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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


FÉRIAS DE VERÃO / Kay Thorpe
FÉRIAS DE VERÃO / Kay Thorpe

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblio VT

 

 

 

 

O súbito aparecimento do enorme carro branco na curva, bem à sua frente, trouxe Tônia de volta à realidade. E o horror se estampou em seu rosto ao perceber que aquele carro e o seu estavam na mesma pista. Quando tomou consciência disso, o outro motorista já estava reagindo, desviando o veículo, com um frear ruidoso e um cheiro de borracha queimada.

Instintivamente, ela também desviou na direção oposta, fazendo com que seu conversível saísse da estrada, sacolejando durante o que pareceu um século. Finalmente, seu carro parou num ângulo agudo, com os pneus dianteiros enterrados numa valeta.

Com o rosto pálido e a respiração ofegante, ela abaixou a cabeça sobre as mãos crispadas, que ainda seguravam com força o volante, lutando para controlar os nervos em frangalhos. Aquilo fora o mais próximo que já se sentira da morte. Apenas alguns segundos haviam impedido uma forte colisão dos dois veículos, da qual nenhum dos motoristas teria esperanças de sair com vida. E tudo por sua culpa! Estava muito absorta em seus pensamentos para perceber que entrara na contramão!

Vagamente, tomou consciência de uma porta batendo e do som de passos apressados, que se tornavam mais próximos. Alguém se aproximou do carro e tocou em seu ombro.

 

 

                             

 

 

- Você está bem? - perguntou uma voz masculina grave.

Tônia endireitou o corpo lentamente e, ao levantar a cabeça, deparou com aquelas feições austeras.

- Sim. Estou bem, obrigada. - Sentiu a própria voz tremer e fez um esforço para se acalmar. - Sinto muito, foi tudo por minha culpa.

- Ainda bem que reconhece! - Senti que a voz dele se tornava mais rude e percebeu quando ele levantou o braço bronzeado para afastar uma mecha de cabelo do rosto, num gesto que demonstrava tensão. - Se você prefere dirigir à esquerda, devia ter ficado em seu próprio país.

- Não é uma questão de preferência. Eu me deixei envolver pelos meus pensamentos e perdi a noção de onde me encontrava, isto é tudo. - Estava começando a reagir, perdendo a calma. - Olhe, já disse que sinto muito.

- E isto conserta tudo? - O tom era cheio de sarcasmo. - Se não é capaz de prestar atenção no que está fazendo, não convém que esteja numa estrada, em nenhuma estrada!

Os olhos verdes de Tônia brilharam.

- Suponho que pense mais de todas as mulheres que dirigem. Você me parece exatamente o tipo que nutre esta espécie de preconceito!

- Errado. - O rosto dele era impassível. - Conheço muitas mulheres que são excelentes motoristas. - Os frios olhos cinzentos examinaram seu corpo esbelto, parando por um breve momento no botão superior aberto de sua blusa antes de voltar ao rosto. - Está viajando?

Tônia encolheu os ombros, determinada a não lhe oferecer mais munição.

- Acho que meus motivos para estar na Colúmbia Britânica não têm interesse algum para você. De qualquer maneira, obrigada por ter parado.

- É o mínimo que eu poderia ter feito. - Ele se afastou um pouco do carro para dar uma olhada nele, contorcendo a boca. - Não vai ser fácil retirar seu carro daí.

- Não precisa se incomodar tentando - respondeu ela secamente. - Vou conseguir ajuda de outras pessoas.

Ele ergueu as sobrancelhas escuras.

- Como? Não há nada entre este local e Clearview, que fica a quinze quilômetros.

- Alguém há de passar por aqui.

- Certamente! Sempre há movimento em Highway One. - Ele contorceu a boca. - Não seja mais estúpida do que precisa ser. Eu tenho uma corda para rebocar. Fique firme enquanto vou pegá-la.

Tônia fez o que ele lhe disse, pois parecia não ter outra opção, mas seu orgulho estava ferido. Tinha que admitir que dera motivos para a raiva dele, mas será que precisava humilhá-la desse jeito? Normalmente, ninguém podia fazer objeções à sua maneira de dirigir. Apenas ela estava com a cabeça longe demais naquela hora. Se tivesse um pouco de bom senso, teria voltado à Inglaterra, após deixar aquele serviço em Vancouver, ao invés de fazer esta viagem. Mas como Calgary era a cidade de maior desenvolvimento do oeste do Canadá, ali ela teria muitas oportunidades de emprego. Entretanto, seria realmente um outro emprego o que desejava? Se não fosse por causa de Randy, nunca teria tido a idéia de sair da Inglaterra e ir para o Canadá.

Randy. A lembrança dele ainda tinha o poder de feri-la. Como pudera se enganar tanto a respeito dele? O amor sempre foi chamado de emoção cega, e agora ela sabia por quê. Fechara deliberadamente os olhos a tudo, exceto para o que desejava ver, e convencera a si 6 ma que o que eles viam era o suficiente. Mas não fora. Não orando posto à prova. Suas emoções a haviam traído.

Ela o conhecera numa festa, atraída imediatamente pelo tipo canadense alto e atraente, de traços firmes e olhos azuis sorridentes. A atração foi recíproca e em pouco tempo já haviam marcado um novo encontro.

Ele fora cedido por um ano a filial inglesa da companhia para a qual trabalhava, e este período de tempo já estava terminando. Talvez tivesse sido o fato de saber do iminente retorno dele ao Canadá que precipitou as coisas entre eles. Aos vinte e três anos de idade, Tônia sempre tivera muitos amigos homens, mas Randy era diferente. Ele exigia dela uma relação adulta, fazendo-a sentir-se uma mulher completa. Quando disse que a amava, o grande ardor dele levou-a não só a responder o mesmo, como também a acreditar naquilo.

A sugestão de que ela abandonasse o trabalho e o acompanhasse de volta ao Canadá fora feita de tal maneira que Tônia considerou como uma promessa de um compromisso permanente.

- Podemos fazer uma tentativa - dissera ele persuasivamente. - Vamos ver no que dá. Lá posso conseguir uma licença de estrangeiro para você trabalhar.

Até constituirmos uma família, pensara Tônia, sufocando uma certa surpresa momentânea. A maioria das esposas atualmente trabalhava fora - pelo menos no início. Provavelmente Randy acreditava que ela iria preferir conservar aquela independência a que estava acostumada desde os dezoito anos de idade.

Foi somente ao chegarem em Vancouver que finalmente percebeu que casamento não era o que Randy tinha realmente em mente. Mesmo assim, ela poderia ter deixado as coisas seguirem aquele curso, se a antiga companheira dele não houvesse voltado, acompanhada pelo filho de dezesseis meses para o qual ele pagava pensão. E quando Tônia ameaçara ir embora Randy não fizera muito esforço para tentar impedi-la de sair da vida dele, tinha que admitir.

O trabalho de Vancouver fora como uma espécie de lenitivo até que ela resolvesse o que iria fazer da vida dali em diante. O fato de ter abandonado o emprego abruptamente, após somente seis semanas, não fora nenhum sofrimento real, pois não era o tipo de trabalho para o qual se sentisse exatamente talhada. A decisão de vir para o oeste fora tomada impulsivamente, no desejo repentino de fugir da cidade que tanta infelicidade lhe trouxera.

Quando alugara o carro, ao invés de tomar um trem ou avião, Tônia vira uma maneira de ter mais tempo para pensar. Depois, ela já se informara sobre os hotéis para turistas que o Canadá possuía. Na noite passada dormira num hotel próximo a Kamloops, esta noite esperava estar em Golden. Os hotéis geralmente estavam lotados às seis horas da tarde, e já eram mais de cinco horas. Talvez este local, Clearwater, oferecesse alguma espécie de acomodação, embora nem mesmo fosse mencionado no mapa que possuía.

O som de um motor fez com que saísse novamente de seus devaneios. O caminhão deu a volta à pista, passando velozmente por ela. A cabeça do motorista se virou para olhar para o carro na valeta. Tônia percebeu o som de ganchos que estavam sendo colocados e viu seu antagonista de alguns momentos antes parado no acostamento. Ele usava calça larga e uma camisa clara. O sol, que estava desaparecendo por trás das montanhas cobertas de neve, ressaltava o vulto dele, alto e de ombros largos. Ele parecia à vontade na região deserta - alto e forte como os ursos sobre os quais fora avisada, mas que ainda não vira. Tudo naquela região era grande, de uma beleza opressiva. Sentiu uma súbita nostalgia ao se lembrar da plana zona rural de Lincolnshire, onde nascera.

O caminhão havia parado e o motorista estava descendo da cabine, tão alto quanto o outro homem, mas com o dobro do peso. A conversa foi breve e o recém-chegado já fazia um sinal afirmativo com a cabeça, logo voltando para o caminhão, enquanto o homem mais jovem vinha até onde Tônia ainda se encontrava, sentada ao volante de seu carro. Ele carregava um rolo de corda numa das mãos e prendeu uma ponta ao eixo da roda traseira.

O caminhão encostou de ré o mais perto possível do carro de Tônia e seu antagonista logo acoplou os dois veículos, parando para ver o que havia feito com uma expressão satisfeita. Em seguida, dirigiu-se a ela.

- Eu vou pegar o volante, pois, da maneira em que o carro se encontra, poderia virar sem alguém para controlá-lo.

- Neste caso, sou eu quem deve correr o risco - declarou Tônia, tentando parecer calma e confiante. - Vou tentar.

Não havia qualquer sinal de tolerância no olhar dele.

- Não estou discutindo isso - disse ele secamente. - Ou você sai por bem ou eu a tirarei à força.

- Você não tem nenhum direito - Tônia começou a dizer, calando-se abruptamente quando ele abriu a porta do seu lado, com óbvia intenção. - Não ponha as mãos em mim! - vociferou ela, escorregando as pernas de sob o volante. - Está indo um pouco longe demais!

Ele ignorou suas palavras, sentando-se no lugar que ficara vazio e fechando a porta. Furiosa, ela ficou observando-o fazer sinais para o motorista do caminhão, tomando consciência pela primeira vez dos músculos doloridos e tensos, provavelmente por causa dos solavancos na valeta. Havia uma débil sensação de náusea também.

O conversível saiu da valeta com uma certa relutância, oscilando duas rodas laterais por um instante antes de tocar o chão. O motorista do caminhão desligou o motor e desceu para ajudar com a corda de rebocar, dirigindo um olhar apreciativo a Tônia enquanto

- Foi um pneu que furou? - perguntou ele, sorrindo. - Sorte que você foi apenas parar na valeta.

Tônia sacudiu a cabeça, tendo consciência do homem ali perto.

- Não foi um pneu furado. Eu estava correndo demais.

- Você é da Inglaterra, não é? - disse ele, parecendo muito bem-impressionado. - Sabe, minha família é da sua parte do mundo, Leeds. Você conhece?

- Já ouvi falar, mas nunca estive lá. - Seu sorriso era afetuoso.

A diferença na atitude desse homem quase compensava a do outro.

- Sou do Sul, pelo menos foi onde passei os últimos doze anos. Já esteve lá?

- Nunca saí daqui. Devia ter feito isso antes que as crianças nascessem. Agora acho que terei que esperar que tenham idade suficiente para se arranjarem sozinhos. - Ele dirigiu sua atenção para o outro homem, que estivera examinando o carro. - Algum estrago?

- Pelo que pude ver, apenas um pára-lama torto. - Os olhos cinzentos se encontraram com os olhos de Tônia, cheios de ironia. - Você teve sorte.

- O diabo cuida de si próprio - ela respondeu docemente, e sorriu novamente para o motorista do caminhão. - Eu lhe agradeço muito por sua ajuda.

- Foi um prazer! Tome cuidado agora.

- Seria melhor aconselhá-la a prestar atenção - comentou o homem ao seu lado, enquanto o caminhão se afastava. - Da próxima vez você poderá encontrar outra pessoa com o pensamento distante também.

- Você já deu sua opinião - Tônia retrucou secamente. - Não precisa ficar martelando a mesma tecla. Se eu pensasse que todos os canadenses são como você, deixaria o país amanhã mesmo, mas felizmente sei que não são. - Ela foi até o carro, entrou e deu partida. - Eu lhe agradeceria novamente por sua ajuda, se achasse que o gesto poderia ser apreciado. Nestas circunstâncias, digo apenas adeus.

Ele não fez qualquer tentativa para detê-la. Tônia esperou que dois carros que vinham vindo passassem, antes de se dirigir à pista e se afastar. Sua última imagem daquele homem foi ao lado do carro dele.

Graças a Deus estou livre dele! - pensou, com veemência.

Foi somente ao ver a indicação para Copper Lake, uns dois quilômetros aproximadamente adiante, é que percebeu como seus nervos haviam sido afetados por aquele incidente. As placas de sinalização mostravam restaurantes e acomodação, além de vantagens para acampamento, o que significava ao menos uma cama para aquela noite e um prato de comida. Poderia encher o tanque na manhã seguinte e ir diretamente para Calgary, ficando praticamente com todo o fim de semana para decidir o que faria. Precisava tomar aquela decisão logo. Seu dinheiro daria apenas para mais algumas semanas, se quisesse reservar uma quantia para voltar para a Inglaterra de avião.

Ela havia saído da estrada principal e tomado uma pequena estrada lateral, sem ter ajustado suas idéias conscientemente. Seguindo na direção nordeste agora, podia ver as cadeias montanhosas de Alberta erguendo-se à sua frente, com os picos coroados por suas neves eternas. No meio, ficavam as colinas mais baixas, cobertas de pinheiros verdes, interrompidas por pequenos espaços abertos, como oásis num deserto ondulante de árvores.

Era num desses espaços que se situava Copper Lake. Tônia repentinamente se encontrou lá após uma curva. O lago tinha uns setecentos metros de comprimento e uns quinhentos metros de largura no ponto mais largo. Possuía o formato de uma pêra, com árvores em toda a sua margem. Havia algumas casas espalhadas no outro lado, cada uma com seu próprio ancoradouro. Naquela hora do dia, com o sol desaparecendo por trás das montanhas, era fácil deduzir por que o chamavam Copper Loke, lago de cobre. O brilho em sua superfície era igual ao do ouro velho, um grande espelho brilhante onde não se percebia a menor agitação das águas pelo vento.

O alojamento e o parque dos trailers ficavam na margem de cá. De onde se encontrava, Tônia podia calcular três fileiras de trailers colocados em níveis diferentes na encosta da colina, cada local com sua própria mesa para piquenique e um caramanchão coberto. O alojamento em si ficava um pouco mais distante do lago, com alguns chalés espalhados entre as árvores. Havia cavalos pastando numa área cercada e pequenos barcos atracados a um ancoradouro comprido. Podia ver apenas uma ou duas pessoas, mas todos os locais destinados aos trailers estavam ocupados, o que parecia indicar que o alojamento também devia estar totalmente cheio. A única coisa que podia fazer era ir até lá e ver.

Um aviso logo no pilar de entrada informava que aquele portão ficava fechado das onze horas da noite às sete da manhã. Para manter as pessoas dentro ou fora? Tônia imaginou zombeteiramente.

Em seguida, vinha um caminho coberto de cascalhos que levava a uma bifurcação: uma estradinha ia para o estacionamento de trailers e a outra para o alojamento propriamente dito. Pelo número de carros na área destinada a este fim, o local devia estar lotado, já estacionava torcendo para que pudessem lhe arrumar um quarto. Precisava muito de uma boa noite de sono.

Achou o saguão pequeno, mas bem mobiliado e aconchegante. A encarregada sacudiu pesarosamente a cabeça em resposta à sua pergunta.

- Eu ia mesmo mandar alguém colocar o aviso "Não há vagas" entrada - disse ela. - Acabamos de alugar o último quarto há dois minutos atrás

- E um chalé? - arriscou Tonia, calculando as despesas, e recebeu um outro sinal negativo.

- São para temporadas apenas, embora talvez você pudesse ocupar algum por uma noite, se houvesse vaga.

Uma declaração um tanto sem sentido, refletiu Tônia, mas nada disse. A idéia de voltar à estrada e continuar a viagem a deprimiu, mas nada podia fazer.

- Você tem alguma idéia de a que distância fica o próximo motel? - perguntou desanimadamente.

- Oh, é o Golden. Há um estacionamento de trailers logo após Clearview, mas lá não há quartos.

O Golden ficava a quilômetros de distância. Quando chegasse lá já seriam quase sete horas, sem mesmo a garantia de encontrar um quarto vago. Tônia sorriu melancolicamente ao começar a se virar para ir embora.

- De qualquer maneira, obrigada.

- Qual é o problema, Margot? - perguntou uma outra voz, e Tônia se voltou rapidamente, vendo um jovem parado à soleira da porta.

- Está tudo bem - disse ela. - Não há problema algum. - Eu queria um quarto, isto é tudo.

- Estamos lotados - acrescentou Margot, sem necessidade.

- É uma pena! - O tom era simpático e até preocupado. - Você está viajando sozinha?

Tônia concordou com a cabeça, sentindo ressurgir uma pequena esperança. Qualquer coisa seria melhor que continuar a viajar naquela noite. Se ele fosse o gerente, poderia arranjar algo. Na verdade, o rapaz não parecia um gerente. Provavelmente da mesma idade que ela e usando jeans uma camisa xadrez, ele parecia mais um campista do que um homem responsável pela direção do lugar.

- Eu aceitaria qualquer coisa - disse ela. - Dormiria até numa mesa de bilhar se me dessem esta chance!

Um sorriso iluminou o rosto bronzeado.

- Os jogadores mais sérios poderiam fazer objeção. De qualquer maneira, poderemos arranjar algo um pouco melhor do que isso. - O olhar dele se voltou para a recepcionista. - E quanto ao número 13?

- Oh! Você sabe que sempre deixamos aquele sem alugar.

- Não sou supersticiosa - interferiu Tônia, e recebeu outro sorriso de seu benfeitor.

- Não é este o problema. O chalé é um que restou da época dos antigos proprietários. É apenas um quarto com um chuveiro que não funciona, embora haja água quente e fria na torneira. Também não oferece meios para cozinhar, o que parece ser a principal desvantagem. Nós o conservamos para emergências.

- Esta é uma emergência - Tônia afirmou. - Estou cansada e faminta, e não me importo com nada, a não ser com uma cama. Vocês têm um refeitório aqui, não têm?

- Temos sim. - Ele se aproximou de Tônia, observando seus cabelos loiros com uma indisfarçável admiração. - Vai demorar um pouco para deixar o lugar em condições de ser ocupado. Se quiser tomar um banho antes de comer, pode usar um dos banheiros do alojamento. O jantar é servido das seis às sete e meia.

- Oh, isto é maravilhoso! Obrigada. - Sua gratidão provavelmente era exagerada, já que iria pagar pela acomodação, mas Tônia nem pensou. Se não fosse pela intervenção daquele homem na hora exata, ainda estaria sem um lugar para ficar. - Vou apenas buscar algumas coisas e depois estarei pronta para aceitar seu oferecimento de usar um banheiro.

- É melhor se registrar primeiro - disse a recepcionista, já preenchendo a linha apropriada no livro. - O número 13 é quinze dólares por noite.

- Deixe por dez - ordenou o rapaz a seu lado. - Não vale mais do que isso. - Ele observou Tônia assinando e perguntou alegremente: - Senhorita ou senhora Brentwood?

- Senhorita - disse ela, bem consciente de que o interesse dele não era puramente de negócios. Largou a caneta e ergueu a cabeça, fitando os olhos castanhos e sentindo algo vagamente familiar naquele rosto magro e atraente.

- Você é o gerente daqui?

- Proprietário-gerente - ele corrigiu. - De qualquer modo, proprietário de uma parte. É um negócio de família. - E, estendendo a mão, se apresentou: - Sean Stewart.

Tônia apertou a mão dele, divertida com a inesperada formalidade. Talvez ele achasse que era isso que uma inglesa esperava de um homem.

- Vou buscar minhas coisas - ela repetiu.

Não havia qualquer sinal de chuva no azul sem nuvens do céu que começava a escurecer, mas ela ergueu a capota do carro por segurança. Havia um ou dois botes no lago e pelo jeito aquela era sem dúvida a principal fonte de entretenimento. Tendo como fundo as montanhas, toda aquela cena proporcionava paz e tranqüilidade, uma espécie de bálsamo para sua alma ferida.

Seria maravilhoso ficar nesse lugar por alguns dias, se tivesse tempo! pensou ela. Então, por que não arranjo este tempo? foi a pergunta imediata que se fez.

Se precisava de alguns dias para pensar, será que este lugar não seria melhor que Calgary? Só teria que ser devolvido na terça-feira. Se saísse na segunda-feira bem cedo, poderia estar em Calgary à noite, e talvez com as idéias bem mais claras. Valia a pena considerar esta hipótese.

Ainda estava pensando nisso, quando se sentou para jantar no alegre e confortável refeitório. Ao terminar de saborear a truta assada, já havia tomado uma decisão. A comida era excelente e o preço não era de maneira alguma exagerado. Três noites ali ficariam certamente bem mais em conta que em Calgary.

Sean Stewart aproximou-se de sua mesa enquanto ela ainda estava comendo a sobremesa. Sem cerimônia, sentou-se e perguntou se havia gostado da comida. Ele havia trocado de roupa, o que ressaltava ainda mais o bronzeado e os cabelos castanhos dele.

Um jovem de boa aparência, refletiu Tônia, e muito consciente disso; sem, no entanto, aquela vaidade tipo pavão que freqüentemente acompanha tal consciência.

- Quando estiver pronta, vou acompanhá-la até onde você vai passar a noite. Gostaria apenas de poder lhe oferecer melhores acomodações.

- Quem recebe favores, não tem o direito de reclamar. Pare de se preocupar com isso. Tenho certeza de que tudo irá me agradar. - Neste momento ela fez uma pausa, olhando através das imensas janelas para o lago e os cavalos pastando. - Na verdade, estou pensando em passar o fim de semana aqui. Você acha que haverá algum quarto vago no alojamento?

- Oh, sim, certamente. - Ele parecia encantado, quase ansioso. - Posso verificar isso para você logo amanhã cedo, assim que o primeiro grupo partir. O número três já pediu para ser acordado às seis e meia.

Não é preciso tanta pressa assim - Tônia o tranqüilizou. - Na verdade, pode ser até que eu prefira ficar onde estou.

- Aqui é mais conveniente - ele afirmou. - Principalmente se você pretende tomar todas as suas refeições no refeitório. Servimos um café da manhã completo, no estilo inglês.

- Para mim basta um café com torradas.

Ele fez um sinal para a garçonete e pediu café para os dois. E em seguida se recostou na cadeira e a olhou com evidente prazer.

- Sabe, não é sempre que temos hóspedes ingleses. Você está apenas visitando o Canadá ou pretende ficar algum tempo?

- Ainda não sei. Vim com esta intenção, mas... - Ela se calou abruptamente, percebendo que já havia dito mais do que pretendia.

- Pensei em arrumar um emprego em Calgary por alguns meses - prosseguiu, após um momento. - Você tem alguma idéia se há oportunidades para secretárias?

- Oportunidades extremamente boas, especialmente para alguém com experiência. Você será caçada a laço - Sean declarou, com uma certeza que a fez sorrir.

- Como pode estar certo de que sou tão bem qualificada? - perguntou ela. dominando o riso.

- Pelo seu jeito. Por seu modo de falar. Sabe - ele acrescentou, com seriedade -, eu até agora pensava em você como modelo fotográfico. Tem todas as condições para isso.

- Você conhece alguma coisa sobre fotografia?

- Entendo um pouquinho. Margot, a recepcionista, às vezes posa para mim. Apenas um passatempo, é claro. Depois, eu mesmo faço a revelação e a ampliação. Isto me dá alguma chance de fazer algo diferente disto aqui. - Fez um gesto que englobava todo o lugar visível de onde estavam sentados. - Você não faz idéia de como este serviço pode ser monótono e sem graça!

- Você disse que era um negócio de família - murmurou Tônia. - Eles deixam você dirigir o local sozinho?

- Exceto pelas visitas freqüentes de meu irmão mais velho. - A afirmação continha um certo rancor. - Rafe tem bem mais no prato dele que eu. - Vendo o genuíno interesse nos olhos de Tônia, ele se tornou subitamente confiante. - Somos uma companhia muito diversificada. Muitas mãos na massa, poderiam dizer alguns. Rafe cuida de tudo, exceto desta parte. Supõe-se que seja total responsabilidade minha. Só que não sou do tipo a devotar minha vida à pesca e aos esportes de inverno, que é no que se resume isto aqui.

Tônia estudou-o pensativamente e percebeu que aquela frivolidade era totalmente falsa.

- Sean, se você se sente tão deslocado fazendo o que faz, por que não deixa seu irmão dirigir o alojamento e assume outra parte da companhia?

- Não daria certo. Já tentei. A gerência de um hotel-camping é o melhor serviço que consigo fazer, e mesmo assim deixa muito a desejar.

- Quem acha isso?

- Rafe, minha mãe e eu também, na verdade.

- Então faça algo fora da companhia.

- O quê, por exemplo?

- Oh, céus, eu não sei! Não tenho a menor idéia de sua capacidade. - Tônia estava começando a se lamentar por ter se deixado envolver nos problemas de Sean. - Fotografia, talvez, se é nisso que está interessado.

- Dificilmente é um negócio que valha a pena, a não ser que seja comercial, e não posso me permitir ir tão longe. - Ele percebeu seu olhar e encolheu os ombros novamente. - Meus dividendos na companhia continuarão fora de meu controle até eu ter vinte e cinco anos, e até lá dependerei exclusivamente de meu salário, como qualquer outro emprego. Determinações de meu pai. Ele fez o mesmo para Rafe, para ser justo, só que Rafe atingiu a maioridade há nove anos.

Ela estava se aprofundando muito rapidamente no assunto. No entanto, tendo chegado a este ponto, não poderia retroceder. Sean obviamente estava querendo alguém que o ouvisse. Talvez o fato de desabafar os problemas pudesse aliviá-lo.

- Suponho que seu irmão não esteja aqui no momento - disse ela.

- Ele partiu para Vancouver há algumas horas. Foi buscar um novo avião. O velho está estragado.

Um avião particular? Por que não? Pelo que já ouvira de Sean, a Companhia Stewart era mais que um negócio florescente. Repentinamente, um rosto começou a surgir no fundo da sua mente, dando-lhe quase certeza ao olhar uma vez mais para o rapaz à sua frente.

- Por acaso seu irmão estava dirigindo um Buick branco? - ela se viu perguntando, mas já sabendo qual seria a resposta.

- Exatamente. Ei, como você sabia disso? Seu sorriso foi tímido.

- Poderia dizer que quase colidimos nossos carros em Highway. Achei que você por alguma razão me parecia familiar quando cheguei aqui; é a semelhança de família.

- Você certamente conseguiu observar muita coisa de um carro em movimento - Sean comentou, e ela riu, sem graça.

- Pude ver seu irmão de perto de várias maneiras. Eu saí da estrada e ele foi me socorrer. Considerando-se que foi por minha culpa que quase colidimos, acho que não posso censurá-lo muito por sentir-se do jeito que obviamente ele se sentiu.

- Está querendo dizer que ele soltou os cachorros em cima de você? - O sorriso de Sean era melancólico. - Isto é muito típico dele. Aposto que você não se limitou a ficar escutando, não é?

- Eu estava chocada demais para dizer muita coisa - admitiu Tônia. - Meu erro quase foi fatal. Este foi o principal motivo que me trouxe aqui, à procura de um quarto. Eu estava me sentindo muito agitada para dirigir até Golden esta noite.

- E aquele meu irmão não ajudou em nada. - Sean parecia subitamente zangado. - Às vezes ele abusa demais!

- Não, não! Até que ele me ajudou bastante - Tônia apressou-se em tranqüilizá-lo. - Será que ele voltará neste fim de semana?

- Dificilmente. Acho que fará outra visita daqui a umas seis semanas aproximadamente. Parece que Rafe achou que as coisas aqui estavam indo razoavelmente bem.

- Apenas razoavelmente?

- Rafe é assim! Ele é supereficiente e espera que todo mundo também seja.

Tônia podia imaginar. Combinava com a impressão que tivera daquele homem. Ela tomou o resto do café e afastou a cadeira.

- Preciso ir pegar minha mala no carro.

O chalé que lhe haviam arrumado ficava escondido entre as árvores, na outra extremidade do grupo, a uma distância considerável do alojamento. Pelos padrões ingleses, o quarto não só tinha o tamanho adequado, como também era muito bem equipado, com mesa e cadeiras, além de dois sofás-camas. Havia um tapete no assoalho e cortinas de algodão branco nas duas janelas. O pequeno banheiro ficava ao fundo.

- Não entendo por que você estava preocupado - Tônia admitiu sinceramente para Sean, quando ele uma vez mais pediu desculpas por não poder lhe oferecer algo melhor. - É limpo, muito confortável, e a dez dólares por noite, uma bagatela. Com uma pequena extensão na parte de trás para uma cozinha e um banheiro adequado, não há motivo para que não seja ocupado como os outros. Estou surpresa por seu irmão não ter pensado nisso.

- Ele pensou. - Sean parecia um pouco embaraçado. - Era uma das coisas que eu devia providenciar antes de começar a temporada. Mas, na pressa para ter as novas unidades funcionando em tempo, por alguma razão me esqueci de dizer aos pedreiros para reformarem este chalé na mesma ocasião. Agora terá que esperar.

- Se você construiu os chalés apenas este ano, conseguiu atender a toda a demanda já no início de junho - ela comentou. - Bom serviço, ou você apenas confiou na sorte?

- Os Stewarts nunca confiam na sorte - Sean respondeu sorrindo. - Que tal irmos tomar uma bebida antes de você se recolher?

- Vocês têm um bar? - perguntou Tônia, surpresa.

- Não um bar público. Não temos licença para vender bebidas alcoólicas. Estou querendo dizer no meu cantinho. Não tenho muitos tipos de bebida, mas provavelmente poderei encontrar algo de que você goste.

- Obrigada, Sean. Esta noite não. - Tônia manteve a voz alegre.

- Estou cansada demais até mesmo para pensar direito, quanto mais para voltar ao alojamento novamente. - Fez uma pausa antes de acrescentar: - Os cavalos são para decoração ou poderei cavalgar um pouco?

- A hora que quiser. - Sean não estava preocupado em disfarçar o desapontamento. - Amanhã, às nove e meia, vai sair um grupo de três pessoas. Posso dizer a Bill para incluí-la?

- Eu preferia sair sozinha.

- Isto não é permitido, regras do alojamento. Há muitos lugares aqui onde um cavalo pode fraturar uma perna, para não dizer o pescoço do cavaleiro.

- Eu sei cavalgar muito bem! Não precisa se preocupar!

- À moda do oeste americano?

- Assim também. Meu último patrão tinha um pequeno estábulo para uso familiar. Eu tinha livre acesso.

- Ainda acho que Bill não vai concordar. Pelo menos, não antes de ver como maneja um cavalo. Ele é um ex-cavaleiro de rodeios e um sujeito de opinião. Quando dá uma ordem, quer ser obedecido.

Tônia encolheu os ombros e desistiu, não querendo criar um problema com algo relativamente tão sem importância. De qualquer modo, podia ver um certo sentido no que Sean dissera. Ela não conhecia a região.

- Está bem, diga-lhe que estarei lá. A propósito, a que horas é o café?

- Das sete e meia às nove. Haverá um quarto com um chuveiro vago depois das oito, se quiser usá-lo. Depois poderemos mudar a sua bagagem de quarto.

- Obrigada, mas vou me banhar no lago pela manhã - disse ela. - Parece bastante limpo.

- Noventa e seis vírgula seis, sem poluição no último teste - ele concordou, com um certo orgulho. Esperou um breve momento antes de compreender a insinuação em seu bocejo. - Vou deixá-la, então. Espero que tenha um bom sono.

Sozinha finalmente, Tônia deu um pequeno suspiro de alívio e começou a tirar das malas as poucas coisas de que precisaria para aquele fim de semana. Havia dito a verdade ao falar que estava cansada, mas, de qualquer maneira, teria recusado o convite de Sean. O rapaz era simpático, mas ela estava ali para um fim de semana tranqüilo, isto era tudo.

Entretanto, aquele irmão dele realmente ganhara o prêmio pela total e cruel indiferença. Por que forçar alguém num trabalho de que nao gostava e para o qual não estava preparado, quando era mais que evidente que a companhia podia se dar ao luxo de colocar um gerente para dirigir o alojamento? Sean merecia um destino melhor do que aquele que lhe fora imposto.

Lá estava ela novamente se envolvendo... A política da Companhia Stewart não lhe dizia respeito algum. Se Sean desejava cair fora, dependia dele lutar por seus direitos. Apesar de que um homem como Rafe Stewart não era fácil de ser enfrentado, tinha que reconhecer. Só podia agradecer se não o encontrasse novamente.

CAPITULO II

A manhã estava clara e sem nuvens. O sol já começava a aquecer a água quando Tônia desceu para se banhar, às sete e meia. Achou o lago surpreendentemente quente, considerando-se a altura e a localização entre as montanhas do lugar.

Várias outras pessoas tiveram a mesma idéia. Tônia começou a conversar com um jovem casal alemão de um dos trailers, e concordou com eles que o Canadá era um belo país.

- Às vezes o cenário é lindo demais - declarou o homem, cujo nome era Klaus. - Entorpece os sentidos. Tiramos tantas fotografias das montanhas, que teremos de comprar outro filme aqui antes de seguirmos viagem.

Como não possuía máquina fotográfica, Tônia não havia tirado nenhuma foto, mas sabia exatamente o que ele queria dizer. A gente tinha vontade de preservar cada momento, cada impressão vivida. O problema era que geralmente os instantâneos faziam pouca justiça à realidade. Era melhor adquirir cartões postais feitos por profissionais.

Às oito e meia, quando foi tomar o café da manhã, encontrou Sean no saguão parecendo muito desolado.

- Acho que seu passeio a cavalo deu em nada - ele anunciou pesarosamente. - Bill viajou esta manhã. Problemas familiares. Vamos ficar abandonados até ele voltar. Não há mais ninguém disponível para levar os hóspedes para um passeio a cavalo.

- Mesmo assim eu gostaria de ir, Sean. Estarei perfeitamente segura se seguir o caminho certo. Suponho que os cavalos conhecem o caminho tão bem como qualquer pessoa. - A dúvida ainda existente no olhar dele provocou-lhe uma certa impaciência. - Olhe, vamos comigo, se está tão preocupado com os animais.

- Eu estava pensando mais em você - respondeu ele, algo magoado, o que fez com que Tônia se sentisse envergonhada de sua aspereza. O movimento dos ombros dele foi melancólico. - Eu gostaria muito de poder satisfazê-la, mas acho que os cavalos são o meu ponto fraco. Sou estritamente um homem de automóveis. - Fez uma pausa; em seguida decidiu: - Eles ainda estão no estábulo. Se você for até lá e escolher um, eu o trarei e o arrearei para você.

- Eu mesma posso fazer isso, não se preocupe.

- Bem, de qualquer maneira irei até lá com você - disse ele, ainda não totalmente convicto de que estava agindo da melhor maneira. - Pode ser que você precise de ajuda para reuni-los. Bill sempre diz que eles são como qualquer pessoa, relutantes em começar a trabalhar pela manhã.

O estábulo ficava próximo à entrada principal. Não era um lugar perfeitamente seguro para conservar animais valiosos durante a noite, mas talvez ali não existissem ladrões de cavalos. Havia seis animais ao todo, variando de um cavalo alazão magro e de pernas compridas até uma eguinha Apaloosa, que, segundo Sean, gostava de correr. Um dos cavalos em particular chamou sua atenção. Era grande e cinzento, como nome apropriado de Silver.

- Vou pegar aquele - disse Tônia.

- Sinto muito, mas não posso permitir. É a montaria de Bill, cavalo de um só homem. Qualquer um dos outros, mas não Silver.

Havia um desafio naquela afirmação, mas Tônia se absteve de responder à altura. Sean já havia feito uma concessão; não seria justo forçá-lo a fazer outra.

Escolheu o maior dos dois clarinhos, de crina branca, que estavam na extremidade. Estalou os dedos, enquanto se movia para separá-los dos outros animais no estábulo. O animal permaneceu impassível à sua aproximação, sacudindo as orelhas ao som de sua voz. Ainda sem se mover, permitiu que ela deslizasse o cabresto sobre a cabeça branca.

Sean estava admirado quando ela trouxe o animal para fora do estábulo.

- Você realmente tem jeito para lidar com cavalos, não é? Até mesmo Bill geralmente leva mais tempo para colocar o cabresto em Duke.

- É tudo uma questão de jeito - ela disse, com um sorriso.

Os arreios ficavam guardados num barracão ao lado do cercado onde os animais estavam pastando na noite anterior. Só o fato de Tônia carregar uma sela tipo Far West já era uma façanha, pois pesava bem mais do que a inglesa. Sentar-se numa sela daquelas era como sentar-se num sofá!

As crianças que haviam feito reservas para o passeio das nove e meia apareceram quando Sean a estava ajudando a montar. Ficaram tão desapontados ao saber que Bill não se encontrava ali, que Tônia impulsivamente fez um oferecimento.

- Depois que eu fizer o reconhecimento do caminho, eu posso sair com elas - disse a Sean, e impediu que ele fizesse qualquer objeção, acrescentando, rapidamente: - Havia três crianças na família para a qual eu trabalhava em Vancouver, e todas mais novas que estas. Posso cuidar delas, realmente.

- Sei disso. - Ele estava sorrindo, agora, e parecendo bem mais aliviado. - Entretanto, não é justo atrapalhar seu fim de semana.

- Eu não me importo. Gosto de andar a cavalo a qualquer hora. - Olhou para as três crianças que esperavam, ansiosas. - Venham para cá logo depois do almoço que eu as levarei a passear.

- Obrigado - disse Sean. - Vou ver se consigo alguma ajuda temporária enquanto você vai dar uma volta. Preste atenção por onde vai.

Tônia riu e ergueu a mão numa saudação, antes de incitar o animal com um toque de calcanhares nos flancos. Os cavalos treinados daquela região não obedeciam à pressão dos joelhos, nem gostavam de ser puxados pela boca, a não ser numa ordem para parar. Cavalgava-se com duas rédeas soltas numa das mãos e dirigia-se o animal com um simples movimento da rédea à esquerda ou à direita. Foi preciso um certo tempo para ajustar suas idéias. Numa manhã linda como aquela, era suficiente estar montada novamente. Ela se sentia totalmente feliz.

Como havia imaginado, Duke parecia saber que caminho seguir. Depois de andar por um certo tempo, Tônia parou um pouco para apreciar o panorama. O lago estava abaixo e atrás dela agora, enquanto que na frente se estendia uma paisagem tão maravilhosa que lhe tirava o fôlego. A poucos quilômetros de distância, um outro lago, brilhava sob o sol, tendo como fundo as montanhas cobertas de neve. A emoção que a invadiu foi tão intensa, que por um momento imaginou que poderia ser feliz outra vez. Felicidade, felicidade pura e completa. Ela sentia que estava começando tudo outra vez naquele momento, que poderia, finalmente, esquecer os fracassos e as tristezas do passado.

Saiu com as três crianças naquela tarde, como prometera, e gostou imensamente de cada minuto daquela hora. Ao voltar, quando lhe perguntaram se faria outros passeios, só pôde sacudir a cabeça com pesar e encaminhá-los ao gerente, que já deveria ter encontrado alguma solução.

Sean, entretanto, não encontrara solução alguma.

- Acho que vamos ter que deixar os cavalos no pasto até Bill voltar - disse ele, de maneira estranha, quando Tônia o encontrou. - Suponho que não faça muita diferença para os lucros. Os hóspedes é que vão sentir falta disso, especialmente por estar sublinhado nos folhetos de propaganda como uma das atrações de Copper Lake.

- Sim - concordou Tônia -, é uma pena. Entretanto, pode ser que não seja por muito tempo.

- Depende. - Houve uma pausa enquanto ele a estudava, e uma nova expressão foi surgindo em seus olhos. Quando falou novamente, foi de maneira hesitante, como se já tivesse ouvido a recusa. - Será que você não gostaria de pegar este serviço? Afinal de contas, você ainda não arrumou nada e Calgary estará no mesmo lugar daqui a algumas semanas.

Tônia começou a considerar aquela idéia. Precisava reconhecer que tinha seus atrativos. Duas ou três semanas naquele lugar, fazendo um serviço de que gostava, podia ser exatamente o que o médico recomendara.

O entusiasmo durou poucos segundos.

- Não posso - disse ela, com pesar. - Devo devolver o carro na terça-feira.

- Eu cobrirei as despesas do aluguel enquanto você estiver aqui, além do salário. Você moraria aqui sem despesa alguma. - Ele avaliou sua hesitação com uma súplica no olhar. - Não faz idéia de quanto isto ajudaria. Se espalharem por aí que as atrações prometidas não estão funcionando, haverá muitas desistências de reservas. As pessoas querem ter certeza, especialmente os hóspedes de temporadas.

Tônia ainda se sentia- hesitante, mas desta vez por outra razão.

- E quanto ao seu irmão?

- O que é que tem ele? Apenas ficará muito satisfeito por eu ter encontrado alguém para substituir Bill.

- Não foi isso o que eu quis dizer. - Ela fez uma pausa, lembrando-se do sarcasmo daqueles lábios e sentindo a mesma raiva a invadindo. - Eu não gostaria de ser desacatada novamente por ele. Uma vez já foi mais do que o suficiente.

- Não há nenhum perigo - respondeu Sean, aceitando seu comentário pomo alguém que compreendia perfeitamente aquele tipo de reticência. - Ele não virá para cá, pelo menos nas próximas seis semanas. Nesta ocasião você já estará em Calgary.

Ela tomou a decisão rapidamente, ciente de que, se parasse para pensar muito sobre aquilo, poderia encontrar outras dificuldades.

- Está bem, aceito. Se quiser, posso começar agora mesmo. Há um outro grupo querendo passear a cavalo.

- Isto é ótimo! Isto é ótimo mesmo! Poderemos discutir o salário quando você voltar. Prometo que não ficará desapontada.

- Espero não ficar mesmo. - Ela riu, satisfeita pela maneira como as coisas tinham se resolvido. - Levar madames e crianças para passear a cavalo em Copper Lake. Parece bastante distinto, não é mesmo?

O prazer não diminuiu de maneira alguma nos dias seguintes. Os passeios a cavalo eram um passatempo popular para os jovens e para os não tão jovens também. Às vezes precisava até limitar o número de passeios, pois os animais necessitavam de um repouso adequado.

Quando lhe ofereceram a oportunidade de se mudar para o alojamento ela pediu para ficar onde estava, preferindo a relativa privacidade da situação. Com o lago quase à sua porta, a falta de um chuveiro não era realmente um problema, e ficava livre do som da discoteca, que ocorria duas vezes por semana, até as onze, na sala de recreação.

A discoteca não era a única fonte de entretenimento noturno. Aos sábados, havia um churrasco a que todos compareciam, ajudando de uma maneira ou de outra. Uma característica regular da temporada de verão, sempre muito concorrida.

Sean se tornara um bom amigo, e Tônia procurava manter o relacionamento deles nessa base. Não se sentindo atraída por ele fisicamente, achava que a companhia dele não constituía nenhum risco para sua tranqüilidade. Sentia-se bastante satisfeita em passar muitas horas conversando sobre qualquer assunto, às vezes só com ele, outras vezes com outras pessoas.

Quando ele lhe pediu para posar para algumas fotos, sentiu-se lisonjeada e feliz, em aceitar, e ficou impressionada com o bom resultado final. Sean tinha um instinto para a iluminação fotográfica, ressaltando sutilmente as melhores características dos modelos e deixando o resto em segundo plano. Afinal de contas, ela não tinha nenhum lado ruim, ele lhe dissera. Seus olhos eram um pouco alongados e levemente oblíquos, mas isto, ele a tranqüilizou, ressaltava ainda mais sua expressão.

- Talvez haja algum chinês em minha ascendência - retrucou Tônia alegremente. - A mãe de minha mãe era italiana, portanto já sou o produto de uma mistura de raças.

O olhar de Sean era curioso.

- Você nunca mencionou sua família antes. Pensei que seus pais não fossem mais vivos.

Seu encolher de ombros demonstrou uma simulada indiferença.

- Eles eram divorciados, e minha mãe já morreu. Raramente vejo meu pai.

- Pobre garota! - ele deixou escapar. Pela primeira vez em anos Tônia sentia-se realmente com vontade de falar sobre sua família.

- Aconteceu há muito tempo atrás - disse ela. - Vivi com meu pai até os dezessete anos, depois ele conheceu Jennifer e... bem, nós não nos dávamos muito bem, isto é tudo. Ciúmes de minha parte, talvez. De qualquer maneira, encontrei um trabalho em Londres e dividia um apartamento com duas outras garotas, até que consegui juntar o suficiente para ter um cantinho só meu.

- Seu pai não tentou impedi-la de partir?

- Sim, tentou. Mas estava entre a cruz e a espada. Se eu ficasse, acho que Jennifer não se casaria com ele.

- Ciúmes da parte dela, talvez?

- De certa maneira, acho que sim. Era o primeiro casamento dela, que é bem mais nova que papai. Agora eles têm dois filhos.

- E menos lugar ainda para uma irmã adulta. - Ele a puxou delicadamente para si e encostou o rosto em sua cabeça. - Pobre garotinha abandonada!

Tônia devia se afastar, sabia disso, no entanto, o conforto dos braços dele era irresistível. Quando ele moveu a cabeça para beijá-la, correspondeu sem pensar, afastando-se apenas quando a pressão ultrapassou os limites da simpatia.

- Sinto muito - disse ela, de maneira estranha. - Eu não queria que isto acontecesse.

- Mas eu queria. - Sean estava sorrindo. - Esta foi a primeira vez em que você se abriu realmente, Tônia. Espero que não seja a última.

Qualquer que fosse sua resposta a isso teria sido em vão, pois um ruído vindo de fora atrapalhou seu pensamento. Sean também pareceu ouvir, e a expressão dele mudou abrupta e singularmente.

- É um avião - disse ele. - E vai aterrissar.

Rafe Stewart! O coração de Tônia disparou; em seguida voltou a bater de maneira normal, enquanto ela se controlava rapidamente. O que estava acontecendo? Ela estava fazendo um serviço legítimo ali, e fazendo bem. Independentemente da opinião dele a seu respeito como motorista, ele não poderia negar sua capacidade de trabalho demonstrada na última semana.

Sean aproximou-se da janela da sala de estar, que também servia de escritório, estendendo o pescoço para observar o aparelho azul e branco descer em direção à pista de aterragem, que ficava além da faixa de árvores.

- É Rafe - declarou ele insipidamente. - Uma das visitas surpresas dele para me apanhar em falta no serviço!

- Ou apenas para lhe mostrar o novo aparelho - sugeriu Tônia sem acreditar muito no que dizia. - Afinal de contas, ele não viria de Vancouver apenas para vigiá-lo, não é?

- Não exatamente - concordou Sean. - Ele deve estar voltando para Calgary. Não precisava aparecer inesperadamente, uma vez que esteve aqui há apenas uma semana, mas Rafe é assim mesmo. Nunca deixa escapar uma oportunidade.

- Eu o verei mais tarde, Sean. Tenho um passeio a cavalo marcado para as quatro horas.

Com um pouco de sorte, Rafe Stewart já teria ido embora quando ela voltasse, às cinco horas. Sem dúvida ele teria negócios para resolver. Era a primeira vez que percebia que a família na verdade estava estabelecida em Calgary: pelo menos fora essa a impressão que tivera, que Sean havia acabado de dizer. E, esperando em casa, estava a matriarca. O verdadeiro chefe do clã dos Stewart, talvez? Pelo que podia lembrar do filho mais velho, Tônia duvidava disso.

Ela se atrasou para voltar, pois a égua Apaloosa havia perdido uma ferradura. Oculta atrás das árvores, a pista de aterragem não era visível nem mesmo de cima da colina. Tônia só podia esperar que o visitante tivesse partido. A última coisa que desejava era um confronto com o homem do qual se lembrava tão bem.

Suas esperanças, entretanto, logo se desvaneceram. Os dois irmãos vinham vindo em direção ao barracão onde eram guardadas as selas, enquanto Tônia trazia com segurança os animais ao fundo do pasto. Rafe ia examinar o cavalo cinzento e o alazão, ainda presos lá.

A expressão dele, ao vê-la se aproximar foi mais do que o suficiente para lhe dizer que, quaisquer que fossem os detalhes que Sean lhe fornecera a respeito da nova instrutora, nada fora dito sobre o primeiro encontro deles. Ela falou em primeiro lugar, levada por uma necessidade de convencê-lo de sua total despreocupação quanto ao infeliz incidente.

- Boa tarde, sr. Stewart - disse formalmente. - Espero não tê-los feito esperar. Bonny perdeu uma ferradura.

Rafe nada disse, esperando que os outros se dispersassem e que todos os cavalos fossem presos, antes de finalmente soltar as palavras que ela quase podia ouvir pairando no ar.

- Não sei qual é o seu jogo - disse ele, num tom seco -, mas vou descobrir. Por que exatamente aqui, com tantos outros lugares?

- E por que não? - perguntou ela, lutando contra o desejo de indagar o que ele achava que poderia ser seu jogo. - Eu estava cansada e agitada, e este lugar me pareceu exatamente adequado.

- Isto foi há uma semana atrás.

- Então quer saber pôr que ainda estou aqui? - Ela estava encostada na parede, com uma das mãos no focinho de Duke, acariciando-o quase que inconscientemente. - Pensei que fosse óbvio. Sean precisava de uma ajuda temporária e eu não tinha nada de especial para fazer durante uma ou duas semanas.

- Entendo. - O tom dele não era animador. - Com que qualificações?

- Nada por escrito - ela admitiu. - Não pensei que fosse necessário para este serviço.

- Está querendo dizer que qualquer pessoa pode controlar um grupo de animais montados principalmente por amadores?

- Não, não foi isso o que eu quis dizer. - Tônia estava perdendo o controle. - Mas alguém que monta suficientemente bem pode fazer isso sem um diploma. Meus últimos patrões confiavam em mim para levar os três filhos a passeio, sem supervisão.

- A cavalo?

- Sim, a cavalo. - Ela estava atenta, percebendo uma segunda intenção na pergunta. - A família possuía um estábulo.

- Por que você saiu de lá? - Desta vez a pergunta foi suave. Tônia se enrijeceu, os olhos subitamente sombrios.

- Por razões pessoais - disse secamente. Sean escolheu aquele momento para interferir, o rosto austero.

- Já não chega de perguntas, Rafe? Tônia me ajudou numa situação ruim. E ela maneja cavalos como se tivesse nascido para isso.

Os olhos cinzentos não se desviaram dos olhos verdes.

- Está bem - disse ele -, então me dê uma demonstração. Vamos sair agora, só nós dois. Estes animais estão descansados. - Indicou o cinzento e o alazão. - Pode desarrear os outros e deixá-los soltos no pasto. Aliás, importa-se em me dizer por que estes dois ficaram presos?

- Porque Silver pode pular a cerca - respondeu Tônia asperamente -, e Caspar o acompanha. Não acho que animais sem cavaleiros sejam úteis num passeio.

O sarcasmo foi ignorado.

- Ele é o cavalo líder de Bill. É usado em todos os passeios. Por que você não o usa?

Seria muito simples dizer a verdade: que ainda estava estudando o comportamento do animal e que o usaria apenas quando extremamente necessário. Para qualquer outra pessoa, era assim. Este homem era diferente. As explicações seriam consideradas como desculpas. Tônia ergueu os ombros.

- Prefiro mudar de montaria de vez em quando.

- Estou certo de que sim. - O tom de voz dele era suave, suave demais. - Bem, vamos desarrear os outros antes de irmos.

Depois que os outros animais voltaram ao pasto, em poucos momentos Tônia arreou os dois restantes. Rafe não fez qualquer tentativa para ajudá-la, observando seus movimentos com o mesmo olhar cínico.

- Não - disse ele, quando ela fez um movimento em direção ao alazão. - Você vai montar Silver.

Tônia obedeceu sem mudar de expressão, subindo rapidamente para a sela, antes que lhe fosse oferecida ajuda. Piscou para Sean, enquanto Rafe montava o alazão. Não se preocupe, estava querendo dizer com o olhar, não me importo em obedecer a ele.

- Estaremos de volta em aproximadamente uma hora - disse Rafe. - Não vai demorar mais que isto.

Havia algo vagamente perturbador na maneira com que ele falou aquelas últimas palavras. Algo que Tônia não conseguiu definir com exatidão. Sentiu subitamente que existiam outros motivos para aquela saída deles.

Não houve comentário algum durante os primeiros quinhentos metros. Somente quando entraram na faixa das árvores, em direção a colina, ele sugeriu com ironia que, já que ela ia na frente. Ao tentar evitar que os galhos muito compridos pulassem rapidamente para trás e o alcançassem.

Tônia cerrou os dentes e foi em frente. Cada fibra de seu corpo estava ciente do homem às suas costas. Pelo menos Silver estava se comportando bem, obedecendo ao seu controle. Afinal de contas, talvez não tivesse agido corretamente não o montando desde o início. Tudo o que precisava era de um certo acordo com o animal, o que parecia ter conseguido.

Mas isto era desafiar a prudência, naturalmente, como sempre acontece quando existe excesso de confiança. Percebendo um certo relaxamento em sua atenção, o cavalo cinzento escolheu aquele momento para mudar de atitude, começando a galopar e saltando sobre um tronco caído de um modo que quase a derrubou. Ela demorou um pouco para conseguir controlá-lo, mas afinal o animal se convenceu de que não ia poder fazer o que queria.

- Seu bobo! ela exclamou, exasperada, quando pararam. - Com todo o tempo do mundo para começar a brincar, você tinha que escolher justamente este momento para fazer isso! Vocês dois devem ter feito um acordo, querendo me ver com a cara no chão!

O cavalo cinzento permaneceu tranqüilo, as orelhas se agitando ao som de sua voz. Quando o animal virou a enorme cabeça para olhar para ela, foi com uma expressão tão zombeteira, que Tônia começou a rir.

- Demônio! - disse ela, inclinando-se para passar a mão no pescoço dele. - Ainda hei de domá-lo!

- Duvido - comentou Rafe, chegando a tempo de ouvir as últimas palavras. - Ele já demonstrou isso.

- Eu o controlei! - ela observou, já exaltada.

- Depois que ele fez o que quis. Como seria se você tivesse um grupo de principiantes atrás, seguindo-a? Os outros acompanhariam o passo do líder automaticamente, você sabe disso. E isso poderia significar uma queda.

- Mas nada houve porque eles não estavam aqui - ela retrucou furiosamente. - Está apenas procurando desculpas, sr. Stewart!

- Desculpas para quê?

- Para se livrar de mim. - Ela estava zangada e aborrecida demais para prestar muita atenção no que dizia. - O fato de Sean ter me oferecido o emprego sem consultá-lo antes foi mais do que suficiente, não foi? Sean devia ser responsável por toda esta parte dos negócios, no entanto você não permite que ele tome suas próprias decisões!

Ele a fitou com uma expressão perigosa no olhar.

- Vocês dois parecem ter feito muitas coisas juntos nesta última semana, de um modo ou de outro.

Tônia enrubesceu.

- O que está querendo dizer com isso?

- Você é quem vai me dizer. Vi as fotos que ele tirou de você e Margot. A recepcionista me contou que vocês passam muito tempo juntos. E quanto às noites?

Tônia suspirou profundamente enrubescendo ainda mais. Quando falou, foi no tom mais frio que conseguiu.

- Se você tem algum direito de perguntar, não sou obrigada a responder. Seu irmão é adulto, não uma criança para ser vigiada!

- Meu irmão tem vinte e três anos, mas é muito ingênuo quando há uma carinha bonita envolvida. Não é culpa dele, que nunca aprendeu a enxergar mais longe.

- Enquanto que você sim, naturalmente. Qual é o problema, sr. Stewart?

Ele a segurou antes que ela percebesse qual era sua intenção. Colocou a mão firme e máscula atrás da cabeça de Tônia, enquanto a puxava para oi, quase fora da sela. A boca também era firme, mas de um modo diferente. Ela não podia lutar contra aquilo, apenas suportar. Todo o seu corpo estava tenso ao toque dele.

Quando ele a soltou, ela esfregou deliberadamente os lábios com a mão, não se importando em disfarçar sua repulsa.

- Isto provavelmente é tudo o que você sabe fazer com uma mulher - disse ela, com desdém.

- É tudo mérito seu - ele respondeu, num tom amargo. - Craig Shannon também reconhece isso em você.

O rubor desapareceu abruptamente, deixando seu rosto lívido por um momento. Tônia o fitou em silêncio, incapaz de encontrar qualquer palavra que pudesse disfarçar a confusão em sua mente. Quando conseguiu falar, não foi de maneira alguma o que pretendia dizer.

- O que sabe sobre Craig Shannon?

- Ele é meu amigo. Ele e a esposa. - Rafe fez uma pausa para que as palavras surtissem o efeito esperado. - Estive lá há alguns dias atrás, Diane me contou sobre a pajem fujona dos filhos deles. Ela até mesmo me mostrou uma fotografia da pajem com as crianças. Estava muito triste com tudo o que acontecera. Gostava muito daquela garota. Quem poderia pensar que uma garota como aquela a apunhalaria pelas costas, tentando conquistar seu marido? - A risada foi curta e rouca. - Quem, a não ser Diane, teria pensado o contrário!

A total coincidência de tudo fez Tônia prender a respiração. Coisas como aquela não podiam acontecer na vida real! Mas aconteciam Naturalmente que aconteciam! E por que não? Os Shannon e Stewart se moviam nas mesmas esferas. Era natural que se encontrassem.

- Nenhuma resposta na ponta da língua? - A ironia interrompeu pensamentos como um ferro incandescente. - Que pena! Pensei que soubesse todas!

- Não foi... - ela começou a dizer, e em seguida se calou repentinamente. Por que tentaria se defender contra o julgamento antecipado daquele homem? No entanto, será que realmente podia culpá-lo por pensar daquela maneira? Ele ouvira apenas um lado da história, o lado que Craig devia ter contado à esposa, numa explicação para sua súbita decisão de partir. A história era exatamente o contrário.

- Não foi o quê? Intencional? - Rafe instigou. - Você se deixou levar por uma emoção irresistível, foi isso?

Tônia descartou qualquer idéia que poderia ter tido de tentar explicar. Ele não ia acreditar nela, não importava o que dissesse. Sacudiu a cabeça exaustamente.

- Isto pouco importa agora. Saí de lá antes que houvesse qualquer dano.

- Da mesma maneira como vai sair daqui agora. - O tom dele era firme. - Eu a trouxe até aqui para dizer o que precisava ser dito, longe dos ouvidos de Sean. Quando voltarmos, espero que arrume suas coisas antes que a noite chegue.

Ela o fitou por um longo momento.

- O que direi a Sean? - perguntou finalmente.

- Você não tem que lhe dizer nada. Deixe-o pensar que a estou despedindo apenas porque não é suficientemente capacitada para este serviço. E isto está muito próximo da verdade.

Ela nada respondeu; parecia não adiantar nada. A cabeça erguida, indicou o caminho por onde tinham vindo.

- Talvez queira ia na frente agora. Eu poderia me sentir tentada a deixar que alguns galhos atingissem seu rosto!

- Tente - convidou ele amavelmente - e receberá o troco na hora. Vamos, doçura, estarei bem atrás de você.

Eles voltaram em silêncio. Até mesmo Silver parecia sentir a atmosfera, não colocando mais nenhuma tensão nas emoções de Tônia, já sobrecarregadas.

Depois de desmontar, ela retirou a sela, guardou-a e soltou o animal antes de ir para o chalé. Podia sentir o olhar de Rafe em suas costas, mas não vacilou nem uma vez.

Quanto antes me afastar daqui, melhor, disse veementemente a si mesma, mas sabia que não era verdade. Havia gostado daquele lugar, daquele serviço, de toda a semana que já se passara. Por que Rafe tinha que vir e estragar tudo?

Tônia levou pouco tempo para arrumar a mala. Havia se acostumado ao chalé. Era uma pena ter que deixá-lo. Quando chegou a hora, saiu sem olhar para trás.

Seu carro estava estacionado no mesmo local onde o deixara, há uma semana. Depois de colocar a bagagem no porta-malas, ela hesitou Com Rafe ou sem Rafe, não poderia partir sem se despedir de Sean. Ele não tinha culpa de nada. Precisava deixar bem claro para ele que não era responsável pela intolerância do irmão.

Enchendo-se de coragem, entrou no alojamento e encontrou Margot escrevendo cardápios na mesa de recepção.

- O sr. Stewart está lá dentro? - perguntou, mostrando a porta fechada do escritório.

- Os dois estão lá.

Pelo súbito embaraço no olhar de Margot era evidente que ela sabia o assunto em discussão. A porta ficava a apenas alguns passos das costas dela, e as vozes costumavam se elevar, principalmente quando exaltadas. A própria Tônia podia ouvir uma voz agora, embora não discernisse as palavras.

A porta se abriu antes que ela pudesse alcançá-la. Sean saiu com passos resolutos, lembrando de certo modo a primeira vez que Tônia o vira. Entretanto, a expressão dele era muito diferente. Ela nunca c vira assim tão determinado.

- Eu ia mesmo procurá-la - disse ele. - Entre aqui, Tônia, por favor. Há algo que quero dizer.

Rafe estava em pé junto à janela, com as mãos nos bolsos do jeans. Os traços fortes do seu rosto estavam inflexíveis. Tônia estremeceu íntima e involuntariamente diante do olhar que ele lhe dirigiu.

- Veio pegar seu pagamento? - perguntou ele.

Sean fechou a porta com força e ficou junto dela, como se pudesse impedir Tônia de sair novamente.

- Eu lhe disse - ele afirmou, com firmeza. - Se ela for, irei com ela!

- Oh, agora espere um minuto! - Foi Tônia quem falou, com um tom preocupado. - Sean, sobre o que está falando?

- É isso mesmo. - Ele estava ainda mais determinado. - Não vou deixar que você abandone um serviço para o qual se mostrou mais do que capacitada durante uma semana inteira, apenas para satisfazer algum preconceito pessoal. Se sou responsável por este lugar, então minha palavra tem valor. Se não sou, vou embora!

Em qualquer outra circunstância, Tônia aprovaria aquelas palavras. Mas naquele momento gostaria de estar longe dali e fora daquela situação Nem se preocupou em olhar para Rafe, sabendo muito bem qual seria a reação dele.

- Não vou ser a causa de nenhuma briga familiar - declarou - vim apenas me despedir.

- Não vai embora. Não vou deixá-la ir! - A voz de Sean tinha um tom de súplica. - Você quer ficar, Tônia, não quer?

Ela não podia negar isso, não sem mentir para si mesma. Tentou contornar a pergunta.

- De qualquer maneira, era um serviço temporário. Nos dois sabíamos disso. Já é tempo de eu ir embora.

- Não, não é. Não antes de chegar a hora. - O tom de voz se firmou novamente. - Eu quis dizer exatamente o que disse. Se você vai por causa disso, vou com você.

Tônia o fitou desoladamente por um longo momento, percebendo que ele estava falando sério. Ele a estava colocando contra a parede. Ou ela magoaria ainda mais o orgulho já ferido dele, dizendo que não o queria com ela, ou ficaria com ele contra o irmão, numa luta para a qual se sentia com pouca disposição.

Seu rápido olhar para Rafe tinha algo entre desafio e resignação.

- É melhor contar a ele o verdadeiro motivo pelo qual quer se livrar de mim. Isto poderá convencê-lo de como você está certo.

- Tudo de uma só vez? Você é quem vai contar a ele. Também eu gostaria de ouvir sua versão.

- Versão de quê? - Sean parecia confuso. - Vocês não estão se referindo àquele episódio com os carros, não é?

Tônia sacudiu negativamente a cabeça.

- A um fato anterior a isso. A família para a qual eu trabalhava em Vancouver tinha o sobrenome Shannon. - Ela ignorou a exclamação de surpresa dele e prosseguia: - Saí de lá por razões pessoais, eu disse isso a vocês dois antes. Bem, isto era verdade. Eram razões muito pessoais. Foi contra a suposição de uma certa pessoa de que eu iria para a cama com ele, assim que a esposa dele se afastasse por alguns dias.

- Maravilhoso! - O tom de Rafe era mordaz. - Você quase consegue fazê-lo parecer verídico!

- É verídico. - Sean falou rapidamente, percebendo toda a situação. - Craig é um ótimo sujeito, mas sempre teve uma queda por outras mulheres.

- Não o suficiente para agir sem ser encorajado - respondeu o irmão dele. - Ele admitiu para Diane que se sentira tentado pela oferta. Foi por isso que ele se livrou tão rapidamente de nossa amiguinha inglesa.

- Ele não se livrou de mim - disse Tônia de modo controlado. - Eu é que saí fora.

- Certificando-se de receber antes cada centavo que lhe era devido, naturalmente.

- Eu já havia recebido no dia anterior pelo mês que já vencera. Sim, eu me achei com o direito de embolsar o dinheiro. - Ela estava respirando rapidamente, mas ainda sob controle. - Olhe, não me importo se você acredita em mim ou não. Estou simplesmente esclarecendo a seu irmão. - O sorriso que deu foi para Sean, - De qualquer maneira, obrigada pelo apoio.

- Ainda está de pé. - O tom dele era firme. - Mesmo que eu estivesse acreditando em tudo, ainda estaria de pé. - Olhou furiosamente para o irmão. - Afinal de contas, o que isso tem a ver com você?

- O suficiente. - Rafe fez uma pausa, olhando para o irmão mais novo com óbvia intolerância. - Você é bem mais tolo do que eu pensava.

- Sean, não! - Tônia gritou, enquanto se movia para segurar o braço dele antes que atingisse Rafe. - Não vale a pena fazer isso.

- Você está certa, não vale a pena mesmo, - Os olhos cinzentos de Rafe a fitaram cheios de ironia. - Então você fica até Bill voltar.

Tônia ergueu o queixo altivamente.

- Não quero.

- Prefere ser a responsável por uma briga de família?

Ela sacudiu a cabeça com impaciência, esquecendo-se momentaneamente de que o objeto da discussão estava exatamente ali na sala com eles.

- Ele não estava realmente querendo dizer o que disse, sobre ir comigo.

- Oh, sim, ele estava. E acho que você o conhece suficientemente bem para saber disso. De maneira alguma vou deixá-lo sair daqui com você, e você sabe disso também. Você fica.

- Tônia, por favor! - Sean estava observando seu rosto, reconhecendo o princípio de uma recusa a tremer em seus lábios. - Por minha causa...

Isto é injusto! ela pensou, ressentida.

Estava sofrendo uma pressão intolerável por parte de Sean. Entretanto, ainda conseguia simpatizar com os motivos dele também. Sean tomara uma posição e não podia voltar atrás sem perder todo o auto-respeito. Se ela insistisse em partir, ele partiria com ela.

- Está bem, vou ficar. - Forçou-se a enfrentar o olhar de Rafe, sabendo exatamente o que veria lá. - Farei o possível para manter seus clientes contentes, sr. Stewart Este é o principal objetivo, não é?

CAPÍTULO III

Sean sentia-se vencido ao carregar sua mala de volta ao quarto. Tônia estava preocupada com ele e furiosa consigo mesma. Havia se deixado envolver e agora não conseguia sair daquela situação, menos ainda por um certo tempo. O único consolo em tudo aquilo era que Rafe Stewart não estaria ali para tornar sua vida pior ainda.

Colocando a mala sobre o sofá, Sean disse suavemente:

- Quero lhe agradecer por ter me ajudado, Tônia. Foi preciso uma situação dessas para eu chegar à conclusão do quanto já me mandar. Rafe não fará isso novamente, eu lhe asseguro!

Talvez ele nem tivesse feito isso, se Sean demonstrasse desde começo ter opiniões próprias, pensou ela. Mas logo afastou esse pensamento. Não ia começar a procurar desculpas para a atitude de Stewart. Ele estava além das desculpas.

- Esqueça isso - disse ela. - Eu também não gostei da atitude dele. Naturalmente, seu irmão acredita que tem razões para agir assim.

- Não vejo por quê. Ele não tem por que se intrometer na minha vida particular.

Tônia sorriu um pouco, imaginando se ele seria tão ingênuo assim.

- Você deve perceber o motivo pelo qual ele está preocupado. Ele acha que eu posso ter planos em relação a você.

- Eu gostaria que você tivesse. - O sorriso malicioso o de volta ao bom humor natural. - De qualquer maneira, vem não tem, não é?

Só que a luta não foi realmente sua, ela refletiu, mas nada Sean estava se sentindo bem novamente, satisfeito com a tentativa de liberdade. Por que desestimular esse impulso nele?

- Sim, nós vencemos - ela concordou. - É melhor levarmos os cavalos de volta ao estábulo!

- Vou conseguir alguém para fazer isto logo mais. Você cansou o suficiente hoje. - Eu a verei depois do jantar?

- Em companhia de seu irmão? Acho que não, obrigada. Acho que quanto menos eu me encontrar com ele, melhor.

- Também estou me sentindo mais ou menos assim no momento - admitiu ele. - Mas provavelmente Rafe não vai ficar aqui muito tempo. Amanhã é dia de churrasco novamente. Talvez possamos arrumar um alto-falante e dançar um pouco. Que tal lhe parece?

Tônia estava distraída e nem um pouco impressionada. Aparentemente, a auto-afirmação era boa para a imaginação, assim como para o espírito.

- Parece muito bom - ela concordou. - Estou certa de que todos vão gostar. Não se importa se eu pedir que você se vá agora, Sean? Eu gostaria de me trocar para o jantar.

- Não, se você me prometer a primeira dança.

- Prometo.

Nesse momento teria prometido qualquer coisa para ficar sozinha. Precisava de tempo para se concentrar, para cuidar de suas feridas e acalmar a dor. Maldito Rafe Stewart! Malditos todos os homens! Por que não podiam deixá-la em paz?

Ela sabia por quê, naturalmente. Muitas vezes haviam lhe dito o suficiente. Pernas muito bem torneadas, curvas suaves, cabelos loiros e um rosto de anjo sensual, como Randy a havia descrito uma vez, num momento de alegria. Uma combinação de olhos e boca, ele acrescentara, numa explicação risonha da última afirmação: um toque sutil de sensualidade que fazia um homem desejar avançar o sinal. Craig Shannon havia dito algo semelhante, talvez um pouco menos ostensivamente, na noite em que fora ao seu quarto.

Tônia estremeceu, lembrando-se da insistência dele, do calor das mãos dele apertando-lhe os braços. Como pai de três filhos e marido de uma mulher que ela admirava, Tônia havia gostado bastante dele até aquele momento. Tinha até se convencido de que as insinuações nas conversas dele eram fruto de sua imaginação. Bem, aprendera a lição, primeiramente com Randy, e agora com Craig Shannon. Não cairia outra vez no mesmo erro tão facilmente.

Nenhum dos Stewart apareceu durante o jantar. Tônia comeu sozinha e rapidamente, não querendo estar por lá quando eles chegassem. Estava ficando um pouco tarde para Rafe continuar a viagem aquela noite, mas, com um pouco de sorte, ele já estaria longe na manhã seguinte. De qualquer modo, não teria que se encontrar com ele novamente, isto por si só já era um alívio.

Ela voltou ao chalé antes das oito horas, com toda uma noite pela frente. Às nove horas foi até o lago para um último mergulho no fim do crepúsculo de verão do Canadá. Normalmente, tomaria um banho no alojamento lá pelas dez horas, antes de dormir, mas essa noite isto estava fora de cogitação. O lago era um substituto adequado, se bem que menos refinado.

Já de volta ao chalé, Tônia colocou uma camisola e um roupão, ferveu um pouco de leite no pequeno fogão portátil que Sean lhe havia arrumado e preparou um copo de chocolate quente. Ainda não tinha sono, e a noite estava quente. Era agradável sentar-se fora, com o copo na mão, observando o luar sobre a água. Como as luzes estavam apagadas no quarto atrás dela, os percevejos a deixavam em paz.

Tudo estava em silêncio, os únicos sons vinham do chalé mais próximo, mas logo desapareceram também. Era hora de entrar também, embora continuasse sem sono. Aquele fora um mau dia, amanhã seria melhor. O que quer que Rafe Stewart pensasse a seu respeito, ela não iria se deixar influenciar.

Rafe chegou enquanto ela ainda estava ali na escada, caminhando tão silenciosamente que ela só tomou conhecimento de sua presença quando ele falou.

- Você vai acabar se resfriando se continuar aí.

Tônia se levantou rapidamente, puxando o roupão contra o corpo, num gesto instintivamente protetor.

- Eu já ia mesmo entrar - disse ela. - Boa noite, sr. Stewart.

- Não tão rápido assim. - O tom de voz era baixo, mas não suave. - Quero falar com você. - Ele fez uma pausa, olhando para ela com uma expressão avaliadora. - Por outro lado, talvez seja melhor conversarmos lá dentro.

Sua voz soou firme.

- Se tem alguma coisa para falar, fale aqui mesmo. Mas, se for apenas uma repetição do que já disse antes, está perdendo seu tempo.

- Não é um hábito meu. - Esperou um breve momento, em seguida encolheu os ombros. - Então, eu falarei aqui mesmo. Quanto você quer para ir embora agora mesmo, esta noite?

Tônia encarou-o em silêncio por um longo momento. Seu primeiro instinto foi dar-lhe um tapa, mas dominou-se, controlando a expressão e a voz de um modo surpreendente.

- Quanto você está oferecendo?

- Posso lhe dar mil dólares em dinheiro. Isto é tudo o que tenho no momento. Mas lhe darei mais um cheque de mil dólares.

- Que você pode sustar assim que o banco abrir - ela afirmou, ainda no mesmo tom frio.

- Não compensa tanto trabalho. Você tem minha palavra sobre isso.

- Como um homem de honra? - perguntou Tônia, ironicamente. - Dê-me o dinheiro.

O maço de notas que Rafe tirou do bolso de trás parecia grande.

- São notas pequenas em sua maioria - disse ele, colocando-o em sua mão. - Quer contar?

- Acho que não é necessário, obrigada. - Tônia tirou o elástico que prendia as notas e rasgou tudo pelo meio. - Isto é o que penso de sua oferta! - disse ela, entre dentes.

Rafe não fez nenhum movimento para apanhar os pedaços das notas, que se espalharam pela escada e pelo gramado onde ela os havia jogado. Mas seus olhos cinzentos brilharam perigosamente.

- Está jogando para ganhar mais? - perguntou ele. Ela se sentiu subitamente mal com tudo aquilo. Estava envergonhada de seu próprio papel naqueles últimos momentos.

- Eu não vou embora - afirmou secamente. - Pode pensar o que quiser, mas não vou deixar que me expulse! Agora, se não se importa, gostaria de ir dormir.

- Vou acomodá-la. Quando ela se virou, ele já havia subido, empurrando-a porta adentro. Fechou a porta atrás de si depois.

Chocada demais para opor alguma resistência. Tônia sentiu-se erguida e carregada. Logo estava sobre a cama, com o peso dele comprimindo-a, as mãos segurando seus pulsos, impedindo que seus dedos lhe atingissem o rosto.

- É disto que você não gosta, não é? - disse ele asperamente. - Que lhe tirem o controle das coisas! Craig me falou sobre isso. Ele me contou tudo! Ele ainda não superou o que você lhe fez, sua vadiazinha!

- Eu não fiz nada! - Ela estava assustada, mas não com medo; sentia todo o seu corpo tenso de rejeição. - O que quer que ele tenha dito, não é verdade!

- Não é? Nem a maneira como você o encorajou durante semanas, até que ele não conseguiu mais se controlar?

- Não!

- Você é uma mentirosa! Pensou que podia brincar com Craig como se fosse um peixe, até que o conseguisse pescar. E depois? Uma palavra no ouvido de Diane? Ou talvez apenas a ameaça disso? Só que ele se apressou demais, não é? Ele quis demais e muito cedo. Você devia ter ido em frente com ele. O fim seria o mesmo: Diane o abandonaria assim que tivesse a confirmação de que o marido a traíra com você. Você poderia ter tido uma chance!

- Não foi assim. - Tônia estava implorando agora, tentando fazê-lo ver. - Ele distorceu todos os fatos!

- Você acha que vou deixar de acreditar nele para acreditar em você? - A risada foi irritante - Vi o efeito que você teve sobre Sean em apenas uma semana. Ele não é do tipo que percebe as coisas com rapidez.

- Mas é do tipo que reagiria fortemente, se soubesse o que você está fazendo comigo agora - retrucou Tônia, desistindo da batalha desigual. - Será que você realmente gostaria que ele soubesse que tem um violentador vulgar como irmão? Porque é isto o que terá que fazer.

Por um terrível momento ela pensou que havia ido longe demais, pois o rosto de Rafe se enrijeceu visivelmente e ele percorreu seu corpo com os olhos.

- Quase que valeria a pena ter você à força. - Ele fitou-a por outro longo momento, desdenhosamente. Em seguida, soltou-a repentinamente. - É isto o que vai lhe acontecer qualquer dia desses. Deixe Sean em paz, ouviu?

Tônia ficou em silêncio, sem ânimo para falar. Seus pulsos doíam por causa da pressão dos dedos dele, mas a dor nada era em relação à fúria que sentia em seu íntimo. Ele não lhe dera uma única chance sequer! O bom senso lhe dizia que a melhor coisa era partir agora e deixar que os dois irmãos resolvessem suas próprias diferenças, mas o orgulho não lhe permitiria fugir durante a noite, como alguém que fosse realmente culpado. Ela prometera a Sean que ficaria até a volta de Bill, e era isso o que ia fazer, não importava quão desconfortável Rafe Stewart tentasse tornar sua vida.

Foi uma espécie de anticlímax descobrir que Rafe já havia partido, quando desceu para o café na manhã seguinte. Por algum motivo não esperava que ele desistisse assim tão facilmente. Sean se vangloriava, acreditando ser o vencedor daquela altercação familiar. Tônia não fez qualquer tentativa para derrubá-lo do pedestal. Ele precisava de um pouco mais de confiança em si mesmo.

O fim de semana passou agradavelmente, tendo como ponto alto o churrasco de sábado à noite. Fiel à palavra, Sean havia conseguido um alto-falante, proporcionando música para dançar, e convidara Tônia para ser seu par.

Ela fizera amizade com várias pessoas e se divertira muito.

Foi na sexta-feira seguinte que Sean lhe deu a notícia.

- Bill não poderá voltar antes de pelo menos uma semana, talvez duas - disse ele, tentando disfarçar um certo júbilo. - É a filha dele. Aparentemente, ela está atravessando uma crise conjugai e ele não tem coragem de se afastar, deixando tudo para a esposa resolver. Você pode continuar, não é mesmo?

Tônia hesitou, era tempo demais para permanecer naquele lugar. No entanto, se ela se fosse, deixaria Sean em má situação. Os passeios a cavalo eram muito populares. Poderia ser ruim para os negócios se eles parassem. E onde estava o problema realmente? Ela e Sean tinham um relacionamento gostoso e bem equilibrado. Duas ou quatro semanas, que diferença faria?

- Sim - disse ela -, posso continuar. Entretanto, não tenho muita certeza de como seu irmão vai se sentir a respeito disso.

- Ele nada tem a ver com isso. - Todo o rosto de Sean estava erguido. - Afinal de contas, se era para acontecer isso a Bill, estou contente que tenha sido agora. Você não sabe a diferença que produziu neste lugar, Tônia.

Ela era popular, seria falsa modéstia negar isto. Apesar do que Sean dissera, ficou imaginando qual seria a reação de Rafe Stewart. Já havia feito uma concessão deixando-a ali sem supervisão. O que pensaria de outras duas semanas?

Duvidava de que ele fizesse outra tentativa de persuadir Sean a se livrar dela.

Pareceu-lhe que estava certa em sua opinião quando o fim de semana passou e a outra semana começou: Rafe havia desistido.

A sexta-feira foi um dia ocupado, com muitos novos hóspedes chegando pela manhã, quase todo mundo querendo dar um passeio a cavalo. Agora, montando Silver normalmente. Tônia podia levar cinco pessoas de cada vez, embora insistindo em que os cavalos tivessem pelo menos meia hora de descanso entre cada passeio. )á eram mais de sete horas quando finalmente recolheu os animais.

Era muito tarde para ir se trocar antes do jantar. Sean freqüentemente se juntava a ela para o café, mesmo se já tivesse jantado,, mas, naquela noite, não havia qualquer sinal dele. Naturalmente ele devia ter ido até a cidade.

Foi uma das garçonetes que casualmente lhe contou onde ele estava Rafe Stewart havia chegado lá aproximadamente há uma hora, enquanto Tônia ainda estava trabalhando. Trouxera malas e ocupara um quarto, portanto parecia que estava planejando ficar durante alguns dias. Ele e Sean estavam lá nos fundos naquele momento.

Ao se dirigir para o chalé, Tônia imaginou, desolada, quanto tempo levaria para receber outra visita do mais velho dos irmãos A última coisa que desejava àquela noite era uma batalha.

Por outro lado, por que deveria haver batalha? Se Rafe pretendesse alguma coisa, já teria aparecido. Ele podia estar esperando uma oportunidade para recriminá-la, mas desta vez não encontraria nada contra ela. Ela e Sean continuavam amigos, nada mais que isso

No chalé ao lado estava havendo uma festinha de despedida. Estavam fazendo muito barulho e, apesar de já ter passado das onze horas, não havia sinal algum de que a festa fosse acabar. À meia-noite Tônia não conseguiu agüentar mais. Detestava ser uma desmancha-prazeres, mas aquilo havia passado da conta. Não era possível dormir com todo aquele barulho.

Ela se vestiu rapidamente antes de ir até o outro chalé - uma ação pela qual se sentiria agradecida mais tarde.

Mike, o vizinho, abriu a porta com um copo na mão e um sorriso no rosto.

- Muito bem, olhem só quem está aqui! - ele exclamou, num tom evidentemente embriagado. - Entre venha tomar alguma coisa

Tônia sacudiu a cabeça, tentando não parecer muito rigorosa.

- Eu vim apenas pedir para que façam menos barulho. lá é muito tarde rapazes! - Mike virou-se, com um movimento exagerado pos o dedo nos lábios. - Fiquem quietos, vamos!

Não houve qualquer mudança de comportamento lá dentro. Tônia, duvidava mesmo que alguém tivesse ouvido o pedido. Percebendo Mike encolher os ombros displicentemente, ela suspirou e reconheceu a inutilidade do que havia feito. A única coisa que provavelmente os faria parar seria o cansaço, mas isso ainda levaria horas. Onde estavam os Stewart? Eles é que deviam colocar um ponto final naquilo, fazendo com que obedecessem ao regulamento!

O aparecimento repentino de Rafe foi uma resposta indireta à sua pergunta. Ele subiu os degraus, passando por ela, e entrou no chalé. Um instante depois, o som da música cessou abruptamente, sendo substituído por um clamor de vozes indignadas.

- É isto mesmo - Tônia ouviu-o afirmar. - Todo mundo para fora! E já!

Eles saíram como carneirinhos, um ou dois murmurando imprecações, mas nenhum deles realmente em condições de permanecer e discutir sobre aquilo. Mike observou-os indo embora, com uma cômica expressão da incerteza no rosto, como se não entendesse por que a festa havia se acabado tão subitamente.

Rafe foi o último a sair, olhando rapidamente para Tônia e depois voltando-se para Mike.

- Seus amigos já estão dormindo. Sugiro que faça o mesmo. E da próxima vez que vierem para cá novamente, deixem as bebidas alcóolicas em casa, está bem?

Mike concordou com a cabeça e entrou rapidamente no chalé, fechando a porta.

Encontrando os olhos cinzentos agora totalmente voltados para ela, Tônia fez um esforço para se controlar. Ela não estava naquela festa e ele não ia de maneira alguma censurá-la.

- Se você tivesse feito isso há uma hora atrás, todos nós já poderíamos estar dormindo agora - disse ela secamente. - O regulamento diz que é até as onze, não é?

- Na maioria das vezes, sim. - Surpreendentemente, ele falou de maneira amável. - Eu lhes dei uma longa margem de tempo para se decidirem sozinhos. Suponho que veio até aqui para se queixar.

- Foi isso mesmo. - Ela ficou em silêncio por um momento, incapaz de compreender a diferença na atitude dele desde o último encontro. Suas próximas palavras foram quase um desafio àquela diferença. - Onde está Sean?

Não houve nenhuma alteração perceptível na expressão dele.

- Eu disse a ele que resolveria isso. Vamos, vou acompanhá-la até o seu chalé.

- É logo ali - ela afirmou altivamente. - Prefiro ir sozinha, obrigada.

- Não posso censurá-la por isso. - O tom era melancólico agora. - Eu lhe fiz passar uns maus bocados, não é mesmo? Não estou tentando me desculpar, pois realmente penso assim.

Tônia fitou-o na semi-escuridão, sem poder acreditar no que seus sentidos pareciam estar lhe dizendo.

- E agora? - ela perguntou finalmente, sentindo a fraqueza em sua própria voz.

- Eu tive tempo para pensar - disse ele. - Tempo para perceber que eu poderia ter sido um pouco precipitado em pôr toda a culpa em você. Craig provavelmente tentou se engraçar com você no início, o que...

- Craig fez isso o tempo todo - ela interrompeu, com determinação. - Se não está disposto a acreditar nisso, então não quero ouvir mais nada.

Os olhos dele se estreitaram momentaneamente, e em seguida ele ergueu os ombros.

- Está bem, então ele mentiu para salvar o casamento.

- Ele não precisaria ter se incomodado, se tivesse ficado longe de mim desde o início - disse Tônia. - Perdi um bom serviço por causa dele.

- Mas encontrou outro. Não exatamente o mesmo, mas tem suas compensações.

Tônia olhou-o cheia de suspeita.

- Está querendo se referir a Sean?

- Estou querendo me referir à maior liberdade. Sean é jovem demais para você. Eu devia ter percebido isso também.

- Exceto porque você achou que eu poderia estar interessada no dinheiro dele - ela retrucou propositalmente, e recebeu outro sorriso melancólico.

- Agora não. Você já deve ter compreendido que Sean só será independente daqui a dois anos, e no entanto ainda está aqui. Os olhos de Rafe já não tinham a frieza que ela teria esperado nele. - O que estou tentando dizer é: que tal esquecermos o que aconteceu e começarmos tudo de novo?

Uma sensação agradável a invadiu.

- Até mesmo a maneira como dirijo? - ela perguntou alegremente, e ele sorriu novamente, desta vez com bom humor.

- Não vou retirar nada do que disse aquela vez. Fui uma testemunha de primeira mão lembra-se?

- E eu, uma idiota, sonhando de olhos abertos - ela admitiu. - Daqui em diante, meu pensamento estará estritamente na estrada.

- Fico contente em ouvir isso. - Rafe indicou o caminho do pequeno chalé com uma leve inclinação de cabeça. - Vai confiar em mim agora?

Parecia desnecessário considerar o quanto eles estavam próximos. Nunca se sentira tão consciente da presença de um homem, como naquele momento. '

- Você está planejando passar o fim de semana aqui? - perguntou ela, enquanto caminhava lado a lado.

- Mais do que isso - disse ele. - Vou ficar no lugar de Sean durante alguns dias, enquanto ele vai para casa. A mãe dele quer vê-lo e não se sente em condições de vir até aqui.

- Ela está doente?

- Ela ficou paralítica no acidente de carro que matou meu pai. Consegue se movimentar bem numa cadeira de rodas e num carro especialmente equipado, mas as viagens longas são cansativas para ela.

- Sinto muito. - Tônia gostaria de ter encontrado um modo mais adequado de expressar sua simpatia. - Sean nunca me falou sobre isso.

- Talvez ele ainda não tenha encontrado uma oportunidade para lhe contar.

Eles chegaram ao chalé, e Rafe parou junto aos degraus. O luar deixava entrever uma certa aspereza na expressão dele. Em seguida, ele sorriu e a aspereza desapareceu.

- A que horas você vai descer amanhã? - perguntou. Ela estava surpresa, ainda não entendendo completamente.

- Depende das reservas.

- Você deve impor um limite para o último passeio do dia - disse ele. - Digamos, cinco horas. Assim já poderá estar com os animais recolhidos lá pelas seis e meia. Vamos jantar às oito?

- Aqui?

Ele riu e sacudiu a cabeça.

- Acho que podemos fazer algo melhor. Há um lugar chamado Pine Lodge, não muito distante daqui. Fica um pouco fora de mão, mas o que eles conseguem fazer com as trutas compensa ir até lá. De qualquer maneira, seria uma mudança para você. Sean me disse que você nunca se afastou daqui nestas três semanas!

- É que nunca senti necessidade alguma disso - admitiu Tônia. Fez uma pausa, prosseguindo depois: - Você não precisa sentir-se obrigado por causa da... última vez. Basta que acredite em mim.

- É? - O tom dele era estranho. - Bem, mesmo assim gostaria de levá-la para jantar. Está bem?

- Está bem. - Tônia sentiu-se subitamente de coração leve, e sorriu espontaneamente. - Eu também gostaria de ir, Rafe.

- Ótimo! - Ele não fez qualquer tentativa de tocá-la. Inclinou a cabeça em direção à porta. - Vou esperar você entrar. E depois tranque a porta. Nossos amigos aí do lado podem resolver dar um passeio noturno. - Fez uma pausa. - Acho que você devia se mudar para o edifício principal.

- Nunca tive problema algum - protestou ela. - Prefiro ficar aqui.

- A privacidade tem suas vantagens - ele concordou. - Está bem, isto é com você. - Sorriu novamente, a voz mais suave. - Boa-noite, Tônia.

Nos lábios dele, meu nome parece diferente. Ou será apenas porque eu o achei tão diferente? pensou Tônia, enquanto fechava a porta. Há duas semanas apenas, Rafe a havia derrubado sobre aquela cama, acusando-a de tentar arruinar o casamento do amigo, e agora a estava convidando para sair. Era preciso ser um grande homem para admitir o erro. Era preciso admirá-lo por essa razão.

No entanto, havia mais do que isso... Sentira-se atraída por Rafe Stewart desde a primeira vez em que o vira, apesar de tudo o que se passara entre eles. Agora precisava impedir que as barreiras entre eles caíssem rapidamente demais. Seria fácil gostar muito deste novo Rafe...

CAPÍTULO IV

Sean estava prestes a partir, quando Tônia saiu após o íafé. Ele contou que iria diretamente para Calgary. Parecia totalmente sem entusiasmo pela viagem.

- Você estará aqui quando eu voltar, não é mesmo? - perguntou, ansioso. - Quero dizer, você não vai embora?

- Naturalmente que não! - disse ela. - Afinal, você vai ficar fora apenas por alguns dias.

A hesitação desapareceu, substituída por um sorriso.

- Isto é tudo o que preciso saber. Cuide bem de si mesma, Tônia. Eu odiaria se lhe acontecesse algo. E não deixe que meu irmão a aborreça.

Havia mais naquela recomendação do que ele podia imaginar. Tônia pensou nisso, observando o carro se afastar. Rafe estivera em seu pensamento desde que acordara, naquela manhã. Ao perceber o objeto de seus pensamentos observando-a do saguão, sentiu-se enrubescer levemente. Tentou descobrir nele algum sinal do comportamento mais gentil da última noite.

O sorriso dele foi tranqüilizador. Chega de hostilidades, parecia dizer; vamos ser amigos.

- Você já tomou café? - perguntou ele. Jônia concordou com a cabeça.

- Eu já ia arrear os cavalos. Hoje vai ser um dia cheio.

- Então não vou prendê-la por mais tempo. Pensei que poderíamos sair lá pelas sete e quinze. Está bem para você?

- Ótimo. - Foi tudo o que conseguiu dizer.

Nunca se sentira tímida com um homem antes, como acontecia agora. Talvez por causa do que houvera antes ou simplesmente porque ela ainda não conseguia imaginar exatamente o que ele estaria planejando. Na verdade, não havia necessidade de que alguém substituísse Sean. Não por poucos dias. O que significava que Rafe queria ficar. Por sua causa? Gostaria de poder ter certeza disso. Era muito importante saber...

Ela não o viu mais durante todo o dia. Ansiosa para desfazer a imagem de jeans e camiseta que ele devia estar tendo dela, resolveu usar um vestido simples, verde-claro, que ressaltava a cor de seus cabelos e seu bronzeado. Rafe já estava à sua espera, quando ela desceu. Não havia nenhum engano na franca apreciação do olhar dele, ao vê-la.

- Posso entender o que houve com Graig - disse ele suavemente, ao entrarem no carro.

Não havia qualquer ironia na voz nem no olhar dele quando ela o fitou rapidamente. No entanto, Tônia sentiu que o espinho estava !á, mesmo que apenas em sua mente.

- Pensei que íamos nos esquecer de tudo isso - disse ela.

- E vamos. - Ele lhe sorriu, de um modo que a teria feito perdoá-lo por quase tudo. - Há outras coisas em que se pensar.

Pine Lodge realmente ficava fora de mão, mas mantinha uma clientela regular. O panorama que se avistava de lá era maravilhoso. Tônia achou que poderia ficar eternamente lá, apenas admirando o que via.

- As montanhas estão cheias de cenas como esta - disse Rafe, quando ela tentou lhe transmitir algo de sua impressão, após o jantar. - Não estou querendo desencantá-la, mas a gente acaba se acostumando. - Ele fez uma pequena pausa. - Estou mais interessado no que vejo à minha frente.

- Por quê? - perguntou ela.

Por um momento ele pareceu pensativo, depois riu e sacudiu a cabeça.

- Você sabe por quê. Nós dois sabemos. Aconteceu na primeira vez em que nos encontramos, lá na estrada.

- Você não me deu essa impressão. - Tônia conservou a voz alegre. - Bem pelo contrário.

- Eu estava tentando não deixar que sua aparência interferisse em meu julgamento - admitiu ele secamente. - Caso contrário, podia ser que eu fosse muito longe. - Ficou em silêncio, olhando-a nos olhos. - Anotei a placa de seu carro com a intenção de procurá-la depois. Você estava indo na direção leste; havia uma boa chance de que estivesse se dirigindo para Calgary. Depois Diane me mostrou aquela fotografia sua com as crianças, e aquilo calou fundo em mim. Voltar para cá e encontrá-la com Sean atrás de você, como um cachorrinho, foi como agitar um pano vermelho na frente de um touro. Eu sabia muito bem como era Craig, mas não queria acreditar naquilo.

- O que o fez mudar de opinião? - A garganta de Tônia já estava seca.

- Eu já lhe disse. Assim que tive tempo para refletir, percebi como fui injusto com você... e comigo mesmo. Esta viagem de Sean me pareceu uma oportunidade ideal para aliviar minha consciência. - Rafe ergueu uma sobrancelha. - Como estou me saindo?

- Admiravelmente. - Tônia estava tentando não demonstrar como as palavras de Rafe a afetavam. - Sean parecia pensar que a viagem dele não era realmente necessária.

- Mas era. Karen deseja ver o filho. - Ele notou a expressão dela e sacudiu a cabeça. - Minha mãe morreu quando eu tinha oito anos e meu pai se casou novamente dali a um ano. Sean nasceu no ano seguinte.

- E você nunca conseguiu chamá-la de mãe?

Ele encolheu levemente os ombros.

- Ela é apenas dez anos mais velha do que eu. Foi mais como ganhar uma irmã mais velha. Meu pai estava com trinta e poucos anos, portanto a diferença não era muito grande.

- Você ficou magoado por causa dela? - A pergunta foi suave, provocando um súbito brilho nos olhos dele.

- Não, eu fiquei magoado com meu pai, por interferir no nosso relacionamento. Ela era tudo o que um garoto de nove anos podia querer como companhia: velha o suficiente para abrir as portas que ele não conseguia abrir, mas jovem o suficiente para ficar ao seu nível quando a ocasião o exigisse. Eu teria feito qualquer coisa por ela. - O rosto dele ficou um pouco sombrio e Tônia não conseguiu definir que tipo de emoção ele sentia. - E ainda faria. Quinze anos numa cadeira de rodas teriam enfraquecido emocional e fisicamente muitas mulheres, mas não Karen. Ela é a pessoa mais corajosa que conheço.

- Ela deve ser uma mulher excepcional - disse Tônia.

- E é mesmo. - Era uma simples constatação de um fato. Em seguida, o tom de voz se alegrou. - Fale-me sobre você. O que é que a fez vir ao Canadá?

Esta era uma pergunta que Tônia não desejava responder completamente. A mágoa que Randy havia provocado não fora tão profunda quanto imaginara na verdade, mas não era um assunto que gostaria de discutir com outro homem.

- Recebi uma oferta de trabalho que depois mostrou não ser exatamente o que eu esperava. Trabalhar para os Shannon seria apenas um quebra-galho, enquanto não encontrasse outra coisa.

- E quando você vai embora daqui? - O tom ainda era alegre.

- Depende - disse ela, pensando no dia em que ficaria sozinha novamente. - Ainda não sei como poderão correr as coisas.

- Não, suponho que não. Teremos que conversar sobre isso.

Tônia conservou-se em silêncio enquanto voltavam a Copper Lake, tentando entrar num acordo com sua instabilidade emocional. Há dois meses atrás pensara estar apaixonada por Randy, agora sentia-se mais fortemente atraída por um homem que mal conhecia. E quanto ao próprio Rafe? Até que ponto ele fora sério no que lhe dissera aquela noite? Podia ser que ele estivesse querendo apenas uma rápida conquista, mas, por algum motivo qualquer, ela não pensava assim.

Seria preciso bem mais do que isso para fazer um homem como Rate sacrificar dias inteiros do precioso tempo dele. Eles chegaram ao alojamento antes das onze horas.

- Que tal um drinque? - perguntou Rafe.

- Acho que não - Tônia vacilou. Realmente não desejava que a noite acabasse tão depressa, no entanto, sentia necessidade de ficar longe da influência perturbadora dele. - Prometi levar algumas crianças para passear antes do café.

- Não é tarde - disse ele -, e eu apreciarei sua companhia.

- Você já teve até agora - observou ela, sorrindo.

- Então, um pouquinho mais. Sou seu patrão. Quer que lhe dê uma ordem?

Sua risada significava uma capitulação.

- Isto está fora de seus limites, mas não vamos discutir por causa disto. Vamos, então.

Na pequena sala de estar -de Sean, Tônia sentou-se no menor dos dois sofás, observando Rafe preparar as bebidas e servi-las.

- Por que você resolveu entrar neste tipo de coisa? - perguntou ela, pegando a bebida. - Não parece ser o tipo de negócio pelo qual uma companhia como a sua se interessaria.

- Não, não é - ele admitiu, sentando-se ao lado dela. - Copper Lake é apenas uma experiência. Se o fim da temporada demonstrar bons resultados, abriremos uma cadeia na região sob o mesmo plano geral, motel e lugar para acampar, juntos.

- Sob a responsabilidade de Sean?

- Se ele demonstrar capacidade para isso.

- Parece que ele está se saindo bem aqui.

- Há uma diferença entre dirigir um lugar e organizar uma dúzia. Ele nada está fazendo de excepcional.

- Sean tem apenas vinte e três anos - protestou ela. - Ele ainda está tentando se firmar. Só porque você já sabia o que queria nessa idade, não significa necessariamente que Sean tenha que ser igual. - Ela parou aí, ciente de que nada daquilo lhe dizia respeito e subitamente espantada com sua temeridade. - Sinto muito... eu...

Rafe olhava para o copo que segurava, com uma expressão indecifrável.

- O que a faz ter tanta certeza de que eu sabia o que queria quando tinha a idade de Sean?

- O instinto. - Tônia estava pisando em terreno mais firme agora. - Eu acredito que você sempre soube o que queria, Rafe.

- Pode ser que esteja certa. - Ele colocou o copo de lado, lenta e intencionalmente. - Como agora.

Tônia também largou o copo sem protesto, sabendo o que ia acontecer e querendo aquilo também. A última vez em que ele a beijara fora de uma maneira brutal, desta vez foi com delicadeza. Os movimentos dos lábios dele contra os seus eram lentos e sensuais. Tônia correspondeu instintivamente e seu corpo se curvou entre os braços dele. Esta noite ela não queria resistir.

Rafe foi o primeiro a se afastar, erguendo a cabeça para fitá-la, mas sem soltá-la. Os olhos cinzentos haviam perdido a frieza. Quando ele falou foi com uma impetuosidade que não tentou disfarçar.

- Você sempre se excita tão facilmente, ou posso me considerar um caso especial?

Ela tocou o rosto dele com a mão, levada pela intensidade de suas emoções.

- Você é um caso muito especial - sussurrou. - Nunca me senti assim antes, Rafe. Nunca mesmo.

- Diga-me como você se sente. - A pergunta veio em voz baixa. - O que me faz diferente dos outros?

- Não houve nenhum outro - disse ela. - Não da maneira que você pensa.

- Você está querendo dizer que está se guardando para alguém como eu?

A ironia fez com que ela enrubescesse. Abruptamente, afastou-se dele.

- Se é isso o que você pensa, não adianta conversar!

Rafe segurou-a quando ela fez menção de levantar-se, fazendo-a sentar-se novamente.

- Não fuja. Foi uma tolice de minha parte.

Tônia relaxou um pouco, e procurou observar o rosto de Rafe. Era impossível ler o pensamento dele, adivinhar o que ele estava imaginando realmente.

- Você ainda não está totalmente convencido sobre Craig Shannon, não é? Você ainda acha que eu devo tê-lo encorajado.

- Até certo ponto - ele admitiu. - Talvez até mesmo sem perceber.

- Deve ter sido. - A voz de Tônia agora era amarga. - Se eu tivesse que pesar cada coisinha que dissesse ou fizesse pensando na possível má interpretação, eu não iria muito longe.

- Mas poderia ter poupado você de uma série de fatos desagradáveis. Agora mesmo não estou interpretando nada errado. Você deseja tanto quanto eu fazer amor.

Tônia estremeceu, mas não tentou negar isso. Só queria ser capaz de separar aquele desejo de outras emoções. Como Rafe obviamente fazia.

- O que eu desejo agora não faz qualquer diferença - disse ela.

- Não vai acontecer.

- Por que não? - Ele começou a acariciar seu corpo. - Você gostaria, tenho certeza. Nós dois gostaríamos.

Foi preciso muita coragem para afastar aquela mão. Ela disse firmemente:

- Desta vez as coisas não serão como você quer, Rafe. É muito para você, não é? Consegue o que quer e manda o resto para o diabo! Bem, comigo não. Não penso dessa maneira!

- Está bem! - Ele estava furioso consigo mesmo e soltou-a imediatamente. - É tudo muito lógico, não é? Se é não, é não! Não precisa me dar um tapa com luvas de pelica.

Ela já estava lamentando sua explosão. Instintivamente, viu-se tentando se justificar.

- Apenas não gosto que me tomem como uma coisa certa, isto é tudo.

- Eu não tomei nada como certo. - O tom de voz dele era rouco. - Estava seguindo um impulso natural, que parecia ser compartilhado até poucos momentos antes.

- Nós mal nos conhecemos! - Protestou ela, francamente.

- Ninguém pode ser tão ingênuo ou tão racional assim.

Ela enrubesceu, aceitando a dedução porque sabia ser merecida.

- Está bem, então acontece. Para você provavelmente acontece todo o tempo!

- Não todo o tempo - ele respondeu, com ironia. - Esta noite encontrei alguém insensível. Para quem você está guardando isso?

Ela o fitou cheia de amargura. Quando se levantou, suas pernas estranhamente estavam firmes.

- Boa-noite, sr. Stewart.

- Tônia. - A voz dele a deteve à porta. - Espere um minuto, por favor.

Foram as últimas palavras que a fizeram voltar a cabeça. Rafe não era o tipo de homem que pedia "por favor" facilmente. Era difícil decifrar a expressão no rosto dele.

- Venha cá - disse ele. - Não vou tocá-la, quero apenas conversar.

Tônia não se moveu.

- Pode dizer daí mesmo.

- Está bem. - Ele parecia resignado e um pouco melancólico. - Eu lhe peço desculpas. Fiz uma idéia errada a seu respeito. Será que podemos ter outra chance?

Ela hesitou, desarmada, mas ainda sem confiar totalmente.

- Com que objetivo? - perguntou finalmente. O sorriso dele foi fugaz.

- Quem sabe? Tudo o que sei é o que você me faz sentir. Você está sob a minha pele.

Ela sorriu levemente.

- Parece irritante.

- É doloroso. Gostaria de ter uma chance de resolver este problema.

Rafe estendeu a mão. - Vamos fazer as pazes. Isto é uma promessa.

- Sean estará de volta em poucos dias - observou ela suavemente - e você irá embora. Para que isso então?

- Estarei a apenas meia hora daqui de avião. E sou meu, próprio patrão. Você disse que mal nos conhecemos. Para começar, gostaria de resolver isso. Quando Bill voltar, você poderá ir para a cidade. Até lá já estaremos em condições de saber o que sentimos. - A voz dele estava rouca.

- Está bem, acho isso ótimo.

- Muito bem. - Rafe levantou-se, sacudindo a cabeça ao ver sua expressão se alterar. - Vou apenas acompanhá-la até o chalé, nada mais. E não diga que não, pois isto poderia sugerir que não confia em minha palavra.

- Eu não ia dizer que não - afirmou ela.

Ele não a tocou enquanto se dirigiam ao chalé. O vento era forte e, pela primeira vez desde que chegara, o céu estava bem nublado.

- Acho que vai haver uma tempestade mais tarde - observou Rafe ao chegarem. - Não fique assustada. Os efeitos sonoros podem ser bastante espetaculares, mas você estará segura aí dentro.

- Não tenho medo de tempestades - Tônia o tranqüilizou. Olhou-o, sem saber como ele iria agir. Pela curva irônica dos lábios, soube exatamente o que ele estava pensando.

- Vamos tentar apertar as mãos - sugeriu ele. - Isto não causa complicação alguma.

Ela suspirou.

- Não zombe de mim, Rafe. Do jeito que estou, não posso ajudar.

- Nem eu posso. - Fez uma pausa, estudando-a, os olhos velados por algo que somente ele sabia o que era. - Portanto, vamos tentar entrar num acordo novamente.

Foi um beijo rápido, rápido demais. Em seguida ele se foi, sem olhar para trás; um homem que ela nem mesmo começara ainda a entender.

A volta de Bill na quarta-feira foi uma surpresa para todos. Um homem calmo, taciturno, de quase sessenta anos. Ele ficou alguns minutos com Rafe no escritório, e depois se dirigiu para onde Tônia estava arreando Silver para o próximo passeio.

- Soube que você fez um bom trabalho - disse ele secamente. - Obrigado por tudo. O patrão quer vê-la.

Tônia encontrou Rafe no escritório.

- Parece que estou sendo demais - disse ela, de maneira estranha. -- A não ser que você possa conseguir algo para eu fazer nos próximos dias. Prometi a Sean que esperaria até ele voltar.

Algo brilhou nos olhos dele.

- Você não precisa fazer nada. Você merece um descanso. Com Bill de volta, podemos tirar um dia e ir de avião até Kamloops. Parece uma boa idéia?

- Muito boa. - Ela sorriu. - Mas você pode perder esse tempo?

- Por você? - E ele lhe estendeu a mão num convite. - Venha cá.

Tônia foi sem hesitar, erguendo a boca para ele, numa resposta que não pôde e nem tentou disfarçar.

- Você me tem em suas mãos - ele murmurou, contra seus cabelos. - Você também sabe disso. Vamos fazer muita coisa nos próximos dias, até Sean chegar. E depois... - Rafe deixou a frase inacabada. Havia uma promessa no aperto possessivo das mãos dele em seus quadris e um crescente desejo nos lábios dele.

Foi uma promessa repetida muitas vezes naqueles dois dias, à qual Tônia só podia responder cegamente. Comparados com aquilo, ela sabia que seus sentimentos por Randy haviam sido como a água em relação ao vinho. Ela já estava contaminada por aquela paixão e era tarde demais para recuar. Tudo o que queria era estar com Rafe. conversar com ele, sentir as mãos e os lábios dele, aqueles lábios que a transportavam para um outro mundo.

Vinham voando de volta de Kamloops, na quinta-feira à tarde, quando ela admitiu para si mesma que estava apaixonada por ele. Fora algo tão rápido, que mal podia acreditar, embora fosse exatamente a verdade. Observando as mãos de Rafe tão seguras nos controles, ela imaginou o que ele sentia realmente por ela. Que ele a desejava, já havia demonstrado em muitas ocasiões. Sabia que ele gostava de sua companhia também. Era somente em relação ao envolvimento emocional dele que as dúvidas surgiam.

A aterrissagem foi normal. Saltando do avião, com a ajuda de Rafe, Tônia o beijou levemente nos lábios, numa saudação breve, mas estimulante.

- Isto é pelo dia de hoje - disse ela. - E por todos os outros dias. Tem sido maravilhoso!

- Nada está acabado - ele respondeu, com uma inflexão estranha..- Ainda há mais pela frente, se você quiser.

Se ela quisesse! Ela fitou-o, cheia de emoção.

- Naturalmente que quero! Você tem alguma dúvida? Rafe sacudiu a cabeça.

- Quer ir até Pine Lodge esta noite novamente, ou prefere ficar por aqui?

- Oh, vamos ficar por aqui! Poderemos ir nadar depois. A água do lago é uma delícia à noite!

- Parece uma boa idéia - concordou ele.

Margot estava na recepção, preenchendo algumas fichas; ergueu os olhos quando eles entraram, observando especulativamente os dois, antes de se fixar em Rafe.

- A sra. Stewart telefonou. Ela pediu que ligasse, assim que chegasse. Disse que é urgente.

- Ela disse isso? - O tom que ele usou pouco revelava. Olhou para Tônia, encolhendo os ombros num sinal de desculpa. - Acho que é melhor eu ligar já. Eu a verei ao jantar.

Ainda faltava mais de uma hora para o jantar. Quanto tempo, imaginou ela, demoraria um simples telefonema? Imediatamente sentiu-se envergonhada por seu pensamento. Estivera em companhia de Rafe durante todo o dia; certamente não podia negar um pouco de tempo à madrasta dele. Ela sorriu para si mesma.

Enquanto se dirigia ao chalé, ponderou sobre os possíveis motivos daquele telefonema. Negócios, com toda a probabilidade, ainda que na atitude de Rafe houvesse algo que sugerisse outra coisa. Não era a primeira vez que se via pensando sobre o relacionamento entre Karen Stewart e o enteado dela. Com apenas dez anos de diferença... Era mais como uma irmã mais velha, dissera Rafe, mas isto havia sido quando ele era criança. Como ele a consideraria agora?

Com admiração, era óbvio; com solicitude, também era óbvio. Com afeição? Tônia não tinha muita certeza. Ternura não era uma emoção facilmente sentida por um homem como Rafe, sabia disso por experiência própria. Talvez Karen não precisasse disso, mas isto ela só saberia ao conhecê-la. Por algum motivo, aquela perspectiva não a atraía muito.

CAPÍTULO V

Tônia foi jantar às sete horas e já encontrou Rafe à sua espera. Havia algo diferente nele, mas nada que ela pudesse definir com exatidão. Várias vezes durante a refeição surpreendeu-o olhando-a especulativamente, e chegou à conclusão de que não era realmente ela que ele estava vendo, mas devia estar com algum problema. Gostaria de lhe perguntar se ele precisava de ajuda, mas não teve chance. O que quer que fosse, ele certamente logo resolveria.

Mais tarde, na privacidade da sala de estar de Sean, ele demonstrou uma urgência nos carinhos, como nunca acontecera antes. Reagindo cegamente, Tônia sabia que a decisão estava em suas próprias mãos. Se amava aquele homem, devia estar pronta para dar o que ele queria, independentemente do que acontecesse depois. O amor não impunha condições, ela descobrira isso às próprias custas. Mas sabia também que a paixão enganava muito. Era muito fácil confundi-la com o verdadeiro amor. Portanto, será que o que sentia por Rafe era o verdadeiro amor? Ela acreditava que sim. Desejava ardentemente acreditar que sim. E, no entanto...

Como se percebendo a batalha que se travava em seu íntimo, Rafe se afastou, segurando-a delicadamente enquanto olhava em seus olhos.

- É difícil conseguir o ambiente exato, não é? Talvez devêssemos ter instalado uma parede à prova de som também.

Até aquele momento, Tônia estivera vagamente consciente da música ruidosa ao fundo, embora notasse agora que realmente produzia uma nota um tanto discordante. Ela percebeu que também não estava incomodando Rafe, e soube que aquela era a maneira dele lhe dar tempo.

- Vamos nadar como planejamos - disse ele suavemente. - Pelo menos, lá no lago haverá silêncio. Vou pegar um calção e me encontro com você em frente à cabine. Dez minutos?

Ela fez um sinal afirmativo com a cabeça, bem consciente de que o momento viria novamente, se não naquela noite, certamente na próxima vez em que eles estivessem a sós. Mas aquelas vezes eram limitadas, não eram? Na noite seguinte, Sean estaria de volta e não haveria mais razão para ela permanecer em Cooper Lake. O mesmo era válido para Rafe. Será que ele se lembraria da promessa em relação a Calgary, ou teria sido apenas uma daquelas coisas ditas num impulso de momento?

A idéia díTnão vê-lo mais era como uma garra de aço em seu peito. Se ao menos pudesse ter certeza dos sentimentos dele, certeza de que ele não estava apenas brincando com os seus. Mas será que ele teria perdido tanto tempo com ela se fosse uma simples conquista? Rafe era um homem muito ocupado; Sean deixara isso muito claro. Será que ele perderia uma semana apenas para conseguir uma gratificação fugaz, que poderia encontrar em qualquer lugar, com qualquer mulher?

Como a lua ainda não havia aparecido, estava bastante escuro fora da cabine e ela precisou de alguns momentos para se adaptar à escuridão. Foi um movimento de Rafe perto das árvores que chamou sua atenção. Ele estava com um roupão marrom-escuro de Sean. O olhar que ele lançou ao seu corpo de biquíni fez com que os músculos de seu estômago se contraíssem. Rafe entrou na água primeiro.

- Venha - ele chamou suavemente. - Você não está com medo do escuro, está?

Do escuro, não, admitiu Tônia, atrás dele, mas talvez com um pouco de medo do que ele iria lhe fazer. No que dizia respeito a Rafe, ela não tinha mais vontade própria. Queria apenas ficar com ele, do jeito que ele quisesse.

Eles nadaram por um longo tempo e depois foram descansar, deitados na grama. Quando Rafe se inclinou sobre seu corpo, ela não fez qualquer protesto, fitando aqueles traços firmes com os olhos cheios de desejo. A boca sobre a sua era impetuosa, não pedindo, mas exigindo, levando-a para um plano além da razão, onde a realização era a única necessidade, o único desejo, a única razão de viver.

Tônia sentiu o toque dos dedos dele em suas costas, desabotoando a parte superior de seu biquíni e retirando-a. As mãos e a boca eram mais delicadas agora, explorando a firme maciez de seus seios com uma sensualidade que a deixava sem fôlego, e depois descendo até seu ventre.

Por um momento ela não pôde entender por que ele erguera a cabeça tão rapidamente. Em seguida ouviu risadas, e o som de vozes que se dirigiam ao alojamento. Provavelmente eram algumas pessoas que deviam ter saído para dar uma volta. De qualquer maneira, estavam se aproximando deles.

Tônia percebeu, em pânico, que eles poderiam ser vistos. Não poderia se deixar ver! Ela se agarrou ao peito de Rafe com as duas mãos, o corpo tenso.

- Deixe-me ir!

Ele a soltou, estendendo o braço para pegar o roupão, que entregou a ela.

- Ponha isso.

Os dedos trêmulos, ela conseguiu colocar o roupão, apertando fortemente o cinto. O grupo agora já estava bem perto, podendo se distinguir dois casais.

- Ei, vocês aí! - disse uma voz masculina, ao ver os dois vultos sentados sob as árvores. - Até onde vai este caminho?

Foi Rafe quem respondeu, a voz calma e suave.

- Mais uns quinhentos metros mais ou menos. Depois faz uma curva perto das árvores. Terão que voltar por aí mesmo.

- Oh, está bem, obrigado. - Ele fez um sinal para o resto do grupo. - Vamos embora, pessoal!

Tônia ainda conseguiu responder para o coro de boa-noite do quarteto que se afastava. Não conseguia olhar para Rafe. Mais alguns segundos e teriam sido apanhados em flagrante. Todo o desejo a havia abandonado agora. Sentia-se completamente nua.

- Foi culpa minha - disse Rafe pesarosamente. - Eu não estava pensando direito. - Ele faz uma pausa, olhando seu rosto sem reação e deixando escapar dos lábios um pequeno suspiro. - Tônia...

- Estou com frio - disse ela. - Acho que vou entrar. - Sentiu-se grata por estar escuro ao pegar a parte superior do biquíni. - Eu já lhe devolverei seu roupão, se você esperar um minuto.

Ele também se levantou, mas não fez qualquer tentativa para tocá-la.

- Conversaremos amanhã. Há muita coisa que precisa ser dita. Deixe o roupão junto à cerca. Vou dar outro mergulho.

Tônia também o desejava só que não da maneira como quase acontecera essa noite. Precisava deixar isso bem claro a ele no dia seguinte, mesmo que isso significasse admitir seu próprio envolvimento emocional. Se o amava, devia ser honesta com ele.

Já estava deitada, sem conseguir dormir, quando bateram à porta, uma meia hora mais tarde. Tônia ficou indecisa, imaginando se fingir estar dormindo resolveria alguma coisa. Não sabia por que Rafe resolvera voltar. A única coisa que sabia é que não estava preparada emocionalmente para qualquer coisa que ele quisesse lhe dizer.

Bateram novamente à porta, desta vez junto com um apelo que a fez erguer-se rapidamente.

- Tônia! Sou eu, Sean. Preciso vê-la imediatamente.

Ela colocou um roupão antes de abrir a porta, olhando para aquele rosto familiar cheia de surpresa.

- Pensei que só voltaria amanhã.

- Eu ia voltar só amanhã mesmo, só que mudei de idéia depois do que descobri esta manhã. - Sean olhou para o quarto vazio, detendo-se alguns momentos na cama, antes de fitá-la novamente e acrescentar, de maneira hesitante: - Você se importa se eu lhe fizer uma pergunta bastante pessoal?

- A esta hora?- Tônia tentou dar um tom alegre à sua voz, sentindo que viria alguma coisa de que não iria gostar. - Não dá para esperar até amanhã?

- Não. - A hesitação desapareceu, substituída pela determinação. - Preciso saber agora! Ê importante!

- Para você ou para mim? - ela perguntou.

- Para nós dois. - Ele fez uma pausa antes de prosseguir. - Rafe tentou alguma coisa com você?

O rosto de Tônia ficou rígido.

- O que quer dizer isso exatamente?

- O que você entendeu. Ele deu em cima de você? - Sean percebeu a expressão em seus olhos e ficou lívido. - A resposta é sim, não é? Ele conseguiu você.

- Não, ele não conseguiu. Não do jeito que você está pensando. Sean, o que está tentando dizer?

Ele ficou olhando para ela em silêncio por um longo momento, o rosto ainda pálido, e depois pediu:

- Posso entrar? Não é fácil começar.

Tônia hesitou apenas um momento antes de deixá-lo entrar. O que quer que ele tivesse para dizer não ia ser agradável, isto era mais que evidente.

- Como você se sente em relação a ele? - Sean perguntou finalmente. - Quero dizer, Rafe. Como ele a fez sentir-se?

Ela falou firmemente:

- Não acho que isso importe. Diga-me apenas o que você sabe, que eu não sei.

- Sou totalmente culpado. - Ele suspirou. - Dei o motivo a eles.

- Eles?

- Rafe e minha mãe. Eles planejaram tudo. Rafe devia vir para cá e convencê-la a ir para cama com ele, apenas para me provar que você não valia nada.

- Por quê? - Sua voz era um murmúrio, pois um nó na garganta a impedia de falar. - Por que eles acharam necessário lhe provar alguma coisa a meu respeito?

Sean enrubesceu fortemente e demorou um pouco para falar.

- Eu disse à minha mãe que estava apaixonado por você e que pretendia pedi-la em casamento. Foi por isso que ela mandou me chamar e foi por isso que Rafe veio para cá. Eles não vão de maneira alguma dirigir minha vida.

- Mas por quê? - Tônia perguntou novamente, espantada e sem entender nada. - Isso que você disse à sua mãe não era verdade!

- Quem disse que não era verdade? - Havia uma certa agressividade na voz dele, que logo desapareceu diante de sua expressão. - Está bem, talvez eu tenha ido longe demais, mas não estava muito longe da verdade. Do jeito que as coisas iam indo, poderia ter acontecido facilmente.

- Poderia? - Tônia tentou inutilmente lembrar-se de alguma coisa que pudesse tê-lo levado a tal conclusão, mas não encontrou nada. - Sean, nunca lhe dei motivo para pensar em mim dessa maneira. Nós éramos amigos, isto é tudo. Seja honesto quanto a isto. Você nunca planejou me pedir em casamento. Duvido mesmo que já tenha pensado seriamente em se casar.

- Pode ser até que esteja certa - ele respondeu lentamente -, embora você seja o tipo de garota com quem gostaria de me casar.

- Obrigada. - Ela fez o possível para não deixar que ele percebesse o que se passava em seu íntimo. - Tudo o que tem a fazer agora é contar a seu irmão que você resolveu tudo. Assim ele poderá ir para casa feliz.

- Não é tão simples assim. Quase perdi a cabeça esta manhã, quando minha mãe deixou escapar o que ela e Rafe haviam feito. Eu disse a ela que, apesar de tudo, ia me casar com você, e que viria imediatamente para cá, a fim de pedir sua mão. Se a conheço bem, assim que saí de lá ela deve ter telefonado a Rafe para avisá-lo.

- Ela só conseguiu falar com ele às seis horas - disse Tônia. - Estivemos em Kamloops durante o dia todo. Parece que você só tem duas alternativas: admitir a verdade ou dizer-lhes que não aceitei seu pedido. De qualquer maneira vai se sentir humilhado.

Houve uma pausa antes que Sean falasse, e, quando o fez, foi num tom diferente.

- Suponhamos que nós dois salvemos as aparências. Imagine que golpe será para Rafe se você lhe disser que esteve apenas se divertindo com ele, enquanto eu não voltava. - Sean sacudiu a cabeça ao ver a expressão dela. - Não é verdade, mas só nós é que sabemos disso. Quando chegar a hora certa, diremos que mudamos de idéia.

- Isto é ridículo! Por que eu faria isso?

- Por minha causa, apenas por minha causa. Para provar que tomei uma decisão sozinho. E você... não gostaria de pagá-lo com a mesma moeda? Conhecendo Rafe como o conheço, isto acabaria com ele. Duvido que alguma mulher já o tenha tratado assim.

Tônia ficou em silêncio, fitando-o com os olhos sombrios, consciente da tentação que a invadia. Rafe não tivera escrúpulo algum, por que ela os teria? Ele merecia um castigo, e ela não conseguia pensar em nada melhor. Lembrando-se das mãos dele em seu corpo, sentiu-se estremecer. Ele a teria possuído sem remorso, se não tivessem sido interrompidos, reduzindo-a a algo menos que uma prostituta comum, e tinha que pagar por isso. Precisava sentir na pele o quanto custava alguém fazê-lo de tolo, mesmo que não fosse realmente verdade.

- Está bem - disse ela. - Vou fazer isso.

- Ótimo! Assim ele aprende. Assim os dois aprenderão! - Sean fez uma pausa. - Quem vai contar a ele?

- Quem se encontrar primeiro com ele. - De repente, Tônia quis desesperadamente ficar sozinha. - Espero que isso o deixe chocado.

- Vai deixar. - Sean hesitou um pouco, tentando encontrar as palavras exatas. - Tônia, sinto muito por tudo isso. Se não fosse pelo que eu disse, Rafe nunca teria agido dessa maneira. Eu devia ter suspeitado quando ele disse que ficaria aqui, enquanto eu estivesse na cidade, mas...

- Mas quem teria pensado que alguém chegaria a esse ponto para provar alguma coisa, não é mesmo? - concluiu por ele. - Não se preocupe, Sean. Não houve nenhum dano, a não ser meu orgulho ferido.

- Não tanto quanto vai acontecer com ele, aposto. Geralmente não sou vingativo, mas dessa vez Rafe foi longe demais. Os dois foram. Eles têm que deixar que eu cometa meus próprios erros. - Ele percebeu o olhar de Tônia e enrubesceu. - Não sei se me expliquei bem.

- Eu sei como se sente. É melhor ir embora, Sean. É tarde, e nós dois estamos precisando de um bom sono.

- Não temos nenhum plano de batalha ainda... Olhe, diremos a Rafe que vim diretamente para cá assim que cheguei e que você me disse sim imediatamente. E para tornar o evento mais autêntico - começou a mexer no bolso enquanto falava, tirando uma caixinha quadrada - é melhor usar isto.

Tônia olhou espantada para o anel de brilhantes e esmeraldas, sem fazer qualquer movimento para tocá-lo. Não era novo, a armação era muito antiga, mas era evidentemente uma peça valiosa.

- Onde conseguiu isso? - perguntou ela.

- Foi um presente de minha avó, para que eu desse à mulher com quem me casasse. Acho que nunca ocorreu a ela que não seria do gosto de todas as garotas. Eu o retirei do banco enquanto vinha para cá.

- Você tinha tanta certeza de que eu concordaria? Os olhos dele brilharam.

- Não, mas achei que seria melhor vir preparado. - Sean assumiu um ar preocupado. - Você não está mudando de idéia, está?

Tônia pensou naqueles últimos dias e seu coração se enrijeceu.

- Não, não vou mudar de idéia. Mas não posso usar este anel, Sean. Eu poderia perdê-lo.

- Está no seguro. De qualquer maneira, não precisa usá-lo durante todo o tempo. Apenas o suficiente para que Rafe possa vê-lo. Ele sabe para que serve.

Ela retirou o anel da caixa e o colocou no dedo.

- Está um pouco apertado, mas dá para usar. Deixe o estojo também, para que eu coloque o anel aí depois que ele tiver atingido seu objetivo.

- Eu a verei amanhã cedo, depois de me encontrar com Rafe. Estou louco de vontade de contar a ele.

Finalmente sozinha, Tônia lutou contra as lágrimas. Até certo ponto, merecia tudo aquilo, por ter sido tão estúpida. A mudança de atitude de Rafe fora muito repentina. Devia ter suspeitado de que havia alguma coisa por trás disso.

Ela dormiu muito pouco, levantando-se finalmente às seis e meia. Foi dar um mergulho, para se acalmar.

Rafe estava à sua espera, à porta do chalé, quando èla voltou. Cabisbaixa, Tônia não o viu a não ser quando já estava ao lado dela. Sentiu todo o corpo tenso ao encontrar aquele olhar.

- Acabei de falar com Sean - disse ele. - Agora quero ouvir de você.

Ela o encarou com firmeza.

- Sean me pediu em casamento e eu aceitei. Isto é suficiente?

- Por que Sean? - A voz dele ainda estava controlada. - Ele não valerá nada por dois anos ainda.

- É uma questão de opinião. Pessoalmente, acho que ele vale dez vezes mais do que você neste momento!

Ele falou muito suavemente:

- Você não parecia pensar assim a noite passada.

Tônia podia sentir o rubor invadindo-lhe o rosto, apesar de todos os esforços para impedir isso. Foi preciso muita coragem para encolher os ombros displicentemente.

- Acho que me deixei levar um pouco longe demais ontem à noite. Você é muito persuasivo, Rafe. Foi uma pena que tivesse chegado gente no momento errado e arruinado o trabalho de uma semana inteira. Não que isso fizesse qualquer diferença em relação ao que Sean sente por mim.

Rafe permaneceu em silêncio durante algum tempo.

- Está tentando me dizer que esteve se divertindo comigo durante todo este tempo? - ele perguntou afinal, e ela estremeceu intimamente ao tom daquela voz.

- Não existe nenhuma lei contra duas pessoas jogarem o mesmo jogo, existe? Na verdade, eu me diverti muito. E você também já deve ter se envolvido com muitas mulheres, para ter tanta experiência assim!

Ele a empurrou para dentro do chalé. Tônia não tentou resistir, sabendo de sua superioridade física, e consciente também de que aquela seria a última vez.

- Não se aproxime de mim ou terá que se haver com Sean! Ou você não se importa?

- Com Sean? Eu me importo, sim. - Rafe estava furioso. - É por esse motivo que não vou deixá-lo arruinar a própria vida. Você venceu. Diga o seu preço.

Ela mordeu o lábio.

- Para você tudo se resolve com dinheiro. Eu não tenho preço.

- Não está querendo me dizer que está apaixonada por ele?

- Não estou querendo lhe dizer coisa alguma! Duvido que você ouvisse. Agora, saia daqui!

Ele a segurou pelos ombros, atraindo-a para si, os dedos machucando-lhe a carne.

- Eu perguntei se está apaixonada por ele.

- Não. - Mesmo agora não conseguia se afastar completamente da verdade. - Mas não acho que seria difícil estar. Ele é o único homem que conheci que merece ser amado!

- Você o transformou num cãozinho, não é? Em dois anos ele estará pronto para fazer o que você quiser. Bem, não vou deixar que isso aconteça, ouviu? Vou mostrar a ele para o que você serve!

- Boa sorte! Vai precisar disso. Sean não vai mais permitir que você e a mãe dele lhe dirijam a vida!

Ele a beijou violentamente. Em seguida, se afastou, olhando-a cheio de desdém.

- Eu estava certo a seu respeito desde o início. Faça o que quiser. Apenas não se surpreenda muito se o que conseguir for bem diferente do que espera.

Houve um silêncio mortal depois que ele saiu. Logo ouviu-se o ruído de um motor. Tônia se enrijeceu, sabendo que Sean logo estaria ali.

A primeira coisa que iria lhe dizer era que não podia continuar com aquilo. O sabor da vingança era amargo, não doce. Não queria mais saber disso. Se andasse depressa, poderia partir em meia hora. Assim que chegasse a Calgary, tomaria o primeiro avião para a Inglaterra.

Estava quase pronta quando Sean chegou. Ele a olhou em silêncio, atônito por vários segundos antes de falar.

- Tônia, você não pode mudar de idéia agora! Pensei que quisesse acabar com Rafe tanto quanto eu.

Ela evitou o olhar dele.

- Eu também pensava assim. Agora não me parece mais importante. - Sua voz era firme, pois estava determinada a não demonstrar emoção alguma. - Sinto muito, Sean, mas estou de partida. Seu anel está aí no estojo.

- Você me deu sua palavra. - A voz dele estava calma, mas determinada. - Se rompê-la, não é a pessoa que pensei que fosse.

Tônia voltou-se para ele, os olhos brilhando.

- Eu não sou a pessoa que eu pensei que fosse, portanto, que diferença faz? Você tem que resolver seus próprios problemas, Sean, não posso ajudá-lo.

- Eu não posso, e você pode. - Segurou-a pelos braços, forçando-a a encará-lo. Havia um apelo nos olhos dele. - Por favor, Tônia, não me abandone agora. Não quando acabei de obter minha primeira vitória. Se você for embora, vai dar tudo em nada.

- Você pode fazer isso sem mim - disse ela, desesperada. - Você não precisa de ninguém para apoiá-lo. Você é uma pessoa com seus próprios direitos, Sean, e não apenas uma extensão do clã dos Stewart!

- Mas você é a única que pode me manter convencido disso. É por esta razão que preciso de você: para me dar autoconfiança. - Fez uma pausa, observando-a ansiosamente. - Será por pouco tempo. Não precisa se preocupar com Rafe. É apenas o orgulho dele que está ferido. Não é?

Foi o orgulho que a impediu de dizer a verdade. Ela respondeu rapidamente.

- É.

- Então, o que há de errado em lhe dar uma lição? Se você for embora agora, ele é quem terá vencido. Ele vai pensar que você está com medo.

Tônia estava com medo, mas não podia explicar a Sean sem se trair.

- Eu não estou mais empregada e preciso devolver o carro.

- Está tudo bem. Nós dois iremos a Calgary. - Havia uma nova determinação na voz dele. - Não quero mais saber deste lugar. Rafe pode encontrar um gerente. Você ficará em minha casa, naturalmente.

- Não! Não posso fazer isso!

- Como minha noiva e -sem ter para onde ir, é lá que deve ficar - acrescentou Sean ansiosamente. - Tônia, foi você quem me sugeriu que enfrentasse a família. Quer ser a responsável por me deixar numa situação pior do que aquela em que eu me encontrava?

Ela encolheu os ombros, desolada.

- Sabe, sob certos aspectos, você é quase tão insensível como seu irmão.

- Estou aprendendo - respondeu Sean. - Estou aprendendo todo o tempo. Quer dizer que nosso acordo ainda está de pé?

- Suponho que sim, mas apenas por um período limitado.

Ele sorriu.

- Obrigado. Você não sabe o que isso significa para mim. Vamos tomar café. As coisas sempre parecem melhores com o estômago cheio.

Tônia não tinha tanta certeza disso, mas de qualquer maneira o acompanhou. Teria que encarar Rafe novamente algum dia, e quanto mais cedo fizesse isso, melhor.

Rafe estava no refeitório. Ele observou a chegada dos dois sem mudar de expressão.

- Ainda não tomamos café - anunciou Sean, desnecessariamente. - Podemos nos sentar com você?

- Estou quase acabando, mas fiquem à vontade... - Depois de um certo tempo, Rafe tornou a falar, ironicamente: - Quais são os seus planos? Devem ter feito planos.

- Alguns. - Sean admitiu, com certa relutância. Em seguida afirmou, num tom mais seguro: - Vou levar Tônia para casa, para conhecer mamãe. Qualquer um pode dirigir este lugar agora. Não quero mais saber disso.

Um encolher de ombros foi o único comentário.

- E como irão até lá?

- De carro, evidentemente. Tônia precisa devolver o carro dela.

Eu irei atrás.

- Quando?

Sean pareceu momentaneamente desconcertado.

- Talvez amanhã. Não há tanta pressa assim.

- Minhas coisas estão prontas - disse Tônia, subitamente ansiosa para deixar aquele lugar. - Poderíamos ir hoje mesmo. - Encarou Rafe. - Pense um pouco, se tivesse me deixado ir embora quando

- Bill voltou, eu já poderia estar na Inglaterra agora!

- Eu a teria seguido - declarou Sean, com convicção. Depois riu, com certa malícia. - Falta de tenacidade, você teria dito há pouco tempo atrás, não é, Rafe? Bem, desta vez, não. Desta vez nada vai conseguir me fazer desistir!

- Vou avisar Karen que vocês estão indo para lá - disse Rafe, tomando a decisão por eles. - Ela gostará de saber para deixar os quartos prontos. Eu os verei depois.

Tônia reconheceu a ameaça, sem reagir. De maneira alguma Rafe Stewart ia aceitar a situação assim tão facilmente. Mas o que ele poderia fazer?

Quando partiram, às dez horas, não havia nenhum sinal dele. Ao se afastar do lugar que havia sido o seu lar nas últimas semanas,

Tônia experimentou uma sensação de perda. Fora feliz ali antes que Rafe estragasse sua tranqüilidade. Se não fosse por ele, poderia sentir saudades.

A estrada para Calgary era muito bonita. Algum dia gostaria de voltar e conhecer tudo aquilo melhor. Algum dia...

Inevitavelmente, seus pensamentos voltaram ao que a esperava. Encontrar-se com Karen Stewart pela primeira vez não ia ser fácil, especialmente sabendo que sua presença naquela casa era injustificada. O que ela e Sean estavam fazendo era indecente e desonesto, não importava o motivo. E o que aconteceria no fim? Sean voltaria exatamente para o ponto em que começara, assim que demonstrasse ser incapaz de desempenhar aquele papel também.

Tônia parou o carro, para admirar o panorama, sentindo suas emoções em conflito. Ajudar Sean era uma coisa, mas onde ela iria parar?

- Está cansada? - perguntou Sean, parando o carro também e se aproximando dela. - Pensei que fôssemos continuar até Banff.

- Eu prefiro conversar - disse ela. - Nós precisamos conversar, Sean. Supondo-se que você contasse à sua mãe a verdade sobre nós, ela poderia compreender o que estão fazendo com você.

Ele sacudiu a cabeça enfaticamente.

- Isso não daria certo. Você verá por si mesma, quando conhecê-la.

- Não estou certa de querer conhecê-la. Não desta maneira. Sinto-me uma impostora.

Ele demorou um pouco para responder, o rosto tenso enquanto a observava.

- Odiaria fazer isso - disse finalmente -, mas o que você faria, se eu me recusasse a pagar o aluguel de seu carro?

Ela o fitou, espantada, reconhecendo a determinação dele.

- Você devia deixar este tipo de chantagem para seu irmão - disse ela, num tom amargo. - Ele não tem uma consciência para perturbá-lo.

- Desculpe-me. - Sean estava sendo sincero. - Apenas não posso deixar que você fuja de mim agora. É muito importante.

- Para você. E quanto a mim?

- Não precisa me dizer que estou sendo egoísta. Eu sei. Mas eu a compensarei por isso, Tônia. Apenas me dê uma chance.

- Parece que não tenho muita escolha. - Ela voltou para o carro. - Está bem, vou fazer isso, portanto mereço uma recompensa. Quanto falta para Banff?

- Uns quarenta quilômetros. Se levarmos uma hora para almoçar, poderemos estar em Calgary às quatro horas. Primeiramente devolveremos o seu carro, e depois iremos para minha casa. Está bem? 62

- Tem que estar, não é?

- Não fale assim - suplicou ele. - Preciso de você.

- Não tanto quanto pensa. - Tônia lhe dirigiu um sorriso relutante, sabendo estar algemada. - É melhor ir na frente agora. Eu o seguirei.

CAPÍTULO VI

Banff era uma cidade de contos de fadas, num cenário encantado, cheia de turistas. Eles levaram quase uma hora para encontrar um lugar para comer.

- Eu devia ter pensado nisso - Sean admitiu, após o almoço. - Nesta época do ano está tudo lotado. Você precisa ver as geleiras que há por aqui. São inacreditáveis!

- Terei que acreditar em sua palavra - disse Tônia, sorrindo sem entusiasmo. - Você não precisa fazer propaganda de seu país, Sean. Reconheço que é tudo maravilhoso.

- Você acha que poderia viver aqui? - perguntou ele, casualmente. - Quer dizer, você não sentiria muita falta da Inglaterra?

- Acho que não existe nada como nosso próprio país. Mas, se as circunstâncias fossem tentadoras... - Ela fez uma pausa, tentando não pensar na única circunstância... - Bem, não seria difícil. Vamos embora? Como hoje é sexta-feira, talvez o escritório da locadora de carros feche mais cedo.

As montanhas foram ficando para trás, e logo a cidade apareceu na linha do horizonte. Uma cidade moderna, com altos edifícios no centro e se espalhando cada vez mais para a periferia. Tônia observava tudo com atenção. Estava apenas de passagem por ali; logo iria embora, mas não tão logo quanto desejaria.

Sean insistiu em pagar todas as despesas do carro. Depois de colocar sua bagagem no carro dele, puseram-se a caminho da casa dos Stewart. Tônia permaneceu em silêncio, temendo o próximo confronto. Sentia-se grata por Rafe não estar presente, embora soubesse que algum dia teria que encará-lo novamente.

- Ainda falta um pouco - avisou Sean, sentindo sua preocupação. - Meu pai construiu essa casa quando se casou de novo. Rafe possui alguns cavalos, e você poderá montar quando quiser.

- Duvido que ele seja tão generoso a ponto de me deixar usá-los. Você parece estar se esquecendo do que aconteceu.

Houve um breve silêncio antes de ele responder.

- Nunca soube o que aconteceu, não exatamente. Sei que ele tentou conquistá-la, mas...

- Mas não tem certeza de até onde ele foi. - Tônia sentiu um aperto na garganta. - Por que não pergunta a seu irmão?

- Eu não lhe daria esta satisfação. De qualquer maneira, não importa. Ele perdeu.

Aparentemente, ela pensou dolorosamente. Apenas aparentemente... A propriedade dos Stewart era ainda maior do que imaginara. Do imenso portão branco até a casa, havia quase meio quilômetro. Dois andares e uma fachada imponente. Era exatamente o que parecia: a casa de uma família rica e poderosa, Tônia só podia sentir-se satisfeita de não ser sua residência permanente.

Por dentro, a casa não era menos impressionante. Sean deu instruções ao mordomo para trazer a bagagem do carro e depois se dirigiu a uma das imensas portas de mogno, segurando o braço de Tônia de maneira tranqüilizadora.

- Não me abandone - pediu ele.

Não houve tempo para responder, pois ele já estava abrindo a porta e introduzindo-a num grande salão fortemente iluminado por grandes janelas. Uma bela sala, mobiliada com gosto e discrição, com longas cortinas de seda combinando perfeitamente com o tapete amarelo-ouro. Dali, as montanhas pareciam estar próximas o bastante para serem tocadas.

A mulher sentada na cadeira de rodas não fez qualquer esforço para se virar quando eles entraram. Os cabelos escuros e curtos não apresentavam sequer sinais de fios brancos.

- Eu os esperava mais cedo - disse ela, sem qualquer inflexão particular. - Rafe disse que vocês saíram às dez horas.

Virou-se então para encará-los, controlando a cadeira por meio de botões. Aos quarenta e quatro anos, Karen Stewart ainda era uma bela mulher, com traços delicados e regulares. Os olhos dela eram muito escuros, quase negros e o impacto deles era hipnótico. Uma longa saia vermelha ocultava as pernas inúteis.

- Então você é a escolhida de meu filho - disse ela, respondendo ao exame de Tônia. E deu um sorriso inesperado. - Será ótimo ter outra mulher para poder conversar. Querem tomar chá? lá mandei que trouxessem.

- Obrigada, eu gostaria muito. - Tônia sentia-se completamente perdida. Não fora isso o que imaginara. Olhou para Sean, vendo a mesma confusão espelhada nos olhos dele.

- Vocês dois estavam esperando oposição, não é mesmo? - Karen parecia estar se divertindo. - Vieram para cá prontos para lutar.

Foi Sean quem respondeu.

- Ontem você disse que eu só me casaria com Tônia se passasse por cima de seu cadáver. O sorriso não desapareceu.

- Ontem nós dois dissemos uma porção de coisas, que seria melhor esquecer. Tive tempo para pensar depois disso, e perceber que você já tem idade para tomar suas próprias decisões, certas ou erradas.

- Esta não é errada!

- Eu disse que era? - O tom de voz era gentil. - Somente vocês dois é que podem resolver esta questão. Tudo o que peço é que dêem algum tempo para vocês mesmos, para ter certeza. - Ela indicou o sofá junto ao qual havia parado a cadeira de rodas. - Sente-se aqui, Tônia, e fale-me um pouco sobre você.

- Rafe já não fez isso? - ela perguntou, deliberadamente.

- Apenas o que ele sabe, ou pensa que sabe. Conhecendo Craig como conheço, acho que você merece pelo menos a vantagem da dúvida. - Karen se calou ao ouvir um ruído. - Aí está o chá, especialmente feito em sua honra. Sean, abra a porta para Luís. Sente-se, Tônia.

Tônia obedeceu, ainda relutante. Toda aquela situação parecia falsa. Ali estava uma mulher tentando vender os preconceitos, e, afinal de contas, ela nem mesmo se sentia com o direito de estar ali. Sean lhe havia dado uma impressão errada de sua mãe. A interferência dela podia ser apenas pensando no bem-estar dele, e quem poderia culpá-la por isso? As mães sempre relutam em desistir dos filhos. Principalmente no caso de uma viúva sem nenhum homem em quem se apoiar. Sean precisava compreender como estava sendo injusto com ela.

O próprio Sean trouxe a bandeja, colocando-a sobre a mesinha, diante de Tônia. Havia uma súplica silenciosa nos olhos dele, ao fitá-la. Aqueles olhos pareciam dizer para ela não desistir do jogo.

Foi difícil levar a farsa adiante durante os momentos seguintes de conversa totalmente amigável. Karen parecia interessada apenas em suas impressões do Canadá como seu futuro lar.

Tônia ficou entre aliviada e desolada quando Rafe entrou na sala. Sean deu um pulo no sofá, como se impelido por uma mola.

- Quando decidiu voltar para casa? - perguntou.

- Aproximadamente meia hora depois que você saiu - foi a resposta. - Depois que resolvi o problema de quem iria substituí-lo. O novo gerente já deve estar lá. Ele ia de avião, de Vancouver para Copper Lake. - O olhar dele recaiu sobre Tônia. - Gostou da viagem?

- Muito. - Seu tom de voz era controlado.

Rafe aguardou um momento, como se esperasse mais, depois encolheu os ombros e foi pegar um drinque, voltando à sala com um copo na mão e um sorriso irônico.

- Alguém está disposto a fazer um brinde?

- Você é o único que está bebendo - observou secamente Sean. - Faça você mesmo.

- É justo. - Não foi por casualidade que os olhos dele recaíram uma vez mais sobre Tônia. - Às novas relações!

- Estou cansada - anunciou Karen subitamente, diante do pequeno silêncio que se seguiu. E parecia mesmo cansada, o rosto pálido. -- Acho que vou me deitar um pouco antes do jantar.

Rafe largou o copo imediatamente.

- Vou acompanhá-la. Karen aceitou o oferecimento dele como se estivesse acostumada a tal solicitude. Para Tônia, ela disse rapidamente: - Você vai ter que me desculpar. Mais tarde conversaremos novamente.

Tônia esperou que a porta se fechasse antes de fazer a pergunta.

- Ela sempre sofre assim?

- Todas as vezes que ela quer - disse Sean, sem emoção. - Isto é algo que você vai aprender.

- Ela não podia estar fingindo - protestou Tônia, chocada com a atitude dele. - Você viu o rosto dela. Estava mortalmente pálido!

- Não estou dizendo que ela está fingindo. Só que parece acontecer nos momentos que ela escolhe.

- Psicossomático, você quer dizer? Se for isso, por que agora?

- Por causa de Rafe. Para provar que ele ainda lhe pertence, mesmo que eu não pertença. - Sean encolheu os ombros diante da expressão dela. - Não precisa acreditar em minha palavra. Basta ver com seus próprios olhos. Acontece com muita freqüência.

- Se você está certo, por que ele mesmo não vê isso?

- Talvez ele veja. Quem sabe? Não faria qualquer diferença.

- Não entendo.

- É muito simples. - Sean estava com o rosto inflexível. - Considerando-se que ele é o responsável pelo estado dela...

Houve silêncio entre eles.

- Como? - finalmente ela conseguiu falar.

- Ele estava dirigindo o carro em que estavam todos naquela vez; presente dos dezenove anos dele. Um outro carro se chocou com o deles, ao atravessarem um cruzamento. Papai morreu na mesma hora. E a minha mãe ficou inutilizada para o resto da vida.

- E Rafe? - ela se ouviu perguntando.

- Ele escapou ileso.

Tônia fechou os olhos, imaginando como devia ter sido o momento em que ele percebera tudo. Aos dezenove anos, como Rafe teria se sentido?

- Disseram que não foi culpa dele - Sean prosseguiu friamente. - O outro carro entrou com o sinal fechado. Se ele não estivesse correndo tanto, teria visto o outro se aproximando.

- Você não pode ter certeza de que ele estava correndo - protestou ela, suavemente. - Se a polícia disse que ele não teve culpa, isso parece pouco provável.

- Ele sempre corria muito. Ela costumava encorajá-lo.

- Sua mãe?

- Quem mais? - A voz dele havia adquirido uma certa amargura - Com mamãe era sempre Rafe. Eu não tinha personalidade suficiente para ela.

- E quanto a seu pai?

- Pelo que me lembro, ele era bastante quieto, até mesmo reservado. Acho que Rafe puxou o temperamento da mãe dele. Ela parecia ser muito diferente de papai. Os opostos se atraem, não é assim que se diz?

O que se repetiu no segundo casamento dele, Tônia refletiu. Só que dessa vez o fruto da união saíra igual ao pai. Será que ele ficara desapontado? Pior ainda, será que ele havia demonstrado o desapontamento ao filho mais novo? Não havia qualquer razão para esta suposição. Parecia que era somente em relação à mãe que Sean sentia uma certa amargura.

Mais uma vez Tônia percebeu que estava se envolvendo. Apesar de tudo, estava deixando que suas emoções se expandissem. Precisava ficar de fora da situação; só assim poderia ver tudo melhor. Estava ali apenas para desempenhar um papel, nada mais.

- Gostaria de tomar um banho e trocar de roupa - disse ela. - Você pode me mostrar o quarto onde vou ficar?

Tônia não viu Rafe, no andar de cima, e imaginou se ele ainda estaria com Karen. O que existia entre os dois era muito complexo. Durante quinze anos, Rafe vivera com a lembrança constante daquela horrível tragédia. Como aquilo afetaria a mente de um homem? Como poderia não afetá-lo?

Seu quarto ficava de frente para o jardim, no local onde havia uma piscina, com as montanhas à direita. Do pequeno terraço, Tônia avistava as construções do fundo e um estábulo junto a algumas árvores. Talvez mais tarde ela pudesse ir até lá, para ver mais de perto. Rafe dificilmente se oporia a isso.

- Eu não devia ter lhe pedido para vir aqui, não é? - disse Sean inesperadamente, atrás dela. - Você estava certa, eu estava pensando só em mim mesmo.

Ela se voltou para ele, sorrindo estranhamente.

- Talvez não, mas, agora que estou aqui, não podemos fazer muita coisa, a não ser ir em frente. Achei sua mãe muito bem adaptada à idéia, considerando-se a maneira como lhe foi dito tudo. O que não gosto é de mentir para ela.

- Então não minta - disse ele, subitamente ansioso. - Não tem que ser uma mentira, Tônia. Podemos tornar o compromisso real.

Ela o olhou sem se mover, percebendo que ele estava falando sério.

- Sean... eu não...

- Eu sei que você não me ama - ele interrompeu -, mas precisa tanto de alguém como eu de você. Poderíamos fazer uma tentativa. Apenas me dê uma chance.

Sean nunca parecera tão imaturo como naquele momento. Tônia mal sabia o que lhe dizer, como fazê-lo compreender.

- Não é uma questão de não amá-lo - disse ela. - Apenas... não fomos feitos um para o outro. Preciso da segurança de alguém mais velho, e você...

- Como Rafe? - ele perguntou, num tom amargo. - Estava tudo bem até ele aparecer!

- Rafe, não. De maneira alguma eu poderia me casar com alguém como seu irmão!

- Você não teria esta chance. Minha mãe encararia isso do jeito que encarou das outras vezes.

- Outras vezes?

- Por duas vezes Rafe já trouxe garotas para conhecê-la. Ambas as vezes ela ficou tão mal, que dava pena vê-la. Finalmente ele entendeu o aviso, e desde então mantém sua vida amorosa estritamente para si mesmo. Ela nunca vai deixá-lo ir, não enquanto estiver viva. Eu, talvez, mas Rafe, não. Ele a deixou naquele estado e deve pagar por isso.

- Isto é uma loucura!

- Mas é assim que são as coisas!

- Mas você não entende? Cedendo a ela desse jeito, Rafe está apenas piorando a situação. Às vezes é necessário ser cruel para ser bom.

- Isto é problema dele. Quero ficar de fora. - Ele fez uma pausa, mudando o tom de voz. - Tônia...

- Não adianta, Sean. - Tônia falou o mais gentilmente que pôde.

- Eu não me sinto assim a seu respeito. Acho que seria melhor se eu fosse embora.

- Não, por favor. Eu não a aborrecerei mais, prometo. Se você for embora agora, vou parecer um completo idiota. Assim que reconhecerem que sou auto-suficiente, nós encenaremos um rompimento. Eu mesmo a colocarei num avião de volta à Inglaterra.

- Está bem - disse ela, desolada. - Não gosto disso, mas vou ficar. A que horas é o jantar? Ainda tenho que me trocar.

- Geralmente jantamos às sete horas, Você ainda tem quase uma hora pela frente. - Sean esperou um momento, depois fez um gesto de resignação. - Eu a verei depois.

Sean não me ama, ela disse a si mesma, ao ficar a sós. Ele simplesmente precisa de alguém que o apoie na luta pela independência.

Rafe já era outro assunto. Não parecia possível que ele se deixasse manipular de alguma maneira, muito menos por aquele motivo. O acidente fora um terrível golpe do destino, pelo qual ele não podia ser culpado. O que Karen estava fazendo com ele era totalmente injusto.

Depois do banho, Tônia sentiu-se um pouco melhor. Para sobreviver teria que começar a olhar as coisas mais profundamente, usar um pouco mais a chamada intuição feminina. A começar por Karen Stewart, talvez.

Não foi possível começar aquela noite, pois Karen não desceu para jantar. Sozinha com os dois irmãos, Tônia achou a atmosfera muito carregada. Não se surpreendeu muito quando Rafe saiu assim que acabaram de jantar.

- Você acha que Rafe faria alguma objeção se eu fosse dar uma olhada nos cavalos?

- Acho que não. - Sean hesitou um pouco. - Quer que eu vá com você?

- Se não se importa, gostaria de ficar sozinha um pouco. Mesmo que o noivado fosse real, nós não teríamos que ficar agarrados o tempo todo.

- Não, acho que não. O rodeio começa hoje. Acho que poderíamos ir até lá amanhã.

- Parece uma boa idéia -- disse Tônia. --. Vou esperar ansiosamente por isso, Sean. Acho que vou me deitar depois que der uma volta. Hoje foi um longo dia.

O ar ainda estava quente e um pouco úmido. Passando pela piscina. Tônia se dirigiu ao estábulo, andando com as mãos nos bolsos.

Inevitavelmente, seu pensamento retornou à noite anterior, e uma sensação de.dor a invadiu. O que a magoava tanto era pensar que tudo não passara de um plano de Rafe: saber que cada beijo, cada carícia haviam sido calculados cuidadosamente, com um único objetivo. Se ao menos fosse possível magoá-lo também. Não era, naturalmente. Ele era inatingível; tinha que aceitar isso!

Os dois cavalos eram animais magníficos, um deles um grande alazão, o outro um ruão mais escuro, muito manso, que se aproximou da cerca quando Tônia se debruçou sobre ela.

- Você é confiante demais para pertencer a quem pertence - disse ela suavemente, enquanto acariciava a cabeça do animal. - Devia ser como seu companheiro ali e permanecer à distância!

- A sensibilidade eqüina não é lá muito aguçada - afirmou Rafe secamente, quase a seu lado. - Já se cansou de companhia de Sean?

Tônia virou-se lentamente, procurando manter-se fria e calma.

- De maneira alguma! Eu quis dar um passeio e ele não. Enfim, ele não tem qualquer interesse em cavalos.

- É verdade. - Ele a fitou ironicamente. - Agora me diga o verdadeiro motivo pelo qual veio até os estábulos.

Ela demorou um pouco para perceber o significado das palavras dele.

- Eu não sabia que você estava aqui. Se soubesse, este teria sido o último lugar que eu iria visitar!

- Certamente... - Rafe não tentou disfarçar a incredulidade. - Você queria apenas ver os cavalos...

- É isso mesmo. - Tônia falou firme e claramente. - E como já vi, vou voltar para casa. Boa noite.

Ele a segurou, fazendo com que o encarasse. Seus olhos estavam furiosos.

- Você não vai se casar com Sean - falou, entre dentes. - Nem que seja a última coisa que eu faça. Vou impedir que isso aconteça.

O toque das mãos dele era como fogo em sua pele. Rafe podia sentir como ela estava tremendo, cheia de desejo. Ele estava certo, ela não ia se casar com Sean. Mas a decisão era sua, não dele, e uma decisão que ela anunciaria na hora certa.

- Como? - perguntou Tônia. - Ele é adulto, plenamente consciente de todos os seus atos. Não há nada que possa fazer para impedir.

- Há isto - disse ele, atraindo-a para si.

Presa contra o corpo dele, por um breve instante Tônia não podia e nem queria lutar. Só desejava que aquele momento durasse por toda a eternidade, eliminando o resto do mundo. Não podia ser assim, naturalmente. A memória fez com que seu corpo reagisse.

- Mais instruções de sua madrasta? - disse ela, quando ele ergueu a cabeça. - É muito ruim que não possa contrariar as expectativas dela, Rafe.

- Deixe Karen fora disso - disse ele, asperamente. - Isso é comigo. Vou acabar com você, Tônia. Vou fazer com que se arrependa de ter conhecido Copper Lake!

Surpreendentemente, ela dormiu bem, acordando numa manhã cheia de sol. Sean estava sozinho na sala de jantar quando ela desceu.

- Se vamos ao rodeio, é melhor você trocar de roupa. Jeans e botas são a ordem do dia.

- Quanto tempo dura o rodeio?

- Dez dias. E não se limita aos espetáculos de montaria propriamente ditos. Toda a cidade comemora. Há festa por todo lado. Esta noite iremos a uma delas.

Tônia ficou em silêncio por um momento, sem demonstrar muito entusiasmo.

- Vou ter que bancar a sua noiva lá também?

Agora foi a vez de Sean ficar quieto. Os olhos dele refletiam um conflito interno.

- Não há motivo para ser de outra maneira.

Bem, ela já estava enterrada até o pescoço, um pouco mais não faria muita diferença.

Eles deixaram o carro estacionado numa pequena rua e se juntaram às outras pessoas que caminhavam na direção do rodeio. Havia uma alegria de Carnaval no ar.

No interior do imenso edifício, ela encontrou uma belíssima decoração moderna, com escadas rolantes e um fluxo de gente muito bem organizado.

- Estamos no meio do estádio - disse Sean. - Vamos até as arquibancadas.

Eles se dirigiram aos lugares que lhes estavam reservados, e que ficavam próximos ao portão número seis.

A corrida de carroças que iniciava as atrações da manhã era uma revelação por si só. Competindo por um considerável prêmio em dinheiro, trinta e duas carroças corriam em oito páreos de quatro, para escolher um vencedor que não só tinha que ter coragem e ousadia, como também, pelo que Tônia pudera ver, uma grande vontade de morrer. Duas vezes foi chamada uma ambulância para recolher os feridos, presos entre as carroças tombadas, embora mais tarde fosse anunciado pelo alto-falante que nenhum deles corria risco de vida.

- O perigo faz parte disso - disse Sean, quando Tônia demonstrou sua preocupação por aqueles que ainda iriam correr. - Tem que ser espetacular ou ninguém viria assistir. Ei, pegue o binóculo e acompanhe o número quatro. Ele vai vencer esta próxima corrida.

Tônia assim o fez, mas apenas por um momento, erguendo em seguida o binóculo para examinar a multidão que se comprimia nas arquibancadas. Numa das partes havia mesas, com pessoas comendo alguma coisa enquanto assistiam ao espetáculo. Um rosto familiar chamou sua atenção, e ela se deteve a observar, afastando em seguida lentamente o binóculo do rosto.

- Você disse que Rafe tinha um encontro de negócios? - perguntou ela.

Sean estava prestando atenção à corrida, torcendo por seu favorito.

- Você disse alguma coisa? Tônia manteve a voz casual.

- Apenas que a companheira de negócios de seu irmão parece muito atraente. Ele está aqui com uma ruiva.

- Onde? - Sean pegou o binóculo dela e começou a procurá-los.

- Terceira mesa, segunda fila de baixo.

- Já os vi. - Afastou o binóculo com uma expressão curiosa. - Aquela é Audrey Cooper. Não sabia que Rafe andava se encontrando com ela. Audrey tem apenas vinte anos.

Tônia pensou que, se Rafe estava usando a moça como válvula de escape, devia se envergonhar de si mesmo. Ela era jovem demais para um homem como ele.

- Quem é ela? - perguntou, tentando parecer indiferente.

- O pai dela possui um rancho muito grande ao norte daqui. É vizinho a Surewater.

- E Surewater é outro rancho?

- De Rafe. Ele o herdou da mãe dele. Talvez ele esteja pensando em vendê-lo para Don Cooper, que deseja comprá-lo há muito tempo.

- Não creio que ele esteja discutindo este tipo de coisa com a filha desse homem. A não ser que esteja planejando um outro tipo de aliança...

- De maneira alguma! - O tom de voz de Sean era decisivo. - Rafe nunca se casará enquanto minha mãe estiver viva. Ela não permitirá.

- Ela terá que permitir, se ele tomar esta decisão. Talvez ele esteja agindo dessa maneira com sua mãe porque ainda não amou ninguém tão intensamente. Mas, francamente, não consigo imaginá-lo fazendo isso o resto da vida. Algum dia ele terá que deixar de se sentir responsável pelo que aconteceu e tomar uma decisão.

Sean ficou em silêncio por um momento, olhando para ela de um modo estranho.

- Não com Audrey - disse ele finalmente. - Ela nunca se casaria com um homem catorze anos mais velho.

- Por que não? - Cada palavra era como uma nova ferida, mas ela prosseguiu: - Há muitas garotas dessa idade que se apaixonam por homens mais velhos. Você viu os dois juntos, o jeito com que ela olhava para ele.

- Você está imaginando coisas! Afinal de contas, ela nem estava olhando para ele! - Sean sorriu, como que se desculpando pela irritação. - Ainda há muita coisa pela frente. Que tal tomarmos algo gelado?

Tônia permaneceu onde estava, enquanto ele foi buscar às bebidas. Sem conseguir resistir, levou o binóculo aos olhos. Foi fácil encontrar Rafe, o rosto dele parecia se destacar na multidão. Ele estava observando a corrida, com uma expressão que refletia pouco interesse. Somente quando a garota ao lado se inclinou para lhe dizer algo, os traços criaram vida, e ele sorriu enquanto virava a cabeça para olhar para ela.

Tônia reconheceu, pesarosa, que Audrey Cooper merecia aquele sorriso. Jovem, bonita e evidentemente adorando-o. Que homem poderia resistir a tanto charme?

CAPITULO VII

A carroça número quatro vencera, como Sean havia previsto. Observando com indiferença o movimento lá embaixo, Tônia finalmente admitiu a verdade. Ela aceitara o plano de Sean por uma única razão: agir de outra maneira significaria nunca mais ver Rafe.

Pelo que via, tinha três alternativas. Poderia se afastar de toda a família Stewart, desaparecer sem nenhuma explicação; podia continuar como havia prometido a Sean até que ele se sentisse capaz de agir por iniciativa, ou ainda ir até Rafe, confessar tudo e pedir-lhe que ajudasse Sean. Nenhuma delas a atraía, a última menos ainda. Na melhor das hipóteses, ele acharia que ela estava interferindo nos assuntos familiares, o que dificilmente melhoraria seu conceito ante os olhos dele. E quanto a Sean? Ela lhe havia prometido continuar com aquilo, pelo menos por uma ou duas semanas.

Já estava na hora do almoço quando o último dos peões terminou a demonstração de montar a cavalo em pêlo. Cansada de ficar tanto tempo sentada naquelas cadeiras estreitas e duras, Tônia estava querendo ir embora, quando Sean sugeriu que fossem comer alguma coisa. Sem o binóculo, ela não tinha certeza absoluta de que Rafe e a acompanhante dele ainda estavam no mesmo lugar, mas achava que sim. De qualquer maneira, as chances de cruzar com o casal no meio daquela multidão eram mínimas.

Se soubesse para onde Sean estava se dirigindo, não teria tanta certeza. Foi somente ao chegarem ao restaurante é que ela percebeu que Rafe só podia estar ali também, mas era tarde demais para recuar.

- Só espero não ter que encontrar seu irmão! - murmurou Tônia, olhando para os lados cheia de suspeita.

- Nós temos tanto direito de estar aqui quanto ele. Aliás, até mais, considerando-se que ele não se interessa nem um pouco por rodeios.

Neste caso, ele deve estar aqui somente por causa da encantadora acompanhante, pensou Tônia.

Audrey era uma garota de sorte, por ter encontrado um homem que lhe fazia tantas concessões. Na verdade, uma garota de muita sorte! Ela parecera tão feliz, tão sem complicações...

Sean foi o primeiro a ver os dois, por quem evidentemente estivera procurando, e arrastou Tônia consigo enquanto se dirigia à mesa em que eles estavam.

- Vocês se importam se nos reunirmos a vocês? - perguntou ele, quando Rafe ergueu os olhos. - A não ser que não queiram formar um grupo maior.

Foi a garota quem respondeu, o rosto iluminando-se com um sorriso.

- Ei, é claro que não nos importamos!

Era difícil ler qualquer coisa no rosto de Rafe. Tônia evitou olhá-lo nos olhos quando ele fez a apresentação, mas algo na voz dele deve ter despertado alguma suspeita em Audrey, pois o sorriso dela desapareceu.

- Eu não sabia - disse ela. - Parabéns, Sean. Para você também Tônia. Quando estão planejando se casar?

- Ainda não conversamos sobre isso - falou Sean, antes que Tônia pudesse responder. - Acho que não vai demorar muito. Como estão seus pais? Faz muito tempo que não os vejo.

- É verdade. Desde que você foi para Surewater, no último outono... Eles estão bem, obrigada. - Os olhos azuis se voltaram alegremente para Tônia. - Você deve achar as coisas aqui muito diferentes da Inglaterra, não é?

- Sim, é verdade. - Aquela era a única pergunta a que podia responder sem mentir. - Aqui a gente tem uma vida mais próxima da natureza. Lá o tempo pode mudar de uma hora para a outra, portanto sempre existe alguma dúvida ligada a qualquer atividade externa.

Tônia estava tensa, sabia disso, mas não podia evitar. Sentada junto a um Rafe calado, ela achava impossível relaxar e ser natural.

- Se você vai viver aqui, é bom começar a pensar no Canadá como um lar - disse Audrey, com uma certa aspereza.

- Acho que você está certa. - Tônia forçou um sorriso e mudou rapidamente de assunto. - Sean me contou que sua família tem um rancho ao norte da cidade.

- Ele contou? - Foi Rafe quem fez a observação, num tom arguto.

- Nós vimos vocês pelo binóculo - Sean admitiu, sem graça. - Foi mera casualidade. Deve fazer muitos anos que você não vem ao rodeio.

A resposta de Rafe foi curta.

- É.

- Conte-me como você e Sean se conheceram - falou Audrey, obviamente percebendo algo estranho na atmosfera. - Suponho que tenha sido muito recentemente.

- Eu fui encarregada dos passeios a cavalo em Cooper Lake por algumas semanas - disse Tônia, ignorando a insinuação. - Apenas um trabalho temporário, enquanto o verdadeiro encarregado estava ausente.

- Cooper Lake? - Audrey franziu a testa por um breve momento.

- Oh, deve ser aquele lugar sobre o qual me falou da última vez que esteve em casa, Rafe. O primeiro de uma cadeia, não foi isso o que disse?

- Desde que as probabilidades sejam a nosso favor. - Ele dirigiu o olhar para o irmão. - Agora existem todas as chances de que sejam.

- Ele está querendo dizer que não depende mais de meus esforços

- Sean explicou, aparentemente sem rancor. - Há muita chance de ele estar certo. Não posso dizer que gostava daquilo.

- Se você gosta de andar a cavalo, peça a Sean para levá-la a Fire Creek - disse Audrey, antes que Rafe pudesse fazer alguma observação ferina. - Há muitos animais lá. Talvez pudéssemos planejar uma noitada lá. Há muito tempo que não faço isso. Rafe, você iria também, não é?

- Acho que não - foi a resposta. - Não tenho tempo para isso.

- Uma noite? - Audrey fez uma careta, demonstrando o desapontamento. - Acho que, se quisesse, você acharia tempo.

Ele sorriu e encolheu os ombros.

- Talvez. Quer sobremesa?

Ela percebeu a insinuação e sacudiu a cabeça, recusando.

- Acho que está na hora de irmos andando. Temos um ensaio às duas. Estou aqui com os Jovens Canadenses. Participamos do show todas as noites, espero que venham assistir.

- Esta noite, não - disse Sean rapidamente. - Já fizemos outros planos.

- De qualquer maneira, vocês não conseguiriam entrar. Todas as entradas já foram vendidas. Mas tente no meio da semana.

- Nós iremos - prometeu Tônia. - Pode ter certeza disso.

- Ótimo! Ficarei contando com a presença de vocês, então. - Audrey se levantou juntamente com Rafe, olhando rapidamente para Sean, com uma expressão que, em outras circunstâncias, Tônia descreveria como melancólica. - Espero que sejam muito felizes.

Rafe se despediu com um aceno de cabeça. Tônia voltou a sentar-se e olhou, furiosa para Sean.

- Você fez isso de propósito! Por quê? Ele encolheu os ombros.

- Apenas curiosidade.

- E sua curiosidade ficou satisfeita?

- Não. - Subitamente, a indiferença dele desapareceu. - Não, não ficou. Mas sei uma coisa: se Rafe fizer qualquer coisa para magoar aquela garota, eu... - Ele se calou, quando viu a garçonete, que se aproximava, trazendo o que haviam pedido. - Vamos comer, está bem?

Em meia hora já haviam acabado a refeição. Tônia não estava mais querendo continuar assistindo ao espetáculo.

- E sua mãe? - perguntou ela. - Ficou sozinha durante toda a amanhã. Certamente alguém da família devia passar um certo tempo com ela.

- Ela não está sozinha. Está com Eva.

- Eva?

- Acho que você ainda não a conheceu. Ela atende a todas às necessidades de minha mãe. Uma espécie de criada particular e também uma enfermeira qualificada.

- Você não passa algum tempo com ela?

- Não muito - admitiu ele. - Não temos muita coisa em comum. Ela tem um carro especialmente equipado, que pode dirigir. Não fica confinada em casa. Rafe sai com ela quando está aqui. De qualquer maneira, ela prefere a companhia dele. - O olhar de Sean era defensivo. - Você acha que estou tentando me justificar, não é? Bem, não estou. Todo o tempo que ficamos juntos, mamãe fica me comparando com Rafe. Tenho sido um desapontamento para ela durante toda a minha vida. É por isso que... - Calou-se abruptamente, sacudindo a cabeça. - Esqueça isso.

- É por isso que você se agarrou à oportunidade de se vingar dos dois, através da minha pessoa - concluiu Tônia suavemente para ele. - Você vive apenas para este momento, não é, Sean? - Era uma afirmação, não uma pergunta. - Como você acha que ela reagirá quando rompermos nosso "noivado"?

- Eu não sei. - Sean parecia deprimido. - Talvez eu também vá embora na mesma ocasião.

- E vai fazer o quê?

- Também não sei. Tenho que pensar sobre isso, não tenho? - disse ele, impaciente.

Tônia decidiu que não haveria outra oportunidade melhor que essa para conversar.

- Sim, você vai ter que pensar! - disse ela. - Não pode ser um fracasso durante toda a sua vida. - Sorriu, tentando suavizar o efeito de suas palavras, e mostrou a porta. - Podemos estar em casa dentro de uma hora.

Sean falou muito pouco durante o caminho. Ele esperava mais apoio de sua parte. Tônia sabia, mas não ia conseguir. Nunca mais. Começava a perceber como ele era realmente imaturo. O ciúme com relação a Rafe era apenas uma parte disso. Ele não tinha nenhum objetivo, nenhuma ambição. Ela lhe fornecera uma excelente oportunidade para abandonar Copper Lake.

Tônia não sabia como controlar a situação daí em diante. Se Rafe resolvesse alguma coisa, ela não ficaria ali o tempo suficiente para controlar qualquer coisa. Rafe! Sentiu um aperto na garganta ao pensar nele. Se tivesse um pouco de bom senso, partiria agora mesmo, enquanto tudo ainda estava bem. A ameaça da noite anterior não havia sido à toa; ele realmente faria tudo o que dissera.

Foi uma surpresa encontrar o carro de Rafe estacionado na frente da casa. Sean reagiu com evidente desgosto.

- Afinal de contas, não precisávamos ter voltado. Ele deveria ter avisado que vinha para cá!

- Acho que não lhe ocorreu isso. - Tônia defendeu-o automaticamente, recebendo um olhar estranho.

- Está querendo dizer que ele não esperava que eu tivesse a mesma idéia? E não teria tido mesmo, se não fosse forçado a isso. De qualquer maneira, não vou passar a tarde com os dois juntos. Vou voltar para a cidade. Você vem comigo?

Tônia olhou para ele por um longo momento, depois sacudiu lentamente a cabeça.

- Vou ficar.

- Faça como quiser - disse ele, entrando no carro e dirigindo-se rapidamente para o portão.

Ela foi para o quarto sem ver ninguém. As portas do terraço estavam abertas; havia somente uma tela como proteção contra os insetos. Tônia ouviu claramente a voz de Karen, vindo da piscina.

- Você tem certeza de que era o carro de Sean?

- Tenho. Eles devem ter mudado de idéia e voltado à cidade - disse Rafe.

- Mas por quê? Por que vir até aqui, então?

- Quem sabe? Seu filho não é uma criatura lógica. Talvez eles tenham brigado e ele veio trazê-la, mudando de idéia ao chegar aqui.

- Eles pareciam estar discutindo quando você os viu no almoço?

- Não, mas ele não gostou do fato de eu estar com Audrey. Funcionou melhor do que eu esperava.

Houve uma pausa momentânea antes que Karen falasse novamente.

- Audrey é um encanto de garota. Não sei se devia usá-la desta maneira.

- Não estou fazendo nada que ela não faria por si mesma, se soubesse como estão as coisas. Ela se apaixonou por Sean, quando ele passou aquela semana em Surewater, no outono. Não consigo imaginar por quê; ele não é bem o tipo dela. Entretanto, ele gostou dela também.

- Não o suficiente para fazer algo a respeito.

- Sean é assim mesmo, não é? Ele precisa que lhe apontem uma certa direção. Nossa amiga inglesa percebeu isso logo. Se for encorajada, Audrey pode resolver por si mesma.

- Você pretende contar-lhe então?

- No momento certo. - Uma outra pausa; em seguida, ele acrescentou, num tom diferente: - Karen, ela servirá para ele. jovem e de caráter. Você não prefere vê-lo casado com uma encantadora garota canadense?

A resposta demorou para vir.

- Acho que sim. Qualquer outra, exceto essa tal de Tônia... Você nunca disse que essa garota era tão atraente. O suficiente para fazer com que qualquer homem a desejasse.

- Desejar, talvez. - O tom dele havia endurecido novamente. - Confiar é outra coisa. Eu não acreditaria numa palavra dela.

- Livrar-se dela pode não ser tão fácil.

- Não se preocupe com isso. - Rafe deu uma risadinha irônica. - Quando eu tiver acabado com madame Brentwood, ela ficará satisfeita em partir!

Tônia sentiu as lágrimas brotarem em seus olhos. Enxugo-as impetuosamente. Raramente os intrometidos ouviam falar bem de si próprios; por que deveria esperar algo diferente para si mesma? Aqueles dois pertenciam à mesma laia.

O que mais magoava era a hipocrisia de Karen Stewart. Bem, ela fora avisada antecipadamente. Nem Rafe Stewart, nem a madrasta dele iriam decidir sua vida em seu lugar. Ela entraria no jogo deles, e seria neste exato momento!

Tônia vestiu um maio, alisando o corpo intencionalmente. "Desejar, talvez", havia dito Rafe. Seu primeiro objetivo seria acabar com qualquer dúvida. Que Karen observasse e sofresse! Era o que ela merecia.

Com os cabelos presos no alto da cabeça, Tônia escolheu um roupão curto e o jogou casualmente sobre os ombros. Em seguida, olhou para o espelho, tentando se ver através dos olhos de um homem. Ela possuía tudo, de acordo com o que ouvira. O problema era se poderia usar tudo aquilo deliberadamente, sem violentar a si mesma! E isso, só havia um jeito de descobrir.

Uma mulher de uniforme e sapatos brancos estava subindo a escada quando Tônia desceu. Um rápido exame no rosto da mulher a fez compreender por que Karen confiava tanto nela. Tônia parou e sorriu, estendendo a mão.

- Você deve ser Eva. Nós não nos encontramos ontem à noite. Sou Tônia Brentwood.

- Sim, eu sei. - O tom era delicado, mas o aperto de mão simplesmente um toque de dedos. - Pensei que você e Sean ainda estivessem na cidade.

- Ele está bem, pelo menos deve estar chegando lá. Ele me trouxede volta. Não estou acostumada a todo este calor.

- Oh, eu entendo.

- Vou nadar um pouco. O sr. e a sra. Stewart ainda estão na piscina?

- Acho que sim. Há dez minutos atrás, estavam.

- Está bem, obrigada.

Os dois estavam sentados junto à piscina, Karen numa espreguiçadeira, com as pernas estendidas sob uma saia xadrez. Usava uma blusa decotada, deixando nus os ombros bronzeados. Apesar de tudo, Tônia não pôde deixar de sentir uma simpatia momentânea por ela. Uma tragédia daquelas não podia acontecer a qualquer pessoa.

A visão de Rafe foi suficiente para enrijecer seu coração novamente. Ele estava sentado numa cadeira, com os pés confortavelmente acomodados no assento de outra cadeira e com a cabeça altiva. Ao lado dele, sobre uma mesinha de ferro lavrado, estava um copo com gelo e um líquido que Tônia não foi capaz de identificar. Quando Tônia se dirigiu a eles, Rafe levou o copo aos lábios, sorvendo um grande gole antes de colocá-lo novamente sobre a mesa.

Karen foi a primeira a vê-la, com uma expressão que demonstrava claramente surpresa. Tônia tomou a iniciativa, com um sorriso alegre.

- Oi, estou precisando dar um bom mergulho! O calor hoje está insuportável!

Rafe virou-se para olhá-la, recuperando-se rapidamente. Olhou pensativamente para o terraço do seu quarto.

- Então Sean voltou à cidade sem você - disse ele.

- Exatamente. - Tônia se inclinou sobre a mesinha e encolheu os ombros. - Tivemos uma pequena diferença de opinião, mas nada importante. Ele voltará.

Foi Rafe quem respondeu, o rosto indiferente.

- Você parece muito segura de si mesma.

- Oh, estou mesma. Não poderia ser de outra maneira. - Tônia riu ao dizer isso. Brincava com as palavras e sabia que ele não se sentia nem um pouco satisfeito. - Isto é outra coisa que compartilhamos... Rafe.

O uso do nome dele, suave e deliberado, fez com que aqueles olhos cinzentos brilhassem. Ela estava a poucos centímetros de distância. O roupão entreaberto revelava o contorno de seus seios. Viu o olhar dele, ouviu o suspiro de Karen, mas não sentiu vergonha alguma de seu comportamento. Excitar aquele homem fisicamente era tudo com o que se importava: fazê-lo se lembrar de como havia sido antes. Ele a desejara, então, e a desejaria novamente, mas nunca a possuiria. Ia lhe mostrar exatamente como isso doía.

- Vou dar um mergulho - disse ela. - Você vem?

Não esperou pela resposta. Afastou-se da mesinha e deixou que o roupão deslizasse suavemente para o chão. Dirigindo-se à borda da piscina, parou deliberadamente por alguns momentos, com os braços erguidos como se fosse prender os cabelos. Depois, com um movimento rápido, mergulhou na água.

Ela atravessou a piscina por baixo da água, esfregando os olhos assim que voltou à tona. Rafe ainda estava no mesmo lugar, mas nada havia de relaxado em sua atitude. Ele disse alguma coisa em voz baixa a Karen, em seguida se levantou e também mergulhou.

Com o coração subitamente acelerado, Tônia esperou que ele a alcançasse, mantendo-se à superfície, aparentemente despreocupada. Ele emergiu quase à sua frente, afastando os cabelos do 'rosto, num gesto que poderia ser ameaçador, se estivessem sozinhos.

- O que foi que você ouviu? - perguntou.

- Ouvi? - Tônia arregalou os olhos, cheia de surpresa. - Sobre o quê?

- Você sabe muito bem sobre o que estou falando! - A voz dele era baixa, mas perigosa. - Você estava em seu quarto há alguns minutos atrás, não estava?

- Bem, sim. - Ela olhou para as janelas do quarto. -Mas o som não atravessa aquelas persianas. Pensei que soubesse disso.

Ele a observou por um momento antes de se virar para acompanhar seu olhar, percebendo as persianas fechadas.

- Estavam abertas antes.

- Então alguém deve tê-las fechado - ela respondeu, com segurança. - Tudo o que fiz foi me trocar. De qualquer maneira, seus assuntos secretos estariam em perfeita segurança. Duvido que desse para saber sobre o que conversavam.

Ele não acreditou nisso, podia ver pelo jeito como a olhava. Não que se importasse muito, ela não teria mesmo esperado isso dele. Seu sorriso trazia uma ponta de sarcasmo.

- Pobre Rafe, sempre tão cheio de suspeitas! Por que não relaxa um pouco? Ainda podemos ser... amigos.

A leve hesitação no fim não passou despercebida a ele. Ela o viu enrijecer-se por um momento, mas apenas por um momento. Em seguida, ele se controlou novamente e sorriu.

- Talvez possamos mesmo.

Fisgado, ela pensou, satisfeita. Conseguira atrair o interesse dele.

- Vamos tomar alguma coisa - Rafe convidou. - Logo Karen vai subir para a fisioterapia.

Tônia ficou surpresa e demonstrou isto.

- Isso pode mudar a situação dela?

- Se você está querendo saber se ela terá alguma chance de andar novamente, a resposta é não. A fisioterapia ajuda a manter os músculos em boa forma. Todos o dias, durante quinze anos. É uma rotina tediosa, mas ela nunca deixa de fazer.

- Nem mesmo quando ela fica indisposta? - Tônia enfrentou o olhar dele. - Sean disse que às vezes ela fica assim.

- Ela sofre dores de tempos em tempos. Uma coluna fraturada não significa necessariamente falta completa de sensação. Você vai beber alguma coisa?

- Certamente. - Tônia nadou bem próxima a ele, deixando que a coxa dele lhe tocasse o quadril. Se Karen não estivesse observando, sabia que ele a teria segurado; percebeu a reação instintiva dele.

Rafe saiu da piscina e estendeu a mão para ajudá-la a sair também. Tônia viu o rosto de Karen e soube que ela não estava gostando nada daquilo.

- Obrigada - disse, sorrindo. - Gostaria de tomar um pouco de tequila, se fosse possível.

- Farei de tudo para conseguir - disse ele zombeteiramente. -

Quer uma toalha para os cabelos?

- Não é preciso. Vou deixá-los presos. - Ela sentou-se no lugar dele, estendendo as pernas e se recostando, com um suspiro de satisfação. - Isto é que é vida!

Rafe olhou para Karen.

- Você quer beber alguma coisa?

- Eva já vem me buscar. - disse Karen, sacudindo a cabeça. - Mas não deixe que isso o atrapalhe.

Rafe se dirigiu então ao bar. De onde estava, Tônia podia vê-lo pegando os copos e começando a misturar os ingredientes. Karen foi a primeira a falar.

- Sean disse a que horas voltaria para casa?

- Não - admitiu Tônia.

- Então a briga foi mais séria do que você deu a entender há alguns minutos atrás?

- Não foi exatamente uma briga - explicou ela, pacientemente. - Ele queria fazer uma coisa, e eu queria fazer outra. Nós dois temos direito a uma livre escolha.

Karen pareceu digerir aquilo por um momento, antes de responder.

- Acredita realmente que ele tinha o direito de sair sem você daquele jeito? Você não se importa que ele não passe todo o tempo tentando agradá-la?

Foi a vez de Tônia ficar um pouco em silêncio, enquanto pensava na resposta. Karen devia estar pensando em si mesma, no seu relacionamento com o filho. O que dissesse agora poderia ser crucial para o futuro bem-estar de Sean.

- Não acho que alguém tenha o direito de exigir um sacrifício de quem quer que seja - respondeu finalmente. - Se houver algum sacrifício, tem que ser voluntário. Sean não pensa menos em mim porque não quis passar a tarde comigo. Ele vai voltar ainda mais gentil, por ter saído daquela maneira. - Tônia não pretendia dizer estas últimas palavras, mas saíram instintivamente. Esperava apenas que Sean não a decepcionasse ao voltar.

Rafe chegou com as bebidas, impedindo qualquer resposta que Karen pudesse ter encontrado. Ele as observou atentamente, como se percebesse o mal-estar.

- Mais cinco minutos e você estará em sua cadeira, pronta para que Eva a leve. Acha que poderá descer para jantar esta noite?

- Naturalmente. - O tom de voz era áspero. - Sempre faço isso, não é?

Era uma pergunta que não precisava de resposta, e Rafe sentou-se ao lado da espreguiçadeira. Os olhos que se encontraram brevemente com os de Tônia estavam impassíveis. Se ele percebera a tensão, não estava reagindo a ela.

- Eu tive uma idéia. Poderíamos ir para Surewater no próximo fim de semana e convidar algumas pessoas para um churrasco no domingo. Uma mudança de ares faria bem a você, Karen. Há quase um ano que não vai ao rancho.

- Vou pensar nisso - disse ela, ainda num tom áspero. - Depende da evolução das coisas. Sean pode ter feito outros planos.

E a presença dele é vital, naturalmente, pensou Tônia, com amargura. Senão, como é que Audrey faria para testá-lo? O rancor que a invadira durante a última meia hora por algum motivo havia desaparecido. Subitamente, sentiu-se cansada de tudo, inclusive de Rafe. Sean tinha que liberá-la de sua promessa, e precisava ser logo. Ela não ia conseguir fingir, até que ele resolvesse sentir-se independente.

CAPÍTULO VIII

A chegada de Eva foi um alívio. Observando Rafe erguer a madrasta nos braços fortes, para colocá-la na cadeira de rodas, Tônia arrependeu-se de não ter ficado calada dois minutos antes. Não era ela quem devia dizer a qualquer membro daquela família como dirigir a vida de um ou de outro. Eles é que tinham que resolver os próprios problemas.

Foi a simples necessidade de dizer alguma coisa que a fez perguntar, assim que as duas mulheres se afastaram:

- Vocês nunca pensaram em usar a piscina para algumas sessões de terapia? Eu acho que os exercícios na água podem ser muito benéficos em vários casos.

- Karen tem uma verdadeira fobia de que alguém lhe veja as pernas - respondeu Rafe -, exceto Eva, é claro. A piscina é pública demais.

- Mas certamente poderia se tornar privativa durante meia hora por dia, não?

- Mas não o suficiente para deixar Karen tranqüila. Você acha que isso já não foi tentado?

Lá estava ela se intrometendo novamente... Quando é que iria aprender?

- Desculpe-me - disse Tônia. - Eu devia saber disso.

Os olhos dele se estreitaram por uma fração de segundo, como se considerasse suspeito o próprio pedido de desculpas. Quando ele falou novamente, foi num tom mais duro.

- O que você disse exatamente a ela?

- Quando? - perguntou Tônia, tentando ganhar tempo.

- Você sabe quando. Enquanto eu estava preparando os drinques. Dava para se perceber o ambiente tenso quando cheguei.

Ela suspirou e desistiu.

- Eu estava expondo minhas idéias sobre personalidades.

- A que propósito?

- A propósito de Sean. Estávamos discutindo o sacrifício da liberdade pessoal por razões de lealdade.

- E você naturalmente foi contra. Ela se recusou a desviar o olhar.

- Sou contra qualquer tipo de pressão. A lealdade tem que ser merecida, e não considerada como uma obrigação.

- E você acha que é isso que Karen faz?

Tônia sentiu-se pouco à vontade, percebendo que o não-envolvimento não era tão simples assim de se conseguir.

- Podemos falar sobre outra coisa?

- Certamente. - Ele parecia um pouco decepcionado. - Como bons amigos, podemos discutir abertamente qualquer assunto. Sobre o que prefere falar?

- Rafe... - Ela pronunciou o nome dele de uma forma hesitante, sem muita certeza do que dizer. - O que eu falei na piscina agora há pouco..

- Falando sobre mim? - perguntou Sean, do outro lado da piscina.

- Não seja tão convencido, Sean - respondeu Rafe. - Se tivesse chegado um pouco mais cedo, poderia ter ficado alguns minutos com sua mãe, ou isto não se enquadrava em seus planos?

- Não com você por aqui também. - Ele fez uma pausa, ainda parado no mesmo lugar. - Tônia, posso falar com você?

- Pode vir até aqui para isso - interrompeu Rafe, antes que ela pudesse responder. - Vou subir para me trocar. - Ele se levantou, olhando para o rosto de Tônia. - Terminaremos nossa discussão em outra hora.

- O que ele quis dizer? - perguntou Sean, ao se aproximar dela, depois que ele desapareceu. - Que discussão?

- Ele estava apenas tentando ser engraçado - disse ela, desejando poder acreditar nisso. Olhou-o interrogativamente, percebendo a expressão embaraçada. - Isso estava fora de seus planos?

- Um pouco - concordou Sean. - Compreendi que estava sendo injusto com você, deixando-a aqui sozinha para enfrentar minha família. Mas parece que você não se saiu tão mal assim.

- E uma questão de opinião - disse ela, hesitando antes de prosseguir. - Sean, acho realmente que está na hora de acabar com tudo. Minha presença aqui não lhe está fazendo nenhum bem.

- Como pode dizer isso? Mal se passaram vinte e quatro horas! E se for embora agora, estará faltando à sua palavra.

- Estou pedindo para me liberar dela.

- Bem, não libero. Ainda não. - Fez um gesto de súplica. - Preciso ter alguém do meu lado.

- Não seria tão ruim, se você soubesse pelo que está lutando. Se não quer trabalhar com a companhia,- tem que ter outra alternativa já planejada. Que tal a fotografia a nível profissional?

Ele ergueu os ombros, desolado.

- E começar com o quê? Não possuo o controle de nenhum capital.

- Isto pode não ser o fim de tudo. Quem é o testamenteiro até você completar vinte e cinco anos?

- Minha mãe.

- Entendo. - Tônia mordeu o lábio, ciente de ter cometido uma tolice. - Bem, isto não o impede de tentar. Os testamenteiros têm o direito legal de mexer no capital em determinadas circunstâncias. Pelo menos, na Inglaterra é assim, e não deve ser diferente nos outros países. Por que não expor isso a ela? Se sua mãe perceber seu entusiasmo, poderá achar que vale a pena apoiá-lo. Se algum profissional endossasse seu trabalho, isto poderia ajudar a persuadi-la.

Sean não parecia estar convencido.

- Não existe nenhuma chance.

- Você não pode ter certeza sem tentar. Mesmo que fracasse, pelo menos você fez algum esforço.

Ele ficou em silêncio durante longo tempo, observando-a.

- Vou pensar nisso - disse finalmente.

Seria muito fácil deixar tudo assim, pensou Tônia. Sean não só precisava que lhe mostrassem a direção certa, como também requeria que o mantivessem ali.

- Rafe sugeriu que todos fossem passar o fim de semana em Sure-water - disse ela intencionalmente. - Se até lá você não tiver planejado nada sobre seu futuro, eu partirei de qualquer maneira, portanto pense bem nisso, Sean. - Levantou-se e vestiu o roupão. - Vou entrar para tomar um banho e me vestir. Você vai jantar aqui?

- Acho que sim - ele concordou, de mau humor. - Mas depois poderemos sair. Há uma festa perto daqui, se você não se importar em ir à cidade novamente.

- Eu irei, desde que você me apresente simplesmente como uma amiga da família que está aqui por pouco tempo - disse ela. - Será que seu irmão também estará lá?

- Não. - Sean encolheu os ombros resignadamente. - Amiga da família, está bem.

Quando terminou de se arrumar já eram seis e meia. Com o bronzeado que adquirira em Cooper Lake, quase não precisava de pintura. Apenas um batom discreto e uma sombra bem leve nos olhos. Ela estava com uma saia de algodão bege e uma blusa branca decotada, que a deixavam com uma aparência simples, porém muito feminina. Um par de sandálias bege completava o conjunto.

Rafe estava saindo de um dos quartos próximos ao seu, quando ela apareceu, faltando dez minutos para o jantar. Era a primeira vez que percebia como ele estava perto. Isso lhe deu uma sensação de insegurança, que tentou não demonstrar quando ele esperou que ela o alcançasse.

- Está planejando sair? - perguntou ele, notando sua aparência com uma apreciação zombeteira. - Deixe-me adivinhar. O churrasco dos Mason?

- Acho que sim - disse ela. - Sean não me contou o nome deles.

- Deve ser lá mesmo. As festas deles são tradicionais.

Tônia manteve o olhar para a frente enquanto se dirigiam à escada.

- Você vai?

- Você gostaria que eu fosse? Ou acha que Sean poderia fazer alguma objeção?

Ela olhou para Rafe, mas a expressão dele nada lhe áisse.

- Rafe... - começou a falar, e parou abruptamente, compreendendo que não poderia explicar seu comportamento na piscina, sem admitir que o motivo que a levara a agir daquela maneira fora o que tinha ouvido por acaso. Sentiu uma forte tentação de lhe contar toda a verdade. Isso provavelmente não elevaria em nada seu conceito diante dele, mas pelo menos ficaria livre de toda aquela falsidade. Não o fez porque assim denunciaria Sean também.

Já haviam chegado à escada. Rafe parou, fitando-a enigmaticamente.

- O que você ia dizer? - ele perguntou suavemente.

- Apenas um pensamento fugaz - disse ela. - Você não vai descer?

- Eu geralmente desço com Karen. - Se ele havia notado que ela estava ignorando sua pergunta, aparentemente não estava disposto a insistir. O olhar dele se desviou e ficou sombrio. - Chegou bem a tempo de descer com sua noiva para jantar, Sean, desde que estejam planejando jantar aqui, naturalmente.

- Sim, estamos. - Sean saiu do quarto dele, relutantemente. - Não por vontade minha, posso lhe assegurar.

- Disto eu não duvido. - E voltou-se para Tônia. - Parece que temos de lhe agradecer por conseguir reunir a família pelo menos uma vez. Karen ficará muito grata.

Sean deu um suspiro de raiva enquanto Rafe se afastava.

- Ele não pode deixar passar uma oportunidade. Tenho vontade de ir embora agora mesmo!

- Se fizer isso, eu não irei com você - disse Tônia firmemente. - A indireta foi mais para mim do que para você. Ele acha que eu manipulo as coisas em meu próprio benefício.

- É melhor do que vê-lo manipulando-as em benefício próprio - ele observou, com um tom que a fez enrubescer.

- Vamos descer, está bem? - disse ela, tentando esquecer o incidente.

Karen falou pouco durante o jantar, mas sua presença era notada. Observando-a disfarçadamente de vez em quando, Tônia imaginou de que maneira ela combateria a completa monotonia de seus dias. Passar a vida toda vendo o mundo sentada, dificilmente lhe permitiria ter uma visão mais ampla das coisas. Ela precisava sair de si mesma, ter algum interesse além da casa e da família. A terapia ocupacional significava mais do que fazer cestos ou algo parecido. Devia haver muitas outras maneiras para uma pessoa inteligente passar o tempo.

- Ainda não lhe perguntei se gostou do rodeio - disse Karen a certa altura, percebendo seu olhar.

- Acho que é um grande entretenimento - respondeu Tônia. - Entretanto, há muitos perigos, principalmente na corrida de carroças. Está planejando ir até lá, sra. Stewart?

Karen sacudiu a cabeça, com um sorriso superficial.

- Isto não faz o meu gênero.

- Eu estava pensando mais no show da noite - confessou Tônia.

- Parece que geralmente é muito bom.

- Geralmente é excelente - corrigiu Rafe, sem ser desagradável.

- Tentei persuadir Karen a ir assistir no ano passado, mas ela não estava interessada. Talvez agora você a possa convencer.

- Por que não vamos todos juntos? - respondeu Tônia, aceitando o desafio sem hesitar. - No meio da semana, não foi o que Audrey disse? Talvez pudéssemos conseguir uma daquelas mesas na parte superior, então não haveria qualquer problema.

- O que você acha, Karen? - reforçou Rafe. Ela o encarou sem expressão.

- Tomarei minha decisão sozinha, não preciso da ajuda de ninguém. - Voltou-se para Tônia, o olhar frio. - Você se encontrará novamente com Audrey no fim de semana, se for para Surewater. Os Cooper são nossos vizinhos mais próximos. Você pretende ir, não é?

- Não me lembro de ter sido consultado - disse Sean, antes que Tônia pudesse responder, e lançou um olhar subjugador.

- Você não estava aqui quando isso foi discutido. Estou certa de que Tônia gostaria de ir.

- Sim, eu gostaria - disse ela, com firmeza, impedindo que Sean falasse mais alguma coisa. - Nunca estive num rancho propriamente dito antes.

- Surewater não é assim tão grande - disse Rafe, parecendo relativamente indiferente à repreensão da madrasta. - Fire Creek é três vezes maior.

- Por que o rancho de Audrey se chama Fire Creek? - perguntou Tônia, aproveitando a deixa.

- A ribanceira que contempla o riacho lá de cima fica coberta de pinheiros incendiados. São necessárias temperaturas superiores a cento e cinqüenta graus centígrados para que aquelas pinhas se rompam e germinem. Assim, no passado, deve ter havido grandes queimadas, para que as árvores crescessem em massa. Daí o nome. Estou certo de que Audrey ficará satisfeita em lhe falar com mais detalhes sobre isso.

Tônia sustentou o olhar dele sem vacilar.

- Vou me lembrar de perguntar a ela.

Já passava das nove horas, quando finalmente eles saíram para a festa. A casa dos Mason era grande e luxuosa. Ouviam-se vozes e risadas vindas do fundo da casa. Seguindo naquela direção, chegaram a um grande pátio todo iluminado, com uma piscina bem no centro. Havia gente por toda a parte e de todo jeito. Alguns até levaram roupa de banho e estavam aproveitando a piscina. Sobre enormes mesas, havia comida para alimentar um exército. Todo mundo parecia estar se divertindo.

Na meia hora seguinte, Tônia conheceu tanta gente, que perdeu a noção. Não que realmente importasse, pois provavelmente não veria mais nenhuma daquelas pessoas novamente. A certa altura, perdeu Sean de vista, e se encontrou ao lado de Mick, irmão de Audrey Cooper, que estava passando o fim de semana na cidade. Ele era um ano mais velho que Sean e muito parecido com Audrey. Era um rapaz muito atraente.

- Você vai para Surewater no fim de semana? - perguntou-lhe ele. - Rafe disse que estava pensando em fazer um churrasco no domingo, quando o vi esta manhã. Acho que vai ser bom. Ele nunca faz as coisas pela metade. Aliás, fiquei muito surpreso ao vê-lo em companhia de Audrey. Sempre pensei que era de Sean que minha irmã gostava. Rafe é um grande sujeito, mas não combina com ela.

- Se você se opõe a que ele a veja, por que não lhe diz para deixá-la em paz? - sugeriu Tônia.

- Eu faria isso se fosse qualquer outro, mas não Rafe. Ela está segura com ele. Logo ele a deixará. Conhece-a desde que ela era um bebê. Quanto tempo você vai ficar com os Stewart?

- Depende. - Ela evitou uma resposta direta. - Talvez uma semana ou mais.

- Então certamente você irá para o rancho. - Ele parecia satisfeito com aquilo. - Vou esperar ansiosamente pelo próximo fim de semana.

Naquele momento, alguém chamou por ele e Tônia ficou sozinha. Ela foi em direção às árvores, sentindo necessidade de uns momentos de tranqüilidade. Havia um caminho que levava a um pavilhão, iluminado apenas pelo luar. Lá dentro, o ruído da festa parecia distante. Sentada, Tônia encostou a cabeça na parede e fechou os olhos. Queria ficar ali apenas cinco minutos, depois voltaria a se juntar aos outros.

Uma sombra cruzou a porta e ela sentiu a presença de alguém. Abriu os olhos rapidamente e se endireitou, sem saber quem havia chegado, até que um raio de luz iluminou aquele rosto tão familiar.

- Sean a abandonou novamente? - perguntou Rafe, com uma suave insinuação. - Isto é realmente péssimo da parte dele. Talvez eu possa compensá-la por essa falta de atenção. Era isto o que você estava querendo hoje na piscina, não era?

Tônia levantou-se lentamente.

- Eu cometi um erro - disse ela. - Tentei lhe dizer antes. Eu estava furiosa e aborrecida e queria me vingar de você de qualquer jeito.

A expressão dele não se alterou.

- Por causa do que você ouviu por acaso?

- Sim. - Não ia adiantar negar nada. - A janela estava aberta, exatamente como você pensou. Ouvi tudo. Você realmente acredita que tem o direito de interferir nos romances de Sean dessa maneira?

- Os romances dele são coisas que só interessam a ele. Casamento afeta a família inteira. - Rafe disse isso suavemente, mas com ênfase.

- Estou disposto a impedir, do jeito que eu puder.

Ela resolveu então contar-lhe a verdade. Ele poderia desprezá-la ainda mais, mas pelo menos ela não teria que fingir mais.

- Você não precisa se preocupar - disse ela. - Nunca tive a menor intenção de me casar com seu irmão. Nós nem mesmo estamos noivos. É tudo uma farsa.

Não era possível julgar a reação dele.

- Por quê?

- Da parte de Sean? - Tônia fez um pequeno gesto de desolação.

- Ele precisava de um escudo.

- Contra o quê?

- Você... a mãe dele. Ele se sente acuado. Dependente de você para tudo.

- Dependente da mãe dele. Por lei, ela é a testamenteira. E como um noivado falso poderia ajudar?

- Eu também não tenho muita certeza. Acho que §ean esperava que vocês dois percebessem que ele tem opinião própria no que diz respeito a seu futuro. Nós planejamos representar um rompimento numa ocasião oportuna. - Tônia examinou o rosto dele, na esperança de descobrir se ele acreditava no que estava dizendo, mas nada encontrou. - Rafe, estou lhe dizendo a verdade. Pergunte a Sean, se duvida disso.

- Você me contou porque Sean fez isso - disse ele, após um momento -, mas não jne explicou os seus motivos.

Tônia mordeu o lábio, compreendendo que teria que ir muito longe para convencê-lo.

- Pensei que fosse óbvio. Eu estava magoada e queria pagar na mesma moeda. Dizer que eu estive me divertindo com você durante a ausência de Sean foi a única maneira que encontrei para me vingar.

- Você está querendo dizer que seu orgulho estava ferido?

- Não apenas meu orgulho. Foi bem mais profundo do que isso.

Acreditei que você estava começando a sentir o mesmo que sentia por você. Quando descobri que era tudo um logro, foi a pior coisa que poderia ter me acontecido.

- Não totalmente um logro. - O sorriso era irônico. - Pode ser que tenha começado assim, mas fui perdendo a noção do principal objetivo. Aquela noite no lago, eu estava pronto parar admitir que cometera um erro. Planejei ir procurá-la na manhã seguinte e esclarecer tudo com você.

- Então você viu Sean e isso é tudo - concluiu ela, dolorosamente.

- Rafe, não estou tentando procurar justificativas para o que fiz, mas... - Calou-se, sacudindo a cabeça, num pesaroso consentimento.

- São apenas palavras, não são? Não tenho meios para provar o que quero dizer. No fim, acaba tudo no mesmo; falta de confiança. Você aceitou a palavra de Craig Shannon contra a minha desde o início. Se você acredita em mim agora, tem que admitir que ele é um mentiroso. Isto é assim tão impossível?

- Acho que não. Ele precisava pensar no casamento dele. - Rafe estudou-a por um momento, como se tentasse penetrar em seus pensamentos. Você deve ter lhe dado alguma esperança. Até mesmo Craig precisaria disso.

- Se eu fiz isso, foi sem intenção.

- Você não se sentia atraída por ele?

- Não. Bem, não como você imagina... - Ao ver a expressão dele se alterar, teve vontade de morder a língua de arrependimento. Às vezes a gente é minuciosa demais, pensou. - Ele é um homem atraente, eu tinha consciência disso, mas foi só isso. Eu não desejava o amor dele.

- Por ele ser casado?

- Não apenas por isso. Há uma diferença entre achar um homem atraente para se ver e sentir-se atraída. Não dá para explicar melhor. Uma outra mulher entenderia o que quero dizer. - Ela fez uma pausa, desesperada, sabendo que não o estava impressionando. - Não adianta, não é? Não vou conseguir convencê-lo, por mais que eu tente.

- Talvez não com palavras... Existem outras maneiras. - Ele se aproximou dela, segurando-a pela cintura e puxando-a contra si, com mãos firmes. - Se sou diferente, mostre como sou diferente.

Tônia se abandonou, deixando que suas emoções e sentimentos respondessem a ele. Ele a abraçou fortemente, não lhe dando qualquer dúvida quanto ao desejo que sentia.

Foi ela quem se afastou primeiro, sabendo que seria agora ou nunca. v

- Assim, não - disse firmemente. - Não quero que seja assim, Rafe. Você tem que confiar em mim primeiro.

Ele estava ofegante, tentando se controlar.

- Então, me dê a razão para confiar em você.

- Como? Eu não sei como!

- Você encontrará um jeito. - Rafe segurou firmemente seu rosto. - Quero acreditar em você, Tônia. Se eu descobrir que você mentiu a seu respeito e de Sean, eu a magoarei ainda mais do que já foi magoada!

- Eu não menti. Você só precisa perguntar a ele. - As palavras saíram espontaneamente. - Rafe, eu te amo. Esta é a única verdade em que você precisa confiar.

Ele ficou em silêncio durante o que lhe pareceu uma eternidade.

- Se eu aceitar isso - disse finalmente -, aonde vamos a partir daqui?

- Eu não sei também. Isto é com você. Se me disser para ir, eu irei.

- E se eu pedir para você ficar?

- Farei isso também. - Tônia hesitou antes de falar, sabendo que estava pisando em terreno delicado. - Não se pode passar o resto da vida consertando alguma coisa que nem mesmo foi por culpa sua.

Ele se enrijeceu abruptamente.

- Você não sabe sobre o que está falando.

- Sei. Sean me contou. - Depois de chegar a esse ponto, não podia mais recuar. - Eu entendo como você se sente, mas você já fez a sua parte. Karen tem que deixá-lo ir!

A risada dele foi chocante.

- Você gostaria de dizer isso a ela?

- Não. Eu não gostaria. Mas faria isso, se fosse necessário. Ela não vai ficar abandonada para sempre.

Os olhos cinzentos adquiriram uma nova expressão. Ele falou lentamente:

- Você acha realmente que qualquer mulher com quem me casasse aceitaria este tipo de situação?

- Algumas.

- E você?

O coração de Tônia disparou.

- Conhecendo as circunstâncias, sim, eu aceitaria. Ela não é uma pessoa vingativa. Precisa apenas aprender que ninguém pode pagar pelo que lhe aconteceu. - Tônia fez uma pausa. - Rafe...

- Não foi uma proposta, apenas uma pergunta. Vamos voltar para a festa.

- Para procurar Sean?

- E por que não? Nada melhor que agora... Você não está com medo das conseqüências, está?

- Não tenho motivo algum para estar.

- Neste caso, vamos lá.

A festa ainda estava muito animada. Tônia ansiava pelo toque das mãos dele novamente, por sentir novamente aqueles lábios nos seus. Depois que Sean confirmasse sua história, tudo seria diferente.

Só depois de alguns minutos é que o encontraram. Mais precisamente, ele os encontrou, dirigindo-se para onde estavam e colocando um braço nos ombros de Tônia, com um sorriso nos lábios.

- Estive procurando por você em todos os lugares. Onde você foi? - Só então pareceu notar a presença do irmão. - Bem, olhe quem está aqui! Desde quando você se interessa por esse tipo de coisa?

- Rafe quer falar com você - disse Tônia rapidamente, segurando-lhe o braço. - Ele sabe a nosso respeito, Sean.

Ele os olhou, espantado, mudando rapidamente de expressão.

- Sabe o que a nosso respeito? - perguntou, com sarcasmo. - Nós não temos segredos, temos?

- Você sabe que sim. Desculpe-me por decepcioná-lo, mas eu não podia mais continuar com isso. Contei a verdade a ele.

Sean não mudou de atitude.

- Acho que não estou entendendo. Ele já sabe que vamos nos casar. O que mais existe?

- Pare com isso, Sean! Nosso noivado nunca foi-real e você sabe disso!

- Para mim era. - Ele conseguiu fazer com que a mágoa parecesse genuína. - Tônia, por que está fazendo isso comigo?

Ela o fitou, desolada, incapaz de acreditar que ele pudesse estar falando sério.

- Sean, por favor, não tente me castigar assim! Conte a verdade a Rafe!

- Ele já sabe a verdade. Sinto muito se não se enquadra nos novos planos que possa ter feito, mas é isso mesmo.

- Ele está mentindo. - Tônia fez o apelo diretamente a Rafe, com o coração apertado diante da aspereza dele.

- Vou deixar que resolvam isso sozinhos - disse Rafe, enquanto saía, sem nem mesmo olhar para Tônia.

Tônia não fez qualquer tentativa para detê-lo, não ia adiantar nada.

- Por quê? - perguntou desoladamente a Sean. - Por que fez isso?

- Porque eu não iria deixar Rafe assumir o controle da situação. Afinal de contas, eu lhe prestei um favor. Ele apenas a faria infeliz.

- lá estou infeliz agora - observou ela - Não é você quem deve decidir o que é bom para mim.

- Fiz isso porque me preocupo com você - ele protestou. -Tônia, não se afaste de mim! Preciso de você!

- Você acha realmente que eu poderei ficar depois desta noite. Você acha que Rafe vai deixar que eu fique? Ele pensa que eu 11 menti e não vai me perdoar isso.

- Não há nada que ele possa fazer se eu quiser que você fiqu E eu quero.

- Sinto muito. Isso é impossível!

- Oh, Deus! - Sean sentou-se na grama, desesperado. - Não sei o que me deu na cabeça, Tônia. Nunca fiz nada assim tão desonesto em minha vida antes. - A voz dele estava amortecida. - Quer que eu vá atrás dele?

- Não adiantaria nada - disse ela. - Ele pensaria apenas que eu o forcei a isso. Se houver lugar no vôo de amanhã, eu irei embora. Você me levará ao aeroporto?

- Se é isso o que você quer...

- Agora não se trata do que eu quero, e sim do que tenho que fazer. Dá para entender?

- Acho que sim. - Sean ergueu lentamente a cabeça. - Acho que bebi demais e isto está começando a fazer efeito. Será que você pode ir dirigindo até em casa?

Era um lugar para onde Tônia não desejava ir, mas teria que fazer isso. Afinal de contas, suas coisas estavam lá.

- Vou tentar. Quer ir embora agora?

- Assim que eu conseguir me manter em pé. - O olhar dele era melancólico. - Quero que me deixe conversar com Rafe.

- Não adiantaria nada. Esqueça isso, Sean.

- Não posso. - Sean parecia desesperadamente infeliz. - Você o ama, não é? Acho que foi por perceber isto, que fiz tudo isso. Eu não podia suportar a idéia dele me tirar o que era meu.

- Eu não pertenço a ninguém - disse ela gentilmente. - Você já se sente capaz de ir até o carro?

- Se me ajudarem... Minha cabeça está completamente zonza. Mick Cooper aproximou-se deles e percebeu toda a situação.

- Está se sentindo mal?

- E como! - concordou Sean. - Não sei o que puseram naquele ponche, mas é letal!

Mick olhou para Tônia com um sorriso e ajudou Sean a entrar no carro. Tônia sentou-se ao volante, sorrindo para Mick.

- Obrigada. Até logo, Mick.

Sean adormeceu durante o caminho. Felizmente era um trajeto simples de ser seguido.

A casa estava totalmente às escuras quando ela chegou lá. Estacionou o carro perto da porta principal e sacudiu Sean para acordá-lo.

- Estou bem agora - ele a tranqüilizou, saindo meio cambaleante quando ela lhe abriu a porta do carro. - Uma boa noite de sono me deixará novinho em folha. - Tentou sorrir. - Obrigado pela carona.

Tônia ficou aliviada ao perceber que a porta não estava trancada. Depois de acompanhar Sean até o quarto dele, dirigiu-se ao seu, fechando a porta depois de entrar. Sem acender a luz, encostou-se à parede para poder pôr os pensamentos em ordem.

- Pensando em como se sair desta? - perguntou Rafe no escuro. -Posso resolver seu problema. Você, não.

CAPÍTULO IX

Depois que seus olhos se acostumaram à escuridão, Tônia pôde vê-lo sentado perto da cama, numa atitude de espera.

- Você não tem nenhum direito de estar aqui - disse ela, com a voz trêmula. - Se tem alguma coisa para me falar, pode esperar até amanhã cedo, antes de minha partida.

- Não, tem que ser agora! - ele respondeu firmemente. - Eu lhe disse o que aconteceria se você mentisse para mim.

- E o que você pretende fazer? - ela perguntou, num tom de desafio. - Bater em mim?

- Nada tão cruel assim. - Rafe se levantou. - Você disse que me amava, agora pode me demonstrar isso. Vamos passar a noite juntos.

- Não, não vamos - ela afirmou veementemente. - Eu não menti, e Sean está disposto a confirmar agora mesmo.

- Depois que você o convenceu?

- Nenhum de vocês dois tem muita consideração um pelo outro, não é? - Tônia respondeu, com sarcasmo. - Que belos irmãos!

- Meio-irmãos - Rafe corrigiu, indiferente àquela explosão. - E quem lhe disse que o ataque é o melhor meio de defesa nunca esteve numa situação dessas. Vou ter o que você me prometeu esta noite. Toda aquela paixão não pode ficar insatisfeita. Dispa-se, estou esperando.

- Rafe, pare com isso! O que acha que vai conseguir provar?

- Nada - respondeu ele. - Estou aqui puramente por satisfação. Com o incentivo certo, tenho certeza de que poderá me proporcionar isso.

Ela olhou para ele, ofegante.

- Você está errado. Não vou lhe proporcionar nada. O sorriso dele era zombeteiro.

- Veremos. Você vai tirar a roupa, ou terei que fazer isso? - Ele foi mais rápido, quando ela tentou abrir a porta. - Não, você não vai me escapar.

- Deixe-me em paz! - implorou Tônia, quando ele a empurrou para a cama. - Rafe, ouça-me!

- Já ouvi. - Ele a derrubou sobre as cobertas, colocando o joelho em cima dela, enquanto tirava a camisa. - Não se preocupe, não vou violentá-la. Você vai ficar excitada e querer que aconteça. Nem que eu leve a noite toda para deixá-la assim!

Ia levar bem menos tempo do que isto, e ambos sabiam. Mesmo agora, Tônia já se sentia excitada. Ela podia dizer que o detestava e desprezava, mas seus sentidos se negavam a reconhecer este fato. Ficou impassível, reconhecendo a inutilidade de lutar. Podia ser incapaz de resistir fisicamente a ele, mas não ergueria um dedo para ajudá-lo.

Mesmo com esta determinação, foi impossível manter a decisão. Se ele tivesse sido frio e rude, ela poderia ter sido bem-sucedida. Mas o toque suave e sensual dos lábios dele derrubou suas últimas defesas. Sua reação foi involuntária e seu corpo estava receptivo quando ele se inclinou sobre ela.

- Quer que eu continue? - ele perguntou suavemente. - Diga-me, Tônia. Deixe-me ouvi-la dizendo isso.

Apesar do ponto em que chegara, Tônia sentiu uma espécie de premonição, que a fez enrijecer-se sob ele. As palavras saíram abafadas.

- Rafe, não.

- Diga! - Ele não erguera a voz, mas a inflexão cortou como uma lâmina. - Diga que me ama agora, sua diabinha mentirosa!

- Eu digo. Não importa o que vai fazer comigo, você não mudará isso! Pergunte novamente a Sean. Ele lhe dirá a verdade.

Rafe afastou-se dela, deitando-se de costas, enquanto olhava para o teto escuro.

- Você está me deixando louco - disse ele, entre dentes. - Não consigo nem mesmo pensar mais direito!

- E como você acha que estou me sentindo? - disse ela, ainda trêmula, erguendo o corpo e apoiando-se no cotovelo. - Sempre pensei que o amor fosse uma experiência maravilhosa, feliz, mas a maior parte do tempo você fez com que eu me sentisse infeliz.

- Se sou assim tão canalha, por que não me esqueceu?

- Porque eu me apaixonei por um homem inteiro, e não pelas partes de que gosto. - Tônia estava furiosa. - O seu problema é que você quer demais. Mesmo que eu pudesse fazer com que acreditasse em mim a respeito de Sean, sempre haveria alguma coisa mais. Cada evidência que você tem contra mim, depende da palavra de outra pessoa. Por que não tenta acreditar na minha palavra pelo menos uma vez? - Ela fez um gesto desolado diante da falta de resposta dele. - Maldito Rafe! Vá para o inferno!

Ele a segurou pelo braço quando ela se sentava, puxando-a para si. O beijo foi selvagem, machucando-a tanto que ela sentiu vontade de chorar, mas agüentou, esperando que a impetuosidade seguisse seu c"rso, antes de tentar afastar o rosto.

- Você estava certo. Você é um canalha! Devo estar louca também.

- Por que Sean fez isso? - ele perguntou suavemente, ainda segurando-a.

- Porque ele tem ciúmes de você - disse ela. - Não só por minha causa, mas por tudo. Grande parte disso é por sua culpa também. Você não tenta compreendê-lo. Você e Karen estão de um lado e ele do outro. Como espera que ele reaja?

Rafe estudou-a por um longo momento, depois sorriu melancolicamente.

- Você não se parece muito com uma mulher apaixonada.

- Eu lhe disse, amo a sua maneira de ser, mas não porque você seja bondoso e gentil. - Levou a ponta do dedo até os lábios dele. - Rafe, deixe Sean em paz, está bem? Ele estava se sentindo muito desleal, quando eu o trouxe para casa.

- Ele merece isso - foi a resposta seca,

- Você ainda não tem certeza, não é? Acho que não posso censurá-lo muito. Craig Shannon fez um bom trabalho.

- O que você faria se encontrasse Craig e Diane novamente? - ele perguntou, num tom estranho. - Contaria a Diana como se passaram as coisas realmente?

- De que adiantaria? Do jeito que Craig é, mais cedo ou mais tarde, ela acabará descobrindo sozinha.

- Acho que ela já suspeita - admitiu Rafe - Ele nunca foi capaz de resistir a uma mulher atraente.

- Então por que você insiste em me culpar?

- Porque ele a alcançou antes do que eu.

- Isto não me parece muito justo.

- Você deve ter dado a ele algum motivo para que pensasse que o estava querendo, intencionalmente ou não. Esses seus olhos prometem todo tipo de coisas a um homem.

- Então vou ter que começar a usar óculos escuros. - Tônia começou a se afastar dele. Ele a segurou fortemente.

- Aonde pensa que vai?

- Longe o suficiente de você para manter um certo sentido de proporção - disse ela. - Estamos aqui desse jeito por todos os motivos errados, Rafe. Tinha que ser diferente!

- Você está querendo dizer que deseja que eu fale que te amo antes de fazermos amor? - A voz dele era cínica. - São apenas palavras.

- Para mim, não. E para você também não seriam, se se entregasse aos sentimentos.

Ele a observou profundamente. Quando falou novamente, foi num tom diferente.

- O que foi exatamente que Sean lhe contou sobre Karen?

Tônia hesitou, não muito certa do que diria.

- Ele disse que Karen ficou mal nas únicas vezes em que você trouxe uma mulher até aqui para conhecê-la - disse ela cuidadosamente - Se alguma delas significasse muito para você, será que teria resistido?

- Não sei - admitiu ele. - Nunca pensei nisso. Quando soube que Karen havia ficado paralítica, eu lhe prometi quê tomaria conta dela para sempre. Não importa de quem tenha sido a culpa. Eu estava dirigindo o carro.

- Cuidar dela não significa que não possa ter sua própria vida.

- Eu simplesmente mantinha as coisas separadas, isto é tudo - disse ele. - Mas eu estava errado. Devia ter esclarecido a situação desde o início. Aos dezenove anos, é difícil prever o que acontecerá.

- Especialmente quando a gente se considera culpado - ela concordou suavemente. - Rafe, mesmo se o acidente tivesse sido provocado por você, não seria possível fazer mais nada. Você tem o direito à sua própria vida.

Ele acariciou-lhe o rosto, com um sorriso tímido nos lábios.

- Com você?

- Se é isso o que você quer. - Seu coração disparou. - Só que primeiro teria que ter certeza a meu respeito, e você ainda tem dúvidas, não é?

- Algumas - ele admitiu. Observou-a atentamente e em seguida afastou-a, enquanto se sentava. - Você está certa. Isso apenas confundiria ainda mais as coisas. Preciso pensar.

- Não fique muito zangado com Sean - pediu ela. - Ele bebeu muito esta noite, senão não teria feito o que fez.

- Vou me lembrar disso. - Rafe levantou-se e vestiu a camisa. - Você não está facilitando as coisas. - Aproximou-se e ergueu o queixo dela, mantendo a expressão controlada. - Amanhã conversaremos. Apenas tenha certeza de que sabe o que está fazendo, isso é tudo.

- Eu já tenho - ela sussurrou.

Depois que ele saiu, Tônia demorou para dormir. Suas emoções estavam em conflito. Já eram dez horas quando acordou. Sean estava sozinho, sentado ao lado da piscina. Quando ela se aproximou, sorriu um pouco tenso.

- Ei! - disse ele. - Você já tomou café?

- Não estou com fome, obrigada. Preciso clarear as idéias.

- Rafe levou minha mãe para se encontrar com algumas amigas. Só voltarão à tarde. Há algo especial que gostaria de fazer hoje?

- Nada de que eu consiga me lembrar. - Tônia olhou para ele por um momento, tentando descobrir um jeito de perguntar o que desejava saber. Finalmente disse: - Rafe conversou com você esta manhã?

- Sobre ontem à noite? - A melancolia voltou aos olhos dele. - Só me disse para não beber mais, se eu não for capaz de parar na hora certa. Tentei explicar sobre ontem à noite, mas ele me interrompeu, dizendo que não era importante.

- Entendo. - Seu coração agora parecia Jeito de chumbo. - Bem, parece que acabou tudo mesmo.

- Tônia, sinto muito! Eu faria qualquer coisa para acertar as coisas para você. Se eu tivesse percebido antes o que você realmente sentia por ele... bem, não vou dizer que teria ficado satisfeito, mas agiria de maneira diferente. A única coisa em que eu estava realmente interessado era que você voltasse para cá comigo. Nós nos dávamos tão bem antes que ele aparecesse!

- Nós éramos amigos, Sean - disse ela gentilmente. - Apenas bons amigos.

- No entanto, você me deixou beijá-la -- defendeu-se ele.

- Apenas uma vez. E foi numa hora em que eu precisava de conforto. - Tônia sorriu. - Você é um grande sujeito, mas precisa de alguém diferente. - Ela fez uma pausa. - Você não gostou quando viu Rafe com Audrey Cooper, não é? Por acaso perguntou a si mesmo por quê?

- Ele é muito velho para ela - disse Sean. - Eis o porquê. Ela é apenas uma criança!

- Não é, não. Com vinte anos, já se é completamente adulta,

Ele ficou em silêncio, digerindo aquilo, a expressão do rosto mudando um pouco.

- Você acha que ela está realmente interessada nele? - perguntou finalmente.

- Não, não acho. Não mais do que ele nela. Eles estavam apenas almoçando juntos, isso é tudo. - Tônia manteve o tom casual. - Afinal de contas, ele a conhece desde que ela era um bebê...

- Talvez você esteja certa - disse Sean lentamente. - Você está certa sobre outra coisa também. Eu senti...

- Ciúmes? - Tônia sugeriu, num tom suave, quando ele hesitou. - Não há motivo para isso. Eu tive a nítida impressão de que era por você que ela sentia alguma coisa. Você não viu o rosto dela, quando Rafe me apresentou como sua noiva?

- Eu estava furioso demais para notar. - Havia uma expressão pensativa nos olhos dele. - Você acha realmente que ela gosta... de mim?

A risada de Tônia foi involuntária.

- Se você tivesse um pouco de vaidade, saberia como é fácil gostar de você, Sean. Você é um rapaz bonito e atraente. Por que não acredita nisso? Você nunca demonstrou essa insegurança em relação a si mesmo, a meu lado.

- Eu realmente não me sentia assim - disse ele. - Era tão fácil conversar com você! Foi somente o desejo de impressioná-la que me fez enfrentar Rafe. De qualquer maneira, deixei um serviço que detestava fazer. De agora em diante, não vou deixar que me dirijam mais.

- Ótimo - ela respondeu secamente -, desde que você não vá muito longe com isso. Pensei que você havia ficado encarregado daquele projeto em particular porque precisava de algum tipo de envolvimento na companhia. Você mesmo me disse que era a única coisa para a qual demonstrava certa aptidão.

- Baseado numa temporada no alojamento de Valemount, e que já era um negócio próspero. - Sean sacudiu a cabeça. - De qualquer forma, não fui talhado para ser gerente.

- Então procure sua independência. Pode ser que por alguns anos tenha que lutar muito, se sua mãe não lhe fornecer nenhum capital, mas você poderia arrumar um trabalho no mesmo ramo e adquirir uma certa experiência enquanto espera.

- Acho que vale a pena pensar nisso. - Ele parecia intrigado com aquela idéia. Houve um breve silêncio, antes que dissesse lentamente: - O que pretende fazer agora, Tônia? Acho que não tenho nenhum direito de lhe pedir que fique por aqui mais um pouco, mas vai ser difícil explicar a sua partida depois de tão poucos dias.

- Você está dizendo isso por causa de sua mãe? - Olhou diretamente para ele. - Acho que ela deve saber a verdade.

- Não me agrada a idéia de lhe contar. Ela vai pensar que sou um perfeito tolo.

- Eu duvido. Não se você lhe contar por que fez isso. Assim ela poderá também compreender muitas outras coisas.

- Pode ser. Pelo menos, serviria para atingir Rafe também. Se ele acreditasse, pensou Tônia. Em voz alta, perguntou:

- Você sabe se há algum vôo para Londres hoje? Ele demorou um pouco para responder.

- Não tenho certeza. Terei que verificar. - Fez um movimento inquieto. - Tônia, você não pode fugir dessa maneira. E quanto a Rafe?

- O que é que tem ele? Eu simplesmente o estarei poupando do incômodo de me ver novamente para se despedir. Não é apenas você, Sean. Ele não confia em mim.

- Por causa de Craig Shannon? Aquele sujeito merecia um murro na cara! Eu mesmo gostaria de fazer isso a ele!

- Isto não ajudaria em nada. - Tônia estava sorrindo apesar de tudo - Obrigada do mesmo jeito.

- Rafe devia fazer um exame da cabeça. - foi a resposta aborrecida. >- Não sei como você pode sentir algo por ele.

- Sou masoquista. Eu me apaixono por todos os homens errados.

- Ela percebeu o olhar dele e deliberadamente suavizou o tom de voz. - Não se preocupe com isso, Sean. Vou conseguir superar. Apenas me ajude a ir embora.

- Farei o que puder. - Ele se levantou, ainda que com relutância.

- Fique firme. Há pouca coisa para fazer, ela pensou quando Sean entrou na casa.

Viu quando ele pegou o telefone e discou... Se não houvesse vôo direto para Londres, talvez pudesse pegar um avião para Toronto, e de lá seguir para Londres no dia seguinte. Uma noite num hotel não iria lhe custar muito, não o suficiente para fazer uma grande diferença em suas finanças. Chegando lá, um serviço ia ser a primeira providência. Isto e algum lugar para morar, naturalmente. Em poucas semanas ela teria se esquecido de toda essa parte de sua vida. Talvez até mesmo encontrasse um homem com quem pudesse ter um bom relacionamento.

Ela estava enganando a si própria e sabia disso. Nada sobre aquele romance seria esquecido. Poderia ficar no fundo de sua mente, talvez, mas estaria sempre lá, à espera de um momento de descuido. A perspectiva, para dizer a verdade, não era muito auspiciosa.

Sean voltou sacudindo a cabeça e tentando desnecessariamente disfarçar a satisfação.

- Não há nada antes de quarta-feira. Nesta época do ano estão sempre lotados.

- E quanto a Toronto? Ou mesmo Montreal?

- Não tive a idéia de perguntar. - Sean parecia desconcertado. - Você percebe que pode estar agindo errado?

- Não adianta, minha decisão está tomada.

- Eu vou ver isso. Se você está tão determinada a ir, acho que não posso impedi-la.

Dessa vez ele teve mais sucesso, embora, de acordo com o ponto de vista dele, não.

- Há um vôo para Montreal à duas horas - anunciou. - E depois haverá um vôo para Londres na terça-feira à noite. Dá para você enfrentar esses dois dias lá?

Tônia enfrentaria bem mais tempo, desde que tomasse aquele avião.

- Vou arrumar as minhas coisas - disse ela, à guisa de resposta.

- Felizmente nunca tiro tudo da mala. Premonição, talvez. A que horas teremos que ir para o aeroporto?

- Ao meio-dia e meia. - Sean parecia prestes a acrescentar mais alguma coisa: depois, aparentemente, mudou de idéia, encolhendo os ombros com indiferença. - Pelo menos você terá tempo para almoçar antes de ir.

Tônia duvidava que teria fome, mas não fez qualquer comentário. Já teria deixado aquela casa quando Rafe voltasse, e isso era tudo o que importava. Se ainda houvesse qualquer dúvida na mente dele sobre o que sentia por ela, sua partida só poderia lhe trazer alívio. Afastada a tentação, o problema se resolveria sozinho, por assim dizer. Isto também se aplicava a ela, naturalmente. Queria poder se convencer disso.

Não levou muito tempo para tomar um banho e colocar um conjunto verde-claro, que seria confortável para viajar. Arrumar as poucas coisas que tirara da mala levou menos tempo ainda. Ela colocou a roupa molhada num saco plástico e o enfiou num canto da mala, sem muita preocupação. No lugar em que estivesse aquela noite, poderia deixar secar adequadamente.

Sean estava à sua espera, com um lanche de carne fria e salada, quando ela desceu, às onze e meia. Tônia comeu alguma coisa para agradá-lo e tomou duas xícaras de café para agradar a si mesma. Foi um alívio quando chegou a hora de ir para o aeroporto.

Sean não falou muito no carro. Parecia estar evitando uma conversa. Tônia sentiu-se grata pelo silêncio. Também não estava disposta a conversar. Depois que estivesse no avião, tudo ficaria bem.

Com a bagagem colocada num carrinho do lado de fora do terminal, ela disse a Sean para não se incomodar em estacionar o carro, estendeu-lhe a mão com um sorriso pouco alegre.

- Prefiro me despedir aqui mesmo, se não se importa.

- Eu me importo - disse ele, mas não discutiu. Seu olhar estava triste. - Sinto muito, Tônia. Fui um idiota egoísta trazendo-a para cá.

- E eu fui uma idiota em vir. Esqueça isso, Sean. Lembre-se apenas de lutar pelo que realmente deseja.

Ela se afastou rapidamente, empurrando o carrinho através das portas automáticas, sem olhar para trás.

Sentada no saguão, à espera de que fizessem a chamada para o seu vôo, uns vinte minutos depois, Tônia ouviu um anúncio pelo sistema de alto-falantes com resignação filosófica. Um atraso de uma hora não ia fazer tanta diferença assim. Enquanto isso, outra xícara de café ajudaria a passar o tempo.

Às duas e quinze, ela já estava na terceira xícara. Por seus cálculos, deveriam fazer a chamada para seu vôo dentro dos próximos quinze minutos. Dentro de pouco tempo estaria no ar e afastando-se de tudo aquilo. Dali a três dias, estaria novamente na Inglaterra, pronta para recomeçar sua vida. Se este pensamento já a atraía tão pouco agora, imagine só depois. Mas ela conseguiria se interessar, nem que tivesse que trabalhar dia e noite.

Automaticamente, Tônia se afastou um pouco para o lado, quando alguém sentou-se a seu lado. Com o canto do olho, ela viu a mão pegar a colher do pires que acabara de colocar sobre a mesa e mexer lentamente.

- Você não vai pegar aquele avião - disse Rafe calmamente. - Já peguei sua bagagem de volta.

Tônia não fez qualquer movimento. Sentia-se confusa. Se Rafe queria que ela ficasse, por que então a deixara tão sozinha esta manhã?

- Por quê? - perguntou.

- Pensei que a noite passada havia deixado isso óbvio.

Ela olhou então para ele, percebendo a firmeza dos olhos cinzentos.

- A noite passada deixou óbvio apenas uma coisa, e você não tirou vantagem disso.

O sorriso dele era débil.

- Por razões que expliquei na hora.

- Eu sei. Foi por isso que pensei que você havia deixado o caminho livre esta manhã, para me dar uma chance de partir.

- Acho que não sou capaz de tanta sutileza - ele respondeu, num tom seco. - Eu tinha um compromisso de que havia me esquecido, até que Karen me fez lembrar. Eu lhe teria deixado um recado, só que nunca me ocorreu que você faria isso. Assim que Sean me contou, liguei para o aeroporto para que a chamasse, e então descobri que não seria necessário. - Olhou para os lados, com ar preocupado. - Vamos conversar no carro enquanto seguimos para casa.

Ela ainda não se moveu.

- Vamos aonde?

- Eu disse para casa. Para onde mais poderia ser?

- Como noiva de Sean? - Ela sacudiu a cabeça. - Já acabei com tudo isso, Rafe. Sua madrasta merece a verdade.

- Ela já sabe a verdade. Eu lhe contei tudo quando voltávamos da casa dos Lawrenson. Ela terá que aceitar isso, porque é preciso. Deixei tudo muito claro.

- Aceitar o quê? - Sua voz era quase um murmúrio.

- Que você está voltando por minha causa, não por causa de Sean. - Rafe se levantou e segurou-a pelo braço. - Nós conversaremos no carro.

Tônia acompanhou-o. Suas emoções estavam muito confusas. Por causa dele, dissera Rafe, mas até que ponto? Se ele não acreditava nela agora, dificilmente acreditaria dentro de uma ou duas semanas. Voltando desta maneira, ela podia estar se expondo ao tipo de sofrimento do qual nunca mais se esqueceria. No entanto, estava fazendo exatamente isso.

- Surewater fica a uns quarenta quilômetros daqui - disse Rafe, parando o carro no cruzamento das estradas. - Vamos pegar à esquerda, para voltar para casa. Em seguida, virou a cabeça para olhar para ela. - Você realmente estava sendo sincera quando falou em estar preparada para aceitar Karen como parte do acordo?

Tônia fitou-o por um longo momento, percebendo a tensão naqueles olhos cinzentos.

- Que tipo de acordo?

- Casamento - disse ele. - Quero que se case Comigo, Tônia Ela quase perdeu o fôlego. Fora demasiado rápido, Ela não podia acreditar que ele dissera aquilo. Rafe a observava, impassível, esperando por uma resposta que ela era incapaz de dar. Como sempre, era impossível saber o que ele estava realmente pensando.

- Vamos, diga alguma coisa - ele incitou, com entonação áspera.

- Por que agora? Ontem à noite você não tinha certeza de coisa alguma. E ainda esta manhã recusou-se a ouvir o que Sean tinha a dizer.

- Eu não me recusei - respondeu ele, no mesmo tom de voz. - Eu lhe disse que não tinha mais importância. E quis dizer exatamente isto. Se vou aceitá-la, então o faço indiscriminadamente.

- Nada de dúvidas?

- Nada de dúvidas.

Ele estava pressionando demais, mas ela tinha que ter certeza.

- Nem mesmo sobre Craig Shannon? Ele hesitou apenas momentaneamente.

- Não da maneira que você está querendo dizer. Craig é o tipo que precisa ser repelido em voz alta e clara. Talvez você não o tenha congelado o suficiente.

- Isto pode ser verdade - ela admitiu melancolicamente. - É difícil saber até onde ir com esse tipo de coisa. Afinal de contas, ele era meu patrão.

- Era. Vamos esquecê-lo. - Rafe colocou a mão atrás de seu pescoço e a puxou, mantendo-a ali, com os olhos fixos em seus lábios. - Eu desejo você. Preciso de você. Não vou deixar que me diga não, Tônia!

Desejar, precisar - todas as palavras, exceto a única que ela queria ouvir. No entanto, não era um começo suficientemente bom? Tinha que ser, ela admitiu, numa rápida resolução, pois não poderia rejeitar o que Rafe lhe estava oferecendo. Ele podia aprender a amá-la. Dependia dela. Pelo menos ela estaria lutando, por assim dizer, em uma posição privilegiada.

Tônia lhe deu a resposta nos lábios, correspondendo às exigências dele sem conter suas emoções. Ele estava com a respiração difícil e irregular ao se afastar dela, os olhos sombrios.

- Não me tente. Não é a hora e nem o lugar. - Um sorriso surgiu nos lábios dele quando olhou para seu rosto. - Assim você está totalmente transparente.

Tônia soube então que ainda não possuía a confiança dele. Não totalmente. Disse a si mesma que não se importava. Tinha Rafe, e só isto é que interessava agora. O resto viria depois.

- Karen sabe? - ela perguntou, lutando para controlar sua própria falta de firmeza. - Você lhe contou exatamente por que ia me buscar?

- Tive de lhe contar - disse Rafe. - Quis lhe dar algum tempo para se adaptar à idéia.

- Você tinha certeza de que eu diria sim? Ele sorriu novamente, um sorriso tímido.

- Eu tinha é certeza de que não ia deixá-la dizer não. Você me fez passar mais noites agitadas do que qualquer mulher que já conheci. Muitas vezes eu imaginava você ali comigo, via seus cabelos espalhados sobre o travesseiro, a expressão de seus olhos quando você começa a sentir o mesmo desejo que sinto. Vou ter tudo isso... e mais.

Tônia fechou os olhos, desfrutando a sensação da mão dele em seu seio.

- Você podia ter tudo isso sem se casar comigo - eia sussurrou. - Se eu tivesse ficado em seu quarto na noite passada, não teria resistido. E você sabe disso.

- Só que uma vez não seria suficiente - Rafe respondeu, com voz rouca. - Dessa maneira eu sei que estará lá, quando eu quiser que esteja. Não cometa nenhum erro neste aspecto, Tônia. O que é meu é meu somente. Não divido em nenhum sentido.

- Não vou decepcioná-lo. - Ela tentou salientar as palavras, para torná-las seguras e certas. - Eu te amo, Rafe. Um dia vai acreditar nisto.

Ele respondeu, num leve tom de ironia:

- Por agora vou me contentar com o que posso ver e sentir. O beijo dele foi mais rápido dessa vez, mas não menos ardente. Ele a soltou abruptamente e deu partida no carro.

- Vamos para casa. Para casa... Pela primeira vez Tônia se permitiu pensar sobre o que ia significar aquilo. Karen era parte do acordo, dissera Rafe, e ela seria a última a discutir o assunto. A questão era se a própria Karen estaria preparada para aceitar as coisas do jeito que eram. Diante do que Sean lhe contara, parecia improvável.

- A quem pertence a casa realmente? - Tônia perguntou subitamente, e sentiu o olhar dele.

- Eu imaginei quando isto poderia lhe ocorrer. A julgar pela aparência, pertence a Karen, embora ela somente tenha o usufruto. Não pode vendê-la ou alterar qualquer coisa estruturalmente sem que eu esteja de acordo.

- Mas ela pode lhe pedir que vá embora?

- Sim, pode. Se ela fizer isto, iremos morar em Surewater. Fica a apenas uma hora da cidade, de carro, e há uma pista para aviões praticamente à porta da casa.

Ela falou quase para si mesma.

- Se Sean também for embora, ela ficará sozinha.

- A não ser por Eva... Mas só sairemos se for preciso. Foi você quem me disse que eu não poderia passar o resto de minha vida pagando pelo que aconteceu a ela.

E ela era a única que poderia convencer Karen de que nada iria mudar. Karen não ia perder Rafe, simplesmente teria que aprender a reparti-lo... Desejava apenas poder se convencer de que seria fácil...

CAPÍTULO X

Sean estava descendo a escada, quando eles entraram em casa. Ele parou ao vê-los, com o rosto refletindo um jogo de emoções.

- Então você chegou lá há tempo - disse, desnecessariamente. - Estou contente.

- Obrigado. - O tom de voz de Rafe era seco. - Onde está sua mãe?

- No quarto dela. O médico está lá. Ela teve uma espécie de ataque assim que você saiu.

Os olhos de Tônia fixaram-se no rosto de Rafe, registrando a súbita palidez dele. Estava acontecendo novamente, igual às outras vezes. Só que desta vez não podia funcionar... não devia funcionar! Ele tinha que se livrar dos grilhões que o prendiam a ela!

- Preciso de um drinque - disse Rafe. - Estarei no escritório. Avise-me quando o médico descer.

Tônia não tentou acompanhá-lo. Esperou até que a porta do escritório se fechasse atrás dele, para falar com Sean.

- Como está ela?

- Honestamente, não faço a menor idéia - disse ele desoladamente. - Ela apenas desmaiou.

- Você não acha que ela podia estar fingindo? - Tônia se odiou por dizer isto, mas reconhecia que era preciso.

- De maneira alguma. Ela estava mortalmente pálida quando a ergui. No início, nem mesmo consegui lhe tomar o pulso!

- Mas você acha que aconteceu porque Rafe lhe disse que ia atrás de mim?

- Não totalmente, não. - Sean parecia arrasado. - Ela me atacou depois que ele saiu. Disse que eu era culpado por tê-la trazido para cá. Acho que perdi a cabeça e falei algumas coisas bem detestáveis a ela. No fim, falei que também iria embora, e ela respondeu que acabaria sendo uma velha solitária. Eu já estava perto da porta quando a ouvi cair. - Ele fez uma pausa nesse ponto, os olhos cheios de dor. - É tudo culpa minha!

- Não, não é! Se alguém tem que ser culpado, sou eu. Eu lhe disse para enfrentá-la. Se não fosse por minha causa, nada disso teria acontecido. - Seus olhos se desviaram para o homem que descia a escada. - Aquele é o médico?

- Acho que devemos reunir toda a família - disse o médico, respondendo por Sean. - O sr. Stewart já voltou?

- Ele está no escritório - respondeu Sean. - Por aqui.

Tônia estava lá fora, perto da piscina, quando Sean foi procurá-la. Ela passara aqueles minutos imaginando os piores motivos para a conferência ter sido tão longa.

- Rafe deseja vê-la - ele anunciou, calmo. - Você' vai vê-lo? Ele ainda está no escritório. - Sacudiu a cabeça ante a pergunta que havia em seus olhos. - Prefiro que ele lhe conte. Não é fácil explicar.

Rafe estava parado junto à janela. Virou-se quando ela entrou. Sua expressão parecia controlada.

- Nao vai funcionar - ele declarou firmemente. - Fui um tolo em pensar o contrário. Devia tê-la deixado tomar o avião esta tarde.

- O que disse o médico? - sua voz era baixa.

- Não importa o que ele disse. O fato permanece.

Tônia respirou profundamente, tentando tratar o assunto de modo racional.

- Há uma hora atrás apenas, você me pediu em casamento. Acho que tenho o direito de saber por que mudou de opinião. Se a doença de sua madrasta depende de minha permanência ou partida, então não é orgânica.

- E não é. - Rafe falou sem emoção. - Mas não é menos real por isso. A mente pode dominar o corpo quando o incentivo é suficientemente forte. Pelo menos foi isto que me deram a entender.

- Você quer dizer que ela deseja ficar doente e fica realmente?

- Mais ou menos. Não é necessariamente um ato consciente da parte dela. Em certos aspectos, isto é ainda pior. O subconsciente não pode ser controlado.

- Você podia tentar - ela pediu. - Nós todos podíamos tentar. Ela precisa compreender que você e Sean têm o direito de viver suas próprias vidas. Tudo o que ela precisa é da certeza de que nunca ficará sozinha.

- Assim tão simples? - Havia uma certa ironia na pergunta. - Apesar da sua convicção ser tão grande, você não irá alterar nada com algumas palavras!

- Isto é possível, sim. Certamente depende das palavras. - Tônia queria muito ir até ele, mas o instinto lhe dizia que aquela não era a hora. - Pelo menos deixe-me conversar com ela. Nós nem mesmo tivemos a chance de nos conhecermos. Se eu explicasse a respeito de Sean...

- Não. Vou ver se lhe consigo um vôo para amanhã. Não se preocupe com nada. Você será bem-servida.

Não se preocupar com nada, quando todo o seu futuro estava em jogo! De repente, Tônia sentiu vontade de rir histericamente. Afinal de contas, Karen vencera. De agora em diante, Rafe era dela e totalmente dela.

- Você está errado - disse, num tom melancólico. - Não está fazendo nenhum bem a Karen.

- Não vou causar mais nenhum problema a ela, isso é o que conta. - Rafe fez um gesto cansado. - Deixe as coisas como estão, Tônia. Nós dois superaremos isto.

- Você, sim. Afinal de contas, eu não lhe poderia dar nada que uma dúzia de outras mulheres não lhe pudessem dar! - Ela estava disposta a ferir, tal a dor que sentia. - A única diferença é que você não terá uma tão facilmente à mão! - Sua voz falhou. Subitamente, havia um nó em sua garganta. - Rafe, eu te amo. Isto não significa nada?

- Poderia significar, se eu estivesse totalmente convencido de que você é sincera. - ele respondeu firmemente. - Há outros homens. Você não terá dificuldade alguma em encontrar um. Talvez com bem mais para lhe oferecer também.

- Se isto fosse tudo o que eu realmente quisesse, por que teria tentado fugir? - perguntou ela, roucamente. - Fugi porque não podia suportar a idéia de você me dizendo para ir embora. Você não precisava ir atrás de mim.

- Não - ele concordou -, não precisava. Melhor se não tivesse ido. Desejar uma mulher não é o bastante. - Ele sacudiu a cabeça quando ela tentou falar. - Não mais tenho a dizer sobre este assunto. Está encerrado. Você vai embora.

Era inútil argumentar. Mesmo sem Karen, o relacionamento deles estava fadado ao fracasso.

Tônia se virou sem uma palavra e saiu do escritório.

Estava em seu quarto, pensando, quando bateram à porta. Ela mandou que entrasse, e Sean apareceu à sua frente.

- Achei que podia estar precisando de alguma coisa - disse ele, colocando suas malas no chão.

- Vou precisar apenas do suficiente para passar a noite. Partirei amanhã cedo. Em todo caso, obrigada pela atenção.

- Foi apenas uma desculpa - ele confessou. - Queria conversar com você sobre o que Rafe lhe falou. Eu sabia que ele ia reagir dessa maneira. Pude perceber quando o médico estava expondo as idéias dele.

- O que foi que ele disse exatamente, Sean?

- Ele sugeriu um hospital psiquiátrico, mas Rafe não quer saber disso. Disse que encontraria uma outra solução. - Sean olhou-a com simpatia e compaixão. - Suponho que ele tenha feito exatamente isso. Não acho que ele esteja certo. Ela encolheu os ombros.

- Pouco importa quem esteja certo ou errado. Ele já se decidiu. Pelo que conheço dele, duvido que você ou qualquer outra pessoa, exceto sua mãe, pudesse mudar as coisas agora. Eu também concordo com ele. Não acho que a psiquiatria seja a resposta.

- Ela está emocionalmente perturbada - observou Sean.

- Sim, mas a causa disto está bastante óbvia. Alguém já tentou conversar com ela sobre o futuro, ou vocês apenas deixaram que ela imaginasse o que poderia acontecer, caso achassem seus interesses fora daqui?

- Acho que deveríamos ter conversado com ela, sim. Nunca pensei assim antes.

Então está na hora de começar a pensar, Tônia estava prestes a dizer. Mas calou-se, porque seria inútil insistir neste ponto agora. Era tarde demais para ela. Rafe não mudaria de opinião. Karen conseguira prendê-lo no momento exato. Depois de pensar um pouco, falou, lentamente:

- Sean, você me faria um favor?

- Se eu puder.

- Pergunte à sua mãe se ela pode me receber. Diga-lhe que vou embora amanhã cedo e que gostaria de me despedir.

Ele a olhou cheio de dúvidas.

- Eu realmente não sei...

- Confie em mim. Não vou fazer ou dizer nada que possa prejudicá-la. Gostaria apenas de lhe dizer que as coisas não são exatamente como parecem.

- Vou tentar. Entretanto, não posso prometer nada. Se ela estiver com uma daquelas famosas dores de cabeça, não vai querer ver ninguém.

Tônia sentou-se e esperou a volta dele, sem pensar em nada. Seria inútil planejar o que diria a Karen, se tivesse a oportunidade de falar com ela. Teria que confiar em seus sentidos pata saber até onde podia ir. Ganhando ou perdendo, pelo menos teria feito todos os esforços possíveis para livrar Rafe daquela prisão que se impusera.

Assim que viu o rosto de Sean, soube que suas esperanças haviam sido vãs.

- Não consegui dobrar Eva - confessou ele. - Ela disse que minha mãe está sob o efeito de sedativos e que não pode ser perturbada. Sinto muito, Tônia.

- Provavelmente foi uma idéia tola pensar nisso. Não se preocupe, Sean. - Tônia sorriu sem vontade. - Será que posso tomar um pouco de chá? Estou morrendo de sede.

- Há também o resto do dia para enfrentar - ele lembrou a ela, percebendo o seu desânimo - Você vai descer para o jantar?

- Estarei lá. - Seria um martírio sentar-se diante de Rafe sabendo que era pela última vez, mas Sean tinha razão, ela não podia ficar naquele quarto até a hora de ir embora. - Não se preocupe. Estará tudo bem.

A tarde demorou para passar. Tônia só tomou o chá, porque fora ela mesma quem pedira. No entanto, não tocou no sanduíche que veio junto. Sua fome não era de alimento, e sim de Rafe. Queria os braços dele ao seu redor, o som da voz dele em seus ouvidos, o peso do corpo másculo sobre o seu - todas as coisas que nunca mais sentiria. Outros homens poderiam surgir em sua vida, mas nenhum deles jamais seria como Rafe.

Ela desceu logo para o jantar, pois não podia mais suportar a solidão de seu quarto. Preparou um drinque e sentou-se perto da porta, com o copo na mão, observando a água da piscina. Parece que ia haver uma tempestade, dava para se perceber a eletricidade no ar. A última acontecera no lago, na noite em que Rafe lhe dissera que a relação deles no futuro estava em suas mãos. Ela ainda não o amava, mas não demorou muito para que isto acontecesse. E agora estava indo embora, voltando à Inglaterra. Só que a Inglaterra não era mais o seu lugar. Seu lugar era ali, com ele. Sempre seria.

Rafe chegou logo depois. Não fez qualquer comentário ao vê-la. Preparou um Martini e foi sentar-se a uma certa distância dela.

- Você vai tomar o avião das onze para Toronto, amanhã cedo - disse ele friamente - e seguirá para Londres na terça-feira. Fiz reserva para você no hotel do Aeroporto de Toronto. Está bem?

- Obrigada. - Ela tentou manter-se indiferente. - Você acha que poderá conseguir um táxi para me levar ao aeroporto amanhã?

- Vou cuidar disso.

Em seguida houve um silêncio. Ele se récostou na cadeira, com as pernas cruzadas e o rosto totalmente impassível. Tônia fitou-o, cheia de desejo, lembrando-se das carícias dele, e uma emoção muito forte a invadiu. Quando falou, foi lutando contra a vontade de ir correndo para ele.

- Como pretende levar sua vida de agora em diante?

- Exatamente como fiz até agora.

- Conservando suas mulheres longe daqui? - Tônia não o deixou responder; apertou fortemente o copo entre as mãos e continuou: - Eu até aceitaria esta situação, se fosse o caso.

- Mas eu não. - Desta vez ele a fitou, a face tomada por uma expressão não muito distante da cólera. - Deixe as coisas como estão, Tônia.

- Seria melhor do que nada - ela insistiu, num tom desesperado.

- Qualquer coisa é melhor do que nadai

- Para mim não é. Acho que foi bom ter acontecido isso. Afinal de contas, todas as probabilidades eram contra nós.

- Por quê?

- Isto não importa agora. Você vai tomar aquele avião amanhã. O orgulho lhe deu todo o controle de que precisava.

- Irei sem criar problemas.

Houve pouca conversa durante o jantar. Nenhum deles parecia disposto a fazer qualquer esforço para disfarçar. Erguendo os olhos a uma certa hora, Tônia viu Rafe observando-a, cheio de cinismo. Subitamente, sentiu-se grata por lhe terem tirado aquela decisão das mãos. Desejar uma mulher não era o bastante, disse ele, e estava certo. A necessidade física era apenas parte do que sentia por ela...

- Vou dar um passeio a cavalo - ele anunciou, assim que acabaram de jantar. - Quer ir comigo?

A tentação era forte, mas Tônia resistiu. Ficar sozinha com ele agora só poderia piorar as coisas.

- Não, obrigada - disse ela. - Vou ficar aqui com Sean. Sean foi o primeiro a falar, assim que Rafe se afastou.

- Vou odiar esta casa depois que você for embora - ele afirmou melancolicamente. - Vou fazer como combinamos, e procurar um serviço.

- Sua mãe... - Tônia começou a falar, e viu-o sacudir a cabeça.

- É Rafe que ela não quer perder. Ele tem feito mais por ela do que eu jamais teria feito. Mamãe poderia aceitar que você se casasse comigo, mas não com Rafe.

- Você está errado - disse Tônia. - Ela não aceitaria. Ela apenas fingiu, porque sabia que havia uma grande chance de que não houvesse casamento algum. Não foi por acaso que você viu Rafe com Audrey Cooper no rodeio. Eles haviam planejado tudo. - Observou o rosto de Sean enquanto falava, e acrescentou rapidamente: - Audrey nada sabia sobre isso. Ela foi simplesmente a isca para tirá-lo de minhas garras.

Rapidamente, a fúria tomou conta de Sean.

- Eles não tinham direito algum de usá-la desta maneira!

- Não, não tinham. Por outro lado, acho que eles estavam certos em achar que Audrey tem muito mais para lhe oferecer do que eu. Ela é uma garota encantadora, Sean.

- Sei disso. Sempre foi. Ele que se aproxime novamente dela!

- Há uma maneira segura... - Tônia começou a dizer, mas calou-se bruscamente quando a porta se abriu.

Foi Sean quem fez a pergunta, com uma preocupação que não tentou disfarçar.

- O que há. Eva? Minha mãe...

- Fique calmo, sua mãe está bem novamente - disse a enfermeira. - Ela gostaria de ver Tônia.

Duas ou três horas antes, este convite teria deixado Tônia cheia de esperanças. Neste momento, só podia perguntar a si mesma: de que adiantaria? Tudo o que Karen podia desejar dela era o triunfo de vê-la derrotada. Este risco não existia mais.

- Tônia? - Sean parecia incerto. - Pensei que era isto o que você queria.

- Era. - Deu-lhe um sorriso, tomando uma decisão repentina e filosófica. Se Karen desejava satisfação, por que não lhe dar isso? - lá estou indo.

Eva nada disse enquanto subiam juntas a escada. Olhando para aquele rosto feioso. Tônia imaginou se a escolha não fora deliberada por parte de Karen, por causa de Rafe. Certamente uma mulher mais jovem e mais bonita poderia ser uma tentação.

- Há quanto tempo está com a sra. Stewart? - ela perguntou.

- Três anos - foi a resposta.

- É um longo tempo. Acho que agora já deve fazer parte da família.

- Não quero fazer parte da família - disse Eva. - Quando não estou cuidando da sra. Stewart, gosto de minha própria companhia.

- Ela precisa realmente de uma enfermeira em tempo integral?

- Clinicamente falando, não. Sou mais uma acompanhante. - O sorriso que iluminou momentaneamente o rosto de Eva revelou um grande senso de humor. - Nós nos entendemos. Eu a compreendo, entende?

Elas haviam chegado à porta ao fim do corredor. Com a mão no trinco, Eva parou, observando Tônia atentamente.

- Há algo que quero lhe dizer antes que entre aí - ela falou. - Vou embora dentro de poucos meses, por problemas familiares. Meu pai vai precisar de alguém que cuide dele, e eu, evidentemente, é que farei isso.

- Sinto muito. - Esta mulher dedicou a vida a cuidar dos outros, pensou, mas não parece lamentar pelo que poderia ter sido. - Acho que não estarei mais aqui.

- Eu sei, ela me contou. - A hesitação foi breve. - Você está errada em partir. O sr. Stewart não está fazendo nenhum bem agindo dessa maneira. Ela precisa compreender que ele tem tanto direito à liberdade quanto ela.

- Como? Considerando o que aconteceu esta tarde, parece muito pouco provável que ela aceite isso.

- Ela não vai morrer por causa do que aconteceu esta tarde. Se acontecesse alguma coisa ao sr. Stewart, aí sim seria diferente. Ela não teria mais ninguém então.

- Ela teria Sean.

- Que lhe dá em troca apenas o que recebe. - Eva disse isso sem rancor. - O que ela realmente precisa é de toda uma família para ter onde se apoiar, netos para cuidar. Se algum dia Sean se casar, será daqui a anos, e não consigo imaginá-lo ficando aqui para confortar a mãe. Não sem que ela perceba o sacrifício que ele está fazendo. Rafe é diferente. Ele se preocupa muito com ela. Este é o problema.

Tônia sentiu um aperto no coração.

- Mesmo que eu concorde com você, isto não vai alterar nada. Ele é a única pessoa que pode fazer alguma coisa, e não fará.

- Você pode fazer alguma coisa. Talvez ache que ela tenha pedido para vê-la apenas para escarnecer de você, mas não foi essa a impressão que tive. Eu disse que ela estava tranqüila novamente, mas somente em relação ao estado físico. Emocionalmente, está muito deprimida. Pode ser que finalmente ela esteja vendo as coisas de maneira correta. Você saberá quando conversar com ela.

- Eva, o que a faz ter tanta certeza de que sou a pessoa certa?

- O seu caráter - foi a resposta. - Você faria muito bem a toda essa família.

Tônia duvidava disso. Já havia criado problemas demais. Eva estava bem-intencionada, mas baseada em poucos fatos. Rafe não queria mais que ela ficasse.

O quarto era grande e arejado, mobiliado apenas com o necessário, e havia espaço mais do que suficiente para a cadeira de rodas movimentar-se em qualquer direção.

Karen estava deitada numa cama alta e estreita, com a cadeira de rodas perto.

- Você pode nos deixar a sós, obrigada, Eva - disse ela. - Estou bem acomodada.

Tônia ficou onde estava, junto à porta, quando a enfermeira saiu novamente. Havia algo diferente naquele rosto junto aos travesseiros brancos. Karen parecia mais velha e estivera chorando.

- Sinto muito - disse ela impulsivamente. - Eu lhe causei uma porção de problemas vindo para cá. Não tenho como me justificar. Fingir ser noiva de Sean foi algo imperdoável.

- Sim, foi. Por que você concordou com isso?

Não havia nenhum sentido em disfarçar. Não tinha mais importância agora.

- Para estar com Rafe - disse Tônia. - O amor faz com que todos nós cometamos tolices às vezes. Em certos aspectos, você é tão culpada quanto eu. Eu nunca teria me apaixonado por ele, se você não o tivesse mandado afastar-me de Sean.

- Você acha que já não cheguei a essa conclusão? Karen estava impassível. - Eu não sabia como era você. Talvez eu devesse ter imaginado, pela atitude de Rafe, quando falou a seu respeito. Ele não relutou muito em fazer o que eu lhe pedi. O que não calculei é que ele se apaixonaria por você.

- Ele não está apaixonado por mim - disse Tônia, sentindo a mágoa daquela declaração. - Não do jeito que você está falando.

Karen demorou um pouco para responder. Seu rosto demonstrava confusão.

- Ele a pediu em casamento - disse ela finalmente. - Pelo menos, me disse que ia fazer isso.

- Ele pediu e eu aceitei. Só que não teria durado. Ele mesmo admitiu esta noite.

- Então por que ele fez isso?

- Para ser honesta, acho que foi porque você o forçou a isso. Ele precisava de um pára-choque, do mesmo jeito que Sean achava que precisava de mim.

- Contra mim? Tônia obrigou-se a prosseguir. Eva conhecia aquela mulher melhor do que ninguém, precisava confiar no julgamento dela.

- Sim, contra você. Você não via motivo algum para deixá-los ser independentes quando você mesma não podia ser. Especialmente Rafe, porque ele a deixou neste estado. Não estou certa?

- Ele me fez uma promessa! - Karen falou impetuosamente.

- Que ainda está mantendo, que também manteria sem se sentir preso.

- Desde que outra mulher o permitisse. Você faria isso?

- Sim, eu faria. Pois não acredito em posse total. Rafe não ficou com você por obrigação; ficou porque a ama o suficiente para querer ficar. Uma vez ele me disse que você era a pessoa mais corajosa que ele conhecia, porque jamais se deixara dominar pela amargura. Acho que ele estava errado. Você nunca demonstrou sua amargura, apenas isso.

Os olhos de Karen estavam fechados, o corpo todo trêmulo. Quando falou, foi quase sussurrando.

- Você faz alguma idéia do que é viver dessa maneira? Ver todas as coisas e pessoas de uma cama ou de uma cadeira? Rafe estava no carro também, mas ele pode andar.

- E o pai dele morreu. - Tônia havia se aproximado da cama, movida pela compaixão. - Não, não consigo imaginar como deve ser. Acho que ninguém consegue, a não ser que já tenha passado por essa experiência. Entretanto, acho que é melhor do que estar morto. Você tem os olhos, a audição e pode usar as mãos. Por que não tenta empregá-los, para encontrar alguma compensação? Pintar, escrever um livro. Você pode ter talentos que nunca imaginou. Pense naqueles tão impossibilitados quanto você, que não têm todos os meios e luxos que você provavelmente não considera um privilégio.

Neste ponto ela parou, imaginando se não havia ido longe demais. Os olhos de Karen estavam abertos novamente. Mas ela parecia congelada. Tinha o rosto mortalmente pálido.

Então, subitamente, aquela impassividade foi rompida. A mão dela procurou, vacilante, a mão de Tônia.

- Não vá embora - disse ela baixinho. - Quero que você fique.

- Eu não posso. - Tônia falou muito gentilmente. - Rafe não me quer mais.

- Por minha causa. Porque tornei isso impossível. Não acontecerá novamente.

- Não é somente isso. Ele não confia em mim. Ele realmente não acredita que nunca encorajei Craig Shannon.

- Talvez porque você não tenha sido honesta com ele sobre outras coisas. - Karen sorriu levemente ao perceber a súbita tensão nas mãos de Tônia. - Um homem chamado Randy Stevens, por exemplo.

- Como foi que ele soube? - foi a vez de Tônia murmurar. Sua mente lutava para se livrar da confusão.

- Assuntos complicados. - Karen apertou a mão de Tônia. - Sente-se na cama, Tônia. - Só depois que Tônia obedeceu ela prosseguiu, num tom melancólico: - Sabe, eu precisava ter um trunfo na mão, caso o resto falhasse, por isso pedi a um amigo que investigasse sua vida no Departamento de Imigração. Consegui o endereço de onde você ficou quando chegou ao país, o mesmo endereço do homem responsável por você. E contei a Rafe, naturalmente. Ele me disse que você relutara em contar o motivo que a trouxera ao Canadá, e que agora ele podia entender por quê.

- Ele imaginou que eu vivo com Randy, não foi?

- Acho que nós dois imaginamos. - Karen fez uma pausa, observando seu rosto. - E não vivia mesmo?

- Não. Eu...

- Guarde isso para Rafe. Ele é o único que tem o direito de ouvir, se é que alguém tem esse direito.

- Para quê? - Tônia perguntou, num tom desolado. - Ele não vai acreditar. Provavelmente nem vai querer me ouvir.

- Então você terá que fazer com que ele a ouça. Assim como me fez ouvi-la, há poucos minutos. - O sorriso dela era estranho. - Nunca ninguém me havia dito as coisas que você disse. Se você ficar, vai fazer um bem tanto a mim como a Rafe. Você poderia me ajudar a manter as coisas em perspectiva.

- Se eu ficar...

- Eu acho que não há muita dúvida quanto a isso. Assim que vi vocês dois juntos pela primeira vez, eu soube o que Rafe sentia.

Impulsivamente, Tônia se inclinou e beijou o rosto de Karen.

- Se tivéssemos oportunidade, acho que nos tornaríamos ótimas amigas.

- E se eu puder fazer alguma coisa para isso, nós teremos a oportunidade - prometeu Karen. - Por que você não vai procurá-lo agora? Diga-lhe que eu desejo vê-lo.

- Ele foi andar a cavalo.

- Então nós duas vamos ter que esperar. - Karen ergueu os olhos quando bateram à porta. - Pode ser ele, agora.

Não era ele, e sim Eva.

- Se já acabaram de conversar, está na hora de tomar seu banho - ela anunciou.

Foi Tônia quem respondeu enquanto se levantava da cama.

- Já acabamos de conversar, sim.

- Apenas por ora - Karen afirmou, com uma certeza que Tônia gostaria de compartilhar. - Amanhã é um novo dia.

Lá fora, no corredor, Tônia ficou indecisa por um segundo ou dois. Se ela descesse novamente, lá estaria Sean, com as inevitáveis perguntas, e ela não sabia se agüentaria isso. Precisava ficar sozinha para pensar. Ia ser muito difícil ver Rafe novamente, depois do que ele lhe dissera. Contar-lhe a respeito de Randy de um jeito que ele pudesse compreender, parecia impossível.

Estava frio em seu quarto. O ar-condicionado fazia um ruído suave.

Retirando os sapatos, ela se deitou na cama, deixando o pensamento vagar, pois fazer planos para o futuro não ia levá-la a lugar nenhum. Se Rafe aparecesse, podia ser apenas para lhe dizer adeus... Pedi-la em casamento fora um impulso do qual rapidamente se arrependera. Ele não cometeria o mesmo erro novamente.

O estrondo de um trovão a trouxe de volta à realidade, fazendo com que desse um pulo da cama. Tônia nunca tivera medo de tempestades, mas aquela era muito forte, capaz de atemorizar qualquer um.

Ela viu que eram dez horas. Rafe não viria mais procurá-la. Se ele já tivesse ouvido o que a madrasta tinha a lhe dizer, obviamente decidira que agora fazia pouca diferença. Ela iria embora na manhã seguinte, como estava planejado.

O barulho da chuva era tão forte quanto o do trovão. Tônia foi até a janela. Qualquer pessoa lá fora ficaria ensopada em segundos. As tempestades naquela região eram fortes, mas geralmente não duravam mais do que uma hora, deixando o ar limpo e a temperatura agradável. Enquanto isso, só podia esperar. Já esperara muito hoje.

As batidas à porta foram simultâneas ao estrondo de um trovão, deixando-a em dúvida se haviam batido ou não. Somente quando tornaram a bater é que ela foi abrir a porta, fitando o homem ali parado com uma estranha impassividade. A expressão dele nada dizia.

Ele devia ter vindo fazer uma visita social.

- Fiquei mais tempo lá fora do que pretendia. - Rafe fez uma pausa, ainda sem mudar de expressão. - Karen disse que você tinha algo para me contar.

- Isto foi tudo o que ela disse? - perguntou Tônia, e viu a boca máscula tremer ligeiramente.

- Não, não foi. Não sei como você conseguiu, mas ela quer que você fique.

- Você quer? - Sua voz era baixa. - Ou dependendo que eu tenha para lhe contar?

- Talvez da maneira como você contar. Posso entrar, ou vamos conversar aqui no corredor mesmo?

Olhando para aquele rosto inflexível, Tônia sentiu-se invadida por uma cólera, que assumiu enormes proporções em poucos segundos.

Por que deveria abrir-lhe o coração, se ele não estava disposto a fazer o mesmo? Se ele não confiava nela agora, dificilmente iria acreditar no que ela lhe contasse.

- Não vamos conversar, não - disse impetuosamente. - Acabei de mudar de idéia! Não tenho que lhe provar nada, Rafe. Prefiro não vê-lo nunca mais, a viver com um homem que não pode confiar em seu próprio julgamento!

Rafe impediu que a porta se fechasse e, com um rápido movimento, entrou no quarto. Tônia só pôde sentir confusão quando ele a atraiu para si, procurando seus lábios ansiosamente. Ela parou de pensar finalmente, tendo consciência apenas de que o amava e o desejava de uma maneira que transcendia a todas as dúvidas.

Deitado com ela nos braços, minutos ou horas mais tarde, ele olhou para seu rosto com um sorriso nos lábios.

- Desculpe-me, eu não devia ter feito isso.

- Estou contente que o tenha feito - disse ela suavemente. - Eu te amo, Rafe.

- Eu também. - A voz dele também era suave. - E é para sempre. Chega de suspeitas. Estou pronto a admitir que você pode me querer apenas por mim mesmo.

- Quanta modéstia! - ela zombou. Em seguida, ficou novamente séria e acrescentou, num tom estranho: - Eu não me importo realmente em lhe contar sobre Randy, você sabe.

- Uma outra hora - disse ele. - Deixou de ser importante no momento em que você me jogou tudo na cara da maneira que fez. Tenho sido um tolo. Poderia ter perdido você.

- Poderíamos ter perdido um ao outro - corrigiu ela. - Mas isto não aconteceu, não é? Percebemos a tempo. - Tônia esfregou o queixo carinhosamente no rosto dele, sorrindo ao fazer isso. - Você fez a barba novamente, isto quer dizer que planejava este assalto?

- Talvez... Eu só tinha certeza de que a queria fisicamente.

- Mas agora, não.

- Não - disse ele, e não havia nenhum engano naqueles olhos. - Desta vez estou vencido. Case-se logo comigo, Tônia.

- Ela o abraçou fortemente, pensando em tudo o que teria pela frente. O futuro de Sean ainda precisava ser acertado, e não ia ser fácil convencer Karen. No entanto, sempre se podia encontrar soluções, se a gente lutasse para isso, e, com Rafe como seu marido, como fracassar?

- Quando você quiser - disse ela.

 

 

                                                                  Kay Thorpe

 

 

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