Capítulo 6
Juliette não devia ter de ver isto.
Seis soldados reuniram quase trinta civis — uma mistura de homens, mulheres e crianças — e vão matá-los. É basicamente um pelotão de fuzilamento. Eles simplesmente vão seguir a fila, pop pop pop, e, depois, arrastar os corpos para longe. Colocá-los em um incinerador. Limpar tudo, simples e preciso.
É nojento.
Não tenho certeza do que os soldados estão esperando, no entanto. Talvez eles precisem da aprovação final vinda de algum lugar, mas há um pequeno atraso enquanto eles conversam entre si. Está chovendo muito forte mesmo e isso pode ter algo a ver. Para ser sincero, eles podem nem conseguir ver para onde estão atirando. Deveríamos tirar vantagem dessa oportunidade. Esse tempo pode acabar nos ajudando, por outro lado.
Aperto os olhos contra a chuva e olho com mais atenção para as pessoas, esforçando-me para não perder a cabeça. Elas não estão muito bem, eu também não, para ser honesto. Algumas estão muito histéricas e isso me faz pensar em como eu me sairia em uma situação assim. Talvez eu fosse como aquele cara no meio, parado ali sem nenhuma expressão. Ele quase parece que aceita o que vai acontecer, e, de alguma forma, a certeza dele me atinge com ainda mais força que as lágrimas.
Um tiro soa.
Maldição.
Um cara na extrema esquerda cai no chão e eu estou tremendo de raiva. Essas pessoas precisam da nossa ajuda. Não podemos simplesmente ficar para trás e observar trinta pessoas desarmadas e inocentes serem mortas quando poderíamos encontrar uma maneira de salvá-las. Deveríamos estar fazendo alguma coisa, mas estamos parados aqui por algum motivo idiota que não consigo entender porque Juliette está com medo ou Kenji está enjoado e acho que a verdade é que somos um bando de adolescentes babacas, dois dos quais mal conseguem ficar em pé direito ou disparar uma arma, e é inaceitável. Estou prestes a dizer alguma coisa — estou prestes a gritar, na verdade — quando Kenji solta da minha mão.
Já não era sem tempo, maldição.
Avançamos em linha reta e minha arma já está levantada e mirando. Vejo o soldado que deu o primeiro tiro e sei que preciso disparar; não há espaço para hesitação. Tenho sorte: ele cai imediatamente. Mais cinco soldados a derrubar — soldados que eu espero não reconhecer — e estou fazendo o melhor que posso, mas não é fácil. Foi simplesmente a sorte que me deu aquele primeiro alvo; é quase impossível atirar bem com este tempo. Mal consigo ver aonde estou indo, muito menos para onde estou atirando, mas me jogo no chão bem a tempo de evitar uma bala perdida. Pelo menos a chuva também está deixando difícil eles nos pegarem.
Kenji está fazendo milagres acontecerem hoje.
Ele está invisível agora, e trabalhando rápido. Está reagindo depressa apesar de ferido e se torna apenas uma parte do vento, derrubando três soldados de uma vez. Restam dois soldados e eles ficam distraídos pela dança de Kenji tempo o bastante para que eu derrube um. Resta um e estou prestes a derrubá-lo também, quando vejo Juliette dar um tiro nele por trás.
Nada mau.
Kenji reaparece nesse momento e começa a gritar para que os civis nos sigam de volta ao abrigo, e Juliette e eu os acompanhamos, fazendo o que podemos para deixá-los em segurança o mais rápido possível. Ainda há alguns aglomerados de pé e devem ser suficientes. Os civis podem entrar e ficar longe da batalha; e também da tempestade que se forma no céu. E, embora a gratidão deles seja tocante, não podemos parar por tempo suficiente para conversar com eles. Precisamos acomodá-los de volta em suas casas e, depois, seguir em frente.
É o que eu sempre fiz.
Sempre siga em frente.
Olho para Juliette enquanto corremos, perguntando-me como ela está se segurando, e, por um segundo, fico confuso; não sei dizer se ela está chorando ou se é apenas a chuva riscando seu rosto. Espero que ela fique bem, no entanto. Fico acabado por vê-la lidando com isso. Queria que ela não precisasse passar por esta situação.
Estamos correndo de novo, disparando pelos aglomerados agora que levamos os civis de volta para suas casas. Essa foi apenas uma parada no caminho para nosso destino final; nem chegamos ao campo de batalha ainda, onde homens e mulheres do Ponto já estão tentando evitar que os soldados d’O Restabelecimento massacrem civis inocentes. A situação está prestes a ficar muito, muito pior.
Kenji está nos puxando pelo cenário meio demolido. Sei que estamos nos aproximando da luta agora porque aqui está muito mais devastado: unidades desmoronando e metade pegando fogo, seus conteúdos espalhados por toda a parte. Sofás rasgados e abajures queimados, roupas e sapatos e corpos caídos para atravessarmos. Os aglomerados parecem se estender para sempre e, quanto mais longe vamos, pior fica.
— Estamos perto — grito para Kenji.
Ele faz que sim com a cabeça e estou surpreso por ele ter me escutado.
Ouço um som familiar. Alcanço Kenji por tempo suficiente para agarrar o braço dele.
— Tanques! — berro para ele. — Está ouvindo?
Kenji vira um olhar desolado para mim e faz que sim.
— Vamos nos mexer! — ele diz, fazendo um movimento com a cabeça. — Não estamos longe agora!
É uma luta para chegar à luta, o vento assobiando com força em nossos ouvidos e batendo cortante contra nossos rostos, gotas de chuva nervosas golpeando nossa pele, ensopando nossos cabelos. Estou congelado até os ossos, mas não há tempo para ficarmos incomodados. Tenho adrenalina e isso terá que ser o bastante por ora.
A terra treme sob os nossos pés quando um som duro e retumbante explode o céu. Em um instante, o horizonte se acende com fogo, chamas urrando a distância. Alguém está jogando bombas, e isso significa que já estamos perdidos. Meu coração está batendo depressa e com força, e eu nunca admitiria em voz alta, mas estou começando a ficar nervoso.
Olho para Juliette de novo. Sei que ela provavelmente está assustada e quero tranquilizá-la — dizer a ela que tudo vai ficar bem —, mas ela não olha na minha direção. Ela está em outro mundo, seus olhos frios e cortantes, focados no fogo a distância. Ela parece diferente; até um pouco assustadora. De alguma forma, isso me preocupa ainda mais
Estou prestando tanta atenção nela que quase tropeço; o chão está liso embaixo de nós e eu estou com lama até os tornozelos. Puxo as pernas conforme avançamos devagar, a arma firme nas mãos, e me concentro. É isso. É aqui que tudo está prestes a ficar muito sério, e sei o suficiente sobre a guerra para ser sincero comigo mesmo: posso entrar no campo de batalha com um coração batendo e ser arrastado dele com um coração morto.
Eu respiro fundo conforme nos aproximamos, três adolescentes invisíveis andando pelos aglomerados. Andamos por cima de unidades destruídas e vidro quebrado de janelas estilhaçadas; desviamos do lixo espalhado e tentamos não ouvir o som das pessoas gritando. Não sei quanto ao resto de nós, mas estou me esforçando ao máximo para combater a ânsia de dar a volta e retornar para o lugar de onde começamos.
De repente, James é a única pessoa em meus pensamentos.
Capítulo 7
Merda.
Isto é ainda pior do que eu estava esperando. Há corpos caídos por toda parte, jogados e empilhados uns nos outros e sangrando uns nos outros. É quase impossível distinguir braços de pernas, inimigos de aliados. Sangue e chuva estão se misturando e inundando o chão e, de repente, minhas botas estão escorregadias com a lama e o sangue de outra pessoa; viva ou morta, não sei.
Demora apenas um milésimo de segundo até combatentes inimigos perceberem que somos novos no campo de batalha; quando percebem, não hesitam. Já estamos sob o cerco, e eu olho para trás bem a tempo de ter um vislumbre de Juliette e Kenji ainda abrindo caminho antes de sentir algo pontiagudo bater contra as minhas costas. Dou um giro e, um barulho agudo depois, meu soldado está com o maxilar quebrado. Ele dobra o corpo ao meio e leva a mão para a arma, mas eu sou mais rápido. Agora ele está derrubado e abatido e já estou indo para o próximo.
Estamos todos tão apertados que o combate físico parece inevitável; eu me abaixo para evitar um gancho de direita e dou um soco no estômago do soldado inimigo ao me erguer, tirando uma faca do cinto para continuar. Para dentro, para cima, virando e ele está acabado. Puxo minha faca do peito dele conforme ele cai. Um homem avança para mim por trás e eu me viro para vê-lo quando, de repente, ele está tossindo sangue e caindo de joelhos.
Kenji salvou minha pele.
Ele está em movimento e se mexendo bem, ainda sem deixar seu ferimento debilitá-lo. Estamos lutando juntos, ele e eu, e posso sentir seus movimentos ao meu lado. Gritamos alertas um para o outro, um ajudando o outro quando pode, e, na verdade, estamos nos saindo bem, atravessando a loucura, quando ouço Kenji gritar meu nome, sua voz assustada e urgente.
De repente estou invisível e Kenji está gritando para mim sobre Juliette e não sei o que está acontecendo, mas estou apavorado e sei que agora não é hora de fazer perguntas. Abrimos caminho de volta para a frente, lutando, e disparamos na direção da estrada, a voz em pânico de Kenji dizendo para mim que viu Juliette ser derrubada e arrastada para longe, e é tudo o que preciso ouvir. Uma parte de mim está furiosa e uma parte está aterrorizada e as duas estão tendo sua própria batalha na minha mente.
Eu sabia que isso iria acontecer.
Eu sabia que ela nunca devia ter vindo conosco. Eu sabia que ela devia ter ficado para trás. Ela não foi feita para isso; ela não é forte o bastante para estar no campo de batalha. Ela teria ficado muito mais segura se não tivesse vindo. Por que nunca me escutam?
Maldição.
Quero gritar.
Quando chegamos à estrada, Kenji me puxa para trás e, embora estejamos sem fôlego e mal conseguindo falar, temos um vislumbre de Juliette conforme ela é levada para a parte de trás de um tanque, seu corpo mole e pesado conforme a arrastam para dentro.
Acaba em questão de segundos. Eles já estão se afastando.
Juliette se foi.
Meu peito racha.
Kenji está com a mão firme no meu ombro e eu percebo que estou dizendo “ah, meu Deus, ah, meu Deus” de novo e de novo quando Kenji tem a decência de me devolver a razão.
— Segura a onda — ele fala. — Precisamos ir atrás dela!
Minhas pernas estão instáveis, mas sei que ele está certo.
— Para onde você acha que eles foram?
— Provavelmente a estão transportando de volta para a base...
— Maldição. É claro! O Warner...
— Quer Juliette de volta.
Kenji faz que sim com a cabeça.
— Aquela provavelmente era a equipe que ele mandou para pegá-la.
Ele fala um palavrão baixinho.
— A única coisa boa nisso é que sabemos que ele não a quer morta.
Eu aperto os dentes para não perder a cabeça.
— Está certo então; vamos.
Meu Deus, mal posso esperar para pôr as mãos naquele psicopata. Vou gostar de matá-lo. Devagar. Com cuidado. Cortando-o em pedaços um dedo por vez.
No entanto, Kenji hesita e eu o encaro.
— O que foi? — pergunto.
— Não consigo projetar, irmão. Minha energia se foi.
Ele suspira.
— Desculpe. Meu corpo está se comportando muito mal agora.
Merda.
— Plano de contenção?
— Podemos evitar as estradas principais — ele fala. — Pegar a rota secundária e seguir para a base sozinhos. Seria mais fácil rastrear o tanque, mas, se fizermos isso, você estará totalmente visível. A escolha é sua.
Eu franzo as sobrancelhas.
— É, eu voto pelo plano que não vai me matar instantaneamente.
Kenji sorri.
— Certo, então. Vamos pegar nossa garota de volta.
— Minha garota — eu o corrijo. — Ela é minha garota.
Kenji bufa conforme seguimos na direção dos aglomerados.
— Certo. Exceto pelo fato de ela não ser sua garota de verdade. Não mais.
— Cale a boca.
— A-hã.
— Que seja.
Capítulo 8
Nós levamos algum tempo para voltar à base, porque temos que ser superatentos à minha visibilidade. Estamos mais lentos, mais prudentes e cuidadosos, tirando o tempo necessário para nos escondermos dentro e ao redor de unidades abandonadas a cada noventa metros mais ou menos, apenas para garantir que o caminho está livre ao virar cada canto. Porém, quando enfim estamos nos aproximando da base, a merda explode de verdade.
Não éramos os únicos que estavam usando a rota secundária.
Castle, Ian, Alia e Lily enlouqueceram quando nos viram; estavam escondidos dentro de uma unidade que tínhamos certeza de que estava vazia. Eles pularam até nós saindo de trás de uma cama, o que quase me fez mijar nas calças. Tivemos apenas um instante para explicar o que acontecera antes de Castle contar a sua história.
Eles resgataram Brendan e Winston — tiraram-nos do Setor 45, como tinham planejado inicialmente —, mas os dois estavam em mau estado quando Castle os encontrou.
— Achamos que eles vão ficar bem — Castle está dizendo —, mas temos de levá-los até as garotas o mais cedo possível. Espero que elas consigam ajudar.
— As garotas estão no campo de batalha — Kenji avisa, os olhos arregalados. — Não faço ideia de onde. Elas insistiram em lutar hoje.
O rosto de Castle murcha, e, embora ele não diga em voz alta, fica claro que, de repente, está muito preocupado.
— Onde eles estão agora? — pergunto. — Brendan e Winston?
— Escondidos — Castle responde.
— O quê?
Kenji olha ao redor.
— Por quê? Por que vocês não os estão levando de volta para o Ponto?
Castle fica pálido.
É Lily quem fala:
— Ouvimos rumores enquanto estávamos na base tirando os dois — ela conta. — Rumores sobre o que os soldados vão fazer a seguir.
— Estão se mobilizando para um ataque aéreo — Ian interrompe. — Acabamos de ouvir que eles vão bombardear o Ponto Ômega. Ainda estávamos tentando decidir o que deveríamos fazer quando ouvimos alguém chegar e pulamos para cá — ele faz um aceno da cabeça pela unidade — para nos escondermos.
— O quê? — Kenji entra em pânico. — Mas... como vocês...
— É definitivo — Castle diz.
Seus olhos estão fundos e torturados.
— Eu mesmo ouvi as ordens. Eles esperam que, se atingirem com poder de fogo suficiente, tudo no subsolo simplesmente desmorone sobre si mesmo.
— Mas, senhor, ninguém sabe a localização exata do Ponto Ômega, não é possível...
— É, sim — Alia diz.
Eu nunca a ouvi falar antes e estou surpreso com a suavidade da sua voz.
— Eles tiraram a informação de alguns dos nossos com tortura.
— No campo de batalha — Ian acrescenta. — Logo antes de os matarem.
Kenji parece que vai vomitar.
— Temos que ir agora mesmo — ele fala, a voz aguda e cortante. — Temos que tirar todos de lá... Todos os que deixamos para trás...
Apenas nesse instante, a ideia me ocorre.
— James.
Não reconheço minha própria voz. O horror, o pânico, o medo que inunda meu corpo é algo que nunca senti... Nunca conheci. Não assim.
— Temos que ir pegar o James! — estou gritando e Kenji está tentando me acalmar, mas, desta vez, não consigo escutar. Não me importo se tiver que ir sozinho; vou tirar meu irmão de lá.
— Vamos! — disparo para Kenji. — Temos que pegar um tanque e voltar para a base o mais cedo possível...
— Mas e a Juliette? — Kenji pergunta. — Talvez a gente possa se separar... Eu posso voltar para o Ponto com o Castle e a Alia; você pode ficar aqui com o Ian e a Lily...
— Não. Eu preciso buscar o James. Tenho que estar lá. Tem que ser eu quem vai buscá-lo...
— Mas a Juliette...
— Você mesmo disse que o Warner não vai matá-la... Ela vai ficar em segurança ali por um tempinho. Mas, agora, eles vão explodir o Ponto Ômega, e o James... e todos os outros... vão morrer. Temos que ir agora...
— Talvez eu possa ficar aqui e procurar pela Juliette, e vocês podem ir...
— A Juliette vai ficar bem. Ela não está em perigo imediato... O Warner não vai machucá-la
— Mas...
— Kenji, por favor!
Estou desesperado agora e não me importo.
— Precisamos do máximo de pessoas possível no Ponto Ômega. Um monte de pessoas ficou para trás e elas não têm chance se não chegarmos até elas agora.
Kenji me encara apenas por um momento a mais que o necessário antes de fazer que sim com a cabeça.
— Vocês vão pegar o Brendan e o Winston — ele fala para Castle e os outros três. — Kent e eu vamos roubar um tanque e encontrá-los de volta aqui. Vamos fazer tudo o que pudermos para voltar ao Ponto Ômega o mais rápido possível.
Assim que todos saem, eu agarro Kenji pelo braço.
— Se alguma coisa acontecer com o James...
— Vamos fazer tudo o que pudermos, prometo...
— Isso não é bom o suficiente para mim... Preciso chegar até ele... Tenho que ir agora...
— Você não pode ir agora — Kenji estoura. — Guarde sua estupidez para depois, Kent. Agora, mais do que nunca, você precisa ficar no controle. Se você enlouquecer e voltar para o Ponto Ômega a pé sem cuidar da sua própria segurança, vai estar morto antes de chegar lá, e qualquer chance de salvar o James vai estar perdida. Quer manter seu irmãozinho vivo? Então não se mate enquanto está tentando salvá-lo.
Sinto que minha garganta está fechando.
— Ele não pode morrer — digo, minha voz falhando. — Não posso ser o motivo de ele morrer, Kenji... Não posso...
Kenji pisca depressa, contendo suas próprias emoções.
— Eu sei, cara. Mas não posso pensar assim agora. Temos que continuar em frente...
Kenji ainda está falando, mas eu mal consigo escutá-lo.
James.
Ah, meu Deus.
O que eu fiz?
Capítulo 9
Não faço ideia de como todos nós vamos caber dentro deste tanque. Somos oito pessoas apertadas em um espaço pequeno, sentadas em colos, e ninguém se importa. A tensão é tão espessa que é praticamente mais uma pessoa, tomando um acento que não temos sobrando. Eu mal consigo pensar direito.
Estou tentando respirar, tentando ficar calmo, e não consigo.
Os aviões já estão no ar e eu me sinto enjoado de um jeito que não sei explicar. É mais profundo que meu estômago. Maior que meu coração. Mais avassalador que apenas minha mente. É como se o medo tivesse se transformado em mim; ele veste meu corpo como um terno velho.
Medo é tudo o que me resta agora.
Acho que todos nós sentimos isso. Kenji está dirigindo o tanque, de alguma forma ainda capaz de agir diante de tudo isso, mas ninguém mais está se mexendo. Ninguém está falando. Nem mesmo respirando muito alto.
Eu me sinto tão enjoado.
Ah, meu Deus, ah, meu Deus.
Dirija mais rápido, eu quero dizer, mas, na verdade, não quero. Não sei se quero acelerar ou diminuir a velocidade. Não sei o que vai doer mais. Eu vi minha própria mãe morrer e, de alguma forma, não doeu tanto quanto isto.
E, então, eu vomito.
Por todos os tapetes do chão.
O corpo sem vida do meu irmão de dez anos.
Estou com ânsia, limpando minha boca na camisa.
Vai doer quando ele morrer? Ele vai ser morto imediatamente ou vai ser golpeado com algo pontiagudo — ferido de alguma forma — e morrer lentamente? Ele vai sangrar até a morte sozinho? Meu irmão de dez anos?
Estou me segurando com força ao painel, tentando estabilizar meu coração, minha respiração. É impossível. As lágrimas estão caindo depressa agora; meus ombros, tremendo; meu corpo, desmoronando. Os aviões ficam mais barulhentos conforme se aproximam. Eu consigo ouvir agora. Todos nós conseguimos.
Nem chegamos ainda.
Ouvimos as bombas explodir a distância e é quando eu sinto: os ossos dentro de mim se quebrarem, pequenos terremotos me despedaçando.
O tanque para.
Não há mais para onde avançar. Não há ninguém nem nada para encontrarmos, e todos nós sabemos. As bombas continuam caindo e eu ouço explosões ecoando os sons dos meus soluços, altos e ofegantes no silêncio. Não me resta nada agora.
Não resta nada.
Nada tão precioso quanto meu próprio sangue.
Acabo de baixar a cabeça para as mãos quando um grito perfura o silêncio.
— Kenji! Olhe!
É Alia, dando um berrinho do banco de trás conforme empurra a porta para abri-la e pula para fora. Eu a sigo com os olhos e é apenas nesse momento que vejo o que ela viu, e levo segundos para sair pela porta e passar correndo por ela, caindo de joelhos em frente à única pessoa que eu nunca pensei que veria, nunca mais.
Capítulo 10
Quase estou emocionado demais para falar.
James está em pé diante de mim, soluçando, e eu não sei se estou sonhando.
— James? — ouço Kenji dizer.
Olho para trás e vejo que quase todos já saíram do tanque.
— É você, amiguinho?
— Addie, s-sinto muito — ele soluça. — Eu sei que você disse... você disse que não era para eu lutar, mas eu não consegui ficar para trás e eu tive que sair...
Eu o puxo para os meus braços, apertando-o com força, mal conseguindo respirar.
— Eu queria l-lutar com você — ele gagueja. — Eu não queria ser uma c-criancinha. Eu q-queria a-ajudar...
— Shhh — digo a ele. — Está tudo bem, James. Está tudo bem. Estamos bem. Tudo vai ficar bem.
— Mas, Addie — ele fala —, você não sabe o que a-aconteceu... Eu tinha saído fazia pouco tempo quando vi os a-aviões...
Eu peço para ele ficar quieto de novo e digo que está tudo bem. Que sabemos o que aconteceu. Que ele está seguro agora.
— Desculpe por que não ter conseguido a-ajudá-lo — ele diz, as bochechas com manchas vermelhas e riscadas por lágrimas. — Sei que você disse que eu não devia, mas eu q-queria mesmo a-ajudar...
Eu o pego no colo, embalando seu corpo em meus braços enquanto o carrego de volta para o tanque, e, apenas nesse momento, percebo que a mancha úmida na parte da frente das calças dele não é da chuva.
James deve ter ficado apavorado. Ele deve ter ficado loucamente assustado e, ainda assim, fugiu do Ponto Ômega porque queria ajudar. Porque queria lutar ao nosso lado.
Eu poderia matá-lo por isso.
Mas vou estar mentindo se disse que ele não é uma das pessoas mais corajosas que eu já conheci.
Capítulo 11
Depois de voltarmos ao tanque, percebemos que não temos ideia do que fazer.
Não temos nenhum lugar para onde ir.
A intensidade do que aconteceu acabou de começar a nos atingir. E, só porque eu pude salvar um pouquinho de boas notícias dos destroços, não significa que não restou muito pelo que sofrer.
Castle está praticamente letárgico.
Kenji é o único que ainda está tentando nos manter vivos. Ele é o único que ainda tem algum senso de autopreservação, e acho que é por causa de Castle. Porque ninguém está nos liderando mais e alguém tem que assumir.
Porém, mesmo com Kenji fazendo o melhor que pode para nos manter concentrados, poucos de nós estão reagindo. O dia acabou muito mais rápido do que poderíamos ter esperado, e o sol está se pondo depressa, mergulhando todos nós na escuridão.
Estamos cansados, estamos destruídos e não conseguimos reagir mais.
O sono, parece, é a única coisa que virá.
Capítulo 12
James se mexe nos meus braços.
Acordo no mesmo instante, piscando depressa e olhando ao redor, quando vejo todos ainda dormindo. O sol está partindo o horizonte para deixar a luz sair, e a manhã está tão imóvel, e tão silenciosa, que parece impossível que algum dia tenha havido algo de errado.
A verdade, no entanto, volta rápido demais.
São tijolos no meu peito, pressão nos meus pulmões, dores nas minhas articulações e metal na minha boca: lembranças do dia longo, da noite mais longa e do menino enrolado em meus braços.
Morte e destruição. Lasquinhas de esperança.
Kenji nos levou até um local remoto e usou o resto de sua força para deixar o tanque invisível pela maior parte da noite; era a única maneira de esperarmos o fim da batalha e conseguirmos dormir algumas horas. Ainda não tenho certeza de como esse cara ainda está funcionando. Ele definitivamente é muito mais forte do que eu imaginei.
O mundo à nossa volta está estranhamente calmo. Eu me mexo um pouco e James fica alerta, acordado e fazendo perguntas assim que sua boca se abre. Sua voz perturba todos os outros, acordando-os com um susto. Uso as costas das mãos para esfregar meus olhos e ajeito James no colo, segurando-o perto de mim. Deixo um beijo no topo da sua cabeça e digo para ele ficar em silêncio.
— Por quê? — ele pergunta.
Cubro a boca dele com a minha mão.
Ele a tira com um tapa.
— Bom dia, raio de sol.
Kenji pisca na nossa direção.
— Bom dia — respondo.
— Eu não estava falando com você — ele diz, tentando sorrir. — Estava falando com o raio de sol.
Eu sorrio como resposta, sem ter certeza de para onde vamos com isso. Há tanto para conversar e tantas coisas sobre as quais não queremos conversar que não sei se vamos acabar conversando ou não. Olho para trás na direção de Castle e percebo que ele está bem acordado e olhando para fora da janela. Dou um aceno para cumprimentá-lo.
— Você dormiu bem? — pergunto a ele.
Castle me encara.
Eu olho para Kenji.
Kenji olha para fora da janela também.
Eu solto um sopro.
Todos voltam para o presente, devagar, mas sem dúvida. Quando estamos em uma condição semifuncional — inclusive Brendan e Winston —, Kenji não perde tempo.
— Temos que pensar no que vamos fazer — ele diz. — Não podemos nos arriscar a ficar na estrada muito tempo, e não tenho certeza de por quanto tempo ou quão bem vou conseguir projetar. Minha energia está voltando, mas lentamente, e vai e vem. Não é algo com que eu possa contar agora.
— Também precisamos pensar em comida — Ian diz, grogue.
— É, estou com bastante fome — James acrescenta.
Eu aperto os ombros dele. Todos nós estamos famintos.
— Certo — Kenji diz. — Então, alguém, tem alguma ideia?
Silêncio de todos nós.
— Vamos, pessoal — ele fala. — Pensem. Qualquer esconderijo, qualquer ponto seguro... Qualquer lugar onde vocês já ficaram que já foi um espaço seguro...
— E a nossa antiga casa? — James pergunta, olhando ao redor.
Eu me sento mais ereto, surpreso por não ter pensado nisso.
— Certo... É claro — digo. — Boa ideia, James.
Eu bagunço o cabelo dele.
— Isso funcionaria.
Kenji bate o punho no volante.
— Sim! — diz, alto. — Bom. Excelente. Perfeito. Graças a Deus.
— Mas, e se vierem procurar por nós? — Lily questiona. — O Warner não sabia sobre sua antiga casa?
— É — respondo para ela. — Mas, se eles acham que todos do Ponto Ômega morreram, não vão pensar em me procurar. Nem procurar nenhum de nós.
Com isso, todos ficam completamente em silêncio.
O assunto tabu apareceu e, agora, ninguém sabe o que dizer. Todos nós olhamos para Castle em busca de instruções sobre a melhor forma de agir, mas ele não diz uma palavra. Está olhando diretamente para a frente, para o nada, como se tivesse sido paralisado pelo lado de dentro.
— Vamos — Alia diz em voz baixa.
Ela é a única que responde para mim e me dá um sorriso gentil ao fazê-lo. Eu decido que gosto dela por isso.
— Nós deveríamos garantir abrigo o mais cedo possível. E talvez encontrar alguma coisa para o James comer.
Eu sorrio para ela. Muito emocionado por ela falar em nome de James.
— Talvez pudéssemos encontrar algo que todos nós possamos comer — Ian interrompe, mal-humorado.
Eu franzo as sobrancelhas, mas não posso culpá-lo. Meu estômago fez alguns protestos da sua parte.
— Devemos ter bastante comida em casa — eu falo. — Ela está paga até o final do ano, então teremos praticamente tudo de que precisamos, água, energia elétrica, um teto sobre as nossas cabeças, mas vai ficar apertado e vai ser temporário. Teremos de pensar em uma solução mais a longo prazo logo.
— Parece bom — Kenji diz para mim.
Ele se vira de volta para olhar todos os outros.
— Estamos todos de acordo aqui?
Há um murmúrio de consenso e é tudo de que precisamos, na verdade, antes de partirmos e seguirmos para minha antiga casa. De volta ao começo.
O alívio me inunda.
Estou muito grato por poder levar James para casa. Por deixá-lo dormir em sua própria cama. E, embora eu saiba que não devo dizer em voz alta, uma pequena parte de mim está feliz pelo nosso tempo no Ponto Ômega ter acabado oficialmente. Há um lado bom em tudo isso e é o fato de Warner pensar que estamos todos mortos. E, embora ele esteja com Juliette agora, não vai ficar com ela para sempre. Ela ficará segura até nós podermos achar um jeito de trazê-la de volta e, até então, ele não virá atrás de nós. Podemos encontrar uma maneira de viver, longe de toda a violência e destruição.
Além disso, estou cansado de lutar. Estou cansado de fugir e sempre ter de arriscar minha vida e me preocupar constantemente com James. Quero apenas ir para casa. Quero cuidar do meu irmão. E nunca, nunca mesmo, quero sentir o que senti na noite passada.
Não posso arriscar perder James, nunca mais.
Capítulo 13
As estradas estão quase abandonadas por completo. O sol está alto e o vento está extremamente frio, e, embora a chuva tenha parado, o ar tem cheiro de neve e eu tenho a sensação de que ela será pesada. Envolvo James mais apertado em meus braços, tremendo contra o frio que vem de um lugar bem profundo dentro do meu corpo. Ele caiu no sono de novo, seu rostinho enterrado na curvatura do meu pescoço. Eu o abraço mais perto do meu peito.
Com a oposição destruída, não há necessidade de ter muitas tropas na área — nenhuma, aliás. Provavelmente estão removendo os corpos agora, limpando a bagunça e colocando as coisas de volta à ordem o mais rápido possível. É o que sempre fizemos.
A batalha era necessária, mas limpar é tão crucial quanto ela.
Warner costumava repetir isso na base: não damos aos civis tempo de luto. Nunca podíamos lhes dar a oportunidade de transformar seus entes queridos em mártires. Não, era melhor as mortes parecerem o mais insignificantes possível.
Todos tinham de voltar ao trabalho imediatamente.
Tantas vezes eu fiz parte dessas missões. Eu sempre odiei Warner, odiei O Restabelecimento e tudo o que ele defendia, mas, agora, sinto tudo isso com ainda mais intensidade. Pensar que eu iria perder James fez algo comigo na noite passada, e o dano é irreparável. Eu pensei que sabia como era perder alguém próximo, mas não sabia, não de verdade. Perder um pai ou uma mãe é devastador, mas, de alguma forma, a dor é muito diferente de perder um filho. E James, para mim, de muitas formas, parece ser meu próprio filho. Eu o criei. Cuidei dele. Protegi-o. Alimentei-o e o vesti. Ensinei a ele a maioria das coisas que sabe. Ele é a minha única esperança em toda esta devastação: aquilo pelo que eu sempre vivi, sempre lutei. Eu ficaria perdido sem ele.
James dá sentido à minha vida.
E eu não percebera isso até a noite passada.
O que O Restabelecimento faz — separando pais de filhos, casais, basicamente despedaçando famílias — é de propósito. E a crueldade dessas ações não havia me atingido de verdade até agora.
Eu não acho que poderia fazer parte de algo assim novamente.
Capítulo 14
Entramos na garagem subterrânea sem problemas e, depois de estarmos lá dentro, eu posso soltar a respiração. Sei que ficaremos seguros aqui.
Nós todos, os nove, saímos do tanque e ficamos ali em volta por um momento. Brendan e Winston estão se segurando um no outro com firmeza, ainda se recuperando dos seus ferimentos. Não tenho certeza do que aconteceu com eles exatamente, porque ninguém está falando sobre isso, mas não acho que eu queira saber. Alia e Lily ajudam Castle a sair do tanque e Ian está logo atrás. Kenji está parado ao meu lado. Ainda estou segurando James no colo e só o coloco no chão depois que ele pede.
— Vocês estão prontos para subir? — eu pergunto. — Tomar banho? Comer alguma coisa de café da manhã?
— Parece ótimo, cara — diz Ian.
Todos os outros concordam.
Eu mostro o caminho, James agarrado à minha mão.
É loucura; da última vez em que estivemos aqui, estávamos fugindo de Warner. Juliette e eu. Foi quando ela conheceu James, a primeira vez em que senti que poderíamos mesmo ter uma vida juntos. E, depois, Kenji apareceu e redirecionou o curso de tudo. Eu faço que não com a cabeça, lembrando. De alguma forma, parece ter sido há um milhão de anos. Tantas coisas mudaram. Eu era praticamente um cara diferente naquela época. Eu me sinto muito mais velho e endurecido e bravo agora. É difícil acreditar que foi há apenas alguns meses.
A porta da frente ainda está estragada de quando Warner e seus homens a arrombaram, mas damos um jeito. Eu puxo a maçaneta e depois empurro, com força, e a porta abre para dentro.
De repente, todos nós estamos cruzando a soleira.
Estou olhando ao redor, surpreso por ver tudo quase da maneira exata como deixamos. Algumas coisas estão derrubadas e o lugar precisa de uma faxina pesada, mas dará certo. Será um local ótimo e seguro por um tempo. Eu começo a mexer em interruptores e os pequenos aposentos ganham vida cintilando, luzes fluorescentes fazendo um chiado regular no silêncio. James dispara na direção do seu quarto e eu procuro nos armários comida enlatada e itens não perecíveis; ainda temos muitos pacotes em embalagens de plástico da máquina de comida.
Eu solto um suspiro de alívio.
— Quem quer café da manhã? — pergunto, levantando alguns pacotes.
Kenji cai de joelhos, gritando “aleluia!”; Ian praticamente me ataca. James vem correndo do seu quarto gritando “EU EU EU QUERO QUERO” e Lily ri até não poder mais. Alia sorri e se apoia na parede conforme Brendan e Winston se deixam cair no sofá, gemendo de alívio. Castle é o único que permanece em silêncio.
— Certo, pessoal — Kenji diz. — Adam e eu vamos cuidar da comida e o resto de vocês pode se revezar para se lavar. Além disso, odeio ser superóbvio, mas temos apenas um banheiro e todos nós precisamos dividir, então, por favor, lembrem-se disso. Adam tem alguns suprimentos, mas não muitos, então vamos ser econômicos, combinado? Lembrem-se de que vivemos à base de racionamento agora. A consideração é essencial.
Há um consenso geral e várias cabeças fazendo que sim, e todos se ocupam com um tipo diferente de preparação. Todos exceto Castle, que se senta na única poltrona e não se mexe. Ele parece estar pior que Brendan e Winston, que estão passando por dores físicas de verdade.
Ainda estou olhando para eles dois quando Ian escapa do grupo para me perguntar se tenho algo para cuidar de Brendan e Winston. Eu garanto a ele que vou usar todos os recursos que tiver para curá-los o melhor que puder. Eu sempre tive um pequeno kit de emergência em casa, mas não é muita coisa, e eu não sou médico. Mas sei o suficiente. Acho que poderei ajudar. Isso deixa Ian significativamente mais alegre.
É apenas quando Kenji e eu estamos ocupados preparando a comida na cozinha que ele toca no assunto mais urgente. Aquele que eu ainda não tenho certeza de como resolver.
— Então, o que vamos fazer a respeito da Juliette? — ele pergunta, jogando um pacote de comida de máquina em uma tigela. — Já estou preocupado por termos demorado tanto para ir atrás dela.
Sinto que estou ficando pálido. Não sei como dizer a ele que não tenho nenhum plano imediato de voltar lá para fora. Com certeza, não para lutar; não depois do que aconteceu com James.
— Não sei — digo. — Não tenho certeza do que nós podemos fazer.
Kenji me encara, confuso.
— O que você quer dizer? Temos que tirá-la de lá. O que significa que temos que fazê-la escapar de lá, o que significa que temos que planejar outra missão de resgate.
Ele me olha feio.
— Pensei que fosse óbvio.
Eu limpo a garganta.
— Mas e quanto ao James? E o Brendan e o Winston? E o Castle? Não estamos indo muito bem aqui. É certo simplesmente deixá-los aqui e...
— Cara, de que diabos você está falando? Você não está apaixonado por essa menina? Cadê a revolta? Pensei que você estaria enlouquecendo para ir buscá-la agora mesmo...
— Estou — digo, com urgência. — É claro que estou. Só estou preocupado... Faz tão pouco tempo que bombardearam o Ponto que eu só...
— Quanto mais esperarmos, pior vai ficar.
Kenji faz que não com a cabeça.
— Temos que ir o mais rápido possível. Se não formos, ela vai ficar presa lá para sempre, e o Warner vai usá-la como seu monstro de tortura. Ele provavelmente vai matá-la no processo sem nem ter a intenção.
Eu agarro o canto do balcão e olho fixamente para a pia.
Merda.
Merda merda merda.
Dou um giro ao ouvir a voz de James, escuto por um momento enquanto ele ri de algo que Alia disse. Meu coração aperta só de pensar em deixá-lo para trás de novo. Mas sei que tenho uma responsabilidade com Juliette. O que ela faria se eu não estivesse aqui para ajudá-la? Ela precisa de mim.
— Certo — eu suspiro. — É claro. O que temos que fazer?
Capítulo 15
Depois do café da manhã, que foi na verdade mais próximo do almoço, eu cuido um pouco de Brendan e Winston e os acomodo no chão para que possam descansar de verdade. James e eu tínhamos juntado um bom número de cobertores gastos e travesseiros ao longo dos anos, e, assim, temos exatamente o bastante para distribuir, e graças a Deus, porque está frio pra burro. Até enrolamos um cobertor em volta dos ombros de Castle. Ele ainda mal está se mexendo, mas o forçamos a comer, e pelo menos ele tem um pouco de cor no rosto agora.
Com Brendan e Winston acomodados, Ian e Alia e Lily alimentados e confortáveis, James são e salvo e Castle descansando, Kenji e eu enfim estamos prontos para dar início a novos planos.
— Eu vou sair — Kenji fala. — Ir para a base e dar uma de enxerido. Escutar os rumores e sussurros sobre o que está acontecendo... Talvez até encontrar Juliette, avisá-la de que iremos buscá-la logo.
Eu faço que sim com a cabeça.
— É um ótimo começo.
— Assim que eu souber mais sobre o que está acontecendo, poderemos pensar em um plano firme, pegá-la e trazê-la para casa.
— Então, assim que ela voltar — eu digo —, teremos de nos mudar de novo.
— Provavelmente, é.
Eu faço que sim com a cabeça algumas vezes.
— Certo. Tudo bem. — Engulo a seco.
— Eu espero aqui até você voltar.
— Parece bom.
Kenji sorri e, depois, some. Desaparece. A porta da frente é puxada e depois fechada, e eu estou encarando a parede e tentando não enlouquecer demais quanto ao que vai acontecer em seguida.
Outra missão. O que significa outra chance de estragar tudo e acabarmos mortos. E, então, se tivermos sucesso, seremos recompensados com mais fugas, mais instabilidade, mais caos.
Eu fecho os olhos.
Amo Juliette. De verdade. Quero ajudá-la e apoiá-la e estar ao lado dela. Quero que tenhamos um futuro juntos, Mas, às vezes, eu me pergunto se isso um dia acontecerá.
Não é fácil admitir, mas parte de mim não quer colocar James em risco de novo — em fuga de novo — por uma garota que me dispensou. Uma garota que nos deixou.
Não sei mais qual é a coisa certa a fazer.
Não sei se minha lealdade está com James ou Juliette.
Capítulo 16
Kenji volta depois de apenas umas duas horas. O rosto muito pálido, as mãos tremendo. Ele está com a respiração pesada, seus olhos estão sem foco e ele se senta no sofá sem dizer uma palavra, e eu já estou em pânico.
— O que aconteceu? — pergunto.
— O que está acontecendo? — Lily diz.
— Você está bem, cara? — isso vem de Ian.
Nós o bombardeamos com perguntas e ele não responde. Olha fixamente, sem piscar, uma réplica de Castle, que está sentado em uma poltrona à sua frente.
Por fim, depois de um longo momento de silêncio, ele fala.
Três palavras.
— A Juliette morreu.
Caos. As perguntas estão voando e gritos são abafados e todos estão chocados, horrorizados, enlouquecendo.
Estou pasmo.
Meu cérebro parece paralisado, sem querer processar ou digerir essa informação. Por quê?, eu quero perguntar. Como? Como isso é possível?
Porém, não consigo falar. Estou congelado de horror. Sofrimento.
— Não foi o Warner que foi atrás dela — Kenji está dizendo, lágrimas caindo depressa pelo seu rosto. — Foi o Anderson. Eram homens do Anderson. Eles fizeram o anúncio há apenas algumas horas — ele explica, engasgando com as palavras. — Disseram que bombardearam o Ponto Ômega, capturaram Juliette e a mataram nesta manhã mesmo. O supremo já voltou para a capital.
— Não — eu ofego.
— Devíamos ter ido atrás dela — Kenji está dizendo. — Eu devia ter ficado para trás... Eu devia ter tentado encontrá-la... É minha culpa — ele fala, as mãos no cabelo, tentando conter as lágrimas. — É culpa minha ela estar morta. Eu devia ter ido atrás dela...
— Não é culpa sua — Ian diz para ele, aproximando-se depressa e agarrando seus braços. — Não ouse colocar essa responsabilidade em si mesmo.
— Perdemos muitas pessoas — Lily diz. — Pessoas queridas para nós que não pudemos salvar. Isso não é culpa sua. Eu juro. Fizemos o melhor que podíamos.
Todos estão consolando Kenji agora, tentando assegurar para ele que nenhuma culpa é necessária. Não existe ninguém a culpar por isso tudo.
Mas eu não posso concordar.
Eu tropeço para trás até bater na parede, inclinando-me contra ela em busca de apoio. Eu sei a quem culpar. Sei onde está a culpa.
Juliette está morta por minha causa.
Tahereh Mafi
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