Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites
FILHO ADOTIVO
A INVÁLIDA
Defrontei-me com um cuidadoso jardim, que circundava a frente de uma bela e confortável residência, situada num bairro nobre de uma grande cidade brasileira.
Flores singelas perfumavam a varanda em forma de U, abrigando cadeiras confortáveis, demonstrando ser uma parte da casa admirada por seus moradores.
— Que bom que tenha vindo, Antônio Carlos! Alegro-me e agradeço sua presença. Estava à sua espera, disse Antônia, vindo ao meu encontro.
Antônia me é muito querida. Participamos juntos, por muito tempo, de um trabalho devotado nas enfermarias de um Hospital no Plano Espiritual, onde de interna passou a auxiliar com dedicação, compreendendo os enfermos, lembrando os próprios infortúnios de outrora.
Encontrava-se no momento em missão de caráter particular junto a seus entes queridos. Defrontando-se com um delicado problema, minha amiga pedira meus conselhos e auxílio.
— Sou muito grata aos nossos mentores que permitiram sua presença aqui. Venha, Antônio Carlos, entremos, falou Antônia indicando-me o caminho.
Passamos à sala de estar, ambiente espaçoso, decorado com gosto. Ao lado de uma grande janela, dando vista para o jardim, estava sentada em uma cadeira de rodas uma senhora de agradável semblante. Muito magra, de cabelos encaracolados que caíam aos ombros, olhos verdes tristonhos e expressivos. Olhava distraída para o jardim, rugas profundas marcavam a testa, demonstrando preocupações.
Aproximamo-nos.
— É Ofélia, pessoa boníssima, a quem devo tanto..., esclareceu-me Antônia.
Ofélia saiu do seu torpor suspirando, olhou pela sala certificando estar realmente sozinha, retirou do bolso uma carta e segurou-a contra o peito. Lágrimas doloridas desceram pelas faces pálidas.
— Deve estar com quarenta anos, comentei, observando-a.
— Quarenta e um, esclareceu Antônia. Há onze anos está sem andar nesta cadeira de rodas, após um violento acidente.
Ofélia não nos viu, não era médium, porém, estava com sua intuição aflorada pelos anos de meditação, pela oração sincera e diária e por sua resignação. Bastou Antônia mencionar o acidente para recordá-lo.
Acompanhamos suas lembranças:
“Em uma tarde, saíra a passear com os filhinhos. Os pequenos inquietos tomavam-lhe toda a atenção de mãe extremosa e cuidadosa. Ia orgulhosa de sua família, para ela não havia rebentos mais lindos. Todos arrumados como se fossem a uma festa, chamavam a atenção dos passantes, principalmente à menina que parecia uma boneca com seu vestido de rendas e seu jeitinho dengoso.”
Quando, de repente, a caçula escapa-lhe das mãos, indo em direção à rua movimentada.
— Carla! - gritou apavorada, volte!
A menina pareceu nem ouvir, começou a atravessar a rua, Ofélia viu apavorada um carro vindo ao encontro da menina em alta velocidade. Correu atrás da filha, naquele instante só pensou em salvá-la, instintivamente, saltou e empurrou a filha para a calçada. O motorista tudo fez para evitar o acidente, não conseguiu parar a tempo nem ela de evitar o choque com o veículo.
Ofélia sentiu o baque, ouviu o barulho, com esforço procurou a filha, vendo-a de pé a seu lado, perdeu então os sentidos.
Acordou dias após, em um hospital, as lembranças do acidente vieram aos poucos, só se preocupou com as crianças, quis vê-las, quando as viu bem, chorou emocionada, ao ficar a sós orou agradecida e repetia, sempre:
“Obrigado meu Deus, por ter salvado minha filha!”
Quarenta dias ficou em tratamento intensivo, dormindo muito, tinha o corpo quase todo gessado. Ao melhorar, foi para um quarto onde sentiu-se mais forte e tranqüila. Foi então que notou que não sentia as pernas.
— Deve ser pelo gesso, pensava.
Não querendo preocupar-se, só pensava em ficar boa e regressar ao lar; não deu atenção ao fato, até que o gesso foi retirado. Aí, tentou movê-las, não conseguiu, olhou aflita para o médico e recebeu a explicação.
— Dona Ofélia, a senhora por algum tempo não poderá caminhar foram muitas as fraturas...
— Fale a verdade! Devo saber, estou inválida? Andarei novamente?
— Que podemos nós, simples médicos, afirmar, o futuro é de Deus. O progresso da Medicina é grande, todos os dias surgem novidades e...
Parou o bondoso clínico, procurando uma melhor explicação.
— Entendo doutor, não andarei mais.
— Por enquanto, não, Dona Ofélia. Acharemos um modo de ajudá-la, voltará a andar.
Chorou muito, nunca dera valor às suas pernas que a locomoviam, nunca tinha pensado na sua importância.
— Não correrei mais com meus filhos! Não andarei mais! - repetia lastimando-se.
Depois da crise de choro, tornou-se apática e tristonha, evitando a todos, respondendo com monossílabos às indagações que lhe faziam. Ao receber alta, não quis voltar ao lar, preferindo ficar no hospital.
Paulo, seu esposo, não se conformou, e insistiu:
— Ofélia, querida, não recuse a voltar ao nosso lar, necessitamos tanto de você!...
— Ninguém necessita de uma inválida!
— Não fale assim, nós necessitamos de você. Ofélia, estamos unidos pelo amor, na alegria como também nas dificuldades. A luta é nossa e venceremos. Voltará a andar, tenho esperança e confio. Visitaremos os melhores médicos, será questão de tempo, ficará curada. Deve ter paciência, reaja, não fique assim, sofremos com você, nos sentimos rejeitados, as crianças acham que não gosta mais delas, acham que não são mais importantes a você. Foi heroína, Ofélia, salvando nossa filha, agora se acovarda?! Teve coragem de enfrentar a morte e não tem para enfrentar a vida? Que seria de nós, Ofélia, se você tivesse morrido? Somos gratos a Deus, por Ele ter nos deixado você. As crianças e eu sentimos tanto sua falta, elas perguntam a cada instante, quando volta.
— Mas, Paulo, não será a mesma coisa, não poderei correr, brincar, passear com elas.
— Graças a Deus, Ofélia, podemos ter babás, empregadas, substituindo-a nos trabalhos físicos, porém, querida, ninguém substitui seus carinhos e amor. Quem conversará com eles? Quem dará ordens na casa? Quem manterá a paz entre eles? Ou supervisionara para que sejam bem cuidados? Não sei fazer isso, não tenho tempo, sempre fez e deve continuar a fazê-lo. Nossos filhos esperam-na ansiosos, já discutem planejando quem ajudará você primeiro. Sabem que você voltará numa cadeira de rodas, mas que voltará. É de sua presença que necessitamos, não nos importa como. Queremos você conosco!
Paulo chorou comovido.
Entendeu, então, que não sofria sozinha.
O esposo tinha razão, os filhos deviam estar tristes, sentindo sua falta, nunca tinha se separado deles antes. Se Deus a poupou, deixando-a porém inválida, deveria ter Seus motivos. Não devia ser egoísta, por que fazer os entes que amava sofrer? Não andava, mas amava-os como antes, ou mais ainda, cabia a ela regressar ao lar e tranqüilizá-los. O importante era a felicidade deles, a ela bastava tê-los, e ser amada, o carinho deles dar-lhe-ia forças e esperança para continuar vivendo e voltar a andar.
— Paulo, prepara-me, volto com você, querido.
— Obrigado, Ofélia!
A enfermeira trouxe a cadeira, bonita, nova, comprada pelo esposo, para seu melhor conforto. Olhou-a e sentiu que ia ser dali para frente, a cadeira, companheira por anos. Afastou a idéia e procurou alegrar-se.
As crianças ficaram tão contentes em vê-la em casa, cercaram-na de mimos e carinhos que se arrependeu de não ter voltado antes para casa e de ter se amargurado tanto. Sentiu-se bem no seu lar.
Logo, tomou a direção da casa, sua sogra voltou para sua casa. A mãe de Paulo ficara com as crianças durante o tempo em que estivera no hospital.Agradeceu de coração a D. Ivone, reorganizou os horários, afazeres domésticos, planejou ficar e cuidar dos filhos do melhor modo possível.
Aprendeu a lidar com a cadeira de rodas, logo estava se locomovendo com facilidade pela casa toda, esforçou-se e aos poucos foi conseguindo cuidar de si mesma.
Começaram as visitas aos facultativos de renome.As explicações ouvidas eram sempre as mesmas. Estava viva por milagre, tinha fraturado a coluna dorsal e não poderia andar mais.
Foi diminuindo a esperança de andar novamente e,aumentando a coragem, recusou-se a ir a novos médicos.
— Paulo, pediu, por favor, vamos parar com estas visitas a consultórios médicos à procura de milagres, isto só está nos fazendo sofrer. Estou bem, conformei-me, aceite-me assim, por favor.
— Ofélia, amo-a, só sua presença é felicidade. Faremos sua vontade, mas ficarei atento, se surgir algum tratamento...
— Aí, voltaremos a procurar.
Resignou-se, aceitou sua provação como uma vontade do Alto como algo que tinha que ser. Passou a querer bem sua cadeira, como uma companheira que a ajudava a se locomover, que lhe fazia às vezes de perna. Esforçou-se no começo para não se queixar, lutou contra a autopiedade, passou a se dedicar com todo carinho aos problemas dos seus, facilitando e alegrando a vida deles. Faleceram os sogros e a família ficou sendo os cinco. As crianças se acostumaram a vê-la na cadeira de rodas, achavam normal e os anos foram se passando sem novidades.
Ofélia despertou de suas lembrança com um suspiro, limpando as lágrimas.Olhou para o jardim, seu recanto preferido. Não estava com vontade de ir à varanda onde passava sempre horas, lendo, bordando, até mesmo admirando suas flores.
Aproximei-me de Ofélia, vi suas pernas fracas definhando.
— Deve sentir muitas dores, comentei.
— Sente sim, esclareceu Antônia, mas não se queixa, não reclama, evita até de comentá-las. É o anjo deste lar.
Ofélia olhou para a carta que tinha nas mãos, abriu-a relendo. Era uma carta de suas irmãs Rosa e Zélia, contando de maneira simples suas dificuldades em Recife, após a morte de Odair, esposo de Zélia, ocorrida há mais de seis meses. Estavam sem meios de sobrevivência, não conseguindo emprego nem conseguiam se sustentar com a minguada aposentadoria que Zélia recebia. Parecia, comentavam, que tudo estava dando errado, nem seus artesanatos estavam vendendo. Não tinham meios de continuar pagando o aluguel do apartamento que já estava atrasado.
Ofélia parou de ler, a imagem das irmãs veio-lhe à mente. Zélia, a mais velha, parecia-se fisicamente com ela, Rosa, a caçula, era delicada, meiga e mais clara. Faziam belíssimas peças de artesanato, eram verdadeiras artistas. Sabia que Zélia não estava bem de saúde, piorando com a morte do esposo que muito amara.
—Tenho saudades de vocês, minhas irmãs, há tanto tempo que não as vejo, balbuciou a inválida.
Voltou à leitura.
Sem outros parentes, sem recursos, apelavam a ela para ajudá-las. Queriam retornar à cidade natal de onde tinham saudade. Depois, frisavam, a família delas eram Ofélia e os filhos.
— É verdade, exclamou baixinho, interrompendo novamente a leitura.Eram três irmãs, Zélia há anos mudara para Recife, quando se casou com Odair,não tiveram filhos; Rosa estava solteira e com Zélia morava há tempos.
Voltou a ler.
Estavam saudosas dos sobrinhos que tão pouco conheciam, mas há quem muito amavam. Pediam para aceitá-las por uns tempos até que arrumassem onde ficar e trabalho para se sustentarem. “Com você, diziam, procuraremos ajudá-la a cuidar da casa ou lhe fazendo companhia.” Finalizavam mandando beijos e abraços e que aguardavam ansiosas pela resposta.
Ofélia suspirou, segurou firme a carta, pensou:
— Com nossos pais mortos há tantos anos, somos só nós três. Tanto tempo sem nos vermos! Posso ajudá-las, financeiramente estamos bem, Paulo progride nos negócios e espaço nesta casa não falta. O que elas me pedem é tão simples e tão complicado, ao mesmo tempo.Não posso deixar de ajudá-las, não lhes faltará dinheiro, mas, morar aqui, em minha casa, como é possível? O passado está, realmente, morto para nós? Meu Jesus orienta-me. Que faço? Ajuda-me a fazer o certo.
Orou suplicante, sua voz fez eco em nossos corações.
— Mãe! Mamãe, onde está a senhora? - gritou da varanda um jovem agradável e alegre, rompendo o silêncio que reinava até então.
Ofélia guardou rápido a carta no bolso, ajeitou-se e tentou sorrir, pensou: “É melhor que não a vejam ainda, devo primeiro pensar e encontrar um meio de ajudá-las sem criar-me problemas.”
Respondeu com voz carinhosa.
— Estou aqui, Caio.
O jovem, alto, esbelto, na euforia dos seus vinte anos, entrou na sala correndo, indo ao encontro da mãe...
— Mãezinha, estou com uma fome... Papai, já veio? - beijou-a na testa presenteando-a com um belo sorriso.
— Ainda não, não deve tardar.
— Parece abatida. Que tem? Sente algo? Foi ao médico? Precisa de alguma coisa?
— Quantas perguntas, respondeu sorrindo. Não tenho nada, não se preocupe, sinto-me bem. Só não tive hoje vontade de ir à varanda.
— Ainda bem!
Sentou-se no sofá e pôs-se a examinar um caderno. Voltava da Faculdade, onde cursava o terceiro ano de Administração de Empresas.
Antônia emocionou-se, aproximou-se de Ofélia com muito carinho, disse de mansinho numa comunhão espiritual amorosa que Ofélia encarnada não escutou com os ouvidos físicos, mas sim com a Alma.
“Amiga, ser mãe é mais que dar a vida física. A verdadeira mãe é aquela que acompanha todos os passos de seu filho. Ama seus filhos sem diferença. Agradeço-lhe. Deus lhe pague! Amo Caio, mas, ele é seu!”
Ofélia olhou para Caio com muito amor, sentiu as vibrações carinhosas da amiga espiritual, mas, sentiu ciúme do filho, ciúme de mãe, e pensou: “Caio é tão lindo! Não parece com Paulo, às feições são diferentes. Do Paulo tem a voz, tão parecidas... É tão bom este meu filho, companheiro alegre, irmão dedicado,é querido por todos.Os empregados o respeitam e estimam, tanto os de casa como os do escritório. Sempre atencioso e educado com todos. Preocupa-se tanto comigo, me dá tanta atenção e carinho, muito mais que os outros dois. Quero-os como mãe, iguais, mas a Caio amo diferente, talvez por ser ele adotivo. Será que se soubesse, amar-me-ia assim? Por Deus! Não quero nem pensar em perdê-lo! É meu, é nosso! Criamo-lo, cuidamos sempre dele com tanto amor. Ele não deve saber nunca! Lutarei por ele, é meu! Afastarei quem tentar roubá-lo de mim. Pessoa alguma e por nenhum motivo tem o direito de querê-lo agora. Que pensamentos tolos estou tendo, não devo pensar nisto. Caio é meu! Só meu!”
Caio levantou-se, retribuiu o olhar carinhoso da mãezinha e rumou para outra parte da casa levando seus objetos escolares.
Logo entrou na sala, toda alvoroçada, uma encantadora mocinha de quinze anos, sorridente e feliz. Magra, miúda, rosto redondo, com pequenas sardas enfeitando o nariz arrebitado, cabelos curtos, muito bonita. Vestia uniforme, com estampa de um colégio afamado, chegava da escola.
— Mamãe, está bem?
Sem esperar resposta, jogou seus cadernos no sofá e rodou pela sala, ensaiando uns passos de dança em voga, voltou para a mãe e pediu:
— Mãe, sábado Cidinha dará uma festa, posso ir? Posso comprar aquele vestido azul de que lhe falei ontem? É tão lindo! Por favor...
— Se Caio ou Sérgio levá-la, pode ir.
— Farei meus manos levarem-me, ou mesmo papai. Não quero perder a festa, a turma toda vai estar lá, quero ir bem bonita...
Ofélia sorriu, Carla saiu da sala cantando, feliz.
Carla também é bonita, pensou, parece tanto com Paulo. É tão bom vê-la alegre, a dançar, a pular pela casa. Agradeço a Deus por ser eu a estar nesta cadeira. Como seria triste, mais sofrido para mim, se não tivesse conseguido salvá-la das rodas daquele automóvel. Não posso reclamar, já vivi muito, Carla era uma criança, agora é jovem, sadia. Seria bem pior para mim, vê-la nesta cadeira.
Conversas animadas ouvimos na sala, Ofélia virou a cadeira para a porta a esperar que entrassem. Eram Paulo e Sérgio que a cumprimentaram e continuaram conversando sobre o curso de Química Industrial que Sérgio cursava. Paulo era forte, aspecto agradável, claro, quase louro, tinha sardas espalhadas pelo rosto, estava sempre de bom humor, orgulhava-se dos filhos e gostava de conversar com eles, sobre seus estudos e planejava deixá-los em seu lugar.
— Ofélia, disse Paulo, busquei Serginho hoje na escola, bom colégio, muito bonito, gosto de vê-los estudando. Caio deverá assumir nos escritórios e Sérgio nas fábricas. Que dupla! Que filhos!
Sérgio sorriu, contente, adorava o pai, era muito bonito, estava sempre rindo feliz, entusiasmava-se por tudo,dificilmente parava quieto, era mais baixo que o irmão, também como Carla, tinha sardas pelo rosto, mas, era fisicamente parecido com a mãe.
— Que fome! - exclamou.
Correu a empurrar a cadeira da mãe e passaram à sala de refeições.Ficando Antônia e eu, minha amiga esclareceu-me:
— São estes os membros da família, com seus problemas corriqueiros, vivem em paz e harmonia. Mesmo Ofélia, se sofre fisicamente, espiritualmente está bem, embora esteja indecisa no momento. Deve estar querendo saber, Antônio Carlos, o porquê de ter pedido seu auxílio? O problema existe, só que eles não o sabem, minha amiga suspirou triste e continuou:
— Sou, fui uma mãe má, abandonei meu filho recém-nascido, sem sequer vê-lo e Ofélia o criou. Sim, Caio é meu filho, que imprudentemente tive. Graças a Deus, não fiz falta a ele, é tão amado, tão querido, já é homem, tem responsabilidades e até pensa em se casar. Namora firme, Cidinha, esta mencionada por Carla, que dará a festa. As famílias são amigas. Paulo é muito amigo de Marcelo, pai de Cidinha. O namoro agrada a todos e torcem para que os jovens se casem. Porém, Antônio Carlos, não tive só este filho, não foi só a Caio que abandonei. Tive também uma menina, que também não conheci, desencarnei ao tê-la. Há tempos descobri o paradeiro de meus filhos, visito-os raramente, foi muita alegria vê-los bem e amados. E agora, ao visitá-los, descobri que se namoram. Minha filha é Cidinha, a namorada de Caio. Como deixar que se unam? Como separá-los? Só eu sei deste fato, deste segredo. Martirizo-me. Não sei como ajudá-los. Não quero que sofram. Ajuda-me! Ajuda-nos, Antônio Carlos!
CISMAS PROFUNDAS
— Ânimo, Antônia, confiemos nas Leis Divinas, estudaremos a situação e acharemos um modo de evitar que se casem, disse, confortando-a.
Após a refeição, voltaram à sala e conversaram animadamente por minutos, decidiram que Carla iria à festa com os irmãos. Paulo levantou-se.
— Volto ao escritório, vem comigo, Caio?
Despediram-se e Caio beijou carinhosamente a mãe. Sérgio foi para o quarto estudar e Cana saiu eufórica para comprar o vestido para a festa.
Novamente Ofélia ficou só, em vez de fazer algo para se distrair como sempre — ora bordava, lia, ouvia rádio ou via televisão — pôs-se a pensar.
“Era de família de poucos recursos financeiros. Adolescente, a mãe morrera, depois de prolongada doença. O pai, homem bom, mas triste, não se preocupava muito com as filhas, embora as amasse muito.Estudara até o antigo curso ginasial em escolas públicas,como as irmãs.Adolescentes começaram a trabalhar para se manter e ajudar nas despesas da casa. Seu pai ganhava pouco e não se interessava em melhorar, tornou-se mais apático ainda após morte da esposa. Zélia começou a namorar Odair, vizinho e de família amiga. Rosa conhecera Paulo no seu trabalho, falava dele o tempo todo, lembrava direitinho do entusiasmo dela falando dele.”
— É lindo, gentil e inteligente! O que me preocupa é que ele é de família rica, talvez os seus queiram moça melhor para ele. Meu coração bate mais forte só de lembrar o dia em que ele entrou na loja para comprar camisas. Nem acreditei quando ouvi o convite que me fez para sair com ele.
Após meses de namoro, todos estávamos curiosos por conhecê-lo e Rosa o trouxe em casa. Logo que o vi, percebi que Paulo era diferente, atraente e não Consegui tirar os olhos dele. Ele percebeu e também olhou-me.
Nunca me interessara por ninguém, tivera alguns namoricos sem importância. Paulo interessava-me e não estranhei, pareceu-me normal, que na tarde do outro dia ele estava a esperar-me na esquina da loja em que trabalhava. Era balconista em uma pequena loja, Rosa e Zélia também, Só que em lojas diferentes e a que eu trabalhava ficava distante da delas.
Cumprimentou-me sorrindo, dissera que estava passando por ali e resolvera esperar-me para conversar um pouco.
A intuição que tive era de que o conhecia há tempos, palestramos animados sem sequer tocar no nome de minha irmã. Paramos numa praça e não sentimos o tempo passar.
— Agora tenho que ir, disse-me, assustado com a hora.
Não combinamos outro encontro, mas com freqüência Paulo passou a esperar-me. Não contara a ninguém, porém comecei a me sentir culpada, principalmente quando Rosa começou a se queixar da indiferença do namorado.
Um dia, Paulo convidou-me para irmos ao cinema, onde confessou seu amor. Alegrei-me, senti que também o amava.
— Há Rosa, disse.
— Não há! Falarei com ela, sem dizer de nós, entenderá.
No outro dia, Rosa chegou em casa chorando, dizendo que Paulo desmanchara o namoro, porque amava outra.
Zélia consolou-a, porém não consegui dizer nada. Rosa era meiga, simples e calma, nunca brigava. Ás vezes, Zélia e eu discutíamos e era Rosa quem nos acalmava. Entristeci ao vê-la sofrer, mas amava Paulo, amenizei meu remorso, pensando:
“Rosa é jovem, este amor passa logo, ela esquecerá, não adiantaria nada renunciar, ele me ama.”
Resolvi esquecer minha irmã e dedicar-me mais ao Paulo. Ver Rosa triste incomodava-me, então, evitei Conversar com ela, nem querendo saber como estava. Conhecia-a e sabia que ela era fiel e que o amor que sentia por Paulo não era fogo de palha e que estava realmente sofrendo.
Encontrava-me com Paulo todos os dias, descobrimos que tínhamos o mesmo gosto, as mesmas opiniões,nunca discutíamos e eu o amava bastante.
Um dia, ao chegar em casa, Zélia esperava-me em frente de casa.
— Ofélia, até quando pretende esconder seu namoro com Paulo?
— Você sabe?!
— Rosa contou-me, viu-os por acaso ontem. Por que fez isto, Ofélia? Rosa não merece, por que roubou-lhe o namorado?
— Não roubei ninguém, ele não a quis mais, nós nos amamos, aconteceu!
— Interessou-se logo por ele, não foi? Quando ele veio aqui, não lhe tirou os olhos. Deve ter dado em cima dele. Que coisa feia! Não se importa nem um pouco com o sofrimento de sua irmã. Você é má!
— Zélia, não se intrometa em minha vida, Paulo e Rosa tiveram um simples namoro e nós nos amamos realmente.
Entrei com raiva em casa, pensei que Rosa me pediria explicações, porém, ela nada disse. Passei a ignorá-las ficando em casa o mínimo possível conversando o indispensável e, como todos já sabiam, não escondi mais o namoro e Paulo ia buscar-me e levar-me em casa.
Zélia, numa cerimônia simples, casou-se, ficando Rosa e eu,e era eu quem pouco conversava, tratando Rosa rispidamente.
Paulo e eu nos amávamos muito. Nosso problema eram pais dele que sonhavam com um casamento diferente para o filho. Paulo era filho único, mimado, mas inteligente e trabalhador, tomava conta de uma pequena fábrica de confecções infantis de seu pai, enquanto este cuidava de uma propriedade rural. Não gostaram da escolha do filho, deixaram isso claro, sem contudo maltratar-me, relacionando-se comigo com frieza e reserva.
Resolvemos nos casar e vi o tanto que Paulo era teimoso, tão obstinado que fez os pais aceitar-me. Paulo deu-me dinheiro para que comprasse o enxoval e seus pais compraram uma casa perto da deles e a mobiliaram. A casa era um encanto, pequena, com dois quartos e um minúsculo jardim. Pela primeira vez, ia morar numa casa de minha propriedade. Meu pai não concordava com o casamento, mas não pôs objeção. Convidei Zélia e o esposo meu ex-patrão e a esposa para serem meus padrinhos.
Não gostava nem de ver Rosa e não a convidei para a cerimônia.
Meu casamento foi lindo, foi o dia mais feliz da minha vida. Ficara muito bonita no vestido que D. Ivone, minha sogra, me dera. Tudo correu bem e a ausência de Rosa não foi notada.
Nunca viajara e entusiasmei-me com os cinco dias que passamos em Petrópolis. Tudo era maravilhoso. Com capricho, arrumei nossa casa. Meus sogros tratavam-me bem,sabia porém que não me amavam. Eram loucos por crianças e não escondiam que queriam netos, que este era seu sonho e desejo. E logo as indagações começaram.
— Então, Ofélia, vai ser mãe? Vamos ser avós? Quando nos dará netos?
No começo sorria ao responder: “Não sei, logo, quando Deus quiser.” Depois começaram a incomodar-me e preocupei- me. Não engravidava e comecei a sentir medo das cobranças que eles me faziam. Paulo enervava-se com os pais e acabava por ofender-me ou então queixava-se.
— Que coisa! Parece que meus pais só pensam em netos. Por que não engravida, Ofélia? Já é tempo de ter filhos. Sabe, eu também sonho em tê-los.
— Eu também quero, não sei porque não os tenho.
Oito meses de casados e as brigas começaram. Meus sogros, principalmente D. Ivone, davam palpites em tudo em casa, ditando leis que deveria seguir e Paulo achava certo. Ele começou a agredir-me, acusando-me por não ter filhos. Vi com tristeza meu esposo afastar-se de casa, ficando muito na casa de seus pais.
Meu pai adoeceu e teve que sair do emprego. Rosa desdobrava-se para continuar trabalhando e cuidar dele. Zélia ajudava-os muito, eu pouco ia vê-lo. Minhas visitas eram rápidas, sabia das dificuldades dos meus, do pouco dinheiro que tinham, levava alguns mantimentos de casa para eles e algumas roupas. Porém, estava mais preocupada com o meu problema, D. Ivone controlava-me em tudo e não tinha coragem de pedir dinheiro ao meu marido que cada vez me tratava mais rispidamente.
— Ofélia, marquei uma consulta para você amanhã, disse certo dia D. Ivone, que resolvera levar-me ao médico sem consultar-me.
“A senhora nada tem, foi à resposta deste e de mais três outros consultados.” Deveríamos esperar.
Papai piorou, além de seu coração fraco, contraíra tuberculose, não quis ser internado. Rosa largou o emprego e ficou cuidando dele com todo carinho. Odair fora transferido para Recife e Zélia a contragosto, mudou-se.
Mesmo sabendo da necessidade de ajudar Rosa a cuidar de meu pai, visitava-os pouco, não demorando. O olhar de D. Ivone acompanhava-me incomodando-me. Meu pai morreu, Paulo acompanhou-me ao velório, chorei sentida, queria bem a meu pai, embora não o amasse. Estava mais triste pela minha situação e senti-me sozinha, sem família. Após o enterro, Paulo deu-me uma quantia razoável de dinheiro para ajudar nas despesas e o dei a Rosa.
Ofélia, disse ela, não aceitaria se não tivesse que pagar tantas contas atrasadas. Zélia ajudou-me com pouco, coitada, nem pode vir ao enterro. Obrigada e agradeça a seu esposo por mim.
Passados uns quinze dias, Rosa veio pela primeira vez em minha casa, na hora que sabia que estaria sozinha.
— Que linda casa a sua, Ofélia. Alegro-me por vê-la tão bem. Não devo demorar-me, vou embora para Recife, vou morar com Zélia. Desfazer-me-ei da casa, quer algo como lembrança? Não?
Então não se importa de que venda tudo, não é? Vou na semana que vem. Despedir-se-á de mim?
— Sim, claro, respondi secamente.
Rosa logo se foi, senti alívio, não queria que descobrisse que não era feliz. Não fui me despedir dela. Soube de sua partida ao receber uma cartinha dela, despedindo-se.
Envolvida com meus problemas, com o afastamento e mudança de Paulo, com o desprezo de meus sogros, com o pesadelo de não engravidar, não liguei para minhas irmãs. Zélia desde que partira, escrevera-me uma só carta, que respondi friamente e Rosa não me escrevera mais.
Sem saber o porquê, as agressões diminuíram, Paulo parecia mais calmo, sentia que ele me amava, só que estava obsedado em dar netos aos pais. As cobranças de meus sogros escassearam e sentia-me culpada e infeliz. Passaram-se os meses. Quantas vezes chorava e indagava o porquê de não ficar grávida, passei a esperar a gravidez com agonia, pressentindo que, se não tivesse filhos, seria o fim do meu casamento.
Estava no mês de junho, naquela noite Paulo estava inquieto, acabando por deitar-se cedo. Foi lá pelas vinte e três horas que ouvimos um choro. Sentei-me na cama para escutar melhor, e Paulo deu um pulo.
— É choro de criança, está ouvindo, Ofélia? Levantou-se rápido, colocou o roupão, foi direto para a porta da frente, corri atrás. Quando abriu a porta, vimos que o choro vinha de uma trouxa de roupas na soleira da porta, peguei-a com o coração aos saltos e vi com assombro que era uma criancinha enrolada num cobertor novo e grosso.
— Ofélia, uma criança! Entremos logo, está frio, coitadinho do menino!
Entramos e Paulo fechou a porta. A criança chorava, acalentei-a no colo, parou de chorar e desembrulhei-a.
— É um menino recém-nascido Paulo. Que faço?
— É nosso, Ofélia. Alguém nos deixou. Coitadinho, é tão pequeno! Acho que devemos colocar roupas nele e alimentá-lo. Também não sei o que fazer. Que tal chamarmos a mamãe?
Concordei com a cabeça, pela primeira vez não achara ruim chamar sua mãe. Num instante, Paulo vestiu-se e saiu. Olhei a criança demoradamente, era linda, rosada, dormia tranqüila, agora nos meus braços, como se sentisse segura no meu lar. Aconcheguei-a e embalei-a.
— Coitadinho! - murmurei. Abandonado ao nascer, deixaram-no aqui, deram-no para nós. Paulo tem razão, é nosso! É meu!
Logo, meus sogros chegaram, passamos a noite em volta do nenê. Estávamos todos contentes, animados, os pais de Paulo foram gentis comigo e desde então não mais me ofenderam.
— É lindo! Como se chamará? - indagou meu sogro.
— Papai, respondeu Paulo, sempre pensei que se tivesse um filho, daria o seu nome. Se o senhor não se importar, gostaria de colocar nele o nome de Caio Neto.
— Claro! Claro! Isto me deixa feliz.
— Amanhã sairei e comprarei um enxoval completo, o que há de mais lindo para ele. Coitadinho, ainda bem que tinha em casa estas roupinhas que doaria às damas de caridade. Cainho é presente de Deus! Meu neto!
Todos concordaram com minha sogra, só mais tarde os fatos chamaram-me a atenção. De D. Ivone vir com Paulo com uma sacola de roupas, mamadeiras, tudo o que uma criança recém-nascida precisa, foi como se ela estivesse esperando-o.
Com medo de que alguém viesse reclamá-lo, não contei o fato a ninguém, nem para minhas irmãs e D. Ivone disse a todos, que meu filho nascera antes do tempo. Não sei o que pensou a vizinhança, quase não saía de casa e não fizera amizade com ninguém.
Minha sogra comprou roupas para ele, tudo limpo e chique, e Caio encantava a todos nós. Passava os dias a cuidar dele, minha sogra arrumou uma empregada para ajudar-me e uma nova vida para mim começou. Paulo voltou a ser gentil, a ficar em casa, meus sogros não implicavam mais comigo e o garoto era nosso reizinho.
— Você, Caio, é a razão de minha felicidade, tudo está certo agora e graças a você, menino lindo!
Caio sorria feliz, como se me entendesse. Ele sempre foi dócil, meigo e crescia lindo e saudável. Não gostava nem de lembrar que não era meu.
Filho é de quem cria! - pensava sempre. Peguei-o, é meu, só meu!
Quando fez um ano que Caio estava conosco, percebi que estava grávida, com a confirmação do médico, contei a todos, muito contente. Meus sogros ficaram felicíssimos, dávamo-nos muito bem, esquecemos todas as desavenças do passado, queria bem a eles e agora sentia que me amavam.
— Meu sonho era ter muitos netos. Que bom, minha filha, abraçou-me o Sr.Caio.
Paulo não participou de nossa alegria, ficou quieto num canto, ao ficarmos a sós com ele, indaguei:
— Não gostou da notícia, querido?
— Gostei, Ofélia, mas penso em Caio, é nosso também, você amará igualmente aos dois?
— Caio é nosso filho. Nosso primeiro. Amo-o tanto, nunca vou deixar de querê-lo. Serão iguais para mim.
— Verdade? - exclamou contente, amará igual sempre? Prometa-me! Que bom esta casa se encherá de crianças e Caio terá um irmãozinho ou irmãzinha. Amo-a tanto, Ofélia!
Nasceu Sérgio, tudo era paz em casa, não se fez diferença, as crianças eram amadas e bem cuidadas. Até esquecemos que Caio era adotivo, nunca mais falamos sobre este assunto.
Das minhas irmãs, sabia pouco, trocávamos cartões de aniversários, natais, com alguma notícia.
Uma vez, Paulo tendo de ir a Recife a negócios, convidou-me para ir junto, meus sogros se ofereceram contentes para ficar com as crianças.
Minhas irmãs acolheram-me com carinho e atenção. Moravam em um modesto apartamento. Zélia não podia ter filhos, falara nisso com tristeza, entendera lembrando de quanto sofrera por este motivo também. Rosa continuava solteira e não demonstrava vontade de se casar. Conversamos animadas, comentando episódios de nossa infância e juventude. Lembramos então, das nossas despedidas e de quanto tempo fazia que não nos víssemos. Estremeci quando Zélia corrigiu-me.
— Não, Ofélia, engana-se, Rosa veio para Recife em julho e não em abril.
Sorri, nada respondi, achei estranho, lembrava bem as datas. Logo Paulo viera apanhar-me, hospedamo-nos num hotel, ficamos por mais dois dias em Recife, não voltei mais a casa delas, regressamos sem nos despedir.
Começaram, então, a encaixar-se como um jogo de montar as partes da história. Meus sogros aceitaram logo e com amor a criança que deixaram em nossa porta, Paulo naquela noite parecia esperá-lo. Disse “menino” ao vê-lo, como sabia? Rosa viajara no começo de abril e só chegou a Recife em julho, onde estivera minha irmã nesses meses? Por que se ocultou?
Tudo estava claro, Caio era filho de Paulo e Rosa. Sabiam Paulo e seus pais que a criança seria deixada naquela noite e sabiam que era um menino. Chorei muito, entristeci, pensei bastante e resolvi fingir que não sabia que não descobrira. Se Paulo a traíra, voltara para ela, ficara com ela, amava-a muito, sentia isso. E Rosa, se tivera o filho e o abandonara, não era mais dela. Estando tudo certo, deveria esquecer e tudo continuar como estava. Procurei não pensar mais no assunto e Continuei a ignorar as irmãs mal respondendo suas cartas e cartões.
Paulo era muito trabalhador, seus negócios progrediam, vivíamos em paz e felizes e para completar nossa alegria, veio Carla.
Quando meu sogro morreu, Paulo herdou toda a fortuna da família vendeu a fazenda, ampliou suas fábricas, triplicou seus bens. Compramos aquela casa em que morávamos, longe de onde residíamos, e nossas amizades passaram a ser outras pessoas. “Nunca mais se comentou a adoção de Caio, este não sabia e ninguém mais além de minha sogra, Paulo e eu.”
Ofélia parou de pensar, falou baixinho:
— Não mostrarei esta carta a ninguém, responderei dizendo que é impossível no momento recebê-las. Mas, ajudarei mandando dinheiro, isto é tão fácil para mim. Dinheiro não nos falta, e Paulo não me nega nada.
Ofélia ficou olhando para a carta, continuou a pensar.
“Tenho ciúme de Rosa, sim, tenho! Está bonita, perfeita, poderá chamar a atenção de meu marido. Paulo tudo tem feito para ser bom esposo, e é. Vivemos como irmãos há tempos. Sinto que tem outras mulheres, mas é reservado, nunca soube nem deu escândalo. Aceito e compreendo, não tenho ciúme, amo-o de forma diferente agora, sem posses. Mas, Rosa amou muito Paulo, conhecera-o primeiro e fui eu quem os separou. Minha doença ensinou-me muito, entendi que errei tomando-o dela, mas, também perdoei a traição de minha irmã. Quando fiquei paralítica, passei a escrever mais para elas, nunca, porém convidava-as para vir visitar-nos. Alguns anos antes, Caio foi para os Estados Unidos com Paulo, mandei Sérgio e Carla passarem uns dias com elas, para conhecê-las. Adoraram as tias. Deixei porque Caio não poderia ir. Não o queria perto de Rosa. Embora sentisse ciúme de Paulo, não era com ele que me preocupava e sim com Caio. Será que vivendo sob mesmo teto, o amor materno de Rosa não viria à tona? Será que não iria querer Caio para ela? Não e não! Caio era meu e não queria Rosa perto dele!”
Pegou o bordado, suspirou triste, estava amargurada com a solução que tomara em relação às irmãs.
— Amanhã responderei! - exclamou alto.
Antônia estava emocionada, voltou-se para mim e disse:
— Como vê, Antônio Carlos, Ofélia é boa, no íntimo sente que está sendo injusta, sofre. Suas conclusões não são verdadeiras, Rosa não é mãe de Caio, esta nunca traiu a irmã, ela é tão boa quanto Ofélia. Sou eu, amigo, sou eu a mãe de Caio!
A HISTÓRIA DE ANTÔNIA
À tardinha, a família reuniu-se novamente, conversavam animados e como Ofélia resolvera nada comentou da carta que recebera. Foram jantar, Antônia e eu fomos para o jardim, sentamos na varanda.
— Vou contar Antônio Carlos, o que aconteceu realmente. Narrarei minha história.
“Nasci e passei a infância e parte da juventude numa fazenda, perto desta cidade”. Minha família era pequena, pai, mãe e dois irmãos. Quando contava dez anos, meus dois irmãos, o mais velho com dezesseis e o outro com quatorze anos, desencarnaram afogados no lago da fazenda. Sofri muito e meus pais se desesperaram; papai adoeceu logo após. Passou a trabalhar pouco e minha mãe desdobrava-se para o sustento do nosso lar. Passei a ser a única alegria deles, amavam-me muito, mas só ser amada não bastava, detestava a pobreza em que vivíamos e sonhava com o luxo e com a cidade grande.
Com dezesseis anos, resolvi trabalhar na cidade para ajudar meus pais, não queria continuar trabalhando na lavoura, serviço que fazia desde os doze anos.
A esposa do dono da fazenda em que morávamos senhora muito bondosa, arranjou-me um emprego de doméstica, onde moraria no emprego. Foi então que vim a trabalhar na casa dos pais de Paulo. O serviço era simples e aprendi rápido, sempre com vontade de agradar aos patrões, para não voltar para a fazenda procurava fazer tudo bem feito. Ganhava bem, a metade do meu ordenado levava para meus pais e ia vê-los aos domingos de quinze em quinze dias.
Nesta época, Paulo era solteiro, ficava pouco em casa e quase não o via. Sabia pelas conversas que escutava que ele namorava uma moça pobre e que seus pais não queriam e sempre ouvia discussões na casa. Cheguei até a ficar com pena de meus patrões, principalmente de D. Ivone, que me tratava bem, dando-me muitos presentes.
Fui perdendo a timidez de moça de fazenda, logo os encantos da cidade grande fascinaram-me. Passei a sair e a namorar. Infelizmente, não procedia bem, tendo o cuidado de esconder de todos, trocava todo mês de namorado, pensando assim, estar aproveitando a vida.
Paulo casou-se e pouco tempo depois, pelas conversas que ouvia, soube que brigava muito com a esposa, passou então a ficar muito na casa dos pais, ficando mesmo mais tempo do que quando era solteiro.
Não era bonita, mas interessante, magra, alta, rosto miúdo, chamava a atenção pelo meu jeito exótico e diferente e pela cor do meu cabelo, castanho-cinzento, da mesma cor dos de Caio.
Paulo notou-me, passou a olhar-me interessado e eu a corresponder. Tivemos um romance, tornei-me sua amante. Dava-me muitos presentes e dinheiro, sentia-me feliz. Menti aos meus pais que por ser boa empregada estava ganhando mais e passei a lhes dar mais dinheiro. Minha mãe pôde descansar mais, trabalhando menos. Orgulhavam-se de mim, abençoavam-me por ser boa filha, alegrava-os tanto que sufoquei o remorso por enganá-los e também pelo que sentia por estar procedendo errado.
— É por eles! - dizia sempre.
Ninguém desconfiou, passaram-se meses, até que percebi que estava grávida. Enchi-me de coragem e contei ao Paulo. Ele desesperou-se, fez-me prometer que não ia contar a ninguém e que ia ajudar-me a achar uma solução para o problema. Esperei com medo, passaram-se dois dias, ele veio ter comigo com uma proposta. Lembro-me tão bem...
— Antônia, sabe que sou casado, não escondi e você aceitou-me assim. Você terá o filho e será mãe-solteira, porque não posso casar-me com você. Preocupo-me com a situação. O que pensarão seus pais disto? Não poderá trabalhar grávida e, depois, quem dará trabalho a você? Como fará para sustentar-se?
Comecei a chorar, entendi que ele falava a verdade, deixou-me chorar por uns minutos e continuou:
— Antônia, não se desespere, vou ajudá-la, tenho uma proposta para lhe fazer, escute com atenção. O filho é meu, não é? Deixa-o comigo. Faremos assim: você irá para a fazenda de meu pai, onde ficará escondida, lá será bem tratada e não trabalhará. Dirá a seus pais que viajará com os patrões, receberá seu ordenado e continuará a mandar dinheiro a eles, ninguém desconfiará.
Terá a criança e me dará, logo após deverá partir, de preferência para longe.
— Ficará com a criança?
— Sim, ficarei para ajudar você. Não pode ficar com ela, será sua desgraça e infelicidade. Você a terá e esquecerá, ninguém ficará sabendo e quem souber não falará, continuará a ser uma moça e não mãe solteira. Pense Antônia, se seus pais souberem morrerão de desgosto e você será culpada. Mais ainda, para ajudá-la, para que recomece a vida em outro lugar, darei a você uma pequena fortuna.
Falou a importância, realmente era para mim uma fortuna, nunca pensara em ter tanto dinheiro. Era ambiciosa e a ganância em possuir o dinheiro era muito mais importante para mim que o filho que esperava e que não amava nem queria.
Raciocinei rápido, parei de chorar. Paulo estava sendo bom comigo, ele tinha razão, se descobrissem meu estado, seria mandada embora e ninguém me desse emprego, meus pais iriam sofrer muito e passariam fome sem meu ordenado. A proposta era interessante, achei certo ele ficar com a criança, afinal, era filho dele. Não hesitei:
— Aceito Paulo.
No outro dia, falei para os outros empregados meus amigos e as vizinhas que logo iria voltar para a casa de meus pais. Logo que visitei meus pais disse a eles que meus patrões iam viajar e que me convidaram para ir com eles e que iria. Eles concordaram pensando que seria bom para mim. Dias depois, despedi-me de todos e fui para a fazenda do Sr. Caio. Na fazenda fui bem tratada, nada fazia, podia usar tudo da casa e tudo o que desejava o Sr. Caio providenciava. Continuei a receber meu ordenado, fui visitar meus pais como sempre, até quase o sétimo mês. Quando não deu mais para esconder a gravidez, despedi-me deles escutando as muitas recomendações. Continuei a mandar dinheiro, Paulo encaminhava-o aos meus pais por intermédio dos donos da fazenda onde eles moravam, e estes entregavam a eles.
Na fazenda, para evitar fofocas, o Sr. Caio disse a todos que era sua prima, que viera à fazenda para ter o filho, pois era solteira.
Nesta época, fiquei sabendo, como todos da fazenda, que a esposa de Paulo também esperava um filho.
Para mim, tudo estava bem, entusiasmei-me com a vida que estava tendo, nunca descansara e desejei ter sempre uma vida daquele modo. Não me preocupei nem um pouco com o filho que esperava, nem indaguei a Paulo o que ele ia fazer com ele. Seu destino era-me indiferente, preocupava-me com o meu, e parecia, pensava, que minha sorte mudara e seria rica logo que a criança nascesse.
Na fazenda, trabalhava um moço que logo me chamou a atenção, seu nome era Jerônimo. Era alto, bonito e olhava-me com insistência, conversava com ele sempre que possível e logo começamos a namorar. Acabei contando toda minha história para ele.
— Antônia, você fez muito bem, disse-me, afinal a criança é também filha dele e ele que fique com ela. Você é jovem, terá outros filhos e ficará rica tudo será mais fácil para você, não precisará trabalhar mais.
Gentil, atencioso, acabei por me apaixonar e ele dizia amar-me também. Fizemos planos. Logo após o nascimento da criança, iríamos embora e casaríamos. Passei a sonhar com o que ele me dizia e há contar os dias para irmos embora. Escutava feliz, ele dizer:
— Antônia, seremos felizes, esquecerá tudo isso, seremos marido e mulher, ninguém irá nos separar.
Uma parteira da região atendeu-me, a criança nasceu sem problemas, não a vi, nem fiquei sabendo se era menino ou menina.
Três dias após o parto, falei ao Sr. Caio que desejava ir embora, ele então me deu o dinheiro combinado. Não vira mais Paulo nem mais me interessei por ele, contente com o dinheiro, despedi-me de todos dizendo que ia voltar para casa.
O Sr. Caio preocupou-se comigo, despediu-se de mim me abraçando e falou-me, carinhosamente:
— Felicidade, menina, lembre-se de que nunca teve esta criança, vá para longe, não volte e saiba aproveitar o dinheiro que estou lhe dando.
Para que ninguém desconfiasse que fosse embora com Jerônimo, tínhamos combinado de ele partir dias antes e esperar-me na cidade. Parti contente da fazenda, encontrei Jerônimo no local combinado e partimos juntos. Estava feliz, não pensei mais na criança que tive e achava certo o que fizera.
Fomos para uma cidade do interior. Viajamos de ônibus fazendo muitos planos.
— Antônia, você não se arrependerá, seremos felizes, essa cidade despertou-me a curiosidade de tanto ouvir um amigo falar dela, disse que é bonita, graciosa, gostei do nome, lá viveremos.
A viagem foi demorada, chegamos, ficamos em um hotel por uma semana, encantava-me com tudo. Alugamos uma casa pequena, bonitinha, mobiliamos e vivemos felizes por uns meses. Não deixei de mandar dinheiro para meus pais, todo mês, junto com uma carta remetia a quantia costumeira. Dizia sempre nas missivas que estava feliz e que logo voltaria. Meus pais não sabiam ler nem escrever, uma vizinha lia as cartas para eles e escrevia para mim, falando deles, estavam adoentados e saudosos, mas alegravam-se por eu estar bem e feliz, abençoavam-me.
Jerônimo continuava gentil comigo, e amei-o realmente, porém, ele não trabalhava e parecia não querer trabalhar mais. Fiquei grávida novamente.
— Este vai ser diferente, disse.
Comecei a lembrar a Jerônimo que prometera casar comigo. Ao tocar no assunto, ele desconversava, se esquivava desculpando. Passou então a ir com freqüência num bar perto de casa. O dinheiro que o Sr. Caio me dera minguava rápido e comecei a preocupar-me.
— Jerônimo, pedi, vamos nos casar e ir para a casa de meus pais, lá arrumará emprego e nosso filho nascerá junto de seus avós.
— Está certo, vamos, porém, vamos esperar um pouco mais. Estava no sexto mês de gravidez, um dia ao acordar não encontrei Jerônimo, achei um bilhete que ele deixou. Era frio, lacônico, despedia-se. Abandonava-me e levava todo meu dinheiro.
Desesperei, levei dias para acreditar, amava-o muito. Como poderia ele fazer isto comigo, pensava, vivíamos bem, não brigávamos! Esperançosa em saber dele fui ao bar em que ele costumava ir e lá tive a notícia de que Jerônimo fora embora com uma mulher e que pareciam muito apaixonados. Chorei muito, outras preocupações vieram, contas, muitas contas para pagar. Há três meses ele não pagava o aluguel nem as prestações dos móveis. Vieram buscar alguns móveis e fui despejada da casa, o que restou vendi e comprei alimentos.
Não escrevi mais aos meus pais e, os quais, na última carta que recebi, indagavam aflita a falta de notícias. Não tive coragem de contar a verdade nem de escrever sem mandar dinheiro, sabendo que era tão importante para a sobrevivência deles.
Ao ser despejada, fiquei sem nada, sem lugar para morar. Desesperada, passei a andar pelas ruas pedindo emprego, envergonha recebia alguns alimentos de pessoas bondosas, ninguém que empregar uma desconhecida, grávida e de aparência estranha, pois não me cuidei mais e chorava muito. Ao cair da noite, atormentava-me, dormia ao relento, nos jardins, nas escadas das casas. Um mês e meio passei assim, um dia parei na frente de um hospital, estava no oitavo mês de gravidez, estava cansada, abatida, fiquei olhando o movimento, abobalhada. Uma irmã de caridade, servidora do hospital, vendo-me teve dó, convidou-me para entrar e indagou, com piedade:
Filha, que faz pelas ruas? Quando terá o nenê?
Com dificuldade, sentindo muita vergonha, abaixei a cabeça e disse:
— Sou sozinha no mundo, meu marido foi embora com outra mulher. Não tendo dinheiro para pagar o aluguel, fui despejada, não tenho onde morar. Não consigo emprego. Quem emprega uma mulher grávida? Irmã, não sei o que fazer, estou tão confusa, sinto tanta fraqueza...
— Acalme-se, filha, vou arrumar um lugar para você ficar, até a criança nascer, vem comigo.
Senti-me aliviada, um lugar para ficar era tudo o que mais queria. Peguei na mão daquela bondosa irmã e a beijei. Ela me fez tomar banho, deu-me roupas limpas e colocou-me num leito de enfermaria. Logo, alimentada e descansada, comecei a pensar nos acontecimentos de minha vida e senti raiva de tudo e de todos, até de meus pais por serem tão pobres e doentes. Senti rancor até das pessoas que ali tinham me abrigado.
“Elas não passaram pelo que passei, é fácil ser gentil quando se é feliz, têm tudo, lar e pessoas que as protegem, resmungava baixinho para não ser ouvida, quando observava as enfermeiras e as freiras.”
Passei também a sentir ódio de Paulo que me seduzira e raiva do filho que trazia no ventre. Achando que era culpa da gravidez não conseguir arrumar emprego como também de Jerônimo ter ido embora.
Passei a odiar com furor Jerônimo e a mulher com quem partira.
Fazia dez dias que estava no hospital, quando comecei a passar mal e logo em seguida a ter hemorragia. O médico foi chamado e após ligeiro exame mandou que me levassem para a sala de cirurgia.
Na maca, nada mais vi ou ouvi. Acordei devagar, a sensação que tive foi que acordava de um sono profundo, tudo me era confuso. Pessoas bondosas falavam comigo, não conseguia entendê-las, diziam que devia amar e não odiar devia orar. O fato, amigo Antônio Carlos, é que desencarnei e me julguei na carne. E o que os socorristas diziam-me não interessava, não queria amar, queria continuar odiando. Não estava mais grávida, compreendi que a criança devia ter nascido e não me interessei em saber dela. Não quis ficar no ficar no hospital, as pessoas me chateavam, escondi-me e como fugitiva, deixei a Maternidade.
Vaguei pelas ruas, até que me lembrei de Jerônimo, fui atrás dele. Sem entender o que ocorria levada pelo pensamento de ódio, achei-o. Estava com uma moça bonita, trabalhando num bar, acerquei-me dele, fazendo com que tivesse ódio de minha rival e, em pouco tempo, passaram a brigar e logo se separaram. Jerônimo não ficava só, brigava com uma, arrumava outra em seguida. Fui me cansando, sentia às vezes dores de parto, sangramento e constantemente frio, um frio horrível que nada me esquentava. Concluí que não valia à pena odiar Jerônimo e não quis ficar mais perto dele, para mim, traía-me sempre.
Anos tinham se passado desde meu desencarne, comecei a pensar em Deus, nas histórias que minha mãe me contava sobre Jesus. Entendi que, se os odiava e os culpava de minha desgraça, eu era e fora a maior culpada. Agira sempre como irresponsável e senti remorso.
Trabalhadores do Bem me socorreram quando, com sinceridade, pedi perdão a Deus, reconhecendo meus erros e não mais culpando os outros nem os odiando. Fui levada às enfermarias da Colônia, aonde vim, a saber, que, devido à minha fraqueza não resisti e desencarnei ao ter a criança.
Fui recuperando-me aos poucos, sentindo-me melhor, recebi a visita de meus pais, senti enorme alegria ao vê-los, mas ao mesmo tempo, fiquei envergonhada. Os dois, com imenso carinho, abraçaram-me e emocionados choramos juntos.
— Perdão, papai, perdão mamãe, se soubessem o que fiz...
— Antônia, filha querida, sabemos de tudo que fez, falou mamãe, segurando minhas mãos, perdoamos você, filha. Quando vagava, oramos tanto por você. Nunca perdemos a esperança de conduzi-la a Deus, esperamos ansiosos que entendesse e voltasse ao Pai. Para nós, você foi boa filha.
— Papai, mamãe, que aconteceu com vocês? Como viveram sem o dinheiro que mandava?
— Sofremos muito. Sem o dinheiro que você mandava, passamos fome. Seu pai preocupado pela falta de notícias piorou e não conseguiu mais levantar do leito. Pior, porém, filha, foi ficar sem notícias suas, esperando carta, até mesmo você aparecer em casa. Preocupamo-nos muito, choramos tanto. Acreditávamos em você e não conseguíamos entender o que a teria levado a não dar notícias. Pedro, meu sobrinho, com pena de nós, foi à casa de seus patrões, Sr. Caio e D. Ivone, que foram gentis. Disseram não saber de você, que se despediu dizendo que voltaria para casa. Pedro fez mais, indagou de outros empregados, vizinhos e descobriu que você não viajara com seus patrões, partira dizendo que voltava para casa. Pelas cartas que recebíamos tinha um endereço, mas a cidade era longe demais para ir atrás de você, deixando seu pai tão doente. Mesmo para Pedro, não era fácil, pobres não tínhamos dinheiro e ele precisava trabalhar. Pedro teve uma idéia, escreveu para a polícia da cidade explicando o problema, dando todos os seus dados e pedindo se possível, localizá-la ou que nos desse notícias. A resposta veio, dizendo que realmente naquele endereço morava esta pessoa, mas, que se mudara e ninguém soubera para onde.
Apiedado, o dono da fazenda levou-nos para um asilo. Despedi-me dos vizinhos recomendando para que nos avisassem se tivessem notícias suas. Tínhamos esperanças de revê-la, a saudade era grande e a angústia de não ter notícias fazia-nos chorar amargamente.
Seu pai viveu só três meses no asilo e desencarnou. Lá, fomos bem tratados, tínhamos médicos e remédios. Vivi sozinha com minhas recordações e, como pude, ajudei a cuidar de pessoas doentes. Quando completava três anos que lá estava, fui libertada da carne, encontrei seu pai e entendi logo que partira da Terra. Levada a uma Colônia recuperei-me logo dos muitos sofrimentos, soube então que meus dois filhos estavam encarnados e bem, preocupava-me com você. Seu pai contou-me que também, estava desencarnada e que sofria. Tudo fizemos por ajudá-la.
Chorei em seus braços, arrependi-me sinceramente, entendi que era amada por eles e que também os amava.
— Filha, falou carinhosamente meu pai, esqueça e recomece aproveite para crescer em espírito pelo trabalho e renovação.
Recuperada, pedi para ajudar nas enfermarias que me acolheram e, como sabe, lá estou servindo até hoje.
Só sentir remorso não basta, resolvi construir e o trabalho é bênção divina, meus pais orgulhavam-se de mim, agora estão em estudo em esferas próprias. Tudo caminhando bem comecei a pensar nos meus filhos. Não sabia sequer seus sexos e se estavam encarnados.
“Que aconteceu a eles?” indagava-me sempre.
Pedi aos meus orientadores permissão para vir a Terra vê-los.
Foi-me dado um mês de licença e parti esperançosa.
Procurei a antiga residência de meus ex-patrões, não os encontrei nem a Paulo. Anos haviam se passado e muitas coisa mudaram. Pedindo informações, achei-os. Reconheci Paulo de imediato, um pouco mais velho e sério. Revi Ofélia, tão diferente e sofrida e vi seus filhos. Reconheci Caio, ou melhor, pelo amor mãe, compreendi que era ele meu filho e amei-o muito.
Chorei de alegria ao vê-lo forte,amado,bom e feliz. Auscultando os pensamentos de Paulo, soube que Ofélia não estivera grávida junto comigo e que meu filho fora deixado na porta de sua casa por seu próprio pai, Sr. Caio, e que o criaram como filho legítimo. Entendi que Caio era um presente que Deus me dera e que recusara.
— E o meu outro filho? - quis saber.
Ansiei por obter do outro filho que tivera ao desencarnar. Minhas lembranças iam até ser conduzida à sala cirúrgica e da hemorragia. Fui ao hospital onde desencarnei, com a ajuda dos trabalhadores espirituais que ali prestavam auxilio, vim, a saber, que não foi possível conter a hemorragia no meu debilitado corpo sem vontade de viver, mas que tive uma menina e que a criança fora adotada. Minha busca foi paciente, pois o casal que adotara não estava mais na cidade, não desanimei, colhendo informações, encontrei-a. Foi grande minha alegria e tive uma agradável surpresa. Minha filha e meu filho residiam na mesma cidade e eram vizinhos e amigos e que se davam muito bem.
Fiquei tranqüila e feliz, minha filha também era amada, feliz, um encanto. Chama-se Maria Aparecida, tratada por todos de Cidinha, é filha única, registrada como legitima e ninguém, tal como Caio, sabe que são adotivos, só os pais, é claro.
Cidinha é parecida comigo, o mesmo tom de cabelo, rosto miúdo, magra, parece, ao vê-la, que vejo a mim na distante adolescência.
Agradecida a Deus por vê-los bem e felizes, voltei ao trabalho com verdadeira vontade de ser útil.
De tempo a tempo, tenho permissão de visitá-los e, tal foi minha surpresa nesta visita que vi Caio e Cidinha namorando, pensando em unir-se pelo matrimônio e com a aprovação de todos os familiares.
OFÉLIA, FELIZ
A casa, escura e silenciosa, demonstrava que todos os seus moradores dormiam. Entramos. Fomos ao quarto de Ofélia que ainda se achava acordada, orava com fé, seus dedos deslizavam no seu já gasto rosário, esperando adormecer para o devido descanso físico.
— Ofélia, dorme pouco, explicou-me Antônia.
Acerquei-me dela, dei-lhe um passe calmante que foi bem recebido, logo adormeceu. Seu Espírito desligou parcialmente do corpo, levantou-se devagar e seguiu para a sala de estar, acompanhamo-la.
— Ofélia! - disse delicadamente Antônia.
Ela virou-se, olhou-nos analisando-nos:
— Quem está aí? Como entraram em minha casa?
— Somos amigos, continuou calmamente Antônia, viemos conversar com você.
Ofélia sentou-se no sofá, sentamos também, olhou-nos desconfiada, Antônia continuou a falar!
— Ofélia, minha querida, é minha benfeitora, sempre tão bondosa. Recebeu a carta de suas irmãs, não seja injusta com Rosa ela nunca a traiu, não é ela o que pensa e...
— Quem me fala assim? Quem é você?
— Ofélia, continuou minha amiga, procure saber onde Rosa esteve nos meses de abril a julho. Procure! Rosa é inocente!
— Por que me diz isto? Como sabe? Não a conheço.
— Sabemos que Caio é adotivo, mas não é filho de sua irmã Rosa. Sou eu a mãe dele, Caio é meu filho.
Ao ouvir Antônia pronunciar o nome de Caio, Ofélia agitou-se, tinha medo da verdade, não queria encontrar com a mãe de Caio, não queria perdê-lo como filho nem repartir seu amor. Quando Antônia disse: “meu filho” ela levantou-se rápido. Seu corpo era inválido, mas não seu perispírito liberto do corpo pelo sono. Nem sempre este fato ocorre. Há defeitos corporais acompanhados pelo perispírito também defeituoso, por falta de compreensão e resignação. Muitos deficientes, libertos pelo Sono, continuam deficientes e muitos continuam até mesmo após libertos pela morte física.
Ofélia olhou bem para Antônia e disse com firmeza!
— Mãe dele? Nunca! Mãe sou eu que o criou que cuido dele! Que veio fazer aqui após tanto tempo? Mãe dele? Não creio. Veio tomá-lo de mim? Não quero que fique aqui, vá, por favor, embora. Caio é meu!
— Concordo, respondeu Antônia, Caio é seu. Quem mais teria direito a ele que você? Ele é seu! Não quero tomá-lo. Sou grata a você por amá-lo e por ter cuidado dele. Digo-lhe que sou a mãe dele, gerei-o, e não Rosa. Quero impedir que você, minha benfeitora, cometa uma injustiça com sua irmã. Sou a mãe carnal dele.
Ofélia fez um gesto de quem não queria escutar mais, sentiu medo e voltou rápido ao corpo e Antônia repetiu-lhe mais uma vez:
— Rosa é inocente!
Ficamos na sala e veio ter conosco, logo em seguida, Caio desligado do corpo pelo sono, andava distraído. Viu-nos, parou e olhou-nos desconfiado e indagou:
— Quem são vocês? Que fazem aqui em minha casa?
— Amigos, respondi, viemos para conversar, quer, por favor, dar-nos atenção por alguns instantes?
— Hum... Não os conheço.
Antônia aproximou-se dele, emocionada:
— Caio meu filho! Como você é bonito! Lindo! Você é feliz?
— Sim, sou muito feliz, sorriu só que não estou entendendo. Que papo estranho!
— Amo você! Sou sua mãe e de Cidinha também. São irmãos e não devem se casar. Sou sua mãe...
Antônia abriu os braços e tentou abraçar o filho, este se afastou, riu alto, balançou a cabeça e saiu da sala.
— Cada uma! - exclamou.
Antônia olhou-me, triste.
— Desculpa-me, Antônio Carlos, acho que me precipitei. Pensei que ele se atiraria nos meus braços ao saber que era sua mãe. Tive esperança de que me aceitaria. Não acreditou, não sabe e até achou graça.
Antônia Caio não sabe que é adotivo, acredita realmente que é filho de Ofélia, Sente-se filho dela. Temos conosco, Antônia, a idéia de que se sabe tudo, quando desligado do corpo físico, e que se tem muitos conhecimentos quando o corpo dorme e semi-liberto conhece as circunstâncias em que está envolvido e porquê de estar sofrendo. Assim é, para os espíritos mais esclarecidos e compreensivos, estes têm conhecimentos que o cérebro físico desconhece. Recordam o passado. Os maduros por si mesmo o fazem, com o conhecimento mais amplo, tudo lhes é visto, sentido com clareza.
Para a maioria não é assim, o esquecimento do passado também para seu perispírito que quase sempre tem os mesmos conhecimentos do corpo. Pela bondade de Deus, ao encarnar, esquecemos o passado para um recomeço, mesmo desligado pelo sono ou pelo desencarne, o perispírito continua sem lembrar e, para fazê-lo, necessita de uma ajuda especializada.
— É verdade, Antônio Carlos, já faz tempo que desencarnei e não lembrei meu passado. Sei que vivi muitas existências, mas não as recordo. Também, ao ter o corpo morto, nem soube, agi como se estivesse encarnada.
— Isto é comum. Tanto que ateus, são ateus libertos pelo sono e desencarnados, até que lhes provêm o contrário. Que lhes mostrem que continuam vivos após a morte do corpo. Para muitos que não estão preparados, recordar a vivência de outras existências seria adoecer espiritual e fisicamente. Tantas doenças mentais, que levam tantas pessoas a sanatórios, são recordações forçadas por obsessores vingativos ou recordações prematuras que desequilibram o cérebro físico, passando o enfermo a viver presente e o passado. Para muitos, recordar o passado reencarnatório, seria absorver alimentos sólidos em tenra idade... E mesmo de muitos acontecimentos que envolvem a atual encarnação, pode-se não ter conhecimento, como no caso de Caio. Sem ninguém contar ele não pode adivinhar e ignora. Isto pode ocorrer até após o desencarne, se não procurar saber.
— Caio não sabe!
— Não, ele não sabe. Caio é feliz, amado, nunca foi discriminado. Talvez, se fosse, se sofresse, iria querer saber a causa. Como não há o porquê de Caio duvidar, adoção nunca lhe passou pela mente, ele ama aos seus e é amado. Ao ouvi-la, achou graça como se ouvisse uma piada. Precipitou-se, amiga, ao dizer que era sua mãe.
— E agora?
— Não se aflija, aguardaremos amanhã. Talvez Caio não recorde de nada, se o fizer, pensará que teve um sonho engraçado.
Pela manhã, ao fazerem o desjejum, Caio disse rindo:
— Que sonho engraçado tive esta noite! Sonhei com um estranho casal, vestidos como antigamente. A mulher quis abraçar-me e disse para que não me casasse com Cidinha porque ela era minha irmã.
Acabou a narrativa com uma gargalhada e foi imitado por todos. Ofélia forçou o riso, sentiu algo estranho, vagas recordações de nossa conversa, tentou lembrar de seu sonho que parecia igual ao de Caio.
Logo, todos saíram apressados, ela ficou sozinha, empurrou a cadeira para a sala de estar.
— Que sonho estranho esse de Caio. Parece que sonhei com o mesmo casal! Esforçou-se por recordar. Disseram alguma coisa. Que será? Ah, sim! Era sobre Rosa.
Pôs-se a orar, a resignação e a grande fé de Ofélia enchiam a sala de bons fluidos. Antônia aproximou-se dela e Ofélia pôs-se em guarda, desconcentrando-se.
— Deixe-a, Antônia, seu Espírito sente as inquietações de mãe, eu falo com ela.
Aproximei, trocamos fluidos de simpatia, disse-lhe docemente.
— Irmã querida, não seja injusta com suas irmãs de carne. Reconcilie com elas, agora que tem oportunidade. Por que você não indaga para esclarecer suas dúvidas? Por que não procura saber onde Rosa esteve nestes meses que nem aqui esteve nem com Zélia?
— Tenho medo, responde-me em pensamento, medo...
Não, filha, não receie, continuei, lembra-se de Rosa? Sempre meiga e bondosa. Quando Paulo a escolheu, não a ofendeu, não lhe disse nada de desagradável.
— É verdade, não comentou nada comigo.
— Rosa é boa irmã, foi ótima filha, cuidou do pai com tanto carinho e sacrifício. Pense Ofélia, seria Rosa capaz de uma infame traição? Se tivesse errado por amor, teria coragem de abandonar o filho? Crê realmente que teria? Rosa não abandonaria um filho, ela é forte, maternal e corajosa. Por que ela o faria? Ela não fez. Rosa não abandonou ninguém. Esclareça este assunto. Pergunte! Vamos, coragem! Não continue nesta incerteza. Pergunte...
Minha voz era recebida por Ofélia como uma intuição.
— Telefone, continuei telefone, fale com uma delas, procure saber de tudo, antes de tomar uma resolução.
— Vou telefonar! Disse Ofélia alto.
Rumou rápido com a cadeira de rodas para seu quarto, tirou de uma gaveta um caderninho de anotações.
— Aqui está o número do telefone da vizinha delas. Será que devo? Jesus ajuda-me, que devo fazer?
— Telefone, Ofélia! - insisti. - Telefone!
Ofélia, trêmula pegou o telefone, discou, esperou ansiosa. Logo uma voz desconhecida se fez ouvir.
Ofélia cumprimentou a senhora que atendeu, explicou quem era e pediu para que lhe chamasse Zélia.
Enquanto esperava, Ofélia lembrou que há muito tempo as irmãs mandaram o telefone da vizinha por carta, para que ela telefonasse em caso de necessidade.
— Ofélia! E você? Falou do outro lado uma voz ofegante, demonstrando que viera correndo.
— Zélia? Como está?
— Bem, estamos bem. E você? E todos aí?
— Estamos bem, Zélia, não se afobe, telefonei só porque estou com saudade e com vontade de saber de vocês.
— Oh! Ainda bem! Nunca telefonou, assustei. Recebeu nossa carta?
— Não, não recebi...
Calaram por uns instantes, Ofélia perdia a coragem de indagar, voltei a incentivá-la.
— Vamos, filha, pergunte, acabe com este martírio. Pergunte!
— Zélia, estava pensando. Logo após papai ter falecido, Rosa foi morar com você. Saiu ela daqui no mês de abril e só foi ter ai no mês de julho, onde ela passou estes meses?
— Ofélia, parece saudosa mesmo. Por que lembrar disto agora? Faz tanto tempo! Mas, não é segredo, meu bem. Você realmente não sabe?
— Não, envergonhada pelo tom de censura da irmã, disse baixinho. Não sei.
— Papai contraiu tuberculose nos últimos meses de vida. Rosa cuidou dele, ficando também doente. Fraca, cansada com tantos trabalhos e preocupações, adoeceu necessitando de hospitalização. No hospital daí tiveram pena dela e arrumaram para que se tratasse em Campos do Jordão. Rosa ficou lá estes meses, na enfermaria, e quando recebeu alta veio para cá e por meses ainda continuou com o tratamento.
— Ela não me disse nada! - não conteve o susto.
— Acho que não queria atrapalhá-la ou preocupá-la, sabe como é nossa Rosa.
Ofélia tremia, lágrimas começaram a correr pelas faces pálidas.
— Onde está Rosa agora?
— Trabalhando de faxineira.
— Mando um abraço apertado a ela e Outro a você. Liguei só para saber de vocês. Respondo logo a carta. Tchau.
— Tchau, abraços a todos.
Ofélia desligou o telefone e chorou sentida.
— Esperemos Antônia, disse. Deixemos nossa Ofélia desabafar.
— Ela sofre.
— Também se sente aliviada e poderá reparar a indiferença com que tratava as irmãs.
Ofélia chorou por uns quinze minutos, sentindo-se melhor, orou novamente, sua oração comoveu-nos.
“Obrigado, Jesus, obrigado meu Mestre e Amigo, por ter me inspirado. Senti tanta vontade de falar com elas, uma necessidade de perguntar... Sei que foi o Senhor quem me ajudou. As forças divinas guiaram-me. Perdoa-me, meu Deus, perdoa-me Pai. Como fui injusta, como fui!”
Ofélia estava aliviada, sorriu, falou baixinho:
“Ai, que bom! Como estou contente! Rosa não é mãe de Caio. Que idiota tenho sido! Rosa nunca abandonaria um filho se o tivesse tido. É minha irmã, pessoa de fibra. Nem se fosse para passar fome, não abandonaria um filho. Ela é inocente! Paulo também! Tudo foi coincidência. Caio foi realmente abandonado na nossa porta. A única culpada fui eu. Pensei mal do meu esposo e de minha irmã! De minha irmã bondosa a quem deveria abençoar sempre. Doente meses por ter cuidado do nosso pai! Que vergonha sinto agora. Não vou contar a ninguém, não contei antes, não falarei agora. Sofri anos por uma mentira, mentira que erradamente deduzi, sem tentar saber a verdade. Como errei! Se tivesse ao duvidar, indagado, não teria sido tão injusta. Deduzi errado, sofri e fiz sofrer.”
Pegou a carta e a beijou.
“Ficaremos unidas, farei de meu lar o lar para elas. E você, Rosa, querida, não fará mais faxinas.”
Seu semblante mudou, as faces coraram mais, alegre foi para sua varanda e pôs-se a fazer planos.
“Mandarei a elas dinheiro, quero que venham de avião. Acomodá-las-ei no apartamento de hóspedes, tem ele duas camas e banheiro, quero fazer tudo para agradá-las e pedirei que morem aqui para sempre.”
Esperou ansiosa que todos chegassem, na hora do almoço, com todos sentados à mesa, Ofélia disse contente:
Recebi uma carta de minhas irmãs contando que, após a morte de Odair, estão passando por sérias dificuldades e pedem-me para ajudá-las, desejam voltar para cá. Acho que elas poderiam morar conosco. Quero a opinião de vocês. Que acha Paulo?
Este é o motivo de tanto contentamento? Notícias das irmãs. Ofélia o que decidir está bom para mim. Conte comigo para o que quiser.
— Vivemos tão separadas, tão longe. O serviço de Odair fazia com que ficassem lá, mas, agora; depois não estão bem. Obrigado, Paulo. Sempre tão bom comigo! Você é um bom marido.
Pegou a mão dele, olhando-o com carinho, falou com emoção, lembrando que tinha sido injusta com ele por tantos anos. Os adolescentes, não acostumados com cenas de carinho entre os pais, começaram a rir. Ofélia retirou a mão envergonhada.
— E vocês, o que me dizem?
— Alegro-me, disse Carla, gosto muito delas. Quando fui lá, trataram-me tão bem! Depois elas farão companhia à senhora, que não ficará mais tão sozinha.
— Concordo, pronunciou Caio, sou o único que não as conheço. Temos uma família bem pequena, nem avós, nem primos, só duas tias.
— Acho uma boa! - exclama rindo Sérgio, gosto delas, sabendo que vão estar aqui, quando nos ausentarmos, é uma tranqüilidade. É bem melhor para a senhora, mamãe, ficar com suas irmãs do que só com empregados.
— Está decidido, pedirei para que venham, entusiasmou Ofélia, hoje mesmo, tomarei as providências.
— Posso ajudá-la, mamãe? - indagou Caio.
— Sim, quero que passe uma ordem de pagamento a elas para que liquidem seus débitos e comprem passagens de avião.
— Faço isto agora, antes de ir para o escritório.
Ofélia sorria feliz, estava tão contente, que todos se sentiram bem e felizes.
Todos saíram e Caio levou uma boa quantia para depositar em nome das tias. Ofélia foi ao escritório e pôs-se a escrever para as irmãs:
“Minhas queridas Zélia e Rosa”:
Devo-lhes desculpas, por ser tão relapsa e não ter entendido que poderiam estar passando por necessidades. Acho-me realmente em condições de ajudá-las. Estarão fazendo-me um favor, tê-las por companhia. Confesso que sempre acalentei a esperança de tê-las conosco, porém, por burrice, sim, burrice, pensei que quisessem permanecer ai.
Estou tão agradecida e feliz por quererem voltar para cá e por terem pensado em mim. Minha casa, nossa casa, é de vocês, não queremos que seja por pouco tempo, quero-as aqui em definitivo. Estamos há tanto separadas...
As crianças muito se alegraram com a notícia de suas vindas. Conhecerão Caio e verão que filho maravilhoso ele é.
Mando-lhes o dinheiro...
Venham o mais rápido possível, estou ansiosa por tê-las conosco e por abraçá-las. Suas acomodações já estão preparadas e todos a esperá-las.
“Beijos, de sua irmã Ofélia.”
“Talvez estranhem, pensou, nunca escrevi a elas assim. Que importa! Pela primeira vez escrevo de coração e espero que sintam a minha sinceridade.”
Tocou um sininho, logo uma empregada, moça simpática, veio até ela.
— Magda, por favor, largue o que está fazendo e vá colocar esta carta no Correio para mim. Cuidado, é importante! É para minhas irmãs, depois chame Marta, quero fazer umas modificações e arrumações no quarto de hóspedes para recebê-las.
A moça sorriu, admirando a alegria da patroa, correu a obedecer à ordem.
— Graças! - exclamou Antônia, — Ofélia está feliz.
— Ela se sente reconciliada com as irmãs, de quem ela mesma se distanciou. Agindo com justiça, sente-se tranqüila. Tê-las aqui, será muito bom para ela. Ofélia tem o hábito de orar e o faz com fé e o Senhor realiza qualquer desejo sincero de um devoto. Ele presta atenção às preces, atende a cada um que Dele se aproxime com confiança. Nós, Antônia, deveríamos sempre ter fé na amorosa bondade de Deus. Resolvemos, amiga, uma questão, mas o problema continua inteiro. Ofélia não poderá nos ajudar mais. Estudaremos os passos a seguir. Aguardemos a noite e conhecerei Cidinha e família.
SONHOS
À noite, acompanhamos Caio que saíra para visitar Cidinha, morava perto, numa casa grande e bonita.
Cidinha era encantadora, graciosa, notamos ao vê-la que era muito feliz.
Sorriu alegre ao ver o namorado. Observando os dois juntos, notavam-se algumas semelhanças, principalmente a cor dos cabelos e a boca.
Conversaram animados, Caio, recordando o sonho, disse a Cidinha.
— Cidinha, esta noite tive um sonho engraçado. Sonhei com um casal estranho e eles me disseram para não me casar com você, pois éramos irmãos.
Riram.
— Sabe, Caio, já ouvi de muitas pessoas que somos parecidos fisicamente, como irmãos.
— Eu também já ouvi isto.
— Eis aí o motivo do sonho. Tudo bobagem.
Deixamos o casal e entramos na casa. Helena mãe adotiva de Cidinha fazia crochê distraidamente. Marcelo o pai, lia o jornal. Examinamo-los, procurando ver qual dos dois poderia nos ajudar.
— Helena, disse Antônia, não gosta nem que se toque no assunto da adoção, nem pensa no fato. Para ela, foi como se tivesse gerado Cidinha. Pessoa boa vive para o lar, para os dois, esposo e filha.
— Se é assim, Helena não nos ajudará, irá nos repelir se tocarmos no assunto da adoção, nunca pensa que Cidinha teve outros pais.
— Marcelo, - continuou Antônia a apresentar os membros da família, — é bom, caridoso, faz inúmeros benefícios, ajudando creches, orfanatos. É estimado e querido como patrão, inteligente e amoroso, ama a esposa e a filha com muito carinho.
— Ele é sensível, acho que podemos contar com Sua ajuda.
Faremos Paulo e Marcelo descobrirem a verdade.
— Como?
— Com paciência tentaremos intuí-los.
Voltamos à casa de Ofélia e ficamos no jardim.
— Dará certo? Corresponderão aos nossos apelos? - indagou Antônia.
— Vamos tentar. Toda pessoa é livre para aceitar sugestões, ou não. Intuições recebem a cada instante, boas ou más, sejam de amigos ou inimigos, desencarnados ou encarnados. Pensamentos têm forma, criam imagens e flutuam no espaço, podemos emitir, ou receber se estivermos na mesma receptividade. O pensamento é uma grande força, como a eletricidade. A mente humana é uma centelha da consciência onipotente de Deus. Vamos cara Antônia, usar desta força para intuí-los.
— Pensamentos, são trocas de fluidos e energia, Antônio Carlos? Podemos então captar pensamentos alheios?
— Sim, principalmente, os afins. Mas, podemos aceitá-los ou repeli-los. Devemos ter cautela e paciência, adoção não é assunto agradável a nenhum deles. Procuraremos intuí-los como também conversar com eles, quando libertos do corpo pelo sono.
— E se procederem como Caio?
— Insistiremos. Para os sonhos, Antônia, há muitas explicações. Podem ser recordações do cérebro físico dos acontecimentos diários, histórias vistas e ouvidas. Podem ser recordações parciais de outras existências. Podem ser projeções de outras mentes.
— Como assim?
— Alguém pode pensar e projetar fatos e situações e o sonhante captar. Os bons usam projeções para instruir, ajudar, esclarecer e equilibrar pessoas. Os maus, para maltratar com pesadelos, para planejar crimes e maldades. Os vingadores, para que suas vitimas lembrem seus crimes e sofram com suas recordações.
— Devem os encarnados ser cautelosos ao desvendar sonhos, não é mesmo?
— Sim, a Doutrina Espírita recomenda que orem sempre antes de dormir pedindo a proteção dos bons espíritos para que possam ter contato com pessoas ou espíritos bons. Para se saber com certeza se teve contato com bons, observa-se a sensação deixada, se é boa ou ruim. Doamos o que temos fluidos não enganam maus não têm bons fluidos.
— Existe muita brincadeira nestes contatos?
— Espíritos brincalhões gostam de usar dos sonhos para pregar peças e dar idéias erradas, atiçar ciúme, passar medo, só para se divertir. Sonhos lembrados que dizem algo, devem ser cautelosamente estudados e analisados e não se deve crer em todos. Quanto aos repetidos, podem ser avisos, alertas, mas também podem ser de vingança de obsessores. Sempre é bom procurar entender os sonhos e, se forem bons, se trazem bons conselhos, deve-se aceitá-los. Às vezes, são bons, mas não agradam por ser contrários ao gosto do momento. Se, analisados, não forem bons deve-se orar mais, vibrar melhor, querer bons por companhia e ser digno deles.
— Nós vamos conversar com eles quando desligados pelo sono e eles recordarão como sonhos, não é?
— O perispírito deixando o corpo adormecido virá conversar conosco. Este parcial desligamento é normal e muitos saem a passeio, para ir a encontros, a lugares bons e ruins, para palestrar com outras pessoas, boas ou más, conforme afins ou, se necessário, para alguma finalidade. São muitos os trabalhos que encarnados fazem libertos do corpo pelo sono, muitos aprendem e prestam ajudas e socorros. Também quantos crimes são planejados, quantas vinganças alimentadas por imprudentes. E encontros podem ser de encarnados e desencarnados, como também entre encarnados, onde se trocam idéias de amizade ou de desavenças.
— Pena que a maioria não se recorda ou pouco fazem.
— O cérebro físico desconhecendo os fatos que se passam, traduz o que lhe é mais parecido, fazendo às vezes algumas confusões. Veja como Caio recordou. Julgou-nos um casal estranho, por não nos conhecer, por estarmos vestidos fora da moda do momento, eu, simplesmente de branco, você com este vestido voga de vinte anos atrás. Muitos dos sonhos, o cérebro físico não registra, porém uma sensação fica. Sábio o conselho ao dizerem a uma pessoa preocupada ou na peleja de solucionar um problema, para que vá dormir. Uma noite bem dormida sempre ajuda, pela manhã a solução aparece. É que se pode ser ajudado na solução por amigos desencarnados, ou ele mesmo, desligado do corpo volta a estudá-lo e acaba por achar a resposta para suas preocupações. Quantos pela manhã não ficam maravilhados com a resposta achada.
— Mas, os maus podem também interferir?
— Certamente. Já vi muitas vezes obsessores alimentar pessoas idéias de suicídio, de crime e desavenças, como também dar idéia errada para solução de problemas. Mas, todos nós temos o livre-arbítrio e inteligência para aceitar, ou não, o que nos é transmitido.
— Lembro que quando era pequena, numa ocasião, sonhava muito com minha avó, ora ela estava me batendo, mordendo, por vez ria ou chorava. Os vizinhos diziam que ficara impressionada com sua morte e minha mãe levou-me para benzer e estes sonhos, para mim pesadelos, acabaram.
— É muito comum encarnados ao ter o corpo físico morto, não esclarecidos, continuarem agindo, sentindo como encarnados. Normalmente continuam em seus lares com aqueles que amam, os mais sensíveis sentem mais esta presença e estes desencarnados acabam prejudicando sem querer, sem entender, seus entes queridos. Pode ter sido sua avó que ao desencarnar ficou em seu lar e passou a vampirizá-la. E você, desligada do corpo pelo sono, conversava com ela, certamente perturbada, coisa comum nestes casos, que ria, chorava podendo até mesmo ter ralhado com você. Sem entender o fato, recordava estes encontros como pesadelos. Ao benzer ou tomar passes, estes desencarnados muitas vezes são encaminhados ou socorridos findando o problema. Pode ter sido também que, você Antônia, tenha ficado impressionada e o cérebro físico recordava sempre. Ao benzer-se, uma força física maior que a sua deu-lhe a ordem para esquecer estes sonhos e você obedeceu.
— Benzimentos, passes, que tesouros de dádivas que tantos riem e ridicularizam!
— É verdade. Felizes dos que desta força se utilizam e dão valor, e bem-aventurados os que com humildade distribuem. Acho que todos estão adormecidos. Vamos, Antônia, falar com Paulo.
Ajudamos Paulo a desprender-se da matéria. Um tanto indeciso, assustado, olhou-nos.
— Amigo Paulo, necessitamos falar-lhe, disse.
— Não os conheço! Quem são?
— Já disse amigos.
Antônia aproximou-se mais, ficando bem na sua frente, cuidadosamente minha amiga plasmou-se mais parecida com Cidinha.
— É você, Cidinha? - indagou Paulo. Como está bonita! Que veio fazer aqui à noite?
— Não sou Cidinha. Não se lembra? No passado... A mãe de Caio, sou Antônia.
— Ora... Não pode ser Antônia, ela deve ter morrido.
— Morre a carne, vive-se em espírito, somos eternos e não acabamos.
— Não quero falar disso, que os mortos descansem em paz.
— Sou Antônia!
— Hum... Que quer? Veio pedir dinheiro? Chantagem? Nem pense em fazer escândalo.
— Calma Paulo. Não quero dinheiro, nem vim fazer escândalo.
— Quer o menino? Nem morta, ouviu? Você não é Antônia. Não pode ser. Como sabe deste fato? Não lhe dou meu filho. Chamo a polícia. Você quer mais dinheiro? Coloco-a na cadeia.
Paulo ficou nervoso, ameaçou, falava sem parar não deixando Antônia falar mais nada, quis agredi-la. Tive que intervir e colocá-lo no corpo bruscamente. Paulo acordou assustado, molhado de suor, deu graças por ter acordado.
— Meu Deus, que pesadelo! Alguém queria meu filho e queria dinheiro! Que horror!
Dei-lhe um passe para que acalmasse e acabou adormecendo novamente.
— Não desanime Antônia. Paulo sempre temeu sua volta e que o chantageasse. Tem medo que pudesse querer o filho e do escândalo se o segredo viesse a ser descoberto. Deixemos que descanse. Vamos ao Marcelo.
Encontramos Marcelo na sala de estar de sua casa, a conversar com uma senhora desencarnada. A senhora cumprimentou-nos, gentilmente, apresentamo-nos e explicamos o porquê de nossa intromissão.
— Senhora, por um motivo justo, aqui estamos para conversar com Marcelo.
— Sou a sogra dele, Etelvina, posso ajudá-los?
— Sim. Sou a mãe de Cidinha, disse Antônia, gostaria de que nos ajudasse.
— Você é a mulher que desencarnou ao tê-la? Veio vê-la?
— Ao saber que ela é tão amada e feliz, venho vê-la só em visitas rápidas, mas o motivo que nos traz aqui é outro, mais sério, escuta-nos.
Antônia contou-lhe tudo, D. Etelvina escutou com atenção. Marcelo continuou sentado, lia um livro descuidado de nossa presença.
— Meu Deus! - exclama D. Etelvina, — com tantos jovens, Cidinha foi se interessar logo pelo irmão!
— Eles não sabem disso, mas precisamos separá-los e logo.
— Entendo, orarei para que consigam. Falarei com Marcelo, ele é boa pessoa, amo-o como filho, conversamos sempre que os visito. Gosta muito de ler e o tenho encontrado fora do corpo físico, lendo ou estudando.
“Marcelo! - voltou D. Etelvina a ele, que largou o livro e olhou-a com carinho. Estes são pessoas amigas que querem falar-lhe. É um assunto sério, deve prestar atenção e fazer o que recomendam, pela felicidade de Cidinha.”
“Algo de ruim se passa com ela?”, indagou preocupado.
“Não, Cidinha não corre nenhum perigo. Mas, um problema tem que ser solucionado, estes amigos aqui estão para ajudar, são Antônio Carlos e Antônia.”
Marcelo cumprimentou-nos. D. Etelvina retirou-se e eu disse-lhe calmamente, transmitindo confiança:
— Marcelo, quero ser seu amigo, vim de longe para conversar com você.
— É médico?
— Sim, sou, porém não é este o motivo, estamos a par de seus segredo, sobre a adoção de sua filha.
Marcelo observou-me, notamos que gostou de mim, mas não lhe agradou o tema da conversa, adoção não lhe era assunto interessante.
— É por ser médico que sabe?
Não respondi a indagação, tentei ser agradável.
— Marcelo, Paulo é seu amigo, não é? Seus filhos namoram. Não seria conveniente contar-lhe tudo sobre Cidinha?
— Contar? Por quê? Prometemos guardar segredo e segredo que se conta não o é mais. Que ia interessar isto a Paulo?
— Em amigos se confia. Se não contar, estará traindo sua Confiança. Paulo é honesto e guardará este segredo como seu.
— Que tem Paulo a ver com o caso? Quem casará com ela é Caio. Conheço o garoto, não irá se importar com este fato.
— Concordo. Nem ele nem Paulo se importarão; são pessoas de bem, longe de ser preconceituosas. Caio é jovem, não se interessará pelo assunto. E a Paulo que deve contar. Ele é seu amigo e pai de Caio, será sogro de sua filha, segundo pai, por que não conta a ele?
— Vou pensar.
Calamos por instantes, Marcelo retomou a palavra:
— Não quero ser indelicado, D. Etelvina pediu-me para escutá-los, mas que têm vocês com isto?
Antônia ia falar, adiantei, minha amiga entendeu-me. Não queria espantar Marcelo, deveríamos ter cautela. Se soubesse a verdade naquele momento, talvez achasse graça.
— Nada tem em especial. Trabalhamos ajudando as pessoas. Esconder um fato desses, pode ter no futuro graves conseqüências. Se descobrirem mais tarde? Acusarão você de ter ocultado algo tão importante. Quem lhe garante que este fato não venha a ser descoberto? Ocultando, não está traindo a confiança de seu amigo?
— Só quatro pessoas sabiam meus sogros, que já faleceram Helena e eu, nem a meus pais contamos. Ninguém mais sabe.
— Sabemos disso.
São desencarnados, respondeu-nos, demonstrando ser esclarecido.
— O pessoal do hospital também sabe, ponderei.
— Será? Já se passou tanto tempo.
— Pense Marcelo. É melhor contar.
Despedimo-nos, Marcelo voltou ao corpo pensativo e preocupado.
No outro dia, ao despertar, não lembrou da nossa conversa. Uma sensação de que deveria contar algo a alguém, inquietou-o, sentiu-se preocupado.
Por várias noites conversamos com eles. Marcelo aceitava-nos bem, relutava em revelar o segredo tão bem guardado. Achava que nada se modificaria e temia que viessem todos, a saber, especialmente a filha que nunca desconfiara. Após nossa terceira conversa, Marcelo acordado, recordou que conversara com alguém sobre a adoção da filha, os fatos da adoção vieram como recordação e pôs-se a cismar se deveria contar a Paulo. Não sabia explicar o porquê, mas estava com vontade de contar ao amigo.
Acompanhamo-lo e intuímo-lo sempre com o pedido: “Conta a verdade ao Paulo!”.
Na quarta vez, Marcelo conversara conosco educadamente, mas demonstrou estar cansado de minha insistência. Não revelara-nos o fato de Cidinha e Caio serem irmãos. Argumentávamos sempre que não devia esconder a verdade ao amigo.
Paulo não queria mais nos ver, repelia-nos. Adormecido, com seu perispírito no corpo, projetamos para ele cenas de seu passado, recordando seu romance com Antônia.
Via tudo, chorava arrependido por ter traído a esposa e por ter seduzido uma jovem caipira.
Como Marcelo, após três vezes, lembrou ao acordar, vagamente do sonho e de Antônia.
No quarto dia, fizemos a comparação ao acordar, vagamente do sonho e de Antônia.
No quinto dia, fizemos a comparação de Antônia com Cidinha, firmando bem a semelhança.
Paulo acordou preocupadíssimo. Lembrou nitidamente de como era Antônia, orou por ela, temia muito os mortos. A última notícia que tivera dela é que tinha falecido dois ou três anos após Caio ter nascido.
Indagou a si mesmo o dia todo:
— Com que Antônia é parecida?
Não deixamos esquecer, repetindo-lhe sempre: “Paulo! A Semelhança? Quem se parece com Antônia?”
Ficou pensativo o dia todo. Por várias vezes, passava pela sua mente todas as mulheres que conhecia.
— Será Caio? Não, ele tinha pouca semelhança com ela. É uma mulher? Quem? Pensou nos funcionários do escritório, das fábricas e nada. Não, não é não acho. Mas sei que conheço alguém parecido. Meu Deus! Será que Antônia não morreu? Será que a vi por ai? Não... Bobagens, se Antônia fosse viva teria minha idade. Penso numa jovem...
Chegara o sábado, o dia da festa de Cidinha e Carla estava toda animada. Mas os irmãos não queriam lavá-la. Ofélia interferiu e pediu ao esposo:
— Paulo leva Carla á festa, por favor. Os meninos querem voltar mais tarde. Você encontrará amigos lá, Marcelo e Helena ficarão felizes por tê-lo como companhia. Carla quer tanto ir...
— Está bem, Ofélia, leva-a.
Carla pulou no pescoço do pai, beijou-o agradecida. Acompanhamo-los, a festa estava animada, cheia de jovens amigos. Paulo sentou-se em companhia de outros pais que como ele acompanhavam seus filhos e conversaram animados. Cidinha e Caio dançavam felizes. Chamei a atenção de Paulo para o casal e ele passou a observá-los.
— Vê como Cidinha é bonita! - exclamei várias vezes a ele. Tentei passar a imagem de Antônia e consegui. Paulo descobriu que se parecia com a mãe de Caio.
Paulo ficou branco, procurou se controlar, pedindo licença aos amigos, foi para o jardim.
— Meu Deus! Achei a pessoa que se parece com Antônia. É incrível! Sempre achei Cidinha com a feição parecida com alguém que conhecia. Mas com Antônia? Por que com ela? A semelhança é impressionante! E como se parecem! Por que esta semelhança? Não tem nada a ver uma com a outra, coincidência?!
Paulo ficou nervoso com a descoberta, controlou-se, procurou acalmar-se, voltou à sala, tentando esquecer o assunto.
Marcelo estava orgulhoso, gostava de reunir seus amigos e os da filha em sua casa. Achava que o melhor lugar para a filha se divertir era na sua casa e Helena adorava preparar festa servir de anfitriã. Festas eram comuns em seu lar. Observava a cada instante a filha com Caio e sorria satisfeito, pensava distraído.
“Caio é o genro que pedi a Deus. Ele tomará conta com honestidade e bondade de tudo o que é nosso. Confio no garoto. Paulo planeja deixar Caio em seu lugar, mas ele tem Sérgio. Caio ocupará o meu lugar. Logo que se casem, convidarei Caio com muitas vantagens para trabalhar comigo e ficar no meu lugar. Cidinha não saberá cuidar das indústrias, ela não gosta de negócios nem quero. Caio é meu herdeiro perfeito.”
A festa acabou Paulo, aliviado, levou Carla para casa.
Deitou-se logo, porém, não conseguia dormir, sua descoberta tirara seu sono. Não conseguia entender o porquê da semelhança, sentia uma sensação estranha que o incomodava.
— Deixemo-lo, Antônia. É bom que Paulo pense e preocupe-se com sua descoberta. Para nós é útil que tenha esta semelhança bem viva em sua mente. Vamos ao Marcelo pedir que conte seu segredo ao Paulo, aí tudo se desvendará.
— Se não conseguirmos fazer com que Marcelo conte?
— Estamos tentando, Marcelo deverá fazer a escolha.
— É triste pensar que namoram e que são irmãos.
— Devemos separá-los e logo, se não acabam casando, por isso devemos forçar um pouco Marcelo.
— E se os fizéssemos brigar?
— Como? Com intrigas? Seria impossível fazer que deixem de se amar. Depois uma simples briga, não os separaria. Se Marcelo negar-se realmente a contar, voltaremos ao Paulo e pediremos que investigue a semelhança que o intriga.
Voltamos ao lar de Helena, a família colocava objetos nos lugares, ajeitando a confusão deixada pela festa, Marcelo conversava com Cidinha.
— Filha, você ama mesmo Caio? Pensam em se casar?
— Sim, papai, amo-o. Caio é tão bom, parece em temperamento com o senhor. Pensamos em casar logo. Não está de acordo? Acha-me muito jovem? - indagou a mocinha rindo.
— Sabe que gosto muito de Caio. Fico contente e sinto que serão felizes. Você é jovem, mas se tem que casar que seja com Caio, ele também é o meu escolhido para genro.
Não demoraram muito, foram dormir, Marcelo logo adormeceu, desprendeu-se do corpo e ao nos ver, dirigiu-se a nós descontente.
— Vocês de novo?
— Marcelo, observa bem Antônia, não é ela parecida com alguém? - indaguei.
— Com Cidinha. Notei isso desde a primeira vez. É a mãe dela, não é?
— Sou, respondeu minha amiga.
— Que tem isso? - indaga Marcelo, morreu ao dar à luz, não foi? Só pode estar feliz em ver a filha bem e não tem motivos para se intrometer em minha casa. Desculpem-me, mas perco a paciência.
— Antônia é agradecida, - disse-lhe, totalmente reconhecida a você e a Helena. Se não fosse justo o motivo, não o incomodaríamos. Antônia é mãe de outra pessoa também, teve outro filho. E este outro filho é Caio.
— Foi por D. Etelvina que os escuto, mas, brincam comigo...
— Não brincamos. Tem conhecimentos para distinguir desencarnados que brincam e os sérios. Antônia está muito preocupada. Teve dois filhos, dados a pessoas diferentes e que se encontram e namoram. Como vocês guardam em segredo a adoção de Cidinha, Paulo e Ofélia guardam a de Caio. Por isso, Marcelo, estamos insistindo com você para que conte a verdade ao Paulo, e este confirmará...
Marcelo cambaleou, analisou-nos, permanecemos sérios.
— É muito triste! Não posso acreditar! Minha menina vai sofrer, todos comentarão Helena sofrerá, eu sofrerei...
— Não dramatize Marcelo, - disse-lhe, primeiramente tenta acordado desvendar este mistério, depois, pense num modo de suavizar, nem todos precisam saber a verdade.
— Não me lembro acordado do que me narram. Que devo fazer?
— Concentre-se de que necessita com urgência contar a Paulo que Cidinha é adotiva.
Marcelo repetiu várias vezes à frase que disse e voltou ao corpo, acordando. Sentou-se no leito, assustado, olhou as horas, levantou-se e foi tomar água, sentou-se na sala às escuras e pôs-se a pensar no que recordara do sonho. Balbuciou baixinho:
— Contar ao Paulo? Um segredo tão nosso... Nem pensava neste assunto, porque essa vontade agora? Sinto-me preocupado nem sei por que, estou com vontade de falar com Paulo. Ai! Deus! Sinto que algo de grave irá acontecer se não falar da adoção com Paulo.
Aproximei-me dele, tentei transmitir meus pensamentos a ele e mentalmente conversamos.
“Marcelo, atende-me, conte ao Paulo e terá sossego. Ele é seu amigo, pessoa em quem se pode confiar, guardará segredo.”
“Se Helena descobre que falei a alguém sobre a adoção, ela me mata...”.
“Não fale nada a ela, este assunto deverá ficar só entre vocês dois.”
“Por que me sinto tão inquieto? Sou o pai de Cidinha, criei-a, criamo-la e amamo-la tanto. Que importância terá este fato a alguém? Meu sonho é ver Cidinha e Caio casados. E se Paulo fizer objeções? Hum!... Bobagens, conheço meu amigo. Acho que vou contar.”
“Conte Marcelo, conte.”
Marcelo voltou ao quarto e logo adormeceu.
Antônia e eu nos retiramos. Mas no domingo por muitas vezes lembramos Marcelo de que deveria contar seu segredo a Paulo. Ora concordava, ora achava que não devia. Passou o dia preocupado, calado e pensativo, logo a esposa percebeu e indagou:
— Que tem Marcelo? Que sente?
— Nada, nada, estou bem, - respondeu, olhando para a filha indagou:
— Cidinha, se tivesse um grande segredo, contaria ao seu melhor amigo?
Cidinha pensou por instantes, esforcei-me por intuí-la. Ela era mimada, porém inteligente, sensível e bondosa, respondeu mais ou menos como queríamos:
— Acho que sim. Amigos são para repartir segredos. Ainda mais se este segredo me desse preocupações. Duas cabeças pensam melhor que uma.
A filha afastou-se e Marcelo continuou a pensar:
“Acho que vou mesmo contar ao Paulo. Tudo isto começa enervar-me. Para que não digam mais tarde que enganei um amigo, conto agora, ele guardará segredo.”
Mesmo ele tendo tomado a decisão, lembramo-lo mais vezes ainda. Ao deitar-se, estava exausto, adormeceu logo. Veio triste se encontrar conosco.
— Marcelo, - disse, abraçando-o, — coragem, conte tudo ao Paulo logo, não adie, vá ao encontro de Paulo amanhã cedo, Caio não está no escritório, encontrará seu amigo sozinho.
— Obrigado, amigo, irei amanhã cedo.
Quanto a Paulo, passou o domingo a Cismar, disfarçou sua preocupação para que ninguém percebesse. Ficou a pensar, fingindo ler, na semelhança entre Antônia, à mãe de Caio, e Cidinha, sua futura nora. Ofélia e os adolescentes estavam eufóricos, no dia seguinte à tarde Zélia e Rosa chegariam e só falavam nas tias e nos preparativos da casa. Para o pai de Caio, o dia foi longo e ao deitar-se demorou a dormir.
O SEGREDO
Marcelo acordou na segunda-feira cedo e saiu rápido que não desse tempo de a esposa perceber seu nervosismo. Nunca escondera nada da companheira. Não queria mentir a ela nem falar de suas preocupações. Foi para seu escritório. Para que não desistisse de ir ao encontro e falar com Paulo, ficamos ao seu lado, recordando-lhe do que deveria fazer. Estava agitado, não conseguiu trabalhar, pensava só na adoção. Eram nove horas rumou para o escritório do amigo.
“Se tenho que fazer, é melhor que faça logo, falou alto, estou agoniado não consigo esquecer este assunto.”
Paulo recebeu-o contente, após um abraço, Marcelo pediu:
— Paulo, venho conversar com você, o assunto é sério. Gostaria de que não fôssemos interrompidos.
— Alguma preocupação, Marcelo?
— Julgará por si mesmo.
Paulo deu ordem para a secretária para não ser interrompido. Sentiu-se inquieto, recordando suas próprias preocupações. Antônia e eu ficamos de lado, observando-os, escutando a conversa e prontos para interferir se necessário para melhor esclarecimento, porém não foi necessário.
— Estamos a sós, Marcelo, dispõe de mim, disse Paulo diante do silêncio do amigo.
— É meu amigo, não é, Paulo?
— Sou, sabe que sou, e tenho o enorme prazer de sê-lo. Gosto muito de você, mas está preocupando-me, seja o que for, conte-me logo.
— Dá-me sua palavra de que não falará sobre o que direi ninguém. Guardará segredo do que ouvir? Não que duvide você, é importante para eu ter sua palavra.
— Tem minha palavra, guardarei segredo.
Marcelo suspirou, sentou-se na cadeira ao lado de Paulo.
— É melhor para que entenda começar do início. Quando casei, foi naquele tempo em que estivemos distanciados, foi na mesma época em que você também se casou. Estava apaixonado e feliz, após uns meses vi ameaçada minha felicidade, não conseguíamos ter filhos, Helena não ficava grávida.
Marcelo fez uma pausa; Paulo que achara exagero a preocupação de Marcelo, pois achara que este viera falar de negócios, endireitou-se na cadeira, sentiu um estranho pressentimento, prestou mais atenção ao amigo, que continuou.
— Médicos foram consultados e nada, três anos se passaram e Helena parecia obcecada, só pensava em ter filhos. Aí, ficou grávida para nossa alegria. Mas, antes de completar o quinto mês de gestação, a gravidez foi interrompida e perdemos o nenê. Foi um período difícil para nós, começamos a brigar, a nos ofender. Porém Helena logo após engravidou novamente. Estava nervosa e temia perder a criança, eu fazia tudo o que podia para acalmá-la, mas também sentia medo. Sentia que se não desse certo, íamos acabar nos separando. Meus sogros naquela época moravam no interior de São Paulo. Meu sogro tinha um emprego que o fazia mudar muito de cidade. Helena no quarto mês de gravidez quis ficar com a mãe. O médico dela achou boa a idéia, porque lá era uma cidade calma, de clima bom. Concordei também, porque minha sogra, pessoa boníssima, tinha o dom de acalmar a filha. Assim, Helena foi para a casa dos pais, voltaria assim que a criança nascesse.
Helena gostou da cidade, tudo corria bem, ia vê-la de quinze em quinze dias.
Estando Helena no sexto mês de gravidez, e bem, nossas esperanças aumentaram. Estando na época de vê-la, fui feliz, porém, ao ver meus sogros esperando-me, senti um pressentimento triste. Contaram-me então que há três dias nosso bebê tinha nascido morto. Que Helena estava fisicamente bem, mas, moralmente abalada e tristíssima. Fora ela quem não deixou que me avisassem. Helena sofreu muito, não conversou comigo, não conversava com ninguém, chorei de pena ao vê-la tão abatida e desarrumada. Agradei-a, parecia nem notar-me. Ficava parada, com o olhar longe, pensativa, recusava-se a se alimentar. Só dormia com um calmante receitado pelo médico. No dia seguinte cedo, minha sogra veio acordar-me, cuidadosamente para não acordar a filha, conduziu-me à sala e disse baixinho:
“Marcelo, tem no hospital uma orfãzinha. Nasceu esta noite, é branca, perfeita, miudinha, a mãe indigente, morreu ao tê-la. Vão doá-la.”
“Dona Etelvina! Acho que é uma solução. Vamos buscá-la.”
Assim, em dez minutos, estávamos meus sogros e eu no hospital. Quis primeiramente conversar com o médico que atendera Helena. Por sorte, encontramo-lo e ele nos atendeu logo. Explicou-nos o facultativo que Helena não poderia ser mãe, não engravidaria mais.
— Ah! Paulo! Como me lembro de tudo, o tempo passou, lembranças ficaram.
Marcelo deu um suspiro triste e continuou: — A madre encarregada da direção do hospital escutou nosso pedido e nos disse:
“A mãe do nenê não estava doente, só fraca, sofreu muito e a criança não tinha pai ou, segundo ela, tinha, mas abandonou-a. Contou-me que não tinha ninguém, que era sozinha. Morreu e a menina é um amor.” ·.
“Dá-nos a criança, por favor, pedi. Helena enlouquece, não poderá mais ter filhos. A menina será nossa, cuidaremos dela com todo amor.”
“Acredito que sim, falou-nos a madre. Conheci sua esposa, entendo seu sofrimento, sei de sua vontade de ser mãe. Gostei de vocês, sei que são pessoas boas. Sempre procuro resolver os problemas facilitando-os. Aqui temos uma orfãzinha necessitada de carinho e pais, e vocês querendo um filho. Certo seria ir ao juizado, fazer a adoção, mas, tudo isso demora e nesta espera a menina ficaria órfã. Vou dar a criança a vocês, porque sinto que é como filha que a recebem. Preencham esta ficha com o nome Sra. D. Etelvina e esposo, que residem nesta cidade e podem levá-la.”
— Duas horas depois, voltei com a menina nos braços, entrei no quarto. Helena estava parada, olhando para o nada. Mostrei a menina a ela.
“A mãe dela morreu Helena, como nosso nenê, ela estava sozinha, não tem ninguém. A madre nos deu, é nossa agora. Quer vê-la?”
Helena sentou-se na cama, olhou a criança, pegou-a, desenrolou-a.
— É linda, - exclamou. Ela é nossa? Verdade? Meu Deus, que bom! Agora sou mãe, não é Marcelo?
— A menina pôs-se a chorar. Como um milagre, Helena levantou-se e foi cuidar dela, embalou-a e ela parou de chorar. Deu-lhe banho, colocou as roupinhas que tinha preparado para enxoval do nosso bebê, alimentou-a. Helena, em poucos instantes, tornou-se alegre, alimentou-se, voltou à vida.
Chorei de emoção, amava Helena e passei a amar a menina como minha.
Helena, agora calma e arrumada, disse-me.
“Marcelo, fiz uma promessa a Nossa Senhora da Aparecida, pedindo a ela um filho. É Deus que dá filhos às pessoas, não é? Foi pela vontade de Deus que esta menina veio até nós. Quero dar-lhe o nome, cumprindo meu voto, de Maria Aparecida, você concorda?”
“Claro, Helena, será nossa Cidinha.”
“Marcelo, sei que ela não é de nossa carne. Mas, será como se fosse, não é? Se não contarmos a ninguém, ninguém saberá. Todos, amigos e familiares, sabem que estou grávida. Podemos dizer que Cidinha nasceu de sete meses.”
— Foi o que fizemos, alegremente, disse a todos, que Cidinha nascera de sete meses. Um mês após, meus Sogros trouxeram Helena e a menina. Ninguém duvidou, Cidinha era miúda, mas forte, com imenso cuidado e carinho de Helena, logo era um bebê robusto. Passamos a viver em paz e harmonia, meus sogros mudaram de cidade e nunca mais voltamos lá. Depois eles faleceram e somente Helena e eu sabemos deste fato. E, se ela souber que lhe contei, brigará comigo. Mas como Caio vai casar-se com Cidinha, senti uma necessidade, uma aflição, para contar-lhe tudo. Sei que não muda nada e...
Marcelo conservava a cabeça baixa enquanto narrava, brincava com a chave de seu carro, levantou a cabeça e olhou para Paulo, este escutava o amigo aflito, suava, estava branco, olhava-o com espanto:
— Paulo! - exclamou Marcelo sentido. Que tem? Abalou-se com meu segredo? Vai me dizer que isto importa a você? Não irá querer mais o casamento dos meninos? Eu...
Paulo começou a chorar, Marcelo assustou-se, levantou-se, chegou mais perto do amigo, colocou a mão em seu ombro.
— Puxa Paulo, como você é emotivo!
Rápido, Marcelo pegou um copo de água e trouxe para Paulo, que tomou, esforçou para acalmar-se, após uns minutos, disse:
— Marcelo, não sabe o que significou para mim, ouvi-lo. Há tantos anos somos amigos, desde garotos, houve uma época em que estivemos distanciados e nesse tempo, tantas coisas aconteceram. Contou-me um segredo, agradeço tudo me leva a crer que foi inspirado a contar-me. Escuta-me agora, também tenho segredo, não menor que o seu.
Paulo fez uma pausa, com voz lenta, começou a falar:
— Como você sabe, sou filho único, meus pais queriam ver-me casado jovem ainda, só que com a moça que escolhessem. Apaixonei-me por Ofélia, moça de família pobre, sem estudos, uma balconista, meus pais foram contra. Sempre quis muito bem a eles, mas não abri mão do que queria. Dei-lhes um tremendo desgosto quando casei. Como você, tive problemas para ter filhos. Ofélia não engravidava meus pais querendo netos, cobrava-nos e começamos Ofélia e eu, a desentendermo-nos. Não fui forte e honesto como você. Apesar de amar minha esposa, cedi ao encanto de uma jovem empregada de meus pais e ela engravidou. Levei um choque ao saber, temi as conseqüências, mas como sempre fazia todas as minhas dificuldades meu pai resolvia, daquela vez, embora temeroso, recorri a ele. Meu pai ouviu-me, não ralhou comigo, achou uma solução para meu alívio. Neto para ele era meu filho, tanto fazia se viesse de minha esposa ou amante. Ele pensou e arrumou tudo. Levou a moça para a fazenda, onde foi tratada muito bem e lá teve a criança. Como foi combinado, meu pai deu-lhe uma boa quantia em dinheiro e ela partiu deixando o filho. No dia do nascimento do menino, meu pai, à noite, trouxe-o para a cidade, deixando-o na porta de minha casa. Eu sabia e esperei-o ansioso. Tudo deu certo, Ofélia amou-o assim que o viu, e nunca soube da verdade. Esta criança, Marcelo, é Caio meu filho mais velho. Logo depois, nasceram Sérgio e Carla.
— Que interessante! - riu Marcelo, cada um dos garotos com um segredo. Contei-lhe o meu, hesitei, pensei tanto, sofri na incerteza se deveria fazê-lo ou não. Você contou-me o seu, guardaremos segredo e, não muda nada.
— Marcelo, sabe como se chamava a mãe de Cidinha?
— Não.
— Acho amigo, penso que muitas coisas vão mudar. Meu Deus! Tomara que esteja errado.
— Mudar? Como? Por quê?
— Escuta-me. A mãe de Caio partiu com um ex-empregado da fazenda. Mais tarde, ficamos sabendo que falecera numa cidade do interior de São Paulo. E, se não estou enganado, é esta que citou, onde Cidinha nasceu. Marcelo há tempo que acho Cidinha parecida com alguém. E, por um sonho, descobri quem era. Sim, sonhei com a mãe de Caio, e é com ela que Cidinha se parece. Esta semelhança deixou-me preocupado e nervoso, sem explicação. Calculando datas, Antônia, a mãe de Caio, deve ter morrido na época em que Cidinha nasceu. Lembro agora, que um primo de Antônia, descobriu que ela morreu e não contou para os pais dela. Ficamos com dó, mas, para meus pais e eu, foi um alívio, pois temíamos ser chantageados.
— Que tenta dizer-me, Paulo! Semelhantes? Tem certeza? São realmente parecidas?
— Sim, são. Sinto muito, Marcelo. Acontecimentos do passado, que julgava para sempre enterrados, vêm à tona. Nunca percebeu que Cidinha e Caio têm traços parecidos? A cor dos cabelos, a boca, o jeito...
— Meu Deus! Seria cruel demais. Será que essa Antônia é a mãe de Caio e de Cidinha? É isto que está lhe ocorrendo?
— É, Marcelo. A semelhança intrigava-me, mas, nunca pensei que Cidinha fosse adotiva, agora desconfio que sejam irmãos.
— E se forem? Terão que se separar. Que faremos?
— O melhor é descobrir a verdade. Talvez não sejam aí esqueceremos o assunto, como se esquece um pesadelo. Se forem realmente irmãos...
Silenciaram. Cada qual voltou o pensamento para seu filho, no sofrimento que teria.
— Estas desconfianças devem ficar entre nós, Paulo. Até descobrirmos a verdade.
— Concordo. E se for verdadeiro, nós dois resolveremos o que fazer, por hora, basta só nós dois sabermos.
— O melhor é ir investigar na cidade onde Cidinha nasceu e tentar obter dados de sua mãe. Vou até lá e tentarei descobrir tudo.
— Se o nome da mulher que morreu for Antônia S.C., são irmãos.
— Que tristeza! Acho que vou logo.
— Estamos agoniados, Marcelo, melhor mesmo é descobrir logo.
Abraçaram-se.
— Telefono a você, Paulo. Vou ainda esta semana. Se Deus quiser, descobrirei tudo.
Marcelo foi para seu escritório aflito, a suspeita agoniava-o mais ainda. Resolveu ir na quarta-feira bem cedo, passou a trabalhar com furor, acertando o que tinha de mais urgência. Durante o almoço, disse à esposa:
— Helena, vou a São Paulo na quarta, arrume minha mala, devo ficar de dois a três dias, vou...
— Está bem, querido, vai a negócios.
Paulo ficou preocupadíssimo, não foi almoçar em casa, desculpou-se e não encontrou com o filho. Caio não viera trabalhar para esperar as tias.
— Que boa ocasião para elas virem, - exclamou, com movimentação em casa não notarão minha preocupação.
À tarde pediu para a secretária comprar flores e levou-as para as cunhadas.
A casa de Ofélia estava animada, todos falavam alegres.
Paulo chegou, abraçou as cunhadas e deu-lhes as flores, dizendo que eram bem-vindas. Ofélia sorriu contente com a gentileza do marido.
Zélia tinha o aspecto cansado e doentio. Paulo observou Rosa, os anos, pensou ele, não a mudaram muito, estava linda, meiga e tímida. Rosa, ao sentir-se observada pelo antigo namorado corou por segundos e seu coração bateu forte.
Acompanhamos o pensamento de Rosa: “Paulo continua o mesmo, está muito bem. Como sofri por ele, vendo-o vem à dúvida: será que realmente o esqueci? Não posso amá-lo, Deus me ajudará, é marido de minha irmã, recebeu-nos tão bem. Se não fosse por Zélia, não voltaria, mas, como tratá-la? Ela está doente...”.
— Paulo, - chamou Ofélia, despertando Rosa de seus pensamentos, ajuda-me a convencer minhas irmãs, quero que faça exames médicos, vão ao dentista e...
— E que comprem roupas novas e bonitas intrometeu-se Carla alegre, eu as levarei ás lojas.
— Elas não querem, - finalizou Ofélia.
— Não queremos dar trabalho e... - disse Zélia.
— Aqui, senhoras, - disse Paulo, — Ofélia manda e é obedecida. Ela tem razão, parece-me cansada Zélia, e se negarem este favor a Carla, de lhes mostrar as lojas, a menina tem um ataque. Todos riram. Por favor, cunhadas, fiquem à vontade, nossa casa é também de vocês. Esperamos que fiquem em definitivo conosco. Alegro-me que estejam aqui e de ver Ofélia tão feliz.
Não prestaram mais atenção nele, sentiu-se aliviado por isto. Procurou ser gentil e fingiu estar alegre. As irmãs conversavam sem parar e os adolescentes queriam participar saber do passado das tias.
Paulo sentia-se culpado. Se voltasse ao passado não iria repetir o erro. Caio teria vindo como filho deles, era só ter paciência. E não estaria agora com este problema que o afligia. Agradar à esposa era uma necessidade, amenizava um pouco o remorso que sentia.
Os dias na casa de Paulo foram de alegria e animação; para ele, foram de agonia, esperando o regresso de Marcelo.
A VERDADE
Tendo tudo preparado, Marcelo viajou na quarta-feira de manhã; procurando acalmar-se, dirigiu com cautela. Acalentava a esperança de confirmar o contrário das suspeitas e que Caio e Cidinha nem sequer fossem parentes.
Chegou às dez horas e procurou um hotel discreto e simples; a cidade modificara, crescera e modernizara, lembrando pouco da cidade de tempos atrás. No hotel, aguardou no quarto a hora do almoço, as onze e trinta minutos desceu ao refeitório, alimentou-se pouco e, logo após, foi ao hospital.
Este também modificara fora aumentado e embelezado. Na recepção, teve conhecimento de que as Irmãs de Caridade trabalhavam ali como outrora. Pediu para ser atendido pela Irmã Superiora.
Foi conduzido a uma pequena sala e convidado a sentar-se e esperar, que a Irmã logo viria. Marcelo sentiu-se mais nervoso ainda, seu coração batia forte.
Acompanhamos Antônia e eu, Marcelo passo a passo. Ele estava com vontade de ir embora e não tentar descobrir nada e deixar tudo como estava. Achava que todas as suspeitas eram sem fundamento, parecendo-lhe impossível uma coincidência tão grande, a de os garotos serem irmãos.
Uma Irmã desencarnada veio cumprimentar-nos. Após as apresentações Antônia explicou o porquê de nossa visita, resumindo sua história.
“Nunca vi nada igual, disse-nos gentilmente. Temos arquivos de longa data com óbitos, porém, não é sempre que nossa laboriosa Irmã Superiora deixa estranhos vê-los. Prometo ajudá-los.”
Sorriu encantadoramente, tudo nela demonstrava bondade e dedicação. Encarnada por cinqüenta e um anos, serviu ao próximo como enfermeira. Ao ter o corpo físico morto, após um período de descanso e aprendizado, voltou ao hospital e serve em nome de Jesus a todos os necessitados do corpo e espírito, sempre com amor e carinho.
A Irmã Superiora entrou, cumprimentou gentilmente Marcelo, que explicou desajeitado:
— Irmã, adotei uma criança neste hospital há precisamente dezenove anos. Como surgiu um problema, necessito saber o nome da mãe dela que faleceu no parto. É possível?
— Não sei, tanto tempo.
— Por favor, Irmã, é importante.
Marcelo agitou-se, mudando de posição na cadeira, pensou aflito: “Que faria se não fosse possível? Como ficar na dúvida?!”.
— Nossos arquivos estão no depósito e não sei se poderemos achar o que quer. Estamos com falta de pessoal e não posso dispor de ninguém para esta procura que necessita de tempo.
— Eu tenho tempo e posso procurar. Por favor, não quero incomodar, é só mostrar-me o lugar e dar sua permissão.
— Não costumamos deixar estranhos entrar lá. Senhor... Marcelo queira mostrar seus documentos.
— Oh, sim! Aqui estão.
A Irmã examinou-os e nossa amiga desencarnada intuiu-a a nosso favor, entregou os documentos a Marcelo e disse para nossa tranqüilidade:
— Tudo certo. Deve ser importante esta pesquisa para o senhor, vou permitir. Pedirei a uma secretária para mostrar-lhe o caminho.
Marcelo acompanhou uma mocinha, atravessaram o hospital, chegando aos fundos, entraram num corredor grande com algumas salas fechadas. Na última, a moça abriu, acendeu a luz e explicou:
— É aqui, senhor. Por favor, não bagunce mais do que já esta. Os papéis são empacotados pelo ano. Procure a data marcada na etiqueta, abra-a e achará o que necessita; após guarde-a com achou, certo? O senhor está com sorte, a Irmã Superiora não deixa estranhos entrar aqui. A maioria destes papéis vai logo para o fogo, porque iremos precisar desta sala e não teremos onde guardá-los. Agora vou deixá-lo, o senhor, por favor, não vá a outras salas. Quando acabar, vá à recepção.
Saiu, Marcelo ficou só, a sala fechada tinha o ar abafado cheirava pó.
“É melhor procurar logo, resmungou.”
Tirando pacotes uns de cima dos outros, encontrou o ano que procurava. Abriu o pacote, os papéis estavam mais ou menos em ordem de datas. Separando-os cuidadosamente, encontrou a ficha que era tão importante para nós.
Marcelo leu emocionado:
“Antônia S.C. morreu de parto”.
Atendida pelo médico...
“A menina órfã, branca, sadia, foi entregue pela Irmã Maria J.O. para o casal residente nesta cidade: o Sr. e Sra..”
Marcelo leu várias vezes, O nome de Antônia, a mãe de Caio, ali estava. Nada deixava dúvidas. Data certa, nomes dos sogros, a Irmã Maria. Sentou-se e chorou. Acalmei-o e confortei-o.
“Marcelo seja forte! Acharão um modo de separá-los sem causar muitos problemas. São jovens, esquecerão fácil.”
“Será um escândalo! - responde-me em pensamento. Como agüentar os falatórios?”
“Marcelo pense em como resolver este problema sem que este assunto venha a público.”
Marcelo leu mais uma vez a ficha e cuidadosamente pôs tudo no lugar. Apagou a luz, fechou a sala e foi para a recepção, entregou a chave para a moça que o conduziu e esta lhe perguntou alegre:
— Achou o que queria senhor?
— Sim, gostaria de agradecer à Irmã.
Foi conduzido novamente à sala em que estivera antes. A mocinha disse para que aguardasse que a Irmã estava ocupada, mas que viria em seguida.
Marcelo, enquanto aguardava, preencheu um cheque com uma quantia razoável. A Irmã demorou; ao chegar, pediu desculpas.
— Temos muito trabalho, o hospital está lotado.
— Irmã, agradeço de coração por ter permitido que pesquisasse em seus arquivos. Se me permite, quero deixar meu donativo aos seus pobres, que devem ser muitos.
Agradeço-lhe, de fato são muitos os necessitados. Nosso hospital, como tantos outros, atravessa uma crise financeira e necessitamos de tudo. Sinto-o triste, Sr. Marcelo, o que encontrou é desagradável?
— Infelizmente, sim. Ore por mim, Irmã, o que tenha a fazer não será fácil.
Despediu-se da Irmã, saiu do hospital, sentou-se num banco do Jardim na frente do prédio. Eram dezessete horas, Marcelo estava desanimado e triste, resolveu pernoitar na cidade e ir embora só no dia seguinte.
Vendo minha amiga Antônia preocupada, animei-a.
— Antônia, o mais difícil conseguimos, descobriram; o resto será mais simples.
— Porém, não fácil. Como sentirão meus filhos? Sofrerão? A errarmos, não pensamos que os erros nos acompanham e um dia enfrentaremos seus frutos.
— Marcelo e Paulo são pessoas responsáveis e com nossa ajuda, acharão um modo mais fácil de enfrentar a situação.
Marcelo foi para o hotel, trancou-se em seu quarto e ficou a pensar, tentando achar uma maneira de resolver a situação, evitando maiores sofrimentos.
No dia seguinte, partiu cedo, fez uma viagem calma, chegando, foi para casa, deixando para o outro dia sua conversa com Paulo. Tentou aparentar calma não deixando perceber no seu lar, sua preocupação. No outro dia, em vez de ir para seu escritório, rumou para o do amigo, chegando junto com ele. Paulo, logo que o viu, teve a certeza de que Marcelo não trazia boa notícia.
Após se cumprimentarem, foram para a sala de Paulo que recomendou para que não os perturbassem.
— Tudo confirmado! Tudo! São irmãos! - falou Marcelo em desabafo e contou tudo em detalhes ao amigo.
— Que coisa, meu Deus! Como é possível dois irmãos virem a namorar?
— Os garotos não sabem, nem desconfiam que são adotivos! Paulo, quanto mais penso, mais acho que foi Deus que me fez vir aqui e contar tudo a você, fiz sem querer, porque julgava nunca fazê-lo a ninguém. Tenho até arrepios, se não contasse... Bem, agora temos a confirmação, só nós dois sabemos.
— Temos que pensar em separá-los e já.
— Poderíamos nós dois fingir que brigamos e exigir que os dois se separem, faríamos com que nos obedecessem.
— Acha mesmo que dá certo? Há tempos que torcemos pelo namoro, todos sabem que fazemos gosto e alegramos com a possível união e, de repente, ficamos contra! Depois, conheço os jovens, não iriam nos obedecer, só faríamos piorar a situação, namorariam escondidos. E as nossas esposas? Certamente se aliariam a eles contra nós. Depois, Marcelo, amigos há tanto tempo, como explicar uma briga entre nós? Por que não privarmos da nossa amizade agora mais fortalecida?
— Tem razão, Paulo, a idéia é ruim. Não devemos fugir da verdade. Não se resolve um problema criando outros. Só a verdade dará compreensão a uma separação.
— Contar tudo? Seria um escândalo!
— Se seria por meses a sociedade comentaria o fato com maldade. Helena e Ofélia seriam as que mais sofreriam, são tão sensíveis... E minha Cidinha, tão frágil e mimada, tão orgulhosa dos pais, que fará? Tenho medo. Paulo pensei muito, acho que nestas últimas horas é só o que tenho feito. Não podemos expor nossos segredos familiares ao público. Mesmo contando só para a família são muitas as pessoas sabendo e pode acabar se espalhando. Vivemos tão bem, você com seus pequenos problemas, tem a família que o respeita e admira. Helena e eu nos amamos e tudo o que temos é Cidinha. Como reagirá esta inocentinha diante dos comentários? É adotiva! Namorou o próprio irmão! Não, Paulo, não podemos arriscar.
— Não exagera Marcelo? O assunto pode ficar só na família.
— Como ter certeza? Acredito que, se Cidinha souber disto, irá chorar muito e, conhecendo-a, irá contar às amigas. Helena não me perdoaria por ter contado nosso segredo. E tem Ofélia, como reagirá quando souber que foi enganada e que Caio não foi abandonado, mas é fruto de uma traição? Continuaria amando-o como filho? Ela já sofreu tanto. Devemos pensar também em Sérgio e Carla, dois adolescentes, sofreram muito vendo a mãe sofrer. E como reagiriam eles com você, continuaria sendo o pai de que tanto se orgulham?
— Por favor, Marcelo, pare! Que sugere?
— Contar somente ao Caio.
— Quê?!
— Paulo, Caio é responsável, bom e equilibrado. Amo-o muito, quero-o como meu filho, sabe disto. Se contarmos a ele, se você contar a ele, tenho a certeza de que guardará segredo, terminará o namoro com Cidinha e pronto.
— Será o sacrificado.
— Dos males, o menor. Em vez de todos sofrerem, só ele passaria por momentos difíceis, depois ele é seu filho, não é como Cidinha que nada tem de nós. Caio é maduro, entenderá.
— Sofrerá Marcelo, meu menino sofrerá.
— Você poderá agradá-lo, poderá dar-lhe viagens, carros, algo que ele deseja. Caio é um bom moço, compreenderá. Que prefere Paulo, ele ou todos?
— Você tem razão. Separá-los, não conseguiremos. Mentir não é solução, que mentira aceitariam? Não se esconde a verdade por muito tempo. Contar a um deles é o mais acertado. Revelar a Cidinha é como contar a todos. Depois, Marcelo, não posso nem pensar em dar mais sofrimentos a Ofélia, inocente naquela cadeira de rodas. Resta-nos Caio...
— Fale com ele hoje mesmo. Não adie, perderá a coragem. Força, amigo, faça o que tem que ser feito.
— Farei Marcelo, solução tomada tem que ser executada. Falarei com ele hoje à tarde.
Despediram-se, Marcelo saiu e Paulo ficou triste, nunca sentira tanto remorso. Pensar que por seu erro, Caio, o seu menino sofreria. Como ele reagiria? Se ficasse revoltado? Se não gostar mais dele?
“Meu Deus, ajuda-me! - exclamou alto.”
E com sinceridade pôs-se a orar.
Paulo não foi almoçar, esperou o filho com ansiedade. Caio chegou logo após as treze horas, recebeu o recado de que o pai queria vê-lo, rumou para a sala dele.
— Oi, papai, tudo bem?
— Entra filho, fecha a porta, tranque-a, por favor.
— Algum problema?
— Escuta-me...
Paulo resolvera não fazer rodeios para contar, não queria perder a coragem, antes deu ordens para não serem incomodados. Olhou para Caio que estava tranqüilo, pronto para ouvi-lo como sempre. Sentou-se em sua frente.
— Marcelo esteve aqui na segunda-feira e contou-me um segredo e autorizou-me a contar a você. Quero filho, que guarde o que vai ouvir.
Caio concordou com a cabeça, jamais vira o pai tão sério, este fato fez com que prestasse muita atenção nele, sentiu que o assunto era realmente sério. Paulo contou a parte mais fácil, tudo o que Marcelo lhe contara.
— Coitadinha da Cidinha! - comentou Caio -, ela não pode saber disto, sofreria muito. Mas, isto não faz diferença, não sei por que o Sr. Marcelo contou-lhe isto.
— Se fosse com você Caio, sofreria?
— Eu?! - Caio observou o pai estava nervoso, suava e empalidecera. Estranhou a pergunta, conhecendo o pai, entendera que a indagação não fora em vão. E perguntou em voz baixa: — por quê?
— Perdoa-me, filho, sou um miserável, um bandido. Somente eu que deveria sofrer só eu! O segredo não termina aí. Tenho o meu.
Caio não ousou falar, arregalou os olhos e os fixou no pai Paulo ia parar a narrativa, demos forças a ele, e continuou. Contou desde a época em que namorava Ofélia, da oposição dos pais, do envolvimento com Antônia, do nascimento dele, da descoberta de Marcelo. Falou sem parar, sem interromper e finalizou:
— Você compreende filho? São irmãos! Você e Cidinha são irmãos. Caio! Filho! Por favor, fale comigo!
Caio nada disse, ficou parado olhando o pai, pela sua mente martelava as palavras do pai: “São irmãos!” sentiu vontade de chorar, mas as lágrimas não caíram. Paulo, preocupado, sacudiu-o pelo braço.
— Caio filho, por favor! Xinga-me, eu mereço, mas, não fique assim. Meu Deus! Caio!
— Por que conosco? - indagou e as lágrimas então rolaram pelas faces, encostou a cabeça nos ombros do pai, que amorosamente abraçou-o.
Paulo pensou: “Marcelo tem razão, Caio é especial.”.
— Amo você, filho, perdoa-me. Quem poderá dizer-nos o porquê disto tudo? Não sei responder-lhe. Este sofrimento passará, Caio você esquecerá. Olhe, - disse demonstrando alegria —, você fará uma viagem, Europa, África, Oriente, quer? Distrairá e tudo isto logo será só a sombra de um pedaço difícil. Nada deve fazer diferença. Você é nosso, é meu, somos, Ofélia e eu, seus pais.
— Tudo bem, papai, estou bem, disse enxugando o rosto e levantando-se, dispensa-me do trabalho?
— Tudo o que você quiser. Caio você não falará nada a ninguém, não é? Escolhemos você para contar, porque lhe temos confiança. Se todos viessem, a saber, seria um escândalo, todos sofreriam e, como você disse Cidinha nunca deverá saber. Sofre, enquanto só eu deveria sofrer.
— O Sr. não é tão culpado assim. Não se amargure. Estou bem. Não posso dizer-lhe que estou feliz, mas passará. Não, papai, não direi nada a ninguém. Tem minha palavra.
— Obrigado.
Caio abriu a porta.
— Aonde vai filho?
— Pensar por aí, andar um pouco. Não se preocupe.
— Caio amo você.
— Sei.
Caio saiu e Paulo ficou olhando pelo vitrô. Viu o filho chegar no pátio andando lento, cabeça baixa, pegar seu carro e sair.
— Meu Deus, ajude meu menino. Será que fiz bem em deixá-lo sair sozinho? Caio está sofrendo. Preferiria que tivesse xingado, gritado, eu merecia. Sofre e quer ficar sozinho.
Deixamos Paulo e acompanhamos Caio. Antônia estava quieta, fortalecia em oração. As palavras de Paulo faziam eco em seus pensamentos: “Nossos erros nos acompanham, um dia sofremos por eles.” Caio não era seu, não tinha direito sobre ele, amava-o, embora tardiamente e vê-lo sofrer era seu castigo.
Caio dirigiu com cuidado, afastou-se do escritório, ao passar por uma praia parou o carro e desceu, sentou-se num banco do calçadão. Embora fosse sexta-feira à tarde, tinha pouco movimento. O tempo estava nublado e ventava. Caio olhou o mar, as ondas agitavam-se, dando um espetáculo de força e beleza.
Começou a pensar em tudo o que o pai lhe dissera.
— Caio sofre, Antônio Carlos, disse-me Antônia.
— A flor cai para o fruto aparecer e ser útil, minha amiga. O sofrimento amadurece-nos, faz tantas vezes cair à flor da ilusão, para dar lugar ao fruto de que realmente necessitamos. Caio é valente, sofre, mas não está revoltado, não teve nenhum pensamento de revolta.
— Sofre, mas, está tranqüilo...
— Perdoar, não querer mal a ninguém dá tranqüilidade, Antônia. O perdão é harmonia, paz e tranqüilidade.
— Ele nem perguntou por mim, não pensa em mim.
— Antônia, não exija o que não deu. Confortemo-lo somente.
CAIO
Procurei acalmá-lo. Caio ficou a pensar na história de Cidinha, no seu nascimento, na incrível coincidência de se encontrarem e namorar. Lembrou de seu sonho em que achara tanta graça.
“Talvez fosse um aviso!” Suspirou.
“Caio, em momentos difíceis, ore...”, disse-lhe envolvendo-o em bons fluidos.
Caio pôs-se a orar e a pensar, mas seus sentimentos bons e a aceitação dos acontecimentos eram, no momento, a mais linda oração que poderia fazer. Suas energias foram trocadas, sentiu-se bem.
Deixei-o com Antônia e fui à procura de um encarnado, ou encarnados, que pudessem ajudá-lo.
Encontrei logo.
Caio, envolvido em seus pensamentos, estava distraído e assustou-se ao escutar ser chamado.
— Caio ei, Caio! Não está dormindo, está?
Caio levantou a cabeça e viu Luísa, uma colega de Faculdade, acompanhada de duas jovens e dois rapazes, colegas também de classe.
— Caio tudo bem? - indagou um dos rapazes.
— Sim, claro. E vocês, como estão?
— Esta é Andréa, minha irmã, e esta é Adriana, nossa amiga.
— Prazer, - respondeu Caio, sem entusiasmo.
O grupo alegre sentou-se ao seu lado.
— Caio, - disse Luísa—, será que poderia nos ajudar? Temos um Compromisso, Jorge ia levar-nos, mas o carro dele enguiçou, viemos apanhar o ônibus, porém o perdemos e o próximo nos fará chegar atrasados.
— Quebra nosso galho, Caio, leva-nos em seu carro, - pediu Jorge.
— Levo-os, não estou fazendo nada.
— Ei, cara, não trabalha? - indaga Márcio.
— Estou de folga.
— Sentado aqui?!
Caio, não respondeu à indagação de Márcio, mas fez outra:
— Levo-os para onde?
— Vamos assistir a uma reunião legal. Um senhor espírita vai ao nosso Centro, o Centro Espírita que freqüentamos dar uma palestra. Ele faz curas sensacionais. Não quero perder. Agradecemos, Caio. Vamos? - disse eufórico Márcio.
Entraram todos no carro, deram o endereço. Antônia e eu os acompanhamos, ficamos alegres, uma reunião espírita ia fazer muito bem a Caio e foi fácil intuí-los a convidá-lo para ir também.
— Caio, conhece o Espiritismo? Não? Legal, cara mudou a minha vida, estava acabando no vício, hoje sou outro. Márcio conta a história a todos:
— Somos da Mocidade Espírita, somos Espiritistas. Caio, não quer assistir à palestra conosco? Orar faz bem, sinto-o triste - disse-lhe Luísa.
Caio não respondeu de imediato, a turma ria e conversava muito, estavam apertados no carro e isto parecia aumentar o entusiasmo. Caio sentiu-se bem entre eles, lembrou que orar sempre lhe fazia bem; talvez fosse o que necessitava no momento. Conhecia Luísa e os rapazes há algum tempo, embora não fossem amigos, gostava deles. E Luísa era muito agradável e querida pela turma toda da classe, tinha sempre uma palavra amiga para todos. Estava sempre rodeada de pessoas e era muito respeitada.
— Vamos, Caio, - disse Jorge —, talvez não tenha sido por acaso que perdemos o ônibus e o encontramos. Venha conosco.
— Vou, - afirmou lacônico Caio.
Não demoraram para chegar ao local. Caio estacionou o carro e desceram.
Já estava no horário marcado para iniciar, entraram logo. O prédio era simples, pintado de azul-celeste, não era grande, bem diferente dos lugares de oração que conhecia. Luísa chegou perto dele e disse:
— Caio, senta aqui, não precisa fazer nada, ore e peça em pensamento o que necessita a Jesus. Vamos tomar nossos lugares.
Caio sentou-se no banco de trás e observou: os bancos eram de madeira tosca, na frente uma mesa grande coberta com uma toalha branca, as paredes nuas. Havia no local umas cinqüentas pessoas espalhadas pelos bancos, na maioria pobres, aguardando pacientes o início. Reinava silêncio no local, as pessoas pareciam estar rezando. Caio aguardou curioso.
Antônia e eu fomos acolhidos gentilmente pelos trabalhadores desencarnados da casa. Por ser um trabalho de curas, encontrava-se ali uma grande equipe de médicos e enfermeiros para o socorro à matéria doente.
Expliquei a um dos orientadores que estávamos acompanhando Caio porque acabara de saber que era filho adotivo e estava triste e confuso.
— Já escolheram a página evangélica de hoje? - indaguei.
— Certamente, porém, não é primordial, podemos trocar se for de melhor proveito.
— Poderiam, por favor, fazer com que o palestrador lesse o capitulo XIV do Evangelho: “Honra a teu pai e a tua mãe”? O parágrafo: “Quem é minha mãe e quem são meus irmãos?” E que abrangesse a explicação do parentesco corporal e espiritual. É possível?
— Atenderemos com gosto.
Com simplicidade, foi feita a oração de abertura e a oração do Pai-Nosso. Caio se emocionou, orava sempre, mas nunca vira alguém ou um grupo orar com tanta firmeza e convicção a oração que Jesus nos ensinou.
O dirigente que nos atendeu cercou o palestrador encarnado. Num intercâmbio perfeito, iniciaram. Ismael, o encarnado, levantou-se para a leitura que já estava marcada e fora preparada. O desencarnado pediu-lhe:
“Leia aqui, é necessário.”
Ismael, com simplicidade de quem confia, leu o que fora indicado. Caio prestou muita atenção, percebeu que o livro lido era uma forma do Evangelho. Sentiu-se fascinado pelo orador, ele lia com amor, sua voz harmoniosa ressoava no silêncio da sala. Recordou ter lido ou ouvido o texto, nunca conseguiu entender esta passagem do Evangelho em que Jesus fora procurado por sua mãe e seus irmãos numa ocasião em que se achava cercado de gente, e de sua estranha resposta: “Quem é minha mãe? Quem são meus irmãos? Todo aquele que fizer a vontade de Deus é este meu irmão, minha mãe.”.
À medida que era lida, a explicação vinha ao raciocínio de Caio, que esquecera de todos os seus problemas. Encantou-se com aquele senhor simples de olhar meigo e bondoso.
Ismael fechou e Evangelho e, com a mesma simplicidade, falou sobre o texto lido.
— Laços de sangue duram até que um dos corpos morra, são frágeis como a matéria que nos reveste. Laços espirituais é que são verdadeiros, amamos pelo Espírito e sentimentos não acabam, perpetuam na vida espiritual. Às vezes não encontramos receptividade entre os parentes físicos, mas, sim, entre os que aspirem conosco os mesmos objetivos, pensamentos e nossa Alma se abre e passamos a ser irmãos muito queridos. Jesus, incompreendido por seus parentes carnais, achara sua família espiritual entre aqueles que o acompanhavam. Amava aos seus, amava sua mãe e irmãos, que não se uniram a ele na trajetória física. Foi, será sempre sua família espiritual a que permanece com ele através dos séculos, aqueles que se unem para servir e amar o Pai. Jesus deu mais importância ao amor espiritual. Crucificado, prestes a expirar, disse: “Mulher, eis aí seu filho João! João, eis aí sua mãe!” Ele deixou aquele que muito amava a cuidar de sua mãe e João, que não era parente carnal, mas espiritual.
Quantos de nós achamos carinho, amor entre pessoas que não são da família carnal, mas que são parentes espirituais. É uma adoção! Sim, adotamos pessoas por parentes pelo amor e simpatia. Quantas maravilhas há nesta adoção, neste amor. Se adotamos, escolhemos por afinidades. Para mim, a mais linda adoção, é receber filhos alheios como nosso, receber um filho pelo amor.
Caio suava, lágrimas vieram espontâneas sem que conseguisse segurá-las, enxugou-as, olhou para os lados, ninguém o observava, todos estavam atentos no orador, que continuou:
— Adotar é tomar para si, como seu. Que grande Amor leva isto! E, tantas vezes, nestas adoções, são reencontros de parentes espirituais. Filhos adotados são escolhidos a se unirem pelo carinho, tornam-se verdadeiros pelo Espírito. Que deve ser mais importante para nós, unir pela carne ou pelo Espírito? Ao crer na Vida Eterna, claro que espiritualmente! Laços de sangue são passageiros e muitas pessoas egoístas, pais principalmente, não admitem que seus filhos possam ter sido filhos de outras pessoas em outras existências. Eles mesmos já não tiveram outros pais? Outros filhos? Amam como se não fossem se encontrar mais, como se vivessem uma só existência. Muitos afetos tivemos, temos, e os que egoisticamente ficam só nos laços de sangue que se desfazem. Amantes espirituais reencontram-se, fortalecendo-se. E que nos importa se estes encontros são como filhos, pais, esposos ou amigos.
Pais não são apenas os que dão à vida física, mas os que criam, educam, amam e acompanham seus filhos na alegria e sofrimento, seja na vida encarnada ou até mesmo no período de desencarne.
Muitos pais carnais não puderam criar seus filhos. Motivos? Que nos importa? Se foi porque desencarnaram, ou mesmo não o quiseram, não cabe a nós julgá-los. Outros, porém, querendo-os, escolheram-nos como seus filhos. E, ao serem adotados, não mudaram o rumo de suas vidas? Estariam como? Em orfanatos? Abandonados?
Devemos gratidão aos nossos pais. Um dos mandamentos nos manda “Honrar pai e mãe”. E felizes os que assim procedem. E gratidão maior devemos ter por aqueles que os criaram como seus pais verdadeiros e amá-los. Devemos amar sempre, o Cosmo está baseado no Amor. O Pai Misericordioso é Amor. E Jesus tantos exemplos nos deu sobre este sentimento lindo.
Se estamos pelas reencarnações encontrando sempre com afetos espirituais, ao adotar, ao ser adotado, não estaremos reencontrando afetos queridos?
Vocês, meus irmãos, amam seus pais? Vocês escolheriam outras pessoas para ter a missão de guiá-los quando infantes para a vida? Não! Ame-os, respeite-os, são escolhidos, além de laços de sangue, são unidos pelos laços verdadeiros, os espirituais!
Devemos aumentar fortalecer nossa família espiritual, porque é bom estarmos entre os que amamos e sermos amados. A carne passa, o Espírito é eterno e crescer espiritualmente é o que deve nos importar. Amemos para que possamos ser dentro do Espiritismo, uma só família: a família de Jesus!
Dando algumas explicações sobre o trabalho da tarde, finalizou a primeira parte com uma expressão significativa. “Que Jesus seja louvado!”
Ismael com outras pessoas entraram numa sala ao lado esquerdo. A assistência formou uma fila, Luísa veio até Caio e explicou baixinho:
— Caio, estas pessoas vão tomar passes. Sabe o que é passe? É Uma transfusão de energias físicas e espirituais. É orar e pedir ao Pai-Maior pelo outro. Seguindo exemplos de Jesus que curava Impondo as mãos e orando, assim procedemos. Somos todos necessitados, mas os que sabem, podem, ajudam para que possamos ser todos beneficiados, Não quer conhecer? Não quer receber?
— Quero!
— Que bom! Sentirá muito bem e verá como é simples. Caio, temos carona para voltar, não precisa nos esperar, se quiser pode ir embora após ter recebido o passe.
— Demora para acabar?
— Não é demorado. Após os passes o Sr. Ismael, o orador, atenderá os doentes.
Caio levantou-se e ficou na fila, logo chegou sua vez. Entrou na sala curioso e decepcionou-se por não ver nada de exótico, havia nela só algumas cadeiras. Sentou-se e observou tudo, o Sr. Ismael e outros médiuns estavam de pé diante das pessoas sentadas, impunham as mãos sobre suas cabeças por minutos e pronto levantavam-se e saíam.
Caio sentiu-se bem e tranqüilo, teve vontade de ficar mais ali, pensar naquele recanto de paz. Chegou perto de Luísa que organizava a fila e pediu:
— Lu, posso ficar também? Sento e espero por vocês.
— Pode, Caio - respondeu sorrindo.
Caio sentou-se no mesmo lugar em que estivera minutos atrás, seu enorme problema de horas antes parecia solucionado. Cheguei perto dele, ajudei-o a pensar, recebeu o filho de Antônia meus pensamentos, aceitando-os.
“Caio, nada deve mudar, disse-lhe, tudo estava bem antes de você saber, e deve continuar. Tem uma família, ama-os e é muito amado.”
“De fato - pensou Caio em resposta ao meu apelo -, papai ama-me, é meu pai de carne e Espírito; mamãe Ofélia, é minha mãe, fui seu escolhido, ama-me muito, nunca fez diferença entre nós, ama-nos igualmente. Mesmo se não me amasse como a Sérgio e Carla, saberia compreendê-la. Amo-os, damo-nos bem, somos parentes espirituais. Sinto-me filho dela e sei que ela sente como minha mãe, nos adotamos isto é o que importa. Devo sim, maior carinho e atenção a esta mulher extraordinária que é Ofélia. Nunca pensei em ter outros pais, não escolheria outros. Sr. Ismael e este Evangelho têm razão. Sentimento é do Espírito e este é Eterno. Sr. Marcelo e papai confiaram em mim, não direi nada a ninguém, tudo farei para que ninguém mais sofra por este motivo. Pensando bem, nem eu devo sofrer, tive muita sorte ter pai, mãe e irmãos, de amar minha família e ser amado. E ter Ofélia por mãe, amo-a tanto, não quero outra mãe.”
Acabou sorrindo, olhou rápido à sua volta, ninguém lhe prestava atenção. Sentindo-se bem com a solução tomada, passou a observar distraído as pessoas, tudo para Caio deveria ficar como antes.
Quando terminou, foi feita uma oração de agradecimento e Caio comovido, orou em pensamento: “Deus, agradeço por vindo aqui, pensei em estar prestando favor a amigos e recebi um bem maior. Obrigado!”.
Saíram todos, Caio procurou os amigos e reuniram-se na porta.
— Caio, - disse Luísa —, este é André, irmão de Adriana, está de carro e nos levará de volta. Estamos querendo ir a um barzinho para bater papo. Vem conosco?
— Oi, - disse André —, a turma é grande, podemos repartir em dois carros. Topa?
— Sim, - respondeu Caio, gostando dos novos amigos. — Sugiro irmos ao bar..., que tal?
O grupo silenciou Luísa espontânea, esclarece:
— Caio, somos pobres cara, este bar é para ricos!
— E se eu pagar tudo?
— Quê? A despesa de todos, ficará caro, falou Andréa.
— Convido-os, Lu, posso pagar, estou com dinheiro, será um prazer levá-los, vamos?
A turma discutiu alguns minutos e aceitou. Logo estavam acomodados no bar, eram alegres, alegria que contagiou Caio, pediram simples refrigerantes, Caio percebeu que eles não queriam abusar de seu convite. O filho de Paulo era ali conhecido até pelos garçons. Ele e sua turma de amigos, e mesmo Cidinha, freqüentavam amiúde aquele bar.
Caio sentou-se perto de Luísa e aproveitou para indagar sobre os acontecimentos da tarde, sobre o Espiritismo.
— Luísa, Espiritismo é Cristão? Pergunto isso porque crêem na reencarnação e, pelo que sei religiões orientais também crêem.
— É cristão, sim, deve ter percebido que foi lido o Evangelho, oramos o Pai-Nosso. Temos Jesus como nosso maior Mestre.
— O Evangelho é diferente?
— Não, o Evangelho que escutou chama-se “Evangelho Segundo o Espiritismo”, são explicações dadas do ensinamento de Jesus por espíritos estudiosos e superiores.
— Incomodo-a com estas perguntas?
— Pergunte o que quiser, se souber, respondo.
— Luísa, encantou-me a explicação que foi dada sobre a família espiritual, antes nunca entendera esta passagem do Evangelho.
— Caio, o Espiritismo é ciência, filosofia e religião. Allan Kardec, seu codificador, disse e muito bem: “Fé inabalável é aquela que pode encarar a Razão face a face em todas as épocas da Humanidade”. Amo minha religião porque a entendo, porque ela me oferece explicações de tudo o que anseio saber, fazendo-me compreender a vida.
— Explicações de tudo mesmo?
— Tudo. E tem mais: raciocino e aceito-as como verdadeiras. É terrível ter de acreditar sem entender!
— Oi, Caio!
— Olá, Caio!
Duas garotas passaram rente à mesa, cumprimentando-o alto. Caio respondeu, eram amigas de Cidinha. Aí se lembrou dela, esquecera o encontro marcado, apanhá-la-ia às vinte horas e já passava das vinte e duas horas!
“Melhor, pensou Caio, aí está uma boa oportunidade para uma briga, não toleraria namorá-la nem mais um dia.”
Ajeitou-se mais perto de Luísa, tinha a certeza de que não demoraria nada Cidinha saber. Participou da conversa da turma sobre assuntos corriqueiros entre jovens. O grupo não podia demorar mais, tinha horário para chegar em casa. Resolveram ir embora. Após Caio ter pagado a conta, saíram e despediram-se. Voltariam todos com André. Já iam saindo quando Caio perguntou:
— Luísa, vocês vão sempre ao Centro Espírita?
— Todos os domingos reunimos os jovens às dez horas da manhã. Convido-o.
— Posso ir mesmo?
— Esperamos você antes das dez horas na porta. Dará-nos grande prazer se vier. Tchau Caio, obrigado!
Caio entrou no carro, deu umas voltas ali por perto, depois foi para casa. Estava se sentindo como se fosse outra pessoa, responsável, adulto.
“Antônio Carlos, que pessoa boa é Caio. Que filho maravilhoso abandonei”, - disse Antônia.
“Caio é realmente bom. Vamos continuar ajudando-o. Dará tudo certo.”
“Já não sofre tanto. Como foi bom ele ter ido ao Centro Espírita!”
Caio chegou em casa.
O ENCONTRO DE JOVENS
Ao entrar na sala, Caio estranhou encontrar a mãe à sua espera.
— Caio, onde esteve? Estou preocupada com você, filho: Cidinha telefonou várias vezes atrás de você, disse-me que tinham um encontro e que não foi.
— Encontrei uns colegas da escola e fomos a um barzinho conversar. Se soubesse que ficaria preocupada, teria telefonado avisando.
— Ainda bem! Agora fico tranqüila, preocupo-me muito com vocês, resolvi esperá-lo, não conseguiria dormir sem saber onde esteve e vê-lo em casa. Caio Cidinha também está preocupada, telefone para ela para tranqüilizá-la.
Caio pensou por uns instantes, achou melhor dar notícias, conhecendo Cidinha, esta deveria estar pensando logo em acidente ou assalto. Pegou o telefone e discou. Cidinha atendeu, aflita. Caio secamente disse que chegara e estava bem.
— Se tiver explicações, darei amanhã. Finalizou sem sequer se despedir e desligou.
Ofélia, que observava o filho, indagou preocupada:
— Que há, Caio? Tratou Cidinha com dureza!
Caio sentou-se numa almofada ao lado da cadeira da mãe, deitou a cabeça no colo de Ofélia, esta passou as mãos sobre seus cabelos.
— Que acontece, Caio? Conta-me, filho.
— Mamãe, necessito da senhora, de seu conselho, tenho pensado, descobri que não amo Cidinha, estou mesmo farto dela, quero terminar o namoro.
— Você tem certeza? Pensou bem? - com a afirmativa de cabeça do filho, Ofélia continuou: “Meu filho, para que uma união dê certo, é necessário ter amor, este casamento seria do gosto de todos, mas, deve primeiramente ser do gosto de vocês”. Gosto de Cidinha, pensei ser a moça certa para você, se acha que não, concordo com você, deve terminar o namoro. Falarei com seu pai, farei com que entenda. Marcelo e Paulo já davam como certo este casamento.
— Obrigado mamãe sabia que podia contar com a senhora. Adoro a senhora, sabia?
— Sei filho, sinto seu afeto, amo-o muito também...
— Acho-a tão linda, é a maior, a melhor mãe do mundo!
Beijou as mãos da mãe e pensou:
“Se Ofélia não é minha mãe de carne, é pelo amor, não conseguiria amar ninguém mais que a ela.”
Paulo estava também preocupado com o filho, não querendo demonstrar sua aflição à esposa ficou acordado no quarto, aguardando o retorno de Caio. Ao escutar barulho, cuidadosamente ficou escutando a conversa da esposa com o filho na sala ao lado.
“Caio que filho maravilhoso é você!”
Emocionado, esbarrou na mesa e fez barulho, então entrou na sala.
— Caio, já voltou? Está bem, filho? Onde esteve? Deixou-nos preocupados.
— Estou bem, papai, estive com colegas da escola, ficamos conversando e esqueci de avisar, mamãe já me desculpou.
— É melhor dormirmos agora. Vem deitar Ofélia, já é tarde.
Caio beijou a mãe no rosto, sorriu para o pai e foi para seu quarto.
— Paulo, - disse Ofélia-, Caio é tão bom, não é mesmo? É o mais amoroso de nossos filhos.
— É verdade, Ofélia, Caio é bom moço.
— Paulo, se Caio lhe desse um desgosto?
— Desgosto?! - indagou preocupado.
— Talvez não fosse um desgosto.
— Fala logo, Ofélia. Que tem o menino?
— É que Caio quer terminar o namoro com Cidinha.
— Só isso? Que susto!
— Pensei que ia achar ruim.
— Você falou em desgosto, nem sei o que pensei. Ele disse o por quê?
— Disse-me que não a ama, enjoou do namoro.
— É um bom motivo. Caio sabe o que faz.
— Pensei que ia ficar nervoso. Queria tanto que se casassem...
— Ofélia, amo meus filhos. Prometi a mim mesmo, desde o tempo em que meus pais interferiram no nosso casamento, que não ia forçar na decisão dos meus filhos nas suas escolhas. Por meus pais, não teria me casado com você, e nosso casamento deu certo. Amamos Ofélia, eu não poderia ter escolhido ninguém melhor para esposa, é maravilhosa, somos felizes. Cidinha é a nora ideal, gosto dela, mas de que adianta? É Caio quem tem que amá-la, é ele que vai casar com ela. Se você está intercedendo por ele, diga-lhe que está tudo bem, entendo.
— Se Marcelo e Helena acharem ruim?
— Ora, Ofélia, por que iriam achar ruim? Melhor agora que depois de casados...
— Isto é! Não entendo Caio, parecia apaixonado, de repente, enjoa.
— Eu já tinha notado que Caio forçava o namoro.
— Notou? Eu não, acho que ando distraída. Você não vai mesmo brigar com nosso filho?
— Não Ofélia, Caio é um homem e sabe o que quer.
— Que bom você ter entendido!
— Você não entendeu?
Ofélia sorriu, estranhou um pouco a atitude do esposo, mas, deu graças a Deus por ele ter compreendido; despreocupada, dormiu logo.
Caio, cansado com os muitos acontecimentos, saturado de bons fluidos, adormeceu assim que se deitou.
No outro dia, sábado, Caio passou o dia aflito ansiava por chegar a noite e terminar o namoro, que agora lhe parecia sacrilégio. Cidinha ansiava pelas explicações do namorado, pois logo cedo as amigas contaram-lhe que o viram no bar em companhia de desconhecidos.
No horário costumeiro, Caio foi até a casa de Cidinha e esta esperava-o emburrada.
— Muito bem, Caio, ontem não veio encontrar-se comigo, mas foi ao bar com uma turma desconhecida e estava todo atencioso com uma das meninas. Que explicação você me dá?
— Nenhuma, esqueci do nosso encontro.
— Que?! Esqueceu?! Quem é a garota?
— Colega de Faculdade.
— Só colega?
— Linda moça, educada e simples.
— Caio, fale a verdade, quem é ela?
— Luísa.
— Quero saber quem é ela para você? Namorada?
— Gosto dela.
— Oh!
Cidinha era orgulhosa, acostumada a ter suas vontades realizadas, mesmo por parte de Caio que sempre a mimava, levou um choque, esperava mil desculpas do moço e ele tratava-a friamente, espantou-se mais ainda, quando ouviu:
— Cidinha, é melhor terminar nosso namoro.
— Que?! Terminar tudo! Se me pedir desculpas...
— Não quero pedir. Acho que não dá mais, nosso namoro está chato e...
— Que desaforo! Chato é você! Eu é que quero terminar tudo. Merece esta outra, fica com ela.
Cidinha levantou-se num salto, saiu da varanda, entrou em casa, deixando Caio sozinho que também se levantou e foi embora. O filho de Antônia estava triste, mas aliviado, pensou: “Agora é só fugir de Cidinha, fingir que namoro outra, com o Sr. Marcelo e papai ajudando-me ficará mais fácil. Devo, de agora em diante, pensar em Cidinha como minha irmã, devo gostar dela como gosto de Carla.”
Resolveu ir a um cinema, escolheu uma comédia para distrair-se. Não queria chegar cedo em casa, não tinha vontade conversar com ninguém. E chegar cedo em casa, em noite de sábado, todos iriam querer saber o por quê.
Cidinha, deixando Caio na varanda, entrou na sala, correu para a mãe e começou a chorar. Helena abraçou a filha, Marcelo largou o jornal que estava lendo e sentou-se perto delas.
— Filhinha, que houve? - indagou Helena preocupada.
— Caio e eu terminamos o namoro.
— Grande rapaz! - exclamou Marcelo.
— Quê?! Está do lado dele? - indagou indignada Helena.
— Eu?! Não! Disse grande tolo, o rapaz.
— Ah! Conta-nos tudo filha que houve?
— Caio saiu ontem com uma turma e ficou todo meloso uma das moças.
— Não é mentira? - indagou Helena
— Caio confirmou e disse mais, que gosta dela.
— Infeliz! Tolo! - exclamou Helena.
— Cidinha, filhinha, - disse Marcelo -, isto não é tragédia, não deve sofrer por isto. Foi melhor ele ter namorado outra agora, que depois de casado...
— Marcelo! - Disse a esposa aborrecida -, Caio disse que prefere outra a nossa filha e você parece não se importar!
— Por isto mesmo, se prefere a outra, não é tão maravilhoso como pensávamos, e não quero minha filhinha chorando por quem não a quer.
— Isto é! - responde Helena.
— Cidinha, - continuou Marcelo -, não fique triste, vou comprar para você aquela pulseira de rubis e brilhantes, mais bonita e mais cara que a da Susane. Vou também dar sua mesada em triplo, que tal?
— Verdade? Oh! Papai amo o senhor! Vou comprar roupas novas!
— Isto filhinha, - disse a mãe -, Caio se arrependerá logo ao vê-la tão bonita.
— Helena, - falou Marcelo -, vamos esquecer Caio, temos nosso orgulho, não devemos mais falar deste moço. Cidinha ficará linda e suas amigas verão que ela nada sentiu em terminar este namoro idiota.
— Idiota? Não pensava assim, não gostava de Caio? - indagou Helena.
— Disse bem, gostava. Desde que preferiu outra que fique com ela. Cidinha merece outro melhor.
Cidinha começou a chorar novamente.
— Mesmo idiota papai quero ele.
— Que nada! Não tem orgulho? Amor-próprio? Não deve querer quem não a quer.
— Que raiva! - desabafa Helena -, Caio merece uma lição, falarei a Ofélia e ao Paulo do filho horrível que eles têm.
— Não vamos falar nada, Helena, vamos deixar a família à parte. Se quiser fale com Paulo, com Ofélia, não, já sofre tanto. Não devemos romper com eles, amigos de tanto tempo, por causa de brigas de jovens. Se você for falar com eles, dará a impressão de que estamos forçando Caio a namorar Cidinha.
— Isto é que não! - falou Cidinha -, se Caio tiver que voltar, terá que ser de joelhos...
— Helena, é melhor deixar que se entendam, devemos entreter nossa filha, - falou Marcelo.
Cidinha parou de chorar, estava no colo da mãe que a mimava como criança, seus olhos brilharam ao pensar no presente.
— Papai, a pulseira será como eu quero? Poderei escolhê-la?
— Claro filha, segunda-feira irá com sua mãe nas joalherias e escolherá o que quiser, darei a você, não importa o preço.
Cidinha começou a falar da pulseira, Antônia e eu saímos.
— Foi fácil, - disse a Antônia -, Marcelo conhece a filha e sabe como entretê-la. Com os dois a confortá-la, esquecerá logo.
— Cidinha acha que Caio voltará.
— Perderá logo a esperança e esquecerá, Cidinha confundiu os sentimentos, gosta de Caio, não o ama.
Após o filme, Caio foi para casa e deitou-se logo. A imagem de Cidinha veio-lhe à mente; “Será que ela estaria sofrendo?” pensou triste. Se está sofrendo, sofre menos do que soubesse a verdade. “Tinha que pensar nela só como irmã.”
Parecia um tanto difícil a ele que, dias antes, pensava amá-la.
“Ah! Meu Deus! - sussurrou baixinho -, como é difícil dizer: “Pare de pensar nela, deixa de amá-la”. Como mandar em sentimentos? Será que a amei mesmo? Não devo amá-la, permita que não, Jesus, gosto dela, somente.”.
Caio chorou, sofria, orou, confundiu as orações, dei-lhe passe, foi se acalmando e dormiu.
No outro dia, levantou-se cedo, só a mãe e as tias estavam acordadas, dizendo ter encontro com amigos, Caio saiu de casa para ir ao Centro Espírita.
A turma o esperava em frente do prédio, alegraram-se em vê-lo, cumprimentaram-no os conhecidos e apresentaram-no aos outros. Caio sentiu-se bem, à vontade, simpatizou com todos.
Entraram muitos jovens estavam presentes, separavam-se por faixa etária formando diversos grupos, cada grupo foi para uma das salas. Caio ficou no salão entre Andréa e Luísa. Um casal de meia-idade estava na frente, Andréa explicou a Caio:
— Hoje, a reunião será diferente, convidamos um casal para uma palestra.
Não demorou, deram o início.
Andréa fez a oração inicial com emoção, pedindo ao Pai-Celeste forças a todos os jovens para resistirem aos vícios que no momento arruinavam tanto o físico como o Espírito de tantas pessoas. Pediu a Jesus a coragem para não se envergonharem a ser chamados de “caretas”, “ridículos”, por estar no caminho certo. Oraram o Pai-Nosso.
O senhor explicou sorrindo que não eram tão velhos e que preferiam ser chamados de Irineu e Magali. Em seguida, pegou um livro e começou a ler. Caio leu o titulo: “O Livro dos Espíritos”.
O texto falava sobre a pluralidade das existências, das muitas vezes que nós, em diversas épocas e de muitas formas, encarnamos na terra. As diferenças não são injustas, muitas vezes são colheitas do passado, ou são formas de aprendizado ou de estágio, pobres ou ricos, inteligentes ou débeis, perfeitos ou inválidos, são oportunidades que temos de resgatar erros ou repará-los.
Deus não seria justo se presenteasse uns com beleza, inteligência e a outros castigasse com feiúra e pobreza. Deus não castiga nem recompensa; somos nós que, ao praticarmos erros, plantamos a má semente que um dia iremos colher. Ao praticar o mal contraímos uma dívida para conosco e para com aqueles que prejudicamos. Chega o dia em que teremos de resgatá-las. A maldade feita por nós desarmoniza-nos e harmonizamo-nos pelo sofrimento ou fazendo o Bem.
Perguntas foram feitas e dadas opiniões, Caio escutava atento, quis indagar, mas achou que, por não conhecer nada, poderia fazer perguntas primárias, até ridículas. Estava entendendo que Luísa tinha razão, as explicações ouvidas vinham diretas ao seu raciocínio, satisfazendo-o.
— Irineu, - indagou um dos jovens -, e o débil mental? Como explica-nos o Espiritismo um Espírito encarnar em um corpo tão debilitado?
— Tudo o que temos perfeito devemos conservar, cuidar para que continue. Você, meu jovem, é perfeito moço, bonito e inteligente, seu corpo é perfeito. Se passar a tomar drogas, bebidas alcoólicas em demasia, danificará seu corpo e por vontade própria. Seu cérebro perfeito desarmoniza, desencarna e seu perispírito estará doente e poderá transmitir na encarnação futura o estado perispiritual. Ou se você agora suicidar-se, dando um tiro na cabeça, danificando o que tem de perfeito, desarmoniza-o e voltará para harmonizá-lo no corpo físico que poderá vir a ser deficiente. São muitas as causas que fazem com que um Espírito reencarne num excepcional, vemos também pelos estudos espíritas que pessoas inteligentes, usando sua inteligência para o mal, desarmonizando, podem encarnar em corpos debilitados para se ajustar perante as Leis Cósmicas.
— Luísa, - cochichou Caio -, parece que nada que este senhor fala me é desconhecido, incrível! Tenho a certeza de que nada parecido escutei sobre o assunto!
— Irineu, - falou alto Luísa -, Caio, meu amigo, acaba de dizer-me que parece que sabia disso tudo, porém, garante nunca ter ouvido falar sobre este assunto.
Caio encabulou-se, olhou feio para Luísa que nem se importou. Irineu deu sua explicação:
— Tantas vezes este fato nos acontece. É prova para os crentes da existência de outra vida encarnada ou de um aprendizado num período desencarnado. Tantas coisas que fazemos, vemos ou escutamos a primeira vez, nos parecem conhecidas, sentimos que recordamos, sem conseguir saber onde aprendemos, vimos, etc. Caio, você tanto pode ter aprendido sobre este assunto em outra existência como ter estudado no período em que esteve desencarnado no espaço espiritual.
Caio gostou da explicação, sentiu no íntimo que era isso mesmo, aproveitou e disse:
— Gosto deste local, gostei do que ouvi, sinto que me encontrarei no Espiritismo. Realmente, parece que já sabia do que foi dito aqui, porém não recordo de mais nada. Quero pedir para fazer parte do grupo.
— Claro, - disse Irineu -, seja bem-vindo, já é um dos nossos jovens. Se quiser, leve para ler os livros básicos de Kardec e aqui estaremos para explicar o que não entender. O objetivo deste encontro é reunir jovens e estudar as verdades eternas, estudar o Espiritismo, para aqueles que querem este estudo, são setas no caminho que nos levará ao progresso espiritual.
Após, o grupo comentou sobre o trabalho que fazia junto a creches, asilos e orfanatos. Naquela tarde iriam a um orfanato. A oração final foi feita por Márcio que pediu bênçãos ao novo companheiro. Caio emocionado agradeceu em pensamento por ali estar e a oportunidade de fazer parte de um grupo tão legal.
Todos saíram, combinaram encontrar-se às três horas ali, na frente do Centro Espírita, para se organizarem nos carros de que dispunham para ir ao orfanato.
Caio foi para casa tranqüilo, com os livros que Irineu emprestara-lhe, pensando em começar a lê-los naquele mesmo dia.
CAIO NO ESPIRITISMO
Os familiares de Caio estavam na sala conversando, Sérgio, ao ver o irmão, foi dizendo:
— Caio, por que terminou o namoro com Cidinha? Fez um papelão! Em vez de dar explicações a ela, disse-lhe que gosta de outra. Meu irmão, acho que enlouqueceu, se papai não o matar, mata o Sr. Marcelo. Cidinha contou-me tudo, está humilhada e com razão. Deve-nos explicações, pode começar. Onde já se viu largar uma moça como Cidinha assim?
— Sérgio, prefiro não falar deste assunto - respondeu Caio.
— Ah! É? Sabe que errou, é melhor consertar tudo pedindo perdão a Cidinha.
— Caio - indagou curiosa Carla -, é verdade mesmo? Brigou com Cidinha? Não está apaixonado por ela?
— Pensei que estava Carla, confundi, descobri que não a quero mais. Cidinha é maravilhosa, mas no coração não se manda. Já conversei sobre isso com papai e mamãe.
— Verdade? - indagou Sérgio, olhando para o pai.
— Deixem Caio em paz - defendeu-o Paulo -, é verdade, falou conosco e entendemos, gostamos de Cidinha, porém achamos que o principal é Caio amá-la, se descobriu que não a ama, agiu certo.
— Quê?! Enlouqueceram todos? - disse Sérgio -, pensei que iam brigar com ele, castigá-lo.
— Sérgio meu filho, não quero obrigar meus filhos a nada, ainda mais a casar, também gosto de Paula e não é por isso que obrigarei você a casar com ela.
Riram todos.
— Graças a Deus, feia e metida como é; porém, Cidinha é diferente.
— Mudemos de assunto - disse Paulo, Caio é adulto e sabe o que quer, não devemos mais tocar neste assunto, acabou e pronto!
— O Sr. Marcelo e D. Helena estarão pensando assim? - indagou Sérgio.
— São boas pessoas e não irão acabar com nossa amizade por brigas de vocês. Marcelo telefonou hoje de manhã e não tocou no assunto.
Uma amiga de Carla chegou e todos foram para a varanda, menos Ofélia que fez um sinal para que Caio ficasse.
— Caio, estou preocupado com você, está namorando outra? Ama outra? Fez um papel feio com Cidinha...
— Mamãe - disse o moço beijando-lhe o rosto -, não se preocupe, não namoro ninguém nem amo. Na sexta-feira, saí com amigos e, por acaso, sentei perto de Luísa, colega de classe, conversamos somente, viram-nos e contaram a Cidinha que tirou suas conclusões, não me deu nem tempo para desmentir. Foi melhor, com raiva de mim, Cidinha me esquecerá mais fácil.
— Parece-me aborrecido, tem mesmo certeza de que não ama Cidinha?
— Tenho mamãe, pensei bem, só me aborreci com os comentários, mas estou aliviado por estar tudo terminado.
Todos voltaram à sala e conversaram animados, esperando o almoço.
Zélia e Rosa esforçavam-se para se acostumar com o movimento da casa. Felizes com a boa acolhida procuravam ser agradáveis sem, contudo, conversar muito. Aquela semana foi diferente e movimentada, foram ao médico, dentista e acompanharam Carla pelas lojas, compraram roupas que hesitaram em aceitar, porém Paulo insistira, dera dinheiro à filha que adorava gastá-lo e, num piscar de olhos, viram-se elegantes e com o guarda-roupa sortido e caro.
Sentiam que os sobrinhos gostavam delas e gostaram tanto deles que se sentiam as tias mais “corujas” do mundo.
Auscultei-as. Zélia sentia-se mais tranqüila, apesar de o diagnóstico do médico consultado afirmar o mesmo que o outro que a tratava: seu coração não estava bem, falhando muito. Receitara novos remédios, recomendara tranqüilidade, repouso e boa alimentação. Na casa da irmã estava tendo tudo isso, importava-se pouco com a saúde, ansiava deixar o mundo encarnado e encontrar o esposo ao qual estava ligada por afeto sincero e de quem tinha muitas saudades. Estava arrependida por não ter escrito antes à irmã, sentia que Ofélia mudara e sofrera muito. Não conseguia entendê-la, tantos anos de indiferença e agora tratando-as como duas rainhas. O importante era Rosa, amava-a como filha, cuidara dela quando doente, depois foi sua vez de ajudá-la na doença do esposo e, nos últimos tempos, cuidando dela. Sabia que não viveria muito, sua preocupação era deixar Rosa sozinha. Sem sua aposentadoria, como iria Rosa viver numa cidade grande e sozinha? Pediria ajuda a Ofélia pela irmã, sabia que os sobrinhos e a irmã ao conviver com Rosa a amariam e poderia partir tranqüila, deixando-a amparada. Agora, ali, não se arrependera, vendo Rosa feliz com os sobrinhos e não precisando trabalhar mais, sentia-se feliz, também.
Rosa, por sua vez, amava os sobrinhos e sentia-se feliz na casa da irmã, temeu em voltar e ficar na casa da irmã que, por tanto tempo, tratou-as com muita indiferença. Nunca entendera Ofélia nem o porquê de seu afastamento. Concordou em vir por Zélia, que estava doente, necessitando de cuidados médicos, remédios caros e boa alimentação. Por mais que trabalhasse o dinheiro era insuficiente, passara a fazer faxinas em casas particulares e à noite fazia seus trabalhos manuais o que, embora trabalhoso, não rendia muito. Mas, vendo Ofélia fazer tudo para agradá-las e Zélia tranqüila e medicada, estava agradecida à irmã e ao cunhado.
Paulo, este a perturbava, sempre o amara com intensidade, nunca mais pensara em se casar, fugira de todos os homens que se aproximaram dela. Bonita, honesta, simpática e trabalhadeira, foram muitos os que tentaram conquistá-la com idéias de casamento. Revendo-o, percebeu com tristeza que este amor era forte, mas honesto, como ela. Não ambicionava nada, de coração queria ver ele e sua irmã felizes; tinha pena de Ofélia, inválida naquela cadeira de rodas. Envergonhava-se deste amor e prometeu a si mesma continuar escondendo-o. Pensava em ficar ali até Zélia morrer, sabia que mesmo com os cuidados necessários a irmã não ficaria muito entre eles, depois escolheria um convento ou um orfanato para morar, realizando um velho sonho de cuidar de crianças abandonadas. Estava desfrutando do descanso com alegria. Sempre trabalhou, mas nos últimos meses redobrara o trabalho e sentia-se cansada. Achou Carla maravilhosa e a sobrinha acolheu-a muito bem e tornaram-se amigas.
Após o almoço, Sérgio e Carla levaram as tias para um passeio, Ofélia foi descansar e Paulo foi ler seu jornal. Caio, enquanto esperava a hora de ir para o orfanato, foi para seu quarto, pegou o “Evangelho Segundo o Espiritismo” e começou a lê-lo. Lendo os significados das palavras usadas por Jesus no seu tempo, sem uso no nosso, compreendeu que iria entender melhor os ensinos do Mestre.
Foi ao encontro meia hora antes e alegrou-se ao ver Luísa e Andréa lá, ficaram conversando até chegar todos.
— Caio, gosta do Curso de Administração? - indagou Andréa.
— Gosto de estudar, faço este curso de tanto meu pai insistir, ele sonha em me ver em seu lugar. Amo mesmo a Medicina.
— Tem cara de médico, não sei por que, mas você parece com médico. Riram, Luisa continuou: Se ama a Medicina, deveria pensar melhor e cursá-la, tem tempo, dinheiro e é inteligente. Deve fazer o que gosta e não o que seu pai quer.
— Amo meus velhos, ouço desde pequeno que irei substituí-lo, até agora achei que era mesmo, mas, agora, começo a pensar o contrário e querer estudar Medicina.
— Disse “achava”, não acha mais, deve pensar seriamente no assunto e ver o que quer - disse Luísa -, bons médicos fazem falta principalmente os que amam a Medicina.
— Você tem razão Luísa, estou confuso, vou pensar. Acho que a Medicina ficou dormente em mim e agora acordou, dá para entender?
— Sim, foi assunto deixado de lado por você e agora veio forte. É para pensar bem, tenho a certeza de que seu pai entenderá, falou Andréa.
— Não sei, e se ele sofrer com isso?
— Que nada, é você que se frustrará em deixar de fazer o que gosta - falou Luísa, otimista, como sempre querendo ajudar.
A turma foi chegando alegre, trazendo doces, balas, brinquedos, etc., para distrair as crianças. Caio não sabia, ficou desapontado por não ter trazido nada.
— Caio, oportunidades não faltarão, temos sempre estes programas - esclareceu Luisa.
Com entusiasmo acomodaram-se nos carros e partiram alegres.
Ao chegar ao Orfanato, às crianças que já os conheciam vieram correndo recebê-los.
Caio emocionou-se ao vê-los, não pôde deixar de pensar que poderia ter sido uma daquelas crianças, se Ofélia não o tivesse aceitado. A turma organizou brincadeiras. Tocaram violão, cantaram, tomaram lanche no pátio, distribuíram os doces e brinquedos.
Caio no começo ficou olhando, sentia-se engasgado pela emoção, acabou pondo-se à vontade e foi brincar com os garotos, jogou bola, serviu de cavalo para os menores. Acabou cansando, mas, sentiu um bem-estar enorme ouvindo as gargalhadas das crianças.
Já escurecia passando do horário do banho das crianças. Luisa reuniu-os, sabiam que era para orar, silenciosos fizeram um círculo de mãos dadas, oraram o Pai-Nosso e Luísa agradeceu em poucas palavras a tarde maravilhosa que tiveram. Luisinho foi convidado a orar. O menino de dez para onze anos, negro de olhos grandes, entrou na roda, olhou para o céu, disse alto e com sinceridade.
— Papai do Céu, obrigado por ser nosso Pai, sabendo do seu amor, já não nos sentimos abandonados. Ajuda-nos a crescer e sermos bons para termos sempre amigos. Porque a vida se enfeita com a flor da amizade. Proteja também estes amigos, lembrando-os de voltar, porque é tão bom tê-los aqui. Amém.
Os jovens despediram-se das crianças e partiram, estavam todos felizes, mas fizeram o trajeto silenciosos, estavam cansados. Caio deixou os jovens que estavam com ele em frente ao Centro Espírita e foi para casa. Após tomar um banho, ficou no seu quarto lendo e não saiu como estava acostumado.
“Como este livro me esclarece! – exclamou -, será meu livro de cabeceira!”
Na segunda-feira pela manhã ao tomarem o desjejum, Caio pediu ao pai para que o dispensasse do trabalho naquela semana. Paulo concordou e nem perguntou o porquê. O medo de perder o amor do filho fizera-o pensar mais neles e percebeu que os amava muito e desejava vê-los bem e felizes. Admirava o filho mais velho pela coragem, por sua atitude e por vê-lo tão amoroso com Ofélia.
Caio foi para a Faculdade, ao retornar para casa, almoçou, foi para o quarto e voltou à leitura. Queria ler os livros que Irineu lhe emprestara e pensar no que ia fazer e estudar. Por três dias, leu as obras de Kardec, achando explicações para tantas indagações que antes nunca entendera.
Quinta-feira marcara um encontro com Luísa e Andréa na casa delas para discutir e comentar o Espiritismo. Caio lá estava no horário marcado. A mãe das moças recebeu-o bem e acomodaram-se na sala. Logo após, chegou Flávio, amigo delas que também se interessava pela Doutrina.
Luísa fez uma prece, abriu o Evangelho e leu um texto: “A Ventura da Prece”.
Caio já tinha lido, mas escutar parecia-lhe diferente. Preces, orvalho divino; preces suavizam o calor das paixões, levam-nos ao caminho que conduz a Deus; preces que harmonizam; preces que consolam.
— Que beleza - exclamou Flávio -, então no Espiritismo dá-se valor à oração?!
— Sim e como! - disse Andréa. Oração é o alimento da Alma, ao orar o Pai Nosso, pedimos: “O pão nosso de cada dia nos dai hoje.” Alimentar o corpo é importante, é dar valor ao período encarnado, neste envoltório do Espírito, não só devemos alimentá-lo, como higienizá-lo, cuidar dele evitando tudo o que lhe é nocivo, não viciá-lo. Mas, caros amigos, devemos também alimentar o Espírito. Somos eternos e sobrevivemos após a morte do corpo. Alimentamos o Espírito com orações, bons pensamentos, praticando o Bem, amando a todos como irmãos, perdoando todas as ofensas e não fazendo mal a ninguém. E nós espíritas devemos alimentá-lo também com estudos, conhecimentos, porque ao desencarnarmos partiremos do plano físico para o espiritual somente com a bagagem de conhecimentos e com nossas obras.
— Devemos pedir em oração o que almejamos? - indagou Flávio interessado.
— Sim, por que não? - esclareceu Luísa -, nossos pedidos devem ser justos e simples, devemos pedir só o Bem, tanto para nós, como para outras pessoas. Devemos também pensar que antes da nossa vontade, dos nossos desejos, está a Vontade e Sabedoria do Pai que nos ama.
— Foi isto que Jesus fez no Horto na quinta-feira Santa - lembrou Caio.
— Sim - continuou Luísa -, porque nem sempre o que pedimos é realmente bom para nós, para nosso Eu, ao nosso Espírito. Ás vezes desejamos algo que seria como dar uma faca afiada a uma criança, satisfazendo-a, mas estaria correndo o risco de cortar-se e sofrer mais. Porém, só o fato de orar com sinceridade e fé, acalma-nos e uma doce paz nos envolve, isto é o mais importante.
— Que força poderosa! - Exclamou Flávio.
— Sim - confirmou Luísa -, que força maravilhosa temos ao nosso dispor e acessível a todos!
— Luísa - disse Caio -, narra-nos os Evangelhos que Jesus ora muito.
— É verdade, o Mestre deu-nos exemplos; muitas vezes afastava-se de todos para meditar e orar. E, a pedido dos discípulos, ensinou-nos a oração belíssima do Pai-Nosso, a nossa oração dominical.
Contaram alguns fatos sobre o assunto, do poder da oração, que nem viram o tempo passar, já escurecia quando Caio e Flávio foram embora.
— Vou ser espírita, disse Caio - pensando alto -, vou ser um espírita estudioso. Por enquanto não direi nada em casa, é melhor dizer aos poucos.
Antônia e eu fomos visitar Marcelo e família. Cidinha sentia-se magoada, mas, com o agrado e carinho dos pais, recuperava-se, passara a semana entre compras e as amigas. Marcelo tudo fazia para que não se falasse em Caio e evitando que Helena e a filha tivessem esperanças de uma reconciliação. Admirava mais ainda Caio e pensava que perdera o genro ideal, orava por ele para que não sofresse e que fosse feliz. Diariamente conversava com Paulo trocando notícias e, como o amigo, respeitava Caio por sua atitude.
— Antônia - disse-lhe -, tudo está bem agora. Caio acha-se bem e na Doutrina Espírita compreenderá e superará melhor os problemas. Com tudo resolvido, parto.
— Agradeço-lhe pela ajuda Antônio Carlos. Mas, antes de ir, venha dar uma olhada em Ofélia.
Ofélia encontrava-se sozinha na sala, estava tranqüila e calma, orava, aproveitando o silêncio que reinava àquela hora na casa. Observei-a, o corpo físico de Ofélia enfraquecia dando sinais de um desligamento lento. Seu coração poderia parar a qualquer momento.
— Deverá desencarnar logo. Deseja Antônia que a ajude?
— Ofélia deve ser libertada da prisão da carne, regressa feliz, é boa, justa, sofreu anos com resignação. Vendo as irmãs aqui com seus filhos, sente-se tranqüila. Não dispõe Antônio Carlos, de mais alguns dias?
Pensei por instantes.
— Antônia devo voltar aos meus afazeres, mas disporei de algumas horas por dia para estar aqui, ajudar Ofélia e na decisão de Caio.
— Decisão de Caio?!
— Tudo indica Antônia, que seu filho cursará Medicina. Veremos o que decidirá.
O PERDÃO
Já ia sair, quando Rosa entrou na sala, esperei, acompanhamos o diálogo das irmãs.
— Oi, Ofélia, posso lhe fazer companhia?
— Rosa, senta aqui perto de mim. Estava mesmo querendo falar com você a sós, desde que chegaram, aguardava esta oportunidade. Rosa, você continua sendo meiga e boa, não mudou nada. Sinto remorsos pela forma com que a tratei. No passado, na mocidade, fiz muitas coisas sem pensar. Quero pedir-lhe perdão. Não, por favor, não fale nada, escuta-me. Você namorava com Paulo, sabia que gostava dele, não tinha que me intrometer entre vocês. Mas fiz, sem me importar com você, deve ter sofrido, fiz você sofrer, perdoa-me.
— Ofélia, isso foi há tanto tempo! Não penso assim, nada me fez de mal. Somente eu gostei dele na época, não ele de mim. Acho, tenho a certeza de que foram feitos um para o outro. A duas metades da laranja...
Riram.
— Não guardou mágoas mesmo?
— Não, Ofélia não guardei nem as tive.
— Obrigado - suspirou Ofélia contente -, que bem me faz ouvir isso!
Passaram a conversar sobre outros assuntos.
— Acho Antônio Carlos - disse Antônia -, que só faltava esse gesto para Ofélia desligar de qualquer vínculo de que poderia ter culpa. Pediu perdão à irmã, humilhou-se, reconheceu seu erro e de coração reconciliaram-se.
— Ofélia prepara-se para o desencarne, todos os encarnados deveriam fazer isso e todos os dias, para não temer a morte do corpo. Quem sabe o dia em que desencarnará? Ofélia com consciência tranqüila está livre, não possui vícios nem desejos. Porque, minha amiga, devemos destruir nossos vícios, libertarmos de todos os desejos encarnados para que eles não permaneçam com o corpo perispiritual após ter se separado do corpo físico. Pediu perdão, o perdão faz um bem enorme a quem pede com arrependimento sincero, pedir, independente ou não de sermos perdoados pelo ofendido, recebemos a paz e a tranqüilidade. Agora Ofélia está em paz.
— Rosa já perdoou a irmã há tempo. Como ela é boa, não guardou rancor, embora tenha sofrido muito.
— Se todos, Antônia, agissem assim, o mundo seria bem melhor. Jesus recomendou-nos tantas vezes que perdoássemos, mesmo sem que nos pedissem perdão. Ainda mais quando pedido. Não perdoar é ligar ao ofensor com rancor, ódio e talvez no futuro obsedar. Quem não perdoa, sofre, e sentir-se não perdoado, amaldiçoado, sofre-se mais. Não guardar rancor é estar propício a ligar ao Alto, com as forças do Bem. Como é bom saber-se perdoado e perdoar a todos com sinceridade, esquecendo-se das ofensas recebidas.
Após o jantar, reunidos na sala, Zélia com simplicidade pegou o Evangelho, olhou para Ofélia e disse alto:
— Ofélia, acostumamos Rosa, meu querido esposo e eu, uma vez por semana ler o Evangelho e orarmos juntos. Família que ora unida, permanece unida. Se permitir, se quiserem, gostaria de ler um pedacinho.
— Que feliz idéia, tia, maravilhosa! - exclamou Caio entusiasmado.
— Certamente, Zélia, gostaria de ouvi-la - disse Ofélia.
Silenciaram, Paulo meio a contragosto, largou o jornal que lia. Zélia abriu o Evangelho, onde já estava marcado, era o Evangelho de Mateus, a parte de que mais gostava O Sermão da Montanha. Sérgio e Carla que inicialmente, não gostaram da idéia, aos poucos foram se envolvendo com a leitura. Zélia lia com amor, sua voz harmoniosa se fez ouvir por uns quinze minutos. Não fez comentários. Fechou o livro e convidou a todos a orar um Pai-Nosso.
Aproveitamos para doar energias benéficas e todos se sentiram bem e gostaram.
— Tia, podemos reunir sempre para uma leitura! É tão bonito! - disse Carla com sinceridade.
— É mesmo, também gostei - falou Paulo.
— Se quiserem, marcaremos um dia da semana, logo após o jantar.
Todos concordaram, Zélia era católica, tinha o conceito de que não são os cultos externos que levam a Deus, mas, os ensinos sábios de Jesus e na vivência dos Evangelhos estavam às setas do Verdadeiro Caminho da Vida Eterna.
Logo após, Caio foi para seu quarto, não pegou nada para ler como estava fazendo antes, pôs-se a pensar: “Quero cursar Medicina, sinto que devo, é do que gosto. Se já estive encarnado muitas vezes, acho que tenho um compromisso com esta profissão. Hoje a Medicina está tão profissionalizada, a maioria esquece a parte humana dos que sofrem, só pensam na parte material, tornando-a uma das profissões mais rendosas neste país de tantas doenças. Comigo não será assim, quero exercê-la usando meus conhecimentos igualmente para todos. Tenho que falar com papai, mas como fazê-lo? Mamãe, ela me ajudará. Será que meu velho ficará aborrecido? Será que lhe darei desgosto? Bem, tenho que tentar e fazer com que me entendam.”.
Pensou bastante e decidiu: faria Medicina!
No outro dia, foi ao Centro Espírita tomar passe, conforme informara-lhe Luísa. Estava lotado de pessoas de várias classes sociais. Um senhor fez a oração, pediu a todos para pensar em Jesus, não na imagem do crucificado, mas do homem-Mestre, do Jesus amigo que ensinava, curava e abençoava. Após, fez uma pequena palestra explicando o que Jesus disse ao falar a Nicodemus sobre a necessidade de nascer de novo para ganhar o Reino de Deus. Da necessidade que todos nós temos de reencarnar para aprender e crescer espiritualmente.
Caio prestou muita atenção, sentiu que não voltara a encarnar à toa e que seu nascimento, o abandono de sua mãe, tinham um significado que esquecera com a encarnação.
— É necessário - continuou o orador -, encarnarmos tantas vezes que for necessário para progredirmos, mas é necessário também aproveitarmos à oportunidade e mudarmos a forma de viver seguindo os exemplos evangélicos, praticando o Bem, amando a todos como a nós mesmos. Não deixando para o futuro, para outras encarnações esta mudança, é chegada a hora de fazermos,construir,plantar o Bem para uma boa colheita no futuro.Mais importante para nós que conhecemos a Lei da Reencarnação, é construir um futuro melhor, é aproveitarmos os conhecimentos espíritas para libertarmos no presente, fazer, progredir nesta encarnação agora.
“Como a Lei das Reencarnações é divina, pensou Caio, que justiça! Entendê-la é reconhecer a Bondade e o Amor do Criador. Devo ter vindo a Terra encarnado para uma finalidade, acho que é na Medicina que encontrarei oportunidades de construir talvez, o que destruí no passado, de acertar onde errei.”
Foi formada uma fila e Caio feliz caminhou para ela. Um grupo, formado por dez pessoas, estava dando passes. A sala para tal evento estava impregnada de bons fluidos, a equipe espiritual que ali auxiliava era grande e tudo fazia para ajudar com carinho os encarnados.
Caio sentou-se na frente de uma senhora de feições bondosas para receber seu passe. Antônia aproximou-se, falou à passista, que era médium, que recebeu a mensagem e transmitiu a Caio:
— Sua mãe manda-lhe abraços. Ela ama-o muito, reconhece seu erro, pelo qual muito sofreu e roga-lhe que a perdoe.
Caio olhou assustado para a passista. Mãe para ele era Ofélia, recordou então da outra, da que lhe dera a oportunidade da encarnação, ela tinha desencarnado e deveria estar ali no momento. Ficou emocionado, não a amava, nem mesmo pensava nela. Ela sofrera e rogava-lhe perdão, não tinha nada para lhe perdoar, não se sentia prejudicado. A médium e Antônia aguardavam resposta e Caio foi espontâneo em responder:
— É Deus quem nos perdoa. Não tenho nada para perdoar, mas se ela pede-me perdão, perdôo sim, e que tenha paz.
Rápido veio-lhe na mente o que o preocupava no momento e indagou:
— Ela poderia responder-me, o que devo fazer? Continuar meus estudos ou fazer outros?
Antônia, emocionada, olhou-me pedindo ajuda, respondi em seu lugar, no intercâmbio maravilhoso, a médium transmitiu meu pensamento:
— Ser útil é a maravilhosa oportunidade de reparar nossos erros e acertarmos o caminho que nos leva à verdade e felicidade. São muitas as formas de servir, em todas as profissões temos a possibilidade de ser útil. Porém, é com a Medicina que se identifica e será feliz em exercê-la.
Caio levantou-se, sentiu-se engasgado pela emoção, a médium falara de sua mãe carnal desencarnada e da Medicina não mencionada. Sentiu-se feliz em receber estas provas, bebeu a água fluida e saiu. Voltou em paz para casa.
Antônia voltou-se para mim com lágrimas nos olhos:
— Agora entendo o que Ofélia sentiu ao ser perdoada pela irmã. Que Deus proteja meu Caio, o filho que abandonei.
Caio chegou em casa cedo e só encontrou a mãe, todos tinham saído e as tias foram com Carla ao cinema.
Caio aproveitou e sentou-se ao lado da mãe numa almofada, colocando a cabeça em seu colo. Como de costume, Ofélia, carinhosa, passou as mãos pelos cabelos do filho.
— Mamãe, sofro em vê-la nesta cadeira.
— Não deve preocupar-se comigo, meu filho, acostumei e não sofro.
— Penso no por quê, a senhora tão boa inválida assim.
— Já pensei muito nisso, não por achar-me boa, mas se poderia ter algum motivo. Não tive resposta às minhas indagações, sinto que é justo merecido. Não sei se você me entende, Caio, creio em Deus, Pai Justo e na Sua Sabedoria; muitos acontecimentos não entendemos, mas sinto-os verdadeiros. Senti a necessidade de aceitar e fiz. É como se tivesse escolhido passar por isso, é como sofrer por livre escolha, não sei explicar-lhe, sinto-me em paz aceitando.
Caio não respondeu, pensou que no exemplo de sua mãe estava a confirmação da reencarnação. Sua mãe devia estar quitando por vontade própria seus erros, as dívidas não cobradas por ninguém a não ser por ela mesma, erros de outras existências.
— Caio meu filho, quero pedir-lhe uma coisa.
— Tudo o que quiser mamãe.
— Peço a você, porque é mais velho, bom e compreensivo. Estive afastada de suas tias, erro meu, me arrependo, minhas irmãs não têm condições financeiras para viver. Gostaria de dar lhes tudo até o fim de suas vidas. Não sei quando tempo vou ficar aqui, acho mesmo, querido, que não me demorarei entre vocês.
— Mamãe!
— Não me interrompa, filho, quem sabe do futuro? Não se preocupe, talvez enterre a todos. Para ficar tranqüila quero que me prometa se quiser é claro, cuidar de suas tias, se partir primeiro.
Ofélia falou com ternura, Caio olhou-a com muito amor, a mãe confiava a ele as irmãs, sentiu seu carinho, sentiu-se ligado pelos laços do afeto. Não era necessário ser parente da carne para estar ligado pelo amor maternal. Levantou-se, abraçou-a e beijou-a.
— Prometo, prometo e prometo. Se for para deixá-la tranqüila, confie em mim, cuidarei delas, tenho a certeza de que não necessitarei de cumprir a promessa, mas, se tiver, farei com todo carinho.
— Obrigado, fico mais tranqüila com sua promessa.
— Mamãe ainda vou curá-la, como gostaria de vê-la andando!
— Com idéias de Medicina outra vez na cabeça? Faz tanto tempo que não falava neste assunto, pensei que tinha desistido.
— Estou pensando seriamente em cursá-la, foi sempre meu sonho, foi o que sempre quis. Deixei de lado esta vontade pensando em ficar no lugar de papai, mas não é isto o que quero. Vou deixar meu Curso de Administração e estudar para o vestibular de Medicina, só que temo papai.
— Paulo terá um grande desgosto. Caio médico parece-me uma profissão tão sacrificada, cuidar de doentes, ver sofrimentos, fazer plantões, conviverá com dor, morte, trabalhar com seu pai será mais fácil!
— Quando gostamos, quando fazemos com amor, tudo é fácil, gosto das indústrias, sei o que elas representam para papai, mas há Sérgio que gosta e idealiza cuidar de tudo. Não quero dar desgosto a vocês, são tudo para mim e sou-lhes grato. Às vezes penso no que seria de mim se não fossem vocês.
— Que bobagem, filho! - exclamou Ofélia olhando o filho, temeu por instantes que ele soubesse da verdade, não queria que soubesse, não queria que sofresse. Ele falava tão estranho, vendo-o tranqüilo, acalmou-se. Caio percebendo o receio da mãe, sorriu e acariciou-a. Ofélia continuou:
— Seu pai e eu fazemos o que nos é devido, amamos vocês três, quanto a mim, filho, quero-o feliz, não me importa se é como mestre, médico ou administrador. Seu pai está estranho, você terminou seu namoro com Cidinha e ele nem se importou. Paulo o quer trabalhando com ele, mas o quer feliz na profissão que escolher, falarei com ele, farei ele entender.
— Obrigado, mamãe, ter a senhora ao meu lado, é tudo o que quero!
Naquela noite mesmo, Ofélia falou com Paulo, que a escutou, triste:
— Ofélia, sonhava com Caio no meu lugar, o menino é bom, honesto e inteligente, todos gostam dele.
— Paulo acabamos por forçar Caio a estudar o que não queria, ele sempre quis ser médico.
— Logo médico, trabalha tanto, faz plantões de noite, de dia, não tem sossego e ainda ganhará bem menos.
— Ele gosta e será bom profissional.
— Como negar algo a ele? Sei que deve ter pensado muito para decidir. Não vou impedir. Não devo interferir no que ele quer.
— Não fique triste, Paulo.
— Ofélia, não posso me alegrar, é um grande sonho meu que vai embora. É melhor conversar com ele, diga-lhe para ir à tarde ao escritório.
No outro dia, Caio foi ver o pai sentia-se encabulado, sabia que o estava magoando. Paulo olhou-o, Caio falou baixo:
— Pai, desculpa-me, pensei muito mesmo, gosto daqui, mas desejo, quero, sinto que devo ser médico, por favor, entenda-me!
— Médico não é carreira fácil, lidará com dores, doenças, só com tristeza, aqui é bem melhor. Caio não respondeu, olhou-o somente. Paulo continuou. Está bem, não vou mentir dizendo que estou alegre, faça como quiser.
— Verdade? Posso também viajar?
— Prometi - disse Paulo sorrindo, vendo a alegria do filho.
— Vou trancar a matrícula e vou aos Estados Unidos, volto para estudar para o vestibular, pagará meus estudos?
— Oh, filho! Por que não pagaria? Não me fale assim, o que é meu é seu, é nosso filho, se não fosse...
— Desculpa-me, pai, minha decisão nada tem a ver com tudo aquilo, já esqueci, não devemos lembrar mais, nada mudou, eu os amo muito.
Abraçou o pai, Paulo beijou-o na testa:
— Vá, vá, Dr. Caio, cuida de sua vida e faça o que gosta. O mundo ganhará um médico estudioso e responsável, cumpridor de seus deveres. Acabo de entender que não é filho que realiza os sonhos dos pais.
Caio saiu feliz, foi trancar sua matrícula e tratar do passaporte, viajaria logo.
O PASSADO
Voltei para a Colônia, retornei ao meu trabalho, a curiosidade de contador de histórias veio forte e procurei saber do passado das figuras principais da trama que se desenrolava. Procurando o Departamento encarregado, vim, a saber, o que ocorrera na última existência deles.
Dias depois, fui ver Antônia.
— Aqui está tudo bem, Caio prepara-se para viajar, Cidinha está mais conformada e Ofélia sente muitas dores e cansaço, não está longe sua libertação, devendo ser antes de Caio partir.
— Antônia, procurei saber do passado de vocês, compreendi o porquê do sofrimento de Ofélia, numa cadeira de rodas, inválida há tanto tempo.
— Posso saber?
— Se quiser escutar... Com a afirmativa de cabeça de minha amiga, narrei: Não darei os nomes que tiveram e sim os atuais, para facilitar. Paulo fora inteligente e trabalhador, de família de posse média, casou-se jovem com Rosa, e, após o casamento, foi administrar um grande armazém do sogro. Esperto para negociar, o comércio prosperou em suas mãos. Viviam Paulo e Rosa tranqüilos e tiveram dois filhos: Sérgio e Carla.
Foi então que Paulo conheceu Ofélia, moça pobre que trabalhava de doméstica. Há muitas encarnações foram Paulo, Rosa e Ofélia um triângulo amoroso, as duas disputaram o amor dele.
Ofélia tudo fez para conquistá-lo e não foi difícil conseguir, tornaram-se amantes. A cidade em que moravam era pequena e logo Rosa e seu pai ficaram sabendo. Rosa suportou a humilhação de ser traída, tudo fez para separar o esposo da amante, pedia sempre de forma delicada e Paulo prometia deixar à amante e não o fez. Resignada, Rosa passou a cuidar somente dos filhos que adorava.
Do romance de Paulo e Ofélia, nasceu Caio registrado só no nome de Ofélia. Paulo então alugou uma casa razoável para Ofélia e o menino, e passou a sustentá-los. Anos viveram assim, o sogro de Paulo adoeceu gravemente, temendo deixar a fortuna nas mãos do genro e que este desse parte do seu dinheiro à amante e ao filho bastardo, chamou o genro e disse-lhe:
“Paulo, sua aventura faz infeliz minha amada filha, gosto de você, fez prosperar minha fortuna nestes anos, é trabalhador e honesto. Não ficarei vivo muito tempo e vou deixar tudo o que tenho para meus dois netos, Sérgio e Carla. Temo que deixando para Rosa, você, casado com ela em comunhão de bens, venha a dar o que é meu para sua amante que odeio e seu bastardo filho. Fiz meu testamento e tenho que nomear um tutor, poderá ser você, mas com a condição que você também passe o que é seu para Sérgio e Carla, se não o fizer nomearei tutor dos meus netos, José, meu empregado, e desde já passará ele a cuidar de tudo, inclusive da direção do armazém.”
“O senhor não pode fazer isso?!”, espantou Paulo.
“Posso e farei”, continuou o sogro. “Se fizer já o que quero, continuará a cuidar de tudo como sempre. Por que hesita, Paulo? Sérgio e Carla devem herdar tudo. Rosa já concordou. Dou-lhe três dias para responder-me.”
Paulo revoltou-se, ficou nervoso, amava o que fazia e se orgulhava em ser o chefe. Entretanto, conhecia o sogro, sabia que não voltaria atrás; ou fazia o que ele queria, ou José assumiria tudo. O sogro de Paulo nesta existência foi Sr. Caio seu pai, que odiava a amante do genro, não gostava da esposa do filho, demorou para ter-lhe amizade.
Paulo fez o que o sogro queria, escondeu este fato da amante, entretanto tornou-se inquieto e nervoso. Rosa, sabendo causa, ignorou-o. Sr. Caio fez tudo bem feito, elaborado por um bom advogado, foi tudo registrado em Cartório. Assim, Paulo tornou-se pobre, era só tutor dos filhos. Logo após, o pai de Rosa faleceu e a notícia do testamento espalhou-se pela cidade.
Ofélia não gostou, pensava e queria que Caio herdasse, também, era filho de Paulo e tinha direitos. Sonhava com o filho rico para que ele pudesse estudar. Caio desde pequeno queria ser médico, brincava e só falava nisso. E, para Ofélia, ele tinha jeito de médico e sonhava em formá-lo.
Caio era bom menino, não entendia o que ocorria com os pais, nas visitas paternas, a mãe fazia-o tomar-lhe a bênção e sair em seguida. Temia o pai e sentia vergonha em sua frente. Tentou saber do porquê de ele não morar com eles, indagou da mãe, esta ficara nervosa e lhe batera, preferiu então não indagar mais. Estava proibido de ir para os lados da casa do pai e de conversar com os outros irmãos. Isso o entristecia, sempre quis ter irmãos e não podia nem conversar com eles nem cumprimentar o pai fora de sua casa. Conhecia seus irmãos, via-os de longe com a mãe deles, achava-os bonitos, foi só na adolescência que entendeu tudo.
Inconformada com o procedimento de Paulo, Ofélia exigiu do amante que doasse alguma propriedade a Caio, com a negativa deste, começaram as brigas entre os dois.
Paulo começou a se cansar de Ofélia, de seus queixumes, começou a se esquivar, rareando as visitas e dedicando-se mais aos filhos e a doce esposa.
Ofélia não se conformou. Paulo ainda os sustentava, mas ela sentia que o perdera. Havia ela feito muitos abortos, tivera Caio na esperança de prender o amante e agora queria, através do filho, garantir seu futuro.
Na tentativa de tê-lo como antes, mandou-lhe um bilhete marcando um encontro. Paulo compareceu, mas estava frio e indiferente Ofélia tornou-se agressiva e brigaram violentamente. Paulo aos gritos disse que estava tudo terminado e se ela o importunasse novamente não daria mais dinheiro nem para o filho nem para ela.
“É seu filho e tem que sustentá-lo”, disse indignada Ofélia.
“Ora, nem sei se o garoto é meu, faço muito em sustentá-lo, não vou deixar nada a ele, nunca vou querer bastardos. Filhos são só os da minha esposa que é honesta. Bastardo não merece nada nem a amante.”
Paulo saiu e Ofélia, em lágrimas, jurou vingar-se. Esperou uns dias para ver se o amante mudava de idéia, mandou-lhe vários bilhetes, que foram devolvidos. Paulo também lhe negou dinheiro. Ofélia, com ódio planejou sua vingança. Ela sabia de todos os costumes da casa do amante e um destes pareceu-lhe importante: eles iam à missa todos os domingos pela manhã.
Paulo morava com a esposa e os filhos na casa que pertencera ao sogro, uma propriedade grande e bonita, uma pequena chácara, não muito afastada da cidade, que na verdade, era separada desta por um morro. Assim, para irem à cidade tinham de subir o morro por uma estrada bem cuidada e bonita, talhada na encosta, de um lado barranco, do outro uma encosta pedregosa e buracos perigosos.
Ofélia conhecia bem o local, muitas vezes fora espionar a casa, Rosa e os filhos, corroída de ciúme e inveja deles.
No domingo cedo foi para lá e escondeu-se perto da cocheira. Viu o preto velho que cuidava dos cavalos providenciar a charrete que os levaria à igreja.
Ao vê-lo afastar-se, talvez para avisar que a charrete estava pronta, Ofélia correu até a cachoeira, pegando uma faca que trazia escondida na cintura e rapidamente examinou a correia que ligava a charrete aos cavalos. Viu que estava seca e gasta, sorriu achando-se com sorte. Cortou parte da correia, deixando-a presa só por um pedaço, fugiu apressada, voltando à sua casa cautelosamente, evitando ser vista.
Naquele domingo, Sérgio acordara febril e Rosa achou melhor que o filho ficasse acamado e não quis ir à igreja, preferindo fazer-lhe companhia. Foram à missa, Paulo e Carla a caçula, que estava com oito anos, era uma criança linda e inteligente.
Paulo gostava de andar com os cavalos a galope, todos sabiam disso. Rosa sempre temia suas disparadas e ele, quando estava com ela, ia mais devagar. Naquela manhã, só com a filha, chicoteou os cavalos, dois garbosos corcéis, que dispararam e puseram-se a subir o morro. A filha ria, entusiasmada fechando os olhos, sentindo o vento forte que desarrumava seus cabelos longos.
A correia acabou se rompendo, desligando a charrete dos cavalos que continuaram disparados e assustados. A charrete voltou alguns metros, Paulo pensou em pular, porém seu primeiro instinto foi salvar a filha, mas, não teve tempo, rolaram pela ribanceira.
Paulo acordou horas depois já no seu leito, foi socorrido por trabalhadores que também iam à cidade. Reconheceu o médico ao seu lado. Sentiu fortes dores pelo corpo todo, recordou o acidente e sentiu-se aliviado por estar vivo.
— Carla, Carla, onde está você filhinha?!
Lembrou-se aflito da filha, o médico bondosamente contou-lhe que a menina batera a cabeça numa pedra e falecera.
Paulo chorou muito, sentiu-se culpado, Rosa também sofreu muito, mas consolou o esposo. Passados uns dias, Paulo percebeu que não movia as pernas e a triste notícia o deixou desalentado, fraturara a coluna e não mais andaria. Pensaram que o acidente poderia ter sido proposital, mas não tiveram como provar já que a correia estava velha. Todos sabiam que Paulo corria e ninguém vira estranhos por ali, foi dado como acidente. Tanto Paulo como Rosa não descartaram que poderia ter sido tramado por Ofélia.
O casal passou a viver isolado e triste, Paulo tratava dos negócios em casa e Rosa passou a ir ao armazém e logo Sérgio passou a ajudá-los e a cuidar de tudo. Com a morte da irmã, passou a ser o único herdeiro. Sérgio viveu muito tempo encarnado, foi honesto, simples, bom administrador e empregador. Agora voltou com missão maior, administrar uma fortuna imensa para o bem comum de muitas pessoas, que, através de sua fortuna, terão salários dignos de seus sustentos.
Paulo viveu oito anos no leito e desencarnou, amargurado. Rosa cuidou dele bondosamente, mas também se tornou triste e quieta, só se alegrando com o filho.
Com a desconfiança de que poderia ter sido Ofélia a causadora do acidente, Paulo não quis mais saber da ex-amante e nunca mais os ajudou, não viu mais o filho e não se preocupou com ele.
Para sobreviver, Ofélia voltou ao trabalho de doméstica, tornou-se revoltada, descontava suas mágoas no filho. Caio era boa criança, obediente, trabalhador e ajudava a mãe em tudo que podia.
Ofélia dizia sempre ao filho:
“Como me arrependo de não ter abortado você também. Se não fosse você, não teria que trabalhar tanto assim.”
Era o que realmente sentia em relação ao filho, não ligou para o infortúnio do ex-amante, mas a morte da menina a abalara, começou a sentir remorsos e a sonhar sempre com ela. Tinha horror a estes sonhos, se acordava durante a noite, fazia o filho ficar acordado ao seu lado. Já com dez anos, Caio foi trabalhar numa farmácia começou a ajudar nas despesas de casa, logo após a mãe parou de trabalhar e Caio passou a sustentá-la. Viveram miseravelmente e quando Caio completou dezoito anos Ofélia desencarnou.
Paulo e Ofélia encontraram-se no Plano Espiritual, sofreram com rancores. Rosa, mais resignada, e Carla os ajudaram a reconciliar, arrependeram-se, reconheceram seus erros, pediram para reencarnar. Ofélia e Rosa seriam irmãs carnais para aprender a se amar, prometeram que iriam se respeitar e viver em paz. Ofélia, porém, culpava-se muito por ter provocado o desencarne de Carla e a invalidez de Paulo. Planejou ficar inválida para um resgate, para ser livre do remorso que tanto a fazia sofrer, escolheu passar pela mesma dor. E foi para proteger Carla, evitando que fosse atropelada, que veio nesta vida a tornar-se inválida.
Como vê Antônia, reencontraram-se e Caio veio até eles como bastardo Sérgio e Carla tiveram como mãe a ex-amante do pai que odiaram e, graças a Deus, aprenderam a amar.
— É por isso - disse Antônia -, que Carla e Sérgio gostam tanto de Rosa e, a cada dia que passa, ligam-se mais a ela.
— Sim, reencontraram a antiga mãe. Ofélia a traiu no passado, nesta duvidou da irmã e sofreu a dúvida por anos, pensou que a irmã a traíra.
— Rosa é honesta e boa, nunca pensou em trair ninguém.
— Ofélia foi traída, Paulo teve outras amantes.
— Sim, fui uma delas. Diga-me, Antônio Carlos, o que aconteceu a Caio?
— Caio gostava de seu trabalho, tornou-se boticário na farmácia em que trabalhava. Após a morte de sua mãe, sua vida melhorou e passou a cuidar melhor de si mesmo e dedicou-se ao trabalho. Caio há muito vem ligado à Medicina, porém, nunca exerceu como deveria um bom cristão, com humildade e bondade. Orgulhoso por ser médico, julgava-se melhor que os outros. Nessa existência anterior, como lição a seu Espírito, teve vontade de estudar e não pôde, aprendeu a dar valor aos estudos. Mas quem sabe recorda. Caio entendia de doenças e remédios e tornou-se um boticário, um farmacêutico respeitável, muito procurado que atendia a todos com carinho.
— Quase que Caio nesta existência não cursa Medicina, fazia outro curso - comentou Antônia.
— Antônia, quem quer ser útil e crescer em qualquer profissão encontra oportunidades. Caio, embora tenha estudado Medicina no espaço antes de reencarnar, não assumiu compromisso para exercê-la novamente encarnado. Muitos fatores, acontecimentos, influem no estágio do corpo, podendo mudar muito os planos. Aprendemos muito em cada função, cada profissão exercida. Espírito livre tem gostos e preferências. Caio que nunca deixou de amar a Medicina, com a mudança que houve em sua vida, com a descoberta de sua adoção, ficou desejoso em exercê-la com maturidade e bondade.
— E você, meu amigo, planeja ser médico novamente, quando encarnar? - perguntou Antônia sorrindo com sua indiscrição.
— Tenho ainda muito tempo de trabalho desencarnado, quando encarnar não sei o que poderá falar mais alto, meu amor pela Música, pela Literatura ou pela Medicina. Espero somente servir a Deus em qualquer função, minha indiscreta amiga.
— E Cidinha, Antônio Carlos? Minha filha ficou órfã, também foi adotada.
— Cidinha é ligada aos pais adotivos que por abusar da paternidade não puderam gerar seus próprios filhos. Veio e é ente querido por vias ilegítimas, mas legítima pelo amor.
— Não estou ligada ao grupo? Caio e Cidinha são estranhos para mim?
— Estranho ninguém é um do outro, somos irmãos e a Humanidade toda é nossa família. Por afinidades e carinho formamos grupos e os mais esclarecidos ajudam os retardatários.
— Devo ser uma das retardatárias, destas pessoas que só pensam naqueles que a amam para receber benefícios - disse Antônia, melancólica.
— Antônia, você tem sido egoísta, não ligando verdadeiramente para ninguém. Agora compreende, ficou preocupada com os filhos e ama-os com carinho, começa a metamorfose de lagarta a borboleta.
— Obrigada. Grata estou meu amigo, disposta a fazer tudo para melhorar. Que fui no passado?
— Você vestiu na vida anterior corpo do sexo masculino. Seus pais foram os mesmos que teve nesta, foram ricos, fizeram-lhe todos os gostos e caprichos. Orgulhoso e libertino abusou de muitas mulheres e as abandonou. Seus pais, cientes do erro que cometeram na sua educação, retornaram pobres e receberam-na por filha, deram-lhe amor e tentaram dar-lhe boa formação. Por eles, foi de grande proveito à lição da pobreza, sofreram, resgataram só que não conseguiram fazer tudo o que pretendiam com você, conduzi-la ao bom caminho. Você acabou ligando-se a Paulo, depois a Jerônimo que a abandonaram como você fez a outras no passado. Nem afetos maternais despertaram em você amor na época, acabou a dor, sábia orientadora, ensinando-a a lição, despertando-a para os valores reais da vida.
— Hoje, amo tanto meus pais, meus filhos e os amigos que servem de pais aos rebentos que abandonei.
— Quando aprendemos a amar, tornamo-nos melhores, mais compreensivos e menos egoístas e, se purificarmos e ampliarmos este Amor, nossa família será toda a Humanidade.
LIBERTAÇÃO DE OFÉLIA
Caio mudara, estava tranqüilo pelo problema resolvido, voltara a ser o rapaz alegre de semanas antes. Não pensava mais em Cidinha, evitava vê-la ou falar dela. Aproveitou os dias que esperava para partir, para estudar o Espiritismo. Uma questão veio a preocupá-lo, como médico teria muitas responsabilidades, e se falhasse? Poderia cometer erros.
Foi ao Centro Espírita no dia programado para passes, no final, pediu ajuda a Irineu que prontamente atendeu-o.
— Será, Irineu, que agirei certo? Agora, conhecendo a Doutrina Espírita, consciente do que seja errar, temo.
— Caio meu rapaz, não seja como o início da Parábola dos Talentos, o que recebeu um e o enterrou. Quando se erra com vontade de acertar, o erro não existe e sim um aprendizado. Erramos quando temos plena consciência e o queremos. Se deixar de fazer por medo, pensando se irá errar, ou não, enterrará a oportunidade. Você Caio, estudando e seguindo o Espiritismo, terá as setas do caminho iluminadas. Caminhe, faça o que tem que fazer com amor, não errará, sim multiplicará seus talentos.
— Irineu, vou deixar um futuro garantido financeiramente para ser médico e não viso na Medicina lucro material, você acha certo?
— Nós encarnamos sem dinheiro e dele partiremos igualmente sem levar um centavo. É justo receber remuneração pelo trabalho honesto, mas ganhos materiais não nos devem preocupar em excesso. Nós só alcançaremos o equilíbrio não alegrando com o lucro nem entristecendo com o prejuízo. Se você visa ser útil, a Medicina é a melhor escolha. Só ganhará o bem que fará, transformará em virtudes que promoverá a mais aguda inteligência e será um facultativo que amenizará dores. Caio, a sede de atividades, como ganho de capital, mata em nós o senso de referência espiritual. Nossa preocupação com o material não deve ser maior do que com a espiritual. Acho certa sua escolha.
— Irineu, há muitas tentações, como ficar só no Bem?
— Tudo o que existe no mundo, tem caráter misto, semelhante a uma combinação de terra e açúcar. Seja como uma sábia e laboriosa formiguinha, que pega somente o açúcar, deixa de lado a terra. Achamos sempre a verdade, o Bem quando procuramos com sinceridade. Saberá seguir o Bem.
Caio, satisfeito, despediu-se de Irineu, o amigo respondera-lhe a contento.
No domingo seguinte, os jovens foram novamente ao orfanato. Caio e Luísa foram brincar com as crianças menores e ficaram conversando:
— Luísa, é lindo o que fazem jovens pensando em ajudar.
— Caio, devemos ajudar quando temos disposição e saúde, quando não tivermos, aí, necessitamos de ajuda. Li num livro:
“Devemos chamar Deus para estar conosco no Verão de nossas vidas, no Inverno pode ser que o chamemos e Ele não possa vir.”
— Beleza! Que contraste, uns ajudando e outros tão necessitados. Aqui temos órfãos e há, pelo mundo, os que estão em situações bem piores, abandonados e na miséria. Qual é sua opinião sobre este assunto, sábia Luísa?
— Quem me dera ser sábia, mas, se querer é poder, almejo aprender, aproveitar as oportunidades que estou tendo e tornar-me mais inteligente. Caio miséria, abandono, doenças são chicotes do nosso Carma, que, muitas vezes, força-nos a buscar o verdadeiro significado da vida. Nada é injusto, estas crianças estão tendo o aprendizado que necessitam.
— Será que conseguirei fazer todo o Bem que almejo?
— Vai fazendo, fazendo, um dia verá feito.
Um menino de sete anos aproximou-se deles e, sem motivo, deu um tapa em um dos pequenos.
— Não faça isto! - Caio segurou-lhe a mão.
— Por que lhe bateu? - indagou Luísa.
— Por que gosto de ser mau, de ser importante.
— Que pensa em ser quando crescer? - indagou novamente Luísa, tentando entender o garoto.
— Chefe de bandidos.
A resposta veio tão espontânea que deixou os jovens de boca aberta e o menino, ágil, correu misturando-se com os outros de seu tamanho.
— Que me diz agora? - Indagou Caio.
— Se não soubéssemos da Lei da Reencarnação, buscaríamos mil maneiras de entendê-lo, mas, eis aí meu caro Caio um Espírito rebelde, não doutrinado, encarnado, nada aprende das lições que a vida lhe dá. Vou tentar conversar mais com ele nas próximas visitas e orientá-lo.
— Noto Lu, que muitas das crianças são pacíficas, sentem a falta dos pais de carinho, outras são revoltadas e agressivas. A adoção não seria melhor a elas?
— Claro todos nós concordamos que o melhor a todas estas crianças seria a adoção. Porém, o processo de adoção, tem sido muito burocrático e muitas destas crianças não são órfãs, como pensa. Têm elas pai ou mãe, às vezes os dois, que na maioria estão separados e largam os filhos nos orfanatos e não aceitam doá-los. Depois a procura por adoção é para recém-nascidos, para os maiores é mais difícil. Olhe aquele ali, é Alexandre, tem oito anos, esteve três meses num lar para experiência, não de certo, trouxeram-no de volta.
— Por quê?!
— Alexandre disse que gostou só que eles, os pais adotivos, implicavam muito com ele. O casal disse que Alexandre não tinha bons modos e que era lerdo para aprender. Creio que não tiveram paciência com ele, ele não conhece outro modo de viver sem ser o do orfanato. Tem muitos casos assim.
— Lu, talvez não sejam eles parentes espirituais, não é mesmo?
— É se fossem se amariam e se aceitariam. Mas, Caio, temos que ampliar nossos laços afetivos e amar a todos. Não se pode exigir perfeição de ninguém ainda mais de crianças. Com um pouco mais de paciência, haveria mais tolerância e menos abandonados.
— Tia Luísa, tive medo esta noite outra vez - queixou-se uma menina.
— Neusa, ore sempre que tiver medo, fala para você mesmo que não quer ter medo, enfrente o que teme e o medo não a perturbará mais, querida.
A menina sorriu e correu para brincar, Luísa disse a Caio:
— Caio só boas e positivas sugestões deveriam ser dadas às crianças que deveriam ter só bons exemplos, seriam educadas mais facilmente. Neusa é muito sensível e impressionada, esta sempre com medo. Nosso grupo tem feito orações por ela.
As brincadeiras deram fim na conversa dos jovens amigos. Caio cansou-se, mas sentiu-se bem ajudando e alegrando as crianças. Estava consciente de que a melhor coisa que lhe aconteceu foi ter encontrado o Espiritismo.
Ao chegar à tarde na casa de Paulo, Antônia conversava com uma simpática senhora que se apressou em me apresentar.
— Esta é Ana, mãe carnal de Ofélia.
— Viemos, pela Bondade do Pai e merecimento de Ofélia, desligá-la do corpo.
Foi então que vi com Ana dois socorristas que, bondosamente ajudam com seu trabalho tantos a desencarnar suavemente.
Conversamos por minutos trocando impressões e fomos ver Ofélia. Nossa amiga estava sozinha na sala, estava pensativa, saudosa, recordava partes de sua vida. Sentia dores no peito desde cedo, ultimamente sentia muitas dores e não estava se sentindo bem. Ia regularmente ao seu médico, tomava os remédios certos, sentia, entretanto que piorava. Não dissera a ninguém das dores no peito e pensava: “Se me queixasse todas as vezes que tenho dor, ou não me sinto bem, só faria isto e quem me agüentaria”? É horrível escutar queixas e não é bom viver se queixando. Depois, as dores são minhas, sou eu quem deve aprender a conviver com elas. Resolveu deitar-se.
— Talvez melhore - disse alto.
No leito orou com fé seu rosário. Mesmo orando, as lembranças teimavam em lhe vir à mente, por muitas vezes, suspirou alto. Quando acabou de orar seu terço, completou sua oração de forma espontânea, bonita e sincera. “Deus, tanto tempo estou neste sofrimento, será que não pode libertar-me? Será que já não quitei minhas dívidas? Lembro do servo da Parábola que devia dinheiro ao seu senhor, foi levado à prisão até pagá-la. Estar sofrendo assim, não é estar na prisão? Perdoei, pedi perdão, fui perdoada. Será, meu Pai, que não dá para libertar-me? Estou em paz, com a consciência tranqüila, sei que após morrer viverei de outra forma, somos eternos. Não temo morrer, mas peço-lhe não me desampare nesta hora, permita que seus Anjos venham me ajudar. Vou em paz, deixo todos que amo bem e, com minhas irmãs aqui, meus filhos ficarão amparados. Se não for pedir muito, meu Deus, olha eles por mim, queria que não sofressem por mim, que não sentissem minha falta. Eu...”.
O coração de Ofélia, fraco, falhando, parou. Os dois socorristas começaram seu trabalho. Ela não sentiu mais dores, por instantes foi como se adormecesse quase desligada, voltou a si ou acordou e viu Ana à sua frente. Ofélia já desvestida do corpo, exclamou:
“Mãe! Mãezinha querida!”
“Vem, filhinha! Vem, Ofélia!”
Sorridente Ofélia foi ao encontro da mãe e adormeceu nos braços carinhosos de Ana.
Não demorou, Ofélia estava completamente liberta e partiram, os dois socorristas e Ana levando-a para uma Colônia.
Ficamos Antônia, eu e o corpo perecível de Ofélia que ficara com expressão delicada e tranqüila. Minha amiga falou:
— Antônio Carlos, Ofélia teve um desencarne suave e bonito.
— Antônia, todos nós deveríamos fazer por merecer um desencarne assim. Todos sabem que irão desencarnar, entretanto não pensam nesta mudança para si, não vivem de modo a merecer um desligamento sem maiores dores. Para quem tem a consciência em paz, vive no Bem, nada tem a temer na morte do corpo, que é um processo normal, uma libertação. E Ofélia, estando sozinha, facilitou o trabalho dos socorristas. Porque muitas das vezes os encarnados, diante da partida do ente querido, desequilibram-se na emoção, dificultando o desligamento.
Ouvimos barulho, eram eles que chegavam, tinham ido a uma sorveteria aproveitando a noite quente e bonita.
Como sempre, Paulo chegava e ia ter com a esposa, não a encontrando na sala foi procurá-la no quarto. Ao vê-la deitada, primeiramente pensou que dormia, depois estranhou por ela ter se deitado tão cedo. Chegou mais perto, perguntou baixinho, curvando-se para dar o costumeiro beijo na testa.
— Ofélia, está dormindo? Está bem?
Estranhou mais ainda a esposa não responder, observou-a melhor, tomou-lhe o pulso não conseguiu achar, sacudiu-a.
— Ofélia, Ofélia!
Correu para a sala.
— Caio, depressa, chama o Dr. Silva, Ofélia não está bem.
Voltou para o quarto, foram todos atrás dele, menos Caio que correu ao telefone.
Zélia, ao olhar para a irmã percebeu que era inútil qualquer socorro, afastou Paulo e os sobrinhos de perto da irmã e pôs-se a massagear seus pulsos e braços. Ninguém ousou falar. Carla e Sérgio, assustados, refugiaram-se nos braços de Rosa.
Caio foi aguardar o médico no portão. O Dr. Silva morava perto e veio em instantes, o filho mais velho de Paulo acompanhou o facultativo ao aposento da mãe.
Dr. Silva não estranhou o chamado, sabia que Ofélia estava para ter seu corpo físico morto a qualquer hora. Percebeu assim que a viu que desencarnara, mas, para certificar-se, auscultou-a demoradamente. Com voz pausada falou:
— D. Ofélia está morta, descansou.
Carla gritou, chorando alto, seu choro foi acompanhado por todos.
Paulo sentiu-se mal, Zélia e Dr. Silva correram para ampará-lo e acalmá-lo. Sérgio e Carla abraçados a Rosa recebiam dela conforto e carinho. Caio ficou em pé ao lado de Ofélia, ficou olhando o corpo imóvel daquela que fora sua mãe de amor, falou, em lágrimas:
— Aqui está só um cadáver, ninguém morre, somos eternos. Mamãe Ofélia deve estar no reino de Deus, entre os bem-aventurados, entre os que aprenderam a amar. Obrigado, mamãe!
Zélia então percebeu o sofrimento de Caio, correu e abraçou-o, então ele chorou nos braços da tia.
Foi com tristeza, mas sem desespero, que velaram e enterraram o corpo de Ofélia. Os dias para eles passaram lentos, no sétimo dia, como costume dos católicos, foram à missa e, após, reuniram-se na sala. Caio falou emocionado:
— Acho que devemos voltar normalmente aos nossos afazeres. Mamãe entristecia quando via um de nós triste e se ela pode nos ver, não ficará alegre conosco. Ela somente partiu primeiro, não acredito em separação, mamãe ausentou-se, encontrá-la-emos um dia. Devemos retornar aos nossos afazeres e tentar nos alegrar, não são todos que têm ou tiveram o privilégio de ter tido uma mãe como ela. Será nosso exemplo por toda nossa vida. Acho também que devemos dar tudo o que era de mamãe, suas cadeiras, cama, roupas, guardados, nada servem, doados serão úteis a outros que necessitam. Não é necessário guardar nada para lembrarmos dela, mamãe sempre estará viva em nós, em nossos corações.
— Posso fazer isso amanhã mesmo, disse Carla, tia Rosa me ajudará. Mamãe agora não será mais inválida, não necessitará mais da cadeira de rodas. Entristecia em vê-la sentada nela, passou anos e por minha causa, sei que ela não gostava de que se falasse neste assunto, mas foi para salvar-me que sofreu o acidente. E, se as cadeiras foram úteis a ela nestes anos, será agora a outros. Quero lembrar de mamãe sadia, não doente.
— Isto mesmo, filha - falou Paulo -, lembraremos de Ofélia como o Anjo Bom, e anjos não morrem.
— Com Ofélia morta - disse Zélia -, acho que Rosa e eu deveremos pensar em mudarmos, arranjar emprego...
— Quê! Tia Zélia?! - exclamou indignada Carla -, abandonar-nos agora que necessitamos das senhoras?!
— Não permitirei - disse Caio, lembrando da promessa que fizera à mãe. Não pensem em ir embora daqui. Cuidem de nós e permita-nos que cuidemos das senhoras.
— Por favor - disse Paulo -, fiquem conosco, era isso o que Ofélia queria e é o que queremos. Ajude-nos a passar estes momentos difíceis, fiquem e cuidem da casa, de nós, de Carla, tão mocinha ainda.
— Nunca vou me esquecer de mamãe - disse Sérgio indo sentar perto de Rosa que o aconchegou nos seus braços.
Zélia sentiu-se aliviada, pensando mais na irmã que em si, olhou para Rosa que concordou em ficar com a cabeça, falou:
— Ficaremos, mas com a condição de, se formos importunas, que nos avisem.
— Papai - disse Caio -, se não importar, vou viajar.
— Vá, filho, descanse e distraia. Você tem razão, devemos continuar a viver e tudo deve retornar ao normal. Sérgio quero você na fábrica amanhã, precisa conferir as mercadorias que chegaram. Carla, aos estudos, não quero notas baixas.
Voltei a Antônia:
— Despeço-me, minha amiga, devo partir.
— Obrigado, Antônio Carlos, sem sua ajuda não teria conseguido separar meus filhos. Ajudou-me com sabedoria, deu-me preciosas lições de como auxiliar.
— Só ao Pai devemos nossos agradecimentos. Encho-me de alegria por deixar todos bem. Nem sempre tenho este prazer.
— Vou ficar mais um tempo aqui. Com a permissão de meus superiores, venho trabalhar no Centro que Caio freqüenta, tenho também permissão de vê-los com freqüência. Não se esqueça de nós, Antônio Carlos, venha nos visitar quando puder. Até logo, meu amigo.
— Até logo, Antônia.
GRATIDÃO
Dois anos se passaram...
Levado novamente por um trabalho entre encarnados, estava na cidade onde Caio residia com a família. Sabia por amigos comuns que Antônia estava com seus familiares, cumprindo o que prometera, fui visitá-los.
A antiga casa de Ofélia não modificara, cheguei ao jardim, não vi ninguém, tudo estava silencioso, ansioso por rever minha amiga, chamei-a mentalmente. Como não obtive resposta, ia voltando quando ouvi:
— Antônio Carlos!
Antônia veio ao meu encontro sorrindo e, ao seu lado, estava Ofélia, sadia e bonita, vinham da rua.
— Antônio Carlos, que prazerosa visita! - disse Antônia e virando-se para Ofélia, continuou: Este é o amigo de que lhe falo, com sua ajuda, evitamos que Caio e Cidinha se casassem.
— Prazer em conhecê-lo. Como vai? - estendeu Ofélia a mão a mim.
Convidaram-me a entrar, a sala não modificara, só não estava mais ali à cadeira-de-rodas.
— Sem ela, a sala fica mais bonita - disse Ofélia sorrindo.
Barulho, os encarnados chegavam. Reconheci-os, era Carla, mais adulta, e muito bonita, e Rosa que me pareceu mais jovem, feliz e trazia um nenê nos braços, passaram pela sala e foram colocar a criancinha no quarto.
— Tudo indica que modificações aconteceram por aqui, disse.
— Antônio Carlos, você deve estar querendo saber o que aconteceu aqui, nestes meses, não é? - disse Antônia que não esperou pela minha resposta e continuou:
— Após você ter partido, Caio viajou, três meses depois voltou, estudou muito. Passou no vestibular, cursa Medicina com muito gosto, está contente, continua sendo uma pessoa encantadora, é nosso orgulho. Nem recorda mais a triste história do seu nascimento, gosta de Cidinha como irmã, não namora ninguém nem pensa em se casar ou namorar; no momento, sua preocupação são seus estudos.
— Sérgio demonstra ser bom administrador e trabalhador, é o braço direito do pai, é justo, leal, é estimado pelos empregados. Consolou Cidinha quando ela e Caio romperam, tomaram-se amigos e acabaram apaixonados, formam um casal de perfeito entrosamento, casarão no ano vindouro para a alegria das famílias.
— O nenê? - indaguei curioso.
— Paulo, ao ficar viúvo, passou a ser muito cobiçado, principalmente por sua secretária, uma moça que, segundo Carla, era chata e ambiciosa. Os jovens ficaram preocupados, temendo que o pai viesse a casar com uma pessoa inadequada. Carla, inteligente e feminina, descobriu que Rosa amava seu pai, reuniu os irmãos e combinaram unir os dois. Entusiasmados com a idéia, fizeram tudo para que ficassem a sós, que saíssem juntos, pediram à tia para que casasse com o pai, e ao pai para casar-se com Rosa. Deu certo, acabaram acertando e casaram para alegria dos jovens que amavam Rosa como mãe. O nenê é filho de Paulo e Rosa.
— Chama-se Ana Ofélia - completou Ofélia sorridente -, aqui estamos em visita, trabalho com Antônia, no Centro Espírita que conheceu, onde Caio vai. Antônia e eu somos grandes amigas e sempre que temos permissão aqui estamos. Hoje, Rosa e Carla levaram Ana Ofélia ao médico, está um pouco resfriada e acompanhamo-las. Estou muito bem, sou feliz, venci o egoísmo, meus vícios, nos anos em que passei inválida. Não quero mais me interpor entre Rosa e Paulo, eles se amam e quero vê-los bem e felizes. Sou grata a Rosa, é mãe para meus filhos, ela os ama e eles a ela, estão bem e unidos.
Conversas alegres anunciaram a chegada de Caio, Paulo e Sérgio. Reuniram-se na sala e o assunto era Ana Ofélia. Foi quando ela chorou e os jovens saíram correndo para o quarto e foi Sérgio quem voltou com ela nos braços.
A pequenina era linda, contava três meses, rosada, com expressão delicada, sorria para todos, encantando-os.
— Par!
— Ímpar!
Eram Caio e Carla a tirar a sorte para ser o próximo a pegá-la.
Rosa e Paulo, de mãos dadas, olhavam-nos sorrindo, estavam felizes.
— E Zélia? - quis saber.
— Zélia voltou a nós, há seis meses, veio tranqüila deixando Rosa bem. Acha-se recuperando ao lado do esposo - esclareceu- me Ofélia e completou: Antônio Carlos, hoje é o dia em que fazem o Evangelho no Lar, convido-o, fique conosco e nos dará imensa alegria, será logo após o jantar.
— Ficarei – disse -, não podendo recusar tão delicado convite.
— Caio - continuou Ofélia orgulhosa -, continua firme nos estudos espíritas e aos poucos foi levando a todos. Carla, Sérgio e Cidinha freqüentam o grupo de jovens, Paulo e Rosa juntamente com Marcelo e Helena vão a palestras e nos dias de passes. A Doutrina Espírita encanta e esclarece a todos.
Após o jantar, retomaram a sala, Carla estava toda feliz com a irmãzinha no colo, sentaram-se em círculo. Caio pegou o Evangelho Segundo o Espiritismo. Antônia, Ofélia e eu ficamos em pé ao lado deles. Caio abriu o Evangelho no lugar marcado, estava lendo o esclarecedor livro, desde o começo. A página aberta foi à parte final do capítulo XIII. Leu sobre os órfãos e as perguntas e respostas sobre ingratidão. Acabando o capítulo, fechou o Evangelho e comentou com voz agradável.
— Jesus disse que não veio negar o que Moisés havia dito, mas, para completar, o que Moisés ensinara: “olho por olho, dente por dente”. O Mestre Jesus ensinou: “sirva, ame, se alguém lhe bater na face esquerda, dê também à direita, se alguém exigir que caminhe com ele mil passos, ande mil e mais dois mil”. Não estamos aqui na Terra encarnados só para pedir, rogar favores estamos para fazer, crescer, servir e ser gratos. O homem esquece mais facilmente o Bem que recebe e lembra-se mais do que o aflige. Devemo-nos acostumar a fazer o contrário. Recordar o Bem que recebemos os favores obtidos e esquecer o Bem que fazemos os favores que prestamos. Para a maioria, Deus é necessariamente bom, amoroso, fraterno, Pai, mas, uma entidade que está à disposição para quando precisar, aí implorar graças a Ele e receber. Não necessitando, Ele afasta-se e fica à espera de quando precisarem. Uma entidade a serviço e se este serviço não vem, revoltam-se. Exigem, querem receber, sem, entretanto lembrar que já recebem muito. E, por este muito que recebemos, de vemos ser gratos, profundamente gratos.
Lembro-me agora de uma das inúmeras curas que Jesus fez a dos dez leprosos. Jesus encontrou-os pelo caminho, atendendo seus rogos, mandou-os que se apresentassem às autoridades, pelo caminho foram limpos, sararam. Assim, tantos continuam, encontram Jesus em templos, nas orações, em Centros Espíritas, rogam socorro, são aliviados e poucos são gratos. Pelo Evangelho sabemos que só um teve gratidão para com seu benfeitor, um só ex-leproso voltou para agradecer, e de Jesus escutou: “Tua fé te salvou”. Este foi realmente curado, seu Espírito tornou-se são. A gratidão é um dos primeiros passos que damos ao aprender a Amar, gratidão, sentimento tão belo, pouco sentido e praticado. Devemos ser reconhecidos e ter pelos nossos benfeitores um carinho especial.
Devemos ser reconhecidos, mas não exigir gratidão de ninguém, nem a forma educada do “Muito obrigado”, não devemos cobrar dos nossos beneficiados.
A Deus tudo devemos: antes de pedir, devemos agradecer sermos filhos agradecidos, por termos a Ele como Pai Amoroso.
Aproveitemos que estamos aqui reunidos para agradecermos ao Pai pela oportunidade de estarmos encarnados, de termos uma família, amigos, de estudarmos, de amar e ser amados.
Também, devemos ser gratos a todos, a tudo o que nos cerca, aos nossos pais por ter-nos aceitado como filhos, por nos ter dado tanto carinho e amor. Aos nossos irmãos, por amá-los e tê-los como amigos. Agradecemos à nossa querida Ana Ofélia, Espírito que quis vir a nós, enchendo nosso lar de alegrias. A tia Rosa que nos adotou pelo coração e tanto carinho nos tem dado.
Vamos agradecer também aos desencarnados, os bons Espíritos que nos têm ajudado, aconselhado e orientado. Nem sempre ficamos sabendo o muito que nos fazem, mas os sentimos sempre dando-nos coragem e força.
Nossa gratidão maior deve ser por termos conhecido o Espiritismo, pela compreensão que dele recebemos, pelo entendimento da vida pela qual passamos de necessitados a aprendizes de servos de Jesus.
Agradecemos por estar aqui reunidos, unidos pelo carinho, por orar.
Não esquecemos de nossa mamãe Ofélia, da gratidão que sentimos por ela, esta pessoa maravilhosa que esteve em nosso convívio, ensinando-nos com seu imenso carinho e amor. Onde esteja, mamãe receba nosso abraço amoroso!
A todos os que trabalham, constroem, ajudam, ensinam em Seu Nome Senhor, nosso obrigado!
Vamos, agora, pensar na Natureza, no fogo, na água, terra, matas, no ar, no vento. Vamos nos limpar, com o pensamento vamos jogar fora os fluidos, as energias negativas.
Agora pensamos novamente na Natureza, na Luz, em Jesus. Neste Espírito maravilhoso, no nosso Irmão Maior a nos abençoar.
Caio fez uma pausa, os encarnados ali presentes estavam unidos, comungando as mesmas idéias.
Todos os fluidos negativos foram expulsos e energias salutares foram administradas, enchendo a casa, seus corpos e Espíritos de fluidos maravilhosos que a oração, os estudos do Evangelho nos trazem, beneficiando tanto.
Oraram juntos em voz alta o Pai-Nosso. O culto do Evangelho no lar terminara. Conversaram alegres.
Lágrimas escorriam nos rostos das minhas emocionadas amigas. Não ousei falar, despedi-me com um simples aceno de mão e parti com a imagem na mente de um lar cristão, feliz e de Antônia e Ofélia a me acenarem, sorrindo.
Envolvido pela beleza do firmamento, cheguei à Colônia:
— “Graças, graças lhe rendo ó Criador do Universo, por nos criar pequenos e por nos ter dado a Terra como lar e escola abençoada.”
Vera Lúcia Marinzeck
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