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Poesia & Contos Infantis

 

 

 


GIFT OF DARKNENESS / Isadora Brown
GIFT OF DARKNENESS / Isadora Brown

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

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A Rainha das Sombras quer Kelia, e a ela sempre consegue o que quer.
Desde que Kelia escapou do programa de procriação da Sociedade, há uma recompensa por sua cabeça. Sombras e sereias estão a sua procura para capturá-la e levá-la para ser torturada pela Rainha, mas por quais razões, Kelia não sabe.
Seguindo seu resgate de dois sequestros diferentes, Kelia começa a perceber que - como uma humana entre os sobrenaturais - ela é mais um obstáculo do que uma vantagem. Pela primeira vez na vida, Kelia é o elo mais fraco. E a recompensa por sua cabeça coloca todos em perigo.
Quando aqueles que a protegem são assassinados, Kelia se depara com uma escolha impossível: correr e se esconder para se salvar enquanto mais de seus amigos são mortos... ou se sacrificar para a Rainha.

 


 


CAPÍTULO 1

Kelia Starling nunca tinha visto nada mais bonito do que o horizonte durante o pôr do sol enquanto estava em um navio no mar. Uma pena que ela estava no meio de uma invasão muito importante e não poderia apreciá-la da maneira que faria de outra forma.

—Droga, Assassina. — Uma voz familiar disse.

Drew Knight, o capitão e amigo de Kelia - um famoso pirata e Sombra do Mar - esbarrou nela, derrubando-a no chão. Algo ruidoso caiu em algum lugar do navio. Kelia voltou sua atenção para o navio paralelo ao deles. A tripulação de Drew tinha acabado de sair para atacar. Seu mastro havia caído na horizontal, o ninho de corvo agora pousado no próprio navio de Drew. O convés não era mais sólido, mas estava quebrado em rachaduras, mas nada que pudesse fazer com que o navio ficasse fora de serviço por mais de um ou dois dias. Não com três bruxas a bordo e uma tripulação composta de bestas mortas-vivas que não precisavam de nada mais do que sangue e sexo para motivá-las.

—Bem. — Drew se levantou, seus olhos escuros focados no mastro e onde ele estava. —Isso foi muito mais fácil do que eu esperava.

—Sua tripulação é como cupins. — Kelia murmurou, mas ela não conseguia controlar o sorriso brincando em seus lábios.

—Então o que isso faz de você? — Seu olhar se aqueceu quando caiu sobre seu corpo. O olhar - que ela estava começando a reconhecer como reservado exclusivamente para ela - fez seu coração pular uma batida. Isso a lembrava de coisas que ela havia tentado desesperadamente esquecer nos últimos dois meses, coisas que a mantinham acordada à noite, apesar de seus melhores esforços.

—Faça-me um favor, Assassina — disse ele. —Eu sei que a mistura que Emma dá a você para seu estômago fraco toda semana tem efeitos colaterais. Talvez não leve o dia para uma invasão.

Kelia tocou o quadril onde o golpe do cutelo poderia ser facilmente acessado. Ela não se sentia mais preparada para a batalha do que com sua lâmina confiável em sua pessoa e seu cabelo puxado para trás em uma trança.

—Meu enjoo por estar no mar é meu único problema, — ela disse secamente. —Sinta-se à vontade para me deixar no porto mais próximo e terminar comigo.

Drew soltou uma gargalhada enquanto se virava para seguir em direção ao início do mastro. —Se eu pudesse me livrar de você tão facilmente — disse ele. —Mas você fica comigo, como o maldito escorbuto.

—Como um membro dos mortos-vivos, eu não sabia que você ainda podia adquirir escorbuto1. — Kelia disse. Ela o seguiu quando eles pisaram no mastro caído do navio e começaram a atravessá-lo, como uma ponte sobre o oceano entre os navios.

Ela não pôde deixar de observar Drew com uma fascinação admirada. Ele tinha essa graça inegável na maneira como se movia. Ele não hesitava, não pensava por um segundo que iria dar um passo em falso e descer nas águas infestadas de tubarões onde alguns dos tripulantes adversários se encontravam. Ele era fluido, assim como a água abaixo dele. Fluido e... atraente. Mesmo agora, Kelia tinha que sair de seu estupor. Drew Knight era perigoso por muitos motivos, incluindo ser uma distração indesejável da tarefa em questão.

Não que ela fosse admitir tal coisa em voz alta, muito menos para Drew Knight. Especialmente depois do que aconteceu antes.

Kelia se apressou para acompanhar Drew. Wendy Parsons, uma bruxa da terra e irmã de Drew Knight, rastreou o navio alvo usando sua habilidade, e provavelmente se o ataque falhasse, poderia demorar um pouco antes que eles pudessem tentar novamente; sua magia era rastreável, e Drew não queria chamar muita atenção para si mesmo. Os próprios ataques fariam isso.

O cheiro forte de sangue, sal e suor perfurou suas narinas. Kelia fez uma pausa, equilibrando-se no meio do mastro. Já era ruim o suficiente ela agora estar vivendo no mar. Graças à mistura que Emma preparou para ela, seu mal-estar era mantido sob controle na maior parte do tempo. No entanto, havia momentos em que algo anulava a mistura e ela ficava completamente inibida de se mover.

Quer fosse algo percebido pela visão, som, cheiro, toque ou gosto... algo surgiria e lembraria a seus sentidos que ela deveria estar vomitando agora. Nesse instante, Kelia desejou que seu corpo pudesse ter se lembrado de quando ela estava firmemente plantada no convés de um navio, em vez de enquanto pairava sobre o mar agitado.

Ela não conseguia entender o que as vozes em frente de onde ela estava gritavam, mas ela não ficaria surpresa se as palavras fossem dirigidas a ela. Sombras do Mar instantaneamente sabiam o que ela era. A audição deles poderia captar seu batimento cardíaco irregular, mesmo se ela não estivesse diretamente na frente deles. Ela era um dos poucos seres vivos no navio e, como tal, esperava ser um alvo. Sombras do Mar, por natureza, gostavam de festejar com sangue - e o dela era altamente desejado, mesmo entre a tripulação de Drew, porque ela estava viva.

Mas no minuto em que ela, Daniella e Wendy pisaram em seu navio depois de escapar de Port George e da Sociedade, Drew deixou claro que nenhuma delas seria tocada. Elas deveriam ser tratadas da mesma maneira que Emma era tratada. E se alguém se comportasse fora dessas linhas - se alguém ao menos fizesse objeções - seria massacrado instantaneamente. Elas estavam vivas - algo que instantaneamente colocou um alvo em suas costas.

Kelia respirou fundo. Ela não estava planejando ser comida de tubarão hoje. Ou uma última refeição para as Sombras do Mar se afogando.

Ela deu um passo e depois o seguinte, a bile borbulhando em sua boca e queimando sua garganta enquanto se forçava a engolir de volta. Seu estômago embrulhou. Drew achou que ela não deveria ter tomado a mistura no dia do ataque, mas parecia que ela deveria ter tomado mais. Emma estava inflexível de que só poderia ser tomado uma vez por semana ou começaria a afetar sua capacidade de se defender enquanto estivesse em um navio, mas ela nunca disse o quanto Kelia poderia aguentar.

No minuto em que Drew chegou ao outro navio, ele desapareceu e Kelia não podia culpá-lo. Ele tinha uma missão, que era livrar o mundo de outras Sombras - aquelas que trabalhavam para a Rainha - e adquirir seu tesouro e qualquer tipo de bugiganga que pudesse render uma quantidade decente de dinheiro. Bordéis de sangue não eram baratos e a tripulação de Drew estava ficando inquieta. Eles haviam estado no mar por quase uma semana sem fim à vista, sem terra por quilômetros, e as Sombras - incluindo Drew Knight - estavam começando a ficar com fome.

A adrenalina estava passando enquanto seu estômago continuava a se agitar como as ondas do oceano abaixo dela. Quase ser atingida pelo mastro foi o suficiente para fazer seu coração pular da garganta, mas não o suficiente para ajudá-la com sua fraqueza.

—O que você está fazendo em um lugar como este? — Veio uma voz familiar e perigosa atrás dela.

Kelia se virou, de queixo caído quando reconheceu uma Sombra. Não uma do navio de Drew, mas um que ela claramente lembrava de algum lugar. Não só isso, mas como ele entrou no navio de Drew? Ele tinha pulado - do jeito que as Sombras podiam?

Merda. Ela tropeçou para trás, mal recuperando o equilíbrio, quando percebeu quem era a Sombra.

O do programa de criação. Aquele que escapou.

Kelia engoliu em seco e pegou sua lâmina. A Sombra, agora de um tamanho saudável e muito mais atraente do que ele tinha sido naquele quarto úmido, festejando no corpo imóvel de Assassinos que não podiam fazer nada mais do que olhar para o teto. Ele olhou para ela, e ela podia ler suas intenções claramente em seu olhar: ele pretendia se alimentar dela da mesma forma que tinha feito com aqueles Assassinos, mas era mais pela emoção da vitória do que pela necessidade de se alimentar.

—Não estou surpreso em ver Drew Knight segurando você. — A Sombra deu um passo à frente, forçando Kelia a recuar em direção ao navio adversário, em direção ao crocitar de lâminas e gritos de criaturas, nem todas as quais seriam amigáveis com ela.

Ela não podia lutar uma batalha em ambas as direções, mas ela não iria deixar aquele medo aparecer. Ela enrolou os dedos dos pés nas botas, como se isso pudesse ajudar a manter o controle do mastro e evitar que caísse na água.

—Estou surpreso que ele não tenha se alimentado de você ainda, — a Sombra falou lentamente. —Eu posso cheirar sua inocência daqui.

—Você é marinheiro, então? — Kelia exigiu. Sua voz tremeu, o medo pulsando em suas veias e ecoando em sua cabeça, mas ela se manteve firme. —Esse é o seu navio?

—Eu não reivindico nada — disse a Sombra. —Tudo o que faço é pela Rainha, e apenas pela Rainha. Ela é a única a quem sirvo.

—Certo, quase esqueci que você é um monstro estúpido, incapaz de pensar por si mesmo.

A Sombra zombou. —Você não diria isso se a Rainha estivesse aqui. Ela estava muito interessada na minha história, como Drew Knight é atraído por uma cadela humana. Se eu te levar até ela, serei recompensado.

—E se você falhar? — Kelia não se importava particularmente, de uma forma ou de outra, com o que aconteceria se ele falhasse. Ela estava meramente ganhando tempo até que pudesse se firmar no outro navio; ela duvidava que fosse capaz de se defender no mastro.

Por outro lado, mergulhar nas águas profundas e escuras abaixo não parecia tão terrível quanto antes. E pelo menos ela estava distraída o suficiente para que seu estômago não lhe desse mais problemas.

—A Rainha é misericordiosa com aqueles que ela considera dignos.

Kelia se ajoelhou e se sentiu miserável.

Não uma distração muito grande.

A Sombra fez uma pausa, franzindo as sobrancelhas enquanto Kelia limpava os lábios com a parte de trás da manga, chamando sua atenção para sua boca enquanto agarrava a pequena adaga na parte de trás da bota com a outra mão. Aparentemente, a Sombra era mais facilmente distraída do que ela.

Antes que a Sombra pudesse fazer qualquer coisa, ela se levantou e jogou a adaga nele em um movimento rápido. A pequena lâmina o acertou no ombro. Ela quase perdeu o equilíbrio, mas com um pequeno arrastar de pés foi capaz de evitar a queda.

A Sombra gritou quando ele cambaleou para trás, a lâmina infundida de prata afundando em sua pele. Ele quase caiu na água com a força do arremesso, e seu golpe não ajudou.

—Sua vadia! — A Sombra gritou. —Você vai pagar...

Kelia inclinou o corpo, na esperança de ter mais equilíbrio. —Eu pensei que você não poderia me machucar.

Ela respirou fundo antes de enrolar os dedos ao redor do cabo do cutelo. Ela definitivamente não estava pronta para lutar agora, especialmente contra uma Sombra que não era apenas experiente em batalha, mas também estava furiosa por causa da lâmina fincada em seu ombro. Ainda mais uma que já a conhecia.

Seu estômago embrulhou de nervosismo e do enjoo, e seus pés não conseguiam agarrar o mastro como ela esperava. Ela se sentia fraca, quase inútil. Talvez ela devesse ter ficado no navio de Drew, acomodada abaixo do convés com Wendy, Daniella e Emma.

Mas ela treinou muitos anos como uma Assassina para matar as Sombras. Ela era tão capaz quanto a tripulação de Drew. Ou pelo menos ela foi, uma vez.

A Sombra sorriu enquanto ele puxava sua pequena lâmina e a jogava na água.

—Ela não disse nada sobre machucar você — disse ele. —Na verdade, a Rainha nos encorajou a arrebatar sua pureza. Ela acha que isso está fazendo com que Drew Knight caia na ilusão de que você vale mais para ele do que sua Criadora.

Atrás do homem Sombra do Mar, o sol estava se pondo, deixando um rastro aquoso de cor em seu rastro. Kelia não podia ver a lua ainda, mas o céu logo ficaria escuro e um de seus sentidos seria arrancado dela.

Kelia ainda não tinha desembainhado sua lâmina. Ela não queria removê-la de seu invólucro, se pudesse evitar. Kelia não tinha certeza se tinha força para segurar qualquer coisa ainda. Seu estômago ainda revirava como as ondas rolando no oceano e balançando os navios. Ela confiaria em sua inteligência tanto quanto pudesse, exceto a lâmina como último recurso.

—Então, sua rainha está promovendo você para me violar? — Ela perguntou.

A Sombra se curvou, como se estivesse se preparando para atacar. —Algo nesse sentido.

Ele saltou para o céu, deixando Kelia apenas com tempo suficiente para correr o resto do caminho para o navio. Ele agarrou seus pés, assim que ela saiu do mastro. Ela disparou para a frente, de cara na direção do deck de madeira. Ela amorteceu a queda com os braços, mas seu quadril recebeu o peso do impacto.

A Sombra estava em cima dela, seu peso tornando difícil para ela respirar. Com os braços presos embaixo, ela não conseguia desembainhar a espada. Ela se contorceu e se debateu, mas não fez diferença.

—Eu me pergunto onde Drew Knight está agora, — a Sombra meditou. —Talvez se ele me visse em cima de você, ele poderia me dar uma luta digna. Ou talvez ele se importe mais com a recompensa do navio do que com uma Assassina quebrada...

Sangue roxo escuro derramou sobre seus lábios, pousando em seu ombro. Só então ela percebeu a ponta afiada de uma lâmina projetando-se no peito da Sombra.

—Decepcionante, — Drew Knight disse, de pé atrás da Sombra agora morta. —Eu pensei que havia uma promessa de uma luta digna.

Ele chicoteou sua lâmina do peito da Sombra e moveu-a uma fração para a esquerda antes de empurrá-la mais uma vez. A Sombra se desintegrou em cinzas que explodiram com o vento.

Drew ajudou Kelia a se levantar enquanto ela se limpava, tentando livrar seu corpo de cada pedaço de cinza. Ela não queria que aquele vil desgraçado da besta a tocasse, mesmo na morte, mas as cinzas tinham um jeito de nunca enxugar sem uma lavagem adequada.

—Kelia Starling, aluna estrela da arrogante Sociedade, — Drew disse, balançando a cabeça. —Isso é o dobro em alguns minutos que tive para salvar sua vida. O que diz você?

Kelia revirou os olhos, mas sorriu antes de virar a cabeça para olhar para o novo navio. Seu estômago ainda estava roncando de enjoo e nervosismo. Ela precisava de um momento para recuperar o fôlego. Mas ela não tinha um momento diferente do que ela já tinha sido abençoada. Ainda havia trabalho a fazer e, com sorte, ela poderia encontrar uma maneira de ser mais útil do que um obstáculo.

Os homens de Drew pareciam ter dominado a tripulação adversária, amarrando-os e impedindo-os de voltar. Além dos que foram lançados ao mar, as Sombra neste navio estavam sendo mantidas em cativeiro em vez de mortas. Drew nunca foi do tipo que matava sem questionar, a menos que as circunstâncias exigissem o contrário.

E quais são esses requisitos? uma voz murmurou em sua cabeça. Ele parece matar apenas quando sua vida está em perigo.

Era uma voz familiar, que pertencia a sua amiga e colega de quarto, Jennifer Espinosa. Jennifer tinha sido uma Assassina, assim como Kelia, com uma obsessão por meninos e muitas velas para contar. Ela havia tentado impedir Kelia de deixar Port George com Drew Knight. Kelia sabia que Jennifer pensava que ela estava protegendo Kelia, mas isso forçou Kelia a escolher entre Jennifer e Drew.

Kelia escolheu Drew e se recusou a olhar para trás. Às vezes, porém, mesmo depois de partir, ela podia ouvir o tipo de coisas que Jennifer poderia dizer.

O oceano bateu na lateral do navio. Não era o suficiente para empurrar o barco ou mesmo assustar os ocupantes, mas inclinou o navio o suficiente para ser um lembrete gentil de quem tinha o poder quando se tratava de humanos, bruxas e Sombras do Mar.

A Mãe Natureza sempre prevalecia.

Kelia voltou sua atenção para Drew. —Encontrou o que procurava?

Drew abriu a boca, mas antes que pudesse responder, alguém do outro lado do navio o chamou.

—O capitão está finalmente pronto para falar. — Um familiar Sombra do Mar anunciou.

—Quem? — Drew se afastou de Kelia e se dirigiu para seu membro da tripulação no navio oposto. Kelia seguiu pelo convés, pisando em cinzas e sangue. —Pelo que me lembro, só pode haver um capitão em um navio e, considerando que estou livre para andar por aí e não ficar preso abaixo do convés...

Kelia queria bater em Drew por seus dramas zombeteiros, embora fosse parte de seu charme.

—Isso me torna capitão, experiente? — Ele balançou as sobrancelhas.

Infelizmente, era esse charme dele que poderia matá-la.


CAPÍTULO 2

Drew Knight desceu a escada instável devorada pelo tempo como se lhe pertencesse. Como se este navio pertencesse a ele. De certa forma, agora era. Ele o alcançou por seus próprios meios; a tripulação que tripulava este navio havia sido cercada pela de Drew e seu capitão foi capturado. Drew podia andar livremente, falar livremente, sem consequências. E ele pretendia fazer exatamente isso com o capitão deste navio, o senhor Hector Sampson.

Enquanto Drew caminhava pelo corredor, a água caía em vários lugares do convés acima dele e parou na frente de uma porta. A cozinha – um grande cômodo destinada a cozinhar e preparar a comida - tinha um cheiro forte e almiscarado, como carne crua que tinha sido deixada ao sol. Do outro lado da cozinha, Drew presumiu que os aposentos da tripulação estavam colocados. Não havia maçaneta na porta do quarto, mas um cheiro forte perfurava suas narinas: sangue, vômito, mijo, merda e suor, assim como aquele forte aroma de homem.

Drew olhou por cima do ombro para olhar para Kelia. Seus olhos coloridos estavam estreitados, a mão em seu quadril, pairando um pouco acima do cabo de sua lâmina. Ela sempre parecia preparada para o pior.

Ele não podia culpá-la. Ela havia passado por muita coisa nos últimos três meses, com seu pai sendo assassinado, a Sociedade estando por trás de sua morte, sendo chicoteada várias vezes por seu relacionamento com Drew e, em seguida, sendo condenada a um programa de reprodução criado por seu pai onde ela estava quase sendo estuprada por violentos Sombras do Mar, tudo em nome da ciência.

Seu corpo estava rígido, seus ombros tensos. Ele poderia dizer que ela estava tentando segurar algo. O modo cuidadoso com que ela andava, o alargamento de suas narinas disse a Drew que ela ainda estava se recuperando de seu enjoo. Ela suportava muito só para estar com ele, para fazer parte de sua equipe, e ela nunca reclamou disso. Se era a garota que ele conheceu que não conseguia segurar a língua se isso salvasse sua vida. A garota que tinha fé total e absoluta no grupo sistemático que ajudou a criá-la se foi. Substituindo aquela garota ingênua estava uma mulher estoica e cansada com cicatrizes nas costas e dureza nos olhos.

Talvez, com o tempo, houvesse uma maneira de encontrar um equilíbrio entre a garota que ela era e a mulher que era agora.

—Você está bem? — Ele perguntou. Ele precisava ouvi-la falar. Precisava ouvir como ela estava se sentindo. Kelia nunca foi boa em esconder suas emoções, mas era importante para Drew ouvir o que ela sentia, mesmo que fosse uma mentira.

Kelia sorriu e Drew percebeu que foi forçado. Seus olhos não se iluminaram da maneira que normalmente acendiam quando era genuíno.

—Eu estarei, assim que voltarmos para o navio. — Ela respondeu.

Uma vez que ela conseguisse mais da mistura de Emma.

Drew instintivamente estendeu a mão para tocar Kelia, para colocar a mão em suas costas, mas se conteve. Ele não podia mostrar nenhum afeto por ela. Não em público. Ele se recusou a deixar que alguém descobrisse o que Kelia Starling realmente era para ele: a única fraqueza de Drew Knight. Mesmo um simples toque de segurança poderia revelar o quanto ela significava para ele, e ele não podia permitir que ninguém descobrisse. Se alguém soubesse, poderia muito bem usá-la contra ele.

Ele teve um momento de fraqueza em relação a esta mulher apenas uma vez. De volta a Port George, quando parecia que o mundo estava acabando ao redor deles, Kelia o beijou... e ele a beijou de volta. Tudo ficou mais lento. Os sons diminuíram. Nada mais importava, exceto ela. Os lábios dela. A sensação do corpo dela em suas mãos.

Mesmo agora, ele não queria nada mais do que puxá-la para ele, tocá-la e beijá-la do jeito que ele queria. Mas ele se conteve e, felizmente, ela manteve distância. Agindo como se aquele momento nunca tivesse acontecido. Por isso, ele estava triste e grato. Ela provavelmente só manteve distância para se proteger, e Drew não podia culpá-la. Ele já havia causado a ela muita dor e sofrimento, e mesmo aqui, apenas estar aqui, com ele, era uma sentença de morte esperando para acontecer.

Para ambos.

—Suas costas? — Ele olhou para frente, afastando o olhar dela.

—Cada dia que passa tenho mais alívio. — Respondeu ela.

Era uma resposta enlatada, ele sabia. Ela escondia mais dele do que ela mesmo percebia. Ele tinha visto as cicatrizes que marcavam suas costas em primeira mão. Se ele não a tivesse alcançado quando o fez, se ela não tivesse permitido que ele administrasse o bálsamo curativo de Emma, ela provavelmente estaria morta, por sangramento ou infecção. Rycroft deu um exemplo de sua traição, dando-lhe dez chibatadas na frente de toda a Sociedade. Aparentemente, ele não terminou depois daquelas dez, e ele deu a ela mais dez em sua cela depois, sem audiência.

Drew estava feliz por ela ainda não ter dominado a arte de esconder suas emoções em seu rosto, embora fosse uma necessidade de sobrevivência. Ele se perguntou se mentia por si mesma, se ela acreditava em sua própria loucura ou se o fazia para protegê-lo. Ele sabia que não era culpa dele, que Rycroft era a besta que lhe causou esses ferimentos, mas havia momentos em que ele ficava acordado à noite, olhando para o teto, se perguntando se havia algo que ele poderia ter feito...

Drew fechou os dedos em um punho fechado para parar de seguir por aquele caminho perigoso.

Eles quase alcançaram os aposentos do capitão. As portas duplas estavam ligeiramente entreabertas. Ele sabia que sua tripulação havia se infiltrado no cômodo. A maçaneta dourada da porta estava quebrada, rachaduras na madeira indicando que um de seus homens provavelmente quebrou a fechadura com um estalo de seu pulso. Ele abriu a porta com o punho, sem se preocupar em esconder sua entrada nos aposentos de Hector Sampson. Os pequenos passos atrás dele indicaram que Kelia o seguiu para dentro.

Hector Sampson era um homem conhecido por preferir coisas luxuosas. Ele poderia não colocar moedas em seu navio ou nas costas de sua tripulação, a julgar pela maneira como as roupas pendiam de alguns corpos em farrapos, mas certamente gastava sua parte em seus aposentos.

Entrar nos aposentos era semelhante a entrar na sala do trono. Obras de arte penduradas atrás da cama de dossel. Os lençóis negros como carvão eram de seda. Tudo no quarto de Hector estava imaculado, exceto a roupa de cama ensanguentada amassada no chão de madeira, bem ao lado da cama. Drew ergueu uma sobrancelha, perguntando-se se Heitor era apenas um comedor desleixado ou se algo mais havia acontecido.

Além disso, um baú cheio de roupas estava pregado no chão, ao pé da cama. Não havia roupas caindo do baú, não como em seus aposentos. Na verdade, quanto mais Drew olhava, mais ele notava que até mesmo o piso de madeira foi varrido. Havia uma estante cheia de livros que Drew ficaria surpreso se Hector realmente lesse. Para não dizer que ele era incapaz de ler - a Rainha raramente aceitava Sombras que não fossem espirituosas, espertas ou inteligentes -, mas Heitor não tinha o impulso de obter mais conhecimento. Pelo menos, era isso que Drew se lembrava dele.

Havia uma janela circular no lado oposto do quarto, deixando entrar o brilho da lua do lado de fora. O próprio Hector estava sentado em uma grande cadeira com um pano preso às costas - uma cor roxa profunda, provavelmente um lembrete de que Hector se considerava um membro da realeza. Só porque ele era um dos favoritos da Rainha não significava que ele fosse especial, mas ele pareceu esquecer essa lição. A Rainha tinha preferências particulares em momentos específicos. Quando ela se cansava de um de seus filhos - o que acontecia com frequência - não demoraria muito para que uma Sombra fosse substituída.

Dois dos homens de Drew estavam de cada lado de Hector, simplesmente observando a luta do homem contra os limites que o mantinham na cadeira. Drew deu um passo na direção de Hector, sem se preocupar em esconder o sorriso divertido de seu rosto. Parecia que sua tripulação havia amarrado Hector em sua preciosa cadeira com as borlas douradas arrancadas diretamente de sua cama.

Hector parou de lutar no minuto em que a sombra de Drew cruzou seu corpo.

—Você. — A palavra saiu áspera, como uma adaga enferrujada, e os olhos azul-escuros de Hector se estreitaram para Drew. —Eu ouvi histórias, mas nunca esperei...

Drew sorriu. —E eu pensei que você me conhecia tão bem, Hector.

Ele parou na mesa de Hector e olhou para a fruteira. Ele puxou um alqueire de uvas, examinando-as para ver se estavam frescas. Ele não precisava comer comida humana para sobreviver, mas nunca perdeu o gosto por ela, mesmo depois de todo esse tempo.

—Mas você não roubaria de mim. Não me machucaria. Somos velhos amigos.

Drew piscou antes de responder. —Drew Knight não discrimina Sombras. Eu te odeio do mesmo jeito.

Hector bufou com desdém, e Drew desviou o olhar e voltou-se para a fruta. Ele colocou as uvas na fruteira, não confiando nelas, antes de pegar uma maçã. As maçãs sempre eram uma aposta segura. Drew deu uma mordida na fruta, uma gota de suco escorrendo pelo queixo.

—Odiar sua própria espécie — disse Hector, balançando a cabeça. Seu cabelo ruivo – desgrenhado e embaraçado, necessitando desesperadamente de uma lavagem completa - caía em seu rosto a cada movimento. —Você é uma vergonha para sua Rainha.

—Se eu a enfureci, então consegui. — Disse Drew.

Ele apertou mais a maçã. Qualquer menção à Rainha fazia com que o sabor de sua boca ficasse sem gosto e o lugar escurecesse substancialmente. Ele não gostava de falar sobre a Rainha e preferia nem mesmo pensar nela.

—Você não a enfurece — retrucou Hector. Seu rosto feio se contorceu em uma carranca. —Ela não consegue ver nada, exceto o quão valioso você é para ela. Talvez ela ainda esteja um pouco apaixonada por você - ou, pelo menos, uma parte de você, em particular. — Seus lábios se curvaram, revelando dentes podres, mas Drew não chamaria isso de sorriso. Na verdade, era um de escárnio. —Você não pode errar. É a humana que ela está de olho para se vingar.

Drew congelou por um momento antes de colocar a maçã mordida de volta na cesta. Ele enxugou as mãos e tentou parecer indiferente. Se Kelia não estivesse presente, ele poderia até apressar Hector e exigir saber o que ele quis dizer com isso. Em vez disso, ele caminhou ao redor do grande quarto, tentando manter as coisas o mais neutras que podia, enquanto ainda extraia informações.

Kelia não havia se movido de seu lugar perto das portas, e ele não podia culpá-la. Ter ficado presa anteriormente com Sombras do Mar, que não queriam nada mais do que violá-la e sugá-la, não era algo que ela logo esqueceria. Desde então, Drew percebeu que ela sempre se mantinha posicionada perto das portas, sempre posicionada para manter todos à sua vista o tempo todo. E ela não era a única. Daniella e Wendy agiam de forma semelhante.

—Eu mantenho muitas conhecidas humanas, — Drew se forçou a dizer, colocando a mão na frente dele e enrolando os dedos enquanto caminhava para que pudesse inspecionar as unhas. —Não tenho certeza de por quem ela está com raiva neste dia.

—Ela sabe sobre a sua Assassina, Drew. — Não havia diversão no tom de Hector. —E ela não está feliz por você estar com ela. Você sabe que a Rainha vai matá-la, não é?

—Eu nem sei quem é 'ela' e, francamente, não me importo, — Drew mentiu. —Agora, vamos continuar com isso. Nós dois sabemos que você não vai sobreviver a esse ataque, Hector. Sua bunda gorda estava muito ocupada trocando moedas pela sala do trono deste pobre homem miserável, bem como comida apenas para você e quase nenhuma para sua tripulação. — Ele largou a mão e caminhou até o capitão. —Onde está o mapa?

Algo cintilou no olhar morto de Hector. —Qual mapa?

Antes que Drew pudesse responder, Hector tossiu, um som nojento que produziu sangue escuro de sua boca, que voou por entre os dentes e caiu no chão. Drew fez questão de evitar pisar em qualquer lugar perto do sangue.

—Você certamente não está falando da Ilha de Sangre — disse Hector provocadoramente. —A ilha onde a Rainha foi criada, onde ela assumiu? O único lugar onde você pode realmente matá-la?

Drew parou de andar para poder olhar para Hector. Ele estava falando sério agora.

—Não vou perguntar de novo — disse Drew, baixando a voz. Ele puxou lentamente sua lâmina e colocou-a contra o pescoço de Hector. —Onde. Está. O mapa?

Hector riu - um som cru e quebrado. —Você deveria saber melhor, Drew. Uma lâmina não pode me matar.

—Eu nunca declarei expressamente que quero você morto, Hector, — Drew disse, cada palavra afiada e proposital. Ele empurrou a lâmina com mais força contra a pele de Hector, até que um fio de sangue se acumulou na lâmina brilhante. — Mas isso não significa que não vou cortar sua garganta e ver você sangrar até que você me diga onde está o mapa. Estive em Harris e Wynan, e ambos me contaram a mesma história: você o comprou usando o saque que adquiriu legalmente da Companhia das Índias Orientais. O que me diz que você está trabalhando para eles. Não surpreso. Nossa Rainha também trabalha com eles. Bem, Harris e Wynan podem ser trapaceiros, mas nenhum deles é mentiroso. Ambos disseram que você tem o mapa.

—Dê-me um gostinho da sua garota e eu lhe darei o que você quiser. — Respondeu Hector. Agora ele estava sorrindo.

Drew rosnou e cortou sua garganta. Ambos os membros da tripulação ficaram atentos, mas então pareceram congelar, boquiabertos como se estivessem surpresos. Drew se surpreendeu. Normalmente, ele era composto e perigoso, não apaixonado e impulsivo. Sempre que alguém mencionava Kelia, isso parecia mudar, no entanto. Em qualquer caso, ele não poderia dizer se ficaria furioso em resposta ou se iria ferver até que a oportunidade se apresentasse. Nesta situação particular, com Hector, ele se enfureceu. E agora, o pescoço da Sombra chorava lágrimas de sangue, arruinando sua túnica branca.

Drew olhou para um de seus tripulantes. —Encontrem o mapa — disse ele. —Deve estar aqui em algum lugar.

—Verifiquem a pintura, — Kelia murmurou, dando um passo à frente e apontando para a obra de arte pendurada sobre a cama. Embora ela já estivesse por ali há tempo suficiente para ouvir sua cota de ameaças, ele percebeu pela forma como seu rosto empalideceu, nunca era fácil. —Essa obra de arte não parece completamente uniforme. Vê como está distorcida bem ali, como se algo estivesse sangrando na imagem?

Drew voltou sua atenção para a pintura e avistou a que ela se referia. Seus olhos se arregalaram, mas ele rapidamente treinou sua expressão de volta para uma máscara de pedra de indiferença. Sem nem mesmo olhar para as outras Sombras, ele acenou com a cabeça e eles foram recuperar a pintura.

—E quanto a Hector Sampson? — Kelia perguntou. A pergunta era solene, mas Drew a sentiu pisar ao lado dele, os olhos fixos na bagunça sangrenta à sua frente.

— Se ele não é cinza, ele ainda está vivo — respondeu Drew. —Talvez os pássaros mostrem misericórdia e beijem seu coração negro. Por enquanto, voltamos para nosso navio e estudamos esta pintura. O resto da minha tripulação teria removido o mastro de nosso navio. Devemos estar prontos para zarpar imediatamente.

Kelia acenou com a cabeça, e Drew observou enquanto seu olhar se demorou em Hector Samson antes de sair do quarto. Não demorou muito para que seus ouvidos se deparassem com os sons dela derramando o conteúdo de seu estômago no convés do navio. Ele precisava levá-la de volta ao Espectro agora antes que ela piorasse.

E antes que mais homens da rainha viessem procurar o que havia acontecido com o navio de Heitor. Não era segredo que a Rainha tinha uma recompensa pela cabeça de Kelia agora, o que significava que eles precisavam agir rápido, ou esta missão poderia terminar mal para os dois.


CAPÍTULO 3

No minuto em que Kelia estava de volta ao Espectro, Drew a levou para baixo do convés e pelo corredor estreito onde as três bruxas - Emma, Wendy e Daniella - estavam escondidas juntas no mesmo quarto. Esconder-se provavelmente não era a palavra apropriada, considerando que elas podiam se defender quase tão bem quanto Drew Knight. No entanto, ele não queria arriscar nenhuma delas - Kelia incluída, embora Kelia tivesse se recusado a se esconder com as outras mulheres.

Drew sempre fingiu que não se importava com ninguém, mas não teria dito a essas mulheres para se esconderem se isso fosse verdade. Emma era sua melhor amiga, Wendy era sua irmã e Daniella era uma protegida entre as duas. Fazia sentido que ele quisesse mantê-las seguras.

Kelia, por outro lado... Bem, ela sabia que Drew queria mantê-la segura também, mas não tinha certeza do que ela era para ele. Ele uma vez disse a ela que eles não eram amigos, mas certamente eles eram pelo menos tanto? Mas sempre que ela via aquele brilho em seus profundos olhos castanhos, ela sentia que significava mais para ele do que isso. Havia algo entre eles. Alguma... possibilidade.

Sem dizer uma palavra, Drew parou em frente ao quarto de Emma, que ficava ao lado da cozinha e em frente aos dormitórios de sua tripulação de quinze pessoas.

Pessoa era a palavra errada. Sombras do Mar. Algumas vezes elas eram chamadas de vampiros, mas vendo como elas foram amaldiçoadas a permanecer no mar até o luar, Sombras do Mar se tornou o termo mais adequado. Não era difícil esquecer o que elas realmente eram - bestas mantidas vivas graças ao sangue de que se alimentavam. Sangue, que elas coletavam por algum tipo de arranjo ou pela força.

Kelia foi criada para acreditar que isso é tudo que havia para essas criaturas, mas ela descobriu da maneira mais difícil como ela foi enganada.

Curiosamente, não havia nenhuma sombra feminina a bordo do Espectro. Os piratas sempre acreditavam que as mulheres davam azar, mas isso não explicava a presença de Emma a bordo. Talvez Drew gostasse de mantê-la por perto depois de quase perdê-la. Ou talvez fossem apenas as Sombras do Mar mulheres que davam azar.

Quanto mais tempo Kelia passava com a tripulação e quanto mais se familiarizava com os Sombras do Mar, mais isso confirmava que tudo o que a Sociedade havia ensinado era uma bobagem completa. Até seu próprio pai, a única família que Kelia conheceu, olhou nos olhos dela e mentiu sobre elas.

Talvez na época ele não soubesse, mas Kelia não tinha certeza. Não depois do que ela descobriu sobre ele. Ele tentou se redimir e pagou esse preço com sua vida, mas Kelia não conseguia reconciliar isso com o que ele havia criado.

Ela estremeceu ao se lembrar do programa de reprodução destinado a acasalar Sombras do Mar com bruxas .. e então com humanas também. Ela estava nauseante perto de ser uma das vítimas.

Até agora, ela conseguiu evitar que seu estômago e seu conteúdo derramassem no navio, mas um gorgolejo súbito de dentro dela quase destruiu isso. Ela agarrou a parede e se curvou quando Drew bateu na porta três vezes.

—Você está bem, Assassina? — Drew perguntou a ela, sua voz baixa. Não havia nada mascarando sua preocupação por ela. Ele colocou a mão gentilmente nas costas dela.

Ela forçou um sorriso e acenou com a cabeça.

—Por que você ainda me chama assim? — Ela conseguiu dizer.

Antes que ele pudesse responder, uma alavanca na porta se abriu e um par familiar de olhos castanhos suspeitos espiou por ela.

—Você ainda está viva? — Daniella perguntou com desdém puro. Daniella realmente não odiava mais Kelia, mas parecia que seus velhos modos de conversação já estavam gravados em pedra.

—Sim, Daniella, — Kelia disse, forçando-se a se endireitar. Drew não largou a mão. —Ainda estamos vivos. Podemos entrar?

—Se você precisa.

A alavanca se fechou com força e várias fechaduras estalaram, retiniram e estalaram antes de a porta se abrir. O quarto tinha quatro camas em cada canto e uma grande janela que dava para o oceano. Era fácil discernir quem dormia onde: o canto de Wendy estava uma bagunça, a colcha caindo da cama, o travesseiro no chão; Daniella não dormia com colcha; Emma era limpa e organizada, tudo em seu devido lugar; e Kelia também era arrumada nos dias em que se lembrava de fazer sua cama.

Cada mulher também tinha um pequeno baú cheio de roupas pregadas no chão aos pés de suas camas. Elas se revezaram lavando as roupas de todas como um todo. Era a semana de Kelia na próxima semana, algo que ela temia. Ela preferia lavar a louça como fizera quando era uma cega com a Sociedade do que ter que lavar roupas. Muitas vezes, ela tentava negociar com Daniella. Dever um favor à bruxa era uma aposta, mas a tirava de lavar as roupas.

—Você nos livrou de mais Sombras? — Daniella perguntou quando eles entraram no quarto. A pergunta era obviamente para Drew, embora Daniella estivesse olhando para Kelia. Seus olhos permaneceram em sua pessoa, como se ela estivesse procurando por algum ferimento.

—Não é sempre assim? — Drew perguntou com um sorriso, embora Kelia pudesse dizer que seu coração não estava nisso.

—Seu estômago ainda está incomodando você? — Emma perguntou, dando um passo à frente da janela. Seu longo cabelo preto estava trançado frouxamente atrás dela, seus olhos combinando em Kelia com uma nitidez que não se esperaria dela.

—Ela se desgraçou duas vezes, pelo que sei. — Disse Drew.

—Talvez devêssemos atracar por um tempo, — Wendy sugeriu, sentando em sua própria cama. Seu cabelo escuro caiu em seu rosto em ondas bagunçadas. —Parece que seu estômago está piorando, apesar da mistura de Emma.

—Isso não é necessário. — Disse Kelia rapidamente. Ela fechou a porta atrás dela e encostou-se nela enquanto Drew ficava mais perto de sua irmã. Emma foi até Kelia e Daniella sentou-se na beira de sua cama.

O quarto era maior do que a maioria em um navio pirata. Originalmente, era um dos cômodos que Drew usava para armazenar grãos e outros produtos não perecíveis. Depois que ele foi transformado, no entanto, não havia necessidade de carregar comida com ele em seu navio, a menos que fosse gado que ele e sua tripulação pudessem se alimentar durante viagens especialmente longas, onde a terra não era uma opção por dias a fio. Então, Starry, o chef, tirava a pele da carcaça e cozinhava a carne. Clinton transformaria a pele em algo útil – um casaco ou um cobertor.

De alguma forma, ter um dormitório separado das Sombras fazia Kelia se sentir mais segura. Embora agora pudesse reconhecer que a doutrina com a qual havia crescido era falsa, ela ainda não conseguia se forçar a se sentir confortável perto de um grupo delas, muito menos o suficiente para dormir à noite. Não era nada contra a tripulação - Kelia os achou saudáveis e corteses, embora um pouco quietos. Acontece que as reações emocionais eram mais difíceis de mudar do que as lógicas.

—Você gostaria de mais? — Emma perguntou. Ela foi até sua cama, onde estava sua grande jaqueta, cuidadosamente dobrada.

—Sim, — Kelia respondeu, ao mesmo tempo que Drew disse: —Absolutamente não.

Emma congelou, olhando entre eles.

Drew cruzou os braços sobre o peito. —Ela já tomou um pouco hoje, e você mesma disse que há perigos em tomá-lo com muita frequência. Se está passando tão rápido, é porque você deu a ela muito.

Kelia colocou a mão no braço dobrado de Drew.

—Não é culpa dela — disse Kelia com firmeza. —Ela só me deu o que eu pedi.

Drew baixou o braço, afastando-se. —Então você pediu muito.

Kelia ergueu as sobrancelhas para ele. — E agora estou pedindo mais, Drew. Porque não me sinto bem. E podemos não ter uma solução permanente, mas o que você quer que eu faça até então? Sofra? Você não acha que eu já sofri o suficiente?

Uma nuvem sombria pareceu cruzar seu rosto então, e todo o seu comportamento se suavizou, mesmo que apenas por um momento.

—Apenas dê a ela a mistura, Emma. — Ele murmurou.

Emma desdobrou o casaco e puxou algo do bolso antes de estender o braço. Kelia percorreu a distância do quarto e pegou o frasco oferecido com um pequeno, mas agradecido murmúrio de agradecimento.

Kelia não hesitou e engoliu inteiro de uma só vez. Ela ignorou o olhar de preocupação que Drew estava dando a ela e, em vez disso, concentrou sua atenção em Wendy.

—Eu não vi seu noivo a bordo do Crimson Tide. — Disse Kelia. Sua voz estava rouca, como geralmente ficava depois de beber a mistura de Emma.

—Ele estava lá — Wendy garantiu a ela. Ela enrolou os dedos na frente dela, inspecionando as unhas. —Eu digo, estou fedida. Estou precisando desesperadamente de um banho.

—Eu acredito que Christopher foi ajudar a remover o mastro, — Emma disse enquanto dobrava seu casaco de volta e a colocava em seu baú. —Sentimos que ele quebrou, como se a terra tremesse.

—Felizmente, não há muito dano, — Drew murmurou de onde ele estava perto da porta. —E que dano há, vocês bruxas podem acenar com a mão e ter tudo novo. — Ele sorriu.

Wendy revirou os olhos e baixou a mão para atingir sua coxa. —Podemos agora? — ela perguntou, sua voz carregada de sarcasmo. —Eu juro, irmão, você precisa de nós muito mais do que nós precisamos de você. Minhas condolências vão para a pobre Kelia, que deve suportá-lo com mais frequência. — Ela voltou sua atenção para Kelia. —Como você faz isso?

—Vinho — disse Kelia com um pequeno sorriso. —Muito disso.

Daniella riu e Wendy deu a ela um sorriso de aprovação.

A verdade era que Drew Knight podia ser um espinho em seu lado, mas ela sentia que poderia sangrar se fosse removido. Agora que ele estava lá, ela precisava que ele ficasse. Houve muitas vezes em que ela perdeu o controle de seu temperamento e eles discutiram, mas o respeito ainda influenciava o relacionamento deles.

Kelia já estava começando a sentir os efeitos da mistura de Emma. Seu estômago parou de se agitar, e ela foi capaz de se endireitar. Mas parecia muito quente neste pequeno quarto. Ela queria subir no convés do navio, respirar o ar fresco agora que não precisava se preocupar em ser atacada por Sombras que queriam se alimentar dela e fazer Drew assistir, que queriam levá-la para esta Rainha que ela sempre ouvia sobre.

—Você o recuperou? — Emma perguntou. Sua voz baixa e musical era distinta, o suficiente para ser ouvida acima da tagarelice mais alta entre Daniella e Wendy.

Os olhos de Kelia se voltaram para Emma, mas o olhar da bruxa da terra estava em Drew. Drew se afastou da porta e enfiou a mão dentro da túnica antes de puxar um pedaço de pergaminho dobrado. Kelia o reconheceu instantaneamente: o mapa da Maré Carmesim. O da pintura.

Os olhos de Emma brilharam, embora seus lábios se suavizassem em apenas um pequeno sorriso.

—Agora que estamos em segurança a bordo de nosso navio, — Kelia disse, deslizando para o pé de sua cama e olhando entre Drew e Emma com uma expressão estreitada em seu rosto, —vocês poderia explicar por que atacamos aquele navio? Parece que você o selecionou intencionalmente, que o procurou, em vez de seus ataques habituais que acontecem por uma questão de oportunidade. Foi apenas por este mapa?

Drew acenou com a mão com desdém. —Estamos libertando escravos.

—Certo — disse Kelia, não acreditando na simplicidade de sua declaração. —Eu entendo que estamos libertando alimentadores e quaisquer humanos que as Sombras tenham tomado para o prazer carnal. E eu entendo que estamos roubando qualquer riqueza ou tesouro que eles adquiriram, com o qual não posso dizer que concordo inteiramente, mas entendo - você é um pirata, e é isso que os piratas fazem.

—Ótimo, então estamos no mesmo...

—O que eu não entendo, — Kelia continuou antes que Drew pudesse evitá-la ainda mais, —é por que um pedaço de papel era tão importante.

— Um pedaço de papel? — Drew pareceu afrontado com suas palavras descuidadas. —Um pedaço de - querida, faça um favor a todos nós e mantenha sua boca fechada quando você não entender as coisas, sim?

—Você não acabou de dizer isso a ela! — Wendy disse, interrompendo sua conversa com Daniella. —Diga a ela agora para que serve esse mapa, Drew. Agora mesmo!

Drew olhou furioso para a irmã, mas cedeu ao se virar para Kelia. —Este 'pedaço de papel', como você disse, é um mapa que leva à Ilha de Sangre. — Seus olhos estavam fixos em Kelia, mesmo quando ele cruzou o quarto e entregou a Emma o pergaminho para que ela pudesse estudá-lo sozinha. —A Ilha de Sangre é uma ilha exclusivamente para a Rainha.

Kelia esticou as pernas, sentindo a queimação familiar dos músculos e tendões de seu corpo.

—A Rainha, — Kelia murmurou. —Sabe, em todo o meu tempo em seu navio, você não me poupou uma frase de sua história com ela. Eu ouvi muitas outras Sombras me dizerem o quanto ela me quer, mas eu não consigo entender por que a Criadora de tantas Sombras iria me querer. Nunca tinha ouvido falar dela, nem mesmo na Sociedade, até firmar minha aliança com você. No entanto, as Sombras acreditam que ela é a sua Deusa, uma figura materna, e eu sou uma humana que a irritou de alguma forma. Só que não sei o que fiz, exceto pelo fato de que tem a ver com você.

—Não tem nada a ver com você, — Drew disparou. Seu corpo inteiro ficou tenso, seus olhos quase negros e suas presas desceram como costumavam fazer quando estava com fome ou com raiva. Agora, ele provavelmente estava os dois. —Eu gostaria de poder contar mais, mas não sei por que aquelas Sombras pensam...

—Drew. — A voz de Emma era suave, mas decidida. Ela colocou o mapa na cama sem nem mesmo olhar para ele. Em seguida, suas mãos estavam em seu cabelo, correndo os dedos pelas tranças escuras, destruindo completamente a trança bagunçada no processo. Ela nunca foi do tipo que interrompia Drew em todo o tempo que Kelia esteve aqui, então para ela fazer isso agora deve ter sido um grande negócio. —Diga a ela. Conte a ela sobre sua história. Não poupe nenhum detalhe - por respeito a ela.

Drew olhou para Emma, um olhar tão sombrio e selvagem que Kelia se encolheu. Ele apenas desviou o olhar de Emma quando voltou para a porta.

—Meu passado é meu — disse ele. —Não acho necessário envolvê-la.

—Ela já está envolvida, — Emma apontou. Cada palavra era tão nítida quanto a brisa. —Você sabe disso tão bem quanto eu. Ela também deveria saber disso. Melhor prepará-la do que mantê-la ignorante.

Kelia prendeu a respiração, esperando. Ela havia montado parte do quebra-cabeça, mas ouvi-lo de Drew tornaria a imagem nebulosa mais clara.

—Bruxa tola. Eu não a estou preparando nem mantendo. Essa 'ignorância' é a única coisa que resta para protegê-la.

—Diz você. — Emma parou de brincar com o cabelo para apontar para ele. —Nós vamos para Sangre, não vamos? Você está envolvendo todos nós em sua luta. O mínimo que você pode fazer é explicar por que você tem essa luta em primeiro lugar.

—Talvez o faça, no meu próprio tempo — disse ele. —Mas eu não tenho tempo para isso agora. — Ele cruzou os braços sobre o peito —Bem? Qual é a sua opinião de especialista, Emma? Este é o mapa real? Você precisou escovar o cabelo antes de olhar?

—Você sabe que é real, — disse Emma, como se não tivesse se afetado pelo sarcasmo mordaz de Drew. —Por que você acha que Hector Sampson estava escondendo o mapa em primeiro lugar?

—Ele não teria tentado vendê-lo? — Daniella perguntou. Sua voz soou tão baixa, o que era incomum para ela.

Emma balançou a cabeça. —Nenhuma sombra em sã consciência tentaria lucrar com isso. Se a Rainha descobrisse, haveria um Inferno para pagar, e a Rainha sempre faz questão de ganhar dinheiro.

—O que a Rainha quer comigo? — Kelia perguntou. Ela se levantou, seus dedos se fechando em punhos. —Ela quer se alimentar de mim ou algo assim? Ela acha que me ter de alguma forma será importante para você, fará com que você volte para ela ou algo assim? — A última pergunta foi dirigida a Drew. —Posso não saber os detalhes, mas juntei algumas coisas, Drew. Você me deve algumas respostas.

Encontrar seu olhar disse a ela tudo e nada, e isso a frustrou ainda mais. Suas íris estavam tão pretas; ela nunca as tinha visto desta cor antes. A forma como eles escureciam ao redor dela, embebendo-a em sua simpatia, em suas preocupações e emoções Kelia podia ver claramente, mas não podia nomear, fez seu coração disparar em seu peito.

—Não quero que a rainha saiba nada sobre você — disse ele. —E parece que uma maneira de ajudar nisso é você não saber nada sobre ela.

—Isso é muito ruim, irmão. — Wendy inclinou a cabeça para o lado, interrompendo a tarefa de amarrar a bota. —A Rainha já a conhece, e ela a Rainha. A palavra se espalha entre as Sombras como fogo. Você sabe que a Rainha não vai parar até que ela tenha Kelia. É por isso que você queria esse mapa.

—E é por isso que devemos ir para Sangre e incendiá-la — disse Drew. —Isso é o que faremos a seguir. Então, por que estamos perdendo tempo com essa conversa inútil? Isso não significará nada, uma vez que colocarmos fogo em tudo.

Emma balançou a cabeça uma vez e seus brincos tilintaram. —Não podemos fazer isso a seguir. Sua tripulação não tem força. Primeiro, devemos parar para que sua tripulação possa se alimentar.

Naquele momento, houve uma batida forte na porta. Sem esperar que a porta fosse atendida, Christopher Beckett colocou sua cabeça esculpida para dentro.

—Pronto, capitão? —Ele perguntou.

O quarto começou a esvaziar, deixando Kelia sozinha com Emma. Havia uma expressão no rosto de Emma que dizia que ela tinha muito a discutir com Kelia, e não havia maneira de contornar isso.


CAPÍTULO 4

Kelia se permitiu se aquecer no chão de madeira arrastando os pés, a porta se abrindo, os murmúrios suaves nos corredores estreitos enquanto ela ignorava o olhar penetrante e escuro de Emma.

O silêncio foi revelador. Wendy queria estar com seu prometido agora que ele tinha cumprido seus deveres, enquanto Daniella queria administrar tônicos e verificar quaisquer lesões que os membros da tripulação pudessem possuir. Nunca houve uma enfermeira de verdade a bordo do navio de Drew porque, pelo que foi dito a Kelia, Sombras do Mar tinha uma maior capacidade de cura.

Dito isso, Daniella - treinando com Emma - estava preparando suas próprias misturas para ajudar na cura rápida, sem drenar qualquer energia que haviam sustentado de alimentações anteriores. Ela também estava explorando a possibilidade de permitir que tais capacidades de cura consertassem o corpo de um humano. Como tal, elas estavam muito ocupadas com essas tarefas para se apresentarem no quarto.

Drew saiu também, sem olhar para trás, certamente para escapar das perguntas. Por que ele não podia confiar nela o suficiente para explicar tudo sobre a rainha? Eles deveriam ser amigos - ou algo assim.

Assim que a porta foi fechada, Kelia saiu de sua cama e se jogou no baú. Ela precisava trocar de roupa. Sua túnica tinha manchas daquele sangue violeta-carmesim que as Sombras do Mar eram famosas por possuir e ela tinha respingos de seu próprio vômito nas pontas das mangas.

—Ele não responde suas perguntas porque se preocupa com você. — A voz gentil de Emma disse atrás de Kelia.

Kelia ficou rígida. Emma tinha uma estranha capacidade de falar como se pudesse ler mentes. Embora ela, assim como Wendy e Daniella, negassem que tal coisa fosse possível - mesmo para a mais forte das bruxas - Emma parecia simplesmente saber das coisas, e havia momentos em que isso enervava Kelia mais do que ela gostaria de admitir.

—Isso não faz sentido — disse Kelia. Ela abriu o baú e começou a tirar roupas diferentes, sem saber o que vestir. Ela tinha tantos calções, tantas túnicas. Ela se recusou a tocar em seu traje de montaria colante que costumava usar quando a Sociedade a despachou em várias missões que exigiam fácil manobra e conforto. —Certamente se ele se importasse comigo, ele iria querer me informar sobre tudo para que eu pudesse me proteger melhor. Portanto, não seria uma tola ignorante.

Ela jogou as roupas que ela não usaria de volta no baú antes de se sentar nos tornozelos. Ela esfregou o rosto com a mão e respirou fundo. Talvez ela precisasse de uma pausa nisso. O oceano estava fazendo seu estômago revirar e pular, e era difícil se sentir segura quando ela nem mesmo estava em solo sólido.

—A última coisa que você é, Kelia Starling, é uma tola. — Emma se agachou ao lado de Kelia e colocou a mão quente em seu ombro, dando-lhe um aperto suave. —Drew Knight está vivo há um século. Quando ele veio ao meu pequeno esconderijo nos arredores de Port Royal, ele estava quebrado e desesperado. Mesmo assim, ele não revelou muito. Mas eu confiei em sua palavra. Fiz uma mistura para ele e isso quebrou seu vínculo com a Rainha.

O corpo de Kelia se apertou, como se os pelos de seu corpo estivessem sendo acariciados por pequenas penas, e não pelas pontas dos dedos de Emma.

—Nenhuma Sombra, tanto quanto eu sabia, já fez algo assim antes, — Emma continuou. Sua voz ficou baixa; Kelia podia ouvir o barulho suave da água contra a lateral do navio. —A Rainha o odeia por isso, pela traição. Ela se via governando todos com Drew ao seu lado. Mas Drew não queria nada com ela, não depois que sua maldade estava clara para ele. Ele conseguiu escapar de sua ilha da pior maneira. Ele se acomodou a bordo de um navio, mas ainda estava na infância. O capitão era um homem gentil que teve pena de Drew, embora nada soubesse sobre a aflição de Drew. Eles ficaram no mar por pelo menos duas semanas, quando Drew não conseguiu mais se controlar. Ele massacrou todos no navio, incluindo o capitão, alimentado por sua sede de sangue. Ele estava morrendo de fome, teimoso, nem mesmo tirando o sangue das cabras a bordo.

Kelia parou de procurar nas roupas e se virou para Emma. —O que aconteceu então?

—Ele odiava a si mesmo, — Emma disse com um encolher de ombros. —De alguma forma, ele acabou nas margens de Port Royal. Ele estava pagando mulheres para se alimentar. Foi assim que nos conhecemos. Exceto que seus encantos não funcionaram em mim. Eu confiei que eu também, como ele, tinha um certo tipo de magia. Mas a minha era diferente. E ele me pediu para ajudá-lo. Ele sabia como aquela decisão era séria. Ele pensou nisso por três dias antes de voltar. Ele pagou seu preço e eu fiz o que ele me pediu para fazer.

—Qual foi o seu preço? — Kelia sussurrou, incapaz de desviar o olhar de Emma.

—Liberdade. — Emma tinha um tom distante em sua voz, e ela olhou pela janela, mais longe do que até mesmo o horizonte. —Eu queria me livrar de Port Royal e de sua miserável corrupção. Ele concordou em me dar uma posição em sua tripulação como consultora. Eu fiz minha parte, mas o bastardo me fez esperar quase um século antes de me recuperar. Ele passou boa parte de seu tempo lamentando sobre sua nova vida. Quando se espalhou a notícia de que a Sociedade estava de posse de sua irmã, ele mudou quase que instantaneamente e voltou para me buscar. Estamos juntos desde então.

Kelia piscou algumas vezes, como se um feitiço tivesse sido suspenso e ela estivesse de volta ao controle de si mesma.

—Isso não explica o sigilo dele comigo. — Disse ela. Ela se virou para o baú mais uma vez e decidiu por uma túnica verde floresta desbotada e calças pretas. Quando ela se levantou, quase caiu por causa da tensão em seus músculos.

—Desde que ele cortou o vínculo com a Rainha, ele tem sido caçado por suas outras Sombras, pela Sociedade, por qualquer pessoa a quem a Rainha pudesse oferecer uma recompensa. — Emma também se levantou. —Antes de conhecer você, tudo o que ele queria fazer era salvar sua irmã da Sociedade e se livrar das pessoas que o perseguiam. Viver uma vida de paz. Mas então ele conheceu você.

—E?

—E agora ele quer desligar tudo. A sociedade. A rainha. A Companhia das Índias Orientais. Mas é complicado. Eles estão todos conectados. A Companhia das Índias Orientais trabalha diretamente com a Rainha em uma aliança instável que pode ser rompida a qualquer momento. A Rainha transformou muitos inocentes para a Companhia das Índias Orientais e, em troca, ela consegue se alimentar de humanos, permanecer jovem e viva e adorada como uma verdadeira Rainha de sua própria ilha. Tudo o que ela exige, ela consegue.

—E ela quer Drew.

—O inferno não tem fúria e tudo isso, — Emma disse com um sorriso sardônico. —Acho que ela o amava de verdade, de uma forma que nem ela esperava. E quando ele a deixou, ela ficou surpresa e furiosa. Ela esperou por ele. Ela acreditava que ele voltaria para ela, por conta própria. Isso é a única coisa que ela percebe agora que não pode ter - ela não pode ter Drew por sua vontade. Então agora ela está disposta a tê-lo de qualquer maneira que puder, ou, pelo menos, certificar-se de que ninguém mais possa tê-lo. Ela se recusa a deixar que alguém tenha seu bem mais precioso, então ela está usando os poucos laços restantes que ele tem contra ele. Daí Wendy sendo levada e Christopher sendo transformado.

—Portanto, cada Sombra está à minha procura?

Emma acenou com a cabeça. —Por que você acha que Drew não quer tocar a terra? Ele não quer que haja sequer uma oportunidade em que alguém possa tirar você dele.

—Este mapa — disse Kelia, começando a tirar as calças com cuidado. Elas se agarraram a seu corpo como uma sombra, e ela quase perdeu o equilíbrio. —Para onde isso leva, senão para a terra?

—Oh, isso leva à terra, — Emma disse enfaticamente. —A única terra que ele tem interesse em visitar em breve — acrescentou ela. Ela caminhou até sua cama, dando a Kelia alguma aparência de privacidade. Ela começou a trançar o cabelo, seus dedos rápidos e precisos. —A Ilha de Sangre é onde a Rainha mora, de onde ela se recusa a partir. É cercada por Sombras implacáveis, algumas lá pela força, outras por escolha, e protegidas por sereias - feiticeiras da água - e sua raça de mutantes.

—Mutantes? — Kelia olhou para Emma, mas seus olhos apenas entraram em contato com suas costas. Provavelmente era uma coisa boa, considerando que Kelia não estava vestida com nada além de suas roupas intimas. Ela rapidamente vestiu sua camiseta.

—As bruxas da água são as únicas bruxas que não mantêm uma forma humana, como Daniella, Wendy e eu. Mas a forma de sereia ainda é enganosamente humana, pelo menos do torso para cima — disse Emma. —Elas não são importantes, pelo menos não ainda, mas com elas protegendo a Rainha, que tem alianças com a Companhia das Índias Orientais, acredito que terão em breve.

—E Drew quer ir para esta ilha? — Kelia saltou algumas vezes, tentando manter o equilíbrio e puxar para cima as calças. —Por quê? Para matá-la?

Emma olhou por cima do ombro enquanto Kelia vestia sua túnica. O material era surpreendentemente macio, apesar de estar muito gasto.

—Isso é o que ele pensa, mais ou menos, — ela disse, seu tom caindo de uma forma estranha. —Drew pensou que libertar-se de seu vínculo com a Rainha significaria que ela não poderia chegar até ele. Claramente, teve o efeito oposto. E agora a Rainha sabe de você. Então, sim, ele quer matá-la.

Kelia estendeu a mão para pegar um pedaço de penugem em seu ombro e, em seguida, sacudiu-o da ponta dos dedos.

—Ok, mas por quê? — ela perguntou, finalmente encontrando o olhar de Emma. —Eu não sou sua irmã, e mal sou sua amiga. Não entendo o que isso tem a ver comigo.

Emma se virou totalmente para olhar para Kelia, inclinando a cabeça para o lado. Sua nova trança estava mais apertada, mais elegante, então seu cabelo caía sobre o ombro em plaquetas perfeitas. Havia algo brilhando em seus olhos escuros, algo que Kelia tinha quase certeza de que era diversão.

—Não seja tola, mulher, — Emma disse, não rude. —Drew Knight se preocupa profundamente com você. Não acredito que ele mesmo saiba o quanto se preocupa com você. Certamente você deve saber disso.

Kelia sentiu o calor invadir sua pele. Ela se lembrou do beijo, da intensidade de seus lábios nos dela. A forma como a língua dele dançava em sua boca, lutando pelo domínio. A forma como o braço dele envolveu sua cintura como uma cobra, apertando seu aperto sobre ela. A maneira como a mão dele enterrou os dedos em seu cabelo como as raízes de uma árvore, certificando-se de que ela entendia quem estava no comando. Certificando-se de que ela sabia quem estava no controle. Ela ainda podia sentir a chuva caindo em seu rosto, o vapor perfurando o céu negro, o frio que a envolveu com seus braços amargos.

Ela esperava que Emma realmente não pudesse ler mentes. Ninguém sabia sobre o beijo, exceto eles, e era assim que ela pretendia que ficasse.

—Drew não me disse nada — disse Kelia lentamente. Ela alisou as rugas de sua calça preta - quem quer que tenha pertencido, era um pouco maior na cintura - e pigarreou. Havia uma estranheza que sufocava o conforto no quarto, e ela não tinha certeza de como mudar isso. —Não vou assumir nada, especialmente quando se trata dos sentimentos de Drew Knight.

—Você já ouviu as histórias, então? — Emma disse, seu tom aéreo e indiferente. —Drew Knight tem uma reputação própria. Isso é verdade. Mas...

—Emma. — Kelia não queria discutir os sentimentos potenciais de Drew por ela. Ela também não queria discutir sua reputação e os sentimentos que ele tinha pelas outras antes dela. Agora, eles eram amigos, e isso era bom o suficiente. Ela não queria estragar isso, especialmente considerando que por si só era um fio frágil que ameaçava romper diariamente, sempre que ele lhe dava um olhar particular com aqueles olhos escuros. —Mesmo que Drew Knight se importasse comigo, isso não explica nada sobre a Rainha. Não foi a Rainha quem capturou Wendy ou Christopher. Por que, então, ela quer me capturar? Por que não deixar isso para a Sociedade?

Emma caminhou até Kelia e empurrou-a suavemente para uma posição sentada na beira da cama. Emma se sentou atrás dela. De alguma forma, ela conseguiu uma escova e, sem dizer uma palavra a Kelia, começou a escovar os cabelos emaranhados beijados pelo mar de Kelia. Kelia fechou os olhos e relaxou. O simples gesto de uma mulher escovando o cabelo de outra era o suficiente para aliviar qualquer tensão, qualquer preocupação, sumir - pelo menos temporariamente.

—Bem, para começar — disse Emma, — a Sociedade está bastante desmantelada como presente, graças a esta Assassina realmente durona que eu conheço.

Kelia ergueu o olhar. —Fala sério, Emma.

—Eu estou. Mas, para responder à sua pergunta, você vê, Drew roubou o coração da Rainha. Então ela queria atraí-lo de volta com Wendy e Christopher. Mas você roubou o coração de Drew. Ela não quer você como isca, amor. Ela quer você morta.

Um arrepio gelou a espinha de Kelia, e a água do lado de fora pôde ser ouvida acima do silêncio suave do quarto. Ela não sabia o que a apavorava mais: a ideia de que a Rainha a queria morta... ou a ideia de que Emma, uma mulher conhecida por sua precisão em ler o que as pessoas pensavam e sentiam, acreditava que Kelia tinha o coração de Drew.

—Drew Knight é seu bem mais precioso, — Emma continuou. —O fato de Drew olhar para você de qualquer maneira, forma é uma ameaça para ela, e ela vai considerar isso um ataque pessoal de você.

—Por que não culpar Drew?

—Ela vai. Ela culpa.— Emma deu um nó particularmente terrível no cabelo de Kelia e desacelerou para trabalhar nele com a escova. Houve um puxão suave em seu couro cabeludo, mas não foi áspero e doloroso. —Mas ela te culpa mais. Ela quer punir Drew colocando você em uma tortura inimaginável, onde a morte seria um alívio bem-vindo.

Agora Kelia sabia de onde Drew tirava suas ideias violentas...

—E Drew quer matá-la? — Kelia olhou pela janela para a noite negra. O brilho da lua dançava ao longo da superfície do oceano, mas era só isso. —Se ele tiver sucesso, o que acontecerá?

Emma ficou em silêncio por um longo tempo. Tudo o que Kelia podia ouvir era o som da escova em seu cabelo.

—Eu não sei, — Emma murmurou finalmente. —Pode ser uma coisa muito ruim, embora Drew provavelmente não diga isso.

Isso chamou a atenção de Kelia. Ela tirou os olhos da janela para olhar para Emma. Suas mãos começaram a se mover para cima e para baixo no material macio que cobria suas coxas.

—Por que seria ruim? — Ela se perguntou em voz alta.

O escovar parou e Emma mudou de posição atrás dela. Sem aviso, Emma separou o cabelo em três partes iguais antes de segurá-lo e trançar o cabelo com força.

—A Rainha tem uma coisa que Drew não tem, — Emma disse enquanto trançava o cabelo de Kelia. Kelia sentiu seus dedos dançarem atrás dela, uma especialista na tarefa. —E isso é poder e controle sobre as Sombras do Mar. A capacidade de convocá-los a qualquer momento.

—Espere, o quê? — Isso soou alarmante. —A Rainha pode controlar todas as Sombras do Mar? E quanto aos homens de Drew?

Emma dispensou a preocupação de Kelia. —Drew tem alguns que ele libertou, com minha ajuda. Mas a maioria das Sombras não quer isso. Quero dizer, é claro que elas querem liberdade, mas não querem aborrecer sua Criadora. Até que ela exija sua presença, elas são livres para fazer o que quiserem, então por que arriscar perturbá-la em um esforço para romper esses laços?

—E Drew não se importa? É um exército contra ele. Ele deve libertar todas as Sombras, quer eles queiram ou não!

—É mais fácil falar do que fazer, e teria... outras consequências — disse Emma. —Além disso, Drew está focado apenas no objetivo que afeta diretamente a ele e àqueles com quem ele se preocupa: você, eu, Wendy, potencialmente sua equipe. No entanto, há mais a considerar.

Kelia começou a mexer no material de sua túnica. Sua frequência cardíaca acelerou, mas ela tentou não deixar seu nervosismo afetá-la. Com toda a honestidade, ela nem sabia por que estava nervosa.

—Mais? — Ela questionou. —O que mais Drew precisa considerar?

Emma tirou as mãos do cabelo de Kelia. Elas bateram contra as coxas de Emma, e ela olhou por cima do ombro.

—Para começar, — Emma disse, —O que aconteceria com as Sombras que soubessem que não respondiam a ninguém além de si mesmas? Mesmo se a Companhia das Índias Orientais decidisse intervir, o que eles poderiam fazer para impedir uma besta que se banqueteasse com sangue humano e tivesse habilidades sobrenaturais, mas não sentia necessidade de proteger a descoberta de seus Assassinos?

Kelia fez uma pausa, permitindo que as palavras de Emma fossem absorvidas.

—Há uma boa chance, — Emma continuou, — com a Rainha morta, haveria algo de... bem... um apocalipse das Sombras.


CAPÍTULO 5

Drew Knight costumava se sentir livre em pé no leme de seu navio, os dedos agarrando as malaguetas do leme.

Não mais.

Seus olhos foram atraídos para o horizonte. Não na abundância do oceano; em vez disso, havia uma faixa de terra lentamente aparecendo. A ilha era desconhecida - não desenhada em atlas. Apenas os inclinados à magia sabiam de sua existência, assim como os humanos que receberam a localização pelo sobrenatural. Era uma terra sem governo, uma terra onde poções podiam ser facilmente adquiridas, onde sangue podia ser festejado à vista de todos.

Isla Del Malditos.

A Ilha dos Amaldiçoados.

Era um lugar perfeitamente bom para encontrar sustento, mas não era isso que Drew queria. Ele queria liberdade. Ele queria ir para a Ilha de Sangre. Mas Isla Del Malditos... esta ilha era para sua tripulação. Depois de nutridos, ele poderia perseguir sua liberdade.

Quando ele quebrou o vínculo com a Rainha, ele passou uma boa parte de seu tempo aqui. Ele não tinha nenhum propósito além de se alimentar, foder e estar cercado por aqueles que eram semelhantes a ele.

Ele era um lamentável pedaço de excremento naquela época. Uma vítima, por assim dizer, se afogando em sangue e álcool. Não foi nenhuma surpresa por que Emma decidiu deixá-lo e voltar para Port Royal. Ele não estava em uma boa posição no momento, provavelmente ninguém que alguém com a cabeça no caminho certo gostaria de estar por perto.

Isso mudou, é claro, quando a notícia se espalhou sobre quem cortou seu vínculo. Ele deveria saber que a Rainha rastrearia Emma. Ele era ignorante, arrogante e um idiota. Ela havia sido levada pela Sociedade, forçada a participar de seu programa de reprodução - um programa iniciado pelo pai de Kelia.

Foi só então que Drew foi atingido com o pensamento de que não fazia nada além de comer, foder e sentir pena de si mesmo. Ele a libertaria, ele decidiu. Mas isso não o tornava corajoso. Ele ainda se encolheu. Com medo de cair nas mãos da Rainha logo após ser livre, ele recrutou Wendy para ajudá-lo. Wendy o fez e Emma foi libertada, mas então Wendy caiu no programa durante a missão de resgate. E, para tirar Wendy, ele precisava de Kelia.

Ele havia condenado cada mulher com quem se importava porque era um covarde. Ele nunca faria isso novamente.

—E eu pensei que você nunca mais pisaria nesta ilha novamente.

Emma tinha um jeito sobrenatural de se aproximar dele. Ele não deveria deixar que isso o afetasse, mas havia momentos, como este, em que ele estava tão envolvido em seus pensamentos que era difícil não se assustar.

—Todos nós fazemos coisas que não queremos fazer, — Drew murmurou. —Aparentemente, a tripulação quer algumas noites de depravação antes de encontrarmos a Rainha e matá-la em sua maldita ilha.

—Você acha que Grayson...

—Se estou sendo honesto — disse Drew, mudando seu peso e dirigindo o navio trinta graus para o oeste, alinhando-se melhor com a ilha, — estou esperando que aquele bastardo não seja nada mais do que cinzas.

—Você roubou o navio dele, — Emma apontou. —Você comprou a tripulação dele. Um homem - especialmente alguém como Grayson Briggs - não ficará feliz em ver você, Drew. Se ele não estiver morto, é claro.

—Você acha que eu não sei disso? — Drew não gostava de brigar, muito menos para Emma, mas não estava com humor para pensar em Grayson Briggs. —Não tenho outras opções aqui. Esta é a passagem mais rápida para Sangre e a única ilha no caminho. Precisamos de suprimentos também. Se tivéssemos voltado para outra ilha para buscar suprimentos, ainda precisaríamos deles novamente antes de chegarmos a este ponto. Você sabe disso.

—Eu sei muitas coisas — disse Emma. —Mas você raramente se importa em ouvi-las.

Drew acenou para ela. Ele sabia onde ela queria chegar. A 'missão suicida' falando novamente. Primeiro foi sobre a Rainha. Depois, o Apocalipse das Sombras. Agora, ela estava tentando assustá-lo com Briggs?

—Para alguém que sabe tanto, você deveria saber que se eu não tenho medo da Rainha, então eu tenho menos medo de Briggs. — Ele zombou. Sugerir que ele deveria ter medo daquela desculpa lamentável de homem era zombaria. —Além disso, não espero ficar lá mais de duas noites. Então eu posso matar a cadela e finalmente ser livre.

—Você vai ficar? — Emma perguntou. —Livre, quero dizer. Você realmente estará livre então?

—Essa é uma pergunta ridícula. Claro que estarei livre então.

—Você sempre diz que estará livre quando, — Emma disse incisivamente. —Mas os termos estão sempre mudando.

Drew deixou as palavras dela rolarem dele como uma perda de ar sem sentido que eram.

—Devemos estar lá em meio dia se os ventos continuarem favoráveis. — Disse ele, sem desviar os olhos da ilha.

Emma apertou os lábios e acenou com a cabeça derrotadamente. Quando Drew olhou por cima do ombro para ver se ela ainda estava presente, ele se viu olhando para nada além da brisa salgada.

Estava surpreendentemente quente, o sol brilhando sobre o navio, mas por algum motivo, isso parecia mais ameaçador do que se o céu estivesse preto e estivesse chovendo balas. Era quase como se fosse uma falsa sensação de segurança, a forma como uma sereia atraía suas vítimas a um estado de êxtase hipnótico antes de rasgar sua garganta.

As velas batiam com a brisa suave. Seu Jolly Roger nítido - uma bandeira totalmente preta com uma caveira branca com duas presas em sua boca pingando sangue carmesim - ondulou no ar próximo às velas brancas.

Era bom finalmente navegar livremente. Antes, quando estava atracado em Port George, ele tinha que suprimi-la. Seu Jolly Roger era famoso, e qualquer visão dele ao redor da ilha teria dado à Sociedade um indicador claro de sua localização - e isso era algo que ele não queria arriscar. Agora que a Sociedade estava muito atrás deles, ele poderia navegar com orgulho, deixando todos saberem quem estava chegando. Uma ameaça iminente, uma promessa estrita de nenhuma misericórdia do mais notório Sombra do Mar que já navegou no Caribe.

Horas se passaram. Christopher veio falar com ele sobre o plano, mas Drew não precisava prestar muita atenção ao Infante. Tudo com o que Christopher se importava era em ter Wendy de volta. E ele tinha isso. Drew ficou surpreso que os dois ainda estivessem com ele, embora, para ser justo, eles ainda não tivessem tido a chance de partir.

No momento em que a ilha estava perto o suficiente para vê-la como mais do que apenas um espectro à distância, o sol estava descendo de seu ponto mais alto. A julgar pela posição do sol no céu, Drew diria que era pouco depois das três da tarde, talvez um pouco mais tarde. As tavernas ao longo das docas estariam se preparando para o agito noturno. Qualquer uma das bruxas em terra esperaria por mais uma ou duas horas antes de fechar a loja e ir para casa passar a noite.

Não era por acaso que as bruxas e as Sombras se evitavam em terra. As bruxas podiam assumir o controle dos elementos ao redor das Sombras para controlá-las, enquanto as Sombras podiam rasgar a carne das bruxas se elas forem rápidas o suficiente. Contanto que cada um se importasse com seu lugar, dificilmente haveria qualquer problema entre eles, mas o desdém geral que cada entidade tinha pela outra parecia alimentar o conflito quando eles se cruzavam.

Era por isso que ele hesitou em trazer Emma a bordo de seu navio em primeiro lugar.

E agora você tem três bruxas a bordo, seu idiota.

Drew balançou a cabeça e voltou a concentrar sua atenção na navegação até que estivessem a cerca de uma hora de distância. Então ele convocou uma reunião. O sol estava se pondo, o céu em uma tonalidade brilhante e brilhante de ouro, laranja e amarelo contra o azul suave do mar.

Não demorou muito para que sua tripulação se alinhasse no convés, ombro a ombro, os olhos no mar. Drew sabia que eles viam a ilha, sabia pela forma como seus narizes se franziam que eles podiam cheirar o sangue, a luxúria, a magia.

Ele não começou até que todos estivessem no convés.

Todas as bruxas pareciam entediadas, murmurando como isso era perda de tempo, exceto Emma. Ela não tinha que vocalizar o que estava claro em seu rosto. Kelia tinha uma expressão de indiferença também, mas havia uma pontada em seus olhos - um que sugeria que ela estava curiosa, mas também cautelosa sobre o que iria acontecer.

—Estaremos aqui apenas por duas noites, — Drew disse, seu tom cortante. Ele colocou as mãos atrás das costas e caminhou ao longo da linha de sua tripulação, como se estivesse prestes a liderá-los para a batalha. — Façam o que for preciso, mas espero vocês de volta a este navio ao amanhecer da segunda noite. Quero deixar este lugar o mais rápido possível, e quem não tiver retornado até lá ficará para trás. Sem exceções.

Ele sabia que era mentira quando disse isso, mas precisava que todos percebessem a gravidade da situação.

Ele alcançou as mulheres no final da fila. Emma e Wendy já estiveram aqui antes. Este discurso não era para elas. Daniella e Kelia, por outro lado, não sabiam dos perigos que enfrentavam simplesmente por caminhar nesta ilha como humanas. Ele queria que elas soubessem disso, para avaliar o quão perigosa era esta ilha.

— Não se metam acima das suas cabeça. — Seus olhos piscaram para Daniella, seus cachos crespos presos. —Não explorem esta ilha por conta própria. — Ele deixou seu olhar permanecer em Kelia agora. —Mesmo durante o dia, este lugar está cheio de coisas que vocês nem consegue imaginar. Cada escolha que vocês fazem podem produzir uma consequência da qual vocês não estão totalmente cientes. Não subestimem o poder que vocês têm. Sempre sejam responsáveis por vocês e pela companhia que vocês escolherem manter.

Drew observou Kelia engolir em seco, o que pareceu concordar com sua ordem. Exceto que a ordem não era para ela.

Ainda assim, ele nivelou o olhar para ela, baixou a voz e disse: —Não deixe este navio sem minha permissão.

Então, para o resto da tripulação, ele ordenou: —Prepare-se para a atracação!

A tripulação se desmontou para fazer exatamente isso, enquanto Kelia parecia ainda estar olhando para ele com uma pergunta silenciosa em seu olhar que ele tinha certeza de não querer ouvir.

—Parece que vai ser uma noite quente — disse Wendy, inclinando a cabeça para o céu. —Com licença enquanto eu me troco.

—Eu quero comprar sapatos novos. — Disse Daniella, levantando-se de sua posição ajoelhada.

—Não vão para a ilha sem mim, — Christopher falou lentamente, seus olhos azul-ardósia observando enquanto sua esposa e sua aprendiz se retiravam para seu quarto.

—Querido, você se esquece — Wendy falou por cima do ombro com um sorriso. —Você nunca esteve aqui antes. Eu já!

Christopher riu, balançando a cabeça. Ao ver o olhar firme de Drew, Christopher interrompeu o riso com uma tosse e assentiu.

—Vou ajudar a tripulação. — Disse ele.

—Considerando que você é um membro desta tripulação, independentemente de seu relacionamento com minha irmã, seria uma boa ideia. — Disse Drew.

Kelia se virou e começou a sair, provavelmente para fazer sua parte no navio. Ela sempre se comportou como se fosse um membro dessa tripulação e parecia não se sentir à vontade se ele a escolhesse ou lhe desse tratamento preferencial.

Seu comentário anterior provavelmente não ajudou. E, no entanto, mesmo agora, ele não pôde evitar impedi-la.

—Espera. — Sua voz era suave, e ele estendeu a mão para agarrar seu pulso suavemente, certificando-se de que ela ficasse parada. Certificando-se de que ele tinha algum tipo de desculpa para deixar as pontas dos dedos permanecerem em sua pele.

Seu pulso saltou contra sua mão. Em circunstâncias normais, Drew se divertiria com essa reação a ele. Eles se conheciam há meses, e ela ainda estava nervosa perto dele. Mas era mais do que isso. Havia algo que ele só poderia descrever como pesado pendurado entre eles, tornando difícil respirar. Até mesmo tocá-la, mesmo sentir seu calor, o fazia hesitar. E ainda assim ele não podia deixar de tocá-la. Era algo que ele simplesmente precisava fazer para se sentir bem. Nada mais o afetava do jeito que ela afetava. Não mais.

Kelia ergueu o olhar do deck de madeira. Quando os olhos verdes do oceano encontraram os dele, algo estava lá. Ele estava vivo havia um século e nunca tinha visto olhos como os dela. Eles o estavam enfeitiçando como canções do mar, mas havia uma parte dele que se preocupava que ela fosse pular e traí-lo, rasgar sua garganta como aquelas feras faziam com os marinheiros desavisados.

Mas ela nunca o fez. No fundo, ele sabia que ela nunca faria. Mesmo assim, ele hesitou.

—Sim? — Ela perguntou.

A pergunta era pequena, seus olhos curiosos. Havia algo vulnerável em sua ignorância. Ou talvez tenha sido o que ele disse a si mesmo. Era uma razão para pensar que ele tinha o direito de protegê-la quando ele sabia que não tinha. Kelia poderia mais do que se proteger. Isso era certo. Ela salvou a vida dele naquela ilha.

Ela salvou sua vida.

Era um fato que ele ainda não conseguia superar.

—O que eu disse lá atrás — ele começou querendo se desculpar por isso. Por dizer a ela o que ela podia ou não fazer. Em vez disso, ele disse: —Eu quis dizer isso. Você não deve sair daqui sem mim.

O que diabos havia de errado com ele? Ele estava agindo como um louco.

Ele engoliu em seco. Os dedos dele ainda estavam travados em torno de seu pulso, embora fosse um aperto suave em vez de apertado.

—O que quero dizer é que eu gostaria de ter você ao meu lado quando eu precisar de você, — ele mentiu. Claro que não foi isso que ele quis dizer. O que ele quis dizer é que estou arriscando tudo por você. Eu não posso perder você. Fique segura. — Fique onde eu possa encontrar você o tempo todo, Assassina.

Por que ele ainda a chamava assim? Ela definitivamente não era mais uma Caçadora e, ainda assim, ele não conseguia chamá-la de mais nada. De vez em quando, querida podia escapar, mas mesmo assim, a palavra não combinava com ela. Ela era mais do que um simples termo carinhoso. Ela era mais do que uma palavra poderia descrever adequadamente. E ele não sabia como se sentir sobre isso.

Kelia deu um suspiro e mudou de posição.

—Tudo bem. — Disse ela. Ela jogou o cabelo recém-trançado sobre o ombro esguio e desviou o olhar.

Os lábios de Drew se curvaram em um sorriso, e ele largou a mão dela. Isso era muito melhor. Era aqui que ele se sentia mais confortável; quando eles não estavam fisicamente conectados, quando ela não estava olhando para ele com olhos tão penetrantes, quando seus segredos ainda não eram ditos, mas totalmente à mostra.

Ele não conseguia esconder nada dela. Era uma contradição; ele não entendia como ela podia fazê-lo sentir-se amedrontado e seguro ao mesmo tempo, mas ela podia. Kelia tinha um estranho poder místico que parecia afetá-lo apenas. Quando ele a provocava, quando a irritava, havia uma distância segura entre eles. Uma distração, certamente, mas era o suficiente para manter esses sentimentos indesejáveis sob controle.

Pelo menos por enquanto

—A Ilha dos Amaldiçoados não é o lugar para uma jovem como você. — Ele a lembrou, fingindo um tom de provocação.

Ela cruzou os braços sobre o peito, desafio vibrando de seu corpo. —Ainda não sei o que isso significa.

—Isso significa que você é linda. — Ele não poderia impedir que as palavras saíssem mesmo que tentasse. Ele se odiava por isso. Ele engoliu em seco e baixou o olhar. Ele não estava pronto para ver como ela reagiria à sua própria honestidade. —Isso significa, infelizmente, que quando os homens veem uma coisa bonita, eles querem possuí-la, arruiná-la.

—E você acha que sou responsável pelos homens e suas ações? — Ela chamou sua atenção mais uma vez e havia uma faísca resiliente neles. Drew não pôde deixar de admirar sua teimosia. —Você acha que eu deveria mudar a forma como me movo por este mundo por causa da reação dos outros?

Ele balançou sua cabeça. —Claro que não. Não é sua responsabilidade como os homens decidem se comportar. Suponho que tudo o que estou dizendo é...

Por que era tão difícil apenas dizer as palavras? Por que ele não conseguia tirá-las da boca quando outras coisas como comentar sobre a beleza dela eram aparentemente tão fáceis?

—Não se preocupe, Drew, — ela disse a ele. Seus lábios se curvaram em um sorriso. —Eu tenho minha lâmina confiável. — Ela tocou o quadril direito com a mão esquerda. —Eu sei como me proteger.

—Eu sei que você sabe.

—Então você não deve se preocupar quando eu sair para explorar. Seja com você ou com meus amigos. Ou sozinha.

A mulher estava tentando testar sua determinação? Por que ela diria isso? Que propósito poderia haver para ela partir sozinha?

Ela pareceu ficar quieta, sua expressão mudando para uma de preocupação, a julgar pela testa franzida, o nariz enrugado. Seu aperto aumentou no punho de sua lâmina como se ela estivesse se firmando no lugar.

—O que é isso, Drew? — Ela perguntou. —Eu só estava brincando, sabe.

Drew não entendia o que estava acontecendo com ele mesmo naquele momento, muito menos o que Kelia faria quando eles chegassem à ilha. Drew Knight nunca ficava sem palavras, a menos que comesse ou bebesse. Ele se sentia desconcertado, sem controlar a boca, com as palavras que pareciam escapar dos limites de seu cérebro sempre que estava perto dela agora.

Ele queria dizer a ela que embora soubesse que ela era totalmente capaz e confiasse nela com sua vida, se alguma coisa acontecesse com ela, ele rasgaria quem quer que a machucasse em pequenas tiras de carne antes de arrancar suas entranhas e pintar seu deck com seu sangue. Que se ele a perdesse, se algo acontecesse com ela, ele não saberia mais o que fazer consigo mesmo. Que sua vida teria perdido o propósito que ele nem sabia que tinha antes de conhecê-la.

O que ele não queria, porém, era arruinar a amizade deles. Por assim dizer, confessar seus sentimentos beirando o romântico poderia muito possivelmente fazer uma coisa dessas. Inferno, ele nem tinha certeza do que esses sentimentos realmente significavam.

Houve aquele beijo - aquele em Port George - mas eles nunca mais falaram sobre isso, nunca perguntaram um ao outro o que significava. Drew sabia o que isso significava para ele, mas para Kelia, talvez fosse apenas o impulso de uma jovem que pensou que estava prestes a morrer. Se ele contasse a ela como realmente se sentia sobre aquele beijo, poderia estragar tudo.

Por enquanto, Drew não se importava se ele tinha os interesses românticos de Kelia. Ele só se importava que ela estivesse viva - e que ela continuasse assim.

—Drew? — Ela repetiu. —Você não parece nada bem.

Ele balançou a cabeça como se isso fosse afugentar os sentimentos obsessivos. —Estou bem. — Ele forçou um sorriso. —Só preciso me alimentar. E você está bem, querida. Basta ter cuidado, sim?

Ela olhou para ele como se ele tivesse crescido uma segunda cabeça.

—Tudo bem, Drew. — Ela murmurou antes de se virar e se preparar para ir a terra.

Drew soltou um suspiro que não percebeu que estava segurando. Ela seria a segunda morte dele.

Se as previsões de Emma estivessem corretas, literalmente.


CAPÍTULO 6

Kelia ainda podia sentir os dedos de Drew em seu pulso mesmo horas depois que ele a soltou. Ela precisava tirar isso de sua mente, no entanto. Precisava focar neste novo lugar. A Ilha dos Amaldiçoados. Se era tão perigoso como Drew afirmava, ela não queria ficar indefesa.

Depois que ela terminou de escovar o cabelo, ela começou a trançar as mechas de volta no lugar. Graças a Deus ela estava sozinha no quarto. Ela precisava de tempo para se ajustar de acordo, para relaxar. Era difícil fazer isso, com o toque de Drew persistente em sua pele. Ela balançou a cabeça e colocou a mão na barriga. A náusea era por causa de Drew ou por causa de seu tempo no navio?

Desde que ela recentemente tomou a mistura de Emma, ela não poderia tomar novamente, o que teria sido bom se ela permanecesse no navio, mas como ela estaria em um barco cheio de pessoas de pesos variados, isso aumentaria suas chances de ir para o barco tombando. Suas palmas se fecharam e ela tentou respirar fundo, até mesmo enquanto ela terminava seu cabelo.

Quando ela terminou, Kelia enxugou as mãos nas calças e voltou para o convés. A tripulação do Espectro já estava remando para as docas em pequenos barcos.

Como o navio de Drew era bem conhecido, e porque havia sobrenaturais - Sombras especialmente - que o trairiam em um piscar de olhos, foi decidido que a melhor coisa seria atracar o navio a uma distância, onde ficaria escondido entre as rochas irregulares e o penhasco alto. Isso iria obscurecê-lo da linha de visão dos que estavam no porto.

Kelia desceu pela lateral do navio onde havia uma escada feita exclusivamente de corda. Ela estendeu o pé até que alguém agarrou sua panturrilha e a ajudou a entrar no pequeno barco a remo.

—Aí está você, Assassina. — Christopher sorriu para ela, que ela não pôde evitar e retribuir.

Havia algo diferente na maneira como Christopher dizia Assassina em comparação com Drew. Com Drew, parecia quase íntimo, algo que um amante diria. Com Christopher, parecia que ele estava provocando uma amiga.

—Aqui estou, Infante. — Ela brincou de volta.

Ele estava tão diferente agora que tinha Wendy de volta. Ele parecia mais leve, mais feliz. Não parecia importar que ele fosse uma besta e sua esposa uma bruxa. Ambos se amariam para sempre.

Toda a troca era... agradável. Como se ela fosse parte de uma família, quase. Uma diferente, certamente, mas uma família mesmo assim.

Drew Knight foi a última pessoa a entrar no barco. Havia um olhar estoico em seu rosto esculpido, que trouxe as sobrancelhas para baixo sobre os olhos escuros. Seu corpo estava rígido, como se esperasse que alguém ou algo tentasse derrubá-lo e precisasse garantir que seu peso fosse distribuído corretamente e pudesse absorver o golpe. Era como se ele planejasse ir para a batalha.

Kelia continuou de pé enquanto todos se sentavam. Apertados tão juntos, ela precisava de ar. Sentar faria com que sua náusea aumentasse. Era mais fácil suportar a viagem quando ela era a única pessoa, como havia feito meses atrás, remando para o navio de Drew na costa de Port George. Com outros, ela se sentia como um cardume de peixes. Ela não queria ser levada embora.

Drew também não se sentou. Em vez disso, seu olhar cortou em direção à ilha que estava cada vez mais perto. A névoa fazia a ilha parecer mais sinistra do que provavelmente era. Apesar da noite quente, um calafrio desceu pela espinha de Kelia.

Um som suave fez cócegas nos ouvidos de Kelia. Estava quieto no começo, mas ficou mais alto conforme eles se aproximavam da ilha. Parecia... Isso era canto?

Kelia fechou os olhos para se concentrar no que estava ouvindo. Ela havia estado no mar mais vezes do que conseguia se lembrar e, em toda a sua experiência, nunca tinha ouvido o chamado da sereia. Ela tinha sido avisada sobre isso com certeza. Uma sereia matou sua mãe quando ela estava com seu pai, que havia sido enviado para cumprir uma missão.

Qual era a missão, Kelia não perguntou. Era difícil para ele até mesmo contar o que aconteceu com ela. Não porque ela, na época, fosse uma mera menina com apenas três anos neste planeta, mas porque seu pai se culpava pela morte de sua esposa.

Kelia nunca perguntou novamente sobre a morte de sua mãe, e ele nunca ofereceu nenhuma informação, mas ela nunca se esqueceu que as bruxas do mar eram responsáveis por sua mãe ter sido tirada dela tão cedo.

A música, a melodia, era familiar, embora estranha, emitida da água. Era assustadora, envolvendo seus braços escorregadios em torno de Kelia e puxando-a para baixo, de modo que ela se viu ajoelhada no barco. Ela não se ajoelhou. Ela não tinha inclinação para fazer essas coisas. No entanto, aqui estava ela, agachando-se voluntariamente.

Suas mãos encontraram a borda do barco por conta própria. Que sensação estranha. Ela estava consciente de seu corpo se movendo, mas quase parecia como se estivesse do lado de fora, olhando para dentro. Ela tentou dizer a si mesma para parar, se levantar, recuar. Ela podia ouvir em sua cabeça, e ainda assim, ela não conseguia fazer isso.

De qualquer maneira, não importava.

Quanto mais Kelia pensava nisso, mais ela descobria que não queria se afastar da borda do barco. Ela queria chegar mais perto da água. Ela queria ouvir a melodia melhor. Se ela pudesse ouvir mais claramente, se pudesse chegar mais perto, ela seria capaz de descobrir de onde ela tinha ouvido, por que parecia tão familiar para ela.

Ela esticou o torso. Ela podia ver seu reflexo na superfície do oceano liso.

O oceano calmo?

Como poderia o oceano, sempre em movimento, sempre ondulando, estar tão calmo e claro?

Deveria ser algum tipo de magia.

E ainda assim, mesmo sabendo que isso poderia muito bem ser um truque, Kelia queria se aproximar da música.

Cada vez mais perto.

Mais próxima...

—Kelia, não!

Algo chicoteou do oceano. A água do mar espirrou nos ocupantes do barco sentado a bombordo - Kelia acima de tudo. Sem aviso, a coisa estendeu a mão e puxou Kelia para baixo da água. Ela nem teve tempo de recuperar o fôlego antes que a água a atingisse no rosto.

Demorou um pouco para sentir como estava frio, mas quando o fez, todo o seu corpo ficou tenso. Ela tentou lutar contra o aperto do demônio do mar em seu torso, mas o aperto era muito forte. Embora Kelia não pudesse ver o rosto, ela tinha certeza de que era uma sereia, e ela acabara de cair no ataque mais óbvio.

Como ela pode ser tão estúpida?

Ela precisava sair daqui. Ela precisava quebrar a superfície e respirar. E ela não poderia fazer isso se estivesse se debatendo.

Algo pressionou contra sua perna e ela enrijeceu. Ela sentiu o aperto da sereia sobre ela aumentar. A bruxa a sufocaria antes de rasgar sua garganta? Ela não sabia nada sobre sereias, exceto que eram demônios amaldiçoados para o mar; ela não sabia como elas matavam ou como se defender delas.

Mas ela ainda tinha sua lâmina. Se ela pudesse alcançá-la...

—É melhor você não matar essa. — Uma voz baixa perfurou a água, e Kelia parou seu alcance para olhar para o lado.

Cabelo preto comprido. Olhos verdes de algas marinhas. Um corpo voluptuoso que terminava nos quadris, onde uma série de escamas de cor magenta se formavam em vez de pernas.

—A Rainha quer essa.

A rainha? Certamente ela não poderia estar falando da...

—É aquela pelo qual Drew Knight está apaixonado? — Essa sereia tinha uma voz mais leve, inocente, como uma criança. Seu cabelo loiro-branco estava intrincadamente trançado para trás de seu rosto, e seus olhos azul-ardósia dançavam divertidos. —Eu só ouvi os rumores. Estou desapontada. Ela não é muito bonita, é?

—Ela é humana. — Esta voz - crua, poderosa - veio de trás de Kelia. —Você não pode esperar que ela tenha a aparência que nós temos.

—Até a Rainha é mais bonita, — a loira apontou. —O que Drew Knight quer com essa coisa? Tão jovem. Tanta inexperiência.

—Ela parece vagamente familiar — disse a bela de cabelos negros. Ela jogou o cabelo sobre o ombro, a água puxando e puxando os fios. No entanto, ela ainda parecia graciosa ao invés de perversa. —Já a encontramos antes, Kyra?

—Ela tem um cheiro familiar, — aquela atrás de Kelia murmurou. —Se eu provasse o sangue dela...

—Isso seria uma violação das ordens da Rainha. — A loira retrucou, girando uma mecha perdida de sua trança em torno de seu dedo.

As vozes estavam começando a soar mais distantes, mas Kelia ainda podia ver que os seres estavam perto. Sua visão escureceu e ela sentiu-se ficar tonta. Mesmo assim, ela se esforçou para prestar atenção às palavras que saíam de suas bocas. Algo sobre a Rainha...

Sua mente estava ficando confusa.

—Ela é uma Starling.

A consciência de Kelia voltou rapidamente. A sereia atrás dela se moveu e, de repente, um rosto pressionou sua bochecha enquanto bolhas se formavam nas proximidades. Ela estava sendo farejada.

—Filha de Jessa.

Minha mãe?

Como elas sabiam o nome dela? Elas a mataram. Certamente elas não falaram com ela primeiro?

—Não pode ser, — a loira disse com um sorriso de escárnio. —Kyra, sua tola.

—Se você não acredita em mim, cheire você mesma, Elise.

Elise enrijeceu. —Você tem certeza?

—Eu tenho. Devemos levá-la para a Rainha? Tenho certeza que ela adoraria se reunir com sua filha.

—A Rainha não sabe sobre Jessa. Não podemos levar esta para ela.

Sua garganta gritou. A pressão tremeu em sua cabeça, seus olhos, seu pescoço. Ela precisava fugir, para tomar ar, mas ela queria ouvir um pouco mais, apenas um pouco mais...

Um estalo alto, como o estalo de um chicote, ecoou ao redor delas. As sereias gritaram. Kelia tentou estender a mão e tapar os ouvidos com as mãos. Protegê-los de alguma forma parecia mais importante do que respirar.

Mas ela estava errada. Ela estava começando a perder a consciência.

A sereia segurando Kelia soltou um grito agudo quando ela a soltou. Uma mão disparou pela água e agarrou o braço de Kelia; momentos depois, sua cabeça quebrou a superfície do oceano e, de repente, ela pôde respirar novamente. O aperto de Drew sobre ela aumentou quando ele a puxou de volta a bordo.

Demorou um pouco antes de Kelia perceber o que aconteceu. Ela se sentia como um peixe fora d'água, tentando sugar o ar e, embora houvesse em abundância, ela tinha dificuldade em mantê-lo. Seu estômago se revirou e ela virou, empurrando-se para cima para poder se espalhar no barco. Ela não se atreveu a tentar inclinar-se novamente.

—O que diabos você estava pensando? — Drew berrou atrás dela enquanto ela continuava a mexer no estômago. O interior de sua garganta queimou quando o café da manhã voltou e saiu de sua boca. Ela mal ouviu o que Drew estava dizendo, mas sabia que ele estava com raiva dela. —Inclinando-se para o lado do barco. Você é maluca? O que você pensou que fosse acontecer?

—Não sabíamos nada sobre sereias — disse uma voz em resposta. Kelia ainda podia estar imaginando coisas - as vozes pareciam distantes e nebulosas - mas ela podia jurar que era Daniella a defendendo. —A Sociedade não nos disse nada.

—Não a defenda, — Drew rosnou. —Ela sabe que as sereias existem. Ela se lembra de quem matou sua mãe.

—Isso não significa que ela sabia que elas estavam aqui, — Daniella apontou. —Não é como se você nos avisasse sobre suas canções. Talvez se você não estivesse tão concentrado em pensamentos, você estaria olhando para sua tripulação, direcionando-os em seu remo, e você teria visto Kelia ser agarrada.

—Se você a viu ser levada, por que não fez nada, então? — Drew perguntou, girando em direção a ela. —Você estava apenas sentada aí assustada, esperando os adultos intervirem?

Kelia ainda não tinha energia para dizer a eles que ambos estavam errados. Para dizer a eles que sim, ela sabia melhor, mas não, ela não era idiota. Elas a tinham sob um feitiço.

—Eu disse a Wendy para dar a ela mais oxigênio enquanto eu fosse até você, — disse Daniella. Ela parecia preocupada e defensiva, como se tudo o que viu a tivesse assustado. —Não sei se funcionou, mas, de novo, o que você queria que eu fizesse? Pular para a minha morte junto com ela? Se eu tivesse feito isso, você não teria percebido que nenhuma de nós estava desaparecida até chegar à costa!

Kelia piscou seu olhar para cima, ainda sem fôlego, mas não cortando mais nada.

—Vire-se agora. — Os olhos de Drew, de um castanho feroz, se estreitaram para ela. —No navio, em meus aposentos, imediatamente. — Ele se virou para Christopher. —Todos os outros devem ir para a terra, conforme planejado. Estarei lá mais tarde para fazer pedidos de suprimentos. Certifique-se de que Gary saiba que estou chegando.

Christopher assentiu enquanto todos remavam de volta ao navio.

As bochechas de Kelia queimavam. Ela nunca tinha ficado tão envergonhada em sua vida. Ela não conseguia olhar nos olhos de ninguém, nem mesmo quando Wendy a ajudou a se levantar e Emma enrolou um xale em seus ombros. Ela não percebeu que estava com frio até que se sentou no barco, o xale firmemente enrolado em seu corpo.

Drew ficou em silêncio quando chegaram ao navio e subiram a escada do navio. Kelia o seguiu, mas demorou mais para chegar ao convés devido ao corpo gelado e exausto. De repente, ela não tinha vontade de pousar, mesmo que isso aliviasse seu estômago. Tudo o que ela queria fazer era rastejar para a cama e dormir. Talvez, depois disso, ela deixasse sua mente explorar o que acabara de descobrir.

Ou, pelo menos, o que parecia que ela acabara de descobrir. Se ela entendeu a conversa corretamente, parecia que sua mãe ainda estava viva.

Isso poderia realmente ser possível?

Mas se ela estava, então ela deveria ser uma prisioneira, e isso não fazia sentido, não é? Por que as sereias a manteriam viva? E por que eles não contariam à rainha?

Drew rosnou. —Você está me ouvindo?

Kelia pisou no convés e quase trombou com ele. Ele olhou ferozmente, as narinas dilatadas. Como ele ousava ficar com raiva dela!

—Qual diabos é o seu problema? — Ela gritou, seu sangue fervendo e esquentando o frio que sentira minutos antes.

Drew piscou e Kelia se viu desviando o olhar. Não era respeitoso gritar com seu capitão dessa maneira, mesmo que ela estivesse certa. No entanto, ela não gostou de como ele estava falando com ela sobre algo que dificilmente era sua culpa.

—Meu problema? — Ele cerrou os dentes com tanta força que sua mandíbula estalou. —Meu problema é que você não reconhece o seu valor.

Ele olhou para a direita e foi só então que Kelia percebeu que havia um par de Sombras a bordo para vigiar o navio. Ele cerrou os dentes como se quisesse evitar dizer mais alguma coisa, agarrou o braço dela com força e puxou-a para seus aposentos. Ela tropeçou para acompanhá-lo, o xale caindo de um ombro.

Ele bateu a porta atrás deles.

—O que? — Kelia perguntou, olhando ao redor do quarto escuro.

Drew caminhou até sua mesa, tirou um fósforo e acendeu uma vela na quina da madeira. Era relativamente nova; Kelia se perguntou se ele a tinha usado especificamente para seu benefício, já que ele realmente não precisava, com seus sentidos de Sombra proporcionando uma ótima visão noturna.

—O que você quer dizer com o quê? — Ele perguntou. —Você vai vestir roupas quentes. E então, você vai ficar neste navio. Você entendeu? Você não vai embora. Não importa o que.

—Drew...

—Capitão — ele retrucou. —Isso não é motivo de discussão. Você vai ficar aqui. Isso é uma ordem.

Então, com velocidade sobre-humana, ele deixou os aposentos e bateu a porta atrás de si.

Kelia pressionou o ouvido contra a porta, tentando ouvir o que estava acontecendo lá fora. O que quer que fosse, não poderia ser bom.


CAPÍTULO 7

Kelia caminhou ao longo dos aposentos de Drew Knight. A vela que ele acendeu pouco fez para iluminar o quarto. Logo, o frio assumiu e todo o seu corpo tremia com os calafrios.

Ela parou de andar e se ajoelhou na frente do baú de Drew para procurar algo seco para vestir. Embora não fosse organizado, suas roupas ainda eram divididas com base no tipo, e estavam incrivelmente limpas para uma Sombra que se banqueteava com sangue e navegava pelos Sete Mares como pirata.

Ela escolheu uma túnica branca suave e calças pretas. Sua trança estava úmida, e ela temia quando teria que tentar passar uma escova no cabelo novamente. Por enquanto, ela não pensaria mais nisso. Ela precisava se aquecer, e ela precisava descobrir o que diabos Drew estava fazendo, chamando-a ao seu quarto.

Claramente, ele acreditava que não era seguro na ilha, mas por que permitiria que ela o acompanhasse em um ataque e não recuperasse suprimentos enquanto estivesse lá? Ele acreditava que ela era incapaz de se controlar? Essa forma de proteção era sua maneira de dizer a ela que não achava que ela era habilidosa o suficiente para ajudá-lo se ele precisasse?

Depois de colocar as roupas secas que penduravam de seu corpo como um saco, ela caminhou até a porta e puxou a maçaneta. A porta não se moveu.

Ele...?

Ela riu, balançando a cabeça.

O bastardo a trancou! Ele tinha esquecido suas habilidades para abrir fechaduras? Ela não ficaria surpresa se esse fosse o caso. Drew era bom em se lembrar de coisas que considerava importantes e esquecer coisas que considerava irrelevantes.

Kelia se ajoelhou para examinar a fechadura. Seria uma escolha fácil, mas ela descobriu que suas mãos tremiam de raiva demais para ela escolher agora. Ele ordenou que ela não fosse embora.

Ordenou.

O pensamento fez seu sangue queimar de raiva. Em seu tempo no Espectro, Kelia saiu de seu caminho para se certificar de que ela fizesse sua parte. Ela não era uma bruxa e não podia contribuir com magia. Ela não era uma Sombra e não podia contribuir com força nem velocidade. Mas se Drew precisava de um cotonete no convés, se precisava de comida cozida ou mesmo de pratos lavados, ela se oferecia. Em um ponto, Drew teve que dizer a ela para tirar algum tempo para si mesma.

Mais do que isso, Kelia queria ter certeza de que Drew sabia que ela o respeitava como capitão. Ela não queria que ele pensasse que ela achava que receberia um tratamento especial só porque... porque havia uma história entre os dois.

Ele nunca teve que ordenar que ela fizesse qualquer coisa antes, e ainda assim, ele se sentia compelido a fazer isso agora, como se presumisse que ela iria fugir e quebrar suas regras. Tudo o que ele precisava fazer era pedir, explicar seus pedidos, e ela ouviria. Talvez até mesmo se ela não concordasse com ele.

Kelia se sentou em sua mesa, perdendo a respiração em um suspiro pesado. Ela se absteria de abrir a fechadura. Por enquanto. Seus dedos coçavam para arranhar seu cabelo, para puxar as raízes, para ajudar com algum tipo de pensamento, porque ela não entendia por que ele parecia tão zangado com ela.

Ela nunca esperava encontrar uma sereia. Ela não sabia se havia alguma proteção que ela poderia ter usado para protegê-la e, se houvesse, ninguém a havia oferecido. Ela não sabia o que estava acontecendo até que já tivesse acontecido. Ela sabia que algo estava errado, mas ela estava sob um feitiço, seu corpo se movendo como se não estivesse sob seu próprio controle.

E, no entanto, sua curiosidade sobre tudo isso foi ofuscada por uma coisa: a ideia de que sua mãe ainda pudesse estar viva.

Drew estava simplesmente preocupado com o bem-estar dela ou havia algo mais do que isso? Ele sabia algo sobre sua mãe que ele não estava contando a ela, assim como ele sabia segredos sobre seu pai que ele escondeu dela?

Sua cabeça latejava só de pensar nisso. Se ele estivesse escondendo algo dela novamente, ela iria... Ela não tinha certeza do que faria, para ser honesta. Nunca o perdoaria? Iria se sentir como uma tola ainda maior por deixá-lo enganá-la duas vezes?

Mas aqui estava ela, fazendo suposições. Assumindo sua culpa onde ele poderia ser inocente. Se ela se sentia assim, então ela realmente não o perdoou sobre seu pai, e ela precisava fazer isso.

Ela se recostou na cadeira e olhou para o teto escuro. O aroma sutil de baunilha se misturou ao ar salgado e ajudou a aliviar o latejar em sua cabeça. Ela respirou fundo novamente enquanto seus pensamentos derivavam para o que as sereias pareciam insinuar sobre sua mãe. Ela não queria ter muitas esperanças. Ela não queria pensar que sua mãe ainda estava viva. Mas por que as sereias a mencionaram pelo nome? Eles não sabiam de Kelia e de quem Kelia era até que a cheiraram. E mesmo assim, elas estavam mais focadas na mãe de Kelia, Jessa.

Sua mãe estava com problemas? Kelia poderia ajudá-la se ela estivesse?

Ela não conseguia ficar parada. Ela precisava descobrir como entrar em contato com as sereias novamente. Horas antes, elas queriam matá-la ou entregá-la à rainha... até descobrirem que ela era filha de Jessa.

Pelo menos, elas estavam distraídas com o fato. Talvez houvesse alguma proteção nisso. O suficiente para que valesse a pena correr o risco se isso significasse resgatar sua mãe, supondo que sua mãe realmente ainda estivesse viva e precisando de resgate.

Ela poderia falar com Drew sobre isso primeiro? Ele sabia atirar, mesmo debaixo d'água. Ele já existia há um século. Sua irmã era uma bruxa, pelo amor de Deus. Ele tinha que saber algo.

E talvez...

Talvez fosse por isso que ele estava tão zangado. Ele sabia o suficiente para conhecer os riscos.

Kelia balançou a cabeça. De jeito nenhum ele concordaria em ajudá-la a voltar lá.

—Dane-se.

Ela pisou forte até a porta, puxou um grampo do cabelo ao se ajoelhar e abriu a fechadura em tempo recorde. Quando ela se levantou e estendeu a mão para agarrar a maçaneta, o aviso de Drew soou em seus ouvidos.

Isso é uma ordem.

Uma ordem que ele fez como seu capitão.

Seus dedos soltaram a maçaneta da porta e caíram para o lado dela. Se ela saísse do quarto de Drew, ela estaria desobedecendo sua ordem direta. Haveria uma cisão entre eles.

Mas... sua mãe. Então, novamente, Kelia pensou que sua mãe estava morta nos últimos dezesseis anos. O que eram mais algumas horas? Ela poderia dar a Drew tempo para se acalmar. Talvez ele iria ajudá-la, se ele sabia que sua mãe estava envolvida.

Ela disse a si mesma que estava escolhendo perdoá-lo, e isso significava dar a ele o benefício da dúvida. Confiando que ele não daria as costas a sua busca para encontrar sua mãe, se ela realmente estivesse lá fora.

Kelia deu outro suspiro enquanto voltava para a cama de Drew e lentamente tirava as botas.

 


No minuto em que Drew pôs os pés na ilha, ele estava pronto para partir. Ele só estava aqui porque isso era exigido dele. Se ele queria chegar a Sangre, precisava de suprimentos que durassem. Sua tripulação estava inquieta e ele queria garantir que recebessem o que precisavam antes de partir para a aventura. Antes que ele finalmente matasse a Rainha.

Ele não pôde deixar de olhar para trás em direção ao navio. Seu estômago se revirou de culpa, mas ele rapidamente o esmagou. Ele precisava ser duro com Kelia. Ela poderia ter sido...

Ele soltou um grunhido. Emma olhou para ele com uma sobrancelha levantada. Felizmente, ela não mencionou nada e continuou a conversa que vinha tendo com Daniella.

A noite estava clara, as estrelas brilhando no céu. Havia uma parte dele que desejava que Kelia estivesse com ele. Teria feito com que ele se sentisse infinitamente melhor tê-la à vista, apenas para garantir que ela estava segura.

Mas também havia o risco de ela andar à vista de todos.

Ele lançou um último olhar na direção do navio, escondido da vista devido ao seu posicionamento no cais, e se virou. Ele precisava se concentrar. A doca rangeu sob seus pés, a madeira enferrujada e danificada pelos elementos.

A tripulação se dispersou como névoa, cada um seguindo seu próprio caminho, até que não restou ninguém além de Drew, Christopher e as bruxas. Wendy passou o braço pelo de Christopher e eles começaram a caminhar em direção à cidade. Daniella estava observando os edifícios - Drew estava começando a lê-la, e ele sabia que sua expressão era de ceticismo. Ela tendia a fazer isso quando estava com medo, mas não queria que os outros soubessem como ela se sentia, então ela tentava parecer sólida e inabalável. Mas Drew sabia o contrário.

—Você está preocupado? — Emma deslizou ao lado dele como uma cobra na grama. Drew não se surpreendeu nem um pouco. —Sobre Kelia, quero dizer.

—Por que eu estaria preocupado com Kelia? — Ele odiava aqueles olhos conhecedores, odiava-os com cada fibra de seu ser. Ele gostaria que eles não o conhecessem como o conheciam.

Ela sorriu, seus lábios pintados de vermelho se curvando.

Drew desviou o olhar. Ele não tinha tempo para seus jogos. Ele queria fazer o pedido de abastecimento. Ele queria se alimentar. Quanto mais pensava nisso, mais percebia que não tinha comido desde aquele desastre desprezível em que chamou aquela pobre mulher pelo nome de Kelia...

Mesmo assim, seu apetite não havia sido saciado.

Seu estômago roncou, como se quisesse enfatizar sua fome. Um animal de celeiro não faria isso. Não dessa vez.

O que significava que ele precisava fazer um pedido de suprimentos antes de encontrar uma humana que ele pudesse manipular facilmente para permitir que ele tivesse acesso ao sangue dela. Pelo menos essas eram muitas na Ilha dos Amaldiçoados.

 


Kelia não conseguia dormir. Ela continuou a andar pelo quarto antes de decidir tentar organizar os pergaminhos espalhados na mesa de Drew. Não era sua função, mas ela precisava fazer algo produtivo. Assistir a vela derreter lentamente não estava ajudando-a.

O rabisco de Drew era minúsculo, mas surpreendentemente limpo. Se estivesse claro lá fora, ela provavelmente seria capaz de entender sobre o que ele estava escrevendo, qual era o significado de cada pergaminho. Do jeito que estava, ela só conseguia decifrar uma palavra aqui, uma palavra ali - nada terrivelmente significativo. Por causa disso, ela se concentrou simplesmente em endireitar os pergaminhos. Ela ainda se sentia desconfortável vasculhando suas coisas. Por outro lado, foi Drew quem a colocou aqui, e não em seu próprio quarto.

Quando ela terminou, ela decidiu fazer uma limpeza melhor em sua lâmina. Depois do que aconteceu antes, ela precisava fazer isso o mais rápido possível para evitar que o sangue criasse uma crosta na lâmina e embotasse seu gume.

Ela deslizou em sua cadeira e olhou para a mesa de Drew. Não havia luz além da vela bruxuleante. Até o brilho da lua foi coberto por nuvens passageiras.

Independentemente disso, Kelia pegou sua lâmina e colocou-a na superfície ainda bagunçada da mesa na frente dela. No silêncio do quarto, ela quase podia ouvir o toque de sua lâmina, que se chocava com a quietude silenciosa do quarto.

Com cuidado, ela girou a lâmina e examinou. Usando a unha do polegar, ela começou a remover um pouco do sangue que já havia endurecido ao longo da crista da lâmina.

A porta se abriu. Kelia saltou, beliscando o polegar. Ela soltou um grito que foi mais assustado do que de dor, mas depois que a adrenalina passou rapidamente, ela começou a sentir uma pontada ao longo de seu polegar.

—Assustada? — Drew entrou em seu quarto, seus olhos eram uma mistura de cautela e preocupação. —Estou surpreso que...

Ele parou, suas narinas dilatadas. Ele inclinou a cabeça para cima, seus olhos se estreitaram, como se estivesse procurando por algo.

Quando ele finalmente baixou o olhar para Kelia, ele engoliu em seco.

—Sangue, — ele conseguiu dizer. —Por que cheira a sangue?

—Oh. — Kelia estava prestes a colocar o polegar na boca para evitar que o sangue espirrasse na túnica, mas a voz tensa de Drew a deteve. —Eu me cortei tentando limpar minha lâmina.

Ele franziu a testa, seus olhos ainda fixos no dedo em questão. Ele caminhou em direção a ela, um passo, depois um segundo. Seu corpo inteiro estava tenso, como se algo estivesse acontecendo, como se ele estivesse se contendo por algum motivo.

—Você está... Você precisa de ajuda?

Kelia ficou surpresa com o tom rouco de sua voz. Isso causou arrepios em suas costas. Seu coração disparou e seus joelhos tremeram. O calor se acumulou em seu estômago e entre as coxas, seguido rapidamente por um calor em suas bochechas que ela sabia que ficaria vermelho. Rapidamente, ela desviou o olhar, mas não conseguiu se mover mais, mesmo enquanto Drew continuava a vir até ela.

—Eu não sei. — Ela engoliu em seco, sua saliva raspando contra sua garganta ferida. O gesto não fez nada para aliviar a tensão que surgiu em seu corpo.

Ele estava de repente parado na frente dela, olhando para ela com olhos semicerrados. Ele ofereceu-lhe a mão. —Posso?

Sem nem mesmo pensar nisso, ela colocou a mão ferida na palma dele. Quando sua mão encontrou a dela, algo acendeu - um choque através de seu corpo. Kelia só podia compará-lo com o que um raio poderia fazer depois de atingir o alvo.

—É mais profundo do que uma lesão superficial — disse ele, examinando o dedo dela. A luz das velas projetava bordas em seu rosto talhado, tornando-o ainda mais bonito do que já era. —Mas parece que não vai precisar de nenhum ponto.

—Bom.

A palavra foi apenas um sussurro, e ainda assim encheu o quarto.

Drew aproximou o polegar do rosto. Kelia podia sentir seu corpo inteiro tremer. Ela não sabia o que ele pretendia fazer com ele, não sabia se ele iria curá-lo ou se algo mais aconteceria. Tudo o que ela sabia era que estava tanto antecipando quanto temendo ao mesmo tempo. Ela não conseguia explicar por que se sentia em conflito. Para ela, não fazia sentido. Mas ela não estava em posição de questionar. Em vez disso, ela o deixou pegar a mão dela, deixou-o levá-la ao rosto...

E então ele largou. Ele deu um passo para trás. Ele se virou e quase saiu pisando duro.

—Você pode ir embora. — Disse ele.

—Drew, eu...

—Saia! — ele gritou. —Por favor. — Sua voz falhou. Suavizado. —Saia. Eu preciso que você vá.

Kelia teve o desejo de jogar a vela do outro lado do quarto - bem na cabeça pomposa dele. Ela abriu a boca, pronta para responder, mas parou. Drew não valia a pena, para ela ficar chateada.

Não quando ela tinha algo mais urgente para descobrir.

Claramente, Drew não estava em lugar nenhum para ajudá-la. E ela não ia deixar que isso a impedisse de descobrir mais sobre sua mãe.

 


Drew caiu no chão do quarto. Ele não tinha se alimentado. Ele encontrou alguém disposto, mas não foi capaz de fazê-lo. Agora ele estava morrendo de fome, e o sangue de Kelia...

Emma não conseguia conjurar algo tão inebriante quanto o gosto do sangue de Kelia. Simplesmente estar no mesmo quarto que ele, enquanto jorrava de seu polegar delicado, tinha feito sua fome acender. Ele sentiu-se rosnar, sentiu-se enrolar e tenso, sentiu-se querer saltar sobre ela, não só para se alimentar dela, mas para se enterrar dentro dela e reivindicá-la como sua.

Não porque ele queria possuí-la. Não porque ele acreditasse que ela era uma coisa a ser possuída, mas porque tinha fortes sentimentos por ela, sentimentos que ele queria deixar. Sentimentos que ele queria compartilhar com ela.

E isso o assustou mais.

Ele encostou-se ao pé da cama. Com sua capacidade de ver as coisas envoltas na mais escura das noites, ele avistou o vermelho em sua mesa. Suas narinas dilataram-se mais uma vez. Ele fechou os dedos em punhos, cravando as unhas na palma das mãos.

Ele deveria ter ficado na ilha. Ele deveria ter se alimentado de alguma humana que queria isso, não cobiçar sua...

Amiga.

Eles eram amigos, e tudo em que Drew conseguia pensar era em usá-la como comida.

—Jesus Cristo. — Ele murmurou para si mesmo, deixando sua cabeça pender de vergonha.

Ele se orgulhava de não ser a besta que Kelia costumava pensar que ele era. E, no entanto, aqui estava ele, tentado a lamber uma gota de sangue da superfície de sua mesa.

Ele voltou para ver como ela estava. Ele tinha feito isso. Se ele queria sobreviver esta noite, se ele queria ser afiado e lúcido, ele precisava se alimentar. Especialmente com o sangue dela persistente em seu quarto. Ele precisava de ar fresco, uma distração. Seus sentimentos estavam se tornando muito opressores. Ele precisava escapar.

Ele se levantou e voltou para o convés do navio, para um dos barcos a remo. Ele não percebeu que faltava um, não percebeu que Kelia não havia saído para ir para o quarto como ele havia ordenado.


CAPÍTULO 8

Kelia não tinha ideia de para onde estava indo. Tudo o que ela sabia era que Drew havia retornado da Ilha dos Amaldiçoados sozinho. Talvez se ela pudesse encontrar Emma, talvez até mesmo Wendy e Christopher, ela seria mais adequada para descobrir se o que as sereias disseram realmente significava o que parecia.

Ou talvez você tenha ido embora, sabendo que elas poderiam puxá-la para debaixo da água novamente, uma voz disse dentro de sua mente, suave e escorregadia como uma enguia.

Kelia engoliu em seco. Ela continuou a remar na superfície do oceano. Por estar sozinha, seu ritmo não era mais rápido do que o engatinhar de um bebê. No entanto, seu olhar se fixou no cais, e ela não piscou, não vacilou por um momento. Ela focou sua atenção em sua respiração, no som da água batendo enquanto batia no pequeno barco e o empurrava para frente. Suas costas não doíam mais como antes. As feridas que ela havia acumulado na mão de seu antigo treinador estavam começando a desaparecer - pelo menos, de dor. As cicatrizes permaneceriam, um lembrete de tudo o que ela suportou.

Não que ela precisasse de um.

Se ela focasse na água, ela poderia ser capaz de abafar os sons das sereias, se elas escolhessem cantar novamente.

Mais perto e mais perto ela chegou das docas. Seus braços estavam gritando com ela. Ela não remava sozinha em um barco como este há muito tempo...

Ela soltou um suspiro enquanto o oceano parecia ajudá-la a avançar, empurrando-a junto com o remo. Quando chegou às docas de madeira, ela praticamente largou os remos. Ela precisava de um minuto para relaxar os braços. Eles tremiam além de seu controle. Ela respirou fundo e se forçou a ficar de pé. Ela precisava amarrar o barco ao cais para não derrapar.

Mesmo com a ajuda da mistura de Emma, seu estômago ainda estava revirando. Ela levou um momento para equilibrar seu peso no barco antes de se abaixar para pegar a corda grossa. Demorou mais do que o normal, mas depois de alguns momentos, ela tinha o barco seguro. Agora tudo o que ela precisava fazer era subir no convés e seguir para a ilha.

Como era tarde, não havia capitão do porto, ninguém para cobrar uma taxa para atracar seus barcos. Na verdade, havia um silêncio assustador que parecia pairar no pequeno cais, os barcos que balançavam para cima e para baixo com o oceano e suas ondas. Kelia se forçou a balançar a cabeça, para sair de seus pensamentos e se concentrar no porquê de ter vindo aqui: ela precisava de informações. Se houvesse uma chance de sua mãe ainda estar viva...

Assim que ela colocou um pé calçado na doca, uma mão disparou e agarrou seu tornozelo. Kelia quase caiu de volta na água, mas conseguiu recuperar o equilíbrio a tempo. Ela olhou para baixo e viu um par familiar de olhos azul-ardósia e cabelo loiro manchado de verde.

Uma sereia.

— Você, — ela disse, seu aperto firme. Sua cabeça e ombros estavam acima da superfície da água, os ombros quadrados. Kelia a reconheceu de antes: Elise. —Você é quem nós queremos.

A garganta de Kelia ficou seca. Ela arriscou um olhar para trás para o Espectro, mas o navio estava escondido de sua vista e o oceano estava vazio. Não parecia que Drew notou que ela estava desaparecida. Seu coração deu um salto. Foi leve, mas perceptível. Ela não se importou em tentar decifrar o que significava. Ela forçou e limpou a garganta, tentando voltar a focar sua atenção na sereia.

—Por quê? — Kelia perguntou. Ela não sabia se era a pergunta correta, mas foi a única em que ela conseguiu pensar.

Apesar do calor no início do dia, havia um frio no ar. Ela gostaria de ter trazido um sobretudo ou, pelo menos, colocado em sua nova túnica uma camisa que a manteria aquecida. Poderia ser que seu cabelo ainda estivesse um pouco úmido.

—Você é filha de Jessa. — A sereia piscou, aparentemente satisfeita com a explicação.

—É... — Kelia engoliu em seco. Sua voz saiu crua, sua garganta queimando, como se quisesse manter as palavras dentro. —Minha mãe ainda está viva?

Lentamente, os lábios da sereia se curvaram em um sorriso presunçoso. —Venha comigo para descobrir.

Kelia plantou o outro pé no cais para manter o equilíbrio. A sereia não fez nada para soltá-la, mas permitiu que Kelia manobrasse para uma posição mais confortável. Ela teve que se esticar, expondo seus seios, seu torso longo e gracioso e o início de sua cauda. Era difícil não olhar com admiração por sua beleza, mas havia algo sombrio nela. Algo agourento e perigoso.

—Como vou saber que você não está mentindo? — O coração de Kelia martelava no peito, mas ela não tinha ideia de por que estaria com medo. A sereia não a ameaçou. Elas a arrastaram para debaixo d'água antes..., mas também não a mataram ou a levaram para a Rainha.

Isso poderia acontecer de qualquer maneira.

—Não nego que prefiro festejar com você do que ter uma conversa adorável sobre sua mãe — disse a sereia divertidamente. —No entanto, eu ainda não te matei, quando poderia facilmente. Diga-me, jovem, você prefere que eu te morda e beba seu doce e puro sangue? Seria uma ideia mais fácil para você acreditar?

Kelia tentou puxar o tornozelo das mãos de Elise, na esperança de pegá-la de surpresa. Em vez disso, Kelia perdeu o equilíbrio e caiu de costas. A sereia gargalhou e puxou o tornozelo de Kelia para que seus pés ficassem pendurados na borda do cais.

—Você pode vir de boa vontade — disse ela, —ou posso levá-la eu mesma. Mas sua mãe deseja vê-la. Desde que as sereias a reivindicaram, ela sente sua falta.

—Reivindicaram? — Kelia perguntou. —O que isso significa?

—Vou te dar uma última chance, jovem — disse Elise. —Escolha vir comigo. Isso tornará as coisas mais fáceis para nós duas, e eu sempre prefiro fazer as coisas do jeito mais fácil, por favor.

Naquele momento, uma voz alta retumbando algum tipo de encantamento quebrou o céu noturno como um chicote. Kelia não conseguiu decifrar a língua, mas fez o possível para acompanhá-la.

—... maldita ad mare.

Elise gritou e soltou Kelia. Ela afundou na água de forma que apenas a metade superior de sua cabeça estava acima da água. Aqueles olhos fixos em Kelia, estreitados e com raiva.

—Non revertemur.

Kelia se virou para ver Emma emergindo da escuridão como uma sombra, com Daniella ao lado dela, segurando algum tipo de planta em suas mãos. Era sálvia? Algo totalmente diferente?

— Nos mos adepto eam. Et libenter veniam.

Elise cuspiu na água, o desgosto manchando suas belas feições. —Até nos encontrarmos de novo, minha jovem. Talvez use esse tempo com sabedoria para decidir se quer ver sua mãe novamente.

Ela se virou e mergulhou de volta no oceano, desaparecendo de vista.

Kelia sentiu como se pudesse respirar de repente novamente. Lágrimas se formaram em seus olhos, mas não caíram. Suas mãos tremiam. Seu coração disparou. Mas ela se sentiu aliviada.

—Kelia, — Emma murmurou. Havia um tom áspero em sua voz. Kelia não conseguia distinguir se era aborrecimento ou outra coisa. Talvez Emma estivesse tão assustada quanto Kelia. —O que você está fazendo fora do navio? Drew sabe? — Emma olhou em seus olhos, então examinou seu corpo. —Você saiu por conta própria, não foi?

—Minha mãe, — Kelia finalmente disse. —Minha mãe. A sereia disse ...

—As sereias dizem muitas coisas —, disse Emma, sacudindo o pulso com desdém. —Não alimente suas mentiras. Elas poluem seus ouvidos com música sedutora, com palavras doces. O que quer que você faça, te encanta para ir com elas.

—Se ela quisesse me matar, ela poderia. — Kelia apontou.

Emma se virou, dando um passo na direção da ilha. Daniella seguiu o exemplo, mas Kelia percebeu um olhar curioso em seu rosto.

—Suponho que a sereia disse isso a você também? — Emma perguntou, voltando-se para arquear a sobrancelha antes de continuar em direção à ilha.

—Ela poderia ter me matado, — Kelia repetiu, se levantando e movendo os pés para acompanhar. —Mas ela não fez. Ela disse que se eu fosse com ela de boa vontade...

—Não vá a lugar nenhum com sereias. — Emma retrucou.

Kelia se encolheu. Ela nunca tinha visto Emma com raiva antes. Ela nunca tinha visto Emma nem um pouco assustada ou nervosa ou qualquer coisa, realmente. Emma sempre foi estoica, neutra. Ver seu rosto consumido pela emoção fez Kelia parar.

—Nunca vá com sereias, Kelia, por qualquer motivo. — Os olhos de Emma se encontraram com os de Kelia, o marrom escuro um fogo furioso. —Existem coisas piores do que a morte.

—Mas minha mãe...

—Está morta. — Imediatamente após falar as palavras, a expressão de Emma se suavizou. Parecia que ela ia dizer algo reconfortante, mas no final, ela não disse. Ela soltou um suspiro trêmulo. —Sua mãe está morta, Kelia. E eu sinto muito por essa perda. A Deusa usou seu corpo, reciclou-o no solo para nutrir a terra. Qualquer coisa que lhe disserem de forma diferente é uma mentira, uma mentira mortal que pode te deixar morta.

Kelia apertou a mandíbula e caiu na linha ao lado de Daniella. Houve um lampejo de simpatia em seu olhar antes que ela desviasse o olhar. Juntas, eles saíram do cais e foram para a estrada de terra.

O murmúrio baixo de bêbados gritando nas tavernas à frente eram como faróis ao longo de uma passagem escura, iluminando seu caminho para onde ela queria ir. Elas caminharam em silêncio por um tempo antes de Kelia falar novamente.

—Como você sabia que eu estava aqui?

—O cheiro, — Daniella respondeu, franzindo o nariz. —E então sentimos o cheiro da sereia, o que foi ainda pior.

—As demônias miseráveis cheiram a algas podres e sal. — Emma concordou.

Elas tinham acabado de entrar no início do distrito comercial. Apesar da escuridão, as pessoas estavam saindo das tavernas. Homens subiam e desciam as ruas, olhando maliciosamente para elas enquanto passavam. Um deles fez um comentário contundente sobre uma loira, uma morena e uma ruiva, ao qual Daniella respondeu com um gesto vulgar dela mesma. Isso, é claro, não fez nada para temperar os homens, mas os fez ter acessos de riso.

Meninas, ainda mais jovens que Kelia, com rostos maquiados, espartilhos sufocantes e decotes profundos rondavam as ruas, mandando beijos para qualquer homem que passasse. A garganta de Kelia ficou seca com a perspectiva de meninas serem forçadas a vender seus corpos por uma quantidade lamentável de moedas.

As chaminés lançavam nuvens negras de fumaça em direção ao céu, fazendo a noite parecer mais escura do que realmente era. Seu nariz fez cócegas com o forte cheiro de enxofre e carne, e seu estômago roncou. Ela tinha se esquecido de como estava com fome. Organizar pergaminhos e quase se afogar foi o suficiente para abrir o apetite.

—Para onde estamos indo, afinal? — Ela perguntou, não vendo nenhum lugar na aldeia que ela consideraria um lugar seguro para ficar por um tempo.

—Você faz tantas perguntas, — Daniella disse com uma carranca irritada. —Um agradecimento por salvar sua bunda idiota seria bom.

Kelia se absteve de revirar os olhos. Seu coração não estava brincando com Daniella no momento. Na verdade, sua cabeça estava muito ocupada com os pensamentos, com a perspectiva de sua mãe estar viva. Parte dela desejava que Emma não tivesse vindo, não a tivesse resgatado do que quer que fosse que iria acontecer. Ela precisava saber de uma forma ou de outra.

—Sua mãe não está viva, Kelia Starling. — Emma parou tão de repente que Kelia quase bateu em suas costas.

Kelia engoliu em seco o nó na garganta. A maneira de Emma reagir aos pensamentos não ditos era enervante.

—A sereia disse...

—As bruxas da água são mentirosas notórias, — Emma retrucou. —Elas farão qualquer coisa que puderem para conseguir o que querem. Estou com medo por você se você não prestar atenção ao meu aviso, Kelia. Eu preciso que você confie em mim.

Kelia colocou as mãos nos quadris. —Mas ela sabia sobre minha mãe. Até mesmo o nome dela. — Kelia ergueu as sobrancelhas para Emma. —Como é isso? Você me diz, então como ela é uma mentirosa. Talvez você esteja certa. Mas como a sereia saberia alguma coisa sobre mim? Não devo a mim mesma, pelo menos ver se a afirmação dela tiver mérito? Você não faria a mesma coisa se estivesse no meu lugar?

—Só se eu achasse que potencialmente morrer valia a pena descobrir a resposta — disse Emma. Ela apertou os lábios em uma carranca. —O que eu suponho que você pode, dadas suas decisões anteriores. Mas, como parte da tripulação de Drew Knight, devo apoiar suas decisões e, apesar de suas afirmações, sei que ele voltou especificamente ao navio para garantir que você estava bem. Ele não fez um pedido de suprimentos, então devo fazê-lo, ou seremos forçados a ficar mais uma noite para garantir que nosso navio esteja totalmente abastecido antes de partirmos para Sangre. Eu sei que ele certamente não passou por esse problema só para que você fosse comida por uma sereia

Kelia apertou a mandíbula. —Em outras palavras, estamos a caminho de fazer um pedido de fornecimento. Isso era tudo que você precisava dizer. Eu não precisava da palestra.

Emma se virou e se dirigiu para a abertura da porta ligada a um prédio alto de madeira. Parecia que abrigava várias pessoas, mas parecia mais comercial do que residencial.

Antes que ela pudesse bater, duas mulheres com vestidos reveladores abriram a porta, seus quadris balançando de um lado para o outro. Kelia olhou para cima e viu o que parecia ser uma residência de três andares. Era aqui que Drew encomendava seus suprimentos?

—Olá, Emma. — Disse a primeira.

A segunda fez beicinho. —Onde está Drew? Ele não está com você?

Os dentes de Kelia cerraram-se.

—Não está noite, Sylvia — disse Emma, a fachada de doçura densa e pesada como a fumaça saindo da chaminé. —Onde está Grayson Briggs? Tenho certeza que ele está me esperando.

—Ele está ocupado — disse a primeira. —Por favor, espere na sala de estar.

No minuto em que entraram no prédio, Kelia foi confrontada com uma bofetada de perfume forte que imediatamente causou uma forte dor na parte de trás de sua cabeça. Ela limpou a garganta, tentando não deixar cair a cabeça entre as mãos. Ela não queria que essas mulheres vissem nenhuma fraqueza dela.

Em vez disso, ela viu a madeira lisa e os tapetes de cor carmesim que cobriam o chão. Vozes podiam ser ouvidas de um cômodo no segundo andar. Alguns membros da equipe de Drew, que estavam no saguão, estavam sendo conduzidos escada acima por mulheres bonitas e seminuas. Por mais que tentasse, Kelia não conseguiu impedir o rubor de aquecer suas bochechas e ela rapidamente desviou o olhar. Isso definitivamente não era transporte de suprimentos.

Sylvia as conduziu a um cômodo no final do corredor. Mais móveis vermelhos - brega, na opinião de Kelia. Quando elas se sentaram, o sofá era duro e desconfortável.

Kelia revirou os ombros para trás e manteve o queixo erguido, embora não quisesse nada mais do que colocar a cabeça para fora da janela e respirar fundo. Havia outra cadeira, uma pequena mesa de centro de madeira e um piano-forte enfiado no canto que parecia não ser usado há muito tempo. A poeira subia pelas bordas azuis das teclas.

Ela teve o desejo repentino de tocar algumas notas, de ouvir a música, como sua mãe costumava tocar. Era uma das únicas lembranças de sua mãe que ela tinha, e ela a amava.

De sua posição privilegiada no sofá rígido, Kelia viu que a noite estava mais escura ainda, a lua em lugar nenhum à vista. Emma se sentou ao lado dela enquanto Daniella se sentou na poltrona. Kelia tamborilou os dedos no braço do sofá, tentando manter a paciência. Ela não tinha certeza se queria acabar com isso porque queria resolver todo esse negócio com sua mãe ou porque queria respirar ar fresco.

Naquele momento, a porta se abriu e um homem bonito em trajes de cavalheiro - pantalonas, botas de couro polido, sobretudo é túnica, tudo pressionado e ajustado em sua estrutura como se fossem feitos sob medida para ele - entrou. um ar de confiança, e quando seu olhar pousou em Emma, um sorriso malicioso dançou em seu rosto.

—Olá, Emma, querida — disse ele em um tom rico de barítono. Ele inclinou seu corpo alto para baixo para beijar Emma em ambas as bochechas. —Que bom ver você. Onde está Drew Knight? Oh. — Ele deu um passo para trás, quase batendo suas longas pernas na mesa de café atrás dele. —E quem são essas amáveis damas com você? As concubinas de Drew, sem dúvida.

Daniella e Kelia abriram a boca. Kelia estava pronta para corrigi-lo, endireitando-se e estreitando os olhos, mas Emma o interrompeu.

—Na verdade, Grayson, estamos aqui para fazer um pedido —, disse Emma. —Preciso de um suprimento de sangue para três meses, a ser entregue o mais tardar amanhã à noite. Sei que é tarde, mas partiremos cedo na manhã seguinte.

O homem chamado Grayson sorriu, lembrando Kelia de uma serpente.

—Emma, — ele disse, sua voz suave. —É tão bom ver você. Entre. Podemos conversar sobre negócios depois que nos encontrarmos.

Apesar do charme que envolvia sua voz, suas palavras não soaram como um pedido.


CAPÍTULO 9

Drew Knight nunca esteve sujeito à raiva, mas agora, neste momento, ele estava lívido.

Depois de preparar seu barco para retornar à ilha, ele estudou atentamente o mapa do navio de Hector e perdeu a noção do tempo. Quando finalmente percebeu que uma hora havia se passado, ele fez uma pausa para verificar Kelia, apenas para descobrir que ela havia partido.

A sensação de naufrágio na boca do estômago só piorou quando ele foi verificar os barcos e descobriu que um deles também estava faltando.

Seu coração - algo que ele nunca realmente considerou que realmente teve todo esse tempo de estar morto - deu um salto em sua garganta. Era difícil agarrar o ar, embora ele não precisasse mais dele. Tudo o que parecia natural para ele, tudo o que ele fazia independentemente de precisar ou não, de repente ficou difícil. Seus instintos escaparam dele. Tudo em que ele conseguia pensar era em Kelia.

As sereias a pegaram? Ele estava muito atrasado?

Parte dele queria ir para a terra, mas ele não sabia quanto tempo levaria para encontrá-la. Ele podia sentir o cheiro dela, ele a conhecia bem, mas ele nunca bebeu seu sangue, o que significava que ele não poderia obter sua localização exata.

E se ela estivesse nas profundezas da água...

O ritmo de Drew não era suficiente. Ele começou a pisar forte e, antes que percebesse, estava embaixo do convés, na sala de suprimentos, jogando barris e assustando o gado. Ele gritou, antes de cair de joelhos, indefeso. Se ele saísse e procurasse na ilha, a notícia chegaria a Grayson Briggs. Grayson não sabia o que Kelia era para ele. Seria quase tão perigoso quanto Kelia cair no colo da Rainha.

Uma ovelha emitiu um ruído, olhando para ele com um olhar vazio.

Drew olhou para o animal. Ele precisava se alimentar, e sangue animal não seria suficiente. Ele deveria ter se alimentado. Ele não deveria ter retornado ao navio antes de comer. As coisas começaram a deixar sua mente confusa - coisas como emoção e sentimento, e Kelia era a culpada por tudo isso.

Ele agarrou seu cabelo escuro com seus longos dedos e soltou um suspiro.

Quão lamentável o grande Drew Knight havia se tornado. Reduzido a um pecador, implorando de joelhos pela segurança da mulher que ele tinha vindo...

O que? Drew se apaixonou? Era isso que ele estava dizendo a si mesmo agora?

Ele quase cuspiu.

Patético.

Ele se forçou a se levantar. Ninguém reduziria Drew Knight a uma pilha de líquido. Ele havia prometido a si mesmo que nunca cairia de joelhos por causa de uma mulher depois do que a Rainha fizera com ele. E aqui estava ele de novo, um homem patético em pele de animal, caminhando com uma arrogância que não merecia possuir.

Ele limpou a garganta e acenou com a cabeça para as ovelhas. Ele mandaria sua equipe limpar os suprimentos. E ele iria se alimentar. Ele iria se alimentar agora, mesmo que isso significasse ver Grayson Briggs. Ele era o único homem que tinha controle sobre o suprimento de sangue na Ilha dos Amaldiçoados. O bastardo era como o governador silencioso. Ninguém pisava na ilha sem Briggs saber.

O desejo mais profundo de Drew era procurar Kelia, mas ele se obrigaria a ignorá-la. Para levar de volta a única coisa que restou neste mundo que era dele: seu senso de identidade.

Então, depois de saciar a fome, ele encontraria Kelia e a levaria o mais longe possível desse pedaço de terra miserável e esquecido por Deus.

Não porque a amava, mas porque ela fazia parte de seu plano para matar a Rainha. Nada mais. E ele provaria isso fazendo-a esperar por seu resgate.

 


Brigg Plantation, um prédio alto com três andares, estava localizado ao lado das docas, posicionado de forma que qualquer sobrenatural que precisasse de sangue seria compelido a entrar antes de pegar qualquer outra bugiganga, mistura ou prazer da ilha.

Drew cerrou a mandíbula enquanto olhava para o edifício alto. Velas tremeluziam através das cortinas. Havia mais do que apenas o consumo de sangue aqui. Briggs era um empresário experiente. Emparelhar a necessidade de sangue com o prazer carnal do sexo torturado em um lucro consistente.

Drew havia evitado este lugar o máximo que pôde. Ele odiava colocar os pés aqui. Isso sempre o lembrava de quão jovem e ingênuo ele tinha sido na infância, depois que cortou seu vínculo e pensou que poderia fazer o que quisesse. Briggs era um bastardo, sempre em busca de mais moedas. Sempre por si mesmo.

A Rainha havia enviado seus filhos para resgatá-lo. Se Wendy não os tivesse segurado, se Emma não o tivesse ajudado a escapar, Drew sabia que sua vida seria muito diferente. E Wendy nunca teria sido capturada pela Sociedade.

No devido tempo, Drew se vingaria de Briggs. Na verdade, no livro-razão de Drew, Briggs estava logo abaixo da Rainha.

Mas agora não era hora de pensar nisso. Agora era a hora de alimentar e conspirar. Briggs entenderia o que estava acontecendo com ele. Ainda não.

Drew deu um passo em direção ao prédio. A fumaça ondulante e inchada sempre era um sinal de bom negócio, mas o que era considerado um “bom negócio” aqui fazia o estômago de Drew revirar.

Ele se deleitou com as últimas respirações do ar fresco da noite, pois no minuto em que entrasse naquele lugar, ele seria bombardeado com mulheres que queriam que ele desse prazer com seu corpo e suas presas. Tanto que ele se sentiria como se estivesse sufocando. Ele seria atingido por um forte aroma de desespero persistente e fragrâncias florais que nunca realmente cheiravam a floral.

Drew costumava viver para esse cheiro. Na época, ele havia associado o cheiro com desejo, com prazer, com tudo que ele queria como um jovem Sombra. Agora, cheirava a transgressões do passado, fantasmas que ainda o assombravam, fantasmas dos quais ele não podia escapar.

Assim que ele fez menção de abrir as portas, duas mulheres enérgicas as empurraram. Ambas as mulheres estavam fortemente pintadas, extremamente expostas e olhando-o como se ele fosse algo que pudesse alimentar sua própria fome.

Antes, quando acabara de ser transformado, ficava lisonjeado por mulheres tão bonitas o desejarem. Ele estava crescendo em sua aparência, na nova maneira como ele parecia para os outros por causa do que aconteceu com ele.

Agora, ele podia ver além da fachada. Ele podia ver as rugas ao redor de sua boca, que enrugavam seus olhos. Ele podia sentir o cheiro da fumaça que permanecia em sua pele. Essas não eram belezas; elas apenas fingiam ser assim.

—Drew — disse a primeira. —Estávamos preocupados que você não viesse.

—Sua bruxa insistiu que você estava indisposto. — Disse a segunda, sem esconder seu aborrecimento.

Drew reprimiu um sorriso. Ele não ficou surpreso ao ouvir que Emma tinha vindo em seu nome, mas ficou satisfeito em saber que ela tinha sido direta e objetiva. Era sempre um prazer quando a atitude dela não era dirigida a ele.

—Entre, entre. — As duas acenaram.

Quando Drew entrou, as velas bruxuleantes iluminaram um caminho escada acima para uma variedade de quartos, todos decorados com base em um tema que o buscador de prazer ansiava para a noite. Havia um saguão com meninas e mulheres, ainda esperando para serem usadas pela noite, todas vestidas com o que era considerado elegância. Mas, na verdade, as roupas apenas faziam o usuário parecer barato. Em falta.

Era a fachada que Drew mais detestava. Quando ele patrocinou o negócio de Briggs com frequência no passado, ele se permitiu comprá-la, voluntariamente fechando os olhos para o quão repugnante era a coisa toda. Voltar aqui não apenas o desagradou com o estabelecimento. Isso o enojou consigo mesmo e o forçou a se lembrar dos erros que havia cometido.

Se ele não precisasse de sangue, se soubesse que poderia conseguir de outra maneira...

E, no entanto, aqui está você, adquirindo sangue desta forma, uma voz que passou por sua mente apontou.

Drew quase rosnou. Ele conhecia a hipocrisia. Ele se odiava por ser indulgente. Mas encontrar Kelia era muito importante para permitir que sua moral recém-descoberta atrapalhasse, e ele não seria capaz de encontrá-la sem algo em seu estômago.

—O que podemos fazer por você, Drew? — A primeira mulher se enrolou ao seu lado. —Sua bruxa e suas amigas estão fazendo seu pedido com Grayson agora, mas talvez...

—Sinto muito, — Drew disse lentamente. Ele parou de ir para o saguão para olhar para a primeira mulher enquanto a segunda fechava as portas sozinha. —Você disse a minha bruxa tinha amigas com ela? Plural-como em não apenas uma?

A primeira assentiu ansiosamente, piscando seus longos cílios. —Sim, — ela disse, sua voz entusiasmada. —Uma ruiva carrancuda e uma loira que corou tão profusamente quanto uma virgem que nunca esteve perto de sexo antes.

—Ela não esteve. — Drew murmurou.

—Oh, eu não sabia. — A mulher riu. —Acho que sou boa em ler as pessoas. Como agora, aposto o que você realmente quer...

—Minha bruxa está com Grayson agora, por acaso? — Ele curvou os lábios no que esperava ser um sorriso encantador.

A mulher acenou com a cabeça, sorrindo, como se estivesse feliz em poder ajudar. —Você gostaria que eu te levasse até eles? — ela perguntou. —Eles estão na sala de estar.

Ela parecia tão desesperada que ele não conseguia se afastar dela rápido o suficiente.

—Eu posso encontrar meu próprio caminho, obrigado. — Ele juntou as mãos e inclinou a cabeça antes de girar no calcanhar da bota e seguir pelo corredor até a sala de estar.

Suas entranhas fervilhavam de raiva desenfreada. Ele não conseguia nem mesmo falar. Elas? Tipo, mais de uma bruxa estava lá com Grayson? Quando ele alcançou a maçaneta da porta da sala de estar, sua mão tremia.

Só um segundo aí, companheiro, uma voz disse em sua mente. Você realmente acha que é a melhor decisão - entrar lá totalmente louco? Grayson iria farejar você em um segundo. Talvez a alimentação diminua um pouco. Você poderia encher sua barriga rapidamente. Existem muitas mulheres que não querem nada mais do que você enfiar as presas na garganta delas. Então, quando você se acalmar, volte e encontre-as ainda lá. Não mostre nenhum sinal de emoção. Pelo menos espere até estar de volta em segurança em seu navio antes de se transformar na besta que você é.

Ele considerou que realmente poderia estar totalmente louco por falar sozinho dessa maneira. Percebendo que sua consciência tinha razão, ele respirou fundo e lentamente a soltou, tentando ganhar vontade de ir embora. Ele não era um homem de paciência, especialmente quando suspeitava que algo desagradável poderia muito bem acontecer em um momento, mas por mais furioso que ele estivesse, Kelia era capaz, e Emma e Danielle estavam com ela.

Ele deixou cair a mão ao lado do corpo e girou no calcanhar da bota para voltar ao saguão e encontrar uma mulher para se alimentar rapidamente.

Não demorou muito para encontrar alguém disposto. Ele tentou ignorar o fato de que a mulher que ele escolheu tinha cabelos loiros e olhos da cor do oceano. Ele não a escolheu porque era isso que ele desejava; ele a escolheu porque precisava se alimentar rapidamente e ela era conveniente.

Ela certamente não se comparava à beleza de Kelia. Não havia sardas em seu nariz, suas maçãs do rosto eram mais encovadas do que pontiagudas e ela era ossuda. Quando ele a escolheu, ela ansiosamente pegou a mão dele e o conduziu escada acima e pelo corredor familiar.

Pinturas de mulheres bonitas e nuas alinhavam-se nos corredores, sedutoras e sensuais. O tapete era da cor de sangue, imaculado e como novo, embora Drew soubesse que este tapete estava aqui há muitos séculos.

A mulher o arrastou para um quarto aberto e fechou a porta atrás deles. Este tema refletiu a noite. Tudo estava preto. Velas tremeluziam, dando ao quarto um brilho caloroso. Ela caminhou até Drew, com confiança em cada passo, antes de alcançá-lo e puxá-lo para um beijo.

Drew interrompeu o beijo, colocando as mãos em seus ombros nus e dando um passo para trás.

—Ah, eu peço desculpas, querida — disse ele. —Eu acho que você pode ter entendido mal. Eu só quero me alimentar.

Ela parou, inclinando a cabeça e olhando para ele com grandes olhos azuis. Ficou surpreso com o quanto pareciam com Kelia naquele momento. Sua respiração ficou presa em seu peito.

—Você tem uma reputação aqui, Drew Knight — disse ela. —Você se alimenta e fode durante a noite até ser forçado a ir para o mar. Você dá uma boa gorjeta. Sua reputação o precede. Algo mudou?

Drew engoliu em seco e empurrou outro sorriso encantador no rosto. Ele se esqueceu de sua reputação. Parte dele odiava seu eu mais jovem por ser tão desajeitado com a forma como era visto. Suspirando pelo nariz, ele enrolou uma mecha errante de cabelo atrás da orelha. Ele não poderia ser ninguém, mas o que eles esperavam que ele fosse. Se estivesse, eles imediatamente suspeitariam de algo. Eles questionariam a mudança. Inferno, ele estava questionando a mudança.

—Eu só tenho um compromisso que preciso cumprir. — Disse ele. Por alguma razão, ele não tinha estômago para nem pensar em levá-la para a cama. Parte dele esperava que ele estivesse se tornando mais seletivo quando se tratava de prazer carnal, mas ele sabia. Ele sabia que não desejava ninguém que não fosse Kelia. —O sangue, se me permite? A gorjeta será tão boa como sempre, garanto-lhe.

Ela hesitou, mas acabou concordando e puxou o cabelo sobre o ombro esquerdo, expondo o pescoço. Havia algo decididamente íntimo em se alimentar de sua garganta, algo que Drew nunca tinha notado antes em seus anos e anos de alimentação.

Mesmo quando ele deu um passo em direção a ela, seu corpo ficou tenso. Ele não queria fazer isso. Ele queria descer as escadas e abrir a porta da sala de estar. Ele queria ter certeza de que Kelia, Emma e até mesmo Daniella estavam todas seguras. Ele não queria que Grayson Briggs se interessasse por nenhuma delas.

Principalmente Kelia.

Mas ele precisava de sustento. Se ele não se alimentasse, ele não se acalmaria. Suas emoções iriam disparar e ele perderia completamente o controle. Sua raiva iria borbulhar e Grayson descobriria. E então ele teria algo mais para controlar Drew.

Ele não podia permitir isso.

Com esse pensamento, ele extraiu suas presas e as mergulhou no pescoço da mulher. Ela soltou um suspiro antes de um pequeno gemido de prazer derramar de seus lábios e ela fechar os olhos. Seu sangue tinha gosto de usado, ligeiramente salgado, mais doce. Muitas Sombras devem ter se alimentado dela antes. Mas era comida. Ele não exigia que fosse perfeito; tudo o que importava era saciar a sede de sangue.

Havia medidas no Brigg Plantation que evitavam que Sombras perdessem o controle sobre si mesmas e drenassem sua alimentadora a um ponto sem volta - morte ou transformação - mas Drew tinha idade suficiente para saber quando parar, bem antes que essas medidas entrassem em ação.

Quando ele estava saciado, ele gentilmente apertou os ombros da mulher e puxou suas presas de seu pescoço. Ele lambeu o sangue de seus lábios.

Ela estava cansada, como uma mulher fica cansada depois de um orgasmo. Ela enfiou a mão no cinto, puxou um lenço amassado e o colocou sobre o pescoço.

—Obrigado. — Disse Drew, liberando seu domínio sobre ela. Ele deu um passo para trás e colocou três moedas de prata em uma mesa de cabeceira de ébano. O tilintar das moedas no mármore encheu o quarto silencioso.

—Isso é demais. — Disse a mulher, sua voz lenta e tensa.

—Eu prometi que daria uma boa gorjeta — disse Drew com uma piscadela. Ele abriu a porta. —Gosto de pensar que sou um homem de palavra.

Ele saiu sentindo-se revigorado, satisfeito. Havia um tom jovial em seus passos, embora felicidade fosse a última coisa que sentia. A urgência fazia seu coração bater mais forte.

Tanto para a alimentação ajudando a acalmá-lo. Antes que ele percebesse, ele estava descendo as escadas correndo e quase derrubando a porta da sala de estar.


CAPÍTULO 10

Quando a porta se abriu, a cabeça de Kelia estalou para a entrada enquanto seu corpo inteiro ficava tenso. Sua mão foi para o quadril, os dedos agarrando o cabo de sua lâmina, preparada para se defender se necessário.

Mas quando Drew deslizou para dentro, uma carranca em seu rosto esculpido, os dedos dela se soltaram de sua lâmina. Seu corpo, no entanto, ainda estava tenso. Sua expressão parecia passiva, talvez até irritada, mas ela podia dizer que havia raiva queimando em seus olhos escuros, fervendo como um fogo esfriando, pronto para começar a arder a qualquer momento.

—Drew Knight! — Grayson se levantou do sofá, e Kelia não tinha certeza se ele estava genuinamente animado para ver o Sombra ou se ficar de pé garantiu que Grayson pudesse se defender se necessário. —Eu esperava poder ver você. Julgando pela cor do seu rosto, eu diria que você se alimentou. Você fez mais do que apenas comer, meu amigo? — Ele piscou um pouco para Drew. —E aqui eu pensei que você manteve a humana como uma alimentadora.

—O que eu faço com a humana não é da sua conta. — Drew disse, sua voz casual.

Kelia não sabia como se sentia sobre Drew Knight se alimentando de uma humana. Ela sabia que eles mantinham gado no navio para esse propósito. Mas se alimentar de uma humana... Havia uma emoção rolando dentro dela. Ela não conseguia decifrar qual era a emoção, exceto que parecia... decepção. O que era idiota. Drew era uma Sombra do Mar - ele precisava de mais do que apenas sangue animal para sobreviver, e ele não se alimentava com muita frequência. Considerando como ele parecia quando cheirou seu sangue antes, ele estava certo em se alimentar. Ele precisava disso.

Apesar da lógica, Kelia não pôde deixar de sentir como se um nó se fechasse na boca do estômago.

—Emma já fez o seu pedido. — Disse Grayson, dando um passo para trás quando Drew passou por ele.

Drew se forçou entre Kelia e Emma, sentando-se no longo sofá sem graça. Elas tiveram que deslizar para o lado apropriado para dar espaço para ele, mas mesmo assim, suas pernas fortes foram empurradas em suas coxas.

—Você vai receber no máximo 48 horas — Grayson continuou voltando para onde estava sentado e lentamente deslizando para baixo. —Verdade seja dita, Drew, eu não estava esperando você depois do que aconteceu da última vez... Não se pode deixar de me perguntar se você ficou... desesperado.

Kelia podia sentir a rigidez do corpo de Drew em resposta a essa declaração.

—Desesperado por quê, exatamente? — Ele perguntou. Ele tentou manter a voz indiferente, mas Kelia podia detectar um tom perigoso nela. Um aviso, se ela sabia de alguma coisa.

—A última vez que você esteve aqui, você cortou os laços com sua Rainha — Grayson apontou. —Você não conseguia parar de falar sobre isso. A única coisa que você não disse foi quem realizou uma façanha tão impossível. Claro, a magia deve ter ajudado você, certo? — Ele piscou novamente. —E então, você desapareceu. Sabe, a palavra se espalha como um incêndio por aqui, especialmente quando se trata do sobrenatural. Uma bruxa caiu nas mãos da Sociedade, você foge e tenta salvá-la, mas não antes de alistar sua irmã para apoiar sua causa. E aqui eu vejo duas bruxas e uma humana em seu nome. Já me disseram que Wendy, que havia sido vítima da Sociedade após resgatar a primeira bruxa, está na minha ilha. Então, seja o que for que você pretendia fazer, você conseguiu.

—Qual é o sentido de você trazer o passado à tona? — Drew perguntou. Suas mãos estavam sobre os joelhos.

Daniella se inclinou para frente em sua cadeira. —Como você sabia que éramos bruxas?

Emma sibilou para ela, embora sua voz fosse suave e fria. Na verdade, Emma nem mesmo olhou para Daniella. Seu foco estava em Grayson. Kelia localizou uma ligeira ruga perto do canto dos lábios de Emma, algo que não era facilmente discernível. Uma carranca, ao que parecia, de suspeita.

—Há uma recompensa pela sua cabeça, Drew Knight, — Grayson disse, ignorando Daniella. —Há uma recompensa pela cabeça dela também.

Kelia engoliu em seco, tentando umedecer a garganta. Emma. Claro. Ela não ficou surpresa. Emma era poderosa, ela e Drew eram próximos. Parte de Kelia desejou poder estender a mão e colocar a mão no joelho de Drew, sobre a própria mão, como se para lhe oferecer algum tipo de conforto. Afinal, eles eram amigos, e era isso que amigos faziam. Ela não faria uma coisa dessas na frente desse estranho, no entanto. Ela não revelaria que se importava com Drew do jeito que se importava. Ninguém precisava saber disso. Não era algo em que ela nem queria pensar.

—É isso o que é, então? — Drew franziu a testa.

Os nós dos dedos ficam brancos quando ele apertou os joelhos com mais força. Grayson percebeu isso também? O homem estava tentando fingir ser suave e descuidado, mas Kelia tinha a sensação de que ele era muito mais inteligente, muito mais astuto do que parecia. E, a julgar pela reação de Drew, Kelia tinha a sensação de que ele sabia disso também.

Grayson encolheu os ombros e olhou para as unhas. Ele franziu a testa com o que viu e, usando a unha oposta, começou a remover qualquer sujeira ao redor de sua cutícula.

—Minha ilha é bem-sucedida porque ninguém a governa. — Começou Grayson.

—Salvo por você, é claro. — Drew acrescentou, um sorriso fácil deslizando em seu rosto, mas não alcançando seus olhos.

—Sim, bem, quando eu forneço um serviço de qualidade que me rende setenta por cento dos ganhos da ilha e eu invisto esse lucro de volta na ilha, eu tenho uma palavra a dizer sobre o que acontece aqui —, disse Grayson. Sua mão ainda estava na frente do rosto, mas ele ergueu os olhos para que pudessem se fixar em Drew. —A última coisa que preciso é a Rainha das Sombras vindo para minha pequena ilha, em busca de seu animal de estimação mais amado. — Seus lábios se curvaram em um sorriso malicioso. —Prefiro cuidar diretamente do problema, para não afetar minha clientela.

—Oh? — Drew ergueu uma sobrancelha e se inclinou ainda mais no assento, forçando Kelia a cruzar as pernas ou então ele poderia muito bem estar em cima dela. —E como você prefere cuidar do problema, exatamente?

—Dar a ela o que ela quer.

Grayson deu a Drew um olhar penetrante. Havia algo nele, algo não dito que se passou entre os dois. Kelia não tinha certeza do que a comunicação silenciosa se referia, e ela sabia que agora não era o momento, ou lugar adequado para perguntar. Se Drew achava necessário compartilhar com ela, ela esperava que sim. Do contrário, talvez ela perguntasse a Emma mais tarde.

—Você sabe o que ela quer? — O canto dos lábios de Drew se ergueu, mas seus olhos ainda estavam fervendo e seu aperto ficou mais forte nas coxas.

—Acho que nós dois sabemos o que ela quer —, disse Grayson. Um sorriso apareceu em seu rosto também, embora seus olhos tempestuosos fossem tão penetrantes e pungentes quanto os de Drew. —E nós dois sabemos que tenho a capacidade de dar a ela. Tudo que eu preciso fazer é...

—O que você quer? — Drew perguntou.

Todo o poder, o charme, a facilidade imediatamente desapareceram de sua voz. A seriedade que o substituiu deixou Kelia fria e ligeiramente assustada. Ela só tinha ouvido aquela voz com Rycroft em Port George. Era cortante, baixa e perigosa. Não era um tom de que gostasse muito.

—Você acha que há algo que você pode me dar que eu não posso adquirir por mim mesmo? — Grayson se levantou e caminhou ao redor da sala de estar. Seus ombros estavam rolados para trás, seu queixo levantado. Ele tinha o ar de um cavalheiro, mas havia mais nele, algo de outro mundo. —Você sabe, assim como eu sei, tudo o que eu quero, eu consigo. Tudo que eu preciso fazer é estalar os dedos, e é meu. E estar do lado bom da Rainha, mesmo como um Mago, só beneficiaria a mim e aos meus negócios.

Os olhos de Kelia se arregalaram. Emma dobrou as mãos no colo. Ela não vacilou, nem piscou ou empalideceu. Kelia não sabia se isso significava que ela já tinha conhecimento desse fato ou se nada a fez reagir, mas Kelia a admirava por isso e internamente se censurava por ser incapaz de controlar suas reações. Era algo em que ela estava constantemente trabalhando, algo que ela não sabia que precisava fazer até que Drew apontou para ela tão abertamente há tantos meses.

—Ela não precisa de outro Mago — disse Drew. Ele não parecia tão preocupado quanto Kelia esperava. Ela se perguntou se isso era uma fachada. —Os poucos de vocês que existem já foram amarrados em torno de seu dedo ossudo. O que os torna diferentes?

Grayson parou de andar diretamente na frente de Drew. Seu sorriso se alargou, lembrando Kelia de um tubarão.

—Estou tão feliz que você perguntou, Drew —, disse ele, abrindo bem os braços. —Já se passou muito, muito tempo desde que você foi um patrono favorito em meu estabelecimento.

Kelia cravou as próprias unhas no braço da cadeira. Ela não deveria ter ficado surpresa ao saber que Drew tinha visitado este lugar antes. Era um local de alimentação aberto, onde ele poderia ser quem ele realmente era sem esconder sua verdadeira natureza, sem esconder seu desejo. No entanto, mesmo ela não pôde evitar sentir aquela pontada de decepção no homem - a besta - ao lado dela. Ela desviou o olhar para o piano no canto da sala, tentando se distrair em vão.

O que ela esperava? Ele estava vivo há um século. Claro que ele se envolveria em alguma pilhagem, algum comportamento ilícito. Afinal, ele era um pirata. Ela simplesmente não achava que descobriria sobre isso; até agora, era fácil fingir que não tinha acontecido.

—Desde que você deixou a ilha para resgatar Emma da Sociedade —, disse Grayson, —tenho estado em contato com a Rainha com mais frequência do que gostaria. Veja, quando ela envia suas próprias Sombras pessoais, eu perco dinheiro porque é importante para mim desempenhar o papel de hospedeiro. Eles podem alimentar e foder qualquer garota que quiserem pelo tempo que quiserem, desde que não as matem. Mas isso significa que quando eles se deixam levar - e bestas com direito sempre o fazem - minhas meninas estão fora de serviço, o que significa que não podem trabalhar para quem vai pagar, e eu perco ainda mais dinheiro. Não vou nem entrar em detalhes aqui sobre a bagunça que elas fazem e a limpeza e o dinheiro que perco quando um quarto não pode ser usado. — Ele prendeu a respiração. —A Rainha sabia que você tinha estado aqui, então ela colocou seus guardas aqui até que você voltasse. Eles ainda estão aqui, mesmo agora, e tenho quase certeza de que foram capazes de sentir o seu cheiro. Eu não seria surpreso se eles foram contar à Rainha agora.

Drew soltou uma risada sombria. Ele mesmo se levantou. Kelia observou enquanto ele caminhava com determinação, andando devagar, cada pé deixando uma marca no tapete vermelho.

—Você sabe que ela quer se unir a você novamente, Drew —, disse Grayson. —E se eu a der para você, se eu cuidar da pessoa que o torna fraco, serei totalmente recompensado. Não leve a mal, Drew. Você era meu melhor cliente. Mas a Rainha é a Porra da Rainha, companheiro. Tenho certeza que você vai entender quando estiver com ela novamente. Rei de todas as Sombras, do jeito que ela sempre quis que você fosse. E sua preciosa humana será...

Em um lampejo, Drew girou no calcanhar de sua bota e atacou Grayson. Kelia nem mesmo teve a chance de piscar antes de Drew içar Grayson no ar pela garganta. Daniella se encolheu, apertando a própria garganta com a mão, como se lembrando de quando Drew fizera algo parecido com ela depois que eles escaparam de Port George.

Ele apertou a garganta de Grayson para que ele não pudesse usar um encantamento para restringir seu ataque.

—Eu seria muito cuidadoso em como você termina sua frase, companheiro. — Drew rebateu.

Emma deu um suspiro. Kelia trocou as pernas e pegou o cutelo. Ela se virou para Emma.

—Você provavelmente deveria ir. — Ela sussurrou.

Emma piscou uma vez antes de inclinar a cabeça para o lado para que seu cabelo longo e escuro caísse sobre seu ombro.

—E por que você diria isso? — Ela perguntou em voz baixa.

Drew sem dúvida ouviu, mas Kelia não tinha certeza se o Mago conseguiria captar as vozes, especialmente não com ele tão focado em ser sufocado quase até a morte.

—Não é você quem Drew precisa proteger? — Kelia perguntou. —Aquela que a Rainha quer? Você é aquela que cortou seu vínculo.

Emma abriu a boca, pronta para responder, quando Drew interrompeu.

—Marque-me, Grayson, — ele rosnou. —Se você pensar em denunciá-la...

As portas se abriram.

—Bem, bem, Drew Knight. — A voz lisa pertencia a um homem Sombra tão bonito quanto Drew, mas havia uma escuridão ligada a ele. Ele tinha cabelo preto encaracolado puxado em um rabo de cavalo frouxo, longe de seu rosto esculpido. Seus olhos azuis e claros examinaram a sala até que se fixaram em Kelia. —Ah, aí está ela.

—Não. — Drew deixou Grayson cair em uma moita no chão. Ele nem mesmo olhou para o Mago. Seus olhos estavam focados exclusivamente em Kelia antes de olhar para o Mago. —Emma?

Emma se levantou e balançou os pulsos. Ela murmurou algo sob sua respiração. Teclas de piano de marfim foram jogadas do outro lado da sala para as três sombras que entraram na sala. Um tinha o cabelo preto cacheado amarrado para trás com um rabo de cavalo, o segundo tinha olhos injetados de sangue e o terceiro tinha um pingente vermelho pendurado no coração preso por uma corrente de ouro. A tecla do piano foi empurrada com tanta força que a força absoluta a impulsionou diretamente para um dos homens Sombra com o coração do pingente. A Sombra se desintegrou em cinzas. Os outros dois ficaram congelados, com a boca aberta.

Daniella agarrou o pulso de Kelia e puxou-a do sofá.

Kelia estava pronta para recuperar sua lâmina. Ela não queria correr, não quando Drew estava em risco. Não quando Emma estava ficando para ajudar.

—Drew, — Kelia disse, esperando por suas ordens. Daniella continuou a puxar seu pulso, mas ela cravou os calcanhares no tapete, tentando evitar que Daniella a arrastasse para fora da porta. — Drew.

Drew nem mesmo olhou para ela.

—Vá, — ele disse, sua voz fria. — Agora.


CAPÍTULO 11

Kelia desembainhou sua lâmina e se posicionou, pronta para lutar. Ela não o deixaria lutar sozinho. Seus nervos se acalmaram, substituídos por adrenalina, e seu estômago não lhe deu problemas. Era nisso que ela se destacava: combate com sua lâmina.

—Eu disse para ir, Kelia! — Drew repetiu. —Isso é uma ordem!

—Não vai acontecer. — Disse Kelia.

O olhar de Drew não desapareceu dela. Ela podia sentir seus olhos sobre ela.

—Mulher teimosa. — Ele murmurou baixinho.

Ele se lançou para o Sombra principal - aquele com o rabo de cavalo - enquanto aquele com os olhos injetados de sangue veio atrás de Kelia.

Daniella sussurrou algo indecifrável, e o lustre que mantinha a sala acesa se estilhaçou, a chama grande e brilhante. Ela cresceu, lentamente no início. Daniella esticou o braço e sacudiu o pulso, atraindo a chama da vela para ela, pairando sobre a palma da mão voltada para cima.

Kelia voltou seu foco para a Sombra com olhos injetados de sangue em pé na frente dela. Ele estreitou o olhar sobre ela e, embora não fosse tão bonito quanto sua contraparte, havia algo sensual na maneira como ele se movia. Em três passadas, ele se elevou sobre ela.

Ele com certeza estava se movendo devagar, no entanto. Muito mais lento do que outras Sombras que ela lutou no passado. Por que isso?

A maldade brilhou em seus olhos vermelhos, como se ele quisesse uma luta prolongada com Kelia. Como se ele estivesse curioso para ver que pequeno dano, se algum, ela poderia causar.

A cabeça raspada da Sombra empapou de suor sob o calor do fogo de Daniella, embora ele nem se voltasse na direção das chamas.

—Minha rainha fará de você seu animal de estimação. — isse ele.

—Engraçado, — Kelia murmurou. —Eu pensei que você era isso.

Ele zombou antes de se lançar sobre ela. Drew a empurrou para o lado e recebeu o golpe. A Sombra o derrubou, então subiu em cima dele, montando nele. Drew abriu caminho para fora enquanto Kelia controlava sua raiva por ele. Ela não era uma mulher que precisava ser salva e suas ações poderiam tê-lo matado.

Kelia saltou em direção à Sombra e deslizou a lâmina em suas costas, esperando que a lâmina com infusão de prata ainda tivesse efeito. Ela ainda não sabia como a magia funcionava, mas era grata por isso mesmo assim. Foi a única coisa boa que a Sociedade já lhe deu.

A Sombra gritou, mas ainda assim voltou a se levantar. Kelia arrancou sua lâmina de suas costas. Infelizmente, ela tinha perdido onde estaria seu coração. Além de infligir dor, ela não fez nada para inibi-lo. Se qualquer coisa, ela apenas o deixou mais irritado.

—Benji, — ele rugiu para a Sombra com olhos azuis penetrantes e rabo de cavalo. —Tem certeza de que não podemos prejudicar a garota antes de levá-la para a Rainha?

Ele se virou e se lançou para Kelia.

Kelia saiu do caminho. Ela empurrou a espada para ele mais uma vez, mas errou. Ele bateu no rosto dela com as costas da mão e ela voou para trás. A dor queimou sua pele quando ela bateu na parede atrás dela antes de desmoronar em uma pilha no chão. Por um momento, seu corpo simplesmente falhou em obedecer a seus comandos. Quando finalmente ela foi capaz de se mover o suficiente para tentar se colocar de pé, ela quase caiu para frente, incapaz de se equilibrar.

Drew vacilou em sua batalha com a outra Sombra, avançando em sua direção. Ela poderia dizer que ele não tinha certeza de onde colocar sua atenção.

—Eu posso... — Kelia começou com os dentes cerrados.

O Sr. Olhos injetados estava de pé na frente dela novamente. Ele disparou a mão, mas ela conseguiu se esquivar desta vez.

—Cuido... — Ela continuou, ofegante.

Drew veio por trás do Sombra e saltou sobre seus ombros. Ele torceu o pescoço do Sombra. Houve uma crise perturbadora, mas isso não fez nada para matar o fodido. Ele alcançou atrás dele e jogou Drew através da sala, perto do Mago.

—De mim mesma. — Ela completou com um grunhido.

Seu sangue subiu às orelhas, rugindo como o oceano. Ela ergueu sua lâmina e a enfiou entre as costelas do Sombra.

—Merda.

Seu grande braço desceu rapidamente. Usando sua mão livre, ela a colocou ao lado de sua mão na lâmina. Em um movimento rápido, ela empurrou seu peso para baixo enquanto empurrava a lâmina para cima. Estalos altos encheram o ar. A caixa torácica quebrou, tão quebradiça quanto espartilhos baratos. Com um estalo, a segunda Sombra era cinza.

Kelia fez uma pausa para recuperar o fôlego. Seu nariz fez cócegas com o forte cheiro de enxofre, e ela se virou para o fogo que Daniella havia criado. Até agora, tinha crescido quase o dobro do tamanho de sua cabeça, ainda faiscando no espaço entre suas mãos.

Benji, o primeiro Sombra, zombou das chamas. —O que você pretende fazer com esse fogo, bruxa?

Apesar de quão confiante ele soou, ele não se moveu desde que Daniella tomou posse da chama. Isso significava que Sombras tinham medo de fogo?

Ela não estava realmente com Drew quando houve um incêndio incontrolável, exceto pelo celeiro em Port George, mas ele não parecia afetado pelas chamas então.

—Venha mais perto e eu vou te mostrar. — Disse Daniella.

Kelia sorriu enquanto cruzava a sala para ficar ao lado de Daniella no caso de ela precisar de ajuda.

—Eu faria, mas não consigo me mover. — Disse Benji, um olhar de pânico substituindo seu sorriso de escárnio.

Kelia olhou para Emma.

—Você pode falar, — ela apontou antes de jogar seu cabelo escuro sobre o ombro. —Isso não é o suficiente?

—E o que você gostaria que eu dissesse? — Benji perguntou, mostrando suas presas. —Que a Rainha vai encontrar Drew? Que ela vai matar todas as bruxas? Você já sabe disso. Mas ela vai demorar com a sua Assassina. Ela vai quebrar seus ossos até que você, você mesmo, esteja quebrado.

O corpo de Kelia ficou rígido. Isso não era novidade para ela, mas ela ainda não entendia por quê. Ela não servia a nenhum propósito, não do jeito que Emma e Daniella. Embora ela pudesse manejar uma espada, ela ainda era apenas uma mera humana que quase vomitava sempre que pisava em um navio. O que a rainha poderia querer com ela?

Mas enquanto a mente de Kelia estava girando em torno da ideia, Emma não parecia afetada.

—Deus, você é chato —, disse ela com um bocejo simulado. —Eu não deixei sua habilidade de falar para que você pudesse reclamar como um lunático. Talvez devêssemos acabar com você agora.

A Sombra rosnou. —Você está com medo, bruxa, — ele disse. —E Drew também. Posso sentir o cheiro em todos vocês.

—Ninguém tem medo dos mortos, — Drew disparou. —Queime-o.

—Eu não faria isso se fosse você. — A fúria de Benji parecia suficiente para fazê-lo entrar em combustão. —Se você me matar, a Rainha enviará mais Sombras igualmente leais, ansiosas por agradá-la, que aproveitarão a oportunidade. Você nunca estará livre dela. Certamente você deve saber disso. Você só vai irritá-la ainda mais se me matar.

Drew baixou a cabeça para trás e riu. Então ele voltou sua atenção para o homem Sombra, sua expressão tão mortalmente séria quanto seu tom. —A Rainha não dá a mínima para você.

—Mas você se preocupa com ela, — a Sombra disse, olhando para Kelia. Sua pele se arrepiou. —E então Rainha vai matá-la.

As presas de Drew deslizaram para fora, seu rosto se contorceu e todo seu corpo pareceu inchar, ocupando mais espaço na sala do que parecia possível. Kelia nunca o tinha visto com uma aparência tão bestial antes.

— Queime-o, — Drew disse, seu tom mil vezes mais frio do que na primeira vez que fez o pedido. —Agora!

Assim que Daniella estendeu os braços e abriu a boca para gritar um encantamento, alguém colocou o braço em volta da garganta de Kelia.

—Eu hesitaria, minha querida!

A voz de Grayson ecoou pela sala como o sino de uma igreja em um vale. Todo mundo congelou. Ele tinha o outro braço estendido na frente deles. Ele tinha usado sua própria magia para fazer todos congelarem? Não havia nenhuma maneira de Drew permitir que alguém a agarrasse sem entrar em ação, mesmo que ela tivesse dito a ele para não fazê-lo. E se não fosse pela ruga na testa de Daniella, Kelia não teria sido capaz de ver o quão frustrada a bruxa estava. A tensão em seu braço indicava que ela estava tentando desviar sua atenção para ajudar Kelia, então Grayson deve tê-la impedido de fazer isso.

Sua suspeita foi confirmada quando seus poderes envolveram o próprio corpo de Kelia; ela não era capaz de mover a mão com a lâmina. Sua mente continuou a instruir, ordenar e implorar, mas não importava o que ela fizesse, ela não era capaz de se mover.

—Agora que tenho minha orientação —, disse ele, limpando a voz. —Eu posso finalmente levar essa garota para a Rainha. Benji, sempre foi um prazer, mas considerando como machucada e quebrada você deixa minhas garotas, eu não lamento que Drew Knight vá matá-lo em poucos segundos depois que eu partir. Lamento informá-lo, mas você não será o orgulho e a alegria da Rainha nesta vida. Serei aquele em quem ela confia. Serei aquele que ela recompensará. Não algumas criaturas perversas e vis.

Ele cuspiu para dar ênfase. Kelia não podia nem pestanejar quando a saliva dele salpicou sua pele enquanto ela ainda estava presa por sua magia.

—Você está morto. — Disse Drew. Sua voz era baixa, seus olhos de um marrom claro e lívido dirigidos a Grayson. Apesar de suas palavras, ele estava congelado onde estava.

—Eu duvido, Drew Knight —, disse Grayson. Kelia podia ouvir o sorriso em seu tom sem vê-lo. —A Rainha vai me proteger. Isso é o que eu sempre quis, sabe. Controle sobre minha própria ilha, mais riquezas do que posso contar, e sua proteção. Em breve serei o mago mais poderoso do mundo. Sobrenaturais - Lobisomens, Sombra, bruxas - patrocinarão minha ilha porque farei com que se sintam seguros. E farei isso porque a Rainha me concederá essa proteção da Companhia das Índias Orientais, de todos os humanos que desejam livrar o mundo de nossa espécie.

—Você perdeu a cabeça, — Drew disse, rosnando. —Quem se sentirá seguro com você sabendo que joga seus próprios clientes para os lobos?

—Bem, os lobos, é claro —, disse Grayson com uma risada. —Certamente você ouviu que a população Lobisomens está diminuindo. Eles estão se acasalando com humanos agora, bruxas e humanos, para manter o legado, mesmo que a linhagem tenha sido contaminada. Mas eles poderiam vir aqui, e eu poderia lhes vender uma garota humana. Eu poderia ajudar a repovoar a comunidade. E assim que eu encontrar sua irmã, eu teria quatro bruxas elementais juntas. Imagine as possibilidades. Eu seria imparável!

Quatro bruxas elementais? Daniella, Emma e Wendy eram apenas três. Fogo, Terra, Ar... Quem era sua feiticeira da água? Seu demônio do mar? Sua sereia?

Benji rosnou para Grayson. —Você é um tolo se pensa que a Rainha algum dia lhe daria tal poder.

O Mago encolheu os ombros. —Eu diria que podemos concordar em discordar, mas os mortos também não podem, podem? — Ele caminhou até Kelia e colocou o braço em volta do pescoço. —E, além disso, estou prestes a entregar a ela algo que é muito mais precioso do que poder.


CAPÍTULO 12

Grayson Briggs murmurou algo que Kelia não conseguiu entender. Ela pensou em sua escolaridade e deduziu que parecia latim, ou alguma forma disso, mas ela não conseguia descobrir o que estava realmente sendo dito.

A cinza se espalhou por toda parte. O que quer que Grayson tenha feito, fez com que Benji se desintegrasse. Um arrepio percorreu a espinha de Kelia tão rápido que suas velhas cicatrizes doeram em resposta. Se ele tivesse a habilidade de fazer isso, o que o impediria de fazer o mesmo com Drew?

Oh, certo. A Rainha. Ele estava tentando ficar em seu favor, e ela claramente queria Drew vivo.

Mesmo assim, o fato de ele ter essa capacidade o tornava mais perigoso do que Kelia percebeu. Morte controlada por um feitiço simples? Wendy, Emma e Daniella possuíam tal poder?

De repente, Kelia tornou-se dolorosamente consciente de quão pouco ela sabia sobre este mundo. As bruxas eram governadas pelos elementos - ou, pelo menos, sua magia era. Os magos eram diferentes? Eles eram controlados por algo semelhante ou poderiam usar seus poderes sem limites?

Certamente deveria haver algum limite?

Seja qual for o caso, estava claro que este mago, pelo menos, estava usando algum tipo de magia negra, e Kelia não estava interessada em aprender a extensão de suas habilidades em primeira mão. Ela e suas amigas precisavam escapar. Imediatamente.

O corpo de Kelia formigou e ela percebeu que poderia se mover novamente. Ela pegou seu braço segurando a lâmina e a empurrou para trás, de modo que atingiu o estômago de Grayson. Houve um grunhido atrás dela e Kelia pressionou mais fundo. O braço dele travou ao redor de sua garganta, impedindo que seus tubos de vento recebessem oxigênio.

Mas ele não podia machucá-la. Não se ele quisesse levá-la para a Rainha, o que ele não poderia fazer se ela estivesse morta. Por mais desoladora que parecesse sua situação atual, ela ainda tinha muito poder.

Seu sangue quente derramou e deslizou entre seus dedos enquanto algo gotejava em seu ombro. O aperto de Grayson sobre ela afrouxou apenas um pouco, mas com isso, ela foi capaz de virar a cabeça. O sangue derramou de sua boca e em sua túnica.

Estranhamente, em todo esse tempo, ninguém tinha vindo ver o que estava acontecendo na sala. Certamente eles estavam fazendo barulho, a menos que Grayson tivesse o cômodo encantado, evitando que o som saísse. Faria sentido para um empresário garantir que nenhum segredo passasse pelas portas para bisbilhoteiros que poderiam esperar levá-los até o lance mais alto.

Drew saltou atrás de Grayson e o arrancou de Kelia. A força era tão forte e tão rápida que Kelia recuou também. A lâmina dela caiu no chão. Drew não deu a mínima para Kelia. Seu foco estava exclusivamente em Grayson.

Emma deu um passo à frente e se ajoelhou ao lado dela, e pela primeira vez desde que Kelia a conhecia, havia medo nos olhos escuros da bruxa.

—Você está machucada? — Emma perguntou, uma urgência em sua voz baixa.

Kelia balançou a cabeça e se levantou, embora Emma insistisse em ajudá-la. Com as mãos trêmulas, Kelia se abaixou para pegar sua arma. Ela não conseguia processar o que havia acontecido. Esta noite inteira estava se tornando difícil para ela aguentar, mas não parecia que um momento para sentar com seus pensamentos e respirar estava em qualquer lugar em seu futuro próximo.

Depois de revestir novamente sua arma, ela olhou para Daniella, que ainda estava com a posse da bola de fogo. O suor se acumulava na testa de Daniella e uma linha de preocupação desceu ao lado de seu rosto. Seus dedos tremiam. Não parecia que ela seria capaz de segurar as chamas por muito mais tempo.

Emma deu um passo ao lado de Daniella e apertou suavemente seu ombro. Lentamente, muito lentamente, as chamas se retiraram. Elas foram ficando cada vez menores, até que não houvesse nada mais do que uma única chama que caberia perfeitamente em cima de uma vela. Emma se inclinou em direção a ela e apagou.

A sala estava escura como breu, trazendo consigo uma calma enervante. Eles estavam vivos e tudo estava quieto, mas ser incapaz de ver nada fez o estômago de Kelia revirar. O que Drew estava fazendo? Não havia som de luta, pelo menos, mas então, agora, não havia som de nada.

Embora os sentidos de Sombra de Drew permitissem que ele enxergasse perfeitamente mesmo na escuridão, Kelia não pôde evitar sentir que ele poderia precisar de ajuda. Se ele não estivesse, ele estaria tentando ajudá-la agora, quer ela precisasse dele ou não.

—Drew? — Emma disse na escuridão Seu tom tinha a mesma urgência, embora desta vez houvesse um tremor em sua voz, como se ela estivesse tentando manter sua preocupação escondida.

—Nós não iremos embora até que ele esteja morto. — Drew rosnou na escuridão.

—Precisamos sair agora —, disse Emma. —Então, faça o que você precisa fazer, mas rapidamente.

—O que eu preciso fazer —, disse Drew, — é colocar fogo nessa porra de lugar e vê-lo queimar até o chão.

—Você sabe que isso não é possível —, Emma retrucou, sua primeira demonstração externa de emoção. — Mate-o, agora, e acabe com isso. Não dê a ele a chance de proferir um feitiço que o impeça de morrer.

—Eu quero...

—Eu sei o que você quer, Sombra. Estou pedindo a você que renuncie ao seu desejo de ver o homem sofrer. Estou pedindo que você acabe com ele agora para que possamos ir embora. Não podemos queimar este prédio. Certamente, você sabe disso. Você sabe que Grayson tomará precauções para proteger seu negócio. Drew.

Kelia prendeu a respiração, embora seu coração estivesse disparado e ela não queria nada mais do que recuperá-lo.

—Tudo bem. — Ele rosnou.

Da mesma direção de sua voz, passos soaram. Kelia ouviu o som inconfundível de carne rasgando, de pele se abrindo, com o qual ela se tornou muito familiar quando fazia parte da Sociedade. De alguma forma, ser privada de seus outros sentidos e forçada a confiar apenas em seu som a fez realmente ouvir pela primeira vez.

Calafrios cortaram sua espinha quando a vítima de Drew, escondida nas sombras, fez um som alto e gorgolejante. Um estalo ecoou na sala e ela se encolheu.

Então, silêncio.

Seus ombros aliviaram a tensão. Então era isso. Tinha acabado.

—Vamos. — Drew ordenou.

 


Ao deixarem o bordel, Drew mal conseguiu pronunciar uma palavra. Ele estava furioso: com Emma, por trazer Kelia aqui; com Kelia, por deixar seu navio quando ela deveria ter ficado onde estava; por Daniella simplesmente por ser Daniella. Ele queria correr, chegar à navio em segundos. Pelo menos, assim, ele saberia que as mulheres estavam fora desta maldita ilha e seguras.

Bem, tão seguras quanto elas poderiam estar.

Mas ele não podia carregar todas elas. Então, em vez de correr, ele acompanhou-as, garantindo que nunca saíssem de sua vista. Certo, ele estava alguns passos à frente delas, pisando duro como se fosse uma criança mimada que não conseguia o que queria. A Rainha tinha olhos em todos os lugares. Só porque seu trio de ineptas Sombras do Mar havia morrido não significava que ela não tinha outros espiões por perto.

—Drew —, disse Emma lentamente. —Aonde você está nos levando? Você sabe que tenho outros negócios para cuidar. A lua está cheia apenas uma noite a cada ciclo e, já que estamos aqui, quero ter certeza de comprar os ingredientes apropriados para qualquer mistura de que possamos precisar.

Drew grunhiu. Ele parou de pisar e se virou, apenas para ver Emma sussurrando para Daniella. Ambas deram olhares simpáticos a Kelia antes de voltarem para a cidade. Ele nem se incomodou em detê-las agora que sabia que estavam seguras. Tudo o que ele queria agora era levar Kelia de volta ao navio.

Ela encontrou seu olhar, embora fosse difícil decifrar a expressão em seu rosto. Quase parecia que ela o estava estudando, procurando uma resposta para uma pergunta que ela nem mesmo havia feito.

Ele pigarreou. Ele não gostou daqueles olhos curiosos nele. Eles pareciam saber muito, especialmente para alguém tão jovem quanto ela.

—O que? — Ele perguntou, mais abruptamente do que ele esperava. Escondendo um estremecimento, ele se virou e continuou a descer a encosta que levava às docas. —O que você quer saber, princesa? E não negue sua curiosidade. Está claro em seu rosto.

—Por onde eu começo? — Kelia murmurou, apressando seus passos até estar ao lado dele em vez de atrás dele. —Tenho tantas perguntas, nenhuma das quais você vai responder, tenho certeza. Você está vivo há um século, então suponho que não posso julgá-lo por seu mau gosto. É notável que tenha levado apenas cem anos antes de você aprender a lição.

Seus lábios se curvaram em um sorriso sem quere deixar transparecer. A tensão que ele mantinha em seus ombros e na parte superior das costas diminuiu. O suave bater do oceano e o gemido dos navios que ladeavam o cais enquanto eram movidos pela água fizeram cócegas em seus ouvidos. Esta era a sua casa. Esses sons. O cheiro fresco de sal no ar. Mesmo a escuridão que ele odiou por anos trazia as estrelas mais brilhantes, e as estrelas sempre podiam dizer onde ele estava e para onde precisava ir.

Certamente ele poderia fazer uma pergunta a Kelia. Responder-lhe honestamente uma vez, sobre uma coisa. Fosse o que fosse, seu rosto estava todo contraído enquanto caminhavam.

Enquanto o silêncio pairava no ar entre eles, ele mudou essa ideia em sua cabeça. Havia uma parte dele que temia que ela perguntasse sobre sua mãe, sobre as sereias. Ele temia que ela perguntasse sobre a possibilidade de sua sobrevivência. Se ela o fizesse, ele teria que dizer a ela que embora pensasse que elas estavam sendo manipuladoras e mentirosas, sim, era possível que sua mãe pudesse estar viva.

Possível, mas ainda improvável. Ele não queria ter essa conversa com ela. Não agora, e talvez nunca. Não se isso pudesse inspirá-la a procurar mais respostas e se colocar em mais perigo. Ele deixou isso acontecer na Sociedade, e veja aonde isso a levou.

Agora, ele precisava cuidar da Rainha. Precisava matar aquela mulher e garantir que ela nunca seria capaz de pegar Kelia. Talvez uma vez que fizesse isso, ele contaria a ela tudo sobre sereias. Talvez então eles pudessem procurar sua mãe juntos, sem que ele se preocupasse com a lealdade das bruxas do mar.

Talvez.

Mas, novamente, mesmo sem uma aliança com a Rainha, sereias eram coisas inerentemente cruéis e egoístas. Na maioria das vezes, elas eram tudo o que as pessoas acreditavam que as Sombra eram: monstros sem coração e sem alma. Elas não se importavam com quem machucavam, contanto que conseguissem o que queriam, o que normalmente eram mais vítimas para alimentar sua sede insaciável de sangue

Outra parte dele temia que ela pudesse perguntar sobre seu tempo na ilha, o que ele fez aqui e por quê. Ele não deveria se preocupar com o que os outros pensam - isso estava no passado e hoje era muito diferente de ontem e do dia anterior. Ele nunca se importou com o que alguém pensava de seu passado. Nem sua irmã, nem mesmo Emma, apesar de sua vergonha em torno de sua inação.

Mas algo era diferente quando se tratava de Kelia. Ele não queria que ela soubesse de tudo o que ele havia passado, de todas as escolhas erradas que fizera e das consequências dessas escolhas. Por alguma estranha razão, ele queria que ela pensasse nele como um tipo particular de homem, e seu passado a impediria de fazer isso. Ele não era uma pessoa compassiva e atenciosa. Ele não era uma pessoa de forma alguma. E ainda assim, quando ele estava perto dela, era isso que ele se esforçava para ser. Era assim que ele desejava que ela o visse.

Humano.

Assim que chegaram a um dos barcos a remo de Drew, balançando para cima e para baixo na água, ele parou de andar. Ele se virou para encará-la quando uma leve brisa levantou uma mecha de cabelo solta de sua trança e, sem pensar direito sobre isso, ele deu um passo à frente para que houvesse um espaço mínimo entre eles e enrolou a mecha atrás da orelha dela.

Ele poderia ter imaginado, e talvez fosse apenas porque esta noite estava particularmente fria e ela tinha estado debaixo d'água algumas horas antes, mas ele jurou que a sentiu estremecer sob seu toque.

E nem um arrepio de medo. Esses ele conhecia muito bem. Isso era... diferente.

Ela não fez menção de recuar, nem ele. Não quando a atração por estar perto dela superava qualquer medo do que ela pudesse pensar sobre sua proximidade repentina.

—Vou te dar uma pergunta —, disse ele, virando-se dela e quebrando o feitiço. O barulho de suas botas batendo nas docas de madeira reverberou mais alto no silêncio do que ele estava confortável. —Pergunte-me o que quiser e eu responderei honestamente.

No entanto, Kelia não perguntou a ele sobre sua mãe. Ela não perguntou a ele sobre esta ilha. Em vez disso, ela inclinou a cabeça para o lado, seus olhos - tão azuis e verdes que ele não conseguia desviar o olhar deles, como uma espécie de maldição de bruxa - se estreitaram sobre ele.

—Você sempre fica sozinho? — Ela perguntou.

Sua voz parecia perdida na brisa, mas Drew ouviu mesmo assim. Ele esqueceu como era sentir frio e calor, mas a voz dela provocou arrepios em seus braços e beliscou sua nuca. Ele nunca havia sentido isso antes, embora talvez tivesse sido muito tempo para ele se lembrar. Certamente, ele não se sentia assim por nenhuma mulher com quem tinha estado ao longo dos anos.

—Eu... o quê? — Ele ergueu a sobrancelha, mas seus olhos de alguma forma permaneceram meio mastros, como se ele não pudesse abri-los, como se realmente estivesse sob seu feitiço. Talvez ela fosse uma bruxa, uma feiticeira, mas apenas quando se tratava dele. Quão poderosa ela realmente era, e parecia que ela não sabia disso. —Solitário?

Ela assentiu. Ele pegou seu batimento cardíaco facilmente. Estava mais rápido do que o normal, indicando que ela estava nervosa, talvez com medo. A única coisa que ele conseguia pensar que poderia causar tal comportamento era a proximidade de ambos. Se ele simplesmente inclinasse a cabeça para baixo, seus lábios se tocariam e ele a beijaria, assim como ela o beijou em Port George, quando flechas voaram no céu e quase os mataram onde caíram depois que ela o derrubou fora de seus pés.

O canto de sua boca se curvou quando ele se lembrou da sensação de seus lábios macios nele, como ela estava hesitante. Nervosa, mas também curiosa. Ele se perguntou se ele era o primeiro beijo dela.

A brisa agitou a túnica solta em seu corpo. Era dele, que tinha ficado menor com a lavagem de Emma ao longo do tempo. Cabia perfeitamente nela, sem sobrecarregar seu corpo pequeno. Lampejos de pele apareceram enquanto o pano se movia com a brisa, como se o tempo estivesse tentando provocá-lo.

—Eu imagino que estar vivo por cem anos seria mais difícil do que o previsto. — Ela continuou.

Sua voz ficou ainda mais baixa. Era o tipo de voz que ela usaria no quarto? Ele se mexeu só de pensar nisso. Ele virou a cabeça e limpou a garganta.

Ela ainda estava falando. — Perder pessoas de quem você gosta.

Ele tentou um sorriso caloroso. —Ainda não conheci ninguém de quem valha a pena cuidar por um período de tempo tão extenso.

—Oh. — Ela disse.

Quando ele se virou para ler sua expressão, ela afastou a cabeça. Ele abriu a boca, sem saber o que dizer, quando um forte gemido perfurou o céu.

Kelia apontou para um barco que se aproximava. —Provavelmente precisamos ir.

Com uma recompensa tanto pela cabeça quanto pela dela, ele certamente concordou.

—Venha —, disse ele, dando um passo para trás. Ele cruzou o cais estreito até onde seu barco balançava fervorosamente na superfície da água. —Vamos voltar para o navio.

Kelia não fez menção de discutir, nem mesmo sugerir que pegassem Emma e Daniella primeiro. Estranho. Ela era sempre a primeira a fazer um comentário inteligente, algo picante e um pouco irritante, mas mesmo assim verdadeiro. Era raro ela ser tão quieta.

Então, novamente, ela certamente tinha sofrido muito esta noite, sem tempo para processar tudo. Ele não podia culpá-la. E ele estava grato por ela não estar discutindo, porque eles não tinham tempo de perseguir as duas bruxas com o navio chegando tão perto.

Ele desceu para o barco a remo e Kelia o seguiu rapidamente. Pelo canto do olho, ele notou que ela enrijeceu ao se sentar. As mãos dela estavam nos remos e, mesmo em meio à escuridão, a visão aguçada dele percebeu como os nós dos dedos dela estavam brancos.

Ele se sentou atrás dela, empurrou o barco para longe do cais e agarrou o segundo conjunto de remos. Embora ele pudesse remar este barco sozinho com o mínimo esforço, ele decidiu remar no ritmo vagaroso de Kelia. Contanto que estivessem fora da baía antes de o outro barco chegar, ele não se importava. Ele apreciou este tempo com ela, apreciou o lampejo de carne que apareceu de sua túnica, expondo sua garganta.

Mais cabelo se soltou de sua trança e ele largou um remo, pronto para colocar a mão em seu ombro para oferecer algum conforto. Mas ele parou antes que pudesse tocá-la.

Quem era ele para oferecer conforto quando seu próprio egoísmo a havia colocado nessa situação em primeiro lugar?

Sua mão bateu em sua coxa. Ela inclinou a cabeça, como se estivesse tentando ver o que ele estava fazendo, antes de se endireitar e olhar para frente.

—Você está bem? — Ela perguntou, puxando os remos.

Ele pegou os remos para ajudar.

—Eu sou Drew Knight, princesa —, disse ele, evocando o máximo de arrogância que podia nessa frase. —Que tipo de pergunta é essa?

Simplesmente pela forma como seus ombros se curvaram para frente, Drew sabia que ela estava revirando os olhos.

—Você sabe —, disse ele, —para alguém que costumava ser muito boa em se comportar como uma Assassina, você constantemente desrespeita seu capitão. Minha tripulação seria completamente punida se exibisse tal comportamento.

—Oh? — Ela inclinou a cabeça e ele imaginou que ela estava arqueando a sobrancelha esquerda. —E como você distribuiria essa punição, capitão?

Sua boca ficou seca, como se ele fosse algum tipo de garoto tolo clamando pela atenção de uma mulher desejável. E, no entanto, a maneira como a voz dela abaixou, a forma como escorregou por sua espinha, só aumentou os arrepios e fez seu coração - o que quer que tenha restado - palpitar.

—Talvez você precise de mais tempo para considerar a questão? — Ela riu, arqueando as costas enquanto remava com o barco mais para dentro do oceano. Ela não parecia afetada pelo mar. Ou, pelo menos, ela não estava mostrando se sua náusea estava causando algum receio. —Que decepção. E aqui eu assumi que você tinha muita experiência em matéria de... punição.

—Deixe-me te dizer, querida, — Drew disse rapidamente, esquecendo que ele estava bem com remo lento e chutando sua força em marcha. —Eu sou tão bom versado em punição a ponto de eu punir você tão bem que você imploraria que eu faça de novo.

Kelia olhou por cima do ombro e, desta vez, ela olhou nos olhos dele. Algo se passou entre eles, algo profundo, mas significativo. Algo mais.

Algo que deixou suas bochechas mais vermelhas do que ele já tinha visto.

Naquele momento, o barco atingiu o navio. Eles haviam alcançado o Espectro.

Kelia piscou, largando os remos e então se levantou lentamente. Drew praguejou baixinho. O que quer que tenha sido aquele momento, ele se foi agora. Desapareceu, como sua respiração se dissipando no ar em uma noite fria e amarga.

—Primeiro as damas. — Drew disse enquanto se levantava, firmando o navio.

Kelia caminhou até ele, uma mão na lâmina, como se fosse sua âncora, algo para enraizá-la no momento, antes de soltá-la para que ela pudesse subir a escada. Drew a acompanhou quando um de seus tripulantes começou a puxar o barco.

No momento em que ele estava firmemente de volta ao navio, Kelia já estava cruzando o convés de bombordo. A lua era grande, cheia e redonda, emitindo um brilho pálido que apenas enfatizava o brilho das estrelas.

—Coisas assim ainda pegam você desprevenido? — Kelia murmurou enquanto aprendia seus antebraços ao lado e olhava para o céu. —Ou você está tão acostumado com as estrelas e a lua que isso não o afeta mais?

—Essa é uma pergunta boba, — ele repreendeu levemente, aproximando-se dela. Ele queria estar mais perto dela, mas não queria forçar, não queria dominá-la. —Quando algo é verdadeiramente bonito, nunca é algo que permanece igual. A lua está cheia a cada ciclo, mas até ela é diferente a cada vez. Assim como o oceano. O oceano nunca é o mesmo a cada segundo de cada dia da semana de todos os meses de cada ano. A verdadeira beleza é atemporal porque está sempre mudando. Ou, talvez, a mudança venha de mim. Talvez eu esteja mudando, então a maneira como vejo a beleza muda também.

Kelia deu a ele um longo olhar antes de sorrir e desviar o olhar.

—Palavras muito bonitas, capitão. — disse ela.

—Querida, — Drew disse, virando-se para ela e apoiando o cotovelo na lateral do navio. —Se formos apenas nós dois, você pode me chamar do que quiser. Capitão, amor...

Sua boca se abriu, e ele se inclinou para frente, dominando-a, que se dane.

—Me chame do que quiser, e eu terei prazer em responder. — ele sussurrou.

Ela estremeceu sob seu olhar, e ele reflexivamente lambeu a parte inferior de seu lábio antes de perceber o que tinha feito. Seus olhos se arregalaram e ela seguiu sua língua com seu olhar penetrante.

Ela abriu a boca e Drew estava pronto para o que ela diria a seguir. Algo iria mudar. Ele podia sentir em seus ossos.

—Capitão! — Uma voz chamou atrás dele.

Drew fechou os dedos em punhos apertados, deixando cair o braço que estava apoiado no navio de volta ao seu lado. Ele girou a cabeça para seu membro da tripulação, sem se preocupar em esconder sua frustração.

— O quê? — Ele perdeu a cabeça.

—O barco está seguro —, respondeu Bryson. Ele não parecia perceber o quão irritado seu capitão estava. —Posso me despedir?

—Sim. — Drew rosnou. Dez minutos atrás!

Quando ele se virou para terminar sua conversa tentadora com Kelia, ela já havia descido para o convés.


CAPÍTULO 13

Foi impossível para Kelia dormir naquela noite, apesar do fato de já ser tarde quando ela e Drew voltaram para o navio. Não quando ela tinha a sensação de que sua mãe ainda estava viva com as sereias.

Mas como? Elas poderiam transformar os outros no que eles eram, como Sombras poderiam? Sua mãe era uma sereia agora?

O pensamento ficou com ela enquanto ela olhava para o teto de seu quarto. Com o brilho da lua lançando uma luz estranha, as coisas pareciam revestidas de auras estranhas que pareciam mais sinistras do que reconfortantes.

Quando os minutos se transformaram em horas e Kelia ainda era a única pessoa no quarto, ela começou a ficar preocupada.

Christopher e Wendy teriam alugado um pequeno quarto para passar a noite, para que pudessem ficar sozinhos e dormir no mesmo quarto juntos? Afinal, eles estavam noivos e não havia espaço extra para eles aqui.

Era duvidoso que Emma e Daniella ainda estivessem fazendo compras, no entanto. Tudo de que precisavam eram ingredientes. Além disso, por que mais elas precisavam estar na ilha?

Talvez elas já estivessem de volta. No navio, mas em um cômodo diferente. Daniella era conhecida por rondar no meio da noite para um lanche da meia-noite. Kelia não ficaria surpresa se, desta vez, ela arrastasse Emma para a cozinha.

Kelia apertou os lábios e rolou para o lado, puxando o cobertor áspero para envolver seu corpo. Verdade seja dita, ela não estava acordada porque esperava que seus colegas de quarto voltassem. Ela não estava acordada porque o silêncio estava muito alto ou porque as sombras que enchiam seu quarto, mesmo com a lua cheia, a faziam se mexer de desconforto. Ela nem mesmo estava preocupada com o fato de sua mãe estar viva - embora isso fosse algo com que ela tentou se distrair e falhou.

O motivo pelo qual Kelia não conseguia dormir era porque ela não conseguia parar de pensar em Drew Knight.

Ela soltou um suspiro e caiu de costas, olhando para o teto mais uma vez. Ele tinha estado muito perto dela esta noite. Ela podia sentir o cheiro do sal e do trevo nele, podia ver as íris de seus olhos escuros. As maçãs do rosto dele eram nítidas e ela ansiava por correr os dedos nelas apenas para ver se eram tão afiadas quanto pareciam.

Isso não era bom. Ela não podia continuar a olhar para Drew Knight como se ela não comesse por dias e ele fosse um pedaço de carne. Se ele percebesse isso, as ações dela apenas alimentariam seu ego astronômico. Mas também, ela não queria ser aquela garota que se sentia atraída por um homem bonito.

Drew Knight é muito mais do que bonito, sua voz interior destacou.

Seu cabelo bateu em seu rosto enquanto ela balançava a cabeça. Ela não era essa pessoa. Ela não se importava com trivialidades como amor e sentimentos e charme e atratividade. E, no entanto, aqui estava ela, incapaz de dormir - incapaz de sequer contemplar o fato de que sua mãe poderia muito bem estar viva - porque estava muito envolvida nele. Ela rosnou para si mesma e sentou-se, passando os dedos pelos cabelos ondulados.

Eles quase se beijaram de novo se aquele Sombra do Mar não os tivesse interrompido...

O problema era que ela queria beijá-lo. Ela ainda queria.

E se da próxima vez, quando ela tivesse a chance, ela se permitisse ceder em seu desejo? E se fosse algo mais do que beijos? Porque havia noites em que ela imaginava as mãos de Drew em seu corpo, descobrindo-a de uma forma que ela nunca poderia descobrir a si mesma. Ela imaginou a maneira como os olhos dele às vezes escureciam quando a observavam. A maneira como seus lábios poderiam beijar outras partes de seu corpo que não eram seus lábios. Seu corpo doía quando ela tinha esses pensamentos traiçoeiros, e de repente ficou desapontada por Jennifer não estar aqui com ela, para ajudá-la a resolver essa bagunça.

Ao pensar em sua velha amiga, Kelia soltou um suspiro. Seus dedos pararam de correr pelo cabelo e ela não pôde deixar de permitir que uma pontada de tristeza invadisse seus pensamentos, embora estivesse com tanta raiva desde o encontro em Port George. Jennifer tinha sido sua amiga, a ajudou, e agora...

Kelia se levantou, jogando o cabelo por cima do ombro. Ela estava ficando com dor de cabeça pensando em todas essas coisas. Ela precisava de ar fresco. Ela precisava aquietar sua mente.

Enquanto ela subia a escada, ela gemia sob seu peso. Ela fez uma pausa, esperando não ter acordado ninguém.

Verdade seja dita, ela esperava que as bruxas ainda estivessem fora, aproveitando a ilha e tudo que ela tinha a oferecer enquanto ainda podiam. Ela não sabia muito sobre a tripulação de Drew; por algum motivo, Drew preferia isolá-los o máximo possível. Kelia nunca encontrou tempo para perguntar a ele se isso era para o benefício da tripulação.

Enquanto o ar noturno mais frio do que o esperado esfriava seu rosto e mãos, ela esfregou os braços e encostou-se a bombordo. As estrelas brilhantes, como joias no céu, lançavam grandes reflexos no oceano, e a lua era sólida e quente, como uma mãe procurando seu filho.

Kelia arqueou as costas e mudou seu peso para o quadril direito. A ilha mal era visível de onde ela estava. Drew garantiu que seu navio fosse bloqueado por qualquer observador casual, olhando para fora das docas. Seu navio era seu porto seguro. Mesmo que sua presença fosse localizada na ilha, ele ainda tinha seu navio para onde retornar. Ele ainda tinha um lugar para se retirar.

Seus olhos passaram a olhar para os aposentos solitários no convés do navio, em vez de colocados abaixo dele. Não havia janelas; Kelia não conseguia entender se havia a possibilidade de Drew estar acordado. Não que isso importasse. Não era como se ela fosse caminhar até lá, bater em sua porta e ficar com raiva dele simplesmente porque ele não queria sair de sua mente.

A água batia suavemente contra o navio, um som calmante que relaxou seus nervos. Houve uma forte queda a estibordo. Talvez outro Sombra colocando um barco na água para aproveitar a ilha enquanto podia? Kelia olhou para o céu negro. O brilho da lua estava ficando fraco. Ela não tinha certeza se era porque a manhã estava perto ou se era algo completamente diferente.

—Você não sente que há um frio especial no ar, Sra. Starling?

Kelia girou tão rapidamente que quase perdeu o equilíbrio e escorregou no convés. Felizmente, ela conseguiu se agarrar à lateral do navio para se manter firme.

Era a Sombra de antes - aquela que interrompeu Drew e Kelia naquela noite.

—Oh. Hum, sim, sim, eu sinto.

As Sombra nunca falavam diretamente com ela. Elas provavelmente estavam curiosas, embora um pouco inquietas, com uma humana e algumas bruxas andando por aí. Talvez isso fosse parte de Drew isolá-las. De qualquer forma, isso a pegou desprevenida.

O homem Sombra se aproximou, alto, com pele morena e cabelo escuro cortado curto, como o de Drew. Ele era excepcionalmente largo e bem constituído, com olhos escuros e uma mandíbula forte. Embora houvesse um ar de descontração e charme em torno de Drew, este Sombra parecia quieto e pensativo.

Existe uma razão para você comparar cada novo homem que encontra a Drew Knight? a mesma voz interior de antes perguntou. Ela fez uma careta com o pensamento intruso e tentou oferecer um sorriso ao membro da tripulação.

—Você gostaria do meu casaco? — Ele perguntou.

O rosto de Kelia queimou, e ela percebeu que as Sombras podiam ver excepcionalmente bem mesmo através da escuridão, então ele provavelmente poderia vê-la corar com a mesma certeza que ela sentia.

Rapidamente, ela se afastou do lado bombordo. —Hum, eu já estava indo.

—Eu peço desculpas. — A voz da Sombra era baixa e atraente, algo sensual na maneira como ele falava.

Kelia não se sentia à vontade, entretanto. Em vez disso, ela sentiu como se milhares de agulhas estivessem picando sua pele, e ela não tinha certeza se aquele homem Sombra era alguém a ser evitado ou a conhecer mais profundamente.

—Sei que nunca nos falamos e você está neste navio há meses —, continuou ele. —Meu nome é Casey Stepford e sou - era, devo dizer - inquilino esquerdo da Companhia das Índias Orientais. Eles me trouxeram à Rainha depois que descobri o segredo deles.

Kelia estava pronta para partir, mas isso a fez parar. —O segredo deles?

—Para quem eles estavam trabalhando —, disse a Sombra. —Como a Sociedade foi criada para a Rainha e as Sombras, em vez de contra eles pela Companhia das Índias Orientais. Em vez de me matar, ela fez com que uma de suas Sombras me transformasse, esperava que eu pudesse ser de alguma utilidade, mas eu era fraco. Fui abandonado logo depois disso. Então eu deixei a ilha e vim para cá. —Ele acenou com a cabeça para a ilha em questão. — Onde encontrei Drew Knight.

Kelia engoliu em seco. Por que ele estava compartilhando essa informação com ela? Seu corpo inteiro parecia cinza, entorpecido, o nada que poderia soprar com o vento. Isso foi o máximo que ele já falara com ela - o máximo que qualquer um dos Sombras do Mar a bordo já falara com ela. Ela não tinha certeza de como se sentia sobre isso. Parte dela estava feliz por falar com alguém que não era apenas mágico ou um capitão, mas outra parte estava desconfiada. Depois de tudo que ela havia passado, ela não sentia como se pudesse simplesmente confiar em alguém.

—Estou falando demais. — Disse ele com um leve aceno de cabeça.

Kelia sorriu sem querer demonstrar.

Ele assumiu uma aparência adorável, como se estivesse envergonhado. Ele tirou lentamente o sobretudo e o entregou a ela.

—Meu casaco. — Disse ele.

Kelia não teve tempo de ponderar se deveria aceitar ou não. Ela não queria ser rude. Como tal, ela pegou o casaco oferecido e o vestiu. Afogou seu corpo e não ofereceu o calor que poderia ter se alguém vivo que não fosse uma Sombra do Mar o estivesse usando. Ela agarrou as pontas das mangas com as pontas dos dedos, respirando fundo, incapaz de se impedir de se perguntar se se sentiria diferente se esta fosse o casaco de Drew.

—Aí está você. — Ele deu um passo para trás.

Kelia olhou para ele, para seu rosto. Havia algo genuíno nele, algo que tornava fácil gostar dele. Ela não sabia se era parte de sua atração como uma Sombra do Mar ou algo que simplesmente vinha naturalmente para ele.

—Eu digo, é bastante grande para você. — Seu olhar correu para cima e para baixo em seu corpo. Não havia nada lascivo sobre o olhar, no entanto. —Esperançosamente, ele faz um bom trabalho em mantê-la aquecida, senhorita.

O homem Sombras deu um passo para trás, provavelmente pronta para recuar. Embora o amanhecer ainda não tivesse anunciado seu aparecimento, Kelia sabia que a luz atingiria o horizonte em breve, e embora as Sombras estivessem protegidas da luz enquanto estivessem no mar, ela se perguntou se talvez esta Sombra em particular estivesse pronta para dormir.

—Kelia. — A palavra saiu como um grasnido, como se ela não falasse há horas e sua garganta estivesse seca e áspera.

—Eu sinto muito? — Ele se virou e deu um passo em sua direção, agora mais perto dela do que antes. Nada desagradável; em vez disso, havia um espaço de cerca de um braço entre eles. Parecia muito perto, entretanto.

—Kelia, — ela repetiu. —Meu nome. Tenho certeza que você sabe meu nome, mas você pode me chamar de Kelia, se desejar.

Ela se sentiu desconfortável enquanto falava, mudando seu peso de um lado para o outro. Ela foi incapaz de fazer contato visual com ele até terminar a frase. Seu coração pulou uma batida. Ele era tão impressionante que era difícil formar frases em torno dele.

—Kelia —, disse ele com um sorriso. —É um prazer finalmente conhecê-la. Devo me desculpar por não ter vindo antes. Nosso capitão insistiu que nem sequer olhássemos para você se quiséssemos manter nossas vidas, mas senti que agora era um bom momento para oferecer-lhe um tipo palavra. — Houve uma risada, mas Kelia não conseguiu decifrar se era realmente divertido ou se a Sombra estava sendo educada. —Ele é muito protetor, especialmente com você, Kelia. Você deveria considerá-lo como o maior elogio. Drew Knight não é do tipo que protege os outros, especialmente os humanos.

Kelia se enterrou mais fundo no casaco e inalou lentamente. Sugestões sutis de fumaça, o oceano e algo metálico - sangue, talvez? - encheram seus sentidos. Não era um cheiro totalmente agradável, e ela agarrou a lateral do navio na esperança de que isso acalmasse seu estômago.

Por que Casey estava dizendo isso a ela? Por que ele se sentiu compelido a compartilhar isso com ela? Drew Knight era exatamente quem ele era. Ela não poderia se importar se ela o afetava de forma diferente.

—Não posso culpá-lo por isso, no entanto —, disse ele. Sua voz diminuiu. Ele deu mais um passo em direção a ela, inclinando a cabeça para o lado para que seu cabelo caísse em seu rosto. —Você é linda e frágil, algo que vale a pena proteger. Se você pertencesse a mim...

—Eu não pertenço a ninguém. — Ela retrucou, estreitando os olhos para ele.

—Ainda não —, disse Casey, seus lábios se curvando no que parecia ser um sorriso. Não foi divertido ou sincero, no entanto. —Mas acho que a Rainha ficaria muito satisfeita se eu levasse você até ela. Acho que ela quer fazer um novo casaco com a sua pele.

A mão de Kelia foi para o quadril por instinto. Ela vacilou quando percebeu que sua lâmina não estava lá.

Agora ela teria que confiar em sua inteligência para navegar neste confronto, algo em que ela não se sentia tão confiante quanto se sentia com sua lâmina.

—A rainha? — Kelia perguntou.

Ela recuou até que suas costas bateram na lateral do navio. Ela estava presa. Não havia nenhum outro lugar para ela ir. Como alguém da tripulação de Drew poderia ser desleal com ele?

—Sim, — ele disse com um aceno de cabeça. —A mãe que eu deveria ter tido. Não algum imbecil que não poderia instruir um infante sobre a maneira adequada de lidar com uma transformação repentina. Ela ficará satisfeita comigo quando eu a levar até ela.

Kelia se afastou do lado, pronta para correr para o espaço - para sua lâmina - mas Casey já estava atrás dela. Seu peito pressionou contra suas costas e sua mão apertou sua boca antes que ela pudesse gritar.

Ele a arrastou pelo convés antes de jogá-la a estibordo em um barco. Embora ela tenha conseguido recuperar o fôlego, quando foi soltar um grito, outro membro da tripulação já a segurou e apertou novamente sua boca com a mão.

Em segundos, Casey se juntou a eles no pequeno barco, e com dois Sombras remando excepcionalmente rápido, eles estavam na ilha na mesma hora.


CAPÍTULO 14

Na manhã seguinte, foi como se o corpo de Drew conspirasse contra ele. Ele dormiu pouco e, enquanto andava pelos aposentos procurando roupas para o dia, bateu o dedão do pé. Não doeu, mas conforme a manhã continuava da mesma maneira, os pequenos aborrecimentos começaram a se acumular até que ele estava quase pronto para abandonar a função de capitão. Pelo menos por um dia.

Ele deveria receber sua entrega de sangue hoje, no entanto. Apesar da morte prematura de Grayson, a empresa não fechava. Outras pessoas tinham dinheiro para ganhar, e a morte de Grayson significaria apenas que seus lucros seriam divididos de forma menos distribuída.

Quem interviria nas funções de Grayson, Drew não sabia, mas não importava para ele, contanto que tivesse seu sangue.

Enquanto ele caminhava para fora, o amanhecer estava pintando o céu com raios de luz que perfuraram as nuvens e fizeram com que muitas estrelas simplesmente desaparecessem... por enquanto. Ele só tinha dormido por algumas horas, e ele sentiu: o leve latejar de sua cabeça, o cansaço que tocava seus olhos, o desejo de rastejar de volta para seus lençóis e esquecer o dia.

No entanto, ele acordou de repente, incapaz de voltar a dormir, uma sensação de ansiedade agitando-se em seu intestino de que ele estava determinado a se acalmar. Para fazer isso, ele precisava verificar sua tripulação, em seu navio. Afirmar que tudo estava como deveria estar.

O mar fez o navio gemer, empurrando-o e puxando-o. Drew ficou a bombordo, apenas para observar a torrente na água. Seus lábios estavam curvados em uma carranca. Parecia que uma tempestade estava chegando.

Estranho, para março. Março era tipicamente frio, mas além das nuvens, a chuva não caía até abril e partes de maio. Março foi reservado para a quietude, um de seus meses favoritos para navegar. Ele não queria interpretar isso como qualquer tipo de sinal. No entanto, ele era um marinheiro e pirata antes de qualquer outra coisa, e estava em sua natureza ser supersticioso.

O deck do Espectro estava vazio, embora ainda fosse cedo. Se a maioria de sua tripulação não tivesse voltado da ilha até o último minuto, eles teriam ido dormir apenas uma hora ou mais antes.

A quietude que enchia deveria ser relaxante, mas ele não conseguia afastar a sensação de que algo estava errado. Ele considerou o silêncio como mais um sinal sinistro de que algo ruim havia acontecido.

Suas botas bateram no deck de madeira que praticamente cintilava devido à sua insistência em mantê-lo limpo. As velas tilintavam suavemente, mas ninguém estava no ninho do corvo. Ele não tinha certeza se a Sombras designada, Marcus, tinha simplesmente adormecido em seu posto, ou se ele nunca tinha estado em seu posto.

Drew apertou os lábios em uma linha fina. Seu instinto natural foi assumir o comando, embora não planejasse deixar a ilha hoje. Estar atrás do leme, segurando os lemes lisos com os dedos, ajudou a acalmar sua mente e permitiu que ele pensasse em qualquer coisa que pudesse estar incomodando.

Em vez disso, ele virou à esquerda e desceu do convés. Seus passos eram mais altos na escada estreita, e o terceiro degrau da parte inferior deu um guincho revelador, alertando qualquer um mesmo remotamente acordado de sua presença.

Ele se sentiria melhor assim que falasse com Kelia. Enquanto ele estivesse seguro, o que quer que estivesse errado em seu navio - o que quer que estivesse lhe dando essa sensação de ansiedade - se tornaria mais suportável quando ele a visse.

Ele não sabia o que estava planejando fazer, no entanto. Se ele abrisse a porta do quarto dela, havia a possibilidade de ela, e as bruxas se tivessem retornado, acordar. Kelia ficaria furiosa com ele por verificar como ela estava. Ou inquieta se ele não desse um motivo para invadir. Ele não poderia ganhar com aquela mulher!

Parte dele não se importava de uma forma ou de outra. Ele só queria ter certeza de que ela estava segura, dobrada em um cobertor áspero, baba escorrendo de sua boca enquanto ela dormia. Se ele pudesse apenas ver sua pilha bagunçada de cabelo loiro, ele não se importaria com quem ele acordasse.

Havia movimento no grande quarto onde sua tripulação dormia. Ele alcançou a porta, franziu os lábios e esperou. Ele deu um passo em direção à porta fechada e pressionou o ouvido contra ela. Ele não esperava que sua tripulação levantasse por mais uma hora - pelo menos não aqueles que tinham esse turno.

—... nunca mais voltou. — Disse uma voz. Stephen, Drew decifrou.

—Eu vi Casey e Robert eu mesmo, — um segundo sussurrou de volta. —Os dois estavam aqui. Eles sabiam que tinham o turno da manhã. Foi por isso que os dois voltaram do Damned tão cedo. Você acha que Robert teria recusado a ruiva na taverna na noite passada, a menos que ele tivesse que voltar?

—Então onde eles estão? — Stephen perguntou, um claro aborrecimento em seu tom. —Eu não consigo limpar as velas sozinho, companheiro. E Casey é tão alto e ágil. Ele sobe no mastro como um maldito macaco.

—Eles provavelmente já estão no convés. — A segunda voz respondeu, o cansaço envolvendo sua voz.

—Eu não os vi lá em cima, cara, — Stephen disse. —E eles não estão aqui dormindo agora, estão?

Casey e Robert não estavam a bordo? Um aperto apareceu no início do peito de Drew, tornando difícil para ele respirar direito. Os marinheiros desaparecidos não pareciam bons com ele, não quando sua tripulação sabia que Drew não toleraria atrasos de qualquer espécie.

—Vamos, vamos —, disse a segunda voz, — não podemos fazer nada sobre eles. Precisamos começar a trabalhar antes que o capitão descubra que estamos tagarelando. Quero minha última noite na ilha. Eu não quero apodrecer aqui.

Drew se endireitou e se afastou da porta. Quando abriu momentos depois, ele forçou um sorriso e acenou com a cabeça em uma saudação.

—Stephen, Don. — Disse ele.

Eles pularam um pouco com a presença de Drew, o que seria levemente divertido em qualquer outro dia. Afinal, eles eram sombras. Drew entendeu como poderia ser fácil aprender a sintonizar os sentidos aprimorados que vinham com ser uma Sombra, mas ele não tinha ficado exatamente quieto ao descer.

—É bom ver vocês acordados tão cedo, — Drew continuou. —Vamos lá então, sim?

Stephen acenou com a cabeça, e Don murmurou um “Sim, capitão” antes de ambos subirem correndo as escadas. Quando eles se foram, Drew voltou para o quarto onde as mulheres dormiam.

Ele não iria abrir a porta do quarto, ele decidiu. Talvez, se pressionasse o ouvido contra a porta, seria capaz de decifrar sua respiração. Isso seria o suficiente. Então ele poderia saber que ela estava bem, sem deixá-la com raiva dele por ver como ela estava.

Quando ele estava prestes a fazer isso, a porta foi aberta e Drew quase caiu para a frente.

—Ela não está aqui —, disse Emma em um tom engraçado e cansado. —Eu presumi que ela estava com você.

Demorou um pouco para Drew notar a mudança de Emma e a trança despenteada. Ele nunca tinha visto Emma assim. Ela normalmente estava sempre arrumada antes de se permitir ser vista por alguém. O fato de ela ter atendido a porta sem se vestir, sem escovar os cabelos...

Drew cerrou a mandíbula e bateu a palma da mão na porta, abrindo-a. Seus olhos percorreram o berço vazio, o cobertor dobrado, o travesseiro perfeitamente posicionado.

—Não, — ele rosnou, se virando. Ele fechou os dedos em punhos apertados, cravando as unhas na pele para manter a raiva um pouco controlada - uma façanha impossível. —Não, ela não estava comigo.

—Drew...— Emma disse lentamente. Ela não fez menção de sair do quarto, mas ainda não havia fechado a porta para se trocar de roupa. —Drew, o que você planeja fazer?

Ele não respondeu. Em vez disso, ele voltou para onde sua tripulação estava e quase bateu na porta. Um grunhido e gemido, e até mesmo o baque forte de alguém caindo da rede para o chão, atravessou as paredes finas.

—Levantem-se, seu bando de baldes de ossatura gelatinosa e sugadores de dedo! — Drew gritou. —Saíam para o convés em não mais de dois minutos ou o diabo vai estar esperando vocês, e eu vou garantir que ele esteja enfeitado com prata. Não me testem.

Ele subiu as escadas pisando forte, seus pensamentos acelerados, seu coração esquecendo completamente de bater. Ela não estava aqui.

Ela não estava aqui, nem duas de suas Sombras.

A primeira coisa que fez quando voltou ao convés foi ir para a parte de trás do navio, onde seus barcos estavam armazenados. Ele tinha cinco deles. Havia apenas quatro em seus devidos lugares. Um estava faltando.

Ela estava fora para ver se ela poderia rastrear uma sereia que poderia levar a sua mãe?

Drew apertou os lábios. Ele tinha um sentimento, e isso não o satisfez. Ela não o abandonaria. Não depois do que aconteceu entre eles ontem à noite. Ela já tinha feito isso uma vez, e ele confiava que ela não faria de novo.

No entanto, ele também estava ciente de que Kelia estava à deriva, como um pedaço de madeira flutuando no mar. Sua vida, suas verdades, tudo que ela havia aprendido, foram arrancados dela. Ela não tinha família, nada com o que estivesse familiarizada, exceto por ele.

Ela o deixaria para procurar o familiar? Para a mãe que ela pensava ter perdido quando era uma mera criança.

Passaram-se menos de dois minutos antes que toda a sua tripulação emergisse no convés. Alguns mal conseguiam ficar de pé, talvez porque tivessem adormecido apenas uma hora ou mais. Eles se alinharam, seus ombros rolaram para trás, seus peitos estufados, seus narizes para cima. Suas roupas foram colocadas juntas, com algumas túnicas e sapatos anteriores, a fim de chegar ao convés dentro do prazo praticamente impossível de Drew.

Drew cerrou os dentes, lentamente começando a descer a linha. Cada passo que dava, ele contava. No momento em que desceu a linha, ele contou dezoito homens.

Estava faltando dois.

Ele sabia disso, mas o pensamento deles tendo Kelia causou uma raiva desenfreada que rasgou seu sistema.

Nenhuma sombra disse nada.

Emma subiu ao convés depois disso, muito mais organizada do que antes. Seu cabelo estava bem trançado e seu vestido não tinha rugas e era apropriado para ser visto por outras pessoas. Era escuro - um roxo que às vezes parecia preto dependendo do ambiente. Seu corpo estava rígido, seus olhos se estreitaram. A julgar pela mandíbula cerrada, ela não estava feliz.

—Onde estão Casey e Robert? — Drew exigiu. A última coisa que ele queria fazer era deixar seu desespero óbvio, mas ele não conseguia controlar a forma como suas palavras soavam ao saírem de sua boca. Não havia tempo para preâmbulos, não havia tempo para se preocupar com as consequências de revelar sua fraqueza agora. Não quando cada segundo que passava arriscava a vida de Kelia. —Digam-me, malditos!

—Não sabemos —, disse Stewart. Drew não o conhecia bem, mas tinha uma aparência envelhecida, como se tivesse visto muito durante sua gestão como Sombra do Mar. —Eles deveriam estar no primeiro turno esta manhã, mas eles não estão aqui.

Drew olhou para Emma.

—Você me engana, se acha que sou capaz de dizer se ele fala a verdade. — Disse Emma.

Drew sabia que Emma não poderia criar um soro da verdade. Apenas sereias tinham a habilidade de adquirir honestidade de alguém. No entanto, ele não podia deixar de desejar que ela pudesse observar o homem Sombra e usar sua intuição precisa para determinar o que era fato e o que era ficção. Seus próprios instintos estavam completamente esgotados. Qualquer sentimento interno do que era certo se afogou nas emoções dominantes que atualmente corriam soltas em seu corpo.

—Você já provou o sangue dela? — Emma perguntou, dando um passo à frente. —Talvez você possa rastreá-la?

—Eu curei a mão dela com meu sangue, — Drew disse, sua voz gutural. Ele baixou a cabeça e ficou olhando para a prancha sob seus pés. Partículas de água oceânica perdida pousaram em seu navio após uma onda particularmente forte que balançou seu navio. Ele contou dezessete gotas antes de olhar para Emma. —Eu não tive o sangue dela. Eu não queria...

Ele se deteve. Ele se lembrou daquele corte que ela havia recebido horas antes. Se ele apenas tivesse cedido à tentação. Se ele apenas se permitisse, ele seria capaz de rastrear pelo menos o paradeiro dela. Se ele tivesse mais sangue dela em seu sistema, ele poderia ser capaz de identificar sua localização exata.

—Desculpe.

A cabeça de Drew saltou para a escada que descia. Quando ele viu Danielle, parada no topo da escada com uma mão em seu quadril proeminente e a cabeça inclinada para o lado, algo dentro dele se eriçou. No entanto, ele mordeu a língua. Ela possuía habilidades. Talvez ela pudesse ajudar. De alguma forma.

—Você não precisa rastrear Kelia —, disse ela. —Se você localizar suas Sombras, isso, por sua vez, não pegaria a localização de Kelia? E elas devem estar em algum lugar na água, com o sol nascendo, certamente?

Drew soltou um suspiro pelo nariz. Ela estava certa. Claro. Como ele pôde ser tão estúpido?

—Sim, — ele disse lentamente. —Eles seriam forçados a ir para a água agora.

—E se Emma e eu revistássemos os navios e os barcos atracados? — ela perguntou. —Esta ilha não pode ser tão grande. Quantas docas existem?

—Três, — Emma interrompeu antes que Drew pudesse responder. —O lado sul é o que usamos. O lado norte é para humanos que desejam atracar em algum lugar sem a ameaça do sobrenatural. E as docas a oeste são...

—Fechadas, pensei —, disse Drew. —Eu ouvi um dos shifters colocar fogo nas docas oeste dois anos antes.

—Não é usada com tanta frequência, mas é usada —, disse Emma, fixando os olhos em Drew. —De vez em quando. No mínimo, podemos verificar.

Drew acenou com a cabeça. —Sim, claro.

—Capitão.

Drew se virou para olhar sua tripulação com um olhar furioso. De sua periferia, ele viu Emma acenar para Daniella e Daniella descer as escadas. Ele queria gritar com ela sobre ir embora agora, sentindo os segundos escapando de seus dedos da mesma forma que grãos de areia escapavam facilmente de suas mãos. Em vez disso, ele rosnou para sua tripulação.

—Ouvi dizer que Casey também fez um pedido em The Plantation —, disse ele. —Se seu pedido não estiver pronto até esta noite, talvez ele seja forçado a ficar mais uma noite antes de partir da mesma forma.

Isso aliviou Drew mais do que ele estava disposto a admitir.

—Matt. — Drew deu um passo na frente do Sombra esquelético, perfeito para rastejar pelo mastro e ficar sentado no ninho do corvo o dia todo. —Do seu ponto de vista, você viu algum barco ou navio indo ou vindo?

—Eu só estive lá até o amanhecer —, disse Matt, —e então fui para baixo do convés. Mas durante meu turno, não vi nenhum navio sair e nenhum navio chegar.

Drew acenou com a cabeça. Isso o fez se sentir um pouco melhor. Pelo que Matt viu, ninguém havia partido para os mares maiores, o que significava que ainda estavam na ilha ou em torno dela.

—Capitão Knight —, disse Emma, caminhando até ele. —Posso fazer uma sugestão? — Ela não esperou pela resposta dele. — Dispense sua tripulação. Volte para seus aposentos. Descanse. Você vai precisar. Encontraremos Kelia, mas não seremos capazes de fazer isso com suas ordens latentes para todos.

Drew abriu a boca para discutir antes de fechá-la lentamente. Emma estava certa. Ele precisava descansar. O único problema era que ele duvidava muito que o sono viesse.


CAPÍTULO 15

Kelia tinha sido levada do Espectro para um barco mutilado no lado oeste da ilha. Este barco pouco fazia para se misturar com o ambiente. Ambas as Sombras que a haviam levado estavam dormindo; ela podia dizer pelo ronco profundo no quarto ao lado dela.

No momento, ela não conseguia se mover porque a corda a mantinha presa ao mastro e incapaz de falar por causa de um lenço sujo amarrado em volta de sua boca. Franjas dançavam em seus olhos e ela não conseguia nem mover a cabeça para afastá-las. Ela se contorceu, esperando que a corda grossa e marrom cedesse um pouco ou que ela pudesse deslizar de alguma forma.

Infelizmente, nada do que ela tentou funcionou.

As Sombras que a sequestraram não a machucaram, mas isso era apenas porque planejavam levá-la para a Rainha. A rainha não seria tão gentil. Mas Kelia não estava com sua lâmina consigo, então mesmo que conseguisse escapar, não haveria como lutar para voltar. Casey e Robert - O outro homem Sombras, ela descobriu - a deixaram com nada além de suas roupas e trança bagunçada. Eles até haviam levado suas botas para livrá-la de qualquer cadarço que pudesse ser usado para sufocá-los.

A única arma ao alcance era o pedaço de corda que a mantinha presa ao mastro.

Nuvens pesadas e cinzentas obscureciam o sol no céu, e as ondas empurravam o pequeno barco mais completamente do que o navio de Drew. Kelia estava começando a sentir os efeitos em seu estômago. Se ela vomitasse, ela poderia muito bem sufocar, já que não havia saída para ela, então ela tentou respirar o ar frio e limpo.

Ela olhou para a ilha, para as árvores altas e exuberantes e a rica vegetação. Mesmo de sua posição, ela podia ver mais da cidade do que tinha visto na noite anterior. Pareciam pequenas casas em vez de negócios estabelecidos com pequenas janelas quadradas e portas arredondadas. Era difícil distinguir qualquer outra coisa, exceto o prédio alto mais adiante na cidade.

A névoa espessa cobria a ilha com um cobertor protetor. Kelia fechou os olhos quando a névoa rolou sobre as pequenas partes de sua pele exposta.

Seus olhos se encheram de lágrimas de frustração. Seu corpo estava começando a doer, estando na mesma posição por um longo tempo, especialmente com as cicatrizes de seu tempo no programa Cegos da Sociedade. Ela não queria dormir - não poderia, mesmo que tentasse.

Ela franziu a testa com esse pensamento. Ela não tinha passado por isso para ceder a isso. Não seria o que aconteceu com Kelia Starling. Ela não choraria porque a vida era muito difícil ou porque ela não sabia como lidar com a situação. Ela precisava confiar em si mesma. A resposta viria. Sempre foi assim. Só exigia mais paciência do que ela costumava ter.

Então ela continuou a se mexer, pressionar e se mover contra a corda, esperando que, embora não pudesse ver nenhuma diferença em suas amarras, ela estivesse fazendo algo.

 


Kelia não tinha certeza de que horas eram; deve ter sido no mesmo dia, mas a mudança na posição do sol no céu sugeria que horas haviam se passado. Ela estava tão cansada que mal conseguia ficar de pé, e seus joelhos formigavam como se fossem ceder a qualquer momento, mas isso só lhe causaria mais desconforto por não ter nada além de uma corda para segurá-la.

Pior, seu estômago estava enviando mensagens confusas para seu corpo, o que então fez com que seu corpo produzisse sensações que eram prejudiciais para seu foco e sua resolução. Como Kelia podia sentir náuseas e fome ao mesmo tempo estava além dela, mas sua cabeça beliscou de frustração de qualquer maneira. Com seus músculos tensos, era difícil para ela continuar se movendo contra suas amarras.

Lágrimas picaram os cantos de seus olhos. Sua mandíbula tremeu e ela soltou um grito de frustração que não fez nada a não ser pressionar a boca contra o lenço.

Não havia brisa, não hoje, mas pelo menos as nuvens ainda bloqueavam o sol. Isso tornava difícil discernir a passagem do tempo, mas também mantinha a temperatura quase suportável.

Infelizmente, suas amarras permaneceram inalteradas desde o que eram horas atrás. Ela se sentia fraca, em uma necessidade desesperada de sustento, sem nenhuma ideia de como iria adquirir algum.

Seus olhos voaram de volta para a ilha, esperando que alguém viesse para estas docas. Mas, a julgar pelo quão negligenciado este lugar era, quão vazia a área estava - sem nenhum navio, exceto este, o barco que eles usaram para chegar aqui, e talvez um outro navio - parecia que o lado oeste da ilha raramente era usado, se não abandonado inteiramente. O que significava que havia uma pequena chance de ela ser encontrada, e mesmo se fosse, havia uma grande probabilidade de que ela não fosse encontrada por alguém que realmente fizesse algo para ajudá-la.

Kelia rangeu os dentes enquanto as lágrimas deslizavam por suas bochechas e ensopavam a mordaça do lenço. A pele do rosto dela se contraiu com os resíduos de lágrimas secas que ela desejava limpar, mas não conseguia. Seu desamparo só fez cair mais lágrimas.

Por que as Sombras precisavam dela? Qual era o propósito de levá-la? A Rainha queria Drew. Certamente, Sombras que ela conheceu em outros navios alegaram que a Rainha tinha uma recompensa pela cabeça de Kelia. No entanto, era difícil para Kelia entender por quê. Emma poderia explicar que Drew gostava dela, mas Drew gostava de Emma e de sua irmã também. Por que essas Sombras achavam que seria melhor se levassem Kelia em vez de Wendy ou Emma?

A menos que o pensamento tivesse passado por sua mente, eles rejeitaram porque Emma e Wendy eram bruxas poderosas. Porque seria difícil lutar contra elas. Porque talvez mesmo se uma delas fosse levada, elas poderiam manipular a corda, elas poderiam se libertar de serem amarradas com facilidade.

Kelia era uma mera humana, sem poderes em seu nome. Ela não conseguia se libertar com a mente, com um encantamento. Ela tinha apenas as mãos e talvez uma arma - se alguém lhe desse uma. Ela era... inútil. Fraca.

Uma humana.

Serei a pior merda que já aconteceu com aquela vadia, Kelia pensou consigo mesma. Ela iria lutar contra qualquer tipo de coisa que pudesse, mesmo que não fizesse nada, apenas para ser difícil. Certamente, ela não tornaria isso fácil para a rainha.

Uma grande e gorda gota de chuva caiu em seu nariz e Kelia apertou os lábios em uma linha fina. A chuva viria e Kelia a suportaria, assim como ela suportou todo o resto.

 


Outra hora se passou, talvez duas. Era difícil para Kelia saber e fácil para ela não se importar. Ela estava simplesmente esperando pelo anoitecer, esperando que a chuva diminuísse, quando esperava ter mais uma oportunidade de se libertar. Uma vez que as Sombras acordassem - uma vez que deixassem esta ilha e começassem a se dirigir para onde quer que esta Rainha residisse - uma oportunidade se apresentaria.

Ela esperava.

Algo pegou sua visão periférica e ela virou a cabeça o melhor que pôde. Parecia haver algo à distância, algo vermelho e preto. Parecia estar se movendo...

Ela piscou uma vez, tentando limpar a exaustão e as lágrimas desbotadas de sua visão. No início, ela não acreditou que pudesse haver algo ali. No entanto, conforme eles se aproximavam, a vegetação ao redor dos objetos estranhos se movia.

Algo estava se aproximando.

Pessoas.

Isso tinha que ser gente.

Kelia gritou, apenas para ter sua voz abafada pelo lenço encharcado. A chuva ainda estava fraca. O céu, no entanto, parecia ter a intenção de mudar isso. O trovão resmungou ao longe. Kelia previu que a tempestade não passaria pela Ilha dos Amaldiçoados até o anoitecer, e talvez, se Casey e Robert estivessem acordados, ela poderia convencê-los a abrigá-la. No entanto, se as pessoas estivessem vindo em direção ao cais, talvez ela pudesse encontrar uma solução que não envolvesse as Sombras.

Kelia pigarreou. Ela não falava havia horas e não tinha certeza se podia confiar em sua voz, que seria abafada pela mordaça de pano do mesmo jeito.

Ela conseguia distinguir duas formas distintas das figuras à distância, mas não conseguia ver rostos ou mesmo decifrar se eram homens ou mulheres. Havia algo familiar sobre elas, no entanto.

Ela fechou os olhos e respirou fundo. O cheiro limpo e fresco da chuva refrescou seus sentidos e a ajudou a revirar o estômago. O barco balançava para frente e para trás, ficando mais violento a cada hora que passava. Mas ela estava se segurando, e esperava que não precisasse por muito mais tempo.

Quando ela abriu os olhos novamente, as figuras haviam alcançado o cais. Mulher. Ela poderia dizer que elas eram mulheres. Uma das mulheres tinha cabelo escuro e o que parecia ser uma pele morena. A outra era pálido com cabelos ruivos crespos.

Os olhos de Kelia se abriram de repente e ela se pressionou contra seus limites, esquecendo que não poderia simplesmente ir até elas do jeito que queria.

Emma e Daniella estavam caminhando para o navio.

Eles devem ter percebido que ela estava faltando. Ela apostaria que Drew os mandou procurá-la e, pela primeira vez, ela estava grata por seu resgate. Toda sua conversa sobre não precisar da ajuda dele, mas a verdade era que, assim como às vezes ele precisava dela, ela precisava dele também. Ele, Emma e até Daniella.

Não importava se ela não pudesse se resgatar dessa vez. Tudo o que importava era que eles vieram atrás dela. Sua nova família.

O céu ainda estava nublado, com chuva como uma névoa caindo e acariciando seu rosto. Embora ela tivesse uma mordaça na boca, ela decidiu que elas ainda poderiam ser capazes de ouvir seus gritos abafados. As bruxas podiam não ter um sentido de audição sobre-humano, mas elas tinham habilidades aprimoradas. Com as habilidades de Emma, ela poderia sentir a angústia de Kelia?

A garganta de Kelia queimou quando ela pigarreou e tentou gritar através da mordaça novamente.

Daniella e Emma estavam olhando, mas na direção errada, e agora pareciam estar se movendo para mais longe dela ao invés de perto.

As lágrimas escorreram pelo rosto de Kelia, o que a frustrou ainda mais. Ela não queria ficar fraca, chorando porque a vida era muito difícil e ela não tinha certeza de como lidar com isso. Ela queria ser forte. Ela queria provar que todos estavam errados sobre ela. Mostrar a eles que ela não era apenas uma mera humana. Que ela não era apenas um alvo fácil para a Rainha usar para chegar até Drew.

No entanto, ela não conseguia nem mesmo se livrar dessas malditas Sombras. A última coisa que ela queria ser era uma donzela, e ainda assim, entre sua tripulação, como ela poderia ser outra coisa? Ela não tinha habilidades, nem poderes, nenhuma maneira de se defender a menos que tivesse sua lâmina.

Ela balançou a cabeça, tentando se livrar de tais pensamentos. Estar amarrada ao mastro esguio de um barco sarnento deu-lhe muito tempo para pensar, muito tempo para sentar e sentir pena de si mesma. Ela precisava se libertar de seus pensamentos e se concentrar no que era importante - libertar-se.

Enquanto ela continuava a lutar contra as cordas, ela percebeu como estava exausta. Seu corpo ficou preso em uma posição de pé - a mesma posição de pé por horas a fio - juntamente com o fato de ela não ter comido qualquer coisa hoje, nem ter bebido água, a deixando fraca. Qualquer movimento era um esforço, e ela começou a resistir ao movimento logo depois de iniciá-lo.

Você acha que Drew Knight a veria como uma parceira? uma voz cruel perguntou. Como algo digno de seu carinho? Do seu tempo? Ele sempre deve vir atrás de você. Primeiro, com as sereias. Então, com o Mago. E agora, com as Sombras. E isso foi apenas uma noite. Você é um risco indigno de seu tempo.

Kelia apertou a mandíbula quando a chuva fria caiu em seu rosto.

Pare, ela disse a seu crítico interno. Não era hora para orgulho. Ninguém poderia ser forte todo o tempo. Ela precisava de seus amigos.

Ela fechou os olhos e se rendeu ao momento, colocou toda a sua confiança neles. Eles iriam encontrá-la. Eles tinham que encontrar.

E se não o fizessem, sua situação não seria diferente, então não adiantava deixar que isso a afligisse ainda mais.

As bruxas pareciam circular de volta agora, suas botas finalmente pisando nas frágeis docas de madeira. Elas caminharam até o fim, não muito longe do barco onde ela estava sendo mantida prisioneira, embora elas não fossem capazes de alcançá-la sem outro barco.

Emma apontou para um dos barcos - o barco a remo que as Sombras roubaram do navio de Drew. Devido à torrente do mar, o barco havia sido empurrado contra a areia da pequena praia. Ambas as mulheres correram para sair do cais e entrar na areia rochosa onde agarraram o barco. Elas então o carregaram para o oceano. Em instantes, elas empurraram o barco para o oceano e pularam para dentro.

Em poucos minutos, Emma e Daniella manobraram em direção a Kelia. Por causa do pequeno tamanho de ambos os navios, uma das bruxas teve que ficar para trás e segurar o segundo barco para evitar que o seu próprio flutuasse.

Kelia esperava que Emma viesse buscá-la, deixando Daniella para segurar o barco lado a lado, mas foi Daniella quem se levantou e cuidadosamente subiu no barco de Kelia.

—Não estou surpresa em ver que você está em apuros, — Daniella murmurou uma vez que estava diretamente na frente de Kelia. —Novamente.

Ela tirou a mordaça de pano primeiro, e Kelia engoliu em seco pela primeira vez em muito tempo.

—Se apresse e me tire daqui. — Kelia disse sem fôlego.

Daniella começou a esfregar as mãos, lentamente no início, depois mais rápido, até que a fumaça escapou de suas palmas. Ela soltou um grunhido de frustração, deixou cair as mãos e sacudiu-as, então começou de novo. Mais fumaça.

Estava ficando óbvio para Kelia que esse não era o efeito desejado por Daniella.

—O que está errado? — Kelia perguntou em uma voz aguda, mas baixa.

—A chuva continua apagando minha faísca. — Murmurou Daniella.

—Bem, tente novamente!

—O que você acha que estou fazendo? — Daniella disparou. —Você não está sendo útil.

Como sal em uma ferida aberta.

—Tenho certeza que você vai conseguir. — Ela tentou, embora ela não pudesse conjurar um tom confiante, já que encorajar Daniella não vinha naturalmente.

—Isso é pior, — disse Daniella. —Não seja coxa. Apenas cale a boca.

Em sua terceira tentativa, uma pequena bola de fogo moldou-se à mão de Daniella. Ela sorriu para si mesma e colocou a mão nas cordas grossas, longe o suficiente de Kelia para não queimar. Em outro momento, as cordas cederam e ela quase desabou.

—Precisamos ir —, disse Daniella, fechando os dedos em um punho solto e apagando as chamas. —Drew Knight está absolutamente doente de preocupação por você, o que significa que ele é um pé no saco de todos.

Kelia reprimiu um sorriso. Mas assim que ela sacudiu o último pedaço de corda e pegou a mão de Daniella para ir em direção ao barco que esperava, uma voz estrondou atrás deles

—E onde vocês pensam que estão indo?


CAPÍTULO 16

Kelia congelou. Seu coração deu um salto na garganta. Daniella teve que puxar o pulso de Kelia para lembrá-la de se apressar e descer do barco.

—Não acho que você vá embora agora, boneca —, disse Robert. Ele também estava atrás dela, provavelmente ao lado de Casey. —A Rainha está esperando por você.

—Você pode dizer à Rainha, — Kelia disse, virando-se lentamente, —que devido a circunstâncias imprevistas, eu não vou aceitar seu convite.

Sua voz ainda estava áspera, sua garganta queimando com cada palavra que ela falava. Ela fez o possível para esconder a dor com um olhar de fria indiferença, mas era difícil de fazer, especialmente considerando que ela não conseguia nem ficar em pé devido à rigidez de seu corpo.

—Infelizmente para você, a Rainha não gosta quando as pessoas rejeitam seus convites —, disse Casey, seus olhos se estreitando em Kelia. Nenhum deles se moveu; nenhum deles tentou impedir Kelia de partir. —Uma audiência com a Rainha é uma circunstância rara. Ela não as concede a qualquer um.

—E, no entanto, ela deve ter concedido uma para vocês dois, — Kelia apontou enquanto jogava a perna por cima do barco. —Desculpe desapontá-los, senhores. Devo enviar um lenço novo e passado junto com minhas sinceras desculpas? — Antagonizá-los era desnecessário e idiota, mas ela estava com tanta raiva que não conseguiu se conter. — Posso mandar bordar as iniciais dela, se ela quiser. Devo costurar a letra C na seda, correto? Para cadela?

Ambas as Sombras foram tocadas pela escuridão no minuto em que a palavra saiu da boca de Kelia. Era difícil descrever, exceto pelo corpo encurvado, tenso como se estivessem prontos para entrar em ação. Suas sobrancelhas franziram pesadamente sobre os olhos, suas narinas dilataram-se e suas longas e afiadas presas projetaram-se de suas bocas.

O coração de Kelia deu um pulo. Daniella tinha entrado no barco com Emma. Kelia precisava se livrar do resto de si mesma imediatamente.

—Entre no barco. — Emma pediu com uma voz firme.

Alguém puxou o tornozelo pendurado de Kelia. Kelia caiu no barco com um baque desgracioso.

A chuva começou a ficar mais forte, caindo sem perdão. Elas precisavam voltar para o Espectro para que não quisessem ser pegas pela tempestade.

Não eram apenas com as sereias que elas tinham que se preocupar; havia risco de contrair uma doença debilitante. Kelia já havia sofrido um mês antes, após o resgate oportuno de Drew do programa de reprodução. Ela ficou incapacitada por dias, bebendo tudo o que Emma jogou nela.

Seu medo a paralisou. Mesmo agora, quando ela encontrou um assento e pegou um conjunto de remos em sua mão, ela se recusou a olhar para o lado do barco, com medo de que um belo demônio pudesse puxá-la para baixo mais uma vez e fazê-la se afogar. No entanto, uma pequena parte sombria dela considerou arriscar, apenas para verificar se sua mãe ainda estava viva.

—É melhor você começar a remar, — Emma retrucou enquanto mantinha seus olhos escuros focados nas Sombras. —Tire o barco de onde eles possam alcançá-la. Eles podem estar confinados ao oceano, mas se puderem pousar em barcos diferentes, eles podem se mover livremente pelo oceano. Meus poderes não funcionam na água. Eu sou uma bruxa da terra, e a água - especialmente a água controlada por sereias - vai repelir a minha. Daniella pode puxar o fogo da energia ao nosso redor, mas a chuva vai dificultar. Comece a remar. Agora!

Era a única coisa que Kelia podia fazer sem questionar. Talvez a tarefa fosse mundana, mas era uma forma de ela ajudar, então ela o fez e rapidamente.

Sem aviso, o pequeno barco quase tombou após um baque forte. Kelia não teve que se virar para ver que uma das Sombras saltou de seu barco para pousar no de Emma.

—Tudo o que queremos é a humana. — A voz parecia a de Casey. —Nós vamos deixar vocês duas irem se vocês nos entregarem a ela.

—Sinto muito —, disse Emma com uma educação forçada que parecia estranha, vindo de sua boca. —Aquela humana é livre para fazer o que quiser, e ela claramente não deseja estar com você ou sua Rainha.

—Talvez eu deva levar você também. — Houve um estrondo estrondoso e depois outro. O barco balançava violentamente a cada passo que ele dava. — Tenho certeza que a Rainha ficaria satisfeita em conhecer a bruxa que arrancou Drew dela. Afinal, você quebrou o vínculo dele, Emma. Ela não ficou feliz quando isso aconteceu.

—Ela enviou você especificamente para rastrear Drew? — Emma o estava atrasando, Kelia percebeu. Se elas pudessem apenas voltar para o Espectro, Drew seria capaz de ajudar. —Ou você foi uma reflexão tardia, alguém que ouviu falar sobre isso e pensou que poderia assumi-la, embora a tarefa seja muito complicada para seu pequeno cérebro decifrar.

—Cuide de sua boca, bruxa, — Casey disse em voz baixa, cada palavra perfeitamente enunciada. —O que aconteceria se alguém costurasse seus lindos lábios? E então? Você ainda seria capaz de lançar seus feitiços? Você ainda seria capaz de agradar a Drew e os outros do jeito que eles desejam ser satisfeitos?

O coração de Kelia saltou uma batida com as palavras. Não podia ser verdade - ela sabia que não podia ser - e, ainda assim, ela não podia deixar de sentir... Era difícil de descrever. Ciúme, talvez? Com o coração partido?

—O que é isso, Assassina? — Outro passo e o barco balançou com mais força. —Seu coração estava tremendo com a ideia de seu precioso Drew Knight ficar satisfeito com sua bruxa? Eu detectei sentimentos por ele em seu comportamento quieto e estoico? Gostaria de saber como você pode ajudar suas amigas? Essas bruxas são suas amigas, não são? Ou você terá que reavaliar, considerando que Emma, aqui, também é amante de Drew. Alguém pode ser sua amante e sua amiga, eu me pergunto?

—Você está perguntando se você pode ser meu amante e meu amigo? — ela perguntou, virando sua provocação para ele sem perder uma batida com os remos. —Eu não acho que você é o tipo dele. E eu tenho amigos o suficiente.

—A Rainha está sempre procurando adicionar outro —, disse Casey. —E ela não pergunta.

Os ombros e braços de Kelia começaram a gritar de dor, ainda sofrendo por estar presa contra o mastro do navio, mas ela seguiu em frente. Ela não tinha lâmina, nenhuma outra arma. Ela precisava remar. Ela não conseguiria parar até chegar a Drew.

Naquele momento, o barco começou a balançar para a esquerda e para a direita. Houve uma luta. Foi difícil ver. Daniella murmurou algo. Um estalo alto perfurou a noite tranquila.

Kelia parou, esticando a cabeça para olhar por cima do ombro. Daniella estava se recuperando do que Kelia presumiu ser um tapa poderoso que, felizmente, não a jogou no mar. Emma, por outro lado, foi levantada pelo homem Sombra, a mão dele em volta do pescoço dela.

—Ah, sim, — ele disse, um brilho sombrio divertido em seus olhos. —A Rainha quer você viva. Ela gosta de lidar pessoalmente com qualquer um que a ofendeu. Mas eu aposto que se eu quebrar seu pescoço agora, ela me perdoará, sabendo que você não será capaz de quebrar o vínculo de Drew mais uma vez.

Um som distorcido saiu da garganta de Emma e levou algum tempo para Kelia perceber que Emma estava realmente rindo. Do canto do olho, Kelia avistou Daniella curvada, fingindo estar inconsciente, seu corpo fora do caminho da Sombra. No entanto, um leve movimento indicava que ela estava tentando acender o fogo do jeito que ela fez ao libertar Kelia.

Kelia virou a cabeça para trás, esperando não denunciar Daniella. Ela continuou a remar. O Espectro não estava à vista, mas era muito difícil discernir qualquer coisa nesta escuridão. Ela tinha sido hábil com as instruções, mas estava remando às cegas e esperava que a posição em que colocara o barco fosse a correta.

—Posso perguntar o que é tão divertido para você, bruxa? — Casey perguntou. Kelia não podia vê-lo, mas podia ouvir o escárnio em suas palavras.

—Só que você acha que Drew algum dia se permitiria ter um vínculo com a Rainha novamente, — Emma conseguiu falar. —Ele prefere morrer do que ser emparelhado com ela do jeito que era antes.

Um silêncio revelador encheu o pequeno barco. A chuva causou ondas no oceano, a superfície do mar abundante ainda com tanta raiva. De vez em quando, uma onda particularmente poderosa atingia o barco e o enchia de água. Encharcada de chuva e ondas violentas, a túnica de Kelia agarrou seu corpo como uma segunda pele.

—Por que você acha que a Rainha quer a garota primeiro? — Casey perguntou. —Você acha que ela espera que Drew volte para ela de boa vontade? Claro que ela sabe que isso não vai acontecer. A Rainha é tão inteligente quanto bonita. Ela sabe melhor.

—Mesmo assim, ela desperdiçaria seus recursos com Kelia? — Emma disse, sua voz embargada de ser sufocada. —Ela não tem utilidade para ninguém - nada mais do que uma bugiganga para acalmar Drew. Ela não pode fazer nada, exceto segurar uma lâmina.

Kelia sabia que Emma estava ganhando tempo, e ela sabia que Emma estava tentando fazer Kelia soar o mais inepta possível de propósito, mas ela não podia evitar se sentir um pouco magoada com o que estava ouvindo. Parecia muito verdadeiro para seus próprios ouvidos.

Casey ainda não saltou para frente e pegou Kelia. Ele certamente tinha a habilidade, o que significava... o que significava que ele estava com medo. De Emma ou de outra coisa, Kelia não tinha certeza, mas ela sabia que em algum momento, o medo seria superado pelo desespero. Ele faria seu movimento.

—Sua bruxa tola, — Casey rosnou. —Depois de torturar a garota, depois de trazê-la para o precipício da morte, a Rainha vai usá-la como moeda de troca. — Outra etapa. —Drew faria qualquer coisa pela segurança dela. Você sabe disso tão bem quanto eu. A tripulação sabe disso. Por que você acha que nenhum de nós questionou Drew quando ele a trouxe a bordo? Por que você acha que nenhum de nós sequer pensou em abordá-la, com medo de tocá-la? Não porque temíamos Drew, mas porque a menina deve ser intocada até que ela seja levada para a Rainha.

—Você está dizendo que a tripulação está conspirando contra Drew? — Emma disse lentamente. Ela parecia genuinamente surpresa.

Kelia engoliu em seco. Drew estava seguro, estando com eles agora? Ela tinha certeza de que Wendy protegeria seu irmão, e ela acreditava que Christopher era leal também. Mas ela não sabia se duas Sombras do Mar e uma bruxa do ar poderiam levar as vinte ou mais Sombras que afirmavam ser a tripulação de Drew.

Seus braços imploraram que ela parasse, mas foram seus pensamentos que a empurraram para frente. Ela não permitiria que Drew sofresse sozinho. Ela tinha que voltar, ela tinha que ajudar.

Ajudar? uma voz maliciosa questionou. Como você poderia ajudar? Até Emma vê como você realmente é inútil.

Talvez Emma tivesse dito essas coisas apenas como um estratagema para distrair Casey, mas isso não as tornava menos verdadeiras.

Kelia cerrou os dentes e continuou a remar, tirando os pensamentos condenatórios de sua mente. A chuva ajudou a aliviar a tensão em seus braços e na parte superior das costas, mas enquanto eles continuavam a remar na direção esperançosa do Espectro, o estômago de Kelia foi tomado pela náusea. Ela ainda não tinha comido, e as ondas fortes empurrando o barco para frente e para trás não ajudaram em nada.

Ela grunhiu, fechando os olhos, tentando não sentir nada. Ela precisava passar por isso. Ela precisava chegar ao Espectro.

Isso, e ela precisava que Daniella se apressasse.

Kelia arriscou outro olhar por cima do ombro para Daniella. Ela mal se movia - um bom retrato da inconsciência - mas seus ombros se projetaram, chamando a atenção de Kelia.

A fumaça fez cócegas em seu nariz.

Kelia reprimiu um sorriso. Daniella conseguiu. Mas ela precisava de mais tempo - assim como Emma.

Havia uma coisa que Kelia poderia fazer. Ela pousou os remos e respirou fundo. Lentamente, com os joelhos trêmulos, ela se levantou e se virou. Ela precisava distraí-lo adequadamente. Ela esperava que ele não pudesse sentir o cheiro da fumaça, que o cheiro do oceano fosse mais forte, ou, se ele pudesse, ela esperava que ele presumisse que vinha da ilha próxima e não deste barco. Ela não queria pensar em Robert e onde ele poderia estar neste momento. Com sorte, ele ficaria no outro barco e esperaria o retorno de Casey, o que, se tudo corresse bem, não aconteceria.

—Se eu for com você de boa vontade, você vai libertar Emma? — ela perguntou. —Você a deixaria ir?

Kelia se atreveu a não mencionar Daniella. Casey pode se lembrar que ela existiu e olhar para ela, perceber o que ela estava fazendo e fazer algo destrutivo. Destrutivo e mortal.

—A rainha a quer também, — Casey apontou. No entanto, Kelia percebeu que ele afrouxou o aperto em Emma para que seus pés pudessem ficar totalmente em pé no barco. —Eu poderia levar vocês duas...

Naquele momento, o cheiro de fumaça era persistente demais para ser ignorado. Nem mesmo a chuva que caía poderia disfarçar. A gargalhada e o estalo das faíscas dançantes chamaram a atenção de Kelia.

Casey se virou e estreitou os olhos para a forma aparentemente inconsciente de Daniella. —Ei!

Ele largou Emma e deu um passo em direção a Daniella. Ela rolou para o outro lado e jogou uma bola de fogo em Casey, impulsionando-o no ar e para fora do barco. Casey gritou de dor. As chamas lamberam sua pele com avidez e o cheiro de carne queimada invadiu os sentidos de Kelia.

Ela não podia mais ignorar seu estômago, mesmo quando ouviu um plop sem graça na água próxima, e esvaziou o pouco conteúdo que atualmente residia em seu estômago nas ondas. Ela não se importava se seu estômago era muito insistente para perder tempo se preocupando.

—Ele está morto? — Daniella perguntou.

—Além da prata, as sombras odeiam fogo porque o fogo os devora vivos com alegria e rapidez, — Emma murmurou, sua voz áspera. —Eu não sei ao certo, mas Casey está pelo menos terrivelmente ferido. É melhor voltarmos para o Espectro no caso de sua raiva ser tão consumidora a ponto de mantê-lo vivo.

Acima da borda do barco, Kelia pôde distinguir sua forma, uma sombra ainda mais escura que o mar, ainda se movendo entre as ondas.

Casey não estava morto. Ainda não. Elas precisavam sair daqui antes que ele ressurgisse.

Kelia se sentou, agarrou os remos e começou a remar, mas o olhar pensativo no rosto de Emma a perturbou.

—O que está errado?

Emma apertou os lábios e balançou a cabeça. —É Drew —, disse ela, desviando o olhar para o mar. —É - você sabe, não é nada. Não se preocupe com isso.

Kelia se perguntou se a mentira soava tão aguda nos próprios ouvidos de Emma quanto soava nos dela.


CAPÍTULO 17

A escuridão mascarou o pôr do sol, mas estava quase na hora de coletar sua ordem de sangue. Drew sabia que The Plantation continuaria sem Grayson Briggs. Pessoas morriam naquela ilha e ressurgiam em outro lugar, incêndios eram iniciados e apagados.

The Plantation era um negócio - um negócio de sucesso. Quem quer que herdasse o negócio provavelmente ganharia dinheiro simplesmente continuando com ele. E a grande encomenda de sangue de Drew custaria a ele uma quantidade decente de moedas que o novo proprietário certamente não deixaria de lado.

Parte dele estava preocupado com o fato de que, se dois de seus tripulantes desertassem tão facilmente, haveria potencial para que isso acontecesse com todos os outros, e ele não poderia arriscar isso. No entanto, ele precisava de sua tripulação. Ele não poderia chegar a Sangre sem eles simplesmente porque este tamanho de navio e a viagem eram longos e árduos. Mesmo três bruxas, uma humana e um infante em recuperação não seriam capazes de ajudar. Ele precisava de marinheiros - homens com força e velocidade que também tivessem experiência no oceano.

Mantenha seus amigos por perto e seus inimigos mais perto. Drew fechou a mão em punho, decidindo ficar alerta, mas agir com estratégia.

No momento, sua principal preocupação era a segurança de Kelia.

Ele se dirigiu ao leme, seus dedos coçando para agarrar algo. Um movimento no horizonte chamou sua atenção e ele se virou.

Quando ele viu o pequeno barco contra o oceano turbulento, tentando chegar ao Espectro, seu coração deu um salto na garganta. Ele queria pular de seu navio e pousar no pequeno barco, apesar da grande distância, para que ele pudesse puxar Kelia em seus braços, garantindo que ela era real, que ela estava bem.

Ele não conseguiu evitar que seus lábios se curvassem em um sorriso de alívio. Ele balançou a cabeça, murmurando coisas sem sentido para si mesmo. Ela estava bem. Ela estava segura.

Esperar que o barco finalmente atingisse o lado do Espectro foi uma agonia, mas quando isso aconteceu, Drew se inclinou e agarrou o barco sozinho.

Emma segurou o barco para o Espectro enquanto Kelia subia a escada primeiro, seguida por Daniella. Emma subiu por último. Um membro de sua tripulação içou o barco de volta ao convés e foi colocá-lo no lugar ao qual pertencia, deixando o convés vazio, exceto para Drew e as três mulheres.

—O que demorou tanto? — Drew exigiu de Emma.

—Verificamos em todos os lugares —, disse ela. —Não a encontramos até chegarmos às docas do oeste.

Com o canto do olho, ele viu os joelhos de Kelia cederem. Antes que ela pudesse atingir o convés, ele correu para ela e colocou os braços em volta de sua cintura para amortecer sua queda. Ele a manteve de pé puxando-a para perto dele para que ela pudesse se apoiar em seu corpo. Seus olhos, no entanto, nunca deixaram os de Emma.

—O que aconteceu com ela? — Ele exigiu, moendo cada palavra por trás de um rosnado. Seu aperto sobre ela aumentou, como se ele se preocupasse que perdê-la mais uma vez pudesse acontecer a qualquer momento.

—Robert e Casey a amarraram ao mastro de um barco por sabe-se lá quanto tempo. — Disse Emma.

—O tempo todo—, disse Kelia. Sua voz saiu como um grasnido e todo o corpo de Drew enrijeceu. —Eles não queriam me arriscar a escapar enquanto eles dormiam.

—Eles não faziam turnos? — Drew perguntou, inclinando a cabeça para o lado. —Eles não eram os mais espertos do grupo, certo?

—Casey se mostrou inteligente o suficiente. — Daniella murmurou, mas Drew não ligou para ela. Quando se tratava de Daniella, ainda era difícil perdoá-la pelo que fizera a Kelia, embora Emma tivesse dito a ela para fazer o que fosse necessário para encontrar Wendy.

—Não consigo entender os mecanismos da mente de uma Sombra. — Murmurou Kelia. Ela estava apoiando a maior parte de seu peso no corpo de Drew sem vergonha. Isso não era típico dela, e fez Drew rosnar ao pensar que ela estava completamente inibida, incapaz de comer, dormir ou mesmo se mover por horas.

—Eles disseram por que a pegaram? — Drew perguntou a Emma.

—Você sabe, — Kelia interrompeu, levantando a cabeça e erguendo uma sobrancelha. —Estou bem aqui. Já que isso aconteceu comigo, você poderia me fazer perguntas também.

—Eu...— Drew inclinou a cabeça para trás para que pudesse olhar para Kelia. A chuva embaçou sua pele, a tempestade finalmente se acalmando. Ele não queria nada mais do que carregá-la para sua cama e deixá-la dormir. Ele queria mantê-la com ele sempre, então ele nunca teria que se preocupar em perdê-la novamente. —Muito bem, princesa. Você sabe por que eles a pegaram?

Ela colocou a cabeça de volta no peito de Drew. Parecia que cabia bem ali, logo abaixo do queixo. Ele sentiu o cheiro de algo deliciosamente feminino, o perfume de um floral sutil entrelaçado com algo exclusivamente Kelia. Sua boca salivava apenas ao inalá-la; ele queria estar mais perto dela, enterrar o rosto na curva de seu pescoço para que o cheiro dela manchasse sua própria pele e ele se lembrasse dela para sempre.

—Aparentemente —, disse ela, —eles queriam me usar como uma espécie de moeda de troca. A Rainha me queria para que pudesse atraí-lo para ela e forçá-lo a se relacionar com ela mais uma vez.

O aperto de Drew em Kelia aumentou. Ele colocou o queixo na cabeça dela, colocando-a embaixo dele.

Emma pigarreou. —Você está esquecendo algo, Kelia.

Drew desviou o olhar para ela. Ele podia sentir Kelia se inclinar ainda mais para ele, e ele sabia que, em breve, teria que levá-la para a cama.

—O que? — Drew perguntou em voz baixa. —O que ela está esquecendo?

—Não importa —, disse Kelia. —Por que dizer quando não vai acontecer?

—Porque Drew precisa saber tudo, — Emma disse, sua voz firme. Seus olhos escuros nunca deixaram os de Drew. Ele estava com Emma há tempo suficiente para conhecer aqueles olhos e reuniu tudo o que mais precisava ser dito, ele não gostaria disso. —A Rainha quer te atrair de volta e reformar o Laço, sim, mas ela também planeja torturar Kelia até a beira da morte de antemão, como algum tipo de punição. Não sei, então, se a Rainha vai transformá-la e continuar a torturá-la pelo resto de sua longa vida, ou se a Rainha simplesmente a matará assim que seu vínculo com ela for restabelecido. Mas achei melhor você estar ciente de seu plano.

Drew cerrou os dentes com tanta força que sua mandíbula estalou.

—Não é algo para se preocupar. — Kelia murmurou. O rosto dela ainda estava pressionado contra o peito dele, e ele pensou que talvez fosse porque ela não podia olhar em seus olhos enquanto se descartava com tanta facilidade.

—Eu proíbo você de falar assim —, disse Drew. Sua voz saiu tensa, contida. Ele não queria brigar com ela depois do que ela tinha sofrido, mas não gostava que ela pudesse se considerar tão descuidada, como se ela não importasse no grande esquema das coisas. —Você não entende o seu valor?

—Oh, eu sei o meu valor. — Disse Kelia, finalmente se afastando dele para que ela pudesse ficar sozinha.

Seus braços caíram frouxamente para os lados, e ele apertou os lábios, ignorando a sensação de perda que o atingiu no momento em que não a tinha mais perto dele.

—Mas não vamos ficar aqui parados e fingir que tenho as mesmas habilidades que todos vocês —, ela continuou. —Drew, você é uma Sombra que pode pular, correr e matar como algum tipo de animal, mas mais inteligente, mais forte e mais rápido que qualquer coisa feita por Deus neste planeta. Emma, Wendy e Daniella são bruxas, com magia sobre os elementos e habilidades para curar e quem sabe o que mais.

Ela levou um momento para recuperar o fôlego. —Eu sei no que sou boa. Eu sei que posso usar minha lâmina de uma maneira que ninguém mais pode - quando eu tenho minha lâmina. Mas esta é a segunda vez que eu tenho que ser salva no último dia. E eu devo admitir que não gosto de depender tanto dos outros, porque sou inadequada em comparação com todos os outros neste navio. Sou o elo fraco e não gosto de ser o elo fraco.

—O elo mais fraco? — A voz de Drew era baixa, mas ainda. Seu foco estava apenas em Kelia, mas ele avistou Emma pegando gentilmente o pulso de Daniella em sua mão e puxando-a em direção à escada, a fim de deixar ele e Kelia sozinhos. —Por que você diria uma coisa dessas?

Kelia franziu os lábios. —Você se lembra quando me deu uma lição sobre o meu maior patrimônio - com o que eu nasci? Quando você tentou me dizer o engano poderia ser construído simplesmente usando meu rosto de uma certa maneira ou usando meu corpo como uma arma?

Drew acenou com a cabeça. Ele ainda podia sentir Kelia - tão teimosa, tão ansiosa por vencê-lo - lutando contra ele enquanto ela tentava e não conseguia obter o controle durante o tête-à-tête. —É claro que eu me lembro.

—Como isso pode funcionar se estou enfrentando entidades sobrenaturais que podem quebrar meu crânio com as próprias mãos? — Ela perguntou. Seus ombros caíram para frente e ela se virou para olhar o horizonte.

Drew a encarou, tentando encontrar as palavras certas para dizer. Mas ela estava certa. Ele não poderia responder a isso. As inseguranças dela eram dele, de certa forma.

—Talvez —, ele sugeriu hesitantemente, —devêssemos entrar em meus aposentos e discutir isso longe da chuva.

Kelia abriu a boca e Drew soube, naquele instante, que ela iria dizer não a ele. Por alguma estranha razão, ele não a queria longe dele. Pelo menos ainda não. Não tão cedo depois que ele a recuperou.

—Eu só...— ele se sentiu dizer, suas palavras movendo-se sem sua permissão. Ele não conseguia encontrar forças para impedi-las de sair. Era como se ele estivesse tentando tapar um buraco de um navio na água. A água iria entrar de qualquer maneira. Essas palavras estavam saindo dele, quer ele quisesse ou não. —Eu só quero ter certeza de que você está bem. Você pode trocar de roupa, colocar algo seco e confortável. — Ele combinou os olhos com os dela e acrescentou, tão suavemente que não tinha certeza se ela podia ouvi-lo, embora a chuva caísse mais leve do que sussurros, —Por favor.

Ela desmoronou com a palavra, como se essa fosse sua maior fraqueza, ao invés de sua falta de habilidades sobrenaturais.

Sem pensar, sem fazer nada para se conter, ele a tomou nos braços e colocou os lábios nos dela. O beijo foi hesitante no início. Mas então, as mãos dela subiram para agarrar seu rosto e a língua dele deslizou para fora de sua boca e através de seu lábio inferior. A chuva os cobriu com uma quietude refrescante.

Ela abriu a boca para ele, e ele aproveitou ao máximo. Ele explorou cada fenda, cada parte dela. Foi como se aquele fosse o primeiro beijo, como se não se beijassem meses antes, com flechas caindo sobre eles em meio a uma tempestade turbulenta. Como se nada mais neste mundo significasse nada para nenhum deles, exceto um para o outro.

Ele se perguntou se toda vez seria como a primeira vez. E ele também se perguntava, a cada vez, se seria a última.

Sua mão encontrou a nuca dela, inclinando-a para trás para que ele pudesse explorá-la ainda mais fundo do que antes. Seu corpo moldado ao dela. Ele sentiu o coração dela bater forte contra o peito e ecoar no dele como se batesse em seu corpo da mesma forma que batia no dela. Como se isso o mantivesse vivo, assim como a mantinha viva.

Ela soltou um pequeno gemido durante o beijo, e sua pélvis apertou, seu pênis se mexeu. Ele foi repentinamente atingido pelo desejo de extrair dela mais sons de natureza semelhante. Ele precisava ouvi-la gemer seu nome. Ele precisava se enterrar tão profundamente dentro dela que se esquecesse de como era estar sem ela.

Ela finalmente se afastou, mas parecia que era apenas para recuperar o fôlego - algo em que Drew nunca mais pensou. Ele descansou sua testa na dela e continuou a segurá-la com força, uma mão atrás de sua cabeça, uma mão na parte inferior de suas costas, pressionando-a contra ele, o mais perto que podia.

—Nunca duvide do seu valor, Kelia Starling —, disse ele, seus lábios tão perto de sua pele, ele quase podia sentir o gosto das lágrimas secas que ainda manchavam suas bochechas. Ele não estava lá para ela. Um grunhido mexeu em seu peito, mas ele o empurrou para baixo. Ela estava com ele agora. Isso era o mais importante. Isso e nunca deixar que ela fosse tirada dele novamente. —Você é uma mulher forte e capaz. Você é minha melhor amiga, minha companheira mais próxima. Eu não sei o que eu faria se algo acontecesse com você e eu não pudesse estar lá para impedir.

Novas lágrimas surgiram em seus olhos e escorreram por seu rosto. Nem mesmo um dilúvio poderia eliminá-las. Drew soltou sua mão e suas costas para que pudesse segurar seu rosto e enxugar suas lágrimas.

—Eu quero ser capaz de ficar em pé sozinha, — Kelia insistiu. —Não quero contar com a ajuda de ninguém quando não posso fornecer o mesmo em troca.

—Você fornece mais do que você jamais saberá —, disse Drew sério. No entanto, suas palavras saíram tingidas de uma urgência que ele não queria compartilhar. O medo enrolou seus dedos ossudos ao redor de seu pescoço. De repente, ele sentiu que seu tempo estava se esgotando e precisava contar a Kelia tudo o que pudesse dizer antes que fosse tarde demais. —Por que ficar sozinho quando estou aqui, quando desejo estar ao seu lado e não teria ninguém mais além de você para ficar ao meu lado. Somos parceiros, você e eu. Você é minha igual. Você é tudo que eu preciso para ser uma pessoa melhor. Você não pode saber o que significa para mim, e as palavras nunca serão capazes de dizer a você, mas acredite em mim, Assassina, você é tudo de bom em mim. E sem você, estou perdido. Eu confio muito em você.

Kelia mordeu o lábio inferior, mas assentiu. Seus olhos foram incapazes de encontrar os dele. Ela inclinou a cabeça para a frente e, por um momento, ele pensou que ela o beijaria mais uma vez.

Em vez disso, ela se afastou e desceu para o convés sem olhar para trás.


CAPÍTULO 18

Quando Kelia chegou ao seu quarto, ele estava vazio. Ela não deveria ter ficado surpresa. Emma e Daniella fugiram. Elas provavelmente estavam pegando o enorme pedido de sangue de Drew. Wendy provavelmente tinha saído com Christopher. A tripulação ainda estava em terra. O que significava que o quarto foi deixado para ela.

Também significava que o navio estava vazio, exceto por Drew.

A única exceção eram dois Sombras que estavam aqui para ajudar Drew com qualquer coisa que ele precisasse até que seu turno terminasse e eles fossem substituídos por outros dois Sombras.

As mãos de Kelia tremiam enquanto ela caminhava pelo pequeno quarto. Daniella havia manipulado um pequeno candelabro - apoiado contra a parede como se eles estivessem em algum tipo de castelo e não em um navio - por isso estava sempre em chamas, a menos que ela, especificamente, o apagasse, o que significava que o quarto estava iluminado. Kelia gostou disso, na verdade. Ela tinha tendência a esbarrar nas coisas no escuro. E agora, Kelia não conseguia ficar parada.

Drew acabara de lhe dar o melhor beijo de sua vida, não que ela tivesse muito com que comparar. Mas ela nunca tinha ouvido ninguém descrever um beijo da maneira que ela tinha acabado de experimentá-lo. Ninguém nunca disse a ela as coisas que um beijo poderia fazer alguém desejar.

Ela não esperava por isso. Mesmo agora, ela podia sentir a impressão de seus lábios nos dela, podia sentir o calor se espalhando por todo seu corpo, podia sentir seus músculos enfraquecerem.

Lágrimas brotaram de seus olhos enquanto ela lentamente escorregava para o pé de sua cama. Ela pegou suas mãos trêmulas e as colocou entre as coxas, na esperança de forçá-las a parar de se mover. Seu coração batia forte contra o peito e, a cada poucos batimentos, palpitava. Ela balançou a cabeça, murmurando coisas sem sentido para si mesma e tentando evitar que as lágrimas caíssem. A última coisa que ela queria fazer era chorar por um beijo. Isso seria ridículo?

Ela respirou fundo e se virou para a vigia. A linha do mar batia na parte inferior da janela, então ela ainda podia ver o céu escuro e a chuva caindo. Ainda não havia se transformado em uma tempestade total, quase como se o céu estivesse se segurando para liberar toda a sua gama de emoções. Era preciso um gatilho, um empurrão, e então a chuva cairia forte e com direção, como balas disparadas de pistola.

A pior parte de tudo isso - ou foi a melhor? - Foi a insistência de Drew de que ela era sua melhor amiga. Ela não sabia se queria essa designação específica.

Kelia queria ser muito mais do que uma amiga para Drew Knight. No entanto, ele era uma Sombra do Mar. A menos que ele fosse morto, ele estava destinado a viver para sempre. Kelia, por outro lado, era uma humana que envelheceria.

Ela também tinha essas expectativas ridículas de se estabelecer, ter uma família e se recusar a permitir que seu marido tivesse um caso extraconjugal, mesmo que fosse comum. Ela não achava que Drew pudesse permanecer leal a ela, pelo menos não romanticamente. E ela precisava disso, se ia fazer coisas como se apaixonar e beijar apaixonadamente no convés de um navio pirata.

Não importa. Nada disso importava.

Ela franziu a testa, caindo de volta em sua cama e olhando para o teto de madeira acima.

Como ele poderia beijá-la daquele jeito, e então ter a coragem de dizer que eles eram apenas amigos? Se ele queria ser seu amigo, ele não deveria tê-la beijado em primeiro lugar. Ela não sabia como era, exceto aquela vez em que o beijou e...

E todo o seu mundo mudou.

O céu se abriu e a luz derramou e ela percebeu que Drew Knight enchia seu coração com sua presença avassaladora. Ela não podia simplesmente arrancá-lo e removê-lo de sua vida. Não, ele se enraizou em seu coração como uma árvore na terra. Não havia como removê-lo sem levar um pedaço de seu coração com ele.

Ela amava sua amizade, mais do que ela amava qualquer um de seus amigos antes dela. Drew Knight era o amigo que a via como ela era - não quem ela era no passado ou quem ela poderia ser no futuro, mas quem ela era agora - e a aceitava por seus defeitos. E ela tinha muitos deles.

Talvez ele tenha sido pego da mesma forma que ela meses atrás, quando o beijou. Ela podia entender por que ele fez o que fez.

De sua posição na cama, ela puxou uma mão e a colocou nos lábios. Ela sorriu e se permitiu sentir o beijo mais uma vez. Seus olhos se fecharam por conta própria e ela respirou fundo.

Quando o momento acabou, ela se levantou. Ainda era difícil para ela se mover. Ela respirou fundo novamente e se forçou a caminhar até a porta. Ela queria acertar as coisas com Drew. Ela tinha desaparecido depois que ele se abriu para ela. Ela pode não ter gostado de tudo que ele disse, mas ele foi gentil com ela. Ela não deveria ter ido embora.

Ela iria para ele. Reiteraria que eles eram melhores amigos e ela queria manter as coisas assim. A amizade de Drew significava muito para ela, e se ela não pudesse tê-lo do jeito que ela queria, ela aceitaria sua amizade sem hesitação.

Antes de sair, ela decidiu que caberia a ela trocar as roupas ainda molhadas. Ela encontrou uma túnica roxa gasta e calças pretas. Infelizmente, suas botas eram o único par que ela tinha, mas ela não se importou. Ela as vestiu, ignorando o material úmido enquanto as roupas amorteciam seus pés.

Seu cabelo, infelizmente, estava uma bagunça, então ela desfez a trança e escovou as mechas lentamente, decidindo deixá-las soltas, penduradas no ombro. Ela ficou surpresa ao ver as mechas onduladas alcançando o meio de seu seio agora. Talvez ela devesse usar o cabelo solto com mais frequência, para pelo menos começar a apreciá-lo, em vez de jogá-lo para trás.

Você está evitando ir até ele, uma voz em sua mente apontou. Pare de perder tempo e faça as coisas certas. Você não quer que as coisas fiquem estranhas entre vocês dois, não é?

Kelia pigarreou e balançou a cabeça. Ela se sentiu ridícula.

—Vamos, — ela murmurou para si mesma, indo para a porta. —Isso não levará mais do que dois minutos do seu tempo. Tudo ficará bem e você pode dormir.

Ela abriu a porta e se forçou a sair, embora não tivesse ideia do que estava fazendo e por que estava tão decidida a fazer isso agora. A ideia de que ela estava procurando uma desculpa para ver Drew depois de tal beijo passou por sua mente, mas ela se recusou a nutrir essa ideia também.

 


Drew se curvou sobre a mesa, inspecionando o mapa que havia roubado do navio de Hector. Uma garrafa de rum estava em uma pilha de seus papéis, perfeitamente equilibrada na bagunça irregular. Já estava meio bêbado, como garantido nas últimas quarenta e oito horas. Ele não gostava de se entregar - especialmente quando o álcool raramente o afetava mais como uma Sombra do Mar - mas porque já fazia algum tempo desde sua última bebida alcoólica, ele não podia evitar se sentir um pouco embriagado. Ou talvez fosse o poder da mente, fazendo-o pensar algo que não era realmente verdade.

Como ele dizendo a Kelia Starling que eles eram melhores amigos. Ele não podia acreditar que aquelas palavras saíram de sua boca. Certo, eles eram verdadeiros - ela era sua melhor amiga - mas ela também era muito mais do que isso.

As velas no canto oposto de sua mesa piscaram. Ele havia fechado as janelas recentemente - não porque a chuva o incomodasse ou porque ele sentisse muito frio; em vez disso, o vento tendia a apagar a luz e ele precisava se distrair de tudo o que tinha a ver com Kelia. Debruçar-se sobre o caminho que o levaria à Rainha foi o suficiente para ajudá-lo a parar de pensar.

Por alguns segundos.

—Droga. — Ele murmurou para si mesmo. Ele balançou a cabeça, seu cabelo escuro caindo em seu rosto.

Ele não deveria tê-la beijado tão abertamente em seu navio. Não que ele se arrependesse do beijo, mas ele não sabia quem estava olhando. Ele não sabia se eles usariam seus sentimentos por ela contra ele. Razão pela qual ele estava tão distante dela ultimamente - a menos, é claro, que ela precisasse de sua ajuda ou estivesse agindo de forma irresponsável como tola.

Nem se preocupe em mentir para si mesmo, cara, ele repreendeu internamente. Você sabe que nem tentou evitá-la.

Em sua defesa, ele achou que não precisava. Ele não tinha percebido que alguns de seus tripulantes eram coalhos indignos de confiança, todos querendo agradar a cadela demônio que lhes dera vida.

Todas as Sombras em sua tripulação tinham vindo da Rainha - talvez não diretamente, mas pelo menos de outra Sombra que tinha vindo dela, em algum lugar abaixo da linha. Nenhum foi criado pela Companhia das Indias Orientais. Drew preferia assim. Ele estava procurando por Sombras que quisessem se libertar de sua conexão com a Rainha. Ele queria Sombrad por vingança.

Mas agora, ele temia ter atraído Sombras que estavam lá apenas para espionar. Sombras que ainda queriam agradá-la.

Ele não sabia mais em quem confiar, exceto Emma, Wendy e talvez Christopher. Ele ainda não confiava em Daniella, mas Emma sim, e isso contava para alguma coisa.

E Kelia, é claro. Ele confiava em Kelia com sua vida.

Ele se afastou da mesa e começou a andar. Depois que Kelia o deixou no convés, ele ficou na chuva para observar o horizonte. Outra tempestade cairia em breve, com chuva pior do que a que estava acontecendo agora, e ele queria sua ordem de sangue em seu navio antes que isso acontecesse.

As Sombras chegariam e, assim que a luz o atingisse - se o sol tivesse permissão para nascer - ele ordenaria que o navio partisse para Sangre.

Ele ainda não tinha ideia do que faria quando chegasse lá, mas elaboraria um plano no caminho. Não que alguém pudesse realmente planejar um confronto com a Rainha. Que irônico que ela estivesse tentando atraí-lo quando ele já pretendia aparecer. Só não da maneira que ela esperava.

Agora, entretanto, sua mente nem mesmo o deixava se entregar à fantasia de livrar o mundo dela.

Em vez disso, ele estava muito preocupado com longos cabelos loiros e olhos verdes do mar. Ele não conseguia se livrar dela, por mais que tentasse.

Ele passou os dedos pelos cabelos curtos. Ele não deveria estar pensando em Kelia dessa maneira. Pelo menos ainda não. Ele não queria ter esperanças, não quando a rainha ainda estava viva. Não quando ela instou seus parentes a roubar Kelia. E depois de ouvir o que Emma disse - coisas que a própria Kelia não estava planejando divulgar para ele - o deixou ainda mais cauteloso em esperar que algo acontecesse entre eles. Ele não queria arriscá-la. Tudo o que ele podia fazer era manter o comprimento do braço dela, embora até isso fosse difícil de fazer.

Ele limpou a garganta e voltou para a mesa, tentando delinear seu plano de ataque. Emma teria o sangue aqui em algumas horas.

Seu olhar caiu para o mapa e ele colocou a ponta do dedo no queixo. No momento, eles estavam a quatro dias de Sangre. Se os ventos estivessem favoráveis, chegariam à ilha em três dias. No entanto, parecia que havia Sombras em sua tripulação que não queriam nada mais do que glória para sua Rainha. Eles sabotariam seus esforços?

Provavelmente não. Eles deveriam querer ter certeza de que ele alcançasse seu destino. Era a favor de todos para o Espectro chegar a Sangre com nenhum problema. O que aconteceria quando eles chegassem, no entanto, era outra história.

Esta ilha era diferente de qualquer outra ilha antes dela. Uma poderosa bruxa da terra a criou especificamente para a Rainha - encantando-a para que os Sombras pudessem viver na terra, dia ou noite. Drew nunca havia pensado em questionar quem tinha a habilidade de fazer tal coisa. Quando ele trouxe a bruxa da terra para Emma há muito tempo, nem mesmo ela conhecia alguém com tanto poder. Se tal coisa fosse possível, ele se perguntou se havia outras proteções na ilha que ele desconhecia. A Rainha saberia se ele aparecesse? Que tal uma humana? Certamente as Sombras seriam capazes de ouvir seus batimentos cardíacos, cheirar seu cheiro.

As bruxas e Kelia seriam forçadas a ficar no Espectro, isso era certo.

Ele tirou a mão da boca e bateu em sua coxa. Kelia não gostaria de ser deixada para trás, especialmente depois de expressar seu medo de ser inútil, de ser considerada incapaz por ser humana.

Para Drew, ela era muito mais do que apenas uma humana. Se seu coração pudesse assumir uma forma física fora de seu corpo, seria ela. E se seu coração se fosse, se ela se fosse, ele seria o único incapaz de fazer qualquer coisa. Ele não podia permitir que nada acontecesse com ela, mesmo que ferisse seu orgulho. Claro, ele explicaria, e se ela o odiasse...

Se ela o odiasse, ele suportaria. Porque, pelo menos, ela ainda estaria viva. Ela ainda estaria respirando. E ele preferia que ela nunca mais falasse uma palavra com ele do que ter um fio de cabelo na cabeça prejudicado pela Rainha.

Uma batida na porta o tirou de seus pensamentos. Ele saltou e quase derramou o rum.

Ele franziu a testa. Emma não deveria voltar ainda, e ele duvidava que algum de seus homens arriscaria seu temperamento interrompendo-o para perguntar o que só poderia ser mais uma de suas perguntas irritantes.

Suas narinas dilataram-se e ele sentiu o cheiro da pessoa.

Kelia.

Ele não se preparou para isso. A repentina intoxicação de seu aroma o surpreendeu por um momento antes que pudesse compreender o que significava.

Ela estava batendo. Mas o que ela estava fazendo aqui?

Ele cruzou o espaço em seu quarto e abriu a porta, apenas para encontrá-la com um olhar hesitante no rosto.

—Entre. — Ele insistiu, recuando para permitir a passagem dela em seu quarto.

—Drew. — Ela disse, sua voz cortada enquanto ela entrava rigidamente pela porta.

Um sorriso confuso cobriu seu rosto quando ele a fechou e ela se virou para encará-lo. Ele deu um passo em sua direção, e ela não recuou.

—Eu vim aqui para que você soubesse que você também é meu melhor amigo —, disse ela. —E sinto muito por deixá-lo no convés. Sua amizade é importante para mim e espero que possamos continuar sendo amigos.

Ele deveria ter ficado satisfeito com o resultado. Ele deveria ter acenado com a cabeça e concordado com o melhor curso de ação. Amizade. Ele havia bebido e lido o mapa, dizendo a si mesmo as mesmas palavras.

Em vez de seguir seu próprio conselho, ele continuou a se mover em direção a ela até que estava diretamente na frente dela, invadindo seu espaço e sendo consumido por seu cheiro. Se ele movesse a cabeça para baixo, seria tão fácil pegar seus lábios. Talvez ele pudesse até mesmo colocá-los em seu pulso acelerado.

—É uma pena —, ele murmurou em voz baixa. —Eu não quero simplesmente ser seu amigo.


CAPÍTULO 19

Kelia estava quieta quando Drew a puxou para seus braços, como fazia recentemente. Seus lábios tocaram os dela, e foi como se ele acordasse algo dentro dela que tivesse sido desligado, algo que ela nem sabia que tinha. A faísca dentro de si mesma foi acesa.

Seus pulsos se fecharam em volta do pescoço dele, puxando-a para ele de forma que eles estavam ainda mais perto do que antes. Seu coração martelava em seu peito, mas em vez de ter medo dos sentimentos que percorriam seu corpo, eles a impulsionaram para frente, instando-a a explorar, a se entregar, a realmente experimentar como era. Não havia nenhum lugar que ela precisasse estar, ninguém os esperava em nenhum momento. Dentro do confinamento de seus aposentos, ambos tinham permissão para se libertar.

Não houve um primeiro beijo hesitante, esperando que ela se acostumasse com a sensação. No minuto em que seus lábios tocaram os dela, sua mão encontrou a parte de trás de sua cabeça e ele a inclinou para trás para que sua língua pudesse se reaproximar de sua boca, do jeito que tinha sido há poucos momentos. Suas mãos agarraram seu rosto antes que ela estendesse uma mão para correr os dedos por suas tranças escuras. Eles pareciam lençóis de seda.

Ele deu um passo à frente uma vez, e depois novamente, empurrando Kelia para trás até que seus joelhos batessem na parte de trás da cama. Suas pernas enfraqueceram, forçando-a a se sentar no colchão macio. Drew gentilmente a empurrou de volta para que ela ficasse deitada enquanto ele rastejava em cima dela. Suas mãos plantaram ao lado de cada lado de seu rosto, e ele montou em sua cintura sem colocar muito de seu peso em seu corpo.

Não havia nenhum lugar para ela ir. Se ela queria fugir disso, ela teria que tirar Drew de cima dela.

Exceto que ela não queria fugir disso.

E a ideia de ele estar no controle enviou uma emoção por seu corpo. Ela sempre tinha estado no controle. Ela preferia assim porque significava que a responsabilidade cairia diretamente sobre seus ombros. Com a maneira como Drew estava posicionado sobre ela, no entanto, o momento estava completamente fora de suas mãos. E esse pensamento fez seu coração disparar.

Ele soltou seus lábios para que ela pudesse respirar, apenas para seus lábios encontrarem sua mandíbula e então descerem por seu pescoço. Eles pararam sobre seu pulso, e o coração de Kelia pulou de excitação e medo. Se Drew quisesse, ele poderia perfurar sua carne e afundar suas presas em sua garganta. Parte dela - uma pequena parte sombria dela - queria que ele fizesse exatamente isso. Ela tinha ouvido falar como era bom, tão bom que era proibido, era julgado. Tão bom que a pessoa que experimentava o prazer perverso derivado do gesto era condenada às profundezas do inferno.

Mas que maneira de ir.

Ela não estava pensando do jeito que ela normalmente estaria, mas ela não conseguia se importar.

—Eu posso ouvir seu batimento cardíaco, — Drew murmurou, seus lábios ainda em seu pulso. —Ele bate no mesmo ritmo do meu.

Ele a beijou novamente, e ela não pôde deixar de fechar os olhos e soltar um gemido.

Ele se pressionou contra ela para que ela pudesse sentir cada parte de seu corpo duro - sentir seu desejo contra sua coxa - e sua respiração acelerou.

Ela nunca tinha estado nesta posição antes. Ela não sabia o que estava fazendo e isso a assustava. Ela gostava de ser perfeita, gostava de garantir que era boa em qualquer tarefa em que participasse. Mas ela nunca havia pensado em sexo antes; ela presumiu que fosse algo que aconteceria no futuro. Agora, ela gostaria de ter se preparado para isso.

—Nós não precisamos. — Disse Drew, em voz baixa.

Kelia ergueu o olhar de seu ombro largo para que pudesse fixar seus olhos nos dele. A sinceridade neles enviou um calafrio por sua espinha. Ele era muito mais compassivo do que ela imaginava. Ou talvez fosse apenas agora, neste momento, que tornava a compaixão uma circunstância especial.

—Você está nervosa —, disse ele. Sua mão continuou a acariciar seu quadril em círculos suaves. —Eu posso sentir isso. Eu nunca iria querer que você fizesse algo que a incomodasse.

O problema era que tudo o que ele a fazia sentir não era seguro. E, no entanto, ela não se sentia confortável com ninguém. Ela não sabia as palavras certas para descrever adequadamente suas emoções conflitantes. Afinal, como alguém poderia fazê-la se sentir segura e insegura ao mesmo tempo?

—Vai acontecer alguma coisa comigo? — Ela perguntou. Sua voz saiu áspera e áspera, e ela parou para engolir, esperando umedecer a garganta. —No programa de reprodução, as Sombras disseram que podiam sentir o cheiro da minha pureza. Se nós... se fizéssemos isso, o que mudaria?

—As sombras podem cheirar a inocência, Kelia—, disse ele. —Eles seriam capazes de pegar meu cheiro em você. É quase como...

—Como se você estivesse marcando seu território? — Ela adivinhou. Uma carranca tocou seus lábios com o pensamento de que ela não poderia ser nada mais do que propriedade.

—Eu suponho —, ele concordou. —No entanto, nem sempre é essa a intenção. É só porque as Sombras têm um forte olfato e podemos facilmente pegar o cheiro de outras Sombras. Se você não fosse inocente, eu seria capaz de pegar o cheiro de quem quer que seja que fez com você isso antes.

Kelia brincou com seu cabelo escuro, afastando as mechas de seu rosto antes de passar os dedos por elas e assentiu. Sua mão caiu para o rosto dele, onde ela tocou sua bochecha com o polegar. Ela ficou surpresa ao vê-lo fechar os olhos e se inclinar ao toque dela. A luz que enchia o quarto cintilou em seu rosto, e ela decidiu que nunca o tinha visto tão bonito como agora.

—O que você quer? — Ela se pegou perguntando, olhando para seus olhos fechados, para seus lábios gentis que a beijaram como se fosse sua última noite juntos.

Drew abriu lentamente os olhos e o canto dos lábios se ergueu. Ele estendeu a mão e enrolou uma mecha errante de cabelo atrás da orelha.

—Você, Kelia Starling. — Disse ele.

O nome dela saiu de sua boca e enviou choques como pequenos relâmpagos direto para sua pélvis. Os pelos de seus braços ficaram eretos e seus mamilos endureceram.

—Eu quero você de qualquer maneira que você me dê. Eu sei que não quero ser seu amigo. Eu quero ser capaz de tocar seu corpo. Eu quero ser capaz de beijar sua boca. Eu quero ser capaz de protegê-la com minha vida e fazer você gemer e fazer coisas para você que a fará derreter em minhas mãos e gritar meu nome e me implorar para fazê-lo repetidamente até que você seja incapaz de dizer uma única palavra, muito menos em pé sobre seus próprios pés.

Kelia o puxou para ela. Seu corpo inteiro estava em chamas, e ela precisava beijá-lo antes que ele causasse uma espécie de doloroso prazer que pulsasse ainda mais em sua pélvis. Mas a forma como seu corpo se esfregou contra o dela, parecia que a sensação só iria ficar mais intensa.

Ele encontrou seu beijo com a mesma ferocidade que ela possuía. Uma mão agarrou sua cintura com dedos ásperos, e a outra segurou sua bochecha para que o polegar, colocado suavemente em seu queixo, pudesse controlar sua cabeça. Ele empurrou de volta para que ele pudesse aprofundar o beijo, sua língua já sondando as profundezas de sua boca.

As pernas de Kelia se ergueram e se enrolaram em sua cintura. Ela não tinha ideia do que estava fazendo ou por quê, mas sabia que não queria seu corpo longe dela.

A boca dele caiu da dela para o queixo e pescoço. Não eram mais beijos inocentes. Sua língua traçou a linha de sua garganta. Os lábios dele sugaram a pele suavemente, e Kelia gemeu um som que nunca tinha ouvido dela antes. Ela não sabia que beijar podia provocar tanto prazer em tomar conta de seu corpo e reduzi-la a pouco mais que massa.

Ele baixou a boca para sua clavícula e correu a língua ao longo da linha do peito antes de parar no vale entre seus seios.

Ele ergueu a cabeça e passou a mão pelo peito dela, lentamente abrindo a túnica para que o material caísse de seus ombros. Sua mão era áspera, com bolhas e arranhou sua pele macia, mas a sensação contrastante deu-lhe outro choque. Logo, o material caiu de seu corpo e ele se moveu para poder puxar as mangas, deixando-a com nada além de um espartilho.

Sem esperar que ela se virasse para que ele pudesse desamarrar a engenhoca, ele colocou a mão na bota e agarrou uma pequena adaga escondida dentro de seus limites. Em um piscar, ele deslizou para baixo em seu torso, rasgando o espartilho em dois. Rapidamente, ele o removeu para que caísse de sua cama no chão, expondo seus seios para o quarto fresco.

Ela não conseguiu evitar o nervosismo. Seus dedos começaram a se enterrar nos cobertores embaixo dela e seus olhos se fixaram em Drew, na esperança de captar qualquer tipo de sinal que indicasse o que ele estava pensando, o que estava sentindo.

Ele estendeu a mão e espalmou a mão no espaço logo acima do corpo dela. Mas ele não a tocou, ainda não, e isso pareceu arrancar dela mais reação do que se ele realmente colocasse a mão sobre ela.

Ela soltou um gemido e seus olhos se fixaram nos dela. O desejo nublou a sinceridade e ela mordeu o lábio inferior, antecipando o que ele planejava fazer a seguir. Seus olhos deixaram os dela apenas para cair para o lábio inferior, e ele abaixou a cabeça até que seus lábios estivessem diante dos dela.

—Diga-me para parar, e eu paro. — Ele prometeu, sua voz um fantasma de um sussurro.

Os olhos de Kelia se fecharam e um arrepio percorreu seu corpo. Seus mamilos endureceram mais. Surpreendeu-a que algo tão inócuo como a voz de Drew tivesse tanto poder sobre ela. Ela balançou a cabeça, incapaz de formar as palavras ainda. Depois de uma pausa prolongada, ela abriu os olhos. Drew continuou a olhar para ela, seu olhar escuro e pesado.

—Eu, — ela disse, sua voz saindo irregular e afiada, como as pontas das presas de Drew. —Eu não quero que você pare.

Ela não sabia como era possível, mas os olhos dele ficaram ainda mais escuros até parecerem com a tinta na ponta dos dedos, o céu à noite. A forma como o olhar dele vagava por seu corpo, Kelia tinha certeza de que eles iriam assombrar seus sonhos e enviar seu corpo em uma agitação, mesmo se ele não estivesse fisicamente presente.

Ele se inclinou e beijou suavemente seus lábios. Suas mãos voltaram para seus quadris, seu aperto sólido, provocando possessivamente. Suas pernas estavam travadas ao redor dele, e ele empurrou sua pélvis de forma que esfregasse contra seu monte. Um suspiro assustado caiu de seus lábios e seus olhos se abriram. Ela não esperava isso

A boca dele foi para o pescoço dela mais uma vez. Desta vez, ela podia sentir a ponta de seus dentes acariciando sua pele. A qualquer momento, ele poderia mordê-la, ele poderia arrancar sua pele e beber dela. O pensamento a apavorou e emocionou.

—Eu posso sentir o cheiro do seu desejo por mim. — Disse ele em um sussurro baixo.

Sua mão caiu de sua cintura, seus dedos arrastando através de seu estômago e para baixo para os cachos de seu monte. Sua respiração se acelerou, seu coração batia forte contra o peito, mas ela não podia - não queria - dizer a ele para parar. Ele empurrou mais e mais até que seus dedos ásperos roçaram seus lábios, e ela respirou fundo, encontrando seus olhos. Ele olhou para ela com uma adoração tão feroz que ela piscou, pensando que estava vendo coisas.

Mas não.

Esse olhar ainda estava em seu rosto.

—Você é minha, Kelia Starling. Nenhum homem jamais será capaz de tocá-la, beijá-la, agradá-la, do jeito que estou prestes a fazer —, disse ele, suas promessas cobrindo o corpo dela com calor. —Tem certeza de que não quer que eu pare?

Kelia só conseguiu acenar com a cabeça.

—O que você diz? — Ele perguntou.

Kelia respirou fundo. —Eu sou sua —, respondeu ela. —Faça o que quiser comigo. Anseio por sentir tudo o que você pode oferecer.


CAPÍTULO 20

Drew não achava que Kelia realmente entendia o efeito que suas palavras tiveram sobre ele. Seu pênis latejava dolorosamente, e ele agarrou seus quadris mais uma vez, precisando de algo para se agarrar. Um lembrete para desacelerar.

Ele sabia que Kelia era virgem. Sabia como seria a sensação por ele - algo que não sentia há muito tempo - mas também como seria por ela.

Suas presas deslizaram para fora. Ele precisava de algo para morder, especialmente porque ele estava oprimido com seu cheiro, com o baque de seu coração batendo, seu pulso batendo contra sua garganta.

Os olhos de Kelia estavam turvos de luxúria, meio mastros enquanto ela olhava para ele. Seus lábios estavam entreabertos, lábios que ele desejava estar sempre apegado. Seu corpo nu quase tremia embaixo do dele. Ele podia cheirar sua antecipação, seu medo. Ele queria tranquilizá-la para confiar nele. Ela não estaria aqui se não o fizesse, mas ele ainda queria aliviar seus pensamentos turbulentos.

Ele respirou lentamente e tirou a túnica antes de deixá-la cair no chão, ao lado das roupas de Kelia. Ele se inclinou sobre ela e beijou seu pescoço. Ainda o impressionava que alguém como ela - uma mulher com opções de onde tirar sua vida - pudesse estar com ele. Esperançosamente ela estaria tão extasiada por ele que a ideia de estar com outra pessoa nem passaria por sua mente.

Suas mãos se estenderam para descansar em seu peito. Um toque inocente e, no entanto, de alguma forma, ele achou sua hesitação cativante. As mãos dela eram suaves em sua pele, enquanto exploravam seu torso sólido, seus olhos focados e maravilhados.

Ele estremeceu com a atração óbvia dela por ele. Ele estava ciente de sua aparência, e era importante para ele garantir que se mantinha em forma como um pirata e como um homem que gostava da companhia de mulheres, mas só agora ele apreciou o tempo e o esforço que ele colocado no cultivo de seu corpo.

—Você se meteu em muitas disputas para conseguir essas marcas em seu corpo. — Murmurou Kelia.

Ela colocou lábios suaves e hesitantes onde a cicatriz começava em suas costelas antes de subir ao longo de seus músculos peitorais até chegar ao fim como sua clavícula. Então ela mudou-se para outra cicatriz, desta vez um buraco de bala em seu ombro oposto, e se ajoelhou, deslizando os braços por baixo dos dele para que pudesse alcançá-lo e puxá-lo para mais perto dela.

Os dedos dela deslizaram pelos ombros dele e pelos braços até que ela alcançou suas mãos. Agarrando sua mão, ela a levou ao rosto e beijou sua palma antes de mover para o interior de seu pulso.

Um pequeno gemido saiu de seus lábios.

Isso não era para acontecer. Era ele quem deveria estar fazendo isso com ela. Ela... ela não deveria saber o que estava fazendo.

Ela acariciou seu antebraço direito, trazendo-o de volta à realidade. —O que é isso?

—Isso...— Seu olhar caiu para o braço, e uma carranca puxou seus lábios. O P tinha sido chamuscado em sua carne antes que ele fosse uma Sombra, e foi por isso que não foi curado quando ele recebeu a vida sem fim. Uma marca que afirmou o que era e seria para sempre: Pirata. —Isso me marca pelo que eu sou.

—Eu não sabia que P era um bom homem. — Sua voz estava baixa, mas seus olhos estavam claros.

—O fato de você pensar em mim como tal.... — Ele começou, mas não sabia como terminar a frase e a deixou lá.

—Posso admitir quando estou errada, Drew —, disse ela. —E eu estava completamente errada sobre você. Você é mais do que eu esperava, e eu sei que todo mundo está errado sobre você também.

Ela beijou seu pulso mais uma vez antes de trazer sua mão e colocá-la firmemente em seu seio.

—Você deixou o cabelo solto. — Disse ele. Ele provavelmente deveria ter notado antes, mas ele estava muito consumido com tudo, com a possibilidade, com o que planejava fazer com ela.

Ela assentiu.

—Parece adorável. — Mantendo uma mão em seu seio, ele estendeu a outra e agarrou uma mecha de seu cabelo, girando-a em torno do dedo indicador, sentindo os fios de ouro sedosos de cabelo enrolados em torno de sua pele como um laço. Ele limpou a garganta, puxando suavemente o cabelo dela para que ela ficasse mais perto de seu rosto. —Você é tão linda.

Enquanto ele a beijava mais uma vez, sua mão apertou seu seio, seu polegar roçando seu mamilo. Quando Kelia gemeu, o som foi direto para seu pênis, e ele deslizou a língua dentro de sua boca, precisando senti-la, precisando beijá-la com fervor e insistência. Ele não podia esperar mais. Ele precisava consumi-la.

—Kelia, — ele sussurrou. Sua carne se apertou com a tensão, e ele não pôde deixar de sorrir com seu poder sobre seu corpo. Ele não estava mentindo quando disse que estava honrado por esta oportunidade de provar seu valor para ela. —Diga-me para parar. Diga-me para parar, e eu irei. Mas, por favor, se você for, diga-me antes que eu te consuma.

Seus olhos se abriram e ela engoliu em seco. Ela balançou a cabeça. —Por favor —, disse ela novamente. —Por favor, não pare.

Drew cantarolou. Normalmente, ele não tinha que questionar suas parceiras, mas queria ter certeza de que Kelia estava pronta para isso. Ele queria dar a ela todas as oportunidades de dizer não. Mesmo que ela hesitasse, ele aceitaria, pois ela ainda precisava de mais tempo. Mas cada vez que ele perguntava, ela parecia mais certa do que antes. E ele confiou em sua autoavaliação.

Ele se reposicionou e lentamente, suavemente, empurrou um pouco para dentro dela. Ele apertou os lábios para evitar soltar um gemido. Embora ele ainda não estivesse totalmente dentro dela, ele podia sentir o calor e a pressão de suas paredes ao redor dele. Ela era tão apertada que ele não seria capaz de se empurrar mais rápido se quisesse. Mas ele não faria isso mesmo se pudesse. Ele não queria apressar isso e nunca quis machucá-la.

Ele deu-lhe beijos leves, tentando aliviar a tensão em seu rosto enquanto avançava. Kelia era forte, porém, e embora fosse claro que ela estava com dor, ele também podia ver sua resistência.

Era uma das razões pelas quais ele a amava.

O pensamento o atingiu tão rápido, tão forte, que ele não teve tempo para pensar nisso. Mesmo agora, ele o removeu de sua mente. Ele não se demoraria em pensamentos no calor de um momento íntimo.

Ele empurrou mais fundo e ela ficou tensa, então ele se afastou um pouco para lhe dar tempo antes de tentar novamente. A cada esforço, seu corpo parecia cada vez mais pronto. Se não fosse uma provocação para si mesmo, ele poderia ficar assim por horas com ela apenas para vê-la implorar por ele.

 


A chuva batia contra o convés acima e respingava na janela de Drew. A chama tremeluzia, diminuindo cada vez mais à medida que o tempo avançava, embora parecesse estar parada.

As mãos de Drew sobre seu corpo, sua respiração apertada, seus grunhidos e gemidos - ela se deleitou com tudo isso. Seus dentes brincavam com sua pele, e ela tinha certeza, em sua paixão, ele se esqueceria de si mesmo e deixaria uma marca. De alguma forma, ela confiava que embora ele pudesse mordiscá-la, ele nunca iria realmente mordê-la. Ela não sabia como sabia disso, mas era algo em que acreditava.

Ele era alguém em quem ela acreditava.

Suas mãos viajaram por seus ombros, afundando em suas costas fortes enquanto ele serpenteava uma mão entre seus corpos e começava a brincar com seu clitóris já inchado. Era sensível, quase doloroso de tocar, e ela estremeceu quando ele moveu os dedos sobre ele rapidamente, com propósito, continuando a manter o ritmo dentro dela constante.

Mesmo assim, ela tentou o seu melhor para conter seus gemidos de prazer. Não porque não queria que Drew a ouvisse, mas porque a envergonhava pensar que o resto da tripulação pudesse ouvi-la também.

Mas à medida que Drew continuou balançando-se mais forte até que ela não pudesse mais se conter, a tensão crescendo em sua pélvis começou a dominá-la. Não muito depois, aquela sensação agora familiar de seu clímax iminente tomou conta dela.

—Aqui está. — Disse Drew.

Kelia não sabia como ele sabia que ela estava pronta para o orgasmo novamente, mas ele pareceu mudar seu ritmo apenas o suficiente para aliviar o orgasmo dela mais cedo do que ela esperava. Então, no momento em que Kelia ficou mole contra ele, ele agarrou seus quadris e gritou, enterrando o rosto em seu ombro.

Ele inchou e se lançou dentro dela, e isso lhe trouxe uma surpreendente sensação de prazer, embora ligeiramente diferente de seu próprio orgasmo. A sensação dele terminando entre suas coxas era mais uma sensação de completude do que qualquer outra coisa, e ela agarrou o corpo dele contra o dela para segurar essa sensação um pouco mais.

Quando ele terminou, ele quase desabou em cima dela, seus braços fortes envolvendo possessivamente em sua cintura, mas a maior parte de seu peso posicionado para que não caísse sobre ela.

Kelia se sentiu... contente. Enquanto ela olhava para o teto, tentando enxergar na escuridão, ela não pôde deixar de sorrir.

Enquanto Drew descansava em seu corpo, as pontas dos dedos brincando em seus antebraços, tudo parecia certo.

 


Kelia acordou apenas algumas horas depois. Drew ainda a estava segurando, sua respiração invadindo seu ombro e clavícula, enquanto ele inspirava e expirava.

Ela fechou os olhos por um momento para ouvir a tempestade lá fora. Ela havia se acalmado. Na verdade, ela não tinha certeza se ainda estava chovendo. Ela tentou voltar a dormir, mas não conseguiu. Ela nunca foi boa em acordar e voltar a dormir.

Talvez um pouco de ar fresco ajudasse a esfriá-la, especialmente agora que sua mente estava começando a se encher de pensamentos analíticos sobre o que havia acontecido, o que significava e o que aconteceria a seguir.

Ela tirou o braço de Drew da cintura, pegou suas roupas e as vestiu. Ela correu para a mesa no caminho para a porta - a vela desceu até seus últimos momentos de vida - e teve certeza de que teria um hematoma na canela.

Apesar de toda a confusão dela, Drew de alguma forma não acordou. Isso era uma coisa boa ou ruim?

Quando ela saiu do quarto, o ar frio acariciou suas bochechas e arrepios percorreram sua pele. Não chovia, embora, a julgar pelo céu cinza e as nuvens soltas, isso pudesse ser apenas uma pausa antes que a tempestade aumentasse. Ela provavelmente não ficaria aqui por muito tempo, então ela apenas colocou as mãos em volta dos braços para afastar o frio.

A superfície do oceano em movimento balançou o Espectro como uma mãe embalando seu recém-nascido para dormir, e a alma de Kelia se sentiu contente - ainda, mas satisfeita - como se ninguém pudesse chegar até ela.

Quando se tratava de Drew, ela estava segura. Ela sempre esteve. Mas as coisas nem sempre foram como este. Algo em seu relacionamento havia mudado. O que era, e como isso os afetava, ela não tinha certeza. Tudo o que ela sabia era que gostava do que havia acontecido entre eles e que desejava fazer isso de novo.

—Meu Deus —, ela murmurou para si mesma. —O que Jennifer diria?

O coração de Kelia doeu. Mesmo que Jennifer a tenha traído no final, Kelia não pode deixar de se sentir em conflito. A Sociedade tentou matar Jennifer. A partir desse ponto, Kelia não tinha ideia do que aconteceu com ela porque ela foi reduzida a uma Cega, o que a separou de outros Assassinos. Jennifer fora para a Sociedade? Eles foram até ela? De qualquer forma, Jennifer ainda estava lá, muito viva.

Kelia soltou um suspiro trêmulo e forçou seu olhar para o oceano. Ela não queria pensar sobre a Sociedade ou qualquer um dos Assassinos. Não quando ela finalmente se sentia feliz.

Algo se moveu no oceano. Kelia piscou e olhou novamente. Ela poderia jurar que viu uma barbatana. Os golfinhos realmente nadavam tão perto da costa?

Podia ser uma sereia.

Kelia deu um passo para trás e a cauda voltou à superfície. Desta vez, ela tinha certeza de que não era um golfinho. Escamas verdes escuras brilhantes cintilavam rosa e azul sob o luar. Apenas nas bordas de sua consciência, uma canção familiar tocou, varrendo todos os outros pensamentos e memórias de sua mente.

Algo dentro dela pressionou para frente, embora uma pequena voz gritasse para ela se afastar, voltar para Drew, para ficar segura.

Mas aquela voz de advertência estava tão distante, tão abafada, que o pensamento nunca se formou totalmente em sua mente. Em vez disso, ela agarrou o corrimão de madeira e se inclinou para o lado para dar uma olhada na bela criatura marinha.

Naquele momento, um rosto familiar apareceu diretamente na frente dela.

Uma sereia. Elise.

O pânico inundou sua mente. O canto da sereia foi interrompido quando ela saiu do feitiço.

Mas era tarde demais.

—Aí está você, — Elise disse, sua cauda ainda na água, mas seu torso longo e esguio para que ela pudesse encontrar Kelia. —Você cheira a Sombra. Acho que você finalmente se entregou a Drew Knight, então? — Ela estalou Kelia, embora houvesse um brilho em seus olhos. —O que sua mãe pensaria?

O coração de Kelia apertou dolorosamente. Tudo o que tinha acontecido com ela no dia anterior tinha cobrado seu preço se tivesse sido tão fácil esquecer que havia uma chance de sua mãe ainda estar viva.

—Você gostaria que eu te levasse até ela? — Elisa perguntou, inclinando a cabeça para o lado para que seus longos cabelos caíssem sobre seu ombro e cobrissem seus seios. Ela brincou com os fios molhados enquanto seu olhar permanecia fixo em Kelia. —Tenho certeza de que nada a agradaria mais do que ver você.

Kelia engoliu em seco. Sua mãe ainda estava viva e ela tivera uma relação íntima com uma Sombra do Mar. Ela respirou fundo. Isso a tornava egoísta? Isso importava?

No entanto, ao permitir que as palavras de Elise fossem absorvidas, ela parou sua culpa autoimposta. Tudo o que tinha acontecido com ela voltou à sua memória.

Ela não podia mais ignorar que era desejada por esta Rainha das Sombras do Mar. Duas Sombras a sequestraram e um mago das trevas faria a mesma coisa. O que impediria as sereias de tentar levá-la para a rainha também? Elas não foram criadas por ela? Ela não deu vida a essas bruxas, dando-lhes meios para sobreviver no mar? Não estariam elas obrigadas, então, a levá-la para sua rainha?

Kelia se recostou, seus olhos se estreitaram.

—Você está mentindo — disse ela. Sua voz era baixa, nada mais que um sussurro. A adrenalina percorreu seu sistema. Seus dedos se enrolaram em punhos apertados que ela se certificou de que estavam ao seu lado. Ela não queria que esta sereia soubesse que ela estava com raiva, nervosa e confusa. —Minha mãe morreu há muito tempo. Meu pai a viu morrer. Sua espécie a fez em pedaços.

Elise ficou imóvel. Não havia nenhuma expressão reveladora em seu rosto, nada que indicasse que Kelia estava certa, mas havia algo lá, algo que dizia que talvez as sereias estivessem distorcendo e distorcendo a verdade por um motivo desconhecido para Kelia.

—O que você quer comigo? — A voz de Kelia estava mais alta, mais determinada. Ela apertou o corrimão de madeira com a mesma força com que estivera segurando os punhos. —Por que mentir sobre minha mãe? O que você quer?

—Sua mãe está viva. Isso não é uma mentira.

—Não, ela não está — disse Kelia. Lágrimas brotaram de seus olhos por sua tolice por se permitir acreditar na mentira, mesmo que temporariamente. Ela queria uma mãe, certamente. Ela nunca teve aquela presença calorosa e solidária em sua vida, embora seu pai tivesse tentado. Talvez ela estivesse se agarrando à esperança de que um dia receberia isso. Mas agora, ela sabia, sem dúvida, que não iria. —Ela não está viva, sua bruxa má. Você não pode me levar para as profundezas. Eu não irei.

—Você não terá escolha. — O belo comportamento de Elise mudou naquele momento. Seu rosto se contorceu em uma carranca de monstro, seu nariz franziu, e seu conjunto de dentes brancos perolados afiados em duas fileiras de presas. —Você nem sempre estará sob a proteção do Drew Knight, você sabe, e quando você não estiver, eu vou te encontrar, vou te dar a nossa Rainha, e ela vai me conceder o presente da vida.

—O presente da...— Kelia franziu a testa. —Você já está viva.

—Eu estou? — Elise perguntou. —Você acha que eu quero ficar confinada ao mar quando eu costumava ter pernas? Você acha que eu quero me banquetear de sangue e carne e ossos para sobreviver? Você acha que eu quero servir a uma rainha que não quer mais nada do que transformar humanos insípidos para que ela possa reunir seu exército e comandar o mundo? Se ela me matasse como uma humana, tudo bem, mas não vou permitir que ela me mantenha acorrentada a esta prisão de água pelo resto da minha vida eterna. E se isso significa agarrar você e dar você a ela, eu irei.

—Você parece gostar de uma coisa dessas. — Disse Kelia.

Elise jogou o cabelo sobre o ombro. —Eu sou forçada a fazer isso, — ela disse, sua voz firme, controlada. —Se eu não puder me forçar a ver o lado bom das coisas, treinar-me para apreciá-lo, então vou viver miseravelmente. Posso aprender a gostar da besta que sou. Posso aprender a aceitá-la, mesmo que não queira.

Kelia ouviu suas palavras, mas não teve medo. —Como você conheceu minha mãe? — Ela perguntou, sua voz pouco mais que um suspiro. —Você falou o nome dela. Você a conhecia.

—Sim —, disse a sereia, desviando o olhar para o mar agitado. —Eu a ataquei quando seu pai caiu sob o fascínio de nossa música. Não pudemos alcançá-lo, embora essa fosse nossa intenção. Mas conseguimos agarrá-la em vez disso. Eu a mordi primeiro. — Elise esfregou os lábios, como se pudesse realmente se lembrar do gosto. —Ela tinha um gosto doce, como frutas vermelhas e leite. Eu esperava ver se você tinha o mesmo gosto, mas duvido que algum dia saberei. Não com a Rainha tão decidida a mantê-la para ela.

Uma calma fria tomou conta do corpo de Kelia. Até sua raiva se dissipou.

—Eu vou matar você —, disse ela. —Você arruinou tudo na minha vida. Minha mãe e meu pai estão mortos por sua causa. Mas eu não vou sucumbir aos seus truques. Marque-me, bruxa do mar, se eu tivesse minha lâmina em mãos, eu a enfiaria no seu coração e libertaria você desta prisão da pior maneira possível. Você faria o melhor para nunca mais cruzar o meu caminho novamente.

Elise riu, mas Kelia não se comoveu. Havia poder em suas palavras, como se agora que foram faladas em voz alta, Kelia acreditasse nelas. E se ela acreditasse nelas, ela sabia que aconteceriam. Ela não sabia como ou quando, mas tinha certeza de que tornaria as palavras verdadeiras.

—Estou ansiosa por isso —, disse Elise. —A Rainha fará muito pior do que eu jamais poderia, e vou perguntar se posso ver você gritar.

—Por que não acabar com isso e fazer agora? — Kelia perguntou. —Pare de tagarelar e faça algo a respeito.

—Você tem alguém naquele ninho de corvo, pronto para me cortar ao meio se eu fizer isso —, disse ela. —E eu acho que sou muito bonita para morrer esta noite.

A sereia riu novamente antes de se virar e mergulhar graciosamente de volta no oceano.

Kelia fechou os olhos, uma lágrima escorrendo pelo rosto. Sua mãe havia morrido. Não havia como negar mais. Mas Kelia estava viva e Drew estava esperando por ela.

Ela se virou e voltou para seus aposentos. A emoção de estar em seus braços novamente foi o suficiente para fazê-la esquecer as sereias - pelo menos, por enquanto.

Mas quando ela entrou pela porta, Drew não parecia feliz.


CAPÍTULO 21

—Onde você foi? — Drew exigiu enquanto Kelia se arrastava de volta para a cama quente. Os braços dele instantaneamente travaram em torno de sua cintura, puxando-a ainda mais perto dele do que ela estava antes de partir.

—Eu precisava de um pouco de ar. — Ela respondeu honestamente. Seus olhos se fecharam enquanto sua cabeça repousava em seu ombro. Uma parte de seu cabelo caiu sobre seu ombro, e ela sabia que quando ela acordasse para o dia, ela teria que escová-lo completamente.

—Eu não quero soar como um homem possessivo, Kelia, — Drew disse, seus lábios encontrando o ponto em seu ombro onde sua túnica caiu e deixou sua pele nua. A maneira como ele disse o nome dela a fez estremecer, fez suas entranhas se chocarem. —Mas não quero que você saia do meu lado enquanto estou dormindo. Não posso nem confiar na minha própria tripulação. — Seus dedos acariciaram suas curvas, traçando padrões suaves em sua pele. —Não posso arriscar que alguém te leve mais uma vez.

Kelia concordou. Ela não teve coragem de abrir a boca e dizer a ele que ela tinha sido visitada por uma sereia agora, pronta para puxá-la para baixo da água a fim de leva-la de volta para a Rainha.

—Por que a Rainha me quer? — Kelia perguntou. Ela se virou e olhou para o teto.

Drew se mexeu e apoiou a cabeça na mão, olhando para ela com olhos sombreados.

A vela havia se apagado e a chuva começado a cair mais uma vez. Kelia não tinha certeza de que horas eram por causa da escuridão, e ela se moveu ao lado de Drew, tentando acumular mais calor, fosse dele ou do cobertor.

—Ela te quer porque ela é uma coisa miserável e amarga, — Drew disse com um sorriso de escárnio. Kelia ficou surpresa que ele respondeu em primeiro lugar. Ela não achava que ele se permitiria falar sobre a Rainha. —E ela quer que todos os outros sejam tão miseráveis e amargos quanto ela.

Kelia apertou os lábios, afastando o cabelo do ombro e olhou para ele, esperando que ele dissesse mais alguma coisa. No fundo, ela sabia que havia mais do que isso. Tinha que haver. Ela conhecia pessoas miseráveis e amargas quando era uma Caçadora. Isso não significava que eles queriam possuir Kelia - ou qualquer outra pessoa.

Drew baixou o olhar para onde sua mão acariciava seu corpo. —Ela se imagina apaixonada por mim —, ele finalmente disse, erguendo o olhar para que eles pudessem se olhar. A mão dele parou ao lado dela. —E ela imagina que você é alguém que significa muito para mim. Ela é um monstro ciumento que pensa que se ela te tirar da equação, eu vou me apaixonar perdidamente por ela. Infelizmente, tal coisa não é verdade, e vai nunca ser verdade.

Kelia engoliu em seco, mas fez pouco para umedecer sua garganta áspera.

—Por que você não a ama? — Ela perguntou, sua voz rouca. Saiu quase em pedaços, onde algumas das palavras foram duramente pressionadas para deixar sua boca.

—Além do fato de que ela arrancou minha própria alma do meu ser para me manter ao seu lado por toda a eternidade? — Drew perguntou.

Kelia respirou fundo. Os dedos dele em sua pele nua fizeram coisas em seu corpo que ela não queria pensar.

—Ela é má, pura e única —, Drew continuou finalmente. —Não há redenção em sua alma. Ela é fria e calculista. Ela é egoísta. Ela só se preocupa com seus desejos. Ela anseia por humanos porque eles continuam a torná-la jovem, mas ela se alia à Companhia das Índias Orientais porque eles a criaram. E certamente também porque são muito estúpidos para perceber que estão sendo usados como peões em seu jogo. Ela não quer nada mais do que queimar a terra com a morte, para levantar um Exército e ser Rainha de tudo. Qualquer coisa menos que isso nunca será suficiente para satisfazer sua ganância. Suas inseguranças. Mas ela precisa da chave que concederá às Sombras a habilidade de andar na terra durante o dia.

Os olhos de Kelia se abriram. —Existe uma chave para isso?

—Sim. — Ele arrastou a mão pela lateral dela, puxando o tecido da túnica para que caísse, deixando mais de seu peito exposto. —Para responder à sua pergunta, querida, ela a quer por causa do efeito que você tem sobre mim. Um efeito que ela não quer que ninguém além de si mesma tenha.

Kelia ficou imóvel.

—E que efeito é esse? — Ela perguntou, sua voz caindo para um sussurro baixo.

Sem resposta, Drew tirou a túnica de Kelia e empurrou-a para o lado da cama. O ar frio apertou sua pele, e ela se escondeu sob o cobertor, pressionando-se contra seu peito nu para recuperar o calor que ele acabava de tirar.

Finalmente, ele falou. —Você é a pessoa com quem eu quero estar —, disse ele. —Você, e só você. Eu dei a você algo que nunca dei a ela.

Kelia fez uma pausa e olhou para ele, os olhos cheios de perguntas e preocupações.

—Eu não acho que eu poderia ser uma Sombra, Drew, — ela disse calmamente. Ela não conseguia olhar para ele. Em vez disso, ela começou a brincar com a ponta da manga. Ela era uma covarde, ela sabia, mas ela não iria mentir para ele. Não sobre isso. —Eu não acho que posso te prometer para sempre.

—Podemos discutir isso em um momento diferente, embora eu respeito seu sentimento. — Ele deu um passo em direção a ela. —Meus sentimentos não são algo que compartilho livremente. — Ele empurrou mechas errantes de cabelo para longe de seu rosto e deixando beijos castos em seu rastro. Os olhos de Kelia se fecharam por conta própria. —Eu me encontro incapaz de ficar sem você. E se algo acontecer com você... —Suas palavras eram pontas irregulares, seus dedos gentis. — Prometa-me, não importa o que aconteça, você ficará ao meu lado.

—Drew —, disse Kelia. —E se eu precisar ajudar alguém? E se Emma ou Daniella ou Wendy... E se elas precisarem da minha ajuda?

—Para que elas precisam da sua ajuda?

Kelia sentiu a cor sumir de seu rosto e seu coração quebrou. Ela se acalmou sob o toque de Drew, certa de que sua reação era clara para ver em seu rosto.

Drew pareceu perceber o que ele disse porque suas mãos caíram para trás em sua cintura com um aperto firme.

—Não foi isso que eu quis dizer —, disse ele. —Certamente você deve saber...

—Eu sei que não tenho as mesmas capacidades que Emma, Wendy ou Daniella têm—, disse Kelia. —Mas isso não significa que eu não possa fazer algo. Pode ser tão pequeno quanto criar uma distração. Eu também posso ocupar o tempo de alguém com minha lâmina. Talvez uma Sombra tenha velocidade e força, mas estou lhe dizendo que eu não sou apenas uma mulher que precisa de sua proteção. Tenho um lugar aqui - um lugar que não é definido por seus sentimentos por mim.

—Eu não quis dizer...

—Eu sei muito bem o que você quis dizer. — Ela se afastou dele, virando-se para ficar de frente para a parede. De onde ele descansava, ele só seria capaz de ver suas costas nuas, curvadas, enquanto ela pegava sua túnica e a vestia. —Você me vê como uma humana que precisa de sua proteção.

—Não é assim que eu vejo você —, disse Drew. Ele não estava gritando ainda, mas Kelia notou como sua voz ficou mais alta. —Vejo você como uma mulher teimosa que pode fazer tudo o que ela quiser. Vejo alguém que fará qualquer coisa por aqueles que ama. Você é perdoadora e habilidosa, observadora e curiosa. Eu nunca pensaria em classificá-la como angustiada ou mesmo uma donzela para esse assunto.

Kelia amarrou a túnica frouxamente antes de colocar as mãos nas coxas. Ela respirou fundo, e depois outra vez. Ela não sabia como se sentia, exceto pela raiva. E dor.

Ela não queria que Drew a visse como indefesa. E ela não tinha nada a provar para ele. Se ele ainda não a visse como alguém em quem pudesse confiar para lutar ao seu lado, que tipo de relacionamento eles teriam? Não seria igual. Sempre haveria uma diferença de poder entre eles. Ela não precisava estar por cima, mas também não queria se sentir como se estivesse constantemente por baixo. Eles estariam lado a lado.

—E você me classificaria como, Drew? — Ela se virou e ficou de pé, olhando para ele com a cabeça inclinada, o cabelo sobre o ombro. Ela já estava alcançando a trança de volta. —Se não for uma donzela, diga-me: quando você olha para mim, o que você vê? E nada de palavras bonitas ou elogios. Eu quero a verdade.

—Essas palavras bonitas e elogios são a verdade. — Drew estava do outro lado de sua cama. Ela tinha certeza de que sua visão era muito melhor do que a dela. Além de sua silhueta, era difícil ver qualquer outra coisa. Ela ansiava por tocá-lo, sentir-se calorosa com ele mais uma vez, mas ela não deixaria seu terreno quando era tão importante para ela aguentar. —Você é uma das poucas pessoas que eu vejo como minha igual.

—Não minta para mim, Drew.

—O que te faz pensar que estou mentindo?

Além das sombras, Drew deu a volta na cama, com a mandíbula apertada, os olhos estreitados. Seu coração batia forte contra seu peito com cada passo que ele dava, cada passo que o trazia para mais perto dela.

—Você confiaria em mim ao seu lado na batalha? — Kelia perguntou. — Você me deixaria defendê-lo, se for preciso? Você nem mesmo me quer sozinha no convés do navio porque acha que alguém vai me levar embora.

—Alguém roubou você, — Drew apontou. —Dois alguéns, ou você já esqueceu? Minha tripulação não está cheia das Sombras que eu pensei que eles eram. E não vou arriscar que você caia nas mãos deles.

—E quanto a Emma? — Kelia perguntou quando ele estava a apenas um passo dela. Ela desejou que ele não tivesse fechado o espaço entre eles. Era difícil para ela se concentrar quando ele estava tão perto dela, olhando para ela com seus olhos castanhos ferozes. —E Wendy? Por que você não está preocupado com elas caírem nas mãos erradas? Ambos já caíram sob seu comando, assim como eu. Por que não se preocupar com elas?

—Eu não sinto por elas o que sinto por você, — Drew rosnou. —Não seja idiota, Kelia. Não finja que não sabe o que eu sinto.

—Eu só sei o que você me diz, Drew. — Ela estendeu a mão para tocar seu ombro. Ela não sabia por que fez isso, mas precisava sentir algo dele, algo seguro. — Não consigo ler sua mente. Wendy é sua irmã e você conhece Emma há décadas. Por que elas não estão trancadas em seu quarto para serem protegidas como eu?

Seus dedos subiram para enrolar em torno de seus braços, envolvendo em torno de seu bíceps com um aperto firme e apaixonado.

—Porque —, disse ele, aparentemente lutando para concluir seu pensamento. —Porque... eu não as amo do jeito que amo você.

Suas mãos a soltaram, caindo para os lados enquanto suas palavras ecoavam em sua mente. Ele já tinha desviado o olhar, quase assim que as palavras saíram de sua boca. Seus joelhos ficaram fracos, forçando-a a se sentar na cama para que não cedessem debaixo dela.

Drew a amava?

Talvez ela tivesse suspeitado que sim, mas mesmo assim, Drew admitir isso não era algo que ela jamais teria imaginado. Também questionava seus próprios sentimentos semelhantes por ele.

Ela baixou o olhar para as mãos, sem ter certeza do que fazer agora.

Drew parecia estranho. Em todos os meses em que o conheceu, nunca o vira inseguro ou reservado.

—Você parece ressentido com seus sentimentos, — Kelia murmurou. —Que você prefere não se sentir do jeito que sente. Que eu sou uma responsabilidade que você prefere não ter, mas porque você sente, você se sente obrigado a me oferecer sua proteção.

—Não seja idiota, Kelia. — Desta vez, quando ele disse o nome dela, não teve o mesmo prazer de antes. —Meu amor por você... Se eu pudesse tirá-lo - se eu pudesse arrancá-lo do meu coração para protegê-lo da Rainha - eu o faria. Eu - eu farei - faria qualquer coisa e tudo ao meu alcance para impedir que isso aconteça.

—E esse amor - é uma coisa tão ruim?

Drew pareceu zombar baixinho, mas Kelia não conseguia ler sua expressão na escuridão.

—Lembro-me de minha humanidade quando estou perto de você, quando respiro o mesmo ar que você inspira. Mas você também me deixa de joelhos. Você me torna fraco, Kelia. Mais fraco do que eu jamais imaginei que poderia ser. —Drew caiu de joelhos, como se para enfatizar seu ponto. — O amor que tenho por você não conhece limites. O pior destino seria eu perdê-la para a rainha ou para qualquer outra pessoa. No entanto, ela é a única coisa de que não posso protegê-la. Não vou desistir de você tão facilmente por ela. E se isso me torna imprudente ou cruel, que seja. Posso querer protegê-la.

Kelia o encarou longa e duramente. Ela não sabia se era isso que ela precisava ouvir ou se colocava em questão tudo o que ela pensava. Ela podia entender seu desejo de proteger - ela se sentia da mesma maneira. Mas ela não podia ser uma prisioneira. Seria como se ele a estivesse protegendo com uma gaiola. Talvez ninguém pudesse entrar, mas ela também não conseguia sair.

—Eu não quero ser sua fraqueza, Drew —, disse ela, abaixando-se para que pudesse segurar o rosto dele com a mão. —Eu não sei nada sobre o amor, mas sei que isso não deve consumir você em uma pessoa maníaca que pensa que sua única responsabilidade é proteger a outra pessoa de algo que não aconteceu. Não sou ingênua o suficiente para pensar que sou mais forte do que uma Sombra, mas eu gostaria de pensar que tenho a habilidade de me defender. Que sua força, mais a minha, deve torná-lo mais forte. Não mais fraco. Eu anseio por você, Drew Knight, mas se você me vê como algo frágil, não posso ficar. Porque não posso me permitir espelhar seus pensamentos e sentimentos sobre mim.

Ela traçou seus lábios com o polegar. Ele os separou e Kelia ficou tentada a beijá-lo, mas largou a mão e deu um passo para o lado.

Ela não podia continuar seu sono aqui. E se as coisas não mudassem, ela não tinha certeza se continuaria alguma coisa aqui.


CAPÍTULO 22

O resto da noite, Drew não conseguiu dormir. Ele não gostou que Kelia não estivesse com ele, mas ele também não gostou que ela foi embora por causa das palavras que saíram de sua boca.

Ele andava de um lado para o outro, com as mãos atrás das costas, calça sem camisa e, definitivamente, sem botas nos pés. Lá fora, a chuva caía como as teclas de um piano tocando uma valsa em ritmo acelerado. Drew não encontrou conforto nisso como normalmente faria.

Soltando um suspiro, ele tentou pensar em uma maneira de tornar isso melhor. Ele duvidava que pudesse conquistar Kelia com suas palavras. Foi isso que o colocou nessa situação em primeiro lugar.

Ele parou de andar e soltou um grunhido. Antes que ele pudesse decidir o que fazer, houve uma batida na porta. Ele enrijeceu. O convidado não tinha o cheiro de Kelia e, como tal, ele já estava desapontado e meio que pensando em nem atender.

A batida persistiu, no entanto, então ele abriu a porta para encontrar Emma, seus olhos escuros acusadores, sua testa franzida e os ombros para trás. Drew não se preocupou em esconder o rosto enquanto revirava os olhos e, sem dizer uma palavra, se afastou da porta, um indicador silencioso para ela entrar, se quisesse.

—Como você sabia que eu não estava recebendo um convidado? — Ele perguntou enquanto a porta se fechava silenciosamente.

—Porque o único convidado que você receberia - e a julgar pela sua falta de traje e seu cabelo bagunçado, suponho que você já o tenha feito - está no convés inferior, em nosso quarto, tentando e não conseguindo dormir —, disse Emma. —Já que ela estava lá, o que significa que ela claramente não está aqui e, como tal, que você estaria sozinho, imaginei que deveria vir aqui para informá-lo de que sua ordem de sangue já está aqui, guardada com cuidado.

Drew acenou para ela.

—Já os encantei para ficarem frios durante nossa jornada até serem consumidos —, ela continuou. —Então, o sangue não vai estragar.

Drew se virou e acenou com a cabeça, então deslizou para baixo, sentando-se na beira da cama antes de cruzar os braços sobre o peito. Ele olhou para o chão de madeira à sua frente, mordendo suavemente o lábio inferior.

—Eu disse que ela precisava de proteção. — Drew murmurou antes que pudesse se conter.

Ele não esperava dizer isso a Emma, mas não conseguiu se conter. Ele confiava em Emma e, talvez, ela pudesse ajudá-lo a descobrir como fazer Kelia entender que ele não tinha a intenção de ofendê-la.

—Ela precisa de proteção, — Emma concordou, — mas isso não significa que você deve tratá-la como se ela fosse incapaz. Ela ainda é forte, Drew.

—Eu sei disso, — ele retrucou, apoiando as mãos nas coxas. Como ele poderia transmitir isso? Ele precisava que Kelia entendesse seu desejo de protegê-la. Ela não sabia como a rainha era. Mesmo Drew não conseguia imaginar todas as coisas que a vil Sombra poderia fazer com Kelia. —Claro que sei disso. Mas...

—Você não estará por perto para protegê-la o tempo todo, — Emma disse com firmeza, entretendo o que ele tinha a dizer ainda menos do que Kelia. —O alcance da Rainha é muito poderoso para ser ignorado. Até você sabe disso. Kelia deveria aprender como se defender, apenas no caso de ela cair nas mãos da Rainha. Em vez de prepará-la, entretanto, você a impediu de aprender a se proteger ela própria.

—Se eu a preparar, então presumo que tal coisa vá acontecer. — Drew esfregou as mãos nas coxas. Ele ergueu o olhar para que pudesse olhar para Emma, que estava bem na frente da porta. —Não consigo nem pensar nisso.

—Não se iluda, Drew Knight, — Emma murmurou. —Tivemos sorte nos últimos meses, mas chegará um momento em que nenhum de nós - quando nem Wendy ou mesmo Daniella ou os homens leais, Sombras em sua tripulação - serão capazes de protegê-la. Você sabe que o que eu digo é verdade. Ela cairá nas mãos da Rainha. Você deve prepará-la para isso. Você deve ter fé que ela tem a força de resistir à Rainha e sua traição. Você deve mostrar a ela que confia que ela cuidará de si mesma.

Drew desviou o olhar. Ele não queria admitir, mas talvez Emma estivesse certa.

—E como eu faço isso? — Drew se levantou, se espreguiçando. A chuva continuou a cair, o trovão quebrando o céu com um estrondo alto.

Emma nem mesmo estremeceu. —Diga a ela como —, disse ela. — Mostre a ela. Você sabe que ela quase foi levada por uma sereia de novo?

Drew ficou tenso. —O que?

—Eu estava assistindo, à distância.

Drew deu um passo em direção a Emma, parando antes de ir mais longe. —Você viu isso e não parou?

—Viu? — Emma disse. —É isso que eu quero dizer. E o que eu acho que Kelia significa também. Você não acredita nela, mas ela é capaz. Eu sei disso, e é por isso que recuei. E você sabe o que aconteceu?

Drew sentiu que ia vomitar. Obviamente Kelia estava segura, mas a ideia de que Emma tinha se afastado fez seu estômago revirar.

—Ela não teria recuado se você estivesse sendo atraída pela sereia. — Ele disse com um rosnado.

Emma acenou para ele. —Kelia viu através da mentira delas, Drew. Quando teve a oportunidade, ela percebeu a verdade.

—Da última vez, a sereia a puxou para baixo da água!

—Você ainda não está entendendo, — Emma quase rangeu entre os dentes. —Ela está descobrindo e aprendendo sobre este mundo. Mais rápido do que você imagina. Ela percebeu que as sereias não têm sua mãe, e até soube que estão conspirando para levar Kelia para a rainha. Você não entende? Todo mundo está atrás dela. Sua própria tripulação até tentou...

—É por isso que ela deve estar sempre comigo —, disse Drew, passando por Emma. Ele parou com a mão na maçaneta da porta. —Você entende, não é? Não se pode confiar que ela vagueia sozinha se quase foi levada por uma maldita sereia...

—Eu não te disse isso porque queria que você a tratasse como uma criança —, disse Emma. —Eu disse isso porque você deve perceber que existem muitas forças trabalhando contra você e seu desejo frágil de proteção. Por favor, Drew. Você não é a única pessoa que se preocupa com ela. Ensine a ela o que ela pode fazer para se proteger.

Ele estava quase tremendo quando o próximo rosnado rolou por seu peito. —Tudo bem, então, — ele disse entre os dentes. —Então vou treiná-la.

Mas quando ele foi puxar a porta, a mão de Emma segurou seu braço para detê-lo. Não que ela pudesse fisicamente, mas foi o suficiente para fazê-lo parar.

Ele olhou para ela. —E agora?

—Deixe que ela fique longe de você primeiro —, disse ela. — Então vá até ela.

—Mas...

—Não foi uma sugestão. — Ela retrucou.

—Pare de me interromper, maldita! — Drew gritou. Ele não tinha a intenção de fazer tal coisa, mas ele não pôde evitar quando as palavras voaram de sua boca para dar um tapa no rosto de Emma. Ele propositalmente desviou o olhar, caminhando lentamente para sua mesa, onde o mapa de Sangre ainda estava, os cantos se curvando para dentro. — Não vou permitir que ela seja levada, Emma. Não há razão para ela aprender como lutar contra a Rainha.

—Você está com medo.

Drew ergueu a cabeça mais uma vez. —Perdão? Sou Drew Knight. Drew Knight não tem medo de nada.

—Você acha que Kelia não vai te amar —, disse Emma. Foi enervante ver que Emma nem mesmo moveu os braços durante a conversa. —Você acha que ela vai te odiar, ou temer, depois de tudo que aconteceu no seu passado. Porque se você revelar isso a ela, se você contar a ela tudo que há para saber sobre a Rainha, você está admitindo que houve um tempo em que...

—O ato físico de prazer sexual não comove meu coração. — Drew agarrou a beirada da mesa, impedindo-se de cravar as unhas na madeira e jogar a grande peça de mobiliário pelo quarto. —Só porque fui indulgente antes, não significa que alguma vez a amei.

—Eu sei disso, — Emma disse, sua voz mais suave agora. Ela olhou para ele com uma expressão que era difícil, mesmo com sua habilidade elevada, de distinguir através da escuridão. —E se você confia em Kelia, tenho certeza de que ela entenderá isso também.

Drew zombou.

—Deixe-me. — Disse ele, acenando com a mão.

Ele nunca deu uma ordem a Emma e Emma nunca a seguiu. Mas, naquele momento, Emma saiu de seu quarto, fechando a porta atrás dela.

Quando ficou sozinho, ele soltou um grunhido, levantou-se e se arrastou para a cama para olhar para o teto. Ele precisava dormir. Amanhã, eles partiriam para Sangre e, assim que estivessem lá, ele poderia matar a Rainha e tudo ficaria bem novamente.

 


No pouco tempo que Drew dormia, ele sonhou com a Rainha.

Ela atendia pelo nome de Tatiana então. Ele não sabia o que ela era, mas ao colocar os olhos nela pela primeira vez, ficou impressionado com sua beleza. Pele pálida, cabelo preto como tinta que passava pelos seios, olhos azuis penetrantes, lábios vermelho-rubi.

A cor do sangue, agora que ele pensava nisso.

E aquele sorriso... Drew não sabia bem como descrevê-lo. Era como se ela soubesse o que iria acontecer pouco antes de acontecer e encontrasse diversão em saber.

Ele costumava adorar aquele sorriso. Agora, isso o fazia estremecer dolorosamente e apertar os olhos para não ter que experimentar com nenhum sentido.

Mas seus olhos já estavam fechados e ele não conseguiu escapar do sono de pesadelo, mesmo quando percebeu que era isso.

A voz da Rainha era baixa e convidativa, atraente e sedutora. Ele ainda se lembrava da maneira como ela dizia seu nome, a maneira como seus dedos frios corriam por seu cabelo.

Se ele pudesse entrar em sua mente e remover esse pedaço de seu passado com uma lâmina de prata, como a que Kelia possuía, ele o faria.

Foi fácil foder Tatianna; ela se ofereceu tão disposta que ele seria um tolo se dissesse não. Lentamente, ela começou a brincar com seus sentimentos, então ele pensou que estava apaixonado, quando na verdade, o tempo todo ela estava usando seus poderes para manipular seus sentidos.

Agora que ele pensou nisso, ele percebeu que provavelmente teria sido uma vítima do desejo dela de permanecer jovem e vivo. Diante dele, ela drenava os humanos até secar e festejava com suas carcaças. Ela nunca tentou transformar um e mantê-lo para si mesma.

Drew foi o primeiro, e esse legado não era algo de que ele se orgulhava.

Talvez tenha sido uma bênção em vez de uma maldição, no entanto. Se Drew não fosse uma Sombra do Mar, ele nunca teria conhecido Kelia. Sua vida continuaria sendo uma experiência de tempo, em vez da alegria de estar com alguém por quem ele realmente se importava.

Ele não queria que ninguém soubesse disso, especialmente Kelia. Não havia necessidade. Não quando ele sempre estaria lá para protegê-la.

Quando ele acordou do sonho, seus olhos foram para a janela. O sol estava surgindo, moderando a tempestade, pelo menos momentaneamente. Além disso, não parecia haver nenhum som vindo do convés. Ele não ficou surpreso. Sua tripulação teve uma longa noite de devassidão, mas agora era hora de deixar este lugar. E ele esperava que nunca estivesse em uma posição em que tivesse que voltar.

Ele se vestiu rapidamente, saiu e inalou o cheiro persistente de chuva. A maneira como o sol começou a tocar contra o horizonte como uma pintura, ele tinha certeza de que hoje seria um lindo dia. Seria um daqueles momentos em que ficar confinado a um navio não era tão ruim quanto poderia ser. Onde Kelia não pudesse discutir com ele porque ela não teria nenhum outro lugar para ir, nenhuma guerra para lutar, nada que ele precisasse protegê-la para ela discutir com ele.

Últimos dias de paz.

Como ele previu, ninguém estava no convés. Ele poderia aproveitar a quietude para si mesmo, aproveitando a calma antes da tempestade iminente. Sangre ficava três dias a oeste, e isso apenas se os ventos estivessem favoráveis. Se não estivessem, ou se fossem apanhados por uma tempestade, isso poderia levar cinco dias, talvez até sete. Qualquer coisa podia acontecer nesses sete dias, principalmente no mar, sem a opção de terra. Ele precisava estar vigilante. Ele precisava garantir que Kelia nunca estivesse sozinha, nunca tivesse a chance de ser arrebatada pelas sereias e suas canções atraentes.

Ele se aproximou da âncora. Em circunstâncias normais, era sua tripulação a responsável por retirá-la e preparar o navio para a partida. No entanto, após uma rápida contagem de funcionários, algo levou Drew a fazer isso sozinho.

Um chute em seu passo. Era como se ele estivesse animado para finalmente terminar com sua maldição e matar o mal que ainda ameaçava sua felicidade.

—Espera.

Drew parou o que estava fazendo e se voltou para a voz. Ele ergueu uma sobrancelha ao ver Emma, já vestida, com o cabelo puxado do rosto.

O que ela queria agora? Ele não tinha suportado o suficiente de sua palestra na noite anterior?

—Wendy não voltou noite passada. — Disse Emma calmamente.

As sobrancelhas de Drew se juntaram e ele mudou de posição. Quando o sol começou a nascer, ele iluminou o convés do Espectro. A madeira úmida estava secando sob os raios quentes.

—O que? — ele perguntou. Wendy não voltou para casa ontem à noite? Isso não fazia sentido. —Talvez ela e Christopher tenham perdido a noção do tempo.

—Se isso fosse verdade, então Christopher é pouco mais que cinzas agora, — Emma respondeu, olhando para o sol.

—Eu não entendo. — Drew engoliu em seco e apertou a corda com mais força.

—Bem, ela deve estar aqui em algum lugar. Procure por ela! Você verificou se Christopher está aqui?

—Eu não tenho —, disse Emma. —Mas eu sentiria se Wendy estivesse aqui, e estou dizendo, ela não está. Você pode verificar se Christopher está aqui, se quiser, antes de decidir que estamos prontos para partir, mas eu não acho que você vá encontrá-lo também.

Drew cerrou os dentes, sem apreciar a maneira inteligente como ela transmitia as notícias. Ele lançou lhe um longo olhar, mas ela o encarou até que ele soltou as cordas e quase desceu as escadas e desceu o corredor estreito. Ele passou pela galera e pelo brigue até chegar a um par de portas duplas. Sem qualquer tipo de prelúdio, ele empurrou as portas e entrou.

—Christopher Beckett? — Ele gritou.

Algumas das Sombras que tiveram a infeliz posição de dormir ao lado da porta gemeram e resmungaram, enquanto outras mais atrás não se moveram.

—Eu disse, Christopher? — Drew gritou, avançando para o quarto escuro e bolorento.

Não havia janelas neste quarto cheia de camas e redes. Algumas Sombras preferiam a firmeza da cama, enquanto outras preferiam o balanço suave que as redes ofereciam.

—Alguém sabe onde posso encontrar Christopher? Não me façam passar por cada um de vocês. Não tive a melhor noite e não gostaria de colocar minha frustração em vocês.

—Você cheira como se tivesse tido uma noite satisfatória, capitão. — Disse um dos Sombras, Bruce, com uma risadinha cansada.

Sem avisar, Drew passou por algumas camas, ergueu Bruce pelas lapelas da túnica e jogou-o com tanta força na parede de madeira que quase foi direto para ela. O estrondo encheu a cabine. As sombras restantes se sentaram eretas.

—Algum outro comentário? — Drew perguntou.

Silêncio.

—Não? Então voltem sua atenção para Christopher. Onde diabos ele está?

—Eu não acho que ele voltou, senhor —, disse outra Sombra do outro lado do quarto. —Há uma pousada na água, bem na curva da ilha, que é especializada em relações Sombra-humanos. Se você seguir as docas, há alguns pequenos barcos na água que servem de quartos. Acho que ele e sua irmã estavam gastando a noite lá.

Drew acenou com a cabeça, certificando-se de manter qualquer sinal de alívio de seus homens. Eles não precisavam vê-lo em uma posição de tal vulnerabilidade.

—Claro —, disse ele.

Enquanto ele se afastava, ele praguejou baixinho. Droga, Christopher. Ele queria ir embora agora, e não poderia fazer isso sem Christopher.

Isso poderia colocar em risco toda a sua missão.


CAPÍTULO 23

Enquanto Drew subia os degraus de volta ao convés, ele não achou que estivesse exatamente preocupado. Havia, no entanto, um gosto amargo que permaneceu em sua garganta e seu estômago se agitou. Algo nefasto estava acontecendo e ele não conseguia definir o que era.

—Bem? — Emma perguntou, no minuto em que ele estava de volta ao convés. —Você encontrou Christopher?

Drew olhou longamente para ela, cruzando os braços sobre o peito. —Você sabe que não —, disse ele. —Christopher e Wendy se foram. Aparentemente, eles estavam hospedados na pousada perto da curva da ilha. Aquela com barcos na água que atende especificamente a humanos e Sombras e qualquer relacionamento em particular que eles possam ter.

—Ah. — Emma colocou a mão na boca e pensou por um longo minuto. —Suponho que não seja um lugar ao qual você tenha fácil acesso?

—Você supõe corretamente.

—Tudo bem —, disse ela. —Vou levar Daniella e Kelia comigo. Não devemos ter ido mais...

—Kelia? — Ele perguntou, deixando cair as mãos. —Por que você sente a necessidade de levar Kelia para isso? Ela não precisa acompanhá-la para encontrar Christopher e Wendy. Uma tarefa simples não requer o navio inteiro.

—Eu não estou pedindo para levar o navio inteiro, — Emma apontou, levantando uma sobrancelha. Foi um olhar desafiador que Drew combinou com o seu. —Estou pedindo para trazer a única humana a bordo. Você acha que a está protegendo por tê-la aqui, e talvez, de alguma forma você esteja, mas você também a está mantendo em uma gaiola. Kelia não gosta de ser impedida de participar da ação, Drew. Certamente, você sabe disso.

—Eu não vou ter essa discussão com você, Emma.

—Bom. — Emma girou sobre os calcanhares e começou a caminhar para a escada. —Eu também não queria discutir. Vou levar Kelia comigo, e suponho que seja isso.

 


Kelia terminou de se vestir quando Emma quase voou como um pássaro.

—Você está pronta? — Emma perguntou enquanto ia até a forma ainda adormecida de Daniella.

—Pronta? — Kelia suspirou enquanto colocava a mão atrás da cabeça e começava a trançar o cabelo para trás. Ela não tinha dormido bem e tinha acabado de escovar o cabelo, exceto que era para ser fofo ao invés de controlado. Era bastante desagradável, para ser honesta, e parecia ocorrer apenas quando ela estava particularmente estressada com alguma coisa. —Pronta para que?

—Você e Daniella vão me acompanhar até a ilha —, disse Emma. —Wendy e seu prometido não voltaram para os Espectro na noite passada, e precisamos recuperá-los antes de partirmos.

—Você conseguiu permissão do capitão? — Ela não tinha a intenção de parecer tão amarga sobre isso, mas ela não podia evitar.

—Eu não preciso de permissão para fazer o que quero de ninguém —, disse Emma. Ela se sentou na cama de Daniella e a sacudiu suavemente para acordá-la. Quando Daniella lentamente abriu os olhos, ela moveu a cabeça para si mesma, aparentemente confusa. —Precisamos encontrar Wendy. Você pode se vestir rapidamente?

Ainda muda, Daniella acenou com a cabeça, então se levantou para recuperar seu traje.

Depois de quinze minutos, elas estavam todas prontas e subiram para o convés, onde Drew estava andando de um lado para o outro na frente do leme, murmurando coisas sob sua respiração. Os olhos de Kelia caíram sobre ele e seu coração deu um pulo. Havia saudade lá, pelo menos em como ela se sentia, e ela teve que desviar os olhos antes que demorasse mais do que deveria.

Imagens da noite anterior, acompanhadas pelos sentimentos que as acompanhavam, atacaram sua mente. Suas mãos em sua cintura, seus dentes mordiscando sua carne logo abaixo de sua orelha, seu corpo pressionado contra o dela. A sensação quando ele estava dentro dela, levando-a à beira do prazer...

Ela estremeceu só de pensar nisso.

Enquanto eles pairavam próximos aos barcos a remo sem pedir qualquer ajuda, Drew finalmente as reconheceu enquanto se aproximava.

—Devo deixar claro, — Drew disse, seu foco apenas em Kelia. —Eu não aprovo você ir. No entanto, parece que não tenho escolha no assunto...

—Porque o assunto não é da sua conta. — Emma retrucou sem olhar para cima.

Kelia reprimiu um sorriso e se concentrou em remover com segurança o barco de seus limites. Daniella estava pronta, preparando-se para passar a corda pelo barco e baixá-la até o oceano, ao lado da escada.

Drew caminhou na direção de Kelia antes de parar. Ele abriu a boca, mas antes de dizer qualquer coisa, ele simplesmente balançou a cabeça.

Kelia não pôde deixar de se perguntar qual era sua intenção. Quando ela ergueu o olhar, seus olhos escuros ainda estavam nela, pesados com algo que a fez se sentir triste. Como se ele estivesse preocupado com ela, mas não pudesse levar as palavras à boca para compartilhar sua preocupação.

Kelia respirou fundo, trêmula, e se obrigou a desviar o olhar. Ela resistiria a esse olhar o máximo que pudesse. Ele não teria permissão para mudar sua mente com um olhar.

Depois que o barco estava na água, eles foram para o lado do barco e se prepararam para descer. Daniella foi a primeira. Mas quando Kelia deu um passo em direção à escada para segui-la, Drew se lançou para frente.

—Eu não quero que você vá. — Disse ele, estendendo a mão para ela. Mas ele pareceu se conter e deixou cair a mão frouxamente para o lado.

—Eu posso ajudar, — Kelia disse lentamente. Ela não confiava em si mesma para falar com ele. Já era difícil o suficiente, estar diante dele. —E se eu puder ajudar, eu vou.

Drew abriu a boca, mas depois de um momento sem palavras, fechou novamente. Seus olhos escureceram.

—Você deve perceber que eu só quero protegê-la —, disse ele. —Se a Rainha estivesse atrás de Emma...

—Talvez ela ainda esteja. — Disse Kelia.

Daniella interrompeu, chamando do barco abaixo. —Quem vem a seguir?

—Kelia. — Emma interrompeu, sua voz insistente.

—Ainda estou falando com ela. — Disse Drew com os dentes cerrados.

—Não acredito, se você a tivesse sozinho, não tentaria manipular a situação a seu favor —, disse Emma. —E embora eu acredite que Kelia seja teimosa o suficiente para seguir o que ela pensa ser certo, eu não acho que seja justo você pressioná-la a mudar como ela se sente para melhor atender aos seus desejos. Como tal, eu vou ficar aqui e esperar. Quanto mais você a mantiver, mais tempo levaremos para irmos embora. Deixe-a ir, Drew.

Kelia ficou surpresa com o tom exigente de Emma, especialmente considerando que Drew era tecnicamente o capitão e deveria pelo menos ser tratado como tal. No entanto, Drew não parecia pensar muito nisso, ou porque Emma tinha falado sem rodeios por um longo período de tempo ou porque ele estava tão focado no assunto em questão que o tom dela o escapou completamente.

—Eu estou indo. — Disse Kelia, embora ela não soubesse bem por que sentiu a necessidade de dizer isso.

Drew mudou seu olhar para que seus olhos se fixassem nos dela. Seus lábios se estreitaram em uma linha branca e seus olhos se estreitaram, mas ainda assim, algo em sua expressão era mais suplicante do que insistente.

—Eu estou indo. — Kelia repetiu, mais firme desta vez.

Drew desviou o olhar. —Não posso ficar com você se não quiser ficar —, ele murmurou. —Mas me prometa...

—Terei cuidado. — Disse Kelia.

—Volte para mim.

As palavras a pegaram de surpresa. Ela não achava que Drew diria algo afetuoso na frente de mais ninguém. Emma, no entanto, não parecia comovida.

—Você entendeu? Volte para mim, Kelia Starling, ou eu queimarei esta ilha. Você está com sua lâmina?

Kelia tocou o quadril e sentiu o punho familiar do cutelo ao lado do corpo antes de assentir.

Drew mudou seu olhar para encontrar Emma. —Se algo acontecer...

—Nada vai acontecer. — Disse Emma, interrompendo-o de tudo o que ele pretendia dizer.

Kelia voltou sua atenção para o lado do navio e lentamente começou a descer. Quando ela alcançou o barco, Daniella murmurou algo sobre Kelia e seu peso antes de chamar para Emma. Kelia riu e se sentou, embora não fosse intenção de Daniella fazê-la rir. Era bom sair para algum lugar sem Drew. Era bom ser necessária, ser confiável, mesmo que a tarefa em questão fosse simples.

Pelo menos, deveria ser simples.

 


Elas chegaram à ilha sem incidentes. Kelia se certificou de não desafiar o destino, olhando para a lateral do barco para ver se conseguia detectar alguma sereia. Elise disse o suficiente. Sua mãe estava morta, e isso era tudo que importava.

Assim que chegaram à ilha e chegaram à pousada à base de água, encontraram Wendy e Christopher ainda dormindo em seu quarto particular. Emma os acordou, e eles decidiram que seria melhor se Kelia ficasse com Wendy enquanto Emma e Daniella recuperavam o barco a remo menor para que Christopher pudesse entrar nele sem problemas. Eles haviam saído tão rápido que nem pensaram em fazer as contas.

—Eu posso sentir o cheiro dele em você, você sabe. — Disse Christopher, batendo palmas para expressar sua emoção.

Kelia riu.

—Eu me perguntei quanto tempo levaria antes que ele finalmente se deitasse com você. O bastardo estava tagarelando sobre você constantemente quando você ainda estava na Sociedade. Ele estava me deixando completamente louco.

—Eu acho que é fofo, — Wendy disse, alisando a camisa amassada de Christopher. —Deus sabe, Drew precisa de toda a orientação que puder obter. Talvez o amor seja o que finalmente o levará à terra.

—Drew Knight, apaixonado. — Christopher balançou a cabeça. Ele tentou passar os dedos pelos cabelos de Wendy, mas não conseguiu passar pelos emaranhados de forma limpa. —Quem teria imaginado? Não achei que fosse uma possibilidade.

Naquele momento, toda a luz desapareceu do rosto de Christopher. Sua cabeça se inclinou para trás, suas narinas dilataram-se e seus olhos azuis se estreitaram em fendas. Imediatamente, ele deu um passo à frente e empurrou Kelia atrás dele, ao lado de Wendy.

Alguém - ou algo - estava no barco da pousada, e Kelia não achava que fosse Daniella ou Emma, a julgar pela maneira como Christopher estava agindo.

Kelia engoliu em seco. Seu coração batia forte contra seu peito e ecoava por toda sua cabeça. Ela colocou a mão esquerda no cabo da lâmina e puxou-a lentamente. Ela podia ouvir agora. Passos. Pelo menos dois conjuntos, se não mais. Com o canto do olho, Kelia viu Wendy conjurar algo com as mãos. Houve um vislumbre, mas, além disso, Kelia não viu nada. Ela se perguntou se era o mesmo escudo que ela dera a Kelia e Drew em Port George.

Sem aviso, a porta da pequena cabana se abriu. Dois Sombras do Mar correram com velocidade desumana. Em um piscar de olhos, Christopher não era nada mais do que cinzas, enchendo o espaço com seus restos mortais. Wendy soltou um grito quebrado, caindo de joelhos. Tudo aconteceu tão rápido que Kelia não teve tempo de recuperar o fôlego. Christopher tinha acabado de estar lá, na frente dela, e agora ele se foi. E aquela bolha de proteção?

—Vê, Sean? — A primeira Sombra disse, jogando o cabelo por cima do ombro. —Eu disse que seria fácil.

—Seu imbecil —, disse a segunda Sombra. —Por que diabos você fez isso?

As sobrancelhas do primeiro Sombra se juntaram. —O que você quer dizer com por que eu faria isso? É para isso que fomos enviados aqui. Nós matamos Christopher Beckett. Ele traiu sua missão. Ele traiu a Rainha.

A segunda Sombra passou os dedos pelos cabelos. —Eu tinha todo um discurso planejado. — Ele se virou para a pilha de cinzas. —Estávamos procurando por você! Você tinha um único trabalho, matar a garota Starling na Sociedade, e falhou.

Kelia se lembrou daquele dia. A Sociedade deu a ela uma missão que ela reverenciara como honrada, confiada para sequestrar um Sombra Infante. Agora ela percebeu que tudo tinha sido um estratagema para matá-la, para fazer parecer que ela simplesmente foi assassinada no cumprimento do dever, enquanto servia a Sociedade. Mas ela não havia percebido antes que Christopher estivera a par desse plano. Que ele tinha recebido ordens para fazer isso... e então não o fez.

A segunda Sombra, tendo terminado seu discurso, voltou-se para a primeira Sombra novamente. —Não é a mesma coisa. Você o arruinou!

Naquele momento, ambas as Sombra se fixaram em Kelia. O primeiro Sombra acertou o segundo.

—Olha, — ele disse. —É a amante de Drew Knight.

—Eu posso sentir o cheiro dele nela, — a segunda Sombra, Sean, disse. —A Rainha ficará satisfeita.

A respiração de Wendy ficou irregular. Ainda de joelhos, ela grunhiu e gemeu como se um membro tivesse acabado de ser removido.

—Vou acabar com você —, disse ela. Ela balançou os pulsos, e uma onda invisível de magia derrubou os dois com um whoosh, quebrando a porta de madeira de suas dobradiças. —Eu vou acabar com todos vocês.

Ela ergueu as mãos, com as palmas para frente, e as explodiu. A onda de magia atingiu Sean, jogando-o através da parede frágil do quarto. Um barulho alto indicou que Wendy o jogou direto no oceano com um tapa. O primeiro homem Sombra usou sua velocidade e disparou atrás de Wendy. A grande mão dele envolveu seu pescoço enquanto a outra mão envolveu sua cintura.

—Eu vou matá-la antes que ela tenha a chance de conjurar o ar. — Ele prometeu. Seus olhos se voltaram diretamente para Kelia.

—E eu vou te matar no momento em que você ceder. — Wendy estalou.

Kelia deu um passo à frente, deslizando a lâmina de volta na bainha. Ela colocou as mãos para fora, tentando mostrar à Sombra que ela não estava sendo agressiva.

—O que você quer? — Ela perguntou lentamente.

O homem Sombra torceu o nariz. —Bem, nós já conseguimos o que queríamos, não é? O Infante está morto. Não esperávamos que você estivesse aqui. Mas a sorte está do meu lado, ao que parece. Eu matei Beckett, e agora posso levar você para a Rainha.

Kelia engoliu em seco. Ela não queria pensar em Christopher quando pudesse sentir a cinza dele fazendo cócegas em sua pele, como se ele mesmo a estivesse assegurando de que tudo ficaria bem. Ela esfregou as mãos e piscou para afastar as lágrimas. Se ele pudesse fazer tal sacrifício, ela poderia fazer o mesmo.

—Se eu for com você de boa vontade, você a deixará ir?

A Sombra zombou. —Eu poderia matar a bruxa agora e levar você eu mesmo —, disse ele. —Por que eu faria de outra forma?

—Porque eu não vou lutar com você, — Kelia disse a ele. —Estou me entregando a você. Isso tornará as coisas mais fáceis. E qualquer história que você decidir contar à sua rainha, eu vou concordar.

—Kelia, — Wendy retrucou.

—Contenha-a, — Kelia continuou ignorando Wendy, —para que ela não possa te impedir. Então me leve até sua Rainha.

Kelia não tinha ideia do que estava fazendo. Tudo que ela sabia era que não seria capaz de derrotar a Sombra e, se não fizesse nada, Wendy sem dúvida morreria, assim como Christopher. Talvez se ela se oferecesse dessa forma, Wendy pudesse ser poupada.

Sean arqueou uma sobrancelha. —Você não vai lutar?

—Kelia. — Wendy disse mais uma vez.

Em um lampejo, Wendy foi amarrada à cama com uma corda que a Sombra deve ter encontrado no barco. Então ele deu um passo para trás e se virou para Kelia.

—Devemos? — ele perguntou, liderando o caminho para o convés.

—E a outra Sombra? — Kelia perguntou quando eles saíram da sala para o convés. —Eu o ouvi cair na água.

—As sereias provavelmente o mataram —, disse a Sombra. —Venha agora. Você disse que não lutaria. Me dê sua mão.

E assim, cheia de medo e arrependimento, Kelia respirou fundo e colocou a mão na dele.


CAPÍTULO 24

Dizer que Drew estava lívido não descrevia adequadamente as emoções que percorriam seu corpo. Kelia não estava com elas. Seu corpo inteiro ficou frouxo como se seus ossos tivessem virado pó e ele caiu de joelhos. Drew Knight, que já foi um dos maiores e mais temidos piratas de todos os tempos, agora não era nada mais do que uma Sombra do Mar destruída, incapaz de compreender o que havia acontecido com a mulher que ele claramente adorava.

Wendy estava ao lado do navio, ainda chorando silenciosamente e olhando para sua mão. A água estava parada. O céu estava claro - tão rápido, como se tivesse esquecido o que aconteceu.

Daniella aproximou-se de Drew e respondeu à pergunta não formulada, para a qual ele realmente não se importava em ter uma resposta.

—São as cinzas de Christopher, — ela disse. —Ela as tem segurado como uma espécie de linha de vida. A última conexão com seu amado.

—Mas onde está Kelia? — Ele perguntou. Ele não poderia trazer Christopher de volta, mas Kelia ainda estava lá fora, esperançosamente viva.

—Ela foi de boa vontade.

O sol estava quase alto no céu, a beleza os revestindo com um calor que ninguém parecia querer.

—Mas por que? Como isso aconteceu? — O vazio envolveu todo o seu ser, e ele não conseguia sequer invocar um tom exigente. —Apenas uma hora se passou e, no entanto, tudo mudou.

Emma colocou a mão em seu ombro, como se para confortá-lo, e ele se afastou dela.

—Uma hora para você é apenas um segundo —, disse ela. —Para meros mortais, uma hora pode ser uma vida inteira.

Wendy ainda estava amontoada no chão de seu navio, ainda segurando aquela cinza. Era bom para que ainda não houvesse brisa, porque essa brisa sem dúvida sopraria tudo para longe. No entanto, foi ruim para Drew e o Espectro, porque sem ventos favoráveis, eles não alcançariam sangre. Eles chegariam tarde demais.

—Devemos partir, — ele disse de qualquer maneira. —Eles não podem estar muito à nossa frente, talvez duas horas no máximo. Eles tinham ventos favoráveis. Nós temos... quietude.

Sua visão vidrou com determinação, e ele seguiu para o leme, gritando ordens para sua tripulação.

Emma o seguiu, Daniella atrás dela, deixando Wendy lamentando sua perda sozinha.

—Você se esquece, capitão —, disse Emma, —que o Sombra do Mar tem a vantagem, infelizmente.

—Oh? — Drew perguntou, franzindo a testa. —E por que isto?

—Eles têm as sereias trabalhando com eles —, disse Emma. —Só porque os ventos ainda não aumentaram, não significa que o mar não possa levá-los adiante - e irá. As sereias ajudarão a empurrar o barco para Sangre mais rápido do que podemos chegar lá. Kelia provavelmente estará lá em dois, talvez três dias.

—Então vamos o mais rápido que podemos —, rebateu Drew, agarrando-se aos lemes. —Nós fazemos o que devemos. Eu sabia que não deveria ter ouvido você. Eu sabia.

—Ela fez isso para me salvar. — A voz de Wendy cortou entre eles.

Drew se virou. Daniella também ficou olhando para Wendy, um punho fechado ao seu lado.

—Ela foi de boa vontade - para me salvar —, disse Wendy. —A Sombra teria me matado...

—Você não entende? — Drew explodiu. Suas presas foram extraídas de sua boca e ele soltou um rosnado zangado. —A única razão pela qual sua vida estava em perigo em primeiro lugar é porque você estava muito consumida com sua perda que não conseguia ver para usar seus poderes e detê-los! Você controla o ar - está em toda parte. Não é como se você precisasse conjurar fogo ou água. Você arranca o ar de onde quer que esteja e doma-o, dobra-o à sua vontade. Eu não entendo como você pôde...

—Christopher se foi, Drew. — A voz de Wendy falhou, seus olhos se enchendo de lágrimas. —Como uma bruxa, estou destinada a viver para sempre, mas ainda assim escolhi me estabelecer e passar uma parte desse tempo com ele. Você não entende? Você deve. Tenho certeza de que é assim que você se sente em relação a Kelia.

—Não comece a comparar seus sentimentos por Christopher aos meus por ela, — Drew disse, alargando suas narinas. Ele olhou para as mãos para se impedir de encará-la, mas apertou o leme até que os nós dos dedos ficaram brancos. —Você não protegeu Christopher. Tentei proteger Kelia. Eu tentei. Eu nunca deveria ter deixado ela sair deste navio. Eu sabia que isso poderia acontecer. Todos vocês pensam que sabem o que é melhor, mas não sabem nada sobre a Rainha. Vocês não têm ideia do que ela fará com Kelia. Você acha que está sofrendo porque perdeu o grande amor da sua vida? A morte seria uma bondade em comparação. E a Rainha vai quebrá-la, rasgar sua alma em pedaços minúsculos, até que ela se arrependa do dia em que me conheceu.

Um silêncio poderoso desceu do navio. Até o mar pareceu acalmar seu rugido. Embora Drew soubesse que sua dor no coração o fazia ser cruel e insensível com sua irmã naquele momento, uma fúria maior do que ele jamais conheceu afogava qualquer senso de razão, ou fragmento de bondade.

—Deixe-me.— Ele os dispensou com um movimento de seu pulso. —Eu não quero ver você mais. Saiam da minha frente. Todos vocês.

—Você não dá crédito suficiente a Kelia, — Daniella disse, e o olhar de Drew agarrou-se ao dela, um fogo furioso o consumindo. Mas Daniella não vacilou. —Kelia é mais forte do que você imagina, e você presta um grande desserviço a ela ao presumir o pior. Talvez seu corpo se rompa, mas sua mente não. Ou você se esquece de como ela é irritantemente teimosa?

Drew deixou seu olhar feroz demorar, mas não conseguia falar. Ele já estava se preparando para o pior. A rainha tinha Kelia e ele precisava recuperá-la.

Ele só esperava que não fosse tarde demais.


CAPÍTULO 25

O Sombra do Mar mal falou com Kelia nos quatro dias que levou para chegar a outra ilha. Ela não tinha ideia do que era esse lugar ou por que estava aqui, mas no minuto em que a ilha apareceu, ela soube que era diferente. Era pequena e silenciosa, como se não houvesse vida aqui. Havia uma névoa pesada que tocava a ilha, como se pairasse sobre ela como um aviso sinistro, escondendo algo maligno. Era quase como se a própria ilha fosse infestada por magia negra, embora Kelia não conseguisse decifrar por que se sentia assim.

A própria ilha era rica em vegetação. Mesmo de onde estava - pisando na doca de madeira - ela podia ver a areia branca que provavelmente era macia para correr entre seus dedos, podia ver as flores coloridas e brilhantes logo depois da costa. Era uma ilha de beleza, de paz, mas, mesmo assim, Kelia enrijeceu com suspeita.

Os últimos quatro dias não foram fáceis para ela. A pouca comida que havia no barco foi dada a ela em pedaços, e ela quase não tinha água para beber. Ela tentou evitar a Sombra o máximo possível, mas o pequeno barco tornava isso difícil. Ele dormia do lado de fora, enquanto ela dormia no berço usado na cabana, onde ele poderia mantê-la trancada.

Os pensamentos de Kelia eram apenas sobre Drew Knight. Seu coração foi atingido por um peso que ela não podia ignorar. Era como se seu peito doesse de uma dor que ela não conseguia superar e ficava com ela, fosse de manhã ou à noite.

—A Ilha de Sangre. — Disse a Sombra no minuto em que amarrou o barco ao cais não utilizado.

Não havia outros navios ou barcos ao redor. Kelia não sabia se isso era bom ou ruim.

—Espere, — Kelia murmurou. Sua voz falhou por falta de uso, e ela teve que engolir na esperança de que isso aliviasse o desconforto em sua garganta. Infelizmente, não funcionou. —Como você consegue pisar em terra? É dia.

A Sombra sorriu. —Está ilha foi feita especificamente para nossa espécie, humana —, disse ele. —Foi feito um feitiço para nos permitir caminhar durante o dia.

Kelia apertou os lábios para não dizer algo de que se arrependeria mais tarde. Em vez disso, ela olhou ao redor e observou a doca de madeira cuidadosamente trabalhada. Não fazia sentido por que alguém colocaria tanto tempo e esforço nisso, quando o uso do cais não parecia ser comum.

A Sombra - Kelia ainda não sabia o nome dele e não se importava muito com isso - ajudou-a a sair do barco para que ela pudesse pisar no cais. Ela quase perdeu o equilíbrio. Sem a comida consistente que ela estava acostumada a receber no Espectro, ela ficou tonta e fraca. Ela não podia nem praticar sua luta porque ela havia largado sua lâmina antes de partir com a Sombra.

Kelia soltou um suspiro trêmulo. A Sombra agarrou seu braço e começou a conduzi-la para longe do oceano. Depois de um momento - e sem a permissão dela - ele a jogou por cima do ombro e disparou em sua velocidade desumana. Kelia se agarrou a ele. Ela não gostava de ninguém a segurando além de Drew, mas por causa de sua velocidade, ela não tinha escolha.

Quando eles finalmente pararam, a Sombra colocou Kelia de pé e segurou-a até que ela encontrasse o equilíbrio. Ela se virou para ver onde eles estavam e seu queixo caiu. Eles estavam do lado de fora de altos portões de ébano que cercavam uma mansão branca de dois andares. Havia uma fonte de mármore do lado de fora que corria com sangue em vez de água. O cheiro metálico e a cor carmesim eram inegáveis.

A Sombra esperou fora dos portões, sem dizer nada, mas mantendo os olhos nas portas duplas. Kelia mudou seu peso de um pé para o outro, tentando esconder seu nervosismo. Ela pegou o material de suas roupas - roupas que ela queria tirar do corpo e nunca mais ter que usar, considerando que ela as tinha usado por cinco dias e provavelmente cheirava mal. Ela nem teve a chance de escovar os cabelos ou escovar os dentes.

—O que estamos esperando? — Kelia perguntou depois de um longo momento. Ela olhou para trás. Mesmo com as trilhas sendo formadas, ela não podia ouvir o som de pessoas andando, não podia ouvir cavalos trotando ou o barulho das rodas de uma carruagem. Havia um silêncio assustador que encheu a ilha, e Kelia não tinha certeza se era porque estava bastante vazio ou se algo mais nefasto estava acontecendo. —O que você está fazendo aqui?

—Eu estou levando você para a Rainha, — a Sombra disse. —Estamos esperando que um de seus enviados nos encontre aqui e nos acompanhe até ela. Você não iria direto para o seu rei, iria?

Kelia apertou a mandíbula e desviou o olhar. Ela pensou em tentar escapar, mas desistiu. Mesmo que ele fosse o único Sombra na ilha, ele era mais forte e mais rápido do que ela poderia esperar ser. Embora, a forma como Drew a protegia, sua insistência em obedecer a suas regras - por mais injustas que fossem - a fez parar. A morte seria melhor do que suportar o que esta Rainha forçaria Kelia a suportar simplesmente porque Drew Knight...

Ela não concluiu o pensamento. Seus olhos se encheram de lágrimas, e a última coisa que ela faria seria chorar na frente dessa Sombra, ou a Rainha. Ela mudou seu peso mais uma vez, tentando ver se havia algum lugar onde ela pudesse se sentar.

Eles não a matariam de qualquer maneira. Pelo menos, eles não mencionaram isso. Eles a queriam viva. Eles queriam que ela sofresse.

Naquele momento, as portas da mansão foram abertas e dois homens - Sombras do Mar, Kelia assumiu - caminharam até os portões de ébano e os destrancaram. O portão se moveu por conta própria, de modo que as duas Sombras não precisaram sair da varanda. Em vez disso, elas mantiveram seus olhares estreitos em Kelia, seus corpos rígidos, como se não tivessem certeza se ela iria atacar ou não.

—Casey —, uma voz baixa murmurou. A Sombra à esquerda de Kelia tinha um pequeno sorriso, seu cabelo escuro caindo em seus olhos azuis claros. —Estou surpreso que tenha sido você quem conseguiu conquistá-la. Seu parceiro?

—Morto —, disse Casey, sua voz curta. —Nós matamos Christopher Beckett também.

—O Infante que a Rainha se voltou para a Companhia das Índias Orientais? — A segunda Sombra, um homem, perguntou com indiferença. Ele desabotoou o casaco. —Não importa. A rainha não se importava particularmente com ele de uma forma ou de outra. Ela conseguiu o que queria com isso. No final, ela terá Knight. Especialmente se ele vier por ela. — Ele indicou Kelia.

—Ele vai, — Casey insistiu. —Eu sei isso.

Quando eles entraram, uma explosão de frio atingiu Kelia. De alguma forma, a casa estava gelada, embora estivesse quente lá fora. A mesma magia que permitiu que Sombras andasse em uma ilha durante o dia também manteve a casa nessa temperatura gelada?

—Venha. — O segundo Sombra girou no calcanhar de sua bota preta brilhante e os levou de volta para a casa. —A Rainha vai querer conhecê-la imediatamente.

—Ela está acordada? — Casey perguntou, parecendo surpreso enquanto seguia os dois acompanhantes das Sombras escada acima e através das portas.

—Claro que ela está, — o segundo estalou. —Ela está esperando por este momento há muito tempo. Você não acha que ela estaria preparada para isso?

Kelia reprimiu um sorriso com o tom atrevido e então balançou a cabeça. Este momento não deveria ser divertido para ela. Ela deveria estar assustada com o que estava por vir, sabendo que a Rainha não iria querer nada mais do que esmagá-la. Mesmo assim, Kelia não pôde evitar. Era como se aquele grito maníaco tivesse se alojado em sua garganta e, se ela não apertasse os lábios, perderia o controle não apenas de si mesma, mas de seus pensamentos e sentimentos.

O saguão era simples em sua elegância, fresco e limpo, com móveis de cores claras. O tipo de saguão que um bom comerciante teria. Parecia estranho saber que este lugar pertencia às Sombras.

As Sombras a conduziram por uma grande escadaria. Seu estômago roncou, desesperado por sustento. Sua garganta permaneceu áspera e seca. Ela queria um enxágue completo e uma cama de verdade, para ser honesta, mas ela duvidava que a rainha permitiria que ela a tivesse.

Quando finalmente chegaram ao topo da escada, viraram à direita e seguiram por um longo corredor. O tapete era carmesim, as pinturas nas paredes, de natureza erótica. Kelia não pôde evitar o calor que se espalhou por seu rosto, e ela imediatamente baixou o olhar para o chão

Ver corpos nus, mesmo em pinturas, a lembrava de sua noite com Drew.

Sua pélvis apertou dolorosamente, como se cada parte dela desejasse por ele mais uma vez.

Ele estava certo, é claro. Ela deveria ter ficado para trás. No entanto, ela não se arrependeu do que aconteceu. Wendy a salvou em Port George. Embora Kelia não pudesse salvar Christopher, ela ficou feliz com a oportunidade de salvar Wendy. Talvez não fosse grande coisa, mas era algo, e isso era importante.

No final do corredor, havia quatro portas de cada lado com maçanetas de ouro e portas duplas no final. As duas Sombras levaram Kelia e Casey para as portas duplas no final do corredor, e o primeiro Sombra bateu na porta resistente com os nós dos dedos retos.

—Sim?

Kelia mal conseguia ouvir a voz do outro lado da porta, mas ela poderia dizer que era baixa e feminina.

—Minha rainha, Kelia Starling está conosco.

Houve uma pausa.

—Eu sei. — A voz respondeu uniformemente.

Outra longa pausa. Desta vez, houve sussurros, embora Kelia não pudesse entender o que estava sendo dito.

Finalmente, a voz, aparentemente mais próxima, pois agora era mais fácil de entender, disse: —Ela está bem vestida? Alimentada? Ela precisa de um banho? Cuide de suas necessidades básicas, e eu a encontrarei no refeitório daqui a duas horas. Certifique-se de que ela receba tudo de que precisa. Eu a quero forte e consciente quando a ver. Fui claro, Navioen?

—Sim, senhora. — O segundo se voltou para seu parceiro. —O que você acha? Ela deve comer primeiro? Ou devemos dar-lhe um banho?

—Eu posso me dar um banho, muito obrigada, — Kelia insistiu, puxando o braço de Navioen. —Gostaria de comer alguma fruta ou pão? Eu poderia mordiscar enquanto tomo banho, e isso pode ajudar a acalmar meu estômago para o jantar mais tarde. Também gostaria de pedir água, se estiver tudo bem. Estou absolutamente com sede.

—E ainda, de alguma forma, você parece falar sem inibições, — a primeira Sombra murmurou secamente. —Que engraçado, você não acha, Draven?

—Não vejo por que não podemos atender ao pedido dela. — Navioen pegou o pulso de Kelia e conduziu-a em direção a uma das salas do corredor. —Você ouviu a Rainha, Cecil. Como convidada, ela receberá nossa hospitalidade. — Para Kelia, ele disse: —Devo dizer à cozinha para começar a preparar a comida e voltar com algo para encher seu estômago vazio. — Então ele voltou a se dirigir à outra Sombra. —Cecil, você vai buscar os Lobisomens e mandá-los preparar um banho? Vou levar a Sra. Starling para o quarto dela, onde ela pode se despir.

Navioen abriu a porta do quarto e puxou Kelia enquanto Cecil e Draven desapareciam.

Ela não pode deixar de sentir as lágrimas começarem a encher seus olhos ao ver uma grande cama de dossel, e imediatamente se odiou por isso. Ela não queria apreciar essa hospitalidade. Ela queria estar de volta com Drew. Mas ela não podia evitar seu desejo, sua antecipação, de limpar a sujeira e a fuligem de sua pele, encher sua barriga, molhar sua garganta e dormir em uma cama de verdade.

—Essas acomodações atenderão às suas necessidades, Sra. Starling? — Navioen perguntou, mantendo uma distância respeitosa dela permanecendo fora do quarto, perto da porta.

Kelia desviou o olhar da cama e se virou para ver a mesa, o guarda-roupa, a divisória, a grande janela que estava fechada. As cortinas caíam, cobrindo a luz do sol e qualquer visão que ela pudesse ter.

Ela caminhou em direção à cama, e seus joelhos cederam assim que ela se posicionou para se sentar na beirada. O colchão afundou com seu peso e ela quase soltou um gemido de prazer. Ela não poderia se importar menos com comida, com um banho. Ela não queria nada mais do que dormir o máximo que pudesse, mas isso não era possível. Ainda não.

—Por que vocês estão tentando atender às minhas necessidades? — Kelia se pegou perguntando. Ela desejou que seu corpo tivesse força para ficar de pé, mas tudo que ela podia fazer era segurar o pesado edredom com os dedos. —Por que me oferece esta hospitalidade quando sou uma prisioneira?

—Não cabe a mim responder —, respondeu Navioen. —Quando você festejar com a Rainha, ela vai te contar tudo que você precisa saber.

Kelia queria discutir, mas não tinha energia para isso. Ela esticou as pernas na frente dela e flexionou os dedos dos pés contra a ponta das botas.

—Eu sei que você tem algo que a Rainha quer, — Navioen disse a ela, sua voz caindo de amigável para perigosa. —E a Rainha vai empregar tudo que puder para conseguir isso para si mesma. — A expressão dele mudou então, e Kelia se perguntou se era preocupação que ela estava lendo nas linhas ao redor de seus olhos. —Caberia a você dar a ela o que ela quer, quando ela pedir. Talvez então, você não sinta dor.

—E o que eu poderia ter que a Rainha deseja? — Kelia perguntou.

—O coração de Drew Knight.

CAPÍTULO 26

O banho veio primeiro. A água encheu a banheira, as pessoas despejando baldes de água na banheira de porcelana, aquecida com magia. Kelia não ficaria surpresa se uma sereia fosse responsável por isso.

Navioen deixou uma maçã para Kelia mastigar enquanto ela se embebia, e Kelia estava com fome demais para recusar. Ela estava quase com medo de entrar, sem saber se poderia confiar que não queimaria sua pele. No entanto, ela mergulhou o dedo do pé dentro da banheira de porcelana e quase soltou um gemido de prazer. A água estava perfeita.

Sem hesitar mais, ela tirou as roupas e praticamente se jogou dentro. Ela colocou o caroço da maçã em uma mesa próxima que também continha qualquer mistura que ela pudesse usar para lavar o cabelo, remover os nós ou usar sabão.

Ela usou tudo, mas o tempo todo não conseguia parar de pensar nas palavras de Navioen. Como ela poderia dar o coração de Drew a Rainha?

Ela se divertia olhando pela janela aberta, uma brisa agradável mantendo a temperatura do banheiro, limpa e fresca.

Quando a água começou a esfriar, Kelia saiu, enrolou uma toalha que havia sido estendida ao redor de seu corpo e estava prestes a voltar para seu quarto quando o horizonte azul brilhante chamou sua atenção. O céu estava claro, nuvens brancas pontuando o azul. O sol estava forte e brilhante e, a julgar pelo farfalhar das folhas, uma brisa suave deve ter levado o ar. O tempo estava perfeito.

Seu coração afundou mais profundamente enquanto ela continuava a olhar para fora. Não havia sinal do navio de Drew no horizonte. Ela sabia que ela e Draven tinham saído na frente, mas ela esperava...

Talvez tenha sido para melhor. Ela não queria arriscar Drew e sua tripulação. Embora tudo parecesse estar indo bem para ela atualmente, ela sabia que isso não iria durar. Ela sabia que sentiria dor em algum momento, e isso seria apenas o começo. Ela não queria que Drew tivesse que suportar algo assim.

Lágrimas rastejaram em seus olhos, e ela os fechou enquanto as gotas caíam por suas bochechas em crescentes silenciosos. Imediatamente, ela enxugou o rosto com as costas da mão e respirou fundo. Seu estômago latejava como alguém do lado de fora, implorando para entrar. Ela precisava de comida. Ela precisava de água. E ela precisava de um novo conjunto de roupas, embora houvesse parte dela que não queria nada mais do que colocar as roupas de Drew de volta em seu corpo e inalar profundamente, desfrutando de seu perfume.

Mais lágrimas caíram e Kelia passou pela porta e voltou para o quarto. A mulher que estava preparando sua roupa saltou e acenou com a cabeça, o cabelo preto caindo em seu rosto.

Esta era uma dos lobisomens em sua forma humana. Kelia tinha ouvido falar deles, é claro, mas nunca esperou encontrar um para si mesma. Ela deu um passo para mais perto da divisória mutável.

—Posso ajudar? — Kelia perguntou.

—Não tenho certeza do que você gostaria de vestir, senhora —, disse ela, sua voz baixa, embora não trêmula. Seus olhos azuis estavam em seus pés e suas mãos continuavam indo para os vestidos que ela estava colocando sobre a divisória, passando os dedos sobre o material no que parecia um gesto de saudade. —A Rainha não vai querer você com roupas que pertenceram a seu amante. Algum desses vestidos chama sua atenção?

Kelia franziu a testa com a menção casual de Drew ser o amante da Rainha. Ela sabia que ele tinha um passado. Um longo e tortuoso passado que o encontrou nos braços de amantes que não eram Kelia. Não seria justo presumir que ele esperaria por ela agora que ela era uma cativa; as Sombras não podiam prever o futuro. Ele não saberia que Kelia estava entrando em sua vida, muito menos como ele se sentiria por ela depois que ela o fizesse. Ele pensava que sua vida era sombria e sem esperança. Havia uma razão para ele se sentir atraído por mulheres antes de Kelia, incluindo a Rainha.

Mas agora Kelia estava aqui. Ela capturou seu coração - pelo que ele disse antes - o que indicava que ele estava pronto para deixar seu passado para trás. Mas claramente seu passado não estava pronto para deixá-lo.

—Senhora?

A voz baixa ds lobisomem tirou Kelia de seus pensamentos e ela voltou a concentrar sua atenção nas três opções disponíveis. Ela imediatamente rejeitou a ideia do vestido branco. Parecia muito com um vestido de noiva e casamentos eram a última coisa em sua mente. Havia também um vestido vermelho e um vestido verde. Ela já havia usado vermelho antes e descobriu que gostava muito, mas nunca tinha usado um verde - nenhum cortado daquela maneira - que não pudesse evitar ser atraída por ele.

—O verde. — Kelia murmurou, achando difícil dizer as palavras.

Os lábios da Lobisomem se curvaram e ela concordou, ainda incapaz de olhar Kelia nos olhos. Ela tirou o vestido de onde estava pendurado e foi para trás da divisória. Kelia presumiu que ela precisava seguir.

A mulher tirou a toalha de Kelia e colocou uma camisa lisa sobre sua cabeça e ajustou-a ao corpo. Quando ela terminou, ela ajudou Kelia a vestir o vestido. Ele possuía menos saias do que vestidos normalmente, algo que Kelia preferia porque era mais fácil de manobrar. No entanto, o espartilho que a mulher amarrou em seu peito fez Kelia ofegar por ar. Ela não usava espartilho desde seu tempo em Port George, e mesmo assim, nunca tinha sido tão apertado. No entanto, teve o efeito desejado de empurrar os seios para cima até quase chegarem à clavícula.

Depois de concluído, era hora de vestir o vestido. Era decotado na frente em forma de quadrado, as mangas mal cobriam os ombros. O vestido em si grudava em seu corpo e inchava em seus quadris antes de cair no chão.

—Você gostaria de sapatos para acompanhar isso, senhora? — Perguntou a mulher Lobisomem.

Kelia balançou a cabeça. —Vou pegar minhas botas.

Ela conduziu Kelia até um boudoir e gentilmente colocou as mãos nos ombros de Kelia para sentá-la na beira da cama. Depois de calçar as botas de Kelia, fez o cabelo e a maquiagem de Kelia. Parecia que Kelia iria assistir a algum tipo de baile, em vez de um jantar com uma Rainha das Sombras que a odiava.

—Qual é o seu nome? — Kelia perguntou a mulher Lobisomem depois de dar os retoques finais e teceu uma flor no cabelo de Kelia.

A mulher Lobisomem piscou, quase como se estivesse confuso com a pergunta, antes de inclinar a cabeça para frente para que mais de seu cabelo preto caísse em seu rosto. Imediatamente, seus dedos dispararam e enrolaram os fios atrás das orelhas.

—Anya, — ela murmurou recatadamente, embora seus lábios se curvassem em um sorriso gentil. —Meu nome é Anya, senhora.

—Obrigada, Anya, — Kelia disse em troca, —por toda a sua ajuda. Deve ter sido um trabalho árduo. Eu sei que não estava no meu melhor quando cheguei, e agradeço o esforço que você fez para me limpar e me deixando mais apresentável.

—Ah não. — Anya balançou a cabeça. Ela finalmente pegou os olhos de Kelia no espelho diante delas. —Você é maravilhosa. Todos nós falamos sobre quem finalmente chamou a atenção de Drew Knight, e eu não estou desapontada. A própria Rainha é a criatura mais linda, mas...— Seu olhar disparou para a porta, como se temesse que a Rainha arrancasse a porta das dobradiças e viesse atrás dela. Ainda assim, a mulher Lobisomem continuou. —Ela está apodrecendo por dentro, um núcleo negro como uma maçã podre. Drew Knight nunca foi o tipo de homem que você amarraria. Ele preferia sua liberdade, liberdade que ela não queria dar porque ela tinha medo que uma vez dada, ele nunca iria voltar. Então ele pegou para si e ela está com o coração partido desde então.

Kelia brincou com o material de suas saias, as roupas macias coladas em suas coxas. Era difícil falar sobre Drew. Era difícil ouvir sobre ele. No entanto, ela se forçou a assentir. Ela tinha chorado o suficiente hoje.

Seu estômago interrompeu a conversa e uma risada borbulhou de Anya. Kelia sorriu também. Era um som que ela não esperava de um lugar como aquele, mas que ela valorizaria porque não achava que ouviria outro em muito, muito tempo.

—Você está pronta, senhora? — Perguntou Anya.

Kelia se levantou. —Por favor —, disse ela. —Me chame de Kelia.

Outro pequeno sorriso. —Kelia, — ela disse como se quisesse testar a palavra. —Você está pronta?

O estômago de Kelia roncou antes que ela pudesse responder. Alguém poderia estar pronto para o que estava por vir?

 


Enquanto desciam a escada, o aroma de cebola e especiarias flutuou no ar, formigando a língua de Kelia e dando-lhe água na boca. Estar a bordo de um navio pirata cheio de Sombras do Mar deixava muito a desejar quando se tratava de sustento como humana, então ela estava ansiosa por uma variedade de alimentos que não comia há muito tempo, porque eles apodreciam nas viagens quando confinados para um navio. O queijo era especialmente importante para ela; ela não ficaria surpresa se se descobrisse enfiando um bloco inteiro na boca.

Ou talvez fosse sua fome falando.

A luxuosa sala de jantar estava cheia de mais luz do que Kelia esperava. Um grande lustre pendurado baixo sobre a mesa de jantar com várias velas no alto. Elas cheiravam a lavanda e lembravam Kelia daquelas velas que sua velha amiga da Sociedade tinha. Pensar em Jennifer fez o coração de Kelia afundar, mas ela pigarreou e torceu os dedos, na esperança de fazer desaparecer qualquer lembrança de Jennifer e de sua traição.

A rainha ainda não havia chegado. No entanto, havia uma propagação na mesa, comida que Kelia queria agarrar e devorar. Um dos criados puxou uma cadeira para ela na ponta da mesa, e ela escorregou, enfiando as mãos entre as coxas para se impedir de fazer exatamente isso.

A entrada para a cozinha ficava nos fundos. Havia uma pequena porta ao lado. Além dela e do criado que acabara de se afastar, ela era a única pessoa na sala.

Houve um tilintar acima dela, e ela olhou para cima para ver o lustre movendo-se com uma leve brisa que Kelia não sentia. Ela apertou as coxas e respirou fundo, tentando não pensar na possibilidade de o lustre despencar na superfície da mesa e colocar tudo, Kelia incluído, em chamas.

Uma porta se abriu. Kelia ergueu a cabeça, girando instantaneamente os ombros para trás, parecendo mais confiante do que se sentia. Mas não era a rainha. Era apenas uma criada - uma diferente desta vez - segurando uma jarra. A criada caminhou diretamente até Kelia e derramou um líquido carmesim em sua taça. Kelia enrijeceu, alargando o nariz e tentando decifrar o que era.

Não querendo arriscar - embora sua garganta gritasse para que ela bebesse a taça inteira, independentemente de ela não ter nada em seu estômago para conter a bebida - ela olhou para a criada. Como Anya, a mulher não olhou para Kelia.

—O que é isso? — Ela perguntou. A pergunta foi direta, mas Kelia não se importou.

A criada abriu a boca, pronta para responder, quando alguém a interrompeu.

—Vinho —, disse a voz. —Preparado aqui mesmo, nesta ilha.

Kelia virou a cabeça lentamente, seu coração batendo rapidamente contra o peito como as asas de um colibri batendo descontroladamente. A mesma voz atrás da porta.

A Rainha.

Quando Kelia finalmente fixou os olhos nos dela, sua boca ficou mais seca do que já estava. Ela não podia culpar Drew por sua paixão por ela. A Rainha correu graciosamente para a mesa, vestida com um vestido violeta escuro surpreendentemente simples que deixava seus ombros nus e seu decote provocadoramente cortado na frente. Sua pele cor de oliva impecável quase irradiava, e seu cabelo liso e escuro penteado elegantemente em um coque. Ela era mais alta do que a maioria das mulheres - esguia, curvilínea e forte - e não precisava da maquiagem sutil em seu rosto.

Tudo nela era feminino e delicado, exceto seus olhos castanhos. Eles estavam cheios de poder, como se ela soubesse o que era e se deleitasse com isso. Kelia soube imediatamente que a mulher usava sua aparência frágil a seu favor. Todos pareciam querer salvá-la quando a verdade da questão era que ela poderia se salvar.

Uma criada apareceu do nada e puxou a cadeira em frente a Kelia. A Rainha sentou-se, puxando a saia para o lado com graça.

—Kelia Starling —, disse a Rainha, olhando para Kelia do outro lado da mesa estreita. Além da carne, não havia nada que inibisse a visão uma da outraa. —É um prazer finalmente conhecê-la.

Kelia forçou um sorriso e se inclinou para frente. Sua fome foi esquecida agora que ela estava na presença da Rainha, embora o cheiro que emanava da variedade de alimentos ainda tentasse roubar sua atenção.

—Você deve estar com fome —, disse a Rainha. Kelia olhou para cima e encontrou a sugestão de um sorriso divertido tocando seu rosto. —Por favor, encha seu prato e depois encha-o novamente. Coma o quanto quiser.

Kelia hesitou. Apenas a menção de comida fez seu estômago roncar ainda mais alto. Por mais que ela quisesse ser orgulhosa, ela não podia. Ela estendeu a mão e começou a colocar purê de batata, vegetais cozidos no vapor, carnes, frango, pãezinhos e molho no prato de porcelana. A Rainha fez o mesmo. Na verdade, Kelia ficou surpresa ao ver a quantidade de comida em seu prato, para uma criatura das trevas que não precisava consumi-la.

Quando Kelia terminou de carregar seu prato, a Rainha se recostou na cadeira.

—Temos muito a discutir, Sra. Starling —, disse ela, o mesmo pequeno sorriso em seu rosto enquanto pegava o garfo. —Por favor... coma.


CAPÍTULO 27

Kelia não hesitou. Mas ela deveria ter.

Ela começou a comer enquanto a Rainha tirava o pão dourado crocante de uma bandeja de prata que irradiava calor como se os pãezinhos tivessem acabado de sair do forno.

A Rainha partiu o pão, mas não comeu. As Sombras não desejavam comida como os humanos.

Cada mordida derreteu na boca de Kelia. O gosto aqueceu sua língua. Ela consumiu mais rápido do que poderia desfrutar, mas ela não se importou. Ela precisava encher a barriga primeiro e depois se preocupar com o gosto real da comida, uma vez que ela não estava tão desesperada de fome.

—Você está gostando? — A Rainha perguntou. Seus cotovelos repousaram sobre a mesa, os dedos entrelaçados. Ela olhou através da mesa para Kelia como um gato que estava claramente tramando algo ruim.

Kelia se voltou para as batatas quando seu estômago se revirou. Ela fez uma pausa, esperando para sentir o que parecia estar incomodando seu estômago, mas depois que nada mais aconteceu, balançou a cabeça e continuou a devorar sua comida. Ela estava tão concentrada nessa tarefa que se esqueceu completamente que a Rainha lhe fizera uma pergunta.

—Eu nem me lembro como é ser humana. — A rainha deu um longo gole no vinho de sua taça. —Sua comida oferece pouco sabor ou sustento para mim.

Kelia mastigou enquanto cortava outra fatia de carne, mas fez uma pausa ao perceber o que lhe pareceu estranho. Esta ilha estava vazia demais para as Sombras. Onde estava seu suprimento de sangue? Poderia seu desejo por sangue ser enfeitiçado?

—Eu me acostumei com o sangue do mais puro dos recursos, você vê —, continuou a Rainha. —Mas é tão difícil encontrar mais pessoas puras, a menos que consumamos o sangue de crianças, e embora eu me orgulhe de minha natureza perversa, não consigo me permitir isso. Não quero a responsabilidade de cuidar das crianças das Sombras. Meu Deus, isso seria uma farsa.

Kelia não tinha certeza de como a rainha esperava que ela respondesse a isso, então ela não respondeu de forma alguma. Em vez disso, ela continuou a comer. Quando ela se lembrava de beber, ela engolia a comida com o vinho antes de encher a boca com mais batatas, carne e pão.

Ela achava que nunca iria parar de comer. Além de algumas sobras e uma maçã de Navven, ela estava há cinco dias sem comer. Foi o suficiente para enfraquecer sua sensibilidade, e se ela planejava escapar desta ilha em algum momento, ela precisava estar no seu melhor. Ela não sobreviveria de outra forma.

—Não consigo nem lembrar quando nasci. — A Rainha respirou fundo. —Não me lembro de nada do meu passado, antes desta vida a que fui forçada. A Companhia das Índias Orientais se aproveitou de mim, sabe. Eles me transformaram neste monstro. Mas o que costumava ser uma prisão agora é minha liberdade. Muito poder correndo neste corpo que eu não sei o que fazer comigo mesma.

Kelia arrotou de repente. O som saiu de sua boca antes que ela percebesse o que havia acontecido. Ela sentiu suas bochechas ficarem vermelhas, especialmente quando a Rainha deu uma risadinha para si mesma. Até sua risada soou elegante e elegante. Como ela arrotou? Kelia nunca arrotaria assim, mesmo na frente de pessoas com quem ela não se importava. Afinal, ela tinha um senso de orgulho.

—Quando me transformei, assumi um novo nome —, disse a Rainha, ainda sorrindo. —Tatiana de L'obscurité, Real. Rainha Tatiana das Trevas Real. Se eles quisessem me condenar com essa maldição, eu seria a mais perversa Sombra do Mar que já existiu, e isso significava para eles também. A Companhia das Índias Orientais não poderia controlar meus sentimentos ou meus pensamentos, então eu esperei meu tempo até o momento certo e eu libertei meu poder sobre eles. Eu os deixei saber que poderíamos trabalhar juntos como iguais ou eu assumiria. Eles não poderiam igualar meu poder.

O estômago de Kelia se revirou mais uma vez. Desta vez, foi mais profundo, mais gutural. Ela pausou novamente, esperando seu estômago se acalmar. Ela saciou a maior parte de sua fome, então ela não estava completamente desesperada por comida, mas ela pretendia terminar o que estava em seu prato.

Uma criada veio e encheu sua taça antes de desaparecer, deixando Kelia e a Rainha sozinhas com sua comida mais uma vez.

—Você sabe quem me ajudou a me libertar das correntes que me prendiam à companhia? —Aa Rainha perguntou, lentamente ficando de pé. Ela contornou a mesa e, quando chegou ao lado de Kelia, agachou-se na ponta dos pés.

Kelia engoliu a comida que estava em sua boca, surpresa que a Rainha seria informal com ela - ajoelhada, praticamente de joelhos, a bainha do vestido preenchendo o espaço ao seu redor.

A Rainha segurou o rosto de Kelia com a mão, e Kelia enrijeceu sob seu toque.

—Você realmente é muito bonita —, disse a Rainha. —Do seu jeito único, é claro. — Ela largou a mão, mas apenas para começar a brincar com as mechas errantes do cabelo de Kelia, enrolando as mechas em torno de seu dedo longo e puxando suavemente até que puxou as raízes de Kelia. —Lembro que costumava querer cabelos loiros quando era jovem. Achava que só as garotas bonitas tinham cabelos claros. Mas eu estava errada.

O estômago de Kelia estremeceu. Ela não poderia descrever de outra maneira. Ela lutou para esconder o quanto seu estômago a estava incomodando.

—Eu encontrei Drew em seu navio - o Espectro, — a Rainha continuou lentamente desenrolando a mecha de cabelo de seu dedo. —Ele estava fraco, mas foi cativado por mim. Mesmo agora, ainda me lembro da expressão em seus olhos quando me viu. O navio caiu na costa. Os homens estavam mortos. Ele foi o único sobrevivente. A Companhia das Índias Orientais estava atrás dele há anos. Ele era um pirata, escorregadio como uma enguia, inteligente como um golfinho. — Ela sorriu carinhosamente com a lembrança, colocando a mão no colo. —Eu precisava me alimentar. Eu tinha me alimentado de todos os outros, mas queria o sangue de Drew para desfrutar, não para usar como mero sustento. Então eu o mantive para mim, contra a vontade da Companhia, sem o conhecimento deles. Eu o alimentei. Eu tomei conta dele. Se não fosse por mim e minha generosidade, ele teria morrido naquele dia.

—Como o navio caiu na costa?

Kelia não sabia por que precisava ouvir a resposta. Ela não esperava que nenhuma palavra saísse de sua boca agora que seu estômago estava doendo.

—Por que você me pergunta isso, princesa? O que está acontecendo nessa sua cabeça?

—Drew é... um excelente capitão. — Kelia teve que fazer uma pausa, esperando que uma torção particularmente dolorosa em seu intestino aliviasse, mesmo que apenas ligeiramente. —Tenho certeza de que... tal coisa não muda, mesmo... ao longo de um curso de... um século. O que... o que fez o navio cair?

Os lábios da Rainha se curvaram em um sorriso selvagem e ela se levantou.

—Garota esperta —, disse ela, contornando a cadeira para ficar do outro lado de Kelia. —Eu fiz o navio cair. Se agradar à Companhia das Índias Orientais, tenho que matar a tripulação de Drew. Eles descobririam sobre ele, claro. Eles descobririam tudo. Eu estava tentada a matar Drew também, embora a Companhia o quisesse enforcado publicamente na forca, uma forma de entretenimento para o povo de Port Royal e, mais do que isso, um aviso a todos os piratas que agiam contra a coroa. No entanto, mantive Drew para mim. E qualquer um que ousasse tentar tira-lo de mim, rasguei-os em pedaços. Eles pararam de mandar homens atrás de mim depois que matei seu quinto tenente.

As agulhas pareciam estar cutucando Kelia por dentro. Ela soltou um gemido e se curvou, segurando o estômago. Algo estava terrivelmente errado. Ela não deveria ter confiado na comida deste monstro.

—Foi quando percebi que tinha mais poder sobre meus domínios do que acreditava —, disse a Rainha. —Quando me alimentei de Drew pela primeira vez, fui cuidadosa. Ele não sabia o que estava acontecendo, e nem eu. Algo estava diferente. Eu não tinha a intenção de matá-lo. Assistindo-o se transformar... Eu senti meu coração inchar. Foi uma coisa linda, criar um companheiro para que esta vida para sempre não fosse tão solitária. Drew seria meu parceiro para sempre, e poderíamos transformar outros e criá-los, como um bando de crianças ou um exército.

Kelia abriu a boca para responder, para apontar que crianças e exércitos eram duas coisas muito diferentes. No entanto, a Rainha continuou compartilhando, e Kelia estava com uma dor tão terrível que, mesmo se tivesse a oportunidade de falar, ela não seria capaz de tirar vantagem disso.

—Drew foi o grande amor da minha vida —, disse a Rainha. —E tudo o que se interpõe entre nós precisa ser eliminado. — A Rainha se inclinou, sua respiração fria contra a orelha de Kelia. —Você não vai mais ficar entre nós, princesa.

—E se...— Kelia choramingou e cerrou os dentes para se conter. Ela não queria que essa fera tivesse a satisfação de saber que ela estava machucando Kelia. —E se Drew for o único... ficando no caminho de vocês dois. Porque... pelo que ele me diz, ele quer... não quer nada com você.

A Rainha estendeu a mão e agarrou o cabelo de Kelia, puxando-o para trás com um punho fechado. Kelia teve que fechar os olhos. Seu couro cabeludo não era o único lugar de onde vinha a dor. Ela foi forçada a esticar o torso, o que fez seu estômago embrulhar de dor. Se ela mordesse o lábio inferior com mais força, ela tinha certeza de que tiraria sangue.

—Drew está equivocado —, disse a Rainha. —Ele vai ver. Vou fazê-lo ver.

—E como... como você espera fazer isso? — Kelia não sabia de onde vinha esse ataque repentino de força para falar, mas estava feliz por isso. Isso tirou sua mente da dor - pelo menos, temporariamente.

O lustre tremeluziu por acaso. As chamas tinham queimado baixo, as sombras agora consumindo a sala ao invés da luz. Isso deu à rainha mais vantagem do que Kelia, mas Kelia resistiria. Ela só precisava tirar o que quer que fosse de seu estômago.

—Vou mostrar a ele que um amor entre vocês dois é impossível —, disse a Rainha, sua voz suave e casual, como se ela não estivesse puxando o cabelo de Kelia, como se suas presas não estivessem para fora e prontas para a garganta de Kelia. —Você é uma humana. Eu vou te matar na frente dele depois de fazer você sentir uma grande dor. Você vai implorar pela morte.

Kelia riu com o pensamento. Parecia maníaco, até mesmo para seus próprios ouvidos.

—O que é isso, princesa? — a Rainha perguntou. —Você encara a morte de frente e ri. Você realmente acredita que é tão forte? Ou talvez você seja uma coisa estúpida e insípida que não percebe o perigo que corre. A comida que você consumiu, princesa, é veneno. Apodrecerá seu núcleo até que eu a mate. Apenas uma bruxa sabe a cura, e ela não ousaria colocar os pés nesta ilha novamente depois do que ela fez comigo. Você viverá nesta dor enquanto eu desejar, apenas para ser salva com isso, quando eu mostro misericórdia, acabando com sua vida. Eu sou sua deusa agora.

—Eu não acredito nele, e também não acredito em você, — Kelia conseguiu dizer antes que seu estômago desistisse de lutar e obrigasse o que quer que a estivesse consumindo a sair de seu estômago e acertar a Rainha. Kelia se certificou de que seu vômito fosse direcionado à besta, e mesmo que ela pudesse ter ficado envergonhada por participar de tal ação na frente de alguém, ela não pôde evitar ficar satisfeita com o olhar de nojo absoluto que tocou as feições da Rainha ela soltou um grito.

A Rainha, agora encharcada em pedaços grossos de comida recentemente devorada, investiu contra Kelia. A cadeira tombou, jogando Kelia de costas. Kelia riu novamente. Ela sabia que a dor estava fazendo com que ela agisse como se fosse uma bêbada cuja mente se foi com o consumo de álcool, mas ela não conseguia se conter. Ela riu, mesmo quando a Rainha rastejou em cima dela, montando em seus quadris.

—Não pretendo transformá-la —, disse a Rainha. — E não pretendo matá-la ainda. Mas prometo, princesa, que em breve você não estará mais rindo. Drew Knight pertence a mim e você não o tirará de mim.

Antes que Kelia pudesse absorver as palavras da Rainha, a Rainha levou sua cabeça ao pescoço de Kelia e arrancou sua pele. Kelia não conseguiu conter o grito de dor. O grito foi interrompido. Ela podia sentir o sangue fluindo para fora dela, podia sentir a consciência lentamente escapando dela.

Assim que ela estava fechando os olhos, a Rainha cuspiu algo.

—Seu sangue — disse a Rainha com desgosto. —Tem gosto... Há algo de errado com isso. — Dedos como garras enrolaram-se na garganta de Kelia. —O que há de errado com o seu sangue? Você não tem gosto puro, tem gosto...

Sua voz sumiu e Kelia riu de novo. A Rainha puxou uma mão da garganta de Kelia para dar um tapa no rosto dela, suas longas unhas rasgando a bochecha de Kelia.

—Por que você prova assim? — Ela exigiu.

—Você sabe por quê, — Kelia murmurou, ainda sorrindo. O sono a estava puxando. —Eu não sou tão pura quanto você pensa que sou, e Drew Knight é o responsável por isso. Estou surpresa que você não tenha sentido o cheiro antes.

A última coisa que Kelia ouviu antes de cair na inconsciência foi o rugido vindo da mulher em cima dela.


CAPÍTULO 28

Drew chegou à Sangre no sexto dia. Quando apareceu, ele não conseguiu evitar cerrar os dedos em punhos. Ele não tinha certeza se estava animado ou com raiva. Ele simplesmente sabia que precisava chegar à ilha.

Ele se afastou do leme e lentamente se dirigiu para bombordo. Seus punhos caíram e ele flexionou os dedos antes de estender a mão para segurar a lateral do navio. Ele precisava fazer algo que desacelerasse sua mente.

Tudo o que ele conseguia pensar era em ideias diferentes sobre como trazer Kelia de volta. O problema era que ele não sabia como localizar exatamente Kelia na ilha. Assim que ele soubesse onde ela estava, ele saberia como pegá-la. Ele não gostava de admitir, mas já estava na ilha há muito tempo e sabia bem disso.

Havia uma boa chance de ele morrer nesta ilha. A Rainha era poderosa, e Drew tinha sido desafiador e imprudente - especialmente se apaixonando por uma criatura tão vulnerável quanto uma humana. Mas ele não ligava. Ele morreria por Kelia sem hesitação.

—Eu não entendo. — Disse Daniella atrás dele. Ele olhou por cima do ombro.

Daniella e Emma caminhavam para cima e para baixo no convés do navio.

—A ilha está enfeitiçada? — Drew balançou a cabeça. —Como isso é possível? Eu fiz minha pesquisa. Você é a única bruxa poderosa o suficiente para fazer uma coisa dessas.

Era algo que Drew queria saber mais há algum tempo. Ele queria perguntar, mas não queria falar da rainha, para que ninguém ouvisse a conversa. Só de falar sobre ela o fazia ferver de raiva.

A ilha parecia a mesma quando ele conheceu a Rainha. Ela morava lá sozinha, a ilha uma espécie de prisão. Ela não poderia partir; a Companhia das Índias Orientais lançou um feitiço na ilha, condenando-a a seu pequeno reino. No entanto, a Rainha admitiu que estranhos tropeçariam na ilha e ela tiraria vantagem de sua ignorância. Na maioria das vezes, eles estavam aqui por causa de um tesouro que deveria estar enterrado nesta ilha. Agora que Drew pensou sobre isso, ele não ficaria surpreso se a Rainha começasse o boato para atrair marinheiros desavisados para a morte, enviando Sombras para longe para espalhar como fogo.

De qualquer maneira, a Rainha tinha encontrado uma bruxa poderosa o suficiente para lançar um feitiço que permitia às Sombras andar nesta ilha e nesta ilha sozinha. A Companhia das Índias Orientais usou uma bruxa. A Rainha encontrou outra. Não seria surpresa para Drew se fosse a mesma bruxa, porque os feitiços não pareciam se contradizer. As Sombras podiam andar livremente, não importava a hora do dia, e ela podia enviar suas Sombras para cumprir suas ordens.

Além disso, a mansão na ilha em que a Rainha morava também ficou encantada, de modo que a umidade que normalmente permeava as ilhas do Caribe não afetasse as Sombras, que não se davam bem no calor. Drew perguntou à rainha uma vez como isso foi feito, e ela se recusou a dizer a ele.

Foi apenas uma das maneiras pelas quais ele presumiu que ela estava sendo tímida quando na verdade estava segurando o poder na palma das mãos e se certificando de que Drew entendia que ela era a responsável pelo relacionamento deles. Não era algo em que Drew gostasse de pensar.

Não foi até que ele finalmente se libertou da ilha que ele descobriu a verdade.

Ele tirou os olhos da ilha e deu um passo para trás. Sua tripulação estava ao redor do navio, preparando-se para atracar. Ele teve que se lembrar que nem todos eram leais a ele, o que o tornava extremamente cauteloso.

Drew não sabia se era melhor eles irem direto para o porto e avisar a Rainha de sua chegada, ou se deveriam esperar no navio e fazer a Rainha e seus asseclas virem até eles. Os homens da Rainha provavelmente já estavam cientes da presença de Drew e de sua tripulação. Não havia nada em torno de Sangre, e a Rainha tinha Sombras guardando a ilha, espiando o horizonte para que qualquer navio suspeito pudesse ser relatado imediatamente.

—O que nós fazemos? — Emma perguntou.

Ele quase saltou. Tendo estado tão envolvido em seus pensamentos, ele não percebeu que Emma e Daniella haviam se aproximado dele.

—O que você quer dizer? — Drew perguntou. —É claro que vamos resgatar Kelia.

—Você diz isso como se fosse tão simples. — Daniella murmurou.

Drew forçou um sorriso e colocou as mãos atrás das costas.

—Nem tudo precisa ser difícil. — Disse ele. Ele não parou a maneira como seu tom acumulou uma secura nele.

—Isso vai ser difícil —, disse Daniella. —Estamos perto de uma ilha onde as Sombras podem andar durante o dia. Isso é algo para o qual devemos nos preparar. O que é a fraqueza de uma Sombra? Para você, obviamente, é Kelia Starling, mas o que mais? Prata, obviamente. Prata e...

Drew colocou as mãos nos ombros de Daniella.

—Fogo —, disse ele, a ideia surgindo em sua cabeça no minuto que ela começou a divagar. —Fogo. Se pudéssemos queimar a ilha...

—Nós poderíamos queimar muitas Sombras, — Emma terminou. —No mínimo, poderíamos sufoca-las com fumaça. A mansão é resistente ao fogo, mas não à fumaça. Mesmo que as Sombras estejam mortas, elas podem sufocar com a fumaça pesada.

—Estou certo de que a Rainha já sabe que estamos aqui —, disse Drew. —Então ela está preparada. Ela nunca pensaria que atacaríamos, apenas que eu viria para resgatar Kelia. Talvez se eu fosse para a ilha eu mesmo, isso daria a vocês duas tempo suficiente para se preparar.

—Preparar o quê? — Daniella perguntou, olhando entre Drew e Emma com o nariz franzido.

—Você não está ouvindo? — Drew perguntou. —Prepare-se para queimar a ilha.

Emma se aproximou, colocando seu corpo entre eles. —Drew, ela nunca criou um fogo tão intenso antes.

Ela cruzou os braços e deu a ele um olhar que dizia, você sabe que não vai funcionar. Mas ele olhou de volta, sem vacilar, porque tinha que funcionar. Eles não tinham outra opção.

Emma apertou os lábios, olhando para o espaço acima do ombro de Drew por um momento antes de adicionar: —Talvez se Wendy ajudasse...

—Então tenha a ajuda dela. — Drew deu um passo para trás e olhou para a escada próxima que descia abaixo do convés. —Eu não entendo por que ela não iria. Kelia se ofereceu para que Wendy não fosse morta...

—Não é que ela não queira ajudar —, disse Emma. —Eu não sei se ela pode. Seu coração está cheio de tristeza, e quando tal coisa ocorre a uma bruxa, elas não podem usar seu poder em seu benefício.

Drew se voltou para bombordo, seus punhos apertados mais uma vez. —Diga-me— , ele retrucou. —O que ela precisa fazer?

—Daniella pode criar bolas de fogo do tamanho da minha cabeça —, disse Emma. —Isso é o que ela sabe fazer, o que ela pode fazer. Mas essa é a extensão da coisa agora. Se Wendy puder usar seu dom de controlar o ar, levando-as a diferentes pontos da ilha, poderíamos ter uma chance. Você precisaria agarrar Kelia rapidamente. Você sabe onde a Rainha a manteria?

Drew conhecia apenas dois lugares: a prisão embaixo da mansão ou um quarto de hóspedes que ela teria oferecido a fim de comprar sua confiança. Ele teria que verificar os dois lugares.

—Posso —, disse ele, tocando o queixo com o dedo indicador. Outra ideia surgiu em sua mente e ele largou a mão. —Emma, você é uma bruxa da terra, mais poderosa do que qualquer outra bruxa que eu conheço. Você não pode simplesmente livrar a ilha do feitiço que permite que as Sombras caminhem na terra durante o dia? É tarde agora. Fazer isso as causaria tudo para morrer. Você poderia recuperar Kelia. Nós poderíamos seguir nosso caminho alegre.

Emma passou por Drew, desviando o olhar quase como se ela se recusasse a olhar para ele. Sua postura rígida, a ruga em sua testa deu a Drew a sensação de que ela poderia estar escondendo algo. Se isso era para protegê-lo da verdade de algo ou por outro motivo, Drew não sabia, e não tinha tempo de descobrir. Cada momento que perdiam pensando no que fazer era outro momento de dor que ele tinha certeza de que Kelia sofreria. Parte dele desejou ter tomado seu sangue. A troca de sangue lhes daria uma conexão, um vínculo, tornando-a mais fácil de encontrar.

—Uma vez que tal feitiço é lançado, ele não pode ser desfeito, mesmo pela bruxa que o lançou —, disse Emma. —Precisamos nos concentrar em fazer Wendy trabalhar conosco. — Ela se virou para encarar Drew mais uma vez. —Diga-me, Drew, o que é mais importante para você: trazer Kelia de volta ou matar a Rainha, porque com este plano, você não será capaz de fazer as duas coisas. Você destruirá a ilha, a maior parte do que está nesta ilha, e as Sombras do Mar que serão apanhadas pelas chamas. Mas você sabe que ela tem sereias à sua disposição e elas podem ser capazes de acalmar o fogo rapidamente. Elas podem ir atrás de nós, mesmo que tenhamos Kelia.

Drew cruzou os braços sobre o peito e caminhou. Ele não queria nada mais do que matar a Rainha. No entanto, Emma estava certa. Ele não conseguia se concentrar em duas tarefas. No momento, tudo o que importava era trazer Kelia de volta. Uma vez que ela estivesse segura com ele, ele poderia se concentrar em transformar a Rainha em cinzas.

—Tudo bem, — Drew disse com um aceno de cabeça. —Nosso objetivo é pegar Kelia. Por enquanto.

—Então você deve falar com sua irmã.

 


Wendy tinha se trancado no quarto que ela normalmente compartilhava com Daniella, Emma e Kelia ao ponto onde Emma e Daniella agora dormiam na cozinha para dar espaço a Wendy.

Drew, por outro lado, não deu mais paz à irmã. Ele simpatizava com a perda dela, é claro, mas havia outras coisas mais importantes em mãos. Homens mortos não podiam ser salvos, mas Kelia ainda tinha uma chance. Assim que ela estivesse de volta, e uma vez que a Rainha estivesse morta, Wendy poderia sentar e chorar o quanto quisesse. Agora, no entanto, eles precisavam dela. E ela precisava fazer mais, apesar de sua perda.

Ele bateu na porta e esperou. Sem resposta. Ele mudou seu peso e bateu com mais força. Nada ainda. Ele murmurou baixinho e, assim que ergueu o punho para bater de novo, a porta se abriu lentamente e Wendy espiou pela pequena abertura.

—O que? — Ela retrucou, embora sua voz fosse monótona e não possuísse o brilho que normalmente tinha.

Drew pigarreou. Qualquer insulto ou aborrecimento morreu na ponta da língua. Se ele queria ajuda, e se queria rapidamente, ele precisava agir com cuidado.

—Estamos em Sangre. — Disse ele.

—E? — Wendy perguntou, levantando seu olhar.

Drew se encolheu. A cor escura de seus olhos estava quase sem vida, o branco em torno da íris vermelha. Ela estava chorando, ele sabia, mas não tinha percebido o quanto. Seu corpo inteiro parecia exausto - ela não conseguia se manter de pé - e parecia, pelo que ele podia ver, que ela ainda usava o mesmo vestido que usava quando eles ainda estavam na Ilha dos Malditos.

—Precisamos de sua ajuda. — Disse Drew.

—Não estou em lugar nenhum para ajudá-lo —, respondeu Wendy. —Agora, se você me der licença.

Drew enfiou o pé entre a porta e o batente, evitando que ela fechasse.

—Então vá até o local para ajudar —, disse ele. Sua paciência estava se esgotando. —Você não pode simplesmente desligar seus poderes porque experimentou uma grande perda.

—Eu posso fazer o que eu quiser. — Wendy tentou fechar a porta novamente, sem sucesso.

—Vou quebrar esta porta ao meio se você não considerar pelo menos o que tenho a dizer.

Wendy suspirou pelo nariz e, antes que Drew percebesse o que estava acontecendo, as lágrimas se acumularam em seus olhos. Ela apertou os lábios para mantê-los afastados.

—Você sabe qual é o seu problema, irmão? — Ela perguntou, sua voz trêmula. —Você só se preocupa com você mesmo. Você só se preocupa com aqueles que considera dignos de afeição. Não havia pensado que a Rainha estaria atrás de Christopher por sua traição? Ele a ajudou...

—Porque ele queria chegar até você, — Drew interrompeu. —Se Christopher agiu como qualquer um, ele agiu como se eu estivesse agindo agora. Ele tinha os mesmos motivos que eu. Ele estava disposto a arriscar Kelia para ter certeza de que você estava segura. Tudo o que ele queria na vida era que você estivesse segura porque ele amava você.

Wendy fechou os olhos com força, as lágrimas escorrendo livremente pelo rosto. Drew queria estender a mão para sua irmã, puxá-la em seus braços, mas ele não sabia se tal coisa era apropriada. Ele não sabia como Wendy lidava com a perda, além de se isolar, e ele não queria que ela se sentisse mais desconfortável do que já se sentia.

—Certamente, você deve saber, Wendy, — Drew arriscou, colocando a mão na porta e abrindo-a. —Você deve saber o que eu sinto por Kelia. Eu queria mantê-la trancada em meu navio. — Ele balançou sua cabeça. —Garota teimosa recusou, é claro.

—Ela é teimosa —, disse Wendy, fungando. —Por que ela fez aquilo?

—Por que ela fez o quê?

—A Sombras ia me matar —, disse Wendy. —Eu revelei meus poderes. E-Eu coloquei um escudo em volta de mim, ao redor de Kelia. Eu pensei...— Mais lágrimas caíram de seus olhos, e seu rosto ficou tão vermelho quanto seus olhos. —Eu pensei que Christopher poderia cuidar de si mesmo. Eu não pensei...

—Wendy, você deu a ele o maior presente que qualquer homem poderia pedir de sua parceira. — Drew conseguiu abrir a porta com facilidade e, desta vez, não hesitou em envolver os braços em volta de Wendy. Ela caiu neles e esfregou o rosto na camisa dele. —Você deu a ele confiança. Você deu a ele respeito. Você deu a ele a habilidade de morrer protegendo a única pessoa no mundo com quem ele se importava. Você sabia que a Rainha o mudou a pedido da Companhia das Índias Orientais porque eles queriam usá-lo para matar Kelia? E por tudo isso, ele só se importava em chegar até você. E aquele maldito anel.

Wendy flexionou os dedos e olhou para o anel em seu dedo. —Ele ia matar Kelia?

—Ela o venceu, naturalmente, — Drew disse com um encolher de ombros, um sorriso orgulhoso no rosto. —Mas Christopher fez tudo que podia por você. Você não deve olhar para a memória dele com tristeza, mas com orgulho. Você sabe, sem dúvida, ele te amou. Ele morreu por você. Não viva em tristeza porque ele não está aqui mais; deleite-se em seu sacrifício, no amor que agora cerca você por causa disso.

No silêncio seguinte, Drew continuou a correr a mão para cima e para baixo nas costas de Wendy, na esperança de acalmá-la.

— Você sente por Kelia o mesmo que Christopher por mim. — Wendy disse finalmente.

Drew acenou com a cabeça. —Eu preciso dela de volta aqui comigo, Wendy. Eu preciso fazer tudo ao meu alcance para protegê-la. Mas, pela primeira vez em muito tempo, eu percebo que sou impotente para salvá-la sozinho. Preciso da sua ajuda. E você irá me ajudar.

Os olhos de Wendy se encheram de novas lágrimas. —Mas e se eu não puder?

Um nó se formou em sua garganta. Ele acreditava que ela tentaria, mas se o que Emma disse fosse verdade, seus esforços poderiam ser em vão. Ele odiava admitir o que aconteceria se fosse esse o caso.

Ele começou a olhar para sua irmã, as palavras quase tão pesadas quanto seu coração enquanto ele falava. —Se você não puder nos ajudar, Wendy, vamos todos morrer aqui.


CAPÍTULO 29

Fazia uma ou duas horas desde o jantar, e Kelia nunca havia sentido mais dor do que a que estava sofrendo agora.

Ela foi despojada do vestido que estava usando, exceto pelo espartilho e a camisa. Ela não ficava mais no quarto luxuoso que lhe fora oferecido quando chegou; em vez disso, ela estava em uma parte da mansão que tinha uma prisão por baixo de tudo. Não havia cama, nenhum lugar para ela se aliviar, e nenhuma janela para que ela não pudesse ver a passagem do tempo. Estava permanentemente preto, o que era bom para as Sombras por causa de sua capacidade de ver no escuro sem qualquer ajuda.

Para Kelia, porém, ela não conseguia ver nada. Isso a lembrou de como seria se ela fosse enterrada viva em um caixão, sem modos de sair. Isso também a lembrou de que ela estava presa.

Ela esperava tortura. Cada Sombra do Mar com quem ela entrou em contato que mencionou a rainha reiterou a mesma coisa: a rainha era vingativa e obteria sua vingança. Eles prometeram que Kelia se arrependeria de ter conhecido Drew Knight.

Mas envenená-la?

Por que a fachada? Por que alimentá-la? Kelia já sabia o que esperar, então por que a Rainha esconderia suas intenções? A menos que isso fosse apenas um jogo para a Rainha. A menos que essa fosse sua própria forma de tortura.

O veneno ainda trabalhava em seu sistema. O que parecia a cada hora mais ou menos, se não com mais frequência, ela vomitava sangue e ácido estomacal. Não havia mais comida em seu sistema, e embora a fome dobrasse a dor e as Sombras que guardavam sua cela regularmente colocassem comida e água, Kelia temia que a comida fresca e a água também fossem envenenadas.

Mas, eventualmente, sua fome levou o melhor sobre ela. Ela não podia deixar de mordiscar o alimento fornecido. Não era como se não comer fosse livrá-la dessa maldição; a rainha havia dito que os efeitos do veneno durariam até a morte de Kelia.

Comer mais comida envenenada, no entanto, não a ajudava em nada. Isso apenas colocava mais veneno em seu sistema.

A rainha visitava com frequência, mas principalmente apenas para repreendê-la, ou dar-lhe um tapa ou chute nas costelas antes de partir novamente. Kelia havia sofrido mais quando Rycroft deu as chicotadas. Mas assim que Drew aparecesse, Kelia sabia que a Rainha aumentaria a intensidade do abuso para a tortura total e, por esse motivo, parte de Kelia esperava que Drew nunca viesse.

Deitada no chão frio e duro, o corpo de Kelia estava cheio de arrepios. Estava ainda mais frio no brigue e, como humana, ela não apreciava o frio tanto quanto o de uma Sombra. Isso a deixou tensa e lenta.

Seus dedos traçaram padrões estúpidos no chão. Ela não tinha energia para fazer mais nada, não depois de vomitar recentemente. Ela tinha que economizar energia para o vômito. Para se arrastar para o canto de sua cela, onde ela liberava todos os seus fluidos corporais em um só lugar.

No início, o próprio cheiro fez seu estômago revirar quando o veneno não fez isso, mas depois do primeiro dia, ela se acostumou com o fedor.

Durante suas horas de vigília, ela orou ao Deus em que não acreditava para que Drew não viesse. Ela não queria que ele se arriscasse, e ela não queria que ele a visse assim. Mas quando ela dormia, ela não podia deixar de sonhar com ele a resgatando. O risco era muito grande, entretanto; Kelia não queria Drew em nenhum lugar perto da Rainha, não queria que a Rainha sequer olhasse para Drew.

Kelia fez esse sacrifício para mantê-lo seguro. Ela foi capaz de salvar Wendy, ou pelo menos ganhar algum tempo. Talvez não fosse habilidade física ou velocidade, mas ela ainda tinha algum poder sobrando.

Agora, se ela pudesse adormecer e de alguma forma acordar nos braços de Drew. Isso seria mágico em si mesmo.

 


Não demorou muito para Daniella conjurar as bolas de fogo. Ela vinha praticando quase todos os dias desde que Kelia e Drew a resgataram daquele miserável Port George e a Sociedade que tentou e falhou em inibir seu poder. O fogo era a única coisa que ela fazia bem, e quando brincava com ele, não conseguia evitar a sensação de que também ganhava vida exatamente como a minúscula faísca.

Emma ficou logo atrás de Daniella, observando, enquanto Wendy - ainda com as mesmas roupas que usava quando estavam na Ilha dos Malditos - estava do outro lado de Daniella, seu corpo curvado, mas seus dedos abertos, prontos para ajudar. Eles ainda estavam no navio, esperando o momento oportuno.

Daniella estava a bombordo do navio, e Drew Knight deu a volta atrás dela, andando para cima e para baixo no convés. Drew sabia que provavelmente a intimidava, mas não conseguia controlar o que sentia. Pelo menos pisar era uma maneira segura de liberar sua agitação interna.

Depois que Daniella fizesse sua parte, isso ficaria com Drew.

Ele seria aquele que recuperaria Kelia.

—Estamos prontos? — Drew perguntou, andando até as bruxas. —O sol está se pondo. Temos apenas um limite de tempo. Minha tripulação estará de pé até lá, e se alguém vai me trair como dois já fizeram, precisamos fazer isso agora para que Kelia possa estar com segurança a bordo, o navio pode começar a navegar, e eu poderei lidar com isso quando voltar.

Drew seguiu o olhar de Daniella enquanto ela olhava para o céu. O sol estava começando a caminhar em direção ao horizonte, traçando uma bela trilha atrás dele. Era um pouco depois das três da tarde, o que significava que eles tinham menos de três horas antes que o sol se pusesse e a tripulação acordasse.

—Você sabe se as Sombras estão dormindo na ilha? — Daniella perguntou, flexionando os dedos.

—Não se preocupe com isso. — Drew não podia perder tempo com perguntas, mesmo que fossem razoáveis. —Crie sua fogueira e certifique-se de que esta ilha queime.

Ele saltou de um pé para o outro, como se incapaz de relaxar a energia que borbulhava dentro dele.

—Não seja tão idiota, Drew, — Wendy disse sem olhar para ele. —Apenas se prepare para que possamos começar isso. Concentre-se no seu trabalho e nós nos concentraremos no nosso.

Drew rosnou, murmurando algo baixinho. Ele ficou surpreso que ninguém parecia ter soado um alarme para sua presença. Os guardas ainda estavam patrulhando pelo que ele podia ver. Ninguém estava correndo e fazendo barulho. Estranho.

Wendy cutucou Daniella gentilmente com o ombro. —Pronta?

Daniella acenou com a cabeça. Ela inalou pelo nariz e prendeu a respiração, fechando os olhos. Ela abriu os olhos e estendeu as mãos, tornando a bola de chamas que ganhou vida em suas mãos maior.

Ela estava pronta.

Ela lançou a primeira bola de fogo em direção à ilha, mas em vez de acertar o alvo, ela sobrevoou a ilha e atingiu o mar do outro lado. Drew bufou, mas não disse nada.

Isso levaria tempo.

Tempo que eles não tinham.

 


A partir do momento em que o sol se pôs, a ansiedade de Drew dobrou. Eles já deveriam ter atingido a terra com fogo. Ele não queria que eles estivessem na ilha à noite. Cada segundo que passava era outro segundo que Kelia era mais um segundo fechado para a morte de Kelia, se ela já não estivesse morta. E cada segundo que passava era outro momento em que uma Sombra podia relatar sua presença à Rainha e parar seu plano antes mesmo de começar.

Ele precisava chegar até Kelia. Mesmo que isso significasse morrer, ele iria resgatá-la daquela cadela malvada.

Daniella tentou novamente. As bolas de fogo precisavam ser perfeitas. O vento de Wendy precisava ser perfeito. Horas se passaram e o fogo errou o alvo ou o vento de Wendy o apagou antes que pudesse atingir. Eles não estavam nem perto de atingir a ilha.

Drew se posicionou mais uma vez. Se ele fosse rápido o suficiente, poderia conseguir sair correndo na água a curta distância até as docas. Ele poderia fazer isso.

Ele tinha que fazer isso.

Outra explosão quebrou o silêncio e Drew deu um pulo. O fogo atingiu seu alvo ao lado da mansão. As chamas se espalharam imediatamente pelo arbusto próximo.

Drew correu pela água. Mas assim que ele chegou ao cais de madeira, uma mão agarrou seu tornozelo e o puxou para baixo.

 


Kelia abriu os olhos. Ela piscou uma vez, sua cabeça começando a latejar. Aparentemente, ela havia adormecido. Sua pele ainda estava arrepiada e ela se sentou lentamente, deixando escapar um gemido de dor ao fazê-lo. Ela enxugou o nariz com as costas da mão. Algo fez cócegas, algo que a fez acreditar que iria espirrar.

Não importa.

Ela não precisava espirrar.

Os passos lentos de seus guardas se arrastaram fora de sua cela. Havia apenas dois deles, pelo que ela poderia dizer, mas eles levavam seu trabalho incrivelmente sério. Os dois não deixaram Kelia ao mesmo tempo. Em vez disso, eles marchavam para frente e para trás, para frente e para trás. Kelia se odiava por isso, mas o som de seus passos fornecia um estranho tipo de conforto. Ela não estava realmente sozinha. Ainda não, de qualquer maneira.

Algo fez cócegas em seu nariz mais uma vez, e ela esticou o torso. O gesto foi muito rápido, e ela estendeu a mão para agarrar o lado da cabeça. Seu estômago se apertou e ela não pôde deixar de se curvar, uma das mãos caindo da cabeça para descansar no chão, dando-lhe o equilíbrio de que precisava para se manter em pé.

Algo cheirava diferente.

Ela fez uma pausa e esperou. Ela reconheceu o cheiro.

Fumaça.

Ela se endireitou. Por que haveria fumaça?

—Cyan —, disse um dos guardas. —Você está sentindo esse cheiro?

Uma pausa.

—Seriam os criados cozinhando?

—O que aconteceu da última vez que um criado queimou algo, e a Rainha descobriu sobre isso?

Kelia sentiu um arrepio percorrer seu corpo com a pergunta.

—Eu duvido muito que esteja cozinhando.

—O que mais poderia ser?

—Devíamos ir ver o que está acontecendo.

—A Rainha nos deu uma ordem: nunca sair da cela. Qualquer um pode quebrar a fechadura e levá-la.

—Você realmente acha que alguém nesta ilha se arriscaria a fazer tal coisa? Trair a Rainha sem ter para onde ir, certamente ser caçada mesmo se você tivesse sucesso? Você é um idiota? Precisamos ver se eles precisam de ajuda lá em cima. Um incêndio começou, eles podem precisar de ajuda para apagá-lo.

—Não é para isso que servem os malditos Lobisomens? Então não temos que nos colocar em risco?

—Você fica aqui, então —, disse o primeiro guarda. —Eu não vou arriscar minha Rainha e sua segurança.

—Ela não nos chamou por meio do Vínculo.

—Talvez ela não consiga. Além disso, você sai para buscar comida para a menina o tempo todo. Por que sou sempre eu quem devo ficar aqui o tempo todo?

Houve um silêncio tenso entre os homens.

Algo caiu do lado de fora, perto de onde Kelia havia sido colocada, e o chão tremeu. Os guardas fugiram, não mais do que listras brilhantes, e desapareceram no andar de cima, talvez para garantir que sua amada Rainha estivesse segura. Kelia se posicionou no canto, na esperança de aliviar a tensão nas costas.

O estômago de Kelia se revirou e ela vomitou, mas não havia mais nada para vomitar; sua última refeição tinha sido horas antes, e ela só bebeu um pouco de água. Tudo o que ela vomitava agora fazia parte de suas entranhas de alguma forma. Por quanto tempo ela seria capaz de sobreviver se continuasse a vomitar sangue? A rainha disse que não morreria, mas certamente não parecia que sobreviveria.

Quando ela finalmente terminou a atual crise de náusea, ela se afastou do canto e enxugou a boca com as costas da mão. Ela odiava o gosto residual quase tanto quanto odiava o ato de vomitar. Ela descansou contra a parede fria e prendeu a respiração.

A fumaça quase a sufocou. Ela não sabia onde estava, mas devia estar perto. Parte dela estava preocupada em ser pega pelas chamas, mas outra parte não se importava. Se ela morresse dessa forma, Drew estaria livre para fazer o que quisesse. Ele não seria obrigado a salvar sua vida ou se arriscar por ela.

Ela quase abriu um sorriso com o pensamento. Que idiota ela havia se tornado simplesmente porque amava Drew Knight.

Naquele momento, a porta se abriu e alguém desceu correndo os degraus. Kelia não conseguiu nem piscar antes que a fechadura de sua cela fosse quebrada, desmoronando como osso quebradiço. A porta rangeu quando alguém a abriu. Ela foi lançada em braços que ela nem podia ver, já que ele estava se movendo tão rápido, mas ela conhecia seu cheiro.

Drew estava aqui. Drew a tinha.

Ela tinha tantas perguntas e um sermão na ponta da língua, mas em vez de distraí-lo de seu objetivo, ela apertou os lábios em uma linha apertada e se agarrou com força a ele. Ela ainda estava tão cansada que duvidava que fosse capaz de dizer alguma coisa.

Com toda a honestidade, ela não esperava que eles conseguissem sair da ilha. Certamente, se a Rainha não os impedisse, algumas de suas muitas Sombras o fariam.

No momento em que eles estavam fora, um fogo próximo estalou ruidosamente, o calor rolando em ondas. Ela abriu o olho, mas a fumaça beliscou sua pele, e era difícil distinguir qualquer coisa. Tudo o que ela sabia era que a mansão estava cercada por chamas e cinzas.

O que significava que as Sombras do Mar estavam morrendo.

—Como eu sabia que você viria por ela?

A voz era suave e sedosa como os lençóis de Drew. O estômago de Kelia apertou, mas ela engoliu qualquer doença. Seu aperto em Drew aumentou.

—Mova-se, Karina.

Outra bola de chamas atingiu logo atrás da Rainha, dando-lhe uma aparência como se ela tivesse acabado de sair dos portões do Inferno. Kelia piscou. Era difícil para ela manter os olhos abertos.

—Você sabe que vou encontrar vocês dois. — S Rainha disse, dando um passo mais perto deles.

—Eu imagino que você deva salvar sua preciosa casa mágica antes que queime até o chão. — Drew disse.

—Tenho certeza de que um de seus amigos poderá ajudar a enfeitiçá-lo novamente, se eu precisar. — Disse a Rainha.

Kelia franziu a testa. O que isso significa?

—O tempo está passando e suas sombras estão virando pó, — Drew apontou. —Você pode nos levar, certamente. Ou você pode salvar sua casa. A escolha é sua.

Kelia poderia estar imaginando, mas ela pensou ter visto a rainha apertar a mandíbula. Ela se perguntou, brevemente, por que não havia Sombras ao redor deles, impedindo sua fuga, até que ela percebeu que eles estavam morrendo ou tentando salvar a casa.

—Eu vou te encontrar. — Suas palavras foram nítidas e frias, completamente despreocupadas com tudo o que estava acontecendo. —Marque-me, eu vou. E vou quebrá-la na sua frente, para que sinta uma fração do que estou sentindo agora.

—E eu vou te matar, — Drew disse. —Marque-me, vou extinguir sua vida para que você não seja nada mais do que a sujeira sob minhas unhas.

Os lábios da Rainha se curvaram. —Sempre gostei de estar embaixo de você.

Drew rosnou e rapidamente manobrou ao redor dela. A Rainha não tentou impedi-los.

—Eu tenho você, — Drew murmurou. —Eu tenho você.

O tom baixo de sua voz foi o suficiente para ela se sentir segura, para baixar a guarda e finalmente ceder à tentação de dormir.

 


Aconteceu em menos de dois minutos. Ele chutou o rosto da sereia e se ergueu de volta ao cais. Mais sereias o alcançaram, mas ele era rápido demais, em terra e correndo antes que outra bruxa do mar pudesse agarrá-lo.

A partir daí, ele continuou, sem se preocupar em olhar para trás, para agarrar Kelia.

Ele a encontrou em uma cela, pegou-a e correu de volta para o Espectro, a cada momento pensando que a morte poderia roubá-los. Cinzas estava em toda parte.

Daniella havia atirado mais duas bolas de fogo quando Drew voltou para o navio com Kelia em seus braços. Outro conjunto de chamas incendiou as docas quando Drew se virou para Wendy.

—Precisamos sair —, ele insistiu. —Agora.

—Você sabe que não consigo pegar vento se não houver vento. — Disse Wendy.

—Você é uma maldita bruxa do ar, Wendy, — Drew rugiu. —Que boa é você, se não consegue nem usar o vento para mover um maldito navio.

—Não me dê atitude, Drew Knight, — Wendy retrucou. —Farei o que puder por Kelia. Agora, você está sendo um bastardo.

—Ela foi envenenada —, disse Emma ao lado de Drew. Suas narinas dilataram-se. —Eu posso sentir o cheiro.

Drew colocou Kelia na cama e passou os dedos pelos cabelos. Poção. Isso não era algo que ele esperava.

—O que eu faço? — Drew perguntou, tirando os olhos de Kelia para que pudesse olhar para Emma. —Você pode preparar algo?

—Não há cura. — Disse Emma, seu tom suave.

Drew balançou a cabeça. —O que? — Seus olhos queimaram. —Não, não, não, não. Deve haver algo...

—Ela está com muita dor —, disse Emma, sua voz delicada. —Ela não para de vomitar, mesmo que não coma. A crosta de sangue em sua boca, está vendo? Ela está vomitando seu próprio sangue, e ela não vai parar.

—Pare de me dizer o que está errado e me diga como consertar!

—Sinto muito —, disse Emma, sua voz um sussurro simpático. —Não há...

—Deve haver alguma coisa! — Gritou ele desesperadamente, estendendo as mãos. Ele começou a andar para cima e para baixo no navio.

—Drew. — Emma foi firme, mas havia tristeza em sua voz. —Nenhum humano pode sobreviver a isso. Eu sinto muito. O melhor que podemos fazer é aliviar sua dor.

Drew parou de andar. Ele engoliu em seco e desviou o olhar de volta para Kelia. —Nenhum humano pode sobreviver a isso?

Emma acenou com a cabeça.

—Nenhum humano pode sobreviver a isso, — ele repetiu novamente. —Eu poderia... eu poderia transformá-la? — Ele balançou sua cabeça. —Eu odiei a Rainha quando ela me mudou sem meu consentimento...

—Infelizmente, não posso aconselhar você sobre isso — disse Emma. —Mas eu posso fazer algo para a dor dela.

—Fora. — Drew acenou para a porta. —Vá agora.

Emma não discutiu e desapareceu.

No minuto em que a porta se fechou, Drew se jogou na cama ao lado de Kelia. Ele tirou uma mecha de cabelo errante de seu rosto. Lágrimas brotaram de seus olhos e ele baixou a cabeça de modo que roçasse sua testa.

—Perdoe-me, meu amor. — Ele sussurrou - um apelo. Ele sabia que Kelia nunca o perdoaria por isso. Mas pelo menos ela estaria viva para odiá-lo por isso.

E então, ele extraiu suas presas e as mergulhou no pescoço de Kelia.

 

 

[1] O escorbuto é uma doença causada pela falta de vitamina C no organismo. Essa doença, apesar de não ter sua causa conhecida até 1747, foi registrada em 1515 a.C. pelos egípcios. O maior impacto, no entanto, foi com o início das grandes viagens marítimas no século 18, quando marinheiros morriam por ficarem vários períodos no mar alimentando-se basicamente de arroz e peixe, que são pobres em vitamina C.

 

 

                                                   Isadora Brown         

 

 

 

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