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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


GOLDEN CURSE / M. Lynn
GOLDEN CURSE / M. Lynn

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblio VT 

 

 

Series & Trilogias Literarias

 

 

 

 

 

 

Uma maldição. Uma identidade oculta. Um amor perigoso.
Persinette Basile, de dez anos, foi forçada a fugir do palácio de Gaule por sua vida. Agora, aos dezoito anos, ela deve encontrar uma maneira de voltar para obedecer a uma maldição em sua linhagem familiar.
O príncipe não saberá quem ela é. Não mais. Mas ela o conhece e sabe o que ele fará se descobrir o nome verdadeiro dela.
Feita para lutar por sua vida para conquistar seu lugar, ela promete encontrar uma maneira de quebrar a maldição, não importa o custo.
Até a morte
As palavras que descrevem o torneio transformam o sangue do príncipe Alexandre Durand em gelo.
O último guerreiro em pé ganhará o direito de estar ao seu lado.
Enquanto ele é empurrado para o trono, magia proibida, traições perigosas e um amor complicado que podem destruir seu reinado.
Quando os segredos começarem a se desvendar, Alex permanecerá fiel às leis e tradições de Gaule ou desistirá de tudo por uma mulher que o enganou?
Inspirada na história da Rapunzel, esta é a princesa de cabelos dourados como você nunca a viu antes.

 

 

 


 

 

 


Capitulo Um

A magia era ruim.

Foi o que eles disseram quando foi expulsa da face de Gaule. O pai de Alexandre Durand, o rei, garantiu que não os machucaria mais.

—Irmão. — Disse Camille bruscamente de seu lugar na porta. Ela ficou como uma prova da crueldade da magia, com a perna torcida. O povo mágico fez isso com ela na noite em que o expurgo começou.

Alex fingiu que não a ouviu e ouviu o raspar de chumbo no papel enquanto uma imagem começava a se formar brilhante e esperançosa. Representava tudo o que o príncipe poderia querer. Ele torceu o rosto em concentração para aplicar os traços finais da paisagem magnífica.

Não era o palácio ou as terras ao seu redor. Quando menino, ele viajou através da fronteira até as margens externas de Bela, o reino esquecido. A beleza que ele viu lá ficou com ele. Ele sabia que não era real. Uma amiga dele a criou. Sua magia poderia fazer com que campos inteiros de flores desabrochassem.

Não mais. Ela provavelmente estava morta. Ele odiava sua magia por torná-la inimiga de Gaule. Persinette. A amiga de infância dele. Tudo o que ele podia fazer enquanto ela fugia do palácio era vigiar.

Ele balançou a cabeça para se livrar do pensamento. A magia era uma praga na terra deles. Foi erradicada por um bom motivo.

Ele colocou seu desenho de lado, com a face voltada para baixo, não querendo que sua irmã visse as coisas que ansiava. Ele estava sempre em guarda perto dela, para que ela não o denunciasse ao pai deles. Ela era seu bichinho favorito.

—O que? — Ele levantou a cabeça. A exaustão o deixou para baixo e lidar com a irmã nunca foi fácil.

Ela levantou as mãos, as palmas voltadas para ele. —Eu sou apenas a mensageira. Você está sendo convocado para a sala do trono.

—Claro que estou. — Ele soltou um rosnado baixo e passou a mão pelos longos cabelos negros, amarrando-os para trás.

Sua irmã o observava com os olhos de um falcão.

Levantou-se e alisou a túnica antes de encolher os ombros sobre o casaco e apertar os botões dourados. Estava quente demais para o casaco, mas seu pai saberia se algo estava fora do lugar.

Ele não disse outra palavra para Camille quando ele passou por ela e marchou pelo corredor. O tapete de veludo abafava seus passos enquanto criados e guardas saíam do caminho.

O som da bengala de Camille ecoava atrás dele enquanto ela lutava para alcançá-lo. A culpa torceu seu intestino e ele diminuiu a velocidade. Camille passou por ele sem dizer uma palavra.

Seus punhos se fecharam ao lado do corpo e ele soltou um longo suspiro enquanto empurrava as portas da sala do trono e entrava. A opulência o acalmava. Sempre.

Gaule estava indo bem com suas fronteiras fechadas. Sem uma guerra para mantê-los ocupados, o exército passou anos reconstruindo estradas e cultivando terras agrícolas para tornar o reino auto suficiente. Eles não precisavam do resto do mundo. Não com os perigos por aí.

Servos apressaram-se, alguns chamando sua atenção enquanto ele ficava no fundo do corredor, esperando ser chamado para a frente.

Seu irmão caminhou a seu lado.

—Onde você esteve? — Alex perguntou. Tyson havia escapado dos guardas dois dias antes e ninguém o viu desde então.

O príncipe adolescente riu e Alex invejou sua liberdade descuidada. Seu irmão era jovem demais para ser afetado pelos acontecimentos do passado. Ele conhecera apenas paz e prosperidade.

—Eu deveria ter perguntado? — Alex combinou seu sorriso.

—Promete não contar ao pai?

—Eu pareço Camille? — Ele olhou para o lado para se certificar de que ela não estava por perto. Ela encontrou algumas damas e se juntou a elas.

—Ponto justo. Alguns amigos e eu encontramos um túnel do palácio que vai até o mar.

Alex parou de andar e virou-se para o irmão. —O mar já passou das proteções.

—Só que sim. Nós não passamos por elas... ainda. — Tyson deu de ombros.

—Ty, você não deve ir lá novamente.

—Uau, maneira de soar como o pai.

As palavras de Tyson doíam, mas Alex apenas balançou a cabeça. Uma garçonete parou na frente deles.

—Sires. — Ela mergulhou em uma reverência.

Alex mudou quando ela o olhou da cabeça aos pés sem dizer uma palavra.

—Louisa. — Tyson deu um passo à frente e pegou a mão dela para dar um leve beijo nas costas. —É sempre um prazer vê-la.

Diversão acendeu em seus olhos. Ela teve a graça de não rir do príncipe que era pelo menos dez anos mais novo. —Obrigada, Alteza. Devo continuar com meus deveres.

Ela saiu e Tyson deu uma cotovelada nas costelas do irmão. —Você é muito tímido, irmão.

—Eu sou um príncipe. Não é para mim brincar com os criados.

Tyson deu uma risada. —Alex, você é um príncipe, pode brincar com quem quiser. E eu pensei que você gostava de loiras.

Alex ofegou como se estivesse muito ofendido. —Não acredito que você acharia que eu discriminaria.

A risada de Tyson saltou pela sala, recebendo olhares de mais de algumas pessoas. —Bom em você, irmão. Você é uma escória de oportunidades iguais.

Alex passou o braço em volta do pescoço do irmão e o trancou ali. —Eu não estou tendo essa conversa.

Tyson tentou sair do controle de Alex e falhou. —Você é muito previsível.

Alex o soltou com um empurrão amigável. —E você não é? Desaparecendo por dias. Novamente.

—Sendo que ninguém poderia me encontrar. — Tyson sorriu. —Eu não acho que sou previsível. — Ele empurrou Alex de volta.

O pai deles se levantou abruptamente. —Seria bom se os dois príncipes de Gaule pudessem ficar na sala do trono sem agir como idiotas.

—Ele quer dizer agir como pessoas normais. — Tyson sussurrou.

Alex o cutucou com o cotovelo. —Agora seria a hora de calar a boca.

O pai assentiu e eles avançaram, parando em frente ao trono de ouro. Um trono que um dia pertenceria a Alex. Toda vez que ele via, um calafrio percorria sua espinha. Alguns disseram que La Dame criou ela mesma. Ela tinha sido aliada deles uma vez, antes que a desconfiança da magia se tornasse a lei da terra.

Altos pilares de madeira cobriam o tapete de veludo vermelho, criando um caminho para o rei. A mãe deles não estava em lugar algum, mas ela geralmente optava por não ficar ao lado do rei.

O rei olhou seus filhos friamente antes que um sorriso se espalhasse em seu rosto.

—Meus meninos. — Ele explodiu. —Vamos ter um torneio!

Alex se endireitou e Tyson deixou escapar um suspiro animado. Eles adoravam torneios. Os cavaleiros. A espada. Alex não pôde deixar de esperar que ele pudesse participar dessa vez.

—Pai, eu ficaria honrado em lutar pela glória da coroa. — Alex se ajoelhou e puxou Tyson com ele.

O rei fez uma careta. —Não é esse tipo de torneio.

O coração de Alex bateu forte.

—Está na hora de encontrar um protetor para você. Todo rei tem seu juramento. — Ele não mencionou que o homem que uma vez fez um juramento a ele teve que fugir do palácio para evitar ser assassinado por sua magia.

Ouvir o título despertou algo em Alex. A tradição era importante para os Durands e para o reino.

Tyson riu e seu pai olhou para ele.

—O que é engraçado? — O rei estalou.

—Já era hora de você ter alguém para proteger esse idiota. — Ele apontou para Alex. —Ele está cagando com uma espada e ele não vencerá muitas batalhas se tudo que puder fazer é disparar uma flecha. — Seu sorriso se estendeu por seu rosto. —Talvez ele devesse ter sido um caçador em vez de um príncipe.

A expressão do pai ficou sombria e Alex quis dizer ao irmão para calar a boca, mas antes que ele pudesse, o rei se levantou.

—Você é um tolo, filho. Você conhece a nossa história? — Ele prendeu todos na sala em um transe atento.

O sorriso de Tyson finalmente deslizou.

—O papel de um protetor é puramente simbólico. Enquanto as barreiras de proteção de Gaule estiverem no lugar e La Dame não puder atravessar a fronteira, não haverá necessidade de lutar por você. Eles devem fornecer a aparência de proteção e, se necessário, um sacrifício. A vida deles só vale algo se você estiver vivo. Eles levarão uma flecha por você. Eles enfrentarão a morte. Seu protetor é sua sombra, seu braço direito. Eles são um ícone de força.

O pensamento lhe veio à mente de que Viktor, o campeão de seu pai, era muito mais que um símbolo por muitos anos. Alex se levantou. Ele nunca trairia aqueles leais a ele como seu pai, e estava na hora de ele ter pessoas próprias em quem confiar.

—Diga-me. — Disse Alex.

—Avisos foram colocados em todas as aldeias de Gaule. Qualquer lutador pode competir.

—Como você sabe que o vencedor será leal à coroa?

—Porque se não forem, eles não enfrentarão seus fins para estar ao seu lado.

—Os fins deles? — Ele engoliu em seco.

O rei assentiu. —O torneio será uma batalha... até a morte.

 

 

 

 

 

 


Capitulo Dois


—Eu pensei que nós concordamos que você não usaria sua magia. — Viktor Basile rosnou enquanto cortava as videiras que se espalhavam rapidamente pelo chão da floresta.

Etta o circulou. —Você disse a si mesmo que as pessoas que lutaremos não estarão de acordo com as regras. Por que eu deveria?

A mão dele disparou e ele agarrou um punhado da blusa dela.

—O descuido vai te matar. — Ele a soltou e ela tropeçou para trás. —Em breve, você ocupará um lugar dentro do palácio de Gaule, onde a magia amarrará o laço. Não esqueça disso.

—Como eu poderia esquecer que minha vida não é minha?

Sua voz endureceu em suas próximas palavras quando ele assumiu sua postura de luta novamente. —Se La Dame vier buscá-la, você vai hesitar? Você vai recuar e deixá-la levar tudo o que você tem? Tudo o que você é?

Etta parou as trepadeiras e desviou o caminho de seu pai.

—Não.

—O quê? — Ele gritou.

—Não!

A feiticeira que controlava sua família por gerações não a teria.

—La Dame não vai me controlar. — Ela rosnou.

O pai dela balançou a cabeça, arrependimento brilhando em seus olhos. —Então você já perdeu, minha filha. Porque ela controla você. Ela possui você. Ela já tem tudo o que você é. É isso que significa ser amaldiçoado.

—Nós podemos revidar.

—Não. Essa é a questão. Você não pode lutar com ela. Se o fizer, ela também será a sua morte. Preciso prepará-la para enfrentar a maldição e a parte mais difícil é aprender a não lutar contra ela. Aprendendo a aceitar que devemos servir nossos inimigos.

Ele veio até ela novamente.

Ódio. Isso a levava, implorando para ser liberado em seu oponente quando ela pulou, usando a ponta da bota para chutar uma árvore. Somente depois que ela girou e pousou em um agachamento defensivo, ela ergueu os olhos mais uma vez para o pai. Não. Ela não podia desencadear seu ódio nele, não importava as palavras que saíram de sua boca ou o ardor dentro dela que causaram.

Ela deveria ter visto isso acontecer, mas seus olhos estavam tão focados no olhar ardente dele que ela não notou o braço dele empurrar para o lado segundos antes de o bastão estalar contra suas costas. Ela caiu no chão primeiro, gemendo na terra.

—Levante-se.— A voz de Viktor Basile era dura, dominadora. A voz de um homem que já foi o protetor da coroa.

Persinette passou as mãos por baixo do peito e empurrou para cima. Não foi a dor ou o cansaço que retardaram seus movimentos, apenas o aborrecimento.

O pai dela estalou a língua. Ela olhou para ele, sabendo que poderia vencê-lo se ele não confiasse em truques mesquinhos.

—Etta. — Ele latiu. —Posição.

Ela se inclinou para recuperar seu bastão e sentiu o ar se mover para dar lugar a outro ataque surpresa. Girando para fora do caminho, ela girou seu bastão e fechou os olhos para ouvir com sua magia os sons da terra. Cada tentativa de golpe seguia um pequeno assobio enquanto a madeira navegava no ar. Cada mudança de pé acompanhava uma mudança na terra.

Ele cutucou as pernas dela e ela pulou, pegando a arma do pai entre os pés no caminho. Suas mãos perderam o controle e ele olhou para o chão.

A grama cresceu sobre suas botas gastas. Etta sorriu enquanto tentava se libertar. Eles o seguraram firmemente no lugar.

—Você tem seus truques, pai. Eu tenho os meus. — Ela cutucou seu peito levemente. —Você concorda?

—Ponha sua magia de volta, Persinette.— Seu rosto ficou vermelho.

Ela deu um passo atrás para se apoiar em uma árvore com os braços cruzados sobre o peito.

O silêncio entre eles era quase tão vasto quanto a floresta ao seu redor. A Floresta Negra atingia o medo no coração de muitas pessoas. Eles acreditavam que havia um perigo escondido entre as árvores. Magia. Mal. Para Etta, o perigo estava no castelo além da borda norte da floresta.

Finalmente, o pai dela falou da maneira baixa e perigosa.

—Porque usar magia vai te matar.

—Você diz isso, mas eles não se atrevem a vir aqui para nós.

Ele pegou uma faca na bainha de couro do cinto e se inclinou para cortar a grama que envolvia seus pés. Quando ele finalmente estava livre, ele olhou para ela mais uma vez. —Logo você não terá a proteção das lendas. — Ele começou a caminhar em direção à cabine de um quarto que eles chamavam de lar.

Ela correu atrás dele. —Não preciso de lendas para me proteger.

Ele girou, e ela parou para evitar esbarrar nele. —Da coroa, talvez. Mas e quando ela vier atrás de você?

—La Dame não pode atravessar as proteções enquanto houver magia no sangue dela.

Ele balançou sua cabeça. —Eu não te ensinei nada? Você não pode confiar para sempre. A magia não se estende para a eternidade. Nem sempre irão protegem você.

—Então eu vou lutar com ela. Eu sou uma Basile. É o que eu devo fazer.

—E La Dame é uma rainha! — Seu grito assustou um pássaro de uma árvore e, no silêncio que se seguiu, o bater de suas asas foi ensurdecedor. Ele expirou lentamente, recuperando o controle como se fosse uma corda desembaraçada. —Ela governa Dracon há gerações. Ela não pode ser destruída. O poder dela é incomparável. — Ele colocou a mão no ombro de Etta. —Inimigos estão por toda parte, minha preciosa garota. A hora de eu protegê-la está quase no passado. O melhor que você pode fazer agora é seguir o caminho que está diante de você. La Dame segura as cordas e nossa família dança ao seu ritmo há anos. Faz muitas gerações desde que ela destruiu nossos ancestrais e criou nossa maldição.

Ele se virou e começou a andar novamente. Sem olhar para trás, ele falou: —Estou indo para a cidade buscar alguns suprimentos. Você não deve deixar esses bosques. Não é como da última vez.

Etta estremeceu. A última vez que viajou para o mercado de Gaule, foi pega roubando. Dois homens corpulentos carregando machados irregulares a perseguiram todo o caminho até a beira da floresta. Eles não ousaram segui-la pelas árvores. Ninguém ousaria.

La Dame sim. Etta duvidava que algo assustasse a rainha feiticeira de Dracon.

Dizia-se que a Floresta Negra estava assombrada. Essas eram as lendas que o pai de Etta alegava que a protegiam. Os poucos habitantes da cidade que tiveram coragem de se aventurar na floresta, voltavam com relatos de sons estranhos - quando voltavam. A floresta guardava muitos segredos. Os principais dentre eles pertenciam à última magia restante no reino. Quando o grande exército veio todos esses anos atrás para destruir qualquer um que o possuísse, a floresta e a barreira proteção de seu pai haviam sido o único lugar para muitos do povo mágico irem.

O pai dela tinha magia de barreiras de proteção. A magia que ele exercia lhe permitia criar proteções fortes para manter as pessoas seguras, para manter um reino seguro. Isso lhe dava poder e o tornou valioso para o rei. E foi por isso que o rei tentou matá-lo. Ele simplesmente não tinha percebido que matá-lo teria derrubado as proteções ao redor de Gaule. Proteções que mantinham gente magia dentro e fora do reino, já que ninguém conseguia atravessar a fronteira.

Etta caminhou até o rio até que seu ritmo ficou firme e ela começou a correr. O vento quente do verão roçou suas bochechas, erguendo seus longos cabelos trançados na nuca. A clareira apareceu e um sorriso se estendeu por seu rosto quando a visão diante dela ficou clara. Vérité estava de pé na margem, com a cabeça baixa e a crina cobrindo os olhos enquanto bebia.

—Parece que eu não sou a única que precisa de um banho. — Ela torceu o nariz e esperou a fera reagir à sua presença.

Ele soltou um pequeno suspiro e continuou a beber.

Balançando a cabeça, Etta afrouxou os laços da armadura na garganta. Ela lutou para tirar o couro grosso da pele coberta de suor e sobre a cabeça.

Vérité levantou a cabeça e seus olhos castanhos encontraram os dela. Ela juraria que havia diversão neles.

—Sim? — Ela disse. —Eu gostaria de ver você lutando em couro no calor.

Ele bateu o casco no chão e ela estreitou os olhos. Ele estava zombando dela. Besta com cabeça de madeira.

Quando chegava o inverno, ela passava um mês ou mais sem tomar banho, mesmo com o treinamento constante que a cobria de sujeira. Naqueles meses, ela não cheirava muito melhor que Vérité.

Mas no verão, ela podia fugir para o rio diariamente. Não havia sabão suficiente para o ritual, mas a água lavava grande parte da sujeira do dia.

Ela tirou o resto das roupas e trançou os cabelos. Ele caiu nas costas dela em ondas. Os dedos dela cavaram, separando os fios. Às vezes, quando tudo que ela parecia fazer era treinar e lutar, seus cabelos a prendiam. Isso a lembrava que ela era uma mulher. Isso a acalmava e a fazia se sentir humana em um mundo onde eles eram tratados como menos que humanos.

Etta deu mais uma olhada em Vérité antes de pular na água e se afundou por um momento antes de dar um forte chute e quebrar a superfície. A água a abraçou quando ela flutuou e jogou água no cavalo. Ele balançou a cabeça violentamente, e ela riu.

O treinamento era difícil, mas ela sabia que o pai a estava preparando para enfrentar a maldição da família e poder se proteger do inimigo a quem serviria. Ele estava tentando encontrar uma maneira de levá-la para a casa do palácio. Logo, a maldição a amarraria ao príncipe gaulês. Ela estava perdendo tempo antes de ter que passar a vida protegendo-o.

Havia poucas mulheres na guarda e nenhuma tão jovem. Logo, ela começaria a sentir a maldição apertar-se em torno de si como laços indesejáveis, apenas para se soltar quando estivesse na presença daquele a quem estava destinada a servir.

Um suspiro deixou seus lábios. Ninguém tinha o controle de seu próprio destino, mas poucos tiveram o seu em gerações antes mesmo de nascerem.

Etta esfregou sua pele até ficar vermelha, querendo remover todas as lembranças do dia. Seu pai a espancara muitas vezes. Ela era melhor que isso. Se eles estivessem lutando com espadas em vez de bastões, ele não teria chance.

Ela saiu da água e subiu a margem, torcendo os cabelos enquanto caminhava. Tinha ficado muito tempo sem cortar novamente, ultrapassando sua cintura, mas às vezes era a única coisa que a fazia se sentir como uma pessoa real. Toda vez que seu pai a fazia interromper, ela perdia uma parte de si mesma. As mulheres da cidade não usavam cabelos curtos.

Não foi a primeira vez que ela percebeu que seu pai deveria ter tido um filho. Ela foi a primeira mulher forçada a aceitar a maldição desde que foi lançada sobre seus ancestrais.

Ela vestiu as roupas sobre a pele úmida e ficou ao lado de Vérité. —Me dê uma carona?

Vérité baixou o nariz para o ombro dela e cutucou.

Ela riu. Agarrando um punhado de sua juba, ela se puxou para suas costas nuas. Ele sabia exatamente o que ela queria sem direção. Eles galoparam pela floresta. Eles passaram por algumas casas, e ela acenou para o povo mágico que viu. As pessoas da floresta mantiveram-se em grande parte nos anos desde que escaparam entre as árvores.

Etta fechou os olhos, confiando no cavalo. Ela se lembrou daquela noite que os trouxe aqui. Oito anos atrás. Na noite em que foram forçados a fugir do castelo e fugir por suas vidas. Na noite em que sua mãe morreu. Ela balançou a cabeça e abriu os olhos quando Vérité diminuiu a velocidade. Eles chegaram ao seu lugar favorito. Toda vez que seu pai ia à cidade, ela escapava para esta tapeçaria de flores colocada à sua frente. Vermelhas, amarelas e azuis pontilhavam a paisagem até onde ela podia ver.

Se os estranhos soubessem o tipo de joias que a Floresta Negra oferecia, nunca teriam medo. Eles iriam querer para si mesmos. As pessoas de fora eram egoístas. Ela tinha visto em primeira mão. Pessoas que vivem nas ruas sem ninguém para ajudá-las. Crianças sem famílias. Exércitos que caçariam qualquer um abençoado com o dom da magia.

Mas a única coisa que Vérité sabia era que Etta havia criado este lugar. Enquanto o rei chamava seu poder de mau, ela fazia flores desabrocharem. Enquanto ele era apenas a morte, ela era a vida.

No entanto, o ódio que ela tinha por eles a encheu de vazio. A magnificência deste lugar não teve efeito sobre ela, porque, mesmo que sua magia implorasse por beleza, ela treinou para a escuridão.

Ela deu um tapinha no pescoço de Vérité e deslizou para baixo.

—O primogênito de cada geração será dado ao inimigo como seu protetor. Nas sombras ou na luz, eles servirão dia e noite. — Ela olhou nos grandes olhos de chocolate da fera ao lado dela. —Em sete noites, completarei dezoito anos, meu amigo, e preciso encontrar uma maneira de cumprir essa maldição. Só então descobrirei sua destruição.

Ele bufou como se entendesse e ela se sentou entre as flores, atraindo calor do ar para o coração congelado.

 

A jovem Etta empoleirou-se no topo da parede externa do palácio, perdida nos sons da vida cotidiana. Seu pai não estava em casa há dias e ela estava ansiosa para vê-lo atravessar os portões. Ele raramente deixava o lado do rei e isso significava muitas viagens pelo reino.

Ela teve problemas nas lições para contar histórias de La Dame.

Para a maioria das crianças, a feiticeira não passava de uma figura sombria usada para assustar as crianças. No entanto, nenhum deles sabia o que Etta sabia. Que La Dame viria atrás deles. Ela era a mulher mais poderosa do mundo, não uma simples história para dormir.

Mas nenhuma das outras crianças tinha magia. Eles não haviam crescido com as lendas de Bela, pois eram proibidas na maioria das famílias de Gaule.

Etta examinou as ruas do castelo externo.

Ela se levantou e correu pela parede. Sua mãe ficaria furiosa se a visse. Braços estendidos para os lados, Etta equilibrou-se perfeitamente, o orgulho estufou o peito enquanto olhava para os telhados ao longo da parede. Pequenas casas ladeavam as bordas externas do castelo.

O barulho e o ruído de muitas botas blindadas soaram na rua de paralelepípedos abaixo e ela congelou, tentando pensar se havia roubado alguma coisa nos últimos dias. Não. Eles não poderiam estar lá para ela. Ela olhou para baixo enquanto eles puxavam um homem de sua casa ao longo da parede. A camisola estava grudada nas pernas enquanto os soldados o puxavam para mais longe da casa. O lamento aterrorizado soou de dentro da casa e Etta não aguentou mais. Ela correu o comprimento da parede e pulou no telhado de canto que pertencia à sua família. Deslizando pelos ladrilhos em ângulo, ela agarrou a borda e pulou sobre as caixas que seguravam suas galinhas.

Uma carroça carregada estava ao lado da porta.

O pai deveria estar em casa. Ele gostaria de ouvir o que ela acabara de ver.

A porta da frente de madeira se abriu com dobradiças enferrujadas e Etta parou de se mover, com a boca aberta. Um perfume metálico pairava no ar, tão espesso que ela podia prová-lo. Um guarda estava perto do fogo crepitante, aquecendo as mãos ensopadas de sangue. Esperando. Apenas esperando.

Etta examinou o espaco silenciosamente, encontrando imediatamente o sangue vermelho profundo, enquanto ele se banhava nas tábuas do assoalho de madeira. Ele se movia e girava como se fosse uma coisa viva. Mas como poderia estar vivendo quando a mulher de quem veio estava tão obviamente morta?

O corpo no chão não poderia ter sido sua mãe. Ela não tinha o sorriso gentil de sua mãe. O gelo em seus olhos não estava certo. A mulher tinha sido o calor em sua casa.

Etta segurou um soluço quando o chão rangeu embaixo dela. O guarda não se virou.

—Eu sei que você está ai. — Disse ele. —E eu sei que você possui uma magia ainda maior que ela. — Ele olhou de lado e cutucou o corpo com o dedo do pé.

O poder formigava nas pontas dos dedos de Etta. Se eles estivessem do lado de fora, ela já o teria no chão. Mas não havia terra viva para manipular por dentro.

Um cavalo relinchou do lado de fora e o medo a atravessou. Mais guardas? Ela sabia que deveria correr, mas seus olhos encaravam o olhar vazio de sua mãe e ela não conseguia se mexer.

O guarda finalmente se virou para ela. Ele abriu a boca para falar novamente, mas fechou-a quando seus olhos se arregalaram.

—Deixe-a em paz. — Uma voz estridente, mas forte ordenou atrás dela.

Lágrimas escorreram pelas bochechas de Etta quando ela se virou para o recém-chegado e correu para ele. Ele a pegou em um abraço.

—Você está bem? — Alex, o príncipe herdeiro de Gaule, perguntou-lhe baixinho.

Ela soluçou contra o peito dele.

Alex era alguns anos mais velho que ela, mas eles eram amigos desde que ela nasceu.

Outra figura apareceu atrás de Alex e investiu contra o guarda. Ele ficou muito surpreso com a presença do príncipe por não estar pronto para um ataque.

Etta assistiu sem emoção quando o pai passou a espada no pescoço do homem. O guarda caiu e seu pai não se deu ao trabalho de limpar a lâmina antes de enfiá-la na bainha e marchar em sua direção.

—Eu vim avisar você. — Disse Alex. —Meu pai está vindo para as pessoas com magia.

O rosto de seu pai estava gelado quando ele a pegou como uma boneca de pano das garras do príncipe. —Nós não precisamos de um aviso de você. — Ele cuspiu, olhando para sua esposa morta. —Eu salvo o reino e seu pai me trai. — Ele apontou um dedo longo. —Chegará um dia, Alexandre Durand, em que minha família será a sua morte.

A ameaça pairava pesada no ar quando o pai de Etta a levantou na carroça. Ela chorou ao olhar para o lugar onde eles foram forçados a deixar sua mãe. Quando ela encontrou o olhar do príncipe, ele também tinha lágrimas nos olhos.

 

Etta acordou ofegando por ar. Ela enxugou o rosto úmido e sentou-se. A escuridão envolvia a floresta ao seu redor. Era o momento em que a maioria das pessoas se trancava lá dentro, longe de espíritos itinerantes. Para ela, ela se deleitava com o silêncio das estrelas que podiam ser vistas através de brechas nas árvores, brilhando como gemas raras. Ela gostava de acreditar que sua mãe estava entre elas.

Eles não haviam viajado para longe do castelo na noite de sua morte. A maldição de sua família amarrava seu pai ao rei, pois logo a amarraria a Alex, o que significava que eles tinham que ficar perto, para que a gravata invisível se apertasse em volta do pescoço do pai como um laço.

Alex era o garoto nascido na família errada. Ele tinha sido bom demais para eles, mas ele era criança. Agora, com olhos mais velhos, ela o via como diferente do resto de sua família cruel.

Na noite da fuga, o pai contou tudo sobre a maldição.

La Dame começou a arruinar Bela e seus governantes da maneira mais cruel possível.

Ela sabia que seu futuro levava ao príncipe Alexandre. Ela o protegeria. Ela lutaria por ele. Mas ele era o príncipe do reino que matou sua mãe e continuou a caçar seu povo, então sua confiança, sua amizade era algo que ele nunca mais teria.

 

 

Capitulo Tres


A corda esticada do arco tremeu contra os dedos de Etta quando ela alinhou seu tiro e seguiu seu alvo. Ela puxou o braço para trás, sentindo as penas macias da flecha contra sua pele. Soltando a flecha, ela amaldiçoou quando ela voou longe da raposa. O animal fugiu, provavelmente para assediar outra pessoa. Ela o acompanhava há horas, porque estava causando estragos para algumas das famílias próximas.

Ela jogou o arco no chão, frustrada. Era uma habilidade que ela nunca foi capaz de dominar. Um graveto estalou à sua direita e ela avistou um cervo, com a cabeça dobrada, perdido em sua própria fome.

Etta tirou uma adaga do cinto e atirou-a uma vez na mão. Com a furtividade de um ladrão, ela caminhou em direção a ele sem ser vista. Apenas o ruído suave sob seus pés contava sua presença.

O cervo levantou a cabeça, mas antes que pudesse correr, Etta sacudiu o pulso e mandou a adaga voando de ponta. Atingiu o cervo no peito. O cervo correu e Etta o perseguiu por alguns passos antes de agarrar a segunda adaga e jogá-la com tanta força quanto a primeira.

Não houve satisfação como teria acontecido com a raposa. O cervo não significava nenhum dano, mas os recursos eram escassos e essa carne poderia custar um preço no mercado. Etta ajoelhou-se ao lado da criatura moribunda e disse às ervas que se levantassem para criar uma cama mais macia para que ela morresse. Ela o acariciou entre os olhos e uma aljava o percorreu antes que seu peito não subisse.

Ele não era um cervo considerável, então Etta foi capaz de colocá-lo sobre seus ombros, grunhindo pelo esforço. Ela caminhou a curta distância até sua cabana e, quando chegou, seus ombros gritaram com a tensão. Ela largou o cervo no chão do lado de fora da porta e sacudiu os braços. Os olhos do cervo a penetraram, mas não havia vida atrás deles.

O pai dela não voltou. Às vezes, ele partia por muitos dias, precisando estar perto do castelo para aliviar a tensão da maldição. Ele tentou escondê-lo, mas até a curta distância do rei o machucava. Ela sentiria a mesma agonia esmagadora toda vez que deixasse o lado de Alexandre?

Ela puxou a gola da blusa enquanto a respiração aumentava. Ela tinha que sair da floresta por nenhuma outra razão senão pela distração. Seu destino corria em sua direção mais rápido do que ela poderia parar e ela não estava pronta.

 

Os olhos dela voltaram para o cervo. Ela não esperava encontrar um e, por mais que quisesse subir em Verité e ir embora, não podia deixar a carne estragar.

Ela levantou a mão para escovar os cabelos para trás e fez uma pausa, os cantos da boca inclinando-se e formando um plano. A carne alcançaria um preço justo no mercado se ela fizesse a viagem para a vila.

Fazia muito tempo desde que ela deixou a floresta. Ela mal falava com alguém que não fosse seu pai ou Vérité. Seu pai ficaria furioso até que ela jogasse o dinheiro da venda nas mãos dele.

Querendo se mexer, ela apertou a adaga. Sem a ajuda do pai, ela não podia pendurar o cervo e estava ansiosa demais para pegar a estrada e deixá-lo envelhecer. Não, ela teria que fazer isso da maneira mais sangrenta.

Ela não gostava de massacrar, mas preferia fazê-lo rapidamente. Algumas coisas eram apenas necessárias para a sobrevivência. Seu pai lhe ensinou que o sangue não era nada para se assustar. Um dia, ela seria solicitada a derramar muito disso.

Já era de tarde quando ela terminou e embrulhou a carne em papel. O mercado estaria fechando em algumas horas. Ela nunca chegaria a tempo, então precisaria sair de manhã.

Quando se levantou e sacudiu as pernas rígidas, olhou para a blusa e a calça, ambas cobertas de sangue. Com um suspiro, ela foi em direção ao rio.

 

Etta acordou cedo e vestiu um vestido simples que a faria se misturar ao invés de se destacar. Era um vestido de plebeu. Os comerciantes pensariam que ela era uma fazendeira ou apenas a esposa de um caçador. Ninguém jamais imaginaria a verdadeira linhagem da qual ela era descendente, o reino esmagado por uma maldição.

Do lado de fora, Etta assobiou uma única nota alta e esperou. Vérité apareceu em pouco tempo. Ele nunca vagava longe.

—Sinto muito, meu amigo. — Disse ela. —Não podemos nos destacar. Como eu devo usar esse vestido ridículo hoje, você deve vestir o papel também.

Ela tirou uma sela do gancho na parede. Vérité bufou, mas não ofereceu mais resistência. Ele era mais esperto do que a maioria das pessoas que ela conhecia.

Colocando suas mercadorias para o mercado nas sacolas, Etta subiu e apertou as pernas contra as laterais do cavalo. Eles se comunicavam por toques sutis e chutes leves, mas, na maioria das vezes, o cavalo entendia o que ela queria. O vínculo deles era especial. Ele era um cavalo selvagem, indomável. Ela teve a selvageria treinada fora dela. Ela era letal, mas Vérité estava entendendo. Juntos, eles estavam completos.

Cavalgaram por horas antes de deixar a segurança da floresta para trás e galoparam pelo caminho em direção à cidade.

Fileiras e fileiras de estruturas de pedra e madeira estendiam-se diante dela. O caminho de terra deu lugar a estradas de tijolos. As lojas eram abundantes. Enquanto o povo mágico estava escondido na floresta, o povo de Gaule prosperava. Ela balançou a cabeça e instou Vérité a avançar. Nojo torcia em sua barriga por essas pessoas. Toda vez que ela se aventurava entre eles, era a mesma coisa. Seus ancestrais haviam destruído o reino de sua família gerações atrás e agora haviam destruído seu povo.

Afastando-o, ela colou um olhar agradável no rosto, não o olhar de uma ladra ou de uma lutadora treinada. Apenas uma garota curtindo um passeio a cavalo. Ela parou no meio da praça do mercado. Os comerciantes se ocupavam em montar estandes para o dia. Ela poderia levá-lo diretamente ao açougue, mas ele provavelmente tentaria pagá-la. Seu pessoal que trabalhava no estande era mais fácil de manipular.

Uma mulher levantou o olhar de onde exibia uma carne seca e salgada quando Etta deslizou pelas costas de Vérité. Ela era a esposa do açougueiro, mas não mais agradável que ele.

Eles estavam muito perto do sapateiro que ela foi pega roubando desde a última vez em que veio à cidade para seu conforto. Seus sapatos estavam mais uma vez gastos ao ponto de desconforto, mas eram melhores do que os que ela teve naquele dia.

A pobreza não a incomodava. Ela não estava nesta terra para viver com conforto. Seu treinamento e circunstâncias difíceis foram feitas para prepará-la. Ela nasceu apenas para cumprir a maldição.

Silenciosamente, Etta soltou a bolsa da sela de Vérité e avançou.

A esposa do açougueiro a olhou desconfiada e abriu a sacola.

—Roubou isso, hmmm? — Sua voz falhou quando ela chiou.

—O que? — Etta se inclinou para frente para começar a tirar a carne embalada. A trança caiu sobre um ombro. —Eu fiz a matança com minhas próprias mãos.

—Você sempre diz isso, querida, mas isso não faz com que seja. — Ela pegou um pacote e cheirou. —Isso não cheira tão fresco.

—Isso é besteira. Eu o matei ontem.

—Provavelmente se deu ao trabalho de cortar.

Etta agarrou a borda do estande com fúria.

A esposa do açougueiro continuou. —Onde você o encontrou? Nós não temos muita carne de veado por aqui. Às vezes os caçadores encontram veados naquele prado a leste da cidade.

Ela estava testando ela. O prado a leste da cidade não continha nada além de um pedaço de grama. Nenhum caçador se incomodaria com isso.

Etta estreitou os olhos. —A Floresta Negra.

Os olhos da mulher mais velha se arregalaram. —Não minta para mim, garota.

—Eu nunca menti para você. — Ela se inclinou para ela. —Alguns de nós não temem os espíritos. — Ela não mencionou que os espíritos eram apenas pessoas, seu povo, encobertos pelas proteções de seu pai.

—Garota simplória.

Etta balançou a cabeça. —Quanto custa a carne?

A mulher colocou um punhado de moedas sobre a mesa - metade do valor.

Etta rosnou. —Você deve pensar que eu sou realmente uma garota simplória. Não vou vendê-lo por isso. — Ela pegou os pacotes de carne para colocá-los de volta na bolsa.

A esposa do açougueiro a deteve com um punho de ferro no pulso. —Guardas. — Ela gritou, procurando ao redor os guardas que estavam presentes constantemente na cidade. —Ladra! — Ela deu um sorriso malicioso para Etta antes que o falso pânico cruzasse seu rosto.

Etta soltou o braço dela e pegou as moedas da mesa. Vérité relinchou perto, e ela virou a cabeça para ver um guarda agarrar as rédeas dele, impedindo-a de fugir a cavalo.

Amaldiçoando o vestido que ela usava, ela levantou a saia e foi embora. Recuperar Vérité seria um problema para mais tarde, uma vez que ela saísse dessa bagunça. Os guardas acreditariam na palavra daquela mulher miserável sobre uma garota sem conexão com a cidade. Enquanto ela corria pelas ruas, dois guardas bateram atrás dela, empurrando pessoas atordoadas para fora do caminho.

Uma sensação de déjà vu a atingiu quando ela se jogou em um beco estreito entre duas lojas. Ela conhecia o lado de baixo desta cidade quase tão bem quanto conhecia sua floresta. Seu peito arfava, mas suas pernas podiam continuar o dia todo. Olhando rapidamente para trás, ela sabia que não era o caso de seus perseguidores. Os lábios dela se curvaram com o pensamento. Fácil.

Procurando a adaga escondida em uma bainha na frente do vestido, ela ganhou velocidade. O beco estreitou-se ainda mais e terminou com uma barreira de pedra que o bloqueava da rua seguinte.

Bombeando os braços, ela deu um pulo correndo, pousando em cima dele. Seus pés se tocaram apenas um pouco antes de partir para o outro lado, onde outro guarda a esperava. Ela o jogou no ar enquanto voava no ar e os dois caíram no chão. Seu ombro gritou em protesto quando ela habilmente se levantou e soltou a faca.

O guarda se levantou mais devagar, mas empunhou a espada enquanto fazia isso. Uma faca nunca poderia combinar com uma espada e, como o aço relampejava diante dela, tudo o que ela podia fazer era se abaixar.

—Senhora, você está presa. — Ele resmungou enquanto tentava forçá-la contra a parede para terminar a luta. Ela girou para o lado, mas a espada dele a deteve, cortando seu braço no processo.

Ela mordeu o lábio para não gritar e viu um lugar onde as ervas daninhas atravessavam o tijolo no chão. Sem pensar, ela desejou que as ervas daninhas continuassem crescendo. O guarda olhou para ela com curiosidade, ainda a prendendo contra a parede, enquanto ela estreitava os olhos em concentração.

—O que? — Seus olhos se arregalaram com as ervas daninhas que cresciam ao redor de seus tornozelos. —Magia.

Ela não prestou atenção a ele enquanto seu poder a dominava, zumbindo através dela como um brilho brilhante. As ervas daninhas subiram por suas pernas, e ele a soltou para cortá-las com sua espada. Elas não pararam até estarem amarrados em seus ombros, segurando-o no lugar. Por uma boa medida, ela sacudiu o dedo, fazendo com que uma erva daninha crescesse sobre sua boca, assim que ele começou a gritar.

A voz do pai entrou em sua mente. Ele ficaria furioso, mas a adrenalina corria em suas veias.

—Alguém certamente encontrará você. — Ela deu de ombros e deslizou a adaga de volta pela frente do vestido enquanto se virava para ir embora.

Uma adolescente estava parada na entrada do beco, os olhos como discos redondos.

O medo surgiu através de Etta. Duas pessoas a viram hoje. Eles viriam atrás dela. Era a lei. Só então ela percebeu sua idiotice.

Ela correu em direção à garota e, ao se aproximar, percebeu que a garota era mais velha do que apareceu pela primeira vez. Provavelmente apenas alguns anos mais jovem que a própria Etta.

Etta abriu a boca para falar, implorar sigilo à garota, mas a garota levantou a mão.

—Venha comigo. — Disse ela.

—Eu não vou a lugar nenhum com você.

—Eu sei quem você é, Etta. E a menos que você queira que eles te peguem, venha.

Etta não teve escolha a não ser segui-la até a loja do curandeiro.

—Eu sei o que você acha que viu por aí. — Etta começou. —Mas não era o que parecia.

—As coisas nunca são como parecem. — Ela sorriu gentilmente, afastando os cachos pretos dos ombros. Seu rosto castanho dourado era redondo e macio, mantendo nenhum dos ângulos agudos que a vida difícil criara em Etta.

—Meu nome é Maiya. — disse ela.

Etta voltou o olhar para a outra garota. —Como você sabe meu nome?

Maiya riu e tinha uma qualidade arejada. —Todo mundo na cidade conhece você. Você é a garota que aparece de vez em quando e causa confusão. Ninguém sabe de onde você é ou quem é o seu povo. Você é um mistério. — Ela fez uma pausa. —Você também é filha de Viktor. Eu vi você entrar na vila.

Etta resmungou.

—Seu braço está ferido. — Maiya gesticulou para o sangue escorrendo de um corte raso. —Sente-se, eu posso consertar. — Ela levou Etta a um banquinho sentado em frente a uma mesa cheia de várias ferramentas e poções de cura. Agradecida pela primeira gentileza que sentira de qualquer pessoa na cidade, Etta aceitou a ajuda e estendeu o braço. Ela esperava que Maiya pegasse uma de suas agulhas ou pomadas. Em vez disso, a garota passou a palma da mão pelo braço de Etta e fechou os olhos.

A pele de Etta começou a mudar e a se unir. O calor ardeu em seu braço. Ela puxou-o em choque e com uma pontada de dor, mas Maiya estava pronta. Onde havia uma fatia de infiltração vermelha um momento antes, agora era apenas pele rosada, um pouco mais pálida que a pele desgastada pelo tempo.

—Você...— Etta gaguejou. —Você tem magia de cura.

Maiya sorriu. —Todos nós temos segredos, minha amiga. Agora você segura minha vida em suas mãos tanto quanto eu a sua.

Antes que ela pudesse responder, duas vozes altas soaram do lado de fora da porta da frente segundos antes de dois homens a abrirem. Ela reconheceu o pai imediatamente e deslizou do banquinho.

—Ela deve fazer isso. — Dizia o pai.

—Você acha que esse é realmente o caminho? O risco é...

—Aceitável. Se ela não cumprir essa maldição, a dor será muito grande. Eu vivo com essa distância entre mim e o rei - minha responsabilidade - todos os dias e eu não desejaria isso nela.

—Pai. — Etta deu um passo à frente e os dois homens notaram suas filhas pela primeira vez. —Que risco é grande demais? Eu posso lidar com qualquer coisa.

O pai sorriu orgulhosamente por um breve momento antes de avançar com raiva. —O que você está fazendo aqui, Persinette? Você sabe que não tem permissão para deixar a floresta.

—Mas eu matei um cervo. Estávamos tão desesperadamente com falta de suprimentos que decidi vendê-lo. — Ela estendeu a mão para revelar as moedas.

Ele amaldiçoou baixinho. —Quando os guardas começaram a atacar o mercado, eu vi você. Se eu não tinha enviado Maiya para encontrá-la, qual era seu plano?

Quando ela não respondeu, ele continuou. —Eles encontraram um guarda aqui embaraçado em ervas daninhas. Sabe alguma coisa sobre isso?

Ela balançou a cabeça. —Nenhuma pai.

—Bem, aparentemente ele também não. Acabamos de passar por alguém que o interrogava e ele afirma que nenhuma magia estava envolvida, mas caramba! Ele estava amarrado em ervas daninhas. Quem vai acreditar nisso? Eu nem tenho tempo para contemplar por que esse guarda está mentindo quando eu tenho que me preocupar com o que acontece se de repente ele decidir contar a verdade.

Ela abaixou a cabeça. —Sim, pai.

Ele pegou as moedas dela. —Como você chegou aqui?

—Vérité.

Ele amaldiçoou novamente. —Eu disse para você ficar longe desse cavalo. Ele não pode ser domado.

—Bem, eles o pegaram. Eu preciso recuperá-lo.

—Não está acontecendo. Cavalos confiscados pertencem à coroa. Ele provavelmente já está a caminho dos estábulos do castelo.

Ela não podia acreditar que o decepcionaria. Vérité era seu melhor amigo. Ele merecia estar livre, vagando pela floresta à vontade, não enroscado em uma tenda.

—Retire da sua mente. — Seu pai olhou para o outro homem e depois para ela. —Este é Pierre. Vejo que você conheceu Maiya. Leia isso. — Ele empurrou um papel dobrado para ela.

Ela cuidadosamente abriu. Rabiscadas em tinta preta, eram instruções para um torneio.


Uma semana.

Uma batalha dos maiores guerreiros do reino.

Até a morte.

O vencedor se tornará o protetor do príncipe.


Ela fechou os olhos, respirando profundamente para acalmar seu coração irregular. Até a morte. Quem daria sua vida de bom grado para ficar ao lado do príncipe? Tolos. Todos eles.

Ela levantou a cabeça, lendo o papel novamente. Ela não era boba, mas era amaldiçoada.

No dia seguinte à morte de sua mãe - o primeiro dia de suas vidas escondidas, o pai de Etta começou a treiná-la. Às vezes era tudo o que os dois tinham. O passado se foi. O futuro estava no escuro. Eles viveram todos os dias para se tornar o melhor que puderam. Era perfeito. O caminho dela.

—Essa é a oportunidade de eu entrar no palácio? Como?

Seu pai a estudou por um momento. —Tradição.

—Sim, mas o que isso significa, pai?

Ele esfregou o queixo. —Todo rei, ou futuro rei no caso de Alexandre, tem um protetor. Alguém para ficar ao seu lado e lutar por eles. A realeza de Gaule nem conhece as origens de suas próprias tradições. Esta surgiu quando o primeiro a se curvar à maldição abandonou Bela para jurar lealdade a Gaule. Desde então, nenhum rei perdoou seu juramento. Os Basile tem encontrado maneiras de manter a posição, nem todas com o nome Basile. Agora é a sua vez.

—Eu posso fazer isso. — Prometeu, erguendo os olhos para olhar para o pai. —Em uma semana, começarei o cumprimento da maldição, mas Pai, eu sou a última. Termina comigo. Esta é a minha promessa. Vou quebrá-la. Somente a morte pode me impedir. E então eu vou vencer. A família Durand controlou os Basiles por muito tempo.

—Maior do que você tentar e falhar.

Suas palavras martelaram nela, sua falta de fé enviando uma centelha de dor através de seu coração. Etta ergueu os ombros e manteve a cabeça erguida. —Isso acaba comigo.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Capitulo Quatro


O palácio estava repleto de atividades em preparação para o torneio.

Alex sentou-se no topo da parede externa, olhando através do terreno ao redor. Guardas marchavam pela estrada a partir dos portões de ferro abertos. Era raro eles os fecharem. Não havia ameaças ao reino enquanto as proteções mantinham suas fronteiras.

As proteções. Pareceu irônico que a única proteção do reino fosse a própria magia que eles fizeram o melhor para eliminar. O homem que criou as proteções passou anos a serviço da coroa antes de sua magia o tornar uma ameaça.

Mas não foi isso que obscureceu os pensamentos do príncipe hoje. Muitos homens estavam indo para morrer. Tudo para ter um lugar de honra ao seu lado. Ele continuou dizendo a si mesmo que eles entraram de bom grado. Nada disso seria culpa dele. Ele observava o torneio como se fosse o grande entretenimento que deveria ser.

As tendas se estendiam pelo horizonte, com os telhados pontiagudos alcançando o sol brilhante. Pessoas viajaram de todo o reino para o espetáculo. Os artistas animaram a noite nos últimos dias e inundaram os mercados à tarde. Cavaleiros e outros guerreiros chegaram em massa.

—Pensei em encontrar você aqui. — Disse Tyson, sentando-se e deixando cair as pernas sobre a beira do muro. —Hoje vai ser épico.

Alex lançou um sorriso forçado e desviou o olhar. Seu irmão via esses eventos com a excitação de uma criança. Ele não se lembrava de uma época em que Gaule estava enviando seus soldados para morrer do outro lado da fronteira.

Alex não sabia por que ele precisava de um protetor quando estavam em paz. Mas o povo precisava do torneio. Por mais terrível que fosse, os reunia e eles esperavam.

—Você verificou os túneis que eu falei? — Tyson perguntou.

—Eu não tive exatamente tempo, irmãozinho. — Alex olhou de soslaio para ele.

—Não conte ao pai sobre eles até você vê-los, porque você precisa vê-los antes que ele os destrua.

—É o que deve ser feito, de qualquer maneira.

—Por quê? Com as proteções no lugar, não é como se o povo mágico pudesse usá-las.

Alex não podia culpar a lógica de seu irmão, então ele soltou e ficou de pé. —Eu preciso me preparar.

Tyson bufou. —Eu te conheço, Alex. Você está prestes a cair nessa loucura e vai abandonar seus guardas para fazê-lo. — Ele apontou para a multidão. Eles se amontoaram na arena que havia sido construída especificamente para o evento. —Eu posso ir?

Alex riu. —O pai vai ficar chateado.

Tyson deu de ombros, um brilho malicioso nos olhos.

Alex riu de novo. —Vamos.

Os dois príncipes trocaram suas capas de seda acolchoadas, substituindo-as por túnicas encurtadas feitas de tecido liso. Eles removeram todas as joias de ouro e descartaram os anéis de ouro maciço que seu pai insistia que usassem em cima de suas cabeças. Alex vestiu sua cota de malha, apesar do calor. Ele pareceria apenas mais um homem chegando para a luta. Sua espada de joias seria muito óbvia, então ele amarrou uma espada embainhada na cintura, não como se fosse usá-la. Tyson não estava errado. As habilidades de luta de Alex deixavam muito a desejar. Ele tentou, ele tentou. Ele apenas não tinha o interesse que seu irmão tinha. A última coisa que Alex fez foi puxar a touca de malha sobre a cabeça. Ele fez uma careta quando o peso caiu ao seu redor, mas isso o ajudaria a passar despercebido.

—Altezas. — Alguém chamou enquanto voltavam para o pátio.

Alex gemeu e virou-se para Geoff, que estava correndo na direção deles. Ele servia na guarda do príncipe e pensou que isso significava que ele tinha total controle de Alex. Ele não tentou esconder seu desdém por esta competição. Ele pensou que deveria ser nomeado protetor. O rei obviamente não tinha concordado. E Geoff não havia participado da competição. Ele não era corajoso o suficiente.

—Receio que devo perguntar para onde você pensa que está indo? — Ele perguntou.

—Relaxe, Geoff. — Tyson se aproximou e passou um braço sobre os ombros. O guarda ficou rígido. —Eu acho que você só precisa descansar.

A confusão nublou o rosto de Geoff, e ele tentou afastar o príncipe adolescente.

Antes que ele pudesse responder, o braço livre de Tyson voou pelo ar e se conectou com o lado de sua cabeça com um ruído alto. O guarda caiu contra a parede e deslizou inconsciente.

—Disse que dormir ajudaria. — Tyson sacudiu o punho. —A cabeça desse cara está dura.

Alex olhou para o irmão enquanto tentava conter o riso. —O que...

Tyson sorriu. —Sempre quis bater naquele cara.

—Você sabe que o pai vai puni-lo por fazer algo que nem nos ajudará a sair daqui?

—O que ele vai fazer? Me trancar no meu quarto de novo?

—Foi uma semana, e ele mal enviou comida. — Alex balançou a cabeça em descrença.

—Ainda bem que minha empregada está apaixonada por mim.

Alex deu uma risada. —Ela tem muitos anos a mais que você.

—Não faz diferença quando você é tão adorável. — Ele olhou ao redor. —Vamos.

Tyson causou todo tipo de problemas no palácio e ele era um espinho no lado do pai deles, mas em momentos como esses, era bom tê-lo por perto.

Alex o seguiu até uma câmara vazia na parte de trás da capela do palácio. Uma porta os levou a um túnel através da parede externa.

—Eu não quero saber como você sabe que isso está aqui. — Alex começou. —Ou como você tem uma chave para aquela porta.

—Você ficaria surpreso com os segredos que este lugar guarda. Antes das proteções, o pai tinha muitos espiões. Ele os conheceu na capela, usando o túnel para contrabandear eles para dentro e para fora.

A parede não era terrivelmente espessa, então eles estavam do lado de fora em pouco tempo.

Tyson começou a correr colina abaixo em direção às fileiras de tendas. —Vamos. Quero ver os lutadores antes que as festividades comecem.

A multidão os envolveu. Dois grandes soldados passaram por Alex, empurrando-o. Ele girou para não cair e perdeu de vista o irmão. As pessoas acenavam para ele enquanto ele andava, vendendo tudo, de joias a espadas a vários alimentos. Especiarias flutuavam no ar, atacando-o de todas as direções.

Um cavaleiro cavalgava no topo de um cavalo enorme, maior do que muitos nos estábulos do palácio. Sua armadura caia junto quando ele se movia.

Mesmo com seu capacete obscurecendo seus cabelos e testa, Alex evitou olhar diretamente para qualquer um, para que não o reconhecessem enquanto ele procurava Tyson. Ele caminhou em direção aos grupos de combatentes, sabendo que era onde ele encontraria seu irmão.

Tyson apareceu à frente, tecendo dentro e fora das pessoas, então ele acelerou o passo. Alex abriu a boca para chamá-lo e parou bruscamente enquanto colidia com alguém.

Ele mal se mexeu, mas a outra pessoa caiu esparramada nas pedras. Seus olhos pegaram os longos cabelos dourados e viajaram até o rosto da garota. Ela olhou para ele e a suavidade desapareceu quando seus olhos verdes brilharam.

Sua estranha beleza o prendeu momentaneamente. —Sinto muito, minha senhorita. — Ele estendeu a mão para ajudá-la e sorriu gentilmente. —Eu não estava assistindo meus passos.

—Eu posso dizer que não. — Ignorando a mão oferecida, ela se levantou com uma agilidade surpreendente e passou as mãos pelo vestido liso.

Uma camponesa. O príncipe fez a distinção imediatamente. As linhas duras de seu rosto sugeriam que ela estava acostumada a um trabalho duro. A filha de um fazendeiro, talvez. Talvez até a esposa de um fazendeiro, embora ela fosse muito jovem.

Ela olhou para trás como se fosse correr e um golpe de familiaridade atingiu Alex.

—Já nos encontramos antes? — Ele perguntou.

Os olhos dela se estreitaram. —Eu não teria motivos para visitar o palácio.

Ele sorriu. Ela o reconheceu. Isso foi um começo. —Sua Alteza.

—O que?

—Você obviamente sabe quem eu sou, então é costume mostrar meu respeito.

Ela riu, finalmente abrindo um sorriso. Não era exatamente aquele tipo, mas estava lá. —Mostrarei meu respeito quando você merecer.

—O que isso deveria significar?

Ela cruzou os braços sobre o peito. —Tudo o que você fez foi me atropelar.

—Eu sou seu príncipe.

Ela murmurou algo baixinho que soou muito como “Não é meu príncipe” e isso o fez sorrir ainda mais. Ele não conseguia se lembrar da última vez que alguém foi tão descaradamente rude com ele. Ele achou bastante divertido.

—Por que você está sorrindo assim? — Ela fez uma careta.

—O quê? — Seus olhos se arregalaram inocentemente.

Ela apontou para o rosto dele. —Como se eu fosse uma criança que acabou de falar pela primeira vez.

Ele riu. —Eu gosto de você.

—Eu não gosto de você. — Ela respondeu.

—Acredite ou não, é o porquê eu a acho tão encantadora.

—Eu não sou encantadora. — Ela pressionou os lábios em uma linha plana.

—Não. — Ele estreitou os olhos. —Você é... feroz. — Seus olhos se iluminaram. —É isso aí. Bem, senhora feroz... — Ele se curvou, estendendo um braço para o lado. —Posso ter o prazer do seu nome?

—Não.

Ele deveria ter ido embora. Ele precisava esquecer essa garota excessivamente ousada. Mas seus pés não se mexiam. Um puxão invisível o manteve lá. Os olhos deles se conectaram, os dela implorando para ele ir.

—Alex. — A voz de Tyson cortou a tensão quando ele se colocou entre eles. —Você vai me apresentar a sua amiga? — Ele sorriu com facilidade.

—Eu não sou amiga dele. — A garota se virou e caminhou em direção às fileiras de tendas.

Alex a observou até que ela desapareceu.

Tyson bateu a mão no ombro dele. —Eu não acho que ela gostou de você, irmão. Você disse a ela que você era um príncipe?

—Isso tornaria as coisas piores.

Tyson riu. —Eu já gosto dela.

Alex balançou a cabeça, sem saber o que aconteceu. Ele nem sabia o nome dela. Ela era apenas uma camponesa. Mas mais do que tudo, ele ansiava por falar com ela novamente.

 

 

 

 

 

 

Capitulo Cinco


Abalada por seu encontro com o príncipe, Etta sentou-se em sua tenda com a cabeça nas mãos. Alex não a reconheceu. Se ele tivesse, ela estaria acorrentada agora.

Assim que o viu, ela queria fugir, fugir de toda a maldição. Os pés dela não a deixaram. Seu corpo inteiro zumbiu com a proximidade.

Assim que o pensamento preencheu o espaço em sua mente, ela evocou uma imagem do garoto que conhecera todos esses anos atrás, achando difícil acreditar que ele a machucaria.

Mas ela sabia o que a família dele fazia com a dela. Oito anos era muito tempo. Ele estava ao lado de seu pai enquanto caçavam o povo mágico em todo o reino.

Todo o plano contava com ele não sabendo que Etta era a mesma pessoa que Persinette com quem ele era amigo. Ela nunca conseguiria uma posição no palácio se soubessem que ela tinha magia. Ela não sabia o que eles fariam com ela.

Maiya empurrou a aba da tenda com o pai a reboque. O próprio pai de Etta não estava lá. Ela não derramou lágrimas quando se despediram nas primeiras horas da manhã. Se ela conseguisse sobreviver ao torneio, mudaria-se para o palácio para servir ao lado do príncipe e ver o pai seria quase impossível.

Viktor Basile era o fora da lei mais notório do Gaule. Ele arriscava tudo toda vez que ia à cidade. Não havia como ele mostrar seu rosto no meio da multidão aqui para o torneio.

Etta olhou para Maiya, a garota com quem ela havia feito amizade apenas uma semana atrás. Havia lágrimas nos olhos dela.

—Você tem certeza que precisa fazer isso?

Etta olhou para Pierre e ele assentiu, deixando-a saber que sua filha poderia lidar com a verdade.

—Sou descendente de Bela, assim como você, mas também sou mais do que isso. — Ela se levantou, endireitou os ombros. —Eu sou da linhagem real.

Os olhos de Maiya se arregalaram. —Você é a amaldiçoada. — Seu suspiro reverberou pelo espaço.

A raiva rasgou seu coração. Não para a garota na frente dela. Nem mesmo para o pai dela. A raiva era pelos seus antepassados. O rei Phillip e a rainha Aurora destruíram o reino de Bela e condenaram suas futuras gerações a permanecerem sob o controle de La Dame.

O pai dela dizia para ela afastar essa raiva. A emoção apenas atrapalhava em uma luta. Mas ela não era o pai dela. Ela a usaria para vencer este campeonato e trazer esse reino de joelhos.

—Não chore por mim, Maiya. — Etta suavizou os olhos. —Muitos antes de mim assumiram a maldição. — Ela olhou para cada um deles. —Não serei diferente. Se eu tiver que lutar até o lado do hediondo príncipe, farei isso. Posso fazê-lo. Se as coisas fossem diferentes, eu seria uma princesa de Bela. É meu dever representar nossas pessoas.

A alternativa era muito triste. Ela viu o pai passar pela separação do homem que ele havia sido amaldiçoado para proteger. Não era o tipo de vida que alguém queria. Mesmo um futuro dentro do palácio de Gaule, um futuro de esconder sua magia, era melhor que isso.

Os olhos de Pierre brilharam e o orgulho brilhou. Não era o orgulho relutante que seu pai demonstrava quando ela dominava uma nova parte de seu treinamento. Era outra coisa. Ele se abaixou sobre um joelho e Etta congelou.

Maiya seguiu o exemplo do pai.

—Bela não existe mais. — Ele murmurou. —Mas eu vejo isso em você. — Ele colocou a mão sobre o coração. —Princesa.

Etta recuou, lutando contra as lágrimas. Esse era o povo dela, o povo de Bela, o reino que ela nunca conheceu, mas sempre carregou em seu coração.

Eles não foram os primeiros Belaenos que ela conheceu. A floresta servia de lar para muitos deles. Mas eles foram os primeiros que a conheceram como Basile, uma descendente dos últimos reis. E eles a amavam por isso. O reino deles se foi por causa da maldição da família dela, mas aqui eles se ajoelharam.

O desespero colidiu com ela e ela não conseguia respirar. Segurando o peito, ela ofegou até que seus pulmões se expandiram. Era demais. Tudo isso. A realidade era sufocante. A qualquer momento, ela sairia entre aquelas pessoas e lutaria por sua vida. Ela não podia usar sua magia.

Maiya se levantou e correu para a frente para abraçar Etta.

Pierre foi mais lento a se levantar. —Persinette Basile, a força de Bela corre por suas veias. Você só precisa encontrá-la. Você deve se preparar. Vou esperar lá fora.

—Acreditamos em você. — Maiya sussurrou, liberando-a.

Crença. Era como uma infusão de poder. Isso estava acontecendo. No final do torneio, ela seria a vencedora ou nada.

Ela se recusava a ser nada.

Secando o rosto, Etta acenou para Maiya, incapaz de expressar sua gratidão.

Maiya não falou enquanto ajudava Etta a se vestir para se adequar melhor à luta que estava por vir. Ela vestiu uma camisa de malha leve que não ajudaria muito contra golpes pesados, mas também não prejudicaria sua velocidade. Ela amarrou os cabelos com força contra a cabeça e deslizou o capacete no lugar. Sua espada pendia pesada na cintura. Eles receberam duas armas. Ela preferia a simplicidade dos bastões, mas não seria suficiente. Muitos outros escolheriam lanças, mas suas maiores habilidades residiam nas adagas.

Passando os dedos sobre a lâmina curva, ela percebeu o reflexo no aço brilhante. Olhos glaciais a encararam.

Frio era melhor que morto.

—Vamos. — Ela embainhou a espada e empurrou a aba da tenda para o lado.

Maiya caminhou à sua direita e Pierre se juntou a elas à sua esquerda.

Risos irromperam ao redor deles enquanto eles empurravam a multidão.

—Olha quem está tentando bancar o soldado. — Alguém gritou.

Outro foi mais ousado. —Garota, você não precisa morrer para chamar nossa atenção. Eu ficaria feliz em devolvê-la à minha tenda.

Etta fez uma careta, mas os ignorou. Ela não tinha intenção de morrer. A caminhada até a arena recém-construída se estendeu diante dela quando os gritos desapareceram de sua mente. Tudo o que ela podia ver era o trilho de madeira e o lugar atrás dela. Um espaço aberto era cercado por barreiras e plataformas. Estruturas de madeira eram vistas na arena, construídas para tornar as lutas mais divertidas.

O lábio inferior de Etta se curvou. Era perfeito. Ela poderia fazer isso.

Colocando as mãos na madeira lisa do trilho, Etta saltou sobre ele e voltou-se para Maiya e Pierre. Abrindo a boca para dizer algo, as palavras falharam e ela fechou novamente.

Pierre lançou-lhe um olhar feroz antes de levar a filha embora. Eles estariam assistindo. Junto com todos no reino.

Os homens que estavam no centro da arena a encararam e ela vacilou quando os viu. Alguns riram, outros a ignoraram completamente.

Um alarme soou e as pessoas que alinhavam os trilhos começaram a aplaudir. Os lutadores se voltaram para a plataforma elevada quando o rei se aproximou, seguido pela rainha e seus três filhos.

O rei manteve toda a emoção de seu rosto enquanto examinava as fileiras de guerreiros, a maioria dos quais estaria morta no final do torneio. A rainha não conseguia olhar para eles.

Alex parecia em conflito, quase assustado. Quando menino, ele nunca se importou com sangue.

A princesa Camille parecia muito com o pai. Ela era mais adequada para seguir os passos dele do que o irmão mais velho.

Tyson tinha a emoção de uma criança nos olhos. Mas então, ele provavelmente nunca viu alguém morrer.

Etta os observou, procurando por algo, qualquer coisa, para alimentar seu ódio. Eles deram a ela. Era fácil para eles.

Nada disso deveria ser fácil.

Escondida na parte de trás do grupo, ela esperou.

—Hoje é um grande dia. — A voz do rei cresceu. —Um protetor, é o juramento. É uma parceria sagrada entre rei e guerreiro.

Etta cerrou os dentes. Era tão sagrado que o rei tentou matar seu próprio juramento por sua magia.

O rei continuou. —Para todos os homens que estão aqui para lutar hoje, vocês são os melhores que o nosso reino tem. Todos e cada um de vocês têm uma honra incomparável. — Ele fez um gesto para o príncipe Alexandre.

Alex deu um passo à frente, pigarreando nervosamente. Então seu nervosismo desapareceu e uma máscara fria se estabeleceu sobre suas feições.

—Boa sorte. — Ele apontou a mão para os guerreiros, mal dando uma olhada. —Que comece a primeira batalha.

Grata por não ter sido a primeira, Etta seguiu os outros para fora da arena para esperar. Um homem grande de armadura completa passou e um calafrio a percorreu. Ela apertou o punho da espada na cintura.

A primeira batalha terminou em minutos e dois guardas arrastaram o corpo para longe. O segundo foi da mesma maneira. No terceiro, os dois homens acabaram se matando.

Quando o nome de Etta foi chamado, ela mal o ouviu por causa das batidas em seus ouvidos. Os tambores começaram como tinham para cada par diante dela. A batida vibrou em seu peito, combinando com o ritmo pesado do seu coração. A multidão sedenta de sangue gritou e cantou quando ela se adiantou. Perdida em sua própria mente, enquanto caminhava por uma trilha de sangue, ela mal ouviu as risadas e zombarias lançadas em seu caminho.

Seu oponente a superava e usava um uniforme de guarda. Ele foi treinado no palácio. O pensamento a confortou. Seu primeiro treinamento também esteve lá. Nos anos seguintes, estudou os guardas, conheceu seus padrões por um dia, sabia que estaria entre eles.

A armadura normal tinha fraquezas - o pescoço, as articulações. O rei tentou consertar isso, tendo feito armaduras para seus guardas que protegiam seus pontos mais vulneráveis.

Era um artesanato brilhante, mas sacrificava a livre circulação e velocidade. Etta poderia ter sido considerada tola por sua armadura leve, mas ela sairia da arena com sua vida por causa disso.

O guarda a encarou. A bateria parou. A multidão se inclinou para frente.

Ele se curvou para ela, e ela odiava ter que matá-lo, mesmo que ele fosse um guarda.

Ela inclinou a cabeça e sacou a espada. Ele atacou, passando o peso para o pé da frente para apontar a espada para a frente.

Ela o deixou de lado e se amaldiçoou por estar na defesa logo no início. Ele se lançou e suas espadas bateram juntas, sua força contra a vontade dela. Ela girou para o lado e deu outro golpe por baixo. Levantando-se, ela correu, ignorando o riso dos espectadores enquanto se escondia atrás de uma barreira.

Seus passos bateram no chão enquanto ele a procurava. Embainhando a adaga, ela a puxou e a enfiou entre os dentes, estendendo os dois braços para agarrar o topo da barreira e se erguer.

Agachada, com a adaga na mão, ela esperou que ele se aproximasse antes de se lançar e bater nele. Ele rugiu quando a adaga dela ricocheteou na armadura e ele a atirou. Ela levou o capacete com ela, revelando um rosto marcado, o rosto de um homem que já estivera em muitas batalhas antes.

Ele correu para onde havia colocado a lança e largou a espada para recuperá-la. Etta sorriu, sabendo que ela deveria parecer louca. Os guardas amavam suas lanças e Etta amava que eram mais fáceis de bater do que uma espada.

Ele correu em sua direção e se lançou. Ela se afastou da lança e girou para dar um chute forte nas costas dele. Ele tropeçou para a frente, mas não caiu.

—Eu vou estripar você, garota. — O guarda gritou, movendo-se lentamente.

Se não houvesse olhos neles, ela poderia vencê-lo em um instante com sua magia.

Ele a apoiou contra a barreira e ela procurou uma saída. O joelho dele subiu e arrancou a adaga dos dedos dela. Ele trouxe a lança para a frente e ela caiu. A ponta da lança se encaixou na madeira, atordoando-o por um momento. Antes que ele pudesse arrancá-la, ela se levantou e pulou para chutar com os dois pés no peito dele. Ele recuou e ela soltou a lança dele, sem hesitar antes de girá-la como tinha feito com o bastão contra o pai tantas vezes antes.

A voz do pai entrou em sua mente. Quando é hora de dar o golpe fatal, a hesitação vai acabar com você. Não há misericórdia na guerra.

 

 

 

 


Capitulo Seis


Etta não ouviu comentários enquanto voltava para sua tenda. A exaustão a pesou, tornando cada passo mais difícil do que o anterior. A multidão se separou para ela, uma cautela atordoada entre eles. Etta não deveria sobreviver ao primeiro torneio. Certamente não contra um dos guardas da própria coroa.

Maiya e Pierre seguiram à distância, pelo que Etta estava agradecida. Ela não tinha palavras para eles. Ela ansiava pela solidão de seus bosques, a companhia calma de Vérité. Sua magia pulsava na ponta dos dedos, querendo uma fuga. Pontas dos dedos agora manchadas de vermelho.

Quando Etta entrou em sua tenda, ela ainda podia ouvir a comoção da arena. Uma nova luta começou. Sua respiração ofegou em seu peito e ela agarrou sua armadura quando a adrenalina deixou seu corpo e a realidade veio à tona. Ela estava viva. A primeira das quatro lutas terminou e lá estava ela, de pé.

Só que ela não sentia que tinha ganho nada.

Lágrimas ardiam em seus olhos enquanto ela tentava levantar a cota de malha dos ombros. Maiya e Pierre entraram em silêncio.

—Eu não consigo tirar isso. — Etta gritou. —Tire isso de mim!

Maiya se aproximou silenciosamente e agarrou a parte de baixo da camisa de malha, deslizando-a para cima. Sangue corria. A roupa de Etta por baixo tinha suor grudando-a na pele.

—Pai. — Disse Maiya suavemente, sinalizando-o com os olhos.

Ele abaixou a cabeça e saiu por onde tinha vindo.

Etta caiu de joelhos na frente de uma bacia de água e mergulhou as mãos. Sangue rodava na superfície enquanto ela esfregava. Um soluço escapou de sua garganta e ela não parou até que sua pele estivesse crua.

Desta vez não era sangue de veado.

Como ela deveria cumprir a maldição quando lhe pediam isso uma e outra vez? Anos atrás, quando ela era pouco mais do que uma criança, ela pensou que seria melhor estar morta do que matar por seus inimigos. Ela não teria sido a primeira portadora da maldição de sua linhagem a considerar essa opção.

Mas ela não era eles. O dia em que seu pai contou a ela sobre a maldição foi o dia em que ela decidiu que seria ela quem a quebraria. Primeiro, ela precisava obedecer.

Maiya colocou as mãos na parte de trás do pescoço de Etta e a calma fluiu dentro dela enquanto ela inclinava a cabeça, tentando estabilizar a respiração. A magia de cura da garota agia como um tônico para sua alma manchada.

Etta deixou seu poder fluir em harmonia com o de Maiya, um broto verde brilhante brotando no chão opaco e sem vida. Seu coração se acalmou e ela fechou os olhos. Quando os abriu novamente, recuperou o controle de suas próprias emoções.

Etta terminou de se limpar da melhor maneira possível com a pequena bacia e vestiu um vestido simples. Depois da luta, ela duvidava que alguém a subestimasse mais, mas não faria mal para eles vê-la como apenas uma menina.

Maiya terminou de colocar flores no cabelo de Etta quando Pierre voltou.

—Venha comigo. — Ele as levou da tenda, mas não voltou para a multidão. Em vez disso, foram mais longe na cidade, sem parar até chegarem à loja do curandeiro.

—Pai. — Etta ofegou, correndo para ele assim que a porta se fechou.

Ele a abraçou, apertando-a com força em alívio. Eles nunca foram muito carinhosos, mas pela primeira vez desde antes de sua luta, Etta se sentiu segura.

—Não pude ficar longe. — Disse ele.

—Mas e se alguém te reconhecer?

—Eu sei como ficar fora da vista. — Ele a soltou. —Eu vi você lutar hoje.

—Eu não hesitei.

—Não, minha filha. Estou muito orgulhoso de você.

Ele nunca tinha pronunciado essas palavras antes e a força que ela sentiu antes da luta começar a retornar. —Gostaria de poder voltar para a floresta.

O rosto dele caiu. —Essa maldição leva tudo o que amamos. — Ele segurou sua bochecha. —Não se apegue à floresta. Não me deseje. Isso só levará ao desespero.

—Talvez eu consiga vencer.

—Não, Persinette. Não pode ser superada, apenas suportada.

—Mas você não precisa cumpri-la. Você é amaldiçoado e mora na floresta, longe do palácio.

Ele fechou os olhos brevemente. —E eu sinto que estou morrendo. Se eu pudesse estar ao lado do rei, eu faria. Todos os dias separados tira algo mais de mim. Estou com dor, Etta, e muito cansado. Quero mais para você do que um vida de miséria.

—Devemos voltar para que ninguém sinta nossa falta. — Pierre deu um passo à frente.

O pai dela assentiu. — Receio que nossas vidas sejam muito sem esperança, mas não deixe que elas a derrotem. Mantenha-se vigilante. Nunca confie em um Durand e tente encontrar alguma felicidade em qualquer lugar que puder.

—Por que você parece estar se despedindo para sempre? — Lágrimas brotaram em seus olhos.

—Porque o seu caminho está apenas começando. Não é seguro falarmos novamente, mas durante as lutas que estão por vir, saiba que estou assistindo. Estou aqui.

Ela balançou a cabeça. —Vou encontrar uma maneira, pai. Vou libertar nós dois.

—Não gaste sua vida trabalhando por algo que não pode ser feito. — Ele se afastou dela e ela sentiu o aperto firme de Pierre em seu braço.

Ela parou no limiar da porta. —Acredite em mim, pai.

Nenhuma palavra a seguiu quando ela entrou na rua e voltou para o lugar onde tudo estava começando. Ela secou o rosto e jurou que veria o pai novamente.

 

Se a primeira luta foi uma batalha violenta, a segunda foi um massacre puro. O homem com quem ela estava lutando não tinha esperança. Ela o desarmou apenas alguns minutos na luta e estendeu a espada enquanto ele se lançava sobre ela com os punhos. Ele se empalou na lâmina sem sequer um impulso dela. Os olhos dele encontraram os dela com angústia surpresa e ela segurou o olhar dele, dando a ele um pouco de respeito.

Ele não merecia morrer.

Nenhum deles merecia.

Quando ela enfrentou o rei pela segunda vez, seu rosto se transformou em uma fria máscara de indiferença. Ela deixou cair a espada no chão quando a multidão começou a aplaudir suas costas. Ela os odiava por isso.

O rei não falou desta vez e o rosto da rainha exibia uma palidez doentia. O príncipe Alexandre recostou-se no banco, cansado, como se esse torneio estivesse lhe afetando pessoalmente. Etta estreitou os olhos. Ele nunca teve que encarar a morte e acabar dando o golpe fatal.

—Muito bem, Etta. — A princesa Camille falou depois de alguns momentos de silêncio. Ela agarrou a bengala enquanto se levantava, o pé mutilado arrastando enquanto avançava.

Etta não respondeu, pois era esperado um agradecimento pelo elogio. Ela se recusou a ser grata por qualquer coisa. A habilidade de matar não era algo para se orgulhar.

Camille esperou por um reconhecimento. O estômago de Etta se agitou. Ela ouvira as histórias da princesa cruel que não queria nada além de vingança sobre o povo mágico por sua deficiência. Na noite em que o expurgo começou, um guarda com magia se encarregou de dirigir seu poder no cavalo da princesa nos momentos anteriores à sua morte. O cavalo a jogou no chão e pisoteou sua perna enquanto ele empinava loucamente com a energia da magia.

Olhos escuros se estreitaram, mas ela sacudiu a cabeça, dispensando Etta.

Etta respirou fundo e examinou a multidão, procurando algum sinal do pai, sabendo que não haveria. Ele era um fantasma. Indetectável.

O ato de matar não foi um choque, como fora depois de sua primeira luta. Ela não desmoronou. Não houve lágrimas. Ela se fortaleceu, o gelo escorrendo por suas veias e deixou a raiva tomar conta.

Ela não voltou para sua tenda imediatamente. Em vez disso, ela ficou para a próxima luta. Um homem montanhoso entrou na arena. Ele segurava uma maça em uma mão e uma imponente espada larga pendurada na cintura.

Um silêncio caiu sobre a multidão quando um homem aguçado de armadura preta se aproximou e se encarou contra o homem maior. Reconhecimento instantâneo acendeu na mente de Etta. Ele era o guarda que a perseguira pelas ruas apenas na semana anterior. Se ele de alguma forma a reconheceu, ela estava tão morta quanto morta. Ela usou sua magia nele.

Ela se aproximou dos degraus de madeira onde a multidão estava aplaudindo e se pressionou nas sombras.

O homem não usava capacete e seus longos cabelos loiros caíam livremente em torno de seu belo rosto. Ele acenou com a cabeça para o oponente e assumiu sua postura de luta - joelhos dobrados. Ambas as mãos segurando firmemente o punho de sua espada.

A batalha começou. Era força contra velocidade. Etta cerrou os punhos, em guerra consigo mesma sobre quem ela queria que ganhasse. O jovem balançou a espada em um arco gracioso enquanto girava e se afastava da maça chicoteando em sua direção. Havia uma beleza na maneira como ele lutava.

Todo o movimento pareceu parar em um instante. Sem vento. Sem sons de transporte. Etta estreitou os olhos. Magia. Ela podia sentir isso.

O homem de armadura preta se escondeu atrás da barreira, esperando. O outro homem se mexeu. Se ele jogasse direito, ele poderia acabar com isso assim que o outro homem voltasse à vista.

Ele deu um passo à frente, virando-se para um lado, no momento em que o outro homem saltou e perfurou seu inimigo, onde sua armadura não encontrou o capacete no pescoço.

Etta não o viu afundar. Os olhos dela estavam grudados no vencedor. Sua mão bateu ao seu lado e uma brisa soprou mais uma vez como se nunca tivesse parado.

Ela já tinha visto o suficiente. Quando o homem foi receber seus elogios do rei, Etta se esquivou na esquina, fora da vista das pessoas que saíam das arquibancadas e esperou.

Quando ele saiu da arena, ela saiu para bloquear seu caminho. Seu sorriso fácil caiu ao vê-la.

—Você me reconhece? — ela perguntou.

Ele assentiu.

Ela se inclinou para frente e baixou a voz. —Eu sei o que você pode fazer.

Uma respiração sibilou entre os dentes.

—Venha. — Ela ordenou.

Ele não discutiu enquanto a seguia.

Maiya e Pierre não estavam em lugar nenhum, então eles tinham a tenda para si. Ela lutou com a armadura, mas conseguiu removê-la sozinha desta vez e depois se ajoelhou para lavar.

—Qual o seu nome? — Ela perguntou.

Ele hesitou.

—Você sabe o que eu posso fazer. — Ela plantou as mãos nos quadris. —Eu não vou entregá-lo.

—Edmund. — Ele finalmente disse.

—Sinta-se livre para remover sua armadura. Precisamos conversar.

Ele afastou os cabelos suados e a considerou com olhos azuis deslumbrantes. Chegando a uma decisão, ele começou a remover pedaços de sua armadura, afundando em alívio enquanto fazia isso. Demorou um pouco para ele ficar na frente dela, apenas de túnica e calça sujas.

—Agora que você me viu. — Ela começou. —Você vai me entregar?

Ele a nivelou com um olhar. —Eu nunca iria.

Antes que eles pudessem continuar, Maiya entrou apressadamente, parando quando viu a companhia de Etta.

—Desculpe. — Ela chiou.

—Maiya, você poderia vigiar lá fora? Eu não posso ser interrompida. — Etta implorou com os olhos.

Maiya assentiu e os deixou mais uma vez.

—Eu posso impedir que seja ouvida. — Disse Edmund.

Como antes na arena, todo o ar em movimento parou e os barulhos do lado de fora desapareceram.

—Foi o que você fez na arena. — Os olhos de Etta se arregalaram.

—Meu poder não é muito forte, mas posso controlar os ventos. Quando estou lutando, o único bem que me faz é manter-me concentrado. Afastei todas as distrações da multidão, permitindo que eu ouvisse cada minúsculo movimento do meu oponente.

—Mas você é um guarda. Você trabalha para o rei.

Ele encolheu os ombros. —Fui criado por um homem que não tem ideia da minha magia. Ele trabalha no palácio e essa é minha casa há anos.

—No entanto, agora você quer ser o protetor do príncipe.

—Alex... quero dizer, o príncipe, é um bom homem. — Ele fechou os olhos e respirou fundo, como se as palavras machucassem fisicamente dizer. —Eu não quero um daqueles brutos ao lado dele. — Ele gesticulou na direção da arena.

Etta mordeu o lábio, observando-o de perto. Algo estava errado. Havia algo que ele não estava dizendo. Quando seus olhos encontraram os dela, uma pitada de medo acendeu neles.

Ela sacudiu o sentimento.

—Eu tenho assistido suas lutas. — Ele coçou a parte de trás do pescoço. —O rei deve estar aterrorizado.

—Do que ele teria que ter medo?

—Você pode fazer isso. Ele colocou homens suficientes em quem confiou neste torneio para impedir que um fator desconhecido saísse vivo, mas você é diferente.

A boca de Etta pressionou em uma linha plana. Para vencer, ela teria que matar Edmund, e algo dentro dela sabia que ele poderia ter sido um aliado.

Pena que eles nunca teriam a chance de descobrir.

 

Edmund examinou Etta, e ela se perguntou se ele estava procurando por fraquezas. Se os dois passassem pelas próximas lutas, se enfrentariam na confusão final.

—Por que você está aqui, Etta? — Ele perguntou. —Por que você quer servir o príncipe?

—Eu não quero. — As palavras saíram antes que ela pudesse detê-las.

Um grunhido rasgou sua garganta e ele se lançou para ela, as mãos segurando-a no lugar por sua blusa. —Você está aqui para prejudicar Alex?

—Você quer dizer o príncipe que se senta ao lado de seu pai enquanto caça nossa espécie.

—Você não sabe de nada. Eu daria minha vida por Alexandre Durand antes que eu deixasse qualquer mal acontecer a ele.

A grama começou a crescer aos seus pés, mas ele estava pronto para isso desta vez. Ele a soltou com um empurrão e rasgou uma faca da bainha para cortar o novo crescimento. Etta puxou sua magia de volta, seu peito arfando com respirações pesadas.

Sua lealdade ao príncipe atingiu algo nela, despertando a mesma lealdade que ela já sentira pelo mesmo homem, só que ele ainda era um menino. Tentar odiar que Alex era como tentar pegar uma única gota de chuva em uma tempestade. Impossível e avassalador.

Ela desprezava o rei e queria nada mais do que ficar livre da família dele para sempre, mas o garoto que segurava a mão dela enquanto observavam o corpo da mãe drenar o sangue nunca a abandonara. Ele tinha sido o único amigo que ela já teve.

Os ombros dela caíram e Edmund relaxou sua postura, deixando sua magia desaparecer. Os sons do lado de fora da tenda entraram novamente e o calor foi empurrado por uma leve brisa que levantou a aba na entrada.

A voz de Maiya soou surpresa. —Sua Majestade. — Ela chiou.

Etta chamou a atenção e olhou para Edmund com pânico nos olhos. —O que ele está fazendo aqui?

Edmund balançou a cabeça. —Ele não pode me encontrar aqui. Ele já questiona minha proximidade com o príncipe. Ele acha que estamos conspirando.

Passos soaram mais perto, parando do lado de fora da tenda.

—Tarde demais. — Etta sussurrou.

A aba da tenda abriu, mas antes que alguém entrasse, Edmund foi até ela e a puxou contra ele antes de bater a boca na dela.

Etta congelou.

—Encene. — Edmund sussurrou contra seus lábios.

Ela tentou soltar os lábios e levantou os braços para envolver o pescoço dele. Não era um sentimento desagradável. Ela nunca tinha beijado ninguém antes e os lábios de Edmund eram macios e quentes.

Houve uma risada divertida atrás deles e depois uma garganta pigarreou. Edmund se afastou com um sorriso tímido no rosto. Ele se virou para o rei e fez uma reverência.

—Sua Majestade. — Jogando uma piscadela para Alex atrás de seu pai, ele se curvou novamente. —Meu príncipe.

Alex não respondeu, mas o rei riu novamente e colocou a mão no ombro de Edmund. —Comemorando, não é?

Edmund acenou com a cabeça para Etta, e ela rangeu os dentes enquanto também se curvava. A única reação que ela teve pelo gesto viril foi uma sobrancelha levantada do príncipe.

Edmund a puxou contra o lado dele e, quando ela tentou protestar, o aperto dele aumentou. —Você sabe como é, senhor. Lutar contra o sangue e você precisa encontrar uma boa reputação para...

—Nós entendemos. — Alex rosnou.

Etta olhou entre os dois, notando o brilho curioso nos olhos de Edmund e a carranca estragando o rosto do príncipe.

—Vá se limpar. — Disse o rei a Edmund. —Você vai jantar conosco hoje à noite, mas primeiro eu preciso conversar com essa garota. — Ele se virou para o filho. —Alexandre, espere lá fora.

O príncipe abriu a boca como se quisesse protestar, mas suspirou e fez o que foi solicitado.

Sozinha com o rei, os cabelos dos braços de Etta estavam arrepiados. Ela nunca esteve tão perto de seu inimigo. A simpatia de momentos atrás desapareceu e o fogo ardeu em seus olhos.

—Eu sei quem você é, garota.

O ar deixou seu peito, criando um vazio onde o sentimento deveria viver.

—Eu sou Etta. — Disse ela. —Filha de um fazendeiro na parte norte de Gaule.

—Você acha que pode mentir para mim? — Ele se inclinou na direção dela. —Eu sou o rei. Viktor Basile foi visto na cidade hoje.

O coração dela congelou. —Eu...

—Eu sei que você sabe o nome. — Ele estreitou os olhos. —Persinette.

Seu rosto se transformou em pedra quando o medo se transformou em ódio. Esse homem não tinha o direito de pronunciar o nome dela ou o do pai. A negação estava na ponta da língua, mas ela a engoliu de volta. Não faria bem.

—O que acontece agora?

Surpresa brilhou no rosto do rei. Ele não esperava que ela cedesse tão facilmente. Ele bateu um dedo no queixo. —Eu não posso te matar. Ainda. Você não pode simplesmente desaparecer do torneio. Mas este é o meu aviso para você, se você sobreviver de alguma forma, nunca servirá ao meu filho. Eu sei sobre a maldição, mas Alexandre nunca fará parte dela. Seu túmulo está esperando, Persinette. Sua magia miserável não a salvará. — Ele caminhou em direção à porta e um guarda abriu a aba. Sem olhar para trás, ele emitiu um aviso final. —Você está sendo vigiada para que não fuja.

Suas palavras a sacudiram, alimentando a raiva dentro dela. Ele pretendia semear medo, mas não a conhecia. Etta não temia a morte. Ela temia uma vida acorrentada. Uma vida amaldiçoada.

Suas mãos tremiam quando ela saiu para encontrar Pierre. Ela tinha que passar uma mensagem para o pai. Ele precisava voltar para a floresta.

Maiya estava esperando do lado de fora e, para choque de Etta, o príncipe ficou com ela.

Ele se virou para ela com um sorriso. —Você não me disse quando nos conhecemos que você lutaria para estar perto de mim.

Etta afastou sua piada fora de hora e olhou para a amiga. Ela a agarrou pelo braço e a afastou para contar tudo o que aconteceu.

—Encontre seu pai. Ele deve dizer ao meu para sair hoje à noite.

Ela começou a correr e Etta ficou feliz por sua pressa. O príncipe ainda estava esperando por ela quando ela voltou. Ele a observou com expectativa.

—Você teria rido na minha cara. — Ela o desafiou a contradizê-la.

—Não. Algo me diz que você pode se controlar. — Ele se aproximou para olhá-la. —Você me intriga.

—Eu intrigo você?

—E me preocupa. — Ele levantou o polegar e o dedo indicador para cima. —Só um pouquinho.

—Por que?

—Edmund é o guerreiro que deve ganhar isso e eu não quero que ele morra.

—Isso é uma ameaça?

—Não. — Ele começou a andar para trás e abriu os braços, um sorriso esticando o rosto. —Não é uma ameaça, Etta feroz. É um elogio.

Seus guardas que estavam escondidos momentos antes se formaram ao seu redor e se foram, deixando Etta mais confusa do que nunca. Ansiava por ir com ele, amarrada a ele como estava. Ele sentiu o puxão da maldição? Ou ela estava sozinha nisso também?

 

 


Capitulo Sete


Alex considerou os guerreiros que chegaram à terceira rodada das provas. A maioria foi eliminada ou fugiu. Cinco homens estavam diante dele e uma mulher. Eles eram todos talentosos, todos únicos. Talvez todos fossem dignos de ser seu protetor.

Mas apenas dois mantinham seu interesse.

Ele sempre pensou que Edmund venceria. Ele nunca tinha visto um homem mais habilidoso com uma espada. Ele queria que ele vencesse. O homem estava com ele desde que ambos eram rapazes de treze anos de idade. Ele era o único guarda corajoso o suficiente para fazer amizade com o príncipe, treinar com ele e beber com ele.

Mas aquela garota. Ele balançou sua cabeça. Não, ele não queria que ela matasse seu amigo, mas também não achava que podia suportar vê-la cair. Ele ficou impressionado que ela não tivesse fugido, impressionada com sua habilidade. Ele conhecia todas as damas dali, as únicas que seriam capazes de pagar o tipo de treinamento que ela obviamente tinha tido. Mas ele não podia colocá-la.

Ele teve a nítida impressão de que ela não queria nada além de fazer de bobo o pai dele. Ser a mulher que vencia seus lutadores mais brilhantes. Para enfraquecê-lo. Quando ela olhou para o rei, havia algo fervendo sob a superfície de seu olhar vazio.

—Parabéns. — Alex finalmente disse. —Vocês chegaram até aqui. No final de hoje, apenas três permanecerão. Amanhã haverá uma luta final. Chaz e Ward, vocês estão em primeiro lugar.

Ele olhou de volta para o pai, que deu um aceno de aprovação. Alex não queria estar lá. Ele não queria que isso estivesse acontecendo. Mas às vezes não havia outro caminho.

Sua mãe não se juntara a eles nas lutas do dia, implorando que não estava bem. Ela era uma alma gentil, não adequada para o marido a quem fora dada. Até a empolgação de Tyson havia diminuído depois do primeiro dia. Ele não apareceu para se juntar a eles e provavelmente estava escondido em seus túneis.

Camille estava lá, com o rosto de pedra como sempre. Nada a sacudia.

Alex sentou-se no trono de costas largas ao lado de pai e irmã enquanto os primeiros lutadores se alinhavam um contra o outro. Sua postura fingia indiferença, mas ele não queria nada além de desviar o olhar.

Só que os príncipes não conseguiam se esconder das coisas feitas em seu nome. Eles tinham que enfrentar as consequências da realeza. Suas mãos agarraram os braços da cadeira quando a luta começou. Os dois foram pareados e continuaram a lutar até Marcus ter sorte quando Chaz tropeçou para trás. Ward arqueou a espada sobre a cabeça, cortando o pescoço do inimigo.

Ele levantou os braços em comemoração.

A bile subiu na garganta de Alex e ele a engoliu quando o corpo foi arrastado da arena. Ele não ouviu as palavras que Ward falou ao rei enquanto observava Edmund sair para lutar.

Este foi muito mais rápido e menos sangrento. Edmund sabia como dar o golpe mortal da maneira mais fácil e humana. Ele não gostava da luta como muitos outros pareciam, mas faria para sempre o necessário para proteger o príncipe. Para ele, isso significava ganhar o título de protetor.

Ele tinha uma bondade em um palácio que parecia não saber mais o que aquilo significava.

Alex deu um suspiro de alívio quando Edmund soltou um único arco e saiu. Mais uma. Mas era o que ele mais temia.

Quando Etta saiu, a multidão rugiu. Plebeus eram inconstantes. Ela tinha sido motivo de chacota apenas alguns dias atrás e agora era anunciada como favorita. Seus cabelos dourados repousavam sobre as costas envoltas em uma trança. Duas listras verdes foram pintadas em seu rosto, dando-lhe uma aparência feroz. Ela era uma guerreira, vindo provar a si mesma.

Mas quando seus olhos encontraram os do príncipe, eles se estreitaram. O medo tomou conta de seu peito. Ele estava prestes a ver o fim dela? Ele queria pular para protegê-la, mas não era assim que funcionava. E ele viu a habilidade dela. Ela provavelmente apenas o mataria.

Um sujeito musculoso chamado Gray veio enfrentar Etta. Ele tinha pelo menos vinte anos a mais que ela. Ele treinou nas montanhas antes que as proteções estivessem no lugar, cortando-as de Gaule. Os guerreiros da montanha eram lendários.

Etta fez uma reverência zombeteira ao rei e Alex ouviu um rugido no peito de seu pai. Ele olhou de soslaio para ver o olhar predatório vindo do trono. Seu pai se sentia ameaçado por uma mera garota?

Gray assumiu uma postura de luta e Etta se agachou. Ela fechou os olhos como se precisasse ouvir ao invés de ver.

Alex se inclinou para frente, puxado por alguma força invisível.

Gray fez o primeiro movimento, pulando para frente. Etta girou para fora do caminho e os dois começaram a dançar, suas lâminas batendo juntas enquanto seus pés embaralhavam.

A princípio, parecia que eles eram iguais, mas depois Etta correu. Seus pés a carregaram rapidamente para o outro lado da arena com Gray em perseguição. Ela aproveitou a vantagem e girou sobre ele com um chute em que ele não estava preparado. Ele voou de volta para a terra e rolou para o lado para evitar a lâmina dela.

Saltando de pé, ele cortou sua espada tão rapidamente que ela mal a bloqueou e a dança começou de novo.

Era um show brilhante.

—É uma pena. — Começou o rei. —Que não podemos ficar com os dois. Eles fariam grandes acréscimos à guarda.

Camille riu com gargalhadas. —Você a faria uma guarda real?

Alex rangeu os dentes, incapaz de tirar os olhos da luta.

—Camille, querida, às vezes você precisa reconhecer talento.

Uma nota na voz de seu pai soou, mas Alex estava muito fascinado por Etta quando ela chutou a barreira e virou. Gray estava esperando por ela e os próximos momentos aconteceram em câmera lenta.

Alex se levantou e caminhou até a beira do palco antes mesmo de perceber o que estava fazendo.

A ponta da espada de Grey perfurou a cota de malha de Etta. Ela soltou um grito e caiu de joelhos, sua espada caindo de suas mãos.

Dor atravessou Alex. Seu coração batia forte no peito enquanto ele apertava o lado que agora irradiava dor. Seus olhos encontraram Etta novamente. Ela deitou de costas, olhando para Gray enquanto ele se preparava para dar o golpe final. Ele levantou a espada. Quando ele derrubou, Etta rolou para o lado e chicoteou uma adaga de uma bainha na cintura dela. Levantando-se, ela o espetou na perna de Gray. Ele caiu gritando.

Ela pegou sua espada e ficou de pé antes de arrastá-la pelo pescoço dele em um movimento fluido.

Seu corpo parou quando seu sangue manchou o chão ao redor.

Etta deixou a espada cair. Seus joelhos dobraram e ela se inclinou para frente.

Alex, ainda com dor, pulou da plataforma elevada para a arena e caiu de joelhos ao lado dela. Ela rolou de costas, respirando pesadamente.

—Eu estou bem. — Disse ela, dando-lhe um sorriso hesitante. Ela nunca tinha sorrido para ele antes e quando ele pressionou as mãos contra sua ferida rasa, ele temeu que ela nunca mais o faria. Outros correram para ajudar, mas ele não queria deixá-la ir.

—Sua Alteza. — Alguém gritou para ele. —Vamos embora. — Seus guardas o afastaram dela quando o curandeiro chegou. Eles a levantaram quando ele ficou em transe.

Uma jovem de pele cor de caramelo e cachos de saca-rolhas de ébano espiou-o com olhos suaves. —Meu pai e eu cuidaremos dela.

Edmund apareceu ao seu lado e uma imagem de seu amigo beijando Etta surgiu em sua mente. Ele queria se jogar sobre ela protetoramente.

—Alex. — Disse Edmund em seu ouvido. —Nós devemos sair.

A multidão entrou e Alex finalmente se levantou.

—Você está machucado? — Edmund fez um gesto curioso para onde Alex ainda pressionava a mão contra a dor ao seu lado.

—Eu... eu não sei o que aconteceu.

Edmund olhou entre Etta, que estava sendo ajudada a se levantar, e Alex. Seus olhos continham perguntas não ditas. Perguntas para as quais Alex não sabia as respostas.

Edmund o afastou e foi em direção à sua tenda. A dor piorava a cada passo que Alex dava.

 

 

 

 

Capitulo Oito


Um grito rasgou o peito de Etta enquanto ela era carregada pelo acampamento. Pierre a deitou no pequeno palete de sua tenda e outro choque de dor a sacudiu.

O instinto a fez pressionar uma mão ao seu lado. Ela saiu pegajosa de sangue. Empurrando a respiração entre os dentes cerrados, ela olhou para o teto. Um. Dois. Três.

Droga, contar não era ajuda.

Ela não conseguia imaginar o momento em que Gray morreu. Tudo depois que ela foi esfaqueada se tornou um borrão de movimento. Talvez isso tenha sido uma piedade. Ela tinha visto e feito o suficiente nos últimos dois dias para assombrá-la por toda a vida.

Esta não era ela. Ela passou a vida treinando para ser uma protetora. Não uma assassina. Talvez eles fossem o mesmo?

—Ahhh. — Ela agarrou as bordas do palete, abalada pela tontura, pois tudo ficou confuso diante de seus olhos.

—Respire, Etta. — A voz calma de Maiya se aproximou quando ela se ajoelhou. —Você vai ficar bem.

—Fácil para você dizer. Você não precisa lutar novamente amanhã com suas entranhas saindo do seu lado.

Maiya sorriu. Sorriu! Etta queria estrangulá-la. A dor enviou raios de raiva através de sua mente.

Etta gemeu quando Maiya começou a tirar sua camisa de malha.

—Isso vai doer. — Disse ela. —Mas eu preciso que você levante os braços.

Etta gritou quando sua pele puxou onde ela havia sido ferida, mas conseguiu levantar os braços o suficiente para Maiya retirar sua camisa de malha e a camisa por baixo, deixando Etta apenas com o pano que ela usara para prender os seios para lutar.

Maiya passou a mão macia sobre os planos do estômago de Etta, enviando impulsos de calor em sua pele. A dor começou a diminuir. Ela fechou os olhos quando seus dedos encontraram as bordas do corte. A pele começou a costurar. Etta olhou espantada quando sua ferida cicatrizou. Quando foi fechada, tudo o que restava era o sangue correndo por sua pele.

Maiya abriu os olhos e afastou a mão. —Eu vou deixar o machucado. Se alguém perguntar, foi isso que derrubou você, mas a espada só cortou sua roupa.

Etta sentou-se e olhou para a amiga. —Sua magia é muito mais útil que a minha.

Maiya riu, levantando-se. —Um dia haverá uso para tudo isso.

Antes que Etta pudesse responder, a voz de Pierre soou do lado de fora. —Sua Alteza, você não pode simplesmente entrar lá.

Aparentemente, um príncipe não precisa ouvir, porque ele latiu momentos depois e congelou, seus olhos encontrando Etta. —Você está bem.

—Claro que sim. — Ela retrucou.

Seus olhos se arregalaram quando ele a recebeu e depois Edmund se juntou a eles.

—Etta. — Maiya sussurrou, apontando para sua falta de roupa.

Etta procurou sua blusa, apenas percebendo quanto sangue estava embebido quando ela a vestiu.

—De quem é esse sangue? — Alex exigiu.

—Obviamente não é meu. — Etta levantou-se como se para provar que estava bem, mas tropeçou.

—Mas eu o vi apunhalando você.

—Seus olhos enganam você, Alteza. Ou talvez eles apenas mostrem o que você quer ver.

—O que isso deveria significar?

—Você é um homem educado. Pense nisso. — Ela pegou sua camisa e a levou para a bacia de água para limpá-la. —Diga-me, meu príncipe, você visita todos os seus guerreiros?

—Eu... eu só vim para ver se você se retiraria ou lutaria amanhã.

—Eu não me retirarei. — Ela deixou cair a camisa e se virou para encará-lo. —Eu vou ganhar. Você pode dizer ao seu pai que ele apostou contra a garota errada.

—Meu pai?

—E quando eu vencer, não será tão fácil me livrar. Diga a ele que ele não precisa enviar o filho para me manter na linha. Porque não vai funcionar. Eu não me curvo às ameaças.

Confusão atravessou o rosto do príncipe, mas ela não acreditou por um segundo que ele não estava no círculo interno de seu pai.

Edmund olhou entre os dois nervosamente. A vitória dela significaria o fracasso dele.

Alex abriu a boca para falar, depois pensou melhor. Onde estavam as piadas ou sorrisos bonitos pelos quais ele era conhecido? Se foi. Uma indiferença fria sentou-se no lugar deles quando ele se virou e saiu da tenda.

Edmund hesitou, seus olhos encontrando Maiya. Ele apontou para ela em questão e Etta assentiu.

—Então você foi esfaqueada? — Ele esfregou o queixo. —No mesmo lugar, Alex teve dores.

—Vamos lá, Edmund. — Disse Etta.

—Seja cuidadosa.

Ele seguiu o príncipe e Etta voltou a limpar a camisa em silêncio.

 

Eles fizeram um show na luta final. Era um entretenimento em seu maior palco. Etta esticou os músculos enquanto se afastava ao lado da arena. Todo o seu corpo doía por três dias de homens que lutou pelo menos duas vezes o seu tamanho. Mas ela conseguiu. O pai dela ficaria orgulhoso.

Ela examinou a multidão como havia feito antes de cada luta, procurando seu rosto familiar. A parte racional dela esperava que ele tivesse fugido após o aviso dela sobre o rei. Não era seguro.

Ela mal pensou no que aconteceria além dessa luta. O rei disse que não a deixaria se tornar campeã. Alex teria alguma opinião? Ele a desejaria depois que ela matasse o homem dele?

Os olhos dela encontraram os de Edmund. Ele deu um sorriso cheio de dentes, aparentemente imperturbável pelos eventos que estavam prestes a se desenrolar.

Tambores altos batiam devagar e com firmeza. Um. Dois. Três. Um. Dois. Três. Um. Dois. Três. O ritmo era pontuado por cânticos da multidão.

Bandeiras balançavam com a brisa. Edmund usaria seus poderes hoje? Ela desejava mais do que qualquer coisa que pudesse usar o dela.

Os três concorrentes já haviam sido apresentados. Edmund era o favorito, amado pelo rei e pelo povo, com seu sorriso brilhante, charme fácil e habilidade mortal. Etta era a oprimida, amada e odiada ao mesmo tempo. Ward, o terceiro concorrente, era o vilão. Ele era um bruto enorme, com um rosto marcado de varíola e um rosnado nos lábios.

Juntos, eles representavam as três habilidades de um bom guerreiro. Destreza. Rapidez. Força.

Eles estavam prestes a ver qual deles prevalecia.

Edmund caminhou em sua direção, com um leve sorriso saindo de seus lábios. Ele olhou para ela sombriamente e inclinou a cabeça para falar baixinho. —Sinto muito por termos nos encontrado assim.

—Não foi assim que nos conhecemos.

Ele soltou uma risada desprovida de humor. —Então me desculpe, é assim que terminamos.

Algo estalou dentro dela. —Você está com medo?

—Sim.

—Eu acho que sempre tive medo.

—O medo faz parte da vida quando você é filho do reino de Bela.

Ela pegou a mão dele e deu um aperto rápido. —Perdoe-me pelo que tenho que fazer hoje.

Ele assentiu. —Nós fazemos o que precisamos. Eu só queria a chance de proteger Alex. Se eu não for o vencedor, prometa que nunca sairá do lado dele. Ele é um homem bom, cercado de pessoas más.

Ela o estudou por um longo momento. Sua lealdade era constante, inabalável. Ela o invejava. Abaixando a cabeça, ela pronunciou: —Eu prometo.

Ele soltou um suspiro. —Teríamos sido grandes amigos, você e eu.

—Se não estivéssemos destinados a nos matar.

—O destino não tem nada a ver com isso. Apenas um rei com sede de sangue.

Ele se afastou depois de dar a ela um vislumbre do homem que ela estava prestes a lutar. Um homem que odiava o rei, mas amava seu filho.

Ela pegou a espada em uma bainha no pulso e depois sentiu o peso sólido de sua espada.

Edmund entrou na arena primeiro, girando uma lança, para o deleite da multidão. Ele acenou para eles e sorriu largamente.

Ward seguiu pesadamente atrás dele, carregando uma pesada espada de ferro e uma lança.

Etta era a última. As arquibancadas tremiam quando as pessoas pisavam no ritmo da bateria.

Eles se aquietaram quando o rei se levantou. —Hoje nomearemos o protetor de meu filho. Esses três diante de mim lutaram contra os melhores guerreiros do reino para disputar a luta final. Três entram, apenas um sobreviverá. Eles lutam por todos nós, pela proteção de Gaule. e para o seu príncipe.

Alex agarrou os braços da cadeira e se inclinou ansiosamente. Etta sabia que ele desejaria a morte dela. Só então seu amigo sobreviveria.

—Guerreiros. — O rei gritou. —Vamos honrá-los na morte. Tomem seus lugares.

Os três formaram um triângulo. Etta dobrou os joelhos, pronta para um ataque imediato. O rei levantou a mão. Quando ele soltou, a luta poderia começar.

Ward atacou primeiro, indo atrás de Etta, a concorrente mais fraca ao que parecia. Ela girou para fora do caminho e a espada dele atingiu apenas o ar.

O barulho ao redor deles diminuiu e Etta olhou brevemente para Edmund. Ele não deu nenhuma indicação de que estava usando magia.

Ward a atacou novamente e Edmund entrou na luta. Sua espada bloqueou o balanço de Ward, e eles travaram uma luta de força. Etta circulou atrás de Ward, mas ele girou, chutando um pé para trás para pegar Edmund no estômago. Ele caiu com força.

Etta mergulhou outro arco de sua espada quando ele o derrubou com uma mão, a outra segurando sua lança. Ele apontou para ela e ela pulou para trás. Então tornou-se uma batalha da força dele contra a velocidade dela. Ele jogou a lança de lado para que ele pudesse passar uma segunda mão em volta do punho da espada.

Etta se afastou, usando sua espada para bloquear a dele, enquanto se virava para chutar a perna. O pé dela colidiu com o estômago dele, mas ele mal se mexeu.

Então Edmund voltou. Por alguns momentos, foi como se estivessem do mesmo lado, ambos contra Ward. Ward apontou a espada na direção de Etta, pegando-a pelo lado, mas incapaz de mergulhá-la ainda mais, pois naquele momento Edmund deu um golpe mortal. Ele perfurou a armadura de Ward e enfiou a espada o máximo que pôde. Ward recuou e Edmund saltou para fora do caminho. O homem considerável caiu, estremeceu uma vez e depois ficou imóvel.

Etta olhou para Edmund por um momento, seu peito arfando. Ele passou a mão pelos cabelos loiros suados. Nenhum dos dois queria dar o primeiro passo. A espada de Edmund estava presa em Ward. Ele se lançou para a lança, girando-a entre as mãos. Ela já o viu lutar antes. Ela nunca passaria a lança dele com uma espada. Sua espada poderia derrubá-lo com facilidade, mas se ela fosse forçada a lutar com um homem que respeitava, pelo menos faria uma luta justa.

Ela deixou cair a espada, olhando-o para ver se ele a pegaria. Ele não fez.

Caminhando em direção à lança descartada de Ward, ela se inclinou lentamente.

Assim como treinar. Ela respirou fundo. Uma lança não passava de um bastão com uma ponta de ferro. Ela reclamou com o pai sobre as horas que passaram lutando com uma arma inútil, mas agora poderia ser a coisa que salvaria sua vida.

Emitindo uma breve oração de agradecimento ao pai, ela se virou e encarou Edmund. Sua expressão era sombria, seu rosto pingando de suor.

Não havia ninguém lá além dos dois. Nada além de suas lanças.

Etta levantou a arma no ar, esperando.

Edmund atacou primeiro, usando a lança como ela, ignorando a ponta pontiaguda. Ela o bloqueou facilmente, empurrando-o de volta.

Eles cortaram um ao outro, suas armas estalando juntas. Era o único som que qualquer um deles podia ouvir além de sua própria respiração frenética. A capa de quietude de Edmund continuava pairando ao redor deles. Ela procurou por qualquer sinal de distração nele, mas ele usava sua magia como se fosse apenas mais uma parte de seu plano de batalha.

Ele cutucou, e ela girou para acertá-lo antes de quebrar a lança nas costas dele, como o pai havia feito tantas vezes com ela.

Ele não caiu. Ele se virou para encará-la mais uma vez, e ela pulou, dando um chute rápido em seu torso. Ele caiu, rolando como antes, antes de aparecer novamente. Seu estilo misturava força com pés rápidos. Uma combinação mortal. Pensou-lhe que talvez Edmund merecesse se tornar o campeão do príncipe. Ele era leal, corajoso e habilidoso.

A única coisa que ele não era, era amaldiçoado. Ele era amarrado ao príncipe pelo amor, não pela magia.

Mas ela não queria morrer. E a única maneira de Edmund vencer era com a morte dela.

Ela mergulhou na luta mais avidamente do que antes. Todo golpe dele foi bloqueado, todo movimento antecipado.

Não era assim que ela terminaria, uma marionete do rei.

Edmund diminuiu a velocidade quando a exaustão tomou conta e Etta continuou. Algo dentro dela dizia que Edmund venceria qualquer batalha contra o grande Viktor Basile.

Sua magia lhe permitiu se concentrar, mas não era uma vantagem real.

Sua vantagem era que ele estava lutando por algo em que acreditava.

Bem, ela estava lutando por uma razão maior do que isso. Vingança. Ódio. Porque ela não tinha outra escolha.

Ele foi para o estômago dela e ela agarrou a lança dele, jogando a dela no chão e torceu. Seus dedos seguraram firme até que ela empurrou de volta para ele, cutucando-o no estômago. A respiração foi arrancada de seus pulmões e ele caiu, soltando-a.

Etta girou a lança, dobrando a ponta no peito de Edmund, onde ele estava ofegante no chão. Ela encontrou os olhos dele. Ele merecia isso.

Os sons da multidão começaram a se aproximar deles mais uma vez.

Etta estreitou os olhos em questão.

—Se eu morrer. — Explicou Edmund. —Eu não quero que fique em silêncio.

Ele levantou o queixo, pronto para enfrentar seu destino. Suas palavras de antes entraram em sua mente. O destino não tem nada a ver com isso. Apenas um rei com sede de sangue.

Etta pôs um pé no peito de Edmund para mantê-lo abaixado e ergueu o olhar para o rei. Ele estava em sua plataforma, segurando o corrimão à sua frente em antecipação. Edmund era o favorito, mas isso não significava que o desejo do rei por um final horrível fosse menor.

O peito de Etta doía, seu estômago revirava com nojo. Não era ela. Ela não matava pessoas boas. Suas mãos já tinham muito sangue nelas.

—O que você está esperando? — Alguém na multidão gritou.

—Mate! — outro gritou.

—Termine com isso. — O rei finalmente ordenou.

Ele encontrou o olhar dela, um sorriso virando um canto da boca. Ela sabia que se ela matasse, ninguém deixaria essa luta vivo. O rei deixou bem claro que ela nunca seria campeã.

—Etta. — Disse Edmund, com a voz trêmula. —Estou pronto.

—Eu não estou. — Ela sussurrou.

Ela abaixou a lança enquanto a multidão uivava em decepção.

—Eu não vou te matar, Edmund.

Alívio inundou seu rosto, misturado com confusão.

Ela se inclinou, estendendo a mão. —Qual é o objetivo?

Ele apertou a mão dela e se levantou. —Eu não sei se você é realmente estúpida ou realmente corajosa. — Ele apontou a cabeça para o rei que estava subindo de sua plataforma. Os guardas reais entraram na arena. —Ele não vai deixar isso acontecer.

Etta deu de ombros. —O que está feito está feito.

Os guardas marcharam em direção a eles primeiro, seguidos pelo rei. Eles cercaram Etta e Edmund, suas espadas desembainhadas.

As mãos de Etta estavam tremendo. Ela sentiu pressão em uma delas e olhou para baixo para ver Edmund segurando-a.

Alex se juntou ao pai na frente deles. Ele olhou para as mãos entrelaçadas de Edmund e Etta com uma sobrancelha franzida, mas estava coberto com o puro alívio em seu rosto ter Edmund vivo.

—Guardas. — Ordenou o rei. —Contenha-a.

Um aperto forte arrancou Etta de Edmund.

—Não. — Protestou Alex.

Seu pai virou-se para ele. —Filho, é hora de eu contar a você e a todos os outros quem realmente é essa garota.

Etta resistiu e chutou contra os guardas quando pegaram sua espada e seguraram seus braços em suas algemas de ferro.

—Povo de Gaule. — O rei levantou a voz, encarando a multidão confusa. —Etta-

Suas palavras foram cortadas quando uma flecha voou em sua direção, incorporando seu eixo na garganta. O caos entrou em erupção quando a multidão tentou se afastar o máximo possível, enquanto o rei caía no chão, o sangue escorrendo de seus lábios.

Etta foi libertada quando os guardas correram em direção ao governante moribundo. Alex caiu ao lado dele, segurando a cabeça no colo. Ele olhou para os guardas e apontou.

—Veio de lá. Vão.

Três deles fugiram para encontrar o atacante.

Edmund se juntou ao amigo, mas Etta não conseguiu se mexer.

Então ela ouviu o nome dela.

—Etta! Etta! — Maiya atravessou a arena. —É seu pai. Você deve vir agora.

O rei foi esquecido, Etta correu atrás da amiga, seus músculos protestantes não o suficiente para impedi-la de chegar ao lado do pai.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Capitulo Nove


Pierre pairava sobre o pai quando Etta chegou. Ele desmaiou perto de uma colheita de árvores do outro lado da arena. As pessoas pararam para ficar boquiabertas, mas Pierre as segurou.

Etta caiu de joelhos quando seu pai tentou levantar a cabeça.

—Persinette. — Ele sussurrou.

Ela se aproximou e pegou a mão dele. —Estou aqui, pai.

—Persinette, o rei sabia da sua magia. — Ele deixou a cabeça cair para trás. —Eu fui amaldiçoado para protegê-lo, mas eu escolhi. Você pode escolher. Proteger você era mais importante.

O olhar de Etta se deparou com o arco familiar que estava próximo. Ela olhou de volta para o pai, balançando a cabeça enquanto as lágrimas caíam por suas bochechas. Nenhum sangue manchava sua pele, mas no mesmo local em que ele atirou no rei, a pele de Viktor brilhava em vermelho.

Etta colocou a mão no peito do pai e inclinou a cabeça.

—Sua maldição está quebrada agora, pai.

Ele sorriu fracamente.

—Etta. — Maiya apareceu ao seu lado. —O príncipe está vindo.

—Encontre outra maneira de quebrar sua maldição, Persinette. — O pai deu um suspiro molhado. —Eu estava errado. Você não pode viver sua vida acorrentada a eles. Você sempre foi feita para mais. — Elas eram as palavras que ela desejava ouvir durante as muitas horas de treinamento. Ela queria saber que ele acreditava nela. Somente no final ele pôde realmente ver.

Quando os passos do guarda se aproximaram, Etta se levantou e limpou o rosto. Os guardas do príncipe Alexandre atravessaram a multidão e ele estava lá com Edmund ao seu lado.

Alex viu a cena do pai e seus olhos se arregalaram.

Seu pai olhou de volta para o príncipe.

—Viktor Basile. — Alex disse baixinho, como se seu nome fosse uma maldição.

Seus olhos vermelhos eram a única indicação de que seu pai acabara de morrer.

Alex se aproximou antes de se virar para olhar para Etta. —Já está fazendo um bom trabalho para mim, Etta. Vejo que você encontrou o assassino do meu pai.

—Sinto muito por sua perda, Alteza. — Etta deu um passo atrás e abaixou a cabeça para esconder as lágrimas.

Para sua surpresa, Alex se agachou ao lado de seu pai e colocou a mão em seu ombro. —Faz muito tempo, Viktor.

A bile subiu na garganta de Etta. Ela queria exigir que o príncipe parasse de tocá-lo. Não era o direito dele. Os Durand arruinaram sua família, mataram sua mãe e agora até levaram seu pai.

E, no entanto, eles ainda seguravam o laço em volta do pescoço. Eles simplesmente não sabiam disso.

Alex não perguntou a Viktor por que ele fez isso. Ele sabia. Todos eles sabiam. Viktor Basile era o homem que os protegera de La Dame e fora caçado como recompensa. Ele tinha sido o maior amigo do rei, transformado em pesadelo mais horripilante.

—O rei está morto? — O pai de Etta perguntou, sua voz desaparecendo.

Alex assentiu.

Ele fechou os olhos. —Então eu estou livre.

Seu corpo estremeceu quando ele deu um último suspiro e depois ficou imóvel.

Alex inclinou a cabeça e um grito se libertou de Etta. Ela tropeçou para a frente quando o chão sob seus pés começou a tremer. Um gemido rasgou a terra. Os habitantes da cidade começaram a correr quando a arena apressadamente construída nas proximidades se desfez e desmoronou.

Os guardas empurraram Alex para frente e seus olhos dispararam freneticamente enquanto Etta observava o mundo desmoronar ao seu redor.

—Camille! — Alex gritou.

Edmund agarrou o braço de Etta, sacudindo-a de seu estado congelado.

Camille mancou. —O que está acontecendo?

Etta alcançou sua magia, deixando-a percorrer seu corpo. Sua magia forjando uma conexão entre ela e o mundo natural ao seu redor. Ela podia sentir a dor da terra. A maneira como o chão se desfez, gritando de agonia com a morte de seu pai. E então isso a atingiu. Olhos brilhando, ela ofegou. —As barreiras! — Ela se esquivou de uma pedra surgindo em sua cabeça. —Elas estão descendo!

O entendimento surgiu nos olhos de Edmund. A magia de uma pessoa morria com ela. Se Viktor Basile estivesse morto, sua magia não conseguiria manter as barreiras. Se as barreiras se foram, não havia proteção contra La Dame.

Etta procurou freneticamente Maiya e Pierre, mas eles não estavam em lugar algum.

—Você vem conosco. — Disse Alex, pegando seu cavalo assustado de um guarda.

—Eu não vou a lugar nenhum com você.— Ela recuou.

—Etta. — Ela pulou ao toque de Edmund. —Você venceu o torneio. Seu lugar é agora no palácio.

Seus olhos se voltaram para a forma imóvel de seu pai, e ela conteve as lágrimas que se formavam em seus olhos. Se sua conexão com Viktor Basile fosse conhecida... ela balançou a cabeça. O pai dela matou o rei.

Ela procurou no rosto de Alex por algum sinal de sua própria angústia. Ela pode odiar os Durands, mas não era insensível.

Ele parecia atordoado demais para processar.

Edmund lançou uma sacudida de vento calmante para os cavalos, perceptível apenas para Etta. Ele subiu atrás de Camille. Alex montou no cavalo e estendeu a mão para Etta. Ela não teve tempo de pensar antes de aceitar a ajuda e abraçar a cintura dele.

Eles cavalgaram o mais rápido que os cavalos podiam levá-los. Os guardas foram deixados para trás para tentar encontrar e acalmar os cavalos restantes.

Tendas desabaram sobre si mesmas enquanto galopavam. Pessoas em pânico corriam para evitar a queda das estruturas. A viagem para o palácio foi uma busca estrondosa de cascos e destroços caídos. Os portões estavam abertos quando eles chegaram e correram. Eles não diminuíram a velocidade ao passarem pelo castelo externo e contornarem os estábulos, abrindo o portão interno do palácio. Uma vez dentro do pátio, o estrondo começou a se acalmar, e o chão parou de tremer.

Etta se inclinou para recuperar o fôlego e eles deslizaram de seus cavalos.

Camille andava de um lado para o outro, sua bengala ecoando pelo pátio de pedra. Ela parou a cada poucos metros para lançar um olhar para Etta.

—Nós devemos entrar. — Disse Edmund suavemente.

Nenhuma das crianças da realeza respondeu, atordoada como estava pelos acontecimentos do dia.

Tyson veio correndo pelo pátio. —O que está acontecendo? Você está bem? — Ele avistou Etta. —Você ganhou? Eu sabia que sim. Aposto com alguns dos meus guardas.

Edmund pigarreou e Tyson se virou.

—Edmund. — Ele sorriu, caminhando para frente para dar um tapa nas costas dele. —Eu não quis dizer que queria que ela vencesse você... espere, como vocês estão aqui?

—O pai está morto. — Lamentou-se Camille de repente. Ela apontou um dedo longo para Etta. —E é tudo culpa dela. — Ela entrou, deixando o resto em choque.

Os olhos de Alex ficaram nublados de raiva e ele apertou a mandíbula.

—Alex? — Tyson perguntou.

—Pai está morto. — Ele se virou para o irmão. —Mas não se engane, não foi culpa de ninguém, mas dele próprio e agora Gaule está mais uma vez à mercê da magia.

Tyson abriu a boca em questão e depois fechou.

—Você sentiu? — Edmund perguntou. —As proteções se foram.

Alex balançou a cabeça e subiu os degraus quando um grupo de guardas e criados desceu sobre ele. Ele acenou para eles, mas eles não seriam impedidos.

—Estou bem. — Ele berrou, passando por eles.

Eles voltaram sua atenção para Tyson, ignorando Etta e Edmund completamente. O jovem príncipe não chorou, embora parecesse que queria. O garoto conhecido por seu sorriso fácil e olhos brilhantes havia entorpecido.

Agora que as proteções se foram, Etta se perguntou o que os próximos meses levariam de todos eles.

Ela teve mais sorte do que a maioria. Ela não tinha mais nada a perder.

 

—Como assim as proteções se foram? — O corpulento lorde Leroy gritou, sua voz ecoando pela câmara do conselho. A sala era puramente ornamental, pois nenhum conselho havia sido utilizado nos anos de proteção sob as barreiras. Mas lorde Leroy mantinha um alto status com o pai de Alexandre. Ele já estava tentando exercer sua influência com o novo rei.

A duquesa Moreau colocou a mão em seu ombro para acalmar o ritmo e se virou para o príncipe que logo não seria mais um príncipe.

—Sua Alteza. — Calor fluiu de sua voz. —Você está certo?

A voz do pai de Alexandre filtrou em sua mente. Uma de suas muitas lições. Nunca confie nos Moreaus. A duquesa manipulará sua espada diretamente nas costas.

Gaule tinha uma longa tradição de manter os inimigos próximos à coroa, mas tinha dificuldade em vê-la como inimiga. Os Moreaus controlavam vastas faixas de terras e cidades perto da fronteira. Os Moreaus tinham uma longa história de proteção ao povo mágico. Isso por si só era uma razão suficientemente boa para não confiar neles, mas havia tão poucas pessoas em quem ele podia confiar. Ele apertou a mão dela do braço e recuou para ganhar alguma distância.

Alex olhou ao redor da sala cavernosa. Era um bom lugar para ter conversas privadas com conselheiros, mas apenas o fazia se sentir inadequado para a posição que agora era forçado a assumir. Deveria ter sido seu pai lidando com proteções e conselheiros quebrados.

 


Uma semana se passou desde aquele momento doentio na arena, quando seu pai caiu no chão como se não fosse o homem mais poderoso de Gaule.

Então, novamente, talvez ele não fosse. Não quando Viktor Basile vivia.

Agora eles estavam mortos. Se foram.

E ele tinha um reino para administrar.

—Enviei uma força exploratória para a fronteira para ver as barreiras. É por isso que não te chamei até agora. A unidade que enviei deveria voltar ontem. — O príncipe passou a mão pelo rosto. —Houve danos substanciais nos terremotos. Coloquei algumas unidades para trabalhar na cidade para fazer reparos. Enviei outras para as cidades mais distantes do palácio para ver como elas também se saíram. — Ele virou-se para a porta. —Agora, vocês estão informados e eu preciso ver sobre encontrar meus homens.

Ele se virou para ir embora, mas lorde Leroy o chamou de volta.

—Sua majestade, devemos planejar uma coroação.

Alex suspirou. Ele sabia que o duque estava certo. —Meu pai nem está no chão. Me coroe se precisar, mas nenhuma cerimônia.

Ninguém discutiu.

—E sua protetora?

—Então e ela? — Ele perdeu a cabeça.

—Ela venceu o torneio, mas não foi obrigatório. Ainda não houve cerimônia. Com seu pai agora...

—Morto?

—Sim, bem, você pode escolher um protetor que projete uma certa imagem. Uma certa força.

Ele estreitou os olhos. —E sem ele, eu também poderia escolher um consultor com meio cérebro.

Lorde Leroy recuou.

—Eu não sou legalmente obrigado a aceitar Etta como minha protetora, mas ela venceu o torneio. Não vou manchar minha honra ou a desta coroa diminuindo o valor da palavra de meu pai. Se a posição for simbólica, deixe-a simbolizar a força do nosso caráter. Além disso, ela superou alguns dos nossos homens mais talentosos em combate. Eu diria que ela é mais do que capaz.

Ele saiu da sala com passos pesados. Ele não conseguia se lembrar da última vez que dormiu ou comeu, mas havia assuntos mais prementes. Edmund e seus homens estavam desaparecidos. Ele os enviou para a fronteira no dia seguinte aos terremotos e os esperava de volta ontem.

Se essa preocupação era o que significava ser rei, ele desejou ter nascido pobre.

Assim que o pensamento entrou em sua mente, ele soube que não estava certo. Toda a sua vida, tudo o que ele queria fazer era proteger seu povo. Ele foi criado para pensar que isso significava manter a magia de suas terras, mas se as barreiras desaparecessem, apenas a magia poderia substituí-las. Ele não saberia por onde começar.

O capitão Anders deu um passo ao lado dele, inclinando levemente a cabeça.

—Você tem que me seguir? — Alex perguntou cansado.

—Senhor, eu sei que você tinha seus próprios guardas que lhe deram mais... espaço antes, mas você será rei agora e deve ser guardado mais de perto.

—Pelo capitão da guarda? — Ele levantou uma sobrancelha.

Anders grunhiu, uma carranca cruzando seu rosto. Não era o que ele queria fazer, mas cumpriria seu dever. Anders era bom para isso. Contanto que você não tente conversar com ele e possa viver de rosnados, ele o fará. Não era como Alex se importava. Ele não era do tipo que falava na semana passada.

—Vou ter um guarda pessoal selecionado até o final de semana, assumindo que Edmund retorne até lá.

—Não. Meu filho não é adequado para guardar o rei. Você tem mais soldados testados a considerar.

Alex parou abruptamente e virou-se para o homem alto. Seus ombros largos e cabelos loiros eram as únicas coisas que ele tinha em comum com o filho. Ele criou Edmund por conta própria, mas onde Edmund rapidamente sorria, Anders era eternamente azedo. Anders subiu na hierarquia, ganhando a confiança do pai de Alex, mas talvez estivesse na hora do capitão da guarda ser um homem em quem Alex confiava.

—Capitão. — Alex disse friamente. —Seus homens testados em batalha falharam com meu pai.

O rosto de Anders empalideceu.

Alex levantou a mão. —Eu não os responsabilizo. Mas da próxima vez que você tentar me dar uma ordem, você se encontrará sem homens para liderar.

Isso ia ficar mais fácil? Ele começou a andar sem esperar por uma resposta. Anders seguiu sem dizer uma palavra, seus passos pesados soando contra as pedras sob seus pés.

Antes que ele percebesse, Alex se viu indo para o quarto de Etta. Seus passos vacilaram. Ele não tinha sido capaz de enfrentá-la desde que voltou ao palácio. Oficialmente, ele estava muito ocupado. Extraoficialmente, ela mal o conhecia e tinha sido a única pessoa que parecia ver diretamente através de sua fachada. Incapaz de lidar com mais mudanças, ele entregou a tarefa de seu bem-estar a Camille, mas ela deveria ser sua protetora e estava na hora de ele olhá-la nos olhos. Como protetora, ela poderia não ter um papel real, mas estaria sempre com ele. O pensamento o acalmou. Talvez esse fosse o objetivo de um protetor - para que o rei não precisasse ficar tão sozinho no poder.

—Era mesmo o Viktor? — Anders perguntou.

Alex se escondeu surpreso com a pergunta franca. Ele quase esqueceu que Anders estava lá.

Quando Alex assentiu, os olhos de Anders escureceram.

—Aquele homem era perigoso desde a primeira vez em que pisou neste palácio. Eu disse isso a seu pai muitas vezes, mas...— Ele balançou a cabeça.

—Mas o homem era seu amigo mais próximo. — Alex deu a ele um olhar gelado. Ele queria desprezar o homem que matou seu pai, mas parte dele se lembrou do Viktor que tentou ensiná-lo a empunhar uma espada. Ele passou mais tempo com Viktor e sua filha do que com seu próprio pai.

—O mal é o que ele era. Ele tinha a magia.

Alex não podia discordar desse sentimento. Nenhum deles estava seguro quando a magia corria desenfreada no reino.

Geoff estava sentado do lado de fora da porta de Etta, cochilando, quando eles chegaram. Anders parou na frente dele e chutou suas pernas. Geoff acordou assustado.

—O que você está fazendo aqui, Geoff? — Alex perguntou.

Geoff não foi rápido o suficiente para esconder sua carranca. Ele não perdoou Alex e Tyson por nocauteá-lo antes do torneio.

—A princesa me colocou aqui. — Ele rosnou. —Eu devo impedir que alguém entre ou saia.

—Meu Deus, cara. — Alex o empurrou para o lado. —Você quer me dizer que a mantemos trancada em seus quartos?

—Ordens da princesa Camille. — Ele encolheu os ombros.

—Volte para minha irmã e diga a ela que exijo sua presença na sala do trono logo de manhã. — Ele não prestou mais atenção ao guarda quando bateu na porta.

—Eu te disse, não estou com fome. — Uma voz furiosa gritou por dentro.

—Etta, é o príncipe Alexandre. Posso entrar?

—Não.

—Por favor. Eu preciso falar com você.

Ele a ouviu atravessar a sala momentos antes da porta se abrir.

—Vindo conferir minha cela, Alteza?

Seus olhos estavam vermelhos como se ela estivesse chorando, mas todas as lágrimas estavam secas quando suas pupilas brilharam quando ela encontrou seu olhar. Ela desviou os olhos para o guarda e examinou Anders da cabeça aos pés.

Ele olhou com repugnância aberta.

Ele não sabia o porquê, mas isso fez com que a raiva de Alex aumentasse.

—Anders. — Ele retrucou. —Mostre seu respeito à mulher que salvou a vida de seu filho.

A mandíbula de Anders se apertou quando ele se curvou na cintura pelo menor dos arcos. Alex reprimiu sua irritação. Não serviria de inimigo do capitão da guarda.

—Seu filho seria...? — Etta perguntou.

—Edmund. — Alex coçou a bochecha.

As bochechas de Etta ficaram vermelhas. —Oh.

Oh? O que diabos isso significava? O beijo deles significava mais do que Alex pensava? Ele tinha suas razões para acreditar que era um ardil. Mas então o que Edmund estava fazendo lá naquele dia?

—Anders. — Alex ordenou. —Nos deixe.

—Mas, Alteza...

—Minha nova protetora não vai me matar. Fora.

A porta bateu atrás dele, trancando-os em um impasse silencioso. Os olhos de Etta voaram ao redor da sala, em qualquer lugar, menos nele. Ela se virou e voltou a se ocupar endireitando os cobertores na cama no centro da sala. Diretamente ao lado dela, o luar prateado entrava através de uma janela de três vidraças, emoldurada em ouro. A luz da lua iluminava seus traços fortes.

—Eu não ordenei que você ficasse aqui. — Ele finalmente disse.

Ela não olhou para ele. —Importa quem deu a ordem? Eu ainda sou uma prisioneira.

—Você não é. — Ele deu um passo em sua direção. —Eu prometo.

—Suas promessas não significam nada para mim.

Ela fungou e sentou na beira da cama.

—Você está bem? — Ele perguntou.

—Eu estou bem? — Uma risada passou por seus lábios, mas parecia errado de alguma forma. —O que isso significa? Algum de nós está bem? Seu pai acabou de morrer, empurrando você para o trono. Você não está bem, mas deve parecer como está. — Ela apoiou os cotovelos nos joelhos. —Eu... perdi alguém perto de mim recentemente e não tenho como lamentá-lo. Minhas mãos foram banhadas em sangue sob o comando da coroa que agora devo servir. — Ela finalmente encontrou o olhar dele. —Você já matou alguém, príncipe?

Quando ele balançou a cabeça, ela continuou. —Não, você não matou. Você dá a ordem para as pessoas morrerem, mas nunca precisa sentir a vida delas vazar. Por um momento, é bom. Existe um tipo de poder em tirar uma vida. Mas esse poder vem a um custo. Cada morte destrói a alma.

Ela apontou para a porta. —Aquele homem lá fora teria perdido o filho se eu tivesse obedecido ao seu pai. Então, Alteza, eu o servirei. Eu darei minha alma. Mas se você me perguntar novamente se estou bem, eu vou quebrar esse seu lindo rosto.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Capitulo Dez


Na manhã seguinte, o vestido de Etta arrastava pelo chão enquanto ela seguia o príncipe e Anders pelo labirinto que formava o palácio. Ela pisou na bainha, pegando-se antes de se lançar para a frente e proferir uma maldição. Camille lhe dera alguns vestidos gastos pertencentes a um dos criados. Nenhum deles era realmente do tamanho dela, mas a princesa não parecia se importar.

Seu comportamento gelado se encaixava muito melhor com a opinião de Etta sobre os Durand do que com os flertes de Alex ou com a exuberância mais jovem de Tyson. A princesa tinha algo contra Etta.

Estar dentro do palácio novamente fez a pele de Etta se arrepiar de nervosismo. Desde que partiu quando ela era jovem, isso representou um inimigo, um medo. Agora deveria ser a casa dela.

Alex exigiu que ela o acompanhasse a uma reunião na sala do trono. Ela estaria ao lado dele em todas as reuniões daqui para frente. Alex seria seu companheiro constante. Ela não odiava a ideia e então se odiava por não odiá-la.

Manter essas duas ideias em sua mente a mantinha sã em um mundo insano.

Eles viraram mais uma esquina e Etta tomou nota de cada passo que dava. Era um hábito instilado pelo pai sempre cauteloso. Observe tudo. Não esqueça nada. Conheça o seu entorno. Planeje uma rota de fuga.

Ela poderia usar seus sábios conselhos ou mesmo seus severos ensinamentos agora, mas chorara muitas lágrimas por ele. Alex não parecia afetado pela morte de seu próprio pai. Quanto disso foi apenas ele interpretando o ato de príncipe? Camille começou a chorar a cada poucos minutos, quando ela não estava repreendendo uma pobre alma, e Tyson havia desaparecido completamente.

Um grupo de espectadores aguardava na sala do trono sua primeira audiência com o príncipe desde a morte do rei. Ele mal olhou para eles. Seu foco ficou em sua irmã, que estava na plataforma ao lado do trono, como se ela também governasse.

Anders colocou a mão no braço de Etta para segurá-la enquanto Alex se aproximava e encarava o trono. Mais do que algumas pessoas respiraram fundo. Ele ia sentar nele? Tão logo após a morte de seu pai? Seus ombros ficaram tensos quando ele subiu os degraus devagar e depois se virou, abanando a capa ao redor, e sentou-se.

Seu rosto não tinha emoção, mas sua postura era rígida.

Era esse o momento? Etta se perguntou. Ela não sabia por que Alex insistia que ela viesse quando eles ainda não haviam feito a cerimônia para oficializá-la, mas ela estava esperando alguém, alguém, para revelar sua identidade. Seria possível que o rei não tivesse contado a ninguém quem ela realmente era?

Alex lançou um olhar medido através da sala e ela respirou fundo, posicionando-se para facilitar o acesso à porta.

Mas sua próxima declaração não era sobre ela.

—Camille. — Ele retrucou, gesticulando para ela descer da plataforma.

O rosto de Camille ficou frouxo, mas ela obedeceu, descendo para ficar na frente dele.

—Diga-me por que você trancou minha protetora.

—Eu... eu...— Ela gaguejou antes de se endireitar e passar a mão na frente do vestido de renda azul. —O pai não confiava nela.

Alex se inclinou para frente e abaixou a voz. Etta esperou.

— O pai não confiava em ninguém.

A boca de Camille se abriu. —Você falaria mal de um homem que ainda não foi enterrado?

—São os vivos que são importantes agora. Temos problemas maiores do que o pai não querer uma mulher ao meu lado.

—Você está tão cego pela beleza dela que não consegue ver que algo não está certo?

—A beleza não tem nada a ver com isso. — Ele levantou a voz para que os que estavam no fundo da sala pudessem ouvir. —Minha protetora venceu o torneio e honrarei a vitória dela. Haverá consequências para quem tentar interferir novamente.

As pessoas murmuravam, mas nenhuma tinha coragem ou estupidez para expressar suas preocupações em voz alta. Em vez disso, lançaram olhares desconfiados para Etta.

Camille deu as costas para o irmão.

—Eu não te dispensei. — Alex rosnou.

Ela voltou-se para ele, com os olhos um frio implacável. —Você ainda não é meu rei, irmão.

Ela girou e bateu a bengala no chão enquanto se afastava. Quando ela passou por Etta, ela disse: —Meu pai sabia algo sobre você e eu vou descobrir o que era.

Quando ela saiu, Alex se retirou do trono, ignorando os outros que desejavam falar com ele. Enquanto caminhava para Anders, ele coçou a nuca. —Eu odiava isso.

—Essa garota é muito parecida com seu pai. — Disse Anders.

Alex ignorou a maneira como o capitão se referiu à princesa, mas a reverência em seu tom não passou despercebida. Olhando demoradamente para Anders, Alex girou nos calcanhares e marchou da sala do trono - a sede de seu novo poder - sobrecarregado com a responsabilidade de um reino.

Etta saiu em conflito. Os Durands destruíram gerações de sua família. Ela não estava lá por escolha. Mas com cada palavra saindo da boca do príncipe, os limites de seu ódio começaram a desmoronar. Ela se preocupou com o fato de que, uma vez que tudo acabasse, tudo o que ela teria seria um vazio total.

 

O conforto luxuoso cercou Etta. Depois de viver em uma cabana surrada na Floresta Negra, como suas circunstâncias poderiam ter mudado tão drasticamente?

Pensamentos sonolentos percorreram sua mente quando o sol da manhã iluminou seu rosto. Seus olhos observaram a cama de dossel enorme com tecido de seda coberto do alto. Era celestial. Um aroma encheu o ar, cheiro canela dançando debaixo do nariz.

Ela pulou na vertical quando sua mente se limpou e ela percebeu onde estava. O Palácio. O seu novo lar. O cheiro doce de antes revirou seu estômago quando ela pôs os pés descalços no tapete de lã que cercava a cama. Fibras macias deram lugar a pedras geladas enquanto ela caminhava em direção à área de estar que consistia em um sofá, duas cadeiras e uma lareira que não era utilizada durante os meses de verão.

Uma bandeja estava sobre a mesa diante de uma das cadeiras, empilhada alta com vários bolos e um bule de chá. Outro cheiro familiar esfaqueou sua consciência e ela se lançou para um prato coberto, puxando a tampa livre. Bacon.

Seu pai levava bacon do mercado para casa quando ele viajava para a cidade, e era a comida favorita dela, não porque era deliciosa - mesmo que fosse - mas porque significava que ele retornara em segurança. E que ele se lembrava dela enquanto estava fora.

Ele nunca comeu nada disso.

Ela fechou os olhos para impedir que as lágrimas fluíssem enquanto mastigava cada pedaço glorioso. Ela mal havia comido no dia anterior e seu estômago protestou com tanta atividade.

Dez dias. Ele estava morto há dez dias. E ela ainda não sabia qual era o seu papel no castelo. Uma batida soou de sua porta e ela ficou de pé para correr em direção ao seu guarda-roupa para uma achar uma roupa para cobrir sua nudez. Ela ainda usava as camisolas de dormir. Somente quando o pai estava em casa ela as usava.

Abrindo a porta, ela piscou surpresa, reconhecendo a rainha diante dela.

Recuperando-se de seu estupor momentâneo, ela mergulhou.

—Sua Majestade.

—Oh, minha querida. — A rainha disse calorosamente, estendendo os braços que estavam empilhados com roupas. —Ajude uma velhinha a sair.

—Você não é velha, madame.

Um sorriso largo se espalhou por seu rosto. —Se eu quisesse elogios constantes, passaria meus dias com as celebridades nascidas em seus aposentos de costura.

Etta deu um passo para trás, e a rainha entrou correndo no quarto, seu vestido de seda azul e safira balançando nas pernas. Etta ficou olhando. Quando as proteções estavam no lugar, certos itens comerciais, como seda, não estavam entrando no reino. Eles só tiveram acesso às mercadorias fabricadas em Gaule, tornando-se autossustentáveis. Isso mudaria agora.

A rainha colocou sua pilha de roupas na cama e seguiu a linha de visão de Etta com uma risada. —Você gostou? Eu fiz com algumas cortinas antigas que estavam no meu quarto. Cortinas hediondas, mas elas fizeram um vestido lindo.

Etta apenas balançou a cabeça. A rainha não era vista com frequência fora do palácio e isso não era o que ela estava esperando.

—Você fala menina? — Ela perguntou com uma risada.

Etta tossiu. —Sim, eu quero dizer sim, minha senhora. É uma honra conhecê-la.

—Eu? Você é a mulher que acabou de derrotar os melhores lutadores do reino em combate. — Ela se inclinou. —Eu provavelmente era a única no palácio realmente torcendo por você. — Ela piscou. —Embora eu não pudesse assistir. Foi simplesmente horrível. Eu abomino a violência. E esse torneio foi desnecessário.

—Eu...— Etta pigarreou. —Sinto muito como terminou.

A tristeza nadou nos olhos da rainha por um momento antes de fechá-los e respirar fundo. —Um homem bom morreu naquele dia. E um monstro. — Ela os abriu e perfurou Etta com um olhar que a cortou.

Seus olhos se encontraram, e algum significado passou por sua conexão, mas Etta quebrou antes que a rainha visse profundamente.

—De qualquer forma. — Ela se animou e, em um instante, todo traço de tristeza se foi. —Ouvi dizer que você precisava usar algumas roupas.

Etta segurou a risada que lhe escapou quando voltou para o guarda-roupa e abriu a porta. O vestido de ontem estava pendurado na frente, mas toda a barra inferior havia sido cortada com uma faca.

—Se eu vou proteger o rei, preciso andar sem cair de cara no chão.

A risada de resposta da rainha Catrine ricocheteou nos tetos altos. —Você é assim. Teria sido mais fácil se você pudesse reunir seus pertences da sua tenda, mas infelizmente...

—Eu não precisava de nada naquela tenda. — Suas únicas posses que importavam eram a espada apoiada na parede, a camisa de malha na cadeira e a faca escondida embaixo do colchão da cama para facilitar o acesso.

A rainha apertou os lábios. —Bem, encontre algo nessa pilha para vestir. Devo voltar aos meus quartos para tomar um chá sem graça com Lady Leroy. Ela ocupará meu ouvido com preocupações com suas filhas igualmente entediantes. — O suspiro dela foi exagerado. —Você as conhecerá em breve. A mais velha, Amalie, está noiva do meu Alexandre.

Etta levantou a cabeça antes de desviar o olhar de repente para esconder sua curiosidade. Sem dúvida, ela teria que proteger essa prima de nascimento elevado que seria a rainha. Que tipo de mulher eles se casariam com o rei?

A rainha continuou falando, sem saber das perguntas que rolavam pela mente de Etta. —Hoje à noite você tem um convite para jantar nos aposentos do rei.

—Eu tenho? — Proteger, sim. Participar de reuniões, com certeza. Siga o rei, e ela sobreviverá. Mas socializar com ele? Jantando com ele? Cada parte de sua vida seria ditada pela maldição?

—Ele mandará alguém para pegar você.

Sozinha novamente, Etta vasculhou as roupas, tentando desviar o pensamento do jantar iminente e da futura rainha. Calças e túnicas simples compunhavam o lote, e ela nunca tinha sido mais grata pelas roupas. Quando ela puxou uma calça preta da pilha, um pedaço de papel flutuou no ar.

Seus dedos o agarraram antes de atingir o chão.


Se você precisa de um amigo, procure nos estábulos.

-Edmund


Por que Edmund a mandaria para os estábulos quando ele nem estava aqui? A primeira vez que conheceu Edmund surgiu em sua mente - no dia em que o deixou amarrado em um beco. Seu coração acelerou. Vérité.

Vestiu a calça e uma bata branca encurtada com capuz antes de calçar as botas e amarrá-las. Elas ainda tinham sangue seco respingado sobre elas do torneio, mas eram o melhor que ela podia fazer.

Caminhando até a porta, ela passou os dedos pelos cabelos para desembaraçar os nós e puxou o capuz. O terrível guarda não estava mais sentada à sua porta, mas aquele quarto nunca seria mais do que uma prisão. Enquanto ela se afastava, a liberdade floresceu dentro dela.

A caminhada era familiar. Salões com painéis de madeira, adornados com pinturas pastel e arcadas douradas. Os guardas nas portas do palácio não lhe prestaram atenção quando ela se lançou para o sol brilhante. Já fazia mais de uma semana desde que ela experimentou seu calor em seu rosto. Ela estava acostumada a estar ao ar livre para todas as coisas, exceto dormir. Mas a vida na floresta parecia um sonho distante agora.

Ela fechou os olhos para absorver o momento, mas foi trazida de volta à realidade quando um homem carregando dois baldes de água esbarrou nela, espirrando em seu estômago. Os olhos dela se abriram e ela fez uma careta, mas ele já havia se ido.

—Maravilhoso. — Ela murmurou enquanto marchava pelo pátio e saía para a alma do castelo: as pessoas. Casas ladeavam as ruas, cada uma parecendo a casa que ela tentara tanto esquecer. Recuavam contra a parede interna, amontoadas como as pétproteções de um broto moribundo, sem espaço para respirar.

O portão para a parte externa do castelo estava aberto, mas ela sabia que poderia ser fechado a qualquer momento. Ela já tinha visto isso acontecer antes. Quando ela tinha dez anos, um grupo de homens e mulheres usava magia para aterrorizar o castelo externo. Eles fecharam o portão interno para proteger a família real. Ela ainda podia ouvir os gritos.

Essa foi a primeira vez que ela sabia que nem toda magia era boa.

O castelo externo era como uma cidade em si, cheia de atividades. Ela evitou os lugares mais familiares e foi diretamente aos estábulos. Lá, nada havia mudado nos anos que se passaram. Uma estrutura de madeira que já vira dias melhores estava cercada por uma baia na qual vagavam cavalos. Era fechada por uma cerca feita de barras de aço sólidas.

Se ela estava certa sobre as razões de Edmund para enviá-la aqui, ela sabia o que fazer.

Ela assobiou uma única nota aguda e esperou.

Pela primeira vez desde que pôs os pés no palácio, um sorriso genuíno se estendeu por seu rosto. Ela ouviu. O inconfundível relinchar de seu melhor amigo. Mas ela não o viu.

Etta deu um passo em direção ao cercado, onde outros cavalos corriam de e para a porta que levava às suas baias. Assobiando novamente, ela agarrou uma das barras aquecidas pelo sol da cerca e se levantou para ficar em cima de outra.

Um garanhão castanho passou pela porta e saiu pela baia, erguendo-se.

Etta riu. —Mostre-se.

Vérité derrapou até parar na frente dela e a cutucou bruscamente com o nariz.

—Mademoiselle. — Uma mão estável gritou. —Eu ficaria longe se fosse você. Aquele morde.

Como se para provar que ele estava certo, Vérité beliscou-a. Ela bateu no nariz dele, olhando nos olhos dele.

—Obrigada, senhor. — Ela gritou de volta.

O homem encostou a pá na cerca e caminhou em sua direção. Vérité bateu o pé.

—Shhhh. — Ela sussurrou contra o pescoço dele.

—Eu não vi aquele cavalo chegar perto de ninguém sem cravar os dentes. Ele é um filho da puta malvado. — Ele manteve distância das pernas traseiras de Vérité.

—Talvez seja porque ele não deve ser mantido em uma gaiola. — Ela retrucou.

—Querida, isso não é nenhuma gaiola. Estes animais aqui comem melhor do que eu.

—Talvez não seja uma gaiola, mas ele não é livre. — Igual a ela.

Ela escorregou da cerca, sabendo que tinha falado demais. Ela não podia arriscar a exposição fazendo com que ligassem Vérité a ladra de onde ele foi retirado.

Ela respirou fundo e esfregou o nariz de Vérité. Inclinando-se, ela sussurrou: —Eu voltarei.

Enquanto se afastava, seu coração estava mais leve do que antes. Vérité fazia parte dela e foi bom saber que um pedaço da garota que ela era antes havia permanecido.

 

 

 

 

 

 

 

 


Capitulo Onze


Ela usava as roupas simples que sua mãe lhe deu, em vez dos vestidos de Camille. Alex percebeu assim que ela apareceu em seus quartos. Ele enviou o capitão para buscá-la, um trabalho que estava tão abaixo dele que seria cômico se Anders tivesse algum senso de humor.

Os cabelos dourados de Etta corriam pelas suas costas enquanto ela olhava para ele da porta.

—As pessoas vão rir de mim. — Foi a primeira coisa que ela disse.

—Eu vou desafiar qualquer um que faça. — Ele brincou.

Ela riu. A primeira risada que ele ouviu dela. —Sua reputação o precede, Alteza. — Ela passou por ele em sua suíte. —Ouvi dizer que não há muitas pessoas que você poderia enfrentar.

—Quem fala essas mentiras?

—Todos. — Ela caminhou em direção à sala de estar, examinando tudo enquanto passava. Se ele não soubesse melhor, pensaria que ela estava memorizando o lugar para roubá-lo.

Ele fechou a porta, permitindo a privacidade de seus guardas do lado de fora. Ele começou com o pé errado com Etta e estava na hora de conhecê-la. Quando a convidou para jantar em seu quarto, parte dele simplesmente não queria ficar sozinha. Antes de seu pai ser morto, ele comia no corredor com os guardas, geralmente com Edmund. Com o pai desaparecido e Edmund desaparecido, ele não se sentia mais como se pertencesse a eles.

Ele caminhou em direção à sala de jantar e serviu duas taças de vinho antes de pisar ao lado de Etta e entregar uma para ela. Seus olhos se arregalaram quando viu o que ela estava passando. Ele deixou seu livro de esboços para qualquer um ver.

—São seus? — Ela perguntou.

A surpresa em sua voz o incomodou. —Bem... uh...— Ele puxou a gola e tomou um gole de vinho.

—Eles são muito bons. — Ela virou a página e parou quando viu seu próprio rosto olhando para ela.

Alex coçou a nuca. —Eu... hum... isso foi depois da sua primeira luta no torneio.

Ela continuou a encará-lo em silêncio.

Nervosismo não era algo que Alex estava acostumado a experimentar. Ele bateu o dedo na taça de vinho e respirou fundo.

—Eu percebi. — Ela fechou o livro e olhou para ele enquanto levava a taça aos lábios.

O coração de Alex bateu contra as costelas. Ela continuou olhando. Desejando poder ler sua mente, ele pigarreou para quebrar o feitiço e pegou o caderno de desenho dela.

—Não mostro meus desenhos para as pessoas. — Ele colocou na estante. —Eu apreciaria sua discrição.

Seus lábios se separaram e uma batida passou antes que ela protestasse. —Você é muito bom.

A bondade repentina em seus olhos roubou o fôlego dos pulmões dele. No pouco tempo em que conheceu Etta, ela foi feroz, corajosa, obstinada e até cruel às vezes... nunca gentil. No minuto em que ele começou a pensar que a entendia, ela provou que ele estava errado.

Ela piscou, e a frieza voltou ao seu olhar. Ele faria qualquer coisa para ver aquela outra garota novamente. Ele levantou a mão e estendeu a mão para prender uma mecha de cabelo macio e dourado atrás das orelhas dela, deixando os dedos deslizarem sobre sua bochecha.

Ela prendeu a respiração e o mundo parou.

Muito cedo, Etta saltou para fora de seu alcance. —Alguma palavra de Edmund, Alteza?

—Por favor, não me chame assim. — Ele limpou a garganta. —O que eu quero dizer é que vamos passar muito tempo juntos. Quero que sejamos amigos.

—Amigos. — Ela testou a palavra e um olhar de dor que ele não entendeu cruzou o rosto dela. —As pessoas ainda vão rir.

—Por que você diz isso?

—Você vai ser rei. Eu sou apenas uma garota, apenas dezoito anos e devo ser sua protetora.

—Você está dizendo que quer que eu a liberte?

—Não, eu estou apenas preparando você. Eu tenho sido ridicularizada por grande parte da minha vida. Ninguém leva uma mulher guerreira a sério em Gaule. Eu posso lidar com isso. Você, por outro lado, está acostumado a beijar a bunda...

Ele suprimiu um sorriso. Havia a garota que ele conhecera entre as tendas antes do torneio. Aqueceu-o pensar que as brigas não tiravam isso. —As pessoas importantes sabem o que realmente é o protetor do rei.

—E o que é isso?

—Alguém para pegar uma flecha pelo rei.

Ela pousou a taça e colocou as mãos nos quadris. —Então eu vou ser seu escudo? Você vai se esconder atrás de mim se formos atacados?

Ele bebeu o último de seu vinho.

—Não se engane. — Disse ela, avançando ao alcance do braço. —Sou mais que um escudo. No torneio, você viu apenas parte do que posso fazer. Treino para isso a vida inteira.

Isso não fazia nenhum sentido. Eles anunciaram o torneio apenas semanas atrás.

Ela percebeu que tinha dito algo que não deveria e tentou recuar, mas ele a agarrou pelo braço, seu toque abrasando sua pele.

—Quem é você, Etta? — Ele perguntou.

—Eu não sou ninguém.

—Oh, eu duvido muito disso.

Sua boca se abriu, mas ela não falou, o feitiço os manteve no lugar mais uma vez.

Uma garganta limpou atrás deles e Alex tirou a mão do braço dela antes de se virar para encarar a mãe.

A rainha viúva Catrine vestia um elegante vestido verde que saía de seus quadris. Seu cabelo preto da meia-noite estava arrumado como se ela estivesse indo para um baile. Como sempre, ela desempenhou bem o papel de rainha quando aos olhos do público. Ela não deixava ninguém além de suas criadas entrar em seu quarto desde a morte do rei. Sua dor surpreendeu Alex, porque ela sempre parecia ressentida com o pai.

Quando a pediu para ir a Etta, ficou surpreso com a ansiedade dela. Quando ela sugeriu esse jantar, a surpresa se transformou em cautela.

—Mãe. — Alex correu em sua direção e a puxou para um abraço. Ela colocou os braços em volta das costas dele. Dos pais dele, ela tinha sido a afetuosa.

—Meu garoto. — Ela se afastou para olhá-lo.

Antes que ele pudesse dizer mais alguma coisa, ela se afastou dele e encarou Etta.

—Querida garota, estou feliz que você decidiu se juntar a nós.

Etta se curvou mais baixo do que ela já havia feito por Alex ou seu pai. Quando ela se levantou, estava sorrindo.

—Mãe. — Disse Camille da porta. —Não se preocupe em falar com ela. Ela não ficará aqui por muito tempo.

Alex começou a falar, mas sua mãe levantou a mão. —Camille, ela venceu o torneio de seu pai. Ela venceu muitos homens crescidos com anos de treinamento na guarda do palácio. Acho que ela merece nosso respeito.

Camille bufou, lançando-se para a frente quando Tyson a bateu no caminho para o quarto.

—Desculpe irmã. — Tyson sorriu, jogando uma piscadela para Etta.

—E onde você esteve? — Alex perguntou cansado. —Eu não te vi a semana toda.

Tyson roubou um bolinho da mesa e o enfiou na boca com um encolher de ombros.

Alex gemeu e esfregou os olhos. Quando ele olhou de volta para Etta, ela estava olhando sua família maravilhada. Que tipo de família ela havia desistido de entrar no torneio e se mudar para o palácio? Ele não sabia o que teria sido pior. Desistir deles ou não ter nada para desistir.

 

Etta nunca teve irmãos. Ela era uma pessoa solitária e nunca desejou, mas enquanto ouvia as conversas da família de Alex, viu como seria ter uma família.

O pai dela era tudo o que ela precisava. Quando sua mãe estava viva, ela havia dado amor suficiente por dez famílias. Mas seus jantares nunca foram assim. Não havia Tyson rugindo de tanto rir. Alexandre não sorria como se ninguém estivesse assistindo. Até Camille desempenhava bem seu papel, fazendo uma careta para seus irmãos.

E assim como esta manhã, a rainha Catrine era tudo o que Etta lembrava. Quando ela era menina - antes que seu pai permitisse que ela começasse a treinar com uma espada - sua mãe a arrastava para tomar chá com a rainha. Suas famílias eram próximas, uma vez.

Camille nunca prestou muita atenção, apesar de ter a mesma idade, mas Alex... ela olhou para ele antes de olhar para as aves em seu prato. Alguma parte dela no fundo queria ser reconhecida, lembrada.

—Crianças. — Catrine disse suavemente, ignorando o fato de que nenhum deles era mais criança. Ela largou o garfo e empurrou o prato para o lado, cruzando as mãos sobre a mesa. —Esta é a primeira vez que estamos todos juntos desde a morte de seu pai.

—De quem é a culpa, mãe? — Camille perguntou severamente.

A rainha inclinou a cabeça com vergonha. —Sinto muito. Fui tomada de tristeza pelo...— Ela engoliu em seco. —O homem que eu amei.

Etta a observou com cuidado, vendo tudo como havia sido ensinado. O brilho em sua testa falava de nervosismo, mas a tensão ao redor dos olhos era prova de sua tristeza. O que ela estava escondendo?

A rainha continuou. —Amanhã enterraremos seu pai e começaremos um novo capítulo na história deste reino. — Ela sorriu para Alex. —Alexandre, meu garoto, estamos preparando você para isso por toda a sua vida. É o seu direito de primogenitura. Que você faça melhor para o nosso povo do que o seu pai.

Todos os olhos se voltaram para ela e a cor subiu em suas bochechas quando suas palavras voltaram para ela.

Camille levantou-se da cadeira e jogou o guardanapo sobre a mesa, olhando para a mãe. —O pai foi o maior rei que Gaule já teve. Alex não podia jogar a merda do cavalo. — Ela saiu do quarto.

Um silêncio desceu até seus passos desaparecerem.

Alex mal respirou.

—Não se preocupe, Alex. — Disse Tyson. —Tenho certeza que o pai teria deixado você jogar a merda do cavalo dele.

Alex riu da piada, mas seu rosto estava tenso.

Catrine sorriu e fixou os olhos quentes em Etta. —Temos uma batalha difícil de subir, minha querida, mas agora você faz parte desta família como o protetor de meu marido era antes.

Etta limpou a boca, o movimento escondendo as mãos trêmulas. O jeito que a rainha estava olhando para ela... era como se soubesse alguma coisa.

—Bem. — Catrine finalmente desviou os olhos. —Temos que discutir o baile.

—Não há nada para discutir. — Alex interrompeu. —Eu cancelei.

—E eu o cancelei.

Um sorriso se espalhou pelo rosto de Tyson, mas Alex balançou a cabeça.

—O pai acabou de morrer. O reino ainda está de luto. Não podemos ter um baile.

—Filho. — Ela estendeu a mão para cobrir a mão dele com a dela. —O baile da coroação é uma tradição - que seu pai gostaria que mantivéssemos. As pessoas precisam disso. — Ela inclinou a cabeça para o lado. —Você ama bailes e agora está se tornando rei. No entanto, você chegou lá, seja o que for que passamos, isso é algo a ser comemorado e honrado.

Alex assentiu, seus olhos brilhando.

—Nas semanas após o baile, você também deve viajar para a vila entre as pessoas. Você passa um tempo com elas, fala com elas e mostra a elas que nosso reino ainda está em boas mãos. — Ela sorriu. —Porque é, meu garoto. — Seus olhos se fecharam por um breve momento enquanto ela respirava profundamente. —Oh, que rei você fará.

Alex pigarreou envergonhado, lançando os olhos para Etta por um segundo.

A rainha afastou a cadeira e se levantou, ajeitando o vestido.

—Está tarde. Tyson e eu iremos.

Tyson deu de ombros e se levantou para segui-la, deixando Etta sozinha com Alex mais uma vez.

Nenhum dos dois falou por um momento antes de Alex se recostar na cadeira. —Quem é seu povo, Etta?

—Eu não tenho ninguém. — Desde a morte do pai, era a verdade.

—Todo mundo tem alguém. — Ele pensou por um momento. —É tão errado querer conhecer a pessoa que vai ficar ao meu lado nos próximos anos?

—Sinto muito, Alteza.

—Alex.

—O que?

—Me chame de Alex quando estivermos sozinhos.

Essa era uma linha que ela se recusava a cruzar. Ele pediu amizade quando não conhecia a barreira que a história dela criava entre eles. Um Basile e um Durand não poderiam ser amigos. Veja onde isso levou o pai dela.

—Sua Alteza. — Disse ela severamente, afastando-se da mesa. —Como você disse com tanta gentileza antes, eu estarei na sua frente quando os perigos vierem, não ao seu lado. — Ela se levantou e contornou a cadeira. —Você diz que deseja me conhecer, mas não escuta. Do seu lugar de privilégio, você é incapaz de ver o que realmente está diante de você. Quando digo que não tenho pessoas, não estou mentindo. — Ela deu as costas para ele e caminhou até a porta. Quando sua mão agarrou a maçaneta de metal, ela falou mais uma vez. —Todo mundo que eu já amei está morto.

 

A lua estava alta no céu noturno quando Etta chegou lá fora, seu brilho prateado se estabelecia sobre o terreno do castelo. Quando criança, ela adorava a noite dentro dos muros. A quietude era cativante. A luz das velas iluminava as janelas das casas enquanto ela passava. Ela passou seus anos mais jovens roubando, nunca precisando verdadeiramente dos itens que roubava. Era por diversão. Então, ela conhecia todos os becos, todos os telhados baixos, todos os esconderijos.

Seus olhos voaram entre eles enquanto ela caminhava. Demorou um pouco para se sentir confortável com o fato de que ela não precisava se esconder. Ela não era mais uma criança saindo furtivamente de sua casa.

Cada um dos guardas sabia quem ela era. Eles a viram derrubar seus companheiros no torneio. Enquanto ela caminhava, eles mantiveram distância, mas seus olhos a seguiram.

Os estábulos estavam quietos com os cavalos em suas baias durante a noite. Um único guarda estável estava cochilando em um fardo de feno perto das selas penduradas contra a parede.

Os cavalos bufaram e bateram os pés quando ela passou pelas baias, procurando seu lindo menino. O triângulo branco ao redor dos olhos de Vérité destacava-se contra a escuridão. Ela sorriu quando o viu e levantou um dedo como se ele entendesse o que isso significava.

Caminhando com os pés leves em direção ao guarda adormecido, ela pegou o candeeiro que estava posicionado no chão nos pés dele e voltou para Vérité.

—Melhor? — Ela perguntou.

Vérité chutou a porta de sua baia.

—Segure seus cavalos, sim? — Ela riu da própria piada. Vérité não parecia divertido. Segurando o candeeiro em uma mão, ela destrancou a porta da cabine dele com a outra e então agarrou um punho cheio de sua juba leve para impedi-lo de fugir, não como ela pensava que ele realmente faria.

Ela o levou para dentro da baia e soltou. Ele trotou em um círculo ao redor do espaço aberto antes de retornar para ela. Ela beijou o nariz dele.

—Estou cercada de inimigos, Vérité. — Ela fez uma pausa. —Mas eles não parecem inimigos. — Ela se afastou e se levantou para sentar em cima do muro. Vérité se aproximou mais uma vez.

—Eu pensei que todos seriam como o rei, mas não é assim tão simples. — Ela inclinou a cabeça. —Lembra do pai? Você sabe, o homem que você chutou uma vez. — Ela riu da lembrança do pai tentando controlar Vérité. Ele era um cavalo selvagem. A única maneira de domá-lo era perceber que ele era quem estava no controle.

—O pai me disse que minha cabeça e meu coração discordavam às vezes, mas que o pensador, e não o sonhador, implorava obediência porque apenas ele não era suscetível a fantasias bonitas. — Ela coçou o nariz macio do cavalo. —Acho que o pai obedeceu ao seu coração e a bonita fantasia se transformou em um pesadelo cruel. — Um longo suspiro passou por seus dentes. —Gostaria que ele estivesse aqui para me aconselhar. Estou muito cansada. Minha vida inteira foi gasta em preparação para servir alguém que fui criada para odiar apenas com base no meu nome. Seria muito mais fácil se-

Antes que ela pudesse terminar, Vérité se afastou dela e se levantou, seu relincho quebrando a quietude da noite.

Etta virou-se para encontrar Vérité enlouquecendo com um homem loiro sujo de viagem.

—Edmund. — Ela sussurrou, pulando da cerca.

Ela assobiou uma vez e Vérité começou a se acalmar. Mais um assobio e o cavalo parou completamente e voltou para ela para dar uma cutucada no ombro. Ela deu a volta ao redor e viu Edmund parado ali com um olhar selvagem nos olhos.

—Mantenha essa coisa longe de mim.

Ela riu. —Eu não acho que Vérité gosta de você.

—Sim, bem, eu ouvi dizer que ele não gosta de ninguém.

Ela enterrou o rosto no flanco do cavalo.

—Você é uma visão para olhos cansados. — Ele sorriu. —Eu não sabia que você sabia rir.

Ela bufou. —Porque havia tanta coisa para rir quando estávamos abrindo caminho durante o torneio?

—Uau, você com certeza sabe como nos fazer parecer horríveis.

—Não somos horríveis?

—Eu realmente não sei. — Ele coçou a nuca.

Olhando para Edmund, ela não podia acreditar que tinha planejado matá-lo. Era o regulamento do torneio, mas seus olhos amáveis a assombrariam pelo resto da vida. Em vez disso, aqui estava ela, em pé na frente de alguém que parecia muito com um amigo.

—Como você me trouxe esse bilhete quando se foi? — Ela perguntou, chutando o chão.

Ele levantou um ombro em um encolher de ombros. —Deixei com a rainha, esperando que ela o levasse logo depois que fui enviado em minha missão. Catrine tem um fraquinho por mim. — Ele piscou.

Etta revirou os olhos. —Bem, eu não consegui até hoje, mas obrigada.

—A grande guerreira, protetora do futuro rei está me agradecendo?

À menção de Alex, ela ficou séria. —Ele está preocupado.

—Alex está sempre preocupado com alguma coisa. — Ele encolheu os ombros como se não significasse nada.

—Edmund, não acho que ele esteja dormindo e mal tocou no jantar hoje à noite.

—Você e ele estão saindo então? — Ele levantou a sobrancelha, mas algo mais se escondendo em seu tom. Era ciúme?

—Não. — Ela retrucou. —Mas se eu vou morar aqui, o mínimo que posso fazer é compartilhar uma refeição com o homem. Posso não gostar dele, mas ele acabou de perder o pai e seu melhor amigo desapareceu.

—Compaixão. Não é algo que eu esperaria de uma assassina treinada.

—Eu não fui treinada para matar. Fui treinada para proteger. — Na admissão, ela apertou os dentes no lábio.

—E o que, por favor, diga, você foi treinada para proteger?

Seus olhos dispararam, sabendo muito bem que poderia haver ouvintes em qualquer lugar. Então o mundo parou. Os sons das cigarras desapareceram com a brisa. O bufar de surpresa de Vérité ecoou alto na bolha de silêncio que Edmund criou.

—Você tem muitos segredos, Etta.

Ela queria contar tudo a ele. A maldição. Vida na floresta. A missão dela. Mas fazer isso revelaria sua identidade como filha do homem que matou o rei. O reino estava de luto porque seu pai a estava protegendo.

E Edmund era leal à coroa. Então, ela começou a contar uma história.

—Eu cresci na Floresta Negra. — Pelo menos essa parte não era uma mentira, mesmo se seus primeiros anos foram gastos neste mesmo castelo. —É onde a maioria das pessoas com magia que escaparam do expurgo vivem. Eles não podiam escapar de Gaule porque, uma vez que as proteções estavam no lugar, ninguém com magia no sangue poderia atravessar a fronteira.

—Como ninguém sabia que você estava lá?

Ela soltou um longo suspiro, sustentando suas mentiras com pedaços de verdade. —Viktor Basile.

Um lampejo de raiva cruzou seu rosto. Ele odiava o assassino do rei. Ele deu um passo para longe dela e ela continuou.

—Viktor tinha proteções ao redor da floresta para nos esconder. Meu pai era amigo dele. Ele me treinou para ser a protetora da floresta.

—Então por que participar do torneio?

—Algumas coisas são mais importantes. Eu queria chegar perto da coroa para proteger meu povo em uma escala maior.

Edmund correu para ela, empurrando-a contra a cerca.

Vérité levantou-se e correu o comprimento da baia em pânico.

A mão de Edmund se fechou em volta de sua garganta. —Você está aqui para prejudicar Alex?

Ela balançou a cabeça, incapaz de falar.

—Não minta para mim!

Ela só tinha visto esse lado dele uma vez, quando ele a atacou em sua tenda. Com a cabeça pesada por falta de oxigênio, ela levantou os braços rapidamente, apontando para a garganta dele. Ele a soltou e recuou, tossindo.

Ele veio até ela novamente e ela se afastou. Ele a agarrou pelo braço e a girou de volta para encontrá-lo. —Deveria ter sido eu. — Ele rosnou. —Eu deveria protegê-lo.

—Mas você não poderia me derrotar. — Ela chutou a perna, pegando-o no joelho. Ele a soltou e deu um soco.

Em qualquer dia normal, ele provavelmente poderia vencer um combate corpo a corpo. Velocidade era apenas uma partida de força quando armas estavam envolvidas. Mas ele estava exausto e tropeçando de suas viagens. Ele voltou de sua missão e a encontrou quando ele estava cavalgando.

Ela dançou fora de seu alcance. —Edmund, pare.

—Alex é o melhor homem que eu conheço. — Ele retrucou, alcançando-a novamente. —Eu vou te matar antes de deixar você machucá-lo.

Ela pegou o próximo soco entre as duas mãos e torceu o braço dele, enquanto punha o ombro no estômago dele. Ele virou as costas dela e caiu no chão, com a face para cima. Ela o prendeu lá com o joelho e fez uma careta para o rosto vermelho dele.

—Eu não vou machucá-lo. — Sua maldição se certificava disso. Ferir Alex significava se machucar.

Toda interação que ela teve com Edmund passou por sua mente. Ele arriscando sua vida no torneio. A promessa que ele retirou dela antes da luta final. Ele estava disposto a dar a vida. Não para o rei e o país, mas por Alex.

Ela tropeçou fora dele, aterrissando com força nas costas.

—Você está apaixonado por ele.

Ele se recusou a olhar para ela enquanto estava deitado de costas, respirando pesadamente, os olhos erguidos para as estrelas acima.

—Ele sabe? — Ela perguntou suavemente, simpatia florescendo em seu intestino.

—Claro que não. — Ele rolou de lado e a luz do candeeiro iluminou o medo em seus olhos. Na comunidade da magia, não era incomum um homem amar outro. As histórias diziam que Bela havia sido um lugar onde o amor era celebrado de qualquer forma. Mas Gaule era diferente. O pai de Alex enforcava homens por isso.

Edmund deve ter sentido a direção que seus pensamentos tomaram, porque disse mais uma vez: —Alex é um bom homem.

—Deus, eu espero que sim. — Pela primeira vez em sua vida, ela queria mais do que tudo para Alex Durand, seu inimigo de nascimento, ser um homem que não precisava odiar.

 

 

 

 

 

 

 


Capitulo Doze


A morte não vinha como um espírito, quieto durante a noite. Desta vez, foi um golpe, batendo em Gaule até que não restasse nada além de escombros.

O rei estava morto.

Morto pelo homem mágico mais notório.

Não era de admirar que as pessoas estivessem desorganizadas. Havia perigo vindo. Alex podia sentir isso. Com as barreiras desaparecidas, havia um perigo que ele nunca pensou que teria que enfrentar. Eles foram protegidos e transformou La Dame Dracon em uma história para dormir, uma figura da história. Mas agora ela poderia estar apenas ganhando tempo. Ela viria buscá-los?

O sol mal havia nascido, mas Alexandre estava se preparando. Hoje ele enterraria seu pai. Um homem que os manteve a salvo.

Uma batida soou em sua porta e ele terminou de amarrar suas botas pretas brilhantes antes de responder para revelar Edmund. A pressão em seu peito diminuiu ao ver seu amigo desaparecido.

Ele deu um passo para trás para permitir que ele entrasse e assim que a porta foi fechada, ele o puxou para um abraço, batendo com um punho nas costas.

Edmund riu quando Alex recuou desconfortavelmente.

—Desculpe. — Disse Alex. —Eu só... eu esperava o pior.

—Desculpe o atraso.

—Quando você entrou?

—Tarde da noite passada. Eu estava a caminho de me reportar quando encontrei a rainha. Ela disse algo sobre você não dormir muito, por isso, se eu te acordei, eu era um homem morto.

—Agora que você voltou, o capitão da guarda não terá que me seguir como um cachorrinho. Esse será o seu trabalho.

—Bonitinho, sua Alteza. — Edmund fez uma careta. —Só não deixe nenhum de seus outros guardas ouvir você nos chamar de filhotes. E há muito mais guardas seniores do que eu para ser colocado como chefe de sua guarda pessoal. Tenho certeza de que meu pai prefere nomear um deles.

—Seu pai vai ouvir o rei dele.

Edmund curvou-se profundamente. —Está certo. Vai ser difícil se acostumar com você como rei.

Alex deu um tapa na cabeça dele. —Levante-se, seu idiota. — Ele se virou na direção da cama para pegar o casaco de onde estava coberto e uma pontada de dor passou por ele. Ele endureceu.

—Você está bem? — Edmund perguntou.

—Sim, é apenas estranho. Acordei sentindo como se tivesse tido algumas rodadas em uma luta.

Edmund deu uma risada. —Você está certo.

Alex olhou furioso. —Vamos. Meus conselheiros querem se reunir antes do processo hoje e você pode se apresentar lá para não precisar fazer isso duas vezes.

Edmund e outros três guardas seguiram Alex para as câmaras do conselho.

O duque Leroy e a duquesa Moreau ficaram sentados quando ele entrou. Isso mudaria em breve.

—Bom dia. — Alex disse estoicamente. —Bem, péssima manhã, na verdade. Em algumas horas, enterramos meu pai, mas antes disso serei coroado. Nenhuma cerimônia grande. A participação é necessária e ocorrerá na capela.

—Bem bem. — O duque Leroy acenou com a mão na frente do rosto.

A duquesa Moreau o considerou pensativa antes de se virar para Edmund. —Vejo que Edmund voltou. Tenho certeza de que os relatórios dele coincidirão com os que recebi da fronteira, mas vamos ouvir o que ele tem a dizer.

Edmund pigarreou nervosamente. Ele podia enfrentar um homem com o dobro do seu tamanho em uma luta até a morte, mas estar envolvido nos negócios da Coroa o tornava indiferente.

—Não há nada lá, senhor. Viajamos para a fronteira e testamos as proteções usando os prisioneiros que havíamos levado. Eles conseguiram atravessar apesar de serem de estoque mágico. As proteções se foram.

Nada do que ele disse foi uma surpresa, mas ainda assim sugava o ar dos pulmões de Alex.

—E o povo de Dracon? — Perguntou o duque Leroy. —Eles estão se preparando para invadir?

—Não que pudéssemos dizer. Foi isso que nos pareceu estranho. Nossas ordens eram inspecionar as proteções e voltar, mas não podíamos voltar sem ter um vislumbre do que estava por vir. Quando eu disse que não havia nada lá, eu não disse que significava apenas as proteções. Bela está abandonada.

—Bela foi abandonada há gerações, garoto. — Leroy revirou os olhos dramaticamente.

Alex rosnou. —Edmund é o chefe da guarda pessoal do rei. Ele será chamado como tal.

A expressão de Leroy ficou azeda, mas ao lado dele a duquesa Moreau reprimiu um sorriso.

Edmund tossiu brevemente e continuou. —As cidades de Bela foram abandonadas, sim, mas as estradas ainda são usadas pelos viajantes. — Ele encontrou o olhar intenso do príncipe. —Se as barreiras se foram, por que as pessoas em Gaule com magia no sangue não estão correndo pelo seu reino perdido? Ou qualquer reino mais seguro, nesse caso.

—Não há mais gente com magia em Gaule. — Leroy se recostou na cadeira presunçosamente, cruzando os braços pesados sobre o peito e acenando para Alex. —Seu pai e eu cuidamos disso.

Alex estremeceu, lembrando os dias do expurgo. Seu pai montou com o duque Leroy de um lado e Anders do outro para liderar o exército contra seu próprio povo. Um mal necessário.

—Não seja idiota, Leroy. — Disse a duquesa. —Muitos escaparam daqueles dias terríveis e depois foram presos pelas proteções. A pergunta deste jovem guarda é válida. Por que eles estão ficando?

—Não é só isso. — Continuou Edmund. —Nós não fomos tão longe quanto o castelo abandonado de Bela ou qualquer outra cidade, mas fomos até a fronteira de Dracon e caminhamos ao longo da muralha ao redor do reino. Eles não parecem estar se mobilizando.

Alex bateu um dedo no queixo e contemplou seus conselheiros.

—Vocês dois se lembrariam de La Dame mais do que eu. Eu era criança quando rompemos nossa lealdade a ela.

A duquesa se inclinou para frente. —Ela saberia o instante em que as barreiras caíram. Ela está nos observando desde o dia em que Viktor Basile as criou. Ela é perigosa, sua Alteza. Mais perigosa do que você pode imaginar. Quando criança, eu tinha uma mulher com magia como professora e ela me ensinou muito. A magia é passada através de uma família, mas não aparece da mesma maneira em duas pessoas. Uma pessoa pode curar enquanto outra controla um dos elementos. Alguns podem conjurar luz. Existem muitas manifestações diferentes. La Dame pode moldar sua magia de qualquer forma que ela precise. Ninguém sabe o quanto ela é antiga, mas se você olhar para muitos eventos da história, o lado dela geralmente sairá em alta. A tragédia de Bela é provavelmente sua maior conquista. Através de movimentos sutis ao longo de muitas gerações, ela destruiu um reino inteiro.

Alex andou de um lado para o outro da sala antes de parar perto dela e sentar na cadeira aberta à sua esquerda, esquecendo o decoro por um momento. Os ensinamentos de Bela eram proibidos de educar o príncipe, mas era mais importante do que nunca que ele soubesse todos os fatos.

—A única coisa que meus professores me disseram sobre Bela foi que ela foi destruída pela magia. — Disse ele. —E que Bela já foi nossa inimiga, esmagando exércitos inteiros com seu poder.

—Seu pai era um homem tolo na época. Ele provavelmente pensou que as proteções se manteriam indefinidamente, então Bela e Dracon ficariam para sempre do lado de fora. — Ela sorriu brevemente. —Viktor não explicou que a magia de alguém morre com eles ou que seu pai estava cego demais para ouvir.

—Annette. — Lorde Leroy avisou.

A duquesa Moreau mal olhou para o duque antes de continuar.

—Bela já foi o maior reino de todos. Prosperou e floresceu. — Ela sorriu. —Minha avó me contou suas jornadas por lá e a beleza que via. O rei e a rainha mais célebres eram Aurora e Phillip Basile.

—Basile? Você está me dizendo que o rei e a rainha da lenda eram Basile?

Ela assentiu. —Algumas pessoas suspeitavam da linhagem de Viktor, mas foi dito que os Basile tinham a única magia que poderia corresponder a La Dame. Viktor não tinha o poder das famílias. Basile não é um nome incomum em Bela e ninguém pode ter certeza. Aurora e Phillip lutaram contra La Dame com tudo o que eles tinham - sim, ela é ainda mais velha do que isso - e acabou destruindo-os. As pessoas falam de uma maldição, mas isso é apenas uma tradição. O filho mais velho morreu antes que ele pudesse usar a coroa e era tão forte quanto seus governantes e esse filho foi o mais forte de todos. Dizem que em cada geração depois o primeiro filho foi perdido. Eventualmente, o reino enfraqueceu o suficiente para que La Dame os esmagasse.

—Se ela é tão poderosa, por que ela teve que esperar até que eles estivessem em um estado enfraquecido?

A duquesa encontrou seus olhos, o canto de sua boca caindo tristemente. —Porque, meu príncipe, a única coisa que pode derrotar La Dame é um Basile com força total.

—Então devemos encontrar os descendentes desta Aurora e Phillip.

O duque Leroy se levantou, seu rosto ficando vermelho.

—Isso é o suficiente. Não usaremos o mal para derrotá-la. A magia não tem lugar em Gaule e nunca terá. O que você fala é blasfêmia. — Ele saiu da sala.

A duquesa Moreau não se mexeu durante o discurso dele, mas seus ombros caíram e seu foco mudou para as mãos. —Sinto muito, Alteza. Mesmo que Viktor fosse Basile, não sabemos onde está a filha dele. Escondida, sem dúvida. Receio que estejamos sozinhos.

Alex saiu da sala com Edmund ao seu lado. Hoje era um dia importante, mas sua mente não estava na coroação ou com o pai. Estava com o seu povo. A fronteira estava tranquila agora, mas eles não estavam mais protegidos. Um dia em breve eles enfrentariam seus maiores medos e La Dame não teria piedade.

 

 

Capitulo Treze


O boneco de madeira olhou com olhos acusadores. Você não deveria estar aqui, dizia. Você não pertence aqui. Uma maldição não é um protetor.

Cruzamento. Soco, Soco. Investida. Pontapé. Etta limpou o suor da testa enquanto o sol batia no topo de sua cabeça. Ela já deveria ter parado. Ela estava vestida para a cerimônia e o cabelo encharcado de suor não era a idéia de ninguém aceitável. Ela passou a mão pelo rabo de cavalo alto. As pontas douradas roçaram sua região lombar.

Liberdade. Suas poucas últimas horas. Logo ela estaria ainda mais ligada ao príncipe do que já estava. A maldição seria cumprida. Ela estava preparada, mas isso não significava que ela gostasse.

Ela pulou, girando para a direita e deu um chute forte no abdômen do manequim. Isso era o suficiente. Ela limpou o rosto na manga. Uma das empregadas tentou convencê-la a pintar o rosto. Isso estaria uma bagunça agora.

Olhando através do pátio de treinamento, seus olhos captaram movimento sob o arco. Camille estava ao lado de Anders. Ela se inclinou para perto, mas não de uma maneira íntima. Era mais uma maneira de “estou tramando algo”. Os dois olharam para Etta, com uma expressão carrancuda no rosto. Alex sabia que sua irmã estava obviamente planejando algo com o capitão? Provavelmente não.

Mas não era da conta dela. Etta estava lá com um propósito singular. Não lhe conviria se envolver em assuntos judiciais. Ela estava aqui para proteger o corpo do rei. Era isso.

Etta começou a andar, os olhos ainda neles. Ela bateu em algo e tropeçou para trás. Olhando para cima, ela ficou cara a cara com um Tyson sombrio. Naquele momento, ele parecia ter quinze anos.

—Etta. — Disse ele, sua voz grossa. —Eu não vi você.

—Está tudo bem, Alteza.

Ele soltou um longo suspiro.

Ela esperou um momento, lembrando-se de sua promessa de um momento atrás de ficar de fora dos negócios da corte, mas então os olhos de Tyson começaram a nadar.

—Você está bem?

—Bem. — Ele enxugou com raiva uma lágrima.

—Não, você não está. — Ela olhou em volta, sabendo que o príncipe não gostaria que os guardas próximos o vissem em tal estado. Ela agarrou o braço dele. —Vamos.

Ele não protestou quando ela o levou do palácio até o terreno externo do castelo. Seus olhos ficaram focados nos pés enquanto ele tentava esconder o rosto.

Eles alcançaram os estábulos. Alguns cavalos estavam na caneta para o exercício matinal. A cabeça de Vérité levantou quando ela se aproximou da cerca.

Para a mão do estábulo por perto, ela disse: —Saia. Agora.

Ele deu uma olhada no príncipe atrás dela e obedeceu.

—Porque estamos aqui? — Tyson perguntou.

Ela girou para olhá-lo. —Olha, eu não te conheço, mas eu conheço a tristeza em seus olhos. — Ela não disse isso, mas combinou com a tristeza em seu coração por seu próprio pai.

Ele assentiu e desviou o olhar.

—Você monta? — Ela perguntou.

—Claro. Toda vez que eu vou à cidade.

—Ah, mas você passa algum tempo andando com cavalos? Conversando com eles?

—Conversar com uma fera?

—Não há melhor ouvinte. Quer saber um segredo?

Ele assentiu e ela se inclinou para mais perto.

—Eu acho que os cavalos têm magia.


—Espero que não. Minha família provavelmente os mataria. — Ele cerrou os dentes em desaprovação e Etta inclinou a cabeça, surpresa correndo por ela.

O menor Durand não aprovou o expurgo. Interessante. Ela arquivou isso para uso posterior e pulou a cerca para dentro da baia. —Vamos.

Vérité estava ao seu lado assim que caiu no chão. Ela estendeu a mão para acariciar o nariz dele, e ele beliscou seus dedos.

Tyson esteve ao redor de cavalos a vida toda, mas Etta se perguntou o que ele realmente sabia sobre eles. Ela gostava de acreditar que podia sentir o que estava no coração de Vérité.

—Cuidado. — Ela avisou. —Vérité aqui não gosta de estranhos.

O mais confiante dos Durands, ele não perguntou como ela já conhecia o cavalo. Na verdade, ele não fez nenhuma pergunta. Ele se moveu cautelosamente em direção a Vérité. O cavalo bufou, mas permaneceu imóvel enquanto Etta esfregava o pescoço com movimentos suaves.

Os dedos de Tyson correram por suas costas e Vérité pareceu tremer de prazer.

Etta riu. —Eu acho que ele gosta de você e ele não gosta de ninguém.

Tyson puxou a mão para trás e encostou-se na cerca. As linhas em torno de sua boca relaxaram, mas ele fechou os olhos. Outra lágrima escapou de sua pálpebra esquerda e seu corpo inteiro estremeceu.

—Obrigado, Etta. — Disse ele. —Por me trazer aqui. Você não é tão insensível quanto tenta parecer.

Ele não quis dizer isso como um insulto, mas Etta mereceu o mal-estar que isso causou a ela. Suas emoções estavam tão contorcidas desde que passou pelos portões do castelo que ela não foi capaz de mostrar nada de si mesma. Se ela permitia que os Durands a vissem como amiga, permitia que se importassem, que tipo de pessoa isso a fazia? Eles não conheciam a família dela e como eles deveriam estar em desacordo.

—E eu acho que você não é tão alegre quanto tenta retratar. — Ela apontou um dedo para a boca virada para baixo.

—Você quer saber algo horrível?

Etta apenas respondeu pressionando os lábios.

—Eu não conhecia meu pai. Na verdade não. Ele nunca teve muito tempo para o filho mais novo. Em Alex, ele teve um herdeiro. Em Camille, ele teve uma filha que o adorava. Mas eu... eu era apenas eu. Ainda assim, pareço ser o único que se importa em enterrá-lo hoje.

—Seu irmão tem muito em mente.

—Eu sei disso. — Ele encontrou os olhos dela. —Mas ele era nosso pai. — A cabeça dele girou da esquerda para a direita lentamente. —E isso não é o pior.

Etta levantou uma sobrancelha.

—Eu sempre quis amá-lo. Acho que não preciso conhecê-lo para amá-lo. — Outra lágrima caiu. —Mas ele fez muita coisa errada. Eu simplesmente não posso.

O coração de Etta doía pelo jovem príncipe. Ela se encostou na cerca ao lado dele. Vérité, sentindo que algo estava errado, bateu o nariz comprido contra o lado da cabeça de Tyson. O cavalo o aprovou e Etta estava começando a concordar. Talvez Tyson fosse o melhor de todos.

Tyson esfregou o pescoço de Vérité distraidamente. —Espero que meu irmão seja um tipo diferente de rei.

—Eu também, Alteza.

—Acabei de derramar minhas entranhas para você, Etta. Me chame de Tyson.

Ela sorriu, sua mente ainda de volta ao que ele havia dito antes. A verdade é que ela não sabia quem era exatamente Alexandre Durand. Exceto que em uma hora, ele seria rei.

 

A capela cantarolava com antecipação. Não havia sido decorada e os únicos convidados presentes eram os conselheiros, a família e os guardas do rei. Um padre estava parado no altar, esperando. Isto não era uma celebração. Essa coroação não deveria ocorrer por mais dez ou vinte anos. Quando um rei chegava aos seus últimos anos, ele planejava uma coroação para seu filho, luxuosa com festas e torneios. Agora eles estavam escondidos.

Etta ficou de pé enquanto o príncipe caminhava pelo corredor estreito. Ele usava uma jaqueta e calça perfeitamente apertadas. Um brasão da família Durand - três árvores entrelaçadas com uma espada no meio - estava estampado no braço do casaco. Irônico, considerando o poder de Etta.

Seu cabelo estava bem preso para trás e brilhava, e seus olhos tinham uma força que ela ainda não tinha visto. Ele parecia um rei. Etta prendeu a respiração até chegar à frente e se ajoelhar.

Ela o soltou em um longo sopro de ar quando o fio invisível que a ligava a Alex se apertou. Mal ouviu o que o padre disse e, antes que percebesse, uma coroa foi colocada na cabeça de Alexandre e seu nome estava sendo chamado.

Seus pés se moveram por vontade própria até que ela estivesse ao lado do novo rei. Ele se levantou e agora a observava com expectativa. Seus joelhos dobraram e bateram na pedra com força, mas a dor mal se registrou. Este momento era o motivo de toda a sua vida. Pois ela era Persinette Basile e era amaldiçoada. A vida dela não era dela. Pertencia ao homem que agora estava na frente dela com uma coroa de ouro em cima de sua cabeça.

A maldição a puxou, implorando para se libertar. Queria isso. Queria sua promessa. A magia era uma coisa viva e a magia de La Dame vivia dentro dela, amarrando-a a Alex. Ela olhou para ele. O amigo de infância dela. O raptor dela. O inimigo dela. O rei dela. Ele era tudo e nada. Importante e inconsequente. Um dia, quando sua história fosse contada a uma futura geração amaldiçoada, eles aprenderiam sobre o inimigo que não era inimigo. O conflito. O bom. Todo mundo disse que ele era um bom homem, e agora ela viu. Seus olhos contaram a história completa.

Ele sorriu em segurança. Conforto.

Ela estava lutando contra o ódio arranhando seu coração, e agora ela ganhou.

Então, ela abaixou a cabeça e tocou a testa no chão com o maior sinal de respeito. Ela matou para estar aqui. Sua alma estava em frangalhos. Mas talvez algo de bom venha da escuridão.

Alex pigarreou. —Estou aqui para honrar o último desejo de meu pai. A vencedora do torneio irá servir ao meu lado. Etta.

Ela levantou a cabeça para olhar para ele.

—Você promete proteger o rei, permanecer ao lado dele, ser uma serva leal e confiável de Gaule?

—Sim. — Ela disse.

—Você promete ser honrada e honesta?

—Sim.

—Você está preparada para fazer o que é necessário?

—Eu estou.

—Então levante-se, Etta, e fique ao meu lado. — Ele estendeu a mão para ela. —Sempre.

Quando ela pegou a mão dele, o mundo ao seu redor mudou. A energia fluiu através de sua conexão enquanto a maldição os mantinha unidos. Seus olhos rodaram quando se conectaram com os dela e se seguraram. A pele deles formigava onde se encontrava, mas nenhum dos dois se soltou até o poder começar a diminuir. Tão rapidamente quanto subiu neles, desapareceu.

Algo que ela não sabia que estava quebrado dentro dela deslizou no lugar como se seu mundo estivesse agora como deveria ser. Ela estava preparada para a dor, para o tormento. Ela assistiu o pai viver com a maldição por anos. O que ele não a havia preparado era... alegria. Completude. A maldição não parecia magia, mas a coisa mais natural do mundo.

Os olhos arregalados de Alex seguraram os dela por mais um momento, antes que ele largasse a mão dela, respirando pesadamente.

Ela sentiu falta do toque dele instantaneamente. Levantando a mão, ela arrastou as pontas dos dedos pelo braço dele. Ele respirou fundo.

—O que é isso? — Ele sussurrou.

A verdade estava na ponta da língua, mas proferi-la teria consequências abrangentes. Ela abaixou a mão. —Eu não sei.

Ele se sacudiu para fora do torpor, seus olhos nunca a deixando.

—Alexandre. — Sua mãe pediu.

Ele marchou pelo corredor, jogando uma última olhada por cima do ombro. Etta seguiu, deslocando os olhos para os pés.

Quanto Alex questionaria? Ele faria suposições perigosas? Seu pai não sabia a extensão da maldição de Viktor, apesar de passar anos com ela. Etta poderia mantê-la escondida também. Ela não sabia nenhuma das respostas para seus milhões de perguntas. Tudo o que sabia era que queria sentir de novo.

Tomando nota da coroa que ele usava, as pessoas nos salões do palácio se curvaram quando Alex passou. Ele correu para o grande salão, mas Etta sabia que ele só queria que toda essa cerimônia terminasse.

A rainha Catrine, Camille e Tyson seguiram eles e seus guardas com o resto dos nobres na retaguarda. As pessoas estavam esperando no corredor quando chegaram. Uma plataforma foi erguida na frente da sala e o corpo preservado do rei estendido para todos verem. Os passos de Alex diminuíram quando ele se aproximou de seu pai.

Etta olhou para o homem, lembrando as ameaças que ele havia falado com ela. Essas ameaças o mataram. O pai dela não teria sacrificado a vida por nenhum outro motivo a não ser para salvar a dela.

O rosto do rei morto se transformou no rosto de seu pai. Alguém o havia enterrado? É claro que Pierre e Maiya teriam cuidado disso. Ela teria que encontrar uma maneira de visitar Maiya para perguntar onde ele foi colocado para descansar.

Alex balançou a cabeça tristemente. —Eu poderia usar o seu conselho, pai.

Etta olhou para Tyson, que demorou a esconder um olhar de nojo. Seus olhos estavam vermelhos, mas agora ela sabia que não era porque seu pai estava morto. Era porque ele não conseguia amar o homem morto e a culpa o atormentava.

Camille chorou atrás deles, mas a rainha Catrine estava estranhamente calma, quase indiferente, enquanto olhava para o marido. Eles se sentaram e o padre começou a falar, mas a mente de Etta estava mais uma vez em um lugar distante.

O homem naquela plataforma havia sido ao mesmo tempo irmão de seu pai. Lembrou-se dos dias em que era filha do tribunal, tentando acompanhar o pai. O rei não tinha paciência para as crianças. Ela tocou sua bochecha onde todos esses anos atrás ele a golpeou.

E Alex veio em sua defesa, atacando seu próprio pai. Ele recebeu uma surra por isso. Era difícil imaginar aquele garoto como o mesmo homem que acreditava nas coisas que seu pai fazia como rei.

Seus braços roçaram e seu peito se apertou. Essa maldição seria a morte dela. Mas nada nunca foi tão bom.

 

Alex estava ansioso por um banho e uma cama macia. Um funeral e uma coroação no mesmo dia tiraram muito dele, mas ele era rei agora. Ele não ficava cansado. Ele manteve os ombros caídos enquanto descia o longo corredor. Não mostre fraqueza e você não terá nenhuma. Foi uma lição do pai.

Etta ficou em silêncio ao lado dele. Ela não tinha saído do lado dele o dia todo, e isso o surpreendeu como era um conforto. Não era o aspecto da proteção; era só ela.

Ele não sabia o que havia acontecido entre eles durante a cerimônia, mas ele queria mais do que tudo que se sentisse assim novamente. Ele nunca esteve tão conectado com alguém do que naquele momento. Sua pele zumbia com restos de energia. Ele imaginou isso? Etta também estava questionando?

Ele a observou caminhar com passos suaves e intencionais, seus cabelos sedosos saltando a cada movimento. Ela era a única mulher que ele conhecia que preferia calças a saias e mangas bordadas, mas o estilo combinava com ela. Ela parecia feroz, mortal, a arma dele esperando para ser solta.

Seu toque na perna era o único sinal de que ela estava nervosa.

—Etta? — Ele perguntou.

—Sua Majestade? — Ela respondeu.

Ele ignorou a formalidade dela, sacudindo a estranha sensação disso. Por mais que ele estivesse antecipando o sono, ele não estava pronto para ela deixá-la.

—Há coisas sobre o Gaule que você deve aprender agora como protetora.

—Esta noite? — Ela estreitou os olhos.

—Pode haver problemas por vir. Siga-me, eu explico. — Não querendo discutir Bela e La Dame onde outros ouvidos podiam ouvi-los, ele se virou na direção de seus aposentos. Ele mantinha os aposentos de seu príncipe, que consistiam em um conjunto de quartos para vários propósitos - dormir, comer, tomar banho, reuniões.

Quando eles entraram com a porta fechada, ele acendeu um candeeiro e o colocou sobre a mesa antes de se virar para ela. Ela soltou a bainha da espada e colocou-a de lado, oferecendo-lhe um sorriso.

Algo estava diferente nela. Era a cerimônia? Ele passou a mão no rosto. Ele não entendeu nada. O que estava acontecendo com ele? Ele era o rei e agora não tinha palavras para dar a sua protetora.

Seu intestino apertou quando algo flutuou dentro dele. Sua máscara fria caiu e o calor em seus olhos brilhou.

Etta mordeu o lábio. —O que está acontecendo aqui?

Ele seguiu em sua direção. Ela recuou até as costas baterem na porta.

—Eu não sei. — Ele respirou, seu rosto a centímetros do dela. —Tudo o que sei é que, desde o momento em que te conheci, sabia que você era especial. Mas hoje... você sentiu isso?

Ela assentiu, engolindo em seco. —Às vezes é a única coisa que sinto.

Ele fechou a distância em um instante, reivindicando a boca dela com a dele. Ela abriu para ele, quente e ansiosa. Ele fechou as mãos em volta dos pulsos dela e bateu com força na porta acima da cabeça dela antes de deslizar as palmas das mãos para baixo.

Ela colocou as mãos em volta do pescoço dele e ele se aproximou, incapaz de se conter. Uma força invisível o segurou no lugar quando ele agarrou seus quadris e a beijou com mais força. Os dedos dela puxaram os cabelos dele.

—Alex. — A voz dela falhou contra os lábios dele.

Ele a girou e a prendeu bruscamente contra uma estante de livros, derrubando alguns livros no chão.

Eles não perceberam. Nada importava além deles. Nada existia, exceto naquele momento, que os unia. Seus peitos subiam e desciam como um, perfeitamente sincronizados.

Então o feitiço quebrou, quebrando o momento perfeito a seus pés. Etta empurrou Alex para longe dela, seus olhos selvagens.

Ela soltou um suspiro, balançando a cabeça, antes de falar:

—Eu sou sua protetora.

—Isso não significa nada. — Ele a alcançou novamente e ela se afastou. —Eu te disse, é simbólico.

Ela balançou a cabeça novamente.

—Etta. — Ele implorou. —Eu...

—Você não entende. — Ela apontou um dedo de si mesma para ele. —Isso não é real.

Ele balançou a cabeça em confusão. —Nada nunca foi tão real.

Uma lágrima vazou pelo canto do olho. —Eu sou sua protetora agora. E a primeira coisa de que devo protegê-lo sou eu.

Ele deu um passo em sua direção e agarrou seus ombros para forçá-la a ficar parada e olhar para ele. —Quando eu te beijei, todo esse dia infernal desapareceu. A atração que você teve comigo desde o primeiro dia do torneio é como... magia.

—No seu reino, Majestade, a magia só leva à morte.

Ele a soltou abruptamente, e ela se curvou formalmente.

—Durma bem, senhor. A manhã sempre traz uma nova clareza.

Ela saiu e ele afundou em uma cadeira ao lado da estante. Quando ele deixou cair a cabeça nas mãos, uma onda de emoções do dia ameaçou empurrá-lo sob as correntes deles.

Ele arrancou a coroa do cabelo e jogou-a com um grito. Ela caiu no chão e rolou até parar.

No seu reino, a magia só leva à morte.

Suas palavras eram verdadeiras. É isso que ele sentiu entre eles? Magia? Mas como isso era possível?

Seu pai livrou o reino da magia durante o expurgo. Ele fechou os olhos quando a imagem que nunca havia esquecido passou por sua mente. Ele sempre associava o expurgo com sua amiga Persinette e sua mãe morta na noite em que tudo começara.

 

 

 

 

 

 

Capitulo Quatorze


A última vez que Etta foi a um baile foi no aniversário da rainha. Ela tinha dez anos e só foi convidada porque a rainha Catrine gostava dos filhos da corte. Normalmente, eles eram mantidos afastados.

Nenhuma criança estaria presente hoje à noite, mas todos os nobres do reino se esforçariam, alguns viajando por dias, para estar lá quando seu novo rei fizesse seu primeiro brinde. Não havia mais luto pelos reis mortos. Era o desejo de Alexandre. Se o reino resistir aos desafios futuros, eles deveriam olhar para o futuro, não para o passado.

Nesse futuro, Etta usava um vestido muito apertado e rouge que a fazia parecer outra pessoa. Ela passou as mãos pelo tecido macio de seu vestido rosa. Ele abraçava todas as curvas antes de explodir na cintura. O decote mergulhava baixo no decote de seus seios, deixando seu lugar favorito para esconder sua espada indisponível.

Ela levantou a barra da saia e amarrou uma bainha na coxa. Agora ela não se sentia tão nua.

Ela desejou poder usar sua espada, mas mesmo a protetora não se permitia o uso de uma arma hoje à noite.

Ela não entendeu como eles esperavam que ela protegesse o rei com um vestido tão bobo. E ela não seria capaz de correr com os sapatos horríveis que eles a forçaram. Não que ela pudesse respirar o suficiente para isso, de qualquer maneira.

Ela deixou o quarto para trás e foi até a porta ao lado. Um dos guardas bateu por ela.

O rosto que a cumprimentou não era o rei. Camille zombou da porta, estreitando os olhos como um predador encontrando sua presa.

—Você não deveria estar aqui. — Disse a princesa após um momento de silêncio sufocante.

—Eu deveria estar em qualquer lugar que o rei esteja. — Etta inclinou a cabeça para o lado. —Diga-me, como está Anders?

O choque foi registrado no rosto de Camille apenas o tempo suficiente para Etta perceber que ela não estava errada. Eles estavam tramando algo.

—Eu nem pretendo entender do que você está falando. — Ela abaixou a voz. —Plebeia.

—Camille. — Alex retrucou, aparecendo atrás dela. —Eu nunca vou entender por que você sempre tem que ser uma vadia.

Camille recuou e virou a carranca para Alex. —Cuidado, irmão.

—Ou o que? O pai não está mais aqui para elogiar sua crueldade. Eu sou rei e você me tratará como tal. Etta é minha protetora. Ela demonstrará respeito.

Camille bufou e voltou a entrar no quarto. Os olhos de Alex encontraram os de Etta e os flashes da noite anterior apareceram diante de seus olhos.

Você não sente isso?

Às vezes é a única coisa que sinto.

Ela balançou a cabeça e curvou-se. —Sua Majestade.

—Etta. — Ele engoliu em seco, seus olhos vagando pela parte superior de seus seios, empurrando contra o vestido por seu longo torso e tonificando os braços nus.

Ela cruzou os braços sobre o peito para se cobrir. —Não tive escolha de vestir.

—É...— Ele passou a mão pelo cabelo, derrubando a coroa. —Você está perfeita... quero dizer, é perfeita.

Ele se assustou quando Edmund apareceu atrás dela, ainda na porta. Uma risada retumbou em seu peito largo. —Não me lembro da última vez que vi Alex perturbado. — Ele deu um leve beijo na bochecha de Etta. —Acho que ele está tentando dizer que você parece atraente.

Alex lançou-lhe um olhar proibitivo.

—Meu rei. — Edmund ainda estava sorrindo quando inclinou a cabeça. —Estamos prontos para partir?

—Vamos acabar logo com isso.

A família real fez fila para caminhar juntos até o salão - a rainha viúva, o rei, o príncipe e a princesa. Etta estava um passo atrás deles. Edmund e os outros guardas formavam uma barreira protetora.

As grandes portas duplas do corredor estavam abertas e, ao entrarem, a sala ficou em silêncio. Estava lotada de pessoas com suas melhores roupas e todos se curvaram imediatamente. Gaule era um reino que prosperava em estrutura e tradição.

A voz de Alex explodiu. —Levantem-se. — Ele apontou para o quarteto de cordas para continuar tocando e acenou para as pessoas a caminho da mesa alta. A rainha Catrine tomou seu lugar à esquerda do rei e Camille mudou-se para o assento à direita. Alex estendeu a mão para detê-la. —Esse assento pertence a protetora.

Um rosnado baixo soou na garganta de Camille. Seu pai costumava deixá-la sentada no lugar de honra ao lado do rei. Ela se mudou para o outro lado de sua mãe. Etta foi até a cadeira e Tyson pegou o assento ao lado dela.

Ela estava oficialmente entrincheirada na família Durand.

O suor cortava as palmas das mãos enquanto ela examinava a reunião dos gauleses. Estes eram os mesmos que caçavam gente com magia. Enquanto se agrupavam, estavam conspirando contra o povo dela? Seus corações estavam tão cheios de medo e ódio?

Ela estudou cada saída, anotando onde estavam os guardas. Levaria menos tempo para chegar às portas do que para perceber o que estava acontecendo e sacar suas armas.

Ela balançou a cabeça. Ela não era uma prisioneira, por mais que se sentisse cercada pelos nobres de Gaule. Mas essas não eram as pessoas, não de verdade. Elas eram a classe dominante. Os exércitos poderiam ter realizado massacres e prisões em massa durante o expurgo, mas eles tinham ordens. Uma respiração estremeceu e ela deu um sorriso fraco para o homem que se inclinou para encher a taça de vinho.

Com os dedos trêmulos, ela agarrou a haste da taça e a levou aos lábios, precisando de um pouco de calmante líquido.

O primeiro prato veio, mas a comida era rica demais para seu estômago azedo. Alex mal falou com ela enquanto a noite passava e mais comida foi colocada na frente deles. Parecia que ele queria estar lá ainda menos do que Etta.

Quando os pratos finais foram levados embora, um silêncio caiu sobre a multidão e os olhos expectantes voltaram-se para o rei. Era isso que eles estavam esperando; por que eles viajaram até agora. O rei deles estava prestes a fazer seu primeiro discurso.

Alex se levantou, apertando as mãos na frente do peito.

—Senhores e damas de Gaule, estou honrado por suas presenças. — A voz dele tinha uma profundidade que ela nunca ouvira antes. —Meu reinado começou durante um período difícil. Meu pai, que descanse em paz, manteve este reino seguro por muitos anos.

Etta olhou para a mesa para que seus olhos revirados não pudessem ser vistos. Foi o pai dela que forneceu essa proteção.

Alex continuou. —A escuridão está chegando. Não há como parar desta vez. Não temos proteções e os que virão atrás de nós estão armados com um poder muito maior do que poderíamos esperar ter. Vai levar todo o reino trabalhando juntos. Nós devemos erradicar essa pestilência. Temos que defender nossa terra da magia negra.

Um grito se levantou da multidão e as juntas de Etta ficaram brancas quando ela agarrou a mesa. Eles não ouviram o que ela ouviu. Magia negra. Não era magia. Ela o observou, este rei em conflito.

—Nós devemos matar o povo mágico. — Alguém gritou. Outros expressaram seu acordo.

O rosto de Alex empalideceu quando mais pessoas se manifestaram e ele perdeu o controle dos sanguinários nobres. Gaule estava mais longe do que se pensava e Alex estava à mercê de seus desejos.

—Temos que ter cuidado. — Disse ele. —Preparados. Não queremos repetir os horrores do expurgo.

—Por que não? — Disse um homem rotundo de cabelos grisalhos. —O expurgo foi um grande evento em nossa história. Você faria bem, senhor, em ser mais como seu pai.

Alex pegou sua taça de vinho e a levantou. —Por Gaule. — Ele o drenou e colocou-a pesadamente sobre a mesa enquanto os presentes o seguiam.

Colocando de volta em sua cadeira, ele passou a mão no rosto.

—Não deixe que eles te derrotem, meu rei. — Um homem levou duas meninas de bochechas rosadas em direção à mesa alta. —Todos sabemos que você continuará com o legado e as decisões de seu pai. Seu pai era bom em agir sem ser afetado. Você faria bem em praticar essa habilidade.

Alex sentou-se reto. —Lorde Leroy. — Disse ele. —É um prazer.

— Isso é melhor. — Lorde Leroy assentiu.

Alex colou seu charme habitual no rosto e olhou para as meninas com uma piscadela. —Senhoras, vocês duas parecem jóias raras hoje à noite. — Uma das meninas riu, mas a outra apenas olhou para o chão.

—Essa é a noiva de Alex. — Disse Tyson, inclinando-se para Etta para sussurrar. Ele apontou para a garota estudando o chão. —Amalie.

—Ela é sempre tão...— Ela não precisava terminar.

—Quando ela está perto do meu irmão. Ela está com medo dele. Ela tem apenas quinze anos, minha idade. Eles não vão se casar em anos, mas meu pai e Leroy os amarraram quando ela era criança.

—Você parece gostar dela.

Ele pensou por um momento. —Ela é gentil, diferente do resto de sua família. A irmã mais velha dela, Liza é amiga de Camille. Ela é casada com um senhor do norte que é velho demais para viajar para coisas assim. Foi um compromisso cruel, mas trouxe muito dinheiro aos Leroy. Ela viaja em seu nome e coloca metade dos nobres enquanto está nisso.

Etta soltou uma risada, chamando a atenção de Lorde Leroy e suas filhas.

—Eu apresentei vocês a minha protetora? — Alex perguntou.

Amalie levantou os olhos cinzentos para os de Etta e sorriu suavemente. Ela tinha a pele pálida e um leve pó de sardas que criava uma delicada beleza. Etta estava extasiada. Mas se essa garota fosse rainha, ela também seria inimiga dos Basile.

—Olá. — Sua voz continha uma inclinação musical. Etta olhou de soslaio para Tyson, que parecia estar sob algum tipo de feitiço.

Liza grunhiu uma saudação.

Lorde Leroy não disse nada a ela antes de voltar para o rei.

—Por que você e Amalie não se divertem, senhor. A dança começou.

Como se o discurso e a resposta já tivessem sido esquecidos, Alex se levantou e deu a volta na mesa antes de oferecer a mão e levá-la para longe. A família dela os seguiu.

Etta ainda os observava quando Edmund se aproximou da mesa e fez um arco exagerado. —Minha senhora, você gostaria de ter pena de um guarda pobre e dançar com ele?

Etta sorriu. —Eu não sei. Gosto muito dos meus pés e não gosto de ser pisada.

Ele fingiu insulto e colocou a mão sobre o coração. —Eu prometo que você voltará com os pés intactos.

—Nesse caso. — Ela o deixou guiá-la para a pista de dança e levá-la em seus braços.

Ele não estava mentindo. Assim que ele começou a se mover, ela soube que ele era tão habilidoso na pista de dança quanto na arena de luta. Ele se movia com uma impressionante combinação de poder e graça.

A música acelerou e a alegria a percorreu enquanto deslizavam através dos degraus. Seu pai passou muitas horas ensinando-lhe as danças da corte. Ele fez de tudo para prepará-la para a vida a serviço da coroa.

—Eu teria resgatado você da sua mesa mais cedo. — Edmund sorriu. —Mas eu fui desviado. Eu não queria que você tivesse que suportar a companhia grosseira do rei por mais tempo que o necessário. — Ele riu e ela percebeu que o rei e Amalie estavam ao lado deles, se movendo em sincronia. Edmund olhou por cima do ombro. —Opa, eu tenho medo que o rei tenha me ouvido.

—Você é terrível. — Etta riu.

—E você está se divertindo. — Ele a girou para que eles estivessem fora do alcance do rei. —Mas, sério, ele está muito preocupado. Ele ama essas coisas. Você conhece a reputação dele. É merecido. Ele é o príncipe sorridente que virou rei severo. Estou preocupado com ele.

—Edmund, eu admiro o quanto você se importa. Mas ele é rei agora. Ele estava fadado a mudar. O peso do reino repousa sobre seus ombros.

—Os nobres ainda não o levam a sério. Isso é culpa dele, é claro. Ele preferia festas e mulheres a reuniões ao lado de seu pai. Ele preferia estar sentado no topo das paredes com seus esboços do que no pátio de treinamento. Ele sempre foi visto como uma piada. Mesmo entre os guardas. Ele deveria ter crescido e ficado mais decidido quando teve que governá-los.

—Nós não escolhemos nossos destinos. Não cabe a nós decidir quando nosso destino está sobre nós.

—Então há o problema de ter uma mulher bonita te seguindo por aí. — Ele piscou. —Mas então, ele é a realeza. Ele sempre esteve cercado por mulheres atraentes. Mas a maneira como ele olha para você... — Não havia dor em sua voz. Edmund sabia que estava apaixonado por um homem que nunca poderia ter, mas tudo que ele queria era o melhor para Alex.

Etta nunca conheceu um homem mais honrado. Ela pegou a mão da dele e apertou o ombro dele. —Ele tem sorte de ter você.

— E você, Protetora, será sua salvação ou sua destruição. — Ele dirigiu os olhos para Alex. —Eu vou salvar ele e Amalie. Nenhum deles quer ser forçado juntos.

Ele os conduziu e curvou-se um pouco. —Meu rei, posso dançar com sua noiva?

—Isso não depende de mim. — Disse Alex.

Edmund virou-se para Amalie, que lhe deu um sorriso agradecido e colocou a mão na dele.

Eles deixaram Alex e Etta em pé no meio da pista de dança. Alex pigarreou. —Gostaria de dançar?

—Não tenho certeza de que seja uma boa ideia.

Ele se inclinou. —E por que não? Com medo de ser vista se divertindo? Isso pode fazer as pessoas temerem você um pouco menos, e não poderíamos ter isso. — Ele riu.

—Você se acha bem humorado, não acha? — Perguntou ela.

Ele sorriu e deslizou as mãos pela cintura dela para atraí-la.

— Bem humorado, não. Charmoso, absolutamente.

—Hmmm. — Disse ela, permitindo que ele tomasse a mão.

—Chega de desculpas. — Ele sussurrou, puxando-a para mais perto. —Eu quero dançar com você desde que você apareceu na minha porta.

Um rubor subiu por seu pescoço e seus pés começaram a se mover.

Etta deslizou a mão livre pelas costas dele, sentindo seus músculos enrijecerem sob o casaco.

Ele a girou pela pista de dança como se fossem os dois únicos presentes. Seu coração batia freneticamente e ela queria estar mais perto, muito mais perto. Mas ela não podia. Levou tudo o que ela tinha para não se perder em seu toque.

O movimento no canto do salão a levou de volta à realidade.

Ele diminuiu a velocidade da dança e viu sua irmã e Anders conspirando nas sombras. Não havia surpresa em seus olhos.

—Camille tem Anders usando seus homens para procurar gente com magia dentro de Gaule.

—Os homens dele também não são seus?

—Sim. — Ele estalou os olhos para ela. —Eu sei sobre o acordo deles desde que meu pai morreu. Eu sei tudo o que acontece neste palácio.

Um calafrio a percorreu. Havia algumas coisas que ele não sabia.

—Camille não confia em mim para lidar com o problema. Se ela não fosse da família, provavelmente estaria na masmorra. — Ele passou a mão cansada pelo queixo. —Eu preciso achar um nobre para casar e removê-la do castelo, mas ela é minha irmã. Eu não quero bani-la.

Etta tocou em seu braço. —Você tem que pesar o dano que ela causará contra o seu amor por ela. — Ela hesitou. —A linha entre ser um homem bom e um tolo é traçada na areia. Facilmente apagável. Sempre móvel. Nunca onde você espera que esteja.

—Você acabou de chamar seu rei de homem tolo? — Um canto da boca dele se curvou. —Eu poderia punir você por isso.

—Então quem protegeria sua bunda idiota?

O sorriso dele cresceu e ela combinou.

Olhando para as senhoras do nascimento que esperavam ao longo da parede, Etta balançou a cabeça. —Há outras com quem você deveria dançar.

Ele seguiu sua linha de visão e ela não perdeu a careta dele.

Ela escondeu o sorriso quando o soltou e recuou. —Seria bom para a protetora se aposentar para a noite?

—Sim, mas você deixará para trás um rei ciumento que provavelmente não verá sua cama por algum tempo ainda.

Etta riu e inclinou a cabeça. —Divirta-se, sua Majestade.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Capitulo Quinze


Depois de suas primeiras semanas como rei, Alex não havia conseguido nada além de apagar fogos entre os nobres. Foi preciso arrecadar dinheiro para reparar os danos causados pelos terremotos. As pessoas correram para o castelo para agradar o rei com histórias daqueles que os intimidavam com magia. Parecia que as aldeias tinham um problema, mas as áreas rurais sofreram piores.

Ainda havia mais gente mágica vivendo em Gaule do que ele imaginara. Parte dele ficou satisfeito por o expurgo não ter sido um sucesso completo. Ele nunca advogaria assassinato. Mas uma grande parte dele reconheceu o perigo que eles agora enfrentavam.

Seria sua primeira viagem à cidade desde a morte do pai. O primeiro com uma coroa aninhada em seus cabelos escuros.

O sono o escapou a maior parte da noite. Quando chegou, foi interrompido por imagens que o deixaram ofegando e arranhando a cama. Ele se encostou na cerca, onde os cavalos o observavam com curiosidade.

Memórias brilhavam diante dele e ele tinha doze anos novamente.

—Pai. — Ele perguntou. —Por que você está fazendo isso? — Ele lutou para acompanhar os longos passos de seu pai.

O rei parou quando alcançou seu cavalo de espera, mantido no lugar por uma mão estável e mais velha. Ele entrou no estribo e saltou para a sela.

—Pai. — Lágrimas correram pelo rosto do jovem príncipe. —Eles se foram. Viktor. Persinette.

Os olhos do rei cortaram seu filho. —Não se preocupe, garoto. Nós não vamos deixá-los ir longe. Vamos livrar esta terra da magia de uma vez por todas.

Ele chutou o cavalo e passou trovejando pelos portões com um fluxo de soldados seguindo.

Alex caiu de joelhos. Magia era má, mas sua amiga não. Persinette e o pai estavam do lado deles. Ele estava certo disso. Ele chamou pelo pai, mas ele se foi há muito tempo.

Naquela noite, e muitos que se seguiram, viram sangue correr pelas ruas de Gaule. Não havia volta. Ele foi criado para desconfiar do poder que não entendia, criado para obedecer e adorar seu pai. Tanto que agora ele não sabia em quem confiar. Ele não sabia como proteger seu reino.

—Senhor. — A voz de Edmund rompeu a névoa em sua mente. —Os cavalos estão prontos.

Alex olhou para ele, batendo a mão no ombro dele. —Obrigado, Edmund.

Etta pegou um cavalo dos estábulos. Ela escolheu um que ninguém mais teria. O animal era selvagem e bravo, muito parecido com ela. Alex suspirou. Ela não tinha falado mais do que algumas palavras educadas com ele a manhã toda. Nenhum dos dois reconheceu a proximidade que sentiram desde o beijo. Dançar com ela na noite anterior foi o único momento durante o baile em que ele não queria jogar sua coroa do outro lado da sala e fazer uma corrida louca pela fronteira.

Era uma das muitas coisas que Alex não entendia mais.

Por que ele estava tão atraído por ela?

Ela era difícil e rude. Ela tinha um óbvio desdém pelo pai dele. Nada nela era simples. Seus traços eram fortes e endurecidos, em vez dos rostos delicados que ele experimentara entre as mulheres na corte.

Ele balançou a cabeça e subiu no cavalo preto brilhante. Seu arco - sua arma de escolha - estava amarrado à sela.

Etta bufou quando viu.

—Existe algum problema? — Alex estalou.

—Não, sua Majestade. — Ela reprimiu um sorriso ao verificar os laços na sela do cavalo. —É que eu não sabia que estávamos caçando.

—Suponho que não quero saber do que você está falando, mas a curiosidade me superou. Explique.

Edmund andou com o cavalo ao lado dos dois. —Eu acho que ela quer dizer que se você quiser se proteger, um arco é tão útil quanto uma faca ao comer sopa.

Etta riu e a irritação de Alex diminuiu quando ele se perdeu no som.

—Edmund. — Etta olhou de soslaio. —Talvez você deva ajudar sua majestade com sua habilidade com espadas.

—Eu? Por que não você? Você é a protetora. — Ele fingiu indignação e subiu no cavalo.

—Porque se eu machucasse o rei, meu pai não poderia me tirar da masmorra. — Seu cavalo bufou quando ela se puxou para ele e girou a perna.

Ele levou a mão ao coração. —Foi um golpe baixo, senhorita Etta.

—Eu não sou uma dama.

Antes que qualquer um deles pudesse responder, ela chutou o cavalo e eles começaram a descer o caminho.

As pessoas se amontoavam ao longo das ruas para dar uma olhada no seu recém coroado rei. Havia aplausos e emoção. Todos os nervos se afastaram quando Alexandre Durand tomou seu povo. Eles vieram buscá-lo. Só ele. Não o pai dele. Ele não conseguia se lembrar de ter visto esse tipo de reação pelo pai. Era muito diferente da recepção que ele recebeu de seus nobres.

Ele sentou-se reto na sela e levantou o braço em uma onda.

Edmund bufou ao lado dele. —Você está gostando disso.

Alex deu um sorriso. —Depois do flagelo público que recebi no baile, por que não deveria? — Ele olhou de volta para onde Etta estava sentada perfeitamente em cima de um cavalo que ninguém mais ousara montar.

Ela chamou sua atenção enquanto ele ria. —Existe algum problema, sua Majestade?

—Eu não posso acreditar que você não foi jogada do seu cavalo ainda.

Ela desenhou os lábios para o lado. —Isso é um desafio?

—Eu nunca lhe daria um desafio que você não poderia vencer.

Etta sorriu e inclinou-se para sussurrar para o cavalo. Suas pernas apertaram mais e ela puxou as rédeas. O maldito cavalo começou a empinar como se estivessem praticando o movimento a vida inteira.

A multidão soltou um rugido de aprovação, incentivando Vérité. Ele continuou por alguns momentos antes de voltar à sua posição e continuar com os cavalos da guarda.

Alex jogou a cabeça para trás, rindo. Etta não olhou para ele. Seus olhos se voltaram para as pessoas, mas seus lábios torceram enquanto tentava esconder um sorriso.

O sol brilhava sobre eles quando pararam no centro da cidade. O mercado estava cheio de moradores que os seguiram pelas ruas.

Alex desceu do cavalo graciosamente e sua guarda fez o mesmo. Enquanto observava as pessoas o cercarem, ele respirou fundo. Como ele deveria liderar essas pessoas quando não sabia como mantê-las seguras? Hoje ele faria o anúncio que poderia mudar o destino deles, o destino do reino de Gaule. Hoje, ele diria a eles que o pior pesadelo deles estava aqui. Que eles eram vulneráveis.

Esses aplausos se transformavam em suspiros, a alegria em temer. Eles estavam prestes a quebrar.

Ele apertou a palma da mão com força, as unhas cravando na pele e olhou para Etta. Ela estava certa. A manhã sempre traz clareza. Ela deveria ver isso com ele. Os olhos dela se voltaram para os dele e a mesma eletricidade daquela noite no quarto dele fluiu entre eles. Ela assentiu uma vez e ele sabia que poderia fazê-lo.

Ele estava pronto para ser rei.

 

—O rei tem um anúncio a fazer. — A voz de Edmund se elevou acima da multidão e a multidão se acalmou.

Etta olhou em volta por um rosto familiar. Alguns nesta cidade poderiam apontá-la como a ladra. Depois, houve os dois que conseguiram tranquilizar o pai. Maiya e Pierre não foram encontrados em lugar algum.

Alex entrou em uma plataforma e ela a seguiu, procurando por possíveis perigos.

Ele limpou a garganta. —Oi. — Ele tossiu quando as palavras falharam.

A incerteza estragou seus traços, e ela se aproximou e abaixou a voz. —Honestidade, Majestade. É isso que eles merecem.

Ele engoliu em seco e começou de novo. —Nosso período de luto por meu pai terminou. Como reino, devemos passar para os perigos que enfrentamos. Não sou mais seu príncipe. — Um dos guardas entregou a coroa de Alex e ele a colocou na cabeça. —Agora sou Alexandre Durand, quadragésimo segundo rei do grande reino de Gaule. E estou aqui para falar sobre os perigos que enfrentamos. As barreiras foram destruídas.

Um grito surgiu da multidão quando o pânico se instalou.

—Ouçam-me agora- — Mas antes que ele pudesse continuar, uma explosão de vento soprou no mercado, mais forte do que qualquer força natural.

Etta puxou Alex da plataforma.

—O que está acontecendo? — Ele gritou sobre o barulho ensurdecedor.

—Magia. — Ela não tinha certeza de que ele a ouvia, e provavelmente seria melhor se ele não o ouvisse. Ela podia sentir a magia no ar, girando sobre eles. Ela examinou os telhados à procura da fonte do vento e encontrou um homem atarracado com cabelos ruivos. Seus braços estavam levantados quando ele chamou sua magia.

Mais gritos surgiram quando incêndio surgiram do nada. Não havia dúvida em sua mente. Gaule estava sob ataque.

Ela segurou o braço de Alex para não se separar. Edmund tomou o seu lugar do outro lado do rei. —Precisamos levá-lo a um lugar seguro.

Edmund estava certo. Eles tinham que sair dali.

—Vamos. — Ela deu um tapinha no lado de Vérité, e ele se virou para segui-los. Eles correram para um beco e os sons da praça do mercado desapareceram.

O resto dos guardas do rei estavam perdidos na bagunça atrás deles.

Chegaram ao fim do beco e correram pela rua até chegarem a uma loja familiar. Etta puxou a porta, mas estava trancada.

—Maiya. — Ela gritou, batendo os punhos contra a madeira maciça. Estava rachada, provavelmente pelo terremoto após a morte de seu pai. A madeira gemeu sob sua bateria constante. —Pierre. — Os sons vinham dos becos próximos e seus punhos diminuíram. —Por favor. Deixe-nos entrar.

Quando ela parou e se virou para olhar o rei, considerando o próximo passo, a porta se abriu.

—P-Etta. — Gritou Maiya, passando os braços em volta da amiga.

—Maiya, precisamos entrar.

Ela deu um passo atrás e finalmente notou os companheiros de Etta. —Claro. Entre. Entre. — Eles entraram correndo, fecharam a porta e a trancaram.

Maiya mergulhou em uma reverência. —Sua Majestade.

—Temos uma dívida com você. — Disse Alex, tentando equilibrar a respiração.

Etta agarrou o braço de Maiya. —Eu preciso falar com você.

Ela assentiu e levou Etta para a sala dos fundos. Alex tentou segui-la, mas a porta se fechou em seu rosto.

Assim que ficaram sozinhas, os ombros de Etta caíram e ela se encostou na parede, passando a mão pelos cabelos.

—Eu sabia que estava chegando. — Maiya confessou de repente. —O ataque. Há um grupo de pessoas mágicas que o planejam desde que as barreiras caíram.

—Por que você não me avisou?

—Como eu deveria fazer isso? — Etta nunca tinha visto Maiya parecer tão brava. —Não ouvi uma palavra sua até hoje. Não sabíamos se você estava morta ou se sua magia foi descoberta e você estava apodrecendo na prisão deles. — Um soluço escapou dela. —As coisas estão ruins aqui, Etta. Muita da cidade foi destruída no terremoto. Não é seguro andar pelas ruas.

—Então por que você não faz as proteções e se muda para a floresta?

—Você esquece, a floresta não está mais protegida; as pessoas não estão mais escondidas. Eles esperam o dia em que serão encontrados e reunidos pelo próprio rei que você traz para minha casa hoje à noite.

Etta hesitou. —Eu não acho que Alex é o homem que seu pai era.

—Mas e se ele for? Essa maldição será a sua morte.

Etta deu um passo à frente e agarrou os ombros de Maiya, esticando o pescoço para olhar nos olhos. —Eu não vou deixar.

—Você deixará que seja a morte do nosso povo?

Ela respirou fundo. —Claro que não. Mas nosso povo não é salvo lançando ataques que apenas produzem raiva.

—Então, como nosso povo será salvo? — Perguntou Maiya.

—Eu não sei.

—Isso é... tranquilizador.

Uma risada cansada saiu dela e ela puxou Maiya para um abraço. —Senti sua falta. — Elas ficaram assim por alguns momentos antes de Etta se afastar para fazer a pergunta que a estava rasgando. —Meu pai...

—Nós o enterramos na Floresta Negra, onde ele teria desejado. — Ela fez uma pausa. —Pelo trecho mais encantador de flores silvestres. É estranho. Não me lembro de vê-las em nenhum outro lugar daquela floresta. — Ela deu a Etta um olhar conhecedor.

Um peso levantou de seu coração. O pai dela estava em casa. Melhor ainda, ele estava em seu santuário. Ela nunca tinha mostrado a ele na vida e agora ela desejava que tivesse. Havia muitas coisas que ela desejava ter dito ao pai.

Quando elas se juntaram a Alex e Edmund, Pierre estava com eles.

—Etta. — Ele disse calorosamente, abrindo os braços. Ela o abraçou como nunca antes. Pierre e Maiya eram tudo o que restava de seu pai.

Alex tinha um olhar sombrio no rosto quando ela se aproximou.

—Meu pai estava certo. —Disse ele. —Magia é má. Farei o meu melhor para esmagá-la. — Ele olhou em volta para os outros na sala. —Isso eu prometo a vocês.

Etta trocou um olhar com Edmund, uma conversa silenciosa que não precisava de palavras.

Alex virou-se para a porta. —Deveríamos estar lá fora, lutando contra os bastardos. — Vermelho subia pelo pescoço enquanto tentava conter a raiva.

Pierre lançou um olhar suplicante para Etta.

—Sua Majestade, não há nada que você possa fazer.

Um grito da rua perfurou o ar antes de ser abruptamente cortado.

Alex olhou loucamente entre a porta e o rosto calmo de Etta. Ele desviou os olhos dela e chegou à porta antes que eles pudessem detê-lo.

—Eles são o meu povo. — Ele rosnou, abrindo-a. —Eu não vou me esconder enquanto eles forem derrubados.

—Merda. — Edmund tirou a espada da bainha antes de olhar para Etta. —Acho que estamos fazendo isso. — Ele correu atrás de Alex.

Etta deu um passo para segui-los.

—Eles são o seu povo, Persinette. — Pierre disse para ela de volta. —Não se esqueça disso enquanto sua espada os corta.

Ela não se virou para olhá-lo. —Eu não tenho escolha. Eles podem ser meu povo, mas eu sou a amaldiçoada. Temo que minha vida seja gasta lutando com aqueles pelos quais devo lutar.

Ela saiu pela porta e imediatamente encontrou Edmund e Alex. Eles estavam trancados em uma batalha com um homem que estava atirando faíscas na ponta dos dedos. Eles não tinham chance. Etta correu pela lateral do prédio, escondida da vista, e chamou sua magia adiante. As pedras sob seus pés começaram a tremer e rachar quando se levantaram. Alex tropeçou para trás, os olhos arregalados. Edmund aproveitou o momento para empurrar uma rajada de ar contra o atacante. Ele se levantou um pouco antes de bater contra a face do prédio.

Alex estava atordoado demais para ver o poder de Edmund. Etta correu para frente como se tivesse acabado de chegar. Vérité se juntou a ela.

—Não podemos ficar aqui fora. — Disse ela.

—Vocês dois precisam sair daqui. — Edmund apontou para o cavalo.

—Como? — Os olhos de Alex ainda estavam selvagens, mas sua respiração voltou ao normal. —Eles terão bloqueado a estrada de volta ao palácio.

—Vá para o norte.

—Mas isso é...

—Pela Floresta Negra. — Etta terminou por ele, balançando a cabeça. Ela não podia levar o rei de Gaule pela floresta. Por um lado, não seria seguro. Para ele ou as pessoas que moravam lá. Era muito perto, muito arriscado. Seus segredos estavam pendurados por um fio e Edmund estava pedindo que os expusesse ainda mais.

—É a única maneira. — Ele olhou para a aliada quando passos alcançaram seus ouvidos.

Etta se sacudiu. —E você?

—Eu ficarei bem enquanto o rei estiver seguro. Você é a protetora dele. Então, proteja.

Eles compartilharam mais uma de suas conversas tácitas, sabendo que ambos arriscariam tudo para manter Alex seguro. Para ele, era amor, lealdade. Para ela, era a maldição, mas estava se tornando muito mais. Depois de uma vida inteira se preparando para odiá-lo, ela não conseguia entender os sentimentos que rodavam dentro dela.

—Vamos. — Ela subiu na sela, apontando para o rei subir atrás dela. Ele não teve mais objeções. Estava escrito nos olhos dele. Ele não era páreo para a magia que essas pessoas possuíam. Ele nunca seria.

Assim que ele acordou, Etta pegou as rédeas e Vérité decolou sem avisar. Eles galoparam pelas ruas assustadoramente vazias e quebradas. Os sons das lutas do mercado morreram com o vento até que tudo o que ouviram era o tamborilar constante dos cascos do cavalo.

Nenhum deles falou enquanto deixavam a cidade para trás e seguiam em frente. A viagem era longa e a floresta se estendia diante deles, sombria e impenetrável. Só que agora não estava mais protegida. Já não havia vozes fantasmagóricas que ecoavam entre as árvores ou guardavam as pessoas escondidas entre as proteções. Agora eles estavam visíveis. Suas casas lá para todo mundo ver.

Etta desejava voltar a um tempo simples entre as árvores. Treinando com o pai. Passeios com Vérité. Ela podia sentir a excitação do cavalo quando eles se aproximaram.

Alex, por outro lado, apertou-a mais. Ele foi criado em histórias da floresta. Para ele, deve ter representado tudo o que era mau em Gaule.

Ele respirou alto.

—Você ficará bem. — Disse ela.

—Eu sei disso, mas não me deixa menos desejoso de estar aqui. Eu deveria voltar para o palácio ou lutar na cidade.

—Você nunca conseguiria. — Ela tocou a mão dele gentilmente. —Você não pode ser um bom rei se morrer antes de tentar.

Seus dentes rangeram juntos. —Quanto tempo vamos ficar na floresta?

Ela pensou por um momento, considerando o quão longe eles teriam que ir para evitar onde ela sabia que as pessoas viviam. Ela não os revelaria ao rei por conveniência. —Talvez dois dias. — Olhando para o sol minguante atrás dela. —Entramos em uma margem mais distante e teremos que evitar todos os caminhos que levam à cidade ou obter qualquer tipo de tráfego. São cerca de dois dias para o lado mais distante das muralhas do palácio, se seguirmos apenas os caminhos mais seguros.

—Caminhos mais seguros?

—A maioria das histórias sobre esse lugar que você ouviu são... falsas. Mas ainda precisamos ser cautelosos.

—Como você sabe tanto sobre esses bosques?

Ele estava muito perto da verdade. Pense. Pense. Ela fechou os olhos, agradecida por ele não poder ver seu rosto. —Eu costumava caçar com meu pai aqui.

—Você era corajosa.

Ela ignorou isso. Se ela fosse corajosa, teria ido a Dracon para confrontar La Dame para quebrar sua maldição em vez de se curvar a ela.

Etta olhou por cima do ombro, considerando se era seguro o suficiente para parar. —Vérité precisa de um descanso. — Eles estavam o mais seguros possível após um ataque na aldeia. Ela suspirou e deslizou para baixo. Alex a seguiu.

—Acho que devemos viajar sem parar. — Disse Alex. —Preciso voltar ao palácio o mais rápido possível para lidar com os agressores e dar apoio à vila. — Ele falou rapidamente. —De onde eles vieram? Eles estão trabalhando para La Dame? Quantos eles mataram? Eles fizeram reféns?

—Devagar, sua Majestade. — Ela examinou a floresta circundante. —Eu sei que você esteve relativamente protegido a maior parte da sua vida, mas não podemos ser estúpidos. Se viajarmos direto, não seremos úteis para ninguém quando aparecermos. Devemos encontrar um lugar para montar o acampamento em breve. Vamos precisar de algo para comer também.

Ele a considerou por um longo momento, o lado de sua boca se curvando. —Você está me dando, o rei, ordens?

—Aqui fora, não há rei, apenas os que sobrevivem e os que não sobrevivem.

—Eu não sabia que você tinha um lado mandão. Já vi raiva. Quieta. Insegura. Mesmo gentil. Nunca mandona.

Ela empurrou por ele, batendo no ombro dele enquanto escondia o sorriso dele.

—Eu gosto de mandona.

 

Eles evitaram qualquer casa por onde passassem, mantendo os caminhos que Etta conhecia muito bem. Quando ela morou lá, evitou qualquer contato com os outros que residiam entre as árvores. Ou talvez eles a tivessem evitado. Fosse o que fosse, ela passara a maior parte do tempo sozinha. Seu pai estava sempre fora, secretamente observando o rei de longe. O rei que ele odiava com tudo o que era. O rei que ele nunca deixou de servir.

A imagem de seu pai quando as costas dele atingiram a terra tocou em sua mente. Ela enxugou uma lágrima furiosa antes que Alex pudesse ver como esse lugar a afetava. Sua magia zumbia de um jeito que nunca acontecia dentro das muralhas do castelo, cercada por sua prisão de concreto. Lá fora, ela conhecia todas as folhas, todas as flores que lutavam para florescer. Elas a chamavam.

Quando a luz diminuiu, as árvores se tornaram sombras, envolvendo os viajantes em uma capa de escuridão. Uma brisa quente da noite levantou o cabelo do pescoço e ela se virou, esperando ver Edmund lá, correndo para alcançá-los. Não havia ninguém além de Etta e o rei, algo que ela estava profundamente ciente.

—Etta. — A voz suave de Alex ecoou pelo espaço. —Se você insistir em descansar, devemos encontrar um lugar antes de perdermos mais luz.

—Ainda não. — Era uma coisa perigosa contrariar um rei, mas ela continuou andando, puxando Vérité atrás dela. Eles estavam perto, ela podia sentir.

Os olhos dela se ergueram quando eles chegaram ao topo de uma colina, seu brilho exposto diante deles. Um suspiro sibilou de seus lábios quando o alívio a inundou. Ela estava em casa.

Sua antiga cabana não estava nem perto, mas esse lugar significava mais para ela do que sua casa já tinha. O chão era macio sob seus pés e seus olhos apenas capturavam os contornos de flores que se estendiam à distância. Mas ela não precisava vê-las. Ela as sentia.

—Ficamos aqui a noite toda. — Ela tirou a bainha e a camisa de malha. Seus ombros flexionaram enquanto desfrutavam de sua liberdade.

Uma gota de água atingiu seu rosto, e ela a inclinou para assistir mais rompendo a cobertura das árvores. Ela sorriu apesar de si mesma.

Alex parou ao lado dela, gotas caindo em seus cabelos.

—Apenas a nossa sorte.

Ela virou-se para encara-lo.

Ele respirou fundo. —Acho que nunca vi você sorrir assim.

—Você não me conhece há muito tempo, Majestade. — Ela entrou em formalidade para colocar alguma distância entre eles. —Nosso tempo juntos foi cheio de turbulências. Mesmo agora. Eu não deveria sorrir nessas circunstâncias. Peço desculpas. — Ela baixou o olhar.

—Não. — Ele levantou a mão para traçar o contorno da carranca que ela agora usava. —Por favor. Quando você sorri, sinto que meu mundo inteiro não está desmoronando. Só por um momento. — Ele pegou sua mão de volta. —Eu só...

Ela olhou para ele, ainda dividida entre querer se livrar dele para sempre e querer algo... diferente. Talvez a chave para a maldição não estivesse cedendo às suas demandas, mas ao perceber que ela poderia exigir disso. Ela não podia mais ignorar. Se era a maldição, aquele maldito beijo, ou algo muito, muito mais. Ela estava atraída por esse inimigo dela e estava cansada de lutar contra isso.

Os dois agiram no mesmo momento. Ela agarrou seus ombros quando ele bateu a boca contra a dela. O desespero a puxou. A chuva começou a cair mais rápido quando os lábios dela se separaram e a língua dele encontrou a dela em uma onda de êxtase, uma onda de fantasia. Porque isso é tudo que poderia ser. Longe do castelo, nas profundezas de sua floresta, nascia uma fantasia. Eles não eram inimigos antigos. Ele sabia o nome completo dela e tudo o que ela podia fazer. E ele ainda estava lá, beijando-a como se nada disso importasse.

Um soluço ameaçou quebrar o beijo deles porque isso importava. Se ele soubesse, ele a teria levado embora.

Ele gemeu em sua boca, pressionando mais perto, e ela empurrou seu desespero miserável. Agarrando a ponta da camisa, ela a ajeitou nas mãos e roçou a pele logo abaixo. Ele se afastou dela por tempo suficiente para puxá-la sobre sua cabeça.

O peito dele estava escorregadio pela chuva enquanto ela traçava seus músculos, quentes sob as mãos.

—Etta. — Ele rosnou.

Era inútil tentar parar quando a boca dele reivindicou a dela mais uma vez.

—Eu te queria desde a primeira vez que te vi naquele torneio. — As palavras dele vibraram contra os lábios dela.

Ela não contou a ele sobre a garota ingênua que, uma vez, tinha uma queda por um príncipe que era muito gentil com ela. Ela ainda não sabia como o destino dele estaria ligado ao dela.

Então, ela amarrou ainda mais.

Não importava que nada disso fosse real - o que ele estava sentindo. Só importava que, pela primeira vez desde o torneio, ela sentia algo diferente do buraco onde sua alma deveria estar.

Ele capturou seus lábios novamente quando a puxou para a terra macia, prendendo-a embaixo dele. Uma poça se formou ao redor deles, mas nenhum notou como uma quietude entrou em seus corações. Juntado como um, a atração constante da maldição ficou em silêncio.

Nada disso poderia durar, porém, e ela nunca ficara mais agradecida pela escuridão que escondia suas lágrimas.

 

 


Capitulo Dezesseis


Um calafrio percorreu todo o corpo de Alex quando um gemido de seu estômago vazio o acordou. O sol estava começando a nascer, obscurecido pelas árvores acima. Demorou um tempo para se orientar, e então tudo voltou a ele. Ele sentou-se assustado. Eles foram atacados no dia anterior. Ele foi forçado a fugir como um covarde. Ser rei não tinha poder quando confrontado com magia.

Ele passou a mão no rosto e abriu os olhos quando duas novas realizações o atingiram. Ele estava nu. E ele estava sozinho. Eles estavam encharcados quando se protegeram da chuva em uma densa área de árvores. Durante toda a noite, a água pingava sobre eles, mas eles se usavam para se aquecer.

Etta.

Onde ela estava? Seus olhos examinaram o ambiente. À luz, ele pôde ver pela primeira vez onde ela o trouxera. Flores silvestres de cores variadas se estendiam em todas as direções. Ele ficou de pé para ver melhor e respirou fundo com a beleza diante dele.

Nada disso deveria existir na Floresta Negra. Era para ser assombrada, perigosa. Mas nada era como deveria ser mais.

Etta não era mais apenas sua protetora. Houve um momento na noite anterior em que ele a sentiu ceder total controle, total confiança, e ele fez o mesmo. Não havia dúvida em sua mente que ele a amava. Ele tinha desde a primeira vez que seus olhos encontraram os dela.

Mas ele era rei.

Ele balançou a cabeça para limpar o nevoeiro em que se sentia rastejando e procurou no chão por suas roupas descartadas. Suas calças ainda estavam ensopadas e agora cobertas de sujeira. Ele não teve escolha a não ser colocá-las. A camisa dele era uma questão diferente. Estava no chão, a menos de um metro de onde Vérité estava amarrado.

Estendendo a mão na frente dele como sinal de amizade, ele se aproximou. O cavalo jogou a cabeça para trás, sua juba pegando a brisa. Ele bufou e bateu os pés.

—Vamos, Vérité. — Alex disse cautelosamente. —Pensei que fizemos progresso ontem quando você salvou minha vida. — Ele se inclinou para recuperar a camisa, mas antes que seus dedos pudessem agarrar o tecido, Vérité estalou os dentes e o rei pulou de volta surpreso.

—Vérité. — Ele retrucou. —Eu sou seu rei. Você fará o que eu digo. Deixe-me ficar com minha camisa.

O nariz do cavalo flamejou, e ele se adiantou com outro estalo de dentes, quase beliscando o braço do rei.

—Bastardo traidor. — Desistindo de sua camisa, Alex virou-se para encontrar Etta.

Ela estava ajoelhada entre um ramo de flores amarelas brilhantes com a cabeça inclinada. Suas palavras foram em sua direção.

—Pai. — Ela disse. —Isso é muito mais difícil do que eu pensava. As coisas estão desmoronando.

Alex se aproximou. Vislumbrar a verdadeira Etta era uma raridade que ele não podia deixar passar.

—Estou tão perdida. Não sei dizer a diferença entre o que sinto e o que está sendo imposto a mim.

Imposto a ela? Ele pensou na noite passada. Ela achava que não podia recusá-lo porque ele era rei?

—Eu queria que você estivesse aqui para me guiar. — Ela ficou de pé revelando uma pilha de pedras que marcavam um túmulo.

Ela se virou e seus olhos se arregalaram ao vê-lo. De repente, ele sentiu como se tivesse invadido um momento intensamente privado.

Etta queria que as pessoas a vissem como uma guerreira. Alguém sem emoção. Sem arrependimento. Ela mantinha seu passado escondido.

Mas naquele lugar, naquele momento, seus olhos continham uma vulnerabilidade que quase o quebrou. Ele fechou a distância entre eles e a puxou contra o peito, os braços envolvendo as costas dela para mantê-la lá. Pela primeira vez, ela não resistiu ao vínculo entre eles. Em vez disso, afundou nele, pressionando o rosto no ombro nu dele e respirando profundamente.

O toque deles parecia mais íntimo do que o que haviam feito na noite anterior. A respiração deles se alinhava, perfeitamente sincronizada, enquanto se consolavam.

—Você está bem? — Alex perguntou suavemente.

—Não. — Ela respondeu.

—Você o conheceu? — Ele apontou para o túmulo. Ele já sabia a resposta, mas ele queria que ela confiasse nele.

Ela se afastou para olhá-lo.

Ele afastou o cabelo loiro do rosto dela enquanto ela hesitava.

Finalmente, ela assentiu. —Meu pai.

—Eu tenho tantas perguntas sobre você, Etta.

—Por favor. — Ela apertou a bochecha contra o peito dele. —Não pergunte. Eu não quero mentir para você.

Ele balançou sua cabeça. —Eu sou o rei de Gaule e nem consigo que minha protetora compartilhe o sobrenome dela. Seu pai está misteriosamente enterrado na Floresta Negra. Não sei como ela aprendeu a lutar ou por quê. Tudo o que sei é que me sinto atraído por ela, como beijá-la me dá vida.

—Isso é suficiente? — A pergunta não passava de um sussurro.

Ele beijou o topo da cabeça dela e falou em seus cabelos. —Por enquanto, mas não para sempre.

Ela se separou dele. —Nós devemos ir. Você é necessário no palácio. — Ela parou de andar quando alcançou Vérité e seus dedos trabalharam para desamarrá-lo.

Ela se abaixou para recuperar a camisa de Alex. —Está faltando alguma coisa?

—Maldito cavalo não me deixaria perto dele.

Etta balançou a cabeça, a sugestão de um sorriso aparecendo em seus lábios. —Vocês dois vão parar de lutar?

—É culpa dele.

—Claro, sua Majestade. — Ela levantou a sela e deslizou-a no lugar antes que ele pudesse ajudá-la. Quando ela alcançou abaixo para afivelá-la, ela olhou de volta para ele. —Eu usaria essa camisa se fosse você. Não podemos ter o rei aparecendo no palácio seminu.

Ele riu e puxou-a sobre a cabeça, esperando que secasse rapidamente.

Etta subiu e Vérité bateu o pé enquanto Alex tentava fazer o mesmo.

—Pare com isso. — Etta bateu no pescoço do cavalo e ele parou o tempo suficiente para o rei se erguer.

Então ele foi embora. Quando Alex olhou para trás, parte dele não queria deixar aquele lugar para trás. Havia uma paz tranquila entre as árvores que desapareceriam assim que estivessem longe. Porque ele sabia. Quando chegasse em casa, retornaria a um país em guerra.

 

A urgência fez a viagem longa. Vérite não podia galopar por tanto tempo antes de desacelerar.

O ar ao redor deles estava fresco e limpo da chuva da noite. Era cheio de vida, mas Alex só conseguia se concentrar na mulher na frente dele. Seu calor estava aninhado entre as coxas dele, e o braço dele subia e descia contra seu estômago a cada respiração que ela respirava. Ela balançava a cabeça e sua trança dourada caia sobre um ombro. Ele afastou os cabelos restantes e pressionou os lábios na parte de trás do pescoço dela. Ela se inclinou para ele.

—Alex. — Ela respirou. —A noite passada foi...

—Perfeita?

Ela balançou a cabeça e quando ele passou as mãos pelos braços dela, ela estremeceu.

—Pare de sorrir. — Disse ela.

Sua risada retumbou contra suas costas. —Como você sabe que estou sorrindo?

Ela girou na sela para olhar para ele e tocou as covinhas em suas bochechas. O sorriso dele aumentou. —Eu te conheço, Alex.

Ela largou a mão e se virou como se tivesse dito algo que não deveria e Alex não a impediu. Ela estava se escondendo dele e logo eles retornariam ao palácio onde ele teria que ser rei e ela seria sua protetora. Havia uma tempestade esperando por eles. Flashes da batalha do dia anterior brincaram em sua mente quando ele fechou os olhos.

Edmund ficaria bem. Eles o deixaram no meio da luta, mas ele poderia se proteger. Eles passariam pelos portões e ele esperaria com um sorriso no rosto, um sorriso fora de lugar depois de um ataque, mas seria bom para ele.

E as pessoas da vila? O curandeiro e sua filha que os ajudaram? As pessoas na praça do mercado que apareceram apenas para ter um vislumbre de seu rei?

—O ataque é apenas o começo, não é?

Ele não percebeu que havia falado em voz alta até Etta responder. —Nem sempre achei que as proteções eram apenas um meio de defesa. — Ela fez uma pausa. —Não sei com que liberdade posso falar com o rei.

Ele abriu os dedos pelas planícies do estômago dela. —Diga o que você deseja.

Ela ficou quieta por um longo momento. —Seu pai não era um bom rei.

—Você não o conhecia.

Ela hesitou. —Não, mas eu conheço este país um pouco melhor que você.

Ele tirou as mãos dela. —Eu sou o rei—, ele rosnou.

Verité bufou e ele jurou que o cavalo não gostou do tom.

—Você disse que eu poderia dizer qualquer coisa. — Disse ela corajosamente. —Eu não vou te entregar a lisonjas inúteis.

Ele respirou fundo para acalmar as palavras defensivas em sua língua. —Continue.

—Seu pai era um tirano que caçava seu próprio povo. As proteções permitiram que ele fizesse isso sem qualquer meio de escapar. Qualquer pessoa com magia no sangue não poderia atravessar a fronteira. Manteve Gaule segura, mas também cortou o país do mundo exterior. Aqueles sem magia não cruzaram por medo de serem capturados.

—Uma ameaça muito real.

Ela assentiu. —Eu sei e é por isso que meu coração está rasgado. As proteções aprisionavam o povo mágico, mas mantinham todo mundo seguro. La Dame está lá fora.

—Eu a vi uma vez. — Disse ele.

Etta ficou imóvel. —Como?

—Foi antes de as proteções serem montadas. Eu era apenas um menino e meu pai me levou para a fronteira. Ela era nossa aliada.

—Por que ela se aliaria a Gaule?

Alex encolheu os ombros. —Eu estava me perguntando isso. Ela é antiga e o poder emana de todos os poros dela.

—Como ela era? — A voz de Etta continha uma pitada de medo, o primeiro medo que Alex tinha visto dela.

—Maravilhosa.

Etta mudou. —Maravilhosa?

—E aterrorizante. Ela não parecia muito mais velha do que eu agora, mas o que mais me lembro eram os olhos dela. Quando eu olhei para eles, tudo o que eu era, tudo o que eu jamais seria, tornou-se sem importância. Havia apenas ela. Eu perdi qualquer senso de mim mesmo. Tudo que eu queria era agradá-la. — Ele apoiou o queixo no ombro de Etta. —Foi o melhor e o pior dia da minha vida.

Etta entrelaçou seus dedos com os dele, onde eles descansaram contra seu estômago e estalou as rédeas com a outra mão.

—Está tudo bem. — Ela sussurrou. —Você era apenas uma criança.

—Eu não deveria estar tão encantado. Ela fez a mesma coisa com meu pai. Ouvi os guardas conversando na manhã seguinte sobre como meu pai havia sido encontrado em sua cama. Ele tinha muitas amantes, mas aquela noite o mudou. Isso causou medo nele. Quando estávamos saindo, uma voz soou em minha mente.

—O que ele disse?

Ele a apertou mais contra ele, precisava de seu calor para afastar a dormência provocada pelas lembranças. —Ela me disse que eu voltaria para ela um dia. Isso não importava. No dia seguinte, meu pai mandou Viktor construir as proteções.

Etta ofegou quando a realização veio a ela. —As proteções foram a traição final.

—Sim, Etta, quando você disse que meu pai era um rei horrível, você não sabia o quanto estava certa. Ele traiu a mulher mais poderosa do mundo. Uma mulher que destruiu homens maiores e trouxe reinos inteiros de joelhos. E ele fez Viktor usar sua magia para impedi-la de pôr os pés neste reino novamente.

—E Viktor o ajudou. — Etta sussurrou. —Eles nos deixaram com isso.

—Ela virá nos buscar. — Disse ele. —A questão é quando. Acho que ainda temos tempo para nos preparar. Quando ela fizer um movimento, será calculado, planejado. Veja as lendas de Bela. Para acreditar nisso, o plano dela levou gerações para ser concluído.

—A diferença. — Começou Etta. —É que Bela tinha sua própria fonte de energia. As pessoas tinham magia, assim como as pessoas de La Dame em Dracon. Gaule não tem chance.

—Enquanto eu for rei, sempre haverá uma chance.

 

Eles deixaram o bosque na borda da Floresta Negra, mais próximo do outro lado das muralhas do castelo no final da tarde. Nenhum deles conhecia o estado da pequena cidade atrás daquelas paredes. Não era seguro para o rei aparecer no portão da frente.

—Temos que nos separar. — Disse Etta enquanto se aproximavam das paredes.

Alex levou-os a uma porta escondida que não foi utilizada. Não havia necessidade de sigilo em tempos de paz.

—Sem chance.

—Vérité não pode entrar por esse caminho e eu não vou deixá-lo. Assim que você estiver dentro do palácio interno, estará seguro.

—E você?

—Não sabemos se o palácio externo foi comprometido. — Seus olhos percorriam o comprimento das paredes.

—Nós não sabemos que não.

—Isso não é negociável, Alteza.

—Você não me dá ordens. — Ele rosnou em irritação.

—Sim, quando se trata de sua segurança. Meu trabalho é protegê-lo e isso significa levá-lo a um lugar seguro, independentemente da minha própria segurança.

Ele começou a discutir, mas ela se abaixou para agarrar a mão que ele tinha no estômago enquanto subiam a colina gramada. Os dedos dela entrelaçaram entre os dele e ele apertou.

Ainda não era real para ela - tudo o que estava sentindo. Era uma parte da maldição. Mas ela não se importava mais. Pela primeira vez desde a morte do pai, ela não se sentia completamente e totalmente sozinha. Ela queria que o sentimento durasse até que chegasse a hora de quebrar a maldição. Essa ainda era a missão, mesmo que levasse toda a sua vida para fazê-lo.

E quando desaparecesse, o rei de Gaule se casaria com sua noiva, Amalie decorativa e nascida. Se todos eles sobrevivessem por tanto tempo.

Desmontaram quando subiram ao lado da muralha alta e externa do castelo. Etta olhou para cima. —Uma vez dentro daquela porta, há uma passagem secreta que o levará além da parede interna.

—Como você sabe disso?

—Seu irmão me contou tudo sobre seus túneis e passagens.

Isso o fez sorrir.

Ela o acompanhou em direção à porta, seus olhos procurando problemas, mão no punho de sua espada.

Alex levou as mãos unidas aos lábios e os beijou antes de olhar para ela. —Prometa-me que dentro daquelas paredes nada mudará.

Ela retirou a mão. —Você é o rei.

—Que bom que você notou.

Ela mordeu o lábio inferior. —É o palácio. Dentro daquelas paredes, tudo muda.

Seus ombros caíram em resignação quando ele colocou a mão na porta para empurrá-la aberta. —Eu preciso de você em segurança. Se algo acontecer com você, isso vai me matar.

Literalmente, ela pensou.

Mas ele não sabia disso. Então, ela endureceu os olhos e apertou os lábios. —Eu sou sua protetora, sua Majestade, e não o contrário.

Dor brilhou em seus olhos e então ele se foi, deixando Etta naquela colina gramada do lado de fora dos muros com apenas seu cavalo temperamental como companhia.

—Venha garoto. — Ela enganchou o pé em um estribo e se levantou antes de balançar a perna nas costas dele. —Vamos ver em que tipo de bagunça estamos entrando.

Vérité jogou a cabeça para o lado enquanto Etta soltava sua espada. Ele não estava acostumado a armas ainda. Eles galoparam ao longo da parede, virando-se para os enormes portões de aço que pareciam uma barreira para aqueles que queriam romper.

Fechadas? Eles nunca fecharam os portões externos.

Esperando que isso significasse que não haviam sido atacados, ela empurrou Vérité para frente. Quando ela se aproximou, uma fila de soldados apareceu no topo da parede, arcos nas mãos. As pontas das flechas estavam apontadas diretamente para ela.

Não havia dúvida em sua mente, eles poderiam derrubá-la de uma só vez. Os arqueiros de Gaule dispararam.

Ela infundiu aço em sua voz enquanto levantava o olhar.

—Abra os portões.

Um homem empurrou a fila de arqueiros para olhá-la. Ela o reconheceu imediatamente. Anders. Ele poderia reconhecê-la de longe?

—Quem exige entrada?

Bem, isso respondia a essa pergunta.

Ela se levantou, sentando-se o mais ereta possível. —Eu sou Etta, protetora do rei Alexandre.

Uma batida de silêncio passou. Então outra.

—Guarde sua espada. — Exigiu Anders.

Ela fez o que lhe foi pedido e observou os pesados portões se abrirem lentamente.

Anders correu escada abaixo para encontrá-la. Ela deslizou das costas de Vérité quando os portões se fecharam atrás deles.

—Onde está o rei? — Anders exigiu, seus olhos severos perfurando os dela.

—Seguro. — Ela respondeu. —Ele deveria estar no palácio interior agora.

—Você não deveria tê-lo separado de seus guardas durante o ataque.

—Eu não o separei. Os homens e mulheres nos atacando separaram.

—Ele foi presumido morto. Vocês dois foram.

Ela o estudou, incapaz de dizer se Anders estava satisfeito por estar vivo ou não. —Seu filho poderia ter lhe dito que escapamos.

Ele fez uma careta e um flash de dor cruzou seu rosto.

—Edmund não é meu filho. — Com isso, ele se virou e pisou fora, suas botas de bico de aço batendo contra a estrada de pedra.

O que está acontecendo?

Etta segurou as rédeas de Vérité com força em seu punho e o puxou atrás dela. Os soldados no portão voltaram aos seus postos, sem olhar para ela enquanto ela passava. As ruas estavam desertas, uma visão incomum enquanto o sol ainda pairava no céu.

Ocasionalmente, uma cabeça aparecia em uma casa ou loja que ela passava, mas elas sempre se escondiam com medo. De quem eles estavam com medo por trás dessas paredes?

No silêncio, o som de alguém correndo em sua direção era ensurdecedor. A soldada vestida com armadura parou quando ela chegou a Etta.

—Protetora. — Disse ela, inclinando a cabeça. —O rei me mandou buscar o cavalo para que você pudesse ir direto ao palácio.

Etta assentiu, cedendo as rédeas com gratidão. —Me informe no caminho.

A garota não precisava de mais explicações. —A vila está quase destruída. Muitos perderam a vida. Os outros procuram refúgio atrás de nossos muros.

—Como o palácio se saiu?

—Nós não fomos atacados. Quando a guarda real estava pronta para se mover em direção à vila, os manejadores mágicos já haviam partido. Nós alinhamos as paredes em espera, mas nada aconteceu.

—Para quem os atacantes estavam trabalhando?

—Até onde sabemos, eles mesmos. Parece não haver nenhuma força externa envolvida.

Era La Dame. Tinha que ser. Ela se recusava a acreditar que a comunidade magia em Gaule sancionaria esse derramamento de sangue.

Eles chegaram aos estábulos e Etta acenou um adeus para ela antes de acelerar os passos. Ela respirou mais facilmente quando passou pelos portões internos e entrou no pátio de treinamento.

Tyson estava sentado no pátio nos degraus que levavam às grandes portas com a cabeça nas mãos. Ele começou quando Etta se aproximou e ficou de pé.

Ele correu para frente e a abraçou. —Obrigado por mantê-lo seguro.

—Eu sempre o protegerei. — Ela o deixou abraçá-la por mais um momento antes de se afastar.

—Eu sei que você vai. — Ele limpou o rosto para tentar esconder as lágrimas. Havia uma inocência em Tyson que ela temia que logo fosse quebrada. Assim como a de Alex, todos esses anos atrás.

Ele deu um passo para trás, subitamente constrangido. — A mãe me disse para esperar você aqui fora. Alex está lá jogando coisas.

—Por que ele faria isso?

Seus olhos caíram e ele afundou novamente nos degraus. As próximas três palavras da boca dele a cortaram como a ponta afiada de uma espada.

—Edmund foi preso.

 

 

 

 


Capitulo Dezessete


Os pés de Etta a carregaram pelos corredores vazios do palácio. Os criados se esconderam em alcovas perto da cozinha e ela sabia o porquê. Os gritos do rei permeiam as paredes.

Ela seguiu os sons até a sala do trono, onde dois guardas esperavam do lado de fora de uma porta fechada.

—Abra. — Ela exigiu. —Agora.

Eles não hesitaram em deixá-la passar antes de fechá-la atrás dela.

Alex estava encostado na parede, perto de uma mesa cheia de comida e bebida para os presentes. Sua mãe estava a uma boa distância, assim como a princesa Camille. Vários senhores e damas o observavam com cautela.

Ele ainda tinha que tomar banho ou trocar de roupa, com as roupas ainda sujas da mesma sujeira que passava pelos cabelos. Ele não parecia um rei.

Um rugido atravessou a sala quando Alex jogou um cálice contra a parede. Ele quebrou e o vinho cor de vinho desceu pela pedra.

Ninguém fez um movimento para limpá-lo. Os olhos de Etta entraram na sala, notando que não era a primeira coisa que ele jogara.

Seu rosto ficou vermelho quando ele deu dois passos pesados em direção a um guarda que estava encolhido perto dele.

—Mentiras. — Ele cuspiu. —Você fala mentiras.

Ele estremeceu quando desviou os olhos do rei irado. —Senhor. Temos muitas provas.

Alex rosnou. —Saia da minha frente.

O guarda saiu correndo da sala como se estivesse sendo perseguido.

Etta se aproximou da rainha Catrine. O rosto da rainha relaxou em alívio. —Você está aqui.

Etta assentiu.

—Obrigada por trazê-lo de volta.

Etta observou Alex andar pela sala enquanto falava com a mãe dele. —O que Edmund fez?

—Testemunhas oculares dizem que ele estava usando magia durante o ataque.

Ela mordeu o lábio quando todas as possibilidades passaram por sua mente. Deus, Edmund. Eles sabiam dela? O que eles fariam com ele? Muito disso dependeria do rei que estava rosnando para quem olhava na sua direção.

Ela se inclinou para mais perto da rainha. —Mas ele só usou para salvar o rei.

Se Catrine estava surpresa, Etta sabia sobre a magia de Edmund, ela não demonstrou. —Isso não importa em Gaule. Só possuir a magia é um crime punível com a morte.

—Alex não...

—Alexandre foi criado por um homem que teve seu próprio protetor caçado. — Ela olhou na direção do filho. —Sinceramente, não sei o que ele fará. Ele deve manter o conteúdo nobre.

Antes que Etta pudesse responder, Camille deu um passo à frente, suas palavras ao irmão tocando por toda a sala. —Irmão, você conhece o castigo pela magia.

Etta não conseguia ficar quieta por mais tempo. —Alex, é Edmund.

—Sua Majestade. — Camille retrucou.

—O que?

—Você abordará o rei como 'sua Majestade', como convém à sua posição, protetora.

Etta estreitou os olhos. —Sua Majestade, Edmund salvou sua vida no ataque.

—Como sabemos que ele não fazia parte disso? — Camille perguntou. —Não foi Edmund quem empurrou para ir à cidade?

—Atacar ou não, ir ao povo era a coisa certa a fazer. Um rei não pode governar se não os conhecer. — Etta encarou a princesa com um olhar.

Camille marchou em direção a Etta e olhou em seus olhos. Etta queria afastá-la, mas colocar as mãos na princesa era um crime.

—Você é apenas uma protetora. Seu conhecimento não vai além da ponta da sua espada. Não finja que sabe.

—E seu conhecimento, princesa, termina em vestidos bonitos.

A bochecha de Etta ardeu antes mesmo de ver a princesa puxar a mão de volta, preparando-se para o tapa. O som de sua carne se encontrando aplaudiu através do espaço.

Mandíbulas se abriram ao redor da sala, mas Etta permaneceu imóvel. Ela não conseguiu reagir. Era isso que Camille queria.

Ela olhou nos olhos cruéis da garota quando todo o ar saiu da sala.

Então Camille desapareceu. Alex estava atrás dela, a vários metros de distância, segurando seus ombros. Ele a empurrou, e ela tropeçou antes de se endireitar.

Etta levantou os olhos para o rei, mas ele não os encontrou. Em vez disso, ele passou por ela, batendo a porta e deixando todos em choque.

—Etta, querida. — Disse a rainha. —Vá.

Ela estava certa. O trabalho dela era estar ao seu lado, quer ele quisesse alguém lá ou não. Agora não era hora de ele vagar sozinho no palácio.

Ela o seguiu, não poupando mais um pensamento pelas pessoas que deixou para trás.

 

Alex rasgou seu quarto, a raiva subindo da boca do estômago. Como ele sentiu falta disso? Durante toda a sua vida, Edmund esteve lá. Quando a magia foi removida do reino, ele ficou. Ele era o capitão do filho do guarda. Se a magia passava pelo sangue, como ela entrava na dele?

Deve ter sido sua mãe misteriosa.

A estante de livros ao lado da porta tremeu quando ele bateu o pé nela, espalhando livros pelo chão. Ele precisava de algo para acertar, alguém para assumir a culpa.

Isso não poderia estar acontecendo.

Ele abriu o bloco de desenho, a primeira página mostrando Edmund sentado orgulhosamente no topo de um cavalo de armadura completa. Ele tinha dezesseis anos na época e permitiu que Alex o usasse para o treino de desenho - quando Alex estava sob a ilusão de que não havia problema em um futuro rei pular seu treinamento para se esconder com seu bloco de desenho.

Um sorriso estendia o rosto de Edmund. Não era o melhor desenho, mas a alegria estava lá. Ele era seu melhor amigo, seu irmão.

E ele mentiu para ele a vida toda.

Ele estava contaminado.

Nada sobre magia poderia ser bom. Não quando eles atacavam suas aldeias.

Seu melhor amigo não passava de um inimigo disfarçado.

Um grito se alojou em sua garganta quando ele rasgou a página em pedaços e jogou o livro pela sala o mais forte que pôde. Aterrissou com um baque bem na frente de duas botas gastas. Seus olhos viajaram para encontrar Etta observando-o. Ela inclinou a cabeça, os olhos mostrando o único sinal de cansaço da jornada.

Eles não tinham tempo para cansaço.

Ela se inclinou para pegar o caderno de desenho antes de caminhar para colocá-lo na mesa ao lado dele.

—Você deveria ir. — Saiu mais como um suspiro do que o rosnado que ele pretendia.

—Eu sou sua protetora.

—Não há nada para me proteger aqui.

—Há bastante.

Alex atravessou o quarto e afundou na beira da cama, inclinando-se para a frente com os cotovelos nos joelhos. Seus cabelos escuros caíam para a frente, cobrindo a tortura em seus olhos.

—Meu melhor amigo está sentada na minha masmorra. — As palavras saíram dele em um longo riacho como se fosse uma admissão de culpa.

Do que ele era culpado?

Não odiando o homem que tinha sido como um irmão para ele? Deixar de agir rapidamente para livrar Gaule de sua magia?

—Ele não é o homem que eu pensava que era.

Etta caiu de joelhos na frente dele. —Claro que sim. Ele é o mesmo homem que arriscou a vida entrando no torneio, apenas por uma chance de estar ao seu lado.

Ele desviou o olhar do dela e viuu bruscamente, a raiva antes de retornar.

—Como você pôde me dizer essas palavras? Edmund não é melhor do que as pessoas que nos atacaram na vila, não é melhor do que o homem que matou meu pai.

Etta balançou de volta para se sentar sobre os calcanhares, sem se levantar para encará-lo.

Por que ela não estava concordando com ele? A Etta opinativa ficou quieta, evitando os olhos. Quando ele era garoto, e sua companheira possuía a magia, às vezes a invejava. Ele queria sentir esse poder. Mas isso foi antes. Antes de irem para as forças de La Dame e tentarem arruinar Gaule. Antes de serem caçados por seu pai.

Ele andou no final do expurgo quando havia poucos prisioneiros para levar. Seu pai o forçou. Edmund não estava lá. Por que ele não achou isso estranho?

Como ele não sabia?

—Eu preciso vê-lo. — Fisse Alex, indo em direção à porta.

—Agora? — Etta correu atrás dele. —Você não está no bom senso para isso. — Ela se moveu para bloqueá-lo. —Talvez você precise de um banho, jantar e dormir um pouco. Ele ainda estará lá de manhã.

—Mova-se, Etta, antes que eu faça você se mover.

Ela pegou a teimosia em seu rosto e se afastou. Era como se a noite anterior fosse uma lembrança distante. Um calafrio voltou entre eles enquanto caminhavam pelo palácio, o rei e sua protetora. Os criados se curvaram e saíram correndo do caminho para evitar a ferocidade de seu olhar.

As masmorras estavam do outro lado do palácio. Eles desceram a escada estreita e afiada enquanto o ar ficava mais frio e a umidade grudava na pele. Candeeiros pendiam ao longo das paredes, lançando uma fraca luz amarela através da escuridão. Dois guardas estavam sentados no pé da escada, com uma mesa entre eles.

Um aplaudiu quando um par de dados se juntou, mas o outro avistou o rei e se levantou imediatamente.

—Meu rei. — Ele disse quando o outro guarda finalmente os notou e ficou de pé.

—Leve-me ao homem mágico.

Eles se viraram e levaram Etta e Alex por um longo corredor. Celas alinhavam-se em cada parede, a maioria cheia de pessoas pobres e miseráveis. Alex não podia olhar quando seus gemidos e pedidos chegaram aos seus ouvidos.

A maioria dessas pessoas havia sido presa por seu pai, seus crimes desconhecidos por Alex. Mas ele só estava de olho em um criminoso.

Viraram a esquina para outra sala no labirinto abaixo do palácio. Apenas uma cela estava ocupada.

Edmund sentava-se contra a parede, correntes mantendo-o no lugar. Suas pernas estavam bem abertas na frente dele e dobradas no joelho. Ele apoiava os braços nos joelhos e abaixou a cabeça.

Sem levantar os olhos, ele falou.

—Vem me contar meu destino, sua Majestade?

 

Os cabelos louros de Edmund estavam emaranhados de sangue que escorria pelo lado do rosto, secando em pedaços. Um hematoma roxo se estendia por sua mandíbula.

Ele finalmente levantou os olhos, ainda não reconhecendo Alex. Em vez disso, ele olhou para Etta, e as correntes sacudiram quando ele levantou uma mão para tocar sua mandíbula suavemente. —Está tudo bem, Etta. Eu mereço.

Etta balançou a cabeça. Ele não merecia nada disso.

Como se estivesse lendo seus pensamentos, ele sorriu levemente. —Eu posso ter resistido um pouco à prisão.

Alex se adiantou para agarrar as barras da prisão de seu amigo.

—Como você pode?

—Como eu pude o que? — Ele finalmente voltou os olhos para os do rei. —Ser o que eu nasci? Manter isso em segredo quando passei a adolescência ouvindo o quanto você e seu pai odiavam meu povo? — O fogo ardia em seus olhos, mas também outra coisa. Traição?

Alex seria cego demais para vê-lo, mas Etta reconheceu a fonte da raiva de Edmund. Amor. Alex significava tudo para ele e agora eles estavam em lados opostos das grades da prisão.

—Edmund. — Etta disse suavemente. —Por que você não mostra a ele o que você pode fazer. Mostre a ele que não é algo mau.

Quando ela tentou colocar a mão no braço de Alex, ele se afastou dela e voltou seu olhar acusador para ela, percebendo pela primeira vez que ela sabia.

—Você — Ele disse.

—Eu não queria que isso acontecesse com ele. — Pânico arranhou sua garganta. Quanto mais ela iria revelar acidentalmente? Poderia ter sido tão facilmente ela nas masmorras. Edmund lançou-lhe um olhar de advertência. Ela pegou a mão de Alex e desta vez ele a deixou pegar. —Eu não poderia colocar isso em você. — Ela assentiu para Edmund. —Faça.

O mundo ao seu redor se acalmou em um instante. Os gemidos dos outros prisioneiros desapareceram e eram apenas os três. Um pequeno vento soprou pela sala fechada e Alex pulou, os olhos arregalando. Sua boca se moveu como se estivesse tentando falar, mas as palavras falharam.

Etta apertou sua mão quando Edmund puxou sua magia de volta. O vento parou abruptamente.

Alex balançou a cabeça, incrédulo enquanto encarava Edmund, uma nova desconfiança em seus olhos. Antes, ele só tinha ouvido falar sobre isso. Agora, ele viu o poder de seu amigo por si mesmo.

—Eu já senti isso antes. — Admitiu o rei. —Muitas vezes.— Seus olhos se concentraram em Edmund. —Você usou sua magia em mim.

—Não foi assim.— Edmund ficou de joelhos e se aproximou até que suas correntes o puxaram de volta. Sua raiva se foi, substituída pelo desespero.

Ele precisava que seu amigo entendesse, mas Etta sabia melhor. Um Durand nunca entenderia. Ela soltou a mão de Alex. Por isso eram inimigos dos Basile. A fantasia do último dia a quebrou ao ver o que nunca poderia ser.

—Alex. — Implorou Edmund. —Você é a única coisa na minha vida que me importa. Você tem inimigos, mas eu não sou um deles. Quero ajudar a mantê-lo seguro.

—Você está errado, Edmund. — Alex se virou. —Você se tornou meu inimigo no dia em que nasceu.

Um soluço rasgou o peito de Edmund enquanto Alex se afastava dele sem um único olhar para trás. Etta ficou enraizada no lugar, seus olhos nunca deixando o homem quebrado na frente dela.

—Como devemos mantê-lo seguro se ele não nos deixa? — Ela perguntou.

—Fique escondida, Etta. Ele precisa de você.

—Ele precisa de nós dois. — Ela o observou por mais um momento. —Eu também o amo, você sabe.

Ele queimou os olhos nela. —Então nós dois estamos com problemas.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Capitulo Dezoito


Eu também o amo, você sabe.

Tinham sido suas palavras, vindo espontaneamente e indesejadas. Etta tentou dizer a si mesma que eles deveriam confortar Edmund. Que eles escondiam algum significado mais profundo sobre a proteção do rei.

Ela não podia amar um Durand. Ela não podia nem ser amiga de um.

Os passos dela seguiram de perto atrás de Alex enquanto ele caminhava para o quarto, a cabeça abaixada para evitar olhar para quem eles passavam. Ela sentiu o conforto da espada ao seu lado, passando as costas da mão pelo punho.

Os guardas de Alex abriram as portas duplas para seus quartos e ele entrou antes de voltar para ela. A raiva se foi apenas momentos antes. Seus olhos cansados seguraram os dela por um momento antes de ele suspirar.

—Boa noite, protetora.

Sua formalidade atingiu uma dor no peito, mas ela conseguiu se curvar. —Sua Majestade.

A porta se fechou, deixando-a olhando a madeira maciça na frente do rosto.

Era assim que deveria ter sido. O rei e sua protetora. A formalidade mantinha uma distância entre eles, uma distância que eles haviam quebrado quando tudo nela dizia que era uma má ideia.

Dando de ombros, ela se virou, ignorando os olhares curiosos dos guardas na porta do rei. Seus pés a levaram pelo corredor até o quarto que lhe fora concedido, perto do rei. Nunca longe.

Caso alguém precisasse lutar por ele.

Não para ela sentir o corpo dele contra o dela.

Ela fechou a porta atrás dela e encostou as costas nela, fechando os olhos enquanto uma respiração longa passava por seus dentes.

Ela os abriu e se afastou da porta para olhar em volta do quarto. As empregadas estavam lá na ausência dela. A cama dela estava arrumada. O quarto estava impecável. Enquanto avançava, ela examinou a bandeja que haviam deixado para ela. Pedaços de pão e queijo com fatias finas de carne estavam ao lado de uma jarra e duas xícaras. Ela pegou um pedaço de pão e afundou os dentes nele, seu estômago roncando em antecipação. Ela não tinha comido desde o dia anterior.

A viagem pela Floresta Negra parecia uma vida atrás. Muita coisa aconteceu desde então, muita coisa mudou.

Seus dedos se fecharam ao redor do cabo frio da jarra de cobre quando ela levantou para derramar um copo de água. A água acalmou sua garganta dolorida.

A água escorreu por seu queixo enquanto ela a engolia antes de pousar o copo vazio, cansada demais para comer mais. Ela limpou a boca com as costas da mão e dirigiu-se para a área de banho onde um banho havia sido posto. Colocando um dedo na banheira cheia, um sorriso curvou seus lábios ao encontrá-la ainda quente.

A espada embainhada de Etta estalou quando ela a soltou e a deixou cair no chão.

Ela dobrou a cintura e puxou a camisa de malha por cima da cabeça, sentindo-se mais leve por isso. O resto de suas roupas seguiu para a pilha no chão antes de ela entrar na banheira e afundar com um suspiro. A água a envolveu, acalmando todas as dores, exceto a do coração.

Ela merecia desfrutar disso enquanto Edmund estava na masmorra? Poderia muito bem ser ela.

A resposta nunca veio, mas ela estava cansada demais para se importar.

Deslizando para baixo, ela mergulhou abaixo da água, deixando o resto do mundo desaparecer. Quando ela finalmente quebrou a superfície novamente, ela ofegou por ar.

Segurando as mãos na frente do rosto, ela as examinou. Cada linha. Cada dedo. Eles tinham tanto poder. Poder que poderia destruí-la.

Se esse dia lhe ensinara alguma coisa, era que ela não podia ficar em Gaule. Era hora de procurar algo que pudesse quebrar a maldição.

Uma cicatriz percorria a lateral do braço direito de Etta, o braço da espada. Ela o mexeu, sabendo que não era diferente das cicatrizes nas costas. Alex as viu? Não se poderia tornar um mestre com a espada sem sofrer por isso. O pai dela ensinou isso a ela. Ele não se conteve, e ela também não.

Mas a cicatriz mais profunda não tinha nada a ver com uma espada. Estava na parte de trás da perna dela. Quando criança, o jovem príncipe Alexandre a desafiou a subir do lado de fora da torre norte. Apaixonada por ele como ela era, ela concordou. Ela poderia escalar qualquer coisa. Mas fora apanhada e, na tentativa de fugir, caíra, aterrissando em uma das ferramentas do ferreiro.

Seus dedos traçaram a borda da cicatriz quando as memórias a superaram. Ela fechou os olhos para afastá-las.


Alex não teve tanta sorte. Toda vez que ele fechava os olhos, ele era transportado para o passado. Um passado que ele agora sabia estar cheio de mentiras.

—Eu sou Edmund. — O adolescente desajeitado sacudiu seu cabelo loiro demais e estendeu a mão para o príncipe, esquecendo ou não conhecendo as formalidades adequadas.

Alex não se importou. Ele odiava todos os títulos e pretensões.

Ele pegou a mão de Edmund e apertou, seus olhos se encontrando. Edmund sorriu. Não demorou muito para Alex descobrir que sorrir era apenas sua expressão natural.

Eles se soltaram quando Alex olhou para o pai, que estava conversando com o novo capitão da guarda, o pai de Edmund. Eles se mudaram para o palácio depois que Anders passou os últimos anos em missão na fronteira.

As forças na fronteira haviam sido reduzidas a quase nada agora que as proteções estavam no lugar.

As proteções. Viktor.

Persinette.

Eles se foram há uma semana e, a cada dia, não eram arrastados de volta para a corrente, aliviando um pouco o coração de Alex. Ele sentia falta do amigo.

A culpa era uma emoção poderosa.

Mesmo que Persinette não fosse encontrada, muitas outras pessoas magias haviam sido capturadas. Algumas presas. Outras executadas.

Edmund parecia sentir uma nuvem pairando sobre Alex, então ele cutucou seu ombro. —Acha que podemos escapar dessa reunião terrivelmente chata?

Alex sorriu e assentiu lentamente. Ninguém percebeu enquanto os meninos saíam da sala do trono e corriam em direção ao portão interno do castelo.

—Onde você quer ir? — Edmund perguntou.

Alex começou a levá-los para o único lugar que ele queria estar sem sequer pensar nisso. A torre norte não era tripulada, permitindo que se aproximassem. Era cercada pela oficina do ferreiro de um lado e por uma colina gramada do outro.

Alex inclinou a cabeça para trás para espiar. —Uma amiga minha tentou escalar o exterior uma vez.

Edmund riu. —Isso é como suicídio.

—Eu posso tê-la desafiado.

—Uma garota?

Seu olhar incrédulo fez Alex rir. —Ela não tinha medo.

—Acho que gostaria de conhecer essa garota, então.

Os olhos de Alex se fecharam, todo o humor saindo como se nunca tivesse existido. —Ela se foi.

Edmund pensou por um momento. —Eu gosto de você, mesmo sendo um príncipe.

—Estou feliz que você possa ignorar meus defeitos. — Alex respondeu secamente.

—Acho que esse é o ponto em que me comprometo com você ou algo assim. Não é isso que as pessoas fazem? Tenho apenas quinze anos, mas já sou melhor do que a maioria com uma espada. — Ele estufou o peito. —Eu não quero servir seu pai como meu pai. Eu sou hilário. As meninas não conseguem resistir ao meu charme fácil - mas você é um príncipe, então elas provavelmente se aglomeram para você de qualquer maneira.

Ao listar suas melhores qualidades, Alex riu.

Quando ele finalmente soltou, ele balançou a cabeça. —Por que você não é apenas meu amigo?

—Oh, isso eu definitivamente posso fazer. Sou um amigo muito bom.


Alex rolou, uma dor de cabeça ofuscante sacudindo-o de sono.

Quando Edmund estava se vendendo, ele não mencionou que representava tudo o que os Durands eram contra.

Ele sentiu isso. A magia de Edmund. Não havia como negar agora.

Ele cobriu a cabeça com o travesseiro e implorou por inconsciência para levá-lo mais uma vez.

 

 

 

Capitulo Dezenove


Três batidas pesadas empurraram Etta acordada. Ela adormeceu na banheira e a água ficou fria por muito tempo.

As batidas persistentes ficaram mais altas.

Não poderia ser de manhã.

Ela se levantou, deixando a água escorrer de seu corpo e saiu da banheira. Uma poça se formou aos seus pés.

—Um momento. — Ela resmungou, procurando uma túnica pendurada na ponta da cama. Ela olhou pela janela a caminho, notando o céu escuro e a lua cheia ainda brilhando intensamente.

Seus passos se aceleraram quando ela percebeu que algo urgente deve ter acontecido para alguém acordá-la a essa hora. Quando ela abriu a porta, sua boca se abriu ao ver a rainha Catrine e o príncipe Tyson diante dela.

—Por favor. — Começou a rainha viúva. —Vamos entrar antes que os guardas de Alexandre nos vejam.

Ainda em choque, Etta deu um passo atrás. —Está tudo bem? Aconteceu alguma coisa?

—Aguente. — A rainha examinou o corredor uma vez antes de entrar e fechar a porta. —Não podemos ter ninguém sabendo que estávamos aqui.

—Me desculpe, eu não entendo.

—Você irá. — Ela atravessou a sala. —Você tem algo para comer? O pobre Tyson está escondido no meu quarto a maior parte da noite e eu não podia ter ninguém sabendo que ele estava lá. — Ela viu a bandeja quase cheia de comida e vinho e foi até lá. —É por isso que eu mandei isso aqui.

—Minha rainha- — Etta começou.

—Catrine. — A rainha a encarou com um olhar. —Você também pode me chamar de Catrine. Hoje à noite devo contar todos os meus segredos para você.

—Por que eu?

—Você entenderá em um momento. — Ela entregou a Tyson um pedaço de pão que ela havia ensopado com geléia e ele o atacou com fome.

Tyson parecia... diferente. Seus olhos dispararam nervosamente. Suas roupas estavam uma bagunça amarrotada. Toda brincadeira se foi de sua expressão. Etta nunca o viu parecer tão... assustado. Do que ele estava com medo?

A rainha serviu uma taça de vinho e depois ofereceu um a Etta.

—Confie em mim, você vai precisar.

Etta aceitou a taça e tomou um gole hesitante, seus olhos nunca deixando mãe e filho. —Eu preciso buscar Alexandre para isso?

A cabeça de Tyson levantou ao mesmo tempo em que sua mãe emitiu um enfático —Não!

Campainhas de aviso ecoaram na mente de Etta. Ela largou o vinho e cruzou os braços. —Presumo que precisarei me sentar para isso.

—Por favor. — Disse Catrine. —Vai ser uma conversa longa.

Etta deu a volta até a frente do sofá e sentou, sua postura rígida. O silêncio se estendeu diante deles enquanto Tyson continuava a comer e Catrine fechou os olhos como se reunisse sua vontade.

Ela estudou o filho. —Ty, você está pronto?

Seus olhos se arregalaram, mas ele largou a comida e assentiu. Ele se serviu de um copo de água e o agarrou nas mãos enquanto caminhava para frente.

Sua voz tremia quando ele começou a falar. —Há um túnel do castelo que termina no mar. Eu contei a Alex uma vez, mas acho que ele se esqueceu. Foi aí que aprendi o que podia fazer.

—O que você pode fazer? — Etta se inclinou para frente.

Ele se abaixou e seus joelhos atingiram o chão de pedra e se inclinaram para frente. Etta quase estendeu a mão para detê-lo enquanto ele deliberadamente despejava a água no chão. Ela ficou na frente dele.

Ele colocou o copo de lado e levantou a mão acima da poça. A água começou a se expandir e se espalhar. Ele não se moveu, pois escorregou entre os joelhos e, em pouco tempo, ele foi cercado.

Etta respirou fundo enquanto sua cabeça tremia por vontade própria. Seus olhos deviam estar enganando-a. Um príncipe de Gaule não poderia ter magia. Ele simplesmente não podia.

A água continuou a se mover, atingindo a borda do tapete debaixo da cama e empurrando-a, movendo-se através das fibras ricas. O tapete escureceu quando ficou saturado.

—Como? — Etta sussurrou, com certeza ninguém mais a ouviu.

Catrine observou o rosto dela para qualquer reação. Tudo o que ela deve ter visto foi um choque completo.

Quando a água atingiu a parede, Tyson sacudiu a mão e ela começou a se retrair. O tapete ficou brilhante quando secou instantaneamente. A poça encolheu e contraiu, as moléculas se movendo como um único organismo. Finalmente, quando voltou ao seu tamanho original, Tyson empurrou-a sobre a borda do copo e foi como se nunca tivesse saído.

As pernas de Etta tremeram sob ela quando ela se levantou. Silenciosamente, ela caminhou em direção à cama e se inclinou para passar os dedos pelo tapete. Completamente seco.

Ela se virou para a rainha e o príncipe que tinham tantos segredos e fez a pergunta que mais a aterrorizava.

—Por que você veio até mim?

 

O ar estava pesado com confissões iminentes e Etta achava mais difícil respirar a cada segundo que passava. Então, o príncipe tinha magia. Era difícil começar a entender o que isso significava.

Etta se concentrou na rainha, sua pergunta esquecida no momento em que a realização a atingiu. A magia deve correr no sangue de Tyson. Um de seus pais devia ser descendente de Bela, exatamente como ela. Ou pior, Dracon.

—Você tem muitas perguntas, Etta. — Disse Catrine. —Vamos começar do começo. Trouxe meu filho para você porque sei quem você é.

O coração de Etta bateu forte como um aríete tentando rasgar seu peito.

A simpatia inundou o olhar de Catrine e ela se aproximou de Etta, colocando uma mão calmante no braço. —Está tudo bem, Persinette. — Ela sorriu. —Eu queria te chamar assim desde o dia em que meu marido me contou sua verdadeira identidade.

Aquele dia passou por sua mente. Se o rei não tivesse sido morto, ela teria sido presa e provavelmente executada. Depois que ela venceu e ninguém veio atrás dela, ela assumiu que ele não tinha compartilhado suas suspeitas com ninguém. Mas, é claro, a rainha sabia.

Quando Etta ficou paralisada, Catrine continuou. —Eu avisei seu pai.

Uma emoção brilhou em seus olhos e Etta não conseguiu entender.

—Meu pai. — Etta sussurrou.

Lágrimas brilhavam nos olhos de Catrine, mas não caíram.

—Viktor fez a única coisa que pôde para mantê-la segura.

—Eu sei.

Catrine examinou o filho que estava ouvindo avidamente. —Eu gostaria que você conhecesse Viktor Basile, mas você era apenas uma criança quando ele foi embora.

—Ele não foi embora. — Aço entrou na voz de Etta. —A esposa dele foi assassinada e ele foi forçado a fugir com a filha. Depois, foi caçado por anos pelo próprio homem a quem serviu lealmente.

Catrine passou a mão no rosto e parecia envelhecer com cada palavra que falava. Sua boca se abaixou e ela desviou o olhar. —Ele não merecia nada disso.

—Alex sabe quem você é? — Tyson perguntou de repente.

Ela levantou a cabeça. —Não. E ele não pode. Nunca. Assim como ele não pode saber sobre você.

—Ele é meu irmão.

—Ele também é o homem que neste exato momento tem seu melhor amigo nas masmorras. — Etta suspirou. —Ele não é um homem mau, não como... — Ela olhou para Catrine e depois para Tyson. —Seu pai. Mas ele está em conflito e acha que a magia é ruim.

—Não é? — Uma vulnerabilidade juvenil entrou em sua voz e Etta não aguentou. Ela ficou de pé e foi agachar na frente dele, forçando-o a olhá-la nos olhos.

—Você não é mau. — Ela sentou-se sobre os calcanhares. —As pessoas dirão de forma diferente, mas não é a magia que torna uma pessoa boa ou ruim. É como ela a usa. Você tem uma escolha. Use-a para o bem e você será bom.

Tyson assentiu sem palavras e, quando voltou ao seu lugar, Catrine lançou-lhe um sorriso agradecido, quase orgulhoso. Houve um tempo em que ela idolatrava a rainha. Sua mãe a levava para tomar chá e ela ficava sentada ali, admirada. Isso foi antes de ela começar a querer assistir os guardas no pátio de treinamento.

—Persinette. — A rainha disse seu nome como se fosse a coisa mais natural do mundo. Como se não tivesse puxado o coração de Etta ter alguém, alguém, saber quem ela realmente era.

—Viemos a você hoje à noite porque precisamos da sua ajuda, mas primeiro, antes de colocar a vida de outro filho em suas mãos, tenho muitas perguntas.

Etta sabia que esse dia chegaria, o dia em que ela precisaria se revelar. Um alívio inesperado a inundou ao pensar em se desabafar.

—Vou te contar tudo que puder. — Prometeu.

Catrine se inclinou para mais perto e Tyson levantou-se de onde ele ainda estava sentado no chão para se sentar do outro lado, ambos ansiosos pela verdade.

—Primeiro — Disse a rainha. —Diga-me por que você quer proteger Alexandre.

Etta respirou fundo e começou a única maneira que sabia.

—Começou com uma maldição.

Ela teve sua atenção extasiada, então a história saiu dela.

—Muitas gerações atrás, quando a rainha Aurora de Bela estava morrendo, ela foi colocada em um sono profundo. O rei Phillip sabia que a única maneira de acordá-la e salvá-la era uma planta mágica chamada rampion - alguns chamavam Rapunzel - que crescia além do paredes de Dracon. Ele levou seus homens para procurá-la, mas eles foram capturados por La Dame, a mesma La Dame que agora representa uma ameaça através da fronteira.

Catrine respirou fundo.

—Pensando que era uma invasão - Phillip havia trazido uma legião considerável de seu exército - seu único pensamento era destruir a linha real de Bela da maneira mais dolorosa possível.

—Uma maldição? — Tyson perguntou.

Etta assentiu. —Aurora e Phillip poderiam ter a Rapunzel, mas deveriam desistir de seu primeiro filho, um filho. Este príncipe, no seu décimo oitavo aniversário, iria servir como um protetor para seus maiores inimigos, os Durands de Gaule.

—O que isso tem a ver com você?

—Desistir do filho não era a parte mais cruel da maldição. Todas as gerações até o final da linhagem repetiriam o mesmo processo, os primogênitos de cada geração serviriam aos Durands. La Dame nos conectou. Podemos sentir quando nossas acusações estão longe. Quando estão machucados, nos machuca. — Ela fez uma pausa, encontrando os olhos de Catrine. —Quando eles morrem, nós morremos.

—Viktor. — Catrine levantou a mão para cobrir a boca antes de fixar Etta com o olhar. —Você e Alexandre?

Etta assentiu lentamente.

A rainha se inclinou para frente, quebrando a postura perfeita que ela sempre teve. Colocando os cotovelos no colo, ela cobriu o rosto quando as costas começaram a tremer.

E foi aí que Etta soube. Ela estava assistindo uma rainha romper diante de seus olhos. As pessoas que você cultua quando crianças parecem algo diferente de humano. Elas são fortes, impenetráveis. Elas não deveriam quebrar como um painel de vidro, deixando fragmentos para refletir a destruição.

Tyson levantou-se e aproximou-se de sua mãe antes de se sentar ao lado dela e dobrá-la em seus braços jovens.

Etta bebeu o vinho, precisando do zumbido inebriante para não se quebrar.

Quando Catrine finalmente levantou os olhos mais uma vez, seu rosto estava coberto de lágrimas. —Quanto você deve nos odiar, criança.

Etta se irritou. Havia verdade nessas palavras. Ela odiava os Durands. Ela odiava tudo o que representavam, tudo o que tinham feito. Mas a mulher sentada à sua frente não era seu marido. E tudo dentro dela implorou para não odiar Alex.

—Os Basiles e Durands são os maiores inimigos. — Disse ela cuidadosamente. —Bela pode não existir mais, mas sua linhagem real vive em mim. — O canto da boca dela se inclinou para cima. —Se Bela se levantasse, eu seria rainha. Talvez isso signifique que ainda haja tempo para a reconciliação.

O sorriso de resposta da rainha foi quente.

—Mas não enquanto seu filho mantém meu povo em suas masmorras.

O sorriso dela caiu. —Alexandre é filho de seu pai, mas ainda tenho esperança para ele.

Etta ficou quieta, mas sua esperança por Alex era a única coisa que a impedia de sair naquele momento para procurar uma maneira de quebrar a maldição.

Outra pergunta entrou na mente de Etta e seus olhos se voltaram para Tyson. —Como ele chegou a ter magia?

Catrine fechou os olhos brevemente, as lágrimas caíram mais uma vez e passou os dedos pelos cabelos do filho. —Tyson não é um Durand. Muitos anos atrás, eu me apaixonei por um homem que só poderia me dar meu filho em troca. — Ela abriu os olhos. —Mas foi como se ele me desse o mundo inteiro.

Ela teve um amante. O suficiente para executá-la se o rei assim o escolher. Etta se viu reprimindo um sorriso, feliz por a rainha ter encontrado um pouco de felicidade.

—Agora que todos sabemos o suficiente para nos matarmos. — Catrine lançou-lhe um olhar aguçado. —A razão de vir. Eu preciso tirar Tyson do palácio.

Tyson soltou um grunhido de protesto, mas sua mãe o beliscou. Eles obviamente já haviam discutido o que era necessário.

Etta esperou por mais explicações.

—Com a situação de Edmund, é melhor que ele seja mandado para o esconderijo.

Uma pontada de simpatia apertou o peito de Etta, mas ela não discordou. Ela assentiu devagar. —Acho que você já tem um plano?

—Ele irá para a propriedade da duquesa Moreau.

—Isso é sábio?

—Sim. Ela é uma amiga querida e tem muitos descendentes de Bela vivendo em sua terra sob sua proteção. Ela ofereceu a Tyson um lugar por enquanto.

—Então para que você precisa de mim? — Etta inclinou a cabeça.

—Você é a única pessoa em quem confio para levá-lo até lá com segurança.

Ela entendeu agora. Ela deveria ser a escolta. Mas isso não era possível. —Eu não deveria deixar o rei.

—Alexandre receberá um substituto temporário. Ele não acha que pode confiar em nenhum de seus empregados após a prisão de Edmund. Então, vou convencê-lo de que ele precisa enviar a pessoa que ele mais confia para a fronteira para um relatório sobre os movimentos de La Dame.

—Você tem certeza que ele vai me enviar?

Catrine colocou a mão no ombro de Etta. —Minha querida, Alexandre está apaixonado por você, que maior confiança existe do que isso?

Etta balançou a cabeça violentamente. —Tudo o que ele sente é a maldição que nos une.

A rainha se levantou e olhou para ela enquanto endireitava as pregas do vestido. —Então, onde estão as histórias de seus antepassados amaldiçoados se apaixonando por seus amaldiçoados?

Os dedos de Etta tremeram e ela pegou o vinho novamente. A jarra escorregou de suas mãos, caindo no chão. O vinho tinto se espalhou rapidamente pela pedra.

—Merda. — Percebendo o que ela disse e com quem estava, o rosto de Etta ficou vermelho. —Desculpe.

—Oh céus. — Catrine riu. —Não se desculpe. Todo esse negócio de maldição é tão distorcido quanto possível.

Etta assentiu.

Tyson se inclinou sobre o vinho derramado. O líquido vermelho começou a se retrair e retornar ao jarro.

Catrine apertou seu peito. —Eu nunca vou me acostumar com isso.

—Não brinca. — Tyson sorriu.

Catrine o deu um tapa na parte de trás da cabeça. —Linguagem, garoto.

 

 

 

 

 

 

 

 

Capitulo Vinte


O que muda em um palácio depois que o amigo mais leal do rei é preso? Aparentemente nada. Negócios, como sempre.

Quando Etta se arrastou da cama depois de apenas algumas horas de sono, ela rapidamente se vestiu e torceu o cabelo em uma trança antes de caminhar a curta distância até o quarto do rei.

Ela não sabia o que esperava encontrar. Ele ainda estava arrasado quando se separaram na noite anterior. Após as revelações da noite com a rainha e o príncipe Tyson, ou não o príncipe, conforme o caso, tudo o mais parecia tão distante. Havia apenas o passado dela e a história de sua família em sua mente.

Agora o rei estava na frente e no centro da cabeça dela, onde ele pertencia. Ela odiava o pensamento de deixá-lo, especialmente quando ele estava tão machucado. Ela não confiava em mais ninguém para protegê-lo. Esse era o trabalho dela. Doeria ficar longe dele, física e mentalmente. Ela não teve que passar por isso desde que a maldição começou, mas ela sofreria para proteger Tyson. Ele era um dos membros dela.

Um guarda na porta do rei a abriu e ela ficou chocada ao encontrar Alex sentado no final da cama, calçando as botas. Ele olhou para cima quando ela entrou, sua expressão branda.

—Protetora. — Disse ele, levantando-se e endireitando os ombros. —Obrigado por se juntar a mim.

Ela estreitou os olhos, confusa. —O prazer é neu, Majestade.

Ele deu um breve aceno de cabeça e pegou sua coroa da mesa. Quando ele colocou na cabeça, Etta não pôde evitar o pensamento de que era muito estranho. Ele nunca usava sua coroa, a menos que estivesse sentado no trono, dirigindo-se ao seu povo ou saindo do palácio. Ela pensou na agenda de hoje, percebendo que na verdade não sabia. Haveria muito o que fazer, considerando que era apenas um dia após o ataque.

Alex começou a andar, e ela saiu atrás dele.

—O que está em primeiro plano na agenda hoje, Majestade? — Ela perguntou.

Seu tom era neutro quando ele respondeu sem olhar para ela.

— Temos uma reunião com muitos dos nobres de Gaule. Depois, uma reunião particular com lorde Leroy. Eu esperava que a duquesa Moreau comparecesse, mas ela voltou para casa para lidar com um conflito na fronteira. Depois, almoço com minha mãe. Esta tarde é uma série de reuniões sobre os próximos passos para proteger Gaule das pessoas mágicas.

—Você quer dizer de La Dame.

—Sim, isso também.

Etta olhou para ele com ceticismo, mas manteve suas preocupações para si mesma. Ela sabia o que os nobres gostariam que ele fizesse. A maioria deles queria que o povo mágico saísse de suas terras e tinha um poder considerável sobre o rei. O que ele faria enquanto ela não estivesse lá? Ela voltaria a outro expurgo?

Tentando ter mais fé em Alex do que isso, ela afastou o pensamento de sua mente. Ele não era seu pai.

Eles correram pelo corredor, nenhum deles dizendo mais nada. Alex parecia... desapegado. Alguns diriam que ele parecia real, mas esse não era o tipo de rei que ela esperava que ele fosse.

As reuniões da manhã foram tão bem quanto se poderia esperar. Houve muitos gritos de nobres assustados. Eles deveriam estar aterrorizados. Suas cidades poderiam ser destruídas tão facilmente quanto a vila ontem. Eles disseram que a coroa não estava fazendo o suficiente para protegê-los. Alex encontrou as acusações com uma indiferença fria.

Quando partiram, os nobres ainda estavam brigando entre si. Etta colocou a mão no braço de Alex e o puxou para outro corredor por privacidade. Ele parou de se mover, mas não olhou para ela.

—Alex. — Disse ela, apertando o braço dele com mais força.

Ele finalmente encontrou o olhar dela, e ela procurou nos olhos dele por algo, qualquer coisa para lhe dizer o que estava acontecendo em sua cabeça. Não havia nada além de gelo azul.

—Você está bem? — Ela finalmente perguntou.

Um flash do homem que ela conhecia entrou em seus olhos, e ele se inclinou para frente, sua voz baixa. —Alguém me disse uma vez que se eu pedisse isso, eles quebrariam meu lindo rosto.

Ela sorriu. Ele estava lá, passando pelo rei estóico. —Você vai quebrar meu rosto, então? Porque eu não vou parar de perguntar até conseguir uma resposta.

Sua expressão se fechou mais uma vez. —Deixe para lá, Etta.

Ele sacudiu o braço dela e a rodeou. Lorde Leroy apareceu apressado, ofegando. Ele arfou, colocando a mão na parede.

—Meu Senhor? — Etta perguntou.

—Sua Majestade. — Lorde Leroy encontrou sua voz e voltou os olhos para o rei. —Eu estive procurando por você.

—Estávamos a caminho de vê-lo. — Respondeu Alex.

Lorde Leroy sorriu e um calafrio percorreu a espinha de Etta.

—Nós os encontramos. Muitos deles.

—Gente mágica? — Alex perguntou ansiosamente.

—Eles moravam na Floresta Negra esse tempo todo.

O pulso de Etta disparou. O pai dela protegeu essas pessoas com suas proteções até sua morte. Os vizinhos dela. Tentando ao máximo esconder o pânico em seu rosto, ela tossiu. Alex não prestou atenção a ela. Em vez disso, ele observou a excitação de lorde Leroy com algo semelhante à resignação.

Ele levantou os ombros em um encolher de ombros.

—Ok. Mande a guarda real.

Etta abriu a boca para falar, mas nenhuma palavra saiu. O povo da floresta não era o povo mágico que atacava aldeias e machucava pessoas. Eles não podiam, mas em Gaule, todo mundo que fosse mágico era tratado da mesma forma. Eles seriam julgados pelos piores deles e ela não poderia fazer nada. Ela fechou a boca e fez uma promessa silenciosa ao seu povo de que encontraria uma maneira de ajudá-los. Ela tinha que ajudar.

 

Magia. Isso afetava tudo em Gaule. Isso controlava o medo e a força deles. Alex não entendeu. Ele não confiava nisso.

Sua mãe estava falando, então ele se virou para encará-la. —O que?

—Em quem você mais confia neste palácio? — Ela perguntou de novo.

—Que tipo de pergunta é essa

—Do tipo que eu gostaria que você respondesse.

Ele não teve que pensar duas vezes em quem confiava mais. Além de sua mãe, era Etta. Somente Etta. Sua espada jurada. Sua amante. Sua... bem, ele não tinha certeza do que ela era.

Ele andou o dia inteiro no meio do nevoeiro. Sim sua Majestade. Não, sua Majestade. Ninguém o questionava. Ele era rei. Seus desejos eram lei. Então, por que Edmund ainda estava na masmorra? Por causa da magia.

Em vez de responder, um grunhido soou baixo em sua garganta. —Eu não sei por que você está me perguntando isso.

Uma mão pousou em seu braço e ele olhou para baixo para encarar seus longos dedos, incapaz de encontrar seus olhos.

—Porque, meu filho, você sabe tão bem quanto eu que as coisas mudaram. Não é possível confiar nas lealdades. Não sabemos quem são nossos inimigos e quem são nossos amigos. E alguém deve fazer uma pesquisa dos movimentos de La Dame, inspecionar a parede ao redor de Dracon. Veja quanto tempo temos.

Ele finalmente olhou para o rosto dela, tentando ler o que ela não estava dizendo.

—Essa não é uma missão individual. — Disse ele.

A mãe dele inclinou a cabeça. —É se você está tentando mascarar o verdadeiro objetivo.

O entendimento o atingiu. Ela estava fazendo um apelo por um homem que ela também considerava seu filho. Ela estava dando a ele uma saída do lugar escuro em que ele estava preso. Uma tábua de salvação.

Ele se recostou com um suspiro. Ela estava certa. Eles não tinham mais tempo a perder. Ele sabia quem teria que enviar, e a verdade se contorceu em seu estômago. Ela não deveria sair do lado dele, mas ele não tinha outra escolha.

—Etta. — Ele disse. —Tem que ser Etta.

Um sorriso que ele não entendeu apareceu nos lábios de sua mãe. —Você confia nela?

Com a minha vida, ele queria dizer. Em vez disso, ele apenas deu um breve aceno de cabeça. Antes, ele não hesitaria em enviar Edmund.

Alex empurrou a cadeira para trás e se levantou, subitamente incapaz de sequer olhar para a comida na frente dele. Ele enviou Etta para o castelo externo para conseguir um novo arco, pois o dele estava perdido no ataque. Na verdade, ele precisava de algum espaço para respirar.

Enquanto caminhava pelo corredor, ele chamou pelo guarda que o esperava do lado de fora. —Cancele minha tarde.

Os reis não precisavam explicar e ele passou o guarda pelo caminho da escada fria. O vazio substituíra a raiva dele, e ele estava preparado para enfrentar o seu amigo de novo, pronto para respostas.

Edmund não olhou para ele quando entrou na sala úmida. Pegando as chaves que recebeu dos guardas, ele abriu a porta da cela, sabendo que as correntes de Edmund o mantinham no lugar.

—Você tem medo que eu a prejudique? — Edmund voltou os olhos para o rei e a frieza neles fez Alex parar.

—Você tem magia, Edmund. — Alex cruzou os braços. —Eu não acho que as barras de sua cela impediriam você de me prejudicar.

A expressão de Edmund derreteu antes de sua máscara fria voltar ao lugar. —Está aqui para me dar minha data de execução, sua Majestade?

Alex começou a andar pela cela. —Estou tão bravo, Edmund.

—Claramente.

—Não faça isso. Não me trate como se não nos conhecêssemos.

—Não sou eu quem coloca amigos na masmorra.

—O que gostaria que eu fizesse? — Alex gritou, passando a mão pelo cabelo, arrancando a coroa da cabeça. Ele caiu no chão aos pés de Edmund. —Eu sou o rei, Edmund. Em Gaule, é ilegal ter magia.

—Como posso ser um criminoso por algo que não escolhi?

Alex parou de se mover e sentou-se, sem se importar com a sujeira do chão. Seus ombros caíram e todo o poder deixou sua voz.

—Eu não sei. — Ele olhou nos olhos de seu amigo, olhos que não estavam mais frios quando inundaram de simpatia. —Você se lembra do primeiro dia em que nos conhecemos?

Os lábios de Edmund se abriram em um sorriso e ele assentiu.

—Você me disse tudo o que havia para saber sobre você em uma única conversa. — Ele desviou o olhar. —Tudo, exceto isso.

—Você teria me prendido no local.

—A ironia é que naquela época eu provavelmente não teria.

—Por que você veio aqui hoje? — Edmund perguntou; suas correntes chocalham quando ele se mexeu.

Alex esfregou a parte de trás do pescoço. —Eu... eu não queria que a noite passada fosse a última vez que te veria.— Ele fez uma pausa. —Eu...— Ele fechou a boca, decidindo contra as palavras que ia dizer.

—Então, eu devo ser executado, então. — A voz de Edmund tremia enquanto ele falava.

Alex se levantou e pegou sua coroa do chão enquanto passava pelas barras. Enquanto trancava a cela mais uma vez, ele olhou para o amigo. —Não, Edmund. — Ele passou a mão pelos cabelos, puxando as pontas. —Não... você sabia que eu faria isso.

—Fazer o que?

—Arriscar tudo para salvar você. Se os nobres descobrirem...

A esperança que surgiu nos olhos de Edmund era demais para Alex. Ele se virou para voltar ao longo corredor. Antes que seus pés começassem a se mover, Edmund falou às suas costas, suas palavras quase quietas demais para serem ouvidas.

—Eu te amo, Alex. Se eu nunca mais vou te ver, olhar nos seus olhos, então acho que é hora de confissões. — Ele riu baixinho. —Acho que te amei desde o primeiro dia em que você me pediu para ser apenas seu amigo.

Alex fechou os olhos. Ele sabia. Ele sempre soube.

—Eu também te amo. — Não era a mesma coisa. Alex sabia disso. Edmund sabia disso. O amor de Alex era o de um amigo, um irmão. Mas era poderoso mesmo assim.

Enquanto se afastava, uma palavra flutuava no ar atrás dele.

—Obrigado.

 

 

 

 

 

 

 


Capitulo Vinte e Um


Etta sentiu os olhos nela enquanto voltava para o palácio; arco firmemente apertado em sua mão. Ela não entendeu por que Alex estava tão apegado à coisa. Ela só os usara para caçar. Para a luta, arco e flecha não eram bons. Ela preferia estar no meio da briga do que derrubar inimigos de longe.

Ela se perguntou se seu pai diria que ela havia perdido seu objetivo, entrincheirando-se até agora na casa dos Durand. Mas esse era o trabalho dela, não era?

Alguém se moveu em um beco à sua esquerda e de repente ela desejou ter flechas para acompanhar o arco. Ela se aproximou do beco, encostando o arco na lateral do prédio para libertar as mãos. Ela optou por desembainhar sua adaga em vez de sua espada.

Quando ela contornou a lateral da loja, alguém se moveu e ela girou para dar um chute no estômago. Elas soltaram um grito e cederam contra o prédio. Agarrando o braço da pessoa, ela torceu e levantou a adaga. Respirando pesadamente, seus olhos começaram a clarear da névoa da luta. Cachos de chocolate nadavam em sua visão.

—Maiya? — Ela soltou a garota e enfiou a espada na bainha ao longo da perna. —Eu sinto muito.

Maiya se inclinou, segurando a barriga, chiando. —Está tudo bem, Etta. Todo mundo está meio nervoso hoje em dia

Etta examinou a amiga da cabeça aos pés. Ela era real. Ela estava viva. Ela estava lá, dentro do castelo. Antes que Etta soubesse o que estava fazendo, ela puxou a garota menor para um abraço esmagador.

—Você estava me seguindo? — Etta perguntou, liberando-a.

—Não. Eu só vi você momentos antes de você me atacar.

—Eu não ataquei você.

Maiya riu. —Então como você chamaria isso?

Etta bufou. —Eu estive tão preocupada com você. Eu não sabia se você conseguiu sair da vila ou se...

Maiya agarrou seus braços. —Olhe para mim. Eu estou bem.

Etta a examinou novamente e soltou um suspiro. —Você está.

—Eu tenho tentado encontrar uma maneira de entrar em contato com você, mas eles não estão deixando ninguém passar pelos portões internos.

—É muito perigoso para sermos vistos juntas, você sabe disso.

—Sim, mas...— Lágrimas brilhavam nos olhos cor de âmbar de Maiya.

—Mas o que?

—Eles têm meu pai.

Etta fechou os olhos por um breve momento. Ela sabia exatamente quem ‘eles’ eram. Homens de Alex. Pierre estava nas masmorras.

—Conte-me tudo.

Maiya contou. De pé naquele beco, ela falou em assistir a luta enfurecer ao longo da rua em frente à sua loja. Ela pensou que eles estavam perdidos. Etta e Alex escaparam, deixando Edmund para lutar sozinho. Pierre se juntou a ele na tentativa de salvar um punhado de famílias que estavam sendo aterrorizadas. Os guardas viram os dois e, quando a luta terminou, eles os levaram para as masmorras.

—Etta, você tem que tirá-lo de lá. — Implorou Maiya.

—Como eu devo fazer isso?

—Fale com o rei.

Etta encontrou o olhar sem piscar da outra garota. —O rei nem vai ajudar o amigo. — Etta ficou surpresa com o ressentimento em sua própria voz. Talvez Alex fosse o homem que ela pensava que ele era o tempo todo - filho de seu pai.

—Por favor.

—Maiya, não posso implorar pela vida de todo homem mágico, especialmente quando a única coisa que isso fará é lançar suspeitas sobre mim.

—Você nem tentaria?

—Eu sinto muito.

Maiya se afastou dela, balançando a cabeça enquanto as lágrimas escorriam por sua pele escura. Sem outra palavra, ela se virou e correu pelo beco, desaparecendo na esquina.

Pierre pesou na mente de Etta quando ela pegou o arco e voltou para o palácio.

O rei estava no jardim com lorde Leroy quando ela se aproximou.

Lorde Leroy a viu e se despediu. Alex mal a notou quando algo agourento apareceu em seus olhos.

Quando isso vai acabar? Etta pensou, olhando para ele. Essa batalha. Este desgosto.

O resto do dia passou em um borrão. Mesmo depois de cumprir sua agenda, nobres e conselheiros insistiram em se encontrar com o rei. Alex só falava quando precisava. Ele se recusava a encontrar os olhos de Etta e se afastava do toque dela. Então, ela parou de tentar, muito consciente de que se ele conhecesse a verdadeira Etta, ele a odiaria tanto quanto agora odiava Edmund. E esse pensamento roubava o fôlego de seus pulmões.

Ela deveria odiar o rei de Gaule. Agora ela não podia suportar o pensamento de qualquer má vontade em relação a ele.

Etta afundou na cama naquela noite sentindo-se cansada e confusa. Na noite em que ela assumiu a maldição, sua alma se partiu com o peso dela. Agora essas rachaduras aumentavam a cada dia que passava. Logo, os fragmentos não se encaixariam mais e era então que a maldição venceria. Quando La Dame poderia reivindicar sua vitória. Quando ela destruiria a mais nova de uma longa linhagem de Basile.

Persinette se tornaria a mais nova da longa linhagem de Basile a descer para os poços escuros de dor e desespero.

 

A mente de Alex não estava em seus deveres reais, pois os dias se transformavam em noites. Os soldados traziam pessoas da Floresta Negra quase diariamente agora. As masmorras estavam quase lotadas. Ninguém havia percebido que tantas pessoas mágicas ainda permaneciam em Gaule.

A maioria achou que era obra de Viktor Basile, mantendo-os ocultos. Aquele homem salvou inúmeras vidas, mas eram pessoas que não deveriam estar em Gaule. O expurgo foi feito para exterminá-las.

Um arrepio percorreu a espinha de Alex.

Edmund ainda era um prisioneiro, mas Alex havia se decidido. Ele escolheu o tipo de rei que ele queria ser. Ele só precisava de uma ajudinha.

Passando a mão sobre a madeira lisa de seu arco, ele se maravilhou com a simplicidade de uma arma dessas. Como algo feito simplesmente de madeira e barbante poderia matar um homem? Como poderia perfurar armaduras ou alimentar uma família?

Atirar o acalmava. Isso permitia que sua mente ficasse em branco. Ele alinhou sua tacada, erguendo o cotovelo e inspirando enquanto seu dedo puxava a corda esticada. Ao exalar, ele enviou a flecha voando em direção ao alvo. Bateu no centro com um baque.

Ele sabia que seus guardas zombavam dele quando pensavam que ele não estava assistindo por causa de sua falta de habilidade com uma espada. Eles pensaram que isso o tornava menos homem. Menos de um guerreiro. Quem queria um rei que não fosse um guerreiro? Seu pai havia conseguido superar quase todos os homens sob sua guarda.

Exceto por Edmund.

Um sorriso curvou a boca de Alex. O dia em que Edmund derrotou seu pai em um duelo havia sido um dos melhores dias que ele conseguia se lembrar. O pai de Alex puniu Edmund pelo constrangimento, fazendo-o trabalhar nas cozinhas durante o jantar. Alex o ajudou e achou que nada poderia valer mais a pena.

Alex entrou na frente de um novo alvo, este mais longe. A flecha saiu tão verdadeira quanto a primeira, aterrissando exatamente onde o rei planejava. Ele riu para si mesmo, sentindo-se à vontade pela primeira vez em dias. Ele era bom nisso. Isso ele poderia fazer. Ao contrário de ser rei.

Ele não sabia o que estava fazendo. Pela primeira vez desde que seu pai foi morto, ele desejou que ainda estivesse aqui. Não por qualquer senso de amor - ele sabia o que o homem tinha sido - mas porque Alex não achava que ele era forte o suficiente para liderar seu povo contra La Dame, ou qualquer outro povo mágico nesse assunto.

Seu dedo tremia quando ele puxou a corda novamente. Dessa vez, quando ele atirou, a flecha balançou no ar antes de se curvar em direção ao chão, pouco antes do alvo. Como ele, não tinha o poder de fazer o que era necessário.

Como ele poderia lutar contra a magia, considerando o que ele estava pensando em fazer? Isso fazia dele um hipócrita ou pior, um traidor para seguir em frente com seu plano?

—Irmão.

Alex suspirou quando a voz de sua irmã permeou seu santuário. Ele esteve sozinho durante a última hora, os guardas dando a ele o pátio de treino para si mesmo. Camille não exercia a mesma cortesia.

Ele abaixou o arco e virou-se lentamente. —Camille.

Ela olhou para o chão como se tentasse forçar a vulnerabilidade em seu rosto. Mas Alex conhecia sua irmã. Atrás de sua máscara de pele de porcelana frágil, havia aço, frio e indiferente. Ele não a via muito desde a morte do pai deles. Ela estava de luto pelo homem que não a via pela princesa sem coração que era. Ou talvez ele gostasse, mas ele teria gostado dessa qualidade em uma filha.

Sua voz era mansa quando ela falou, mas ela não estava enganando ele. —Eu vim para ver o que você planeja fazer com o traidor, Edmund.

—Não vejo como isso te preocupa. — Ele retrucou.

—Claro que sim. Diz respeito a toda a Gaule. Seu castigo estabelecerá um precedente. Não deve haver tratamento especial. Toda a magia deve ser tratada igualmente.

Alex se afastou dela para enfrentar o alvo mais uma vez.

—Deixe-me, Camille.

—Não até você perceber que é rei de Gaule. Não Dracon. Não Bela. São as pessoas de Gaule que contam com você para apagar o flagelo em nossas terras. Para nos manter a salvo. — Ela colocou as mãos nos quadris. — Anders e eu estamos discutindo. Se você não pode sentenciar Edmund, como deveria, podemos cuidar do problema para você. Discretamente, é claro.

Alex mal poupou um momento para pensar antes de atacá-la. Ela pelo menos teve a decência de parecer com medo quando as mãos dele se fecharam em torno de seus braços e ele se inclinou para forçá-la a olhar nos olhos dele.

—Se você tocar um cabelo na cabeça dele, Camille, eu juro...

—Você vai o que? — Ela o empurrou e ele soltou os braços. —Ele não é seu irmão, Alexandre. Mas eu sou sua irmã. Talvez seja hora de você reexaminar onde está sua verdadeira lealdade. — Ela estreitou os olhos, preparando-se para dar o golpe fatal. —O guarda nas masmorras me diz que temos mais de um motivo para sentenciá-lo severamente.

—Desembucha.

—Uma confissão que ele fez para você hoje. O guarda ouviu tudo. Ele servirá como testemunha. — Ela se aproximou e baixou a voz perigosamente. —Amar outro homem é punível com a morte, aqui em Gaule. Mesmo que o homem que você está fodendo seja o rei.

A mão de Alex voou pelo ar, atingindo a bochecha de Camille com mais força do que ele pretendia. A borda de seu lábio se abriu e quando ela esticou a língua para testar o corte, eles ficaram em silêncio atordoado.

Alex agarrou seu queixo com tanta força que ficou surpreso que ela ainda não tivesse emitido um som.

—Irmã, eu observaria sua língua antes de cortá-la. Ainda sou seu rei e prefiro ter Edmund ao meu lado do que uma princesa distorcida. — Ele a soltou com um empurrão e sua cabeça se virou para trás.

Quando ela o prendeu com os olhos novamente, o ódio rodou em suas profundezas.

—Você está dispensada. — Alex rosnou.

Ela pegou a barra da saia longa e mancou diante da presença dele, suas maldições ecoando no ar da noite.

Alex passou a mão pelos cabelos e soltou um longo suspiro, sentindo-se um pouco melhor sobre o que tinha que fazer. Ele não estava traindo tudo o que Gaule representava. Ele estava se impedindo de se tornar como sua irmã.

—Não faça isso. — A voz veio detrás dele e ele se virou para ver Tyson. Seu irmão deve ter ouvido a conversa inteira e seus olhos brilhavam enquanto ele se apressava adiante, em completo contraste com a irmã deles. —Alex, por favor. É Edmund. Eu não ligo para o que Camille diz ou se ele tem magia. Eu não ligo para quem Edmund ama. Você prefere manter alguém por perto que é leal a você por amor? Do que dever? Você não pode executá-lo e também não pode mantê-lo nessas masmorras.

—Tyson. — Alex colocou a mão no ombro do irmão. —Ninguém está sendo executado.

—Sério? Porque eles estão construindo forcas fora dos muros.

Alex amaldiçoou. Por razões de segurança, ele não passou pelas paredes internas para descobrir o que o capitão estava fazendo. Ele não queria mentir para o irmão. Haveria pessoas chamando pela cabeça de todo homem ou mulher magia que capturassem. A única coisa que ele podia dizer a Tyson com certeza era que Edmund não seria um deles. Alex tinha um plano.

—Eu cuido disso, Ty.

Tyson examinou Alex, não convencido. Alex agarrou seu ombro e o puxou para um abraço, batendo as costas bruscamente.

—Vai ficar tudo bem.

Nenhum deles acreditou nas palavras, mas se sentiu bem em dizer de qualquer maneira.

Capitulo Vinte e Dois


Etta passeou pelo corredor do lado de fora da porta de Tyson. Eles já deveriam ter saído. Tyson precisava sair do palácio antes que seus segredos fossem revelados. Dias. Etta estava esperando há dias que Alex levasse uma missão à fronteira. Certamente a rainha teria conseguido convencê-lo.

Por que diabos estava demorando tanto?

Ela foi expulsa de uma reunião. Ela deveria estar ao lado do rei por todas as coisas, mas Anders a bloqueou enquanto tentava entrar. Ele precisava falar com o rei sozinha. A desconfiança era evidente em seus olhos. Quando Alex garantiu que ele estaria seguro com o capitão, ela não discutiu.

Ela estava tão cansada dos segredos; o ódio apontado para ela.

Assim como dias atrás, quando ela atravessou o palácio externo, ela sentiu os olhos observando todos os seus movimentos enquanto tirava o cinto da espada e o colocava na longa mesa de madeira ao lado do pátio de treinamento. Ela girou para encontrar a princesa Camille olhando para ela da escada.

Tentando ignorar o olhar severo, Etta passou a mão sobre as adagas diante dela, escolhendo uma aleatoriamente. Ela girou de novo e, com um movimento da mão, a faca voou de ponta, observando enquanto afundava no alvo mais distante. Ela olhou para trás com rapidez suficiente para ver a princesa recuar.

Etta sorriu e pegou outra adaga, equilibrando-a na palma da mão. Ela demorou a pesar, considerando a direção. Quando a lançou desta vez, ela usou o braço inteiro para ganhar impulso; jogando a adaga com tanta força, seu impacto ecoou por todo o quintal.

Etta jogou as duas adagas restantes antes de caminhar para recuperá-las. Quando ela voltou, ela percebeu que tinha uma audiência. Homens e mulheres de uniforme de guarda pararam de treinar para assistir a enigmática protetora do rei. A garota que havia superado e matado alguns de seus companheiros no torneio.

Etta nunca teve muito a ver com os guardas. Eles eram tão misteriosos para ela quanto ela para eles. Enquanto examinava os rostos curiosos, não pôde deixar de imaginar quem dentre eles fora enviado à Floresta Negra para encontrar seu povo. Quem prendeu Edmund? Os guardas mais velhos estavam por perto quando o pai dela foi caçado?

Seus pulmões tentaram se expandir, mas ela não conseguia respirar. Apesar dos olhares amigáveis enviados para ela, essas pessoas não eram amigas dela.

Inimigos, ela pensou. Estou cercada por inimigos.

Ela cambaleou em direção à mesa e bateu as adagas com tanta força que tremeu.

Eles se separaram por ela enquanto ela corria pela multidão, construindo pânico em seu peito. Camille se foi quando os pés de Etta subiram trovejando os degraus. Ela não parou até chegar ao quarto e bater a porta atrás de si. Ela se recostou nela, respirando pesadamente.

Ela tinha que sair. Por que ela não ia?

Esta noite, ela tinha que encontrar a rainha Catrine. Algo estava errado.

Ela deslizou pela porta até sua bunda atingir o chão, enviando uma onda de choque pela espinha. Sua respiração voltou ao normal e ela enxugou o suor dos cabelos.

Depois de alguns minutos, ela se levantou e foi até o lavatório. Ela jogou água morna no rosto e por cima dos cabelos. Escorreu pelo couro cabeludo, encharcando a blusa.

Ela teria que encontrar o rei depois da reunião dele, mas não conseguia voltar a porta.

Puxando a camisa úmida sobre a cabeça, ela encontrou uma seca e deitou-se na cama para relaxar os músculos. Ela ficaria lá por um momento e depois iria ao rei. Um momento.

 

Depois de horas ouvindo Anders continuar seu plano de lidar com o povo mágico, Alex saiu para encontrar Etta, para se desculpar. Anders não tinha o direito de tratá-la tão mal, e ela tinha todo o direito como protetora de estar naquela reunião.

Mas o que ele deveria dizer a ela? Eles estavam agindo como nada mais que um rei e seu súdito desde que voltaram da floresta, desde aquela noite. Ele também tinha que se desculpar por isso?

Etta não estava no pátio de treinamento, nem no corredor. Enquanto olhava, foi retirado por lorde Leroy e chegou a hora do jantar. Sua mãe achou que ele precisava comer no corredor com seus homens. Mostre a eles sua confiança; que ele acreditava neles e em Gaule.

O jantar durou até a noite com seus homens bebendo e contando histórias. Alguns deles o lembravam Edmund e depois a culpa o apunhalava toda vez que ele ria.

O vinho zumbia em suas veias, mas sua cabeça ainda estava clara.

Um dos oficiais mais velhos levantou-se para fazer um brinde e levantou o copo. —Para o rei. — Os homens aplaudiram. —Para Gaule. Destruindo magia dentro de nossas fronteiras de uma vez por todas. — Ele olhou para Alex. —Tenho certeza de que sua majestade concorda que devemos começar a defender as leis de Gaule. A forca está terminada, embora um enforcamento seja mais humano do que esses animais merecem. — Um estrondo de acordo percorreu a sala. —Eu digo que começamos com o homem que fingiu ser um de nós.

O coração de Alex parou quando ouviu o que os homens estavam pedindo.

Alguém mais gritou para ser ouvido. —Dois dias e depois podemos matar o bastardo no aniversário do dia em que o grande expurgo começou!

Alex lutou para manter uma expressão calma enquanto tudo nele se rasgava em pedaços. Se ele perdoasse Edmund agora, eles o chamariam de simpatizante. Ele perderia o apoio. Seus olhos encontraram Anders e a expressão do homem não mudou com os apelos pela morte de seu filho.

O filho dele não significava nada para ele?

Não poderia haver mais atraso. A menos que ele quisesse ver Edmund balançar pelo pescoço, ele tinha que fazer alguma coisa.

Ele bateu com o punho contra a mesa para capturar a atenção da sala. Uma vez. Duas vezes.

Eles se acalmaram e se viraram para olhá-lo. Ele se levantou e empurrou a cadeira para trás. Eles esperaram que ele dissesse algo importante, real. —Eu preciso me ausentar. — Enquanto se afastava, ouviu seus sussurros confusos segui-lo do corredor.

Seus guardas pessoais o seguiram e, quando ele chegou à porta de Etta, sua carranca os enviou correndo.

Ela não podia evitá-lo para sempre.

Ele fechou os olhos. Apesar da distância crescente entre eles, ele sentia falta dela.

Mas essa visita não era sobre ele.

Ele levantou o punho e bateu na porta de Etta. Ninguém respondeu, então ele fez de novo.

Depois do que pareceu uma eternidade, a porta se abriu e Etta ficou diante dele com olhos nublados e seus cabelos dourados pendendo loucamente em seu rosto.

Alex respirou fundo. Ela era a coisa mais deliciosa que ele já tinha visto. O puxão invisível dentro dele que ele estava tentando ignorar por dias, puxou-o para mais perto, até que ele pudesse sentir seu doce aroma. Ela esfregou o rosto e o considerou com olhos cautelosos.

—Sinto muito, sua Majestade. — Disse ela. —Adormeci. — Ela se afastou dele, um convite para entrar no quarto.

Ele bateu a porta atrás dele, querendo nada mais do que levá-la em seus braços. Mas ele não podia. Isso era muito importante.

—Etta. — Ele murmurou. —Eu preciso que você faça alguma coisa. É importante e você não pode contar a ninguém.

O alívio inundou suas feições, e ele não entendeu o porquê.

—Claro. — Ela disse suavemente.

—Oficialmente, vou mandá-la para a fronteira, onde você encontrará um contingente de soldados da duquesa Moreau para ver o que você pode descobrir sobre os movimentos de La Dame.

—E não oficialmente?

—Você está levando Edmund para a fronteira. — Uma vez que as palavras foram divulgadas, não havia como recuperá-las. Se ele não fosse rei, isso seria traição.

Se Etta fosse pega, ela seria cobrada.

Um sorriso apareceu em seu rosto, transformando-se rapidamente em um sorriso completo. Ela se aproximou. —Nós vamos tirá-lo daqui?

Ele assentiu.

—Quando eu vou embora?

—O mais breve possível. — Ele tirou um molho de chaves do bolso e colocou-o sobre a mesa. —Isso vai tirá-lo de lá.

—Eu vou embora de manhã.

Um peso foi retirado de seu peito, mas logo foi substituído por um novo. Preocupação? Ele sacudiu o pensamento de sua mente enquanto observava Etta continuar sorrindo para ele. Como se estivesse se movendo por vontade própria, seu braço se levantou. Ele teve que tocá-la. Os dedos dele roçaram a linha curva do lábio inferior dela.

—Gosto de finalmente fazer algo para fazer você sorrir de novo. — Disse ele.

Ela fechou os olhos, inclinando-se para o toque dele. —Estou feliz que meu rei esteja fazendo a coisa certa.

—Seu rei. Isso é tudo o que sou para você?

Os olhos dela se abriram e ele estava perdido em sua intensidade.

—Não. Você é meu Alex. Ainda o garoto que eu sempre amei.

Ele levantou a sobrancelha em confusão, mas isso foi deixado de lado com a nova percepção de que ele estava tão irrevogavelmente apaixonado. Não importava que ela fosse uma pessoa comum ou que suas mãos estivessem banhadas em sangue. Ela era dele.

A mão dele deslizou para a parte de trás do pescoço dela e ele a puxou para ele. Ela veio de bom grado, sua boca convidando-o a cair mais fundo. Ela o beijou com toda a suavidade que ele não sabia que ela possuía. Seus lábios se moveram lentamente sobre os dela e quando a língua dela encontrou a dele, um rosnado soou baixo em sua garganta. Ele a puxou para mais perto, seus corpos juntos, precisando tocá-la de todas as maneiras que podia.

As mãos dele avançaram sob a blusa dela e sobre a pele quente das costas dela. Ela suspirou quando os dedos dele traçaram a curva de sua espinha. Eles se separaram e olharam por um momento antes de tirar as camisas. Etta colocou a palma da mão contra o peito nu de Alex.

—Ainda não sei se isso é real, mas mesmo que tenhamos esse momento, quero mais do que jamais desejei. — A tristeza encheu seu olhar, e ele queria limpá-la, mas ele a deixou continuar falando. —Aconteça o que acontecer, Alex, você tem que saber que eu te amo.

Ele pegou a mão dela e a levou aos lábios. —O que vai acontecer?

Ela olhou para baixo, a incerteza escrita em sua postura. Seu peito doía ao ver o Etta confiante em tal estado. Ele colocou os dedos sob o queixo dela e inclinou o rosto para cima para olhar para ele.

—Nada vai nos separar.

Ela o alcançou, passando os braços em volta do pescoço dele enquanto pressionava o peito contra o dele e o beijava como se fosse a última coisa que ela faria. As palavras dela vibraram contra os lábios dele. —Eu gostaria que isso fosse verdade.

—E é. Você colocará Edmund em segurança e depois voltará para mim. Eu vou terminar meu noivado. Por você. Quero você, tudo que você tem para dar, tudo que você é.

A respiração dela estremeceu quando ela colocou as pernas em volta da cintura dele e o deixou carregá-la para a cama. Eles nunca perderam contato enquanto tiravam o resto de suas roupas.

Era diferente da noite deles na Floresta Negra. Etta era diferente. O desespero cobria o ar quando ela se moveu sobre ele com cada grama de poder e necessidade que ela possuía. Quando ele a virou para adorá-la da maneira que ela merecia, ela o abraçou, nunca querendo deixar ir.

Enquanto eles dormiam naquela noite, Alex a abraçou com força. Ela deitou a cabeça em seu peito enquanto suas pernas se enroscavam.

Ele fechou os olhos quando a respiração dela se acalmou.

Ele não sabia se suas palavras finais eram da sua boca ou um sonho.

—Você não é o homem que pensei que seria. Você é um bom homem, Alexandre Durand. Mas bons homens não são feitos para serem reis. — Ela apertou os lábios na testa. —Eu não deveria me apaixonar por você.

Quando ele acordou de manhã, ela se foi.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Capitulo Vinte e Tres


Ela não estava voltando. A realização a atingiu no momento em que ela contou a Alex como se sentira na noite anterior. Se ela fosse levar Edmund e Tyson para a duquesa Moreau perto da fronteira, ela atravessaria e faria a viagem para Dracon. É onde La Dame estaria.

Era a única maneira.

Ela não podia continuar amando-o quando isso poderia não ser real. A verdade era preciosa e deveria ser encontrada. Se ela ainda o amava quando eles não estavam mais amarrados, ela o encontraria.

Mas ela sabia que isso não aconteceria.

Beijar-lhe com um adeus no meio da noite quase quebrou seu coração e ela mal registrou para onde estava indo até que seus pés pararam em frente à porta da rainha Catrine. A rainha a puxou e procurou outros espectadores. Vendo um corredor deserto, ela voltou para a sala.

Catrine estava se preparando há dias, sem saber quando eles partiriam, e tudo estava pronto.

Antes que Etta pudesse explicar sua presença, Catrine estava em movimento. —Eu vou acordar Tyson.

Os nervos lutaram no peito de Etta enquanto ela esperava. Ela não queria deixar Alex dormindo. Eles mereciam um final melhor que isso.

Seus pés roçaram o chão enquanto ela andava. Essa era a chance dela. Ela não sabia se poderia quebrar a maldição, mas tinha que tentar.

Era hora de ver La Dame. A feiticeira falaria com ela? Talvez ela a matasse no local. Mas se houvesse a menor chance de ela ser a chave para quebrar a maldição, Etta tinha que aceitá-la. Era a única peça do quebra-cabeça que ela conhecia.

Fechando os olhos, ela imaginou Alex de volta ao quarto, com o rosto relaxado durante o sono. Ele nunca a perdoaria por isso.

A verdadeira questão era sobre o que acontecia depois. Uma vez que a maldição não a amarrasse mais a este lugar, para onde ela iria então?

Antes que ela pudesse pensar em muitos e se, Tyson entrou no quarto, vestindo uma camisa. Sua cabeça apareceu no buraco com os cabelos escuros caindo nos olhos. Ele parecia muito com seu irmão, mas havia algo nele que também era muito diferente. Saber que o rei morto não era seu pai resolvia muitos enigmas.

Ele lhe lançou um sorriso nervoso. —Ei, Persinette.

Os ombros dela caíram. —Nós provavelmente devemos ficar com Etta por enquanto.

Ele assentiu, mas não disse mais nada. O príncipe geralmente enérgico e falador se foi, substituído por um garoto nervoso que parecia ainda mais jovem do que seus anos.

—Devemos sair. Precisamos chegar a Edmund.

Isso o animou e ele soltou um sopro de ar, claramente aliviado.

—Alex?

—O rei quer que tiremos Edmund de Gaule.

—Eu sabia que ele nunca deixaria nada acontecer com Edmund.

A rainha Catrine se aproximou, entregando a cada um deles um pacote cheio de comida para a viagem. Etta ficou rígida quando a puxou para seus braços.

—Fique segura, Persinette. — Ela sussurrou.

Etta apoiou o queixo no ombro da rainha. —Cuide dele.

—O mesmo vale para você. — Ela soltou Etta e gesticulou para Tyson.

—Eu vou. Com a minha vida.

—Eu sei. — A rainha sorriu. —Você sempre foi uma guerreira, Etta. Mesmo quando você era apenas uma garota correndo pelas paredes ou subindo torres para entreter meu filho. — O sorriso dela se apertou. —Espero que chegue um dia em que você não precise mais lutar.

As palavras afundaram em Etta e ela se virou. O dia em que ela não precisaria mais lutar seria o dia em que não teria nada. A mão dela roçou o punho da espada. Às vezes era a única coisa que fazia sentido.

Ela foi até a porta quando a rainha se despediu chorosa de seu filho. Ele abaixou a cabeça quando sua mãe a beijou e o empurrou em direção à porta.

Etta olhou para o corredor. Quando ela não viu ninguém, colocou a bolsa no ombro e começou a correr. Tyson a seguiu e ela esticou o pescoço para ver ao virar da esquina. Os salões do palácio foram abandonados, facilitando a caminhada até as masmorras.

Os dois guardas podiam ser ouvidos no pé da escada.

—Fique aqui, Tyson. — Ela sussurrou. Sua espada raspou quando ela a puxou lentamente e avançou escada abaixo na escuridão. Os degraus eram iluminados por pequenos candeeiros pendurados na parede. Seus passos eram leves, e ela conseguiu chegar ao fundo sem emitir nenhum som.

Os guardas estavam em pé na frente de uma das celas, rindo da pobre alma dentro. A raiva ferveu dentro dela e ela queria estripá-los naquele momento.

Não. Não haveria mais matança.

Ela soltou um grunhido quando saiu da escada em uma velocidade de fúria. Os guardas se viraram, mas não foram rápidos o suficiente. Ela pulou no primeiro, nocauteando-o com um rápido golpe de seu punho. O segundo veio para ela por trás, envolvendo os braços em volta da cintura dela. Ela pulou para trás, batendo-o contra a parede. Um braço permaneceu em volta do pulso dela, enquanto o outro tentou interromper o suprimento de ar, fechando-se firmemente ao redor da garganta. Ela ofegou e chutou quando uma ponta de faca afundou em suas costas.

Batendo a cabeça no nariz dele, ela o soltou e girou com a espada na mão. Sangue escuro escorreu de seu nariz.

—Você está pedindo, cadela. — Ele rosnou.

Etta dobrou os joelhos, preparando-se para o ataque. Quando ele finalmente a atacou, foi uma tentativa lenta e fraca. Ela estendeu o braço e cortou a espada no lado dele. Ele caiu contra a parede e deslizou. Ela esperou que ele fizesse outro movimento, mas isso nunca aconteceu. Tanta coisa para não matar.

Depois de limpar a lâmina na camisa do homem, ela a embainhou e foi para a escuridão entre os aplausos dos prisioneiros que a travaram.

As palavras da rainha voltaram para ela. O que ela faria se não estivesse lutando? Era nisso que ela era boa. Ela continuou indo até que se virou e parou do lado de fora da cela de Edmund.

Ele estava deitado no chão, imóvel. Seus pelos faciais haviam crescido, aumentando seu visual esfarrapado. Seu cabelo loiro estava emaranhado e manchado de sujeira. Um hematoma desaparecia ao longo de sua mandíbula. Ele não parecia ter sido tocado desde- provavelmente por ordem de Alex.

Ela puxou a chave do bolso e mexeu na fechadura antes de tropeçar e cair de joelhos ao lado de Edmund.

—Edmund. — Ela sussurrou, estendendo a mão timidamente para agarrar seu ombro e sacudi-lo. —Acorde. — Ele estava tão quieto que ela se preocuparia que ele estivesse morto, se não fosse pela pulsação no pescoço. —Vamos.

Seus olhos duros se abriram e ele moveu a boca como se quisesse falar. Nenhuma palavra veio.

—Estou tirando você daqui. — Ela sussurrou. —Alex quer você em segurança. Vamos lá, eu tenho água logo acima das escadas.

Ela puxou seu braço e ele finalmente reuniu forças para se levantar lentamente. Etta passou o braço por cima dos ombros e eles voltaram para as escadas e passaram pelos dois guardas que ela lutou. Demorou um pouco mais de tempo para chegarem a Tyson no topo.

Seu rosto ansioso os cumprimentou. —Etta, alguém ouviu a luta. Eles deram o alarme.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Capitulo Vinte e Quatro


As botas bateram contra a pedra em um ritmo alto, enquanto os guardas corriam por todo o palácio, despertados do sono pelo alarme tocando no alto.

Tyson ajudou Edmund a ficar de pé enquanto os três esperavam, escondidos na escuridão de um corredor não utilizado. Eles olhariam para lá em breve. Todo o palácio seria vasculhado pelo prisioneiro fugitivo. Então a busca se espalharia pelo castelo externo. O rei não conseguia parar.

Eles precisavam ir embora então.

Etta sabia onde eles precisavam ir e seu coração disparou. Ela não estava lá desde a noite em que ela e o pai escaparam todos esses anos atrás, mas não havia como passarem pelos portões internos. Não com Edmund pendurado entre eles como se estivesse gritando: —Sou eu! Me prendam de novo!

Etta soltou um suspiro e estudou o homem quebrado e o príncipe ao lado dele. O que ela estava fazendo?

Balançando a cabeça, ela desviou o olhar. —Ajudar vocês dois vai me matar. Vamos.

Eles saíram por uma porta pouco conhecida no final do corredor. Como Tyson, Etta passou seus anos mais jovens esgueirando-se pelo palácio, geralmente perseguindo Alex, e encontrando novas maneiras de se meter em problemas no castelo externo. Ela sabia para onde estava indo.

Enquanto contornavam o pátio, escondida nas sombras, Etta fez uma pausa. Alex desceu os degraus, ainda esfregando o rosto do sono.

Três guardas correram até ele. Os olhos de Alex examinaram o pátio, arregalando-se quando os viu agachados perto da entrada. Um de seus guardas se virou para ver o que havia chamado a atenção do rei e outro entrou, parando bem na frente de Etta.

—Soldado. — Alex latiu.

Os dois guardas chamaram a atenção.

—Relatório.

—Senhor, eles não estão no palácio. Meus homens estão sendo enviados pelos portões internos. Vou mandar alguém para verificar os estábulos para ver se eles pegaram cavalos, e os outros começarão uma busca por casa.

O rosto de Alex endureceu. —Já enviei alguém para os estábulos. Comece a busca. Alguém deve estar escondendo eles.

Eles se curvaram e passaram correndo por ele para dar suas ordens. Alex ficou no lugar por mais um momento. Seus olhos queimaram em Etta. Ele acenou com a cabeça e se virou para voltar para dentro.

Não havia tempo para se despedir. Etta levou Tyson e Edmund do pátio.

—Ele acabou de limpar os estábulos para nós. — Ela sussurrou. —Mas ainda temos que chegar lá.

O destino deles não estava longe. Era o único lugar que poderia levá-los ao castelo externo sem passar pelos portões. A casa era a mesma. Era uma casa de dois quartos encostada na parede como se nunca realmente pertencesse a ela. O teto de palha precisava de conserto, mas havia uma vela brilhando na janela, sinalizando o fato de que havia novos proprietários. Proprietários que não eram seus pais. Eles estavam imperturbáveis lá. Pelo menos, era o que seus olhos de criança tinham visto. Agora ela se perguntava se alguém poderia realmente se contentar quando fosse amaldiçoado. O pai dela fingiu durante todos os anos em que viveu dentro daquelas paredes?

—Quando eu era pequena — Etta começou, olhando para Tyson pelo canto do olho. —Eu tinha uma propensão ao roubo. Isso me causou muitos problemas com meu pai, mas descobri como entrar e sair do castelo externo, então fiquei fora do radar do rei. — Ela sorriu com a lembrança. —Embora, seu irmão geralmente estivesse me irritando.

Edmund emitiu um som profundo na garganta, mas não houve tempo para explicar. Honestidade viria depois.

Ela correu em pé silencioso para o lado da casa. Os caixotes em que haviam guardado as galinhas ainda estavam lá. Ela voltou-se para os meninos. —Ok, precisamos tentar o mais silenciosamente possível. Há pessoas dormindo lá.

O som de uma porta se abrindo a fez girar, ficando cara a cara com uma menininha de olhos arregalados. Ela puxou seus cabelos loiros e olhou.

Etta prendeu a respiração, esperando a garota gritar ou chorar ou fazer algo para acordar seus pais.

Tyson avançou. —Está tudo bem, eu sou o príncipe.

Ela hesitou e deu um passo para trás.

—Por favor, não acorde seus pais. — Disse Etta.

A garota finalmente falou. —Mamãe e papai foram trabalhar quando o alarme soou. Eles são guardas.

Etta não perdeu tempo. —Tyson, nós temos que ir. — Ela subiu nos caixotes que não seguravam mais galinhas e pulou como havia feito mil vezes antes. Seus dedos agarraram a borda do telhado e suas pernas balançaram sob ela antes que ela conseguisse se levantar, seu corpo adulto capaz de fazer isso mais facilmente do que antes.

—Edmund é o próximo. — Ajoelhou-se na beira e estendeu a mão. —Ele não vai dar o salto em seu estado. Tyson, você terá que içá-lo e entre nós dois podemos trazê-lo para cá.

Tyson curvou-se, segurando as pernas de Edmund e esticou. Ele era um adolescente forte e Edmund era magro. Edmund estendeu a mão e ela agarrou seus braços, usando o telhado como alavanca para puxar. Quando ele acordou, o peito dela arfava. Tyson deu o salto facilmente.

A parede estava apenas um degrau e, quando subiram para o telhado da oficina do outro lado, Etta olhou para trás e viu a garota ainda os observando.

 

Eles chegaram aos estábulos sem problemas, graças ao rei. Ele manteve os guardas ocupados com uma busca de casa em casa. O rapaz do estábulo de plantão durante a noite estava dormindo contra a parede e, com um baque de Tyson, ele não estaria acordado para vê-los montando os cavalos.

Vérité chutou sua baia empolgado quando Etta se aproximou. Ela sorriu. —Estamos saindo daqui, garoto. Você e eu. Liberdade, como isso soa? Mas primeiro teremos que quebrar essa maldição.

O cavalo bufou.

—Eu não me importo se você não acredita em mim. — Ela retrucou, erguendo a sela do gancho do lado de fora da cabine. Ela passou a mão pelas costas dele. —Você e eu, amigo.

Uma vez selado, Vérité a conduziu da baia entre um coro de bufos e relinchos vindos das outras tendas. Tyson estava esperando por ela ao lado de um garanhão todo branco. Edmund se afastou da parede que estava usando para se sustentar.

—Você está comigo. — Etta disse, apontando para Vérité.

—Você espera que eu monte nessa coisa?

—Edmund, cale a boca. Você sabe tão bem quanto eu que cairia se tentasse andar por conta própria agora. — Ela lhe deu um sorriso. —Eu prometo que ele não vai te morder.

Ele xingou e caminhou em sua direção. Tyson e Etta o firmaram quando ele subiu. Etta prendeu a bolsa que Catrine havia lhe dado na sela e guardou a espada atrás dela. Ela olhou para Edmund antes de dar um chute em Vérité. Eles trovejaram do estábulo. Tyson seguiu logo atrás.

Os guardas correram para a rua gritando, mas antes que eles pudessem fechar os portões externos, os dois cavalos entraram.

Etta saiu da estrada para galopar pelo campo aberto, querendo colocar o máximo de distância possível entre eles e o castelo.

Cavalgaram por horas sem sinal de perseguição, embora ela tivesse certeza de que eles estavam vindo atrás deles. Seriam três dias de cavalgada para chegar às terras da duquesa Moreau.

Os campos ondulados cederam quando as árvores os envolveram. Eles se abaixaram para ficar embaixo de um galho e tiveram que desacelerar no terreno irregular.

Edmund agarrou-a com mais força pela cintura enquanto ele balançava.

—Você está bem? — Ela perguntou.

—Nunca estive melhor, Persinette. — Ele mordeu o nome dela com decepção em sua voz.

Suas mãos seguravam as rédeas com tanta força que os nós dos dedos ficaram brancos. —Você sabe.

—Eu deveria ter visto isso antes.

—Como? Você não me conhecia quando eu morava aqui antes.

Uma árvore se estendia pelo caminho na frente deles, bloqueando seu caminho. Etta levantou a mão e os galhos começaram a dobrar e encolher até que houvesse uma lacuna larga o suficiente para os cavalos.

Ela mal percebeu que tinha usado sua magia até ver o rosto atordoado de Tyson. —E eu pensei que minha coisa da água era legal.

Edmund desviou os olhos em direção a Tyson. —Você tem magia?

Em resposta, Tyson pegou um reservatório de água aparentemente vazio e se concentrou nele antes de entregá-lo a Edmund, a água escorrendo pelos lados.

—Parece que perdi muito. — Edmund deu de ombros e tomou um longo gole antes de devolvê-lo a Tyson e voltar ao tópico anterior. —Eu posso não ter te conhecido, Etta, mas eu senti como eu. — Ele balançou sua cabeça. —Eu conheci Alex na semana depois que você e seu pai fugiram. Ele estava uma bagunça e conversou sobre você... muito.

—Ele provavelmente estava apenas um pouco traumatizado.

—Presumo que ele não sabe quem você é? — Ele perguntou.

Ela balançou a cabeça. Ela não queria que ele a reconhecesse, mas o fato de ele ainda não ter machucado. Ela o teria reconhecido em qualquer lugar.

—Certo. — Amargura tingiu suas palavras. —Ou então você estaria naquela masmorra comigo.

Os ombros de Etta começaram a tremer quando a verdade de suas palavras ecoou em sua mente. Edmund a cutucou.

—Ei. — Ele disse. —Alex também me tirou.

—De uma maneira que ninguém saberia que ele estava envolvido. Eu me preocupo que, sem nós lá, ele siga os passos de seu pai.

—Mas você está planejando voltar, certo?

Enquanto ela contemplava a pergunta dele, um choque de dor a atingiu. Ele a jogou de lado quando ela gritou. Ela caiu das costas de Vérité antes que Edmund pudesse pegá-la.

Uma explosão de vento diminuiu sua descida, cortesia de Edmund.

Edmund e Tyson saltaram de suas selas e correram em sua direção enquanto ela se contorcia no chão da floresta. A respiração dela veio em suspiros.

—Etta, o que está acontecendo? — Edmund estremeceu ao se ajoelhar, tentando não cair ao lado dela.

—É a maldição? — Tyson perguntou.

Edmund recuou, sua voz não mais que um sussurro reverente.

—A maldição dos Basile? As lendas são verdadeiras? — Ele não esperou por uma resposta enquanto se inclinava para frente. —É isso. Por que você voltou. Você está ligada a Alex.

Ela fez uma careta para ele quando a dor começou a se acalmar.

—Estou feliz que você esteja tendo uma epifania, porque tudo que sinto é dor.

—Todo mundo conhece as histórias de uma maldição que derrubou um reino inteiro, mas isso é tudo o que eram. Histórias. Fingimentos.

—Bem, eu não estou fingindo. Isso dói. — Um grunhido rasgou sua garganta quando ela se recostou e levantou os olhos para o céu. Lágrimas picaram as bordas de suas pálpebras. Quanto mais longe de Alex ela chegasse, pior seria. Essa dor era apenas o começo.

Ele devia estar sentindo isso também, e ela estava estranhamente feliz por isso. Isso significava que ela não estava sozinha.

Tyson a levantou. —Estamos longe o suficiente do palácio agora e você parece a morte, então devemos descansar a noite.

Ela assentiu, não tendo vontade de discutir. Ela usou sua última força para criar toras para o fogo antes de se enrolar ao lado de seu calor.

Naquela noite, Tyson contou tudo a Edmund. Sobre ele. Sobre ela. Etta fechou os olhos, exausta demais para se importar enquanto seu mundo mudava mais uma vez, o equilíbrio que ela lutou tanto para manter diminuindo.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Capitulo Vinte e Cinco


As traições nunca terminariam?

Alex invadiu o castelo, nada em sua cabeça além de raiva. Ele não conseguia ver as pessoas por quem passava ou os guardas que seguiam à distância. A única coisa em sua mente era seu destino.

Seu punho soou como um trovão na porta da suíte da rainha viúva. Ela o deixou entrar, mas não se afastou da ira dele.

—Mãe. — Ele rosnou. —Diga-me por que eu acabei de ver Tyson acompanhando Etta fora do palácio?

Os olhos da rainha se arregalaram quando ela ofegou. —Você não os parou, parou?

Ele bateu a porta ainda aberta e avançou mais para dentro da sala. —Claro que não. Se tivesse, mandaria Etta e Edmund para o carrasco.

Ela soltou um suspiro que estava segurando, e a raiva começou a escorrer dele enquanto ele estudava o rosto preocupado de sua mãe.

—Mãe, me diga o que está acontecendo. Cadê meu irmão?

Ela balançou a cabeça e se afastou, o medo finalmente entrando em seu olhar.

—Você tem medo de mim? — A pergunta o machucou a perguntar.

Por um momento, ele pensou que ela não iria responder. Ela afundou lentamente no sofá. —Tyson não é um Durand. — Sua mãe engasgou.

O primeiro instinto de Alex foi negar suas palavras. Claro que Tyson era um Durand. Ele era um príncipe de Gaule. Amado irmão do rei.

—É verdade. — Disse ela. —O pai dele tinha magia.

Alex desabou em uma cadeira, suas pernas não conseguiam mais segurá-lo. Ele abaixou a cabeça quando as palavras de sua mãe entraram. Tyson tinha magia. E ele acabou de fugir porque temia o que seu próprio irmão faria com ele. Assim como Edmund.

Todos esperavam que ele trouxesse um novo expurgo. Ele pensou que odiava magia. Ele viu o mal que poderia fazer. Mas ele também conhecia Edmund e Tyson e não os odiava.

E eles acreditaram no pior dele. Ele levantou o olhar torturado para a rainha.

—Mãe. — Ele resmungou.

Ela ficou de pé e correu em sua direção, curvando-se para envolvê-lo em seus braços.

—Eu o teria protegido. — A voz de Alex tremeu. —Ele não precisava fugir de mim.

—Você teria tentado, meu doce garoto. Eu acredito que você teria tentado.

—Não sei mais o que pensar.

—Nenhum de nós sabe.

Ela o soltou e ele limpou o rosto.

—Quem é o pai de Tyson?

—Alguém de quem cuidei muito, mas isso não é importante. Ele está perdido para nós.

—Você amava o pai?

Ela sorriu tristemente. —Eu amei o homem que ele era antes de sua obsessão por magia o consumir.

—Eu não quero me transformar nele.

—Então não se transforme. Apenas tenha cuidado, Alexandre. Gaule não está pronta para um rei que não se curva à tradição.

Uma batida bateu contra a porta e quando a rainha a abriu, Anders entrou, arrastando uma jovem pelo braço. Alex se levantou.

—Qual é o significado disso? — Ele perguntou.

Anders empurrou a garota para frente e ela tropeçou antes de se endireitar. O reconhecimento instantâneo provocou Alex. Ele a viu no torneio e novamente quando a vila foi atacada.

—Diga a ele. — Anders ordenou.

—Senhor. — A garota gaguejou, empurrando cachos para fora do rosto. —Eu tenho informações.

Um aviso soou na mente de Alex. Ele lembrou exatamente onde a viu e com quem ela esteve.

A garota levantou o queixo. —Eu quero trocá-las por meu pai.

—Onde está seu pai? — Perguntou a rainha.

—As masmorras, minha senhora. — Ela desviou os olhos. —Ele é um... homem mágico. Mas ele é um bom homem. Tipo. Ele nunca machucou uma alma. Eu juro.

—O que é essa informação? — Alex se inclinou para encontrar seus olhos.

A tristeza que encheu seu rosto era de cortar o coração. Lágrimas escorriam de seus cílios pelas bochechas antes de correr pela extensão de sua pele caramelo. —Tem uma...— Ela soluçou um soluço. —Uma traidora no palácio.

Ele colocou o dedo sob o queixo dela e inclinou o rosto para cima para olhar para ele. —Conte-me.

—Etta.

O nome fez a sala girar e ele quase não conseguiu ouvir o resto das palavras dela.

—Ela é filha do homem que matou o rei.

Ele tropeçou para trás quando uma onda de náusea correu através dele. Persinette Basile.

—Tire-a daqui. — Ele rosnou para Anders.

Assim que eles se foram, sua mãe agarrou seu braço. —Alexandre.

Ele afastou o braço enquanto uma dor quente batia em seu crânio. Apenas algumas horas atrás, ele estava irremediavelmente apaixonado. Ele sentiu cada gota de amor sendo arrancada, substituída pelas brasas ardentes de outra traição.

Ele deveria saber. Deveria ter reconhecido a garota que significava muito para ele ao mesmo tempo. Mas ela não era mais aquela garota. Ela estava envolvida no assassinato de seu pai? Por que ela estava no palácio?

—Ela está conspirando contra mim. — Ele murmurou.

—Alexandre, não. — Sisse a mãe.

—Então por que mais ela estaria aqui? Ela deveria querer ficar longe de qualquer um de nós depois de tudo o que o pai fez. — Ele virou a mãe, arregalando os olhos ao ver a expressão preocupada dela. Preocupada, não surpresa. —Você sabia. Você sabia e ainda assim me implorou para confiar nela. Você enviou Tyson com ela. A única coisa que agradaria aos Basile é a nossa queda.

—Então por que ela está colocando Tyson e Edmund em segurança?

Ele não respondeu quando se virou para abrir a porta. Ele começou a entender seu pai naquele momento, porque sabia como era ser rei e perceber que a única maneira de governar estava sozinha.

Ele chamou os guardas esperando por ele no corredor, apontando para um deles. —A rainha não deve sair de seu quarto. Suas criadas trarão sua comida aqui. Só eles podem entrar. A partir deste momento, Catrine Durand está confinada ao meu pedido.

Sua mãe não falou outra palavra quando ele marchou com seus guardas restantes.

—Senhor. — Disse um deles. —A busca no castelo está completa.

Ele deu a eles um grande avanço, mas nunca se arrependeu mais.

—Pegue um contingente de homens e comece a busca entre aqui e a fronteira de Bela. — Ele engoliu em seco. —A garota é sua principal prioridade. O nome dela é Persinette Basile e ela está nos enganando há muito tempo.

—E os outros? — Ele perguntou.

—Eles não são uma ameaça. Não os prenda. — Alex parou quando uma dor estranha irradiou em seu peito. —Ela é quem me interessa.

Ele esperava que eles deixassem Edmund e Tyson em segurança. Seus únicos crimes foram em seu nascimento.

Persinette era diferente. Todas as perguntas que ele tinha sobre ela desde o torneio de repente tiveram respostas. Mas elas não eram mais sobre Etta, pois essa garota não existia. Ele se apaixonou por alguém que não era real.

Sua velha amiga Persinette foi quem o traiu. Ele queria sentir raiva. Ele queria odiá-la. Mas tudo o que ele sentiu foi um buraco onde estava seu coração, e as verdades sufocantes se revelaram diante dele.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Capitulo Vinte e Seis


—Eu meio que esperava ver alguém atrás de nós agora. — Etta estremeceu quando se curvou para amarrar os cadarços de suas botas.

Edmund olhou de onde ele estava esfregando sua pele. Tyson criou uma piscina quente de água para ele e ele estava começando a se parecer agora que grande parte da sujeira se foi. —Não brinque conosco, querida Persinette.

Etta se endireitou e se virou para apertar as tiras da sela de Vérité. —Não me chame assim.

—É o seu nome. — Seus olhos se estreitaram quando ele voltou para amarrar o cabelo agora molhado do rosto. Cabelos loiros e grossos ainda cobriam suas bochechas, mas por baixo de tudo, ele era Edmund, a primeira pessoa que fizera amizade com ela no palácio. Seu parceiro em virar o torneio de cabeça para baixo e em manter Alex seguro.

Etta levantou um ombro em um encolher de ombros. —Eu não sou essa garota há muito tempo.

—Mas você é ela. Se você mudou ou não. Como as pessoas a chamam. Você é Persinette, filha de Viktor Basile.

Ela se encolheu com o nome do pai. —O homem que matou seu rei. — Ela estava agradecida pelas ações de seu pai, mas sabia que ele entraria na história como nada mais que um matador de reis.

Edmund se levantou, ainda se movendo lentamente em seu estado enfraquecido. Ele cruzou a distância entre eles até que ele estava bem na frente dela. —Não. — Ele disse humildemente. —O homem que protegeu nosso povo.

Ela permaneceu congelada enquanto ele passava. Nosso povo. Fazia tanto tempo desde que ela estava perto de alguém que sabia a verdade. Eles compartilharam uma conexão, e isso aliviou um pouco da dor que ela ainda estava sentindo.

Tyson saltou na direção deles. —Então, vamos ignorar o fato de que Etta é a única descendente viva da linhagem real de Bela?

Levou tudo o que tinha para manter a voz firme. —Isso não significa nada por ser herdeira de um país que não existe mais.

Um sorriso iluminou seu rosto. —Veja, é aí que você está errada. Ela existe. Bela em si pode estar desocupada, mas não somos todos nós descendentes mágicos de Bela?

—Ou Dracon. — Ela disse sombriamente.

—Minha mãe me disse que eu sou Belaeno. — Ele parou de se mover e caiu de joelhos.

—O que você está fazendo?

Edmund ficou atrás de Tyson, tremendo de tanto rir.

Tyson apenas sorriu. —Você é minha rainha. O que você acha que eu estou fazendo?

—Tyson, um príncipe de Gaule não se ajoelha a ninguém.

Ele abriu os braços. —Então é uma coisa boa que eu não sou realmente um príncipe de Gaule.

Etta apertou o peito quando outro tremor a atingiu. Tyson ficou de pé e a agarrou pelo braço. —Você vai ficar bem?

—Pare de me perguntar isso. A resposta não vai mudar. — Ela caminhou em direção aos cavalos. —Nós devemos nos mexer.

Edmund foi capaz de se levantar dessa vez. Ele ficava mais forte enquanto ela enfraquecia. Ela mal conseguiu subir atrás dele e eles partiram.

Chegaram ao distrito agrícola por volta do meio dia e Etta foi consumida por pensamentos de Alex.

—Você pode me contar sobre isso? — Tyson perguntou a ela. —Sobre magia.

—O que você quer saber? — Ela estremeceu de dor.

—Tudo. Eu nunca conversei com alguém que já teve isso antes.

Ela forçou um sorriso, embora sentisse como se seu interior estivesse sendo rasgado em pedaços. Tyson realmente era inocente em tudo isso. Ela supôs que também era quando o pai explicou a ela. Ela tentou se lembrar das palavras dele. —O poder de duas pessoas não se manifesta da mesma maneira. Alguns podem parecer semelhantes, mas sempre há pequenas diferenças. — Ela pensou por um momento enquanto ele assentia ansiosamente.

Edmund pulou antes que ela pudesse continuar. —O poder da maioria das pessoas é bastante fraco, na verdade.

Etta assentiu. —Alguns têm a capacidade de fazer grandes coisas, mas a maioria não pode. É por isso que é tolice o povo de Gaule temer toda a magia. Veja Edmund, por exemplo. O máximo que ele pode fazer é empurrar sons ao vento ou dar uma leve brisa. — Ela beliscou o lado dele em tom de brincadeira.

Ele mordeu a isca. —E Etta aqui pode incomodá-lo, fazendo as ervas daninhas em seus jardins crescerem.

Ela riu. —Lembro-me de poder prendê-lo com minhas 'ervas daninhas' quando nos conhecemos.

Ele encolheu os ombros. —Você teve sorte. Eu não esperava que a ladra que perseguia tivesse magia. Eu teria vencido você sem ela.

—Como você me superou no torneio?

Tyson uivou de rir. —Ela chutou sua bunda.

—Mal. — Edmund resmungou.

Etta riu. —Se você quiser, eu posso deixá-lo de volta nessa masmorra.

Ele torceu a sela para lhe dar um sorriso. —Sem chance. Eu ouvi as lendas do que o último descendente dos Basile deve ser capaz de fazer e não vou perder o programa.

—O que ela vai fazer? — Tyson perguntou.

Edmund deu-lhe uma piscadela. —Eles têm um poder que pode combater a La Dame. É por isso que nunca pensei que Etta pudesse ser Persinette. — Ele levantou um ombro. —A menos que ela planeje amarrá-la em ervas daninhas e bater nela na cabeça com um galho de árvore ou algo assim.

Suas costas tremiam de tanto rir. Etta enfiou os dedos no lado dele e escondeu seu próprio sorriso.

Enquanto contornavam a orla de uma cidade rural, o barulho que eles temiam chegou até eles. Cavalos. Muitos deles. Eles trovejaram pela estrada. Edmund chutou Vérité quando Etta olhou para trás.

—Eu conto seis. — Ela gritou.

—Acha que podemos fugir deles? — Ele gritou de volta.

—Normalmente, eu diria que Vérité poderia superar alguém.

—Mas...

—Ele está carregando uma carga dupla.

Etta alcançou atrás dela e soltou sua espada. Sua mão enfraquecida mal conseguia segurá-la. Vérité deu um passo à frente e balançou na sela.

—Não solte. — Gritou Edmund. —Prometa-me, Etta. Estamos nisso juntos. — Ela não respondeu. Em vez disso, ela olhou para Tyson. À medida que os soldados se aproximavam, ele puxou a mão de volta para atirar água nos olhos do cavalo, mas seu objetivo estava errado.

Etta estendeu a mão, sentindo sua magia implorando para se libertar. Ela estalou, mas depois fracassou.

—Droga! — Ela gritou.

Um dos guardas levantou um arco e atirou. Tyson desviou a flecha habilmente.

Edmund tentou agitar o ar para impedir que flechas os atingissem, mas sua magia também falhou.

Eles estavam perto. Tão perto. Se eles chegassem às terras da duquesa Moreau, ela os protegeria. Foi o que Catrine disse a ela.

Outra flecha escapou por pouco do flanco de Vérité. Foi isso. Ela sabia o que tinha que fazer. Ela se inclinou o mais perto possível de Edmund. —Leve o garoto para a segurança.

Edmund gritou em protesto, mas ela não o ouviu quando se jogou do cavalo, aterrissando com tanta força que a derrubou por um breve momento.

Quando ela abriu os olhos, tudo doia. Ela mal conseguia levantar a cabeça e viu Edmund e Tyson hesitando. —Vão. — Ela resmungou. Eles não podiam tê-la ouvido, mas fizeram o que ela queria, deixando-a na terra, cercada por soldados de Gaule.

Os soldados deixaram Edmund e Tyson irem, um fato que ela achou estranho, até que um se aproximou e zombou dela. —Olá, filha do rei matador. Você está presa por ordem da coroa.

Sua cabeça bateu no chão com um ruído quando ela deixou cair. Eles sabiam quem ela era.

—Vocês vão me matar? — Ela tinha que saber. Se eles a matassem, Alex também morreria.

—Temos ordens para trazê-la viva.

Ela foi puxada por cima do ombro de alguém e, em seguida, pendurada nas costas de um cavalo. Nada disso importava para ela quando o alívio correu por suas veias. Ela voltaria prisioneira, mas pelo menos a dor terminaria.

Um punho grosso brilhou na frente de seu rosto antes que a escuridão a dominasse.

 

Etta chegou enquanto passavam pelos portões externos do castelo. Há quanto tempo ela dormia? Dias, provavelmente. Seu estômago atestou esse fato quando ele se soltou do vazio.

A dor desapareceu agora que ela estava perto do rei mais uma vez, mas a deixou fraca ainda.

Enquanto seus olhos avaliavam o que acontecia dentro das muralhas do castelo, ela percebeu que nada havia mudado. Mas seu mundo inteiro agora era diferente. Ela não passou por esses portões como a protetora do rei. Ela veio como prisioneira, inimiga.

As pessoas zombavam dela quando passavam.

Os rostos outrora amigáveis estavam agora torcidos de raiva.

Nada disso importava para ela. Ela tinha perdido. Ela não tinha quebrado a maldição como prometera ao pai e agora nunca teria a chance. A linhagem familiar deles terminava com ela.

Mas então, isso significava o mesmo com a maldição.

Etta levantou os olhos da melhor maneira possível, enquanto se aproximavam dos portões internos. A língua dela grudou no céu da boca e o suor começou a se espalhar pela testa quando ela viu. O rei os esperava, cercado por sua guarda pessoal. Eles ficaram em formação ao redor dele como se temessem que ela tentasse machucá-lo.

Eles não sabiam que ela era fraca demais para usar sua magia.

Eles não sabiam como suas vidas estavam entrelaçadas. Que machucá-lo a machucaria. Que ela o amava.

Tudo o que eles sabiam era que ela era Basile e descendente de Bela. Isso era o suficiente para eles.

Os olhos dela beberam ao ver Alex. Após esses longos dias de dor, a maldição não a queimava mais. Regozijou-se com a proximidade deles, como se fosse uma coisa viva.

Alex ficou alto, mas quando eles se aproximaram, ela notou a palidez de sua pele, a meia-lua circulando sob seus olhos. Ele estava se sentindo como ela. Sua coroa estava ereta na cabeça, mas mudou quando seu corpo se lançou involuntariamente. Ele encobriu o movimento com uma tosse, mas ela viu.

Seus lábios rachados se separaram quando ela foi arrastada do cavalo e caiu no chão. Eles tentaram formar o nome dele, mas apenas o ar escapou dela.

Os guardas se mexeram quando o rei avançou. Um guarda atrás dela a agarrou pelos cabelos e jogou a cabeça para trás, para que ela estivesse olhando diretamente nos olhos duros do rei. Ele não tinha sorrisos para ela, nem palavras de conforto. Ele se inclinou para empurrar a perna de suas calças largas, as mãos ardendo nela. Quando roçaram a cicatriz irregular, ele as arrancou.

Respirando pesadamente por um momento, ele olhou para ela com traição nos olhos. —Deixe a garota ter o pai dela, é ela. É Persinette Basile.

E foi aí que ela soube. Ela foi abandonada, trocada. Maiya.

A raiva apareceu em um flash antes de desaparecer. Maiya fez isso por seu pai. Naquele momento, Etta provavelmente teria feito qualquer coisa para ter o pai de volta também.

Essa não era a traição que importava.

Alex sabia quem ela era. Ele sabia que ela estava mentindo enquanto compartilhava sua cama.

Um soluço escapou dela. —Alex.

Ele balançou a cabeça e inclinou-se para olhar diretamente nos olhos dela. —Eu sou seu rei. Fale comigo como tal.

Enquanto ele continuava olhando para ela, a incerteza e algo que ela quase confundiu com simpatia entraram em seu olhar. Mas amor? Isso se foi.

Ele passou a mão no rosto e ela viu o coração dele se partir em dois, sentindo a mesma dor no peito.

—Etta. — Ele sussurrou tão baixinho que ela quase não ouviu. Então, como se ele não tivesse dito isso, ele se endireitou e colocou a capa em torno dele.

Uma gota de água atingiu seu rosto quando a chuva caiu como as lágrimas que ela se recusava a chorar. O rei e seus homens se viraram e marcharam em direção ao palácio seco.

Etta conseguiu se levantar do chão. Enquanto se levantava, ela levantou o rosto para o céu, deixando a chuva lavar seus arrependimentos.

Um guarda passou a mão carnuda ao redor do braço dela enquanto outro o seguia. Eles a empurraram para as escadas que a levariam às masmorras, sua nova prisão. Ela ergueu os ombros e ergueu o queixo, mantendo a cabeça alta contra o cativeiro que se aproximava.

Pois ela era Persinette Basile. Filha do matador do rei. Descendente de Bela. Herdeira do trono de Bela. Ela era amaldiçoada, e os amaldiçoados sempre tem maiores batalhas a travar.

 

 

                                                   M. Lynn         

 

 

 

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