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Frota de Saltadores / Kurt Mahr
Frota de Saltadores / Kurt Mahr

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

Frota de Saltadores

 

                  

 

A Grande tela de imagem parecia uma janela.

Uma grande parte do campo de visão estava encoberta pelo brilho fosco da nave espacial estranha. Só na margem direita via-se um trecho do espaço, com uma nesga daquele estranho mundo nublado, em torno do qual as duas naves gravitavam há muitas horas.

Era a Good Hope-IX, uma nave auxiliar da frota terrestre, com sessenta metros de diâmetro, e a Orla XI, um verdadeiro gigante pertencente a uma raça extraterrestre cujos membros se denominavam saltadores.

Uma fita magnético-mecânica ultrapotente, que se neutralizava automaticamente no interior da nave, prendia a Good Hope-IX à grande nave dos saltadores.

Amarrada dessa forma à outra nave, a Good Hope-IX fora forçada a acompanhar os saltadores numa transição, que os levara da órbita de Plutão até o ponto em que voltaram a imergir no espaço, um ponto cuja situação ninguém conhecia, a não ser os saltadores. E estes nem pensavam em revelar o segredo aos seus prisioneiros.

Havia três tripulantes na sala de comando da Good Hope-IX: Humpry Hifield, conhecido por Hump, Klaus Eberhardt e Mildred Orson. Hump e Eberhardt ainda envergavam o uniforme que os cadetes da Academia Espacial usavam em uma missão de cosmonáutica. Mildred, a estudante de bacteriologia, trajava uma vestimenta espacial finíssima e muito confortável, de fabricação arcônida. O capacete pendia nas costas, em forma de capuz.

— Está demorando — resmungou Eberhardt.

Hump deu de ombros.

— Tomara que não lhe façam nada — gemeu Mildred.

Hump parecia contrariado.

— O que poderiam fazer a ele? Dentro de uns cinco ou dez minutos estará de volta e vai achar graça do medo que vocês sentiram. Bem que eu gostaria que alguém se preocupasse dessa forma comigo.

Mildred não lhe deu atenção. Eberhardt lançou um olhar de esguelha para Hump e esboçou um sorriso.

— Você se cuida para nunca enfrentar uma situação em que alguém possa se preocupar por sua causa, não é?

Hump não era de deixar tal acusação sem resposta, mas, antes que pudesse dizer qualquer coisa, Mildred gritou:

— Aí vem ele!

Subitamente, um buraco se abriu no casco liso da nave dos saltadores. Um vulto humano surgiu e atravessou o abismo que se abria entre as duas naves. Sumiu da tela onde era visto no instante em que desapareceu atrás do abaulamento da nave auxiliar.

Mildred já estava a caminho.

— Vamos ao encontro dele! — gritou.

Eberhardt correu atrás dela. Hump sacudiu a cabeça, bastante contrariado, mas acabou seguindo os dois.

Passaram correndo entre as duas sentinelas saltadoras, armadas até os dentes, postadas junto à porta da sala de comando, e foram seguindo pelo largo corredor que levava ao elevador principal.

Os saltadores, que eram criaturas altas e de cabelos compridos, nem se abalaram. Haviam observado os três prisioneiros enquanto eles se encontravam na sala de comando e tinham certeza de que não haviam feito nada que pudesse ser considerado indesejável.

Mildred, Eberhardt e Hump chegaram à comporta do pé da nave no mesmo instante em que a escotilha se abria. O homem que haviam visto atravessar o espaço que separava a Good Hope-IX da Orla XI saiu da comporta, tirou o capacete e, num gesto de resignação, baixou os ombros.

— Que tal, Tiff? — perguntou Mildred, assustada.

Julian Tifflor fez um gesto de desânimo. Tiff, como o chamavam, era cadete da Academia Espacial de Terrânia e se encontrava em missão secreta; mas ele mesmo não conhecia os detalhes desta missão.

— Não houve nada — respondeu em tom cansado. — Fui interrogado. E lhes garanto que a maneira como eles conduzem um interrogatório faz qualquer um perder o riso.

— O que foi que você contou a eles? — perguntou Hump, em tom mais malicioso do que pretendia.

— Nada! — gritou Tiff, zangado. — Não sei nada; logo, não posso contar nada.

— É o que você diz — retrucou Hump, impassível.

Mildred lançou-lhe um olhar furioso.

— Será que vocês não podem parar com essa bobagem ao menos por cinco minutos? — perguntou.

Voltou-se para Tiff; pretendia fazer outra pergunta. Mas Tiff se adiantou a ela.

— Vamos para cima. Quero conversar com vocês.

Tiff tomou a frente. Foi seguido pelos dois cadetes e pela moça. Entraram no elevador antigravitacional e subiram ao setor da nave em que ficavam os camarotes e a pequena sala da tripulação. Na sala da tripulação encontraram seis dos nove cadetes que a Good Hope-IX tinha a bordo, Felicitas Kergonen, uma estudante de botânica, e o major Deringhouse, que saíra do camarote, caminhando sobre muletas, apenas para não ficar só.

Todos sabiam que Julian Tifflor havia sido chamado a bordo da Orla XI para ser interrogado. Quando entrou, ficaram calados.

De início, Tiff se limitou a fazer um gesto rápido: a mão direita, que se encontrava junto ao quadril, subiu obliquamente. Só depois disso falou:

— Bom dia! Como estão as coisas por aqui?

As respostas, embora hesitantes, vieram exatamente como Tiff as esperava: foram proferidas com a maior inocência.

Haviam compreendido o gesto, combinado poucas horas antes. A mão levantada obliquamente diante do quadril significava o seguinte: “Vou dizer alguma coisa que os saltadores não podem ouvir; tenham cuidado com o intercomunicador.”

Os saltadores podiam ser tudo, menos idiotas. Sabiam perfeitamente quem eram os prisioneiros que haviam capturado: tratava-se de gente que só desistiria da idéia de fugir depois que lhe tivesse cortado a cabeça. A Good Hope-IX estava equipada com um intercomunicador eficientíssimo, e os saltadores se aproveitavam dele para vigiar os prisioneiros.

Tiff deu início a uma palestra indiferente. Alguns dos cadetes se agruparam em torno dele e começaram a fazer perguntas sobre a experiência pela qual acabara de passar a bordo da Orla XI. Os outros continuaram a conversar com Deringhouse, que se instalara confortavelmente sobre duas poltronas, a fim de proteger a perna ferida.

O grupo que rodeava Tiff se mantinha bem unido. Estava tão unido que, enquanto dava respostas indiferentes, Tiff pôde escrever às pressas algumas linhas sem que pudesse ser visto através do intercomunicador.

Entregou o bilhete a Hump, que se encontrava a seu lado. Tinha certeza de que, dentro de poucos minutos, a novidade teria feito a ronda entre todos os presentes.

A conversa prosseguiu, enquanto o bilhete circulava. Nele estava escrito o seguinte:

A Orla XI é inferior à Good Hope-IX em armamento e potencial energético. Temos chances de fugir, desde que consigamos ativar os propulsores. As duas moças terão que desviar a atenção das duas sentinelas postadas diante da sala de comando. Eu mesmo ligarei as máquinas e as porei em funcionamento com um atraso de cerca de uma hora. Peço sugestões quanto à hora em que podemos começar.

 

A Stardust-III estava estacionada na periferia do sistema solar terrestre, entre as órbitas de Plutão e Netuno. O gigantesco couraçado, que media oitocentos metros de diâmetro, estava ladeado pelos cruzadores pesados Terra e Solar System. Perry Rhodan mantinha contato permanente pelo intercomunicador com os comandantes dos dois cruzadores.

Os sensores estruturais haviam captado a transição da nave dos saltadores e conseguiram localizar o ponto de saída no espaço. Rhodan introduziu os dados fornecidos pelos sensores na calculadora positrônica e pediu a maior rapidez na interpretação.

Rhodan sabia perfeitamente que mesmo o gigantesco cérebro positrônico da Stardust-III levaria de seis a sete horas para interpretar aqueles dados, diagramados e extremamente complicados; a não ser que se quisesse admitir um desvio superior a um por cento no resultado.

Acontece que Rhodan não podia dispor de seis ou sete horas.

Ele mesmo, a Stardust-III e a própria Terra se defrontavam com um inimigo que, apesar de todos os esforços empreendidos, até então conseguira se manter oculto. Daí podia se deduzir que, de forma alguma, sua tecnologia era subdesenvolvida.

Rhodan elaborara um plano segundo o qual Julian Tifflor lhe forneceria a pista do inimigo. Tifflor agira conforme se esperava. Mas ninguém contara com uma possibilidade: a de que o inimigo pudesse capturar a Good Hope-IX junto à órbita de Plutão e desviá-la para o hiperespaço. Com isso, o emissor celular embutido no organismo de Tifflor ficou, de um instante para outro, fora do alcance do poder de localização dos telepatas.

Rhodan estava disposto a admitir um erro de até dez por cento na interpretação do diagrama, mas de forma alguma poderia se conformar com uma perda de tempo superior a uma hora.

— Temos de localizar a Good Hope-IX! Era a única frase que se ouvia dele depois do desaparecimento da nave auxiliar.

Reginald Bell apareceu com o resultado fornecido pela calculadora positrônica, gravado em fita. Rhodan lhe arrancou as fitas da mão e passou a examiná-las. Gastou um minuto nessa atividade.

Bell olhou-o de lado.

— Então?

Esteve a ponto de formular outras perguntas; mas nesse instante Rhodan levantou a cabeça e gritou:

— Preparar a nave para a transição! A Terra e a Solar System irão conosco.

 

“Daqui a duas horas”, foi a resposta ao pedido de sugestões. “Logo depois do revezamento das sentinelas.”

Tiff concordou. Ele mesmo formulara a mesma sugestão.

Saiu da sala da tripulação, acompanhado de Eberhardt e Mildred. Hump permaneceu na mesma.

Havia receptores de imagem e som embutidos a intervalos regulares nas paredes do corredor. A distância entre um receptor e outro era de cerca de sete metros. Uma vez que a conversa entre Mildred e os dois cadetes era realizada em voz muito baixa, havia um trecho de dois ou três metros entre cada série de dois receptores em que as palavras não podiam ser captadas.

A conversa foi mais ou menos a seguinte:

— Orlgans se sacudiu de gargalhadas — disse Tiff, relatando uma situação surgida no curso do interrogatório que acabara de enfrentar, enquanto passavam lentamente diante de um dos aparelhos. — Mas vocês conhecem os saltadores: enquanto ficara rindo a bandeiras despregadas e se divertem a valer, pensam sobre a melhor maneira de matar a gente.

— O que ele quis saber? — perguntou Eberhardt.

Tiff olhou para o lado. O intercomunicador pelo qual haviam acabado de passar ficara mais de dois metros atrás deles e o próximo ficava a quase cinco metros.

— Vocês terão de envolver as sentinelas numa conversa, Milly — disse Tiff, falando baixo e depressa. — Digam que querem lhes mostrar alguma coisa e afastem-nas da sala de comando ao menos por três minutos. Se for necessário, poderemos terminar nesse tempo; mas se puder ser mais, será bem melhor.

O intercomunicador já estava mais perto.

— ...é claro que não — disse Tiff, mudando o tema de uma hora para outra. — não faço a menor idéia de quais sejam os segredos que ele espera descobrir. Aliás, não fornece a menor indicação a este respeito. Riu bem na minha cara e disse que, da próxima vez, terá de recorrer a outros meios, que serão muito desagradáveis para mim, a fim de obter as informações desejadas.

Mildred fez cara de assustada.

— Será que ele vai fazer uma coisa dessas?

Tiff fez que sim. O intercomunicador estava atrás deles.

— Não tenha a menor dúvida!... Vocês terão de proceder com muita habilidade, Milly. Mesmo que eu faça a ligação de retardamento, as sentinelas podem descobrir minha intenção se desconfiarem e resolverem dar uma olhada bastante demorada na sala de comando. Explique tudo a Felicitas, para que ela não faça nenhuma tolice. E diga-lhe que não precisa ter medo... os saltadores não são nada maus, enquanto são amigos da gente. Mas ai de quem os contraria!

 

— Não há qualquer reflexo que indique a existência de matéria num raio de vinte anos-luz — anunciou o localizador.

Perry Rhodan estava sentado diante do painel do piloto da Stardust-III. Na tela via-se o negrume do espaço vazio, entremeado por um véu de pontos luminosos, frios e de contornos indefinidos.

Duas manchas apagadas e desbotadas também apareciam na tela — os cruzadores Terra e Solar System.

— E fora do raio de vinte anos-luz? — perguntou Rhodan, falando para o interior do microfone.

A resposta foi imediata:

— Beta-Albíreo fica a uma distância de 21,85 anos-luz do ponto em que nos encontramos. Trata-se de uma estrela geminada da constelação de Cisne.

Rhodan confirmou com um aceno de cabeça.

— Há mais alguma coisa?

— Há mais dois sóis a uma distância de 53,56 e 62,72 anos-luz.

— Obrigado.

Reginald Bell, que já se levantara há algum tempo, se encostou de lado contra o painel de instrumentos.

Rhodan lançou-lhe um olhar.

— Saltamos por uma distância de trezentos e cinqüenta anos-luz — disse em tom pensativo. — Beta-Albíreo fica a trezentos e vinte anos-luz de nosso sol. Segundo o cérebro positrônico, a margem de erro dos cálculos realizados é de 9,2%.

Ficou em silêncio e voltou a entrar em contato com o localizador.

— Preciso saber a distância entre as duas estrelas desconhecidas e o Sol — disse.

No receptor ouviu-se o zumbido da calculadora automática. A resposta não se fez esperar.

— A mais próxima das duas fica quase exatamente sobre o prolongamento da linha que une a Terra à Stardust-III. Conclui-se que a distância do Sol é de cerca de quatrocentos anos-luz. A outra se afasta dessa linha na proporção de um Pi positivo. A distância do Sol é de cerca de trezentos e oitenta e três anos-luz.

Rhodan desligou e voltou a olhar para Bell.

— Você ouviu?

Bell realizou alguns cálculos mentais.

— Ouvi, sim — disse em tom pensativo. — Trezentos e cinqüenta com 9,2% de margem de erro significa que o objetivo se encontra no espaço situado entre trezentos e dezoito e trezentos e oitenta e dois anos-luz. O valor de trezentos e vinte pode ser correto, o de trezentos e oitenta e três talvez também o seja. Mas o de quatrocentos pode ser excluído.

Rhodan confirmou com um aceno de cabeça.

— Está bem. Podemos escolher entre dois objetivos. Por qual deles devemos optar?

Bell contorceu o rosto num sorriso combativo.

— Pelo mais provável dos dois: Beta-Albíreo.

 

Pela sua origem, os saltadores podiam ser considerados uma raça arcônida. No que diz respeito à tecnologia, eram iguais, se não superiores aos arcônidas, os senhores do império galático.

As naves dos saltadores, tanto as de guerra como as mercantes, estavam equipadas com sensores estruturais que registravam, a grande distância, o abalo do espaço quadridimensional provocado pela transição de uma nave.

A Orla XI não teve a menor dificuldade em localizar o forte abalo provocado pela transição das três naves de guerra terrestres.

Foi quando Orlgans, dono e comandante da Orla XI, começou a perceber que provavelmente o empreendimento em que se metera ultrapassava suas forças.

Conversou com a pessoa que, a bordo de uma nave terrestre, seria designada como o imediato. Os saltadores eram negociantes, e a bordo de suas naves ninguém ostentava dignidades militares.

O nome dessa pessoa era Ornafer. Um terreno que visse os dois homens não conseguiria distingui-los, a não ser que os conhecesse há muito tempo. Tinham a mesma estatura — ambos mediam dois metros — e o mesmo feitio maciço do corpo. Os cabelos, da mesma cor, não eram cortados, e ambos traziam a barba aparada segundo a moda que então prevalecia entre os saltadores.

— Alguém está no nosso encalço — disse Orlgans em tom sério.

Ornafer deu uma risada de desafio.

— E daí? Ficarão sabendo com quem estão lidando.

Orlgans balançou a cabeça.

— É possível que nós também fiquemos sabendo com quem estamos lidando — ponderou.

Ornafer ainda estava rindo.

— Quem poderá fazer alguma coisa contra nós? Afinal, somos os saltadores!

Orlgans era de outra opinião.

— Esses seres conhecem o mundo da vida eterna. Não conhecemos os recursos técnicos de que dispõem.

Ornafer contemporizou.

— Está bem — disse. — Já que está preocupado, podemos pedir que mandem algumas naves de guerra para nos socorrer.

Orlgans levantou ambas as mãos, num gesto de concordância.

— A última localização indica uma distância de vinte anos-luz. Se chegarem mais perto, chamarei as naves de guerra.

 

Mildred informou Felicitas sobre a missão conjunta que teriam de cumprir. Recorreu ao mesmo meio que Tiff usara para com ela; falava quando se encontravam entre dois dos aparelhos de intercomunicação instalados no corredor.

Tiff se certificara pessoalmente de que as máquinas da nave dos saltadores eram inferiores às da Good Hope-IX. Estava decidido a realizar a fuga de qualquer maneira; recorreriam à astúcia e, se necessário, à violência.

No momento em que entrasse na sala de comando, Eberhardt, Hump e mais alguns dos cadetes ficariam à espreita, para verificar se as sentinelas não voltavam antes do tempo. Se o fizessem, teriam de ser eliminadas. Tiff tinha certeza de que a nave auxiliar, cujas máquinas haviam sido desligadas há várias horas, poderia ser colocada em condições de partir dentro de um espaço de tempo de dez minutos. Nesses dez minutos, teriam que defender a Good Hope-IX contra os saltadores; isso se as moças fracassassem.

Havia um detalhe sobre o qual Tiff não tinha certeza:

Quando os saltadores atacaram a Good Hope-IX na órbita de Plutão, o major Deringhouse, depois de uma defesa breve ineficaz, deixou que a nave caísse em poder do inimigo. As armas da Good Hope-IX eram muito superiores às da nave mercante dos saltadores. Por que Deringhouse não prolongou sua ação defensiva? Teria todas as probabilidades de sair vitorioso.

Tiff gostaria de formular essa pergunta ao próprio Deringhouse. Mas confiava que este devia ter tido seus motivos e receava pôr à mostra um segredo, se formulasse a pergunta sob as vistas do intercomunicador.

Mildred e Felicitas aguardaram o instante combinado no interior de seus camarotes. Chegado o momento, fizeram de conta que se encontravam por acaso no corredor, refletiram em voz alta, para que o intercomunicador pudesse ouvi-las, e finalmente decidiram bater um papo com as duas sentinelas postadas diante da sala de comando.

A sala de comando ficava dois andares do lugar em que se encontravam. Pegaram o elevador e desceram.

Tiff viu quando passaram diante da sala dos tripulantes e fez um sinal para Eberhardt. Este compreendeu imediatamente e transmitiu o sinal aos outros. Tiff saiu da sala; dali a dois minutos, Eberhardt, Hump e mais três cadetes o seguiram.

De início Tiff se manteve afastado da sala de comando. Desceu à parte inferior da nave e fingiu que estava procurando alguma coisa. Quando pelos seus cálculos as duas moças já deviam ter cumprido a primeira parte de sua missão, voltou a flutuar para cima no poço do elevador e chegou à entrada principal, cerca de cinco metros da escotilha da sala de comando, que ficava bem embaixo de um pequeno receptor do intercomunicador. Mas tinha certeza de que esse receptor nunca seria consultado. Havia duas sentinelas incumbidas de vigiar o que se passava por ali.

As sentinelas haviam desaparecido. Do fundo do corredor, Tiff ouviu risadinhas femininas. O trabalho das moças estava em pleno andamento.

Deu o assobio combinado. Mais ao longe, no corredor principal, ouviu a resposta: Eberhardt e seus homens estavam a postos.

Tiff não hesitou. Deu uns seis ou oito passos apressados e se colocou diante da escotilha da sala de comando. Fez com que a mesma deslizasse para o lado, e aguardou com impaciência até que a abertura se tornasse bastante ampla para permitir sua passagem. As luzes se acenderam quando penetrou na sala redonda. Mas Tiff logo as apagou, comprimindo o botão de controle manual. Ao mesmo tempo transmitiu o comando de fechamento à escotilha. Com um chiado provocado pelo ar expelido, a escotilha voltou para o caixilho hermeticamente fechado.

Tiff suspirou aliviado e voltou a acender a luz. Olhou em torno e pôs-se a trabalhar.

 

Rhodan colocou o microfone perto de seu rosto.

— A parte mais difícil da tarefa cabe a você, Nyssen — disse em tom sério. — Avisarei assim que os telepatas tenham localizado Tifflor. Conte com a possibilidade de que Beta-Albíreo tenha um sistema planetário. Quase todas as estrelas geminadas têm. Não temos a menor informação sobre o armamento da nave desconhecida. Na pior das hipóteses, será superior ao de seu cruzador. Portanto, não se arrisque demais. Sua tarefa consistirá unicamente em desviar a atenção daqueles seres, para que a tripulação da Good Hope-IX encontre um meio de recuperar a liberdade. O resto fica por minha conta e por conta de MacClears. Faça o favor de confirmar.

O major Nyssen, comandante da Solar System, confirmou o recebimento da ordem através de uma repetição quase textual da mesma.

— Está bem — concluiu Rhodan. — Realizaremos a transição exatamente dentro de quatorze minutos. Pelos meus cálculos, a mesma deverá terminar aproximadamente a dois anos-luz de Beta-Albíreo. Atenção, todos os tripulantes. Todos os postos de combate e de observação devem entrar imediatamente em rigorosa prontidão. Fim.

 

Ornafer riu.

Costumava rir sempre que se via diante de uma situação extraordinária.

Estava assustado e sentia um pouco de medo.

O sensor estrutural deu notícia de outra transição, ainda mais intensa que a anterior por ser mais próxima.

Apenas uns dois anos-luz.

Orlgans não se encontrava na sala de comando. Ornafer entrou em contato com ele para lhe transmitir o aviso.

— Chame as naves de guerra! — ordenou Orlgans. — Imediatamente! E mande reforçar as sentinelas na nave inimiga. Os corredores mais importantes devem ser ocupados. Não quero que essa gente aproveite a confusão para fugir.

Ornafer confirmou e dispôs-se a cumprir as ordens que acabara de receber.

Os saltadores eram seres estranhos. Não tinham pátria; viviam nas naves em que viajavam pela galáxia. Viam a finalidade de sua vida em praticar o comércio e impedir que qualquer outro ser o praticasse. Reivindicavam o monopólio do comércio intergaláctico. Por mais abertas que suas mentes fossem para o Universo, afirmavam com um fervor verdadeiramente religioso que no começo de sua história uma lendária divindade lhes havia concedido o monopólio do comércio intergaláctico.

De certa forma, a situação dos saltadores no âmbito do império galático, cujo centro era o mundo de Árcon, não deixava de ser singular. Desde tempos imemoriais, os arcônidas foram de opinião que o comércio com quem quer que fosse era uma prática inferior à sua dignidade. Os saltadores, que eram parentes afastados dos arcônidas, preencheram o espaço vazio e se tornaram indispensáveis, a ponto de que qualquer um que quisesse fazer algum negócio a grande distância não poderia prescindir de seu auxílio.

Acontece, porém, que os “comerciantes” só visavam ao seu proveito. Eram eles que fomentavam as rivalidades no interior do império, pois a formação de grupos dissidentes abria campo mais amplo às suas manobras.

Mostravam-se tolerantes perante todos, porque não havia nada pelo que valesse a pena lutar. Só numa hipótese perdiam a tolerância: quando alguém tentava romper seu monopólio. Sua imensa frota de guerra conferia-lhe um grande poder; na verdade, esta frota já era muito mais forte que a de Árcon. Os saltadores, que por convicção eram indivíduos cujo maior prazer consistia em arrancar o lucro de um colega, não haviam tardado a compreender que mesmo um individualista tem que se dedicar à defesa dos interesses comuns. Por isso haviam construído uma frota de guerra que andava pelo espaço, aguardando o momento em que qualquer nave mercante solicitasse seu auxílio.

Nos momentos de perigo, embora costumassem viver espalhados pelos quatro cantos da galáxia, competindo entre si, os saltadores formavam uma unidade compacta. “Viver separados, defender-se juntos” — esta frase, que tanto se parece com certo provérbio terrestre, se transformou na concepção fundamental da política dos saltadores.

Ornafer, que transmitiu seu grito de socorro pelas hiperondas, poderia ter certeza de que o auxílio chegaria num brevíssimo espaço de tempo.

Depois tratou de cumprir a segunda parte da ordem de Orlgans: mandou que mais cinco sentinelas se deslocassem para a nave inimiga.

 

Tiff levou vinte minutos para ativar os agregados da Good Hope-IX. Mais uma hora se passaria antes que os propulsores da nave trabalhassem a toda força, libertando-a da tenaz magnética da Orla XI.

Estava decidido sobre uma coisa: tal qual Deringhouse, não faria nada ao inimigo.

Tiff saiu da sala de comando sem ser visto. Assobiou um trecho da melodia combinada. Imediatamente Hump, Eberhardt e os três cadetes que os acompanhavam nessa parte da missão saíram dos nichos da escotilha da sala de carga em que estiveram escondidos.

Ainda se ouviam as risadas das moças, vindas da direita.

— Tudo em ordem? — perguntou Hump.

Tiff confirmou com um aceno de cabeça.

— Tudo em ordem. Daqui a uma hora a Good Hope-IX deverá se soltar da nave inimiga. Até lá teremos de estar preparados para dar um jeito nas sentinelas. Vamos voltar à sala de comando — ordenou. — Temos de avisar os outros.

Mal havia dado um passo quando as campainhas de alarma soaram pela nave. Tiff parou e prestou atenção ao ritmo do sinal. O som das campainhas foi interrompido vez por outra, a intervalos irregulares. Não conhecia o significado do sinal.

Em compensação, ouviu as pisadas ruidosas das sentinelas.

— Vamos embora! — cochichou Tiff. — Não devem nos pegar por aqui.

Correram um pedaço. Assim que ouviram os dois saltadores atrás deles, passaram a andar devagar, para não despertar desconfianças.

— Pare! — gritou um deles. — Pare, senão atiro!

Falava em intercosmo, uma língua ensinada a todos os cadetes da Academia Espacial.

Tiff começou a conversar com os amigos e continuou a andar, como se não tivesse ouvido nada. Um tiro disparado por uma das longas armas de impulsos térmicos usadas pelas sentinelas passou com um chiado acima da cabeça dos cadetes e traçou uma linha de fusão da largura de um cabelo no metal do teto.

Tiff parou e se virou. Contorceu o rosto, como se estivesse assustado.

— O que... o que houve? — gritou.

Uma das sentinelas se aproximou.

— Eu mandei que parassem — resmungou. — Não ouviram?

Tiff sacudiu a cabeça.

— Não ouvi nada. O que houve?

— Alarma — respondeu a sentinela. — Por onde vocês andaram?

Tiff deu de ombros.

— Estávamos dando uma volta. Afinal, a gente não pode ficar sentado o tempo todo naquela sala.

A sentinela lançou um olhar por cima do ombro.

— Feria, dê uma olhada na sala de comando. Veja se não fizeram uma das suas.

Feria abriu a escotilha e entrou na sala de comando. A luz se acendeu. Feria olhou em torno.

— Não há nada — disse. — Tudo em ordem.

Tiff suspirou aliviado. Ainda bem que tivera a idéia de inutilizar as luzes de controle do painel de comando.

Alguém subiu pelo poço do elevador; era um saltador, alto e de ombros largos, com a arma de impulsos térmicos embaixo do braço. Foi seguido por quatro criaturas da mesma espécie.

— Ah! Ah! Ah! — riu a sentinela. — O que vieram fazer por aqui?

— Alarma — respondeu um dos saltadores, também com uma risada. — Há transições nas proximidades.

Apontou para os cadetes.

— Vamos trancar esses rapazes e vigiá-los direitinhos, para que não nos causem problemas.

Tiff e seus colegas tiveram bastante juízo para não formular qualquer objeção.

Sabiam que o tempo trabalhava a seu favor; por enquanto a melhor coisa que tinham que fazer era esperar. Esperar uma hora.

Foram levados de volta à sala dos tripulantes, juntamente com as duas moças. A escotilha foi fechada.

Tiff levantou os braços. Era o sinal convencionado, através do qual Deringhouse e os cadetes ficaram sabendo que o plano havia sido executado. Depois disse:

— Colocaram mais cinco sentinelas na nave. Não querem assumir qualquer risco. Registraram algumas transições nas proximidades.

 

— Marshall diz que já está em condições de localizar Tifflor — anunciou Reginald Bell em tom exaltado.

Rhodan acenou ligeiramente com a cabeça e continuou a examinar o quadro projetado na pequena tela setorial. Era a imagem captada pelo rastreador, transformada em sinais óticos.

O sistema de Beta-Albíreo era formado por uma estrela semelhante ao Sol, de cor alaranjada, e uma acompanhante menor, porém dotada de potencial energético mais elevado, que brilhava na cor azul. Além disso, havia planetas, provavelmente em número de quatro.

Depois de terminada a transição, Rhodan já não teve a menor dúvida de que o inimigo poderia ser encontrado nesse sistema. A informação transmitida por Bell apenas serviu de confirmação.

— É claro que Marshall não pode determinar com a precisão de um metro o lugar em que se encontra Tifflor — acrescentou Bell.

Rhodan voltou a acenar com a cabeça. Depois puxou o microfone para junto de si. Apertou um botão e o comandante do cruzador Solar System surgiu na tela. O major Nyssen se encontrava bem à frente do receptor.

— Tudo em ordem, Nyssen — disse Rhodan em tom indiferente. — Tifflor se encontra nas proximidades. Pode partir.

Nyssen confirmou com um aceno de cabeça. Sua imagem se apagou. Dali a poucos segundos, a Solar System abandonou a formação das três naves, acelerando rapidamente. Tomou a direção de Beta-Albíreo.

Rhodan notou quando, a uma distância de três segundos-luz, o cruzador desapareceu subitamente ao iniciar o processo de transição.

Logo após, mandou que também sua nave acelerasse. Dentro de poucos segundos a Stardust e a Terra atingiram metade de velocidade da luz.

— Mantenham-se preparados para a transição — ordenou.

 

Já fazia tempo que Orlgans voltara à sala de comando.

— Nada de novo — dizia Ornafer de tempo em tempo. — Ao que parece estão pendurados pelo espaço e não sabem onde procurar.

Já recuperara o otimismo. Mas Orlgans continuava cético.

— Tenho minhas dúvidas — disse. — Não me espantarei se dentro de alguns minutos...

Foi interrompido pelos apitos de alarma. O som era de uma intensidade que Orlgans e Ornafer nunca antes haviam ouvido. O inimigo devia ter aparecido nas imediações.

O sensor estrutural reagiu no mesmo instante. Orlgans não se preocupou com ele. Prestou atenção à voz histérica do observador, que soou do alto-falante:

— Senhor de todas as estrelas! É uma nave arcônida!

Dali a meia hora, Orlgans viu a nave na tela de imagem. Era uma nave esférica de construção arcônida, que se encontrava a menos de dez mil quilômetros.

Orlgans sabia que não estava em condições de enfrentá-la.

— Aceleração máxima! — gritou para dentro do intercomunicador, dirigindo-se à sala de máquinas. — Vamos dar o fora!

Os mecanismos da nave funcionaram com a maior precisão. A energia imensa dos propulsores arrancou a Orla XI de sua órbita e impeliu-a pelo espaço afora.

Orlgans acompanhou o desenrolar dos acontecimentos da sala de comando. Viu que subestimara a velocidade do inimigo. A nave esférica emergira do hiperespaço a uma velocidade próxima à da luz e, face ao seu deslocamento vertiginoso, os esforços da Orla XI revelaram-se inúteis.

Orlgans era um comandante experimentado, que já passara por dez mil transições. Sabia qual o risco ligado à operação de quem emerge da transição a uma velocidade tão elevada. Ele mesmo jamais teria se arriscado a empreendê-la, e sabia perfeitamente que nenhum comandante arcônida se arriscaria.

Que sujeito seria este?

Até então Orlgans estava cético, mas agora estava ficando com medo.

Uma nave arcônida e um comandante desconhecido!

A nave esférica logo alcançou a Orla XI e passou por ela. No momento em que a distância era menor, um raio pálido cinza-claro saiu do bojo da nave inimiga e se perdeu nas profundezas do espaço.

— Ainda bem que não têm pontaria — resmungou Orlgans e ordenou aos seus artilheiros que ficassem alerta.

 

Na sala dos tripulantes da Good Hope-IX não se notava que a Orla pusera-se em movimento juntamente com seus prisioneiros. Os neutralizadores da nave prisioneira continuavam a funcionar e conseguiram absorver uma aceleração muito maior que a que vinham enfrentando no momento.

De tempo em tempo, Tiff olhava para o relógio.

Faltavam dez minutos para o momento X.

Apesar das horas, o major Deringhouse sorriu. Na sala reinava um silêncio quase completo. Entendiam-se perfeitamente as palavras que Deringhouse proferiu no seu leito:

— Eu daria os vencimentos de um ano se pudesse ver seus rostos.

De início Tiff se assustou. Mas pôs-se a calcular e concluiu que Deringhouse não assumira nenhum risco. Mesmo que os saltadores introduzissem todas as palavras ali pronunciadas no tradutor positrônico, demoraria mais de dez minutos até que tivessem diante de si a tradução daquela frase pronunciada em inglês; e ainda mais até que compreendessem seu sentido.

Faltavam cerca de três minutos para o momento X. Conforme havia sido combinado, um dos cadetes pôs-se a martelar a escotilha. Dali a menos um minuto, a escotilha deslizou para o lado e os rostos de duas sentinelas saltadoras surgiram na abertura.

— O que houve? — perguntou um deles.

— Estamos com fome — respondeu Tiff.

— Preparem comida!

— Não temos nada — disse Tiff.

A sentinela riu. Virou-se e gritou:

— Honap, arranje comida.

A voz retumbante de Honap soou do corredor principal:

— Não posso ir para lá. Com a velocidade em que estamos a travessia é muito perigosa.

A sentinela voltou a se dirigir a Tiff.

— É isso mesmo — resmungou. — Estamos viajando há alguns minutos. Vocês terão de esperar até que a Orla XI não esteja acelerando mais.

Tiff estava muito surpreso, mas sabia que, apesar disso, não poderia deixar de aproveitar a oportunidade que se oferecia. Sabia perfeitamente que da próxima vez a sentinela não se mostraria tão confidente.

Tiff encarou os companheiros. Os rostos dos outros cadetes revelavam a mesma surpresa. Um deles perguntou:

— Por que a Orla XI está acelerando?

Apesar da pergunta, Tiff começou a assobiar.

Viu que todos viravam a cabeça; estavam compreendendo. A Orla XI estava viajando, com a Good Hope-IX a reboque, e ninguém sabia por quê. O momento era este!

Tiff saltou para a frente. Antes de voltar ao chão, seu braço enlaçou a enorme nuca da sentinela. O impacto levou-o para o corredor; mas Tiff encolheu as pernas e arrastou a figura maciça do saltador para dentro da escotilha.

O corpo se tornou flácido. Tiff deixou-o cair.

— Cuidem dele! — gritou.

Os cinco cadetes destacados para vigiar os prisioneiros puseram-se a desempenhar suas funções.

Hump, ajudado por dois cadetes, dominou a outra sentinela.

Honap teve a atenção despertada para o ruído. Aproximou-se, caminhando ruidosamente. Tiff e Eberhardt se lançaram simultaneamente sobre ele. A arma de impulsos térmicos de Honap não lhe serviu de nada, pois quando conseguiu levantar o cano já era tarde. Um tiro sem pontaria se perdeu com um chiado pelo corredor. Um instante depois disso, Honap jazia no chão, inconsciente.

— Faltam quatro — disse Tiff, fungando. — Vamos para a sala de comando.

Não viram nenhuma das quatro sentinelas que restavam. Um bando de cadetes correu pelo corredor principal.

 

— Olhe a nave! — gritou Ornafer, cheio de desespero. — Está se desprendendo.

Por um instante, Orlgans ficou sem saber o que Ornafer queria dizer.

Mas logo lançou um olhar para a tela lateral.

A pequena esfera que representava a nave aprisionada havia desaparecido. Ou melhor, ainda não havia desaparecido de todo, pois dela ainda se via uma pequena mancha pendente no espaço.

Mas se desprendera da Orla XI.

Orlgans praguejou.

Teve vontade de sair em perseguição aos fugitivos e recapturá-los. Mas a tela frontal ainda refletia a grande nave inimiga sob a forma de um ponto palidamente iluminado. O tiro de desintegrador disparado pela mesma havia passado a apenas algumas centenas de metros da Orla XI.

Era ali que ficava o maior perigo, concluiu Orlgans.

Não sabia como os prisioneiros haviam conseguido se libertar. E no momento não era o que mais importava.

A luz pálida que representava o cruzador arcônida havia ultrapassado a intensidade luminosa mínima e voltou a se aproximar da Orla XI.

— Onde estão nossas naves de guerra? — gemeu Orlgans. — Da próxima vez a pontaria deles será melhor.

 

O major Nyssen não pretendia atingir a Orla XI. Agora, que a Good Hope-IX conseguira se desprender da máquina ruidosa dos saltadores, estava interessado apenas em confundir o inimigo até que conseguisse capturá-lo com um campo gravitacional; da mesma forma como os saltadores haviam aprisionado a Good Hope-IX.

Nyssen tinha plena certeza de que a nave inimiga era muito inferior à Solar System. Não respondera ao fogo no momento em que foi ultrapassada. Não poderia haver início mais poderoso.

Nyssen mandou que todas as reservas de energia fossem utilizadas para alimentar o gerador gravitacional.

Todos os observadores da Solar System estavam ocupados em localizar eventuais inimigos que se aproximassem. Não encontraram nenhum. A Solar System, a nave inimiga e a Good Hope-IX estavam sozinhas naquele setor do espaço.

Mais uma vez Nyssen passou a algumas centenas de quilômetros do inimigo e mandou disparar uma salva, errando a pontaria de propósito.

Ficou satisfeito ao notar que a nave inimiga iniciou manobras desviacionistas. Descreveu uma curva ampla e continuou a acelerar.

Nyssen mandou que a Solar System fizesse meia-volta e mais uma vez se lançasse ao ataque.

Enquanto as duas naves se aproximavam, ordenou:

— Preparar o campo gravitacional para a captura.

 

— Estamos soltos! — gritou Tiff.

Os compensadores de aceleração da Good Hope-IX haviam absorvido não apenas a pressão resultante da fuga precipitada da Orla XI, mas também aquela produzida pelo desprendimento da nave inimiga.

Ninguém que se encontrasse no interior da Good Hope-IX perceberia que a nave estava realizando manobras, a não ser que tivesse diante de si uma tela com os resultados fornecidos pelo rastreador.

Nos receptores da sala de comando via-se perfeitamente que a Orla XI, reduzida a uma faixa estreita e pálida, estava a uma distância de pelo menos mil quilômetros da Good Hope-IX.

Haviam subjugado mais duas sentinelas, postadas diante da escotilha da sala de comando. As duas que faltavam deviam estar andando pela nave. Tiff espalhara os cadetes de tal maneira que, nos próximos quinze minutos, os dois saltadores teriam que dar com eles.

Não havia mais nada que pudesse sair errado.

Conforme se combinara, o cadete Eberhardt assumira o posto de observador. Por algum tempo, estudou o registro da maneira tranqüila que lhe era peculiar; depois gritou com a voz rouca:

— Há uma terceira nave! Tiff virou-se apressadamente.

— Já chegou? Onde?

Sem dizer uma palavra, Eberhardt apontou para a tela esverdeada do rastreador. Tiff saltou para junto dela e percebeu duas manchas luminosas que se deslocavam rapidamente. Uma delas era comprida e fina; só podia ser a Orla XI. A outra consistia apenas num ponto que cresceu rapidamente, transformando-se num disco.

— É a Stardust-III! — murmurou Eberhardt, trêmulo de emoção.

Tiff leu a posição das duas naves. A nave esférica encontrava-se a cerca de vinte mil quilômetros, isso no momento da leitura de Tiff. Se fosse a Stardust-III, sua imagem na tela devia ser muito maior.

— O hipercomunicador está preparado? — gritou Tiff sem virar a cabeça.

— Está! — respondeu alguém.

Tiff virou-se e ajustou o microfone.

— Atenção, mensagem de socorro! Atenção, mensagem de socorro! Good Hope-IX chamando todas as naves da frota espacial terrestre. Good Hope-IX chamando todas as naves da frota espacial terrestre.

Ficou calado por um instante aguardando a resposta, que veio dentro de poucos segundos.

— Solar System para Good Hope-IX. Comandante Nyssen falando. Daqui a pouco iremos buscá-los; ainda temos de liquidar um assunto.

Tiff sorriu.

— Está bem.

 

Orlgans acompanhava as manobras da nave inimiga com uma exaltação que lhe provocava tremores.

Ornafer, imobilizado, encarava as telas.

— Desta vez eles nos pegam — resmungou Orlgans. — Não vão errar a pontaria mais uma vez.

A nave esférica voltara a passar em disparada perto da Orla XI. Ainda desta vez disparara vários tiros, mas nenhum deles acertara o alvo. Numa manobra arriscada, o inimigo modificou sua rota e voltou a se aproximar.

Orlgans deu ordem para que desta vez os artilheiros respondessem ao fogo. A esperança de que as peças pesadas da Orla XI pudessem causar algum mal à outra nave era muito reduzida. Mas nem mesmo um mercador gosta de morrer sem tentar a defesa.

 

Rhodan aguardava. Estava impaciente. Não havia notícias de Nyssen, nem da Good Hope-IX.

O cronômetro, regulado para a contagem de tempo terrestre, marcava 21:12 h do dia 28 de julho, tempo de Terrânia.

— Já está na hora de darem sinal de vida — resmungou Bell.

Rhodan lançou mais um olhar para o relógio. Aproximou-se do microfone.

— Rhodan para MacClears. Prepare-se para o salto. Precisamos verificar o que está acontecendo.

 

Os relógios de bordo da Good Hope-IX marcavam 21:14 h, hora de Terrânia.

— As máquinas estão trabalhando com sessenta por cento de sua capacidade — disse Hump.

Tiff respondeu:

— Isso não basta para ativar os campos protetores.

— Para que campos protetores? A Orla XI se encontra a quase trinta mil quilômetros; além disso, está ocupada com a Solar System. Ninguém nos fará nada.

Tiff acenou com a cabeça; parecia pensativo.

— Tomara que as coisas continuem assim. Não acredite que os saltadores, sem mais nem menos...

Um sinal estridente de alarma arrancou-lhe as palavras da boca.

— Rastreação estrutural! — gritou um dos cadetes. — Houve uma transição a pequena distância.

Tiff não deu muita atenção à notícia.

— É a Stardust-III — disse.

Mas o observador logo o retificou.

— São trinta objetos não identificados. Distância: 3,107 m; Pi, vinte e um; Teta, oitenta e nove; velocidade de 8,106 m/s; componente em relação à nossa direção, 2,5.104 m/s.

Tiff virou-se apressadamente.

— Como é o aspecto dos objetos?

— São finos e cilíndricos.

— São as naves dos saltadores — gritou Tiff. — Ativar os campos protetores!

Hump respondeu em tom zangado:

— A energia não é suficiente. As máquinas estão funcionando com apenas sessenta e cinco por cento de sua capacidade.

Enquanto isso, o observador anunciou:

— Atenção, estão abrindo fogo contra nós.

 

No momento em que o sensor estrutural reagiu, Ornafer se sentiu tão surpreso que levou algum tempo para transmitir a notícia a Orlgans.

— Há uma transição muito forte nas imediações — fungou. — Estamos perdidos de vez.

Mas, dali a dois segundos, Orlgans gritou com a voz retumbante:

— São nossas naves de guerra! Estamos salvos!

 

A constatação da presença das trinta unidades espaciais não provocou qualquer pânico a bordo do cruzador Solar System. Nyssen se limitou a resmungar:

— A coisa está ficando séria. Instruiu o setor de pilotagem a colocar a nave em posição de espera, desistindo por ora do inimigo com que até então se haviam defrontado. O pessoal da sala de máquinas recebeu ordem para pôr o gerador gravitacional a funcionar em ponto morto.

Só depois disso, Nyssen avisou a Stardust-III. Por lá a transição também devia ter sido constatada. Por isso, Nyssen se limitou a descrever as naves inimigas.

— São bastante parecidas com o veículo espacial que temos diante de nós — disse. — Diria que pertencem aos mesmos seres. Apenas a construção dessas trinta é um pouco mais bojuda. Parecem mais perigosas que a canoa que até agora tivemos diante de nós.

Mal havia terminado seu relato quando o observador anunciou a ocorrência de descargas energéticas a uma distância de cerca de dezoito mil quilômetros.

Nyssen compreendeu imediatamente: a Good Hope-IX estava sendo bombardeada. Tentou estabelecer contato com a nave auxiliar; mas não conseguiu mais. Face a isso colocou em movimento a Solar System e dispôs-se a atacar a formação inimiga. A enorme superioridade do inimigo não poderia demovê-lo desse intento.

 

A primeira salva passou a algumas centenas de metros da Good Hope-IX; Tiff deu ordem para responder ao fogo, mas não conseguiu muito. Sua tripulação era muito reduzida; além disso a experiência dos tripulantes com o manejo dos pesados desintegradores, radiadores térmicos e canhões neutrônicos era muito limitada.

Apesar disso, uma das naves inimigas foi destruída.

Os cadetes começaram a exultar. Mas nem chegaram a abrir bem a boca quando a Good Hope-IX sofreu um forte solavanco e foi deslocada alguns quilômetros para fora de sua rota, com tamanha rapidez que os compensadores de aceleração mal conseguiram reagir.

— Houve um impacto na sala de máquinas! — gritou alguém.

As sereias começaram a uivar, e a luz vermelha de controle da sala de máquinas começou a piscar.

Sentado diante do painel do piloto, Julian Tifflor distribuía suas instruções com a calma, objetividade e segurança de um comandante experimentado.

— Temos capacidade de manobrar? — perguntou tranqüilamente.

A resposta não se fez esperar:

— É quase nula. Não chega a cinco por cento.

Tiff acenou com a cabeça.

— Atenção, artilheiros! Continuem a disparar. Mantenham o inimigo à distância.

— Entendido.

Tiff virou-se com a cadeira.

— Vamos descer — decidiu.

Hump perguntou:

— Nós quem? Só temos um destróier a bordo, e nele não cabem mais de três pessoas.

Tiff deu de ombros.

— Pois teremos que fazer com que caibam cinco: as duas moças e três homens. Sugiro que Deringhouse seja um dos três.

A sugestão encontrou a concordância dos demais.

— Está bem — respondeu Eberhardt. — Quem serão os outros?

Tiff já estava andando.

— Veremos. Venham comigo. Correram para a sala dos tripulantes. O impacto violento atirara o major Deringhouse fora do leito. Ele arrastara-se até a mesa e procurava se levantar.

Tiff expôs a situação em que se encontravam.

— Vamos levá-lo para fora — concluiu.

Deringhouse deixou-se cair novamente e fez um gesto de recusa.

— Nem pensem nisso — disse. — Tive tempo de sobra para quebrar a cabeça sobre os planos de Rhodan. Tifflor, você se encontra numa missão muito importante. Acho que convém que dê o fora daqui. Leve as moças e estes dois — apontou para Eberhardt e Hump — e não se esqueça de levar armas. Tomem as armas de impulsos térmicos dos saltadores.

Tiff protestou, mas Deringhouse cortou-lhe a palavra.

— Nada de discussões, cadete Tifflor! É uma ordem!

Tiff fez continência.

— Entendido!

Perto da escotilha, os cinco saltadores estavam deitados no chão, amarrados. Mais adiante viam-se os canos compridos dos radiadores de impulsos térmicos, que os cadetes lhe haviam tomado.

— Peguem os cinco! — ordenou Tiff. — Nunca poderão ser demais.

Eberhardt e Hump recolheram as armas. Tiff parou na escotilha e olhou para Deringhouse.

— Sinto-me como se fosse um... — principiou, mas logo foi interrompido por Deringhouse.

— Cale a boca, cadete — gritou. — Trate de dar o fora o quanto antes. Procure abrir caminho para a Stardust-III. De qualquer maneira, entre imediatamente em contato com o chefe.

Tiff voltou a fazer continência e se retirou. Hump e Eberhardt seguiram-no. Foram buscar as moças nos seus camarotes.

No hangar do destróier, Tiff deu as últimas instruções.

— Suspendam o fogo e procurem salvar ao menos a vida — ordenou aos cadetes. — Por enquanto o inimigo leva vantagem sobre nós. Não façam tolices.

As duas moças já se encontravam na cabina. Hump deu-lhes as armas. Ainda estava com o último dos radiadores na mão quando a escotilha interna começou a emitir um zumbido e se abriu lentamente.

Eberhardt se encontrava sobre a asa esquerda do destróier. Ficou perplexo quando viu o que havia atrás da escotilha.

— Cuidado! — gritou.

Tiff deixou-se cair para a frente e rolou em direção a Hump. Um disparo de radiações chiou através do recinto. Hump compreendeu com uma rapidez espantosa. Apontou a arma e disparou uma série de tiros contra a escotilha. Um grito horrível saiu da abertura. Um vulto alto e largo cambaleou para dentro do hangar, procurou se manter de pé e acabou tombando ao chão com um forte baque. Passos apressados se afastaram pelo corredor que dava para o hangar.

Hump saltou em direção à escotilha, passando por cima do saltador gravemente ferido.

— Fique aqui! — gritou Tiff. — Não temos tempo a perder!

Hump estacou em meio à corrida e voltou. Virou o saltador inconsciente, deitando-o de costas. Apresentava uma grande queimadura bem no ombro esquerdo.

— Vai escapar — disse Hump laconicamente.

Saltou para cima da asa do destróier e entrou na cabina. Tiff foi o último a entrar; enfiou-se no assento do piloto.

Numa mensagem apressada, informou a sala de comando de que um dos dois saltadores que continuavam em liberdade estava deitado no hangar, gravemente ferido, e que o outro havia escapado.

Depois ordenou:

— Fechem os trajes espaciais! Preparem-se para sair!

 

Rhodan recebeu a mensagem de Nyssen segundos antes da transição. Transmitiu-a a MacClears e recomendou ao comandante:

— Temos que libertar Good Hope-IX. Trate de pôr as naves inimigas fora de combate, mas não as destrua.

Dali a pouco, as duas naves desapareceram da sua posição e se transferiram para o hiperespaço. Voltaram a mergulhar no espaço a dois anos-luz dali e a uma distância de apenas três unidades astronômicas dos dois sóis do sistema geminado.

Eram 21:17 h, hora de Terrânia.

A luta ia começar.

 

A menor unidade independente da frota militar dos saltadores era o grupo. Cada grupo era formado de vinte e cinco a trinta e cinco naves e comandado por um indivíduo cuja posição correspondia à de um capitão-de-fragata terrestre.

O grupo do comandante Harlgas era a unidade que se encontrava mais próxima ao sistema de Beta-Albíreo quando Ornafer emitiu seus desesperados gritos de socorro para o espaço, valendo-se de uma freqüência especial de hiperondas.

Harlgas agiu imediatamente.

Poucos segundos depois de concluir a transição, obteve um quadro nítido da situação. A Orla XI, que se encontrava em posição difícil, afastava-se apressadamente do sistema. Próximo a ela, havia uma nave inimiga de tipo arcônida. A uma distância um pouco maior, havia outro veículo espacial, que parecia pequeno e inofensivo, motivo por que Harlgas acreditou que não haveria o menor risco em atacá-lo.

Mas logo viu que havia um risco: foi quando uma das suas naves se dissolveu em poeira. Assim que a perda lhe foi anunciada, Harlgas soltou uma furiosa gargalhada. Poucos segundos depois, a artilharia do grupo conseguiu produzir um impacto no pequeno veículo, que perdeu a capacidade de manobrar. Harlgas mandou suspender o fogo e aguardou a reação do inimigo.

Enquanto isso, não tirava os olhos da nave muito maior, que até então se mantivera inativa a uma distância de cerca de vinte mil quilômetros e subitamente passou a se deslocar.

Não demorou muito a compreender que o inimigo se lançava ao ataque e mandou que as naves de seu grupo assumissem posições de defesa.

Ficaria mais à vontade se soubesse quem era o inimigo que tinha diante de si. Uma ligeira palestra mantida com Orlgans, na Orla XI, informara-o de que, embora as naves fossem de origem arcônida, o que já percebera, o inimigo não poderia pertencer àquela raça.

Harlgas não se sentia muito seguro. A situação se complicou ainda mais quando o observador anunciou que um veículo de reduzidíssimas dimensões saíra da nave que havia sido inutilizada.

Harlgas ordenou a dois dos seus comandantes que perseguissem o pequenino veículo espacial. As vinte e sete restantes permaneceram nas posições que lhes haviam sido indicadas, com a recomendação de não cometerem o erro de subestimar o inimigo.

Logo verificou que a recomendação se justificava: de uma distância da qual um comandante saltador nem teria pensado em disparar, a nave inimiga deu a primeira salva e, nessa primeira investida, transformou duas das naves de Harlgas numa nuvem de poeira e cinza.

 

Conforme se planejara, o destróier saiu da nave e disparou pelo espaço. Tiff lhe imprimiu uma aceleração não muito elevada.

— Para onde vamos? — perguntou Hump.

— Deringhouse disse que devíamos entrar em contato com Rhodan — respondeu Tiff. — Não tenho a menor idéia de onde Rhodan possa estar metido, mas...

— ...mas, se Rhodan diz alguma coisa — interrompeu-o Hump — você acredita como acreditaria numa passagem da Bíblia.

Tiff não perdeu a calma.

— Não é isso — respondeu. — Mas Deringhouse deve saber o que diz.

O espaço no interior da cabina era muito limitado. Só havia três assentos; por questão de comodidade, tanto Hump como Eberhardt seguravam uma moça no colo.

Por causa do perigo que os ameaçava, mantinham os trajes espaciais fechados; por isso as comunicações tinham que se realizar através dos emissores e receptores de capacete. Tiff ouviu que Felicitas chorava baixinho.

Esteve a ponto de animá-la, quando a imagem da tela do rastreador começou a se movimentar. Até então o aparelho havia seguido os movimentos da frota inimiga, que se projetava na tela em forma de pontos imóveis. Mas, subitamente, dois desses pontos se destacaram dos outros e começaram a se deslocar em direção ao centro da tela.

Tiff alterou a rota e imprimiu maior aceleração à nave.

— Vamos ter o que fazer — disse em tom indiferente. — Estamos sendo perseguidos.

 

— MacClears, cuide da Good Hope-IX — ordenou Rhodan. — Recolha-a a bordo de sua nave.

O cruzador Terra saiu da formação e se aproximou da nave auxiliar. A Stardust-III prosseguiu em direção à frota inimiga. Encontrava-se cerca de dez mil quilômetros atrás da Solar System; esta já sabia que alguém havia chegado em seu auxílio.

— Não se aproxime muito, Nyssen — gritou Rhodan. — É provável que numa luta a pequena distância sejamos inferiores a eles.

As nuvens de gás que haviam restado das duas naves destruídas pelos desintegradores permaneciam no espaço. Dois segundos depois de Nyssen ter aberto o fogo, a Stardust-III e a Solar System emergiram do hiperespaço.

Rhodan manteve seu plano. Desde o início — isto é, desde o dia em que o cadete Julian Tifflor recebera instruções de voar para Nova Iorque e se apresentar a Homer G. Adams — só esteve interessado numa coisa: apoderar-se de um daqueles seres estranhos.

Não tinha o menor interesse em destruir as naves inimigas e matar suas tripulações. Queria saber com quem estava lidando.

Foi com essa intenção que as duas naves avançaram, enquanto a Solar System cuidava da Good Hope-IX.

 

Para o comandante Harlgas a situação tornava-se cada vez mais confusa.

Os sensores estruturais indicaram uma transição tão intensa que, por um instante, ele chegou a acreditar que o aparelho estivesse defeituoso. Mas as outras naves do grupo anunciaram o mesmo resultado fornecido pelos sensores, e, poucos segundos depois, Harlgas foi informado de que mais duas unidades haviam surgido atrás da nave inimiga que os atacara. Uma delas era um verdadeiro gigante, cuja tonelagem devia equivaler mais ou menos à de todas as naves de Harlgas reunidas.

O comandante saltador ordenou a retirada. O grupo dos saltadores acelerou e, juntamente com a Orla XI, começou a se afastar do sistema.

Mas Harlgas não se arriscou a entrar em transição. Duas das suas naves estavam no encalço do minúsculo veículo espacial que se separara da pequena nave. Harlgas sabia que o inimigo não teria o menor problema em dar cabo delas, se perdessem o contato com o grupo.

As duas naves dos saltadores eram mais ou menos equivalentes ao pequeno destróier em capacidade de aceleração. Por isso aproximavam-se metro por metro.

Tiff dividiu as posições: Hump olhava por cima do ombro de Felicitas, para observar as telas dos rastreadores e dar aviso assim que houvesse algo de novo. Eberhardt tinha a seu cargo as peças de artilharia. A tarefa não era nada fácil, pois para atingir os controles tinha de passar o braço em torno de Mildred Orson.

Mildred fez o possível para lhe facilitar o trabalho, mas não havia lugar para onde pudesse se desviar.

A distância que os separava da mais próxima das duas naves dos saltadores ainda era de cerca de oito mil quilômetros. A uma distância de seis mil quilômetros os desintegradores e os radiadores de nêutrons podiam ser disparados com uma razoável dose de segurança.

Mas não se sabia se o inimigo dispunha de peças de artilharia mais eficazes.

Tiff decidiu tirar proveito da maior agilidade da pequena nave.

— Vamos efetuar uma mudança de rota — disse em tom indiferente.

Efetuou uma curva repentina, solicitando do neutralizador de pressão o máximo de sua capacidade. No mesmo instante Hump gritou:

— A Stardust-III e a Terra!

O destróier não estava equipado com sensores estruturais. Hump constatara a presença das duas naves através da observação direta.

Tiff olhou para o lado e procurou descobrir a rota das duas naves. Viu que a Terra e a Stardust-III investiam contra a frota inimiga, enquanto os saltadores batiam em retirada. Percebeu ainda que a Solar System saía da formação e voava em direção à Good Hope-IX.

— Que azar! — resmungou Hump. — Antes tivéssemos ficado a bordo da Good Hope-IX, pois nesse caso praticamente estaríamos em segurança a esta hora.

— Ninguém podia saber disso — ponderou Tiff.

A mudança de rota não preocupou as duas naves dos saltadores. Acompanharam a curva do pequeno destróier; sua agilidade era maior do que Tiff supusera.

— Está bem na minha mira — suspirou Eberhardt. — Quem dera que chegasse um pouquinho mais perto.

Tiff calculou. Se mantivesse a rota atual, o destróier passaria a uma distância de aproximadamente dez unidades astronômicas do sol azulado. E dali em diante a viagem prosseguiria pela eternidade afora, até que se esgotassem as reservas energéticas dos perseguidores ou do perseguido.

Tiff sabia perfeitamente que, se essa hipótese pudesse ser considerada, ela se concretizaria primeiro no pequeno destróier. Por isso decidiu rapidamente. Agindo como um comandante que não tem que prestar contas aos subordinados, disse:

— Vamos deixar que cheguem mais perto. Preste atenção, Eberhardt.

Notou que Eberhardt respirava fortemente. Depois veio a resposta:

— Está bem. Deixe que venham.

Tiff desacelerou, utilizando o máximo da capacidade de frenagem da nave. Dentro de dois minutos, o pequeno veículo espacial teve a velocidade reduzida para menos da metade. Via-se perfeitamente que as duas naves dos saltadores não estavam preparadas para uma manobra desse tipo. À medida que o deslocamento do destróier se tornava mais lento, as duas naves cilíndricas se aproximavam.

— 6,5 — anunciou Hump.

Eberhardt manipulava febrilmente o painel de controle das duas peças de artilharia pesada.

De tão nervosa que ficou, Felicitas parou de chorar.

— 6,2.

— Cuidado, Eberhardt!

— Estou preparado — respondeu Eberhardt.

As duas naves inimigas começaram a frear.

— 6,1.

— Preparem-se — disse Tiff. — É bem possível que depois do primeiro tiro tenhamos de executar algumas manobras. Tentarei me conservar nos limites da capacidade do neutralizador, mas não sei se conseguirei. É bem possível que haja alguns solavancos de aceleração.

Ninguém respondeu. Poucos segundos depois, Hump gritou com a voz exultante:

— 6!

— Fogo!

Os olhos arregalados de Eberhardt fitaram o estreito feixe de luz que aparecia no centro da tela de mira. Ao dar o primeiro tiro, soltou um grito.

— Errou! — gritou Hump decepcionado.

Tiff fez com que o destróier descrevesse uma curva ampla. Seus ocupantes sentiram uma leve pressão, que não ultrapassou 0,1 g. O mecanismo de mira controlado por Eberhardt acompanhou automaticamente o alvo, depois que este tinha sido captado.

— 5,9!

— Fogo!

Desta vez Eberhardt não gritou; em compensação, a voz estridente de Hump soou nos fones de ouvido:

— Acertou em cheio!

Eberhardt suspirou.

Tiff executou outra manobra, pois supunha que a essa hora a outra nave que os vinha perseguindo não deixaria de abrir fogo. A curva aproximou-o pouco menos de oitocentos quilômetros da nave inimiga. Tiff não tardou em compreender que essa manobra fora o maior erro já cometido por ele.

Conforme veio a saber posteriormente, as peças de artilharia pesada dos saltadores tinham um alcance bem menor que o desintegrador e o radiador de nêutrons que se encontravam a bordo do destróier. Antes da curva, a nave dirigida por Tiff estava bem fora do alcance das armas inimigas.

Com a curva, a velocidade se tornou inferior ao limite crítico.

E entre os saltadores havia artilheiros de primeira ordem.

Um terrível solavanco sacudiu o pequeno veículo. Por alguns segundos os olhos de Tiff se fecharam de dor. Quando voltou a abri-los, o quadro projetado na tela de localização ótica estava completamente alterado. Os pontos luminosos que representavam as estrelas traçaram ligeiras faixas, que se deslocavam da direita para a esquerda contra o fundo escuro das profundezas do espaço. Tiff não precisou ouvir os estridentes sinais emitidos pelos monitores de avarias para saber que o destróier havia sido atingido e não mais estava em plenas condições de manobrar.

Logo compreendeu que dali em diante estariam lutando pela vida.

— Eberhardt!

Eberhardt gemeu.

— S... sim...?

— Já está com ele na mira?

— Na mira? Santo Deus, a nave está girando. Como poderia...

— Sei que a nave está girando — respondeu Tiff em tom grosseiro. — Acontece que o mecanismo de pontaria funciona automaticamente. Atire assim que o sujeito estiver em cima do cruzamento dos dois fios. Vamos logo, senão ele acaba nos arrebentando!

— Está certo, ainda tenho a imagem dele — disse Eberhardt depois de algum tempo. — Mas dentro de três ou quatro segundos sai de novo.

— Três ou quatro segundos bastam — berrou Tiff. — Atire!

Eberhardt atirou. O primeiro tiro não acertou. Em compensação, o destróier sofreu outro solavanco e uma nova componente dinâmica imprimiu-lhe uma rotação em sentido praticamente contrário ao da que até então vinha executando. Com isso, a nave passou a girar mais lentamente.

Devia ter sido um tiro de raspão. Os monitores de avarias permaneceram em silêncio. Eberhardt voltou a atirar. Por alguns segundos projetou-se na tela a imagem de parte da nave inimiga que se dissolvia em gás. Ninguém saberia dizer que parte havia sido atingida, ou se o impacto colocara o inimigo fora de ação.

— Continue a atirar! — insistiu Tiff.

Quando o inimigo voltou a surgir na tela de imagem, junto com ele surgiu um raio energético finíssimo e ofuscante, que saía da parte não danificada da nave. Tiff encolheu-se para absorver o solavanco que esperava; mas não houve nenhum impacto. O raio energético passou perto do destróier avariado, perdendo-se no espaço.

Em compensação, a terceira salva disparada por Eberhardt atingiu o inimigo a meia nau, eliminando de vez o perigo que dali os ameaçava.

— Que sorte! — disse Eberhardt em tom indiferente. — Nossos canhões estão sem energia.

Tiff assobiou entre os dentes.

— É uma péssima notícia — disse em voz baixa e começou a ler os instrumentos.

O primeiro olhar foi dirigido para o controle do condicionamento de ar. Uma luz vermelha se acendeu, e uma inscrição em letras garrafais surgiu abaixo da mesma:

Dispositivo de emergência ligado. Duração total da vida: quinze horas.

O transmissor de hiperondas havia sido inutilizado. Tiff ligou o receptor, mas o alto-falante apenas emitiu um chiado monótono.

O mecanismo propulsor só dispunha de dois por cento de sua capacidade energética.

 

Às 21:45 h, hora de Terrânia, a Solar System avisou que havia recolhido a Good Hope-IX.

Dois minutos depois, a Terra, disparando a uma distância segura, inutilizou uma das naves do grupo do comandante Harlgas.

Às 21:51 h, os ocupantes da Stardust-III e da Terra perceberam que as outras naves do grupo puseram no espaço pequenos veículos de socorro, que recolheram os sobreviventes da nave gravemente danificada. Rhodan proibiu qualquer interferência na operação de socorro. Bell protestou.

— Como poderemos saber com quem estamos lidando?

Rhodan respondeu com a maior tranqüilidade:

— Examinando os destroços, saberemos.

Pouco antes das vinte e duas horas, a Stardust-III deu cabo de mais uma nave inimiga. Também desta vez notou-se que o inimigo se esforçava para salvar os sobreviventes.

Depois disso Rhodan deu ordem para iniciar a manobra de frenagem. À medida que a Terra e a Stardust-III reduziam a velocidade, a frota do comandante Harlgas se afastava rapidamente.

Harlgas já soubera que os dois veículos espaciais mandados em perseguição do destróier estavam perdidos. Assim que o grupo atingiu uma velocidade suficiente, Harlgas se preparou para a transição. Dali a alguns minutos, suas naves desapareceram dos céus do setor de Beta-Albíreo.

Rhodan observou a manobra com a maior tranqüilidade. Reginald Bell, que se encontrava atrás dele, cerrou os punhos.

— Lá vão eles! — resmungou. — Não conseguimos nada.

Rhodan se levantou.

— Prepare dois grupos de salvamento, que sairão da nave dentro de dez minutos — ordenou laconicamente, sem dar atenção às palavras de Bell. — Dirigirei pessoalmente um dos grupos. Diga a Crest que peço que me acompanhe. O outro grupo será dirigido por Nyssen, que se encontra bem mais próximo dos destroços.

Bell se apressou em retransmitir as ordens.

Poucos minutos depois, receberam a notícia, transmitida pela Solar System, de que três cadetes e duas estudantes da Academia Espacial haviam saído da Good Hope-IX num destróier, antes que esta fosse recolhida a bordo da Solar System.

Um dos cadetes, de paradeiro desconhecido, era Julian Tifflor.

Bell estava muito nervoso quando transmitiu a notícia a Rhodan. Mas este demonstrou uma calma bastante estranha e sorriu.

— Ótimo! Tifflor saberá se arranjar.

De tão perplexo, Bell levou algum tempo sem conseguir dizer uma palavra. Quando finalmente estava prestes a falar, Crest entrou na sala de comando.

Rhodan foi ao seu encontro.

Crest caminhava de forma tranqüila, quase relaxada. Já os passos de Rhodan refletiam a energia daquele homem. Os brilhantes cabelos brancos de Crest e o cintilar vermelho de seus olhos eram de uma beleza tão surpreendente que nem pareciam verdadeiros. Os cabelos de Rhodan estavam arrepiados, pois na excitação dos últimos minutos passara muitas vezes as mãos pelos mesmos. Mantinha os olhos semicerrados, como se a luz do recinto os ofuscasse. Ali viam-se frente a frente o arcônida, representante de uma raça antiqüíssima, e o homem terrano, que pertencia a uma espécie cuja unidade biológica mal começara a se constituir.

— Gostaria de dar uma olhada numa das naves danificadas — disse Rhodan. — Será que poderia me acompanhar?

Crest confirmou com um ligeiro aceno de cabeça.

— Será um prazer.

Dali a cinco minutos, chegou o aviso de que o grupo de salvamento estava pronto para entrar em ação. Rhodan e Crest pegaram o elevador e desceram à comporta.

O pequeno grupo utilizou um veículo primitivo. Fora concebido especialmente para o transporte entre várias naves que se encontrassem no espaço. Consistia basicamente numa plataforma quadrada, de metal plastificado, que abrigava confortavelmente vinte pessoas. Embaixo dela havia um mecanismo de propulsão que, face ao feitio primitivo da mesma, desenvolvia uma potência bastante elevada, permitindo uma aceleração ou desaceleração de até 100 g. Ainda embaixo da plataforma estava instalado o neutralizador de pressão; o campo por ele gerado envolvia o espaço situado acima da plataforma, protegendo seus ocupantes e impedindo que fossem atirados para o espaço.

Rhodan manteve contato radiofônico com Reginald Bell. Pouco depois que a plataforma havia saído da Stardust-III, o mesmo comunicou a Rhodan que o major Nyssen e seu grupo também se haviam posto a caminho.

A plataforma levou dez minutos para atingir a nave inimiga, que estava gravemente danificada. O neutralizador criou um campo de gravitação direcional acima da plataforma, não influenciável pelos impactos de aceleração e desaceleração. Com isso, os homens que se encontravam no tosco veículo tiveram a impressão de que o vulto gigantesco da nave descia sobre eles.

A nave era um verdadeiro monstro. Rhodan calculou que seu comprimento original devia ser de uns duzentos e cinqüenta metros. O diâmetro do corpo cilíndrico era seguramente superior a cinqüenta metros.

Rhodan já vira muitas naves de raças extraterrestres. Todas elas não passavam de anões em comparação com o gigante ao qual a plataforma se encostava com o maior cuidado.

Mesmo aquela nave inimiga, volatilizada pela metade, ainda emitia os raios odientos de energia concentrada e capacidade de luta.

No momento em que o impacto suave sacudiu a placa de metal plastificado, Rhodan estava ao lado de Crest. Olhou para o arcônida. Através da lâmina flexível do visor viu que seus lábios se moviam. No alto-falante de capacete ouviu estas palavras:

— É uma nave dos saltadores!

Rhodan acenou com a cabeça; parecia pensativo. Face a um treinamento hipnótico intensivo e prolongado, seus conhecimentos eram praticamente iguais aos do arcônida. Conhecia a história dos saltadores tão bem quanto os arcônidas, e sabia que eram a única raça que construía naves do tamanho da que tinha diante de si.

— O que será que essa gente tem contra nós? — perguntou Rhodan.

Crest levou algum tempo para responder.

— É possível que tenha chegado ao conhecimento deles que a Terra comercia com Ferrol. E não gostariam disso.

— São de opinião — completou Rhodan — que só eles têm o direito de praticar o comércio em maior escala e a grande distância. Foi esta a razão do ataque?

— Exatamente — confirmou Crest com a voz tranqüila.

Um jovem tenente desceu da plataforma e passou a caminhar sobre o casco da nave, à procura de uma comporta. Rhodan ouviu seu aviso:

— Não encontro nenhuma abertura.

— Veja se conseguimos entrar no local de impacto — retrucou Rhodan.

O tenente impeliu-se para longe do casco da nave e flutuou até o lugar em que o disparo do desintegrador da Stardust-III havia atingido a nave. Ali seus destroços terminavam numa parede esfacelada e deformada.

O jovem oficial desapareceu por algum tempo. Mas logo Rhodan ouviu sua voz:

— Não há problemas; podemos entrar por aqui.

Rhodan respondeu à mensagem:

— Deixarei quatro homens aqui. Os outros irão comigo.

Em grupo de sete, passaram ao lado do envoltório da gigantesca nave, dobraram cautelosamente a parede quebrada e dirigiram os feixes de luz de suas lanternas para a escuridão da nave vazia.

A construção era simples e fácil de abranger com a vista. O eixo da nave cilíndrica era formado por um amplo corredor que, segundo parecia, prosseguia até a proa e, antes do impacto, provavelmente só terminava na popa agora gaseificada.

Rhodan foi o primeiro a entrar. Deu um passo e apoiou as pernas firmemente no chão recortado, para absorver o impacto da gravidade, caso houvesse um neutralizador e o mesmo estivesse intacto.

Mas não havia nada disso. A ausência de gravidade se espalhara por todos os cantos da nave sem vida. Rhodan empurrou-se com o pé e, de holofote na mão, flutuou pelo corredor.

Crest seguiu-o.

— Bem que poderia contar o que está procurando aqui — disse Crest.

— Procuro indício — respondeu Rhodan. — Não me contento em adivinhar quais são suas intenções e por que nos atacam. Quero ter certeza.

Em ambas as paredes do corredor havia grande número de nichos e escotilhas. Rhodan dividiu o grupo, incumbindo cada um dos homens a dar busca em alguns dos recintos que ficavam atrás das escotilhas.

As informações começaram a chegar enquanto Crest e Rhodan ainda se esforçavam para chegar à proa.

— Cápsulas energéticas destinadas a armas gravitacionais — anunciou alguém.

— Depósitos para peças de reposição dos canhões — disse outro.

Rhodan murmurou uma confirmação.

— Bem que eu desconfiava que os recintos mais importantes da nave ficam na proa — ouviu Crest dizer.

Chegaram a um lugar em que o corredor se alargava para o dobro. As escotilhas se abriam em todas as direções.

Rhodan chamou dois dos homens que revistavam salas menos importantes situadas na parte traseira da nave.

— Peguem a parte da esquerda — ordenou. — Crest e eu daremos uma olhada à direita.

A primeira sala inspecionada parecia ser o posto de observação da nave inimiga. Rhodan viu uma série de instrumentos que lhe pareciam familiares e uns poucos de que não sabia a utilidade.

Crest também não sabia.

Os dois soldados avisaram que haviam encontrado uma posição de combate e provavelmente a sala de comando da nave. Rhodan ordenou que procurassem encontrar registros escritos. Explicou em poucas palavras que os livros dos saltadores eram formados por pequenas pilhas de fitas de plástico, amarradas de um lado.

Dali a alguns minutos, um dos soldados avisou em tom exaltado:

— Encontrei um cadáver!

Rhodan interrompeu a busca que vinha realizando e, acompanhado de Crest, correu para o lugar de onde havia vindo o aviso.

O feixe de luz ofuscante do holofote que o soldado tinha na mão estava dirigido para um vulto de ombros largos, estendido no chão.

O morto envergava seu traje espacial, mas, quando o tiro do desintegrador rompeu o casco da nave, o capacete não estava fechado. O homem falecera em virtude da descompressão explosiva.

— É alto e largo — murmurou Rhodan. — Foi feito para suportar gravitações mais fortes. É um saltador.

Crest virou o rosto. Não suportava a visão do morto. Fez seu holofote percorrer o restante da sala em que se encontravam.

Ficou perguntando a si mesmo o que teria sido feito da inteligência dos saltadores, já que no início da luta não haviam ordenado aos tripulantes da nave que fechassem os trajes espaciais.

Como seria possível que, numa nave da guerra, um dos membros da tripulação fosse surpreendido com o capacete aberto durante um combate?

A pergunta tanto preocupou Crest que, por várias vezes, passou os olhos por cima da caixa metálica alongada encostada a uma das paredes sem que a notasse. Só da terceira vez seu olhar caiu na mesma e ele a examinou.

Ninguém viu quando o arcônida arregalou os olhos de susto. Rhodan e o soldado estavam examinando o cadáver do saltador. Crest foi o primeiro a sentir a pressão suave da gravitação, que subitamente retornava.

Alguns segundos se passaram até que

Crest conseguisse vencer o susto a ponto de soltar uma advertência.

— Cuidado!

Rhodan virou-se precipitadamente, com o holofote na esquerda e o radiador de impulsos térmicos engatilhado na direita.

— O que houve?

Crest fez um débil movimento de mão em direção à caixinha estreita.

— Ali. Uma bomba-relógio gravitacional!

 

As duas moças recuperaram os sentidos praticamente ao mesmo tempo. Felicitas voltou a chorar assim que se deu conta da situação em que se achava.

Tiff conseguira eliminar o movimento de rotação causado pelo impacto. O destróier desenvolvia uma velocidade inferior a vinte mil quilômetros por segundo — tomado como ponto de referência o sol azul de Beta-Albíreo, que mais próximo se encontrava ao veículo espacial — e seguia por uma rota quase vertical àquela na qual se afastara da Good Hope-IX.

A eliminação do movimento de rotação consumira mais energia. Se nas proximidades existisse um mundo em que o pouso, em princípio, fosse possível, ele só poderia ser utilizado se tivesse uma atmosfera bastante densa, para permitir o pouso aerodinâmico, ou se sua gravitação superficial fosse inferior a 1 g.

De outra forma o pouso representaria um acidente, e não se poderia garantir a integridade física dos ocupantes do destróier.

Eberhardt e Hump procuraram descobrir o defeito que impedia o funcionamento do hipercomunicador, mas suas tentativas não foram coroadas de êxito.

O conversor havia sido destruído pelo impacto. Essa peça tinha uma entrada tridimensional, situada do lado do gerador, e uma saída de cinco dimensões para o lado do transmissor. O aparelho que se situava entre essa entrada e saída era uma das peças mais complicadas do universo. Além de Rhodan, havia na Terra apenas duas ou três pessoas que entendiam alguma coisa de conversores desse tipo. E nenhum dos três cadetes pertencia a esse grupo de pessoas.

— Nada — gemeu Hump em tom resignado.

Tiff acenou com a cabeça. Não esperava outra coisa.

— Deixe o receptor ligado! — recomendou.

Depois de algum tempo, percebeu que o destróier atravessaria aproximadamente o centro da linha imaginária que ligava os centros de gravidade dos dois sóis. Uma vez que o astro central, de cor alaranjada, era muito maior que o anão azulado, esse ponto ficava mais próximo à superfície do gigante.

Naquele momento Tiff não conseguiu localizar qualquer planeta. Parte dos instrumentos de localização de maior importância, especialmente os localizadores de grande alcance, haviam sido postos fora de ação.

O fato não preocupou Tiff. De bordo da Orla XI vira que o sistema possuía um planeta. Os sistemas de um único planeta são muito raros, por isso era provável que houvesse outros.

Restava saber se o destróier conseguiria se aproximar de algum deles o suficiente para arriscar uma mudança de rota, seguida do pouso. E mais: seria necessário que tudo isso acontecesse antes que terminasse o prazo fatal de quinze horas.

Finalmente Felicitas parou de chorar. Todos se sentiram aliviados.

Depois de algum tempo, Tiff disse com a voz cansada.

— Faltam quatorze horas. Quem quiser dormir, que o faça. Mais tarde precisaremos de vários pares de olhos bem vigilantes.

 

A imensa onda de gravitação desencadeada numa fração de segundo irrompeu na pequena sala no mesmo instante em que Crest proferiu sua advertência.

O soldado caiu ao solo com um gemido. O chão tremeu com o impacto de seu corpo. Crest caiu de joelhos.

Rhodan foi o único que ainda se manteve de pé. O primeiro grito de Crest deixara-o preparado para tudo. Não havia ninguém que reagisse mais depressa que Perry Rhodan.

Mas a terrível gravitação puxava-o com uma força sempre crescente. Rhodan desceu lentamente e deitou-se de costas. Esforçou-se para controlar a respiração.

Conseguiu. A cada movimento dos pulmões, Rhodan sentia fortes pontadas, mas a respiração continuava, e com ela a vida.

Rhodan procurou se lembrar de tudo que sabia sobre bombas-relógios gravitacionais.

Aquele tipo de bomba era uma arma traiçoeira cuja única finalidade consistia em segurar o inimigo até que a pessoa que colocara o artefato pudesse voltar com reforços suficientes; no entanto, podia também provocar uma morte lenta.

“Seu idiota”, pensou Rhodan, admirando-se da lentidão com que o cérebro funcionava sob a influência da força gravitacional aumentada, “você bem que poderia ter se lembrado da possibilidade de terem colocado uma armadilha nos destroços da nave.”

Com um tremendo esforço, virou a cabeça ligeiramente para o lado, a fim de ver a bomba. Os holofotes de Crest e do soldado haviam caído de suas mãos, espatifando-se no chão. A lanterna de Rhodan estava a seu lado e continuava acesa. O feixe de luz não se dirigia para a bomba, mas iluminava todo o recinto.

O estojo da bomba nem chegava a medir um metro. Era cilíndrico e seu diâmetro era de cerca de trinta centímetros.

“Uma coisinha dessas, e produz uma energia gravitacional de tamanha intensidade”, pensou Rhodan.

Calculou que a pressão gravitacional reinante na sala devia atingir de 15 a 20 g. Era tão intensa que nem se poderia pensar em mover a mão.

Rhodan constatou que a gravitação continuava a crescer. Procurou calcular a taxa de crescimento e, guiando-se pelo que sentia, pensou em 0,l g por minuto.

Era possível que houvesse uma margem de erro. Logo chegaria o instante em que... ao pensar nisso, lembrou-se de Nyssen.

Nyssen! Nyssen estava percorrendo a outra nave. Era bem possível que nesse mesmo instante também estivesse caindo na armadilha.

Reunindo as forças que lhe restavam, principiou:

— Aqui fala... Rhodan! Nyssen... nos destroços... há uma... bomba-relógio gravitacional. Tome... cuidado!

O suor porejou em sua testa e penetrou-lhe nos olhos. Com um gemido, colocou a cabeça na posição anterior.

Ouviu um estalo no receptor de capacete.

— Aqui fala Nyssen. Nyssen ao comandante. Não encontramos nada. O que houve com o senhor? Podemos ajudar?

“Seu idiota”, pensou Rhodan furioso, “você nem sabe como é uma bomba gravitacional.”

— Tenha cuidado... — voltou a falar. — Trata-se... de um objeto... cilíndrico... de um metro de comprimento... e trinta centímetros de diâmetro... Tome... Cuidado!

Ouviu Nyssen fungar.

— Um objeto cilíndrico de um metro de comprimento e trinta centímetros de diâmetro?

Houve uma pausa. Depois ouviu-se o grito rouco de Nyssen:

— Comandante! Acabamos de colocar aquilo em nossa plataforma!

Por um instante Rhodan perdeu a consciência. Quando voltou a recuperar os sentidos, ouviu a voz de Nyssen:

— ...não responde mais? Alô, comandante! Por que não responde?

Rhodanresmungou alguma coisa. Suas cordas vocais quase não conseguiam produzir sons articulados.

Nyssen pareceu compreender.

— No último instante conseguimos empurrar aquilo para fora da plataforma — disse. — Ainda bem. Quando se encontrava a uns cem metros, disparou e arrastou a plataforma um pedaço. A máquina mal e mal conseguiu vencer a força gravitacional. A esta hora a bomba está vagando pelo espaço.

O cérebro de Rhodan se rebelou contra a inatividade a que seu corpo estava condenado. Em voz alta gritou:

— Segure a bomba!

Voltou a perder os sentidos.

Não sabia quanto tempo se passara quando recuperou os sentidos. De qualquer maneira, ouviu a voz insistente de Nyssen:

— Responda, por favor! Responda! Prendemos a bomba. Está amarrada a cerca de duzentos metros da plataforma.

Rhodan teve vontade de abraçar Nyssen.

— Ótimo! — cochichou.

Sentiu que as forças voltavam a abandoná-lo. A gravitação irradiada pela bomba ultrapassava a marca dos 20 g. Só lhe restavam alguns minutos para explicar a Nyssen o que devia fazer.

— Aproxime-se... da nave destroçada em que me encontro... — gemeu. — Estamos... na proa. Lance a bomba... de tal forma... que...

— Entendido! — gritou Nyssen, cheio de entusiasmo. — Não explique mais nada. Poupe suas forças.

Mas Rhodan proferiu mais uma palavra. Sua voz foi tão débil que Nyssen mal conseguiu entendê-lo:

— Rápido...

 

Depois de algum tempo até o cronômetro deixou de funcionar. Parou quando o destróier ainda dispunha de nove horas para encontrar um local em que pudesse pousar. Dali em diante, Tiff procurou avaliar o tempo que se passava, mas não tinha nenhum ponto de referência.

Depois de algum tempo a nave cruzou a linha imaginária que ligava os dois sóis. A gravitação muito mais intensa do anão azul tornou-se perceptível e obrigou o veículo espacial a tomar outra rota. Mas nem por um instante houve o risco de que o destróier fosse se precipitar sobre o sol.

Klaus Eberhardt realmente adormecera. Tiff apenas conseguira tirar alguns cochilos ligeiros, e isso não bastava para que o organismo recuperasse as forças. Sentiu que se aproximava o momento em que começaria a chorar de nervosismo e frustração, tal qual Felicitas fizera há pouco.

Procurou se distrair, esforçando-se para imaginar como seria o planeta sobre o qual pousaria o destróier; tentou adivinhar o que fariam por lá.

Aquilo não passava de um exercício mental. Se encontrassem algum planeta, seria um que nunca haviam visto. Ninguém poderia imaginar como seria.

Mas o pensamento distraía.

Tiff também se lembrou do robô que todo destróier trazia a bordo. Estava jogado no pequeno depósito de popa, sem que tivesse sido ativado. O robô dispunha de gerador próprio, e por algum tempo Tiff ficou refletindo sobre a possibilidade de ligar o mesmo aos propulsores danificados. Mas lembrou-se que o gerador do robô só tinha um centésimo do desempenho energético necessário ao funcionamento de um mecanismo propulsor, motivo por que seria imprestável para esse fim.

Se conseguissem encontrar um lugar em que pudessem pousar, teriam de ficar satisfeitos se o robô ainda estivesse em condições de funcionamento. Afinal, não era muito improvável que também tivesse sido danificado pelo impacto.

Vez por outra Tiff passava os olhos pela ampla tela de localização ótica, que mostrava o setor do espaço situado no sentido do deslocamento da nave. O fundo negro estava repleto de bilhões de pontos luminosos, que cintilavam tranqüilamente. Tiff não tinha esperança de encontrar por essa forma aquilo que estava procurando; até chegava a achar ridículo acreditar que um astronauta conseguisse encontrar um planeta num setor totalmente desconhecido do espaço, olhando simplesmente para a tela. Mesmo que não dispusesse de um rastreador de grande alcance, poderia perceber o astro muito mais facilmente pela gravitação do mesmo, que desviaria a rota do veículo espacial. A dificuldade estava em percebê-lo pelo tamanho ou pela luminosidade mais intensa, que o destacaria em meio às miríades de pontos luminosos.

Em noventa e nove casos entre cem, a opinião de Tiff seria correta.

Acontece que na tela surgiu uma constelação muito luminosa, que, quando Tiff a olhou pela primeira vez, produziu em sua fantasia a imagem de um Y formado de sete estrelas.

Já agora o traço esquerdo do Y se destacara do resto, e o ponto luminoso que poucos minutos antes formara a ponta avançara quase até a bifurcação da letra.

Tiff se ergueu em sua poltrona. Estreitou os olhos e examinou a imagem que se desenhava na tela.

Uma estrela fixa não altera sua posição face ao observador, mesmo que este se desloque a uma velocidade de vinte mil quilômetros por segundo.

Já os planetas se movem. No momento em que se tornam visíveis já se encontram tão próximos que, quando o observador se desloca por alguns milhares de quilômetros, sua posição é totalmente diversa.

Tiff guardou a descoberta para si, pois não acreditava que sua suposição pudesse ser correta.

Mas dali a dez minutos o ponto luminoso que provocara suas suspeitas já havia se deslocado até o lado oposto do Y, situando-se alguns milímetros acima das estrelas que até então formavam a extremidade superior do traço do lado direito.

Ainda sem dizer uma palavra, Tiff determinou a posição do astro desconhecido. O cálculo não foi muito preciso, já que Tiff não conhecia a mudança de rota causada pela gravitação do sol azul. Teve que estimá-la, e para isso adotou os valores geralmente admitidos em estrelas desse tipo.

O cálculo demorou uns quinze minutos.

Depois disso, Tiff começou a agir. Em virtude da chave de emergência o neutralizador continuava a funcionar; por isso ninguém percebeu a nova mudança de rota. As estrelas projetadas na tela descreveram uma curva ligeira, quase imperceptível.

O ponto luminoso móvel se deslocou para o centro da tela, e Tiff cuidou para que continuasse ali.

Depois da correção de rota, procurou determinar a velocidade do destróier. O propulsor não estava funcionando mais; se o ponto luminoso, que segundo acreditava era um planeta, emitisse qualquer força gravitacional, por mínima que fosse, isso deveria se refletir no movimento do veículo espacial.

Meia hora depois, Tiff percebeu que tivera razão.

A velocidade do destróier em relação ao ponto luminoso aumentara em dez metros por segundo.

Tiff virou a cabeça.

— Já encontramos o que procurávamos — disse, falando para dentro do microfone de capacete. Tinha a voz rouca de tanto que teve de se esforçar para não deixar perceber a sensação de triunfo.

 

Dez minutos depois de ter cochichado o último pedido aflito dirigido ao major Nyssen, Perry Rhodan perdeu os sentidos.

Nyssen sabia o que estava em jogo. Não conhecia nada sobre o funcionamento da bomba-relógio; só sabia que gerava certa gravitação, da mesma forma que um gerador gravitacional do tipo que já conhecia.

Mas compreendeu imediatamente que Rhodan se encontrava em perigo. Não tinha a menor idéia de quem seriam as pessoas a que Rhodan aludira ao usar a palavra nós; mas, mesmo que fosse somente Rhodan que se encontrasse em perigo, isso teria levado Nyssen a empreender as mais audaciosas ações.

Nyssen partiu do pressuposto de que, na nave danificada em que Rhodan se encontrava, a bomba devia ter sido colocada na mesma sala que naquela que ele mesmo examinara. Essa suposição se confirmou quando dois homens do grupo de Nyssen, munidos de gravímetros, mediram as condições gravitacionais reinantes nas proximidades da nave destroçada em cujo interior Rhodan estava preso.

Nyssen pedira às outras pessoas do grupo de Rhodan que saíssem da nave inutilizada e voltassem à Stardust-III.

A plataforma comandada por Nyssen arrastava atrás de si a bomba gravitacional ativada, e por isso a manobra era muito difícil, mesmo para alguém que tivesse de cuidar apenas de si mesmo.

Nyssen manteve a bomba presa a longos cabos de plástico, a uma distância de dois quilômetros. Ainda assim a gravitação artificial era perceptível. Mas, como a gravitação é uma das grandezas físicas que se regem pela lei do 1/r2, a bomba não representava um perigo direto para Nyssen e seus homens.

Nyssen mandou que dois de seus homens abrissem caminho para a sala de comando da nave destroçada, usando os radiadores de impulsos térmicos. Os homens soltaram vários metros quadrados das chapas do casco da nave, abrindo um caminho suficientemente largo para dar passagem à bomba.

Outros homens prosseguiram nas medições, e apuraram a posição da bomba que mantinha Rhodan preso, com uma margem de erro não superior a cinqüenta centímetros.

Nyssen entrou em contato com a Stardust-III e pediu que o cérebro positrônico executasse a toda pressa uma série de cálculos baseados nos dados por ele fornecidos. Quando recebeu os resultados, soube que sua missão seria bem sucedida, desde que conseguisse manobrar seu perigoso reboque com uma exatidão suficiente.

Pediu aos homens de seu grupo que voltassem à plataforma assim que estes, depois de medir cuidadosamente a bomba, haviam aberto um caminho suficientemente largo e extenso para a mesma.

Não gastou mais de três minutos para explicar aos homens o que pretendia fazer. Recomendou-lhes o seguinte:

— O que está em jogo é a vida de Rhodan e de mais algumas pessoas que estão presas ao seu lado. Temos muita pressa, mas não podemos agir precipitadamente. Estamos manipulando o objeto mais perigoso em que já pusemos as mãos.

Aguardou pelas objeções que surgiriam. Mas não houve nenhuma.

— Vamos começar! — murmurou.

 

Rhodan despertou com o forte solavanco que atravessou seu corpo.

Por alguns segundos a atividade febril dos pulmões deixou-o espantado. Fungava como se acabasse de fazer uma corrida de dez quilômetros.

Mas logo compreendeu: o organismo estava recuperando aquilo de que fora privado nos minutos anteriores.

O braço direito de Rhodan levantou-se de um golpe.

A mão saltou para o alto e, acima da cabeça, bateu na parede dura.

A bomba! A bomba deixara de emitir sua gravitação!

Dali a um instante Rhodan estava de pé. Sentiu a atração estranha provocada por um campo gravitacional acentuadamente heterogêneo: enquanto nas pernas a gravitação estava ausente, na cabeça atingia mais de l g.

“Não é nada disso”, pensou Rhodan. “A bomba continua a emitir sua gravitação. Apenas Nyssen agiu como devia.”

Levantou o holofote manual e dirigiu a luz na direção de onde devia provir a influência salvadora. Viu que o feixe de luz passava por uma parede recortada, perdendo-se no nada.

Ou melhor, quase no nada. Atrás do buraco aberto na parede, um cilindro de um metro de comprimento e trinta centímetros de diâmetro flutuava no ar, sustentado por cabos.

Era a segunda bomba.

Rhodan olhou em torno. Procurou avaliar as distâncias. A distância entre as duas bombas — a que flutuava lá fora e aquela que o fizera desmaiar há meia hora — não era superior a oito metros. Ele, Rhodan, encontrava-se exatamente no centro da linha que unia as duas máquinas infernais.

E não tinha nada que pudesse ajudá-lo a aproximar a segunda bomba para salvar Crest e o soldado.

A voz exaltada de Nyssen soou no receptor do capacete. Nyssen comandava seus homens; Rhodan teve dificuldade em se fazer ouvir.

— Silêncio! — gritou a plena força dos pulmões. — Aqui fala Rhodan. Preciso de um cabo ou de uma vara comprida com um gancho ou coisa que o valha.

Nyssen soltou um grito de alegria.

— Está bem, chefe? — perguntou.

— Estou, mas Crest e o soldado ainda estão passando mal. Tenho que dar um jeito de trazer a bomba mais perto deles.

Nyssen parecia refletir. Depois de algum tempo respondeu:

— Não acredito que lhe possamos passar uma vara. Não conseguiríamos fazê-la passar por cima da bomba. A gravitação a arrebentaria.

— Quem está falando em passá-la por cima da bomba? Pode medir os dois campos gravitacionais?

— Podemos.

— Pois mande abrir a parte superior do casco. Se a pessoa que entrar por lá, permanecer sempre na linha do centro entre as duas bombas, tudo dará certo.

Nyssen estava de acordo.

— Começaremos imediatamente.

Rhodan estava preocupado com Crest.

O arcônida se encontrava bem mais perto da primeira bomba do que ele. Não devia sentir praticamente nenhuma influência da bomba introduzida por Nyssen.

A idéia de Rhodan fora esta: recorrer a outra bomba para anular o campo gravitacional da primeira, ao menos num setor de dimensões bastante reduzidas. Cada uma das bombas gerava um campo gravitacional cujas linhas de penetrações subiam verticalmente em relação à superfície de sustentação da bomba — no caso, o chão da sala de comando. Numa altura de cerca de um metro, as linhas infletiam para um dos lados, descrevendo um semicírculo e penetrando verticalmente no envoltório da bomba. Os vetores da primeira bomba penetravam no chão. Nyssen medira o campo gravitacional e colocara sua bomba de tal maneira que os vetores do campo por ela gerado apontavam do chão para cima. Face a isso os efeitos dos dois campos neutralizavam-se mutuamente em todos os pontos situados a igual distância das duas bombas.

O problema com que Rhodan se defrontava era o de aproximar a bomba colocada por Nyssen de tal maneira que Crest e o soldado, que jaziam lado a lado, ficassem aproximadamente sobre a linha mediana entre as duas bombas.

Quando isso acontecesse, não haveria a menor dificuldade em libertar os dois. Restava saber se o homem do grupo de Nyssen conseguiria trazer a vara em tempo.

Vários minutos se passaram. Subitamente Rhodan sentiu o chão vibrar; concluiu que a salvação não devia estar longe. Poucos segundos depois, uma placa de cerca de um metro quadrado se desprendeu do teto. Era de admirar como o homem sabia se conservar exatamente na linha do meio dos dois campos gravitacionais.

Uma longa vara de plástico passou pela abertura e desceu cautelosamente.

— Esta serve, chefe? — perguntou o homem.

— Serve, obrigado. Trate de dar o fora quanto antes. Por aqui a situação vai ficar crítica.

O homem recuou. Rhodan aguardou mais alguns minutos, para que o mesmo pudesse se colocar em segurança.

Depois agiu sem perda de um segundo.

Centímetro por centímetro, foi puxando a bomba com a vara de quase dez metros que Nyssen havia lhe mandado. Sentiu um forte solavanco quando a ponta da vara penetrou no setor em que a força gravitacional era mais intensa. Mas logo a bomba se grudou na vara, como um prego se adere à um imã de elevada potência.

Rhodan agiu com a maior cautela. Cada vez que aproximava a bomba por dois centímetros, recuava um centímetro, para se manter a igual distância das duas máquinas infernais.

Levou quase meia hora até que, pelos seus cálculos, Crest se encontrava exatamente no centro da linha que unia as bombas, e o soldado quase no centro.

Rhodan colocou a vara cuidadosamente no chão. A outra extremidade ficou presa à bomba. Rhodan viu que a gravitação intensíssima alterara a extremidade originariamente redonda da vara, feita de metal plastificado de extrema dureza, dando-lhe um formato elíptico.

Tocou Crest cautelosamente com o pé.

Teve de repetir a tentativa várias vezes antes que Crest começasse a se mexer.

— Cuidado! — disse Rhodan. — Fique onde está e preste atenção.

— Estou ouvindo — respondeu Crest.

Rhodan explicou a situação, falando devagar e dando todos os detalhes. Ao terminar, disse:

— Levante e permaneça sempre bem no meio, entre as duas bombas. Sabe perfeitamente o que lhe acontecerá se sair do caminho do meio, por um passo que seja. A escotilha fica exatamente na linha do meio, com a precisão de quase um centímetro. Passe por ela e espere do lado de fora.

O soldado, que também havia acordado, ouviu a maior parte das explanações. Rhodan mandou que seguisse Crest. Depois levantou a extremidade livre da vara e colocou-a sobre o envoltório metálico da primeira bomba. Com isso dispunha de um cabo de cerca de quatro metros. Se segurasse a vara no meio, não teria a menor dificuldade em girar o conjunto.

Dirigindo-se a Crest, gritou:

— Vá andando a passo normal pelo corredor, em direção à parte traseira da nave. Girarei as duas bombas de tal forma que a parte do corredor em que você estiver fique situada, na medida do possível, exatamente na linha do meio. Atenção, vá andando!

Fazia votos de que Crest e o soldado conseguissem andar “a passo normal”. Na linha situada a igual distância das duas bombas existia um estado de ausência total de gravidade, e para quem tivesse que se deslocar flutuando e remando com os braços a expressão “a passo normal” dificilmente significaria algo de inteligível.

Mas, depois de algum tempo, Crest avisou que haviam chegado ao fim da parte não destruída da nave. Uma vez que esta havia sido despedaçada aproximadamente no meio, isso significava que Crest e o soldado se encontravam cerca de cento e cinqüenta metros das duas bombas.

Rhodan ordenou a Nyssen que fosse buscar os dois homens, aproximando-se na plataforma pela linha imaginária que formava o prolongamento do corredor central. A manobra central. A manobra pôde ser realizada sem dificuldades. Dali a cinco minutos, Crest e o soldado estavam salvos. A uma distância de cento e cinqüenta metros, os propulsores da plataforma estavam em condições de neutralizar o campo gravitacional gerado pelas bombas, mesmo que Rhodan tivesse modificado a disposição simétrica das mesmas.

— E você, chefe? — perguntou Nyssen em tom preocupado.

Rhodan riu.

— Não demorarei. Fique onde está. Voltou a levantar o cabo com as bombas e, mantendo-se sempre no centro da vara, caminhou até se colocar bem embaixo do buraco por onde havia sido enviada a mesma. Com um movimento cuidadoso, largou o cabo, respirou profundamente e, abaixando-se rápido, empurrou-se com os pés.

Disparou para o alto, ultrapassando o buraco do teto por alguns metros; o suficiente para que suas mãos pudessem segurar na borda do buraco aberto no teto do compartimento superior.

Dali em diante as coisas foram bastante simples. Os buracos abertos nos tetos lhe apontaram o caminho mais curto e seguro. Dali a alguns minutos, Rhodan estava de pé em cima do casco da nave destroçada; embora no caso a definição que era em cima fosse um tanto arbitrária.

— Cuidado, Nyssen! — gritou pelo rádio de capacete. — Já vou.

Nyssen não podia vê-lo. A nave destroçada obstruía-lhe a visão. Rhodan se manteve sempre na linha sobre a qual ficava o buraco por onde tinha saído. Como segundo ponto de referência, escolheu um ponto do casco da nave que estava mais esfacelado do que os outros; num estado de ausência de gravidade, era totalmente impossível caminhar em linha reta num trecho curto sem dispor de ao menos dois pontos de referência.

A caminhada foi penosa, pois cada passo que dava trazia em si o perigo de ser desviado da rota. A cada dez metros, Rhodan se agachava cuidadosamente, para fixar os dois pontos de amarração. Dessa forma levou quarenta minutos para atingir a parte em que o casco fora esfacelado. Só então se viu diante da plataforma em que se encontrava Nyssen com seu grupo.

Rastejou até a extremidade e empurrou-se em direção à plataforma. Nyssen esperava que viesse pelo corredor. Deu um grito de surpresa quando o viu flutuar suavemente pelo campo energético ativado através do neutralizador. Logo aterrizou com um ligeiro solavanco em cima da plataforma.

— Tudo bem, Nyssen. Vamos para casa.

 

Tiff consumiu noventa e nove por cento de suas reservas de energias para fazer a marcha do destróier e colocá-lo na órbita do planeta desconhecido. Notava-se perfeitamente que esse mundo possuía uma atmosfera. Restava saber se era respirável. Os instrumentos de análise não funcionavam mais.

Mas Tiff constatara mais uma coisa: o planeta ficava a quase um bilhão de quilômetros do sol azulado, e a mais de um bilhão de quilômetros do sol alaranjado.

Não falou a este respeito. Preferiu não assustar ninguém enquanto isso não fosse absolutamente necessário. Na verdade, o anão azulado era um gigante no que dizia respeito à potência de suas radiações. Era bem possível que, apesar disso, as condições fossem suportáveis para a vida num mundo que ficava a uma distância de um bilhão de quilômetros; sete vezes a distância que separa a Terra do Sol.

Quando Tiff descreveu a primeira parábola de frenagem, viram que a superfície do planeta estava coberta de neve e gelo. Tiff nem conseguiu localizar o eixo do planeta. Mas acreditava que o equador devia ficar na região em que as massas de gelo e neve apresentavam uma coloração mais escura.

Mildred começou a gemer.

— Santo Deus, isso é pior que a Groenlândia!

Era a primeira vez que dizia alguma coisa depois do instante em que o destróier havia sido atingido.

Com os olhos semicerrados, Hump acompanhou a rota seguida por Tiff.

— Ali, onde a cor é mais escura... deve ficar o equador — disse.

— Obrigado — respondeu Tiff em tom mordaz. — Era o que eu imaginava.

No mesmo instante se arrependeu da resposta indelicada. Estava próximo do esgotamento nervoso.

— Por que não segue nessa direção? — perguntou Hump. — É provável que no equador não seja tão frio.

— Não posso — respondeu Tiff. — Se fizer qualquer manobra, por menor que seja, a energia não será suficiente para o pouso.

Hump se exaltou.

— Por que não se lembrou disso mais cedo, seu idiota? Por causa da sua estupidez vamos morrer de frio.

Quando Eberhardt virou a cabeça, ouviu-se um farfalhar. Antes que Tiff pudesse dizer qualquer coisa, Eberhardt resmungou:

— Escute aí, Hump! Com todo o aperto eu lhe quebro a cabeça se você não parar de dizer tolices.

Não disse mais nada; mas essas palavras foram proferidas com tamanha fúria que Hump calou a boca.

A irrupção de Hump deixou Tiff mais contente que aborrecido. Aquilo provara que Hump também chegara ao limite das suas energias. Como cadete que era, devia saber perfeitamente que alguém que só dispõe de pequena parte dos instrumentos usuais não tem condições de calcular o plano equatorial de um planeta estranho em tempo de orientar o pouso aerodinâmico pelo mesmo.

Durante a primeira parábola de frenagem, Tiff mergulhou a uma profundidade bastante perigosa na atmosfera do mundo estranho. O termômetro externo, que não dependia de qualquer suprimento de energia e por isso continuava a funcionar perfeitamente, subiu a mais de quatro mil graus. Mas o aço arcônida conservou seu poder de resistência, e o aparelho de condicionamento de ar, colocado em situação de emergência, conseguiu limitar a dois graus a elevação da temperatura no interior da cabina.

A velocidade do destróier, que durante a manobra de conversão já baixara para oito quilômetros por segundo, ficou reduzida à metade.

O destróier voltou a sair da atmosfera gelada, ganhou altitude, passou pelo ponto máximo e voltou a se dirigir para o envoltório atmosférico.

— Atenção! — disse Tiff. — Vamos iniciar a segunda frenagem.

 

— Muitos dos senhores já devem ter adivinhado meus planos — disse Rhodan em tom pensativo, olhando para o chão... o chão seguro da sala de comando da Stardust-III. — Mas na situação em que nos encontramos não podemos depender de adivinhações. Por isso vou dar uma explicação detalhada.

Seu corpo de ouvintes era formado pelos oficiais das naves Stardust-III, Terra e Solar System, inclusive os mutantes, e por Crest e Thora, os arcônidas.

Crest, ainda estava esgotado em virtude da perigosa aventura que acabara de viver, e Thora, que fitava Rhodan com uma expressão irônica, erguia as sobrancelhas num gesto de arrogância.

— Descobrimos que certas inteligências desconhecidas passaram a demonstrar interesse por nós — prosseguiu Rhodan. — Constatamos que pousaram em Vênus e também espalharam seus agentes pela Terra. Mas procederam com tamanha habilidade que nem na Terra nem em Vênus conseguimos capturar qualquer um deles. Além disso, moveram-se no espaço com tamanha agilidade que chegamos à conclusão de que nos defrontamos com uma raça cujo nível tecnológico é, pelo menos, igual ao nosso. Também tínhamos de supor que suas intenções eram hostis. Se não fossem, teriam encontrado um meio de estabelecer contato conosco. A suposição se transformou em certeza quando a Good Hope-IX foi capturada.

Olhou em torno para verificar se alguém estava adivinhando a conclusão final.

— Quem quer lutar — prosseguiu — tem de saber antes de tudo contra quem vai lutar. Os desconhecidos não estavam dispostos a nos revelar esse detalhe, motivo por que tivemos de fazer alguma coisa para desvendar o mistério.

“O cadete Julian Tifflor, que todos conhecem, é o homem que devia descobrir alguma coisa sobre o inimigo. No organismo de Tifflor foi implantado um micromodulador de vibrações celulares, que o transformou numa espécie de farol telepático. Nossos telepatas conseguem localizá-lo a uma distância de dois anos-luz.

“Lançamos Tifflor pela forma que nos pareceu mais adequada. O truque foi coroado de êxito. Os desconhecidos grudaram-se nos calcanhares do cadete. Acabaram por raptá-lo, e isso de uma maneira pouco agradável para nós. Não contávamos com a possibilidade de que os desconhecidos tivessem condições de prender uma das nossas naves a uma das suas, e realizar um hipersalto com as duas naves assim ligadas; mas foi o que aconteceu com a Good Hope-IX.

“Pois bem, os senhores sabem perfeitamente que dificuldades tivemos de enfrentar para reencontrar a pista. Mas acabamos por localizá-la e entramos em toda esta confusão, sobre a qual já estão informados.

“Que resultado colhemos de tudo isso? Bem, já sabemos quem são nossos inimigos. Pertencem a um ramo da raça dos arcônidas. É bem verdade que as relações entre esse ramo e a raça arcônida propriamente dita são apenas regulares. Chamam a si mesmos de saltadores. Mandarei distribuir fitas gravadas com informações entre as várias naves. Poderão se instruir com elas. Permitam, porém, que lhes adiante os detalhes mais importantes.

“A tecnologia dos saltadores é pelo menos equivalente à dos arcônidas. E, como nós mesmos não dispomos de outra tecnologia senão a dos arcônidas, os saltadores estão, pelo menos, em nível idêntico ao nosso. Viram como as bombas-relógios gravitacionais por pouco não nos pregam uma peça.

“Dispomos de todas as informações sobre a raça dos saltadores de que dispõe a civilização arcônida. Mas não sabemos o que estão planejando contra a Terra. Não sabemos sequer quantos membros da raça dos saltadores, cujo número total atinge a casa dos dez bilhões, participam do empreendimento. Daí se conclui que continuamos a depender de novas informações. E estas devem ser colhidas diretamente na fonte.

“Como sabem, meu encarregado Julian Tifflor fugiu da Good Hope-IX num destróier. Dois cadetes e duas estudantes da Academia Espacial o acompanharam. O que os senhores não sabem é que a Stardust-III localizou o destróier, que este foi perseguido por duas naves da frota dos saltadores e se empenhou em combate com as mesmas.

“Confesso que brinquei com a vida de Tifflor ao ocultar os avisos de localização, para que ninguém pudesse estragar meus planos através de um apressado gesto de solidariedade. Deixei propositadamente de partir em auxílio de Tifflor, embora soubesse que ele se encontrava em dificuldades.

“Meus cálculos foram corretos. Tifflor conseguiu se livrar dos seus perseguidores; é bem verdade que o destróier foi danificado durante o combate. Neste meio tempo o veículo saiu do alcance dos rastreadores da Stardust-III, e parece que o hipercomunicador de Tifflor está avariado ou inutilizado. Mas não há a menor dúvida de que Tifflor deverá passar relativamente perto do segundo planeta do sistema, se é que ainda não passou. Faço votos de que consiga pousar no mesmo.

“A Divisão Astronômica apurou que o sol geminado de Beta-Albíreo possui um total de quatro planetas. O mundo para o qual Tifflor está rumando fica a mais de um bilhão de quilômetros do centro de gravidade do sistema. Não há dúvida de que as condições de vida no local devem ser bastante precárias.

“De qualquer maneira, vamos providenciar para que Tifflor receba os suprimentos essenciais. Quanto ao mais, faremos o possível para que sua posição atual se torne conhecida, a fim de que possa ser encontrado quanto antes.”

Uma perplexidade sem limite se espalhou entre os circunstantes. Murmúrios percorreram as fileiras dos oficiais. Rhodan sorriu.

— Senhores, permitam que eu explique. De acordo com o resultado das medições, o campo gravitacional das duas bombas-relógios tem um gradiente temporal muito fraco. É de se supor que as bombas tenham sido colocadas tão somente no intuito de reter nossos comandos a bordo. Se tivessem a intenção de matar seus integrantes, o gradiente temporal teria sido mais forte.

“Daí se conclui logicamente que devemos contar com o retorno da frota dos saltadores num futuro muito próximo. Provavelmente trará grandes reforços.

“Não nos envolveremos num combate. Lembre-se do que acabo de dizer sobre a tecnologia dos saltadores. É provável que, num ataque maciço, as três naves de que dispomos ficariam em situação de inferioridade. A esta hora os saltadores já sabem que terão de enfrentar um supercouraçado e tomarão seus preparativos para isso.

“Os saltadores se interessarão por Tifflor, e este, segundo espero, colherá todas as informações de que precisamos. Quanto a nós, temos outra coisa a fazer. Oportunamente serão informados a este respeito. Com isso...”

Interrompeu-se, olhou em torno e sorriu.

— Ah, não, esquecemos uma coisa muito importante. Já devem ter tomado conhecimento do relato do major Deringhouse, segundo o qual a Good Hope-IX até poucas horas atrás ficou presa por meio de fitas magnético-mecânicas à nave dos saltadores denominada Orla XI, que a havia capturado nas proximidades da órbita de Plutão.

“Quando a luta começou, a Orla XI se afastou de fininho do sistema. Não devemos duvidar de que essa nave será a primeira a saber em que lugar pousou Tifflor, que aos olhos dos saltadores é um elemento muito importante. Com isso o contato de Tifflor estará garantido de antemão.”

Dispensou os oficiais com um sorriso. Os homens se retiraram lentamente, em atitude pensativa. Apenas Reginald Bell e os dois arcônidas permaneceram na sala.

De pé diante de Rhodan, Bell olhou-o de baixo para cima.

— Então, grande mágico, o que me diz? — disse com um misto de ironia e veneração.

 

Depois da quinta frenagem, a máquina não saiu mais do envoltório gélido daquele mundo estranho.

O destróier ainda desenvolvia uma velocidade de mach 5, elevada demais para que a indicação do termômetro externo permitisse qualquer conclusão sobre a temperatura real reinante na atmosfera do planeta.

A superfície branca que se estendia embaixo do veículo não fornecia o menor ponto de referência que tornasse possível a avaliação das distâncias. A partir da primeira parábola de frenagem, Tiff acreditou que o planeta fosse do tamanho da Terra, talvez um pouco menor.

A essa altura, porém, já não sabia se a velocidade ainda seria suficiente para ultrapassar a zona polar sem a atuação dos propulsores. Esteve a ponto de pedir a Eberhardt que procurasse descobrir um local apropriado para o pouso. Mas de que serviria um local desses se o destróier ainda não estava em condições de pousar?

A velocidade teria de se consumir por si.

Mach 5; mach 4,5; mach 4...

— Será que a energia é suficiente para realizar a frenagem? — perguntou Hump subitamente.

Sua voz parecia preocupada. Agora, que as coisas se tornavam sérias de verdade, parecia ter mais medo de morrer que vontade de brigar com Tiff.

— Começarei a frear quando atingirmos metade da velocidade do som — respondeu Tiff em tom áspero.

Hump gemeu; parecia apavorado:

— A atmosfera só poderá sustentar a máquina até mach 1; abaixo disso despencará.

Estava com a razão. As asas do destróier só haviam sido concebidas para facilitar as manobras a velocidades superiores a mach 1, numa atmosfera cuja densidade fosse aproximadamente igual à da atmosfera terrestre.

Não eram verdadeiras superfícies de sustentação. Durante a concepção da máquina, chegara-se à conclusão de que a mesma se sustentaria no ar graças aos seus propulsores que, quando a máquina se encontrasse em condições normais, poderiam trabalhar em todas as direções.

Mas Tiff se limitou a resmungar:

— Que despenque!

Hump protestou. Mas Tiff não teve tempo nem vontade de se envolver em discussões, e com Eberhardt parecia acontecer a mesma coisa. Este último disse:

— Cale a boca!

E Hump calou a boca. O destróier prosseguiu em sua corrida vertiginosa.

...mach 3; mach 2,5...

— Será que teremos que morrer? — perguntou Felicitas com a voz trêmula.

Embora mais tarde se arrependesse, Tiff não encontrou outra resposta senão esta:

— Naturalmente! Daqui a dois minutos.

Felicitas começou a soluçar.

Quando os dois minutos se tinham passado, a máquina ainda voava a uma velocidade de mach 0,8.

— Eberhardt! Descobriu algum local em que podemos pousar? — gritou Tiff.

Eberhardt fitou a tela lateral.

— Descobri um campo de pouso bem grande — respondeu em tom indiferente. — O planeta é um único campo de pouso. Resta saber como parecerão as coisas quando tivermos descido mais.

Realmente era isso. A superfície branca não apresentava qualquer relevo, a não ser que o mesmo fosse menor que um morro de tamanho regular. A nave ainda voava a uma altitude de três mil metros. Mas descia rapidamente.

— Vou pousar! — disse Tiff.

Não lhe restava outra alternativa.

Dali a mais alguns segundos, quando o aparelho já havia descido bastante, viram que na verdade o terreno não era nada plano.

Tiff fazia votos de que em sua maioria as elevações só fossem formadas por neve acumulada. Se houvesse rochas maciças por baixo...

Não devia pensar nisso!

O destróier fora concebido para realizar pousos verticais. Não dispunha de trem de aterrizagem; e, se possuísse um, este adiantaria muito pouco.

— Segurem-se!

A área estava cheia de pequenos morros.

— Atenção! É agora!

Houve um solavanco acompanhado de chiados e gritos. Tiff segurava os controles dos propulsores com tamanha força que por pouco não quebrou os pulsos. Com o rosto contorcido de dor, puxou o controle para trás, a fim de acionar os jatos de frenagem com o que ainda lhes restava de energia.

Houve outro solavanco quando a máquina saltou por cima de um dos morrinhos. Por um segundo, a neve turbilhonante encobriu a visão das telas até que estas se apagassem de vez.

As luzes também se apagaram. A escuridão tomou conta da pequena cabina.

Ainda faltava muito para que o destróier se imobilizasse. Por algum tempo parecia girar em torno do próprio eixo; apesar disso ainda parecia se deslocar para a frente. Houve um último solavanco, muito forte. O metal, que se rasgava, emitia sons estridentes. Depois tudo foi silêncio.

Tiff estava pendurado nos cintos em posição inclinada. Endireitou-se no assento e olhou em torno. A escuridão era completa e impenetrável. Mas o alto-falante de seu capacete transmitiu o som de uma respiração apressada.

— Chegamos! — disse.

 

Não havia a menor dúvida de que o destróier ficara totalmente inutilizado. Não era possível abrir a cabina pela forma usual.

Felicitas perdera os sentidos. Eberhardt se certificou de que seu traje espacial estava devidamente fechado.

Hump e Tiff, juntos se esforçaram para abrir a cabina à força.

Só conseguiram depois de bastante esforço. A cobertura caiu para trás com um baque. De um instante para outro, o ar quente e úmido da cabina, misturado com a baixíssima temperatura do planeta, fez com que os visores dos capacetes espaciais se cobrissem com uma fina camada de gelo.

— Liguem o aquecimento — ordenou Tiff.

Esperou até que a poderosa calefação de seu traje espacial atingisse a lâmina do visor de seu capacete e derretesse a camada de gelo.

Depois se arrastou para cima e saiu da cabina. Hump ia segui-lo, mas Tiff deu-lhe um grito:

— Espere!

Hump obedeceu. Por um instante, Tiff sentou-se de costas sobre a beira da cabina e procurou descobrir o que lhe causava uma expressão tão estranha naquele mundo.

Era a coisa mais simples que se podia imaginar: a gravidade. Era ao menos vinte por cento inferior à da Terra; devia atingir aproximadamente 0,8 g. Tiff saltou da máquina. Afundou quase até o joelho na neve pulverulenta. Uma onda de calor percorreu-lhe a espinha quando se deu conta da leviandade que acabara de cometer. A neve solta poderia perfeitamente ter vinte metros de profundidade. Se fosse assim, teria afundado como um pato de chumbo na água.

Respirou fortemente e lançou os olhos em torno. Havia um vento fraco que podia ser ouvido nos microfones externos e tangia finas nuvens de neve diante dele. Tiff levantou o braço direito para olhar o termômetro de pulso. Quando viu a posição dos ponteiros, levou um susto:

Cento e sessenta graus absolutos!

Isso equivalia a cento e doze graus negativos da escala centígrada.

“Muito bem”, pensou Tiff, resignado. “Enquanto a calefação dos trajes espaciais estiver funcionando, ninguém se importará.”

Andou cautelosamente em torno do destróier para examinar as avarias. Eberhardt, que se encontrava do lado de dentro, gritou:

— Como está nossa máquina?

Tiff respondeu com um sorriso de amargura:

— Não temos mais nenhum destróier... apenas um destruído.

Não havia a menor dúvida de que do aparelho não sobrara mais nada além do material de que fora feito. Uma rocha tinha aberto um rombo em seu casco, do centro até o mecanismo propulsor. Se a nave tivesse sido atingida mais à frente, a rocha teria representado um desastre para as cinco pessoas que se encontravam na cabina.

Não se via mais nada dos bocais dos jatos. Estavam reduzidos a chapas de metal plastificado deformadas que cobriam as aberturas.

Tudo terminado!...

Se Rhodan não aparecesse, teriam de passar o resto da vida — isto é, o tempo que durassem as reservas de energia de seus trajes espaciais e as provisões de emergência da cabina — naquele mundo de gelo.

Se Rhodan não chegasse ou se não conseguissem descobrir uma civilização independente naquele planeta.

A idéia provocou risos em Tiff. Uma civilização naquele mundo! Se ali já existira uma, ela estava morta desde o tempo em que o planeta se afastara dos sóis geminados a tal ponto que sua temperatura média descera abaixo dos níveis mínimos suportáveis.

Os sóis geminados...

Tiff olhou para o céu. A luz daquele mundo era pálida e leitosa, mas sua intensidade era muito maior do que devia ser na opinião de Tiff.

Viu um dos dois sóis em forma de um ponto luminoso ofuscante, que brilhava por entre os véus de neve turbilhonante. O outro era uma mancha apagada, quase invisível.

Face à neve, a visão horizontal não chegava a cem metros. Nessa extensão o terreno era plano, com exceção de alguns montículos.

Tiff procurava uma caverna. Uma caverna em que pudessem se instalar, e que pudesse ser fechada. Só assim se tornaria possível tirar os trajes espaciais. Nos capacetes dos trajes havia uma ração de emergência feita de alimentos concentrados. Bastava comprimir o capacete com o polegar para introduzir o alimento na boca. Mas os alimentos concentrados só alimentariam o portador por quinhentas horas. Nesse espaço de tempo, segundo a opinião do construtor do capacete, qualquer um teria a possibilidade de encontrar um recinto protegido.

Mas Tiff não tinha certeza de que eles o conseguiriam.

— Saiam! — gritou para os que se encontravam na cabina. — Não saltem muito depressa. A neve é fofa e bastante profunda.

Saíram. Felicitas já despertara. Tiff olhou-a com atenção; quando ela o notou, baixou os olhos.

— Sinto muito — disse com a voz baixa. — Não deveria ter sido tão infantil.

Tiff bateu-lhe carinhosamente no ombro.

— Esqueça-se disso, Felic!

Abatidos e desorientados, caminharam pela neve. O único que desde o início aproveitou bem seu tempo foi Tiff. Examinou a bússola de pulso e verificou que, onde quer que se encontrassem, ela sempre apontava na mesma direção. O campo magnético desse mundo merecia tanta confiança quanto o da Terra.

Dali a meia hora, Tiff sugeriu que o robô fosse tirado da prisão. Tinha pouca esperança de que a sorte desse engenho tivesse sido melhor que a do destróier. Mas não teria sossego enquanto não tivesse certeza.

O pequeno depósito em que se encontrava o robô podia ser aberto pelo lado de fora da nave. Conforme era de esperar, o fecho mecânico não funcionava.

Tiveram sorte, pois conseguiram abrir a escotilha. Ao que parecia, a única coisa que continuava intacta era a fita rolante oblíqua. Libertada da presilha que lhe segurava o pé, a mesma se movimentou com o peso do robô. A fita colocou-o no chão com um baque, e o impacto, que agiu sobre determinado setor dos pés, despertou o robô de sua letargia.

Tiff e os cadetes arregalaram os olhos quando aquela máquina, que parecia tão lerda, saltou sobre os pés e se colocou de frente para eles. Em si o fato nada tinha de extraordinário. Apenas, era de admirar que as ocorrências que haviam dado cabo do destróier não tivessem afetado o robô.

Utilizando as vias usuais — a acústica direta e o emissor de ondas ultracurtas nele embutido — o robô anunciou:

— Robô RB.013 pronto para entrar em ação. Controles funcionais positivos. Solicito enquadramento.

O RB.013 falava inglês. Não havia a menor dificuldade em ensinar o inglês e mais alguns idiomas a um robô que originariamente falava em arcônida. Cada língua adicional só representava uma carga de cinco a oito por mil da capacidade de armazenamento do pequeno cérebro positrônico.

“Enquadramento”, era essa a tradução de um conceito arcônida, que na verdade significava o registro da freqüência de comando. Entre as cinco pessoas que haviam pousado com o destróier deveria ser escolhida uma cujos comandos seriam considerados preferenciais pelo mecanismo.

Se a situação fosse diferente, Hump teria se adiantado imediatamente para trocar com o robô as palavras codificadas que se tornavam necessárias para que o RB.013 pudesse reconhecer seu novo comandante a qualquer distância e em quaisquer circunstâncias. Mas o vôo longo e desesperançado, o pouso catastrófico e a desolação desse mundo de gelo eliminaram todas as ambições de Hump, que não formulou a menor objeção quando Tiff se colocou diante do robô.

— Sou o cadete Tifflor — disse Tiff. — Julian Tifflor.

— Cadete Julian Tifflor — repetiu o RB.013.

— O quadrado da função ondular Pi de Schrõdinger fornece a densidade provável da peça de que se trata.

O RB.013 respondeu:

— Isso através da multiplicação com o vetor local, que fornece a expectativa do respectivo ponto, e da multiplicação com o vetor do impulso, que fornece o grau de expectativa do impulso.

Era claro que essas palavras eram simplesmente ridículas. Não se tratava de um intercâmbio de informações, e pouco importava que os dados fornecidos fossem objetivamente corretos. A fala e a resposta haviam sido previamente ajustadas. A fala proporcionava à memória positrônica do robô o armazenamento das vibrações fundamentais da voz humana, enquanto a resposta do RB.013 dava a Tiff a certeza de que tudo estava em ordem com o robô. A parte da memória em que estava armazenada a resposta acoplava-se com o controle principal da máquina; a resposta não seria liberada se alguma coisa não estivesse em ordem com o robô.

— Muito bem — disse Tiff. — Até aqui tudo em ordem.

Virou-se. Ao que parecia, Hump começava a se dar conta do fato de que alguém com quem ele não concordava começava a atribuir-se as funções de comandante.

Tiff previu a objeção. Resolveu se adiantar.

— Vocês já devem ter percebido que antes de tudo precisamos de um lugar para nos abrigar — disse. — As rações de emergência da cabina são suficientes para dois anos. Mas para utilizá-las temos de encontrar, nas próximas quinhentas horas, algum buraco a que possamos nos recolher. Não sabemos de que substâncias se compõe a atmosfera que nos rodeia. É possível que aquilo que parece neve na realidade seja parafina, e que o ar seja feito de hidrocarbonatos. Precisamos de uma espécie de caverna que, com os recursos de que dispomos, possa ser fechada hermeticamente e tornada habitável. O RB.013 poderá nos ajudar nesse trabalho; mas antes disso temos de encontrar a caverna.

Hump teve uma idéia.

— Por que não ficamos no destróier?

Tiff fez um gesto de recusa.

— Seria fácil voltar a fechá-lo hermeticamente. Acontece que é o único objeto metálico que se encontra nestas redondezas. E acontece que os bocais dos jatos ainda emitem radiações. Se algum dos saltadores ainda anda pelas proximidades e resolve nos procurar por aqui, a primeira coisa que encontrará será o destróier. Por isso não o usaremos.

O RB.013, com suas longas pernas em forma de vara e os quatro braços, dos quais os dois inferiores na verdade eram canhões móveis, caminhou pela neve, fazendo seu teste de locomoção.

Tiff se dirigiu ao robô.

— Temos que sair daqui — disse. — Acredito que devemos seguir... — voltou a examinar o rastro deixado pelo destróier, certificando-se da direção — nessa direção.

Apontou para o sul, ou seja, na direção em que, antes do pouso, haviam visto as áreas escuras.

O BR.013 respondeu:

— Sim, senhor.

Sua voz quase chegava a parecer humana.

 

Orlgans disse:

— São muito fortes, mas não tão fortes como a frota que daqui a pouco retornará ao local.

Ornafer respondeu:

— Acontece que não estão mais por lá. A frota não conseguirá pegá-los.

Orlgans não respondeu, pois Ornafer tinha razão. De início desapareceram da tela os pontos que representavam a frota chamada por Ornafer, e depois os três pontinhos luminosos projetados pelas naves estranhas.

O que restava eram apenas as duas naves destroçadas. A Orla XI já se encontrava longe do sistema, mas os instrumentos ultra-sensíveis registraram a alteração do campo gravitacional do sistema, produzida pelas naves destruídas.

— Colocaram bombas-relógios — disse Orlgans. — Gostaria de saber como os bárbaros conseguiram escapar desta vez.

Ornafer não sabia. Por algum tempo Orlgans olhou para a frente em atitude pensativa. Quando voltou a erguer a cabeça enorme e cabeluda, Ornafer viu que sua boca se contorcia num sorriso sagaz.

— Quanto tempo deverá passar até que nossa frota retorne? — perguntou Orlgans.

Ornafer refletiu.

— Umas quatro ou cinco horas.

Orlgans concordou.

— Talvez mais. Chame o observador.

Essa ordem foi uma surpresa. Ornafer torceu o rosto. Mas logo acionou o intercomunicador.

O observador respondeu.

Orlgans se aproximara.

— Forneça-me todos os dados que os instrumentos forneceram sobre a pequena nave que escapou.

O observador confirmou com um aceno de cabeça.

Poucos minutos depois, os dados, registrados em papel de coordenadas de rota, encontravam-se nas mãos de Orlgans, que os estudou juntamente com Ornafer.

— Está vendo? — disse Orlgans, ligando com uma linha os diversos pontos fornecidos pelos instrumentos. A posição dos dois sóis e dos quatro planetas, ao tempo em que havia sido registrada cada medição, foram consignadas em órbitas coloridas.

Ao lado de cada ponto constava a indicação do tempo da medição.

Que pensassem de Ornafer o que quisessem; mas era um excelente astronavegador. Até mesmo um diagrama bem mais complicado que o que tinha diante de si lhe permitiria concluir quais eram as intenções de Orlgans.

— Estou vendo — respondeu. — O pequeno aparelho chegou bem perto do segundo planeta do sistema.

Orlgans riu:

— Isso mesmo! Já que restam umas quatro ou cinco horas até que a frota de guerra retorne, vamos aproveitar o tempo para procurar essa gente.

Enrolou o diagrama e se dirigiu ao intercomunicador, provavelmente para dar ordem de pôr a nave em movimento. Parou a meio caminho e, olhando Ornafer por cima do ombro, disse:

— Será que você está disposto a deixar a presa para outro?

— Não! — exclamou Ornafer.

 

As três naves de Rhodan flutuavam no espaço, imóveis, a oito horas-luz dos dois sóis.

Rhodan tinha certeza quase absoluta que, face ao reduzido intervalo de tempo, os dois abalos provocados pela transição — na imersão e na saída do hiperespaço — seriam registrados como um único.

Que os saltadores quebrassem a cabeça quando seus instrumentos registrassem o segundo abalo. Rhodan não acreditava que tivessem a idéia de que as três naves pesadas haviam realizado uma transição apenas por um trajeto de oito horas-luz.

Rhodan esperou; estava preparado para intervir energicamente nos acontecimentos que se seguiriam.

 

Para o RB.013 não houve o menor problema em carregar as duas moças no robusto par de braços superiores. Tiff lhe ordenara que o fizesse. Tinha certeza de que Mildred e Felicitas haviam chegado ao fim de suas forças, embora não quisessem confessá-lo.

Mesmo com as moças sobre os braços, o RB.013 marchava tão rapidamente que os três cadetes, por causa da neve profunda, tiveram a maior dificuldade em manter passo com ele. Tiff ordenou ao robô que andasse mais devagar.

Depois de cinco horas de marcha, mandou fazer uma pausa de descanso. O RB.013 parou imediatamente e colocou as moças no chão. Eberhardt cavou com as mãos um buraco alongado na neve, onde podiam descansar. O RB.013 regulou seu mecanismo para a posição de espera. O saco de mantimentos que haviam retirado do destróier balançava levemente ao vento.

Hump se virou e olhou para Tiff.

— Não estou cansado — disse. — Posso prosseguir.

Tiff compreendeu que havia chegado o momento que há tanto tempo aguardara.

— Pois ande — respondeu tranqüilamente.

Hump não andou. Ou melhor, não andou na direção em que até então haviam marcado. Foi em direção a Tiff e se plantou diante dele.

— Acho que você está doido para se livrar de mim, não está? — disse em tom odiento.

Tiff ia sentar na neve. Fez de conta que a atitude de Hump não o incomodava.

— Não — respondeu.

Mas Hump não desistiu por tão pouco. Encostou os braços nos quadris e fungou:

— Ah, é? Quanta gentileza! Depois que você se arrogou o comando por um ato de puro arbítrio, até chega a demonstrar um pouquinho de tolerância para com os colegas, não é?

A palestra foi transmitida pelos rádios de capacete. Eberhardt entendeu tudo, e o robô também. Só as duas moças estavam dormindo.

Eberhardt se levantou e chegou mais perto. Tiff fez um movimento tranqüilo com a mão, que Hump não viu. Eberhardt parou.

Tiff olhou Hump com uma expressão séria.

— Em primeiro lugar — disse em voz áspera — não me arroguei o comando, apenas dei a conhecer minha voz ao robô. Mesmo que formássemos em cinco um sistema inteiramente democrático, o robô só daria atenção a uma única voz. E depois — a voz de Tiff se tornou mais baixa e insistente — eu lhe dou um conselho: cale essa boca estúpida. Seus nervos estão esgotados; mais nada.

Hum arregalou os olhos.

— Não diga! — falou com um sorriso de deboche. — Quem não estiver de acordo com seus modos autoritários está sofrendo dos nervos, não é?

Voltou a assumir posição de luta e prosseguiu:

— Escute aí, meu filho. Vou lhe dizer uma coisa. Se você se atrever mais uma vez a abrir sua boca enorme sem nos consultar antes, usarei esta mão bem acolchoada — ergueu o punho cerrado — para quebrar o seu visor. Não queremos nenhum ditador.

Tiff sabia o que a situação exigia dele.

— Preste atenção, Hump — respondeu prontamente. — Agora mesmo abro a boca sem consultar você, para dizer que é um idiota convencido. Pronto, pode quebrar o visor.

Hump não esperou que Tiff repetisse o desafio. Venceu a distância que o separava de Tiff com um belo salto. Tiff viu-o chegar, desviou e, antes que Hump tocasse o solo, pegou suas pernas. O vôo de Hump foi interrompido abruptamente. Tiff deixou que Hump o arrastasse e caiu na neve bem a seu lado. Soltou as pernas de Hump e segurou-o pelas costas. Deixou que Hump sentisse a força de suas mãos.

Hump estava imobilizado.

— Está vendo, Hump? — disse Tiff. — É muito simples. Basta que eu mova o dedo por um centímetro para que o capacete e o fecho de seu traje espacial se abra. Você sabe disso, não sabe? Mesmo que a atmosfera deste planeta não seja venenosa, você morrerá de frio dentro de poucos minutos. São cento e doze graus abaixo de zero. Não se esqueça.

Deu um empurrão em Hump e se levantou de um salto.

— Daqui em diante — resmungou — você vai ficar bem quietinho, comportando-se como um bom menino. Da próxima vez darei um bom aperto no contato de seu traje espacial. Na situação em que nos encontramos não temos necessidade de pessoas que queiram restaurar sua autoconfiança avariada à custa da comunidade.

Hump continuou deitado. Tiff ouviu-o soluçar.

— Por que não apertou? — disse, falando com dificuldade. — Não quero mais...

Foi interrompido. Quem o interrompeu foi uma voz que não se parecia comover com os acontecimentos dos últimos instantes.

Pertencia ao RB.013.

O robô disse calmamente:

— Localização! Localização na posição R, quatro mil; Pi, vinte e oito; Teta, sessenta e sete.

No mesmo instante Tiff se esqueceu de Hump.

— De que tipo é o objeto? — perguntou apressadamente.

Fez sinal a Eberhardt para que acordasse as moças.

— Circular e metálico — respondeu RB.013 com uma calma irritante. — O diâmetro é de dez metros aproximadamente.

Mildred e Felicitas levaram trinta segundos para acordar. O RB.013 forneceu outra informação:

— R, três mil e oitocentos; Pi inalterado; Teta, sessenta; Teta descendo.

Fosse qual fosse o objeto, ele estava descendo.

Mildred e Felicitas se levantaram; pareciam sonolentas e preguiçosas. Tiff recuperou a calma.

— Vamos esperar! — disse. — Enquanto o objeto conservar a mesma distância, devemos supor que seu interesse não se dirige a nós. RB.013!

— Sim, senhor!

— Prepare o desintegrador e a arma térmica.

— Sim, senhor.

Tiff sorriu. Passou os olhos pelo grupo, para que todos vissem que estava sorrindo.

— Vamos com calma — disse baixinho.

 

Orlgans logo localizou o destróier. Parou sua nave a mil quilômetros de altura; as naves dos saltadores não foram feitas para pousos diretos. Se necessário poderiam pousar, mas um comandante dos saltadores só as forçava a isso a contragosto e em caso de emergência. Por isso, enviou certo número de pequenas naves auxiliares.

Os tripulantes das naves auxiliares informaram que o destróier estava reduzido a um montão de destroços e fora abandonado. Os ocupantes de uma das naves encontraram alguma coisa que acreditaram ser um rastro. Orlgans mandou que as outras naves retornassem e mandou que aquela seguisse o rastro.

As naves auxiliares tinham dois tripulantes e mantinham contato ininterrupto com a Orla XI. Os tripulantes da nave que seguia o rastro eram Mernok e Paradicsom. Se na frota dos saltadores fosse observada a gradação hierárquica das forças terrestres, Paradicsom ocuparia o posto de tenente e Mernok o de sargento.

— Tomara que o rastro não tenha sido coberto pela neve — murmurou Paradicsom.

Ganhou altitude e observou cuidadosamente a tela do rastreador, onde o rastro se destacava sob a forma de um traço escuro contra a paisagem branca.

— Não acredito — respondeu Mernok, e regulou a rota.

O pequeno aparelho prosseguia tranqüilamente para o sul. Vez por outra, Paradicsom avisava que havia perdido o rastro; sempre que isso acontecia, Mernok descrevia uma curva fechada e voltava a um lugar em que haviam passado poucos instantes antes, onde o rastro continuava bem visível.

Dessa forma não conseguiam avançar tão depressa quanto desejavam. Mas sabiam que os fugitivos iam a pé, e por isso não tinham a menor dúvida de que conseguiriam agarrá-los naquele dia.

Pelo que sabiam os saltadores, aquele planeta girava em torno de seu eixo a cada trinta e uma horas, e naquele momento eram três horas depois do meio-dia.

 

Orlgans refletiu se não devia solicitar o auxílio de sua estirpe.

De início não se atreveu a falar com Ornafer a este respeito. Este teria feito pouco caso dele.

Muitas vezes o próprio Orlgans teve a impressão de que estava sendo ridículo ao se preocupar por causa de um aparelho tão pequeno, que ainda por cima realizara um pouso de emergência, fazendo com que seus ocupantes seguissem a pé em busca de regiões mais quentes.

Mas a preocupação havia se instalado em sua mente, e não podia ser afastada por meio de discussões.

Uma coisa que deixou Orlgans desconfiado foi o fato de que o pequeno destróier em nenhum momento pensou em retornar para procurar a proteção das três naves grandes de sua frota. Orlgans não sabia que o impacto causado pela artilharia dos saltadores havia ocasionado a perda da maior parte de suas reservas de energia, impossibilitando seu retorno.

Face a isso, supôs que o pouso naquele mundo de gelo estivesse ligado a alguma intenção oculta, e teve a impressão de que não seria fácil recapturar os prisioneiros.

Se chamasse sua estirpe, comandada pelo patriarca Etztak com sua gigantesca nave, teria que dividir o lucro com os outros comandantes da linhagem dos Orlgans, mas ao menos teria certeza de conseguir esse lucro.

E se agisse sozinho?

“Sei lá se realmente encontrarei um lucro lá embaixo?”, pensou Orlgans.

Até então achara evidente que seu ex-prisioneiro Tifflor se encontrava entre as pessoas que haviam pousado naquele mundo de gelo. Seria mesmo tão evidente?

“Ao menos é uma hipótese plausível”, pensou Orlgans.

E Tifflor era o elemento-chave que determinaria o êxito ou o fracasso do empreendimento. Orlgans daria as costas ao mundo de gelo assim que lhe dissessem que Tifflor não se encontrava entre os fugitivos.

É que, segundo Orlgans havia sido informado, Tifflor era o homem que dispunha de conhecimentos profundos sobre a situação e as condições do planeta da vida eterna, sobre o qual a lenda falava há dez mil anos com tamanha insistência que nenhum ser sensato duvidava da sua existência.

Orlgans sabia que aqueles seres estranhos estavam informados sobre o planeta da vida eterna, e que provavelmente haviam chegado mesmo a pisar no planeta. Ainda acreditava que Tifflor, seu ex-prisioneiro, dispunha dos conhecimentos que buscava naquele empreendimento.

Uma série de informações sobre o mundo galático, a posição do mundo lendário; isso representava um lucro que seria gigantesco, mesmo que Orlgans tivesse que dividi-lo com todos os comandantes da estirpe.

Resolveu aguardar o relato da nave enviada ao mundo gelado. As ondas com a mensagem dirigida à sua estirpe seriam irradiadas para o espaço assim que surgisse algo de suspeito.

 

Peregrino — era este o nome que Rhodan dera ao mundo artificial em que a substância mental de uma raça fisicamente extinta formara um ser coletivo dotado de faculdades inacreditáveis.

Todos os seres da galáxia — com exceção apenas daqueles que ainda não conheciam a navegação espacial — sabiam da existência desse mundo. Mas ninguém conhecia sua posição.

Ninguém, além de Rhodan!

Rhodan encontrara esse mundo, e o imortal lhe havia dado permissão para proporcionar a todo ser que julgasse digno disso — desde que fossem homens do planeta Terra — a ducha celular revitalizadora. Esse tratamento representava a vida eterna, desde que fosse renovado a cada sessenta e dois anos. Não resguardava contra balas ou tiros de radiações, mas detinha por completo o processo de envelhecimento.

Por ocasião de sua primeira visita, Rhodan não conseguira mais que o tratamento no fisiotron, a ducha celular. Mesmo agora ainda não possuía muita coisa, embora soubesse que no planeta Peregrino havia outros mistérios: eram mistérios tecnológicos, que garantiriam a supremacia espacial absoluta a quem os possuísse.

Rhodan andava com a idéia de retornar mais uma vez ao planeta Peregrino, e pedir ao grande imortal permissão para tirar proveito também dos mistérios tecnológicos.

Mas, por enquanto, era apenas uma idéia.

Havia coisa mais urgente para fazer.

 

Mernok se espantou.

Virou-se para Paradicsom, mas este ainda não havia percebido nada. Continuava a fitar a tela do rastreador.

Mernok voltou a examinar o quadro projetado na tela do rastreador de microondas. Esse quadro foi avançando em direção ao centro.

Metal!

Mernok refletiu calmamente, como era de seu feitio. A existência de metal podia não estar ligada aos fugitivos. Era bem possível que houvesse algum veio exposto naquele planeta desolado.

Todavia!...

Mernok chamou a atenção de Paradicsom. Este tinha um gênio muito mais impulsivo que o de Mernok. Não perdeu tempo.

— Vamos descer imediatamente — gritou. — Prepare-se para pousar.

 

— Teta chegou a zero — disse RB.013, esticando as palavras. — Zero.

Por alguns segundos o robô parecia aguçar os ouvidos.

— Não há mais qualquer movimento — disse. — Distância, três mil e duzentos; Pi, vinte e oito.

A posição RB.013 era tal que a direção da qual haviam vindo coincidia com o valor Teta zero. O ângulo era medido no sentido do deslocamento dos ponteiros de relógio. Isso significava que o objeto desconhecido ficava à direita do rastro por eles deixado, para quem olhasse para trás.

RB.013 havia apurado que, pelo formato, devia se tratar de um objeto criado por seres inteligentes. O formato era regular e correspondia ao de um elipsóide rotacional achatado.

Tiff se lembrou das pequenas naves auxiliares que chegara a ver a bordo da Orla XI. Tinha plena certeza de que o objeto cuja presença fora registrada pelo robô era uma dessas naves.

Isso significava que alguém estava no seu encalço. Os equipamentos de rastreamento e localização de RB.013 possuíam um alcance de cerca de dez quilômetros para o rastreamento e cento e cinqüenta quilômetros para a localização. Era bem verdade que a capacidade de localização sofria as limitações decorrentes da curvatura do horizonte ou dos acidentes do terreno.

Por isso não se podia ter certeza sobre o número desses veículos em forma de lentilha que andavam pelas redondezas. Era apenas provável que fosse somente um.

— Avise-me assim que notar qualquer movimento — ordenou Tiff ao robô.

Depois se virou para Hump e Eberhardt.

— Isso representa uma oportunidade para nós — disse em tom indiferente. — Resta saber como conseguiremos nos aproximar daquilo sem sermos notados.

Hump ficou calado. Cabisbaixo, olhava para o chão. Eberhardt resmungou contrariado.

— Será que já nos descobriram? — perguntou.

Tiff deu de ombros.

— Bem que gostaria de saber. Provavelmente já nos...

Interrompeu-se, virou-se apressadamente e fitou o robô.

— É claro que nos descobriram — gritou. — Noventa por cento do robô são feitos de metal. Seu peso é superior a uma tonelada. Devem ter notado sua presença na tela de microondas, a não ser que sejam cegos.

Com isso a situação ficou alterada. Tiff proibiu todo mundo de falar. Quem tivesse alguma coisa a dizer, devia se comunicar por meio de sinais. A palavra falada só seria usada em casos de extrema urgência.

Se o pouso do estranho ao norte do ponto em que se encontravam não fosse resultado de um acaso, mas se devesse ao fato de terem localizado o RB.013, o mesmo a esta hora estaria ocupado em percorrer a faixa de alta freqüência para captar suas palestras.

Era bem verdade que no momento os emissores de capacete estavam funcionando a um nível energético mínimo, utilizado no chamado contato verbal direto, mas um receptor apropriado poderia captar esse tipo de emissão a vários quilômetros de distância.

Tiff refletiu febrilmente.

Se aqueles estranhos — lembrou-se de que as naves auxiliares em forma de lentilha levavam dois tripulantes — tivessem localizado o RB.013, de uma hora para outra apareceriam por ali para recapturar seus prisioneiros.

Até lá Tiff precisava de um plano.

 

— Não se mexem — disse Paradicsom, espantado.

Fitou a mancha luminosa.

— Se é que são eles — ponderou Mernok.

Paradicsom grunhiu.

— Quem poderia ser? O ponto fica exatamente no prolongamento do rastro deles.

Mernok riu.

— Qual deles é feito de metal?

Paradicsom franziu a testa.

— Quem sabe se não carregam algum recipiente metálico?

Paradicsom refletiu por mais algum tempo. Depois tomou uma decisão.

— Voaremos até lá — resmungou.

 

O RB.013 despertou da letargia.

— Movimento! — disse com a voz rangedora.

Não disse mais nada. Aquela palavra era inocente; qualquer um poderia ouvi-la.

Tiff se levantou e se aproximou do robô. RB.013 se inclinou para a frente e traçou sulcos profundos na neve, que representavam um sistema de coordenadas. Junto ao vetor de localização escreveu a cifra correspondente à distância atual e, junto aos dois ângulos, a direção.

Tiff compreendeu que a nave auxiliar se deslocava em direção ao ponto em que se encontravam.

Levaria apenas alguns segundos para chegar ali.

E ainda não tinha nenhuma idéia!

Ordenou a RB.013 que lhe descrevesse a topografia dos arredores. Naquele instante pouco lhe importou que alguém ouvisse suas palavras. Delas não se poderia extrair qualquer informação.

RB.013 se apressou em fornecer a descrição. Usou poucas palavras e recorreu a desenhos na neve, facilmente compreensíveis.

A cerca de três quilômetros ao sul, havia uma elevação regular. Tratava-se de um morro de cerca de quinhentos metros de altura, cujas encostas caíam suavemente para o leste, norte e oeste. O cume apresentava saliências irregulares, face ao que RB.013 supunha que a encosta sul fosse muito mais íngreme.

Subitamente Tiff teve sua idéia.

A mesma só tinha um defeito: partia do pressuposto de que a pequena nave não tivesse muita pressa em atacar.

Se não o fizesse, a idéia seria bem sucedida.

 

Paradicsom assumiu a direção da nave. Sem que quisesse admiti-lo, achou que Mernok era muito indeciso para dirigir a máquina numa situação daquelas.

Mernok observava as telas de localização e rastreamento.

Paradicsom levou poucos segundos para percorrer a maior parte do trecho que ainda os separava dos fugitivos. Teria prosseguido na mesma velocidade se naquele instante não tivesse recebido uma mensagem do comandante Orlgans, que lhe recomendou que procedesse com a maior cautela.

Paradicsom acreditou que o comandante devia ter um bom motivo para expedir essa advertência. Ele mesmo era impetuoso, mas não fazia questão de demonstrar audácia, custasse o que custasse. Por isso tomou a peito a recomendação de Orlgans, se desviou da rota que vinha seguindo e voltou a parar a uma distância de mil metros do objeto metálico.

Era bem verdade que dessa forma não sabia como descobrir se os fugitivos poderiam ser atacados sem cautelas especiais. Mas acreditou que ele ou Mernok acabariam tendo uma idéia aproveitável.

 

— Mais rápido! — resmungou Tiff. — Não temos um segundo a perder.

As duas moças ajudaram. O buraco na neve foi afundando. A maior parte do trabalho foi executada pelo RB.013.

 

Quinze minutos se passaram sem que a idéia aproveitável de que Paradicsom precisava surgisse em seu cérebro.

Ligeiramente contrariado, perguntou a Mernok se este se lembrara de alguma coisa; de início Mernok não respondeu.

— Ei, Mernok! — gritou Paradicsom.

Mernok virou-se abruptamente. Seu rosto retratava um grande espanto. Fungou e levou algum tempo sem conseguir falar. Finalmente disse:

— A mancha desapareceu!

Paradicsom riu.

— A mancha? Deixe-me ver.

Mernok deixou que Paradicsom olhasse para a tela. A extensão verde-escura apresentava-se vazia, com exceção dos minúsculos pontinhos cintilantes que sempre apareciam nela.

Paradicsom deixou cair o queixo.

— Para onde...?

Desesperado, Mernok bateu com as mãos.

— Não tenho a menor idéia — lamentou-se. — Bruxuleou algumas vezes e desapareceu.

— Desapareceu? Não saiu da tela?

— Não. Desapareceu sem sair do lugar.

Paradicsom refletiu. Talvez o metal tivesse desaparecido embaixo do chão. Na composição usual do solo, o poder de penetração das microondas não ultrapassava alguns centímetros. Caso houvesse uma caverna no lugar em que a peça de metal se encontrava, o reflexo do localizador desapareceria no mesmo instante em que o metal fosse introduzido na caverna.

Provavelmente seria isso.

Mernok voltara a dedicar sua atenção às telas e deixou a busca de explicações por conta de Paradicsom, que refletia se não convinha atacar.

Enquanto aquela gente estivesse metida numa caverna, sua liberdade de movimentos seria bastante restrita. Com isso se tornaria mais fácil subjugá-los.

O grito tresloucado de Mernok despertou-o de suas reflexões.

— Olhe! Ali!

Mernok ainda não havia gritado a última palavra quando o apito de alarma começou seu concerto de dissonâncias.

Paradicsom se sentiu tomado pelo pânico. Olhando por cima do ombro de Mernok, fitou a tela do localizador. Levou algum tempo para compreender o que se passava.

Um traço verde-claro de luz ofuscante atravessou a tela logo abaixo da borda superior. Começava à esquerda, meio apagado, e terminava do lado direito numa mancha fogosa.

— Uma descarga de radiador térmico! — disse Mernok com um gemido.

Paradicsom compreendeu. A descarga de um radiador térmico sobre uma porção de matéria sólida produzia uma zona densa de átomos e moléculas ionizadas, que refletia os raios de microondas com uma intensidade ainda maior que o metal.

Aos poucos Paradicsom recuperou a capacidade de raciocinar.

— Verifique a distância! — gritou para Mernok.

Mernok leu a distância no instrumento.

— Três mil e oitocentos. Paradicsom estava perplexo. Há pouco acreditara que os fugitivos se encontrassem a menos de mil metros e a esta hora disparam uma arma térmica a mais do triplo dessa distância!

No que teriam disparado? Seriam realmente os fugitivos que procuravam, ou haveria um ou mais grupos de seres vivos que habitavam essa solidão desolada?

À medida que compreendia que não encontraria a explicação de tudo aquilo enquanto permanecesse no seu assento de piloto, Paradicsom foi se tornando cada vez ais furioso. Quando a fúria chegou a um ponto alto, berrou:

— Vamos dar uma olhada!

Com um solavanco, a nave se levantou e disparou para o alto. Mernok quase não chegou a percebê-lo. O traço projetado sobre a tela do localizador foi empalidecendo depois que a descarga cessou. Mas um instante depois, Mernok notou outro tiro disparado na mesma direção e com a mesma intensidade.

Informou Paradicsom. Mas este teria prosseguido no seu vôo, mesmo que naquela área surgisse a descarga de mil armas térmicas.

A nave auxiliar só levou alguns segundos para vencer a distancia de pouco menos de quatro mil metros. Mernok registrou uma elevação de altura regular projetada na tela do rastreador. Três de suas encostas eram suaves e uma bastante íngreme.

— O alvo é este — disse.

Paradicsom subiu mais e descreveu alguns círculos em torno do morro.

— O que está vendo no rastreador? — gritou para Mernok.

Mernok fitou a tela.

— Nada; só o morro — respondeu laconicamente.

Paradicsom desceu um pouco.

— E agora?

A altitude era de apenas duzentos metros acima da planície.

— Nada de novo — respondeu Mernok.

Paradicsom praguejou. Ainda estava praguejando quando Mernok soltou um grito de pavor e apontou para a tela que registrava o traço luminoso da terceira descarga.

O alvo do impulso ficava praticamente embaixo da nave.

Paradicsom empurrou o leme para a frente. A nave caiu como uma pedra. Pouco acima do solo, junto à encosta norte do morro, Paradicsom aparou a queda e voou algumas centenas de metros, afastando-se da área alvejada pelo radiador de impulso.

O pouso não foi muito suave.

Mernok permaneceu imóvel.

— Ainda não está vendo nada? — perguntou Paradicsom.

Mernok sacudiu a mão em negativa. Os acidentes do terreno estavam projetados nitidamente sobre a tela do rastreador. O alcance do aparelho era de cerca de dois quilômetros. Os acidentes não eram diferentes, nem inspiravam maiores suspeitas que os encontrados em qualquer terreno não aplainado.

A tela ótica revelava ainda menos. O vento recrudescera, tangendo espessas camadas de neve. A visibilidade não chegava a vinte metros.

Por algum tempo Paradicsom se manteve em silêncio. Finalmente abriu os cintos e se levantou.

— Vou dar uma saída — disse laconicamente. — Espere aqui.

Saiu da navezinha, passando pela comporta de ar. Sabia que o ar do lado de fora continha uma elevada percentagem de oxigênio, e não oferecia qualquer perigo além dos efeitos colaterais provocados pela grande quantidade desse elemento. Apesar disso preferiu usar a comporta, pois com a saída direta o frio intenso penetraria na cabina.

Mernok viu-o caminhando pela neve e ouviu sua voz no alto-falante:

— Logo estarei de volta.

Dali a um instante desapareceu em meio aos turbilhões de neve.

 

— Atenção! — chiou Tiff. — Ali vem um!

Só as duas moças se encontravam perto dele. Enfiaram-se mais profundamente nas pequenas cavernas cavadas na neve para não serem vistas. Tiff ficou deitado junto à saída de sua caverna e observou atentamente a sombra cinzenta que se aproximava.

Achou preferível não introduzir uma potência mais elevada em seu transmissor para avisar Hump e Eberhardt de que alguém se aproximava dele. Por alguma coincidência o rádio de capacete do saltador poderia estar sintonizado na mesma freqüência, e nesse caso todo o esforço teria sido em vão.

 

Paradicsom andava à procura de pistas. Examinara a uma distância segura o lugar que fora atingido três vezes pelo radiador de impulsos térmicos. Não viu nada além da camada de gelo compacto em que a neve se transformara sob os efeitos do calor infernal.

Paradicsom não compreendeu por que cargas d’água alguém poderia ter disparado para este lugar. Mas preferiu não perder tempo em especulações; continuou a procurar pistas.

Foi andando pela encosta suave que flanqueava o morro ao norte. Depois de algum tempo viu três objetos. Seu formato apresentava uma estranha regularidade. Curioso, foi se aproximando e constatou que alguém devia ter trabalhado a neve pulverulenta até transformá-la num verdadeiro tijolo. Os tijolos de neve haviam sido unidos num tubo alongado, aberto na frente.

Paradicsom ajoelhou-se e olhou para dentro da abertura. No interior do tubo estava escuro, mas Paradicsom logo viu que havia alguma coisa.

Levantou-se com um grito de pavor. Embora estivesse armado até os dentes, não teve outra idéia senão fugir.

Mas mal se pusera de pé, foi atingido por um golpe tão violento contra a junta do pescoço de seu traje protetor que perdeu os sentidos.

 

Mernok ouviu o grito.

Não o ouviu em forma de grito, pois Paradicsom não se preocupara em adaptar a potência de seu transmissor à distância.

Apesar disso, Mernok teve a impressão de que alguma coisa não estava em ordem.

— Alô, Paradicsom! — chamou.

Nenhuma resposta.

Mernok ficou nervoso. Como fosse bastante circunspecto, passou a enumerar os motivos que poderiam impedir Paradicsom de responder, se nada tivesse lhe acontecido.

Mas não conseguiu se livrar do nervosismo. Voltou a chamar Paradicsom por várias vezes. Quando já estava prestes a desistir, e se dispunha a relatar o incidente a Orlgans, obteve resposta.

— O que houve?

Mernok suspirou aliviado. A voz parecia apagada, como se a potência do emissor não fosse suficiente. Mas Mernok não se preocupou com isso.

— Por que não dá sinal de vida? — perguntou Mernok.

— Levei uma queda — respondeu Paradicsom. — Estou voltando.

— Encontrou alguma coisa? — perguntou Mernok, curioso.

— Não — respondeu a voz.

Os minutos foram-se arrastando. Paradicsom não parecia disposto a falar e Mernok não perguntou mais nada. Finalmente viu o vulto cinza-claro que surgia no alto da encosta. Primeiro localizou-o através do rastreador, depois por meio da observação direta.

Abriu a escotilha externa da comporta. O vulto entrou. Mernok aguardou até que a bomba expelisse o ar frio, substituindo-o por ar aquecido. Depois abriu a escotilha interna.

A primeira coisa que viu foi o cano de uma arma de impulsos. De início Mernok apenas ficou admirado. Mas logo viu o homem que segurava a arma. Viu que seu traje espacial era cinza-claro tal qual o dos saltadores, mas seu corte era totalmente diferente.

— O que...?

— Calma — disse o estranho em intercosmo. — Daqui em diante este veículo é meu. Entendido? Nada lhe acontecerá, desde que não se meta a fazer tolices.

Mernok concordou. Ou melhor, não teve outra alternativa.

 

O resto foi simples.

Desenterraram o RB.013 do buraco profundo em que o mesmo teve de se esconder para não ser localizado. Isso lhes deu algum trabalho, pois o canal através do qual RB.013 havia disparado os tiros térmicos com seu braço armado estava coberto de gelo vidrado, que se formara com a neve derretida. Mas o robô deu uma boa ajuda.

O controle da nave auxiliar apresada não representou o menor problema. Fora construída segundo o modelo arcônida, e todas as inscrições haviam sido feitas em caracteres intercósmicos.

Paradicsom e Mernok foram libertados.

Seus transmissores de capacete foram munidos de uma fechadura-relógio; só dali a dez horas poderiam entrar em contato com a Orla XI.

Paradicsom superara perfeitamente o tratamento um tanto arriscado a que fora submetido no interior da caverna cavada na neve.

Depois que perdera os sentidos, Tiff o empurrara para dentro da caverna em que se encontrava Mildred, cujo abraço carinhoso protegeu sua cabeça contra o frio mortal. Abriu o capacete para verificar a freqüência em que Mernok e Paradicsom se comunicavam.

Além disso, tirou-lhe a pequena arma de impulsos térmicos, com a qual, meia hora depois, ameaçou Mernok.

Tiff sabia perfeitamente que depois dos acontecimentos das últimas horas não poderiam continuar nessa área. Assim que os dois saltadores conseguissem estabelecer contato radiofônico com sua nave, solicitariam reforços.

Tiff colocou as duas moças na pequena nave e levou-as cem quilômetros para o sul. Sobrevoou uma zona montanhosa e encontrou uma caverna que lhe pareceu apropriada para uma permanência mais prolongada. Abrigou as moças e voltou para buscar Hump e Eberhardt. Por fim realizou o terceiro vôo para conduzir o RB.013 para o novo abrigo.

O robô logo se pôs a trabalhar, a fim de fechar hermeticamente a caverna que lhe serviria de abrigo. Usou a arma de impulsos térmicos embutida no braço direito para derreter a rocha e levantar paredes que dividiram a caverna em uma série de cabinas. Passagens estreitas deixadas nas paredes permitiam a passagem de uma cabina para outra. Nas poucas horas que restavam antes que a escuridão descesse sobre o planeta, o RB.013 confeccionou chapas de rocha derretida que se ajustavam à abertura da caverna com uma precisão tamanha que a mesma ficou, praticamente, hermeticamente fechada.

Se uma pequena correnteza de ar conseguisse abrir passagem entre as chapas, ainda haveria os diversos compartimentos que quebrariam sua força. Afinal, Paradicsom havia revelado a Tiff que a atmosfera não era venenosa; apenas, o frio nela reinante era miserável.

A nave auxiliar aprisionada foi escondida numa fenda do terreno. Além disso, foi coberta de maneira a não poder ser detectada pelas microondas.

 

Depois de ter recebido o relato de Paradicsom e Mernok, Orlgans suspendeu as hostilidades contra os fugitivos e pediu socorro à sua estirpe.

No dia seguinte ao do pouso de emergência, o hipercomunicador da nave auxiliar aprisionada captou e registrou uma breve mensagem. Perto do meio-dia, quando foi dar uma olhada, Tiff leu:

— Comandante para Tifflor. Agüentem. Aguardem auxílio.

A mensagem fora repetida vinte vezes. O coração de Tiff palpitou enquanto a lia.

Regressou à caverna e leu a mensagem que havia encontrado. O entusiasmo foi enorme e genuíno. Tiff esperou até que os ânimos serenassem e disse:

— Parece que por enquanto nos deixarão em paz. Ficaremos aqui enquanto for possível. Não sei quais são as intenções reais do chefe, mas tudo indica que alguma coisa muito importante está em jogo. A vida aqui será bastante confortável enquanto os mantimentos não acabarem e enquanto não formos atacados. Acredito que dentro de poucos dias Orlgans começará a nos procurar. Também acredito que, se não nos retirar daqui, o chefe ao menos nos suprirá daquilo de que precisamos.

“Portanto, ponham-se à vontade e preparem-se para alguns dias preguiçosos. Não conhecemos o jogo que está sendo jogado, mas não podemos deixar de participar dele. O próximo lance será do chefe ou dos saltadores. Tomaremos as providências necessárias assim que notarmos qualquer coisa.”

O RB.013 estava de pé junto à parede. Seu radiador térmico, regulado para um desempenho mínimo, espalhava um calor aconchegante. Hump abriu o capacete e fumou um dos cigarros das rações de emergência.

— Gostaria de saber o que o chefe viu em você para nos fazer correr por este deserto de gelo por sua causa — disse Hump em tom odiento.

Tiff não respondeu; apenas sorriu. Não poderia continuar a ocultar por muito tempo o fato de que sabia tão pouco sobre os planos de Perry Rhodan quanto as quatro pessoas que com ele se encontravam no interior da caverna.

 

                                                                                            Kurt Mahr

 

                      

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