporcionar, mas sabia que não significaria nada para ele, en­quanto o seu próprio coração estava em risco.

Ela voltou até a beira da cama e pousou a mão no braço de Bryce.

— Devo voltar para ver Aidan. Eu lhe desejo uma boa noite e mandarei seu guarda de volta ao posto.

— Ele deve estar esperando do lado de fora da porta. Mas Alf não estava lá, Kathryn enfiou a cabeça pelo

vão da porta e informou Bryce da ausência do guarda.

— Não se preocupe. E provável que esteja no reservado e vá voltar logo.

Kathryn resolveu fazer uma visita rápida a Berta antes de voltar ao berçário. Com uma vela na mão para iluminar o caminho, ela subiu as escadas e encontrou com facili­dade o quarto da mulher pelo som do choro sentido que vinha lá de dentro. Depois de uma ligeira batida à porta, uma das criadas a abriu.

A velha a viu e, chorosa, acenou para que viesse até a cama onde ela estava deitada com os cortinados abertos, com uma camisola de mangas longas e um capuz. Kathryn não podia acreditar que a mulher não tivesse saído da cama desde o funeral. Seu rosto estava sem lavar, os ca­belos emaranhados...

— Oh, benza-a Deus! Pensei que eu estava sozinha aqui. — A velha assoou o nariz num pedaço de pano e voltou a chorar baixinho. — Minha pobre Cecily...

— Está tudo bem com a senhora?

— Claro que não. Minha pobre menina está morta... Morta e enterrada, e eu não tenho para onde ir.

Kathryn aproximou-se e se agachou ao lado da cama.

— Já pensou em voltar para a família de Cecily?

Berta olhou duro para Kathryn.

— Mas naturalmente. Acha que o cachorro saxão me mandará de volta?

— Tenho certeza de que sim — retrucou Kathryn —, embora seja melhor se a senhora evitar chamá-lo de cachorro.

— Ora! Ele não nos compreende. Não se importava na­da com Cecily e com todas as suas necessidades delicadas.

Como poderia, quando Cecily aparentemente não sabia como fazer suas exigências parecerem nada além de pe­didos irracionais?

— Soube que ela queria voltar aos domínios do pai. O choro de Berta começou, renovado.

— O pai a aconselhou a fazer as pazes com o marido, aquele ca... patife.

Kathryn suspirou.

— Está bem o bastante para viajar, Berta? Se estiver, eu pedir a lorde Edríc que providencie um acompanhante para a senhora até os domínios de lorde Gui.

Berta agarrou as mãos de Kathryn.

— Oh, por favor! Se fizer isso, eu lhe serei eternamente grata!

— Não pense em nada disso — retrucou Kathryn. — Ficar aqui desesperada não ajuda ninguém. Será melhor para todos se a senhora voltar para terras normandas.

Kathryn pegou sua vela e saiu. Desceu as escadas e rumou para o berçário, apressando o passo quando ouviu ruídos estranhos vindos lá de dentro. Quando empurrou e abriu a porta, deparou-se com a vista de um homem vestido de preto, que obrigou Gwen a fazer meia-volta para encará-la, enquanto mantinha uma faca comprimida contra a garganta da criada.

Olhou para Kathryn, sorrindo, os cabelos ruivos faiscando como chamas sob a luz bruxuleante da vela, e Kathryn reconheceu as feições de Robert Ferguson.

Com um pequeno lampião na mão para iluminar o ca­minho, Felicia conduziu Edric pelas escadas no fundo da taberna, puxando-o pela mão enquanto procuravam um quarto apropriado para seu encontro.

— Senti saudade, milorde — ela murmurou.

E Edric pensara nela milhares de vezes durante o ano anterior. Não poderia deixar de relembrar os bicos duros dos mamilos quando ela os oferecia a ele, nem poderia esquecer das sensações que a mulher despertava quando fechava os lábios vermelhos e carnudos em torno de seu sexo.

Edric afastou Kate da mente e começou a incendiar-se com a idéia de deslizar para dentro da taberneira, de en­contrar alívio na intimidade daquele corpo quente.

Ela abriu a porta de um dos quartos e o empurrou para dentro, dando risadinhas, tentando manter a voz baixa. Colocou a vela numa mesinha, e Edric deixou-a tomar a iniciativa. Fechou os olhos e se recostou à parede enquan­to ela o beijava. Ela mergulhou a língua dentro de sua boca enquanto se esfregava toda contra seu corpo, retorcendo-se, esforçando-se por despertar alguma reação nele.

Tinha gosto de cebola.

Edric afastou a boca e respirou fundo, esperando a onda de excitação que o invadiria quando as mãos de Felicia deslizassem de seu peito para a virilha.

— Faz tanto tempo, milorde, que o senhor se esqueceu como usar isto aqui? — provocou Felicia.

Edric moveu os quadris, deixando que ela o provocasse, imaginando os belos seios de Felicia e como ela encheria as mãos...

Mas não eram... pelo menos não eram como os seios de Kate. Os da normanda tinham mamilos de um rosa muito pálido, e a textura de uma fruta madura. O perfume de lavanda a envolvia quando lhe beijara a boca pela última vez, e Edric não tinha dúvida de que ela teria cedido de boa vontade se ele a levasse para seu quarto.

Felicia enfiou a mão dentro de suas ceroulas.

— Lembra-se de nosso último encontro à beira do rio, milorde?

Edric mal a ouvia. A cadência encantadora do francês de Kate era muito mais sedutora que qualquer coisa que Felicia pudesse dizer. Kate era quem ele desejava, e Felicia era uma fraca substituta.

Ele segurou o pulso da taberneira e afastou-lhe a mão de seu corpo.

— Eu não posso ficar longe de Bryce por tanto tempo. — Era uma desculpa esfarrapada, porém Edric não via motivo para prosseguir com aquela relação vazia.

— Mas, milorde, nós apenas começamos...

— Talvez numa outra hora — ele disse, embora não fosse em breve. Endireitou as roupas e saiu do quarto, com a firme intenção de fazer de Kate sua amante, e mos­trar a ela como era inadequada para o convento.

— Não a machuque — Kathryn murmurou.

Robert riu e puxou Gwen de lado, derrubando-a no chão, onde a criada bateu contra a armação de madeira da cama de Kathryn e amontoou-se no assoalho. Os olhos do escocês eram do mesmo cinza-claro que os do pai, e a frieza em seu olhar fez Kathryn estremecer. Gwen cho­ramingou uma vez, mas não se mexeu.

— Gritarei por socorro! — Kathryn estava tão assus­tada que seus joelhos balançavam, fazendo-a perceber o punhal que prendera na perna. Se fosse para qualquer uma delas sobreviver ao encontro, ela precisava usar a cabeça.

— Gritar não fará nenhum bem.

Kathryn admitiu que ele tinha razão. Alf não retornara ao posto e só poderia haver uma razão para essa deserção. Ninguém mais estaria por perto a essa hora, a não ser Bryce.

— O que você quer?

— O filho de Edric.

— Não! — O horror fez o grito de Kathryn sair como um mero murmúrio. — Leve-me no lugar dele! Sou uma refém melhor do que esse bebê inocente.

Robert riu de novo, e colocou o pé na armação de ba­lanço do berço. Apertou-a para baixo, balançando a cami­nha numa sarcástica paródia de atenção paternal.

— Levarei o pirralho, e quando Edric for buscá-lo, será um prazer acabar com pai e filho.

— Você não machucaria uma criança inocente.

— Não?

— Não é possível que pense que poderá sair daqui as­sim. Não sozinho.

— Ah! Meus homens estão do lado de fora dos portões, esperando para ver minha tocha nas ameias. Quando virem meu sinal, saberão que estou com o bebê. Vão atacar, e nenhuma vara de Braxton Fell ficará em pé.

— Por que se dar a tanto trabalho aqui? Não pode dei­xar a criança comigo...

— Não! Este é o único jeito de assegurar que Edric morrerá.

Kathryn estremeceu e arriscou um olhar rápido de sos­laio para Gwen, que jazia inconsciente com um talho en­sangüentado na cabeça. E percebeu que ela teria de fazer alguma coisa drástica para desviar Robert de seu propó­sito. Enxugou as palmas úmidas das mãos nas coxas e desejou que Edric tivesse lhe ensinado algo de que ela pudesse fazer uso agora.

Talvez ele tivesse.

Com as pernas trêmulas, ela se aproximou do homem antes que ele resolvesse agarrar Aidan.

— Leve-me, Robert. Meu pai é um rico barão normando. Você poderia exigir um resgate. — Aterrorizada com o que poderia acontecer se ela não o distraísse, Kathryn cerrou os dentes e soltou as fitas do corpete. — Eu serei muito cooperativa...

Os olhos de Robert a perpassaram, e seu pé deixou de mover o balanço. Kathryn imaginou se teria condições de agir depressa o suficiente para pegar o punhal e enterrá-lo no coração do escocês antes que ele ferisse Aidan... ou a ela.

Engoliu em seco e, enquanto pensava nas coisas que Edric lhe dissera, deixou os olhos percorrerem o corpo do homem, até a parte mais vulnerável, e ponderou como conseguiria lhe fazer algum dano. Edric lhe perguntara se ela dirigira os socos quando fora atacada. Desta vez, ela pretendia fazer tanto estrago quanto... Oh! Estava crescendo! Sob o foco de seus olhos, as partes íntimas do escocês se tornavam um volume considerável debaixo da túnica.

Fosse por causa do corpete solto, ou por seu olhar cra­vado na virilha de Robert, Kathryn não saberia dizer. Deu outro passo na direção do escocês, e começou a erguer a saia do lado onde a faca estava escondida. Se pudesse fazê-lo acreditar que o receberia de bom grado debaixo das saias, talvez isso desse a ele um momento de distra­ção, e a ela um acesso rápido ao punhal.

Gwen gemeu justamente naquele instante e começou a recobrar a consciência, atraindo a atenção de Robert por uma fração de segundo. Kathryn agiu depressa, jo­gando-se contra Ferguson, erguendo o joelho enquanto se lançava, e golpeando com a maior força possível entre as pernas do homem.

Ele nada mais fez que grunhir e agarrá-la pelos braços.

Aidan acordou assustado e começou a chorar. Em pâ­nico, Kathryn chutou Robert freneticamente, mas ele fi­cou longe de seus pés e joelhos. Mesmo assim, não conse­guiu empunhar sua faca enquanto a segurava com ambas as mãos.

Com Kathryn se debatendo e se contorcendo, e o som do choro de Aidan, o escocês não viu Gwen se levantar. Decidida, a criada rastejou na direção de Robert, e quando ele se deu conta, era tarde demais. Ela enterrou os dentes em seu tornozelo, arrancando um rugido de dor do homem.

Kathryn aproveitou-se da vantagem momentânea e sa­cou o punhal. Com as duas mãos, enterrou-o no peito do escocês. Por um instante terrível, ela pensou que o golpe não surtira efeito. Robert continuava parado, o olhar cra­vado nela, sem vacilar.

Então a faca que ele segurava caiu de sua mão. Uma mancha vermelha começou a se espalhar pelo peito do escocês e o sangue a pingar no chão, mas os olhos atônitos de Robert não desgrudavam dos dela.

— Você o matou — Gwen murmurou, embora Kathryn mal conseguisse ouvi-la com o choro alto de Aidan. Estava como que paralisada, e seu estômago se revirava de náusea.

Robert finalmente desabou no chão, e Kathryn pareceu despertar do torpor e afastar-se. Então, tirou Aidan do berço e aconchegou-o ao peito.

— Venha, Gwen.

— Para onde?

— Você precisa pegar Aidan e ir se trancar com ele e lorde Bryce. Verei se posso localizar lorde Edric e Drogan.

— S-seu punhal...

Kathryn tomou coragem para olhar para o chão, para Robert, com o punhal de Lora espetado no peito.

— Acho que vou passar mal — ela murmurou, e sentiu o calor do enjôo subir por sua garganta.

— Tome. — Gwen inclinou-se e arrancou a lâmina do corpo do homem. Enxugou-o num pano ali perto e o es­tendeu de volta a Kathryn. — Você salvou minha vida, normanda... Kate.

— Está bem, sem problema, é melhor conseguirmos ajuda, ou nenhuma de nós se salvará.

Às pressas, elas saíram para o corredor. Gwen pegou uma tocha do suporte da parede, e as duas seguiram até o quarto de Bryce. Ao entrar, Kathryn não se surpreendeu ao ver que Alf não voltara. Bryce estava dormindo até que o choro de Aidan o acordou.

— O que aconteceu? — Ele estreitou os olhos por causa da luz da tocha.

— Os Ferguson estão prestes a atacar—Kathryn falou, embalando o bebê para acalmá-lo.

— Preciso encontrar Edric e Drogan.

— O quê! Como sabe disso? Onde está Alf?

— Receio que tenha sido morto — ela retrucou. — Robert Ferguson esgueirou-se para dentro do castelo com a inten­ção de raptar Aidan.

— Kate o matou — anunciou Gwen, com orgulho. Bryce ergueu-se na cama do jeito que o ferimento o permitia.

— Kate?

Kathryn fez um sinal para que se calassem. Aidan es­tava quase dormindo outra vez. Quando o bebê acàlmou-se e fechou os olhos, ela o colocou na cama ao lado do tio.

— Não há tempo agora. Preciso ir. Passe a tranca na porta quando eu sair, e não deixe ninguém entrar a menos que tenha certeza de que é seguro.

— Espere. Dê-me aquela espada — pediu Bryce. Kathryn viu a armada na bainha sobre um baú, e pe­gou-a, entregando-a ao rapaz.

— Mantenha a porta trancada — ela reiterou. — Não deixe ninguém entrar.

— Kate... onde está Edric?

— Não sei. — Da última vez que ela o vira, Edric a beijara de um modo insensato.

— Mas prometo que o en­contrarei antes que seja tarde demais.

Ela saiu do quarto e ouviu a tranca cair na trava da porta. A pressa era absolutamente vital, pois Kathryn não sabia por quanto tempo os homens de Robert espera­riam pelo sinal do líder. Se isso não acontecesse logo, ela receava que atacassem sem aviso.

Com medo de levar consigo qualquer tipo de ilumina­ção, ela seguiu até o quarto de Edric. Bateu e empurrou a porta, chamando-o. Quando ele não respondeu, ela se apressou a chegar ao fim do corredor, e ao solário.

Não havia ninguém lá.

Um instante depois, Kathryn descia as escadas para o salão nobre. Apanhou um dos lampiões e espiou em cada quarto, com medo de chamar o nome de Edric e alertar algum escocês à espreita. Mas não encontrou ninguém no salão às escuras, nem mesmo Oswin.

A cozinha estava silenciosa também, embora ela en­contrasse algumas criadas dormindo em pequenos catres em seu alojamento ali perto.

Kathryn correu de volta ao salão e foi para a porta, na esperança de encontrar um cavalariço ou algum outro criado que pudesse saber onde encontrar o lorde. Levou a mão para a maçaneta da porta, mas antes que pudesse puxá-la, ela se abriu, quase a derrubando no chão.

— Edric! — Ela estava sem fôlego agora, e à beira das lágrimas. — Grâce à Dieu, tu es revenu! Je ne savais pas comment je pourrais jamais te trouver.

Ele a segurou pelos braços.

— Não a entendo. O que aconteceu? E Bryce...

— Non, non! Oh, mon Dieu... — Ele recuperou o fôlego e se obrigou a falar o idioma de Edric. — Não, ele está bem por enquanto. E Robert Ferguson.

— O que tem ele? — A voz de Edric soou rude e impa­ciente.

— Seus homens estão reunidos do lado de fora das mu­ralhas de Braxton e estão esperando por seu... ah... seu sinal para atacar.

— O quê? Explique-se!

— Não posso! Não há tempo! Precisa chamar seus ho­mens e...

— Como sabe disso? — Ele puxou-a para fora, empurrando-a para o campo de exercício.

— Ele invadiu o berçário, com a intenção de levar Aidan. Edric sacou a espada e começou a recuar para os degraus.

— Onde está Robert agora?

— No berçário. Morto.

 

Edric jamais experimentara tamanho medo antes. Respirou fundo, organizou os pensamentos e final­mente conseguiu formular a questão mais importante para sua paz de espírito.

— E quanto a Aidan?

— Está seguro com lorde Bryce, meu senhor. A porta está trancada contra qualquer intruso.

— Venha comigo.

Edric deixou escapar a respiração que prendera confor­me corriam para as barracas, onde acordou seus homens, dizendo-lhes para que se preparassem para a batalha. Não duvidava das palavras de Kate, e maldisse a si mesmo por falhar em prever o desejo de vingança de Robert, por fra­cassar em investir contra Dunfergus antes que Robert pu­desse chegar a Braxton Fell, por deixar de seguir a intuição e não desconsiderar os conselhos de Oswin.

Ordenou a um dos homens que fosse até o Dragão de Prata buscar Drogan e dar o alarme, e depois se voltou para Kate.

— Conte tudo sobre Robert.

— Juste ciel...

Sob a luz das tochas, Edric pôde ver que as faces de Kate estavam riscadas de lágrimas. Suas mãos estavam vermelhas... ensangüentadas. E ela tremia toda.

— Robert... Ele invadiu o berçário enquanto Gwen es­tava com Aidan. E ameaçou levar o bebê como refém, para atrair o senhor. — Kathryn puxou uma respiração trê­mula e arquejante, e por um momento Edric não julgou que ela fosse capaz de continuar. Segurou-a pelos braços e a amparou. — Eu... eu fiz como o senhor disse. Mirei meu chute nas... na virilha.

Um dos cavalariços trouxe o elmo e a armadura de Edric. Ele soltou os braços de Kate e começou a vestir a roupa de combate, preparando-se para a batalha.

— Continue.

— Não funcionou como o senhor disse.

Frustrado pela lentidão com que Kate lhe contava a história, Edric instou-a a prosseguir:

— Como o bastardo morreu?

— Foi só por causa de Gwen. Ela rastejou para perto enquanto ele estava me sacudindo. Mordeu-lhe a perna, e eu consegui pegar o punhal que Lora me deu.

Edric enfiou a espada na bainha, pronto agora para o que quer que o esperasse.

— Lora?

— Sim. Para minha proteção. — Kathryn ergueu a saia até o joelho para lhe mostrar o punhal que amarrara ali. — Eu o apunhalei com ele.

— E o matou.

Ela concordou com a cabeça e soltou a saia. Edric segurou-a pelos ombros de novo. Desta vez, puxou-a para perto e beijou-a profundamente.

— Você salvou meu filho e talvez esta cidadela inteira. Vá e procure se abrigar com segurança no castelo. Eu irei procurá-la quando tudo a...

De repente, ouviram gritos e o estrondo de patas de cavalos. Edric virou-se para Kate e empurrou-a para a fortaleza.

— Eles devem ter matado os guardas e escalado as muralhas. Volte para o salão. Depressa!

Chamas se ergueram perto do porto, e Edric receou pela segurança dos lavradores e moradores da vila. Mon­tou seu cavalo, e juntou-se às fileiras de homens que par­tiam rapidamente para o portão, mas deu uma olhada para trás, para ver Kate correndo para a fortaleza.

Ao observá-la seguir depressa pelo pátio, Edric perce­beu que nenhum escocês violara o terreno interno, o que lhe deu a confiança de que Kate chegaria em segurança ao salão. Certamente iria trancar as portas e ver que seu filho e seu irmão estariam a salvo lá dentro.

Admirado diante da desenvoltura da jovem que ficara em pânico quando ele tentara ensiná-la a defender-se, não restou qualquer dúvida em sua mente de que ela não era uma simples criada.

Kathryn subiu os degraus da fortaleza e olhou ao redor. Havia fogo à distância e os horríveis sons de batalha. Vo­zes masculinas eram carregadas pelo yento, e o tinir de metal contra metal a fez tremer de pavor.

Ela ia entrar, mas se deu conta de que o combate po­deria se espalhar facilmente, deixando Lora e os vizinhos vulneráveis ao ataque. Alguém precisa chegar até lá, e trazer aquela gente para a segurança da fortaleza.

Porém, não havia ninguém que pudesse ir. Todos os homens tinham seguido para a batalha, e os criados... Kathryn perderia um tempo precioso para mandar um deles numa missão tão perigosa?

Ela engoliu os próprios medos, voltou pelos degraus e rumou na direção da cabana de Lora. Ficou nas sombras ao correr pelo caminho, recusando-se a deixar que o pavor a paralisasse. Recordou-se de que aquele não era nada parecido com o ataque a Kettwyck. Os homens de Edric tinham sido avisados a tempo, e se defrontado rapida­mente com o inimigo nos portões.

Edric, porém, estava envolvido desta vez e, como líder de seus homens, estaria no centro da batalha. Ela o vira em combate, e sabia que era um mestre espadachim.

Saber disso não a impediu de se preocupar. Sem perder tempo para ponderar o significado de seus temores por ele, ela bateu à porta de cada cabana no caminho, correndo e gritando para que todos buscassem abrigo no castelo.

Ao dar a volta na cabana de Lora, Kathryn se deparou com as duas mulheres discutindo.

— Elga, precisamos ir — implorava Lora. — Sua vida é mais importante que os teares!

— Lora! Elga! Venham comigo para a fortaleza! — gri­tou Kathryn. — Os escoceses atacaram o portão!

— Está ouvindo, Elga? Precisamos ir! — Lora segurava o braço de Elga, mas a velha não mostrava medo, apenas confusão. Agarrou-se a uma cesta de meadas coloridas como se deixá-las para trás fosse um desastre.

— Esta é a casa de meu filho! — ela gritou, então. — Não posso abandoná-la!

— Se não conseguir fazê-la ver a razão, Lora, precisa­mos forçá-la! — Kathryn exclamou.

— E muito perigoso ficar aqui!

Conforme o cheiro de fumaça aumentava, ela pegou o outro braço de Elga e ajudou Lora a puxar a sogra para fora da casa e, depois, juntou-se aos outros na alameda em se que reuniam às pressas rumo ao castelo.

Elga parou de resistir e arrastá-la tornou-se mais fácil conforme eram levados pela multidão. Logo chegaram à fortaleza, onde uma confusão de moradores de Braxton se amontoava para subir as escadas e entrar no salão.

Oswin estava de pé logo à entrada, e olhou feio para Kathryn quando ela chegou com Lora e Elga.

— Quem lhe deu autoridade para mandar essa gente para cá? — ele esbravejou.

Kathryn engoliu em seco.

— Ninguém. Só pareceu...

— Suma daqui! O filho do lorde está clamando por co­mida e você não estava em parte alguma para ser encon­trada! Seria bem melhor para você se lembrar da única finalidade pela qual é tolerada neste lugar!

Um nó se formou na garganta de Kathryn. Mortificada por ser repreendida assim diante de toda aquela gente, ela abaixou a cabeça e correu na direção da escada, sem olhar nem uma vez para trás, para a multidão dentro da fortaleza.

A batalha era justamente a coisa que animava o espí­rito de Drogan, e Edric sentiu-se encorajado quando o guarda pessoal juntou-se à refrega. Era uma confusão sangrenta, com escoceses procurando se esgueirar para dentro das muralhas, tentando provocar tanto dano quan­to tinham causado aos campos e florestas nas incursões anteriores.

— Gildas, faça seus homens os rodearem! Liquide-os! — Edric desmontou e passou a lutar homem a homem, até que avistou um de seus cavalariços mais jovens. — Caedmon, pegue Modig e vá com ele até a fortaleza. En­contre a mulher normanda, Kate, e peça a ela que lhe mostre onde o chefe dos Ferguson jaz morto. Traga o corpo para cá.

— Sim, meu lorde — o rapaz retrucou, ao se afastar correndo para cumprir a ordem de Edric. Era um rapaz franzino para a tarefa, mas Edric precisava de que cada lutador adulto continuasse ali.

Desviou-se de um golpe traiçoeiro do machado do segundo-intendente de Robert, enfrentando a arma pesada do homem e investindo com a espada.

— Robert está morto, Douglas Ferguson! — Edric gri­tou para o primo de Robert. — Morto por uma mocinha em meu castelo.

— Está mentindo, saxão, e agora você vai morrer! Douglas usou as duas mãos para abater o machado

sobre o lado do corpo de Edric, mas o lorde saxão afastou-se com agilidade num salto.

— Renda-se, Douglas!

— Nunca! Braxton Fell será nossa!

A lutou continuou enquanto os incêndios se espalha­vam ao redor. Edric não tinha qualquer interesse em se digladiar verbalmente com Douglas. Queria pôr fim aquela luta, e quase podia saborear o fato. Robert estava mor­to, e era provável que levasse anos até que aquele bando de assaltantes, os repulsivos Ferguson, pudesse enfrentar uma boa briga outra vez.

Anos durante os quais Braxton haveria de recuperar-se e conquistar a prosperidade ape­sar de seu suserano normando.

— Drogan! — Edric berrou, ao continuar a aparar os golpes de Douglas.

Drogan ouviu o chamado de Edric e seguiu em sua di­reção rodeando o grosso da batalha.

— Sim, milorde! — ele gritou, acima da cacofonia do combate.

— Leve uma guarnição até o portão dos fundos. Saia fora das muralhas e dê a volta... Abata cada escocês que queira recuar!

— Serão os saxões a recuar, não os escoceses, Edric! — esbravejou Douglas.

Edric não se dignou a dar uma resposta às palavras do escocês. Sabia que Drogan seguiria suas ordens, e tinha certeza de que assim que os Ferguson vissem o corpo de Robert, correriam para as colinas.

— Precisa de ajuda aqui, milorde?—Drogan perguntou antes de se afastar.

Edric soltou uma risada de escárnio quando Douglas girou o machado outra vez. O homem perdera o equilíbrio, e Edric aproveitou-se da vantagem, desferindo o golpe fatal com sua espada.

— Bem-feito — disse Drogan. — Tem um plano, então?

— Robert está morto... Foi assassinado no castelo. Edric mal percebeu a expressão de Drogan ao se apres­sarem a seguir para as muralhas.

— Mandei que trouxessem o corpo dele para cá. Os escoceses vão enfiar o rabo entre as pernas quando virem que ele está morto.

— E você quer que lhes corte a retirada.

Edric sorriu e deu um tapa nas costas do guarda pessoal.

— Essa é a idéia.

— Consegue ver alguma coisa? — perguntou Bryce. Kathryn olhou pela janela mais uma vez.

— Incêndio. Fumaça.

— Maldito Oswin! — resmungou Bryce.

Kathryn não compreendeu o motivo da praga do rapaz, mas não deu atenção a isso e continuou a andar de um lado para outro no quarto. Mandara Gwen encontrar um guarda que pudesse ser dispensado para proteger Bryce e Aidan, se fosse necessário. O guerreiro agora se postava do lado de fora dos aposentos de Bryce, enquanto Lora levara Elga para descansar num dos quartos do andar superior.

Ela voltou à janela várias vezes, a preocupação com Edric praticamente palpável. Queimava em sua garganta e revirava seu estômago, e não lhe daria sossego até que ela o visse de novo, são e salvo.

Quando seus sentimentos pelo saxão haviam mudado, Kathryn não saberia dizer. Talvez quando ele proclamara que ela fora feita para suas carícias... pois Kathryn sabia que era verdade.

Edric jurara nunca mais tomar outra esposa, mas Kathryn recordou-se das palavras de Elga a Lora, de que ninguém deveria definhar de desgosto por aquilo que não poderia ser.

Será que o conselho da velha se aplicaria a Kathryn também? Ela nunca seria uma esposa se fosse para Evesham Bridge, jamais carregaria um filho no ventre. Cada sonho que tivera daria em nada. Sua vida no convento seria estéril e sem alegria.

Contudo, se ficasse em Braxton Fell, Kathryn não tinha qualquer dúvida de que sua virtude seguiria o caminho de seus sonhos, pois se sentia impotente contra a fasci­nação que Edric exercia sobre ela. As forças da razão a abandonavam quando ele a tocava, e ela se derretia num lago de puras sensações quando ele a beijava.

Como poderia permanecer em Braxton Fell quando sa­bia o que aconteceria entre ela e Edric, se ficasse? Era perigoso até mesmo considerar uma idéia dessas...

Kathryn olhou para Aidan, que dormia placidamente na cama de Bryce. Sua vida se vira enriquecida de uma forma imensurável por cuidar do bebezinho. Poderia abandoná-lo nas mãos de uma babá estranha?

Bryce deixou escapar um som estranho, e Kathryn o fitou.

— O que foi?

— Ainda não posso acreditar... Você matou Robert Ferguson.

Ela mordeu o lábio.

— Foi Gwen que tornou isso possível.

— Ela me contou o que aconteceu, Kate.

Kathryn voltou a andar de um lado para outro, sentin­do que dificilmente seria capaz de manter todos os pen­samentos numa linha lógica de raciocínio. Se Edric... não, quando Edric retornasse ao castelo, poderia ela se permi­tir ser sua amante?

Cada poro de seu corpo o desejava, e mesmo assim cada poro sabia que era errado entregar-se a um homem que não era seu marido. Mesmo que ela o amasse.

— Deixe-me ver a faca — pediu Bryce.

— A faca?

Kathryn tocou a tira na perna e o punhal preso ali. Então, afastou-se e enfiou a mão sob a saia, tirou a arma da tira e estendeu-a a Bryce sem olhar para aquela coisa horrível.

— Você salvou Aidan de Ferguson... Já se deu conta de que é a heroína de Braxton Fell?

—Não, lorde Bryce, eu simplesmente fiz o que era neces... Ele meneou a cabeça e a interrompeu:

— Edric providenciará que você seja bem recompensa­da. E provável que ele mesmo a leve a Evesham Bridge, se é isso o que você deseja.

Tremendo de indecisão, Kathryn afastou-se e seguiu para a janela outra vez. Nada mudara. A fumaça ainda obscurecia a visão que ela pudesse ter do combate. Quan­do ouviu uma batida à porta, Kathryn ficou com medo de que fosse Oswin para recriminá-la de novo por sua presunção.

— Milorde, é Caedmon e Modig — avisou o guarda do lado de fora.,

— Pode abrir — disse Bryce. — Caedmon é um de nos­sos cavalariços.

Dois rapazinhos estavam no corredor ao lado do guarda de Bryce. Não entraram, mas dirigiram-se a Káte.

— Lorde Edric nos mandou recolher o corpo de Robert Ferguson. Disse que você saberá mostrar onde está.

— Sim. No berçário.

Os olhos dos garotos ficaram redondos de surpresa diante daquelas palavras.

— Sabem que quarto é o do berçário?

Ao mesmo tempo, os dois sacudiram a cabeça em ne­gativa, e Bryce os chamou.

— Meu irmão planeja exigir o escocês para seus homens verem?

— Sim, achamos que sim. Eles vão se render se virem o líder morto.

— Kate, pode levá-los? Ela concordou.

— Mas Aidan está dormindo. Prefiro deixá-lo aqui com você, sob sua guarda.

— Não se demore, então. Ele pode ser meu sobrinho, mas não sou babá.

Tristeza e susto se espalharam pelas fileiras de esco­ceses quando o corpo de Robert foi lançado no meio deles. Tinham visto Douglas Ferguson morto e, agora, sabiam que não havia outra escolha a não ser recuar para os portões, tal como Edric previra. Drogan esperava os ho­mens de Robert do lado de fora, e atacou-os assim que fugiram. Poucos conseguiram escapar, e era até possível que Drogan deixasse alguns poucos voltarem para casa para contarem da derrota sofrida em Braxton Fell.

Edric esperava que isso pudesse significar um fim para as hostilidades a partir de agora, pois Braxton precisava de paz a fim de se reconstruir e florescer.

Pela manhã, ele mandaria Drogan liderar a milícia até Dunfergus, onde desfeririam o golpe fatal. Carroças va­zias o seguiram, e quando as terras dos Ferguson fossem conquistadas, os homens de Drogan encheriam as carro­ças com cereais e outras mercadorias tão necessárias a Braxton.

A batalha fora dos portões durou apenas uma hora mais. Quando tudo acabou, Edric rumou de volta para o estábulo para se livrar do cavalo e da armadura. Tinha apenas um objetivo em mente: retornar ao castelo e en­contrar Kate.

Assim que a encontrasse, iria possuí-la onde estivesse, e saciar a luxúria que vinha latejando em suas veias desde que pusera os olhos nela pela primeira vez.

Edric saiu do estábulo e seguiu caminhando para o cas­telo, para Kate, a mulher que quase por um milagre sal­vara Braxton Fell do desastre. Matar Robert Ferguson fora um golpe de sorte, algo que Braxton Fell estava tris­temente em falta nos últimos tempos. Se fosse Kate de Rushton quem trouxera tamanha bem-aventurança, então Edric não tinha pressa nenhuma em deixá-la ir embora.

Já antecipando os prazeres que estavam prestes a com­partilhar, ele apressou o passo para a fortaleza. Assim que aplacasse a fúria do desejo incessante, iria levá-la para o quarto e tirar cada peça de roupa que Kate usasse, uma a uma, desnudando aquele corpo deleitável para sua ávida inspeção. Uma relação apressada não seria sufi­ciente. Nem duas. Ele iria saborear cada centímetro de Kate, fazê-la gritar de prazer, e se enterraria bem fundo até que seu anseio finalmente fosse satisfeito.

Edric a queria pela noite inteira.

Quando o castelo surgiu à vista, parecia que cada tocha estava queimando, e Edric viu gente da periferia da vila andando sem destino pelo pátio. Chamaram por ele, querendo notícias conforme Edric se aproximava: o fabricante de velas, o padeiro, um funileiro. Edric não entendeu o que estavam fazendo ali, mas não se importou muito. Oswin poderia tratar com eles enquanto ele encontrava Kate e a levava para seus aposentos.

Subiu as escadas, mas antes que pudesse entrar, a por­ta se abriu e ele viu ruidosa multidão dentro do salão. Cerrando os dentes, deu-se conta de que levaria algum tempo antes que pudesse sair à procura de Kate.

Depois de mostrar aos rapazes o berçário, Kathryn des­ceu ao salão, onde começou a andar entre os moradores da vila em busca de abrigo. Havia tantos que ela levou os mais pobres deles para a capela para evitar ser alvo do escárnio de Oswin e para esperar por notícias de lorde Edric ou um de seus homens. Deu atenção especial à fa­mília de mendigos que vira antes, os pais e as crianças assustados sem lugar algum para ir, e sem nada para comer.

Assim que todos estavam acomodados em bancos e em­penhados em preces silenciosas pela segurança do feudo, o padre Algar entrou na capela e começou a recriminar Kathryn por aviltar a casa de Deus com as menos bem-vindas de todas as pessoas de Braxton.

— Monpère, s'il vousplalt. — Furiosa, ela tentou afas­tar o padre para longe daqueles a quem ele insultava, mas ele a empurrou para longe.

— Não me toque, normanda!

Kathryn recompôs-se, relutante em irritar ainda mais o homem, embora nada disposta a permitir que ele que­brasse a paz.

— Peço seu perdão, padre... Por favor, vá embora. Essas pessoas não farão mal algum e tenho certeza de que pre­cisam do senhor no salão. Não pode deixar que as famílias mais humildes rezem aqui na capela de lorde Edric?

Ele a segurou pelo braço com mais força do que Kathryn o julgaria capaz. Havia mais do que raiva nos olhos dele... Era ira, não tanto por aquilo que ela fizera ali, mas por quem ela era.

— Quem é você para dar ordens aqui? Você é amaldi­çoada. Quanto mais cedo for embora de Braxton Fell, me­lhor será para todos. — Apontou o braço livre na direção das pessoas nos bancos. — Até mesmo para eles!

Kathryn livrou-se com um safanão e dirigiu-se depressa para a porta, parando de imediato quando viu o adminis­trador parado lá. Ele observara sua discussão com o padre Algar, mas não disse nada, enquanto ela se enchia de co­ragem e passava por ele, seguindo à procura de um lugar em que se sentisse menos hostilizada e posta à margem.

Oswin a trataria com deferência se soubesse sua ver­dadeira posição social... Ou talvez não. Kathryn imaginou se Cecily fora tratada com respeito, ou se se defrontara com o mesmo desprezo que Kathryn sentia desde a che­gada em Braxton Fell. Fora somente a influência de Lora que acalmara a animosidade dirigida à sua pessoa por todo e qualquer saxão ali, com exceção de Drogan e Bryce.

Kathryn não pertencia a Braxton Fell, mais do que Cecily pertencera, e dificilmente poderia esperar que Lora suavi­zasse o caminho para ela a cada esquina.

Com a intenção de retornar ao tranqüilo refúgio do quarto de Bryce, Kathryn abriu caminho entre a multidão no salão rumo às escadas, mas não passou despercebida. Alguns dos moradores da vila a chamaram.

— Que novidades há? — perguntou um dos comercian­tes que ela conhecera perto da cabana de Lora.

—Nenhuma — retrucou Kathryn. — Mas ainda é cedo. — Pelo menos ela esperava que fosse a única razão de não terem sabido de lorde Edric ou de qualquer outro dos homens da milícia.

— Posso sentir o cheiro de fumaça agora — disse uma velhinha ali perto. — Não podia antes, mas está chegando perto. Estão queimando a vila!

Uma onda de pânico percorreu a multidão. Kathryn tinha de fazer algo para manter o terror ao largo.

Incerta e inquieta com o que estava prestes a fazer, ela subiu dois degraus e virou-se para falar:

— Non! Calmez-vouz! Calmez-vouz! Lorde Edric não é um poderoso guerreiro?

Kathryn ergueu a voz e atraiu a atenção daqueles que estavam por perto.

— Sua milícia é a mais poderosa na região. Tenham confiança neles!

Mais rostos se voltaram para encará-la.

— Como podem pensar que os Ferguson prevalecerão? O poderoso Drogan está do lado de lorde Edric, e eles lutam para defender todos em Braxton Fell!

Algumas vozes se ergueram num grito de concordância, e Kathryn sentiu-se encorajada a continuar.

Edric abriu caminho pelo salão lotado e viu que muitas pessoas se voltavam para a escadaria, ouvindo em silên­cio o que dizia uma voz feminina. Era de Kate, e ela se postava num degrau ligeiramente acima do povo, exortando-os a terem confiança de que a milícia de Braxton triunfaria.

Uma sensação o percorreu inteiro, diferente de qual­quer outra que ele já experimentara. Aquela moça da Normandia estava acalmando os moradores de uma vila saxônia e aconselhando-os, naquele inglês suavemente impregnado de um sotaque francês, a acreditarem nele.

— Seus guerreiros são os mais poderosos do reino! Não os viram em exercício? Nunca pensaram nos riscos que assumem pelo bem de todos?

Edric avistou Oswin avançando pela multidão para che­gar até Kate, e achou intrigante a expressão desdenhosa do administrador. Ela podia ser normanda, mas suas ati­tudes pareciam absolutamente apropriadas e leais.

Edric também começou a se mover na mesma direção, com a intenção de chegar lá antes de Oswin. O povo abriu caminho para ele, fazendo o sinal-da-cruz e erguendo pre­ces de agradecimento quando percebiam quem passava.

Oswin chegou às escadas primeiro, e Edric o viu incli­nar-se para falar com Kate. A expressão da jovem con­traiu-se, e a cor fugiu de suas faces. Mesmo assim, ela ficou firme, e se afastou deliberadamente do administra­dor, exclamando mais uma vez:

— Em breve, seus homens voltarão a seus lares, e todos estaremos a salvo aqui, dentro das muralhas de Braxton Fell — Kate olhou de relance para Oswin —, tal como o rei Guilherme desejava que essas poderosas muralhas fossem usadas!

Edric nada mais pôde fazer além de admirá-la por se controlar, não apenas com Oswin, mas durante a noite inteira. Ela não permitira que seus medos a dominassem, mas conseguira manter o bom senso quando Robert se esgueirara para dentro do berçário. Garantira a seguran­ça de Aidan e Bryce e, agora, acalmava o povo com suas bem-escolhidas palavras.

Oswin afastou-se das escadas, mas quando a multidão cedeu espaço para Edric poder avançar, os olhos de Kate pousaram sobre ele. Sua voz vacilou, e ela levou a mão ao peito. Seus olhos ficaram marejados, e um sorriso trê­mulo brigou com a única lágrima que rolou por sua face.

Edric sentiu uma dor repentina e aguda no peito. Ex­pulsou-a ao chegar aos degraus e virar-se para o povo que acorrera ao salão em busca de segurança.

—A batalha acabou e os Ferguson se foram, derrotados de uma vez por todas! — Edric exclamou. — Voltem para a vila agora e ajudem a debelar os incêndios!

Um brado de alegria elevou-se no ar, e Edric não con­seguiu resistir e puxou Kate para seus braços. Não fez mais do que abraçá-la, soltando-a depressa e depois se­guindo até onde estava Oswin. Ao fazer um sinal ao ad­ministrador para que o acompanhasse enquanto a multi­dão se dispersava, Edric pegou um lampião e dirigiu-se ao escritório.

— Minhas mais profundas congratulações, lorde Edric — disse Oswin.

— Você deveria aplaudir a moça normanda Oswin. Foi ela quem nos alertou sobre o ataque antes que aconteces­se. — Edric começou a soltar as correias de sua cota de malha. — Mais notável ainda, foi ela quem matou Robert Ferguson.

Oswin soltou um bufo de escárnio.

— Isso é bastante improvável, milorde.

— É verdade. Ferguson irrompeu pelo berçário e entrou para levar Aidan. Kate o impediu.

Oswin pousou as mãos sobre a escrivaninha e inclinou-se para frente, sua expressão decidida.

— Foi isso que ela lhe contou. Edric parou com o que fazia.

— Está pondo em dúvida a verdade disso? Oswin endireitou-se.

— Acha que ela poderia matar o senhor, milorde? Pois Robert é o guerreiro que o senhor é em cada traço. Não alguém facilmente dominável.

— Não importa — retrucou Edric, voltando à tarefa de livrar-se da armadura. — Uma das criadas da casa tomou parte do feito. Será fácil descobrir toda a história.

— Meu senhor...

O administrador hesitou, mas Edric não queria perder mais tempo com a amargura do velho.

—Drogan levará a milícia para os domínios dos Ferguson amanhã — contou. — Acabarão com os escoceses e se apos­sarão das mercadorias que levaram.

Oswin concordou com a cabeça, mas não disse uma pa­lavra.

Edric saiu, rumando para a cozinha, onde sabia que encontraria baldes de água limpa.

Pegou um e o levou para fora, tirou a camisa e depois entornou a água no corpo para lavar o fedor da batalha.

Um instante depois, atravessava o salão. E notou o ve­lho berço, perto das cadeiras ao lado da lareira, e reco­lheu-o antes de subir os degraus. Embora não fosse intei­ramente apropriado andar pelo castelo daquele modo meio desnudo, parecia que ele era o único pelas redondezas. Os criados e todos que tinham vindo à fortaleza em busca de abrigo haviam deixado o lugar.

De qualquer maneira, em questão de poucos minutos, Edric não estaria usando roupa alguma. Deixou o berço diante da porta de seu quarto e seguiu para o berçário, onde encontrou a porta entreaberta e o aposento vazio. Ao entrar, ergueu o lampião acima da cabeça e viu as manchas de sangue ao lado do berço de Aidan. Fora ali que Ferguson morrera.

O bastardo se esgueirara como um verme e poderia ter matado Aidan. Uma repulsa de revirar o estômago invadiu Edric. Graças ao Senhor, o mundo estava livre de Robert Ferguson e sua laia. Edric não tinha dúvida de que Drogan seria bem-sucedido em acabar com o resto do clã e recuperar o que haviam roubado de Braxton Fell. Não acreditava que houvesse o suficiente para supri-los durante o inverno, mas certamente ajudaria.

Saiu do berçário e seguiu para o quarto do irmão, na esperança de encontrar Kate lá. Bryce estava sozinho, a não ser pelo guarda que fora designado para protegê-lo.

— Onde está Kate? — Edric perguntou. — Você a viu? Bryce ergueu-se o bastante para correr os olhos pelas

formas quase nuas do irmão.

— Estou impressionado, irmão, mas não tenho certeza se a visão de tanta carne atrairá uma donzela inocente.

— Onde está ela?

Bryce apontou para o teto.

— Pode ter ido se sentar-se com a velha aia de Cecily... ou talvez esteja ajudando Lora com a mãe de Hrothgar.

Edric deixou o irmão sonolento dormir e rumou para as escadas do fundo. Relutante em ir até os aposentos de Berta, seguiu para o quarto da torre circular e encontrou Lora com Elga. As duas o encararam ao vê-lo.

— O que há de errado aqui, Lora?

— Tudo estava bem até os incêndios começarem. Então Elga pareceu perder... — Lora meneou a cabeça, espan­tada. — Ela estava fora de si.

— Ora, já me recuperei, moça — disse Elga. — É hora de ir para casa.

— Sim — Lora retrucou, baixinho. — Edric, que notí­cias... E quanto a Drogan?

Edric vira Lora chorar apenas uma vez, e fora quando ele lhe contara sobre a morte do marido. Porém, um brilho suspeito lhe iluminava os olhos agora, e Edric percebeu que os sentimentos ternos do guarda para com Lora eram recíprocos.

— Quando o vi pela última vez, Drogan liderava uma milícia para acabar com o último dos escoceses desgarra­dos. Pela manhã, partirá para as terras dos Ferguson pa­ra terminar a tarefa.

Lora pousou a mão no pulso de Edric.

— Obrigada por estas boas notícias, milorde. Eu... Ele cobriu-lhe a mão com a sua e apertou-a de leve.

— Viu Kate?

— Foi até o quarto de Berta. Presumo que ainda es­teja lá.

Edric virou-se para sair. Quando chegou à porta, olhou para trás, para Lora.

— Mais uma coisa... Quando Drogan voltar, ponha um fim a seu sofrimento, ouviu?

Não esperou pela resposta, mas saiu do quarto e seguiu na direção dos aposentos onde Berta se refugiara. Ele não dispensara muitos pensamentos à velha desde a morte de Cecily. Provavelmente seria melhor mandá-la de volta para casa com o pai de Cecily, quando o barão chegasse para conhecer o neto, mas isso ainda levaria algum tempo. Afinal, Oswin mandara uma mensagem a Lichford so­mente na véspera.

Ao virar a esquina do próximo corredor, Edric avistou alguém adiante, saindo do quarto. Era Kate.

Ela hesitou quando o viu com o pequeno lampião. — M-milorde... Assustou-me.

Seus olhos relancearam por seu peito desnudo, e Edric sentiu a luxúria atingi-lo como um soco violento, diferente de qualquer coisa que já tivesse conhecido.

Com Aidan nos braços, Kate fechou a porta do quarto de Berta atrás de si, mas não se moveu. E ocorreu a Edric que deveria tratá-la com cuidado, mas o desejo impulsivo sobrepôs-se ao bom senso.

Ao dar um passo na direção de Kate, ele a viu fechar os olhos e respirar fundo, como se estivesse se preparando para o que viria a seguir. Edric cobriu a distância entre os dois e tomou-a nos braços, mantendo seu filho entre ambos.

Não, Aidan era apenas filho dele, mas naquele momen­to a distinção parecia trivial. Com uma das mãos, ele to­cou-lhe o queixo e acariciou-lhe a boca com o polegar, e então enterrou os dedos nos cabelos atrás da orelha. Pu­xou-a para mais perto e a beijou.

Ele tomou-lhe a boca gentilmente, mas apossou-se dela de uma vez, colando os lábios numa fusão primitiva dos corpos. O instinto o impelia a possuí-la ali mesmo, em­purrá-la contra a parede e reivindicá-la como sua. Em vez disso, ele interrompeu o beijo, agarrou-lhe a mão e puxou-a para a escada, iluminando o caminho com a luz bruxuleante do lampião.

Sentiu-a tremer, mas tal inquietude não o deteve em seu propósito. Haviam descido pela escada, quando Edric parou e virou-se para Kate. Como ela estava um degrau acima, a boca estava no mesmo nível da sua, mas ele não se atreveu a beijá-la. Em vez disso, deslizou a mão livre em torno da cintura de Kate e, pousando os lábios na garganta delicada, provou a pele macia enquanto movia a mão para baixo, até as nádegas suavemente arredondadas.

Embora ouvisse o som do puro desejo no gemido aba­fado que ela deixou escapar, o medo continuava presente.

Mas Edric jamais desejara alguém do modo com que desejava Kate.

— Jesu — ele resmungou, e voltou a descer depressa os degraus, não querendo dar a ela tempo de fugir. Bas­tariam apenas uns poucos beijos, umas poucas carícias íntimas para dobrar-lhe a vontade.

Logo estavam diante da porta do quarto de Edric, que a abriu. Sem perder tempo, ele pegou o berço de Aidan e levou-o para dentro e depois colocou o lampião sobre uma mesinha perto da cama.

O fogo queimava baixo na lareira, mas nenhum deles percebeu o frio do quarto. Edric pegou Aidan no colo e deitou-o no berço, cobrindo o filho depressa com a manta. Então, virou-se para Kate, que estava parada, imóvel, tímida e muito insegura.

— Não tenha medo de mim, doçura. Toque-me.

— Não posso... n-não devo.

Ele tomou-lhe a mão e colocou-a sobre a pele nua do ombro, e depois a puxou contra o peito.

A palma de Kate era macia e fria, e quando os dedos hesitantes deslizaram até o mamilo, o corpo de Edric vi­brou de expectativa.

— Pode negar a atração que arde entre nós?

Kate engoliu em seco, e Edric inclinou a cabeça e depois a beijou com suavidade, comprimindo-a contra si, provo­cando uma espécie de doce tortura.

Edric começou a beijá-la delicadamente nas faces, de­pois no queixo, e desceu pela pele macia do pescoço, mu­dando de posição para desamarrar os laços que lhe pren­diam o corpete e em seguida fazer o vestido escorregar pelos braços de Kate.

Edric abaixou a cabeça e lambeu-lhe o bico do seio atra­vés do tecido fino da combinação. E a cabeça de Kate tom­bou para trás. Quando ele tocou o outro seio com a ponta dos dedos, ela gemeu baixinho.

— Encore — murmurou em francês, e Edric percebeu que a batalha estava vencida. — Mais...

Ele a pegou no colo e carregou-a para a cama. Ao dei­tá-la gentilmente, debruçou-se sobre ela, ao mesmo tempo que soltava o cinto e baixava a calça. Kate enterrou os dedos nos cabelos da nuca de Edric, e puxou-o para baixo, para receber um beijo.

Uma avidez primitiva e feroz o inundou, e Edric assal­tou-a com a língua, tão excitado que teve dificuldade em desatar os laços da cintura de Kate. Numa névoa de de­sejo, ouviu o tecido rasgar e interrompeu o beijo apenas por tempo suficiente para lhe tirar as anáguas.

Nua, a não ser pelas meias, presas por ligas elásticas nas coxas, Kate era a síntese de tudo que de mais feminino existia. Os seios voluptuosos e a cintura estreita, o suave aroma de lavanda, o centro quente e úmido... tudo nela o incitava, mas Edric esforçou-se para prosseguir devagar, para saborear cada momento.

Mordiscou-lhe o pescoço logo abaixo da orelha e deixou que as mãos subissem da cintura para tocar as laterais dos seios. Kate arqueou-se numa reação instintiva, em­purrando os bicos rosados para mais perto de seu peito.

Então, ela colocou as mãos sobre seus ombros, como Edric lhe mostrara antes, e as deslizou para baixo, como uma pluma, até tocar os mamilos duros outra vez. Edric gemeu, surpreso de como Kate os tornara sensíveis. Nun­ca antes uma carícia de mulher causara tanto tumulto em seus sentidos.

As pontas dos dedos o acariciaram, num roçar suave, e depois se fecharam sobre aqueles pontos suscetíveis, e um disparo de línguas de fogo o atingiu diretamente na virilha. Edric fechou os olhos com força, saboreando o in­cêndio feroz, imaginando como uma donzela tão inexpe­riente podia provocar sensações tão extraordinárias.

Deliciado com as carícias, Edric rolou de costas e pu­xou-a sobre si, determinado a prolongar as preliminares. Sentiu os lábios femininos úmidos e abertos para ele, quando ela montou em seu quadril, e percebeu que bas­taria um único e ágil movimento para mergulhar dentro daquele corpo tentador.

Controlou-se, porém, e sugou um dos bicos rosados para dentro da boca. Circundando a ponta voluptuosa com a língua, Edric sentiu-se gratificado pelo arquejo áspero que Kate deixou escapar. Sentiu que ela estremecia, e então escorregou a mão, procurando aquele ponto mais receptivo. Da última vez em que lhe entreabrira as pernas e a tocara ali, Kate as afastara com prazer.

Edric planejava transportá-la novamente ao paraíso, e não apenas uma vez. Deslizou os dedos para dentro de Kate e encontrou-a escorregadia e quente, pronta para sua entrada.

Mesmo assim, se conteve, ciente de que uma virgem precisava da perfeita sedução. Enquanto sugava e com­primia os mamilos, ele circundou o centro do prazer com os dedos, massageando suavemente a princípio para de­pois aumentar a pressão, conforme os quadris de Kate pinoteavam sobre os seus numa reação apaixonada a seu toque.

— Sim, minha bela — ele murmurou. — Venha para mim.

— Oh!

A exclamação não passou de um som abafado depois de um arquejo rápido, e Kate caiu sobre Edric, os seios se comprimindo em seu peito, a face enterrada no vão de seu ombro.

As coxas se apertaram, mas Edric ainda não terminara. Virou-a mais uma vez e, quando ela estava de costas na cama, debaixo dele, Edric beijou-a, deixando um rastro molhado do pescoço até o ventre, mantendo os olhos nos dela, excitado pelo total aturdimento no olhar de Kate.

Então, escorregou as mãos debaixo das coxas macias e sentiu o punhal preso à liga. Tirou-o de lá, jogou-o no chão e posicionou-se entre as pernas de Kate.

Beijou a pele sensível da parte interna da coxa. Mordiscando e lambendo, ele foi subindo, subindo, até alcançar o centro feminino.

— Edric! — Kate começou a se contorcer, tentando fe­char as pernas.

— Fique quietinha, Kate, e desfrute de meus beijos — ele murmurou.

— Oh!

Edric pousou a boca nos lábios inchados e lambeu a pele escorregadia, penetrando-a com a língua. Sentiu as mãos de Kate se fecharem em seus ombros, porém ela não protestou contra o ato, mas abriu-se, expondo a própria essência para ele.

Tanta paixão o impeliu a avançar, e ele sugou-lhe a ponta sensível do monte, enquanto seus dedos iam e vi­nham numa imitação do ato sexual, invadindo-a cada vez mais, até que os quadris de Kate se ergueram dos lençóis.

— Oh...

Edric ergueu-se nos cotovelos e posicionou-se, pronto para penetrá-la. Mas não investiu. Pensar na bainha es­treita e fechada o excitava ao mesmo tempo que o enchia de cautela. Não queria causar nenhuma dor a Kate.

O suor brotou em sua testa quando ele a penetrou de­vagar e chegou à barreira da virgindade.

— Kate...

A incerteza toldava os olhos dela.

— Confia em mim?

Sem hesitação, Kate o puxou para baixo e o beijou.

Era a resposta de que Edric precisava. Com um impul­so, enterrou-se profundamente, e em seguida ficou com­pletamente imóvel diante do grito de desconforto.

— Logo ficará tudo bem — ele murmurou, desejando ardentemente que suas palavras fossem verdadeiras.

Os músculos internos se apertaram em torno dele, e Kate remexeu-se, encorajando-o a recuar e investir outra vez.

— Jesu! — ele resmungou. Nada jamais parecera tão doce, tão profundamente certo. Ele empurrou e puxou o quadril para trás bem devagar. — Melhor?

— Oh! Sim, sim...

Kate logo aprendeu o ritmo dos movimentos e começou a ir de encontro a cada investida, acolhendo-o lá dentro. O coração de Edric martelava no peito, e a respiração tornou-se tão rápida que ele se sentiu atordoado de pra­zer. Havia algo indefinível nos movimentos de Kate que, de alguma forma, aumentava as sensações eróticas, empurrando-o ainda mais para o clímax.

O acme o atingiu como um raio, explodindo através de seu corpo, começando na virilha e no baixo ventre e dis­parando para dentro do peito até inundá-lo, fazendo-o sentir-se como se fosse estourar. Seus músculos se retesaram e ele se aliviou num espasmo tão violento que foi quase penoso, embora a sensação fosse extraordinária. Tremores sacudiram seu corpo conforme o clímax conti­nuou, e as contrações de Kate o prolongaram.

Pareceu terem-se passado horas até que Edric conse­guisse se mexer outra vez, e ele rolou de lado, puxando Kate consigo, ainda enterrado dentro dela.

Não estava com pressa de deixá-la.

 

Kathryn não conseguiu encontrar palavras. Deitada de lado, frente a frente com Edric, estava incerta se sentia constrangimento ou bem-aventurança. Ele conti­nuava dentro dela, e Kathryn ficou feliz de que a conexão íntima fosse tão boa que ele não quisesse se afastar.

Edric fechou os olhos e roçou-lhe os lábios com a boca, e Kathryn sentiu o membro palpitar dentro do ventre.

— Ah, Kate...

— Hum...

Ela não deveria ter se submetido, não deveria ter se entregado àquele homem que jurara nunca mais desposar outra mulher. Mesmo assim, Kathryn não podia lamentar suas ações. Gostava de Edric como nunca gostara de um homem antes.

— Será melhor da próxima vez.

— Não sei como é possível — ela murmurou, afastando com ternura os cabelos da testa de Edric. Sua mão demo­rou-se ali, e Kathryn se deu conta do quanto adorava tocá-lo. Ela deixou os dedos deslizarem devagar pelo ombro e pelo braço, descobrindo as colinas e vales de cada músculo e tendão que tocava. Tocou-lhe o peito, e afagou os pêlos escuros e ásperos que cresciam ali.

Edric soltou um murmúrio e mexeu os quadris, empur­rando a perna de Kate para o alto, até descansar em seu quadril. Kathryn fechou os olhos quando ele começou a gemer e mordiscar-lhe a nuca. Tocou-a de um jeito íntimo outra vez, acariciando o mesmo ponto que a levara ante­riormente até as alturas de um prazer sensual.

Era diferente agora, com os dedos de Edric realizando sua mágica enquanto ele se movia dentro dela. As sensa­ções a inundaram, e Kathryn ouviu os próprios choramingos de deleite. Um instante depois, sentia-se flutuar nas nuvens acima de Braxton Fell, cabelos, tronco e membros espalhados ao vento. Em algum lugar bem distante e impossivelmente perto, sentiu Edric estremecer dentro dela. E sentiu a semente quente espalhar-se bem no fundo de seu ventre outra vez.

Custou longos minutos até que Kathryn retornasse à terra e pudesse respirar de novo. Sabia que seu coração se mostrava nos olhos, porém não se importou. Ela o amava.

— Como faz isso comigo? — Com ternura, ela afagou a ruga que se formara entre as sobrancelhas de Edric. — Eu jamais conheci...

Ele cerrou o maxilar antes de falar, e afastou-se, saindo de dentro dela.

— E apenas sexo. O ato sexual é sempre um prazer. Kathryn encolheu-se como se ele a tivesse esbofeteado.

Se fora intenção de Edric aviltar o ato de amor, fora bem-sucedido. Ela estendeu a mão para a manta e puxou-a sobre o corpo, estremecendo, desejando ter protegido o coração com mais cuidado.

Edric rolou para fora da cama e foi até a lareira. Jogou lenha no fogo e atiçou-o até que as brasas ganharam vida, enquanto Kathryn tentava imaginar uma maneira de al­cançar suas roupas e sair antes que fizesse papel de tola. Era evidente que o que sentia por ele não era recíproco, e essa constatação inundou-lhe penosamente o peito. O que Edric fizera com ela não fora em nada diferente da­quilo que compartilhara com Cecily... ou qualquer outra mulher com quem tinha se deitado.

A beira das lágrimas, ela segurou a manta bem perto do corpo e escorregou para fora da cama. Localizou a com­binação e começou a enfiá-la pela cabeça, mas Edric a impediu.

— Você é muito linda nua — ele disse, segurando-lhe o pulso na mão forte.

Não era verdade. Diziam com freqüência que Isabel era a beldade da família, e Kathryn percebeu que Edric pre­tendia que seu elogio suavizasse o comentário anterior. Ela tentou cobrir-se com as mãos, porém ele não deixou.

— Volte para a cama.

A emoção palpitou em seu peito. Não havia lugar algum em que ela preferisse estar do que presa nos braços fortes de Edric. Kathryn tomara a decisão de fazer amor com ele, e não derramaria lágrimas por aquilo que não poderia ser.

Ao chegar mais perto, Edric afastou as mãos de Kate da frente do corpo e fitou-a até se fartar. Tocou-lhe os bicos inchados dos seios e depois se inclinou e os sugou para a boca.

— Tão perfeitos — murmurou. — E isto... — ele emen­dou, deslizando a mão para baixo, até o centro da femi­nilidade.

Kathryn atrapalhou-se com a combinação e puxou-a para a frente do corpo, recuando um passo. Independen­temente de sua decisão, aquilo era um pouco demais. Era um assalto sensual. Ela precisava de um momento de alí­vio para ordenar os pensamentos e as emoções, de uma chance para acalmar o torvelinho em seu íntimo.

— Aidan logo acordará e vai querer mamar — ela mur­murou, envergonhada por não pensar no bebê nem uma vez desde que Edric o tirara de seus braços.

— Onde está o leite? — Edric perguntou, pegando uma túnica longa de lã.

— No quarto de lorde Bryce.

Kathryn o deixara lá antes, e se esquecera disso com tudo que acontecera desde então.

Edric rumou para a porta, mas voltou até onde ela es­tava, e puxou-a para dentro dos braços para um beijo que a calcinou com sua potência e ardor, fazendo seus joelhos fraquejarem e o coração palpitar.

Bryce acordou quando Edric entrou no quarto, mas seu guarda dormia, ressonando tranqüilo. O frasco de leite estava sobre a lareira, no mesmo lugar onde Kate o guar­dava, no berçário.

— E tarde — Bryce resmungou, grogue de sono.

— Sim, é — Edric respondeu, nada interessado numa conversa no meio da noite com o irmão. Tinha coisas me­lhores a fazer.

— Ah-ahh... — Bryce exclamou, com ar astuto, quando Edric pegou o leite de Aidan e rumou para a porta.

— Não é da sua conta — retrucou Edric.

— Tome cuidado, irmão — aconselhou Bryce. — Se a normanda for uma moça de berço... Você se mete onde ninguém a não ser um marido deveria ir.

Edric mal endereçou um olhar ao irmão antes de sair do quarto. Kate deixara claro que não voltaria para casa, e ele tinha toda a intenção de mantê-la em Braxton. Nun­ca imaginara que uma normanda fosse capaz de tamanha paixão no quarto de dormir, mas Kate superara todas as suas expectativas. Era uma leoa na cama, que confundia a luxúria com alguma outra coisa. Algo fugidio e bastante impossível.

Felizmente, ele vira sinais de uma paixão cega de vir­gem em seus olhos e lhe dissera com franqueza o que acontecera entre os dois. Teriam muitas noites como aquela, juntos, e ele desejava que ela confundisse a brin­cadeira na cama com algum sonho ilusório.

Ouviu o choro de Aidan enquanto não voltava ao quarto e, quando entrou, viu Kate com a combinação fina, carre­gando o bebê para lá e para cá, embalando-o gentilmente nos braços. A bela imagem o feriu fisicamente na parte inferior das costas. Fraquejou suas pernas, mas aqueceu a virilha com alguma coisa diferente da excitação. Uma sensação que ele não reconheceu.

Ela ergueu os olhos para ele, nesse instante, e sorriu.

Edric deu uma tossidela para arrancar a impressão de sufoco na garganta e entrou no quarto. Havia algo dife­rente em Kate... talvez uma ligeira cor avermelhada no nariz, e ele imaginou se ela andara chorando. Felizmente, não viu sinal de lágrimas pela virgindade perdida, e as­sim, tomou-a pela mão e puxou-a de volta para a cama.

— Dê de mamar a ele aqui.

Edric arrancou a túnica e enfiou-se na cama, atrás de

Kate, e puxou-a contra o peito. Kate baixou a parte supe­rior da combinação, embora continuasse decentemente coberta enquanto dava a mamadeira a Aidan, e o sexo de Edric empinou-se, a lhe roçar as costas. Ela começou a murmurar palavras doces em francês para o bebê enquan­to ele mamava, e Edric afastou-lhe os cabelos de lado para esfregar o nariz naquele pescoço macio. Desejava que ela dissesse aquelas palavras a ele.

— Você não poderia jamais abandonar Aidan — ele murmurou, certo de que era assim.

— E mais uma mãe para ele do que a própria mãe seria.

Edric sentiu-a enrijecer o corpo, mas quando deslizou as mãos para lhe rodear os seios, Kate pareceu se derreter. Conforme ela deixava escapar um doce suspiro, o corpo relaxou de encontro ao dele, e ele puxou-lhe a combinação até a cintura, brincando com os bicos dos seios, desejoso que fosse o leite de Kate que alimentasse seu filho.

— Edric, eu quase enlouqueço quando você faz isso — ela disse, em voz trêmula. — Você precisa me deixar dar de mamar a Aidan sem me distrair.

— Ah, mas eu não consigo resistir. — Ele beijou-lhe a orelha. — Esses seios arredondados foram feitos para mi­nhas carícias, para meus beijos.

Kathryn estremeceu com aquelas palavras, e Edric per­cebeu que ela se cobriria, constrangida, se as mãos não estivessem totalmente ocupadas com Aidan. Tamanha autoconsciência era encantadora, mas ele não queria es­tranheza ou vergonha entre os dois.

— Ele terminou?

Ela concordou com um ligeiro aceno da cabeça e tirou a mamadeira de Aidan. Ergueu-o até o ombro, e bateu-lhe de leve nas costas. O bebê logo soltou um arroto satisfeito.

— Ele vai dormir agora?

— Provavelmente não — retrucou Kate. — Há mais em ser uma babá que simplesmente alimentar o bebê.

— Sem dúvida você me mostrará.

Ele ouviu um tom divertido na voz de Kate quando ela murmurou:

— Sem dúvida...

Da posição de Aidan no ombro de Kate, o bebê ficou frente a frente com o pai. Começou a balbuciar e sacudiu o punho minúsculo para Edric.

— Ele já é um lutador.

— Não, não é. Ele é francês... três doux. Edric não a contradisse.

— Então devo ser eu que desperto seus instintos mais básicos. Pois ele está tentando me acertar.

Kathryn riu baixinho com a brincadeira, e Edric mudou as posições, virando-a nos braços. Com Aidan entre os dois, seus olhos se encontraram, e Edric inclinou a cabeça, puxando-a para mais perto. Tocou os lábios nos dela, beijando-a suavemente, e surpreendendo a si próprio com a ple­nitude do sentimento por trás do gesto, gratidão por cuidar de seu filho, afeição pelo modo com que falara à multidão no salão, respeito por enfrentar Robert Ferguson apesar dos medos.

Ela o impressionava. E se afastou primeiro.

— Milorde, ele quer ser entretido.

— Eu também — retrucou Edric, inclinando-se mais para lhe mordiscar o seio.

Era muito melhor manter a diversão na cama descomplicada, tal como sempre fizera com Felicia.

Kathryn se afastou e colocou Aidan sobre a cama, onde ele ficou de costas, completamente desperto, a chutar e esmurrar o ar, agitando os bracinhos e as pernas. Então, ela puxou a combinação para os ombros e enfiou os braços pelas mangas, cobrindo os seios da vista de Edric. Mesmo assim, conforme ele se recostava contra a parede, podia desfrutar da visão das linhas delicadas daquele pescoço esguio e dos suaves músculos femininos dos braços con­forme ela e Aidan brincavam.

— Olhe que lindo rapazinho ele é, milorde — ela mur­murou, tocando a covinha no queixo de Aidan. — Será um homem excepcional, eu creio.

E continuou a falar ternamente com o bebê também, palavras gentis que Edric sabia que seu filho jamais teria ouvido dos lábios de Cecily.

Kathryn acordou cedo, com o primeiro choro de Aidan.

Edric dormia profundamente ao lado dela, e Kathryn sair da cama para se lavar rapidamente e enfiar a com­binação. Logo pegou Aidan nos braços e foi se sentar na cadeira diante da lareira para lhe dar a mamadeira, des­preparada para encarar Edric por enquanto.

Enrubesceu quando pensou em tudo que tinham feito na noite anterior, e se encolheu ligeiramente com o descon­forto provocado pela relação que haviam compartilhado.

Era evidente que Edric julgava o que se passara entre os dois como nada além de uma diversão despreocupada. Mas Kathryn sabia que não era bem assim. Chegaria um dia em que ele se daria conta de que havia muito mais envolvido ali.

Os três, ela, Edric e Aidan, já eram uma família, sou­besse ele disso ou não.

Porém, ela não poderia revelar a ninguém na fortaleza o que transpirara entre os dois.

Assim que Aidan terminou, Kathryn vestiu-se e esgueirou-se para fora do quarto com o bebê nos braços.

Não tinha nenhuma intenção de voltar ao berçário onde ma­tara Robert Ferguson; havia outros quartos na enorme fortaleza de Edric. Deveria haver algum que ela pudesse tornar seu.

Ainda estava escuro dentro do castelo, e Kathryn pro­curou andar com todo cuidado até chegar às escadas que conduziam ao salão. As brasas na lareira lhe deram luz suficiente para encontrar o caminho até a porta principal. E ela saiu do castelo, incerta de para onde iria.

Sob a luz que prenunciava a alvorada, ela viu a devas­tação da batalha noturna. Era difícil de acreditar que fora apenas na noite passada que ela matara Robert Ferguson e Edric seguira para o combate. Tanto havia acontecido desde seu rapto em Kettwyck que Kathryn tinha dificul­dade em manter um registro preciso do tempo. Estava em Braxton Fell fazia meses ou apenas alguns dias? Como poderia ter se apaixonado tão profunda e desesperada-mente pelo senhor daqueles domínios e pelo filho dele?

Com Aidan aconchegado ao peito, Kathryn seguiu para leste, rumo ao portão que conduzia à alameda onde se localizava a cabana de Lora, na esperança de poder en­contrar as amigas em casa. Atravessou a ponte e viu que várias das construções externas haviam sido incendiadas.

As ruínas carbonizadas continuavam de pé, mas a devas­tação era brutal.

Parecia que poucos moradores tinham dormido, pois estavam para lá e para cá, carregando baldes e ferramen­tas, indo e vindo da área queimada. Quando encontraram Kathryn na alameda, seguindo para a cabana de Lora, muitos deles tiraram o chapéu, ou inclinaram a cabeça num gesto apressado de cumprimento. Uma mulher ex­clamou, da porta da cabana:

— Disseram que você salvou-nos a vida, moça. — Os três filhos da mulher se juntaram em volta de suas saias. — Nós agradecemos.

Kathryn não sabia o que dizer e, assim, fez um breve gesto de cabeça e continuou caminhando. Mas seu cami­nho logo foi barrado por outros que pararam para lhe agra­decer pela participação em frustrar o plano dos Ferguson, e para indagar se os boatos eram verdadeiros... se fora ela que matara Robert.

Ela conhecera muitas daquelas pessoas antes, quando caminhara por aquela alameda com Lora, mas se sentira como uma intrusa então. Desta vez, havia um calor e uma apreciação completamente diferentes, e totalmente inespe­rados. Eles a rodeavam, ruidosos, e a enchiam de elogios.

— Lorde Edric vai recompensá-la regiamente! — ex­clamou uma mulher.

— Quando Drogan voltar, teremos tudo de que preci­samos, graças a você! — disse a outra.

— Você deu o alarme e nos ajudou a fugir para a segu­rança!

— Quem haveria de pensar que seria uma normanda que mataria Ferguson...

— um dos homens refletiu, em voz alta.

Alguém colocou um xale em torno dos ombros de Kathryn, para protegê-la do frio da manhã.

— E-eu... nunca tive a intenção de... Ele ameaçou o filho de lorde Edric, e então eu...

— Comovida por aquela gentileza inesperada, as lágrimas de repente lhe inunda­ram os olhos.

— Foi uma coisa muito boa, moça — disse um dos ho­mens, dando-lhe um tapinha no ombro para consolá-la.

Foi com alívio que Kathryn avistou Lora, carregando um balde, rumo ao poço. Reprimindo as lágrimas, ela afas­tou-se dos moradores da vila e seguiu atrás de Lora. Al­cançou a curandeira ruiva quando a mulher tirava água do poço.

— Bom dia, Kate. Está tudo bem? Kathryn fez que sim.

— Como está Elga? — perguntou a Lora.

— Melhor. Ela tem pavor de fogo e, a noite passada, os incêndios chegaram muito perto.

— Lora estreitou os olhos. — Você está fora, andando por aí cedo demais, não está?

— Ah... Aidan me acordou e já que ele não parecia dis­posto a voltar a dormir, resolvi tomar um pouco de ar.

Lora puxou o balde cheio para fora do poço.

— Sim, mas o ar está horrível, pior que o do curtume. Mas, felizmente, a maior parte da vila está intocada... graças a você.

Kathryn não deu resposta, mas começou a caminhar ao lado de Lora conforme retornavam para a cabana da curandeira. Entraram, e viram que Elga ainda dormia.

Talvez a aparência de Kathryn tivesse mudado desde sua noite na cama de Edric, ou talvez fosse a falta de as­sunto, mas quando Lora parou e encarou-a diretamente, as sobrancelhas da mulher se franziram de preocupação.

— O que foi? O que há de errado? — ela perguntou baixinho, o olhar parecendo mais penetrante que o habi­tual. — Bryce está...

— Não, não — Kathryn apressou-se em acalmá-la.

— Não o vi esta manhã, assim só posso presumir que a con­dição de lorde Bryce continue na mesma.

O que ela compartilhara com Edric durante a noite não era algo que pudesse conversar com alguém. Chorara to­das as lágrimas por aquilo que não poderia nunca ser, e depois tomara a decisão de aceitar a afeição que Edric pudesse lhe dar. Contudo, jamais tornaria pública sua posição vergonhosa.

Ela se tornara amante de Edric.

— Sente-se, Kate — disse Lora. — Você ficou pálida demais, de repente. Fez o desjejum?

A curandeira pegou Aidan do braço de Kathryn, e quan­do esta se sentou à mesa, Lora deu-lhe uma caneca de água, junto com uma fatia de pão e um pedaço de queijo.

— Não estou com fome... Acho que deve ser o choque de ver aquelas lojas queimadas...

Lora foi até a porta e espiou lá fora, vendo todo o estrago feito pelos Ferguson.

— Sim, foi terrível. Os homens trabalharam a noite inteira para debelar as chamas e deixar as casas a salvo para habitação. Se não fosse você...

— Onde está Drogan? — Kathryn indagou. Drogan era a única pessoa que poderia adivinhar que ela e Edric haviam se tornado amantes. Ele parecia sentir tudo que acontecia a Edric e Bryce, e certamente perce­beria que sua relação com Edric mudara.

Lora retornou à mesa e sentou-se em frente de Kathryn.

—Foi acabar com o que restou dos guerreiros de Ferguson.

Kathryn fez uma careta e estremeceu.

— Ninguém em Braxton Fell chorará o fim deles. Não depois de anos de problemas entre nós. Além disso, Drogan trará de volta a colheita e todo o seu rebanho. Talvez possa ser tudo de que precisamos para sobreviver ao inverno.

Uma batida suave soou à porta da cabana. Quando Lora a abriu, viram Caedmon, um dos cavalariços, de pé do lado de fora, sem fôlego por causa da corrida. Ele empur­rou o capuz para trás ao falar com a curandeira.

— Saudações, senhora. Fui mandado para buscá-la e levá-la até o castelo.

Lora relanceou um olhar apressado na direção de Elga, mas não hesitou em pegar a sacola de ungüentos.

— Ela ficará bem se a deixarmos aqui. Conte-me o que aconteceu.

— E lorde Bryce. Está com febre e falando bobagens.

O humor de Edric alternava entre o jubiloso e o desa­nimado. Sua noite de bem-aventurança terminara quan­do acordara sozinho. Vestira-se depressa e saíra à procura de Kate.

Linda Kate. Ele mal conseguia tomar fôlego quando pensava nela nos espasmos da paixão. Não havia nada mais sedutor que a visão de uma mulher chegando ao prazer ao fazer amor com seu homem. Edric não deveria se sentir tão excitado com a simples imagem de Kate na mente, depois de ter se saciado tantas vezes durante a noite, mas seu desejo por ela parecia infindável.

Então, ele se deu conta de que deveria ter mostrado algum controle com sua amante virgem, e esperou que ela não estivesse muito sensível naquela manhã. Os mús­culos de seu peito se contraíram quando ele pensou como compensá-la.

Kate não estava em lugar algum dentro do castelo. Já que ninguém a vira, Edric deduziu que ela deveria ter saído de sua cama numa hora bem matinal, realmente. E ocorreu-lhe que ela poderia ter querido afastar-se de seu quarto antes que alguém a visse.

Estava constrangida.

Edric franziu a testa diante da constatação, mas perce­beu que a discrição não-intencional fora a melhor coisa a fazer. Não convinha que o padre Algar soubesse do rela­cionamento dos dois, ou teriam um sem-fim de sermões sobre o mal da fornicação e os fogos do inferno. Nem Oswin aceitaria bem o fato, não depois do casamento desastroso de Edric com Cecily, e os maus sentimentos do adminis­trador com relação a cada normando.

Edric rumou para o quarto de Bryce e deu de encontro com o homem de guarda.

— Milorde, eu já ia procurar o senhor.

— E mesmo? O que há de errado, Desmond? — Edric perguntou, entrando no quarto de Bryce.

— Seu irmão ficou extremamente desassossegado no sono. Quando falava, não fazia nenhum sentido. Sua fala estava confusa, a pele quente, milorde.

Os lábios de Bryce estavam ressequidos. Edric pegou uma caneca de água e procurou fazer o irmão tomar um gole.

—Ache um dos cavalariços e mande-o buscar Lora. Ela saberá o que fazer.

— Sim, milorde. Eu já tomei a liberdade de fazer isso.

O guarda saiu para o corredor, e Edric ficou sozinho

com o irmão. Tirou a manta de cima dele e olhou para o ferimento. As bordas de uma ponta tinham se tornado de um vermelho intenso, o pior estágio possível depois de um corte profundo tal como o de Bryce.

— Bryce.

O rapaz gemeu em resposta e depois tentou se virar, encolhendo-se com o esforço. Edric poderia tê-lo ajudado a mudar de posição, mas julgou que seria melhor não me­xer nele.

— Tome, beba um pouco mais de água — disse, com a expectativa irracional de que Kate surgisse. Esperando irracionalmente que ela aparecesse.

Passou-se uma eternidade antes que Lora chegasse. Preocupação e medo toldaram seus olhos quando ela olhou para Bryce.

— Fique de lado, Edric. Deixe-me examiná-lo.

Lora colocou a sacola de lona sobre a cama ao lado dos joelhos de Bryce, e Edric afastou-se. Percebeu a presença de Kate, então, segurando Aidan no colo, parada no limiar da porta. Parte da sombra que pairava sobre ele desde que acordara sozinho desapareceu. Ele a teria tomado nos braços, não fosse a expressão distante e o tom formal das palavras que lhe dirigiu:

— Lorde Edric... O que está acontecendo?

Mal havia um lampejo de indício do que transpirara entre eles, e Edric se deu conta de que Kate não dissera nada sobre a noite dos dois a Lora. Ele virou-se para Bryce.

— O ferimento está feio.

A preocupação toldou aqueles suaves olhos castanhos, os olhos que tinham se fechado de prazer incontáveis ve­zes através daquela noite.

Edric deu a si mesmo um safanão mental. Não poderia ficar ali, a reviver cada momento amoroso com Kate, en­quanto Bryce jazia na cama perigosamente enfermo.

— Quer entrar? — ele perguntou. Kate engoliu em seco.

— Não, perdoe-me. Eu... eu...

Edric recordou-se do desconforto da jovem num quarto de doente.

— Está tudo bem, Kate. Vá e tome conta de meu filho. Ela pareceu dividida, e Edric teve vontade de tocá-la, confortá-la. Mas Kate se virou e saiu, e ele retornou à beira da cama do irmão.

— Segure os braços dele, Edric — disse Lora.

Edric fez o que lhe fora dito, e Bryce gemeu de dor quando Lora arrancou os pontos onde a ferida infeccionara. Depois, ela pegou água e um pano limpo, e lavou o ferimento, espremendo o veneno que o contaminara. Quando tinha terminado a parte mais delicada da tarefa, Edric estava plenamente ciente dos freqüentes olhos de soslaio que a curandeira lhe enviara.

— O que é? Pode curar a febre?

— Farei o que eu puder. Fale-me sobre Kate.

— O quê sobre ela?

— Ela quase desmaiou em minha cabana esta manhã. Edric franziu a testa, e cerrou os músculos do maxilar.

— O que aconteceu? Por quê?

— Pensei que fosse fome — disse Lora, parando de fazer o curativo em Bryce. — Mas ela disse que não. Talvez tenha sido apenas por que eu perguntei de Bryce e isso trouxesse lembranças disto aqui.

— Tão quente — Bryce gemeu. — Tirou fora. Tire fora!

— A febre lhe aturdiu o cérebro — observou Lora. — Ajude-me a levantá-lo.

Lora ministrou-lhe uma poção destinada a esfriar-lhe o sangue, e o obrigaram a tomar tanta água quanto ele conseguisse beber, mas o delírio continuou.

— Vai ficar com ele? Lora fez que sim.

— Mas você mandará uma das criadas olhar por Elga por mim? A mente de minha sogra parecia em ordem na hora em que voltamos para a cabana ontem à noite, mas eu gostaria de ter certeza.

Edric concordou, mas antes que pudesse sair do quarto, Oswin chegou. Perguntou a Lora das condições de Bryce e depois se voltou para Edric.

— Se puder se dispor, milorde, eu gostaria de um mo­mento com o senhor.

— Claro, vá — disse Lora, e os dois homens saíram do quarto de Bryce e rumaram até o escritório de Edric.

Edric sentou-se à escrivaninha, mas Oswin começou a andar de um lado para outro do aposento.

— Milorde, quanto à noite passada... Não parecia ade­quado que a normanda se fizesse tão importante aqui. Quando foi que permitimos às criadas que ditassem o que é feito em nosso salão?

— Deu certo, não deu?

— Lorde Edric, não entendeu a questão principal.

— Não penso assim. Com grande risco pessoal, ela deu o alarme e trouxe os moradores da vila para a fortaleza onde estariam a salvo durante o curso da batalha. E foi pela mão dela que Robert Ferguson encontrou o fim da vida.

— Isso ainda resta ser averiguado. Conversei com Gwen...

Edric levantou-se abruptamente.

— E o que essa criada diz?

— Milorde, eu gostaria apenas de lembrá-lo de que há outras maneiras de enxergar o que aconteceu.

— Penso que não.

Oswin juntou as mãos atrás das costas.

— Ela é uma moça bonita, milorde. Depois de seu ano de...

— De quê, Oswin? Celibato? Abstinência? Sugere que estou me deixando levar apenas pelos impulsos carnais?

O administrador estava visivelmente desconcertado.

— Milorde, como amigo de seu pai... Imploro que pense em Braxton Fell em seu trato com essa sirigaita.

Edric respirou fundo e afastou-se da escrivaninha, ima­ginando se Oswin tinha razão. Será que seu ano de frus­tração sexual distorcera seu bom senso e capacidade de discernimento?

— Fará frio no inferno antes que qualquer normanda exerça alguma influência sobre mim outra vez.

Oswin pareceu relaxar com a afirmação de Edric.

— Alguma notícia de Drogan?

Kathryn recolheu o leite de que precisava para o dia e voltou à cabana de Lora. Não pensava que Elga devesse ser deixada sozinha, não tão cedo depois do distúrbio pro­vocado pelo ataque dos escoceses, e não havia dúvida de que Lora ficaria com Bryce pelo menos até que as condi­ções do rapaz melhorassem.

E Edric também. Ele era tão devotado a Bryce como Kathryn era com a irmã, Isabel. E essa era uma das coisas que admirava nele.

Contudo, seus sentimentos jamais poderiam ser conhe­cidos, nem por Edric nem por alguém em Braxton Fell. Aquela era uma ligação proibida em todos os aspectos, no mínimo pela falta de honestidade da parte dele para com o amado. Kathryn permitira que Edric acreditasse que ela era uma criada, mas se ele descobrisse que ela era filha do Barão Henri Louvet, a profundidade de seu des­prezo seria infindável.

Ela podia ter matado Robert Ferguson, porém isso não alterava o fato de que era uma normanda. A gratidão dos saxões logo esfriaria e mais uma vez eles se recordariam de que ela era uma intrusa ali.

Elga estava fora da cama e vestida quando Kathryn chegou à cabana, e explicou onde fora Lora e por quê.

— Eu gostaria de ficar aqui um pouco — disse Kathryn —, e quem sabe a senhora pudesse me ensinar a tecer.

Sentou-se com a velha enquanto Elga fazia o desjejum, e depois de colocar Aidan na cama para dormir, as duas foram à sala de tecelagem. Elga não deixou Kathryn tocar em seus teares, mas lhe entregou uma bola de fio de lã macia e duas longas agulhas de madeira.

— Sabe tricotar? Kathryn meneou a cabeça.

— Não, nunca aprendi.

— O que sabe fazer, então?

— Bem, não sou inteiramente inútil. Posso tomar conta do rebanho — falou Kathryn, com orgulho, mas Elga não pareceu impressionada. — Sei fazer contas e escriturar registros.

Os olhos da mulher se arregalaram diante disso, e Kathryn se deu conta do equívoco que cometera. Nenhum habitante de vila de qualquer propriedade teria tal capa­cidade. Ela deu de ombros como se não quisesse dizer nada.

— Aprendi na abadia... E-eu... vivi lá durante anos an­tes de vir para a Inglaterra.

Elga pareceu convencida pela explicação de Kathryn e assim a primeira aula de tear começou.

— Vá — disse Lora. — Ponha alguma coisa no estôma­go. Você saiu deste quarto apenas uma vez o dia inteiro, e esse andar de um lado para o outro não ajuda em nada.

O estômago de Edric roncou outra vez, e ele percebeu que Lora tinha razão. Precisava comer. E tinha alguns outros assuntos a resolver. Bryce estava em boas mãos.

Saiu do quarto e foi para o berçário outra vez e viu que fora tudo limpo e o chão lavado. Não restara nenhum sinal do ataque. Mesmo assim, Edric não queria que seu filho ficasse naquele quarto de novo.

O solário onde ele dera a Kate a primeira aula de defesa pessoal era perto de seu próprio quarto e espaçoso o bas­tante para acomodar uma cama grande, uma que ele pla­nejava visitar freqüentemente, assim como tinha espaço para o berço de Aidan. Sobrava lugar para a poltrona e as duas cadeiras continuarem lá.

Ao voltar ao salão nobre, Edric prestou atenção às mu­danças que Kate promovera, e viu que parecia mais o lar de que ele se lembrava, o lugar onde ele e Bryce tinham nascido e se criado. Ela encontrara outro dos estandartes de seu pai, e o mandara pendurar nas vigas acima da plataforma. Um rápido olhar para a escada o fez recor­dar-se de tudo que ela dissera na noite anterior quando se postara um degrau acima de sua gente, uma estran­geira dirigindo-se à multidão que reunira ali para prote­ção de todos.

As atitudes de Kate eram mais de uma dama bem-nas­cida do que de uma camponesa normanda, e Edric sabia que havia muita coisa que ela escondera dele.

Plenamente satisfeito com a situação como estava, ele não iria pressioná-la em busca de informações. Se Kate não queria retornar a Rushtori, era seu problema. Porém, Edric não iria permitir que ela partisse para o convento em Evesham Bridge. Seria um desperdício terrível.

Drogan levara a maioria da milícia de Braxton com ele para Dunfergus e, por isso, havia poucos guardas para cuidar da fortaleza. Mas o jovem Caedmon se postava à porta, pronto para agir em defesa de tudo ali dentro, se necessário. Edric pediu ao rapaz que localizasse Kate.

— Milorde, ela voltou para a vila. Fica com Elga na ausência de Lora.

Edric não quis admitir o próprio desapontamento. Vol­tou ao quarto de Bryce e ficou de lado enquanto um dos criados ajudava Lora a banhar os braços e o corpo de Bryce com água fria.

— Os remédios ajudaram um pouco — disse a curandeira. — Mas ele está ainda muito quente, delirante.

— Há alguma coisa que possamos fazer? — perguntou Edric.

— Eu limpei toda a peçonha do ferimento e coloquei um ungüento sobre ele. Ele está tomando a poção de casca de salgueiro para a febre, e nós o estamos banhando para esfriá-lo. Não sei de nada mais a fazer.

— Então, por que você não desce até a cozinha para uma refeição? Eu ficarei aqui com Bryce.

— Farei isso. Mandou alguém para cuidar de Elga?

— Kate está com ela — respondeu Edric. Lora sorriu.

— Ela sabia que Elga teve uma noite difícil. E muito gentil da parte de Kate fazer companhia à minha sogra em minha ausência.

Edric franziu a testa. Ele não pensara na visita de Kate a Elga como um favor deliberado a Lora e, no entanto, devia ser isso mesmo. Kate sempre o surpreendia.

Lora saiu do quarto, e Edric sentou-se na cama perto de Bryce. As faces do irmão estavam avermelhadas e os olhos vagos.

— Edric.

Edric tomou a mão quente e seca do irmão.

— Sim, estou aqui.

— Ferguson... Ele está se esgueirando pelo...

— Não, Bryce. Léod e Robert estão ambos mortos.

— Mas seu filho... Aidan...

Edric acalmou o irmão, reafirmando que tudo estava bem. Colocou um pano frio e úmido sobre a testa de Bryce e pediu a ele que dormisse.

— Guarde seus olhos quando olhar para ela, Edric.

— Meus olhos? — Edric estava incerto de qual seria o novo delírio que toldava a mente de Bryce.

— Dizem o que você sente por ela.

— O que eu... — Kate. Ele estava falando de Kate. — Está imaginando coisas, Bryce. Tente descansar.

Edric falara sério aquilo que dissera a Oswin. O que ele sentia pela normanda nada mais era do que o que ele sentiria por qualquer moça bonita que desejasse partilhar de sua cama. O único normando que o dominava era o rei Guilherme. Agora que tinham se livrado dos Ferguson, Edric poderia até mesmo viajar ao sul para encontrar o rei normando e tratar dos requisitos de seu enfeudamento. Guilherme, reputado como perspicaz, de alguma forma se equivocara quanto aos recursos de Braxton Fell. Era hora desse engano ser corrigido.

— Engane a si mesmo, se quiser... — Bryce resmungou e então mergulhou no sono.

Quando Kathryn saiu da cabana de Elga, estava perto do crepúsculo. Durante horas, ela se obrigara a ficar longe do castelo e a parar de imaginar se Edric passaria o dia com ela caso Bryce não estivesse doente.

Era uma idéia tola. Kathryn não era sua castelã. Não tinha participação nos assuntos da propriedade ou nas questões domésticas, a menos que envolvessem Aidan. Era a amante de Edric e nada mais. Logo cada criado do castelo saberia disso, e a vila inteira também.

Kathryn sufocou seu constrangimento diante de tal pen­samento e apertou Aidan contra o peito. Oh, ela desejara a afeição de um marido, uma oportunidade para que uma pequena semente desse sentimento vicejasse para algo mais forte... Arranjara um amante, em vez disso.

Apressou a passar pela igreja com a cabeça inclinada, ciente de que deveria entrar e confessar seu pecado. Mas o medo invadiu o seu peito quando pensou em enfrentar o malévolo padreco. Ele certamente iria maldizê-la pela transgressão.

E Kathryn não poderia culpá-lo, pois ela não rejeitara nem recusaria a Edric o acesso à sua cama... ou a seu corpo, ou a seu coração. Ele os possuía, todos.

— Você!

A voz ríspida assustou Kathryn, e ela tropeçou quando o padre Algar a agarrou e a fez se virar para encará-lo. Ela tentou se livrar, mas o punho do velho parecia uma pinça de ferro em seu braço.

— Ficará marcado em sua consciência se lorde Bryce morrer!

Kathryn quase se sentiu aliviada de que o padre não a confrontasse por compartilhar a cama de Edric, e ela estremeceu ao pensar no que ele faria quando soubesse.

— Monpère — ela murmurou, na tentativa de acalmá-lo —, eu lhe asseguro, não é minha intenção fazer mal a alguém de Braxton. Fui eu que descobri o plano de Robert Ferguson...

Algar a sacudiu.

— E como soube que ele entraria às escondias no castelo?

— Como eu... eu não sabia! — ela gritou, surpresa com a insinuação do padre.

— É bem próprio de uma normanda mentir! Você o deixou entrar, depois o matou para conquistar a confiança de lorde Edric!

Kathryn deu um jeito de se libertar da mão do padre.

O homem por certo estava tão perturbado pela raiva que pensava que ela poderia ter arquitetado um plano assim complicado. Não fazia sentido conversar com ele, nenhum sentido em explicar que não tinha nada a ver com Ferguson além de ter sido raptada por ele e seu clã. E dizer que se sentia grata por ter se livrado dos escoceses.

Ele não lhe daria crédito.

Ela afastou-se correndo e ficou a imaginar se o padre convencera alguém mais com sua improvável teoria. Ao pegar as saias e erguê-las, ela subiu depressa os degraus do castelo e entrou, só para se chocar contra Edric, que ia saindo. Desequilibrada, ele a segurou pelos ombros.

— Kate, eu estava prestes a ir procurar por você.

As palavras a invadiram com um lenitivo, e ela sorriu.

— Está tremendo — ele murmurou. — O que aconteceu?

— Nada, milorde. Fale-me de lorde Bryce. Como ele está?

— Do mesmo jeito.

— Sinto muito — Kathryn falou baixinho quando Edric a puxou pelo salão rumo às escadas.

Ele cheirava ao sabão de cinzas que usavam na abadia, e ela percebeu que Edric deveria ter se banhado. Ah, como queria comprimir a face naquele peito forte e aspirar pro­fundamente o cheiro másculo!

— Lora e eu ficaremos com ele esta noite. Kathryn concordou. Julgava que ele deveria mesmo.

— Caedmon — Edric chamou o cavalariço no salão —, vá até o celeiro para pegar uma jarra de leite fresco. Ponha no quarto de lorde Bryce.

Kathryn subiu as escadas com Edric e seguiu-o até o solário. Ao fechar e passar a tranca na porta atrás dos dois, ele pegou o bebê e o deitou no berço. O aposento fora transformado num quarto de criança, mas Kathryn tivera pouca chance de inspecionar todas as mudanças antes que Edric voltasse para perto, tomando-a nos braços para beijá-la.

Ao inclinar a cabeça para aprofundar o beijo, ele abriu-lhe a boca com a língua e deslizou para dentro enquanto suas mãos desciam até as nádegas de Kathryn. Ela não entendia como Edric conseguia excitá-la tão depressa e tão facilmente, mas sentiu a ponta dura de sua ereção e percebeu que ele sentia o mesmo.

Ansiosa pelas carícias, Kathryn comprimiu a virilha contra a dele. Sem interromper o beijo, Edric ergueu-lhe as saias e escorregou a mão para baixo delas. Kathryn sabia que ele a encontraria ávida e quente. A paixão faiscou a um toque de seus dedos, e ela estremeceu em seus braços, o prazer culminando numa explosão que lhe bambeou os joelhos e lhe fez o coração palpitar.

— Você é tão linda — ele murmurou, interrompendo o beijo, mas roçando os lábios pela orelha e depois pelo pes­coço de Kate. Soltou-lhe as saias e encheu as mãos com os seios fartos, e os mamilos extraordinariamente sensíveis.

Ainda sem fôlego, Kathryn desafivelou-lhe o cinto e en­fiou as mãos dentro da calça de Edric. Circundando o membro rijo, ela deslizou os dedos ao longo da extensão dura e para trás e, depois, caiu de joelhos.

— Oh, Jesu — Edric exclamou, sem firmeza, quando Kathryn correu a língua pela ponta. Então, enterrou as mãos por seus cabelos, e empinou os quadris, deslizando a ereção para dentro de sua boca.

Kathryn sugou-o suavemente, depois com força, dando-lhe prazer com a boca, como ele fizera com ela mais de uma vez durante a noite.

A respiração de Edric saía em arquejos roucos, e Kathryn percebeu que o agradava. Tornou-se mais ousada, usando uma das mãos para lhe acariciar as bolas enquanto enrolava a língua em torno do eixo duro. Apertou-o ligeiramente com os dentes e levou a outra mão até a nádega, enterrando os dedos nela para apoiar-se e para segurá-lo com firmeza.

A reação de Edric às carícias provocou um estímulo violento no próprio ventre de Kathryn, uma excitação tão intensa que ela estremeceu. Edric deixou escapar um ge­mido profundo, e Kathryn sentiu uma contração diferente na carne pulsante. Então, de repente, ele foi sacudido por um espasmo, liberando sua semente enquanto Kathryn atingia também o clímax.

Kathryn afundou no chão, e Edric caiu de joelhos a seu lado. Nenhum dos dois falou, mas ele passou os braços em torno dela e puxou-a para perto, feliz com o silêncio do momento.

 

A febre de Bryce continuou até a noite do terceiro dia. Finalmente seus olhos clarearam e ele estava mais lúcido do que estivera pela metade da semana.

— Você nos deixou preocupados, irmão — disse Edric, quando Bryce pediu um copo de cerveja.

Ele barbeara o rapaz para ficar mais fácil banhá-lo, e as feições de Bryce estavam encovadas e pálidas. Edric foi até a porta e chamou uma criada para trazer a cerveja, enquanto Lora ficava de pé, exausta, e examinava o feri­mento outra vez.

Limpou o ungüento da pele de Bryce e suspirou de alívio.

— Está limpo. Finalmente!

A vermelhidão sumira, e as bordas tinham se fechado.

— Vai me deixar levantar agora? Lora sorriu.

— Sim, se você se sentir forte o suficiente.

— O que eu gostaria era de banho para tirar o cheiro dessa cama de mim.

— Claro. Você merece lençóis limpos—concordou Lora, que saiu para dar ordens às criadas.

Edric ajudou Bryce a vestir uma camisa limpa, tirou-o da cama, e levou-o até uma cadeira.

— Sinto como se alguém tivesse jogado um carrinho de mão cheio de pedras em minha cabeça — resmungou Hryce. Acomodou-se com uma careta e então indagou: — Quais são as novidades, Edric? Drogan já voltou?

— Não, eu o espero a qualquer momento.

— E quanto a Kate? Ainda está aqui?

— Sim.

— Nada de viajar para Evesham Bridge, então?

A criada chegou com a caneca de cerveja de Bryce, e ele tomou um gole. Edric não respondeu a pergunta do irmão, sem vontade alguma de conversar com Bryce ou qualquer outra pessoa, embora certamente esperasse que ela deixasse de lado e tirasse da cabeça a idéia de ir para o convento.

— E Aidan?

— Crescendo. — Seu filho começara a florescer, e não parecia tão frágil como era a princípio. As atenções de Kate eram boas para o garoto.

Durante a doença de Bryce, Kate fora deixada por conta de suas próprias tarefas, e Edric não tinha noção de como ela passara aqueles dias. A única coisa que sabia era que, quando visitava sua cama durante a noite, ela correspon­dia a ele com uma paixão irrestrita.

Idéias de como poderia corrigir sua negligência trou­xeram um sorriso aos lábios de Edric.

Quando os criados chegaram com uma tina e baldes de água quente para o banho de Bryce, Edric saiu do quarto e desceu até a cozinha. Encontrou Lora lá, dando instruções à cozinheira para uma refeição leve a ser servida a Bryce depois do banho.

— Pode descansar tranqüilo esta noite, milorde — ela disse. — Deixe um dos criados ficar com Bryce. Tenho certeza de que a febre não voltará. — Lora bocejou.

— Vá e descanse em sua própria cama, Lora — mur­murou Edric. — Caedmon a acompanhará até em casa.

Lora concordou com ar cansado e voltou ao quarto de Bryce, sem dúvida para orientar os criados e pegar sua sacola e outras coisas que tivesse deixado lá durante os longos dias de vigília.

Edric passou a mão pela barba. Seu rosto estava áspero e pinicava a pele de Kate. Pensou nas faces recém barbeadas de Bryce e recordou-se do comentário de Kate so­bre a covinha no queixo de Aidan. Ela achava que isso o evidenciaria quando crescesse.

Edric levou um prato de comida consigo quando subiu as escadas, mas o colocou de lado ao entrar no quarto. Acendeu um lampião, arrancou a túnica e pegou a lâmina que usara para barbear o rosto de Bryce. Sentou-se na cama e usou o sabão e a água da bacia para, cuidadosa­mente, raspar a barba das faces.

Kathryn não conseguia dormir. Pegou o xale e o enrolou nos ombros, e foi sentar-se diante do fogo com seu tricô. Não era necessária no quarto de Bryce e, embora se preo­cupasse com o rapaz, Edric lhe assegurara que Lora es­tava fazendo todo o possível para curá-lo.

Tudo que lhe restava era rezar, o que Kathryn fizera. Fervorosamente.

Concentrou-se na tarefa, e mal ouviu a porta se abrir quando Edric entrou. Pelo menos ela pensou que era Edric. A barba sumira e os cabelos estavam penteados para trás, longe do rosto.

Era um semblante de tirar o fôlego, e Kathryn levou a mão ao peito como se pudesse diminuir as batidas rápidas do coração, como se conseguisse reprimir tudo que sentia por aquele lorde saxão.

— A febre de Bryce cedeu. — Edric aproximou-se dela e agachou-se ao lado da cadeira, tomando o trabalho tri­cotado entre o polegar e o indicador.

Um peso pareceu desaparecer dos ombros de Kathryn, e ela fez uma silenciosa prece de agradecimento.

— E a notícia pela qual estive rezando.

— Sim. Ele vai sarar agora.

Kathryn pegou o queixo de Edric numa das mãos.

— Não é de se admirar que seu filho seja um bebê tão lindo. — Tocou a covinha no queixo de Edric e correu a ponta do dedo sobre o lábio inferior, imaginando se ele fizera a barba por sua causa. Depois, censurou-se pela própria tolice. Provavelmente era uma coisa que ele fazia a cada poucos meses para não deixar a barba chegar até a cintura.

— O que está fazendo? — ele indagou. Ela ergueu a pequena manta azul.

— Nada muito complicado. Elga disse que eu deveria começar com uma peça simples.

—Está bem feito — ele murmurou, embora mal olhasse para o trabalho. Sentou-se ao lado de Kate. — Bryce ficará contente em saber que você está aprimorando suas habi­lidades com a agulha.

Kathryn encarou-o ofendida, mas logo percebeu que

Edric estava brincando. Ele passou um braço em torno de seus ombros e abraçou-a, rindo.

— E um malvado, senhor.

— Sim. Isso eu sou. Beije-me, Kate.

Ela o atendeu, deixando o tricô cair no colo. Foi um beijo longo e terno e quando Edric o interrompeu, parecia feliz em sentar-se com ela perto da lareira e conversar. Enrolou uma mecha curta dos cabelos de Kathryn em tor­no dos dedos e, quando a fitou dentro dos olhos, ela julgou que seus ossos fossem derreter.

— Como é que nunca aprendeu a tricotar? Não é uma habilidade que a maioria das moças aprende cedo?

Kathryn pegou as agulhas de novo, a mente procurando uma resposta que não a denunciasse.

— E que eu não tinha talento para isso na ocasião. Ou me faltava paciência. Diga-me, quando Drogan retorna?

— Talvez amanhã. E uma bela distância até Dunfergus, e haveria muito trabalho a fazer assim que ele estivesse lá.

— O povo da vila acha que ele trará mercadorias de volta... comida.

— Sim. A milícia levou carroças com a finalidade de trazer de volta tudo que eles carregaram.

— Então, tudo ficará bem? Haverá bastante provisão para passar o inverno?

Edric meneou a cabeça devagar.

— Tenho minhas dúvidas. Sim, vai ajudar, mas, de acordo com os cálculos de Oswin, precisamos dividir os suprimentos com cuidado para fazê-los durar.

Haveria mais que o suficiente em Kettwyck. Kathryn soubera da estimativa da colheita de Kettwyck, que ex­cedera em muito as expectativas de seu pai. As terras de

Kettwyck eram férteis, e eles tinham experimentado uti­lizar um novo sistema para drenar as áreas alagadiças e os brejos, tornando possível transformar em lavoura aqueles terrenos. Ela imaginou se seu pai partilharia com alguém sua colheita. Não poderia perguntar, não sem re­tornar à sociedade normanda e enfrentar o ridículo que certamente a esperaria.

Ela e Edric conversaram algum tempo, mas, por fim, Aidan os interrompeu, exigindo com seu choro a mamadeira. Kathryn não mais sentia qualquer constrangimen­to quando abaixava a combinação para alimentá-lo. O bebê continuava ainda pouco inclinado em permitir que qualquer outra pessoa lhe desse o leite, e Kathryn deixara de perguntar sobre as babás que poderiam substituí-la.

Fora embaraçoso... perceber como fora débil sua deter­minação em resistir a Edric. Kathryn sabia que seria me­lhor reunir algum tipo de força interior e deixar Braxton Fell, mas não conseguia se convencer a fazer isso.

Quando Aidan terminou, mergulhou no sono no mesmo instante. Edric levou Kathryn para a cama e fez amor com ela, lentamente desta vez, prolongando o prazer até que ela jazia frouxa do lado dele, o corpo saciado e exausto, muito além do mero contentamento.

—Agora que Ferguson não é mais uma ameaça — disse Edric —, por que não fazemos um passeio a cavalo entre as colinas amanhã? Existe mais em Braxton Fell do que este castelo e nossa vila.

Acariciou-lhe o quadril enquanto continuavam deita­dos juntos, e Kathryn entregou-se ao sono.

— Sim — ela murmurou, sonolenta demais para ponderar como iriam cavalgar juntos sem que todos em Braxton Fell soubessem que era amante de Edric.

Estava escuro no quarto quando Kathryn o acordou. Edric despertou no mesmo instante, e levou a mão para a espada.

— O que foi?

— Precisa ir, Edric — murmurou Kathryn, aflita. — E quase alvorada, e os criados logo estarão andando por aí.

Ele caiu de costas na cama e se virou.

— Não. Volte a dormir.

— Por favor! — Ela o sacudiu para despertá-lo. — Não podem saber...

Sono e cansaço dos últimos dias tornaram as palavras de Kate incompreensíveis para ele.

— É Aidan.

— Edric, por favor, me escute. Se os criados souberem que você e eu... Se eles...

Ele se ergueu nos cotovelos e a encarou, mal em con­dições de discernir o formato das feições de Kate na es­curidão do quarto.

— Você não quer que eles saibam que partilhamos o leito.

— Por favor. Eles não podem saber que sou sua...

— Minha o quê, Kate? Edric ouviu-a engolir em seco.

— Tenho certeza de que existe uma palavra em saxão para aquilo que eu sou.

— Sim. Você é minha mulher, Kate.

— Não é do que seus criados ou os moradores da vila me chamariam. Por favor, não pode ir e me deixar com um farrapo de respeito próprio?

Edric rolou para fora da cama e enfiou a túnica. Sem uma palavra, deixou Kate na companhia do filho, que acordara e exigia a primeira refeição do dia.

Antes de rumar para o próprio quarto, ele passou no de Bryce, que dormia profundamente. Entrou e tocou a lesta do irmão. A pele estava fria ao toque, e Edric retirou-se para seus aposentos, com a intenção de desfrutar de outra hora de sono.

Mas o sono lhe fugiu.

Edric vestiu-se e saiu da fortaleza, rumando para o estábulo. Ninguém estava por ali ainda, e ele mesmo selou seu garanhão e o montou, disposto a fazer a cavalgada que planejara compartilhar com Kate.

O sol subiu no horizonte conforme ele passava pelos portões e rumava para oeste, passava pelo moinho e se­guia na direção das montanhas, para as terras não dani­ficadas pelas incursões dos escoceses. Esperava levar Kate naquele dia, se o tempo estivesse bom, e mostrar-lhe seus domínios.

Porém, sabia agora que Kate não o acompanharia de boa vontade. Não, se ela se preocupasse com o que os criados pensariam a seu respeito.

Nos últimos dias, Edric não dera muita consideração ao comportamento de Kate para com ele quando em pú­blico. Kate se mostrava distante e respeitosa, tal como se esperava que qualquer criada se comportasse. Porém, se­rá que uma criada não ficaria orgulhosa em prender o interesse de um senhor poderoso? Nos anos anteriores ao seu casamento, Felicia se certificara de fazer todos sabe­rem que ela o levava para a cama.

Edric suspeitara que Kate fosse diferente, e agora tinha certeza disso. Na noite passada, ele lhe fizera uma per­gunta inocente sobre aprender a tricotar, mas Kate dera um jeito de evitar uma resposta direta, mudando a con­versa para outra direção.

Ela não desejava revelar nada a respeito de si mesma.

Oswin o alertara para não confiar nela. Mas o adminis­trador falava como alguém que odiava os normandos por princípio. Kate não representava nenhuma ameaça para Aidan ou para Braxton Fell. Matara Robert Ferguson e dera o alarme antes que os escoceses pudessem surpreen­dê-los desavisados.

A sombra de Edric encurtou-se conforme o sol subiu. Ah, como ele queria que Kate estivesse ali naquele pas­seio... Planejara segurá-la na sela, à sua frente, as costas contra seu peito, seus braços a rodeá-la pela cintura con­forme vagavam pelas colinas e vales de suas terras.

Era evidente, Kate não era uma simples criada. Edric imaginou o verdadeiro nome dela seria Kate, e se ela era realmente de Rushton, como dissera. Deveria perguntar a ela diretamente. Deveria retornar ao castelo naquele mesmo instante e exigir algumas respostas. Afinal, Kate tinha seu filho sob os cuidados. E ele tinha o direito de saber quem era ela.

Em vez disso, ele saiu num galope duro pelo vale isolado até que chegou a uma trilha que levava através dos bos­ques e ao alto, a um local elevado numa das colinas. Era o lugar onde ele e Bryce, juntamente com Siric e Sighelm, se escondiam dos pais e sonhavam os sonhos da juventude.

Edric não estivera ali desde que seus jovens amigos haviam sido mortos.

Cavalgou para mais longe que pôde, até que o terreno tornou-se muito áspero. Então, Edric amarrou o cavalo à mesma árvore que seu irmão e os filhos de Oswin sempre usavam, e continuou a pé. A trilha não era tão fácil de se encontrar dali, e era disso que os rapazes gostavam mais. Pensavam que ninguém os acharia, se não desejassem ser encontrados.

Não levavam em conta a evidência dos cavalos amar­rados ao pé do caminho.

Edric chegou ao lugar onde os quatro amigos senta­vam-se, juntos, e discutiam sobre os erros dos pais e as coisas que fariam diferente se fossem eles a tomar as de­cisões. Ao se sentar na projeção gramada para olhar por seus muitos esconderijos no terreno, Edric soltou uma ri­sada auto depreciativa quando pensou em tudo que fra­cassara.

Ele podia ter outros domínios, mas Braxton Fell era seu lar. Era onde nascera, onde seus pais tinham vivido na modesta fortaleza que estava vazia agora; onde ele planejara criar seu próprio filho. Antes de os normandos chegarem, a vila prosperava, apesar até mesmo das oca­sionais escaramuças com os Ferguson.

Porém, muitos homens da milícia tinham morrido ou ficado aleijados no serviço exigido pelo rei Guilherme, e aqueles que sobraram para defender Braxton Fell dois anos atrás tinham fracassado. Edric e Bryce tinham fica­do chocados ao voltarem para casa e encontrar as terras tão devastadas. Pouco poderiam fazer para reparar os campos e florestas, e suas outras propriedades tinham apenas o necessário para sustentar a si próprias.

Os campos viáveis de Braxton haviam sido ceifados em semanas recentes, e Edric percorreu com o olhar as terras segadas de fresco. O moleiro Anson não ficaria muito ocu­pado naquele outono, pois haveria menor quantidade de grãos para moer que antes, o que queria dizer que a cota de Edric seria também significativamente reduzida.

Ele avistou umas poucas cabras vagando entre as ár­vores mortas e as rochas na encosta da montanha, e algu­mas ovelhas pastando no vale abaixo. O gado insuficiente de Braxton Fell fora mantido fechado, pois os Ferguson tinham uma queda por bife. Nos anos passados, tinham roubado muitas vacas dos pastos de Braxton.

Edric recostou-se contra uma pedra e recordou-se da idéia tola que tivera certa vez, de que um dia ele traria sua noiva até ali no alto para ver onde ele passara as últimas horas da juventude, e para avaliar a fartura de todas as suas terras.

Cecily não fora aquela com quem ele teria partilhado isso. As mulheres normandas não...

Sua idéia de mulheres mudara com Kate. Ela não era a mesma moça fria e mimada que Cecily fora, mas gene­rosa e acolhedora. Tinha a fala macia e fluente que uma moça bem-nascida deveria ter. Tinha um senso de orgulho que a levava a manter segredo sobre a ligação com ele. E se Edric descobrisse que ela era filha de um cavaleiro normando, a honra o obrigaria a devolvê-la à família.

Tal pensamento o fez parar. Não estava pronto para desistir dela, mesmo se Kate se mostrasse relutante em permitir que todos na propriedade soubessem do caso que mantinham. Ela estava certa. Era um relacionamento ilí­cito, e embora ninguém pensasse mal dele por tomá-la como amante, ela ficaria marcada como uma prostituta. Não era o que Edric desejava para Kate.

Kathryn não conseguiu voltar a dormir, nem quando Edric deixou-a tão abruptamente e sem o tipo de beijo demorado que lhe dera em cada uma das separações an­teriores. Ele estava zangado, e com razão. Quem era ela para ditar como o relacionamento dos dois deveria ser conduzido? Edric era senhor dos domínios, e ela não de­veria ter protestado contra sua presença em sua cama ou pedido que ele mantivesse a ligação secreta. Kate entre­gara a virtude a ele e não tinha direito de se importar que o mundo soubesse que ela era amante do lorde de Braxton Fell.

Depois de dar a mamadeira a Aidan, ela se vestiu e foi à procura de Edric. Ele não estava no próprio quarto ou no do irmão, mas Bryce estava acordado e a convidou a entrar.

— Não posso ficar — ela disse. — Estou procurando seu irmão.

— Por quê? Há algo errado?

Ela meneou a cabeça, mal notando que as faces de Bryce também haviam sido barbeadas.

— Nada. E que... Eu queria conversar com ele.

— Encontre-o depois. Chegue mais perto. Deixe-me ver meu sobrinho. — Bryce lançou um olhar apressado sobre o bebê, mas concentrou a maior parte da atenção nela, seu escrutínio fazendo com que Kate se sentisse extrema­mente desconfortável. — Há uma expressão diferente em você, Kate de Rushton — ele murmurou. — Braxton Fell combina com você.

Embora Kathryn tivesse certeza de que Bryce não po­deria saber de sua relação íntima com o irmão, ela enrubesceu diante daquelas palavras.

— Preciso ir embora agora, lorde Bryce. Talvez nós o visitemos mais tarde.

Ela deixou o quarto de Bryce e procurou por Edric pelo castelo, mas não o encontrou. Julgando que ele poderia estar com seus homens no campo de exercícios, ela foi até a porta, mas se viu impedida por Oswin, que lhe barrou o caminho.

— Prepare-se para ir embora de Braxton Fell dentro de uma hora — ele disse. — Tenho uma companhia de homens que a escoltará a Evesham Bridge.

As palavras do administrador atingiram Kathryn como um punho de gelo.

— E... quanto a Aidan? — ela balbuciou. — Quem irá...

— Há uma mulher na vila cujo bebê morreu de noite. Ela tomará conta dele agora.

Enquanto Kathryn engolia as lágrimas repentinas, ela refletiu que Edric não era o tipo de homem que usasse um intermediário para terminar um relacionamento. Contudo, por certo Oswin não tomara para si a tarefa de mandá-la embora. Edric deveria ter ordenado que fossem feitos os preparativos.

Edric subiu as escadas para a fortaleza e abriu a porta quando viu Kate e Oswin numa troca séria de palavras.

— Não é mais de sua conta — Oswin estava dizendo. — Faremos o que tiver de ser feito. Vá, agora. Reúna...

O administrador parou de repente e se empertigou a toda sua altura quando se deparou com Edric.

— Kate?

— Bom dia, milorde.

A voz de Kate estava diferente, um pouco ofegante, Edric pensou. Olhou para Oswin, que cruzou os braços pelo peito, mas não disse nada.

— Está tudo bem?

— Claro.

— Então, venha comigo.

Juntos, eles se afastaram de Oswin e subiram as esca­das. Quando estavam fora das vistas, Edric inclinou-se e beijou-a.

Kathryn pousou a mão em seu braço, a mente a vacilar de tristeza de tê-lo mandado embora de sua cama, e cheia de confusão quanto às intenções de Oswin.

— Edric, sinto muito. Eu estava errada ao lhe dizer para manter nossa...

— Kate, você não estava errada. E respeitarei seus de­sejos sobre o assunto. — Ele encontrara inúmeros mora­dores da vila na volta ao castelo, e eles haviam se referido de forma tão elogiosa a Kate que Edric mal pudera acre­ditar que falavam da mesma mulher de quem tinham escarnecido quando de sua chegada a Braxton Fell.

— Respeitará? — Os olhos de Kathryn se encheram de lágrimas.

— Naturalmente. — Era preocupante o quanto as lá­grimas de Kate o aborreciam, mas ele procuraria se cer­tificar, no futuro, de que ela tivesse poucos motivos para chorar. As diversões na cama a manteriam satisfeita e feliz.

— Você não deseja me mandar embora?

— Não seja ridícula.

— Mas Oswin me disse que eu devo...

— Ignore-o, Kate. Levará algum tempo antes que ele abandone o ódio para com sua gente.

Kathryn ergueu-se na ponta dos pés e o beijou.

— Oh, Edric, eu... — Fosse o que fosse que ela estava prestes a dizer, Kathryn mudou de idéia, e apenas agra­deceu.

Entraram no berçário, onde Kate pegou o leite de Aidan e algumas roupas limpas para o bebê, e depois enrolou o xale em torno dos ombros. Edric gostava de fitá-la, ver o cuidado cheio de ternura que ela dispensava a seu filho e o modo com que algumas vezes ela se atrapalhava, cons­ciente de que ele a observava.

— Aonde vai?

—A vila. A amiga de Elga, Diera, prometeu me mostrar como costurar.

— Pensei que Bryce tivesse lhe ensinado. — Era uma brincadeira com a intenção de deixar o momento mais leve, o instante em que Edric se dera conta de como Kate se integrara profundamente em sua comunidade. Não era qualquer moça que poderia de vangloriar de matar um guerreiro dos Ferguson, muito menos o próprio Robert.

Aidan crescia conforme os dias transcorriam, e Edric passava a maior parte de cada noite na cama de Kate, sempre saindo antes do amanhecer. Segundo seu conhe­cimento, apenas Bryce sabia de seu romance, embora Lora pudesse nutrir suspeitas.

Edric ordenara a Oswin que ficasse longe dela, já que rido havia nada a ganhar se o administrador se julgasse com o direito de decidir sobre as tarefas de Kate. De vez cm quando, Edric imaginava o que Kate quase dissera na manhã em que lhe agradecera por manter o relaciona­mento dos dois sob discrição, mas logo dizia a si mesmo <iue não deveria ser nada de importante.

Depois de mais de uma quinzena fora, Drogan final­mente voltou. Edric e Oswin o encontraram no pátio e inspecionaram as carroças carregadas de sacos de cereais <los escoceses. Enquanto Oswin pegava seu livro-caixa e anotava sua avaliação da pilhagem, Edric interrogava Drogan.

— As mulheres e as crianças dos Ferguson fugiram quando souberam da morte de Robert, e nós combatemos o resto do clã pelo território e pelas mercadorias.

— Eles voltarão? Drogan meneou a cabeça.

— Duvido. Suas terras e cereais são nossos. Muitos de nossos homens queriam voltar para cá, para as famílias e seu trabalho. Com sua permissão, levarão outros até Dunfergus e terminarão de fazer a colheita dos campos dos Ferguson.

— Concordo, é um bom plano.

— Nesse meio-tempo, deixei Cuthbert com cinqüenta homens para guardar o lugar. Se alguém os desafiar, te­rão uma batalha árdua a vencer.

Eram todas as boas novas que Edric queria ouvir, mas quando padre Algar chegou e os encarou com o semblante fechado, seu otimismo feneceu. As notícias de Oswin eram ainda menos animadoras.

— Precisamos de cinco vezes esse tanto, milorde — disse ele, apontando um braço na direção das carroças. — Eu esperava...

— Haverá mais chegando, prometo — disse Drogan, mas Oswin meneou a cabeça. Comprimiu os lábios numa linha fina e se afastou, verificando as colunas de números conforme andava.

— Ele fica mais azedo a cada dia que passa, não é, milorde?

Edric observou a figura alta, de ombros derrubados que se juntava à multidão de homens no pátio.

— Sim. Talvez esteja cansado de sua ocupação.

 

O conselho de Oswin sobre os Ferguson fora errado, e sua atitude com relação a Kate indefensável. Edric sabia que fazia algum tempo que era hora de procurar outro para servir como administrador, mas se sentia relutante por causa do histórico de Oswin com sua família.

Drogan deu de ombros e olhou com expectativa para o portão dos fundos, Muitas das mulheres tinham vindo dar as boas-vindas à milícia, mas Lora não aparecera.

— Como está passando Bryce, milorde? Lora está com...

— Está fora da cama agora — retrucou Edric. — Mas Lora o proibiu de sair para cumprimentá-lo.

— Ah... Se não se importa, lorde Edric, eu vou indo. — Drogan estendeu a mão para a sela e pegou uma sacola grande de couro, delicadamente trabalhada.

— O que tem aí, Drogan?

Se os olhos de Edric não o enganavam, um tom aver­melhado familiar subiu pelo pescoço do guarda corpulento e espalhou-se por suas faces.

— E um presente para Lora. Fiz uma permuta com um funileiro que encontramos na estrada. Toque isto aqui. Não é o couro mais macio que já sentiu?

Edric concordou. Era muito fino, e ele esperava que Lora levasse a corte de Drogan a sério. Ela não encontra­ria um provedor melhor em todo o norte do rio Humbria, e Drogan jamais conheceria uma mulher mais bem-hu­morada. Eram feitos um para o outro.

Kathryn colocou a costura de lado quando os homens da milícia atravessaram a vila. Empolgadas, ela e Diera foram até a porta da cabana.

— Meu marido deve estar com eles! — Diera exclamou, erguendo as saias para correr atrás das carroças.

Kathryn sabia que ficaria assim tão emocionada caso fosse Edric que voltasse depois de mais de duas semanas de ausência. E imaginou como Lora reagiria com a chegada de Drogan. A curandeira parecia calada naqueles últimos dias, e Kathryn achava que talvez estivesse pensando no conselho de Elga. Ela poderia não gostar de Drogan da mesma maneira com que amava Hrothgar, mas era óbvio que tinha uma grande afeição pelo guarda de cabelos claros e quem sabe ele pudesse lhe dar o filho que ela desejava.

Tal como Edric daria a Kathryn um bebê. Era apenas questão de tempo até que ela engravidasse, e Kathryn imaginou que Edric ficaria com ela quando estivesse com a barriga enorme. Nunca seriam uma verdadeira família, não sem o privilégio do casamento. Talvez ele lhe desti­nasse uma cabana na vila, ou em uma de suas outras propriedades, para criar o filho. O filho bastardo.

Kathryn afastou-se depressa da porta e sentou-se com a costura outra vez. Não fazia bem algum tentar adivinhar o que o futuro traria. Ela precisava se contentar com o presente, cuidando de Aidan e aprendendo as coisas que as mulheres da vila estivessem dispostas a lhe ensinar. Um dia ela poderia precisar dessas habilidades, muito provavelmente.

Algum tempo depois, Kathryn voltou ao castelo, to­mando cuidado para evitar Oswin e o padre. Ambos con­tinuavam hostis com ela, acreditando obviamente que Kathryn não era confiável. E ela não sabia o que mais poderia fazer para provar seu valor além de matar o líder dos inimigos de Braxton Fell. Estremeceu à lembrança de Robert Ferguson parado tão perto do berço de Aidan. Ela amava o bebê como se fosse seu, tal como amava o pai dele.

Porém, nunca diria isso a Edric. Ele não falara de quais­quer sentimentos ternos para com ela, e assim Kathryn não iria desnudar o coração vulnerável para ele. Nem po­deria reclamar do tratamento que Oswin lhe dispensava; ela não era uma mulherzinha chorosa que não via nada errado em criticar o homem que aconselhara tanto Edric como o pai, antes dele.

Felizmente, o administrador se manteve à distância, e o comparecimento de padre Algar ao castelo se limitava a breves visitas a Bryce.

No caminho de volta à fortaleza, Kathryn viu-se dis­traída pela fila de carroças no pátio. Cada uma delas es­tava carregada de mercadorias e produtos, e os homens as estavam descarregando. Edric estava entre eles e quando os olhos dos dois se encontraram, ele chamou-a com um gesto para que se aproximasse.

Edric se mostrava cuidadoso com suas atitudes para com Kathryn em público, nunca a tocando, mas dando a atenção total a Aidan.

— Drogan voltou? — ela lhe perguntou.

— Sim. Foi à procura de Lora.

Deveria ter sido a primeira coisa que Drogan fizera ao chegar a casa, procurar a mulher de quem gostava, e Kathryn sentiu-se imensamente comovida pelo compor­tamento do guerreiro. E esperou que Lora o aceitasse des­ta vez.

Depois de jantar com Oswin para conversar sobre a avaliação das mercadorias de Dunfergus, Edric saiu do salão e seguiu até a velha fortaleza. Uma porção de per­tences de seus pais ainda continuava guardada lá, e havia algo que fora de sua mãe que ele queria encontrar.

Acendeu um lampião e levou-o até o quarto que seus pais haviam compartilhado durante os anos de casamen­to. Os cortinados da cama não estavam mais lá, e Edric se deu conta de que agora pendiam em torno da cama de Kate. Ela tornara o berçário um lugar acolhedor e agra­dável, com tecidos coloridos e os brinquedos da infância de Edric.

Ele abriu um velho baú e examinou o conteúdo, mas não encontrou o que procurava. No próximo aconteceu a mesma coisa, mas o terceiro pertencera à sua mãe. E nele, Edric descobriu o que estava buscando, dois pentes pesa­dos de madrepérola que ela usava nos cabelos.

Edric enrolou os pentes num pano e voltou para o cas­telo, sabedor de que o presente que Drogan trouxera para Lora fora o que o inspirara a pegar as peças de sua mãe para dá-las a Kate. As mulheres apreciavam esses gestos ternos, e ele fora omisso em não ter pensado nisso antes.

Estava escuro e tudo muito quieto no castelo quando ele voltou, e Edric subiu diretamente para o berçário. Kate estava sentada diante da lareira, olhando as cha­mas. As noites haviam se tornado muito mais frias agora, e ela estava toda vestida, com o xale enrolado em torno dos ombros por onde os cabelos caíam em ondas soltas e sensuais. Como de costume, Edric sentiu o impulso de comprimir a face contra aqueles fios macios, enquanto ouvia o som musical das palavras de Kate com seu leve sotaque afrancesado.

Pegou os pentes do bolso e abriu o embrulho em que os enrolara.

— Trouxe isto aqui para você — disse, sentando-se per­to dela. Mas ela olhou para os pentes como se nunca ti­vesse visto tais coisas antes. — Pentes. Para seu cabelo.

— Você me trouxe um presente? — Ela os pegou da mão de Edric e admirou-os com o olhar.

— Eram de minha mãe.

— Oh, Edric, são muito lindos...

Ela o fitou com uma expressão de que alguma forma era muito mais que de gratidão, e Edric se deu conta de que Kate tomava o presente por algo muito maior do que ele pretendia.

— Não é nada, Kate. Você tem apenas um pedaço de cordão torcido para prender seus cabelos. Isso vai funcio­nar melhor.

Ele levantou-se e colocou mais lenha no fogo, fazendo as chamas subirem em labaredas, lutando contra os pensamentos de que talvez tivesse sido mais prudente deixar os pentes no velho baú.

— Obrigada por este presente prático, então — ela mur­murou, a expressão toldada.

Levou as mãos aos cabelos, ergueu os braços e torceu as longas madeixas, e depois enfiou os pentes que os pren­deram artisticamente no lugar. Tinha um ar elegante... talvez mesmo régio... e cada músculo nas entranhas de Edric contraiu-se diante daquela visão.

— De nada.

Ele seguiu para a porta, lembrando a si mesmo de que Kate era pouco mais para ele do que Felicia fora, uma boa parceira de cama, assim como a babá de Aidan. E não seria nada bom para ela se pensasse que era algo mais.

A frieza repentina de Edric confundiu Kathryn. O pre­sente fora atencioso e algo doce. No entanto, ele rejeitara seus agradecimentos. Se ela não estava enganada, fora isso exatamente o que o fizera sair do quarto.

Tal atitude não era racional. E se Edric pensava que ela iria se preocupar com seu mau humor, ou ficar dispo­nível para cada capricho, era melhor que pensasse duas vezes. Kathryn não tinha intenção de esperar ali no ber­çário que seu senhor de temperamento desagradável vol­tasse. Abafou o fogo e depois pegou Aidan e saiu do quarto, subindo as escadas para buscar uma trégua no quarto de Berta. A velha gostava das visitas de Kathryn, e adorava ver o filho de Cecily. Além disso, era o único lugar onde Edric não iria aparecer.

 

Que homem em sã consciência haveria de querer uma amante que não soubesse o seu lugar? A de Edric era uma mulher que não queria que soubessem que ele par­tilhava de sua cama, uma que mal falava com ele em público. Ele resmungou uma praga e desceu para o salão.

Mandou um dos criados buscar-lhe uma caneca de cer­veja, e sentou-se numa das poltronas de seu pai, recusan­do-se a pensar na expressão intrigada de Kate quando ele a deixara no berçário. Havia coisas mais importantes em que pensar. E, por Deus, ele iria refletir sobre elas agora, enquanto desfrutava de uma caneca de sua preciosa cerveja.

Drogan trouxera boas novas a respeito da derrota dos Ferguson. A colheita dos escoceses seria um acréscimo bem-vindo aos estoques de Braxton, embora a avaliação de Oswin provavelmente estivesse correta; não seria o suficiente.

Mesmo assim, com a saúde de Bryce a melhorar a cada dia, e as notícias da safra, poderiam celebrar em Braxton. Padre Algar rezaria missas de ação de graças e os menestréis se apresentariam nas ruas.

Nos anos anteriores, era a senhora de Braxton Fell que organizava tais festejos, um costume de sua mãe. Cecily, porém, nunca providenciaria isso. Edric sabia do fundo da alma que caso vivesse ali por outros cinqüenta anos, Cecily jamais se adaptaria ao estilo de vida dos saxões. Teria sido uma bênção mandá-la para Evesham Bridge.

Presumira que Kate agiria da mesma forma, porém, a cada dia, ele descobria algo diferente sobre sua amante normanda. Ela não era nenhuma donzela mimada, não com sua disposição em cuidar de Aidan e em se misturar ao povo da vila. Fizera amizade com Lora e Bryce, e Edric tinha mesmo que lhe dar um crédito pelo tempo que pas­sava com a velha ama de Cecily. Não deveria ser nada agradável sentar-se com a velha que não fazia outra coisa a não ser chorar por Cecily.

Edric tinha certeza de que Kate teria dado início às preces e celebrações, caso fosse ela a senhora de Braxton Fell.

Enquanto ele proferia outro impropério por entre os dentes pela incapacidade de tirar aquela normanda de sua mente, a porta principal do salão se abriu, arrancando Edric de seus devaneios. Ergueu os olhos e se deparou com o moleiro Anson e o filho, Grendel, que vinham em sua direção.

— Milorde!

— Sim, moleiro.

O homem parecia agitado, e falou de seu problema sem protelação.

— A pedra do moinho está quebrada, desalojada de seu eixo.

Levou um instante até que as palavras do moleiro pe­netrassem no cérebro de Edric.

— Quebrada?

— Como? — Ele nunca ouvira falar de tal coisa. A mes­ma mó era usada em Braxton Fell por tanto tempo quanto ele podia se recordar.

— Não sei, milorde. Grendel e eu fomos até a vila para comprar nosso pão esta noite. Quando voltamos, subi até a moenda... E havia uma clara evidência de que alguém estivera lá em nossa ausência.

— Que evidência?

— Primeiro, milorde, o portão estava aberto, mas eu tinha certeza de que nós o havíamos fechado. Quando en­tramos, encontramos uma cunha de ferro colocada no ali­cerce da pedra.

— E a canoura de alimentação arrebentada — acres­centou Grendel.

Edric levantou-se. Cruzou as mãos atrás das costas e começou a andar de um lado para outro.

— Viram alguém?

— Não, milorde — disse o moleiro. Cocou a cabeça, e depois retorceu as mãos.

— E um desastre.

— Sim. Precisamos resolver isso e descobrir quem é o vândalo. E por que haveria de querer nos prejudicar desse jeito.

Edric chamou por Caedmon e mandou que o rapaz fosse à procura de Drogan e Oswin, e que o encontrassem no moinho. Aquilo não era um simples ato de vandalismo. Tinha indícios de brincadeira de mau gosto tal como o dano feito às barricas de cerveja. Só que, desta vez, era muito pior.

Edric pegou um manto para se proteger do frio da noite e saiu com Anson e Grendel, rumando para o moinho. Depois de acender vários lampiões, eles foram até a sala que abrigava as pedras e a canoura, por onde o grão era despejado dentro da canaleta, para ser moído entre as duas mós.

— E quanto à roda d'água? — perguntou Edric. Ficava alojada abaixo das mós, numa posição horizontal com re­lação ao rio, girando com a corrente.

— Parece em boa condição, milorde. Grendel irá até lá embaixo para examiná-la quando amanhecer.

— Como o vândalo moveu a pedra?

— Não sei — respondeu o moleiro. — Talvez tenha usado uma de minhas pás. Ou um machado apoiado no calço que foi deixado ali.

A pesada cunha de ferro estava debaixo do alicerce in­ferior da pedra, tal como o moleiro descrevera.

— Um cabo de machado não quebraria o eixo da pedra?

— Acredito que sim.

O moleiro correu os olhos pelas ferramentas e imple­mentos e não encontrou nada fora de lugar. Mas Edric notou duas lascas de madeira, perto da cunha.

Drogan chegou com Oswin logo atrás. Os dois homens avaliaram a situação, mas não tiveram outras idéias.

— Onde está o machado? — perguntou Drogan. — De­pendendo de onde o encontrarmos, talvez possamos des­cobrir o nosso culpado.

— É óbvio demais. Sem dúvida, a coisa foi bem escon­dida — observou Oswin.

Edric concordou com o administrador.

— E quanto a um sabotador escocês? Vocês têm certeza de que liquidou com sua milícia, Drogan?

— Creio que sim, milorde. Mas organizarei uma com­panhia de homens para investigar as redondezas. Talvez tenhamos deixado escapar alguém.

Porém, escoceses saqueadores não explicavam o dano feito aos toneis na adega do castelo. A pessoa responsável era um saxão, um morador de Braxton Fell. Edric tinha certeza disso.

— Viremos examinar isto tudo com o dia claro, Anson — disse ele. — Nesse ínterim, não deixe ninguém entrar. Tranque a porta.

— Farei o que o senhor pede, milorde.

Edric retornou ao castelo com Oswin e Drogan. Ne­nhum dos homens falou enquanto caminhavam, mas quando entraram no salão e seguiram para o escritório de Edric, Drogan disse que achava melhor esperar até o dia clarear para enviar os homens para os campos e florestas, para procurar por sinais de algum inimigo à espreita.

Edric concordou, enquanto Oswin se sentava, a expres­são muito séria.

— Oswin, onde encontraremos outra mó? O administrador meneou a cabeça.

— Ouvi falar em uns poucos lugares... Há uma proprie­dade ao sul, Kettwyck, conhecida por seu granito. Talvez possamos fazer negócio com uma.

— Negociar o quê? Há alguma coisa de valor que pos­samos dar a Kettwyck por um par de mós?

— Terei de pensar a respeito, senhor. Conversaram sobre o arrombamento do moinho, mas

Edric não mencionou a ligação que fizera entre o dano lá e a perda de sua cerveja, esperando para ver se algum de seus conselheiros pensava o mesmo.

Parecia que não, caso contrário teriam dito.

Oswin tamborilou os dedos sobre a mesa, visivelmente perturbado com o vandalismo.

— Tudo virou um inferno desde que os normandos che­garam. Logo a vila inteira irá se levantar em rebelião.

— Ora, dificilmente podem jogar a culpa do dano ao moinho sobre os normandos. Não temos nenhum aqui.

Oswin o encarou então, e Edric se deu conta de que se equivocara. Havia Kate, mas ela certamente não seria capaz de arruinar o moinho. Nem tivera liberdade para danificar as barricas de cerveja.

— Milorde, é hora de voltar ao domínio saxão.

— Oswin, já discutimos isso antes. Estamos sob o do­mínio saxão. O meu. Sou o responsável aqui.

Oswin levantou-se e seguiu para a janela.

—Não, não é. É o bastardo normando que nos comanda.

Edric esfregou a mão pela face.

— Oswin, estou cansado dessa discussão. Somos parte de um reino normando agora, e é melhor que se recorde disso.

Oswin resmungou algo, mas não disse mais nada. Saiu da sala, deixando Edric com Drogan, que ficara de lado.

— E então, Drogan, quando é o casamento?

— Não fiz o pedido a Lora.

Edric soltou uma risada sarcástica.

— Drogan, você é incorrigível.

Deixou o guarda e saiu, pegando o lampião no caminho. Rumou para as escadas. Passou pela porta do próprio quarto e seguiu para o único lugar onde gostaria de estar.

Edric encontrou Kate dormindo profundamente e, por isso, despiu-se silenciosamente e enfiou-se na cama, ao lado dela. Rolando de lado, puxou-a para mais perto, sa­boreando a sensação suave da pele quente contra a sua.

Os cabelos macios pinicaram-lhe o nariz, e ele os afas­tou de lado, pousando um beijo suave, um que não pudesse acordá-la, na nuca de Kate. Ao abraçá-la daquele jeito, Edric mal conseguia se recordar do motivo que o levara a deixá-la tão abruptamente. Não deveria ter reagido com tamanha irritação diante dos agradecimentos. Os pentes significavam pouca coisa, não tinham custado nada, e dado a Kate um pequeno prazer. Nada mais que isso.

Caiu no sono e dormiu intermitentemente, sonhando com ladrões que roubavam os pentes e faziam Kate chorar pela perda. Viu os malandros arrancarem a mó e jogarem na pedra no rio e, quando terminaram, pegaram Aidan e o carregaram para as montanhas.

A hora em que Edric acordou, ficou contente que a noite tivesse acabado. Sentiu Kate virar-se, o seio roçando em suas costas no sono. A mão se apoiou em seu peito, e os dedos deslizaram pelo tufo de pêlos que crescia ali. Instantaneamente, ele ficou excitado. Continuou de costas para ela, e conteve a respiração enquanto a mão de Kate deslizava por sua barriga e mais baixo, até que ela fechou sua ereção entre os dedos. Mo­vimentou a mão para baixo e depois de novo para cima, fazendo-o crescer ainda mais com a carícia.

— Ah, então você está acordado — ela murmurou em seu ouvido, e Edric ficou imensamente feliz que ela o ti­vesse perdoado pela saída impertinente na noite anterior. Deixou escapar um som inarticulado quando ela aper­tou de leve a ponta de seu membro, imitando o toque com que muitas vezes o acariciava com os lábios, um movi­mento que fazia o coração de Edric quase parar, cada vez que Kate o provocava assim. — Então, gosta disso, milorde? Edric suspirou e soltou um arquejo trêmulo enquanto ela continuava a acariciá-lo. Que idiota fora em deixá-la na noite anterior!

— Devo usar minha língua em lugar da mão?

Antes que Edric pudesse responder, ela o montou e in­clinou-se para pousar beijos em seu mamilo, lambendo e sugando o ponto sensível enquanto escorregava para o outro lado. Beijou-o e mordiscou-o, descendo por seu corpo até chegar ao sexo, e o encontrou ereto e pulsante na di­reção da boca.

Percorreu o membro duro com um toque da língua, leve como uma pluma, para depois puxá-lo todo para dentro da boca, sugando-o vigorosamente. Edric fechou os olhos e visualizou Kate a enrolar a língua em torno dele, uma imagem tão sensual que ele quase chegou ao clímax em sua boca.

Então, num movimento rápido, inverteu as posições e imobilizou Kate de costas na cama. Empurrou-lhe as per­nas de lado, e encontrou-a quente e úmida de excitação. Puxou as pernas de Kate sobre os ombros, abriu o ninho de prazer e beijou-a intimamente, arrancando gritos de prazer. Contornando com a língua o ápice do sexo, pene­trou-a com os dedos para tornar a excitação total e abso­luta, levando-a para perto do êxtase antes de penetrá-la.

Kate o surpreendeu ao se afastar. Segurou-o pelos om­bros e o jogou de costas, para depois montá-lo outra vez, fazendo seu membro enterrar-se dentro dela bem deva­gar. Então, inclinou a cabeça para trás, deixando os ca­belos roçar nas coxas de Edric, fazendo seu coração com­primir-se no peito com a leve carícia.

Uma luz tênue infiltrava-se pela janela, e Edric pôde ver as feições de Kate, os olhos fechados, a boca entreaberta e ofegante de paixão. Empalmou-lhe os seios enquanto ela o cavalgava, deliciando-se com o peso macio em suas mãos.

— Oh, Edric! — Kate mantinha a voz baixa, porém o tom sufocado não disfarçava o ardor e a paixão conforme ela se aproximava do clímax.

Edric sentiu o mesmo, com o sexo a pulsar e explodir dentro dela, espalhando a semente num ímpeto de prazer tão intenso e inacreditável diante da brevidade daquele encontro.

Kate fundiu-se a ele, e Edric enlaçou-a nos braços. Jun­tos, desabaram na cama, os corpos unidos, enquanto seus corações e pulmões retomavam um ritmo mais lento.

E Edric sentiu-se feliz, refletindo como seria bom se pudesse ficar ali para sempre.

Nada mais foi possível averiguar quando Edric inves­tigou o moinho pela manhã. A mó superior estava real­mente rachada e inutilizada.

Uma nova canoura poderia facilmente ser construída, mas que uso teria se não tives­sem a pedra de moer?

— O que faremos com todo o grão que está vindo de Dunfergus? — perguntou Drogan.

Edric tamborilou um dedo na boca.

— Deixe-o lá. Nós o moeremos no moinho dos Ferguson.

— E carregamos todo o nosso cereal para lá? — escar­neceu o administrador.

— Não necessariamente, Oswin — retrucou Edric. — Traremos a farinha já pronta dos escoceses para cá e a usaremos enquanto esperamos por novas mós de Kettwyck.

Oswin sacudiu a cabeça com um ar resignado e se afas­tou. E com bom motivo. O suficiente já dera errado em

Braxton Fell nos últimos poucos meses. Não precisavam de mais aquilo.

— Na hora em que precisarmos moer nosso próprio trigo, teremos as novas mós — explicou Edric.

— Não podemos trazer para casa as mós dos Dunfergus e usá-las aqui? — perguntou Drogan.

Olharam para o moleiro, esperando a resposta.

— Que tipo de moinho os escoceses têm? — o homem indagou.

Drogan descreveu-o para Anson, que disse que prova­velmente não fosse dar certo. O moinho de Braxton era inteiramente diferente, usando um projeto horizontal, em vez do tipo vertical de Dunfergus.

— Ah, bem — disse Drogan —, então mandarei um mensageiro para Dunfergus, avisando para não despa­charem os grãos nas carroças.

Com uma expressão obviamente contrariada, Oswin foi embora do moinho. Um instante depois, Grendel, o filho do moleiro, entrou na moenda para dizer que tinham sido avistados cavaleiros na estrada do oeste.

Edric mandou os rapazes alertarem os guerreiros de Braxton, para que se preparassem para os intrusos, e de­pois se apressou, juntamente com Drogan, a ir até a ar­maria, para pegarem o equipamento de combate e se aprontarem para os visitantes. Não tinham razões para crer que os estranhos fossem hostis, porém com o jeito que as coisas caminhavam em Braxton nos últimos tem­pos, Edric julgou que seria melhor estarem a postos.

Montaram seus cavalos e cavalgaram para a vanguar­da da milícia assim que o emissário dos intrusos gritou para a guarda no portão:

— Amigos, somos saxões. Viemos em paz sob a bandei­ra de Wulfgar de Tredburgh.

Edric deu o sinal para que abrissem o portão.

— Trouxe suas próprias provisões, Wulfgar?

Um homem bem armado, da idade de Oswin, adian­tou-se, a cavalo, carregando a lança numa das mãos. Sua barba espessa tinha a cor de aço polido, e ele usava os cabelos compridos presos atrás, ao pé da nuca. Uma capa grossa de pele estava jogada casualmente em seus ombros robustos.

— Viemos em paz, Edric de Braxton Fell.

— Isso não responde a minha pergunta — Edric retru­cou, irritado. Não precisava de mais aquela complicação. — Somos conhecidos como uma casa hospitaleira, mas nossos próprios estoques estão parcos hoje em dia.

— Sim. Trouxemos comida.

— Então, entrem e sejam bem-vindos.

Pelo menos trinta cavaleiros o seguiam, inclusive al­gumas mulheres e crianças. Pareciam nada mais que um pobre bando de viajantes e, no entanto, aquele era o ho­mem que Oswin julgava que os lideraria a uma vitória sobre os normandos?

Edric esperou que se deparar com a realidade do tipo de gente que era Wulfgar pusesse um fim às justificações de Oswin para que eles se juntassem à rebelião do homem.

O administrador colocou-se ao lado de Edric no lombo de um cavalo e cumprimentou o visitante.

— Wulfgar, é uma honra finalmente conhecê-lo. Seus feitos são lendários ao norte do rio Humbria.

O saxão sorriu.

— Realmente, tivemos uns bons arranca-rabos com os normandos.

— Estou ansioso para saber de seus planos — falou Oswin.

Wulfgar fez um gesto de cabeça e então se virou para Edric.

— Suas terras, senhor... Quanta devastação! Que ajuda o rei normando tem mandado?

— Nenhuma, Wulfgar. Cuidamos de nossos problemas em Braxton Fell.

— Sim, mas...

— Foram os escoceses que destruíram nossos campos e florestas. E pusemos um fim neles. Não precisamos de ajuda do rei Guilherme.

Wulfgar apertou os lábios, pensativo. Voltou-se e fez um sinal para uma mulher que cavalgava a alguma dis­tância atrás.

— Odelia! Venha conhecer nosso anfitrião.

Uma jovem esporeou o cavalo e emparelhou o animal ao lado do de Wulfgar.

— Minha filha, Odelia.

Ela era bonita ao modo saxão, com os pálidos olhos azuis e os cabelos de um loiro amarelado preso em trancas enroladas num estilo intricado em torno da cabeça. Os trajes eram simples: um vestido vermelho escuro coberto por um manto singelo de lã marrom.

— Meus cumprimentos, Odelia. E bem-vinda a Braxton Fell.

A jovem sorriu e fez uma leve mesura gentil com a cabeça, mas Edric não sentiu nenhuma onda de interesse por ela.

— Milorde Edric — Odelia murmurou.

Mas Edric estava tão acostumado à suave cadência da fala de Kate que as palavras de Odelia soaram ásperas e grosseiras a seus ouvidos.

Edric virou-se novamente para Wulfgar.

— Seus homens podem estender as mantas nas barra­cas. As mulheres e crianças... meu administrador provi­denciará para que a equipe da casa encontre acomodações para eles esta noite.

— E mais do que esperávamos, milorde — disse Wulfgar, com uma mesura, embora sua maneira obsequiosa irritasse Edric inexplicavelmente. Ele lhes permitiria descansar uma noite em Braxton Fell e depois os mandaria que seguissem seu caminho. — Alguns dias de descanso da viagem é tudo de que precisamos.

— Alguns dias, Wulfgar? Não. Você seguirá seu rumo pela manhã.

— Milorde, não vamos ser tão precipitados — recomen­dou Oswin.

— Oswin, encontre acomodações para as mulheres e crianças. Drogan cuidará das barracas.

— Sim, milorde.

—Aproveite bem o descanso de,hoje, Wulfgar — avisou Edric, esporeando o cavalo de volta ao estábulo.

Da última vez que Kathryn vira Edric tão zangado era logo depois que ele a resgatara dos Ferguson, e Bryce fora ferido. Havia fogo em seus olhos agora, conforme ele an­dava de um lado para outro diante da lareira do berçário.

Ela continuou sentada, quieta, dando a mamadeira a Aidan enquanto ele falava:

— Esses saxões confusos, essa ralé não é o de que pre­cisamos aqui — ele reclamou.

— Só causarão problemas.

— Como seria possível? — Kathryn murmurou.—Você os mandará embora pela manhã...

— Tenho um mau pressentimento quanto a isso. Se o rei Guilherme souber que deu abrigo a um rebelde saxão...

— Como o rei Guilherme ficaria sabendo?

Edric correu os dedos pelos cabelos e voltou a andar de um lado para outro. Estava tão afetado pelo dano causado recentemente ao castelo e ao moinho, que Kathryn dese­java que houvesse algo que ela pudesse dizer para lhe tranqüilizar a mente. Ele era tão forte e poderoso, e ela nunca o vira preocupar-se com um desafio físico, uma ba­talha contra um inimigo conhecido. Porém, a sabotagem ao moinho e agora a chegada dos saxões o deixara ansioso e preocupado.

— O que está acontecendo aqui? — ele resmungou, ir­ritado. — Assim que o rei Guilherme aceitou minha ren­dição e concedeu estas terras a mim, todas as coisas de­veriam ter melhorado. Mas o oposto aconteceu.

Kathryn tocou-lhe o braço.

— Naturalmente as coisas vão melhorar agora. Você resolveu o problema com os Ferguson, e não tem outros inimigos em Humbria do Norte.

Edric pousou a mão sobre a dela e inclinou-se para beijá-la.

— Seu otimismo me faz bem. E você tem razão. Eu me livrarei desses rebeldes e faremos os reparos necessários aos prédios atingidos pelos incêndios. O moinho pode ser recuperado e, enquanto isso, usaremos o dos Ferguson.

O coração de Kathryn transbordou de alegria diante do sorriso de Edric e da constatação de que ele a procurara para desabafar as preocupações.

— Com um planejamento cuidadoso, ninguém passará fome neste inverno.

Kathryn pensou novamente na abundância da colheita em Kettwyck e da exultação de seu pai, a se gabar de que a propriedade tinha uma quarta parte acima do que pre­cisavam. Se ela pudesse engolir o orgulho e procurar o pai pedindo ajuda, ele certamente daria assistência ao homem que resgatara a filha das mãos dos escoceses.

Isso, no entanto, também significaria retornar à socie­dade normanda, não apenas como cativa dos escoceses, mas como a meretriz de um saxão.

— O que é? — Edric perguntou. Kathryn meneou a cabeça.

— Não é nada. Eu simplesmente... estava pensando em seu irmão e como ele está passando.

— Venha comigo. Vamos ver Bryce e saber se ele se sente bem o bastante para jantar conosco no salão.

— Edric, eu não deveria...

— Não se preocupe não. Não irei constrangê-la. Ape­nas... leve meu filho para mim enquanto eu janto.

Pegou Aidan dos braços dela e ajudou Kathryn a colo­cou o xale nos ombros. Depois, seguiram para o quarto de Bryce, onde Drogan distraía o rapaz com suas histórias sobre a derrota dos Ferguson.

— Pode descer ao salão para o jantar? — Edric indagou.

— Só se Lora não estiver em lugar algum por perto — retrucou Bryce, sentado numa poltrona macia diante da lareira.

— Por quê? — perguntou Kathryn.

— Porque ela se tornou um dragão ultimamente. Diz que agora que me sinto melhor é provável que eu me torne mais agitado e cause algum mal a mim mesmo.

— Ela tem razão, rapaz — comentou Drogan.

— Você diria isso se ela tivesse me dito para beber uma poção de meimendro.

Drogan ia reclamar, mas Bryce o impediu.

— Foi só uma brincadeira, Drogan. Sei que o conselho de Lora é para o meu bem.

— Você não acha que Lora permitiria que você descesse ao salão?

— Será minha primeira vez.

— Então, vamos experimentar — decidiu Edric. — Po­de descer as escadas?

— Sim.

Kathryn foi na frente enquanto Edric e Drogan ajuda­vam Bryce. Ela fez um sinal aos criados para que come­çassem a servir, e pediu a Caedmon para arrastar uma das poltronas estofadas de perto da lareira para a mesa, para Bryce.

Os quatro mal tinham se acomodado nas cadeiras quando Oswin entrou no salão com vários homens e uma bela jovem que Kathryn não vira antes. O homem ao lado de Oswin a fazia lembrar-se de Léod Ferguson, não tanto pelas feições, mas pelo comportamento rude, e ela puxou Aidan para mais perto enquanto se recompunha.

— Maldição, eu não dei permissão...

Bryce interrompeu a praga resmungada de Edric.

— Aquele é Wulfgar?

Edric concordou com a cabeça e levantou-se, mantendo os olhos atentos nos recém-chegados.

— Vou embora, milorde — disse Kathryn.

— Fique — ele resmungou, zangado. — Coma a comida trazida para você.

— Lorde Edric — murmurou Oswin, quando o grupo chegou ao tablado. — A companhia de Wulfgar está aco­modada, menos sua filha e os chefes.

Edric não disse nada, mas cruzou os braços no peito de um modo obstinado.

— Certamente o senhor vai oferecer a hospitalidade de seu salão a esses saxões de alta estirpe, não é mesmo?

Por mais que não se importasse, Edric não poderia ne­gar acolhida e hospitalidade em seu salão e em sua mesa sem parecer um avarento. Sentiu que Kate se retraía en­quanto ele mandava os recém-chegados sentarem. Não era a pequena reunião agradável que ele esperava pela volta de Bryce ao salão, e Edric ficou aborrecido com Oswin por esquivar-se de cumprir os seus desejos.

Falaria com o administrador mais tarde.

Kate terminou a refeição depressa e, logo quando Aidan começou a berrar, ela o levou embora. Retirou-se para as escadas, não sem que Wulfgar prestasse atenção nela.

— E de todo incomum ver uma escrava à sua mesa, não é?

— Ela não é escrava, mas a babá de meu filho — Edric retrucou, furioso com a pergunta. Não era da conta de Wulfgar que posição Kate ocupava ou onde jantava. Nada em Braxton Fell era da conta do rebelde saxão, e quanto mais cedo ele fosse embora, melhor.

— Ah... entendi mal... Não pretendia fazer nenhuma ofensa, meu senhor — disse Wulfgar.

— E um belo bebê, lorde Edric — elogiou Odelia.

Ao se sentar ao lado dele, ela pousou a mão no braço de Edric como Kate fizera apenas uma hora atrás. Mas o contato de Odelia não causava as mesmas sensações na pele de Edric, ou fazia seu coração palpitar de excitação.

O contato de nenhuma outra mulher tinha o mesmo efeito sobre ele que o de Kate.

— Milorde — disse Oswin —, Wulfgar tem duzentos homens-livres sob seu comando. Estão bem escondidos entre as colinas do norte e prontos...

— Duzentos? — Drogan caçoou. — Qual a vantagem de duzentos?

— Eu lhe asseguro, posso chamar milhares a meu ser­viço, Drogan Branco. Não conto com pouca reputação num campo de batalha.

— Sim, por certo, Wulfgar — concordou Drogan. — Mas não precisamos de mudanças em Braxton Fell. Estas ter­ras estão sob o comando de lorde Edric. Estamos contentes.

Edric manteve silêncio, deixando que Drogan levasse a conversa enquanto ele avaliava os saxões que Oswin reunira ali em seu salão. Não havia como se enganar sobre o poder dos homens sentados à sua mesa. Cada um deles tinha a aparência de um poderoso guerreiro. Porém, não importava quantos homens Wulfgar comandava. Edric não nutria qualquer intenção de partir para a guerra mais uma vez.

— Milorde, dizem que tem uma esposa normanda.

— Lorde Edric ficou viúvo recentemente — Oswin ob­servou.

Wulfgar fez um gesto de cabeça, mas não apresentou condolências.

— Pelo menos a mulher lhe deu um filho.

Edric rilhou os dentes, aborrecido com aquele homem que não sabia nada de suas relações com Cecily e deveria ter pelo menos expressado sua simpatia pela perda. Então, engoliu o último gole de cerveja e virou-se para o irmão.

— Bryce, está pronto para voltar para sua cama? Bryce balançou a cabeça depressa, em assentimento.

Com pouca civilidade, Edric disse aos saxões à mesa que terminassem a refeição sem ele. Ajudou Bryce a chegar às escadas e o apoiou enquanto subiam.

— Não gosto disso — resmungou Bryce, assim que che­garam a seu quarto. — Por que esse saxão está aqui?

— Espera conseguir apoio para sua rebelião.

— O que Oswin está pensando, permitindo que esse homem se refugie em Braxton Fell?

Edric acendeu o fogo e depois se levantou e virou-se, com as mãos nos quadris, para olhar para Bryce.

— Ele quer me juntar com Wulfgar. Falarei com ele mais tarde.

— Edric, os conselhos de Oswin têm sido falhos, ulti­mamente.

— Não apenas os conselhos — disse Edric —, mas sua opinião de nossa situação em Braxton. Ele precisa ser afastado do cargo.

— Sim, realmente, mas quem tem a capacidade de substituí-lo?

Edric esfregou a nuca. Ele não sabia a resposta para a pergunta do irmão. Mesmo que tivesse alguém em mente, não sabia como dispensar o homem cuja família servira a de Edric por uma centena de anos.

O inverno vindouro preocupava Kathryn. Pensou nos rapazes que ajudavam as criadas no castelo, em Caedmon e Modig, e em todas as outras caras jovens da vila, e imaginou a fome dolorosa que poderiam enfrentar se ela não fosse até o pai e pedisse ajuda.

Contudo, Edric não tinha certeza de que a situação fos­se assim tão grave. Poderiam na verdade ter o suficiente, se Oswin fizesse uma distribuição cuidadosa dos cereais e outras colheitas dos escoceses, e se não tivessem bocas adicionais para alimentar.

— Os saxões pensaram que eu fosse escrava... Kathryn não duvidava de que fora Oswin quem dissera

aos saxões que ela era escrava de Edric. De propósito, ele pretendera humilhá-la diante de Wulfgar e da filha.

Ela não tocara no assunto com Edric até depois que tinham feito amor e ele a envolvera nos braços na quietude do quarto. A presunção do chefe rebelde não era de toda desprovida de sentido. Embora ela tivesse ido para a cama de Edric voluntariamente, Kathryn não era uma mulher livre.

Ele esfregou o nariz em sua orelha.

— Eu disse a eles que você não era.

Era um ligeiro conforto, mas os pensamentos de Kathryn se desordenaram quando a boca de Edric apossou-se da sua.

— Seu administrador me odeia — ela murmurou. Com a respiração presa na garganta, ela contraiu-se toda quando ele lhe segurou o seio e escorregou o corpo para baixo para tomar o bico rosado na boca.

— Falei com ele.

Kathryn não ligava a mínima mais para isso. Nada importava, a não ser o que acontecia entre os dois naquele quarto. E correspondeu às carícias como se Edric não a tivesse deixado louca de prazer apenas poucos minutos antes. Não podia impedir-se de amá-lo, com a atenção que

ele dedicava ao filhinho, e toda a preocupação demons­trada com o povo de seus domínios. Edric dedicava uma lealdade feroz a tudo sob sua responsabilidade, desde os pobres à sua porta ao irmão no leito de enfermo.

Ela não poderia lhe negar nada.

Edric se fora ao amanhecer. Estava um dia frio, úmido, bom para ficar dentro de casa. Mas Kathryn tinha feito planos de passar o dia na cabana de Elga. Deu a mama-deira a Aidan e depois se vestiu de acordo com o dia. Desceu para o desjejum levando o bebê para baixo junto consigo.

Drogan já estava lá, e cumprimentou-a com afeição, co­mo era seu costume. Ele era um homem gentil, e Kathryn tinha certeza de que Lora finalmente reconhecera seu va­lor. Se ele a pedisse em casamento, a curandeira aceitaria.

— Está um dia úmido, moça. Vai desejar ficar aqui dentro?

— Mas vou passar o dia com Elga. Quem sabe você pudesse caminhar comigo até a cabana, hein?

— Claro. Depois que eu conversar com Edric.

— Ele está aqui?

Drogan fez um gesto de cabeça na direção do corredor dos fundos.

— Está falando com o moleiro no escritório.

— O que será feito quanto à mó? — Kathryn perguntou justamente quando Edric saiu do aposento. Ele entrou no salão com o moleiro ao lado.

— Vamos perguntar a ele, não vamos? — disse Drogan, levantando-se para encontrar Edric conforme o lorde se­guia na direção deles.

O moleiro afastou-se, tomando a direção da saída, e Edric seguiu direto para Kathryn. Olhou para o filho e acariciou a bochecha de Aidan. Embora parecesse intei­ramente natural para ele passar o braço em torno de Kate, ele manteve distância, respeitando os desejos dela de que não demonstraria qualquer familiaridade fora do quarto.

— Oswin diz que as melhores mós de granito podem ser encontradas ao sul de nós, numa propriedade chama­da Kettwyck.

Kettwyck. O coração de Kathryn saltou para a gargan­ta e palpitou quase dolorosamente.

— Devo levar uma companhia de homens para permutar o de que precisamos? — perguntou Drogan.

— Não. Mande Irwin e Penrith. Quando Oswin voltar, veremos o que acha que podemos trocar pelas pedras.

— Irwin já foi embora para Dunfergus, milorde.

— Então encontre outro homem adequado para fazer o negócio.

— Sim, milorde. Vou acompanhar a moça até a cabana de Elga, e depois transmitirei suas ordens a Penrith.

— Vai sair com essa tempestade? — Edric perguntou a Kathryn, espantado.

Embora ela pudesse sentir-se enternecida com tal preo­cupação, Kathryn mal ouviu a pergunta. Os homens de Braxton iriam a Kettwyck. Conversariam com seu pai, e havia uma boa chance de que mencionassem a mulher normanda que tinham resgatado dos Ferguson.

Seu disfarce estava praticamente descoberto.

 

Edric saíra do berçário mais tarde que de costume na­quela manhã, e Rheda o vira. E ele não achava que a garota fosse manter silêncio sobre o que vira: ele, saindo meio despido do quarto de Kate. A criada não iria inter­pretar mal a situação, e a fofoca a tornaria o centro das atenções o dia inteiro.

Talvez fosse melhor que Kate passasse o dia fora do castelo.

Com o tempo inclemente, Wulfgar e seus saxões não tinham partido de Braxton, embora Edric tivesse certeza de que deviam ter encontrado chuva nas viagens. Pelo menos, tinham tendas para se abrigarem.

Contudo, não eram apenas os guerreiros de Wulfgar que viajavam com o saxão. Edric não expulsaria as mulheres e crianças para a chuva fria. E eles tinham trazido as pró­prias provisões, de modo que não era nenhum sacrifício para sua própria gente que eles ficassem mais um dia.

Edric saiu para procurar por Oswin, e encontrou-o nu­ma conversa séria com Wulfgar em seu escritório.

— Vai me desculpar, Wulfgar — disse Edric, mal controlando a raiva. Sentou-se à sua mesa.

— Gostaria de trocar algumas palavras com meu administrador.

— Naturalmente, lorde Edric — concordou Wulfgar, com amabilidade, como se não tivesse motivo algum para desculpar-se com o anfitrião. — Eu estava mesmo prestes a sair.

— Feche a porta, Oswin — pediu Edric, quando Wulfgar se afastou. Pelo menos Oswin não o insultou fingindo que não havia nada errado. — Explique-se.

— A respeito de quê, milorde?

— Há mais algum assunto pendente, Oswin?

— Eu disse a Wulfgar que seu grupo poderia ficar até o tempo melhorar.

— Com que direito? Que eu me lembre, você recebeu ordens para mostrar-lhes os portões assim que possível.

— Lorde Edric, o senhor não poderia...

— Isso sou eu que decido, Oswin. Você não tem per­missão para agir em meu nome.

As feições do administrador se contraíram.

— Sim, milorde.

A raiva de Edric não se aplacou com o recuo de Oswin, porém ele ainda precisava do conhecimento e dos serviços do administrador. Não poderia dispensá-lo peremptoriamente. Ainda não.

— Estou enviando dois homens para Kettwyck para negociar as novas pedras de moinho. O que podemos permutar com eles?

Oswin colocou as mãos atrás das costas e afastou-se da porta.

— Uma normanda cativa?

Edric levantou-se tão abruptamente que sua cadeira caiu para trás. O sangue latejou em seus ouvidos, mas Oswin não pareceu se intimidar.

— O senhor deve admitir que ela não é nenhuma criada qualquer de baixa procedência, milorde. Seu retorno a um domínio normando seria extremamente valioso, sem ne­nhum custo para nós.

Edric fez um esforço consciente para refrear o tempe­ramento. Precisava de Oswin por ora, enquanto estives­sem lidando com o desfalque na safra e os espólios de Dunfergus.

— Oswin, Kate não fará parte de nenhum negócio. Pen­se em algo além mais que os normandos possam aceitar pelas malditas pedras. E livre-se de Wulfgar e de seus seguidores. Quando o tempo melhorar, quero que todos vão embora.

Assim que Oswin saiu, Edric concentrou seus pensa­mentos em tudo que Braxton Fell produzia. Com os re­cursos comprometidos tão seriamente, a lã era o único patrimônio valioso, e no entanto tudo que produziam era principalmente para suprir as próprias necessidades. Ele supunha que talvez fosse possível prometer para o futuro os fardos de lã que resultariam da tosa da primavera e deixar seu povo sem.

Só esperava que Oswin aparecesse de alguma forma com uma solução melhor.

— E bom sair da chuva! — Kathryn exclamou, a entrar depressa na cabana que Lora e Elga dividiam.

Drogan entrou atrás dela, ficando frente a frente com a curandeira. Nenhum dos dois disse uma palavra, mas

Kathryn sabia que havia muito a ser conversado entre eles.

— Vou pendurar minha capa nos fundos — ela mur­murou. — Obrigada por me acompanhar, Drogan.

Ela levou Aidan até a sala onde Elga tinha os seus teares, e fez um sinal à velha para que continuasse sen­tada onde estava. Entregou o bebê a Elga e tirou a capa. Pendurou num gancho na parede e disse baixinho:

— Não deveríamos ficar ouvindo.

— Não — sussurrou Elga.

Não obstante, ela e Kathryn ficaram mudas e tensas, tentando ouvir as vozes baixas além da cortina.

Kathryn levou a mão ao peito quando Drogan confes­sou a Lora que gostava dela fazia um longo tempo, e que seus sentimentos provavelmente não fossem mudar. Nem mesmo quando ambos se curvassem por causa da idade. Escutou o ruído de um passo e logo depois um farfalhar de panos, e imaginou que Drogan tomava a mão de Lora na sua.

Então, ouviu quando Drogan pediu a Lora se ela lhe daria a honra de se tornar sua esposa. Lora não respon­deu, e Kathryn preocupou-se de que a curandeira pudesse recusá-lo. Correu para a cortina e espiou lá fora, pronta para colocar um pouco de bom senso na cabeça da amiga. Drogan era o melhor dos homens e faria dela uma bela esposa.

Mas quando Kathryn olhou para a sala, ficou claro que Lora chegara à mesma conclusão, pois estava nos braços de Drogan, beijando-o ardorosamente. QjSKjjU0 tornou-se mais exaltado e as mãos enormes de Drogan se encaixaram nas costas de Lora conforme ele a puxou para mais perto e gemeu baixinho em sua boca.

Kathryn recuou, imensamente comovida pela profunda afeição compartilhada entre os dois. Não tinha dúvidas de que Drogan seria um marido maravilhoso para Lora, pois era gentil assim como zeloso. Ele a amava.

Elga atraiu-lhe o olhar e sem dizer uma palavra fez sua pergunta. Kathryn concordou, sentindo-se ridícula, à beira das lágrimas. Lora e Drogan iriam se casar. Seu amor seria abençoado pelo sagrado sacramento do matri­mônio, e seus filhos não nasceriam bastardos.

Pestanejou para expulsar as lágrimas e a tristeza que sentia por sua própria situação, e refletiu sobre a alegria que a união de Drogan com Lora traria.

— Precisamos dar a eles um momento a sós — Kathryn murmurou —, e depois entrar e lhes dar os parabéns.

Aidan de repente se manifestou com um grito agudo.

— Seu menino quer o leite — disse Elga.

O choro do bebê quebrara o silêncio na cabana e levou Lora a abrir a cortina. Com um sorriso, ela fez um gesto para que Drogan se aproximasse, e tomou-lhe a mão na sua.

— Temos novidades — disse.

— Lora consentiu em ser minha esposa — Drogan de­clarou, mudando a posição das mãos de modo que a dela se encaixasse dentro da sua, e levando-a aos lábios para beijar os nós dos dedos.

O gesto provocou um nó na garganta de Kathryn, mas ela deu um jeito de transmitir sua alegria diante da boa nova.

— Que notícia maravilhosa! — exclamou, quando Elga envolveu Lora e depois Drogan no mesmo abraço.

— Pediremos ao padre Algar para correr os proclamas no fim de semana, e nos casaremos três semanas depois — anunciou Drogan.

Elga concordou, a expressão pensativa.

— Fico contente por vocês dois,..

— O que foi, Elga? — perguntou Lora.

— Não é hora de falar disso. Conversaremos depois.

— Não, se a senhora tem...

— Não é nada... Só que assim que vocês se casarem, você deveria mudar para os aposentos de Drogan na for­taleza.

Lora franziu a testa, mas Drogan retrucou:

— Nossos agradecimentos à senhora, Elga. Sei que se preocupava com Lora. Mas não vai querer companhia, eu acho.

A velha esboçou um sorriso.

— Disso, tenho certeza.

— Será que temos de procurar Edric e pedir sua per­missão para casar? — indagou Drogan.

Lora caiu na risada.

— Permissão de Edric?

— Sim, ora. E costume, mesmo que não seja necessário. Os dois saíram sorrindo felizes, correndo pela chuva.

Kathryn sabia que Drogan tinha um quarto no castelo perto do de Berta, embora não dormisse lá com freqüên­cia. Edric dissera que ele preferia as barracas. Mas assim que ele e Lora estivessem casados, ficariam lá. Seria di­fícil, então, manter segredo de seus próprios arranjos com Edric.

Julgou que isso não importava, pois logo Lora saberia disso... Assim que Kathryn ficasse grávida, teria necessi­dade dos cuidados de Lora.

— O que foi, moça? — perguntou Elga.

Kathryn expulsou os pensamentos sombrios e colocou Aidan na cama, negando que houvesse alguma coisa er­rada pois, na verdade, não havia. Carregar no ventre o filho de Edric seria pura alegria.

— Podemos começar nossa aula?

Edric queria encontrar a ferramenta que fora usada para arrancar a mó, mas tinha pouca esperança de con­seguir. Era provável que tivesse quebrado com a utiliza­ção forçada e depois descartada. O vândalo poderia muito bem tê-la jogado no rio que movimentava o eixo que girava as mós. Seria a perfeita ironia.

Ele ficou pensando em quem o detestaria, quem odiaria Braxton Fell o suficiente para provocar tal desastre. A perda da cerveja na adega não fora o primeiro incidente. Pensando nisso agora, Edric se recordava de alguns ou­tros estranhos acontecimentos que haviam ocorrido antes da morte de Cecily, mas que julgara insignificantes. Con­tudo, analisando melhor, revelavam uma escalada de malfeitorias.

Vários comerciantes haviam se aproximado dele antes, perguntando o que seria feito a respeito do moinho e da escassez que previam para os próximos meses. Julgavam que poderia ser melhor juntarem-se a Wulfgar e se livra­rem do indesejável jugo normando.

Edric não dissera termos vagos para dissuadi-los dessa linha de raciocínio. Mandara-os embora, furioso com

Wulfgar, que obviamente estivera conversando com os moradores da vila, numa tentativa de sublevá-los.

Aborrecido com tudo o que acontecia, Edric entrou no estábulo e procurou entre as ferramentas guardadas ali, mas não achou nenhum machado quebrado. Fez o mesmo em cada um dos galpões de armazenagem, os lugares onde as carroças carregadas com os produtos de Dunfergus es­tavam estocadas, e não encontrou nada. Mas as sementes da preocupação e da suspeita estavam plantadas em sua mente.

Havia pouca gente a andar pela chuva, mas duas figu­ras vinham em sua direção, as faces obscurecidas pelos capuzes fundos, correndo pelas poças de lama no terreno.

— Milorde! — Drogan exclamou. Puxou Lora através de si para o abrigo do galpão, e Edric logo percebeu a razão daqueles sorrisos largos.

— Ora, ora — ele exclamou, sorrindo, empurrando os problemas para o fundo do cérebro por um instante. — Vocês finalmente ch...

— Chegamos. Lora concordou em se casar comigo. Te­mos apenas de pedir sua bênção e mandar correr os pro­clamas.

— Você sabe que tem minha permissão — disse Edric, e apertou a mão de Drogan.

Percebeu que o guerreiro corpulento e loiro deslizava a mão livre para dentro da capa de Lora, circundando-a pela cintura num gesto de posse e também de afeição.

— Os dois são perfeitos um para o outro. Meus para­béns — acrescentou, sentindo-se definitivamente à beira de um ataque de nervos, apesar das boas novas.

— O que está fazendo aqui no galpão, milorde? — per­guntou Lora. — É um dia para se ficar dentro de casa.

Edric esfregou a mão pelo rosto. Barbeara-se de novo, ciente de que Kate tinha uma predileção especial por sua face bem raspada.

— Tenho uma sensação muito estranha a respeito dos galpões de armazenagem. E um alvo importante para nos­so vândalo... se ele pusesse fogo neles...

Drogan soltou um arquejo áspero.

— Por Deus, milorde, o senhor tem razão.

— Quero guardas postados em cada prédio, e mais ho­mens fazendo rondas regulares. Vamos tornar difícil para o desgraçado atacar novamente! — exclamou Edric.

— Talvez possamos pegá-lo com a mão na botija — Drogan comentou.

— Só nos resta esperar... E nenhuma palavra sobre minhas suspeitas a alguém. Nenhum de vocês.

— Naturalmente, milorde. Ninguém saberá disso por mim — disse Lora.

— Lembra-se do incêndio no pomar no último verão? — perguntou Edric.

Drogan fez que sim.

— Acha que foi o mesmo vândalo?

— Tem mais... A ocasião em que Cecily ficou muito doente depois de jantar. — Edric voltou-se para Lora. — Você achou que o peixe estava estragado. Mas eu me lem­bro de pensar como isso poderia ser, pois eu havia comido do mesmo peixe.

— Achei que talvez fosse indigesto para ela. Pensa que a porção de Cecily foi envenenada?

Edric deu de ombros.

— Só podemos adivinhar agora.

— Mas quem haveria de querer nos fazer tanto mal? Não temos inimigos em nosso meio, temos?

— E óbvio que existe alguém que está perturbado o bastante para querer provocar o caos entre nós.

— Quem poderia ser... e por quê? — quis saber Drogan.

— Talvez não haja qualquer razão — retrucou Lora.

— Não penso assim — disse Edric, e concentrou os pen­samentos na discussão logo de manhã cedo com os mora­dores de Braxton. — E se alguém estiver tentando inten­cionalmente criar confusão... Fomentar o descontenta­mento aqui, na assembléia e entre o povo...

— Com que propósito? — Drogan indagou.

Edric fez um gesto de impaciência e refletiu sobre sua teoria parcialmente formulada. Olhou para fora e viu vá­rios de seus homens entrando pelos portões e rumando para o estábulo.

— São Gildas, Alfred e Octa, milorde. Estão chegando de Dunfergus.

— Estarei no salão — avisou Edric. — Mande-os até mim assim que se acomodarem.

Pela chuva, Edric percorreu cada lugar que parecia ló­gico onde o vândalo pudesse esconder o machado quebra­do, embora ele não nutrisse muita esperança de encontrar a ferramenta. Mesmo assim, inspecionou tudo e depois voltou ao castelo.

Kate ainda não voltara ao berçário, e Edric sentiu pro­fundamente sua ausência. A tarde úmida propiciava que fechassem a porta e fizessem amor diante da lareira até que ele não soubesse dizer onde terminava e ela começa­va. Porém, Kate estava cuidando de seus afazeres na vila, aprendendo as prendas que nunca lhe haviam sido ensina­das, e Edric tinha as questões dos domínios para atender.

Aidan se mostrara irritado durante a tarde toda, e Kathryn procurara Lora para consultar a curandeira. Lora dissera que estava tudo bem, mas que às vezes a barriga de bebezinhos ficava distendida, ou eles tinham cãibras que eram difíceis de acalmar.

A caminhada para casa pareceu ajudar a acalmar o bebê, mas assim que Kathryn parou, ele ficou agitado de novo. Ela entrou no salão e deparou-se com Edric sentado à mesa com Bryce e vários de seus guerreiros. No mesmo instante, o coração de Kathryn transbordou de amor pelo senhor saxão, embora ela soubesse que o sentimento não era recíproco. Ela era sua companheira de cama, e tinha de se contentar com isso.

Kathryn passou pelos homens e subiu as escadas para o berçário para colocar o bebê em seu próprio berço, na esperança de que o ambiente familiar o tranqüilizasse. Mas não adiantou. Tentou alimentá-lo, mas Aidan não estava interessado no leite e recusou a mamadeira.

Por fim, como último recurso, ela improvisou uma bolsa de lã para ele, amarrando as duas pontas de uma manta juntas; depois, enfiou a cabeça pelo vão e a passou pelo ombro e a cintura. Colocou Aidan dentro e começou a an­dar pela extensão do berçário, mas não havia espaço su­ficiente para acalmá-lo com suas passadas.

A única solução era voltar ao salão. Ela não acreditava que Edric fosse se incomodar com a intrusão, já que pa­recia sempre ficar feliz com a presença do filho. Kathryn pensou que talvez o corredor do fundo do salão lhe desse um espaço suficiente para caminhar, e assim ela realmen­te não estaria atrapalhando.

— Meu filho está doente? — Edric perguntou, ao vê-la e ao ouvir o choro do bebê.

— Não, milorde. Pelo menos, Lora acha que não.

— Então, por que você precisa ficar andando com ele?

— Ele está com dorzinha de barriga. Andar assim pa­rece ser a única maneira de aquietá-lo.

— Quando eu terminar aqui, caminharei um pouco com ele — ofereceu-se Edric.

— Oh, milorde, não é...

— Deixe-o desempenhar seus deveres paternais, Kate — exclamou Bryce, com um sorriso.

— Isso só lhe fará bem.

Sim, ele era um pai atencioso, e Kathryn não pôde dei­xar de pensar que seria um bom marido. Contudo, casa­mento era algo que Edric jurara nunca mais levar em consideração. Kathryn sabia que ela não era a mais bonita das mulheres, e muitas vezes se sentia desajeitada e sem graça, principalmente ao lado de Edric, que era belo e ágil, e poderia ter qualquer mulher que escolhesse. Até mesmo a filha do saxão Wulfgar.

Kathryn pensou que talvez Edric se importasse um pou­quinho com ela, pois era um amante gentil, atencioso. Fora da cama, passavam longo tempo conversando sobre suas esperanças com respeito ao filho, e as aspirações que nu­tria para os domínios. Mesmo assim, Edric nunca lhe dera razão para acreditar que tomaria uma esposa outra vez.

Os homens voltaram à discussão, um assunto sério, a julgar pelas expressões em suas faces. Kathryn observou Edric de soslaio, o sangue a fervilhar à vista daqueles belos traços, a covinha no queixo quadrado, a pequena cicatriz que cortava a sobrancelha escura, os lábios que a faziam gritar de prazer.

Ele a fazia sentir-se bela também, e pela primeira vez na vida, Kathryn sentia-se praticamente tão encantadora e tão capaz quanto sua irmã.

Pensar em Isabel provocou em Kathryn uma pontada de culpa por enganar a família como fizera. Sem dúvida lamentavam por ela... porém sua mãe fora bastante clara a respeito do status de uma mulher que fosse raptada pelos escoceses. Depois de tudo que havia acontecido, Kathryn não seria bem-vinda na casa de seus pais.

As palavras de Bryce atraíram a atenção de Kathryn conforme caminhava com Aidan pelo corredor.

— Você está dizendo que os escoceses queimaram seus próprios campos?

— Sim — respondeu um dos homens. — Mas não tudo. Sob o comando de Cuthbert, liquidamos os bastardos. Mas perdemos talvez umas cinqüenta medidas de terra para o fogo antes que pudéssemos debelá-lo.

Kathryn viu Edric esfregar a mão pela parte inferior da face, como fazia com freqüência quando estava preo­cupado. Ela cerrou os dentes, ciente de que aquela notícia só poderia significar uma coisa. A menos que ela fosse a Kettwyck e pedisse ajuda ao pai, a fome campearia na­quele inverno em Braxton Fell.

O compasso ritmado dos passos de Kate, de um lado para outro, distraía Edric. A tipóia na qual Aidan descan­sava era quase do mesmo azul do vestido, fazendo com que ela parecesse carregar o bebê dentro do corpo, como se estivesse grávida. De seu filho.

A idéia era tão distrativa que Edric quase não entendeu o que Alfred dissera, e as palavras do homem, complemen­tadas pela imagem perturbadora de Kate, o inflamaram.

— Cinqüenta medidas de grãos? — ele berrou. Os três guerreiros concordaram.

— Mas é uma boa notícia, milorde, pois pudemos im­pedi-los antes que conseguissem provocar mais danos.

— Boas notícias! — Edric vociferou. Levantou-se e en­terrou os dedos nos cabelos. — Essas notícias não pode­riam ser piores. Sabem a quanto os estoques estão limi­tados agora? Precisamos do produto daqueles campos!

— Sim, milorde. Só quero dizer que por sorte pudemos salvar a maior parte dos campos.

A alegação de Alfred poderia ser verdadeira, mas Edric estava zangado. Sorte era algo que se tornara absoluta­mente abismai desde que os normandos tinham chegado para se apossar do reino. Talvez Oswin estivesse com a razão, e eles devessem juntar-se a Wulfgar e seus rebeldes.

Porém, o que isso resolveria? Com os recursos do rei Guilherme, os milhares de Wulfgar dificilmente causa­riam uma depressão nos escudos dos normandos.

Num tom ríspido de irritação, Edric chamou Caedmon, que se postava perto da porta no aguardo de ordens.

—Vá buscar Oswin e diga-lhe que preciso dele no salão. Depressa.

Raiva e frustração o sufocavam. A derrota dos Ferguson trouxera esperanças, e agora estavam quase tão destituí­dos quanto antes. A cada momento, algo dava errado. O lugar era amaldiçoado, como padre Algar dissera. Edric não poderia nem mesmo sentir prazer em olhar para Kate, e imaginar as intimidades deliciosas que o esperavam na cama quando se retirasse para a noite. Seria provável que o relacionamento com uma normanda lhe causasse algu­ma dificuldade futura?

— Edric, volte para a mesa! — exclamou Bryce. Edric cerrou os dentes e fez o que irmão pedia, ciente

de que não havia motivo para descarregar a raiva contra os três guerreiros reunidos ali. Eles apenas traziam as notícias, não eram responsáveis por elas.

Os homens contaram sobre o ataque que haviam repe­lido e os esforços frenéticos para debelar as chamas que haviam sido espalhadas. A cabeça de Edric começou a latejar, e ele apenas ouvia os relatos parcialmente, preo­cupado com o que iriam fazer, em como lidar com a es­cassez de comida. Imaginou também se haveria mais ameaças aos campos dos Ferguson e aos homens que ha­viam sido enviados para fazer a colheita e moer os grãos. Era provável que tivesse de mandar mais gente para pro­tegê-los, tal como postara guardas para vigiar os arma­zéns em Braxton.

A porta da fortaleza abriu-se, e Wulfgar entrou com a filha e pelo menos uma dúzia de seus homens, cada um carregando um volume embrulhado em pano. Um grupo de músicos os acompanhava, e com muita alegria, risadas e canções, os saxões se espalharam pela entrada do salão, distribuindo cumprimentos a Edric e aos outros.

Edric considerou aquela atitude jovial ofensiva, prin­cipalmente à luz das notícias recentes de Dunfergus.

— Senhor, viemos compartilhar nosso butim. Soube­mos do desfalque em seus estoques e temos muito com que contribuir. Nós lhe trouxemos um banquete saxão, lorde Edric! Jante conosco!

Edric ficou irado. A situação dos negócios em Braxton Fell não era da conta de Wulfgar, e mesmo assim o homem tinha a suprema audácia de aparecer ali, no salão de Edric, com sua comida e sua cerveja, como se para de­monstrar as condições inferiores de Braxton.

— Veio sem ser convidado e me insulta em minha pró­pria casa? Oswin! — Edric vociferou para o administrador que entrava com os saxões. — Eu não lhe disse para se livrar desse rebelde?

— Milorde, precisamos de Wulfgar e de seu...

— Você ultrapassou os seus limites, homem. Suas or­dens eram para escoltar essas pessoas até o portão. A generosidade deles não é bem-vinda aqui.

Wulfgar aproximou-se.

— Meu senhor, uma aliança entre nós lhe será de gran­de valor. Agora mesmo, o rei-bastardo normando está planejando partir para guerra contra o rei Malcolm da Escócia. Os melhores cavaleiros normandos do reino via­jam agora para juntar-se a Guilherme no conflito. Todos os seus exércitos, todos os seus navios... Em breve eles se reunirão à foz do rio Tees para marchar para a Escócia. Esta é nossa melhor chance para derrubar o usurpador.

— Você fala em traição, Wulfgar. Eu empenhei minha espada a serviço do rei Guilherme. Não pretenda entrar aqui e...

Foi interrompido pelos berros agudos de Padre Algar, que entrara no salão atrás da multidão de saxões, sem ser notado com a confusão de tanta gente de Wulfgar e dos menestréis que se amontoavam em torno dele.

— Onde está ela? — gritou o padre — Onde está a meretriz normanda?

A garganta de Kathryn se fechou, fazendo com que fos­se difícil recuperar o fôlego. O padre Algar só poderia estar se referindo a ela, a Kathryn de St. Mane, filha do barão Henri Louvet, a meretriz de um saxão.

Haviam sido tão cuidadosos e, no entanto, alguém no castelo percebera que ela e Edric compartilhavam o leito.

— Por Deus, esvazie o salão, Oswin! — Edric exclamou. Sua voz soou áspera e perigosa, acima do pandemônio no salão. — Octa e Gildas! Ponham essa gente para fora!

Kathryn segurou Aidan com força contra o peito e se­guiu depressa para as escadas, na esperança de sair dali antes que o padre pusesse os olhos nela e despejasse aque­les impropérios cáusticos em sua direção.

— Um salão vazio não mudará nada, lorde Edric! — O padre Algar apontou o dedo esquelético para ele. — Seu pecado causa um mal indizível a todos nós. Se não se casar com a rapariga...

— Pelos cornos do diabo! — Edric rugiu. — Não per­mitirei que um clérigo de meia-tigela me diga...

— Case com ela!

Edric bateu as palmas das mãos sobre a mesa, com um baque surdo.

— Não me casarei!

O coração de Kathryn afundou dentro do peito, e as lágrimas inundaram seus olhos. A veemência de Edric a ferira profundamente. Ouvi-lo dizer que nunca nem mes­mo pensaria em tomá-la como esposa era uma ofensa que ela não poderia suportar, e que isso fosse declarado diante do rebelde saxão e sua gente era por demais doloroso.

Ela entregou Aidan a Gwen e saiu correndo do salão, seguindo pelo corredor dos fundos na direção da porta que conduzia à horta da cozinha.

No entanto, não queria encontrar ninguém lá fora.

Ao estacar de pronto, ela se meteu no primeiro aposento que surgiu. Fechou a porta atrás de si e recostou-se contra a madeira, entregando-se totalmente às lágrimas. Chorou por tudo que perdera, e pela única coisa que desejava: o amor de Edric.

Era algo impossível. O casamento de Edric com Cecily fora um desastre, algo que ele jurara jamais repetir. Kathryn sabia disso desde o início de seu romance e mes­mo assim em algum lugar, nas profundezas da alma, nu­trira a esperança de que ele pudesse mudar de idéia.

Deprimida, ela cambaleou alguns passos e afundou-se numa cadeira diante da pesada mesa de carvalho. Em­purrou de lado um livro grosso de capa de couro e vários rolos de pergaminho, e deitou a cabeça nos braços. Seu tempo com Edric terminara, pois ela não poderia viver abertamente como sua amante. Sua vergonha era maior ali do que teria sido em Kettwyck caso ela retornasse aos domínios de seu pai depois do rapto.

Os escoceses não haviam roubado sua virtude... Kathryn a entregara a Edric voluntariamente.

Porém, agora que fora confrontada com seu pecado, ela não poderia continuar. Nem permitiria que alguém em Braxton Fell morresse de inanição, não se seu pai pudesse prestar alguma ajuda.

Empertigou-se na cadeira e enxugou os olhos. Era inútil chorar sobre o leite derramado, pois ela soubera desde o princípio que não poderia ficar em Braxton Fell. Assim que o salão fosse esvaziado, ela iria à procura de Edric e lhe diria quem era, e como seu pai poderia ajudar a todos.

Ficou de pé, e inclinou-se para pegar os pergaminhos que derrubara no chão. Ao recolocá-los sobre a mesa, o selo ao pé do primeiro atraiu-lhe o olhar. Era a assinatura do rei Guilherme.

Pegando o documento com cuidado, Kathryn levou-o até o castiçal preso à parede para uma melhor iluminação. Surpresa com o tom amistoso da missiva, ela imaginou se entendera mal tudo que fora dito acerca das ordens do rei Guilherme. Examinou o próximo documento que tinha na mão, e viu que era do barão Gui de Crispin, pai de Cecily. Era, também, extremamente amistoso, sem ne­nhuma menção à morte da filha, mas ofertas generosas de ajuda.

As cartas não faziam sentido. Por certo ela não poderia ter compreendido completamente errado aquilo que fora dito sobre o barão Gui e o rei Guilherme. Por que have­riam de mentir acerca de...

De repente, a percepção a atingiu como um raio. Não tinham mentido.

— Mon Dieu — ela murmurou. Até mesmo Edric não sabia o conteúdo daquelas cartas. O administrador era a única pessoa em Braxton Fell que sabia ler e escrever. Ele enganara Edric intencionalmente.

Mas... o que ganharia fazendo isso? Era sua própria gente que sofria com a escassez de provisões, e ali estava uma oferta honesta do barão Gui, para suprir um pouco do que estava em falta. Não fazia sentido algum.

Amenos...

A menos que ele pretendesse fomentar a inquietação nos domínios de Edric. Ou deixar Edric zangado e ressen­tido com os normandos.

A porta do escritório abriu-se, e Kathryn escondeu os rolos de pergaminho atrás das costas quando Oswin en­trou. O homem fechou a porta e aproximou-se dela.

— Ora, ora, você sabe ler, normanda. O que mais se esqueceu de contar a lorde Edric?

Kathryn quase esfregou os documentos na cara do hos­til administrador, que a encarava com olhos malévolos e cheios de ódio.

— O que esperava ganhar com suas mentiras, Oswin?

— Minhas mentiras? Vocês, normandos, mentem! Não fazem nada a não ser se apossar do que não é seu.

— E quanto a estas cartas? Mostram a generosidade do rei Guilherme, e do pai de Cecily. Não compreendo por que você haveria de querer que seu próprio povo sofresse, passasse fome, apenas para fazer Edric pensar que o rei é indiferente...

— Porque não havia outro jeito de fazê-lo compreender!

— Entender o quê?

— Que os saxões precisam manter-se unidos. Que seu rei e a gente de sua laia nada mais são que vilões, que vieram roubar nossa terra e matar nossos jovens!

— Você está desvairado de ódio, Oswin — Kathryn ex­clamou, ao jogar as cartas sobre a mesa. — Foi você que danificou o moinho?

Os olhos do administrador toldaram-se de culpa.

— Edric precisa saber de suas fraudes. Não é justo que ele continue a se preocupar tanto assim. Você precisa di­zer a ele o que fez.

Kathryn avançou para passar por Oswin, mas ele a agarrou pelo braço e empurrou-a de costas contra a mesa. Antes que ela pudesse escapulir, ele investiu e empurrou-a para baixo.

— Você não vai dizer nada a ele! — A voz de Oswin não passava de um ruído áspero e estridente quando ele a prensou contra a madeira dura, circundando-lhe o pes­coço com a mão.

Ela se debateu, tentando chutá-lo onde Edric lhe ensi­nara, mas ele se protegia muito bem. Kathryn então pro­curou alcançar o punhal, mas Oswin antecipou o gesto também. Aumentou a pressão em seu pescoço, sufocando-a até que Kathryn não conseguiu mais respirar. Sabia que estava condenada. Suas contorções logo perderam a força e o pânico diminuiu. A princípio, uma chuva de pin­tas minúsculas de luz e cor parecia dançar atrás de seus olhos. Depois, tudo ficou preto.

Edric acompanhou os saxões para fora da porta e o caminho todo até as barracas. Não iria desviar-se de seu propósito daquela vez. Wulfgar e seus companheiros pre­cisavam ir embora, não importava com que tempo fosse.

Com Octa, Gildas e Alfred às costas, ele arrebanhou a trupe dos saxões pelo pátio e até o alojamento. Molhado da chuva, Edric mal sentia o frio ao cruzar os braços no peito, enquanto observava os intrusos recolherem seus pertences.

— Está cometendo um grande erro, Edric! — Wulfgar vociferou, furioso. — Quando tomarmos a Nortúmbria do bastardo normando, você se verá sem terras. Terá sorte se encontrar uma choupana para chamar de sua.

— Correrei o risco, Wulfgar. Agora, aponte alguém para ir buscar as mulheres e as crianças que você espalhou por minha vila, e vão embora.

Caedmon os acompanhara de longe, e Edric o despa­chou para o estábulo para mandar os cavalariços selarem os cavalos dos saxões e atrelarem os animais de tração às carroças. Ele não permitiria nenhum atraso na partida, pois precisava encontrar Kate. De sua posição do lado oposto do salão, Edric pudera ver a cor sumir do rosto de Kate com as palavras do padre. Ela ficara magoada e an­gustiada, e com razão.

Algar, aquele estrume de cavalo, a chamara de meretriz e exigira que Edric se casasse com ela. Edric não iria tolerar que alguém a insultasse daquele jeito. Como sua mulher, ela o empolgava e fazia seu sexo pulsar de excitação só de vê-la.

Contudo, era mais do que isso... Kate empolgava seu coração e sua mente com suas palavras gentis e o cuidado terno -com Aidan. Falava sua língua, e ocupava-se em es­tabelecer laços de amizade com seu povo. Ela não magoa­va ninguém, mas era gentil e atenciosa, e mesmo assim conseguira matar seu inimigo mortal, apesar do medo quase paralisante.

Edric não conhecera nenhuma outra mulher que o per­turbasse tanto como Kate.

— Onde está Drogan? — Edric perguntou a Gildas, sabendo que poderia confiar em seu guarda para super­visionar a saídas dos rebeldes enquanto ele ia à procura de Kate.

— Eu não o vi, milorde.

Edric proferiu um impropério. Se alguma vez Kate pre­cisara de seu conforto, era agora. Não queria que ela es­tivesse sozinha em algum lugar, lamentando o insulto que lhe fora lançado na frente de toda aquela gente. Gos­tava demais dela para deixar que isso acontecesse.

A percepção o atingiu de imediato e por completo. Ele não conseguia dormir a não ser que Kate estivesse em seus braços. Acordava ouvindo o som da respiração de Kate cada manhã, e ansiava o dia inteiro por passar as horas do fim da tarde e a maior parte da noite com ela. Escutava o som daquela voz melodiosa e o trinado da ri­sada suave no salão, e sentia que se importava mais com o bem-estar de Kate do que com o seu próprio.

Ele a amava.

Jesu! Ele fora um verme. Poderia ter jurado que jamais se casaria outra vez, mas isso fora antes de Kate. Ela era sua mulher, agora e para sempre.

Olhou ao redor, à procura de Oswin, mas recordou-se de que o administrador não era o homem em quem confiar no despejo dos saxões.

— Gildas, vá encontrar Drogan. Octa, Alfred, fiquem com o grupo de Wulfgar e assegurem-se de que todos eles tomem o rumo para longe daqui.

Mais uma vez, o padre Algar pareceu surgir de lugar nenhum, as sobrancelhas brancas enrugadas, a expressão distorcida numa expressão odiosa. Edric puxou, a espada, por um fio impedindo-se de matar o sujeitinho.

— Corra os proclamas, padre. E não me faça mais per­guntas.

— Precisa confessar seus...

Edric ergueu a espada.

— É provável que seja um pecado ameaçar um padre mas, por Deus, eu o cortarei ao meio se disser outra pa­lavra. Resolvi me casar com Kate de Rushton.

O casa­mento terá lugar daqui a três semanas.

— Ela nada mais é que uma...

A lâmina da espada de Edric desceu com uma violenta cutilada, mas ele interrompeu o golpe antes de atingir o clérigo. O velho, de súbito, tornou-se prudente o bastante para refrear a língua.

— Não importa — retrucou Edric, o tom tão ameaçador como a arma, e com a certeza de que levaria um bom tempo antes que seu temperamento se acalmasse. — Suma de Braxton Fell. Vá embora com Wulfgar e o ator­mente, enquanto eu vou procurar um padre que não me irrite tanto.

— Você lamentará...

— Nem metade do quanto o senhor lamentará por ter se atrevido a insultar minha noiva.

Pela primeira vez, o padre ficou em silêncio. Com as feições retorcidas numa horrível máscara de raiva e frus­tração, ele girou nos calcanhares e retirou-se da presença do lorde, e Edric voltou a atenção para os saxões descon­tentes. Sabia que fizera de Wulfgar um inimigo, mas não poderia se permitir ter o rebelde como amigo. O rei nor-mando era mais poderoso do que Oswin ou Wulfgar ima­ginavam. Edric e Bryce o tinham visto no campo de ba­talha. Tinham experiência do poder pessoal do homem, assim como reconheciam sua determinação.

Wulfgar e seus andrajosos seguidores não teriam qual­quer chance contra Guilherme, e Edric não levaria seu povo para a guerra outra vez, mesmo que tivessem recur­sos para isso.

Os saxões montaram em seus cavalos sob a chuva, e levaram as carroças para o portão. Edric e seus homens os escoltaram em suas montarias, observando quando as mulheres e crianças juntaram-se ao grupo, subindo nas carroças e se cobrindo com lonas alcatroadas para se man­terem secas.

— Cavalguem com eles até que estejam no fundo das colinas — ordenou Edric a seus guerreiros, assim que Gildas e Drogan apareceram.

— Milorde — disse Drogan, olhando a cena que se de­senrolava diante de sua vista. Deveria parecer estranho, mas ele não questionou o que via. — Estou a seu serviço.

— Gildas, vá com eles. Certifique-se de que ninguém fique para trás, que ninguém faça a volta. Quero esses andarilhos bem longe de Braxton Fell antes que possam montar acampamento.

— Sim, milorde.

— Drogan, providencie para que Algar vá embora com eles e faça todos saberem que ele nunca mais será bem-vindo aqui outra vez. Ordene que dez homens a mais acompanhem essa trupe de maltrapilhos e os ajude a mon­tar acampamento bem longe daqui — Edric comandou, pois seria muito difícil se acomodarem na chuva e no es­curo, e ele não permitiria que as mulheres e as crianças sofressem mais que o necessário.

Drogan fez o que ele ordenara, enquanto Edric conti­nuava o observar o último dos saxões sair pelos portões. Então, rumou de volta para o estábulo e deixou o cavalo na mão de um dos cavalariços. Já passava da hora de ir atrás de Kate.

Kathryn acordou aos poucos. Seu senso de olfato retor­nou primeiro, e ela se descobriu rodeada de um aroma enjoativamente doce. Sentia-se enregelada até os olhos, mas quando abriu os olhos, estava escuro demais até mes­mo para enxergar sua mão na frente dos olhos.

Sua garganta parecia em carne viva, e ela se recordou do assalto de Oswin. O pânico a invadiu outra vez, e ela julgou que o administrador deveria tê-la enterrado viva. Contudo, conseguia se mexer livremente, de certa forma. Rolou de joelhos e tateou ao redor, sentindo a terra fria e úmida sob o corpo.

Onde estava?

Tudo era absolutamente silencioso em sua prisão, e não havia nenhum som para lhe dar uma pista da localização; mas se ainda estivesse dentro da fortaleza de Edric, então aquele lugar deveria ser a adega. Com cuidado para não se chocar com as barricas que pudessem estar empilhadas ali perto sobre cavaletes de madeiras, ela rastejou para frente, nada mais encontrando a não ser uma parede de terra.

Ficou de pé, mas não conseguiu erguer-se a toda a al­tura antes de bater no teto. Tateou o alto, e sentiu a mes­ma sensação que o chão e a parede, a textura fria e úmida do barro.

Aquela não era a mesma adega que ela visitara.

Voltou a rastejar e moveu-se pelo perímetro do buraco, percebendo que a extensão era vários centímetros maiores que seu corpo, mas o teto era um pouco mais baixo que sua estatura. Continuou a percorrer o espaço e descobriu uma barra comprida de madeira no centro da masmorra, e julgou era fosse um cabo de alguma ferramenta. Um instante depois, encontrou o aço frio e duro de uma lâmina de machado, arrancada de seu cabo.

Quando não localizou nenhuma porta ou janela, sua respiração tornou-se rápida e curta, e seu medo cresceu para se transformar em pânico. Ela procurou acalmar-se, plenamente ciente de que isso poderia tornar sua situação muito pior. Não sabia como Oswin a trouxera até aquele lugar ou até mesmo onde se encontrava... Talvez não es­tivesse dentro da fortaleza. Se fosse assim, Edric jamais a encontraria. E certamente era isso que Oswin pretendia.

As lágrimas começaram a escorrer quando Kathryn pensou em Edric e nas últimas palavras que o ouvira pro­nunciar: uma praga e depois a declaração de que jamais se casaria. Edric não sentia o mesmo que ela sentia por ele e, em sua raiva, provavelmente ficaria feliz em se livrar de sua presença, pelo menos por aquela noite. Ninguém sentiria sua falta até que Aidan precisasse do leite e não conseguissem encontrar ninguém capaz de amamentá-lo.

Pelo menos Aidan precisava dela.

Pensar na criança manteve o pânico sob controle, e Kathryn fez outro giro ao redor do pequeno espaço, com a esperança de ter perdido alguma coisa. Era difícil na­quele breu, mas se houvesse um jeito de sair, ela iria en­contrá-lo.

Segurou o cabo do machado na mão e começou a bater em todas as paredes, na esperança de ouvir um som oco, ou quem sabe um ponto fraco, mas não encontrou nada. Ajoelhou-se perto de uma das paredes e machucou as mãos usando a lâmina do machado para escavar, embora tivesse receio de que o esforço se mostrasse inútil.

Feliz por livrar-se de Wulfgar e seu desprezível bando de rebeldes, Edric atravessou o salão e subiu as escadas como um homem esfaimado com a promessa de um ban­quete no andar superior. Correu para o berçário e abriu a porta sem bater, pronto para tomar Kate nos braços e beijá-la até que ambos ficassem sem fôlego.

O aposento estava vazio.

Não importava. Ela estava sentada com Bryce, prova­velmente, como sempre fazia, fazendo-lhe uma visita en­quanto tricotava a manta para Aidan. Edric foi procurar por ela no quarto do irmão, mas encontrou Bryce cochi­lando tranqüilamente. Acordou-o e perguntou se ele vira Kate.

Com a resposta negativa de Bryce, Edric voltou para o salão e logo ouviu o som do choro exigente de Aidan. Se­guiu os berros, certo de que onde quer que seu filho esti­vesse, lá ele encontraria Kate.

Aidan estava na cozinha, mas não havia nenhum sinal de Kate, e Gwen tentava desesperadamente dar a mamadeira ao bebê. A cozinheira e duas copeiras rondavam por perto, oferecendo conselhos, mas Gwen não obtinha qual­quer sucesso.

Uma sensação de pavor tomou conta de Edric, contraindo-lhe as entranhas. Kate poderia estar magoada, ou mes­mo zangada, com ele, mas não se entregaria ao rancor, deixando Aidan à mercê das criadas.

— Milorde — chamou a cozinheira —, nós todas ten­tamos dar o leite ao menino, mas ele...

— Dê-o para mim.

Atordoado de preocupação, Edric sentou-se e pegou Aidan no colo. Alguém lhe entregou o frasco de leite e ele colocou o bico na boca de Aidan. No mesmo instante, o menino acalmou-se e começou a mamar.

Edric mal pensou na estranheza da situação, mas deu a mamadeira ao filho enquanto interrogava o pessoal da casa.

— Alguém viu Kate?

Todas, com exceção de Gwen, negaram com a cabeça.

— Onde a viu pela última vez? — perguntou à jovem.

— Q-quando o p-padre Algar gritou com ela... ela me deu o bebê e saiu correndo do salão.

— Em que direção?

— Aqui para trás, por este caminho. Acho que saiu correndo para a horta da cozinha enquanto o senhor es­tava expulsando aqueles homens do castelo.

Era um começo. Provavelmente Kate tivesse ido para a cabana de Lora.

Edric deixou o filho aos cuidados de Gwen e apressou-se a seguir pela chuva rumo ao portão dos fundos, ao leste, e depois ganhou velocidade ao atravessar a ponta e passar pela vila seguindo na direção da cabana de Lora. Reco­nhecia que fora um idiota em ignorar tudo que sentia por Kate. Ela podia ser uma normanda, mas não era nada parecida com Cecily, e desde a primeira vez que Edric a vira, tão aterrorizada e vulnerável sob a forma corpulenta de Léod Ferguson, ele a desejara. Tivera ganas de matar Ferguson apenas por tocar nela.

Suas mãos formigavam de desejo de acariciar sua mu­lher, de envolvê-la nos braços e dizer a Kate que o entendera mal, que ele desejava verdadeiramente que ela fosse sua esposa... e que a amava.

Kate fizera o que nenhuma outra donzela poderia fazer, seduzi-lo com seus modos gentis e a atenção amorosa que dedicava a ele e a seu filho. Tinham fechado o círculo e voltado ao começo, com Edric profundamente apaixonado pela mulher que ele pensava que queria apenas como uma parceira na cama.

Chegou à cabana e bateu à porta de Lora. Elga atendeu, afastando-se para que Edric entrasse.

— Onde está Kate?

— Não está aqui, milorde — Elga respondeu, quando Lora apareceu entre as cortinas que separavam o quarto dos fundos.

— Ela não está com Aidan? — Lora indagou.

— Aidan está com as criadas no castelo, mas não con­sigo encontrar...

— Que razão ela teria para deixar o bebê com as cria­das? Kate nunca está sem ele.

 

Kathryn iria morrer naquele buraco. Estava certa dis­so... pelo menos, tão certa como poderia estar de al­guma coisa. O ar estava quase esgotado, e ela já sentia tontura com o ambiente abafado. Tentara escavar um ca­minho para fora com a cabeça do machado, mas tudo que conseguira fora exaurir o pouco de ar que houvesse, fi­cando zonza e fraca.

Ninguém jamais saberia o que acontecera a ela.

Kathryn deitou-se de lado e encolheu-se numa bola tiritante, imaginando se aquela morte era melhor que o destino com que se defrontaria caso Léod Ferguson resol­vesse mantê-la viva.

Sim. Era.

Ela se apaixonara por Edric e por seu filhinho. Teria se tornado uma boa esposa para Edric, se pelo menos ele desejasse uma, pois ela o amava muito além da razão. Levara-o para sua cama e lhe dera tudo que tinha, tudo que era, sem a bênção do casamento ou a promessa de um futuro.

Imaginou se falariam dela... da normanda que chegara para cuidar do bebê de lorde Edric e depois desaparecera sem uma palavra, sem um vestígio. Chegara sem nada a não ser as roupas rasgadas, e fora embora sem nada.

A idéia de que todos acreditariam que ela abandonara Braxton Fell, que deixara Edric e Aidan, e todas as suas amigas, era abominável para Kathryn. Ela não era uma pajem leviana que não se importava nada com o homem que compartilhava sua cama, nada com o bebê que de­pendia dela.

Ela se importava. Desesperadamente. E, em seu desespero, Kathryn ergueu-se nos joelhos e começou a percorrer a minúscula prisão mais uma vez, procurando pela abertura, pois tinha de haver uma. Pe­gou o cabo do machado de novo e bateu em toda extensão da superfície de cada parede, mas não descobriu nada além do que encontrara da últimas dez vezes que fizera isso. Sólidas paredes de barro.

Faminta por ar, Kathryn sentou-se, a frustração e a per­plexidade a dominá-la, certa de que seu raciocínio não po­deria estar funcionando adequadamente, caso contrário ela seria capaz de fazer alguma coisa naquela situação terrível. De repente, a escuridão pareceu não tão espessa assim. Kathryn viu débeis lampejos de luz a seu redor, e ouviu o suave murmúrio de vozes em seus ouvidos. Sabia que não poderiam ser reais, pois ela escarafunchara cada can­to de sua prisão e nada encontrara, além de terra dura batida. Ninguém estava ali, ninguém poderia ajudá-la!

Apoiada contra uma parede, Kathryn comprimiu as mãos nos ouvidos, em desespero, tentando bloquear as vozes fantasmagóricas, mas os sons baixos penetravam sua audição assim mesmo.

— Existe um meio de sair, ma petite. Você precisa en­contrá-lo.

Kathryn reconheceu a voz de soror Agnes, e no entanto era impossível que a velha freira estivesse ali com ela.

— Eu sei, ma soeur, mas já tentei de tudo! — ela gritou, com medo de estar perdendo o juízo. Tinha de sair e res­pirar um pouco de ar!

— Não, não tentou.

Desta vez, era a voz firme de Isabel.

Kathryn quase podia enxergar sua irmã, a talentosa, a bela. Isabel nunca teria deixado Oswin tirar vantagem dela. Isabel lutaria e venceria o velho, e depois iria des­mascará-lo e denunciá-lo como o traidor que era. Edric ficaria orgulhoso em ter uma mulher tão engenhosa como esposa.

Sem dúvida, Isabel seria capaz de despertar todos os sentimentos ternos que um homem sentiria por uma mulher, sentimentos que o inspirariam a fazer os votos do matrimônio com ela.

— Não seja tola, Kathryn — censurou Isabel. — Ele gosta de você... caso contrário não seria um amante tão cheio de consideração. Não olharia tão amorosamente para você enquanto você cuida do filho dele. E a teria en­viado para Evesham Bridge no momento em que você men­cionou o convento.

— Não...

— Há um caminho para fora. Você deve encontrá-lo e voltar para aqueles que a amam!

Isabel estava enganada. Não havia caminho para sair dali. Ninguém a amava. Numa névoa de tristeza, Kathryn ergueu o cabo do machado e o desceu com um golpe duro no chão.

— Ouviu isso? — indagou soror Agnes.

— Não. Não era nada — retrucou Kathryn.

As lágrimas marejaram seus olhos e escorreram pelas faces, mas não importava. Ela estava completamente cega, de qualquer maneira, e portanto não havia razão nenhuma para enxugá-las.

—Mas era, Kathryn — disse a voz de Isabel. Rodopiava em torno dela, assombrando-a com palavras que não fa­ziam nenhum sentido. — No teto. Quando você golpeou o teto com o cabo do machado, produziu um som diferente. De madeira.

— Madeira? Ali em cima?

Kathryn largou o cabo do machado e ergueu as mãos para tatear o teto, em busca de alguma pequena fagulha de esperança.

— Tem razão — ela murmurou. O ar estava ainda mais rarefeito agora, e seus pulmões doíam ao respirar. — Pos­so sentir.

Com todo o esforço que conseguiu congregar, Kathryn correu as mãos pela prancha de madeira, avaliando seu tamanho. Se pudesse acreditar em seus sentidos, poderia ser uma porta, larga o suficiente para ela passar pela abertura. Forçou-a para cima, mas a madeira não se mo­veu. Erguendo-se nas mãos e joelhos, Kathryn usou as costas e ombros para empurrar, mas novamente, a porta não se mexeu.

— O que farei?

— O cabo do machado — Isabel murmurou. — Se você bater alto o bastante epor tempo suficiente, alguém ouvirá.

Enquanto conversava com Lora, a sensação de pavor de Edric voltou e começou a aumentar.

— Eu disse uma coisa que... Ela acha que eu... — Por Deus, o padre a chamara de "vagabunda" e Edric não re­preendera o canalha, nem mesmo o corrigira. — Ela acre­dita que não me importo nem um pouco com ela.

— Edric, como pode ser isso... Você... Oh, nossa! — Lora comprimiu a mão contra o peito, porém não fez mais perguntas.

— Ela não está na fortaleza — continuou Edric. — Pen­sei que a encontraria aqui.

— Não. Ninguém apareceu desde que Gildas saiu com Drogan. Faz bastante tempo.

— Ela falou em Evesham Bridge ultimamente? — Edric indagou, agarrando-se a qualquer indício.

Lora meneou a cabeça.

— Não, Edric. Ela não abandonaria Aidan... Ou você. O que ela sente a seu respeito é evidente no olhar de Kate cada vez que ela olha para você.

Edric vira também, mas negara o fato, relutante em aceitar aquele amor.

Ao sair da cabana de Lora, Edric fez uma rápida ins­peção pela vila antes de retornar ao castelo. Estava com­pletamente escuro, e ele mal percebeu que estava enso­pado até os ossos. Mandou Caedmon à procura de Oswin, e Modig para as colinas para chamar Drogan. Depois, entrou na cozinha onde Gwen estava sentada ao lado do fogão, segurando Aidan, que chorara até dormir.

Edric não desperdiçou nem um minuto.

— Gwen, você viu Kate sair do castelo?

— Não, milorde — murmurou Gwen. — Ela me entre­gou o bebê e depois correu na direção da porta das fundos.

— Passando pela capela, passando por meu escritório?

Gwen fez que sim.

— Ela deve ter atravessado a horta da cozinha e ido para o celeiro.

— Leve Aidan para o berçário e coloque-o na cama. Fique com ele lá — Edric disse a Gwen.

Com a preocupação a lhe devorar as entranhas, Edric rumou para o celeiro, retraçando os passos de Kate pelo corredor dos fundos. Parou quando percebeu que a porta de seu escritório estava entreaberta. Empurrou-a e viu os papéis esparramados pelo chão. O livro-caixa em que Oswin registrava tão penosamente cada tonei de cerveja e cada medida de trigo estava debaixo da mesa.

Alguma coisa desagradável acontecera ali.

Oh, Jesu! Kate viera por aquele caminho.

— Milorde? — Era a voz de Caedmon.

— Aqui dentro! — ele gritou para o rapaz.

— Não consigo encontrar Oswin — disse Caedmon, per­correndo os olhos pela desordem no escritório. — Ele não está em seus alojamentos nem no estábulo. Ninguém o viu.

Edric resmungou um palavrão.

— Reúna todos os cavalariços no salão. Kate está de­saparecida e creio que Oswin poderia... — Poderia o que? Edric refletiu. Poderia machucá-la? Pela aparência de seu escritório, ele já causara algum dano.

O estômago de Edric revirou diante do pensamento. Seria a hostilidade de Oswin tão grande assim, a ponto de levá-lo a fazer mal a Kate? Depois do incidente com Wulfgar, Edric não sabia o que pensar ou, pelo contrário, preferia não pensar que maldade Oswin era capaz de fazer.

Mesmo assim, o administrador não poderia ter saído pelos portões principais, pois Edric e seus homens esta­vam lá, escoltando Wulfgar e seu grupo para fora da pro­priedade. Mas, e o portão dos fundos?

Edric pegou uma das tochas da parede e saiu correndo pela porta, com Caedmon logo atrás.

— Oswin deve ter levado Kate para algum lugar. Pre­cisamos procurar em cada centímetro da fortaleza, a co­meçar com as ameias, e descer até a adega. Diga às cria­das para olharem dentro de cada quarto. Arranje alguém para descer até o portão dos fundos e perguntar aos mo­radores das cabanas se viram Oswin nas últimas horas.

Caedmon não perdeu tempo e correu pelo corredor, e logo sumiu de vista. Com apenas os instintos a guiá-lo, Edric chegou à porta da adega e desceu os degraus de madeira. Não se permitiu imaginar o que Oswin já pode­ria ter feito a Kate, mas censurou-se por não perceber como o ódio do administrador o incitava a cometer loucu­ras. Edric deveria ter previsto alguma atitude radical e lidado com o homem mais cedo. Esperava e rezava que não fosse tarde demais.

Nada estava fora do lugar no depósito de cerveja. Não havia marcas de passos no chão de terra batida, nem sinal de que alguém tivesse entrado ali. Edric procurou uma porta, um corredor, qualquer lugar por onde Oswin pu­desse ter levado Kate, mas não encontrou nada.

Voltou pelo mesmo caminho depressa, retraçando os pró­prios passos e rumava para o salão nobre quando se chocou com Lora, que entrava, o manto ensopado de chuva.

— Caedmon me avisou. Onde Oswin poderia levar Kate?

— Não pode ter ido muito longe. — O medo pairava logo abaixo da superfície, e cada músculo do corpo de Edric se contraía rigidamente diante da idéia de onde Kate po­deria se encontrar e o que teria acontecido a ela a essa hora.

— Edric, você precisa acalmar-se — insistiu Lora. — Kate precisa de você agora, precisa de sua firme disciplina e todo o seu treinamento.

Ele esfregou a mão pela boca e pelo queixo.

— Você tem razão. Venha comigo até as ameias.

— Você não crê que Oswin pretenda...

— Não! Se tivesse intenção de empurrá-la das mura­lhas, já teria feito isso.

— Então...

— Não há mais lugar algum onde procurar! — ele ber­rou, frustrado.

Oswin se veria numa enorme dificuldade em sair do interior das muralhas. Onde mais ele poderia... Jesu! A velha fortaleza!

Edric pegou Lora pelo cotovelo e a fez dar meia-volta, puxando-a pelo corredor dos fundos e saindo do castelo. Lora não conseguiu acompanhar os passos apressados de Edric, e ele a soltou e saiu correndo ao ver uma silhueta escura de pé numa das janelas da torre da velha fortaleza. As venezianas estavam abertas, e, conforme o homem se debruçava para fora, a chuva incessante o ensopou.

Era Oswin!

Edric correu para a porta e encontrou-a trancada. Usando toda força que tinha, lançou-se contra ela repeti­das vezes. Quando já perdia as forças, os gonzos cederam finalmente, e Edric caiu no velho salão.

Estava escuro lá dentro, mas ele se recordava muito bem do espaço e sabia onde encontrar uma tocha.

Às pressas, tateou a parede até localizá-la. Acendeu-a e rumou para as escadas da torre onde vira Oswin. Ouviu os passos de Lora, que o seguia, mas não parou para esperá-la, a atenção completamente focada em impedir que Oswin empurrasse Kate do alto da torre.

— Oswin! — ele gritou. — Essa não é maneira de con­quistar minha generosidade!

— Sua generosidade é inútil, traidor!

— Kate!

Ela não respondeu, mas Edric ouviu Oswin arrastar o pé para fora da janela e para a beirada da torre. Seu co­ração saltou para a garganta quando pensou no terror que Kate devia estar sentindo. Era mais que perigoso, certamente uma queda fatal, daquela janela até o chão.

— Oswin, ouça-me bem! Se machucar a mulher com que pretendo me casar, você será expulso de Braxton Fell para nunca mais retornar!

— Você jamais a encontrará!

Isso significava que Kate não estava ali com o admi­nistrador?

Edric entrou na sala da torre e viu que todas as vene­zianas estavam abertas. Ele enfiou a tocha num dos su­portes e depois se aproximou cautelosamente da janela em que Oswin subira até o parapeito. Estava numa posi­ção precária sob o vento e a chuva forte, mas o adminis­trador não mostrava medo.

— Onde está ela? — Edric perguntou.

Oswin não respondeu, mas cruzou os braços no peito e soltou uma gargalhada horrível, como se não estivesse de pé numa laje em mau estado nas piores circunstâncias possíveis. Era evidente, o homem enlouquecera, e Edric sentiu-se incapaz de lidar com ele. Tremia de frustração quando Lora entrou na sala.

— Tente outra abordagem, Edric — ela disse, baixinho.

— Adule-o.

Edric respirou fundo, num arquejo trêmulo.

— Oswin, venha para dentro. Precisamos conversar. O administrador não deu resposta, mas afastou-se da

janela. Edric olhou para Lora.

— Ele deve tê-la escondido. Mas onde? Lora meneou a cabeça.

— Quer que eu continue conversando com ele enquanto você procura pela fortaleza?

— Sim. Faça isso.

O coração de Edric continuava a bater na garganta. Ele não conseguia se lembrar da última vez que sentira ta­manha agitação, um medo tão absoluto. Não julgava que houvesse um recesso ou um vão no prédio que ele não conhecesse. Mesmo assim, onde poderia Oswin ter escon­dido Kate?

— Foi a normanda que arruinou tudo! — Oswin gritou.

— Todos os meus planos! As cartas... o descontentamen­to... o moinho...

— Ele está delirando. Vá, Edric, vá e encontre Kate! Oswin continuou com aquela arenga furiosa.

— Você dá ouvidos apenas a ela, porém a mulher é amaldiçoada! Eu não irei... eu não irei...

Então, ouviram um baque surdo, e Lora e Edric corre­ram para a janela, instintivamente sabendo o que Oswin fizera. E só lhes restou olhar para o homem caído no chão lá embaixo.

Oswin jazia imóvel no solo, o corpo dobrado num ângulo estranho, e uma mancha escura se espalhava ao seu re­dor. Ele estava morto.

— Pelo sopro de Deus! — Edric murmurou, chocado pelo que Oswin acabara de fazer. Contudo, não perdeu mais tempo; apanhou a tocha e rumou para as escadas. — Olhe nos quartos aqui em cima! — gritou para Lora.

Lora correu para o quarto onde os pais de Edric dor­miam durante todos os anos de casamento. E Edric pen­sou que não haveria quartos separados para ele e Kate também. Iria encontrá-la e depois se casariam, e parti­lhariam a intimidade de um mesmo quarto de dormir pelo resto de suas vidas.

Ele desceu correndo os degraus e deu de encontro com Drogan que acabara de entrar no salão, parecendo pálido e abalado.

— Milorde, Oswin está...

— Eu sei. Rápido. Precisamos encontrar Kate. Receio que Oswin tenha feito algum mal a ela antes de escondê-la.

— Ela está aqui?

— Não sei. Maldição, eu não posso...

— Escute. Ouviu isso?

Edric só conseguia escutar as batidas do próprio cora­ção, que parecia querer explodir dentro de seu peito.

— Vem de lá de baixo — acrescentou Drogan — Da adega!

Edric ouviu então uma martelada leve, abafada. Jun­tos, os dois homens se precipitaram para a pequena cozi­nha no fundo do salão e abriram a porta da adega. A ba­tida parou, e Edric julgou se imaginara o ruído, tão de­sesperado estava.

Ficaram quietos, ouvidos atentos.

— Onde ela poderia estar? — Drogan indagou. Edric não deu resposta, mas desceu os degraus. Os ca-

valetes que um dia exibiam toneis de cerveja ainda esta­vam no lugar, com várias barricas pesadas empilhadas sobre as tábuas apoiadas neles. Os dois homens rebusca­ram cada canto da adega, mas não havia nenhum sinal de Kate, embora Edric notasse rastros no chão de terra dura.

— Drogan, olhe!

Edric olhou para o rastro ao pé do cavalete e viu que fora arrastado. Com uma força que ele não sabia que pos­suía, ele puxou a prateleira para trás. Drogan veio aju­dá-lo e, em questão de instantes, haviam descoberto uma pequena porta de madeira no chão. Estava lacrada, e Edric procurou uma alavanca para arrebentá-la.

Drogan aproximou-se e ergueu a tocha bem alto para que pudessem enxergar, e estendeu o punhal a Edric. Edric enterrou a lâmina debaixo de cada um dos ganchos de metal que seguravam a madeira no lugar e entortou-os para trás. Depois, arrancou a madeira de sua moldura. Empurrou-a de lado e saltou para dentro do buraco abai­xo, onde encontrou Kate, deitada no chão, inconsciente.

Edric encostou o ouvido ao peito de Kate e ouviu o co­ração a palpitar de leve lá dentro. Com uma prece de agra­decimento, ele ergueu o corpo frouxo nos braços e passou-o cuidadosamente pela abertura para Drogan, que pegou Kate e deitou-a com gentileza no chão da adega.

Edric apoiou-se na borda, ergueu-se para fora do buraco e ajoelhou-se ao lado de Kate, pousando-lhe a cabeça no colo. Chamou-lhe o nome baixinho, e viu o peito de Kate arfar, quando ela inspirou uma grande golfada de ar.

— Pelo sangue de Cristo! — exclamou Drogan. — Mais um minuto, e ela teria morrido asfixiada.

Edric não conseguiu suportar a idéia.

— Kate — murmurou com ternura, afagando-lhe os cabelos, a face, as mãos. — Volte para mim.

Ela não respondeu. Edric ergueu-a nos braços e carre­gou-a para as escadas, seguindo atrás de Drogan, que levava a tocha.

— Encontre Lora. Ela saberá o que fazer.

Levou Kate para o salão e deitou-a sobre a longa mesa que ficava sobre o tablado. Tomou-lhe a mão na sua e esfregou-a com força, falando com ela, implorando para que acordasse, pois ele não queria enfrentar uma vida vazia e gelada sem ela a seu lado. Claro que não a encon­trara debaixo da adega da fortaleza de seu pai só para perdê-la outra vez.

— Você é minha vida e meu amor, minha doce Kate. Volte para mim e seja minha esposa.

Agora ela estava escutando a voz de Edric, mas Kathryn sabia que não poderia ser mais real que as de Isabel e de soror Agnes.

— Non, je ne suis pas Kate — ela murmurou, embora não tivesse certeza se falava alto ou apenas ouvia as pa­lavras na mente. Seus músculos doíam de tremer, mas ela não conseguia parar. — Je suis... — Ela umedeceu os lábios. — Eu sou Kathryn de St. Marie.

Ouviu um som rouquenho bem perto do ouvido, e depois a voz de Edric.

— Sim — ele resmungou. — Kathryn. Minha Kathryn.

Ela sentiu a respiração quente em sua pele e estreme­ceu com o frio das roupas molhadas.

— Acorde, minha amada. Eu não a deixarei se esgueirar para longe de mim. Eu amo você, Kate... Kathryn. Preciso de você.

Outras vozes chegaram aos ouvidos de Kathryn então, de homem e de mulher, mas ela não conseguia entender as palavras. De repente, sentiu algo frio e molhado na face, e abriu os olhos com um arquejo.

Foi o rosto de Edric que Kathryn viu primeiro. Depois o de Lora, e de Drogan, logo atrás. Seriam reais?

— Edric?

Ele não disse nada, apenas comprimiu a testa contra seu peito.

— Pensei que vocês eram... Você me encontrou! — ela gritou, ao se recordar de repente do buraco escuro em que Oswin a enfiara.

— Sim. Eu moveria céus e terra por você. Jesu, fiquei com medo que a tivesse perdido!

Kathryn fez um ligeiro gesto de cabeça.

— Fiquei apavorada também.

Ainda estava com medo de que sua mente lhe pregasse peças. Não era possível que Edric tivesse dito que a amava e precisava dela. Seria?

— Você está enregelada. Tome — disse Lora, tirando a capa e estendendo-a sobre Kathryn.

— Farei um fogo agora mesmo — anunciou Drogan. Logo depois, uma série de ruídos quebrou o silêncio do salão, pouco além da vista de Kathryn, mas Edric não saiu do lado dela. Inclinou-se e começou a cobri-la de bei­jos, nas mãos e na testa.

— E quanto a Oswin? Ele lhe contou onde eu estava?

— Não, Kate... Kathryn. Doçura, ele está... Ele caiu da torre. Está morto.

Kathryn sentiu um nó formar-se em sua garganta.

— Arruinei todos os planos dele. Oswin é o seu sabotador. Fez tudo que podia para deixá-lo ressentido com o rei Guilherme e com o pai de Cecily. Aquelas cartas... Ele lhe contou mentiras, Edric. As cartas oferecem ajuda e encorajamento.

— O quê?

— Ele lhe disse falsidades na esperança de que você ficasse frustrado com o governo do rei Guilherme e se juntasse à revolta de Wulfgar.

Edric franziu a testa. As ações de Oswin deveriam fazer um certo tipo perverso de bom senso para uma mente enlouquecida. O homem jamais superara o sofrimento pe­la morte dos dois filhos, e se tornara amargo e irracional.

— Ele queria que você e todos em Braxton Fell se en­furecessem com o destino. Fez tudo que poderia para fo­mentar o descontentamento e o desejo de vingança.

Edric ergueu Kathryn da mesa e carregou-a até a la­reira onde já queimava um fogo firme. Drogan puxou uma cadeira empoeirada para perto. Kathryn estava tremendo de frio, e Edric sentou-se com ela, aninhando-a no colo enquanto Lora e Drogan desapareciam.

— Você leu as cartas? — Edric perguntou, segurando-a bem perto.

Kathryn concordou e encostou a face no peito largo de Edric, sentindo que seu corpo finalmente começava a se aquecer. Era hora de contar a ele toda a verdade,.embora ela soubesse quais seriam as conseqüências. Ela vivenciara aquele instante inúmeras vezes na mente, e receava já saber como Edric reagiria.

— Oswin não foi o único a dizer mentiras. Eu o enganei também.

Edric esfregou a mão pelo lado do corpo de Kathryn e inclinou-se para beijá-la.

— Eu não me importo, Kathryn.

— Edric, meu pai é um dos mais poderosos barões do rei Guilherme. Ele...

Ele sufocou-lhe as palavras com um beijo, um longo beijo sensual que lhe seduziu a boca, o corpo e a alma.

— Não diga mais nada. Nós nos casaremos antes que eu saiba quem é você e eu me veja obrigado a pedir-lhe a mão a seu pai. Como Kate de Rushton, você pode facil­mente concordar em ser minha.

Kathryn fechos os olhos.

— Não. Não pode ser.

Edric sabia que ela gostava dele. Kathryn não poderia estar se recusando a desposá-lo. Mesmo assim, ela inter­rompera o beijo e segurava-o pelo queixo.

— Isso é muito importante, Edric.

— Claro que é. Concordamos com isso. Nós nos casa­remos tão logo...

— Não, quero dizer que precisamos procurar meu pai — ela exclamou. — Eu me arriscarei a perder seu respeito casando-me sem o seu consentimento.

— Kate...

— Meu pai é o Barão Henri de Kettwyck. Sua colheita foi melhor do que o esperado, e ele há de ter suprime ritos de sobra... E mós para substituir aquela que Oswin arruinou.

— Kettwyck? Seu pai é o senhor de Kettwyck? Kathryn aquiesceu com a cabeça, mas Edric percebeu

que isso não lhe importava. Queria tê-la como esposa as­sim que a lei permitisse. Como Kate de Rushton, ela po­deria desposá-lo.

— Eu te amo, Edric, e não existe nada que eu queira mais neste mundo do que ser sua esposa. Porém, precisa­mos ir para Kettwyck. Meu pai será um poderoso aliado.

— Só se me der seu consentimento. Case-se comigo ago­ra, Kate. Seja minha esposa, e enfrentaremos seu pai juntos.

Ela o fitou com lágrimas nos olhos, a expressão toldada pela indecisão.

 

Edric acomodou a esposa na sela à sua frente e caval­gou pelo vale e pelo terreno íngreme até o sopé da colina onde passara tantas horas da juventude em deva­neios inúteis. Chegaram ao local onde ele, o irmão e os amigos sempre amarravam os cavalos, mas Edric não des­montou. Parou e virou-se para trás, para capturar os lá­bios de Kate num beijo abrasador.

— Eu te amo — disse.

Edric nunca falara tão a sério na vida. Kate era seu coração e sua alma. Era o mundo para ele.

Ele saltou da sela e estendeu os braços a ela. Colocou-a no chão com todo o cuidado e tomou-a pela mão conforme subiam até o cume da colina, até a saliência de rocha onde ele lhe mostraria suas terras, as centenas de acres que eram seus para governar.

Nas últimas semanas, Kate revisara os livros de Oswin, e descobrira que eram tão imprecisos e enganadores como as cartas que ele traduzira de forma a servir aos próprios objetivos. Com uma força que ele não sabia que possuía, Braxton Fell sobreviveria ao inverno sem ajuda de ninguém, e quando adotassem as técnicas que vinham sendo usadas em Kettwyck para drenar os pântanos, haveria muito mais terra arável para o plantio na primavera.

Edric levou Kate até o parapeito rochoso e estendeu uma manta no chão. Sentou-se no chão macio, coberto de musgo, com as costas apoiadas na parede de pedra. Puxou Kate para baixo, e acomodou-a entre as pernas, com as costas a descansar em seu peito.

— E bonito aqui — ela murmurou.

— Sim, mas tem só a metade da beleza de minha es­posa.

— Edric, deveríamos ter esperado para casar.

— Não, amor. — Ele escorregou as mãos em torno da cintura de Kate e deixou os polegares roçarem na parte inferior dos seios macios. — Nosso casamento já estava muito atrasado. Além disso, seu pai não vai colocar objeções, não depois de ter lido a carta que você lhe enviou, descrevendo seu resgate das mãos dos Ferguson, e o va­loroso guerreiro que a salvou.

Kate inclinou a cabeça para trás, dando-lhe acesso ao pescoço delgado. Edric beijou a pulsação que batia ali, e deslizou as mãos para o alto até empalmar-lhe os seios. Estavam muito mais cheios ultimamente, e as pontas le­vemente escuras. E ele já notara um ligeiro arredonda­mento no ventre de Kate, e sabia que ela andava dormindo às tardes, enquanto Aidan cochilava.

Ela esperava um filho... um filho seu.

— Está bem quentinha?

Kate concordou, num gesto suave.

— Mas vejo que você trouxe uma manta.

— Sim, mas para deitar.

— Ah... — ela murmurou, e se virou nos braços do ma­rido. — Pensei que tivesse me trazido aqui para mostrar todo o seu reino, meu caro senhor, não para me seduzir.

— E assim eu fiz, querida — ele disse, rindo. — Mas um pouco de sedução também fazia parte de meu plano.

Kate passou os braços em torno do pescoço de Edric e mordiscou-lhe os lábios.

— Isso é muito bom — ela murmurou. — Mas não até que eu lhe conte minhas novidades.

 

                                                                                Margo Maguire  

 

                      

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