Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites
FILHO DO FOGO
Volume II
Segunda Parte
Já o Sabbath é um pouco diferente porque é uma Homenagem Mundial a Lucifér, uma homenagem única que nenhuma outra Entidade recebe da mesma maneira. A data naturalmente foi escolhida levando-se em consideração os mais primorosos cálculos cabalísticos, e já existe desde antes da Era Cristã. Embora eu ainda não tivesse participado, sabia que esta é uma ocasião em que Lucifér aparece pessoalmente. Em todas as Festas Sabbath. São cinco, uma em cada continente, como acontece com todas as demais Celebrações.
São reunidas verdadeiras multidões que viajam de todos os lugares do continente. O horário da Celebração varia um pouco de região para região de forma que nosso pai pode apresentar-se subseqüentemente em cada uma delas. Ele se manifesta de dentro do fogo, materializa-se e escolhe normalmente uma das suas filhas para unir-se sexualmente a ele. É uma grande honra ser escolhida para esse fim!
O Sabbath em si destina-se à Celebração do prazer e liberdades totais. Há muito vinho, muita carne, muitas drogas, muita orgia sexual. E a aparição de Lucifér é a grande coroação da noite! São feitos muitos sacrifícios nesta ocasião, e até atos de canibalismo são praticados; bebe-se muito sangue das vítimas misturado na poção.
A presença e concentração dos demônios é impressionante, todos os que podem retiram-se para o local do Sabbath para a grande confraternização.
Aqueles que estão participando do Sabbath pela primeira vez têm a honra de "Dançar na Fogueira com Lucifér"!!! Existe um momento onde todos os participantes, nus, ficam de costas para a fogueira e, de mãos dadas, dançam loucamente. Os novatos entram dentro do fogo e ali eles fazem uma outra ciranda, em sentido contrário, junto com Lucifér. Eu já não achava que entrar dentro do fogo era algo tão impossível assim. Desde que eu próprio tinha sido conduzido através da Pira, no meu Rito de abertura de Portais, sabia que era algo plausível. E isso representava a nossa harmonia com o mundo das Trevas.
Em se tratando da minha Consagração, no Rito de Tenet, o Príncipe homenageado era Astaroth. Mas ao Norte, no local das Bases-Mães, a Celebração seria a Leviathan na Festa Sátor. Aquele por quem eu já tinha sido escolhido e a cuja hierarquia eu devia os meus Poderes. Portanto subtendia-se que minha Consagração estava sendo feita a ele.
Eu havia me preparado devidamente para a Consagração nove dias antes. A dieta favorece um perfeito fluxo energético e é basicamente de ervas, raízes, peixes, chás. Mas era tudo gostoso, tudo me era fornecido por Marlon ou Zórdico e não havia maiores problemas com aqueles poucos dias de abstinência de alguns alimentos. Nunca era pedido jejum absoluto de coisa alguma. Nenhum filho do Fogo se priva de nada.
Aquela era uma data muito importante porque estávamos no mês nove e a soma dos dígitos do número vinte e três dava cinco. Tanto o nove quanto o cinco são bastante expressivos dentro da Numerologia cabalística. Eu estava contente por já ter sido selecionado. Do meu Grupo não havia mais ninguém a subir ao patamar de Feiticeiro uma vez que Thalya ainda não fora chamada para abrir todos os seus Portais. Os participantes daquele momento especial viriam de outros Grupos, e até de outros Núcleos que eu não conhecia. Inclusive dos países vizinhos, Argentina, Paraguai, Venezuela, Colômbia, Peru, etc...
Nós viajamos um dia antes para uma cidade não muito distante de São Paulo. O Rito aconteceria numa Fazenda. Rúbia e Marlon revezaram-se na direção, eu e Thalya fomos atrás. Eu dormi no colo dela e Thalya capotou com a cabeça apoiada na almofada contra a janela lateral. Para variar, "apagamos" durante todo o percurso. Era impressionante como eu sentia sono! Só vim a acordar novamente quando já estávamos fora da Rodovia principal, sacolejando numa estradinha de terra.
O resto do meu Grupo de Conselho viria no dia seguinte, mais próximo da hora da Celebração: Zórdico, Ariel, Aziz, o Egípcio, Kzara, Górion, bem como a maior parte dos membros da Irmandade que freqüentavam o meu Núcleo.
Logo chegamos à Fazenda, simplesmente i-men-sa!!!! Coisa semelhante a um enorme latifúndio de verdade. Era final de tarde, quase noite, e eu desci do carro ainda meio sonado.
A casa era em estilo bem rústico, extremamente aconchegante, ampla, cheia de redes, almofadas, móveis de madeira, enfeites de palha. Tudo bonitinho, com cortinas de coraçãozinho. Um cheirinho gostoso inundava tudo. Nada que eu pudesse identificar como um símbolo da Irmandade, ou algo subliminar, nada mesmo. Até me espantei! Uma casa tão comum.......
Da varanda dava pra ver uma parte das plantações, o forte deles naquela região. Não tinha gado de corte e nem de leite, nenhuma espécie de criação, somente plantações a perder de vista, subindo pelos morros ao redor da fazenda. Dali também podia-se contemplar a colina atrás da qual ficava o Vale aonde aconteceria o Ritual. Aquele Vale era um lugar privilegiado, uma extensão muito grande de terra plana ladeada por morros de bom tamanho. Ficava isolado de tudo, no coração da fazenda. Os Guias tinham feito uma boa escolha para aquele ano. Sempre partia deles a orientação neste sentido.
Eu observava toda aquela decoração agradável ao mesmo tempo em que ia sendo apresentado aos donos da casa: um casal relativamente jovem e seu filho. Eu estava com fome e louco para que nos servissem algo. Fomos muito bem recebidos como sempre e levados cada um a seu próprio quarto de hóspedes. Deixaram-nos tomar um banho e nos refazermos da viagem. Depois disso nos chamaram para um lanche com coisas que eu podia comer. Conversamos bastante sobre assuntos informais e depois fomos nos deitar.
Eu dormi muito rápido. (Dava um sono ficar naquele lugar!). Nem tive pique de conversar com Thalya. E acordei bem tarde no dia seguinte, lá pelas onze da manhã, super disposto.
Na sala dei de cara com Thalya que não parecia de pé há muito tempo. Resolvemos sair para caminhar um pouco antes do almoço.
— Fiquei sabendo que aqui tem cavalo! Você não quer andar a cavalo? — Perguntou ela.
— Não, não, não! Vai que eu caio desse cavalo! Era só o que faltava. Prefiro esticar um pouco as pernas. Vamos a pé mesmo! Que tal a gente ir dar uma olhada no Vale onde vai haver a Festa?!
— Vamos! Eles já estão preparando tudo!
— Não tem muito o que preparar nesse caso, né? Só o Pentagrama e a Fogueira!
— Só! Como se fosse "só"!
— Você entendeu o que eu quis dizer! Vamos indo, então!
Fomos caminhando devagar, aproveitando o dia ensolarado e quente.
— Pôxa vida, quem diria, heim? — Comentou Thalya com ar sonhador. — Você já está chegando a Feiticeiro!... Vai ter muito mais Poder agora!
— É verdade... mas por que será que não te chamaram? Parece uma coisa estranha, não é? Se nós somos almas-gêmeas por que será que não te dirigiram do mesmo jeito?
— Sei lá! Mas realmente... a gente deveria estar sendo Consagrado junto! Especulamos um pouco a respeito, mas logo fomos interrompidos. Rúbia vinha correndo ao nosso encontro!
— Oi, e aí, vocês dois!? Estão indo lá dar uma xeretada?!! — Estamos!
Rúbia estava com calças jeans e camiseta, bem à vontade. Ela se pôs ao nosso lado e como que adivinhando a nossa conversa, comentou:
— Olha, vou dizer uma coisa pra vocês! Hoje o Rillian está assumindo uma nova posição, recebendo a unção de Feiticeiro. Para a Tassa não chegou o tempo ainda. Mas vocês não precisam estar necessariamente no mesmo nível para serem fortes e cumprirem todos os desígnios do pai! Os dedos da mão são diferentes, não é assim? Mas quando eles se juntam, tornam-se fortes, formam um punho fechado que multiplica a força individual de todos eles. Nós somos assim também, somos todos diferentes uns dos outros, com diferentes patentes e funções. Mas se estivermos juntos seremos como uma mão fechada. Como um punho! Então.... — E deu uma risada gostosa, convidativa. — não se preocupem com isso!
Rúbia era extrovertida e alegre. Ria muito, estava sempre animada, brincava com tudo. Às vezes era difícil saber se ela estava falando sério ou se estava brincando.
— Olha... — Disse ela a certa altura do caminho, em tom grave. — Cuidado ali com aquelas árvores, viu? Vocês não podem chegar muito perto!
— É? — Perguntamos eu e Thalya com ar curioso. — Mas por quê, Rúbia?
— Porque ali tem um porco-espinho das Trevas, imenso, que adora devorar jovens preocupados como vocês!
— Êh! Você está sempre arrumando um jeito de tirar um baratinho com a cara de todo mundo, né?! — E demos risada.
Rúbia abriu o seu repertório enorme de piadas. Tudo piada de crente, de Pastor, de Jesus. Altas bandalheiras. Fomos ouvindo e rindo o tempo todo até lá em cima. Mas, às vezes, no meio das piadas ela ficava séria e falava direito.
— Olha só essa terra! — Rúbia abaixou e pegou um punhado na mão. — Você veio do pó e vai voltar ao pó. Você acredita nisso? Mas enquanto está aqui, o homem só é pó se viver debaixo das suas limitações. Quando somos capazes de moldar as circunstâncias, deixamos de ser pó! — E viajou um pouco na doutrina.
Escutamos e concordamos. Rúbia gostava de ensinar. Por mais tola que pudesse ser a pergunta ela sempre ouvia. E respondia com seriedade, atenção e toda a paciência do mundo às nossas inquirições. Nunca debochava das nossas dúvidas e, apesar de brincalhona, nessas horas parava e ficava muito atenta. Aproveitamos a companhia dela para perguntar bastante:
— Peraí. Mas me diga uma coisa, Rúbia. — Comecei eu. — Nós estamos fazendo aqui um Pentagrama gigantesco... ao ar livre! E se chover??
— Não vai chover por vários motivos! — Ela respondeu. — Primeiro porque não há previsão de chuva e depois porque, afinal de contas, os Guias também têm influência sobre o tempo, ora!
— Bom... vamos ver isso! Você quer dizer que nunca chove nessas Festas?
— É. Nunca chove.
— Tudo bem. Mas e se passar um avião, um helicóptero qualquer, e vir este Pentagrama no chão? Ele vai ficar iluminado à noite. É arriscado, não é?!!
— Não, não! Os Príncipes dos Ares não permitem que nada passe por aqui. Qualquer aeronave que chegar nas imediações vai ter problemas, vai ter que voltar por onde veio. É impossível que eles cruzem este espaço aéreo durante estes dias! O espaço está Consagrado. Esse solo que você está pisando foi concedido por nosso pai, mas isso não quer dizer que se restrinja apenas ao chão. Todo o espaço acima das nossas cabeças também foi concedido por ele, os Guardiões já foram destacados. Pode esquecer, Rillian. Ninguém que não seja bem vindo pode chegar perto daqui! A limitação em relação a eles não é só na terra, é acima da terra também!
Rúbia falava com muita segurança. Eu ainda não tinha participado de nenhum Rito ao ar livre e vibrava comigo mesmo. "Mas que Poder e que controle tem o nosso pai!"
E ficava o tempo todo olhando pra cima: "Será possível que não vai passar nem um aviãozinho nas imediações?"
Só muito ao longe, no horizonte, distante dali.
Chegamos ao alto da colina.
— Olhem! — Falou Rúbia. — Não é lindo?
O Vale se descortinou, verde e muito belo. O Pentagrama já estava praticamente pronto, enorme, e a estrutura de madeira de pinho que seria incendiada também. No caso do Rito de Tenet a fogueira tinha que ser feita todinha com aquela madeira.
— Uau!
Fazia vista, de fato! Nunca tinha visto um Pentagrama tão tremendamente grande. Apenas uns dez centímetros de altura, mas provavelmente dois quarteirões de diâmetro na sua extensão. Os blocos que o compunham eram pré-montados, feitos com uma pedra avermelhada e natural. E a enorme fogueira de pinho ficava no centro.
Sentamos na grama e ficamos olhando, comentando, antecipando o que aconteceria logo mais à noite. Apesar disso todos nós estávamos um pouco mais introspectivos diante da vista do Pentagrama no Vale lá em baixo.
Observei os pássaros que passavam voando em bando não muito longe de onde estávamos.
— Puxa, como deve ser gostoso voar! Já imaginou se isso pudesse acontecer? — Eu estava divagando um pouco.
— Você diz isso porque ainda não aprimorou bem a técnica de desdobramento. Vai ver como você vai voar muito ainda. É uma sensação ímpar! — Respondeu Rúbia, contemplativa. — É realmente muito bom! Vocês podem voar, sim!
Ficamos quietos de novo aproveitando o vento que despenteava o cabelo Então Rúbia me parabenizou mais claramente, passando os braços sobre os meus ombros:
— Quero te dar os parabéns desde já. Saiba que é um grande privilégio poder conviver com você, Rillian. Você nos honra muito! Saiba que muito em breve você estará ocupando o lugar que Lucifér quer que você ocupe!
Eu agradeci com a cabeça, sem dizer muita coisa. Depois começamos a olhar para o céu e divagar sem maiores compromissos, apenas aproveitando o momento e a companhia uns dos outros.
— Olha lá aquela nuvem! — Exclamou Thalya. — Não parece a forma de um elefante?
— Parece! E aquela ali? — Apontou Rúbia.
— Eu acho que parece um machado! — Respondi.
— Você por acaso não trouxe algum chocolate aí com você? — Perguntou Thalya de novo voltando-se para Rúbia.
— Ah, só lá em casa, Tassa. Saí sem carregar nada! Mas me pede lá que eu te dou!
Rúbia era o tipo de pessoa que adorava doces. Ela sempre estava a fim de um sorvete, um bolo, que nem formiga. E na bolsa dela sempre — sempre — tinha chocolate! Sempre que alguém queria uma coisa doce, nos momentos mais inusitados, era só apelar para ela.
O dia passou muito agradável, ficamos na varanda tomando suco, batendo papo, descansando. Mais tarde começaram a chegar as pessoas. Eu não conseguia acreditar no que meus olhos viam: era muita gente, muita gente mesmo!!!!!
Carros e mais carros iam estacionando lado a lado próximo da casa e aquela romaria de repente não acabava mais! Dezenas de micro ônibus (tipo ônibus de executivos), com ar condicionado e cheios de rococós aportaram também. Os helicópteros vinham um após o outro, não paravam de chegar. Quando veio voando o primeiro olhei meio assustado para o céu. Rúbia falou de imediato, adivinhando os meus pensamentos:
— Nem vem, não! Isso aí são os nossos irmãos chegando. Eles podem, né? Afinal de contas a casa é deles!
Ao todo vieram uns dezessete helicópteros. Alguns ficaram pousados lá mesmo, outros voltaram pelo caminho que vieram. Eu não consegui resistir à curiosidade e corri para ver de perto o pouso deles. Desceram quatro pessoas, dois homens e duas mulheres que vieram parar nos meus braços, num forte abraço. Eu nem os conhecia mas não fazia diferença.
— Oi, tudo bem?!!! Meu nome é Rillian! Sejam bem vindos! — Gritei por cima do barulho ensurdecedor. — Que legal esse helicóptero, tremendo!!! Deve ser o máximo andar num desses!!!
— Entra aí pra ver!
Entrei mesmo, sentei no banco do piloto, estava mais feliz do que criança em parque de diversões. A cada helicóptero que chegava era a mesma história, eu voava antes do que todos para receber os irmãos e xeretar na "aeronave". Alguns deles sabiam o meu nome, embora eu não os conhecesse nem de vista.
— Olá! Você que é o Rillian, não é? — Eles deviam estar lembrados de mim por causa da minha participação recente nos Ritos de abertura de Portais. — Meu nome é Marilis.
Muitos se apresentavam assim, a outros eu me apresentava. Mas a alguns Marlon fazia questão de ele mesmo fazer o papel de anfitrião. Eu corria de um lado para o outro, de abraço em abraço, e de helicóptero em helicóptero. Thalya resolveu me acompanhar, curiosa que estava em entrar também nos helicópteros. Para nós era uma alegria!
Ela gostou de entrar embaixo da hélice, era uma ventania enorme que lhe revirava os cabelos e a punha rindo como louca.
— Olha, aquele ali é maior do que esse! — Gritou Thalya. Era mesmo. Tinha até frigobar.
Mas apesar da nossa correria particular, notamos que a maioria já se dirigia direto para o Vale aonde aconteceria a Festa. Estava entardecendo e logo iniciariam os Cânticos. Exatamente às oito horas da noite.
Realmente aportou ali um verdadeiro exército, uma coisa indescritível, sem dúvida o suficiente para lotar dois estádios de futebol, gente que vinha de toda a América Latina! Por baixo umas sessenta mil pessoas. O que meus olhos viam nem em sonhos eu poderia ter imaginado. Realmente eram muitos os filhos das Trevas!
E enfim chegou a hora de nós também nos prepararmos e nos posicionarmos em nossos lugares porque o Ritual não atrasaria nem um segundo. Haviam deixado pilhas e pilhas de mantos próximas à casa; era um manto diferente, mais parecia uma toalha grossa e negra com um Pentagrama grande desenhado nas costas. Como eu ia participar da Consagração meu lugar era bem mais na frente e eu não poderia ficar com Thalya e nem com ninguém do meu Grupo.
Despimos nossa roupa e deixamos guardada dentro do carro. Uma vez colocado o manto, calçamos as sandálias que foram fornecidas por causa da distância um pouco longa e das pedras do caminho.
O clima era de uma exultação muito grande, uma expectativa contagiante do que viria a seguir naquela noite, risos e cordialidades entre todos. Subi junto com Thalya, Rúbia, Ariel, Naion e Surama. Quando chegamos lá nos separamos, e cada um foi para o local aonde deveria ficar.
Fui informado em qual ponta do Pentagrama deveria posicionar-me. Todos estavam em seus lugares desde as sete e meia. Era um visual impressionante, sem dúvida.....
A fogueira, ainda apagada, erguia-se alta contra o horizonte diante dos nossos olhos. Bem mais distante estava um tonel de bronze absurdamente grande cheio de vinho. Parecia uma enorme caixa d'água suspensa.
As tochas foram acesas em toda a volta do Pentagrama, formando longos corredores. Ao redor, somente a noite. O céu estava coalhado de estrelas e a luminosidade da Lua que começava a minguar parecia sedutora. O cheirinho de mato inebriava o ar. Todos estavam nos seus lugares em silêncio profundo. Eu me sentia seguro ali. Muito seguro. Quase imortal. Quem poderia resistir aos
Filhos das Trevas??? O Vale tinha uma acústica bastante privilegiada de forma que quando se iniciaram os cânticos, às oito horas em ponto, os instrumentos repercutiram alto e claro. Um número enorme de pessoas integrava o conjunto e o coral, era uma verdadeira orquestra bem ali adiante. As músicas, inspiradas pelos Guias, eram específicas para aquela ocasião.
Os atabaques começaram sozinhos numa batida constante e cadenciada, leve. Todos começaram a embalar o corpo ao sabor daquele ritmo, até que entrou o coro de vozes masculinas, potente, vigoroso, semelhante a uma espécie de canto gregoriano. Foi crescendo, crescendo, as vozes femininas foram entrando em harmonias inebriantes até que todos explodiram numa melodia absolutamente indescritível e maravilhosa. Já nem parecia que estávamos na face da Terra!
A música me contagiava. À medida que soava os vasos de incenso iam sendo acesos com tochas. O cheiro era gostoso. A brisa continuava afagando nossos rostos e a Lua vagava devagar pelo céu. Meus olhos ficaram cerrados a maior parte do tempo.
De repente o tempo deixou de existir, as horas passavam em minutos, e os minutos em segundos. E deu onze horas da noite. Aquele período de cânticos e adoração devia chegar ao fim e o Ritual propriamente dito começaria. Os quatro Sumos Sacerdotes se posicionaram cada um na sua ponta correspondente do Pentagrama. A entrada da Suma Sacerdotisa era um momento mágico e especial. As músicas criavam o clima de expectativa, a melodia era doce e bonita. E ao longe, da ponta oposta de onde eu me encontrava vi nada mais nada menos do que a Suma Sacerdotisa Gwyneth entrar.
Ela passou por um túnel de tochas de fogo, as pessoas tinham cruzado as tochas acima da cabeça e à medida que ela caminhava as tochas iam sendo descruzadas. Em perfeita sincronia.
Forcei a vista para ver bem. Gwyneth era muito bela, vinha andando devagar, sem roupa alguma, com um adorno delicado de flores nos cabelos. Todos os olhares estavam convergidos para ela. Até que assumiu sua posição no Pentagrama. Os Sumos Sacerdotes começaram a entoar solitariamente alguns encantamentos. Num coro, apenas os quatro homens cantavam agora, fortemente, até que num estrondo de potência a voz deles modificou-se. Via-se claramente que a canalização tinha acontecido. A presença dos demônios começou a ser incessantemente invocada por eles. E então, pouco antes da meia noite, a fogueira foi acesa. O fogo ergueu-se alto e poderoso, muito grande diante dos nossos olhos. Enquanto durasse a fogueira, o mesmo aconteceria com o Rito. Ele só acabaria quando o fogo se extinguisse.
Os encantamentos continuaram dentro do contexto ritualístico que a Festa exigia, até que foram trazidas as oferendas para Astaroth. Um dos Sumos Sacerdotes gritou em alta voz, numa força incalculável, algo que jamais as cordas vocais humanas isoladas poderiam produzir.
— Astaroth está aqui!!! Está olhando para vocês... e sorrindo!!!
Entraram as cinco mulheres, todas elas de dezessete anos, também adornadas apenas com flores na cabeça. Estavam se oferecendo em sacrifício voluntário à Entidade. Conforme pede o Rito, as cinco moças são sacrificadas pela Suma Sacerdotisa. Gwyneth aproximou-se delas, canalizada, e fez o que devia.
O povo jubila por cada morte. Elas não pareciam realmente sentir dor! Observei atentamente em meio à euforia. Eu havia aprendido que quando o sacrifício é voluntário não ocorre dor. E de fato: não parecia que estivessem sofrendo coisa alguma, e a vida se escoava delas tranqüilamente. Cada uma gritava, por sua vez:
— Em suas mãos entrego a minha alma!
O sangue foi separado para ser vertido no caldeirão de vinho porque todos beberiam dele mais tarde. Era uma forma de participação conjunta no Ritual. Normalmente a Entidade que está saindo aparece durante ou logo após o sacrifício.
Mas neste dia Asmodeo não pôde aparecer para despedir-se, já tinha ido embora. Não é regra que a Entidade que está de saída apareça. Mas a Entidade que está chegando sim, aparece, e vem com muito regozijo.
Uma sombra de repente materializou-se diante de nós, muito mais alto do que a fogueira. Astaroth apareceu, gigantesco, como um homem, com a testa ligeiramente deformada, o queixo proeminente. Usava a coroa já conhecida mas tinha algo como dois chifres que saíam por trás da cabeça. O olhar era sempre muito penetrante, o rosto apresentava como que sulcos profundos, o queixo alongado. Usava uma corrente dourada que caía sobre o peito peludo. Os braceletes de ouro chegavam quase até os cotovelos.
Veio receber as cinco oferendas feitas a ele. Nós sabíamos da sua particular predileção pelas mulheres jovens e seu rosto dizia o quanto as tinha apreciado.
Depois que foram oferecidos os cinco sacrifícios, começou outra etapa do Rito. As oferendas que viriam então seriam oferecidas em prol daqueles que estavam sendo Consagrados naquela noite. O sangue deles seria derramado em troca do Poder.
Observei entrar o segundo grupo de sacrifícios, dezoito pessoas ao todo. Estes não eram voluntários. Vinham amarrados com as mãos às costas e as bocas amordaçadas com estopa. E estavam visivelmente apavorados. Eram todos Cristãos. Havia um homem mais velho, alguns rapazes, algumas moças.
Como pareciam fracos! As pessoas mais fracas são presas muito fáceis. Os métodos são inúmeros. Pastores e líderes seduzidos por mulheres... Cristãos que estejam internados em hospitais.. jovens que são retirados de acampamentos... acidentes com ônibus de crentes... orações no monte...
As pessoas de Poder dentro da Irmandade e que estão infiltradas na imprensa... na polícia...nos hospitais... nas Igrejas....forjam e divulgam as notícias como querem. O que impede que um ônibus cheio de Cristãos caia duma ribanceira e pegue fogo? Alguns corpos nunca são encontrados...
Cristãos que "aparentemente" morreram dentro dos hospitais podem facilmente ser mortos nos Ritos de passagem das Estações e depois serem devolvidos ao local de origem. O que impede estas pessoas de terem que sair para fazer um exame urgente, de ambulância, acompanhados pelos seus "médicos"???
Foram orar no monte, mas aconteceu uma tragédia na volta, um acidente... assaltos...
O líder da mocidade viajou a trabalho com o "Pastor", mas aconteceu um problema, o jovem morreu, o Pastor salvou-se por um "milagre".
O número de pessoas sacrificadas varia de acordo com o grau a que se está sendo Consagrado. Para Feiticeiros, cinco vidas. Para Bruxos, sete vidas, para Sacerdotes, nove. Para Sumos Sacerdotes, doze.
Naquele dia eram dezoito sacrifícios. Dez pessoas seriam usadas para os dois grupos de nove Feiticeiros: cinco para cada grupo. E os oito restantes eram um símbolo que fazia menção à oitava Aliança, a Aliança de Jesus. Queria dizer que nos daria Poder sobre ela.
Os próprios Sumos Sacerdotes oferecem os sacrifícios. Os Consagrados participam de forma indireta, segurando uma longa fita vermelha que fica presa ao punhal. A cada golpe do Sumo Sacerdote estes gesticulam ritualisticamente pronunciando em coro palavras de Consagração. Antes disso é permitido que tanto os Sacerdotes quanto os demônios divirtam-se um pouco com todas as oferendas. A eles, sim, está reservada toda a dor que vem dos atos de crueldade.
Aquilo representava que teríamos, a partir de agora, Poder sobre a Igreja e sobre os Cristãos. Em todas as Festas há sacrifício desses vermes. É um verdadeiro presente às Entidades, sem dúvida, o que eles mais apreciam receber. Primeiro tais pessoas são induzidas ao pecado e à queda, depois são ceifados para as Festas e mortos. Espera-se que, por estarem em pecado e desobediência, irão direto para o Inferno de crueldade e sofrimento. Os pecados preferidos são de adultério e corrupção.
O Sumo Sacerdote alçou voz e apresentou o primeiro sacrifício:
— Este, que não é nem Cristão verdadeiro e nem adorador do diabo... este, que serve a dois senhores... este, que tem mantido por muito tempo a sua prostituição, que não é nem frio, nem quente... a quem Deus vomita de sua boca! — Uma risada tonitruante esgarçou-lhe a boca. — Se Deus o vomitou, que não se fará com ele agora?
O povo entrou em puro delírio! Urros, gritos, vivas, brados e braços ao ar, uma louca alegria. Astaroth observava, os olhos quase engolindo a cena que se descortinava. Eu sabia que aquele era um "mal" necessário. Provavelmente os filhos de Israel também rejubilavam muito cada vez que um povo inteiro era dizimado, ou cada vez que um animal era destruído por causa dos seus pecados. Deus era tão cruel quanto Lucifér. Com a diferença que Lucifér não se arrepende do mal que causa, como Deus, cuja natureza fraca vacila. Quando Lucifér toma uma decisão, ele vai até o fim. E naturalmente que a morte não é um mal em si, porque se Deus é todo Bom, e mata, quer dizer que as ofertas de sacrifício não podem ser consideradas ruins em essência. Apenas necessárias.
Um a um foram sendo apresentados, torturados e mortos.
Depois todas as suas Bíblias foram queimadas na fogueira, uma ação de desprezo, mostrando a todos que aquilo de fato não os tinha ajudado em nada. O sangue deles também foi vertido e colocado no caldeirão, onde se fazia a poção daquela noite.
Chegou a minha vez de ser chamado. Aproximei-me do Sumo Sacerdote, que me estendeu a taça contendo a mistura do caldeirão. Chegava efetivamente o momento da Consagração. Bebi o conteúdo da taça que continha vinho, sangue e ervas. Ele impôs as mãos sobre mim e falou as palavras mágicas. Assim como os demais Consagrados, recebi o Poder naquele momento.
Astaroth vinha com as suas mãos impostas sobre o Sumo Sacerdote, e sorria, tinha um semblante de felicidade. O Sumo Sacerdote impôs as mãos, fez um Pentagrama na minha testa com ungüento da própria taça. A sensação foi muito estranha, um formigamento imediato por todo o corpo assim que engoli a mistura. Uma leve tontura tomou conta de mim e senti que as pernas estavam fracas. Mas durou somente um momento, e logo as forças retornaram.
No final, devidamente apresentados à Comunidade, foi dita a patente que acabávamos de adquirir. Todo o povo se prostrou. Eu era um Feiticeiro.
Cada um de nós recebeu alguns presentes específicos. Eu ganhei um belo anel, um cetro feito de fêmur humano e revestido de ouro, todo trabalhado, uma corrente com um Pentagrama muito mais bonito do que o primeiro, uma pulseira de ouro. Um pequeno livro de encantamentos foi-me dado também, um material impresso numa gráfica particular da Irmandade.
Depois disso as músicas recomeçaram em outro tom. Todos começaram a dançar em volta da fogueira. Algumas Entidades voavam por ali, como morcegos gigantes, davam alguns rasantes e chegavam quase a nos tocar. O fogo tinha um calor ameno apesar da pequena distância que estávamos dele. Eu podia tocá-lo, sentia como se as labaredas me acariciassem as mãos.
E comecei a ver mais pessoas fora da roda. Estavam alegres, mas não tão efusivas quanto nós. Então começaram a dançar conosco, foram adentrando, dando as mãos, eram muitos, pareciam convidados que estavam chegando fora de hora. Mas... fora de hora?!! Não, era só impressão. Nós é que não sabíamos que eles tinham estado ali todo o tempo.
A mulher que me tomou a mão era absolutamente estonteante, uma beleza singular, algo estupidamente diferente. Perfeita. Olhei o rosto dela, sem uma ruga, uma mancha, completamente esculpida. Mas imediatamente eu vi que não era humana... ela era gelada e os olhos tinham uma expressão robótica, vitrificada. Ela sorriu e aproximou o rosto perto do meu, cochichou algo em meu ouvido, uma indecência que me deixou cheio de desejo na hora.
Mas... não sei....... quando ela deslizou a mão sobre o meu corpo, eu a segurei e disse que não queria. Ela respeitou. Olhou-me um pouco sem entender mas foi procurar um parceiro mais estimulado. Eu queria conversar com ela, apenas, perguntar como era o Inferno, coisas assim. Mas ela rapidamente disse-me que naquele dia isso não seria permitido. Eles estavam ali para celebrar, apenas celebrar, nada mais. Ela e os demais Súcubus e Incubus de fato não queriam perder tempo. A ocasião era para outras coisas, e eles incitavam as pessoas a terem relações entre si e com as próprias Entidades.
Pela madrugada adentro correu o Ritual. Depois da minha recusa tentei conversar um pouco com os outros Feiticeiros recém Consagrados, mas não houve como, tal a invasão de demônios belíssimos e loucos para confraternizarem-se conosco. Tinha chegado o momento da Festa em si.
Os demônios inundaram o Vale de forma impressionante, como eu nunca tinha visto. Rúbia surgiu não sei de onde, de repente, sorrindo e cantando. O clima sem dúvida era de muita descontração! Mas também de muita sedução. Ela já vinha bebendo porque o enorme caldeirão de vinho estava à disposição.
Eu sabia que Rúbia desde a minha Iniciação estava esperando por aquele momento. Ela não esperou convite ou abertura, o fato de eu estar ali era o que bastava para ela. Aproximou o rosto de mim e me beijou, depois deslizou a cabeça na direção do meu pescoço, beijou-me ali também, mas simplesmente não sei o que aconteceu! Senti Rúbia me abraçando, coloquei as mãos sobre os cabelos dela mas então não parecia mais a textura do cabelo humano, parecia que eram pelos de animal, eriçados, grossos! A boca dela parece que estava alongada, parecia que tinha pêlos, parecia... parecia... o focinho de um animal!!!
Eu a empurrei um pouco, procurei ver melhor mas as tochas perto de nós já estavam apagadas. Então senti uma agulhada no pescoço aonde ela me beijava, minha cabeça rodopiou e me afastei dela num ato reflexo. Vi algo que saiu correndo de perto de mim, e ela não estava mais ali. Procurei com os olhos ao mesmo tempo em que levava a mão ao pescoço. Tinha muita gente perto de mim, mas nada de Rúbia. E meu pescoço sangrava um pouco embora não doesse muito.
Não dei maior atenção ao fato e fui pegar vinho. Não cruzei com ninguém que fosse do meu círculo de amizades, mas isso não importava. Bebi bastante, e depois resolvi que não estava mesmo a fim de participar da confraternização nos moldes que eu já conhecia. Havia vários mantos caídos pelo chão. Peguei uns três ou quatro deles e me direcionei para a colina, fiz um ninho para mim sobre a grama e me aconcheguei porque ali estava frio, longe do calor do fogo. Fiquei quieto, observando de longe, parecia impossível acreditar que realmente eu estava naquele lugar. Fui bebendo vinho para me esquentar e por fim deitei de costas na grama, coberto pelo manto, e olhei o céu e as estrelas.
Difícil traduzir meus sentimentos, minha alma, meu coração naquele momento. Embora eu estivesse feliz com a Consagração, de repente parecia que eu não fazia parte daquilo tudo. Olhei o manto de estrelas, a Lua, e pensei em como o Universo era grande, em como tudo era belo, e que tudo isso tinha sido criado por Deus.
Deus...
Que espécie de Poder teria Ele, a ponto de criar tudo o que existe? Teria que ser um Poder muito, muito grande...
E por que será que Lucifér reinava apenas no Planeta Terra??? Com toda uma vastidão de mundos existentes no Universo, o domínio dele restringia-se à Terra. Por quê??!!
Aqueles pensamentos não tinham lógica, mas teimavam em me vir à mente. Sacudi a cabeça e botei a culpa no vinho. Mas olhei de novo para o céu...e fui obrigado a admitir que tudo o que estávamos fazendo, fazíamos abaixo daquele céu tão grande e tão belo... que tinha sido criado por... Deus!
Deus, Deus, Deus! Que coisa, lá era hora de pensar em Deus??????
Adormeci no alto da colina, escutando de longe os cânticos. A fogueira estava quase apagada. Quando acordei os primeiros raios de sol brotavam no horizonte. Esfreguei os olhos, virei a cabeça na direção do Vale. A fogueira estava apagada.
— A Luz está vindo. — Refleti, na minha semi-consciência. — E quando a Luz chega... as Trevas têm que se afastar!
Sacudi de novo a cabeça e tratei de recolher as minhas coisas espalhadas pelo chão. Aqueles pensamentos não tinham um pingo de lógica, eram totalmente absurdos!
Mais tarde, perto do horário de irmos embora, Marlon abraçou-me muito forte e carinhosamente, como sempre:
— Parabéns, meu filho! Estou muito orgulhoso de você!
Eu já tinha observado o ferimento que havia em meu pescoço no espelho. Embora realmente não doesse era bastante profundo, como se tivesse sido feito por um objeto longo e perfurante, nada que se assemelhasse à boca humana. Sorri por causa da amizade e cumplicidade de meu amigo, mas estava meio encafifado com o que tinha acontecido.
— Marlon, olha isso aqui no meu pescoço. O que que é isso?!
Ele olhou, puxando de leve a pele para o lado para observar os furos profundos. Não pareceu preocupado.
— E melhor você cobrir isso aí com um curativo. Não se preocupe. Em três dias já não vai ter nada!
Fiquei quieto e não perguntei mais nada. Marlon afastou-se um pouco, um homem parecia ansioso em falar com ele. Vi Zórdico passando e corri atrás:
— Zórdico! O que é isso no meu pescoço? Ele olhou e repetiu o que Marlon dissera.
— Não se preocupe. Em três dias já sumiu! Mas é melhor você cobrir e passar ungüento, não ande com o pescoço exposto!
Ele mesmo me forneceu o ungüento e eu não dei mais atenção. Não doía mesmo! E depois acabei perguntando a quem tinha a melhor explicação: Rúbia, quem mais?
— Pôxa, o que foi que aconteceu, Rúbia? Você me espetou? Ela pareceu ligeiramente penalizada.
— Puxa, Rillian...me desculpe! É que eu não tenho controle sobre isso ainda. Não quis te machucar...tive que sair de perto!
Custei a entender. Na verdade não entendi. Apesar do que eu mesmo já tinha experimentado, minha mente continuava recusando-se em aceitar plenamente a licantropia. Cada vez que eu me deparava com algo que sugerisse o fenômeno eu ficava travado!
— Ela deve ter alguma tara por pescoços, é isso! — Aquilo ajudou minha mente a descansar.
E realmente — incrivelmente — em três dias já tinha sumido completamente o ferimento.
Dessa vez, dentro da Irmandade houve uma mudança muito acentuada. Passei a ser muito mais respeitado e era conhecido por muita gente. Nos próximos Ritos, muitas pessoas que eu nem conhecia chegavam perto de mim, me abraçavam, cumprimentavam, me conheciam pelo nome. Eram muitos os que vinham me pedir ajuda agora, e eu me sentia útil porque os meus Poderes podiam ajudar muita gente. Até então eu tinha recebido bastante. Agora estava começando o tempo em que eu ia poder retribuir.
O Poder que eu tinha dentro da Style era outro aspecto significativo. Arrumei emprego para algumas pessoas, parentes de membros da Irmandade. Eu me sentia muito bem em ajudar.
Mas o que realmente começou a me fascinar naquela época foi o dinheiro. Eu estava muito, muito bem de vida. Ganhava otimamente como Supervisor, tinha o departamento aos meus pés. Mas eu gastava horrores durante o mês, coisa de três a quatro vezes o que eu ganhava. Tinha cartões de crédito dos principais bancos, vários talões de cheque cinco estrelas e gastava sem dó.
O que eu excedia do meu salário, ganhava na Irmandade. Sempre tinha alguém que me dava. Eu não precisava pedir, e nem era preciso que as pessoas me conhecessem para dar o dinheiro. Era muito comum chegarem perto de mim, cumprimentarem e estenderem a grana, no meio da brincadeira:
— Olha, isso aqui o meu Guia mandou dar para você! Para as suas despesas no "final de semana"! — A pessoa até me olhava com ar de troça, porque a quantia dava para eu passar o mês inteiro.
Outras vezes vinha dos meus amigos. Marlon, por exemplo, chegava rindo e me abraçando, colocava o dinheiro no meu bolso:
— Esse seu terno aí já está muito visto. Tó! Compra um novo pra você! E a quantia era absurda, dava para comprar uns dez ternos importados! Ou então, era Zórdico que brincava:
— Peraí! Acho que você emagreceu. Precisa se cuidar melhor. Olha, vai pegar um restaurantezinho nesse sábado! Eu estou pagando, heim?! — E me dava o suficiente para vários banquetes.
Então eu não tinha medo de gastar. Sabia que na hora certa o dinheiro vinha, em abundância. Minha conta bancária nunca ia estourar. Todas as pessoas dentro da Irmandade tinham um poder aquisitivo altíssimo. Marlon era podre de rico, Zórdico, então, sem comentários. Todos eles! E, agora, eu também. No futuro, teria mais ainda, eu sabia.
Por hora... era só aproveitar!
Roupas importadas e ternos finíssimos de corte italiano eram o meu fraco; só usava vestimenta de griffe que comprava sempre em lojas suntuosas, e de monte. Tinha me acostumado completamente ao estilo social. Aliás, nunca ficava somente em uma ou duas peças, pelo contrário. Não deixava jamais de ter tudo quanto me agradasse, em grande quantidade. Gastava verdadeiras fábulas. Ternos, sapatos, camisas, gravatas, tudo do bom e do melhor. Às vezes mandava fazer sob medida. Cabeleireiro, só os de renome. Tinha aprendido a cuidar de mim mesmo.
Outra fonte de gasto abusivo eram os restaurantes. Raramente eu comia na Style, estava enjoado do refeitório de lá, então almoçava fora. Porque ali perto estava mesmo coalhado de restaurantes ótimos. Depois do expediente, não raro voltava para os mesmos restaurantes com meus amigos e gastava mais com aperitivos e petiscos.
Às vezes gastava saindo com Thalya; outras vezes gastava com Camila, porque afinal ela ainda existia. Mas com ela eu gastava mais em presentes e em viagens. Camila realmente não tinha noção, ela nunca parava para se perguntar de onde vinha tanto dinheiro. O importante era gastar. Sempre foi.
Normalmente eu chegava em sua casa e encontrava Camila deprimida por algum motivo tolo. Por exemplo, como no dia em que o pai dela trouxe os costumeiros pãezinhos da padaria. Como estavam quentinhos, Camila devorou um antes da hora. Mais tarde, à mesa do lanche, o pai avisou:
— Você já comeu o seu pãozinho, pois agora você vai ficar sem! — Afinal, o normal era ter somente um para cada um!
Eu cheguei logo depois e Camila estava muito emburrada por causa do pãozinho.
— Vamos, vamos sair, Camila! Esquece esse pãozinho e vamos fazer alguma coisa melhor!
Normalmente alguma coisa melhor era pegar um táxi, ir para algum Shopping aonde ela se abarrotava de pacotes e ficava com o rabinho balançando de felicidade. Era difícil até carregar tantas coisas. E então, para completar, eu lhe dava comida até que não sobrasse mais nenhum espaço livre no estômago. Aí era só pegar um táxi e voltar para casa. Decerto que Camila estava muito feliz comigo e com a situação, era uma verdadeira luva. Vivia ultra dócil e satisfeitíssima porque os tempos de vacas magras tinham acabado.
Agora ela podia enjoar à vontade das roupas caras que comprava. Não raro ela usava duas ou três vezes a mesma peça e já se cansava. Aí dava para alguém. E comprava tudo de novo!
Às vezes sobrava tempo para irmos a um "lugar mais tranqüilo". Eu tinha curiosidade em experimentar os grandes hotéis de São Paulo, o que fiz bastante. Passava o final de semana com Camila e desfrutava de tudo o que o Hotel tinha para oferecer. Comíamos, aproveitávamos o teatro interno, as sessões de cinema, as danceterias, etc... etc... etc...
É claro que era necessário dar uns balões na mãe dela. Então dizíamos que Camila ia dormir em minha casa. Minha mãe concordava em despistar a dela, e como Camila não estivesse nem aí para isso, eu muito menos. Adorava fazer aqueles Cristãozinhos de otários!
Fazíamos também pequenas viagens aos finais de semana sempre que dava vontade, no mesmo esquema. Se a mãe dela ligasse era só dizer que tínhamos saído, que não estávamos em casa. Nunca aconteceu de ninguém desconfiar de nada. Com a eterna compulsão por compras, às vezes Camila inventava que não queria comprar em São Paulo, e então nós íamos, por exemplo, fazer compras no sul. Como roupas de inverno direto em Gramado. Ou então, que tal dar um pulo em Campos do Jordão só para comprar chocolates? Ou quando tudo isso já tinha cansado, inventávamos alguma outra loucura bem onerosa. Só para ver como é que era.
Volta e meia eu costumava alugar um flat muito bom que ficava logo atrás da Style. Alugava por uma semana, geralmente quando tinha muito serviço e isto me obrigava a ficar até tarde no trabalho. Eu almoçava e ia descansar um pouco, tomar um banho, relaxava antes de retomar o expediente. E tinha gás para ficar até tarde no departamento. Outras vezes alugava o flat para ir com Camila, para ter um lugar de sossego só para gente descansar um pouco de tanto inventar moda.
Muitas vezes Thalya também aproveitou o flat. Ela costumava passar na Style no horário de almoço, comia comigo e depois pedia a chave do apartamento emprestada.
— Vou lá pegar uma piscina e fazer uma sauna!
Thalya realmente não trabalhava mais, estava muito bem com o dinheiro que recebia do pai. E que, por sinal, continuava tentando restabelecer a saúde, longe de São Paulo. Às vezes o tentando restabelecer a saúde, longe de São Paulo. Às vezes o dinheiro também vinha da Irmandade. Ela gastava muito em compras, cosméticos, roupas, mas o que ela mais gostava mesmo era de ir para a Disney. Volta e meia Thalya voava para lá! Pelo menos umas duas vezes por ano, e nunca ficava menos de vinte dias. Vivia me convidando para ir junto, mas realmente não dava. Como é que eu podia me ausentar tanto tempo da Style? Agora que eu estava feliz da vida com o meu emprego não ia ficar saindo para viajar aos Estados Unidos. Marlon me incentivou em minha decisão:
— Vai ter muito tempo para você viajar. Por hora você está certo! É preciso que você esteja preparado para tudo o que o final do Terceiro Ciclo vai requerer.
Uma vez Thalya voltou completamente extasiada com a visita que tinha feito ao Templo Satânico em São Francisco, na Base Mãe, junto com algumas moças da Irmandade
— É uma coisa linda aquele Templo! Não teria palavras para descrevê-lo! É fantástico, você precisa conhecer! Super luxuoso, e imenso, dá umas dez vezes a Catedral da Sé, se não mais! E as pessoas me trataram muito bem! Falaram em português comigo para eu não me sentir mal! Você tem que ir comigo, Edu!
Mas eu sabia que não era o tempo disso, nem tinha muita vontade, pra ser sincero. Tinha, sim, muita vontade de saber o que viria no fim do Terceiro Ciclo e porque falavam tanto disso comigo. Agora eu poderia ficar sabendo, agora que era Feiticeiro!
Realmente não demorou muito!
Na sexta seguinte o Rito do qual Marlon faria parte aconteceu em casa de Zórdico. Já sabíamos que se tratavam de pessoas escolhidas para o futuro Governo do Brasil. Mas em especial os Consagrados daquela noite tinham a ver também com o Estado de São Paulo.
E apesar de ser algo que englobava a nossa cidade, nosso estado e nosso País nem todos os membros da Irmandade estavam convidados a participar daquilo. Deveria haver apenas umas três mil pessoas naquele dia. Comecei a perceber que conforme a área envolvida, conforme a missão escolhida, conforme o patamar alcançado... a coisa ficava mais ou menos "elitizada".
O Rito foi transcorrendo normalmente. Eu sabia que Marlon estava lá em cima, no altar, mas não sabia quem era ele. Porque todos os participantes estavam com o capuz cobrindo completamente o rosto neste dia. Era um Rito de Consagração para Governo, mas também de mudança de patente. Todos estavam sendo consagrados Sacerdotes.
O Rito não foi muito diferente do que eu já estava acostumado. Cânticos, encantamentos, mantras, muita reverência devido à solenidade do ato que envolvia a Consagração daquelas pessoas.
No centro do Pentagrama, muito grande, havia um mapa do estado de São Paulo em relevo. Cinco Sumos Sacerdotes ocupavam as cinco pontas do Pentagrama. Reparei que Gwyneth estava também entre eles. Atrás ficou postado o grupo dos escolhidos para fins estratégicos. Cada um deles caminhou sobre o Pentagrama e sobre o mapa do Estado simbolizando que os seus pés estavam — e estariam também futuramente — sobre as cidades-chaves. O próprio Leviathan e sua hierarquia lhes dariam toda a capacitação.
O sacrifício foi simbólico. O perfil populacional brasileiro é muito miscigenado, então houve ali uma tentativa de representação dos diversos povos que povoam São Paulo. Cada um dos participantes ofereceu um pouco do seu próprio sangue, como brasileiros que eram, e ele foi colocado no caldeirão.
E houve apenas uma vítima. Ele foi escolhido com base nos cálculos do que seria a porção mais expressiva dos moradores de São Paulo no final do Terceiro Ciclo. A morte dele simbolizava o domínio que se faria completo sobre a mais expressiva fatia da população naquele momento tão aguardado. Os cálculos mostraram o representante: o ponto médio da curva populacional estimada para 1998 (a fatia mais numerosa) apontava para um jovem que deveria estar completando 27 anos no mesmo período.
Portanto foi recrutado e sacrificado um adolescente de idade compatível. Isto é, em 1998 ele teria completado os esperados 27 anos.
A morte dele representou a entrega e a morte de toda a cidade, a destruição de toda aquela geração. Todas as pessoas próximas àquela faixa etária estariam debaixo de um jugo especial e seriam acessadas com maior legalidade após aquela Consagração da cidade. Seriam pessoas muito facilmente manipuláveis. Estariam debaixo dos pés das forças satânicas que operariam na cidade com força crescente através dos líderes que estavam sendo ungidos.
Depois do sacrifício Leviathan apareceu pessoalmente vestido com toda a pompa que requeria o momento. Tocou cada um dos recém-consagrados Sacerdotes e falou individualmente a cada um com palavras de incentivo, aprovação e encorajamento. No final do Rito foi baixada uma cortina que separou o altar de nós. Foi o momento em que eles rodaram entre eles o cálice de Consagração e descobriram — provavelmente — os seus rostos. Nós não pudemos presenciar esta parte íntima e nem saber quem eram os escolhidos. Pelo menos naquele primeiro momento.
E logo depois acabou de vez a Cerimônia.
Quinze dias depois fui chamado para uma reunião ali mesmo em casa de Zórdico. Eu já tinha uma desconfiança de qual seria o meu próprio chamado por causa de coisas que Marlon me falava às vezes, e por causa daquela insistência no final do Terceiro Ciclo. Mas quando Marlon me fez o convite, eu tive a certeza. Já tinha sido escolhido, faltava-me apenas a patente.
Por isso era claro que eu não ficaria apenas como Feiticeiro por muito tempo.
Mas enquanto não vinha o resto queria aproveitar um pouco o meu posto recém-conquistado. E praticamente no segundo final de semana após o Rito eu resolvi faltar nas reuniões de Celebração e levei Camila para um final de semana num Hotel Fazenda em Serra Negra. Era uma coisa totalmente passível de acontecer, afinal os membros da Irmandade também têm vida particular. E eu queria estar fora um pouco, passar um tempo com alguém que não tivesse nada a ver com o Satanismo. Queria espairecer, penso eu.
E realmente comprei o pacote turístico. Fomos de ônibus, com outros passageiros. Eu queria um local tranqüilo, queria de fato descansar e não pensar em nada, queria tirar a cabeça de tudo. As imagens do fogo, do sangue e dos sacrifícios tanto da abertura do meu Nono Portal e da Festa da Primavera, quanto do Rito de Consagração de Marlon ainda estavam muito frescas em minha cabeça. E era difícil metabolizar tudo em tão pouco tempo. Acho que era uma particularidade minha porque Thalya, que tinha entrado comigo, estava perfeitamente adaptada.
Mas eu queria um descanso para mim. Não era alta temporada, o Hotel provavelmente estaria vazio e portanto parecia perfeito.
No meio do caminho nós pegamos uma verdadeira tempestade na serra, um temporal que parecia disposto a afogar o mundo. O motorista estava irritado porque tinha que voltar ainda no mesmo dia e procurava correr o máximo que a estrada e visibilidade permitiam.
Todos estavam apavorados dentro do ônibus, a começar pelo guia turístico que volta e meia gritava para o motorista ir um pouco mais devagar.
Camila não estava nem um pouco à vontade, com olhos assustados, procurando enxergar a estrada pela janela. Já eu me sentia muito à vontade. Eu era filho do Fogo e nada poderia me acontecer. Eu sabia que os demônios não permitiriam que o pior acontecesse com o ônibus porque eu estava ali dentro. Foi uma trajetória muito tensa para todos, menos para mim. Ninguém conseguiu comer o lanche que foi servido, sanduíches com suco. Eu comi o meu, o de Camila, e o de outros passageiros inapetentes.
— Fica tranqüila, Camila! Não vai acontecer nada! — Eu a tranqüilizava ao mesmo tempo em que devorava todos os lanches.
O guia turístico havia dito que uma sopa nos esperava no Hotel. Eu queria estar bem recheado para não ter que depender daquela catástrofe!
Mas aí um sujeito resolveu fumar, de tanto nervoso. Já tinham avisado que isso podia acontecer desde que a pessoa fumasse nos últimos bancos, e com as janelas abertas. Mas quem estava ocupando os últimos bancos eram Camila e eu, justamente em busca do almejado sossego. E o cara sentou bem atrás da minha cadeira, abriu ruidosamente a janela. Eu nem me dei ao trabalho de falar nada, simplesmente lancei um esconjuro nele.
Imediatamente o homem começou a tossir. Não conseguia tragar o cigarro, tossia, tossia, tossia, já estava tendo um troço de tanto tossir. Apagou o cigarro e voltou para o seu banco lá na frente, completamente passado, cheio de mal estar, todos olhando para ele. Continuou tossindo, foi para o banheiro, vomitou. E se manteve naquele mal estar a viagem inteira até que eu tirei o encantamento de sobre ele.
O final de semana foi ótimo. Descanso, sossego, muitos passeios, muitas compras na cidadezinha turística. Camila estava radiante, e eu não pensei em mais nada. Foi de fato muito bom e eu pude voltar bem mais refeito.
Chegou a reunião para a qual eu tinha sido chamado na casa de Zórdico. Realmente muita coisa estava acontecendo em muito pouco tempo naquele ano. Desde março, depois da abertura do primeiro Portal, que não parava de acontecer. Pelo que Marlon me adiantou não seria bem uma reunião, mas uma recepção para algumas pessoas que, como eu, tinham sido chamadas. Os principais Braços da Irmandade também tinham sido convidados. Isto é, os principais líderes dos tentáculos diretamente ligados à Irmandade estariam presentes.
— Trata-se de uma confraternização entre aqueles que estão mais diretamente ligados à futura rede estratégica brasileira, que foram escolhidos para este fim. Você sabe o que digo, tem ouvido bastante sobre isso ultimamente! — E sorriu dando-me um tapinha amistoso nas costas. — Tudo já foi previamente elaborado em São Francisco e alguns representantes norte-americanos estarão na festa para repassar as informações. Gwyneth mesmo estará lá.
— Pôxa, Gwyneth vai ficar morando aqui, pelo visto. Não vai mais embora!
— O previsto é que ela permaneça por seis meses, conforme foi orientado, porque havia muitas arestas importantes a serem lapidadas nesse período. Esta reunião é mais uma delas. Primeiro vamos participar da confraternização e depois, à noite, alguns assistirão a uma palestra específica. Você está convocado também para a palestra, se quiser levar outra roupa, fique à vontade!
Era um sábado à tarde e fazia muito calor. Marlon foi me buscar no lugar de sempre e avisou que Thalya poderia vir junto comigo.
— Por que esta festa hoje, Marlon? É alguma coisa especial? — Perguntei no caminho.
— É, sim! Estamos nos preparando para o findar do Terceiro Ciclo, como você já ouviu falar, e há muito o que fazer!
Aquela história de Terceiro Ciclo pra cá e pra lá já estava até me irritando. Eu vinha ouvindo esta história já não era de agora, e ninguém tinha se dado ao trabalho de me explicar nada. Eu tinha procurado fazer diferente e honrar a sabedoria que me proporcionava o meu novo patamar, mas já era demais. Minha curiosidade chegava às raias do insuportável.
— Bom, mas afinal de contas, Marlon... o que é o Terceiro Ciclo??!
— Calma, calma... tenha paciência! Sei que você já esperou bastante. Mas logo você vai entender o que é isso. Hoje à noite você vai entender o que é o Terceiro Ciclo, quando ele acaba, porque você foi escolhido, porque você é tão especial, porque teve um crescimento tão rápido aqui dentro. E porque Leviathan te escolheu! Vai entender porque você nasceu aqui em São Paulo, no dia que nasceu, nas circunstâncias que nasceu. A sua própria vida vai ficar um pouco mais clara e você vai compreender que nada é por acaso. Sua vida, sua trajetória até aqui... foi planejada! A sua e a de mais alguns outros que você vai também conhecer hoje.
Thalya escutava muito atenta e não resistiu à pergunta: — Eu também faço parte desse Grupo?
Marlon foi claro:
— Você faz parte como apoio! Claro! Um homem não é completo se ele não tiver uma mulher ao seu lado. Você faz parte... ao lado do Eduardo!
Ficamos calados e pensativos. Para todos os efeitos, ele queria dizer que no futuro ela seria minha esposa e juntos teríamos uma família para apresentar à Sociedade.
Quando chegamos fomos direto para a beira da piscina aonde seria a festa. Estava tudo muito bonito, muito bem decorado, e o coquetel começava a ser servido. Havia uma mesa grande central aonde iam sendo colocados os petiscos, e cada um se servia como queria. Pequenas geladeiras tipo frigobar espalhadas por toda a volta da piscina estavam ao nosso dispor.
Xeretei um pouco em tudo. Tinha algumas comidas esquisitas que eu não conhecia e que não me apeteceram. E uma grande quantidade de salgadinhos e docinhos. Fui direto no que me interessava: coca-cola e coxinhas.
Thalya também fez um pratinho e me seguiu, sentamo-nos numa mesinha com guarda-sol e ficamos conversando. Tinha talvez umas trezentas pessoas ali na festa, um número pequeno diante do que estávamos acostumados. Bem familiar mesmo. Nossos amigos passavam pela nossa mesa, cumprimentavam, conversavam, riam. Ariel estava lá, Górion, Rúbia, Aziz, o Egípcio, a risonha Kzara e todos os do meu Grupo.
Zórdico também, naturalmente, como um dos Mestres, Sacerdotes e representantes no Brasil da maior importância. Tudo o que vinha da Base dos Estados Unidos chegava direto nas mãos dele. Taolez também estava presente e pelo que vim a saber, ele era também um dos contatos-chave no Brasil. Alguém extremamente Poderoso e que seria ainda mais no futuro. Marlon seguia os dois de perto, agora como um dos Mestres mais elevados na hierarquia da Escola e também como Sacerdote.
Era um grande privilégio fazer parte de um círculo tão seleto. Percebi que meu Grupo tinha um chamado especial no sentido da estratégia satânica. Ainda que eu não soubesse exatamente qual era a estratégia para a qual estávamos sendo chamados, sabia que a grande maioria não estava presente. Havia muitos e muitos Grupos que não tinham nada a ver com o final do Terceiro Ciclo.
Que seria o Terceiro Ciclo afinal???!! Que curiosidade!!!
Tinha também muita gente que eu não conhecia, para dizer a verdade, a maioria. Marlon fez questão de ir me apresentando a algumas pessoas:
— Acho que vocês ainda não se conhecem, não é, Rillian? — Fez Marlon aproximando-se de minha mesa e trazendo a tiracolo um homem de mais ou menos uns 40 anos. — Guarda bem o nome dele: Fernando Morrit! — Falou o nome verdadeiro e não o pseudônimo. — Você ainda vai ouvir muito esse nome, vai ouvir falar demais do nosso amigo aqui em todos os cantos dessa cidade. Ele vai estar junto com você daqui a alguns anos, na função para a qual você foi escolhido. Aquela que você vai conhecer hoje, mais tarde!
Não sei se Morrit era da própria Irmandade ou se de algum dos Braços, esqueci de perguntar.
— Oi, tudo bem? Então você que é o Rillian? — Ele tinha um jeito meio esquisito mas parecia saber bem quem eu era. Olhou para o meu prato: — Você gosta de coxinha, heim?
Ficou conversando um pouco comigo, de pé ao lado da mesa. Eu também fiquei em pé, mantendo o protocolo das boas maneiras. Thalya apenas acompanhou a conversa, quieta. Foi tudo o mais informal possível. Marlon pediu licença com polidez e logo foi conversar com outra pessoa, como era do seu feitio nessas ocasiões. Pelo que parecia ele tinha muito o que discutir com toda aquela gente que não costumava encontrar com tanta freqüência.
— Daqui a pouco venho te apresentar mais pessoas! — Exclamou ele bem humorado antes de deixar-me com Morrit.
O homem de cabelos ligeiramente grisalhos nas têmporas me olhou com certa curiosidade. E procurou brincar:
— Marlon já falou muito de você, confesso que eu estava curioso para saber quem era o cara! E, pôxa, você é novo! Não pensei que você fosse tão jovem! Que idade tem?
— Em cinco meses, 21 anos!
— É a idade da razão! — Brincou ele. — Mas no final do Terceiro ciclo você vai estar com praticamente 31 anos, o que é uma ótima idade!
— Pois é! — Retruquei recusando-me a admitir minhas limitadas informações quanto àquilo.
Durante a tarde Marlon apresentou-me mais alguns homens, todos mais velhos do que eu e cujo ponto comum era o fato de que seriam pessoas que estariam ocupando posições de destaque no final do Terceiro Ciclo. De todos foi dito o nome verdadeiro. Eles já sabiam quem eu era, através de Marlon, e repetiam sempre a mesma coisa:
— Você é jovem! Estará com o sangue novo no período em que precisaremos de maior empenho e dedicação!
Um deles, um homem magro com bigode escuro e espesso, de semblante forte, sorriu ao dizer:
— É um grande prazer conhecê-lo, meu caro. Nós vamos fazer parte da mesma História!
— Sem dúvida vai ser mesmo um prazer! — Respondi calmamente. As apresentações foram rápidas, apenas um primeiro contato.
— Guarda esse nome! — Não cessava de repetir Marlon. — Todos eles estarão estampados na mídia!
E falavam sem parar no fim do Terceiro Ciclo. Procurei continuar não dando bandeira de que não sabia do que se tratava. Meu crescimento até o grau de Feiticeiro tinha sido tão veloz que não houvera tempo e nem liberação das Entidades para que me fosse dito o que era aquilo. Eu estava louco para que chegasse logo a noite e eu pudesse saber o que me aguardava.
De repente reparei num homem que me chamou a atenção. Eu o tinha visto muito por alto no dia do Rito de Consagração de Marlon. Ele vinha passando em todos os lugares, todas as mesas, devagar, cumprimentando os presentes um a um. Apesar de simpático parecia ter algo esquisito em si mesmo, era mais fechado, mais reservado. Tinha uma postura diferente.
Quando ele passou por nós olhou direto para mim, e perguntou sem rodeios:
— Você sabe quem eu sou?
— Não. Não sei, não!
— Eu sou o pai daquela moça ali, em quem você está de olho!
Eu já tinha visto Gwyneth de longe, muito à vontade, com um top mostrando a barriga, short e tênis. Brincava bastante, conversava com todos, era animada e extrovertida. E falando sempre aquele impressionante português correto. Aliás o português do pai dela também era muito bom!
Thalya se intrometeu, gracejando:
— Pois é isso mesmo, dá logo uma bronca nele! Porque afinal eu estou sentada aqui e ele não pára de olhar pra aquela menina!
Ele deu risada e falou ainda em tom de brincadeira:
— Bom, mas admito: minha filha é bonita mesmo! Você tem bom gosto! Todos demos risada, não havia essa história de "falta de respeito" dentro da Irmandade. Eu faria o que quisesse, Thalya também. E ponto. Mas em se tratando de Gwyneth, eu estava apenas olhando.
Então ele simplesmente recitou as palavras iniciais de um encantamento, parou de repente, olhando para nós. Eu e Thalya completamos a frase em coro, unânimes, mostrando que também sabíamos do que se tratava. Aquilo provocou um ar de satisfação estampado na face daquele homem, e ele riu. Tomou o nosso copo de coca-cola, ergueu-o num gesto amigável fazendo um brinde.
— Muito bem. É isso mesmo. Então... vamos somar Poder! Poder à nossa força!
— E morte a esse fracos!!! — Completamos eu e Thalya bebendo também a coca, um de cada vez.
As palavras de encantamento que ele pronunciou tinham um significado mais ou menos como se quisesse dizer "O círculo está se fechando".... ou "O fim do tempo de Deus está próximo".
Estava chegando o tempo de dominar toda a Terra, de Lucifér exibir o seu Poder em total plenitude! Nosso tempo estava próximo!
— Vocês têm muito privilégio em serem discípulos de Leviathan. Esse País vai experimentar uma força Infernal muito grande. Muito grande! Alguns têm dito o contrário, que aqui será um "Celeiro de Missionários"... — E fez um ar de deboche. — Mas unidos do jeito que esses medíocres são vai ser um celeiro de bosta! Nunca vai sair daqui nada que preste. Você terá orgulho de fazer parte dessa tropa, Rillian. De fazer parte daqueles que dominarão esta Nação!
E então ele se afastou, despedindo-se. Eu o acompanhei com a vista. Que homem sui generis! Nada mais, nada menos do que um dos maiores líderes mundiais da Church Satan estava bem ali.
— Uau! Ele veio em pessoa!
A tarde correu agradável e, ao anoitecer, algumas pessoas começaram a despedir-se para irem embora. Ficariam apenas os que participariam da palestra.
Thalya fez questão de arrumar-se bem, colocou o vestido azul que tinha comprado comigo no Shopping e ficou muito atraente. Eu estava de jeans e camisa, mas tinha trazido um blazer para ficar mais adequado.
Entramos no salão aonde iríamos assistir a um vídeo e participar da reunião. O pai de Gwyneth adiantou-se e começou de cara contextualizando o que vinha de fato a ser o final do Terceiro Ciclo. Que momento esperado!
— Para alguns já é bastante familiar o que é o Terceiro Ciclo, mas para aqueles que não sabem vou explicar rapidamente de que se trata. Quando o chamado Cristo morreu na Cruz, Ele mesmo afirmou: "Está consumado". Que quer dizer isso? Que o plano de Deus para a Humanidade tinha sido concretizado através daquela circunstância. Deus levou milênios preparando a vinda do Cristo para a sua morte na Cruz e, uma vez consumada a morte, termina por aí a estratégia de Deus em relação ao Homem. Pois Ele mesmo foi categórico, torno a dizer: "Está consumado". Em Cristo apresenta-se ao mundo a Oitava Aliança do Criador para com os homens. Mas é justamente quando termina o plano de Deus em relação à Humanidade que começa o de Lucifér! E este trás ao mundo a possibilidade de assumir com ele mesmo uma nona aliança. Aos escolhidos, apenas aos seus filhos, Lucifér oferece uma aliança que suplantará a oitava. Dentro do âmbito Divino acontece algo semelhante, nem toda a Humanidade está inserida dentro do contexto da Oitava Aliança. Não é assim? Apenas os escolhidos, os que foram feitos "filhos", os "predestinados para a salvação"! Mas vamos esquecer a ultrapassada Oitava Aliança. A Aliança dos Filhos de Deus. Nós estamos inseridos no contexto da Nona. Olhemos para o plano de Lucifér, para o palco que começou a ser montado exatamente quando Deus concluiu o Seu plano. Dentro do contexto estratégico de Lucifér o Tempo é contado da seguinte maneira: depois da vinda do chamado Cristo, a História da Humanidade foi dividida em blocos principais que ocorrem a cada salto de seiscentos e sessenta e seis anos. A contagem faz-se naturalmente espelhada no calendário Gregoriano porque é o que traduz a nossa realidade. Então vejam: do ano zero ao ano 666 aconteceu o Primeiro Ciclo. Com mais um salto de seiscentos e sessenta e seis anos chegamos ao ano de 1332, o Segundo Ciclo. Com mais seiscentos e sessenta e seis anos, cairemos no ano de 1998. É familiar a vocês esta data?! Exatamente em seis de março de 1998 termina o Terceiro e último Ciclo. Por que seis de março? Como todos já sabem, levando-se em conta a Numerologia cabalística o número nove é extremamente importante. É a síntese do número da besta, o seiscentos e sessenta e seis. Vamos um pouco mais devagar. O número 666 representa a trindade maldita: a besta, o anticristo e o falso profeta. Se somarmos os dígitos desse número, isto é, 6+6+6, chegamos num produto de 18. Pelo mesmo mecanismo, somando-se os dígitos desse novo número, 1+8 é igual a 9. Está demonstrado cabalisticamente porque o 9 é um número tão importante dentro da conjuntura satânica e porque ele vai aparecer em muitos e muitos lugares. O 9 é um 666 "condensado"! Mas vamos adiante: somando-se os dígitos de 1998 chegamos a 27, que por sua vez cai de novo no 9. A data de término do Terceiro Ciclo também não é à toa: 6 de março ou seja, dia 6 do mês 3, cuja soma dá 9. O mês de março, em se tratando do Brasil, por exemplo, é muito forte porque aí começa o ciclo de Leviathan, como todos sabem, inaugurado na Festa Sátor. E o final do Terceiro Ciclo inaugura para nós uma nova Era: o início do fim do Cristianismo!!!
O homem fez uma pequena pausa projetando os slides que demonstravam o que tinha acabado de expor. E continuou:
— Sei que o contexto numerológico não é novidade para vocês. O número 9 — o 666 condensado — , e o número 5 — uma alusão ao Pentagrama, símbolo de Poder e Domínio, símbolo da Alta Magia — são os números mais fortes dentro do Satanismo e tudo gira em torno deles. Mas voltemos ainda um pouco à questão dos três Ciclos. Em cada Ciclo foi cumprida uma etapa do plano estratégico de Lucifér. Sabemos que o culto a Deus e o culto a Lucifér já existiam muito antes do advento de Jesus, certo? Mas os três Ciclos têm a ver com uma oposição completa à Aliança desse Cristo. A estratégia do anticristo só pôde existir depois do aparecimento do Cristo, é óbvio. Deus, em sua insanidade, prometeu pisar a cabeça da Serpente através do Seu Enviado. Mas nós sabemos quem tem o reino mais poderoso. E o reino mais poderoso aponta qual dos dois é o detentor do Poder verdadeiro! Sabemos que Jesus nasceu um pouco antes do ano zero, mas é importante manter-se dentro do calendário Gregoriano. Por isso, tão logo Lucifér conheceu o Cristo, no ano zero, iniciou-se aí também o seu plano contra esse enviado de Deus! Era necessário algo que viesse a neutralizar a estratégia de Deus. Nos primeiros 666 anos começou a ser revelado paulatinamente o que fazer. O pai começou a mostrar-se muito devagar... o exército satânico começou a ser organizado. E o inimigo — a recém inaugurada Igreja — começou a ser sondada! Isso é primário, a estratégia de ataque ao inimigo dependeria muito de como seria a Igreja, de como se comportaria. Para que um ataque seja certeiro há que se conhecer em detalhes o oponente. A luta não depende apenas de nós, mas também das condições do inimigo. Era necessário saber de tudo, acompanhar, espionar: como estavam se desenvolvendo, o que eles sabiam, o que não sabiam, etc. Isto é muito intuitivo. Não se pode criar uma estratégia "da cartola", mas somente após a coleta de dados! Isso aconteceu basicamente no Primeiro Ciclo, foi feita uma monitoragem completa, um acompanhamento do crescimento do Cristianismo no mundo. E foi relativamente fácil plantar sementes malignas logo de cara. O sincretismo religioso, por exemplo, foi uma delas. O Apóstolo Paulo fundou Igrejas mas logo elas foram contaminadas. Ele mesmo teve que exortar tremendamente as Igrejas novinhas porque era muito fácil que algumas delas se desviassem rapidamente da rota. Vejam na época do Imperador Romano Constantino, que era pagão e adorador do deus sol invicto. No início do quarto século ele tornou o Cristianismo a religião oficial do Império Romano. Foi o fundador das bases da Igreja Católica Apostólica Romana. Mas o Decreto foi um golpe político. Constantino observou que os grupos Cristãos vinham corajosamente subsistindo apesar da perseguição acirrada que teve início principalmente na época de Nero. Quanto mais eram perseguidos, mais fortes pareciam ficar. Apesar de não serem maioria. Então era interessante obter o apoio daquele grupo em Roma. E através do Concilio de Nicéia, em 325, o Cristianismo tornou-se a religião oficial do Império. Mas vejam que golpe de mestre: quando deixaram de ser perseguidos, quando foi dado todo o aval para que cultuassem ao seu Deus... a coisa começou a ir por água abaixo. Constantino sugeriu, na verdade, uma unificação do Cristianismo com as religiões politeístas da época. Os Templos Pagãos foram modificados convenientemente, mas mantidos. Bem como as suas imagens de escultura, cujos nomes foram apenas modificados. Porque a essência daquele povo romano não poderia ser assim retirada do dia para a noite. Mas os Cristãos também tinham que sair contentes do acordo. A solução era um sincretismo com carinha mais Cristã do que pagã! E a partir daí foi só induzir mais e mais ao erro. A raiz da idolatria já existia dentro do Cristianismo. Paulo e Pedro curaram pessoas à distância. Alguns Cristãos dos primeiros séculos fizeram a mesma coisa. De forma que havia peregrinações e visitas "místicas" aos túmulos dessas pessoas. Constantino deu um jeito de potencializar mais ainda esse erro: construiu Igrejas sobre os túmulos e incentivou a adoração de mortos e imagens dentro do Catolicismo. E esse foi apenas um dos erros cometidos! O batismo de crianças foi logo introduzido, uma maneira de não deixar escapar ninguém daquela nova estrutura religiosa. E como era Decreto do Imperador não havia como se esquivar: todos tinham que ser Cristãos, quisessem ou não! É claro que logo as bases das doutrinas Cristãs começaram a ser deturpadas e violentamente impactadas. Mas sutilmente! E aquilo que tinha aparência de Cristianismo realmente ficou só na aparência. Estava feito! A partir daí iniciou o processo. A Igreja Católica realmente despontou como líder absoluta e começou a propagar para o mundo um sistema religioso deturpado e falido, anti-bíblico e cheio de engano. Isso foi estrategicamente bem planejado por Lucifér. Porque o Cristianismo puro não poderia crescer! O engano foi semeado... e floresceu, deu frutos que perduram até hoje. Como vocês sabem há Principados agindo por trás dos grandes Sistemas Religiosos. Principados que monitoram, comandam, regem e perpetuam esse enganos.
Novamente ele projetou os slides e continuou falando com muita propriedade e conhecimento.
— No Segundo Ciclo o interesse maior do Império das Trevas não foi em relação ao Cristianismo pelo simples fato de que ele estava totalmente contaminado. O vírus do engano já tinha sido plantado dentro dele. O sistema religioso não oferecia qualquer perigo. Uma vez minada a base Cristã — pelo menos temporariamente — Lucifér usou o período do Segundo Ciclo para começar a organizar os grupos que viriam a trabalhar com ele. O fato da Igreja estar inoperante garantiu tempo para que fosse organizado e treinado o nosso próprio exército.
Na verdade, os "primórdios" desse exército! Nesse período a Irmandade começou a esboçar uma organização mais categórica. E o início da revelação estratégica do anticristo começou a ser repassado. No final do Segundo Ciclo, no ano 1.100, deu-se início às Cruzadas. Teria sido uma tentativa de levante Cristão? Ou algo bem diferente disso? Vejam por vocês mesmos: na época havia alguns líderes proeminentes dentro da Igreja Católica e que eram adoradores das Trevas. E tinham como função criar todo um desconforto em relação às atitudes dos Cristãos perante o mundo. E saboreiem a sábia artimanha! Tudo o que é imposto à força deixa de cumprir o princípio do Amor. As Cruzadas mais destruíram do que construíram... em nome do Amor! O rótulo negativo nunca mais foi tirado. Foi mais uma tentativa de Lucifér em causar amortecimento de todo e qualquer foco de Cristianismo autêntico. Porque as Cruzadas eram uma forma de imposição de um Cristianismo dentro dos moldes de quem? Da Igreja Católica Apostólica Romana! Que cada vez mais distanciava-se da Verdade de Deus. Ou seja, qualquer um que porventura "achasse" diferente, que quisesse ler a Bíblia ou seguir um Cristianismo puro seria sumariamente destruído. Era importante continuar semeando o erro. E por fim... o Terceiro Ciclo! Ele começou em 1332 e está para terminar. Foi um período bastante importante. A Irmandade de fato foi organizada a nível mundial. O projeto das doze Bases foi explicitado, desde aonde seriam elas até quando deveriam estar em pleno funcionamento; a rede satânica foi estendida sobre o mundo nas suas mais diversas ramificações; as culturas foram melhor permeadas; o príncipe deste mundo consolidou a vantagem do seu reinado. Em outras palavras: a doutrina Satânica alastrou-se pelo planeta disfarçada em milhares de formas diferentes! Mas nosso pai aproveitou também para consolidar a imagem negativa da Igreja Católica, que continuava sendo a única expressão de Cristianismo. Mais pedras de tropeço foram colocadas. O mundo tinha que olhar para o Cristianismo e enxergá-lo desvirtuado! Naturalmente não há vantagem alguma em destruir o Catolicismo. É muito mais proveitoso torná-lo inoperante em termos de verdade Cristã. Alguma coisa nesse sentido foi conseguida através da Inquisição. Nessa época, a mesma coisa: havia pessoas da Irmandade incumbidas de fazer o Cristianismo Católico continuar perdendo a credibilidade. Quanto a isso dispensa-se comentários. A Inquisição foi uma "Caça às Bruxas", em outras palavras. Mas muita gente de bem morreu, sem culpa no cartório. Uma coisa eu lhes garanto: nenhuma Bruxa de verdade, que estivesse adorando de fato a Lucifér, foi morta. Porque a Inquisição nasceu no coração dele. Em nome de Deus queimaram-se milhares de inocentes! Não havia escapatória possível uma vez que fosse feita a acusação. Se a pessoa confessasse o "crime", morria mais rápido. Se não confessasse, morria lentamente sob tortura! Sei que todos vocês já viram os nossos troféus, não? Os instrumentos de tortura utilizados nessas épocas de glória para nós e humilhação completa Para os Cristãos. E hoje esse sangue está nas mãos deles, daqueles que dizem ter de si o Amor de Deus. Uma perversidade destas... torturar uma pessoa até a morte sendo que ela está ali, jurando de pés juntos, que é inocente! Realmente... que bela pegada de nosso pai na História. Ainda que nossa Organização não existisse como uma Entidade Internacional o objetivo foi alcançado. Mas em 1523 surgiu um imprevisto... a Reforma Protestante! Martinho Lutero entrou em cheque com o Papa Leão X por causa da venda de indulgências cujos fundos iam para a construção da nova Basílica de São Pedro em Roma. Em 31 de outubro de 1517 Lutero afixou 95 teses na porta da Igreja do Castelo de Wittenberg. Em linguagem que todo o populacho era capaz de compreender! E isso deu início à Reforma. E daqueles escritos brotou uma nova doutrina, uma doutrina que retomava a essência do Evangelho. Nisto veio uma mudança significativa, a princípio, e houve que se abafar novamente esta tentativa de retorno ao Evangelho verdadeiro. A Igreja Protestante também foi alvejada com sucesso nas suas bases porque logo rachou em duas e, a partir daí, surgiu uma gama incontável de ramificações dentro da denominação. O que só contribuiu para fazer desacreditada a sua doutrina. Se eles não conseguem entender-se entre si como podem querer evangelizar o mundo?! Hoje nossos esforços contra a Igreja Cristã restringem-se, vocês sabem, aos poucos Evangélicos que ainda têm a visão do Cristianismo Puro. Todas as outras linhas ditas "Cristãs" já não o são na realidade. E não oferecem mais o menor impedimento às nossas ações! A miscelânea foi total. Mas ainda que haja esse pequeno grupo dentro da Igreja Protestante — ou Evangélica — que de fato cultua ao Deus Vivo... eles estão com os dias contados.
O homem apresentou mais projeções e mais evidências: — E como ficamos nós, depois de 1998? Com grande esperança contemplamos o final do Terceiro Ciclo. A partir de seis de março faltarão apenas 666 dias para a passagem ao ano 2000. Terá sido dada a largada... para o início do fim! Este período é o tempo que temos para terminar de vez de "por a casa em ordem". Ou seja, tudo tem que estar de vez no seu devido lugar! Vejam da seguinte forma: é como um jogo de xadrez aonde as peças estarão todas posicionadas. E no amanhecer do novo milênio será dado um cheque! Não é ainda o cheque mate. Ele virá algumas jogadas mais tarde! A partir do ano 2002 apresentaremos ao mundo o falso anticristo. Por que é necessário que haja um falso anticristo? Apesar dos nossos esforços será inevitável a presença de um grupo remanescente de Cristãos. Isto já está dentro do previsto. Apesar de toda a estratégia para manter a Igreja fria, inoperante, morta e sem visão, alguns fatalmente escaparão ao cerco. Alguns ainda estarão orando, estarão guerreando espiritualmente, ainda serão conhecedores das profecias do Apocalipse. E isso pode vir a causar interferência no nosso plano. Então o falso anticristo virá para fazer desviar os olhos da Igreja na sua direção. Além disso, vejam também por outro ângulo: Lucifér será vingado com a mesma moeda. Do mesmo modo que nosso pai não sabia quando viria e quem seria o Messias prometido, a Igreja de Cristo será enganada por um falso anticristo. Perderá seu tempo e gastará seus derradeiros esforços com algo virtual!
Ele apresentará todos os sinais do anticristo, tudo aquilo que a Bíblia diz que ele vai ter... ele terá! Os sinais serão tão em relevo que o remanescente não deixará de notar! As orações podem ser intensas... ou podem não ser... mas a Igreja acreditará ter vencido quando ele morrer!
Alguém ergueu a mão e fez a pergunta crucial:
— Mas os Cristãos acham que o Apocalipse tem que ser cumprido na íntegra. E a Bíblia não diz que o anticristo vai morrer! Eles podem vir a desconfiar disso!
— Sim. — Respondeu o homem. — Mas talvez você tenha se esquecido de todos aqueles textos bíblicos que dizem que Deus se arrependeu disto ou aquilo. "Deus intentou fazer o mal... e não fez"; "Deus fez... mas se arrependeu". A Bíblia também é clara em dizer que o clamor do Seu Povo pode fazê-Lo... mudar de idéia! Deus mudou a História tantas vezes. Observe agora as falsas Igrejas entrando em cena caso esta hipótese seja aventada: "Deus se arrependeu tantas vezes e mudou o curso da História... apenas está acontecendo mais uma vez. Deus ouviu o nosso clamor e resolveu poupar a Igreja. E acabar de uma vez com o anticristo"! Compreendeu? Esta é também uma das razões em montar as Igrejas falsas. Elas ajudarão a apontar a direção errada. E quando todos tiverem acreditado que a peleja acabou..."quando andarem dizendo Paz, Paz... então virá o fim"! Em 2006 se levantará o verdadeiro. E nesta ocasião a Igreja de fato já estará desfalecida! Uma força Infernal demoníaca cada vez maior será liberada sobre a Terra. E Lucifér estará no auge do seu Poder! Mesmo que a Igreja viesse a perceber o engano já não haveria como lutar contra isso pelo simples fato de que o anticristo já estará exatamente no lugar em que deve estar. A partir de então começará efetivamente a reinar. Quem será ele? Foi gerado pelo próprio Lucifér, que para isso se utilizou de uma mulher previamente e cabalisticamente escolhida. Ele já vive hoje. E em 1998 completará 27 anos. Mais precisamente em março, entre nove e dezoito de março. Mas antes disso, já aos 18 anos, Lucifér passará a andar pessoalmente com ele. Ainda que não seja o tempo de se manifestar. Humanamente falando ele será um homem descendente de judeu. E extremamente carismático. Inteligentíssimo. Terá Poderes e faculdades extraordinárias, assombrará a Humanidade com sua sabedoria e conhecimento. Fará tais prodígios que o mundo o aceitará e o adorará como deus. A própria Bíblia Sagrada garante: "Fará o que lhe aprouver; com o seu conhecimento fará prosperar o engano na sua mão"; "E destruirá os Santos do Altíssimo"! Nós o conheceremos em breve. Será apresentado pessoalmente no Sabbath do ano de 1999. Ele tem sido mantido guardado e escondido, está sendo muito bem treinado para se levantar com Poder na virada dos seus 35 para 36 anos, em 2006. Quando apresentará uma solução para o colapso mundial. Porque o planeta estará mergulhado num caos total e a corrupção dos governantes mundiais correrá solta. Mas ele dominará sobre todas as Nações. Simplesmente porque o mundo passou mais de 2000 anos sendo preparado para ele! O anticristo estará chegando em casa, assumindo o que é seu. Não será como Jesus, que "veio para os seus e os seus não o receberam"... não! Ele será espetacularmente bem recebido! Todos o olharão e o aceitarão plenamente como solução para os seus anseios mais profundos. E de fato ele falará muito do Homem, da natureza humana, pregará o respeito à essa natureza, e aos desejos dela. E justamente por defender de corpo e alma a essência humana é que convencerá a todos de que o mal que ainda existe na Sociedade precisa ser extirpado de uma vez para sempre! E esse mal é o Cristianismo, a origem de tudo o que é pernicioso, tudo o que vai contra aos mais profundos anseios da raça humana. O que a Igreja propõe, como fruto dos ensinamentos do nosso Opositor, é uma linha de conduta absolutamente impraticável. Deus infringiu ao homem um padrão absurdo. Um padrão que foge à natureza que Ele mesmo deu à Sua criatura. Mas Deus não mais poderá castigar o homem porque este não conseguiu cumprir aquilo que foge à sua essência. Pois o anticristo trará a plena liberdade, e toda a falsa moralidade será banida! Tudo o que for de Deus deixará de existir e será completamente esquecido. O anticristo deixará bem claro que somente com a extirpação desse mal haverá solução para todos. Mostrará que tudo o que gira em torno do Cristianismo é nocivo e contrário a uma Sociedade plena, saudável e gloriosa. Então virá o momento tão esperado: dar-se-á início novamente à perseguição dos Cristãos. Só que desta vez será sem precedentes. Não será uma perseguição qualquer. Jamais a Humanidade presenciou e nem presenciará tal massacre! Será um tempo de completa assolação até que se cumpra o propósito para o qual ele foi enviado. Isto é: destruir por completo e aniquilar tudo o que se chama pelo nome de Deus, tudo o que for sinal e resquício destes inomináveis Cristãos. E finalmente Lucifér confrontará e derrotará o Cristo no Armagedom! Destruí-Lo-á completamente!!! Lucifér ama o homem, e ele dará à Humanidade — através do anticristo, à princípio — um reino de absoluto prazer!
Batemos palmas com entusiasmo crescente. E depois novamente foi feita a pergunta:
— Como fica a questão do tal Arrebatamento de que os Cristãos falam?
— Primeiro que isso não passa de um falso prêmio de consolação, mais uma promessa de Deus que não será cumprida, como tantas outras. Promessas bem mais simples como Amor, Paz, Alegria e Justiça nunca são cumpridas nas vidas dos Cristãos... que dizer de uma história louca como essa?!! Mas, ainda que fosse verdade, que diferença isso faz para nós? A Bíblia diz que nem toda a Igreja salva será arrebatada. Eles continuam crendo que todo e qualquer salvo será levado, mas esta não é a doutrina correta. Apenas os Cristãos salvos e santificados serão levados. E nós bem sabemos aonde anda a santificação deles. O padrão exigido por Deus é utópico e muito difícil de ser alcançado. Azar deles! Podem ter certeza de que a maioria ficará por aqui mesmo. Nosso "divertimento" não será tirado. E haverá o extermínio total dos Cristãos!!! Quanto aos judeus, uma ressalva: eles não são uma ameaça. Como rejeitaram Jesus, estão tão perdidos quanto o resto da Humanidade. Mas sobre eles existe uma vingança moral, por assim dizer, porque foi o Povo escolhido por Deus no início. Assim como eles rejeitaram o Cristo verdadeiro, aceitarão o falso, o anticristo. E este se assentará no Templo de Jerusalém, no Trono, e será adorado como deus. Será aceito pelo Povo que traiu e matou Jesus! Essa será a maior afronta que Lucifér poderá fazer a Deus, além de destruir a Sua Igreja! Depois disso, enfim, iniciar-se-á a era Luciferina. Sem Cristãos no mundo não haverá mais malefícios, haverá unidade. Os privilegiados nesse novo reinado seremos nós, os filhos. E estaremos no comando. Algumas outras raças indesejáveis serão simplesmente eliminadas, como os Cristãos. Deus criou raças que não têm razão de ser. E a Terra finalmente retornará à sua origem: o Paraíso! O Paraíso será absoluto porque não haverá mais a interferência de um Deus louco e hipócrita. A Terra será transformada, e os Céus também. Lucifér tem Poder de transformar a matéria, como é do conhecimento de vocês, e de influenciar as leis da Natureza. Esta Terra destruída que vemos agora será transformada inteiramente quando os filhos do Fogo efetivamente ocuparem o seu lugar. E voltará a ser belíssima.
O homem parou um pouco de falar, bebeu alguns goles de água. Não se ouvia burburinho na platéia. Retomou rapidamente:
— Está claro? — Diante da ausência de respostas negativas, concluiu: — Mas, para que tudo isso aconteça dentro do previsto, temos cada um de nós que fazer a nossa parte. Especialmente aqueles que foram chamados para estar na linha de frente! Então, vamos a isso! Primeiro de tudo: o palco tem que estar praticamente montado até o final do Terceiro Ciclo. Nos 666 dias restantes é o tempo que dispomos para aparar arestas e terminarmos de colocar as peças chaves no tabuleiro. Eu estou aqui para falar também sobre isto, e sobre os que estarão assumindo a liderança em 1998. 1998 é um ano muitíssimo importante para nós! Mas vamos conversar sobre isso um pouco mais tarde. Antes quero falar brevemente do panorama mundial que será criado para que o anticristo possa se manifestar. Tudo começa a nível regional. E quais são os principais passos regionais a serem percorridos? Primeiro, infiltrar as Igrejas Evangélicas a fim de que estas sejam contaminadas e tornem-se inoperantes; segundo, assumir o domínio político, isto é, ocupar cargos e posições de liderança a fim de poder manipular a Sociedade; terceiro, é necessário que as bases da educação sejam afetadas. Afinal, é através das Escolas e Faculdades que a mente das gerações será preparada, moldada para aceitar o anticristo e servir àquele que governará por trás dele. A mente de uma Sociedade não se prepara do dia para a noite e nem com passes de mágica. Só o tempo faz o serviço perfeito e completo, desde que saibamos nos colocar devidamente. Quarto: permear todos os outros setores possíveis da Sociedade com esse mesmo intuito de moldar as mentes. Neste sentido existe uma gama enorme de locais aonde exercer nossas influências: literaturas, artes, filmes, músicas, jogos de computador, vídeo games, filosofias, modas, mídia, etc...! Algumas são subliminares, outras nem tanto. Todos vocês sabem que hoje em dia há muita facilidade do mundo em aceitar as coisas do "diabo". Mas isso não é por mero acaso, é fruto de longo trabalho. Este mundo jaz no maligno, mas todos o acham muito sedutor, todos desejam o mundo e o que ele oferece. Há maneiras de fazer com que haja inclinação da mente humana, uma aceitação da nossa causa e das nossas coisas. Como acontece isso? Como se dá o acesso às mentes e há influência sobre elas? Vamos tomar um exemplo simples: uma Grife! Quem poderá prever que uma roupa, uma camisa, um boné possa causar estrago? Mas certas grifes que vocês conhecem foram previamente Consagradas, foram trazidas diretamente pelos Guias mediante preço de sangue. Isso dá autoridade para a atuação dos demônios. E o objeto, a roupa, o disco, o brinquedo agem como se fossem "Cavalos de Tróia". Como funciona isso efetivamente? Qualquer objeto pode ser energizado. Uma colher, por exemplo, quando submetida a um campo eletromagnético deixa de ser uma simples colher. Ela fica energizada, magnetizada, polarizada. Aí damos para alguém. Vamos supor que esta pessoa que foi presenteada carregue com ela também uma bússola. A bússola dá a direção para essa pessoa. Mas a colher energizada vai desnortear a bússola, concordam? Só que a pessoa não sabe que a bússola está desnorteada, ela vai apontar para um outro caminho... e a pessoa passará a caminhar por este outro caminho... mudará de rumo sem saber... mas continuará achando que está no caminho certo! Da mesma forma que a colher, qualquer coisa submetida a uma Consagração fica "carregada" com uma força que não é conhecida aos olhos humanos mas que os demônios dominam. É uma maneira sutil, pouco agressiva, de fazer alguém andar em uma estrada completamente diferente e ainda assim achar que está indo na direção certa. Se a bússola fosse a Bíblia...esta pessoa deixaria de ser alguém que pudesse ser direcionado por ela, deu pra entender? Como diz o versículo "Aos olhos do tolo, o seu caminho é correto". Compreenderam a analogia? O instrumento — a colher — é criado a partir de preço de sangue, e como todos sabem, sangue tem muito valor no reino espiritual. Quando se derrama sangue num altar e se Consagra a um demônio uma logomarca, uma grife, uma música, um objeto de arte... isto tem muito Poder! A mesma coisa acontece do lado de Deus. É uma Lei Espiritual. Lembram-se do Tabernáculo? Era um barraco, uma cabana construída sobre a areia do deserto. Como é que pode uma coisa dessa? Que aquele cantinho perdido do deserto, aquele pedacinho de terra espelhasse tanto Poder?! Se alguém não autorizado entrasse naquela salinha... seria fulminado, destruído!!! Mas era uma cabana! Só que ali havia uma Energia Poderosa, uma Força. Esta Força só estava ali porque o Tabernáculo tinha sido construído dentro de determinadas especificações que foram dadas pelo próprio Deus. Aquele local foi Consagrado também. Por isso aquele pedacinho de deserto deixou de ser apenas areia! Lucifér, da mesma forma, é conhecedor das Leis Espirituais, e que não são as mesmas que regem o nosso mundo. Por isso quando ele diz "faça assim e assim", quando diz que determinados locais, determinadas horas, determinadas atitudes, determinadas palavras...podem causar uma potencialização energética e uma interferência enorme, assim ocorre! E isso pode vir a traduzir-se no extermínio espiritual de alguém. Do mesmo jeito que um barraco sobre a areia do deserto não é mais apenas um barraco... uma camisa também não é mais apenas uma camisa. Em outras palavras, isto é o Feitiço, o encantamento da Alta Magia que usamos do nosso lado. Através deles cria-se uma circunstância ou um local dirigido por outras leis que não as naturais. Quando se faz um encantamento são quebradas as leis naturais por meio de "símbolos" que são entendidos no reino espiritual, e somente no reino espiritual. Isso dá legalidade — Poder! — à Entidade de agir dentro de um determinado perímetro. E dentro deste perímetro o demônio tem total autoridade e influência. Os objetos de encantamento são usados para facilitar este acesso. Se ele estiver na casa do seu inimigo, no seu quarto, na sua sala, vai potencializar, facilitar, abrir uma porta maior ao demônio. Lembram-se da Arca da Aliança? Era somente um objeto, um móvel. Mas aquele móvel transportava um Poder de Deus, por assim dizer, de modo que era capaz de causar mortes e destruição se fosse usado de maneira errada... ou se fosse tomado por mãos erradas! Assim funcionam também os nossos objetos de encantamento. Um pequeno objeto pode ter muito, muito Poder e alterar grandemente as leis naturais, criar portas de acesso à atuação das Entidades espirituais. Mas os meios para fazer isso não acabam por aí. Por exemplo, há filmes que contêm entre um quadro e outro mensagens subliminares, frases que apresentam uma antítese de Deus. Tais como: "Deus é infiel", "Jesus não existe", "Lucifér te ama", "Leviathan é o rei do Brasil". Isto é captado pelo subconsciente e vai embotando a mente humana para as coisas de Deus. A música, da mesma forma, atua no cérebro de uma maneira gradativa convencendo de certas realidades. O contato com a realidade virtual também é fundamental neste sentido. É um passo para a contemplação do reino espiritual! Uma vez que a mente já esteja dominada, é fácil preenchê-la com tudo o que queremos! Neste sentido há muita coisa: os jogos computadorizados, o RPG — já aprovado em escolas —, as linhas esotéricas que falam de viagens astrais, processos de meditação, e incentivam o contato com duendes e bruxas, com seres extraterrestres; os filmes de terror, os filmes de efeitos especiais, tudo que estimula e faz alusão à fantasia, à Magia, aos Poderes sobrenaturais... tudo isto e muito mais... prepara gradativamente a mente humana para entrar em contato com o mundo das Trevas e não se assustar com ele! A influência satânica expressa em tudo o que eu disse até agora, que começou regional, tem que expandir-se e ser Mundial. Para que todos sejam preparados. Porque quando houver uma manifestação luciferina é necessário que o mundo não se choque com isso, ao contrario, seja algo natural para todos. Todas essas coisas têm dois objetivos, em suma: fazer desviar a bússola da Humanidade e apontar o caminho de Lucifér. E abrir brechas de acesso à vida dos Cristãos quando eles se utilizam das mesmas coisas, consciente... ou inconscientemente! Reparem que o próprio estímulo à violência tem que acontecer. O incremento estrondoso na violência dentro da Sociedade é condição sine qua non porque o mundo — o Reino — só poderá ser tomado pela força. Até a Bíblia concorda com isso! Ou vá dizer que Deus pediu ao Seu Povo para conquistar os inimigos com "flores"!? Claro que não! Foi através da violência, com sangue, gritos e dor, ao fio da espada, sem compaixão nenhuma! Da mesma forma nós: quando chegar enfim o momento do extermínio, da conquista... se fará necessário um mundo cheio de pessoas treinadas e acostumadas à violência. O exército precisa ser treinado, não é? Lucifér tem gerado um mundo violento para poder usar desse trunfo na hora "H", e acabar com tudo o que não condiz com o seu reino.
O homem mudou um pouco de assunto e começou a falar mais especificamente da questão principal, o final do Terceiro Ciclo e o início da era luciferina com os seiscentos e sessenta e seis dias. Momento no qual todos nós estávamos convocados a participar ativamente.
— Toda a estratégia de Lucifér estará praticamente cumprida até 1998. O palco do mundo terá sido montado. Para que as arestas se concretizem haverá necessidade de uma liberação muito grande de Poderes Infernais, o que somente acontecerá ao término do Terceiro Ciclo. Em 1998 Lucifér ganhará mais Poder e será liberado um enorme contingente de demônios sobre a Terra. Este mundo é de Lucifér, o próprio Jesus disse que estava para ser entregue ao príncipe deste mundo. Mas por uma questão numerológica temos que esperar o ano de 1998 para que seja acrescentado o Poder que Lucifér aguarda. Com a ajuda dele teremos 666 dias para completar o trabalho. Assim como existem horas do dia mais propícias para a atuação de determinadas Entidades, ou períodos do ano, o mesmo se dá com nosso Pai. Existe um coeficiente de Poder que está associado ao Tempo chronos, ao tempo humano, ao tempo da Terra. E que se traduz num complexo numerológico, cabalístico e astrológico que não vamos desmembrar hoje. Mas este tempo será chegado. Em 1998! Falemos um pouco deste ano tão esperado. As doze Bases já estarão montadas, isso não é novidade para ninguém. Os principais veículos de propagação do reino Satânico já deverão estar totalmente difundidos pelo mundo. Entendam isso como tudo o que disse até agora: conjuntos musicais, grifes, gêneros alimentícios, filmes, vídeo games, jogos, literaturas, artes, doutrinas e práticas falsas de todos os tipos. As Igrejas falsas já deverão estar todas formadas. As "verdadeiras" completamente infiltradas. A infiltração nos sistemas de governo e todos os outros setores da Sociedade deverá ter sido terminada também! Saúde, Ensino, Política, Finanças, Rede Militar, etc. No que diz respeito à saúde, surgirão mais duas pragas epidêmicas e incuráveis na Humanidade. Uma delas foi o câncer. Haverá ainda mais duas para desafiar...e derrotar a Ciência. A solução para elas virá através do anticristo. Em se tratando do ensino nas escolas, esse é também um detalhe à parte. Em breve vocês verão que a nossa doutrina Satânica estará sendo ensinada dentro das Escolas e das Faculdades, com outros nomes, mas assim será! Também em relação ao mundo político: os principais cargos, aqueles que foram escolhidos por Lucifér, deverão ser definitivamente ocupados em 1998. Deverão ser criadas todas as circunstâncias necessárias para que se faça necessário um Governo Mundial. É preciso que o mundo venha a cogitar esta possibilidade. Havendo um Governo Mundial o passo imediato é que haja um Líder Mundial! Os próprios governantes no mundo deverão estar sugerindo isso. Muitos deles serão irmãos nossos. Para chegar nisso é continuar com o processo que já descrevi: há que se quebrar as bases da Sociedade a nível Mundo. O processo começa a nível regional e se espalha. Em cada canto do Planeta o objetivo será o mesmo. Deverá acontecer uma falência do Sistema Econômico Financeiro Mundial. Tudo gira em torno do Sistema Financeiro. É necessário que seja implantado o caos Mundial nesse sentido para que o anticristo possa trazer as soluções. A Unificação da Moeda será outro passo a ser conquistado depois desse colapso econômico. Far-se-á necessária também uma Rede de Comunicação Mundial instantânea, provavelmente computadorizada. Haverá uma fonte universal com tentativa de unificar a Religião em algo único também. Toda a doutrina que tem sido propagada pela Nova Era enfoca muito bem esses passos! Os Estados Unidos consolidar-se-ão como Potência Mundial imbatível. Aquele foi o País escolhido por Lucifér para ser o seu reduto. Não poderá haver outra Nação capaz de enfrentá-lo, portanto a União Soviética está com os seus dias contados. O trono de Lucifér deverá estar posicionado na maior Potência do mundo. Os Estados Unidos serão cada vez mais poderosos e crescerão muito. Aumentarão também o seu poderio bélico para que sejam cada vez mais uma Super Potência. A ponto de que toda a Humanidade cada vez mais olhe na direção deste País e aceite as direções que serão dadas para o mundo. Se a direção for "Agora haverá um Governo Mundial", assim será. Se a direção for uma "Economia Unificada", com uma "Moeda Única" vigorando, ninguém poderá se opor. Ainda há Protestantes nos Estados Unidos, mas é um ínfimo resquício que continuará por pouco tempo. Ao final do Terceiro Ciclo não haverá mais Poder Cristão nenhum ali. O domínio será cem por cento. E não somente ali, a Igreja estará por um fio em toda a Terra.
(Essa reunião aconteceu há mais ou menos doze anos. Quando não havia AIDS, Internet, ventos de um Governo Mundial ou Moedas Unificadas. Também a antiga URSS estava em pé e, de certa forma, era uma ameaça aos EUA e à Base-Mãe).
O homem fez uma pausa novamente, voltou a beber água e olhou para nós com um sorriso:
— Mas falemos um pouco do Brasil! Que deverá acontecer em termos de preparo para o final do Terceiro Ciclo e o início do período de 666 dias? Em termos religiosos, vocês já sabem das 666 Igrejas falsas montadas em todo o Território Nacional. Os detalhes sobre esse trabalho será dado pelos líderes de vocês que já foram instruídos a respeito. Não serão estas quaisquer Igrejas, mas Igrejas proeminentes, formadoras de opinião! Como uma das funções delas será impulsionar as Igrejas na direção errada quando o anticristo falso se manifestar é importante que elas sejam expressivas. Em 1998 deverá ocorrer também a queda de muitos líderes evangélicos. As sementes têm sido plantadas para que venham a germinar no tempo certo! A própria Bíblia nos direcionou o ataque. Observando as vidas de dois grandes homens de Deus o "remédio" certo foi encontrado. Davi caiu por causa da sedução do sexo. O homem segundo o coração de Deus se rendeu a uma mulher. E Salomão, o homem mais sábio do mundo, corrompeu-se por causa do dinheiro. Se formos observar o texto de I Reis 10:14 vemos que ele recebia todo ano o seu peso em talentos de ouro. Isso dava 666 talentos. Esse número não é por acaso. A revelação dele não tinha ainda chegado a homem nenhum, mas já expressava uma realidade espiritual. Através desse "pequeno" luxo em relação ao dinheiro Salomão revelava a natureza pecaminosa do seu próprio coração. Rendeu-se à corrupção, ao dinheiro. E logo veio a inclinar-se perante Astaroth! Se Davi e Salomão caíram... quanto mais os nossos Pastorezinhos de hoje! Se estes homens esqueceram os bons desígnios de Deus por causa de sexo e dinheiro, qualquer um cai! Segundo Zacarias "Fira o pastor e as ovelhas serão dispersas". Uma monitoração dos grupos evangélicos dentro das Faculdades também é de fundamental importância. Podem levantar-se líderes nesse lugares. Às vezes estes estudantes, se convertidos, podem vir a ser pedras de tropeço. Claro que não vamos gastar tempo com qualquer Faculdade, somente as melhores porque nas melhores estão as melhores cabeças. É muito importante que os estudantes já Cristãos sejam observados e os recém convertidos, enfraquecidos. Por um outro lado, o contrário também está valendo: cabeças interessantes podem ser recrutadas para nós. Não esquecer as Faculdades Teológicas mais expressivas! Nestes lugares recrutamos um ou outro que interessa... e apagamos quem não interessa! Em relação aos outros seguimentos de preparo para o anticristo o Brasil não vai diferir dos passos que eu já falei até agora. Portanto vamos agora falar um pouco daquilo que diz respeito a vocês que estão aqui hoje. Ou seja: política! Porque para isso vocês foram chamados! Vocês são a elite do nosso pelotão neste país A política se traduz em liderança, e essa liderança vai ser completa! Vamos esmiuçar isso um pouco: todos os setores políticos têm que ser englobados. No Brasil como um todo a ordem de Leviathan é a seguinte: ele escolheu 72 homens e 18 mulheres para ocupar posições específicas e estratégicas de grande destaque. Estes — apontou para nós — são vocês! "Mas...", perguntarão alguns, "nesta sala há mais do que 72 homens e 18 mulheres". Sim. Os que estão "a mais" são aqueles que darão suporte próximo aos escolhidos. Leviathan já apontou aqueles a quem ele quer. São pessoas que nasceram em circunstâncias especiais e foram treinadas de maneira especial para estarem aptas a desempenhar bem o seu papel. O planejamento para estas pessoas já existia desde o seu nascimento.
Naquele momento passei a observar melhor quem estava presente. Todos aqueles homens a quem Marlon me havia apresentado estavam ali. O próprio Marlon estava... Zórdico, naturalmente; Taolez; e Górion, o único do meu Grupo de Conselho além de mim.
— Estes homens e mulheres foram selecionados para estarem dando início à preparação de circunstâncias favoráveis no Brasil para o recebimento do anticristo. Agilizando tudo para que ele possa atuar de uma forma muito tranqüila aqui dentro. Não adianta apenas derrubar Igrejas e fazer todo o resto. O cenário político é da mais alta importância porque ele pode coibir ou facilitar todas as coisas que queremos. Quero que fique claro que os escolhidos não vão ocupar qualquer cargo. Eles foram chamados para serem o supra sumo da ação estratégica neste lugar, para ocupar cargos expressivos. Ninguém será lançado para iniciar num posto menor do que o de deputado federal, e isto apenas para começar, porque estas pessoas têm que ter Poder de influência! A nossa luta será grande, mas alcançaremos a vitória. Principalmente porque a consciência política deste país é quase zero, e em se tratando do contingente evangélico, então, dispensa-se comentários. Enquanto eles dormem na sua postura de "política é do diabo", nós tomaremos tudo o que for necessário. De fato... a política é de Lucifér mesmo. Evidentemente todo aquele que se interpuser em nosso caminho será simplesmente eliminado! Todo obstáculo será brutalmente retirado, nada poderá atrapalhar os nosso planos. Cristão ou não cristão, se atrapalharem... morrerão. Não há o por quê continuarem vivendo. Notem o seguinte, Lucifér já determinou o lugar de cada um no Mundo. Vocês, como brasileiros, têm seu papel a desempenhar mas a Irmandade no Mundo todo prepara-se para fazer a mesma coisa em seus próprios países. Percebem a grandiosidade e a dimensão disto? Nosso exército marcha numa Unidade e Perfeição estonteantes! Quanto a vocês, suas posições serão reveladas no devido tempo. As 18 mulheres não exercerão pessoalmente, na maioria, o Poder político. Mas serão cuidadosamente colocadas perto dos homens que queremos atingir e influenciar. E posso garantir-lhes que elas também serão muito, muito poderosas dentro do seu raio de ação.
Realmente Lucifér pensava em tudo! E o homem continuou:
— Mas temos consciência de que nem todos estarão devidamente posicionados ao final dos 666 dias. Uma boa parte, a maior parte, sim, após as Eleições de 1998. Os que faltarem entrarão nas Eleições do ano 2000 e, no mais tardar, em 2002, alavancados por aqueles que já estão em seus lugares. Então o cenário estará pronto, completamente pronto! Todos vocês continuarão sendo treinados especificamente para isso, e serão gradativamente introduzidos no cenário político do país. Assim como aquele que é treinado para infiltrar Igrejas tem que conhecer a Bíblia muito bem, vocês terão que conhecer muito bem História, Economia, Administração e Política! É óbvio que os Guias vão potencializar a força de vocês, acrescentar Poder à ela, mas há que se fazer cada um a sua própria parte. Há que se esforçar, estudar, aprender! Ninguém vai entrar de pára-quedas nessa jogada. Serão muito bem instruídos nesse sentido! Aliás, apenas para que vocês saibam, é do nosso interesse desmantelar a Bancada Evangélica no Congresso Nacional. Eles não terão grande crescimento, não darão fruto, não conseguirão manter objetivos comuns, cada um procurará defender o seu próprio interesse. Principalmente porque já foram selecionados aqueles que estarão sendo infiltrados aí para cumprir este propósito. Para causar divisão, escândalos e destruir os que ainda estarão compromissados com a "nobre causa". Eles perderão a visão!
Falou ainda um pouco mais orientando e projetando slides a respeito do domínio de cada Principado e cada Potestade, em cada região do Planeta, e terminou com diplomacia:
— Todo o apoio necessário vocês encontrarão na Irmandade. No que for necessária a ajuda da Base, estaremos à disposição. Aliás, em breve vocês terão o gosto de possuir uma Base em seu próprio país. O único país da América Latina escolhido para tal. O local escolhido, além de ser uma região portuária, representa o início da colonização brasileira. Tem a ver com os deuses cultuados e com o domínio do próprio Leviathan. Aquele é um povo com muita facilidade de absorver influências satânicas. Os espíritos que atuam na região já dominaram praticamente em cem por cento o lugar. O evangelho tem uma dificuldade enorme em penetrar em todo o nordeste por causa disso. No entanto, a umbanda, o candomblé, a quimbanda e toda a miscigenação afro impera. O Catolicismo, o culto a Maria e a todo tipo de imagens também. A sensualidade aflora com muito vigor, fruto claro da idolatria. A Base vai aumentar ainda mais tudo isso. Enfim, é um grande privilégio estar no meio daqueles que foram escolhidos nada mais, nada menos, que por Leviathan! Tenho certeza de que todos vocês farão um excelente trabalho, capacitados por Entidades das mais poderosas!
Terminada a reunião, segui com Marlon pela alameda que nos levaria de volta ao carro. Thalya caminhava ao nosso lado e Marlon bateu no meu ombro:
— Então, como é que você se sente em ter sido um dos 72 escolhidos? Dei de ombros.
— Não posso saber se fui um deles. Tinha mais do que isso naquela sala, você sabe. Ele não disse quem eram as pessoas. Quer dizer, você sabe que é um deles, Gwyneth te disse, mas eu ainda estou no escuro!
Marlon riu, gracejando:
— Mas eu sei quem são, Eduardo. E você é um! — Ele falava com alegria na voz. — Eu vou estar bem perto de você. Aliás, a gente vai estar por perto sempre, nós vamos trabalhar no mesmo lugar! É o nosso destino.
Dei risada também, satisfeito:
— Mas como assim, no mesmo lugar? Vai ser em alguma Empresa?!
— Não acabamos de dizer que nosso lugar é na política, Eduardo?!!! O que está acontecendo com você? Acorda! Ainda está em estado de choque?
— Bom, mas...eu vou estar no Congresso?!!
— Mais do que isso. Não só estará comigo no Congresso como você é um dos que estarão na Bancada Evangélica! O Morrit vai estar com você.
— Bancada Evangélica? Pôxa, mas eu vou ter que aprender os costumes deles!
— Alguma coisa você já sabe, né?
— Ah, mas eu não quero saber deles, eu tenho nojo deles, odeio eles!!!
— É por isso mesmo que você vai estar no meio deles. O seu ódio não é encoberto a Lucifér. Você é a pessoa certa para estar ali. Mas concordo com você... de fato eles são a pior espécie que existe! Eu sei que é um trabalho difícil mas os seus Guias vão te capacitar a isso! Você começará como deputado federal.
Durante o caminho nem consegui pensar em outra coisa. Congresso Nacional.......!
Marlon nos deixou em casa e nos despedimos com a alegria de quem tem muito a fazer e sabe que a recompensa será grande. Mas ainda tive tempo de questionar, "in off":
— Mas, Marlon, eu vou ter mesmo que fazer parte do grupo evangélico? Daquele bando de falsos?!!! Eu odeio eles! Vão ficar Jesus pra cá, Jesus pra lá! Me põe em outro lugar!!
Ele riu, mas falou com firmeza:
— Espera aí! Primeiro que eles não vão te incomodar. Quem estiver lá vai ser logo neutralizado! As providências são tomadas antes. Depois, pense no seguinte. Veja o privilégio que você está recebendo ao ser... o lobo! O lobo no meio dessas "ovelhinhas". Você vai fazer o papel do Vingador! Vai vingar a afronta que os Cristãos estão fazendo contra o seu pai. Contra aquele que ama de fato os seus filhos! Você será um instrumento nas mãos de Lucifér com esse propósito. Essa missão, essa capacidade ele está dando para você. É como se ele te dissesse: "Vá lá, filho meu...e faça justiça! Eu o capacitarei para isso!". Compreende agora?
Aquilo fazia tudo mudar de figura.
— Legal! Eu vou destroçá-los!!!
— Calma! — Advertiu Marlon. — Você não poderá fazer isso se mostrar os seus dentes de lobo. Eles têm que confiar em você! Satanista nenhum entra no quartel general do inimigo e se revela como opositor. Seria o cúmulo da estupidez. Eles que fiquem à cata dos estereótipos, das roupas pretas e das caras Maquiavélicas! Nós não temos nenhum mesmo!
E então eu gostei.
Aproximava-se a Páscoa dos Cristãos. Para nós nada significava, mas Zórdico acenou para mim com um maço de ingressos para uma Peça de Teatro. Foi numa noite depois do Conselho.
— Olha só! Que que você acha de assistir a uma comédia?!
Olhei os ingressos e era alguma coisa referente à Paixão de Cristo. Os outros foram se aproximando de nós.
— Paixão de Cristo?! Comédia?!! Mas isso aqui é comédia? — Perguntei.
— É, sim. A gente vai dar muita risada!
Zórdico havia ganho os ingressos, um monte deles. O pessoal topou na hora. Todo mundo já foi pegando o seu.
— Quá, quá, quá! Deus não tem nem Amor pela gente... quanto mais Paixão!
— É. Um pai negligente como Ele.
E desandou o mau humor de sempre em relação ao Criador. Bastava falar de Jesus, de Deus, e a raiva era instantaneamente desencadeada. Thalya não se deu muito por convencida:
— Mas o que é que vai ter de comédia nessa Peça?
— Ué... vamos lá! Você vai ver. Vamos assistir mais uma vez ao martírio Daquele que tentou ser Santo! É muito legal ver e rever o sofrimento Dele! — Respondeu Górion.
Marlon não fez comentários, apenas ouviu e pegou o seu ingresso. Zórdico era o mais animado com o programa. E ficou marcado para o sábado.
No sábado Thalya já chegou meio de bico. Estava sem nenhum carro com ela e teve que subir tudo a pé. Da sua casa até o ponto de encontro na Igreja perto da Avenida eram vários quarteirões.
— Mas que coisa. Que subidinha mais chata! Podiam ter marcado numa outra Igrejinha, heim? Tem uma outra lá pra baixo!
Não esperamos muito e Marlon passou junto com Rúbia para nos pegar. Ela estava na direção. Para variar, Marlon nunca dirigia. Nem bem arrancamos e Thalya já começou:
— O, Rúbia, me deixa dirigir um pouco esse carrão! Deixa experimentar!
— Não, não. Você é muito novinha pra dirigir um carro desses! — Fez ela com seriedade só para provocar.
— Sou nada. Eu dirijo o Escort! Dirijo o Santana!
— Não. Esse carro você não vai dirigir! Marlon interveio com ar de "o todo-poderoso":
— Larga de ser chata, Rúbia! Deixa a menina dirigir um pouco.
E Thalya já começou a gritar toda alegre:
— Oba, oba! — E pulou sobre os bancos caindo lá na frente em cima de Marlon e Rúbia.
Só que aí ela não conseguiu mesmo dirigir muito bem. O carro era muito grande e cheio de frescura.
— Ah, Rúbia, pode dirigir você! Não quero mais! Fica você aí de motorista que eu vou ficar aqui atrás esticadona!
Rúbia assumiu de novo a direção e deu uma olhadinha pelo retrovisor como quem diz: "Como você é folgadona, isso sim!"
— Não tem nada aí pra comer, Marlon? — Perguntei.
Sempre tinha alguma coisa pra comer naquele carro. Abrimos o frigobar e pegamos uns refrigerantes. Tinha uns sacos de salgadinho por ali também, que foram triturados.
Fomos encontrando com o resto dos nossos amigos que nos esperavam em pontos marcados pelo caminho. Uma comitiva de uns quatro carros finalmente se alinhou um atrás do outro. E fomos para o Teatro que ficava lá para os lados do Bexiga.
Sentamo-nos todos num bom lugar, lado a lado, bem na frente. Thalya ficou na ponta, perto do corredor, eu me sentei ao lado dela. Marlon ao meu lado, Zórdico ao lado de Marlon e a fileira continuou. Rúbia, Górion e Kzara sentaram-se na nossa frente. Kzara era a mais risonha, alegre como sempre. Eu gostava de mexer com ela só para vê-la cair na gargalhada. Qualquer coisa que eu dissesse sempre era muito engraçado!
Estava divertido e por incrível que pareça esperávamos com impaciência pelo início. E logo a Peça começou. Houve uma parte narrativa, uma contextualização da época, do Império Romano, da vida de Cristo, essas coisas. Mas o enfoque principal realmente foi na Paixão de Cristo. À medida que a Peça se desenrolava nós começamos também a não nos conter muito.
A parte em que Pilatos falou que tinha o Poder tanto de absolver Jesus quanto de condená-lo foi o estopim para que ninguém mais conseguisse manter a boca fechada.
— Você só tem esse Poder porque do Alto lhe foi concedido! — Disse o ator que fazia o papel de Jesus.
— Ah, ah, ah! O próprio Deus falando pro seu assassino: você só pode me matar porque Eu estou deixando, heim?! — Cochichou Ariel.
E "qui, qui, qui, quá, quá, quá!". Eram só chacotas e mais chacotas. Qualquer atitude de Jesus na Peça desencadeava uma torrente de muitos risos baixinhos. O olhar, a expressão de sofrimento, tudo era motivo. Zórdico era o mais cínico, falava besteira após besteira o tempo todo. A musiquinha era ridícula, tudo era ridículo no nosso entender, desde as perninhas finas de Pilatos na sua "sainha" até o capacete dos soldados romanos, a armadura que parecia um abridor de latas.
— Nossa, podiam ter pego um Jesus mais bonito, esse cara tá um trapo! — Falou Thalya me cutucando. — Que ator mais maltrapilho.
E finalmente chegou a hora da Crucificação. Todos nós continuávamos com risadinhas e comentários impublicáveis. O único mais quieto era Marlon, cujo senso de humor não se deflagrava tão facilmente assim. Ele esboçava alguns sorrisos apenas, voltando os olhos de um para outro, escutando os cochichos e comentários, só olhando. Mas a idéia foi dele.
Em dado momento ele se inclinou sobre o meu ombro e comentou:
— Vai, vamos nos divertir um pouco. De verdade.
— Mas eu já estou me divertindo. Já tá divertido!
— Não, não é isso que eu estou falando. Você tem Poderes novos agora. Os Guias te obedecem, você pode interferir nessa história aqui.
Olhei de novo para o palco, próximo ao momento "D", a hora da Crucificação.
— Interferir nessa história?!... Mas é só uma Peça!
— Você pode mudar o final dessa história. Pode dar o final que quiser. De fato essa Peça tem começo, meio e fim. Alguém escreveu tudo nos mínimos detalhes. Mas você pode interferir nela. E também em qualquer outra história! Não é interessante saber que você tem o Poder de interferir na História de verdade?! Na história da vida das pessoas, da Humanidade...! A Peça é um pequeno exemplo. Mas estou te apontando algo muito maior: você tem o Poder de interferir, de mudar, de alterar o curso... independentemente do que já tenha sido escrito! A vida das pessoas tem começo, meio e fim. Como a Peça. Mas assim como você pode mudar o final dessa Peça... pode fazer o mesmo com a vida daqueles que cruzarem o seu caminho! Apesar de Deus já ter "escrito" todos os dias dessas pessoas. Lucifér tem esse Poder. Afinal de contas, Deus somente se arrependeu porque alguma coisa aconteceu de errado! Alguma coisa saiu meio diferente do que Ele tinha planejado, caso contrário não haveria arrependimento. E quem foi que conseguiu alterar o resultado? Alterar o curso da História? Mudar o que Deus tinha planejado? Alguém foi capaz de interferir naquilo que já estava escrito! E você começa a ter esse Poder agora. Esse Poder é dos filhos do Fogo!
Fiquei impressionado e meio calado. Zórdico virou a cabeça e resmungou: — Taí, gostei! Fogo!
— Fogo? — Falei.
— Fogo?! — Ecoou Thalya.
— Fogo? Fogo?!
— Fogo!!
Todo mundo ria e repetia a palavra sem saber do contexto, por pura brincadeira.
— Alguém disse fogo?
— Que tal... fogo? No Cristo?! — Interveio Marlon. — Vamos torrar Jesus!!! Vamos programar uma morte diferente pra Ele!
Rúbia desatou a rir:
— É isso aí! Jesus assado!
— Isso, ótimo! Jesus na brasa!
— Bem passado ou mal passado?
— Vamos empalá-lo, então! Jesus no espeto!
Foi uma baixaria incontrolável. Mas até então eu achava que aquilo era uma mera brincadeira, mas Marlon, rindo a valer pela primeira vez, tornou a me cutucar.
— Pois então... faça! — Disse—me ele. — Dá ordem!
— Ordem?
— É, pode dar ordem! Não hesitei mais. Estendi apenas a minha mão e falei as palavras de evocação de Abraxas. Em seguida, acrescentei:
— Faça com que aquele manto se incendeie.
E fiz o sinal do Pentagrama no ar, empurrei-o na direção do Jesus que estava quase crucificado, deitado sobre a cruz de madeira. E diante daquele Teatro lotado de repente o manto que envolvia o personagem começou a incendiar de leve. Mas em segundos subiu muito rápido, como que num assopro do meu Guia o fogo alastrou-se e o personagem tornou-se uma bola incandescente aos gritos.
Foi uma correria, um verdadeiro auê! O Pilatos também passou mal imediatamente, vomitou de maneira incontrolável ali mesmo. Baixaram a cortina e nem vimos como apagaram o fogo.
Essa foi a hora em que rimos mais, quase não conseguíamos nos controlar.
— Quiá, quiá, quiá!!! Torrou mesmo Jesus! Vão ter que encontrar um outro!
— Quem sabe encontram um mais bonitinho da próxima vez! — Falou Thalya de novo.
Subia um cheiro de queimado que inundou o Teatro. Era mais engraçado ainda olhar para a carinha assustada de todo mundo. Num primeiro momento ninguém sabia bem se aquilo fazia ou não parte da Peça. Passaram-se alguns minutos e nada. Finalmente apareceu uma pessoa no palco. Ele afastou a cortina e deu alguns passos na direção do público. Nem fazia parte dos atores, não estava vestido a caráter.
— Peço desculpas em nome da nossa comitiva. Todos os presentes terão seus ingressos carimbados e poderão vir assistir à Peça em qualquer outro dia. Hoje, por motivo de força maior, a apresentação está suspensa devido ao acidente com o ator.
Nós mal conseguíamos ficar sérios. Saímos rindo a mais não poder e fomos direto para uma pizzaria para poder comentar à vontade sobre a "comédia". E sobre como eu tinha modificado o final dela.
Mas aquilo ficou na minha cabeça a semana toda. Que coisa. Não tinha sido necessário nenhum preparo, nenhum objeto, nada. Uma palavra minha e acabei com a peça! Inacreditável!
Alguns dias depois, uma tarde eu estava sentado sozinho em frente de casa tomando um sol. Só olhando para as árvores, pensando na vida, quieto. Até que veio vindo lá de cima um rapaz que volta e meia passava por ali. Tinha uns 22 ou 23 anos e era meticuloso: sempre vinha sem camisa e com a maior pose de "pancudão"! Eu já conhecia a figura de vista. Era o típico metido a "musculoso". Só que ele não sabia bem a diferença entre gordura e músculos: ele era mais gordo do que forte!
E naquele dia olhei... e me impliquei. Falei baixinho os encantamentos de evocação. Assim que senti Abraxas perto de mim, sempre olhando com raiva gratuita para o rapaz que quase passava à minha frente do outro lado da rua, pedi:
— Queria que esse cara morresse! E no meu ouvido esquerdo veio a voz dele:
— Você tem certeza?
— Não... morrer, não! Mas bem que ele podia sofrer um pouquinho. Que cara mais folgado! Ele é muito metido!
Nem bem terminei de falar e vi um vulto negro atrás do rapaz. Aconteceu bem ali à minha frente. De repente o vulto se adiantou e passou à frente dele. Então vi que o demônio estendeu a mão e como que atravessou o tórax do homem, adentrou por ele...e começou a apertar o seu coração!
Mas aí minha visão do demônio se fechou e pude contemplar apenas os resultados.
O jovem foi envergando, envergando, levou a mão ao peito com força e o rosto estava cheio de dor. Finalmente ele se deixou cair na calçada, se contorcendo. Na hora me ergui um pouco, pensei comigo:
"Nossa, ele vai morrer mesmo!!!!"
E de novo a voz de Abraxas:
— Quer que continue? Podemos levar a alma dele agora mesmo pro Inferno?
— Não, não, não! — Fiquei até assustado com aquilo. — Deixa ele, deixa ele! Não faz mais nada!
E aí vi que lentamente o rapaz parece que começou a melhorar. A dor diminuiu, começou a respirar melhor. Ficou ainda sentado um tempo, tão preocupado consigo mesmo que nem me viu do outro lado da rua. Não havia mais ninguém ali aquela hora.
Finalmente ele se levantou com um pouco de dificuldade. E seguiu seu caminho massageando o peito, o rosto preocupado.
Quanto a mim, deixei-me ficar ali um bom tempo ainda. Nem eu conseguia acreditar no Poder!
"Puxa vida... eu posso realmente mudar a História. Eu poderia ter mudado o curso da vida desse rapaz! Com uma única palavra..."
E me senti o máximo! "Nossa, como sou poderoso! Vou ser muito mais em breve!"
A questão das legiões que nos acompanhavam era um aspecto à parte e só se compreende perfeitamente o seu modo de agir com o passar do tempo.
No meu caso, após as aberturas dos Portais passei a ter contato com nove grandes Potestades e Principados. Ou melhor, era mais um oferecimento da minha vida a eles do que propriamente um contato mútuo. Porque eu não tinha ainda patente para fazer movimentar a Força de alguns deles. Lembrei-me de quando eu era ainda um Aprendiz ou um Mago, e Abraxas reagia aos meus comandos somente mediante a sinalização por meio de objetos. Não que lhe faltasse Poder para causar grandes destruições na ausência de um lenço ou cabelo da vítima. Mas é que eu não tinha ainda atingido o patamar hierárquico necessário para que assim acontecesse!
O mesmo se dava também com alguns daqueles demônios muito poderosos com quem eu tinha entrado em aliança através dos Portais. Ou seja, eles somente responderiam totalmente ao meu comando quando eu subisse ao nível de Bruxo, ou mesmo Sacerdote. Mas a aliança já estava firmada. Só teria que aguardar o tempo certo para que efetivamente se manifestasse o nosso vínculo em pés de "igualdade".
Era um privilégio a ser conquistado, sem dúvida!
Mas quando eu me relacionasse plenamente com Adramelech, Azazel, Abadom, Menphus e os demais teria um Poder incalculável. No final do Terceiro Ciclo eu poderia dispor completamente daquele Poder. Os Principados e as Potestades, como espíritos territoriais que são, exercem domínio extenso mediante a sua rede de comandados. Isto traduz-se em um Poder mais ou menos abrangente conforme se tenha a capacidade de fazer mover a Força deles.
Por enquanto, como Feiticeiro, o meu raio de ação de Magia estendia-se apenas pelo Território Nacional. Eu poderia lançar um Feitiço de São Paulo e atingir alguém no Amapá ou no Rio Grande do Norte sem ter que ir até lá e nem depender de ninguém de lá.
Mas mais tarde meu Poder se estenderia por toda a América Latina. E poderia aumentar ainda mais.
Alguns desses nove demônios poderosos que me haviam escolhido tinham sob seu comando nove legiões de dezoito demônios cada uma delas. Outros governavam outros tipos de legiões. Isso significava que estavam já ao meu alcance parte daqueles milhares de demônios de patentes altas. As castas continuam descendo, cada uma das Potestades tem milhares de demônios ao seu comando.
Foi somente então que comecei a compreender como é possível lançar um Feitiço e atingir alguém do outro lado do mundo. Se tivermos acesso a Principados poderosos — e patente compatível para movimentar essas forças — assim acontece!
Mas enquanto não se tem ainda tão grande Poder a comunicação e a Unidade dentro da Irmandade faz-se necessária. Se um inimigo precisa ser alvejado e ele sair do nosso território de ação, é preciso comunicar irmãos que possam fazer isto por nós. Ou por terem mais Poder... ou por estarem mais perto do outro território.
Logo comecei a freqüentar as reuniões específicas que me preparariam para o meu destino espiritual dentro do âmbito político. Sabia para o que tinha sido escolhido. Apesar de faltar ainda muitos anos, o trabalho seria árduo.
Primeiro aconteceram alguns Congressos que reuniram os 72 homens e as 18 mulheres escolhidas. O primeiro foi em Curitiba. Passamos um final de semana num belo Hotel e um homem veio de São Francisco, da Base, para palestrar. Para todos os efeitos, diante do mundo aquela era apenas uma Convenção comum. Coisa freqüente dentro das Empresas. Não despertava a atenção de ninguém.
Do meu Grupo de Conselho fomos apenas eu, Marlon e Górion. Os demais não faziam parte dos noventa escolhidos. Eu e Marlon ficamos muito próximos. Mas Górion já estava selecionado para fazer parte de uma subdivisão diferente dentro daquela estrutura.
As palestras duravam o dia inteiro mas nem todos participavam de todas as reuniões. Ficou implícito que alguns daqueles escolhidos não eram membros diretos da Irmandade, mas faziam parte dos Braços mais próximos. Ocupavam cargos de alto escalão. As posições de maior destaque na estrutura política eram destinadas à Irmandade, mas aqueles figurões de "fora" tinham seu quinhão estratégico. Ainda que em minoria. Por isso era claro que nem tudo se podia dizer na frente de todos.
Eu e Marlon fomos chamados a participar das reuniões na íntegra. Quando o grupo era menor naturalmente o descortinar da estratégia era maior. Quanto maior o Poder futuro naquela pirâmide mais dados seriam acrescentados.
Neste Congresso foram repetidas as diretrizes em relação ao final do Terceiro Ciclo e enfatizou-se muito os anos de 1998, 2002 e 2006. Novamente ficou claro que nem todos conseguiriam estar posicionados em seus lugares já em 1998 por causa de possíveis interferências das Igrejas remanescentes com suas orações de guerra. Mas a margem de erro era pequena.
A novidade principal foi a abordagem totalmente nova a respeito da capacitação a ser dada pelos demônios. Para que exercêssemos bem o nosso papel futuramente foi-nos dito que receberíamos um Poder completamente diferente de tudo que eu já tinha visto. Que seria estabelecido através de um "Elo de ligação".
— Normalmente as Entidades vêm até nós por meio dos Ritos e dos Portais abertos. Mas agora será diferente. Nós iremos até eles! Assim como existem "níveis" de Céu, o mesmo acontece com o Inferno. E há uma região no Inferno, uma Galeria onde habitam demônios que ainda não são operantes no nosso mundo. Uma espécie de grupo de retaguarda. Seres que estão à espera do sinal de comando para invadir a Terra e que darão todo o aparato de proteção e Poder ao anticristo. Estão como que nos bastidores do Inferno, soldados camuflados esperando pelo tempo certo: o toque da Trombeta. — Foi explicando o homem de terno bege à nossa frente. — Esse exército de retaguarda começa a ser liberto de forma progressiva a partir de março de 1998. Mas especialmente no findar dos 666 dias, na passagem do ano 2000, uma grande parte será enviada. Por isso é óbvio que o que se vê hoje na Terra não é o Poder total de Lucifér. Ele está guardando os seus melhores guerreiros para o fim! E se o mundo já está mergulhado num caos desde já, e a inoperância de Deus é completa, quanto mais nesse tão esperado período?! Quando Lucifér liberar cem por cento do seu Poder? Quando a Bíblia fala de terremotos, maremotos e grandes cataclismas está falando em outras palavras de manifestações demoníacas. Porque eles têm Poder sobre a Natureza! Se o próprio Jesus repreendeu a tempestade era sinal de que havia alguma coisa por trás daquela tempestade. Não era um fenômeno comum. Mas se os demônios podem dominar a Criação do Criador... o que não farão com todo o resto?! Deus criou os Céus, a Terra e tudo o que neles há. Mas veio Lucifér, que agora comanda tudo! Ele não somente tomou posse de tudo, mas também sentou-se na cadeira de comando. E no Apocalipse acontecerá que Lucifér dará também ordens à Natureza para que ela aja em favor dele e do seu exército.
Eu ouvia bastante interessado. Realmente não tinha idéia daquilo, que há demônios que nunca saem do Inferno, mas esperam pelo tempo do fim.
Quanto a nós, dali em diante deveria acontecer o contato com esses demônios preparados para o confronto final. Do mesmo jeito que eles dariam o respaldo ao anticristo, nos capacitariam desde já com o mesmo intuito. Justamente por sermos a futura liderança que montaria o palco para o governante dos últimos dias era imprescindível o contato imediato com eles.
— Mas eles estão no Inferno. — Disse novamente o homem que dirigia a palestra. — E de lá não sairão antes que se cumpra o tempo estabelecido. Então dessa vez vocês é que vão até eles! Descerão até a dimensão do Inferno e serão apresentados para que se estabeleça o Elo. Seus próprios Guias os levarão até lá!
De fato... tudo isso era muito novo.
Houve ainda mais dois Congressos de temáticas semelhantes. Um em Florianópolis e outro em Recife. Viajamos para mais dois finais de semana em cada uma destas cidades. Em Florianópolis Thalya esteve junto comigo. Enquanto eu assistia as palestras ela ia à praia, fazia compras. Só divertimento! Depois nem perguntava o que tinha sido discutido na reunião. Ela sabia muito bem que não era tempo de saber. Mas foi uma boa companheira para os raros momentos de folga.
Os pontos-chave nesses dois encontros foram as cidades mais importantes a serem completamente dominadas. Toda a região de São Paulo era importante. Até em relação ao crescimento de Igrejas Evangélicas era um dos maiores focos do Brasil. O interior paulista tinha sua importância, mas em menor escala, uma vez que já tinha sido bastante contaminado principalmente com a Maçonaria.
Houve menção especial ao Sul do Brasil e à Bahia. Belo Horizonte, Brasília e algumas outras cidades de menor importância estratégica foram salientadas também.
Haveria oportunidade de conhecer uma boa parte delas. Em ocasiões subseqüentes Marlon levou-me a conhecer diversos Núcleos Satânicos nesses lugares.
Depois dos três Congressos os noventa escolhidos foram distribuídos em grupos de apenas cinco participantes. Cada grupinho desses teria seu treinamento individual conforme as direções de Lucifér ao longo dos anos. Eu e Marlon ficamos juntos, e conosco mais dois homens e uma mulher. Ela não era de São Paulo, vinha somente para essas reuniões, uma vez por mês. Sempre nos reuníamos em casa de Zórdico ainda que ele mesmo não participasse conosco. Quase sempre Marlon comandava.
Deixou-se um pouco de lado aquela história de descer até o Inferno. Não aconteceria de imediato.
Começamos então, a princípio, aprendendo muito especificamente sobre Leviathan. Seu Poder, sua história, sua influência no País. Depois falou-se muito do Brasil em si. Um pouco de História antiga e atual, a questão da situação econômica, social, racial. Um panorama de cada estado do País foi esboçado, sua geografia, sua produção, sua história quando interessava. Foram esmiuçados um pouco dos costumes de cada região, até hábitos dos mais efêmeros: que tipo de comida e bebida são apreciados, que tipo de roupa se usa, as crendices regionais. Também repassou-se uma visão comparativa em termos de crenças religiosas e como se fazia a distribuição geográfica delas. Alguns aspectos particulares do Brasil foram detalhados: aonde há maior sensualidade, aonde estão as maiores concentrações de evangélicos, índices de criminalidade, etc.
Pareciam as aulas de história, geografia e ciências políticas que se tem no colégio.
São Paulo em especial foi muito bem esmiuçada. É uma cidade de fato interessante porque comporta-se como uma "região-espelho" de todo o Brasil. Em São Paulo há como que um resumo de tudo o que aparece pelo país inteiro.
Cidade de enormes contrastes: grande industrialização e mecanização ao lado de pobreza das mais intensas. É um centro financeiro, um centro cultural, um centro comercial, um centro político; vive debaixo de muita prostituição por causa da vida noturna intensa, é detentora de uma violência privilegiada, exala corrupção; tem alta rotatividade de narcotráfico, uma concentração muito grande de todo tipo de Igrejas, uma enorme miscigenação. Passada a fase dos panoramas brasileiros em todos os seus aspectos iniciamos efetivamente um esboço de como funcionava o sistema político. Quais eram as figuras mais proeminentes na época, a quantas andava o atual governo. Algumas predições sobre ele foram feitas. Aprendemos também algo sobre as leis, as emendas, a hierarquia, os partidos políticos. Vimos como funcionava a cadeia de influências que podem ser exercidas uma vez que se atinja um cargo de Poder.
Os componentes dos pequenos grupos estavam esperando instruções sobre quando e como seriam lançados. Mas não havia ainda um definição clara sobre as funções a serem exercidas. Conforme Lucifér fosse analisando o cenário e o potencial de cada um, ele mesmo indicaria quais peças deveriam entrar em cena. Nossa parte era estar preparados. E continuar na caminhada de Consagração aos Guias.
— Quando todos tiverem ocupado os seus cargos... — Disse-me Marlon certa vez. — O tipo de governo que cada um exercerá será perfeito. Nós não estaremos sujeitos ao "erro" porque os Guias existem desde antes da fundação do mundo. Eles sabem perfeitamente o que fazer. Nos darão a orientação certa, não estaremos sujeitos às falhas que os seres humanos estão. O homem erra porque ele não tem a mente que Lucifér tem!
Começamos a entrar em detalhes acerca de algumas castas hierárquicas de demônios, sempre dentro do âmbito das Potestades e dos Principados. Vimos com maior riqueza as suas particularidades, com muitas minúcias. Desde a classificação até a sua forma de atuação, e os Ritos específicos para desenvolver cada tipo de Poder específico.
Quando a Bíblia fala sobre "seta que voa ao meio-dia" ou da "Lua que molesta à noite" está falando de legiões que atuam em determinados horários, ou períodos, de maneira mais forte. Por exemplo, há demônios especialistas em causar doenças graves e que atuam apenas na área da saúde. Há outras legiões específicas de demônios que trabalham na mente das pessoas, no consciente, subconsciente e inconsciente delas. Esses demônios não estão ligados necessariamente às doenças mentais — ainda que possam fazê-lo — mas à capacidade de persuadir as pessoas a aceitar uma idéia e rejeitar outra, por exemplo. Isso significa que eles podem tanto influenciar a opinião das pessoas como também causar todo tipo de distúrbio tido como psicológico e psiquiátrico. Outros são especialistas em unir ou desunir pessoas, estão muito ligados aos vínculos humanos e às suas alianças. Alianças de casamento, de família, de irmãos, de amigos... entre políticos...
Outros atuam no segmento da violência. Outros potencializam ou retiram talentos específicos de pessoas específicas; outros são demônios de sensualidade; outros, de morte, e etc... etc... etc....a lista foi infindável, um longo estudo.
Uma vez que se conheça o seu destino espiritual dá-se início a um conjunto de estudos e contatos com os demônios específicos da área para a qual se foi escolhido. E que não têm nada a ver com o resto da Irmandade. Os Ritos específicos vêm descritos no Livro dos Grimões e são trancados debaixo de trilhões de chaves. Outras pessoas da Irmandade que não tenham sido chamadas para o mesmo fim nem ficam sabendo nada a respeito, são segredos guardados dentro de cada grupo de treinamento. Além de ser uma forma de proteção, é impraticável todos saberem tudo acerca de tudo e todos! Por causa da complexidade muito grande destes Rituais. E assim como eu nada saberia sobre os Ritos específicos de outras fatias de atuação... eles também nada saberiam sobre nós.
E então, finalmente, começamos alguns treinamentos específicos para posteriormente realizarmos o Ritual que nos levaria até a dimensão do Inferno. Primeiro o treinamento era individual. Eu devia aprender a fazer sozinho para depois fazê-lo em conjunto. Como uma coreografia. Primeiro você aprende a sua parte e só depois dança junto com os demais.
Para que o balé se tornasse perfeitamente afinado cada um tinha que fazer muito bem a sua própria parte. Pois aquelas práticas eram em extremo complexas, muitíssimo sigilosas, e não se podia pensar em brincar com algo de tal seriedade. Foram sendo descortinadas questões extremamente secretas da Alta Magia.
As partes necessárias do Livro dos Grimões foram traduzidas para cada um a fim de que começássemos a compreender aquele novo contexto.
Era claro que havia uma série de obrigações periódicas a cumprir até o ano de 1998. Algumas orientações já tinham sido dadas, como a visita ao Inferno. Outras viriam apenas com o correr dos anos. Estas obrigações culminariam aos poucos no Poder de que necessitávamos para atuar.
Mais tarde ficamos sabendo que a questão da liderança do país não era somente política, mas envolvia também a polícia, a área do Direito e certos patamares dentro da mídia.
No meu caso fui direcionado a participar de um tipo de Ritual que seria feito na Lua Cheia. Outros grupos, eu sabia, ao contrário: trabalhariam na Lua Nova, ou na Lua Minguante. Assim nós conseguiríamos fechar uma aliança entre nós, um círculo onde cada um estaria mais forte dentro de um período, especializado dentro de um quadrante.
Eu estaria me especializando em um tipo de Ritual para uma legião de demônios que tinha ação na mente. Aqueles capazes de influenciar opiniões, facilitar a persuasão, fazer nascer e fazer morrer idéias e também causar distúrbios de loucura. Me seria dado o dom da palavra e o dom da persuasão. O que seria muito importante no lugar aonde eu estaria.
Eu ainda não tinha esta legião me acompanhando, mas os novos Ritos que se aproximavam iriam aos poucos me colocando em contato com eles. Aprendi que alguns demônios podem controlar pessoas à distância, e aquilo me deixou outra vez de boca aberta. Com aquele novo conceito em mãos me ficou mais claro como seria possível que seres de dentro do Inferno pudessem dar capacidades a quem estava na Terra. Eu sempre tinha imaginado que para haver influência os demônios necessariamente têm que estar pelo menos por perto, ou então canalizar. Achei incrível!
Assim como o homem, na sua limitação, foi capaz de desenvolver o "controle remoto", quanto mais os seres espirituais não são capazes de fazer algo parecido? Só que com muito mais técnica!
O que existe entre um aviãozinho e o seu controle remoto, além do ar? Um aviãozinho pode voar bem alto e, sem sair do chão, nós pilotamos todos os seus caminhos. Isso só acontece porque existem ondas de rádio que, emitidas pelo controle remoto, acionam os motores do avião à distância. Mas não é qualquer controle remoto que move qualquer aviãozinho. Tem que ser o controle certo para o avião certo, ou seja, é necessário o acoplamento entre um e outro. A ligação entre um e outro. O Elo.
O mesmo pode acontecer com os seres humanos e as Entidades espirituais. À nossa volta não existe apenas ar, há também um campo energético complexo e vasto que não enxergamos, mas que está ali. Os demônios podem movimentar este campo externo, podem lançar de si mesmos uma "carga" energética que vai causar uma mudança no campo como um todo.
Isso leva à produção de um estímulo eletromagnético capaz de interagir no nosso cérebro, pois ele funciona através de impulsos elétricos. Daí resulta uma reação orgânica, bioquímica. Uma reação "corporal"!
Em outras palavras, se os demônios puderem causar essa interferência elétrica cerebral... eles controlarão à distância qualquer indivíduo! É o mesmo princípio do controle remoto que age por meio de ondas de rádio e movimenta o avião. Desde que haja como estabelecer o Elo, aonde ligar esses "fios" invisíveis... os seres humanos podem ser manipulados como perfeitas marionetes pelo mundo espiritual.
É simples depois que se compreende o conceito.
Ficou claro, então, que era mais ou menos isso o que aconteceria conosco quando descêssemos ao Inferno.
(Eu ainda não sabia, mas os demônios podem estabelecer esse tipo de ligação com quem eles quiserem, de forma inconsciente ou subliminar. Desde que haja como haver o acoplamento. No caso dos "órfãos" era muito fácil. Há muitos pontos fracos. E no caso dos Cristãos a maioria das vezes também não era diferente: podem ser encontradas brechas para o controle à distância).
E uma vez terminado o treinamento específico estávamos preparados para realizar o Ritual em conjunto. Seríamos levados pelos nossos Guias ao passeio pela Galeria Infernal aonde estavam os soldados dos últimos dias.
Levei um pouco de tempo para digerir aquela experiência absolutamente estranha. Marlon já estava bastante acostumado àquela prática, mas para mim era novidade. No entanto ele não disse nada e nem me preparou antecipadamente.
Nos reunimos os cinco em casa de Zórdico, como sempre, numa sala especial para aquele fim. E sem maiores delongas fizemos cada um dos passos Rituais necessários. Colhemos um pouco de nosso próprio sangue na região do umbigo, desenhamos com ele um Pentagrama no abdome, bebemos a poção, passamos um ungüento especial no corpo todo. Havia música e incensos. Uma atmosfera propícia nos envolveu.
Todos os passos para o desdobramento foram lentamente seguidos. Somente por desdobramento nós sairíamos daquela sala e iríamos em direção ao nosso destino.
Senti meu corpo flutuando. Por uma fração de segundos pude ver os nossos corpos ficando lá embaixo. Atravessei o teto, subi, e tão logo saí da casa senti meu corpo sendo sugado. Literalmente aspirado para dentro de um túnel escuro como se estivesse dentro de um cano de aspirador. Tive a sensação de ver as coisas passando muito rápido perto de mim. Extremamente rápido. Pelo menos assim me pareceu.
Me questionei muito a respeito depois. Teria sido uma alucinação? Um comportamento dirigido, pré-sugestionado?...
Mas a verdade é que ao final daquele túnel escuro fui projetado num cenário esquisitíssimo. Um lugar como um "Grand Canion" de pura rocha, com vastas depressões muito profundas, picos montanhosos altíssimos. Senti como se fosse cair naquele precipício, ir direto para o abismo lá no fundo, mas não foi o que aconteceu. Simplesmente eu flutuei acima daquela paisagem impressionante, daquele céu em tom lilás.
E não houve tempo para mais nada, tive apenas a percepção de Abraxas ali ao meu lado e de repente eu já estava dentro de uma sala. Ou do que parecia ser uma sala. De altas paredes de pedra e iluminada brandamente por alguma fonte luminosa que eu não sabia dizer de onde vinha. Não havia ali velas, ou tochas, ou lâmpadas. Mas estava iluminado de forma que eu enxergava bem.
Senti de pronto um cheiro adocicado, agradável. Mas um pouco sufocante.
E então eu o vi. Belfegór. Um demônio imenso, como eu nunca imaginara. Estava sentado num trono de pedra e ladeado por dois outros demônios com aspecto de lobos. Deviam fazer o papel de guardas ou sentinelas.
Belfegór parecia uma espécie de minotauro, mais para o lado humano do que animal. Muito grande, muito forte. Os pés tinham cascos. E o seu cetro exibia na ponta um crânio humano, no seu cajado havia pedaços de vísceras e membros humanos grudados. Pareciam reais.
Não tive muita oportunidade de ver mais nada. Ele olhava para mim e sua voz soou de maneira fortíssima. Ele falava e eu sentia tudo tremendo e vibrando à minha volta.
— Quando soar o toque da trombeta você será revestido de um Poder incalculável. Mas por enquanto eu não tenho muito o que te dar. Mas o que eu tenho, eu te dou. Você vai sair daqui hoje com uma capacitação especial. Quando você falar, eu falarei através da sua boca. E as pessoas vão ficar magnetizadas, atraídas, dominadas por isso. A sua palavra terá muito Poder. Você vai ser muito usado pelo mecanismo das palavras. A partir de hoje, a sua mente é minha mente... o teu corpo é meu corpo... a tua força é minha força! E eu darei sabedoria à sua inteligência.
E então ele estendeu a mão na minha direção e tocou a minha cabeça. Seus dedos terminavam em garras. E quando ele imprimiu o indicador no centro do meu crânio, no Nono Portal, senti uma pontada. Mas aí ele falou novamente:
— Nós estamos ligados. Foi feito o Elo. Você ganhou um outro nome ao seu lado. Agora você tem o conhecimento de Belfegór.
E me falou a sua patente, a qual já não me recordo. Me senti lisonjeado, e a sensação foi tão ímpar naquele momento que não consegui pronunciar uma só palavra. Foi impossível abrir a boca, a impressão que me dava é que nem boca eu tinha. Quanto mais ser capaz de produzir algum som com ela.
Imediatamente senti minhas costas arrepiando, somente as costas. E meu corpo foi sugado com muita violência para trás. Minha coluna até estalou, meus ossos pareciam remexer-se por causa daquela sucção muito forte. Vi tudo afunilando à medida que entrei de costas no túnel. Até que a visão desapareceu e quase de imediato eu senti um baque, um tranco... e minha cabeça bateu fortemente no chão.
Eu estava de novo na casa de Zórdico. Mas me pareceu como se tivesse caído, como se tivesse sido jogado do teto até o chão. Ou como se estivesse dormindo e acordasse do meu sono com o barulho da minha cabeçada. "TUM"!
Meu corpo estava dormente, formigando, esquisito. E junto com isso veio uma sensação de refrescância em todo o corpo. Mais ou menos parecida como quando chupamos uma bala de menta e tomamos água em seguida. Era gostoso...
Levantei meio aos trambolhões e fui direto para o chuveiro tomar um banho. Queria tirar logo aquele ungüento do corpo. Nem liguei para os outros. A bem da verdade nem me lembro seja estavam de volta ou não. Não faria muita diferença porque ninguém deveria comentar nada acerca de suas experiências individuais. Pelo menos não num primeiro momento.
Entrei debaixo do chuveiro e quando passei a mão pela cabeça vi que estava suja de sangue. O lugar aonde eu tinha sido tocado pelo dedo de Belfegór estava sangrando. Tentei olhar o que havia ali mas não vi muito bem por causa do sangramento, que durou um tempo ainda. Deixei de lado.
Não houve a formação da crosta normal de um ferimento normal. Depois de alguns dias criou-se um tipo de escamas muito finas naquele local. E a pele ficou meio grossa, áspera. Somente naquele diminuto ponto. A região descarnou como cal, como uma farinha fina, durante um tempo.
E depois ficou uma marca, uma pequena circunferência de coloração esbranquiçada aonde não nascia cabelo. No Nono Portal. Lembrei-me da antiga teoria: o Nono Portal, o mais poderoso, precisava de três Ritos para ser completamente aberto. Eu já tinha passado por um. Teria sido esse o segundo? Estaria mais aberto ainda o meu Portal?
Fiquei super-cabreiro. Confuso. E tive receio de voltar novamente ao Inferno, falar de novo com Belfegór. Nem sei por quê. Não havia motivo aparente!
"Que coisa estranha... será que eu fui, será que não fui até o Inferno?... Mas fiquei com uma marca..."
Embora não pudesse conversar com outras pessoas, a Marlon pude perguntar algumas coisas. Ele me escutou limitando-se a responder que estava tudo normal, tudo correndo dentro do esperado.
— Isso é algo semelhante à marca que você tem na mão. A marca da mão é um selo com Leviathan; a da cabeça é um selo com Belfegór. Dependendo da patente e do tipo de missão para a qual você foi chamado, pode haver mais selos pelo corpo. Mas a maioria é feita na cabeça. Essas marcas são símbolos de patentes espirituais que você recebe no seu corpo físico.. E esse pontos jamais, em hipótese alguma, podem ser ungidos com óleo.
Não fiz muitas perguntas a respeito disso na época. Nem entendia bem o que era essa tal de unção. Só vim a saber com maior clareza mais tarde. Naquela hora me limitei a expor minhas questões individuais:
— Olha, Marlon, de qualquer forma, apesar disso que você está me dizendo... eu tenho mesmo que ir lá de novo?
Questionei um pouco e obtive como resposta algo que me agradou.
— Tudo bem, Rillian. Não é absolutamente necessário que você volte agora. Dá para esperar um pouco mais porque, de qualquer forma, o Elo já está feito mesmo. Mas quando você completar 25 anos não haverá mais como adiar esses Ritos. Fui claro? Mas das reuniões mensais você continua participando.
— OK!
E assim foi. Por um tempo eu não precisaria mais dar as caras para Belfegór. O que, no íntimo, me alegrou bastante.
Eu tinha pouco mais de 21 anos nesse período.
A questão das Igrejas falsas era uma realidade que eu já tinha experimentado. Não somente com relação à Igreja das minha colegas da Style, mas muitas outras. Depois da palestra de Gwyneth e do pai dela percebi que o que tinha acontecido com aquela Denominação Cristã nova não tinha sido somente uma brincadeira. Fazia parte de planos muito maiores.
Era uma Igreja relativamente nova, quase ninguém havia ouvido falar, estava começando no Brasil.
Ouvi comentários sobre ela várias vezes, tinha uma unidade enorme que alguns já tinham ido conhecer. Foi justo uma das primeiras que apareceram. Um dia fui convidado para dar um pulo até lá também. Um rapaz que não fazia parte do meu círculo de relacionamentos mais estreitos convidou-me para ir. Segundo ele, iam dar uma "sondada".
— A mensagem básica dessa Denominação, pelo que nos chegou até agora, já é um prato cheio. Eles falam o que o povo quer ouvir e prometem o que o povo quer ter: dinheiro e cura física. Uma vez que o sistema financeiro do país está falido e o sistema de saúde também, não é à toa que eles estão atraindo tanta gente! Você não quer acompanhar a gente para conhecer o Cultinho deles?
Topei. Fomos até lá num grupo pequeno e entramos. Estávamos em oito pessoas. O lugar de fato era grande e estava bem cheio, mas não representava nenhum perigo para nós. Nos espalhamos e percorremos o local em grupos de dois até nos acomodarmos para o início do Culto.
A palavra era vazia, a Igreja era morta, o Pastor só gritava, pulava, agitava-se, e o povo ia ao delírio. Ele dizia que o diabo estava amarrado, destruído, que toda obra de macumbaria e feitiçaria estava desfeita, e todo mundo ia prosperar porque Deus tinha feito a Promessa e etc... etc... por aí afora.
No final da pregação o Pastor abriu um espaço para testemunhos e quem quisesse poderia ir contar o que Deus estava fazendo em suas vidas. Eu não fui, já estava ocupado demais tentando conter o riso. Mas três dos rapazes que estavam conosco entraram na fila e foram "testemunhar". Eles contaram histórias totalmente estratosféricas, falaram coisas muito acima da realidade, chutaram o balde. E a Igreja quase vinha abaixo de tanta euforia:
— GLÓRIA A DEUS!
— ALELUIA!
— AMÉM!!!
E salvas e mais salvas de palmas, e uma gritaria histérica ecoava vez após vez. Confesso que me diverti muito. E percebemos que de fato aquela Igreja tinha muita chance de crescer, com aquela palavra vazia mas que atraía muita gente. Nada como dar um empurrãozinho.
— Precisamos de pequenos milagres! Algumas pessoas precisam ser curadas de doenças graves, por exemplo. E bastante, bastante profecia, e dons de revelação. E muitos possessos sendo libertos!
Em Igrejas que estão crescendo muito rápido a necessidade de líderes e Pastores é muito grande. Foi facílimo infiltrar muita gente naquele lugar. E cerca de trinta pessoas da Irmandade logo ocuparam cargos importantes. A raiz da Igreja foi totalmente contaminada, aqueles trinta influenciaram todos os demais. A doutrina Satânica era propagada e os líderes mais compromissados generosamente colocados de escanteio. O povo recebeu o que queria, porque não estava nem aí em ter compromisso com Deus. Nada de carregar a cruz, sofrer, fazer morrer a sua própria carne, desejar o Criador pelo que Ele era. O que queriam era bênção, bênção, bênção: prosperidade e curas.
Não foi difícil fazer parecer que aquele era o lugar certo para conseguir tais coisas.
— Também precisamos libertar mais vidas do poder do diabo. Podemos sugerir e influenciar os líderes para que contratem pessoas e paguem para que elas se sujeitem a fazer o papel de "endemoninhados". Elas armam um escândalo e ganham o que precisam!
E não é que aconteceu mesmo?!! Boa parte daquela gente não tinha nem o que comer em casa. Tudo tem o seu preço, e sempre havia quem subornar para se fazer passar pelo "demo". E todos poderiam ver e palpar o "poder" daquela Igreja.
Essa Igreja foi apenas mais uma dentre tantas outras que vi sendo esmagadas ao longo daqueles anos. O Exército destacado para destruir completamente o Cristianismo não dormia no ponto!
As grandes campanhas de "cura" que volta e meia aconteciam no Brasil por vezes eram forjadas. Os "ministros de Deus" que vinham invariavelmente dos Estados Unidos nada mais eram do que Pregadores fabricados pela Irmandade. A mídia tem um poder fantástico. Pode-se transformar o maior salafrário num homem santo. Basta marketing maciço em cima. E para tanto o único pré-requisito é a agência de publicidade, que não falta dentro da Irmandade. E muito, muito, muito dinheiro. O que falta menos ainda.
Qual o estereótipo do Pastor perfeito? Ele precisa falar bem, ser muito articulado e convincente. Precisa exibir uma linda família, de preferência uma mulher com cara de santa e pelo menos três ou quatro filhos no "caminho do Senhor". De preferência mais filhas do que filhos porque a mulher sempre tem uma aparência mais santa. Este homem de Deus também tem que ter muito dom de revelação, conhecer a vida das pessoas de cabo a rabo sem que tenha sido previamente informado. E também um poder tremendo de cura.
E depois: fitas de vídeo, palestras pelo mundo, mídia, marketing, grandes campanhas. Está feito o líder! Estes homens sempre vêm das bases, são treinados especificamente para isso nos Estados Unidos e na Holanda.
Especialmente quando se trata de cura física os Cristãos esquecem de tudo o mais. Inclusive do texto em que Jesus adverte os seus discípulos dizendo que "muitos farão curas em Meu Nome". Jesus não disse que muitos fariam curas no nome do diabo, mas em Seu Nome.
Mas desde que a cura venha parece que nada mais importa, nem mesmo que isto tenha sido feito falsamente em nome de Deus.
— Olha só! Esse homem faz curas. Ele diz: "Em nome de Jesus"! E os doentes de câncer são curados! Esse homem é de Deus!
Ninguém se lembra das advertências bíblicas, de que viriam falsos profetas fazendo milagres maiores do que os de Jesus e enganariam a muitos. Até mesmo os próprios escolhidos. Todos se esquecem de que Lucifér pode curar e trazer o mal sobre eles... em nome de Jesus!
Melhor para nós! Porque os encantamentos que fazíamos para que de fato eles não enxergassem nada à sua volta funcionava cabalmente! Os Cristãos não sabem nem pelo que eles estão lutando, não conhecem ao Seu Deus e nem à causa para a qual foram chamados. Estão adormecidos, dormindo em berço esplêndido, buscando cada um ao seu próprio interesse. Quando acordassem...seria tarde!
Eles estão esperando aparecer alguém com estereótipo de Bruxo para começar a suspeitar de alguma coisa. Alguém com ar maquiavélico, recendendo a enxofre por onde passa. Podem esperar sentados. Nenhum filho do Fogo verdadeiro denunciaria a sua presença!
Os Cristãos não estão preparados para supor que um homem branco, com uma família bem constituída e aparência inocente possa ser, de fato, um "lobo em pele de cordeiro". Como são idiotas!!! Não têm um pingo de visão.
E vi com meus próprios olhos como facilmente são corrompíveis os que estão imbuídos de cargos de liderança. Parece que para eles os fins justificam mesmo os meios. Não importa o que Deus vai pensar. Desde que façam como querem e nos finalmente a coisa fique com aparência de Cristã... tudo bem!
Realmente a sedução do sexo e do dinheiro era muito simples. Vi acontecer várias vezes. Não precisava ir muito longe. Por exemplo, Kzara era uma mulher cuja missão era derrubar líderes evangélicos. Só nessa altura entendi o que no começo não fazia sentido. Volta e meia eu a ouvia falar:
— Aquele Pastor ali, aquele verme, vive falando eruditamente com aquela cara lavada no seu pulpitozinho. Mas olha só! Falou tanto, falou tanto, mas pois é! Pois agora caiu! Deitou comigo, e ainda por cima o cara é o maior frouxo. Tive vontade de matar ele ali mesmo! Pena que o mais interessante no momento é o vivo.
— Deixa o cara, Kzara! Morto não sofre, e agora ele vai colher o fruto. Vai sofrer o impacto do que foi plantado, o que é muito melhor. E quando ele cair, o povo que ele lidera vai junto.
Mais tarde eu vim a saber quem era o Pastor do qual Kzara falava, e com quem dormiu várias vezes. Ele era um dos que estavam na linha de fogo e que deveriam cair dali a muitos anos. No ano de 1998, no final do Terceiro Ciclo. Era um tempo em que muitos líderes deveriam sair do caminho.
— Quando esse homem cair...ah! — Kzara era a que mais se regozijava.
A semente do mal estava plantada e estava sobre ele. No momento certo daria fruto. Muitos estavam sendo monitorados. Kzara e as outras que tinham esse tipo de missão trabalhavam muito. Às vezes viajavam também. Até para o exterior, se necessário.
A verdade é que havia um encantamento sobre elas, um encantamento de sensualidade. A própria Kzara era o tipo de mulher totalmente irresistível aos homens naturais. O olhar era muito penetrante, o jeito de andar tremendamente sedutor. Mesmo de calça jeans ela não passaria despercebida. Tudo o que usava era produto de Feitiçaria, até o tipo de perfume, os colares, os adornos.
Kzara já tinha sido gerada com esse propósito. Ambos os pais faziam parte da Irmandade, mas não no Brasil. Desde o nascimento ela já tinha sido consagrada para servir ao Reino das Trevas e a Lucifér nesta função específica.
O objetivo de mulheres como ela era puramente conseguir plantar a semente. Abrir a legalidade. Quando tinham a relação sexual com os homens de Deus, elas plantavam essa legalidade através de encantamentos. Normalmente também colhiam material para que se pudesse perpetuar o Feitiço de uma forma muito especial. Pele, pêlos, cabelo, esperma. Tudo isso era levado para os Ritos. Existe um salão na Irmandade preparado só para esse fim. Ali são guardados esses materiais para que se possa criar uma amarra e uma brecha permanente. Os demônios podem agir mais livremente.
Os materiais são misturados com sangue de sacrifício e poções específicas. Espiritualmente falando o negócio era para valer! Além dos homens-alvo já terem caído, pecado, atraído maldições sobre si mesmos... ficavam com aquela amarra invisível e permanente.
Depois de Consagrados os materiais extraídos o ideal era que se pudesse trazer um pouco destas poções de volta para eles, através de um café ou um suco. O simbolismo é fortíssimo. Como se através daquele ato, mesmo sem o saber, eles estivessem aceitando a Consagração que fora feita de suas vidas a Lucifér. Dizendo "Assim seja"!
No serviço tive uma agradável surpresa logo depois disso. Eu já era Supervisor há mais de um ano mas nunca tinha tido contato pessoal com o meu Diretor Financeiro. Porém um dia eu estava liberando uma remessa para o exterior, para a Bélgica, e precisava da assinatura do dito cujo.
Normalmente quem fazia a ponte entre a Supervisão e a Diretoria era a Maria. Como Supervisor eu não participava das reuniões com a Diretoria. Mas Maria e os demais Gerentes repassavam as diretrizes para nós, os Supervisores, em reuniões. E eu, por minha vez, repassava o necessário aos meus funcionários com outra reunião.
Mas ela estava viajando naquela semana, fazendo um curso fora. E diante da urgência da remessa subi eu mesmo até a sala do Diretor. Quase nunca ele estava lá, sempre em viagens pelo mundo todo a negócios. Só que naquela ocasião eu o encontrei. Falei com a secretária dele que procurou ser cordial mas respondeu:
— Tudo bem, deixa aqui que eu mesma levo pra ele.
Eu precisava da assinatura o quanto antes. Então expliquei com calma:
— Olha, eu espero. Realmente estou precisando muito despachar a remessa. Ela atendeu meu pedido e foi cuidar do problema na mesma hora. Entrou na
sala dele, deixando a porta entreaberta. Quando olhei e dei de cara com ele, à distância, estremeci de leve:
"Opa! Eu conheço esse cara! Eu já vi ele lá na Irmandade, será possível? Só se for alguém muito parecido."
E fiquei olhando, tentando manter a discrição. Afinal o sujeito era Diretor da Empresa! Não podia ser assim confundido com um Satanista, de graça. Mas era muito difícil que eu estivesse enganado. Ele tinha uma particularidade que me chamara a atenção logo de cara: o cabelo dele parecia uma peruca, e era de um tom acaju! Não deixava de ser realmente engraçado, um homem de 50 anos com aquele cabelo todo penteadinho. Era a coisa mais esquisita que eu já tinha visto.
Coisa de francês! Ele não negava mesmo a raça, cheio de coisinhas, e lenços no bolso e rococós na roupa, e falando cheio de biquinhos franceses: "Jùe, jùe, jùe". Sem dúvida era meio difícil esquecer daquele senhor de cabelo acaju e sotaque francês bem acentuado. Eu tinha certeza que já tinha mesmo cruzado com ele várias vezes nas Reuniões de Celebração!
Olhei para o teto como quem não quer nada.
"É mesmo muito parecido! É um sósia!"
Mas ele então me viu de dentro da sala e não pareceu nem um pouco surpreso com a minha presença.
— Ah, Eduardo! Comme vite, comme vite! — E me fez sinal para entrar. — Bonjour, rapaz!
Ele dispensou a secretária e me estendeu a mão.
— Tudo bem? Olha, parabéns pelo seu empenho. Você está fazendo um bom trabalho aqui na Empresa.
"Será que ele está mesmo só falando de trabalho ou tem algo mais nesse convite para entrar?". E alto:
— O senhor me desculpe... — Eu não queria arriscar exageradamente. — Mas eu acho que o conheço de algum lugar, não conheço?!
— Sim, certamente que me conhece. Olha aqui! — E afastou um pouco o cabelo da orelha.
Que gesto pouco habitual. Me estiquei sobre a mesa e olhei. Havia ali uma marca muito parecida com a minha. Seria somente uma cicatriz? Eu não quis falar nada mesmo assim. Deixei que ele completasse a frase:
— Tá vendo? Somos irmãos!
— Somos irmãos?! — Filhos do Fogo!
— Ah! Então é isso mesmo! Eu já tinha te visto lá na casa do Zórdico!
— Eu também vi você! No Rito dos Portais!
— E não era você também lá naquela outra cidade, naquele dia assim e assim?
— Era eu mesmo!
— Puxa, que mundo pequeno!...
— Não, o mundo não é pequeno... nós é que somos muitos! Oh, Oh, Oh!
— Ah, Ah, Ah! — Decididamente aquilo era muito engraçado. Ainda mais vindo do Diretor da Empresa! — Ah, Ah, Ah!
— E quando você precisar pode vir falar direto comigo, não precisa fazer ponte através da Márcia, ouviu?
Eu pensei comigo mesmo: "Meu irmão, que tal um pequeno aumento? Que tal matar logo essa nossa Gerente?". Mas respondi polidamente:
— Ah, mas é o protocolo, né? Não posso ir passando por cima das hierarquias.
— Pois o protocolo que vá (...)! Por acaso ela é nossa irmã? Nós é que somos irmãos! Ela eu quero mais é que morra, que se exploda! Aliás, talvez ela não fique muito tempo na Empresa mesmo...
Não disse nada mas entendi o recado.
Depois disso volta e meia nós conversávamos, brincávamos, algumas vezes ele me convidou para almoçar com ele, mas não aceitei. Eu achava que não ficava bem diante dos meus funcionários. Gostava de fazer uma política, fazer de conta que estava perto deles, porque quando precisasse sabia que eles iam colaborar comigo e trabalhar bastante.
E continuei almoçando com meus subalternos. Não queria dar aquela imagem de que eu era "o poderoso", daqueles que fazem panelinhas e almoçam com "os poderosos". E deixava a ralé de lado!
E... mas vê se pode. O Diretor Financeiro da Style também era da Irmandade!
Alguns dias depois disso eu almocei com alguns amigos da Irmandade durante meu período de intervalo na Style. Marlon não pôde vir devido a alguns compromissos e então fomos apenas eu, Thalya, Zórdico e um casal que pertencia a um outro Grupo de Conselho.
Na verdade Zórdico é que havia me chamado. Estava ali por perto resolvendo coisas junto com o casal, e me telefonou convidando-me a acompanhá-los no almoço. Eu chamei Thalya e todos nós nos encontramos. Foi bastante agradável. O casal — Pietro e Marcela — eu conhecia de vista. Eles eram muito falantes e acabaram por comentar, a certa altura da conversa, sobre o trabalho que algumas pessoas do Grupo deles exerciam nos Hospitais.
Via-se que falavam de algo que julgavam ser muito importante. Como era, de fato. Eu conhecia muito superficialmente aquela fatia porque em meu Grupo ninguém havia sido chamado para isso. Me empolguei e fiz muitas perguntas. Notando meu interesse genuíno, Pietro convidou:
— Nós temos que passar por lá após o almoço, e é aqui perto. Se quiser, pode nos acompanhar! Você vai conhecer um Hospital muito grande!
— Ótimo!! Hoje estou mais livre, tenho um tempo bem dilatado. Se vocês tivessem me pegado há dois dias, por exemplo, seria meio impossível. Vamos lá, sim!
Thalya não podia ir, de forma que fui sozinho com Pietro e Marcela. Pelo caminho fomos conversando.
— É preciso que fiquemos sabendo rapidamente quando entram Cristãos nos Hospitais.
— Mas como ficam sabendo tão rápido? Os Guias sinalizam? — Perguntei.
— Alguns, sim, claro. Os Guias monitoram tudo. Mas há gente dentro do Hospitais para exercer essa função.
— Normalmente alguém que já é médico, ou da enfermagem, colabora muito nesse sentido. Não se descansa dia e noite nesse trabalho!
— E se entram Cristãos...?
— Ficamos sabendo na mesma hora! O destino deles depende muito de que tipo de Cristão eles são. Muita gente não merece cuidado especial, os demônios se encarregam deles normalmente. Mas se for alguém que esteja já na alça de mira...
O Hospital realmente era muito grande, um labirinto cheio de gente. Pietro e Marcela penduraram seus crachás e entraram sem problemas. Eu fui junto. Entramos por uma ala perto do Pronto-Socorro e pude ver rapidamente a confusão. Mas logo tomamos o elevador e fomos para lugares mais privativos, aonde só circulava gente do próprio estabelecimento.
— Nosso ponto de encontro é numa sala de reuniões aqui no andar. Há três colegas que vamos encontrar nessa Unidade.
Marcela abriu a porta e demos de cara com dois senhores que já estavam lá dentro. Abraços, sorrisos, fui apresentado a eles. Não eram quaisquer médicos. Pelo que vi, grandes figurões, poderosos, ocupavam cadeiras de destaque lá dentro.
— E aonde está o Russo? Não pôde vir? — Perguntou Pietro.
— Ele está ocupado num lugar aonde vocês não podem entrar agora. Está dando cabo de um infeliz! Já não era sem tempo!
— Aquele verme de homem que comentamos há poucos dias? Ora, viva! Então ele vai completar o serviço?
— Precisamente!
O médico que usava óculos virou-se para mim e sorriu, explicando:
— Trata-se de um Missionário. Isto é... tratava-se! — E voltou a dar risada. Explicaram-me rapidamente de onde saíra o Missionário e como ele dera entrada há pouco mais de uma semana na Enfermaria.
— Há muitos Cristãos que são internados aqui? — Perguntei.
— Depende do que você quer dizer com "muito". Perto do contingente de pessoas que passa por aqui, não é muito. Depois não é com todo Cristão que importa perder tempo. Tem gente que já é tão morta espiritualmente que convém viver um pouco mais, sofrer um pouco mais, decepcionar-se um pouco mais com Deus! Mas pode ter certeza de uma coisa: se entrar aqui alguém que mereça não sair mais... não sai mais mesmo!
— Aliás... — Comentou o outro médico. — É impressionante como esta gente insiste em cultuar Deus! Sabe, para nós que estamos aqui dentro o tempo todo e convivemos dia-a-dia com o sofrimento humano, fica cada vez mais claro que o Amor de Deus e a Sua Justiça não existem. Aqui nós vemos todos os dias como Deus é "bom". Lares e famílias inteiras destruídas pela doença, coisas medonhas! Para nós a doença não existe, mas para essa pobre Humanidade perdida nas mãos do Criador... nem queira saber, meu irmão!!! — Ele falava com um tom de voz irado, e profundamente convencido do que dizia. — Nem os filhos de Deus escapam dessa situação ridícula, vergonhosa! Precisa ver a que ponto pode chegar a dor, a angústia, a solidão. Estão completamente perdidos e nem sabem disso. E, claro, nós estamos aqui para aliviá-los um pouco de todo esse peso! — E riu.
Tocou-me profundamente o que ele disse, e suspirei aliviado. Que bom que eu era um Satanista, um filho do Fogo! E não tinha que me preocupar com o padecer do corpo, com as doenças.
— Quer conhecer um pouco a Unidade, ver os aparelhos? — Claro!
Passeamos um pouco por lá, subimos e descemos pelos andares, me mostraram várias coisas. Eles não dispunham de muito tempo mas foram atenciosos comigo. E despediram-se sorridentes.
— Quando você quiser voltar, não faça cerimônia, heim? Você poderá nos encontrar sempre naquela sala de reuniões, no horário logo após o almoço. Depois mandamos notícias do nosso amiguinho ex-Missionário!
Saí com Pietro e Marcela e fomos para outra ala completamente diferente e bem distante daquela. Era inclusive em outro prédio.
— Queremos te apresentar uma outra pessoa. Nós te dissemos que normalmente são os médicos e enfermeiras que estão atentos aos Cristãos. Mas ela é uma peça chave na monitoragem dos pacientes e também dos grupos Cristãos que vigoram no próprio Hospital e na Faculdade.
Fomos parar na Capelania Evangélica. Uma das "Capelãs" era da Irmandade. Somente ela estava lá, e saiu para conversar conosco. Era muito tagarela, uma senhora rechonchuda e de cabelo encaracolado. Simpática em extremo, amorosa, com típico estereótipo Cristão!
— Esta aqui é a Vivian! A nossa "ovelha-negra". — Brincou Marcela.
— Ela não parece mesmo um carneiro? — Perguntou Pietro, referindo-se ao cabelo encaracolado e "fofinho".
Vivian me estreitou em seus braços maternais.
— Como vai você?! Espero que esteja gostando da visita ao nosso habitat! Esse Hospital é uma loucura, mas gosto daqui. Posso andar por onde quiser e a hora que quiser. Praticamente tenho acesso livre a quase todos os departamentos.
— Parece que você também monitora os alunos Cristãos da Faculdade, não é? — Perguntei, curioso em saber como ela poderia se desdobrar tanto. — Por acaso você é onipresente, é?
Todos riram do comentário. Vivian explicou:
— Há ligações estreitas, sim, entre a Capelania Evangélica e o Grupo de A.B.U. da Faculdade. Foi uma aproximação paulatina mas hoje eles confiam em mim sem reservas! — Ela sorriu significativamente. — Eles costumam evangelizar os pacientes sempre que podem. Depois os nomes, Enfermarias e números de leitos daqueles que se convertem me são passados. Para que eu "dê o acompanhamento" que eles não podem dar por falta de tempo. Na verdade não sou eu que os estou ajudando. Eles é que têm me ajudado muito no meu trabalho!
— Pôxa. Eles entregam o ouro na sua mão! E tem alguém expressivo na A.B.U.? Alguém que precise de um tratamento vip da nossa parte?
— Não, realmente não! No momento não passam de crianças, a maioria ainda é recém convertida. São como crianças carentes que estão à procura de amigos, de alguém com quem possam conversar. Alguns têm muitos problemas em casa. Já me incumbi de deixá-los bem acomodados, pode ter certeza. E bem acompanhados. A maioria não será capaz de perceber, em breve, o Amor de Deus. Esquecerão do primeiro amor, decepcionar-se-ão com o Criador e com as Igrejas. Esfriarão! Pobre-coitados! Estão à procura de algo que já encontramos há muito tempo!
Vivian falava até com certa compaixão, sem ódio. E repetiu:
— São como crianças!
De repente alguém interrompeu nossa conversa, chegando meio apressado mas todo sorrisos. Era o terceiro médico.
— Olha! É o Russo!
— Oi!!! Vocês passaram por lá e eu não estava, né? Disseram-me que vocês tinha vindo pra cá e dei uma corrida para cumprimentá-los.
— E aí? — Indagou Marcela. — Terminou o trabalho?
Russo deu de ombros. E cochichou baixo apenas para que nós ouvíssemos:
— Um a menos pra encher o saco! — E alto: — Pena que não possa conversar mais com vocês hoje. Tenho uma classe de estudantes me esperando!
— Qual é a sua especialidade? — Perguntei. Ele respondeu, e me pareceu algo tão esquisito que dei risada.
— Sério que isso existe?!
— Se existe! — Respondeu Pietro. — E ele é Professor da Faculdade!
— Foi um prazer conhecê-lo, Rillian! — Russo também me abraçou. — Numa próxima vez te explico tudo sobre a minha especialidade!
— Caramba! Medicina é um negócio interessante mas tão esquisito também, não? — Comentei com os outros observando-o enquanto se afastava.
— Pois é! — Falou Vivian. — Mas eu gosto mesmo de trabalhar aqui! Me sinto em casa. Sou muito bem vista e muito querida no Hospital, conhecida pelo meu amor aos doentes e meu compromisso com Jesus. Mas também, por um outro lado... quando mostro os dentes não tem quem escape! — E riu gostosamente outra vez. — É muito bom ser filha de Lucifér! Quando eu freqüentava a Igreja, decepcionei-me muito. Sou filha de evangélicos, meu marido e meus filhos são evangélicos, vivi dentro de Igreja desde que nasci. Mas estava tão cansada de ver tanta hipocrisia e tanta discrepância entre o falar e o agir. Resolvi fazer um Seminário Teológico, dar uma última chance para Deus falar comigo. Mas lá fui recrutada! Um professor, alguém infiltrado da própria Irmandade, apresentou-me a antítese do Cristianismo e me doutrinou. Mais tarde, depois que passei pela Escola Preparatória, fiquei sabendo que os Guias tinham me apontado como promissora. E fui resgatada! Finalmente encontrei a verdade!
Conversamos ainda um pouco mais. Vi um pouco do material que ela levava, folhetinhos evangelísticos feitos nas gráficas de nossos irmãos e que continham mensagens satânicas subliminares. Vivian pegou um deles, a gravura da capa era uma daquelas já conhecidas pinturas de crianças chorando.
— Este folheto tem um encantamento muito forte, é impressionante. Quem lê não entende nada, e ainda fica com a porta aberta para a ação dos demônios. Todo material Consagrado é ótimo para dar a recém convertidos!
— Conheço esta gravura! São vinte e sete quadros ao todo!
— Isso mesmo! Contam que foram crianças oferecidas em Ritos Sacrifício, fotografadas um pouco antes da morte e posteriormente pintadas sob inspiração demoníaca. A figura dos demônios aparece subliminarmente em todos eles.
Encontrei Vivian ainda mais umas duas ou três vezes no Hospital e nas Celebrações semanais da Irmandade. O Grupo que ela freqüentava — junto com aqueles médicos, Pietro, Marcela, e outros — tinha toda uma missão voltada para a área da saúde. Foi bom aprender um pouco com eles.
Realmente Vivian era muito "crente", bastante considerada dentro do meio Evangélico por causa do trabalho que realizava. Os Cristãos não costumam desconfiar de quem leva tantos (aparentemente) a aceitar Jesus. A própria Vivian me explicou como isso acontece:
— Há dois pilares principais para atuar nesse campo: primeiro, levo os doentes à uma conversão puramente emocional. É muito fácil "evangelizar" no Hospital. As pessoas estão fragilizadas, amedrontadas, carentes, sedentas de uma palavra seja ela qual for. Os Guias sinalizam muito bem o que falar a cada um, conhecem a vida das pessoas de cabo a rabo. Sabem o que dizer para levar a pessoa a um entendimento apenas intelectual e emocional do Evangelho. Mas se por acaso percebo que de fato a pessoa "evangelizada" vai se converter... aborto o processo! Os Guias rapidamente sinalizam a aproximação dos Anjos e então eu "deixo para uma próxima vez". Em segundo lugar, o outro ponto importante é lançar bases pouco consistentes do Evangelho para os recém-convertidos. Não diz o provérbio "Ensina o teu filho no caminho que deve andar e até a velhice não se apartará dele?". Faço o contrário. Isto é, ensino o caminho, sim, mas com algumas falhas, um Evangelho pela metade. As pressões que vierem a seguir farão com que facilmente esta pessoa se desvie do caminho inicial. Mais importante — e mais sábio! — do que a ausência total de fruto é a presença de um fruto que não permanece. Porque se eu for infrutífera e não tiver resultados para apresentar logo vão questionar o meu Ministério. Seria tolice! Portanto, tenho que mostrar serviço. Ninguém tem realmente como verificar a qualidade deste fruto, não é mesmo? Porque aonde vão procurar os pacientes depois? Mesmo que se convertam normalmente sou eu mesma quem indico a Igreja que podem vir a freqüentar. De preferência bem morta mesmo, bem inoperante! Porque o problema não é aumentar o número de Cristãos, o problema são os Cristãos compromissados com Deus, mas isso eu posso garantir: que os meus Cristãos ficam bem morninhos, bem mansinhos! Sempre precisando de mamadeirinha na boca! Inclusive aqueles garotos da A.B.U. me pressionaram muito com essa história de evangelizar, evangelizar, evangelizar. Organizando cursos onde eu pudesse ensiná-los! Convidando outros Cristãos para participar. Fazendo campanhas dentro do Hospital. Organizando palestras na Faculdade. Eu vou. Claro! Montei também um coral com a maioria deles. Cantamos no Hospital na Páscoa, no Natal... assim não os perco de vista! Servir a Deus já é um castigo, se eles foram tolos o suficiente para escolher esse caminho, que se decepcionem e fiquem parados o resto da vida. Porque Deus é muito cruel, cedo eles experimentam a dor e o desapontamento!
Às vezes meu Grupo de Conselho reunia-se esporadicamente em casa de Górion, próximo à Igreja que Camila freqüentava. Era realmente pertinho. Muitíssimo raramente eu ainda ia aos Cultos. Não deixava de ser um divertimento quando não tinha mais o que fazer. Era sempre muito engraçado observar aqueles comportamentos estereotipados.
Apesar de meus recém completados 22 anos eu ainda tinha muito do moleque que eu sempre fui. Colocar taxinhas nos bancos era um passatempo delicioso, pichar os banheiros recém pintados também. Isso eu sempre iria fazer se houvesse o ensejo.
E um belo dia estava entrando ao lado de Camila e dei de cara com a maquete do novo Templo que pretendiam construir. Ou melhor, como ficaria a Igreja após a mega-reforma que estava sendo cogitada. Parei, olhei bem, observei cada detalhe. A maquete estava em local de bastante destaque à entrada do salão principal. Não tinha como não ver.
Naquele dia não teve Culto. O Pastor Sines, o titular da Igreja, só falou do projeto de ampliação da Igreja, como seria, como não seria. No domingo seguinte voltei para saber mais e foi a mesma coisa: nada de Culto. O Pastor Sines continuava com aquela lenga toda, como seria, como não seria a nova Igreja. E como fazer para arrecadar os fundos necessários!
"Pô!!! Será possível que esse negócio vai mesmo crescer?!! Mas que coisa!!!"
Eu estava indignado. Ainda que a Igreja não fosse de forma alguma expressiva e nem representasse ameaça, talvez isso acabasse mudando de figura depois do crescimento planejado.
Logo que pude, comentei no meu Conselho. Estávamos reunidos informalmente em casa de Górion.
— Vocês conhecem essa Igreja aqui perto, não? Sabiam que ela está com um projeto de reforma bem expressivo?! Se desandar a crescer talvez venha a causar interferência aqui. Aonde tem fumaça pode vir a ter fogo, vocês sabem! O irmão da minha namorada é um dos Pastores de lá, um Pastorzinho de meia tigela que cuida do Departamento Infantil. É incrível como a Igreja Cristã parece que adora ter esses tipos na liderança. Mas a Igreja é riquíssima, eles são donos de um Colégio e também de uma Faculdade Teológica. E agora está com esse projeto de reforma do Templo. Dentre outras coisas querem que comporte dois mil membros! Vê se pode!
Todos ouviram mas Zórdico não pareceu surpreso.
— De fato tem muita procedência a sua observação, Rillian, e nós já tínhamos visto isso. Esta Igreja está sendo monitorada há algum tempo mas estamos observando apenas, não há necessidade de fazer muito além disso. Já sabíamos do projeto. Mas quero que vocês entendam o principal. A Igreja nunca é uma ameaça em si mesma. Simplesmente porque o Poder que elas podem vir a ter não é maior do que o Poder que nós mesmos temos. Mas às vezes as Igrejas atrapalham um pouco. Isso acontece quando as suas orações e os seus Louvores são fortes o suficiente para causar uma interferência em nossas próprias Reuniões. Digamos que o que acontece é mais ou menos semelhante a quando estão muito próximos dois aparelhos eletrônicos: um causa interferência no outro. No que nos diz respeito, quando essa interferência começa o melhor a fazer é "desligar" um dos aparelhos. Naturalmente preferimos "desligar" a Igreja! — Brincou Zórdico, nem um pouco preocupado. — Se eles insistirem com essa idéia o processo vai acontecer mais rápido do que eles imaginam!
E foi assim mesmo. Enquanto o projeto ficou só no orçamento e no "vamos ver" ninguém da Irmandade efetivamente se preocupou. Mas quando de fato parece que o negócio engrenou e as obras estavam em vias de iniciar, chegou o momento de agir.
Como sempre algumas pessoas foram infiltradas. Bastou a carta de apresentação. Nem fiquei sabendo muito bem desses detalhes, mas a verdade é que todos entraram. Rúbia foi uma das primeiras. O trabalho para o qual tinha sido incumbida exigia um pouco mais de tempo e dedicação. Era necessário conquistar a confiança dos líderes porque o objetivo era que ela mesma ocupasse um cargo de liderança.
Ariel foi logo depois. Ele não viria a fazer parte da liderança como Rúbia, mas estaria dando cobertura no meio dos membros. Lançaria encantamentos dali mesmo e agiria apenas no momento certo.
Não havia muita necessidade de medidas extremas. A Igreja era fraca.
Mais duas pessoas do Grupo foram destacadas para ajudar. Naion e Surama. Eram pessoas poderosas que entrariam principalmente para corromper pelo dinheiro, aproveitando o início das construções e a necessidade de aumentar a receita.
Era engraçado dar de cara com eles dentro da Igreja, nós nos cumprimentávamos cordialmente, e só. Eu não podia fazer muito naquele lugar aonde todos me conheciam. De forma que fui incumbido apenas de sondar um pouco a Escola Dominical na Classe dos Jovens. Não que aquilo tivesse a ver com o plano estratégico, mas eles queriam um pouco mais de notícias ao vivo e à cores sobre a professora, uma mulher que já tinha sido anteriormente alvejada. Por causa deste ataque ela tinha sofrido um aborto e mais tarde acabou deixando a Igreja quando as bombas que estávamos plantando começaram a estourar.
Os alvos principais eram alguns dos líderes. Pastor Sines; o irmão Rodolfo, que era tesoureiro; o irmão Cláudio, responsável pelo Louvor; o Emerson, líder da Mocidade; e, claro, o Pastorzinho Sérgio que eu odiava.
Não foi difícil destruir completamente aquela liderança. A Igreja não oferecia resistência nenhuma, e na sua cegueira tornava-se totalmente aberta para nós. Sua ganância, sua soberba, seu Cristianismo frio e de fachada foram grandes facilitadores. A prosperidade era aparente, apenas material. Por dentro eram vazios, cheios de Teologia e muito pouca vida com Cristo. Ah! Se soubessem o quanto eram alvos fáceis, o quanto eram presas tolas aos nossos dentes! Se soubessem o quanto rimos pelas suas costas!
Caíram um após o outro. O primeiro foi o Pastor Sérgio. Poucas semanas após a infiltração ele saiu em férias. Rúbia estava tremendamente próxima do Pastor Sines e ganhou um cargo de confiança muito rápido. Rápido até demais. Não fiquei sabendo se ela o tinha seduzido, ou se não foi realmente necessário, mas o fato é que quando o Pastor Sérgio saiu ela assumiu o lugar dele no Departamento Infantil. A título de cobertura.
Naquele mês Rúbia conseguiu criar uma tal confusão perante os pais das crianças que estes rapidamente voltaram-se contra o Pastor Sérgio absolutamente convictos de que ele estava conduzindo muito mal o Departamento. E — pior — ensinando heresias para os seus filhos. O encantamento para cegá-los foi muito forte e muito eficaz.
Rúbia tornou-se a grande estrela e a grande "ungida" da história. Como que ninguém tinha percebido antes que espécie de homem era aquele Pastor Sérgio???!!!???
O rebú que Rúbia criou não se limitou apenas aos pais, mas envolveu também o Pastor Sines que, contrariando a antiga e longa amizade que tinha com o Sérgio e toda a família, não teve outra alternativa senão despedi-lo. Tão logo ele voltou das férias e pôs os pés na Igreja foi parar no olho da rua!
Eu não conseguia acreditar como a coisa tinha acontecido tão rápido. Ele tinha sido simplesmente demitido!
Na casa de Camila aquilo estourou como uma verdadeira bomba!!! O Pastor.... mandado embora da Igreja! Foi uma comoção. Ele era muito venerado por toda a família, sempre visto como sendo "o máximo", o homem de Deus. Para o Pastor Sérgio também foi um choque. Decididamente ele não esperava aquela reviravolta. Depois disso toda a família de Camila, tomando as dores dele, retirou-se da Igreja. Simplesmente não foram mais. Cheios de mágoa e rancor, com o nariz torcido, saíram falando mal e com os relacionamentos quebrados. E o Pastor Sérgio deixou de ir à Igreja porque ele não esquentava banco. Ou ia para estar no púlpito ou não ia. E não foi.
A situação dele passou de mal a pior. Antes ele tinha um bom salário, viajava muito, usava o carro da Igreja para fins particulares, vivia muito bem e sem despesas porque morava com os pais. E agora estava sem nada. As portas se fecharam de tal forma para ele que não houve como ser aceito em nenhuma outra Comunidade. Um membro da Igreja, penalizado, ofereceu um emprego de balconista na papelaria que possuía. E, de Pastor, Sérgio passou a balconista de papelaria!
Rúbia assumiu o Departamento Infantil por um bom tempo, deturpando o ensino das crianças e lançando maldições. A futura geração daquela Igreja estava sendo totalmente contaminada mas todos estavam muito satisfeitos com o trabalho dela. Eles estariam muito mais predispostos a desenvolver todo tipo de "virtudes": uso de drogas, homossexualismo, frieza espiritual, controle à distância, problemas familiares de todo tipo, violências, perversões.
Quanto aos outros alvos, foi uma seqüência ininterrupta.
O irmão Cláudio, organista da Igreja, caiu em seguida. Ele era dentista e tinha tendências homossexuais muito fortes, apesar de casado. Era uma questão praticamente pública, todos sabiam das suas lutas em relação a isso. Não que tivesse acontecido algo, era uma batalha na mente e as confissões partiam de sua própria boca. Ariel e Naion "sentiram de orar por ele" por causa daquele problema. Impuseram as mãos, falando "em línguas". Na verdade lançando maldições e pedindo que os demônios usassem aquela porta para acabar de vez com a vida dele.
Poucas semanas depois ele sofreu um derrame e ficou numa cadeira de rodas. Sem haver quem o substituísse em tão curto prazo o Louvor acabou ficando bem mais insosso do que antes.
Emerson, líder da Mocidade, era primo de Camila e também tomou as dores do Pastor Sérgio. Abandonou a Igreja de forma que mais um dos nossos objetivos foram atingidos sem o menor esforço.
Nessa altura o Pastor Sines começou a apresentar os primeiros sinais de avaria mental. Contra ele tinha sido feito um encantamento mais sério. O próprio Zórdico assumiu as rédeas e já tinha sido dada uma vida pela vida dele. Para a Igreja sobrou o pepino. Logo não havia mais como esconder que ele estava ficando completamente louco. Nossos amigos traziam as notícias em primeira mão. Às vezes ele estava pregando, parava, reclamava que não era bem aquilo que ele tinha a dizer, virava as costas e ia embora. Outras vezes tinha acessos horríveis, chorava, chorava, começou a ver monstros na Igreja, não falava mais coisa com coisa.
Depois disso os membros começaram a sair que nem enxurrada da Igreja. Durante aquele êxodo o tal irmão Rodolfo acabou também picando a mula. Começou a faltar dinheiro e o apartamento grande aonde o Pastor Sines morava deixou de ser dele, foi obrigado a morar nos fundinhos da Igreja. Logo largou o Ministério. E aquela Igreja simplesmente acabou! Ficou ali, mais morta ainda, totalmente inoperante. E os sonhos de crescimento foram por água abaixo!
Uma vez que a destruição já estava em andamento, o serviço foi feito completo para que aquele Ministério nunca mais se reerguesse. Lucifér não faz nada pela metade. Então o ataque estendeu-se contra o Colégio também.
Uma das Diretoras era uma senhora que, por sinal, também fazia parte da família da Camila. A Sofia. Uma pessoa da Irmandade já tinha sido infiltrada na Escola há algum tempo e vinha ocupando o cargo de Vice Diretora. Foi dado o sinal verde. Realizou-se um encantamento contra a Sofia. Vi tudo o que aconteceu, em casa de Camila costumava cruzar bastante com ela.
Aliás, eu a detestava. Era muito metida, orgulhosa, sempre fazendo parecer que era melhor do que todos. Eu achava nojenta aquela ostentação! Sempre que tinha oportunidade, o tempo todo que estava com ela sempre dava um jeito de impor as mãos e lançar maldições. Acho que na idéia deles eu era até convertido, de forma que ela aceitava as minhas orações.
Mas o encantamento maior também foi feito por Zórdico, como Sacerdote.
Primeiro começaram os tremores, que por fim ficaram tão intensos que ela já não sustentava uma xícara. Aquilo piorou a olhos vistos, rapidamente, e começou a suspeita de Mal de Parkinson. Depois de muitas idas e vindas nos Hospitais, Sofia teve que ser operada. E entre a cirurgia, quarto, exames e remédios o gasto foi altíssimo. Ela chegou ao ponto de ter que vender apartamento e carro para pagar as despesas com a saúde. Nem por isso melhorou, o problema continuou como antes e ela terminou doente e na rua da amargura financeiramente falando. Divorciada, o marido não queria nem saber se ela tinha gasto a sua parte dos bens. A bancarrota foi tão grande que ela teve que ir morar de favor na casa da mãe. E a Vice Diretora, colega da Irmandade, assumiu o cargo. Aos poucos alterou todo o sistema de ensino e desfez-se daqueles que poderiam vir a servir de empecilhos de alguma forma.
Na Faculdade Teológica o caminho já tinha sido o mesmo. Pessoas infiltradas ali de longa data também terminaram assumindo cargos de liderança e ensino. Tornaram-se mestres e professores. A intenção era desvirtuar sutilmente o Cristianismo além de enfraquecer aqueles que pudessem vir a ser líderes em potencial. Era importante desestimular e até fazer com que desistissem de seguir o Pastorado. Uma maneira interessante de anular o mal pela raiz. Matá-los espiritualmente. Fazê-los desistir... fazê-los adoecer. E, em última instância, até levar ao túmulo de verdade os poucos remanescentes fiéis.
E recrutar os que as Entidades apontassem como promissores... para o nosso lado!
(Aliás, tinha sido naquele lugar que Vivian fora selecionada).
Quanto ao Emerson, o antigo líder da Mocidade, foi localizado logo. Estava freqüentando uma outra Igreja até que promissora, a mesma aonde Camila e a família tinham ido parar. Já estava outra vez quase que ocupando cargo de liderança porque era muito carismático. Foi Marlon quem se indignou desta vez:
— Quer dizer que este homem ainda está de pé?! — Ele logo me pediu o que queria. — Me arruma os dados dele de uma vez por todas!
Eu tinha acesso muito fácil a tudo, os dados foram passados e os demônios direcionados contra ele. Tão logo dei a Marlon o que me pedira e ele simplesmente comentou:
— Esse aí está morto!
Não sei qual era a brecha que Emerson tinha. O encantamento foi muito poderoso. Depois de quinze dias ele sofreu um acidente de carro numa rua próxima à Avenida Paulista e morreu. Outro a menos.
Alguns meses depois disso, um dia a mulher dele me falou uma coisa que não gostei. Perguntou na maior cara dura por quanto tempo eu ia continuar enrolando a Camila sem casar com ela. Aquilo me irou demasiadamente, aqueles Cristãos eternamente tropeçando em mim aonde quer que eu estivesse, intrometendo-se em minha vida! Lancei o encantamento na hora, falei alto as palavras em aramaico, com ódio, olhando bem nos olhos dela. E fiz os gestos sem nenhum disfarce. Agora eu não era mais qualquer um. Meus Feitiços tinham muito Poder.
Ela ainda riu, com desprezo, sem entender o que eu estava dizendo:
— Você tá louco, é, menino?!
Não foi só a mim que ela ofendeu, mas aos Guias que andavam comigo. Aquelas palavras que ela mesma pronunciou parece que tiveram um efeito contra ela mesma. Em menos de um mês ela estava internada num sanatório para doentes mentais. Lembrei-me do Poder que viria através de Belfegór. Ele me daria o dom da palavra, mas também o Poder sobre a loucura.
Quando finalmente ela teve alta, matou-se no mesmo dia, atirou-se pela janela do apartamento.
Quem sabe quando estivesse no Inferno ela ia aprender a não brincar com as Trevas.
Fazia já um ano que eu tinha participado de um Campeonato de Kung Fu bastante importante no estado de São Paulo. Dentro da categoria "médio-ligeiro". Estava ainda quase quatro quilos abaixo do que me garantiria o nível "meio-pesado", que era o que eu queria ser. Mas foi o meu primeiro Campeonato de grande responsabilidade. Todos os meus alunos da ADINK estavam lá, meus Mestres também.
Inscrevi-me através do Wing Chun porque ainda não estava formado no Ton Long. Participei dos Torneios classificatórios e não tive dificuldade. Consagrava minha faixa preta a Abraxas, pedia a capacitação dele. E, relaxado diante do adversário, lutava por instinto. Embora meu nível fosse muito bom, com a capacitação do meu Guia eu ficava melhor ainda e a luta acontecia muito rápido. Não só levei o primeiro prêmio como quebrei o record brasileiro de tempo de luta. Isso me trouxe muita satisfação pessoal, muito prestígio e muita fama.
Como Camila estivesse cheia de tudo que se referisse ao Kung Fu era claro que ela não ia dar as caras. Minha família também não estava nem aí, de forma que fui sozinho com Thalya.
Ela assistiu e ficou muito entusiasmada. Entristeceu-se por não ter tirado nenhuma foto. Saímos e comemoramos somente nós dois a conquista da minha medalha e o ótimo prêmio em dinheiro.
E chegou a data do novo Campeonato. Novamente me saí muito bem nas eliminatórias e desta vez fizemos a coisa completa: convidamos o pessoal da Irmandade para ver a Final. Todos estavam lá para me prestigiar, todos os meus amigos. Thalya, Górion, Ariel, Rúbia, Zórdico, Marlon, Taolez, Kzara, Cerdic, dentre outros que não faziam parte do meu Conselho mas que foram assistir ao Campeonato. Já fazia agora dois anos que eu era Feiticeiro.
Fomos em quatro carros. Como sempre Marlon foi me pegar junto com Rúbia, e Thalya veio junto. O clima já era de vitória desde a ida!
Marlon comentou, brincalhão:
— E aí, vai faturar mais essa? Eu dei risada:
— Vou fazer o possível!
— Olha, eu trouxe a máquina, vê se quebra a cara deles, heim?!! — Exclamou Thalya empolgada.
Rúbia, para variar, não podia deixar de fazer umas piadinhas:
— E que kimono você trouxe para usar?
— O preto, gracinha! Cor da morte!
Ela devia estar sabendo que o pessoal da Academia vivia pegando no meu pé por causa dos meus kimonos. No entender da turma todos eles tinham algum defeito e eu ficava parecido com isto ou aquilo cada vez que usava um! Capitão América, pepino, Pai-de-Santo, por aí! Só me restava o preto. Era o único com o qual tinha sossego!
Novamente foi muito tranqüilo, sem qualquer problema. Com um encantamento autorizava a canalização. Eu tinha uma salinha só para mim porque tinha sido o Campeão do ano passado, o que facilitava mais ainda.
O Ginásio estava lotado. Quando passei pelo corredor de entrada já escutei a vibração da platéia. Lutei. Depois até me admirei ao ver o filme porque fiz ali movimentos que, eu sabia, não tinha capacidade para fazer. Eu conhecia o meu corpo, a minha flexibilidade, a minha força natural. Ainda que estivesse no ápice da minha forma física, sabia o que podia e o que não podia fazer.
Derrubei meu oponente com um chute completamente sem ângulo, através de um giro impressionante e impossível. Aliás, aquele foi um movimento que eu nunca pensaria em fazer. Foi muito rápido, muito certeiro, um golpe só!
A expressão do meu rosto era estranha até para mim...... revelando uma ferocidade muito grande, uma fúria, algo que nem que quisesse conseguiria repetir. O maxilar do rapaz quebrou por causa do chute, com protetor e tudo.
Os gritos ecoavam pelo Ginásio, as luzes dos holofotes estavam sobre mim. Quando subi a plataforma a sensação de honra e reconhecimento foi muito forte. Os Mestres que estavam na Bancada inclinaram-se perante os vencedores. Depois que desci meus alunos e companheiros da ADINK, que estavam sentados ao redor das arenas de luta, correram na minha direção e me carregaram no colo no meio de muita gritaria. Foram me carregando até o vestiário, quase que bateram com a minha cabeça no teto do corredor, tanta era a empolgação!
Me encontrei depois de vestido com meus amigos da Irmandade.
— Aí! Detonou! Quebrou o cara!!! — Ariel abraçou-me com um abraço de urso.
— Então, aonde nós vamos agora comemorar isso aí, heim, pessoal?! — Gritou Marlon, cumprimentando-me também, muito efusivo.
— Eu fotografei bastante, viu? — Comentou Thalya depois de me abraçar e beijar. — Gastei o filme todo, tirei trinta e seis fotos!!
A câmera que ela tinha era poderosa, dava zoom, tinha lentes especiais. As fotos ficaram muito boas!
— Você deu um chute lindo, um golpe maravilhoso! — Interrompeu Rúbia com um amplo sorriso.
— É mesmo, você estava muito bem, estava lindo lá em cima daquele pódio! — Exclamou novamente Thalya, pendurando-se em mim. — Deixa eu ver a sua medalha!
— E eu filmei tudo, não perdi nada, inclusive aquela hora em que você quase meteu a cara na parede! — Continuou Rúbia.
— Pois é, o pessoal perdeu a noção! Zórdico, Taolez e os outros não ficaram atrás nos cumprimentos. Depois entramos no carro e Marlon perguntou de novo:
— E aonde é que nós vamos?
— Bom, acho que vou sair um pouco da dieta de luta agora, né? Vamos detonar, vamos para uma Churrascaria!!!
— Isso! Boa opção, boa opção! — Concordaram todos.
Eu tinha me preparado bastante e agora queria comer carne. E comi. Comi que nem um boi ladrão!!! Lá pelas tantas comecei até a passar mal. Brinquei:
— Filho do Fogo, o Fogo não queima... mas eu acho que estou até me sentindo mal! Acho que comi demais!
Comecei a falar umas bobeiras para Marlon sobre como eu faria para acabar com aquele mal estar, entre risos, mas Zórdico ouviu e veio para o meu lado.
— Aonde é que está doendo? É aqui, em cima do estômago? — E colocou a mão sobre minha barriga.
Quando ele tirou a mão eu não sentia mais nada.
— Ué! Não está mais doendo, não!
— Pois é. Mas agora pára de comer! — Advertiu ele, sorrindo. — Você já deve ter comido um boi inteiro, já se entupiu demais!
Thalya ainda aproveitou a oportunidade.
— Melhor a gente deixar ele voltar sozinho de ônibus! Nada de entrar no carro! Vai saber o que pode acontecer depois de ter comido tanto ovo de codorna!
— Tudo bem! — Falou Marlon. — A gente abre o teto solar, liga o ventilador!
E era só brincadeira atrás de brincadeira. Nos divertimos muito! Ainda comentei sobre o próximo Campeonato, o mais importante do País, dali a mais ou menos uns cinco meses.
— É isso aí! Quem sabe mais tarde você não vai participar do Mundial?!!
Nesse meio tempo, antes do próximo Campeonato, formei-me faixa preta no Ton Long. Ou seja, recebi a graduação de Professor também neste estilo. Por ocasião das Provas experimentei uma sensação completamente ímpar e que nunca mais tornei a viver.
O exame durou três dias inteiros. A primeira prova era a Teórica. Eu tinha estudado bastante mas estava um pouco receoso pois era muita a matéria e os detalhes. O Brasil tem somente 500 anos de História e já há tanto o que lembrar, quanto mais a História de mais de 5000 anos da Arte Marcial Chinesa!
Nós tínhamos três horas para responder 200 questões tanto dissertativas quanto de múltipla escolha. Comecei a prova, fui respondendo o que eu sabia. Mas tinha também questões que não sabia. Então resolvi deixar de ser orgulhoso e pedir ajuda a Abraxas. A Arte Guerreira foi ensinada aos homens pelos demônios.
Nada melhor do que um deles para me auxiliar naquele momento.
Concentrei-me e autorizei a canalização. E essa experiência eu não vou esquecer jamais! Até porque depois daquele dia nunca mais aconteceu nada parecido! Eu estava plenamente consciente, perfeitamente acordado. E logo percebi as sensações características da aproximação dele. O frio no corpo, tremores leves, os pêlos do braço arrepiando, até mesmo o odor característico de Abraxas eu pude sentir muito claramente. Era um cheiro de incenso. Normalmente as Entidades exalam esse tipo de cheiro que lembra o aroma dos incensos que queimávamos nas Reuniões da Irmandade. O aroma prenuncia a presença deles.
E então meu braço esquerdo começou a formigar no ombro, a sensação foi se estendendo até a ponta dos dedos. Em seguida o braço adormeceu completamente. Parecia que eu tinha dormido em cima dele durante uma semana inteira! Ficou todo paralisado e insensível.
Fechei os olhos e continuei sentindo a presença dele, permaneci com a cabeça levemente inclinada para frente e a mão direita sobre a fronte, como que pensando na prova. E então minha mão começou a escrever. Sozinha! Perdi totalmente o controle sobre ela. E era uma rapidez tão impressionante que nem conseguia acompanhar plenamente com os olhos o que Abraxas estava fazendo. Mas o mais inédito foi que escrevi todas as frases do fim para o começo, escrevi as palavras ao contrário, uma coisa tremenda!!! Nas questões de múltipla escolha eu quase perdia de vista a caneta, minha mão voava riscando a alternativa certa numa agilidade indescritível!
Todo mundo estava muito entretido com suas próprias questões, ninguém notou nada. Acho que terminei a prova em cinco minutos.
De repente ele parou. E minha mão começou a tremer ligeiramente, eu não conseguia controlar aquilo. Então ocultei-a meio próxima do corpo e a segurei com a outra mão até que passasse. Não durou muito tempo. Aí veio uma sensação de algo queimando no centro do peito, inflamando, e o calor se estendeu por todo o meu corpo. Passou o frio. E em seguida veio o período semi-letárgico habitual depois que ele deixava o meu corpo.
Fiquei quieto, esperei um pouco. E então li toda a prova. Era exatamente a minha letra! Inacreditável! Mas não tinha sido eu quem escrevera aquilo. O mais engraçado é que algumas coisas que já estavam escritas a caneta, Abraxas mudou. Não tenho idéia de como ele pôde apagar a caneta sem deixar a mais mínima marca no papel!!! Para um demônio desmaterializar aquela tinta deve ter sido muito fácil.
E fui bem naquela prova, bem demais. Acertei tudo! Mas naquela noite fiquei pensando... aquela coisa de escrever a frase ao contrário... eu começava no fim mas o espaço dava certinho quando chegava no início da linha. Perfeito! Nos outros dois dias eram as provas Física e Técnica. Mas quis fazer tudo por mim mesmo. Eu estava numa forma física muitíssimo boa e era capaz de fazer sozinho. E fiz. O único momento em que quase apelei para meu Guia foi durante um exercício isométrico de resistência para a perna muito desconfortável. Consistia em permanecer numa posição extremamente incômoda — a posição de mabú, ou do "cavalo" — diante de uma pira de fogo. A posição deveria ser sustentada por quinze minutos, e a dor suportada.
Ficar cinco minutos já era bastante difícil. Mas eu estava acostumado e agüentava dez, doze minutos. No dia do Teste não foi diferente e, apesar de ter pensado em canalizar, não o fiz. Fui até o limite da minha força.
O resto dos exercícios físicos não tiveram dificuldade a ponto de necessitar pedir ajuda. E também me saí bem.
No último dia era a prova Técnica, ou seja, apenas de Kung Fu. Começou com a apresentação das 107 armas. Apenas uma pequena seqüência de cada, enfocando os movimentos mais complexos. Apresentar as seqüências inteiras seria impraticável.
Depois as seqüências livres de braço, os "Toy-chas" (lutas combinadas), as técnicas de torções, as técnicas de chutes, as avaliações de ataque e defesa, a parte acrobática. Mesmo nessa ultima não quis chamar Abraxas, apesar de saber que não era o meu forte. Meus saltos mortais saíram um pouco tortos e perdi pontos, mas não tinha importância. Estava indo muito bem no resto!
Até que veio a última parte do Exame, as lutas propriamente ditas. Eram sorteados os oponentes entre os próprios participantes do Exame. E cada luta durava um minuto apenas, os pontos iam sendo atribuídos ou não pelos Mestres. Tudo é minuciosamente avaliado. Foi um teste bastante complexo e totalmente abrangente. Em relação às lutas, cada um de nós faria dez delas. E tínhamos que nos sair bem em pelo menos seis.
Eu estava indo bem, estava fazendo pontos, dava e tomava alguns golpes mas com os protetores agüenta-se bem o impacto. No entanto, numa das lutas já quase no final, levei um chute no peito que me fez voar longe. E bati de costas na parede. O impacto me fez voltar com o corpo para frente e o rapaz que lutava comigo ainda me acertou um soco na nuca. Me senti bambeando e próximo do nocaute. Mas Abraxas tomou conta de mim sem que eu pedisse.
Assim que caí, meio zonzo, senti uma força grande tomando conta dos meus braços. Estava bem consciente e olhei para meu adversário, mas já não sentia os meus olhos normais, sentia aquele calor muito forte ao redor deles. Fui para cima dele e dei um golpe só, nem sei como furou a guarda. Foi um soco muito bem dado, minha mão ficou dominada por uma incrível potência. E ele quase que foi erguido do chão com o impacto do golpe.
Ficou caído, mas a princípio ninguém fez nada. O rapaz ficou se contorcendo por causa do impacto na região abdominal, mas aí como ele não melhorava tiveram que acudir. E os dois médicos que ficam de prontidão durante os Exames foram chamados. Retiraram os protetores e depois de avaliá-lo um pouco acharam melhor removê-lo para o Pronto-Socorro.
Realmente foi melhor. No dia da Formatura, na entrega das faixas, comentaram comigo que ele tinha ficado internado e passara pela cirurgia por causa da hemorragia interna. Caramba...
Mas ainda que não estivesse participando da Cerimônia, ele também tinha passado no Exame e se formado. Aquela luta só fez com que ele perdesse alguns pontos que não foram suficientes para desclassificá-lo.
Quanto a mim, estava muito contente. Tinha feito todo o Teste Físico e o Técnico por mim mesmo. E a ajuda de Abraxas na Prova Teórica me garantiu a melhor nota.
Acabei aprendendo duas coisas logo depois disso, quando participei do outro Campeonato. Como é difícil cair do pedestal... e como eu era importante para meus amigos da Irmandade e para os Guias.
Aconteceu assim: na Final do Campeonato, que era em São Paulo mesmo, eu estava com a minha autoconfiança lá em cima. Talvez por causa do excelente resultado que conseguira no Exame da Federação. Mas às vezes o pessoal da Irmandade tirava uns baratinhos comigo, dizendo que se não fosse pelo meu Protetor...
— É, "Abraxinha"! Que protetor o seu, heim?!
Mas eu tinha passado no Exame sem a ajuda dele! Mesmo que tivesse sido nocauteado naquela luta isso não me levaria a ser reprovado. E mesmo sem a nota dez na prova teórica, também teria passado do mesmo jeito! Então resolvi que não ia pedir a ajuda dele, não ia lutar canalizado na Final.
— Essa aqui eu vou ganhar por mim mesmo! — Vangloriei-me.
Todos foram assistir novamente. O prêmio era excelente e quem ganhasse o primeiro lugar levava também um troféu enorme. Teve uma demonstração coreográfica antes, um negócio muito bonito. Eu participei dessa coreografia com o nunchaku.
Depois participei de algumas lutas e por fim chegou a última luta. Só que acho que Abraxas adivinhou qual era a minha intenção! Deve ter percebido que eu ia deixá-lo de fora na última luta, afinal ele me conhecia muito bem. Sabia de cór e salteado que tipo de reações eu costumava ter. E por isso também me armou a dele. Só posso acreditar que tenha sido isso.
Então, na penúltima luta acabei machucando de leve o joelho. Poderia ter sido pior não fossem os protetores, nem sei direito o que aconteceu mas tomei um golpe meio de mau jeito. Isso nunca teria acontecido em condições normais! Acho que Abraxas propositalmente permitiu que eu não estivesse cem por cento para que tivesse que apelar para ele, quisesse ou não. Mas eu era muito teimoso, turrão mesmo...e não desisti da minha decisão.
Fui lutar sem consagrar a faixa.
Mas não tinha boa firmeza no joelho, infelizmente. A luta durou dezessete segundos. No começo tudo ia bem, trocamos alguns golpes, eu me defendi e ele também. Mas estava sem boa sustentação e ainda pensei, em frações de segundo:
"Puxa vida, algumas palavras agora e Abraxas me ajuda!"
Mesmo assim não fiz. Na minha cabeça eu só pensava em ganhar sozinho. No dinheiro do prêmio, e no que ia fazer com ele. De repente, vindo não sei de onde, meu oponente conseguiu me acertar um chute no meio da cara!!!!!!!!!
A única coisa que eu acho que vi depois daquilo foi meu protetor de boca voando longe. As pernas bambearam e eu fui direto para o chão. Senti na boca algo meio crocante e que não sabia dizer o que era.
Olhei para o alto, zonzo, enxerguei meio fora de foco o reflexo forte das luzes e o juiz, envolto em névoa, que estendia a mão diante do meu nariz contando o tempo. Eu nem conseguia ver quantos dedos tinha ali. Escutei a gritaria da multidão e pensei de novo:
"Essa não! Esta alegria toda é porque eu estou aqui no chão!"
Meu oponente saltitava perto de mim como um canguru. Amaldiçoei a vida dele, a vida do juiz que já tinha dado a vitória para o outro. Enfim percebi o que era aquilo crocante na boca, eram os meus próprios dentes da frente! Cuspi no chão os pedaços e me preparei para enfrentar o momento mais difícil da minha vida. O dia em que eu tinha perdido uma luta!
Me levantei mas não queria nem olhar pra cima, morto de medo de que alguém fotografasse aquele momento tétrico. Nem tirei o protetor de rosto, se eu ficasse com ele a chance de ser reconhecido era menor.
Terminada a luta já era o momento de subir ao pódio porque estavam definidos os seis ganhadores. Para mim não valia o segundo lugar. Eu estava furioso e inconformado.
E não me deixaram subir na plataforma com o protetor! Fui obrigado a tirar e fiquei lá em cima só desejando que tudo acabasse o mais depressa possível, olhando para baixo, com cara de ovo, morto de vergonha!!! Me senti um rato, nunca fui tão humilhado. Eu conseguia ver os olhinhos dos meus alunos olhando pra mim ali perto do pódio, não compreendendo bem o que tinha acontecido comigo.
E eu que sempre dizia que para levar um chute na cara a pessoa tinha que ser muito ostra!...
"Não é possível..."
Desci do pódio e eles vieram para me carregar de novo, o que recusei terminantemente. E fui sozinho para o banheiro. Só queria ver a minha cara. Quando olhei, não conseguia acreditar. Não tenho palavras para me descrever emocional-mente naquele momento. Um dos incisivos estava quebrado inteiro e o outro partido na diagonal!
— Como é que pode uma coisa dessas??!!!!!
Me troquei. Eu queria poder ficar lá dentro eternamente, não queria ver ninguém. Nem o pessoal da Irmandade. Fiquei ali um bom tempo resmungando sozinho.
— Eles vão querer comer churrasco outra vez e o que é que eu vou dizer? Que houve um pequeno problema com os meus dentes?!
Finalmente saí e fui ao local de encontro, perto dos carros. Eles tentavam me animar:
— Parabéns!! Segundo lugar! Está ótimo!
Era tudo o que eu não queria ouvir. Procurei não demonstrar minha indignação. Mas todos eles sabiam o que eu tinha feito, que não pedira a ajuda de Abraxas. Mesmo assim ninguém disse nada. Não era mesmo o momento!
— Não fica chateado, não!!! Você é o segundo no País! — Falou Górion. Thalya quis me animar mas disse a coisa errada:
— Eu fotografei, Rillian!
— Você fotografou o quê?! — Perguntei rispidamente.
— Ah... foi a sua entrada. Só! — Hum.
— Mas que cara de poucos amigos a sua! Deixa disso! Você se saiu bem!
— Ariel queria de fato me animar. — Você é o segundo do Brasil, sabe o que é isso?! Sabe quantas pessoas tem querendo esse título?
— Rúbia, você filmou? — Perguntei.
— Filmei.
— Pois destrua esse filme! — Respondi, preocupado.
— Que é isso, filho? Não fica assim, não. — Marlon foi bastante sincero.
— Não esquenta a cabeça com isso desse jeito. Dá um sorriso!
Diante daquilo eu fiz força para não rir. Marlon tinha falado brandamente, mas os outros ficaram todos postados ao meu redor fazendo graça para que eu risse.
— Aí! Dá uma risadinha!
Dei um sorriso amarelo, inibido, e logo levei a mão à boca:
— Não dá. Minha boca está comprometida.
— Que que aconteceu?!! — Exclamou Thalya, com cara de espanto. — Vai dizer que seu dente quebrou?!
— É, Thalya, quebrou! Tá satisfeita?
— Deixa eu ver!
— Vai ver coisa nenhuma. Eu vou no dentista antes! — Tá bom. Então vamos comemorar! — Tornou ela.
— Não, eu já disse que vou pro dentista! Você não entendeu o que eu disse?!
— Agora?! Vamos comemorar primeiro!
— Não! Tem que ter um dentista de plantão, eu não vou a lugar nenhum assim! Como é que eu vou comer? Vamos ao dentista!
— A gente come pizza, pizza é molinho! — Thalya estava irredutível. — Amanhã você conserta o dente.
— Não. Vamos no dentista. Marlon interveio:
— Tá bom, filho, vamos ver um dentista pra você. Eu sei aonde tem um.
E fomos, em caravana com quatro carrões importados, num dentista vinte e quatro horas. Thalya e Rúbia desceram comigo. Foi até rápido e ficava pronto na hora, nem precisava esperar para comer. E só aí fomos para a pizzaria. Mas eu nem estava muito a fim de comemorar nada. Minha boca estava inchada e eu me sentia ridículo! Zórdico, Taolez, Ariel, Górion, Marlon, Thalya, Rúbia e mais alguns amigos conseguiram me animar um pouco.
E acabei me conformando com o segundo lugar.
O Campeonato tinha sido no domingo. Na sexta-feira subseqüente Marlon ligou-me de manhã na Style e avisou-me que haveria uma Cerimônia especial para repassar algumas diretrizes novas. Ele não poderia levar-me por causa de compromissos, mas disse-me que seria bom que eu chegasse mais cedo em casa de Zórdico. Normalmente nós chegávamos para os Ritos em torno de onze horas da noite, mas Marlon disse que nove seria um bom horário dessa vez.
"Chi!", pensei logo de cara. "Que que eu vou dizer para Camila??? Em plena sexta-feira!"
Saí mais cedo do serviço, logo depois do almoço. E fui para a casa dela.
— Olha. Resolvi passar a tarde com você porque depois vou ter que voltar para a Empresa à noite, temos muito o que fazer.
Ela acreditou na desculpa, mas engripou um pouco:
— Tudo bem. Acho que então vou com você! Fico lá também!
— Não! Não dá para você vir junto, você vai me atrapalhar! Mas Camila não aceitava argumento.
— É sexta-feira, depois que você sair nós já podíamos ir para o cinema, e depois jantamos. Afinal uma hora você vai ter que sair! Vou junto, vou junto, vou junto!
E nada a demovia. Aquilo já estava me torrando a paciência!
Era difícil Camila aparecer na Style, eu fazia o possível para que isso não acontecesse. Raramente ela entrava, somente quando passava por ali para pegar dinheiro comigo. E depois ia torrar tudo fazendo "compras na Augusta", o supra sumo do programa. Ela adorava! Mas hoje eu tinha que arrumar um jeito dela ficar em casa.
"Ela não vai comigo!"
Como não consegui convencê-la por bem tive que pedir a Abraxas que fizesse alguma coisa. Abracei-a, coloquei as mãos em suas costas e fiz um encantamento leve. Ainda deixei bem claro para Abraxas: falei que não queria nada de muito exagerado, um distúrbio leve apenas, só para que ela ficasse em casa.
Passada uma meia hora começou a dor de cabeça. Que não passou nem com o melhor analgésico. Depois começou também a dor de barriga. Logo veio a diarréia, bastante intensa.
— Você não está bem, Camila. É melhor você descansar um pouco. Vai deitar, eu vou indo!
— De jeito nenhum! Hoje é sexta-feira, eu não vou ficar em casa sozinha! Vou com você assim mesmo. Daqui a pouco já passa!
Que insistência. De repente ela fez um movimento qualquer, foi se abaixar para pegar não sei o quê e deu um grito:
— Aiiiii!!!
Camila travou as costas de tal jeito que não conseguia voltar à posição normal. Ficou entrevada! Não podia nem se mexer. Tive que carregá-la até a cama, Camila chorava de dor. A vizinha sabia aplicar injeção e foi chamada. Veio toda prestativa, e eu comprei uma ampola de Voltaren. Mas nem com Voltaren Camila melhorou. E teve mesmo que ficar em casa!
— Ufa! — Pensei. E falei para Abraxas. — Que amanhã ela já esteja bem, heim? Eu só preciso disso hoje!
Voltei para despedir-me dela no quarto. Camila nem podia se mexer, e reclamava:
— Puxa vida, acho que vou passar o final de semana inteiro na cama! Que droga ser pobre, se eu fosse rica já estava lá no Einstein! E ficava curada! Pobre tem mais é que morrer! Por que que existe pobre?!!
Essa era uma das suas frases prediletas. Ainda que ela vivesse como rica por causa do meu dinheiro, nos poucos momentos em que se sentia pobre ficava na mesma lamúria de sempre. E queria morrer.
— Você sabe que essas dores lombares se resolvem com repouso e antiinflamatório. Não adianta ir para o Einstein, Camila! Seja boazinha! Amanhã estou aqui, tá?
E eu pude sair cedo, finalmente. Peguei um táxi e fui para o ponto de encontro perto da Igreja. Ariel viria buscar-me. Ele chegou esbaforido e ligeiramente atrasado. Uma coisa inédita! Parece que tinha ido buscar uma encomenda.
— Rillian! Vamos?!
Estranhei que Thalya já tivesse ido antes, com Rúbia. Isso nunca acontecia, nós sempre íamos juntos! Fomos sozinhos e conversando:
— Que Cerimônia especial será essa, não?
— Não sei! — Respondeu Ariel. — Mas que coisa fascinante é a nossa Irmandade, heim? Nós somos de fato privilegiados por podermos estar aqui, né?
Passamos o resto do caminho comentando como era bom ser filho de Lucifér e como seria possível alguém em plena sanidade mental cultuar a Deus. Como é que eles podiam acreditar numa coisa tão absurda, num Deus que só promove desgraça no mundo?
Quando chegamos e fomos descendo para o sub-solo reparei que no salão principal não havia ninguém. Não havia nada preparado, não tinha o cheiro costumeiro de incenso. Ariel me puxou pelo braço, sempre carregando a tal da encomenda que tinha ido pegar:
— Vai ser em outro lugar hoje!
Fomos para outra sala. Ariel abriu a porta de correr explicando:
— Me disseram que hoje é um grupo menor.
Estava tudo escuro lá dentro, não se enxergava nada. Fui entrando e comentando:
— Ué, você tem certeza que vai ser aqui, Ariel? Não tem ning......
— SURPRESAAA!!!!!!
A luz acendeu e dei de cara com todos os meus amigos reunidos em volta da mesa arrumada e cheia de comes e bebes! Ariel colocou o último pacote, os doces que tinham ficado sob sua incumbência.
— Boas vindas ao campeão! — Viva!
— Hurra!!
E palmas e mais palmas. Todo mundo gritava e falava ao mesmo tempo. Eu não estava entendendo nada:
— Peraí, gente! Hoje não é meu aniversário, não!
— E você acha que o título que você ganhou não vale de nada, cara?!! — Exclamou Górion.
— É isso aí! — Fez Thalya, muito lampeira. — Merece um beijo!
E avançou para me beijar enquanto os outros continuavam falando alto e me dando tapinhas nas costas. Tinha umas cinqüenta pessoas ali.
— Essa festinha é pra ver se levanta o seu astral! — Exclamou Rúbia beijando-me também.
Quiseram que eu fizesse discurso, mas eu não sabia o que dizer. Na verdade estava muito emocionado com a atitude deles. De verdade.
— Bem... vocês me pegaram direitinho! Me sinto um sujeito de sorte em ter vocês como amigos!
Zórdico fez um pequeno discurso em minha homenagem, falando que eu podia de fato tê-los como uma família, e novamente dizendo o quanto eu era querido, o quanto era especial, o quanto eles se alegravam em poder conviver comigo. E acrescentou:
— Sua alegria é nossa alegria! Quando um de nós é vitorioso, a vitória e nossa. Essa conquista é de todos nós.
— Mas eu não fui Campeão!
Todos deram risada. Zórdico também. E falou:
— Só não foi porque não quis, porque foi bobo! Mas... aprenda uma coisa.
Você faz parte da Força, e ela faz parte de você. Você não pode simplesmente se desvincular dela! A sua força depende da unidade, da unidade com Abraxas. Caso contrário, estará fraco. O Poder deriva da Força. E a Força é produto da Unidade. Compreendi o que ele estava dizendo. E simplesmente perguntei:
— Vocês não vão passar o filme, né?
— Vamos, sim! — Falou Rúbia. — Está tudo montado. Você não pode ficar com esse trauma todo! Isso vai passar agora mesmo!
E passaram. Passaram primeiro o anterior, onde eu tinha me saído super bem, e depois mostraram o último.
— Vencer ou perder... está na sua mão! — Retomou Zórdico carinhosamente. — Você não tem que jogar dados na vida, Rillian! Você preferiu arriscar e contar com a sorte, só que não precisa ser assim. Você é um vencedor, faz parte de um time de vencedores. Entre nós não há derrota. Tudo o que você quiser será possível!
Entendi muito bem. Não haveria próxima vez. E a festa continuou super divertida. Eles me deram um kimono novo muito bonito, em nome de todos. Depois fomos todos para a beira da piscina, estava calor e fazia uma noite maravilhosa. Ficamos conversando até quase o raiar da manhã.
O mais incrível é que não houve Ritual naquele dia. O dia tinha sido separado para aquela homenagem!
Um pouco antes da próxima Festa Sátor recebi uma agradável notícia. Como Feiticeiro eu tinha sido escolhido para ser auxiliar do Sumo Sacerdote Akilai naquela Celebração. Era algo bastante expressivo, principalmente porque se tratava da Festa a Leviathan. Aquele convite me fez lembrar muito da Feiticeira ruiva no dia da Iniciação. Eu estaria desempenhando o mesmo papel que ela tinha exercido naquela ocasião.
Com uma pequena diferença. Além da honra em ter sido escolhido como auxiliar do Sumo Sacerdote, abrindo a Cerimônia e preparando a poção do caldeirão aquilo representaria um incremento no meu próprio Poder. Porque o sacrifício também deveria ser oferecido por mim.
Não era o convencional nem de longe. Mas eu já estava acostumado que coisas assim acontecessem sempre comigo.
No dia da Festa viajamos todos para uma cidade próxima aonde aconteceria a Celebração. Desta vez numa outra Fazenda, num Galpão imenso. Estavam todos lá, aquela concentração enorme de pessoas vindas de todos os cantos da América do Sul. Reparei que nesse dia também haveria pessoas sendo Iniciadas.
O Ritual correu perfeitamente bem. Fiz tudo certinho. Conforme pede o protocolo, eu mesmo já tinha colhido os ingredientes. Tem horário e lugar certo para fazer isso. Preparei as ervas, não esqueci nenhum detalhe.
Todos os passos complexos para a confecção daquela importante poção saíram a contento. Recitei os encantamentos, as palavras e os mantras, realizei todos os gestos, toda a seqüência ritualística. À medida que o tempo ia passando e a poção se aproximava de ficar pronta passei a ver os demônios rodando ao redor do caldeirão, regozijando-se com tudo o que eu estava fazendo. O povo em geral ainda não os estava vendo, mas na minha posição privilegiada naquele dia pude contemplá-los bem antes!
Abraxas estava presente também, um pouco mais afastado, observando tudo.
Por fim... ficou faltando apenas o sangue do sacrifício. Começaram os atabaques. A música característica preparava aquele momento. Todos estavam esperando pelo clímax da Cerimônia. Ela já tinha sido colocada sobre a mesa por outro auxiliar. Uma menina.
Procurei incansavelmente controlar as batidas do meu próprio coração. Dessa vez era exigido como parte do processo algo muito difícil. Eu não poderia ser canalizado. E esse era o meu grande temor. Minha patente de Feiticeiro Profundo não mais me permitiria aquele tipo de luxo. Não poderia mais ser "carregado no colo" por Abraxas naquelas circunstâncias.
Aproximei-me da mesa sem olhar para ela. Peguei o punhal, ergui-o acima da cabeça, pronunciei as palavras certas e acrescentei, como convinha, que entregava aquela vida ao demônio. Mas... fiz o que nunca poderia ter feito. Subitamente, sem querer, baixei os olhos para ela! E exatamente naquele instante... quando olhei para ela.. . ela abriu os olhos e olhou para mim!!!
Marlon tinha me dito que nas primeiras vezes em que se faz isso sem canalização é melhor não olhar.
— Depois você acostuma. Aí você vai poder matar olhando nos olhos. Não é seu irmão, sua irmã...é apenas um bastardo sem valor!
Fosse como fosse o olhar daquela menina acabou comigo. Me veio um aperto tão grande no coração, uma sensação horrível e tenebrosa. Em frações de segundos eu olhei para Akilai. Marlon, Zórdico e Taolez estavam ali em cima, como Sacerdotes que eram, mas eu era auxiliar do Sumo Sacerdote. Não adiantava pedir socorro aos meus amigos.
Akilai olhou firme para mim, não fez movimento nenhum, quase paralisado. Estava canalizado e seus olhos chamuscavam. Mais alguns milésimos de segundo e pensei então em pedir para Abraxas me canalizar. Só que não podia.
"Mas com ou sem Abraxas, o fim dela vai ser o mesmo!"
Senti minha cabeça rodopiando naquele pensamento. E não sei o que me deu. Diante daquele mar de gente, em plena Festa dedicada a Leviathan...... assumi uma postura de recusa! Decidido, apoiei devagar a faca sobre o corpo da menina.
"Não serei instrumento disso."
Aconteceu tão rápido que nem vi. Virei as costas e me preparei para sair. Como se eu pudesse fazer isso...! Não tinha terminado ainda o giro do corpo e a descarga elétrica foi violentíssima! Recebi um tranco que parecia querer explodir meu corpo em mil pedaços. E não me recordo de mais nada.
Quando acordei, estava no chão, jogado meio que de qualquer jeito. Como se tivesse sido atirado ali. Não sentia um pingo de força em todo o meu corpo. Para dizer a verdade, nem parecia que eu existia porque o meu corpo estava totalmente insensível dos pés à cabeça. Nem sei quanto tempo fiquei desacordado.
Zórdico acudiu-me, Akilai também, e me puseram num canto apoiado contra a parede meio fora de cena. Já não estavam canalizados. Ninguém disse nada.
Mas me olhavam com um ar estranho, deixando transparecer aquele questionamento: eu não tinha sido capaz de cumprir com a responsabilidade que me fora dada.
Fiquei ali, tentando me recuperar. Eu queria a todo custo limpar o sangue que me manchava as mãos mas não conseguia movê-las. Arrastava-as no chão com extrema dificuldade, e nada de conseguir me limpar. A cabeça parecia que ia estourar, minhas costas também doíam bastante. Aos poucos fui melhorando mas custei a compreender o que tinha acontecido.
O Rito já estava acabando. Quando eu me senti um pouco melhor dei um jeito de ir ao banheiro sozinho para me lavar. Ainda sentia o corpo estranho, mole, cansado, formigando. A confraternização já tinha começado mas eu não quis saber de nada. Fui para a beira da piscina e coloquei os pés na água, fiquei ali chacoalhando-os devagar, vestido apenas com meu manto, pensativo.
Não fiquei muito tempo só. Logo Thalya apareceu, sentou ao meu lado, meio calada. Pôs os pés na água e começou a querer puxar conversa. Mas eu não queria conversar.
Não passou muito tempo e Rúbia veio também, sentou e imitou nosso gesto, enfiou os pés na piscina. As duas foram muito sutis, não comentaram nada apesar de saberem o que tinha acontecido.
— Como a noite está bonita, né? — Falou por fim a Rúbia. — Vamos dar um mergulho de vez nessa água?
E já foi tirando o manto e entrando. Thalya voou atrás dela. Eu não sabia nadar, de modo que entrei mas fiquei no raso. Fizemos a nossa própria festa particular, até o raiar do dia. Brincamos, conversamos. Foi bom que elas estivessem comigo. Estava muito chateado com o que tinha acontecido. Eu tinha sofrido as conseqüências da minha imprudência... e a menina tinha morrido do mesmo jeito.
Mas estava estranhamente inconformado com o destino dela... por um momento pensei que pudesse decidir sobre a sua vida. Eu tinha visto os seus olhos... tentei poupá-la... não adiantou de nada. A imagem daqueles olhos levou muito tempo para sair da minha cabeça. Para dizer a verdade, nunca saiu.
Na hora de voltar, no carro, acabei comentando tristemente com meu amigo:
— Marlon...o Abraxas entrou em mim de um jeito tão violento! Pôxa, por que que ele fez isso? O que eu fiz?!
Abraxas ainda era meu protetor. Uma atitude extrema daquelas não combinava bem com o amor que ele dizia ter por mim.
— Não foi o que você fez... foi o que você não fez, Eduardo!
— Ah, mas eu não podia fazer! — Retruquei com veemência. — Não podia fazer.
Ele olhou para meu rosto e, embora compreendesse o meu sentimento, falou com cuidado mas firmemente:
— Tem certas coisas... que simplesmente você tem que aprender a fazer. Porque faz parte... olha... é necessário. É um mal necessário! Você tem que estar disposto a cumprir as suas obrigações, tem que estar pronto a servir Lucifér do mesmo jeito que ele está sempre pronto a nos servir. Tem coisas que é melhor não questionar, filho. — Abraçou-me de modo paternal, apesar de tudo. — Está tudo bem com você? Melhorou o mal estar e a dormência?
— Quase tudo!
— É... Abraxas poderia ter te matado. Pelo que vi ali, ele chegou ao limite do que o seu corpo suportaria. Ele sabia até que ponto podia ir!
— Eu não estava esperando por isso...
— Você não pode dar as costas para o altar daquele jeito. Foi uma loucura o que você fez! Uma afronta inominável! Largando tudo ali e indo embora! Se fosse outra pessoa, Eduardo... tal vez agora estivesse morto.
Voltamos para São Paulo. Naquele dia tudo foi bem, era um domingo e aproveitei o resto do dia para descansar. Tomei um banho bem longo e fui deitar.
No meio da madrugada acordei com uma dor terrível no lado esquerdo do peito. Eu não conseguia me mover, não conseguia falar, não conseguia nem respirar direito. Uma dor opressiva, tremenda, acompanhada de uma sudorese fria e intensa, uma dificuldade respiratória, uma taquicardia! Para mim, eu estava enfartando!
Não consegui pensar em nada. E aquela dor não passava, durou a madrugada inteira. Fiquei me contorcendo na cama, sozinho. Quando o dia começou a clarear senti um pequeno alívio. Saí da cama com dificuldade e resolvi ir até o Hospital. Nem pensei em ligar para Marlon ou Zórdico àquela hora da manhã. No fundo eu acho que já sabia o que ia escutar. Mas estava com medo e queria uma opinião exclusivamente médica. A última coisa que eu queria pensar era que estava sendo punido de alguma forma.
— Eu sou filho do Fogo.....
No Hospital a dor passou sem medicação nenhuma, de repente. E nada foi acusado nem no meu raio-X de tórax e nem no meu eletrocardiograma. Voltei para casa e me preparei para o serviço. No final da tarde, subitamente começou uma fortíssima dor de estômago. Esperei um pouco, procurei me controlar ao máximo... mas não houve como. Vi que não ia mesmo passar e tive que ir até o ambulatório da Empresa. Tomei Buscopam na veia com glicose, e nada!! Nem um pingo de melhora. Tive que voltar para casa mais cedo.
Ainda assim não pensei em contatar ninguém da Irmandade. Fiquei com dor até tarde, tomando buscopam em gotas sem sucesso. No meio da noite a dor diminuiu um pouco mas não passou. No dia seguinte fui obrigado a procurar ajuda. Liguei para Zórdico logo cedo e me queixei:
— Puxa, eu tô mal! O que é que tá acontecendo?!
— Está se sentindo mal, é?
— Caramba, não passa! Tomo remédio e não adianta! Eu sabia o que ele ia dizer.
— E...você só pode ser tocado se os seus Guias permitirem! De certa forma você sabe, não é? Sabe que agiu mal?
— Se você errar de novo, vai ser pior! O nosso caminho é de disciplina. Você também ficaria muito decepcionado se fizesse um pedido a Abraxas e ele não se empenhasse em cumpri-lo!
Tinha sido mesmo um castigo por causa da minha desobediência e indisciplina.
— Tá bem. Entendi. — Falei meio seco. — Obrigado pela dica.
E desliguei. Não perguntei quando ia passar o desconforto, agora tinha certeza do que estava acontecendo. Mais para o final de semana eu já não tinha mais nada.
Mas pelo visto não me serviu muito de lição porque logo fui punido novamente.
— Você sabe que a Rúbia é uma Reprodutora, não!? — Perguntou-me Marlon mexendo o cappuccino diante dele.
Dentro da Irmandade as mulheres escolhidas como Reprodutoras são aquelas cuja maior finalidade é a de gerar filhos para os demônios. Estas crianças sequer são registradas, para todos os efeitos elas nem chegam a existir. Até o período da gravidez é feito em local retirado e todo o círculo de conhecidos destas mulheres nem fica sabendo que elas estiveram grávidas.
As pessoas da Irmandade têm muitas posses. Isso facilita a mudança de cidade, de estado, ou até mesmo de País durante a gestação. Se o objetivo for sacrificar a criança em outro País, por exemplo, a Reprodutora é levada ao seu destino para esse fim.
A concepção é feita em Rituais especiais conhecidos como Ritos de Fertilidade. O ato é inspirado pelos demônios, o homem é previamente escolhido para unir-se, sempre canalizado, a uma determinada Reprodutora para um fim específico. Os Súcubus e Incubus têm esse Poder reprodutor porque podem carregar esperma coletado de um ser humano com eles. Mas no caso do Ritual de Fertilidade é sempre uma relação homem-mulher. E o homem é meramente um instrumento do demônio para o ato que gerará a criança.
Geralmente ela é sacrificada logo após o nascimento durante um Rito específico para isso. Ou pode ser criada por nove meses, e então morrer.
Algumas vezes eu vi a concepção acontecer, no Rito de Fertilidade. Mas o sacrifício não se vê assim tão facilmente. É uma Cerimônia para poucos, geralmente apenas Sacerdotes. Dizem que as Reprodutoras têm um parto indolor. Apenas Deus quer que as mulheres dêem à luz em sofrimentos.
Uma das finalidades principais deste tipo de prática é oferecer a criança em "troca" de outra vida. Como estes bebês são vidas especiais, geradas com a finalidade de morrer, a entrega prenuncia que outra vida qualquer será ceifada. Normalmente a ordenança e orientação destas práticas partem dos próprios demônios.
Mas esses Ritos também podem ser puramente "Ofertas de gratidão”.
Também nesse caso têm que ser previamente solicitados pelos Guias. Não se pode fazer a esmo, do nada.
Há um bom tempo Thalya cogitou nisso, ela tinha vontade de ter um filho comigo para ser oferecido. As Entidades aceitaram o pedido e deram seu aval. E nós começamos a nos preparar para a única data do ano aonde isso poderia acontecer. Um dos aspectos a serem seguidos era a abstinência sexual dentro de um determinado período do dia. Mas tanto eu quanto ela acabamos descumprindo a regra. E não pudemos participar do Rito. No ano seguinte aconteceu a mesma coisa. Só que dessa vez fomos sutilmente castigados pela nossa falta de compromisso.
Na mesma noite morreram dois cachorros de Camila, o que nos deixou bastante chateados. Eu também gostava deles! E o coelho cinzento de Thalya, o Herbert, teve o mesmo fim. Além do quê minha mãe cortou a mão de uma maneira absurdamente estranha no liquidificador. Eram muito claros os sinais, ainda que em momento algum eu quis aceitar essa possibilidade.
Compramos outro coelho no mesmo dia para Thalya. O nome dele ficou sendo Herbert, igualzinho ao outro. E nunca mais se cogitou naquela história de filho. Agora....
"Mas o que será mesmo que Marlon quer com essa pergunta?". E respondi alto:
— Sei, sim. Sei que Rúbia é Reprodutora! E fiquei esperando.
Eu, ele e Górion estávamos num agradável "Café" numa cidadezinha próxima de São Paulo. Marlon havia me ligado um dia antes, no serviço, e me convidara para encontrar-me com ele no dia seguinte à tarde. Em pleno meio de semana devia ser mesmo importante.
Aceitei, e ele disse então que passaria para me buscar na Style com Górion. Nesse dia Górion tinha sido recrutado para dirigir. E ali estávamos.
— Bem, tenho o privilégio de ser o escolhido para te comunicar uma proposta daquelas!
Górion meteu o bedelho, brincando:
— Olha, estou começando a ficar com ciúmes de você, sabia? Tudo é "Rillian pra cá e pra lá"! Pôxa, você é o Rei da cocada mesmo, tô ficando enciumado!
— Filho, você tem uma missão especial a cumprir, você já sabe disso. O seu nascimento não foi por acaso e nem nada do que se refere a você. De fato você é um predestinado! — Elogiou Marlon primeiro, e então foi aos finalmente. — Tenho uma boa notícia pra você! Akilai recebeu a orientação e pediu que eu a transmitisse. Você tem a honra de ter sido convidado para ser o instrumento nas mãos de
Leviathan! Ele mesmo vai te canalizar, você terá uma relação com a Rúbia no Rito de Fertilidade e ela vai gerar um filho seu!
— E olha, cara, com a Rúbia não precisa nem estar canalizado pra ficar feliz da vida! Que beleza! Ela está longe de ser alguém para se jogar fora! — Retrucou Górion.
— Além do benefício que você vai ter em possuir a Rúbia diante de todos, também terá o tremendo privilégio de ser o instrumento de Leviathan. E ele será muito grato a você, pode ter certeza! E você será muito bem recompensado com um Poder todo especial também!
— Uau!!! — Na hora eu fiquei muito empolgado. Pensei comigo: "Isso é mel na chupeta, heim?! É unir o bom com o bom demais!"
Rúbia se insinuava às vezes e eu sempre me fazia de rogado. Depois ela acabou me deixando de lado e aí quem não gostou fui eu. Mas... diante dessa circunstância... fazer o quê, né?! Tinha que ceder.
— Legal! Estou disposto, sim!
Diante da minha aquiescência o acordo foi firmado. Akilai foi avisado e a data escolhida, coisa de uns quarenta dias depois disso. Apenas nove dias antes eu tinha que fazer algumas restrições dietéticas, prestar atenção em alguns detalhes. Inclusive a abstinência sexual. Rúbia foi também comunicada e logo que me encontrou veio toda lampeira:
— E aí? Já te contaram a data? — Já, estou sabendo!
Ela olhou com charme dentro dos meus olhos e retrucou: — Você vai gostar....
— É...acho que sim! — Eu não estava muito acostumado com aquilo e fiquei quase roxo.
— O único problema disso é que depois eu vou ficar sem te ver por quase um ano, vou para o retiro durante a gravidez. Mas você pode me visitar, se quiser.
— Com certeza, eu vou!
Mas aí foi a vez de Thalya dar a nota. Ela ficou sabendo depois e apesar de procurar não falar nada, ficou de bico. Quis demonstrar alegria, mas notei que era fachada. Estava mesmo emburrada! O que, em se tratando de Thalya, era algo quase impossível de acontecer. Fui obrigado a ir conversar com ela assim que foi possível.
— Ô, Tassinha! Fala a verdade, vai! Você não está gostando dessa história, né?
— Ah, eu é que tinha que ir com você!!! Eu queria gerar um filho com você, tinha cansado de falar isso! Agora por que é que tem que ser a Rúbia???
— Quem escolhe não somos nós, né, Thalya? — Ai! Que coisa!!!
Ela fez de conta que deixou passar mas eu percebia muito bem, pelo seu olhar e atitude, que não estava nem um pouco satisfeita. A partir daquele momento, se eu conversasse muito com Rúbia ela ficava sempre de olho, antevendo que em poucos dias nós estaríamos diante de todos fazendo... aquilo!
Nove dias antes comecei a me preparar.
E dois dias antes do Rito eu estava ali pensando:
— Puxa... eu vou gerar uma criança! Eu sempre quis ser pai, ter o meu próprio filho... e agora vou gerar um bebê com alguém que não é a minha esposa, não é a mulher que eu amo! Depois a Rúbia vai encontrar um outro cara por aí...e vai ter filho com ele também. Pôxa! — E comecei a ficar meio nervoso com aqueles pensamentos. — Esta criança vai ter as minhas características genéticas!
Lembrei de Camila, que vivia dizendo como ia ser o nosso filho. Que ele ia ter a boca assim, e a perna assado, e os olhos não sei de que jeito...!!!
— Não! Essa criança vai ter a minha boca, e a minha perna, e os meus olhos... e vai ser a minha criança! E eu vou gerá-la para morrer??? De jeito nenhum! Isso não dá pra mim, não!
Sem saber ainda bem o que fazer resolvi dar um pulo em casa de Thalya, conversar um pouco. Não falei do que se tratava mas fui adiantando:
— Ihh, Thalya, hoje estou meio down!
— Quando eu fico assim eu solto o Herbert e brinco de caçar o coelho! Sem esperar resposta soltou o bichinho e nós corremos um pouco por ali, ele
era muito engraçadinho. Algumas risadas depois eu estava melhor. Mas não deu tempo de conversar. Logo a campainha tocou e era nada mais, nada menos do que Rúbia em pessoa:
— Oi, Tassa! Oi, Rillian, você está por aqui?
Rúbia e Thalya continuavam muito amigas, apesar da rusguinha por causa do Ritual de Fertilidade. Rúbia chegou com um filme da Marilyn Monroe embaixo do braço.
— Trouxe um filme pra gente ver, Tassa! O Rillian não tem outra opção senão assistir o abacaxi com a gente, né?!
Thalya foi ligando a TV, olhou para nós dois com arzinho espevitado e despeitado ao mesmo tempo. E falou:
— Bom... vocês dois não podem comer nada de bom, né? — Olhou novamente com ar significativo. — Mas eu posso!
Foi para a cozinha e fez o maior piquenique para ela. Trouxe uma bacia de pipoca, coca-cola, sorvete, chocolate, doces e sentou na frente da televisão.
— Vamos assistir?
Eu e Rúbia só olhamos o banquete e não dissemos nada. E Thalya só no "croc, croc, croc".
— Hum...esta pipoca tá tão boa!
Acho que ela também estava deprimida. Comer tanto assim não era bem o natural dela. No meio do filme Thalya me cutucou com o pé e ofereceu:
— Você não quer sorvete?
Eu olhei para o sorvete de chocolate cheio de cobertura. Além de já estar com a cabeça cheia de pensamentos absurdos vinha ela com tentações para cima de mim! E refleti comigo mesmo: "Se eu quebrar a dieta, não posso mais participar do Ritual!".
— Ah, Thalya, não posso!
Rúbia só deu uma olhada firme para nós e nem abriu o boca, continuou assistindo o filme. Mas a verdade é que aquele sorvete não me saía da cabeça. Lá pelas tantas eu não sabia mais nem o que rolava naquele filme chato.
"Quer saber de uma coisa?? Vou comer mesmo esse sorvete e pronto!".
Fui para a cozinha como quem não quer nada, quietinho. Abri a geladeira e entupi um copo com sorvete, comi compulsivamente, nem senti o gosto.
— Ei, Edu! Que demora aí nessa cozinha, o que é que você está fazendo, heim?!! — Gritou Thalya.
— Tô comendo! — Respondi de boca cheia. Foi a vez de Rúbia se manifestar. — Tá comendo o quê?! — Sorvete! Ela respondeu da sala meio sem acreditar:
— Sorvete? Você tá tomando sorvete?!! Mas......o que que é isso?
Rúbia entrou na cozinha mas eu já tinha tomado tudo e enchido o copo com água. Thalya veio atrás e eu retruquei meio na troça, meio na seriedade:
— Olha, eu decidi que eu não vou participar desse Rito, não! Pensei bem e não vou fazer! Não é por sua causa, não, Thalya, e nem por causa da Rúbia! Mas vai haver um filho que vai ser a minha cara — ( nessa altura ele já tinha mesmo a minha cara) —, e depois vão matar ele, e...não quero! Quando eu tiver um filho eu quero criar, não quero entregar a Lucifér!
Rúbia olhava estarrecida para mim com ar de "o que foi que você fez?", completamente sem palavras. E Thalya exibia um ar de quem estava adorando tudo. Mas Rúbia por fim deu um basta na situação e murmurou, mais de si para si do que para mim:
— Você só pode estar brincando, é isso. Você não faria uma loucura dessas. — E não acreditou, porque a bem da verdade não podia provar que eu tinha mesmo quebrado a dieta.
Voltou para a sala e continuou na frente da TV, muito calma. Thalya deve ter achado que ela estava certa porque armou de novo um burrinho e me virou as costas. E eu nem aí. Voltei para a sala também. Só que depois fui para o banheiro... com o pote de sorvete a tiracolo! E tomei tudo, tudinho, sofregamente. Tanto Thalya quanto Rúbia esqueceram a história e o clima voltou a ficar às boas. Nenhuma delas realmente acreditou.
Mais tarde, naquele mesmo dia, acabei caindo em mim:
"Nossa! O que foi que eu fiz?!... Que momento de fraqueza, que pisada na bola! Tem que ter um jeito de voltar atrás. Vai que como eu só comi um pouquinho de sorvete... vou falar com o Marlon agora mesmo!".
Procurei Marlon em todos os seus telefones até encontrá-lo. E fui direto ao assunto.
— Marlon, dei mancada feia, preciso falar com você urgente! E tem que ser pessoalmente.
— Ih, Eduardo, hoje é impossível! Só se a gente almoçar juntos amanhã, pode ser?
Não tinha outro jeito, e concordei.
— Tá bom. Amanhã cedo te espero no saguão da Style.
Já era meio tarde mas nem bem desliguei o telefone e ele tocou de novo. Era Thalya.
— Edu, não acredito no que você fez! — Ela estava séria. — Fiz o quê?
— Você tomou o sorvete!
— Não tomei sorvete nenhum.
— Ah, sim, então ele desmaterializou, né? Não dá pra acreditar no que você está aprontando!
Ainda achei espírito esportivo para brincar:
— Alguém fez desdobramento e tomou o seu sorvete, ou então vao ver que foi o coelho!
Ela começou a rir.
— Mas e agora?!! Sabia que você pode morrer por causa disso, Eduardo???
— Não, imagine! Eu sou filho do Fogo, o Fogo não me queima. Lucifér é bonzinho, ele me ama. Se eu fosse Filho de Deus aí sim com certeza ia ter castigo, raios caindo na minha cabeça, trovoadas...mas fique tranqüila. Já falei com Marlon!
— É... tal vez você esteja certo. Espero que esteja!
Naquela hora procurei exaustivamente me convencer disso. Achei que poderia fazer o que eu quisesse em nome da liberdade tão apregoada. Mas estava enganado!
No dia seguinte encontrei-me com Marlon. Logo de cara eu pedi um prato caprichado na carne vermelha e ele olhou para mim com ar de estranheza:
— O que que você está fazendo, Eduardo?
— Estou comendo! — E desembuchei tudo. — Eu já quebrei a dieta ontem, me entupi de sorvete. Sabe, eu estive pensando, não estou pronto para isso! Vou gerar uma criança! — E desfiei minha ladainha e minhas motivações.
Ele escutou com muita atenção. Concluí minha defesa acalorado:
— Talvez mais pra frente, Marlon, olha, não está dando, cara! Tem que ser aos poucos! Com esta história de ter missão especial as coisas estão acontecendo muito rápido. Veja só: sou Feiticeiro há quase dois anos. Thalya nem Feiticeira é ainda. Não estou me queixando mas algumas coisas têm que ir mais devagar. Tem uns lances que ainda pegam comigo!
Marlon estava com um ar meio decepcionado. Procurei não ligar, apesar de que a aprovação dele me fosse muito cara. Ele procurou compreender.
— Bom... você é humano, tem sentimentos! O que mais posso dizer? Não vamos também fazer tempestade em copo d'água. Eu vou ver o que posso fazer a respeito disso, interceder a seu favor. Mas uma coisa você precisa fazer... falar com ela!
— Fala você ,vai, Marlon... ela te respeita mais. Ele não admitiu o argumento
— Não. Fora de cogitação. Vou te deixar lá.
Ele mesmo me levou até a casa de Rúbia. Ela morava com mais duas moças em um apartamento enorme, as duas companheiras também eram Reprodutoras. Foi Rúbia mesmo quem atendeu à porta e me recebeu toda amável.
— Olá! Meu amigo Rillian! Que surpresa boa, vamos entrando! Ela me acomodou no sofá.
— Quer beber alguma coisa? Deixa ver o que tenho aqui...
— Rúbia, eu só vim falar uma coisa rápida com você e já vou embora! — Fui até meio ríspido. — Ontem eu fui na cozinha e tomei sorvete de verdade, e hoje no almoço eu comi carne, me enchi de carne, junto com o Marlon. Como dá para você perceber...
— Mas ele deixou você fazer isso????!!
— Mas eu já tinha quebrado a dieta antes, na casa da Tassa!
— Era verdade mesmo?! Eu não acredito que você fez uma coisa destas!!! Eu não quis acreditar.
Rúbia perdeu a compostura. Ficou irritadíssima, começou a gritar comigo, histérica, andando pela sala.
— Olha só o que você me apronta! Mas que maneira de agir!! Se você quer dar pra trás, tudo bem, eu não tenho nada com isso, mas acontece que você me coloca junto, agora eu estou junto nessa roubada! E o que é que eu vou dizer, como é que vou explicar uma coisa dessas????!!!! Como vou olhar para o Akilai e todos os outros???!!!!
— Isso pode deixar que eu explico. — Ela já estava me enervando.
— Mas acontece que o Ritual é amanhã, todo mundo vai estar lá. O que que eu vou dizer???
Vi que não dava para conversar com ela naquele estado. Levantei pronto para ir embora.
— Rúbia, quer saber? Se você não quer entender minhas razões não posso fazer nada. Você já está ciente. Olha, estou indo!
Imediatamente ela procurou mudar a atitude. Baixou o tom de voz e se aproximou de mim o mais meiga que pôde:
— Rillianzinho...pôxa, mas por que você fez isso? Expliquei de novo. Ela suspirou, visivelmente contrariada.
— Ai, menino! Cada uma que você arruma... eu não sei o que fazer! Qualquer coisa, o culpado é você.
— Quanto a isso não se exalte. Eu assumo.
Fui para casa ressabiado, pensando no que ia acontecer. No dia seguinte nem dei as caras no Ritual. Avisei Marlon:
— Não vou hoje... afinal, não tem o por quê eu estar lá.
— Tudo bem, vou ver o que posso fazer por você. Se tem como amenizar um pouco isso tudo.
Isso foi na sexta-feira. Sábado correu tudo bem. Domingo também. Comecei até a me animar. Talvez Marlon tivesse conseguido colocar uns panos quentes. Passei o final de semana com meus amigos da Academia e com Camila, tirei a cabeça de tudo que dissesse respeito à Irmandade. Mas domingo de madrugada acordei suando, com uma dor absurda no região lombar direita, na altura dos rins. Foi impossível levantar da cama. Nunca senti uma dor tão estúpida como aquela! Aquela outra que eu havia experimentado no coração não chegava aos pés desta última.
Inutilmente tentei me mover, até a respiração me matava de dor. Comecei a gritar chamando minha família, em franco desespero. Meus pais entraram atarantados no quarto, ninguém sabia o que fazer e eu só chorava, me contorcendo. Muito forte, muito forte, muito forte aquela dor! Não poderia suportar muito tempo!!!
Meus pais não tinham carro nessa época. Minha mãe ligou para meu tio que veio e literalmente me carregou. Não fui capaz de caminhar sozinho. No Hospital fui medicado e o diagnóstico feito: um cálculo renal de dois centímetros de diâmetro! Continuei chorando porque a injeção de buscopam não fez o efeito desejado. Fiquei imóvel e senti um pequeno alívio. Mas bastava me mover e parece que aquilo deslocava a pedra, e a dor voltava.
Fiquei em casa durante cinco dias naquele chove não molha, quase dopado com tanto buscopam e analgésicos que tinham um efeito de pouco mais do que duas horas. Eu nem conseguia dormir, tanta era a dor. Não fui às reuniões e não consegui pensar em ligar para ninguém. E ninguém me ligou também! Eu sabia muito bem o que estava acontecendo mas não queria ter que dar o braço a torcer. Tinha que provar para mim mesmo que seria mais forte do que aquela provação toda.
Na sexta-feira melhorei um pouco. Mas depois de mais um ultrassom os médicos me disseram que no meu caso havia uma indicação cirúrgica. O cálculo era grande demais para sair pela via convencional e seria necessária a operação para retirá-lo. Meus pais estavam verificando qual era o melhor hospital para internar-me quando resolvi engolir o meu orgulho. Liguei para Thalya:
— Dá para você vir aqui me buscar? Me leva até a casa de Zórdico?
Não procurei Marlon. Tinha certeza do que ele iria me dizer. Quem sabe Zórdico teria uma postura diferente?
Thalya veio. E de cara percebeu o quanto eu estava abatido. Dor, noites dormir, dias sem conseguir comer.
— Nossa, Edu, o que aconteceu?...
— Estou com um cálculo renal. Imagine só, vou precisar de cirurgia, isso não é possível!!! Passei a semana inteira com uma dor insuportável! Mal posso me virar na cama. Passei mais tempo no Pronto-Socorro tomando buscopam na veia do que em casa.
— Ai, ai, ai, ai, ai...
E não disse mais nada. Quando chegamos em casa de Zórdico ele já estava à postos, junto com Marlon. Os dois estavam à minha espera.
— Eu sabia que você viria aqui hoje. — Adiantou-se Marlon.
— Aonde é que está doendo? — Quis saber Zórdico.
— Como é que você sabe que eu estou com dor?
Ele não respondeu mas aproximou-se de mim, colocando as mãos sobre o meu flanco.
— Olha, não tem mais nada aí. Só que tem uma coisa. Aprenda: é a última vez que você desobedece dessa maneira. Você tem uma Aliança! Uma Aliança com Lucifér, com o Inferno. Eles estão sendo fiéis na parte deles, você tem que ser fiel na sua parte também! É princípio de ação e reação! Você está causando o mal pra você mesmo.
Fiquei cabisbaixo.
— Foi por causa da dieta, né?
— Ainda bem que você mesmo percebeu. Mas olha... agora você está bem, cabeça pra cima. Mas não abusa da sorte. — Orientou Marlon, com seriedade. E acrescentou: — Eu fiz o que pude.
Não fosse por ele e talvez eu tivesse sofrido bem mais. Mas nem perguntei. Sabia que Marlon não podia decidir o que bem entendesse diante do ocorrido. Mas tinha certeza que ele tinha feito o possível a meu respeito.
Saí dali e fui direto para o médico, que não entendeu bem o que tinha acontecido. Depois de fazer outro ultrassom e procurar em vão a pedra, comentou:
— Vai ver alguma coisa aconteceu e quebrou a pedra. Vai ver ela dissolveu e já saiu.
Desculpa meio tola, mas saí lépido do Hospital.
"Escapei daquela cirurgia. Ufa!".
As coisas continuaram no seu curso normal dentro da Irmandade. Os meses continuaram passando sem maiores intercorrências. Confesso que o tempo talvez me tenha feito esquecer as agruras daquela semana de sofrimento. E minha índole teimosa me fez esquecer dos bons desígnios de ser plenamente obediente.
Marlon me dizia, volta e meia:
— O Sabbath está chegando novamente. Desta vez você vai participar, né? — E aquilo não soava como um convite.
Havia já duas vezes consecutivas que eu me recusava a ir. Depois que fui consagrado Feiticeiro deveria ter começado a participar daquela Celebração, mas sempre que se aproximava o trinta e um de outubro eu dava um jeito de não ir. Até então o meu livre arbítrio tinha sido respeitado. Porém cada vez mais Marlon me fazia compreender que não haveria mais possibilidade de continuar com a negativa.
Até para mim era um espanto toda aquela relutância. Não dá para classificar exatamente como relutância... nem eu sabia bem o que acontecia comigo cada vez que se falava em Sabbath. Não tinha a menor lógica! Ia receber um Poder todo especial... Lucifér iria me carregar nos braços e me fazer passar por dentro do Fogo... ia ficar milionário após o Sabbath...!
E milionário queria dizer milionário mesmo! A questão da prosperidade material é muito simples ainda que não aconteça como passe de mágica. Cada membro da Irmandade faz uma doação muito generosa em dinheiro para todos aqueles que estão sendo Consagrados no dia do Sabbath. O capital inicial é para o desenvolvimento de um negócio qualquer, previamente revelado pelos Guias. A orientação nesse sentido é feita nos mínimos detalhes e é apontado em qual segmento deverá atuar.
Um restaurante, uma grife, uma rede de produtos de beleza, uma frota de aviões, um banco, uma escola, uma indústria, etc...
Todos têm seus negócios porque há que se justificar as grandes somas em dinheiro. Não se pode ficar milionário "do nada"! Além do quê tais negócios também têm que ser uma forma de divulgação do Império de Lucifér.
Toda a revelação vem por meio dos demônios e primeiramente são repassadas aos indivíduos que já têm como missão o "marketing" satânico. Uma vez que esteja pronta a logomarca, esta é consagrada em Rituais específicos e o sacrifício é oferecido simbolizando todos aqueles que morrerão espiritualmente através daquele instrumento de Lucifér.
O negócio é todo montado e gerenciado pela Irmandade. Os advogados, os contadores, todo o serviço na área de consultoria e tudo o que seja necessário é fornecido. E o negócio prospera a olhos vistos. Não há como escapar de "nadar no dinheiro"!
Eu sabia de tudo isto. Sabia que me tornaria um grande empresário antes de abarcar o meu chamado político. Teria muito dinheiro. Meu Poder aumentaria. Sem contar que o Sabbath deveria ser uma experiência fascinante!
Mas alguma coisa me dizia que se eu fosse até ali eu estaria indo longe demais! Era uma sensação muito estranha e totalmente incongruente. Embora tudo à minha volta me dissesse um "sim"... o meu íntimo dizia "não!". Era um passo muito sério. A impressão que eu tinha era que até então, se me desse a louca, ainda haveria como retroceder. Depois do Sabbath... não mais! Ou, pelo menos, seria muito mais difícil. Não que eu quisesse retroceder, porque de fato não queria. Mas algo, alguma coisa muito sem lógica me fazia querer ficar aonde eu estava.
Mas para todos os efeitos... eu iria. Foi o que disse a Marlon, e a Zórdico, e a Akilai. Me comprometi, e aceitei que não mais poderia recusar. Já era Feiticeiro há muito tempo e aquilo fazia parte das minhas obrigações como Feiticeiro. Não era mais uma questão de querer ou não querer. Eu sabia que assim que passasse pelo Sabbath certamente os Guias sinalizariam o início da minha Consagração a Bruxo. E eu daria novamente um salto quilométrico em direção ao Poder!
Entrou o mês de outubro.
Alguns dias antes da Ópera Negra começamos todos a nos preparar. Eu também. Mas quando faltavam três dias para a viagem passei a sentir-me cada vez mais ansioso. Não queria ir... mas o quê eu ia alegar para não ir??!! Aquilo já estava me consumindo! Decidi então pelo bom caminho. Isto é: o diálogo.
"Vou conversar e explicar que não estou pronto para ir ao Sabbath!", raciocinei.
E procurei Marlon e Zórdico disposto a conversar:
— Vocês sabem que tenho me preparado! Mas acho que não estou pronto ainda. É algo de muita responsabilidade e, para ser sincero... não vou!
Os dois olharam para mim com aquela cara de quem diz: "Como assim, não vai?".
— Você está jogando novamente pela janela o seu prêmio. — Grunhiu Zórdico.
— Eu não vou. — Respondi, educado mas categórico. Eles insistiram.
— Você tem que ir! — Imagina, Rillian!
— Não pode mais ser assim.
Achei melhor concordar. Vi que não conseguiria convencê-los. Não adiantava, por isso concordei, mas da boca para fora. E fiquei pensando em que desculpa ia arrumar. Pensei e repensei, tinha que ser algo inteligente.
Três dias. Dois dias. Um dia para o Ritual. E eu não tinha o que alegar.
Naquele ano o Sabbath não seria muito perto. O lugar determinado ficava a várias horas de São Paulo, de forma que estava combinado que Marlon me pegaria às três da tarde.
Não tendo o que fazer, pouco antes das três eu saí e fui para a casa de minha avó.
— Oi, vó! Quanto tempo! Trouxe pão doce para a gente tomar um café. Vim bater um papo com você! Vamos conversar!
Eu queria tirar aquele assunto de Sabbath da minha cabeça. Pensei que poderia fazer minha avó falar bastante e então eu diria para meus amigos que infelizmente tinha me esquecido do horário. E ainda pedi para Abraxas me proteger:
— Abraxas, por favor, não deixa eles saberem aonde eu estou! Que eles não venham me buscar aqui na casa da minha avó!
Ele não respondeu.
— Arre, será que esse Abraxas ouviu?! Ah, acho que ouviu, sim, ele que não quer responder!
E nem liguei mais, engrenei na conversa com minha avó. Tem certos assuntos que é só dar corda que as pessoas não param mais. Com minha avó era só perguntar:
— E aí, como é que você e o vô se conheceram?!
Quando ela cansou de falar, puxei a conversa com meu avô. Ele também tinha o seu assunto predileto, que era falar de um irmão dele, um tal de Jumbo.
E blá, blá, blá, blá! Quando saí de lá eram quase oito horas da noite e eu estava feliz da vida porque ninguém tinha ido me buscar!
Quando cheguei em casa, o espanto:
— Thalya??!! Mas o que você está fazendo aqui?
Ela estava parada em frente de casa. E me olhou com ar grave. — Edu, não é possível. Você esqueceu?!
— Esqueci o quê?
— Hoje é o Sabbath! — E ergueu levemente o tom de voz. — Nós vamos participar do Sabbath, lembra?!
— Ah, eu sei, mas sabe o que é? Eu pensei melhor e...
— Não tem essa de pensar melhor, não! Nós vamos lá, sim, senhor! — Ela estava um pouco alterada mas não brava, me pegou pelo braço. — Olha, nós temos que tomar um táxi agora. Vamos até o Campo de Marte que tem um helicóptero nos esperando! O Górion vai aguardar a gente lá às nove horas da noite. O pessoal fretou esse helicóptero por sua causa e eu fui a incumbida de trazer você! Portanto: vamos indo!
— Thalya, eu não posso ir. E não vou.
— Mas o Górion está esperando! Ficamos pensando que devia ter acontecido alguma coisa porque você "atrasou", né? — Ela mesma fazia pouco caso. Era muito óbvio que eu não tinha tido imprevisto nenhum. — Larga mão de ser mula, cara!!! Você vai receber Poder, vai ter um monte de dinheiro, vai ter tudo o que quiser! O que está acontecendo, Edu?!!
Pra dizer a verdade eu não sabia. Mas era aquela coisa dentro de mim me dizendo aquele "não" categórico. Eu não podia compreender o por quê daquele "não". Era completamente atípico. Mas era definitivamente "NÃO"!
— Thalya, de fato você está certa... aparentemente parece tudo muito bom. Mas eu não sei dizer, nem explicar, só que algo me diz que isso não é bom! Entendeu? Eu não sei explicar, mas simplesmente não é bom!
— AH!!! — Ela colocou as mãos na cintura, quase não acreditando. — Dinheiro não é bom??? Por acaso ser um empresário na sua idade, não é bom? Ter o mundo a seus pés, o Poder, a força. Me diz! O quê é bom, então, Eduardo?!!
— Ai, ai... agora? Nesse exato momento? — Dei uma risadinha só para acalmá-la um pouco. — O que seria bom agora é... um cafezinho! Vamos tomar um cafezinho!
Thalya meneou a cabeça e não respondeu. Deu um suspiro longo e empinou o nariz:
— Pois está muito bem! Você não vai... mas eu vou!
Virou as costas, dobrou a esquina e sumiu. Eu sentei na porta de casa, meio cansado. Não sabia o que estava fazendo apesar de fazê-lo com plena convicção. Aquela negativa dentro de mim era muito forte e eu sabia que estava fazendo o certo. Embora não parecesse ter um pingo de lógica.
Resolvi chamar o Abraxas. Palavras, gestos de encantamento. Nada!
— Pelo visto ele já deve é estar lá! — Resmunguei, frustrado. — Acho que só fiquei eu por aqui. Na cidade inteira não deve ter um demônio para contar história, estão todos no Sabbath! Caramba...nem um diabinho para conversar... — Procurei me animar um pouco e esquecer aquele sentimento estranho que teimava em crescer dentro de mim.
Fiquei ali um tempo, pensando, até que Thalya voltou. Tinha feito que ia mas não foi. Só escutei os sapatinhos dela, "ploc, ploc, ploc!". Veio e sentou do meu lado:
— Você tá aí? Nem ficou comovido que eu ia sozinha por esse mundo afora, né? A sua própria alma gêmea! Que coisa. Eu não acredito que você não vai...
— Thalya... — Dessa vez falei sério. — Você confia em mim? Ela também falou sério:
— Confio. Confio, sim! Eu sou a sua outra metade, confio em você!
— Então acredita nisso: pode parecer estranho, mas... ir para o Sabbath hoje.... não é bom!
— Ai, Edu! — E Thalya estava de fato preocupada nessa altura. — Você está ficando louco. Devem ter feito algum encantamento contra você, a sua cabeça não tá boa, Edu. Precisamos descobrir quem foi. Acho que você deve ter despertado ciúmes dentro da Irmandade, só pode ser isso! Alguém deve estar com ciúmes porque você virou Feiticeiro muito depressa, é o protegidinho do Abraxas, foi selecionado por Leviathan...sem contar que todo mundo sabe que você é o filhinho-de-papai do Marlon, do Zórdico, eles paparicam você demais, todo mundo sabe disso! — Thalya foi ficando mais preocupada à medida que falava. — Alguém lançou um Feitiço contra você, não percebe?! Nós temos agora que fazer algo maior para simplesmente destruir essas pessoas!
— Não sei, Thalya, olha... eu estou normal! Minha cabeça está boa, sim. Não é encantamento. Eu teria sabido. Você acha que Abraxas não teria me avisado? Depois, com um Guardião como ele, quem ia chegar perto de mim? E como você mesmo disse, sendo protegido do Marlon, do Zórdico... seria loucura, você sabe! Quem aqui faria isso?
— Sei, aqui até pode ser, mas tem gente pelo Brasil inteiro. Vai ver não foi daqui, pode ter sido alguém da Base, vai saber! Será que a Gwyneth não andou dando com a língua nos dentes?
— Não delira. A coitada foi tão gentil o tempo todo. Ia lucrar o quê, fazendo enredo? Esquece isso. Eu estou bem!
— Você tá bem mesmo?
— Tô bem, sim.
— Então... — Ela pensou um pouco. — Sabe o que eu vou fazer? Vou alugar um filme da Marilyn e assistir com o Herbert!
— Ah, eu também vou com você!
— Não, não! Dessa vez eu vou assistir sozinha com ele.
— Tá bom. — E lancei um olhar para ela, um misto de troça e segundas intenções. — Mais tarde eu passo lá. Depois do filme!
Thalya deu uma risadinha e acrescentou, com uma requebradinha:
— Talvez seja melhor do que o Sabbath! Ela foi subindo a rua devagar. Gritei atrás dela:
— Ei! E quem é que vai avisar o Górion?
— Não se preocupe... eu ligo pra ele! Voltei a desabar no degrau à frente de casa. E de repente me deu uma tristeza tão grande...! Apesar de não querer ir, minha razão me dizia que estava fazendo tudo errado. Era muito forte aquela dicotomia dentro de mim.
"Eu sempre fui a ovelha negra da família e agora estou me tornando a ovelha negra da Irmandade! Puxa, depois de tudo o que fizeram por mim! Têm sido tão bons comigo! Eu tinha que ter ido, mas não pude!!!".
Sobreveio-me um sentimento de angústia, de tristeza, de confusão, de dúvida... um conflito interno tão grande... que de nada me valeu toda a história de vida que eu tinha. Comecei a chorar desconsoladamente na porta de casa.
Não havia ninguém na rua. E a verdade é que naquele momento eu me sentia muito só. Mas subitamente apareceu um velhinho que vinha caminhando devagar, e aproximou-se de mim. Olhou para o meu rosto e não se fez de rogado, apoiou a mão suavemente sobre o meu ombro:
— Ô, garoto, não chora, não!
Ele me pegou meio de surpresa e não tive o que responder de imediato. Apenas pensei comigo mesmo, já meio irritado:
"Quem é você pra dizer alguma coisa a meu respeito???"
E fiquei olhando para ele por entre as lágrimas, procurando secá-las logo.
"Quem é você pra dizer se eu choro ou não choro?! Eu sou o Catatau!", continuei refletindo, sem dizer palavra.
Ele me olhava com brandura e comentou:
— Olha, quando você chegar na minha idade vai ver que a vida passou tão rápido... que a gente poderia ter feito tanta coisa...e não fez!
Engoli o choro, desabafei:
— É, pois é. É justamente isso... que eu não sei!! Eu acho que eu deveria ter feito uma coisa que eu não fiz!
Ele continuou olhando para mim:
— Você sentiu paz... em tomar essa decisão?
— Ué?! Na hora eu senti, mas depois não senti mais.
— Ah! Tem umas certas coisas que quando a gente não sabe o que fazer... vou te contar um segredo: quando você não souber o que fazer... pede pra Deus! Deus sabe! Deus sabe o futuro, a melhor solução.
Minha expressão mudou de pronto e respondi entrecortadamente, começando a me irar:
— Não......não vou pedir pra Deus, não...
Ele me ignorou e continuou:
— Olha, você só diz uma frase, só precisa dizer uma frase. Você diz assim: "Pai! Eu não sei o que fazer. Mas Tu sabes. Tu podes me dar a direção.". E aí... aí é só deitar nos braços de Deus! — Ele falou aquilo com muita segurança, com um olhar doce.
Mas o Deus que eu conhecia era um Deus maaaaaau!!!!!!!
— Deus é cruel! Deus é mau! Deus não é Amor! Eu não quero esse Amor pra mim!!! — Respondi com toda a convicção do mundo, meus olhos soltando faíscas.
— Qual é a pessoa que você mais gosta no mundo? — E ele sorria. Pensei um pouco: "Meu pai me odeia... minha mãe também...":
— Bom... eu gosto da minha vó. Minha vó é boazinha!
— Você daria a sua vida pela sua avó? Demorei um pouco para responder.
— Não, acho que não. Minha avó já está velha... eu sou novo!
— Então... acho que Deus é Amor! — Respondeu o velho. Virou as costas e foi embora!!!
E eu fiquei pensando no que ele tinha querido dizer. Não entendi. Mas me encafifou tanto!
"O que será que esse homem quis dizer???"
Entrei em casa devagar, meio cabisbaixo, e em cima da mesa, bem à vista "tinha um folhetinho. Um desses folhetos que os Cristãos costumam entregar. Alguém devia ter dado à minha mãe. Bati os olhos nele e dei de cara com os dizeres bíblicos, as palavras daquele Jesus que eu odiava saltaram diante dos meus olhos: "Ninguém tem maior Amor do que este, em dar a sua própria vida em favor dos seus amigos".
Aí aquilo me incomodou de verdade! Amor... dar a vida......acabei fazendo a pergunta ao contrário. O velho tinha me perguntado se eu daria a minha vida por alguém, e eu disse que não. Mas depois de ler aquele versículo, fui obrigado a indagar:
"Quem daria a vida por mim?! Será que Marlon faria isso? Ou Zórdico? Será que alguém daria a vida por mim? Aqui está dizendo que Jesus deu a vida pelos amigos dele... mas eu não sou amigo Dele! Portanto Ele não deu a vida por mim!".
E fiquei pensando, pensando, não conseguia tirar aquilo da cabeça.
"Aquele homem disse para eu chamar Deus de Pai... mas o meu pai é Lucifér! Como eu posso chamar de Pai alguém que não é meu Pai???"
Naquela noite não dormi. Minha mente deu um nó, eu não conseguia esquecer aquelas palavras que ficaram ecoando dentro do meu coração:
"Alguém morreria por mim?... Quem morreria?!"
Esqueci de Thalya. Ela ficou sozinha com o Herbert e nem lembrei de passar lá como havia prometido. Como dormi muito mal à noite acordei bem tarde no dia seguinte. Era domingo e almocei em casa de Camila, como sempre, mas eu estava com a cabeça longe... não conseguia nem escutar direito o que me diziam.
Fui embora mais cedo apesar que Camila fez bico. Mas eu não conseguia me concentrar em nada.
Passou o domingo inteiro.
E de madrugada começou: primeiro uma dor abdominal muito forte, que foi piorando à medida que começava uma disenteria intensa, sanguinolenta. Comecei a vomitar muito, vez após vez, a febre veio alta junto com um desconforto tremendo. Passei a noite toda quase sem sair do banheiro, vomitando intensamente e com aquela disenteria. E muita, muita dor!
Não dormi nada. De manhã eu me sentia fraco. Exausto! Ninguém teve tempo ou vontade de ir comigo ao Hospital, mas eu sabia que era melhor ir logo. Lá me deram soro no Pronto-Socorro, baixaram a febre e colheram sangue. Mais tarde o médico disse que eu precisava ser internado porque a minha desidratação estava bastante crítica. E explicou-me que a infecção intestinal — uma gastroenterocolite aguda — podia passar para o sangue se eu não começasse logo com os antibióticos. Falou numa tal de septicemia que, se acontecesse, podia me levar à morte.
— Mas eu não posso tomar antibióticos em casa?! — Perguntei, relutante.
— Infelizmente você vai tomar antibióticos injetáveis. Não há como ir para casa!
Não havia vaga em quarto particular como me dava direito o meu plano de saúde, de forma que fui transferido para outro Hospital do Convênio. Ficava até perto da Style. Nessa altura meus pais já tinham sido avisados e minha mãe foi comigo.
Eu estava me sentindo muito mal e sabia que aquilo era um castigo. No outro Hospital me avaliaram de novo para ver se realmente eu precisava ser internado. Mas não houve jeito. Com o meu exame de sangue na mão disseram ser mesmo necessário. Meu hemograma estava muito infeccioso. E fiquei mesmo internado!
Já no quarto, olhando para as paredes brancas e para o soro que continuava pingando lentamente na veia, procurei ser otimista:
"Bom... me matar eles não vão! Eu faço parte de uma estratégia importante e eles precisam de mim. Vou ter que pagar pelo que eu fiz, mas não vou morrer!"
A única maneira de pagar é pelo sofrimento.
"É o preço. Mas também não fui no Sabbath, fiz o que eu queria. Sabbath agora só no ano que vem!"
Recebi muitas visitas. Meus alunos de Kung Fu vieram, meus colegas de trabalho também, logo de cara. Mas foi só no segundo dia de internação que comecei a receber telefonemas da Irmandade.
Thalya foi a primeira:
— Edu, que coisa! Não acredito que você está internado... tá tudo bem?
— Se eu estivesse tomando sol na praia estaria tudo bem, que pergunta! Se eu estou aqui é porque não está tudo bem.
— Mas você foi teimoso.
— Não vem me dar sermão, Thalya! Eu tô pagando o preço, não tô? E Sabbath... só no ano que vem! Me livrei!
— Tá bom, vá. Vou te visitar mais tarde!
Veio e quase cruzou com Camila, que chegou depois. Aliás, elas se cruzaram duas vezes! Thalya achava a maior graça, uma vez se escondeu no banheiro e outra vez debaixo da cama. Camila não viu nada.
À tarde veio aquele médico que eu tinha conhecido no Hospital aonde Vivian trabalhava. O Russo.
— Só vim ver como é que você está. — Disse ele. — Dei uma olhada no seu prontuário. Olha, menino, você é muito querido mas não abusa da sorte, não!
— É. Tá... eu sei! Caramba, o que eu estou fazendo aqui?! Sou filho do Fogo e...
— Você sabe o que está fazendo aqui! — Retrucou ele. — E olhe, antes aqui na Enfermaria, do que lá! — E apontou o final do corredor. — Lá na UTI!
— Lá na UTI é muito ruim? — Perguntei, meio assustado. Ele veio bem pertinho de mim e cochichou:
— É um Inferno!
— Ah! Pôxa, mas espera aí! O Inferno é bom!
Ele já estava de saída, e nem se virou para responder:
— O Inferno dos órfãos, menino, o Inferno dos órfãos! E foi embora.
Um dia, o quinto dia de internação, de repente eu saí do banheiro e dei de cara com aquelas duas funcionárias da Style que eu "amava". A Vanessa e a Tatiana!!! Nem consegui disfarçar minha indignação:
— Mas o que é que vocês estão fazendo aqui?!!!
As duas de Biblinhas embaixo do braço me explicaram que tinham vindo orar por mim!!! O ódio que senti foi indescritível.
"O que será que aquele Abraxas está fazendo que nem viu essa invasão?"
Expulsei as duas sem dó nem piedade, sem a menor ponderação, assim que começaram com a pregação delas. Perdi as estribeiras.
— Eu não quero saber de oração!!!!!!!! Vão todos vocês (......)!!!
Coloquei as duas pra fora aos berros. A Enfermeira apareceu assustadíssima. Berrei com ela também:
— Eu não quero essas duas imbecis aqui dentro! Deu pra entender??? Mas foi praticamente o único percalço durante os dias de internação. As duas saíram espavoridas, igualzinho à Enfermeira que insistia em destruir as minhas veias. Tinha sido obrigado a mostrar "os dentes" e amaldiçoá-la um pouco. E ela nunca mais se atreveu sequer a entrar no meu quarto.
Logo depois que Vanessa e Tatiana desentupiram o beco, Marlon me telefonou pela primeira vez. Mas falou tão secamente comigo, como nunca acontecera:
— Não pude te ligar antes e também não vou ter como te visitar! — Começou ele. Eu já esperava por aquilo. — Mas, Rillian, vou te dizer uma coisa: você está abusando!!!
— Eu sei, eu sei, já me disseram isso! — Tentei brincar.
— Eu não estou brincando. Você está abusando da sorte! Na próxima vez, você morre!
— Como assim, eu morro?!!
— Se você dirigir um carro a duzentos por hora na beira do precipício a chance de você cair lá embaixo é muito grande, concorda? E é o que você está fazendo!!! — Ele estava irado, berrava pelo telefone.
Me irritei também:
— Pô, você tá nervoso, Marlon!!!
— Mas é claro que eu estou nervoso! Você não sabe o trabalho que você tem me dado nesses dias! Eu tenho procurado interferir a seu favor perante a liderança, perante as Entidades. Mas assim não dá!!! Que argumentos eu posso ter a seu favor?! Você não entende? Você é um privilegiado e está jogando tudo pela latrina!!!!!!!!!
— Tá, tá bom! Já ouvi!
— Olha, Eduardo, eu estou falando sério. Esta foi a última vez! Não vai ter a próxima!
— Tá. Tudo bem. Já entendi.
E ele desligou quase sem se despedir. Depois foi a vez de Zórdico.
— Oi, tudo bem? — Falei, tentando adivinhar o humor dele. — Você não vem me visitar?
— E você lá merece visita de alguém?! Quem vai se dar a esse trabalho? Por acaso o Abraxas está aí com você?
— É, eu tenho chamado, mas ele não dá sinal de vida...
— Pois é, nem o teu Guia te quer mais! Daqui a pouco você vai ficar abandonado. É o que você merece! Porque não percebe que foi resgatado de um mundo sem a menor perspectiva, sem futuro nenhum. E Lucifér te dá um futuro, te dá oportunidades, te dá amor e carinho e você joga tudo pela janela?! Você tá achando que é o quê?! Você acha que virou o quê agora?
Tentei enrolar.
— Mas, veja, eu estava na casa da minha vó...
— E a Tassa não foi lá te buscar? E o Górion não estava com o helicóptero pronto?
— Mas alguma coisa me dizia para não ir.
— Ah, tá! E se essa "alguma coisa" disser novamente esse tipo de ridicularia é melhor que você nem ponha mais os pés aqui dentro. Porque você vai para o Inferno dos órfãos!
— Mas espera aí! Lucifér não é meu pai? Mesmo que eu morresse hoje ele não me receberia?!
Zórdico continuou seco e sem hesitar:
— Não, não. Você está confundindo as Bíblias. Filho Pródigo não existe na nossa!
— Bom, mas...
— Não tem mais, nem menos! Essa foi a última vez que você apronta, viu?
— Tudo bem. Quando é que eu vou sair daqui, heim, Zórdico? Já podia parar agora, já sofri cindo dias!...
— Pois espere mais cinco. Essa sua doença não vai retroceder antes de dez dias.
— Mas, pôxa, tá muito ruim aqui. Fiquei em jejum dois dias, estou tomando uma sopa... não estou agüentando mais!
— É, quem sabe agora você dá um pouco de valor.
— E vocês não vêm me visitar? — Perguntei de novo.
— Eu já te disse: você não merece visita!
— Tá bom, então quando eu sair daqui...
— Quando você sair daí, nós entramos em contato com você! E Ploft! Desligou.
"Nossa! Como ele estava bravo! Será que eu não posso nem aparecer na Irmandade?".
Fiquei com cara de tacho.
E tive que suportar todo aquele desconforto do Hospital, as injeções a toda hora, o médico que me acordava antes das sete da manhã todo dia para me examinar, as enfermeiras sempre carregando bandejinhas. Eu tinha verdadeiro pavor daquelas bandejinhas. Sempre repletas de coisas horríveis!
E ninguém da Irmandade foi me visitar. Só mesmo Thalya. (E o Russo).
Mas finalmente completaram-se os dez dias e tive alta. Recebi um telefonema simpático pela primeira vez, e me disseram que estavam vindo me buscar.
Zórdico veio junto com Taolez, Górion, Ariel e Rúbia. Perguntei logo por Marlon.
— Ele está ocupado e não pôde vir. Não se preocupe! Antes de sairmos do quarto eles fizeram uma rodinha em volta da cama.
— Bem... acho que agora você aprendeu, né? — Começou Zórdico.
— Ah, aprendi, sim! E não quero mais! Essa história de filho do Fogo, o Fogo não queima.. . caramba!
Todo mundo só olhava. Estavam meio quietos, escutando.
— Não queima pra quem é obediente! Olha só o que você faz! Mas, tudo bem, não vamos perder tempo falando disso, são águas passadas. Agora você já foi avisado, né? — Disse Zórdico outra vez.
Rúbia foi a primeira a me abraçar.
— Êh, garoto, você não toma jeito mesmo, heim?
— Mas agora eu tomei!
Górion e Ariel também pareciam felizes que eu pudesse sair e voltar para o meio deles.
— Pôxa, seu cabelo está horrível! Quanto tempo faz que você não toma banho? — Falou Górion com ar de troça.
— Tomei hoje, bobão, até parece! Mas acho que até o ar desse lugar é ensebado! E tomar banho com esse soro aqui também é péssimo. Acabo me cansando antes de conseguir ficar bem limpo!
Mas a verdade é que eu estava mesmo muito fraco, tinha emagrecido bastante, meu rosto estava até meio encovado.
— Tudo bem, Rillian. Deixa você melhorar de vez e a gente vai comer um churrasco! — Prometeu Ariel.
— Boa! Churrasco!
Me levaram até em casa. Descemos todos na calçada, Zórdico ainda conversou um pouco com minha mãe.
— Aqui está o seu filho de volta. Quem sabe agora ele toma juízo! — Comentou ele.
— Pois é, o Eduardo fica sempre comendo coisa que não deve! — Pelo visto dessa vez ele comeu demais.
Eu só escutei, meio sorridente. Depois que foram embora, minha mãe ainda perguntou:
— Charmoso esse seu amigo! Ele trabalha com você?
— É. Trabalha comigo. — Respondi sem pestanejar.
Não deixava de ser verdade. Se ela soubesse...
Só encontrei Marlon alguns dias depois, na reunião do Conselho. Fui direto para ele. Meu amigo ainda estava de cara meio amarrada:
— Oi! Tudo bem? — Cumprimentei. Ele só me olhou e não respondeu.
— Ei. Estou falando com você! Vai dizer agora que você vai ficar mudo também! O Abraxas já não fala comigo há dez dias. Agora você também?!
Marlon desanuviou a cara:
— Não me compara com Abraxas. Não tem cabimento! Ele é um demônio!
— Vai dizer que você não queria ser que nem ele?
— Não. Ele é feio. Eu sou mais bonito!
Vi que Marlon estava brincando e suspirei de alívio. Tinha meu amigo de volta!
— Bom... eu já tô perdoado, né?....
Ele me deu uma descabelada. E seu olhar para mim era o mesmo de sempre:
— Tá. Tá perdoado. Você está com fome? — Ô!
Então depois que acabou a reunião ele me levou ao melhor Restaurante de São Paulo. Marlon vigiou muito bem o que eu ia comer! Ainda não estava com a dieta totalmente liberada.
E todos me mimaram de novo.
A nova Igreja de Camila era muito próspera financeiramente falando, contava com a presença de muitos empresários de alto poder aquisitivo. A antiga tinha sido de fato implodida. Agora ela poderia inchar à vontade, se fosse o caso. O mal estava muito bem plantado. Aliás, foram muitas as Igrejas destruídas. Vi acontecer diversas vezes.
Não fazia muito tempo que o Emerson, primo de Camila, havia falecido. Ele tinha sido seguido de perto e, conseqüentemente a nova Igreja também ficou na alça de mira. Eles não possuíam ainda sede própria, reuniam-se numa escola pública. Mas o Templo definitivo estava sendo construído. Era enorme, com capacidade para comportar muitos membros.
Mas a região escolhida era também local aonde a Irmandade tinha vários núcleos de estudos.
Eu nunca tinha me dado ao trabalho de conhecer aquela gente de perto até que efetivamente se mudaram para a nova sede. Por causa do interesse despertado um dia resolvi dar um pulo lá para ver. Algumas pessoas da Irmandade já estavam indo também à título de sondar as coisas. Verificar o que a Igreja estava ensinando, qual a visão dos líderes, se havia pessoas promissoras que pudessem vir a causar qualquer tipo de resistência.
Rúbia foi algumas vezes, Thalya também. Taolez chegou a ir, Górion e Ariel idem. Então, dei também o ar da graça.
Logo no primeiro Culto reparei no sujeito que dirigia o Louvor. Era um tal de Davi, como fiquei sabendo depois. Ariel e Górion também estavam lá naquele dia, sentados mais para o fundo da Igreja. Eu os vi de longe e cumprimentei muito de leve com a cabeça.
Eu e Camila sentamos lado a lado. E o Davi naquele Louvor. Ele estava cantando uma música que conhecia e até achava bonita. Mas é claro que eu transferia aqueles dizeres para a minha realidade. Porque era óbvio que os Cristãos nunca iam experimentar aquilo que apregoava a letra. O único capaz de garantir aquele tipo de cuidado era Lucifér. O resto... pura demagogia! A começar pela vida do próprio Davi.
Ele estava ladeado por dois demônios de hierarquia mediana. Dois Sadraques. Não chegavam a ser Potestades mas eles eram mais poderosos do que os Sadraques comuns. Sadraques são espíritos de morte que estão sob o domínio de Nosferatus e que pertencem à uma casta bem inferior. São demônios que atuam principalmente em cemitérios e agem na mente das pessoas causando tristeza e abatimento muito intensos, abrindo portas à atuação de Entidades mais poderosas.
Os dois demônios me deram a impressão de causar um controle completo na vida daquele homem. Parados ao lado do líder do Louvor, parecia haver um "fio invisível" entre eles: quando erguiam as mãos, Davi erguia também; quando abaixavam as mãos, Davi abaixava. Quando cantavam, ele cantava, se fizessem gestos... ele repetia! Até o movimento da boca era igual! O comando vinha deles! Era um controle à distância.
"Mas que marionete graciosa nós temos aqui."
Um sorriso leve estampou-se nos meus lábios. No que dizia respeito ao Louvor daquela Igreja podíamos ficar sossegados!
Fiquei observando. E o povo se quebrantava, chorava... achei graça! Raciocinei outra vez:
"Esse cara é Cristão de fachada mas pelo visto a Igreja está muito satisfeita com ele!"
Depois veio a pregação, que também me pareceu inexpressiva, morta, nada além de palavras vazias lançadas ao ar. Todos pareciam estar provando algo para si mesmos. Por causa do alto poder aquisitivo e do grande número de Empresários, a impressão era de que estavam mais à cata de um "desencargo de consciência" do que de qualquer outra coisa. Porque nenhum deles ali realmente precisava de Deus. Com tanto dinheiro e tantas possibilidades de decidir a própria vida... quem ia querer saber de Deus?!
Mas tinham que deixar claro que "eram ricos... mas bonzinhos"!
Procurei circular um pouco depois do Culto, sondar as pessoas. Mas não cruzei com ninguém que emanasse qualquer vibração "negativa". Não parecia haver nada, nem ninguém que pudesse nos incomodar.
Na falta de algo mais importante com o que me ocupar procurei saber um pouco da história do tal Davi.
— Quem é aquela bênção que dirigiu o Louvor? Quantas músicas lindas! — Perguntei à família de Camila.
— Ah, é o Davi. Um servo do Senhor! Ele até faz parte de um conjunto de Música Evangélica que tem vários discos gravados.
E encheram a bola por causa do Davi. E eu só pensando comigo: "Ah, ah! Servo do Senhor! Deu mesmo pra ver!" Me contaram um pouco da história dele.
— Esse é um homem que o Senhor está sustentando! Porque ele tem câncer, sabia? Mas está vivo, forte.
Mais essa. Fiquei curioso. Qual seria o interesse dos demônios naquele cara? Comentei com o Górion na reunião seguinte:
— Será que ele tem algum potencial? Poderia ser recrutado para nós, talvez?
— Ah, não sei, Rillian! Eu não sei ainda avaliar isso. Mas pergunte para o Zórdico!
Eu perguntei, na mesma semana. Ele tinha muito mais dados do que eu imaginava.
— Ô, Zórdico! Fui na Igreja da Colina Verde.
— Eu sei. Eles estão mudando para a nova sede, né? Estão com um projeto meio "mega", querendo crescer. Mas essa Igreja vai durar pouco também.
— Mas eles não são ameaça nenhuma. Para você ter uma idéia, quem dirige o Louvor é um tal de Davi. E eu vi dois demônios ladeando ele, controlando tudo!
— É. Mas tem algumas pessoas ali que podem vir a incomodar.
— Eu não vi ninguém. — Dei de ombros.
— Continua freqüentando mais um pouco, vê o que você acha. — Ele me deu todo o incentivo. — Vai indo, vai indo!
Insisti na minha dúvida:
— Mas o Davi de repente não pode ser um potencial para nós? Não poderia ser alguém para estar aqui dentro?
Zórdico riu.
— Não, não, não! Ele é só alguém de conveniência. Uma peça descartável! Aliás esse homem é homossexual, sabia? Ele nunca se converteu... não sabe quem é Jesus! Mas o "Ministério" está dando dinheiro pra ele, estabilidade. Em outras palavras: está muito cômodo.
Fiquei pasmo. Zórdico continuou:
— Evidentemente é do interesse de Lucifér manter essa estabilidade dele. Só que nunca o chamaria para fazer parte do seu exército. O que as Entidades fazem é simplesmente cegar todos os que estão à sua volta. Isso funciona muito bem. A maioria dos Cristãos daquela Igreja está em Trevas. É fácil reinar nas Trevas. A Luz não entra... o entendimento não vem... a visão não se abre! Pode estar na cara deles, e não vão enxergar. E enquanto o Davi estiver na liderança... a porta está aberta!
— E pelo visto acho que estão cegos mesmo. Me disseram que ele tem câncer! E que está sendo sustentado "pelo Senhor"! E a Igreja acredita??!
Zórdico fez uma cara de quem comeu e não gostou, assentindo com a cabeça.
— Pra você ver a que ponto chega! Mas, olha... não há nenhum encantamento no que se refere a essa história de câncer. Os demônios só se encarregam de protegê-lo, de fazer com que todo mundo aceite as suas mentiras. É muito mais conveniente para nós. Ele tornou-se um colaborador indireto, só deve cair quando chegar o tempo, quando tiver muitos admiradores. No ápice do ministério, quando for considerado a "grande bênção" por todos... então é a hora de retirar a proteção e fazer a realidade vir à tona. Quando ele cair muitos cairão junto. Ele vai enfiar a cara na lama e meio mundo vai ficar sabendo. E perfeito!
— Nossa! O cara é bicha! E com câncer! Mas como é que pode? Tem médicos naquele lugar! Isso eu preciso sondar mais de perto!
Então um dia eu fui ao escritório da Igreja na intenção de "me aconselhar". E nessa de conversa vai, conversa vem com um dos Pastores, cruzei com o Davi.
Na minha cabeça eu ainda achava que ele podia ser recrutado. E dei um jeito de me convidar para entrar na sala dele.
Nem bem atravessei a porta e já vi de cara os mesmos demônios do domingo. Os dois olharam para mim com simpatia. Sorrisinhos marotos pintaram-lhes nos lábios ainda que mantivessem uma respeitosa distância por causa de Abraxas, que me acompanhava. Assim que me aproximei para apertar a mão do Davi eles se afastaram uns três passos com as cabeças semi-inclinadas. Era uma reverência tanto a mim quanto a Abraxas. Uma óbvia questão hierárquica.
Comecei a conversar. Expus uma ou outra dúvida tola e puxei o papo para o que me interessava:
— Mas como é que você se converteu? Como foi o seu encontro com Jesus?! Ele falava muito manso, muito brandamente, muito polidamente.
— Foi uma bênção, uma coisa de impacto!
— Sim, mas como é que foi?
— Foi a melhor coisa que aconteceu na minha vida! — Tudo bem, mas o que aconteceu?
E ele falou, falou e não disse nada. Em suma: era homossexual e se converteu.
"Era, heim?", pensei no meu íntimo.
— Tremendo. — Respondi. — E você trabalha agora em tempo integral na Igreja?
— Isso mesmo. Durante a semana dou aconselhamentos, nos finais de semana ministro Louvor. Ministro Louvor também em outras Igrejas. E a Igreja me paga um salário para isso. Dá para eu me manter muito bem. Moro junto com um amigo num condomínio fechado.
— E...é verdade que você tem câncer?
— É verdade, sim. Aliás, o meu amigo mora comigo justamente pra isso, caso eu passe mal durante a noite. Ele pode me acudir, levar ao Hospital. O carro da Igreja fica comigo 24 horas por dia.
Eu só assentia procurando conter ao máximo a expressão do meu rosto. Como podia alguém mentir assim com a cara tão lavada?
— E como você descobriu o seu câncer?
— Um dia eu estava tossindo muito, e aí saiu pela minha boca um pedaço de carne, sabe? Então liguei para o meu médico e ele me disse para recolher aquele pedaço. E foi feita uma biópsia. Tinha ali fragmentos de estômago, pulmão e fígado. E descobriram que eu tinha câncer nos três órgãos.
— Ah!....
Olhei meio de lado e vi que os demoniozinhos estavam rindo abertamente. E tive novamente que me controlar para não rir junto com eles. Continuei cutucando só para saber até onde ia. Era um absurdo atrás do outro.
Depois almoçamos feijoada junto com os outros Pastores! Como se alguém com câncer de estômago pudesse se entupir daquela maneira. Era só questão de reparar um pouco e ver quanta barbaridade acontecia.
Assisti também de cátedra a todas as vezes em que Davi sumiu vários dias com o pretexto de estar fazendo tratamento quimioterápico. Ninguém nem sabia aonde era o Hospital em que ele se "tratava". Mas depois Davi apresentava uma nota, a Igreja reembolsava. E nunca ninguém questionava nada, nada, nada. Era impressionante. O cara deitava e rolava.
Saí dali boquiaberto. E pensar que os demônios nem precisavam fazer muito esforço para manter aquela farsa funcionando!
No outro domingo voltei ao Culto e foi a mesma coisa: o Louvor controlado pelos demônios e uma pregação inexpressiva. Foi feito o convite mas ninguém foi à frente para receber Jesus.
Um dia o Davi me convidou para ir à casa dele encontrar com alguns amigos. O ambiente ali me era muito conhecido. Vários sadraques estavam presentes, uma meia dúzia além dos que acompanhavam cada um dos rapazes. Que eram todos "Cristãos" e homossexuais. As Entidades ficavam por ali, observando, rindo. Às vezes chegavam mais perto e ficavam como que pousados nas costas deles. Mas mantinham respeito com a minha presença.
Saí de lá muito feliz porque todos eles estavam sendo muito úteis nas mãos daqueles demônios. Um dos rapazes ainda era namorado da secretária da Igreja e filho de um político de renome na época! Um belo escândalo! Quando viesse à tona...!
Continuei freqüentando os Cultos semana após semana. Estava muito engraçado e eu me divertia. Os Pastores alternavam-se nas pregações mas não era nada de porte, nada que mexesse com questões importantes.
Até que um dia veio um Pastor que eu ainda não conhecia. E ele logo me chamou a atenção. Não sei se ele tinha estado em férias, ou o quê, mas o fato é que ainda não nos tínhamos cruzado até aquela data.
O Louvor estava terminando, Davi falava os seus últimos aleluias quando o tal Pastor subiu ao púlpito. Vi então que pela primeira vez se incomodaram os demoniozinhos que acompanhavam o chefe do Louvor. Imediatamente recuaram bastante, tomaram uma boa distância e abaixaram a cabeça como se alguma coisa os estivesse ofuscando, agacharam-se levemente. Eu podia ver os seus olhares de ódio, fúria e indignação pela presença daquele homem.
Que coisa mais estranha.....! Corri os olhos pela Igreja para ver se encontrava alguém conhecido da Irmandade. Mas não vi ninguém. Novamente olhei para frente, para o Pastor, e senti também o ódio inundar meu coração e mente:
"Quem será esse gordo?! Ele está incomodando os meus amigos!"
Me senti indignado. E aquele ódio continuou inflamando o meu peito. Percebi Abraxas ali por perto e notei que ele também não estava gostando nem um pouco. Eu tinha que descobrir o quanto antes quem era aquele Pastor gordo. Olhei enfurecido para frente enquanto ele orava antes de dar início à Pregação daquela noite.
Nem sei o que ele pregou. Só sei que me incomodou.
"Eu odeio esse cara!"
Depois disso não vi mais aquele Pastor. Tudo voltou ao normal. Mas como eu continuasse freqüentando a Igreja logo a família de Camila cismou que eu deveria ser batizado. Eu nem achei a idéia tão ruim. Devia ser engraçado também, tudo o que eu pudesse fazer para afrontar os Cristãos era engraçado. E praticamente concordei com aquela história de Batismo.
"Eu só vou me molhar, e todo mundo vai pensar que eu sou mesmo Cristão".
Comentei com Marlon todo feliz:
— Marlon, vou me batizar lá na Igreja da Colina Verde! Imagine que profanação, heim?
Ele me olhou com uma cara um tanto ou quanto incrédula. Pensou que eu estivesse brincando.
— Imagina, Eduardo, que idéia! Não faça isso!
— Mas, Marlon, eu só vou me molhar.
— Não adianta querer te explicar isso agora, você não vai entender. Mas não invente moda, ouviu? Vou te dizer uma coisa: você não vai! Ponto final.
— Mas o que que é isso, Marlon, é água!! Desde quando eu preciso ter medo de água?! Se um demônio tem medo de água, então isso é mesmo o fim do mundo. Vai me dizer agora que aquela história de água benta é verdade? Borrifa água benta, eu derreto?
Marlon ainda deu risada apesar da aparente seriedade da questão.
— Não é bem assim. Mas, olha, não faça isso. Não faça isso! Você tem uma aliança de sangue aqui dentro. Não se envolva com esse tipo de coisa!
Teimoso, teimoso, teimoso como sempre, eu simplesmente o ignorei.
— Tá bom.
Mas no dia do Batismo lá estava eu prontinho para ir. E louco para usar a toga azul que eles punham para entrar na água.
Mas o carro quebrou e então nós não fomos. Me inscrevi de novo. Só que aí o Batistério teve um vazamento e os Batismos foram adiados. Entendi pelo pior caminho que definitivamente não era para eu ir.
Fazia uns quatro meses que eu estava freqüentando a Igreja. Mas à despeito do meu lapso com o Batismo continuei sendo incentivado em acompanhar de perto a Comunidade. Mesmo porque nem era preciso estar lá todos os domingos.
Quanto àquele Pastor irritante, só o vi uma vez naquele tempo todo.
Numa certa sexta-feira eu estava em casa de Camila no finalzinho da tarde e precisava sair o quanto antes porque tinha que chegar mais cedo no Ritual da Irmandade. Quando deu umas oito horas da noite eu já estava me preparando para ir embora. Só que pelo visto todos pensavam que eu era "convertido" mesmo: Camila cismou em que eu lesse um trecho da Bíblia antes de ir. Ela nunca tinha feito isso em todos aqueles anos. Nem ela lia a Bíblia, quanto mais insistir comigo naquela bobagem.
Recusei terminantemente:
— Eu não vou ler essa (...)!
— Puxa, isso lá é coisa que se fale??!
— É coisa que se fale, sim! Isso aí é pura (...)! Não vou ler nada!!!
— Vai ler, sim. — E abriu um texto qualquer, começou a empurrar a Bíblia na minha direção com uma insistência horrorosa. — Vai, Eduardo! Lê!
Como eu continuasse me negando, ela mesma leu alguns versículos. E aquilo me irritou de tal forma... me deixou tão absurdamente furioso... que ao sentir Abraxas ali bem pertinho de mim... eu o deixei canalizar-me! Deixei que ele entrasse no meu corpo e destruísse o que eu não teria coragem de fazer por mim mesmo. Não pensei em mais nada. Minha consciência apagou e perdi contato com a realidade.
Quando voltei a mim dei de cara com uma Camila assustadíssima, chorando, meio jogada sobre a cama.
— Que aconteceu?!! Que aconteceu?? — Perguntava ela em meio ao choro, procurando se alinhar.
— O quê aconteceu? Não aconteceu nada, caramba! Eu preciso ir embora... nossa, que bagunça que está aqui!
Olhei em derredor. O quarto estava todo revirado, o aparelho de som no chão, os livros arremessados longe, a cama fora do lugar, o colchão caído, as gavetas abertas e reviradas.
E Camila continuava histérica, chorando:
— Edu, não sei o que aconteceu mas alguma coisa tomou conta de você! Seu rosto mudou completamente, você falou comigo numa outra voz, num outro timbre! Não era mais você!!! E aquilo olhou pra mim e disse que se eu continuasse me metendo ia me dar mal. Que eu não tinha ninguém me protegendo, nem no Céu e nem na Terra... e se continuasse interferindo ele ia levar a minha alma essa noite mesmo. E eu fiquei apavorada!
— Camila... depois a gente conversa sobre isso. Agora eu tenho que ir.
Ela pareceu mais assustada ainda.
— Mas você não pode ir embora assim!
— Assim como, Camila? Eu estou ótimo! Agora vê se me dá licença! Você não pára de pegar no meu pé.
Observei que ela estava um pouco arranhada no braço. Mas saí sem me preocupar muito. Ela tinha me irado demais com aquela atitude de me obrigar a ler a Bíblia.
"Acho que o Abraxas deve ter dado uma exagerada, mas até que foi bom. Ela precisava de uma prensa. Assim me dá sossego." No fim do Ritual comentei com Thalya:
— Pôxa, a Camila foi muito chata hoje! Ficou querendo que eu lesse a Bíblia de qualquer maneira, me encheu de tal forma que eu deixei o Abraxas canalizar. E ele pôs um fim naquela situação.
— Ai, Eduardo, nunca me intrometi mas realmente você está perdendo seu tempo com essa mulher. Tinha mais é que largar disso! Que que tem a ver esse relacionamento, cara? Larga dela de uma vez!
— Mas, coitada. Como é que ela vai viver? Eu sou responsável por ela! Thalya fez um ar claro que dizia: "Como você é imbecil!!!". E nem quis
saber de conversar mais nada. Deixei por menos. Que adiantava querer discutir?
Thalya estava muito mudada. Como eu, é claro, mas parece que ela tinha introjetado mais a essência do Satanismo. Ainda que não fosse Feiticeira estava perfeitamente certa de tudo o que queria. Quando eu a via canalizada sempre me impressionava. Talvez por tê-la conhecido antes de tudo aquilo. O rosto mudava muito, a voz soava tonitruante e muitas vezes masculina, a musculatura parece que "crescia". Ela falava com sabedoria, os gestos eram firmes e precisos, muito rápidos, de uma força incalculável. Praticamente impossíveis ao ser humano.
Estava tão longe daquela garotinha do SESC!
Dois dias depois fui ao Culto de novo. Nessa época a Kelly tinha um fusquinha amarelo. Fomos todos juntos, enlatados: eu, Camila, Kelly, dona Carmem e seu Augusto. Mas aconteceu uma coisa diferente e inexplicável naquele dia. Algo totalmente inusitado. Logo na entrada enxerguei um ônibus que vinha de fora estacionado ali em frente.
— Olha o ônibus do conjunto! — Falou dona Carmem apontando. — Eles vieram ministrar o Louvor!
Não havia lugar no pátio da Igreja de forma que estacionamos o carro fora, meio distante.
Nós estávamos um pouco atrasados e já tinha começado. Escutei o Louvor de longe. Mas naquele dia estava... diferente! Bem diferente de quando era o Davi. E aquela música me incomodou! Senti uma "coisa" esquisitíssima.... não tinha idéia do que poderia estar acontecendo.
Começou primeiro uma tremedeira. Vinha por dentro e sacudia levemente o meu corpo, em espasmos. Nem bem dei os primeiros passos e percebi que o controle muscular também estava difícil. Caminhar parecia estranho, minhas pernas não estavam dispostas a obedecer nenhum comando. Travavam! Que poderia ser isso???? Na hora não entendi nada. Mas era como se os demônios que me acompanhavam quisessem impedir minha entrada naquele lugar!
Já perto da entrada do pátio senti que não só as pernas travavam como os braços involuntariamente começaram a se contorcer. E aumentou visivelmente a tremedeira. As sensações foram tão intensas que logo todos começaram a perceber e a achar esquisito. Até que finalmente minhas pernas travaram de verdade, meus braços retesaram e me invadiu uma sensação extremamente desagradável. Uma coisa muito ruim por dentro. Angustiante. Opressiva.
Eu lutava contra mim mesmo mas os tremores vinham por todo o corpo, me sacudiam. Meus olhos ficaram quentes, o coração acelerou descompassadamente. Senti muita força nos braços. E um ódio.... um ódio.... um ódio!!!!! Incontrolável e insano, totalmente fora de proporções, impressionante! Como nunca tinha experimentado.
Foi Camila quem comentou com os olhos já arregalados:
— Ué?!....Que aconteceu?! Vamos!
A família toda ficou parada esperando, sem entender porque eu me contorcia daquele jeito. A expressão do meu rosto devia estar daquelas, a julgar pela cara deles!
— O que foi? — Perguntou de novo Camila.
Respondi grosseiramente, irritado e desesperado ao mesmo tempo:
— Não sei o que é! Ou melhor, acho que é essa música!!! Isso tá me incomodando! Vamos embora daqui!
Lembro-me que a toda hora tentava tapar os ouvidos inutilmente. Aquela droga de música! A única coisa que eu queria era sair dali, sair o quanto antes. Sair! Sair! Sair!!! Vi que seu Augusto, dona Carmem e a Kelly foram caminhando na frente. Mas Camila ficou ao meu lado.
— Mas vamos tentar ir entrando devagar... — Ainda tentou argumentar ela tomando-me pelo braço.
Tentei acompanhar, dar mais alguns passos na direção daquela malfadada Igreja. Adentramos o pátio e para mim a música estava muito alta, parecia me queimar por dentro. Cada acorde estava em brasa. Eu me sentia em franca agonia. O que estava acontecendo????!!!!
Uma vez dentro do pátio travei completamente. Não ia nem para frente e nem para trás.
— Espera aqui um pouquinho que eu vou chamar o Pastor. — Desembuchou Camila.
Eu nem sabia o que pensar. As sensações de mal estar se intensificavam tanto que apenas me agachei um pouco, tentei inutilmente pensar, raciocinar, entender o que se passava comigo.
Mas não sei o que aconteceu, de repente o tal Pastor estava ali, Camila e toda a família também. Era um Pastor palmeirense. Ele chegou amigável, pôs a mão no meu ombro:
— E aí? Sabe que o Palmeiras ganhou ontem? O seu time não é de nada, heim? — E Ah, Ah, Ah pra cima e pra baixo. — Bom, vamos entrar aí, né?!
Que Pastor tolo! Eu queria mais era vomitar. Olhei para ele creio que com um ar de sofrimento. Ainda que eu não quisesse deixar transparecer aquela loucura toda.
— Eu não estou me sentindo muito bem... não quero entrar, não! — E tentava me controlar ao máximo.
Acho que ele pensou que eu estava mesmo só passando mal fisicamente, uma coisa corriqueira.
— Mas não precisa entrar agora na Igreja. Fica aqui no pátio até você melhorar!
Eu tentei levantar e caminhei mais um pouco, meio apoiado nele e em Camila. Seu Augusto tentou ajudar também. Eu aceitei a ajuda. Mas a música ficou mais forte, e estava incomodando tanto! Então minhas pernas travaram outra vez. A tremedeira aumentou e ficou incontrolável. Eu parecia que ia explodir de ódio ali mesmo. Mas não dava pra entender, era só uma música! Só uma música!!!
Novamente minhas mãos se contorceram na direção dos ouvidos, numa atitude reflexa. Cada acorde continuava machucando alguma coisa por dentro. Senti uma vertigem horrível e minha visão começou a ficar turva. Me trouxeram uma cadeira, eu sentei. Mas notei que se formava um grupinho à minha volta. Eu já nem sabia quem era quem naquelas alturas.
Escutei a voz de alguém me perguntando:
— O que você está sentindo?
— Eu não sei. Não estou me sentindo bem. Eu só quero ir embora daqui! Quero ir embora daqui.
Abri os olhos e vi um homem calvo diante de mim. Era um dos Líderes. Mas ele não me fez muitas perguntas, simplesmente colocou a mão sobre a minha cabeça e começou a orar. Foi instantâneo. Apaguei completamente. Fiquei sem saber o que aconteceu, aquele tempo deixou de existir para mim.
Quando voltei à consciência demorei um pouco para perceber o que se passava. Eu estava literalmente esmagado no chão com um monte de homens em cima de mim. Eles me seguravam fortemente os braços e as pernas, tinha alguém com o joelho em cima do meu ombro, pondo todo o peso do corpo. Estavam me machucando, estava doendo! E minha cabeça parecia que ia estourar com uma voz que berrava no meu ouvido histericamente:
— Qual é o seu nome?!!! Qual é o seu nome?!!
Foi o momento de maior indignação da minha vida.
— Eduardo!!!! EDUARDO é o meu nome, caramba! Precisa berrar desse jeito pra perguntar isso?!!!
Por causa das construções o pátio era ainda de terra batida. Mas tinha garoado na véspera e a água transformara tudo num pequeno lodo. E eu estava esticado naquela lama! Com a cara e o cabelo sujos, a roupa em petição de miséria, rasgada, imunda. Nesse dia eu vestia uma calça branca que ficou totalmente perdida. Vários botões da minha camisa tinham estourado de forma que eu me sentia nu no sentido literal da palavra. Que vexame!!!!
Vi que todos eles se entreolhavam cabreiros, pensando se deviam ou não me soltar.
— Mas você está bem?...
— Estou!!! Tô bem, tô ótimo, caramba!! Precisa armar esse banzé todo? Por que está todo mundo em cima de mim?! Pô, vocês estão me machucando!
Eles foram levantando. Um gordão de cavanhaque estava sentado em cima da minha barriga. Eu me sentia massacrado, todo dolorido, machucado, ralado, arranhado. E barro por todo o corpo! Até dentro do ouvido, onde minha cabeça tinha sido espremida contra a terra. Que coisa absurda! Me senti surrado.
Alguém foi buscar o meu tênis. Tinha voado longe.
— Olha, aqui está o seu sapato...
Levantaram a cadeira que também tinha sido arremessada e me colocaram sentado nela. Eu tentava me recuperar enquanto todos continuavam me olhando com olhos arregaladíssimos, ressabiados, visivelmente assustados.
Duas pessoas tentavam afastar da porta da Igreja os curiosos que tinham largado o Culto para vir ver o que estava acontecendo.
— Vamos entrar, vamos entrar.... passou... sem tumulto!
E à minha volta ficou apenas aquele grupinho que estivera sentado em cima de mim. Eu estava completamente atônito. Letárgico. Aturdido. E no escuro.
— Olha, você precisa se converter. — Disse-me por fim um dos Pastores.
A voz dele parecia fazer eco dentro da minha cabeça, parecia vir de longe. Ainda me sentia grogue, perdido, abalado. Inconformado. Por fim, perguntei:
— Se eu me converter posso ir embora daqui?....
— Pode. Se você aceitar Jesus não precisa nem ficar hoje no Culto. O propósito de Deus é que você aceite Jesus.
— Então se eu aceitar Jesus eu vou embora?
— Sim, porque aí você estará livre.
— Bom, então... o que eu preciso fazer pra me converter? — Eu só queria me mandar.
Vi de relance a família de Camila ali do lado. Era uma cena típica de foto. Todos com os olhos esbugalhados e ar compenetrado na minha direção. Camila estava ainda chorando, assustada.
— Repete comigo esta oração, tá bem?
Ele falou rapidamente algumas coisas sobre Jesus que já nem me lembro. E eu repeti tudo o que ele disse. A rigor, estava aceitando Jesus, mas não fiz de coração. Repeti por repetir, apenas para ir embora depressa. O Pastor ainda perguntou para mim assim que terminamos:
— Você crê nisso?
Senti novamente muita raiva:
— Você crê nisso?!
— É claro que eu creio. Eu sou um servo de Deus.
— Pois antes desse ano findar você vai estar servindo ao mesmo deus que eu! — E aquilo soou como uma maldição.
Mais tarde soube que ele largou o Pastorado. Ficou completamente descrente de tudo. Abriu uma franquia de sorveteria numa cidade do interior.
Finalmente saí de lá. Fulo da vida! Saí lançando encantamento em todo mundo, vociferando.
— Esses malditos!!! Que essa Igreja maldita afunde.
Mas procurei não demonstrar minha raiva. Camila veio para perto de mim, pegou na minha mão, e fomos para o carro. Ninguém falou nada, estavam todos mudos e envergonhados. Eu, mais do que todos, apesar da minha fúria. Da Igreja até a casa deles o assunto não foi abordado em momento algum. Ninguém sabia o que dizer. Falaram do tempo, do almoço:
— Quem diria, hoje vamos almoçar mais cedo. Ah! Ah! Ah!
— É, macarrão mais cedo! Claro. Ninguém assistiu ao Culto.
E assim que pusemos os pés em casa dona Carmem fez menção de colocar um Louvor no aparelho de som. Todos foram unânimes e cochicharam entre eles.
— Você tá louca? Vai por Louvor?! Olha o cara aí!! — Disse a Kelly.
Eu só queria um pouco de sossego. Fui para o banheiro e me lavei como pude. Aí desci para o quintal sozinho. Camila logo veio atrás, com linha e agulha. Enquanto ela costurava os botões da minha camisa resolvi me distrair um pouco com os cachorros. Eles gostavam de mim, eu costumava brincar sempre com eles, mas nesse dia nenhum queria chegar perto.
Tentei me aproximar mas eles recuaram, enfiaram-se na casinha e não saíram mais. Cansei de chamar. E de dentro da casinha olhavam pra mim e rosnavam.
"Mas que raio de coisa louca...."
Eles adoravam pão, então fui buscar vários pedaços. Mas nada! Eles não pegavam! As fatias rolavam pelo chão e lá ficavam. Por fim resolvi entrar no canil, tão inconformado fiquei. Mas não houve jeito. Encolhidinhos dentro da casinha, assim que abri a cerca os três se puseram a ganir desconsoladamente como se eu os estivesse matando. E sempre tinham sido meus amigos... fiquei sem entender mais aquela.
Desisti.
— Chama você, então, Camila!
Ela chamou mas não adiantou. Os bichos não vieram mesmo! Camila não disse palavra, voltou a costurar minha camisa, quieta. Eu me afastei do canil e fiquei pensativo também, encostei-me na parede do quintal. E ainda estava de olho neles quando subitamente escutei a voz conhecida de Abraxas:
— Estamos com você outra vez!
E aquilo me trouxe um estranho alívio. Desde que acontecera aquele terrível episódio dentro da Igreja eu estava sem conseguir por os pés no chão, completamente fora de mim mesmo. Ouvir Abraxas falar comigo me deixou um pouco mais confortado. Tudo deveria estar bem se continuavam comigo. Mas aonde teriam estado eles?!... O que teria realmente acontecido?!
— Obrigado por você estar aqui perto de mim, Abraxas. — Murmurei baixinho. — Não entendi o que aconteceu lá....
Mas ele não respondeu. Então Camila me devolveu a camisa e perguntou:
— Você sabe o que aconteceu, Eduardo?
— Não. Não sei. Eu só sei que a música estava me incomodando e aí eu apaguei.
— Olha, Edu, vou te dizer uma coisa... você ficou possesso. Você pode não acreditar, mas um demônio tomou conta de você! Falou através da sua boca. Você produziu um som... um som tão inacreditável! Que as suas cordas vocais não são capazes de produzir. Foi como... como um urro de leão, uma coisa totalmente furiosa! Foi muito alto, muito alto... parecia um bicho... — Os olhos dela estavam meio perdidos, como que contemplando novamente a cena tão recente e tão impressionante. — Foi preciso oito homens para te segurar! Oito! Aliás teve um que chegou perto pra ajudar, mas você falou um monte de coisa da vida dele, um monte de pecado! E não era você, claro, porque você não conhece aquele homem.
— Falei, é? Falei o quê?
— O demônio acusou aquele homem de todos os pecados que ele tinha na vida. Você virou a cabeça pra ele, apontou o dedo e falou com aquela voz forte: "Quem é você pra me enfrentar? A sua vida é tão suja quanto um charco de lama. Você não honra nem a sua própria família, quer honrar quem aqui dentro dessa Igreja? Você saiu com fulana, você adultera com ela! O que você está falando aí agora?". Dá pra acreditar? Desceu a lenha nele, Eduardo, mas com um ódio, um ódio...e o cara teve que sair mais cabisbaixo do que nunca. Virou as costas e foi embora quietinho. Ele ficou tão assustado que até abalou um pouco os outros! Levou bastante tempo para te segurar também... o demônio tinha muita força! Depois começaram a repreender o espírito maligno até que ele saiu e você acordou.
Não falei nada. Era difícil acreditar que aquilo tinha acontecido. Por isso Abraxas tinha dito "Estamos com você de novo"? Quer dizer que realmente ele tinha sido obrigado a se afastar temporariamente de mim por causa daquela gentinha????? Mas como é que pode.........?!
Fomos almoçar e pouco antes de nos servirmos chegou o Pastor Sérgio. Ele me olhou um pouco, percebeu que eu estava sujo mas não ligou muito. Sentou-se à mesa também e resolveu fazer o que não fazia há muito tempo:
— Bem, cheguei na hora certa, vamos agradecer ao Senhor!
Todos o cutucaram discretamente mas visivelmente em pânico.
— Não, não... orar, não!
Ele não entendeu, mas deixou passar. E ninguém orou.
A partir desse dia bastava eu aparecer e rapidamente desligavam o Louvor, ninguém se atrevia a falar de Bíblia comigo ou qualquer coisa que fizesse menção à Igreja.
Procurei esclarecer as minhas dúvidas com Marlon o mais depressa possível. Fui voando atrás dele indignadíssimo.
— Marlon, aconteceu um negócio muito estranho comigo esse domingo naquela Igreja. Zórdico disse que eu podia ir, é uma Igreja morta! Ele me avisou sobre algumas pessoas que talvez pudessem vir a incomodar, mas nunca disse que não poderia ir lá! E fui pego de surpresa, o Abraxas não disse que naquele dia tinha um outro conjunto ministrando Louvor, não era aquele imbecil do Davi. Aquela música me incomodou demais! E o Abraxas aprontou, perdeu a compostura... me jogou no chão... me sujou... na frente de todo mundo! Pôxa, o que significa isso?! — Senti a revolta me invadindo só de falar no assunto. — Acordei com aquela gente amontoada em cima de mim!!!! Passei a maior vergonha.
Marlon não falou nada antes que eu tivesse me desabafado bastante. Só escutou. E eu não conseguia mais ficar quieto:
— Que insulto para um filho do Fogo! Nunca fui tão humilhado na vida! E que atrevimento daquela gente! O que o Abraxas está pensando? Eu sou protegido dele, como que me joga no chão daquela maneira sem mais essa nem aquela? — Olhei para ele. — Você não tem nada a dizer, Marlon?
Por fim ele abriu a boca.
— Rillian, por acaso tem alguém que você deteste muito nessa vida?
Não tinha. Ódio, ódio de verdade por alguém... não! Eu não gostava do Pastor Sérgio, não gostava da Kelly... mas não podia dizer que era ódio.
— Bom, então imagina alguém que te prejudicou muito, que te causou muito mal. E imagina agora você ter que suportar essa pessoa na sua frente! É um osso duro de roer. Você se sentiria indignado mesmo. É mais ou menos esse o sentimento dos demônios. Olha, aquela Igreja está morta, é verdade, mas ainda tem algumas pessoas que vão precisar cair! Vão ter que se tornar inoperantes para deixar de causar interferência.
— Isso é a interferência da qual vocês falam?
— Pode-se dizer que sim. Há muitos graus diferentes de interferência, Mas o que aconteceu com você podemos chamar de "interferência máxima". Entenda da seguinte forma: quando você aproxima dois fios desencapados um do outro acontece uma faísca, não é? Um "curto-circuito"! Não significa que o pólo positivo é mais "forte" do que o negativo... são apenas diferentes. E por serem diferentes e opostos, a aproximação causa um fenômeno que é puramente natural... e incontrolável! Como relâmpagos! A reação pode ser violenta algumas vezes, como o relâmpago também é. O mesmo acontece com os filhos da Luz e das Trevas. Quando alguém que está vibrando numa faixa muito positiva aproxima-se de você, que vibra numa faixa muito negativa...acontece o "curto-circuito". Isso traduz-se naquilo que os Cristãos chamam de "manifestação demoníaca". Foi mais ou menos isso o que aconteceu. O Abraxas sentiu-se tremendamente afrontado com a proximidade dos filhos da Luz e deixou isso bem claro! É princípio de ação e reação.
— Pôxa... mas não tem como evitar isso?
— Tem, sim. É uma questão hierárquica e de treinamento. Com o tempo isso não vai mais incomodar você!
— Mas por que é sempre o demônio que faz o papelão, por assim dizer? Porque os Anjos não saem berrando e se contorcendo do mesmo jeito? E nessa história eu que paguei o pato, minha cara foi parar na lama!
— Normalmente quando acontece esse choque de forças opostas, esse fenômeno, os demônios se manifestam vigorosamente pelo seguinte: ao contrário dos Anjos, que são disciplinados por Deus e levados em cabresto bem curto, o mesmo não se dá com os nossos aliados. Os Anjos são ridiculamente treinados para serem sempre passivos... a darem a outra face! São obrigados a se controlar, são mansinhos porque Deus não lhes permite liberar tudo aquilo que sentem. Mas o demônio, não. Se você der um tapa na cara dele, ele não vai te dar a outra face. Ele vai é te dar um soco no meio da boca! Isso é o que todo homem gostaria de fazer também. E é o que Lucifér dá aos seus filhos e aos seus comandados. A oportunidade de reagir! Reagir diante da afronta! Serem autênticos, expressarem tudo o que sentem!
O argumento me pareceu muito lógico. — Aahhh!
— Então aprenda agora: você ainda não está cem por cento preparado para confrontar algumas coisas. Quando você atingir um patamar mais elevado aqui dentro da Irmandade e efetivamente puder fazer uso da força de todos os Principados para os quais você já abriu os seus Portais... então isso será cada vez mais difícil de acontecer. Porque eles podem suportar uma pressão bem maior.
— Isso quer dizer que podemos entrar em toda e qualquer Igreja sem susto?
— Sim. Eles suportam muito bem o Louvor, as orações, a Palavra... e se por acaso houver aproximação de algo muito perturbador "eletricamente e energeticamente" falando, eles têm maior liberdade e destreza para afastarem-se até que passe o desconforto. Isso quer dizer que os Cristãos podem até orar por você, você pode até confessar Jesus. E não vai acontecer nada! Só tem um porém...
— Que porém...?
— É algo que os Cristãos não fazem muito, não estão acostumados. Eles não gostam porque requer muita disciplina da carne!
— O quê?
— O jejum de quarenta dias, no mesmo padrão que Jesus fez. Todo jejum faz com que os Cristãos se tornem "mais positivos". Nós não precisamos jejuar porque Lucifér já nos deu todo o acesso aos demônios para que nossa força seja potencializada. Mas Deus não deu o mesmo privilégio aos Cristãos. Então, se eles querem atingir esse nível de espiritualidade, têm que se sacrificar. A abstinência da carne faz com que se entre mais em simbiose com o mundo do Espírito. Quando você se priva da matéria, sua consciência se abre mais para as coisas do espírito. E isso eleva o grau de intensidade daquela "positividade". Ao ponto de empatar com o nosso nível de "negatividade". A reação é natural! Diante do jejum de quarenta dias é impossível controlar os demônios...!
— Quer dizer que se um Cristão jejuar quarenta dias não tem como nós, Satanistas, passarmos despercebidos?
— Exato. Nesse caso temos que ficar afastados. O próprio Lucifér não suportaria isso. Mas não se preocupe... ninguém quase faz isso hoje em dia.
Concordei com a explicação mas ainda fiquei curtindo uma pontinha de insatisfação:
— Mas os demônios que andam comigo já são bastante poderosos...não é possível que aqueles Cristãozinhos do pau oco possam incomodá-los a esse ponto!
— Sim, são poderosos, mas você se esquece de que eles têm ações específicas também. E no caso dos seus Guias, pode-se dizer que não são exatamente o que chamamos de "espiões de Igreja". Você foi recrutado para um outro fim, eles também! Coloque um soldado na cozinha, por exemplo. É a mesma coisa. Naturalmente que ele não vai se sair tão bem quanto o cozinheiro. Ele não foi treinado para estar na cozinha. E o cozinheiro nunca vai poder enfrentar o front de guerra! Compreendeu?
Dei-me finalmente por satisfeito com a explicação. Marlon fez um breve momento de silêncio e então retomou:
— Mas não é exatamente o problema da manifestação demoníaca o que mais preocupa no caso desse jejum. Já que estamos falando sobre isso... abordemos um item muitíssimo delicado. Veja bem, você sabe que os demônios podem controlar à distância. E, quando estão controlando à distância, não há como haver manifestação porque a Entidade não está presente. O Cristão pode orar, impor as mãos... mas não haverá sinais de endemoninhamento. No entanto, há um porém. "A unção quebra o jugo", não é o que eles dizem? Realmente! Isso é a pior coisa que poderia acontecer a um de nós. Ser ungido com óleo!
— Sim. Sei. Você disse algo sobre isso depois que começamos a freqüentar as reuniões dos escolhidos para o Governo Brasileiro.
— Naturalmente é mais fácil "ser pego" ou desmascarado por alguém que tenha jejuado, é fato. O discernimento espiritual deles aumenta e, mesmo que o demônios não estejam perto, a revelação pode vir. Alguma coisa como se eles conseguissem enxergar por trás da pele do cordeiro... e vissem o lobo por trás da pele. Mesmo que os demônios não estejam por perto. E tal pessoa pode acabar nos ungindo. Mas só acontece o pior se o óleo usado for realmente o "óleo de unção" descrito na Bíblia. Não é o que acontece sempre. Nas Igrejas que têm Costume de ungir é muito importante difundir o conceito errado de que "qualquer óleo" serve. Isto é, o que importa é "fazer com fé", o óleo seria o de menos. Vale óleo de cozinha, óleo Johnson's, etc...! Mas não é bem assim. Deus deu uma receita para a confecção do óleo, do mesmo jeito que deu uma receita para a confecção da Arca, do Tabernáculo. E se ao fazer o Santo dos Santos as medidas I não fossem observadas, por exemplo, ou o tipo dos materiais? Certamente aquele lugar não teria o Poder que tinha, nem Deus se dignaria a entrar lá. O mesmo acontece com o óleo de unção!
— E qual é exatamente o problema do óleo?
— Bem, digamos que, ao abrir os Portais e ao participar de Ritos de Consagração específicos, você recebe em você mesmo "fios condutores" que ligam seu corpo e mente aos demônios propiciando comunicação mútua. Se por acaso acontecesse a infelicidade de você ser ungido nesses Portais, nos pontos aonde estão conectados esses "fios", estaria tudo acabado! O óleo funciona espiritualmente mais ou menos como um "gel isolante". Em outras palavras, você teria perdido todo o seu Poder.
Um calafrio me percorreu a espinha e estremeci.
— Todo o Poder?!? Mesmo que eu continue sendo um Satanista? Ser ungido não quer dizer que eu me converti!
— Sim, mas infelizmente os Portais e as conexões são desfeitas pela unção. Isso é algo bastante poderoso, uma verdadeira tragédia. É como se Lucifér tivesse te dado um super-carro-super-possante, cheio de recursos e detalhes. Mas tivessem confiscado a sua chave. Ele está bem ali, à sua frente, mas você perdeu o poder de usá-lo. Não pode fazer nada com ele! Para reabrir os Portais, readquirir o Poder... sai caro, muito, muito caro...
Engoli em seco e não fiz mais perguntas. De qualquer forma, minha dúvida tinha sido retirada.
Passaram-se duas semanas e eu tirei umas férias do Culto. Nem apareci. Mas aí, apesar de que a explicação de Marlon tivesse sido bem clara, comecei de novo a me questionar naquilo que me incomodava.
"Mas, peraí! Era só música, caramba! Eles só estavam cantando! Não, não, não! Isso só pode ter sido coisa da minha cabeça!.... Eu acho que vou de novo! E isso! Vou de novo!"
E aí eu mesmo dei a dica. Cheguei todo lampeiro na casa de Camila domingo pela manhã e convidei:
— Vamos ao Culto? Só me olhavam:
— Culto?!!
— É, hoje eu acordei querendo ir no Culto!
Nem tinha perguntado a Abraxas se deveria ir, nem comuniquei Marlon. Eu não ouvia mesmo ninguém. Queria tirar aquela cisma por mim mesmo. Tentaram desconversar. Seu Augusto estava meio receoso, a Kelly também. Mas dona Carmem concordou, e então todos acabaram dando o braço a torcer. E eu me sentei todo sorrisos no carro absolutamente convicto de que nada iria me acontecer, e que Lucifér era mesmo o máximo, e que eu estava por cima da carne seca!
Mas... que azar! Aquele mesmo grupo que tinha ministrado o Louvor naquele dia fatídico estava lá na Colina Verde de novo!!! Fazia duas semanas que eles não apareciam, mas a Igreja achou que a bênção tinha sido tão grande, e então os convidaram de novo. E calhou de ser justo naquele domingo!....
Quando encostamos o carro e eu vi o mesmo ônibus senti o sorriso amarelando e morrendo nos lábios. Olhei meio encanado:
"Ah, não!"
E comecei a sentir imediatamente uma ponta de mal estar, um enjôo leve que veio invadindo o estômago. Quando desci do carro escutei a música muito claramente, como da primeira vez. E coisa da minha cabeça ou não o fato é que começou tudo de novo: a tremedeira, o medo, o suor frio, a taquicardia. Minhas pernas bambearam.
Não era possível. Mas em vez de sumir dali tentei enfrentar valentemente. Procurei controlar a minha mente para não prestar atenção na música, fazer de conta que não estava escutando. E tentei andar até o pátio. Fui falando o quanto deu, bem alto, na tentativa de encobrir aqueles acordes horríveis com a minha voz.
A família de Camila caminhou na frente e acho que não perceberam logo de imediato. Eu fui mais atrás porque não conseguia dar passos largos.
— Você tá bem, Edu?... — Perguntou Camila me olhando firme e com os olhos já demonstrando apreensão.
— Mais ou menos.... ah! Estou bem, sim!
Mas assim que coloquei os pés dentro do pátio da Igreja, assim que pisei naquele solo.....não precisou nem ninguém me encostar a mão, orar por mim, nada disso. Apaguei de novo!
Mas foram somente alguns minutos. Quando voltei a mim vi que algumas pessoas chegavam perto para ver o que estava acontecendo. Me manquei:
— Não quero ficar aqui. — E levantei instantaneamente do chão empoeirado, dei meia-volta, não deixei ninguém se aproximar.
Voltei para perto do carro.
Camila entrou na Igreja, chamou a família. E voltamos todos para casa outra vez sem assistir ao Culto. No mesmo clima de constrangimento, em silêncio. Apesar de ter me sujado menos eu estava dez vezes mais inconformado do que antes. Não teria palavras para descrever o meu estado emocional. Eu sabia que Marlon já tinha explicado.... mas aquilo era demais! Era só uma Igrejinha....era só uma música!
Não era possível!!!!!!!!!!!!!!!!!!
Da minha parte resolvi marcar uma consulta com um psiquiatra. Eu devia estar ficando louco, era isso. O que tinha acontecido na Igreja não me saía da mente. Mas eu queria crer a todo custo que aquilo não tinha nada que ver com Abraxas e nem com o reino espiritual. Por algum motivo talvez eu não estivesse com minha sanidade mental cem por cento. E por pior que fosse ficar louco não seria tão ruim quanto admitir que demônios pudessem esquentar-se com alguns Cristãos cantando!
Expliquei tudo o que aconteceu ao médico.
— Será que eu estou normal?
Ele fez uma série de perguntas e pediu um eletroencefalograma. Quando veio o resultado, estava tudo bem. Ora! Como eu preferiria que houvesse uma alteração qualquer capaz de explicar melhor aqueles estranhos acontecimentos!... Abraxas e os outros eram muito poderosos. Uma musiquinha ia causar todo aquele tumulto? Que coisa mais fora de propósito e absurda!
Mas realmente parecia que eu não estava louco, pelo contrário, estava perfeitamente bem da cabeça.
Então me decidi a procurar Zórdico. Não quis mais falar com Marlon. Aquilo estava me deixando cada vez mais incomodado e talvez Zórdico tivesse alguma outra explicação que me fizesse ficar um pouco mais descansado.
— Zórdico, eu fui à....
— Eu já sei. Olha, por enquanto, não vá à Igreja!
— Mas por quê?!!! Afinal de contas, você tinha deixado! Por que agora eu não posso ir?
— Primeiro que você não está sendo treinado para isso, você foi chamado para uma outra atividade. E é com isso que você deve se preocupar.
— Mas você disse que eu podia ir! — Retruquei de novo. Eu estava cada vez mais injuriado.
— Daqui a pouco esta Igreja vai estar inoperante e então você vai poder ir à vontade. Por enquanto faça como eu estou te dizendo: não vá mais! Não fique lá. Pára de criar problema, Rillian!
— Tinha um Pastor lá que orou por mim da primeira vez, um careca... e não gostei nada dele!
— Eu sei quem é. Ricardo Cabral é o nome dele. Não se preocupe, nós vamos cuidar de tudo e essa Igreja vai deixar de existir! Mas enquanto isso... não vá lá!
— Tá bom! — Concordei meio emburrado.
Passaram algumas semanas. Tudo continuou correndo normalmente nos Ritos. Mas aquela história.....decididamente não consegui engolir!
"Não...é ...possível!"
Era tudo em que eu conseguia pensar, dia após dia: que aquilo não estava acontecendo! Lucifér era o maioral, não era? Eu tinha experimentado o Poder das Trevas ao vivo e à cores, sabia que era real e devastador. Portanto alguma coisa não me cheirava bem naquela história. Eles estavam só cantando e puseram Abraxas como louco. Por mais que ele não fosse treinado para entrar em Igrejas... tinha limite! E o tal jejum de quarenta dias que nem Lucifér podia suportar? E a unção com óleo que podia pôr tudo a perder?!
Minha cabeça saracoteava dando voltas e mais voltas sem chegar a lugar nenhum.
Passado alguns dias:
— Vamos no Culto? — Pedi. Dessa vez ninguém queria ir mesmo. Negaram-se terminantemente. — Não, não, não!
— Mas vamos, vai!
— Não!
Ninguém se atreveu. Não me levaram. E no sábado seguinte só avisaram:
— Chega um pouco mais tarde amanhã. A gente vai ao Culto e você vem para o almoço, tá?
Não queriam que eu fosse de jeito nenhum. Mas não me dei por vencido.
"Eles vão sozinhos, é? Pois, sim!"
E no dia seguinte logo de manhãzinha pintei por lá. Meia hora antes deles saírem eu já estava na porta esperando. Quando todos apareceram, felizes, com as Bíblias na mão, deram de cara comigo:
— Oi! Eu resolvi ir no Culto!
Eles se entreolharam e não tiveram como dizer não. E fomos. Fiquei alegríssimo porque era o velho e bom Louvor comandado pelo Davi. Nada me incomodou e eu pude entrar à vontade dentro da Igreja. Estava tudo como antes, os demoninhos que o acompanhavam estavam ali mesmo. Percebi que todos olhavam sorrateiramente para mim esperando alguma manifestação.
Mas tudo correu dentro do esperado. E no final do Culto vi que Camila correu para falar com aquele Pastor gordo que eu já tinha visto uma vez. Fiquei olhando de longe enquanto ela conversava, volta e meia ele desviava discretamente os olhos na minha direção. Me irritei e lancei uma maldição contra ele.
"Que Pastor folgado esse aí!"
Sem que eu soubesse, Camila agendou uma entrevista minha com ele. Tinha levado com ela alguns desenhos que eu costumava fazer incessantemente, uns desenhos claramente satânicos, com figuras de demônios, sangue. Enquanto ela mostrava as folhas de sulfite eles combinaram uma provável data.
Pessoas se aproximavam de mim, cordiais, cumprimentavam.
— A Paz do Senhor!
"A Paz do Senhor, é?" — E contra todos eu lançava maldições, cheio de ira. O Pastor Arnaldo, o que tinha brincado comigo por causa do time Palmeiras, aproximou-se também.
— Olá, hoje você não caiu, heim?
Que idiota! Nem esperei ele continuar, encostei-lhe a mão no peito e falei em aramaico, lancei o encantamento com ódio.
— Talvez amanhã você caia! — Retruquei.
— Ué? Está falando em línguas? Você foi batizado no Espírito?
— Não. Fui batizado no Fogo.
— É, o Fogo do Espírito é tremendo mesmo, né?
Estávamos falando duas línguas. Que se danasse aquele Pastor Arnaldo! Eu estava cheio de fúria por causa de tudo e todos naquele lugar. Não fosse por eles e não teria sofrido aquele vexame! E ainda tinha a cara de pau de tirar sarro?
Agora eu tinha umas contas a acertar com o tal Ricardo Cabral. Olhei à minha volta:
"Cadê aquele outro idiota?"
Vi que ele conversava com algumas pessoas à distância.
"Já sei! Vou pedir para o Davi orar junto comigo por ele. Aquele lá é um podre, tem demônios com ele. Mas ninguém vai desconfiar se ele orar comigo!"
E corri atrás do Davi. Tinha que me apressar se quisesse concretizar o meu plano.
— Oi, irmão, a Paz do Senhor! Onde está o Pastor Ricardo?
— Ele está ali conversando com o Gustavo Kalil, um dos participantes daquele conjunto que esteve aqui duas vezes.
Não! Era bênção demais junta!
— Não diga!! Mas os dois estão juntos? Vamos orar por eles? Eu senti no coração de orar por eles!
— Então vamos! — E Davi me acompanhou. Fui com a maior sede ao pote. Davi fez as honras da casa:
— O irmão aqui sentiu de orar por vocês dois! Ele vai abençoá-los!
A oração do Davi era só apoio para a minha. Eles aceitaram sem receio, eu impus as mãos sobre eles e "orei" em aramaico para abençoá-los bastante. O Pastor Ricardo ainda comentou:
— Puxa, e dizer que há algumas semanas você estava caído aí, possesso! Como Deus é maravilhoso, que tremenda restauração na sua vida! Deus te abençoe.
O Gustavo concordou:
— E agora você já está entrando na Igreja, é de fato um belo testemunho!
— É, que bom. — Respondi. E pensei comigo mesmo: "Eu estou entrando e logo vocês é que vão estar saindo daqui chispando!"
Naquele dia voltei de alma lavada para casa. E decidi:
— Não vou mais nessa Igreja. Lá só tem idiota e eu já fiz o que tinha que fazer! Peguei três daqueles Pastores, eles vão pagar pelo que fizeram!
E realmente não tive mais nenhuma vontade de ir lá para nada. Nem para dar risada.
Só que Camila tinha agendado a entrevista com o Pastor gordo.
— Eduardo! — Disse-me ela logo no começo da semana. — Sabe, eu marquei uma entrevista com um Pastor para que você possa tirar ás suas dúvidas!
— Que dúvidas, Camila? Eu não tenho dúvida nenhuma.
— Mas sabe o que que é? Você não quer entender melhor porque você caiu...?
— Eu já entendi. Agora eu não vou cair mais. É a vez deles caírem! — Eles quem?
— Olha, Camila, não me encha! Pára com essa conversa! — Fui estúpido. — Além do mais, quem é esse Pastor? — É o Brintti!
— Brintti? Mas que nome mais esquisito! — Parei um pouco. — Ah! Por acaso é aquele gordo?! De bigode, que parece um leão marinho?
— Hum....é ele mesmo!
— Sei, sei. É aquele gordinho, heim? — E já imaginei o que fazer. — Tá bom. Pode dizer que eu vou.
Quando Camila confirmou a entrevista esperei o momento propício para fazer um Feitiço pesado contra ele. Desci ao porão de casa e fiz tudo nos conformes. Por causa da minha raiva, e que certamente estava potencializada pela raiva de Abraxas, eu não queria nada mais nada menos do que a morte dele. Já tinha visto acontecer muitas vezes. Aquele cretino daquele Pastor Brintti ia ser somente mais um na lista.
Tinha certeza que ia funcionar. Estava tranqüilo. E no dia da tal entrevista encaminhei-me para o escritório da Igreja ao lado de Camila com toda a calma do mundo. Sentamos. Começamos a ler umas revistas. Camila olhava no relógio, já preocupada. Eu nem aí. Continuei afundado na leitura.
— Nossa! Mas como ele está demorando!
Camila foi perguntar à secretária se ele tinha avisado que iria atrasar. Nada. Ninguém sabia nada. Eu estava certo de que ele estava morto e logo receberíamos a notícia. Fiz questão de esperar ali mesmo.
E esperamos. Três horas de espera. Finalmente resolvemos ir embora. Passaram-se dois dias. Mas estranhei que ninguém me ligasse avisando do enterro.
Mas qual não foi a minha surpresa quando descobri que ele não estava morto. Camila ficou sabendo o que acontecera e me comunicou:
— Puxa, o Brintti teve um problema naquele dia, Edu. A filhinha dele caiu do sétimo andar do prédio onde eles moram! Mas foi por Deus mesmo que não aconteceu nada. Ela caiu em cima de um toldo e rolou na grama, não sofreu um arranhão. Mas eles tiveram que correr com a menina no Hospital, é claro, por isso que ele não pôde ir. E na preocupação nem se lembrou de avisar.
— Mas ele tá vivo???
— Ora, tá! Lógico. Foi só a filha dele que teve um problema, mas está tudo bem.
Fiquei indignado. Ele ainda estava vivo! Certamente os demônios tinham tentado furar a Guarda de proteção dele e não conseguiram. Então foram por outro caminho. O ataque maciço à volta faria com que ele se desequilibrasse emocionalmente, e quando isso acontecesse seria mais fácil penetrar e ferir a sua vida.
Voltei a escutar a voz de Camila:
— Deus livrou, né? Que bênção! Mas ele marcou outra vez com você, viu? Não vamos desistir, tá?
Ela ainda me contou que ele pregara no último domingo testemunhando no púlpito o livramento do Senhor. E foi um grande momento de júbilo! Aquilo me irritou mais do que tudo. Mas procurei não dar bandeira. Camila não entendia aquela minha postura tão estranha aos seus olhos.
"Mas que incompetência desses demônios! Além de tudo ainda ficam dando ponto para esses imbecis, estão agora todos achando que foram aqueles Anjinhos que protegeram a menina! Pois agora esse cara vai morrer de qualquer jeito!"
No final de semana seguinte estávamos nós cinco ao redor de um Pentagrama. Tínhamos terminado um Ritual de morte conjunto para acabar de vez com a vida do Pastor Brintti. Chamei Górion, Ariel, Rúbia e Thalya, meus amigos mais próximos.
Estava quase amanhecendo. Havíamos passado a noite toda ali envolvidos naquela sede de vingança.
Reunidos no apartamento de Rúbia, nossos Guias e suas legiões já estavam perfeitamente sinalizados e deveriam agir para completar aquela incumbência nos próximos dias. Meus amigos estavam tão furiosos quanto eu. Aquela era uma luta comum, os Cristãos não podiam afrontar desse jeito nem a mim e nem aos demônios.
Alguns dos Guias tinham aparecido durante a madrugada para entender-se conosco. Abraxas, inclusive. Ele veio com um ar de regozijo e prometeu enfaticamente:
— Seu desejo será cumprido!
Ao final da noite o clima entre nós já era de júbilo. Estávamos certos da vitória. Nada poderia nos impedir de ceifar a vida dele.
Antes do sol raiar ficamos conversando ainda um bom tempo, externando a nossa indignação. Nem tínhamos ido ao Ritual de Celebração da Irmandade. Só avisamos que íamos fazer algo especial e não fomos. Era preciso aproveitar a posição astrológica favorável daquela madrugada de sexta-feira. Ninguém perguntou nada, provavelmente já sabiam do que se tratava.
— Aquele Pastor precisa morrer! Imagina só! O encantamento que eu fiz pegou na filha dele, mas acontece que ela está inteira, e vejam que coisa, ainda por cima aquela Igreja está com a bola toda achando que Deus é o máximo. Não vou mais tolerar isso! Aquele cara precisa morrer de qualquer jeito!!! Ele tem que ver o Poder do Inferno, eu quero que ele seja esmagado! — Exclamei.
— Ele vai ver o que que dá mexer com os filhos do Fogo! — Vociferou Ariel.
— É isso mesmo. Vai sentir nele mesmo o Poder do Fogo! Esse Fogo queima... e vai doer! — Disse Thalya com cara de poucos amigos e deixando transparecer sua raiva.
— Vai doer!!! — Completaram Rúbia e Górion.
Terminamos de recolher o material usado no Ritual. Tínhamos oferecido três vidas em troca da vida do Pastor Brintti. Quando ele morresse, as três vidas seriam entregues. Quando eu fiz o encantamento sozinho, tinha oferecido apenas uma vida à escolha de Abraxas.
Mas agora não haveria escapatória possível!
O próximo encontro com o Pastor Brintti era dali a poucos dias. Novamente fomos eu e Camila ao escritório da Igreja, sentamos, pegamos as mesmas revistas para ler. Mas eu mal podia conter a minha ansiedade em receber as notícias tão aguardadas.
E nada do homem aparecer!
— Puxa, o Brintti está demorando... — Disse Camila com um suspiro.
— Ele não vai vir! — Respondi categoricamente.
— Como assim, não vai vir? É claro que ele vem! Ele marcou com a gente. Deve estar atrasado de novo por algum motivo. Vai ver é o trânsito!
— Trânsito, sim! Ah! Devem é estar tentando encontrar um caixão em que ele caiba, porque gordo daquele jeito....
— Ai, Eduardo! Pára de falar nisso, como você é macabro! Deixa o coitado do homem em paz.
— Mas é verdade, ele vai precisar de um caixão sob encomenda. Ele não vai vir, Camila. Ele morreu!
— Olha, Eduardo, você podia parar de falar tanta besteira. Que Deus te perdoe dessas coisas que você fala!
Ela levantou e foi atrás da secretária. Ligaram na casa dele para saber o que estava havendo. Pouco depois Camila voltou:
— Disseram que ele saiu faz tempo e estava vindo pra cá. Acho que já, já ele aparece!
Eu continuei na mesma ladainha.
— Pronto! Ele morreu no caminho. Vai ver teve um enfarto, um derrame, enfiou o carro no poste. Nessas horas tá sendo entubado em alguma UTI por aí, ou já passou para a Vida Eterna direto.
Nós já tínhamos avisado algumas pessoas-chave que estavam na linha de frente dos Hospitais. Caso ele desse entrada em algum Pronto-Socorro era pra simplesmente terminar o serviço imediatamente.
Esperamos mais de duas horas. E o Pastor não apareceu. Camila foi falar de novo com a secretária, que tentou em vão localizá-lo. Saímos de lá sem saber o que tinha acontecido. Pisei na calçada como quem pisa em nuvens. Em breve eu saberia que ele tinha sido liquidado!
E realmente não demorou muito. No dia seguinte Camila me ligou na Style toda penalizada. Mas não escutei o que queria.
— Eduardo, o Brintti bateu o carro ontem à caminho do escritório, por isso que ele não foi. Deu perda total no carro.
— !!!!!
— Que coisa, né? Coitado do Brintti!
— Mas, e ele?!! Ele morreu? Ou está internado?!
Camila deve ter interpretado o tom entrecortado da minha voz como sendo de extremo pesar diante do acontecido.
— Não, não se preocupe. Ele está ótimo! Não teve um arranhão! Deus trouxe o livramento mais uma vez!
— Quer dizer que o carro amassou todinho, e só no canto em que ele estava não amassou???!! Bom, a bem da verdade deve ter sido um cantão porque ele mais parece uma lontra......
Me dei conta de que era imprescindível me controlar. Mas não poderia descrever o tamanho do meu furor.
— Pois foi isso mesmo! — Continuou Camila. — Deus não deixou amassar o cantinho dele!
Eu não estava acreditando. Depois de todo aquele Ritual!!! O que aqueles demônios pensavam que estavam fazendo?!!
— Mas ele não teve nem um arranhãozinho?
— Nem unzinho! E, aliás, você vem aqui hoje?
Respondi com toda a educação que eu tinha para aquele momento:
— Não me enche, não vou aí coisa nenhuma. Preciso de paz e sossego um pouco!
Bati o telefone em estado de bala. Continuei falando sozinho completamente inconformado, rodando pela sala que nem um gorila enjaulado.
— Mas o que que tem esse leão marinho bigodudo, esse gordo?! Liguei para Thalya para desabafar:
— Você imagina que aquele cretino ainda está vivo, Thalya?! Ela quase gritou do outro lado:
— Mas não é possíííível!!! Será que nós fizemos alguma coisa errada, Edu?
— Não, não, estava tudo certo, os demônios estavam lá! Disseram que tudo ia sair a contento. O que pode ter dado errado?!
— Isso não está acontecendo! Vamos falar com a Rúbia, ela deve ter uma boa explicação! Olha, vem pra cá agora. Não vamos deixar barato essa história, não!
— É! Está na hora de abrir a temporada de caça à baleias! — Resmunguei mal humorado.
— Que complicação!
Fizemos uma conferência a três, eu Rúbia e Thalya. Rúbia procurou recuperar a calma depois da explosão de raiva.
— Deixa estar. Nessa sexta, na reunião da Irmandade, nós falaremos com todo mundo! Esse Pastor não perde por esperar! Ele vai morrer!
E fizemos como combinado. Nem bem terminou a Celebração e eu mesmo fui atrás dos figurões. Marlon, Zórdico, Taolez e Akilai. Nós cinco, junto com eles, totalizando nove... num Rito poderoso... somando o Poder das nossas castas demoníacas... não haveria como dar errado! Akilai era Sumo Sacerdote. Marlon, Zórdico e Taolez, Sacerdotes. Eu e Rúbia, Feiticeiros. Os demais, Magos. Não tinha erro.
Expliquei em rápidas palavras o que estava acontecendo. Minha vontade era de subir pelas paredes:
— Estou indignado....aquele Pastor cretino.... aquela foca amestrada.... ele está vivo! Está querendo medir forças comigo! Querendo medir forças com Lucifér, com Abraxas......! Quem ele pensa que é?!......Pois agora eu quero que ele morra com dor, com sofrimento! Quero aniquilar a família dele! Eu quero que esse homem seja des-tru-í-do! Eu faço qualquer coisa!!!!
Akilai se adiantou:
— Você fará o que for preciso?
As palavras saíam em tropeções pela minha boca, o ódio que eu sentia era tão intenso que parecia que ia me consumir. Ou aquele Pastor seria consumido, ou eu. Mas aquela situação de afronta tinha que se resolver:
— Eu faço o que for preciso! Eu quero essa vida. Reivindico essa vida para Lucifér, para as Trevas! Quero que o Fogo do Inferno consuma cada gota daquela banha!
Akilai falou sem pestanejar:
— Você daria treze vidas por ele?
Todos sabiam da minha relutância em relação aos sacrifícios. Ficaram quietos ao meu redor, esperando pela resposta. Não pensei duas vezes:
— Sim.
— Você sacrificaria essas treze vidas... sem estar canalizado?!
Akilai soube escolher bem a proposta. Eu tinha sido auxiliar dele naquela noite quando dei as costas para o Altar e Abraxas quase teve um piripaque, entrou no meu corpo que nem um animal.
Respondi novamente sem hesitação alguma:
— Sim.
— Você tem certeza do que está falando?
— Tenho. Tenho plena certeza. Plena convicção!
— Você sabe que se você prometer... e não cumprir... seu lugar será o Inferno dos Órfãos. Você será irremediavelmente deserdado e vai ser pior pra você!
Falei muito seriamente, os olhos carregados, a voz cheia de uma fúria cega:
— Eu tenho consciência disso.
Akilai parou, pensou um pouco absorto em si mesmo. Os demais apenas olhavam para ele.
— Você tem certeza disso, Rillian? Tem certeza de que será capaz? — Perguntou ele mais uma vez.
Olhei fundo para o gigante:
— Eu quero essa vida.
— Então está bem. Nós vamos providenciar essas ofertas. Treze crianças de sete a nove anos.
— Elas só serão entregues depois que ele morrer, certo?
— Exatamente. Amanhã nós faremos o Rito todos juntos, em nove pessoas. Ele não vai escapar, e quando estiver morto... então você cumprirá a sua parte do trato!
Assenti sem dizer mais nada. E meu ódio era tão grande que eu não via a hora de chegar o momento de nos reunirmos para aquela vingança.
No sábado seguinte nos reunimos em casa de Zórdico. E invocamos praticamente todo o Inferno ali. Foi um Rito poderosíssimo e extremamente meticuloso. O que tinha de mais forte e profundo na Magia, e que estava ao nosso alcance, foi utilizado.
Foram evocados treze Príncipes das mais altas patentes. Nossos Poderes foram somados. Os demônios apareceram, até mesmo Leviathan esteve lá. Estavam todos bastante sedentos pelo sangue que tinha sido prometido.
Foi muito impressionante. Não tinha ainda vivido nada daquele porte até então, nunca tinha visto nada parecido com aquela sinergia. Não tivera o gosto e o privilégio de participar de algo comum ao lado de Akilai, por exemplo. Mas aquela briga era nossa! O Poder deriva da Força, e a Força é produto de União. E foi o que eu vi naquela noite. União entre nós. União com o Reino das Trevas.
Os sacrifícios seriam especiais, uma criança para cada Príncipe. E as velas feitas com a gordura delas adornaria o próprio Altar durante um tempo, como símbolo daquela vitória.
Eu queria que ele morresse. E depois dele, tudo que lhe dissesse respeito teria que desaparecer também. Então deixamos bem claro: a destruição tinha que ser completa! Da família, dos bens, do ministério, de tudo à sua volta.
Mas Marlon fez um aparte:
— Não. Pense bem, Rillian. A morte seria um prêmio para esse homem. Ele tem que sofrer. Cada dia da vida dele tem que ser um Inferno, cada dia tem que ser vivido debaixo de desgraça e sofrimento. A vida tem que lhe ser amarga de tal forma que ele inveje os mortos! Vamos antecipar o Apocalipse para ele: ele buscará a morte e não a encontrará. Experimentará o que é dor e não terá como se livrar disso. Não é melhor do que a morte?
— Eu não tinha pensado nisso. Você tem razão. — E reiterei perante as Entidades. — Podem fazer assim. Treze vidas pela destruição dele. Mas no final de tudo eu quero que termine com morte! E uma morte de sofrimento, dolorosa. Ele, a família, o ministério... tudo tem que estar envolvido!
E fiz um juramento com meu próprio sangue conforme pedia o Rito. Ele foi derramado numa taça e através daquele ato eu me comprometi perante aqueles demônios. Me comprometi a devolver cada gota de sangue multiplicada por treze. Sem canalização. Eu iria cumprir a minha parte do pacto.
A noite terminou e o Ritual também. Saímos todos convictos de que o acordo estava selado. Muito bem selado. E quanto a mim, tinha certeza de que algo tão ruim aconteceria nos próximos dias que Pastor Brintti não teria condições de aparecer no terceiro encontro.
Nove dias deveriam correr antes que os demônios iniciassem sua ação maléfica. Então aguardei um pouco, naquela semana não marquei nada com o Brintti. Deixei apenas para quinta-feira da outra semana.
Aconteceu como das primeiras vezes. Fiquei com Camila no escritório e esperamos por duas horas e meia. Naquele dia estava absolutamente convicto de que ele não apareceria mesmo. Não tinha mais chance de haver qualquer imprevisto.
Mas houve. O maior imprevisto de todos aconteceu naquele dia. Algo que ninguém poderia jamais supor.....
Eu já estava exultante, rindo, bem humorado. Quando ouvimos batidas na porta. A secretária abriu. Era o Pastor Brintti!
Olhei para ele com ar estarrecido. VIVO???! E imediatamente senti algo semelhante ao que tinha experimentado por causa do Louvor no pátio da Igreja. A tremedeira, o mal estar, o ódio indescritível... veio tudo junto só pelo simples fato de olhar para aquele homem.
Não consegui balbuciar palavra nenhuma. Pensava atropeladamente e tentava manter minha mente funcionando. Não era possível que fosse acontecer de novo! Que espécie de reações eram aquelas??? De repente, percebi o óbvio: era medo. Medo puro. Puro pavor!
O Pastor parou um pouco na porta, apoiou-se no batente olhando para nós e sorrindo levemente. Vestia um terno azul-marinho, camisa branca, e suava visivelmente. Parecia um pouco cansado, ofegante... bastante ofegante, para ser sincero. Acho que tinha sem dúvida enfrentado alguns problemas para chegar ali. Debaixo do braço, a sua Bíblia.
— Custou.... mas cheguei! — Exclamou ele.
Procurando controlar aquela torrente de ódio que me invadia, pensei: "Como que você chegou?!"
E falei alto, sem um pingo de educação.
— Nós não temos nada para conversar. Você atrasou, eu tenho um compromisso. Tenho mais o que fazer do que ficar esperando você vir aqui!
— É que eu tive uns contratempos.
— Eduardo, ele está aqui. — Acudiu Camila. — O que custa conversar um pouco? Demorou tanto para vocês se encontrarem!
Ele aproximou-se de mim e me estendeu a mão à guisa de cumprimento. Mas eu não consegui pegar na mão dele. Aquele tremor por dentro se intensificava e meu medo era não conseguir mais me controlar. Ele ficou com a mão no ar. E eu estava quase em pânico.
Mas Pastor Brintti não se deu por vencido, pousou a mão que eu não quis apertar sobre o meu ombro. Imediatamente senti o meu braço ficando dormente. Me esquivei dele com brutalidade e retruquei incontinenti:
— Já disse que não tenho nada pra tratar com você!!! Estou saindo! Mas não saí. Parecia grudado no chão.
O meu furor aumentava e se misturava com aquela sensação de pavor incontrolável. A vontade que eu tinha era de socá-lo, amassar aquela cara idiota! Mas sabia que não conseguiria fazê-lo. Era estranho, eu queria enfiar a mão nele com toda a força que tinha... mas não conseguia......! Meu braço estava travado.
Me lembro que ainda consegui fechar a mão. Mas o braço não ia. Simplesmente não obedecia ao meu comando.
Impossível descrever meu estado! Era pior do que tinha passado na Igreja! Poderia morrer a qualquer instante com tanta adrenalina jorrando no meu sangue! Estava quase em desespero, a presença dele à minha frente me ameaçava. Me sentia ameaçado por ele... por algo totalmente desconhecido. Mas não tinha o menor sentido! Eu estava no ápice da minha forma física. Podia acabar com ele num único golpe. Podia explodir aquela cara em um milhão de pedaços!
Por uns instantes esqueci do mundo à minha volta, de Camila, da secretária. Até do que eu estava fazendo ali. Já nem sabia mais. Minha atenção estava toda voltada para aquele Pastor. E a monstruosa ira contra ele era tão inexplicável e densa quanto as Trevas que eu cultuava.
Mas ele, apesar de claramente cansado, estava calmo. Muito calmo. E olhava para mim fixamente.
— Vamos lá na minha sala? Lá a gente pode conversar melhor! A gente bate um papo rapidinho, eu não vou ocupar muito o seu tempo e você já vai embora.
— Vai, Eduardo, vai! Não vai demorar muito! — Falou Camila. "Vou enrolar ele dez minutinhos e vou embora", pensei, trêmulo.
Mas o que eu queria mesmo era sair correndo! Ele subiu na frente para me mostrar o caminho. Então minhas pernas obedeceram, apesar de muito bambas; subi trôpego, me segurando no corrimão. Eu olhava para ele de costas e tinha cada vez mais uma vontade louca de bater nele, acabar com tudo pelas minhas próprias mãos.
Ele entrou numa salinha simples. Uma mesa não muito grande, uma estante com livros, um abajurzinho.... reconheci logo. Era a mesma sala aonde eu tinha conversado com o Davi.
Pastor Brintti me deu passagem segurando a porta:
— Pode sentar, Eduardo.
Eu sentei já em posição de quem vai levantar, na beirada da cadeira. Não pretendia realmente ficar ali mais do que dois ou três minutos, no máximo. Mas, para minha surpresa... ele trancou a porta à chave.... e guardou a chave no bolso do paletó!!!!
Olhei para ele e quase gritei:
— Por que que você trancou a porta?
— Calma!... Você não está preso aqui dentro. A gente só vai conversar dez minutos.
Dez minutos era tempo demais. Um minuto ali com ele já era tempo demais!! Senti meu corpo estremecer fortemente. Na verdade, eu não queria ficar ali nem mais um segundo. Precisava sair imediatamente. Olhei para a janela atrás de mim. Mas ela tinha grades.
"Não posso fugir pela janela".
Tive que me virar novamente para a frente. Será que ele percebia o quanto eu estava nervoso... e apavorado? Comecei a falar rapidamente, só queria me livrar dele. Minha voz saiu até embargada.
— Olha, Pastor, isso tudo foi um... um grande engano! A culpa é da minha namorada que está meio maluca, achando que eu estou com coisa.... mas a verdade é que eu estou muito bem, muito bem mesmo! Não tem nada de errado comigo, eu estou indo embora. Eu tenho compromisso. Eu já marquei muitos encontros com "Pastores" na minha vida! Mas a realidade é que vocês nunca têm tempo pra mim. Vocês só serviram de pedra de tropeço no meu caminho. Hoje quem não tem tempo sou eu! Você furou comigo duas vezes e hoje ainda chegou atrasado. Agora quer que eu tenha consideração por você?!
Isso eu consegui falar. Mas na minha cabeça aquela idéia fixa continuava martelando, eu queria mesmo era bater, bater nele até matá-lo! Me imaginei agarrando aquela gravata e torcendo-a em volta do pescoço dele, puxando-o para bem perto de mim e então enfiando o maior e mais bem dado soco do mundo naquele nariz!!!!...
"Só estamos nós dois aqui, a porta está trancada. O que me impede de encher a mão nessa lata de leão marinho dele?"
Mas minhas mãos continuavam estendidas sobre a mesa e pareciam coladas no tampo de madeira. Alguma coisa — que eu não sabia dizer o quê — segurava-as muito apertado ali. Senti uma fúria inominável e gritei:
— Eu odeio você!!!
Pastor Brintti me olhou com ternura e respondeu:
— Pois eu amo você.
Detestei aquilo. Já estava chorando de tanta raiva contida no coração. Devia estar fazendo um papel patético mas não pude evitar que lágrimas de puro ódio aflorassem:
— Ama coisa nenhuma!!! Ama e chega atrasado? Que amor é esse?! Eu não quero falar com você!!! Quero ir embora!
— Tá bom. Você pode ir embora. Acalmei um pouco instantaneamente:
— Posso?
— Pode. Mas antes eu vou orar por você...
E não esperou mais nada, não esperou eu dizer se concordava ou não, num gesto decidido estendeu a mão na minha direção. Nem encostou em mim. A única coisa de que me lembro é que minha cabeça despencou e bateu violentamente na mesa. Lembro que escutei o "bum"! E mais nada...!
Apaguei.
Aquele período todo foi muito entrecortado. Mais estive fora de mim mesmo do que propriamente consciente do que acontecia.
Quando acordei, estava no chão. Ergui a cabeça zonza e vislumbrei um pouco do recinto ao meu redor. A cadeira em que eu estivera sentado estava jogada do outro lado da sala, o abajur estava caído com o foco deslocado, a mesa mal posicionada. Havia vários livros jogados por ali, alguns até meio em cima de mim. Provavelmente tinham despencado da estante durante a crise de ira de Abraxas.
Pastor Brintti estava perto de mim e literalmente suava em bicas com o rosto muito vermelho. Estava com as duas mãos estendidas sobre o meu corpo. Me senti um pouco recuperado e levantei aos trambolhões, peguei a cadeira e a coloquei de pé, sentei nela. Fiquei olhando para ele, me contorcendo.
— Você precisa de Jesus... — Disse-me.
Eu continuei olhando com ódio e nem respondi. Então ele continuou. Abriu a boca e orou de novo. Me recordo das suas primeiras palavras e mais nada. Outra vez perdi a consciência.
Certamente gastamos horas naquele processo.
Volta e meia eu me recuperava, conseguia ter alguma idéia de onde estava. Mas logo o mundo desaparecia outra vez. Toda a recordação que tenho desse dia vieram através desses flashes muito rápidos de memória. Uma vez olhei e vi duas pessoas. O Pastor e mais um homem.
"Quem será aquele ali...?"
Mas viajei de novo. Nunca fiquei sabendo se realmente alguém entrou para ajudá-lo, ou se era um Anjo de Deus.
Em outro momento abri os olhos e tive a impressão de que o abajur estava na minha cara. Talvez fosse ele que estivesse produzindo aquela luz tão forte, devia ter rolado ali para o chão e estava com a lâmpada direto no meu rosto. Coloquei a mão sobre os olhos procurando me proteger daquela luz que queimava. De longe, bem longe podia indistintamente escutar a voz do Pastor, pescava uma palavra ou outra.
— Que a Sua Luz inunde esse ser...
Acho que não era a luz do abajur... então?! Que Luz seria?....
Perdi a noção de quantas vezes eu caí ali naquela sala, apaguei, acordei, semi-acordei, apaguei de novo. A realidade perdeu o sentido. Eu não sabia o que acontecia mas a verdade é que estava totalmente à mercê daquele homem.
O tempo passou sem que eu me desse conta. Quando acordava fazia menção de me levantar, olhava para o Pastor. Ele parecia gastar tempo apenas para constatar se eu estava melhor ou não. No entender dele devia estar péssimo porque logo começava a orar de novo. Minha cabeça parecia prensada numa morsa, tamanha era a dor.
Parece que eu o escutei dizer:
— E pára de bater com a cabeça dele no chão!!!
Daí minha mente sumia.
Numa das vezes em que acordei percebi que minha garganta estava completamente rouca. Eu devia ter berrado a plenos pulmões por horas para conseguir chegar naquele estado. Meu corpo estava muito dolorido, machucado; passei a mão pelo supercílio aberto, havia sangue ali. A camisa já estava toda rasgada. O que estava acontecendo comigo??? Quando terminaria aquela tortura medonha?!
O escritório estava um verdadeiro pandemônio. Tudo pelo chão. E o Pastor Brintti parecia visivelmente esgotado, sem o paletó, a gravata torta. Mas continuou me olhando com ternura.
Então, num ápice de segundo me passou pela mente tudo o que eu tinha vivido nos últimos seis anos dentro da Irmandade. As promessas de Poder... de liberdade.... de simbiose com os liderados de Lucifér...
Mas diante do que eu estava vivendo aquilo de repente perdeu completamente o sentido!!!...
Perdeu.... perdeu a razão de ser. Tudo o que eu tinha experimentado, tudo o que eles tinham me dito estava sendo colocado em cheque por aquele leão marinho, aquele saco de banha, aquela lontra.....!
Na verdade, aquele homem de Deus estava jogando toda a minha doutrina por terra. Alguma coisa o estava protegendo... ele tinha alguma coisa mais forte do que os treze Príncipes do Inferno! Aqueles treze demônios não puderam impedi-lo de estar ali, de fazer aquilo comigo!
Todo o Poder que eu tinha experimentado e através do qual eu tinha visto os outros serem derrubados e esmigalhados... não estava surtindo efeito com aquele Pastor Brintti.
Aquilo tudo correu que nem fogo em rastro de pólvora pelo meu pensamento. Alguma coisa estava errada!... Eu tinha que admitir! Fazia tempo que eu vinha sentindo no meu íntimo que havia algo errado. E aquela convicção me invadiu muito forte, muito intensa! Eu tinha acreditado... e vivido... um grande engano!
Aquele homem tinha um Poder maior do que o meu, um Poder maior do que o de Akilai, Marlon, Zórdico, Taolez. Ele estava ali, em pé. E eu me rastejando no chão. Ele abria a boca, apenas falava e eu parecia prestes a morrer por causa disso. Ele abria a boca e eu ia para no chão me contorcendo, me debatendo, berrando. A presença dele me fazia tremer de terror!
"Era tudo uma mentira... tem, sim, algo mais forte... tem algo mais forte..."
Então devia ser verdade! Aquilo que estava com ele — Deus! — era mesmo maior. Tinha que ser, porque eu sabia o tipo de Feitiço que tinha sido feito contra ele. Se não fosse por Deus ele nunca estaria ali na minha frente!
Eu estava absolutamente convencido. Tinha certeza de uma coisa: o que estava acontecendo ali naquela sala tinha fugido completamente ao controle dos demônios e da Irmandade. O que eu tinha prometido pagar era um preço muito alto, muito alto. E eles queriam receber o pagamento. Se pudessem ter impedido, eu não estaria ali, o Pastor não estaria ali.
Se aquele encontro estava acontecendo.... é porque tinha saído tudo errado. O Poder de Deus tinha feito sair tudo errado!!
"OOOOHHH! Como dói minha cabeça!"
E naquele momento a decisão me cortou como uma faca afiada: "Não quero mais."
Não queria mais a Irmandade. Não queria mais a aliança com Lucifér, com Abraxas, com todos os demônios aos quais eu tinha derramado sangue inocente. Queria retroceder do caminho sem volta. Não era mais uma questão de hierarquia ou patente. Marlon tinha dito que os demônios que estavam comigo não eram treinados para suportar a Igreja e o Louvor.
Mas o próprio Leviathan tinha comprado aquela parada, a honra dele estava em jogo. E aparentemente ele não estava podendo interferir a meu favor.
Já bastava. Tinha visto e experimentado o suficiente.
— Pastor.... — Falei, finalmente, num momento de lucidez. — Eu quero essa libertação... quero esse.... esse Jesus que o senhor está falando. Quero isso pra mim! E, olhe, eu estou sentindo... os demônios estão ainda aqui à nossa volta. Eu não quero mais...! Não quero mais demônio me jogando no chão.
— Você está certo. — E a expressão dele era de alívio. — Realmente você não precisa disso. Todo o sofrimento que você poderia ter.. Jesus já teve... na Cruz!
Aquelas palavras pareciam feitas de puro Fogo ardente. Queimavam-me por dentro de maneira indescritível. E então falou a mesma coisa, a mesma coisa que aquele velhinho tinha dito há quase um ano:
— Jesus deu a vida por você. Morreu por você!
Era muito difícil entender aquilo. Não conseguiria compreender. Custei a perguntar, sentia a voz falhando e as lágrimas na garganta:
— Por... mim? — Meu olhar era de estranheza. — Não... não por mim, Pastor. Você não me conhece... eu sou muito ruim!! Muito ruim. Você não sabe com quem está lidando.
— Eu estou lidando com uma vida que Jesus ama. E Ele está aqui agora. Jesus está aqui!
Fiquei um pouco atordoado, procurei à minha volta:
— Mas eu não estou vendo Ele. Eu só sinto os demônios aqui!
— Fecha teus olhos. Repete comigo essa oração. Senhor Deus... Apertei a mão uma na outra, me esforcei para falar: — Senhor... Deus.....
Não houve como. Apaguei de novo. Aconteceu várias vezes ainda. Eu só percebia que tinha caído quando voltava a mim. Eu queria muito repetir a oração, mas os demônios não deixavam, estava muito claro. Mas acontece que dessa vez eu queria.
— Continua orando, continua orando porque eles ainda estão aqui, Pastor.
Era tudo o que eu conseguia dizer no meio daquela luta tão ferrenha.
Mas aí... finalmente... consegui! Consegui repetir parte daquela oração. Lembro-me de estar meio ajoelhado perto da mesa, o Pastor Brintti permanecia agachado ao meu lado e apoiava uma das mãos no chão para sustentar o equilíbrio. A outra mão estava nas minhas costas.
Falei aquelas frases curtas de todo o meu coração. De toda a minha alma. Com todo o meu ser. Sentia muita fraqueza, o corpo amortecido, muitíssimo dolorido. Não sabia explicar porque doía tanto. Eu estava acostumado à atividade física muito intensa e não tinha nunca nem uma dorzinha muscular. Mas parecia que tinha sido atropelado por um caminhão.
Então ele disse:
— Amém!
Eu não conseguia acreditar que tinha acabado:
— Mas é só isso?!
— É. É só isso.
— Mas peraí... — E meu rosto refletia as dúvidas da minha alma: "Não tem sangue, não tem sacrifício, nem dor?! Não tem atabaque, nem fumaça, nem incensos, não tem nada?!" — É mesmo só isso?! E Jesus vem? É assim que se evoca Jesus?...
Ele esboçou um sorriso manso:
— Deus não complica as coisas, quem complica é o diabo.
Diabo. Aquela palavra soou estranha. Tive uma revelação diferente diante dela. O diabo. O diabo. Lucifér, ele queria dizer. Meu... pai??!
— Deus te ama. — Continuou ele. — Jesus também. Ele está aqui! Ele quer te dar uma nova vida.
Então caí em mim, percebi, e senti que aquele ambiente estava completamente livre dos demônios! Por algum motivo, um motivo que eu não conseguiria compreender naquele momento, eles tinham saído de lá. O ar estava leve.
— Mantenha seus olhos fechados. Eu vou orar por você agora. Eu obedeci.
— Senhor, faça ele experimentar o Seu Amor...
E ele orou uma oração simples, pediu que eu experimentasse o Amor e a Paz de Deus.
E aí........ subitamente...... eu senti! Senti uma outra mão na minha cabeça.
Um toque tão terno, tão doce! Mas quem estaria com a mão na minha cabeça? Abri os olhos de leve. O Pastor Brintti continuava com uma das mãos apoiadas no chão. E era muito perceptível o calor da outra, que continuava nas minhas costas. Mas então... de quem seria aquela terceira mão?!! Seria de Jesus aquela mão suave sobre a minha cabeça?!....
Senti os olhos inundando de lágrimas, um quebrantamento de corpo, alma e espírito, uma emoção incomparável. E imediatamente escutei uma voz que não era a do Pastor. Ele estava orando baixinho, bem baixinho, e a outra voz me disse as palavras que nunca mais pude esquecer.
— Eu me alegro com a sua vida. Estava esperando por esse momento... para poder te chamar de filho! No tempo certo você vai entender essas palavras. E hoje, nesse dia, você está recebendo a proteção do Deus Todo-Poderoso...e a Sua Paz!
Então chorei. Chorei. Chorei. Foi a primeira vez na minha vida em que chorei tanto. Foi um choro de alívio! De desabafo. E de Paz. Realmente senti uma Paz estranha, tão diferente de tudo o que já tinha experimentado. Só então me dei conta de que eu nunca soubera o que é Paz. Apesar de toda a dor, a cabeça estourando... senti aquela Paz que jamais poderei expressar em palavras humanas. Jesus retirou todo o peso da minha alma, a ira, o terror, a opressão.
Depois percebi que aquela mão sobre a cabeça sumiu. E ficou apenas a do Pastor Brintti nas costas. Atirei-me nos braços dele. Agradeci pela sua vida.
— Deus te ama muito! — Falei, emocionado.
— Não, Deus ama você! Ele te ama muito! Você é muito especial para Deus. Os Anjos do Senhor estavam aqui.
— Pastor Brintti, olhe... me perdoa pelo que eu fiz. Me perdoa! Ele não entendeu:
— Seus pecados já estão perdoados. Você não precisa pedir perdão pra mim. Deus já te perdoou... você não me deve coisa alguma!
Não consegui dizer mais nada. Só olhei para ele com muita admiração. Depois comecei a olhar para mim mesmo: estava todo estourado, minha camisa não tinha mais nem um botão, alguns hematomas já estavam aparecendo. E o sangue tinha coagulado um pouco na minha face.
Ele também estava meio machucado. Todo suado, a roupa em desalinho, alguns botões também estavam estourados e ele tinha alguns arranhões na mão e no rosto, umas manchas avermelhadas próximas ao pescoço. Sorrimos um para o outro e nos erguemos. Olhei para a saleta ressabiado, temeroso:
— Pastor... o que aconteceu aqui?
— O que aconteceu foi horrível demais. Você não precisa saber disso. Não perguntei mais nada. Talvez fosse a pior hora para saber. Apesar de tudo eu estava inundado por um sentimento desconhecido, uma coisa não experimentada. De Paz. Esqueci do Inferno, dos Rituais, do que ia acontecer comigo a partir dali. Somente aquela convicção:
"Se Deus protegeu esse homem... vai me proteger também." Desci as escadas e tinha certeza de que não queria absolutamente mais nada com o Reino de Lucifér. Eu tinha Paz! E uma Alegria... do nada! Me sentia invadido por uma Alegria muito grande, estranha, envolvente. Que, para mim, vinha do nada! Mas era Dom de Deus!
— Hoje tem Festa nos Céus. E o seu nome está sendo escrito no Livro da Vida.
Eu não entendi nada daquilo mas aceitei o que ele dizia, e me alegrei mais ainda. Devia estar mesmo acontecendo uma Festa, porque a Alegria que eu tinha por dentro era a alegria de uma Festa.
Saí da sala querendo abraçar todo mundo. Abracei Camila, abracei o Pastor Brintti de novo, abracei a secretária da Igreja. Ele pediu que ela me trouxesse um analgésico, tomei os comprimidos antes de sair.
Camila não fez nenhum comentário, ficou calada a maior parte do tempo. Só murmurou, já na rua:
— Agora você está liberto...
Pegamos o ônibus, as pessoas me olhavam com ar estranho. Todo descabelado e cheio de vergões pelo rosto, tentei arrumar a camisa como deu. Fechei uma metade sobre a outra e pus para dentro da calça.
Apesar dos olhares, a sensação que eu tinha era de simpatia para com todos. Queria abraçar o cobrador, o motorista, queria contar o que eu estava sentindo. Tão radiante.... leve.... estava outra pessoa. Fiquei pensando durante todo o caminho:
"Que Poder é esse? Que Poder é esse que Deus tem?! Como é que eu nunca percebi isso antes? Como pude estar tão enganado?"
Camila não arriscou fazer pergunta alguma. Eu decidi ir direto para minha casa e ela foi para a dela. Queria ficar um pouco sozinho. Precisava. Aquilo era algo totalmente novo para mim!
Ninguém havia dito nada sobre aquilo, mas chegando em casa a primeira coisa que fiz foi juntar todas as coisas que eu tinha da Irmandade. Fui até o quarto e, ao pegar cada item, sentia crescer o sentimento de indignação dentro de mim:
"Como pude ter vivido esse erro por tanto tempo? O Pastor teve mais Poder do que nós! Deus criou o diabo, isso é fato! Como pude acreditar que a criatura pudesse ter mais Poder do que o Criador? Que coisa mais absurda! Como acreditei nisso?"
Juntei os livros, os cadernos de anotações pessoais, o diário aonde as coisas mais importantes. Também o cetro de fêmur humano, os potes com ervas aromáticas, os ungüentos, a Bíblia Negra, o colar, o anel, a aliança, os punhais, as adagas... tudo que se referisse à Irmandade e a Magia.
Coloquei dentro de uma caixa de papelão e fiquei olhando um bom tempo, sentado na cama. Os últimos seis anos da minha vida estavam dentro daquela caixa...! Mas eu não sabia como proceder, o que fazer com aquilo. Refleti bastante. Observando aquele amontoado à minha frente procurava descobrir bem lá dentro de mim o significado que tais coisas ainda pudessem ter. Mas parecia que tudo aquilo era... lixo!
Eu me sentia mais e mais convicto à medida que pensava.
"Isso é lixo! Tenho que jogar tudo fora porque não serve para mais nada!"
Muita coisa me passou pela cabeça. Pessoas, cenas, conversas, promessas. Lembrei muito de Marlon.
"Meu Deus... como ele pode estar tão enganado?! O que aconteceu com ele para que chegasse a crer em algo tão fora de propósito? E todos os meus amigos... estão enganados!"
Guardei a caixa e acabei indo deitar. Mas me sentia ainda muito estranho... leve.... em Paz! Aquela Paz era uma coisa muito, muito diferente. Um estado de espírito até então completamente desconhecido.
Deitei e puxei as cobertas até o queixo, suspirei fundo.
"Puxa... o que está acontecendo comigo? Não sei definir isso, me sinto tranqüilo, alegre..."
E adormeci.
Acordei com o toque insistente do telefone. Levantei com o coração aos pulos, tropeçando em tudo. Desci rapidamente. Por que ninguém tinha atendido ao telefone??
— Alô?!?
— O caminho que você escolheu é um caminho sem retorno. Reconheci imediatamente a voz de Zórdico.
— Você já foi longe demais por esse nosso caminho para pensar em mudar de rumo agora! Você está enganado. O que aconteceu ontem tem uma explicação. Nós poderíamos conversar a respeito. — Zórdico falou brandamente mas com extrema firmeza. Não parecia disposto a escutar uma negativa.
— Não. — Respondi. — Zórdico, a experiência que eu tive foi singular. O que aconteceu ontem mudou todo o rumo da minha vida. O encantamento não funcionou, ele estava muito bem. Conseguiu expulsar as Entidades de mim, todos os demônios poderosos que me acompanhavam! É inacreditável! Com palavras, com palavras ele fez isso! Não encostou em mim! Olha, alguma coisa ele tinha naquele olhar que me fez tremer por dentro e por fora, me fez sentir medo. E não só a mim, ele apavorou os demônios também! Por que os demônios teriam medo dele, Zórdico?!? Os demônios existem desde antes da fundação do mundo, então por que teriam medo de um homem, de um gordo?! Não, não... não... aquele homem tem uma fé espantosa. O Feitiço não funcionou... ele falou de uma maneira que expulsou Abraxas, todos os Guias, todas as legiões. Todos se afastaram quando aquele homem pronunciou o... Nome de Jesus! Porque, sim, eu compreendo que o que ele fez, não fez na força dele, mas na Força do Deus Todo-Poderoso!
Zórdico ficou mudo. Eu esperei um pouco e então continuei:
— Eu tenho a convicção de que Jesus de fato é Deus! Ele não é simplesmente como um Buda, um Maomé, um Confúcio ou Gandhi... sabe... Ele é Deus! Nenhum demônio se dobraria diante desses outros nomes. Você sabe disso muito bem. Mas Deus esteve lá, Zórdico. Ninguém que não fosse Deus poderia ter feito aquilo. Usou a vida daquele homem... — Senti a voz embargada pela emoção e custei a reter as lágrimas. — E você acredita... você acredita que esse Deus que criou o Universo... que criou o diabo... Ele olhou pra mim e me aceitou...?! Do jeito que eu sou!
E não pude mais controlar o choro, aquilo me tocou muito forte, a lembrança mexeu comigo. Desandei aos prantos pelo telefone:
— Eu fui tão mau, fiz tanta coisa ruim, prejudiquei tanta gente. Nós matamos tanta gente, há tanto sangue nas nossas mãos!... E mesmo assim Deus olhou pra mim, e eu pude... pude sentir esse Amor. Sabe, um Amor diferente do que o que Abraxas dizia ter, um Amor muito mais profundo do que nosso pai Lucifér dava. E eu senti Paz, senti uma Paz que não pensei que existisse, algo que não posso nem te dizer como é forte. Eu não vi a Deus, mas eu pude sentir! De verdade! Olha... Zórdico... Deus existe e é muito Poderoso! E Ele nos ama!
Ele respondeu secamente:
— Não importa o que você esteja sentindo agora. Você está enganado. É bom que você retorne.
— Não. Eu não preciso de tempo para pensar. Eu não quero. E desliguei.
Foi impossível dormir o restante da noite. Fiquei refletindo, pensando, pensando...
Levantei cedinho na sexta-feira após aquela noite insone. Eram umas seis e meia quando entrei na cozinha. Todos em casa ainda estavam dormindo.
Sempre que um de nós entrava ali pela manhã as maritacas e os outros passarinhos normalmente percebiam e já começavam a piar, fazendo seu pequeno alvoroço à espera de comida. Mas naquela manhã, estranhamente, as gaiolas cobertas estavam completamente mudas. Estava silencioso demais.
Aproximei-me meio desconfiado.
— Ué...será possível que eles não acordaram ainda?
Retirei o pano primeiro da gaiola das maritacas. E senti o baque e a dor aguda ao encontrá-las mortas. Estavam caídas ali, as duas. Tive até medo de descobrir as outras gaiolas. Mas já não havia o que fazer. Na segunda gaiola estavam os dois chupins mortos também. E na terceira, o pássaro preto. Morto.
Corri para ver o que tinha sido feito da minha tartaruga. Ela havia morrido da mesma forma que os demais. Fui para a sala chocado, não sabia o que fazer. A única coisa que me passou foi tentar ligar para o Pastor Brintti. Toquei, toquei, mas ninguém atendeu. Resolvi então ligar para a Igreja. Mas lá também ninguém atendeu.
Desliguei o telefone. Fiquei ali parado decidindo o que fazer. Em questão de minutos o telefone tocou de novo. Atendi meio receoso. Era Zórdico novamente:
— Você vai ter o mesmo fim que eles se persistir no seu erro! Eu já te disse que o caminho é sem volta. Hoje tem Ritual, você sabe. Nós vamos passar aí para te buscar. Esteja aguardando.
E desligou sem esperar resposta.
Procurei não pensar mais à respeito. Tratei de recolher os bichinhos para enterrá-los. Minha família não entendeu nada, que mal súbito teria sido aquele?
Depois de enterrá-los decidi que não ia para o serviço. Nem dei satisfação. Mas foi um dia tenso. Eu sabia que tinha acontecido aquilo por minha causa. O que me revoltou mais ainda. Que culpa eles tinham?! Meus amigos falavam tanto que Deus era injusto, mas eles estavam sendo injustos também! O que minha maritaca tinha feito contra eles?!
Mas eu sabia que estavam usando o Rito de anel de fogo contra mim. Iam atacar tudo à minha volta até que eu cedesse. Se não fosse por bem, ia ser por mal.
Mas eu não estava disposto a ceder!
"Não vou me deixar abater. Se o Brintti está bem... eu também vou ficar bem."
Tentei falar com ele o dia todo, em vão. Queria uma orientação qualquer, que ele me dissesse o que eu tinha que fazer. Qual o caminho a trilhar a partir daquela manhã?
Passei o dia todo em casa, entocado e meio acuado. Queria ficar só. Camila ainda ligou durante a tarde pedindo que eu fosse até a casa dela. Mas não quis sair. E à medida que veio o cair da noite, chegou também a angústia. E o temor. Zórdico tinha dito que eles viriam buscar-me. O que eu deveria fazer?!
Procurei simplesmente confiar... confiar que havia um Poder maior comigo. E que nada iria acontecer. Mas ainda assim não me isentei de fazer alguma coisa.
"Preciso estar num lugar seguro..."
Então decidi sair dali. Não era conveniente ficar esperando em casa. Estava tenso e decidi gastar energia de alguma forma. Precisava de uma válvula de escape qualquer. Então peguei minha bicicleta e pedalei até o Parque do Ibirapuera, até o Batalhão do Exército.
E estacionei a bicicleta em frente à guarita do guarda noturno.
Sentei ali com o coração apertado, fiquei pensando que ninguém tinha tido tempo de me ensinar as palavras mágicas para que eu pudesse invocar Deus. Eu sentia muita falta... de poder falar com Deus! Queria que Ele falasse comigo como os demônios falavam. Mas eu não sabia qual era o encantamento que deveria usar! Ninguém tinha me ensinado o Rito.
"Acho que o Brintti esqueceu. No meio daquela confusão toda ele esqueceu de me dizer quais são os encantamentos usados. Como é que eu invoco a Deus...? Como é que Ele fala comigo?!"
Eu não sabia. Não tinha idéia do que fazer a não ser esperar. Devia ser umas dez e meia, onze horas da noite. Mas o guarda não me deixou ficar. Nem bem desci da bicicleta e ele já foi saindo da guarita e dizendo que naquela área eu não podia parar. Não queria arrumar confusão. Perguntei humildemente:
— Bom... do outro lado da rua eu posso ficar?
— Do outro lado da rua pode.
— E se eu ficar do outro lado você consegue me ver?
Ele olhou para mim com aquela cara de quem diz: "Mas que pergunta estúpida!"
Então concordei, atravessei empurrando a bicicleta.
— Vou ficar lá do outro lado.
Acenei para o guarda para ter certeza de que ele estava me vendo. Ele não se moveu, apenas continuou olhando para mim com a cara dura e sem nenhuma compaixão. Acenei de novo. E de novo. E mais uma vez. Até que uma hora ele fez um gesto com a mão, meio enfadado.
— Ahhh! Ótimo!
Ficar ali me faria sentir um pouco mais protegido. Então me acomodei no chão, deitei na grama e fiquei ali olhando para o céu. Estava uma noite clara e quente, o céu deixava ver algumas estrelas. Fiquei divagando a noite toda:
"Pôxa vida.... Deus fez tudo isso.... Deus fez as estrelas. Deus fez essa grama! Deus fez o diabo. O diabo não sabe fazer grama, não sabe fazer estrela." — Funguei um pouco. — "O diabo só sabe fazer o mal....matou as minhas maritacas!"
Estava chateado.
"Será que eles vão fazer alguma coisa contra a minha família? Será que eu vou chegar e vai estar todo mundo... morto?!"
Queria tanto falar com Deus! Eu não sabia como! E fiquei a noite toda mudo. Hoje sei que Deus enviou os Seus Anjos, eu não vi, mas eles estavam lá. Havia um exército ali para me proteger. Não seria aquele pobre-coitado daquele guarda que poderia defender-me da Irmandade e dos demônios. A noite passou e não fui incomodado por viva alma.
Vi o dia amanhecendo e de novo me veio aquela sensação que já tinha experimentado na Festa da Primavera. De que a chegada da Luz faz as Trevas se dissiparem. Me senti um pouco melhor. Fortalecido por aquela luz do sol. Acho que nunca dei tanto valor para um amanhecer como naquele dia. Parecia que enquanto houvesse luz sobre a minha cabeça eles não poderiam me fazer mal.
Porém voltei para casa angustiado, desesperado, chorando. Sem saber o que eu ia encontrar. Estariam todos mortos do mesmo jeito que os bichinhos?
Entrei aos trancos e barrancos. Eles estavam já de pé apesar de ser um sábado. E estava tudo bem, graças a Deus! Acho que estranharam muito o meu comportamento. Eu sempre tinha sido tão distante, tão esquivo, tão rebelde.... mas naquela manhã abracei todos eles. Disse o quanto eram importantes para mim. E passei a dar um valor diferente para minha família. Naquela altura eles poderiam estar mortos. E eu estaria sozinho.
O sábado foi passando. Fui até a Igreja à procura do Pastor Brintti. Ou de qualquer outro que pudesse me dizer alguma coisa, que me ensinasse o procedimento para invocar Deus, acessar a dimensão Dele, falar com Ele. Era muito, muito importante. Deus não poderia saber o que estava acontecendo se eu não falasse com Ele. Pelo menos, era assim que eu pensava.
Quando cheguei eles estavam lá, os Pastores e Levitas (responsáveis pelo Louvor). Mas estavam ocupados numa reunião decidindo quais as músicas a serem cantadas no dia seguinte. Só o Pastor Brintti não estava. E ninguém quis me atender.
Fiquei meio descorçoado. Que fazer?! Numa última tentativa pedi à secretária:
— Você tem uma Bíblia aí? Me empresta uma Bíblia?
Eu já não tinha nenhuma. Todas as Bíblias que havia ganho da família de Camila foram jogadas fora.
Ela me arrumou uma e eu me sentei um pouco, procurei tomar fôlego. Pus a Bíblia no colo, abri em qualquer parte. Quem sabe eu encontrava alguma direção que pudesse me ajudar?
Mas não encontrei. Caí num tal de Livro de "Lamentações" e o que li não me confortou em nada.
— Ai, meu Deus!
Fechei a Bíblia. Abri de novo. Que angústia. Nada parecia me confortar. Deus precisava saber o que estava acontecendo e eu não encontrava nada útil. Abri ainda uma terceira vez. E li atropelando as palavras, havia ali um trecho que falava que eu deveria entrar no meu quarto e orar, e meu Pai que via em secreto.....
— AH! — Suspirei profundamente de alívio. Tinha encontrado direção.
— Já sei! O local sagrado é o meu quarto!.... — Devolvi a Bíblia o mais rápido possível e saí da Igreja. — Não vou ficar esperando eles, não... nem tem horário para acabar a reunião! E é só lá no quarto que eu posso falar com Deus. Vou voltar pra casa e falar com Deus sozinho.
Cheguei em casa praticamente correndo de tanta ansiedade. Meu irmão Roberto estava confortavelmente espalhado no quarto que nós dividíamos. Mas eu não quis nem saber. Simplesmente expulsei-o de lá.
— Roberto, dá licença que eu preciso usar o quarto!
— Tudo bem, usa. Pode usar!
— Você não entendeu, eu preciso usar o quarto sozinho!
— Mas o quarto também é meu, você pode perfeitamente usar sem que...
Nem esperei que ele concluísse.
— Roberto, saia imediatamente!
— Mas eu estou deitado, pôxa, que que é isso?
Catei o colarinho dele e me controlei o suficiente para literalmente não arremessá-lo fora. E tranquei a porta à chave. Ameacei, para ter certeza do meu sossego:
— Se você bater nessa porta eu vou te esmurrar a cara!!!
Ele sabia que não podia me enfrentar. Calou o bico e foi arrumar outra coisa para fazer.
Quanto a mim, sentei na beirada da cama e me preparei para o grande desafio. O que eu nunca tinha feito na vida. Ia tentar falar com Deus. E fiz. Fiquei falando sozinho muito tempo, mas primeiro sinalizei bem para Deus quem é que falava:
— Deus... quem está falando é o Eduardo! Aquele que o Brintti expulsou os demônios, lembra?
Na minha cabeça aquilo era fundamental. Há tantos "Eduardos" no mundo... como Deus poderia saber de qual deles se tratava? Eu queria ter certeza de que Deus sabia que eu era eu.
— Então, Deus, sou eu que estou falando, o Eduardo que mora na rua tal, número tal. O Eduardo Daniel Mastral, que mora no Brasil, o filho da dona Odete e do seu Otávio.
Depois daquela apresentação fiquei simplesmente falando e falando, abrindo o meu coração. Será que depois que eu falasse Deus me responderia??? Que nem Abraxas? Bom, Abraxas nem sempre respondia, só quando ele estava a fim. Mas será que Deus ia me falar alguma coisa? Será que eu estava fazendo certo? Será que não tinha que esperar algum horário específico mais propício para falar com Ele?
Depois que falei bastante, acabei me lembrando que os Cristãos costumavam terminar as suas orações com uma frase peculiar: "Em nome de Jesus, amém!"
Imaginei que aquilo deveria ser algo como um "Tchau", uma maneira de desfazer o contato. Uma despedida! Então concluí:
— Não deixa aqueles demônios me pegarem, e nem fazerem mal para a minha família... por favor... me protege assim como você está protegendo o Brintti. Tá? Em nome de Jesus, amém! — Aí me lembrei: — Não, não! Não é amém ainda! Olha, eu lembrei de mais uma coisa, não estou despedindo ainda! Queria pedir uma coisa...
Eu tinha escutado aquela história algumas vezes, lembrei daquela passagem bíblica aonde Jesus ressuscitava Lázaro.
— Ressuscita os meus passarinhos, e as maritacas, a tartaruga... os bichinhos todos? Você ressuscitou o teu amigo... ressuscita os meus bichinhos?
Eu falava com Deus na linguagem normal, do mesmo jeito que estava acostumado a falar com os demônios. Não achei que aquilo pudesse ser de alguma forma desrespeitosa. Ninguém tinha me ensinado nada. Imaginei que talvez fosse daquele jeito mesmo. Nunca tinha ouvido contar que os Cristãos precisassem falar em aramaico ou coisa que o valha.
Depois que terminei a oração estava mais animado:
— Bom.... eu pedi pra Deus ressuscitar os animaizinhos. Agora vou até o terreno baldio aonde eles estão enterrados. Vai que eles não conseguem sair sozinhos da terra!
Na minha imaginação eu acreditei que realmente aquilo pudesse acontecer. E que as minhas aves e a tartaruga estariam naquele momento tentando sair do lugar aonde eu os tinha enterrado. Coitadinhos!
Corri até lá, desenterrei... mas continuavam mortos ainda.
"Ihh...acho que Deus não me ouviu... não sabe quem é o Eduardo."
No dia seguinte, domingo, fui ao Culto. Fiz questão de ir.
O Louvor, que foi novamente dirigido pelo grupo do Gustavo Kalil, não incomodou. Que tremendo!! O mesmo que tinha me derrubado por duas vezes agora era agradável de ouvir. Pude entrar confortavelmente na Igreja e escutar todas as músicas. E pela primeira vez fui capaz de prestar atenção. Aquilo caiu no meu coração de uma forma diferente, tocante. Eu conhecia a música, simpatizava com ela, mas nunca tinha conseguido prestar atenção daquele jeito. Entender de fato o significado mais profundo daquilo.
"— Não tenha sobre ti um só cuidado, qualquer que seja. Pois um, somente um, seria muito para ti. É Meu, somente Meu, todo o trabalho. E o teu trabalho é descansar em Mim! Não temas quando enfim tiveres que tomar decisão. Entrega tudo a Mim, confia de todo o coração!"
A letra me tocou profundamente. Chorei, chorei, chorei. Como um bebê desmamado. Não conseguia me controlar. E aquilo me confortou!
Depois a pregação foi sobre o Salmo 91. Eu só faltava deglutir as palavras. Deus prometia que "mil cairiam ao meu lado e dez mil à minha direita, mas eu não seria atingido". Fiquei feliz da vida. Queria dizer que o diabo não poderia me pegar se Deus determinasse o contrário!
No final do Culto fui procurar saber do Pastor Brintti. Eu o havia procurado com os olhos incessantemente, mas nada dele. Perguntei ao Gustavo:
— E o Pastor Brintti?
— Ele teve um probleminha e não pôde estar hoje com a gente.
— Mas está tudo bem? — Está, sim.
— Mas ele tá bem mesmo? — Está, está bem.
— Ãh...ele está vivo? É o que eu quero dizer!
A pergunta parecia estranha. Ele me olhou com um ar meio sem entender e sorriu:
— Claro que ele está vivo! Que pergunta!
Fiquei satisfeito. Que bom que ele estava bem. Agora eu tinha por ele um carinho todo especial. E se ele vivesse, eu também conseguiria. Perguntei de novo. Em ordem de importância, aquela era a segunda questão:
— Gustavo... quais são as palavras? Qual é o Ritual, quer dizer, como que eu acesso a Deus? Eu já sei que eu tenho que estar no meu quarto, que é lá que Deus vai me ouvir, mas... como eu devo fazer?
Ele deu risada. Me abraçou meio desajeitado e respondeu:
— Você é muito amado, Eduardo! Mas que história é essa de ter que estar dentro do teu quarto?
Retruquei um pouco:
— Mas a Bíblia fala que eu preciso fechar a porta e meu Pai que vê em secreto vai me ouvir.
— Não! Não é assim! Você pode falar com Deus em qualquer lugar! Pode falar agora, se quiser.
Aquilo parecia estranho, tão diferente de tudo a que eu estava acostumado.
— Posso falar agora?
— É claro! Deus te ouve em qualquer lugar.
— Em qualquer lugar... mesmo? E a qualquer hora?
— Sim, dentro do ônibus, dentro do elevador. Ele está em todos os lugares.
— AH!... Mas quais são as palavras mágicas para chamá-Lo?
— Não tem isso... olha, Deus te escuta, Ele é teu amigo. Não precisa de nenhuma palavra mágica! Por acaso você precisa de alguma palavra especial para falar com o seu pai, na sua casa?
A luz parece que começou a brilhar: — Não.
— Pois então, com Deus também é assim. Você é filho Dele, fala com Ele a hora que quiser, no lugar que quiser. E Ele escuta!
Eu achei aquilo muito legal!!!
— Então vamos falar com Deus agora! Gustavo, você pede pra Ele me proteger?
Ele não entendeu direito mas concordou em orar. Abaixamos a cabeça e ele começou:
— Pai... protege o teu filho...
Eu o interrompi de pronto.
— Mas peraí! Peraí, Gustavo, assim Deus não vai saber quem eu sou. Fala que é o Eduardo que mora na rua tal, número tal...
Ele riu de novo, com gosto:
— Nããão!!! Não precisa falar isso! Deus sabe! Ele sabe quem você é! Não precisa dar o endereço. Ele sabe de todas as coisas.
— Mas Ele sabe quem eu sou?! — Aquilo era incompreensível para mim e eu estava muito ansioso por me fazer entender. — Você não falou o meu nome!
— Mas Ele está aqui, Ele está vendo nós dois; sabe quem você é, e quem eu sou.
— Como que Ele pode estar aqui? Eu não estou sentindo a presença Dele à minha volta. Não estou sentindo nada, nenhum arrepio, nenhum cheiro, não estou vendo nada e nem ouvindo! Como é que você sabe que Ele está mesmo aqui?
— Deus não precisa de nenhum efeito pirotécnico que denuncie a Sua presença. Ele prometeu que quando dois ou mais estivessem reunidos em nome Dele, lá Ele estaria... então, cá Ele está! Vamos continuar a nossa oração!
Gustavo começou a orar de novo. Eu prestei muita atenção em cada palavra que ele pronunciava. Mas eu não conseguia ficar quieto, o interrompia a toda hora, quase que ele nem conseguia completar meia dúzia de frases.
— Ora também pela minha mãe, pela minha família. Pede pra Deus proteger a minha família.
Ele orava:
— Senhor, proteja também a mãe do Eduardo...
— Ah, olha, pede pra Ele proteger os meus amigos que ficaram lá! Eles estão enganados. E que o Zórdico não fique bravo comigo. Fala pra Deus não deixar o Zórdico ficar bravo comigo.
— Zórdico?!. Isso é nome de gente?
Nem respondi. Queria me fazer entender a qualquer custo, e depressa. Tinha um senso de urgência muito grande no meu coração. Tentei orar também, atropelava as palavras e as idéias. Uma parte da frase era para Gustavo, a outra' parte para Deus.
— E o Marlon, Deus? Não deixa ele ficar bravo, chateado... sabe, eu gosto muito dele! E a Tassa também, a minha alma-gêmea, pede pra Deus proteger ela, Gustavo!
— Tassa? Alma-gêmea? Ué?! Mas você não namora com a Camila???
— É. Namoro. Mas acontece que a Camila não é alma-gêmea. A alma-gêmea é a Tassa! E ela ficou lá! — Reconheço que eu não estava falando coisa com coisa.
Ele não entendia nada. Mas minha mente rodopiava tanto e minha ansiedade em dizer como ele devia orar também era tanta que os pensamentos vinham em borbotões completamente fora de contexto. Simplesmente vinham à minha mente e eu os colocava para fora.
Mas por fim Gustavo pediu:
— Então está bem. Deixa eu orar, mas fica quieto para que eu possa me concentrar e você também, tá?
— Tá.
Me acomodei ao lado dele e apertei os olhos. Ele orou. Orou de uma forma genérica, pediu que Deus estivesse protegendo a mim, minha família, meus amigos... mas eu achei que ele não tinha orado direito! Será que Deus ia saber direitinho quem eram todas aquelas pessoas?
— Em nome de Jesus, amém! — Falou o Gustavo.
— Amém! Por que você fala assim?
Ele me explicou sucintamente o que significavam aquelas palavras. Depois me explicou porque Jesus era o único caminho de acesso ao Pai. Compreendi que a "Palavra Mágica" era "Jesus". O sangue Dele tinha aberto o caminho para a dimensão de Deus. Fiquei maravilhado embora não compreendesse completamente. Mas minhas dúvidas naquele momento foram satisfeitas. Quando tivesse outras, já sabia a quem procurar.
Olhei para a Bíblia que Gustavo tinha nas mãos. Era grandona, pesada.... bonita! Comecei a dar umas indiretas.
— Legal essa sua Bíblia aí! Eu tinha um monte de Bíblias, mas queimei tudo.
Ele me olhou com um ar esquisito e me apressei a explicar:
— Mas eu queimei quando não era convertido, e agora eu me converti... sabe, Gustavo, é que eu era filho do Fogo!
Ele não entendeu nada mas também não fez perguntas. Continuei:
— É, eu era filho do Fogo, mas agora me converti, mas estou com medo! Porque eles podem me matar.
Acho que Gustavo pensou que eu era meio louco. Reconheço que não falei nada com nada. Tudo tinha sido tão recente, eu estava com a cabeça a prêmio e completamente sem chão.
Mas consegui o que queria, ele me ofereceu a sua bela Bíblia e eu fui todo lampeiro para casa com ela. Voltei carregando aquele livrão debaixo do braço. E depois não desgrudava mais dele.
O problema é que eu lia e não entendia nada. Gustavo ainda me aconselhou:
— Você precisa freqüentar uma Escola Dominical.
Aquilo imediatamente me fez lembrado daquela aula onde me tinham dito que a cabeça de Moisés brilhava como uma lâmpada. Eu não estava muito a fim de ir. Tinha que haver uma outra maneira mais esperta de aprender a Bíblia. Mas concordei com ele da boca para fora.
Na segunda-feira fui para a Style normalmente. Estava me sentindo um pouco melhor depois das incríveis mudanças ocorridas nos últimos quatro dias. A Gerente reclamou um pouco comigo porque faltei sem dar um pingo de satisfação.
— Eu não passei bem, não estava legal! — Expliquei. E já me imaginei arrumando um atestado médico falso.
Mas não foi preciso. Mesmo porque meus dias na Style estavam contados. Naquela mesma tarde ligaram da casa de Camila me informando que ela não estava passando bem.
— Ué, mas o que aconteceu?
— Ela está com uma dor terrível nas costas, está chorando já faz tempo e vamos ao Pronto-Socorro.
— Mas ontem ela estava bem!
— Para ser sincera, desde sexta que ela está com uma dorzinha leve. Não demos maior importância, mas hoje aumentou muito de repente.
Raciocinei rápido. Não queria nem pensar naquilo. Sexta-feira também tinha sido o dia em que encontrei os meus animais mortos, o dia em que eles tinham dito que viriam me buscar para o Ritual. O dia em que virei a madrugada na rua em frente ao Batalhão do Exército. Teria talvez alguma relação.....?!
Saí da Style e fui até a casa de Camila. Um tio dela nos deu carona e corremos até o Hospital das Clínicas. Calhei de encontrar lá um amigo meu, aluno de Kung Fu, que também era estudante de Medicina. Ele nos ajudou um pouco, agilizou os exames. Eu estava um tanto ou quanto apreensivo; fazia o possível para não pensar que ela pudesse estar colhendo as conseqüências decorrentes do fato de ter insistido tanto no encontro com o Pastor Brintti.
E logo veio o diagnóstico. Ela tinha um cálculo renal de diâmetro considerável. O processo de obstrução estava bastante crítico, o médico explicou-nos que o caso era delicado e seria necessária a cirurgia o quanto antes. Parecia que já estava "voltando urina para o sangue". Camila tinha febre e havia possibilidade de complicar o quadro com uma bacteremia e infecção generalizada.
Mas o problema é que a cirurgia era agressiva, seria necessária uma toracotomia e retirada de parte da última costela para acessar o rim. E o pior: não dispunham de vagas na Enfermaria. De modo que, após a operação, Camila teria que ficar esperando no corredor do Pronto-Socorro até que aparecesse um quarto. O risco de uma infecção hospitalar nessas condições também era grande.
Fiquei em ponto de bala. Que fazer??? Fui atrás dos médicos.
— Não tem mesmo nenhuma outra solução além da cirurgia? — Perguntei.
— Poderia ser feita a litotripsia extra-corpórea. E um método mais sofisticado através do qual a pedra é implodida por meio de ondas de choque. É rápido e seguro. Mas nós não temos ainda este aparelho aqui. Somente alguns Hospitais têm o Litostar.
Diante daquilo vacilei. Camila ficou apavorada com a idéia de cirurgia. Mas o preço da Litotripsia era bastante salgado. Ninguém tinha aquele dinheiro todo. Resolvi conversar na Style no dia seguinte, ver se havia alguma possibilidade de conseguir o dinheiro.
A assistente social foi bastante solícita e disse que talvez houvesse como Camila ser atendida pelo meu convênio. Um dos Hospitais a que eu tinha direito possuía o Litostar. Então fiz um rolo. Eu tinha poder para isso e não foi difícil. A assistente social concordou:
— A Empresa financia a cirurgia e quando chegar a fatura você paga, tudo bem assim? A Style manda uma carta para o convênio e ele autoriza a moça a fazer o procedimento. Será uma autorização especial, é claro! A fatura virá em nome da Style, mas você paga.
Camila faria a litotripsia, então fiquei mais tranqüilo. Mas isso não mudava o fato de que íamos ter que pagar. Conversei com a família dela e dois dos seus tios, comovidos com a gravidade do quadro, prometeram ajudar-me. Um deles iria vender o carro, o outro colaboraria com uma quantia em dinheiro. Todo mundo se acertou e em dois dias Camila fez a litotripsia.
Foi simples e bastante rápido. E o problema ficou resolvido. Pelo menos para ela. Mas para mim estava só começando. O primeiro percalço foi que a fatura chegou em tempo record na Style. Quatro dias depois que Camila foi operada já estava lá. E eu tinha apenas cinco dias para efetuar o pagamento.
Mas os tios dela me deixaram na mão. O primeiro falou sem o menor pudor:
— Sabe, eu pensei melhor... e não vou vender o carro, não! O outro também deu pra trás.
— Não tenho condições de ajudar. Refiz melhor as contas e está fora de cogitação.
E assim todos tiraram o corpo fora, me deixaram sozinho para arcar com aquela dívida enorme. Era óbvio que eu não tinha dinheiro pra tanto. Ia além do meu salário, e eu também estava cheio de contas das despesas prévias com os cartões de crédito e cheques pré-datados. Era a velha história de gastar muito mais do que tinha por causa do vínculo com a Irmandade.
Que fazer, que fazer, que fazer, meu Deus? O negócio estava feio. Não tinha a quem recorrer. Estava sozinho.
Voltei a conversar com a assistente social:
— Não dá pra parcelar no meu salário esse débito? Eu pago em cinco ou seis vezes, vocês descontam uma parcela por mês.
Ela ficou de avaliar. Levou a proposta para a Diretoria, de quem deveria vir o aval. Isso queria dizer que aquele Diretor ficaria ciente de tudo. Estava com a pulga atrás da orelha mas não perdi as esperanças de conseguir o parcelamento.
Entretanto....
No dia seguinte fui chamado direto ao departamento pessoal.
— Realmente sua proposta não foi aceita. A única maneira de você quitar o débito com a Style é essa: vamos demiti-lo e usar o dinheiro da sua rescisão contratual para pagar as despesas.
Senti o chão se abrindo debaixo dos meus pés. A última coisa que eu esperava era um revertério daqueles.
E fui mesmo demitido, por justa causa, não recebi um tostão. Até o meu fundo de garantia ficou retido. Saí com uns trocados no bolso.
A partir daí minha vida financeira começou a estourar de todos os lados. As dívidas foram vencendo e eu não tinha com quê saldá-las. Comecei a procurar um outro emprego incansavelmente mas não parecia haver porta aberta em lugar algum.
Começaram as cobranças, o telefone tocava sem parar. Raro era o dia em que não recebia um aviso por telefone, carta ou telegrama. Não havia o que penhorar, eu não tinha bens em meu nome. Foi a sorte! Mas até para agiotas pedi dinheiro emprestado mais de uma vez naquela época. Paguei depois com cheques sem fundo. Um dos agiotas me ameaçou de morte por causa disso. Já nem liguei! Minha situação ficou tão preta que uma dívida a mais, uma a menos... dava no mesmo.
A verdade é que ao longo dos meses acabei recebendo mais de vinte protestos. Meu nome foi protestado em todos os cartórios de São Paulo.
Em desespero, comecei a vender tudo o que eu tinha a preço de banana para tentar me equilibrar um pouco. Meus ternos, meus kimonos, meus nunchakus, meus troféus e medalhas, tudo o que pudesse transformar em dinheiro... eu vendi. Mas era só um paliativo...! Pensei também em vender os objetos de ouro da Irmandade. Eram coisas valiosas, sem sombra de dúvida. Ainda estavam guardados dentro da caixa de papelão em cima do armário.
Mas meu coração não se sentiu tranqüilo!
"Não posso vender essas coisas. E nem ficar com elas. Na verdade, ninguém deve ficar com isso!"
Marretei todos os objetos até deformá-los, juntei com o resto do material e incendiei tudo no quintal. Acho que foi mesmo uma direção vinda do próprio Deus. Com o que sobrou dos objetos de ouro eu fiz um trouxa grande, amarrei algumas pedras e lancei no rio.
De cima da ponte, olhando a água correndo lá embaixo, repeti com todo o ardor do mundo o chavão evangélico que tinha aprendido. Parecia bom pronunciar aquelas palavras naquele instante:
— Que o sangue de Jesus cubra todo o pecado que vem por meio desses objetos. Em nome de Jesus, amém! — E joguei.
Apesar da confusão em que tinha se transformado a minha vida, fiquei firme e me apeguei o quanto pude à Igreja. Passei a freqüentar assiduamente os Cultos. Comecei a gostar, a aprender, a estudar.
Um mês depois da minha demissão Thalya me procurou. Desde o meu encontro com o Brintti não via ninguém e nem falava com nenhum dos meus amigos. Excetuando os telefonemas de Zórdico, é claro. Eu me lembrava sempre muito de Marlon. Sentia uma falta especial dele. Mas sabia que não poderia procurá-lo.
E aí Thalya veio e me exortou um pouco, do jeito dela:
— Eduardo, o que é que está havendo com você? Você tinha tudo! O que que Deus está te dando agora?!
Nem eu sei de onde tirava tanta convicção nas minhas palavras:
— Thalya... eu tenho uma coisa que nunca tive antes. Eu não tenho mais o dinheiro, o emprego, não tenho mais o Poder. Eu não consigo mais apagar velas, e nem acender, sabia? Quando queimei as coisas da Irmandade eu não tinha fósforos à mão, e foi um ato reflexo, fiz os gestos sem pensar... mas não funcionou. A vela não acendeu. Não consigo mais!
Aquilo era motivo de alegria para mim e despeito para ela:
— Mas que coisa mais maravilhosa que você está me dizendo! Você enlouqueceu, sem sombra de dúvida!
— Eu não tenho mais isso, mas tenho uma coisa que dinheiro não compra. Eu tenho Paz no coração.
Ela definitivamente não compreendia.
— Paz? Como você pode dizer que tem Paz com tudo explodindo à sua volta?!! Você perdeu tudo! Está na lama, sem o seu emprego, todo mundo te cobrando por todos os lados, seu nome está sujo! De quebra não tem um tostão. Você está tendo que vender até a sua própria roupa para ver se tapa os buracos, para arrumar uns trocados para as mínimas coisas. Seus animais morreram... sua namorada quase morreu também!......E quer me convencer de que está em Paz?!
Ora! Veja se tenho cara de boba!
Fiquei meio quieto mas não foi porque ela tivesse me convencido com sua argumentação. Lembrei que seria muito mais fácil enfrentar tudo se pelo menos alguém ficasse do meu lado. Mas minha família já me cobrava dia e noite o pagamento das contas, e Camila estava bastante irritada com a falta de emprego. Como ela poderia manter o seu padrão de vida e os seus gastos sem o dinheiro que eu lhe dava todos os meses?
— O que que tá havendo com você, Edu?... — Thalya parecia inconformada.
— Olha, você precisa conhecer o Brintti. Precisa conhecer! Você viu o encantamento que nós fizemos contra a vida dele, e ele está inteiro. Deus é maior, Thalya! Estou convencido disso. Tá vendo esse céu que está sobre a sua cabeça, tá vendo o Sol? Deus fez! O diabo não pode fazer nem céu, nem Sol, nem grama, nem árvore. Nem nada! Deus fez o diabo também, então como é que Lucifér pretende ser maior do que Deus?! É uma grande enganação, Thalya, o Apocalipse vai acontecer, sim... mas quem vai ganhar não são os filhos do Fogo! Isso é um erro. Esta história de filho do Fogo, o Fogo não queima... é mentira. Deus pode fazer queimar o Inferno inteiro. Eu saí de lá, não saí? E estou vivo!
Ela me olhou com ar de pena.
— Mas por quanto tempo, não? Você não percebe que eles vão acabar com você? Eu gosto muito de você, Edu, não quero que sua vida termine dessa maneira!
— Não. Deus vai me proteger, Deus é maior. Sabe, tem um Salmo... Salmo 91! — Eu tinha decorado apenas aquele trechinho. — Que fala que "mil cairão ao meu lado, dez mil à minha direita, e eu não serei atingido". Isso é Palavra de Deus! Deus escreveu, então Ele vai cumprir. Ele promete, Ele cumpre. E eu não vou ser atingido! Porque Deus me escolheu.
E continuei lembrando do Salmo 40, uma outra coisa que estava recentemente martelando a minha cabeça:
— Lá diz que Deus me tirou de um charco de lama. Era assim mesmo que eu me sentia e não sabia! Eu estava no meio de um mar de lama e não sabia. E se eu estava no lugar errado e já havia tanta paz e tanta harmonia... agora que eu estou no lugar certo vai ser muito melhor. Se a coisa errada já era tão boa, imagina como não serão os filhos de Deus? Agora eu estou na verdadeira família! Se os filhos do diabo são tão unidos... os filhos de Deus devem ser muito mais! Você não sabe, Thalya, ensinaram tudo errado para nós. Venha comigo, eu vou marcar um encontro com o Brintti, tá bem? Você precisa vir comigo!
Ela se irritou:
— Eu não quero saber de Brintti coisa nenhuma!!! Ele vai ter o fim dele e você vai ter o seu se não mudar de idéia rapidinho! Você tá louco! Que você cure essa sua insanidade o quanto antes, porque senão você vai sofrer as conseqüências. Bom, quer saber do que mais? Você sabe onde me encontrar.
Virou a costas e me largou falando sozinho, foi embora louca da vida.
— Puxa vida... minha amiga me deu as costas. Marlon não me liga mais. Zórdico só se comunicou para me ameaçar... meus animais morreram, estou tendo que vender a minha roupa, perdi o meu emprego... — E racionalmente eu não conseguia entender porque tinha Paz.
Fui de novo para o meu quarto falar com Deus. Chamei a Deus, falei, fui muito sincero com Ele.
— Deus... se eu estou enganado... então Você me mostra! Mas eu preciso de uma prova de que Você existe. Eu já ouvi falar no Teu Nome...já li alguma coisa da Bíblia. Eu entendo agora que o que aprendi do outro lado foi completamente distorcido. A Sua Verdade tem que ser perfeita — e Absoluta! — porque afinal, o Deus que fez o Universo cheio de Leis que funcionam tão perfeitamente...não ia escrever um Livro confuso! A nossa interpretação disso é que estava errada. Então me dá uma prova. Me mostra. Me mostra que Você tá me ouvindo! Porque eu falava com Abraxas e ele aparecia pra mim, me respondia, conversava comigo. Me dá certeza que... — E minha voz já estava molhada. — Me dá certeza de que Você existe!
Fiquei esperando um pouco. E nada. Aí insisti de novo:
— Deus! Se Você não existe por que Você me tirou de lá então?!! Que que aconteceu? Eu estou sentindo Paz mas é estranho, né? — Senti uma ou duas lágrimas escaparem. — O meu mundo está ruindo...! E eu estou só...
Então abri a Bíblia e caí no Sermão da Montanha, li que "Bem aventurados são os que choram porque serão consolados". E mais um monte de coisas. Depois de ler, falei de novo com Deus:
— Vem me trazer esse consolo... esse conforto. — E aí já chorava de verdade. — Mostra pra mim que você tá aqui, Deus...?!
Eu queria tanto ver a Deus... era uma necessidade tão premente... tão intensa... tão absolutamente necessária! Sentir, pelo menos, que Ele estava me ouvindo. Fechei os olhos e subitamente me pareceu como que se alguém tivesse acendido a luz do quarto. Antes a escuridão era quase completa, apenas a luz que entrava pela porta entreaberta iluminava levemente o ambiente. Mas a luz do quarto estava apagada, disso eu tinha certeza. E agora parecia que tinham acendido...
Mas não foi somente a luz. Ainda antes de abrir os olhos senti o clima diferente, experimentei aquilo, uma sensação doce de serenidade e Paz me inundou. Uma Paz muito diferente daquela paz experimental conseguida através da penetração no Vazio. Inspirei fundo devagar.
"Houve luz...."
E quando abri os olhos vi um homem ali na minha frente. Alto, muito alto. Forte. Com braceletes de ouro. Com cabelo comprido, escuro. Da mesma estatura de Abraxas. Mas envolto em uma luz forte, brilhante...
Ele olhava para mim com muita ternura, muita tranqüilidade. Tão diferente do olhar dos demônios, frio e profundo. Era difícil olhar muito para ele por causa daquela luz tão forte. Mesmo assim continuei olhando, olhando, olhando aqueles olhos tão cheios de docilidade.
E enfim perguntei, trêmulo:
— Você é Deus?
Ele sorriu e respondeu:
— A forma de Deus se manifestar é diferente do que você aprendeu até hoje. Eu não sou Deus... mas Ele me enviou para te proteger. Não temas... Ele está contigo! Nenhum mal vai te tocar. Nem você... e nem à sua família!
Eu já não conseguia fixar o olhar nele, estava ofuscado. Cobri um pouco os olhos com a mão e abaixei instintivamente a cabeça para me recuperar. Mas quando ergui a vista não havia mais nada ali. Ele se fora. E a luz do teto continuava apagada. Eu estava na penumbra novamente.
Fiquei muito emocionado, chorei bastante. Eu estava até me estranhando, nunca fui de chorar daquele jeito. Mas desde a minha conversão parecia haver uma fonte aberta dentro de mim; as mínimas coisas me tocavam profundamente, me comoviam. Parecia que meus sentimentos tinham "desembotado" e eu colocava para fora todas as nuances da minha alma e espírito. A ira, a agressividade, o ódio... tinham desaparecido!
Passei dias pensando naquela aparição. Se eu tinha mesmo visto ou não. Ou se tinha só imaginado.
Tentei raciocinar:
"Nunca vi nenhuma foto de Anjo. Os Anjos, na minha cabeça, sempre foram pequeninos, gordinhos, de asinhas e com aquelas flechinhas na mão. Nunca me passou pela cabeça que um Anjo pudesse ser tão grande e tão forte. Era do tamanho de Abraxas! Os demônios mentiram quando nos disseram que apenas os fortes tinham saído do Céu. Tem Anjos muito fortes lá também! Não pode ter sido minha imaginação porque eu não tinha arquivada na minha mente uma figura dessas!"
Queria contar para todo mundo que Deus tinha falado comigo. Que tinha me mandado um recado através de um Anjo. Falei para o Gustavo, para os Pastores. Mas ninguém me deu crédito nenhum. Estava escrito nos olhos deles. Aí aquilo me derrubou um pouco. Eles eram Pastores e líderes, mas nunca tinham visto Anjos... então talvez eu não tivesse visto nada também! Ninguém entendia aquilo. Ninguém acreditava naquilo. Deveria ter sido projeção da minha mente.
Camila também não me deu bola. E minha mãe idem, pensou que eu estava usando drogas de novo. Então parei de comentar.
Mas um dia eu abri a Bíblia e dei de cara com as mesmas palavras. Deus dizia: "Não temas, eu estou contigo".
Fiquei muito encafifado e surpreso:
"Nossa, então acho que eu vi mesmo! Mas por que eu vi, e esses Pastores não viram? Puxa, acho que estou ficando louco. Eles devem estar fazendo algum encantamento para que eu fique louco."
Nunca mais comentei nada com ninguém. Mas guardei aquela experiência bem no fundo do coração.
Quanto ao Pastor Brintti, nunca conseguia encontrá-lo. Vivia perguntando mas sempre me respondiam que ele estava com problemas e não estaria presente. Foi assim até que casualmente cruzei com ele um dia no escritório da Igreja.
O Pastor Arnaldo estava me dando um pequeno discipulado individual, e ele apareceu. Mas estava muito apressado. Me deu um abraço e eu perguntei:
— Está tudo bem?
— Tá! Tá tudo bem. — Mas eu via que ele estava visivelmente abatido. — Estou com muita pressa hoje, tenho que viajar.
Parece que ele estava de mudança, ia para o interior. Eu não quis tomar demais o seu tempo. Então comentei, convicto:
— Sabe, decidi que vou até lá. Vou até lá e vou pregar para os meus amigos! Vou dizer que Jesus é maior e que eles estão enganados, e...
Ele me interrompeu:
— Não faça isso! Não faça isso porque se você fizer, eles vão te matar! Ele nem sabia por onde eu tinha andado. Era até interessante que falasse aquilo com tamanha convicção.
— Esse é trabalho de Deus. Não é seu! Não vá! — Reiterou ele.
E foi embora. Foi a última vez que eu o vi. Ele se mudou e perdi completamente o contato com o Pastor Brintti. Mas sei que ele está vivo até hoje.
Naquele primeiro ano recebi muitas ameaças da Irmandade e passei um período de muita incerteza e solidão. Um dia Marlon me ligou:
— Filho, você tem um papel muito importante... não pode desistir pura e simplesmente! Você vai renunciar a tudo o que Lucifér tem para te oferecer? Olha...é muito mais do que você possa imaginar, creio que talvez você não tenha entendido bem a dimensão da coisa. Ele te escolheu para algo grande, muito, muito grande. O seu papel aqui é fundamental.
— Marlon... Lucifér não sabe fazer árvore, Lucifér não faz o Sol... — Eu estava com essa idéia fixa. — Deus faz! Deus tem Poder. E Esse mesmo que teve o Poder de criar o Universo e fazer tudo perfeito... não pode ser menor do que Lucifér, que não fez e nunca vai poder fazer nada disso. Marlon, escuta, eu acho que vocês estão enganados. Não é possível. Eu quero apresentar o Brintti pra vocês!
Ele tinha se tornado a minha referência e o que eu mais queria era que meus amigos pudessem conversar com ele. Olhar dentro daqueles olhos que eu tinha olhado. Experimentar na própria pele o que eu tinha experimentado.
— Ah! — Marlon ainda deu um muxoxo de deboche. — É aquele Pastor, não é?
— É, pois é. Ele tá vivo!
— Mas não por muito tempo, você sabe muito bem disso.
— Marlon, ele está protegido. Não vai ser tão fácil assim matar aquele homem. E eu também estou! Vocês não vão poder me atingir. Sabe, estou vendo agora muita coisa que não tinha nem idéia antes. Lucifér deturpou a Palavra de Deus para nos enganar. Deus também protege os Seus filhos! Por enquanto estamos medindo o nosso Poder com base em olhar para Igrejas fracas e destruídas, mas elas não estão refletindo o verdadeiro Poder de Deus. E quando Lucifér tiver que confrontar, não as pessoas, mas o próprio Deus? Ele não tem chance, Marlon! Deus é mais Poderoso, a História é diferente, vocês estão entendendo tudo errado, a História é diferente.
— É uma pena que você pense assim. Porque vai sofrer as conseqüências da sua decisão.
E desligou. Foi a única vez que falei com ele naquele ano. Marlon voltaria a me procurar, mas muito depois.
Quem fez contato outras vezes foi Zórdico. Ele me alertava vez após vez, muito firmemente. Se eu não mudasse de idéia as conseqüências seriam irreversíveis e o preço que eu iria pagar seria muito caro. Eu tinha conhecido o Poder do outro lado e sabia exatamente com o que estava lidando. Tinha visto com os meus próprios olhos pastores caindo, líderes morrendo, pessoas com Ministérios ficando loucas. Tinha visto o Poder do encantamento separando casais, rompendo alianças, destruindo famílias, espatifando carros, causando doenças.
— Por que você acha que com você vai ser diferente, Rillian? — Perguntou ele. — O que que você acha que tem...e que os outros não tinham?! Por que você acha que não pode ser tocado?
Eu realmente não sabia. Mas aí lembrei, num flash: "Eu falei com tanta gente que tinha um Anjo me protegendo e ninguém acreditou. Vai ver é porque eles não tinham Anjo" . E respondi:
— Deus me deu uma Guarda, eu tenho uma proteção. Deus me deu um Guia! Ele foi mandado por Deus.
Zórdico riu do outro lado.
— Quer dizer que Deus te deu um Guia? Você quer dizer...um Anjo? Você não sabe que os mais fortes estão conosco? O que sobrou são apenas os fracos!
— Mas ele é forte. Eu vi. Ele é do tamanho do Abraxas.
— Mas o Abraxas não é o mais forte! Existem outros muito mais Poderosos!
— Mas até Leviathan estava envolvido naquela briga com o Brintti. Nós prometemos a ele uma vida, bem como a todos os outros doze príncipes. Por que ele não fez nada para impedir o que aconteceu, já que tinha tanto Poder assim?
— Não pague pra ver, menino. Você vai se arrepender. — E a voz dele soou muito cortante.
Fez-se um breve momento de silêncio de ambas as partes. Então ele concluiu:
— Eu vou esperar um pouco ainda. E você vai nos procurar. Se esse tempo passar e nada acontecer, então você vai amargar. Lhe será reservado o Inferno dos Órfãos. E você vai sentir dor e sofrimento como nunca sentiu na tua vida, e isso vai ser só o princípio das dores!
Não quis mais ouvir nada. Desliguei. E procurei ignorar o que ele dissera.
Os meses foram passando. Eu tinha muitos pesadelos, as noites nem sempre eram boas. Eu me via no Inferno, me via em mesas de sacrifício, via os demônios que me atormentavam, me arrancavam pedaços. Às vezes parecia que eu acordava, mas sem um braço, ou sem as pernas. Só aí percebia que tinha sido um sonho. Não pareciam pesadelos comuns... eram muito reais!
As vezes sentia como se houvesse coisas estranhas ou bichos dentro de mim. Um monte de coisas horríveis. Escutava vozes me chamando no meio da noite, e isso não era sonho. Escutava claramente essas vozes que gritavam o meu nome. Sentia como se me tocassem, sentia mãos me tocando com força. Acordava com o coração saindo pela boca.
Várias vezes despertei e meu cobertor tinha sido arremessado longe. Não estava simplesmente caído ao pé da cama, mas do outro lado do quarto. Aliás, uma vez me assustei de verdade. Eu estava dormindo e sentia frio, muito frio, estava todo encolhido. Estiquei o braço para pegar a coberta, mas não achei. Então dei de cara com ela, vi muito bem pela luminosidade que entrava pela porta aberta do quarto. O cobertor estava completamente esticado no ar como se alguém o estivesse segurando. Quando olhei, firme, não parecia real. Então ele caiu... quem segurava de repente o soltou. Senti um calafrio percorrer o meu corpo.
Quase sempre escutava passos pela casa, ou via vultos.
O Porão se tornou muito opressivo. Era o lugar aonde eu costumava fazer meus Ritos. Permanecer ali muito tempo agora era quase impossível. Normalmente passava mal, sentia dores de estômago, vomitava.
Até minha mãe começou a se sentir mal, volta e meia via vultos também.
Não bastasse isso, o telefone continuava tocando por causa das cobranças financeiras.
E quando eu pensava que iam me deixar em paz, vinha de novo uma ameaça da Irmandade. Foi de fato um ano difícil!...
Minha família também me cobrava. Ninguém queria saber como eu faria, desde que pagasse minha parte das contas. Meu pai me chamava de vagabundo, perguntava sem parar quando eu ia arrumar outro emprego. Camila continuava pressionando, querendo manter seu padrão antigo de vida. Parecia que aquilo nunca ia ter fim.
Começou a me faltar o ânimo diante de tantas adversidades que eu nunca tinha experimentado. Passei até mesmo por um período que poderia chamar de depressão. E não tinha ninguém ao meu lado. Ninguém a não ser Wang, que me ajudou muitas vezes. Wang era aquele estagiário com quem fiz amizade na Style. Ele já não trabalhava lá mas era meu aluno de Kung Fu.
Vinha de família muito rica e abastada, me emprestou dinheiro naquela época. Depois acabou nem querendo de volta. Foi um ouvido amigo; e ainda que eu não entrasse no mérito de porque estava vivendo aquele percalço, podia compartilhar com ele as dificuldades do dia-a-dia.
E foi assim, até que um dia Zórdico ligou outra vez:
— Seu tempo esgotou. Infelizmente você usou mal o seu livre arbítrio. Você tomou a sua decisão. E tomou a decisão errada! É uma pena porque nós te amávamos muito, você era muito querido entre nós. Eu não consigo entender o que faz você persistir tanto nesse erro. — E nessa última frase falou bravo.
Ele tinha razão em não entender. Eu também não entendia. Procurei me explicar ainda uma última vez:
— Mas eu sinto Paz! Eu sinto Paz...
Zórdico falou categoricamente do outro lado da linha antes de desligar:
— Você sabe que não houve ninguém que ameaçou sair daqui e ficou vivo contar a história. Você não vai ser exceção à regra!
Então bateu o telefone na minha cara. E nunca mais ligou.
Eu já tinha constatado naquele período todo que de fato a Igreja não era o paraíso que eu imaginava. Em termos gerais as pessoas não estavam muito interessadas nos meus problemas. Ninguém queria saber que eu estava sendo protestado, que tinha dívidas, que estava sendo ameaçado. Ninguém queria saber, era uma dura realidade. Eles não se preocupavam muito nem uns com os outros. Quanto mais comigo! Eram frios, distantes e descompromissados.
Mas meu negócio não era com as pessoas, era com Deus. E somente Ele poderia ter me dado aquela força, uma certeza que ia além do que meus olhos viam, além das atitudes das pessoas. Capaz de me fazer abandonar tudo o que conhecia, meus amigos, meus privilégios, meu futuro...e sair andando por um caminho completamente desconhecido. Mesmo que a Igreja estivesse doente ainda assim eu queria ficar ao lado de Deus. Isso bastava. Não tinha nada a ver com as pessoas. Pelo menos no início foi assim.
Vi que Deus realmente se manifestava de maneira muito diferente de Lucifér, preparava os seus filhos de formas muito novas para mim. Tudo era novo. E quanto mais eu O conhecia, mais percebia que o diabo deturpara a Palavra.
Algumas aulinhas de discipulado foi tudo o que tive, mas foi realmente muito pouco. Não tinha ninguém na Igreja com quem eu pudesse conversar. Não podia simplesmente contar a verdade. Então me limitava a ir ao Culto. Orava do meu jeito, escutava a Palavra, lia livros cristãos, lia a Bíblia.
Mas senti muita falta de amigos. Não podia mais dividir as coisas, não tinha com quem contar. Pelo menos, humanamente falando. Eu cria que Deus me protegia. Tinha que crer. Porque agora estava feito.
A Igreja da Colina Verde, que tinha sido bastante alvejada pela Irmandade, eu sabia, explodiu mesmo. O Corpo Pastoral desagregou-se, o líder principal, Pastor Arnaldo, teve sérios problemas cardíacos e não morreu por um milagre. Outro largou o Pastorado. Os outros dispersaram.
O Davi foi "descoberto", o tão esperado escândalo teve bastante proporções. A Igreja ficou realmente inoperante. E é até hoje.
A família de Camila mudou-se para o interior, para Ribeirão Preto. Como eu continuasse sem emprego, viajei também e passei algumas semanas procurando trabalho. Talvez uma porta se abrisse e eu pudesse ir morar lá também. Mas a verdade é que eu não estava satisfeito com essa solução. Preferia continuar em São Paulo.
Eu estava com quase 25 anos e Camila com 27. A pressão em torno do casamento aumentou muito depois que eu definitivamente me converti. Mas a verdade é que não queria, em hipótese alguma, me casar. Antes desejava por toda lei terminar de vez aquele namoro. Nunca me casaria com ela. Seria arruinar a minha vida.
Por outro lado conheci uma Igreja muito jóia em Ribeirão. O Pastor Agostinho foi extremamente gentil comigo, me acolheu muito bem. Experimentei através dele uma pequena porção de Amor verdadeiro. De Amor Cristão genuíno.
Era o tipo de pessoa que pensei que nunca encontraria, depois do Brintti. E ele nem era brasileiro, era angolano! Espelhava vida com Deus, vida Cristã de verdade. Não era fingido, seu Amor e alegria pareciam autênticos, sinceros... e ele sempre tinha tempo para mim!
Às vezes, no meio da noite me batia uma necessidade de conversar com alguém, minha mente se enchia de fantasmas assombrados e me vinha um certo pânico. Ou eu me via diante de muitas dúvidas e muitas incertezas. Ou a solidão ficava forte demais.
Então ligava para ele.
— Pastor... me desculpe o horário... eu queria conversar com você. Vamos conversar?
E ele conversava, amistoso, sem pressa. Esporadicamente ele vinha pessoalmente em casa de Camila. Outras vezes eu ia até a casa dele. Muitas vezes jogamos bola juntos. E eu me apeguei muito. Estava sempre no escritório da Igreja atrás do Pastor Agostinho, era bem perto do apartamento aonde Camila morava. Dava para ir à pé.
Aprendi muito. Aos poucos contei um pouquinho do que vinha passando. Mas com extrema cautela, não entrei em detalhes de nada, jamais poderia vir a falar da Irmandade. Sumariei muito por alto, com medo de entrar em qualquer detalhe mais comprometedor. Mas ele escutava meus desabafos com atenção.
Um dia, perguntei sinceramente o que deveria fazer. Admirei a atitude dele, apesar de que não me confortou plenamente.
— Olha, Eduardo... realmente é difícil dizer! — Começou ele. — Você precisa de um milagre na sua vida. Não vou dizer que tenho a solução pronta, e muito menos que sei qual é a solução, a resposta. Mas uma coisa vou te dizer. Deus sabe de tudo... e pode tudo! No tempo certo acontecerá o seu milagre. Por hora... não vejo solução. Mas Deus pode. Deus pode tudo!
E me contava experiências dele, da sua vida, de dificuldades que ele mesmo tinha passado. Me confortava.
Então decidi me batizar. Dessa vez era pra valer!
Foi uma experiência muito gostosa. Para todos o Pastor Agostinho falou alguma coisa. Mas gastou mais tempo comigo, disse muita coisa ali diante de mim, na água da piscina.
— Hoje é motivo de festa nos Céus. Você não pode ver, mas os Anjos estão aqui.
E mais um monte de palavras bonitas, promessas de Deus para mim, frases de incentivo.
Aquilo me tocou tanto, me tocou tanto.
"Puxa vida... Deus me aceitou..."
E aquilo era tremendo, incrível. Não poderia expressar o quanto Deus me impressionou... ao me aceitar! O Batismo foi a experiência mais fascinante que tive. Eu estava fazendo o que a Bíblia mandava fazer, o que Jesus tinha feito. Eu era um novo homem agora. A velha vida tinha passado. Eu estava cheio de alegria por dentro e por fora.
E ainda que não pudesse ver, acreditei naquilo: que os Anjos estavam ali. Era muito reconfortante saber que eles estavam lá por nossa causa. Por minha causa! Ah, que alegria tão grande! O Batismo foi melhor do que todos os Ritos que eu tinha feito antes. Por causa de toda aquela simplicidade. E do profundo significado espiritual. Deus era simples. Ele já tinha feito toda a obra. Nós recebíamos tudo pela graça.
O tempo passou. Fiquei alguns meses em Ribeirão Preto. E pensei comigo mesmo, decidido:
"Nunca vou comentar nada do que aconteceu. Com ninguém! Jamais vou tocar nesse assunto de Satanismo com quem quer que seja. Simplesmente vou esquecer desse episódio, fazer de conta que nunca aconteceu. Vou viver uma nova vida. Não tenho mais as coisas mesmo, queimei tudo. Eu vou apagar esse passado da minha vida!..."
Apenas os pesadelos me incomodavam um pouco. Mas até eles, com o passar do tempo, diminuíram. Só eram despertados quando alguma coisa puxava o fio da meada das minhas lembranças. Alguns tipos de música, certas combinações de cores, sangue... então eu sonhava.
Mas procurei esquecer mesmo, apagar. Fiz força para jogar tudo aquilo num lugar escuro e esquecido da minha mente. Enterrei. Para nunca mais desenterrar.
Depois do Batismo eu me senti bem melhor. Logo em seguida veio uma proposta para voltar a São Paulo e trabalhar numa conhecida multinacional no ramo alimentício. Era um emprego excelente. Meu currículo e experiência anterior foram reconhecidos. Passei nos testes de seleção e comecei uma nova etapa da minha vida. Já fazia mais de um ano e meio que havia saído da Irmandade.
Trabalhava na Empresa de dia, voltei a dar aulas de Kung Fu à noite. Isso ajudou a dar uma boa melhorada na minha receita mensal. A ADINK tinha se desestruturado por causa de problemas internos, de modo que eu tinha saído de lá. Também não era possível morar em Ribeirão e dar aulas em São Paulo.
Mas comecei a trabalhar com um grupo muito bom dentro de uma Faculdade. Era um emprego registrado e com salário privilegiado. Minha situação financeira melhorou bastante e comecei, aos poucos, na medida do possível, a limpar os protestos do meu nome.
Naquela Faculdade treinei excelentes alunos. Alunos que, quando se graduaram Professores em Arte Marcial me conferiram o título de Mestre em Wing Chun e Mestre em Ton Long. Segundo a cultura chinesa, o Mestre não é necessariamente o que quebra dez tijolos com a cabeça, mas aquele que sabe transmitir a Arte sem desvirtuá-la. Por isso, quando formei alguns dos meus alunos, recebi a graduação de Mestre.
O que o período anterior teve de conturbado, este teve de bom. Veio enfim um pouco de refrigério. Eu saía às cinco horas do serviço e ia direto para a Academia. Treinava bastante até as oito, horário da minha aula. E me divertia muito com meus alunos. Sempre me dei muito bem com eles.
Comecei também a praticar um terceiro estilo numa conceituadíssima Academia e com um dos maiores Mestres no Brasil. O Hu Lai Chien, estilo da Serpente.
A única coisa que eu queria de verdade era terminar com Camila. Mas ela não estava disposta a aceitar essa proposta. Nem queria conversa nesse sentido. Imaginei que se fosse cada vez menos para Ribeirão aos poucos conseguiria fazer com que ela entendesse, definitivamente, que eu não continuaria com aquele relacionamento. Já o considerava terminado. Era preciso somente que Camila entendesse e aceitasse essa realidade.
"Vou me afastar dela. Camila vai se cansar de mim, vai se cansar de me esperar."
E foi assim. Praticamente não dava mais as caras em Ribeirão Preto, ficava sempre em São Paulo, ia tentando deixar cada vez mais claro que o namoro estava desfeito. Comecei a freqüentar uma outra Igreja. Ela tinha mudado de sede e veio parar no mesmo quarteirão de minha casa. Comecei a xeretar e acabei me adaptando bem à ela.
Nessa época meu amigo Wang continuou sendo um grande companheiro, saíamos muito juntos, nos divertíamos à valer. Mais tarde, conforme nossa amizade permitiu, contei-lhe que não era formado em Administração de Empresas e não tinha diploma. Ele admirou-se de que eu tivesse aprendido tanto sem a Faculdade e então me ajudou em algumas deficiências. Emprestou-me livros, deu-me provas da Universidade de São Paulo para resolver. Me ensinou muita coisa. Até que chegamos a um patamar praticamente de igual para igual.
Fiquei sem diploma mas conhecia perfeitamente bem o assunto. Meu ensino foi dos mais estranhos, mas aprendi. De fato aprendi. Em toda a minha vida subseqüente fui capaz de concorrer com homens formados e me sair tão bem quanto eles. Ou melhor.
Foi um tempo muito bom. Um tempo que durou mais de um ano. Não tive de quê me queixar. Ninguém da Irmandade voltou a me ligar e comecei a pensar que talvez fossem deixar-me em paz.
Mas a perseguição no emprego começou. E não seria a última vez. Ao longo de anos eu viria a experimentar aquele tipo de situação. Isto é: cruzar com pessoas da Irmandade dentro das Empresas.
A primeira vez foi naquela multinacional no ramo alimentício. Fazia já um bom tempo que estava trabalhando e me saindo muito bem. Até que um belo dia nossa equipe participava de uma reunião. E fomos apresentados a um dos Diretores Comerciais. O tal sujeito era bastante comentado na boca de todos por causa da sua carreira meteórica na Empresa. Algo realmente espantoso.
Eu estava curioso para conhecê-lo. Nem de longe me passou pela cabeça que ele pudesse fazer parte da Irmandade. Mas era. Suas atitudes confirmaram a minha suspeita.
No meio da reunião, todos argumentando aqui e ali, dando sugestões a respeito do lançamento de um novo produto no mercado, de repente vi que ele começou a me olhar muito estranho.
Todas as vezes que eu falava dando minhas opiniões os olhares convergiam para mim. E ele continuava me encarando daquela maneira tão esquisita. Um olhar frio, quase de raiva.
"Engraçado... por que será que esse cara não pára de me olhar desse jeito?"
Quando terminou a reunião e estávamos todos dispersando, ele veio rapidamente para o meu lado. Esboçou um sorriso parabenizando-me pela participação. Na mão direita ele carregava umas pastas, então estendeu-me proposital-mente a mão esquerda. Respondi ao gesto também com a minha esquerda.
Ao apertarmos as mãos ele baixou os olhos para o local aonde eu tinha a marca. Tive a sensação de que ele a observou rapidamente. E voltou a olhar estranhamente para mim. Então pronunciou algumas palavras baixinho. E eu ouvi uma ou outra sentença que me era familiar. Era um encantamento!!!
Assustei-me. Sinceramente me pegou desprevenido. Não estava esperando por aquela. Desvencilhei-me do aperto de mão e mantive a compostura o melhor possível.
"Não é possível que eu estou vendo isso!"
No dia seguinte fui demitido. Nem alegaram coisa alguma. Mas eu sabia muito bem porque estava acontecendo.
Depois disso fiquei doente. Minha rinite alérgica potencializou de forma espantosa, tive uma pequena pneumonia. Mas não foi nada de muito grave. Será que ele lançou um encantamento "fraquinho" ou Deus me protegeu do pior?! Difícil dizer. Mas no meu íntimo guardei a segunda alternativa.
Por causa dos problemas de saúde fiquei muito tempo sem poder aparecer na Academia. Quando voltei soube que a Faculdade não mais permitiria o ensino da Arte Marcial ali, e eles estavam mudando de lugar. Iam para um outro bairro que, para mim, era totalmente fora de mão. De modo que perdi também meu emprego na Academia.
Diante disso Camila e a família me convenceram a passar novamente um período em Ribeirão. Eu não queria, mas minha família também não era nada compreensiva. De novo estava criado o problema e a confusão de sempre por causa do pagamento das contas. A pressão era tão grande que fui outra vez para o interior. Aquilo já estava me cansando...
A Igreja do Pastor Agostinho crescia, contava agora com muitos membros, inclusive pessoas que poderiam me ajudar a conseguir um emprego na cidade. Novamente tentei. Mas neca! Novamente não se abriu porta de emprego para mim em Ribeirão Preto.
Completei 27 anos. Um dia atendi ao telefone em casa de Camila e era alguém da Irmandade. Mas não reconheci a voz.
— Alô?
Imediatamente escutei do outro lado da linha umas palavras de encantamento. E depois:
— Você vai começar a pagar pelo que fez. Não chegará a atingir a idade de Cristo. Vai morrer antes disso, com dor e sofrimento.
Eu desliguei e procurei mais uma vez ignorar.
Naquele mesmo dia à noite, no Culto, uma pessoa ficou possessa. Foi aquela gritaria e eu não pude resistir, fui atrás meio às cegas. Apesar de saber que talvez fosse melhor não me expor, queria saber o que realmente acontecia quando alguém "ficava possesso"!
O homem se enfiou dentro do banheiro, sentou-se de cócoras sobre o vaso sanitário. Alguns membros da Igreja procuravam controlar a situação. Eu entrei meio como quem não quer nada. Mas nem bem apareci e o demônio olhou fixo para mim, falou imediatamente com ar zombeteiro:
— Ah! Ora, ora! Quem é que está aqui? Sabia que você vai morrer? Sabia que você não vai atingir os 33?
As pessoas que estavam lá repreendiam e oravam, mas de repente parecia não haver mais ninguém ali além dele e de mim. O demônio ignorou um pouco as orações, mas eu não sabia o que fazer e nem o que dizer. Fiquei mudo e atônito.
— Você vai pagar muito caro. — Continuou o demônio. — A traição custa muito caro! Nós iremos atrás de você. Você não vai ter por onde escapar!
Os presentes não sabiam se continuavam orando ou se falavam comigo. Olhavam ora para mim, ora para o demônio. Até que pediram para que eu me afastasse. Saí, mas fiquei de antena ligada. Custou um pouco para o demônio sair. Mas acabou sendo vencido. A verdade, penso eu, é que ele só queria mesmo me dar o recado.
Nessa noite minha mãe me ligou de São Paulo. Meu pai tinha tido um problema e estava internado em estado grave. Eu deveria voltar naquela mesma noite. Correndo o risco de talvez nem o encontrar vivo. Peguei o primeiro ônibus da madrugada e voltei para São Paulo.
Meu pai estava internado no Hospital das Clínicas e o mesmo amigo que me tinha ajudado com Camila foi muito solícito naquela situação desesperadora.
Não havia muito o que fazer em relação a meu pai a não ser orar...e esperar.
Deus me poupou de ficar o dia todo ocioso, arrumei um emprego novamente. Um ótimo emprego em outra multinacional. Entrei como Analista Econômico-Financeiro e ia trabalhar temporariamente por seis meses. Todos os dias saía do serviço e ia ao Hospital.
Meu amigo estava estagiando na UTI aonde meu pai ficou internado. Que coisa boa! Ele acompanhou de perto toda a evolução do quadro. Fiquei mais tranqüilo e fiz questão de conhecer a equipe médica.
Meu pai acabou tendo alta depois de mais de um mês. Mas ficou com muitas seqüelas da parada cardíaca e déficit de oxigenação cerebral. E acabou vindo a falecer dois meses depois do episódio que desencadeou tudo.
A Igreja que eu freqüentava ao lado de casa me auxiliou demais em tudo o que foi preciso. Até o funeral foi pago por eles. Camila veio algumas vezes para São Paulo, mas eu terminei o namoro de uma vez por todas. Não tinha mais intenção de voltar para Ribeirão e nem para ela. Deixei tudo bastante claro. Tive uma conversa definitiva, pelo menos do meu ponto de vista.
Camila se sentia como se estivesse vivendo um divórcio. Mas nós não estávamos casados. Era somente um namoro, um noivado meio forçado. Ainda que tivesse durado quase doze anos.
E acabei de vez. Ainda que ela não concordasse.
Adaptado à Igreja ao lado de casa, sentindo-me bem acolhido, resolvi ficar por lá mesmo. Naquela Igreja acabei conhecendo minha futura esposa. Poucos dias depois que meu pai faleceu conheci Isabela. Em três meses, pouco antes do Natal, começamos a namorar. O casamento só foi possível quatro anos depois.
Nessa época em que comecei meu namoro com Isabela dei de cara outra vez com um membro da Irmandade no serviço. Eu tinha sido contratado como temporário para um serviço extra que a Empresa estava fazendo. Mas me destaquei bastante naquele período todo, fiz um ótimo trabalho e fui bem reconhecido pelos meus superiores. De forma que ao findar os seis meses eu não seria dispensado. Já me haviam dito claramente que seria aproveitado na Empresa, seria efetivado e não demitido.
Um dia eu estava andando pela fábrica fora do horário de expediente. Era um sábado. Gostava muito de ver as máquinas trabalhando, elas funcionavam ininterruptamente. E como eu tinha livre acesso, sempre que dispunha de um tempo livre corria para lá. E aprendia todos os detalhes da confecção daquele material com o qual trabalhávamos.
Depois do almoço estava indo para minha sala brincar com jogos de computador. Passei defronte à sala entreaberta de um dos Chefes dos Engenheiros. Olhei de relance e vi um símbolo que me pareceu familiar. Era discreto, pequeno, sobre a mesa.
Alguma coisa me incomodou diante daquilo. Olhei, olhei.....
"Mas será possível?! Não, não... não é possível..."
Nem fiquei muito mais tempo ali. Na segunda-feira o dono da sala veio conversar comigo. Nunca tínhamos conversado muito excetuando as questões do trabalho. Volta e meia ele me perguntava como estavam as análises de custo, por exemplo, ou outra coisa qualquer. Mas naquele dia ele chegou e já foi direto indagando, meio firme:
— Você entrou na minha sala?
— Não. Cheguei agora, não fui a lugar nenhum.
— "Não", digo eu! Você esteve na minha sala, sim.
Num flash compreendi a que ele se referia. Eu tinha entrado mesmo. No sábado. Mas não quis acreditar que tinha sido o Guia dele que estava me dedurando. Por um momento foi mais fácil supor que alguém tinha visto e comentado com ele. Embora eu soubesse que essa possibilidade não era plausível: tinha estado sozinho no departamento quase o tempo todo. Mas achei melhor desconversar um pouco.
— Ah! Bem, sábado eu estive mesmo aqui e passei em frente à sua sala... mas nem entrei!
Ele me olhou com um ar difícil de definir.
— Hum...está muito bem, então. OK.
Foi embora. Naquele mesmo dia, à tarde, meu chefe me chamou. Agradeceu pelos meus serviços e me deu o bilhete azul.
Saí meio nas nuvens. Não tinha sido a primeira vez que acontecia. E não seria a última.
Muitas coisas vieram depois disso. Períodos muito bons, outros muito difíceis.
Deus levou a mim e a Isabela para a Igreja aonde Ele queria que estivéssemos.
Passei também por horas e horas de ministrações individuais ao longo de quase três anos. Relembrei em detalhes toda a história que tanto esforço eu fizera para esquecer. Esse foi o meio escolhido por Deus para realizar um tremendo, tremendo processo de cura integral e restauração na minha vida! Através das confissões, com arrependimento e muitas lágrimas, fazendo orações de renúncia e sendo ungido com óleo curei-me dos traumas profundos da alma. Aos poucos fui sendo liberto de todo o jugo satânico que ainda estava sobre mim.
Até sobre as coisas que eu já tinha realmente esquecido, ou sobre aquelas que eu nem sequer sabia, Deus trouxe revelação. A mais controversa dessas foi a respeito de minha paternidade. Embora as circunstâncias e as claras coincidências apontem para meu amigo e mentor, espero confirmação clara. Confirmação que vá além das palavras de minha mãe. Além das palavras do próprio Marlon, que admitiu o fato como verdadeiro mesmo sem que eu lhe perguntasse. Deus sabe quem me gerou. E eu sei que Marlon usaria de todos os meios para me trazer de volta à Irmandade.
Somente esse trabalho profundo, complexo e minucioso que vivi junto com servos de Deus foi capaz de me fazer pronto a relatar o que está escrito aqui. Foi um trabalho de Libertação e Cura Interior muito importante!
Nosso compromisso com Deus cresceu. Eu e Isabela fizemos cursos, estudamos a Palavra. Aprendemos que é imprescindível reparar as brechas abertas das nossas vidas. E aos poucos o Senhor foi me mostrando uma pequena parte do Seu Poder. Experimentei o Seu cuidado, a Sua provisão, a Sua maneira peculiar de guiar Seus filhos pela tribulação. Ele me abriu os olhos e por diversas vezes capacitou-me a ver os Anjos Guerreiros Poderosos que estão ao Seu lado. Deu-me um Dom de discernimento que me faz perceber sempre a opressão demoníaca à minha volta. Foram muitas experiências!
Mas o diabo se levantou furioso contra nós. Ameaças, perseguições e ataques dos mais diversos contra mim e Isabela só poderão ser contados em um outro livro como esse. Seria impraticável descrever tudo o que passamos até este momento.
Mas em tudo o que vivemos, uma coisa ficou clara: Deus é Poderoso!!! Nada ocorre sem a Sua permissão. E quando acontece o "pior" é para que, no futuro, tenhamos o melhor. Sei que Deus teve um propósito muito especial em ter-me buscado e tirado de uma forma sobrenatural de dentro do Inferno. Ninguém pregou para mim... ninguém me disse que eu estava errado. Quem falou comigo foi Deus, e de forma incontestável!
Se assim não fosse certamente eu não estaria aqui para contar essa história. O preço pago para que esse livro chegasse a existir foi alto... muito alto! E só vencemos por causa da Graça e proteção de Deus.
Gosto de fazer uma analogia: o Senhor permitiu que Moisés morasse no Egito durante 40 anos, conhecesse seus segredos, seus ritos, sua cultura. Depois Deus levantou esse homem como Libertador dos Israelitas em cativeiro. Nisso vejo uma leve semelhança com o que Deus está fazendo comigo: embora em nada eu possa me fazer comparável a Moisés, Deus permitiu que eu vivesse dentro do Satanismo, conhecesse os seus segredos e estratégias... para agora sinalizar à Igreja, denunciar as manobras do Inimigo. Para que esta também seja liberta.
E não somente isso, esse é também um apelo aos que estão aprisionados dentro do Satanismo. Estão enganados. Aqueles a quem o diabo chama de "filhos", esses são os mais equivocados de todos.
Nossa oração é que o Pai use este livro como instrumento para libertar os que estão cativos, trazer Luz aos que caminham na escuridão. Proporcionando-lhes um encontro autêntico com Jesus, o Cristo!
A minúcia de detalhes não foi para fazer exaltado o reino de Satanás. Mas para mostrar à Igreja que o inimigo é muito mais real do que se pensa, está muito mais organizado e furioso do que nunca. E para ele, os fins sempre justificam os meios.
Peço também a você, leitor, que ore por mim , por minha esposa, e por nossos familiares. Porque acima de tudo precisamos de cobertura de oração.
Nosso coração está firme no Senhor! Sabemos que nossa vida, nossos dias, cada um deles, está nas mãos do Criador. Essa é a nossa segurança e a nossa convicção: de que nada nos acontecerá, nem ninguém nos tocará à revelia do nosso Pai que está nos Céus.
Marlon,
Você foi uma das pessoas que mais admirei em minha vida. Foi o conselheiro, o incentivador, o amigo, o mestre, o pai em tantos momentos que jamais vou esquecer.
Sei qual é a sua verdadeira identidade, e aonde você está hoje. Tenho acompanhado sua vida pública pela mídia. O texto que se segue depois desse é para você também, mas meu carinho me fez escrever algumas palavras dirigidas somente à tua pessoa.
Sei que, ao seu modo, você procurou fazer por mim tudo aquilo que conceitua como sendo o melhor. Muitas vezes eu o ouvi. Mas agora, depois de ler esta história da qual você fez parte, gostaria de pedir-lhe que ainda lesse com atenção estas linhas.
Olhe para cima. O que você vê? O céu azul, as estrelas, o Sol que nos aquece...! Olhe à sua volta. O que vê? Montanhas e vales majestosos, a água cristalina que desce da colina e forma um lindo lago repleto de vida, de peixes coloridos! Sinta seu frescor! E quantas árvores frondosas cheias de frutos saborosos, flores de todos os tipos. Peço que sinta o perfume delas... consegue?
Olhe para si mesmo e ouça as batidas de seu coração, perceba o ar que entra e sai incansavelmente dos seus pulmões. Você é um ser vivo, perfeito, ultra-complexo!
Poderia Lucifér fazer isso?!?. Criar tanta beleza, tanta harmonia? Poderia ele criar a Vida?.
Só há um Criador, um Pai! E Sua Criação espelha a Majestade e Poder que vem Dele mesmo.
Certa vez você me disse: "É tarde demais para mim...".
Pois eu te digo hoje — nunca é tarde para Deus!
Eu fui perdoado e amado pelo Criador. Hoje sinto algo que Poder não substitui, dinheiro e nem coisa alguma podem comprar. Sinto Paz! Estou orando por você. Você terá sua chance. Não a desperdice. O tempo está muito curto. Deus está batendo em sua porta agora... abra!!! Deixe-O entrar.
Jesus te ama.
Aos amigos da Irmandade:
Todo o Poder das Trevas, os Feitiços, encantamentos não foram suficientes para derrubar os homens realmente comprometidos com Deus. Posso falar hoje por mim mesmo. Embora eu tenha passado — e ainda passe — por lutas e muitas dificuldades, nada tem me faltado!
Porque o Senhor é meu Pastor.
Mas antes de ser o Pastor que cuida, Ele tem sido o Senhor de minha vida. Estou sujeito a Ele, e na força Dele eu posso resistir a Lucifér. Porque é maior Aquele que habita em mim, o Espírito Santo, do que aquele que está no mundo...
Quantas maldições foram lançadas contra mim e minha esposa? Eu sei... perdemos nossos empregos, nosso dinheiro, nossos animais morreram, familiares foram atacados, e a maioria dos nossos irmãos em Cristo se afastou de nós por medo de sofrerem retaliações.
Mas estamos em pé. A mão de Deus tem nos sustentado!
E por meio das lutas nos tornamos mais fortes, pois o Poder de Deus se aperfeiçoa em nossa fraqueza. Hoje posso dizer que "Tudo posso naquele que me fortalece", pois aprendi a viver com muito e com nada, cercado de amigos e solitário. Mas por mais solitário que pudesse estar, Jesus nunca me abandonou, nunca Tudo o que ocorreu só ocorreu porque Ele permitiu.
De fato no meio Cristão não há muita união, falta comprometimento e amor ao próximo. Foram poucos, muito poucos os que de fato ficaram ao nosso lado. De verdade. Apenas duas mulheres, valentes, guerreiras, comprometidas com Deus, e que vocês não puderam tocar! Temos um Deus fiel, amoroso, que não falha!
Sabe... todos aqueles que aparentemente caíram, os líderes evangélicos... na verdade alguns nunca foram convertidos de fato! Por isso tornaram-se um alvo tão fácil. Outros, embora salvos, não tinham discernimento da Batalha Espiritual travada ao nosso redor e com isso deram legalidade para o ataque dos demônios. Mas nunca perderam a Salvação! E outros, ainda que tivessem perdido suas vidas, Deus assim o permitiu pois sabia que eles não suportariam o ataque. Trouxe-os para junto de Si, e agora estão no Céu, com o Pai.
Toda história tem dois lados.
Mas a guerra não acabou! Deus irá derramar Poder sobre Sua Noiva, a Igreja, e haverá transformação! Haverá aquecimento, avivamento, união como nunca houve! E então vocês vão ver quem é o Rei da Glória, quem é o Senhor do Exércitos!
O quê é este pequeno planeta diante de todo o Universo? Um grão de areia......
E Lucifér crê que tem Poderes para enfrentar o Criador do Universo porque "comanda" um grão de areia?
Não há "Inferno bom" para os filhos do Fogo. Foi Deus quem criou tudo! Criou também uma dimensão para aprisionar Satanás e os seus. E não é um lugar bom, com toda a certeza.
Se eu pude sair do Inferno, se Deus me amou, me aceitou, restaurou minha vida e perdoou meus pecados... pode fazer o mesmo por vocês. Sabem o que lhes está oculto? A Verdade! E a Verdade é Jesus. O único Caminho, a Verdade e a Vida! O que vocês estão vivendo não é Vida!
Górion, Ariel, Rúbia, Taolez, Zórdico, Thalya, Kzara, Aziz, Egípcio, Akilai, Cerdic, Naion, Surama, Vivian, Russo, Pietro, Marcela e todos os outros.... isso não é vida Parece vida, mas é morte! Não paguem para ver. Saiam enquanto é tempo. Confiem em Deus! Aceitem a libertação. Confessem Jesus como seu Senhor enquanto há tempo. Não tenham medo! O Senhor dos Exércitos os protegerá! Deus enviará seus Anjos para protegê-los. Eu vi estes Anjos!!! São enormes, fortes, belos, muito, mas muito maiores e mais Poderosos do que os demônios que eu vi.
Jesus ama vocês, deu Sua vida por mim e por vocês. Há uma saída, acreditem! Uma saída sem sangue, sem fogo, sem mortes, sem dor, sem fumaça, sem atabaques... basta abrir a boca. Basta pedir assim:
"Senhor Jesus, entra agora na minha vida. Eu quero a Sua Vida em mim, eu preciso Dela, e do Seu perdão. Eu não quero mais nada com o Reino das Trevas. Liberta-me! Perdoa-me dos meus pecados! Confesso hoje com a minha boca, falo audivelmente que creio em Jesus, o Filho do Deus Altíssimo, e O recebo como meu único Senhor e Salvador da minha vida. Lava-me agora com o Teu sangue. Limpa-me do sangue que há nas minhas mãos. Eu te recebo agora! Ajuda-me a sair deste lugar aonde me encontro. Em nome de Jesus, amém!"
Eu estarei à disposição de vocês para ajudá-los.
Camila,
Através destas linhas gostaria de expressar minha gratidão a você. Você foi um instrumento nas mãos de Deus. Participou desta história, de um milagre de Deus!
Foi você quem insistiu para que eu conversasse com o Pastor Brintti. Você esteve ao meu lado quando eu ainda era um marginal. Já te pedi perdão pelo mal que causei a você e aos seus. Deus também me perdoou.
Sei que após ler este livro você pode estar pensando: "Não foi bem assim...". Mas foi assim como escrevi cada linha, foi assim que vi, que senti, que vivi... enxergando sob um prisma distorcido pelo diabo.
O tempo que passamos juntos nos trouxe crescimento, amadurecemos como pessoas... mas sem dúvida falhamos em muitas áreas. Somente creia: Deus é Pai e tem o melhor para você. Você é costela de um homem que Deus já separou para estar ao seu lado, para te amar. Há tempo para tudo! E hoje, Camila, é tempo de mudar.
Sei que sua fé foi resfriada...mas o Pai não te abandonou! Ele te ama. E pode transformar completamente sua vida. Ore! Busque a Deus! Ele ouve e responde! Fez tanto por mim, fará muito por você também. Não se afaste Dele.
Você é uma privilegiada por ter nascido e crescido num lar Cristão, ensinada no caminho certo desde a infância. E por mais imperfeições que existam nos lares Cristãos, sempre será muito melhor do que viver na enganação, dando cabeçadas na vida até encontrar o caminho certo.
Não desperdice isso. Você é filha do Rei. Seu Reino é de Amor. Você quer este Reino? Então entregue-se a Ele. Muitos conhecem Deus mas não se entregam a Ele, não descansam em Seus braços, não confiam...
Deus é fiel. Busque ao Senhor em primeiro lugar e o mais Ele fará. Faça isto enquanto é tempo. Jesus está voltando, e só a Igreja Santificada vai ser arrebatada e poupada da Grande Tribulação. Muitos Cristãos, embora salvos, vão ficar aqui após o arrebatamento. O final dos tempos está próximo. É tempo de olhar para Deus, tempo de viver com Deus e para Deus!
Que o Senhor te abençoe e te guarde.
Como falar de Amor num mundo onde impera o ódio e a violência? Como definir tal palavra se já não existem parâmetros? Amor... Amor?!
Já tão desvirtuado na sua essência, já tão incompreendido por todos...
A cada esquina um clone falso. Parece estar dentro de cada olhar. Em cada gesto interessado. Em cada rosto apaixonado. Tão comum, tão corriqueiro... Mas não é esse um sentimento estranho?
Condicional, contraditório, manipulador, tantas vezes traiçoeiro e egoísta! Este não é o Amor verdadeiro.
Se o Amor tivesse uma forma, ela seria igualzinha à forma de Deus. Os dois se encaixariam perfeitamente, cada nuance de um e de outro, cada curva, cada saliência, cada reentrância estaria sobreposta. Porque Deus é Amor!
E Ele não requer nada que não esteja disposto a dar. O Amor é paciente e benigno, não busca os seus próprios interesses, não se irrita, não se alegra com a injustiça. O Amor tudo sofre, tudo crê, tudo espera e suporta. Jamais acaba.
O Amor se doa, doa tudo, até a própria Vida.
Deus é Amor incomparável e Absoluto, sublime, impressionante e tremendo.
Sem paralelo para o homem natural. Sem referencial humano. O Amor Puro que vive...é Deus!
Mas tão indescritível dor causou o Homem no coração do Seu Criador...
Fizemos pior, muito pior do que o cão que morde a mão do que o alimenta, do que aquele que cospe no próprio prato. Através do pecado viramos as costas para Aquele que nos amava acima de tudo.
Quanta dor. Quanto sofrimento. Que lamentação tão grande no coração do Pai. A dor aguda de uma facada teria sido mais amena! Depois desse ato impensado e egoísta ficamos privados de Deus e Ele de nós.
Mas o Pai não poderia deixar-nos abandonados à nossa própria sorte.
À deriva num caminho sem volta!
Mesmo ferido, mesmo traído,
Mergulhou Deus no poço de lama aonde estavam os seus queridos.
Fez-se igual a eles.
O que era Incorruptível revestiu-se de corruptibilidade, o Imortal da mortalidade.
Para pagar o preço estabelecido por Ele mesmo.
"Sei que não tendes como me pagar, ó meus amados!
Apunhalastes o meu coração, mas irei atrás de vós.
Far-me-ei semelhante a vós, e pagarei com o meu sangue,com a minha Vida, o preço do vosso resgate. Eu vos resgatarei novamente!
Perdoarei o mal que me fizestes.
Por meio do meu sangue. Por causa do meu Amor.
Eu sou o Amor Vivo. Trarei de volta para Mim aqueles que aceitarem esse Amor."
Morreu Deus... por aqueles cujos corações estavam mais sujos do que as mãos.
Por toda a Humanidade!
Ressuscitou Deus, e vive!
E o Amor chama para Si aqueles que são seus.
Esta é uma História de Amor. Preste atenção nela!
Uma Pequena História de um Grande Amor
Existe um Ser Supremo, uma Pessoa Eterna. Sem começo ou fim. Sempre existiu, sempre existirá.
Nos Céus estabeleceu Ele o Seu trono e o Seu Reino domina sobre tudo.
O seu Nome é o Grande Eu Sou, o Alfa e o Ômega. O Poderoso El-Shaddai.
Magnificente, sobre vestido de Glória e Majestade, coberto de luz como por um manto, Ele, o Senhor, é o Altíssimo eternamente. Glória e Majestade estão diante Dele. Força e Formosura no Seu Santuário.
Ele reina revestido de Majestade, cingido de Poder. Desde sempre, desde a Antigüidade está firme o Seu Trono. Só Ele é Deus desde a Eternidade. O Senhor é Deus supremo, e o grande Rei acima de todos os deuses.
Nas Suas mãos estão as profundezas da Terra, e as alturas dos montes Lhe pertencem. Dele é o mar pois Ele o fez, e obras das Suas mãos são os continentes. Estendeu o Céu como uma cortina, pôs nas águas o vigamento da Sua morada. Tomou as nuvens por carro e voou nas asas do vento.
Ele firmou o mundo; é o Senhor de toda a Terra. A Glória do Senhor é para sempre!
Esta Pessoa — o Deus Triúno — Pai, Filho e Espírito Santo coexistindo perfeitamente de uma forma misteriosa, decidiu criar também milhares de seres espirituais para compartilhar de Si mesmo.
Fez então todo o exército dos Céus, os Anjos, para povoar o Universo criado por Ele.
Mas um dos Seus Anjos, o mais sábio nos Céus, intentou o mal dentro do seu coração. A Deus nada é encoberto. E viu-lhe o coração. Conheceu-lhe os desígnios.
E disse o Senhor a respeito dele:
"Tu eras o exemplo da perfeição, cheio de sabedoria e formosura. Te cobri-as de pedras preciosas. Eras Querubim da Guarda estabelecido por Mim. Permanecias no meu Monte Santo e no brilho das pedras andavas. Perfeito eras nos teus caminhos desde o dia em que foste criado... até que se achou iniqüidade em ti. O seu interior se encheu de violência, elevou-se o teu coração por causa da tua formosura; corrompeste a tua sabedoria por causa do teu resplendor. Perdeste o juízo! Tu dizias no teu coração: 'Eu subirei aos Céus, acima das estrelas de Deus exaltarei o meu trono. Subirei acima das mais altas nuvens e serei semelhante ao Altíssimo'. Então lancei-te por Terra, te reduzi a cinzas, vieste a ser objeto de espanto. Jamais subsistirás."
Nenhum ser criado poderia usurpar a Glória de Deus, atentar contra a Sua Soberania. Na Glória de Deus não se pode tocar.
E então esse Querubim foi precipitado para o reino dos mortos, no mais profundo abismo. E veio a ser aquele que chamamos de Satanás, a antiga serpente do Éden, o que tem assolado a Humanidade desde que ela existe. Destituído do seu posto, sim, mas não do seu Poder... foi lançado na Terra, aprisionado dentro do tempo Chronos.
Porque um ser eterno não poderia ser julgado e chegar ao seu fim se não estivesse sujeito ao correr do tempo.
Depois disso Deus criou o Homem, para louvor da sua Glória. No Seu coração nasceu o desejo e da Sua boca brotou a palavra:
"Façamos o homem à Nossa imagem, conforme a Nossa semelhança."
E foi criada a raça humana. Deus abençoou o homem, e lhe deu poder para dominar a Terra, e para multiplicar-se. E disse Deus ao homem, em relação ao caminho que leva à morte:
"Não vá por esse caminho, se andares por ali ficarás separado eternamente de Mim. Não poderás usufruir de todas as maravilhas que tenho para ti. Se pecares... certamente morrerás."
Mas Satanás já estava presente nesse mundo e a sua sede de vingança era muita. Odiando a Deus, eternamente destituído da sua posição e sabendo que chegaria o dia do seu julgamento, intentou destruir o homem para afrontar ao Criador. Destruindo a Criação, tudo quanto Deus disse que "Era bom", vingar-se-ia Daquele que conhecia o mal no seu coração. E nisso tem se empenhado desde a sua queda.
O aprisionamento de Satanás nesse mundo fez com que ele revelasse cabalmente a essência dele mesmo. Aquele que era o Querubim Ungido tornou-se o grande inimigo da Humanidade. Ele não ama e nem nunca amará o homem. Porque odeia a Deus.
E enganou o homem, induziu-o à desobediência. Plantou no seu coração o desejo que já tinha passado no mais profundo do seu ser. E assoprou:
"Se fizeres como te digo... serás como Deus!"
O Querubim Ungido da Guarda quis ser como Deus. O homem quis ser como Deus.
O Pai apontou ao homem o caminho da Vida. E também mostrou qual o caminho da morte. Mas tanto Anjos como homens foram criados com livre arbítrio. Nunca presos ao querer do Deus Criador. Temos liberdade de escolha. E o mundo em que vivemos é fruto da escolha que fizemos: a Criação está contaminada pelo pecado do homem. Colhemos as conseqüências dos nossos atos impensados. A Terra foi amaldiçoada por nossa causa.
Cresceu a destruição após a queda. Nós, que por meio do pecado e da desobediência escolhemos o caminho da morte, ficamos sujeitos ao príncipe da Morte. Totalmente entregues nas mãos de Satanás.
E o diabo, o usurpador, veio somente para matar, roubar e destruir. Sempre rugindo à volta como leão, sempre procurando a quem possa devorar. Ele foi homicida desde o princípio. Nele não há Verdade alguma, quando mente fala do que lhe é próprio porque é o pai da mentira. E para fazer prosperar o seu caminho de engano, o próprio Satanás é capaz de transformar-se em um anjo de luz, e os seus ministros em ministros de justiça.
Se possível for, ele enganará até aos escolhidos de Deus.
Não existe ser mais cruel e pavoroso do que o diabo. Nem alguém mais interessado em nos destruir completamente do que ele. Sabendo que o seu dia se aproxima, e não tendo como escapar, sua única forma de vingança é levar com ele tantos quantos puder carregar.
Mas Deus Pai, Onipresente, Onisciente e Onipotente, desde antes da Criação desse nosso mundo já tinha em Si mesmo a solução para reverter a escolha errada do homem e para dar o devido fim em Satanás.
A sentença saída da boca de Deus tinha sido proferida. "O salário do pecado é a morte". O pecado não depende da cultura e nem do tempo na História. É intrínseco, inerente ao ser humano.
Destituídos estávamos da Glória de Deus por causa do pecado. E se todos nós pecamos, todos estamos em débito. A Humanidade toda debaixo de jugo de morte.
O único preço que poderia reverter essa sentença era o sangue. A morte pela morte! Mas não qualquer morte, e nem qualquer sangue... apenas o sangue de alguém que não estivesse debaixo do mesmo jugo. Só havia um nessas condições. O próprio Deus. Estando toda a Humanidade debaixo de um débito e sem nenhuma condição de pagá-lo, Deus decidiu arcar com o preço que Ele mesmo tinha requerido. Porque a Palavra Dele jamais voltaria atrás.
E isso nos leva.... à Cruz! A Cruz de Cristo. O ato de maior Amor, de mais perfeito Amor, o ato mais sublime que poderia existir. O Deus da Glória, abandonando a Glória, descendo à podridão do nosso mundo... pagando o preço mais alto que poderia existir.
"Ninguém tem maior Amor do que este, dar a vida pelos Seus amigos."
O único meio de Deus voltar a aceitar o homem era um, e apenas um: o perdão. O perdão veio pela Cruz, quando Jesus agonizou e entregou Sua vida. O próprio Deus se fez carne, o Criador se fez criatura... para morrer... para pagar... anular a sentença e a dívida. Para derramar o sangue que reconciliaria todo homem com Ele.
Ele foi ofendido, insultado, desrespeitado. Ele foi traído, mas ainda assim tomou o nosso lugar e, com dor e sofrimento, pagou com Seu sangue, cumpriu o que tinha sido proferido pela Sua própria boca. Foi crucificado por nossa causa.
E essa é a mensagem da Cruz de Cristo. O único justo, o único sem pecado, o único capaz de reverter a sentença de morte que pairava sobre toda a Humanidade amou tanto que se entregou à dor e à humilhação. Dor que não pode ser traduzida em palavras. Dor física. Dor espiritual.
Jesus foi obediente até a morte. Deus deu o Seu único filho para que todos os que O recebessem tivessem Vida Eterna.
A Vida vem através do sangue, do sangue de Cristo Jesus. Ele, como perfeito Sumo Sacerdote, Sacerdote imutável, santo, inculpável, sem mácula alguma, mais alto do que os Céus, a Si mesmo se ofereceu. E assim firmou uma Aliança entre Deus e os homens. Aliança de Sangue, incorruptível e indestrutível. Tornou-se o Mediador dela, por meio da qual recebemos a promessa da herança.
Porque sem o derramamento desse sangue não poderia haver remissão de pecados. E os que aceitam essa remissão já não têm que oferecer nenhuma outra oferta de sangue.
Aquele sobre quem estiver o sangue não mais será cobrado dos seus pecados, não entrará em juízo; passou da morte para a vida. Mas quem não aceitar o Filho ficará debaixo do primeiro decreto. E dará conta de todos os seus pecados.
Mas para todos os que aceitarem o sacrifício, todos aqueles que receberem o Seu sangue sobre as suas cabeças, Deus dirá:
"Que simplesmente sejam... perdoados de tudo o que me fizeram! Nunca mais me lembrarei dos seus pecados!"
Nós estávamos mortos em nossas transgressões, separados de Deus; éramos impulsionados por este mundo e pelo príncipe do Inferno. Por natureza não passávamos de filhos da ira, como os filhos de Satanás. Porque todos os que pecam contra Deus violentam a sua própria alma, todos estes amam a morte.
Mas bem-aventurado o homem a quem Deus jamais imputará pecado! Serão feitos justos pelo sangue, servos da Justiça, e terão finalmente Paz com Deus. E nenhuma condenação haverá para estes que estão em Cristo. Porque a Lei do Espírito da Vida os livrou da Lei do pecado e da morte!
Cristo morreu, mas ressuscitou. Está vivo, vive eternamente, voltou ao Seu lugar de origem. Está assentado à direita de Deus e intercede por nós. Ele não pôde ficar aprisionado pela morte, pelo contrário, trouxe com ele as chaves da morte e do Inferno. Tragada foi a morte pela vitória.
Onde está, ó morte, a tua vitória, onde está o teu aguilhão?!
Fomos libertos do Império das Trevas e transportados para o Reino do Filho do Amor. Jesus é a imagem do Deus invisível, o primogênito de toda a Criação. Pois Nele e para Ele foram criadas todas as coisas, nos Céus e sobre a Terra, as visíveis e as invisíveis. Tudo foi criado para Ele e por meio Dele. Pois Jesus já era antes que tudo existisse. Nele tudo subsiste. Porque aprouve a Deus que em Jesus residisse a plenitude. Ele é Deus, a segunda Pessoa da Trindade!
O Amor se fez humano, e esse é Jesus. O Cordeiro que tira o pecado do mundo.
Quem beber da água que Ele der nunca mais terá sede. Esta água será em nós como uma fonte a jorrar para a Vida Eterna. Nunca mais teremos fome, porque Jesus é o pão vivo que desceu do Céu, o pão verdadeiro. Ele é a Luz do mundo, não mais andaremos em trevas. Jesus é a Ressurreição e a Vida. O Caminho e a Verdade. O Pastor que cuida e dá a vida pelas Suas ovelhas. Elas O ouvirão e conhecerão a Sua voz. Nunca serão abandonadas nas mãos do lobo.
E o Espírito Santo, o Consolador, o próprio Deus habitará dentro daqueles que O receberem. Nós O conheceremos porque Ele estará em nós para sempre. Não seremos órfãos. Ele nos guiará a toda a Verdade. Porque é a terceira Pessoa da Trindade!
Nada mais se requer de nós. A salvação é de graça. O que poderíamos fazer nessa vidinha curta que pudesse nos comprar a Eternidade ao lado de Deus? Nada.
Mas temos a oportunidade de entrar no Paraíso sem fazer outra coisa além de aceitar o Amor de Cristo. Porque se assim não o fosse, o sacrifício Dele não teria sido suficiente. Se fosse preciso que fizéssemos apenas uma coisa mais, além de aceitar Jesus Cristo, na verdade Ele teria morrido em vão. Mas somos salvos puramente por graça de Deus, é presente Dele para nós. Recebido por fé, por meio da confissão com a nossa boca numa oração simples.
Cabe a nós, novamente, como no início, tomarmos a decisão. Deus outra vez nos aponta o caminho da Vida e da morte. O caminho da Vida: recebendo no coração o Filho. O caminho da morte: não recebendo o Filho, não tendo compromisso com Ele. Estes continuarão à mercê de Satanás.
Mas quando Deus pensou na Salvação do Homem, ao mesmo tempo pensava em dar o devido fim em Satanás. De forma que também para isso se manifestou o Filho de Deus: para destruir as obras do diabo.
Jesus, por sua morte, destruiu aquele que tinha o poder da morte, o diabo. E livrou das suas mãos todos os que, pelo pavor da morte, estavam sujeitos à escravidão por toda a vida.
A Cruz destruiu Satanás. Jesus triunfou sobre ele e todo o seu exército rebelde, Principados e Potestades, e os expôs publicamente ao desprezo. Ele é o cabeça de todo Principado e Potestade.
E aguarda por mais um curto período de tempo, quando todo o Inferno será posto por estrado dos seus pés.
Porque Deus O exaltou e lhe deu o Nome que está acima de todo nome. Para que diante do Nome de Jesus se dobre todo joelho. Nos Céus, na Terra e debaixo da Terra. E toda língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor!
Ao mundo inteiro tem sido anunciada a boa nova da Salvação. Porque para todos é a Cruz. Mas não se aproveita a Palavra quando esta não é acompanhada de fé.
Compreendamos isso: a Vida vem gratuitamente! No entanto, por causa da dureza dos corações humanos muitos não entrarão no descanso de Deus. Porque têm ouvido... mas não aceitado. Receber o Filho é mais do que simplesmente acreditar Nele. Muitos acreditam em Jesus. Mas nunca o receberam. Nunca se deixaram transformar. Nunca nasceram de novo. Nunca tiveram seus pecados perdoados. Nunca terão a vida Eterna.
Apesar de "acreditarem" em Jesus.
Ele é o único caminho à Deus. Não existe nenhum outro.
O mundo está para ser julgado, as Nações e toda a Humanidade. Pois têm amado mais às Trevas do que a Luz. É necessário que venha e se efetive o ministério da iniqüidade, regido pelo diabo. Porque Deus tem usado e usará o príncipe deste mundo para exercer o Seu juízo sobre a Terra. E depois Lucifér também terá a paga que merece. Ele e os que o acompanham, tanto demônios quanto homens. Pois não há criatura que não seja manifesta na presença de Deus. Pelo contrário, todas as coisas estão descobertas e patentes aos olhos Daquele a quem temos de prestar contas.
Foi decretada a sentença de Satanás. O tempo dele está sendo contado. Esgota-se. O seu fim foi determinado, e está próximo. A sentença se fez ouvir: "Ele será lançado no lago que arde com fogo e enxofre, aonde há pranto e ranger de dentes."
Mas a Igreja de Cristo está doente.
Perece por falta de conhecimento e compromisso com Aquele por quem foram chamados. Não podemos ser apenas ouvintes da Palavra, mas operosos praticantes. Caso contrário seremos como o homem que construiu sua casa sobre a areia. Não prevaleceremos contra a tempestade!
Deus deu à Sua Igreja o Poder para lutar contra o inimigo. Jesus não só já julgou o diabo como também tirou das suas mãos toda a autoridade sobre aqueles que recebessem o Selo do Cordeiro.
Mas estes que receberam o Selo e a promessa têm estado adormecidos. É preciso que despertem. "Acorda, ó tu que dormes...!"
Estamos vivendo o tempo do fim. Portanto não usemos de chavões e respostas simplistas. O inimigo e seu exército está mais afiado do que nunca, exatamente como Deus havia dito que aconteceria. E nós, do nosso lado, vivemos um tempo de indiferença, apatia espiritual e apostasia. Tempo em que o amor se esfria de quase todos. Tempo em que é mais fácil ficar quieto, dormindo... porque a luta é muito grande.
Mas não podemos nos conformar com isso, Igreja de Cristo!!!
O final dos tempos é também a hora em que Deus derramará sobre os que O buscarem de todo o coração um Poder e um revestimento especial e tremendo do Espírito Santo. Mas é necessário a Igreja reconhecer sua atual fragilidade.
É tempo de arrependimento. E santificação.
Busquemos o arrependimento genuíno pelas nossas más obras, nossa postura errada diante da guerra. Nossa frieza. Nossa inominável barganha com Deus. Por acharmos que podemos servir a dois senhores e ainda assim nos salvarmos no final. Por andarmos com a nossa vida cheia de brechas, relativizando o pecado e achando que um pouquinho aqui e ali não nos fará destituídos da Vida Eterna.
Não podemos beber o cálice do Senhor e o cálice dos demônios: não podemos ser participantes da mesa do Senhor e da mesa dos demônios. Vivemos tempos em que temos dado ouvidos a espíritos enganadores e a ensinos de demônios.
Cuidado, Igreja de Cristo! Deus tem para nós todo o Poder de que necessitamos. Mas façamos a nossa parte. Aquilo que devemos fazer, Deus não o fará por nós. Talvez não percamos de fato a nossa Salvação, mas quem sabe a maior parte das nossas bênçãos. E a maior delas é o conhecimento genuíno do Pai. Ele se revela a quem está pronto para a revelação. E a maioria não está pronta!
Mas uma coisa é certa: apenas arrependimento e dependência do Pai nos poupará das mãos do inimigo.
Havendo, pois, entre nós ciúmes e contendas não é assim que somos carnais e andamos segundo o ensinamento dos homens? Veja cada um como procede. Porque a obra de cada um se tornará manifesta, será revelada e provada pelo fogo de Deus. Portanto, tudo o que fizermos, façamos para a Glória de Deus. Não nos tornemos pedra de tropeço nem para o mundo e nem para a Igreja, como tem acontecido.
O Além e o abismo estão descobertos perante os olhos do Senhor, quanto mais o coração dos filhos dos homens!
Que foi feito da nossa Unidade?! Sejamos um, como o Pai e Jesus são um. Somente assim o mundo crerá que Jesus foi enviado e que Ele é o filho de Deus. Não podemos andar separados. A casa dividida não prevalece.
De onde procedem as guerras e contendas que há entre nós? De onde, senão dos prazeres que militam na nossa carne? Da nossa altivez e falta de humildade.
Somos membros uns dos outros, portanto vivamos em paz uns com os outros. Refreemos a nossa língua e o que dizemos. Se não o fizermos, é vão o nosso Cristianismo e enganamos o nosso próprio coração. Como pode de uma só boca proceder bênção e maldição?!
Falemos todos a mesma coisa, esqueçamos a loucura das denominações que não se suportam mutuamente. Nosso Deus é um só: voltemos ao Evangelho puro. E que não haja divisão entre nós, antes sejamos inteiramente unidos, na mesma disposição mental e no mesmo parecer.
Que foi feito do nosso amor fraternal? Acima de tudo procuremos ter amor intenso uns para com os outros! Sirvamos uns aos outros, cada um conforme o Dom que recebeu, como bons despenseiros da multiforme graça de Deus. Se alguém fala, fale de acordo com os oráculos de Deus; se alguém serve, faça-o na força que Deus supre. Para que em todas as coisas seja Deus glorificado.
Porque de nada adiantam dons e línguas sem amor; de nada adiantam a sabedoria e o conhecimento, a fé que remove montanhas; mesmo que entregássemos o nosso próprio corpo para ser queimado, ou distribuíssemos todos os nossos bens por entre os pobres... nada disso se aproveitaria sem amor.
Aquele que não ama não conhece a Deus, antes permanece na morte, porque Deus é Amor. Não amemos, então, somente por palavras, da boca para fora. Mas de fato e de verdade.
Quem entre nós é sábio e entendido? Que mostre mediante condigno proceder. Se temos inveja amargurada e sentimento faccioso entre nós não nos glorifiquemos disso e nem mintamos contra a verdade. Esta não é a Sabedoria que desce lá do alto, antes é terrena, animal e demoníaca. A Sabedoria do alto é primeiramente pura, pacífica, indulgente, tratável, plena de misericórdia e bons frutos, imparcial, sem fingimento.
Que foi feito e onde estão as boas obras decorrentes da nossa Salvação? Assim como o corpo sem espírito está morto, a fé sem obras igualmente.
Sejamos como Deus quer que sejamos. Há, sem dúvida, um preço a ser pago. O preço da nossa própria cruz, da morte do "eu". O preço da obediência. O preço da santificação. É hora de esquecer o Evangelho mutilado, esquecer da prosperidade pela prosperidade, a bênção pela bênção. Não foi somente para isso que fomos chamados. Fomos chamados para Glorificar a Deus acima de tudo, e em tudo!
Somos pedras vivas, casa espiritual, sacerdócio santo e real, raça eleita, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus. Somos povo de Deus para proclamar as virtudes daquele que nos chamou das Trevas para a sua maravilhosa Luz! Mas não podemos ser tudo isso apenas virtualmente! A Palavra não se cumpre apenas porque está escrita. Cumpre-se quando permitimos que ela se cumpra em nós!
Não desprezemos, portanto, o nosso Criador. Nem a Sua Palavra que permanece para todo o sempre. Pois Deus não modificará o que os Seus lábios proferiram. Temos acomodado a Palavra ao nosso prazer, cumprindo o que nos convém e o que não convém... esquecendo.
As portas do Inferno não prevalecerão contra a Igreja... desde que esta se santifique e repare as suas brechas. Assim o Deus da Paz esmagará Satanás debaixo dos nossos pés. Temos autoridade para pisar em serpentes e escorpiões, e sobre todo o poder do maligno, e nada absolutamente nos causará dano. Desde que nos santifiquemos e andemos na direção estabelecida por Deus.
Resistamos ao diabo, e ele fugirá de nós. Mas antes sujeitemos-nos a Deus, abandonemos o pecado e o amor desse mundo!
Muitas são as promessas de vitória. Alcancemo-las, pois!
O Senhor é quem nos guarda, é a nossa sombra à nossa direita. O nosso socorro vem Dele, que fez os Céus e a Terra. É Ele quem nos preserva do terror do inimigo, esconde-nos da conspiração dos malfeitores e do tumulto dos que praticam a iniqüidade. Deus desferirá contra eles Sua seta, de súbito se acharão feridos.
Não confiemos nas nossas próprias armas, mas no Nome do Senhor. Ele nos ouve quando clamamos por socorro, nos tira do poço de perdição e do tremendal de lama. Firma os nossos pés sobre a rocha! Ainda que andemos por um vale escuro como a morte, não tememos. Pois o Senhor, o Deus Eterno, nos dirige e protege.
Portanto, quanto ao mais sejamos fortalecidos no Senhor e na força do Seu Poder. Revistamo-nos de toda a armadura de Deus para que possamos ficar firmes contra as ciladas do diabo. Porque a nossa luta não é contra sangue e carne, mas contra Principados e Potestades, contra os dominadores desse mundo tenebroso, contra as forças espirituais do mal, nas regiões celestes.
Tomemos a armadura, como soldados que somos, guerreiros em tempo de guerra. Resistamos no dia mau, e uma vez tendo vencido tudo, ainda permaneçamos inabalados. Com toda oração e súplica, orando em todo o tempo, vigiando perseverantes, sendo direcionados em jejuns, fazendo uso da unção com óleo e de todo o aparato de que dispomos... vençamos o inimigo!
Somos santuários de Deus, e o Espírito Santo habita em nós. Se alguém destruir o santuário de Deus, que somos nós, Deus o destruirá. Porque o santuário de Deus, que somos nós, é sagrado.
Maior é O que está em nós do que o que está no mundo. Se Deus é por nós, quem será contra nós? Estejamos bem certos de que nem morte, nem vida, nem Anjos, nem Principados, nem coisas do presente ou futuro, nem poderes, nem altura ou profundidade, nem qualquer outra criatura poderá separar-nos do Amor de Deus que está em Cristo Jesus, nosso Senhor!
No final dos Tempos muitos virão em nome de Jesus, e enganarão. Ouviremos falar de guerras e rumores de guerras, levantar-se-ão Nações contra Nações, Reino contra Reino, e haverá fomes e terremotos em vários lugares. Mas isso é apenas o princípio das dores.
Falsos profetas vão se levantar. Farão obras maiores do que as de Jesus por causa do poder do diabo por trás delas. Grandes sinais e prodígios acontecerão. A iniqüidade e o pecado se multiplicará. E por causa disso se esfriará o amor de quase todos.
E o anticristo se assentará no Templo de Jerusalém, o Abominável da desolação será cultuado como se fora deus. E virá sobre a Terra um tempo terrível, uma Tribulação sem precedentes. Um tempo quando todos serão julgados. Mas a Igreja de Cristo Santificada já terá sido arrebatada e já não estará nesse mundo. Os que tiverem ficado por falta de santificação receberão sua Salvação depois da morte física e da Tribulação destes dias.
Mas um dia o Sol escurecerá e a Lua não dará a sua claridade, as estrelas cairão do firmamento e os poderes dos Céus serão abalados. Então aparecerá no Céu o sinal do Filho do Homem vindo sobre as nuvens, todos os povos da Terra O verão. Ele virá com Poder e muita Glória. Todo olho o verá. Como o relâmpago sai do oriente e se mostra até o ocidente, assim há de ser a vinda do filho de Deus. No dia em que não se espera e na hora em que não se sabe. Para o confronto Ele virá.
"Eu sou o Alfa e o Ômega. Aquele que é, que era e que há de vir, o Todo Poderoso. Eu sou o Primeiro e o Último, e Aquele que vive; estive morto, mas eis que estou vivo pelos Séculos dos Séculos, e tenho as chaves do Inferno e da morte."
Então o Céu se abrirá, e eis um cavalo branco. O Seu cavaleiro se chama Fiel e Verdadeiro, o Senhor Jesus é este cavaleiro. Ele julga e guerreia com Justiça. Tem no Seu manto, e na Sua coxa, um Nome inscrito: REI DOS REIS E SENHOR DOS SENHORES.
Sua aparência será semelhante ao Filho do Homem. Com vestes talares e cingido à altura do peito com uma cinta de ouro, a Sua cabeça e cabelos serão brancos como alva lã, como a neve. O Seu manto é tinto de sangue, e o Seu Nome é o Verbo de Deus. Os olhos refulgirão como chamas de fogo; e os pés, semelhantes ao bronze polido, parecerão como que refinados numa fornalha; a voz, como voz de muitas águas. Na mão direita sete estrelas e na boca uma afiada espada de dois gumes. Na Sua cabeça há muitos diademas. O Seu rosto brilhará como o Sol na sua força.
E O seguirão os exércitos que há no Céu, poderosíssimos.
E haverá peleja. Miguel e os seus Anjos pelejarão contra o dragão e os seus demônios. Mas estes últimos não prevalecerão, nem mais se achará no Céu o lugar deles. Será expulso o grande dragão, a antiga serpente, que se chama diabo e Satanás, o sedutor de todo o mundo, sim, será atirado para a Terra e com ele os seus demônios.
E cheio de grande cólera ficará o diabo sabendo que pouco tempo lhe resta.
E a besta e os reis da Terra, os filhos de Satanás, todos com seus exércitos estarão congregados para lutar contra aquele que veio montado no Seu cavalo, contra o Seu exército. Contra o Filho de Deus. O Herdeiro de todas as coisas, o resplendor da Glória.
Jesus destruirá o iníquo com o sopro da Sua boca. E todos os que não tiverem aceitado o livramento que vem por meio do Seu sangue terão o mesmo fim que Satanás. O lago de fogo e enxofre.
Todas as Nações serão reunidas na Sua presença, e ele separará uns dos outros. Os justos para a Vida Eterna. Os injusto para o castigo eterno.
A besta será aprisionada e com ela o falso profeta que, com muitos sinais, seduziu aqueles que receberam a marca da besta em todo o mundo. Os dois serão lançados vivos dentro do lago de fogo que arde com enxofre. E os restantes serão mortos. Depois será lançado ali também o próprio diabo, o sedutor do mundo. E serão atormentados de dia e de noite pelos Séculos dos Séculos. A morte e o Inferno serão lançados também para dentro desse lago.
E se alguém não for achado inscrito no Livro da Vida, e não tiver recebido o Selo do Cordeiro, Jesus, terá o mesmo fim.
"Assim Eu escolhi sobre eles o infortúnio e farei vir sobre eles o que temem. Porque clamei e nenhum deles respondeu, falei e não me escutaram; antes fizeram o que era mau e abominável perante Mim. Escolheram aquilo em que Eu não tinha prazer. Agora sobre eles virá o Meu Juízo e a Minha Justiça."
Haverá muito furor, muita ira no terrível dia do Senhor.
Digno é o Cordeiro, que foi morto, de receber o Poder, e Riqueza, e Sabedoria, e Força, e Honra, e Glória, e Louvor.
Aleluia!
Mas haverá para os filhos de Deus, então, novo Céu e nova Terra porque o primeiro Céu e a primeira Terra passaram e o mar já não existe. Não haverá lembrança das coisas passadas, jamais haverá memória delas. Exultaremos no que Deus cria, e para nós Ele criará alegria e regozijo.
"Eis que faço novas todas as coisas."
Haverá uma nova cidade, uma Jerusalém Celestial que descerá do Céu, a qual terá a Glória de Deus. O seu fulgor será como o de uma pedra preciosíssima. E o seu santuário será o próprio Senhor, o Deus Todo Poderoso, e o Cordeiro Jesus. A cidade não precisará nem de Sol e nem de Lua porque a Glória de Deus a iluminará, o Cordeiro será a sua lâmpada. O Senhor será a sua Luz perpétua, o seu Deus a sua Glória. Nela entrarão os inscritos no Livro da Vida, no Livro do Cordeiro, os que aceitaram o Seu sacrifício e permitiram a entrada Dele nas suas vidas. Os que foram lavados no sangue vertido do Cordeiro, estes entrarão na cidade pelas portas. Aos seus muros chamarão Salvação, e às suas portas, Louvor.
O lobo e a ovelha pastarão juntos, e o leão comerá palha com o boi. O leopardo se deitará perto do cabrito, o leão novo e o animal cevado andarão juntos. A vaca e a ursa pastarão, e as suas crias se deitarão lado a lado.
O rio da Água da Vida sairá abundantemente do Trono de Deus e do Cordeiro, brilhante como cristal. Contemplaremos Deus face a face, e nas nossas frontes estará o Nome Dele. E o Senhor Deus brilhará sobre nós, como no princípio o desejou, e, juntos, reinaremos pelos Séculos dos Séculos.
E virá uma grande voz do Trono, que nos dirá: "Deus habitará novamente com eles, eles serão povos de Deus, e Deus mesmo estará com eles."
Então o Senhor Deus nos enxugará dos olhos toda lágrima. E já não haverá morte, nem luto, nem pranto, nem dor. Nunca mais haverá voz de choro e nem de clamor, nem qualquer maldição. Jamais teremos fome, nunca mais teremos sede, não cairá sobre nós o Sol e nem ardor algum, pois o Cordeiro que se encontra no Trono nos apascentará e nos guiará para as fontes da Água da Vida.
Porque tudo isto terá passado, as primeiras coisas terão passado.
E Deus dirá, assentado no Seu Trono:
"Eis que faço novas todas as coisas. Tudo já está feito. A quem tem sede, Eu darei de graça — através de Cristo — a fonte da Água da Vida. Os vencedores herdarão essas coisas. Eu lhes serei Deus, e eles me serão filhos."
Aquele que ouve, diga: Vem. Aquele que tem sede, venha, e quem quiser receba de graça da Água da Vida.
E o Amor terá vencido, e existirá para sempre, permeará tudo e todos. Eternamente!
Estas palavras são fiéis e verdadeiras, são palavras da Bíblia, o Livro de Deus. Nela está escrita esta História, do início até o fim.
A História do Amor.
Isabela & Eduardo Mastral
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