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GLÓRIA TEXANA / Lorraine Heath
GLÓRIA TEXANA / Lorraine Heath

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

GLÓRIA TEXANA

 

                             Maio, 1881.

Sonhos. Imagens leves como um véu que a maioria das pessoas carrega consigo até o sono, mas para Dallas Leigh, elas eram o incentivo que o despertava antes do amanhecer, o ímpeto que o levava em direção à meia-noite.

   Os sonhos eram os degraus para a glória.

   Por possuí-los, ele tinha atingido um nível de sucesso que excedia o que a maioria dos homens alcançava, e tinha conseguido tudo o que tinha desejado: terra, gado e riqueza além de suas mais altas expectativas.

   Ainda assim, o desespero o corroía como um cachorro faminto que tinha acabado de descobrir um osso enterrado, e, enquanto olhava com olhar vago as estrelas que brilhavam no céu, se sentia como se não tivesse alcançado nada.

   Ele era um homem com um sonho solitário que permanecia intocado, o sonho que servia como ponto final das metas que tinha alcançado. Sem a realização de seu maior desejo, suas outras realizações significavam muito pouco, e ele temia que elas pudessem não significar nada — se ele nunca tivesse o filho com o qual queria compartilhar suas realizações.

   O calor da terra ressecada chegava ao seu traseiro enquanto ele mudava a posição para uma mais confortável contra a cerca retorcida que servia como uma das mil estacas por onde passava o arame farpado.

   Ele odiava a cerca com todas as suas forças, mas ele sabia que ela era essencial para a sobrevivência de todos os rancheiros, da mesma maneira que a via férrea tinha entrado em suas vidas. Os trabalhadores continuavam a fazer os caminhos que levariam as pessoas para os pontos mais distantes do oeste. O dia em que se conheciam os vizinhos e se sabia onde a própria terra terminava e onde começava a de outro homem começava a se extinguir. O arame farpado acabava com essas perguntas, marcava o domínio de um homem, e não deixava nenhuma dúvida sobre sua propriedade.

Infelizmente, era um aspecto do futuro que só alguns homens de visão podiam perceber e aqueles cegos pelas tradições do passado acreditavam que ele não iria adiante.

Dallas Leigh estava absolutamente certo de que ela seria importante.

—Dallas?—, o sussurro rouco momentaneamente silenciou a serenata noturna dos grilos, rãs e gafanhotos.

Ele deu uma olhada rápida para o irmão mais jovem que estava estirado no chão com os braços dobrados por baixo da cabeça escura, o corpo alto e desengonçado estendido ao longo do comprimento da cerca. —O quê?—.

—Quanto tempo nós vamos ficar?—, Austin perguntou.

—A noite toda, se for preciso—.

—O que faz você achar que eles virão?—.

—Lua cheia. Os irmãos McQueen gostam de fazer seus roubos e destruição sob a luz da lua cheia—.

   —Eu não sei como você pode estar certo de que eles vão cortar o arame aqui—, Austin disse, a exasperação presente em sua voz jovial. Aos vinte e um, ele tinha pouca paciência quando tinha que ficar esperando pelo momento seguinte.

   —Eu não sei onde eles a cortarão, mas se você fechar a sua boca, nós ouviremos o som do corte viajar ao longo do arame, e nós saberemos em que direção deveremos montar. Apenas feche os olhos e imagine que você está escutando o primeiro som do seu violino quando você bate nele—.

   —Eu não bato meu arco em nada. Eu o encosto nas cordas tão suavemente quanto eu tocaria os meus dedos na bochecha suave de uma mulher ou apertaria meu lábios contra sua boca morna. Então, eu colocaria minha língua dentro de sua boca de uma forma lenta, como——.

   —Dá para se calar?—, uma voz mais profunda rosnou.

   Dallas não precisou se debruçar para frente para ver a expressão enfadada que ele sabia que havia no rosto de Houston. Seu irmão do meio era o único entre eles que tinha uma esposa, e Dallas imaginava que agora mesmo ele preferia estar enrolado com ela na cama e aconchegado ao seu lado. Ele apreciava o fato de Houston estar guardando a cerca em vez disso.

   Austin riu silenciosamente. —Você só está irritado porque não está em casa acariciando ela—.

   —Olha a boca, garoto—, Houston advertiu. —Você entrará em território perigoso se colocar minha esposa na conversa—.

   —Você sabe que eu nunca falaria nada de ruim sobre Amelia. Eu apenas acho que você preferia estar em casa fazendo outro bebê em vez de ficar aqui fora esperando por algo que pode não acontecer—.

   —Nós já fizemos outro bebê—, Houston disse, orgulho e um grande afeto refletido em sua voz.

   Dallas se virou para frente para poder ver o rosto do irmão banhado pelo luar. Apesar da grande quantidade de cicatrizes do lado esquerdo do rosto e do olho coberto com um tapa olho preto, Houston parecia um homem que tinha realizado todos os sonhos que tinha ousado sonhar. Dallas às vezes o invejava, especialmente porque ele tinha realizado tudo isso roubando a esposa dele.

   —Quando isto aconteceu?—, Dallas perguntou.

   Houston puxou a borda do chapéu. —Droga, eu não sei. Algum dia no último mês mais ou menos, eu acho. Amelia me disse hoje à noite antes de eu sair para montar—.

   —Então Maggie May vai ter um irmãozinho ou irmãzinha—, Austin disse, um sorriso largo brilhando como os raios de luar que passavam pelas nuvens. —Você não está planejando nomear todos seus filhos com o nome do mês que eles nascerem, não é?—.

   Houston encolheu os ombros. —Eu darei a eles qualquer nome que Amelia quiser dar—.

   Dallas se debruçou de volta contra a estaca. —Eu estou muito contente de você ter tomado aquela mulher das minhas mãos. Eu não gostaria de viver minha vida ao redor uma mulher cheia de quereres—.

   —Se você amasse a Amelia tanto quanto eu amo, você gostaria disto—, Houston disse.

   Dallas teve que admitir que provavelmente iria, mas achar uma mulher que amasse essa terra habitada principalmente por vaqueiros e com nada ao redor não era uma tarefa fácil.

   Maldição, ele não conseguia achar uma mulher para casar e criar seu filho, ainda mais uma mulher para amar.

   A ausência de mulheres decentes nesta parte do West Texas era como um espinho no pé, uma dor persistente em seu coração e uma enorme barreira que o impedia de alcançar sua glória final: um filho para o qual ele pudesse passar seu legado que ele tinha trabalhado tão duro para construir em uma terra que era conhecida por suas decepções e promessas quebradas.

   Ele acreditava que a fundação de uma cidade atraísse mulheres para a área, mas Leighton estava crescendo lentamente. O banqueiro, Lester Henderson, tinha uma esposa que facilmente ocupava a largura inteira da passarela de madeira quando passeava até o armazém geral. Perry Oliver, o dono do armazém geral, era um viúvo com uma filha adorável. Dallas considerava pedir ao comerciante a mão de sua filha. Aos dezesseis, a mãe de Dallas tinha se casado com seu pai, mas Dallas não conseguia se forçar a casar com uma mulher que tinha menos da metade de sua idade. Além disso, ele tinha a suspeita de que Austin estava de olho na jovem. Por qual outro motivo seu irmão achava uma desculpa para montar até a cidade todo o santo dia para comprar alguma coisa inútil no armazém geral?

   Nem o xerife, nem o chefe da taverna, nem o médico tinham trazido mulheres com eles. A costureira da cidade, Mimi Saint Claire, era solteira, mas já tinha passado há muito dos quarenta, se é que ela tinha tido essa idade um dia.

   Resignado, Dallas chegou à conclusão, uma vez mais, de que ele precisava procurar além de sua cidade, além da pradaria, a fim de achar uma mulher que poderia dar a luz a um filho seu. Aos trinta e cinco, ele estava começando a sentir o peso dos anos. Ele precisava de um filho.

   Ele queria um filho sentado ao seu lado neste exato momento, compartilhando com ele esta noite. Ele queria contar estrelas junto com o filho. Ele precisava sentir a brisa batendo em seu rosto sabendo que quando ela não mais o tocasse—quando ele estivesse morto e enterrado—a brisa continuaria a acariciar o rosto de seu filho.

   O rio próximo fluía no ritmo dos sons da natureza: o som do acasalar dos insetos entrosados com a ocasional batida das asas de uma coruja e o uivo de um coiote à espreita. Dallas queria que seu filho ouvisse aquela canção, apreciasse a magnificência da natureza, a domasse, a possuísse. Ele imaginava seu filho de pé aqui, daqui a alguns anos, olhando para tudo que eles tinham alcançado, escutando o bater da água na orla barrenta, escutando-o—

   Clack!

   O som da quebra surgiu na noite. Dallas ficou de pé enquanto o segundo barulho veio novamente. —Eles estão ao Sul—.

   Ele e seus irmãos montaram nos cavalos com uma agilidade que vinha de anos de corrida atrás de estouros de gado. O brilho de prata da lua iluminava o caminho ao longo da extremidade do rio.

   Com um aperto firme, Dallas tirou a corda que envolvia sua sela. Ele precisou apenas de uma pequena pressão na coxa para guiar o garanhão que o tinha ajudado a levar o rebanho para o norte. Quando as sombras de três homens emergiram da escuridão, o cavalo não hesitou.

   O mais alto dos homens pegou sua arma de fogo enquanto os dois outros subiam em seus cavalos. Dallas ouviu seus gritos e berros. Cavalos bufaram, relincharam e se empinaram, os cascos balançando pelo ar.

   Levantando o braço, Dallas girou o pulso e jogou um laço que girou pelo ar mormacento e pegou Boyd McQueen. Dallas puxou a corda com força. A arma de fogo voou da mão de McQueen enquanto ele tropeçava e caía no chão. Sem vacilar, Dallas segurou a ponta da corda em torno do chifre da sela, bateu o solado das botas contra os lados de seu cavalo, e galopou em direção ao rio pequeno.

   Dallas deu uma olhada rápida por cima do ombro. O luar refletia o rosto bravo de Boyd McQueen. Dallas ficou satisfeito com a fúria que viu e levou seu cavalo até a água rasa que mais se assemelhava a um riacho do que um rio.

   —Maldito Leigh!—, McQueen gritou antes do cavalo parar no centro do fluxo.

   A água respingou nas pernas de Dallas. Ele olhou para trás para se certificar de que a cabeça de McQueen estava acima da superfície. Ele não queria que o homem se afogasse, mas ele tinha a intenção de dar a ele um passeio desagradável.

   Dallas ouviu o eco de três tiros rápidos. Não houve nenhum tiro em resposta. O silêncio tímido que se seguiu era uma advertência.

   Dallas parou o cavalo cambaleantemente. Seus irmãos não tinham ido atrás deles. Mais três tiros ecoaram.

   Gemendo, McQueen lutou para ficar de pé, dizendo obscenidades que Dallas não esperou até que ele terminasse. Soltando a corda do chifre da sela, ele persuadiu seu cavalo até a cerca.

   Um tremor de alarme deslizou através de sua espinha quando ele viu as silhuetas de dois homens ficando de pé e um homem se ajoelhando. Ele desmontou antes que seu cavalo parasse.

   Ele ficou de joelhos ao lado do homem estirado no chão. —O que aconteceu?—, Dallas perguntou.

   —Austin levou um tiro de Boyd, e não parece bem—, Houston disse.

 

—Onde diabos está o maldito médico?—, Dallas rosnou enquanto olhava fixamente através da janela do quarto. Ele tinha enviado seu capataz até a cidade para buscar o médico, mas isso tinha sido há duas horas.

   —Ele virá—, Amelia disse suavemente. Enquanto Dallas trazia Austin para casa, sem a ajuda dos irmãos McQueen, Houston tinha montado até sua casa para ir buscar sua esposa e filha. Com a inocência de criança, Maggie tinha imaginado que sua ida até a casa do tio no meio da noite era uma aventura.

   Dallas se aproximou sorrateiramente da cama onde seu irmão estava deitado, os olhos fechados, a respiração rasa. Ele viu Amelia passar um pano úmido no rosto de Austin. Ela estancou o fluxo de sangue, mas eles precisavam de um médico para remover a bala do ombro de Austin. Ela não tinha saído, então Dallas sabia que ela deveria estar alojada no osso. Ele tinha sorte de a bala não ter entrado um pouco mais embaixo e ido até o coração. —Ele parece muito pálido—.

   Amelia ergueu o olhar e encontrou o dele. Ela tinha os olhos verdes mais bonitos que ele já tinha visto. Ele se lembrou de um tempo quando ele tinha pensado que poderia facilmente se apaixonar por aqueles olhos. Talvez ele tivesse se apaixonado.

   —Eu não acho que está tão ruim quanto à vez que Houston foi baleado—, ela disse tranquilamente.

   —Eu me sentiria muito melhor se ele acordasse—.

   Ela retornou a sua tarefa de correr o pano por sobre a testa de Austin. —Ele só sentiria dor—.

   Melhor a dor do que morte. Dallas deu uma olhada rápida para Houston que se sentava em uma cadeira próxima, mantendo sua vigília muda, a filha no colo, adormecida.

   —Você acha que eu deveria ter lidado de uma forma diferente—, Dallas disse.

   —Não faz nenhum sentido para mim você ter construído uma cidade, contratado um xerife, e não o ter chamado quando tem um problema—.

   —Eu o contratei para proteger os cidadãos. Eu posso lidar com os meus problemas—.

   —Você não pode fazer as duas coisas, Dallas. Se você trás a lei aqui, então você não pode criar sua própria lei—.

   —Eu posso fazer qualquer droga que quiser. É a minha terra. McQueen vai aprender a ficar fora dela, e eu mesmo o ensinarei uma lição—.

   —Mas a que custo?—.

   As palavras ecoaram com uma preocupação visível. Dallas voltou sua atenção para o irmão ferido. —Por que você não coloca sua filha na minha cama?—, ele sugeriu tranquilamente para Houston.

   —Eu farei isto—, Houston respondeu enquanto facilmente ficava de pé sem despertar Maggie. Ele caminhou pelo quarto.

   Dallas colocou a mão firmemente na cabeceira da cama, procurando por respostas para seu dilema. Os McQueens tinham se mudado para a região há três anos atrás, achando que tinham comprado a terra que ficava dos dois lados do rio. Dallas suspeitava que a pessoa que tinha vendido a terra para eles tinha sido um grileiro. Grilagem tinha se tornado algo comum depois da guerra. Um homem comprava um pedaço de terra e o estendia até os limites que quisesse, frequentemente colocando um anúncio no jornal para validar sua reivindicação. Embora a prática normalmente funcionasse, o anúncio não tinha embasamento legal. Dallas tinha arquivado todas as reivindicações de terra em seu escritório de todos os acres de terra que ele possuía. Infelizmente, os McQueens pareciam acreditar—como tantos outros rancheiros—que uma arma de fogo falava mais alto do que a lei. Eles tinham se recusado a reconhecer o tamanho das terras de Dallas e tinham descaradamente levado seus limites além de sua área de direito e avançado sua cerca por sobre a de Dallas.

   Ele não teria se importado de compartilhar sua água ou sua grama se ele não precisasse deles para controlar a procriação do gado para que assim ele pudesse melhorar a qualidade da carne de boi que suas vacas produziam.

   Ele tinha começado a colocar a cerca de arame farpado. Se os McQueens a tivessem aceitado, Dallas teria deixado uma porção do rio aberto para eles. Mas eles tinham derrubado a cerca antes que os homens de Dallas a tivessem completado. Irritante, mas inofensivo. Dallas visitou Angus McQueen e exigiu que ele mantivesse seus filhos presos. Então Dallas tinha ordenado que seus homens terminassem de construir a cerca e a estendessem além do rio.

   Dois meses antes, os filhos de Angus McQueen novamente tinham destruído uma parte da cerca, cortado o arame, queimado as estacas e matado quase quarenta vacas, quase à beira de parirem. Dallas deu a Angus McQueen uma conta dos danos e o homem se recusou a pagar porque Dallas não podia provar que seus filhos tinham derrubado a cerca e assassinado o gado.

   Dallas certamente podia provar que os McQueens tinham cortado seu arame esta noite, mas como Houston tinha dito——a que custo?—.

   Dallas manteve seus pensamentos em silêncio enquanto Houston retornava ao quarto e recomeçava sua vigília na cadeira ao lado da cama.

   Dallas virou o olhar quando passos suaves soaram ao longo do corredor. Alívio o percorreu quando o Dr. Freeman entrou no quarto. O homem alto e magro o olhou como se estivesse entrando no portal da morte. Os ossos dele estalavam enquanto ele cruzava o quarto sem dizer uma palavra. Ele deixou sua maleta preta na mesa ao lado da cama e começou a examinar o ferimento de Austin.

   —Onde diabos você estava?—, Dallas exigiu saber.

   —Tive que cuidar do braço de Boyd McQueen—. Dr. Freeman deu uma olhada rápida por cima do ombro para Dallas e levantou uma sobrancelha branca e fina, os olhos, cinzas como aço, acusando. —Boyd disse que você quebrou o braço dele—.

   Duas emoções opostas trespassaram o estômago de Dallas: a ira porque McQueen tinha egoistamente utilizado o médico para atender as suas necessidades, sabendo desde o princípio que sua bala tinha ferido Austin; E a culpa por ele não ter percebido que tinha quebrado o braço de Boyd quando o tinha arrastado pelo rio.

   —McQueen disse a você que ele atirou em Austin?—.

   Dr. Freeman suspirou. —Não, eu não sabia dessa informação até que eu retornei para casa e achei seu capataz me esperando—. Balançando a cabeça, ele começou a cutucar os dedos ao redor da ferida de Austin. —Você e os McQueens precisam acabar com suas diferenças antes que esta área inteira estoure em uma guerra fora de controle—.

   —O senhor McQueen vai ficar bem?—, Amelia perguntou.

   —Sim, madame. Foi uma fratura limpa, e eu o deixei aos cuidados da irmã—.

   Dallas olhou fixamente para o médico como se ele tivesse falado em um idioma estrangeiro. —Irmã? Boyd McQueen tem uma irmã?—.

   —Tem. Uma pequena e tímida—, Dr. Freeman disse distraidamente enquanto abria sua mala preta. —Ouvi que ela passou a maior parte dos anos cuidando da mãe doente. Acredito que ela gastou tanto tempo sendo forçado a ficar em casa que ela só pensou em sair agora que está crescida—.

   —Crescida, quanto?—, Dallas perguntou.

   —O quê?—.

   —Quero dizer, que idade ela tem?—.

   —Vinte e seis—.

   —Vinte e seis?—, Dallas repetiu.

   Dr. Freeman se virou e encarou Dallas. —Eu preciso verificar sua audição antes de partir?—.

   —Eu apenas não sabia que McQueen tinha uma irmã—.

   —Bem, agora você já sabe. Vá pegar um pouco mais de lamparinas e lamparinas para que assim eu possa ter luz suficiente para tirar esta bala—.

   Algumas horas depois Dallas olhava o irmão mais jovem dormindo, o ombro envolvido em bandagens. Dr. Freeman assegurou Dallas de que Austin não corria nenhum perigo. Ele ficaria dolorido, fraco e ranzinza mas sobreviveria. Ainda assim, Dallas decidiu que se sentiria muito mais confiante com o diagnóstico do médico assim que Austin acordasse.

   Dallas percebeu que Houston tinha as mesmas preocupações. Houston tinha convencido Amelia a dormir com Maggie enquanto ele se sentava no lado oposto da cama, nunca tirando os olhos de Austin.

   Quando os suaves raios de sol entravam no quarto com o amanhecer, Austin lentamente abriu os olhos. Com um gemido baixo, ele fez careta. Dallas se curvou para frente. —Está sentindo muita dor?—.

—Aquele bastardo desprezível atirou no meu ombro—, Austin falou rouco. —Como eu vou tocar meu violino?—.

   —Você achará um jeito—, Dallas o assegurou.

   —Quando… eu estiver forte o suficiente… nós vamos escorraçar eles de suas terras—. Os olhos de Austin se fecharam.

   —Dallas?—.

   Dallas encontrou o olhar incomodado de Houston.

   —Dallas, você tem que fazer algo para parar com esta rixa. Dr. Freeman está certo. Da próxima vez, nós podemos não ter tanta sorte, e eu não quero que a minha família seja envolvida—. Houston se mexeu desconfortável na cadeira. —Eu não vou envolver minha família. Se eu tiver que escolher——.

   —Você não terá que escolher. Eu tenho pensado na situação, e eu acho que tenho uma solução para o nosso problema. Eu farei uma reunião com Angus McQueen e verei se nós conseguiremos fazer algum tipo de acordo—.

   —Bom—. Houston ficou de pé, colocou as mãos contra as costas, e a esticou para trás. —Eu vou dormir um pouco—. Ele começou a caminhar pelo quarto.

   —Houston?—.

   Houston parou e se virou.

   Dallas pesou as palavras. —Você acha que a irmã do McQueen é tão perigosa quanto ele?—.

   —Que diferença faz?—, Houston perguntou.

   Dallas deu uma olhada rápida para o rosto pálido de Austin. —Nenhuma diferença. Nenhuma mesmo—.

 

—Por Deus, você não tem esse direito!—, Angus berrou.

Inclinando para trás, Dallas apoiou os cotovelos nos braços de madeira da cadeira de couro. Ele estalou os dedos longos e os apertou contra os lábios tensos. Estreitando os olhos marrons escuros, ele encarou a saliva que tinha voado da boca de McQueen e caído sobre a extremidade de sua escrivaninha de mogno. Ele a imaginava escorrendo ao longo da frente de sua escrivaninha como uma lesma saindo para a noite cobrindo a terra com sua gosma.

   Lentamente, ele levantou os olhos e os virou para seu adversário. —Eu tenho todo o direito de cercar a minha terra—, ele disse calmamente.

   —Mas você cercou o rio!—.

   —Está nas minhas terras. Qualquer rancheiro de reputação me apoiaria. Nenhum me culparia por enforcar seus filhos na árvore mais próxima. Nós temos um código que não escrito mas a maioria dos boiadeiros honram. Uma vez que um homem tem uma reivindicação válida para um rio ou um poço, outro vaqueiro ficará a pelos menos quarenta quilômetros de distância—com ou sem uma cerca. Ninguém questionaria o meu direito de colocar a cerca de volta ainda mais adiante, mas eu cortesmente deixei vários quilômetros abertos para seu gado pastar—.

   —Para nos insultar. Eu não preciso de campo, seu maldito! Eu preciso de água!—.

   —Você tem riachos e rios em sua terra—.

   —Não tenho nada além de riachos secos—.

   Dallas moveu a cabeça em simpatia. —Eu não posso fazer nada se a natureza escolheu secar sua água e deixar a minha fluir, mas eu não me desfaço das minhas coisas tão facilmente—.

   O rosto de McQueen se tornou apenas uma máscara vermelha. Dallas achou que o homem poderia ter um ataque apoplético a qualquer momento no escritório. Então Dallas nunca conseguiria o que queria.

   —Facilmente—, Angus resmungou. —Você não vai se desfazer de sua água facilmente, mas você vai se desfazer por um preço. A reunião é sobre isso, não é? É por isso que você cercou o rio? É por isso que você cercou a água? Não é o suficiente você ter roubado a minha terra?—.

   —Eu possuo aquela terra desde 1868—.

   Angus bufou. —Isso é o que você diz—.

   —A lei me garante isso—, Dallas o lembrou.

   Angus soltou um suspiro forte. —Então bote preço na sua água, e eu pagarei. O que você quer? Dinheiro? Gado? Mais terra?—.

   Dallas colocou as mãos no colo, os dedos da mão direita afagando a manivela de marfim da arma de fogo amarrada com uma correia contra sua coxa. Ele deveria ter insistido que esta reunião fosse feita sem armas.

   —Eu tenho dinheiro. Eu tenho gado. Eu tenho terra. Eu quero algo que não tenho. Algo precioso como à água fresca. Algo bonito como a água do rio que corre—. Esperando um momento para que suas palavras ecoassem dentro da cabeça de McQueen, ele apertou a mão em volta da arma de fogo. —Algo puro como o sol que brilha sobre a água—.

   Angus agitou a cabeça. —Você está falando em enigmas. Eu não tenho nada assim tão puro, precioso ou bonito—.

   —Eu ouvi dizer que você tem uma filha—, Dallas disse, desejando que não tivesse havido a necessidade de ser tão direto.

   As rugas da testa de McQueen afundaram. —Sim, eu tenho uma filha, mas eu não vejo o que isso tem a ver com este assunto—.

   Dallas estava começando a se questionar se tinha sido inteligente ter essa reunião com Angus, perguntando-se se poderia ter sido melhor discutir os pormenores de seu acordo com Boyd. —Talvez você não tenha notado mas mulheres são escassas. Eu preciso de um es——.

   —Meu Deus! Você não pode estar falando sério!— McQueen gritou, os olhos saltando das órbitas.

   —Eu estou falando sério—.

   Angus afundou na cadeira. —Você me dará acesso a sua água se eu te der a mão da minha filha?—.

   Com uma velocidade que Dallas nunca tinha esperado de um homem gorducho, Angus se levantou deu a volta na escrivaninha e agarrou sua camisa. Dallas tirou a arma de fogo de seu coldre e a encostou nas dobras do pescoço de Angus, mas o homem estava, aparentemente, muito bravo para notar. Saliva voou no rosto de Dallas.

   —Eu te verei morto primeiro—, Angus rosnou.

   —Isso não te dará água—, Dallas disse com uma voz neutra.

   —Eu não te darei minha filha como uma prostituta!—.

   —Eu não a quero como uma prostituta. Eu a quero como minha esposa—.

   Angus McQueen piscou. —Você quer se casar com ela?—.

   —Existe alguma razão para que eu não devesse?—.

   Angus se sentou na cadeira. —Você quer se casar com Cordelia?—.

   Cordelia? Ele iria puxar sua cerca por uma mulher chamada Cordelia? Onde diabos McQueen tinha achado aquele nome?

   —Você nem a conhece—, McQueen disse.

   Dallas se debruçou para frente. —Olhe, McQueen, nós já estamos discutido por causa daquela faixa de terra por três anos. A lei diz que ela é minha e me dá o direito de cercá-la e protegê-la como minha. Seus filhos mataram meu gado——.

   —Você não pode provar isto——.

   —Duas noites atrás, eles quase mataram meu irmão. Eu fui para guerra quando tinha quatorze anos. Eu lutei contra Yankees, índios, renegados, bandidos e agora eu estou lutando contra os meus vizinhos—. Dallas afundou em sua cadeira. —Eu estou cansado de lutar. Angus, eu preciso de um filho para quem eu possa passar meu legado. Eu preciso de uma esposa que me dê um herdeiro legítimo. As escolhas aqui são escassas——.

   Angus se levantou da cadeira e bateu um punho na escrivaninha. —As escolhas são poucas? Se eu fosse dez anos mais jovens eu bateria em você por fazer pouco caso da minha filha—.

   —Eu penso com muito respeito nela porque eu respeito o pai dela. Nós estamos trabalhando duro para construir um império nessa terra deserta, e nós estamos à beira de destruir tudo que conseguimos. O arame farpado é parte do futuro. Eu o ponho, você o derruba. Eu vou continuar colocando ele—. Ele respirou fundo, pronto para jogar sua cartada final. —Mas amanhã ao amanhecer, eu darei ordens aos meus homens para atirar para matar em qualquer um que ouse tocar no meu arame ou tente violar a minha terra—.

   —Você é um filho de uma puta—, Angus rosnou.

   —Talvez, mas eu depositei meu coração e minha alma neste rancho. Eu não vou deixar você destruí-lo. Casar com sua filha nos dará um laço em comum—.

   —Você nem a conhece—, Angus repetiu, curvando a cabeça. —Ela é——.

   Dallas teve um pressentimento ruim. —Ela é o que?—.

   —Delicada, frágil, assim como a mãe—. Ele ergueu o olhar. —Eu estou sendo honesto em dizer que não sei se ela vai conseguir sobreviver se ela se casar com você—.

   —Eu nunca a machucaria. Eu te dou a minha palavra quanto a isto—.

   Angus caminhou até a janela. Através do vidro, a terra se estendia infinitamente. —Você vai puxar sua cerca para trás?—.

   —Na manhã seguinte do nosso casamento—.

   Angus concordou com a cabeça devagar. —Transfera por escritura a terra que corre quarenta quilômetros de ambos os lados do rio para mim, e eu a colocarei no porão da sua casa amanhã à tarde—.

   Maldição! Dallas se perguntou se Angus tinha lido o desespero em sua voz ou em seus olhos. De qualquer modo, Dallas tinha perdido sua vantagem, e olhava fixamente para o queixo firme e os olhos brilhantes de seu vizinho, ele sabia que Angus tinha percebido que estava com vantagem sobre ele. —Quando ela me der um filho, eu transferirei por escritura a terra para você—.

   Angus apontou o dedo indicador para ele. —Toda a terra que eu acreditei que possuía quando vim para cá—.

   —Todo o acre—.

   —Você está doido?—, Houston rugiu.

   Lutando para não se envergonhar, Dallas olhou fixamente para as chamas que se retorciam na lareira. Houston, acima de qualquer outra pessoa, devia entender o desejo de seu irmão de ter uma esposa. Droga, ele tinha tomado a esposa dele. Houston podia pelo menos apoiar Dallas na sua busca de uma substituta.

   —Talvez eu esteja, mas a cidade que nós estamos batalhando para construir não trouxe mulheres para cá. Mulheres disponíveis, digamos—.

   —Você nem a conhece!—.

   Dallas se virou e encontrou o olhar do irmão. —Eu não conhecia Amelia quando me casei com ela—.

   —Você a conhecia muito melhor do que a filha de Angus. Pelo menos vocês tinham escrito cartas um para o outro. O que diabos você sabe sobre esta mulher?—.

   —Ela tem vinte e seis anos… é delicada—.

   —Do que eu ouvir, não creio que ela tenha muito coisa para se olhar—.

   Dallas virou a cabeça e olhou fixamente para Austin. Ele se sentou em uma cadeira e ao roçar o ombro, o rosto ficou marcado de dor.

   —O que você ouviu?—, Dallas perguntou.

   —Cameron McQueen me disse que ela não tem um nariz—.

   —O que você quer dizer com ‘ela não tem um nariz’?—.

   Austin ergueu o ombro sadio. —Ele disse que índios o cortaram. Quase tinha partido o coração dela então o pai fez um de cera para ela. Ele tirou o arame de algum óculos e enganchou a cera nele para que assim ela tivesse um nariz para usar… como alguém que usa óculos—.

O estômago de Dallas se revirou. Por que Angus não tinha revelado aquele defeito de sua filha? Porque ele não queria perder a chance de obter água e terra. Ele imaginava os homens de McQueen rindo dele a essa hora.

   —Desfaça o acordo—, Houston disse.

   —Não. Eu dei a minha palavra, e, por Deus, eu vou mantê-la—.

   —Pelo menos vá encontra——.

   Dallas cortou o ar com a mão. —Não faz nenhuma diferença para mim. Eu quero um filho, maldição! Ela não precisa de um nariz para me dar um filho—.

   Houston pegou o chapéu de uma mesa próxima e o enfiou na cabeça cobrindo até a sobrancelha. —Sabe, até este momento, eu sempre tinha me culpado por ter tomado Amelia de você. Agora, eu estou incrivelmente feliz por ter feito isso. Ela era um presente que você nunca teria aprendido a apreciar—.

   —Que diabos você quer dizer com isso?—, Dallas perguntou.

   —Quer dizer que apesar de todo o império que você está construindo, irmão, você nunca será um homem rico—.

 

Era o dever de uma mulher viver na sombra dos homens.

Cordelia McQueen conhecia essa verdade desgraçada e entendia suas implicações muito bem.

Com as mãos dobradas recatadamente sobre o colo, ela olhou pela janela em direção ao horizonte onde o sol corajosamente se punha. Ela nunca tinha culpado sua mãe por querer correr em direção ao azul e as cores majestosas que desfilavam através do céu. Sua mãe chamava isto de aventura, mas, mesmo aos doze anos, Cordelia sabia o que isto era para ela: uma fuga.

   Sua mãe tinha dado a ela uma bolsa e dito a Cordelia e Cameron que empacotassem suas coisas mais preciosas. Ela tinha explicado que Boyd e Duncan eram muito velhos para fazer a jornada, e que Cordelia e Cameron eram muito jovens para ficar para trás.

   Elas estavam descendo quando o pai dela marchou degraus acima, o rosto cheio de fúria.

   Cordelia puxou Cameron para um canto afastado, escondeu o rosto dele com seus ombros enquanto o pai berrava e delirava dizendo que Joe Armstrong não levaria sua esposa—e propriedade—a lugar algum.

   O horror cobriu o rosto de sua mãe. Ela se virou e foi até os degraus, e o pai dela empurrou-a para trás. —É isso mesmo! Eu sei! Eu sei de tudo!—, ele deu um tapa no rosto dela e a empurrou degraus abaixo.

   O grito da mãe ecoava claramente na mente de Cordelia como se ela o tivesse ouvido ainda esta tarde. Por dez longos anos ela tinha cuidado da mulher que um dia tinha cuidado dela. A queda acidental—como o pai dela dizia—tinha deixado sua mãe inválida, com olhos desolados presos em um corpo imóvel, os pensamentos presos em uma boca que não podia mais falar. Só quando os olhos dela se enchiam com lágrimas, Cordelia tinha a certeza de que sua mãe vivia dentro de uma concha murcha que a mantinha prisioneira.

   Sua mãe simplesmente tinha trocado uma prisão por outra, e agora parecia que Cordelia iria fazer o mesmo.

   —Maldito, pai! Existem outros jeitos de conseguir a água que precisamos—, Cameron disse. Seis anos mais jovens do que Cordelia, Cameron sempre tinha sido seu irmão favorito. Frequentemente o cabelo loiro e os olhos azuis dele lembravam-a do capataz que tinha desaparecido no dia em que sua mãe tinha sido ferida. —Você não tem que dar a Cordelia para aquele homem!—.

   Aquele homem. Cordelia só tinha visto Dallas Leigh uma vez, e só de longe. Ele era mais alto do que ela, mais largo do que ela, e, quando ele tinha anunciado que a terra que ele tinha isolado seria usada para construir uma cidade, o vento tinha sido cortês o suficiente para carregar sua voz profunda para todos os lados ao redor dele. Ela não achava que ele era um homem de se contentar com menos.

   Agora ele estava exigindo que ela se tornasse sua esposa. O pensamento deixava-a apavorada.

   —Este assunto não está aberto a discussões, Cameron—, Boyd disse. Como um guardião alto, ele estava de pé atrás da cadeira do pai. Desde que eles tinham se mudado para o Texas depois da morte de sua mãe no Kansas, a saúde de seu pai tinha caído consideravelmente. Dentro da família, Boyd descaradamente mantinha o poder. Só seu amor e respeito pelo pai permitiam que ele deixasse que estranhos pensassem que seu pai permanecia no comando.

   —Quando eu quiser a sua opinião em um assunto, Cameron, eu pedirei—, o pai disse.

   —Eu só estou dizendo——.

   —Eu sei o que você está dizendo, e eu não estou interessado em ouvir. Eu já dei minha palavra—.

   —Bem, você não estará voltando com a sua palavra se acontecer de ele morrer hoje à noite, e nós certamente podemos organizar isto—, Duncan disse.

   Cordelia mantinha o olhar focado nos matizes rosa que iam além do horizonte. Ela não tinha nenhuma vontade de ver a profundidade do ódio deles por este homem. Ela tinha visto um ódio tão profundo assim antes quando o pai dela tinha confrontado sua mãe. Ela não conhecia um jeito de pará-lo. Como uma criança, ela tinha se escondido dele num canto escuro.

   Como mulher, ela tinha o forte desejo de se esconder novamente, em seu quarto, afundada em um de seus livros. Ela temia que Duncan não estivesse com um humor para gracejo. Como o pai deles continuava em silêncio, ela ficou preocupada que ele pensasse que assassinato poderia ser algo bom.

   —Matando ele não nos trará água!—, o pai finalmente berrou. —Esse que é o problema todo. Água!—.

   —Leigh não vai tratá-la melhor do que uma prostituta!—, Duncan rugiu.

   Vacilando, Cordelia apertou as mãos que estavam no colo. Ela odiava o ódio e a ira, odiava o modo como elas tinham transformado os rostos que ela amou—pois ela tinha amado os irmãos—em rostos que ela temia.

—Cordelia, vá para seu quarto. Seus irmãos e eu obviamente temos alguns detalhes a discutir—, o pai dela ganiu.

   Ela ficou de pé, as mãos doendo por causa da pressão dos dedos apertados. Ela pensou em chorar. Ela pensou em ficar de joelhos e suplicar, mas ela tinha aprendido há muito tempo que quando seu pai e Boyd decidiam alguma coisa, nada os faziam mudar de idéia. Ela salvou o pouco de orgulho que ainda restava, levantou o queixo, e encontrou os olhos do pai. —Pai, eu não tenho oposição a este casamento—.

   Cameron olhou para ela como se ela tivesse atirado nele. —Você não pode estar falando sério—.

   Ela deu um passo cauteloso para frente. —Tente entender. O sonho do nosso pai é criar gado, e você sempre fez parte disto. Eu apenas fui capaz de assistir da janela. Agora, eu tenho uma oportunidade de ser parte do sonho dele. Eu sou o meio pelo qual ele pode ganhar a água que precisa—.

   —Você não tem nenhuma idéia do que acontece entre um homem e uma mulher, Cordelia—, Cameron disse com a voz baixa. Ele detestava a violência tanto quanto ela, e ela sabia que ele seguia as ordens de Boyd para que seus irmãos nunca questionassem sua virilidade.

   Ela olhou para o pai, lembrando de quando tinha seis anos e um pesadelo que a tinha feito correr até o quarto dos pais. A mãe dela estava chorando. O pai falava como um porco grunhindo que tinha sido jogado no curral. Ele tinha xingado sua mãe de uma puta maldita e fria, e embora Cordelia não soubesse o significado das palavras no momento, a força com que seu pai as tinha cuspido tinha ficado gravada em sua mente. —Eu sei, Cameron—, ela disse tranquilamente.

   —Então você devia entender porquê Duncan e eu nos opostos a isso. Dallas Leigh nos odeia, e ele não terá nenhuma clemência com você—.

   —Com certeza, ele não seria tão cruel—.

   —Então por que sua primeira esposa o deixou uma semana após o casamento?—, Duncan perguntou.

   Ele ficou de pé como um pilar de força, observando-a como se ele esperasse que ela realmente soubesse a resposta. Cabelos escuros, olhos escuros, apenas o seu temperamento normalmente tranquilo era o que o distinguia de Boyd.

   —Eu quero fazer isto—, ela mentiu, para o bem de Cameron e sua paz de espírito e para mais ninguém.

   O pai bateu as mãos na mesa. —Então, por Deus, está feito—.

 

Desde que conseguia se lembrar, Cordelia sempre quis ser um homem, apreciar as liberdades que ser um homem trás. Ela puxou a cortina da pequena janela de sua carroça e olhou vagamente a terra plana. Entender como alguém podia julgar este lugar desolado como um paraíso estava além de sua compreensão. Por que homens lutavam para possuir esta terra era incompreensível para ela.

   Mas eles tinham lutado. O braço quebrado de Boyd servia como uma prova das batalhas, e hoje à noite o homem que tinha atirado em seu irmão iria para sua cama. Ela rezou para ter forças para sofrer com o toque dele em silêncio, sem lágrimas.

   Uma casa de adobe enorme surgiu. Ela podia somente olhar fixamente para a estrutura retangular assombrosa. No segundo andar , uma sacada cercava cada janela que ela podia ver. O projeto do telhado a lembrava um castelo sobre o qual que ela tinha lido uma vez.

   Montando em cavalo ao lado de sua carroça, Cameron se debruçou e tirou o chapéu de cima da sobrancelha. —Aqui é onde você viverá, Dee—.

   —Aquilo nos cantos são torres?—.

   —Sim. Ouvi dizer que foi o próprio Leigh quem projetou a casa—.

   —Talvez depois de hoje, você e Austin possam ter uma amizade um pouco mais aberta—.

   Cameron agitou a cabeça. —Não durante algum tempo. Esteja agradecida por você não estar montando aqui fora, Dee. O ódio é espesso o suficiente para fatiar com uma faca—.

   —Eu achava que o dia de hoje deveria fazer o ódio ir embora—.

   —O que você está fazendo hoje é como as ondas do oceano que lavam a orla. Não importa o quão forte sejam, apenas levam um pouco de areia para longe de cada vez—.

   Ela sorriu timidamente. —Você é um poeta, Cameron—. Ele corou como sempre fazia quando ela o elogiava.

   —Escute, Dee, Dallas me assusta como o diabo—não vou negar — mas eu tentarei achar um momento a sós com ele para pedir que ele tenha alguma gentileza com você hoje à noite—.

   Ela estendeu o braço através da janela e colocou uma mão sobre a dele que estava descansando sobre a coxa. —Ele será gentil ou não, Cameron, e eu não acho que suas palavras o mudarão, então se poupe do confronto. Eu ficarei bem—.

   Ela encostou as costas novamente no banco da carroça e colocou o véu sobre o rosto.

 

De pé na varanda dianteira, com um irmão de cada lado, Dallas assistiu a procissão se aproximar. Parecia uma procissão, como se todos os homens que trabalhavam para McQueen tivessem vindo para a formalidade.

   Tudo bem. Dallas tinha todos os seus homens aqui como também todo mundo da cidade. Ele queria testemunhas, bastante testemunhas.

   Ele até tinha conseguido localizar o pastor itinerante. O destino estava ao seu favor.

   Ele olhou com os olhos semicerrados para a carroça vermelho que viajava no centro da procissão. Ele a tinha visto uma vez antes: o dia em que ele tinha determinado qual pedaço de terra ele iria usar para construir Leighton.

   —Você acha que ela está dentro daquela carroça vermelha?—, ele perguntou.

   Austin se debruçou contra a viga. —Sim, é assim que ela viaja quando tem permissão para viajar, o que não ocorre frequentemente, de acordo com o Cameron—.

   —Se você sabia tanto sobre ela por que você não me disse que ela estava na região?—, Dallas perguntou.

   Austin encolheu os ombros. —Não achei que você iria querer uma mulher sem nariz—.

   Dallas apontou o dedo para cada um dos irmãos. —Não vá ficar olhando para ela de boca aberta. Dr. Freeman disse que ela era tímida. Essa provavelmente é a razão, então não a fique encarando—.

   —Eu dificilmente estou em posição de falar alguma coisa de uma pessoa com uma deformação—, Houston disse, passando o dedo polegar nas cicatrizes fundas que passavam na bochecha e próximas ao tapa-olho.

   Dallas moveu a cabeça e voltou sua atenção em direção à caravana. —Um nariz não é importante—. Olhos. Os olhos eram importantes. Deus, ele desejava que ela tivesse olhos bonitos.

   Os cavalos e a carroça pararam. Todos os homens sentados em suas selas os encaravam, nenhum sorriso visível.

   —Onde está seu pai?—, Dallas perguntou a Boyd McQueen.

   —Ele estava se sentindo mal esta tarde, então eu agirei no lugar dele, e eu quero uma palavra particular com você antes da formalidade—.

   —Certo—.

   Dallas viu Cameron desmontar e abrir a porta da carroça. Uma mão branca de luva deslizou pela mão bronzeada de Cameron. Uma mão esbelta. Dedos longos. Um pé coberto por uma bota branca surgiu, seguida por uma saia de seda branca, um justilho de seda de renda e um véu branco. O véu cobria seu rosto, mas, além disto, Dallas podia ver que ela tinha amarrado o cabelo preto.

   —Não fique boquiaberto—, Houston sussurrou ao lado dele, mas Dallas não conseguiu parar.

   A mulher era alta. Dr. Freeman disse que ela era —tímida e pequena—, e Dallas esperava uma mulher com o corpo de Amelia, uma mulher com altura que não passasse do meio de seu peito. Mas Cordelia McQueen era tão alta quanto os irmãos. Ele achava que o topo da cabeça bateria na ponta do nariz dele. Esbelta, tinha uma boa forma.

   Dallas respirou fundo e andou para fora da varanda. Ele notou o sutil aperto dos dedos da mulher na mão do irmão. O véu espesso escondia suas feições, mas ele achava que ela poderia ter olhos escuros. Ele conseguiria viver com uma mulher que tivesse olhos escuros. Ele podia dizer pelo leve sobressair do véu que seu pai tinha esculpido um nariz minúsculo. Ele se perguntou se o verão o derreteria quando o calor sufocante castigasse a terra. Talvez ele fizesse um nariz de madeira, pequeno como o que ela tinha de cera.

   Dallas tinha tirado o chapéu. —Senhorita McQueen, é um prazer ter você aqui—.

   —Eu espero que seja, Sr. Leigh—.

   A voz era tão suave quanto à neve caindo.

   —Eu farei de tudo ao meu alcance para que seja, senhorita McQueen. Dou minha palavra a você—.

   Era impossível dizer com o véu cobrindo seus olhos, mas ele tinha o pressentimento lá no fundo de que ela estava olhando fixamente para ele.

   —Fique aqui, Cordelia—, Boyd disse enquanto desmontava. —Preciso de alguns minutos a sós com seu futuro marido—.

   Girando, Dallas encarou Boyd. De todos os McQueens, Dallas tinha pegado antipatia no exato momento em que o caminho de Boyd e o dele tinham se cruzado pela primeira vez. —Eu acredito que o que você tem a dizer é de interesse dela, então ela virá conosco—.

   —Certo—, Boyd disse entre dentes trincados. —Nós precisaremos de um pastor como testemunha—.

   Dallas dobrou o braço e balançou sua cabeça em direção a Cordelia. —Vamos entrar?—.

   Ela deu uma olhada rápida para Cameron que deu um sorriso e um aceno com a cabeça. Então ela soltou o braço do irmão e colocou seu antebraço ao redor do braço de Dallas. Ele desejou não poder sentir pela manga de sua jaqueta que ela estava tremendo mais do que uma folha ao vento.

 

Cordelia nunca tinha visto uma casa com quartos tão sombrios. Seus passos ecoavam pelo chão de pedra enquanto eles caminhavam até o escritório de Dallas Leigh.

   Ela se perguntou se ele permitiria que ela ficasse algum tempo neste cômodo. Ela olhava com espanto do chão até o teto e para as três prateleiras nas paredes. As prateleiras vazias—exceto uma—todas iguais. Ela acreditava que todos os seus livros podiam achar um lar aqui.

   Cameron a tinha convencido de trazer apenas alguns de seus pertences caso ela decidisse não ficar. Como se ela tivesse alguma escolha no assunto. Observando o homem que se sentava atrás da escrivaninha de mogno grande, ela tinha o pressentimento de que deixá-lo não seria uma opção para ela uma vez que tivesse se tornado sua esposa.

   Assim como partir não tinha sido uma opção para sua mãe.

   Quando Dallas Leigh tirou o chapéu e as sombras retrocederam, ela ficou assombrada com a perfeição de suas feições esculpidas. Ela tentou não olhar fixamente para ele agora, mas ela parecia incapaz de parar. Um bigode preto espesso emoldurava lábios que pareciam muito suaves para pertencer a um homem.

   Ao longo dos anos, o vento e o sol tinham talhado linhas em um rosto que refletia orgulho e confiança. E possessão. Dallas Leigh era um homem que não só possuía tudo o que o cercava, mas ele possuía a si mesmo também.

   Logo ele a possuiria, da mesma maneira que seu pai tinha possuído sua mãe.

   Seus irmãos tinham se sentado nos fundos do aposento como se nenhum deles tivesse relação com o que acontecia, e ainda assim, ela estava com a impressão de que eles estavam prontos a mudar de opinião em um piscar de olhos.

   Boyd ficou na frente da escrivaninha, Cameron e Duncan estavam apenas um pouco atrás dele. Ela sempre tinha achado que os irmãos eram um pouquinho intimidantes. Mas parecia aos olhos de Dallas Leigh que eles eram apenas irritantes.

   O reverendo Preston Tucker amavelmente tinha se apresentado antes que eles entrassem no quarto. Parecendo divertido, ele estava próximo à janela que revestia a parede restante.

   Boyd retirou uma folha de jornal de dentro de sua jaqueta. —Antes de Cordelia assinar o contrato de casamento, nós queremos sua assinatura neste contrato que nós redigimos. Há nele as duas condições que meu pai impôs para dar a você a permissão de se casar com sua filha. Nós adicionamos uma terceira condição—.

   Dallas ergueu uma sobrancelha, e ela lembrava a asa de um corvo em vôo. —E essa condição, qual seria?—.

   —Se o destino for gentil o suficiente para fazê-la uma viúva, ela herdará tudo o que você possuir neste dia e tudo que vocês ganharam de hoje em diante—.

   Cordelia viu a mandíbula de Dallas se apertar. Ela não podia dizer que o culpava. A família dela tinha perdido a cabeça quando tinha pensado que ele concordaria—

   —Não é necessário nenhum papel para saber que se ela for minha esposa, tudo o que eu tenho vai para ela após a minha morte—.

   —Você não acha que aqueles dois sentados ali atrás poderão fazer objeções?—, Boyd perguntou.

   —Não se eu disser para eles não fazerem—.

   —Não é o suficiente—, Boyd disse. —Nós queremos por escrito e assinado—.

   —Minha palavra é boa o suficiente para o banco, boa o suficiente para o estado, boa o suficiente para qualquer homem que já teve que depender dela. Então é melhor que a droga da minha palavra seja o suficiente para você—.

   Cameron e Duncan lançaram olhares furtivos um para o outro. Boyd simplesmente puxou os ombros para trás. —Bem, não é bom o suficiente. Se você não assinar o documento, nós vamos para casa e Cordelia vai conosco—.

   Cordelia achava que seria difícil o suficiente construir um casamento em uma base de ódio, mas começar isto não tendo nenhuma confiança… Ela foi para frente na cadeira. —Boyd, com certeza isto não é necessário——.

   —Cale a boca, Cordelia—, Boyd rosnou.

   Cordelia encolheu contra sua cadeira enquanto Dallas Leigh colocava as mãos na escrivaninha e lentamente ficava de pé. Cameron e Duncan deram um passo para trás, e ela pensou que se lhes fosse dada escolha, eles alegremente deixariam o quarto. Ela também queria ir.

   Os olhos marrons de Dallas escureceram e ela imaginou Satanás parecendo com um anjo se ficasse ao lado desse homem quando estava consumido pela ira.

   —Nunca use esse tom de voz na minha presença quando estiver falando com uma mulher e, por Deus, nunca fale com a mulher com quem vou me casar dessa maneira—.

   —Você não vai casar com ela se não assinar o papel—, Boyd disse.

   Dallas estreitou os olhos até que eles pareciam a ponta afiada de uma faca. Ela sabia que o orgulho era o que o afastava de assinar o documento. O orgulho a impediria de se tornar sua esposa hoje.

   Cordelia ouviu o som de pés minúsculos batendo no chão e o flash de um vestido azul e cachos loiros e uma menininha entrou correndo. Segurando com firmeza um gatinho nos braços, ela correu na direção do homem de pé atrás da escrivaninha. A mulher que caminhava atrás dela estava, obviamente, ignorante do ferver de ódio e raiva que preenchia o quarto. Houston ficou de pé, mas ele parecia hesitante em interferir.

   —Ti Dalls?—, A menininha disse enquanto puxava a calça comprida de Dallas.

   Cordelia lentamente ficou de pé de sua cadeira, temerosa do bem-estar da criança, incerta do que poderia fazer para prevenir Dallas de jogar sua fúria sobre a criança.

   Então já era muito tarde.

   Ele deu uma olhada rápida para baixo, e a menina apontou o dedo na direção dele. —O gatinho me mordeu—.

   A raiva sumiu nos olhos de Dallas e virou preocupação. Sua testa se enrugou. —Ele fez isso?—.

Ela concordou com a cabeça, os cachos loiros pulando com entusiasmo.

   —Onde?—.

   Ela ficou na ponta dos pezinhos, esticando a mão. —Aqui—.

   —Ah, Maggie—, Dallas disse enquanto alcançava o bolso. —Parece mal—.

   Maggie concordou com a cabeça, embora Cordelia não pudesse ver nenhum sangue e a criança ainda tinha nos braços o animal que a tinha ferido. Dallas se ajoelhou, beijou o dedo de Maggie, e envolveu o dedo dela com o lenço, com uma bandagem quase tão grande quanto sua mão. Ela deu uma risadinha. Ele tocou um dedo na ponta do nariz dela. —Vá brincar agora—.

   Enquanto ela saía correndo através do quarto e achava conforto adicional nos braços de Houston, Dallas ficou de pé, pegou uma caneta, a imergiu no tinteiro, e rabiscou o nome no documento de Boyd. —Vamos começar logo esta porcaria—.

   Cordelia desejou que Boyd tivesse sido cortês o suficiente para não sorrir triunfantemente.

   —Eu sinto muito por ter estado do lado de fora para saudar você quando chegou—.

   Cordelia virou a cabeça na direção da voz suave. A mulher que tinha seguido a pequena menina até o quarto sorriu para ela. —Eu sou Amelia, esposa de Houston. Eu coloquei Maggie para cochilar e acabei adormecendo também. Espero que me perdoe—.

   —Não existe nada para perdoar. Eu não esperava que você estivesse aqui—.

   —Por que não?—.

   Cordelia sentiu um calor surgir em seu rosto. Ela não podia muito bem explicar por que ela não esperava que Dallas daria boas-vindas à mulher que o tinha abandonado e nem tinha imaginado que a mulher permaneceria amiga de um homem que tinha sido um marido tão ruim. —Eu só… bem, este acordo aconteceu muito depressa e eu não esperava que ninguém estivesse aqui—.

   Amelia sorriu calorosamente. —Tem todos os peões do rancho e várias pessoas da cidade, há bastante gente. Dallas gosta de fazer tudo com pompa—.

   Cordelia sentia como se um enxame de abelhas de repente tivesse invadido seu estômago. Ela esperava uma pequena formalidade, tranquila, mas parecia que seu futuro marido era um homem de preferências ousadas.

   Ela deu uma olhada rápida em direção a Dallas. Ele usava a impaciência tão facilmente quanto usaria luvas.

   Boyd estava explicando para o Reverendo Tucker que ele precisava de sua assinatura para servir como testemunha. O reverendo Tucker não parecia propenso a dar sua assinatura.

   —Maldição! Assine o papel—, Dallas disse, irritação presente em sua voz.

   O reverendo Tucker contraiu a mandíbula e lentamente movimentou a cabeça. —Se é isto o que você quer—. Ele imergiu a caneta no tinteiro. —A vingança é minha, diz o Senhor—. Com um penetrante olhar azul, ele encarou Boyd. —Mantenha isso em mente—.

 

Enquanto o Reverendo Tucker fazia a formalidade, Dallas pensava que assinar o documento tinha sido uma coisa realmente estúpida de se fazer. Boyd McQueen tinha dado a ele um caminho honrado para ele não se casar com sua irmã, e Dallas tinha sido muito teimoso em tomar esse caminho.

   Por causa dela, ele tinha desejado não ter insistido em levá-la até o escritório para que ela não tivesse testemunhado tudo o que tinha acontecido. A mão dela descansava sobre o braço dele enquanto eles ficavam de pé diante do pastor com todo mundo que eles conheciam de pé atrás deles, e ele podia sentir que ela estava tremendo mais do que antes quando eles tinham se encontrado pela primeira vez.

   Ele tinha dito ao Reverendo Tucker que usasse palavras que tinham relação com confiança, honra, respeito e evitar o amor. Ele não queria que a mulher ficasse ciente do que ela não estava recebendo.

   O reverendo Tucker tinha terminado suas observações iniciais. —Vocês dois poderiam se olhar e juntar as mãos?—, ele perguntou tranquilamente.

   Quando Dallas tomou as mãos da Cordelia, seu tremor aumentou tanto que ele achava que era quase como o chão tremendo durante um estouro de boiada.

   —Você, Cordelia Jane McQueen, aceita este homem como seu legítimo esposo, para o melhor e para o pior, na saúde ou na doença, para cuidá-lo e honrá-lo deste dia em diante?—.

   Um silêncio desceu sobre eles. Dallas resistiu ao desejo de perscrutar o véu e se assegurar de que sua noiva estava bem. Por que ela estava usando um véu? Dallas nunca tinha fechado um negócio sem olhar um homem diretamente nos olhos. Um casamento era importante da mesma maneira. Ele achava que este momento era a hora em que uma mulher não deveria protegendo seu olhar do homem.

   O silêncio ficou sufocante. Dallas estava agradecido pelo Reverendo Tucker ter falado baixo o suficiente para que só aqueles próximos pudessem ouvir. Ele estava mais agradecido por só a sua família estar por perto.

   O reverendo Tucker se debruçou para frente. —Se você aceita se casar com Dallas, apenas diga, ‘eu aceito'—.

   —Ela aceita—, Boyd disse.

   —Que droga, McQueen, deixe que ela diga isto—, Dallas rosnou.

   —Que droga de diferença faz?—, Boyd perguntou.

   —Daqui a alguns anos, poderá fazer diferença para ela—.

   O reverendo Tucker limpou a garganta. —Nós podemos evitar usar em vão o nome do Senhor na formalidade?—.

   Dallas sentia um calor subir até seu rosto. —Desculpe, reverendo. Por que você não deixar de lado essa parte de cuidar?—.

   —Isso não muda muito—, reverendo Tucker disse.

   —É o suficiente—.

   —Muito bem. —Você, Cordelia Jane McQueen, aceita este homem como seu legítimo esposo, para o melhor e para o pior, na saúde ou na doença, para honrá-lo deste dia em diante?—.

   Ela manteve o silêncio, e Dallas amaldiçoou sua natureza impaciente. Ele deveria ter usado alguns minutos para deixá-la à vontade, conversar com ela. Ele tinha estado tão preocupado em perder esta oportunidade de ter uma esposa que ele tinha se apressado sem considerar os sentimentos dela. Ele acabaria com o trato se não acreditasse que perderia o respeito de todas as pessoas de pé em sua sala de estar dianteira.

   O reverendo Tucker esfregou o lado do nariz. —Eu já conheço Dallas há cinco anos. Eu posso assegurá-la de que não será difícil honrá-lo—.

   —Eu aceito—, ela disse tranquilamente.

   Dallas teve dificuldade em não deixar o alívio brotar em seu rosto.

   O reverendo Tucker se virou para ele. —E você, Dallas Leigh, aceita esta mulher como sua legítima esposa, para o melhor e para o pior, na saúde ou na doença, para cuidá-la e honrá-la deste dia em diante?—.

   —Eu aceito—.

   —Você tem um anel?—.

   Concordando com a cabeça, Dallas alcançou o bolso e retirou o anel que um dia tinha pertencido a sua mãe, que uma vez tinha sido usado por Amelia. Desajeitadamente, ele tirou a luva que cobria a mão esquerda de Cordelia. Sua mão era quase tão branca quanto à luva… e tão fria quanto um rio no inverno. Ele tinha ouvido falar uma vez que se uma mulher tinha as mãos frias, ela tinha o coração quente. Ele se agarrou neste pensamento esperançoso enquanto deslizava o anel no dedo. —Com este anel, eu a aceito a noiva—

   Ele deu uma olhada rápida para o Reverendo Tucker. —Desculpe, reverendo, eu me adiantei—.

   Reverendo Tucker sorriu. —Está tudo bem. Nós já estivemos aqui antes, não é? Eu agora os declaro marido e mulher. Você pode beijar a noiva—.

   A boca de Dallas ficou seca, e agora seus dedos tremiam mais do que os dela enquanto ele lentamente erguia o véu dela.

   Ela tinha um queixo pequeno e atraente lábios, os mais vermelhos que ele já tinha visto. Talvez o vermelho parecesse mais brilhante porque sua pele era incrivelmente pálida, como se nunca tivesse conhecido o toque do sol. Sua boca lembrava um morango maduro, feita em um formato para atormentar um homem. Ele conseguiria viver assim.

   Ele levantou rapidamente o véu, e contra sua vontade, seu olhar foi até o nariz dela. Seu nariz minúsculo, perfeito.

   Ele estreitou os olhos e encarou Austin. A boca de Austin estava aberta. Austin virou o olhar para Cameron, que pareceu tão aturdido quanto Dallas se sentia.

   —Seu irmão tem um senso de humor estranho—, Dallas disse tranquilamente enquanto ele voltava a examinar sua nova noiva. Ela tinha olhos marrons que o lembrava um cervo que ele tinha visto uma vez. Eles tinham o formato de uma amêndoa, grandes… assustados.

   Ele odiou o medo que se refletia neles e decidiu que se ele pudesse fazê-la relaxar, se pudesse encher esse olhos com felicidade, eles seriam sua característica mais notável.

   Dallas sorriu. —Vamos ver se o seu irmão gosta do meu senso de humor—.

   Ele tinha planejado desde o princípio dar um beijo rápido e acabar a cerimônia, mas ele percebeu que às vezes as circunstâncias exigiam que se mudassem os planos. Ele decidiu então dar um beijo longo, lento, agradável, seguindo esta ordem, para que os irmãos dela se envergonhassem.

   Ele embalou o rosto dela com suas mãos grandes, abaixou a boca de encontro a dela, e descobriu o que ele já deveria saber: ela nunca tinha sido beijada. Ela enrugou os lábios como se estivesse chupando um limão.

   Ele recuou porque não desejava ensiná-la como beijar na frente da cidade inteira.

   —Senhoras e senhores—, a voz do reverendo Tucker se elevou. —Eu apresento a vocês o Senhor e Sra. Dallas Leigh—.

 

        Ela estava casada.

   Cordelia olhou fixamente para o anel largo e delicado em seu dedo. Ela não estava surpresa em descobrir que ele não se ajustava corretamente. Curvando o dedo para não deixá-lo ir embora, ela temia que sua vida nunca mais se ajustasse novamente.

   Pessoas que ela nunca tinha visto tinham se apresentado, os homens sorrindo amplamente como se sua felicidade e de seu marido não tivessem barreiras, as poucas mulheres que enxugavam as lágrimas dos olhos como se soubessem que ela estava condenada a infelicidade. Todos a chamavam de Sra. Leigh. Ela não estava confortável com o nome, mas não conseguia reunir coragem suficiente para pedir que lhe chamassem de Cordelia.

   Apertando a mão de Dallas, os homens o felicitavam. Enquanto as mulheres beijavam sua bochecha ele não tirou os olhos dela. A mente dela tinha se transformado em um quadro-negro recentemente limpado, apagado de todos os pensamentos prévios e conhecimentos compartilhados. Ela parecia incapaz de se lembrar da mais simples palavras. Ele era seu marido, e ela não tinha nenhuma idéia de como cumprir os votos que eles tinham trocado—ou como honrá-los.

   Quando sua mãe tinha ficado incapacitada, o mundo de Cordelia tinha ficado menor do que o quarto de sua mãe, apenas sua família e seus livros. Até este momento, ela não tinha percebido como ela não estava preparada para se tornar uma esposa.

   Como abutres que antecipam a respiração final de sua presa, os irmãos assistiam do outro lado da sala de estar sem mobília, os braços cruzados por sobre o peito, o olhar em Dallas como se eles estivessem esperando que ele cometesse um engano. Ela rezou para que ele não fizesse nada de errado.

   A música começou devagar a preencher o cômodo. As pessoas abriram espaço, deixando o meio do cômodo vazio. Na extremidade mais longe do círculo, um homem de cabelo branco tocava um violino.

   Dallas estendeu a mão na direção dela. —Você me honraria com uma dança?—.

   Ela ergueu o olhar para ele e abaixou depressa. —Não. Eu quero dizer… não sei dançar—.

   —Não é difícil. Eu te guiarei—.

   Ela agitou a cabeça vivamente. —Por favor, não na frente de todas estas pessoas—.

   —Dê-me a sua mão—.

   Desejando que o chão se abrisse e a tragasse, ela enrolou os dedos até que suas unhas se cravassem em suas palmas.

   —Confie em mim—, ele disse tranquilamente.

   Ela pensou ter ouvido uma pontada de desespero em sua voz, e só então ela percebeu como ele devia parecer diante dos amigos, da família— a mão estendida em direção a ela enquanto ela descaradamente a ignorava. Já que ninguém mais estava dançando, ela tinha percebido que todo mundo esperava que a noiva e o noivo dançassem primeiro, já que sem dúvida eram o centro das atenções. Sem olhar para ele, ela respirou fundo e deslizou sua mão trêmula até as dele. Fortes e grossos, seus dedos se fecharam ao redor dos dela.

   —Nós vamos para o lado de fora respirar ar fresco—, ele anunciou em uma voz autoritária enquanto se dirigia aos convidados. —Apreciem a música—.

   Cordelia temeu acabar chorando de alívio enquanto ele a guiava através da porta. Assim que ela entrou sobre a varanda, ela soltou a mão dele e caminhou para o canto mais distante. —Obrigada—.

   A música flutuava através da porta aberta, o riso e as vozes se entrosavam com suavidade. Os passos de seu marido ecoavam ao redor dela enquanto ele se aproximava. Seu marido. Deus, o que ela faria?

   —Eu suponho que seu pai tenha dito a você que eu sou um maldito bastardo—.

   Cordelia se virou, os olhos arregalados. Dallas Leigh a estudou, o rosto rindo.

   —Sim, de fato ele disse—.

   —Do que mais ele me chamou?—.

   —De ladrão—.

   Ele levantou uma sobrancelha escura como se estivesse se divertindo, e ela era incapaz de parar de olhar para o resto dele. —E um trapaceiro—.

   —Ainda assim ele deu sua bênção para esse casamento—.

   A humilhação a inundou enquanto lágrimas brotavam em seus olhos. —Porque você ofereceu a ele algo que ele dá mais valor do que eu—. Ela se virou, fechando os olhos com força, lutando contra o rio de chamas da vergonha. —Eu não estou certa de que posso te perdoar por isto—.

   —Eu não preciso do seu perdão. Você pode me odiar, não me importo, mas isso não mudará o fato de que você agora é minha esposa—.

   Ela se retorceu com o frio, com a lembrança cruel. Ele xingou severamente, e ela se perguntou se ele poderia bater nela. Com suas mãos grandes, poderosas, ele poderia infligir um dano muito grande em um espaço de tempo muito pequeno.

   —Eu não imagino que você tenha imaginado que seu casamento fosse exatamente como foi hoje—, ele disse, sua voz ressonante envolvendo-a como uma névoa do amanhecer. —Eu sinto muito—.

   Ela ousou olhar para ele. —Sente o suficiente para me deixar partir?—.

   —Não—.

   Ela não imploraria, mas, Deus querido, ela queria cair de joelhos e pedir a esse homem clemência e liberdade.

   O olhar dele foi até os lábios dela, seus olhos marrons queimavam com uma chama, uma emoção que ela não conseguia identificar. Ela não achava que ele estava bravo, mas a cautela dela aumentou.

   —Onde você aprendeu a beijar?—, ele perguntou.

   Ela passou a língua sobre os lábios que formigavam, e os olhos dele se escureceram ainda mais. —Livros. Eu leio muitos livros—.

   Ele ligeiramente movimentou a cabeça. —Eu acho que as mulheres nesses livros sempre enrugam os lábios—.

   —Sim, elas fazem—, ela respondeu, perguntando-se como ele tinha chegado a essa conclusão com sua simples declaração, apenas uma resposta depressa veio à sua mente. —Talvez nós lemos os mesmos livros—.

   —Eu duvido—, ele disse com a voz baixa. Ele embalou a bochecha dela. —Não enrugue—.

   Antes de ela poder protestar, ele cobriu sua boca com a dele. Ela não tinha notado antes quando ele a tinha beijado, mas agora ela percebeu que seus lábios eram mornos, flexíveis. Ela esperava que ele fosse tão rígido quanto os boatos que havia sobre ele.

   Seu bigode era suave, lembrava-a o pêlo de um filhote de cachorro que ela tinha criado uma vez, um filhote que Boyd tinha matado.

   Dallas lentamente esfregou seu polegar ao longo da pele tenra embaixo do queixo dela. —Relaxe seu queixo—, ele sussurrou contra sua boca, sua respiração estranhamente doce e morna que tocava a bochecha dela. Outra coisa sobre ele que ela não esperava.

   —Qu——, ela aprendeu a resposta antes que terminasse de formular a pergunta.

   Sua língua deslizada entre os seus lábios separados e valsavam no ritmo da música que ela ainda ouvia ao fundo.

   Corajoso. Forte. Como o vento antes de uma tempestade, um sopro de tempestade através do horizonte—

   —Você não conseguiu nem esperar até que seus convidados remanescentes fossem embora antes de a saborear novamente—, Boyd disse, a voz com um tom de desgosto óbvio.

   Dallas saiu do longo beijo. Mortificada, Cordelia teria andado para longe mas a mão dele apertava seu pescoço.

   Com raiva ardente dentro dos olhos, Dallas olhou para Boyd. —Eu não acho que alguém culparia um marido que roubasse um beijo de sua nova esposa—.

   —Bom, agora você sabe o que é roubar, não é?—, Boyd perguntou.

   Cordelia estava próxima o suficiente para ver as labaredas de fogo que saiam no nariz de Dallas. Ele a lembrava um touro furioso. Por um momento, quando seus lábios tinham tocado os dela, ela quase tinha esquecido que ele era o homem que sua família odiava, o homem que tinha quebrado o braço de Boyd, o homem que tinha revelado exatamente o quanto ela valia para o pai. Ela começou a tremer, sentindo frio onde momentos antes ela tinha sentido calor.

   —Por favor, deixe-me ir—, ela sussurrou, desejando que ela não soasse como um mendigo faminto disposto a se conformar com migalhas.

   Dallas olhou para ela, nenhuma raiva brilhava em seus olhos, e ela se perguntou como ele conseguia mudar as emoções tão depressa. As mãos calosas dele deslizaram para longe do pescoço dela.

   Quando ele voltou sua atenção a Boyd, a raiva o acompanhava. —Porque sua irmã merece memórias melhores do dia do casamento que nós demos a ela até agora, eu omitirei um comentário. Você quer alguma coisa?—.

   —Um momento a sós com minha irmã—.

   Dallas trocou o olhar entre os dois como se não confiasse em ambos. Cordelia não entendia porque isso a machucava.

   —Eu preciso dizer aos nossos convidados para que mudem sua comemoração para fora para que assim eles possam apreciar a carne de boi que meus homens prepararam. Se sua irmã não estiver de pé neste lugar quando eu voltar, minha cerca permanecerá onde está—.

   —Então você estaria voltando com sua palavra—. Dallas deu um passo ameaçador em direção a Boyd. Boyd vacilou.

   —De homem para homem—, Dallas disse com a voz baixa, —você sabe que eu quero mais do que palavras trocadas antes de eu puxar minha cerca para trás. Não tente me enganar com o que agora é meu direito—.

   Ele passou ao lado de Boyd e desapareceu dentro da casa. Cordelia envolveu os braços ao redor do próprio corpo e apertou as costas contra a parede de adobe fresco. —Eu não posso ficar aqui, Boyd—, ela sussurrou.

   Ele cruzou a distância pequena que os separava, os olhos duros. —Você não tem nenhuma escolha, Cordelia—.

   Ela desejava ter alguém que pusesse os braços ao redor dela, que a segurasse, confortasse, mas sua família consistida de homens que nunca se expressavam com nada além da própria voz.

   Boyd apertou os dedos em torno da grade da varanda em vez de segurar a mão trêmula dela. —Acredite ou não, eu vim aqui para conversar com você—.

   Ele parecia estar à beira de contar novidades ruins, e ela se perguntou se seu pai estava pior do que ela tinha percebido. —É o nosso pai?—, ela perguntou.

   —Não, mas já que ele não está aqui e como nossa mãe está morta, a tarefa ficou pra mim, e eu não quero que você vá para a cama de Leigh não sabendo o que esperar—.

   Um calor escaldante passou pelo corpo dela, seu coração trovejando. —Boyd——.

   —É necessário que seja dito, Cordelia, para o seu bem. Será muito mais fácil se você não tentar lutar. Apenas deite na cama, erga sua camisola, e fique o mais quieta que puder—.

   Ela apertou os olhos com força para bloquear as imagens que suas palavras traziam à mente dela. —Eu não posso fazer isto—, ela sussurrou rouca.

   —Se você não fizer, você matará o sonho do nosso pai, e provavelmente o matará junto. É isso que você quer?—.

   Ela abriu os olhos. —Nós já nos mudamos antes. Por que não nos mudamos para uma terra com mais água?—.

   —Maldição! Nós pensamos que tínhamos terra e água quando nos mudamos para cá, mas aquele bastardo com quem você se casou a roubou de nós. Agora nós temos uma chance de pegá-la de volta se você fizer seu papel—.

   Seu papel. Ela se forçou a concordar com a cabeça e se perguntou onde acharia forças.

 

Dallas decidiu que hoje estava depressa se tornando um dia em sua vida que ele preferia esquecer.

   Nada foi como ele tinha esperado.

   Apertando seu braço, sua esposa tinha falado somente quando tinham falado com ela. Ela nunca oferecia sua opinião sobre qualquer coisa, e ele não conseguia achar um modo de fazer o medo sumir de seus olhos. Tudo que ele dizia somente parecia aprofundá-lo.

   Ele amaldiçoou Boyd McQueen pelo o que ele tinha dito que tinha feito ela se apavorar.

   Ela raramente levantava o olhar para o dele, mas preferia olhar fixamente para um botão em sua camisa. Ele tinha pensado em arrancar o botão, mas percebeu que ela acharia outro para olhar. Ele não achava que seria decente para um homem de sua posição saudar os vizinhos sem os botões da camisa.

   As pessoas vagavam do lado de fora. Ele podia ouvir seu riso e o barulho de suas vozes enquanto eles andavam relaxadamente para a cozinha que ele tinha construído próximo do bangalô.

   Bastante comida e bebida os aguardavam nas mesas de madeira. Cookie continuava tocando seu violino. A meia dúzia de mulheres que vivia na área usava roupas e sapatos de sair.

   Ele viu Amelia valsar com Houston e se lembrou da primeira vez que ele a tinha visto dançar. Ela não o temia, entretanto considerando o inferno que ela tinha passado para chegar até ele, ele não achava que ela já tinha temido alguma coisa.

   Ele deu uma olhada rápida para sua esposa. Ela parecia mais nervosa do que um gato que estava fugindo de um banho.

   —Você quer algo para comer?—, ele perguntou.

   Ela olha de lado para ele rapidamente. —Não, obrigada—.

   —Algo para beber?—.

   —Não—.

   —Bem, ficar aqui de pé está me deixando louco. Deixe-me mostrar a você o local—.

   Ela concordou com a cabeça. —Certo—.

   Saindo de perto das pessoas que estavam dançando, Dallas apontou. —Essa é a casa—.

   Cordelia se perguntou se ele estava brincando com ela. Nunca tinha passado na cabeça dela que ele teria senso de humor. Ela não conseguiu pensar em nada significante para dizer. —É grande—.

   —Eu mesmo a projetei. Contratei um cara que Austin trouxe para construir a casa para mim quando Amelia… bom, alguns anos atrás—.

   Ele começou a sair andando antes que ela pudesse falar algo. Ela apertou a mão contra o braço dele para que assim ela pudesse acompanhar seus passos largos.

   —Lembra um castelo—, ela disse, procurando por qualquer coisa que a distraísse das palavras de Boyd.

   Ele encurtou os passos. —Eu suponho. Quando eu me mudei para cá, não existia nada. Eu queria algo——, ele abriu os braços como se achasse que através do gesto as palavras pudessem ganhar intensidade——glorioso—.

   Ele virou o olhar para longe dela como se estivesse envergonhado com suas palavras. —Essa é a cozinha—.

   Ele apontou para um prédio pequeno construído de pedra. Fumaça, e um odor de lenha, saíam espiralando da chaminé.

   —Durante o trabalho, o cozinheiro leva a carroça até os homens. Do contrário, ele fica aqui. Ou eles mesmos levam alguma coisa para comer. Cookie leva nossas comidas até nossas casas—.

   Ela se lembrava do nome —Cookie—. Ele era o cavalheiro que tocava o violino.

   —O bangalô. No momento, eu tenho doze homens contratados. Quando chegar a época de viajar com o gado, eu contratarei mais doze—.

   Ela desejava saber o que isso queria dizer. Ela não sabia se doze era muito. Ela não tinha nenhuma idéia de quantos homens trabalhavam para seu pai.

   —Curral, celeiro—.

   Ela caminhou com ele até que eles passaram pelo celeiro. Ele parou e moveu a cabeça em direção a uma casa de madeira. —O ferreiro trabalha lá—.

   —Dallas?—.

   Eles se viraram juntos quando o reverendo Tucker os abordou, seu casaco preto longo balançava com seus movimentos, revelando a arma de fogo que ele usava amarrada em uma correia contra a coxa.

   —Dallas, se você não tiver nenhuma necessidade adicional dos meus serviços, eu preciso voltar ao trabalho de buscar almas perdidas—.

   Dallas sorriu calorosamente, o humor que brilhava em seus olhos hipnotizava. Por um momento ele não era o homem que a família dela menosprezava, mas um homem que ela pensava que qualquer mulher ficaria feliz em chamar de marido.

   —Você pegou algo para comer?—, Dallas perguntou.

   O reverendo Tucker esfregou a mão sobre o estômago. —Tenho medo de ter comido mais do que deveria. A gula é pecado—.

   —Eu sei de pecados piores—.

   —Acredito que nós dois sabemos—, reverendo Tucker disse.

   —Sabe, reverendo, eu estava sério quando disse que iria construir uma igreja na minha cidade para você poder orar—.

   —Eu sei que você estava, e eu desejava poder aceitar sua oferta, mas eu não posso—.

   Dallas agitou a cabeça, o sorriso se alargando. —Eu imagino que nós temos muitas almas perdidas ao redor—.

   —Mas eu estou procurando por uma em particular—.

   Dallas estendeu a mão. —Então eu espero que você o ache—.

   —Ela—, reverendo Tucker disse enquanto agitava a mão de Dallas. —E acredite, eu irei. Cedo ou tarde, eu a acharei—.

   Ele acenou com a cabeça na direção de Cordelia. —Sra. Leigh, eu desejo o melhor para a senhora—.

   Cordelia invejou a liberdade que ele tinha em partir. —Obrigada, reverendo—.

   —Você se importaria se eu tiver um momento a sós com seu marido?—.

   Ela deu boas-vindas à oportunidade de escapar do lado de seu marido. Se ela pudesse achar Cameron e conversar com ele, ela sabia que ele poderia colocar os medos dela de lado. —Não, claro que não. Eu quero conversar com Cameron. Com licença—.

   Dallas assistiu sua esposa praticamente correr para longe. Ele desejava que ela não estivesse pensando em partir com Cameron.

   —As coisas parecem um pouco complicadas—, reverendo Tucker disse.

   Dallas fez um movimento rápido no ar. —Eu posso contar o número de mulheres decentes que eu conheci na minha vida com uma mão. Eu não tenho muita habilidade em conversar com elas—.

   —Você nunca pareceu ter problemas em conversar com Amelia—.

   —Até uma estaca de uma cerca pode conversar com Amelia. Ela tem um modo que faz as pessoas falarem—.

   O reverendo Tucker sorriu. —Ela faz, sim—.

   —Eu não consigo achar a palavra certa quando estou conversando com… Cordelia—. Ele fez uma careta. —Onde você acha que o pai dela conseguiu esse nome?—.

   —Jóia do mar—.

   Dallas ergueu uma sobrancelha.

   Reverendo Tucker corou. —Eu costumava ter um interesse em nomes e seus significados. Talvez ela se torne sua jóia da pradaria—.

   —Ela é bonita o suficiente para isso. Droga, ela é bonita. Eu não estava esperando por isto. Talvez seja por isso que eu fico com a língua presa quando estou ao redor dela—.

   —Às vezes você não precisa de palavras se as ações estão certas—.

   —Ainda assim, eu gostaria de conseguir falar com ela. Droga, eu darei qualquer coisa a ela para que ela me dê um filho—.

   —Você acha que é um filho o que está faltando em sua vida?—.

   —Eu sei que é—, Dallas disse com convicção.

   O reverendo Tucker olhou na direção do sol se pondo —eu costumava acreditar que sabia o que estava faltando na minha vida—. Ele sorriu tristemente. —Mas eu descobri muito tarde que estava errado—.

   —Eu não estou errado—.

   O reverendo Tucker encontrou o olhar de Dallas. —Você sabe que assinou sua sentença de morte hoje—.

   —Boyd McQueen não seria tão estúpido—.

   —Eu conheço o tipo dele. Ele é um homem sem escrúpulos. Tome cuidado—.

   —Eu sempre tomo—.

 

        Sentado com as costas contra a parede da casa, Austin assistiu o sol se pôr no horizonte. Ele levou a garrafa de uísque até a boca e tomou um momento para apreciar as chamas na sua garganta antes de passar a garrafa para o seu melhor amigo.

   Cameron pegou a garrafa e bebeu a sua parte antes de dá-la de volta para ele. —Eu não posso acreditar que você disse a Dallas a história sobre o nariz da Cordelia—.

   —Eu não sabia que você tinha mentido para mim quando eu perguntei a você por que ela nunca tinha vindo até a cidade—.

   —Eu estava só brincando com você. Eu não achei que você acreditaria—.

   Austin tomou outro gole de uísque. Todas as cores do pôr-do-sol pareciam estar correndo juntas. —Por que não? Você é meu amigo. Você não deveria mentir para mim—.

   Cameron agarrou a garrafa e deu um gole longo. Então ele passou o dorso da mão na boca. —Você sabe o que realmente me aborrece?—.

   Austin encolheu os ombros e estremeceu com a dor que saía do seu ombro. Eles já tinham terminado uma garrafa de uísque. Ele não entendia como Cameron poderia estar aborrecido com alguma coisa enquanto o mundo ao redor deles girava.

   Cameron agarrou a camisa dele, e ambos vacilaram. —De qualquer forma, ele se casou com ela—.

   Austin pegou a garrafa. —Droga, sim, ele se casou com ela. Ela poderia não ter um rosto, e ainda assim ele se casaria com ela—. Ele levantou a garrafa. —'Uma mulher não precisa de um rosto para poder ter um filho, ele poderia dizer. Isto é tudo o que ele quer. Um filho. Acredito que ele se casaria com ela mesmo que ela não tivesse uma cabeça—.

   Cameron riu. —Então ela estaria morta como uma porta—. Os olhos dele se iluminaram. —Isso rimou!—.

   —Você é um poeta, Cameron—.

   Austin virou o olhar ao redor ao ouvir uma voz feminina triste. Duas mulheres apareceram diante dele, então elas se encontraram e se fundiram virando sua mais nova irmã por casamento.

   —Ah, inferno—, ele gemeu, sentindo uma náusea em seu estômago que tinha pouco a ver com o uísque que estava dentro dele.

   —O que você está fazendo, Dee?—, Cameron perguntou, sua pronúncia não distinguindo muito bem as palavras.

   —Eu estava procurando por você. Eu desejava que não tivesse te encontrado—. Ela se virou e foi embora.

   Cameron lutou para ficar de pé. —Droga, é melhor eu… atrás dela—.

   —Será que ela ouviu tudo?—, Austin perguntou.

   Cameron concordou com a cabeça, tropeçou para o chão, e começou a roncar.

   Maldição! Austin decidiu que precisava ir atrás da irmã do seu melhor amigo e ele rapidamente percebeu que conseguiria isso apenas quando suas pernas quisessem. Enquanto isso, ele bebeu o resto da bebida fermentada. Infelizmente, as chamas na sua garganta não aliviavam a dor em seu coração.

   —Você está aí—.

   Austin ouviu uma voz mais doce do que qualquer som que seu violino poderia fazer. O crepúsculo estava diminuindo quando ele olhou com os olhos semicerrados para a menina diante dele.

   Becky Oliver. A doce Becky Oliver. Com olhos da cor de um céu de verão. O pôr-do-sol transformava seu cabelo castanho em vários tons vermelhos. Seu pai era dono do armazém geral. Austin começou a sorrir para ela e então se lembrou que ela era a razão pela qual ele estava tentando se embriagar. Ele inclinou a garrafa para trás. Duas goladas dificilmente conseguiriam satisfazê-lo.

   Ela se ajoelhou ao lado dele, e ele pôde sentir cheiro de baunilha. Ela sempre cheirava algo que ele tinha vontade de explorar com a língua.

   —Você está bravo comigo—, ela disse suavemente.

   Ele negou com a cabeça, depois concordou. —Você estava dançando com Duncan McQueen—.

   —Eu teria dançado com você, mas você não me pediu para dançar—.

   —Só tenho um braço bom—, ele disse enquanto batia no ombro e fazia careta.

   —Você podia dançar com um braço—.

   Ele agitou a cabeça. —Gosto de segurar minhas mulheres bem próximas. Preciso de dois braços para fazer isto—.

   Ela tirou a garrafa vazia do aperto dele e a colocou de lado. —Quantas mulheres você tem?—.

   Ele sorriu falsamente. —Uma. Só uma—. Ele tocou a bochecha dela. Era mais suave do que uma nuvem flutuando no céu. —Eu queria tocar meu violino para você, mas eu não posso fazer isto também—.

   Ela abaixou o olhar para o colo. —Você precisa de dois braços para me beijar?—.

   —Devo fazer isso de forma apropriada—. Ele deslizou parede abaixo. Ele merecia bater a cabeça no chão duro. Mas ela chegou mais perto, e ele descobriu sua cabeça aconchegada no colo dela, um travesseiro mais suave do que qualquer outro que ele já tivesse conhecido. Ele fechou os olhos. —Preciso te beijar de forma apropriada na primeira vez—.

   Ela passou os dedos no cabelo dele. A escuridão o envolveu. Ele moveu seu braço bom nas costas dela e prometeu a si mesmo que assim que seu ombro ficasse curado, ele a beijaria da forma adequada.

 

Cordelia queria se esconder, ficar só com seus pensamentos, sua tristeza. Ela queria estar no próprio quarto, enrolada em sua cama, com um livro no colo.

   Mas aqui, nesta casa enorme, ela não tinha nenhum quarto que pertencida somente a ela. Ela não tinha um santuário privado. Nenhum lugar para chamar de seu.

   Ela fechou a pesada porta da frente atrás de si e prendeu a respiração. Ela não ouviu nenhuma voz, nenhum passo. Todo mundo estava do lado de fora, celebrando seu casamento, um casamento que ela não queria, um casamento que as obrigações de família a tinham forçado a aceitar.

   Ela andou nas pontas dos pés corredor abaixo, repassando os passos que ela tinha feito mais cedo no mesmo dia quando tinha ido ao escritório de Dallas.

   Sem fazer barulho, ela abriu a porta e espreitou o lado de dentro. As sombras da noite começavam a surgir. Deslizando pelo cômodo, ela fechou a porta. Caminhou até a cadeira e se sentou, as pernas sobre a almofada suave.

   E deu liberdade muda para as lágrimas fluírem.

   Dallas Leigh não queria uma esposa. Ele queria um filho.

   Ela se sentia como uma égua premiada escolhida pela descendência que poderia produzir. Dallas Leigh não se importava com a aparência dela, o que ela queria, suas necessidades, seus sonhos. Ela não era a pessoa que ele queria ter ao seu lado por toda a vida. Ela era simplesmente os meios para um fim.

   Seus pensamentos se voltaram para o beijo que Dallas tinha começado na varanda. Ela se perguntou aonde esses beijos os teriam levado. Ela supôs que Boyd os interrompeu porque sabia exatamente aonde eles iriam.

   As palavras repugnante de Boyd a atingiram, apavoraram… a menos que ela guardasse a memória do beijo de Dallas. Quando ele olhou para ela, antes de beijá-la, ela se sentiu… tocada, como se as mãos dele estivessem nela quando não estavam. Talvez se ele a beijasse novamente…

   Ela afundou o rosto nas mãos. Ela não queria estar aqui. Ela não queria ser uma esposa. Ela não queria dar um filho a ele.

   Ela ouviu um barulho suave. Ficou tensa, a batida de seu coração se acelerou. Ela abaixou as mãos e olhou em torno do quarto.

   Ela estava só.

   O som veio novamente como se alguém estivesse amassando um papel. Ela ficou de pé lentamente.

   Ela ouviu um som vindo da escrivaninha, um som muito alto para ter vindo de um rato. Ela prendeu a respiração, esperando, se perguntando que tipo de animais Dallas criava, perguntando-se se ela o devia achar e deixá-lo saber se as criaturas tinham escapado.

   Outra pancada e um som de rasgo.

   Ela estudou a escrivaninha. Alguém tinha empurrado a cadeira para longe. A largura da escrivaninha quase alcançava o chão, onde ela viu um fragmento azul.

   A menininha não tinha vestido azul? Silenciosamente ela se moveu furtivamente através do quarto e olhou em torno da escrivaninha. Um minúsculo sapato preto balançava no ar, o pé se movia num ritmo de música que Cordelia não conseguia ouvir.

   Cordelia se ajoelhou e examinou o espaço onde Dallas normalmente se sentaria. A pequena menina sentava com papéis espalhados pelo colo. Seus olhos arregalados formavam enormes círculos verdes.

   Cordelia sorriu suavemente. —Oi. Você é Maggie, não é?—.

   A menina concordou com a cabeça, foi para frente e tocou o dedo minúsculo na bochecha úmida de Cordelia. —Você tá tisti?—.

   Cordelia bateu os cílios que ainda tinham lágrimas. —Não, para falar a verdade não—.

   —Sim, você tá. Eu posso fazer a tristeza ir embora—.

   —Você pode?—.

   Maggie entusiasticamente concordou com a cabeça. Ela saiu debaixo da escrivaninha e tentou abrir uma gaveta.

   Cordelia foi para mais perto dela. —Eu não acho que você devia tocar na escrivaninha do seu tio—.

   Maggie apertou o dedo contra os lábios. —Shh—. Ela retirou um embrulho e empurrou a gaveta de volta no lugar.

   Sorrindo brilhantemente, ela voltou para o lugar que estava antes e entortou o dedo. —Venha—.

   Dobrando o corpo, Cordelia tentou entrar embaixo da escrivaninha enorme, perguntando-se se tudo na vida de Dallas era grande.

   —Feche os olhos—, Maggie disse.

   —Por quê?—.

   —Ti Dalls diz isso—.

   Dallas tinha ensinado a menininha como fazer tristeza ir embora? Cordelia abaixou os cílios.

   —Abra a boca—.

   Indecisa, Cordelia obedeceu. Ela ouviu o papel crepitar. Então algo duro passou através de seus dentes e bateu na sua língua. Tinha gosto doce e amargo antes de ela cuspi-lo na mão. Ela olhou fixamente para a pastilha de limão.

   —Quando ela acabar, sua tristeza também vai—, Maggie disse. —Ti Dalls diz isso—. Ela pegou a bolsa. —Eu tô triste, também—. Ela colocou uma bala na boca e se aproximou de Cordelia.

   Abraçando a criança, Cordelia colocou o confeito de volta na boca. Ela ouviu Maggie mastigar enquanto chupava o doce.

   Ela ficou surpresa em descobrir que um pouco de sua tristeza tinha derretido e ido embora.

 

Tinha sido um erro deixar sua esposa só, entretanto parecia ser o dia dos erros.

   Depois que o reverendo Tucker o tinha deixado, Dallas tinha decidido levar os pertences dela para casa. Ela só tinha trazido um pequeno baú, e não tinha levado muito tempo para Dallas levá-lo para o quarto, mas aparentemente era tempo suficiente para perdê-la.

   A escuridão estava tomando seu lugar, e as pessoas estavam começando a se despedir. Sem sua esposa ao lado, Dallas agradeceu por eles terem vindo e se recusou a responder as perguntas que tinha visto refletidas em seus olhos.

   Quando a última carroça levando pessoas para a cidade partiu noite afora, a tensão dentro dele aumentou. Ele estava começando a acreditar que sabia como era uma corda quando estava sendo feita: esticada de forma firme e contorcida.

   Ele precisava achar sua esposa, dar a ela a oportunidade de se despedir de seus irmãos, mandá-los de volta para casa, e começar o serviço que o levaria a atingir seu sonho final.

   Ele viu Houston debruçado contra o curral e não desperdiçou tempo para cruzar o espaço que os separava.

   —Você viu minha esposa?—, ele perguntou.

   —Não—.

   —Eu levei o baú dela para o meu quarto, e agora não consigo achá-la—.

   Virando, Houston esquadrinhou a multidão que consistia nos peões do rancho. —Ela tem que estar aqui—.

   —Eu olhei em todos os lugares. Até naquela coisa ostentosa que ela viaja—.

   —Eu sei o que você está pensando. Ninguém a roubou—.

   —Mas ela poderia ter partido—.

   Houston movimentou a cabeça astutamente achando que ela provavelmente tinha. —Vamos achar Austin——.

   —Houston!—.

   Ambos se viraram com o som da voz frenética de Amelia.

   —Eu não consigo achar Maggie—, ela disse enquanto parava e cravava os dedos no braço de Houston.

   —O que você quer dizer que não a acha?— Houston perguntou, pânico visível através da voz.

   —Eu quero dizer que ela está perdida. Os homens tinham falado que iam revezar quem ia tomar conta dela, e eles acabaram se confundindo. Eu devia ter mantido o olho nela. Eu não deveria ter começado a dançar——.

   Houston se debruçou para frente e apertou sua boca contra a dela para silenciá-la. —Nós a acharemos—.

   —Mas e se——.

   —Eu sei onde ela está—, Dallas disse.

   Alívio lavou o rosto de Amelia. —Você a viu?—.

   —Não, mas eu sei onde ela gosta de se esconder. Se eu estiver certo, ela está em casa com uma grande dor de barriga—.

   Ele começou a caminhar em direção a casa, a tranquilidade de Amelia tomando mais importância do que a sua própria.

   —Você viu a minha esposa?—, ele perguntou a Amelia enquanto eles se aproximavam da casa.

   —Não desde que você a levou para caminhar. Por quê?—.

   —Eu acho que ela se foi—.

   Ele abriu a porta da frente.

   —Com certeza não foi—, Amelia disse suavemente.

   —Eu não consigo achá-la, e eu não acredito que ela esteja debaixo da minha escrivaninha com Maggie—.

   Dallas caminhou pelo corredor. Ele silenciosamente abriu a porta do escritório e olhou para dentro. Ele não queria surpreender sua sobrinha se ela estivesse com uma bala de limão na boca.

   Ele ouviu um barulho de papel e sorriu. Ele amava muito aquela menininha.

   Com Houston e Amelia seguindo seus passos, ele andou silenciosamente através do quarto e ficou de pé ao lado de sua escrivaninha até que ouviu o papel crepitar novamente, um sinal de que ela tinha terminado uma bala de limão e estava pegando outra. Ele tinha ensinado a ela a não pôr mais de uma na boca de cada vez.

   Ele foi depressa para trás da escrivaninha e ficou de cócoras. —Peguei você!—.

   Um grito penetrante ricocheteou pelo quarto. Dallas olhou fixamente para sua esposa, curvada debaixo de sua escrivaninha. Ela gritou novamente.

   Maggie gritou, as mãos minúsculas acenando freneticamente. O gatinho gemeu e passou a pata pelo ar.

   Dallas agarrou sua esposa. Recuando, gritando novamente, ela o chutou na canela. Ele grunhiu. Maggie começou a chorar. O gato fez uma pequena poça no chão.

   Houston o empurrou para o lado, e Dallas bateu o traseiro no chão.

   —Shh. Shh. Está tudo bem—, Houston arrulhou com uma voz que Dallas frequentemente ouvia quando ele tentava tranquilizar os cavalos. —Está tudo bem. Ninguém está em perigo. Ninguém vai ser machucado. Shh. Shh—.

   Maggie saiu debaixo da escrivaninha e foi para os braços de Houston. Houston a entregou para Amelia.

   Com lágrimas fluindo no rosto, Maggie olhou para Dallas com acusação nos olhos verdes —a gente tava tisti!—.

   Dallas se sentia um monstro enquanto ficava de pé. Houston estava estendendo a mão para Cordelia. —Vamos, Cordelia. Está tudo bem. Dallas não se importa de você ter chupado suas pastilhas de limão—.

   Ele viu sua esposa olhar cautelosamente por baixo da escrivaninha. Não aliviava sua consciência ver que ela tinha chorado, também. Ela permitiu que Houston a ajudasse a ficar de pé.

   —Eu sinto muito—, ela sussurrou enquanto secava as lágrimas que brilhavam em suas bochechas.

   —Foi minha culpa—, Dallas disse. —Eu não devia ter…— Ele não devia ter o quê? Tentado brincar com a sobrinha? Como diabos ele poderia saber que sua esposa tinha rastejado para de—

   Os passos dos três irmãos de Cordelia ecoaram no corredor como trovões e entraram repentinamente no quarto, Cameron com uma arma de fogo balançando no ar. —Fique longe dela, seu bastardo!—, Cameron gritou.

   —Cameron——, Cordelia começou mas Dallas levantou uma mão para silenciá-la.

   Ele se moveu em torno da escrivaninha e lentamente caminhou em direção ao irmão dela, colocando-se entre ele e os que estavam atrás da escrivaninha, já que nem Boyd nem Duncan pareciam propensos a tentar tomar a arma de Cameron.

   —Dê-me a arma de fogo, Cameron—, Dallas disse em um tom de voz baixo, calmo.

   Ele agitou a cabeça. —Eu não vou deixar você machucar minha irmã—.

   —Eu não vou machucá-la—.

   —Eu a ouvi gritar. Eu conheço o som do grito dela—.

   Ele virou a arma de fogo para o lado direito, e Dallas entrou na frente dela. —Eu a assustei—, Dallas disse. —Não acontecerá novamente—.

   Cameron se virou e uma sombra verde doentia e suor brotaram em sua testa. Dallas agarrou a arma de fogo.

   —Eu não a machucarei—, ele repetiu.

   —Dê-me sua palavra—, Cameron disse firme, o tremor na mão aumentando.

   —Eu dou minha palavra—, Dallas disse enquanto pegava a arma de fogo da mão de Cameron.

   Cameron se virou para frente e trouxe seu jantar de volta do estômago. Enquanto os outros no quarto gemiam e faziam caretas, Dallas trincou os dentes. Maravilha. Agora ele tinha vômito e urina para limpar.

   Cordelia passou por ele e apertou os dedos na testa de Cameron. —Oh, Cameron—.

   —Eu estou bem, Dee—, ele disse, enxugando a boca com a manga da camisa e evitando o olhar de Dallas.

   Dallas encarou Boyd. —McQueen, se despeça da sua irmã, junte seus irmãos, e sumam da minha vista—.

   Cordelia olhou para ele como se ele fosse uma serpente. —Cameron não pode partir. Ele está doente—.

   —Ele pode vomitar do lado de fora tão facilmente quanto ele pode do lado de dentro—.

   —Você é insensível—, ela disse.

   —Eu estou bem agora, Dee—, Cameron repetiu. Ele estendeu a mão em direção a Dallas. —Posso ter minha arma de volta?—.

   —Eu darei para você daqui a alguns dias quando os ânimos tiverem esfriado—, Dallas disse. —Agora mesmo, seria melhor que você partisse—.

   Cameron moveu a cabeça e olhou para a irmã. —Noite, Dee—, ele passou por ela.

   —Você tem que partir?—, ela perguntou.

   —Seu marido está exigindo—, Boyd disse. —Vamos—.

   Ele girou e foi para fora, os irmãos o seguindo como cachorros com o rabo entre as pernas.

   Não era exatamente como Dallas tinha planejado terminar a noite.

   Maggie andou de leve através do quarto, e colocou suas mãos minúsculas nas coxas de Dallas, e jogou a cabeça para trás. —Nós pegamos um monte de balas—, ela disse. —Um monte—.

   Ele a ergueu nos braços. —Acabou tudo?—, ele perguntou a ela, embora ele focasse seu olhar na esposa que olhava para ele como se achasse que ele poderia machucar a criança.

   Maggie concordou com a cabeça e a deitou no ombro de Dallas. —Agora minha barriga dói—.

   —Eu não fico surpreso—. Ele olhou para o irmão. —Por que você não pega sua filha, e eu mostrarei a minha esposa o quarto dela? Então eu vou arrumar essa bagunça—.

   Ele deu a sobrinha para Houston e segurou o braço de sua esposa.

   —Sra. Leigh—, ele disse, sabendo que sua voz soava muito dura, mas foi incapaz de impedir. Ele tinha perdido uma esposa na noite do casamento. Ele não pretendia perder outra.

   Ela andou em direção a ele indecisamente como se ele tivesse dito que a levaria para a forca em vez do quarto. Os dedos dela se cravaram no antebraço dele, e, maldição, ela ainda estava trêmula.

   —Por aqui—.

   Cordelia o seguiu para fora do quarto, andou por todo corredor e subiu alguns degraus. Ele caminhou até o último quarto à direita—o quarto do canto que estava com a porta fechada.

   —Esse é o nosso quarto. Eu trouxe seu baú mais cedo, portanto, ele está esperando por você—.

   Nosso quarto. Não dela, mas deles. Ela sabia que ele desejava compartilhar o quarto com ela esta noite. —Eu sinto muito por nós termos chupado todas as suas pastilhas de limão—, ela disse tolamente, desejando que o sol nunca tivesse se posto, que a noite nunca tivesse chegado.

   —E deu certo?—.

   —Desculpe. Não entendi—.

   —Fez a tristeza ir embora?—.

   —Não completamente—.

   —Eu sinto muito ouvir isto—.

   —Eu sinto muito por ter gritado—.

   —Eu sabia que Maggie estava embaixo da minha escrivaninha. Eu não teria tentado surpreendê-la se eu soubesse que você estava lá também—.

   —Eu sinto muito por ter dito que você era insensível—.

   Um canto de sua boca se curvou para cima. —Nós podíamos, provavelmente, passar a noite toda aqui pedindo desculpas por coisas que nós dissemos ou fizemos ao longo do dia. Vamos reconhecer que nós começamos com o pé esquerdo, e vamos começar daqui—.

   Ele colocou a mão sobre a maçaneta. —As duas primeiras condições—— ela disse depressa. Ele tirou a mão da porta, endireitou o corpo e olhou para ela. Ela lambeu os lábios.

   —As duas primeiras condições que meu pai concordou foi… quais eram?—.

   —Ele não disse a você?—.

   —Ele disse que você compartilharia sua água com ele se eu casasse com você. Sem a água, ele perderia o gado—.

   —Essa foi a primeira condição. Eu prometi puxar minha cerca para trás na manhã depois que nós nos casássemos—.

   —Essa foi idéia sua?—, ela perguntou.

   —Foi minha oferta—.

   —E a segunda condição?—.

   —Quando você me der um filho, eu transferirei por escritura uma parte das minhas terras para seu pai—.

   —Isso foi idéia sua também?—.

   Ele hesitou. —Não—.

   Cordelia sentiu como se alguém tivesse tentado arrancar seu coração do peito.

   —Não há um nome para a mulher que negocia seus favores por dinheiro?—, ela perguntou.

   —Existe também um nome para uma mulher que recebe um marido. Você é minha esposa, não minha prostituta—.

   —Neste caso, Sr. Leigh, parece ser uma coisa boa. Posso ter alguns momentos sozinha?—.

   Ele concordou com a cabeça e abriu a porta do quarto. —Eu verei meu irmão e sua família e então voltarei—.

   Ela deslizou para dentro do quarto, fechou a porta, e apertou as costas contra ela.

   Seu pai conhecia os medos que ela abrigava, sabia o que ela tinha visto quando era criança. Ela ficou de pé no corredor, apavorada, quando ele finalmente tinha rolado sua mãe escada abaixo.

   Ele tinha prometido a ela que nenhum homem a tocaria. Ele tinha negociado sua promessa por um pedaço de terra, sabendo muito bem que Dallas Leigh esperava de sua esposa o que o pai tinha jurado que ela nunca teria que fazer.

 

Dallas se debruçou contra a viga de varanda e assistiu Houston colocar Maggie na parte de trás da carroça. Amelia tinha sido gentil o suficiente para ajudá-lo a limpar seu escritório. Ele desejou que ela tivesse o poder de enxugar suas dúvidas tão facilmente quanto ela tinha enxugado a poça que o gatinho tinha feito.

   Um filho era uma coisa tão terrível assim para um homem desejar?

   —Tenha uma viagem segura para casa—, ele disse.

   Houston olhou para ele. —Nós iremos—.

   —Se você precisar de qualquer coisa——.

   —Nós ficaremos bem—, Amelia disse. —Volte para sua esposa—.

   Entrando em casa, Dallas fechou a porta atrás de si. Depois de um dia cheio com convidados, a casa parecia inacreditavelmente vazia. Seus passos ecoavam através do corredor. Ele começou a subir os degraus.

   Sua esposa estava esperando por ele. Sua esposa. Ele tinha planejado dançar com ela, brindar sua felicidade e encantá-la.

   Em vez disso, ela viu deu temperamento estourar mais uma vez, e ele a assustou. Seu grito tinha sido de terror puro.

   Ele parou do lado de fora da porta do quarto. Uma luz pálida vazava até o corredor. Ela estava lá dentro esperando por ele.

   Hoje à noite ele teria alguém ao seu lado, e com alguma sorte, nove meses depois ele teria alguém em seu coração.

   Ele fez os votos para o melhor e para o pior. Ele faria tudo o que fosse possível para dar o melhor a ela, e ele viveu com o pior se tivesse que ser assim.

   Ele colocou a mão na maçaneta, a girou e descobriu que ela tinha trancado a porta.

   Por Deus, ele tinha sido desafiado em tudo hoje, e ele estava de saco cheio disto. Com uma explosão de ira que enviou o sangue rápido até suas têmporas, ele chutou a porta.

   Ela gritou e voou da cadeira que estava perto do fogo que ele tinha acendido mais cedo na lareira, levando a escova contra o peito.

   —Nunca feche a porta pra mim—, ele disse em um tom baixo e ameaçador. —Não na minha casa—.

   Ela balançou a cabeça e deu um passo para trás. —Não, não, eu não iria. Eu sei do meu dever. Eu… estava apenas me preparando para você—.

   O dever dela. As palavras soaram incrivelmente severas, mas o que ele esperava? Ela sabia menos dele do que ele sabia dela porque tudo o que ela sabia dele vinha de seus irmãos, e era óbvio depois do confronto no seu escritório e conversas que tinham se seguido ao longo do dia que eles tiveram poucas palavras amáveis para dizer sobre ele.

   Seus olhos eram tão grande quanto uma lua cheia, e ele podia ver agora que a escova estava passando em seus cabelos. Escovando os cabelos pretos espessos que caíam até seus quadris estreitos como uma cachoeira plácida.

   Ela usava uma camisola de algodão branco com um laço na garganta e botões de pérola minúsculos descendo pela frente. Algo que uma mulher usaria para dormir.

   Enquanto ele avançava, viu os dedões dos pés nus dela se torcerem. Por alguma razão inexplicável, aquela ação pequena o tocou como nada tinha feito durante todo o dia. Ele deu uma olhada rápida para a porta, pendurada de uma forma desajeitada, por causa das dobradiças superiores que ainda a seguravam. Ele olhou de novo para Cordelia. —Eu trarei alguém para consertar a porta—.

   Ela deu a ele um aceno com a cabeça aos arrancos. Ele saiu do quarto, desceu os degraus apressado, e saiu como um furacão para a noite. Ele viu Houston guardando a carroça, beijando Amelia como se ele não tivesse ficado com ela o dia inteiro, como se não estivesse compartilhando com ela o resto de sua vida. —Houston!—.

   Houston ergueu a cabeça e trouxe Amelia para mais perto dele.

   Dallas se sentiu um tolo. Um maldito tolo. —Eu preciso de você para… consertar a porta do meu quarto—.

   —Consertar? O que aconteceu?—.

   —Um pequeno mal-entendido. Eu a chutei, e agora as dobradiças estão soltas. Eu achei que ficaria melhor se outra pessoa consertasse isto—.

   Dallas grunhiu quando Amelia bateu na boca do estômago dele.

   —Cuide da nossa filha—, ela ordenou.

   Amelia e Houston se apressaram para entrar na casa. Dallas caminhou até a parte de trás da carroça e deu uma olhada rápida para o lado de dentro. Maggie estava deitada sobre um cobertor, o gatinho de Dallas se enrolado dentro da curva de seu estômago. —Você não gostaria de ter um menino para brincar?—, ele perguntou tranquilamente.

   Ele captou um movimento pelo canto do olho. Austin estava ziguezagueando em direção à carroça. —Austin?—.

   Austin parou tropeçando. —O quê?—.

   —Cuide de Maggie. Eu preciso de uma bebida—.

   Ele ignorou o gemido de Austin e se dirigiu de volta para casa.

 

Cordelia estava tremendo tanto que ela achava que nunca mais sentiria calor. Amelia adicionou madeira no fogo, mas Cordelia ainda parecia fria, tão fria. Amelia colocou um cobertor ao redor dos ombros de Cordelia mas isso não a esquentava de jeito nenhum.

   —Eu não posso ficar aqui—, ela sussurrou.

   Amelia se ajoelhou diante dela e pegou suas mãos. —Tudo bem—.

   Cordelia agitou a cabeça. —Meu irmão Duncan me disse que você tinha se casado com Dallas e que ele tinha sido tão cruel com você que você partiu depois de uma semana—.

   Cordelia viu uma faísca de raiva se acender dentro das profundezas verde dos olhos de Amelia.

   —Foi isso que ele disse?—.

   Cordelia concordou com a cabeça. —Eu posso entender porquê você o deixou—.

   Amelia tirou a escova das mãos de Cordelia e sorriu suavemente. —Não, eu não acho que você entende. Eu estava prometida a Dallas. Alguns dias depois que nós estávamos casados, ele percebeu que eu amava Houston, e que Houston me amava, então ele me deu a anulação do casamento—.

   —Eu queria que ele me desse também—.

   Amelia começou a escovar o cabelo dela. —Eu nunca esquecerei o que ele disse para mim naquela noite… quando me deixou partir—.

   Cordelia não queria saber qualquer coisa sobre o homem com o qual tinha se casado, e estava certa de que não precisava saber. Ele tinha um temperamento pior do que qualquer um que ela já tinha visto, como uma bomba prestes a explodir.

   Ainda assim ela se lembrava desse dia mais cedo quando ele tinha parado sua explosão quando sua sobrinha tinha puxado sua calça comprida. As pastilhas de limão. Sua repugnância pelo modo como Boyd tinha falado com ela durante a formalidade. Contra sua vontade ela se ouviu perguntar, —O que ele disse?—.

   —Eu não preciso de amor, Amelia, mas eu acho que você precisa, e se você o encontrar com um homem que tem o sonho de criar cavalos, saiba que você tem a minha bênção—, Amelia ficou de pé do lado de Cordelia e deu a escova para ela. —Eu te contarei um pequeno segredo. Dallas precisa de amor—mais do que qualquer um de nós. Eu sei que o seu casamento não começou da melhor forma, mas eu acho que se você der uma chance a ele, ele adorará o chão que você pisa—.

 

Com os cotovelos cravados nas coxas, Dallas olhava sem expressão para o fogo baixo que chamejava dentro da lareira do escritório. Ele se lembrava do dia em que tinha se casado com Amelia. Ele tinha visto a decepção em seus olhos, um toque de tristeza, mas também existia esperança e confiança.

   Ele pensou no dia em que ela tinha se casado com Houston. Ela ardia com carinho e felicidade.

   Ele não esperava que a mulher com a qual ele tivesse se casado hoje ardesse de paixão, mas nem por isso ele tinha planejado enchê-la com medo. O que ele tinha na cabeça ao se casar com uma mulher com quem ele nunca tinha encontrado? Ele tinha arranjado o casamento com ela como se ela fosse uma égua de uma ninhada cuidadosamente selecionada. Ele não a podia culpar por se sentir ofendida, cautelosa e assustada.

   —Eu consertei a porta—, Houston disse.

   Sem tirar sua atenção do fogo, Dallas apenas mexeu a cabeça.

—Eu agradeço—.

   —Você aterrorizou a Cordelia… novamente—.

   Dallas fez uma careta. —Eu sei—. Ele suspirou profundamente. —Eu sei como dormir com uma prostituta. Eu não tenho a mínima idéia de como fazer isso com uma esposa—.

   —Você não parecia ter qualquer problema quando estava casado com Amelia—.

   Dallas deu uma olhada rápida para o irmão devido à raiva refletida em sua voz. Ele tinha ofendido outra pessoa sem tentar. —Você sabe muito bem que nós dois nunca conseguimos ir longe. Com Amelia sendo sequestrada na noite do nosso casamento e você levando o tiro durante o resgate, eu apenas tive a oportunidade de beijá-la. Eu nunca a vi na frente do fogo com alguma camisola que mostrasse mais do que sombras. Cordelia tem pernas tão claras quanto os ombros—.

   Houston deu a ele um sorriso compreensivo. —Eu sei tudo sobre sombras—. Ele limpou a garganta. —Olhe, Dallas, isto não é da minha conta, mas não existe nenhuma lei que diga que você tem que ir para a cama com ela hoje à noite. Conhecendo o pai dela, provavelmente ela não teve espaço para falar nada sobre este casamento. Qual o problema de dar a ela alguns dias para se acostumar com a idéia?—.

   Dallas ficou de pé. —Sim, eu estava pensando a mesma coisa. Está ficando tarde. Você e a sua família querem ficar aqui esta noite?—.

   —Agradeço a oferta, mas há uma boa lua e o céu está claro. Nós ficaremos bem—.

   Dallas seguiu o irmão até fora do escritório e ficou de pé nos degraus, esperando enquanto Houston saía pela porta da frente. Dallas deu uma olhada rápida para cima. Os degraus antes nunca tinham parecido tão altos. Enquanto ele começava a subi-los, várias desculpas começaram a passar por sua mente, tentando achar uma decente que desfaria todo o dano que ele, inconscientemente, tinha causado a sua esposa.

   Quando ele chegou ao quarto, ele bateu ligeiramente na porta e esperou uma eternidade até que ela a abrisse.

   Cordelia olhou cautelosamente para o homem formidável que estava de pé no corredor. Ela abriu a porta ficando o mais distante possível dela, dando a ele acesso ao quarto, oferecendo a ele acesso a ela. Ela viu o pomo de Adão dele lentamente deslizar para cima e para baixo.

   —Esteja pronta para cavalgar assim que amanhecer—, ele disse bruscamente e se voltou na direção dos degraus.

   Atordoada, Cordelia andou até o corredor. —Você quer dizer montar a cavalo?—.

   Ele parou de caminhar e a encarou. —Que raio de animal você acha que a gente monta? Vacas?—.

   Ela agitou a cabeça. —Não… eu só… eu tenho que vestir uma roupa. Eu nunca… montei em um cavalo—.

   Ela achava que se ela respirasse fundo, ele rolaria degraus abaixo.

   —Você nunca montou num cavalo?—.

   —Meu pai disse que era muito perigoso. Eu sempre viajei na minha carroça—.

   —Nem que a vaca tussa a minha esposa vai viajar em torno da zona rural naquele negócio vermelho. Eu fiz os seus irmãos o levarem com eles—.

   —Oh—. Ela apertou a mão contra a garganta, tentando pensar em algo para dizer.

   —Eu tenho uma égua dócil que você pode montar, e se você não a quiser, você pode montar comigo—.

   Na mesma hora ela agitou a cabeça. —Com a égua seria ótimo—.

   —Bom. Então nos vemos antes do amanhecer—.

   Ele girou sobre o próprio eixo e desceu os degraus. Cordelia entrou novamente no quarto, fechou a porta, e se debruçou contra ela apertando os dedos contra a boca. Ele tinha feito seus irmãos levarem a carroça horrorosa para longe!

   Amanhã, ela iria começar a montar a cavalo pelos campos.

   Ela envolveu o corpo com os braços. Ele disse que a veria pela manhã. Isso significava que ela estaria segura esta noite? Ela poderia dormir sozinha?

   Ela caminhou para a cama. Somente quando ela alcançou os cobertores que notou as flores que estavam entre os travesseiros.

   Estavam murchas, mas sua fragrância flutuava sobre a cama. Ela pegou uma flor amarela e passou o dedo nas pétalas frágeis. Elas eram flores da pradaria. Fáceis de achar. Não havia dificuldade em escolher.

   Ainda assim, lágrimas brotaram em seus olhos. Um gesto tão simples. Ela queria acreditar que Amelia tinha trazido as flores para ela, mas, de alguma forma, ela sabia que elas tinham sido um presente de Dallas.

Ela caminhou para o lado mais distante do quarto, puxou as pesadas cortinas para o lado, abriu uma porta com janelas, e andou pela sacada.

   Ao longe, ela viu a silhueta de seu marido que estava sentado na grade superior do curral, os ombros curvados, enquanto olhava na direção da lua.

 

Cordelia estava sentada na enorme cama de carvalho escutando os passos de seu marido. Muitos minutos após a meia-noite, ela finalmente o ouviu nos degraus. Ela seguiu o som de seus passos ao longo do corredor até que ela o ouviu parar do lado de fora de sua porta. Ela prendeu a respiração, esperando pelo clicar da maçaneta com o giro, o som que anunciaria que ele estava vindo para reivindicá-la como sua esposa.

      Mas, tudo o que ela ouviu foi o som desvanecente de suas botas na medida em que ele ia embora.

   Ela rolou para o lado e viu suas sombras brincarem em torno do quarto. O quarto dela.

   Ela se perguntou quanto tempo ele daria a ela antes de fazê-lo quarto dele também.

   Ela dormiu muito bem à noite e finalmente rastejou para fora da cama no início da manhã para se preparar para o seu primeiro passeio a cavalo. Foi então, na quietude anterior ao amanhecer, que ela notou as muitas coisas que não tinha percebido na noite anterior.

   Ela lavou o rosto usando a água que enchia o pesado lavatório de carvalho. Ela olhou seu reflexo no espelho oval que estava pregado na parede. Ela imaginou Dallas normalmente se barbeando ali. Seu equipamento de barbear estava em uma mesa pequena ao lado do lavatório. Ela sabia que ele era habilidoso com uma navalha. Seu queixo e bochechas eram tão lisos e não tinham nenhum corte ou cicatriz, exceto uma pequena embaixo do seu olho esquerdo, mas ela não acreditava que uma navalha descuidada teria sido a causa. Seu bigode era aparado uniformemente.

   Usando uma das duas toalhas que ele tinha colocado no lavatório, ela bateu levemente no rosto para acabar com a umidade. Então ela caminhou até a cômoda com espelho, se sentou na cadeira e soltou a trança.

   Na cômoda, ele tinha colocado uma pequena garrafa de pós-barba(*). Seus irmãos frequentemente usavam isto também, ainda assim eles cheiravam diferente da pele bronzeada de Dallas. Ele possuía este rancho, mas ela não achava que ele gastava tanto tempo no escritório como o pai dela fazia. As feições de Dallas eram muito queimadas, mais naturais.

   Ela escovou rápido o cabelo, então depressa colocou sua roupa de equitação vermelha. Ela só a tinha vestido uma vez. O dia em que Mimi Saint Claire a tinha entregado para ela, um presente de Cameron com a esperança de que ele pudesse convencer seu pai a deixá-la passear. Ela admirou a mulher por ter viajado até o rancho, sem escolta, em um carro de duas rodas. Ela invejou a liberdade que a mulher tinha de ir e vir como queria porque não era acorrentada por nenhum homem.

   Cordelia perguntou ao pai se talvez ela pudesse fazer o mesmo, mas ele a proibiu de viajar sem escolta, como se não acreditasse que ela fosse retornar. Ninguém achou tempo para escoltá-la até a cidade depois do dia que Dallas tinha marcado as terras de sua cidade.

   Ela tinha dedicado tantos anos de sua vida cuidando da mãe que ficar em casa tinha se tornado um estilo de vida que ela raramente questionava. Ela tinha crescido ouvindo um provérbio do pai, —O lugar da mulher é em casa, cuidando dos homens—.

   Cordelia saltou com a batida rápida na porta. Respirando fundo, ela cruzou o quarto e a abriu. Ela mais uma vez foi atingida com as feições bonitas do rosto esculpido de Dallas. O olhar dele foi devagar da aba do chapéu dela até os pés.

   —Nós precisamos ir—, ele disse com uma voz que soava como se ele estivesse sendo estrangulado.

   Ela o seguiu os degraus abaixo pela escuridão matutina. Ele tinha amarrado os dois cavalos na varanda dianteira.

   —Esta é Beauty—, Dallas disse enquanto colocava a mão na anca da égua castanha. —Ela é a égua mais dócil que você achará. Puxe as rédeas para ela parar. Dê um toque gentil na barriga para fazê-la ir. Na maior parte do tempo, ela apenas seguirá o meu cavalo—.

—Parece bem simples—, Cordelia disse.

 

(*) N. da R.: No original bay rum - Um líquido aromático originalmente preparado destilando as folhas da árvore de rum com rum e água, mas atualmente é feito misturando o óleo daquela folha com outros solventes.

 

     Dallas olhou para ela com os olhos semi-cerrados. —Você nunca montou?—. Ele perguntou enquanto pensava que poderia não tê-la entendido bem na noite anterior.

   Ela agitou a cabeça. —Meu pai considera isto impróprio e perigoso para uma mulher—.

   Ele andou para trás até que tocou o ombro do cavalo. —Você apenas segura o chifre da sela, coloca um pé no estribo, dá impulso e passa a outra perna por cima do cavalo—.

   Embora ela fosse alta, ela ainda achou o chifre da sela excepcionalmente alto enquanto colocava suas mãos ao redor dele. Dallas agarrou o estribo e o segurou com força depois que o pé dela o errou duas vezes. Ela deslizou o pé pelo estribo, respirou fundo, e saltou. Dallas agarrou sua cintura com uma mão, apertou a outra mão contra o traseiro dela e a içou. Chamas aqueceram suas bochechas enquanto Cordelia se sentava na sela. Ninguém nunca a tinha tocado tão intimamente.

   Quando o cavalo parou ao lado dela, Cordelia cravou os dedos no chifre da sela. Dallas agarrou a rédea, e o cavalo se acalmou.

   —Tome—, ele disse, enquanto segurava as rédeas para ela. Cordelia olhou fixamente para as tiras de couro que ele segurava. Os dedos longos que tinham facilmente a metade da sua cintura. Ela pegou as rédeas. —Obrigada—.

   —Você não tem que me agradecer—, ele murmurou enquanto andava ao redor do cavalo e montava em um movimento fluido. —Vamos. Dê em Beauty um pontapé gentil—.

   Ela fez como ele tinha instruído, e Beauty seguiu o cavalo de Dallas com passos lentos. Ela se perguntou se conseguiria galopar através das planícies, com o vento soprando no rosto. Ela podia sentir a brisa como uma respiração leve tocando as bochechas.

   O homem que montava ao lado dela parecia que tinha nascido para montar, como se ele e o cavalo fossem um.

   Cordelia deu uma olhada rápida ao redor, esperando que outras pessoas se juntassem a eles. —Onde está a escolta?—

   Dallas olhou fixamente para ela. —Que escolta?—.

   —Meu pai sempre insistiu que eu viajasse com pelo menos seis homens para me guardar. Eu achei que seus homens——

   —Eu protejo o que é meu—, ele disse com a voz tensa.

   Ele não teve que mover sua mão até a arma de fogo que descansava junto a sua coxa ou o rifle preso em sua sela para convencê-la de que falava com sinceridade.

   —Qual… é o nome do seu cavalo?—, ela perguntou.

   —Satan—.

   O diabo preto montava Satan. De alguma maneira parecia apropriado.

   —Eu tive um trabalho dos diabos para amansá-lo—, Dallas explicou. —No fim, eu tive que deixar Houston lidar com ele—.

   —Você parece desapontado—.

   Ele encolheu os ombros. —Esse é o talento de Houston, domesticar cavalos—.

   —Qual é o seu talento?—.

   Ele manteve o olhar fixo no dela. —Eu construo impérios—.

   Eles montaram para o oeste por mais de uma hora com nada além do silêncio e uma brisa suave entre eles. Dallas lutou para manter seu olhar focado no horizonte distante em vez da sua nova esposa. Ele achava que ela estava adorável vestida de branca ontem. De vermelho, ela estava devastadoramente bonita. O vermelho destacava a beleza de sua pele de porcelana, cabelos pretos e olhos marrons.

   A combinação era quase o suficiente para fazê-lo mudar de idéia sobre o que tinha decidido fazer nesta mesma manhã. Mas a hesitação na voz dela e o medo que ainda havia em seus olhos o impediram de alterar seus planos.

   Ele parou Satan no topo de uma pequena subida e girou o cavalo ligeiramente. Beauty parou ao lado dele.

   —Por que nós paramos?—, Cordelia perguntou.

   —Para ver o amanhecer—.

   Ele não conseguia explicar porquê queria assistir o nascer do sol com esta mulher ao lado. O amanhecer não era sua hora favorita do dia. Ele preferia a noite, quando as nuvens iam para longe e revelavam as estrelas. As estrelas o tinham guiado para casa incontáveis vezes. Quando era menino, ele até fazia pedidos a elas.

   Ele tinha pensado em pedir a Cordelia para que montasse com ele na noite anterior quando ele não conseguia dormir, mas ele precisava de um tempo sozinho para pensar, vadear pelo atoleiro que ele tinha inadvertidamente criado. Ele não sabia se conseguiria arrumar a confusão, mas ele desejava poder criar uma trilha mais plana para seguir.

   Ele ouviu a pequena respiração dela quando o sol começou a levar a escuridão para longe. Ele se perguntou se ela já tinha assistido o começo de um novo dia. Ele sabia tão pouco sobre ela. Isso tudo tinha parecido tão sem importância até a noite anterior.

   —É lindo—, ela disse baixinho.

   Então as palavras —assim como você— estavam na ponta de sua língua, mas ele não conseguiu falar, não sabendo como a manhã terminaria.

   Apenas virou o rosto na direção dela, ela deu a ele um sorriso hesitante. —Obrigada—.

   Ele fez uma careta. —Eu não fiz o amanhecer. Eu apenas trouxe você para vê-lo—.

   Ela movimentou a cabeça ligeiramente e evitou o olhar dele. Ele teria tirado a aspereza em sua voz se pudesse. Ele não sabia porquê sempre soava bravo quando falava com ela. Talvez porque a realização de seu sonho final estava na vontade dela de dar um filho a ele.

   Esticando as mãos ele agarrou as rédeas de Beauty e girou ambos os cavalos para longe do sol nascente.

   Cordelia olhou fixamente para o rio, os homens enfileirados em sua beira, ao longe, junto a cerca de arame farpado que se esticava ao longo da corrente. Ainda mais ao longe, além da cerca, uma nuvem de pó rosa subia em direção ao céu enquanto o gado caminhava em direção à cerca.

   Ela reconheceu os seus irmãos levando o rebanho, Boyd com o braço ainda preso em uma tipóia branca, Duncan e Cameron de cada lado dele. Eles tinham parado os cavalos e o gado parou aos poucos atrás deles enquanto os homens iam flanqueando de cada lado as vacas que ainda queriam se mover.

   Ela ouviu o murmúrio do rio e ouviu o mugir do gado. O coração dela se apertou contra o peito quando percebeu por que Dallas a tinha trazido aqui: para ver exatamente pelo que sua família a tinha negociado.

   Ela desejou ser hábil o suficiente com um cavalo para poder simplesmente galopar para longe.

   Ao lado dela, Dallas tirou o chapéu e colocou o pulso em cima do chifre de sela. —Eu sempre me considerei agradável aos olhos. Eu tenho mais terra do que jamais saberei o que fazer com ela e mais dinheiro do que minha família jamais precisará. Eu achava que qualquer mulher ficaria contente de me ter como marido—.

   —Sua família e eu temos lutado por essa faixa de terra desde o dia em que vocês chegaram. Eu quero um filho. Eu quero que a luta acabe. Casar com você parecia ser o meio para ter ambos. Infelizmente, eu falhei em levar seus sentimentos em consideração—.

   Ele levou seu olhar para longe do dela. —Vê aquele homem de pé ao lado da cerca?—.

   Ela viu um homem alto, muito magro próximo ao arame farpado, com o cavalo amarrado em uma estaca. —Sim?—.

   —Esse é Slim, meu capataz. Se você for até lá, ele vai cortar a cerca para você, deixará que você passe e se encontre com os seus irmãos no outro lado—.

   —Ainda assim você vai puxar a cerca para trás?—.

   Ele virou o olhar escuro e vacilante para ela. —Esta terra está ensopada com meu suor e sangue… e também o sangue dos meus irmãos. Eu não darei um centímetro para quem quer que seja sem receber algo em troca—.

   As esperanças dela despencaram. —E se eu ficar aqui?—.

   —Levante sua mão e abaixe. Então meus homens puxarão a cerca para trás. Hoje eu estou dando a você o que sua família e eu falhamos em dar ontem: uma escolha. Fique ou vá. A decisão é sua—.

   —Mas nós já estamos casados—.

   —Pode ser desfeito facilmente—.

   —Meu pai e irmãos ficarão furiosos—.

   Ele manteve o olhar dela. —Eu estou preparado para lidar com isto—.

   —Você quebrou braço de Boyd antes. O que você fará desta vez? Matá-lo?—.

   O olhar dele não hesitou. —Se eu tiver que fazer—.

   O estômago dela se contorceu. Ela certamente não poderia acusar Dallas Leigh de ser desonesto. A boca de Cordelia ficou tão seca quanto o vento. —Você só me deu uma escolha ilusória—.

   —Às vezes, isto é o que a vida dá para nós—.

   Alguns momentos atrás, ela tinha se maravilhado com a beleza do amanhecer, e agora ela estava vendo a feiúra dos homens e sua cobiça.

   —Você quer ficar casado com uma mulher que te odeia?—, ela perguntou, percebendo com um medo repugnante que ela poderia muito bem começar a odiar este homem.

   Ele colocou o chapéu na cabeça, lançando sombras sobre o rosto. —Eu não preciso de amor, mas eu preciso da sua decisão. Meus homens têm um trabalho que precisam concluir—.

   Ela sentiu a raiva ferver nela. —Meu pai estava certo. Você é um bastardo de sangue frio—.

   Ele virou a cabeça de forma acentuada apesar de estar surpreso com a veemência na voz dela. Em toda sua vida ela nunca tinha ousado falar dessa forma com ninguém. Ela tinha esperado que ele dessa nela o que o seu pai dava nos irmãos quando eles usavam aquele tom com ele: um tapa no rosto.

   —Eu estou te dando uma escolha que eles não estavam dispostos a te dar—, ele disse.

   Ouvindo a tensão em sua voz, ela se maravilhou com a moderação dele.

   —Eu alegremente escolherei—, ela disse enquanto chutava os dois lados do cavalo. Ela permitiu que a égua desse uma meia dúzia de passos antes de puxar as rédeas para trás. Ela deu uma olhada rápida por cima do ombro. Dallas não tinha se movido. Nem um músculo. Ela o lembrava do modo como ela o tinha visto na noite anterior sentando no curral, olhando fixamente para a lua.

   Que escolhas a vida dava para uma esposa? Ela não tinha contado, mas ela tinha visto menos que meia dúzia de casamentos. Seus irmãos estavam sempre discutindo a ausência de mulheres, especulando sobre onde eles poderiam achar uma esposa, chegando ao ponto de responder anúncios de revistas.

   Talvez uma escolha ilusória fosse tudo o que eles verdadeiramente tinham.

   Suas verdadeiras escolhas eram limitadas a viver dentro das sombras criadas por seu pai e seus irmãos ou ela poderia viver dentro das sombras criadas por este homem. Sombras quando ela ansiava por raios de sol.

   Prisão era uma prisão, mas pelo menos seu carcereiro atual dava a ela a liberdade de montar, uma razão absurda para levantar e abaixar a mão, mas ela fez, nunca tirando os olhos do marido. O ar de repente se encheu com apitos estridentes, gritos e assovios.

   Dallas levou seu cavalo adiante até se emparelhar com o dela. —Você deveria ver o que deu para eles—, ele disse com a voz baixa.

   Ela tirou o olhar dele e se virou para os homens que levaram a cerca para perto do rio. Os irmãos dela tiraram os chapéus, acenaram fazendo um círculo por sobre suas cabeças, e levaram os cavalos adiante, o gado os seguindo.

   —Eu quero um filho—, Dallas disse tranquilamente.

   O coração de Cordelia bateu loucamente contra o peito. —Eu estou ciente disto. Minha família conseguiu a terra que queria. E o que eu ganho?—.

   Ele tirou o chapéu e encontrou o olhar dela. —Qualquer coisa que você queira—.

   Cordelia considerou pedir sua liberdade, mas ela sabia em seu coração que ela nunca abandonaria uma criança que tinha trazido ao mundo. Seu filho a ligaria a Dallas mais fortemente do que qualquer voto que ela tivesse feito no dia anterior.

   Ela nunca soube o que era odiar alguém, mas ela o sentia se alvoroçar desconfortavelmente agora. Seu pai a tinha abrigado e protegido, até que ela tinha se tornado menos do que uma posse que foi levada para longe.

   —Amor?—, ela perguntou.

   Os olhos dele se escureceram. —Dê-me um filho e eu acharei um jeito de dar isto a você—.

 

Austin queria matar com todas as forças os homenzinhos que estavam construindo uma cidade dentro de sua cabeça. A constante batida deles reverberava entre seus tímpanos.

   Ele se forçou a sentar e tirar as pernas de cima da cama. A batida ficou mais alta, e ele percebeu que grande parte da batida não era na sua cabeça.

   —O café da manhã está pronto!—.

   Ele gemeu com a intensidade da voz de Dallas.

   —Eu estou indo—, ele murmurou. Ele jogou a cabeça para trás e desejou por Deus que Dallas deixasse Cordelia dormir até tarde. Ele não sabia como poderia olhá-la cara a cara.

   Ele ficou de pé, se lavou o mais depressa que pôde, colocou uma camisa limpa e desceu para tomar o café da manhã.

   Dallas e Cordelia já estavam sentados um de frente para o outro, Dallas mastigando sua comida, Cordelia revirando os ovos de um lado para o outro no prato. Austin pegou a cadeira entre eles.

   —Você parece mal—, Dallas disse.

   —Eu me sinto péssimo—.

   Dallas empurrou um prato de ovos fritos em direção a ele. As gemas amarelas se estremeceram e o estômago de Austin se revirou.

   —Coma alguma coisa—, Dallas ordenou. Austin agarrou a cafeteira e despejou o líquido preto na xícara enquanto a fumaça subia. —Eu só quero café—.

   Ele colocou o cotovelo na mesa e deixou o queixo na palma da mão para evitar que ele caísse sobre a mesa.

   —Agradeço por você ter me arrastando até a cama ontem à noite—, Austin disse.

   —Poderia muito bem ter te deixado na parte de trás da carroça de Houston—.

   Ele se lembrou de como Maggie parecia confortável enrolada na carroça, e ele subiu e se deitou ao lado dela. A boca parecia que tinha engolido um cabo de guarda chuva.

   —Quando você vai puxar a cerca para trás?—.

   —Eu já puxei—.

   Fazendo careta com a censura na voz do irmão, Austin se forçou a encontrar o olhar de Dallas. —Acho que eu deveria ter estado lá—.

   —Creio que você deveria ter estado sim, mas já está feito. Você planeja ir até a cidade hoje?—.

   —Eu não acho que vou conseguir me sentar em uma sela por mais do que cinco minutos sem vomitar—.

   Dallas agitou a cabeça. —O que diabos você e Cameron estavam pensando?—.

   —Nós estávamos tentando não pensar—.

   Dallas se debruçou de volta na cadeira. —Eu vou trabalhar em meus livros durante algum tempo, e então eu preciso verificar o rebanho. Você consegue cuidar da minha esposa se ela precisar de alguma coisa?—.

   Austin deu uma olhada rápida para Cordelia e concordou com a cabeça.

   —Bom—. Dallas puxou a cadeira para trás e levantou o prato.

   —Eu limparei para você—, Cordelia disse suavemente.

   Austin nunca tinha visto Dallas com o olhar de quem não sabia o que fazer, mas ele certamente parecia hesitante agora. Eles não estavam acostumados a ter uma mulher ao redor para cuidar de suas necessidades.

   —Eu não me importo de limpar a louça depois da comida—, Cordelia disse.

   Dallas deixou o prato na mesa. —Certo, então. Eu aprecio o gesto—.

   Ele andou a passos largos para fora do cômodo, e Austin desejou poder ter partido com ele, mas ele sabia que muitas coisas não estavam claras entre ele e Cordelia, e viver na mesma casa seria um inferno até que tudo estivesse acertado.

   Ele tomou um longo gole de café, desejando deixar a mente clara. Então ele se debruçou na direção dela. —Você se importa se eu te chamar de Dee? Eu sei que o Cameron faz—.

   Ela deu uma olhada rápida para cima, então para baixo. —Tudo bem—.

   —Não, não está bem, e nós dois sabemos porquê—. Ele colocou a mão por sobre a dela, e ela virou o olhar para ele. Ele deu um sorriso triste. —Você ouviu algo ontem à noite que nunca deveria ter ouvido—.

   Ela abaixou o olhar. —Não importa—.

   Ele apertou a mão dela até que ela olhou para ele novamente. —Importa sim. Quando os homens se embriagam, dizem coisas que não deveriam. Eu não negarei que Dallas quer um filho… muito. Mas eu também sei que ele te tratará bem, do modo como um homem deve tratar uma mulher—.

   —Cameron disse a você que eu não tinha o nariz?—.

   Austin fez careta. —Sim, eu não sei por que ele fez isto—.

   —E você disse a Dallas—.

   —Sim, e não sei porquê fiz isto—.

   —Ainda assim ele se casou comigo. Ele deve estar realmente desesperado—.

   Ele pegou as mãos dela entre as duas dele. —Você tem que entender nossa família. Você viu Houston. Não há muitos homens com mais cicatrizes do que ele. Amelia se apaixonou por ele. Depois de ver isto, eu acho que nós não nos preocupamos mais muito com a aparência—.

 

—O que, em nome de Deus, você achou que estava fazendo esta manhã?—.

Dallas deu uma olhada rápida na saliva que tinha caído em sua escrivaninha e encontrou o olhar ígneo de Angus McQueen.

   —Recuando minha cerca—.

   —Com minha filha em um cavalo, em uma subida onde ela facilmente poderia ter caído e morrido. Eu disse a você que ela era delicada—.

   —Sua filha monta em um cavalo bem, McQueen. O cavalo é dócil o suficiente para que minha sobrinha de três anos de idade consiga montar. Sua filha estava segura—.

   —Isso é o que você diz. Você precisa protegê-la——.

   —Eu a protegerei, mas eu farei isto do meu modo—.

   Angus se sentou na cadeira. Seus filhos continuavam de pé, os braços cruzados, embora Dallas achasse que Cameron parecia que iria colocar sua comida para fora a qualquer momento, um pensamento que ele não achava particularmente tranquilizante.

   —Você apenas não entende—, Angus disse. —As mulheres não podem se proteger. Você precisa manter as mulheres próximas ou elas se prejudicarão, da mesma maneira que minha esposa querida fez—.

   Dallas esfregou a testa, tentando aliviar sua enxaqueca. Ele queria um fim para essa discussão, mas ele só conseguia aumenta-la. —Olhe, McQueen, ela é minha esposa agora. Eu cuidarei dela—.

   —Não é fácil dar sua filha para outro homem cuidar—.

   —Pareceu muito fácil ontem. Você não deveria perder seu tempo em vir visitá-la quando ontem o próprio diabo a levou como esposa e você não estava—.

   McQueen estreitou os olhos. —Eu não estava me sentindo bem——

   —Minha suposição é que você gastou a noite toda se afogando em culpa e uma ressaca o manteve em casa—. Quando o homem começou a se levantar de sua cadeira, Dallas levantou uma mão. —Eu não quero ouvir nada, McQueen. Suas desculpas, suas preocupações, suas inquietudes. Eu não dou a mínima. Se você quer visitar sua filha, certo. Visite-a. Mas não me passe sermão pela forma como eu cuido dela. Você desistiu desse direito quando você a negociou pela minha água. Ela pode montar no pêlo através das planícies que eu não me importo—.

   Dallas estava certo de que o homem iria ter um ataque do coração, seu rosto ficou tão vermelho, a boca mexia mas não saía nenhuma palavra.

   Dallas ficou de pé. —Eu a deixarei saber que você está aqui—. Ele saiu do cômodo e subiu os degraus. Austin tinha dito a ele que Cordelia tinha ido para seu quarto depois que eles tinham terminado o café da manhã. Ele tinha a impressão de que não tinha realizado tudo o que tinha planejado nesta manhã. Ela ainda estava muito cautelosa com ele.

   Ele bateu ligeiramente na porta. Ele ouviu passos inquietos no outro lado. Ela abriu a porta e olhou para fora como se estivesse esperando achar um monstro.

   —Sua família está no meu escritório. Eles gostariam de ver você… se você quiser vê-los—.

   —Sim, eu gostaria de vê-los—.

   —Eu preciso verificar meu rebanho. Não voltarei antes de escurecer. Austin estará aqui se você precisar de alguma coisa—.

   —Obrigada—, ela disse suavemente.

   Não era exatamente o que ele queria ouvir. Seja cuidadoso. Volte logo. Eu te esperarei acordada. Qualquer uma dessas frases o teria agradado.

   Ele bateu as luvas contra a palma da mão. Ela vacilou.

   Não ligando muito para a dor no peito dele que a reação dela causou, ele girou para partir, parou, e deu uma olhada rápida por cima do ombro. —Você quer que eu fique enquanto você fala com eles?—.

   —Não. Eu prefiro vê-los sozinha—.

   Ele desceu os degraus na frente dela, sabendo que não tinha conseguido realizar nada nesta manhã.

 

Cordelia estava do lado de fora do escritório de Dallas, reunindo sua coragem. Ela desejava que sua família tivesse esperado um tempo antes de visitá-la, que tivessem esperado que a dor em seu coração diminuísse. Respirando com dificuldade, ela caminhou para dentro do cômodo.

   Cameron se sentou em uma cadeira segurando a cabeça. Ela supôs que o uísque, e não sua doença fosse o responsável por isto. Austin estava quase da mesma forma quando ele tinha se juntado a eles para o café da manhã.

   Boyd e Duncan rodeavam o pai. O pai dela se levantou da cadeira. Ela desejava que ele não parecesse tão velho.

   —Como você está, filha?—.

   Ela foi para o lado mais distante do quarto e se sentou em uma cadeira. —Bem. Eu estou bem—.

   Seu pai se abaixou na cadeira e se debruçou para frente. —O bastardo te machucou ontem?—.

   De repente ela percebeu que nunca tinha ouvido Dallas se referir a qualquer membro da família dela com tal repugnância. Ele nunca os tinha chamado por nomes pejorativos. Ele nunca tinha insinuado que sua ascendência poderia ser questionável ou que eles não eram homens de honra.

   —Não, pai, meu marido não me prejudicou—.

   —Ele não te machucou mesmo?—, Boyd perguntou.

   Ela deu uma olhada rápida para cima e encontrou o olhar confuso de Boyd. —Não, Boyd. Você achou que ele faria isso?—.

   —Ele dormiu com você?—, Boyd perguntou.

   Cameron bateu na cabeça dele. —Eu não acho que isso é da nossa conta—.

   —Ela veio virgem—, Boyd disse. —Um virgem sempre sente dor. Ele dormiu ou não com você ontem à noite?—.

   Cordelia não conseguia acreditar nas palavras que Boyd tinha jogado sobre ela como se ela não tivesse sentimentos, nenhuma privacidade. Ela achava que seu coração tinha se partido na noite anterior quando ela tinha ouvido as condições de seu casamento. Neste momento, ela sentiu seu coração se despedaçar. Ela desejou ter a coragem para pedir que todos partissem.

   —Responda ele, menina—, o pai disse.

   Ela olhou fixamente para os homens, perguntando-se se ela os conhecia mesmo. Ela não achava que conseguiria responder mesmo que sua vida dependesse disto.

   —Oh Deus, é melhor que você não tenha negado os direitos dele ontem à noite—, Boyd disse.

   —Você acha que ele teria puxado a cerca para trás se eu tivesse negado?—. Cameron perguntou.

   —Eu só quero uma resposta simples, Cordelia. Sim ou não—, Boyd exigiu. —Ele dormiu com você?—.

   —Isto é não é da sua conta, não mesmo—.

   Cordelia virou a cabeça para o lado. Houston estava de pé na entrada, com a mão descansando sobre a arma de fogo alojada em seu coldre. Ele balançou a cabeça na direção de Cordelia. —Não pretendia me intrometer. Estava procurando por Dallas—.

   —Ele… deve ter ido verificar o rebanho—, Cordelia disse.

   —Bem, então, eu me sinto no direito de falar por ele. Os senhores precisam sair daqui—.

   O modo como ele tinha dito —senhores— fez com que Cordelia percebesse que ele não os considerava nesse nível.

   Boyd encarou Houston. —Isso soou como uma ordem. Essa não é a sua casa—.

   —Eu fiz um favor para você, McQueen. Eu não vou dizer a Dallas o que eu acabei de ouvir neste quarto. Agora dê um bom dia a sua irmã e vá para casa—.

   O pai dela ficou de pé. —Nós estávamos saindo de qualquer maneira—. Ele deu um tapinha na cabeça dela como se ela fosse um cachorro treinado. —Nós manteremos contato—.

   O pai dela foi em direção à porta. Houston se moveu para o lado, saindo do cômodo amplo para dar passagem ao pai e aos irmãos dela.

   Cameron parou na entrada e deu uma olhada rápida para ela antes de partir. Ela achava que ele parecia miserável.

   Houston cruzou o quarto e sentou na cadeira que o pai dela tinha desocupado. —Você está bem?—, ele perguntou.

   Movimentando a cabeça, ela apertou os dedos trêmulos nos lábios, lutando para conter as lágrimas.

   —Acha que ainda tem algumas pastilhas de limão na escrivaninha de Dallas?—, ele perguntou.

   Ela agitou a cabeça. —Eu acho que elas não conseguem levar uma grande tristeza embora—.

   Ela não sabia como aconteceu, mas de repente os braços dele estavam ao redor dela e o rosto dela estava apertado contra o ombro dele.

   —Vá em frente e chore—, ele disse baixinho.

   Os soluços vieram fortes. —Eles não se importam comigo. Eles só querem a terra. Dallas só quer um filho—.

   Os braços dele se apertaram ao redor dela. —Eu não posso negar que é isso o que parece, mas às vezes as coisas não são como parecem—.

   Sufocando sua tristeza, ela saiu do abraço dele. Ele deu a ela um lenço para enxugar as lágrimas. Ela respirou fundo e estremeceu. —Como está Maggie esta manhã? Sua barriga está bem?—.

   —A barriga está certa como um relógio—.

   Ela deu o lenço úmido de volta para ele. —Obrigada—.

   —Você é mais do que bem-vinda. Eu suponho que as coisas não estão muito melhores esta manhã—.

   Ela agitou a cabeça. —Dallas me assusta—.

   —Eu sei. Ele também me assusta às vezes—.

   Suas palavras a surpreenderam. Se Dallas assustava o irmão, que chance ela teria de se sentir confortável ao redor dele? - —Ontem, quando nós estávamos todos aqui, e Maggie correu para ele, eu estava com tanto medo…— Ela fungou. —Você estava aqui. Você sabia que ele estava bravo, mas ainda assim você deixou que ela chegasse perto dele—. Ela o estudou, lembrando como calmamente ele tinha ficado de pé. —Você sabia que ele não a machucaria—.

   —Com a exceção de portas, Dallas não desconta sua raiva em um inocente—.

   Ele colocou as mãos dele em volta da mão dela, da mesma maneira que Austin tinha feito mais cedo. O pequeno gesto era incrivelmente confortante. O que ela teria dado para que seu pai ou irmãos tivessem feito o mesmo com ela em vez de atormentá-la para saber sobre sua noite de núpcias.

   —Provavelmente não sou eu quem deveria dizer isto—, Houston disse baixinho, —mas poderia te ajudar a entender Dallas um pouco melhor se você soubesse…— Ele abaixou o olhar.

   Um alarme soou dentro dela, e ela se remexeu na cadeira. —Saber o que?—.

   Ele deu um sorriso desajeitado. —Eu posso conversar com Amelia sobre a guerra, mas eu esqueci como é duro conversar sobre isso com os outros—.

   —A Guerra Entre os Estados?—.

   —’A Guerra de Agressão do Norte’ é como Dallas fala. Eu tinha doze anos e ele tinha quatorze quando nosso pai nos alistou—.

   —Quatorze?—.

   —Sim. Eu era o baterista do meu pai, e Dallas… Dallas era o segundo no comando. Muitos homens se ressentiram pelo fato de um menino estar dando ordens a eles. No princípio eles fizeram o possível para dificultar as coisas, pareciam ficar encantados em fazer o oposto da ordem que tinham recebido. Isso o aborrecia, e muito. Uma noite, eu ouvi meu pai dando um sermão nele porque descobriu que alguns homens não tinham seguido suas ordens. Nosso pai disse a Dallas, 'Eles não têm que gostar de você, mas eles precisam te respeitar e te obedecer'—.

   Houston agitou a cabeça. —Dallas parou de se importar se eles gostavam dele ou não. Ele parou de pedir a eles para fazerem as coisas, e começou a ordenar. O hábito permaneceu mesmo depois que a guerra terminou—.

   Ele se debruçou para frente. —O que eu estou tentando dizer é que ele não quer ser bravo ou rígido, mas muitas pessoas dependem dele… e ele está, simplesmente, esquecendo de pedir—.

   Ele soltou as mãos dela e ficou de pé. —Bem, eu preciso achar Dallas e voltar para casa. Você ficará bem?—.

   Ela gostou do modo como ele disse —casa—. Como se não conhecesse nenhum lugar melhor no mundo.

   —Eu ficarei bem—.

   Por longos momentos depois que ele tinha partido, ela simplesmente ficou sentada na cadeira se lembrando do conforto do toque dele, a calma que ressoava em sua voz. Ela podia certamente entender porquê Amelia não tinha ligado para as cicatrizes e se apaixonado por ele.

 

Quando o relógio no andar de baixo bateu doze vezes, Cordelia se levantou da cama. Dallas não tinha vindo ao quarto dela. Ela não estava nem certo de que ele estivesse em casa.

   Ela desejava ter trazido seus livros. Ela tinha acreditado que ficaria ocupada como uma esposa. Ela achava que não teria nenhum tempo para leitura, mas agora ela achava que não tinha nada além de tempo.

   Ela se lembrou da estante meio-cheia no escritório de Dallas. Ela deslizou através da noite, aumentou a chama na lamparina, e saiu para o corredor quieto.

Ela foi até os degraus, segurando a lamparina bem alto. Cuidadosamente, passo após passo, ela desceu os degraus, caminhou para o escritório de Dallas, e abriu a porta.

   A respiração dela parou quando viu Dallas sentado atrás de sua escrivaninha. A cabeça dele surgiu, e como uma corça que pressente o cheiro do perigo, ela não pôde se mover. A lamparina na escrivaninha queimava baixa, tão baixa que mais da metade do quarto ficava na sombra. As cortinas estavam puxadas de lado e as janelas largas davam a visão de mil estrelas que cintilavam no céu da noite.

   Ele empurrou a cadeira para trás e ficou de pé.

   Ela acenou com a mão. —Não. Não se levante. Eu sinto muito. Eu não queria perturbar você. Eu não sabia que você estava aqui—.

   Ele angulou a cabeça. —Você precisa de alguma coisa?—.

   —Eu não conseguia dormir. Eu lembrei que vi alguns livros nas suas prateleiras. Eu pensei que poderia pegar algum—.

   —À vontade—.

   Ela lambeu os lábios secos. —Houston estava procurando você esta tarde—.

   —Ele me achou. A madeira dele chegou. Eu irei a casa dele no domingo para ajudá-lo a construir um outro cômodo na casa. Você é bem-vinda para ir também—.

   Ela pensou em Maggie, Houston, e Amelia. Ela achou que apreciaria passar o dia na companhia deles, com pessoas que não estavam sempre bravas. —Eu gostaria—.

   —Bom. Como foi a visita da sua família?—.

   —Foi bom. Legal—. Ela caminhou depressa para a estante. —Eu levarei apenas um minuto—.

   —Não se apresse—.

   Só uma meia dúzia de livros chamava a atenção na estante. As capas estavam gastas. Ela ergueu a lamparina para que pudesse ler o nome do primeiro livro: Tudo sobre a Arte Doméstica(*). O livro ao lado chamava: O Marido Prático.

   Ela arrastou os dedos por sobre as lombadas deles. Pelo canto do olho, ela viu seu marido se mover para o lado dela. —Você leu estes livros?—, ela perguntou.

   —Todas as letras—, ele disse, a voz baixa, a respiração dele roçando o pescoço dela.

   —Você lê livros de como ser um marido?—, ela perguntou espantada.

   Ela girou a cabeça e o encontrou a fitando. —Eu não sabia—, ela explicou. —Eu não sabia que existia livros que falavam desse assunto. Você acha que alguém já escreveu um livro que uma esposa como eu poderia ler?—.

   Ele riu. Profundamente, com gosto. Sorrindo amplamente, ele tocou os dedos na bochecha dela. O calor que brotou em seu corpo a surpreendeu, e ela recuou horrorizada, a batida do coração forte, a respiração presa na garganta.

   O sorriso dele sumiu, e ele voltou para a cadeira atrás da escrivaninha. —Sinta-se livre para ler alguns dos meus livros—.

   Ela pegou O Marido Prático certa de que o conselho oferecido a um marido se aplicaria a uma esposa. Encostando o livro contra o peito, ela correu através do quarto e parou na porta. Ela respirou fundo antes de examinar o ombro de seu marido. Ele a estava observando mas não havia nenhuma alegria nos seus olhos escuros. —Você virá para a cama logo?—.

   —Você me quer lá?—, ele perguntou.

   Ela apertou os dedos em torno do livro. Ele estava dando a ela uma escolha real ou apenas outra ilusão? - —Eu prefiro que você não venha—.

   —Então eu não irei—. Ele imergiu sua caneta no tinteiro e começou a rabiscar em seu Livro Razão, a descartando no processo.

   —Obrigada—.

   Ela andou depressa pelo corredor e subiu rápido os degraus para seu quarto. Colocando a lamparina na mesa ao lado da cama, ela tirou a roupa e foi para debaixo do cobertor. Ela pôs o travesseiro atrás das costas, levantou os joelhos, e abriu o livro, antecipando todos os segredos que ele solucionaria.

   Não era a chave que ela desejava.

 

        Com a luz solar fluindo através da janela no fim do corredor, Dallas estava do lado de fora do quarto, sabendo que tinha o direito de simplesmente caminhar no quarto, sabendo que era um direito que ele não exerceria. Não ainda.

 

(*) N. da R.: O nome do livro é: Whole Art of Husbandry. A palavra Husbandry tanto quer dizer gerência de assuntos domésticos quanto pode significar a ciência de cuidar de colheitas ou da criação de animais para alimentação (como gado).

 

Ele odiava o medo que via nos olhos da esposa todas as vezes que ela olhava para ele. As poucas vezes que ele a tinha tocado o medo se intensificava. Que diabos ela achava que ele iria fazer com ela: destruí-la?

   Ele detestava o jeito como ela abria a porta e olhava para fora como se tivesse medo de ver o que estaria do outro lado, mas ele bateu de qualquer maneira. Ela abriu a porta, e ele tentou afastar sua frustração com a apreensão que se refletia nos olhos dela.

   —Eu estou enviando um dos meus homens para a cidade esta manhã para trazer um pouco de material. Se você me der uma lista das coisas que precisa, eu o farei trazer para você—.

   —Oh, obrigada. Será apenas um momento—.

   Ele andou na entrada enquanto ela se apressava e rasgava um pedaço de papel de um livro. Ele supôs que ela mantinha um diário. Ele sabia tão pouco sobre ela, mas ele descobriu que gostava da forma das costas dela quando ela se curvou e começou a escrever em um pedaço de papel. Ela se endireitou e girou mais cedo do que ele teria preferido. Indecisamente, ela segurou o papel na direção dele. Ele tomou o papel dela.

   —Obrigada—, ela disse suavemente.

   Ele odiava sua gratidão também. Ele saiu da casa e cruzou o jardim onde um jovem estava esperando ao lado da carroça. Ele estendeu o pedaço de papel na direção de Pete. —Preciso que você traga isso para minha esposa—.

   Pete olhou para o chão e começou a chutá-lo com sua bota.

   —Vamos, garoto, eu não tenho o dia todo—. Dallas agitou a lista embaixo do nariz dele. —Tome a lista e vá—.

   Pete olhou para cima, o rosto sardento mais vermelho do que o cabelo que seu chapéu cobria. —Eu não sei ler—.

   —O que você quer dizer com não saber ler? Eu te dou uma lista toda semana e você traz todas as coisas—.

   Pete trocou de posição. —Não, senhor. Cookie lê a lista para mim. Eu me lembro de tudo na lista, mas eu não sabia que você ia me dar mais uma hoje e Cookie saiu com o rebanho, mas você pode me dizer o que ela escreveu que eu lembrarei. Eu tenho uma boa memória—.

   Dallas percebeu que mais da metade de seus homens provavelmente não sabia ler. Eles eram homens espertos que podiam fazer todo o trabalho, e o trabalho raramente exigia leitura. Seu filho precisaria de um tutor se a cidade não tivesse uma escola daqui a alguns anos. Dallas poderia ver com o tutor se ele queria ensinar a alguns de seus homens que quisessem aprender. Enquanto isso, eles fariam o melhor trabalho que pudessem com o que tinham.

   Dallas desdobrou a lista de Cordelia e olhou fixamente para a única palavra que ela tinha escrito.

   Pete limpou a garganta. —Você também não lê?—.

   Dallas encontrou o olhar sério do jovem. —Não, eu leio bem mas isto é algo que eu precisarei cuidar pessoalmente. Você vai à cidade e traz o material que eu preciso—.

   —Sim, senhor—.

   Não até que Pete tivesse subido na carroça e começado a ir na direção da cidade Dallas ousou olhar a lista da esposa novamente. Ele agitou a cabeça confuso, perguntando-se se ele algum dia entenderia como funcionava a mente de uma mulher, certo de que nunca entenderia a esposa.

   Ele entrou na casa, procurando em todos os cômodos, certo de que ela não estaria ainda em seu quarto. Ela estava vestida quando ele tinha batido em sua porta mais cedo. Seguramente ela não ficava no quarto o dia todo.

   Mas quando ele bateu na porta do quarto, ela abriu a porta tão indecisamente quanto sempre fazia. Ele mostrou a lista. —Flores? Você queria que meu homem fosse à cidade para comprar algumas flores para você?—.

   Ela piscou, segurando as mãos com força. —Eu achei que ele poderia pegar algumas quando estivesse voltando para o rancho—.

   —Por que você não pode colher elas?—.

   Os olhos marrons dela se arregalaram alarmados. —Elas estão do lado de fora—.

   —Eu sei onde as flores estão—.

   —Eu não tenho permissão para ir do lado de fora. É perigos——.

   —Jesus Cristo! Você era uma prisioneira na casa do seu pai?—.

   Lágrimas brotaram nos olhos dela. —No Kansas, eu cuidava da minha mãe. Aqui… aqui, meu pai achou que seria melhor que eu ficasse dentro de casa. Ele disse que existiam perigos. Renegados. Bandidos. Uma mulher não estaria segura—.

   Dallas repetidamente passou o polegar e o indicador pelo bigode, tentando fazer algum sentido no que ela tinha acabado de falar. —Você tem ficado neste quarto o dia todo?—.

   Ela concordou com a cabeça. —Existe algum outro quarto no qual eu posso ficar?—.

   Ele fechou os olhos com força. Ela não estava apenas com medo dele. Ela tinha medo de tudo. Por Deus, será que ele acharia algum dia uma outra mulher que fosse ainda mais o oposto dele?

   Suspirando, ele abriu os olhos. —Você não tem que ficar em quarto nenhum. Você não tem que ficar em casa. Se você quiser flores, saia e escolha elas—.

   Ela pareceu espantada. —Mas é perigos——.

   —Eu não estou deixando você sozinha aqui. Meus homens estão por perto. Se você precisar deles tudo o que tem que fazer é gritar. Eles estarão ao seu lado antes que sua boca se feche, então vá colher suas flores—.

   Ele se virou para ir embora.

   —Onde você estará?—, ela perguntou.

   —Verificando meu rebanho—. Ele desejou não ter visto o alívio banhar os olhos dela.

 

Cordelia estava de pé na varanda dianteira, apreciando a brisa morna que gentilmente soltava mexas da trança do seu cabelo. Ela inspirou profundamente e imaginou que poderia cheirar a liberdade. A liberdade que vagava da casa até o celeiro, entrava pelos campos e ia além da casa.

   Ela podia ouvir o bater fixo do ferro contra ferro. Ela saiu da varanda e caminhou na direção do alpendre do outro lado do celeiro. O homem trabalhava em um fole para aquecer carvões.

   —Oi—, ela disse suavemente.

   Ele virou o olhar escuro na direção dela. Ele era poderosamente construído, a pele preta brilhando enquanto trabalhava. —Madame—.

   —Eu estava apenas dando um passeio—, ela disse a ele.

   —Dia bom para isto. Daqui a um mês ou dois estará muito quente para se apreciar um passeio—.

   Ela mordeu o lábio inferior. —Eu acho que te vi no meu casamento, mas eu não me lembro do seu nome—.

   —Samson(*)—.

   Ela sorriu inconscientemente vendo os músculos que esticavam a camisa, o braço curvado de lado como se ele estivesse segurando algo. —Samson? O nome fica bom em você—.

   —Sim, madame, foi isso o que meu mestre pensou quando ele me deu este nome—.

   —Você era um escravo?—.

   —Sim, madame, com certeza eu era—.

   Ela permitiu que seu olhar vagasse dele em direção a terra aberta que ia além do horizonte. —Liberdade é algo um pouco assustador, não é, Samson?—.

   —Sim, madame, com certeza é, mas o mesmo tanto ela traz de glória. Eu me lembro da primeira vez que respirei como um homem livre. Eu achei que o ar tinha o cheiro mais doce do que qualquer coisa que eu já tinha respirado antes—.

   Ela juntou os dedos. —Eu estava pensando em colher algumas flores—.

   —Faça isto, e quando você chegar no lugar onde as flores brilham mais, você pára um minuto e respira bem fundo—.

   Ela sorriu timidamente. —Farei isso—.

   Ela caminhou em torno do lado do celeiro quando um outro homem estava entrando nele. Ela se lembrava do nome dele porque o descreveu muito bem e porque ele tinha esperado junto à cerca de arame farpado a decisão dela.

   —Oi, Slim(*)—, ela disse indecisa.

   Ele parou de súbito e a cumprimentou tirando o chapéu. —Sra. Leigh—.

   O estômago de Cordelia se apertou. Ela achava que nunca se acostumaria a ser chamada por aquele nome. —A Beauty está dentro do celeiro?—

   —Não, Madame. Eu a levei de volta para Houston—.

   Decepção brotou dentro dela. Ela tinha gostado tanto do cavalo.

   —Você quer que eu ajeite outro cavalo para você?—, Slim perguntou.

   Cordelia negou com a cabeça. —Não, eu vou apenas caminhar hoje—.

   —Bem, se você quiser montar me avise, e eu acharei um cavalo—.

   —Você é casado?—.

   Embaixo do bronzeado escuro, o rosto dele se ruborizou. —Não, madame—.

   —Ninguém aqui é casado?—.

   —Dallas é casado, mas acho que você já sabe—.

   Ele sorriu como se eles estivessem compartilhando uma piada secreta.

   —Sim, eu sei disso—. Ela balançou a mão diante dela. —Eu só iria caminhar lá fora e colher algumas flores. Você acha que é seguro?—.

   —Oh, sim, madame. Só tome cuidado com os buracos no chão. Não quero que você torça o tornozelo—.

—Obrigada pelo aviso—.

   Ela caminhou pelas gramas altas da pradaria, apreciando o calor do sol no rosto.

   Antes do acidente, sua mãe fazia um jardim de flores, o único tempo em

que ela parecia verdadeiramente se sentir em paz. Anos se passaram desde que

 

(*) N. da R.: Samson = referência bíblica, Sansão; Slim = esbelto.

 

Cordelia tinha pensado no jardim de sua mãe, o ritmo animado e a voz doce enquanto ela colhia flores, a fragrância da terra recentemente remexida pelas mãos de sua mãe e as flores bonitas que sempre adornavam cada quarto.

   Cordelia se curvou e arrancou uma flor selvagem. Ela se perguntava se Dallas se importaria se ela plantasse flores próximas à varanda. Provavelmente não, já que ele não tinha se importado com ela caminhando além da casa.

   Ela deu uma olhada rápida por cima do ombro. A casa não estava tão longe que ela não pudesse ver. Ela ainda podia ouvir a batida constante do ferreiro à medida que ele trabalhava.

   Como se fosse uma criança, ela se sentou no chão, inclinou a cabeça para trás e fechou os olhos. Ela tinha gastado longas horas lendo livros para sua mãe. Eles tinham levado Cordelia a todos os lugares que ela não tinha permissão de ir enquanto levava sua mãe para lugares onde ela não mais podia ir.

   Depois que sua mãe morreu, Cordelia continuou a afundar em seus livros. Tinha sido mais fácil do que tentar ir além dos limites que seu pai tinha estabelecido ao longo dos anos.

   Até que ela se casou com Dallas, ela tinha ficado mais feliz vivendo em um mundo que era mais ficção do que realidade. Mas agora ela se perguntava o que ela poderia ter deixado passar, quais mentiram estavam além de seu mundo pequeno.

   Ela só sabia que ela não tinha nenhuma habilidade quando o assunto era conversar com o marido. Todas as vezes que ela examinava os olhos marrons escuros dele, o coração dela se acelerava, as mãos ficavam úmidas e a respiração ficava lenta.

   Se ele não parecesse sempre tão bravo.

   —Bem, e agora, o que você está fazendo?—.

   Ela abriu os olhos e foi saudada com o rosto sorridente de Austin enquanto ele se agachava ao lado dela. Ele tinha os olhos azuis mais bonitos que ela já tinha visto, olhos com a forma das chamas mais quentes que se retorciam dentro do fogo.

   Ela levantou uma flor solitária. —Eu estava colhendo flores—.

   —Tem umas mais bonitas mais longe—. Ele ficou de pé e estendeu a mão na direção dela. —Vamos—.

   Ela deslizou a mão até a dele, e ele a puxou para que ela ficasse de pé. Enquanto eles começavam a caminhar, a mão dela permaneceu junto a dele. Ela desejava poder se sentir confortável assim próxima do marido.

   Cordelia ouviu um pequeno latido. Ela deu uma olhada rápida ao redor, mas não podia ver qualquer sinal de um cachorro. O latido veio novamente, um minúsculo latido.

   Austin soltou a mão dela e retirou a arma do coldre.

   —O que é isto?—, ela perguntou.

   —Um cachorro de pradaria—, ele disse enquanto apressava o passo. —Você fica aqui—.

   Ela nunca tinha desobedecido a uma ordem de um homem antes, e ela não sabia o que a possuiu desta vez para que ela desobedecesse… talvez fosse o grito lamentável que soava como uma criança ferida ou o fato de Austin lembrar a ela de Cameron ou porque ela ainda não pensava nele como um homem.

   Ela viu o animal marrom pequeno antes de Austin ver, choramingando como a língua para fora e tentando lamber sua pata.

   —Oh, não—, ela sussurrou enquanto foi para frente, se ajoelhou ao lado da criatura pequena, e estudou a armadilha de ferro que tinha capturado sua pata. —Quem faria tal coisa?—.

   Austin se abaixou ao lado dela. —Vá para casa na minha frente. Eu acabarei com o sofrimento dele—.

   Ela girou a cabeça. —Eu não acho que a perna está quebrada. O osso não está esticado como o de Boyd quando Dallas quebrou seu braço—.

   —O que isto tem a ver?—, Austin perguntou.

   Cordelia frisou a sobrancelha. —Se você puder puxar os lados do metal separadamente, eu posso tirar a pata da armadilha. Então eu podia levar para casa e curar o ferimento—.

   Austin pôde fazer pouco menos do que olhar para a mulher. —É um cachorro de pradaria—, ele a lembrou.

   Cautelosamente, ela passou os dedos pela cabeça do animalzinho. —É só um bebê. Por favor, ajude ela—.

   Dee estava olhando para ele com tanta esperança nos grandes olhos marrons que ele não pôde fazer o que ele sabia que precisava fazer. Ele deslizou a arma de volta no coldre. Graças a Deus ela era casada com o irmão e não com ele. Dallas podia partir seu coração. Austin não.

 

Próximo ao crepúsculo, Dallas parou o cavalo na frente do curral. As flores que ele tinha arrancado do chão no caminho tinha murchado em suas mãos. Ele desmontou, tentando se decidir se sua esposa iria querê-las de qualquer maneira.

   —Chefe?—.

   Ele se virou com a voz irritada de Slim.

   —Nós temos um problema—, o homem desengonçado disse.

   Dallas suspirou, não estava surpreso. Um de seus poços tinha secado, e ele tinha gado morrendo ao extremo norte. —Que tipo de problema?—.

   —Cachorro de pradaria. Austin levou sua esposa para caminhar, e eles acharam um cachorro de pradaria. Ele a deixou ficar com ele—.

   —Ele o quê?—.

   —Ele deixou ela levar o bicho para casa para medicar. Disse que ela iria alimentar ele com leite. Você já ouviu falar em alguma coisa assim? Eu garanto que os homens não vão gostar disso. Achei que era melhor você saber—.

   As flores caíram da mão de Dallas. —Cuide de Satan—.

   —Você vai se livrar daquele cachorro de pradaria, não é?—, Slim perguntou.

   —Eu me livrarei dele—.

   Casar com uma mulher que ele não conhecia não tinha soado como uma idéia tão ruim até que ele tinha feito isto. O que diabos ela poderia querer com um cachorro de pradaria?

   Dallas andou a passos largos em direção a casa. Austin se sentava nos degraus, uma perna longa esticava para frente, a outra servindo como apoio para seu violino enquanto ele tirava as cordas.

   Dallas parou com um salto, e Austin jogou a cabeça para trás, os olhos azuis parecendo tão inocentes quanto os de um bebê recém-nascido.

   —Diga para mim que nós teremos um guisado de cachorro de pradaria para a ceia—, Dallas comandou.

   Austin sorriu. —Eu estaria mentindo se dissesse isto. Aprendi há muito tempo que mentir só traz dificuldade—.

   —Então o que diabos você estava pensando quando a deixou trazer um cachorro de pradaria para casa?—, Dallas berrou.

   Austin ergueu um ombro com descuido. —Ela não é minha esposa. Não achei que era meu dever dizer a ela que ela não pode ter um. Acredito que era uma decisão sua—.

   —Não existe nenhuma decisão para fazer. Um cachorro de pradaria não é um bicho de estimação. É uma praga—.

   —Você vai dizer isto a ela?—.

   —Claro que vou—.

   —Você vai dizer a ela que ela não pode ficar com ele?—.

   —Claro que sim, eu vou dizer a ela que ela não pode ficar com ele—.

   Austin agitou a cabeça. —Com certeza eu não ia querer andar naquela casa usando as suas botas—.

   —Você não conseguiria mesmo que quisesse. Seus pés são muito grandes. Onde está ela?—.

   —Última vez que vi, ela estava na cozinha—.

   Ele marchou pela casa e andou a passos largos na cozinha. Com a criatura se torcendo no colo, Cordelia se sentava em uma cadeira. Ela levantou a cabeça.

   —Oh, ainda bem—, ela disse com um suspiro de alívio óbvio.

   A raiva dele sumiu imediatamente ao ver aquele rosto adorável sem medo nos olhos.

   —Aqui—, ela disse enquanto ficava de pé e segurava o bicho na direção dele. —Segure ela—.

   —O quê?—.

   —Segure ela—, ela repetiu enquanto empurrava o animal para as mãos dele, agarrava seu braço e puxava uma cadeira. —Sente-se—.

   Atordoado pela urgência em sua voz, Dallas se sentou.

   —Eu limpei o ferimento e pus pomada, mas eu estava tendo dificuldade terrível em tentar colocar bandagem na perna—, ela explicou enquanto escolhia uma tira de linho branco. —Segure a pata para que eu possa colocar o curativo. Caso contrário, ela lamberá a pomada—.

   Dallas lutou para manter o animal imóvel enquanto Cordelia cortava um pedaço de linho limpo e colocava ao redor do ferimento.

   Suas mãos de repente pararam e ela olhou para ele. —Alguém colocou uma armadilha na terra. Que tipo de pessoa cruel faria isto?—.

   A culpa quase fez a garganta dele se fechar. —Alguém que sabe que um cachorro de pradaria é perigoso—.

   As mãos dela mais uma vez pararam. —Como que ela é perigosa?—.

   —Porque ele vive em buracos subterrâneos e faz covas na pradaria. Quando um cavalo cai uma perna naquele buraco, ele normalmente quebra a perna e tem que levar um tiro—.

   —Então o buraco é perigoso, não o cachorro de pradaria—.

   —Isto é o mesmo que dizer que uma arma de fogo é perigosa e não o homem que a segura—.

   —Não é a mesma coisa—. Ela terminou de embrulhar a bandagem ao redor da pata. —Austin acha que eu deveria dar o nome de Trouble(*), mas eu gosto do nome Precious(*). O que você acha?—.

 

(*) N. da R.: Trouble = encrenca, problema. Precious = preciosa.

 

   Ele achou que poderia se acostumar a manter uma conversa com ela que não fosse guiada pelo medo, mas ele tinha que lidar com esta tarefa desagradável antes. —Os cachorros de pradaria são os piores inimigos de um vaqueiro. Você não pode manter isto—.

   —Por quê? Eu manterei Precious comigo. Eu não a deixarei cavar nenhum buraco—.

   —Eu preciso tirar esse cachorro de pradaria daqui—.

   Ela tirou o animal das mãos dele foi para o canto curvando os ombros e tentando proteger o animal. —O que você vai fazer com ela?—, ela perguntou, a apreensão tomando seus olhos.

   O cachorro ganiu alto. Dallas não podia dizer a mulher que ele iria atirar no bicho. Ele ficou de pé com tal força que a cadeira balançou e tombou para o lado. Sua esposa vacilou.

   —Eu farei uma droga de arreio para ele, mas se ele sair do arreio eu não serei responsável pelo que acontecer a ele—.

   Dallas saiu da cozinha como um furacão e foi para o celeiro. Ele pegou as rédeas da parede e foi até o prédio da oficina. Ele colocou as tiras de couro na mesa cheia de marcas e pegando a faca começou a cortar.

   Se algum dia ele tivesse alguma filha, ele iria ensinar a elas como lidar com um mundo difícil. Elas poderiam xingar, mastigar tabaco, e beber como um homem que ele não se importaria, mas ele estava certo de que elas não seriam criaturas dóceis com medo de suas próprias sombras ou vozes dos maridos.

   Ele ouviu os passos abafados e continuou a esculpir mais ainda o couro.

   —Então você deu a má notícia a ela?—, Austin perguntou enquanto se debruçava contra a entrada.

   —Sim—, Dallas falou entre os dentes trincados enquanto fazia um furo no couro com a ponta de uma faca.

   —Como foi a notícia?—, Austin perguntou.

   —Ela não achou ruim—.

   Austin agitou sua cabeça. —Queria ter sua habilidade de falar com as pessoas. Eu não conseguiria pensar em um jeito de contar a ela sem partir seu coração—.

   Ele andou relaxadamente no cômodo e examinou o ombro de Dallas. —O que você está fazendo?—.

   —Trabalhando—.

   —Eu posso ver? O que você está fazendo?—.

   Dallas apertou tanto a mandíbula que até doeu. —Um arreio—.

   —Um arreio? Para que? Isto é tão pequeno… Meu Deus! Você deixou ela ficar com ele—.

   Dallas se virou e balançou a faca na frente do rosto do irmão. —Não diga mais uma palavra. Nenhuma. Se você estima seu couro, você tirará esse sorriso estúpido do rosto e vai sair daqui—.

   Levantando as mãos, Austin começou a andar para longe. —Eu não sonharia em dizer qualquer coisa—.

   Mas quando ele estava longe da vista, seu riso ecoou ao longo do celeiro.

 

—Nunca tinha visto um cachorro de pradaria usando um arreio—, Houston disse.

   Dallas bateu uma unha na madeira fresca, desejando que o irmão sufocasse o riso estrangulado.

   —Um homem de visão abriria uma loja em Leighton que vendesse arreios especialmente projetados para cachorros de pradaria—, Austin adicionou, rindo.

   Dallas parou de martelar e encarou o irmão mais jovem. —Se você não quer que seus dois olhos fiquem inchados, é melhor você falar sobre qualquer outra coisa—.

   —Eu acho que Austin tem um ponto aí—, Houston disse. —Com todos os cachorros de pradaria que temos por aqui, vender arreios pode ser um bom negócio, especialmente para um homem interessado em construir impérios—.

   —Nenhuma dúvida nisto—, Austin disse, —e Dallas não demora para fazer um arreio. O que ele fez para Dee não levou mais do que dez minutos, e ele não teria gastado mais esse tanto de tempo se quisesse escrever o nome do cachorro nele—.

   Houston começou a rir. —Você precisa ter o nome do cachorro nele caso ele se perca. De que outro modo se saberia a quem ele pertence?—, o riso que ele tinha segurado explodiu ao redor deles.

   As gargalhadas de Austin preencheram o pequeno espaço que tinha para completar o barulho. Dallas falhou em ver o humor da situação.

   —Achei que você queria aumentar a sua casa, não quer mais?—, ele perguntou.

   Ele podia ver Houston lutando para abafar o riso. Ele tinha o forte desejo de ir até o irmão e martelar a cabeça dele.

   —Eu quero—, Houston finalmente disse.

   —Então nós precisamos parar de rir e fazer a armação—.

   —Você está certo—, Houston admitiu, o rosto ficando sério um momento breve antes de o riso estourar novamente. —Por Deus, Dallas, um cachorro de pradaria em um arreio. Eu nunca achei que você deixaria uma mulher te comandar com um dedo—.

   —Ela não manda em mim, e eu gostava mais de você quando você não ria—.

   A risada de Houston diminuiu. —Mas eu não gostava de mim. Nada mesmo—.

   Dallas sabia que Houston tinha baixa estima até que Amelia tinha alcançado seu coração. Ele também sabia que não havia nenhuma forma de surgir algo entre ele e Cordelia… não havia nada no coração dela, nenhuma paixão. Não por ele.

   Ele se levantou. —Vamos fazer esta armação—.

 

—É tão bom ouvir eles rindo, saber que eles estão se divertindo com a companhia um dos outros—, Amelia disse.

   Cordelia deu uma olhada rápida para a mulher de pé ao lado dela, os dedos abertos por sobre o estômago, um sorriso contente no rosto.

   —Quando eu vim aqui pela primeira vez eles raramente falavam um com o outro e nunca riam—, Amelia confidenciou baixinho.

   —Por quê?—, Cordelia perguntou.

   —Culpas e mal-entendidos principalmente—. Como trazia memórias dolorosas de outro tempo, Amelia lançou um suspiro longo, lentamente andou até o fogo de onde a carne de boi estava cozinhando.

   Cordelia assistia os homens começaram a levantar a armação que serviria como estrutura para a adição da casa de Houston. Ela rapidamente estava descobrindo que Dallas fazia tudo como uma questão de honra.

   Junto com Austin, eles tinham começado a jornada bem antes do amanhecer e chegaram a casa de Houston ao mesmo tempo em que o sol do amanhecer surgia no horizonte. Dallas ajudou que ela desmontasse antes de tomar a xícara de café que Amelia tinha oferecido a ele enquanto andava sobre a varanda.

   —Você sabe o que quer?—, ele perguntou a Houston enquanto o irmão deslizava o braço ao redor de Amelia e a beijava na bochecha.

   —Sim—, Houston disse, dando a Dallas um rolo de papel.

   Dallas desenrolou o rolo e o segurou de forma que a luz do dia pudesse iluminá-lo. —Parece que você quer adicionar dois quartos na parte de trás e colocar um sótão em cima deles—.

   —É isso que Amelia quer—.

   —Então nós vamos fazer isto—.

   E eles fizeram. Mediram, serraram, bateram os pregos nas madeiras com o som ecoando pela pradaria.

   Quando eles terminaram de fixar a armação no lugar, Dallas deu sua primeira parada. Cordelia segurou Precious com mais firmeza dentro dos braços enquanto via Dallas tirar o chapéu e a camisa cheia de suor por cima da cabeça, e se agitar como um cachorro recém saído de um rio. Ele jogou a camisa em um arbusto perto, colocou o chapéu no lugar e voltou a trabalhar. Embora ele não tivesse lançado um olhar para ela desde a chegada, ela não tinha tirado os olhos dele.

   As costas bronzeadas dele brilhavam, os músculos se esticavam enquanto ele colocava uma tábua no lugar. As pernas longas acabavam rapidamente com a distância entre a pilha de madeira e a armação recentemente erguida. Ele deitava a tábua contra a armação e abaixava, uma mão segurando a tábua no lugar enquanto a outra procurava o martelo pela grama. Sua calça comprida se esticou contra seu traseiro. Ela não achava que já tinha notado o quão esguio eram seus quadris. Ele lembrou a ela da porção superior de uma ampulheta de areia: os ombros bem largos se afinando até chegar em sua cintura estreita—

   —Eu queria que eles não tivessem feito isto—, Amelia disse com um suspiro.

   Com as bochechas vermelhas, Cordelia deu uma olhada rápida para Amelia. —O quê?—.

   —Tirado as camisas. Eu estou tentando preparar jantar, e tudo que eu quero fazer agora é assistir eles trabalharem—.

   Cordelia voltou sua atenção para os homens. Ela não sabia quando Houston e Austin tinham tirado suas camisas, mas as costas deles não chamavam a atenção dela do mesmo modo como a de Dallas fazia, não a faziam imaginar se sua pele era tão quente quanto parecia.

   Ela viu Maggie correr na direção dos homens, os cachos loiros saltando tanto quanto a caneca que ela carregava. A água vazava pelos lados. Cordelia não achava que mais do que algumas gotas ainda havia nela quando a menina parou abruptamente ao lado de Dallas e a deu para ele.

   Um sorriso morno se estendeu embaixo de seu bigode enquanto ele pegava a caneca, esticava as costas para trás e dava um suspiro longo, lento. Enquanto Maggie apertava as mãos juntas e arregalava os olhos verdes, Cordelia tinha a sensação de que Dallas estava dando um show para a sobrinha. Quando ele tirou a caneca da boca, ele colocou um dedo na ponta do nariz e disse a ela algo que Cordelia não podia ouvir. Maggie sorriu brilhantemente, agarrou a concha, e correu de volta para o balde com água.

   Ofegante, ela olhou para a mãe. —Ti Dalls disse que a água era a mais doce que ele já teve o prazer de beber. Eu vou dar um pouco mais para ele—. Ela mergulhou a caneca no balde antes de correr de volta para seu tio, a água espirrando na saia.

   —Pobre Dallas. Ela o adora. Ele não conseguirá trabalhar agora—, Amelia disse.

   —O sentimento parece ser mútuo—, Cordelia disse, desejando que ele desse aquele sorriso para ela.

   —Você está certa. Ele a estraga. Eu estremeço só de pensar como ele vai estragar os próprios filhos—.

   O calor subiu as bochechas de Cordelia com a lembrança de seus deveres de esposa. —Eu… queria dizer obrigado pelas flores que você colocou na minha cama no dia em que eu me casei—.

   Amelia sorriu. —Eu não coloquei nenhuma flor na sua cama—.

   —Oh—. Cordelia olhou de volta na direção de Dallas. Eles tinham terminado de levantar a armação e a firmado no lugar. Os homens começaram a colocar as tábuas no chão. Dallas estava segurando um prego enquanto Maggie batia nele com um martelo. Após algumas batidas gentis, Dallas tomou o martelo dela e bateu o prego no lugar.

   Ela não sabia o que fazer com Dallas Leigh. Ele parecia tão duro quanto o prego que segurava na boca sorridente, dificilmente ele seria o tipo de homem que colheria flores…

   Ter a certeza de que ele era a pessoa que tinha colocado as flores na cama dela — deles—faria mais difícil para ela o repugnar, muito menos odiá-lo. Ainda assim ela não gostava de pensar no ato do casamento.

   Maggie subiu na armação que eles tinham colocado no chão—a armação que sustentaria o chão—e começou a segurar os pregos para Austin. Embora ele não estivesse martelando como deveria, estava fazendo sua parte no serviço. Algo que Cordelia tinha que admitir que ela não estivesse fazendo. —Amelia, o que posso fazer para te ajudar?—.

   —Eu deixei várias colchas na varanda. Por que você não as coloca em torno da árvore para que assim a gente possa sentar embaixo da sombra?—.

   Cordelia colocou Precious no chão, e com ela a acompanhando, saiu apressada da varanda, agradecida por ter uma tarefa, embora ela não achasse que conseguiria impedir sua mente errante de pensar no marido.

 

Pelo canto do olho, Dallas viu sua esposa correr em direção à frente da casa. Ele estava tendo um trabalho dos diabos em tentar manter sua mente focada na tarefa—construir a casa de Houston.

   Ele sempre se achava pensando na esposa. Não ajudou muito o fato de ela ter ficado a semana toda lavando a roupa dele e todas as vezes que ele começa a suar, o cheiro dela começava a rodeá-lo. Ele achava que ficaria louco, com a fragrância dela tão perto dele enquanto ela ficava tão incrivelmente longe.

   Ele tinha cometido um engano não exercendo seus direitos de marido na noite de núpcias. Agora, ele não tinha nenhuma idéia de como a abordar e deixá-la saber que sua moratória estava terminada.

   Ele sabia que se batesse em sua porta, ela abriria com terror nos olhos, e ele não conseguia suportar o simples pensamento. Ela o lembrava do jeito que muitos soldados olhavam para ele durante a guerra. Eles tinham seguido suas ordens e entrado na batalha, temendo ele mais do que eles temiam os inimigos ou a morte.

   Ele não acreditava em viver com remorsos, mas às vezes ele se perguntava quantos homens tinham sido enviados para a morte por causa de sua natureza dura.

   Ele não queria que sua esposa olhasse para ele com aquele mesmo medo em seus olhos quando eles fossem para a cama. Só que ele não sabia como mudar isto. Pelo pouco tempo em que eles tinham cuidado do cachorro de pradaria, o medo tinha deixado seus olhos, mas Dallas não conseguia se imaginar trazendo para casa um cachorro de pradaria ferido todas as noites.

   Ele ficou de pé e foi buscar mais tábuas e pregos. Quando ele se aproximou da pilha de madeira, parou longe o suficiente para admirar as costas de sua esposa enquanto ela se curvava e colocava as colchas no chão.

   Ele desejava saber o modo de tirar o medo de seus olhos—permanentemente.

   Eles comeram em silêncio com exceção das conversas que Austin começava. Dallas não conseguia pensar em uma coisa única para dizer a sua esposa. Ele se lembrava de quando ele tinha começado a escrever para Amelia. Sua primeira carta tinha apenas algumas linhas. Ao final do ano, ele tinha compartilhado páginas inteiras de sua vida com ela. Ele tinha pensado em escrever uma carta para Cordelia, mas isso parecia uma saída covarde. Ele precisava aprender a dizer palavras que trariam suavidade aos olhos da esposa, o tipo de suavidade que Amelia tinha nos olhos todas as vezes que ela olhava para Houston.

   Ele levou várias tábuas para a estrutura de madeira, colocou-as no lugar, se ajoelhou ao lado de uma e tirou os pregos da boca. —Houston, quando você e Amelia estavam vindo para cá… sobre o que vocês conversaram?—.

   Houston bateu um prego na tábua que poderia servir como assoalho e encolheu os ombros. —Qualquer coisa que ela quisesse conversar—.

   Dallas segurou sua frustração. —Sobre o que ela queria conversar?—.

   Houston tirou o chapéu da sobrancelha. —Você, principalmente. Ela estava sempre fazendo perguntas sobre o rancho, sobre o tipo de homem que você era, a casa—.

   —Você não devia ter dito ela a verdade sobre a casa já que ela estava vindo mesmo—, Austin disse.

   Dallas olhou ao redor. —O que há de errado com a minha casa?—.

   Austin tirou o sorriso do rosto e olhou para Houston. Houston agitou a cabeça e deu a ele um olhar que dizia: —você deveria ter mantido sua boca fechada desta vez—. Então ele começou a bater um prego na tábua.

   —O que há errado com a minha casa?—, Dallas perguntou novamente.

   —Hm, bem… é grande—, Austin explicou.

   —Claro que é grande. Eu pretendo ter uma família grande—.

   —Bem, então não há nada de errado com ela—, Austin disse. Ele deu um prego para Maggie. —Maggie May, segure isto aqui para seu Tio Austin—.

   Dallas encarou o irmão, tentando fazer sentido com o que ele tinha ouvido. —Seu comentário não tinha nada a ver com o tamanho da casa. Eu quero saber o que você quis dizer—.

   Austin fechou os olhos e respirou rápido antes de encontrar o olhar de Dallas. —Não parece que é uma casa. É… é…— - Ele trocou o olhar para Houston que parou seu martelo.

   Dallas achou que o irmão estava procurando coragem. Ele sabia que sua casa era incomum.

   Austin olhou de volta para Dallas. —Eu acho que ela é muito feia. Bom, eu disse, mas é o que eu penso. Houston pode pensar o contrário—.

   Houston estreitou os olhos. —Me deixe fora dessa conversa, menino—.

   Dallas sentiu como se um rebanho de gado tivesse acabado de pisoteá-lo. —Você concorda com ele?— Ele perguntou a Houston.

   Houston firmou a mandíbula. —É diferente. Só isso. É apenas diferente. Não seria o tipo de casa que eu gostaria de m——.

   —A comida está pronta!—, Amelia chamou.

   —Graças a Deus—, Houston disse enquanto ficava de pé. —Eu estou morrendo de fome. O que você acha de abóbora?— - Maggie deu um gritinho enquanto ele a balançava no ar.

   Dallas se levantou e agarrou o braço de Austin antes que ele pudesse escapar. —Por que você não disse nada antes?—.

   O rosto de Austin queimou de um vermelho claro. —Você estava tão orgulhoso, e o que nós achamos não é importante. O que importa é o que Dee pensa sobre ela. Talvez você deva perguntar a ela—.

   Pergunte a ela se ela odiava a casa tanto quanto ela odiava o marido? Mesmo que ele vivesse cem anos não iria perguntar isso a ela.

   —Eu gosto da casa—, ele disse em um tom neutro.

   Austin deu a ele um sorriso fraco. —Então não há nenhum problema. Vamos comer—.

 

Depois de amarrar Precious em um arbusto próximo, Cordelia assistiu com as batidas do coração crescendo enquanto os homens se aproximavam dela. Cada um depressa se lavou na bomba d’água antes de colocar a camisa de volta. Só por aquele pequeno ato, ela estava extremamente agradecida. Ela não achava que conseguiria comer se o peito de Dallas estivesse nu.

   Ela tinha colocado três colchas ao redor da caixa de madeira. Amelia tinha colocado bifes e batatas sobre a caixa, e pratos e utensílios nas colchas.

   Amelia se sentou em uma colcha. Houston se sentou ao lado dela, Maggie se aconchegou em seus braços. —Parece bom—, ele disse.

   Cordelia sabia que era sem sentido imaginar que Austin se sentasse na colcha ao lado dela, mas ela percebeu que desejava muito isso. Ele sorriu a ela antes de se sentar na colcha oposta.

   Na colcha pequena, Dallas pareceu incrivelmente grande enquanto se sentava ao lado dela.

   —Esta não é uma das minhas vacas, é?—, Dallas perguntou.

   Houston sorriu. —Provavelmente. Ele vagou até a minha terra. O que eu deveria fazer?—.

   —Mande ele para casa—.

   —Não mesmo—.

   Austin levantou um braço. —E eu aqui? Eu sou o único sem uma mulher para compartilhar minha colcha. Maggie May, venha se sentar comigo—.

   Com o rosto brilhando com excitação, Maggie ficou de pé com um salto, cruzou a pequena área, e se jogou sobre Austin. Assobiando agudamente, Austin a puxou com seu braço bom.

   Houston pegou a filha com os braços. —Você está bem?—, ele perguntou a Austin.

   Austin empalideceu consideravelmente, mas concordou com a cabeça. —Eu estou bem—.

   —Desculpe—, Maggie disse, o lábio inferior tremendo.

   Ele sorriu. —Está tudo bem, doçura. Eu ainda estou um pouco dolorido—. Ele bateu levemente na coxa. —Só venha e se sente do meu lado, mas não se jogue em mim, certo?—.

   Mais cuidadosamente do que nunca e lentamente, ela rastejou para cima da colcha e se sentou ao lado dele.

   —O que aconteceu com o seu braço?— Cordelia perguntou. Um silêncio caiu quando todos olharam para Cordelia. O calor subiu ao seu rosto. —Eu sinto muito. Eu não pensei antes de perguntar—.

   Austin parecia desconfortável à medida que respondia, —atiraram em mim—.

   —Oh, Deus. Bandidos?—, ela perguntou, horrorizada com o pensamento.

   —Ladrões de gado—, Dallas disse enquanto batia as batatas contra o prato. —Mas eles não nos aborrecerão mais—.

   —Eu fico feliz em ouvir isto—, Cordelia disse. Ela cortava a carne em pedaços minúsculos, comendo frugalmente.

   —Você não come o suficiente para manter um pássaro vivo—, Dallas disse.

   Ela deu uma olhada rápida e encontrou o olhar dele no prato dela, sua testa enrugando profundamente. Ela não conseguiria dizer a ele que sempre que ele estava ao redor dela o estômago dava um nó tão firme que ela mal conseguia respirar.

   —Eu nunca fui de comer muito—, ela disse baixinho e voltou o olhar para o prato.

   —Acho que eu estou acostumado a ver os homens comerem—, Dallas disse bruscamente.

   —Eu nunca comi tanto quanto os meus irmãos—, ela disse. Um silêncio desesperado os cercou. Cordelia desejou que poder pensar em algo—qualquer coisa— para dizer.

   —Quando você acha que a via férrea chegará aqui?—, Amelia perguntou.

   Dallas agarrou mais batatas. —Algum dia no próximo ano—.

   —As coisas devem mudar então—, Amelia disse tranquilamente.

   —Acredito que sim. Com alguma sorte, Leighton começará a crescer tão rápido quanto Abilene. Eu quero construir uma escola. Você quer procurar um bom professor?—, Dallas perguntou.

   Amelia sorriu. —Eu adoraria. Além disso, eu tenho experiência em colocar anúncios, e nós definitivamente vamos querer alguém do Leste—.

   —Dê-me uma lista de tudo que você precisará para que assim eu possa registrar os custos antes de ir conversar com o Sr. Henderson do banco—.

   Amelia se debruçou adiante e tomou mão da Cordelia. —Dee, você gostaria de me ajudar?—.

   Cordelia deu uma olhada rápida para Dallas. Ele a estava estudando como se estivesse esperando por sua resposta. Com certeza se ele quisesse que ela ajudasse, ele teria sugerido.

   —Eu não sei nadas sobre escolas. Eu tive um tutor—.

   —Então nós aprenderemos junto—, Amelia disse.

   Cordelia agitou sua cabeça. —Não, eu não acho que posso——.

   —Nosso filho fará seu saber nesta escola—, Dallas disse. —Você deveria ter uma parte nisto—.

   Cordelia movimentou a cabeça depressa. —Certo, então eu irei—.

   —Bom—, Dallas disse bruscamente.

   Amelia apertou a mão de Cordelia. —Será divertido—.

   Sim, ela imaginou que seria, e daria a ela algo para fazer além de lavar pratos e roupas. Dallas e Austin raramente estavam dentro da casa e exigiam tão pouco de seu tempo que ela achava que possivelmente poderia ficar louca.

   A conversação se voltou para os outros aspectos de Leighton, mas eles faziam pouco sentido para Cordelia. Ela não tinha visitado a cidade desde o dia em que a terra tinha sido demarcada. Ela tinha pedido várias vezes que a levassem, mas nenhum dos seus irmãos tinham tido tempo. Ela sempre tinha achado que seria excitante assistir algo crescer do nada… como assistindo uma criança crescer e virar um adulto.

   Seu marido tinha plantado as sementes da cidade no dia em que ele tinha demarcado a terra. Ela lembrou que Boyd o tinha chamado de um bastardo mão-de-vaca naquele dia… que tinha sido um dos nomes mais agradáveis que ele tinha chamado Dallas. Ela sabia pouco sobre negócios, mas ela não via como uma escola ou a igreja que ele tinha oferecido construir para o reverendo Tucker o traria muito dinheiro.

   De fato, no pouco tempo em que ela tinha sido sua esposa, ela nunca tinha visto nenhuma evidência de sua cobiça com exceção da manhã que ele tinha recusado puxar a cerca para trás se ela o deixasse. Mas até então, ele tinha ganhado nada além de uma esposa relutante enquanto a família dela tinha ganhado acesso ao rio. Eventualmente, ele ganharia um filho enquanto sua família ganharia terra.

   Ela estava começando a pensar que Dallas escondia sua natureza avara bem… tão bem que ela se perguntava como Boyd tinha descoberto isso para início de conversa.

   —A nova adição para a casa parece ir de vento em polpa—, Amelia disse, mudando a conversa do assunto Leighton.

   —Antes da noite o andar térreo e a maior parte das paredes devem estar no lugar—, Dallas disse.

   —Fico muito agradecido por você e Austin terem desistido de seu dia de folga para construir a nossa casa—.

   —Família serve para isso—, Dallas disse.

   —Mas nós não poderemos devolver o favor. Eu não consigo imaginar você precisando aumentar sua casa—.

   —Falando na casa de Dallas—, Austin disse. —Dee, o que você acha dela?—.

   Cordelia olhou para Austin, então para Dallas que a olhava com tal intensidade que sua respiração quase parou. Palavras sem sentidas vieram a sua mente.

   —Nós precisamos voltar a trabalhar—, Dallas disse, deixando o prato vazio sobre a colcha.

   Houston gemeu e passou a mão sobre o estômago. —Eu estou muito cheio. Eu pretendo me sentar e relaxar durante um tempo—.

   —Achei que você queria os quartos—, Dallas disse.

   —Eu quero, mas a gente pode terminar no próximo domingo—.

   —Já estará muito quente no próximo domingo—, Dallas disse enquanto ficava de pé. —Eu vou voltar ao trabalho—.

   Cordelia assistiu o marido colocar a camisa de volta e andar em direção a casa.

   —Um dia, Austin, você vai aprender quando manter a boca fechada—, Houston disse.

 

Dallas pegou uma tábua robusta e a levou para o lado mais longe da casa. Ele ficou cansado de martelar o chão. Houston e Austin podiam terminar isso quando despertassem do cochilo. Os dois adormeceram embaixo dos ramos irregulares da árvore—Houston aconchegado com a cabeça no colo de Amelia, Austin com Maggie enrolada contra ele.

   Cordelia simplesmente sentou nas sombras, as mãos no colo—parecendo linda.

   Ele se perguntou se ela já tinha dado a alguém, exceto ele, a permissão de chamá-la de Dee. Não que ele tivesse perguntado… nem iria, mas Dee certamente era mais fácil de falar do que Cordelia. Ele achava que Dee ficava melhor para ela, era mais suave.

   Ele colocou outro prego na tábua contra o lado da casa e o pregou no lugar. Suor rolava nos dois lados de sua espinha. Ele estava esperando ansiosamente um banho quente à noite.

   Ele colocou outra tábua no lugar e começou a bater os pregos na madeira.

   Um bom banho quente em sua casa. Em sua casa grande.

   Ele se virou e congelou. Cordelia estava de pé ao lado dele, segurando uma caneca com água. O medo inundava seus olhos.

   —Amelia achou que você poderia estar com sede—.

   —Não foi muito sociável da parte dela mandar você até a cova do leão, mas eu aprecio a água—.

   Ele tornou a jarra da mão trêmula dela e despejou o líquido enquanto dava um longo suspiro. O olhar dele cravou no dela, ele enxugou as costas da mão na boca antes de dar a jarra de volta para ela. —Obrigado—.

   Ele ergueu outra tábua e a colocou contra a armação.

—Sobre sua casa——, ela começou.

   —Eu construirei outra para você—, ele disse enquanto alinhava a tábua. —Não faz nenhuma diferença para mim—.

   —Na verdade, eu gosto bastante dela—.

   Ele deu uma olhada rápida por cima do ombro. Ela estava segurando a caneca com tanta força que suas juntas tinham ficado brancas. —Você gosta?—.

   Ela movimentou a cabeça com força. —Sim, eu acho que é um pouco rígida… hmm, quero dizer, eu acho que ela pareceria mais amigável se você fizesse algumas decorações——.

   —Você quer dizer algo como ornamentação?—.

   —E talvez colocar alguns quadros nas paredes. Talvez um canteiro na frente. Eu podia te dar uma lista de idéias——.

   —Não há necessidade. Apenas faça—. Ele se abaixou e pregou outro prego na tábua.

   —E se você não gostar do que eu fizer?—.

   —Aparentemente meu gosto não combina com os das outras pessoas—. Ele bateu o prego. —Eu confiarei no seu julgamento. Eu tenho um catálogo do Montgomery Ward(*) em meu escritório. Peça o que você precisar de lá ou vá ao armazém geral do Oliver e pegue com ele—.

   Colocando na posição outro prego, ele a examinou por cima do ombro, esperando que ela fizesse algum comentário, mas ela estava olhando fixamente, com os olhos bem abertos, para o local onde eles tinham comido. Dallas olhou em torno das tábuas. Houston aparentemente tinha despertado de seu cochilo, tinha angulado seu corpo por sobre o da esposa, e estava apreciando sua sobremesa: os doces lábios de Amelia.

   —Não é cortês ficar olhando—, Dallas disse enquanto batia outro prego no lugar.

   —Mas é que eles… estão…—.

   —Beijando—, Dallas disse. —Eles estão apenas beijando—.

   Cordelia se virou, o rosto vermelho. —Mas eles estão muito próximos um do outro—.

   —É mais divertido assim. Aquele livro que você pegou não dizia isto?—.

   Ele não achava que o rubor no rosto dela poderia aumentar ainda mais, mas ainda assim aumentou.

   —Aquele livro tem o nome errado—, ela disse em um sussurro com medo de que alguém pudesse ouvir. —Não tem nada a ver com vida doméstica—.

   Ele não conseguiu parar de sorrir. —Mas ele tem tudo a ver com criação—.

   A confusão nublou os olhos dela. —Eu não entendo—.

   —Criação é uma palavra cortês para procriação e cuidar do gado—.

   —Você poderia ter explicado isso para mim antes que eu o pegasse—.

   Ele encolheu os ombros. —Você se casou com um rancheiro. Achei que não faria mal a você ler o livro. Dará algo para a gente discutir no jantar—.

   Os olhos dela se arregalaram. —Não dará não!—.

   O sorriso dele diminuiu até que desapareceu e os lábios ficaram apenas uma linha endurecida. —Não se você não conseguir pensar em qualquer outra coisa para conversar durante nossas refeições. Eu estou ficando cansado de comer em silêncio. Se eu quisesse isto, ficaria longe da casa e comeria—.

   —Eu não percebi que você queria conversar enquanto nós comemos. Em casa eu não tinha permissão para falar durante as refeições—.

   —Parece que o seu pai e o meu tinham a mesma atitude: as crianças eram para serem vistas e não ouvidas, mas você não é mais uma criança—.

   —Não, mulheres... mulheres eram para serem vistas e não ouvidas—.

  

(*) N. da R.: Montgomery Ward (posteriormente conhecida como Wards) era uma antiga cadeia de lojas de departamentos americana, fundada como o primeiro negócio de pedido por correio do mundo em 1872 pela Aaron Montgomery Ward. Na época, era uma das maiores lojas varejistas nos Estados Unidos, mas as vendas diminuíram forçando a Montgomery Ward original a fechar todas as suas lojas no varejo e operações de catálogo em 2001. Depois de uma ausência de quase quatro anos, a marca Montgomery Ward foi reativada como uma loja varejista online até o final de 2004, quando a Direct Marketing Services Inc comprou a maior parte dos ativos. Atualmente, a companhia não tem nenhuma loja no varejo.

 

Dallas agitou a cabeça com descrença. —Eu fico o dia todo ouvindo o mugir do gado e as vozes ásperas dos homens. À noite, eu gostaria de ouvir a voz suave de uma mulher—.

—Eu tentarei pensar em algo que a gente possa discutir durante as refeições—.

   —Bom—. Ele voltou para sua tarefa. —Antes de nós partirmos, você precisa dizer a Houston que gostaria de escolher um cavalo. A Beauty pertence à Maggie. Acho que esta na hora de pararmos de ficar com ela emprestada—.

 

Com as sombras do início da noite surgindo, Dallas se debruçou contra a viga de madeira da varanda da frente da casa e olhou fixamente de Houston para Cordelia de pé no curral conversando com o irmão. Conversando, sorrindo, ocasionalmente rindo.

   Ele nunca antes tinha ouvido seu riso doce. Soou tão inocente quanto ela mesma.

   —Você gostaria de algo para beber?—, Amelia perguntou a ele.

   Sem tirar os olhos de sua esposa, Dallas colocou os dedos em volta do vidro de limonada que Amelia ofereceu. —Meu irmão parece ter se tornado um cavalheiro—.

   —Ele não é uma ameaça para ela—, Amelia disse suavemente.

   Dallas empurrou a cabeça para o lado. —E você acha que eu sou?—.

   —Ela acha que você é—.

   —Cristo, eu não sei como ela pode pensar isto. Eu não a toquei no dia em que me casei com ela—.

   —Com que frequência você a chama pelo nome desde que vocês estão casados?—.

   —O que isto tem a ver?—.

   —Você está aqui desde o amanhecer, e nenhuma uma vez eu o ouvi falar o nome dela. Uma mulher gosta de ouvir seu nome de vez em quando—.

   —O nome dela prende a minha língua—.

   —O nome dela não é tão diferente do meu, e você nunca teve qualquer dificuldade com ele—.

   —É muito diferente. Seu nome é suave. O nome dela é… rígido… como uma pilha de madeira—.

   —Eu gosto do nome dela—.

   —Bom, eu não—.

   Ela bateu no braço dele, e um pouco de limonada espirrou de dentro do copo e caiu na mão dele. Ele deu um passo para trás. —Droga!—.

   Ela bate nele novamente. —Então a chame de qualquer outra coisa—.

   —Como o quê?—.

   —Docinho—.

   Ele fez uma careta.

   —Amor, querida—.

   —Eu não consigo ver essas palavras saindo da minha boca—.

   —Então ache uma palavra qualquer, mas diga algo—.

   —Por quê? Ela nunca disse meu nome também—.

   —Você está agindo como um garotinho de dois anos de idade—.

   Ele se sentiu um tolo, assistindo sua esposa com outro homem, vendo como ela estava se divertindo como nunca tinha em um único momento ao lado dele.

   Amelia esfregou o braço dele. —Eu sinto muito. Realmente não é da minha conta. Eu só quero te ver feliz—.

   —Eu serei assim que tiver meu filho—.

   Uma tristeza surgiu no rosto dela. —Um filho é tão importante assim para você?—.

   —Sim. Esse é o único sonho que eu ainda não alcancei—.

   —Por que você tirou os votos de amar e cuidar do seu casamento?—.

   Ele trocou o olhar para o vidro da limonada, a verdade tão amarga quanto à bebida em sua mão. —Eu não sou um homem fácil, Amelia. Eu sei disto. O amor não é algo que ela provavelmente vai me dar. Não vi a necessidade de pedir a ela para jurar um voto que ela não poderia manter—. Ele deu o vidro de volta para ela. —Nós precisamos sair antes que a escuridão chegue—. Ele andou para fora da varanda.

   —Você não se dá o valor suficiente—, ela disse suavemente.

   Com um sorriso triste, ele deu uma olhada rápida para ela. —Parece que eu me dou demais. Se eu dissesse a ela que ela poderia partir e ainda assim eu puxasse a cerca para trás, ela iria embora antes da primeira estrela aparecer.

 

Dallas cruzou os braços sobre a grade e olhou fixamente para as estrelas. Passar o dia com a família do irmão nitidamente tinha mostrado o que estava faltando em sua vida: não só um filho, mas também os olhares quentes que Houston e Amelia trocaram ao longo do dia e que revelavam a profundidade do amor deles um pelo outro sem que uma única palavra fosse dita.

   Ele não esperava que Cordelia olhasse para ele do mesmo modo que Amelia olhava para Houston: como se ele possuísse a lua e as estrelas. Se ele fosse um homem amável, ele libertaria Cordelia, a enviaria de volta para o pai sem saber o gosto completo de sua boca, sem sentir a pele dela sob suas mãos, o som de seu gemido quando ele despejasse nela sua semente.

   Mas ele não era um homem amável. Ele queria beijá-la novamente, mais profundamente que antes, com sua boca devorando a dela. Ele queria passar as mãos pelos seios dela, sentir sua cintura fina e seus quadris delgados. Ele queria ouvir seus suspiros, gemidos e gritos sufocados.

   Ele a queria em sua cama—ele gemeu frustrado. Ela já estava em sua cama. O problema era que ele não sabia como voltar para a própria cama sem bater na porta e ver o medo refletido nos olhos dela.

   Ele pensou em deslizar pelo quarto na calada da noite, se aninhar ao lado dela e cobri-la de beijos—

   —Dallas?—.

   Ele se voltou hesitante com a voz suave de Cordelia. Ela tinha ido ao estúdio dele logo depois que eles tinham retornado para casa para que pegasse o catálogo. Ele esperava que ela o folheasse com ele no escritório, mas ela apenas o tinha agarrado e corrido para fora como um coelho assustado. Ele não a viu desde então, e ele assumiu que ela tinha ido para a cama— mais uma vez sem ele.

   Ele cruzou os braços por cima do peito nu e desejou por Deus que seus pés não estivessem descalços. Ele se sentia nu e escolheu usar a raiva. —O que você está fazendo aqui?—.

   —Austin me disse para vir conversar com você—.

   Primeiro Amelia. Agora Austin. Parecia que toda sua família estava tentando empurrar a mulher sobre ele. Infelizmente, ele queria que ela fizesse isso de vontade própria.

   Cautelosamente, ela foi para mais perto do curral e correu o dedo ao longo da grade. —Eu vejo você aqui fora frequentemente. Você tem dificuldade em dormir?—.

   —Eu tenho muita coisa na mente—.

   —Como o quê?—.

   Os seus olhos lindos. A sua pele que parece tão suave. O seu cheiro doce. A vontade que eu tenho de te abraçar.

   —Minha marca. Eu preciso mudá-la—.

   —Por quê?—.

   Porque eu não tenho uma mulher há anos, desde que tive Amelia.

   —Porque o símbolo não está mais certo—.

   —O que aconteceu para mudá-lo, fazê-lo ficar errado?—.

   Destino.

—Quando eu comprei esta terra, eu usava D de Dallas. Quando Amelia concordou em se casar comigo, eu adicionei um A. Eu o curvei ao lado do D para que as letras se juntassem. Só que eu e ela não nos ‘juntamos’. Você e eu estamos juntos, então eu preciso mudar o símbolo, mas a letra do seu nome não fica legal inclinada contra o D. Um C e um D apenas parecem que são dois ‘Des’ de costas um para o outro, assim eu estou tentando achar um modo de colocar o C e o D juntos para que assim eles pareçam com eles mesmos e não outras letras—. E divagando como um idiota no processo.

   Ela manteve o olhar no luar. —Você a amou?—.

   —Quem?—.

   Ela abaixou os cílios. —Amelia. Você a amou?—.

   Ele passou os dedos polegar e indicador pelo bigode. Ele nunca tinha se parado para fazer aquela pergunta. Talvez ele devesse. —Eu gostava dela. Ela deu graça na minha vida enquanto estava aqui, mas não, eu não a amei. Não do modo como Houston a amava na época; Não tão profundamente quanto ele ama agora—.

   —Eles parecem felizes—.

   —Eu acho que eles são—.

   Ela pisou no degrau da parte inferior da cerca. Os pés dela se enrolaram em torno da madeira. Ele pensou em tocar os pés descalços nos dela, roçar das solas até o tornozelo delicado dela.

   Esticando-se, ela se debruçou contra o curral. Dentro das sombras da noite, ele podia ver a curva dos seios dela se apertarem contra a roupa. Ele sentiu o desejo de tirar as roupas dela de cima dos ombros, tocar os seios, e sentir a pele acetinada dela contra as palmas de suas mãos crespas. Ele cravou os dedos nos próprios braços para afastar deles a vontade de tocá-la quando ela parecia tão serena.

   —Eu acho que costas com costas seria bom—, ela disse suavemente.

   Costas com costas? A mulher era incrivelmente inocente. Costas com frente poderia dar certo, apesar de que ele preferia frente com frente. Ele nunca tinha conhecido uma mulher tão alta quanto ela. Apertada contra ela, ele imaginava que ele acharia muito pouco de seu corpo que não encontraria o calor da pele dela. Coxa contra coxa. Cintura contra cintura. Peitos contra peitos. Seus ombros poderiam ser um pouco mais altos do que os dela, mas ele poderia muito bem conviver com isto.

   Ela deu uma olhada rápida para ele. —Cameron me chama de Dee. Eu prefiro esse nome a Cordelia, então, seriam dois ‘Des’ um de costas para o outro e poderia ficar legal—.

   —Dois ‘Des’ um de costas para o outro?— Ele se virou para ela com a respiração ofegante. —Minha marca. Você está falando sobre a minha marca—.

   —Sobre o que você achou que eu estava falando?—.

   Ele deu um aceno com a cabeça aos arrancos. —Minha marca. Eu achei que você estava falando sobre a minha marca—.

   Ela angulou a cabeça como se não acreditasse no que ele tinha dito e quisesse entender o que ele exatamente tinha pensado. Ele colocou as mãos suadas dentro do bolso da calça. —Por que ele te chama de Dee?—.

   —Quando ele era um bebê, Cordelia era muito difícil para ele, então ele começou a me chamar de Dee. Eu nunca gostei de Cordelia mas nós não escolhemos nossos nomes… ou nossas famílias—.

   Ele percebeu que na última semana, ela tinha aprendido mais sobre sua família do que gostaria de saber. Houston tinha dito a ele o que tinha escutado no escritório de Dallas, e isto custou a ele toda a determinação que tinha para não dar uma visita aos McQueens. Ele amaldiçoou Houston várias vezes por tê-lo feito prometer que não faria nada depois de ouvir o que ele tinha a lhe dizer e só depois lhe contou a história.

   —Eu ouvi Austin e Amelia chamarem você de Dee. Eu poderia te chamar assim se você quisesse—.

   —Eu gostaria—.

   —Certo. Eu colocarei dois ‘Des’ na nossa marca—.

   Ela levantou o rosto em direção às estrelas. —O que acontece com os seus homens quando eles se casam?—.

   Assim como o corpo, a garganta dela era longa e esbelta. Ele andou para mais perto do curral e descansou o cotovelo na grade superior para que assim ele a pudesse ver mais claramente. —Eles não se casam—.

   —Nunca?—.

   —Não um peão de rancho. Se um homem quer formar uma família, ele tem que economizar seu pagamento, comprar alguma terra, e começar sua expansão para que assim ele tenha um lugar para sua família viver—.

   —Você não acha isso triste?—.

   —Nunca tinha pensado muito sobre isto. É assim que as coisas são. Um vaqueiro sabe disto desde o início—.

   Ela pareceu meditar sobre a resposta. Ele desejou saber o que ela estava pensando, desejava saber o que ela faria se ele pusesse um pé na grade, embalasse o rosto frágil dela com suas mãos largas e a beijasse.

   Ele tinha o direito—

Ela parou de olhar para as estrelas. —Austin irá para a cidade amanhã de manhã. Posso ir com ele?—.

   Ele ignorou o orgulho ferido por ela preferir viajar para a cidade com o irmão dele. Ele com toda alegria a levaria se soubesse que ela queria ir. —Você não é uma prisioneira aqui. Você pode fazer qualquer coisa que queira. Você não tem que me pedir permissão—.

   —Eu posso fazer qualquer coisa?—, ela perguntou.

   —Você não pode voltar para casa—, ele respondeu depressa, certo de que os pensamentos dela iam naquela direção.

   Ela levantou um pouco o queixo, quase que desafiadoramente. —Você diz que me dá liberdade, entretanto você delimita as minhas escolhas, o que tira a liberdade—.

   Ela saiu da grade. —Obrigada por me dar a permissão de sair com Austin amanhã—.

   Ela foi para longe. Ele queria agarrar sua trança, puxá-la com uma mão até que o rosto dela estivesse próximo do dele… e a beijaria até que nenhum dos dois tivesse qualquer escolha.

 

Estudando as palavras que tinha escrito antes de ir dormir na noite anterior, Cordelia lentamente mastigou um biscoito. Ela sabia que liberdade era uma ilusão. Ela poderia ir e vir para onde quisesse contato que ela não fosse aonde ela queria—um lugar no qual ela vivesse sob a própria sombra.

   Ainda assim, ela tinha a intenção de apreciar o dia. Até a aparente falta de interesse de Dallas em seus tópicos não iria acabar com seu bom humor. Ela deu uma olhada rápida para as notas. —Por que você acha que as folhas mudam de cor no outono?—.

   Com o garfo com ovo a meio caminho da boca, Dallas parou. —Porque elas morrem—.

   —Entendo—. Ela olhou para Austin. —Você acha a mesma coisa?—.

        Olhando para ela por cima da borda da xícara, com o vapor do café subindo, e bom humor nos olhos, ele concordou com a cabeça.

   Ela retornou a atenção para a lista. Ela tinha ficado incrivelmente contente consigo mesma na noite anterior por te caminhado até o curral para pedir a Dallas permissão para montar até a cidade com Austin. Claro, Austin a tinha empurrado porta afora e fechado a porta, forçando-a a achar coragem para enfrentar o marido, mas ela a achou… eventualmente.

   —Qual é a sua cor favorita?—.

   —Marrom—.

   Ela ergueu o olhar. —Marrom? De todas as cores no mundo, por que você gosta de marrom?—.

   Dallas não conseguiu se forçar a dizer a ela a verdade. Ele preferia o marrom porque os olhos dela eram marrons. A única vez que ele os tinha visto sem medo ou cautela os nublando, eles o tinham hipnotizado. —Eu apenas gosto—.

   —Oh—.

   Ela olhou para seu pedaço de papel, e Dallas se impediu de fazer um resmungo sarcástico. Ele a ameaçou com uma discussão sobre criação se ela não conversasse então ela trouxe uma lista de tópicos para a mesa esta manhã e passava o dedo sobre eles, procurando coisas para discutir.

   Vento. Chuva. A forma das nuvens. O tempo inteiro ela falou sobre coisas, ele descobriu que queria conversar sobre ela. O que ela temia quando era menina. Se ela sonhava. Se era só.

   Ele empurrou a cadeira para trás, e ela levantou a cabeça. Ele ficou de pé, caminhado para o fim da mesa, e colocou um envelope ao lado do prato dela.

   —O que é isto?—, ela perguntou.

   —Dinheiro para os gastos—. Por mais de uma hora, ele pensou em quanto deveria dar a ela, temendo que muito pouco ou demais pudesse ofendê-la. Ele não tinha nenhuma idéia de quanto dinheiro uma senhora precisava e então se decidiu por vinte dólares. —Se não for suficiente, você pode pôr as compras na minha conta, e eu cuidarei disto da próxima vez que for à cidade—.

   Ela deslizou o dedo por cima do envelope, e ele se perguntou qual seria a sensação de ter os dedos longos dela passeando sobre seu peito.

   Ela o estudou. —Obrigada—.

   —Você é minha esposa. Eu devo cuidar para que não te falte nada—. Ele encarou Austin. —Cuide dela ou eu arrancarei seu couro e colocarei para secar—.

   Ele saiu do quarto, perguntando-se por que ele não poderia ter simplesmente se debruçado, a beijado na bochecha, e dito a ela que apreciasse o dia.

 

Cordelia se divertiu muito em montar com Austin. Ele tinha muito mais paciência do que seu irmão mais velho. Ele já a tinha ensinado como colocar Lemon Drop(*) em trote. Ela adorou sentir o vento levantar os cabelos e fazê-los bater no rosto, o movimento da égua dourada embaixo dela, e o conhecimento de que ela estava no controle do animal.

   Se ela pudesse controlar o marido com esta facilidade. Se ele a deixasse livre.

   Ela diminuiu a velocidade do cavalo para um passeio. Ao lado dela, Austin fez o mesmo.

   —Você fez direitinho—, ele disse sorrindo amplamente.

   Ela sentiu um calor nas bochechas. —Ela é um bom cavalo—.

   —Esse é o único tipo que Houston cria—.

   —Você acha que nós vamos trabalhar na casa deles neste domingo de novo?—.

   —Estou certo que sim. Dallas não é de deixar um trabalho no meio—.

   —Não, eu não imagino que ele seja—. Ela trocou a posição do traseiro em cima da sela. —Por que seus pais deram para vocês nomes de cidades do Texas?—.

   —De acordo com Houston, nosso pai tinha uma veia errante e nós temos o nome da cidade que ele estava vivendo no momento em que nascemos. Eu não me lembro do nosso pai, mas Houston diz que Dallas é muito parecido com ele, diz que essa é a razão pela qual Dallas comprou tanta terra. Para que ele pudesse andar por toda a parte e ainda assim estar em casa—.

   Sua resposta deu algo para que ela pensasse. Ela se perguntou se Dallas tinha desejado criar raízes enquanto estava crescendo da mesma forma que ela tinha desejado partir. Ela tirou uma sujeira da saia de montaria. —Eu estava me perguntando se…—.

   Austin tirou o chapéu de cima da sobrancelha. —Sim, madame—.

   —Meu pai envia alguém para a cidade toda semana para buscar material. Não seria bem melhor para você se você trouxesse uma carroça e não precisasse ir todo dia à cidade para buscar material?—.

   O rosto de Austin ficou quase da cor de uma beterraba enquanto ele arrastava o chapéu. —Eu não estou indo para a cidade buscar material. Dallas envia Pete para trazer as coisas—.

 

(*) N. da R.: Lemon Drop = Pastilha de Limão.

 

   —Então por que você vai todos os dias?—.

   Ele limpou a garganta. —Porque eu gosto—.

   —Dallas não se importa?—.

   —Contanto que eu faça meu trabalho, ele não se importa—. Ela pensou na resposta dele. Seus dias eram longos, suas noites muito mais longas. Ela se perguntava se ela conseguiria achar algo na cidade que a ajudasse a passar o tempo.

   Aumentando o aperto nas rédeas, Cordelia olhava fixamente enquanto Leighton surgia. Meia dúzia de edifícios de madeira quadriculados na rua empoeirada e larga. Nos subúrbios da cidade, parecia que as pessoas tinham montado as barracas a esmo.

   Os trabalhadores estavam martelando a armação de um edifício. O odor de serragem enchia o ar. Ela nunca tinha visto algo assim.

   O dia que Dallas tinha anunciado que separaria este pedaço de terra para construir uma cidade, ela viu nada além de pradaria aberta. Ela não tinha retornado desde então.

   Ela sabia que a cidade tinha adquirido uma costureira e um armazém geral. Ela não sabia sobre a taverna, o banco ou a prisão.

   —O que eles estão construindo?—, ela perguntou a Austin enquanto ele levava os cavalos até o centro da cidade.

   —Uma hospedaria para cavalos e uma ferraria—.

   —Realmente vai ser uma cidade—, ela disse assombrada. —Boyd disse que isso nunca aconteceria. Que Dallas era um bobo—.

   —Boyd é o tolo—, Austin disse. —Eu nunca vi Dallas falhar em qualquer coisa—.

   Austin parou os cavalos na frente de um prédio de frente falsa que se declarava como ARMAZÉM GERAL DO OLIVER. Ele desmontou, amarrou ambos os cavalos, então estendeu os braços para ajudar Cordelia a desmontar.

   Uma cidade inteira para se caminhar. Bem, não era ainda uma cidade inteira, mas seria um dia, e seu marido era o responsável por isso. Um construtor de império.

   Talvez ele fosse mais. Um construtor de sonhos.

   Como é que alguém sabe por onde deve começar?

   Austin abriu a porta que levava até o armazém geral. Assim que entrou no edifício, tirou o chapéu e um sorriso fácil surgiu nos cantos de sua boca.

   Becky Oliver estava de pé em uma escada, colocando bens enlatados em uma estante. Ela deu uma olhada rápida por cima dos ombros, os olhos azuis ficando mornos.

   Cordelia achou que tinha descoberto o interesse de Austin para vir à cidade todo dia.

   —O que eu posso fazer por você?—, perguntou um homem calvo de pé atrás do contador.

   Cordelia lembrou que tinha sido apresentada a Perry Oliver em seu casamento.

   Becky revirou os olhos e desceu da escada. —Oh, papai, você misturou as palavras novamente—.

   Ele piscou para Cordelia. —Jovens. Eles nunca estão felizes com o que seus pais fazem—. Ele olhou para Austin. —Bem, jovem, o que traz você à cidade hoje?—.

   —Dee precisa de algumas coisas então eu a trouxe até a cidade—.

   Cordelia lutou para manter a surpresa longe do rosto. Ela não precisava de nada, mas Austin deu a ela um olhar que implorava que ela entrasse na farsa com ele. Como ela poderia resistir ao apelo daqueles olhos azuis?

   —O que você precisa, Sra. Leigh?—, Sr. Oliver perguntou.

   Sra. Leigh? Ela achou que ela nunca se acostumaria a aquele nome. —Eu… hm… livros… eu preciso de alguns livros—.

   Os olhos do Sr. Oliver se arregalaram. —Você já leu aqueles livros que seu marido comprou na semana passada?—.

   Cordelia deu uma olhada rápida para Austin. Ele simplesmente encolheu os ombros. Ela não tinha nenhuma idéia dos livros que seu marido tinha comprado. Sem dúvida mais coisas de criação. —Não, ele não os compartilhou comigo—, ela finalmente confessou.

Sr. Oliver esfregou a palma da mão sobre a cabeça calva brilhante. —Isto é estranho. Ele disse que eram para você. Disse que você gostaria de ler—. Ele olhou com os olhos azuis pálidos semicerrados e enrugou os lábios. —Vamos ver. Eu tinha Um Conto de Duas Cidades(*) e Silas Marner(**). Ele comprou ambos—.

   As palavras faltaram para Amelia. Se Dallas tinha comprado os livros para ela, por que não tinha dito a ela? Se ele não os tinha comprado para ela, por que disse ao Sr. Oliver que tinha?

   —Eles eram tudo o que eu tinha em estoque—, Sr. Oliver continuou. —Ele me disse que quando eu trouxesse mais livros, era para guardar até que ele desse uma olhada neles—.

   O sino em cima da porta tiniu quando um jovem entrou indecisamente na loja. Seu cabelo preto tinha uma necessidade medonha de um corte e seu rosto de uma boa esfregada. Seus pés nus se embaralhavam com a cor do chão de madeira enquanto ele se aproximava do contador e colocava as mãos no bolso de seu sobretudo. Uma alça arrastava pelas suas costas já que ele não tinha nenhum botão na frente do seu sobretudo para segurá-lo no lugar. Parecia que o botão no outro lado não iria ficar com ele por muito mais tempo também.

   Perry Oliver se debruçou por sobre o contador. —Bem, Sr. Rawley Cooper. O que eu posso fazer por você hoje?—.

   O menino jogou algumas moedas no contador. —Meu pai está precisando de um pouco de material de fumo—.

   —Eu tenho um pouco aqui nos fundos—, Sr. Oliver disse enquanto desaparecia atrás do contador.

   O menino olhou para os potes de doce coloridos que enfileiravam o contador. Cordelia não achava que ele tinha mais que oito anos. Seus olhos negros se viraram para o Sr. Oliver quando o homem colocou uma bolsa com tabaco e alguns papéis no contador.

   —Obrigado—, o menino disse enquanto colocava o material no bolso e se virava para partir.

 

(*) N. da R.: A Tale of Two Cities (Um Conto de Duas Cidades) é um romance histórico de autoria de Charles Dickens lançado em 1859; trata de temas como culpa, vergonha e retribuição. O livro cobre o período entre 1775 e 1793, da Independência americana até o meio do período da Revolução francesa.

(**) N. da R.: Silas Marner: o Tecedor de Raveloe, é uma novela dramática escrita por George Eliot (pseudônimo de Mary Ann Evans) que foi primeiramente publicado em 1861. Depois de ser injustamente acusado de um crime e expulso de sua comunidade, o tecelão Silas Marner torna-se avarento e recluso. Uma estranha sequência de acontecimentos e o aparecimento de uma criancinha transformam sua vida. Conto da vida rural e drama simbólico de pecado e arrependimento.

 

—Espere um minuto, Rawley. Você me deu dinheiro demais—, Sr. Oliver disse enquanto colocava um dedo gordinho em um centavo de cobre e o deslizava através do contador.

   Rawley parecia em dúvida enquanto olhava de lado entre o Sr. Oliver e o centavo. Indecisamente, ele colocou a mão suja sobre a moeda.

   —Eu estou vendendo alcaçuz por um centavo hoje—, Sr. Oliver disse. —Não creio que seu pai vai sentir a falta de um centavo—.

   Rawley agitou a cabeça, agarrou o centavo, e saiu apressado da loja.

   —Você deveria ter dito que era de graça—, Austin disse.

Sr. Oliver agitou a cabeça. —Tentei isto. O menino tem orgulho demais para pegar algo de graça. Nunca tinha visto algo assim. Considerando o pai que tem, eu não sei como que ele consegue manter seu orgulho vivo—.

   —Quem é o pai dele?—, Cordelia perguntou.

   —Um dos trabalhadores que estão construindo os edifícios, embora chamá-lo de trabalhador é algo meio duvidoso. Principalmente porque joga fora o que recebe em bebida—.

   —Onde está a mãe do Rawley?—, Cordelia perguntou.

   —Morta, eu creio—.

   Austin puxou duas sarsaparilla de um pote. —Ponha na minha conta—, ele disse enquanto ia em direção à porta.

   —Ele não ficará com eles—, Sr. Oliver disse atrás dele.

   Austin abriu um sorriso radiante. —Eu posso ser bastante encantador quando quero—.

   Enquanto a porta se fechava atrás dele, Cordelia foi para longe do contador, sentindo-se tímida sem Austin ao seu lado. —Eu vou dar uma olhada—.

   Sr. Oliver concordou com a cabeça. —Diga-nos se precisar de qualquer coisa—.

   Cordelia caminhou para o lado mais distante da loja, não certa do que deveria fazer se achasse algo que quisesse comprar. Ela se sentia vulnerável e perdida, como uma criança que perde a mão da mãe em uma multidão.

   Ela tinha vinte e seis anos de idade, e não tinha nenhuma idéia de como comprar uma tiara para seu cabelo. Seu pai e irmãos tinham o hábito de trazer tudo para ela enquanto ela cuidava da mãe.

   O hábito tinha permanecido muito tempo depois de sua mãe falecer.

   Antes ela se sentia mimada, agora ela sentia medo.

   Ela tinha se permitido ficar dependente da generosidade de sua família, e eles tinham agora tirado essa generosidade dela. Ela se virou na direção das suaves passos.

   Becky sorriu para ela. —Achou alguma coisa que queria?—.

   Cordelia torceu as mãos juntas. Ela supôs que deveria começar a transformar a casa de Dallas em um lar. —Eu estava procurando por alguns tapetes—.

   —Nós temos alguns aqui—, Becky disse. Cordelia passou por barris e caixas e seguiu Becky para o outro lado da loja. Becky bateu levemente em uma pilha de tapetes.

   —Isto é tudo o que nós temos. Olhe e me diga se você quiser um—.

   Cuidadosamente tentando não bagunçar a pilha, Cordelia tirou um tapete de cada vez e o examinou. Ela queria algum que tivesse marrom, a cor favorita de Dallas.

   —Eu certamente fiquei surpresa quando ouvi que Dallas iria se casar com você—, Becky disse.

   Cordelia deu uma olhada rápida por cima do que tinha selecionado e sorriu. —Eu acho que você não sabia que os meus irmãos tinham uma irmã—.

   —Oh, eu ouvi os rumores—, Becky disse. —Eu fiquei surpreso por Dallas ter casado com você depois que Boyd atirou em Austin—.

   O coração de Cordelia bateu rápido contra o peito, e ela pôde sentir o sangue fugindo de seu rosto.

   Os olhos de Becky se arregalaram. —Oh, meu Deus. Você não sabia?—.

   Cordelia abaixou o olhar para o chão. Por que uma fenda não se abria e a tragava por inteiro?

   —Eu estou certa de que Dallas o perdoou, caso contrário ele não teria se casado você—.

   A porta se abriu, e Austin entrou na loja, uma sarsaparilla sobressaindo na boca. —Bem, eu consegui. O menino ficou com uma—.

   Ele andou até Cordelia, ou passos confiantes. —O que você tem aí, Dee?—.

   —T-tapetes. Eu achei que… eu pensei em comprar um para a casa—.

   —Isso seria bom—, Austin disse, falando com a sarsaparilla na boca. —Qual?—.

   Cordelia depressa procurou na pilha e pegou o tapete marrom. —Este aqui—.

   Becky pegou o tapete. —Eu embrulharei para você e colocarei na conta de Dallas. Você pode pegar depois do seu passeio se quiser—.

   —Nós podemos ir para casa agora?—, ela pediu a Austin.

   —Achei que você queria ver o resto da cidade—.

   —Oh, sim, eu esqueci—. Ela não conseguia olhar para Austin sabendo que seu irmão tinha atirado nele.

   Austin pegou no braço dela. —Vamos, Dee, você está pálida. Vamos tomar um pouco de ar—.

   Ela permitiu que ele a levasse para fora. Então ela escapou do baço dele e cruzou a pequena passarela de madeira, e envolveu a grade com as mãos trêmulas.

   Austin estudou a mulher que agarrava a grade como se tivesse medo de se afogar sem ela. Ele tirou a sarsaparilla da boca. —O que aconteceu, Dee?—.

   Ela olhou para ele, com raiva e dor misturadas nos olhos. O estômago dele se contorceu, e ele lutou contra o desejo de tocá-la, e tentar apagar a dor e a raiva. —O que eu fiz?— Ele disse com a voz baixa.

   —Boyd atirou em você—.

   Ele enrugado a testa. —Sim?—

   —Você disse que eram ladrões de gado—.

   —Dallas disse que eram ladrões de gado—.

   —Por quê?—.

   Austin encolheu os ombros. —Talvez porque ele achasse que você não acreditaria nele, ou talvez porque ele estava tentando evitar que você se machucasse. Sentado naquela sombra, comendo, não parecia certo dizer que Boyd tinha atirado em mim. Eu creio que Dallas pensou do mesmo modo—.

   —Mas Boyd atirou em você—.

   —Becky disse isto a você?—.

   Ela concordou com a cabeça.

   —Droga, aquela menina tem uma boca grande—.

   —Por que ele atirou em você?—.

   —Não acho que ele fez de propósito. Ele estava atirando e eu entrei no caminho—.

   Lágrimas brotaram nos olhos dela. —Eu não tenho nenhum amigo, Austin. Eu preciso de um amigo agora. Seja meu amigo—.

   —Certo. Quando você quiser—.

   —Amigos nunca mentem um para o outro—, ela disse.

   Com o dedo polegar, Austin levantou o chapéu da sobrancelha, desejando que ele tivesse demorado um pouco mais para concordar em ser amigo dela. —O que você quer saber?—.

   —Você sabe o que aconteceu na noite em que Dallas quebrou o braço do Boyd?—.

   —Sim. Foi a noite que eu levei o tiro—.

   —Boyd estava cuidando do gado? E você, Dallas e Houston o atacaram?—.

   Austin tirou o chapéu e olhou para o céu, perguntando-se de onde a sabedoria vinha.

   —Eu quero a verdade—, ela disse. —Eu estou casado com um homem que se moveu furtivamente em cima do meu irmão no meio da noite e quebrou seu braço?—.

   Ele abaixou o olhar para o dela. Dentro de seus olhos marrons, ele viu um clarão de esperança, e ele se perguntou o que a machucaria menos—a verdade ou a mentira.

   —A verdade—, ela sussurrou como se percebesse a hesitação dele.

   —Não, você não está casada com um homem que se moveria furtivamente e atacaria alguém. Não é o jeito do Dallas. Nunca foi. Ele encara todos os problemas ‘de frente’. Seus irmãos tinham o hábito de cortar a cerca de Dallas e matar seu gado. Aquela noite nós estávamos esperando por eles. Quando a dor rasgou meu ombro, tudo ficou preto, mas Houston disse a mim que Dallas tinha arrastado Boyd pelo rio. Eu acho que o braço dele deve ter batido em uma pedra ou algo e se quebrou mas eu sei que Dallas não fez isto de propósito—.

   —Dallas me assusta, Austin—.

   Austin não conseguiu impedir de dar um passo para mais perto e envolvê-la com os braços. —Eu sei. Eu vejo isto nos seus olhos cada vez que você olha para ele. Ele vê isto, também, e fica louco, isso o assusta mais do que você e o deixa furioso. É um círculo vicioso que você não parecer capaz de sair—.

   —As coisas que Boyd me disse… eu não sei mais no que acreditar—.

   Austin deu um passo para trás e envolveu o queixo dela com uma mão. —Bem, você pode tentar olhar para ele com seus olhos e não com os de Boyd. Finja que você acabou de encontrá-lo e que nunca ouviu nada sobre ele—.

   —Eu acho que ainda assim ele me assustaria—.

   Austin riu. —Ele me assusta até o último fio de cabelo. E Houston, também—. Ele ficou sombrio. —Mas ele nunca machucaria você, Dee. Eu sei disto—.

   —Mas ele não vai me libertar—.

   —Se ele fizesse, o que você faria? Viver com a sua família era melhor do que a vida que você tem agora?—.

   —Eu preciso de algo mais, Austin. Eu não sei o que, mas eu sei que eu preciso de algo mais que nem Dallas ou a minha família tem o poder para me dar—.

   Ele a trouxe para mais perto, apertando sua bochecha contra o topo da cabeça dela. —Então eu desejo que você encontre, Dee. De verdade—.

 

Dallas saiu do banco e pediu a Deus para que ele não tivesse desesperadamente procurado por uma desculpa para entrar na cidade. Ele esperava casualmente cruzar o caminho de sua esposa, talvez caminhar pela cidade com ela.

   Ele não esperava vê-la na passarela de madeira embrulhada firmemente dentro dos braços de seu irmão.

   Austin olhou para cima e seus olhos azuis se arregalaram. —Dallas!—, como uma serpente que já matou sua presa asfixiada, Austin lentamente se desenrolou de Cordelia. —Não sabia que você tinha planos de vir até a cidade—.

   —Obviamente—. Dallas cerrou os punhos e suas mandíbulas se apertaram, seu olhar indo do irmão para a esposa. O terror retornou aos olhos dela, e ele imaginava que agora ela tinha uma boa razão para temê-lo.

   Com o andar relaxado, Austin o abordou. —Dee descobriu que Boyd atirou em mim. Ela estava um pouco brava por nós não termos sidos sinceros, por termos dito que tinham sido ladrões de gado. Eu estava só tentando acalmá-la—.

   Dallas encarou o irmão. —Você não me abraça quando eu estou bravo—.

   Austin começou a rir. —Eu irei se você quiser porque eu acho que agora é a hora certa para isso—. Esticando os braços e balançando a cabeça, ele mostrou um sorriso contagiante que Dallas estava certo de que ele usaria para encantar as damas se houvesse alguma ao redor. —Quer um abraço?—.

   Dallas deu um passo para trás. —Diabos, não—. Dallas virou sua atenção para Dee. Ela o estava estudando como se ele fosse um estranho, o que ele tinha percebido que era. O que ela realmente sabia sobre ele? O que ele sabia sobre ela?

   —Como ela descobriu?—, ele perguntou.

   Austin empurrou a cabeça na direção do armazém geral. —Becky—. Ele esfregou as mãos nas coxas. —Escute, Dee nunca visitou Leighton. Você poderia mostrar a cidade a ela enquanto eu converso com Becky durante algum tempo?—. Austin virou a cabeça. —Você não se importa de ir com Dallas, não é, Dee?—.

   Dallas assistiu sua esposa ficar pálida antes de finalmente concordar com a cabeça. —Isso seria bom—.

   —Obrigado. Eu alcançarei vocês—.

   Austin desapareceu no armazém geral. Dallas desejou que ele tivesse sido a pessoa para quem ela tivesse olhado, a pessoa que a tivesse abraçado quando ela tinha descoberto a verdade.

   —Você nunca esteve numa cidade?—, ele perguntou.

   Ela agitou a cabeça. —Não nesta cidade. Não depois do dia em que você demarcou a terra. Meus irmãos nunca tiveram tempo para me trazer—.

   —Bem… — Ele andou para fora da passarela de madeira, de repente tímido com tudo que ainda precisava ser feito. —Não está nem próximo de terminar—. Ele apontou para frente. —O armazém geral—. Ele moveu a mão para a esquerda. —O banco—.

   —O que você estava fazendo no banco?—, ela perguntou enquanto caminhava para o lado dele.

   —Eu queria conversar com Sr. Henderson sobre um empréstimo para outro edifício—.

   —Que tipo de prédio?—.

   Ele limpou a garganta. —Um homem— marceneiro— escreveu para mim. Ele quer se mudar para cá, mas ele não tem os meios para financiar seu próprio negócio. Eu achei que ele seria um bom investimento—.

   —Você tem os meios para financiá-lo?—.

   —Com a ajuda do banco, eu o ajudarei no começo. Eventualmente, ele conseguirá se manter, quanto mais pessoas eu trouxer para Leighton, mais nós cresceremos—.

   —Como você determina quais negócios são um bom investimento?—.

   Ele a estudou, sem esperar que ela fizesse perguntas, mas contente que ela sabia o suficiente para perguntar. Ele virou o cotovelo e viu enquanto ela tragava antes de colocar sua mão por dentro do braço dele. Juntos eles caminharam devagar ao longo da rua.

   —Eu tento compreender o que as pessoas precisam—, ele explicou para ela. Ele apontou na direção da loja de roupa. —Houston estava sempre indo para Fort Worth para comprar roupas para Amelia. Ele ia visitar a loja de vestidos de Mimi Saint Claire. A idéia de uma nova cidade a intrigou, então ela mudou seus negócios para cá, desejando que a cidade prosperasse e mais mulheres viessem. Até lá, ela costura roupas para homens e mulheres—.

   —Não existem muitas mulheres pelo o que eu vi—.

   —Uma meia dúzia, se muito. Eu ainda não sei como atrair elas para Leighton. Eu tenho pensado em colocar um anúncio para noivas, semelhante ao que a Amelia colocou para ter um marido. Mas se eu trouxer um monte de mulheres, eu terei que ter maridos esperando por elas. Eu preciso pensar em uma forma de lidar com isto. Eu particularmente não aprecio a idéia de me tornar um agente de casamentos—.

   Ela movimentou lentamente a cabeça, e Dallas quase imaginou poder ver uma teia de pensamentos se formar em sua mente. Ele queria perguntar a ela o que ela tinha pensado sobre a cidade. Ele não queria que Leighton fosse apenas mais uma cidade… ele queria que fosse um lugar que atraísse as pessoas e lhes desse uma razão para ficar.

   Eles se aproximaram da taverna. Indecisamente, ela deu uma olhada rápida para ele. —Eu posso olhar dentro da taverna?—.

   —Pode—.

   Cautelosamente, Cordelia se aproximou das portas de balanço e olhou para dentro. A fumaça era espessa. O odor não era muito agradável. Ela podia ver alguns homens sentados com umas cartas de jogo na mesa. Um dos homens era seu irmão.

   —O que Duncan está fazendo aqui?—, ela perguntou.

   Dallas deu uma olhada rápida por cima do ombro dela. —Jogo de cartas—.

   —Eu quis dizer, por que ele não está trabalhando com o gado?—.

   —Eu acho que ele só está dando uma pausa—.

   Dando um passo para trás, ela estudou o marido. —Quando você dá uma pausa?—.

   Ele a levou da taverna. —As tavernas não me atraem. Eu nunca conseguiria deixar uma carta levar embora o dinheiro que eu trabalhei tão duro para ganhar—.

   —Mas você deve relaxar de vez em quando—.

   —Quando eu preciso relaxar, eu monto de noite e visito uma das minhas damas—.

   Cordelia estava desprevenida para a dor que a atingiu. Por que ela esperava que ele permanecesse fiel a ela só por causa dos votos que eles tinham trocado? Furiosa por razões que ela não conseguia entender, ela andou a passos largos para fora da passarela de madeira. —Eu acho que eu vi tudo o que queria ver da cidade—.

   Ele agarrou o braço dela, e ela se soltou. —Por favor, não me toque. Não depois de você ter jogado suas amantes na minha cara—.

   —Minhas amantes?—, ele franziu as sobrancelhas bem juntas e a olhou com confusão, então começou a rir. —Minhas senhoras—.

   —Eu não vejo a graça—.

   —Eu não estava pensando—.

   —Obviamente que não. Um cavalheiro não menciona suas outras mulheres para sua esposa. Eu acho que nós dois ficaríamos mais felizes se você se casasse com uma deles em vez de mim—. Ela se virou e começou a ir embora.

   —Dee?—.

   Ela queria manter os passos, mas um desejo na voz dele a tocou, a agarrou, e ela foi forçada a se virar. Não mais sorrindo ou rindo, ele a olhava como se estivesse procurando por algo.

   —As senhoras são os meus moinhos de vento—, ele disse tranquilamente. —Eu aprecio o som deles durante a noite quieta. Traz paz. Eu gostaria de compartilhar isso com você algum dia—.

   Incrivelmente envergonhada, ela fechou os olhos. —Eu sinto muito. Eu agi como uma sabe-tudo—.

   —Você devia ficar brava mais vezes—.

   Os olhos dela se abriram de repente. A única vez que a mãe dela tinha ficado brava seu pai a tinha jogado escada abaixo. —Por quê?—.

   —A raiva põe fogo nos seus olhos. Eu prefiro o fogo ao medo—.

   —Dallas!—, um homem gritou.

   Cordelia assistiu um homem esbelto correr na direção de Dallas.

   —Tyler, você tem algum problema?—, Dallas perguntou.

   O homem parou. —Não há problema—. Como se de repente a tivesse notado, Tyler tirou o chapéu da cabeça. Ele tirou as mexas loiras da testa e sorriu para Cordelia. —Sra. Leigh, nós nos encontramos no seu casamento embora a senhora provavelmente não se lembre. Tyler Curtiss—.

   —Eu não sou muito boa com nomes—, ela confessou.

   —Eu não sou muito bom com rostos exceto quando eles são bonitos como o seu—. Desacostumado a flertar, ele ficou vermelho, e Dallas fez uma carranca.

   —Tyler projeta os edifícios e administra a construção—, Dallas disse, a voz tensa.

   Ela sorriu com interesse. —Então você está construindo a cidade?—.

   —Com muita ajuda. Eu gostaria de ter a opinião do seu marido em algumas coisas se você me deixar falar com ele algum tempo—.

   —Sim, tudo bem—.

   Dallas pareceu hesitar. —Você pode achar o Austin?—.

   Ela concordou com a cabeça. —Eu estou certa de que ele ainda está no armazém geral—.

   —Eu verei você em casa então—.

   Ela o viu ir embora. Ela podia dizer pela postura dele que ele estava escutando atentamente o que Tyler dizia.

   Por que a machucou tanto quando ele tinha mencionado as senhoras com tanto afeto? Por que ela ficou aliviada em descobrir que ele tinha visitado os moinhos de vento?

   Ela começou a andar na direção dos cavalos amarrados na frente do armazém geral. Ela tinha estourado de raiva e em vez da retaliação, ele tinha dito para que ela fizesse isso mais frequentemente. Ela tinha que concordar que a sua sugestão poderia ter algum mérito. Ela tinha achado sua explosão de fúria… libertadora.

 

De pé na sacada de seu quarto, Cordelia olhou fixamente para a noite. Ela ouviu o bater fixo do moinho de vento—uma das senhoras de Dallas.

   Ele era muito diferentemente de seu pai, seus irmãos. Ele se irritava facilmente, a ira relampejava dentro de seus olhos escuros, mas ele mantinha seu temperamento contido.

   Enquanto os homens de sua família se preocupavam apenas com eles mesmos, com o que queriam e precisavam, Dallas tinha expandido seus horizontes para incluir outras pessoas. As pessoas estavam vindo para sua cidade porque ele tinha dado a eles uma chance de compartilhar um canto de seu sonho, e nesse compartilhar, seu sonho crescia.

   Ela estava certa de que Boyd teria se referido as suas ações como egoístas e mesquinhas, mas como poderia Dallas Leigh estar errado em querer construir um futuro para seus filhos… um futuro maior do que qualquer coisa que ela já tivesse ousado sonhar?

   Uma cidade. Uma comunidade. Uma comunidade de homens.

   Ela franziu as sobrancelhas, surpresa ao descobrir que ela queria ser uma parte do sonho dele também. Ela queria realizar o que ele ainda tinha para alcançar. Ela queria achar um jeito de atrair mulheres para Leighton.

   Ela não tinha visto seu marido de pé no curral. Ela não tinha ouvido seus passos ecoarem ao longo do corredor.

   Ela se perguntou onde ele estaria—se ele estava no escritório. Se os dois livros que ele tinha comprado estavam lá também.

   Ela não queria temer Dallas, mas mais do que isso ela não queria depender dele. Ela uma vez tinha desejado liberdade, mas agora ela percebia que sem independência, a liberdade não existia. O primeiro passo em direção à independência era dominar seu medo.

   Ela caminhou paro o quarto e pegou o livro que ela tinha pegado com ele — O Marido Prático.

   Ela se lembrou da profundidade de seu riso, aquela noite e esta tarde. A espontaneidade. O modo como ele tinha alcançado um lugar profundo dentro dela.

   Segurando a lamparina, ela fez o caminho até o escritório de Dallas. Ela viu a luz que se derramava por baixo da porta e quase mudou de idéia. Em vez disso, ela se forçou a bater.

   —Entre—, veio do outro lado.

   O coração dela se acelerou. Ela respirou trêmula e abriu a porta. Dallas estava sentado na escrivaninha, o Livro Razão aberto em sua frente. Ele ficou de pé.

   —Oh, não, não se levante—, ela disse enquanto deslizava pelo quarto. —Eu vim para devolver seu livro—.

   —Certo—.

   Ela deu um passo para perto das prateleiras. —Você sempre trabalha no seu Livro Razão durante tarde de noite?—

   —Normalmente—.

   Ela lambeu os lábios, a boca de repente seca, sua determinação murchando. —Meu pai… meu pai trabalha nos livros durante a tarde—.

   —Ele tem três filhos para cuidar de suas criações. Eu só tenho a mim—.

   —E Austin—.

   —Não é responsabilidade dele. Algum dia, ele vai compreender o que ele quer da vida e partirá—.

   Quando Austin partir, ela estará só com este homem. Este homem que quer filhos.

   —Por favor, não me deixe te atrapalhar—. Ela levantou o livro. —Eu apenas vou colocá-lo de volta—.

   Ele se sentou e ela andou depressa através do quarto. Ela deslizou o livro no lugar, então passou os dedos em um dos dois livros novos na prateleira: Um Conto de Duas Cidades.

   Ela deu uma olhada rápida para Dallas. Ele estava escrevendo em seu Livro Razão como se a presença dela não fizesse nenhuma diferença para ele… e ainda assim, ele também parecia estar esperando.

   Ela tirou o livro da estante. —Eu nunca li Um Conto de Duas Cidades—, ela disse tranquilamente.

   —É seu—, ele disse bruscamente. —Junto com o outro. Só não me agradeça por eles. Deveria ter posto livros aqui há muito tempo atrás. Não faz muito sentido ter prateleiras se a pessoas não coloca livros nelas—.

   —Foi isso que eu pensei a primeira vez que estive neste quarto. Eu me apaixonei por isto—.

   Ele levantou a cabeça e olhou fixamente para ela, os olhos incrivelmente escuros.

   —Eu pensei—— Ela limpou a garganta. —Eu pensei que estas prateleiras poderiam ter mil livros—.

   Ele se debruçou de volta para a cadeira. —Mil?—.

   Ela concordou com a cabeça. —Ou mais—.

   —Deixe-me saber o total quando você deixar as prateleiras cheias—. Ele voltou à escrita de seu Livro Razão.

   Segurando o livro firmemente, ela começou a caminhar através do quarto, e então parou. O quarto estava quieto com exceção do arranhão ocasional da caneta no papel.

   —Eu costumava ler para minha mãe antes de ela morrer—, ela disse suavemente.

   Ele ergueu a cabeça e olhou para ela.

   —Eu sinto falta de ler para ela—, ela adicionou. —Eu sinto falta dela—.

   Ele apoiou o cotovelo na escrivaninha e esfregou os dedos polegar e indicador no bigode. Ela se lembrou da suavidade dele quando ele a tinha beijado.

   —Dr. Freeman mencionou algo sobre sua mãe ser uma inválida—.

   Ela nunca tinha falado essa palavra. Após todos estes anos, reconhecer a verdade ainda era doloroso. —Ela e meu pai tiveram uma briga. Na briga, ela perdeu o equilíbrio e caiu nos degraus. Ela não podia se mover depois disto, mas ela não estava morta. Então eu cuidei dela—.

   —Briga? Você quer dizer que seu pai bateu nela?—.

   Ela concordou com a cabeça, desejando que ela tivesse mantido o incidente lacrado. Soou incrivelmente feio falado em voz alta. Ele tinha se levantado da cadeira, se ele viesse na direção dela, ela pensava em sair voando e ir para o quarto.

   Ao invés disso, ele ficou de pé perfeitamente quieto. —Não importa o quão bravo eu fique, Dee, eu nunca bateria você. Eu te dou a minha palavra—.

   Cheias de convicção, as palavras não deixaram nenhuma escolha a ela a não ser acreditar.

   —Eu posso ler para você?—, ela perguntou.

   Ela quase riu da expressão surpresa que cruzou o rosto dele, como se ela tivesse falado as últimas palavras que ele esperava ouvir. Parecia que ela tinha lançado um balde de água fria nele.

   —Eu sei que você não tem muitas horas vagas. Eu poderia ler enquanto você trabalha no seu Livro Razão—.

   Incapaz de determinar os motivos dela, ele movimentou a cabeça devagar. —Isso seria bom—.

   Ela colocou a lamparina em uma mesa pequena e se sentou na cadeira estofada ao lado dela. Movendo os pés, ela os dobrou e colocou embaixo da cadeira. Ela sentia que ele a estava observando e tentou não se aborrecer com seu escrutínio.

   Ela virou a capa e várias páginas antes de limpar a garganta. —'Era o melhor dos tempos, era o pior dos tempos… '—.

   Ela deu uma olhada rápida para cima. A caneta dele estava equilibrada acima do Livro Razão, a tinta pingando no papel.

   —Você consegue trabalhar enquanto eu leio?—, ela perguntou.

   Ele concordou com a cabeça e imergiu a caneta no tinteiro novamente. Quando ele começou a escrever no seu Livro Razão, ela encheu o quarto sombreado com a história.

   Dallas não estava certo do momento exato em que sua esposa deve ter começado a lamentar sua decisão de ler para ele, mas ele achava que poderia ter sido em algum momento após a meia-noite.

   Seus olhos estavam se fechando, as palavras ficando mais suave, menos frequentes. Ele perguntou a ela se ela queria ir para a cama. Ela levantou a cabeça rapidamente e disse que não estava cansada.

   Ele percebeu que ela não parou de ler por não saber como parar de ler e anunciar que estava indo para a cama sem deixar a porta aberta para que ele se juntasse a ela.

   Então ela leu por mais duas horas, a voz ficando rouca, os olhos fechando de vez em quando até que eventualmente eles tinham se fechado de vez e sua cabeça pendeu para trás.

   Ela parecia tão desconfortável na cadeira, a cabeça em um ângulo desajeitado, e incrivelmente adorável com toda a preocupação e medo longe dos olhos.

   Ele desejou saber manter a preocupação e medo fora de seus olhos quando ela estivesse acordada. Ele tinha pensado em ser direto e simplesmente explicar para ela o que ele esperava e o que ele tinha decidido.

   Mas ele imaginou que uma mulher precisava mais do que a simples visão do homem sobre o assunto. Ela provavelmente queria palavras tenras que ele não sabia como dar a ela.

   Tão quietamente quanto podia, ele empurrou sua cadeira para trás, ficou de pé, e caminhou até a cadeira onde ela dormia. Cuidadosamente, ele tirou o livro das mãos dela e o deixou na mesa ao lado da cadeira.

   Então ele deslizou um braço pelas costas dela, e o outro pelos seus joelhos, e a trouxe contra o peito. Suspirando, ela aconchegou a bochecha no ombro dele.

   Ele não esperava que ela fosse tão leve quanto uma brisa do verão, tão delicada em seus braços. Como ela era alta, ele esperava que ela fosse mais pesada. Ela era pouco mais do que curvas e calor suaves.

   Ele a levou para o quarto e suavemente a deitou na cama. Ela se virou para um lado, puxou os joelhos na direção dos seios, e deslizou a mão embaixo da bochecha. Ele a cobriu com cobertores, se agachou ao lado da cama, e a viu dormir.

   Ele tinha se divertido com a faísca que surgiu nos olhos dela quando ele se referiu as suas senhoras naquela tarde.

   Sabendo agora sobre a doença de sua mãe, ele percebeu que sua explosão, mesmo que pequena, tinha sido uma forma de confiança. Talvez ela estivesse começando a testar os limites dele, ver até aonde ele a deixaria ir.

   Ele pensou em dizer a ela, mas ele não achava que ela acreditaria nele. Ele simplesmente teria que mostrar.

 

Cordelia despertou sobressaltada. Um vislumbre lânguido de luz do sol entrava no quarto. Ela tirou o cobertor do queixo tentando se lembrar quando tinha vindo para a cama.

   Dallas tinha estado em seu quarto. De alguma maneira ela estava certa disto. Sua presença estava no ar como um odor esquecido. Ele a trouxe para a cama e então a deixou dormir sozinha?

   Ela achava que nunca poderia entendê-lo.

   Ele queria uma esposa para dar a ele um filho, e ainda assim, com a exceção da noite de núpcias, ele não tinha feito nenhum avanço na direção dela. Ela se perguntava se ele tinha lamentado se casar com ela, talvez ele nunca se tornasse realmente seu marido.

   Ela saiu da cama, caminhou até as portas da sacada, e puxou a cortina para o lado. Ela podia ver Dallas no curral conversando com seu capataz. Quando Slim foi embora, Dallas montou no seu cavalo preto e olhou para cima. Seu olhar ficou preso no dela.

Ela ficou com a respiração presa e o coração descompassado. Ele mexeu a boca, formando palavras que ela não podia ouvir.

   Ela abriu a porta e andou pela sacada. —O quê?—, ela perguntou.

   —Vista para montar!—.

   —Agora?—.

   —É—.

   Enquanto ele desmontava, ela se apressou de volta para o quarto, fechou a porta da sacada, puxou as cortinas e desejou nunca ter saído da cama.

 

Dallas não estava certo do que o tinha possuído para convidar sua esposa para montar com ele, embora ele tivesse que admitir que ela provavelmente não tinha considerado suas palavras como um convite.

   Não era da natureza dele pedir. Talvez ele tivesse sido diferente quando era um menino, mas a guerra tinha tirado isto dele. Aos quatorze, ele tinha dado sua primeira ordem. Quando a guerra terminou, ele continuou a dar ordens. Era o jeito mais fácil de realizar o que precisava ser feito. Mande um homem fazer. Se ele não gostar, pode partir.

   Infelizmente para Cordelia, se ela não gostasse do modo como ele dava ordens, ela não teria nenhuma liberdade para partir. Um contrato de casamento os prendia, ela gostasse ou não.

   Ele desejou que eles estivessem fazendo progresso em direção a uma relação amigável quando ela tinha se oferecido para ler para ele na noite anterior, mas agora ela montava ao lado dele com as costas tão duras quanto uma barra de ferro, os olhos fixos na frente, e suas juntas ficando brancas enquanto ela segurava o chifre da sela.

   Os cavalos caminhavam lentamente como se eles tivessem o dia todo para chegar aonde eles estavam indo.

   —O quanto você é boa em manter sua palavra?—, ele perguntou.

   Ela virou a cabeça na direção dele, sua sobrancelha frisada. —Eu não minto, se é sobre isso que você está falando—.

   —Meu pai me ensinou que um homem é tão bom quanto a sua palavra. Em toda minha vida eu nunca voltei com ela. Eu estou só me perguntando se o seu pai tinha te ensinado a mesma coisa—.

   Cordelia estava perplexa com as palavras dele. Ela não podia recordar de seu pai a ensinando nada além de seu lugar dentro do mundo dos homens, um lugar que ela nunca tinha questionado até que ela descobriu que não se ajustava muito bem dentro do mundo do seu marido. —Eu sei como manter uma promessa—, ela finalmente admitiu. —Suponho que seja a mesma coisa—.

   Ele movimentou a cabeça. —Então eu preciso que você me prometa uma coisa—.

   —Que tipo de promessa?—.

   Ele parou o cavalo. Ela fez o mesmo. Removendo o chapéu, ele manteve o olhar dela.

   —Eu quero que você me prometa que se algo acontecer comigo você não dará minha terra para os seus irmãos—.

   —O que aconteceria com você?—.

   —Qualquer coisa pode acontecer com um homem nessas terras. Eu só não quero que os seus irmãos sejam beneficiados com a minha morte—.

   Morte? A palavra ecoou na mente dela, no coração. —Por que você morreria?—.

   Os lábios dele se curvaram em um sorriso leve. —Eu não estou planejando. Eu só quero a sua palavra de que se nós tivermos um filho, você passará a terra para ele—.

   —E se nós não tivermos um filho?—.

   —Então fique com a terra ou a venda. Só não a dê para seus irmãos—.

   —Eu não saberia o que fazer com a terra—, ela confessou.

   Ele olhou na direção do horizonte distante. —Dê-me sua palavra de que você não dará a terra para os seus irmãos, e eu ensinarei você como cuidar dela—.

   Ela varreu o olhar pela terra. Ele estava confiando a ela seu legado. Ela percebeu que se algo acontecesse com ele, ela precisaria saber como administrar o rancho para que assim ela pudesse ensinar ao filho. Ela deu uma olhada rápida para ele enquanto ele firmemente a observava. —Eu poderia destruir tudo o que você construiu—.

   —Se eu achasse que existisse a mínima chance de isso acontecer, eu não teria feito a oferta—.

   A força das palavras a golpeou. Ele confiou a ela o império que ele construiu, confiou que ela honraria sua palavra, da mesma maneira que ela jurou que o honraria.

   Ele estava dando a ela a oportunidade de reforçar a base trêmula sobre a qual eles tinham começado a construir o casamento. —Eu dou a você minha palavra—.

   Um sorriso lento se estendeu por sob o bigode dele. —Bom—.

   Nos dias que se seguiram, ela conheceu os nomes dos homens e seus respectivos trabalhos. Ela tinha achado que eles simplesmente cuidavam do gado. Ela não poderia ter estado mais errada. Os homens constantemente faziam a cerca, remendavam o arame quebrado, substituíam as estacas. O cavaleiro do moinho visitava os moinhos de vento para engraxar as dobradiças e consertar qualquer coisa que tivesse quebrado. Os cavaleiros do pântano procuravam por gado que tinham se enganchado nos arbustos ou ficado presos na lama. Os tipos numerosos de cavaleiros e suas várias tarefas a surpreenderam.

   Parecia que tudo sempre precisava ser verificado e verificado novamente: a cerca, os moinhos de vento, o gado, a água, o pasto. As decisões tinham que serem feitas sobre quando e para onde mover o gado.

   Ao final da semana, Cordelia estava desarmada com o conhecimento que a tinha atingido.

   Ela também tinha um respeito e compreensão maior pelo marido e suas realizações.

 

Dallas bateu um prego na tábua do chão. Este domingo estava ficando muito parecido com o domingo anterior.

   Ele trabalhou no sótão enquanto seus irmãos ficavam chupando pirulitos. Ele estava surpreso de eles terem conseguido pôr as paredes no andar térreo.

   Ele ouviu um riso estrondoso ao fundo, seguido por risadinhas mais gentis. Contra seu melhor julgamento, ele se levantou e cuidadosamente caminhou através das vigas até que chegou à extremidade do segundo andar. Ele se debruçou contra a armação aberta.

   Cordelia estava no final do jardim. Todos os outros estavam em locais diferentes. Ela deu as costas para eles, e todos se moveram. Houston deu um grande passo e parou. Amelia deu três passos minúsculos. Maggie saltou e caiu de joelhos. Austin correu.

   Cordelia se virou. Austin parou cambaleante. Ela apontou um dedo para ele. —Eu vi você correndo—.

   —É claro que não!—, ele gritou enquanto todo mundo ria.

   Ela sacudiu o dedo para ele. —Volte ao início—.

   Ele saiu andando ao lado de uma corda estirada ao longo do chão para vários passos longe de Cordelia. Cordelia girou novamente, dando as costas e todo mundo começou a se mover novamente.

   Dallas agitou a cabeça. Sem dúvida era outro dos jogos de Amelia. A mulher tinha mais jogos do que uma árvore tinha folhas.

   Dallas sorriu enquanto Maggie e Houston tiveram que voltar atrás nas cordas. Houston ergueu a filha sobre os ombros.

   Cordelia se girou, as pernas de Austin foram mais rápidas do que as lâminas de um moinho de vento quando um vento do norte soprava nelas. Dallas firmou os dentes bem juntos para impedir de gritar uma advertência.

   Cordelia se virou muito tarde. Austin caiu sobre ela e ambos foram para o chão. O peito de Dallas se apertou quando ela lançou os braços ao redor do pescoço de Austin e riu. Austin se virou com o riso no mesmo ritmo que o dela.

   Maggie gritou dizendo que queria brincar novamente. Austin botou Cordelia de pé. Ela deu uma olhada rápida na direção da casa e seu olhar se chocou com o de Dallas, seu sorriso murchando como todas as flores que ele tinha arrancado para ela durante a semana e que nunca tinha chegado a dar para ela. Dallas se virou e caminhou para o outro lado do quarto, perguntando-se quando ele tinha ficado tão velho.

   Alguns minutos mais tarde ele ouviu passos nos degraus—os degraus que ele tinha construído naquela mesma manhã. Ele não poderia culpar Houston. Se ele tivesse uma esposa que olhasse para ele do mesmo modo que Amelia fazia ou se ele tivesse uma filha que o adorasse, ele não estaria aqui em cima batendo pregos em uma tábua.

   —Eu achei que você poderia querer um pouco de limonada—.

   Ele deu uma olhada rápida para Cordelia. Ela esteve indecisamente na entrada segurando um jarro. Ele cruzou o pequeno espaço que os separava, tomou o jarro, e colocou a bebida no copo dando um suspiro longo. Ele deu o jarro de volta para ela. —Obrigado—.

   Ele caminhou de volta para seu canto, aninhou-se contra a tábua e martelou o prego no lugar.

   —Você me deixou envergonhada—, ela disse suavemente.

   Franzindo a sobrancelha, ele deu uma olhada rápida por cima do ombro. —Por quê?—.

   Ela caminhou através das tábuas que ele já tinha pregado no lugar e se ajoelhou ao lado dele. —Eu compreendo agora como você passa seus dias. Na semana toda você administra um rancho, você vigia o edifício de uma cidade, e no dia em que você deveria descansar, você está construindo uma adição para a casa do seu irmão enquanto eu estou brincando de jogos tolos e comprando tapetes——.

   —Eu gosto dos tapetes—.

   Ela pendeu a cabeça para o lado. —Gostou?—.

   Ele lamentou não ter mencionado isto antes. —Sim, eu gostei. Eu gostei da colcha que você colocou na sala de estar e as cortinas—.

   —Eu achei que elas faziam o quarto parecer mais confortável. Eu comprei algumas mobílias para a sala de estar—.

   —Bom—.

   Desde a noite em que ela tinha lido para ele pela primeira vez e o dia em que ele tinha explicado a ela pela primeira vez como administrar o rancho, a suspeita tinha começado a enfraquecer em seus olhos. Ela o olhava agora sem medo.

   Ele tinha pensando em se inclinar e beijá-la, mas ele descobriu que não era suficiente o medo ter partido. Ele queria ver calor refletido nos olhos dela quando ela olhasse para ele. Ele queria que ela o desejasse tanto quanto ele a desejava.

   Uma coisa extremamente tola de se desejar.

   Ela baixou o olhar e passou a unha por cima do prego que ele tinha acabado de martelar no lugar. —É difícil construir um chão?—, ela perguntou.

   —Não—. Ele estendeu o martelo na direção dela. —Você quer fazer?—.

   Um clarão iluminou os olhos dela. —Posso?—.

   —Claro—.

   Ela pegou o martelo, e ele a deu um prego.

   —Você quer que o prego passe pela tábua e vá até a viga que corre longitudinalmente. Assim ficará no lugar no certo. Mantenha seu olho no prego e bata suavemente—.

   —Sempre soa como se você batesse no prego com força—.

   —Eu tenho experiência então é menos provável que eu bata o martelo no meu polegar—.

   —Oh—.

   Ele se divertiu enquanto a via fixar o prego no lugar e agarrava o martelo. Suas sobrancelhas se juntaram formando um sulco fundo. Ela puxou o lábio inferior entre os dentes.

   Ele engoliu em seco, lembrando da sensação daqueles lábios contra os dele.

   Os olhos dela se escureceram com concentração. Ele queria vê-los se escurecerem com paixão.

   Suavemente, ela bateu o prego, o sulco afundando, os dentes puxando mais o lábio, as juntas dos dedos ficando brancas. Ele pensou em dar a ela mais algumas instruções, mas algumas coisas na vida são mais bem aprendidas com tentativas e erros. Depois de uma dúzia de batidas, o prego entrou em sua nova casa.

   Ela esfregou os dedos por cima do prego. —É assim que se sente ao construir uma cidade?—, ela perguntou.

   Ele nunca tinha pensado sobre isto, não sabia como responder a pergunta dela.

   Ela olhou para ele com admiração nos olhos. —As crianças engatinharão neste chão. Então elas andarão e depois correrão sobre ele. Se esta casa permanecer por cem anos, o que você fez hoje poderá tocar crianças que você nunca encontrará. É o mesmo com a sua cidade e o seu rancho. Tudo que você faz alcança tantas pessoas. As coisas que eu faço não tocam ninguém—.

   Ela colocou o martelo no chão e quietamente ficou de pés.

   Ele lutou contra o desejo de agarrar o tornozelo dela e evitar que seus passos a levassem para longe dele.

   —Eu preciso de ajuda—, ele rosnou. —Diga a Houston para trazer seu traseiro aqui pra cima—.

   Ela desapareceu através da entrada. Ele apertou o dedo polegar contra o prego que ela tinha embutido na madeira, e amaldiçoou seu próprio orgulho. Ele não queria que ela partisse. Ele não queria ouvir seu riso e não ser parte dele. Ele não queria testemunhar seus sorrisos apenas de longe.

   Ele não conseguiu se forçar a pedi-la para ficar, compartilhar a tarefa com ele, iluminar sua carga com sua presença.

   Se ele não conseguia pedir a ela algo tão pequeno, como diabos ele conseguiria pedir para ser bem-vindo na cama?

 

Com as flores murchando em sua mão, Dallas caminhou pela casa. Todos os cômodos estavam vazios. Todos os cômodos, exceto a cozinha, e lá, ele só achou o cachorro de pradaria.

   Ele tinha vindo da vigia do gado mais cedo com a idéia de chamar sua esposa para um passeio com ele, e não conseguiu encontrá-la.

   Ele saiu da casa e foi para o celeiro. Não aliviou sua mente ver vazio o estábulo onde a égua de Cordelia deveria estar.

   —Slim!—.

   Seu capataz saiu do cômodo da parte de trás. —Sim, senhor?—.

   —Você sabe onde minha esposa está?—.

   —Sim, senhor. Ela foi para cidade com Austin—.

   —Achei que ela tinha ido para a cidade com ele ontem—.

   —Sim, senhor, ela fez, e no dia anterior também—.

   Insegurança passou pela mente de Dallas quando ele se lembrou de alguns momentos: Austin segurando Cordelia fora do armazém geral. Austin erguendo Cordelia em seus braços e a abraçando ao redor da casa de Houston.

   Cordelia que conversava com Austin durante as refeições sem a ajuda de sua lista de tópicos.

   À noite, Austin tinha começado a entrar no escritório de Dallas para escutar Cordelia ler. Dallas ocasionalmente olhava por cima de seu Livro Razão para achar Austin olhando para Cordelia como se ela fosse a mulher mais maravilhosa do mundo.

   Dallas se odiou por se ressentir da intrusão de Austin. Austin tinha cinco anos quando a mãe deles tinha morrido, e ele tinha crescido sem outras mulheres em sua vida. Dallas sabia que não deveria invejar Austin pelo prazer que ele achava na voz suave de Cordelia—mas ele invejou.

   —Você quer que eu pare de selar o cavalo dela?—, Slim perguntou.

   —Não—, Dallas respondeu depressa. —Não, ela está livre para ir e vir como lhe agradar—. Ele lançou as flores na baia vazia e andou resolutamente a passos largos de volta para casa.

   O crepúsculo já tinha se firmado no céu antes de eles retornarem.

   Sentando na cabeceira da mesa de jantar, Dallas ouviu o riso se silenciar no corredor. O coração dele se apertou com o som delicioso que ela nunca fazia na presença dele.

   Ele se forçou a ficar de pé quando eles entraram para o jantar, parecendo tão culpados quanto duas crianças que escaparam para ir brincar antes de terminarem suas tarefas.

   —Desculpe, nós estamos atrasados—, Austin disse enquanto puxava a cadeira de Cordelia para que ela se sentasse.

   Sorrindo timidamente para Austin, ela se sentou e Austin se sentou ao lado dela e começou a pegar o guisado para ambas as tigelas. —Nós perdemos noção do tempo—.

   —Eu percebi isto—, Dallas disse enquanto tomava sua cadeira. —Eu alimentei o seu maldito cachorro de pradaria—.

   Cordelia deu uma olhada rápida para cima, então depressa abaixou o olhar para sua tigela de guisado. —Obrigada—.

   —Estava latindo tão alto que eu não podia me concentrar no meu trabalho—, Dallas disse.

   —Eu sinto muito. Eu a levarei conosco da próxima vez—.

Conosco da próxima vez. As palavras ficaram pesadas no ar. O estômago de Dallas se apertou. —Como foi a sua viagem à cidade?—.

   Cordelia levantou a cabeça. Ela olhou para Austin. Austin abriu e fechou a boca.

   —Bem—, Cordelia disse. —Legal—.

   Dallas empurrou a cadeira através do chão. Como que consumidos por culpa, Cordelia e Austin pularam nas cadeiras.

   —Eu deixarei que vocês apreciem a refeição—, Dallas disse.

   Ele não ficou surpreso por nenhum deles ter protestado. Ele caminhou para o curral sabendo que era um tolo. Ele pediu a Amelia para casar-se com ele, então ele enviou Houston para que fosse buscá-la, e ela se apaixonou por seu irmão.

   Ele casou com Cordelia, e disse a Austin para que fizesse companhia a ela. O que diabos ele esperava que acontecesse?

   Colocando a mão no bolso, ele retirou o relógio que Amelia tinha dado a ele como um sinal de seu afeto quando ela chegou ao rancho. Ele não esperava que Cordelia desse a ele qualquer coisa como um símbolo de seu afeto, mas ele estava certo de que ela iria deixá-lo.

   Ele pensou em argumentar que Cordelia era bem mais velha que Austin, mas ele percebeu que o amor não ligava muito para a idade. Além disso, ele era muitos anos mais velho do que Cordelia e seu coração não parecia notar.

   Ele construiria para eles uma casa em um canto distante de sua terra porque ele não achava que seu orgulho poderia tolerar ver os dois juntos sabendo que ela deveria ser sua. Então ele trataria de achar ele mesmo uma outra esposa. Ele poderia colocar anúncio nos jornais do Leste ou talvez ele pudesse—

   —Dallas?—, a voz de Austin veio por detrás ele. —Dallas, eu preciso conversar com você—.

   Ele colocou o relógio de volta no bolso e criou uma parede de indiferença ao redor de si mesmo. Jogando a parte dele que poderia ser machucada em um buraco escuro, ele se virou para enfrentar o irmão mais jovem.

   —Acredito que sim—, ele disse enquanto colocava um cotovelo sobre a grade do curral.

   Austin olhou para baixo e arrastou a ponta da bota no chão. —Eu não sei exatamente como dizer isto—.

   —Apenas vá direto ao assunto. Normalmente é a melhor forma—.

   Austin movimentou a cabeça e encontrou o olhar do irmão. —Dee me pediu para que eu não dissesse nada a você mas eu acho que você deveria saber—.

   Dallas quase engasgou com o nó que se formou em sua garganta. —Eu aprecio seu gesto—.

   Austin colocou as mãos nos bolsos. —Lembra de quando você me levou naquele circo quando eu tinha sete anos?—.

   Se Austin esperava diminuir a raiva de Dallas, ele teve sucesso. Natal, 1867. O Circo The Haight and Chambers de Nova Orleans tinha montado suas tendas em San Antonio. Dallas e Houston estavam ainda se recuperando da guerra e tinham poucas moedas tinindo em seus bolsos, mas eles queriam dar a Austin um Natal que ele não se esquecesse. Dallas não conseguiu parar de sorrir com as memórias resgatadas. —Sim, e você me importunou o dia todo com perguntas. Eu tive que ameaçar pegar aquela espada do engolidor de espadas e descê-la sua garganta abaixo para que você ficasse quieto—.

   Austin riu e esfregou o lado do nariz. —Eu pensei que você estava falando sério—.

   —A ameaça adiantou, não foi?—.

   Austin agitou a cabeça. —Foi, é assim como a Dee fica quando eu a levo para a cidade. Ela faz tantas perguntas e tudo a espanta. Eles nunca a tinham levado a cidade, Dallas. Nunca—.

   —Mas você faz, e eu acho que ela fica agradecida por isto—.

   Austin deu um passo para mais perto. —Eu não estava prestando atenção nas perguntas que ela estava fazendo. Eu estava apenas respondendo. O tempo todo enquanto eu estava respondendo as perguntas, ela estava pensando em uma idéia. Hoje, ela finalmente teve a coragem de fazer algo… e o Sr. Henderson riu dela. O pior foi que o Boyd estava lá e o bastardo——.

   —Whoa. Segure os cavalos—. Dallas levantou a mão. —Do que você está falando?—.

   —Eu estou tentando dizer a você o que aconteceu na cidade hoje. Veja, Dee percebeu que se a via férrea vier aqui, as pessoas vão precisar de um lugar para dormir. Então ela estava pensando em construir um hotel. Ela sabia que você tinha conversado com o Sr. Henderson sobre um empréstimo para o marceneiro assim ela percebeu que era por onde ela precisava começar—conseguindo um empréstimo. Ontem ela esteve do lado de fora do banco o dia todo. Não conseguia reunir a coragem para entrar lá.

   —Hoje ela respirou fundo, reuniu a coragem, e entrou no banco. Só que Boyd estava do lado de dentro, e ele disse a ela que a taverna tinha todos os quartos disponíveis que esta cidade poderia precisar. Então ele e o Sr. Henderson começaram a rir. Boyd disse a ela que a sua cama era a única cama com a qual ela precisava se preocupar—.

   —O que ela fez?—, Dallas perguntou entre os dentes trincados.

   Austin sorriu. —Você deveria ficar orgulhoso. Ela acabou de agradecer ao Sr. Henderson pelo tempo que ele concedeu a ela e saiu com a cabeça erguida—.

   —Quem mais estava no banco?—.

   —Uns rancheiros e a caixa. De qualquer maneira, ela está se sentindo mais por baixo do que barriga de cobra. Eu estava contando umas histórias engraçadas para fazê-la rir, mas não é isso o que ela precisa. Eu acho que talvez hoje à noite você pudesse conversar doce com ela, fazê-la se sentir especial—.

   —Conversar doce com ela?—.

   —Sim, você sabe, dizer as palavras que as mulheres gostam de ouvir. As palavras que fazem elas brilharem mais do que uma lua cheia—.

   Dallas concordou com a cabeça. —Eu farei isto—.

   O rosto de Austin se abriu em um sorriso largo. —Eu estou contente por ter dito a você. Ela tinha medo de que você ficasse com raiva por ela querer fazer algo sozinha—.

   —Eu não estou com raiva dela—.

   —Eu sabia que você não ficaria—. Austin deu um passo para trás. —Acho que nós devíamos ir para casa. Ela deve ler logo. Eu adoro ouvir ela ler—. Ele se virou para ir para casa.

   —Austin?—.

   Austin parou e olhou para trás por cima do ombro. Dallas pesou as palavras. —Não diga a ela que você me contou o que aconteceu hoje—.

   —Oh, eu não irei. Eu apenas quero ter certeza de que você vai falar doce com ela—.

   Dallas movimentou a cabeça. —Eu irei—.

 

        Conversa doce. O que ele sabia sobre conversa doce?

   Droga nenhuma.

   Dallas esmurrou a porta até que as dobradiças rangeram. Ele ouviu passos hesitantes do outro lado.

   —É Dallas! Abra!—.

   A porta se abriu um pouco. Dallas conseguiu se acalmar um pouco.         Lester Henderson abriu a porta. —Dallas, por Deus, você me assustou. Algo errado?—.

   —Eu não sei, Lester. Eu ouvi um rumor, e ele não está me deixando dormir. Eu só espero que não seja verdade—.

   Sempre ávido por fofocas, Lester Henderson saiu para a varanda da parte de trás do segundo andar. Como a maior parte dos recém chegados em Leighton, ele vivia de negócios, e o seu era o banco. —Que rumor?—, ele perguntou.

   —Eu ouvi que a minha esposa entrou no banco e pediu um empréstimo hoje—.

   Lester riu alto e este riso deu nos nervos de Dallas. —Oh, isto. Não se preocupe, Dallas, eu não dei a ela. Boyd estava lá, e ele mostrou a ela a tolice de seu pedido. Ela deveria dar um filho a você, e Boyd disse isto alto e claro—.

   Dallas juntou os dedos em punhos para afastá-los da garganta da pequena doninha. —Você poderia sair um pouco mais, Lester?—, Dallas perguntou.

   —Certo—.

   Lester caminhou para a extremidade da varanda. Dallas apontou para o horizonte longe. —O que você vê lá fora, Lester?—.

   Lester encolheu os ombros. —Lua. Estrelas. Terra—.

   —Minha terra—, Dallas disse. —Até onde você pode ver, eu possuo. Eu não tenho um filho, Lester. Se eu levar uma chifrada de um touro amanhã e morrer, toda essa terra vai ser da minha esposa—. Dallas deu um aceno com a cabeça. —Pense nisso, a terra já pertence a ela porque ela me honrou ao se tornar minha esposa—.

   Ele tirou o chapéu da cabeça e abaixou o rosto até que ele e Henderson estavam olho a olho. Lester olhou para cima, e Dallas o seguiu até que o homem não tinha nenhuma outra parte para ir e nenhuma outra escolha a não ser se curvar acima da grade como uma grama ao vento.

   —Se minha esposa entra no seu banco, eu não quero que ela tenha que pedir uma coisa qualquer. Eu quero que você salte para fora de sua cadeira e pergunte a ela o que você pode fazer por ela. Se ela quiser um empréstimo, então, por Deus, você dará um empréstimo—.

   —Mas… mas a garantia—, Henderson gaguejou.

   —Eu acabei de te mostrar a maldita garantia!—.

   —Mas Boyd disse——.

   —Eu não dou a mínima para o que Boyd disse ou o que qualquer outro membro de sua família diga. Se ela quiser a lua, por Deus, eu acharei um jeito de dar isto a ela. Agora mesmo tudo o que ela quer é um empréstimo seu, e eu apreciaria muito se você pensasse no pedido dela hoje à noite e decidisse amanhã que seria do melhor interesse da cidade dar isto a ela—.

   Dallas deu um passo para trás. Henderson se endireitou e inflou o peito. —Você está me ameaçando?—.

   —Não, Henderson, eu não estou—, Dallas disse com uma voz que ecoou enganosamente meiga. —Eu nunca faço ameaças, mas eu dou a você a minha palavra de que se você envergonhar a minha esposa mais uma vez como fez hoje, eu construirei um banco próximo ao seu e apagarei você. Aonde quer que você vá, eu te seguirei até o dia em que morra, e você nunca mais trabalhará em um banco, muito menos possuirá um—.

   Dallas se virou e começou a descer os degraus. Ele parou e girou. —Henderson, eu não quero que a minha esposa saiba desta conversa—.

   Henderson concordou com a cabeça e Dallas desceu o resto dos degraus. Ele não acreditava que Lester Henderson alguma vez diria que ele tinha uma conversa doce.

 

        Na manhã seguinte no café da manhã, Dallas viu a esposa lentamente arrastar o dedo por sobre sua lista de tópicos.

   —Dee?—.

   Ela olhou para cima, decepção marcada na sua face.

   —Você não tem que conversar comigo se não quiser. Eu não vou discutir sobre criação à mesa—.

   Ela severamente movimentou a cabeça, deu uma olhada rápida para Austin, então olhou de volta para suas notas.

   Dallas podia sentir o clarão azul dos olhos azuis de Austin nele. Aparentemente, Austin compreendeu que Dallas não tinha tido uma conversa doce com sua esposa na noite anterior, e não estava muito contente com ele.

   Cordelia trocou o olhar de volta para Dallas e mordeu o lábio inferior. —O que você faria se o Sr. Henderson não desse a você o empréstimo para o marceneiro?—.

   Dallas se debruçou de volta na cadeira, incrivelmente contente com sua pergunta, mais contente ainda por ela não planejar deixar Henderson ou seu irmão fazê-la parar de tentar alcançar seus sonhos. Ele se perguntou quais eram as outras perguntas que ela tinha escrito na lista. —Eu iria para um banco em outra cidade, convenceria eles a me darem o empréstimo—.

   —Que cidade?—.

   —Fort Worth provavelmente seria a melhor—.

   —Fica a quanto qui——.

   Uma batida na porta interrompeu sua pergunta, mas ele tinha uma boa idéia de aonde elas iriam, e ele desejava que ela não tivesse que viajar para lá. —Austin, por que você não vai ver quem está na porta?—, Dallas perguntou.

Austin empurrou a cadeira para trás e saiu do cômodo. Alguns minutos mais tarde, a descrença se refletia no rosto do jovem, ele escoltava Lester Henderson até a sala de jantar.

   Cordelia graciosamente se levantou de sua cadeira. —Sr. Henderson, que prazer ter você na nossa casa. Você gostaria de um café enquanto conversa com meu marido?—.

   Dallas não sabia se ele já tinha encontrado alguém tão cortês quanto sua esposa, e naquele momento ele estava extremamente orgulhoso por ela estar casada com ele.

   Henderson tirou o chapéu. —Na verdade, Sra. Leigh, eu estou aqui para falar com a senhora—.

   Dallas arrastou a cadeira pelo chão. Henderson olhou para ele como se ele fosse arrancar sua pele. Dallas ficou de pé. —Você pode usar meu escritório. Eu preciso verificar o rebanho—.

   Ele saiu da casa e foi para o celeiro selar Satan. Quando ele montou para fora do celeiro, Henderson estava subindo em sua charrete de duas rodas.

   —Eu espero que você saiba o que está fazendo—, Henderson disse com raiva, os lábios franzidos.

   Dallas sorriu com satisfação. —Eu não seria tão bem sucedido quanto sou hoje se não soubesse o valor de um bom investimento—.

   —Mulheres não sabem nada de negócios—, Henderson disse.

   Dallas levantou um pouco o chapéu da sobrancelha. —Elas sabem como administrar uma casa. Elas sabem como administrar uma família. Por que diabos você acha que elas não podem administrar um negócio?—.

   Crepitando, Henderson bateu as rédeas e colocou o cavalo em um trote, a charrete de duas rodas a caminho da cidade.

   Dallas ouviu o grito excitado de sua esposa enquanto ela chamava o nome de Austin.

Ele ignorou a dor em seu peito por ela não ter escolhido compartilhar sua alegria com ele, e fingiu que isso não importava porque mais cedo ou mais tarde, ela não teria nenhuma escolha.

   Ela teria que vir para ele.

   Quando ela fizesse, aprenderia que nada na vida vem sem um preço. A fim de ter o que ela queria, Dallas teria que conseguir o que ele queria.

 

        Com a batia suave na porta de seu escritório, Dallas deu as costas para a janela e o céu noturno. —Entre—.

   Cordelia abriu a porta e espiou o lado de dentro. —Eu posso conversar com você por um minuto?—.

   Ele percebeu o tremor da voz dela. —Pode—.

   Como alguém que está prestes a enfrentar um executor, ela caminhou no quarto e ficou diante da escrivaninha. Ela acenou com uma mão na direção da cadeira. —Você pode se sentar—.

   —É o que você prefere?—.

   Ela deu a ele um aceno com a cabeça aos arrancos.

   Em passos longos, ele cruzou o quarto e se jogou em sua cadeira. Ele apoiou o cotovelo na escrivaninha e lentamente esfregou o dedo polegar e indicador pelo bigode. Ele ergueu uma sobrancelha.

   Ela voltou o olhar para o chão. —Eu…—. Ela limpou a garganta. —Eu pensei que seria bom se sua cidade tivesse um hotel. Eu consegui um empréstimo e o Sr. Curtiss está fazendo os planos para o edifício——.

   —Dee?—.

   Ela deu uma olhada rápida para cima.

   —Você deveria sempre olhar um homem nos olhos quando você estiver discutindo negócios—.

   Ela visivelmente tragou. —Faz isto mais difícil—.

   —O homem com quem você está fazendo negócios sabe disto. Ele te respeitará por isto, e é mais provável que ele dê o que você está pedindo—.

   —Você sabe por que eu estou aqui?—.

   —Eu tenho uma idéia—.

   —E você ainda vai me fazer pedir?—.

   —Tudo o que vale na vida tem um preço—.

   —E o seu preço é?—.

   Desconfiança e medo surgiram nas profundidades escuras dos olhos dela. Ele odiou ambos. —Peça—.

   Ela respirou fundo e suas mãos se fecharam em punhos no lado do corpo—. Eu tenho o dinheiro. Eu tenho alguém para construir—. Ela firmou a mandíbula e angulou o queixo. —Mas eu preciso de terra. Quando você anunciou que tinha separado uma terra para a cidade, na minha ignorância, eu assumi que significava que ela estava livre para ser usada. Esta tarde, o Sr. Curtiss me explicou que você ainda possui a terra, e aqueles comerciantes devem comprar o lote antes de poder construir neles—. Havia resignação nítida na voz dela. —Sem a terra eu não posso construir o hotel—.

   Dallas empurrou a cadeira para trás. Ela saltou. Se ele a amarrasse, faria ela parar de saltar todas as vezes que ele se movia.

   Ele foi para um canto e levantou um rolo de papel. Ele o colocou na escrivaninha e deu um empurrão gentil. O rolo foi girando pela superfície plana, revelando a planta da cidade: as ruas planejadas, os lotes para edifícios. Ele colocou o tinteiro em uma extremidade do rolo de papel para segurá-lo e a lamparina no outro extremo.

   —Onde você quer o seu hotel?—, ele perguntou.

   Curiosidade substituiu o medo e ela se debruçou por sobre o mapa. Ela arrastou o dedo ao longo da rua mais larga.

   —Rua Principal—, ela disse tranquilamente. —Suponho que eu o queira na mesma rua do banco e do armazém geral. Onde a via férrea passará?—.

   —Eu estou esperando que ela passe no final da cidade—, ele disse, tocando o ponto mais ao sul.

   —O que são estes pequenos quarteirões de terra?—, ela perguntou, tocando uma seção nas costas da cidade.

   —Casas, se nós conseguirmos que pessoas se mudem para cá—.

   Ela mordeu o lábio inferior. —O hotel devia ser próximo à via férrea—. Ela ergueu o olhar para ele. —Você não acha?—.

   Ele não estava preparado para o prazer que sentiu. Ela queria sua opinião. Ele engoliu em seco. —Foi lá onde eu o coloquei—.

   Ela concordou com a cabeça e colocou o dedo no local onde ele disse que a via férrea seria. —Quanto este pedaço de terra irá me custar?—.

   Ele sentiu a glória da onda de sucesso passar por ele. O sonho dela era construir um hotel. Ele entendia de sonhos. O sonho dele era ter um filho. Um comércio simples: um sonho pelo outro. Ambos podiam ter o que procuravam. Mas sem confiança, sem afeto, o preço de repente pareceu muito alto.

   —Um sorriso—, ele disse tranquilamente.

   Ela virou o olhar para cima. —Desculpe, acho que não entendi—.

   —O preço é um sorriso… como aqueles que você dá para Austin ou Houston… ou para aquele seu maldito cachorro de pradaria—.

   Ela piscou os olhos e se endireitou. Então ela puxou os lábios para trás para revelar um sorriso torturado que mais se assemelhava a uma careta.

   A lição aprendida era dolorosa: ele não podia forçar afeto. Ele não podia forçar um sorriso. Imaginou então que se ele fosse à cama deles e tomasse o que era seu por direito, ele se sentiria ainda mais vazio do que se sentia agora.

   Ele imergiu sua caneta no tinteiro e rabiscou —Dee’s Hotel— através da praça em branco no mapa da cidade. Então ele caminhou para a janela, colocou as mãos atrás nas costas, e olhou para o céu sem luar, tentando encher um vazio que parecia apenas aumentar a cada instante.

   —É isso?—, ela perguntou a ele.

   —É isso—.

   —Aquele quadra de terra é minha?—.

   —É sua—.

   —Oh, Dallas—.

   Ele se virou da janela. Com espanto óbvio, ela tocou as palavras que ele tinha escrito no mapa. As lágrimas brilhavam nos olhos dela enquanto ela olhava para ele e sorria… um sorriso glorioso que roubou sua respiração.

   —Eu nunca possuí qualquer coisa na minha vida inteira, e agora eu possuo este pequeno pedaço de terra——.

   —Você possui muito mais do que isto. Na verdade, você não tinha que me dar um sorriso. Era seu desde o princípio—.

   —Eu não entendo—.

   —Quando você se casou comigo, você se tornou minha parceira não só na minha vida, mas em tudo—meu rancho, a cidade… tudo, e eu me tornei seu companheiro—.

   Como ele sabia que iria, o sorriso dela retrocedeu como o sol antes de uma tempestade.

   —Então o hotel… será seu também?—.

   —Nosso. Mas eu serei um companheiro mudo—.

   —O que isso quer dizer?—.

   —Você está livre para fazer o que quiser com o hotel. Faça-o do jeito que quiser que ele seja, e eu manterei minha boca fechada. Mas se você quiser alguma opinião, eu estarei aqui—.

   Ela cruzou os braços em frente aos seios e olhou fixamente para ele.

   —Nada mudou, Dee—.

   —Tudo mudou—, ela disse tranquilamente. Ela ergueu o olhar para o dele. —E se eu quiser que o hotel pegue dois espaços no mapa?—.

   Ele levantou uma sobrancelha. —Dois espaços?—.

   Ela movimentou a cabeça. —Eu quero que ele seja o Magnífico Hotel. Quando as pessoas passarem por aqui, eu quero que eles falem sobre ele—.

   Ele caminhou de volta para a escrivaninha. —Então demarque outro quarteirão—.

   Sorridente, ela imergiu a caneta no tinteiro e com golpes deliberados, escreveu o próprio nome em um espaço no mapa. Ela o estudou. —E se eu quiser três?—.

   —Eu tenho alguns planos para a cidade, também—.

   Ela se debruçou adiante. —Quais são seus planos?—, a pergunta dela ecoou no coração dele. Ele se sentiu desprezado quando ela não tinha compartilhado seus planos com ele antes, mas o que ele tinha compartilhado com ela? Droga nenhuma.

   Ele se sentou, apoiou o cotovelo no braço da cadeira de madeira, e escovou o bigode. Ele tinha apenas contado às pessoas o que elas precisavam saber a fim de que o trabalho fosse feito. Ele não se recordava de já ter dito a alguém o que ele desejava.

   —Hm, bem, eu tenho um homem de jornal interessado em vir para Leighton—.

   Os olhos dela se arregalaram. —Um jornal? Nós teremos um jornal?—.

   Ele gostou do modo como ela disse —nós—.

   —Sim, nós teremos um jornal. Ele poderá fazer anúncios e postar boletins para as pessoas—.

   —Qual será o nome do jornal?—.

   —O Líder de Leighton—.

   —O que mais?—

   —Um cemitério—.

   Ela visivelmente estremeceu.

   —Pessoas morrem—, ele disse.

   Ela olhou de volta no mapa e passou o dedo dela ao longo das linhas que representavam as ruas.

   —McGirk, Tipton, Phillipy…—, ela disse com a voz baixa, deixando outros tantos nomes de ruas não ditas. —Por que você deu esses nomes para as ruas?—.

   Ele parou de mexer no bigode. Sua mente estava de repente cheia com os sons de canhões, explosões e fogos de artilharias. —Os homens que eu enviei para a morte—, ele disse baixinho. —Eles eram meninos realmente, mais com medo de mim do que dos inimigos—. Ele ergueu um ombro. —Nomear as ruas com o nome deles é meu modo de lembrar eles, honrá-los—.

   —Você não era muito velho durante a guerra—.

   —Poucos soldados eram—.

   Ela se sentou na cadeira. —Eu sei tão pouco sobre você—.

   —O que você quer saber?—.

   —Tudo—. Ela desviou o olhar, envergonhada. —Você sabia que eu queria construir um hotel?—.

   —Eu ouvi o rumor—.

   Ela o observou. —Você acha que será bem sucedido?—.

   —Totalmente—.

   Ela colocou as mãos na escrivaninha, o medo marcado nas profundidades escuras de seus olhos, mas ele não achava que era medo dele.

   —Dallas, eu quero fazer algo diferente com o hotel—.

   Ela ficou de pé e começou a compassar. Tão graciosa. Tão elegante. Ele se perguntou se ele já tinha a observado caminhar alguma vez.

   —O que você quer fazer?—, ele perguntou.

   Ela parou e agarrou as costas da cadeira. —Eu quero usar o hotel para trazer mulheres para Leighton—.

   Ele enrugou a sobrancelha. —O quê?—.

   Ela deu a volta em torno da cadeira, se sentou, e se debruçou para frente, excitação nos olhos, de uma forma que ele nunca tinha visto. —Você mencionou colocar um anúncio para trazer mulheres para vir até Leighton como noivas, o que parece injusto para mim. Uma mulher se comprometer com um homem que ela nunca viu—da mesma maneira que Amelia se comprometeu com você. O que acontece se ela se apaixonar por outra pessoa? Nem todos os homens serão tão generosos quanto você foi. Nem todo homem vai desistir de seu direito. Ou o que acontecerá se ela encontrar o homem e não gostar dele?—.

   Ela saiu da cadeira e começou a andar de um lado para outro novamente. Dallas estava fascinado a observando, como se ele realmente pudesse ver os pensamentos dela se formando.

   —Eu quero dar às mulheres uma razão para vir para Leighton que não tenha nada a ver com casamento. Eu quero ter um restaurante bom dentro do hotel onde os homens se encontrarão para discutir negócios. Eu quero mulheres administrando o hotel e trabalhando no restaurante. Nós traremos mulheres de todas as partes do país para cá. Vou treiná-las. Dar a elas as habilidades que elas precisarem para trabalhar no nosso hotel. Se acontecer de elas encontrarem um homem e se casarem, não será porque eles não tiveram nenhuma outra escolha—.

   Suas palavras baterem nele com a força de um touro. Ela não teve nenhuma escolha. Ele se perguntou com quem ela escolheria se casar se tivesse a escolha.

   Ela parou de andar, colocou as palmas das mãos sobre a escrivaninha e encontrou o olhar dele. —O que você acha?—.

   Que você deveria ter tido uma escolha.

   Ele guardou os pensamentos, ficou de pé e caminhou para a janela. Ao longe, ele podia ouvir seu moinho de vento. Atrás dele, ele podia sentir a tensão de Dee enquanto ela esperava por sua resposta.

   Ele não deu a ela uma escolha quando a decisão foi o casamento, mas ele podia dar uma escolha para ela agora. Ele ficaria fora de seu quarto até que ela o quisesse lá.

   Virando, ele capturou o olhar dela. —Eu acho que você está prestes a construir um império—.

 

Dentro do escritório de Dallas, Cordelia se mexeu na cadeira e rabiscou mais notas no que antes tinha sido uma folha intocada. Ela estava depressa descobrindo que construir um império não era uma tarefa fácil. Os detalhes eram muitos.

   De manhã ela trabalhou depressa para apagar quaisquer evidências de que eles tinham comido café da manhã. Ela arrumou a casa e fez as camas.

   Uma manhã ela percebeu que se Dallas se tornasse realmente seu marido, eles dormiriam em uma só cama, e ela só teria que gastar tempo fazendo duas camas, em vez de três, lavando dois lençóis em vez de três.

   Ela considerou discutir o acordo com ele, mas ela não conseguia reunir coragem suficiente. Ela estava certa de que ele iria querer mais do que dormir em sua cama, e ela não estava completamente pronta para o —mais— que ele poderia requerer.

   Apesar de que a cada dia ela se via cada vez mais pensando em Dallas.

   Depois que ela terminava as tarefas em torno da casa, Austin a escoltava até a cidade. Ela constantemente pensava em Dallas enquanto visualizava os planos que o Sr. Curtiss preparava. Ela se perguntava se Dallas estava cuidando do gado. Ela desejava que algum motivo o levasse para a cidade também. Parecia que os caminhos deles se cruzavam continuamente. Ela apreciava caminhar pela cidade com ele, escutar enquanto ele explicava as forças e debilidades nos edifícios ou quando discutiam sobre os outros negócios que estavam vindo para Leighton: o calígrafo, o padeiro, o sapateiro e o barbeiro.

   Mas ela antecipava as noites acima de tudo. Ela se aconchegava na cadeira do escritório de Dallas e discutia seus planos com ele: o teor dos anúncios que traria mulheres para Leighton para trabalhar em seu hotel, o tipo de mobília que ela queria colocar nos quartos do hotel, a variedade de comidas que ela queria servir no restaurante.

   Ele ofereceu dar a ela um desconto na carne do boi. Ela o lembrou de que ela não precisava de um desconto. Como sua companheira, ela podia simplesmente pegar o gado que precisava.

   Ele riu, profundamente, com gosto, e ela percebeu que amava o riso dele, amava o modo como ele a escutava, amava a aprovação de suas sugestões que se refletiam nos seus olhos marrons.

   —O que está te aborrecendo?—.

   Cordelia olhou para as notas que ela tinha feito relativas ao restaurante. Ela curvou os pés com mais firmeza. —Nada. Está tudo bem—.

   Sentado atrás da escrivaninha, Dallas estreitou os olhos. —Você tem algum problema com o hotel?—.

   Ela mordeu o lábio inferior. —Não é um problema realmente. Sr. Curtiss terminou o projeto do hotel… só que não é exatamente o que eu tinha em mente—.

   —Então diga a ele—.

   Ela se mexeu na cadeira. —Ele trabalhou tão duro no projeto que eu odiaria ferir seus sentimentos—.

   —Mas não é o que você quer. Você está pagando a ele para dar a você o que você quer. Você está pagando a ele, não é?—.

   —Sim—.

   —Então vá à cidade amanhã e diga a ele—.

   Ela desenhou a marca mais recente de Dallas na extremidade do papel. Lembrava a ela mais um coração do que dois ‘Dês’ de costas um para o outro. Tudo que ele precisava era uma seta do Cupido. Ela desenhou a marca novamente, tentando ganhar tempo, querendo pedir que ele fosse com ela—

   —Você quer que eu vá com você?—.

   Ela deu uma olhada rápida para cima, atraída pela intensidade do olhar dele. Uma vez ela tinha se sentido desconfortável com seu escrutínio. Agora ela reconhecia o que isto era: simplesmente seu modo de olhar para todo mundo, para tudo.

   Ela sorriu suavemente. —Não, eu posso lidar com este assunto sozinha—.

   O olhar dele se aqueceu, e o coração dela tremeu como borboletas na primavera. Sua resposta o tinha agradado, e ela se perguntou quando que ela tinha começado a se importar quando ela o agradava ou não.

 

Na manhã seguinte, com o sol surgindo no horizonte, Dallas guiou seu cavalo pela aldeia de barracas. Algum dia eles todos teriam sumidos e seriam nada além de edifícios de madeira. As pessoas viriam. Sua cidade cresceria. Seu filho teria um bom futuro aqui.

   Ele viu Tyler Curtiss de pé do lado de fora sua barraca, seus suspensórios oscilando enquanto ele se barbeava na frente de um espelho amarrado com correia até a viga da barraca. Dallas parou Satan.

   —Tyler?—.

   Tyler se virou do espelho e sorriu amplamente. —Dallas, você está aqui fora e bem cedo esta manhã—.

   Concordando com a cabeça, Dallas se apoiou no chifre da sela. —Você está fazendo um bom progresso na cidade—.

   —Toda vez que eu penso que o meu trabalho está se aproximando do fim, eu tenho um pedido para projetar e construir outro edifício. Eu tenho a sensação de que esta cidade vai sempre crescer—.

   Dallas sorriu. —Espero que sim. As coisas devem se expandir assim que a via férrea chegar aqui—. A sela rangeu quando ele trocou o peso do corpo. —Tyler, minha esposa vai vir aqui esta manhã. Ela não está muito feliz com os planos que você tem para o hotel—.

   Tyler enrugou a sobrancelha. —Ontem ela disse que eles eram bons—.

   Removendo o chapéu, Dallas estudou o horizonte distante. Como toque de uma pluma, o sol trazia o amanhecer com seus matizes suaves, assim como sua esposa suavemente trazia o raio de sol para seus dias. —Você já foi casado?—.

   —Não, senhor, não posso dizer que tive o prazer—.

   —Eu não sei o quanto é esse prazer. As mulheres são contraditórias. Quando Dee disser que algo está bom, não está bom mesmo. Quando estiver bom, ela te dará um sorriso… um sorriso que vai te fazer perder o fôlego—. Dallas colocou o chapéu na cabeça. —Quando ela vier para ver você hoje, certifique-se de que você fará o que for preciso para receber esse sorriso—.

   Tyler movimentou a cabeça. —Eu farei isto—.

   —Eu aprecio isso—. Ele girou o cavalo.

   —Dallas?—.

   Ele deu uma olhada rápida por cima do ombro.

   —O que eu devo fazer com os planos que eu preparei alguns meses atrás do hotel que você queria construir?—.

   Dallas encolheu os ombros. —Faça qualquer coisa com eles. Esta cidade só precisa de um hotel—.

 

        Cordelia nunca tinha estado tão nervosa em sua vida quanto ela estava agora. Ela estava de pé assistindo o agrimensor colocar marcadores no chão e separar o espaço de onde o hotel seria construído.

   Sr. Curtiss terminou a loja de ferreiro e o hospedaria para cavalos. Ele estava pronto para começar a construção do hotel.

   Ela apertou o braço de Dallas enquanto ele ficava de pé ao lado dela, vestido muito parecido como estava no dia em que tinha se casado com ela: calça comprida marrom, jaqueta marrom, um colete acetinado marrom. Ele parecia com um homem de negócios bem sucedido, e não com um vaqueiro que montava até o entardecer, coberto de suor e pó. Ele deu uma olhada rápida para ela.

   —Realmente vai acontecer, não é?—, ela perguntou.

   Os lábios dele se estenderam em um sorriso morno, um sorriso que tocou seus olhos marrons profundos. —Sim—.

   Segurando Precious dentro do braço, ela examinou por sobre o ombro. As pessoas estavam se juntando atrás deles, assistindo os agrimensores com interesse. Ela podia ver todos os peões de Dallas.

   Ela viu Houston abrindo passagem na multidão, segurando Maggie que estava com os braços ao redor do pescoço dele. Amelia marchava junto dele, seu braço entrelaçado no dele. Enquanto eles se aproximavam, Amelia soltou Houston e abraçou Cordelia. Precious latiu. Amelia riu.

   —Isto é tão excitante—, Amelia disse.

   Cordelia não pôde conter o sorriso. —Sr. Curtiss acha que ele pode ter o hotel pronto por volta de outubro—.

   —Quatro meses?—, Houston perguntou. —Ele acha que precisará de tanto tempo?—.

   Cordelia concordou com a cabeça. —Vai ser um hotel grande, o hotel principal—. Ela apertou a mão de Amelia. —Vamos chamá-lo de Magnífico Hotel—. Ela deu uma olhada rápida para Dallas. —Não é?—.

   —Nós o chamaremos como você quiser—, ele disse.

   Houston riu. —Parece que dar nome a um hotel é como dar nome a crianças—.

   Dallas fez uma careta para o irmão. —Não é nada parecido—.

   Com passos largos e longos, Austin andou até Dallas e sussurrou algo em sua orelha. Dallas movimentou a cabeça. —Bom—.

   Austin sorriu para Cordelia. —Difícil de acreditar que faz menos de três semanas que você caminhou até o banco de Henderson. Eu acho que você trabalha mais rápido do que o Dallas quando tem uma idéia na cabeça—.

   Ela corou e abaixou o olhar. —Eu acho que ele irá ajudar esta cidade a crescer. Dará as pessoas um bom lugar para ficarem quando elas visitarem Leighton—. Ela deu uma olhada rápida para Amelia. —Nós pensamos em ter um quarto especial onde o professor possa viver—.

   —Isso seria maravilhoso—, Amelia disse, —embora para minha vergonha eu não fiz nada para trazer um para a cidade—.

   —Eu não te ajudei também—.

   —Esse será o nosso próximo passo—, Dallas disse.

   A respiração de Cordelia parou quando ela viu seus irmãos andando a passos largos na sua direção. Apenas Cameron sorria para ela. Ele a alcançou e tomou sua mão. —Oi, Dee, você parece bem—.

   Ela se sentia bem, se sentia feliz. —Eu não estava esperando ver você hoje—.

   —Dallas mandou dizer que tem um anúncio para fazer—, Boyd disse. Ele desceu o olhar para o estômago dela. —Considero que todos nós sabemos o que é esse anúncio já que parece que o seu marido acha que todo mundo se importa com os negócios dele—.

   A hostilidade a surpreendeu. Ela não tinha percebido até este momento que ela tinha crescido acostumada a viver em uma casa onde a raiva sempre reinava suprema. —Onde está o nosso pai?—.

   —Ele não pôde fazer a viagem—, Boyd disse.

   —Ele está doente?—, ela perguntou.

   —A idade o está alcançando—.

   Ela olhou para Dallas. —Eu realmente deveria ir vê-lo logo—.

   —Eu farei os preparativos—.

   Uns dos agrimensores os abordaram. —Nós acabamos—. Dallas movimentou a cabeça e virou sua atenção para Cordelia. —Você quer caminhar em torno da extremidade da propriedade antes da formalidade começar?—.

   —A formalidade?—, Boyd perguntou.

   Com satisfação óbvia, Dallas sorriu para o irmão dela. —A formalidade da quebra do solo. Nosso anúncio envolve o hotel que Dee planeja construir na cidade de Leighton—.

   Boyd visivelmente empalideceu. —Hotel? Você não está anunciando que ela está carregando sua criança?—.

   —Não—.

   Os olhos de Boyd se estreitaram. —Qual é o problema, Leigh? Você não é homem o suficiente para fazer uma criança?—.

   Cameron empurrou o irmão mais velho para trás. —Isto foi desnecessário, Boyd—.

   Boyd colocou o dedo agitado na frente do nariz de Cameron. —Nunca mais faça isto novamente. Nunca—.

   Cameron agitou a cabeça. —Esse é o momento da Dee. Não arruíne isto—.

   —Você sabia que ela estava construindo um hotel?—.

   Cameron olhou de lado para Austin antes de retornar o olhar para o irmão. —Sim, eu sabia—.

   —Eu não dou a mínima para essa porcaria de hotel. Tudo o que eu me importo é com a terra que aquele bastardo roubou de nós—. Boyd saiu para longe.

   Cordelia olhou para os dois irmãos restantes. Eles trocaram o pé de apoio meio que desconfortáveis.

   Duncan finalmente riu. —Eu ouvir dizer que vai ter dança, comida e uísque livres. Eu planejo ficar—.

   —Eu, também—, Cameron disse com menos entusiasmo.

   —Nós estamos contentes em ouvir isto—, Dallas disse. Ele se virou para Cordelia. —Um passeio rápido em torno da extremidade? As pessoas estão ficando ansiosas para que a gente comece—.

   Ela estava ansiosa para que terminasse. Sempre voltava para o assunto terra, ela dar um filho para Dallas.

   Ainda assim, o homem que queria o filho, o homem que deveria estar bravo porque ela não queria compartilhar sua cama com ele, era o que estava de pé ao lado dela agora, caminhando em torno da propriedade que tinha custado apenas um sorriso dela.

   O dia em que ela o tinha encontrado, ela tinha julgado que ele era um homem de pouca paciência. Ainda assim, no último mês, ele nunca a tinha atormentado pelo que era seu por direito. Ele pacientemente escutava seus planos para o hotel, oferecendo conselho, e dado a ela a chance de agarrar algo que desejava.

   Ele não tinha pedido nada em troca.

   —O que você ganha com isso tudo?—, ela perguntou enquanto eles arredondavam o primeiro canto e caminhavam ao longo do lado que seria os fundos do hotel.

   Ele pareceu surpreso enquanto dava uma olhada rápida para ela. —Eu gosto de ver você sorrir. Construir o hotel parecia te dar várias razões para sorrir—.

   —É tão simples assim?—, ela perguntou.

   —Simples assim—.

   Eles caminharam em torno do próximo canto. —Vai ser grande, não é?—, ela perguntou enquanto o olhar dela seguia através da corda tensa até outra.

   —Será o maior edifício da cidade—.

   Eles retornaram aonde tinham começado. Sr. Curtiss estava de pé na esquina, segurando uma pá. Dallas e o Sr. Curtiss passaram sobre a corda e caminharam para o centro da propriedade.

   Cordelia sentiu Amelia deslizar a mão ao redor da sua e suavemente apertá-la. Houston estava de pé atrás de Amelia. Maggie tinha embrulhado as pernas ao redor de Cordelia. Austin se moveu para o lado de Cordelia e pôs seu braço ao redor do ombro dela.

   Cameron e Duncan permaneceram do lado de fora. Com uma mistura de tristeza com a família que ela parecia ter perdido e vibrando com a felicidade da família que ela tinha ganhado, ela virou a atenção para o marido.

   Ele tirou o chapéu da cabeça e um silêncio desceu na multidão. O orgulho tocou seu coração ao ver o homem com quem ela tinha se casado, tão ereto, tão corajoso diante da multidão.

   Ela queria que as mulheres que viessem para Leighton tivessem uma escolha. Quanto a ela mesma, ela não estava mais certa se teria escolhido diferente se tivesse uma escolha.

   —Pouco mais de um mês atrás—, Dallas começou, o timbre fundo de sua voz reverberando ao redor dele, —eu tive o prazer de compartilhar com vocês—nossos amigos e vizinhos—minha alegria quando Dee se tornou minha esposa. Hoje, nós queremos compartilhar com vocês o início do que será um marco na construção de Leighton. A visão de Dee e seu hotel será o padrão pelo qual todos os futuros edifícios em Leighton serão construídos—. Ele levantou a mão na direção dela. —Dee, o sonho é seu. A terra é sua—.

   Com a respiração presa, o coração de Cordelia bateu mais forte e seus joelhos se agitaram. Com certeza ele não queria dizer a ela para que se unisse a ele na frente de todas estas pessoas. Ela deu um passo para trás e bateu no corpo duro de Houston.

   —Vá, Dee—, Houston a persuadiu baixinho, suavemente.

   Austin apertou o ombro dela e sorriu amplamente. —Se você pode caminhar até o banco e pedir um empréstimo, você pode caminhar em seu próprio hotel—.

   Seu próprio hotel.

   Ela olhou para Amelia, cujos olhos estavam se enchendo com lágrimas. —Eu disse a você—, ela sussurrou, —se você desse a ele uma chance, ele adoraria o chão que você pisa—.

   Cordelia olhou de volta para o marido. Sua mão estava estendida enquanto ele esperava por ela. Ela trouxe Precious para mais perto, respirou fundo, e passou por cima da corda.

   A multidão bateu palmas e gritou, o sorriso de Dallas cresceu, e o tremor dela aumentou. Ela caminhou através do lote tão depressa quanto podia e deslizou a mão até a do marido, surpresa ao encontrá-lo trêmulo também.

   Sr. Curtiss segurava a pá na direção dela. —Você precisará disto—, ele disse, sorrindo brilhantemente.

   —Dê-me o maldito cachorro de pradaria—, Dallas resmungou através do sorriso enquanto estendia a mão.

   Ela deu Precious para ele e pegou a pá. O Sr. Curtiss a ajudou a posicioná-la. Ela apertou a manivela, empurrou o pé na pá na medida em que ele instruía, e jogou para o lado uma pequena porção de terra.

   Ela deu uma olhada rápida para Dallas. —De que tamanho eu deveria fazer o buraco?—.

   Agitando a cabeça, ele tomou a pá e deu para o Sr. Curtiss. —Isto é tudo que você precisa fazer—. Ele entortou o cotovelo. Ela colocou a mão no braço dele, e ele a levou em direção à multidão que esperava.

   Ela apertou o braço de Dallas enquanto as pessoas os cercavam, fazendo perguntas.

   —Eu não deixarei você—, Dallas sussurrou próximo a orelha dela.

   Ela relaxou os dedos. Não, ele não a deixaria. Ela já tinha notado com qual frequência ele sempre estava por perto quando ela precisava?

   —Quantos quartos o hotel terá?—, alguém perguntou.

   Cordelia sorriu. —Cinquenta—.

   —Eu ouvi dizer que vai ter um restaurante—.

   —Um restaurante muito bom—, Cordelia os assegurou. —A melhor comida da cidade—.

   —Falando de comida boa—, Dallas inseriu, —nós temos carne de boi cozinhando próximo à taverna. Vocês todos estão convidado para apreciá-la—.

   Enquanto as pessoas iam para longe, Cordelia voltou sua atenção para Dallas. —Por que você não me disse que eu teria que cavar um buraco na frente de todas estas pessoas?—.

   —Achei que você ficaria nervosa, e você poderia decidir não vir. Eu não queria que você faltasse no seu momento—.

   O momento dela.

   —Sra. Leigh?—.

   Ela se virou. Um jovem estava diante dela, segurando um bloco de papel. —Sra. Leigh, eu sou repórter do jornal Daily Democrat de Fort Worth. Já que a via férrea que toca nossa cidade eventualmente vai tocar a sua, eu desejava que você pudesse gastar alguns minutos para responder algumas perguntas sobre o seu hotel—.

   Cordelia olhou para Dallas. Ele sorriu. —Seu momento—.

   Quando ele foi embora, ela começou a responder as perguntas do jovem sobre O Magnífico Hotel. Ela explicou o fato de que mulheres administrariam o hotel e trabalhariam no restaurante. Quando ela respondeu a pergunta final dele, começou a caminhar em direção ao outro terminal da cidade onde as pessoas estavam se reunindo. Ela podia ouvir as notas doces de uma valsa. Ela viu Austin de pé atrás de uma carroça, tocando seu violino. Houston e Amelia dançavam como faziam Becky e Duncan. Vários homens dançavam juntos.

—Dee?—.

   Ela parou cambaleante e sorridente quando seu irmão mais jovem tomou sua mão. —Cameron, eu estou tão contente por você estar aqui hoje—.

   —Você parece feliz, Dee. Dallas está te tratando bem?—.

   Ela deu uma olhada rápida na direção da taverna. Ela podia ver o marido debruçado contra a parede, Precious aconchegada dentro do seu braço enquanto ele conversava com o Sr. Curtiss.

   —Ele me trata muito bem—. Ela apertou a mão dele. —Você deveria vir nos visitar. Eu acho que você gostaria de Dallas se você parasse de olhá-lo com os olhos de Boyd—.

   Pelo canto do olho, ela viu um tecido preto passando. —Com licença—, ela disse para o irmão enquanto corria para longe. —Rawley! Rawley Cooper!—.

   O menino parou cambaleante e olhou para o chão. Ela se agachou na frente dele.

   —Oi, Rawley. Eu não sei se você se lembra de mim. Eu te vi no armazém geral um dia—.

   —Eu lembru—.

   —Eu estava me perguntando se você pode me fazer um favor—.

   O olhar preto dele se levantou e então abaixou. Ele começou a arrastar o dedo no chão. Ela queria abraçá-lo com força. Ela tinha se perguntado se alguém já tinha feito isso.

   —Eu pagarei a você—, ela disse suavemente.

   O olhar dele se focou nela, mas ela podia ver a dúvida e desconfiança flutuando em seus olhos.

   —Quanto?—, ele perguntou.

   —Um dólar—.

   Ele mordeu o lábio inferior. —O que eu tenho que fazer?—.

   —Cuide do meu cachorro de pradaria para que assim eu possa dançar com o meu marido—.

   —Por quantu tempu?—.

   —Até amanhã de manhã—.

   Os olhos dele se estreitaram. —Você precisa me pagar primeiro—.

   —Certo—. Ela se levantou e ofereceu a mão. —Vamos conversar com meu marido—.

   Com os dedos enrolados, ele agarrou a mão dela, então depressa a soltou. —Dar as mãos é frescu—.

   Ela se perguntou brevemente se seus irmãos eram da mesma opinião. Desde que ela conseguia se lembrar, Cameron era o único que já a tinha tocado, e mesmo assim seu toque sempre tinha sido hesitante. Ela não queria isso para suas crianças.

   Ela caminhou em direção à taverna com Rawley atrás dela. Ela sabia o momento exato em que Dallas a viu. Sua atenção foi para longe do Sr. Curtiss, e embora o arquiteto e construtor continuasse a conversar, ela sentiu sem dúvidas que ela tinha a atenção exclusiva de Dallas.

   Quando ela parou na frente do marido, Precious latiu e Dallas a trocou de posição nos braços.

   —Se você me dá licença, eu quero conversar com Mimi Saint Claire—, Sr. Curtiss disse. —Ela está pensando em expandir seus negócios para um empório—.

   —Agradeço sua ajuda hoje—, Dallas disse.

   —O prazer foi meu—. Ele bateu com o chapéu na direção de Cordelia antes de ir embora.

   —Como foi a entrevista?—, Dallas perguntou.

   —Creio que é seguro dizer que ele estava pelo menos entusiasmado com o novo hotel—.

   Precious latiu novamente e começou a se torcer. Cordelia tocou o ombro de Rawley, e ele se virou. Ela desejou não estar cometendo um engano.

   —Esse é Rawley Cooper. Ele vai cuidar da Precious para nós—.

   Dallas ergueu uma sobrancelha. —É mesmo?—.

   Rawley deu um aceno com a cabeça. —Mas cê tem que me pagar. Um dólar. Adiantadu—.

   —Isto é uma pechincha—, Dallas murmurou enquanto colocava a mão no bolso e retirava um dólar. Ele o colocou na palma de Rawley.

   Rawley olhou para a moeda como se ele não tivesse realmente esperado receber um dólar. Ele embolsou o dinheiro, limpou as mãos cobertas de sujeira, e pegou Precious. Ele deu uma olhada rápida para Cordelia. —Onde cê qué que eu deixe ela amanhã?—.

   —Onde você vive?—.

   Ele virou o olhar. —Ao redor—.

   —Nós acharemos você—, Dallas disse.

   Rawley movimentou a cabeça e lentamente foi para longe como se estivesse carregando algo frágil.

   —Então, por que você fez isto?—, Dallas perguntou.

   Cordelia virou a atenção para o marido. —Precious estava atrapalhando—. Ela andou sobre a passarela de madeira. O olhar dela era quase no nível do olhar de Dallas. Ela podia ouvir as notas gentis da canção encher o ar. Seu coração começou a bater mais forte, seu estômago começou a se revirar. —O dia em que nós nos casamos você me disse que não era difícil dançar, e que você me guiaria. Eu estava me perguntando se a sua oferta ainda está aberta—.

   Ele desencostou da parede e ofereceu a mão para ela. —Está sempre aberta para você—.

   Ela colocou as mãos sobre as dele. Sua palma era áspera, seus dedos tinham calos, os dedos eram longos, a pele morna enquanto sua mão se fechava ao redor da dela. Ela caminhou com ele para uma área onde só algumas outras pessoas dançavam.

   Quando ele colocou a mão na cintura dela, pareceu o movimento mais natural no mundo colocar a mão no ombro dele. Ele manteve o olhar dela. Quando ele entrou no ritmo da música, ela o seguiu.

   A melodia rodou ao redor dela. Além do ombro de Dallas, as matizes do céu começavam a escurecer, prolongando as sombras da noite. Ele a guiou pela valsa tão facilmente quanto ele a tinha guiado até este dia.

   —Como você sabia que eu queria construir um hotel?—.

   O olhar dele não hesitou. —Austin me falou sobre a sua visita ao banco—.

   —Você disse ao Sr. Henderson que me desse o empréstimo?—.

   —Eu simplesmente expliquei para ele que você tinha garantia——.

   —Sua terra—.

   —Nossa terra. Ele não tinha nenhuma razão para não te dar o empréstimo—.

   —E se o hotel quebrar?—.

   —Não irá—.

   —Como você pode estar tão certo?—.

   Ele a apertou, trouxe-a para mais preto. As coxas tocando uma na outra.

   —Eu já te vi apavorada. Você ficou quando eu tinha poucas dúvidas de que você queria, desesperadamente, partir. Uma mulher com tanta força não vai deixar um negócio afundar—.

   —Eu era boba por temer você—.

   Ele agitou a cabeça ligeiramente. —Eu fui o bobo maior. Eu nunca devia ter forçado nosso casamento. Eu devia ter usado o tempo para cortejar você—.

   Ela assistiu enquanto ele tragou.

   —Eu devia ter dado a você a escolha que você quer dar as outras mulheres—.

   Ela se balançou dentro dos braços dele, agora sabendo sem sombra de dúvidas que se ele a tivesse cortejado, se ela tivesse tido uma escolha, ela não escolheria diferente.

 

        Dallas não era um homem propenso a ter dúvidas, mas hoje à noite que Dee montava ao lado dele na direção do rancho, as dúvidas o inundavam.

   Os lábios dela estavam curvados em um sorriso suave, o rosto sereno como a lua que os guiava para casa. Ela pareceu feliz e contente, muito mais do que ele já tinha visto.

   Como uma ladainha esperançosa, as palavras delam ecoavam na mente dele: —Eu era boba por temer você—.

    Uma brisa morna soprava suavemente por sobre a terra, à distância, ele podia ouvir o ruído constante do seu mais novo moinho de vento. Ele ficou em silêncio até que o moinho de vento surgiu, uma silhueta escura contra o céu da pradaria.

   —Eu quero mostrar algo a você—, ele disse tranquilamente, desejando que nenhuma de suas ações hoje à noite colocasse o medo de volta nos olhos dela.

   Ela deu uma olhada rápida para ele. —O que você quer me mostrar?—.

   Ele parou o cavalo embaixo do moinho de vento. Ela parou o cavalo também e sorriu. —Oh, uma de suas senhoras—.

   Dallas desmontou e enxugou as mãos suadas na jaqueta antes de ajudá-la a desmontar do cavalo.

   —Eu nunca estive tão longe de casa à noite—, ela sussurrou como se alguém pudesse os estar espreitando para escutar suas palavras.

   —Essa é a minha hora favorita do dia—, Dallas disse. —Eu gosto de olhar lá de cima—.

   Ele apontou para o topo do moinho de vento e os olhos dela se arregalaram.

   —Como você vai até lá?—.

   —Este moinho de vento tem uma escada e uma pequena plataforma—. Uma plataforma que ele tinha construído pensando nesta noite. Ele ofereceu a mão. E sentiu um arrepio de prazer quando ela colocou a mão sobre a dele.

   Ele a levou até o moinho de vento. —Um passo de cada vez—, ele disse. —Segure-se na grade. A escada vai te levar até a plataforma do nível superior—.

   Ele seguiu atrás dela até que ela chegou à plataforma. Ele subiu depois dela. A plataforma era pequena, apenas o suficiente para os dois ficarem de pé. Dallas tinha imaginado este momento cem vezes, todas as coisas que ele diria a ela: as coisas que ele sentia, as coisas que ele desejava, os sonhos que ainda não tinham sido alcançados.

   Ele queria que ela visse tudo o que ele via: a imensidade do céu. O brilho das estrelas. A terra que se estendia diante deles. Ao longe ele podia ouvir o mugir do gado. Ele podia sentir o cheiro da terra, da grama, das flores que tinham florescido ao longo do dia.

   Ele podia sentir o cheiro da noite. Ele podia sentir a fragrância doce dela.

   E ele sabia que nenhuma palavra que ele pudesse articular faria justiça a magnificência que se abria diante deles, o futuro que eles poderiam compartilhar. Se ela não pudesse pressentir isto por sua própria iniciativa, ele não poderia descrever isto para ela. Se ela não entendesse, ele não poderia explicar.

   —É lindo—.

   A voz suave, atada com reverência, o envolveu aumentando em dez vezes a majestade de tudo que ele tinha adquirido, tudo o que ele tinha trabalhado tão duro para atingir.

   Ele nunca tinha se sentido tão próximo de ninguém como ele se sentia dela agora, estando acima da terra, com a noite os cercando, ele de alguma maneira sabia que se julgasse mal o momento, seu sonho se desintegraria em pó.

   —Eu quero um filho, Dee—.

   Ela virou a cabeça e encontrou o olhar dele, e ele rezou para que não fosse um truque do luar a impressão de que ela não tinha nenhum medo nos olhos.

   —Eu quero um filho com quem eu possa compartilhar isto tudo. Eu quero trazê-lo aqui ao amanhecer, no pôr-do-sol e à meia-noite. Eu quero que saiba que por maior que tudo isso seja eu quero que ele saiba que isso é pouco em comparação com o que ele será—. Ele respirou fundo. —Mas eu não tomarei à força o que você não está disposta a dar—.

   Ele viu o olhar dela varrer devagar a terra como se ela estivesse medindo o peso de suas palavras.

   —Eu quero te dar um filho—, ela disse suavemente.

   O coração dele bateu com tal força que ele tinha medo de que talvez ele pudesse não ter ouvido corretamente. —Você quer?—.

   Ela concordou com a cabeça, e ele podia ter jurado que ela corou ao luar.

   —Então se eu for até o seu quarto hoje à noite, você não terá medo?—.

   Ela agitou a cabeça. —Nervosa, mas não assustada—.

   Ele pensou em beijá-la. Pensou em fazer amor com ela embaixo do moinho de vento, mas ele queria tudo perfeito.

   Ele queria dar a ela uma noite de namoro que ele deveria ter dado a ela antes do casamento.

 

        Becky Oliver nunca tinha conhecido o terror, mas ela se encontrava com ele agora: as mãos ásperas, a respiração fedorenta que fedia a excesso de uísque, os dedos fortes prendendo seus pulsos segurando-os nas costas dela. A boca dele errou o alvo e deslizou através da bochecha dela, deixando uma trilha babosa.

   —Duncan, pare!—.

   Ele empurrou a coxa entre a dela. —Qual é, Becky, você sabe que quer uns beijos—.

   Ela não queria nada do tipo, pelo menos não dele. Ela queria gritar, mas ela achava que poderia morrer se alguém a visse dessa forma: apertada contra a parede da parte de trás do armazém geral com este homem ao redor dela.

   —Duncan, por favor, deixe-me ir—, ela pediu.

   —Beije-me primeiro—.

   Ela sentiu as lágrimas começarem a vir à tona. De alguma maneira, ela sabia que ele apreciaria assistir as lágrimas caírem, então ela as segurou. —Duncan——.

   —Ela não está interessada—.

   Ela ouviu a voz de Austin e um alívio a inundou. Duncan grunhiu e ela de repente estava livre de seu aperto. Ela se agachou ao lado das caixas que se enfileiraram através da parede da parte de trás e viu Austin bater o punho no rosto de Duncan. Duncan gritou e tropeçou para trás.

   Oh, ela estava contente, tão contente, embora ela soubesse que o uísque tinha o feito ficar mal, tinha feito ele assustá-la.

   Austin ficou de pé com as pernas bem abertas, as mãos com os punhos cerrados, esperando… esperando.

   —Vamos, McQueen, levanta o traseiro do chão para que eu possa te bater de novo—.

   Gemendo, Duncan rolou e ficou de joelhos. —Você quebrou o meu nariz!—.

   Duncan olhou por cima do ombro, e Becky pôde ver seu sangue brilhando ao luar. Ela andou rápido e colocou os braços ao redor de Austin. —Não bata nele novamente—.

   Austin olhou para ela. A raiva que queimava em seus olhos azuis a assustou quase tanto quanto Duncan tinha feito antes. Ela nunca tinha visto Austin bravo.

   —Ele machucou você—.

   —Não, ele não fez. Para falar a verdade não. Ele apenas me assustou—.

   Austin apontou o dedo para Duncan. —Fique longe da Becky ou da próxima vez eu mato você—.

   Ela sabia sem dúvida que ele estava falando sério, e esse conhecimento a apavorou. Ele se virou para ela e então ela pôde ver a preocupação marcada em seu rosto, junto com a raiva.

   —Deixe-me levar você para casa—, ele disse.

   Deixando Duncan para trás tentando ficar de pé, Austin caminhou com ela pela lateral do armazém geral e seguiu com ela degraus acima. No patamar superior, ele disse baixinho, —Você está bem, Becky?—.

   Ela não estava e tinha desejado entrar em casa sem que ele percebesse, mas a voz dele estava cheia com tanta preocupação que ela não pôde evitar se virar para ele, as lágrimas deslizando através de suas defesas.

   —Ah,Becky—, ele disse suavemente enquanto a abraçava e apertava a bochecha dela contra o ombro dele.

   —Ele disse que queria me mostrar algo—, ela disse rouca com um nó espesso na garganta. —Eu não sabia——.

   —Shh. Como você poderia saber, docinho?—.

   —Você está bravo comigo—.

   —Não, eu não estou—. Ele embalou o rosto dela e a fez olhar para ele. —Bem, talvez um pouco. Por que você não dançou com o Cameron?—.

   —Duncan me pediu—. Ela ergueu o ombro. —Eu realmente queria dançar com você—.

   Ele afagou a bochecha dela com o polegar, repetidas vezes, a raiva desvanecendo em seus olhos, deixando-os azul como uma chama que se contorce dentro do fogo. —Eu não posso dançar e fazer a música. Você gostou da música?—.

   —Eu achei que você toca lindamente. Eu teria muito prazer em apenas me sentar e escutar você a noite toda—.

   —Você estava tão linda dançando, Becky, ainda que fosse com o Duncan. Eu não conseguia tirar meus olhos de você—. Um canto de sua boca se curvou para cima. —Eu podia me sentar e olhar para você a noite toda—. Ele imergiu a cabeça ligeiramente, e o coração dela se acelerou. —Diga-me para parar, Becky, e eu irei. Caso contrário, eu pretendo beijar você—.

   —Você vai fazer isto do modo adequado?—.

   —Adequado, do jeito que você merece—.

   Ela tinha sonhado com o beijo dele de noite enquanto dormia, embaixo dos cobertores, e durante o dia enquanto ela trabalhava, em cima da escada empilhando bens enlatados. Mas os beijos sonhados não eram tão maravilhosos quanto à realidade.

   Ele tocou a boca sobre a dela, brevemente, então passou os lábios sobre os dela, lembrando-a do modo como ele afinava o violino antes de começar a tocar a primeira canção. Testando, zombando, procurando pelos sons certos.

   Esperando pelo momento certo.

   Então o momento veio quando ele parou a boca por sobre a dela e atingiu uma corda ressonante dentro de seu coração.

 

Dallas morreu de vergonha quando se olhou no espelho. Como algum jovem que se barbeou pela primeira vez, ele tinha três cortes minúsculos no queixo. Com os olhos semicerrados ele se debruçou para mais perto, perguntando-se se ele deveria aplainar os lados do bigode um pouco mais.

   Ele tomou banho e aparou tudo o que podia ser aparado: o cabelo, as unhas, o bigode.

   Ele nunca tinha ficado tão incrivelmente nervoso em sua vida inteira. Vestindo apenas a calça comprida— nova, que ele nunca tinha vestido antes—ele se examinou, perguntando-se se Dee o acharia atraente. Ele lutou contra o desejo de fazer uma careta para o reflexo que o encarava.

   Ele pegou a camisa que tinha deixado sobre a cama. Começou a abotoá-la e parou. Dee só teria que desabotoá-la — ou ele teria—e seus dedos estavam se agitando tanto que ele não sabia se conseguiria tirá-los sem fazê-los sair voando através do quarto.

   Melhor deixar desabotoado.

   Ele arrancou a camisa por cima da cabeça e a jogou na cama. Melhor não vestir isto.

   Os dois sabiam porquê ele estava indo ao quarto. Não havia necessidade de fingir o contrário.

   Respirando fundo, ele agarrou a garrafa de vinho e duas taças. Ele nunca tinha chegado a abrir a garrafa quando ele tinha se casado com Amelia. Ele começou a temer que nunca tivesse uma chance de fazer isto.

   Só que hoje à noite Dee tinha dito a ele que queria dar a ele um filho. O estranho era que ao mesmo tempo em que as palavras dela o tinham excitado, o tinha deixado querendo também. Ele não estava mais certo do que ele exatamente queria dela.

   Os sorrisos. Os risos. Os pés dobrados embaixo dela quando ela pensava em decisões de negócios.

   O corpo enrolado contra o dele.

   Ele abriu a porta do quarto e o som ecoou corredor abaixo. Ele já tinha notado como tudo nesta casa ecoava?

   Com os pés descalços, ele foi à direção do quarto dela, seu coração batendo mais forte do que quando um touro tinha vindo atrás dele quando ele era jovem. Ele queria passar a mão no cabelo para ajeitá-lo, assim como o bigode, mas suas mãos estavam tão cheias que ele simplesmente respirou fundo e bateu as juntas dos dedos contra a porta.

   Imediatamente a porta se abriu um pouquinho, e ele se perguntou se ela estava esperando por ele do outro lado. Ela espreitou o lado de fora, os olhos marrons grandes, o sorriso trêmulo. Então ela abriu mais a porta e deu um passo para trás.

   Ele caminhou pelo quarto. A fragrância de lavanda pairava no ar, junto com o odor do banho prolongado dela.

   Ele ouviu o clique da porta, e sua boca ficou seca. Deus, ele não tinha ficado assim tão nervoso nem quando ele tinha visitado um prostíbulo pela primeira vez, quando estava incerto do que esperar.

   E ele percebeu com uma claridade súbita que ele não tinha nenhuma idéia do que esperar esta noite. Ele apenas sabia que queria dar a ela o tanto que ele tivesse que dar, queria facilitar as coisas para ela, queria manter o medo longe dos olhos dela.

   Ele se virou e olhou para ela. Ela estava usando o vestido branco que tinha usado na primeira noite. Todos os botões minúsculo estavam em suas casas correspondentes, até a garganta dela onde a renda descansava embaixo de seu queixo. Por que ele achava aquele pedaço de tecido inocente mais atraente do que algumas mulheres com metade da roupa que ele tinha visto na juventude?

   Ele levantou a garrafa e as taças. —Eu trouxe vinho. Achei que poderia te ajudar a relaxar—.

   Ela sorriu timidamente. —Eu estou incrivelmente nervosa—.

   —Sim, eu também—.

   Os olhos dela se arregalaram com espanto. —Você?—.

   Ele concordou com a cabeça e caminhou até a cômoda, colocando a garrafa e as taças nela antes que deslizassem de suas mãos suadas. Ele enxugou as palmas na calça comprida e puxou a rolha. Então ele deixou cada taça pela metade.

   Ele levantou as taças, se virou, e deu uma para ela. Ele bateu a taça contra a dela. —Pelo nosso filho—.

   As bochechas dela ficaram de um adorável matiz vermelho, lembrando a ele o pôr-do-sol. Olhando fixamente para o peito dele, ela tocou o vidro contra os lábios e deu um pequeno gole. Ela arfou e olhou para os pés nus dele.

   —Dee, olhe para mim—.

   Ela ergueu os olhos para ele. —Eu sinto muito. Eu esqueci que isto é um negócio—.

   Ele pegou a taça da mão dela e a deixou na cômoda.

   —Dificilmente isso seria um negócio—. Passando os dedos pelo cabelo preto que ela tinha escovado até que tivesse o brilho de um veludo, ele colocou as palmas das mãos envolta do rosto dela e abaixou a boca até a dela.

   Ele passou rapidamente a língua por sobre os lábios dela. Tão suave. Ele saboreou o vinho que o tinha tocado e sentiu o minúsculo tremer dos lábios dela, perguntando-se se ela podia sentir os tremores que passavam por ele. Como um vaqueiro com uma corda para dar um laço, ele passou a língua sobre os lábios dela formando um oito.

   Ela deu um passo para perto, o vestido dela tocando o peito dele. Um raio de prazer inesperado passou por ele com o gesto que tinha vindo dela, tão corajosa quanto um metal.

   Ele angulou a cabeça, correndo a língua ao longo dos lábios dela, brincando com a boca até que ela ligeiramente se abriu. Ele mergulhou a língua no abismo de boas-vindas de calor e sabor único dela.

   Ele sentiu a mão dela se movendo entre eles. Ele continuou a saquear sua boca, esperando pelo momento em que as mãos dela o tocassem, a respiração presa no peito, o corpo desejando o toque.

   Mas tudo o que ele sentiu foi um estranho puxar constante das mãos.

   Ele parou o beijo e deu uma olhada rápida para baixo. Levantado acima do joelho, estava o vestido que ela segurava com as mãos.

   —O que você está fazendo?—, ele perguntou.

   A confusão brotou em seus olhos. —Boyd me disse que eu deveria erguer a camisola para você. Eu… queria fazer tudo direito—.

   Ele fechou os olhos com forças e lançou maldições mudas para o irmão dela.

   —Eu te deixei bravo—, ela disse tranquilamente.

   Abrindo os olhos, ele passou as juntas dos dedos nas bochechas avermelhadas dela. —Não, você não me deixou bravo, mas o seu irmão é um tolo. Eu quero que você esqueça tudo o que ele já te disse—.

   Abaixando as mãos, ele soltou o vestido dos dedos dela e viu o linho branco se retirar em direção aos tornozelos nus dela, e desejou ser um homem de palavras tenras.

   Ele ergueu o olhar e pôde ver que ela estava lutando contra o medo que espreitava no canto de seu coração. Ele colocou a mão no rosto dela, as mãos que eram muito ásperas contra a pele muito lisa. —Dee, quando um homem e uma mulher se reúnem… não existe certo ou errado. É apenas a questão de fazer o que cada um de nós acha confortável—. Ele afagou os dedos polegares embaixo do queixo dela. —Se eu fizer algo que você não gosta, tudo o que você tem que fazer é me dizer que eu pararei—.

   —E se você fizer algo que eu goste?—.

   Ele sorriu calorosamente. —Então você pode me dizer também—.

   —Como eu saberei o que você gosta?—.

   O sorriso dele se expandiu. —Você vai perceber—. Ele arrastou a boca junto à garganta dela, pelo pescoço, até que os lábios estavam próximos da orelha dela. —Mas eu garanto que eu não quero que você erga seu vestido para mim. Quando eu verdadeiramente fizer de você a minha esposa, eu não quero que você esteja usando qualquer coisa—.

   Ela ofegou e enrijeceu. Ele passou a língua ao longo da concha delicada da orelha dela. —Eu gastei um mês me perguntando se o seu corpo é tão adorável quanto o seu rosto. Hoje à noite eu pretendo descobrir—.

   —Você estará vestindo alguma coisa?—, ela perguntou sem fôlego.

   Ele imergiu a língua na orelha dela, antes de mordiscar o lóbulo. —Eu não estava contando com isto—.

   —É assim que se faz?—, ela perguntou.

   Ele ergueu a cabeça e encontrou o olhar dela. —Esse é o modo que nós vamos fazer. E se vai me levar a noite toda para conseguir te deixar confortável com a idéia, então nós levaremos a noite toda—.

   Ela sorriu calorosamente, os olhos marrons grandes incandescentes como mil velas que queimavam na noite. Ela colocou a mão contra o peito dele, os dedos sobre o coração, a mão firme. Os únicos tremores que ele sentia eram aqueles que ele sentia quando tentava segurar seus impulsos para não assustá-la. Ele nunca mais queria ver o medo por ele refletido nesses olhos.

   —Eu não acho que levará a noite toda—, ela sussurrou.

   —Graças a Deus—, ele disse rouco enquanto novamente tomava posse da boca de Dee.

   Ela correu a mão pelo peito dele, e se enroscou ao redor de seu pescoço. Gemendo, ele a envolveu com os braços e apertou o corpo quente dela contra o dele. Os corpos se encaixaram exatamente como ele tinha imaginado cem vezes: perfeitamente, do mesmo modo que o céu desce até tocar a terra no horizonte, azul contra verde, suave contra firme.

   Ele pensou que poderia sentir o coração dela bater no ritmo do dele, batendo contra o tecido que separava os corpos. Lentamente, ele moveu as mãos até a renda que decorava a garganta.

   Com uma paciência que ele não sabia que possuía, ele soltou o primeiro botão minúsculo e deslizou a boca até o local e deu um beijo na pele recentemente exposta.

   Os braços dela caíram quando ele soltou outro botão livre e então mais outro, os lábios seguindo a trilha virgem que o material que se abria revelava. A respiração dela vacilou quando as juntas dele encontraram rapidamente os seios dela. Ele deu um beijo quente no vale entre os seios dela enquanto os dedos davam liberdade aos últimos botões.

   Ele se endireitou e deslizou mão abaixo pelo material que cobria a garganta dela. Ele podia sentir os tremores que passavam por ela, e ele temeu que eles tivessem pouco a ver com paixão.

   —Olhe para mim, Dee—.

   Os olhares se encontraram. —Eu acho que o modo de Boyd era mais fácil—, ela sussurrou.

   —Esse modo teria enganado a nós dois. Eu te dou a minha palavra nisto—. Ele levantou as mãos e tocou as bochechas dela. —Mas eu não te forçarei a compartilhar seu corpo comigo—.

   Ela apertou os dedos contra os lábios, lágrimas brotando nos olhos, e seu coração mergulhou. O modo de Boyd poderia ter sido mais fácil mas ele seria infeliz por apenas conhecer uma parte dela quando ele queria conhecê-la por completo, do topo da cabeça até os dedões do pé, por dentro e por fora.

   —Compartilhar?—, ela perguntou. —Eu nunca tinha pensado nisso como compartilhar—. Ela abaixou as mãos e sorriu suavemente. —Não me assusta quando eu penso que estou compartilhando algo com você—.

   —Eu quero saber tudo sobre você, Dee. Não só o rosto e a forma dos pés, mas tudo—. Ele deslizou a mão pelo rosto dela, pescoço, e ombros. Então ele deslizou o tecido para baixo dos ombros dela.

   O vestido deslizou pelo corpo e parou aos pés dela, levando a respiração dele junto. Ele a tomou nos braços e a levou para a cama.

   Suavemente ele a deitou. Ele começou a desabotoar a calça comprida. Os olhos amendoados dela se arredondaram.

   —Não tenha medo, Dee—.

   —Eu não terei—, ela disse.

   —Você pode fechar os olhos se quiser—.

   —Você não acha que eu fiquei me perguntando como você era também?—.

   Ele de repente desejou ter apagado a chama na lamparina, queria que o quarto estivesse escuro. Se sentir tímido não era algo que ele estava acostumado a sentir, mas depois de fazê-la passar pela provação de tirar a roupa do corpo, ele não podia negar a ela a chance de vê-lo. Segurando o olhar dela, ele respirou fundo e tirou a calça comprida.

   —Eu não machucarei você—, ele disse, com a voz baixa.

   —Eu sei—.

   O olhar dela abaixou e depois voltou para ele.

   —Não tenha medo—, ele pediu suavemente.

   —Eu não tenho medo—.

   Ele se abaixou para a cama. Ela saltou quando a coxa dele tocou na dela.

   Segurando o rosto dela com a palma da mão, ele colocou a boca próxima da orelha dela. —Eu não consigo suportar quando você tem medo de mim, Dee—.

   —Eu estou apenas nervosa—.

   Ele arrastou a boca junto ao pescoço dela e imergiu a língua na boca de Dee. Ela tinha um sabor fresco, puro, e novo—diferente de qualquer mulher que ele já tinha saboreado.

   —Não fique nervosa—, ele disse.

   Ele abaixou o rosto até que sua boca tocou a suave protuberância de seus seios. Ela ofegou. Sem mover a boca, ele deu uma olhada rápida para ela e viu que ela estava olhando para ele. Ele se moveu mais para baixo. A língua circulou os mamilos dela.

   —Dallas?—.

   —Shh. Toda noite eu sonhei em saborear você—. Ele fechou a boca em torno do mamilo tenso e suavemente sugou.

   Fechando os olhos, ela gemeu. Ele passou a boca por sobre o vale entre os seios e passou a língua nele. Ele deslizou a mão junto ao ventre dela, o ventre que era tão plano quanto à pradaria. Mas daqui a meses, incharia com o filho que ele poderia dar a ela esta noite.

   Ele aconchegou a mão entre as coxas dela, e quando ela pudesse protestar, ele cobriu sua boca, a língua indo profundamente, devorando os suspiros dela, os gemidos.

   Não até que ela torcesse o corpo na direção dele, ele se deu a liberdade de mover o corpo entre as coxas dela. Então, tão suavemente quanto o vento que sopra através das planícies, ele achou o caminho dentro do corpo dela.

   Ela enrijeceu e ele ficou quieto, sabendo como fato o que antes ele só conhecia como rumor. Ele não tinha nenhuma escolha a não ser machucá-la.

   —Eu sinto muito, Dee—, ele disse rouco enquanto mergulhava a boca contra a dela, mergulhava profundamente enquanto ela gemia.

   Cordelia envolvia os braços mais firmemente ao redor dele, o apelo pelo perdão que ela ouvia trazia lágrimas aos olhos. Ele parou em cima dela, o corpo tenso. Ele continuou a beijá-la, apenas beijando, como se não conseguisse ter o suficiente dela.

   A boca fazia uma trilha abrasadora junto à garganta dela. —Vai ficar melhor, Dee—.

   Ela passou os dedos pelo cabelo dele, embalando sua cabeça, virando o olhar na direção dela. —Eu quero—, ela sussurrou. —Eu quero dar um filho a você—.

   Ele deu liberdade a um som gutural do fundo da garganta, e ela sentiu o peito dele vibrar contra seus seios. Ele voltou a beijá-la, beijá-la profundamente, a língua mergulhando, varrendo, acariciando.

   Ele se moveu contra ela, lentamente, quase indecisamente. A dor retrocedeu, e um calor bem no fundo dela começou a brotar.

   Ele deslizou sua mão embaixo dela e ergueu os quadris. —Siga-me, Dee—, ele pediu com uma voz rota próximo a sua orelha.

   Como se ela tivesse alguma outra escolha. Ele se levantou acima dela, as arremetidas ficando mais profundas, mais rápidas. Ela assistiu as sombras dentro do quarto tocaram suas feições esculpidas.

   E então, como ele fazia desde o início, ele começou a guiá-la na direção da luz do sol. Para um lugar onde não havia nenhuma sombra pairando. Ela clamou o nome dele quando inúmeras sensações explodiam dentro dela.

   Dallas sentiu o corpo de Dee se apertar ao redor dele enquanto ela arqueava debaixo dele. Entrando profundamente, ele a seguiu aonde ela foi.

   A glória nunca tinha parecido tão doce.

 

        Dallas despertou. Ele tinha diminuído a chama na lamparina antes de adormecer ao lado de Dee. Agora apenas o luar se derramava através das cortinas separadas. Ele rolou para o lado e a agarrou.

   Tudo o que ele achou foi o calor que tinha ficado de seu corpo. Olhando nas sombras, ele a viu de pé ao lado da janela, olhando a noite, os braços envolvendo o corpo.

   Ele saiu da cama e se juntou a ela. —Dee, você está bem?—.

   Ela deu uma olhada rápida para ele e sorriu timidamente. —Eu apenas queria segurar isto—.

   —Segurar o quê?—.

   —O bebê que você me deu hoje à noite—.

   Ele arrastou os dedos ao longo da curva da bochecha dela. —Eu posso não ter dado um bebê para você—.

   Ela enrugou a sobrancelha. —Mas nós——.

   —Nem sempre acontece na primeira vez—.

   —Então o que nós faremos?—.

   —Bem, nós temos duas escolhas. Nós podemos esperar e ver se você terá o seu período do mês ou——ele sorriu calorosamente ——nós podemos acreditar que você não está carregando o meu filho e podemos continuar tentando. A escolha é sua—.

   Ela evitou o olhar dele, e o coração dele balançou. —Você não deve sentir dor na próxima vez. Machucou hoje porque você era virgem—.

   Ela movimentou a cabeça depressa. —Eu acho que nós devemos esperar e ver—.

   Ele deu a ela uma escolha e ela a fez. Ele não sabia o que doía mais, o orgulho ou o coração.

   —Certo, então—.

   Ele caminhou para a cama e pegou a calça comprida do chão. —Apenas me avise—.

   Ele saiu a passos largos do quarto, fechou a porta, e dirigiu-se a sua cama vazia e fria. Ele desejou ter dormido com ela como Boyd tinha sugerido.

   Teria sido infinitas vezes mais fácil ficar longe dela se ele não soubesse como perfeitamente o corpo dela se alinhava contra o dele, como ela se aconchegava perfeitamente ao redor ele, como era maravilhoso senti-la.

 

        Cordelia se perguntou como as esposas pelo mundo olhavam para o marido na manhã seguinte a noite em que eles tinham feito amor.

   Como ela encontraria o olhar dele sem se lembrar do gosto de vinho em seus lábios, a cor bronzeada de sua pele, os músculos que tinham ficado tensos enquanto ele estava em cima dela, o suor que escorria pela sua garganta e peito enquanto ele me movia de encontro a ela, os gemidos, o som da respiração…

   Ela jogou mais água fria no rosto, tentando apagar as imagens da mandíbula contraída de Dallas e seu olhar ardente.

   Ela não conseguiria encará-lo. Ela simplesmente ficaria no quarto até que soubesse se estava carregando o filho dele. Ela sentiria falta... de tantas coisas.

   A noite anterior tinha sido um presente inesperado. Tinha sido diferente de qualquer coisa que ela tinha visto entre os pais. Não se assemelhou a nada que Boyd tinha insinuado.

   A batida ressoou através da porta. Ela desejava que fosse Austin, mas enquanto ela andava através do quarto, reconheceu a batida como sendo de seu marido.

   Ela se aconchegou melhor dentro da roupa e abriu a porta. O olhar dele estava preso no umbral da porta antes de finalmente olhar para ela, e ela se perguntou se ele achava tão difícil quanto ela falar sobre coisas mundanas, incoerentes depois da intimidade que eles tinham compartilhado.

   —Você não desceu para tomar o café da manhã—, ele disse bruscamente. —Eu vim para ter certeza de que você estava bem—.

   Ela não conseguiu admitir que sentia um leve dolorido quando caminhava. —Eu estou bem. Bem—.

   Ele estreitou os olhos. —Você está machucada?—.

   O calor incendiou as bochechas dela enquanto abaixava os cílios. —Um pouco—.

   —Eu sinto muito. Eu... farei o possível para que seja melhor na próxima vez—.

   Ela ousou erguer o olhar. —Se houver uma próxima vez. Talvez nós tivemos sorte ontem à noite—.

   Se ela não o conhecesse tão bem, ela teria pensado que o tinha ferido pela expressão que passou em seu rosto.

   —Sim, talvez—, ele disse. Ele trocou de posição. —Você vai à cidade pegar o seu maldito cachorro de pradaria ou você quer que eu vá buscar?—.

   A brusquidão em sua voz a machucou mais do que se ela tivesse levado uma facada no coração. Depois de sua partida abrupta na noite anterior, ela temia que, de alguma maneira, o tivesse desapontado. Agora, ela não tinha mais dúvidas. Ela engoliu as lágrimas. —Eu irei buscar—.

   —Certo—.

   Ele se virou e saiu andando, deu dois passos longos, parou, e deu uma olhada rápida por cima do ombro. —Eu preciso conversar com Tyler hoje. Eu montarei para a cidade com você se você não tiver nenhuma objeção—.

   Como uma pedra lançada sobre águas quietas, a alegria começou a ondular dentro dela. —Eu gostaria. Só levará alguns momentos para eu me arrumar—.

   —Não se apresse. Eu aprontarei nossos cavalos—.

   Ela deslizou para dentro do quarto, apertou as costas contra a porta fechada, e passou os dedos sobre a barriga. Ela queria dar a Dallas o tanto que ele tinha dado a ela. Se a sorte tiver sorrido para eles na noite anterior.

   Dallas tinha compartilhado tanto de si mesmo com ela, tinha dado a ela uma satisfação imensa, que ela não via como ele poderia não ter dado uma criança a ela também.

 

        Enquanto Dallas montava ao lado de Dee, ele apreciava as menores coisas: a inclinação graciosa das costas dela enquanto ela se sentava no cavalo, as mexas soltas de cabelo que brincavam com o vento, a antecipação que faiscava dentro dos olhos dela quando eles se aproximavam da cidade.

   Dallas tinha decidido nas horas iniciais da manhã, enquanto o sono ainda atrapalhava seus pensamentos, que ele evitaria a esposa até que ela soubesse se eles tinham tido sorte.

   Aquela resolução tinha durado até que os raios de sol entraram no quarto, e ele despertou sozinho pensando em um dia que ele não compartilharia com Dee.

   Ele não podia negar que queria estar em sua cama todas as noites, profundamente dentro dela, mas ele também reconhecia que queria mais que isto.

   Ele queria os sorrisos mornos dela no café da manhã, o riso enquanto ela galopava através da pradaria em Lemon Drop, as mãos apertadas, a alegria nos olhos, a voz suave enquanto ela falava com ele.

   Se ele não podia compartilhar as noites com ela, ele tinha decidido se sentar à mesa do café da manhã com ninguém, exceto Austin, como companhia e iria compartilhar com ele seus dias e noites.

   Ela quase ficou de pé na sela quando o local onde seria o hotel surgiu.

   —Oh, Dallas, eles começaram a construir—.

   —Claro que sim. Foi por isso que você quebrou o chão para eles ontem—.

   —Ainda assim, eu não achava que aconteceria tão rápido—.

   Ela se virou para ele com um sorriso tão radiante que ele se segurou para não alcançá-la e dar um beijo sonoro em sua boca.

   —Podemos chegar perto e olhar?—.

   —É o seu hotel, Dee. Você pode até martelar os pregos na madeira se você quiser—.

   —Posso?—.

   —Claro—.

   Enquanto eles paravam os cavalos, Tyler Curtiss deixou a multidão de trabalhadores e sorriu amplamente. —Dia!—.

   Antes que Dallas desmontasse e ajudasse a esposa, Tyler estava apreciando o privilégio, as mãos facilmente encontrando a cintura de Dee.

   Ciúme, quente e ofuscante, atravessou Dallas como chumbo fundido, pegando-o com a guarda abaixada. Mesmo quando ele tinha suspeitado que Houston tivesse sentimentos por Amelia, ele nunca tinha se sentido ciumento. Raiva, certamente, mas nada que o tinha feito querer arrancar o braço de um homem simplesmente porque ele tinha ajudado sua esposa a desmontar.

   Tyler andou para longe de Dee e girou o braço em um círculo largo. —O que você acha?—.

   —É maravilhoso. Eu não consigo acreditar que vocês já têm uma parte da armação pronta—.

   —A gratificação que Dallas ofereceu aos homens se eles terminassem o hotel dentro de três meses fez com que os homens começassem a serrar e martelar logo pela alvorada—, Tyler explicou.

Dee voltou sua atenção a Dallas. Ele trocou de posição, desconfortável com o escrutínio dela.

   —Você está pagando a eles uma gratificação?—, ela perguntou.

   —Achei que quanto antes eles terminassem, mais rápido você poderia trazer damas para cá, para começar a treiná-las—.

   Tyler olhou para eles como se um vento forte pudesse levá-lo. —Que damas?—.

   —Dee planeja ter mulheres administrando o hotel e garçonetes servindo a comida no restaurante—.

   —Garçonetes?—, ele riu divertido. —Você não teria que pagar uma gratificação para os homens se tivesse dito isto—.

   —Estas são mulheres respeitáveis—, Dallas disse, —não prostitutas. Qualquer homem que não as trate corretamente terá que responder a mim—.

   —Mulheres para casar?—, Tyler perguntou.

   Dee deu uma olhada rápida para Dallas, então para Tyler. —Elas não estão vindo com o propósito de se casar, mas eu espero que algumas delas decidam se casar por aqui—.

   —Onde elas vão viver?—.

   —Nos quartos que nós vamos fazer acima do restaurante—.

   —Então eu preciso fazer os homens voltarem ao trabalhar e terminarem este hotel—.

   Dee avançou. —Sr. Curtiss?—.

   Ele se virou. —Sim, madame—.

   —Eu posso martelar um prego?—.

   —Sim, madame. Você pode fazer qualquer coisa que desejar. Garçonetes. Quem teria pensado…—.

   Ficando para trás, Dallas viu sua esposa confiantemente caminhar em torno do local da construção, saudando cada homem individualmente. Ela quase não se assemelhava à mulher que tinha ficado de pé em sua sala de estar, hesitante de pedir a garantia a ele.

   Ele se perguntou se ela olhava para os homens que ela estava vindo a conhecer e se ela desejava ter recebido a oportunidade de escolher o homem com quem se casaria.

   Um homem deu a ela um martelo enquanto um outro deu um prego. Dois outros homens seguraram uma tábua no lugar. Ela posicionou o prego na madeira, a satisfação se expandindo em suas feições adoráveis.

   Ele se perguntava se ela poderia ter convidado outro homem para retornar a sua cama na noite anterior, se uma vez com Dallas não tivesse sido o suficiente; Se uma vez com outro homem nunca seria o suficiente.

   Ele desprezava as dúvidas que o inundavam porque ele nunca saberia se ele tivesse dado a ela uma escolha, se ela escolheria outro.

 

Agachado por entre as gramas altas da pradaria, Rawley Cooper segurava o cachorro de pradaria bem perto enquanto via a senhora caminhar através do esqueleto do mais novo edifício.

   Ela era a coisa mais bonita que ele já tinha visto. Ele achava que ela se parecia com um anjo—se anjos existissem. Ele tinha muitas dúvidas sobre coisas como anjos, céu… e bondade. Mas a senhora o tinha feito querer acreditar.

   Ela andou por um buraco na armação e deu alguns passos para trás, abrindo os braços, como se não pudesse acreditar como era grande.

   Então ela se virou, sorriu suavemente, e começou a caminhar na direção dele.

   O coração dele começou a bater tão forte que ele podia ouvi-lo entre suas orelhas, e doía só de respirar. Ele ficou de pé, trazendo a criatura para mais perto do corpo. Ganindo e lutando para ficar livre, mas ele o segurou mais forte.

   —Olá, Rawley Cooper—.

   Ela tinha a voz mais doce. Ele desejava ter um chapéu para que assim ele pudesse acenar para ela do mesmo modo como ele tinha visto alguns homens fazerem no dia anterior.

   Ela se ajoelhou na frente dele. Ela cheirava como se trouxesse com ela um campo inteiro de flores, mas ele não podia vê-la segurando ou usando alguma. Ela tirou o cachorro de pradaria dos braços dele. —Como é a Precious?—.

   —Legal—.

   O sorriso dela cresceu. —Eu fico agradecida por você ter cuidado dela para mim—.

   Ele queria que ela o abraçasse do mesmo modo que ela estava abraçando o cachorro de pradaria, mas ele sabia que ela não iria, que ninguém jamais iria. Ele deu um passo para trás. —Eu preciso ir—.

   Tão rápido quanto suas pernas podiam, ele correu em direção aos edifícios onde ele poderia se esconder nas sombras.

 

        Sentada em uma cadeira de balanço na varanda, Cordelia fechou os olhos e escutou a música a envolver junto com o vento. A música cresceu, cresceu mais corajosa, mais alta até que ela pôde sentir um homem galopando através das planícies, pó subindo atrás dele…

   —Dallas—, ela disse suavemente e olhou para Austin.

   Sorrindo amplamente, ele parou o arco. —É—.

   Ela fechou os olhos. —Dê-me outra melodia—.

   Dallas a tinha escoltado até a casa e então tinha ido verificar o rebanho. Austin juntou-se a ela na varanda, o violino apoiado embaixo do queixo enquanto ele tocava melodias que tinha composto, melodias que ele criava baseado nas características das pessoas que conhecia.

   Ela tinha adivinhado todas as canções corretamente até agora—Houston, Amelia, Maggie, Dallas—mas esta melodia era diferente. Não tinha nenhum padrão. Forte em um momento, fraco, fraco, ficando mais fraca a cada nota.

   Ela abriu os olhos, ficou de pé, foi apressada até a extremidade da varanda, e acenou para o irmão à medida que ele se aproximava. —Cameron!—

   —Está certo—, Austin disse enquanto parava de tocar.

   Cordelia virou a cabeça para trás. —O quê?—.

   —Aquela canção sem valor era Cameron—. Ele ficou de pé e foi em direção a casa.

   —Austin!—, Cameron gritou enquanto parava o cavalo e desmontava.

   Austin se virou. —O quê?—.

   Cameron deu um passo para os degraus, então recuou para o chão como se não estivesse certo de ser bem-vindo. O olhar dele foi para Dee, então voltou para Austin. —Eu sei que você está bravo—.

   —Claro que sim, eu estou com raiva. Quando eu não puder estar com Becky, você deveria cuidar dela para mim. É isso o que os amigos fazem—.

   Cameron corou sob o chapéu. —Ela estava dançando com o meu irmão. Como que eu poderia imaginar que——.

   —Você deveria ter imaginado, é só. No momento em que ele a levou para as sombras você deveria ter percebido. Ela só fará dezessete no próximo mês. Duncan está muito além dos trinta—muito velho e muito experiente para ela—.

   Cordelia andou cautelosamente através da varanda. —O que aconteceu?—.

   —Não aconteceu nada—, Austin disse, —porque eu impedi—. Ele apontou o arco do violino para Cameron. —E você pode dizer a sua porcaria de irmão que se ele a tocar novamente, eu o matarei—.

   —Acho que ele percebeu isso quando você quebrou o nariz dele—.

   —Você quebrou o nariz do Duncan?—, Cordelia perguntou chocada.

   —Eu teria quebrado o rosto inteiro, mas Becky me parou—. Austin marchou para dentro da casa.

   Cameron se jogou no degrau, e colocou o cotovelo sobre a coxa e o queixo contra o punho. Cordelia se sentou ao lado dele e tomou sua mão.

   Ele virou a palma da mão e passou os dedos por entre os dela antes de olhá-la com uma expressão tão sinistra que ela quase chorou por ele.

   —Você já parou para pensar como nossa família ficou desse jeito? Papai não parece doente. Ele bebe a maior parte do tempo. Boyd tem tanto ódio dentre dele que por qualquer motivo ele fica completamente louco. Eu acho que Duncan está no meio do caminho. Ele não sabe se fica sozinho ou se segue Boyd—.

   —O que ele fez ontem à noite?—.

   —Levou Becky para detrás do armazém geral e tentou forçar seus sentimentos nela. Austin estava tocando música para o povo—— Cameron agitou a cabeça. —E eu era uma garota—.

   —Uma garota?—.

   —Sim, não existem garotas suficientes ao redor assim nós tivemos que tirar a sorte de um chapéu. Se nós puxássemos uma bandana vermelha, teríamos que amarrá-la ao redor da nossa manga e ser uma mulher. Eu quase perdi as botas de tanta dançar—.

   Ela apertou a bochecha contra o ombro dele. —É por isso que você não estava cuidando da Becky? Estava muito ocupado dançando?—.

   —Talvez—.

   Ela esfregou as costas da mão dele, lembrando-se de quantas vezes ela tinha feito isso quando era uma criança, perguntando-se agora quando que ele tinha adquirido as mãos de um homem. Até relaxadas as veias inchavam, os músculos pareciam fortes.

   —Você está feliz, Dee?—.

   Suspirando, ela fechou a mão ao redor da dele. —Sim, eu estou. Dallas é… justo—.

   Ele virou o olhar para ela. —Justo?—.

        —Eu não sei como posso explicar isto. Ele nunca espera mais de seus homens—de ninguém—do que eles estão dispostos a dar. Ele levanta antes do amanhecer, trabalha durante o dia, e continua trabalhando noite afora. Ele conversa comigo, mas ele me escuta mais do que fala. Eu não sei se eu já tive alguém que realmente escutasse o que eu tenho a dizer—.

   —Você o ama?—.

   Ela encolheu os ombros e falou tão melancolicamente quanto seu irmão tinha feito momentos antes. —Talvez—.

   Ela deu uma olhada rápida para o som da batida de cascos de um cavaleiro que se aproximava. Dallas parou o cavalo ao lado do de Cameron.

   Cameron desceu dos degraus. —Eu preciso ir—, ele disse, enquanto dava um beijo rápido na bochecha de Dee.

   —Você não pode ficar para a ceia?—, ela perguntou.

   —Não, eu——.

   —Sua irmã quer que você fique—, Dallas disse, a voz ecoando por sobre a varanda.

   Cameron movimentou a cabeça depressa. —Então eu ficarei—.

 

—Ninguém da sua família come?—, Dallas perguntou enquanto via Cameron e Austin partirem do rancho, rumo à taverna na cidade. A hostilidade entre os dois se enfraqueceu durante a comida. —Seu maldito cachorro de pradaria come mais do que ele—.

   —Ele estava apenas um pouco desconfortável——.

   Dallas se virou na direção dela e levantou uma sobrancelha escura.

   Ela se sentou na cadeira de balanço e dobrou as mãos no colo. —Você o apavora—.

   Dallas se sentou sobre a grade. Ele precisava por um balanço na varanda com um banco que fosse largo o suficiente para que ele pudesse se sentar próximo a Dee e apreciar a brisa noturna. Assim que o marceneiro terminasse de construir suas instalações, Dallas ordenaria um com sua nova marca esculpida atrás.

   —Acho que você entende esse sentimento—.

   Ela sorriu. —Eu também sei como é não temer você—.

   Ele não podia discutir sobre isto. Se ela ainda o temesse, talvez ela não tivesse sido tão rápida em excluí-lo da sua cama.

   Ele gostava da visão dela sentada em sua varanda. Parecia adequado, como a brisa que girava seu moinho de vento. O vento gentil que soprava suas pequenas pás.

   Levanto a mão, ele tocou os vários comprimentos de arame farpado que Dee tinha amarrado com barbante juntos e pendurado na beirada da varanda e nas várias sacadas. Eles tiniam com o vento. Ela tinha enchido a vida dele de pequenos gestos.

   —Caminhe comigo—, ele disse.

   Ela ficou de pé e seguiu-o passos abaixo. Com um silêncio amigável, eles passearam em direção ao por do sol.

   Ele pensou em pegar a mão dela, mas depois da noite anterior, ele não estava exatamente certo de onde estava pisando, e afetaria seu orgulho se ela não desse as boas-vindas ao seu toque.

   Por trinta e cinco anos ele tinha dormindo sozinho, e de repente ele desesperadamente queria algo que ele não podia nem dar um nome: ele queria preencher o vazio que ele tinha descoberto que tinha dentro de si na noite anterior depois de ter sentido a satisfação de tê-la em sua cama, segurado-a nos braços, escutado sua respiração suave.

   Ele se encontrava quase desejando que ela não estivesse esperando um filho dele.

 

   —Eu não estou carregando o seu filho—.

   Dallas levantou a cabeça com um estalo e olhou através da mesa para sua esposa, ela com olhar preso nos ovos frios. Austin tinha saído apenas alguns momentos antes, deixando um silêncio pesado com sua falta, uma reticência quebrada pelas palavras dela.

   —Você está certa?—.

   Ela deu um aceno vivo com a cabeça. —Eu soube vários dias atrás. Eu achei que seria melhor esperar até… até agora para dizer a você—. Ela olhou meio de lado para ele, então abaixou o olhar, as bochechas de um vermelho vivo.

   Ele ficou de pé e caminhou até o fim da mesa, mil sensações atropelando sua mente como um estouro de gado. Ele queria se ajoelhar ao lado dela, tomar sua mão, beijar sua testa, seu nariz, seu queixo. Ele queria que ela olhasse para ele, mas ela apenas olhava para os malditos ovos então ele falou palavras que carregavam pouco do que estava sentindo.

   —Eu irei para sua cama hoje à noite então, se isto for agradável para você—.

   Ela bruscamente movimentou a cabeça. —Eu sinto muito—.

   —Talvez nós teremos sorte hoje à noite—.

   —Eu espero que sim—.

   Com um propósito nos passos largos, Dallas saiu da casa como um furacão, arrancou as rédeas de Satan do poste do curral, montou o garanhão preto, e o chutou para que saísse a galope. Ele montou rápido através das planícies até que a casa do irmão surgiu. Os últimos dez dias tinham sido um inferno: querendo abraçar Dee, sabendo que ela não tinha nenhum interesse no toque dele.

   Era estranho, mas ele tinha que admitir que não estivesse desapontado por Dee não estar ainda carregando o filho dele.

   Ele ainda desejava um filho, mas a urgência de seu sonho tinha diminuído. O que ele queria agora eram algumas noites esticado na cama com Dee se aconchegando contra ele.

   Houston estava trabalhando com um cavalo selvagem no curral quando Dallas parou o cavalo na frente da casa e desmontou.

   Amelia estava sentada na varanda, batendo manteiga. Maggie ficou de pé e desceu os degraus. Ela deu um gritinho quando Dallas a ergueu em direção às nuvens.

   —Eu vejo sardas saindo—, ele disse.

   —Não!—, ela disse enquanto esfregava o nariz. —Beije elas! Beije elas!—.

   Ele a agradou ao chover beijos em cima de seu rosto até que ela deu uma risadinha. Senhor, como ele adorava o cheiro dela. Ela tinha cheiro de flores arrancadas da terra, gatinhos e leite doce. A inocência dela sempre o fazia se sentir humilde.

   Ela enrugou o nariz. —Você já fez um menino para eu brincar?—.

   —Ainda não. Estou trabalhando nisto—.

   —De onde ele vai vir?—.

   Dallas virou o olhar para Amelia. Agitando a cabeça, ela sorriu.

   Dallas tirou uma pastilha de limão do bolso e deu para a sobrinha. —Por que você não vai chupar estas durante algum tempo?—.

—Eu não estou triste—.

   —Eu estou e preciso falar com a sua mamãe sobre isto—. Ele colocou Maggie na varanda. Ela colocou o doce na boca e começou a chupá-lo. Dallas tirou o chapéu, jogou um braço por cima da grade da varanda, e estudou Amelia. Ele achou que ela parecia pálida.

   —Como você está se sentindo?—, ele perguntou.

   —Um pouco de enjôo matinal, mas vai passar—.

   —Você vai dar um filho a Houston desta vez?—.

   —Ele prefere filhas—.

   —É uma maravilha para mim acreditar que nós dois temos parentesco—.

   —Você e Houston são mais semelhantes do que você pensa—.

   Ele agitou a cabeça. —Com a habilidade que ele tem com cavalos, ele poderia ter um negócio próspero. Eu nunca me conformaria com menos—.

   —Não é uma questão de se conformar com menos. É uma questão de saber se você acha satisfação no que faz—, ela disse suavemente.

   —Você tem tudo o que quer?—.

   —Para falar a verdade, acho que sim. Você gostaria de falar comigo sobre a sua tristeza?—.

   —Não é uma tristeza realmente. Eu disse isso para o benefício de Maggie—.

   Amelia angulou a cabeça como se não estivesse acreditando. Que mulher, ela sempre via e compreendia demais. Ele girou o chapéu nas mãos, estudando-o, procurando pelas palavras certas.

   —Você se lembra de quando nós éramos casados?—, ele perguntou.

   Amelia sorriu calorosamente. —Uma mulher provavelmente não se esquece de seu primeiro casamento—.

   —Quando eu te beijei… você gostou?—, ele perguntou bruscamente.

   Ela deu uma olhada rápida para cima depressa como se a resposta descansasse na beira da varanda antes de retornar o olhar para o dele. —Eu achei que era bom—.

   —Bom? O tempo está bom. Um beijo deveria ser——, ele parou abruptamente ao ver um rubor subindo nas bochechas dela. —E quando Houston beija você?—.

   O rubor dela aumentou. —Meus dedões do pé se contorcem—.

   —É por isso que você o escolheu em vez de mim?—, as palavras saíram antes que ele pudesse evitar. Amelia sempre tinha um jeito de fazer um homem dizer o que estava em sua mente. Encantava-o e irritava-o ao mesmo tempo.

   Ela ficou de pé, cruzou a varanda, e colocou as mãos em volta das dele. —Quando a questão é o coração, escolhas raramente estão envolvidas. Eu não sei porquê me apaixonei por Houston e não por você. Eu apenas me apaixonei—.

   —Eu não invejo você—, ele disse.

   Ela apertou a mão dele. —Eu sei que não—.

   —Eu apenas… droga—. Ele forçou as palavras amargas a passarem pela sua garganta apertada. —Eu não sei como dar prazer a Dee na cama… e eu quero isso—.

   —Esse é o primeiro passo, não é? Querer dar prazer a ela, certo?—.

   —Aparentemente é um maldito pequeno passo. O que Houston faz quando beija você?—.

   —Eu não sei. Ele apenas me beija. Talvez você deva perguntar a ele—.

   Ele deu uma olhada rápida por cima do ombro. Houston estava deslizando através dos sarrafos do curral. Dallas nunca em sua vida tinha pedido a opinião de outro homem em qualquer coisa. Ele sentia um aperto na garganta por ter que perguntar agora—especialmente sobre algo tão íntimo e pessoal quanto dormir com a esposa.

   —Eu aprecio o fato de você ter sido honesta comigo—, ele disse a Amelia.

   Ela bateu levemente no ombro dele. —Vá conversar com Houston—.

   A cabeça dele rodava mais do que as lâminas de um moinho de vento quando bate um sudoeste forte, Dallas abordou o irmão.

   —O que te trás aqui hoje?—, Houston perguntou enquanto abotoava a camisa.

   Dallas mandou o orgulho goela abaixo. —Como você beija Amelia?—.

   Houston parou os dedos quando estava abotoando o último botão, franziu a sobrancelha. —O quê?—.

   Dallas deu um suspiro fundo de frustração. —Amelia diz que quando você a beija, faz os dedões do pé dela se contorcerem—.

   A boca de Houston se dividiu em um sorriso torcido que moveu o lado direito do rosto enquanto o lado cicatrizado ficava imóvel. —Ela disse isto, foi?—. Ele olhou ao redor e Dallas o viu olhado na direção da varanda onde sua esposa começava a bater a manteiga novamente.

   Irritado, Dallas entrou na frente dele. —Sim, ela disse isto. Então como você a beija?—.

   Houston encolheu os ombros. —Eu colo a minha boca junto a dela como se não houvesse amanhã—.

   —O quê? Você não faz nada especial?—.

   —Como o quê?—.

   —Se eu soubesse não estaria perguntando!—.

   Houston estreitou o olho. —Eu aprendi a beijar observando você. Como você pôde se esquecer como se faz isto?—.

   —Eu não esqueci, mas eu apenas beijei prostitutas, com exceção de Amelia—. Ele fez uma careta enquanto sua descrição do próprio beijo passava pela cabeça. —Ela diz que o meu beijo é bom—. Ele deu um passo para frente e passou os braços em volta da cerca do curral. —Bom, pelo amor de Deus. Eu fico surpreso pela Dee não ter me amordaçado—.

   Houston foi para o lado dele. —Talvez não tenha ligação com o modo como você a beija. Talvez tenha relação com o que você está sentindo quando a beija—.

   Dallas virou o olhar para o irmão. —O que você quer dizer?—

   Houston esfregou o lado cicatrizado do rosto, os dedos passando sobre o tapa-olho. —Você ficará bravo se eu disser a você—.

   —Não, eu não irei—.

   —Dê-me sua palavra—.

   —Você a tem—.

   Houston respirou fundo. —A primeira vez que eu beijei Amelia, nós tínhamos acabado de cruzar o rio inundado——.

   —Você a beijou antes de chegar ao rancho?—.

   —Você disse que não ficaria bravo—.

   —Eu não estou bravo, estou irritado. Eu confiei em você—— Dallas disse com o temperamento já provocado. Cinco anos atrás, ele tinha tomado uma decisão que o tinha deixado sem uma esposa. Ele não planejava repetir o engano. —Termine sua explicação—.

   Houston limpou a garganta para justificar o som de contemplação e sabedoria de suas palavras. —Bem… eu estava furioso porque ela tinha saltado no rio para me salvar, eu estava extremamente agradecido por ela não ter se afogado, e eu senti uma dor no peito mais forte do que se eu tivesse levado um coice de um cavalo selvagem pelo fato de eu amá-la. Eu não conseguia dizer a ela então tentei mostrar. Eu coloquei tudo o que sentia naquele beijo, e eu a tenho beijado desse modo desde então—.

   —E faz os dedões do pé dela se contorcerem—.

   Houston sorriu amplamente. —Aparentemente é isso—.

   Dallas saiu de perto do curral. —Obrigado pelo conselho—.

   —Talvez com o tempo, quando seus sentimentos por Dee se aprofunda——.

   —Esse é o meu problema, Houston. Eu acho que me apaixonei por ela e eu não tenho a mínima idéia de como fazê-la me amar—.

 

        Dallas estava no lado de fora da porta do quarto de Dee. Ele tinha decidido que se ele tivesse apenas uma noite com ela durante todo o mês, ele iria fazer o melhor possível.

   Ele não iria deixar a cama dela até que o sol estivesse nascendo por sobre o horizonte, e se ela não quisesse fazer amor com ele novamente, ele ficaria contente em apenas tê-la em seus braços pelo resto da noite.

   Ele bateu na porta e esperou uma eternidade para que ela a abrisse. Ele entrou no quarto e bateu a porta.

   —Você veio cedo—, ela disse enquanto passava a escova pelo cabelo preto sedoso.

   —Não tinha porque esperar—. Ele a tomou nos braços e colou a boca sobre a dela como se não existisse um amanhã, desejando a Deus que houvesse um amanhã, que os dedões do pé dela se contorcessem, e que ela o desejasse todas as noites em sua cama.

   A escova caiu no chão, e ela passou os braços ao redor do pescoço dele e o apertou mais do que um laço que se dá em um bezerro para que ele não escape. Ela apertou o corpo quente contra o dele, e as solas do pé dela ficaram em cima dos pés dele.

   Ele deu um gemido rouco, ela gemeu também, e o desejo passou por ele como um rio furioso. Segurando-a com uma mão, sua boca devorando a dela, ele usou a outra mão para soltar os botões do vestido, ouvindo vários tinidos quando eles bateram no chão.

   Ele pulou por sobre o vestido dela e teve a gloriosa da visão do corpo dela enquanto arrancava sua calça comprida. Ele a ergueu nos braços e a levou para a cama. Ele a deitou por baixo, então deitou o corpo sobre o dela, chovendo beijos em seu rosto, garganta, seios.

   Ele a tocou com as mãos, a boca, os olhos, o tempo todo maravilhado com sua beleza, o brilho rosado de sua pele, os olhos marrons profundos.

   Quando ele juntou o corpo com o dela, ele não ouviu nenhum influxo afiado de respiração, nenhum grito de dor, apenas um suspiro de maravilha. Ele balançou os quadris até que os suspiros dela se tornaram gemidos sufocados e seu corpo se contorceu sob o dele. Ele a penetrou mais firme, mais fundo, maravilhando-se no momento em que a voz dela ecoou suave o nome dele e ela estremeceu dentro dos braços dele.

   Com um gemido gutural, ele lançou a cabeça para trás, trincou os dentes, e com uma estocada final se lançou em um abismo de prazer.

   Respirando forte, ele afundou sobre o corpo dela que se estremecia. Ele podia ainda sentir o corpo dela pulsando ao redor sele. Ele deu um beijo em na garganta dela, queixo, bochecha… e saboreou o sal de suas lágrimas.

   Auto-repugnância substituiu a felicidade suprema. Ele não tinha dado a ela a ternura que tinha planejado. Ele tinha entrado neste quarto como um touro alvoroçado, com um pensamento, um propósito em mente: se enterrar tão profundamente e rapidamente quanto podia no calor glorioso do corpo dela até que eles estivesse tão próximos que nenhuma sombra pudesse achar lugar entre eles.

   Ela compartilharia o corpo com ele apenas uma vez por mês. Em vez de saborear o momento, ele tinha usado o oferecimento dela tão depressa quanto um raio que relampeja através dos céus.

   Ele apertou os lábios contra o canto dos olhos dela onde as lágrimas brilhavam frescas e mornas. —Eu sinto muito, Dee—, ele disse rouco. —Eu não queria te machucar—.

   —Você não me machucou—, ela sussurrou.

   Ele ergueu a cabeça e encontrou o olhar dela. Ele podia ver a dor que ele tinha causado rodando dentro das profundidades escuras dos olhos dela. Ele poderia não tê-la machucado fisicamente, mas ele tinha uma pequena dúvida de que talvez tivesse ferido o coração de sua mulher, a parte que ansiava por mais do que um homem para satisfazer sua luxúria. Ele passou os dedos pelo cabelo dela. —Eu machuquei você, e lamento—.

   Ela agitou sua cabeça. —Não, você não me machucou. Foi maravilhoso—.

   Maravilhoso? Ela tinha achado aquele acasalamento apressado maravilhoso? - —Então por que você está chorando?—.

   Ela tocou os dedos trêmulos contra o queixo dele. —Porque isso sempre machuca tanto você—.

   Ele olhou fixamente para ela, incapaz de conseguir achar sentido em suas palavras. —O quê?—.

   As bochechas dela ficaram muito vermelhas enquanto ela abaixava as pestanas. —Eu observo você—, ela confessou, a voz apenas mais alta do que um sussurro. —Você grunhe e geme. Os seus músculos ficam tensos e se esticam. Você trinca os dentes—. Ela ergueu as pestanas. —A agonia deve ser insuportável. É assim que a natureza equipara as coisas? Já que o parto é excruciante, as mulheres recebem como presente o prazer enquanto fazem os bebês e os homens só recebem dor?—.

   —Você achou que eu estava sentido dor?—.

   Ela concordou com a cabeça timidamente. A esperança dentro dele subiu tão rápida quanto os foguetes que ele e Houston tinham feito com sucata quando eram meninos.

   —Foi por isso que você quis esperar e ver se estava carregando meu filho? Para me poupar do sofrimento de tentar se não fosse mais necessário?—.

   Ela arrastou os dedos pela bochecha dele, o dedo passeando pelo bigode. —Eu não suporto te ver se machucando assim—.

   —Oh, Deus—. Ele se virou de costas, colocou um braço sobre os olhos, e desatou a rir. Os ombros se agitaram vigorosamente, e a cama tremeu com cada explosão de riso.

   —O que é tão engraçado?—.

   Lutando para parar o riso, ele estudou o rosto preocupado de Dee. Ela tinha se apoiado em um cotovelo, o cabelo preto como uma cortina sedosa descia por sobre os ombros. Com um sorriso largo, ele esticou o braço, passou os dedos pelos cabelos dela, e trouxe os lábios dela para mais próximo dele. —Você é uma jóia preciosa, sabia? Incrivelmente preciosa—.

   Ele deu um selinho em sua boca tentadora. —Eu não estava sentindo dor—.

   Os olhos marrons escuros dela se alargaram até que ficaram maiores do que qualquer lua cheia que já o tinha guiado em jornada pela noite. —Não mesmo?—.

   —Na verdade, era o contrário—.

   Ele a puxou pelas costas, jogando o corpo dela sobre o dele, incapaz de apagar o sorriso do rosto. —A natureza não fez nenhuma equivalência—.

   —Isso não parece justo—. Ela sorriu calorosamente, o rubor aumentando quando ela puxava o lençol e cobria os seios. —Mas eu estou contente—.

   O sorriso dele sumiu enquanto engolia em seco. —Isso significa que você não se importaria se a gente tentar novamente? Só por via das dúvidas se nós não tivermos sorte?—.

   Enterrando o rosto contra a garganta dele, ela concordou com a cabeça e deu um beijo no pomo de Adão dele.

   A alegria inflou dentro dele. Ele se debruçou contra ela, envolveu seu rosto com as mãos, e abaixou a boca até a dela, beijando-a profundamente enquanto ele jogava o lençol para o lado para que assim pudesse sentir os membros dela comprimidos contra os dele.

   Vários minutos mais tarde, ele ousou olhar para os pés dela. Distraidamente, ele deslizou a boca pelo queixo dela.

   —O que você está fazendo?—, ela perguntou.

   Fazendo careta, ele considerou retornar até sua boca e beijá-la até que ela esquecesse a pergunta e o comportamento estranho dele, mas ele tinha que saber a verdade. Droga, ele tinha que saber. —Amelia me disse que os dedões do pé dela se contorcem quando Houston a beija. Eu estava apenas tentando ver se os dedões do seu pé se contorcem quando eu te beijo—.

   O rosto dela adquiriu um adorável tom cor de rosa e ela levantou os ombros na direção do queixo. —Meu corpo inteiro se contorce quando você me beija—.

   —O corpo inteiro?—.

   Ela concordou com a cabeça depressa. —Cada centímetro—.

   —Bom, ótimo—, ele disse enquanto colocava a boca sofregamente em cima da dela com planos de manter o corpo firmemente enrolado com o dela pelo resto da noite.

 

        —Susan Redd—, Dee disse.

   Dallas deu uma olhada rápida por cima de seu Livro Razão. Dee estava sentada no escritório dele, aconchegada na cadeira, uma pilha de cartas na mesa ao lado dela. —Susan lê o quê?—, ele perguntou.

   Ela virou os olhos para ele e riu. Senhor, como ele amava a risada, a coluna cor de marfim que era sua garganta, o vislumbre de alegria em seus olhos.

   —Susan Redd, R-E-D-D(*). Esse é o nome da mulher que eu estou pensando em contratar para administrar o hotel. Ela cuida de uma pensão no Leste, o que eu acredito que deve ter dado a ela uma experiência maravilhosa. Você não concorda?—.

   Ele apoiou o cotovelo na escrivaninha e deslizou os dedos polegar e indicador por sobre o bigode. Uma excitação pequena sempre o percorria quando ela perguntava a opinião dele, quando ela compartilhava um pouco do sonho dela com ele. —O que eu acho… acho que nós precisamos ir para a cama—.

   Os olhos dela se arregalaram, não com medo ou assombro mas com antecipação. —Dallas, ainda nem está escuro ainda—.

   Ele arrastou a cadeira pelo chão, ficou de pé e foi na direção dela. —Eu fiz amor com você de manhã, e não estava escuro também—.

   —Isso foi diferente. Nós ainda não tínhamos saído da cama ainda—.

   —Um equívoco que eu posso remediar—. Ele pegou as cartas dos dedos dela, as lançou sobre a mesa, e passou os braços pelas costas dela.

   Rindo, ela aninhou o nariz contra o pescoço dele enquanto ele a levava para fora do escritório. A porta da frente se abriu e Austin entrou na casa.

   —Aonde vocês estão indo?—, Austin perguntou.

   —Para a cama—, Dallas disse enquanto recomeçava a subir os degraus.

   —E a janta?—.

   —Vá ver o cozinheiro—.

 

        —Vá ver o cozinheiro—, Austin disse. —Foi isso que Dallas disse. Então ele e Dee começaram a dar risadinhas como hienas que encontraram comida—.

   Houston olhou através da mesa para Amelia e sorriu. —Então você decidiu vir comer a nossa comida?—.

   Austin encolheu os ombros. —Melhor do que esperar por aqueles dois. Eles poderiam nunca voltar ao andar de baixo—. Ele piscou para Amelia. —Além disso, a comida de Amelia é melhor do que a do cozinheiro—.

   Alcançando a panela com feijões, Amelia bateu levemente na mão dele. —Eu aprecio o elogio. Parece que as coisas estão melhores entre Dallas e Dee—.

   —Estranho é o que parece—, Austin disse enquanto cortava o bife.

   —De que modo?—, Houston perguntou.

   Austin colocou o cotovelo na mesa e apontou o garfo para Houston. —Dee lê para nós todas as noite. Dallas deveria estar trabalhando em seu Livro Razão. Só que ele fica olhando para ela. Então ela olha para ele e esquece o que estava lendo. Eles ficam se olhando durante alguns minutos então Dallas diz que é hora de irem para a cama, eles partem e eu fico sozinho me perguntando como continua a história. Dee começou a ler Silas Marner para nós há uma semana e ela não terminou o primeiro capítulo—.

   —Você poderia começar a ler para si mesmo—, Amelia sugeriu.

   —Não é a mesma coisa ouvir a história com a minha voz—. Austin continuou a cortar o bife. —Eu só preciso ser paciente. Eu acho que as coisas voltarão ao normal quando Dallas conseguir o filho—.

   —Eu não contaria com isto—, Houston disse, encontrando o olhar da

 

(*)N. da R.: Read (ler) e Redd (sobrenome) têm praticamente a mesma pronúncia.

 

esposa. Ele sabia por experiência própria que quando a mulher que um homem ama traz o filho dele ao mundo, o laço se aprofunda e fica mais forte.

 

        —Sr. Curtiss?—.

   Cordelia colocou a cabeça dentro da barraca onde Tyler Curtiss trabalhava. Ela tinha acordado às duas da manhã com uma idéia sobre o hotel e queria compartilhar com ele, mas ela não conseguia encontrá-lo em lugar nenhum.

   Entrando na barraca, ela decidiu esperar.

   Folhas grandes de papel se esparramavam pela escrivaninha, e ela não conseguiu evitar olhar. Ela viu os novos planos para a sede de um jornal e para o farmacêutico. Negócios pequenos. Negócios grandes. Eles achariam um lar em Leighton.

   Movendo os documentos de lado, ela viu um desenho de um edifício com muitos quartos grandes. Letras corajosas no topo proclamavam que ele seria um hotel.

   Afundando em uma cadeira, ela estudou o desenho. Não era o hotel dela, e ainda assim o projeto parecia incrivelmente familiar, lembrava a ela de Dallas. Corajoso. Ousado. Os quartos eram grandes, projetados para conforto e não conveniência. Não era prático para uma cidade onde muitas pessoas simplesmente estariam de passagem. Ainda assim uma parte atraiu sua atenção, e—como ela suspeitava—seu marido tinha sido o responsável pelo projeto.

   —Sra. Leigh. Que prazer!—.

   Ela saltou da cadeira com um susto. —Sr. Curtiss, eu queria falar com você—. Ela olhou de volta para o desenho. —Que hotel é esse?—.

   —Oh, isto—. Ele deu seu um sorriso culpado. —Hm, bem… hm—. Ele tirou o cabelo loiro da sobrancelha.

   —Dallas te pediu para fazer o projeto de um hotel, não é?—.

   —Sim, madame. De fato, alguns meses atrás—.

   —O que você vai fazer com esse projeto agora?—.

   —Ele disse para que eu os ignorasse. Disse que esta cidade só precisa de um hotel—.

   —Obrigada, Sr. Curtiss—. Ela começou a sair da barraca.

   —Eu pensei que você quisesse discutir algo comigo—.

   Ela sorriu. —Eu acabei de perceber que eu preciso discutir sobre isso com o meu marido primeiro—.

 

        Enquanto ela montava pelo rancho, viu Dallas de pé no curral. Um sorriso largo se estendia sob seu bigode enquanto ela parava Lemon Drop e desmontava.

   Ela andou a passos largos até ele, jogou os braços ao redor de seu pescoço e o beijou, profundamente, sonoramente. Do momento em que ele a tinha feito sua esposa, ela tinha secretamente colocado presentes ao seu alcance, presentes que vinham sem embrulhar, presentes que tinham valor que poderia ser medido somente pelo coração.

   Ele recuou, a testa enrugada. —O que foi isso?—.

   —Eu vi seus planos para o hotel—.

   Ele fez uma careta. —Oh, isto. Era apenas uma idéia que eu estava brincando. Nunca ganhou asas, não gostei dos planos—.

   Ela passou os dedos pelo cabelo dele que se enrolavam na nuca. —Eu acordei esta manhã com uma idéia. Eu quero que um dos quartos seja especial, mas eu não estava exatamente certa do que estava procurado. Eu iria conversar com o Sr. Curtiss sobre isto, e então eu vi os seus desenhos. Seus quartos eram bem maiores que os meus—.

   —Eu queria dar um quarto para um homem se esticar—.

   —Eu quero dar a um homem e a uma mulher um lugar para fazerem amor—.

   Ela escapou dos braços dele e começou a compassar, a idéia pequena, menor do que uma semente. —Eu realmente acredito que muitas das mulheres que venham trabalhar no Magnífico Hotel venham eventualmente a se casar. Algumas se casarão com homens como Slim, e você terá que fornecer aos seus homens um tipo diferente de quarto para viver—.

   —É mesmo?—, Dallas perguntou, intrigado como sempre ficava com o modo como Dee trazia as idéias de sua mente, um redemoinho de idéias como um moinho de vento que abre caminho com uma brisa constante.

   Os passos dela ficaram mais rápidos enquanto a excitação queimava brilhantemente dentro de seus olhos. —A maior parte vai se casar com homens de poucas posses, homens que ficam contentes em deixar os sonhos para os outros. Eles se casarão na igreja que você vai construir um dia, e então eles irão para a casa onde eles provavelmente viverão para o resto de suas vidas.

   —A maioria não poderá ter uma viagem depois do casamento, mas eu quero dar a eles um lugar onde eles possam ir por uma noite e se sentirem especiais. Um quarto tão bonito quanto seu amor, tão importante quanto suas esperanças para o futuro, onde um homem possa fazer amor com sua esposa pela primeira vez com uma cama enorme com flores os cercando—. Ela parou de compassar. —O que você acha?—.

   Que eu deveria ter te levado para algum lugar especial. Ele nunca tinha parado para pensar o quê o casamento significava exatamente para uma mulher, o quê a primeira noite de seu casamento deveria transmitir.

   Certamente não deveria ter o marido chutando a porta enquanto ela se preparava para ele.

   Ele não podia desfazer os enganos que tinha feito no passado, mas ele podia se assegurar de não repeti-los no futuro.

   Ela estava de pé na ponta dos dedos, as mãos apertadas firmemente na frente do corpo, esperando a resposta dele. Ele podia fazer pouco além de compartilhar a verdade com ela.

   —Acho que você poderia precisar mais do que um quarto especial—.

   Ela agarrou a mão dele. —Dois quartos, então. Você me ajudará a desenhá-lo e escolher a ornamentação? Eu quero um quarto onde um vaqueiro possa se sentir confortável enquanto tira as botas, e uma mulher possa se sentir bonita enquanto tira o vestido de noiva—.

   —Então você definitivamente deveria ter um bootjack no quarto—.

   Um olhar distante surgiu nos olhos dela. —Eu devia ter um bootjack em todos os quartos—. Ela agitou a cabeça. —Eu completamente ignorei os detalhes—.

   —Eu não acho que você ignorou qualquer coisa. Eu sou a pessoa que omitiu coisas—. Ele levou as mexas do cabelo dela para longe do rosto. —Eu não acho que já tenha dito a você o quanto é linda—.

   Um rubor adorável surgiu nas bochechas dela, os olhos se aqueceram, e os lábios se separaram.

   Ele a ergueu nos braços. —Slim, cuide do cavalo da minha esposa—.

   Ela se aconchegou contra ele enquanto ele a levava em direção a casa.

 

        A vida era uma série de mudanças, e Cordelia sabia que após essa noite sua vida iria mudar para sempre. Ela não podia mais adiar o inevitável.

   Alegria e tristeza rodeavam seu coração enquanto ela lia as palavras finais da história e fechava o livro.

   —Eu gostei da história—, Austin disse. —Qual que você vai ler depois?—.

   —Eu acharei algo—, ela disse tranquilamente enquanto girava a aliança no dedo. Ela podia sentir o olhar de Dallas fixo nela, mas ela não conseguia se forçar a olhar para ele—não ainda.

   Ela poderia ganhar tanto esta noite… e perder ainda mais.

   Austin se levantou. —Acho que vou para a cama—.

   —Nos vemos amanhã—, Dallas disse.

   Ela escutou os passos de Austin pelo cômodo e a porta fechando.

   —Você não olhou para mim a noite toda—, Dallas disse.

   —Eu sei—. Ela colocou o livro de lado e ergueu o olhar para ele. —Eu fui ver o Dr. Freeman hoje—.

   Formaram-se sulcos profundos entre as sobrancelhas dele, e ele se levantou da cadeira. —Você está doente?—.

   Ela sorriu incomodamente. —Não—.

   Ele caminhou ao redor da escrivaninha e se ajoelhou diante dele. —Então, o há de errado?—.

   Eu começarei a dormir só novamente quando eu já tinha me acostumado a dormir com você.

   —Nós finalmente tivemos sorte. Eu estou carregando uma criança—.

   Ele olhou para a barriga dela. —Você tem certeza?—.

   Ela passou os dedos no ventre onde a criança estava crescendo. Ela tinha suspeitado por dois meses, mas ela queria estar certa antes de dizer a ele, antes dar a ele esperança e tirar sua razão de ir até a cama dela. —Seu filho deverá estar aqui na primavera—.

   Ele entrelaçou os dedos nos dela juntando as mãos que se assemelhavam a uma borboleta com as asas abertas. —Meu filho—. Ele ergueu o olhar para ela. —Nosso filho—. Ele tocou a mão livre na bochecha dela. —Como você está se sentindo?—.

   —Bem. Muito bem—. Lágrimas brotaram nos olhos dela. —A não ser o fato de eu querer chorar o tempo todo, mas o Dr. Freeman disse que isso é normal—.

   Com o dedo polegar, ele capturou uma lágrima antes que ela caísse do canto do olho dela. —Eu queria isto por tanto tempo, Dee, eu não sei o que dizer. Obrigado não parecer ser o suficiente—.

   —Pelo amor de Deus, não me agradeça—. Ela empurrou os ombros dele com força, e ele caiu com o traseiro contra o chão de pedra. Ela ficou de pé e o encarou. —Não foi por isso que você se casou comigo? Não foi por isso que a minha família me deu para você? Eu só estou fazendo o que eu fui trazida para cá para fazer!—.

   Ignorando a expressão aflita dele, ela se apressou e saiu correndo para o quarto antes que ele pudesse ver as lágrimas que fluíam pelo rosto dela. Ela queria dar a ele um filho, uma chance de realizar seus sonhos, mas ela não queria sua gratidão.

   Ela queria seu amor.

 

        Um filho.

   Ele iria ter um filho.

   De pé no curral, Dallas sorria como um idiota enquanto os ventos da mudança da estação o rodeavam, trazendo o tempo frio que antecipava a chegada do outono. Quando os ventos mais mornos chegassem na primavera, ele estaria segurando o filho nos braços.

   E até lá… ele estaria dormindo sozinho.

   Dee tinha deixado isso dolorosamente claro.

   O sorriso diminuiu em seu rosto. Ela o tinha deixado ir para sua cama porque ela sentia que era uma obrigação. Ele tinha começado a pensar que ele tinha dormido lá porque ela o queria lá.

   Ele tremeu quando o vento uivou e levou todo o calor de seu corpo. Ele esperava ansiosamente pelo inverno pela primeira vez em anos. Ele tinha imaginado acordar com Dee se aconchegando ao lado dele, o calor que eles tinham compartilhado embaixo do cobertor crescendo.

   Ele sentia falta de tantas coisas. O modo como ela apoiava o nariz no ombro dele. O modo como ela esfregava a sola do pé contra o pé dele. O modo como ela cheirava antes de fazer amor com ele; O modo como ela cheirava depois.

   Um gemido veio do fundo de sua garganta.

   Uma vez, ele tinha pensado que tinha apenas um sonho faltando: ter um filho. Uma coisa triste realmente ao perceber que um homem de sua idade tinha se conformado com um sonho pequeno quando ele poderia ter possuído um sonho maior: ter uma mulher que ele amasse e que desse um filho a ele.

   Ele bateu o punho contra a grade do curral. Ele não precisava de amor, mas droga, ele de repente o queria desesperadamente. Como diabos ele poderia fazê-la amá-lo, um homem que não sabia nada sobre ternura ou palavras suaves ou qualquer coisa sobre as gentilezas que as mulheres precisavam?

   Ele não sabia pedir. Ele só sabia mandar. Seu pai o tinha ensinado isto.

   Ele saiu do curral e caminhou lentamente de volta para casa. Ele não tinha nenhum desejo de dormir sozinho em sua cama fria. Ele trabalharia em seus livros durante algum tempo. Então ele montaria fora com o rebanho, verificaria seus moinhos de vento, procuraria por algo que ele poderia nunca achar.

   Ele abriu a porta que o levava até a cozinha e parou. Dee estava segurando um tronco em um braço, e se curvando para pegar outro.

   —O que diabo você pensa que está fazendo?—, ele rugiu.

   —O fogo no meu quarto está quase acabando, e eu estava escutando o vento. Eu acho que estará mais frio pela manhã—.

   —Dê-me isto—, ele disse, enquanto pegava o tronco do braço dela. Ele se abaixou e empilhou mais troncos sob o braço. —Você não precisa ficar carregando coisas—.

   —Eu não sou uma inútil—, ela disse, com as mãos sobre os quadris estreitos.

   Ele se perguntou já tinha notado o quanto ela era magra. Ele sabia que ela era, mas ele não tinha considerado como isso poderia afetar quando a questão era carregar o filho dele.

   —Eu não disse que você era—, ele disse bruscamente à medida que ficava de pé. —Mas eu não quero que você carregue madeira ou qualquer outra coisa que seja pesada. Se você precisar de algo, diga-me—.

   —Você não estava aqui—.

   —Então chame Austin—.

   Ela parecia que não queria discutir mais, então ela simplesmente passou por ele. Quando ela tinha ficado tão incrivelmente irritável? Ele teria que ir ver Houston amanhã para descobrir quais outras pequenas surpresas o aguardava nos próximos meses.

   Ele a seguiu até o quarto dela. Ela se sentou na extremidade da cama enquanto ele reacendia o fogo da lareira. Ele ficou de pé e limpou as mãos na calça comprida. —Pronto. Eu virei em algumas horas para checar o fogo. Não há necessidade de você sair da cama—.

   —Certo—.

   Ele deu uma olhada rápida para ela. As mãos estavam descasando sobre o colo, os pés descalçados cruzados um em cima do outro.

   —Você não se deu ao trabalho de calçar um sapato enquanto andava nesse chão de pedra frio?—, ele perguntou enquanto se agachava diante dela e colocava os pés dela sobre suas coxas. —Seus pés parecem pedras de gelo—.

   Ela empurrou o peito dos pés contra o peito dele e o jogou no chão.

   —Eles estão ótimos—, ela disse.

   Ele estreitou os olhos e lentamente, deliberadamente ficou de pé. —Entre debaixo daqueles cobertores e agora—, ele disse com um tom de voz baixo.

   Ela abriu a boca como que para protestar. Quando ele tomou um passo ameaçador em direção à cama, ela fechou a boca e entrou debaixo dos cobertores. Ele tirou a camisa por sobre a cabeça.

   —O que você está fazendo?—, ela perguntou.

   Ele sentou na extremidade da cama e arrancou as botas. —Eu vou aquecer seus pés—.

   De pé, ele tirou a calça antes de deslizar pela cama dela em um movimento rápido. —Ponha seus pés entre as minhas coxas—.

   Os olhos dela se arregalaram. —Mas eles estão congelando—.

   —Eu sei disto. Agora, faça isso, droga!—.

   Ela apertou os lábios e colocou os pés entre as coxas nuas dele. Ele soltou uma respirou funda entre os dentes.

   —Era isso que você queria?—, ela perguntou, com a expressão furiosa.

   —Não, mas eu quero te aquecer—, ele respondeu, com olhar furioso também.

   Lágrimas brotaram nos olhos dela, e ela evitou o olhar dele. —Não deveria ser assim entre a gente depois que eu te contei. Nós deveríamos estar felizes—.

   Tocando a bochecha dela, ele suavemente virou o rosto dela para ele. —Eu estou muito feliz, Dee. Mais feliz do que eu jamais estive em toda minha vida—.

   Ela colocou a mão contra o peito dele e ele deu um pulo. —Por Deus! Até a sua mão está gelada—. Ele tomou a outra mão dela e apertou contra o peito, colocando as mãos por cima das dela. —Como você pode estar tão fria?—.

   —Você estava do lado de fora. Como pode estar tão quente?—, ela perguntou.

   —Eu tenho mais carne nos meus ossos—.

   Ela passou a língua no lábio inferior. —Eu sinto muito por ter te empurrado — no seu escritório e aqui. Eu não sei o que me deu ——.

   —Não importa. Eu quero um filho, Dee, mais do que eu já quis qualquer coisa—.

   —Eu sei. Eu quero dar a você esta criança. Eu desejo que ela se pareça com você—.

   Ele tocou na bochecha dela. —Eu nunca tinha pensado com quem ele deveria parecer. Eu acho que ele não terá nenhuma escolha a não ser ter os cabelos pretos e os olhos marrons—.

   —Ele será alto—, ela disse.

   —Magro—.

   Ela concordou com a cabeça ligeiramente e deu a ele um sorriso suave. —Vai demorar para ele ter um bigode—.

   —Eu acho que sim—. O dedo polegar dele se movia de um lado para outro pela bochecha dela. —Eu sei que você não quer a minha gratidão, e eu sei que você não é uma inútil, mas eu quero cuidar de você enquanto você está carregando meu filho—.

   Ela não protestou quando ele abaixou as mãos, e alcançou a bainha de seu vestido, e lentamente o ergueu tirando-o pela cabeça dela. Ela não se moveu quando ele apertou a boca contra a barriga dela.

   —Nosso filho está crescendo aqui—, ele disse assombrado, perguntando-se por que ele já tinha pensado que ficaria contente em deixar que qualquer mulher trouxesse seu filho ao mundo, por que ele não tinha percebido que ele precisava de uma mulher que ele pudesse respeitar e apreciar, uma mulher como Dee.

   Ela passou os dedos pelo cabelo dele. Ele sentiu um nó se formar em sua garganta e a estudou. —Eu estou muito contente por você ser a mãe dele—.

   Lágrimas vislumbravam dentro dos olhos dela. Subindo, ele a beijou tão suavemente quanto sabia. Então ele recuou e sorriu para ela. —Seu nariz está frio. Talvez eu tenha que dormir aqui só para te manter aquecida—.

   —Isso seria bom—.

   —Se você quiser, eu fico. Eu darei a você qualquer coisa que você queira, Dee—.

   Porque ela estava carregando seu filho. O coração de Cordelia doía com desejo o mesmo tanto que doía com alegria. O laço que os unia seria o muro que para sempre os separaria.

   Mas muros podem ser quebrados, e hoje à noite, ela queria que—ela precisava que — ele escalasse esse muro por ela.

   —Faça amor comigo. Eu sei que não existe nenhuma razão para isso agora que eu estou carregando seu——.

   Ele afagou o dedo polegar por sobre os lábios dela enquanto uma profunda ternura enchia seus olhos. —Eu acho que pode haver mais do que uma razão agora—.

   Ele abaixou os lábios até os dela, e com um suspiro doce, ela deu boas-vindas, ao calor, ao sabor, à gentileza da língua dele que lentamente se precipitava em sua boca.

   Toda urgência que parecia acompanhar o ato de amor anterior deles se derreteu como a neve em uma janela quando o sol o alcança.

   A meta que uma vez o tinha trazido até a cama dela era agora uma faísca de vida que crescia dentro dela. Os seios já começavam a ficar fartos, e logo a barriga começaria a inchar.

   Com o propósito alcançado, ela acreditava que uma fenda iria se alargar entre eles enquanto esperavam o nascimento. Ela não acreditava que iria cair nas graças da apreciação dele.

   Com ternura infinita, ele a tocou como se ela fosse um presente raro, os dedos deslizando pela pele, tocando, provocando até que a boca se movia para satisfazê-la.

   Ela sentiu como se o corpo estivesse se tornado um líquido morno, uma névoa de sensações giravam em sua mente enquanto ele viajava do topo de sua cabeça e ia até a ponta dos dedões do pé. Não importava onde sua boca tocava, ela sentia como se ele a estivesse tocando toda.

   Ela deslizava as palmas das mãos pelos ombros dele, apertava as mãos contra as costas, passava os dedos pelos cabelos, apreciando as texturas diferentes do corpo: o sutil pinicar dos pelos que cobriam o peito, os músculos firmes que ondulavam quando ele se movia, a respiração morna que deixava uma trilha pela pele dela enquanto a boca continuava seu caminho pelo corpo dela.

   Nada que eles tinham compartilhado antes a tinha preparado para isso: a alegria final de ser querida, de se sentir estimada.

   Quando ele se ergueu sobre ela e capturou seu olhar, a respiração dela parou. Quando ele a penetrou profunda e lentamente, o corpo dela se enrolou firmemente ao redor do dele.

   Ela se moveu no ritmo exato dos movimentos dele, das estocadas rápidas: dando, recebendo, compartilhando. O poder e força dele. A determinação e coragem dela. A vida que eles tinham criado.

   Quando uma vez ela soube que o temia, agora ela sabia que o amava.

   O corpo dela se arqueou, contra o dele, e nos olhos dele, ela viu refletida a glória e o triunfo, e deu boas-vindas a eles como parte dela mesma quando ele estremeceu e enterrou o rosto dentro dos cabelos dela, a respiração dele tocando rapidamente o pescoço e ombro dela.

   Letargicamente, ela se deitou e escutou a respiração profunda dele.

   Se ele a amasse tanto quanto ela o amava, ela não achava que ele poderia dar mais a ela.

   Com a criança dele crescendo dentro dela, a esperança de que um dia ele viria a amá-la ganhava vida novamente dentro de seu coração.

 

Os ventos frios passavam pela Rua Principal enquanto Cordelia se apressava ao longo da passarela de madeira, trazendo a jaqueta de Dallas para perto do corpo. Ele a tinha dado para ela quando notou que os dois botões médios do casaco dela não se fechavam mais por causa da barriga que estava crescendo. Ele tinha pegado uma jaqueta velha que estava na carroça para usar.

   Levantando o colarinho, ela inalou o odor da pós-barba de Dallas. Uma vantagem em ter o casaco dele emprestado era que ela sempre podia se sentir próxima dele.

   Ela entrou no armazém geral, tirou as luvas, e foi apressada até o fogão redondo para aquecer as mãos.

   —Achei que você tinha um desses no seu hotel—, Sr. Oliver disse.

   Cordelia sorriu. —Eu tenho. Eu estava quente quando deixei o hotel, mas eu fiquei com frio e pensei em passar aqui. Além disso, eu preciso ver se os meus pedidos já chegaram—.

   —Chegaram. Obras de Shakespeare. Doze dólares—.

   Seu presente de Natal para Austin, não só os livros, mas também ler para ele no próximo ano. —Eu levarei quando nós estivermos prontos para deixar a cidade—.

   Ela começou a colocar as mãos dentro das luvas. Sr. Oliver fiz um sinal para ela.

   —Esse foi o meu melhor ano, por causa das garçonetes que você contratou para trabalhar no restaurante. Seria bom você colocar uma árvore de Natal no hotel para que os vaqueiros tenham um lugar para pôr todos os presentes que eles compraram para as moças—.

   O primeiro grupo de mulheres tinha chegado em outubro. Quando elas tinham completado o treinamento, Cordelia tinha aberto o restaurante e o primeiro e segundo andares do hotel. Ela ainda estava preparando o terceiro andar, mas os negócios iam bem. Leighton estava se expandindo. Ela apertou a mão do Sr. Oliver. —Espere até o próximo ano. Eu terei outro grupo de mulheres chegando na primavera—.

   —Deus, então nós teremos uma cidade de verdade. Eu tive algumas dúvidas no princípio——.

   —Fé, Sr. Oliver. Você teve fé no julgamento de Dallas senão você não estaria aqui—.

   Ela saiu do armazém geral. O vento a chicoteava enquanto ela caminhava até o outro lado da rua até a loja de roupas. Os sinos tiniram por sobre sua cabeça quando ela abriu a porta e adentrou a loja.

   Uma mulher robusta com um cabelo vermelho flamejante, Mimi Saint Claire empurrou as cortinas para o lado que levavam até seu quarto de costura, e fez uma entrada triunfante em seu próprio estabelecimento.

   —Você estár aqui porr que querr fazerr um vestido verrmelho bonito para a barrriga grrande. Sim?—.

   Cordelia riu da descrição do vestido. Ela rapidamente estava perdendo a cintura e não se importava nem um pouco. —Sim. Está pronto?—.

   —Clarro, senhora. Seu marrido me paga muito bem parra me certificar de que suas roupas estarrão prontas na hora cerrta—.

   —Ele não deveria saber sobre este—.

   —Ele não sabe—. Ela ergueu um ombro. —Ainda assim, ele esperraria que eu pusesse um adicional em sua conta—.

   —Nós não queremos desapontá-lo, não é?—, Cordelia brincou.

   —É clarro que não. Eu terrminei o casaco parra Rawley, também, dei parra ele ontem quando começou a ventarr. Está muito frrio para um menininho que não tem nenhuma carrne nos ossos—.

   Esticando o braço, Cordelia apertou um braço dela. —Obrigada. Dobre o extra que você adicionou na nossa conta—.

   Mimi balançou uma mão pelo ar. —Eu não cobrrei nada além do custo do materrial que vocês podem pagarr e eu não—.

   —Justo. Embrulhe o vestido. Nós o pegaremos quando estivermos partindo—.

   Mimi sacudiu o dedo na direção de Cordelia. —Mas você não pode vestirr isto até o Natal, não imporrta o quão tentadorr seja satisfazerr seu marido—porrque isso vai alegrrá-lo—.

   —Eu sei que vai. Obrigada por ter terminado—. Passando as mãos pelos braços e se preparando para o frio, ela abriu a porta, saiu apressada, e correu ao longo da passarela de madeira até que ela alcançou a loja do curtidor. Ela deslizou para o lado de dentro. Dallas saiu do contador.

   Sorridente, ele abriu o casaco. Ela a trouxe para perto dele o máximo que podia, abraçando a criança que crescia dentro dela.

   —Estou contente por você ter passado aqui—, ele disse. —Eu preciso saber qual o nome que vamos dar para nosso filho—.

   —Você precisa saber isso neste minuto?—.

   —Sim. Eu vou por as iniciais dele aqui nesta sela—.

   Com descrença nos olhos ela olhou fixamente para o dedo indicador dele apertando contra uma pequena sela sobre o contador. —Diga-me que você não comprou aquela sela—.

   —Meu filho vai precisar—.

   —Não por alguns anos—.

   Ele beijou a ponta do nariz dela, um hábito que ele tinha adquirido quando queria distraí-la de criticar as compras que ele estava fazendo muito cedo. Botas com amarração complicada e um chapéu de Stetson(*) preto minúsculo que já estavam esperando no berçário.

   —Seu nariz está frio. Há um hotel subindo a rua. Nós podíamos conseguir um quarto. Eu poderia aquecer você——.

   —Dallas, nós não somos visitas aqui. Nós vivemos——.

   —Uma hora longe do frio. Levaria apenas um minuto para chegar ao hotel. Vamos, Dee. Deixe-me aquecer você—.

   Ela viu um movimento com o canto do olho e virou a cabeça ligeiramente. Um homem de expressões sombrias estava debruçado contra a armação da porta que o levava para sua área de trabalho. —Oi, Sr. Mason—.

   —Sra. Leigh—.

   —Nós vamos discutir sobre alguns nomes, Mason. Eu voltarei e direi a você quais iniciais deve colocar nesta sela—.

   O rosto do homem mudou para um sorriso cordial enquanto concordava com a cabeça com diversão óbvia. —Faça isto, Dallas—.

   Com o braço a envolvendo e com o corpo a protegendo do vento, Dallas escoltou Cordelia. Eles caminharam vivamente pela passarela de madeira e foram até a outra extremidade da cidade onde o hotel de tijolo vermelho tinha sido construído.

   Dallas abriu uma das portas, e Cordelia entrou depressa.

   Ela parou um momento para apreciar os aromas que vinham do restaurante, o odor de madeira fresca, a visão do tapete vermelho novo, as velas que chamejam nos lustres com a antecipação do crepúsculo.

   Ela olhou para Dallas. —Você realmente não vai registrar um quarto, vai?—.

   Os olhos dele se aqueceram mais do que o fogo que ardia na lareira no outro lado do salão de entrada. —Vamos ficar a noite toda—.

   —Eu não trouxe roupas—.

   —Você não precisará delas—.

 

(*) N. da R.: marca de chapéu com aba larga e coroa alta, parte do equipamento de um caubói.

 

   Antecipação e alegria se misturaram dentro dela. Ela nunca tinha imaginado que ele fosse tão abundante em dar atenção para ela como fazia: o toque era raramente distante, o olhar constantemente procurava o dela como se ele precisasse dela o mesmo tanto que ela precisava dele. Todas as noites ela dormia dentro dos braços dele. Todas as manhãs ele a despertava com um beijo.

   —Eu quero verificar o restaurante enquanto você reserva um quarto—, ela disse.

   Com um sorriso que prometia nenhum remorso, ele beijou ligeiramente os lábios dela antes de sair a passos largos para a escrivaninha dianteira. A criança dentro dela chutou. Ela deslizou a mão dentro do casaco e afagou a pequena elevação de sua barriga. Se Dallas a adorasse tanto quanto ele já amava esta criança.

   Virando, ela caminhou para o restaurante.

   —Sra. Leigh!—.

   Ela sorriu calorosamente para a gerente do restaurante. —Oi, Carolyn—.

   Com as bochechas rosadas, Carolyn James carregava excitação dentro de seus olhos castanhos. —Eu estava me perguntando se você se importaria se nós tivéssemos uma celebração aqui na Véspera do Natal. Eu achei que poderia ser agradável para as meninas, aliviar a solidão por estar longe da família—.

   —Eu acho que seria adorável—.

   Ela corou lindamente. —Talvez os seus irmãos queiram vir—.

   —Eu estou certa de que eles vão querer. Tudo está indo bem?—.

   Carolyn movimentou a cabeça. —Muito bem, embora eu fique contente por saber que haverá meninas adicionais chegando durante a primavera. Alguns destes vaqueiros comem quatro ou cinco pratos por dia—.

   Cordelia sorriu, sabendo que suas visitas tinham pouca ligação com comida, mas sim com o simples desejo de olhar para uma mulher. —Nós discutiremos os detalhes da celebração do Natal da próxima vez que eu vier à cidade—.

   —Não espere muito tempo. O Natal será daqui duas semanas—.

   Duas semanas. Enquanto Cordelia caminhava de volta até o salão da entrada, ela achava que dificilmente parecia possível que ela estivesse com Dallas por sete meses, carregando sua criança a quase cinco. Ela não tinha decidido o que dar a ele para Natal. Ele tinha tudo o que desejava. Talvez ela simplesmente amarrasse uma grande tira ao redor da barriga.

   Com o pensamento absurdo, ela prendeu o riso enquanto abordava a escrivaninha dianteira onde Tyler Curtiss estava conversando com Dallas. Dallas deslizou o braço ao redor dela. —Essa é a mulher com a qual você precisa conversar—.

   —Sobre o quê?—, Cordelia perguntou.

   Tyler olhou para Susan Redd enquanto ela ficava de pé atrás do contador, o queixo angulado.

   —Redd, eu——.

   —É senhorita Redd para você—, ela disse, a voz autoritária. O momento em que Cordelia tinha se encontrado com a gerente de seu hotel, ela tinha gostado dela. O cabelo vermelho vivo preso em um coque, algumas mechas soltas na testa emoldurando seu rosto.

   —A senhorita Redd—, Tyler disse, —não está disposta a dar aos meus trabalhadores um desconto nos quartos. Com este vento frio soprando, eu achei que eles poderiam apreciar algumas noites no calor do hotel, dormindo em uma cama de verdade em vez de em uma cama de campanha. Já que eles constroem o hotel, apenas achei que era justo oferecer a eles uma taxa especial—.

   —Eu vi os seus trabalhadores. A maioria deles é imunda. Isso sem falar dos tipos de pulgas que eles trarão junto com eles—, Susan disse.

   Cordelia colocou a mão no contador. —Ofereça a eles um desconto, metade da taxa normal, com a condição de que eles visitam os banheiros antes de se registrarem. Isso deve satisfazer a você dois—.

   Tyler sorriu calorosamente. —Obrigado, Sra. Leigh. Eu resolverei os detalhes com a senhorita Redd e avisarei os homens—.

   Ela bateu levemente no braço dele. —Veja se consegue algum dos quartos bons—.

   Dallas a segurou contra o corpo e começou a caminhar em direção aos degraus. —Eu acho que resolver os detalhes com ela era o que ele pretendia desde o início—, ele disse com a voz baixa próxima a sua orelha.

   Cordelia se virou e olhou para ele. —Você acha que ele tem interesse na Susan?—.

   —Sim—.

   Antes que ela pudesse se virar para trás e olhar para eles, Dallas a estava escoltando degraus acima. No patamar superior, ela andou pelo corredor. —Qual quarto?—.

   Ele a segurou nos braços e a levou para o próximo lance de escadas.

   —Dallas, este piso não está pronto—.

   —Tem certeza? Eu achei que estava—.

   —Só a nupcial—— Ela disse enquanto as lágrimas formavam um nó em sua garganta.

   Com passos largos e longos, ele caminhou até o final do corredor, curvou um joelho, e inseriu uma chave na fechadura. —Parecia ser o certo você ser a primeiro a usar o quarto especial—. Ele deu um empurrão gentil e a porta se abriu.

   Um fogo já estava preguiçosamente queimando na lareira, e ela percebeu que sua real razão para entrar na cidade não tinha sido conversar com o curtidor como ele tinha dito a ela nessa tarde, e sim trazê-la para este quarto.

   —Você merece algo melhor do que o que você teve na nossa noite de núpcias apesar de que é um presente um pouco tarde—.

   —O que isso importa já que você me deu tantos momentos especiais depois disso?—.

   —Eu planejo dar a você mais… muito mais—.

   Porque ela carregava seu filho. Por que as razões por trás de sua consideração e generosidade importavam? A generosidade dele era dirigida a ela.

   Mas as razões importavam. Num canto escuro de seu coração, elas importavam.

 

        A satisfação encontrou lugar dentro de Dallas tão suavemente quanto o orvalho que saúda o amanhecer. Ele nunca tinha experimentado antes esta satisfação imensa, não só com ele mesmo, mas com sua vida, porque antes sempre, não importa o quanto ele tinha—algo sempre estava faltando.

   O que faltava estava agora deitada sobre mais da metade de seu corpo, com a respiração devagar retornando ao normal, um brilho na pele morna que falava de seu prazer tão eloquentemente quanto seus gemidos tinham feito momentos antes.

        Ele passou os dedos pelo cabelo de ébano que estava em cima de seu peito. Ele amava as mechas sedosas. Ele amava o marrom dos olhos dela e a curva de seu nariz. Ele amava os dedões do pé, embora eles estivessem ficando frios.

   Ela começou a roçar o pé junto ao dorso do pé dele. Ele amava isto também.

   Ele a amava.

   E ele não sabia como dizer a ela. Às vezes, ele mencionava que estava muito feliz, e ela sorria para ele, mas algo em seus olhos parecia dizer que ela parecia triste, como se ela não acreditasse nele.

   Ele achava que toda sua satisfação poderia vazar como a água que vaza de um buraco na parte inferior de um poço se ele dissesse a ela o que estava em seu coração e uma silenciosa descrença enchesse os olhos dela.

   Ele a tinha trazido aqui para dizer isso a ela, para compartilhar os seus sentimentos com ela nesse quarto especial que ela tinha imaginado que as mulheres gostariam de passar sua noite de casamento, mas ela tinha dado a ele aquele olhar antes que ele falasse as palavras, então ele as engoliu e tentou mostrar a ela em vez de dizer.

   Ele sorriu com satisfação. Se os gemidos dela e seu estremecer eram alguma indicação, ele tinha obtido sucesso em demonstrar.

   Ainda assim, ele gostaria que ela ouvisse as palavras…

   Onde a barriga dele estava apertada contra a dela, ele sentiu o leve chute do filho. Sua satisfação aumentou. Ele deslizou a mão por baixo dos cabelos de Dee e passou os dedos pela pequena protuberância.

   Dee não estava ficando redonda como Amelia. Ele percebeu que isso acontecia porque Amelia era pequena, e o bebê não tinha nenhum lugar para ir senão para os lados. Dee era alta, dava a criança uma área maior para crescer.

   Ele adorava assistir as mudanças em seu corpo. O escurecimento de seus mamilos onde seu filho iria amamentar, os quadris que ficavam mais largos, os passos mais desajeitados.

   Suspirando, ela se moveu contra ele, abriu um olho, e o observou. —Hmm. Eu sabia que este quarto era uma boa idéia. Agora será difícil eu deixar pessoas que não conheço dormirem aqui—.

   —Então não faça—.

   O outro olho dela abriu e ela ergueu a cabeça. —Esse é o propósito de um hotel—.

   Ele arrastou o dedo polegar ao longo do lado do rosto dela. —Não há nada de errado os donos terem um quarto privado para que eles usem para sua conveniência, a qualquer hora que quiserem—.

   Ela estreitou os olhos com suspeita. —Foi por isso que você me disse que eu teria a necessidade de dois quartos——.

   Inclinando-se para cima, ele começou a mordiscar os lábios dela. Ela o empurrou de volta para baixo. —Você planejou usar este quarto desde o princípio, não é?—.

   Ele encolheu os ombros. —Pareceu uma boa idéia no momento, e muito melhor agora que nós o experimentamos—.

   Rindo, ela se aconchegou no ombro dele, deslizando os dedos pelo seu peito, cada passada indo um pouco mais alto e depois um pouco mais baixo. —Talvez eu dê este quarto a você como um presente de Natal—.

   —Me dar de Natal algo que eu já tenho? Que tipo de presente é esse?—.

   Ela ergueu o rosto. —Você já tem tudo—.

   —Não, eu não tenho—.

   —O que mais você poderia ter necessidade?—.

   Seu amor. Ele engoliu em seco. —Algo que só se pode receber se não for pedido—.

   Ela olhou fixamente para ele. —O que isso quer dizer?—.

   —Até parece que eu sei. Me dê uma nova sela—.

   —Oh!—, ela saiu de cima dele.

   Ele se apoiou sobre um cotovelo. —O quê?—.

   Ela examinou por sobre o ombro enquanto começava a juntar suas roupas do chão. —Eu pensei em algo—.

   —Algo para me dar?—.

   Ela acenou com a mão desdenhosamente pelo ar. —Não, seu tolo. Eu só pensei em algo que devo dizer a Carolyn—.

   —Não pode esperar?—.

   —Não, ela quer ter uma celebração de Natal aqui. Eu quero que ela vá em frente e fale com o Sr. Stewart do escritório de jornal para fazer convites e anúncios que nós poderemos enviar para fora dessa área—.

   Dallas se deitou de novo. —Isso pode esperar até a manhã. Venha para a cama—.

   Ela estava apressadamente colocando as roupas. Quando ela tinha uma idéia era tão rápida quanto o vento para levantar poeira.

   —Só levará alguns minutos—. Ela foi apressada até a porta. —Além disso, eu ficarei fria quando eu descer, e você poderá me aquecer de novo—.

   —Conte com isto!—, ele gritou para ela enquanto ela deslizava para fora do quarto.

   Bom Deus, ela estava mais obcecada em construir um império do que ele jamais tinha pensado em estar, ou talvez ela simplesmente apreciasse isto mais do que ele.

   Nesses dias ele ficaria contente em apenas ficar sentado na varanda sentado no balanço. Aquele presente a agradou tanto que ela deu outro presente a ele—um que ele recebeu na sacada de seu quarto.

   Ele empurrou as mãos para debaixo da cabeça e olhou fixamente para o teto. Ele diria a ela que a amava quando ela voltasse, sussurraria as palavras em sua orelha logo antes de juntar seu corpo ao dela. Se ela não o distraísse com todos aqueles sons gloriosos que ela fazia quando movia o corpo no ritmo dele.

   Sorridente, ele fechou os olhos e começou a planejar sua sedução. Seduzi-la era tão fácil. Dar prazer a ela lhe dava recompensas que ele nunca achou que existia.

   Um grito quebrou seus pensamentos. Um grito de terror que ele tinha ouvido uma vez antes—na sua noite de casamento.

   Ele saltou da cama e colocou a calça, abotoou-a enquanto descia os degraus apressado, o coração batendo rápido, o sangue pulsando entre as têmporas.

   Descendo, ele se encontrou com Susan Redd subindo, os olhos marrons assustados. —Ouve um acidente—.

   —Deus—. Ele passou correndo por ela.

   —Ela está atrás do restaurante!—, Susan gritou atrás dele.

   Ele correu pelo salão de entrada, o restaurante e a cozinha. Os engradados de madeira que uma vez tinham sido empilhados estavam todos bagunçados. Tyler Curtiss estava erguendo o corpo estatelado de Dee.

   Inconsciente do vento frio que batia em seu peito nu e pés descalços, Dallas se ajoelhou ao lado da esposa e tocou os dedos trêmulos em sua bochecha pálida. O frio entorpeceu seus sentidos. Ele não podia sentir seu calor ou sentir seu odor doce. —Dee?—.

   Ela parecia com um trapo de uma boneca que uma criança ficou cansada de brincar e jogou de lado.

   —Ela jura que ouviu uma criança chorar—, Carolyn lamentou, a voz presa. —Eu não ouvi nada… mas ela veio lá de fora… eu ouvi um impacto, o grito… ela está morta?—.

   —Vá achar um maldito médico!—, Dallas rugiu e as pessoas que os cercavam partiram em todas as direções.

   Ele precisava aquecê-la, precisava levá-la para o lado de dentro. Suavemente, ele deslizou um braço pelos ombros dela, e o outro pelos joelhos.

   Foi então que ele sentiu, um tipo diferentemente de qualquer medo que ele já tivesse conhecido. Ele tinha levado muitos homens agonizantes para fora dos campos de batalha para não reconhecer o cheiro de sangue fresco.

 

        Ele a trouxe para casa, achando que de alguma maneira lá ele poderia protegê-la melhor, mantê-la segura.

Mas enquanto ela estava deitada embaixo dos cobertores, o corpo banhado em suor, o rosto tão branco quanto uma nuvem em um dia de verão, a mão tremendo por entre as dele, ele temia que nada que ele fizesse, nada que qualquer pessoa fizesse, pudesse mantê-la ao lado dele.

   Com um pano morno, ele enxugou o brilho orvalhado sobre sua testa. Ele não queria que ela sentisse frio.

   Se ela morresse, ela ficaria fria para sempre. Ele não conseguia suportar a idéia, mas em um canto distante de sua mente como um pesadelo indesejado, havia o som do grito dela.

   Ele para sempre a ouviria gritar.

   Ela gemeu e choramingou, um som lamentável e baixo, isso o deixou em frangalhos.

   Onde estava o maldito médico quando ele precisava? Ele iria achar outro médico para Leighton, um médico que soubesse fincar o traseiro em casa para que estivesse lá quando fosse necessário, não um médico que vagabundeava em torno da zona rural para atender pessoas que até Dallas não conhecia.

   Dee soltou um grito abafado e apertou a mão dele. Ele nunca tinha se sentido tão incrivelmente inútil em sua vida.

   Ele tinha dinheiro, terra e gado. Ele tinha se banhado nas águas da glória e do sucesso mas de que diabos isso ajudava agora? Ele negociaria tudo isso pela chance de poder voltar o relógio e mantê-la naquele quarto com ele.

   —Dallas?—, Amelia colocou a mão no ombro dele. —Dallas, ela está perdendo o bebê—.

   —Oh, Deus—. A dor o rasgou intensamente, tão profundamente que ele achou que poderia desmaiar. Ele curvou a cabeça e envolveu os dedos mais firmemente ao redor dos de Dee. Ele nunca tinha conhecido o que era precisar de algo, mas ele precisava agora, ele precisava da força de Dee.

   —Apenas não me deixe perdê-la—, ele disse áspero.

   —Eu farei o que puder. Se você quiser ir——.

   —Não. Eu não a deixarei—.

   E ele não fez. Ele ficou ao lado dela, enxugando sua testa quando ela dava um grito sufocado, segurando sua mão enquanto o corpo dela se debatia em agonia.

   As palavras falharam, eram insignificantes. Ele considerou dizer a ela que a perda não importava, que eles teriam outras crianças, mas ele não conseguia se obrigar a mentir para ela, e ele sabia que ela perceberia que suas palavras eram mentira.

   Nenhuma outra criança, não importa o quão especial fosse, poderia substituir esta primeira criança.

   Então ele fez tudo o que sabia fazer. Ele permaneceu estóico, segurando-a, e pedindo a Deus que, de alguma maneira, a dor pudesse ser dele e não dela.

   E ele a viu chorar silenciosamente enquanto Amelia embrulhava o minúsculo corpo inanimado em um cobertor. Dallas se forçou a ficar de pé. —Eu o levarei—.

   Amelia deu uma olhada rápida para cima, o desespero em suas feições. —Dallas——.

   —Eu cuidarei dele enquanto você termina de cuidar de Dee—.

   Ele pegou o pequeno embrulho e deixou o quarto. Era tarde da noite, mas ele fez o que precisava ser feito.

   Ele construiu um pequeno caixão e o acolchoou com os cobertores delicados que Dee tinha comprado para manter a criança morna. Então ele deitou seu filho minúsculo dentro da caixa de madeira.

   Com os ventos frios do inverno uivando ao redor dele, ele fez uma cova próxima ao moinho de vento ao lado da casa e deitou o seu filho para que descansasse.

   Tão gentis quanto às lágrimas suaves de um anjo, flocos de neve começaram a cair dos céus.

   Um tremor de desespero passou pelo corpo de Dallas que ficou de joelhos, cravou os dedos na terra recentemente revolvida, e chorou.

 

        Cordelia se esforçou através da névoa de esgotamento e dor. Todos os centímetros de seu corpo protestavam, seu coração protestava acima de tudo ao se lembrar da perda e do pesar no rosto de Dallas quando ele tomou a criança de Amelia.

   Ela quase gritou quando dedos a cutucaram. Ela abriu os olhos. Ela não tinha sofrido o suficiente? Por que o Dr. Freeman a estava torturando agora?

   Ele demoliu abaixou o vestido dela e trouxe os cobertores para cima, aparentemente desavisado de que ela tinha acordado. Através de olhos meio abertos ela o viu caminhar através do quarto até a janela onde Dallas estava de pé olhando para fora através do vidro canelado.

   —Ela vai viver?—, Dallas perguntou.

   —Talvez—, Dr. Freeman disse, —mas ela vai precisar de muito descanso. Mime ela durante algum tempo—. Dr. Freeman pôs sua mão sobre o ombro de Dallas. —E ache um jeito de dizer suavemente para ela que ela não vai mais poder ter filhos—.

   O coração de Cordelia se apertou, e ela colocou a mão contra a boca, mordendo as juntas dos dedos para não gritar. Dallas virou a cabeça e olhou fixamente para o médico.

   —Você está certo de que ela não poderá mais ter filhos?—.

   Dr. Freeman suspirou com força. —Ela tem sorte por estar viva. Ela se machucou muito por dentro e por fora. As feridas foram extensas, e vai ter muitas cicatrizes. Baseado na minha experiência, eu não vejo como ela possivelmente poderá ficar grávida—.

   Ele caminhou quietamente pelo quarto. Dallas fechou o punho e o apoiou na janela e curvou a cabeça.

   O coração de Cordelia se despedaçou com o conhecimento de que ele tinha perdido seu sonho.

 

        Antes de ela estar completamente acordada, antes de abrir os olhos, ela estava ciente dos dedos mornos que estavam juntos dos dela. As pálpebras dela tremularam, e ela pôde ver Dallas sentado em uma cadeira ao lado da cama, a cabeça escura curvada, o rosto sem barbear.

   Lágrimas bloqueavam sua garganta e seus olhos queimavam. Ele era um homem de luto. Ela usou o pouco de força que tinha para poder apertar os dedos dele.

   Repentinamente ele moveu a cabeça e se debruçou para frente. Os olhos estavam injetados, muito vermelhos. Suavemente ele tirou o cabelo do rosto dela. —Como você está se sentindo?—, ele perguntou com uma voz que soava tão áspera quanto uma lixa.

   Ele ficou embaraçado quando as lágrimas surgiram no rosto dela. —Nosso bebê era um menino?—, ela perguntou.

   Ele fechou os olhos com força e apertou os lábios contra as costas da mão dela. Então ele abriu os olhos e manteve o olhar dela. Ela viu a garganta dele se mover enquanto engolia em seco.

   —Sim, era. Eu, hm, eu o enterrei próximo ao moinho de vento. Eu… sempre gostei do modo como as lâminas fazem clack quando o vento vem, e eu não sabia mais o que fazer—.

   Ela desejou ter forças para se sentar na cama e envolvê-lo nos braços, confortá-lo. As lágrimas rolaram. —Eu escutei o que o Dr. Freeman disse—que eu não poderei ter outros filhos. Dallas, eu sinto muito——.

   —Shh. Você está bem e é isso que importa. Eu achei que iria perder você, também—.

   Nesse momento ela não achou que conseguiria amá-lo mais—pela mentira que ele tinha falado com tanta sinceridade. Ela sabia a verdade. Se ela morresse também, ele poderia casar de novo—com qualquer uma das mulheres que recentemente tinham se mudado para Leighton—e teriam o filho que ele tão desesperadamente queria.

   Ele encostou-se à cadeira. —Dee, eu quero saber o que aconteceu—.

   Fungando, ela enrugou a testa. —O que aconteceu?—.

   —Você deixou o quarto. Eu ouvi o grito——.

   Ela apertou a mão, pedaços de imagens correram por sua mente. —Oh, Dallas. Rawley—.

   —Rawley?—.

   —O menininho. Eu ouvi uma criança chorar. Eu fui atrás do hotel, e eu o vi apertado em um canto. Então alguém me empurrou e as caixas caíram… Oh, Dallas, ele podia ter se machucado, também. Você o viu?—.

   —Eu só vi você—.

   —Dallas, nós temos que achá-lo—. Ela tentou se sentar, e ele colocou as mãos nos ombros dela.

   —Você não pode sair da cama. Eu enviarei Austin para achá-lo—.

   —Faça ele trazer Rawley aqui para que eu possa ver que ele está bem—.

 

        Rawley Cooper sabia que estava enrascado. Soube isto por dias e sabia que mais cedo ou mais tarde seu engano o alcançaria.

   Ele teria preferido mais tarde.

   Ele se sentou olhando fixamente para as chamas vermelhas e laranjas que dançavam e aqueciam o quarto. O homem que o tinha trazido para esta casa grande estava sentado com os pés escorados na escrivaninha, as esporas oscilando.

   O homem tinha dito que seu nome era Austin. Uma vez Rawley tinha ido para uma cidade chamada Austin. Ele achava que este homem era muito importante já que ele tinha uma cidade com seu nome.

   Homens importantes assustavam Rawley. Eles podiam fazer qualquer coisa que quisessem e ninguém os pararia.

   Rawley quase tinha dado um salto quando Austin abriu uma gaveta.

   —Dallas tem um pouco de pastilhas de limão aqui. Você quer uma?—.

   Ele estudou Austin, viu a bolsa que ele segurava na mão e a bola amarela que ele rolava por entre os dedos. Ele se lembrou que o homem tinha dado a ele uma sarsaparilla uma vez e que não o tinha machucado quando ele a pegou. Mas isso tinha sido há muito tempo atrás. Ele agitou a cabeça e voltou sua atenção para o fogo.

   Ele sabia tudo sobre ganhar presentes. Mais cedo ou mais tarde, eles sempre cobravam um preço alto.

   —Você não fala muito, não é?—, Austin disse.

   Rawley se perguntou se ele seria absorvido pelo fogo se se jogasse contra ele. Ele pensava nisso às vezes. Achar um caminho para desaparecer para que ninguém pudesse tocá-lo, ninguém pudesse machucá-lo.

   —Onde está sua mãe?—, Austin perguntou.

   —Morta, eu acho—.

   —Você não sabe?—.

   Rawley ergueu os ombros.

   A porta se abriu. Austin tirou o pé do chão e ficou de pé. Rawley ficou de pé, também, as pernas tremendo. Melhor enfrentar o homem que o queria.

   —Você o achou—, o homem disse.

   O homem era grande. Rawley o tinha visto com uma senhora bonita.

   —Sim. O pai dele estava desmaiado na taverna. Eu disse ao homem do bar para dizer a ele que o menino estava aqui quando acordasse—.

   —Bom—.

   O homem sentou na sua cadeira na escrivaninha. Austin levantou um quadril e se sentou no canto da escrivaninha. Rawley tentou não parecer assustado mas ele tinha a impressão de que não estava tendo muito sucesso.

   O homem se debruçou para frente. —Você sabe quem eu sou?—.

   Rawley movimentou a cabeça. —Sim, senhor. Você pertence à bonita senhora—.

   Um canto do bigode do homem se ergueu enquanto ele ligeiramente sorria. —Eu creio que sim. Meu nome é Dallas Leigh. A bonita senhora é Sra. Leigh—. Seu sorriso depressa desapareceu, deixando sua boca firme. —Ela foi machucada algumas noites atrás—.

   O coração de Rawley começou a bater tão rápido que achou que ele fosse sair pela boca. —Ela morreu?—.

   —Não, mas ela está machucada… muito. Ela disse que alguém a empurrou. Você sabe quem a empurrou?—.

   Rawley agitou a cabeça depressa e virou o olhar para o chão para que assim Dallas Leigh não pudesse ver que ele estava mentindo. Silêncio desceu entre eles. Rawley ouviu os troncos crepitarem enquanto as chamas os devoravam. Logo eles seriam nada além de cinzas. Ele gostaria que algo o tornasse cinzas.

   —Você gostaria de vê-la?—.

   Os olhos dele aumentaram rapidamente. Dallas Leigh estava olhando para ele como se pudesse ver através dele. Ele achou que qualquer um que mentisse para o Sr. Leigh acabaria com as costas queimadas.

   Ele indecisamente movimentou a cabeça, perguntando-se o que custaria para ele ver a bonita senhora, desejando que ela não estivesse muito machucada a ponto de não poder sorrir para ele. Ele adorava os sorrisos dela. Os sorrisos que não eram como os sorrisos que a maioria das pessoas dava a ele, sorrisos que escondiam algo feio por trás.

   Sr. Leigh ficou de pé e olhou para Austin. —O Dr. Freeman está comendo na cozinha. Leve ele para cima—.

   Austin saiu do quarto. Sr. Leigh pôs uma mão nos ombros de Rawley. Rawley recuou horrorizado.

   Sr. Leigh o estudou por um minuto, os olhos marrons penetrantes. Rawley achou que ele pudesse ver claramente através de sua coluna vertebral.

   —Siga-me—, Sr. Leigh disse e andou a passos largos e longos na direção da porta.

   Rawley teria tragado se tivesse alguma saliva, mas sua boca estava tão seca quanto o algodão que ele tinha colhido em um verão passado.

   Ele e o Sr. Leigh seguiram pelo corredor. Ele nunca tinha visto uma casa tão grande e nem degraus tão largos. Ele acreditou que dez homens poderiam caminhar lado a lado por aqueles degraus sem encostarem uns nos outros. No topo dos degraus, ele queria ter um momento para olhar para baixo, fingir que ele era o rei do mundo, mas ele não ousou. Ele não achava que o Sr. Leigh era um homem de paciência e que entenderia seu desejo de olhar de cima em um mundo que sempre o tratou com desprezo.

   Sr. Leigh abriu uma porta. —Aqui—.

   O coração de Rawley deu um salto. A bonita senhora sorriria para ele, talvez segurasse sua mão, e conversasse com ele com uma voz que ecoava tão suave quanto o vento. Ele enxugou as mãos em suas calças curtas, não querendo que ela sentisse seu suor, e entrou no quarto.

   O coração dele quase parou.

   Ele olhou ao redor do quarto, procurando por um sinal de que ele não tinha sido enganado, mas com um conhecimento que um menino de sua idade não deveria possuir, ele entendia muito bem a verdade de sua situação.

   Ele sabia que não deveria confiar, desejar ou querer.

   Ele ouviu um andar arrastado e se virou. Um homem que pareceu ter saído de um caixão estava de pé na entrada.

   —Esse é o Dr. Freeman—, Sr. Leigh disse. —Ele vai olhar você—.

   Rawley sentiu a bílis queimando na garganta. —A bonita senhora——.

   —Você pode vê-la assim que o Dr. Freeman terminar com você—.

   —Ela quer que eu faça isto?—, ele perguntou.

   —Sim—. Sr. Leigh movimentou a cabeça ligeiramente para o médico e pisou no corredor, fechando a porta atrás de si.

   Rawley lutou contra a decepção amarga e a traição, e começou a se imaginar em um lugar onde o sol o manteria aquecido, onde a grama era suave embaixo de seus pés, onde a brisa sempre cheirava a flores.

 

        Dallas tinha pouca dúvida de que o menino sabia quem tinha empurrado Dee, quem era responsável pelo dano que tinha levado sua criança.

   Mas ele também tinha visto algo muito familiar nas profundamente dos olhos do menino: medo.

   O menino não diria a Dallas o que ele sabia porque o menino temia mais quem quer que tenha sido que estava atrás do hotel do que temia a ele.

   —Parece estar tomando muito tempo do Dr. Freeman—, Dee disse suavemente.

   Dallas saiu da janela e olhou para a esposa. Ele tinha escorado travesseiros atrás das costas dela para que assim ela pudesse se sentar na cama. Ele trazia comida, certificava-se de que ela tivesse bastante para beber, e tinha começado a ler para ela à noite. Ela parecia ter pouco interesse em qualquer coisa exceto o bem-estar do menino, e tinha levado dois dias para Austin achá-lo.

   —Parece porque nós estamos esperando. O tempo passa diferente quando se está esperando—. Ela ainda parecia tão pálida. —Quer que eu escove seu cabelo novamente?—.

   —Não—. Ela estudou as mãos apertadas.

   Ela quase não tinha olhado para ele desde que tinha perdido o bebê. Ele não podia culpá-la. Ele não tinha escutado o pai dela, não tinha acreditado que ela era delicada. Ele a tinha deixado sair do quarto do hotel sem escolta enquanto ele esteve naquela cama pensando no que queria fazer com o corpo dela quando ela retornasse.

   A vergonha crescia dentro dele. Ele não tinha cuidado dela como deveria, e sua falta tinha custado muito a ambos, não apenas um filho, mas a chance de um futuro juntos. Ela queria dar a ele um filho, e por pouco tempo tinha parecido que ela o queria também. Ela ria facilmente enquanto carregava seu filho, ardia com antecipação, e constantemente sorria.

   Tarde da noite, eles sussurravam coisas tolas: os livros que ela leria para ele, Dallas o ensinaria como administrar uma fazenda, Dee compartilharia com ele como construir um edifício. Eles o levariam para o topo de um moinho de vento e o ensinariam como sonhar—grandes sonhos.

   Tantos momentos planejados que em uma noite tinha desintegrado como o pó que a pradaria leva com o vento e se perde.

   A porta abriu, e o Dr. Freeman colocou seu rosto esquelético no quarto. —Dallas, eu preciso falar com você por um momento—.

   Dee enrugou a testa. —Rawley está machucado?—.

   —Ele está bem—, Dr. Freeman disse. —Eu só preciso conversar com Dallas—.

   Ele desapareceu no corredor. Dallas saiu do quarto e fechou a porta.

   Dr. Freeman estava de pé ao lado de uma janela, olhando, a mão firme em punhos apertados ao lado do corpo. —Há vezes em que eu lamento por ter feito um juramento de não ferir ninguém—, ele disse por entre dentes trincados. —Aquele menino tem mais cicatrizes do que uma terra rachada pelo sol. Você sabe o que ele achou que eu queria fazer?—, Dr. Freeman agitou a cabeça ferozmente. —Não, claro que você não sabe—.

   Quando ele girou, Dallas ficou surpreso em ver lágrimas nos olhos do homem.

   —Eu acho que aquela droga de desculpa que chamam de homem está vendendo o menino—.

   Dallas virou o olhar para ele. —Vendendo ele? Para quem?—.

   —Homens. Os homens que preferem meninos a mulheres—.

   O estômago de Dallas se revirou. —Você está certo disso?—.

   —Eu não posso jurar, mas eu apostaria minha vida nisto—.

   —Em Leighton?—.

   —Perversão não deixa ninguém diferente de você ou de mim. Você não pode olhar para um homem e dizer o que está em sua cabeça ou em sua mente. Eu vi os homens mais proeminentes de outras comunidades fazerem coisas que fariam seu estômago revirar, e eu só descobri isso porque eles foram longes demais e precisaram de meus serviços—.

   Dallas sentiu uma raiva impotente crescer dentro dele. —Existe alguma coisa que você possa fazer pelo menino?—.

   Dr. Freeman agitou a cabeça. —As feridas que ele tem por fora estão sarando, mas a dor profunda que ele sente do lado de dentro, as cicatrizes que estão lá, ele as carregará pelo resto da vida—.

   —Eu não vou levá-lo de volta para a cidade—, Dallas disse com determinação.

   —Eu direi ao pai dele——.

   —Deixe o pai dele comigo—.

 

        Rawley Cooper sabia que tinha cometido um grande engano. Tudo o que o médico queria era olhar para ele.

   Rawley não conseguia se lembrar do que tinha dito, mas ele soube o momento exato em que o médico tinha compreendido o que Rawley pensou que ele queria fazer com ele.

   Ele pensou que o homem fraco iria vomitar no chão, e Rawley percebeu que eles não deixariam ele ver a bonita senhora. Eles sabiam que ele estava sujo por dentro e por fora.

   Ele ouviu a porta se abrir. Ele se envolveu com sua vergonha do mesmo modo que ele se envolvia com as roupas e se virou para a janela.

   Sr. Leigh estava na entrada. —Coloque suas roupas, menino—.

   Rawley concordou com a cabeça e fez como ele tinha dito. Ele tinha pensado em vesti-las antes, mas o médico não tinha dito a ele para se vestir então ele tinha decidido esperar. Ele estava sempre fazendo o que não deveria fazer.

   Quando os dedos dele passaram por cima de duas casas que não tinham mais botões, ele abotoou o botão superior perto da garganta, o botão que quase o amordaçava mas o fazia se sentir protegido, ele ergueu o olhar de volta para o homem.

   Sr. Leigh andou pelo corredor. —Venha comigo, menino—.

   Olhando pela última vez todas as coisas bonitas e boas no quarto, ele lentamente caminhou até o corredor. Sr. Leigh estava de pé ao lado de uma porta aberta que o levaria para um quarto no canto.

   —Pare de arrastar os pés. Minha esposa está ansiosa para ver você—.

   O coração de Rawley parecia o tremular das asas de uma borboleta que ele uma vez tinha sentido na palma da mão. Sr. Leigh conhecia a verdade sobre ele—ele podia ver isto em seus olhos—e ainda assim ele iria deixá-lo ver a bonita senhora. Ele entrou apressado no quarto na frente do Sr. Leigh antes que ele pudesse mudar de idéia.

   Então ele parou tropeçando.

   A senhora estava sentada na cama, parecendo um anjo. Ela sorriu suavemente e entendeu a mão. —Rawley, eu estou tão contente por você poder vir me visitar—.

   Ele chegou mais perto da cama, e ela mexeu a mão. —Dê-me sua mão—.

   Ele negou com a cabeça. —Eu não sou limpo—.

   —Isso não importa—.

   Ele sabia que ela achava que ele estava falando sobre sujeira, mas ele estava falando sobre algo tão imundo que alcançava sua alma. As lágrimas queimavam seus olhos quando ele agitou a cabeça de novo.

   Sr. Leigh caminhou para o outro lado da cama e ficou próximo da esposa. —Está tudo bem, Rawley—.

   Rawley ousou erguer o olhar. Sr. Leigh concordava com a cabeça. Ele deu um passo para mais perto e tocou os dedos na mão da senhora. Ela fechou a mão ao redor da dele. Sua mão era morna e suave e tragava a dele. Ele se perguntou se as mãos de sua mãe tinham sido assim.

   A senhora se arrastou suavemente e ele chegou mais perto. Ela passou os dedos na sobrancelha dele. Ele nunca tinha sido tocado com tal gentileza.

   —Você está bem?—, ela perguntou.

   Ele concordou com a cabeça. —As caixas não me acertaram—.

   —Eu estou contente—.

   Ele subitamente se lembrou dos gritos, de todo o sangue, os gritos sobre o bebê. —Onde está seu bebê?—.

   Lágrimas brotaram nos olhos dela, e o Sr. Leigh virou o olhar para o chão.

   —Ele está no céu—, ela disse baixinho.

   —Eu sinto muito—, Rawley falou rouco enquanto as lágrimas que ele tinha lutado para conter explodiram. —Eu sinto muito—.

   Ela o apertou e colocou sua cabeça contra o seio. —Não foi sua culpa—.

   Mas ele sabia que era. Se ele não tivesse gritado. Ele sabia que não deveria gritar.

   A senhora o embalou de um lado para outro enquanto ele chorava. Ele não sabia que tinha tantas lágrimas. Quando parou de chorar, o vestido longo dela estava molhado mas ela não parecia se importar.

   Por um longo tempo, ele simplesmente ficou de pé ao lado dela e deixou que ela segurasse sua mão.

   Quando a senhora adormeceu, ele ajudou o Sr. Leigh a puxar os cobertores até o queixo dela. Pela janela, ele podia ver que a noite tinha chegado. Ele seguiu o Sr. Leigh pela casa, por quartos grandes, até que eles chegaram na cozinha.

   Austin estava sentado em uma mesa pequena, comendo um guisado.

   —Sente-se, menino—, Sr. Leigh disse.

   Rawley deslizou na cadeira. Ele ficou envergonhado quando sua barriga rosnou como um cachorro bravo. Austin sorriu para ele. Sr. Leigh pôs um pouco de guisado em uma tigela e o colocou na frente dele.

   —Vá, menino, coma—, Sr. Leigh disse.

   Rawley se contorceu. —Não tenho como pagar por isto—.

   —O que aconteceu com aquele dólar que eu te dei?—.

   —Eu enterrei. Eles construíram um hotel em cima dele. Não sabia que eles iriam até que era muito tarde—.

   Sr. Leigh esfregou o bigode. —Deve ser por isso que o hotel é um sucesso. Talvez nós devêssemos mudar o nome para o Hotel do Dólar da Sorte—.

   Rawley encolheu os ombros.

   —Coma, menino. Você fez minha esposa sorrir. Isto vale mais do que um dólar para mim—.

   Cautelosamente, Rawley trouxe uma colherada de guisado até a boca. Normalmente ele comia qualquer coisa que seu pai deixasse para trás, o que normalmente não era muito. Ele nunca tinha tido sua própria tigela antes. Sua própria comida. Sua boca e barriga queriam que ele comesse rápido, mas ele se forçou a comer lentamente, fingindo que ele tinha sua própria comida todas as noites e podia comer sempre o tanto que queria.

   Quando ele terminou de comer, Sr. Leigh o fez tomar banho e colocar algumas roupas velhas de Austin. Ele disse a Rawley que Austin tinha oito anos de idade quando tinha usado essas roupas. Já que as roupas se ajustavam, Rawley se perguntava se isso significava que ele tinha oito anos de idade. Ele se perguntava se conseguiria ficar tão alto quanto Austin.

   Como ele sabia que não poderia correr ou lutar contra o Sr. Leigh, Rawley o seguiu subindo os degraus até o quarto onde ele tinha estado mais cedo, quando o médico o tinha olhado. Sr. Leigh parou e segurou algo na direção de Rawley.

   —Você sabe o que é isto?—, o Sr. Leigh perguntou.

   —Uma chave—.

   —Você sabe para que é usada?—.

   —Você fecha a porta para que assim eu não possa sair—.

   Sr. Leigh entrou no quarto e inseriu a chave no buraco do outro lado da porta. —De agora em diante, este vai ser o seu quarto. Você fecha a porta e gira a chave para que ninguém possa entrar neste quarto, a menos que você queira—.

   —Nem mesmo você?—, ele perguntou cautelosamente.

   —Nem mesmo eu. Dou a minha palavra—.

   Sr. Leigh saiu do quarto e fechou a porta. Rawley empurrou o máximo a chave no buraco e a girou. Ele ouviu o eco de um clique.

   Ele esperou e escutou com atenção. Ele ouviu as botas do Sr. Leigh baterem pelo chão do corredor. Ele ouviu descê-lo os degraus. Então ele não o ouviu mais.

   O luar fluía através da janela, guiando-o. Ele caminhou até a cama, removeu as botas e rastejou para debaixo dos cobertores.

   Eles cheiravam a limpeza e frescor como ele agora, e eram macios.

   Ele olhou fixamente para a porta por um longo tempo, para a chave na fechadura. Quando seus olhos se fecharam, pela primeira vez em sua vida, ele dormiu sem medo.

 

        Dallas caminhou pelas portas de balanço de madeira da taverna. O odor de fumaça de cigarro e de uísque recentemente despejado entrou em suas narinas.

        Se entrasse nela num sábado à noite, ele não conseguiria caminhar sem esbarrar em alguém, mas hoje à noite apenas os detritos de sua cidade estavam aqui.

   Muitos homens jogavam cartas em uma mesa. Um homem sentava-se só em uma mesa do canto mamando em um copo de uísque. Outro homem estava de pé no bar, os braços dobrados em frente ao peito.

   —Vamos, barman, me dê um uísque—, ele disse com a voz rouca.

   —Eu não vendo bebida alcoólica a fiado—, Beau disse enquanto secava um copo, então o segurou no alto e olhou contra as velas do lustre enquanto a luz dançava contra o vidro. —Por que você não sai da casa, Cooper?—.

   —Porque eu não estou bêbado o suficiente—.

   Dallas andou a passos largos para o bar e jogou uma moeda sobre o contador. —Uísque—.

   Beau pegou um copo e despejou a bebida longamente, então caminhou para o outro lado do bar. Os olhos pretos de Cooper olharam de lado para o copo. Ele passou a língua em cima dos lábios rachados.

   —Não consideraria me comprar um bebida?—.

   —Não, mas eu quero conversar com você sobre o seu filho—.

   —Rawley?—, os lábios dele se estenderam em um sorriso torcido. —Você dificilmente parece com o tipo que se interessaria por Rawley, entretanto o que um homem é do lado de dentro nem sempre aparece no lado de fora—. Ele se debruçou para mais perto e sua respiração rançosa quase formava uma nuvem. —Cinco dólares por vinte minutos. Vinte dólares você poderá ter ele a noite toda—.

   Dallas desejou, rezou, para que o Dr. Freeman tivesse errado. Ele não fez nenhuma tentativa de esconder a abominação de sua voz. —Nós podemos discutir sobre isso lá fora?—.

   Cooper zombou. —Certo. Você não quer que as pessoas saibam dos seus prazeres. Eu posso respeitar isto. Sei como manter minha boca fechada, também—.

   Ele cambaleou para fora da taverna. Dallas parou ao lado do edifício. Uma lamparina emitia um brilho pálido em cima do homem enquanto ele estendia a mão.

   Dallas nunca tinha batido em um homem. Ele nunca tinha usado qualquer coisa além da voz para fazer um homem escutar e obedecer, fazer um homem se contorcer de vergonha quando necessário, fazer um homem lamentar por ter feito uma escolha errada.

   Mas hoje à noite, sua voz não parecia ser o suficiente. Ele puxou o braço para trás e então bateu seu punho contra o nariz de Cooper.

   Cooper guinchou como um porco selvagem e cambaleou para trás, o sangue espirrava por entre seus dedos enquanto ele cobria o rosto. Ele bateu no chão e xingou enquanto ficava de joelhos.

   Dallas esperou até que Cooper estivesse novamente de pé antes de enterrar seu punho no intestino do homem. Quando Cooper se curvou com um grunhido, Dallas dirigiu o punho contra o queixo do homem.

   Ele ouviu com satisfação o som do osso rachando. Cooper caiu de costas contra o prédio, gemendo e chorando. —Não me bata! Não me bata de novo!—

   Dallas se abaixou ao lado daquela coisa lamentável que era um pai, agarrou sua camisa, e o levantou. Cooper gritou. —Não mais!—.

   Dallas encarou a carne sangrenta. —Fique longe de Rawley ou da próxima vez eu usarei minha arma de fogo em você, maldito—.

   —Ele é o meu garoto!—.

   —Não mais—, Dallas disse enquanto empurrava o homem de volta para o chão. —Não mais—.

 

        Dallas viu Rawley empurrar os ovos e os biscoitos para dentro da boca. Dallas tinha levado dez minutos para convencer o menino de que a comida era para ele, que ele estava recebendo outra refeição.

   Uma vez convencido, Rawley tinha esvaziado um prato com ovos e quatro biscoitos, como se tivesse medo de que a oferta fosse rescindida. Dallas tinha poucas dúvidas de que o menino tinha recebido muitos oferecimentos que logo eram tirados dele.

   Dallas apoiou os cotovelos na mesa e lentamente bebeu o café preto. Aquela manhã, quando ele tinha levado o café da manhã para Dee, ele disse a ela que o menino iria ficar.

   —Eu quero que ele fique, Dallas, mas nós não podemos decidir o que é melhor para as pessoas. Rawley pode ter sido feliz onde estava. Eu não acho que ele tinha sido, mas você não pode tirar ele de lá sem ele decidir—.

   Ela estava certa, claro. Dallas a tinha levado para a casa dele sem saber—ou se importar—se ela queria ir. Ele parecia ter o hábito de decidir o que as pessoas deviam fazer com suas vidas. Perguntar nunca passava pela sua cabeça.

   Quando Rawley deu a última mordida no biscoito e terminou de beber o copo de leite, Dallas colocou a xícara dele de lado. Ele deu uma olhada rápida para Austin antes de voltar o olhar para Rawley. —Rawley, eu tenho uma oferta para você—.

   Desconfiança surgiu nos olhos do menino, e ele parecia que poderia trazer o café da manhã de volta.

   —Eu preciso de um ajudante—, Dallas acrescentou apressadamente.

   Rawley enrugado a testa. —Um ajudante?—.

   —Sim. Eu tenho um grande rancho, muitas responsabilidades. Às vezes, eu não tenho tempo para fazer tudo. Eu preciso de alguém que possa me ajudar a cuidar das coisas—.

   —Como o quê?—, ele perguntou.

   O estômago de Dallas deu um nó. Um menino na idade de Rawley não deveria saber o suficiente sobre a vida para ter suspeita marcada no olhar.

   —Cuidar do maldito cachorro de pradaria, é uma coisa—.

   —Eu sou bom nisto—.

   —Eu sei que é. Eu também preciso de alguém que possa lubrificar minha sela, escovar meu cavalo, alguém que faça companhia a minha esposa enquanto eu estou verificando o rancho. Por essas dificuldades, você vai dormir naquele quarto lá de cima, comer toda a comida que a sua barriga aguentar, e receber um dólar por semana—.

   Os olhos pretos de Rawley se arregalaram maravilhados. —Você quer dizer um dólar por semana para eu guardar?—.

   —Guardar, gastar. Depende de você. Só não enterre. Se você quiser guardar nós o colocaremos em um banco—.

   A testa de Rawley se enrugou, e ele mordeu o lábio inferior. —Meu pai——.

   —Eu já conversei com o seu pai ontem à noite. Ele disse que será bom se você quiser ficar aqui e trabalhar para mim—.

   Rawley vigorosamente movimentou a cabeça, o cabelo preto batendo na testa. —Eu fico. Eu posso trabalhar duro—.

   —Eu sei que você pode, filho—. Uma dor aguda apunhalou o peito de Dallas. Ele não tinha pensado em chamar o menino assim. Seu filho estava enterrado no chão frio. Ele empurrou a cadeira para trás e ficou de pé. —Quando você terminar de comer, suba e peça para a Sra. Leigh ler para você. Ela gosta de ler em voz alta—.

   Com passos largos e longos, ele deixou a casa antes de mudar de idéia sobre o fato de deixar o menino ficar. O menino não podia substituir seu filho—ninguém, nada poderia.

 

        De pé na janela do quarto, Cordelia olhava a terra que parecia tão fria quanto seu coração, tão vazia quanto o lugar dentro dela que antes tinha uma criança crescendo.

   Às vezes, ela imaginava que ainda podia senti-lo chutar. Ela apertava a barriga, lembrando de quando Dallas colocava sua mão grande embaixo de seu umbigo e esperava, com a respiração presa, o momento que uniria os três. O sorriso tenro que ele dava a ela quando o movimento vinha. O calor de seus lábios contra sua pele quando sua boca substituía a mão, beijando-a suavemente, fazendo-a se sentir preciosa.

   Preciosa porque o sonho dele crescia dentro dela.

   Lágrimas vieram à superfície e ela os empurrou de volta. Ela estava cansada de chorar, cansada da dor em seu peito que ela não sabia se um dia partiria, cansada de desejar um sonho que nunca se realizaria.

   Com o bebê, ela mantinha a esperança de que Dallas viesse a amá-la—se não por ela mesma, mas pelo fato de ela ter dado a ele um filho, por ter alcançado o sonho dele.

   Mas a esperança tinha morrido junto com seu filho.

   Dallas vinha ao seu quarto todas as noites para perguntar sobre sua saúde, mas ele nunca vinha para sua cama. Ele nunca a abraçava. Ele não mais a olhava como se ela possuísse as estrelas.

   E, acima de tudo, ela sentia falta disso.

   Um golpe soou contra a porta, e ela deu as costas para o céu cinza. —Entre—.

   Dallas entrou no quarto. —Você não está pronta—.

   Ela deu uma olhada rápida para o vestido vermelho que ele tinha trazido da cidade. Como ela podia vestir vermelho quando estava de luto? Ou será que uma criança que nunca tinha nascido não recebia nenhum período de luto?

   —Eu não me sinto com vontade de ver pessoas—.

   —Você está neste quarto há duas semanas, Dee. Se você não pode descer os degraus, eu te carrego, mas a Véspera de Natal sempre foi uma ocasião especial para a minha família. É a única tradição que nós temos—. O pomo de Adão dele foi lentamente para cima e para baixo. —Significaria muito para mim se você se juntasse a nós—se não por mim, mas pelo Rawley. Eu não estou certo de que o menino sabe o que é o Natal—.

   Rawley. Ela pensava no modo como ele se sentava tão parado quanto uma pedra enquanto a escutava, apenas respirando, quando ela lia para ele. —Eu estarei no andar de baixo em dez minutos—.

   Ele concordou com a cabeça e deixou o quarto. Depressa ela se lavou na água morna que ele tinha trazido mais cedo. Ela escovou o cabelo e fez um coque. Então colocou o vestido vermelho—para Dallas—um pequeno presente por que ela sabia que ele a preferia de vermelho.

   Ela andou para o corredor, e ficou surpresa por encontrar Dallas debruçado contra a parede, a cabeça curvada. Ela tinha notado tão poucas coisas sobre ele antes, mas ela notava tudo agora.

   O brilho em suas botas, o colete vermelho embaixo da jaqueta preta, usava roupa vermelha que combinava com o vestido dela, a gravata preta na garganta.

   Lentamente, ele ergueu o olhar. Uma vez, ela sabia que ele teria sorrido para ela. Agora, ele a olhava incerto, uma mulher com quem os votos de casamento o tinham prendido, uma mulher que não podia cumprir o desejo solitário de seu coração.

   Ele saiu da parede e ofereceu o braço para ela curvando o cotovelo.

   Sempre cavalheiro… até agora honrando sua palavra quando ela não mais podia honrar a dela.

   Ela valentemente deu um sorriso e colocou o braço por dentro do dele. Lentamente eles desceram os degraus, um muro de silêncio os separava. Como uma criança que ela nunca tinha segurado nos braços, afagado levemente a cabeça ou dado um beijo de boa noite poderia deixar uma brecha tão dolorida em sua alma?

   Eles caminharam na sala de estar e o mundo se transformou em alegria. Em um canto longe, tiras vermelhas, pinhas e espigas de milho estavam amarradas com um barbante, e ferraduras pintadas de cor brilhante decoravam os galhos de uma árvore de cedro que ia até o teto.

   Austin estava sentado em estilo indiano ao lado da árvore, Maggie estava ao seu lado. Ele pegou um pacote debaixo da árvore, o colocou entre as orelhas, e o agitou. O sorriso de Maggie cresceu enquanto um som de chocalho chegava até eles.

   —O que você acha?—, ele perguntou.

   —Um filhote de cachorro!—.

   Austin riu. —Eu acho que não—. Ele soltou o pacote e agarrou outro.

   Houston e Amelia se sentavam no sofá, os dedos entrelaçados, sussurrando um para o outro sem tirar os olhos da filha.

   Rawley estava de pé ao lado de uma cadeira vazia, usando uma versão miniatura da jaqueta de Dallas, colete e gravata. Com o cabelo preto alisado para baixo, o rosto esfregado, e as mãos juntas, ela se perguntou se ele sabia que o Natal vinha junto com presentes.

   Maggie guinchou. —Tia Dee, você veio!— Ela se levantou, atravessou o quarto, e envolveu os joelhos de Cordelia. —Eu estou tão contente—. Ela olhou para Dallas. —Agora?—.

   Ele tocou a ponta do nariz dela. —Em um minuto—.

   Desajeitadamente, Amelia ficou de pé com a ajuda de Houston. Apertando uma mão contra o estômago, sorrindo suavemente, ela gingou através do quarto. Com lágrimas nos olhos, ela abraçou Cordelia. —Feliz Natal—, ela sussurrou.

   Cordelia lutou contra as próprias lágrimas. Ela esperava que um Natal fosse cheio de alegria, e não de tristeza. Enquanto Amelia recuava, Cordelia apertou as mãos dela e deu um sorriso trêmulo. —Como você está se sentindo?—

   Amelia sorriu brilhantemente. —Eu acordei esta manhã e queria limpar a casa de cima a baixo. Eu estou tão contente por hoje ser Véspera de Natal que nem estou cansada—.

   —Eu, também—, Houston disse. —Ela queria que eu ajudasse a limpar—. Ele se debruçou para frente e deu um beijo na bochecha de Dee. —Feliz Natal, Dee—.

   —Por que você não se senta aqui?—, Dallas disse enquanto a escoltava até a cadeira ao lado de Rawley, de pé, como uma sentinela muda.

   Sentando na cadeira, ela sorriu para Rawley e tocou um dedo na lapela de sua jaqueta. —Você está muito bonito—.

   Duas manchas vermelhas coloriram suas bochechas. Ele olhou para baixo, para as botas—botas novas, tão brilhantes quanto às de Dallas. Ela tinha estado tão envolvida em seu pesar que não tinha pensando que a criança poderia precisar—poderia querer—roupas novas. Ela deu uma olhada rápida para cima, querendo agradecer a Dallas por se certificar de que a criança estava vestida tão bem quanto todo mundo neste dia especial.

   Mas ele tinha se movido para perto da árvore de natal. Ele limpou a garganta. —Nossa mãe acreditava em tradição. Ela não tinha muitas, mas as que tinha eram sempre especiais—. Ele encontrou o olhar de Houston. —Austin não se lembra das tradições porque ele era muito jovem quando nossa mãe morreu, mas Houston e eu nos lembramos. Nós demos nossa palavra de que nós as compartilharíamos com Austin, e, quando chegasse a hora, com nossas famílias. Faz com que a gente sinta que a nossa mãe ainda está conosco—. Ele limpou a garganta novamente. —De qualquer maneira, ela sempre cantava uma canção antes de nós abrirmos os presentes—.

   Houston foi para o lado dele. Austin pegou o violino, colocou-o embaixo do queixo, e colocou o arco sobre as cordas. Com um toque longo, lento, ele trouxe uma música linda para o quarto.

   Então Dallas e Houston adicionaram suas vozes profundas às tensões líricas do violino.

   —Noite silenciosa, noite santa…—

   A voz de Dallas tinha uma ressonância rica que parecia alcançar e tocar todos os cantos do quarto. Houston soava como se o gado o tivesse ensinado a cantar, mas isso não importava. As palavras viajavam de seus corações e suas memórias. Cordelia se sentou admirada, escutando os três homens, três irmãos, prestando sua homenagem especial a mulher que tinha trazido cada um deles ao mundo.

   Dallas hesitou nas palavras —mãe e criança—, e ficou em silêncio. Ele olhou para ela, e por um momento breve ela viu a dor crua que ele tinha escondido dela. Então a voz de Amelia encheu o quarto enquanto ela se aconchegava ao lado de Houston e ele a envolvia com os braços.

   Cordelia quis se levantar da cadeira, cruzar o quarto, envolver Dallas em seus braços, e dizer a ele que tudo daria certo. Que ela acharia um jeito de fazer tudo dar certo novamente, mas ela viu uma família diante da árvore, quatro pessoas que se amavam, uns aos outros. Ela não conseguia achar a coragem para caminhar até o meio deles, e pedir que eles a aceitassem do modo como ela estava—destruída.

   Uma mão pequena achou a dela. Sorrindo suavemente para Rawley, ela se perguntou se ele se sentia como se não pertencesse àquela família tanto quanto ela sentia.

   As vozes ecoaram com as palavras finais do hino, e quando elas diminuíram, Austin permitiu que as últimas notas enfraquecessem até terminar a música.

   Maggie andou até Dallas e jogou a cabeça para trás. —Agora?—.

   Ele sorriu calorosamente. —Agora—.

   Ela deu um guincho e soltou para o chão, batendo palmas. —Agora, Ti Austin, agora—.

   Austin colocou o violino de lado e apontou um dedo para ela. —Nada de espiar, nada de abrir até que todos tenham sido entregues—.

   Concordando com a cabeça, ela ficou de pé. Houston e Amelia retornaram aos seus lugares no sofá, e Dallas se debruçou contra a parede, os braços cruzados na direção do peito.

   Cordelia apertou a mão de Rawley. —Você não quer chegar mais perto da árvore?—.

   Ele curvou a cabeça concordando, mas ela pôde vê-lo observando a árvore de lado.

   Austin ficou de joelhos e pegou um presente. —Certo, vamos ver o que nós temos aqui—. Ele girou a caixa embrulhada repetidas vezes, fazendo uma carranca. —Hmm… oh, espere, é isto—. Ele sorriu amplamente. —Maggie May—.

   Ela bateu palmas, pegou o presente, e se deitou no chão.

   Austin agarrou outra caixa e ergueu uma sobrancelha. —Maggie May—.

   Maggie tinha seis presentes ao lado dela e Austin enrugou a sobrancelha e a encarou. —Como pode você ter todos os presentes?—.

   Ela sorriu brilhantemente. —Eu fui boazinha—. Ela deu uma olhada rápida por cima do ombro para Rawley. —Você não foi bonzinho?—.

   Cordelia sentiu a mão de Rawley vacilar dentro da dela e sua mandíbula se apertar. —Ele foi muito bom—, ela disse em sua defesa, desejando que ela tivesse estado bem o suficiente para viajar para cidade e comprar um presente para ele, perguntando-se o que ela poderia ter em seu quarto que poderia dar a ele.

   —Sim, eu acho que ele foi—, Austin disse. —Olheeee—aqui! Este aqui é para Rawley—. Ele deu o presente para Maggie. —Passe para ele, Maggie May—.

   Maggie ficou de pé e levou o presente para Rawley. Ela segurou o presente, mas ele apenas olhava fixamente para a pequena caixa retangular.

   —Você não quer?—, Maggie perguntou.

   —Eu pegarei—, Cordelia disse e colocou o presente sob os pés. Ela leu a etiqueta, agradecida por Austin ter se lembrado da criança.

   —Eu serei amaldiçoado—, Austin disse. —Rawley novamente—.

—Oh!—, Maggie gritou enquanto pegava a caixa larga, plana e comprida de Austin e a levava para Rawley.

   —E aqui está um para mim—, Austin disse enquanto desatava a tira que prendia o papel.

   Maggie gritou e agarrou a mão dele, a sobrancelha profundamente enrugada. —Precisa esperar—.

   —Então vamos entregar os outros rápido—.

   Ela o ajudou, colocando os presentes nos pés dos adultos. Cordelia olhou para seus dois presentes. Um de Austin. Um de Houston e Amelia. Ela tinha perdido o entusiasmo pela ocasião quando tinha perdido a criança, mas julgando pelo número de presentes que aparecia, ela achava que Dallas não tinha. Olhando para ele que estava separado do grupo, ela achava que poderia dizer quando um presente dele era dado a alguém. Um calor tocava seus olhos, como se ele estivesse contente por poder dar presentes abundantemente para aqueles que amava.

   Ainda assim ela não tinha recebido nenhum presente dele.

   —O que diabos é isto?—, Austin perguntou enquanto puxava uma caixa grande por detrás da árvore. Os olhos de Maggie se arregalaram e sua boca formou um grande círculo. —Deusa graciosa, este é para Rawley—, Austin disse. —Ajude-me a empurrar isto até ele, Maggie May—.

   Os dois fizeram um grande show ao empurrar o pacote através do quarto. Quando eles pararam, Maggie colocou as mãos na caixa e se debruçou na direção de Rawley, jogando a cabeça para trás. —Você deve ter sido melhor que eu—.

   Austin apertou as mãos juntas. —Foi isso mesmo. Agora vamos ver o que nós temos—.

   Austin andou rápido através do quarto e começou a rasgar os embrulhos como se tivesse a mesma idade de Maggie.

   Cordelia ouviu passos silenciosos e deu uma olhada rápida para cima. Dallas estava de pé diante dela, segurando uma caixa pequena com um arco vermelho minúsculo.

   —É só um presentinho—, ele disse. —Eu tinha medo de que ele pudesse se perder debaixo da árvore—.

   Com os dedos trêmulos, ela tomou o presente, cuidadosamente desatou a tira vermelha, tirou o papel e abriu a caixa. Um medalhão em forma de coração estava aconchegado entre o algodão. As flores minúsculas tinham sido gravadas em ouro. Lágrimas queimavam sua garganta enquanto ela olhava para Dallas. —Eu… não comprei nada para você—, ela sussurrou.

   —Dadas as circunstâncias, eu não esperei que você comprasse—. Ele se abaixou na frente Rawley. —Você vai abrir seus presentes?—.

   Rawley olhou fixamente para o Sr. Leigh, e então abaixou o olhar até os presentes, tentando acreditar que eles eram realmente para ele, perguntando-se se não seria melhor deixá-los como estavam, cuidadosamente embrulhados com seu nome neles, os únicos presentes que ele já tinha recebido em sua vida.

   —Eu sempre começo com o menor—, Sr. Leigh disse enquanto levantava o primeiro presente que Rawley tinha recebido e o segurava na direção dele.

   A boca de Rawley ficou seca. Ele tinha que confessar primeiro. Eles levariam os presentes, mas ele tinha que dizer a verdade ao Sr. Leigh. —Eu não fui bom—.

O Sr. Leigh esfregou o dedo polegar e o indicador pelo bigode preto. Rawley compreendeu que ele fazia aquilo quando estava pensando profundamente.

   —Existe uma diferença entre ser bom e fazer coisas ruins. Às vezes, uma pessoa faz algo porque não tem uma escolha. Ele pode não gostar do que fez… mas não foi uma pessoa ruim—.

   Rawley tinha feito muito coisas que ele não gostava. Sr. Leigh agitou a caixa embaixo do nariz dele. Ela chocalhou ferozmente. —Austin, você colocou uma cascavel aqui?—, Sr. Leigh perguntou.

   Austin estava colocando as mãos dentro de uma luva nova. Ele olhou para cima. —Não diga a ele. Arruinará a surpresa—.

   Sr. Leigh ergueu uma sobrancelha. —O que você acha?—.

   Rawley enrugou o nariz. —Cascavéis dormem no inverno—.

—Talvez fosse melhor você abrir e ver—.

   Rawley concordou e tomou o presente. Os dedos estavam se agitando tanto que ele mal conseguia segurar a tira minúscula que envolvia a caixa. Ele a puxou e soltou o papel. Então prendendo a respiração, ele ergueu a tampa e olhou para o lado de dentro. —Meu Deus—, ele sussurrou.

   Ele nunca tinha visto tantas varas de sarsaparilla em sua vida inteira—exceto no armazém geral. Ele não sabia contar muito bem mas ele sabia que cem era um número grande então ele achava que deveria ter pelo menos umas cem varas naquela caixa. Ele seria um velho antes de terminar de comê-las.

   —Você pode comer a qualquer hora que quiser, Rawley—, Austin disse com um grande sorriso.

   —Eu posso comer uma agora?—, ele perguntou.

   —Você não tem que pedir—, Sr. Leigh disse. —Eles são suas e você pode fazer o que quiser com elas—.

   Dele. Cem varas de sarsaparilla. Talvez mais. Sua boca salivava enquanto ele pegava uma da caixa e a deslizava para dentro da boca. O sabor penetrante o preencheu. Ele olhou para a senhora. Ela tinha lágrimas nos olhos. Ele achou que ela queria uma vara de sarsaparilla também, mas não parecia que os presentes dela tinham o tamanho da caixa que ele tinha nas mãos. Ele sabia o que era querer—e nunca ter. Ele estendeu a caixa na direção dela. —Quer uma?—.

   Mais lágrimas surgiram em seus olhos junto com o sorriso glorioso que ela deu a ele quando alcançou a caixa. —Obrigada—.

   Ele tinha feito isto. Feito-a sorrir. Ele nunca tinha tido nada na vida além de miséria para compartilhar com as pessoas. Ele se sentiu aquecido por dentro ao saber que ele tinha algo de bom que podia compartilhar, ainda que ele fosse comer tudo depois. Ele estendeu a caixa na direção do Sr. Leigh. —Quer um?—.

   Sr. Leigh sorriu, também, enquanto pegava uma vara e colocava na boca. Rawley se perguntou se o bigode do Sr. Leigh cheiraria a sarsaparilla depois que ele comesse o doce.

   Reunindo coragem, ele foi em torno do quarto, oferecendo compartilhar seu presente com todo mundo, até a menininha, vendo seus sorrisos crescerem, desejando que tivesse mais para dar a eles. Quando ele retornou ao seu lugar, ele deu uma olhada rápida para as duas caixas que não tinha aberto. Ele não achava que eles pudessem ter qualquer coisa melhor do que o que ele já tinha recebido.

   Ele deixou sua caixa de doce de lado e abriu o próximo presente, deixando o maior por último. Seu coração afundou quando ele olhou para dentro da caixa. Um cobertor. Um cobertor que ele poderia usar quando eles o devolvessem para cidade, quando ele dormisse ao lado dos edifícios novamente. Ele tinha trabalhado tão duro, desejando que eles o mantivessem para sempre, mas parecia que ele não tinha trabalhado duro o suficiente.

   —Vai abrir o último?—, Sr. Leigh perguntou.

   Rawley movimentou a cabeça, embora ele não quisesse abri-lo, ver o que mais eles tinham dado a ele. Ele soltou a fita e tirou o papel, abriu a caixa, e olhou fixamente.

   Olhou fixamente para o couro marrom bom que brilhava como se alguém tivesse cuspido nele repetidas vezes. Sr. Leigh alcançou a caixa e retirou a sela.

   Sra. Leigh passou os dedos pelo canto da sela. —Aquelas são suas iniciais—.

   Ele não sabia quais eram suas iniciais mas ele certamente conhecia algo bem talhado quando via, e alguém havia talhado pequenos desenhos desde o princípio da sela, com exceção do lugar onde ele sentaria seu traseiro.

   —Bem, veja, se esse não é o presente mais estúpido que eu já vi—, Austin disse enquanto chegava mais perto para olhar. —O que você estava pensando, Dallas?—.

   Cordelia se perguntou o que Dallas tinha pensado. Ele tinha planejado dar aquela sela ao filho, um filho que ele nunca teria.

   —Para que serve uma sela, se ele não tem um cavalo?—, Austin perguntou.

   —Mas a gente troxe um cavalo pra ele!—, Maggie tapou a boca com as mãos e virou os olhos verdes para o pai.

   Houston a levantou alto pelo ar, e ela guinchou. —Você manteve o segredo por mais tempo do que eu pensava—, ele disse, rindo.

   Dallas endireitou o corpo. —Vamos para o lado de fora—.

   Ele estendeu a mão calosa para Cordelia. Ela deslizou a mão na dele, apreciando a força que sentiu, o calor, lembrando de como as mãos dele a tinham tocando intimamente e de que elas não a iriam tocar novamente.

   Ele a colocou de pé. Austin lançou para Dallas um casaco de uma cadeira próxima. Ele o colocou ao redor de Cordelia. Os outros vestiram seus casacos antes de caminharem até as portas que os levariam para a varanda.

   Rawley colocou sua jaqueta, mas agora ele estava de pé como uma estátua, olhando fixamente para a porta, com a respiração ofegante. Cordelia estendeu a mão em sua direção. —Vamos, Rawley. Parece que este último presente era muito grande para embrulhar—.

   Ele agitou a cabeça vigorosamente. —Eu não quero um cavalo. Eu não quero ter que partir—.

   —Você não tem que partir, filho—, Dallas disse.

   O coração de Cordelia balançou ao ouvir a palavra — filho — falada com tal facilidade.

   —Então por que você está me dando um cavalo se você não quer que eu monte para longe daqui?—.

   —Como que você vai andar pelas minhas terras e contar o gado para mim?—.

   Pânico surgiu nos olhos escuros de Rawley. —Eu não sei contar—.

   —Você sabe fazer um laço com uma corda?—.

   Rawley vigorosamente concordou com a cabeça.

   —Então eu posso ensinar você a contar—.

   Cordelia fechou os olhos. Dallas ensinaria a Rawley o que uma vez ele tinha planejado ensinar ao próprio filho. Ela se perguntou se ele estava ciente de que estava dizendo coisas a Rawley que ele tinha planejado dizer para o próprio filho.

   Mas Rawley não tinha o sangue de Dallas; Ele não era um Leigh. Ainda assim, ela não conseguiu evitar se questionar se esta criança tão desafortunada possivelmente poderia preencher o buraco de seus corações.

   Abrindo os olhos, ela envolveu as mãos de Rawley com as suas. —Seria melhor nós examinarmos o cavalo antes de você começar a fazer planos. Você pode nem querer ficar com ele—.

   Rawley entusiasticamente movimentou a cabeça. —Ah, eu quero ficar com ele. Mesmo que ele seja feio—.

   Dallas limpou a garganta e um sorriso brotou no canto de sua boca. —Você é muito fácil de agradar, Rawley—.

   Eles caminharam pela varanda, de mãos dadas, o que poderia ter sido uma família, uma lembrança agridoce do que nunca seria.

   Amarrado na grade da varanda, um cavalo marrom e branco ficou visível.

   Rawley soltou a mão de Cordelia e caminhou para a extremidade da varanda. Dallas continuou a segurar firmemente a mão dela. Ela desejava sentir o braço dele em torno dela, sentir de novo a intimidade que eles tinham compartilhado quando eles antecipavam o nascimento da criança.

   Rawley se virou, incredulidade em seus olhos. —Ele é meu?—.

   —Ele é seu—, os três irmãos disseram em uma só voz.

   Eles se entreolharam, e Cordelia viu um laço entre eles que não existia entre seus irmãos.

   —Como parece que alguém espirrou tinta nele, ele é conhecido como Paint(*) ou Pinto—, Amelia explicou. —Você precisa dar um nome a ele—.

   —Spot(**)!—, Maggie gritou enquanto colocava as mãos em torno da viga da varanda e se debruçou para trás. —Spot é um bom nome—.

   Rawley olhou para ela como se ela tivesse perdido a cabeça. —Spot? Isto não é nome para um cavalo—.

   Ela enrugou o nariz e mostrou a língua. —O que então?—.

   Rawley enrugou a testa. —Minha mãe se chamava Shawnee. Eu podia chamar ele de Shawnee?—.

   Amelia soltou um pequeno grito e tropeçou contra Houston, a mão apertando a barriga.

   —Eu não vou chamar ele assim!— Rawley gritou. —Você pode escolher o nome!—.

   Houston envolveu a esposa com os braços enquanto ela começava a buscar ar. A mão de Dallas se apertou ao redor da de Cordelia.

   —O que há de errado?—, Houston perguntou, um traço de pânico em sua voz normalmente tranquila.

   —Mamãe? Mamãe?—, Maggie disse baixinho, lágrimas brotando nos olhos enquanto agarrava a mãe. Austin a pegou nos braços enquanto o sangue sumia de seu rosto.

 

(*) N. da R: Paint = pintura. Spot = marca arredondada ou mancha feita por algo como lama, sangue, pintura, tinta, etc.

   A respiração de Amelia começou a falhar. Ela deu uma olhada rápida em torno da multidão atordoada, o sorriso trêmulo, a mão apertando a garganta. —Eu sinto muito, mas nós vamos ter que ir para casa agora—.

   Houston olhou para ela incrédulo. —Você está tendo o bebê?—.

   —Eu acho que sim. Nós precisamos ir para casa—.

   —Até parece—, Houston disse enquanto a pegava nos braços. Ele olhou para Dallas. —Qual quarto?—.

   —O quarto da Dee. O quarto do canto—.

   —Eu não quero ter o bebê aqui—, Amelia disse.

   —Pior para você—, Houston disse bruscamente. —Austin, vá buscar o Dr. Freeman—.

   Houston entrou na casa com a esposa protestando em seus braços. Austin

deixou Maggie nos braços de Dallas.

—Diabos—, Austin murmurou. —Dezembro. Ela não podia ter escolhido um mês pior? Eu me recuso a chamar um parente meu de Dezembro ‘Qualquer-coisa’—.

   —Apenas vá chamar o médico, e nós nos preocuparemos depois como iremos chamar o bebê—, Dallas disse a ele.

   Sem outra palavra, Austin correu em direção ao celeiro. Dallas tocou o dedo no nariz de Maggie. —Sua mamãe vai ficar bem—.

   —Promete?—, ela perguntou com a voz trêmula.

   —Dou a minha palavra—. Ele olhou para Cordelia. —Houston provavelmente pode cuidar da situação até o médico chegar aqui, por que você não vai ver se eles precisam de alguma coisa? Nós levaremos Shawnee para o celeiro, então nós viremos para dentro—.

   Ela deu a ele um aceno trêmulo com a cabeça e caminhou até a casa, rezando para que tudo desse certo. Do lado de fora do quarto, ela respirou fundo para ganhar forças antes de abrir a porta.

   Houston acedeu um fogo baixo na lareira, puxou as cortinas para trás das janelas, e sua esposa arrumando a cama. A roupa dela estava largada em cima de uma cadeira.

   Cordelia deu a ambos um sorriso trêmulo. —Você gostaria de pegar emprestada uma camisola?—.

   —Sim—, ele disse.

   —Não—, ela disse.

   Com tristeza nos olhos, Amelia estendeu a mão na direção de Cordelia. Cordelia passou pelo quarto e envolveu ambas as mãos ao redor de Amelia.

   —Eu sinto tanto—, Amelia disse. —Eu tive pequenas contrações o dia todo, mas eu pensei que elas iriam passar. Eu sei que isso é difícil para você. Eu não queria ter o meu bebê aqui—.

   Cordelia tirou uma mecha de cabelo loiro da sobrancelha de Amelia. —Não seja ridícula. Você não pode parar de ter bebês só porque eu não posso mais tê-los. Deixe-me pegar uma camisola para você. Provavelmente vai ficar grande, mas você ficará mais confortável—.

   Amelia movimentou a cabeça ligeiramente em aquiescência. Cordelia caminhou até o armário. Ela ouviu um som e se virou.

   O rosto de Amelia estava contorcido de dor, sua mão apertava a de Houston, a respiração irregular.

   —Tente relaxar—, ele disse com uma voz calmante.

   —Tente você, relaxar—, ela replicou. Ela caiu contra os travesseiros, respirando com força. Ela sorriu para o marido. —Não leve em consideração o que eu disser neste quarto—. Ela soltou uma respiração lenta e longa. —Este bebê vai sair depressa—.

   Cordelia não achava que tinha sido nada depressa. Ela sentia que as horas se arrastavam enquanto ela ajudava o Dr. Freeman, enxugando a testa de Amelia, segurando sua mão, assegurando-a de que tudo daria certo—até que ela ouviu um primeiro choro alguns minutos após meia-noite. Os olhos de Cordelia se encheram de lágrimas quando o Dr. Freeman colocou o bebê nos braços de Amelia.

   —Oh, ela não é bonita?—, Amelia perguntou com a voz bem fraca.

   Cordelia secou levemente as gotas de suor sobre a garganta de Amelia. —Sim, ela é—.

   Amelia olhou para ela. —Vá chamar Houston—.

   —Não ainda, menina—, Dr. Freeman disse. —Nós não terminamos ainda. Não entendo por que as mulheres pensam que nós já acabamos no minuto em que seguram o bebê—.

   —Talvez porque esse minuto seja o que nós estamos esperando—, Amelia disse enquanto passava os dedos pelo cabelo escuro da filha.

   —Dê ela a Cordelia por um minuto—, Dr. Freeman ordenou, —enquanto você e eu acabamos aqui—.

   Cordelia tomou a preciosa criança e a envolveu em um cobertor azul suave que ela tinha planejado envolver o próprio filho. Tão minúscula. Com olhos azuis profundos, a criança olhava fixamente para ela. —Eu devo lavá-la?—, Cordelia perguntou.

   —Dê a ela um tempo para se acostumar a estar do lado de fora—, Dr. Freeman disse. —Você pode lavá-la enquanto Amelia dorme—.

   —Eu quero ver Houston primeiro—, Amelia disse.

   Dr. Freeman puxou os cobertores para cima dela. —Então eu irei buscá-lo. Meu trabalho está concluído hoje à noite então eu vou para casa, mas eu verei você amanhã à tarde—. Ele apontou um dedo para ela. —Você fica aqui até que eu diga que você pode ir para casa—.

   Ela sorriu suavemente. —Obrigada—.

   —Não me agradeça, menina. Essa é a parte de ser médico que eu mais aprecio—. Ele enrugou a testa. —Pensando bem essa pode ser a única parte que eu aprecio—. Ele afagou levemente a cabeça dela. —Vejo você amanhã—.

   Cordelia colocou o bebê de volta nos braços de Amelia. —Você vai querer mostrar a Houston sua filha—.

   Amelia agarrou a mão dela. —Obrigada. Eu sei que deve ter sido difícil para você——.

   Cordelia apertou a mão dela. —Eu não queria estar em nenhum outro lugar—.

   Ela deu um passo para trás enquanto Dr. Freeman andava através do quarto e abria a porta.

   —Acredito que você está esperando para entrar—, Dr. Freeman disse.

   —Ela está bem?—, Houston perguntou enquanto passava pelo Dr. Freeman.

   —Sim, está—.

   Houston cruzou o quarto e se ajoelhou ao lado da cama, o olhar somente focado na esposa. Sorridente, ela dobrou o cobertor para trás. —Nós temos uma filha—.

   —Uma filha—, Houston disse maravilhado enquanto tocava um dedo grande na minúscula mão da criança. —Ela é tão bonita quanto à mãe—. Ele ergueu o olhar para a esposa. —Eu nunca mais vou te tocar novamente—.

   Amelia olhou para Cordelia. —Você a levará agora?—.

   Cuidadosamente, Cordelia colocou a criança em seus braços.

   —Eu estou falando sério—, Houston disse.

   —Eu sei que está—, Amelia disse enquanto tocava a bochecha dele. —Agora, me dê um abraço—.

   Cuidadosamente, ele subiu na cama, deitou ao lado da esposa, envolveu-a com os braços, e apertou a bochecha contra o topo da cabeça dela. —Eu amo você—.

   —Eu acho que esse é o nosso sinal para partir—.

   Cordelia virou a cabeça. Ela não ouviu Dallas entrar no quarto, mas ele estava olhando para ela com uma intensidade que o coração dela bateu mais rápida do que o som de cascos durante um estouro. —Eu preciso lavar o bebê—.

   Ele concordou com a cabeça. —Eu aqueci a cozinha—.

   Ela o seguiu para fora do quarto, e ele fechou a porta silenciosamente.

   —Você está bem?—, ele perguntou enquanto eles caminharam os degraus abaixo.

   —Só cansada—.

   —Houston achou que eles ainda tinham algumas semanas, ou ele não a teria trazido aqui hoje—.

   —Eu estou contente por eles terem vindo. Eu gosto de acreditar que fomos úteis—.

   Eles caminharam pela sala de jantar. —Onde estão as crianças?—, ela perguntou.

   —Eu os coloquei na cama logo depois do pôr-do-sol—. Ele abriu a porta da cozinha.

   Um sentimento confortável e morno rodeou o corpo de Cordelia, e ela puxou a criança para mais perto de seu seio. Dallas tirou uma chaleira do fogo e despejou a água em uma bacia. Ele já tinha colocado toalhas e cobertores na mesa. —Você já fez isto antes—, Cordelia disse baixinho.

   Ele deu uma olhada rápida para ela. —Quando Maggie nasceu. Houston fica inútil pelo modo como se preocupa com Amelia—.

   —E quando o seu filho nasceu?—.

   Ela assistiu o pomo de Adão dele lentamente deslizar de cima a baixo. —Sim, eu o lavei, também—. Ele colocou a chaleira na mesa. —Por que você não a deita nas toalhas. Eu a segurarei enquanto você a lava—.

   Ela deitou a criança. Dallas deslizou a mão por sob a cabeça escura da criança.

   —Nós lavaremos o cabelo primeiro. Ela não gostará, mas precisa ser feito—, ele disse.

   Quando Cordelia borrifou as primeiras gotas de água morna sobre a cabeça da criança, o bebê enrugou o rosto e gemeu.

   —Você acha que eu a estou machucando?— Cordelia perguntou enquanto o gemido se intensificava.

   —Não, ela está só exercitando os pulmões—. Suavemente, ele girou a criança, colocando–a de lado para que assim Cordelia pudesse lavar as laterais da cabeça.

   —Ela é tão minúscula—, Cordelia disse.

   —Sim, mas por pouco tempo—.

   Enquanto Dallas a ajudava a limpar a criança, uma dor brotou do fundo de seu peito pelas crianças que Dallas gostaria no futuro, todas as crianças que não pertenceriam a ele. Crianças de Houston. Crianças de Austin. Mas nunca dele.

   Tinha sido muito injustiça do Destino dar ao pai de Rawley um filho que ele nunca apreciaria enquanto Dallas viveria o resto de sua vida sem a esperança de ter um filho.

   Dallas, cujas mãos grandes embalavam e confortavam a criança.

   Dallas, que olhava para uma criança que tinha apenas uma hora de vida com amor nos olhos.

   Enquanto o pai de Rawley tinha dado ao filho nada além de dor, Dallas parecia que daria ao filho tudo o que seu coração desejasse.

   Quando ela terminou de lavar o bebê, viu Dallas levemente secar sua sobrinha e deslizar um macacão azul na criança. Um macacãozinho que seu filho teria usado.

   Ele colocou um cobertor seco em torno do bebê e o embalou. Um canto de seu bigode se ergueu enquanto ele sorriu. —Oi, pequena December(*). Você não é uma belezinha? Você está pronta para ver sua mamãe? Quer algo para comer?—.

   Ele olhou para Cordelia, tristeza em seus olhos. —Você quer levá-la lá para cima?—.

   Naquele momento ela sabia que o amava mais profundamente do que achava que era possível. —Não, você vai na frente—.

   Quando ele partiu, ela deu uma olhada rápida em torno da cozinha. Juntos eles tinham cuidado da filha de Houston. Juntos eles tinham trabalhado bem, eles sempre tinham. —Nós teríamos sido bons pais—, ela sussurrou para as sombras no canto. —Não é justo nós termos essa chance negada—.

   Sem saber seu destino, ela saiu de casa, os chinelos deixando uma trilha na cobertura fina de neve.

   O vento a castigava, e ela ouviu o barulho rápido do moinho de vento. Então ela estava de pé ao lado da sepultura de seu filho—pela primeira vez.

   A talha na madeira era simples:

    

                   LEIGH

                   FILHO

                   1881

 

   Ela queria segurá-lo. Ela queria dar banho nele e pentear seu cabelo e assisti-lo crescer. Ela queria que suas lágrimas molhassem seus ombros, seu riso preenchesse seu coração.

   Ela queria tudo que ela nunca poderia ter—e queria desesperadamente.

   A angústia rasgava seu peito por tudo que eles tinham perdido: seu filho e a fundação de um amor que ele poderia ter dado a eles. Dallas nunca a amaria agora como ela o amava.

   Ela ouviu som de passos abafados, mas não conseguiu se forçar a se virar. Ela tentou enxugar as lágrimas de suas bochechas, mas outras vieram à

(*) N.da R.: December = dezembro.

 

superfície. Ela colocou os braços ao redor do corpo, tentando segurar a dor, mas ela apenas aumentou.

   Dallas colocou sua jaqueta de lã sobre os ombros dela. Os braços a envolvendo, e ele a puxou colocando as costas dela contra seu peito.

   Para seu desespero, ela soltou um gemido baixo e ele a segurou com mais força.

   —Eu nem sequer o vi—, ela disse com a voz cansada.

   —Ele era tão minúsculo, é difícil de dizer… mas eu gosto de pensar que ele seria parecido com você—.

   —Dói. Deus, como dói—.

   —Eu sei—, ele disse com a voz ferida.

   —Nós perdemos tanto quando nós o perdemos—.

   —Tudo—, ele disse baixinho. —Nós perdemos tudo—.

   As palavras dele a envolveram junto com o vento.

   Tudo.

 

        Cordelia passou pela entrada e parou abruptamente ao ver Cameron e Duncan do lado de dentro. E sentiu uma grande alegria quando Cameron olhou para ela e sorriu.

   Ela entrou apressada, tomando a mão dele. Ele deu um selinho na bochecha dela e ela o abraçou.

   —É tão bom ver você—, ela disse.

   —Natal não é a mesma coisa sem você—, Cameron disse, e Duncan movimentou a cabeça aquiescendo.

   —Eu esperava ir hoje, mas——ela apontou em direção aos degraus——Amelia teve o bebê ontem à noite, e tudo tem sido uma correria—.

   A tristeza encheu olhos de Cameron enquanto ele descia o olhar até a cintura dela. —Nós ouvimos falar que você perdeu o bebê—.

   As lágrimas de repente vieram, sem aviso prévio, queimando seus olhos, entupindo sua garganta até que ela não pôde fazer nada além de movimentar a cabeça.

   —Eu sinto muito, Dee—, Cameron disse.

   Ela apertou a mão contra os lábios, desejando poder controlar o pesar opressivo.

   —Realmente, é por isso que nós estamos aqui—, Duncan disse. —Boyd queria se encontrar com Dallas—.

   Cordelia engoliu as lágrimas. —Boyd está aqui?—.

   —Sim, ele está no escritório conversando com Dallas—.

   —Sobre o quê?—.

   Os irmãos evitaram o olhar dela, um olhando fixamente para as próprias botas, o outro olhando o teto. Um pressentimento ruim a envolveu. Ela saiu de pressa corredor abaixo e diminuiu a velocidade perto da porta entreaberta.

   Dallas estava de pé diante da janela, olhando para fora. Boyd estava de pé ao lado da escrivaninha com um rolo de papel na mão.

   —Então o que acontece é isso—, Boyd disse. —O contrato diz que se ela desse a você um filho, você teria que transferir por escritura a terra para nós. Ela deu um filho a você. É uma desgraça que ele tenha morrido, mas isso não muda o fato de que ela fez a parte no trato. Agora, eu espero que você faça a sua——

   —Nem que a vaca tussa—, Cordelia disse.

   Dallas se virou, agonia refletida em seu olhar, antes de ele rapidamente mostrar uma máscara de indiferença. —Dee——.

   —Isso não é da sua conta, Cordelia—, Boyd disse.

   —É claro que é. Você e o papai me trocaram por uma faixa de terra, e agora você tem a coragem de dizer que não é da minha conta? Como ousa? Como ousa entrar na nossa casa e exigir qualquer coisa de nós, qualquer coisa de Dallas. Não existe um tribunal no estado que irá te apoiar, dirão a você que um filho morto não é o mesmo que um filho vivo——.

   —Dee—— Dallas começou.

   —Não!—, ela disse, sentindo a dor por ele, a dor que se torcia dentro dela por tudo que eles tinham perdido. Eles não perderiam mais nada. Ela virou o olhar firme para o irmão e apertou uma mão contra seu peito. —Nós estamos machucamos, maldito! Nós perdemos algo que nós desesperadamente desejávamos, algo que nós nunca poderemos recuperar. Onde estava a minha família quando eu estava sofrendo? Onde estava a minha família quando eu pensei que poderia morrer? Demarcando a terra que eles queriam reivindicar!—, ela tremeu com ira, ferida com a decepção. —Eu nunca mais quero que você bote os pés nesta casa. Você nunca vai adquirir a terra porque eu agora sou incapaz de dar a Dallas um filho vivo. Eu tenho uma forte necessidade de bater em algo, Boyd, e se você não sair da minha vista neste minuto, há uma boa chance de você ser a coisa que eu vou bater—.

   Boyd encarou Dallas. —Você vai deixar ela falar por você?—.

   Dallas concordou com a cabeça sensatamente. —Eu até vou te segurar se ela quiser bater em você—.

   —Você lamentará por voltar com sua palavra—, Boyd cuspiu antes de sair furioso do quarto.

   Cordelia afundou em uma cadeira, tremendo como se tivesse sido lançada em um rio glacial. Dallas se ajoelhou ao lado dela.

   —Eu nunca voltei com a minha palavra, Dee, mas por você eu irei. Eu recuarei minha cerca através do rio se você quiser—.

   Ela agitou a cabeça. —Eu não sei o que eu quero agora. Apenas me abrace—.

   Ele a envolveu com os braços. Ela apertou o rosto contra o ombro dele e lamentou: pelo o que a família chamada McQueen que ela tinha perdido, pela família chamada Leigh que ela nunca teria.

 

        Passeando através da parte de trás do celeiro, Austin ouviu uma respiração severa, como a de alguém correndo, lutando para respirar. Ele se deteve e escutou cuidadosamente. Então muito cautelosamente ele subiu até o sótão.

   Rawley estava em um canto, os braços ao redor dos joelhos firmemente apertados, se balançando, balançando de um lado para outro.

   Austin pisou no chão coberto de palha. —Rawley?—

   Austin nunca vista o verdadeiro terror, mas sabia que estava olhando para ele agora. Ele tocou o ombro do menino e pôde sentir os tremores que passavam pelo corpo dele.

   —Ele está aqui—, Rawley sussurrou.

   —Quem está aqui?—.

   —O homem que machucou a senhora Dee—.

   Austin foi até a janela aberta do sótão e olhou para fora. Ele reconheceu os três cavalos amarrados à grade, mas ele não podia acreditar que um dos irmãos McQueen tivessem sido os responsáveis por machucar Dee. Ele deu uma olhada rápida por cima do ombro. —Você está certo de que ele está aqui?—.

   Como uma tartaruga assustada, Rawley colocou o ombro entre os braços como se achasse que pudesse esconder a cabeça. —Ele pagou o meu pai—.

   —Por que ele pagaria seu pai?—.

   Rawley deu de ombros. —Para me machucar—, ele sussurrou com uma voz que ecoava vergonha.

   A ira surgiu em Austin. —Você pode apontar para mim quando ele partir?—.

   Rawley negou com a cabeça vigorosamente. —Disse que ele me mataria se eu dissesse a alguém—.

   —Dou minha palavra a você, Rawley, de que ele nunca mais tocará em você—. Ele segurou a mão do menino. —Mas eu preciso saber quem foi antes que eu possa lidar com ele. Vamos. Ajude-me—.

   Mais lento que um caracol, parecendo que iria voltar para o canto a qualquer segundo, Rawley foi se arrastando até Austin. Austin o abaixou ao lado dele até que eles estavam escondidos, apenas os olhos por sobre a palha.

   Austin viu os três irmãos McQueen deixando a casa e montando. —Qual?—

   Rawley apontou um dedo tremendo. —O do meio—.

   —Você está certo disso?—, Austin perguntou.

   —Sim, senhor—.

   Austin virou a cabeça e sorriu para o menino. —Muito bem, Rawley. Apenas deixe o resto comigo—.

 

        Duas horas depois Austin entrou na taverna. A fumaça era espessa, o barulho muito grande. Ele jogou um níquel no contador e fez um olhar de quem se preparava para atacar. —Cerveja—.

   Ele pegou o copo e virou a bebida fermentada amarga em um gole. Ele era o mais jovem, o bebê, o que os outros sempre tomavam conta.

   Não desta vez.

   Ele tirou a arma de fogo do coldre, fez uma pontaria cuidadosa, e deu um tiro na parede da taverna… logo acima da cabeça de Boyd McQueen.

   Boyd caiu de sua cadeira e bateu no chão com uma pancada sonora e se levantou xingando.

   Austin não conseguia acreditar na tranquilidade que sentia enquanto andava a passos largos através do salão. Homens saíram do caminho. Os homens que tinham se sentado na mesa de Boyd se moveram para outras mesas.

   Austin colocou as mãos sobre a mesa e fez uma carranca para Boyd. —Eu sei a verdade—tudo. Você fica longe de mim, das minhas coisas, e de todos que estão próximos de mim ou que eu considero assim ou a minha próxima bala será no seu coração—.

   Ele se virou.

   —Você não tem coragem para matar—, Boyd zombou.

   Austin lentamente girou e enfrentou o adversário. —Guarde minhas palavras, McQueen. Nada me daria mais prazer do que libertar o chão de sua sombra—.

 

        A primavera veio como se o inverno não tivesse sentido nenhuma tristeza, colorindo a terra com uma abundância de cores: vermelhos, amarelos e verdes.

   Cordelia se sentou na varanda dianteira da casa de Amelia, assistindo enquanto Amelia cuidava de Laurel Joy. A criança mexia os braços e pernas bochechudas no mesmo ritmo em que sugava os seios dela. Cordelia não se ressentia por Amelia amamentar a criança na sua frente, mas ela não conseguia deixar de sentir dor pelas crianças que ela nunca nutriria.

   Cordelia virou sua atenção para uma baia onde os homens e Rawley estava tentando ajudar uma égua a dar a luz a um potro. Nascimentos sempre abundariam. Sempre a dor dentro dela se aprofundaria, pelo que ela não podia ter, pelo que ela não poderia dar a Dallas.

   —Você parece que tem algo em mente—, Amelia disse.

   Cordelia tirou o olhar daqueles que amava. Ela mordeu o lábio inferior. —Você me disse que você e Dallas fizeram uma anulação. Como que você conseguiu isto?—.

   Amelia trocou Laurel de posição, abotoou a blusa e a estudou como se tentasse entender a razão por trás da pergunta. —Foi realmente bastante simples. Nós nunca consumamos nosso casamento—.

   —Oh—. Cordelia sentiu o coração afundar. —Isso não daria certo para nós, daria?—.

   —Não, vocês obviamente ficaram íntimos uma vez—.

   Uma vez. Dallas não tinha vindo à cama dela desde a tarde que eles tinham compartilhado no hotel. Ele a olhava com cautela como se não estivesse bem certo do que fazer com ela.

   —Então o que uma mulher faz se ela não quiser mais ficar casada?—, Cordelia perguntou.

   —Você conversou com Dallas sobre isto?—.

   —Não, nós não conversamos mais. Nós somos mais estranhos agora do que éramos antes de nos casarmos—.

   —Ele está ferido——.

   —Assim como eu. Mas eu posso terminar com essa dor—.

   Laurel Joy arrotou e Amelia foi para sua cadeira. —Como?—.

   —Deixando-o. Dando a ele a oportunidade de se casar com alguém que possa dar a ele um filho—.

   Amelia agitou a cabeça. —Eu não acho que ele quer isto, Dee. Quando você estava perdendo o bebê, ele me implorou para que eu não deixasse ele perder você, também—.

   —Palavras fáceis de dizer——.

   —Não para Dallas. Ele nunca consegue dizer o que sente—.

   —Ele disse porque não sabia o que isso custaria a ele, ele não sabia que eu nunca mais poderia dar a ele o filho que ele quer tão desesperadamente—.

   A condolência encheu os olhos de Amelia. —Você o ama—.

   A garganta de Cordelia ficou entupida com lágrimas. —Ajude-me, Amelia. Ajude-me a dar a ele o que ele quer—.

   Amelia suspirou com resignação. —Você devia conversar com o Sr. Thomaston—.

   —O advogado?—.

   Amelia concordou com a cabeça. —Existe algo que se chama divórcio. Eu não sei muito bem como é feito, mas eu sei que uma mulher divorciada não é vista com bons olhos, então pense bem antes de fazer isto, Dee—.

   Ela olhou de volta em direção ao alpendre. Dallas estava agachado ao lado de Rawley, apontando na direção da égua, movendo a boca, instruindo, explicando como ela sabia que ele sempre tinha desejado ensinar ao próprio filho. Ele merecia a oportunidade de ensinar a uma criança que carregasse seu sangue.

   —Eu não tenho que pensar—, ela disse suavemente.

 

        De pé dentro da baia de Shawnee, Rawley notou o fedor primeiro, como os ovos que ele tinha escondido uma vez para que assim não precisasse comê-los. Então o frio do amanhecer passou por ele como ele imaginava que seria o toque dos ossos de um esqueleto em seu pescoço.

   Ele engoliu a saliva e saiu se arrastando da baia. Uma coruja do celeiro passou voando baixo e quase fez o coração dele parar de bater.

   Sombras tremiam nos cantos. Ele podia ver a luz solar que pairava entre a fenda onde as portas do celeiro se encontravam.

   Ele sorriu. A primeira luz do amanhecer. Sr. Leigh estaria esperando alguns passos atrás—

   A dor que rasgou seu peito o pegou desavisado quando algo bateu nele e o jogou no chão. Alguém o imobilizou e envolveu a sua garganta com uma mão grande. Ele não sabia porquê. Ele não conseguiria respirar nem se precisasse… e ele precisava. Desesperadamente.

   Um rosto surgiu poucos centímetros diante do seu, um rosto que ele uma vez conhecera. Um rosto que agora parecia um quebra-cabeça de madeira que alguém tinha juntado de forma errada.

   Pontos pretos e brancos lutavam na frente dos olhos dele. O preto estava ganhando.

   —Eu vou soltar a minha mão. Se você gritar, eu parto seu pescoço em dois—, o pai dele disse asperamente.

   Seu pai. Sua barriga se estremeceu com o pensamento.

   A mão foi se afastando. Rawley respirou profundamente, engolindo a bílis que o fedor de seu pai tinha trazido ao seu nariz.

   O pai dele o colocou de pé como se ele fosse tão pequeno quanto uma boneca de trapo de Maggie. Ele o atirou contra a parede, e Rawley desejou ser uma boneca para que assim ele não sentisse a dor.

   —Vivendo folgado, não é, menino?—, o pai disse ameaçador.

   Rawley negou com a cabeça.

   O pai dele sorriu. Ele não tinha mais tantos dentes quanto tinha antes e os que tinha estavam pretos no topo do seu sorriso. —Bem, eu vou viver folgado, também, e você vai me ajudar—.

   Rawley escutou as palavras. Ele queria fugir para o lugar de sua mente onde nada poderia machucá-lo.

   Mas ele sabia que se ele fizesse… seu pai mataria a dama.

 

   O piquenique tinha sido uma idéia de Rawley.

   —Eu quero fazer você feliz—, ele disse timidamente, os olhos abatidos.

   Cordelia devia ter percebido sabido então que algo estava errado, mas ela estava muito envolvida com os pensamentos de deixar Dallas. Rawley tinha dito a ela que sabia de um lugar perfeito para um piquenique, um lugar que Dallas o tinha mostrado.

   Isso deveria ter dado uma dica a ela também. Rawley sempre se referia a Dallas como Sr. Leigh.

   Pensando agora, ela podia ver que ele tinha dado pistas, pequenas sugestões de que algo estava errado.

   Mas não foi até o momento em que eles se sentaram na colcha para apreciar a comida—não até os cavaleiros chegaram e olhos de Rawley se enxerem com lágrimas se recusado a olhar para ela—que ela veio a entender a razão verdadeira por trás de sua sugestão de um piquenique.

    

        Leigh querido,

   Eu estou prisioneira do Sr. Cooper. Você tem até o meio-dia de amanhã para trazer US$1.000,00 para o poço seco ao norte de onde termina seu rancho. Vá sozinho, sem qualquer arma de fogo ou faca.

   Eu não estou machucada, mas se você não seguir as ordens, ele me matará.

   Sra. Leigh

    

   Cordelia encarou seu capturador. Ele pegou o papel das mãos dela e o segurou na direção da luz da fogueira. —Bom, muito bom, você escreveu só o que eu disse—.

   Ela ficou se perguntando se ele conseguia ler, se ele realmente sabia que ela tinha escrito as palavras exatamente como ele as tinha falado. Ela desejava não tê-las escrito.

   Ela deu uma olhada rápida para Rawley, sua única razão para fazer como Cooper tinha instruído.

   Dentro do abrigo, ele se sentava sobre um engradado de madeira. Imóvel. As misturadas cuidadosamente no colo, a pose de um adulto deslocada em um corpo de menino. Ele parecia olhar fixamente para a chama tremulando na fogueira, apenas a chama, nada mais… como se desejasse que não existissem nada mais.

   Como se olhando fixamente para a fogueira e ficando perfeitamente quieto faria a arma apertada contra suas têmporas sumir.

   —Bem?—, o homem segurando a arma perguntou.

   O pai concordou com a cabeça. —Vá em frente—.

   Antes que Cordelia pudesse reagir, o homem puxou o gatilho. Ela gritou e um clique ecoou em torno do local.

   O pai de Rawley riu. —Você teve sorte novamente, Rawley—.

   Ele puxou a mão para trás e deu um tapa no rosto de Rawley que cambaleou para fora da caixa e bateu no chão.

   —Não!—, Cordelia gritou enquanto ia até Rawley e o tomava nos braços. Ele estava tremendo como se tivesse sido molhado em um rio glacial.

   —Ele não sentiu nada—, o pai cacarejou. —Ele tem a cabeça oca; Viaja para algum lugar distante. Ele não é esperto como eu—. Ele apontou para a cabeça. —Mas, eu, sou um homem que pensa. Estou sempre pensando—. Ele se ajoelhou e trouxe junto com o corpo o seu detestável odor. —Sabe no que eu estou pensando?—.

   Cordelia juntou as forças que possuía e puxou Rawley para mais perto do corpo dela. —Não importa o que você está pensando—.

   —Ele virá, e quando ele vier, eu o matarei—.

   —Por quê? Você terá o dinheiro——.

   —Eu disse a você que eu sou um homem que pensa. Seu irmão me pagou para matar ele, mas eu acho que—Dallas Leigh não é um homem fácil de matar. Ele lutará.

   —Mas eu penso, Dallas Leigh acha que é esperto. Pensa que eu sou estúpido. Então eu pensei, por minha conta, em sequestrar sua esposa. Fazer ele me dar dinheiro. Então eu o matarei. Eu ficarei com o dinheiro dele. E ficarei com o dinheiro do seu irmão—.

   —Dallas não virá. Ele não é um homem que troca algo por coisa nenhuma. Ele quer um filho que eu não posso dar a ele. Com a minha morte ele ganhará a oportunidade de se casar com uma mulher que possa dar um filho a ele—.

   O pai de Rawley ficou de pé. —É melhor você rezar para que ele venha porque se ele não vier——ele olhou para o corpo de Cordelia e ela tentou não estremecer——eu sei que muitos homens pagariam dinheiro para ficar um tempo com você, assim como eles me pagam para ter um tempo com esse filhinho da mamãe—.

   —Esse filhinho? Você quer dizer Rawley? Você vendeu sua esposa——.

   —Ela não era minha esposa. Era uma biscate(*) que eu achei—. Ele bateu na testa. —Disse a você que eu sou um homem que pensa. Levei ela para casa, ela fez muito dinheiro para mim antes de morrer. Dei o meu nome ao menino, mas não acho que sou o pai dele. Ele não é tão bonito quanto eu costumava ser. E você será melhor do que ela porque eu não terei que me preocupar se você vai me deixar algum pirralho desprezível—.

 

        Dallas olhou fixamente pela janela de seu escritório enquanto a escuridão o circundava… junto com a solidão. Ele nunca antes tinha experimentado solidão, talvez porque ele nunca tivesse entendido o que era companhia: o conforto de conhecer alguém que estava disposto a escutar seus pensamentos, a alegria de compartilhar algo tão simples quanto olhar as estrelas que surgem em um céu que parece veludo.

   Ele queria que Dee estivesse em seu escritório agora, aconchegada em sua cadeira discutindo suas idéias, seus planos. Mas ela não tinha vindo até seu escritório desde o dia em que tinha enfrentado Boyd.

   Ele amassou a nota que ela tinha deixado na mesa de jantar.

   Rawley e eu fomos a um piquenique.

   Se fossem alguns meses antes, ela poderia tê-lo convidado para se juntar a eles. Agora, ela não queria sua companhia nem quando montava até a cidade para verificar seu hotel.

   Eles tinham se tornado dois estranhos.

   Depois de seu acidente, ele teve medo de dormir em sua cama, temeroso

 

(*) N. da R.: o pai do Rawley chamou a mãe dele de squaw, um termo pejorativo usado para denominar as índias americanas que eram tomadas como esposas. O termo também pode ser usado, pejorativamente, para indicar mulheres de um modo geral, por isso, ‘biscate’.

 

de machucá-la. A cada dia, uma brecha se alargava entre eles, uma fenda que ele não tinha a mínima idéia de como fechar.

   Ele se perguntava se ela voltaria para casa hoje à noite. Ela tinha começado a ficar mais noites no hotel. Ele curvou a cabeça até que seu queixo tocou seu peito. Maldição, ele sentia falta dela, e ele não sabia como trazê-la de volta.

   Os sorrisos para ele tinham desaparecido, junto com os risos. Às vezes, ele a ouvia rir com algo que Rawley dizia. Ele guardava esses momentos como se fossem para ele, sabendo muito bem que não eram.

   Parecia que na noite em que eles tinham perdido o filho, quaisquer

sentimentos que ela poderia ter sentido por Dallas pereceram também. Como ele podia culpá-la? Ele não tinha estado lá para protegê-la. Ele tinha sido um inútil.

   Ele ouviu o galope de cascos e olhou para cima a tempo de ver o cavaleiro puxando um braço para trás. A janela se quebrou quando uma pedra a atingiu.

   Que diabos foi isso?

   Ele achou a pedra, desatou o nó que a envolvia e desdobrou um pequeno papel. Ele reconheceu a letra de Dee antes de ver sua assinatura.

   Sentando em sua escrivaninha, ele aumentou a chama na lamparina. Ele leu o papel uma dúzia de vezes. As palavras permaneciam as mesmas, gelando-o até os ossos.

   Ele apoiou os cotovelos na escrivaninha e enterrou o rosto nas mãos, cravando os dedos na testa. Cristo, ele não sabia o que fazer.

   O poço seco ao norte era visível a quilômetros de distância—assim como tudo ao seu redor. Se ninguém o seguisse para oferecer ajuda, quem estivesse no poço seco veria.

   Se Dallas ficasse em silêncio, não dissesse a ninguém sobre a nota de resgate, não levasse ninguém com ele…

   Ele suspirou com força. Ele provavelmente tinha visto seu último pôr-do-sol, e já se lamentava por não tê-lo apreciado, porque ele tinha pouca dúvida de que uma bala estaria esperando por ele ao lado do poço seco.

 

        Dallas bateu na porta até as dobradiças começarem a se soltar. A porta abriu apenas uma fresta, e Henderson espreitou a escuridão. —Bom Deus, Dallas, sua esposa não pediu nenhum empréstimo hoje—.

   —Eu sei disto. Eu preciso de mil dólares em dinheiro—.

   —Venha me ver às oito quando eu abrir o banco—.

   Ele começou a fechar a porta, e Dallas bateu a mão contra ela. —Agora. Eu preciso disto agora—.

   —Para quê?—.

      —Negócios. Você pode me cobrar o dobro de taxas—.

   Henderson correu para o lado de fora, e Dallas seguiu seus passos degraus abaixo. Enquanto Henderson pegava as chaves, Dallas lutou conta a vontade de agarrá-las e empurrá-las ele mesmo no buraco da fechadura.

   Quando Henderson girou a chave na última fechadura, ele deu uma olhada rápida por cima do ombro para Dallas. —Você fica aqui enquanto eu pego o dinheiro—.

   Movimentando a cabeça, Dallas o deu um saco de viagem. —Tenha certeza de que estará exato—.

   Enquanto Henderson desaparecia dentro do edifício, Dallas caminhou para a extremidade da passarela de madeira e olhou em direção ao fim da cidade, onde o hotel de Dee ficava, antes de voltar sua atenção para o escritório do xerife. Ele até pensou na idéia de despertar o xerife e explicar a ele a situação de Dee caso ele não retornasse pela manhã. Mas se Cooper não soltasse Dee, que diferença faria alguém saber? Nenhuma mesmo.

   Ele deu uma olhada rápida para as costas do hotel, e o orgulho inchou dentro dele. O Magnífico Hotel. Ela tinha imaginado e ele tinha se tornado realidade. Ele não conseguia se lembrar de já ter falado a ela o quão orgulhoso se sentia por tê-la ao seu lado.

   Para um homem que pensava que vivia sem deixar remorsos, ele, de repente, descobriu que tinha deixado muitas coisas incompletas.

 

        Dallas chegou ao poço seco uma hora antes do sol brilhar diretamente sobre sua cabeça. O moinho de vento se movia enquanto a brisa leve soprava através das planícies. Ele trocou o traseiro de posição de sua sela e esperou.

   Ele amava a terra, sua vastidão, o modo como ela respondia a um homem. Se a tratasse direito, a terra retornava o favor, mas ele não se dobraria para um homem tarde da noite. Não aqueceria seus pés no meio do inverno.

   Ele viu o cavaleiro solitário se aproximar. Ele não ficou surpreso pela troca não acontecer aqui. Ainda assim ele teve a esperança de que fosse.

   O homem que se aproximou não era Cooper. Dallas nunca tinha visto o homem forte antes, e desejou nunca mais vê-lo novamente.

   —Você conseguiu o dinheiro?—, o homem falou com a boca cheia de dentes podres.

   —Sim. Onde está minha esposa?—.

   —No acampamento—. O homem estendeu um pano preto. —Coloque isto—.

   Dallas pegou o pano dos dedos encardidos e o colocou sobre os olhos. Ele não era um homem acostumado a seguir as regras de outros, mas ele não tinha nenhuma escolha. Ele faria o que fosse preciso para manter Dee viva.

   Ela tinha perdido a criança deles porque ele tinha jogado a precaução pela janela. Ele não pretendia ser descuidado desta vez.

   O pano escuro impedia que ele enxergasse os raios ofuscantes do sol da tarde, mas Dallas usava a intensidade da luz para medir o transcurso do dia, verificando a direção que eles viajavam: oeste, em direção ao pôr-do-sol.

   Depois do que pareceram horas, Satan parou abruptamente.

   —Você pode tirar a máscara agora—, o algoz disse.

   Dallas arrancou o pano fedorento. Seus olhos precisaram de pouco tempo para se ajustar ao crepúsculo que estava iluminando o pequeno vale.

   Seus olhos depressa varreram a área, verificando os perigos, os riscos… o terror nos olhos de Dee enquanto ela ficava de pé com as costas contra uma árvore, os braços levantados, as mãos amarradas com uma corda grossa num tronco acima de sua cabeça.

   Dallas desmontou, agarrou o saco de viagem, e andou a passos largos em direção a Cooper, ignorando o sorriso afetado do homem, incapaz de ignorar o chicote que ele estava arrastando no chão como o rabo de um cascavel.

   —Solte-a—, Dallas ordenou enquanto se aproximava do homem repugnante que chamava a si mesmo de pai do Rawley, e ele se ressentiu por descobrir que tinha deixado muito do rosto do homem intacto.

   Cooper cuspiu um cigarro de fumo. —Não até eu pegar o dinheiro—.

   Dallas atirou as bolsas aos pés de Cooper e saiu na direção de Dee.

   —Pare aí mesmo ou Tobias vai atirar—, Cooper rosnou.

   Dallas se virou. Um homem ao lado direito de Cooper tinha um rifle apontado para Dee. O homem que tinha trazido Dallas até o acampamento desmontou e passou um braço ao redor de Rawley, puxando-o para seu lado, uma arma de fogo apertada contra as têmporas do menino. Dallas teria esperado medo pairando dentro dos olhos escuros de Rawley. Em vez disso, eles tinham uma resignação quieta. Dallas tentou conter a ira. —Você tem o dinheiro. Deixe eles irem—.

   Cooper riu. —Isto não é apenas pelo dinheiro. Isto é pelo que você me fez—. Ele estalou o chicote e uma rachadura se abriu no chão e ecoou pelo vale. —Meu rosto não pode nem atrair uma prostituta depois que você me fez isto. Dor é algo feroz. Fico pensando no que a dor poderá fazer com você—. Os lábios dele se estenderam em um sorriso que iluminava seus olhos com antecipação. —Quantas chicotadas você acha que levaria para matar ela?—.

   Dallas deu um passo ameaçador.

   Um rifle disparou.

   Dee gritou.

   Dallas congelou. Ele lentamente deu uma olhada rápida por cima do ombro. Dee vigorosamente agitou a cabeça. Ele não podia ver nenhum sangue, nenhuma dor em seu rosto.

   —Da próxima vez Tobias não errará—, Cooper disse.

   Engolindo em seco, Dallas voltou sua atenção para Cooper, decidindo se estava na hora de arriscar tudo a fim de ganhar. —Mate ela e você nunca terá o dinheiro—.

   O riso de Cooper ecoou em torno do vale enquanto ele chutava o saco de viagem. —Seu maldito tolo. Eu tenho o dinheiro—.

   —É mesmo?—, Dallas perguntou.

   O riso abruptamente morreu enquanto Cooper ficava de joelhos e abria a sacola. Freneticamente, ele retirou o papel. Pedaços e mais pedaços de papel em branco. Uma fúria vermelha surgiu em seu rosto enquanto ele encarava o homem que tinha escoltado Dallas até o acampamento.

   —Quinn, você é um tolo, você não olhou a sacola antes de trazer ele aqui?—.

   —Você não me disse para olhar a sacola. Você só disse para eu trazer ele—.

   Cooper fez uma carranca para Dallas. —Onde está o dinheiro?—.

   —Em um lugar seguro. Todos os mil dólares, mas você não vai pegar até que eu saiba que Dee está segura. Ela parte comigo agora, e eu devolverei o dinheiro para você. Dou a minha palavra—.

   —Sua palavra. Você acha que eu sou algum tipo de idiota? Eu não vou deixar ela sair da minha frente até que eu tenha o dinheiro, e você nunca vai sair daqui vivo—.

   —Então nós podemos lidar com isto de outro modo. Leve ela para cidade, deixe-a se registrar no hotel. Um homem está esperando lá, esperando ela retornar. Quando ele perceber que ela está segura, dará o dinheiro a você. Enquanto isso, você me terá aqui como garantia—.

   Cooper estreitou os olhos. —Quem é? Um dos irmãos?— Ele esfregou o queixo. —Austin. Deve ser Austin—.

   Dallas agitou a cabeça. —Não. Achei que você acreditaria que seria um dos meus irmãos. Você nunca suspeitaria deste homem—.

   Cooper ficou de pé com dificuldade, os nós dos dedos ficando brancos enquanto ele apertava o chicote. —Por Deus, você vai me dizer quem tem o dinheiro. Você vai dizer!—.

   Com um estalido rápido do pulso, ele esticou o chicote que estalou. O chicote serpenteou pelo ar. Dee ofegou enquanto ele deslizava pela saia dela.

   —Maldito!—, Dallas rugiu.

   —Diga quem é—, Cooper gritou, —ou eu a chicotearei até a morte—.

   Quando Cooper puxou o braço para trás, Dallas correu o espaço que o separava de Dee. Ele apertou o corpo contra o dela, retraindo a respiração e um silvar por entre dentes enquanto o chicote batia em suas costas.

   Levantando a mão, ele tocou os nós na corda.

   —Se você desatar os nós, Tobias vai atirar!—.

   Dallas parou as mãos. Ele nunca em sua vida tinha pedido ou implorado por qualquer coisa. —Cristo! Você me quer de joelhos, ou rastejando no chão? Eu farei qualquer coisa que você queira, só a leve para a cidade. Deixe ela se registrar no hotel. O homem e o dinheiro estão esperando por você—.

   —Isso é o que você diz—, Cooper gritou. —O xerife deve estar esperando por mim—.

   Dallas ouviu o silvo e trincou os dentes, mas ele não conseguiu evitar que seu corpo se contorcesse quando o chicote bateu em suas costas. Sua camisa ofereceu pouca proteção contra a ponta cortante, e ele percebeu, com um medo repugnante, que ele tinha perdido o jogo. Ele tinha desejado que sua mudança nos planos forçasse Cooper a honrar a parte dele na barganha.

   Ele colocou as mãos em voltas dos punhos trêmulos de Dee, ofegando quando o chicote o açoitou novamente.

   —Saia—, ela sussurrou rouca.

   —Não—. Ele fechou os olhos com força quando a dor o rasgou. Quando ele abriu os olhos, lágrimas pairavam nos olhos dela. —Você não ouse gritar—, ele rosnou por entre os dentes trincados. —Não ouse dar a ele essa satisfação—.

   Ela corajosamente concordou com a cabeça, e ele pôde vê-la esconder as lágrimas. Deus, ele não poderia ter pedido uma esposa melhor.

   —Você tem que sair daqui—, ela disse com uma voz baixa enquanto o chicote o açoitava severamente. —Um dos meus irmãos pagou ele para matar você—.

   —Achei que era algo assim. É por isso que… tentei forçá-lo a te levar para a cidade—. Ele abaixou os dedos trêmulos até a bochecha suave dela. —Mantenha a promessa que você fez para mim… minha terra…—.

   A dor se intensificou, impedindo seus pensamentos, seus músculos tremendo enquanto o castigo continuava. Ele enterrou o rosto contra o pescoço dela, seu calor, sua fragrância doce. Ele queria dizer a ela qualquer outra coisa, algo importante, mas as palavras tinham ficado presas na extremidade de sua agonia.

   As palavras: —eu sinto muito—, deslizaram por entre os lábios dele antes que a escuridão o engolfasse.

 

Com a chama de um toco de vela estalando e iluminando as costas de Dallas, Cordelia tentou avaliar o dano.

   Ela tinha tirado o que tinha sobrado de sua camisa, o sangue ensopava o tecido que nem servia mais como bandagem. Pedaços carmesins de carne rasgadas e sangue vazando se cruzavam formando um x nas costas largas dele. Sua calça comprida tinha ficado preta e dura pelo sangue que tinha fluído mais livremente a cada açoitada do chicote.

   Embora inconsciente, ele gemeu e fechou os punhos com força. Os dedos trêmulos dela pairavam sobre a carne torturada dele. Ela não sabia como aliviar sua dor, como parar a infecção, embora a infecção fosse a menor de suas preocupações. Eles tinham a intenção de matá-lo, e, com um medo repugnante, ela soube que eles pretendiam dar a ele uma morte lenta, agonizante.

   —Por que você veio?—, ela sussurrou rouca enquanto tirava o cabelo preto dele de sua testa enrugada.

   Ela se enrijeceu quando ouviu uma chave entrar na fechadura da porta do barracão. A porta se abriu e Cooper entrou como um furacão no quarto. —Ele já acordou?—.

   Cordelia se moveu para cobrir parcialmente a visão das costas de Dallas. —Não—.

   Cooper andou desajeitadamente através do quarto e se agachou ao lado de Dallas. Ele agarrou o cabelo dele e empurrou sua cabeça. Dallas gemeu, os olhos se abriram em fendas estreitas.

   —Quem está com o dinheiro?—, Cooper exigiu.

   —Vá para inferno—.

   Cooper bateu a cabeça de Dallas contra o chão sujo. —Vou levar ela pra cidade amanhã. Se eu não voltar com o dinheiro, você vai ter uma morte lenta. Eu fiquei um tempo com os índios, e eu sei como manter um homem morto gritando por dias—.

   Ele ficou de pé.

   —E se o dinheiro estiver lá—, Cordelia disse, odiando o apelo que ouvia em sua voz, —você o deixará ir—.

   Cooper zombou dela. —Se eu pegar o dinheiro, então eu matarei ele rápido. Como eu disse antes, seu irmão me pagou para matar ele. Eu só decido se ele morre rapidamente ou não. Agora a decisão está nas mãos dele—.

   Ele bateu a porta, deixando a choça. Cordelia o ouviu trancar a porta. Ela se debruçou perto da orelha de Dallas. —Alguém tem o dinheiro?—, ela perguntou.

   —Sim—.

   —Quem?—.

   —É mais seguro… você não saber—.

   —Eu não deixarei você aqui—.

   Grunhindo e gemendo, ele lutou para se sentar, com suor por todo corpo, os músculos tremendo com a tensão. Asperamente, ele embalou a bochecha dela e trouxe o rosto dela para mais perto. —Você vai partir, droga—.

   —Ele vai matar você—, ela sussurrou.

   —Talvez—. Ele levou a mão até o chão. —Olhe, eu acho que nós estamos aqui—.

   Sob a tênue luz da vela, ela podia ver sua mão tremendo enquanto ele desenhava um X no chão.

   —Poço seco mais ao norte—. Um outro X.

   —Casa—. X.

   —Cidade—. Ele ergueu o olhar marcado pela dor para ela. —Quando você entrar no hotel, espere em nosso quarto com a porta fechada até que um homem vá até você. Ele dirá, 'Você tem o meu coração', desenhe para ele esse mapa. Vá com ele até o xerife. Há uma chance de que eles consigam chegar aqui… a tempo—.

   Ela sabia pela resignação que viu em seus olhos que ele achava que as chances eram escassas. Seu rosto era uma máscara de agonia enquanto ela colocava a palma da mão contra sua bochecha. —Deite-se. Você precisa guardar forças. Eu verei se consigo parar algum desses sangramentos—.

   Com a respiração rasa, ele se esticou ao lado dela. Ela imaginou que cada influxo de respiração que ele dava era a agonia que sentia enquanto suas costas se expandiam. Ela não tinha como cauterizar as feridas abertas. Ela rasgou uma tira da anágua e a apertou contra os piores ferimentos, tentando estancar o sangue que brilhava. O ar silvava por entre os dentes dele.

   —Eu sinto muito. Eu não sei mais o que fazer—. Ela deu uma olhada rápida para o rosto dele. Os olhos estavam fechados, a mandíbula firme. Ela tocou em sua bochecha, percebendo agradecida que ele tinha perdido a consciência.

   Ela passou os dedos junto ao lado do corpo dele onde o chicote às vezes tinha passado. Os cortes eram rasos e tinham parado de sangrar. Ela queria se aninhar ao lado dele, colocar seus braços ao redor dele e levar sua dor.

   Ela não tinha planejado adormecer, e não estava certa de quando isso tinha acontecido, mas ela despertou com um arranhar na porta. A vela tinha se apagado e o pequeno abrigo estava envolto em escuridão.

   O arranhar se intensificou, então ela ouviu um clicar, e as dobradiças secas da porta rangeram. Uma silhueta pequena estava de pé na entrada.

   —Senhora Dee?—.

   Cordelia ficou de joelhos. —Rawley?—.

   Ele deu um pequeno passo. —Nós precisamos ir—.

   —Onde está o seu pai?—.

   —Eles estão todos desmaiados, bêbados como porcos, temos que nos apressar—.

   Cordelia agitou o ombro de Dallas. Ele gemeu. Ela bateu em sua bochecha, alarmada por achá-lo tão quente. —Dallas?— Ela bateu nele novamente. —Dallas, acorde—.

   Gemendo, ele agarrou a mão dela antes que ela pudesse bater nele novamente.

   —Rawley destrancou a porta. Nós precisamos ir—. Ela deslizou as mãos debaixo dos braços dele. —Ajude-me. Vamos. Levante—.

   Lentamente, trabalhosamente, ela conseguiu colocá-lo de pé. Ele apoiou um braço sobre o ombro dela, e ela colocou um braço embaixo da cintura dele, tentando dar um pouco de suporte.

   —Cavalos?—, ele sussurrou.

   —Eles nunca tiraram as selas—, Rawley sussurrou na escuridão. —Temos que nos apressar. Eles vão chicotear meu traseiro se acordarem—.

   Eles cambalearam para a noite. Cordelia não soube como Dallas conseguiu sentar na sela sozinho, mas ele fez.

   Então eles estavam galopando, galopando em direção à liberdade. Cordelia manteve em mente o mapa que Dallas tinha desenhado, ela se focou na Estrela do Norte que ele tinha mostrado a ela uma noite. Ela sabia que eles estavam indo na direção certa, longe de seus capturadores, mas ela não sabia exatamente onde a casa estava, ou a cidade, ou a casa de Houston. Eles podiam todos facilmente se perder com a vastidão de terra que havia diante deles.

   Ela não tinha como medir o tempo com o bater dos cascos dos cavalos ecoando pelas planícies. Rawley sempre olhava por sobre o ombro. Ela não o culpava. Ela tinha pouca dúvida de que seu castigo seria severo se eles fossem pegos.

   —Dee!—.

   Ela olhou ao redor. Dallas estava debruçado para frente sobre a sela, seu cavalo tinha diminuído a velocidade para um trote. Ela parou rapidamente seu próprio cavalo e de uma volta até aonde Satan parava cambaleante.

   —Dallas?—.

   A respiração dele era rasa, os nós dos dedos brancos enquanto ele agarrava o chifre da sela. —Amarre-me—.

   —O quê?—.

   —Eu estou perto de desmaiar. Se eu cair, você não terá a força para me colocar de volta neste cavalo—. Ele lutou para soltar a corda da sela. —Eu quero que você me amarre à sela para que eu não caia—.

   Ela deu uma olhada rápida ao redor. —Com certeza você pode esperar mais um pouco. Nós não podemos estar assim tão longe de casa—.

   —Nós temos horas ainda para montar—. Um canto de sua boca se levantou. —Esse é o problema de se possuir tanta terra. Leva sempre muito tempo para chegar em casa—.

   Rawley tinha movido o cavalo para o lado do dela, o rosto marcado pela preocupação.

   Cordelia esticou a mão, alcançou a de Rawley e suavemente a apertou. —Você fica de olho enquanto eu ajudo o Sr. Leigh. Se você vir cavaleiros vindo, você monta rápido para a cidade—.

   Ele deu um aceno rápido com a cabeça e virou o olhar ansioso para a direção de onde eles tinham vindo. Cordelia desmontou, soltou a corda da sela, e deu uma olhada rápida para Dallas, a dor esculpida profundamente nas pregas de seu rosto.

   —O que eu faço?—, ela perguntou.

   —Deslize a corda embaixo da polaina da sela… amarre em minha perna… puxe a corda para cima… passe ao redor da minha cintura e faça um oito… leve para o outro lado, pegue as minha mãos… e as amarre no chifre da sela… dê a sua palavra de que se algo acontecer e eu não puder montar…você continuará no caminho—.

   —Não—.

   —Dee——.

   —Não—, ela insistiu enquanto passava a corda ao redor da perna dele e a amarrava. —Se você me quiser segura, então é melhor que você ache um jeito de continuar montando—.

   —Quando você… ficou tão mandona?—.

   Ela sabia que era injusto pedir tanto dele quando ele estava sofrendo tanto, mas ela preferia ser pega a deixá-lo desistir. Ela puxou a corda até a cintura dele, cuidadosamente tentando não deixá-la tocar as costas nuas dele.

   Quando ela terminou de seguir as instruções dele, ela montou em Lemon Drop e tomou as rédeas de Satan. —Eu estou indo na direção certa?—.

   Ele olhou para as estrelas antes de olhar sobre a terra vasta. —Vá para o sudeste—.

   Ela bateu nos lados do cavalo, ignorando os gemidos estrangulados do marido, desejando que a casa estivesse logo além do amanhecer.

 

        Cameron acordou com um salto, o pescoço duro, o braço entorpecido por ter sido usado como um travesseiro. Ele passou o olhar em torno do salão de entrada do Magnífico Hotel.

   Estava vazio, silencioso. Até o fogo baixo que tinha queimado dentro da lareira tinha quietamente morrido. Pelas janelas, ele podia ver a escuridão da noite. Era apenas o início da noite quando ele tinha olhado pela última vez.

   Quando tinha sido?

   Ele ficou de pé e colocou a mão no bolso, retirando o relógio. Duas e meia.

   Dallas o mataria se ele estivesse dormido quando… Ele se apressou através do salão de entrada e bateu o pequeno sino da escrivaninha da entrada.

   Os olhos turvos de Susan Redd perscrutaram o salão por detrás da escrivaninha. —Em que posso ajudar?—.

   —A Sra. Leigh chegou?—, ele perguntou, incapaz de manter o alarme fora de sua voz.

   Susan suspirou e agitou a cabeça. —Não, mas ela tem uma chave de um dos quartos de cima. Ela poderia ter entrado sem que eu soubesse—.

   —Qual quarto?—.

   —301—.

   —Obrigado—. Cameron subiu correndo os degraus e bateu na porta. —Dee?—.

   Com uma explosão inesperada de pânico, ele arrombou a porta. O quarto estava vazio.

   O medo o tomou. Ela já deveria estar aqui. Cristo, por que Dallas tinha deixado um fardo tão grande em seus ombros? Ele devia esperar… ou devia partir?

   Ele pegou uma moeda do bolso e a lançou no ar. Se desse cara ele partiria.

   Ela bateu no chão.

   Cara.

 

        As chamas ígneas lambiam as costas de Dallas sem pena. Ele procurou o abrigo pacífico do esquecimento, mas ele não conseguia alcançá-lo com a dor que passava por suas costas e seu corpo inteiro se rebelava. —Maldição!—

   —Desculpe, filho, mas eu tenho que limpar estes ferimentos—.

   Dr. Freeman.

   Dallas se forçou a abrir os olhos, só então percebeu que estava em uma cama, as mãos fechadas em punho sobre um colchão.

   —Dee?—.

   —Eu estou aqui—, ela disse suavemente enquanto deitava a palma da mão sobre a dele.

   Ele queria girar a mão e entrelaçar os dedos no dela, mas ele tinha medo de esmagar seus ossos. Ele não parecia ter qualquer controle sobre o corpo enquanto se contorcia com a medicação não tão gentil do Dr. Freeman.

   —Casa?—.

   Ela passou os dedos frios sobre a testa quente dele. —Sim, nós estamos em casa. Quando eu não apareci no hotel, Cameron veio até aqui e contou a Austin o que tinha acontecido. Austin saiu com os homens para nos procurar. Nossos caminhos se cruzaram próximo ao amanhecer—. Ela tirou uma mecha de cabelo dele da testa. —Por que você confiou o dinheiro a Cameron?—.

   —O dia em que você se casou comigo… ele foi o único que se importou com você… o suficiente para me ameaçar. E Cooper?—.

   —Austin foi para cidade chamar o xerife para que possa prender eles. Eu desenhei para eles o mapa que você tinha feito para mim—.

   —Bom. E os seus… outros irmãos?—.

   Quando Cameron ouviu a história inteira, ele empalideceu muito. Ela disse a ele que ficasse em um quarto do hotel até que o assunto fosse resolvido. Ela sabia que ele não tinha estômago para o conflito que estava prestes a estourar. —Eu cuidarei deles. Eu cuidarei de tudo. Você só precisa ficar bem—.

   —Apague o fogo—.

   Ela passou os lábios junto à orelha dele. —Não há nenhum fogo. Você tem uma febre e as suas costas… está horrível—.

   Ele pensou que sentia uma chuva caindo junto a sua bochecha, uma chuva gentil e suave. Então ele não pensou em mais nada até que a dor o levou para os cantos mais escuros do inferno.

   Cordelia cuidadosamente enxugou gentilmente as lágrimas do rosto de Dallas, e então enxugou as do próprio rosto com força. —Ele vai viver?—.

   —Diabos, como se eu soubesse—, Dr. Freeman respondeu, a frustração evidente na voz. —Ele perdeu muito sangue, está lutando contra a infecção, e não há uma droga de tira de pele para costurar—. Ele virou o olhar enrugado para ela. —Entretanto, ele é um lutador. Sempre foi, então eu acho que ele vai lutar contra isto, também—.

   Ele voltou a trabalhar e Cordelia evitou olhar para as costas de Dallas. Uma mão gentil tocou o ombro dela.

   —Eu alimentei e dei banho em Rawley. Ele está dormindo agora. Deixe-me cuidar de você—, Amelia disse.

   Cordelia agitou a cabeça. —Não até que a febre de Dallas baixe—.

   —Isso pode demorar—.

   —Eu sei—.

   Depois que o Dr. Freeman partiu, ela ficou ao lado de Dallas, enxugando o suor de sua testa, garganta, limpando o unguento de seus pulsos, tentando lutar contra as lágrimas que ameaçavam chegar à superfície todas as vezes que ela olhava para suas costas.

   Ele não merecia todo esse sofrimento. Até inconsciente, sua mandíbula ficava contraída, sua testa enrugada, os punhos firmes sobre o lençol. Seu corpo tinha espasmos de vez em quando. Ele gemia baixo, soava como o gemido de um bezerro solitário perdido na pradaria.

   Já tinha passado bastante da tarde quando passos sonoros subiram os degraus. Ela ficou de pé quando Austin e Houston entraram no quarto como um furacão, o xerife atrás deles.

   —Como ele está?—, Houston perguntou enquanto olhava as costas do irmão.

   —Lutando. Vocês acharam os homens——.

   —Nós achamos—, Austin disse enquanto se jogava em uma cadeira ao lado da cama.

   Ela olhou para o xerife. Ele parecia constrangido, de pé no quarto, segurando o chapéu na mão. —Você os prendeu?—.

   —Não, madame. Eles estão mortos—.

   Cordelia deu um passo para trás. —Mortos?—.

   —Sim, madame. Alguém chegou antes da gente. Parece que alguém cortou suas gargantas enquanto eles estavam dormindo—.

   Cordelia fechou os olhos com força. —Então não tem nenhum modo de saber qual dos meus irmãos pagou a eles para matar Dallas—.

   —Não, madame—.

   —Boyd—, Austin disse.

   —Por que Boyd?—, o xerife Larkin perguntou. —Porque ele é o mais velho? Porque ele atirou em você? Eu preciso ter uma razão melhor que essa para prender um homem—.

   Austin ficou de pé com um pulo. —Eu posso te dar uma boa razão para prender ele—.

   Houston limpou a garganta severamente. Austin baixou o olhar. —De qualquer maneira, Dallas não iria querer que você o prendesse. Ele resolve seus próprios problemas—.

   Houston andou entre Austin e o xerife. —Nós estamos todos cansados e brigas entre nós não vai ajudar nada—.

   O xerife Larkin colocou o chapéu no lugar. —Avise-me quando Dallas estiver bem para conversar. Talvez ele saiba de alguma outra coisa—. Ele apontou o dedo para Austin. —Não infrinja a lei achando que as coisas vão ficar quites. Dois homens infringindo a lei são apenas dois homens que infringiram a lei—.

   —Eu não vou infringir a lei, mas eu não vou deixar que eles saiam por cima—.

   Cordelia pôs uma mão no braço de Austin para contê-lo. —Eu lidarei com isto—. Ela virou o olhar para o xerife. —Obrigada, Xerife. Se nós conseguirmos reunir quaisquer outras informações, nós informaremos—.

   —Faça isto, madame. Eu sinto muito por não poder fazer mais—. Ele caminhou para fora do quarto. Cordelia se virou para Austin. —O que você iria dizer antes de Houston te impedir?—.

   Austin olhou para Houston, e Houston fez que não com a cabeça. Cordelia cravou os dedos no braço de Austin. —Você prometeu ser meu amigo. O que você sabe que eu não sei?—.

   Austin suspirou com força, os olhos azuis repletos de tristeza enquanto tocava os dedos na bochecha dela. —Boyd estava atrás do hotel na noite em que você foi machucada—.

   Cordelia sentiu o sangue fugir de seu rosto. —Não—.

   Ela viu Austin engolir em seco. —Sim, Dee. Aparentemente, ele gostava de machucar Rawley, e tinha pagado ao pai dele para que o deixasse fazer isto—.

   Ela cambaleou para trás e caiu na cadeira, a mão cobrindo a boca.

   —Eu sinto muito, Dee, eu nunca quis que você descobrisse—.

   —Dallas sabe?—.

   —Não. Houston e eu conversamos sobre isto. Nós achamos que Dallas mataria Boyd se soubesse—.

   —Isso não significa que Boyd foi o responsável por isto—, Houston assinalou. —Nós apenas sabemos que ele é malicioso... e, aparentemente, não tem nenhuma consciência—.

   Cordelia se levantou da cadeira e respirou fundo. —Se um de vocês puder cuidar do Dallas, eu preciso ir falar com a minha família esta tarde—.

   —Eu vou com você—, Austin disse.

   Cordelia capturou o olhar dele. —Eu vou levar os homens comigo. Você é bem-vindo a se juntar a nós, mas entenda que eu não quero que interfira—.

   —Amelia cuidará do Dallas. Nós dois iremos com você—, Houston disse.

   —Certo. Deixe-me fazer os acordos—.

   Ela saiu da casa e foi até o celeiro onde achou Slim escovando o pelo de Satan que brilhava como um veludo. Ela supôs que todo mundo sentia necessidade de fazer algo por Dallas do seu próprio modo. —Slim?—.

   Ele se girou e deu um sorriso inclinado para o lado. —Sim, madame—.

   —Eu preciso que você reúna os homens. Eu quero ir conversar com a minha família esta tarde, e eu não tenho nenhum desejo de ir só. Esteja certo de que todos os homens estarão carregando um rifle e uma arma, e eles tem que estar preparados para usá-las se for necessário—mas somente com as minhas ordens—.

   —Sim, madame—.

   —Austin e Houston irão também. Eu estou certa de que eles entrarão na casa comigo. Eu gostaria de você lá também—.

   —Sim, madame. Eu vou selar o seu cavalo—.

   —Obrigada, Slim—. Ela caminhou pelo celeiro, através das terras de Dallas, agradecida por seu nome não ser mais McQueen.

 

        Ela não se preocupou em bater quando chegou na casa do pai. Ela simplesmente entrou pela porta, Houston, Austin e Slim a reboque.

   A casa tinha a forma de um H. Com três quartos em cada lado, os quartos principais construídos no meio. Ela caminhou pela sala de estar dianteira, indo diretamente ao escritório do pai.

   Seu pai estava sentado atrás de sua escrivaninha, bebendo o que ela supôs que era um uísque, Duncan estava em uma cadeira, e Boyd estava olhando através de uma janela.

   Boyd girou. Uma ira cega a tomou e ela cruzou o quarto, puxou a mão para trás, e bateu em Boyd com o máximo de força que tinha.

   Ele agarrou o pulso dela e cravou os dedos em sua carne. —Que diabos?—.

   Três armas de fogo foram desembainhadas e engatilhadas.

   —Deixe ela ir—, Austin rosnou, —ou eu farei uma bala te atravessar aí mesmo onde você está—.

   Boyd a soltou.

   —O que está acontecendo, Dee?—, Duncan perguntou enquanto ficava de pé.

   —Boyd assassinou meu filho. Como pôde? Como você pôde me largar lá? E então exigiu que Dallas desse a você sua terra——, Bílis subiu na garganta dela enquanto ela dava as costas para ele. Ela nunca tinha sentido tal repugnância.

   —Bem, depois dessa pequena exibição dramática——.

   Ela se virou tão depressa que Boyd deu um passo para trás. —Você não viu minha exibição dramática ainda—.

   Ele sorriu condescendente. —Acalme-se, Cordelia. Este comportamento não é como você—.

   —É exatamente como eu sou… agora que estou livre da opressão sob a qual vivi nesta casa—.

   Boyd caminhou através do quarto e tomou seu lugar atrás da cadeira do pai. —Você já deixou claro o que queria, Cordelia. Você não precisa lavar nossa roupa suja na frente dos outros—.

   —Deixei claro, Boyd?— Cordelia perguntou, o tremor no estômago se intensificando, mas ainda não perceptível na voz. —Eu ainda não comecei a deixar nada claro. Você precisa mover seu gado para longe do rio de Dallas. Amanhã, os homens levarão a cerca para o mesmo lugar que ela estava no dia em que Dallas se casou comigo. Qualquer gado seu que estiver lá será confiscado—.

   O pai dela ficou de pé com dificuldade. —Você perdeu a cabeça? Seu marido deu a palavra——.

   —Sim, ele deu sua palavra de que puxaria a cerca para trás se eu me casasse com ele. Ele manteve sua palavra. E eu acabei de vê-lo ser esfolado e ficar perto da morte porque um dos meus irmãos pagou a Cooper para matá-lo—.

   Boyd ficou de pé imóvel, Duncan abaixou o olhar. O coração dela afundou.

   —Oh, Duncan, não me diga que foi você—.

   —Eu não sei do que você está falando, Dee—.

   Ele ergueu o olhar, e ela viu a verdade dentro de seus olhos. O plano tinha sido de Boyd, e Duncan sabia.

   —Você sabia—, ela sussurrou. —Você sabia o que o Boyd tinha planejado, e aceitou o plano—.

   —Eu não sei do que você está falando—, ele repetiu. —O Cooper era um bêbado. Tudo o que ele dizia era mentira—.

   —Duncan está certo—, Boyd disse. —É nossa palavra contra a do Cooper. Em quem você vai acreditar? Na família ou em um bêbado?—.

   —Cooper e os envolvidos estão mortos—, ela disse com resignação, —então o xerife não fará nenhuma prisão porque não temos nenhuma prova. Mas vou deixar algo perfeitamente claro. Se Dallas morrer, eu herdo a terra, e, a menos que chova para cima, você nunca vai possuir aquela terra. Então, você não ganhou nada, mas perdeu tudo. Tire seu gado da nossa terra—.

Ela se virou.

   —Cordelia!—.

   Ela parou cambaleante e lentamente girou enquanto a voz de seu pai reverberava pelo cômodo.

   —Você acabou de acusar seus irmãos de tentarem cometer um assassinato—.

   —Não, pai. Deste dia adiante, Cameron é o único irmão que eu tenho. Se você permitir que estes dois permaneçam em sua casa depois do que eu acabei de dizer, então eu também não terei nenhum pai—.

   —Você é tão enérgica e teimosa quanto sua mãe. Eu adverti Leigh que ele precisava manter a rédea apertada com você, mas ele não me escutou—.

   —Dallas não é de seguir as palavras de outros homens. Dar a ele permissão para se casar comigo foi o melhor presente que você poderia me dar—.

 

        Dallas foi ficando mais quente a cada hora que passava. Quando ele tremia, Cordelia não se atrevia a cobri-lo com cobertores. Dr. Freeman disse a ela que as costas dele precisavam de ar. Ainda que isso não fosse verdade, ela não achava que ele conseguiria sobreviver com qualquer coisa o tocando.

   A noite já tinha caído quando ela tinha retornado da casa dos McQueen. Houston tinha levado Amelia e as crianças para casa. Austin tinha cavalgado até a cidade. Rawley estava dormindo sonoramente, nem mesmo acordou quando ela tirou as mexas de cabelo que caíam sobre sua testa.

   Ela tinha tomado seu lugar na vigília ao lado de Dallas, colocando sua mão sobre a dele. Uma mão tão forte, com um toque tão gentil. Um homem tão forte, com um coração tão tenro.

   Ele negaria isto, claro, mas ela tinha visto evidências demais para não reconhecer a verdade. Apesar de toda sua grosseria, ele tinha um coração tão vasto quanto o Texas.

      Ela ouviu um barulho e se virou encontrando Rawley de pé na entrada, o cabelo preto levantado de um lado. Ela estendeu a mão. —Venha se sentar do meu lado—.

Ele entrou apressado no quarto e parou próximo da mão dela. —Eu não posso, senhora Dee. Eu enganei você. Ele disse que mataria a senhora se eu não fizesse. Eu não sabia que ele ia machucar o Sr. Leigh. Juro por Deus, eu não sabia. Eu não farei mais o que ele me disser para fazer. Eu juro por Deus que eu o deixarei me matar antes de fazer algo que ele diga—.

   Ela o alcançou, e embora ele fizesse resistência, ela finalmente conseguiu aninhá-lo em seus braços, e trazê-lo até seu colo. Ela começou a embalá-lo de um lado para o outro, o coração despedaçado pela vida que a criança tinha suportado.

   —Ele não machucará você, Rawley—, ela sussurrou, afagando seus cabelos com os dedos. —Ele foi para longe. Foi para o céu—.

   Rawley se moveu, estudando-a. —Você quer dizer que ele está morto?—.

   Ela não queria dizer assim tão abruptamente, e, com toda honestidade, ela não achava que tinha ido para o céu. Embora ela não acreditasse que Rawley tivesse qualquer afeto pelo homem, Cooper tinha sido seu pai. —Alguém o matou—.

   —Eu estou contente—, Rawley disse com veemência. —Eu estou contente por ele estar morto, assim ele não poderá mais machucar ninguém, não mais—.

   Ela apertou o rosto dele contra seu peito e logo sentiu as lágrimas mornas dele passarem através de sua roupa. Ela sabia que ele precisava chorar. Embora seu pai nunca o tivesse amado, ainda assim ele tinha sido seu pai. Da mesma maneira que ela precisava lamentar pela família que tinha despedido nesta mesma tarde.

   Ela finalmente percebeu que com exceção de Cameron, ela nunca verdadeiramente tinha conhecido o amor, mas mesmo assim doía dizer adeus.

 

        A batida pesada na porta despertou Cordelia ao amanhecer. Ela colocou Rawley de volta na cama e retornou para o lado de Dallas, apenas para adormecer na cadeira. Ela colocou uma palma sobre a bochecha dele. A febre tinha subido.

   A batida continuava, e ela se perguntou por que Austin não atendia.

   Ela saiu apressada pelo corredor e começou a bater também. —Austin, você pode atender a porta?—, quando ele não respondeu, ela abriu a porta do quarto dele. A cama estava vazia e não parecia que ele tinha dormido nela. Ele não tinha voltado para casa?

   Ela desceu os degraus apressada e escancarou a porta. O xerife Larkin estava na entrada. Ela passou por ele. —Slim?—.

   O capataz saiu do grupo de homens que estavam de pé perto da entrada da casa. —Sim, madame—.

   —Envie alguém até a cidade para buscar o Dr. Freeman. Imediatamente—.

   —Sim, madame—.

   Ela se virou para o xerife. —Sinto muito, Xerife. Em que posso ajudar?—.

   —Eu preciso falar com Austin—.

   Com os dedos, ela puxou os cabelos que caíam em seu rosto e tentou se lembrar da última vez que tinha amarrado os cabelos. Muito tempo. —Eu não acho que ele está aqui—, ela disse com cautela. —Ele foi à cidade ontem à noite, a cama dele não parece desfeita, então você pode verificar o hotel—.

   —Eu já fiz investigações ao redor da cidade. Ninguém o viu ontem à noite. Ele não entrou no hotel—.

   Um alarme soou junto a espinha dela. —Ele disse que estava indo à cidade. Você acha que ele está ferido?—.

   Além do ombro do xerife, ela viu Rawley entrar no celeiro. —Rawley!—, Ela acenou para ele e ele correu até a casa.

   —Rawley, você viu Austin?—, ela perguntou.

   Ele agitou a cabeça. —Não, desde que eu falei com ele sobre o homem—.

   Cordelia se ajoelhou na frente dele. —Que homem?—

   —O homem que tinha pagado a meu pai para matar o Sr. Leigh—.

   O coração dela quase parou de bater.

   —Quem seria esse, menino?—, o xerife Larkin perguntou.

   Rawley não tirou os olhos de Cordelia à medida que respondia, —O homem que machucou você—.

   —Boyd?—.

   —Não sei seu nome. Meu pai sempre o chamava de 'meu amigo especial'. Só que eu nunca achei que ele fosse especial—.

   Cordelia concordou com avaliação de Rawley sobre o irmão. Ele nunca tinha sido especial, apenas cruel.

   —Como você sabe que ele é a pessoa que pagou ao seu pai para matar o Sr. Leigh?—, ela perguntou.

   —Meu pai me disse que assim que ele matasse o Sr. Leigh para o amigo especial, ele ficaria comigo para sempre—.

   Imaginando o terror que a criança deveria ter sentido ao ouvir as palavras do pai e o destino que poderia tê-lo aguardado se eles não escapassem, ela o abraçou.

   —E você disse isso a Austin?—, ela sussurrou.

   Ele concordou com a cabeça. —Ele disse que cuidaria de tudo—.

   Ela ficou de pé enquanto via o esboço vago de um cavaleiro em um cavalo preto que surgia ao longe. Pelo canto do olho, ela viu o xerife Larkin colocar a mão sobre a arma. —É Austin—.

   Austin parou o cavalo e desmontou, olhando para o xerife Larkin cautelosamente. —O que está acontecendo, Dee?—.

   De repente ela percebeu que não tinha nenhuma idéia do que estava acontecendo e o que exatamente trazia o xerife até sua casa. —Eu não sei——.

   —Você tem sangue em sua camisa—, o xerife Larkin assinalou.

   Austin deu uma olhada rápida para baixo e passou os dedos na trilha fina de sangue que corria ao longo de um dos lados de sua camisa. Ele olhou para cima e encontrou o olhar do xerife. —Devo ter me arranhado sozinho—.

   —Você tem alguém que possa confirmar o seu paradeiro ontem à noite?—, o xerife Larkin perguntou.

   Austin deu um passo para trás, o olhar se revezando de Cordelia para o xerife Larkin. —O que diabos está acontecendo?—.

   O xerife Larkin falou de uma vez só. —Sra. Leigh, eu não queria dar essa notícia assim, mas Boyd foi assassinado ontem à noite. Nós o achamos na pradaria. Um tiro na barriga—.

   Cordelia cambaleou para trás e se segurou em uma viga. Ela tinha ficado com raiva dele, possivelmente tinha passado a odiá-lo, mas ela não desejava isso para ele. Ninguém merecia uma morte agonizante e lenta. —Quem você acha——. O coração dela bateu forte contra as costelas quando o xerife Larkin virou o olhar para Austin.

   —Então, e agora, menino, você tem alguém que possa confirmar onde você estava ontem à noite?—.

   Austin olhou para Cordelia, um apelo mudo de perdão nos olhos, antes que dissesse baixinho. —Não—.

   —Isto é muito ruim—, xerife Larkin disse enquanto saía da varanda, balançando as algemas. —Porque Boyd escreveu seu nome no chão antes de morrer—.

 

Quando a febre de Dallas ficava severa, Cordelia constantemente salpicava água em cima de seu corpo enquanto se preocupava com Austin.

   Um juiz itinerante tinha chegado naquela manhã, e ele não viu nenhum motivo para adiar o inevitável até que Dallas se recuperasse.

   —Dee?—.

   Ela deu um salto com o som rouco na voz de Dallas e colocou a mão sobre a dele que estava amarrada na cabeceira da cama. Eles tinham sido forçados a amarrá-lo, como uma águia com as asas abertas, para impedir que ele se machucasse ao se debater durante seus delírios.

   Ela deu um selinho na testa dele, o olhar mostrando sua dor.

   —Você tem que… fugir—, ele sussurrou.

   —Não, nós estamos seguros agora. Nós estamos em casa—.

   —Casa?—.

   Ela deitou a bochecha contra o rosto com a barba por fazer dele. —Sim, nós estamos em casa—.

   —Enterre-me ao lado do nosso filho—.

   Uma ira explodiu dentro dela. —Você não vai morrer!—, ela colocou a mão embaixo do queixo dele, cravando os dedos em sua mandíbula. —Você está me ouvindo? Você vai ter um filho, mas só se você viver. Ouviu? Você vai conseguir o que quer—.

   Ele olhou para ela através da dor. —Não… o que… eu quero—.

   Os olhos dele se fecharam, e ela sentiu a tensão em seu corpo relaxar. Ela se perguntou se a febre era prejudicial ao seu cérebro. Um filho era o que ele desejava. Tudo o que ele sempre quis. Por que ele estava negando isto agora?

   Próximo ao crepúsculo, ela ouviu passos ao longo do corredor logo antes de Houston entrar no quarto. Seu rosto disse a ela o veredicto antes de ele poder falar.

   —Eles o consideraram culpado—.

   O coração dela afundou. —Como eles puderam achá-lo culpado? Eu devia ter ido tentar. Eu devia ter testemunhado——.

   Houston colocou as mãos em torno da cabeceira da cama e debruçou a testa contra a madeira. —Não teria feito nenhuma diferença. Não depois que veio a tona que ele tinha ameaçado matar ambos Boyd e Duncan. Maldição, ele chegou ao ponto de atirar sobre a cabeça de Boyd na parede da taverna e anunciar que ele queria livrar o chão da sombra dele—.

   Cordelia fechou os olhos.

   —Eu queria dar uma safanão nele quando ouvi esse testemunho—, Houston adicionou.

   —Isto vai matar Dallas quando ele estiver bem o suficiente para entender o que aconteceu—.

   —Sim. O xerife vai escoltar Austin para a prisão em Huntsville amanhã—.

   —Tão rápido assim?—.

   Houston concordou com a cabeça. —Acho que o xerife está com medo de esperar até que Dallas esteja bem, e que assim Dallas possa interferir—. Houston riu zombeteiramente. —Ele está certo—.

   —Eu preciso conversar com o Austin—.

   —Eu tomo conta de Dallas. Amelia está fazendo a ceia. Achei que nós ficaríamos aqui hoje à noite, faça o que for preciso para ajudar Austin porque nós não podemos—.

 

        A prisão era construída de tijolo, mas não parecia tão grande ou tão adorável quanto o hotel dela. Parecia fria, dura e deprimente.

   O escritório do xerife era pequeno. Ele se sentava em sua escrivaninha, as pernas cruzadas por sobre os documentos dispersos sobre ela. Uma porta atrás estava entreaberta.

   —Creio que você está aqui para ver Austin—, ele disse enquanto ficava de pé.

   Ela concordou com a cabeça, a voz presa na garganta. Ela tinha que ser valente, tinha que ser forte.

   Ele apontou. —Você vai achar ele atrás dessa porta—.

   Cautelosamente, ela caminhou através da porta, não certa do que esperar. Barras iam do chão ao teto correndo por ambos os lados do corredor. Outra barra dividia cada lado em dois. Quatro celas de prisão juntas.

   Austin estava na última, debruçando contra uma parede de tijolo, com as mãos tocava o rosto de Becky Oliver que passava os dedos na camisa dele através das barras.

   Ele girou a cabeça ligeiramente e deu a Cordelia um sorriso indiferente. —Oi, Dee—.

   A verdade na situação dele a atingiu com força. —Eu voltarei—.

   —Está tudo bem. Becky já estava de saída—.

   Com lágrimas fluindo pelas bochechas, Becky jogou a cabeça para trás e olhou para Austin. —Deixe-me dizer a eles, Austin—.

   —Shh—. Ele tocou os dedos polegares nos lábios dela. —Apenas espere por mim, querida. Como nós conversamos—.

   Com um soluço, ela tirou a mão dele e passou por Cordelia. Austin virou o rosto na direção da parede. Cordelia podia ver os músculos de sua garganta se puxando, esticando. Ela deu a ele tempo para se tranquilizar antes que ela o abordasse tranquilamente.

   —Eu não o matei, Dee—, Austin disse quando encontrou o olhar dela.

   Esticando as mãos, ela passou os dedos pela bochecha dele com a barba por fazer. —Eu sei, Austin. Essa foi a única coisa que eu nunca duvidei nesta confusão toda—.

   Ele deu a ela um olhar que mostrava que ela tinha acabado de tirar um peso enorme de seus ombros. —Como está Dallas?—.

   —Sua febre não diminuiu, mas eu acabei de sair do Dr. Freeman. Ele vai ver o que mais ele pode fazer—.

   Eles olharam um para o outro—com tanto a ser dito—mas aqui, com as palavras viajando entre as barras de ferro, muito permanecia sem ser dito. Respirando fundo, Cordelia finalmente arriscou, —Você está protegendo alguém, não é?—.

   Austin virou o olhar para as botas, um pé entre as barras como se estivessem procurando liberdade.

   —Cameron?—.

   —Não—.

   —Se ele foi a pessoa que matou Boyd——.

   —Não foi—.

   —Mas você estava com alguém naquela noite, não estava?—.

   Ele continuou a olhar fixamente para o chão, e a verdade surgiu tão claramente que ela se perguntou por que ninguém mais tinha pensado isto. —Becky—, ela sussurrou baixinho. —Você estava com Becky—.

   Ele ergueu o olhar.

   Ela colocou as mãos em torno das barras frias. —Foi isso o que ela quis dizer quando disse, 'deixe-me dizer a eles'. —Austin, ela pode te dar álibi——.

   Ele agitou a cabeça tristemente. —São só cinco anos, Dee. Não vale a pena arruinar a reputação dela. Não vale a pena fazê-la ser envergonhada. Nós queremos viver aqui. Criar nossas crianças aqui. Eu não quero pessoas falando mal dela pelas costas—.

   —Mas você foi acusado de assassinato. Você não acha que as pessoas vão ficar falando disto?—.

   —Quando eu sair, eu vou descobrir quem matou ele, e vou dar um jeito—.

   —Mas, Austin… cinco anos—.

   —Houston se casou com Amelia cinco anos atrás, e parece que foi ontem. Não é tanto tempo—.

   —Será uma eternidade quando você não tiver nenhuma liberdade—.

   Ele colocar uma mão ao redor da dela. —Diga a Dallas para ficar fora disso—.

   Passando as mãos pelas barras, ela o abraçou o máximo que podia. —Cuide-se—.

   —Cuide do meu violino e do meu cavalo. Eu precisarei deles quando voltar para casa—.

 

        Cordelia chorou com alívio quando a febre de Dallas finalmente abaixou próximo ao amanhecer. A dor não tinha ido embora com a febre, mas eles podiam soltá-lo. Ele estava incrivelmente fraco, muito fraco para se sentar, mas ele conseguiu sorver um caldo com uma colher que ela segurava próxima aos lábios dele… repetidas vezes… de vez em quando, ao longo do dia, sempre que ele não estava dormindo.

   Enquanto ele comia, ela sussurrava, explicando coisas que tinham acontecido desde que eles tinham retornado ao rancho, cuidadosamente evitando qualquer menção a Austin. Ela contou a ele sobre o recuo da cerca, a morte do pai de Rawley e que ela planejava construir um teatro em Leighton.

   A conversa do teatro o fez sorrir.

   Houston e sua família permaneciam na casa e se revezavam para atender as necessidades de Dallas. Ele era um paciente difícil de se cuidar.

   Na terceira manhã após a baixa da febre, Cordelia entrou no quarto e achou Dallas sentado em uma extremidade da cama tomando pequenos goles de ar, a mão apertada contra um travesseiro e suor por todo corpo.

   —Você não devia estar sentado—, ela ralhou enquanto andava depressa pelo quarto e deixava a bandeja de café da manhã aos pés da cama.

   —Onde está Austin?—.

   O momento que ela temia finalmente tinha chegado. Todas as palavras que ela tinha praticado para dizer de repente pareciam lugares comuns, insignificantes. Ela se ajoelhou na frente dele e colocou as mãos por sobre as dele. Ela podia ver a dor marcada em seu rosto, a tensão em seus músculos. E ela odiou ter que aumentar a sua dor.

   —Ele está na prisão em Huntsville—.

   Ele ficou branco como se ela o tivesse atingido com um chicote contra as costas novamente. Ela aumentou o apertou nas mãos dele.

   —Boyd foi assassinado. Aparentemente, antes de ele morrer, ele rabiscou o nome de Austin no chão. Eles condenaram Austin a cinco anos na prisão porque ele tinha ameaçado matar Boyd. E Austin não disse com quem ele estava na noite em que Boyd morreu—.

   —Com quem ele estava?—, Dallas disse por entre dentes trincados.

   Cordelia apertou a testa contra o joelho. —Ele não quer ninguém saiba—. Ela olhou para cima, com súplica nos olhos. —Dê-me a sua palavra de que se eu disser a você, você não trairá a confiança dele—.

   Ele evitou o olhar dela, e ela o viu engolir em seco. —Dou a minha palavra—, ele disse resignado.

   —Becky Oliver—.

   —Sele o meu cavalo—.

   Cordelia caiu de bunda no chão quando Dallas ficou de pé. —Você me deu a sua palavra—.

   —Eu não vou voltar com a minha palavra, mas eu, de jeito nenhum, vou deixá-lo jogar fora cinco anos de sua vida por uma mulher—.

   Ele deu um passo, hesitou, agarrou a mesa ao lado da cama como suporte, e levou a mesa junto consigo para o chão.

   Ele urrou de dor, se contraindo. Cordelia gritou por Houston. Ele entrou no quarto como um furacão e se ajoelhou ao lado de Dallas, deslizando as mãos por baixo dos braços dele, tentando ajudá-lo a ficar de pé.

   —O que aconteceu?—, Houston perguntou.

   —Eu contei a ele sobre Austin—, Cordelia disse.

   Dallas encarou o irmão. —Por que diabos você não fez nada?—.

   —Eu fiz tudo o que pude. As evidências estavam contra ele, e ele não abriu a maldita boca. A única vez em que ele a deveria ter aberto, ele a manteve fechada—.

   Com esforço, Houston finalmente conseguiu ajudar Dallas a ficar de pé. Dallas foi para longe dele cambaleante e recuperou o equilíbrio.

   —Austin me disse para que você ficasse fora disso. É um problema dele e ele cuidará disto—, Cordelia disse.

   —Ele tem um maravilhoso meio de cuidar disto. Prisão, pelo amor de Deus—.

   Dallas caminhou rigidamente através do quarto, empurrou as cortinas, empurrou a porta, e andou sobre a sacada. Ele respirou o ar fresco, rechaçando a dor e a náusea. Ele tinha pensado que suas costas tinha estado em agonia, mas a dor que o machucava agora não se comparava a angústia que rasgava seu coração.

   —Não há nada que nós possamos fazer—, Houston disse tranquilamente por detrás dele. —O juiz foi indulgente com sua sentença por causa do antagonismo que existia entre as duas famílias—.

   Dallas esticou o braço e fez um círculo largo. —Olhe lá fora. Eu possuo tudo isto. Todos esses malditos acres de terra, mas isso não impediu que o meu filho morresse. Não impediu que alguém sequestrasse a minha esposa. Não impediu que Austin fosse para a prisão por um assassinato que ele não cometeu. Pra que diabos isso tudo serve?—, ele abaixou a cabeça. —Eu quero vê-lo, Houston—.

   —Eu sei que você quer, mas ele prefere que você não vá. Eu sei que nós o criamos, e que é difícil vê-lo como algo além do nosso irmão bebê, mas ele é um homem agora. Ele sabia o que o custaria se ele mantivesse o silêncio, e ele estava disposto a pagar o preço. Tudo o que nós podemos agora é dar a ele uma casa para onde voltar—.

   —O que diabos ele achava que estava fazendo?—.

   —Acredito que ele achava que estava seguindo os nossos passos, fazendo qualquer coisa para proteger a mulher que ama—.

 

        Cordelia esperou até que Dallas recuperasse as forças, até que seus ferimentos tivessem se curado o suficiente para que ele pudesse vestir uma camisa e efetivamente começar a administrar os negócios do rancho.

   Respirando fundo para ganhar forças, Cordelia bateu as juntas contra a porta do escritório de Dallas. Sua coragem hesitou quando a voz dele ecoou, dando a ela permissão para entrar.

   Ela nunca mais tinha andado neste cômodo, nunca mais tinha ouvido a voz dele retumbando do outro lado. Quando ela abriu a porta, ele sorriu enquanto ficava de pé. Sempre o cavalheiro. Sempre o homem que ela amaria.

   Ela cruzou o quarto tão depressa quanto podia, as mãos firmemente unidas. Dallas bateu o lápis contra as notas meticulosas.

   —Você cuidou de muitas coisas soltas enquanto eu estava… me recuperando—.

   —Eu tentei cuidar de todas as coisas como achei que você faria. Seus homens foram mais úteis—. Ela deu um passo para mais perto. —Dallas, eu pensei muito em nossa situação——.

   —Nossa situação?—.

   A boca foi ficando seca, e ela desejou ter trazido um copo com água para o escritório junto com ela. —Sim, nossa situação. Nosso casamento foi de conveniência. As razões que o mantinham já não existem mais. Minha família não merece, e nem vai ganhar o direito de ter essas terras como sua propriedade. E eu não posso dar um filho a você—.

   Ele jogou o lápis sobre o Livro Razão. —Dee——.

   —Eu acho que nós devíamos fazer uma petição de divórcio—, ela declarou depressa, sem ênfase nenhuma, antes que ela se derretesse como um floco de neve solitário.

   —Um divórcio? É isso o que você quer?—.

   Ela se forçou a manter o olhar focado na descrença refletida nos olhos dele, sabendo que este era o único modo que ele acreditaria nela. —Eu acho que seria o melhor para nós dois—.

   Ele caminhou até a janela e olhou para fora, por cima de suas terras. —Você sabe como é a vida para uma mulher separada?—, ele perguntou com a voz baixa. Girando, ele encontrou o olhar dela. —Não importa as razões que nós dermos, as pessoas questionarão a sua moralidade, não a minha. Eles jogarão a culpa do fracasso do nosso casamento em você, não em mim. Os seus projetos de construir outros negócios, ou achar outro marido, ficarão escassos——.

   —Então eu me mudarei para outra cidade onde ninguém me conheça. Desde que os homens continuem a construir ferrovias, cidades florescerão ao longo dos seus caminhos e hotéis serão necessários—.

   —Você vai encontrar anos de sofrimento——.

   —Um ano atrás a idéia teria me apavorado—. Lágrimas brotaram, e ela tentou mandá-las de volta. —Mas eu sou uma pessoa mais forte por ter sido sua esposa—.

   Um canto da boca de Dallas se ergueu. —Você sempre foi forte, Dee. Você apenas não sabia disto—.

   Neste momento ela se sentia incrivelmente fraca. Ela queria cruzar o espaço que os separava e deixá-lo envolvê-la em seu abraço. Em vez disso, ela levantou o queixo. —Eu vou partir pela manhã—.

   —Certo—. Ele se virou de costas para ela. —Se é isso que você quer—.

   Ela não queria, mas a vida não tinha lhe dado nenhuma escolha, nem mesmo uma escolha ilusória. Ela queria que Dallas fosse feliz, mas ele nunca seria se ela ficasse ao seu lado.

   —Sobre Rawley. Eu achei que seria melhor para ele se ele pudesse ficar aqui—.

   —Eu não tenho nenhum problema com isto. Ele já está ganhando salário—.

   —Eu explicarei as coisas para ele antes de partir. Eu verei você de manhã?—.

   —Provavelmente não. Eu preciso verificar meu rebanho—.

   —Então, eu digo adeus. Apesar da aflição que nós passamos, eu tenho algumas memórias que estimo e que carregarei comigo, e eu me sinto agradecida por isto—.

   —Maldição! Eu não quero sua gratidão—. Ele se virou, raiva chamejando em seus olhos. —Eu nunca quis a sua gratidão—.

   —Isto é mal porque você a tem—.

   Um fantasma de um sorriso flutuou no rosto dele. —O que aconteceu com a mulher tímida com quem me casei, a mulher que se encolheu quando eu destruí a porta do quarto? Você provavelmente jogaria sua escova em mim agora—.

   —Sim, acho que faria isso—. Se seus dedos não estivessem tremendo, ela poderia ter seguido seus instintos e o alcançado tirando a mecha de cabelo obstinada que caía na testa dele. —Na sua próxima noite de núpcias, não chute a porta—.

   —Eu não irei—.

   Ela disse tranquilamente palavras que a machucaram muito mais do que ela esperava. Ele teria uma outra noite de núpcias, uma outra esposa… o filho que ele desejava—tudo o que ela queria que ele tivesse. Esse conhecimento deveria tê-la enchido com alegria, não com dor.

   —Eu preciso começar a empacotar minhas coisas—. Ela caminhou através do escritório e parou, deu uma olhada rápida por cima do ombro. —Dallas, da próxima vez dê as flores a sua esposa em vez de deixá-las na cama. Ela poderá descobri-las muito tarde—.

   Ela saiu do quarto enquanto por dentro seu desejo de ficar gritava.

 

        Rawley Cooper sabia demais sobre tristeza para não reconhecê-la quando a via.

   A Sr. Dee estava com o olhar mais triste que ele já tinha visto. Ele pensou que ela poderia até estar mais triste do que na noite em que tinham chicoteado o Sr. Leigh.

   Ela estava sentada na extremidade da cama, com um sorriso que ela parecia ter desenhado em um pedaço de jornal e colado sobre os lábios. Não estava morno como os seus sorrisos normais. Não alcançava seus olhos.

   A qualquer momento, ele esperava que ela chorasse, e ela estava segurando sua mão tão firmemente que ele ficava surpreso por não ouvir os próprios ossos rachando. Com os dedos trêmulos, ela tirou o cabelo dele da testa. Ele caiu e ela o puxou para trás novamente, repetidas vezes.

   —Eu amo você, Rawley—, ela finalmente disse tranquilamente.

   Aquelas eram as palavras mais bonitas que ele já tinha ouvido, e ele ficou com medo de ser a pessoa a chorar. Ele desejava poder dizer a ela que a amava também, mas as palavras ficavam presas em sua garganta.

   —Eu queria que você soubesse porque eu vou partir, e isso não tem nada a ver com você—.

   —Partir?—, ele falou rouco.

   —Sim, eu vou construir hotéis em outras cidades—.

   —E o Sr. Leigh?—.

   —Ele vai ficar aqui e cuidar de você—.

   —Você vai voltar?—.

   Ela mordeu o lábio inferior. —Não. Então eu preciso que você faça duas coisas muito especiais para mim. Eu preciso que você cuide da Precious, e eu preciso que você cuide do Sr. Leigh. Quando ele tiver uma nova esposa, eu sei que ela amará você tanto quanto eu—. Ela ficou de pé e puxou os cobertores dele. —Agora vá para cama—.

   Ele rastejou pelos cobertores. Ela os dobrou ao redor dos ombros dele. Então, como sempre, ela se debruçou até beijar sua testa. Ele colocou os braços ao redor do pescoço dela.

   —Eu amo você, Sra. Dee. Por favor, não vá—.

   Ela o abraçou bem apertado. —Eu tenho que ir, Rawley. Eu tenho que partir porque amo você e o Sr. Leigh—.

   —Ele não deixará você ir. O Sr. Leigh não deixará você partir—.

   Ela se inclinou para trás, o olhar vagando pelo rosto dele como se estivesse tentando gravá-lo na mente. —Sim, ele irá. Ele sempre me dá o que eu quero, mas eu não posso dar a ele o que ele quer—.

   Ela deu um selinho na testa dele—um beijo final, o último que ele receberia—e saiu do quarto, fechando a porta atrás de si.

   Um vislumbre de luar entrava pela janela. Rawley podia ver a chave na fechadura. Ele não sentia mais nenhuma necessidade de girá-la.

   Ele rolou para o lado, se enrolou como uma bola, e assistiu a dança das sombras pelas paredes. Ele pensou em escapar do quarto, achar o Sr. Leigh, e conversar com ele de homem para homem sobre a partida da Sra. Dee, mas ele não viu no que isso ajudaria.

   Sr. Leigh era um homem que sabia como lutar pelo que desejava. Rawley acreditava que mais cedo ou mais tarde, o Sr. Leigh decidiria por si próprio que ele queria que a Sra. Dee ficasse com ele.

 

        O relógio no andar de baixo batia meia-noite quando Cordelia colocou o último de seus pertences em uma caixa.

   Soltando um suspiro profundo, ela se esticou para acabar com a dor nas costas. Ela estava incrivelmente cansada, mas ela sabia que dormir a iludiria. Tinha sido assim desde que Dallas tinha parado de dormir em sua cama, com o corpo ao redor dela.

   Ela tinha pensado em pedir que ele dormisse com ela esta noite, apenas a abraçando, mas ela temia que isso faria a situação mais difícil para ambos. As memórias do que eles tinham sido e do que poderiam ter sido se reacenderiam. Como estavam, elas iriam devagar desvanecer para a escuridão.

   Ela caminhou através do quarto, puxou as cortinas, abriu a porta, e andou sobre a sacada. Um milhão de estrelas cintilava no céu preto. Do topo de um moinho de vento, ela tinha visualizado a terra pelos olhos de Dallas.

   Ela se perguntou por que ela tinha achado isto desolador. Ela ouviu um relincho de cavalo e deu uma olhada rápida em direção ao curral. Com o coração batendo rápido, ela foi para mais perto da extremidade da sacada.

   Ela pôde ver o marido sentado na grade do curral, os ombros caídos, a cabeça curvada.

   Se ela não soubesse o homem forte que era Dallas Leigh… ela teria pensado que ele estava chorando.

 

        Com um nó doloroso se formando no peito, Cordelia assistiu enquanto Slim colocava a última das suas caixas na carroça.

   Ela guardava perto do coração a despedida que Rawley tinha dado a ela na noite anterior. Tinha sido tão duro deixá-lo, sozinho em seu quarto, mas partir era o melhor a se fazer.

   Ela não sabia o que o futuro guardava para ela, aonde ela iria, o que exatamente faria, mas ela sabia que Rawley precisava de estabilidade e ele acharia isto aqui com Dallas.

   Dallas era parte da terra, suas raízes estavam enterradas fundas dentro da terra.

   A pancada da última caixa batendo no chão da carroça ecoou ao redor dela. O peito se apertou como resposta. A boca ficou seca, os olhos marejados enquanto ela procurava por forças.

   Slim se virou e enxugou as mãos na calça comprida. —Bem, é isto. Você vai levar seu cavalo?—.

   Lemon Drop. Ela tinha montado no cavalo ao lado de Dallas. Ela concordou com a cabeça.

   —Eu pegarei o cavalo e os seus suprimentos, então—.

   Com passos largos e longos, Slim começou a caminhar em direção ao celeiro. Cordelia ouviu o estrondo da porta da frente e passos pesados ressoaram através da varanda. Ela desejava que Dallas tivesse ido verificar o rebanho como ele tinha dito na noite anterior. Ela não sabia se conseguiria sobreviver a mais uma despedida.

   Ela girou e encontrou o olhar decidido de Dallas. Ele estava debruçado contra a viga, as mãos paradas atrás das costas, os olhos escuros, a expressão dura. Ele lembrava um animal predatório, esperando, esperando para atacar.

   Ela entrelaçou os dedos, procurando pelas palavras que diminuiriam sua dor da partida, mas as palavras permaneciam escondidas. Ela limpou a garganta. —Tudo está empacotado. Slim está trazendo a Lemon Drop. Eu suponho que está tudo bem se eu levar o cavalo—.

   Dallas a encarava, como uma estátua de madeira na frente de uma loja. Se um músculo de sua mandíbula não tivesse se movido, ela poderia ter pensado que ele tinha virado pedra. Ela considerou o silêncio como uma aprovação. —Você quer contatar o advogado ou eu devo?—, ela perguntou.

   O olhar dele se intensificou.

   —Eu suponho que eu deva conversar com ele—, ela disse com o silêncio ficando mais pesado no ar. —Eu direi a ele para lhe dizer qual a melhor maneira de se lidar com este assunto. Eu vou ficar no nosso quarto no hotel até que eu decida exatamente aonde vou. Eu estou bem certa de que não ficarei em Leighton. Eu acho que seria mais fácil para nós se eu partisse. Eu o informarei do que decidir—. As palavras estavam saindo de sua boca como uma torrente, e ela parecia incapaz de pará-las. Ela sabia que as lágrimas não estavam muito atrás. —Eu desejo a você toda a felicidade que você merece—.

   Ela se virou e foi apressada em direção à carroça.

   —Fique—.

   A palavra estrangulada, falada com angústia, rasgou o coração dela, quebrou sua decisão. Ela secou as lágrimas que desciam pelas bochechas e lentamente girou, forçando a verdade dolorosa a passar pelos seus lábios. —Eu não posso ficar. Eu não posso mais dar a você o que você quer. Eu não posso te dar um filho—.

   Dallas saiu da varanda e estendeu um buquê de flores silvestres na direção dela. —Então fique e me dê o que eu preciso—.

   O coração dela balançou com a abundância de flores que murchavam dentro do aperto sufocante dele. Ela agitou a cabeça vigorosamente. —Você não precisa de mim. Há uma dúzia de mulheres disponíveis em Leighton que com toda a felicidade daria a você um filho e dentro do próximo mês haverá pelo menos mais uma dúzia——.

   —Eu nunca amarei alguma delas o tanto que eu amo você. Eu sei disso da mesma forma que sei que o sol vai surgir pela manhã—.

   A respiração dela ficou presa, o tremor aumentou, as palavras ficaram presas na garganta. Ele a amava? Ela o viu engolir em seco.

   —Eu sei que não sou um homem fácil. Eu não espero que algum dia você venha a me amar, mas se você me tolerar, eu dou a você a minha palavra de que eu farei o que for preciso para te fazer feliz——

   Avançando depressa, ela apertou um dedo trêmulo contra os lábios mornos dele. —Meu Deus, você não sabe que eu amo você? Por que você acha que eu estou partindo? Eu estou partindo porque amo você—tanto. Dallas, eu quero que você alcance o seu sonho, eu quero que você tenha um filho—.

   Fechando os olhos, ele passou a bochecha crespa contra a mão trêmula dela e deu um beijo apertado no centro da palma da mão dela.

   —Eu não posso prometer que não haverá dias em que eu olharei em direção ao horizonte e sentirei o vazio doloroso por saber que nós nunca teremos uma criança para deixar o nosso legado…—, abrindo os olhos, ele capturou o olhar dela. —Mas eu sei que o vazio que você deixará para trás me corroerá a cada minuto do meu dia.

   —Quando eu era um menino, eu fui para guerra buscando glória. Eu não a achei. Eu vim para cá, pensando que acharia glória se eu construísse um império ao administrar uma fazenda ou uma cidade próspera—. Ele deslizou o polegar pelos lábios dela. —Em vez disso, eu descobri que até então eu não sabia o que era glória, não até que você sorriu pra mim pela primeira vez sem medo nos olhos—.

   O olhar dele varreu as terras além dela, tudo o que os cercava. —Daqui a cem anos, tudo o que eu trabalhei tão duro para construir será nada além de um vento soprando, mas se eu puder passar a minha vida amando você, eu morrerei um homem rico, um homem extremamente satisfeito—.

   Lágrimas inundaram os olhos dela e desceram pelas bochechas.

   —Fique comigo—, ele disse.

   Concordando com a cabeça sem dizer nada, ela passou os braços ao redor do pescoço dele. As flores caíram no chão enquanto ele a ergueu nos braços e a levou para casa.

   —Suas costas—, ela disse enquanto ele começava a subir os degraus. —Você não devia me carregar—.

   —Minhas costas estão boas—.

   Não estavam boas. Ela sempre levaria as cicatrizes que ele tinha ganhado tentando protegê-la. Cem vezes ela tinha se perguntado se poderia ter feito algo para prevenir seu sofrimento. Cem vezes ela não conseguiu pensar em nada.

   Dentro do quarto ela deslizou junto ao corpo dele até que os pés dela tocaram o chão.

   Com paciência e ternura infinitas, como se eles tivessem toda uma vida para preencher, ele tirou as roupas dela, juntando-as aos pés dela. Os nós da mão dele tocaram o vale dos seios dela quando ele pegou o medalhão com formato de coração que ele tinha dado a ela de Natal.

   —Eu não achei que você estava usando o meu presente—, ele disse rouco.

   —Eu achava que usá-lo seria o mais próximo que eu teria o seu coração comigo—.

   —Você tem o meu coração há tanto tempo que eu não consigo me lembrar de quando você não o tinha, mas eu não sabia como dizer a você. Eu achei que se desse a gargantilha a você, você perceberia. Descobri hoje que as palavras não são tão difíceis de dizer. Eu amo você—.

   A boca de Dallas cobriu a dela, beijando-a profundamente, calorosamente. Ele a tinha beijado antes, tantas vezes, mas nunca como desta vez… como se sua boca fosse a única que ele já conhecera, como se os seus lábios fossem os únicos que ele já tocara, como se o seu beijo fosse o único que o satisfaria.

   Ele a amava, e enquanto ele a levava para a cama, ela se perguntou como ela nunca tinha percebido isto antes. Ele tinha demonstrado de tantos modos diferentes, atraindo a para a luz do sol até que ela criasse a própria sombra.

   Ele tirou as roupas e se deitou ao lado dela. Ela deslizou os dedos pelo peito dele e os olhos dele se escureceram. Ela levou as mãos até as costas dele e sentiu os cumes desiguais que ele para sempre carregaria. Lágrimas brotaram em seus olhos.

   Ele segurou as bochechas dela. —Não chore—.

   —Eu odeio eles terem feito isto com você—.

   Ele beijou a bochecha dela. —Você tem cicatrizes, também. Eu sumiria com elas se pudesse—.

   Mas ele não podia. Os dois sabiam disto. As cicatrizes dele estavam no lado de fora. As dela no lado de dentro. Os dois tinham ficado próximos da morte. As cicatrizes serviriam como uma lembrança de seus triunfos.

   Ela segurou o rosto dele com as mãos e o olhar sem vacilar. —Dallas, você está certo de que pode desistir do seu sonho sem vir a me odiar?—.

   —Você era o meu sonho, Dee. Eu apenas não sabia. A parte de mim que eu sempre estive procurando—.

   Os lábios dele acharam os dela, quente e vibrante, cheio de vida e desejo. As mãos a tocaram e acariciaram, tornando as brasas antes agonizantes de sua paixão em uma chama abrasadora.

   Ela beijou o pescoço dele, o peito e foi descendo através do peito, ousadamente afagando, apreciando os sons guturais profundos que vibravam dentro da garganta dele.

   Eles fizeram amor, tentando realizar um sonho. Eles fizeram amor para celebrar a promessa do sonho.

   Agora, por último, eles estavam celebrando o que eles deveriam ter celebrado desde o princípio: seu amor mútuo.

   Ele capturou o olhar dela enquanto afundava em seu corpo. Ela ficou maravilhada com a fusão perfeita dos corpos. Então ele começou a se mover, as profundidades marrons de seus olhos queimando como uma chama, o fogo que a alcançou, queimando ardentemente até que explodiu em sensações, cores e sons gloriosos, diferentes de qualquer um que ela já tivesse conhecido.

   Dallas estremeceu em cima dela antes de desmoronar, a respiração severa próxima a sua orelha, os dedos brincando com seus cabelos, suavemente roçando em seu couro cabeludo.

   —Eu amo você—, ela sussurrou.

   —Estava na hora de você me dar seu presente de Natal—, ele sussurrou com a voz cansada.

   —Seu presente de Natal?—.

   —Isto era tudo o que eu queria de Natal. Seu amor—.

   Ela fechou os olhos, lembrando de suas palavras no quarto de hotel em uma noite há tanto tempo atrás. —Algo que só se pode receber se não for pedido—.

   Algo que ela daria de presente a ele pelo resto de sua vida.

 

                         Maio, 1884.

        Dallas ouviu um grito de sua esposa e saltou da cadeira.

   —Sente-se!—.

   Com um pânico furioso, ele parou e encarou o irmão.

   —Sente-se!—, Houston ordenou novamente.

   Dallas fechou as mãos em punhos apertados. —Um marido deveria estar com a esposa em uma hora como essa—.

   —Você apenas a deixaria louca. Diabos, você está me deixando louco—.

   Dallas se sentou de volta na cadeira, cravando os cotovelos nas coxas e enterrando o rosto nas mãos. —Dr. Freeman disse que ela não poderia ter crianças. Cristo, eu nunca a tocarei novamente—.

   —Você a tocará—, Houston disse.

   Dallas olhou para cima, determinação marcada profundamente nas linhas de seu rosto. —Não, eu não irei—.

   —Sim, você irá. Uma noite, ela se enrolará contra você, toda inocente——, compaixão, compreensão e uma riqueza de condolências enchiam o olhar de Houston. —Você a tocará—.

   A porta do escritório se abriu, e Rawley deslizou no quarto tão silenciosamente quanto uma sombra. —Eu pensei ter ouvido a mãe gritar—.

   Dallas sorriu para o menino. Seu cabelo preto estava nitidamente aparado, o rosto bem limpo. A sujeira e manchas de grama em seu mais novo sobretudo eram a única evidência de que ele não era tão adulto quanto tentava fingir que era.

   Eles o tinham adotado em seus corações muito antes dos documentos legais ficarem prontos. Contra a preferência de Dallas, Rawley manteve seu último nome, murmurando algo sobre não ser merecedor do nome Leigh. Dallas desejava que com tempo e paciência, o menino algum dia mudasse de idéia.

   Rawley rapidamente adquiriu o hábito de chamar Dee de ‘mãe’. Ele ainda chamava Dallas de Sr. Leigh. Dallas tinha a impressão de que o menino tinha ainda um caminho longo a percorrer antes de confiar nos homens.

   —Por que você não leva Precious para um passeio?—, Dallas sugeriu.

   Rawley foi para mais distante no quarto. —Eu já a levei para brincar com seus amigos durante algum tempo—.

   Dallas enrugou a sobrancelha. —Seus amigos?—.

   Rawley concordou com a cabeça. —Sim. Ela tem um monte de amigos lá fora no prado. Eles gostam de brincar de pular cela. Só que eles não saltam por cima dela. Eles apenas meio que saltam nela. Parece que eles continuam tentando saltar por cima dela, mas não têm força suficiente, eu acho—.

   —Bom Deus, ela está no cio[1]?—.

   Rawley encolheu os ombros. —Acho que está quente lá fora. Eu fico com calor e não tenho todo aquele pêlo—.

   O riso de Houston reverberou em torno do quarto. —Eu diria que em pouco tempo, você terá que fazer um monte de correias—.

   Dallas estava à beira de emitir uma ameaça para silenciar o irmão quando um grito de Cordelia ressoou pela casa. Rawley visivelmente empalideceu e voltou para um canto.

   Dallas disparou da cadeira. —Cuide de Rawley—.

   Ele saiu apressado do escritório e subiu os degraus, dois de cada vez.

        Quando ele estava se aproximando do quarto, pôde ouvir um choro baixo. Ele parou cambaleante, o coração batendo rápido. Ele colocou a testa contra a porta e escutou os gritos luxuriosos de seu filho. Um milagre que ele nunca tinha esperado. Uma criança nascida do amor que ele compartilhava com Cordelia.

   A porta se abriu e Dallas quase caiu dentro do quarto. Ele recuperou o equilíbrio enquanto Amelia sorria para ele.

   —Oi, papai—.

   —Como ela está?—, ele perguntou.

   —Oh, ela está bem—.

   Ele olhou o quarto. Sombras de final de tarde surgiam nos cantos. Pelo menos seu filho teve o bom senso de nascer em uma hora decente.

   —Eu posso vê-la?—

   —Dr. Freeman está terminando agora—.

   Ela tomou o braço dele e o levou para o quarto. Ele se sentiu desajeitado de pé ao pé da cama, assistindo sua esposa passar os dedos em cima da cabeça do seu filho.

   Dr. Freeman fechou a bolsa de couro preto com um estalido. Ele deu a Dallas um olhar duro. —Aprecie esta criança porque você não terá mais. Eu garanto. Eu não sei como ela conseguiu dar este a você—.

   Ele saiu do quarto, Amelia o seguindo. Ela fechou a porta atrás deles, deixando Dallas sozinho para olhar maravilhado sua esposa.

   Ela lançou um olhar para ele e sorriu timidamente. Dallas caminhou em torno da cama e se ajoelhou ao lado dela. Ele passou os dedos em uma mexa solta de seu cabelo. —Como você está sentindo?—.

   —Cansada, mas feliz. Tão feliz—. Alegria iluminava seu rosto, calor em seus olhos.

   Dallas olhou para o ser minúsculo que se aconchegava dentro de seus braços. Uma cabeça pequena, uma cara enrugada que parecia o rosto de um homem velho e cabelo preto, muito preto. —Ele certamente tem muito cabelo—.

   Ele trocou o olhar para Dee. O sorriso dela murchou, e ela trouxe a criança para mais perto do peito como que para protegê-la.

   —O quê?—, ele perguntou. —O que há de errado com ele?—.

   Ela correu a língua lentamente ao redor dos lábios. —Ele está bem. Muito bem—.

   Dallas estreitou o olhar. —Não, ele não está. Eu nunca vi nada de bom quando você diz que está ‘bem’—.

   Ela respirou fundo antes de revelar, —Ele é uma menina—.

   —O que você quer dizer com ele é uma menina?—.

   Ela cuidadosamente desdobrou os lados do cobertor. —Você tem uma filha—.

   Ele olhou fixamente para as pernas delgadas, os dedões do pé minúsculos, o peito pequeno rapidamente puxando ar e soltando. Depressa ele cobriu a criança para impedir que ela sentisse frio. Seus dedos inadvertidamente tocaram o punho tenso da criança. Ela abriu a mão e firmemente envolveu um dedo de Dallas.

   Ela podia também envolver seu coração.

   —Eu sinto muito—, Dee disse baixinho.

   —Sente?—, Dallas falou rouco.

   —Eu sei que você queria um filho——.

   —Eu tenho um filho, e agora tenho uma filha—. Ele passou os dedos ao longo da bochecha de Dee. —Nós temos uma filha, e ela é bonita como a mãe—.

   As lágrimas brotaram nos olhos dela enquanto ela deitava a palma da mão contra a bochecha eriçada dele. —Eu amo tanto você—.

   Inclinado sobre a filha, ele pressionou os lábios contra os de Dee, beijando-a profundamente, dando à luz todo o amor que sentia por ela.

   —Você vai me bater se eu agradecer por você ter me dado uma filha?—, ele perguntou tranquilamente.

   Ela enterrou o rosto contra o pescoço dele. —Não. Eu estava com tanto medo de que você ficaria desapontado—.

   —Nada que você me dê pode me desapontar—.

   Uma batida suave soou na porta antes de ela lentamente abrir. Houston colocou a cabeça dentro do quarto. —Rawley está preocupado—.

   Dee acenou com a mão. —Traga ele para dentro—.

   Rawley entrou no quarto, cautelosamente se aproximando até que ele estava de pé ao lado de Dallas.

   —Ouvi você gritar—.

   Estendendo o braço, Dee tomou a mão dele. —Às vezes, as coisas machucam, mas nós recebemos coisas maravilhosas em retorno—. Ela girou o bebê ligeiramente. —Você tem uma irmã—.

   Rawley enrugou a testa. —Uma irmã?—.

   —O que você acha?—, Dallas perguntou.

   Rawley deu uma olhada rápida para cima. —Acho que ela é muito feia—.

   Dallas riu. —Dê a ela alguns anos, e você com certeza se sentirá diferente—.

   —Como você vai chamá-la?—.

   Dee encontrou o olhar de Dallas. —Eu estava pensando em Faith—, ela disse tranquilamente, —para lembrar que nós nunca devíamos perder a fé em nossos sonhos—.

 

        Dallas despertou com o som de um choro baixinho. Uma chama queimava baixa na lareira que ele cuidadosamente tinha colocado longe de Dee. Ele escapou da cama e, com os pés nus, foi até o berço acolchoado onde ele tinha deitado a filha mais cedo—depois que ele a tinha banhado e ficado maravilhado com sua perfeição.

   Cuidadosamente, ele a ergueu nos braços. —Oi, querida—, ele sussurrou. Ela olhava fixamente para ele com olhos azuis profundos, e ele se perguntou se a cor mudaria para marrom.

   Ele deu uma olhada rápida na direção da cama. Dee estava deitada de lado, os olhos fechados, a respiração tranquila.

   Sem fazer barulho, ele cruzou o quarto, puxou a cortina, destrancou a porta, e saiu para a sacada. O ar morno da noite o saudou.

   Abraçando a filha, ele apontou um braço na direção do horizonte distante. —Até onde você pode ver—tudo pertence a você, Faith. Algum dia eu levarei você até o topo de um moinho de vento e te ensinarei a sonhar. Para tentar agarrar algum dos seus sonhos, você pode cair… mas sua mãe e eu estaremos lá para pegar você porque é isso que o amor quer dizer: sempre estar por perto. Eu amo você, menininha—. Ele apertou um beijo na bochecha de sua filha. —Tanto… que até dói. Mas eu acho que isto é parte do amor, também—.

   Ele ficou de pé por mais um tempo, segurando a filha, se lembrando de um tempo em que ele tinha sido um homem de sonhos pequenos, um homem que media sua riqueza com ouro.

   —O que você está fazendo?—, uma voz sonolenta perguntou.

   Ele deu uma olhada rápida por cima do ombro enquanto Dee se movia até o lado dele. —Apenas mostrando a ela as estrelas e desejando que Austin estivesse aqui—.

   Dee deslizou o braço ao redor da cintura dele e aconchegou a bochecha contra seu ombro. Cuidadosamente equilibrando a filha dentro do abraço, ele trouxe a esposa para mais perto.

   —Ele deveria estar aqui—, ele sussurrou através do nó que obstruía sua garganta. Ele ainda não tinha entendido como tudo tinha acontecido, mas em seu coração, ele sabia que o irmão era inocente.

   E não existia porcaria nenhuma que ele pudesse fazer quanto a isto. O detetive que ele tinha contratado tinha sido incapaz de achar qualquer evidência para provar a inocência de Austin ou a culpa de outra pessoa.

   Dee deitou a palma da mão contra a bochecha e virou a cabeça, até que os olhares se encontraram. —Ele escolheu manter o silêncio por alguma razão——.

   —Foi uma coisa incrivelmente estúpida de se fazer, qualquer que fosse a razão—.

   Ela sorriu suavemente. —Você nunca faria algo estúpido para proteger a mulher que ama?—.

   Ele reconheceu no calor dos olhos dela que ela sabia que o tinha encurralado. Ele tinha feito algo estúpido: indo atrás dela sozinho sabendo que a morte esperava por ele. E ele sabia sem sombra de dúvida que faria tudo novamente, arriscaria qualquer coisa por ela. Como ele poderia condenar seu irmão que tinha sacrificado cinco anos de sua liberdade quando Dallas alegremente daria sua vida para afastar Dee de experimentar qualquer tipo de sofrimento?

   Agitando a cabeça, ele olhou para as estrelas. Sua filha estaria caminhando quando Austin voltasse para casa. Seu filho estaria conduzindo o gado. Sua esposa estaria construindo um teatro em Leighton… e qualquer outra coisa que desejasse.

   Trazendo Dee para mais perto, submergindo nas profundezas escuras de seus olhos, ele se permitiu ser atraído na glória de seu amor.

 

[1] N. da R.: Houston disse heat = calor ou animal no cio.

 

 

                                                                                Lorraine Heath  

 

                      

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