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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


GLASS KINGDOM / M. Lynn
GLASS KINGDOM / M. Lynn

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

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Uma princesa oculta é uma princesa obediente.
Nas margens de Madra, tradição é lei.
Para a princesa Helena Rhodipus, isso significa usar máscaras para se esconder dos olhos comuns.
Para o povo, significa curvar-se a um rei que pouco se importa com eles.
Querendo se livrar das regras que a impedem, Helena foge para a cidade, irreconhecível sem a máscara.
Ela só quer provar a vida fora de seus muros antes de retornar ao único lugar que conheceu, mas não contava com ele. O garoto que a faz esquecer as preocupações de seus irmãos ou a ira de seu pai.
E se Dell for a liberdade que ela tem procurado por toda a vida?
Quando ela começa a acreditar que é possível ser uma princesa e uma garota normal, o reino que ela ama é jogado no caos, e sua família outrora sólida se despedaça, provando que eles eram feitos de vidro o tempo todo.
Dell Tenyson não tem nada.
Filho não reclamado de um comerciante morto, ele dorme no celeiro atrás da casa principal de sua madrasta.
Essa vida combina com ele. Ele só quer passar por cada dia e passar para o próximo.
Ferido em uma luta de rua, Dell acorda e se vê envolvido em um mundo de espiões e conspirando com uma garota desconhecida bem no centro.
Ele não sabe quem ela é ou de onde ela veio, mas Dell promete fazer o que for necessário para protegê-la. Mesmo que isso signifique lutar nos corredores do palácio ou destruir as muralhas do castelo. Salvando príncipes ou combatendo incêndios violentos.
Um golpe está chegando a Madra, uma batalha pela própria alma do reino.
Talvez vencer não signifique salvar a coroa, mas apenas sobreviver à queda.
Inspirada na história da Cinderela, este é o conto de fadas como você nunca viu antes.

 

 

 


 

 

 


Capitulo Um


Um dia, ao tentar se lembrar da primeira vez que o viu, Helena pensaria na energia que provocava no ar ao seu redor.

O garoto desconhecido não deveria ter sido páreo para o homem amplo diante dele, mas a multidão aplaudiu como se a luta continuasse para sempre.

O boxe era um esporte reverenciado na costa de Madra. Não que seus pais tivessem permitido que Helena participasse de uma partida.

Mas não era uma luta organizada. Não havia arena em torno deles, apenas um círculo de espectadores. O barulho deles atraiu a menina de porte pequeno, vestida com as roupas do irmão.

Helena puxou a capa da cabeça sobre as orelhas para esconder ainda mais as madeixas de ébano presas por baixo.

Havia duas regras no boxe de Madranos. Nunca saia dos limites e nunca use o calcanhar da sua mão. Todo o resto era jogo justo.

O garoto de olhos azuis animados deu um soco, mas não se moveu rápido o suficiente e o punho do oponente roçou o lado da cabeça. Ele recuou, tropeçando antes de cair de joelhos.

O homem maior se moveu para atacar novamente, e o garoto caiu de lado apenas para receber um chute no abdômen.

O estômago de Helena revirou. Ela queria gritar, pedir para eles pararem, mas uma mão apertou seu braço.

—Princesa. — Disse uma voz baixa em seu ouvido. —Não diga uma palavra.

O medo rasgou dentro dela até que o homem que a segurava empurrou o capuz para trás, revelando uma cabeça de cabelos loiros e uma carranca reservada apenas para ela.

—Deixe-me ir, Edmund.

—Eu vou libertá-la, mas você não precisa sair. — Ele levantou a mão, observando-a por qualquer sinal de que ela fugisse. Quando ela ficou, ele voltou sua atenção para o homem enorme que continuava brutalizando o homem menor.

Edmund avançou e afastou a capa, revelando uma espada. O atacante congelou.

—Orlo. — A voz de Edmund era calma, mas Helena detectou o gelo em suas palavras. —Desafiando as crianças a lutar agora?

Helena estremeceu com a observação das crianças. O garoto não parecia mais jovem do que dezoito anos. Quando Edmund chegou à costa, ela estava apaixonada por ele. Então ela conheceu o idiota, e ele se tornou apenas mais um de seus irmãos.

Orlo grunhiu e limpou os dedos ensanguentados nas calças.

—Esse 'garoto' precisa aprender a respeitar.

Edmund emitiu um som no fundo da garganta. —Você sabe tão bem quanto eu que o que quer que Dell não tenha chegado perto do seu castigo por lutar fora de uma partida adequada. — Ele sacudiu a cabeça. —Vá, e eu não relatarei esse incidente ao rei... ou ao sacerdócio.

O medo despertou nos olhos de Orlo com a menção da ordem. Ninguém em Madra queria enfrentar os legisladores de capa branca e suas celas. Orlo não hesitou em correr uma vez, com a chance.

—Como você espera esconder isso do pai? — Helena perguntou. —Eles estavam no meio da cidade. — Ela lançou um olhar nervoso por cima do ombro. —Você sabe tão bem quanto eu que o sacerdócio tem olhos por toda parte.

Edmund caminhou em direção ao garoto que devia ser Dell e se abaixou. —Seu pai e seus cães vão ouvir isso. Mas você não entende esta cidade, Len. Não há uma pessoa que venha para Orlo ou Dell para interrogatório. — Ele colocou dois dedos no pescoço do garoto. —Bem, ele está vivo, então é isso, pelo menos. — Soprando o cabelo para fora do rosto, ele se endireitou e olhou ao redor para a multidão reunida. —Vocês não tem coisas melhores para fazer?

Ele balançou a cabeça enquanto se dispersavam e depois se virou para Helena. —Você e eu teremos palavras assim que Dell acordar. — Ele colocou Dell no ombro como se não pesasse nada. —Venha.

Ela correu para acompanhar os longos passos de Edmund. Ele a conduziu pela cidade lotada como se tivesse vivido lá a vida inteira. Na realidade, ele só esteve em Madra nos últimos dois anos, servindo como embaixador de Bela. Havia rumores no palácio sobre Edmund e seu relacionamento com a rainha e o rei de Bela. Alguns disseram que eram íntimos, outros falaram em prisões. Cada história terminava com Edmund solicitando uma tarefa longe do reino que ele travara uma guerra para salvar.

Helena não estava reclamando. Ela tinha quatro irmãos, mas nenhum a entendia tanto quanto Edmund.

—Edmund. — Ela começou. Ela precisava explicar sua presença na cidade. Era proibido pelas leis e tradições de Madra que uma princesa deixasse as paredes do palácio desacompanhadas e desmascaradas.

—Não aqui. — Ele foi para um beco estreito, entre dois prédios de tijolos claros, levando a uma rua movimentada.

Olhos curiosos de Madranos os seguiram, mas Edmund era bem conhecido e mais temia estar em sua presença. Aquelas histórias do palácio? Eles também falaram de sua magia. Algo que Helena nunca viu e teve problemas para acreditar que existia.

Dois anos atrás, tropas de Madranos foram enviadas para ajudar a rainha Belaena em sua guerra contra La Dame. Persinette Basile recuperou seu reino e as tropas Madranesas que lutaram ao seu lado chegaram em casa com as mais maravilhosas histórias de magia. Os menestréis, fascinados com seus altos contos de magia e feitiços, transformaram as histórias dos soldados da rainha Belaena em canções épicas.

Até os mercenários que lutaram com Dracon contra as forças reais de Madranos tiveram sua parcela de histórias para alguém corajoso o suficiente para se aproximar deles.

Belaenos. Draconianos. Todos eles eram temidos pelo que podiam fazer. Mercenários Madranos eram temidos por quem eles eram. Bastardos justos com lealdade a nenhuma coroa. Eles juraram lealdade a uma coisa: ouro. E se Dell fosse um deles? Um daqueles que causam problemas nas ruas de Madra?

O sacerdócio trabalhava para expulsar todos os mercenários da cidade, mas ocasionalmente alguns apareciam nas tabernas ou entre as lojas mais descoladas da periferia da cidade. Helena examinou os arredores enquanto Edmund a conduzia entre aquelas lojas.

Edmund entrou por uma porta no final da praça e conduziu Helena antes de fechar a pesada porta de madeira, fechando toda a luz do sol.

Pequenas velas ao longo de uma parede davam a única sugestão de luz. Se não fosse pelos tentáculos de canela flutuando no ar, Helena suspeitaria que ele a levou a uma tumba.

Edmund levantou a mão e as chamas das velas aumentaram.

—Você fez isso? — Seus olhos se arregalaram, o medo agarrando seu peito quando ela deu um passo para trás.

Edmund a ignorou. —Mari. — Ele chamou, avançando em direção a uma porta aberta. —Mari, precisamos de você e Corban.

Uma mulher de meia-idade com linhas profundas no rosto apareceu na porta, deu uma olhada em Dell e apontou para uma cama na parede oposta.

Edmund o colocou no chão quando um garoto pulou na sala. Ele congelou quando os viu.

Os olhos quentes de Mari olharam para a criança. —Precisamos de você, Corban.

Corban balançou a cabeça e olhou para Helena.

Edmund deu um passo à frente. —Está bem. Ele é um amigo.

Helena levou um momento para perceber que ele estava falando sério. Ela ainda estava disfarçada nas roupas do irmão. Essas pessoas não conseguiam descobrir quem ela era, por mais que Edmund confiasse nelas.

Ela apenas assentiu, decidindo que falar a denunciaria.

Corban suspirou.

Mari passou a mão por cima da cabeça do garoto. —Ele está preocupado. A magia pode não ser proibida em Madra como era em Gaule, mas o medo ainda existe na cidade. Se a notícia fosse divulgada... não sabemos o que aconteceria com ele.

Helena queria perguntar o que Mari queria dizer, mas não conseguiu encontrar as palavras certas. Edmund parecia sentir a pergunta e murmurou 'mais tarde' antes de se agachar na frente de Corban. —Quantas vezes eu vim até você, Corban?

O garoto deu de ombros.

Edmund sorriu com carinho. —Muito. Você e eu somos ligados por magia. Mari também. Nesta cidade isso é muito raro. Você pode confiar em mim. Eu não vou levá-lo ao perigo.

Corban assentiu. —Eu confio em você.

Edmund sorriu e se endireitou antes de agarrar o ombro de Corban e guiá-lo para a cama.

Dell murmurou algo ininteligível quando o garoto colocou as palmas das mãos contra o peito do homem inconsciente.

Nada aconteceu.

Helena olhou para Edmund, mas ele se concentrou no rosto da Dell.

Quando ela olhou de volta para Dell, os hematomas recuaram e Helena respirou fundo. O lábio cortado da Dell se uniu novamente. Helena tropeçou para trás até seu traseiro bater na parede.

Todo arranhão, todo defeito desaparecia, deixando a pele de bronze sem marcação. Sangue vermelho ainda riscava o comprimento de sua mandíbula, cabelos clareados pelo sol.

Ele era mais velho do que ela pensara durante a luta. Dell.

Ela balançou a cabeça vigorosamente. —Isso não é possível.

Mari, que ainda não falara uma palavra com Helena, a observava pelo canto do olho. A princesa abaixou ainda mais o chapéu sob o olhar examinador. Ela sabia, não sabia?

Ela sabia?

Pânico arranhou sua garganta.

Edmund cruzou em sua direção e baixou a voz. —Temos muito o que conversar.

—Ah, Edmund. — Uma voz rica chamou da cama. —Não vai ficar para garantir que o mojo de Corban ainda esteja funcionando?

Edmund se virou para ele. —Cinco. O número de vezes que tive que trazê-lo aqui nos últimos três meses. Você tem um desejo de morte, Dell?

Os olhos vibrantes da Dell escureceram. —Não foi tudo culpa minha e você sabe disso.

— Droga, Dell. — Edmund puxou as pontas dos cabelos. —Se você morrer...

Helena não sabia do que estavam falando, mas a curiosidade a fez se aproximar.

—Eu não vou morrer. — Disse Dell simplesmente.

—As lutas ilegais. Roubando. Você ainda tem uma cabeça nesses ombros?

Um rubor de raiva surgiu no rosto do jovem como se estivesse prestes a explodir. Helena agarrou o braço de Edmund. —Edmund, deixe-o em paz.

A raiva de Dell se dissipou em um instante quando seus olhos se fixaram em Helena, vendo-a pela primeira vez. —Quem nós temos aqui? — Ele sentou-se para olhar mais perto. —Você não acha que está enganando ninguém nesse traje, não acha, senhorita?

Helena arrancou o capuz da cabeça. Seus cachos escuros se espalharam, e ela se virou para Edmund. —Eu sou tão óbvia?

Edmund mordeu o interior da bochecha para não sorrir. —Apenas para patifes e enganadores, minha querida. — Seus olhos foram para cada pessoa na sala. —Mari, Corban, estou mais uma vez em dívida com vocês. Pagarei pelos cuidados desse idiota. Não deixe ele voltar para casa por alguns dias. As notícias da luta se espalharam e devemos evitar perguntas, caso o rei ouça.

Ele se virou para Dell com uma careta. —A próxima vez que te ver em uma luta de boxe ilegal, vou deixá-lo na terra sangrando. Idiota. Orlo deveria ter estripado você.

Dell lançou um sorriso que não falava nada. —Mas então com quem você gritaria todos os dias?

Edmund resmungou.

—Você sentiria falta dessa cara bonita. Continue Edmund. Admita. Você se importa comigo.

A fachada severa de Edmund rachou e uma risada escapou. —Ok, Dell. Estamos indo embora.

—Divirtam-se! — Ele balançou as sobrancelhas.

Eles entraram na sala da frente e Edmund apontou para o capuz dela. —Não ouça Dell. Coloque isso de volta. É melhor que ninguém saiba que você é uma mulher e junte qualquer uma das peças.

—Ele pensou que nós eramos-

—Sim.

Ela virou. —Não devemos dizer a ele que não é-

—Helena. — Sua voz severa a deteve. —Dell não falará de nada do que aconteceu aqui. Não importa o que ele pensa. Mas você e eu precisamos ter uma discussão.

Assim que ele a puxou para a rua, todo o som cessou. Um carrinho passou, mas as rodas não fizeram barulho. Helena se virou para encarar Edmund com os olhos arregalados.

Ele suspirou. —Você já sabe que eu sou Belaeno. Toda pessoa com sangue Belaeno carrega magia. A minha é a capacidade de mudar os ventos. Estou afastando-os de nós. Não podemos ouvir nada. Ao mesmo tempo, estou empurrando uma corrente de ar em nossa direção para prender nossas próprias palavras.

Helena estava tão perdida em seus pensamentos de mágica e no homem que ela pensava ter conhecido, não viu a pedra na estrada. A mão de Edmund a guiou antes que ela caísse, trazendo-a de volta à realidade atual e ao que ela sabia que estava por vir.

A voz de Edmund estava baixa quando ele falou novamente.

—Diga-me o que você estava pensando.

Ela encolheu os ombros. Ela sabia a resposta, mas ele não entenderia. Como ele poderia?

—Princesa.

Ele só a chamava de princesa em situações formais, deixando-a saber que ele não estava perguntando como amigo dela, mas como membro do conselho real.

—Helena. — Ele tentou novamente. —Você conhece as leis.

Ela sabia. E ela as odiava. Lágrimas picaram o canto dos olhos dela.

—Se seu pai descobrisse, eles poderiam tirá-la da linha de sucessão. — Continuou ele. —Se os padres descobrissem... Seu baile de aniversário seria cancelado.

Ambos sabiam que o sacerdócio faria algo muito pior para ela.

Para alguns, o baile parecia bobo. Quem se importava com uma festa quando a liberdade estava em jogo? Mas aquele baile deveria ser onde seu pai tomava sua decisão final sobre quem seria seu marido.

—Eu queria ver o meu reino. — As palavras eram pequenas, mas ela sentia cada uma. Ela era a segunda na fila do trono. Um dia ela administraria a guilda mercante.

Mas ela era uma princesa de Madra, destinada a ser escondida como uma jóia preciosa. A lei de Madra dizia que poucos tinham o privilégio de encarar o rosto de uma princesa até o dia do casamento. Ela não tinha permissão para sair do palácio. Quando participava de bailes e cerimônias, usava uma máscara para cobrir tudo, menos a boca.

Era uma lei terrível, mas sagrada aos olhos dos sacerdotes. Os olhos do homem comum contaminariam uma princesa apenas olhando para ela. Essas eram as palavras do sacerdócio.

Edmund só conhecia o rosto dela porque sua posição como embaixador lhe dava esse privilégio.

Ele esfregou a parte de trás do pescoço. —Eu não sei como fazer isso, Helena. Eu cresci em Gaule, onde homens como eu, que preferem homens a mulheres, foram mortos. Aqui em Madra, vivemos abertamente. No entanto, em Gaule, uma mulher tem toda a liberdade. Eles agora são governados por uma rainha. Minha melhor amiga é a rainha da Bela. Mas não estamos em nenhum desses países. Quero que você tenha as mesmas liberdades, mas não quero que você perca tudo... não quero te perder.

Ele passou um braço em volta dos ombros dela. —Perdi tudo uma vez. Um rei que eu amei me aprisionou por minha decepção. Eu não quero isso para você. — Ele a apertou mais ao seu lado enquanto eles caminhavam. —Por favor, use a máscara. Fique no palácio. Você faz isso há dezoito anos. Faltam apenas algumas semanas para o baile.

Ela não discutiu, mas também não fez promessas. Ela finalmente teve um gostinho de liberdade e essa memória não estava indo a lugar algum.

Eles revelariam seu rosto em breve, mas então Madra a conheceria à vista. Ela tinha muito pouco tempo para explorar seu reino como um de seus súditos leais.

Chegaram à casa de Edmund. —Onde você deixou seu cavalo? — Ele perguntou.

—Eu andei.

Ele levantou uma sobrancelha. —Você acabou de sair do palácio?

—Quando você procura ser furtiva, não rouba um cavalo e troveja pelos portões.

Ele riu. —Acho que não. Como você saiu?

Ela apertou os lábios, não querendo revelar um dos maiores segredos de Madra para o Belaeno. Ela confiava em Edmund, mas...

Ela tinha uma escolha?

—As catacumbas sob o local levam a uma rede de túneis por toda a cidade.

Os olhos de Edmund se arregalaram e ele passou a mão pelos cabelos. —Bem, eu não esperava isso. Túneis secretos sob Madra? Eu pensei que era apenas um mito.

Ela encolheu os ombros. —Acho que meu pai nem sabe que eles existem. Stev e eu os encontramos quando éramos crianças.

Edmund riu. —Aposto que seu pai adoraria saber que a herdeira do trono de Madranos cresceu brincando nas catacumbas.

Ela deu de ombros, um pequeno sorriso brincando nos lábios.

—Meus irmãos e eu nunca brincamos exatamente pelas regras.

—O resto deles sabe sobre os túneis?

—Eu mostrei a Kassander uma vez. Os outros... não.

Ela olhou para o chão, querendo que essa linha de questionamento terminasse. Seus irmãos não eram um assunto que ela gostava de falar.

Cada criança nascida na família real tinha um propósito neles no dia em que abriram os olhos. Stev seria o próximo governante de Madra. Helena lideraria a guilda mercante - a entidade mais poderosa por trás do rei e do sacerdócio. Kassander nasceu para ser padre. Quinn e Cole eram bastardos, mas em um movimento incomum, o rei os reconheceu, mesmo que eles tivessem papéis dentro do reino. Eles não foram colocados na linha de sucessão, mas receberam postos no comando militar.

Helena virou-se para Edmund. —Obrigada por me trazer até aqui, mas estou bem em voltar sozinha.

Ele balançou sua cabeça. —Stev me mataria se eu não te acompanhasse.

Ela estreitou os olhos, percebendo o que estava acontecendo. — Claro. — Ela voltou para a rua. —Meu grande irmão enviou você para me encontrar.

—Ele viu você sair. — Havia um significado em suas palavras que levou alguns momentos para entender.

Ela diminuiu os passos. —Ele me deixou ir?

—Ele queria que você tivesse sua liberdade, mesmo que isso significasse desafiar a tradição. Eu o acompanho desde que você alcançou as colunas no final da praça. Só entrei quando vi Dell lutando.

—Inacreditável. — Ela balançou a cabeça. —Stev é...— Seu irmão sempre a surpreendeu. Ele nunca falou com ela como se se importasse, mas então ele fazia coisas assim.

Eles chegaram ao outro lado do palácio, onde havia uma grade sobre um buraco no chão. Estava escondida embaixo de uma plataforma de madeira. Se alguém o encontrasse, eles assumiriam que era apenas uma parte do vasto sistema de esgoto que consiste em tubos de barro rasos. Uma inovação da avó. Helena se inclinou e levantou as tábuas de madeira para revelar as barras de metal. Ela puxou uma chave enferrujada da corda em volta do pescoço e se inclinou para girá-la na fechadura de ferro. Edmund soltou as barras.

—Substitua isso assim que terminar. — Helena instruiu.

Edmund ficou boquiaberto. —Eu não gosto de pensar em você mergulhar nisso. — Ele olhou para o escuro.

Ela encolheu os ombros e sentou-se na beira do buraco, balançando as pernas e caindo na escada.

Quando ela limpou a entrada, Edmund colocou as barras de ferro de volta no lugar e olhou para ela.

—Obrigada, Edmund.

Ele assentiu e a observou descer.

O cheiro de mofo do túnel envolveu Helena quando ela pulou da escada para a água até os tornozelos. As botas de Kassander estavam encharcadas, mas as roupas do irmão de dez anos eram as únicas que cabiam.

Correndo pelos túneis escuros, ela passou a mão pela parede para guiar seus passos. Ela não sabia quanto tempo andou antes que uma porta aparecesse, a luz escorrendo por baixo.

Ela se inclinou, tentando recuperar o fôlego. Tudo ficaria bem. Casa estava bem na frente dela. Sua primeira viagem fora do palácio não destruiu sua vida. Ela olhou por cima do ombro enquanto a adrenalina a bombeava. Estar entre as pessoas a emocionou. Isso lhe deu algo que ela sentira falta a maior parte de sua vida Um senso de conexão com o reino que sua família governava.

Ela tinha que sair de lá novamente.

Quando ela colocou a mão na porta, ela empurrou exatamente como havia sido ensinada. Um clique suave soou e a luz inundou o túnel.

Ela caiu no quarto que não tinha sido usado desde que a avó estava viva. A imagem voltou ao lugar para esconder a porta. Ela riu para si mesma.

Uma tosse interrompeu sua celebração, e ela girou nos calcanhares para encontrar Stev encostado na parede com os braços cruzados sobre o peito.

Ele não disse uma palavra enquanto apontava para a mesa ao seu lado. Sua máscara macia com renda de marfim estava plana contra o mármore.

Ela caminhou para frente e pegou. Quando a colocou contra a pele e amarrou as fitas na parte de trás da cabeça, não pôde deixar de sentir como se a prisão de que Edmund falasse fosse agora dela.

Satisfeito, Stev assentiu e saiu sem dizer uma palavra.

Só então Helena notou Kassander sentado na cama, sua excitação fazendo seus membros pularem.

—Ei amigo. — Disse ela. —Você não pode contar a ninguém sobre isso, ok?

—Eu sei. Stev já me disse. — Seus olhos brilhantes se fixaram no rosto dela. —Eu gosto mais quando você não está usando a máscara.

Ela suspirou e colocou os dois braços em volta do irmão, puxando-o para o colo. Descansando o queixo na cabeça dele, ela falou em seus delicados cachos castanhos. —Eu também, garoto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Capitulo Dois


A vida de Dell nunca foi um conto de fadas, mas houve um tempo em que ele não tinha medo de voltar para casa. Uma vez em que ele passava pela porta da frente, parava na frente da mesa e roubava o que sua mãe havia passado o dia assando.

Ela o repreendia, mas nunca sem um sorriso no rosto. Então ela bagunçava o cabelo dele.

Até o dia em que ela não estava mais diante dele. O dia em que o levaram para morar com um pai que ele nunca conheceu e meio irmãos que ele não sabia nada.

Ele era um garoto triste, com lindos sonhos de ser recebido em uma família quando perdeu a única que conheceu. Mas ele logo aprendeu que a fantasia só vivia para provocar você com o que você nunca poderia ter.

Seu pai tinha sido gentil, feliz por trazer Dell para a família. As primeiras semanas acalmaram sua mente de infância e o fizeram imaginar muitos anos de tal contentamento. Então, seu pai embarcou em uma missão comercial, atingindo os mares agitados em torno de Cana, no meio de uma tempestade. Ele nunca voltou e Dell foi de filho recém-descoberto, para hóspede indesejável, para menino estável em questão de um mês.

Ele rolou na pequena cama na loja de Mari e Corban. Eles deixaram fechada por alguns dias enquanto ele estava lá. Não se podia dizer que o filho da grande senhora Tenyson frequentava uma loja de curandeiros no lado leste da cidade. Se alguém sabia que ele pertencia à casa Tenyson. Sua paternidade era um segredo bem guardado em Madra, com sua família não reivindicando nenhuma outra conexão que não a de mestre e servo.

Os Tenyson eram o pico atual da espiral. Cada família de comerciantes em Madra tinha uma classificação. Riqueza e sucesso afetavam a classificação, bem como o favor do rei e a posição de alguém no conselho. O pai da Dell havia trabalhado incansavelmente para levar a família para onde ela estava e a madrasta de Dell os mantinha lá por meios nefastos.

A hierarquia na sociedade Madrana era uma espiral com cada família um passo abaixo da anterior. A ascensão era uma luta e a queda era grande.

A porta se abriu e Mari apareceu. Ela sorriu gentilmente. Ela gostava do homem que precisava constantemente da cura de Corban.

—Como está se sentindo, querido? — Ela perguntou.

Ele lutou para se sentar, seus músculos doendo. Foi a primeira vez que ele esteve verdadeiramente acordado desde a luta. —Você não beberia cerveja, não é?

Ela levantou uma sobrancelha. —Receio que não. Foi isso que levou você a esta situação?

—Não.

Ela estreitou os olhos, incrédula. Ele não a culpava. Ele estava mentindo, afinal.

—Eu te conheço desde que você chegou à cidade. — Ela cruzou os braços. —Você não pode mentir para mim.

Ela estava certa. Ele encontrou conforto em fugir para a loja de Mari desde que ele era uma criança quebrada e precisava de um amigo. Ele esfregou as mãos, as tiras de couro ainda sujas de sangue. Sem tirar os olhos dela, ele desenrolou o couro e soltou um suspiro quando o ar frio tocou suas juntas machucadas.

—Eu trabalho duro, Mari. — Ele tentou infundir mais idade do que tinha em sua voz. —Ontem de manhã, fui enviado para ajudar a descarregar uma remessa nas docas.

Ela assentiu para ele continuar.

—Fui dar uma refeição ao meio-dia no Cooked Goose e quem passa por lá?

—Só posso adivinhar. — Ela girou e bateu a palma da mão contra a parede. —Catjsa. Aquela mulher... — Balançando a cabeça, voltou-se para Dell. —Você tem sorte que Orlo não o matou por tudo o que fez com a esposa dele-

Ele jogou as mãos para cima. —Eu não fiz nada! Não posso evitar se ela não consegue tirar as mãos de mim.

Mari avançou. —Dell, você é um garoto doce, mas às vezes acho que toda essa luta mexeu com seu maldito cérebro. — Ela se inclinou e agarrou seu queixo. —Esse rosto, seu sorriso, eles são armas e serão viradas contra você uma e outra vez.

—Ah, Mari, você está tentando me dizer que é bonito?

Ela o soltou e recuou com um bufo. —Você leva algo a sério? Você é Tenyson, Dell. — Ela colocou a palma da mão sobre o coração. —O único com alguma coisa aqui desde que seu querido pai faleceu. Não quero que você se aproveite daqueles que querem começar problemas. — Mari e Corban sabiam quem ele era, apesar de Edmund não. Ele não pôde evitar isso. Ela viu o brasão de Tenyson queimado em seu irmão aos onze anos de idade.

Ele desceu da cama e se levantou, seu corpo alto erguendo-se sobre ela. Colocando a mão em cada um dos ombros dela, ele se inclinou para olhá-la nos olhos. —Não se preocupe comigo.

Ela agarrou seus pulsos e suspirou. —Eu sempre vou me preocupar como se você fosse meu próprio filho. Também não sou a única.

Ele a soltou e passou a mão pelos cabelos suados. —Não sei por que Edmund se incomoda. Ele nem é de Madra. Ele-

Ela o interrompeu. —Você não sabe o tipo de coisa que o homem realizou. Se ele vê algo em você, é porque você pretende mais do que esfregar decks e limpar barracas.

Houve um tempo em que ele queria mais. Uma família. Um pedaço de terra para cultivar. Sua vida com a mãe tinha sido simples. Eles moravam no campo perto de uma pequena vila. Eles nunca tiveram muito, mas foi uma vida boa.

Ele balançou a cabeça para afastar esses pensamentos. —Eu preciso lavar essa sujeira da minha pele. Se importa se eu voltar.

—Verifique que não seja visto.

Ele caminhou da sala dos fundos para uma parte separada do prédio, onde uma porta dava para um beco. O forte cheiro de urina o atingiu assim que o vento mudou, mas ele provavelmente cheirava pior.

Ele olhou para trás para ter certeza de que ninguém o seguiu e se escondeu atrás da fila de lojas. Elas estavam perto das docas, onde os barcos saíam para navegar pelo rio e sair para o mar. O rio se estreitava quando se curvava para correr pela cidade. Uma rua movimentada ficava entre o beco e uma fileira de árvores que bloqueavam a água.

Dell deu uma rápida olhada em cada sentido antes de correr entre carrinhos que corriam pela estrada e colidir com a cobertura de árvores do outro lado. O rio brilhava onde o sol atravessava os galhos. Fluía lentamente como se estivesse aproveitando o bom dia. Grandes pedras cobriam a beira da água e Dell não perdeu tempo pisando em uma e tirando a camisa antes de largá-la no chão. Ele tirou as botas e tirou a calça.

Mesmo como membro de uma das famílias mais ricas de Madra, ele mantinha as vestimentas simples. Ok, não era sua escolha. Quando ele chegou, ele usava as roupas velhas de seus irmãos. Mas com os anos de trabalho duro, ele os superou.

Um assobio deixou seus lábios quando ele afundou na água gelada. Seus músculos puxaram e gritaram enquanto ele chutava em direção à margem oposta e voltava. Assim que seu corpo se soltou, ele limpou o sangue e o suor da pele.

Ele mergulhou abaixo da água, a luta ainda forte em sua mente.

Orlo havia batido nele. Essa foi a primeira vez. Em uma revanche, Dell poderia derrubá-lo. Ele era um lutador. Ele era bom. Ele era forte.

Ele quase riu para si mesmo, mas ainda estava debaixo d'água.

Com quem ele estava brincando? Orlo era um monstro de homem.

Ele olhou para cima e viu uma sombra na margem oposta. Tudo o que conseguiu distinguir através da distorção da água era um par de calças. Edmund olhando para ele sem dúvida.

Dell se preparou para investir, um plano se formando em sua mente. Ele irrompeu da água com um rugido, a água espirrando em seu público. Ele torceu para ver a reação de Edmund enquanto seus pés ganhavam tração no fundo lamacento. A água mal chegava a sua cintura agora. Riachos de água escorriam por seu torso, e seu queixo caiu quando ele viu a mulher que estava torcendo um gorro nas mãos.

Ele congelou quando ela examinou suas roupas ensopadas, não prestando atenção nele. Quando ela finalmente levantou a cabeça, o vermelho inundou suas bochechas.

Ela não desviou os olhos.

Dell, ganhando algum sentido, deu um passo à frente.

—Pare! — Ela gritou.

Ele olhou para baixo e viu que a água não o cobria mais. Suas mãos voaram para baixo, mas ele deu outro passo à frente.

—Eu disse para você parar por aí.

—Eu não te conheço, senhorita, então seria bom se você se abstivesse de me dar ordens.

—Mas você... você-

Ele desceu completamente da água, não se incomodando em se cobrir quando parou ao lado dela. —Eu o quê?

Ela se virou abruptamente.

Ele riu. —Está tudo bem, senhorita. Eu gosto do Edmund. Não vou tentar nada com a mulher... — Os olhos dele examinaram o corpo dela. — Dele...

A menina abraçou os braços sobre o corpo.

Dell riu novamente quando se inclinou para pegar as calças e entrou nelas. —Eu te deixo desconfortável?

—Sim. — Ela se recusou a olhar para ele e a diversão aqueceu Dell contra a brisa fria.

Ele deslizou a camisa por cima da cabeça, encolhendo-se com o cheiro. Teria que servir.

—Por que você está aqui? — Ele se inclinou para amarrar as botas enquanto esperava a resposta dela. E, por falar nisso, por que ela estava vestida de menino novamente? O que Edmund estava escondendo?

Ela clicou a língua. —Eu não conseguia parar de pensar nessa luta no outro dia. — Sua voz caiu. —Eu precisava ver se você estava bem.

Ele sorriu e olhou para ela. —Tradução, a garota Madrana estava curiosa sobre a cura que Corban fez comigo e queria ver se realmente funcionou ou se ela imaginou.

—Não foi o que eu disse.

Ele se endireitou. —Você não precisava. Você provavelmente nunca conheceu ninguém com magia antes daquela noite - excluindo Edmund - e as únicas histórias que ouviu foram de soldados bêbados que voltaram das guerras em Bela com histórias de coisas magníficas.

—Mesmo se tudo isso for verdade. — Ela começou teimosamente. —Não foi por isso que vim à cidade.

—Ah, então você não mora aqui. — Ele bateu no nariz. —Cuidado, senhorita, ou vou aprender todos os seus segredos.

Ele se virou e voltou para a estrada. A garota correu atrás dele. —Onde você vai?

Ele não lhe devia uma explicação, mas se viu de bom humor.

—Eu não posso ser visto nesta parte da cidade. Mari vai me disfarçar.

—Como?

Ele balançou sua cabeça. —Não faça perguntas nas quais você não acredita nas respostas.

Mari os esperava em sua loja, mas ela não estava sozinha. O príncipe herdeiro de Madra pairava sobre ela, seu rosto severo examinando a sala. Dois guardas estavam em ambos os lados da porta da frente.

Estevan Rhodipus virou-se para eles quando eles entraram, sua carranca se aprofundando.

Que negócio um príncipe tinha com Mari?

A garota de cabelos negros atrás de Dell passou a mão pelas roupas ainda molhadas e suspirou. —Stev, sua Alteza. — Ela murmurou, tropeçando em uma reverência.

Dell curvou-se obedientemente, o ato apertando algo dentro dele. A linhagem Rhodipus estava levando seu povo a nada além de destruição.

O príncipe o ignorou e fixou os olhos gelados na garota que tentava se disfarçar como menino. Ela obviamente não enganava muitas pessoas com seus traços delicados e olhos brilhantes.

—Hele- — o príncipe Estevan começou antes de parecer se recuperar. —Olá, Len.

Esse era o nome dela?

Os olhos dele fixaram nos dela como se estivesse falando alguma linguagem secreta.

—Sim, sua Alteza Stev? — Ela olhou de volta, desafiando seu olhar.

Ela o chamou de 'Stev'. Algo não parecia certo.

O príncipe finalmente se voltou para Mari. —Len tem deveres no palácio que ela evitou. Ela é uma... criada lá. Uma das garotas da minha mãe. A rainha me pediu para trazê-la imediatamente.

Certo. A rainha não mandaria o príncipe buscar uma serva.

Os olhos de Dell passaram entre eles, sua mente juntando as peças. Edmund não a estava protegendo por si mesmo. Ela não era sua amante, ela pertencia ao príncipe.

Se o príncipe soubesse o quanto ela tinha visto de Dell... suas bochechas rosadas voltaram à sua mente. Ela não parecia do tipo que se entregaria ao príncipe. Dell mal a conhecia, mas achava que ela era mais cabeça-de-boi do que ser conduzida, já que o príncipe a estava levando agora em direção à porta, as mãos como algemas em volta dos pulsos.

—Stev. — Ela disse tão suavemente que era como se pensasse que Dell e Mari não ouviriam. —Por favor, não conte a ele. Eu-

Ele a soltou e virou-se para encará-la. Ela parecia se encolher dentro de si mesma. —Eu não direi a ele. Você irá.

Os olhos dela se arregalaram. —Não-

—Venha. — Ele a pegou pelo braço bruscamente.

—Não.

—Você não tem escolha.

Dell sabia que se arrependeria de suas próximas ações, mas tudo dentro dele gritava para proteger essa garota, essa Len.

—A senhora disse que não deseja voltar com você. — Ele avançou.

O príncipe parou e virou-se para ele. —Isso não é da sua conta, plebeu.

O que sua alteza pensaria se soubesse que Dell era um Tenyson? Que ele acabou de insultar a ponta da espiral. Se os Tenyson não sustentassem mais a família real, Madra seria jogada na guerra civil.

Mas ele manteve a boca fechada. O príncipe estreitou os olhos, observando as roupas imundas de Dell, com a repulsa no rosto.

—Eu disse, Len fica.

O príncipe soltou uma risada aguda. —Não na sua vida, garoto.

Dell suspirou. Ele não queria que isso chegasse a isso. Ele puxou uma faca em um bolso escondido dentro de sua calça.

O príncipe desviou os olhos da lâmina curta para o rosto de Dell e um sorriso esticou seus lábios finos. —Puxar uma arma contra um membro da família real é punível com a morte. — Ele deu um passo à frente. —Mas não tenho certeza se isso pode se qualificar como arma.

Dell sentiu a ponta com o dedo. —Tem um fim pontudo.

O príncipe riu novamente e relaxou sua postura. —Fim pontudo? Você obviamente não passou tempo com o exército, garoto. Eu poderia abrir você do nariz ao umbigo. Você é um lutador?

Len escolheu esse momento para ser útil. —Ele luta box.

O príncipe levantou uma sobrancelha. —Guarde essa faca, garoto. Eu não vou machucar a garota. Ela pertence a mim, não aqui...

—Entre o seu povo?

—Dell. — Len avisou. —Realmente. Estou bem.

Ele nem a conhecia. Por que ele não queria deixá-la ir? O príncipe Estevan, apesar de todas as suas falhas, não tinha uma reputação de devassidão como os príncipes bastardos. Ele era sério, duro e tinha visões do mundo que transformariam Madra em cinzas, mas ele não era mau. Apenas mal orientado.

Ele olhou mais uma vez para Dell antes de colocar a mão nas costas de Len e levá-la para fora.

Mari se aproximou do lado da Dell. Suas palavras continham uma provocação. —O que você ia fazer? Lutar com ele com sua faca? Ele não é de madeira.

Ele estudou a faca na mão. Havia pouco em sua vida que ele fazia por puro prazer, mas a escultura em madeira lhe dava uma sensação de paz. Ele passou o polegar sobre o brasão da família no cabo. Não é a crista dos Tenyson. Esta pertencia à mãe dele. Ela o ensinou a criar beleza em meio ao caos em sua vida. Em meio à dor e às dificuldades.

Ele deslizou a faca de volta no bolso da camisa e a segurou contra o peito. —Eu tenho que ir. Já perdi muito trabalho e o castigo da minha madrasta só vai piorar.

Mari estalou a língua. —Bem, você não pode ser visto nesta parte da cidade. — Ela tocou o ombro dele e o calor o inundou por apenas um momento antes de desaparecer.

Ele nunca se acostumou com a magia dela. Ele passou as mãos na frente da camisa. —Nunca me sinto como se sua mágica estivesse funcionando. Quando me vejo, não percebo uma mudança.

Ela sorriu. —Porque você não entende como meu poder funciona. Eu não altero sua aparência. Eu mudo a percepção visual alheia de você. Mas isso só dura algumas horas.

Dell se inclinou para beijar Mari na bochecha. —Obrigado, amor. — Ele saiu pela porta da frente, chamando por cima do ombro: —Eu aprecio você!

 

 

 

 


Capitulo Tres


Stev mal falou no passeio pelas ruas e subiu a colina onde o palácio estava situado entre colunas altas que o separavam da cidade circundante. Desta vez não haveria túneis secretos. Os guardas e os agentes ocupados teriam a visão perfeita do príncipe herdeiro arrastando um menino para o palácio. Só que ela não era um garoto.

Ela era a princesa.

Mas nenhum deles conhecia o rosto dela. Talvez eles pensem que fosse Kassander quem fugiu e os rumores se espalhassem.

Ela mexeu na carruagem quando a porta se abriu. Stev saiu e depois levantou a mão para ajudá-la.

Ela examinou o pátio em busca de qualquer indício do sacerdócio que controlasse a vida da família real de Madra. Os dedos dela agarraram o de Stev como se ela se desmoronasse sem ele. Como ela deveria enfrentar o pai depois de ser pega quebrando uma das leis mais sagradas de Madra? Não importava que não fosse justo. Que ela pensava que uma princesa deveria ter tanta liberdade quanto qualquer príncipe.

Ele ficaria tão decepcionado. O relacionamento dela com o pai e o irmão mais velho nem sempre foi tranquilo, mas ela não queria decepcioná-los.

Com um suspiro, ela agarrou a mão de Stev com mais força.

—Eu sinto muito.

O rosto severo dele se suavizou e ele passou a mão por cima da cabeça dela. —Eu não quero ser sempre tão... duro com você, irmã. Mas se algo acontecer com você...

—Não vai. Ninguém na cidade sabe que eu sou uma garota.

—Aquele garoto-

—Dell? Ele é inofensivo... eu acho. Honestamente, eu realmente não sei. Ele é um pouco cheio de si. Mas Edmund o conhece. Você confia em Edmund?

—Claro.

Ela sorriu. Edmund era a única pessoa que sempre conseguia destacar o irmão.

—Eu não vou fazer de novo. — Disse ela, apertando a mão dele.

Ele passou a mão pelo rosto em tom de azeitona. —Não faça promessas que não cumprirá, Helena. Você viu tão pouco do que está fora dessas paredes do palácio. Mas não vou parar de procurá-la. Você é a única pessoa... —Ele parou.

Ela não conseguia se lembrar de uma época em que o irmão lhe disse tantas palavras ao mesmo tempo. Ele não falava sobre seus sentimentos.

Ela não teve tempo de responder porque Edmund os esperava entre as colunas de pedra que levavam aos degraus na frente do palácio.

—Você se divertiu? — Ele perguntou.

Ela olhou para ele. —E como Stev sabia exatamente onde me encontrar?

Edmund a encarou com um olhar de desaprovação.

—Eu precisava saber. — Ela bufou.

—Saber o que? — Stev perguntou.

Edmund não desviou os olhos de Helena. —É sobre a mágica ou o garoto?

Os olhos de Stev se arregalaram. —Len conhece a magia de Mari e Corban?

Helena se afastou deles. —Você sabe?

—Sou herdeiro do trono de Madra.

Como se essa resposta explicasse alguma coisa. O rei tinha muitos espiões por toda a cidade. Stev também tinha alguns?

—Venha. — Stev subiu os degraus rapidamente.

Uma vez dentro dos aposentos da família do palácio, Helena relaxou. Poderia ter lhe dado liberdade para ficar sem a máscara, mas ainda parecia artificial.

Sua criada apareceu, uma carranca gravada em seu rosto murcho. Sophia estava com ela desde o nascimento.

—Criança. — A velha zombou, examinando suas roupas para cima e para baixo.

Edmund e Stev a deixaram sem dizer mais nada e Sophia a conduziu para o banheiro. A empregada tirou as roupas de Helena do corpo sem cerimônia. Quando ela entrou na banheira de bronze e se sentou na água morna, Helena pensou no garoto tomando banho no rio.

Seu peito largo a chocou no começo e quando ele saiu da água... Ela balançou a cabeça e se concentrou nos olhos cintilantes dele. Sob a sujeira que sobrara de sua luta, havia um homem robusto e bonito.

Um plebeu.

O que havia de errado com ela?

Dentro de um mês, ela escolheria um marido, ou pelo menos era assim que pareceria. Na verdade, a vontade de seu pai significava mais que a dela. Sua vida logo estaria ligada a um homem muito diferente. Ele seria bonito? Rápido para sorrir? Dell pareceu que ele era obrigado a rir. Não era como os nobres sérios que ela teria que divertir no baile.

Uma torrente de água espirrando sobre sua cabeça a tirou de seus pensamentos.

—Sophia. — Ela gritou.

—Pare de sonhar acordada e se esfregue. Você parece mais ouriço da rua do que princesa.

Depois que ela terminou de se vestir, Sophia prendeu os cabelos em nós intrincados. Demorou muito mais tempo do que Helena normalmente gostaria, mas estava agradecida pelo atraso. Ela sabia qual seria sua próxima tarefa.

Estar em frente do pai.

A caminhada pelos pisos de veludo azul pareceu levar uma eternidade e pouco tempo. Paredes escuras de madeira de cerejeira se fecharam sobre ela como um túnel até que tudo o que ela podia ver era a porta dos aposentos do conselho onde seu pai esperava.

Ela levou as mãos ao rosto, sentindo as bordas da máscara. Na maioria das vezes, era a prisão dela, mas nesse momento a máscara a acalmava. Nem mesmo seu pai podia ver o que realmente estava por trás disso.

Os guardas assentiram quando ela parou no limiar da câmara aberta. Ela passou as mãos pelo vestido de esmeralda rendado que Sophia havia lhe imposto. Pelo menos a rainha aprovaria.

Os olhos de Helena examinaram a sala. Uma mesa circular estava no meio. No outro lado, o rei se inclinou sobre um mapa que ele havia espalhado pela superfície. Alguns de seus conselheiros estavam perto, ouvindo-o falar. Stev e Edmund estavam entre eles.

A rainha não estava em lugar algum, mas isso não era surpreendente. Ela preferia não falar de guerra e, a julgar pelos generais presentes, era exatamente o que estava acontecendo. Nenhum dos homens sequer notou sua presença.

Atrás de Stev, havia dois padres que Helena reconheceria em qualquer lugar. Quando menina, eles a ensinaram os deveres de uma princesa de Madra. Basicamente, eles a ensinaram a necessidade de esconder o rosto.

O sacerdócio em Madra não adorava um poder superior. Eles passavam a vida contemplando o passado. Eles escreviam leis em seus salões antes de trazê-las ao rei. Eles se formaram nos protetores da tradição Madranos, a alma dos Madranos. E, aparentemente, revelar o rosto de uma princesa antes de seu noivado manchava essa alma.

Eles também controlavam as prisões de Madra.

Helena nunca havia desenvolvido a fé no sacerdócio que seu pai possuía.

—Senhor. — A voz de Edmund a trouxe de volta ao assunto em questão. —Eu realmente acho que você pode retirar suas forças do interior de Bela. Apenas deixe os poucos estacionados na fronteira draconiana. Os outros são necessários em outro lugar.

Onde eles eram necessários? Casa. O pensamento veio espontaneamente à sua mente. Os soldados eram necessários em casa. Alguns deles estavam fora há anos. Suas esposas e filhos precisavam deles agora. Os campos e celeiros de Madra precisavam deles.

Ela nunca entendeu as constantes guerras de seu pai ou sua aceitação de tudo o que custava ao reino.

—Não. — O rei balançou a cabeça. —Bela tem mágica. Nós devemos manter nossa presença lá.

—Com todo o respeito, Vossa Majestade. — A voz de Edmund ficou mais alta. —A guerra draconiana terminou anos atrás. Eu sei porque eu estava lá. Lutei ao lado de suas forças de Madranos e ficamos gratos por sua ajuda, mas seu tesouro não pode se dar ao luxo de continuar de olho em nós. Você pode confiar na rainha Persinette. O medo da magia de Gaule quase os destruiu, não cometa o mesmo erro.

—Nós não somos Gaule.

—Não. — Edmund concordou. —Porque não é tarde demais para você. Seu povo está sofrendo porque seu tesouro se esgota e os homens que trabalham nos campos estão fora do exército. Você tem unidades em Bela, Gaule, Andes e Cana.

—Estamos ajudando esses reinos.

Uma nova voz apareceu, que fez seu estômago revirar.

—Talvez você deva ajudar seu próprio reino.

Os olhos de Helena se voltaram para o homem alto falando.

—Ian. — Uma voz mais dura assobiou.

O rei levantou os olhos. —Jovem Tenyson, por favor, me diga o que você realmente pensa.

Ian abriu a boca novamente, mas uma mulher mais velha agarrou seu braço.

—Deixe-me pedir desculpas pelo meu filho, sua Majestade. Esta é sua primeira reunião do conselho de guerra.

O rei levantou uma sobrancelha. —Convidamos você aqui para observar, garoto. Deixe aqueles com mais experiência falarem.

A mandíbula de Ian se apertou, um olhar que Helena já tinha visto antes.

Ele não era mais novo que Stev, mas Stev fora criado para esses deveres e sua voz carregava mais peso. Ele também tinha o bom senso de saber quando não falar.

Por que Ian foi convidado? Sua mãe, Lady Tenyson, não era membro do conselho de guerra, não tendo experiência em batalha. Ela era comerciante. Sim, a comerciante mais poderosa de Madra, mas isso não faria muito bem ao falar de táticas. Mas Ian sempre foi favorecido. Foi por isso que ela teve que sofrer a companhia dele com mais frequência do que ela preferia.

Ele a perseguia abertamente, mas tudo mudou quando ela o envergonhou na frente de seus irmãos, recusando-se a passar um tempo sozinha com ele. Ela admitiria que era severa e não ajudou que seus irmãos começaram a rir. Desde então, ele a tratou com nada além de desprezo.

As mãos deslizaram pela cintura de Helena por trás e ela gritou quando seus pés deixaram o chão.

—Oi, irmã. — Cole riu.

Ela se virou quando ele a colocou no chão e a abraçou. —Cole, você voltou!

Uma cópia idêntica de Cole entrou atrás dele. —Quinn!

Os príncipes bastardos haviam partido há mais de um ano com uma unidade do exército enviada para expulsar uma força mercenária de Madranos em Cana.

Ela soltou Cole e se jogou em Quinn.

Ele a apertou com força. —Senti sua falta, mana.

Ela sentiu falta deles. A ausência de Cole e Quinn havia sido totalmente sentida.

A sala inteira se aquietou e virou-se para eles.

—O que você está fazendo aqui? — Ela perguntou a Quinn.

—Nós não perderíamos seu baile. — Cole sorriu antes de caminhar para apertar a mão de Lady Tenyson e dar um abraço em Ian. Cole estava quase mais perto da família do que da dele.

Quinn foi até o pai e ofereceu a mão.

—Bem-vindos em casa, filhos. — Disse o rei.

Quinn então deu um abraço em Stev e apertou mais algumas mãos.

Helena deu um passo hesitante na sala. Ela chamou a atenção de Stev. Ele franziu a testa e a estudou por um momento antes de balançar a cabeça. Um alívio passou por ela e ela ergueu o queixo. Stev decidiu não contar ao pai da viagem dela à cidade.

Quinn voltou para o lado dela e se inclinou. —O que você fez?

—Não sei do que você está falando. — Respondeu ela.

—Estou aqui há dois segundos e já consigo ver os avisos que Edmund está atirando em direção a Stev. Por sua vez, Stev está olhando para você.

Eu dei a Stev um sorriso agradecido quando me inclinei para mais perto de Quinn. —Ele está me salvando.

O rei finalmente notou a presença dela. —Helena, tenho certeza que você tem coisas melhores para fazer.

Ela suspirou. Quando menina, ela passou inúmeras horas participando de reuniões de guerra, fascinada. À medida que envelhecia, não era considerada adequado. Ela nasceu em segundo lugar, o que significa que sua única preocupação precisa ser o conselho de comerciantes que um dia lideraria.

Quando ela se virou para sair, ela sentiu um par de olhos seguindo-a e seu olhar encontrou o de Ian. Um arrepio percorreu sua espinha porque tudo de repente fez sentido. Por que ele estava lá?

A lei de Madra declarava que uma princesa escolheria seu próprio marido desde que ele fosse descendente de Madra. Essa era a razão do baile - mas seu pai sempre pesava seus dados.

Não seria um grande feito amarrar a família real ao mais alto dos comerciantes? O trono teria um poder que não era visto há muito tempo.

Ela voltou para a residência real e arrancou a máscara do rosto.

Ela não faria isso. Os Tenyson eram vilões, coniventes, desgraçados. Ela viu os olhares lascivos que os dois filhos enviaram para ela.

O pai dela podia fazer acordos tudo o que queria, mas havia uma coisa que ela sabia com certeza.

Ela nunca se casaria com um Tenyson.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Capitulo Quatro


Uma rajada de água gelada atingiu o rosto de Dell, e ele acordou, quase caindo de seu sótão no celeiro. Seus olhos se abriram para encontrar o rosto abatido de sua madrasta pairando sobre ele. Ela jogou o balde de madeira agora vazio atrás dela e colocou as duas mãos nos quadris caros do vestido.

Ele teria rido da presença dela entre as baias sem cheiro e os cheiros dos animais, mas sua voz estridente permeava o ar.

—Sua merda ingrata. Onde você esteve? Ninguém te vê há dias.

Ele pode ter pensado que ela estava preocupada com a ausência dele, se ele não a conhecesse.

Ele não contou a verdade, então decidiu ir com nada.

Ela estreitou os olhos. —Você fará o trabalho. O nosso maior navio, está saindo um dia atrasado para pegar a próxima remessa que atravessa a fronteira para Bela. Ele sai na maré ao meio-dia. Vá para o navio.

O Madranos Trader tem sido o navio premiado de seu pai. Ele balançou sua cabeça. O pai dele estava morto. Nenhum dos navios era mais dele. Eles pertenciam à empresa comercial Tenyson. Uma operação em que ele deveria estar mais envolvido do que limpar decks.

Sua madrasta se virou e pisou no chão coberto de palha antes de abrir a porta de madeira.

Dell gemeu quando se sentou e tirou o cabelo molhado dos olhos. Alguns rapazes do estábulo estavam acordados em suas camas. Quando Dell chegou pela primeira vez à mansão Tenyson e a tempestade levou seu pai, ele não conseguia entender por que o resto de sua suposta família o forçaria a viver com a ajuda. Ao longo dos anos, ele ficou feliz com isso. Era melhor do que sufocar dentro daquela casa.

Ele desceu da beliche e tirou a camisa, encontrando uma seca para substituí-la. A cura de Corban era incrível e eficiente, mas usava a energia do próprio corpo para curar e ele sentiu isso por dias na tensão de seus músculos.

Ele esfregou os olhos e achatou os cabelos. Hora de outro dia de trabalho para pessoas que poderiam destruí-lo se ele recusasse. Ele não tinha outras opções. Sem dinheiro. Nenhuma família além dos Tenysons.

Nada.

Ele fez as pazes com esta vida há muito tempo. Sua única outra opção era se juntar a uma das tropas mercenárias e ele não estava preparado para isso.

O sol ainda estava para aparecer quando ele deixou o celeiro para trás. Alguns donos de lojas estavam se preparando para o dia. O cheiro de pão fresco pairava no ar. Dell olhou por cima do ombro para se certificar de que sua madrasta não o seguira antes de se esconder na padaria.

Agathe, a proprietária da padaria, estava no balcão, formando pães não cozidos. —Dell. — Ela sorriu. —Faz alguns dias, querido.

—Bom dia. — Ele avançou e beijou a bochecha da velha. Seu cabelo estava puxado para trás do rosto em um coque limpo, revelando olhos inteligentes. Ele se encostou no balcão. —Eu estava com Mari e Corban.

—Uh oh. — Ela sorriu. Ela sempre gostou muito de suas travessuras. —Com quem você lutou desta vez?

—Orlo.

Ela engasgou com a respiração. —Precisamos trabalhar nesse seu cérebro, garoto. — Ela riu. —Ou talvez seja o ego que precisa trabalhar.

Ele encolheu os ombros e pegou um bolo da lixeira. Ela deu um tapa na mão dele.

Ele enfiou a mão no bolso e pegou uma das poucas moedas de prata que restara.

—Eu quero saber como você conseguiu isso? — Agathe perguntou.

—Provavelmente não.

Ela levantou a mão coberta de farinha e deu um tapinha na bochecha dele. —Eu não estou pegando seu dinheiro, garoto. Volte hoje à noite. Você pode jantar comigo e compartilhar mais daqueles sorrisos alegres. — Ela limpou as mãos no avental. —Eu juro, você me mantém jovem.

Ele beijou sua bochecha novamente. —Você conseguiu um encontro.

Ele enfiou o resto da massa na boca enquanto voltava para a rua.

A cidade se espalhava diante dele enquanto o sol espiava sobre as lojas de madeira de dois andares. Telhados planos de terracota atravessavam o horizonte.

Os cascos de um cavalo ecoavam na estrada de pedra. Dell amava Madra. Desde que chegaram na cidade, eles o receberam de braços abertos. Os lojistas estavam de olho no garoto selvagem que nunca parecia ter o suficiente para comer.

Eles deram a ele roupas velhas de seus filhos.

Ele era um deles.

Só que ele não era.

Porque Dell era filho de um comerciante. Os navios de sua família traziam os produtos vendidos em suas lojas e eles usavam seu poder para controlar suas vidas diárias. Os meninos Tenyson intimidaram as crianças comuns durante a adolescência e continuaram seu controle até a idade adulta.

O que pessoas como Agathe pensariam se soubessem que Dell também carregava o nome Tenyson?

Ele sorriu para o sujeito corpulento que abriu o açougue, tentando esconder a confusão que rodava em sua mente. Ele queria pertencer a eles.

Uma brisa soprava pelas ruas, carregando o odor que contava a proximidade do mar. Eles chamavam Madra de reino dos portões. Mercadorias passavam entre Bela e Gaule e os Reinos ao norte. As docas eram o seu ponto de entrada e um ponto impressionante nisso.

Fora da cidade, era possível encontrar pontos para contemplar o mar, mas as próprias docas ficavam na parte mais larga do rio.

O cais de madeira comprido estendia-se tanto quanto ele podia ver à esquerda e à direita. Alguns estavam vazios, mas a maioria abrigava embarcações mercantes, suas velas balançando ao vento como a batida de um tambor familiar. Alguns navios de guerra estavam lá, mas a maioria havia transportado suas tropas para as várias frentes ordenadas pelo rei.

Os marinheiros deram os cumprimentos à Dell. Aos olhos deles, ele não era diferente deles. Eles trabalhavam seus dedos até os ossos todos os dias, sem chance de descanso.

Os pés de Dell o levaram a uma fileira de navios pertencentes à família Tenyson. Grant, o capitão mais favorecido de sua madrasta, o avistou e pulou seu corpo grosso do cordame, aterrissando no convés com um baque decisivo.

—Você está atrasado. — Ele fez uma careta.

Dell não estava atrasado, mas Grant sempre dizia isso.

Grant caminhou em direção ao trilho, onde um esfregão estava ao lado de um balde de água marrom lamacenta. —Galley precisa de limpeza. — Ele se afastou.

Esticando o pescoço de um lado para o outro, Dell pegou o balde. Ele passou os dedos ao redor do esfregão e chutou a porta antes de descer na escuridão.

Dell trabalhou incansavelmente até escurecer - Grant não permitia quebras - e quando ele finalmente decidiu que estava na hora de sair, Dell encontrou seus irmãos esperando por ele ao lado do navio.

Colocando as mãos no parapeito, ele pulou, tropeçando de exaustão ao aterrissar.

Ian soltou uma risada baixa e deu um passo à frente. Reed ficou para trás. Era como sempre era com eles. Ian liderava e Reed o seguia.

—Onde você esteve? — Ian perguntou.

Dell passou a mão pelo cabelo molhado de suor. —Bem aqui.

Ian o empurrou de volta. —Antes de hoje. Você estava desaparecido.

—Aw. — Dell se inclinou para perto, um sorriso plantado em seus lábios. —Eu toquei em você, para você se importar.

Ele viu o soco chegando mesmo antes de Ian avançar, então ele se afastou. Ian se lançou de novo, mas Dell foi rápido. Todo o tempo que ele passou no boxe valeu a pena. Ele mexeu os pés e na próxima vez que o braço de Ian disparou, ele agarrou o pulso e o torceu antes de dar um golpe na bochecha de seu irmão.

—Reed. — Ian rosnou.

Como um cachorro que responde ao seu dono, Reed avançou. Dell olhou entre eles. Cada um era maior que ele e com suas habilidades de luta ele poderia derrubar um. Mas o que então? O que sua madrasta faria?

Então, ele fez a única coisa em que pôde pensar.

Dell correu, suas pernas exaustas tropeçando nos primeiros passos.

Ele não estava orgulhoso disso, mas não tinha escolha. Se eles tivessem sido mais alguém, ele os enfrentaria e lutaria até não poder mais. Mas seus irmãos eram intocáveis.

Ele chegou ao fim do cais e ouviu os passos deles trovejando atrás dele, pontuados pelas ameaças gritadas de Ian. Ele virou para a rua e entrou em um beco, pulando sobre algo que ele mal viu sem diminuir a velocidade.

Ele correu para a rua seguinte e estava na metade do caminho quando alguém gritou com ele bruscamente.

—Dell!

Os pés de Dell derraparam e ele se virou para encontrar Edmund em pé com Agathe na frente de sua padaria.

Edmund entrou na rua assim que Ian e Reed apareceram. Eles pararam a alguns metros de distância, com os olhos fervendo. Eles não ousariam tocar em Dell com o Embaixador Belaeno presente.

Dell se inclinou, ofegando enquanto o dia de trabalho o alcançava.

Como Edmund estava sempre tão calmo?

Edmund endireitou os ombros para encarar os irmãos de Dell.

Agathe se aproximou ao lado de Dell. —Está tudo bem querido.

A mente da Dell girou rapidamente. —Você sabe quem eu sou? Todo mundo? — Ele olhou para a fileira de lojas desertas.

—Só eu. — Ela assegurou. —E apenas nos últimos meses.

A voz de Edmund não era de discutir. —Você é um Tenyson...— Ele balançou a cabeça. —Só estou em Madra há um ano, mas até eu sei como a ponta da espiral deve se comportar. Maltratar seu irmão está abaixo do seu posto.

—Ele não é nosso irmão. — Ian rosnou. —Apenas um servo.

Uma rajada de ar chicoteou ao redor deles, prendendo-os enquanto rodopiava. A voz de Edmund parecia suportar o próprio vento.

—Vocês deixarão Dell cumprindo seus deveres em paz. A próxima pessoa a colocar a mão nele responderá a mim.

O vento caiu e o silêncio desceu sobre eles até que pudessem ouvir novamente. —Vocês entenderam? — A voz de Edmund baixou novamente.

Ian e Reed não responderam. Em vez disso, eles se viraram e foram embora o mais rápido que puderam, sem parecer que estavam correndo.

Dell sorriu para Edmund e começou a bater palmas lentamente. —Bravo, amigo. Você acabou de fazer os filhos do comerciante mais poderoso de Madra se cagarem.

Agathe balançou a cabeça. —Você é vulgar, Dell. — Ela olhou para Edmund. —Se você estiver bem, ainda tenho que trancar a noite.

Edmund assentiu. —Eu preciso falar com Dell.

—Vamos reagendar nosso jantar, Dell. — Agathe saiu e Dell olhou para o chão, chutando uma pedra com o dedo do pé. Ele estava perdendo a conta de quantas vezes Edmund apareceu para ajudá-lo, mas sua gratidão se perdeu no desejo de chegar em casa e desabar em seu sótão.

Edmund ficou parado por um momento, olhando para o outro lado da rua. Uma meia-lua pairava no céu, dando-lhes a pouca luz que tinha.

Dell finalmente levantou os olhos. —Você precisa me dar uma coisa, senhor. Por quê você está aqui?

Edmund não precisava perguntar o que ele queria dizer. A questão não era por que ele estava em Madra, mas por que ele continuava a ajudar Dell.

Edmund o estudou. —Eu tive um tempo difícil por muitos anos. — Ele caminhou em direção a uma das lojas e sentou-se no chão para se encostar na parede. Dell o seguiu, abaixando-se no chão com um suspiro aliviado.

—Meu pai era - é - um filho da puta. — Continuou ele.

—Nós temos isso em comum. Minha madrasta... — Dell apoiou os braços nos joelhos.

—Sim, mas aposto que sua madrasta nunca quis que você morresse.

Dell voltou os olhos para os de Edmund. —Ela pode desejar, mas nunca faria isso. Por mais vil que essa mulher seja, ela amava meu pai.

—Foi a mágica. Durante muito tempo, o povo de Gaule odiava aqueles de nós com ele. Isso me fez um garoto zangado. Eu tive que esconder essa parte enorme de mim. Mas isso não foi o pior. Eu não tinha família. Eu estava sozinho.

Dell observou-o com muita atenção. —O que mudou?

—Fidelidade. Eu conheci o príncipe de Gaule. Ele não pediu minha lealdade, apenas minha amizade, mas essa lealdade me salvou. Minha vida tinha um propósito. Eu protegeria o futuro reinado de Alexandre Durand.

—Eu pensei que ele era o rei de Bela? — Dell perguntou.

Edmund riu. —É uma longa história. Mas sim, ele governa ao lado da rainha Persinette e ela agora tem minha lealdade tanto quanto Alex.

—Isso é interessante e tudo, mas não vejo o que isso tem a ver comigo.

—Dell. — Edmund procurou os olhos de Dell e, quando ele pareceu encontrar o que procurava, falou novamente. —Me dê sua lealdade.

Dell assustou-se. —Edmund, eu aprecio tudo o que você fez por mim, mas... não é traição? Me comprometer com alguém que não seja de sangue madrano?

—Sim. Você violará leis. Você pode acabar morto. Mas, Dell, você também pode finalmente encontrar algo que valha a pena lutar.

Flashes das brigas de rua da Dell passaram por sua mente em rápida sucessão. Mulheres. Dívidas. Às vezes não havia razão alguma.

Como seria lutar por algo real?

O que ele realmente sabia sobre Edmund? Não muito. Tudo dentro dele gritava que Edmund era alguém em quem confiar. Dell queria desesperadamente uma pessoa, qualquer pessoa em quem confiar.

Mas algo não parecia certo.

—O que está acontecendo, Edmund? Você está me pedindo para confiar em você, então você precisa confiar em mim também. Por que você precisa de mim? Você trabalha para a família real. Eles têm pessoas à sua disposição. Ou você pode pedir que Bela seja leal a bordo.

Edmund encostou a cabeça na parede. —Você está certo. — Ele fez uma pausa. —Mas preciso de alguém que conheça as ruas de Madra. Vai haver um golpe. Eles derrubarão o rei.

 

 

 

Capitulo Cinco


A mãe de Helena não era de sangue madrano. Como herdeira do trono, seu pai teve que se casar com uma mulher estrangeira de alta importância. Cana não tinha princesas ou reis. Os clãs não eram unificados em seu reino.

A rainha Chloe era filha de um poderoso senhor da guerra de Cana, que mantinha outros clãs sob controle por muitos anos.

Mas isso não era tudo o que ela era. Eles haviam treinado Chloe Rhodipus para ser uma assassina. Era o caminho de Cana. Todos os rapazes e damas de alto escalão possuíam habilidades na arte. Cana era um ninho de cobras. Nenhum dos clãs confiava em nenhum outro. Ser líder de clã era uma posição perigosa.

Helena sacudiu uma adaga na mão, olhando seu alvo. A maioria em Madra - incluindo o próprio rei - não conhecia os talentos da rainha. Mas ela seguiu as tradições de seu reino e criou sua filha para saber o que era lutar.

Um poste de madeira rachado ficava a quarenta passos de Helena no espaço vazio. Ela praticava em um pátio de treinamento pouco usado, escondido do campo de treinamento principal por uma partição alta. Os guardas de sua mãe estavam na porta, garantindo que intrusos indesejados não encontrassem a princesa lá.

Helena dobrou os joelhos e inclinou o ombro para baixo antes de levantar o braço e sacudir o pulso para enviar a adaga de ponta a ponta. Ela colidiu com a madeira, um baque suave atingindo seus ouvidos. O canto da boca ficou vermelho. Nem seus irmãos sabiam dos talentos que ela praticava há anos.

Ela pensou em procurar sua mãe para mostrar as melhorias que havia feito nas técnicas que estava aprendendo, mas hoje não era o dia para isso. Uma princesa estrangeira logo chegaria às suas margens. A rainha iria encontrá-la em breve.

Helena suspirou enquanto caminhava para frente e se inclinava para recuperar a adaga.

Um dos guardas se aproximou e ela entregou a arma a ele.

—Obrigada, Kolettis.

Ele baixou a cabeça. —Você está melhorando, princesa.

O orgulho floresceu dentro dela com o reconhecimento. Seus irmãos sempre provavam seu valor, mas como princesa oculta, ela tinha poucas chances de ser outra coisa senão um mistério para a maioria das pessoas.

—Minha mãe é uma boa professora. — Respondeu ela. —Eu vou encontrar meus irmãos. Você pode voltar para minha mãe.

—Como quiser.

Ela resistiu ao desejo de suspirar novamente. A formalidade sempre a irritava. Era como se as pessoas do palácio a temessem. Na verdade, eles simplesmente não a conheciam. Não como eles conheciam seus irmãos.

Ela passou por baixo dos estreitos arcos de pedra que levavam ao pátio principal de treinamento, e o choque de espadas a fez parar.

Helena observou os gêmeos fascinada. Eles se moviam paralelos um ao outro, perfeitamente sincronizados enquanto lutavam. Quando Quinn apontava para a direita, Cole sabia que estava chegando. Quando Cole torceu e tentou tirar a perna de Quinn, seu irmão gêmeo viu antes que acontecesse.

Ela sempre teve ciúmes do vínculo deles. Os príncipes bastardos não cresceram com o privilégio que ela desfrutava junto com Stev e Kass. Eles desfrutaram de mais liberdade.

Os gêmeos foram criados em uma taberna até os dez anos de idade e sua mãe morreu. Foi só então que o rei admitiu o conhecimento de sua existência. Não era incomum em Madra o rei gerar muitos filhos. De fato, era esperado. Era assim que uma família real cimentava seu poder - espalhando-o entre diferentes partes do reino. A monarquia. O conselho de comerciantes. O sacerdócio. O exército. Reconhecer Quinn e Cole como realeza expandiu o controle de Rhodipus. Deixou apenas uma facção sem a realeza - o sacerdócio. Mas Kassander um dia ocuparia esse papel.

Mesmo depois de serem levados para o palácio, Quinn e Cole se uniram contra o mundo. Mas nunca contra Helena.

Kass bateu no cotovelo de Helena. —Vou lutar como eles algum dia?

Ela sorriu, suas bochechas pressionando contra a máscara macia. Muitos dias, ela ficou escondida na residência da família para evitar usar a coisa. Ela olhou para o céu, desejando sentir o sol aquecer seu rosto.

—Você deve ser padre, Kass. Você lutará com suas palavras. — Ela bagunçou o cabelo dele.

—E você, Len? Com o que você lutará?

A pergunta era aquela que ela se perguntava muitas vezes. Como chefe do conselho, ela não tinha certeza do que estaria lutando. Quando ela via seu futuro, ela queria ser qualquer uma, menos a princesa de Madra.

—Eu vou... acho que vou usar meu intelecto para lutar. — Não as adagas dela, como ela preferia.

Kassander zombou. —Parece chato.

Ela riu, o som alto o suficiente para alcançar os gêmeos que pararam de lutar para se virar para ela. —Sim. Não é?

Kassander deu de ombros.

Cole correu na direção deles, seu peito nu brilhando de suor. —Não sabia que tínhamos uma audiência.

—Não tive muita chance de falar com você ontem. — Helena deu um sorriso ao irmão.

Quinn se aproximou de Cole. Cada centímetro deles era idêntico, mas ela conseguiu diferenciá-los do primeiro dia em que chegaram onze anos antes. Cole tinha uma alegria contagiante, um zelo incrível pela vida. Mas ele nunca se abriu para a família. O ódio entre ele e Stev às vezes era demais para suportar, e ocasionalmente ela o pegava olhando para o pai com a mesma antipatia. Mas ele a amava e Kassander.

Quinn se tornou uma parte deles. Ninguém era tão próximo dele como Cole, mas ele ainda tinha laços fortes com todos os outros. Ele tinha uma confiança calma sobre ele que era inconfundível.

—Hey Kassander. — Cole sorriu. —Pegue a espada de Quinn.

Kassander olhou para ela como se pedisse permissão. Ela assentiu e ele seguiu Cole pelo pátio de treinamento.

Quinn cruzou os braços sobre o peito e viu Cole deixar Kassander persegui-lo com a espada antes de se virar contra ele para lhe ensinar alguns movimentos.

—Senti falta de vocês dois. — Disse Helena.

—Eu ouvi o que você tem feito. — Ao contrário de Stev, não havia decepção na voz de Quinn, apenas curiosidade.

—Edmund ou Stev? — Ela perguntou em resignação.

—Nosso irmão está apenas preocupado. Ele deveria estar?

—Estou sendo cuidadosa. Quinn, há muito para ver. A cidade. As pessoas.

—Se você está impressionada com Madra, deveria ver Cana. — Era por isso que ela amava Quinn. Ele não a julgaria por seus enganos ou estresse por ela. Ele poderia seguir em frente. —Mãe Chloe estava certa. É um país bonito. Perigoso também.

—Você vai voltar?

Ele balançou sua cabeça. — Depois do seu baile, estou sendo enviado para Gaule com minhas tropas. Somos a ajuda prometida no acordo de noivado entre Stev e a princesa Camille.

—Você a conheceu? — Todos eles foram informados de Camille Durand, a princesa viúva de Gaule. Seu marido pegou uma doença mais de um ano antes e morreu em sua cama.

—Ouvi histórias, mas a maioria das pessoas só fala do irmão e da rainha dele.

—O rei de Bela? — Ela estremeceu. —A rainha Persinette é realmente tão poderosa quanto as histórias? A magia dela...

—Eles dizem que a maioria se foi.

Decepção a penetrou. Pensar em uma rainha todo-poderosa a levou a muitas fantasias.

Quinn olhou para Cole novamente. —Ele deve ficar. — Ele colocou a mão no ombro dela. —Depois de se comprometer, você ganhará seus próprios guardas. Cole irá escolhê-los.

Ela assentiu, agradecida por isso. Depois que ela pudesse entrar na cidade como princesa, em vez de disfarçada de menino, os guardas a acompanhariam e, se seu irmão os escolhesse, ela sabia que estaria a salvo.

Cole e Kassander largaram as espadas e lutaram no chão, seus risos pontuados por grunhidos.

Passos ecoaram pelo corredor que levava ao pátio de treinamento segundos antes da rainha aparecer. A mãe de Helena sorriu quando viu seus filhos. Toda a dureza do pai foi combatida com amor pela mãe.

Seu longo vestido roxo varria o chão, dando-lhe a aparência de que estava flutuando. Ela parecia a rainha real, mas Helena sabia onde cada adaga stava escondida entre as dobras de seu vestido.

—Quinn. — A rainha parou na frente dele e tocou sua bochecha. —É bom ter você em casa.

Os gêmeos poderiam não ser dela, mas a rainha tentava ser mãe deles.

—Estou feliz por estar aqui. — Quinn sorriu de volta para ela.

Cole se levantou e levantou Kassander sobre os ombros. O garoto gritou quando eles trotaram em direção à rainha.

—Mãe. — Kassander riu quando Cole o deslizou para baixo.

—Parece que alguém está se divertindo. — Ela virou os olhos para Cole, a mesma tristeza neles que em todas as outras vezes que ela olhava para ele.

—Sua Majestade. — A alegria de Cole vazou dele.

Ele nunca aceitou Chloe Rhodipus como mãe. Helena se perguntou se era por lealdade a sua mãe morta há muito tempo ou algo mais.

Quinn colocou a mão no ombro de Cole. —Venha irmão. Deveríamos ir ver o pai sobre nossos deveres, preparando-se para o baile. — Ele deu à rainha um sorriso de desculpas e levou o irmão gêmeo para longe.

Os ombros da rainha só caíram por um momento antes que ela colasse um sorriso alegre e se voltasse para os outros dois filhos.

—Venha. Vocês dois devem se preparar. Vamos receber um navio de Gaule.

Helena congelou. —Eu tenho que ir? — Eles nunca a permitiram entrar na cidade, mesmo usando suas máscaras. Ela desejava ver os navios que alimentavam a economia do reino, mas ainda não havia chegado tão longe em seu disfarce.

Sua mãe colocou a mão nas costas para levá-la adiante. —As pessoas devem vê-la antes do baile e esta é a chance perfeita.

—Quem está vindo nesse navio?

Ela sorriu maliciosamente. —Seu irmão está noivo.

Helena quase engasgou. Como poderia a princesa de Gaule chegar e o palácio não estar cheio? Onde estavam os preparativos? Festas?

Como se estivesse lendo sua mente, a rainha explicou. —A princesa fez algumas exigências para nós. Sem espetáculos públicos. Podemos cumprimentá-la no navio, mas depois devemos levá-la à privacidade do palácio. Ela está aqui apenas por um curto período de tempo e não queremos que as notícias sejam divulgadas. Ela fez a travessia porque exigiu conhecer seu irmão antes de concordar em se casar com ele.

—Ela vai ficar até o baile?

—Sim querida. Esse é o plano. Estamos anunciando o noivado no seu baile.

Eles seguiram a mãe de volta ao palácio onde Sophia estava esperando com um tipo especial de tortura para Helena. Um vestido com espartilho.

Helena suspirou quando a criada a levou para o quarto e a ajudou a se vestir. Quando Sophia apertou os laços do espartilho, Helena lembrou a si mesma que se isso significava se aventurar na cidade, ela usaria qualquer coisa.

Esse pensamento se interrompeu quando ela amarrou a máscara no rosto. Isso não seria como antes. Esta viagem não era sobre liberdade. Era o contrário. Ela estava mostrando às pessoas que sua família real aderia às leis antigas.

Uma carruagem esperava no pé da escada do palácio. Sua mãe e Kassander já estavam sentados lá dentro. Ela passou a mão sobre o casaco branco e macio de um dos cavalos antes de entrar e fechar a porta. Um grupo de guardas a cavalo se formou ao redor deles e eles trovejaram através dos portões e na estrada que levava às docas.

Os guardas limparam a rua na frente deles para que a carruagem pudesse passar facilmente entre os prédios que estavam lotados. Uma multidão se formou para vê-los passar.

—Gostaria de poder embarcar em um navio. — Disse Kassander.

A rainha sorriu para o filho. —Talvez um dia iremos ver as colinas de Bela.

Helena ficou quieta enquanto olhava pela janela. Todos eles sabiam que nunca poderiam se aventurar fora de Madra. Talvez Kassander o faria como membro do clero. Mas o rei sempre disse que o mundo não era um lugar seguro. A rainha e a princesa ficariam dentro das fronteiras de Madra.

—Mãe — Helena começou. —Por que me foi permitido vir hoje?

Tristeza cintilou no rosto da rainha. —Estamos acolhendo uma princesa estrangeira. Você a ajudará a se adaptar a Madra. — Ela fez uma pausa, mas Helena percebeu que não havia terminado. —Eu sei que a máscara não foi fácil para você e gostaria de poder tirar todo o sofrimento que ela causou. Mas devemos obedecer ao seu pai e ele deve seguir a tradição.

O canto da boca dela se curvou. —Mas eu não vou contar a ele sobre suas viagens à cidade.

A mandíbula de Helena se abriu. —Como... — Os olhos dela encontraram Kassander e ela riu. —Claro.

O rosto da mãe ficou sério. —Mas Len, você não deve ir novamente. É perigoso desobedecer ao sacerdócio. Não me preocupo com você sem seus guardas, porque você pode cuidar de si mesma. Preocupo-me com o que acontecerá se outras pessoas descobrirem que você revelou seu rosto.

—Ninguém sabe que sou eu.

—E se eles descobrissem? Me prometa que terminou e eu vou guardar para mim.

Helena suspirou, tocando a faca que guardava no bolso escondido do vestido. —Bom.

A carruagem parou e Helena esperou que alguém abrisse a porta. Assim que se abriu, ela respirou fundo.

As docas.

Navios de todos os tamanhos balançavam na água. Velas coloridas ondulavam quando a brisa forte as pegava. Marinheiros escalavam cordas, esfregavam o convés e gritavam um para o outro.

Uma mão apareceu para ajudá-la, e ela a pegou, ficando cara a cara com Edmund.

—Princesa. — Ele sorriu. —Que dia adorável para uma excursão.

—Embaixador. — A rainha pegou sua mão em seguida. —Espero que você não esperou muito tempo?

— Não, Majestade. — Ele voltou para a carruagem e levantou Kassander. —O navio acabou de chegar.

—Não vamos perder tempo agora. Eu gostaria de conhecer essa princesa encantadora que será uma nova filha.

Edmund mordeu o lábio para conter uma risada. Enquanto a rainha e seus guardas atravessavam as tábuas de madeira das docas, Helena agarrou o braço de Edmund. —O que é tão engraçado?

—Eu nunca ouvi alguém chamar Camille de encantadora antes.

—Ela é tão ruim assim?

—Ela costumava ser.

Eles pararam abruptamente perto de um longo píer de madeira que se projetava em direção a um navio que subia com o tempo das ondas. O navio colidiu com o colega e um estalo alto rasgou o ar. Helena deu um pulo.

Edmund olhou para ela com o canto dos olhos, um sorriso divertido no rosto.

As multidões atrás deles zumbiam com energia, mas nenhuma era permitida perto da realeza ou desta nova e misteriosa visitante. Três padres estavam na parte de trás da multidão assistindo. Sempre assistindo.

Os guardas se afastaram para deixar dois trabalhadores das docas correrem em direção ao navio enquanto alguém jogava cordas pelos lados com gritos de saudação.

Cabelo loiro brilhava ao sol quando um dos homens se levantou nas cordas, e Helena o reconheceu instantaneamente.

Dell.

Ele se movia com confiança em tudo o que fazia. Era fascinante. Por que ela estava tão interessada nele?

Dell sacudiu o cabelo do rosto bronzeado e deu um sorriso para o outro homem com ele. O segundo homem estreitou os olhos e gritou duramente. —Mexa-se.

Enquanto ele dirigia o comprimento do navio, os músculos magros da Dell se flexionavam. Sob sua máscara, Helena tinha certeza de que suas bochechas estavam em chamas.

Ela viu aqueles músculos. Todos eles.

Então, ele era um marinheiro? Esse garoto que lutava no meio da rua? Quem tomava banho no rio? Ele era um enigma, e ela não queria nada além de descobri-lo.

Helena nunca tinha tido um amigo antes - não que Dell pudesse contar assim. Mas ele se arriscou tentando salvá-la de Stev. Ele não sabia que não havia necessidade de defendê-la.

Claro, ela esteve cercada por seus irmãos a vida toda. E ela os amava. Mas havia uma diferença distinta entre os que sempre tentavam mantê-la segura e os que lhe davam um motivo para correr riscos.

Qual era Dell?

Ele ergueu uma longa prancha de madeira e a usou para conectar o navio à doca para que aqueles a bordo atravessassem. Uma vez que estava estável, ele olhou por cima do ombro como se estivesse vendo a rainha, príncipe e princesa pela primeira vez.

Dizendo algo para o outro homem que o fez fazer uma careta, Dell seguiu o caminho deles.

Helena prendeu a respiração, lembrando a si mesma que não havia como ele a reconhecer em um vestido e uma máscara de espartilho.

—Sua Majestade. — Ele se curvou para a rainha.

A mãe de Helena sacudiu a surpresa com a aproximação dele. Nenhum dos outros marinheiros ousou acompanhá-lo.

—Olá, jovem. — A rainha fez um gesto para ele se endireitar. —Obrigada por sua ajuda hoje.

Dell encolheu os ombros. —É o meu trabalho.

Algumas pessoas próximas ofegaram com suas palavras e sua informalidade. Era por isso que a família real raramente se associava às pessoas comuns. Era o que Stev teria dito. Os plebeus não entendiam como se comportar com graça.

Mas Helena não era Stev. Uma risada escapou de seus lábios e ela deu um tapa na boca, chocada consigo mesma.

Dell exibiu suas covinhas antes de esticar os cabelos de Kassander, girando nos calcanhares sem ser dispensado e voltando para o lado do navio.

Edmund colocou a mão no rosto. —Aquele garoto...

A mãe de Helena abriu a boca para dizer algo e depois fechou novamente. Ela balançou a cabeça. —Eu não sei, embaixador. Eu gostei bastante dele.

—Eu também, mãe. — Helena se recusou a encontrar os olhos de Edmund, mas ela podia senti-lo olhando para ela.

Finalmente, um alarme soou. Um momento depois, guardas nos uniformes verdes de Gaule marcharam do navio.

A seguir veio a criada. Havia apenas uma delas, o que chocou Helena. Quando Stev viajava, ele levava uma série de servos com ele como se não pudesse limpar sua própria bunda sem assistência.

Assim que a princesa Camille apareceu, Helena sabia que era ela. Ela se portava como alguém que nasceu em uma posição importante.

Cabelo escuro enrolado em torno de um rosto em forma de coração. Olhos afiados examinaram a festa que esperava. Seu corpo esbelto estava quase escondido entre seus guardas muito maiores. Ela era mais jovem do que Helena esperava. Essa era a princesa viúva?

Os guardas se separaram e Kassander ficou ao lado de Helena. A própria Helena foi mais rápida em esconder qualquer reação. Camille mancou para frente, arrastando um pé. Ela apoiava o peso em uma bengala de quatro pontas antes de avançar. Ela batia contra a madeira embaixo.

—Mãe. — Helena sussurrou. —Você sabia?

—Nós sabemos tudo, Helena.

Edmund correu para a frente e empurrou os guardas para ajudar Camille. Ela não sorriu quando o viu, mas Helena teria jurado que seus ombros estavam caídos de alívio. Ele a abraçou por um momento antes de soltá-la e estender um braço para ela pegar.

Eles seguiram lentamente. Camille mergulhou em uma reverência e Helena não conseguiu tirar os olhos da bengala.

Mas a rainha era melhor em esconder suas curiosidades do que a filha. —Princesa, estamos honrados em tê-la conosco.

—Gaule está homenageada por esta aliança.

Nada sobre si mesma, apenas seu reino.

Kassander se recuperou de seu choque inicial. Ele se curvou para Camille. —Minha dama.

Diversão brilhou nos olhos de Edmund, mas tornou-se preocupante quando ele viu a expressão vazia de Camille.

—Podemos sair agora? — Ela perguntou.

—Sim, querida. — A rainha sinalizou para um dos guardas.

Edmund entrou na carruagem com eles de volta ao palácio, não querendo deixar Camille fora de vista quando eles deixaram a cidade do lado de fora dos portões.

 

 

 

 

 

 

 

Capitulo Seis


Helena sonhava em ter uma irmã. Como seria? Ela seria mais amiga do que protetora?

Mas ela viveu sua vida cercada por meninos que a excluíram. Eles acabaram se transformando em homens que a protegiam às custas dela, mesmo tendo uma chance de uma vida além do palácio.

Nenhum de seus irmãos havia se casado ainda. Eles eram todos maiores de idade, exceto Kassander, mas em Madra, os casamentos reais tinham que ocorrer na ordem da linha de sucessão.

Eles procuraram alguém digno de Stev. O herdeiro do trono tinha o dever de fazer uma forte aliança com seu casamento.

O que o rei temia mais do que tudo? Os reinos cheios de magia. Isso fez de Gaule um aliado natural. Até uma princesa viúva com o pé torcido faria isso se Madra tivesse um ponto de apoio mais forte no mar e um aliado que temia tanto a magia quanto eles.

Helena olhou para Camille do outro lado da sala de estar. A princesa de Gaule tomou um gole de chá, agindo como se ninguém mais estivesse na sala. Stev estava sentado perto, os punhos cerrando em agitação.

Camille estava lá há dois dias e mal falava com ninguém além de Edmund ou seus próprios guardas.

Stev levantou-se abruptamente e saiu da sala. Camille soltou um suspiro audível.

Helena não aguentou mais. —Eu não sei nada sobre você.

Camille levantou os olhos. —O que?

—Temos histórias aqui em Madra sobre Gaule e Bela. Rainha Persinette, rei Alexandre, rainha Catrine, príncipe Tyson, mas você não. Nunca ouvi falar da princesa Camille.

Ela passou as mãos pelos cabelos antes de torcer sobre um ombro. —Eu...— Ela parou.

—Eu não quis dizer que você tem que me dizer. — Helena cruzou os braços. —Eu realmente não me importo. Tudo o que estou dizendo é que você senta aqui em nossa casa e age como se Madra estivesse tão completamente abaixo de você, e mesmo assim você nem é mencionada pelos menestréis quando eles falam de Bela e Gaule vencendo a guerra contra Dracon. Quão importante você realmente pode ser?

Lágrimas se formaram nos olhos de Camille e Helena instantaneamente se arrependeu de suas palavras impetuosas.

—Sinto muito. — Camille sussurrou. —Eu simplesmente não sei como...— Ela enxugou os olhos. —Não sei como fazer isso de novo.

—Fazer o que?

—Casar com um homem que eu não conheço. Meu reino precisa dessa aliança. O desejo de minha mãe é criar um mundo em que cada reino esteja ligado aos outros para evitar o tipo de guerra que aconteceu antes. Eu sou a gravata dela para Madra.

—Você é a ferramenta do reino.

Camille assentiu. —Novamente. É a segunda vez que tenho que me casar para o bem do reino.

Helena se levantou e atravessou a sala antes de cair no sofá ao lado de Camille. —Eu sei como você se sente. Eu escolho meu marido desde que ele seja Madrano... essa é a lei oficial... mas meu pai será o verdadeiro tomador de decisão no baile.

—Também ouvimos histórias em Gaule. — Os olhos de Camille examinaram a máscara que cobria o rosto de Helena. —Da princesa oculta. Você deve sempre proteger seu rosto? Esse é um fardo terrível.

Ela não tinha ideia, Helena pensou. Ela fechou os olhos e respirou fundo. —Não é um fardo, um dever.

Antes que Helena pudesse pronunciar outra palavra, Edmund apareceu na porta. —Princesas.

—Edmund. — Helena ergueu uma sobrancelha diante de sua hesitação.

—Stev me pediu para levar Camille para a cidade. Ele gostaria que ela visse mais Madra do que este palácio.

Mais do que alguém jamais desejou para ela, Helena pensou. Os olhos de Edmund a encontraram. Como ele sempre podia ler seus malditos pensamentos?

—Apenas vá. — Ela retrucou.

Quando eles se foram, ela levantou os pés e desamarrou os laços de sua máscara. Ela caiu no chão como se tivesse todo o peso do mundo.

Talvez não o mundo, mas todo o peso que ela carregava repousava nas curvas daquele tecido.


Capitulo Sete


—Seja leal a mim, Dell. — Dell resmungou enquanto enfiava a pá em outra pilha de porcaria de cavalo. —Vou te dar uma coisa pela qual lutar. — Ele jogou o esterco no balde e foi buscar outro. —Carga de besteiras.

O cavalo na baia vizinha chutou a parede que os separava e Dell balançou a cabeça. —Relaxe, Ian. — Ele chamou o cavalo de seu irmão mais velho. Talvez tenha sido o rosto longo e feio ou a disposição arrogante que o lembrava de seu irmão.

Cada membro de sua família tinha um xará no celeiro. Reed era o porco na baia final que não conseguia prosperar por conta própria.

E madrasta da Dell? Bem, ela era a única vaca que eles possuíam.

Esses não eram seus nomes reais, é claro, mas isso dava a Dell um pequeno prazer.

Ele encostou a pá na parede, sua mente voltando a Edmund. Ele disse que o rei seria derrubado e depois foi embora.

Dell não tinha certeza de que lado ele estava.

Porque a única coisa de que ele tinha certeza era que Edmund tinha sua lealdade antes mesmo de pedir. Ele nem era madrano, mas procurava por Dell.

Dell tinha poucas pessoas que se importavam se ele sobrevivesse todas as noites. Ele tinha que se agarrar aos que estavam lá.

Mas que caralho? Edmund não podia apenas dizer que Madra mudaria para sempre e não lhe daria nenhum detalhe.

Dell queria que o rei fosse derrubado? Ele sabia o que a maioria das pessoas comuns pensava. As guerras do rei Rhodipus drenaram o reino de tudo. Mão-de-obra... comida. A maioria tinha membros da família com o exército ou os mercenários. Às vezes, era a única maneira de manter uma família alimentada.

A menos que você fosse o filho bastardo de um comerciante morto que deixou sua família com riqueza e poder. Então, a maneira de se alimentar era limpar os conveses e cocô.

Dell limpou o rosto suado na túnica enquanto observava Ian continuar a chutar a porta da baia.

—Você não vai sair, seu bastardo. — Ele enfiou a mão em uma bolsa pendurada na baia e pegou uma maçã. Ian estalou e Dell puxou de volta. —Alguém está de mau humor. Agora Ian, eu tenho que lhe ensinar algumas maneiras?

Ele sorriu ao pensar em seu irmão ter maneiras de qualquer tipo. Pelo menos ainda havia esperança para o cavalo Ian.

—Colocando seu cérebro em outra briga, rapaz? — Edmund riu da porta.

Dell jogou a maçã para Ian. O cavalo a pegou na boca e triturou quando ele a comeu inteira.

Dell se virou. —Por que Edmund, que surpresa agradável. Eu não sabia que você se lembrava de mim.

Edmund cruzou os braços e não respondeu.

Dell examinou a mulher segurando o braço do embaixador. Ela usava um capuz, escondendo o rosto na sombra, mas, enquanto avançava, Edmund se moveu em sincronia com ela como se a estivesse segurando, e isso revelou sua identidade.

—Princesa. — Dell passou o braço em um arco elaborado. —Quem você irritou no palácio para ficar presa com Edmund por companhia?

Uma risada abafada saiu da pequena mulher. —Eu gosto desse garoto, Edmund. Posso levá-lo de volta para Gaule comigo?

—Desculpe princesa. Sua madrasta pode perder o trabalho livre. — Edmund jogou as palavras para fora como se fossem uma piada, mas Dell estremeceu. Era verdade. A família dele não permitiria que ele partisse porque ele os servia, não porque eles se importavam com ele.

A princesa Camille afastou o capuz, revelando longos cabelos negros e penetrantes olhos azuis. —Sua mãe é dona dessa mansão? — Ela lançou um olhar para a grande casa atrás dela, seu esplendor em colunas elevando-se acima da miséria da cidade em seus portões. Os Tenyson moravam fora do setor comercial. O avô de Lorde Tenyson não confiava nas intrigas de famílias mercantes desesperadas para subir ao topo da espiral.

O tom de Camille não continha acusações ou suspeitas, apenas curiosidade, mas ele não queria falar de história da família com um estranho próximo.

Dell encolheu os ombros. —Madrasta.

Edmund parecia sentir seu desconforto. —Dell, eu preciso falar com você.

—Tenho trabalho a fazer. Nem todos nós podemos fazer amizade com um rei, ser enviados como embaixadores, que nunca parecem ter que fazer nada, e depois sentar em sua bunda. — Ele se virou para pegar a pá novamente.

Edmund esperou um momento enquanto Dell voltava ao trabalho. —Meio-dia. Venha para o portão dos fundos da minha casa. Um dos meus homens vai deixar você entrar. Estaremos esperando.

Quando eles se foram, Dell jogou a pá. Ele bateu contra a parede da tenda com um estalo. O que ele deveria fazer?

Alguém removeria Rhodipus do poder. Não era o melhor para Madra? Provavelmente.

Ele passou a mão pelos cabelos sujos. De que lado estava Edmund?

E isso importava?

Dell nunca se considerou uma pessoa política. Desde que chegou à cidade, ele manteve a cabeça baixa, levou tudo o que sua suposta família havia feito com ele e trabalhou duro. Quando ele estava frustrado, ele tendia a bater com os punhos nos rostos das pessoas, como se ele fosse um plebeu e não um esquema e conivente como o resto da classe dos comerciantes. Com quem ele estava brincando? Ele era um bastardo. Ele não podia fazer parte dessa classe e isso lhe convinha.

E Edmund tinha visto algo nisso?

Ele soltou um suspiro, sem saber se queria ir à reunião ou não.

Mas realmente, o que ele tinha a perder?

Ele não tinha nada.

Ele deu um tapinha no nariz de Ian e passou por ele do celeiro. A carruagem de Edmund e Camille havia criado sulcos perto do portão que ele sem dúvida teria que preencher.

Se ele chegaria à mansão de Edmund, teria que sair antes que sua madrasta retornasse das costureiras.

Ele caminhou para o lado do celeiro, onde uma mão estável sempre deixava os barris de água que enchia do poço. Eles reabasteceram baldes de água dentro de cada uma das baias de animais.

Dell agarrou as laterais do cano mais alto e inclinou-se para mergulhar a cabeça debaixo da água fria. Ele a levantou e jogou os cabelos pingando de seu rosto enquanto a água embebia nos ombros de sua camisa fina. Ele passou a mão no rosto para remover a sujeira restante de uma manhã de trabalho nos estábulos.

Agora ou nunca.

Hora de decidir.

Ele olhou para o grande portão de ferro preto atrás dele. Espigões sinistros cobriam o topo da estrutura. Eles queriam isso como um aviso para todos os outros.

Não tente derrotar os Tenyson nos negócios ou em qualquer outra coisa. Você não vence.

Uma carruagem subiu a rua e atravessou o portão parcialmente aberto. O peito de Dell esvaziou quando sua madrasta apareceu.

Ela fez uma careta quando o viu.

—O que você está fazendo, seu garoto inútil? Em pé ao redor? É melhor que aqueles estábulos sejam atolados no almoço e depois você irá para as docas. Um de nossos navios chegou e você deve ajudar a levar as mercadorias ao armazém.

Pense, Dell. Ele voltou os olhos para o celeiro.

—Algo não está certo com a ma - com a vaca. — Ele forçou uma carranca preocupada em seu rosto depois de quase chamar a mãe vaca.

—Do que você está falando? — Ela perguntou severamente.

A vaca era o bem mais precioso que possuíam. Em Madra montanhosa, apenas os ricos tinham vacas. O povo mais pobre criava cabras. Alguns ocasionalmente tinham um cavalo. Mas poucos tinham vacas. E era o bilhete dele para aquela reunião.

Ele assentiu, um cenho franzindo os lábios. —Ela não está produzindo leite.

—Isso. — Disse sua madrasta. —A vaca não é uma pessoa. Não é ela. Por que não está produzindo leite?

—Eu não sei. Precisamos buscar Redden Martin.

—Então o que você está esperando? Pegue um cavalo e busque o homem vaca.

Por “homem vaca”, ela quis dizer a única pessoa que eles conheciam em Madra que trabalhava com vacas e as mantinha em boa saúde. Ele morava em uma pequena cabana de um quarto na cidade.

Dell correu para o celeiro, agradecido por sua madrasta não o seguir. Ela ficava fora do celeiro, exceto quando chegava a hora de assediá-lo.

Ele considerou os baldes cheios de leite do lado de fora do estábulo da vaca; Ainda bem que ele ainda não os carregara para casa. Olhando pela porta, ele não viu sua madrasta, então ele puxou os baldes dois de cada vez para o pequeno riacho que corria atrás do celeiro. A parede dos fundos da propriedade fora construída diretamente sobre ela.

Se alguém o pegasse jogando leite de vaca, ele estaria com sérios problemas. Valia muito a pena em uma cidade que vivia com leite de cabra, azeitonas e uvas. Às vezes, poderia ser difícil encontrar carne durante a guerra. Outra consequência das ações do rei. O comércio tornou-se mais difícil. Os comerciantes que escalavam a espiral eram os que ainda pareciam ser capazes de obter seus bens de reinos dilacerados pela luta.

Depois que o leite acabou, ele correu para selar Ian e subiu. Ele chutou os calcanhares nos flancos do cavalo e decolou.

Quando menino, ele montava seu cavalo todos os dias. A fera era a única coisa de qualquer valor que ele e sua mãe possuíam. Desde então, ele teve pouca oportunidade de sentir o vento chicotear em seus cabelos. Ele desviou as pessoas nas ruas movimentadas, passando pela padaria de Agathe com apenas um olhar. Ela queria que ele se juntasse a Edmund. Por quê? Ele ainda não conseguia entender o fato de que ela sabia exatamente quem era seu pai.

E ela não se importava.

Ela o tratava como se ele realmente pertencesse ao povo da cidade.

Agathe parecia confiar em Edmund.

A confiança não era fácil para a Dell. Realmente.

Quando chegou ao setor de embaixadores mais abastados, Dell puxou as rédeas para diminuir a velocidade do cavalo. Havia um representante de cada um dos cinco reinos vizinhos vivendo na fileira de grandiosas casas de mármore. Nenhuma telha de terracota adornava seus telhados. Em vez disso, eles incluíam um intrincado colmo feito meticulosamente. A rua estava deserta, a não ser por alguns criados entrando e saindo de casa.

Este era um dos problemas em Madra. O rei gastava o tesouro em duas coisas: o exército e impressionando seus companheiros governantes. Em vez de aumentar o suprimento de alimentos para seu próprio povo, ele regava esses estrangeiros com lares e festas ornamentadas.

Mais uma vez, Dell não sabia de que lado ele esperava que Edmund estivesse. Ele queria que a família real fosse derrubada porque suas políticas estavam destruindo seu reino? Ou a lealdade ao rei significava mais do que isso?

Ele guiou o cavalo até a parte de trás da segunda casa e deslizou para baixo. Eles deixaram o portão dos fundos destrancado, e ele o abriu apenas o suficiente para passar, guiando o cavalo atrás dele.

Ele entrou no pátio do outro lado, sem saber o que fazer em seguida. Seus olhos examinaram o ambiente florido. Não era diferente da casa em que sua suposta família morava. Por que ele deveria confiar em Edmund quando não confiava neles? A riqueza era uma doença. Aqueles que o dominavam sobre o resto e aqueles que não trabalhavam a vida inteira apenas para provar.

Esse era o caminho da cidade.

Dell ansiava pela vida mais simples nas aldeias nas montanhas. A mãe dele era tudo o que ele precisava. Seus vizinhos não tinham nada além da terra em que cultivavam azeitonas e uvas. E eles queriam pouco mais. Eles não precisavam de muito para serem felizes, ao contrário das pessoas que agora o cercavam na cidade, buscando constantemente mais.

A pesada porta de carvalho que dava para a casa se abriu e um homem corpulento enfiou a cabeça para fora. —Bom, você chegou. Deixe o cavalo. O garoto do estábulo vai lidar com ele. Venha.

Assim que Dell entrou na casa, ele parou. A grandeza foi deixada do lado de fora, substituída por móveis simples e pouca decoração. O chão de madeira rangeu sob seus pés quando ele entrou na sala de estar.

O homem virou-se para ele. —O embaixador estará aqui em um momento. Você gostaria de um pouco de vinho?

—N- — Dell pigarreou. —Não, obrigado.

O homem fez um pequeno arco e se retirou da sala.

Não demorou muito para que algo batesse no corredor. Segundos depois, a princesa Camille apareceu. Seu rosto sério não mostrou nenhuma saudação calorosa enquanto ela suspirava.

—Edmund...— Ela disse o nome dele sem emoção. —Ele simplesmente não consegue se manter longe de problemas. E você, Dell? Você está preparado para se envolver nas ideias insanas daquele homem?

—Eu- — O que ele deveria dizer sobre isso? Ele não queria insanidade em sua vida. Antes de Edmund, ele se contentava em trabalhar os dedos até os ossos todos os dias, sentindo a adrenalina de uma briga de rua ocasional e depois perdendo a si mesmo e suas memórias em suas esculturas. Ele tocou o bolso costurado em sua camisa, onde sempre mantinha sua faca de trinchar e sua última criação em madeira. Nas últimas semanas, ele precisou ser curado - novamente, puxou uma faca sobre o príncipe herdeiro e passou um tempo com a amante do palácio enquanto ela estava vestida como menino - por qualquer motivo.

—Não tenho certeza. — Ele finalmente admitiu.

Camille estava sentado em uma cadeira à sua frente. —Bem, tenha certeza. Edmund não brinca, garoto. Eu o conheço há anos - odiando pela maioria deles - e ele nunca recua de fazer o que acha certo.

Havia poucas chances de Dell fazer a coisa certa ao longo dos anos. Seus irmãos forçaram muitas situações ruins a ele. Mas sua mãe gostaria que ele defendesse alguma coisa, fosse mais do que um grunhido que trabalha sem família.

Ela quer que ele confie em alguma coisa.

Ele levantou os olhos para encontrar o olhar sombrio de Camille. —Eu quero fazer o certo também.

Ela apertou os lábios e assentiu. —Eu sei o que é sentir como se você não tivesse família. Só que, no meu caso, eu estava errada. Não concordei com meu irmão em muitas coisas e o traí. Mas Alexandre me perdoou. Você sabe o que eu aprendi?

Dell balançou a cabeça.

—A confiança é a mercadoria mais valiosa dos seis reinos. Meu irmão me casou para me remover do palácio. Ele poderia ter escolhido um ogro como homem. Em vez disso, ele escolheu alguém que era gentil e leal. Meu marido lutava pela minha família a cada respiração. Eu não o amava, mas sempre tive fé nele. É engraçado, Alex queria se livrar de mim e eu acabei ficando no palácio por mais tempo.

Dell não tinha certeza do que essa história tinha a ver com ele, então a deixou continuar.

—Me arrependi de trair minha família - porque era a coisa errada a fazer por Gaule. Mas se isso salvasse meu reino, eu faria novamente. Sem dúvida.

A confusão enrugou sua sobrancelha. —Eu não entendo.

A voz de Edmund invadiu a conversa deles. —Sua família, Dell. — Ele entrou na sala. —Eles vão derrubar o rei e preciso da sua ajuda para detê-los.

Dell esfregou os olhos. —Acho que vou tomar esse vinho agora.

 

Edmund voltou da cozinha equilibrando três taças de vinho tinto.

Dell pegou a dele e engoliu avidamente antes de começar a tossir quando o vinho atingiu seu paladar.

Edmund riu.

—Acho que estou morrendo. — Dell ofegou. —O que é isso?

—Vinho. — Camille escondeu um sorriso atrás de sua taça.

Quando Edmund terminou de rir, ele explicou. —Em Bela e Gaule, não tomamos nosso vinho com água, como vocês, madranos.

—Por que diabos não? Isso é horrível.

—Você se acostuma. — Camille deu de ombros.

Edmund ficou de pé. —Vou pegar algumas azeitonas que peguei no mercado hoje. Isso deve facilitar o seu paladar madrano.

Dell levou a taça aos lábios novamente sem pensar, mas assim que o vinho bateu nos lábios, ele a largou e balançou a cabeça. —O grande embaixador de Bela não tem servos para buscar sua comida?

Camille levantou uma sobrancelha. —Você sabe alguma coisa sobre ele?

Ele sabia? Dell tentou se lembrar de fatos sobre Edmund. Ele era de Bela e reivindicou o rei e a rainha como amigos. Ele tinha algum tipo de mágica. Além disso, Dell não sabia de nada.

O entendimento iluminou os olhos de Camille. —Edmund não pede que alguém faça algo que ele próprio pode realizar. Seu rei lhe fornece ouro suficiente para contratar uma hoste de servos, mas ele vive da maneira mais simples que faria em Bela.

—E o homem que me recebeu quando cheguei?

Camille baixou o olhar. —Pelo que Edmund me disse, Bemus perdeu tudo em um incêndio, incluindo sua família. Edmund o emprega apenas como um meio de dar um lar ao homem.

Edmund voltou com uma bandeja equilibrando em uma mão. Ele olhou entre Camille e Dell. Dell sempre gostara de Edmund, mas agora o observava com um novo respeito nos olhos.

Talvez Edmund não fosse tão diferente quanto Dell pensava.

—O quê? — Edmund perguntou enquanto colocava a bandeja de queijo e azeitona em cima da mesa. —Camille está contando histórias sobre mim de novo? Ela não gostava muito de mim.

Camille riu. — Não gostava?

Edmund deu um sorriso antes de se virar para Dell. Toda a seriedade voltou ao seu rosto.

A família dele. Dell imaginou sua madrasta e irmãos. Eles estavam realmente conspirando contra o rei? Um rei que lhes deu tudo. Lady Tenyson era a ponta da espiral, dando-lhe um poder incalculável. Ela tinha o ouvido do rei em todas as coisas. Até se espalharam boatos pela cidade de que o baile da princesa era apenas uma formalidade e era com Ian Tenyson que ela se casaria.

Nada disso fazia sentido.

Então a verdade o atingiu e doeu pior do que ele esperava. Ele encontrou os olhos de Edmund. —É por isso que você fez amizade comigo. Por que você me salvou uma e outra vez. Por que eu significo alguma coisa para você. Eu sou um Tenyson. O único que você poderia encontrar. — Dell se levantou. —Você me pediu para colocar minha lealdade em você, mas nunca retribuiu. Agathe, Mari, Corban... Não sou eu que você quer, apenas meu nome.

—Dell...— Edmund se aproximou dele, mas Dell levantou a mão e Edmund congelou.

—Não, não minta para mim, Edmund. Passei minha vida com pessoas como você. Você pega sem pensar em quem pode se machucar. Minha família supostamente trairá o rei, e você quer que eu os espie? Arriscar minha vida? Como garanto que, se for pego, minha vida não significa nada para eles.

—Seu rei precisa de você, Dell Tenyson. — A voz baixa de Edmund ecoou pela sala. —Uma vez eu te disse que minha vida mudou quando eu tinha algo pelo que lutar. O seu também pode.

—Não quero lutar pelo rei! — As palavras foram divulgadas antes que a Dell pudesse detê-las. A respiração pesada sacudiu por seu peito. —Deixe os padres me colocarem em uma cela por traição, eu não ligo, mas o rei Rhodipus nunca terá minha lealdade.

Ele se questionou muito quando não sabia de que lado estava Edmund. Questionou sua própria lealdade a Madra, algo que ele nunca havia pensado antes. Ele poderia apoiar o rei e o povo ambos? Eles estavam do mesmo lado?

Ele não sabia.

A única coisa que sabia era que não podia escolher sua madrasta ou seus irmãos. Se nenhum dos lados tinha algo para ele, qual era sua escolha? Havia apenas dois lados, certo? Ou o rei era derrubado ou não.

Edmund baixou a voz. —Não vou jogá-lo em uma cela, Dell. Eu nunca... — Ele soltou um suspiro e passou a mão pelos cabelos loiros.

Algo mais fazia pouco sentido. Dell olhou para a porta, querendo escapar, mas ele não se mexeu. —Você não é madrano, Edmund. Sua verdadeira lealdade é a um rei do outro lado do mar. Por que você está lutando pelo rei Rhodipus? Por que você está gastando seu ouro em espiões, em vez de luxos como os outros embaixadores? Sua vida deve ser fácil aqui. Eu preciso te entender. O que você está pedindo de mim... nem todos nós tivemos o luxo de poder confiar no rei deles. Eu vejo o que suas guerras fazem com este reino todos os dias. Está no rosto magro das crianças implorando por comida de marinheiros igualmente famintos. Está nas viúvas de guerra e no conhecimento de que muitos dos jovens deste reino nunca mais pisarão em nossas costas. Eu sei que Madra ajudou Bela em sua guerra com Dracon... isso é suficiente para você? Porque não é para mim.

Durante toda essa conversa, Camille ficou em silêncio, mas ela escolheu agora falar. —As palavras do garoto têm peso, Edmund. Eu sei por que minha lealdade é ao nome Rhodipus. Para o bem de Gaule, devo me casar com Estevan e ajudá-lo a manter o trono. Mas eu te conheço... Eu sei pelo que você luta. Nunca foi sobre a coroa, mas sobre o homem que a usa. Por que você escolheu este?

A mandíbula de Edmund se apertou e ele caiu em uma cadeira. Ele bebeu o vinho e pousou a xícara com um barulho pesado. —O rei Rhodipus é cruel, ambicioso e vil, mas este mundo precisa de estabilidade. Madra deve permanecer em paz se quisermos continuar reconstruindo Bela. Nós precisamos do comércio deles.

—Não. — Camille estreitou os olhos. — Os Tenysons são comerciantes. Eles garantirão que o comércio não seja interrompido. Há algo mais.

Dell assistiu a luta deixar os olhos de Edmund. Seus lábios se voltaram para baixo quando um suspiro inflou seu peito musculoso.

Dell atravessou a sala e colocou a mão no ombro de Edmund. Ele enfrentava o mesmo dilema que Dell. Proteger um rei que apenas machuca o reino ou deixar a família real cair.

Edmund curvou-se para a frente com os cotovelos nos joelhos. —Eu acredito na tradição. — Ele começou. —Não da maneira que os Madranos fazem - com os padres protegendo-a. Mas a história real e um futuro que favorece a cultura do reino. —Ele levantou a cabeça para espiar a Dell. —Estevan Rhodipus não é seu pai. Eu nunca tive tanta certeza de nada. O rei não tem minha lealdade como você disse, mas o filho dele tem tudo isso. Stev vai salvar este reino. Ele salvará todos nós.

 

 

 

 

 

 

 

 


Capitulo Oito


Helena estudou seu irmão mais velho enquanto ele passeava pela extensão das câmaras do conselho. Seus passos mantinham a confiança que só ele possuía.

—Você aceita? — Ele parou na frente de Camille. —Você seguirá com o noivado?

Camille assentiu solenemente. —Meu reino precisa disso de mim. Eles me garantiram que você é um homem digno de nossa aliança.

Seus ombros relaxaram e ele soltou um suspiro. —Essas são boas notícias. Muito boas mesmo. — Ele olhou nos olhos dela. —Eu prometo a você, Camille Durand, que serei um bom marido para você. Vamos levar Madra a uma era de ouro de prosperidade e segurança juntos.

O embaixador de Gaule deu um passo à frente e bateu palmas. Ele era um homenzinho que não tinha nada a ver com Camille desde que ela pôs os pés em Madra. Mas agora ele tinha a chance de estar na frente e no centro, e não deixaria passar.

—Maravilhoso! Isto é fantástico. Estou tão satisfeito por termos chegado a um acordo. Agora, devemos discutir os detalhes. Gaule precisa de tropas e logo.

O pai de Helena escolheu então intervir. —Nós já começamos os preparativos. Depois do baile, meu filho, Quinn liderará os homens para Gaule. Vamos colocar essas rebeliões na cama.

—Fantástico. — O embaixador examinou a sala. —Talvez devêssemos falar em particular, Vossa Majestade.

—Claro. — O rei deu uma olhada ao redor da sala, e cada pessoa presente sabia o significado sem explicação.

Stev caminhou com Helena de volta para a residência.

—Estou orgulhosa de você, irmão. — Ela sorriu, suas bochechas empurrando contra a máscara.

—Por quê?

—Por ser o tipo de príncipe em que outro reino quer se amarrar. Pelo que ouvi, a rainha Catrine se importa profundamente com seus filhos. No entanto, ela está disposta a dar sua única filha a Madra por sua esposa.

—Os governantes fazem o que têm para manter seus reinos em segurança.

Helena tocou o braço dele. —Você vai ser um grande rei. Ainda não tenho certeza se já lhe disse isso.

—Por que você diz isso?

A rachadura em sua confiança surpreendeu Helena, mas ela não deixou transparecer. —Ouvi dizer que um carregamento de comida destinado ao palácio, desviou-se do caminho e acabou na parte oriental da cidade. Pai estava muito chateado por ele não poder ter frutas frescas para o seu creme ontem. Você não saberia o que causou as tropas reais escoltando a comida para perder no caminho das docas, sabia?

Ele encolheu os ombros. —Quinn estava liderando eles. Pergunte a ele.

Ela riu. —Eu perguntei. Ele me disse que a ideia veio do alto da cadeia alimentar. Duvido que o pai tenha autorizado.

—Não cabe a mim decidir o que você acredita.

—Droga, Stev. — Ela puxou seu braço, puxando-o para uma parada. —Todo mundo sabe que você tem uma mente brilhante. Por que você não quer que eles saibam que você também tem coração? Que você não é...

—Não é o quê?

A acusação brilhava em seus olhos. Ela quase disse que ele não era como o pai deles. Frio. Calculista. Indiferente.

Mas ela nunca falou essas palavras em voz alta.

A única coisa que Stev tinha em comum com o pai era sua grande mente e sua ambição. Mas ele não iria drenar os tesouros e emitir impostos arrogantes por seus modos determinados. Ele sabia o suficiente para não seguir o sacerdócio cegamente.

—Nada. — Ela disse rapidamente. —Não é nada, Stev. Eu só... eu amo você e um dia você vai nos consertar.

Eles chegaram à residência e encontraram Cole e Quinn descansando nos sofás com flores vermelhas. Kassander se esparramava na frente de uma lareira crepitando com chamas. Stev parou na beira da sala, incerteza entrando em seu olhar. Helena matou o fato de o irmão não se sentir confortável com o resto deles.

—Tenho negócios a tratar. — Stev girou nos calcanhares e marchou de volta para o corredor.

Kassander ficou de pé e correu em sua direção. —Onde Stev está indo? Ele prometeu que me levaria para um passeio hoje.

—Sinto muito, Kass. — Helena agarrou o ombro do irmão, sentindo-se realmente mal pela criança. Ele idolatrava Stev. Stev amava Rhodipus, o mais jovem, mas não sabia o quanto sua severidade podia cortar às vezes.

Helena caminhou mais para dentro da sala. Cole ainda assistia a retirada de Stev, seus olhos brilhando de irritação. Ele balançou a cabeça como se estivesse voltando para si mesmo e sorriu para ela.

Quinn se moveu para criar espaço e Helena afundou no sofá entre os gêmeos.

—Camille concordou com o noivado.

Cole bufou com nojo. Seus sentimentos por Stev sempre foram claros.

Quinn colocou um braço em volta dos ombros. —Essas são boas notícias. Parece que tenho certeza de que vou para Gaule depois do baile.

Helena enlaçou os dedos com os dele e apoiou a cabeça no ombro de Cole. Kass subiu do outro lado de Quinn. Helena usou a mão livre para remover a máscara.

Ninguém a fazia se sentir tão segura, tão amada quanto seus irmãos. Nada poderia destruir seu vínculo com eles. Sem tensão com o pai ou a distância que havia entre eles quando os gêmeos estavam fora do exército. Nem mesmo o eventual papel de Kassander no sacerdócio, que ela odiava tanto.

Alguma pequena esperança dentro dela pensou que talvez Stev fosse o rei para abolir o sacerdócio de uma vez por todas. Madra não precisava mais de suas tradições e leis mantidas. Eles não precisavam da dura prisão do sacerdócio quando o palácio não tinha masmorras. Nenhuma futura princesa deveria ter que usar uma máscara por toda a adolescência.

Ao contrário de seu pai ou de seu pai antes dele, Stev tinha um coração. Helena poderia ter sido a única pessoa a quem ele mostrou, mas sabia que estava lá.

Cada um de seus irmãos guardava segredos do mundo inteiro, mas ela os via. Quinn odiava a vida no exército. Ele falava como se fosse uma grande aventura com viagens e emoção. Mas ele queria mais do que tudo, simplesmente se apaixonar e viver em silêncio.

Kassander retratava toda a bravura de um garoto, mas seu futuro no sacerdócio o aterrorizava.

Cole queria a aprovação do pai, apesar de seu óbvio desdém pelo homem. Ele queria ser visto como seu igual.

E Stev... bem, Stev era bom. Verdadeiramente bom do jeito que poucas pessoas eram.

Helena não sabia o que eles viam nela. Falsa aceitação de suas circunstâncias? Bravura em face de um casamento iminente - possivelmente com Ian Tenyson?

Na verdade, ela queria uma aventura fora de Madra. Estar livre deste palácio, esta vida como a princesa oculta.

A aparência de Camille interrompeu seus pensamentos. Sophia conduzia a outra princesa para a sala antes de retornar aos seus deveres.

Helena sentou-se, liberando seus irmãos. Camille observou os quatro ansiosamente.

—Helena. — Ela começou. —Você gostaria de passear comigo?

Helena olhou para Cole, incerta. O que essa princesa fria queria com ela? E uma caminhada? Camille mal podia mancar com aquela bengala dela. Certamente seria melhor tomar chá na sala de estar. Então, todas as restrições que Helena enfrentara em sua vida vieram à mente. As pessoas sempre diziam o que ela não podia fazer por causa da tradição ou porque ela era a princesa. Ela se recusou a fazer isso com Camille. Se ela achava que uma caminhada era melhor, quem era Helena para dizer o contrário?

Cole a cutucou do sofá, e só então ela percebeu que ainda não havia respondido. Ela se levantou com um aceno de cabeça. —Uma caminhada seria legal.

Quinn entregou a máscara descartada e ela a amarrou no rosto antes de seguir Camille da sala.

Eles caminharam em silêncio, passando pelas tapeçarias que representavam vitórias de Madra. Chegaram à porta que dava para os jardins do palácio, onde fileiras e fileiras de flores desejavam florescer. Uma rajada de ar frio correu para elas quando entraram no caminho sinuoso de pedra que cortava os arbustos e as árvores.

Helena esfregou os braços, desejando ter pensado em trazer sua capa.

Camille, aparentemente imune ao frio, continuou em frente, o estalo da bengala era o único som entre elas.

—É lindo aqui. — A voz de Camille era tão pequena que Helena quase pensou que ela tinha imaginado. Ela sabia exatamente o que a princesa queria dizer. Camille passou o dia anterior na cidade com Edmund e, comparada às ruas cheias e cheias de odores, tudo dentro das muralhas do palácio era perfeito.

Helena preferia apenas a atividade e a vida que aquelas ruas possuíam. Ela apenas grunhiu em resposta a Camille.

Camille falou novamente. —Me desculpe se fui... rude.

Helena parou de andar. —Madra pode não ser sua casa, mas nós convidamos você aqui para se juntar a nós. — Ela balançou a cabeça. —Fiquei cercada pelos meus irmãos a vida inteira e os amo, mas eles são... meninos.

Camille riu de repente. —Eu sei exatamente como você se sente. Não vivi minha vida confinada como você, mas às vezes parecia que meus irmãos eram meus únicos companheiros.

—Meninos são...

—Nojentos? — Camille terminou.

Um sorriso apareceu no rosto de Helena. —Eles sempre parecem cheirar.

—Às vezes eu me perguntava se Alexandre e Tyson se banhavam. — Um sorriso carinhoso se estabeleceu em seus lábios. —Esses são meus irmãos. Não estamos mais perto. Muita coisa aconteceu. Mas já fomos.

—Não consigo imaginar perder meu vínculo com Stev, Quinn, Cole ou Kass.

—É... difícil. — Camille olhou para longe.

—Como é? — Helena tinha que saber. —Se casar com alguém em um reino diferente?

Camille deu de ombros. —Só posso ter aceitado o noivado hoje, mas nunca tive escolha.

—Eu acho que seria emocionante. Para se aventurar em algum lugar novo. Mas eu sou a segunda na fila. É meu dever me casar com um madrano que fortalecerá nosso poder aqui.

—Estou feliz que você vai ficar. — Camille começou a andar novamente. —Gostaria que sejamos amigas.

—Isso seria legal.

—Conte-me sobre Estevan.

Um sorriso se espalhou pelo rosto de Helena. —Ele gosta de agir como se não se importasse com nada, mas sim. Muito. Stev é o melhor. A única fraqueza dele é meu pai. O rei exige coisas de seu herdeiro que eu sei que Stev não concorda. Ele tem que dar a ordem de cobrar mais impostos sobre o povo comum e, às vezes, reduzir as taxas de importação. Stev acha que é um erro colocar mais dinheiro nas mãos dos comerciantes e menos nos bolsos dos pobres.

—Então, o rei o controla?

—Exceto quando se trata de mim. Stev desafia o pai para me proteger de sua ira e também dos padres.

—Padres?

—A ordem é acusada de impor tradições, tornando-as legais. Eles mudam as leis rapidamente e aprisionam qualquer pessoa que não cumpra até que possa pagar uma taxa bastante alta pela libertação.

—Isso é-

—Horrível? Sim. Às vezes me pergunto se seria melhor embarcar em um navio para Bela e casar com um homem lá.

—O único homem de Bela sem esposa é Edmund. — Ela riu.

Helena torceu o rosto. —Eu não me importo com isso. Eu acho que poderia ser feliz com um homem comum. Contanto que ele fosse gentil.

Camille abriu a boca para responder, mas quando passaram por uma árvore roxa e respiravam seu perfume de lavanda, um som arrastado veio do canto, seguido de um gemido suave.

—Alguém está machucado. — Helena ganhou velocidade.

—Uh, isso não é o que parecia. — Camille sorriu enquanto tentava e não conseguia alcançá-lo.

Helena dobrou a esquina e quando os arbustos não mais ocultaram as outras duas pessoas presentes, ela congelou, seu rosto ficando quente.

Ela deveria ter saído. Deveria ter ido embora antes que alguém soubesse que ela estava lá. Mas ela não conseguiu se mexer.

Camille finalmente a alcançou e um bufo muito sem parecer com a de uma princesa a deixou. —Edmund! — Ela gritou. —Primeiro meu irmão e agora meu futuro marido?

Edmund se afastou de Stev, que ele estava beijando momentos antes.

—Helena .— Os olhos de Stev se voltaram para os dela.

Helena balançou a cabeça e se virou. Antes que ela soubesse o que estava acontecendo, ela corria pelos jardins, buscando a segurança do palácio.

—Len, espere! — Stev correu atrás dela e puxou seu braço para trás, forçando-a a parar.

—Deixe-me ir, Stev.

—Não até você falar comigo.

Ela se virou tão repentinamente que ele recuou. —Conversar com você sobre o que? Você é o herdeiro do trono. É seu dever casar com uma princesa estrangeira e ter filhos. Mas você é... você é...

Toda a confiança havia deixado seu irmão e ela não conseguia se lembrar de vê-lo tão inseguro.

—Len. — Sua voz continha uma nota torturada. —Você sabe tão bem quanto eu que a tradição de Madra é falha. Leva e leva, deixando nada de nós para trás. Eu não posso... — Ele passou a mão pelos cabelos escuros.

Realização estalou nela. Era por isso que ele não contava ao pai suas jornadas pela cidade sem a máscara. Ele entendia o pouco que o dever deles lhes proporcionava.

Stev precisava dela agora, assim como ela precisava dele. Isso é o que eles sempre fizeram: se protegeram.

Ela estendeu a mão timidamente para pegar sua mão. —Eu sinto muito. Estou chocada... mas você é meu irmão antes de ser o herdeiro. Pelo menos na minha mente. Eu não vou contar a ninguém.

Sua postura cedeu com alívio. —Obrigado.

—Você o ama? — Ela não podia acreditar que estava tendo essa conversa com Estevan de todas as pessoas. Ele sempre esteve tão certo, tão confiante. O que ela queria que ele dissesse? Não significaria que ele estava arriscando tudo por nada. Se os padres descobrissem... Mas sim... Isso significaria que tudo isso era real.

Não havia lei contra um homem que amava outro homem em Madra. Mas sempre houve regras diferentes para a realeza e para os plebeus. Um príncipe não podia amar quem ele queria.

Stev, que raramente demonstrava qualquer tipo de emoção, a encarava com olhos vidrados. —Eu amo. Muito.

—Quanto tempo?

—O que?

—Há quanto tempo você e Edmund...

—Desde que o mandaram aqui de Bela. No começo, ele estava com o coração partido porque havia deixado para trás o homem que pensava ter amado em Bela. Eu estava tendo dificuldades com algumas coisas que meu pai me pedia para fazer. Edmund e eu... nos consertamos.

Quando o choque desapareceu, ela se sentiu mais perto de Stev do que nunca. Ela apertou a mão dele. —Agora só temos que decidir o que fazer com seu noivado.

Ele olhou por cima do ombro para onde Camille estava repreendendo Edmund. Sua voz flutuou na direção deles quando eles se aproximaram.

—Honestamente Edmund. — Disse ela. —Eu não sei o que fazer com isso. — Ela colocou as mãos na cabeça e se virou para encarar Stev. —E você... ugh!

—Camille. — Helena a observou. Ela não poderia forçá-la a honrar o noivado quando todos sabiam que isso significava um casamento sem amor. Mas os casamentos mais arranjados não eram iguais? —O que você quer fazer aqui?

Ela gemeu. —Eu preciso me sentar. — Atravessando o jardim, ela caiu em um banco de pedra calcária. Depois de um momento, ela levantou a cabeça para encontrar todos eles a observando.

Helena não contaria ao rei... mas ela não sabia o que Camille faria.

A princesa de Gaule respirou fundo. — Ainda vou me casar com você, Estevan. — Os ombros dela cederam sob o peso desse novo conhecimento. —Gaule precisa disso de mim. E Madra nunca precisa descobrir sobre vocês dois. Vocês devem terminar isso. Agora. — Ela perfurou Edmund com um último olhar antes de seguir em direção à porta e desaparecer de vista.

O silêncio desceu quando Helena olhou de Stev para Edmund e de volta. —Ela não está errada. Sinto muito, mas vocês precisam saber que isso não pode continuar. Se tivesse sido o pai quem os encontrasse... — Ela puxou o cabelo escuro por cima do ombro para mexer nas pontas. —Estou com medo, Stev.

Estevan não se mexeu, mas Edmund a alcançou e a abraçou. —Vai ficar tudo bem, Len.

Helena pressionou o rosto em seu peito firme enquanto ele acariciava seus cabelos. —Esta é Madra. — Sua máscara arranhou seu rosto, trazendo-a para o primeiro plano de sua mente. Uma porta se abriu atrás deles e um par de padres em suas vestidas roupas brancas invadiu a privacidade do jardim. Lágrimas pairavam nos cílios de Helena, recusando-se a cair. —Nada está sempre bem.

Capitulo Nove


Nenhuma princesa de Madra jamais esqueceu seu décimo oitavo dia de nome.

Isso significava que elas estavam um passo mais perto de se livrar da máscara para sempre.

As celebrações durariam uma semana inteira, começando com os jogos madranos e acumulando no baile onde a máscara seria removida de uma vez por todas.

Helena acordou diante do sol quando a antecipação torcia seu estômago. Hoje, ela poderia estar entre as pessoas. Não como o garoto que ela fingia ser em suas viagens à cidade, mas como ela mesma.

A excursão às docas para cumprimentar Camille fora sua primeira jornada fora dos muros do palácio desde que ela era criança - pelo menos uma viagem sancionada. Mas ela passou dos degraus do palácio, da carruagem para as docas, antes de retornar à carruagem. Não houve tempo para absorver a energia do povo Madrano.

Ela se sentou em sua cama de mogno esculpida, erguendo os olhos para o dossel de seda acima. Eles haviam lhe dado tudo. Sua vida não tinha luxos.

Por que ela nunca fora feliz dentro dessas paredes?

Talvez pela mesma razão que Stev não era. Sob os olhos vigilantes de seu pai, eles nunca podiam deixar seus desejos transparecerem.

O choque de ver Stev e Edmund juntos desapareceu, substituído pela culpa. Como ela não tinha visto isso antes?

Ela conhecia o irmão?

A resposta para isso era simples. Ninguém conhecia Stev Rhodipus. Ele se certificou disso. Ela abraçou os braços sobre o peito, esperando que ele pelo menos deixasse Edmund ver quem ele realmente era.

E quem ele não era.

Estevan Rhodipus não era o pai deles e ele nunca seria.

Às vezes Helena pensava que era a única que via isso.

Torcendo os cabelos emaranhados sobre um ombro, ela deslizou da cama e caminhou até a janela. Empurrando as vidraças, ela respirou fundo o ar frio da manhã.

O que essa semana traria para ela?

Era tudo uma formalidade quando seu pai poderia forçá-la a se casar com Ian Tenyson?

O pátio silencioso abaixo de sua janela estava inundado pela luz prateada da lua quando ela se inclinou para examinar o terreno do palácio. Ao longe, além das muralhas do palácio, a cidade acordaria em breve e se prepararia.

Os jogos de Madra, realizados a cada quatro anos, eram sagrados. Todos aqueles que pudessem, lotariam a arena circular nos arredores da cidade para assistir a eventos como lutas de boxe, lançamento de dardos e discos.

Qualquer homem que quisesse ser considerado um pretendente à mão da princesa competia, esperando mostrar suas habilidades.

No horizonte, o sol lutava com a lua, o dia querendo dominar a noite.

Helena fechou a janela assim que a porta do quarto conectada à dela se abriu. Sophia emergiu e congelou.

—Princesa, eu esperava ter que acordá-la esta manhã.

Helena deu um pequeno sorriso. —Apenas me deliciando nos últimos momentos da paz do dia.

O rosto da velha se suavizou. —Não tenha medo, criança.

Como Helena explicou que não havia medo a percorrendo esta manhã, mas algo completamente diferente? Aceitação. Renúncia. Ela se casaria com um homem madrano e viveria no palácio pelo resto de seus dias. Estevan se casaria com Camille e um dia se tornaria rei. Madra lutaria como um reino em guerra. Nada mudaria.

E hoje, eles olhariam para o rosto de pessoas comuns que nunca tiveram o suficiente para comer. Os comerciantes ricos se misturavam com aqueles que trabalhavam para eles que mal sobreviviam.

E o tempo todo, o tesouro já vazio pagaria pela extravagância.

Mas ela era Helena Rhodipus. Ela não conseguia expressar nada disso.

—Vou tentar não ter. — Disse ela.

O rosto de Sophia se enrugou na compreensão, quando na realidade ela não entendia nada.

Uma batida soou na porta.

Sophia destrancou e deixou a rainha entrar na sala.

Helena relaxou instantaneamente sob o olhar reconfortante de sua mãe.

—É muito cedo. — Sua mãe levantou uma sobrancelha. —Quem teve a ideia de começar os jogos a tal hora merece uma flecha entre os olhos. — Ela bateu na testa.

—Mãe! — Helena ofegou, tentando abafar uma risada enquanto Sophia lançava as duas olhares de desaprovação.

A rainha apenas deu de ombros. —Ainda tenho que tomar meu chá da manhã. Estou autorizada a ficar um pouco irritada.

—Vossa Majestade. — Sophia cruzou os braços, encarando a rainha como se não fosse nada além de uma criança. —Um exemplo melhor deve ser dado em torno das crianças.

—Ah, sim. — A mãe de Helena encontrou o olhar da mulher mais velha. —Gosto de ensinar minha filha, que não é criança, a ter humor em sua vida. — Ela apontou para a porta. — Helena e eu gostaríamos de tomar um chá.

Sophia balançou a cabeça e saiu do quarto.

Helena sorriu. —Você realmente deveria ser mais gentil com ela, mãe.

—Minha querida, essa mulher está conosco há muito tempo e não me lembro de um único sorriso enfeitando seus lábios. — Ela atravessou a sala, parando diretamente na frente de Helena. —Feliz dia do seu nome, minha querida. — Colocando a mão em cada uma das bochechas de Helena, sua mãe beijou o topo da cabeça.

Quando ela se afastou, havia lágrimas em seus olhos castanhos.

—Mãe, o que é isso?

A rainha balançou a cabeça, cachos pretos apertados saltando a cada movimento. —Eu sou apenas uma velha boba. Você é minha garota. É difícil pensar em entregá-la a mais alguém, mesmo que você ainda esteja no palácio.

Helena pegou a mão da mãe. —Você poderia me ajudar a me preparar hoje?

Ela limpou o rosto. —Isso seria adorável.

Sophia voltou com uma bandeja de chá cheia de xícaras frescas, folhas de hortelã e água quente, junto com uvas e biscoitos.

Depois que Helena comeu e tomou banho, sua mãe a ajudou a vestir o vestido que ela escolheu para ela. Felizmente, não havia espartilho, mas a larga saia amarela ainda dificultava o movimento. Enquanto sua mãe e Sophia prendiam os cabelos em um desenho complexo de cachos e nós, ela passou as mãos sobre o laço branco do corpete.

Quando elas terminaram, era hora da família real fazer sua jornada para a arena.

Sophia entregou a Helena uma máscara de marfim com fitas largas. Bonita não começava a descrevê-la, mas ao colocá-la em sua pele de tom azeitona, toda a magnificência desapareceu, deixando apenas o peso do confinamento para trás.

Os meninos estavam esperando na carruagem quando chegaram. Quinn e Cole usavam os blazers vermelhos dos uniformes de seus oficiais com calças de linho. Eles trocariam por seu equipamento de boxe quando participassem dos jogos.

Kassander parecia uma mini versão de Stev que estava sentado rigidamente atrás da carruagem. Seu casaco preto estava estampado com o brasão triangular da família. Ele mudou de posição e Kass o imitou.

Helena balançou a cabeça, um sorriso chegando aos lábios.

Desceu quando o pai desceu os degraus sem dizer uma palavra a nenhum de seus filhos. Cole olhou furioso e Helena o alcançou.

—Não deixe que ele veja como ele afeta você.

Cole relaxou e passou o braço pelos ombros de Helena. —Você está bonita. Feliz dia do seu nome.

Ela se esticou para dar um beijo na bochecha dele e se amontoou na carruagem real com o resto da família.

Fluxos de pessoas fizeram o seu caminho para a arena e quando a família real chegou, ela já estava movimentada.

Os cavalos pararam na entrada particular do rei, onde uma tropa de guardas do palácio se alinharam e esperavam por eles. O pai deles saiu primeiro e seguiu em frente sem olhar para eles. Stev levantou Kassander enquanto Quinn e Cole estenderam as mãos para Helena e sua mãe.

Juntos, eles seguiram o rei pelo pequeno portão. Um túnel escuro levava a uma plataforma acima do piso da arena.

Helena congelou quando pisou na plataforma. Ela nunca viu tantas pessoas. Seus olhos examinaram as filas de assentos que se estendiam em círculo. Elas dividiam o chão da arena em áreas separadas para diferentes eventos.

Um alarme tocou, seu som reverberando em torno da estrutura de pedra. Todas as atividades cessaram quando a multidão ergueu os olhos para a família real.

O rei deu um passo à frente. —Bem-vindos!

Helena se perguntou se alguém além daqueles ricos o suficiente para se sentar perto da plataforma poderiam ouvi-lo.

—Hoje é um ótimo dia para Madra. — Continuou ele. —Vocês todos se reuniram aqui para celebrar o que realizamos como reino. Através de muitas batalhas difíceis, ganhamos poder nos seis reinos.

—Poder não significa nada sem comida. — Alguém gritou.

Helena esticou o pescoço para encontrar o homem que gritou, mas dois guardas reais obscureceram sua visão enquanto corriam pelo corredor. Aconteceu tão rápido que ela não reagiu. Eles puxaram o homem de seu assento e o arrastaram em direção a uma fila de padres que estavam prontos para agir.

O rei continuou como se nada disso tivesse acontecido. —Hoje marcamos o décimo oitavo ano da minha filha. Posso apresentar, em sua primeira aparição oficial, a princesa Helena Rhodipus.

O rei esticou o braço para trás para gesticular para a frente, mas seus pés congelaram.

—Len. — Stev assobiou. —Vá.

Sua mãe pegou o braço dela e a levou para a luz. —Vá, querida.

Helena levantou a mão e acenou para o seu povo pela primeira vez.

Um aplauso percorreu a multidão quando eles viram pela primeira vez a princesa oculta. Que histórias foram contadas sobre ela? Ela imaginava.

Enquanto eles continuavam a torcer, a confiança floresceu dentro dela. Ela pertencia a eles. Não ao pai dela. Para as pessoas.

E ela não os decepcionaria.

Ela limpou a garganta. —Que comecem os jogos de Madra!

 

 

 

 

 

 

 

 


Capitulo Dez


Dell deslizou pela entrada da arena, perdido entre a multidão de pessoas que usavam essa entrada. Sua família teria usado o portão do mercador, o que lhes permitia sentar-se próximo ao rei.

Ele ficou feliz por isso porque eles o proibiram de vir.

Ele foi direto para a área de boxe, desejando ter uma chance de lutar. A tradição de Madra dizia que a princesa podia escolher qualquer homem comum ou comerciante para casar, mas todos sabiam que isso não era verdade e permitiam que apenas os de qualidade colocassem seu nome nessa escolha.

Um homem esbarrou em Dell, empurrando-o enquanto ele avançava.

Orlo.

Os punhos de Dell cerraram e ele contou para trás em sua cabeça. Lutar uma luta não sancionada na presença do rei significaria prisão.

Orlo olhou por cima do ombro como se estivesse vendo Dell pela primeira vez. —Seu cuidador não está aqui para mantê-lo longe de problemas, garoto?

—Você não quer meu tipo de problema, Orlo. Como está Catjsa?

O homem maior fez uma careta. —Eu não me importaria de bater em você novamente. Nomeie o lugar.

Dell abriu a boca para falar, mas Edmund entrou em sua mente. Droga, ele queria aceitar a luta, ser capaz de acertar alguma coisa.

Por que ele não podia?

Porque Edmund tinha em mente salvar um rei que não deveria ser salvo?

Porque ele tinha tanta certeza de que Estevan seria um governante melhor que o pai?

Dell cerrou os dentes, querendo gritar, querendo voltar a ser apenas um filho indesejado trabalhando até a morte.

De volta à vida tranquila de ninguém.

Sua família vai derrubar o rei e preciso de sua ajuda.

Ele desejou poder ignorar essas palavras. Mas, apesar de seu esforço, algo dentro dele confiava em Edmund de uma maneira que ele não confiara em ninguém antes.

Ele percebeu que ainda não havia respondido ao homem que agora pairava sobre ele com uma pergunta nos olhos.

Dell suspirou. —Não, Orlo. Eu não vou lutar com você. Hoje não.

Orlo grunhiu. —A criança finalmente teve algum sentido. — Ele se virou sem outra palavra e se afastou.

Dell voltou a assistir a luta diante dele enquanto os boxeadores se lançavam um contra o outro. Ele começou a caminhar novamente em direção ao anel externo da arena onde os lojistas da cidade haviam montado estandes. Agathe vendia doces para aqueles que podiam pagar e os dava para aqueles que não podiam.

Dell atravessou a multidão de comerciantes, reconhecível em suas roupas mais refinadas.

O rosto abatido de Agathe se transformou quando o viu, e um sorriso estendeu seus lábios. —Dell. Eu não achei que você participaria hoje.

Dell encolheu os ombros. —Eu apenas tenho que evitar meus irmãos. Minha madrasta recusou o convite porque não quer se cercar de “pessoas comuns”.

Agathe balançou a cabeça. —Aquela mulher...

—Sim. Escute, você viu Edmund? Eu preciso falar com ele.

—Ele está com a família real? — Ela apontou um dedo longo em direção a uma plataforma elevada.

Os olhos de Dell passaram por cima do rei e se estreitaram. Ele não sabia o que pensar do príncipe Estevan. A rainha estava sentada em sua cadeira dourada com as asas e toda a graça pela qual a conheciam. Ao contrário dos outros membros da realeza, ela fez um esforço para ajudar os habitantes da cidade distribuindo comida.

Os gêmeos eram principalmente desconhecidos. Eles não haviam crescido aos olhos do público e agora passavam grande parte do tempo liderando unidades do exército no exterior. O jovem príncipe Kassander tinha um sorriso no rosto que você não poderia deixar de refletir para ele.

Sentado ao lado dele estava a razão de estarem todos lá. Não foi a primeira vez que a Dell viu a princesa. Ele ficou chocado quando ela apareceu com a mãe nas docas. Mesmo que ele tivesse se enganado, ele precisava dar uma olhada nela de perto, para ver o que havia sob aquela máscara bonita.

Então, ela riu com ele. Agora, ela parecia... desconfortável.

Uma carranca puxava os cantos de seus delicados lábios pintados. Ela estava tão perto quando a plataforma estava perto das lutas de boxe, mas seus olhos escuros diziam que ela não estava lá.

O rei se inclinou sobre sua esposa e disse algo para a princesa. Sua espinha se esticou e ela colou um sorriso falso nos lábios.

Uma luta de boxe terminou com um competidor inconsciente. Quando alguém o arrastou para longe, eles chamaram um novo nome.

—Orlo Willard. — Eles chamaram antes de pegar outro. — Ian Tenyson.

Dell recuou enquanto tentava não sorrir. Ele se afastou da fronteira para se esconder no meio da multidão, para que Ian não o visse.

Orlo andava de um lado para o outro da praça, esperando.

Quando Ian finalmente apareceu, Dell respirou fundo. Um curativo segurava o braço dele contra o peito. Quando ele foi ferido?

Ian virou-se para a multidão, o charme desprezível escorrendo de todos os orifícios. —Estou honrado por ter minha vez contra esse homem nobre. — Ele acenou com a cabeça em direção a Orlo. —Como membro da classe de comerciantes, tenho vergonha de dizer que devo invocar uma regra antiga. Se um competidor não puder competir devido a lesão ou doença, ele poderá defender sua honra se nomear alguém para lutar em seu nome.

Reed apareceu ao lado da Dell. —Desculpe irmão.

—Sobre o quê? — Dell olhou de soslaio para ele.

Ian continuou. —Eu escolho um lutador com muita habilidade que manterá a honra da minha família porque é também a honra dele.

Não. Dell balançou a cabeça e deu um passo para trás. Reed agarrou seu braço.

—Meu irmão. — O olhar de Ian incendiou a Dell. —Dell Tenyson.

Reed o empurrou pela linha de fronteira. Dell tropeçou antes de se endireitar e encarar Ian.

Ian sorriu. —Todos os seus amigos da cidade saberão exatamente quem você é, irmão. — Ele disse a última palavra como se fosse uma maldição. —Seu destino agora está com o nosso, Dell. Talvez isso ajude você a escolher um lado.

Os olhos da Dell se arregalaram. Eles sabiam da sua reunião com Edmund.

E eles disseram a Madra que ele era um deles.

Eles o reivindicaram e entrelaçaram seu futuro com o deles.

Merda.

 

 

 

 

Capitulo Onze


A voz dos locutores subiu no ar e Helena se adiantou em seu assento.

—Dell Tenyson servirá como o segundo de Ian Tenyson.

Não, ela não poderia ter ouvido direito. Tenyson?

Dell era um deles? A descrença a percorreu e ela não conseguia tirar os olhos do ringue de boxe.

O garoto que ela encontrou lutando no centro da cidade, com quem ela estava preocupada, era o filho da ponta da espiral? Ela nunca teria passado um tempo com ele se soubesse.

Algo não parecia certo. Suas roupas puídas e total falta de educação... o que ela estava perdendo?

Seus olhos encontraram Dell quando o empurraram para a área em mudança. Os senhores que lutaram naquele ringue chegaram aos jogos com roupas finas que falavam em riqueza. Eles não arriscariam sujá-la em uma luta.

Mas Dell... Edmund sabia? Claro que ele sabia. Edmund parecia sabia tudo o que acontecia em Madra. Isso explicaria como ele conheceu Dell.

Mas e Mari e Corban? O que duas pessoas mágicas tinham a ver com o filho de uma família tão poderosa?

O cabelo loiro de Dell brilhava quando o sol batia na arena. Ele desapareceu na esquina e Helena mal respirou até ele voltar.

Dell Tenyson.

A multidão aplaudiu quando ele sorriu para eles com uma facilidade em sua postura que não estava presente nos outros senhores. Ele vestia uma calça de linho cortada nos joelhos. Ele levantou os braços no ar, o peito nu se esforçando a cada movimento.

—Querido. — Disse a mãe ao pai. —Você sabia que havia um terceiro garoto Tenyson?

O pai dela resmungou. —Claro. — Mas seus olhos continham mais verdade do que suas palavras. Foi um choque para ele também. Uma coisa era certa: os guardas do rei estariam analisando a situação imediatamente quando a luta terminasse.

Cole se mexeu na cadeira, os olhos se afastando do pai. Ele tinha que saber. Ele estava mais perto dos Tenysons do que seus próprios pais.

—Você sabia que Dell era irmão de Ian, não sabia? — Perguntou ela.

Cole a encarou com um olhar cauteloso. —E como minha irmã que deixou o palácio duas vezes na vida conhece um plebeu como Dell?

Ela se recusou a responder à pergunta dele. —Aparentemente, Dell não é nada comum.

O irmão dela bufou. —Claro que ele é. Ele nem dorme na casa grande. Lady Tenyson o coloca com seus trabalhadores comuns no celeiro. Ele é o resultado da infidelidade de seu pai. Nada mais.

Helena se levantou para ver melhor enquanto os boxeadores se encaravam. O reconhecimento instantâneo correu através dela quando viu o segundo homem.

Como Edmund o chamara?

Orlo.

Ela balançou a cabeça, murmurando para si mesma. —Isso não é bom. — Dell ia se matar.

Ian Tenyson estava ao lado da linha de fronteira, um sorriso esticando o rosto. Um calafrio percorreu sua espinha. Algo não estava certo com esse homem.

Por que Orlo estava mesmo na luta? Ele tinha esposa. Ele não estava competindo para impressionar a família real e esperando ganhar a princesa - conquistá-la.

Não, algo mais o trouxe aqui.

Ian.

Essa era a única explicação.

Ela tinha que descer lá. Tinha que vê-lo.

Virando-se para o pai, ela baixou os olhos. —Pai, posso ir ao banheiro?

Ele não tirou os olhos de onde um homem lançou um dardo no lado oposto da arena. —Diga aos guardas na porta para acompanhá-la.

—Eu prefiro que seja Quinn. — Ela agitou os cílios e deixou cair os lábios em uma carranca preocupada. —Eu me sinto muito mais segura na presença dele.

—Claro, tudo bem. Retorne imediatamente. As pessoas precisam ver você curtindo os jogos.

Quinn lançou-lhe um olhar interrogativo quando ele pegou sua bolsa e se levantou para levá-la através da porta.

—Senhor. — Um dos guardas começou. —Espere aqui. Alguns homens a levarão para onde você precisar.

Helena balançou a cabeça levemente, seus olhos implorando para Quinn ajudá-la.

Quinn colocou uma mão agradável no ombro do guarda. —Se eu não posso manter minha irmã segura, ninguém pode.

O guarda relaxou sua postura. —Sim senhor.

Quinn agarrou o cotovelo de Helena e a puxou para longe dos guardas na porta. Ela tropeçou, mas ele a impediu de cair.

—Len Rhodipus. — Ele suspirou enquanto a puxava pela esquina para um corredor silencioso. Ninguém era permitido nesta parte da arena enquanto a família real estava sentada em sua plataforma. Ele a soltou e passou a mão pelos cabelos escuros. —O que é isso?

Quinn era o único membro de sua família que poderia permitir que ela fizesse o que quisesse. Ela o escolheu especificamente. Stev nem pensava nisso e Cole exigia que ele fosse com ela.

Ela respirou fundo e encontrou os olhos dele, sem piscar. —Eu preciso ir lá em baixo.

—Onde? — A cautela em sua voz disse a ela que sabia exatamente onde.

—O chão da arena.

—Absolutamente não.

—Eu não estou lhe perguntando, Quinn. Vai ser mais fácil com a sua ajuda, mas eu já fiz isso antes.

—Len. — Ele levantou os olhos para o teto.

—Por favor, Quinn. Hoje é dia do meu nome. No final da semana, estarei ligada a um homem que todos sabemos que não será da minha escolha. Esta máscara... —Ela tocou o tecido macio em seu rosto. —Terá desaparecido, mas a gaiola permanecerá. Você sempre me fala da liberdade que experimenta quando sai do palácio para outros reinos. Deixe-me sentir isso. Só mais uma vez. Por favor.

—Você não pode demorar muito. — Ele finalmente disse.

Um sorriso se espalhou por seu rosto. —Então, você vai me ajudar?

—Você precisa prometer que voltará o mais rápido possível. Posso comprar algum tempo, mas não muito. Vou dizer ao pai que você ficou doente e precisou se recompor. Ele não questionará.

A verdade estava entre eles. O pai deles não se importaria se ela adoecesse desde que ela voltasse.

Quinn continuou. —Vou colocar um guarda em que confio fora do banheiro, para que o pai acredite. Você pode provar sua liberdade por alguns minutos e depois voltar. Estou enviando um dos meus homens lá para ficar de olho em você.

—Isso não é-

—Negociável.

—Bem.

—Prefiro acompanhá-la. Isso me faria sentir melhor.

Helena tocou o braço dele. —Mas eu não vou como princesa, então não posso realmente ter o príncipe comigo, posso? — Ela apontou para a bolsa dele. —Eu sei que você não luta sem camisa como Dell. Vamos ver com o que tenho que trabalhar.

Ele enfiou a mão e tirou calças compridas de lã e uma camisa que ela iria afogar.

—Mais complicado do que pedir emprestado a Kass. — Ela resmungou.

Quinn riu e gesticulou para a porta privada próxima.

Helena deixou o irmão no corredor e entrou no pequeno banheiro. Assim que a porta se fechou atrás dela, ela puxou os laços na frente do vestido, agradecida por sua mãe não ter forçado um espartilho nela. Ela tirou a adaga, sua companheira constante, do corpete e tirou o vestido. Enquanto vestia as roupas de Quinn, ela suspirou com o conforto.

As calças tentaram cair, então ela as atou na cintura e as enrolou até seus pés ficarem visíveis. A camisa pendia de seu pequeno corpo, como se fosse para um macaco. Ela adivinhou que sim, pensando no tamanho de Quinn. Colocou-a nas calças, sabendo que provavelmente parecia um dos meninos de rua implorando nas docas.

Seus dedos correram sob a parte inferior da máscara e ela hesitou antes de desatá-la.

Os pinos caíram no chão quando ela os puxou dos cabelos. Ela usou os últimos para puxar seus longos cachos de volta para a cauda baixa usada por muitos marinheiros.

Quando ela saiu da sala, Quinn riu e entregou-lhe uma capa.

—Onde você conseguiu isso? — Ela perguntou. Era um linho fino, usado principalmente por plebeus.

—Um dos guardas. — Ele deu de ombros enquanto a olhava com curiosidade. —Eu pensei que Stev estava brincando quando ele me disse antes, mas você realmente poderia se passar por um jovem.

—Exatamente o que toda mulher quer ouvir.

Ele se inclinou. —Aqueles que tentam se disfarçar devem ficar satisfeitos com a observação.

Ela começou a descer o corredor e virou-se para o irmão mais uma vez. —Quinn... obrigada.

—A qualquer momento, irmãzinha. Se há uma coisa que aprendi durante anos de guerra, é que a liberdade costuma ser mais importante que a segurança ou a tradição.

Ela sorriu mais uma vez ao virar a esquina. Era por isso que ela procurava ajuda de Quinn. Ele entendia.

Ela correu pelo corredor dos fundos até encontrar a porta que dava para o resto da arena. Um guarda estava de lado, mas ele mal olhou para ela, provavelmente assumindo que ela era uma criada. Eles estavam preocupados com as pessoas entrando, não saindo.

Isso poderia ser um problema para ela, mas ela não parou para pensar em seu retorno.

A multidão a envolveu assim que ela pisou no chão da arena sob o céu aberto. Eles a envolveram em sua emoção. Seus aplausos vibraram através de seus ossos. A adrenalina disparou em seu coração. Era isso que a família real perdia na plataforma.

Aqui em baixo, entre as pessoas, havia vida.

Ela abriu caminho através da multidão até encontrar a luta de boxe que precisava ver de perto. Corban estava aqui caso Dell precisasse dele?

O suor escorria entre os sulcos dos abdominais de Dell e as bochechas de Helena esquentaram ao se lembrar do dia no rio. O dia em que ela não conseguiu parar de pensar.

Logo antes de Dell se arriscar tentando protegê-la de Stev.

Um grito rasgou o ar quando o punho de Orlo se conectou à mandíbula da Dell. A multidão aplaudiu, torcendo por Orlo. Ele era um dos poucos lutadores que era um deles e não um comerciante.

Helena se encolheu quando Dell se afastou do impacto, seus olhos se conectando aos dela quando o sangue voou de sua boca.

Uma velha ao lado dela ofegou. —Aquele pobre garoto.

Helena não pôde se conter ao puxar o capuz da capa mais ao redor do rosto e se virar para a mulher. —Você conhece os boxeadores, senhora?

Ela assentiu, limpando uma lágrima debaixo do olho. —Dell é um garoto tão doce. Esses irmãos dele, por outro lado... —Ela fechou a boca como se tivesse dito algo que não deveria.

—Len. — A voz de Dell fez Helena olhar rapidamente para ele. Orlo se retirou por um momento.

Sangue vermelho escorria de um corte na testa, mas ele sorriu.

Ele ouviu Stev chamá-la de Len, e era muito perto do nome real dela, de todos os seus segredos, mas quando ela olhou nos olhos nebulosos do homem diante dela, ela não se importou.

Orlo seguiu em sua direção.

—Cuidado, Dell. — Disse ela.

Ele piscou. —Sempre, querida. — Ele se virou para evitar o próximo ataque.

Helena deveria ter saído naquele momento. Ela sentiu o gosto de excitação que desejava e sua família procuraria por ela.

Mas ela não conseguiu se mexer quando os joelhos de Dell atingiram o chão.

 

 

 

 

 

 

 

 


Capitulo Doze


O calor irradiava do chão arenoso da arena enquanto Orlo jogava Dell de costas.

A perda parecia tão familiar. No entanto, desta vez, ele tinha uma audiência maior. A multidão escolheu apoiar Orlo desde que ele era um deles. Dell nunca existiu e agora eles sabiam disso.

Um aplauso percorreu a arena. —Orlo! Orlo! Orlo! — Apenas os comerciantes ficaram calados.

Orlo levantou os braços para a multidão, desfrutando de sua adoração. Ele estava prestes a bater no filho do maior comerciante de Madra.

—O que temos aqui? — A voz de Ian empurrou toda a névoa da mente da Dell.

Ele poupou um momento para encontrar seu irmão e... ele a notou. Droga, Len! Ele disse a ela que disfarce não funcionaria se alguém olhasse de perto. E Ian tinha.

O Tenyson mais velho tinha olhos de falcão, e eles tinham como alvo Len, a garota que Dell ainda sabia muito pouco.

—Não. — Ele rugiu enquanto se levantava, a dor cortando através dele com o movimento.

Ele correu para Orlo, pegando-o pela cintura grossa e jogando-o no chão. O choque momentâneo foi tudo o que ele precisava para colocar o punho no rosto do outro homem.

Ian não tocaria em Len, mas se Dell parasse, ele teria que vencer essa luta primeiro. Para acabar com isso.

Ele bateu em Orlo com uma ferocidade que nunca havia experimentado antes, a raiva correndo por ele.

Seu peito arfava quando ele se afastou do homem imóvel.

Orlo levantou um braço laboriosamente.

Ele concedeu.

Choque penetrou em Dell. Ele ganhou.

Mas ele não teve tempo de absorver o som de seu nome agora rugindo na multidão. Com toda a força que lhe restava, ele correu em direção ao irmão, que segurava o braço de Len.

—Vamos, querida. — Ian murmurou. —Eu vou lhe mostrar um bom tempo.

—Deixe-me ir.— Gelo pendia de sua voz.

—Acho que não.

Len estreitou os olhos segundos antes de girar em suas mãos, puxando uma adaga livre de uma bainha na cintura e apontando para ele. Ela puxou o curativo ao redor do outro braço. Ele se soltou facilmente e Ian usou o braço supostamente machucado para dar um tapa nela.

Dell pulou para eles, puxando seu irmão de volta. —Não toque nela. — Ele rosnou.

—Tanta coisa por se machucar. — Ela esfregou a bochecha e levantou a voz. —Parece que alguém queria evitar lutar por sua própria honra. A princesa nunca escolherá um covarde.

Ian olhou para a plataforma real. A princesa não estava mais sentada na cadeira e ele balançou a cabeça. —Eu posso arruinar você, garota. Plebeus como você são um flagelo neste reino.

—E comerciantes como você destroem tudo o que tocam.

Ele se inclinou para mais perto e antes que Dell pudesse detê-lo, ele pressionou seus lábios nos dela. Dell se colocou entre eles, mas não antes de Ian gritar e pular para trás. —Cadela me mordeu. — Ele procurou o ambiente. —Guardas. Esta mulher me agrediu.

Agredir um comerciante - independentemente de você ter feito isso – tinha penalidades estritas.

Dell pegou Len pelo braço. —Quer sair daqui?

Os olhos dela se voltaram para o rei, a indecisão brigando em seu olhar. Ela sacudiu a adaga na mão e empurrou-a de volta para a bainha, dando-lhe um aceno de cabeça.

Os guardas correram na direção deles e Dell puxou Len correndo. Ele nunca perdeu o controle sobre a mão dela enquanto eles caminhavam para os portões da arena e para a cidade. Passos pesados soaram atrás deles.

—Os estábulos. — Disse Dell, mudando de direção. Ele puxou Len enquanto suas pernas curtas lutavam para acompanhar. Sua respiração saia em fungadas duras.

Atrás da arena ficavam os maiores estábulos da cidade. Somente comerciantes tinham o privilégio de usá-los. Eles diminuíram o passo. Dell olhou por cima do ombro. Os guardas pararam nos portões da arena, sem se dar ao trabalho de persegui-los.

O guarda na porta do estábulo olhou-o com curiosidade antes de o reconhecimento acender em seus olhos. Ian e Reed fizeram Dell levar seus cavalos para os estábulos. Ele percorreu as filas de baias, certificando-se de que Len ainda estivesse atrás dele.

O Cavalo-Ian levantou a cabeça quando Dell entrou na frente dele.

—Tudo bem, seu velho bastardo, precisamos sair daqui.

Cavalo-Ian bufou quando seus lábios se afastaram para mostrar os dentes.

Dell abriu a porta gasta de madeira e levantou a sela de onde estava pendurada em um gancho de latão.

— Depressa — Len sussurrou, lançando um olhar para a porta.

Dell não entendia por que ela estava tão preocupada. Eles não procuravam duas pessoas que não importavam.

Dell ouviu qualquer sinal dos guardas. —Vamos ficar bem. — Disse ele.

—Você tem certeza?

—Você é quem parece ter habilidade com sua adaga. — Ele levantou uma sobrancelha. —Você pode lutar contra eles.

A boca dela se abriu.

Uma risada saiu da Dell. —Estou brincando. Ficaremos bem, mas se você se sentir melhor, podemos mudar nossa aparência. Procuram um homem sem camisa e alguém de capuz, me dê sua capa.

Ela não hesitou ao soltá-la e encolher os ombros. O cabelo se soltou dos alfinetes que o prendiam à cabeça, dando-lhe um olhar selvagem.

Suas roupas falavam de uma plebeia, mas sua pele macia e oliva não apresentava os danos que a maioria dos madranos sofria ao trabalhar ao sol.

Quando os dedos dela roçaram os dele, ele não sentiu calos.

Ele sacudiu seu estupor momentâneo e prendeu a capa no pescoço. Gesticulando para o cavalo, ele disse: —Você vai.

Os olhos dela voaram do cavalo para o rosto dele e voltaram novamente. —Eu nunca...

Mesmo depois de uma década entre o mar de edifícios, ele nunca se acostumava com o povo da cidade. —Deixe-me adivinhar, você só andou de carruagem, não montada em um cavalo.

A vergonha acendeu em seus olhos e seu rosto se suavizou.

—Vamos princesa. Estarei logo atrás de você.

Ela congelou, arregalando os olhos quando deu um passo para trás.

A culpa o atingiu instantaneamente. —Sinto muito, senhorita. Ah... — Ele esfregou a nuca. —Eu não vou te chamar de princesa novamente. Isso não foi muito legal.

Os ombros dela relaxaram. —Ok, mas se eu cair...

—Você vai mandar seu amante atrás de mim? — Por que ele não podia controlar suas próprias palavras? Todas as maneiras haviam deixado sua mente. Sua mãe teria vergonha. E daí que ela era a amante do príncipe? Ela ainda poderia usar uma amiga.

Na verdade, o príncipe poderia tirá-la de problemas com os guardas, mas Dell não disse isso. Ele não estava pronto para deixá-la voltar à sua vida ainda.

Ele colocou as mãos na cintura fina e a levantou sobre o cavalo. Cavalo-Ian deu um passo atrás e Len uivou.

—Ei. — Dell murmurou para a besta. —Shhh... ela é uma amiga. — O cavalo olhou para ele como se estivesse dizendo.. Mas o que você é?

Dell ficou atrás de Len e chutou os flancos do cavalo. Eles deixaram o lugar sem sinal de perseguição, exatamente como ele pensava. Ele deveria ter ido em direção ao palácio para devolver Len ao seu lugar de direito.

Ele deveria ter feito muitas coisas.

Em vez disso, ele a agarrou com mais força. —Não podemos deixá-los nos encontrar até que isso acabe. Meu irmão tem um longo alcance.

Apenas parte verdadeira.

—Eu...— Len cuspiu. —Eu preciso... voltar. Eles vão me procurar. — Ela pareceu hesitar por um momento. —Mas eu não posso. Ainda não.

Aliviado por não ter que entregá-la em casa ainda, Dell chutou o cavalo e eles saíram pelas ruas desertas da capital de Madra. Eles fecharam tudo para os jogos. Como se fosse um lembrete, uma pontada de dor esfaqueou o abdômen de Dell e ele se encolheu.

—Você está bem? — Len perguntou.

—Tudo bem. — Ele rangeu os dentes.

Normalmente, ele ia direto para a loja de Mari para ver se Corban poderia aliviar sua dor. Mas ele queria sentir tudo o que seu irmão fez com ele dessa vez.

Dell adorava boxe, mas lutar com Orlo era um tipo diferente de batalha e Ian sabia disso. Foi por isso que ele arranjou.

O ódio por seus irmãos ardia nele. Um dia, ele estaria livre deles. Ele estaria livre de todos eles.

 

O aperto de Dell em Helena ficou mais fraco a partir do momento e ela temia que ele escapasse do cavalo.

—Temos que levá-lo a Corban. — Disse ela.

—Não. — A mão grande dele apertou o lado dela. —Continue andando.

O hálito quente na parte de trás do pescoço dela enviou um calafrio. Helena nunca esteve tão perto de um homem que não era parente dela... além de Edmund, mas ele também poderia ser um parente.

O que sua família estava pensando agora? A princesa desapareceu dos Jogos Madranos sendo realizado em sua homenagem. Em breve, a cidade estaria em alvoroço procurando por ela. Quinn nunca mais confiaria nela depois que ela quebrou sua promessa.

Mas, pela primeira vez em sua vida, ela se sentiu como algo diferente do pássaro enjaulado que ela havia sido a vida toda. Ela não estava escapulindo pelas ruas sozinha, como antes. Desta vez, ela montava orgulhosamente com um homem cujo toque fazia com que os cabelos de seus braços se arrepiassem.

Dell não era como ninguém que ela já conheceu. Enquanto usava sua máscara, ela divertiu muitos comerciantes da cidade no palácio. Os jovens pensavam muito em si mesmos, sempre arrumando e cuidando muito da aparência. Eles se preocupavam mais em poder dizer que passavam algum tempo na presença da princesa do que realmente prestando atenção nela.

Era por isso que os Jogos Madranos a intrigavam. Aqueles mesmos homens foram colocados em uma luta onde habilidade importava mais do que aparência. Qualquer homem de posto em Madra treinava boxe desde tenra idade. Mas o treinamento em seu próprio pátio diferia muito de enfrentar multidões de pessoas comuns que queriam ver você se machucar.

Dell... ele era rápido, mas não tinha sido páreo para a força de Orlo - até que ele viu Ian com ela.

Por que ele sentiu a necessidade de protegê-la?

Ele ainda achava que ela era amante de um príncipe por causa do padre.

Madra não era como os outros reinos sobre os quais ouviu falar nas histórias. Pessoas de diferentes estações não se preocupavam. Eles não se uniam ao exército por orgulho de seu rei e país. Aqueles que lutavam faziam isso porque era uma alternativa a uma barriga vazia.

Ela não tinha ilusões sobre a lealdade das pessoas ao pai.

Quanto mais próximos da periferia da cidade eles se afastavam, mais distantes ficavam os prédios. As pessoas mais pobres da cidade viviam na periferia de uma favela que explodiria na próxima vez que uma grande tempestade chegasse à costa.

Seus irmãos teriam desviado os olhos, mas sua mãe encontraria os olhos de todas as pessoas pelas quais passavam. Ela levantou o queixo e sorriu para o primeiro homem que viram.

—Por que ele não está nos jogos? — Ela sussurrou para a Dell.

A voz da Dell vibrou contra seus cabelos. —Eu sei que você mora no palácio com sua... com a família real... mas nem todo mundo tem o luxo de poder cumprir todas as vezes que o rei diz. Dê uma olhada mais de perto nele.

O velho levantou o rosto para o sol, mas não foi o rosto desgastado ou os olhos vazios que chamaram sua atenção. Quando ele se mexeu, onde estava sentado no chão, sua perna rasgada da calça tremulou, girando sobre onde deveria estar a perna direita.

Um pequeno suspiro escapou dela.

—Você realmente não sabe nada de Madra, não é? — A voz de Dell não julgava, apenas continha curiosidade.

Helena encolheu os ombros enquanto afundava os dedos na crina grossa do cavalo, precisando sentir a vida debaixo dos dedos.

Ela precisava voltar ao palácio antes que eles destruíssem o reino procurando por ela, mas seu peito se apertou com o pensamento.

—Você já viu o mar, Len?

Claro que ela não tinha visto. O único corpo de água que ela já viu foi o rio que percorria a extensão da cidade, levando barcos para o mar aberto entre Madra e Bela.

—Len?

Ela suspirou. —Não.

—Fora da cidade, há um lugar onde o rio corre raso o suficiente para atravessar. Uma enseada fica nas proximidades, onde o mar lava na praia. Posso te levar até lá?

Ela fechou os olhos, precisando dizer não. Durante toda a sua vida, ela obedeceu às leis de Madra, seguindo tudo o que os padres lhe disseram para fazer.

Seus rostos vieram à sua mente. Vestes brancas. Zombarias permanentes. A imagem mudou para a de Kassander um dia assumindo sua posição entre eles. O doce irmão dela. Será que algum dia os filhos da realeza terão algo para si?

—Sim. — Ela respondeu, percebendo que, se quisesse o bem em sua vida, teria que aceitar e viver com as consequências que surgissem.

Dell deu um chute no cavalo e logo a terra aberta se estendeu diante deles, rolando e mergulhando até as montanhas ao longe.

Helena percorreu o horizonte, maravilhada com a beleza que existia além da cidade lotada. Ela se mexeu na sela, nem seu traseiro dolorido poderia distraí-la do esplendor de seu reino.

Esta era a terra da família dela. Quando o pai dela falava de suas guerras impedindo invasões, mantendo seus inimigos fracos, ele estava protegendo muito mais do que o que havia dentro das muralhas do palácio.

Pela primeira vez em sua vida, ela o entendeu.

Eles passaram por um bosque de árvores e chegaram a uma grande extensão do rio. A água corria rapidamente em direção à cidade.

Um cervo abaixou a cabeça para beber.

—Calma. — Dell sussurrou.

Helena só tinha visto cervos em livros de histórias, mas aqui estava ela na frente de um.

Sentindo a presença deles, o animal levantou a cabeça, grandes olhos castanhos encontrando os deles segundos antes de correr para as árvores com um estrondo de galhos.

Dell cutucou o cavalo para frente até entrar na água. Helena prendeu a respiração, esperando que fosse realmente tão superficial quanto Dell acreditava.

Ela o soltou quando chegaram ao outro lado, apenas para ser recebida por uma parede de rocha coberta de musgo.

Ela examinou o impedimento onde pairava sobre eles, seus ombros caindo.

Dell, sem mostrar sinais de decepção por ter levado o caminho errado, deslizou do cavalo. Ele estremeceu quando seus pés atingiram o chão.

—Dell. — Helena tentou deslizar para baixo como ele, mas seu pé ficou preso no estribo, fazendo-a girar e cair no chão. O impacto enviou uma força chocante através dela. Ainda com o pé no estribo, pendia acima do resto do corpo.

O cavalo se afastou dela, arrastando-a lentamente.

Dell pulou para frente e soltou o pé dela. —Você está bem? — Ele conteve uma risada.

Helena se levantou e examinou seu corpo em busca de algum sinal de sangue. —Você não estaria rindo se eu morresse.

—Você está certa.

Ele sorriu.

—Pare com isso.

—Não.

—Dell.

—Len.

Ela deu um soco no braço dele, e todas as piadas desapareceram de seu rosto quando a dor invadiu seus olhos.

—Dell, você precisa se sentar. — Ela tocou suas costas o mais suavemente possível. —Vamos. Então podemos encontrar o caminho de volta à cidade.

—Não vamos voltar antes que você coloque os olhos no mar.

—Não há problema em admitir que você nos desviou.

—Oh, eu nos desviei, não é? — Ele balançou a cabeça e pegou as rédeas do cavalo. —Cavalo-Ian tem que ficar aqui.

Ela levantou uma sobrancelha para o nome. Ela nunca havia conhecido alguém como Dell antes.

Dell terminou de amarrar o cavalo-Ian a uma árvore antes de deslizar a mão pelas pedras. Len o seguiu até chegarem a uma abertura, mal larga o suficiente para passar. Dell se espremeu nela sem hesitar. —Vamos!

Helena se encolheu, as pedras ásperas rasparam seus braços enquanto deslizava ao longo da abertura estreita.

No momento em que ela se libertou, sua blusa já havia sido dobrada e caiu nos joelhos. Fios de cabelo caíam loucamente em seu rosto.

Os olhos dela estavam fixos em Dell, o cabelo loiro despenteado e a pele bronzeada de seu rosto manchada de hematomas. Mesmo assim, ele era bonito.

Os olhos dela seguiram a linha de visão dele quando ouviu o barulho das ondas na costa rochosa.

Seixos se mexeram sob seus pés enquanto ela caminhava para o lado da Dell.

—Dell. — Ela sussurrou. —Isto é...

—Eu sei.

Penhascos afiados emolduravam a enseada em três lados, com o oceano como o quarto.

Helena olhou para a água banhada pelo sol, que subia e descia. O fraco contorno dos navios marcava o horizonte. Era uma zona comercial movimentada.

Ela respirou fundo, imaginando que podia ver todo o caminho até Bela e a aventura que a esperava lá. Uma aventura de magia e honra que ela nunca experimentaria.

Em vez disso, as reuniões do conselho e os jantares do palácio seriam o resto de sua vida.

—Você já pensou em ir embora? — Ela perguntou. —De embarcar em um dos navios de sua família e ir para Gaule ou Bela ou até Dracon?

—Todos os dias da minha vida. — Ele suspirou e partiu em direção à água, tropeçando enquanto se abaixava para se sentar na areia negra além das pedras. Ele encolheu os ombros da capa, revelando um torso listrado com cortes e contusões. Com um gemido, ele se recostou.

Helena correu para a frente e caiu de joelhos ao lado dele.

—Dell.

—Eu estou bem. — Ele resmungou.

—Como diabos você está. — Helena mordeu o lábio. Sua mãe havia lhe ensinado muitas coisas, mas Sophia sempre exigia que ela parasse nas tarefas de curandeira. Uma princesa não deveria usar as mãos dessa maneira. O que Sophia teria dito se soubesse das habilidades com uma adaga?

—Estou cansado. — Os olhos da Dell se fecharam.

—Não, Dell Tenyson. Não adormeça em mim. Acorde, seu idiota. O que você estava pensando andando por toda a cidade apenas para me mostrar o mar? Eu não precisava ver. Não quando você precisava de um curandeiro.

Uma lágrima percorreu seu rosto. O que eles fizeram?

—Não me chame assim. — Ele murmurou.

—O que?

—Dell Tenyson. Eu não sou um deles.

—Bem. Diga-me o que preciso fazer por suas feridas.

—Limpar... elas precisam ser limpas.

Ele deve ter falado sério. Helena pegou a capa descartada e virou-se para mergulhá-la na água. Ela a segurou sobre Dell para deixar a água escorrer em seu primeiro corte antes de limpá-la.

Um grito escapou de sua garganta e Helena congelou.

—Dell, Dell, você está bem. O que há de errado?

—Água salgada. — Ele resmungou. —Queimaduras.

—Bebê grande. — Ela murmurou, desejando que Corban estivesse com eles. Ela não entendia a magia de cura dele, mas viu o suficiente para acreditar nela.

A voz de Dell cortou quando ele se acalmou, o único movimento vindo de seu peito subindo e descendo.

Helena recostou-se nos calcanhares. —Ótimo. — Ela balançou a cabeça e continuou limpando Dell.

Lá estava ela, a princesa de Madra, sozinha, exceto por um garoto inconsciente que ela mal conhecia, observando os pássaros voarem sobre o mar solitário. Tudo o que ela conseguia pensar era o quanto ela não queria voltar.

 

 


Capitulo Treze


Algo quente atingiu o rosto de Dell, acordando-o de meio sono. Um pássaro gritou acima, mas tudo o que ouviu foi o riso suave vindo de perto.

Ele respirou o ar salgado, perdido no som.

Espere, ar salgado? Onde ele estava?

Ele abriu os olhos devagar, o sol minguante da tarde atingindo seus olhos.

Os eventos do dia voltaram para ele. Os jogos Madranos. Lutando com Orlo. Len.

Ele disparou, odiando a si mesmo no minuto em que fez quando a dor rasgou seu lado.

O riso de Len cortou. —Hey. — Ela se aproximou dele com uma mão hesitante na frente dela. —Você realmente deve deitar-se.

Seus olhos encontraram o rosto em tom de azeitona emoldurado em cachos escuros selvagens e sua respiração se acalmou.

Ela mordeu o punho para abafar outra risada. —Eu sinto muito. É só que... um pássaro usou seu rosto como latrina.

O calor que ele sentiu antes deslizou para o lado da bochecha. Ele passou as costas da mão na pele. —Ugh, nojento.

—Eu não sei. Eu pensei que melhorou bastante a aparência.

Ele balançou sua cabeça. —Você zomba do príncipe dessa maneira? — Assim que elas saíram, ele se arrependeu de suas palavras.

A expressão de Len parou, o gelo entrando em seu olhar.

—Talvez se você usasse seu cérebro em vez de seus punhos por um momento, não veria todos nós encaixados na imagem que você tem de Madra. Talvez eu não seja a mulher que você pensa que sou. — O pânico brilhou em seu rosto, como se ela tivesse dito algo que não deveria. —Quero dizer... não julgue o que você não entende.

Ela se levantou e deu as costas para ele.

Dell apoiou-se nos cotovelos. Ele tinha o hábito de dizer a coisa errada e irritar as pessoas. Mas ele não queria fazer isso com essa garota. Senhora do príncipe ou não, ela o intrigava. Se ela se ligou ao Rhodipus, ela deve ter um motivo.

Ele não estava ligado a eles agora também? Graças a Edmund e Ian, ele agora tinha que escolher um lado. Ele estava com sua família que nunca foi gentil com ele ou com Edmund que não era nada além de um amigo.

Ele se levantou, ignorando todas as dores dentro e cruzando a areia preta e escura. Len estava com as calças enormes arrastando na água enquanto ela se ajoelhava.

—Você está certa. — Disse ele.

Ela se endireitou, erguendo uma sobrancelha. —Eu estou o que?

—Você sabe o que eu disse.

—Eu ouvi. Eu apenas gosto de ouvir isso.

—Você me frustra.

Um sorriso se espalhou lentamente por seu rosto e foi como se iluminasse o mundo inteiro. —Bom.

—Bom?

Ela assentiu. —Eu meio que destruí tudo para você hoje. Se eu não te frustrasse, pensaria que você era louco.

—Por que você ainda está sorrindo então?

—Talvez eu seja louca.

Ele finalmente riu. —Provavelmente.

Ela deu um soco no braço dele. Ele se encolheu e ela cobriu a boca. —Eu sinto muito. Eu nem pensei.

—Tudo bem. — Ele chiou, seus olhos a examinando até que ele pegou um flash de metal na mão dela. As sobrancelhas dele se ergueram. —Planejando me matar agora, está? E com minha própria faca de talhar? Isso é aspero.

—Talhar... o quê? — Seus olhos foram para a faca na mão.

—Faca de talhar. — Ela deve ter tirado de um dos bolsos escondidos em suas calças. Ele nunca foi a lugar nenhum sem ela. Se os árbitros soubessem que ele tinha uma faca durante a luta esta manhã, ele seria desqualificado. Ele enfiou a mão no outro bolso, onde sempre mantinha seu projeto atual. Esculpir o acalmava, mas ele nunca quis compartilhar isso com ninguém antes. Len meio que o forçou, mas ele descobriu que não se importava.

Seus olhos se arregalaram quando ela viu o pequeno anjo de madeira na palma da mão dele. Ela tocou suavemente.

—É lindo.

O orgulho floresceu em seu peito. —Minha mãe me ensinou.

—Lady Tenyson pode fazer isso? — Ela pegou o anjo, examinando todas as curvas.

Uma risada áspera vibrou no ar quando Dell pensou em sua madrasta autoritária fazendo algo tão delicado. —Não. Minha mãe. Morávamos em uma vila na montanha quando eu era mais jovem. Eu não vim para a cidade até que ela...

Len colocou o anjo de volta na palma da mão e cruzou os dedos sobre ele. Os olhos dela encontraram o olhar dele enquanto seu coração batia forte contra suas costelas. Sua testa franziu como se ela estivesse tentando descobrir.

—Dell. — Ela sussurrou o nome dele como uma oração. —Estou tentando descobrir como o lutador manchado e machucado que vi pela primeira vez nas ruas de Madra pode tornar algo tão... bonito.

As bordas de sua boca se inclinaram. —Você pensou que eu era um lutador de boxe com cabeça de madeira, como tantos rapazes nascidos nesta cidade.

—Eu realmente não sei o que pensei.

—Você sabe o que eu acho? — A distância entre eles de alguma forma desapareceu.

Seu “não” ofegante aqueceu seu rosto.

—Nós provavelmente deveríamos voltar para a cidade antes do anoitecer.

—Por favor. — O desespero tingiu sua voz quando ela se afastou, voltando à realidade com suas palavras. —Só mais um pouco.

Isso o atingiu então. Ela não queria voltar. Não era apenas o que aconteceu nos jogos. Algo no palácio roubava a alegria de seus olhos.

O momento deles foi esquecido quando o queixo dele se apertou. —Eles estão forçando você a estar lá? Para-

—Não. — Ela tocou a mão dele. —Não. Nada como isso. Eu só... eu não consigo explicar. Eu quero ficar aqui com você.

Ele não acreditou nela, mas o que ele poderia fazer? Invadir o palácio e exigir que o príncipe lute com ele? Ele perderia, é claro. E então, onde Len estaria?

—O que você quis dizer com destruiu tudo para mim hoje? — Ele perguntou.

Len cruzou os braços sobre o peito e subiu a praia longe dele. Ele a seguiu até onde a areia virou pedra.

Ela chegou à base do penhasco e deslizou para sentar, encostada na parede de pedra. Dell se juntou a ela.

Seus polegares bateram um contra o outro quando ela puxou os joelhos. —Você é um Tenyson, Dell. Eu não sabia disso antes. Mas agora eu vejo. E você me escolheu em vez de seu irmão.

Dell riu. —É com isso que você está preocupada? Para mim, Ian não é nada para mim.

—Você fugiu com...— Ela se conteve.

Sua testa franziu. —Com o quê?

Ela suspirou. —Com a amante do príncipe. Isso não será encarado com gentileza. Acho que você não entende o que provavelmente está acontecendo na cidade no momento. Os jogos madranos provavelmente fecharam cedo. A guarda do palácio provavelmente está vasculhando as ruas. Eles vão sair da cidade em breve. Depois eles viajarão em direção às aldeias vizinhas.

Nada disso fazia sentido. Por que a guarda real procuraria uma amante? Reis e príncipes tinham muitas. Estevan Rhodipus nunca esteve ligado a ninguém antes de Len, mas... a verdade bateu em seu rosto como se uma onda subisse do mar para arrastá-lo para baixo.

—Você não é apenas uma amante, é? — Era tão óbvio agora. Como ele poderia não ter visto? Estevan a recuperou da própria Mari. Não Edmund ou algum guarda, o príncipe.

Len abriu a boca, mas nenhuma palavra saiu quando ela lutou pela verdade.

Ele ficou de pé e andou na frente dela, cada passo trazendo uma nova dor, nem todas físicas.

Por que ele se sentiu tão traído? Ele não tinha direito a nada de Len.

Ela ficou de pé, tirando o pó da bunda da calça. —Dell, você está certo.


Ele poderia ter feito uma piada disso como ela, mas sua mente girou com o novo conhecimento.

—Eu sou-

As palavras explodiram dele. —Apaixonada pelo príncipe? Sim, eu descobri.

—Isso é...

Ele colocou as mãos na cabeça e respirou através da dor. Então, por que ela não estava morrendo de vontade de correr de volta para os braços dele? Não, ele não estava certo. Ele a encarou. —Não, o príncipe está apaixonado por você.

Uma risada se libertou dela. Ele não entendeu o que era tão engraçado.

Ele agarrou o braço dela, encontrando seu olhar. —Ele está forçando você a ficar? — A tradição dizia que Estevan Rhodipus tinha que se casar com alguém de um dos outros cinco reinos. E em Madra, a tradição era lei. Os padres garantiriam que ele seguisse o que sempre havia sido feito.

Não importava o que sentisse, o herdeiro se casaria com a princesa de Gaule.

Len baixou o olhar. —Eu quero te contar uma coisa.

Ele largou o braço dela. —Já ouvi o suficiente. Esse bastardo está fazendo você ficar com ele enquanto ele se casa com outro. Você não precisa explicar mais nada. Eu vejo tudo. Os disfarces que você costumava sair do palácio e se afastar da situação. Seu desejo de passar mais tempo na liberdade que temos, sem o olhar atento do príncipe. Se eu ainda não odiasse a linhagem Rhodipus, isso me levaria mais longe nessa estrada.

Lágrimas se formaram em seus olhos. —Você é contra a família real? Todos eles?

Ele suspirou. — O jovem príncipe e rainha parecem bem. Mas Len, o rei e sua família nos levam à ruína. O povo de Madra passa fome enquanto eles planejam bailes.

—A tradição diz que a princesa precisa ter um baile para escolher um marido antes que sua máscara seja removida.

—Tradição do parafuso.

Ela ofegou. —Você não quis dizer isso. A tradição transformou Madra no que é.

—Uma nação que faz guerra? Sinto muito, Len, mas Madra não é um grande reino. O rei não se importa com o povo e Estevan não é melhor. Os príncipes bastardos raramente estão em solo Madrano. Não sabemos nada sobre a princesa. Por que ela está escondida de nós? Não está certo. Ela será a chefe do conselho de comerciantes e os comerciantes estão levando a cunha entre as classes ainda mais fundo. Nossas liberdades caem ao nosso redor e ela se senta em seu palácio obedecendo aos padres e aprendendo a tirar mais comida da boca das crianças para dar aos comerciantes.

Nenhuma lágrima nublou os olhos de Len por mais tempo que endureceram. —Diz o filho do comerciante.

—Você não sabe nada sobre mim. — Ele se virou e caminhou pela praia.

—E você sabe muito sobre mim? — Ela gritou nas costas dele. —Eu mudei de ideia. Leve-me de volta ao palácio.

—Com prazer.

 

A escuridão cobria o mundo quando Dell e Len voltaram pelas ruas da cidade.

—Leve-me para o Edmund. — Disse Len.

Foram as primeiras palavras que ela falou desde que deixaram a praia. O breve momento de paz que eles experimentaram não existia em nenhuma de suas vidas.

—Se você me levar ao palácio, é provável que eles o prendam.

Ele resmungou. —Não preciso que você me explique.

—Desculpe.

Ele coçou a lateral do rosto. —Não, está tudo bem. Eu estou apenas...

—Sim eu também. Olha Dell, acho que hoje foi um erro. Não deveríamos ter fugido. Nós dois temos vidas aqui em Madra que precisamos seguir adiante. Acho que não vou vê-lo novamente.

Ele queria dizer a ela diferente, mas ele não podia. Ela estava certa. Eles não podiam se procurar. Mas como ele deveria esquecer uma garota que fez toda a dor em sua vida desaparecer?

Uma garota cuja teimosia o levou. Uma garota que ele...

Não. Ela não era dele. Ele não tinha direito e nunca teria.

Eles não encontraram guardas reais nas ruas, mas os sinais que estavam lá estavam por toda parte. Caixas viradas, comida podre espalhada pela estrada, fezes de cavalos.

Cavalo-Ian bufou quando Dell puxou as rédeas, virando-as na direção da fila do embaixador.

Quando eles pararam perto do portão de Edmund, ele se abriu rapidamente.

Um Edmund exausto congelou, seus olhos se arregalando. —Len. — Ele correu para ajudá-la a descer do cavalo. —Temos procurado em todos os lugares por você.

—Edmund. — Sua voz suavizou. —Estou bem. Eu precisava sair de lá.

Ele balançou sua cabeça. —Eu não acho que você entenda quantos problemas você tem. O rei-

—Não aqui, Edmund.

Ele olhou para Dell como se o visse pela primeira vez. —Len, entre. Vou conversar com Dell.

Ela lançou-lhe um último olhar apreensivo antes de desaparecer em sua casa.

—Dell Tenyson.

Dell nunca ouvira tanta raiva no tom de Edmund. Ele segurou as mãos na frente do peito. —Olha, me desculpe. Eu estava apenas ajudando-a a se afastar de Ian.

Edmund engoliu em seco, respirando fundo. —Eu sei que você não entende o que realmente aconteceu hoje, então vou explicar uma coisa para você.

—Eu sei tudo. — Afirmou Dell.

—Não, você não entende. Ouça-me, Dell. Essa garota é especial. Não vou explicar quanto a você, porque a tradição Madrana deve até guiar um homem belaeno dentro desta cidade.

—Eu não tenho ideia o que isso significa.

—Claro que não. Então, aqui está o que vai acontecer: você vai esquecer Len. Você não a conhece. Tudo o que você pensa que é mentira. Você nunca mais a verá.

—Você não pode-

—Oh, mas eu posso. Esta é a barganha que você fará comigo, para que eu não o entregue ao rei por sequestrá-la hoje.

—Eu não...— Dell estreitou os olhos. —Eu estava tentando protegê-la.

—Se você quiser protegê-la, me ajudará a manter Rhodipus no poder. Você impedirá que sua família e seus aliados joguem Madra no caos. Essa é a única coisa que Len precisa de você. Ela mora naquele palácio. O que você acha que acontecerá com ela se for invadida?

Dell não deu a resposta que sabia em seus ossos. Rebelião significava morte. Qualquer líder rebelde inteligente gostaria que aqueles ligados ao rei fossem mortos.

Len.

Ele levantou os olhos para a porta pela qual ela desapareceu. Ela nem sabia o perigo em que estava. O mesmo sentimento que lhe ocorreu quando o príncipe apareceu na casa de Mari correu por suas veias, e ele soube com uma súbita clareza de que lado estava.

Não para o rei, mas para aqueles protegidos por seu poder.

Ele encontrou o olhar de Edmund, vendo a mesma verdade em seus olhos. Nenhum deles tinha escolha. Eles tinham que lutar por Madra porque a alternativa era impensável.

Capitulo Quatorze


Edmund entrou de volta na casa, a porta batendo atrás dele. Ele não parou até ficar na frente de Helena. Por um momento, eles apenas se entreolharam - ela apreensiva, ele aliviado. Ele fechou a curta distância e a esmagou contra ele.

—Ah, Edmund. — Ela ofegou. —Você estava preocupado comigo?

—Não brinque com isso, Helena. Não é você que foge do palácio para conhecer a cidade. Você desapareceu dos jogos Madranos. Seus jogos. Você tem alguma ideia de como seu pai está chateado?

—Eu não sabia que ele se importava.

Edmund se afastou dela e a segurou no comprimento do braço. —Não seja boba, princesa. O rei sabe que você não foi sequestrada. Quinn já recebeu seu castigo e padres invadiram a cidade procurando por você.

Ela afastou os braços dele e se virou para agarrar as costas do sofá na área de estar. Quinn. Ela fechou os olhos, soltando um suspiro. Como ela poderia ter sido tão estúpida? Ela nem pensava em seu irmão desde que deixou os jogos para trás.

—Conte-me tudo, Edmund. — Sua voz falhou. —Por favor.

Ele pareceu se recuperar de sua irritação e colocou uma mão reconfortante no ombro dela. Ela colocou a mão livre sobre a dele e apertou.

—Venha. — Disse ele, sua voz suave como se estivesse falando com uma criança. —Devo devolvê-la ao palácio. Podemos conversar no caminho.

Uma carruagem branca esperava por eles do lado de fora do portão da frente. Helena olhou para Edmund. —Eles sabiam que eu viria aqui primeiro, não é?

—Stev pensou que você poderia.

Ela desviou os olhos para o brasão real estampado na porta da carruagem. As duas asas enroladas em uma espada trouxeram à mente outro conjunto de asas. O anjo que Dell esculpiu com tanto cuidado. Sua respiração engatou, e ela a cobriu com uma tosse.

Ela era a princesa de Madra, que em breve seria chefe do conselho mercantil. Se alguém soubesse da conexão que ela compartilhava com Dell, Tenyson ou não, ela ficaria arruinada. Se eles soubessem que ela havia revelado seu rosto a um homem, não importa o quão nobre seu sangue possa ser...

Outra pergunta veio à tona de sua mente. Agora que a linhagem de Dell era conhecida, ele iria ao baile? Ele se permitiria fazer parte de sua própria família se isso significasse se tornar dela?

Não, isso era uma fantasia boba.

Ele não a salvaria de seu pai escolher Ian para ela, ou de uma vida inteiramente passada em Madra. Ela seria eternamente grata por hoje, pelo pouco de algo mais que ele lhe mostrou.

Ela só queria que Quinn não tivesse sido pego em seus enganos.

Edmund puxou-se para o interior de veludo vermelho da carruagem e estendeu a mão para ela. Assim que ela entrou e fechou a porta, eles avançaram, ruidosamente pela estrada.

—O pai sabe que eu estive na cidade sem a minha máscara, não é? — Perguntou ela.

Edmund assentiu, encarando-a com um olhar. —Quinn teve que convencê-los de que você não foi sequestrada, então ele não interrogou os cidadãos de Madra.

Helena engoliu em seco. Para o rei, o interrogatório era muito mais do que simplesmente fazer perguntas.

Edmund continuou. —Ele mostrou a eles as roupas que você deixou na latrina, incluindo a máscara.

—O que...— Ela respirou fundo. —Você mencionou o castigo de Quinn.

Ele mudou os olhos para as mãos. —Ele se foi.

—Se foi?

—O rei o enviou para Gaule.

—Mas ele deveria ficar até meu baile. Ele deveria estar lá! Sua atribuição a Gaule não começou até o próximo mês.

—Helena. — Edmund baixou a voz. —Acho que você não entende a gravidade dessa situação. Os sacerdotes-

—Malditos sacerdotes.

—Eu os amaldiçoo. — Ele passou a mão por cima da cabeça. —Eu nunca entendi como Madra poderia ter três fontes de poder. O rei, o conselho mercantil e o sacerdócio. No entanto, o único com verdadeiro poder é o sacerdócio. Você violou uma das leis mais antigas. Uma princesa Madrana não pode aparecer como qualquer plebeia. Ela está acima deles, pelo menos aos olhos do sacerdócio. Você é sagrada demais para ser revelada.

—É besteira.

—É lei.

—Argh! — Ela bateu com o punho na lateral da carruagem enquanto ela batia, enviando-a para o lado.

—Helena-

—Não me chame de 'Helena', Edmund. Você nem é daqui. Aposto que sua rainha Belaena nunca tem que lidar com essa merda.

—Não, ela só teve que lidar com uma maldição que controlava toda a sua vida. Todo líder tem sua própria forma de algemas.

—Eu não sou uma líder. — Ela se recostou na parede. —Sou uma princesa que usa vestidos bonitos e sabe qual garfo combina com o prato certo.

Decepção brilhou em seu rosto. —Você se subestima, Helena. Eu sei que você é muito mais do que isso.

Ela encontrou o olhar dele. Quanto ele sabia do treinamento de sua mãe? Tudo isso, provavelmente. Ele parecia saber tudo.

Como se sentisse seu desconforto com os segredos que carregava, Edmund se desviou do assunto. —Você nunca pode liderar um exército para a guerra, Len, mas eu vi você entrando em homens e mulheres crescidos que até eu luto para encantar. Isso tem seu próprio tipo de poder.

—Se você está falando sobre Dell, ele apenas pensa que eu sou a amante de Stev. — Ela bufou quando a realidade dessa declaração pairou entre eles. —O que ele faria se soubesse quem eu era e que você era o verdadeiro amante de Stev? — Uma risada borbulhou em seu peito.

Um sorriso irônico apareceu nos lábios de Edmund.

Ela acalmou o riso e respirou profundamente. —Eu não gosto de mentir para as pessoas. Dell. Meu pai. Acho que não quero mais fazer isso.

Edmund se inclinou para frente, encontrando seu olhar. —Então não. — Ele levantou uma sobrancelha, implorando para que ela o desafiasse.

Era realmente assim tão simples? Dizer a verdade e as pessoas a aceitariam por isso? Ou dizer a verdade e não, mas pelo menos ela tentou?

A carruagem parou e momentos depois uma mulher incrivelmente alta, vestida de sacerdotisa branca, abriu a porta.

—Nós temos a princesa. — Ela gritou para alguém atrás dela quando ela alcançou e envolveu uma mão forte em torno do braço de Helena.

Helena soltou um grito quando a sacerdotisa arrastou da carruagem.

Edmund pulou atrás dela. —Tire as mãos da princesa.

A sacerdotisa o ignorou e virou Helena em direção a uma multidão de outras pessoas com as mesmas roupas reveladoras.

—Edmund. — Ela chamou. —Onde está Stev?

—Solte-a.— Edmund agarrou o pulso da mulher grande momentos antes de outros dois padres o arrancarem e o afastarem.

—O que está acontecendo? — Helena gritou, seus olhos encontrando Edmund enquanto ela tropeçava, os joelhos batendo na pedra antes que a mulher a puxasse de volta. Outra carruagem apareceu, atravessando os portões do palácio.

—Vou encontrar Stev. — Gritou Edmund sobre os sacerdotes tagarelas que agora a enxameavam, empurrando-a em direção à carruagem.

Uma lágrima escorreu por seu rosto quando a sacerdotisa enfiou um saco de tecido sobre sua cabeça, jogando-a na escuridão. Alguém a levantou. O medo correu por suas veias quando seu corpo bateu no que devia ter sido o banco dentro da carruagem.

Onde estavam os pais dela? Um soluço escapou de sua garganta quando a carruagem saltou para frente.

—Cale a boca, garota. — Alguém assobiou. —Você trouxe isso para si mesma.

Helena mordeu o lábio para impedir que mais gritos escapassem. Eles a sequestraram de sua própria casa.

Não, sequestrada era a palavra errada.

O sacerdócio a levou, mas ela sabia que não fariam isso a menos que o rei permitisse.

Este era o seu castigo.

 

Helena ouvira histórias sobre o 'buraco do padre' como o que eles agora a levaram. A única prisão em Madra. O palácio não prendia as pessoas, em parte porque o rei não queria plebeus sob o mesmo teto que a família real. Ele deixava os sacerdotes fazerem o trabalho sujo do reino.

Eles não elaboraram apenas as leis. Eles as aplicavam.

Mas o rei poderia tê-los parado se quisesse. O fato de ela estar lá significava que o pai queria.

Ela traiu sua família e seu reino, entrando furtivamente na cidade sem sua máscara.

O metal sacudiu quando um portão de ferro se abriu e um dos padres empurrou Helena para um corredor escuro. O ar úmido ondulava ao seu redor, enviando um arrepio na espinha. O cheiro de mofo do espaço obsoleto a fez torcer o nariz com desgosto.

Suas lágrimas secaram enquanto ela se preparava para o que estava por vir.

Gritos vieram de calas ocupadas quando passaram. Sua respiração ficou presa na garganta e ela tropeçou. Dedos rígidos enrolaram em seu braço em um aperto contundente, forçando-a a frente. Eles puxaram o saco da cabeça dela e pararam em uma cela vazia. Nenhum tratamento especial para a princesa. Ela seria mantida praticamente no mesmo estado que qualquer outra pessoa.

Um rosto emaciado apareceu na porta de uma cela próxima. Há quanto tempo essas pessoas estão aqui? Ela viu os olhos magros e os cabelos desgrenhados.

Não, não seria ela.

Ela não sabia exatamente por quanto tempo eles a manteriam, mas Madra havia sido convidada para o baile no final da semana. Ela tinha que estar lá, e os padres sabiam disso.

Quando ela entrou na cela por sua própria vontade, ela se virou e levantou o queixo, porque havia percebido outra coisa. Ela estreitou os olhos para o homem gordinho a trancando. Eles não podiam tocá-la. Ela era a princesa de Madra, e as pessoas deveriam vê-la ilesa quando ela finalmente revelasse seu rosto para elas.

Ela sentou no centro da cela e cruzou as pernas. Eles poderiam trancá-la, mas não poderiam tirá-la da liberdade porque ela não possuía nenhuma. Eles acabaram de mudar sua gaiola de dourada para real, mas uma gaiola era uma gaiola, e ela estava acostumada a se sentir presa.

Eles não teriam nada dela. E quando o irmão dela se tornasse rei, e ela se tornasse chefe do conselho mercantil, eles usariam seu poder combinado para colocar o sacerdócio em seu lugar.

Eles se arrependeriam do dia em que se fizeram inimigos da princesa Helena Rhodipus.

 

Nada mudou no buraco. Helena não sabia se era dia ou se a noite desceu sobre o mundo. Há quanto tempo ela estava lá?

Eles haviam alimentado seu ensopado de carneiro com vinho aguado, mas há quanto tempo isso foi?

Ela se recostou na parede da cela, ouvindo a tosse e o chiado ecoando pelo longo corredor. Passos soaram contra a pedra, e ela endireitou a coluna.

Dois padres arrastaram um homem magro pela cela de Helena.

Ela cobriu a boca para esconder o suspiro. Uma tapeçaria de sangue listrava suas costas. Ela rastejou para frente e agarrou as barras de sua cela.

A mulher voltou, parando assim que a viu.

—Princesa. — Um deles riu antes de chutar as barras de sua cela.

Ela puxou as mãos para trás momentos antes que a bota os tivesse esmagado.

Eles seguiram em frente, e Helena recostou-se nos calcanhares. Por causa dessa palavra, todos os prisioneiros naquele lugar agora sabiam quem ela era.

E isso apenas confirmou o que ela temia.

Ao contrário dela... eles não estavam saindo.

 

A dor disparou nas costas de Helena quando ela se virou de lado. Dormir no chão de pedra pelas últimas noites - ou o que ela assumiu ser a noite em que adormeceu - havia destruído seu corpo.

Ela puxou os joelhos contra o peito, tentando reunir qualquer calor que pudesse. Ela ainda usava as roupas de Quinn, pelas quais nunca havia agradecido mais. O vestido dela seria ainda mais desconfortável.

Quinn. Ela fechou os olhos com força, tentando não pensar em seu irmão favorito. Ele não iria comparecer ao baile dela, o dia mais importante da vida dela, por causa do egoísmo dela.

A voz dele passou por sua mente. Você merece algum egoísmo, ele dizia. Ele sempre foi muito compreensivo para o seu próprio bem. Era por isso que ele a ajudava. Ele sabia como ela estava presa no palácio. Todos eles sabiam.

Uma lágrima percorreu seu rosto. Seus irmãos tinham vergonha dela? Ela não sabia o que teria feito trancada dentro do palácio a maior parte de sua vida, se não fosse por eles. Até recentemente, ela não tentava ver o mundo porque eles trouxeram o mundo para ela.

Estava errado, ela percebeu tarde demais, para ficar satisfeita com isso. Tradições ou não, ela deveria sempre ter lutado por sua liberdade. Dell a fez ver isso. Histórias sobre o mar e a cidade eram ótimas, mas, na verdade, experimentá-las por si mesma era uma mudança de vida.

Uma chave bateu na fechadura enferrujada e Helena levantou a cabeça. Um homem mais velho e magro, com cabelos grisalhos ralos e barba bem cuidada, espiou, o rosto iluminado pelo brilho da lanterna que ele carregava. Ele ofereceu um sorriso gentil, o primeiro que ela viu desde que chegou.

—Princesa. — Ele sussurrou. —Fico feliz em vê-la acordada.

Ela não respondeu.

Ele tomou isso como uma sugestão para continuar. —Receio interromper sua noite agradável e pedir que você venha comigo.

Noite agradável? Este homem estava zombando dela?

—Meu nome é Koran. — Ele estendeu a mão para ela.

Helena fez questão de não aprender os nomes dos padres de Madra ao longo de sua vida. Ela não queria nada com eles, culpando-os por direito - por sua vida mascarada.

—Eu não vou morder. — Disse Koran, apertando sua mão. —Por favor, eu prometo que você irá querer vir comigo.

Não era como se ela tivesse escolha. Um suspiro esvaziou seu peito, e ela agarrou a mão de Koran, deixando-o puxá-la para seus pés.

O padre tentou esconder seu desgosto com o cheiro de corpos sujos quando ele gentilmente a levou até a porta, mas seu nariz enrugava.

Helena se acostumou, com certeza seu cheiro não era agradável depois de tanto tempo em sua cela.

Ele encontrou uma chave no chaveiro lotado e abriu a porta. O ar fresco a atingiu no momento em que ela saiu da prisão.

O mosteiro que abrigava os padres era um conjunto de edifícios que ela nunca havia visitado antes. Em seus estudos, ela aprendeu que, além da prisão, eles tinham uma vinícola, além de residências luxuosas.

O padre a levou por um caminho de terra até um prédio de tijolos nas proximidades. No interior, os móveis eram escassos.

Koran a soltou. —Estes são os meus aposentos.

Algo não estava certo. —Por que você me trouxe aqui?

—Ah, então você fala.

—Claro que ela fala. — Disse uma terceira voz. —Às vezes ela não cala a boca.

—Stev. — Quando o irmão apareceu de uma sala ao lado, ela correu em sua direção, as pernas cansadas vacilando.

Stev nunca foi o abraçador da família - não como os gêmeos - mas desta vez, ele a envolveu em seus braços como se nunca quisesse deixar ir.

—Estava tão preocupado. — Disse ele. —Nós não sabíamos onde você estava. Kassander chorava todas as noites. Cole bateu na merda de alguns dos guardas do pai tentando obter as informações. Mas você sabe como eles são leais.

Helena o soltou e olhou para seus olhos cansados. —Como você me encontrou?

Ele passou a mão pelos cabelos. —Preocupei-me o tempo todo que você estivesse aqui, mas depois me convenci de que o pai nunca permitiria que eles a levassem. Eu estava errado. Eu tinha Edmund investigando.

—Os espiões dele? — Um canto da boca dela se curvou.

Somente Edmund ocuparia o cargo de embaixador em um reino estrangeiro e depois desenvolveria uma rede de espiões melhor do que os empregados pelo príncipe.

—Eu estendi a mão para Koran. — Ele enviou um aceno de cabeça em direção ao padre. —Eu o vi de olho no treinamento de Kassander.

Alívio correu através dela com as palavras que Stev não estava dizendo. Ele também não confiava no sacerdócio. —Quando você for rei, Stev...

—Helena. — Disse ele em aviso. —Não podemos apenas planejar um futuro que demore muitos anos no futuro. Devemos lidar com as coisas como estão agora. Seu baile é amanhã à noite. Você voltará ao palácio comigo agora.

—Mas pai -

—Ele não pode punir todos nós, pode?

Os lábios dela se curvaram. —Sim ele pode.

Stev riu, o som tão diferente dele, Helena deu um passo atrás.

Sua risada interrompeu abruptamente. —Eu sinto muito. Estou tão aliviado por ter você comigo.

O rosto dele ficou sério e Helena estendeu a mão para roçar o polegar sobre a bochecha dele. Seu irmão tentou esconder tudo dentro de si. Ele sempre conseguiu.

Assim como ela teve que esconder tudo do lado de fora dela.

—Você desafiaria o rei por mim? — Ela perguntou.

—Claro. — Sua testa franziu. —Você é minha irmã. — Ele enfiou a mão no bolso da jaqueta preta e procurou uma máscara branca simples. —Eu sinto muito.

—Eu sei. — Ela pegou e amarrou em volta do rosto, encontrando conforto pela primeira vez na sensação do tecido macio.

Koran os levou para fora na escuridão da noite. As nuvens obscureciam qualquer estrela, mas uma lasca de lua piscava dentro e fora da vista.

—Eu não poderia trazer uma carruagem porque isso atrairia atenção. — Explicou Stev, enquanto o Koran recuperava um único cavalo.

Enquanto passavam pelos portões do mosteiro e desciam a colina até a cidade, Helena olhou de volta para o mosteiro, uma sombra pairando na noite.

Ela foi libertada da prisão, mas e os outros? Por que eles estavam lá?

Algo não estava certo em Madra.

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Capitulo Quinze


O dia do baile da princesa amanheceu em Madra, mas rapidamente ficou frio quando as nuvens de chuva se moveram pelo céu. Uma tempestade se agitava no mar por dias e finalmente chegou às suas margens.

Dell olhou para a escuridão em turbilhão que bloqueava o sol. Uma torrente de chuva irrompeu do céu, caindo sobre sua cabeça.

Madranos correram pelas ruas em busca de cobertura, mas Dell não se mexeu.

Suas roupas ensopadas grudavam em todas as curvas de seu corpo como uma segunda pele e, ainda assim, seus pés permaneciam congelados no local.

Ele não tinha nada. Não mais. Talvez ele nunca tivesse - pelo menos não desde que sua mãe morreu.

Ele não voltou à propriedade de sua família após os jogos em Madra, onde salvou a garota que agrediu seu irmão. Onde o mundo descobriu que ele era um Tenyson.

Os lojistas que ele conhecia há anos o tratavam como qualquer outro comerciante - com formalidade e desconfiança. Eles sempre foram cautelosos com aqueles que traziam bens para o reino e os enganavam.

Na noite anterior, ele dormiu no convés de um dos navios de sua família, mas teve que sair antes que os marinheiros chegassem para prepará-lo para zarpar.

O navio de Gaule estava ancorado no deslizamento ao lado, o que significava que a princesa Camille ainda estava lá. Um bom sinal para o noivado real, ele assumiu.

Ele não saberia. Seu conhecimento dos acontecimentos do palácio era limitado. Ele nem tinha falado com Edmund desde a noite em que retornou Len para sua casa.

Dell balançou a cabeça, a chuva escorrendo pelo rosto enquanto ele finalmente corria pela estrada até uma cervejaria, mostrando seu calor de boas-vindas pela porta aberta.

Pela primeira vez, a conversa não desapareceu quando ele entrou. Cervejarias eram o único lugar onde as pessoas de todas as estações se misturavam. Ao longo da parede oposta, uma mesa de comerciantes vestidos com suas roupas exóticas inclinava-se sobre uma pilha de papéis entre eles.

O povo comum que escapava do dilúvio do lado de fora dava uma cacofonia de risadas.

Uma mesa no canto era o lugar preferido dos soldados mercenários. A maioria das pessoas mantinha distância dos homens e mulheres tatuados que lutavam pela vida. Eles não eram como aqueles que se juntavam ao exército real para alimentar suas famílias.

Os mercenários falavam como se gostassem do que faziam.

As forças mercenárias de madranos lutaram através do mar pela feiticeira que chamavam de La Dame até que ela foi derrotada. As forças reais de Madra estavam do outro lado daquela batalha. Tantas famílias perderam seus entes queridos para a guerra.

A diferença foi a escolha. Os do exército real não tinham escolha para onde eram enviados ou por quem lutavam.

Os mercenários escolhiam com base em quem pagava mais.

Onde Dell pertencia? Mesmo em uma cervejaria destinada a ser um ponto de encontro de todas as pessoas, ele não se encaixava.

Ele pegou a única mesa vazia encostada ao lado dos mercenários.

Catsja apareceu, caneca na mão. —Oi, querido. — Ela sorriu enquanto pousava a cerveja. —Você parece um pouco perdido hoje. — Ela estendeu a mão e passou um dedo pela bochecha dele.

Dell olhou em seus olhos cinzentos e sem brilho. Catjsa era uma mulher bonita, com seus longos cabelos negros empilhados em um desenho complexo no topo da cabeça. Olhos que falavam de experiência com o mundo. Uma moldura pequena.

Mas ele de repente não entendeu por que lutou com Orlo por ela. Ela era sua esposa e Dell não passava de uma distração em potencial.

Ele se inclinou para trás, longe de suas mãos errantes. —Estou bem, Catjsa. — Ele puxou uma moeda do bolso e a colocou sobre a mesa. —Obrigado.

Ela desviou os olhos da moeda para ele e de volta e balançou a cabeça. —Não querido. Você não está. — Ela limpou as mãos no avental e olhou para trás para se certificar de que nenhum dos outros clientes precisava dela antes de deslizar para o assento em frente a ele.

—O que você está pensando, Dell Tenyson? — Ela empurrou a cerveja na direção dele. —É almoço. Beba e, quando terminar de me contar tudo sobre essa mulher em que não consegue parar de pensar, vou buscar um pouco de pão e queijo.

Ele encontrou os olhos dela. —Uvas também... se você as tiver.

Ela riu e ele descobriu que gostava dela quando ela perdia o brilho predatório em seus olhos. —Uvas também. Agora saia com isso.

Ele coçou o queixo, tentando descobrir o que ele poderia dizer sem dizer muito a ela. —Eu tenho uma amiga. — Ele começou. —E acho que ela está com problemas.

—Como assim? — Catjsa se inclinou para frente, ouvindo atentamente.

—O homem com quem ela está... ela aludiu a não poder sair.

Escuridão cruzou o rosto de Catjsa. —Essa é a maneira de muitos casamentos.

—Mas eles não são casados. Ele deve se casar com outra pessoa. Eu acho que ela está em perigo.

—Então o que você vai fazer sobre isso?

—Fazer?

—Sim, Dell. — Ela riu. —Se esta mulher significa algo para você, deve haver algo que você possa fazer para ajudá-la.

A conversa da mesa ao lado deles congelou Dell e Catjsa.

—Os rebeldes entraram em contato conosco? — Perguntou um dos mercenários.

—Sim. — Afirmou outro. —E recusamos a oferta deles.

—Houve rumores. — Uma voz baixa rosnou. —Dentro do próprio exército real.

O primeiro bufou. —É por isso que você nunca faz um juramento de infinita fidelidade. Então você não precisa quebrá-lo. Eles são infiéis.

Catsja se inclinou para mais perto da Dell. —Nunca pensei que veria o dia em que o exército real atacaria o rei.

—O que está acontecendo? — Perguntou Dell.

—Nas últimas semanas, tivemos muitos mercenários aqui. Parece que há rumores de que as forças reais podem estar cansando das guerras do rei como todos nós.

Dell tentou cobrir seu intenso interesse no assunto, voltando o olhar para a mesa. —E os mercenários não gostam disso?

—É o certo. Um mercenário é implacável, mas nas raras ocasiões em que você dá a palavra, ele não a quebra. Nunca. Assassinos, mas assassinos leais, pelo menos.

A informação tomou conta da mente da Dell. Ele precisava falar com Edmund. Ele sabia das lealdades inconstantes do exército? Ou o perigo que representava para o reino real? O exército era o poder do rei.

—Você acha que os mercenários unirão forças com aqueles que desejam o rei morto? — Perguntou ele. Como proprietária de uma cervejaria, Catjsa sabia mais sobre os acontecimentos do reino do que a maioria.

—Não. — Disse ela com convicção. —Mercenários têm regras pelas quais vivem. Uma dessas regras é que eles não lutam dentro de Madra. Eles não apoiarão a guerra civil que destrói o reino.

Os ombros dele relaxaram. Isso era pelo menos um alívio.

Catsja levantou-se da cadeira. —Lembre-se de tudo o que eu disse, Dell. Se você se importa com a mulher, lute por ela.

Uma garçonete chegou com o almoço de Dell, mas ele mal o tocou enquanto bebia o resto da cerveja e se levantava.

Catsja estava certa.

Ele tinha que encontrar Len.

E havia apenas uma maneira de entrar no palácio.

Ele estava indo para um baile.

 

Enquanto os céus continuavam despejando miséria sobre a cidade, Dell correu pelas ruas. Raios iluminavam seu caminho, e trovões ecoavam em suas costas, como se isso rasgasse o mundo em dois. Ele viu Agathe na vitrine da padaria, mas a ignorou freneticamente acenando para fazê-lo parar. Ele só tinha algumas horas antes do baile.

Somente os criados ocupavam a casa de sua família quando ele chegou. A grande Lady Tenyson estava nas docas examinando a nova remessa. Ela estava envolvida no golpe, ou era o plano do irmão dele? Ele balançou sua cabeça. Ele não tinha nenhuma prova de que Edmund havia falado a verdade sobre sua família.

Dell não sabia onde estavam seus irmãos, mas precisava que eles ficassem fora por um tempo.

Ele não tinha nada adequado para vestir em um baile, mas Reed era do seu tamanho. Ele invadiu a casa seca, riscando pegadas enlameadas pelo piso de ladrilhos brancos.

Uma das empregadas o observou com nojo, mas ele não conseguiu parar para ajudar a limpar sua própria bagunça. Não quando ele precisava estar lá para Len. Eles permitiriam que ela comparecesse ao baile? Quem sabia as restrições que as amantes enfrentavam no palácio? Ele só precisava ver que ela estava bem. Apenas um vislumbre.

Uma vez que a segurança dela estava clara, ele voltaria à obscuridade. Talvez ele saísse da cidade completamente. Ele não poderia ficar. Não como Tenyson, ambos odiados por sua própria família e por seus inimigos.

Ele pensou nas unidades mercenárias e no seu estranho código de honra. Claro, eles escolheram o mal repetidamente, dependendo de quem poderia pagar, mas havia um apelo na vida de alguém sem se importar com o que se fazia. Na liberdade que isso permitia. A proteção fornecida. De decepção. Pelo tipo de desgosto que ele conheceu com muita frequência em sua vida.

Uma porta se fechou em algum lugar da casa e, momentos depois, Reed apareceu em sua porta.

—Dell. — Ele parou, seus olhos examinando Dell de cabelos encharcados a botas enlameadas. —O que você está fazendo?

Reed era o membro menos ameaçador da família, mas ainda seguia todos os comandos de Ian.

Dell não tinha tempo de jogar com nenhum de seus irmãos.

—Eu vou no baile.

—Voc ...— Ele olhou por cima do ombro antes de entrar na sala e fechar a porta. —Eles não vão deixar você. Você precisa saber disso.

Dell voltou-se para o guarda-roupa, onde encontrou a capa e o manto que procurava.

Ele deu um passo em direção à porta e Reed bloqueou o caminho. —Não é assim, Dell.

—O que você quer dizer com 'não é assim'? Que outro caminho existe para eu sair? Saia do meu caminho.

—Ian e mãe estão lá embaixo. Se você atacar lá embaixo, roubando roupas de mim como você, eles não deixarão você sair desta casa.

Dell encontrou o olhar de seu irmão. Reed nunca se preocupou com o bem-estar da Dell. Mesmo quando eram meninos e Dell chegou, lamentando a mãe e assustado, nenhum dos irmãos estendeu a mão. Eles não foram nada além de cruéis. No entanto, agora, algo se mexeu atrás dos olhos de Reed. Algum conflito.

Vozes entraram no salão. —Nosso pessoal está no lugar. — As palavras de Ian se aproximaram deles.

Uma mulher cuja voz Dell não reconheceu respondeu. —E haverá um novo rei?

—Sim. Comigo como comerciante chefe. Os Tenysons permanecerão na ponta da espiral, sem ter que se preocupar com a longa queda.

Os olhos de Reed se arregalaram e ele agarrou a maçaneta da porta, pronto para contar a seu irmão mais velho a presença de Dell.

Dell tirou a faca de talhar do bolso e se lançou em direção a Reed, segurando a ponta afiada na garganta. —Não faça barulho. — Dell sussurrou.

Ian continuou falando no corredor. —Temos certeza de que todos os preparativos estão completos. Nosso homem dentro do palácio me diz que é hora de mudar. O exército está pronto.

A mulher cantarolava baixo na garganta. —Eu vejo. Todos os meus mensageiros partiram. Tudo estará definido. Desejo que você amplie sua confiança o suficiente para me dizer quem nos deixará entrar.

Dell esticou os ouvidos... esperando.

—Sinto muito. — Ian disse depois de um breve momento. —Não posso fazer isso até que seja a hora certa.

Os passos deles desapareceram, e Dell puxou a faca da garganta de Reed.

—Dell...— Reed o olhou com cautela. —Você pode estragar tudo.

Dell inclinou a cabeça para o lado, estudando o irmão que agora estava vendo pela primeira vez. —A questão agora é: você quer que eu estrague tudo?

Reed se afastou dele. —Não sei do que você está falando.

— Essas palavras foram traição, Reed. — Dell apontou para a porta. —Traição! Você é um traidor de Madra?

—Eles estão tentando salvar Madra.

Dell riu severamente. —Eles estão tentando arrancar o poder do rei, mas você não pode pensar seriamente que eles usarão esse poder para consertar o reino.

—O rei é um tolo inútil.

Dell assentiu. —E ele é cruel e envia muitos jovens para morrer em batalhas sem sentido. Mas me dê um tempo, Reed. Você conhece Ian. Você conhece o tipo de pessoa com quem ele se associa. — Ele congelou. Edmund estava certo. Toda a sua família estava conspirando contra a realeza.

E de repente ele soube de que lado estava.

O lado que impedia a guerra civil e não permitia que Ian chegasse perto do presidente do conselho mercante.

—Eu tenho que ir. — Ele empurrou Reed para fora do caminho e abriu a porta momentos antes de colidir com Ian.

—Parece que temos um problema. — Os lábios de Ian se curvaram.

Dell se recusou a desistir. —Parece que sim. — Ele se preparou para a luta que ele sabia que estava por vir.

Ian colocou dois dedos na boca e um apito estridente soou. Botas pesadas subiam os degraus. Dell não sabia o que estava acontecendo ou por que os bandidos correndo em sua direção estavam com seu irmão.

—Prenda ele no porão. — Ian fez um gesto em direção a Dell, e os quatro homens o cercaram, impedindo-o de escapar. Um pegou as roupas que ele ainda segurava e as entregou ao Reed de olhos arregalados.

—Você não quer fazer isso, Reed. — Dell falou atrás dele.

Ian riu. —Claro que sim. Ele é um verdadeiro Tenyson. Diferente de você.

Dois dos homens envolveram as mãos carnudas nos braços de Dell e o levantaram do chão como se ele não passasse de um saco de batatas.

Eles marcharam para a tempestade, a chuva batendo no ritmo dos batimentos cardíacos rápidos da Dell.

—Você não vai se safar disso. — Ele rosnou quando Ian os seguiu, limpando a água do rosto.

—Claro que eu vou. Logo estarei a um passo do trono.

Um dos homens correu para frente e destrancou a fina porta de madeira que levava ao porão. Ele a abriu, revelando uma escada na terra.

Uma mão pousou nas costas de Dell, empurrando-o para a frente pela porta. Seus pés erraram completamente as escadas. Ele bateu no chão com uma força estridente, seu ombro batendo no chão de terra batida.

O rosto de Ian foi a última coisa que ele viu antes da porta deslizar, jogando-o em total e absoluta escuridão.

 

 

Capitulo Dezesseis


Nenhum deles sabia. Era uma das primeiras coisas que Helena percebeu sobre os criados e conselheiros que andavam pelos jardins do palácio. Ninguém lhes disse que ela estava desaparecida ou que seu próprio pai permitiu que os padres a prendessem.

Se eles tivessem visto a cena dias atrás fora dos degraus da frente, não a teriam reconhecido. Exceto por alguns servos leais autorizados a entrar na ala da família real, eles nunca tinham visto o rosto dela.

Então, quando ela passou e eles se curvaram com uma “princesa” formal, tudo o que ela podia fazer era agir como se nada disso tivesse acontecido; como se ela não tivesse perdido a fé em tudo o que Madra representava. As leis que resultaram no tipo de dor que ela viu no buraco dos padres eram leis que não precisavam ser cimentadas nas tradições sagradas do reino. Eles precisavam ser rasgados nas costuras para descobrir onde Madra havia errado tanto.

Quando Stev a trouxe de volta ao palácio na noite anterior, ele a escondeu no quarto agora vazio de Quinn. Cole a abraçou com tanta força, como se estivesse preocupado que ela desaparecesse novamente.

E Kassander... seu doce irmão se recusou a sair do lado dela, até dormindo na cama de Quinn com ela.

Camille caminhou ao seu lado enquanto se dirigiam para a ala da família, a batida suave de sua bengala agora uma melodia reconfortante. Porque Helena precisava de uma amiga. Alguém que não era simplesmente um de seus irmãos.

—Ainda estou surpresa que meu pai não tenha forçado você a participar dos jogos de Madra. — Helena olhou de soslaio para a princesa estrangeira.

Camille franziu o cenho. —Não sou de Madra. Ele não pode me comandar.

Um sorriso hesitante se espalhou pelo rosto de Helena. Ela se acostumou e gostava da brusquidão de Camille.

—Você... você vem ao meu baile hoje à noite? — Ela prendeu a respiração, esperando que sua nova amiga estivesse ao seu lado.

—Agora que, querida Helena, não tenho escolha. É uma noite importante para você e meu noivado com seu irmão será anunciado.

Os passos de Helena vacilaram. —Você está bem com tudo?

Para surpresa de Helena, Camille riu. —Você quer dizer que meu futuro marido está apaixonado por Edmund? Não tenho ilusões sobre amor ou contos de fadas. Nós, princesas, não somos destinadas a essas coisas. Garantimos alianças e consolidamos poder. Nós não nos apaixonamos.

Um suspiro escapou de Helena quando ela abriu a porta que dava para a ala da família. As palavras de Camille soaram verdadeiras, mas ela sempre teve uma imagem em mente de um homem que varreria galantemente e roubaria a respiração diretamente de seus pulmões.

Ela congelou quando ficou cara a cara com o pai pela primeira vez desde os jogos de Madra.

Vermelho subiu pelo pescoço e uma veia se destacou em sua testa. Esses eram os únicos sinais de sua angústia. O uniforme militar azul e vermelho que ele insistia em usar estava perfeitamente apertado e seus cabelos grisalhos e finos estavam penteados para o lado, como em qualquer outro dia.

—Helena. — Ele latiu.

Camille estendeu a mão e agarrou a mão de Helena, informando que ela não estava indo a lugar algum.

O rei avançou. —Enviei alguém para buscá-la no mosteiro. Ele voltou apenas para me dizer que você já tinha partido. Os padres ficaram bastante perturbados com a sua desobediência.

Helena ergueu o queixo, encontrando o olhar do pai. —Eu precisava me preparar para o meu baile, pai.

Ele deu um passo à frente até sua sombra pairar sobre ela.

—Sua insolência é alarmante, criança. Não se engane, este baile é apenas uma formalidade. Você receberá um marido madrano de grande prestígio que não cumprirá sua disposição grosseira.

—O que você quer que eles façam, Majestade? — Ela cuspiu. —Eu já sou uma prisioneira dentro de seus muros. Há pouco que eles possam tirar de mim.

A picada se espalhou por sua bochecha antes que ela percebesse que ele a golpeou com as costas da mão. Ela tropeçou para trás, esfregando o rosto, enquanto os gritos irromperam com a chegada de Cole e Stev de seus quartos.

Stev correu para o lado dela, enquanto Cole usava seu corpo grande para forçar o pai a voltar.

—Você está bem? — Stev perguntou, inclinando a cabeça para examinar sua bochecha avermelhada.

Helena assentiu, lágrimas de raiva ardendo nos olhos.

—Não toque nela. — A voz de Cole se elevou acima do resto. —Você já destruiu Madra. Você mandou Quinn embora. Eu não vou deixar você machucar Helena também.

—Deixar? — O rei rosnou. —Helena desobedeceu a uma tradição de duzentos anos quando revelou seu rosto aos plebeus. E então ela escapou do castigo.

Stev se endireitou e virou-se para o pai. —Ela não escapou. Eu a libertei.

—Você? — Os olhos do rei se moveram entre seus filhos. Stev era o herdeiro, o garoto que sempre seguia todos os comandos de seu pai.

A mandíbula de Cole se apertou. —Nós já terminamos, pai? — Ele disse a última palavra como uma maldição.

Helena foi quem respondeu. —Sim, Cole. Pai e eu estamos muito terminados. Eu tenho um baile para me preparar.

Ela puxou Camille junto com ela em direção à porta do quarto. Ao fechá-la atrás delas, surpreendeu-a encontrar sua mãe e Sophia esperando por ela.

Chloe Rhodipus levantou-se da cadeira para envolver a filha em um abraço suave. —Ouvimos tudo. — Ela sussurrou. —Eu gostaria de poder ter ajudado você, minha doce menina.

Por toda a força e sabedoria que a rainha possuía, ela tinha pouco poder sobre os acontecimentos no reino. Mas o poder de acalmar sua filha... que pertencia a ela totalmente.

As lágrimas que ela estava segurando fluíam livremente, encharcando a gola de pele do vestido de sua mãe.

Chloe se afastou, desatando a máscara de Helena enquanto fazia isso. —Aí está minha linda garota. — Ela sorriu. —Parece que você terá uma contusão. — O polegar dela esfregou suavemente sobre onde o rei havia atingido. —Mas nada que sua máscara e um pouco de creme não cubram. Agora, vamos prepará-la para a sua noite. Madra não vê o baile de uma princesa desde...

—Tia do pai, certo? — Helena perguntou.

A mãe balançou a cabeça. —Não, minha querida. A irmã do seu pai.

—Eu não sabia que ele tinha uma irmã.

—Ela desapareceu logo após o baile. Alguns disseram que ela foi levada por piratas, mas a maioria sabia a verdade.

—Qual era a verdade?

Sua mãe suspirou, passando a mão pelo braço de Helena. —Você não pode manter uma princesa escondida a vida inteira e esperar que ela ajude subitamente na administração do reino, uma vez que você a julgue digna o suficiente para arrancar as correntes de seus pulsos.

Sophia escolheu esse momento para conversar. —Não havia correntes nos pulsos da garota. Eu saberia. Eu fui criada de sua senhora antes da sua.

Helena tocou a borda da máscara que sua mãe havia colocado sobre a mesa. —É uma metáfora, Sophia. — Ela sorriu tristemente. —A máscara carrega o peso de algemas.

Sophia bufou. —Eu vou preparar um banho para você, princesa. Quando você parar de falar bobagem, venha se esfregar.

Ela saiu e Camille respirou fundo. —Você precisa de uma nova empregada.

Helena balançou a cabeça. —Sophia é uma mulher teimosa, mas é leal e ama essa família. — Ela caiu em uma cadeira. —Gostaria que hoje fosse mais do que aparências, mãe. O povo de Madra acha que vou escolher meu marido. Mas o pai já escolheu, não é?

A mãe assentiu e estendeu a mão sobre a mesa para segurar a mão dela. —Sinto muito, querida.

Camille cruzou os braços sobre o peito enquanto se sentava. —E aqui eu pensei que Gaule estava uma bagunça com gente mágica e gente não mágica nas gargantas. Mas vocês... Madra nem sequer tem mágica para separá-la, mas vocês estão tão quebrados quanto nós.

—Acho que todo reino tem suas rachaduras. — Disse a rainha.

—Não Bela. — Camille se inclinou para frente. —Eles são tão leais à rainha, é doentio.

—Ela quase não morreu por eles ou algo assim? — Helena perguntou. —O pai nunca se juntaria a seus homens na batalha. Ele acha que a realeza verdadeira é valiosa demais. Stev e Kass também são proibidos de lutar. Mas não vejo como a vida de um homem significa mais ou menos que qualquer outro.

A rainha se levantou e beijou o topo da cabeça de Helena.

—Uma discussão digna, mas não temos tempo para isso, receio.

Camille empurrou sua bengala para alavancá-la. —Vou procurar meu próprio banho. Vejo você em breve.

Helena assentiu quando saiu para se juntar a Sophia e se preparar para o que deveria ter sido a maior noite de sua vida.

Agora ela sabia que era apenas mais uma noite que ela teria que jogar pelas regras do reino.

 

Helena passou as mãos trêmulas pelo corpete do vestido azul-celeste. As rendas de prata criavam um desenho complexo em torno das jóias de safira costuradas à mão. Ela torceu os quadris para deixar a saia esvoaçar ao redor das pernas.

O espelho mostrou a ela uma garota que ela não reconheceu. Cabelos escuros estavam empilhados em cima de sua cabeça em uma massa de cachos. Carvão contornava seus olhos e vermelho cobria seus lábios. Ela levantou a máscara de prata com joias, criada apenas para esta ocasião. Enquanto ela o amarrava no rosto, só então ela se reconheceu.

Quem era a princesa de Madra sem sua máscara?

Nem Helena sabia.

Ela se levantou e foi pegar os sapatos de vidro que seu pai insistia. Ele escolheu toda a roupa dela para mostrar a riqueza da família real, mesmo enquanto grande parte de Madra passa fome.

Somente um homem fabricaria sapatos de vidro. Eles estavam terrivelmente desconfortáveis.

Helena andava de um lado para o outro, tentando se acostumar com o peso de seus pés, temendo que o vidro pudesse rachar a cada passo.

Ela colocou a mão na barriga. Inspire. Expire.

Já era tempo.

Uma batida soou em sua porta e Camille enfiou a cabeça, o rosto escondido sob uma máscara semelhante à de Helena.

Helena respirou fundo. —O que você está fazendo?

—Você não está sozinha nisso, Helena. — Ela sorriu, suas bochechas pressionando contra o tecido roxo que combinava seu vestido sedoso com a perfeição. —Venha.

Helena a seguiu, dando cada passo com cautela.

Seus irmãos a aguardavam na sala de estar. Ela respirou fundo para impedir-se de chorar e arruinar toda a preparação em seu rosto.

Estevan, Cole e Kassander usavam máscaras que mantinham a metade superior do rosto escondida.

Helena balançou a cabeça vigorosamente. —Vocês não precisam fazer isso. — O gesto deles era simbólico, na melhor das hipóteses, não mantendo o peso que sua máscara suportava, mas ainda significava tudo para ela. —Pai não vai ficar satisfeito.

Cole resmungou. —Eu não vivo minha vida para agradar a esse homem.

Stev deu um passo à frente. —Acho que o que Cole quer dizer é que deveríamos ter feito isso há muito tempo. Até você começar a viajar sozinha para a cidade, nunca pensei em como essa vida era difícil para você.

—Venham aqui. — Ela estendeu os braços e Stev entrou neles. Ela alcançou um segundo braço em direção a Cole e abraçou os dois. Kassander abriu caminho entre todos eles. —Queria que Quinn estivesse aqui.

—Filhos. — A voz de sua mãe os fez se separar. —Devemos estar a caminho.

Helena virou-se para ela e descobriu que ela também usava uma máscara sobre suas delicadas feições.

A mãe enviou um sorriso confiante e apontou para a porta. Os seis saíram pelo corredor com um punhado de guardas logo atrás. Os criados olhavam perplexos ao passarem.

O rei esperava sua família na sala ao lado do salão de baile. A música flutuava da festa acima dos sons de conversas.

Na cidade, Madra poderiam sofrer, mas naquela sala, as pessoas estavam realmente vivas.

O rei examinou sua família mascarada com uma carranca no rosto. A rainha beijou sua bochecha. —Olá, querido. — Ele se afastou dela com nojo e esperou que as portas se abrissem.

Enquanto eles faziam, a orquestra parou de tocar imediatamente.

Uma mulher vestida com o uniforme azul-escuro da família real ficou de lado enquanto uma fila de guardas reais passava pela porta, parando abruptamente enquanto abriam um caminho para a família real.

O rei deu um passo à frente primeiro, e a rainha pegou seu braço.

A mulher pigarreou. —O rei e a rainha de Madra.

A alegria que atravessou a multidão foi contida. Helena examinou os rostos com uma nova percepção de que as pessoas só faziam como o rei exigia. Não havia amor verdadeiro em seu desejo de favor.

Eles perderam a fé nele há muito tempo.

E ela não tinha visto. Ela já amou seu pai profundamente, e isso a cegou para a verdade.

Mas não mais. Agora sua confiança nele estava tão quebrada quanto o coração batendo dentro de seu peito. Irreparável.

Quando o arauto anunciou seus irmãos e Camille, ela colou um sorriso experiente no rosto e deslizou para o grande salão adornado de ouro.

Pilares de madeira de cerejeira cobriam a parede dos fundos, estendendo-se até um teto pintado para retratar a vitória de Madra na batalha.

Lençóis brancos transparentes enrolados nos pilares, dando à sala uma aparência nítida. Milhares de velas lançavam à multidão um brilho etéreo, enquanto esperavam que ela fosse anunciada.

Ela respirou fundo e afastou os ombros para alongar a coluna. Sem medo. A semana do dia do seu nome consistira em atacar o filho do comerciante mais poderoso de Madra, fugir para uma praia isolada com um garoto no qual ela não conseguia parar de pensar, encarcerar-se no mosteiro e desafiar o pai pela primeira vez.

Em comparação com a vida que ela experimentou nos últimos dias, entrar em um baile em que muitos olhos a seguiam todos os movimentos eram fáceis.

—Helena Rhodipus, princesa de Madra. — A voz do arauto soou alta e clara.

Houve um momento em que nenhum som atingiu seus ouvidos, como se os aplausos ricocheteassem em uma barreira protetora, permitindo-lhe um momento de paz antes de entrar na luta.

Ela levantou os olhos, encontrando Edmund perto da parede dos fundos com um sorriso largo no rosto. Com um pequeno movimento de cabeça, ela o deixou saber sua magia. Ela estava pronta.

Como se alguém tivesse levantado um véu, o barulho apressou-se, a excitação da multidão a assaltando.

Até onde eles sabiam, sua princesa estava entre eles pela primeira vez. Não em uma plataforma separada da multidão como nos jogos de Madra ou disfarçada de outra pessoa. Por esta noite, ela era verdadeiramente uma deles.

Ela desviou os olhos de Edmund quando Reed Tenyson chamou sua atenção e levantou a mão para acenar enquanto caminhava em direção à longa mesa onde sua família agora estava sentada, suas máscaras um testemunho de seu amor por ela.

O rei os deixou para falar com um bando de comerciantes que disputavam sua atenção.

Quando Helena se sentou ao lado de Estevan, ela suspirou.

—Eu já estou exausta e acabamos de chegar.

Cole riu de seu lugar do outro lado. —Não se preocupe, irmã. Em breve, todos os olhos estarão em mim de qualquer maneira.

—É bom saber que o centro das atenções no meu baile será meu irmão. — Ela balançou a cabeça.

Ele lhe deu um sorriso.

Camille, como a única pessoa que não era da realeza madrana em sua mesa, inclinou-se para a frente. —Temos bailes em Gaule, mas nada tão grandioso quanto isso.

A música começou de novo, enviando notas suaves flutuando no ar.

Helena abriu a boca para responder, mas foi interrompida quando o pai apareceu com lorde Nirol, um homem que passou a vida tentando escalar a espiral por todos os meios necessários. Ele era comerciante, mas também circulavam rumores sobre sua pirataria. Helena o conhecera muitas vezes antes, quando o conselho mercante se reunia com o rei no palácio.

Cada vez tinha sido mais desagradável do que a anterior.

—Filha. — Começou o pai. —Você vai dançar. — Ele acenou com a cabeça para lorde Nirol.

—Princesa. — Lorde Nirol baixou a cabeça e ofereceu a ela uma mão ossuda.

Sem outra escolha diante dela, ela desviou os olhos do pai e se levantou, pegando a mão do senhor.

Ele deu um sorriso aguado de lado quando a levou para a pista de dança lotada e colocou a mão em sua cintura.

Era isso que ela treinava por toda a vida. As aulas de dança. Aulas de etiqueta. Helena foi criada para ser a princesa perfeita, a anfitriã perfeita. Por esta noite. A noite em que homens adultos com o dobro da idade lutariam pela mão dela em casamento, alguns pelos filhos e outros por si mesmos.

Ela procurou em sua mente algo para dizer.

—Você gostou dos jogos? — Perguntou Lorde Nirol.

Ela seguiu a liderança dele na dança, nunca tirando uma vez dele, exatamente como havia sido ensinada. Deixe o homem liderar em todas as coisas. Era o que uma princesa fazia.

E era besteira absoluta.

Helena mordeu de volta tudo o que desejava poder dizer e assentiu timidamente. —Eu gostei muito deles.

Era a única resposta aceitável. Uma princesa madrana não podia admitir que achava o boxe um tanto bárbaro. Ela viu o estrago causado à Dell várias vezes. Mas o esporte era tão sagrado quanto qualquer coisa em seu reino. Ela preferia assistir a espadas ou praticar com as adagas.

Lorde Nirol sorriu, os dentes amarelados tortos. —Eu me saí muito bem na minha própria partida.

Ela não conseguia se lembrar de vê-lo lutar antes de sair da arena, mas ele era bem pequeno. Algo que Stev uma vez disse a ela brilhou em sua mente. Um comerciante fala a verdade quando lhe convém e mente quando consegue o que quer. O que um comerciante queria? Ela foi ingênua o suficiente para perguntar. Poder.

Então, ela daria a ele o poder percebido que ele procurava. —Eu vi o seu jogo. — Ela sorriu. —Você me impressionou, meu senhor.

Desejo brilhava em seus olhos estreitos. Ele pensou que poderia ganhar o poder que queria através dela.

—É uma pena que você teve que deixar os jogos mais cedo. — Ele se inclinou para mais perto, esperando a verdade daquela noite. Os guardas do rei haviam vasculhado a cidade, mas nunca disseram às pessoas que sua princesa estava desaparecida. Eles foram informados de que ela se aposentou cedo para economizar energia para o baile.

Lorde Nirol não parecia acreditar nisso, mas ela não respondeu ao seu olhar interrogativo. Quando a música aumentou, vibrando em sua pele, ela examinou a multidão que esperava, muitos dos quais queriam exatamente o que Lorde Nirol supunha que ele logo teria.

Mas Helena esteve escondida a vida inteira. As pessoas não a conheciam. Hoje à noite, todo pedaço do poder do reino estava nela. Independentemente das manobras que seu pai tentasse, no final, a escolha de um marido que aumentaria o domínio de Rhodipus sobre Madra deveria ser dela.

E ela não iria desistir de seu poder. Não para lorde Nirol. Não para nenhum deles.

Especialmente para o pai dela.

 

 

Capitulo Dezessete


Um fino fluxo de luar voou pelo chão de terra do porão quando ele rompeu uma fenda na porta de madeira.

Dell agarrou a perna da cadeira quebrada que encontrou entre os barris de raízes e os barris de vinho.

Ele ficou em um dos degraus precários que levavam à porta e bateu a madeira na fechadura enferrujada várias vezes.

Nada.

Ele grunhiu quando bateu na porta e soltou um uivo de frustração.

O irmão dele não podia fazer isso com ele.

Ele pulou da escada para procurar algo para bater na madeira na esperança de quebrar a porta, já que a trava de aço não se mexia.

Ele agarrou as bordas de um barril de vinho, balançando-o para frente e para trás, deslizando-o pelo chão para acessar o espaço atrás dele, onde sabia que algumas ferramentas eram mantidas.

Dell não conseguia se lembrar da última vez que teve motivos para entrar no porão.

Os homens de sua madrasta, que estavam presentes constantemente na propriedade, iam e vinham regularmente com cargas dos navios que chegavam.

Dell sabia há muito tempo que não havia razão para manter a mercadoria legal escondida embaixo da casa. A maioria das mercadorias de seu pai era transferida do navio para um armazém perto das docas antes de ser entregue aos lojistas ou enviada para um dos outros reinos.

Mas os itens na adega eram... diferentes. Ele se perguntou se sua família só queria evitar as taxas de importação ou havia algo mais? A maioria de seus bens era mantida em armazéns pelas docas, não em sua residência pessoal.

O vinho era fácil de explicar. Era para o consumo da família.

Além do vinho, pedaços de seda, quilos de açúcar refinado e alguns outros itens ocupavam o espaço.

Mas não havia tempo para considerar as atividades ilegais de todos os seus irmãos quando apenas um realmente importava: traição.

Dell tinha que chegar a Edmund e logo.

Ele percorreu os canos até chegar ao outro lado, onde um balde aberto continha ferramentas. Envolvendo os dedos ao redor do primeiro que viu, ele o soltou.

Uma pá com uma cabeça de ferro com crosta de sujeira. Ele subiu as escadas mais uma vez e enfiou a ponta afiada da pá na fenda que percorria o comprimento da porta.

Torcendo na pá, ele colocou toda sua força nela.

Não foi o suficiente. Ele precisava de mais influência. Movendo os pés para que todos, exceto os dedos dos pés, pendessem do degrau, ele puxou com tanta força que o empurrou para trás. Seus pés se inclinaram e ele mal teve tempo de pensar antes de cair. A pá caiu no chão segundos antes de Dell bater em um dos canos ao descer.

A tampa do cano estava apenas em cima e se soltou, sacudindo Dell quando bateu na cabeça dele.

Ele gemeu e rolou para o lado. —Brilhante. — Uma risada áspera escapou dele e ecoou pelo lugar escuro. Ele estremeceu ao se ajoelhar, usando o cano agora aberto para se erguer. Ele colocou uma mão em cada lado do cano e fechou os olhos, desejando que a dor desaparecesse de seu corpo.

A lasca do luar atingiu o barril na frente dele quando ele abriu os olhos, revelando uma substância negra.

Curioso, ele enfiou a mão dentro, puxando um punhado de pó preto fino, não muito diferente da areia da praia que ele havia levado Helena também.

Mas isso não era areia.

Seus olhos se arregalaram quando ele enfiou a mão novamente, sua queda uma lembrança distante.

Ele olhou para a fileira de barris como se eles explodissem exatamente onde estavam, mas ele tinha que saber. Pegando a pá, ele foi para a próxima e abriu a tampa redonda de madeira. Ele mal ouviu isso atingir o chão quando sua mente se encheu com o que estava diante dele.

A mesma substância em pó.

Seis barris, todos iguais.

Ele tropeçou para trás, esfregando a testa.

O que sua família estava fazendo com seis barris de pó explosivo? Eles poderiam derrubar toda a muralha do palácio e uma parte da cidade com ela. Esse era o plano?

E Dell não podia fazer nada quando estava preso no porão.

Ele gritou, sabendo muito bem que ninguém o ouviria. Ele não tinha certeza de que lado era verdadeiramente nobre nessa luta, mas agora não tinha confusão.

Sua família tinha que ser parada.

Ele subiu os degraus e bateu com os punhos na porta, sentindo-se um pouco menos inútil por pelo menos tentar.

O desespero percorreu sua mente. Era tarde demais para parar a rebelião? Tudo já estava posto em movimento?

Ele bateu na madeira rachada até o sangue escorrer entre os nós dos dedos e a dor reverberar em seus braços.

Ele desceu as escadas e sentou-se de costas contra os canos mortais. Seu irmão havia pegado sua faca de talhar, a única coisa que sempre o impedia de perder a cabeça.

Ele bateu no bolso onde normalmente estava.

A única coisa que Ian não pegou foi o pedaço de madeira entalhado que compunha seu mais novo projeto. Ele tocou as bordas ásperas, ainda não lixadas.

Mesmo depois que Edmund lhe disse que nunca mais poderia ver Len, ele começou isso... por ela.

Com esses sapatos, ele queria dizer a Len que ela poderia ser quem ela quisesse. Ela poderia fugir do palácio. Ela poderia correr em direção a isso. A vida dela era dela. A única coisa que decidia seu destino era a direção em que ela apontasse os sapatos.

Liberdade. Um pensamento tão simples, mas tão complicado para os dois.

Os sapatos não estavam completos. Ele só esculpiu a forma de um e ainda tinha que adicionar enfeites para dar a beleza que Len merecia.

Com quem ele estava brincando? Ela provavelmente nunca iria receber. Ele agora era um prisioneiro mais do que nunca. Eles o deixariam ir?

E Len... se ele não pudesse salvá-la, ela teria seu destino com o da família real e ele não gostou das chances deles.

Ele enfiou a madeira semi esculpida de volta no bolso, onde estava pesada contra seu coração, uma ideia tão desesperadora quanto seu estado atual.

Com um suspiro, ele apoiou a cabeça na superfície arredondada do cano e deixou os olhos fecharem - não por exaustão, mas apenas pelo cansaço do fracasso.

Um baque soou contra a porta e seus olhos se abriram.

A fechadura sacudiu, o som de metal raspando tocando alto em seus ouvidos, enchendo sua mente com um pensamento. Fuga.

Seus irmãos já retornaram do baile? Quanto tempo tinha passado? Eles voltaram para torturá-lo com sua crueldade. Ou eles vieram buscar seu pó?

A porta se abriu e um homem de ombros largos espiou, a luz da lua o lançando em um brilho. Tatuagens serpenteavam seu pescoço grosso, parando abaixo de um queixo quadrado.

Seus lábios estavam em uma linha sombria.

Dell esperou, recusando-se a desviar os olhos do homem. Se esse era o castigo de Ian, ele aceitaria. E então um dia, ele se vingaria.

—Dell Tenyson? — O homem perguntou, sua voz baixa.

—Vamos acabar com isso. — Dell estreitou os olhos. —Faça o que você veio fazer aqui.

O homem desceu as escadas devagar, parando na frente de Dell. Suas tatuagens eram mais visíveis agora, marcando-o como mercenário. Até o irmão dele não procuraria um mercenário. Se eles não aceitavam o emprego que você oferecesse, eles eram notórios pelo tratamento severo que dariam àqueles que os procuravam nas montanhas.

Ian pode planejar traição contra o rei, mas isso não poderia ser confundido com bravura. Ele era uma verdadeira doninha.

Outro rosto apareceu na porta acima, e Dell demorou um momento antes de o socorro colidir com ele.

—Mari? — Ele perguntou, passando os olhos dela para o homem imponente na frente dele.

—Dell, querido. — Ela balançou a cabeça. —Veja o problema em que você se meteu agora. Venha agora... temos que ir.

Dell examinou o porão com seu contrabando explosivo uma última vez antes de seguir o mercenário subindo as escadas.

Corban esperava por eles lá fora. Ele não disse uma palavra, pois imediatamente pegou a mão de Dell.

O calor inundou Dell e todas as dores que estavam presentes desde sua luta nos jogos madranos diminuíram até que elas não existiam mais.

Mari assentiu. —Agora que resolvemos isso, Dell, esse é Toren. Edmund está com ele nos protegendo. — Ela fez um gesto para o grandalhão.

Ele não deveria estar surpreso que Edmund tivesse mercenários em seu emprego. —Por que você precisa de proteção? Aconteceu alguma coisa com você?

—Edmund está preocupado que seremos procurados se houver uma mudança de poder aqui em Madra. Devemos pegar um navio para Bela. E você deve se juntar a nós.

Dell balançou a cabeça. —Eu não posso sair.

—Dell, Madra não é mais segura para você. Edmund aprendeu algumas coisas concretas sobre sua família, provando o que ele suspeitava estar certo.

Quem disse a ele? Dell acabou de ouvir tudo o que Edmund queria saber. Ele congelou. —Quem disse a Edmund que eu estava preso?

—Eu não sei, mas devemos partir daqui agora.

—Mari. — Dell agarrou seu pulso. —Eu não posso. Você não entende. É muito pior do que Edmund temia. Há barris de pólvora explosiva lá em baixo. —Ele apontou para o porão. —O suficiente para derrubar o setor da cidade em torno das muralhas do palácio.

Ela trocou um olhar alarmado com Toren. —Edmund deve ser avisado.

—Eu tenho que chegar a esse baile.

Mari o considerou. —Se você aparecer no baile parecendo com você, seu irmão fará mais do que trancá-lo no porão. Não, não podemos ter Dell Tenyson aparecendo no palácio.

—Eu não tenho escolha, Mari.

—Eu sei que você não tem. Siga-me. — Ela girou nos calcanhares e colocou a mão no ombro de Corban para levá-lo através do terreno encharcado até o celeiro. Uma piscina de água parada bloqueava as portas do celeiro, mas Mari bateu nela, sem se importar em molhar os sapatos. Toren abriu a porta do celeiro.

A vaca gemeu assim que terminaram. O estábulo de Ian estava vazio, pois ele havia sido usado junto com outro cavalo para puxar a carruagem do Tenyson.

As mulas e cabras se despertaram, enfiando a cabeça sobre as barras de metal da baia.

Mari examinou o espaço, analisando todos os detalhes sem importância antes de procurar a Dell. —Primeiro, para se sentir confortável, você precisa de roupas secas. Não importa o que você vista. Bem, espere.

Dell, não querendo discutir quando ela parecia ter um plano, caminhou até a beliche e trocou as roupas ainda úmidas por calças de lã secas e uma camisa de linho.

Mari assentiu em aprovação. —Você não vai sentir nada. — Prometeu.

Ela levantou a mão e enrolou os dedos. Dell nunca se acostumaria com sua mágica. Ela já havia usado ela antes, e ele sempre suspeitava se funcionava tão bem quanto ela alegava.

Quando ele olhou para suas roupas, ele não percebeu a diferença.

Os olhos de Toren se arregalaram.

—O que? Como eu estou? —Dell perguntou.

Corban circulou-o, seus olhos avaliando.

Mari foi quem respondeu. —Cabelos escuros estão em um rabo perfeitamente arrumado. Um rosto bonito, mas aberto, com grandes olhos cor de âmbar e uma mandíbula forte. Roupa adequada para um príncipe. Calça azul, camisa branca com babados e paletó azul claro. Os sapatos brilham com perfeição. — Ela sorriu. —Uma das minhas melhores criações, eu diria. — Ela se virou em direção à porta. —Venha.

Ao lado do celeiro, havia um carrinho de mula enferrujado. O ar ao redor do carrinho ficou nebuloso, brilhando como se pequenas ondas ondulassem no ar.

Quando se abriu mais uma vez, o carrinho foi substituído por uma grande carruagem branca com ouro aparecendo na porta. Por tantas vezes quanto Dell havia sido alvo da magia de Mari, ele nunca havia testemunhado sua própria percepção mudar.

Taron levou as duas mulas do celeiro. Mari os encarou e elas se transformaram em enormes corcéis pretos com pelos brilhantes e freios incrustados de jóias.

Mari sorriu satisfeita quando Dell recuou. —Ninguém no baile saberá quem você é, Dell. Ser um mistério carrega seu próprio conjunto de perigos. Minha mágica durará apenas cerca de duas horas. Você deve entrar, informar Edmund de tudo o que viu e depois chegar ao navio. Partimos para Bela na maré da manhã.

Dell estendeu a mão para acariciar o nariz macio do animal enorme, o peso do que ele estava sendo solicitado a fazer permaneceu pesadamente em sua mente. Houve um tempo em que a única vida que ele esperava para si era a de um simples fazendeiro em sua aldeia nas montanhas.

Mas tudo mudou em um instante, e agora ele se via com o destino de um reino em seus ombros.

Dell. Não um Tenyson por qualquer outro significado se não o nascimento. Um garoto de nascimento baixo.

Agora ele tinha que salvar um rei que não merecia ser salvo para proteger os que o mereciam.

Ele assentiu devagar e soltou um suspiro. —Eu estarei lá, Mari.

 

 

 

 


Capitulo Dezoito


Grandes tochas alinhavam-se na entrada, passando pelos portões abertos. Ninguém em Madra seria recusado hoje à noite. Até os plebeus foram autorizados a entrar no baile. Alguns chegariam pela pura novidade do evento. Outros pensavam que tinham a chance de serem escolhidos como o marido da princesa.

Dell sabia como realmente funcionava. O rei escolheria alguém cujo poder aumentasse o seu.

Ian.

Ele era a melhor escolha para fazer uma conexão entre o rei e o conselho mercante. Dell sabia disso. Todo mundo sabia disso.

Mas Ian seria o fim da linhagem Rhodipus.

A carruagem de Dell parou e ele engoliu em seco. Seus olhos voaram sobre suas roupas simples e ele tentou ver o que eles veriam. Para ele, ele ainda parecia Dell - o garoto Tenyson que era mantido nos estábulos como se fosse um animal.

Sua respiração acelerou quando a porta se abriu e um homem de luvas brancas de gibão e cauda se curvou. —Bem-vindo ao palácio, meu senhor.

Dell hesitou por um momento, olhando em volta para a opulência de sua carruagem. Eles não sabiam quem ele era, mas podiam ver que ele era importante.

Um senhor estrangeiro? Talvez eles tenham assumido que ele veio de Gaule ou Cana para participar do grande evento. Ele levantou o queixo, como já havia visto seu irmão fazer um milhão de vezes antes. —Você vai me ajudar a sair desta carruagem ou ficar parado olhando boquiaberto? — Sua voz soou falsa para seus ouvidos, mas chamou a atenção do criado e ele estendeu a mão.

—Sim senhor. Desculpe senhor.

Dell pegou a mão e desceu os degraus. Outra carruagem parou atrás dele, e ele mal a olhou.

Os terrenos fervilhavam de criados e guardas. Quando ele olhou para o rosto do homem, ele percebeu como ele era jovem. Ele deveria ser ainda mais jovem que o próprio Dell.

Dell o soltou e as bochechas do garoto coraram. —Senhor, você precisa de uma escolta no baile?

Dell zombou. —Jovem, eu já estive neste palácio mais vezes do que você comemorou seu nascimento.

Era uma mentira ousada. Dell teria se beneficiado com a escolta, mas passou pelo criado sem mais um olhar quando Toren - disfarçado de motorista de carruagem - agarrou as rédeas e saiu para se juntar às fileiras de outros.

Um fluxo constante de pessoas, nobres e plebeus, atravessou o palácio e Dell seguiu o fluxo.

O baile tinha um código de vestimenta rigoroso; portanto, apenas pessoas comuns que podiam pagar pelos casacos de dique estavam presentes. Detentores de lojas. Capitães de navios. Fabricantes de vinho.

Dell, mesmo como filho de um comerciante, se sentia deslocado.

Portas maciças de carvalho esculpidas estavam abertas, revelando o elegante salão de baile cheio de ponta a ponta. No centro, os casais deslizavam pelo chão, dançando ao som da animada música da orquestra.

A multidão se separou quando a princesa tomou seu lugar entre eles, em pé ao lado de Ian. Dell só a vira de perto uma vez quando se conheceram nas docas, mas ela mal falou.

Uma máscara de joias cobria tudo o que ela devia estar sentindo enquanto todos os olhos a seguiam. Ian a puxou para perto e seus lábios, a única parte visível de seu rosto, puxaram para baixo.

Ele se inclinou para sussurrar em seu ouvido, e sua mandíbula apertou.

Dell não conseguia tirar os olhos deles, mesmo quando uma serva andava carregando uma bandeja de taças de vinho.

—Meu Senhor.

As palavras ecoaram vagamente em sua mente.

—Meu senhor. — A criada parou na frente dele, os olhos se inclinando com preocupação. —Você está bem, meu senhor?

Ela estava conversando com ele? O título de senhor não estava bem com ele. Mas o que ele poderia dizer? Eu não sou senhor. Sua cobertura seria destruída. A magia de Mari fez todos verem algo novo, mas ele ainda se sentia como ele mesmo.

Ele passou a mão na mandíbula e pegou uma taça da bandeja dela. —Estou bem. — Ele bebeu o vinho sem respirar e entregou o copo vazio para ela.

Ele encontrou Edmund parado perto da parede oposta com Reed ao seu lado. Sem outro olhar para o criado que ainda estava na sua frente, ele marchou pela sala, mal vendo aqueles que tinham que sair do caminho.

A testa de Edmund franziu em confusão quando Dell parou bem na frente dele. —Eu preciso falar com você. — Disse Dell, seus olhos passando rapidamente para o irmão, que agora o observava com curiosidade.

—Sinto muito. — Edmund se inclinou para frente para olhar mais de perto. —Eu conheço você?

—Edmund. — Dell soltou um suspiro frustrado. —Você me disse para confiar em você. Que ter algo pelo que lutar mudou sua vida. Agora eu sei o que você quis dizer.

Os olhos de Edmund se arregalaram de entendimento. —Com licença, Reed. Senhor... Isaacs é um velho amigo que não reconheci a princípio. Eu preciso falar com ele.

—Claro. — Reed olhou de Edmund para Dell e de volta. —Lembre-se do que falamos.

—Eu vou.

Reed assentiu e desapareceu na multidão.

Todos os sons cessaram abruptamente e Dell saltou. —Droga, Edmund, nunca vou me acostumar com isso.

A voz de Edmund era baixa enquanto ele falava. — Enviei Mari e Taron para tirá-lo de Madra. Quando Reed me disse o que você ouviu... — Ele balançou a cabeça. —Temos sorte de Ian não ter matado você completamente.

—Desde quando Reed está do nosso lado?

—Desde que ele descobriu com quem Ian está trabalhando dentro do palácio.

—Quem é? — Perguntou Dell.

—Ele ainda não me contou. — Edmund olhou por cima do ombro para a multidão cujos sons não podiam alcançá-los enquanto sua mágica estava em jogo. —Reed não confia em mim. Mas ele não queria que Ian te matasse.

Dell desejou que não o surpreendesse que alguém de sua família quisesse que ele vivesse.

Edmund estendeu a mão para segurar o braço da Dell com força. —A mágica de Mari é perigosa, Dell. Ele desaparece e você não será capaz de sentir isso acontecendo. Você não deveria ter vindo.

—Eu sei.

—Temos pessoas no local para quando a rebelião começar. Não há mais nada que você possa fazer como Dell. É por sua causa que Reed nos contou nossa informação mais crucial. Há alguém muito próximo da família real fazendo uma jogada de poder. Agora é hora de considerar sua própria segurança.

—Eu não posso! — As palavras saíram dele. Ele fechou os lábios e olhou para as pessoas na pista de dança nas proximidades. Eles ainda não o ouviram. —Edmund, me escute. Meu irmão... eles têm meia dúzia de barris de pó explosivo.

O aperto de Edmund em seu braço aumentou. —Você tem certeza?

—Eu sei como é, Edmund. Onde eles conseguiram?

—As minas de Dracon. — Ele suspirou e retirou a mão do braço de Dell.

—É por isso que quem está planejando isso precisa dos meus irmãos. Não há como esse pó explosivo atravessar os portos de Bela ou Gaule. Navios Tenyson devem ter entrado em Dracon em segredo.

Os olhos de Edmund percorreram o salão. —Eu preciso lidar com isso, Dell. Nós devemos nos preparar. Isso não muda nada para você. Se você for encontrado em Madra por alguém conectado a essa rebelião, eles o matarão. Vá para o navio. Vou mandar Camille para você assim que o baile terminar e posso tirá-la do palácio. Quando você chegar em Bela, diga a eles que deve falar com o rei ou a rainha. Eles o protegerão caso Madra seja tomada.

—E você? Edmund, este nem é o seu reino. Você precisa vir comigo.

Edmund balançou a cabeça, os olhos vagando para a mesa onde o príncipe herdeiro estava sentado mascarado ao lado de sua futura noiva. —Há razões...— Ele encontrou os olhos de Dell. —Eu cresci em Gaule. Bela é minha casa. Mas meu coração reside aqui, e eu o protegerei com tudo o que tenho. — Seus olhos se arregalaram, percebendo o que ele acabara de revelar.

Dell deu um passo atrás. Tudo faz sentido agora. Por que Edmund lutaria por um rei como o que eles tinham? Por que ele tinha tanta fé no príncipe.

Edmund estava apaixonado por Estevan Rhodipus.

E esse amor ia matá-lo porque eles não podiam vencer. Não contra um inimigo quase desconhecido que tinha essas ferramentas à sua disposição. Não quando o rei que eles protegiam não era amado pelo povo. Quem lutaria por ele?

Edmund lutaria por Stev.

Dell estava saindo.

Eles já haviam perdido.

A princesa passou, ainda nos braços de Ian. Tudo nela era rígido, mas havia algo tão familiar na maneira como ela mantinha a cabeça erguida, como se nada no mundo pudesse machucá-la. Ian não. Não a máscara que ela tinha que usar.

—Você precisa ir agora, Dell. — Edmund agarrou seu ombro. —Antes que a mágica acabe.

—Libere sua mágica, Edmund. Tem música tocando. — Ele encolheu os ombros da mão de Edmund. —Vou embora, mas não até salvar uma princesa de uma besta.

O barulho colidiu com eles, elevando-se acima da música, atacando todos os seus sentidos quando a magia de Edmund desapareceu.

—Dell. — Um aviso. Isso foi tudo o que Edmund deu a ele antes que Dell se dirigisse ao irmão, mantendo uma beleza em cativeiro.

Ele tinha que arruinar uma coisa final para Ian. Se amanhã visse o fim das regras dessa família, essa garota não passaria mais um minuto presa no abraço de Ian.

A música parou e os dançarinos voltaram a bater palmas. Dell se aproximou do lado da princesa e se curvou. —Princesa. — Ele disse suavemente, um sorriso brincando nos lábios. —Você faria a honra de me dar a próxima dança?

Ian rosnou. —Eu nem sei quem você é, mas a princesa e eu não terminamos. — Ele apertou a mão no ombro nu da princesa.

Dell levantou a mão de Ian da garota que ainda não havia falado. —Eu acredito que ela pode escolher um parceiro para si mesma.

Um sorriso se formou em seus lábios, e ela o escondeu atrás de uma tosse antes de estender uma delicada mão enluvada para Dell.

Ele pegou e levou-a para longe de seu irmão fervente.

Dell de semanas atrás nunca teria imaginado compartilhar uma dança com a misteriosa princesa que era mantida atrás dos altos muros do palácio. No entanto, lá estava ele, deslizando a mão pela cintura dela.

Ela ainda não tinha dito uma palavra, mas ele sorriu gentilmente para ela. Como Edmund o chamara? —É um prazer conhecê-la, princesa. Eu sou Andrew Isaacs.

Ela olhou para ele, seus olhos duas esferas verdes profundas nos buracos da máscara. Como ela era abaixo daquele tecido rendado? Ele imaginou que ela tiraria o fôlego.

Enquanto ele olhava nos olhos dela, algo familiar o atingiu. A música começou e ele a sacudiu quando a dança começou. Ele não conseguia se lembrar da última vez que dançou, mas os movimentos que sua mãe lhe ensinou quando menino voltaram naturalmente.

A princesa tossiu levemente, pigarreando. —Obrigada.

A voz dela era tão baixa que ele quase não a ouviu. —Pelo que, princesa?

Ela não respondeu.

Ele não pôde evitar a próxima pergunta que saiu de sua boca.

—O que Ian disse para você?

Ela arregalou os olhos de surpresa, mas apenas sacudiu levemente a cabeça.

Dell a puxou para mais perto. —Vi como você ficou tensa quando ele falou com você.

—Como você sabe que foi por causa dele e não da dança?

Ele achatou os dedos contra a espinha dela, esquecendo por um momento quem ela era. Ele poderia não entender muitas coisas, mas as mulheres sempre faziam sentido para ele. Isso o colocava em mais problemas do que ele conseguia se lembrar.

Ele se inclinou para perto, falando no ouvido dela. —Porque quando eu me mexo, você segue. Sem brigas. Sem tensão. Seu corpo está relaxado em minhas mãos. Você não me conhece, princesa. Eu faço você se sentir segura?

Um momento de silêncio passou entre eles antes que gargalhadas suaves vibrassem em sua garganta.

Ele conhecia aquele som.

Mas foi só quando ela falou de novo que ele se impressionou. — Essas linhas funcionam com as damas da cidade, milorde?

Len.

Ele tropeçou para longe dela. A Len dele... a garota que ele faria qualquer coisa para ver de novo... ela era a princesa de Madra.

Como ele não viu isso? As roupas do garoto. Escapando do palácio.

Helena. Princesa de Madra.

Meu coração reside aqui e vou protegê-lo com tudo o que tenho.

Ele sabia por que Edmund estava fazendo isso agora. Para eles. Ele sabia? Claro que ele sabia. Len não era a amante do príncipe. Ela era irmã dele. E ela estava em perigo.

—Lorde Isaacs. — Ela perguntou, seus lábios se inclinando para baixo. —Está tudo bem?

Ele olhou para a porta onde sabia que deveria ir naquele exato momento. Havia um navio esperando por ele. Um caminho para a segurança. Para uma nova vida.

Seus olhos voltaram para a princesa que olhava para ele com tanta inocência. Tanta beleza. Ele era uma das poucas pessoas que sabiam o que havia por baixo da máscara. Ele era o único que sabia o que havia dentro de seu peito?

Ou Len tinha sido uma mentira?

Quem era a garota na frente dele?

Ele estendeu a mão, passando um dedo pela lateral da máscara dela.

—Você gostaria de passear nos jardins? — Ela perguntou. —Acho que preciso de um pouco de ar.

Os jardins estavam na direção oposta aos portões do palácio. Mais longe de sua liberdade.

Ele assentiu, incapaz de se conter. —Sim princesa. Sim.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Capitulo Dezenove


O olhar de Ian ardeu nas costas de Helena quando ela deslizou o braço nos nobres desconhecidos ao lado dela. Ela não podia afirmar que conhecia muitas das pessoas ricas de Madra desde que passou a vida presa no palácio. Mas havia algo nele... Seu sorriso transbordava de charme e com seu belo rosto, ela tinha certeza de que ele tinha as damas de Madra correndo atrás dele.

O paletó com botões dourados falava em riqueza.

Mas, ao contrário de Ian Tenyson, seus olhos não eram os de um predador. Eles seguravam algo... mais gentil.

Ela viu o pai conversando com alguns de seus conselheiros, sem prestar atenção nela. Os olhos de Stev a seguiram, mas ele não se levantou. Ele teria alguns guardas atrás deles nos jardins, sem dúvida.

Assim que ela atravessou a porta dos jardins, o ar frio da noite a atingiu e ela sorriu. Por aqui, não havia uma série de nobres e plebeus esperando um pouco do seu tempo. Não havia expectativas ou tradições.

Ela desejou poder tirar a máscara do rosto.

Mas ela tinha que lembrar que não andava sozinha.

Um calafrio percorreu sua espinha.

—Está com frio? — Perguntou o senhor Isaacs.

Ela balançou a cabeça, não querendo voltar ao baile. Deslizando o braço dele, ela continuou no caminho, desejando poder tirar os malditos sapatos em que a forçaram a entrar e correr.

Ela fugiu de tudo. Como ela tinha antes... com Dell. Sua mente se voltou para ele, imaginando o que ele estava fazendo. Ele tinha esquecido dela?

Seu pé bateu em uma pedra na trilha e ela xingou quando uma rachadura rasgou o ar.

—O que foi isso? — Lorde Isaacs perguntou.

Helena suspirou e levantou a barra do vestido. —Eles me fizeram usar sapatos de vidro. — Ela tirou os sapatos e os pegou para examinar o dedo quebrado. —Você acredita nisso? Vidro? Como se essa não fosse a ideia mais estúpida que você já ouviu.

Lorde Isaacs se inclinou para frente para olhar o sapato, seus cabelos escuros caindo nos olhos. Ele riu. —Talvez eles quisessem garantir que você não pudesse fugir.

Ela teve o mesmo pensamento. Uma risada borbulhou fora dela. —Eu não sei, mas eles seriam bons se eu precisasse incapacitar o filho de um certo comerciante. — Ela bateu a mão na boca. —Oh meu Deus, eu não posso acreditar que acabei de dizer isso. — O calor aumentou em suas bochechas. —Você vai voltar para casa e contar a todos a sua caminhada com a princesa completamente louca, que é um perigo para todos os homens e suas uh... partes sensíveis. — Ela deu um passo para trás. —Oh uau... cale a boca, Helena.

Lorde Isaac sorriu como se ela fosse a coisa mais divertida que ele já viu. —Não apenas isso, mas ela aparentemente fala consigo mesma.

Ela enterrou o rosto nas mãos. —Eu nunca falo assim. Normalmente, ninguém sabe o que estou pensando. Não sei por que tudo está derramando como se eu estivesse vomitando palavras aleatórias para um estranho. Oh, Helena, não diga vômito. Isso não é atraente. — Ela levantou o rosto. —Não é como se você soubesse se sou atraente - ou me preocupo - sou uma princesa. Não preciso ser bonita. — Ela se afastou dele. —Eu vou rastejar em um buraco agora.

Lorde Isaacs agarrou seu braço antes que ela pudesse ir embora. —Não importa o que está por baixo da máscara.

Ela se virou para ele, as sobrancelhas se unindo.

Ele levantou um dedo para correr ao longo da parte inferior da máscara e ela respirou fundo.

—E não porque você é uma princesa. — Ele se aproximou dela.

Ela mal conhecia esse homem, mas suas palavras a paralisaram. Ela soltou um suspiro suave. —Então por quê? — Ela encontrou seu olhar rodopiante, tentando ver o que havia por trás dos olhos intensos. —O que você vê?

—Tudo. — Ele sussurrou. —Você é linda.

Seus lábios colidiram com os dela e ele a puxou contra seu corpo flexível. Ela devolveu o beijo dele, não se importando mais em conhecer o homem. Algo sobre ele falou com ela, disse-lhe para confiar nele. E ela se sentiu vista pela primeira vez em sua vida.

Não a princesa.

Não a garota que se veste com as roupas do irmão.

Ela.

Helena.

Ela se afastou, respirando pesadamente, e apoiou a testa na dele. —Quem é você, Andrew Isaacs?

Ele a empurrou para trás e pareceu se recompor. —Eu sou alguém que não deveria estar aqui.

Ela não desviou os olhos dos dele e, como um lampejo de luz da tocha próxima passava sobre eles, ela juraria que eles se mudaram, tornando-se mais redondos e perdendo a inclinação angular.

Ela conhecia aqueles olhos, mas de onde?

Ele deu um passo para trás de seu olhar examinador.

—O que está acontecendo? — Ela perguntou. —Seus olhos... eles mudaram.

Ele levantou a cabeça. —Eu tenho que ir. — Ele se virou para andar pelo jardim.

—Espere. — Ela correu atrás dele, suas pernas curtas lutando para alcançar seus longos passos.

—Eu não posso estar aqui. — Ele acelerou, abrindo a porta enquanto passavam pelos guardas que Stev havia enviado atrás deles.

A comoção na porta chamou a atenção de mais de alguns espectadores, mas lorde Isaacs não parou.

—Helena. — Seu pai repreendeu, aparecendo ao seu lado enquanto ela marchava pela multidão. —Por que diabos você está carregando seus sapatos?

—Eles são de vidro, pai. — Disse ela, enfiando os sapatos no peito dele. —Entenda.

Lorde Isaacs chegou ao corredor, e ela correu atrás dele, não o alcançando até que ele ficou no topo da escada que levava às carruagens.

—Por favor. — Ela odiava o som suplicante de sua voz. —Diz-me o que se passa.

Lorde Isaacs finalmente se virou para ela, mas seus cabelos escuros haviam se transformado em um castanho claro e ficaram ainda mais claros. —Eles estão vindo para você, princesa. Mantenha-se segura. Confie apenas em Edmund.

O que ele sabia de Edmund?

—Quem é você? — Ela perguntou. —Você está me ameaçando?

Como ela tinha se enganado tanto em confiar em seu doce sorriso?

—Não. — Ele passou a mão pelos cabelos agora loiros. —Deus não. Se algo acontecesse com você... — Ele olhou para onde sua carruagem aparecia, puxada por um cavalo que ela juraria estar encolhendo enquanto a observava.

Ele enfiou a mão no bolso interno do casaco e puxou algo livre antes de pressioná-lo na mão dela.

—Gostaria de poder dar a liberdade que você queria, Len. Mas farei tudo ao meu alcance para protegê-la. Eu prometo a você. — Como se estivesse perdendo uma batalha dentro de si, ele se adiantou, suas mãos segurando seu rosto gentilmente enquanto beijava sua expressão confusa.

Ele se afastou cedo demais, poupando-lhe um último olhar antes de correr escada abaixo e pular na carruagem. O motorista bateu as rédeas o mais forte que pôde e a poeira subiu nas rodas quando a deixou atordoada no degrau.

Ela tocou os lábios com a mão livre e abriu os dedos da outra. A escultura áspera de um sapato de madeira estava na palma da mão, meio acabada.

—Dell. — Ela respirou.

Não havia outra explicação. Ela não entendeu por que ele esteve lá ou como ele não se parecia, mas seu aviso ficou claro em sua mente.

Eu farei tudo ao meu alcance para protegê-la. Eu prometo a você isso.

Do que ela precisava se proteger?

Confie apenas em Edmund. Ela girou nos calcanhares. O embaixador de Bela tinha muito o que explicar, começando por quem era Dell Tenyson e o que ele tinha a ver com os problemas iminentes em Madra?

 

 

 

 

 


Capitulo Vinte


A carruagem tremeu e estremeceu em torno de Dell enquanto corria pelas ruas. O telhado brilhava, piscando dentro e fora da vista antes de desaparecer completamente. As paredes encolheram, retraindo até que nada mais eram do que vigas de madeira rachadas subindo na altura dos joelhos.

Dell balançou a cabeça, tentando entender o que estava acontecendo enquanto seu coração batia forte no peito.

—A carruagem...

Eles diminuíram a velocidade quando Taron entrou em um beco vazio.

—Ela desapareceu. — Gaguejou Dell.

Taron virou-se no banco em que se sentou para olhar para Dell. —Nunca esteve lá para começar. — Ele largou as rédeas e pulou do banco, aterrissando ao lado da mula que parecia um cavalo gigante momentos antes.

Como alguém se acostumava à magia?

A maioria das pessoas em Madra viveu a vida inteira, nunca testemunhando o poder. Talvez fosse mais fácil assim. Vendo o que o povo mágico podia fazer... mudava tudo.

Dell desceu da cama do carrinho de mulas raquítico. Agora não passava de madeira podre e rodas enferrujadas.

Ele passou a mão pelo rosto. —Eu pareço comigo mesmo?

Uma sombra apareceu no final do beco.

Taron resmungou. —Tudo agora aparece como deveria. Hora de ir. Você não estará seguro até estar a bordo do navio. Partimos em algumas horas, quando Edmund trouxer a princesa de Gaule para nós.

Dell deu um passo atrás, o rosto de Helena firmemente em sua mente. Mas não era o rosto mascarado da princesa. Ele viu Len, a mulher que fez amizade com ele, cuidou dele. A garota de cabelos escuros, selvagem por se enredar na brisa do oceano, cuja estrutura desaparecia entre as roupas de seu irmão.

Aquela garota não era princesa.

Mas Len não era real. Helena era.

E ele ainda não podia deixá-la.

—Eu não vou com você. — Ele ergueu os olhos para encarar o grandalhão teimosamente.

—Não seja tolo, garoto. A única coisa que resta para você em Madra é a morte.

Dell avançou nele. —E o que dizer da família real? A morte é a única coisa aqui para eles também?

—Isso não é mais sua preocupação. Edmund deixou ordens para trazê-lo conosco.

—É bom que Edmund não seja meu comandante, não é? — Ele estreitou os olhos. —Não vou embora quando estão em perigo. Quando ela está...

O entendimento surgiu aos olhos de Taron. —Você luta por alguém que não seja você?

—Eu luto.

—Esse é um... conceito estranho para mercenários, mas é o que todos desejamos. Algo para nos trazer esperança. Mari vai ficar com minha cabeça, mas não vou forçá-lo a vir conosco, Dell Tenyson. — Ele se virou e agarrou o cinto da mula, soltando-o do carrinho. —Eu não acho que você vai sobreviver a isso, mas desejo-lhe sorte.

Ele encontrou o olhar de Dell por cima do ombro e assentiu uma vez antes de puxar a mula para frente e levá-lo embora.

O que agora? Para onde ele poderia ir? A cerimônia reveladora não seria até a tarde seguinte e ele só esperava que nada acontecesse antes disso.

Dell deu meia-volta e correu de volta para a rua. Suas pernas cansadas o levaram pela cidade onde os lojistas estavam voltando para casa durante a noite. Ele ficou nas sombras dos edifícios, sem saber quem poderia estar trabalhando com sua família.

Ele passou pela estrada que levava às docas como uma carruagem que ele reconheceria em qualquer lugar que passasse, com as rodas batendo na estrada irregular.

Por que a carruagem de sua família estava nas ruas quando ele duvidava que seus irmãos tivessem deixado o baile?

Ele se afastou para vê-lo passar, com o coração na garganta. Ele nunca gostou de seus irmãos, mas, quando garoto, procurou a aceitação deles, nunca a recebeu. Desaprovação e decepção era tudo que ele conhecia. Ele não tinha entendido.

Até agora.

Apenas uma coisa importava para seus irmãos. Não era família nem riqueza, como ele pensava. Eles não se importavam com ninguém. Mas poder... eles sempre querem mais.

Quando Dell foi trazido a eles, um garoto bastardo da montanha, sem experiência na cidade, havia consumido um pouco de seu poder.

Eles poderiam deixar suas emoções controlá-los. Dell era a prova da fraqueza do pai.

E ele seria a queda de seu legado.

Ele saiu da alcova em que estava escondido e correu até chegar à fileira de casas pertencentes a embaixadores estrangeiros.

O portão dos fundos de Edmund estava destrancado, e Dell se perguntou se havia algum objetivo nisso. Quantas pessoas vieram e saíram da casa do homem belaeno em segredo? Até que ponto ele se rebelou? Ele tinha muitos espiões e homens leais sob seu controle. E Dell agora sabia o porquê. Ele entendeu Edmund em um nível que nunca tinha antes.

Edmund tinha algo - alguém - para lutar.

Ele enrolou os nós dos dedos contra a madeira da porta dos fundos, esperando que o servo de Edmund estivesse em casa e se lembrasse dele.

A porta se abriu e uma mão disparou, puxando-o para dentro antes de bater a porta.

O homem que serviu Edmund com tanta lealdade quanto Dell o empurrou contra a parede. —Por que você veio? — Os olhos selvagens do homem percorreram o rosto de Dell até o reconhecimento se firmar e seu aperto afrouxar.

—Eu quero ajudar. — Dell ofegou. —Eu não sabia para onde mais ir.

O homem soltou Dell e soltou um suspiro. —Sinto muito, mestre Tenyson. Hoje estou um pouco tenso.

—Todos nós estamos. Você sabe quando Edmund voltará?

Ele passou a mão pelo cabelo. —Em breve. Ainda há preparativos a serem feitos. Você pode esperar por ele.

Dell assentiu e caminhou até o sofá antes de cair sobre ele, exausto. Ele precisava falar com Edmund. Descobrir qual era seu plano para proteger Helena na cerimônia reveladora.

Ele forçou os olhos a permanecerem abertos enquanto esperava o único homem que poderia ajudá-lo a manter Helena segura.

 

 

 

 


Capitulo Vinte e Um


Helena não queria mais estar no baile. Não quando ela sabia que algo escuro estava se formando em Madra. Não quando Dell a deixou confusa e assustada, pensando que algo iria acontecer com ele.

Ian Tenyson deslizou para o lado dela mais uma vez, e ela teve que se forçar a não recuar. Como um irmão podia ser tão doce e nobre enquanto o outro era como uma serpente viscosa?

—Aproveitando o seu passeio, Len? — Ele perguntou.

—Meu nome é Helena. — Ela o encarou, com fogo nos olhos. —Princesa Helena.

— Seus irmãos te chamam de Len. Se quisermos ser família, terei esse prazer, assim como muitos outros.

Ela se aproximou dele, inclinando-se para que seus corpos roçassem e abaixou a voz. —Você nunca fará parte da minha família.

Ela tentou se afastar, mas ele a agarrou pelo braço. —Você pensa que é inteligente. Mas saiba disso, Helena, seu pai não foi quem prometeu você para mim. Eu terei você.

O que ele quis dizer com o pai dela não prometeu ela em casamento? Ele era a única pessoa com o poder de fazê-lo. Nem a rainha tinha voz.

Helena olhou para os homens que vieram ao baile na esperança de serem escolhidos. Se o pai dela não tivesse planejado isso, talvez um deles tivesse uma chance.

Ela arrancou o braço de Ian, procurando o único homem que poderia lhe dar respostas. Edmund estava com Stev na beira da pista de dança. Ninguém poderia dizer que eles eram nada mais que amigos apenas olhando para eles.

Mas ela podia ver agora que sabia. Os pequenos sorrisos que Stev dirigia ao caminho de Edmund disseram tudo. Estevan Rhodipus era tão sério quanto eles. Mas não com Edmund.

—Eles não serão capazes de salvá-la. — Disse Ian, afastando as mechas de cabelo do pescoço dela.

Seu toque queimou sua pele, e ela se afastou.

—Eu não preciso deles para me salvar. — Seu olhar poderia ter cortado vidro. —Eu posso me salvar.

Ela saiu do outro lado do salão, pronta para exigir que Edmund lhe contasse tudo. Antes que ela o alcançasse, uma fila de guardas invadiu o salão, suas botas pesadas trovejando no chão de mármore enquanto se formavam. O rei seguia atrás deles.

Toda a música cessou. As conversas desapareceram em silêncio enquanto os convidados assistiam ao drama se desenrolar.

O olhar ardente do rei fez a multidão recuar até que ele fixou-o no filho mais velho e no homem ao seu lado. — Edmund, embaixador de Bela, você está preso por conspiração contra a coroa. — Ele assentiu para os guardas. —Leve-o embora.

—Pai...— Stev olhou de Edmund para o rei. —Você não pode acreditar que Edmund nos trairia.

—Não preciso acreditar em nada, Estevan. Eu tenho provas. Os guardas encontraram pó explosivo em sua casa.

Helena passou por um guarda para chegar ao lado do irmão. —Não é verdade. — Ela deu um passo em direção ao pai e abaixou a voz. —Edmund é mais leal do que qualquer pessoa sob sua guarda. Se você tirá-lo de nós, prometo que pagará.

Ela tinha que fazê-lo ver. Edmund os protegeria contra o que estava por vir - mesmo contra seu pai. Mas ele não podia fazer isso a partir de uma cela de prisão.

—Helena. — Seu pai latiu. —Esse é o negócio do reino, e uma princesa não tem lugar nele.

—Nenhum lugar? — Ela deixou sua voz passar sobre a multidão extasiada. —Deixei que você me usasse a vida inteira como símbolo deste reino. Inatingível. Escondida. Pura. Algo que todo homem deveria aspirar a olhar. Edmund não é um traidor. — Ela ergueu as mãos para os laços na parte de trás da cabeça. —E eu não sou um símbolo.

Isso aconteceu em câmera lenta. Os padres que ela nem notara antes correram em sua direção enquanto seu pai latia ordens.

Algumas pessoas na multidão aplaudiram enquanto outras engasgaram.

Tudo o que Helena ouviu foi o bater do próprio coração ao encontrar os olhos de Edmund e remover a máscara do rosto.

O tempo parou quando uma brisa atingiu seu rosto, afastando os cabelos dos ombros. A magia de Edmund a envolveu em uma mortalha confiante até alguém bater nela, forçando-a ao chão e jogando uma capa sobre sua cabeça.

Edmund gritou para o rei quando dois guardas o arrastaram para fora da sala. Suas palavras foram cortadas com um grunhido abafado. Helena não conseguia ver o que estava acontecendo com ele.

Dois braços fortes deslizaram sob ela, mantendo a capa sobre o rosto quando ele a levantou.

A música começou de novo como se nada tivesse acontecido.

—Ela deve ser trancada em seus aposentos até discutirmos o que deve ser feito. — Ordenou o rei.

—Sim, pai. — Cole. Ela relaxou, sabendo por um momento que estava segura com o irmão. Ele correu da sala. —Bastardo. — Ele murmurou. —Maldito bastardo.

Helena não pôde refutar as palavras dele. O pai dela havia provado, mais uma vez, que ele não estava do lado dela. Ele nem estava do lado de Madra. Somente dele.

Edmund. Ela se enroscou em Cole quando uma lágrima escorreu por seu rosto. Ela sabia o que seu pai fazia com os traidores. Ele não seria enviado para a prisão no mosteiro. Ainda não. Não até ele contar tudo o que eles queriam saber.

—Tudo vai ficar bem. — Cole chutou a porta da ala da família e tirou a capa do rosto.

—Como você pode dizer isso? — Ela fungou. —Eles prenderam Edmund. Acabei de quebrar uma das tradições mais sagradas e o pai me fará pagar por isso. Dell... — Ela balançou a cabeça enquanto as lágrimas ameaçavam se libertar.

—Dell Tenyson? — Cole perguntou, colocando-a de pé. —Você o viu? — Ele agarrou cada um dos ombros dela e se inclinou para olhar em seus olhos. —Onde?

Ela tentou dar um passo atrás, mas ele a segurou no lugar. —Como você conhece Dell? — Ela exigiu.

—Ian falou dele. Ele estava aqui? Ian me levou a acreditar que ele estava em casa.

Não gostando do tom acusatório na voz de Cole, ela se desvencilhou das mãos dele. —Eu preciso ajudar Edmund.

—Não, você precisa deixá-lo pagar por seus crimes.

Ela não podia acreditar no que estava ouvindo. —Cole... é o Edmund. Ele nunca nos trairia.

Um desdém se formou em seus lábios. —Não seja boba, Helena. Sua única lealdade é com Estevan

Cole nunca falou com ela dessa maneira e ela se afastou dele. Ele a seguiu. — Edmund quer preservar um reinado que deve desmoronar. Mas sem ele, seu povo não tem liderança, nem caminho a seguir.

—O que você está dizendo? — Palavras entupiram sua garganta enquanto ela lutava por respirar.

—Eu precisava dele fora do caminho.

Ela balançou a cabeça, as lágrimas se libertando. —Não.

—Ele teria arruinado tudo.

—Cole, você não sabe o que está dizendo.

Remorso mostrado em seus olhos por apenas um segundo antes de desaparecer. Seus dedos se fecharam ao redor do braço dela em um aperto contundente quando ele a puxou em direção a uma sala no final do corredor. Ele puxou uma chave do pescoço e destrancou a porta antes de empurrá-la para dentro.

Com um último olhar, ele fechou a porta. O rangido da fechadura reverberou pela sala.

Helena se virou, observando o quarto de sua mãe enquanto as lágrimas que ela estava segurando se soltavam.

—Helena? — Disse uma voz suave, entrando na sala de estar.

—Mãe. — Ela correu o comprimento da sala antes de desabar contra a rainha, seu corpo inteiro tremendo.

Os braços da mãe a rodearam. —Helena, tudo vai ficar bem, eu prometo.

—Como você pode dizer aquilo? Cole... ele... — A traição de seu irmão a cortou, cortando seu coração em dois. Ela lutou para respirar enquanto soluços grudavam em sua garganta.

Sua mãe a empurrou e a segurou no comprimento do braço, inclinando a cabeça para olhar a filha nos olhos. — Ouça-me, garota Lenny, eles não vão nos derrotar. Seu pai vai se certificar disso.

Helena limpou o rosto e se virou. —Meu pai? — Ela parou o queixo trêmulo. —O homem que permitiu que os padres me colocassem em uma cela? Aquele pai? O homem que prendeu Edmund quando Edmund era o único... — Ela respirou fundo e balançou a cabeça, a realização colidindo com ela. —Ele sabia.

—Sabia o que, Helena? Quem?

—Edmund. — Ela tinha suspeitas depois do que Dell disse a ela, mas isso era muito mais profundo do que ela pensara. —Os espiões dele. — Dell tinha sido um dos espiões de Edmund? Era por isso que ele a ajudou?

—Querida, Edmund era apenas um embaixador de Bela. Por que ele teria espiões na cidade?

—Ele estava nos protegendo. — Ela tropeçou para trás até bater na moldura de madeira da cama. Usando uma mão para se guiar pelo poste, sentou-se na colcha de tecido. Tudo o que Edmund fez... Tudo o que Dell fez. Enquanto o resto de Madra se voltava contra eles, Edmund estava do lado deles, arriscando a vida por uma coroa pela qual não se importava, um reino que não era dele.

Era assim que o amor era?

A mãe de Helena se aproximou dela. —Por que Edmund nos protegeria?

Ela levantou o olhar. —Porque ele é o homem mais nobre entre nós.

Cole. O pensamento sugou o ar de seus pulmões. Ela pensou que tinha sido poupada da ira que ele tinha por Stev e seu pai. Mas ele já a amou? Ou ele ainda era o garoto órfão que chegou ao palácio com raiva do mundo?

E agora ele queria levar a coroa.

Helena ficou de pé. —Stev. — A única maneira de levar a coroa era garantir que o rei e cada um de seus herdeiros nunca mais pudessem usá-la, e fazer isso...

Compreensão iluminada nos olhos da rainha. Ela já chegou à mesma conclusão que Helena. Ninguém estava seguro. Não mais.

—Mãe, como eles tiraram você do baile sem causar uma cena? — Ela perguntou.

A rainha suspirou. —Fiquei muito cansada e fui para o meu quarto aguardar uma criada que prometeu trazer Kassander. Eu disse aos meus guardas que eles poderiam voltar ao baile assim que estivéssemos seguros em nossa ala. Ninguém pensou que o perigo viria de dentro.

De sua própria família era o que ela queria dizer, mas nenhum deles disse isso.

—Onde está Kass? — Helena olhou para a porta em pânico. —Por que eles não o trancaram aqui conosco?

—Meu pobre garoto. — A rainha não disse mais nada enquanto se sentavam lado a lado, incapazes de dar uma a outra o conforto que precisavam.

Elas não sabiam o que estava acontecendo no palácio ou onde estavam o pai e Estevan. O desamparo entrou, sufocando o quarto em desespero.

—Temos que sair daqui — Sussurrou Helena.

Sua mãe pegou a mão dela. —Cole não fará mal a você, Helena. Ou Kassander.

Ela não disse nada sobre si mesma, porque ambos sabiam a verdade. Cole Rhodipus não tinha amor pelo rei ou pela rainha e faria qualquer coisa para destruí-los.


Capitulo Vinte e Dois


Dell observou Bemus passear ao longo da sala com a mesma inquietação que ele sentia. Edmund deveria ter retornado horas atrás.

—Temos que fazer alguma coisa. — Dell bateu com o punho na mesa. —Para encontrá-lo.

Os pés de Bemus congelaram. —Edmund me disse se ele desaparecesse... há um padre que precisamos encontrar. Koran é leal ao príncipe herdeiro e nos ajudará.

Dell se levantou. —Então o que estamos esperando?

—Siga-me. — Bemus o conduziu por um corredor estreito e parou na frente de um tapete gasto. Ele levantou o tapete, dobrando-o ao meio para revelar uma porta no chão.

As sobrancelhas da Dell se uniram. —Edmund tem muitos segredos.

Bemus apenas assentiu enquanto se ajoelhava para abrir a porta. Ele balançou com um rangido alto. Abaixo, um grande compartimento afundava no chão.

—Quanto mais eu sei sobre Edmund, mais eu gosto dele. — Dell olhou para as várias armas escondidas no armazém secreto do embaixador.

—O rei não confia em estrangeiros. — Explicou Bemus. —Ele ordena inspeções de rotina em todas as casas de embaixadores. Edmund sempre foi cuidadoso. Nossa inspeção mais recente foi há apenas um dia, mas esses homens não eram os guardas de sempre. Essa era uma das maneiras pelas quais Edmund sabia que a rebelião era iminente. Ele fez os preparativos.

—Preparativos?

—Para a prisão dele. Ele só esperava que não fosse até que sua família fizesse o jogo deles.

Dell soltou uma espada larga do cache da arma, examinando a lâmina de aço brilhante com apreciação.

Bemus colocou a mão em seu braço. —Não, senhor Tenyson. Ande pelas ruas com isso e as pessoas assumirão que você cavalga para a guerra.

—Não é?

—Você não entende, não é? Se estivéssemos errados, e o ataque ocorresse hoje à noite, pode muito bem ter acabado. Nosso pessoal não estará presente para detê-lo. Há uma boa chance de nossa missão agora ser de resgate, em vez de uma batalha.

Dell largou a espada pesadamente, seus olhos encontrando um pote de vidro de pó preto. Ele reconheceu instantaneamente. —O que Edmund estava fazendo com isso?

Bemus levantou o frasco, impedindo que Dell o pegasse. —Um último recurso. — Ele encontrou uma bolsa por perto e enfiou-a antes de entregar a Dell uma espada longa e fina. —Mercenários os carregam quando não estão marchando para a batalha. Ninguém vai olhar duas vezes para ele.

Dell pegou a espada, equilibrando-a na mão. —Tudo bem. — Ele pegou um cinto de espada e apertou-a na cintura antes de deslizar a espada em uma bainha.

Bemus enfiou as adagas em várias partes de suas roupas antes de recuperar um longo cajado.

No olhar interrogativo de Dell, ele explicou. —Ninguém vai pensar em mim em nada além de um homem velho.

Ele não era apenas um homem velho? Tão rapidamente quanto o pensamento veio, ele se dissipou. Edmund tinha um objetivo em tudo o que fazia. Bemus deve ter sido mais do que parecia.

Eles saíram da casa para entrar nos pequenos estábulos de três barracas. Um dos cavalos estava desaparecido - provavelmente no palácio onde Edmund o havia deixado.

Depois de selar ambos, eles decolaram pelas ruas, sem nunca perderem de vista o mosteiro no alto de uma grande colina ao longe.

 


Os portões do mosteiro estavam abertos, mas nenhum sacerdote passava por ele. Dell tinha estado no local apenas uma vez antes, quando sua madrasta o mandou trocar por vinho. Ele não tinha desfrutado de sua visita, mas agora um silêncio sinistro se instalava sobre o lugar.

Dell e Bemus avançaram. Dell apontou a cabeça para o grande edifício que abrigava a famosa prisão. Tochas ao longo da entrada iluminavam o céu noturno. —Acha que Edmund está aí?

Bemus cutucou seu cavalo em direção às portas da prisão que pareciam ter sido arrancadas de suas dobradiças. Uma queimadura negra se estendia pela lateral do prédio.

Os olhos da Dell se voltaram para o alforje de Bemus, onde repousava o pó explosivo, sabendo exatamente o que poderia causar essa destruição.

Eles deslizaram de seus cavalos para entrar no prédio lentamente, o ar ácido os atingiu no momento em que entraram.

Celas vazias se estendiam pelo corredor escuro, com as portas de metal abertas.

—Você acha que cada andar é o mesmo? — Dell perguntou.

Bemus apenas deu-lhe um olhar de soslaio em resposta antes de girar nos calcanhares e sair por onde eles vieram.

Do lado de fora, Dell aspirou ar fresco como se nunca mais respirasse antes de tomar as rédeas do cavalo na mão. Ele seguiu Bemus por um caminho desgastado em direção ao centro do complexo do mosteiro. A lua cheia projetava o lugar inteiro em um brilho prateado, iluminando o caminho.

Assim que eles contornaram a lateral do prédio principal, os dois homens congelaram. A praça no coração do mosteiro havia sido transformada em cemitério. Padres vestidos de branco estavam esparramados sobre os paralelepípedos em meio a poças de seu próprio sangue.

—Dell. — Bemus o cutucou e apontou para uma coluna de fumaça subindo ao longe.

Dell voltou-se para o cavalo. —Nós não vamos encontrar nenhuma ajuda aqui. — Ele se levantou quando Bemus fez o mesmo antes que os dois homens retrocederam por onde vieram.

Quando chegaram ao pé da colina, as pessoas vieram correndo em sua direção, seus gritos sacudindo através de Dell. Ele cravou os calcanhares e virou-se em torno dos habitantes da cidade em pânico.

Onde estavam as pessoas de Edmund? A rede que ele supostamente possuía em Madra.

Não foi até ele chegar aos portões do palácio que encontrou sua resposta.

Metade do portão estava em ruínas, destruída pelos rebeldes. Em meio à pedras caídas, guardas reais lutavam contra rebeldes. Alguns dos que lutavam do lado dos guardas usavam roupas lisas. Essas eram as pessoas que Edmund costurara no próprio tecido de Madra.

Assim como Dell, ele lhes deu uma causa.

Dell pulou do cavalo e puxou a espada, desejando que Bemus lhe permitisse trazer a mais pesada.

Bemus colocou a mão no ombro dele. —Não podemos vencer isso, lembre-se disso.

—É claro que podemos! — Dell gritou sobre os gritos das pessoas próximas.

—Não. A missão de Edmund nunca foi sobre salvar Madra ou proteger o reinado de Rhodipus. Ele sempre quis manter viva a família real.

A família real. Dell olhou para os degraus que levavam à grande entrada. Ele nunca pôs os pés no palácio antes do baile, mas agora era o único lugar que ele poderia estar.

Gritos irromperam nos momentos certos antes que uma explosão rasgasse o ar. A força disso fez Dell voar de joelhos. Todos aqueles que estavam lutando apenas alguns segundos antes agora se esforçavam para sair do caminho de uma segunda explosão.

O mundo inteiro ficou em silêncio, exceto pelo zumbido nos ouvidos da Dell. Ele se levantou, procurando por Bemus. Alguém correu em sua direção. Um rebelde.

Dell se preparou para uma luta, mas o rebelde parou na frente dele. Sua túnica de lã havia sido rasgada no meio, revelando um ferimento de espada que ele não parecia notar. Ele ofegou, seus lábios formando palavras que Dell não ouvia.

Outra pessoa sacudiu os ombros de Dell, e todo o som bateu nele como se estivesse perfurando um véu. Um marinheiro que ele conhecia das docas gritou em seu ouvido. —Temos que entrar no palácio, Dell. Seus irmãos já estão lá dentro com o príncipe.

O príncipe?

—Vamos, antes que a luta comece novamente. — O marinheiro, um dos homens de sua madrasta, o empurrou em direção à escada.

Ele finalmente encontrou Bemus, encontrando seus olhos em uma comunicação silenciosa. Era o caminho de Dell. Ele desviou o olhar do único aliado que tinha naquele lugar para subir os degraus repletos de entulho, passando pelos rebeldes que guardavam a entrada.

Lá dentro, o salão que levava ao salão de festas estava cheio de mesas viradas. Um criado de libré de Rhodipus estava imóvel no centro, as pernas dobradas de maneira não natural.

O marinheiro empurrou na frente da Dell. —As ordens de Lorde Tenyson eram garantir os andares inferiores, um de cada vez, até que possamos chegar à ala da família real. Já temos equipes neste andar, então precisamos nos juntar aos outros no andar de cima.

Ele não deveria ter se surpreendido com a profundidade do planejamento que seu irmão havia realizado.

A mente da Dell se esforçou para entender tudo o que sua própria família havia feito.

As paredes tremeram com a força de outra explosão lá fora.

—Se eles não pararem tão cedo, vão explodir metade da cidade. — O marinheiro balançou a cabeça, mas Dell juraria que havia um sorriso no rosto.

Dell olhou de volta para onde eles vieram onde as pessoas de Madra estavam morrendo. Imagens dos padres mortos passaram por sua mente.

Ele pensou que o rei estava destruindo Madra. Mas então, o que era isso? Não estava certo.

Ele acelerou o passo, seguindo um grupo de rebeldes subindo uma ampla escada com grades de ouro. No topo, um guarda real estava ofegante enquanto o sangue jorrava pelos espaços em sua armadura brilhante. A luz de uma lanterna próxima cintilou em seu rosto, seus olhos se arregalaram de medo ao ver os rebeldes que se aproximavam.

Dell parou ao lado dele por um momento. Ele foi despojado de todas as armas. Seu capacete estava a alguns metros de distância.

—O que você está fazendo? — Perguntou o marinheiro, os lábios franzindo o cenho enquanto olhava para o moribundo sem simpatia.

—Ele vai morrer. — Dell se agachou. —Mas ele não precisa sofrer.

O marinheiro franziu a testa como se nada que Dell dissesse fizesse sentido. Após um momento tenso, ele deu de ombros e seguiu em frente.

Dell deslizou uma das adagas de Bemus de onde a havia escondido no sapato e a pressionou na mão do homem. Ele baixou a voz. —Você pode usar isso em si mesmo, ou pode levar alguns desses bastardos com você quando for. Sua escolha.

Os olhos do guarda se arregalaram. —Viva o rei. — Ele murmurou.

Dell apertou seu ombro. —Eu não iria tão longe, amigo. Mas a princesa é fofa, certo?

Uma risada fraca passou pelos lábios do moribundo. A piada aliviou um pouco o aperto no peito da Dell.

Desta vez não funcionou.

Ele encontrou o olhar vítreo do homem com um aceno de cabeça antes de se endireitar para se juntar aos outros.

Quando ele procurou no corredor, não era o marinheiro que o esperava.

—Irmão. — Disse Reed. —Você não deveria estar aqui.

 


Capitulo Vinte e Tres


A dor irradiava do ombro de Helena quando ela bateu na porta mais uma vez. —Cole. — Ela gritou. —Deixe-me sair daqui!

—Helena. — Sua mãe disse calmamente. —Isso não vai ajudar.

—Ele não pode nos manter aqui. Somos a família dele, pelo bem do padre. — Ela colocou as mãos na cabeça e se virou para a mãe. —Família. — Ela voltou para o sofá e caiu sobre ele com um bufo. —Eu me sinto tão inútil. Eu posso dançar. Eu sei costurar. Posso sentar em jantares reais e não me fazer de boba. Se eu chegar perto o suficiente, posso derrubar qualquer pessoa com uma única adaga. Mas quando minha família mais precisa de mim, não posso ajudá-los. — Os ombros dela caíram.

Sua mãe se aproximou e colocou um braço em volta dos ombros. — Helena, querida, você não é inútil. Você tem tantas habilidades que ainda precisa descobrir. Uma princesa não é tudo o que você é. Este não é o fim para você. — Ela apoiou o queixo na cabeça de Helena. —Além disso, eu posso nos tirar daqui.

Helena recuou. —Do que você está falando?

A mãe dela suspirou. —Em Cana, fomos ensinados muito mais do que eu passei para você.

—Claro. — O reino dos espiões. Ela ficou de pé. —E você não pensou em mencionar isso nas horas em que estivemos sentadas aqui?

—Eu não quero você lá fora, Len. — Tristeza gravada em seu rosto. —Está me matando não saber onde Estevan e Kassander estão. Vocês três são meu coração. Mas não acho mais sábio esperar e ver o que eles pretendem fazer conosco.

Ela se levantou e enfiou a mão nos cabelos, soltando dois alfinetes. Na porta, ela colocou os pinos na fechadura, o rosto uma máscara de concentração.

Foi só quando o clique da fechadura ecoou pelo quarto que Helena percebeu que estava prendendo a respiração. Ela exalou devagar, tentando acalmar o coração acelerado.

A rainha entrou no quarto adjacente de sua empregada, retornando com uma variedade de armas. Helena não deveria ter ficado surpresa com os segredos de sua mãe.

—Helena, você tem uma vantagem. Aqueles no baile apenas vislumbraram seu rosto. Somente seu irmão e alguns outros selecionados a reconhecerão. Você deve mudar.

Os olhos de Helena deslizaram sobre o vestido azul que ela quase esquecera que ainda usava. Sua mãe afrouxou os laços e o vestido caiu no chão, deixando Helena apenas com a roupa de baixo. Ela entrou no quarto da empregada, onde um pequeno baú continha algumas peças de roupa.

Tirando uma saia de lã, camisa de linho justa e avental, ela se vestiu. Sua mãe trabalhou para soltar o cabelo antes de puxá-lo para o coque preferido pelos criados.

Como os sapatos da empregada eram três vezes seu tamanho e a mãe pequena, ela percebeu que teria que andar descalça pelos corredores.

Quando ela caminhou até a porta mais uma vez, seu quadril bateu na mesa, enviando seu conteúdo para o chão com um estrondo. A máscara que ela deixou lá navegou pelo ar, os pedaços de vidro quebrando com o impacto.

Um pequeno sorriso iluminou o rosto de Helena. Ela não era mais a princesa oculta. Talvez depois de hoje, ela não seria uma princesa. Pela primeira vez, ela se sentiu como a pessoa que ela deveria ser.

E essa pessoa lutaria por sua família.

Mesmo que isso significasse derrubar um dos seus.

A porta se abriu momentos depois do barulho, mas antes que Helena pudesse reagir, sua mãe pegou uma adaga na mão e mergulhou a ponta profundamente no peito do rebelde. Ele tropeçou em choque antes de cair no chão.

A rainha soltou a adaga, limpou-a na saia e estendeu o cabo em direção a Helena.

Helena pegou hesitante.

—Sem hesitação, Helena.

Ela assentiu. —Sem hesitação.

Sua mãe olhou para a porta aberta e depois para a filha. —Ouça-me, Len. Aconteça o que acontecer, eu te amo de todo o coração.

—Mãe...— Suas palavras soaram muito como adeus.

—Não, Len. Você tem que ouvir isso. Não vale a pena proteger o trono. Não faz nada além de destruir. Você... seus irmãos... você vale a pena. Aconteça o que acontecer, preciso de vocês três para fazer isso. Livre-se de Madra. Faça isso por Quinn. Ele te protegerá.

—Mas Cole...

Sua mãe balançou a cabeça, fogo entrando em seus olhos. —Eles podem ser gêmeos, mas Quinn não é Cole. Prometa que encontrará Kass e Stev e deixará esse lugar para trás. Prometa que não tentará reconquistar o trono. Não vale a sua vida.

Gritos entraram no corredor e Helena fixou os olhos na porta aberta, preparando-se. —Eu prometo.

Sem aviso prévio, sua mãe correu para o corredor, com um vestido de baile chicoteando nas pernas. O som do aço batendo junto foi a única coisa que ecoou nos ouvidos de Helena enquanto ela seguia cegamente. Sua mãe torceu e se abaixou, lutando contra dois rebeldes ao mesmo tempo com uma habilidade que Helena raramente havia testemunhado.

Tochas cobriam as paredes e, sem pensar, Helena soltou uma delas, precisando criar uma distração. Ela segurou a chama na beira da tapeçaria gigante que atravessava a parede, uma imagem da família real - rei, rainha, quatro príncipes e uma princesa. Uma aura feliz clara em seus rostos. Ela colocou tudo em chamas, sabendo que essas pessoas não existiam mais. Talvez eles nunca tivessem.

Chamas se espalharam rapidamente, e ela ficou hipnotizada por elas até que sua mãe puxou seu braço. —Temos que ir, Helena.

Elas passaram pelos corpos dos dois homens que a rainha matou e espiaram a esquina no final do corredor. Vozes soaram da sala de estar no centro da ala da família real. Uma sala de estar onde os irmãos passaram inúmeras horas juntos.

Helena balançou a cabeça assim e sua mãe assentiu. Elas se pressionaram contra a parede e avançaram até conseguirem entender a conversa.

—Você nunca foi meu pai. — Cuspiu Cole.

—Claro que sim. — O rei tossiu.

Os olhos arregalados de Helena encontraram os de sua mãe. O pai estava lá. Ela avançou para espiar dentro da sala.

O rei estava ajoelhado no centro da sala com as mãos amarradas nas costas. Sangue escorria de sua cabeça.

Cole andava na frente dele.

Ian Tenyson estava sentado no braço do sofá, onde as crianças de Rhodipus riram e se uniram ao longo dos anos. Onde Cole fez promessas de proteção.

Tudo o que ele disse a ela era mentira?

—Não vejo Kassander ou Estevan. — Sua mãe sussurrou, puxando Helena para trás.

—Ou Edmund. — Onde eles guardariam o embaixador estrangeiro?

—Eles não vão matar Edmund. Qualquer que seja o poder que Cole pense que ele tem, ele ainda temerá Bela. Madra não teria chance se eles revidassem. Não, o embaixador será enviado para casa.

Helena sabia algo que sua mãe não sabia. Edmund nunca iria embora. Não enquanto Stev ainda estava aqui.

A voz de Ian flutuou no corredor. —Precisamos lidar com ele, Cole. Não ganhamos nada ao prolongá-lo.

Helena não pôde deixar de espiar a sala novamente, sua respiração vindo rapidamente.

Cole suspirou. —Lorde Rhodipus, por este meio lhe despojo do direito de governar. — Ele se inclinou e puxou o anel da mão de seu pai, colocando-o por conta própria. —Você traiu este reino.

—Você fala de traição. — O rei cuspiu. —O que você acha que é essa sua rebelião?

Cole olhou nos olhos dele. — Hoje, menos pessoas serão prejudicadas aqui do que em uma de suas guerras. Madra pode ser reconstruída. Podemos ser ótimos novamente como antes. Por nossa conta. Sem influência estrangeira.

Ele se endireitou e estendeu a mão. Um homem no fundo da sala avançou e colocou uma espada longa e fina na palma da mão aberta de Cole.

O dedo dele está enrolado. —Eu sentencio você à morte.

O rei abriu a boca para falar, mas suas palavras foram cortadas quando a lâmina cortou sua garganta, pulverizando vida carmesim no chão quando ele caiu para a frente.

Um grito rasgou Helena. Ela bateu a mão na boca, mas já era tarde demais. Ela acabou de testemunhar o assassinato do pai e agora era a próxima.

Sua mãe ficou paralisada, com lágrimas escorrendo pelo rosto.

—Verifique o corredor. — Gritou Cole.

Uma mão apertou seu ombro, empurrando-a de volta. Fumaça jorrava por trás delas, evidência do fogo que elas haviam causado.

Sua mãe a puxou para correr, virando a esquina para um lugar que Helena conhecia bem. Os túneis. Elas poderiam sair. O quarto ornamentado e sem uso ficava intocado, como se não fosse parte do palácio do lado de fora da porta.

Não. Ela balançou a cabeça. Não sem os irmãos dela. Sua mãe afastou a pintura que escondia a entrada dos túneis e abriu a porta secreta antes de empurrar Helena para dentro. Quando a porta bateu, cortando toda a luz, os sons de uma luta irromperam na escuridão.

Helena caiu de joelhos, as lágrimas escorrendo pelo rosto. Ela bateu os punhos contra a parede do túnel até que os nós dos dedos se tornaram sangrentos.

Sua mãe era muito parecida. Ela tinha que ser. Ela contou gritos de quatro homens diferentes, incluindo Cole e Ian.

Mas não foi o barulho da batalha que matou tudo dentro dela.

Foi o silêncio que se seguiu.

 

 

 

 


Capitulo Vinte e Quatro


As costas de Dell bateram contra a parede quando seu irmão colocou a mão no peito. Reed lançou um olhar por cima do ombro para onde um grupo de soldados passava.

—Saia de cima de mim. — Rosnou Dell. —A menos que você queira me prender e me levar até Ian agora. — Ele estendeu os pulsos. —Vamos irmão. Tente.

Reed olhou para ele por um momento, seus olhos se estreitando, antes que alguém batesse nele por trás. Um soldado em uniforme Madrano lutava contra um guarda do palácio.

Reed agarrou a gola da camisa de Dell e puxou-o para fora do caminho, puxando-o por uma porta aberta e chutando-a atrás deles.

Ele lançou a Dell com um empurrão. —O que você está fazendo aqui, Dell? Edmund me prometeu que estaria no navio deixando Madra.

A confusão brilhou de raiva dentro da Dell quando ele encarou o irmão que nunca teve uma palavra gentil para ele. Reed seguiu a liderança de Ian em tudo o que fez. Os dois o atormentaram desde o dia em que ele chegou à cidade.

Dell limpou o suor e as cinzas do rosto. —Por que você se importa? Você conseguiu o que sempre quis. Você e Ian. Sua mãe também está envolvida nisso? Ser a ponta da espiral não foi suficiente para vocês. Vocês queriam mais. Mais influência. Mais poder.

Reed caiu contra a parede. —Às vezes não há outra escolha. E não, a mãe não queria se envolver. Ela não veio ao baile hoje à noite.

Dell avançou nele. —Claro que há outra escolha. — Ele olhou para a porta. —Por que os soldados madranos estão lutando contra os guardas reais?

—O exército escolheu o lado deles.

Dell esvaziou. Então Madra realmente estava perdida. O irmão dele venceu. Com o exército por trás dos rebeldes, Edmund nunca teve chance de parar essa luta.

—Onde está Edmund? — Ele perguntou, encontrando o olhar dolorido de seu irmão.

Reed se afastou da parede. Seu corpo atarracado atravessou a sala enquanto ele andava em frente à longa mesa perto da parede. Baldes de talheres e pilhas de pratos cobriam a superfície. Dell entrou na sala enquanto esperava. Deve ter sido onde os servos se preparavam para servir a família real. Um grande armário de cerejeira estava parcialmente aberto no outro extremo, com o canto de um avental pendurado.

Normal. A sala falava de normalidade no palácio. A vida continuaria e logo esses servos serviriam a um novo rei.

—Reed. — Ele rangeu os dentes. —Chega de parar. Diga-me onde está Edmund. E a família real.

Os pés de Reed congelaram, mas ele não se virou para encarar a Dell. —Edmund foi preso no baile. Ele está sendo mantido em guarda em uma das salas da ala do rei.

A mente da Dell tentou processar o cativeiro de Edmund. Ele não seria de ajuda para eles agora. Mas Len ... — E a família real? — Ele engoliu em seco.

Reed finalmente se virou, a escuridão rodando em seu olhar. —Ian tem... planos para eles.

Um gemido veio da direção do guarda-roupa, e os dois homens pararam, ouvindo qualquer outro som. Passos pisotearam o corredor do lado de fora da porta em meio a vozes berrantes, mas o suave grito era tudo em que eles focavam.

Reed aproximou-se do guarda-roupa com cautela e abriu a porta. Ele alcançou entre os aventais e uniformes pendurados. Um grito agudo soou quando ele libertou um garoto.

Cachos escuros caíram sobre os olhos arregalados quando o garoto tentou se afastar de Reed.

Reconhecimento acendeu em Dell. —Sua Alteza.

Fogo entrou no olhar do garoto e ele ergueu o queixo trêmulo, tentando ser duro, mesmo quando estava diante deles na roupa de dormir de uma criança. —Me solte.

—Você ouviu o garoto. — Dell colocou a mão no ombro do irmão. —Deixe ele ir.

Reed afrouxou o aperto.

—Sou Kassander Rhodipus. — Afirmou o jovem príncipe. —Vocês vão me matar

—Nós não matamos crianças. — Reed pressionou os dedos contra os olhos fechados.

—Ian sabe disso? — Dell perguntou, seus olhos examinando o garoto que parecia muito com Helena. —O que você acha que vai acontecer quando ele colocar as mãos em toda a família real? A única maneira de consolidar o governo do príncipe bastardo é garantir que todos os seus irmãos estejam no chão.

A bravata na posição de Kassander rachou e seus olhos se arregalaram. —Cole não vai me machucar.

—Gostaria de ter tanta fé quanto você, pequeno príncipe. — Dell caminhou até o guarda-roupa para remexer até encontrar o que queria. Ele colocou uma capa escura sobre os ombros de Kassander. Não havia como ele simplesmente deixá-lo. Não quando ele olhava para ele com os olhos castanhos de Len. —Estou levando o príncipe. Se você quer prendê-lo, terá que nos levar.

Dell poupou mais um longo olhar para seu irmão, esperando que ele se movesse. Em vez disso, Reed se virou e abriu a porta, desaparecendo nas sombras mais uma vez.

Choveu poeira quando outra explosão ocorreu.

—As pessoas estão passando pelos portões. — Um soldado gritou enquanto passava. —Todos aqueles leais ao rei são chamados a lutar.

Kassander tentou decolar, mas Dell o segurou.

—Eles precisam de nós para lutar. — Gritou Kassander.

Dell observou mais soldados correndo. Não guardas do palácio, mas homens e mulheres militares. —Eu não acho que o rei que eles mencionam seja seu pai.

—Eu lembro de você. — Disse Kassander. —Das docas... e dos jogos. Você é um Tenyson. Não vou a lugar nenhum com você, rebelde.

Dell não tinha tempo para isso. Ele girou nos calcanhares, segurando os ombros do garoto e se inclinou para olhá-lo nos olhos.

—Você não tem outra opção, garoto. Não vou te matar, mas tenho um objetivo: tirar Helena daqui viva. Venha ou não, a escolha é sua.

Eles juntaram-se ao caos que serpenteava pelos corredores. O sangue manchava o carpete de veludo. Os móveis estavam em pedaços quebrados. Tapeçarias foram cortadas e rasgadas.

O palácio era uma zona de guerra.

—Dell. — Kassander apontou para um grupo de homens e mulheres de armadura marchando pelo corredor.

Dell puxou Kassander de volta para as sombras de uma porta enquanto observavam o homem que traiu sua própria família pela passagem da coroa, sangue respingado em seu rosto.

O corpo inteiro de Kassander tremeu e Dell percebeu pela primeira vez que ele não era tão diferente da família real. Irmãos em guerra. Traição. Não importava que você morasse em um palácio ou em um sótão nos estábulos, tudo doía da mesma forma.

Ian caminhava ao lado de Cole, e eles pararam quando encontraram outro guarda. Depois que eles falaram algumas palavras, eles marcharam em direção às escadas que os levariam ao nível principal onde as explosões estavam crescendo.

Dell puxou Kassander para a frente. —Precisamos chegar à residência real e encontrar Edmund. Ele vai nos ajudar.

Kassander virou à direita para um corredor inundado de luz. Fumaça vazava por debaixo de uma porta no final.

—Sem guardas. — Dell sussurrou para si mesmo. —Cubra seu rosto, garoto.

Dell pressionou o braço contra a boca e abriu a porta. A fumaça ondulava em torno da sala de estar ornamentada, sufocando o ar.

Eles deixaram Edmund para morrer entre chamas?

Dell correu para frente, parando quando viu o fogo ardendo ao longo das tapeçarias na parede. —Kassander, fique para trás. — Ele gritou.

Seus olhos ardiam quando ele abriu a primeira porta que viu. Vazia.

O grito de Kassander ecoou em sua mente, e ele correu de volta pelo caminho para encontrar um soldado madrano com uma adaga na garganta de Kassander. Dell soltou a adaga quando encontrou os olhos do garoto, mas antes que ele pudesse fazer um movimento, uma flecha atravessou a cabeça do atacante, bem entre os olhos.

A adaga que ele segurava cortou o pescoço de Kassander, puxando uma gota de sangue, antes que o homem se afastasse do príncipe.

Dell se preparou para lutar contra quem aparecesse para levar o príncipe. Uma figura emergiu na fumaça com mais duas pessoas atrás dele.

—Stev! — Kassander chorou, atirando-se para o irmão.

O príncipe Estevan não desviou os olhos de Dell. —Você vai largar isso? — Ele apontou para a adaga que Dell continuava apontando para ele. —Dell Tenyson, Edmund confia em você, mas eu me sentiria mais confortável se você não tentasse me esfaquear ou os poucos guardas que escolheram o lado certo nisso. — Ele apontou para os homens atrás dele.

Dell abaixou a adaga. Uma tosse atormentou seu corpo, e ele cobriu a boca para manter a fumaça sob controle. —Onde está Edmund? Você o viu?

Estevan balançou a cabeça. —Um dos meus homens disse que está aqui junto com o resto da minha família. — Ele se aproximou.

Um hematoma apareceu no rosto do príncipe e a exaustão cobria seus olhos. Ele expirou, tossindo enquanto inalava mais fumaça. —Precisamos encontrá-los antes que seja tarde demais.

Nenhum dos dois disse o que estava pensando quando a fumaça rodopiou ao redor deles e a luz das chamas cintilou através do corredor.

Talvez já seja tarde demais.

 

 

 

 

 


Capitulo Vinte e Cinco


O silêncio do túnel sugou toda a vida de Helena. Ela não sabia o que estava acontecendo no palácio ou se sua família estava bem.

Ninguém estava vindo para salvá-la.

Esse pensamento girou e girou em sua mente até que se travou, recusando-se a se libertar.

Ninguém estava vindo para salvá-la.

Então, ela teria que se salvar.

Ela sentiu a adaga que sua mãe lhe dera, seu peso sólido um conforto contra o gelo em suas veias.

Eles mataram o pai dela. Provavelmente mataram sua mãe. Eles não teriam mais ninguém que ela amava.

Helena ficou de pé. Ela tinha que voltar para a residência real para confrontar seu irmão.

Ela passou as mãos pela saia da empregada que usava. Ninguém a conheceria por outra coisa senão uma criada. Exceto Cole. Ele a viria buscá-la.

Ela sempre achou que tinha um vínculo inquebrável com seus irmãos. Eles eram os únicos que sempre estariam do lado dela.

Mas agora ela sabia a verdade. Aquele laço tinha sido feito de vidro - fácil de quebrar e impossível de reparar.

Assim como o reino deles.

Porque depois desta noite, Madra nunca mais seria a mesma.

Ela ouviu com a orelha pressionada na porta por um momento, sem ouvir nada do outro lado. Quando ela entrou na sala familiar, o rosto de sua mãe a recebeu, sem vida e pálida.

Um soluço ficou preso em sua garganta. Chloe Rhodipus era mais do que seu pai já mereceu, e não foi até sua morte que Helena sentiu que finalmente conhecia sua mãe.

Ela a salvou.

Helena se inclinou para tocar a testa da mãe, evitando a poça de sangue ao seu redor. —Eu não vou decepcioná-la, mãe. Vou encontrar Kassander e Stev, nem que seja a última coisa que eu faça.

Ela se endireitou e andou a passos largos no corredor com um propósito, sua adaga apertada firmemente em uma mão.

Um soldado rebelde passou por perto e ela se encostou na parede. Assim que ele estava bem na frente dela, ela se lançou, derrubando-o no chão.

As mãos fortes dele a agarraram, tentando empurrá-la, mas ela trancou as pernas em volta do peito e pressionou a ponta da adaga sob as costelas. Ele enfraqueceu gradualmente enquanto ela deslizava até que ele parou completamente.

Ela se afastou dele, puxando sua adaga pingando.

—Um traidor a menos. — Disse ela para si mesma.

Mas seu peito não estava menos apertado. Não havia alívio em tirar a vida do rebelde. Ela virou os olhos para as mãos ensanguentadas, que ela não reconheceu mais.

Ela tinha que se mudar.

Quando ela dobrou a esquina, ela parou. Dois guardas estavam do lado de fora da porta de uma sala de reuniões que seu pai raramente usava.

Por que eles estavam guardando?

Havia algo lá que eles não queriam levar. Ou alguém.

Ninguém a reconhecerá.

As palavras de sua mãe a ajudaram a formular um plano. Enviando um agradecimento à máscara que ela sempre odiou, ela enfiou a faca na manga e correu.

—Me ajudem. — Ela chorou quando alcançou os guardas rebeldes. Ela agarrou o braço do mais próximo. —Eu estava apenas fazendo o que o novo rei pediu - procurando o jovem príncipe - quando um grupo de homens de armadura real começou a me perseguir. — Seus olhos se arregalaram e ela respirou fundo como se tivesse acabado de correr por toda a parte. Palácio.

Os dois guardas se entreolharam e depois pelo corredor, onde nenhum perseguidor apareceu.

—Por favor. — Ela implorou, seus dedos ainda segurando um de seus braços.

Novo plano. Isso não estava funcionando. A mente de Helena girou quando ela piscou rapidamente. Quem estava sendo vigiado naquela sala provavelmente era um aliado.

Dois rebeldes apareceram na esquina, parando quando a viram com os guardas rebeldes.

—O que temos aqui, Astor? — Um deles perguntou.

Astor deve ter sido o guarda cujo braço ela ainda segurava porque a nova chegada desviou os olhos para a mão dela antes de se fixar em seu rosto. Ele sorriu.

Ela retirou a mão, usando-a para empurrar os cabelos grudentos da testa úmida. Seu coração trovejou em seus ouvidos quando eles se aproximaram.

Agora quatro rebeldes a cercavam, e ela finalmente entendeu por que seu pai nunca a deixou sair do palácio. Madra era um lugar perigoso. As pessoas sempre quiseram tirar coisas de quem as possuía.

Para enfrentar os perigos, era preciso se tornar perigosa.

Helena subiu a toda a sua altura - o que, concedido, ainda era muito menor do que suas construções musculares. Mas o olhar que ela deu a eles poderia ter cortado o vidro.

—Eu tenho ordens. — Ela deslizou a adaga da manga na palma da mão. —Você vai me permitir ver o prisioneiro.

Se os guardas ficaram surpresos com a súbita mudança de comportamento dela, eles não demonstraram. Astor sorriu. —Sim, bem, nós também temos ordens. — Eles se fecharam em torno dela, cortando qualquer fuga.

Helena respirou fundo, recusando-se a deixar o medo percorrer seu rosto. Ela apertou a adaga com tanta força que mordeu sua pele.

Mas a dor apenas a lembrava por que ela estava aqui.

Eles mataram o pai dela. Assassinaram a mãe dela. Pelo que sabia, Stev e Kass haviam se juntado a eles depois.

Uma princesa madrana experimentava uma transformação na noite de seu baile diurno. Era para mudá-la de criança para mulher nos corações e olhos das pessoas.

Era o dia em que elas eram verdadeiramente revelados ao mundo.

Horas atrás, ela havia arrancado sua máscara, mas a transformação foi agora. Não era mais uma princesa de um reino que já sabia que sua família havia perdido. Nunca mais seria da realeza.

Tudo o que restava era a vingança ardente dentro de seu coração.

Ela jogou a adaga na outra mão, a luz das tochas dançando através da lâmina de aço ornamentada.

Um dos rebeldes riu. —Eu não acho que esta esteja do nosso lado, meninos. — Ele se inclinou. —Eu estava lá, você sabe. Quando eles levaram o jovem príncipe. — Ele desenhou uma linha na garganta com o polegar.

—Você está mentindo. — Ela se lançou.

Ele pulou de volta. —Por que você é leal a uma família real que não se importa com você?

Ela bateu com a adaga, e ele agarrou o pulso dela para parar o arco.

—Quando eles colocaram Estevan Rhodipus de joelhos — Ele sussurrou. —Vi medo no grande guerreiro.

—Você mente. — Lágrimas quentes queimaram seus olhos.

—Callum. — Um dos outros rebeldes disse em aviso. —Vamos colocá-la fora do palácio.

—Não. — O aperto de Callum apertou o pulso de Helena até que ela temeu que fosse quebrar. —Ela deveria ouvir o que acontece com aqueles que traem Madra. Então você pode ir à cidade e contar aos outros o que a desobediência deles lhes dá.

Ela rangeu os dentes contra a dor. —Vocês são os traidores.

Callum balançou a cabeça. —Oh, você deveria ter visto. A princesa... sempre soubemos que ela devia ter um rosto bonito por baixo dessa máscara, mas ela parecia um anjo quando seu próprio irmão tirou a vida.

As palavras ricochetearam em sua mente. A princesa? Cada palavra que eles diziam era mentira. Elas tinham que ser. Talvez Stev e Kass estivessem bem, afinal.

A raiva branca aumentou dos buracos mais escuros de sua alma, queimando toda a piedade que ela tinha dentro dela. Ela torceu o pulso tão de repente que ele a soltou.

Sem hesitar, ela se lançou para ele, enterrando a adaga na carne macia acima da clavícula dele. Sangue borbulhou de seus lábios quando mãos fortes a puxaram para longe e gritos irromperam.

Callum tropeçou para trás antes de cair contra a parede e deslizar para o chão. Ele não se mexeu novamente.

Astor passou um braço em volta do pescoço de Helena enquanto o outro guarda sacava a espada. O rebelde que chegou com Callum se inclinou para verificar seu pulso.

—Ela o matou. — Disse ele, surpresa tingindo sua voz.

Helena se esticou contra o aperto de Astor, empurrando a cabeça para trás para quebrá-la no queixo dele. Seus braços apenas se apertaram quando uma maldição saiu de sua boca.

O segundo guarda se aproximou quando ele levantou a espada para pressionar a ponta no peito de Helena. Toda a respiração a deixou enquanto os segundos passavam.

Ela levantou os olhos para encontrar os captores em desafio. Se era assim que terminava, ela não facilitaria as coisas. O outro rebelde vestido de maneira simples observava com ansiedade relampejar em seu rosto.

Isso era um jogo para eles?

Os rebeldes se alegravam em destruir tudo o que sua família havia construído?

Ela chutou o calcanhar para trás, conectando-se com a perna de Astor acima do joelho.

—Droga. — Ele rosnou, seu hálito quente soprando em seu pescoço.

As próximas palavras que saíram de sua boca eram tão quietas que ela quase pensou que as imaginava.

—Confie em mim.

Confiar nele? Confiar nele?

Ele tinha que estar brincando.

—Não estamos matando a garota. — Disse Astor.

O rebelde se levantou e se afastou de seu amigo morto no chão. —Ela matou Callum. — Ele rosnou. —Você está me dizendo que a vida dela vale mais do que a dele?

Astor fez uma pausa, congelado por apenas um momento, antes de empurrá-la para o lado, derrubar a lâmina do outro guarda e puxar a sua. —Estou dizendo que vale mais que a sua.

—Traidor. — O homem gritou antes que a ponta da espada se projetasse de sua barriga.

Astor torceu para evitar ser dividido em dois quando o segundo guarda levantou uma espada larga. Com uma agilidade que apenas homens pequenos tinham, ele se lançou em direção ao rebelde que ainda estava ofegante e soltou a arma antes de disparar em seu companheiro de guarda.

Suas lâminas se chocaram, enviando a batida de aço ecoando pelo corredor.

Helena se afastou até as costas baterem na porta. Ela avançou de lado para onde sua adaga se projetava do pescoço de Callum e a liberou. Sangue jorrou da ferida, espirrando em seu rosto. Ela limpou, a manga saindo manchada de vermelho.

Ela apertou a adaga no peito. Foram dois. Ela matou duas pessoas agora.

Mas ela sabia que haveria mais. Era pela família dela. Não havia outra escolha.

A luta do guarda terminou com Astor cortando sua lâmina através de um espaço na axila da armadura do outro guarda. Ele caiu no chão e ainda estava engasgando por toda a vida quando Astor se inclinou para arrancar um anel de chaves do cinto.

Helena tentou se afastar, quase esquecendo quem estava naquele quarto, quando os olhos de Astor encontraram os dela.

—Não se mexa. — Ele rosnou com um aceno de cabeça. —Eu estive aqui na última hora, esperando por uma distração que atrasaria os rebeldes que foram enviados para nos verificar a cada quarto de hora. Mas você... temos pouco tempo, porque outros terão ouvido a luta.

Ela não sabia o que estava acontecendo, mas quando ele enfiou a chave na fechadura, ela não conseguiu se mexer.

Ele abriu a porta e ela ofegou, cobrindo a boca com a mão.

—Edmund.

Ela tentou correr para a frente, mas Astor bloqueou seu caminho.

Edmund estava sentado em uma cadeira de metal no canto da sala escura. Grilhões rodeavam seus tornozelos, prendendo-o a dois ganchos de ferro na parede. O cabelo loiro manchado de sangue grudava nos hematomas no rosto.

Horas.

Ela o viu apenas algumas horas atrás.

—Meu irmão vai pagar por isso. — Disse ela para si mesma.

Astor grunhiu. —Os rebeldes o encontraram neste estado. — Ele olhou para ela pelo canto do olho. —Este foi o trabalho de seu pai.

Seu rosto umedeceu com lágrimas de traição. Nenhum dos lados nessa luta valia a pena morrer. Era a única coisa que ela sabia.

Assim como sua mãe disse, sua família era mais importante do que qualquer coroa.

E Edmund era tão familiar quanto qualquer um.

Ela passou por Astor para parar ao lado de Edmund. Ele levantou a cabeça como se a notasse pela primeira vez. —Len. — Um sorriso deslizou em seu rosto. —Que bom que você veio.

—O que há de errado com ele? — Ela olhou para Astor em busca de respostas.

O guarda ágil fechou a porta, sepultando-os no quarto vazio e pouco iluminado. —Eles o drogaram. Estávamos prontos para dar a ele uma nova dose em breve, para que ela esteja acabando. Era a única maneira de mantê-lo em conformidade.

—Como ele ainda está vivo? — Ela segurou seu rosto gentilmente, examinando cada hematoma.

—Matá-lo nos colocaria em desacordo com Bela.

A compreensão acendeu nela. —E a única coisa que Cole realmente teme é mágica. — Seu pé bateu nas correntes que serpenteavam pelo chão e a bile subiu em sua garganta. —Tire elas dele. Agora!

Edmund parecia não entender por que ela gritou, mas seu corpo inteiro tremia.

Astor folheou as correntes antes de se curvar para destravar os grilhões.

Edmund levantou-se assim que ficou livre e Helena o puxou para ela, enterrando o rosto no peito dele. Os braços dele a envolveram. —Lenny, o que há de errado?

—Tudo. — Ela soluçou.

Ele descansou o queixo na cabeça dela. —Vamos encontrar a rainha. Ela pode fazer um chá para você.

O peito de Helena se contraiu.

Edmund olhou para o guarda que ainda não tinha dito uma palavra para ele. —Astor. — Ele sorriu. —Foi muito gentil da sua visita, mas não me lembro de chamar da sua missão entre as tropas rebeldes. Estevan?

—Senhor. — Astor começou. —Os rebeldes tomaram o palácio.

—Não é possível. — Edmund soltou Helena e coçou a mandíbula. Ele franziu a testa, a claridade voltando aos olhos. —Nossas fontes tinham a data marcada para amanhã.

—Eles estavam errados.

—Vamos lá, Edmund. — Helena colocou a mão em cada um de seus braços e olhou em seu rosto. —Volte para nós. Limpe o nevoeiro. Encontre sua magia novamente. Nós precisamos de você. — Ela fez uma pausa. —Stev precisa de você.

Os olhos dele se voltaram para os dela. —Stev...

—Nós não sabemos onde ele está. O rei e a rainha... — Ela engoliu em seco, forçando-se a dizer as palavras. —Se foram. Mas me recuso a deixar este palácio antes de encontrar Stev e Kass.

—Stev. — Ele disse o nome quase como uma oração, e seus ombros ficaram rígidos. Ele soltou um suspiro e fechou os olhos.

Uma rajada de ar arrancou a franja de Helena de seu rosto. Ela sorriu pela primeira vez desde o baile. Edmund estava de volta.

O vento se acalmou antes de desaparecer completamente, como se a magia de Edmund não estivesse presente.

Edmund caminhou até a porta e a abriu apenas para parar quando quatro espadas o bloquearam. Ian Tenyson deu um passo à frente.

—Olá princesa. — Ele sorriu. —Eu disse que teria você e nunca quebrei minhas promessas. — Ele se virou para os guardas. —A garota vem conosco. Prendam o embaixador. Matem o traidor.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Capitulo Vinte e Seis


Dell caiu pela porta e entrou na escada dos servos da residência da família real, fumaça perseguindo-o da fileira de salas outrora grandiosas.

Nada. Eles não encontraram nada. Ninguém vivo pelo menos. Qualquer um que estivesse preso na ala estava morto ou encontrou uma maneira de escapar.

Eles encontraram o rei com a garganta cortada em uma poça de seu próprio sangue. Seus olhos cruéis não viram mais a destruição que ele criou.

Como Dell não tinha dúvidas, essa rebelião era culpa do rei.

O jovem príncipe Kassander pousou ao lado de Dell com um baque quando seu irmão o jogou das chamas que deixaram para trás.

Tosses assolaram o corpo de Dell quando ele se inclinou, ofegando.

—Precisamos diminuir. — Estevan ofegou. —Longe da fumaça.

Dell ficou de pé. Helena, onde você teria ido?

Ele não teve tempo de pensar em nada além de escapar do calor e do ar venenoso que eles deixaram para trás. Seus pés trovejaram descendo os degraus e ele agarrou um trilho de ouro entalhado para não cair de cara na escuridão.

O ar ficou mais claro quanto mais longe da fumaça que corriam, e Dell aspirou como se nunca tivesse provado algo tão doce.

Kassander tropeçou, suas pernas fracas cedendo sob ele. Ele colidiu com Dell, fazendo-o cair pelos últimos degraus e aterrissar no fundo em uma pilha.

Todos os músculos do corpo de Dell gritaram em agonia enquanto ele tentava tirar o garoto dele. —Continue. Você tem que continuar.

Sons de luta chegaram até eles e Dell encontrou o olhar de Estevan. —É preciso dois lados para lutar.

Estevan assentiu. —Provavelmente temos aliados por aí.

Estevan curvou-se e levantou o irmão. Aquele homem já se cansou? A fumaça em seus pulmões não tinha efeito?

Dell rolou com um gemido. Por que ele voltou ao palácio nesta noite? Ele poderia estar a salvo em um navio em direção a Bela.

Ah, certo... havia uma garota.

Como se o pensamento dela trouxesse sua força, ele se empurrou do chão e puxou a espada fina da bainha. Limpando a fuligem do rosto, ele se virou para o príncipe.

—Você vai precisar de suas mãos para lutar, príncipe. — Ele apontou para o garoto inconsciente nos braços de Estevan.

Estevan inclinou o rosto para ouvir o peito do garoto. —Ele está respirando. — Ele olhou em volta para a pequena sala no pé da escada. A única luz veio através da porta aberta.

Ele colocou seu irmão no canto mais distante, a dor retorcendo em seu rosto enquanto olhava para o garoto. —Estou voltando para você, Kass. — Ele sussurrou. —Eu prometo. — Ele deu um beijo no cabelo cinza do garoto e se endireitou para considerar Dell. —Espero que você saiba como lidar com isso mais do que a faca que você me ameaçou, garoto.

Dell se irritou com o termo 'garoto', mas agora não era hora de discutir com um príncipe arrogante. Desta vez, eles estavam do mesmo lado.

Tossindo o último pedaço de fumaça de seus pulmões, Dell empurrou a porta para o lado e avançou para o corredor dos fundos, normalmente usado apenas por aqueles que atendem à família real.

Ele pulou pela forma imóvel de uma jovem garota de libré de Rhodipus, os cabelos claros circulando a cabeça como um anel de luz.

Os rebeldes lutavam contra os servos que assumiram o nome de seu rei. Soldados reais lutavam com guardas reais.

Stev saltou para o corpo a corpo sem pensar duas vezes, balançando sua espada longa naqueles pelos quais podia abrir caminho.

—É o príncipe. — Alguém gritou. Dell não sabia qual lado reconheceu o príncipe primeiro, mas foi uma decisão estimulante. Os rebeldes queriam a recompensa que receberiam por capturar o verdadeiro herdeiro e entregá-lo ao pretendente. Os legalistas se apegaram à linha de Rhodipus como se Madra desmoronasse sem eles.

Talvez.

Ou talvez a morte deles finalmente deixasse Madra florescer.

Dell não se importou. Os rebeldes impediam que ele encontrasse a princesa. Bemus apareceu na briga com os primeiros sinais da vida verdadeira que Dell vira do homem que havia perdido tanto. Ele aparou e chutou uma perna, usando o pé para prender o joelho do oponente e derrubá-lo antes de enfiar a espada na barriga do rebelde.

Gritos de dor misturados com grunhidos de esforço. Dell avançou para o lado de Bemus, bloqueando um golpe que se aproximava. A força reverberou em seu braço quando ele foi preso em um duelo de força com um oponente de olhos estreitos.

Ele empurrou a espada do homem e ela caiu no chão. Dell perdeu o controle de sua própria lâmina, mas não perdeu um momento ao mergulhar no rebelde, derrubando-o no chão.

Seus punhos batem no rosto do oponente com toda a crueldade que ele possuía. Este era quem ele era. Não era um duelo com espadas de fantasia ou treinamento formal. Um brigão. Um boxeador que preferia brigas de rua ao ringue.

Quando o homem parou, os nós dos dedos de Dell ficaram vermelhos. Quando ele se levantou para ajudar Stev, um grito rasgou o ar, rasgando o mundo em dois.

Helena.

Len.

Seus olhos foram para Estevan, que lutava contra dois homens. Bemus se manteve ao lado de um esquadrão de guardas reais.

—Dell. — Estevan gritou enquanto se torcia para evitar outro golpe.

Dell encontrou seu olhar ardente. O que ele viu lá? Permissão? Um apelo? Uma ordem?

—Essa é minha irmã, Dell. — Desespero. Algo que ele nunca esperaria do príncipe. —Tire-a do palácio. Por favor.

Um atacante avançou sobre Dell, mas ele se afastou, correndo em direção à entrada do salão principal. A fumaça não mais obscurecia sua mente ou sufocava a respiração. Toda dor que ele sentiu desapareceu. Uma nova energia expulsou a exaustão.

—Estou indo, Len. — Disse ele, principalmente para si mesmo.

Ele entrou no salão com cautela, preparando-se para qualquer coisa que visse.

Três homens estavam de pé sobre um homem e uma mulher ajoelhados. O reconhecimento ardeu nele quando ele percebeu que Len e Edmund estavam com os braços amarrados nas costas.

Lágrimas fizeram pequenas marcas através do sangue no rosto de Len, mas nenhum medo brilhava em seus olhos.

—Você vai pagar por isso, Ian. — Ela rosnou.

Dell desviou os olhos para os homens para quem ainda não havia visto de verdade. Seu irmão estava no centro de dois rebeldes de ombros largos. Dois homens mortos e duas mulheres mortas estavam espalhados pelo chão.

Dell avançou silenciosamente, deixando as sombras esconderem sua abordagem.

Ian riu enquanto se inclinava para frente, com o rosto a centímetros do de Len. — Posso não ter permissão para te matar, Helena, mas Cole não disse nada sobre prejudicar esse lindo rosto. — Os dedos dele percorreram sua bochecha. —É uma pena que você tenha escondido isso por tanto tempo. — A mão dele avançou pelo pescoço e por cima do corpete do vestido.

Ela ficou impossivelmente imóvel.

Edmund lutou contra suas restrições. —Não toque nela.

Ian se endireitou. —Pena que você se importa mais com ela do que sua preciosa Camille de Gaule.

Um grunhido rasgou a garganta de Edmund. —O que você fez com Camille?

Um sorriso espirrou no rosto do imbecil. —Nada, é claro. Ela deve cumprir a promessa do seu reino. Madra terá uma princesa de Gaule como rainha e o exército como aliados. O tratado elaborado não menciona com qual herdeiro de Madra ela deve se casar.

Ian deu um tapinha no lado do rosto de Edmund. —Cole será um marido melhor para ela do que Estevan, não é mesmo, Edmund?

Edmund estalou os dentes e Ian afastou a mão como um “cão raivoso”.

Dell soltou uma adaga do cinto, tentando decidir como agir. Ele não seria páreo contra Ian e seus homens. Estevan e Bemus ainda estavam revidando no salão dos empregados.

Ian agarrou os cabelos de Edmund, forçando a cabeça para o lado para expor o pescoço. Ele estendeu a mão e um de seus homens colocou uma adaga na palma da mão. Ian pegou e pressionou a ponta na pele de Edmund logo abaixo da orelha.

O embaixador nem sequer vacilou.

—Nenhum dos lados confia em você, Edmund de Bela. O rei que você defende foi derrotado em sua busca paranoica para encontrar aqueles que lhe causariam dano.

—Não defendo rei. — Cuspiu Edmund.

Ian pressionou a adaga com mais força, traçando uma linha de sangue. —Interessante. — Ele removeu a adaga e limpou o sangue com o polegar antes de traçar uma linha vermelha na testa de Edmund. —Você luta por nenhum rei... mas ainda age contra nós, socorristas de Madra.

—Você não resgata ninguém. — Helena rosnou.

Ian deu um chute rápido ao lado dela. —Eu não estou falando com você. Você aprenderá a me obedecer quando nos casarmos. —Uma ameaça aprofundou sua voz.

—Você acha que está do lado certo nisso, Ian Tenyson. — Edmund ergueu os olhos. —Mas eu já passei por guerra. Vi reinos separados por dentro e inimigos por fora. A guerra não cura. Isso apenas destrói. Existe apenas um lado aqui. Madra. E se você insiste em se rebelar, age contra a liberdade pela qual diz estar lutando.

O joelho de Ian colidiu com o peito de Edmund e o loiro caiu de lado com um grunhido de dor. —A linhagem de Rhodipus e seus preciosos padres causaram isso, Edmund. Não nós.

Edmund estava deitado de lado, incapaz de se ajoelhar. Enquanto seus olhos percorriam o corredor, eles se conectaram com os de Dell, escondidos nas sombras.

Ele desviou o olhar de Helena para Dell. O que ele estava tentando lhe dizer?

Dell deu um passo à frente, espada em uma mão, adaga na outra, mas antes que ele pudesse se mexer, o som de muitas botas pesadas entrou no salão, roubando todas as chances de salvar Helena e Edmund.

O novo aliado de Ian caminhou ao lado dele, um cenho estragando seu rosto.

Cole Rhodipus havia chegado.


Cole cortou os pulsos de Helena enquanto olhava para o irmão que reverenciava apenas ontem. Todos os seus irmãos eram heróis para ela. Sem falhas. Sem fraquezas. Eles a protegeram e criaram uma barreira entre ela e o pai.

Ela nunca pensou que precisaria de proteção contra um deles.

O rosto de sua mãe brilhou diante de seus olhos, e todo o amor que ela tinha por Cole se afastou em uma corrente de ódio e desespero.

Ian Tenyson estava ao seu lado. O velho aliado de seu pai fixou um olhar intenso nela, inclinando a cabeça para o lado como se ele não conseguisse descobrir algo. Ele olhou para Edmund, que estava deitado ao lado dela e parecia encarar as sombras.

—Irmã. — Começou Cole.

Os lábios dela se curvaram. —Não me chame assim. Eu não sou sua irmã. Não mais.

Ela juraria que viu a tristeza passar pelas feições dele, mas ele a afastou. —O que você pensa de mim, Len, eu amo você.

—Apenas não mãe e pai, certo? — Lágrimas quentes queimaram seus olhos.

Cole suspirou. —Ela não era minha mãe. — Ele colocou a mão no ombro de Helena. —Mas eu sei que você a amava. Sinto muito por isso.

—Não me toque. — Ela se afastou, desejando mais do que tudo ter uma faca ao seu alcance.

Ele recolheu os dedos e os enrolou em punho. Ian sussurrou algo em seu ouvido antes de marchar em direção a um arco que obscurecia parte do salão.

Uma luta soou e Cole acenou para dois de seus guardas para ajudar Ian. Eles decolaram, puxando um jovem das sombras e desarmando-o.

—Dell. — Helena sussurrou.

Edmund rolou na posição sentada, seus olhos examinando Dell. Helena não podia deixar que eles o levassem também. Sem pensar, ela se levantou, os pulsos amarrados dificultando e correu para os guardas que seguravam Dell. Eles não foram capazes de pegar suas armas antes que ela batesse o ombro no da direita. Ambos lançaram Dell.

—Vá! — Ela gritou com Dell.

Ele ficou de pé e tentou pressioná-la atrás dele, mas a dor rasgou seu ombro, queimando seu braço como se todo o seu corpo se abrisse.

—Pare. — Cole gritou, mas sua voz era apenas um fio de som na névoa de sua mente. Seus joelhos dobraram e Dell a pegou antes de baterem no chão de mármore.

—Alguém ajude! — Dell gritou.

—Len! — Edmund tentou alcançá-la, mas seu caminho estava bloqueado e ele não conseguia pegar uma arma com as mãos amarradas.

Cole agachou-se sobre ela, seus olhos do cinza tempestuoso que ela sempre amou. Eles falavam de paixão. De luta.

Ela piscou para afastar as lágrimas enquanto a dormência se espalhava por seu corpo como uma onda, levando tudo em seu caminho.

Cole apontou para o homem que jogou a adaga. —Prendam ele. Ele prejudicou a princesa contra minhas ordens para deixá-la intacta.

Nos últimos momentos antes que a escuridão a engolisse inteira, ela quase agradeceu por cuidar dela.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Capitulo Vinte e Sete


Dell segurava o corpo sem vida de Len nos braços, o sangue dela ensopado nas mangas da camisa dele.

—Len. — Ele disse, com lágrimas sufocando sua voz. —Len. — Ele pressionou a testa na dela. —Por favor, não me deixe.

—Pegue um curandeiro para mim. — Ordenou Cole. —Agora. Se minha irmã morrer, terei cada uma de suas cabeças.

Dois de seus soldados correram para encontrar um curandeiro, mas Dell mal os notou sair.

Cole o perfurou com um olhar sombrio. —Você é o bastardo dos Tenyson.

—Ele não é Tenyson. — Ian cuspiu.

—Foi o que meu pai disse sobre mim nos primeiros dez anos da minha vida. — Cole ficou quieto por um momento, passando a mão na cabeça de Len. —Você é leal à sua família?

—Ele nunca-— Ian parou abruptamente quando Cole levantou a mão.

Se Dell dissesse não, não tinha dúvida de que Cole o derrubaria exatamente onde estava sentado. Mas se ele dissesse sim... isso trairia tudo o que ele era?

Em vez de responder, ele baixou os olhos para o rosto sereno de Helena. —Ela vai ficar bem. — Ele não estava falando com ninguém além de si mesmo, mas Cole colocou a mão em seu ombro. Por apenas um momento, eles sofreram juntos.

Ian mudou para onde estava. —Se ela morrer, você me deve uma esposa.

Um rugido rasgou a garganta de Cole e ele se virou para Ian.

—Não te devo nada.

Dell tentou ter prazer no castigo de seu irmão, mas não conseguiu se concentrar em nada além da garota em seus braços.

Cole cortou tiras de sua própria camisa com uma adaga e as entregou à Dell. Dell soltou a adaga do lado direito do peito e pressionou o pano contra ela. Ele largou a adaga e ela caiu no chão.

Dell pressionou dois dedos no pescoço para sentir seu coração batendo contra eles.

Edmund resistiu ao rebelde que o segurava, libertando-se para correr para o lado de Helena.

Uma porta se abriu, derramando legalistas no corredor. Eles congelaram quando viram a cena agora se desenrolando.

Dell ergueu os olhos para encontrar Estevan e Bemus liderando seus seguidores.

Ao seu redor, guardas se preparavam para uma luta. Mas não Dell. Ele segurou Len mais apertado contra o peito. Edmund pegou a mão dela quando seus olhos vidrados encontraram Estevan.

—Você vai me fazer lutar com você, irmão? — Estevan perguntou. Ele examinou o grupo, seus olhos pousando em Helena e se arregalando antes de retornar a Cole. —Por que ela, Cole? Por que Len? Eu sei como você sempre se sentiu em relação à mãe, pai e até a mim... mas Helena? Ela te amou mais do que qualquer um de nós e você... — A voz dele ficou grossa. — Ela era boa. E agora ela está...

—Não está morta. — Disse Dell, suas palavras ecoando pelo corredor. —Não está morta.

Os ombros de Estevan caíram. —Não está morta?

Edmund encontrou os olhos do príncipe e balançou a cabeça.

Eles ficaram trancados em uma comunicação silenciosa. Edmund pronunciou a palavra “não”.

Estevan assentiu. —Sinto muito, Edmund. — Ele encarou o irmão. —Eu quero que isso acabe.

Cole cruzou os braços sobre o peito. —Estou ouvindo.

—O palácio pelo qual você lutou tanto está desmoronando. As pessoas continuam a batalha durante a noite. O fogo que envolve a residência real se espalhará se não for contido.

—Todas as coisas que sabemos, Stev. Diga-me por que eu deveria negociar com você em vez de levá-lo com minha espada.

—Eu vou me render.

—Stev. — Edmund gemeu. —Você não pode fazer isso.

Estevan ignorou seu protesto. —Permitirei que você tome meu trono e minha pessoa. Você pode fazer o que quiser comigo. Faça um exemplo. Me mate. Eu não vou lutar. Vou dizer aos legalistas que se retirem e comecem a reparar seu reino. Não há mais lutas. Não há mais destruição.

Cole estreitou os olhos. —O que você quer em troca?

Estevan deu um passo à frente, o fogo queimando em seu olhar.

—Solte-os. Todos eles. Edmund. Helena. Kassander. Dell. Permita que eles deixem Madra. É a única maneira de concluir sua tomada do trono. As pessoas nunca passarão da agitação enquanto lutarem por mim.

—Você não pode estar pensando nisso. — Ian retrucou Cole. —Você prometeu Helena para mim.

—Cale a boca. — Cole ordenou.

Os rebeldes voltaram com um curandeiro acinzentado a reboque. Dell apertou Helena com mais força, recusando-se a deixá-la ir. Dell examinou o rosto magro do curandeiro. Linhas profundas foram esculpidas em sua pele. Ele passou por Cole e Stev em seu impasse agora silencioso e caiu de joelhos lentamente.

—Eu sou curandeiro Whiston. — Afirmou. —Deixe-me ver a princesa.

Dell finalmente desistiu de segurá-la para virar seu pequeno corpo, revelando a profunda ferida em seu ombro. Sangue escapava do corte, espalhando-se pelo tecido de seu corpete.

O curandeiro Whiston se inclinou, olhando por um momento antes de erguer os olhos para o novo rei. —Fatal, eu tenho medo.

Nenhuma emoção cobria suas palavras, mas elas tiveram o impacto de mil carneiros espancando a destruição de dentro para fora. Dell balançou a cabeça, incapaz de acreditar. Não querendo ver isso como o fim.

Cole pigarreou, lutando contra seus próprios sentimentos. — Aceito seus termos, Estevan Rhodipus. Com Helena longe, o resto deles não significa nada para mim. — Ele se afastou da família restante. —Eu vou permitir que você diga adeus. Dell poderá sair com Helena e Kassander. Não posso deixar Camille se juntar a eles, no entanto. Usaremos o presente de Edmund para transmitir sua mensagem ao povo e, em seguida, ele estará livre para sair também.

—Não. — A voz de Edmund cortou a tensão como vidro. —Eu não posso. Não vou te deixar. — Os olhos dele imploraram a Estevan quando Cole começou a se afastar.

Estevan caiu de joelhos na frente de Edmund. —Uma vez pedi para você manter minha família a salvo da rebelião. Não sabíamos que a ameaça viria de dentro. Mas preciso perguntar isso de novo. Proteja Kass como se ele fosse seu próprio sangue. Eu não confiaria em mais ninguém com a vida dele.

Lágrimas escorreram pelo rosto de Edmund e ele pressionou a testa contra a de Estevan. —O que ele vai fazer com você, Stev? — Ele fechou os olhos. —Tenho a sensação de que nunca mais vou te ver e que...— Ele respirou fundo. —Eu te amo.

Estevan limpou as lágrimas de Edmund com os polegares e pressionou os lábios nos do Belaeno. — Você me trouxe à vida, Edmund de Bela. Posso estar indo em direção à minha própria execução, mas serei grato a você até o dia em que morrer.

Dell enxugou as próprias lágrimas. Então, era assim que terminava. Um rei e rainha mortos. Uma princesa assassinada e um príncipe capturado.

Estevan se afastou. —Encontre Quinn. Ele ajudará você a mantê-los seguros.

Eles. Eles. Dell olhou para o rosto pálido de Helena. Ela não precisava mais ficar em segurança.

Os guardas levantaram Estevan e se formaram ao redor dele.

Quando outro agarrou o braço de Edmund e o puxou para frente, ele encontrou o olhar aguado de Dell. —Leve Helena e Kassander para as docas. Bemus irá ajudá-lo. Se eles soubessem da rebelião, o navio teria esperado por nós.

O navio. Corban.

Afinal, esse não era o fim. Se ele chegasse a tempo.

 

 

 

 

 

 


Capitulo Vinte e Oito


O olhar final que Cole Rhodipus deu à irmã seria gravado para sempre na mente da Dell. Olhos brilhando com fúria e desespero enquanto ele a observava respirar devagar. Um maxilar apertando e soltando enquanto ele lutava para impedir que qualquer emoção cintilasse em seu rosto.

Era dolorosamente óbvio para quem o observava.

Ele pode ter odiado muito na vida, mas sua irmã existia fora das brasas ardentes de sua dor. Ela tinha sido a luz no mundo sombrio.

Dell sabia porque ela agia como a mesma força orientadora para ele. E os dois estavam a perdendo.

Cole deu ordens a seus homens para escoltar Dell do palácio junto com a princesa quase morta. Estevan se inclinou para beijar sua bochecha, uma única lágrima quebrando a fachada de força que ele emitiu.

—Vá. — A voz de Edmund ficou mais espessa. —Eu estarei lá em breve. Verifique se ela fica conosco, Dell. Você não a perca.

Ele apenas assentiu, as palavras que ele queria dizer entupindo sua garganta.

Ele veio ao palácio para proteger Helena. Nenhuma outra razão. E ele falhou. Mas ele não falharia nisso.

Bemus desapareceu com um dos guardas, retornando um momento depois com Kassander meio consciente nos braços.

Um segundo guarda tentou levantar Len do colo de Dell.

—Não. — Dell colocou Len no chão e se levantou. Ele não suportava o pensamento de mãos rebeldes nela. Ele se inclinou, deslizando um braço por baixo das costas dela e o outro por baixo das pernas. O cabelo dela se soltou do coque e caiu em ondas selvagens sobre o braço dele.

—Mantenha a pressão no ferimento. — Disse Bemus, inclinando-se. —E não deixe ninguém saber que ela ainda vive.

Dell assentiu, colocando a bola de pano contra ele para mantê-la pressionada contra o corte enquanto a vida de Helena continuava a escoar dela.

Os soldados rebeldes de Cole os cercaram, marchando pelos corredores. Os combates do lado de fora haviam acabado, mas as camadas de fumaça subiam das seções do muro ao redor do pátio. Um buraco gigante agora estava onde parte da parede costumava estar. O cheiro de cobre e cinza manchava o ar enquanto o sangue corria pelas ruas de Madra.

A morte pairava sobre todos eles, mas Dell mantinha os olhos voltados para a frente, pensando em uma coisa. Ele tinha que chegar àquele navio.

Ele não se importava mais com Madra ou com as pessoas que deixara para trás. Muitos deles lutaram com os rebeldes. Outros se recusaram a lutar.

E uma garota ficou forte por eles. Tinha lutado por eles.

Os soldados os levaram a uma carroça que ficava no pé da grande escadaria em frente ao palácio fumegante. Bemus colocou Kassander nas costas. O garoto se mexeu e levantou a cabeça, seu olhar encontrando Helena.

Dell colocou a princesa na carroça gentilmente e entrou. Assim que Bemus tomou as rédeas, não havia mais palácio. As ruas de Madra passaram rapidamente, mas Dell não as viu. Ele não olhou para os rostos dos cidadãos que haviam sido despertados de suas camas com notícias de lutas no palácio.

A lua cheia lançava um brilho prateado na pele pálida de Helena.

Kassander falavam, mas suas palavras foram perdidas ao som da carroça.

E então eles ouviram. Silêncio no início, antes de ficar mais alto. Estevan Rhodipus estava se dirigindo ao seu povo.

—Cidadãos de Madra. — Sua voz pairava sobre Madra como uma capa de esperança, protegendo-os dos males daquela noite. As palavras carregadas na brisa da magia de Edmund. Era por isso que ele teve que ficar para trás.

Estevan continuou. —O rei está morto, mas não estamos sem esperança. Para todos os que são leais à coroa, eu digo para vocês se afastarem. — Suas palavras soaram roteirizadas, sem a raiva que Dell sabia que estava escondida por baixo. Cole não arriscaria nenhum significado secreto. — Há um novo rei. Eu desisti do meu lugar na linha de sucessão ao meu irmão, Cole Rhodipus.

Ele fez uma pausa. —Sofri muito e não tenho mais no coração o objetivo de liderar. Cole é um dos últimos filhos restantes da linhagem de meu pai. Nos próximos dias, Madra ficará mais forte do que nunca. As tropas estão sendo chamadas ao lar das guerras nas quais não devemos estar envolvidos. O sacerdócio foi dissolvido. —— Dell relembrou o massacre que encontrou no mosteiro. —Madra não será mais algemada ao passado pelas tradições sacerdotais. Congratulamo-nos com um futuro melhor. Se você é estrangeiro nesta terra, recomendo que você volte ao seu reino. Madra pertencerá apenas a madranos a partir deste ponto.

Ele parou e Dell pensou que estava terminado até que sua voz recomeçou, mais profunda do que antes. —Não lamentem minha família. Esta noite, um dos homens de meu pai assassinou a princesa Helena. Mas ela não morreu em vão. Ela provocou essa mudança. Cole, seu novo rei, luta por ela. Ele luta por todos nós.

A raiva rasgou Dell.

Kassander caiu para frente, encarando a irmã. —Ela está realmente morta?

—Não. — Dell balançou a cabeça. —Seu irmão acabou de colocar toda essa rebelião sangrenta em uma mentira.

—Por que Estevan disse essas coisas?

Os olhos de Dell brilharam entre Len e Kassander enquanto sua mente vagava para Estevan. Ele nunca gostou do príncipe mais velho. Estevan era arrogante e aparentemente indiferente. Mas um novo respeito floresceu dentro da Dell.

—Porque, pequeno príncipe, Estevan ama você. Ele fez isso por você.

Uma brisa tranquila trouxe o ar salgado do oceano. Eles fizeram isso. Dell soltou um longo suspiro ao sentir o pulso novamente. O pânico tomou conta dele quando não conseguiu encontrá-lo.

—Helena. — Disse ele. —Helena, você precisa esperar. Estamos aqui.

Chegaram ao navio Belaeno e Mari saiu correndo, pulando do lado e aterrissando no cais com mais agilidade do que ele sabia que ela possuía.

Kassander saiu da carroça. —O que estamos fazendo aqui? — Seus olhos voaram ao redor dos navios, finalmente aterrissando na água escura. —Nós não podemos sair. E Estevan?

Dell o ignorou enquanto passava Helena para Bemus. —Mari, precisamos de Corban, agora!

Como se estivesse ouvindo a comoção, Corban apareceu no convés. Ele correu pelo cais e caiu ao lado de Len.

—Acho que já pode ser tarde demais. — Dell se afastou, colocando as mãos na cabeça. Como ele falhou tão miseravelmente? A única pessoa que cuidou dele desde que a mãe dele morreu... e agora ela o estava deixando também.

Uma tensão familiar em seu peito o fez se virar, incapaz de assistir.

Todos prenderam a respiração.

Nenhum som veio enquanto Corban trabalhava com a princesa imóvel. Dell fechou os olhos. Era egoísta querer que ela ficasse? Seus pais foram assassinados bem na frente dela. Seu irmão provavelmente seria executado. O reino que sua família governou por gerações foi quebrado.

E, no entanto... ele não podia deixá-la ir. Ele se virou bem a tempo de ver o peito dela subir.

Um grito se libertou quando ela arqueou as costas, ecoando pela noite, como se o trauma de perder tudo rasgasse os ossos diretamente de seu corpo.

O som foi interrompido abruptamente, seu corpo caindo de volta para as pranchas de madeira abaixo dela.

—Ela vai viver? — Dell perguntou, desesperado pela resposta que começaria seu coração novamente.

Corban olhou para cima. —Eu não sei. Ela... você pode tê-la trazido aqui tarde demais.

Mari colocou a mão no ombro de Corban. —Coloque-a no navio. Partimos assim que Edmund chegar.

 

 

 

 

 


Capitulo Vinte e Nove


Helena correu enquanto a fumaça a perseguia dos quartos que ela conheceu a vida toda. Destruído, como todo o resto. Sua mãe a chamou, tentando desesperadamente encontrá-la, mas ela não pôde chamar de volta quando o chão se inclinou, fazendo-a voar em direção ao abismo escuro.

Os olhos de Helena se abriram para se encontrar em uma sala desconhecida, cheirando um pouco a suor e sal.

O suor provavelmente era dela. O vestido que ela usava grudava em seu corpo com umidade. Ela levantou um braço para limpar os cabelos grudentos do rosto, sentindo a exaustão em cada movimento.

Fraca. Ela estava tão fraca. Por quê?

As lembranças surgiram como um furacão que se aproximava de um navio no mar. E ela estava completamente perdida para elas.

—Mãe. — Ela chorou.

Lágrimas escorriam por seu rosto como se seu corpo estivesse se esvaziando de tudo o que tinha visto. Tudo o que ela fez.

Onde ela estava?

A luz atravessava as fendas entre as tábuas apodrecidas da porta. Ela estava deitada em uma cama pequena no canto de um quarto com pouco mais. A rede pendia do teto, mergulhando sobre pilhas de caixas na parede oposta.

A porta bateu e ela pegou a adaga, mas não estava mais escondida nas dobras da saia. Ela se levantou devagar, seus músculos gritando em protesto.

A luz inundou a sala quando a porta se abriu. Ela protegeu os olhos quando uma figura se aproximou.

Kassander. O irmão dela não sorriu em saudação, mas o alívio estava claro em seus olhos. —Você está acordada. — Ele hesitou.

Lágrimas brotaram em seus olhos. Pelo menos uma pessoa não foi tirada dela. —E você está aqui.

Ele deu um passo em direção à cama e ela estendeu a mão, puxando-o pelo resto do caminho. —Não acredito que eles te tiraram.

—Foi Dell. — Disse ele, sua voz abafada em seus cabelos.

Dell. Ele também estava lá. O quarto balançou e Helena se afastou. —Estamos em um navio? Há quanto tempo estou fora?

Kassander não foi quem respondeu.

—Mais de um dia. — Dell ficou parado na porta, seu olhar fixo no rosto dela. —É bom ver você consciente, princesa.

Por que a formalidade? Ela balançou a cabeça. —Eu não sou mais uma princesa.

O sorriso da Dell foi hesitante.

Helena abraçou Kassander novamente, encontrando os olhos de Dell por cima do ombro de seu irmão. — Obrigada. — Ela murmurou.

Ela se afastou e agarrou os ombros de Kassander. —Você e eu agora, garoto. É tudo o que nos resta até encontrar Quinn. — Ela odiava pensar no que poderia ter acontecido com Quinn. O exército estava em aliança com Cole. Eles chamaram Quinn?

—Stev ainda está vivo, Lenny. — Ele sussurrou. —Eu sei que ele está.

Helena não queria expressar o que achava que Cole faria com Stev, então correu para a beira da cama.

Uma lembrança de dor chocou através dela. A adaga. Ela sentiu a ferida no ombro, mas a pele perfeitamente macia foi tudo o que encontrou através do buraco no vestido.

—É assim que você se sente toda vez? — Ela perguntou a Dell. —Sempre que Corban te curava?

Simpatia entrou em seu olhar. —Exaustão? Fraqueza total? Uma descrença completa do que ocorreu?

—É sobre isso.

Ele assentiu. —Sim. Mari me explicou uma vez. A magia dele usa a energia do seu corpo para curar a ferida. Demora um pouco para recuperá-la.

Kassander levantou-se e estendeu a mão para ela. Ela pegou e se levantou, tropeçando antes de se equilibrar.

Kassander torceu o rosto. —Você fede, Len.

Uma risada se libertou de Dell, mas ele a encobriu com tosse. —Mari deixou algumas roupas para você. — Ele apontou para uma pequena pilha de roupas de linho. —Vou mandar alguém trazer um balde de água. Receio que banhos de esponja sejam tudo o que temos. Mas estaremos em Bela em dois dias.

 

Um pouco limpa e recém-vestida, Helena encontrou Edmund sentado no convés, seus olhos examinando a direção de onde eles vieram. Ele não olhou para ela quando ela se sentou ao lado dele, abaixando-se com cuidado.

Ela deixou o silêncio penetrar nela, acalmando sua mente desgastante. A perda ainda não havia chegado. Ela a via com seus próprios olhos, seu reino ardente, mas ainda parecia que aconteceu com outra pessoa.

Finalmente ele falou. —Alex vai me matar por deixar sua irmã em Madra.

—Alex é o rei de Bela? — Ela perguntou.

Ele assentiu. —Mas não havia nada que eu pudesse fazer. Sem rasgar o palácio pedra por pedra, procurando onde Cole a escondia...

Helena pegou sua mão trêmula na dela. —Você fez tudo o que pôde.

—Então por que parece que eu falhei com ele?

Ele não estava mais falando de Alex. —Edmund, você não falhou. Stev sabia o que estava fazendo. Eu daria tudo para mudar sua decisão, mas era dele.

O queixo de Edmund caiu no peito e um grito estrangulado o sacudiu.

Helena não o deixaria desistir. Agora não. —Minha mãe me disse uma vez que Madra era um reino de vidro. — Uma lágrima escorreu por sua bochecha. —Eu não sabia que ela estava me ensinando uma lição.

A voz de Edmund era tão baixa que ela mal ouviu. —Reino de vidro?

Helena sorriu com a lembrança. Seu pai se recusou a deixá-la participar das reuniões do conselho para aprender sobre os seis reinos, mas sua mãe serviu como professora. —Madra sempre foi frágil, sentada à beira de sua própria destruição. Guerras constantes e governantes ineptos enviaram fissuras pela superfície. Mamãe me disse que quando Madra finalmente quebrasse, isso destruiria tudo. O vidro não se quebra. Cria estilhaços, armas. E uma vez quebrado, não há como voltar a montar.

Edmund finalmente se virou para olhá-la, implorando por algo, qualquer coisa em que se agarrar. —Que tipo de fragmento isso criou? Onde está a nossa arma?

Ela quebrou o olhar, olhando para as águas que batiam na lateral do navio. Ela respirou fundo, a necessidade de vingança chegando tão de repente que a chocou.

Quando ela se virou para Edmund mais uma vez, seus olhos giraram com cada emoção em cada um de seus olhos. Uma palavra simples poderia moldar todo o seu futuro.

—Eu.

 

 


Capitulo Trinta


Planos rolaram na mente de Helena. Uma luz penetrou nos olhos de Edmund em sua declaração. Ele estava com ela. Eles podem não ser capazes de salvar Stev, mas podem recuperar o trono.

Ela poderia fazer Cole pagar por tudo o que ele havia feito.

E ela faria.

Como se o desejo de vingança fundisse as peças, ela se sentiu inteira novamente. Era quem ela deveria ser.

Madra poderia ter sido um reino de vidro, mas ela era mais forte que isso.

Ela ficou no convés com Dell de um lado e Edmund do outro. Kassander estava parado no parapeito, olhando ansiosamente as margens de Bela.

Falésias brancas pairavam sobre o mar, cercadas por florestas verdejantes e uma praia de areia branca. As docas não eram exatamente como o movimentado porto de Madra, mas muitas pessoas testemunharam sua aproximação.

Quatro figuras estavam no final do cais, esperando. Assim que os marinheiros amarraram o navio, Edmund os levou adiante.

—Não tenham medo. — Ele sussurrou. —Etta pode ser bastante intimidante, mas é realmente o cavalo dela que é assustador.

Dell riu. —O cavalo dela? Você tem medo de um cavalo?

—Você não conheceu Vérité.

A mulher que ficava na frente dos outros não era o que Helena esperava. Ela não usava o vestido longo de outras rainhas que Helena conhecera. Em vez disso, couros de luta se estendiam por sua pequena estrutura. Longos cabelos dourados enrolavam em uma trança que pendia sobre um ombro, mas nenhuma coroa estava aninhada nas madeixas.

—Essa é a rainha? — Helena perguntou.

Edmund riu.

O rosto severo da rainha se transformou assim que viu Edmund e ela correu pelo cais, jogando-se nos braços dele e envolvendo as pernas finas em volta da cintura dele.

Dell ergueu uma sobrancelha e Helena olhou em choque. Sem formalidade ou senso de decoro. Quem era essa rainha?

Edmund a apertou com tanta força que Helena pensou que a rainha iria explodir.

—Senti sua falta, Edmund.

Edmund a colocou no chão. O sorriso em seus lábios não alcançou seus olhos e Helena não foi a única que percebeu. A rainha tocou seu rosto.

—Sinto muito por tudo o que você passou. — O tom dela era sério, mas não aguentaria o peso que ela teria se soubesse as verdades que ele realmente estava carregando. Ela não sabia tudo o que ele havia deixado para trás.

Um homem se juntou a eles, abraçando Edmund tão duro quanto a rainha.

—Alex. — Disse Edmund. —Eu preciso te contar uma coisa.

—Camille ainda está em Madra. — Disse o homem, liberando Edmund. —Eu sei.

—Eu sinto muito.

Alex apertou o ombro e virou-se para Helena e Dell. —Eu imagino que você tem histórias para nós.

—Como você sabia que estávamos vindo? — Edmund perguntou.

—Ara está em Cana. Perto da fronteira com Madra. Aparentemente, o embaixador de Cana viajou para a fronteira assim que a rebelião começou.

Edmund assentiu como se tudo fizesse sentido.

—Eu sou a única que ainda não entendeu como vocês sabiam o que aconteceu tão rapidamente? — Helena perguntou.

Todos os olhos se voltaram para ela.

A rainha a estudou de calças largas a túnica suja. —Ara é uma portadora de magia. Ela pode direcionar sua voz para ser ouvida a uma grande distância.

Magia. Claro.

—Você vai nos apresentar, Edmund? — Perguntou a rainha. —Ou você só vai ser rude?

Edmund passou um braço em volta de Helena. —Esta é a princesa Helena de Madra.

Os olhos da rainha se arregalaram.

Edmund continuou, apontando para Kass. —Príncipe Kassander.

—Edmund. — O rei disse seu nome como uma maldição. —Devemos ter forças madranas aparecendo em nossas costas exigindo seu retorno?

—A única maneira de voltar — Começou Helena. —É recuperar o que é meu.

A rainha sorriu. —Eu gosto dela.

Edmund apresentou os outros enquanto outro homem corria na direção deles. Ele se lançou em Edmund, batendo nas costas dele.

—Nunca mais saia. — Disse o jovem. Cachos escuros caíram em seus olhos.

—Ei, Ty. — Disse Edmund. — Conheça o príncipe e a princesa de Madra. — Edmund olhou para Helena. —Este é o príncipe Tyson.

Tyson lançou-lhes um sorriso. —Ty está bem. — Ele voltou-se para Edmund. —Matteo também está aqui.

Uma sombra cruzou o rosto de Edmund e Helena deslizou a mão na dele. Ela se inclinou.

— Você está bem?

—Eu achava que amava Matteo. Quando parti para Madra, doeu. Mas não assim. Não é como Stev. Não posso contar a nenhum deles sobre Stev. Não posso vê-los olhando para mim como se estivesse quebrado. Especialmente Matteo.

—Você não está quebrado, Edmund.

Ela só queria poder se sentir assim.

Matteo os cumprimentou, sem encontrar os olhos de Edmund, e então a família real os conduziu pela vila. Nenhum guarda os seguiu. As pessoas sorriram quando passaram, mas nenhuma se curvou. Não havia pedintes nas esquinas. O povo idoso não morava em barracos na periferia da cidade. Era como se a vila estivesse congelada no tempo, intocada pela pobreza ou pela luta.

Mas Helena sabia que isso não era verdade. Eles lutaram pelo que tinham. A rainha que mais parecia uma guerreira havia arriscado tudo para dar liberdade ao seu povo.

Por que Helena não poderia fazer o mesmo?

Ela olhou por cima do ombro para onde o mar podia ser visto entre os prédios e os telhados de palha. Madra estava lá fora, do outro lado da extensão. Seu povo continuava com suas vidas agora sob o domínio do irmão errado.

E ela lutaria por eles.

Cole Rhodipus não sabia o que estava por vir.

 

 

                                                   M. Lynn         

 

 

 

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