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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


GRAVE MISTAKE
GRAVE MISTAKE

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

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Capitulo Nove

Por um momento, eu não estava no meu corpo. Eu estava em outro lugar, queimando viva na escuridão. Meus ouvidos estavam cheios do clamor de mil sinos tocando. Eu não conseguia fazer meu corpo gritar. Não pude apagar o fogo. A dor estava tão além de qualquer coisa que eu pudesse envolver minha cabeça que depois eu não conseguia descrever e mal conseguia me lembrar como era. Eu sabia com absoluta certeza que iria morrer. Pelos olhos fixos e sem resposta do meu corpo, a costa distante de repente pareceu muito mais perto.

No lugar onde eu estava queimando, senti uma mão fria no meu ombro. Alguém parado atrás de mim. A voz deles sacudiu meus ossos fumegantes.

—Ainda não.

E então, de repente, eu estava de volta à minha própria pele, transbordando com tanta energia que doía, como agulhas sob a minha pele tentando forçar sua saída. Sem pensar, bati as mãos no peito de Gwydion e abri as comportas. O poder correu para fora de mim em uma torrente que eu não poderia ter parado se quisesse. Queimou-me quando passou, afundando nele. Os olhos de Gwydion se abriram de uma só vez, o corte em sua cabeça se uniu à luz prateada e se fechou.

Mas não consegui parar o fluxo de poder. Havia muito para eu conter, e Gwydion era um vaso vazio. Ele olhou para mim e eu me vi refletida em seus olhos arregalados, envoltos em fogo, chamas chorando. Ele sentou, minhas mãos ainda em seu peito, ainda derramando poder nele apenas para me impedir de queimar. Ele me alcançou lentamente e segurou meu rosto em suas mãos trêmulas, sua pele bebendo o fogo. Suas mãos estavam frias como água em um dia de verão, acalmando o calor terrível que estava tentando o seu melhor para me queimar viva. Ele se inclinou para perto, curvando-se no meu fogo e beijou minha boca ardente.

Ele tirou o poder de mim como veneno de uma ferida. Apressou-se ainda mais rápido do que antes, e eu tremi de dor e alívio. Ele poderia ter tudo, se quisesse. Enquanto o fogo parou, eu não me importei.

Eu derreti em seu beijo gelado, em seus braços, a queima finalmente começando a retroceder quando o poder passou por mim. Afinal, não era infinito, e Gwydion aceitou tudo ansiosamente.

Ansiosamente demais. Enquanto o poder continuava fluindo de mim como sangue de uma veia, comecei a voltar aos meus sentidos e percebi que tínhamos passado o ponto do que eu não podia conter. Minhas mãos se apertaram no tecido do casaco de Gwydion, tentando e falhando em afastá-lo. Ele poderia muito bem ter sido feito de pedra. Estávamos nos aproximando rapidamente de um ponto com menos energia do que eu tinha desde que tocara a vela. Eu assisti esse ponto ir e vir e o beijo de Gwydion ainda continuava, até eu perceber que ele não iria parar até que eu estivesse vazia de toda a magia, ou morta.

Então eu o mordi, forte o suficiente para tirar sangue, e ele se afastou, o fluxo de poder finalmente parando. Eu o empurrei, colocando espaço entre nós rapidamente, caso ele tentasse continuar. Meu coração estava batendo forte e eu ainda estava desorientado, lutando para manter a lembrança do que havia acontecido quando tentei acessar a vela.

—Que porra é essa? — Cole estava dizendo, e parecia que ele estava dizendo isso há algum tempo, pois Gwydion e eu estávamos insensíveis demais para perceber. Ethan me pegou quando me afastei de Gwydion, e deixei que ele me segurasse, agradecida pela sensação de segurança em seus braços.

—O que aconteceu? — Ethan me perguntou. —O que você fez?

—Mas como? — Cole disse, olhando para mim com algo entre reverência e medo. —Eu nunca vi esse tipo de poder em lugar algum.

—Eu tenho. — Gwydion falou suavemente. Ele se ajoelhou onde eu o empurrei, parecendo quase tão abalado quanto eu quando tocou seu lábio mordido e olhou com olhos arregalados para o sangue em seus dedos. Mas havia um olhar quase arrebatador em seus olhos.

—Eu não sou tão forte desde que deixei Avalon. — Disse ele e olhou para mim como se eu fosse algo santo e aterrorizante. —Você tem o poder de uma rainha.

Ele piscou e pareceu repentinamente um pouco enjoado, caindo de costas com uma surpreendente falta de graça pelo que eu esperava dele.

—E eu quase matei você. — Disse ele, quase para si mesmo.

Ethan e Cole trocaram um olhar assustado com isso, depois olharam para mim onde eu ainda estava enrolada nos braços de Ethan.

—Estou bem. — Eu disse rapidamente, o que era verdade. Cansada e mais fraca do que eu estava há um tempo, mas eu não estava sangrando ou pegando fogo, e eu podia deitar minha cabeça no peito de Ethan e ouvir seu coração bater. —Eu estou bem. Foi apenas um pouco de energia demais, só isso.

—Um pouco de energia demais de onde? — Perguntou Cole. —Onde você conseguiu isso?

—Uh, eu tentei bater na vela. — Eu disse. —Ainda estou conectada a ela, então achei que talvez pudesse acessar sua fonte de energia.

—Você usou a fonte de toda energia necromântica na Terra? — Cole disse, sua voz falhando. —Como você não está morta? Como todos nós não estamos mortos?

Eu não tinha uma resposta para isso. Também não parecia Gwydion, mas ele também não estava prestando atenção, com a mão na boca e as sobrancelhas franzidas, o olhar focado na costa distante.

—Só... nunca faça isso de novo. — Exigiu Cole. —Jesus Cristo, não é à toa que você estava pegando fogo. Há uma razão pela qual as pessoas trabalham com focos como a vela, sua idiota! Usar a fonte bruta deveria tê-la fritado como um inseto e todos nós com você.

—Eu acho que é uma coisa boa que Gwydion possa absorver tudo. — Ethan disse enquanto eu franzi a testa e tentei lembrar o que tinha acontecido quando eu peguei a chama. Lembrei vagamente da queimação. Todo o resto estava perdido no fogo até o momento em que Gwydion me beijou.

—Besteira que ele fez. — Cole riu. — Tanto poder o fritaria também. Ou Vexa de alguma forma conseguiu se abrir para, literalmente, todo o poder da própria morte e apenas canalizar um pedacinho, o que é absurdo - como tentar pular no oceano e esperar apenas molhar o dedo - ou o que ela bateu não foi a vela.

Eu não gostei desse pensamento.

—O fato de que ela seria capaz de alcançar a vela quando ela estiver literalmente em um universo diferente já é bastante absurdo! — Cole disse, jogando as mãos no ar. —Isso é besteira estranha, e eu não gosto!

—Independentemente disso, está pronto. — Interrompeu Gwydion, levantando-se e tirando a jaqueta molhada. A balsa balançou e Cole tropeçou, olhando para Gwydion enquanto ele apenas conseguia manter o equilíbrio. Gwydion o ignorou, olhando para mim enquanto tirava a gravata também, deixando apenas sua camiseta branca solta. —Perdoe-me por um momento.

Então ele deu dois passos e mergulhou da balsa. Por um segundo, apenas encaramos as ondulações em seu rastro, surpresos demais para reagir. Finalmente, Ethan apenas balançou a cabeça e suspirou.

—Por que não? Não como qualquer outra coisa ultimamente faz algum sentido. — Ele murmurou, depois me puxou para mais perto, esfregando os braços para tentar me aquecer. Nós dois ainda estávamos encharcados, então não adiantou muito.

—Então. — Ele disse depois de um momento. —Você beijou Gwydion.

Fiquei confusa por um momento até perceber que ele quis dizer o que tinha acabado de acontecer. Foi realmente difícil manter essas memórias por algum motivo.

—Oh, sim. — Eu disse com um sorriso tímido. —Pouco mais do que isso, na verdade. Logo antes de Gil escapar.

—Eu pensei que você disse que não achava que iria dormir com ele? — Ethan perguntou, sobrancelhas levantadas.

—Sim, eu não pensei que sim. — Eu disse, envergonhada agora. —Ele é... surpreendentemente persuasivo. Foi apenas uma coisa única. Nós deixamos isso claro.

—Espere, você dormiu com esse cara? — Cole perguntou, franzindo o nariz.

Cobri meu rosto com a mão, tentando controlar o rubor que aquece minhas bochechas.

—Sim, eu dormi. — Eu disse, tentando segurar algum orgulho. —Não é da sua conta.

Cole apenas balançou a cabeça.

—Alguém já lhe disse que você tem um gosto terrível? — Ele perguntou. —E possivelmente um desejo de morte?

—Ele tem razão. — Ethan disse com um encolher de ombros.

—Considerando que eu estava flertando com você esta manhã, Cole. — Eu disse maliciosamente. —Eu não faria comentários sobre o meu gosto.

—Foi essa manhã? — Ethan disse pensativo. —Era noite no Julius, e dormimos pelo menos algumas horas, então...

—Estar interessada em mim é absolutamente um sinal de mau gosto. — Respondeu Cole. —Possivelmente uma decisão pior do que o monstro devorador de homens que pode te atacar a qualquer momento. Provavelmente pior que o lobisomem também.

Ethan bufou.

—Você não é tão ruim. — Ele disse.

—Eu sou um desastre humano sem-teto que está apenas usando você para colocar minhas mãos em uma ferramenta mágica incrivelmente poderosa por minhas próprias razões egoístas. — Apontou Cole.

—Mas você tem um cabelo muito bom. — Eu rebati, apenas meio sarcasticamente. Cole parou, pego de surpresa.

—Bom senso de humor também. — Ethan concordou, e eu sorri quando vi Cole ficando vermelho.

—Bom gosto em filmes. — Acrescentei.

—Sorriso fofo. — Ethan falou.

—Olhos lindos.

—Inteligente como o inferno.

—Bunda fantástica.

—Tudo bem, isso é o suficiente! — Cole disse, vermelho como uma beterraba. —Vocês dois são claramente idiotas, sem senso de autopreservação.

Um respingo nos interrompeu quando Gwydion reapareceu, jogando o cajado na jangada antes de sair da água. Eu me permiti um minuto para admirar o quão bom ele parecia encharcado assim.

—Perdi algo? — Ele perguntou, levantando-se e torcendo a camisa. Cole ainda estava muito vermelho, e Ethan e eu não conseguimos parar de sorrir.

—Apenas nós dizendo a Cole todas as coisas que gostamos nele. — Eu o informei.

—Espero que você tenha mencionado sua bunda fenomenal. — Disse Gwydion casualmente, pegando o cajado e o paletó. Cole parecia quase combustão espontânea. —Todo mundo está de pé agora. Precisamos nos mexer se quisermos alcançar meu gêmeo idiota.

—Mas não sabemos para onde ele foi. — Eu disse, levantando-me e oferecendo uma mão para Ethan.

—Eu posso rastrear seus feitiços de teletransporte. — Disse Gwydion e estalou os dedos.

Uma onda de ar quente tomou conta de nós quatro ao mesmo tempo. Meu cabelo voou ao redor do meu rosto, minhas roupas esvoaçantes. Eu lutei para segurar minha saia enquanto a água saía de nossas roupas em uma explosão deslumbrante. Quando o vento se acalmou, Gwydion olhou para onde Gilfaethwy havia desaparecido e passou a mão pelo ar como se estivesse limpando vapor de um espelho. Um rastreamento complexo de magia apareceu diante dele, que ele se inclinou para ler. —Foi por isso que ele pegou o cajado e foi primeiro à Cidade Sem Fim. É muito mais difícil rastrear o cajado, e eu não seria capaz de dizer por quais dos poços da cidade ele passou se eu não tivesse- Não o vi. Mas agora que ele está se teletransportando sob seu próprio poder - o que ele não tem muito entre nossa recente briga e nossa visita à Cidade - segui-lo será muito fácil. Eu posso finalmente ser capaz de-

Ele ficou em silêncio bruscamente, depois descartou o texto mágico, carrancudo.

—O que há de errado? — Eu perguntei preocupado.

—Eu descobri para onde ele foi. — Respondeu Gwydion, conciso. Ele bateu com o cajado na superfície da balsa de madeira, e um portal se abriu através do qual eu podia ver vagamente os galhos das árvores. Gwydion se aproximou, hesitou e depois olhou para mim.

—Eu deveria te mandar para casa. — Disse ele. —Para onde ele está indo é... inóspito para os humanos. Eu deveria ser capaz de lidar com ele sozinho.

—Como você lidou com ele da última vez? — Eu perguntei. —A vida de Ethan está baseada no que Gil sabe. E sem o Vidro do Artífice, não podemos nem tentar descobrir mais sobre a maldição por conta própria. Não há como não ir com você.

—Onde ela vai, eu vou. — Ethan disse, colocando a mão no meu ombro.

Nós dois olhamos para Cole, que cruzou os braços, ainda um pouco rosado ao redor das orelhas.

—Eu realmente não tenho escolha, tenho? — Ele reclamou. —Se vocês idiotas vão e se matam, não há como eu pegar a vela.

Eu sorri para ele, feliz por ele estar conosco.

—Então está resolvido. — Eu disse. —Todos nós vamos.

—Não é nem remotamente estabelecido. — Argumentou Gwydion. —É a coisa mais distante da solução.

—Você realmente vai discutir comigo depois que eu quase morri salvando você? — Eu perguntei, mãos nos meus quadris.

Gwydion fechou os olhos por um momento, reunindo a compostura.

—Tudo bem. Vocês todos estão vindo. Tenho certeza que isso não vai acabar mal.

Ele pegou o casaco do braço, virou de dentro para fora e entregou para mim.

—Vista isso. Fiquem perto de mim. Não façam barulho e não usem magia, a menos que eu peça. Se nos separarmos... Vocês provavelmente morrerão. Não comam nada. Não cantem nem dancem. Façam tudo ao seu alcance. Não ofendam nada. Não ofereçam ajuda, a menos que seja solicitado, faça-o e não reclame. Aceite o que lhe derem depois, mas se alguém tentar lhe dar algo que você não ganhou, recuse educadamente enquanto vocês podem e espero que eu possa encontrar vocês a tempo de salvá-los. Entendido?

Não remotamente, mas assenti e coloquei o casaco de dentro para fora de qualquer maneira.

—Então vamos acabar logo com isso. — Disse Gwydion com um suspiro.

Sem mais cerimônia, ele atravessou o portal. Eu dei a Ethan e Cole um último sorriso encorajador, depois fui atrás dele, esperando que o que esperasse do outro lado não fosse pior do que o que já tínhamos enfrentado. Mas, pela primeira vez, eu estava menos preocupada com o desconhecido do que com meu próprio poder. Eu ainda não tinha certeza do que tinha acontecido quando tentei curar Gwydion, mas tinha certeza de que isso aconteceria novamente. Em algum lugar no fundo da minha mente, as palavras 'ainda não' ainda ecoavam.

 

 

 

 

 


Capitulo Dez

 

Das sombras frias e cinzentas da Costa DIstante, entrei em um dia perfeito de verão. Era verão também na Terra, mas não assim. Esse era um daqueles dias míticos, a partir de memórias idílicas excessivamente nostálgicas da infância, ou um daqueles filmes inexplicavelmente populares da maioridade, onde algo terrível acontece com o cachorro leal de uma criança. Estava frio o suficiente na sombra para fazer o calor do sol parecer mais calmante do que opressivo. Enormes árvores velhas erguiam-se ao nosso redor, suas folhas lançando sombras verdes na terra rica e escura, seus arcos pesados de frutas. A vegetação rasteira era uma profusão de flores silvestres e frutos maduros. O ar estava denso com o som do canto dos pássaros e o murmúrio musical da água correndo em algum lugar próximo. A luz através das árvores era dourada, quase tangível, e senti uma onda de prazer e excitação estranhos assim que respirei o ar. Tudo, todos os mirtilos gordos, pedras brilhantes e pássaros cantando de suas gargantas vermelhas, estavam positivamente cheios de significado. Qualquer coisa que caísse em meus olhos, desde uma teia de aranha pendurada em prata pendurada sob a sombra de uma raiz de carvalho até as cabeças de sementes douradas da grama alta crescendo em um pedaço de luz solar, me atingiu com uma intensidade que me fez ter certeza de que tocar qualquer parte disso seria embarcar em uma aventura fantástica.

Gwydion estalou os dedos na frente do meu rosto, impaciente, tirando-me do meu devaneio.

—Foco. — Ele insistiu. —Você não deve deixar este lugar colocar seus ganchos em você. Seu charme é um veneno, você entende? Tudo isso é apenas a pele brilhante de um sapo venenoso.

—Mas é tão... mágico. — Eu disse, surpresa com o quão jovem eu parecia, como uma criança na Disney World.

—O que é este lugar? — Ethan perguntou, parecendo tão impressionado quanto eu. Eu olhei para ele quando Cole entrou no portal. A boca de Ethan estava aberta em um espanto frouxo, seus olhos brilhando. Ele parecia mais jovem de alguma forma, as linhas ao redor dos olhos se foram, o peso fora dos ombros. A luz do sol brilhava bastante em seus cachos castanhos escuros e seus olhos dourados. Ele parecia tão magnificamente mágico e importante quanto todo o resto. Ele pegou meu olhar e ouvi sua respiração prender e vi seus olhos se arregalarem.

—Vexa. — Ele disse, suas mãos encontrando minha cintura. —Você parece tão... radiante. Deus, eu nunca vi nada tão-

—Nada disso, nada disso! — Gwydion disse agitando a mão bruscamente entre nossos rostos até nos afastarmos. —Eu sabia que era uma péssima idéia. Concentrem-se, por favor! Você, Cole! Fique fora daqui!

Cole, parecendo tão atordoado e surpreso quanto o resto de nós, olhou para cima, confuso, de onde ele estava vagando em um pedaço de amora, mistificado com as frutas perfeitas, como joias, e pequenas flores brancas de estrelas. Seus olhos, sempre adoráveis, eram de um azul mais brilhante do que eu já tinha visto na Terra. O tom escuro de seu cabelo combinava com o da fruta ao seu redor. A graça de seus membros musculosos quando Gwydion o agarrou pela camisa e o arrastou de volta para nós era absolutamente sublime. Ethan e eu voltamos juntos assim que Gwydion parou de nos separar fisicamente, nossos braços se abraçando como se tivessem sido feitos para isso. Quando Gwydion empurrou Cole para nós, nós o alcançamos ao mesmo tempo. Eu sorri quando toquei sua bochecha, sua pele macia e quente, e pela primeira vez ele não recuou do contato. Ethan segurou o outro lado do rosto, acariciando a linha fina da bochecha com o polegar. Cole fechou os olhos e afundou em nosso toque como um banho quente após um dia difícil.

—Como você pode pensar que não é absolutamente lindo? — Eu perguntei, impressionado com cada mecha de seu cabelo, a curva de sua mandíbula, a cor de seus lábios.

—Você é como uma obra de arte. — Ethan concordou, virando seu sorriso deslumbrante para mim, o calor tão comovente que eu quase podia chorar. —Vocês dois são. Gostaria de saber com quem comparar você. Nunca consigo me lembrar dos nomes. Vexa sempre pode.

Eu sorri de volta para ele, lembrando como quando o conhecemos eu o comparei com o David de Bernini e uma dúzia de outras obras de arte clássica. Eu estava um pouco desorientada na época, mas a comparação se manteve.

—Algo pré-rafaelita. — Eu disse. —Edward Hughes talvez.

—Você é tão inteligente. — Disse Ethan.

—Estou tão feliz que vocês estão tendo um momento de união tão adorável. — Disse Gwydion, tentando nos afastar um do outro. —Mas se vocês tentarem recuperar os sentidos, realmente não temos tempo para uma orgia no momento.

—Isso é... intoxicação mágica. — Disse Cole, esfregando os olhos. Adorei a delicada arte de seus dedos e o tom avermelhado que o atrito colocou em suas bochechas.

—De fato! — Gwydion disse, pingando sarcasmo. —Que bom que você está alcançando! Isso deve desaparecer em breve, mas não podemos dar ao luxo de esperar por isso, nem tenho paciência para ver vocês três se lutarem até que isso aconteça.

Eu me perguntava por que ele estava de mau humor quando era um dia tão perfeito. Mas eu não poderia estar chateada com ele por isso. Ele era bonito demais para se zangar. A luz do sol não parecia tocá-lo, mas quando ele estava na sombra, ele parecia esculpido em mármore frio, frio e sem falhas e brilhando como gelo. Quase doía olhar para ele, como a luz refletindo na neve até ficar ofuscante. E às vezes, quando eu o via pelo canto do olho, ele era mais do que isso. Maior do que eu podia imaginar, e quando ele se moveu, houve um farfalhar de pelos e uma sombra de chifres.

—Ele está certo. — Disse Cole, balançando a cabeça enquanto se distraía brevemente por uma borboleta que passava com asas como vitrais vivos. —Precisamos... Continuar em movimento. Estamos em perigo. Tentem se lembrar do medo.

Eu não queria ter medo, não quando era tão bonito aqui. Mas fiz o meu melhor quando Cole pegou minha mão e me puxou atrás de Gwydion. Peguei Ethan com a mão livre e o puxei. Uma corrente de margarida, como quando éramos crianças. O pensamento me fez rir, o que o fez começar.

Gwydion suspirou cansado. —Pelo menos vocês estão se movendo. Por aqui. Não se afastem. Não há sinal de seu feitiço de teletransporte aqui. Ele deve ter ido mais longe antes de lançá-lo para tentar me expulsar. Mas por que ele arriscaria isso aqui? De todos lugares?

Eu mal ouvia Gwydion e não entendia por que ele não gostava daqui. Ele fez parecer tão perigoso, mas era o lugar mais maravilhoso que eu já vi. Ao atravessarmos as árvores, pequenos pedaços de magia se revelaram entre as folhas. Uma macieira com casca de prata fina estava crescendo perto de um riacho claro, com seus galhos forrados e pesados por frutas feitas de ouro e diamante. Uma cobra com escamas de esmeralda translúcida estava pendurada nos galhos, nos observando com sábios olhos rubis escuros. Tinha uma daquelas bocas fofas de filhotes de píton que são tão adoráveis, mas Gwydion não me deixou fazer amizade com ela.

Mulheres minúsculas, que não eram mais do que meu braço, nadavam através do riacho, pulando como peixes, brilhando rosa iridescente e lavanda como o interior de uma concha, estalando seus minúsculos dentes afiados em insetos. Vi um campo de flores brancas crescer, grande como a palma da minha mão, e no centro de cada uma havia um minúsculo sino de ouro. Quando o vento soprava, eles tocavam tão docemente que Gwydion teve que gritar conosco para nos impedir de vagar neles para nos deitar e apenas ouvir. Cole sugeriu que cantássemos, o que foi uma ideia tão boa que eu o beijei por isso, e ele ficou vermelho e começou a rir e esqueceu sua sugestão até que Gwydion o lembrou, quando ele afastou Ethan de tentar mentir novamente nas flores, que eram tentando envolver tenras videiras verdes ao redor de seus sapatos, como se quisessem que ele ficasse. A única música que todos conhecíamos era Bohemian Rhapsody, e cantamos o mais alto que pudemos por insistência de Gwydion, até deixarmos o campo de flores para trás e ele nos pediu para parar. Mas continuamos esquecendo que ele nos disse para parar e começar de novo. É uma música tão boa, afinal. Nós finalmente paramos quando ele ameaçou fechar nossas bocas com mágica nos fez esconder em um arbusto enquanto uma procissão de árvores andando passava majestosamente.

Quando o desfile de árvores terminou, eu estava finalmente começando a recuperar meus sentidos um pouco, o suficiente para perceber que estávamos com problemas. Embora eu ainda estivesse flutuando e facilmente distraída, eu estava presente o suficiente para olhar para a merda ridícula que acabamos de percorrer e empalidecer com a quantidade ridícula de sério perigo em que estávamos, que eu apenas... não notei.

—Essas flores tinham dentes. — Eu sussurrei para mim mesma, olhando para um fragmento perfeito de céu azul através das folhas acima de nós.

—Finalmente começando a sair disso? — Perguntou Cole. Ainda estávamos sentados no mato. Eu não tinha notado os espinhos antes agora.

—Acho que sim. — Eu disse, esfregando a cabeça. —Mais ou menos. Jesus, eu não estive tão bêbada desde o último ano.

—É o ar aqui. — Disse Cole. —Está tão cheio de magia que você quase pode vê-la a olho nu. É por isso que tudo parece tão...

Ele fez um gesto ambíguo, mexendo os dedos ilustrativamente. Eu imaginei que entendi o ponto dele.

—Graças à lei. — Gwydion reapareceu, arrastando um Ethan tropeçando, que estava sorrindo e segurando uma das flores de sino. —Eu tinha medo que você se afastasse. Eu tive que perseguir esse idiota até o prado. Eu deveria ter deixado eles comê-lo. Eu teria todo o direito!

Ele estava parecendo mais do que um pouco esfarrapado, mesmo através da névoa mágica que o tornava tão etérea adorável.

—Desculpe. — Eu disse, levantando-me inquieta e ajudando Cole a se levantar. —Eu acho que estou começando a descer.

—Provavelmente levará Ethan mais um pouco. — Disse Cole. —Ele não está tão acostumado à magia quanto nós.

Ethan pressionou a flor do sino em minhas mãos. Peguei-a com relutância, olhando para trás como dentes de gancho voltados para os dentes que revestiam a trombeta interna.

—Eu comprei para você. — Ethan disse, e ele estava tão sério e bonito que eu quase esqueci os dentes completamente. —Eu não te dei nada ainda. Preciso te dar coisas, para que quando eu me for, você se lembre de mim.

Ele disse isso sem um pingo de arrependimento ou amargura, o que a fez doer ainda mais. Comecei a dizer algo, insistindo que não era o que iria acontecer, mas não queria estragar a felicidade dele. Eu sabia que ele tinha tido pouco o suficiente ultimamente.

—Obrigada, querido — Eu disse e o beijei. —Eu prometo que nunca, nunca vou te esquecer.

Encantado, ele me pegou e me virou, regando meu rosto em beijinhos.

—Adorável. — Disse Gwydion sarcasticamente. —Podemos seguir em frente? A trilha de Gil está ficando mais fria.

Fiz Ethan me colocar no chão e começamos a andar novamente. Definitivamente, eu ainda estava bem maluca, mas ter pelo menos um pé mais ou menos no chão tornava mais fácil apreciar as coisas realmente incríveis que estávamos vendo, além de ajudar a manter um olho em Ethan, e ocasionalmente até em Cole. Não que eu estivesse muito melhor, sendo desviada por um raio de sol que capturava o ar como se fosse um prisma, arco-íris deslizantes e brilhantes, ou um ninho de coelhos com presas e chifres, que eu percebi que um pouco tarde demais estavam sendo guardados por seus pais igualmente afiados e com chifres. Mas pelo menos agora um de nós geralmente era lúcido o suficiente para pegar o outro. Gwydion tinha um grande potencial como pastor profissional.

E então Gwydion afastou uma cortina de musgo pendurado e todos nós congelamos no lugar como se ficássemos impressionados ao ver o que havia do outro lado.

A alguns metros de distância, pastando pacificamente em uma piscina vernal, havia um unicórnio.

Era, sem exceção, a coisa mais linda que eu já vi. Eu não conseguia acreditar que alguém tivesse convencido as pessoas de que se parecesse com um cavalo. Era um tipo de ungulado, claramente, mas mais como um grande cervo em proporções, com uma cabeça um tanto parecida com uma cabra. A cauda comprida era preênsil, como a de um gato, e adornada no final com os mesmos cachos sedosos e prateados brancos da crina. Seus olhos eram impressionantes além da minha capacidade de descrever. Eles eram ao mesmo tempo profundos, escuros e infinitamente inteligentes, e também brilhavam com mil cores, queimando com a luz interior. Seu chifre brilhava com suave iridescência, como pérola ou nácar, subindo mais de um pé da testa até um ponto que brilhava como uma estrela.

—É...? — Eu sussurrei, minha voz tremendo. —É realmente-?

—Sim. — Disse Gwydion, estendendo a mão para impedir que alguém se aproximasse. —Silêncio. Fora dos tribunais, não há mais coisa perigosa neste lugar. Devemos recuar lentamente, tentar dar a volta.

—Como isso pode ser perigoso? — Eu perguntei, completamente extasiada. —É um unicórnio!

—É exatamente por isso que é perigoso. — Disse Gwydion, impaciente. —Eles são forças primordiais - o conceito de justiça dando forma. Se eles sentirem a menor sombra em seu coração, eles a esculpirão. Eles não podem ser combatidos ou fugir. Depois que decidem matá-lo, nada pode detê-los. Eles podem até matar um fae.

—Isso não parece exatamente justiça para mim. — Disse Cole, franzindo a testa. —Apenas assassinato resumido por qualquer crime? E o que exatamente eles definem como uma 'sombra' no seu coração? Isso me mataria se eu me sentisse culpado por esquecer o aniversário da minha avó?

—Não seja pedante. — Disse Gwydion, virando-se para olhá-lo. —Só estou dizendo que, se você merece morrer, eles saberão.

—Bem, isso é um pouco diferente de 'se houver uma sombra em seu coração'.

—Bem, o julgamento deles sobre quem merece morrer tende a se inclinar pesadamente para todos na minha experiência, então me perdoe por me tornar poético.

—Bem, então eles não são personificados pela Justiça. Justiça verdadeira não ignora o contexto.

Não ouvi a resposta de Gwydion porque já estava na metade da distância entre mim e o unicórnio. Ele levantou sua bela cabeça quando me aproximei, e eu não pude deixar de sorrir. Eu nem estava pensando no perigo. Tudo o que eu conseguia pensar era que esse era um unicórnio real na minha frente. Tudo o que eu sonhava quando menina, todos os livros de fantasia que eu desejava escapar, voltaram correndo para mim como um golpe no peito. Eu não percebi o quanto eu queria isso, neste exato momento, toda a minha vida. Se eu pudesse tocá-lo, apenas uma vez, morreria feliz. O unicórnio, silencioso e perfeito, virou-se lentamente para me encarar.

Ouvi vagamente Ethan começar a gritar meu nome, apenas para ser rapidamente abafado.

—Temos que fazer alguma coisa! — Cole estava dizendo. —Isso poderia matá-la!

—Se interrompermos agora — Respondeu Gwydion severamente. —Definitivamente vai.

Eu não estava com medo. Quem poderia ter medo na presença de algo assim? Ele deu dois passos lentos em minha direção, seus cascos ecoando a cada passo, apesar de andar sobre musgo macio. Eu assisti, impressionada e aberta, enquanto abaixava a cabeça, trazendo seu chifre longo e perversamente afiado ao meu peito. O ponto descansou logo acima do meu coração. De repente, pensei, como se estivesse compelida, a tudo o que recentemente senti culpa. Quando Gwydion se machucou, depois de me envolver nisso por minha causa. Colocando Cole em perigo pela mesma razão. Quando meus vizinhos encontraram o buraco no quintal onde o cachorro morto havia sido 'desenterrado por um leão da montanha', mesmo que o cachorro estivesse ressuscitado e vivendo feliz na casa da minha tia. Aprendendo que meus poderes estavam acelerando a maldição de Ethan. Quando Ethan quase foi morto me protegendo de Aethon. Na maioria das vezes eu tinha visto Ethan ultimamente, honestamente. Se não fosse por mim, ele ainda teria anos. Eu até me senti culpada por fazê-lo ficar comigo. Egoísta. Fazendo-o continuar lutando, mesmo que ele estivesse com medo e com dor só porque eu não queria perdê-lo ainda. Fazendo-o me ver flertar com os homens que eventualmente o substituiriam. Eu deveria ter recusado quando ele se ofereceu para abrir o relacionamento. Eu sabia que ele só estava fazendo isso porque ele não queria que eu estivesse sozinha. Eu deveria ter recusado ele quando ele se ofereceu para me ajudar com isso. Eu nunca deveria tê-lo colocado em perigo. Ele merecia mais que eu. Eu era uma necromante, e o que Julius dissesse, nunca seria capaz de me convencer, muito menos de mais alguém, de que era uma magia puramente inocente. Eu estava cheia de algo sombrio e mau, e não podia mudar isso.

Eu funguei, lágrimas escorrendo pelo meu rosto. Eu sabia que o unicórnio podia ver toda a minha culpa, e a vergonha me fez querer entrar em um buraco e morrer. Eu não tinha medo de que isso me matasse. Eu não estava pensando sobre isso. Eu só queria ser digna disso.

Senti algo molhado cair no meu ombro e abri os olhos. O unicórnio chorava, chorando lágrimas leitosas que se transformavam em cristal quando caíam na grama. Ele levantou o chifre do meu coração e agora encostou a cabeça na minha, como se estivesse tentando me confortar. Joguei meus braços em volta do pescoço sem um momento de hesitação e enterrei meu rosto na seda fria de sua juba. Irradiava contentamento, uma paz profunda e tranquilizadora que me assegurava que tudo ficaria bem. Não era apenas Justiça, como Gwydion pensava. Era a paz que seguia a verdadeira justiça.

—Em todos os meus anos, nunca vi isso acontecer. — Sussurrou Gwydion de onde estavam escondidos, parecendo atordoado. —Eu ouvi histórias, mas...

Respirei fundo, infundindo-me com o máximo de paz possível. A vertigem da intoxicação mágica se foi, mas eu estava feliz por isso. Eu nunca teria tido a coragem de me aproximar sem ela. Então me forcei a me afastar, embora uma grande parte de mim só quisesse seguir o unicórnio para sempre. Havia pessoas que ainda precisavam de mim aqui. E alguém que precisava disso muito mais do que eu.

—Vexa? — Ethan disse inquieto. —Você está bem?

Eu me virei para eles, sorrindo enquanto esfregava as lágrimas do meu rosto.

—Sim. — Eu disse. —Eu estou bem.

Estendi a mão para Ethan, acenando para ele avançar.

—Não faça isso. — Disse Cole. —Ela claramente perdeu a cabeça.

Ethan parecia nervoso, mas saiu de trás do mato, caminhando em nossa direção com cautela. O Unicórnio fez um barulho baixo e desapontado, como um cavalo, e se levantou um pouco, mas eu joguei meus braços em torno dele novamente, acariciando seu pescoço até que ele se acalmasse e deixasse Ethan se aproximar.

—Não tenha medo. — eu disse, pegando sua mão. —Não vai machucá-lo. Se pode chorar por mim, vai te amar.

Ethan não parecia certo, mas quando ele olhou para o Unicórnio, pude ver a admiração em seus olhos tão poderosos e profundamente enraizados quanto os meus. Eu não tinha sido a única sonhando com esse momento.

O unicórnio colocou seu chife no peito de Ethan, e vi as lágrimas nos olhos dele quase imediatamente. Ele soluçou, o ombro tremendo, enquanto revivia a culpa que o unicórnio havia trazido diante dele.

—Não olhe. — Ele implorou ao unicórnio, não a mim. —Eu não sou - eu não sou como-

Eu vi a ponta do chifre do unicórnio afundar no peito de Ethan apenas o suficiente para tirar sangue. Agarrei a mão de Ethan novamente, apertando com força.

—Seja honesto. — Insisti. —Você tem que olhar para tudo. Você tem que deixar que isso faça parte de você.

Ethan balançou a cabeça e senti um tremor de medo quando o chifre do unicórnio afundou um pouco mais fundo, com medo de ter cometido um erro. Mas não havia mais nada que eu pudesse fazer. Não havia nada que eu pudesse dizer agora. Ethan sabia que eu estava aqui, que o apoiaria, não importa o quê. O problema não estava comigo ou com mais ninguém. Era em Ethan.

O chifre afundou mais e eu agarrei a mão de Ethan, com medo de tê-lo levado à morte.

—Eu te amo. — Eu disse, a primeira vez que disse as palavras. A primeira vez que estive realmente, realmente certa de senti-las. —Ethan, eu te amo muito.

Ethan estremeceu, depois apertou minha mão.

—Tudo bem. — Disse ele, um som de aceitação cansada. —Bem.

A tensão sumiu dele, embora as lágrimas caíssem rápido e com força. O chifre do unicórnio recuou, não deixando feridas nem sangue. Deitou a cabeça ao lado da dele por um momento, antes que ele caísse de joelhos na grama. Caí ao lado dele, segurando-o perto. Ele tremia, ainda chorando muito.

—Vê? — Eu sussurrei. —Eu sabia. Eu sabia que pensaria que você é tão incrível quanto eu.

Ele soluçou, maravilhado e incrédulo em seus olhos quando olhou para o unicórnio. Mas quando ele olhou para mim, havia apenas amor em seus olhos.

—Eu também te amo, Vexa. — Disse ele. —Muito.

Ele me puxou para um beijo aos pés do unicórnio, que pressionou o nariz na têmpora de Ethan e depois na minha, antes que ele se virasse e se afastasse na sombra das árvores.

Fiquei de pé instável e puxei Ethan comigo enquanto Cole e Gwydion saíam cautelosos dos arbustos. Ethan me abraçou com força, e eu o abracei de volta, meus pensamentos ainda nos arrependimentos que o Unicórnio havia me mostrado. Não tinha falado ou compartilhado nenhuma sabedoria, mas a sensação de paz que me enchia me dava um tipo estranho de clareza, uma distância daqueles sentimentos que os tornavam mais fáceis de lidar. Eu esperava que Ethan sentisse o mesmo. Eu esperava que algo tão puro e mágico, declarando-o digno, aliviasse um pouco da dor contida dentro dele.

Cole me surpreendeu jogando os braços em volta de nós dois, a cabeça no meu ombro.

—O que eu acabei de dizer sobre fazer coisas estúpidas e perigosas? — Ele repreendeu, sua mão segurando firmemente as costas da minha camisa. Não pude deixar de sorrir com sua preocupação relutante. Ethan retornou meu sorriso, nós dois emocionalmente exaustos, mas cheios pela profunda paz do julgamento do unicórnio.

—Tenho certeza que você só me disse para não explorar fontes mágicas poderosas. — Provoquei. —Você não especificou que eu não deveria fazer nada perigoso.

Ele levantou a cabeça para me encarar.

—Você tem alguma ideia de como será inconveniente para mim se você morrer? — Ele disse.

—Bem, eu não gostaria de ser um inconveniente. — Eu disse com uma risada.

—Tarde demais. — Declarou Gwydion se aproximando de nós, colocando algo no bolso.

—Sua preocupação é comovente. — Eu disse a ele por cima da cabeça de Cole, depois coloquei um braço em volta de Cole para atraí-lo com mais segurança para o abraço, Ethan fazendo o mesmo. Cole ficou tenso sem jeito, mas não se afastou. Talvez fosse um pouco da intoxicação mágica ainda o afetando. Eu tinha certeza de que era o que ele culparia de qualquer maneira.

—Eu tenho certeza que isso faz com que vocês dois sejam dignos de serem reis da Inglaterra. — Disse Gwydion casualmente, claramente tentando entender tudo, como se eu não tivesse visto o medo dele. —Eu tenho a espada em casa, se vocês estiverem interessados.

Ethan abafou uma risada no meu ombro.

—Vou considerar. — Eu disse a Gwydion com um sorriso. Ele zombou com um arco, depois endireitou as roupas e limpou a garganta.

—Agora, realmente precisamos nos mexer. Magia assim vai atrair-

Ele foi interrompido por uma flecha acertando-o no peito.

Ele voou para trás, esparramando na grama. No mesmo momento, Cole e Ethan desabaram em ambos os lados de mim. Muito horrorizada para reagir, eu só podia ver uma fila de arqueiros emergir das árvores, flechas batendo, lideradas por um homem com barba dourada e uma coroa brilhante.

—Vocês invadiram a terra sagrada de Tir Na Nog. — Declarou o homem. —A rainha exige suas presenças.

 

 

 

Capitulo Onze


O charme que os fae costumavam colocar Ethan e Cole para dormir não funcionou em mim, provavelmente graças à jaqueta de Gwydion, então tive o prazer de ser amarrada e arrastada para as costas de um cavalo atrás do homem barbudo, algo que discordei veementemente, mas não pude fazer muita coisa. Não que eu não tentei. Convoquei todas as coisas mortas na área que pude alcançar, incluindo algum animal maciço e trêmulo que eu nem reconheci, e fui prontamente e completamente desligada com alguns gestos casuais dos fae. Eu poderia muito bem nem ter me incomodado. Eu consegui dar um tapa em alguns deles com necrose quando eles foram me amarrar e deram um bom chute, mas naquele momento, tudo que eu estava salvando era meu orgulho.

Eu assisti, doente de ansiedade, enquanto jogavam Ethan, Cole e Gwydion nas costas de seus cavalos, nem mesmo removendo a flecha de Gwydion, e nos levavam embora.

Não tínhamos andado muito tempo antes de chegarmos a um caminho verde, que logo se tornou uma estrada de terra bem trilhada e depois pavimentada um pouco mais em tijolos de pedra. A essa altura, o palácio já estava à vista.

Um imenso e reluzente edifício dourado, repleto de pináculos e filigrana, parecia algo que a Disney rejeitaria por ser exagerado demais. A vegetação caía em cascata de todas as paredes e janelas, flores quase mais comuns que o onipresente trabalho de pergaminho dourado. Era bonito, com certeza, mas não tinha nada no Unicórnio, e de qualquer maneira, eu estava ocupada sendo absolutamente irritada como o inferno.

Por fim, eles nos levaram a um enorme jardim no pátio, tão denso com plantas que dificilmente parecia haver espaço para as pessoas, cercados por todos os lados por finas colunas de mármore branco. Um maciço carvalho ficava em uma extremidade do pátio, e seu tronco fora cultivado, não esculpido, na forma de um trono elaborado, cravejado de pedras preciosas e marfim.

A mulher que estava sentada era, sem dúvida, uma rainha. Você poderia dizer que ela era uma rainha mesmo sem a coroa ou o lindo vestido dourado. Ela teria sido uma rainha completamente nua. Um lampejo daqueles olhos escuros deixaria isso claro. O fato de ela ter pelo menos o dobro da altura de qualquer outra pessoa aqui também pode ter contribuído para sua aura de superioridade real.

Sendo Rainha do Verão, eu meio que esperava uma loira, talvez uma ruiva. Mas o cabelo de Titania era o preto do solo rico, sua pele tão escura quanto uma noite de verão. Ela brilhava como o coração do sol e segurava um cajado de ouro em uma mão, que parecia ter uma estrela viva em sua cabeça de filigrana.

Fomos trazidos à sua frente, eu caminhando entre dois guardas e os outros três jogados sem cerimônia. O homem barbudo se ajoelhou para arrancar a flecha do peito de Gwydion. Assim que saiu, Gwydion acordou, tossindo e engasgando.

Lancei um rápido olhar para os homens de ambos os lados, depois chutei um na virilha e balancei os punhos amarrados para atingir a outra força total no rosto. Enquanto eles estavam cambaleando, corri para Gwydion, convocando um enxame de insetos para manter os guardas afastados enquanto eu o arrastava até nossos companheiros inconscientes.

 

—Teleporte-nos para fora! — Eu disse a Gwydion, tentando freneticamente manter os insetos mortos entre mim e os guardas, que pareciam apenas levemente aborrecidos por eles e não com pressa de me recapturar.

—Não posso. — Disse Gwydion, ainda sibilando.

—O que você quer dizer com não pode?

—Obrigada, Hern. — Titania disse graciosamente para o homem barbudo, ignorando minha tentativa de fuga completamente. —Por favor, remova o charme dos outros dois. Estou muito curiosa em saber o que os trouxe ao nosso reino.

Hern curvou-se profundamente, depois acenou com a mão e Ethan e Cole sentaram-se um momento depois, piscando em confusão.

—É o suficiente. — Disse Titania, e os insetos que eu estava controlando se transformaram em uma chuva de pétalas de flores instantaneamente, sem o menor gesto dela. Eu peguei qualquer outro poder que eu tinha e não encontrei nada. Apenas a paz prolongada do toque do unicórnio me impediu de surtar completamente. Os olhos escuros e brilhantes de Titânia voltaram-se para Gwydion, assim como os do resto da corte, que estavam quase invisíveis entre as flores do jardim, verdes e brilhantes. Pelo canto do olho, eles não pareciam humanos. Vi carapaças cambiantes e asas e olhos iridescentes cintilantes como jóias multifacetadas.

—Gwydion Greenwood. — Ela falou, e sua voz tremeu no ar e fez as flores girarem em sua direção. —Pensei em ver seu irmão ajoelhado diante de mim em uma dessas noites. Mas você não esperava. Você sempre preferiu os reinos mundanos.

Eu não precisava saber muito sobre faes para saber que isso era um insulto.

Gwydion recuperou o fôlego e lutava de joelhos. Ajudei-o tanto quanto me atrevi, com medo de tirar os olhos da rainha. Gwydion, pelo contrário, nem sequer a olhava. Ele manteve a cabeça baixa e a postura baixa.

—E ainda aqui está você. — Titania continuou. —E com um bando de humanos não menos. Que planos fascinantes você deve ter. Por favor, compartilhe-os.

—Nossa chegada aqui não foi intencional, Vossa Majestade. — Disse Gwydion, a cabeça tão baixa que seus cabelos roçaram o mosaico vidrado. —Um ladrão roubou algo meu e fugiu através de um portal. Foi por coincidência que o ladrão escolheu este lugar como destino.

—Nós dois vivemos muito tempo. — Disse Titania casualmente. —Muito tempo para acreditar na coincidência.

—Então claramente o ladrão sabia que me levar até aqui atrairia sua atenção e me impediria de seguir. — Disse Gwydion rapidamente. —Mas você deve saber que eu não voltaria a esse lugar de bom grado.

—E ainda aqui está você. — Disse Titania novamente. —E Hern, o melhor caçador da minha corte, não viu vestígios de sua pedreira. Somente você, perambulando pelo território que lhe era proibido antes do seu exílio.

—Vossa Majestade. — Disse Gwydion, e pude ver suor em sua testa. —Eu nunca tentei interferir nos seus assuntos. Mesmo antes das tolices que levaram à minha... partida. Você sabe que não tenho ambições.

—Você não tinha. — Titania confirmou casualmente. —Mas você passou mil verões entre os humanos, e quem sabe que influências tóxicas suas mentes mesquinhas podem infligir? Talvez você tente recuperar sua posição entre os Invisíveis, ganhando-lhes uma pequena vitória contra nós, nesta nossa época de supremacia?

—Não, Majestade, eu nunca...

—Você roubou o meu reino. — Disse Titania, uma onda de calor saindo do trono, o que me deixou tonta e com sede. —Sem aviso prévio em um jardim onde sua espécie sempre foi proibida, trazendo com você criaturas mortais com magia repugnante para suas almas, e você espera que eu acredite em suas intenções puras? Você me aceita como uma tola, Gwydion Greewood? Sílabas do seu verdadeiro nome - Sol à meia-noite, Espelho de Gelo, Canção de arrepio - eu poderia torcer você em mil formas e plantá-lo como uma das minhas árvores.

Enquanto ela falava, o calor aumentou até que eu mal conseguia respirar, como estar diante de uma fornalha no deserto. Gwydion se enrolou em si mesmo, a pele brilhando com suor, o cabelo mole. Eu podia ver a agonia em seu rosto e meio que esperava que ele evaporasse, um fio de vapor como um floco de neve caindo no fogo. Em vez disso, seus membros torceram e tensionaram, sua pele ficou escura, rachando em casca.

—Meu jardim pode usar uma ou duas sempre-vivas. — Disse Titania com crueldade preguiçosa.

Ethan e Cole estavam sofrendo sob o calor da mesma forma que eu, e os dois ainda estavam se recuperando da confusão do feitiço de dormir de Hern. Eu podia ver Cole se esforçando para encontrar sua mágica e não encontrando nada ao seu alcance. Ethan empurrou o Lobo para a superfície, mas a exaustão pelo calor diminuiu sua força e deixou seus dentes sem brilho e suas garras mal estendidas. Meus braços estavam em volta de Gwydion e, entre meus dedos, brotavam galhos, afiados com agulhas de pinheiro.

—Pare! — Eu exigi, com toda a força que pude reunir, o som ainda fraco dos meus pulmões sem ar. —Não foi culpa dele! Foi Gil-

De repente, o calor desapareceu e a casca desapareceu da pele de Gwydion.

—Então, foi Gilfaethwy quem voltou primeiro. — Disse Titania com um sorriso doce. —Por que você não mencionou que era seu irmão que você estava perseguindo? Eu poderia ter adivinhado. Ele sempre estava roubando seus brinquedos. Foi isso que levou você a essa confusão em primeiro lugar, não foi, querido?

Gwydion não conseguiu falar. Ele estava tremendo muito e mal conseguia se segurar. Lembrei-me com súbito medo como o que Gwydion havia dito que os Unseelie fariam com ele se ele voltasse. A Corte de Verão faria o mesmo e o torturaria para alcançar Gilfaethwy?

Lutei de pé, aproveitando a sensação de paz que o Unicórnio me deixou como se fosse uma piscina parada no meu coração.

—Gwydion não é seu para punir. — Eu disse e ouvi um murmúrio de choque e até risadas correndo pela corte reunida. Eu senti que provavelmente deveria ter me curvado ou adicionado uma 'Sua Majestade' antes de desafiar diretamente seu poder, mas era tarde demais para isso agora. —Ele não pertence ao seu tribunal.

Titania levantou uma sobrancelha escura e sorriu, divertida.

—Vejo você seguir uma nova rainha hoje em dia, Gwydion. — Disse ela, e tentei ignorar o rubor em minhas bochechas com a zombaria em seu tom. —Foi ela quem colocou o cheiro da morte em você?

Gwydion ainda não conseguia controlar as palavras. Ele agarrou o tornozelo das minhas calças com as mãos trêmulas, claramente tentando me fazer calar a boca de qualquer maneira.

—Bem, pequena rainha. — Titania disse com seu sorriso venenoso. —É verdade que não é da minha conta julgar os crimes dos quais ele originalmente fugiu. Mas ele passou por aqui, um Unseelie em Seelie pousa, e por isso tenho todo o direito da lei de exigir sua vida.

—Mas então você perderia Gilfaethwy. — Eu apontei, pensando rapidamente e puxando a primeira razão que eu consegui pensar na minha bunda. —E você nunca teria a chance de puni-lo pelo que ele fez.

Titania considerou isso, uma mão delicada em sua linda bochecha.

—Verdade. — Ela concluiu finalmente. — Mas o que me impede de poupar a morte de Gwydion? Em minha infinita misericórdia, talvez eu lhe conceda sua vida e apenas o castigue, infligindo toda tortura inteligente que minha corte possa conceber até que seu querido irmão se mostre apenas para acabar com a dor?

A mão de Gwydion apertou meu tornozelo, e o medo como água gelada em minhas veias fez o calor terrível da rainha parecer morno.

—Porque não funcionaria. — Eu disse, as palavras parecendo sair dos meus lábios antes de pensar completamente nelas. Procurei alguma justificativa para o que tinha acabado de dizer, ainda me perguntando por que o havia dito. —Ele... Gilfaethwy tem algum novo tipo de magia de proteção nele. É... provavelmente porque o seu caçador não o notou, mesmo que ele estivesse no seu território por mais tempo do que nós. Provavelmente bloqueia a conexão dele com Gwydion. Você poderia torturá-lo para sempre e Gil nunca sentiria nada.

Isso era absolutamente besteira. Eu não sabia disso. Gwydion mencionou de antemão que Gil tinha algum tipo de escudo impedindo Gwydion de usar o Vidro do Artífice nele. Era um alcance e meio afirmar que o impediria de sentir a outra metade de sua alma sendo torturada. Mas eu disse isso com tanta confiança quanto pude, olhando a rainha em seu rosto radiante, embora queimasse como se olhasse diretamente para o sol, e a vi reclinar em seu trono com uma expressão pensativa. Havia queimaduras ardentes nos braços do trono vivo onde suas mãos estiveram.

—Que pequena rainha interessante você encontrou. — Titania disse a Gwydion, que ainda estava ajoelhado aos meus pés, os dedos segurando minhas calças como se estivesse tentando rasgá-las. —Estou intrigada. É tão raro hoje em dia ver algo novo e divertido. Os humanos podem ser terrivelmente cansativos em números, mas sinto falta dos dias em que esses raros mortais excepcionais decidiram fazer algo tolo. Eles são terrivelmente estúpidos e inventivo. As mentes imortais tendem a se apegar à ideia de que já tentaram de tudo e o que não tentaram não vale o esforço. Isso as torna insuportavelmente entediantes.

—Honestamente, eu já vi essa atitude em muitos humanos. — Eu disse, um pouco tonta de estresse.

A rainha riu, um som clamoroso como sinos de metal tocando e tempestades de verão. Isso me abalou tanto que quase caí no chão ao lado de Gwydion.

—Bem, então, pequena rainha. — Disse Titania, cruzando as pernas e arrumando as saias com um segundo par de braços que eu ainda não havia notado. —Por favor, me diga como você resolveria esse problema. Estou muito curiosa para ouvir.

Engoli em seco e olhei para Gwydion, que balançava a cabeça sutilmente. Um olhar para Cole o viu também balançando a cabeça, com muito mais ênfase, e Ethan gesticulando com a mão esticada na garganta, no sinal universal de 'cale a boca antes que você morra'.

Eu decidi ignorá-los.

—Penitência. — Disse à rainha. —O castigo para nós quatro que invadimos deve ser penitência. Nós o pagaremos por nosso crime, trazendo a você alguém culpado de um crime muito maior. Vamos lá, vamos pegar Gilfaethwy e trazê-lo de volta a você para julgamento.

A boca perfeita de Titania se curvou em um sorriso largo e de dentes afiados que me fez lembrar de um gato de Cheshire.

—Que sugestão divertida. — Disse ela. A mão de Gwydion caiu da minha perna e Cole escondeu o rosto nas mãos. —Oh, já faz muito tempo desde que eu tive a chance de brincar com humanos. Outros Fae já conhecem todos os passos. Você nunca pode realmente vencer, ou apenas por centímetros. Que delícia ver alguém tropeçar diretamente em seu próprio sentido, mortes pela primeira vez. Eu nem precisei sugerir nada. Delicioso!

Meu estômago afundou aproximadamente 13 quilômetros na terra.

—Muito bem. — Disse Titania, batendo com o cetro no azulejo, que tocou como sinos. — Aceito. Vou perdoá-los pela invasão e permitir que vocês saiam, com a condição de voltar com o traidor Gilfaethwy e entregá-lo a mim. Como sou generosa, darei uma quinzena para protegê-los. Ao meio-dia daqui a duas semanas, se você não o trouxerem para mim, a penitência falhará e farei o que eu quiser com todos os quatro.

Fomos sumariamente expulsos do palácio. Sentamos na terra além de seus portões, recuperando o fôlego.

—Sua idiota. — Cole gemeu, com o rosto ainda nas mãos. —Você completa... Deus! Você nunca leu um conto de faes em sua vida?

—Eu não tive escolha! — Eu disse defensivamente. —Ela teria matado a todos nós! Pelo menos eu ganhei algum tempo.

—Ela não teria matado nenhum de nós! — Cole estalou. —Ela teria torturado Gwydion, talvez o trocado pelos Unseelie. Mas somos humanos enganados aqui por um Fae exilado que não é da sua corte. Ela não tinha poder sobre nós. Ela poderia ter tentado nos enganar para ficar ou fazer coisas de outra maneira. - difícil para nós, mas ela não poderia nos matar. Pelo menos até que você prometeu todas as nossas vidas a ela em troca de Gil!

Eu fiquei vermelha, envergonhada.

—Eu não sabia disso. — Eu disse, me sentindo uma idiota. —Fiz o melhor que pude!

—Além disso, devo lembrá-la. — Disse Gwydion em voz baixa, ainda sentado com a cabeça entre os joelhos. —Que se conseguirmos e levarmos Gilfaethwy até ela, a morte dele será minha também?

Engoli em seco.

—Ela querer Gilfaethwy mais do que você era a única alavanca que tínhamos. — Eu disse. —Nós vamos descobrir alguma coisa. Pelo menos agora temos algum tempo.

Gwydion respirou fundo, depois se levantou lentamente, oferecendo-me uma mão para meus pés também.

—Você está certa. — Disse ele, mantendo a voz muito calma, embora ele não olhasse para mim. —Não houve melhor curso de ação. Você preservou todas as nossas vidas, mesmo que por enquanto. Agora, precisamos ir e encontrar meu irmão; nesse momento, pretendo dividi-lo em dois, jogar metade no colo da rainha e levar a outra casa para viver o resto de sua vida miserável na menor e mais desconfortável gaiola que eu puder encontrar.

—É um plano. — Eu disse com um encolher de ombros. —Eu vou levar.

—Pergunta. — Ethan interrompeu. —Uh, então, primeiro de tudo... Essa era a rainha dos fae?

—Um deles, sim. — Respondeu Gwydion, relutante.

—Este lugar é de onde os fae vêm? — Ethan assumiu, gesticulando amplamente para Tir Na Nog.

—Não. — Disse Gwydion com um suspiro. —Esta é apenas a sede da Corte Seelie. Francamente, não se sabe de qual das Outras Terras os Fae emergiram, e supõe-se que o acesso a esse lugar tenha sido perdido.

—Como chegamos lá? — Ethan perguntou, ignorando as questões maiores que a declaração levantou. Repeti brevemente tudo o que havia acontecido entre Gwydion sendo alvejado e eles acordando em frente à rainha. Gwydion esfregou a flecha no ombro com uma careta como eu mencionei.

—Tudo bem. — Ele disse, balançando a cabeça. —Acho que já entendi. Mais uma pergunta. Como vamos encontrar Gil?

—Eu posso ser capaz de ajudá-los com isso.

Erguemos os olhos quando o homem de barba e a coroa de ouro, Hern, saiu dos portões do palácio ao nosso lado.

—Sua Alteza. Por que você nos ajudaria? — Gwydion perguntou sem rodeios.

—Sou o melhor caçador da Corte de Verão. — Respondeu Hern, igualmente direto. — Minha sombra na corte de inverno tem uma posição semelhante. Nenhum de nós jamais deixou escapar uma coisa que declaramos presa. Para que seu irmão tenha passado por meu território despercebido, e eu passo por sua trilha e não a sinta, é um insulto indescritível. Se minha sombra soubesse disso, a vergonha acabaria com nós dois. Devo segui-lo, pelo menos até onde ele foi em Tir Na Nog, por minha própria honra.

—Então você terá sua honra e nossa gratidão, rei Hern. — Gwydion confirmou.

—Eu também vou ter isso. — Disse Hern, apontando para mim. Meus olhos se arregalaram por um momento, antes que ele esclarecesse. —Ali, no seu casaco. No bolso. A chave que abre as portas entre os mundos.

Enfiei a mão no bolso do casaco de Gwydion e minha mão se fechou em torno de algo de madeira. Quando o tirei, ele se transformou em Cajado de Abeona. Gwydion empalideceu.

—Você não retribuirá meus esforços em seu nome com mera gratidão vazia. — Disse Hern. —Você vai me dar isso, e eu expandirei minhas áreas de caça para todos os mundos.

—Tenho outras bugigangas. — Afirmou Gwydion. —Coisas de muito mais utilidade para você do que para o pessoal. O Chifre de Caça que sua sombra perdeu na última vez que a Caçada Selvagem atravessou o reino mortal. Um sapato lançado do casco de Sleipner, que dará a qualquer montaria que a use a velocidade do rei dos cavalos.

—É esse cajado que eu quero. — Declarou Hern. —E eu terei isso ou nada.

—Então nada. — Disse Gwydion entre dentes. —E vamos encontrar Gilfaethwy por conta própria.

—Você confundiu minha oferta de caridade. — Disse Hern, frio e alto, a luz brilhando em sua coroa. —Caçarei Gilfaethwy com ou sem você. E se você me recusar, certamente o encontrarei diante de você e o devolverei à minha rainha pelos dentes dos meus cães. Aceite minha ajuda, me dê o cajado e eu lhe darei um avanço.

Até eu poderia dizer que estávamos sem opções.

—Precisamos pegá-lo. — Eu disse, interrompendo a despeito do quão ruim meu acordo foi na última vez. —Podemos dar a você depois que ele for entregue à rainha?

Hern considerou por um momento.

—Eu exigiria um vínculo. — Disse ele. —Garantia para garantir o pagamento. Um dos humanos faria.

—Não. — Eu disse imediatamente.

—Eles não seriam prejudicados. — Insistiu Hern. —E seria devolvido imediatamente após a entrega da equipe.

—Algo mais. — Eu insisti. —Nenhum humano.

—Aqui. — Gwydion enfiou a mão no casaco que eu ainda estava vestindo e tirou outra coisa, que reconheci após um breve vislumbre como o Espelho Branco e rapidamente desviou os olhos. —Isso. Você estava lá na noite do erro de Gilfaethwy. Você sabe o quanto eu o valorizo e o que significaria se fosse perdido para mim. É um seguro muito maior do que a vida de algumas espécies de pássaros como esses.

Hern pensou por um momento e depois balançou a cabeça.

—Essa coisa ofende os olhos da minha rainha. Eu não aceitaria isso por nenhum preço. É o cajado, ou nada.

Troquei um olhar com Gwydion, que rangeu os dentes e finalmente tirou o bastão de mim, entregando-o a Hern.

—O acordo está fechado. — Disse Hern, encolhendo o cajado e enfiando-o em seu gibão de ouro. — Encontrarei por qual porta Gilfaethwy saiu de Tir Na Nog e deixarei vocês para segui-lo por três noites. Quando a lua surgir na quarta noite, irei atrás dele eu mesmo. Se vocês não devolverem o traidor à rainha, então eu irei, e vocês se renderão à misericórdia da rainha como fracassos. Corram e eu os caçarei até o fim de todos os mundos.

 


Capitulo Doze


Nosso prazo foi reduzido de quinze dias para três dias e seguimos Hern, o Caçador, de volta às florestas de Tir Na Nog. Nós três já estávamos completamente sóbrios, a maravilha infantil da intoxicação mágica, fadada a uma desconfiança ansiosa de tudo o que viamos.

Hern nos emprestou cavalos para cavalgar ao lado de sua equipe de caça, em troca de três sílabas com o nome verdadeiro de um cavaleiro Unseelie que era o rival de alguém que ele gostava. Eu estava começando a aprender que segredos e favores eram a moeda corrente aqui, e absolutamente nada era dado livremente.

—O conceito de dívida é abominável para os Fae. — Explicou Cole quando mencionei isso. —Deixar uma dívida não paga é deixar outra pessoa com poder sobre você, em um sentido muito literal. Se Hern tivesse nos dado os cavalos e Gwydion não tivesse insistido em discutir como estava pagando por eles antes de aceitar, ele o faria. Deu a Hern um cheque em branco para nos deter mais tarde. Ele poderia ter exigido qualquer coisa, e Gwydion teria sido obrigado pela lei a entregá-lo. É por isso que alguns Fae ficam tão irritados se você tentar agradecê-los ou pagá-los.

—Então, o que Gwydion estava dizendo que Hern teria nossa gratidão mais cedo? — Eu perguntei.

—Foi um truque. — Disse Cole com um encolher de ombros. —Hern fez uma oferta padrão de um favor, que apenas um idiota aceitaria, mas é a abertura tradicional. Gwydion tentou interpretar a oferta de Hern como algo que Hern estava fazendo por si mesmo, não um favor que incorreria em dívida aberta ou um serviço que seria exigir pagamento, já que coincidentemente estaríamos nos beneficiando de seus esforços. Ele provavelmente passou muito tempo com seres humanos. Se Hern fosse estúpido, ele poderia ter entendido isso como um cheque em branco e aceito. Mas considerando que parece que Hern é o favorito da rainha no momento, ele provavelmente não é burro, e a implicação o insultou. Hern imediatamente esclareceu que estava oferecendo um serviço, exigiu um preço que sabia que Gwydion não gostaria de pagar e acrescentou uma ameaça em boa medida, como ele estava considerando, Hern teria tido motivos para atacá-lo pelo insulto.

—Deus, faes são uma merda. — Eu disse, esfregando a mão no rosto.

—Amém. — Ethan entrou na conversa.

As montarias de faes, pelo menos, eram extremamente bem comportadas. Eles eram um passeio mais suave do que a maioria dos carros em que eu tinha estado e não exigiam nenhuma direção de nós, o que era bom, já que apenas Ethan realmente sabia andar. Cole nunca tinha visto um cavalo de perto e ficou um pouco intimidado por toda a situação.

Passamos novamente pelo prado das flores de sino, e os cavaleiros de Hern tocaram uma música de marcha, um grande coro de vozes masculinas tão poderosas e unificadas que sacudiram as árvores e abafaram completamente o toque dos sinos. Eu não sabia dizer o que eles cantavam, as palavras derretiam no cérebro como manteiga na boca. Mas eu sabia que isso fazia meu sangue pulsar e meu coração disparar de emoção, ansioso para correr, perseguir e ser perseguida. Caçar e ser caçada. Não era a compulsão emocionante de muitas das outras influências que eu ouvi desde que estive aqui. Teria sido fácil confundir o desejo com o meu. O que, penso, só o tornou mais perigoso.

Passamos pela clareira onde vimos o Unicórnio, e vi Gwydion convocando a tela cheia de texto mágico novamente, procurando sinais de Gilfaethwy e ficando cada vez mais frustrado com o passar do tempo. Mas Hern avançou com total confiança e sem hesitação, parando apenas raramente para consultar o bando de cães excitáveis que vagavam em torno dos cascos de seu cavalo, que decolariam em uma cavalgada multicolorida de latidos animados em uma direção ou outra, e Hern faria orientar a equipe de caça para segui-los.

Finalmente, no que parecia um prado arbitrário entre as árvores, os cães começaram a latir e uivar, correndo em torno de um ponto no centro do prado.

Hern desceu do cavalo e se inclinou para tocar a grama, pensativo. Gwydion examinou sua tela mágica, os olhos disparando freneticamente, mas eu pude ver que ele não viu nada.

—Encontrei a pedreira. — Hern anunciou, endireitando-se.

—Como?— Gwydion exigiu. —Não há vestígios mágicos de Gilfaethwy em lugar algum!

—Claro que não. — Respondeu Hern. —Não acompanho a trilha dele há algum tempo.

Gwydion cuspiu em indignação.

—Sua sombra é inteligente. — Continuou Hern. —Ele colocou um pouco de sua vontade em uma corça comum. Ele vagou pelos seus negócios, criando uma pista falsa óbvia, enquanto a sua melhor e mais escondida seguiu um caminho mais direto. Vestindo a forma da mesma corça, ele foi aos gnomos e os faes de barro. Assim que soube que ele seguira naquela direção, soube o que ele planejava e nos trouxe aqui.

—Onde é aqui? — Eu perguntei, olhando em volta para a clareira normal.

—Ele não tinha ajudantes. — Reuniu Gwydion. —E ele não pôde ficar aqui por tempo suficiente para recuperar o poder de se teletransportar novamente. Ele negociou com os gnomos para lhe abrir uma porta para os Campos Escuros.

—Só assim — Hern concordou. —E provavelmente pagou um preço caro por isso. Felizmente, eu conhecia esse lugar e, portanto, não temos motivos para negociar com o povo da terra a passagem para o seu lugar ancestral.

Ele assobiou e seus cães começaram a circular novamente no centro do prado, correndo cada vez mais rápido, até que eram apenas um borrão manchado e um uivo alto e estridente.

Quando não puderam ir mais rápido, dispersaram-se de uma só vez, cada cão correndo em outra direção para queimar o momento antes de retornar a Hern, que os cumprimentou com tapinhas e guloseimas em seu alforje.

Onde eles estavam correndo, um buraco se abriu na terra.

Era o buraco mais escuro que eu já tinha visto, com as mesmas qualidades vazias sem fundo que o vazio atrás das portas no julgamento da porta demoníaca azul.

—O caminho está aberto para vocês. — Declarou Hern. —Vão em frente, e boa caça. Estarei atrás de vocês daqui a três dias, e se a presa tola permanecer nos reinos mágicos, duvido que demore mais de um dia para capturá-lo. Se ele for para na Terra, pode me levar três. Então, eu sugiro que você se apressem.

—Sua ajuda é apreciada. — Disse Gwydion, tenso. —E devidamente paga.

Hern assentiu. —Não há dívida. No entanto...

Gwydion deu um passo em direção ao buraco e parou enquanto Hern falava. Hern avançou com um belo cão de visão prateado, elegante e comprido, com finos olhos escuros.

—Eu estaria disposto a lhe emprestar um dos meus cães. — Disse ele. —Ela é mais esperta do que a maioria dos fae, mais veloz que a luz e totalmente implacável. Ela teria sua sombra em suas mandíbulas ao amanhecer. Tudo o que eu pediria em troca é um dos seus humanos. O espinhoso de cabelos escuros, talvez. Ele faria um excelente terrier.

—Não, obrigada. — Eu disse antes que Gwydion pudesse responder, não querendo arriscar. —Nós temos nosso próprio cão.

Eu dei um tapinha em Ethan com um sorriso brincalhão.

—Isso não é um cão de caça. — Respondeu Hern, sem deixar vestígios de sorriso no rosto. —Isso é um lobo. Ele não tem mestre, e qualquer homem tolo o suficiente para tentar treiná-lo logo encontraria sua garganta nos dentes. Se você perguntar a minha sabedoria, é melhor deixar um animal como esse ser deixado na natureza ou abatido.

—Sinto muito. — Eu disse alto, pegando a mão de Ethan e puxando-o em direção ao buraco. —Eu não pude ouvir seu conselho não solicitado sobre o quanto eu amo meu namorado! Tchau!

Gwydion balançou a cabeça, mas a julgar pelo fato de o mundo não ter caído ao redor dos meus ouvidos, recusar-se a reconhecer seu conselho ‘dado livremente’ provavelmente era uma boa ideia. Ele me apontou para o buraco e, vendo que não havia escada ou degraus, dei de ombros e pulei.

A escuridão passou correndo por mim, uivando em meus ouvidos. Terra fria roçou meus ombros quando eu me afastei muito de cada lado. Depois que eu cai pelo que pareceu uma eternidade (e comecei a me preocupar com a bagunça), houve um estranho movimento indutor de náusea no meu estômago e, de repente, eu estava caindo na outra direção, de cabeça primeiro.

Eu me esforcei para me endireitar, perdendo completamente a noção de cima e para baixo, preocupada de cair do mesmo buraco no colo de Hern.

Em vez disso, caí de pé em terra dura e negra.

Ethan pousou ao meu lado, tendo caído do nada e parecendo muito confuso. Cole o seguiu e, um segundo depois, Gwydion pousou também.

Enquanto isso, eu estava olhando em choque para o terreno ao nosso redor.

Dizer que era montanhoso era fazer um desserviço às montanhas. Havia picos irregulares, mas eles tinham pouco em comum com as montanhas da Terra, que eram majestosas erupções de pedra envoltas em vegetação e neve. Esses... tumultos de solo negro pareciam ter mais em comum com a sujeira agitada após uma extensa construção. E não havia nada verde. Nenhuma árvore morta ou erva murcha até onde os olhos podiam ver. A terra parecia explodida, queimada e atropelada por um trator. O céu era de um laranja sombrio desbotando para um vermelho feio da cor da pele rasgada. Não consegui encontrar o sol.

—Os Campos Escuros. — Gwydion nos apresentou antes que pudéssemos começar a fazer perguntas. —Lar dos anões. Muitos dos Fae que vivem no solo ou sob o solo consideram que este foi seu lar ancestral até que, de acordo com a tradição oral e precisamente nenhum registro em primeira mão ou evidência física, a indústria furiosa dos anões que habitam profundezas queimaram a superfície da vida e afastaram todas elas, o que provavelmente é uma invenção destinada a distingui-las do resto da corte que, como eu disse antes, perdeu toda a memória de nosso reino nativo há tanto tempo que nem as rainhas se lembram disso.

—Isso aconteceu antes de serem coroados? — Eu perguntei.

—Possivelmente.

—Então, a rainha não governa para sempre?

Gwydion me deu um olhar estranho antes de responder.

—Em teoria. Todos os Fae são imortais, mas nós não somos Verdadeiros Imortais. Os Verdadeiros Imortais não podem realmente ser mortos de nenhuma maneira. Os Imortais regulares simplesmente requerem circunstâncias específicas e, muitas vezes, encontram o caminho de volta à vida, independentemente através das fileiras da corte, o número de vulnerabilidades que temos se torna cada vez menor. A realeza logo abaixo dos monarcas reinantes é invulnerável a quase tudo, exceto profecias, heróis e uns aos outros. As rainhas reinantes e seus reis caídos estavam acima mesmo assim, voltando mesmo depois de serem mortos por Heróis, ou um pelo outro. Mas o problema com Oberon e Morozko deixou alguns se perguntando se talvez as circunstâncias para matar um monarca fossem simplesmente mais específicas do que pensávamos. Se os monarcas não são eternos, como é feito um monarca? Nunca houve outras rainhas além de Mab e Titânia. Nenhum rei além de Morozko e Oberon. Não na memória viva. Histórias antigas que mencionam coroações e casamentos reais. Até crianças. O que implica que as coisas nem sempre foram como são. E com a perda dos reis, elas podem mudar novamente.

Eu não esperava uma resposta tão extensa e não tinha certeza do que fazer com ela, além de aceitar que Gwydion realmente gostava do som de sua própria voz.

—Então, por que Gil veio aqui? — Cole perguntou, chutando uma pedra, que derrapou na encosta em que estávamos em uma pequena cascata de cinzas e sujeira enegrecida.

—Considerando que ele parece ter vindo aqui deliberadamente, não apenas em uma tentativa contínua de nos jogar fora — Disse Gwydion, caminhando ao longo da encosta, — Presumo que ele esteja aqui para ver os anões. O que colocou uma idéia muito desagradável na minha cabeça.

—O que é? — Eu perguntei enquanto o seguíamos.

—O vidro do meu artífice é feito pelos anões. — Disse Gwydion, sombrio.

Isso não me explicou nada, mas por mais que Gwydion gostasse de se ouvir falar, ele gostava mais de drama. Ele não deu mais detalhes enquanto caminhávamos pela terra queimada.

—Deveria haver uma porta aqui perto. — Disse ele, olhando as encostas ásperas à frente.

—Por que o túnel nos deixou aqui? — Eu perguntei. —Estou assumindo que os anões estão todos no subsolo, certo?

—Correto. — Confirmou Gwydion. —Mas nenhuma mágica, exceto a mágica dos anões, funciona abaixo do solo aqui. Há mágica no ar. Você pode lançar tudo o que gosta acima do solo. Mas sob a terra, ela é apagada como uma vela. Os anões aprenderam a bombear a magia da superfície, batendo-a em uma forma sólida e criando magníficas ferramentas e encantamentos. Dizem que eles inventaram todo o conceito de encantamento. Mas nenhuma mágica ou magia natural funcionará em seus corredores.

—Isso é preocupante. — Murmurei. Curiosamente, procurei qualquer coisa morta que pudesse usar, mas não havia nada dentro do alcance. Tudo o que havia morrido aqui havia morrido há tanto tempo que não havia mais vestígios, nem mesmo ossos. O próprio planeta era uma grande coisa morta, e eu tinha certeza que nem Aethon tinha poder suficiente para aumentar.

Mas logo chegamos a uma porta de pedra indefinida, situada em uma colina em ruínas e coberta de cinzas. Gwydion bateu com força e sentou-se na terra.

—Sente-se. — Ele aconselhou. —Vai demorar um pouco. Eles precisam subir. Essas portas não são usadas com frequência.

—Você tem certeza que eles ouviram? — Eu perguntei, sentando-me.

—Oh, certamente. — Confirmou Gwydion, recostando-se na colina e fechando os olhos. —Estamos pisando no telhado. Eles sabem que estamos aqui. O importante é nos anunciar como convidados, em vez de intrusos. A lei dos anões não é como a lei dos Fae, mas eu tenho um pouco de compreensão disso.

Então nós esperamos. Depois de toda pressa e estresse, parecia estranho estar esperando. Isso me deixou inquieta e com coceira. Cole e Ethan pareciam ansiosos também.

Eu assisti o céu, supondo que fosse pôr do sol e seria noite em breve. Mas as cores não mudaram e a luz não desapareceu, o que me deixou desconfortável.

—Podemos dar ao luxo de esperar assim? — Eu perguntei. —Temos apenas três dias.

—Menos que isso. — Respondeu Gwydion. —O tempo se move de maneira diferente aqui em Tir Na Nog. Os anões minaram o sol, você vê. Então, tudo fica parado. Enquanto isso, o tempo relativo dos outros reinos corre sem ele. Provavelmente já perdemos meio dia, A oferta de Hern de três dias foi uma piada cruel. Estou apenas esperando que os anões nos deixem entrar antes que ele chegue. Hern tentará atacar com todos os seus cães, e os anões o matarão ou o jogarão no mínimo e possivelmente nos comprar algum tempo.

Eu olhei para Gwydion quando o horror tomou conta de mim. Ethan e Cole estavam prestando atenção agora também.

—Por que você não disse algo sobre o tempo antes? — Eu disse, lutando contra o desejo de sacudi-lo. —Não podemos ficar sentados aqui! Precisamos fazer alguma coisa!

Eu pulei de pé, tentando encontrar uma maneira de abrir a porta. Ethan apenas apoiou a cabeça nos joelhos. Cole levantou-se para me ajudar com a porta, embora ele se movesse mais devagar.

Em sua defesa, Gwydion pelo menos pareceu um pouco surpreso com a minha angústia.

—Eu pensei que já tinha explicado que conceitos como tempo não funcionam da mesma forma nas Outras Terras. — Disse ele com uma careta. —Você não entendeu?

—Claramente, não o entendemos. — Respondeu Cole por mim. —Ficamos com a impressão aparentemente equivocada de que realmente tivemos uma chance.

Gwydion suspirou e se levantou, me puxando gentilmente para longe da porta. Eu considerei fortemente dar um soco nele, mas algo em sua expressão me fez hesitar.

—Ainda temos uma chance. — Disse ele, me olhando nos olhos. Eu não tinha percebido o quão raramente ele fazia isso antes agora. —É menos tempo do que pensávamos, mas não é uma sentença de morte. E agora, nossa melhor opção é apenas ser paciente. Não há mais nada que possamos fazer.

Sentei-me de novo, passando as mãos pelos cabelos enquanto minha cabeça latejava com uma dor de cabeça tensa que se formava desde antes de aterrissarmos em Tir Na Nog.

—Isso é culpa minha. — Eu gemi. —Eu nunca deveria ter tentado falar com a rainha. Eu não deveria ter parado para acariciar o unicórnio. Eu não deveria ter te distraído para que Gil pudesse escapar em primeiro lugar. Eu nunca deveria ter tocado aquela vela estúpida...

—Isso é bastante presunçoso da sua parte. — Zombou Gwydion, o que não era a reação que eu esperava. Ele se sentou ao meu lado enquanto eu esperava que ele elaborasse. —Com o que eu quero dizer, acredito que você está inflando bastante sua própria importância nessas coisas. Tenho quase certeza de que tudo teria acontecido mais ou menos da mesma maneira. Estou certo de que nossa posição seria realmente pior se você tivesse não divertisse a rainha. Eu certamente não estava em posição de barganhar, e você nos comprou tempo, o que não é pouca coisa e muitas vezes tudo o que realmente pode ser feito. Hern ainda nos pegaria, mesmo que não parássemos para o unicórnio, e acredito que sem a influência dele, você não seria capaz de enfrentar a rainha. Quanto a Gil e a vela, bem, essas duas coisas foram totalmente minha culpa.

—Eu me perder em sua casa e tropeçar em um de seus artefatos não foi sua culpa. — Protestei.

—Eu discordo. — Disse Gwydion calmamente. —Eu poderia ter avisado você sobre os perigos em minha casa. Eu poderia ter levado você a um lugar confortável para esperar e lhe dito para não vagar. Eu poderia ter te libertado da porta e depois retornado às minhas responsabilidades. Mas, como em expondo você à vela, optei por não, porque queria ver o que aconteceria. O que, embora seja uma razão compreensível para a maioria das fae, é uma desculpa ruim para os humanos.

—Gil disse a mesma coisa sobre a maldição de Ethan. — Lembrei. —Ele tinha que ver o que aconteceria.

—É uma compulsão dos fae. — Disse Gwydion com um encolher de ombros. —Mas não inegável. Eu poderia ter resistido ao desejo. Que eu não fiz isso não é culpa de ninguém, mas é minha.

—Eu também poderia ter resistido. — Apontei. —Eu não tinha que pegar a vela. Eu não tinha que vagar em sua casa estúpida. Eu não tinha que aceitar sua... oferta, no jantar.

—Então, qualquer culpa que você carregue é diminuída pelo fato de você não ter ideia do que estava fazendo, e eu fiz.

Eu bufei de frustração.

—Eu definitivamente sabia o que estava fazendo no jantar. — Eu disse. —Eu sabia que ninguém estava de olho em Gil.

—Você supôs que eu não o teria deixado se não tivesse certeza de que ele estava seguro. — Disse Gwydion com um encolher de ombros. —E nós dois estávamos um pouco frustrados e distraídos, se bem me lembro. Se você era um pouco ingênua em acreditar que eu poderia confiar, isso dificilmente é um crime.

—Por que você não deixa isso ser minha culpa? — Eu perguntei, agitação crescente. Gwydion me encarou com um olhar curioso.

—Por que você quer que seja sua culpa?

Recostei-me, mal percebendo que estava de pé novamente.

—Eu não sei. — Eu disse, passando a mão pelo meu cabelo novamente. Eu o endireitei na manhã em que saímos da casa da minha tia, há quanto tempo isso era agora, mas entre o mergulho em Costa Distante e toda a volta, estava ficando completamente encaracolado novamente e rígido com água salgada. —Problemas de controle, provavelmente.

—Você parece ter aqueles em espadas.

—Sim, estou começando a descobrir isso.

Ele colocou a mão no meu ombro, o gesto um pouco rígido, mas eu poderia dizer que ele estava tentando me confortar.

—Por que você está sendo legal comigo? — Eu perguntei. Pensando bem, durante todo o caminho em Tir Na Nog, ele tinha sido extraordinariamente atencioso. Para ele de qualquer maneira.

—Você salvou minha vida. — Ressaltou. —De uma maneira bastante fantástica.

—Você realmente teria morrido? — Eu apontei. Ele encolheu os ombros.

—Quem pode dizer? Afogar-me não é tipicamente uma das maneiras pelas quais eu posso morrer. Mas a Costa Distante é um lugar estranho. A morte se aproxima da superfície. A imortalidade é um pouco mais porosa do que o habitual. E eu estava com pouca mágica. Pode ter certeza de que eu ficaria inconsciente por muito mais tempo do que você precisaria morrer de fome ou sede ou ficar desesperada o suficiente para tentar usar o bastão, destruindo assim as moléculas. Eu teria acabado sozinho, à deriva em coma, e adivinhar o que poderia acontecer então, em um lugar como Costa Distante, só pode ser especulação infundada.

—Então, você me deve? — Eu perguntei, franzindo a testa. —Cole mencionou que vocês odeiam isso.

Gwydion desviou o olhar, os olhos examinando a paisagem árida e torturada.

—Não é tão simples. — Disse ele por fim, quieto como este planeta silencioso. —Existe uma dívida. Mas eu não me ressinto. Existem alguns grilhões que até usamos de bom grado.

Percebendo que havia algo que ele não estava me dizendo, fiquei quieta e esperei que ele gostasse de se ouvir falar para tirá-lo melhor. Mas ele não disse mais nada. Abri minha boca para induzi-lo, apenas para ser interrompida pelo raspar de pedra quando a porta na cidade de Dwarven se abriu.

 

 

 

 

 

 

 

 


Capitulo Treze


O anão não se parecia com o que eu esperava.

Eu havia antecipado algo parecido com o que as pessoas com nanismo eram na Terra. Curto e atarracado, provavelmente com barbas. Que fantasia havia me dito que os anões se pareciam a vida toda.

O anão na minha frente, no entanto, parecia algo entre um texugo e uma toupeira de nariz estrelado.

Era curto, mais ou menos um metro e oitenta, e coberto por um denso pelo cinza. Seu pelo afinava até um subpelo mais elegante, perto do delicado órgão sensorial rosa no centro de seu rosto pontudo e sem olhos, e nas costas de suas patas dianteiras, equipadas com garras longas e perversamente curvas. Seu 'nariz' se contorcia de forma independente, de uma maneira fascinante e também um pouco nauseante de assistir. Usava um avental de couro e nada mais. Andava um pouco inclinado para a frente, como se preferisse andar de quatro.

—Você tem sorte de eu ainda estar tão perto da superfície. — Disse o anão com uma voz surpreendentemente genial enquanto nos conduzia para os túneis de terra apagados. —O forte da Primeira Vigia fica a uma curta caminhada de distância desta porta normalmente. Mas eu tive que deixar algum outro idiota dominado pelo sol entrar em menos de meio turno atrás.

Gwydion tirou um pequeno acessório encantado de seu casaco, que parecia o tipo de bolas de cristal que eu imaginava antes. Ele sussurrou uma palavra e brilhou o suficiente para iluminar vagamente o nosso caminho. Pela fraca luz empoeirada da mariposa, trocamos um olhar significativo.

—Onde ele foi? — Eu perguntei. —O idiota do sol, quero dizer.

—Não perguntei. — Disse o anão com um encolher de ombros. —Ele já alcançou a Primeira Vigilância a essa altura e eles o enviarão para onde ele pretender ir.

—Você não estava curioso? — Eu perguntei. —Quero dizer, pessoas de outros mundos vêm aqui com tanta frequência?

—Eu imagino que ele ficou agradecido por sair do sol! — O anão riu. Seu focinho comprido estava cheio de dentes afiados e finos, e ele não se virou nem olhou para nós quando falou. Provavelmente devido à falta de olhos. —Eu não consigo entender por que vocês correm por mundos que ainda os possuem. Mineramos o nosso e a luz ainda é insuportável.

Pensei em perguntar como ele poderia dizer, considerando que ele não tinha olhos, mas decidi que poderia ser rude.

—Acho que é exatamente com o que estamos acostumados. — Disse diplomaticamente. —Nascer lá em cima e tudo.

—Bem, está tudo bem. — Disse o anão com um tom distinto de pena. —As portas da Cidade Baixa estão abertas a todas as pobres massas queimadas pelo sol. Temos espaço suficiente para todos, e sempre há trabalho a ser feito. Eu imagino que vocês todos acabarão aqui eventualmente, uma vez que se espalhe a notícia de que há uma alternativa para viver na superfície. Em que trabalho você espera ser colocado?

—Uh, nós não somos-

—Você nunca conseguirá um emprego em engenharia, então não se preocupe. Nenhum anão que valha a bigode confiaria em um túnel construído por um da superfície. Você simplesmente não tem o menor sentido, sem ofensa. Ouço que algumas da superfícies fazem encantadores decentes, mas não há mobilidade para isso, mas posso dizer bem ao capataz da mina Fernfossil, se quiser, encontrar um bom trabalho sólido no transporte de solo e valorizados. Limpe o solo por apenas algumas décadas e você pode abrir sua própria empresa.

—Na verdade, não estamos procurando trabalho. — Eu disse rapidamente antes que o anão pudesse continuar falando. —Estamos apenas tentando encontrar o homem que veio aqui mais cedo. Então vamos embora.

Isso realmente fez o anão parar.

—Por que diabos você quer fazer isso? — Ele perguntou. —Agora que você sabe como é adorável, fresco e escuro aqui em baixo? — Comecei a explicar, mas ele me dispensou com um aceno de suas longas garras. —Você mudará sua música quando vir a cidade. Melhor construção em todos os mundos.

O anão parecia um pouco ofendido e não falou muito mais enquanto continuávamos descendo o túnel.

Um turno, ao que parece, durou cerca de quatro horas, e a Primeira Vigilância estava a um turno da porta. Enquanto caminhávamos, o túnel mudou lentamente de terra nua para terra empacotada com pedra, pedra esculpida e tijolo fino. Havia uma ênfase definida na função sobre a forma, pelo menos pelo que podíamos ver pela luz fraca de Gwydion, mas ao mesmo tempo, os corredores eram amplos, confortáveis e bem conservados. Não estávamos tropeçando em tijolos soltos, e o ar estava relativamente fresco. O único problema era a falta de fontes de luz.

Ainda assim, já estávamos há um tempo antes de chegarmos aqui. Ethan e Cole haviam conseguido algumas horas de descanso na casa de Gwydion (e eu tinha comida possivelmente encantada e sexo possivelmente mágico), mas isso não compensava as horas que passávamos por reinos mágicos sem nem mesmo uma pausa para o almoço. Estávamos todos começando a parecer bastante irregulares.

Os confortáveis túneis anões apresentavam bancos e fontes regulares de pedra esculpida, trazendo água fria da nascente mais para baixo, mas nosso guia parou para usá-los menos da metade com a frequência que gostaríamos que ele usasse e, em geral, não parecia se cansar. Ele andava devagar, falando apenas ocasionalmente para comentar sobre o tipo ou a qualidade da pedra que estávamos passando.

—Há muita diversidade nesses túneis! — Ele alegou. —É mais eficiente usar pedra local sempre que possível, em vez de transportar tijolos de mais fundo. Então, você ver todos os tipos de técnicas inteligentes usadas para tirar proveito da pedra menos do que a ideal, mantendo tudo dentro dos altos padrões da Código do engenheiro. Pegue este gesso, por exemplo...

Ele continuou assim por um tempo. Aprendi depois de uma ou duas dessas palestras que ele só se ofendia se eu tentasse contribuir com a conversa. Então, todos ouvimos em silêncio, aprendendo mais sobre geologia do que qualquer um de nós jamais se interessou em saber.

Finalmente, a Primeira Vigilância apareceu. Com o que quero dizer, o túnel terminava em um par de portas pesadas, que os Anões introduziram como forte, com grande orgulho. Depois das portas, era um pouco mais impressionante. As portas se abriram para uma ampla calçada, que serpenteava para baixo e para longe de nós, ao redor dos lados de um grande caldeirão. Era iluminado pela primeira vez por uma enorme esfera presa em anéis de latão pendurados no teto, que brilhavam com o que parecia ser a luz do sol.

—Uhg. — O anão fez uma careta. —Sinto muito por isso. Desvantagem de morar em qualquer um dos Fortes. O superintendente do Anel insiste em manter os turnos claros onde essas malditas lanternas estão acesas. Muitos da superfícies vivem nos fortes. Aparentemente, isso ajuda a se adaptar.

As paredes da cratera afundada estavam abarrotadas de prédios esculpidos, seu tamanho e estilo eram extremamente regulares e eficientes, sem perda de espaço. Olhando para baixo, o Forte parecia uma cidade pequena, cheia de vida, nem toda idêntica ao Anão ao nosso lado. Quando ele nos levou para o Forte, um carrinho passou por duas criaturas humanóides do tamanho de anões, que pareciam ser feitas de pedra bruta. Eles eram tão sem olhos quanto os anões e nos ignoraram completamente. Ethan, distraído olhando de soslaio para a lanterna, esbarrou em um deles. Ele se desculpou profusamente, mas não notaram ou reconheceram a colisão ou o pedido de desculpas, apenas se endireitaram e continuaran.

—Não se preocupe. — Disse o anão. —Os Construtos não estão vivos. Eles são apenas material de sucata encantado que usamos para tarefas domésticas ou trabalhos muito perigosos para arriscar os Anões.

—Oh. — Ethan disse, cuidando do carrinho em retirada com uma expressão preocupada. —Eles não podem... sentir as coisas, podem?

—Claro que não. — Zombou o anão. —Eles são feitos de pedra. Sem terminações nervosas, sem cérebros para pensamentos complexos. Se não lhes disserem para sair durante um desmoronamento, eles simplesmente ficarão lá e se deixarão enterrados. Os roteiristas precisam escrever tudo. Seus comportamentos no papel e assados quando são feitos, e eles não podem fazer nada que não esteja nesse papel, a menos que você os abra e adicione novos comportamentos. Eles estão apenas movendo ferramentas, amigo. Você não vai perguntar a uma broca se ela tem sentimentos só porque acontece, não é?

—Não, mas uma broca não tem o formato de uma pessoa. — Disse Ethan defensivamente. O anão deu de ombros.

—É uma forma eficiente. Versátil. E é o que construímos para todas as portas para caberem.

Um ponto decente.

—E se alguém escrevesse um comportamento como 'estar vivo' ou 'pensar com identidade' ou algo em seu papel? — Eu perguntei curiosa.

—Você acha que eles não tentaram isso logo? — O anão riu. —Alguns dos roteiristas particularmente excêntricos ainda estão tentando. Mas você não pode usar um martelo para um balde e não pode fazer uma pedra pensar que é uma pessoa.

Ainda assim, finalmente chegamos a um tópico de conversa sobre o qual eu não conseguia ofender o sujeito que estava falando, então conversamos sobre as tentativas fracassadas do roteirista de fazer um constructo vivo (parecia haver duas grandes escolas de pensamento sobre o assunto, um escrevendo comportamentos muito amplos abertos à interpretação e o outro escrevendo listas cada vez mais específicas e detalhadas de todas as minúcias da vida - mais os maçons radicais que pensavam que a resposta era esculpir os cérebros dos Construtos, que geralmente eram considerados malucos) até o fundo do forte. O forte era realmente muito bom. Eu não sabia o suficiente sobre arquitetura para apreciar a qualidade da construção, e qualquer floreio artístico tendia a ser tátil ou até auditivo, então não havia muito o que olhar. Mas os anões claramente tinham talento para o planejamento da cidade. Tudo era eficiente, limpo, fácil de navegar, provavelmente bem rotulado, embora eu não pudesse ler a sinalização anã e, como no túnel da porta da frente, sempre havia muitos lugares para sentar e uma fonte quando você queria uma. Havia até canteiros de flores e espaços verdes, embora fossem baseados em fungos e musgos.

—Agora, é provável que seu amigo tenha ido até o escritório de refugiados. — Disse o anão, apontando para um prédio com uma placa complexa em anão ilegível. —Ele precisaria de um passe de trem para deixar o forte. Eles deveriam poder lhe dizer para onde ele foi.

Dissemos adeus ao nosso guia que, apesar de tudo, tinha sido bastante gentil, e seguimos para o Escritório de Refugiados.

Era um prédio pequeno e eficiente, com assentos confortáveis e um anão amigável na recepção, que ficou encantado em nos ver, pois raramente viam mais de um ou dois refugiados em um dia. Fiz uma tentativa inútil de garantir que não éramos refugiados e não planejávamos ficar. Eles apenas nos garantiram que mudaríamos de ideia e nos deram nossos pacotes de orientação, que incluíam o passe de trem que nosso guia havia mencionado - um pedaço fino de lata ou alumínio duro, talvez com nossos nomes, espécies e portão de entrada. Após algumas discussões, o escrivão também cedeu e nos disse para onde Gil havia ido.

—Ele foi para a cidade central, para o palácio antigo. — Explicou o anão. —Alegou que ele tinha negócios urgentes com o rei. Queria saber se havia uma linha expressa.

—Existe? — Eu disse, meu coração batendo mais rápido, mesmo com um pouco de progresso. O anão fez um gesto ambivalente.

—Se você pegar o trem daqui até a mina de Limespire no segundo anel e depois transferir para a Linha R, ela para no distrito histórico do governo. Mas você precisará de autorização de turismo em seus cartões de trem. Gostamos de ficar de olho em o movimento de novos cidadãos, apenas por precaução. Depois de uma década ou mais, você poderá se mover livremente entre os anéis, como qualquer cidadão.

—Você pode nos dar isso? — Eu disse impaciente. —Autorização de turismo? Precisamos ver o rei também.

—Bem, eu posso. — Disse o anão, hesitante. —Mas vocês tem certeza de que é isso que você querem? Quero dizer, é apenas que não tenho certeza de que seu amigo sabia exatamente o que estava fazendo. Ele parecia pensar que o rei poderia ajudá-lo com alguma coisa, mas, bem, somos parlamentares. Monarquia. O rei é um velho simpático e todos nós o amamos, mas não é como se ele realmente tomasse alguma decisão. Se ele quisesse conversar com a União dos Engenheiros, talvez, ou o Parlamento dos Superintendentes, até o nosso capataz local...

O anão parou sem esperança.

—Sim, ele é um idiota. — Eu concordei imediatamente. —Também não sabemos o que ele está planejando. É por isso que precisamos alcançá-lo o mais rápido possível e impedi-lo de fazer algo estúpido.

O anão da mesa suspirou e pegou nossas cartas de trem de volta, usando um dispositivo que parecia um furador pesado para carimbar um quadrado estriado no canto de cada uma de nossas cartas, o que aparentemente nos deu permissão para turismo.

Sem perder tempo, seguimos apressadamente na direção em que o recepcionista nos dissera que poderíamos encontrar a estação de trem. No meio do caminho, a mudança brilhante terminou, e a enorme luz da lanterna desapareceu quando grossas cortinas de metal foram desenhadas em torno dela. Gwydion pegou seu pequeno globo de luz novamente e navegamos pela cidade no semi-escuro. Ocasionalmente, víamos outros não-anões, outros refugiados, cuidando de seus negócios à luz de dispositivos mágicos como os de Gwydion ou lâmpadas que pareciam ser versões em miniatura da lanterna. Não havia muitos, e quase nenhum deles era remotamente humanoide.

Felizmente, o trem não estava muito cheio, mas a maioria dos outros passageiros era anão, que nos deu olhares curiosos ao encontrarmos lugares frente a frente.

—Finalmente desistiram do sol, hein? — Um perguntou alto e amigável. Eu apenas sorri e assenti.

—Você não vai se arrepender! — o anão me assegurou.

Eu não tinha certeza do que pensar dos anões. Eles certamente eram amigáveis. E avançados, para uma espécie de fantasia que vivia no subsolo em outro universo. Eles tinham transporte público (a viagem de trem era o cheiro mais suave e agradável que eu já havia experimentado) e, de acordo com o pacote de orientação, assistência médica gratuita. Mas havia algo apenas um pouco fora da coisa toda. Talvez não fosse familiar, ou porque eles insistiam que eu não iria querer sair.

 


Capitulo Quatorze


O trem não tinha janelas, sendo os passageiros quase todos cegos. Mas havia um mapa de rotas na parede ao lado de nossos assentos. Era estrutural, destinado a ser lido pelo toque e não pela visão, mas pelo que pude decifrar, a Cidade Baixa era essencialmente uma versão maior e invertida da forma de cratera do Primeira Vigilância. Anéis de assentamentos subiam e desciam, ficando cada vez maiores. Estávamos indo em direção a um ponto próximo ao fundo, onde os anéis se tornavam menos distintos, ondulando em milhares de pequenos desvios e galhos que não estavam, presumivelmente, na linha de trem. O que eles eram, eu não poderia dizer.

Trocamos de trem no que parecia ser o equivalente a Grande Central, pulando na linha R. O R acabava por significar ‘áspero’, a textura usada para diferenciá-lo nos mapas. Havia uma linha suave, uma linha irregular e uma linha afiada...

Eu gostaria de poder apreciar as cidades e estruturas pelas quais estávamos passando. Mas estava escuro demais para ver qualquer coisa. As coisas só ficaram mais confusas quando chegamos ao distrito histórico do governo, que tinha avenidas amplas e elegantes e altos e belos edifícios, que nos fizeram sentir perdidos no escuro em um plano interminável de paralelepípedos até nos depararmos com uma fachada elaboradamente curvada. Curiosamente, também tínhamos visto menos anões quanto mais fundo chegávamos à cidade. Um local falador que pedimos orientações em Limespire havia dito que quase todo mundo estava trabalhando em projetos de expansão à margem. O que significava que, além de estarmos perdidos no escuro, estávamos perdidos em uma cidade estranhamente vazia e silenciosa no escuro.

—Já tive o suficiente dessa merda. — Disse Ethan. Ele parecia um pouco desconfortável desde que entramos no túnel. Eu estava começando a pensar que ele poderia ser um pouco claustrofóbico.

—Porra mesmo. — Cole concordou. —Não podemos ter mais luz, pelo menos?

—A menos que um de vocês tenha pensado em trazer uma lanterna. — Disse Gwydion, um pouco mal-humorado. Também não achei que ele estivesse gostando disso. Ou talvez estivesse apenas sendo separado de sua magia que ele não apreciava.

—Temos que estar perto do Palácio Antigo, certo? — Eu perguntei, olhando de soslaio para o mapa que um anão prestativo nos havia dado, que era obviamente todo em textura e, portanto, quase inútil. —Acho que foi a fonte em que quase caí foi a do lado de fora do antigo prédio parlamentar. Se continuarmos em frente-

—Você estão perdidos, amigos? — Alguém gritou inaceitavelmente longe. Mas, novamente, os anões tinham uma audição muito melhor que os humanos. Talvez a distância aceitável para a comunicação gritada fosse diferente para eles.

Fomos em direção à voz até a luz de Gwydion iluminar um anão em armadura elaborada e, eu esperava, cerimonial.

—Estamos procurando o palácio antigo. — Eu disse. —Somos visitantes da superfície e precisamos falar com seu rei.

—Por que? — O anão perguntou, parecendo confuso. —Se é importante o suficiente para trazê-los até aqui, seria melhor conversar com o Parlamento dos Superintendentes.

—Não, nós definitivamente precisamos conversar com o rei. — Eu disse, exausta de ter essa conversa.

—Bem, este é o palácio antigo. — Disse o anão. —Eu vou mostrar, e vocês podem conversar com alguém sobre uma audiência, se o velho não estiver cochilando. — O anão, que imaginei ser algum tipo de guarda do palácio, riu com carinho. —Você sabe que ele dormiu um ano inteiro? Tivemos uma festa fantástica quando ele acordou.

O interior era tão vasto e escuro quanto o exterior, embora tenhamos caminhado sobre mármore macio e acetinado, em vez de pedras. Estávamos andando entre vários anões de importância indeterminada, a maioria dos quais nunca vimos bem, antes de finalmente chegarmos a alguém que, presumivelmente, tinha autoridade para decidir se poderíamos ver o rei.

—Sinto muito. — Disseram eles, invisíveis fora do alcance da luz do outro lado da ampla mesa. —Mas vocês entendem por que não podemos permitir que qualquer da superfície aleatório se encontre cara a cara com o rei. Talvez se vocês fizerem uma petição por escrito-

—Este não é um da superfície qualquer. — Interrompeu Gwydion, parecendo profundamente irritado. —Você não tem capacidade de sentir mágica? Esta é a herdeira do príncipe Tzarnavaras, uma rainha por direito próprio, afilhada da morte.

Houve um momento de silêncio do outro lado da mesa, então uma mão com garras disparou para agarrar a minha onde repousava sobre a mesa. Não forte o suficiente para machucar, mas o suficiente para me assustar. Eu podia sentir algo contra a minha magia, vagando como mãos curiosas. Levei a chama da vela para frente rapidamente, concentrando-me tanto que por um momento sua luz irradiou através da minha pele e lançou um brilho azul no rosto chocado do anão.

—Oh, oh meu Deus! — O anão disse assustado. —Eu não sabia que você estava visitando a realeza! Disseram-me que eram refugiados.

—Ninguém perguntou. — Eu disse, brincando, enquanto puxava minha mão. —Meus consortes e eu somos tratados como meros imigrantes desde que chegamos. Como se você não acreditasse em ninguém, a não ser um anão, poderia ser importante!

—Isso não é - nunca pretendemos sugerir -— O anão balbuciou.

—Tenho certeza de que não. — Gwydion cortou-os bruscamente. —Mas talvez você deva permitir à rainha sua visita real antes de causar um incidente internacional.

Ele seguiu isso com algumas manobras de mão, mostrando ao anão alguns 'documentos reais', que eu tinha quase certeza de que eram cupons que recebemos em nosso pacote de orientação para o ‘Buffet de comidas exóticas do Digger Dan, a mais autêntica culinária da superfícies do Fort do Anel!’

E então, finalmente, estávamos diante das portas da sala do trono. Eu assumi que elas eram grandes e impressionantes. Eu só podia vê-las um canto minúsculo de cada vez pela luz fraca do orbe de Gwydion.

—Alguém mais acha que essa é uma má ideia? — Ethan sussurrou. Eu estava inclinada a concordar, mas era tarde demais para voltar agora. As portas se abriram e entramos para encontrar o rei.

A sala do trono era grande e escura como breu. A escuridão parecia próxima e quase sólida, grossa como o solo. A luz da esfera de Gwydion penetrou apenas alguns centímetros à nossa volta. Ficamos amontoados no minúsculo círculo de luz, sentindo-nos decididamente não-reais quando um anão nos anunciou como —Sua Majestade, a Rainha Noturna da antiga Constantinopla da Antiga Linha de Tzarnavaras e seus Consortes.

—Vossa Majestade. — Disse o Anão, voltando-se para nós, o brilho de seus pelos quase invisível à luz. —Apresento o Raiz da Montanha, nascido em pedra, cujos dentes esculpiram as primeiras cavernas, que sangraram as primeiras veias de ferro, arquiteto da cidade e capataz dos capatazes, o pai-anão de toda a nossa espécie e rei de tudo o que habita embaixo.

Percebi que não havia nome próprio entre todos esses títulos. Mas o anão recuou e a porta se fechou atrás de nós, deixando-nos sozinhos no escuro. Se o rei estava lá conosco, não sentíamos sinal dele.

—Olá? — Chamei experimentalmente, minha voz ecoando na vasta sala.

—Você pode fazer isso mais brilhante? — Cole perguntou, cutucando o orbe de Gwydion. Gwydion olhou para mim e, quando assenti, ele deu de ombros e a luz ficou mais forte, afastando a escuridão ao nosso redor. Vimos iluminar as esculturas delicadas e intrincadas no chão, as complexidades sutis e elaboradas das paredes, coisas que só podiam ser apreciadas pelo toque, não pela vista. E no final da sala, vimos um monte de terra escura que chegava até o teto, como se a parede dos fundos tivesse simplesmente desabado.

E então, quando a luz de Gwydion a tocou, o monte começou a se mover.

Não havia... palavras para descrever o arquiteto. Em um momento, sob um ângulo de luz, a terra parecia atraí-lo, uma construção como a que vimos trabalhando por toda a cidade. Por outro ângulo, vi a carne branca brilhante de um verme maciço. Por outro, o pelo e as garras de uma toupeira. Por outro, um homem, ou o cadáver de um homem, meio enterrado, nos observando com olhos de poço.

—Fora. — Ele falou, sua voz como uma trituração de placas tectônicas e o barulho de terra. —Fora, maldita luz, e fiquem quietos.

Gwydion apagou o orbe imediatamente, salvando-nos da terrível imagem em constante mudança do arquiteto.

—Aquele Sol, como uma erva daninha no meu jardim, eu não levantei nem engoli e permito que sua queima sufoque na vastidão de Mim. Mesmo agora, fragmentos de seu brilho odioso assaltam-me. Que brotos tenros empurram suas raízes rasas na minha presença, ainda quente com luz amarga?

Não via meus companheiros para saber se estavam com medo ou planejando alguma coisa. Eu me atrapalhei na escuridão e peguei as duas mãos, apertando-as para me tranquilizar. Um deles era notavelmente legal e quase definitivamente a de Gwydion. A outra, calejada e me segurando frouxamente, à beira de se afastar, era provavelmente Cole.

—Perdoe nossa perturbação, arquiteto. — Gwydion falou à minha esquerda. —Nós procuramos um criminoso. Meu irmão roubou algo meu e o trouxe aqui. Buscamos apenas sua orientação na captura dele e sua paciência enquanto o perseguimos em seu reino.

Houve um som baixo e estridente como um terremoto, que poderia ter sido uma risada.

—Como a tolice vem em três. — Disse o arquiteto. —Assim, a roda gira como sempre e traz para mim os mesmos rostos novamente. As estações mudam, mas uma estação mais estranha do que já foi vista sobe como uma estrela murcha, antecipando o sol. O que foi bem-sucedido neste novo discurso no lugar daquele eixo de duas faces que já foi o ponto de apoio de todos os nossos ciclos incessantes? Melhores perguntas, pequenos brotos.

Eu esperava que Gwydion entendesse um pouco disso, porque certamente não. Eu sempre estive mais interessada em Poe do que em Shakespeare.

—Perdoe-me, Majestade. — Empurrou Gwydion. —Mas minha sombra, meu irmão, veio aqui? Ele trouxe alguma coisa para você? Você sabe onde ele foi?

—O meu é um pátio de sombras, erva daninha. — Falou o arquiteto, o humor desaparecendo de sua voz. —Eu sou o rei das profundezas primitivas, às quais nenhuma luz jamais tocará. Tua cintilação de velas sombreia arte como grãos de areia no plano infinito do oceano.

—Minhas desculpas, Vossa Majestade. — Disse Gwydion rapidamente.

—Ei, ele veio aqui ou não? — Cole gritou impaciente, apertando minha mão. —Eu vi suas profundezas primitivas e, aos meus olhos de da superfície de merda, não é mais escuro que este quarto. Não estou tão impressionado.

Houve um longo silêncio em que eu esperei o pior. Mas, finalmente, aquela risada baixa do terremoto encheu a sala novamente.

—As pequenas coisas verdes e crescentes. — O Arquiteto falou quase melancolicamente. —Em que séculos eu enrolei suas raízes e enfrentei a luz para comer sua suavidade? Esse tempo já passou, e quando essas raízes profundas amarraram e quebraram as pedras, também minha coroa ficou presa em suas garras. Aquela sombra veio, tu sementes desamparadas, tiras de dente-de-leão. E trouxe com ele uma preciosa lasca de nossa força antiga. Mas a veia se partiu. Os rios profundos o agarraram em sua corrente, cravaram unhas em minha obra-prima e chamaram isso de sua. Esses erros da noite para a escuridão e procuram sobreviver a todos os sóis, por qualquer meio profano.

—O que isso significa? — Ethan perguntou.

—Isso significa que ele não está aqui. — Resumiu Cole.

—Mas ele estava. — Acrescentou Gwydion. —Ele foi ao Parlamento. Ou foi levado para lá.

—Filho da puta. — Eu murmurei. —Eles continuaram nos dizendo-

—Outra questão. — O rei murmurou, e a sala tremeu. Ele estava se mexendo? —Os portões da cidade estão escancarados e muita coisa é esquecida. Mas a lei antiga ainda permanece. Teu irmão é ladrão entre ladrões. Dívida é devida, erva daninha.

A mão de Gwydion apertou a minha.

—Não foi roubado. — Disse ele rapidamente. —O Vidro foi adquirido legalmente. A Marcha dos Magos o comprou dos Anões ao preço de dez mil escravos e das três jóias de Nimüe -

—Não houve compra. — Falou o arquiteto, inexorável como um deslizamento de terra. —Os anões não reconhecem esse conceito. Todas as coisas feitas pelos anões são de propriedade dos anões, até o fim de tudo. Eu estava lá! Vi-o colocado nessas mãos enganosas! Emprestado antes da duração de sua linhagem, que morreu não cem anos depois, mas o que era nosso não foi devolvido como deveria ter sido. Foi roubado, escondido! Negociado entre ladrões até que aterrisse em tuas mãos gananciosas. E ainda assim a dívida poderia ter sido perdoada se você, que sabia o que segurava, houvesse devolvido o que foi roubado. Mas você o guardou entre seu tesouro, seu pequeno dragão. E busque agora mesmo recuperar o que nunca foi seu!

Gwydion estava tremendo. Eu podia sentir os tremores em sua mão, distintos dos tremores na terra, quando algo inimaginavelmente maciço se moveu no outro extremo da sala.

—A dívida é devida. E, por lei, aceitarei apenas o preço do sangue, o preço da carne, uma libra por ano que for retida. Diga-me, erva, quanto pesa?

Eu já ouvi o suficiente. Peguei o orbe da outra mão de Gwydion e coloquei meu poder nele. Brilhou à vida com a luz azul do fogo. O Arquiteto pairava sobre nós como uma onda prestes a colidir, um dragão e um inseto e um gigante de cem braços, antigo além de todos os tempos e tão inevitável quanto a terra ao nosso redor.

Mas ele recuou da luz, uivando como se o queimasse.

—Fora! — Ele berrou. —Maldita luz! Eu terei! Sufocarei toda luz dentro de mim! Vou engolir todo sol e toda chama de vela até que eu receba escuridão!

Ele se agitou, bobinas terríveis quebrando as paredes e nos cobrindo de terra. Peguei Ethan e corri, Cole e Gwydion logo atrás de mim.

Nós batemos em um anão quando saímos, que soltou um grito estridente e penetrante. Ele ecoou por todo o palácio e além dele, um coro de gritos que eu sabia que não significava nada de bom para nós.

Coloquei mais luz no orbe e corri pela passagem aberta mais próxima. Eu me revezava ao acaso, avançando em qualquer direção que parecesse oposta ao som dos terríveis gritos.

—Você nunca vai fugir deles aqui. — Disse Gwydion enquanto corríamos. —Eles podem sentir cada passo que damos. Eles conhecem este lugar melhor do que você conhece sua casa de infância.

—Então o que vamos fazer? — Eu perguntei. —Nunca voltaremos à superfície sem a ajuda deles!

Gwydion não parecia ter uma resposta.

No lampejo da luz selvagem, Ethan mudou para sua forma de lobo.

—Subam. — Ele disse, com as roupas presas nas mandíbulas. —Eles podem sentir nossos passos, certo? Então talvez isso os jogue fora.

—Vale a pena tentar. — Concordou Gwydion, e eu gritei quando ele me pegou nos braços. Cole, parecendo muito inseguro, subiu nas costas de Ethan. —Silêncio agora. Eles podem ouvir nossas vozes tão bem quanto nossos passos.

Então, em total silêncio, corremos mais fundo no infinito escuro das minas dos Anões. Corremos sem plano ou direção. Quando encontramos Anões ou Construtos, tudo o que podíamos fazer era correr na outra direção. Eu nunca me senti tão perdida e desamparada. Eu não tive tanto medo do escuro desde criança.

Eventualmente, fomos fundo o suficiente para que os anões nos perseguissem diminuíssem e desaparecessem. Ficamos com medo deles alcançando a esperança desesperada de que, em algum lugar nos túneis intermináveis da Cidade Baixa, encontrássemos algum caminho de volta à superfície.


Capitulo Quinze


Os túneis ao nosso redor ficaram mais duros à medida que avançávamos. Foram-se os bancos e as fontes, depois os tijolos e até as colunas e suspensórios. Corremos por túneis sinuosos não refinados, que cresciam e se encolhiam como cavernas naturais, como se tivessem sido recentemente escavados na rocha e na terra. Às vezes, tropeçamos em trilhos de metal e ouvimos o estrondo distante das carroças. Uma passou por nós, sem tripulação, do tamanho de uma minivan, carregada de pedra e minério e voltando na direção em que viemos. Quando outra, quase vazio e indo para o outro lado, passou rapidamente, eu mal precisava trocar um olhar com os outros antes de pegá-la e subir a bordo. Ele nos levou mais fundo, seu poder magnético não diminuído pelo peso adicional de três humanos e um lobo do tamanho de um urso. Ethan recuou entre os tijolos de pedra empilhados no fundo do carrinho e lutou para se vestir novamente, mordendo reclamações quando a pedra raspou e cutucou sua pele nua.

Bem, não estávamos dando nenhum passo agora. Se alguma coisa os jogaria fora de nossa trilha, eu esperava que isso acontecesse.

À luz do orbe, Gwydion olhou de soslaio para o mapa a partir dos nossos pacotes de orientação. Ele foi o único de nós que conseguiu segurar o dele, enfiado nos bolsos aparentemente sem fundo da jaqueta.

—Estamos muito no fundo. — Ele sussurrou. —Mais profundo do que eu acho que qualquer não-anão já foi. Estes são novos túneis. Acredito que deixamos o último desenvolvimento documentado neste mapa há algum tempo.

—Então, provavelmente não há muita chance de encontrar uma saída aqui embaixo, existe? — Eu perguntei sombriamente.

—Uma saída de ar, talvez. — Considerou Gwydion, esfregando o queixo enquanto olhava o mapa. —Mas... Não, seriam vários dias de subida vertical. Nós nunca conseguiríamos. Poderíamos encontrar um desses carrinhos voltando para o Forte do Anel.

—Mas então teríamos que lidar com os anões novamente. — Apontei. Gwydion apertou os lábios e ficou em silêncio, olhando fixamente para o mapa como se ele simplesmente parecesse tempo suficiente para a solução se revelar. Troquei olhares com Cole. Estávamos sujos e cansados. Ethan, sempre exausto pela mudança, parecia quase cochilando.

—Eu conheço algumas... pessoas. — Cole ofereceu em voz baixa. —Pessoas para quem eu poderia chamar.

—Não. — Disse Gwydion com firmeza e imediatamente. —Mesmo se você pudesse conseguir que os rituais funcionassem neste lugar, trazer algo assim aqui seria condenar a nós e a todos os outros neste poço odioso.

—Eu posso lidar com eles. — Disse Cole defensivamente. —Eu tenho lidado com eles há anos.

—Ou então eles deixaram você pensar. — Gwydion retrucou. —Por mais insidiosos que os Fae possam ser, por mais cruéis, nossas motivações raramente são mais que egoísmo e tédio. As coisas de que você fala são infinitamente pacientes e infinitamente maliciosas. Eles não querem. Eles não querem. Eles não podem ser persuadidos. Eles têm apenas um objetivo, e uma inteligência focada apenas em alcançá-lo. A única maneira de vencer essas coisas é não jogar, nunca entrar nelas e rezar para que elas nunca notem você. Eu posso prometer a você o que você já sofreu com sua associação com eles, você sofrerá pior antes do final.

—Tudo bem, Jesus. — Cole levantou as mãos para parar a palestra de Gwydion. —Foi apenas uma sugestão. Melhor do que morrer aqui ou ser rasgado em pedaços pelo rei.

—Não. — Disse Gwydion, com os olhos escuros com uma gravidade terrível. —Confie em mim. Qualquer morte que os Anões possam inventar seria muito preferível.

O carrinho deu um pulo, atingindo algum solavanco na pista e, de repente, havia luz acima de nós, tão brilhante após a escuridão sem fim que meus olhos doíam, embora ainda estivesse relativamente escuro. Confusa, levantei-me para espiar por cima da borda do carrinho.

A pista havia entrado em uma caverna enorme, grande como um estádio. A luz que eu vi vinha de canais brilhantes de magma que atravessavam a caverna em canais esculpidos para esse fim. Pesada e lenta, escorria em direção a uma estrutura central, algum tipo de forno feito de enormes pedras negras, cada uma sozinha provavelmente do tamanho de um trailer de largura dupla. Em toda a base do forno, em uma plataforma preta, enormes Construtos, cada um com pelo menos dois metros de altura e feitos de retalhos de pedra, lama e metal, continuavam trabalhando. A fornalha fundia minério alimentado por carrinhos como o que estávamos, e o Construtos tirava-os das torneiras e os moldava com as mãos com precisão impecável, martelando-os com seus punhos enormes em bigornas do tamanho de carros.

Construtos menores enchiam o resto da caverna, tendendo o fluxo de magma, carregando e descarregando carrinhos, expandindo a caverna com picaretas e pás e carregando as peças que os Construtos maiores terminavam em direção a algo atrás do forno. Quando a trilha, que corria perto do topo da caverna, curvava-se ao redor da vasta sala, o que eles estavam construindo apareceu.

Fazia um calor escaldante, mesmo de onde estávamos. Preocupei-me por um momento que estávamos indo para o forno, mas a pista estava inclinando para baixo e para longe. Levando ao andar onde os Construtos estava terminando de descarregar suprimentos de outro carrinho. O carrinho à frente dele estava sendo carregado com sucata e minério da constante expansão, para ser enviado de volta a uma pista paralela à que nos levara até aqui, que provavelmente retornaria a quem estava fornecendo.

—O que é essa coisa? — Ethan perguntou, olhando para o anel enorme e limpando o suor da testa.

—Não tenho certeza. — Respondeu Gwydion com uma carranca, também espiando por cima da borda. —Seja o que for, é terrivelmente complicado. Olhe para os encantamentos.

Eu não tinha olhado tão de perto antes, mas agora que treinei minha visão mágica sobre ele, pude ver que ele estava rastejando com a magia mais complexa que já vi. Eu não acho que nada que eu tenha visto na coleção de Gwydion possa se comparar à escala completa dele. Era como se alguém tivesse construído o Empire State Building com sementes de gergelim individuais. Cada centímetro quadrado estava cheio de um feitiço de imenso poder. Se você removesse a matéria física da roda, a magia que a compunha ainda seria densa demais para ver através dela. Fiquei espantada, quase feliz. Eu nunca tinha visto algo tão incrível. Queria tocá-lo tanto que podia prová-lo, cavar aqueles feitiços, desmontá-los e juntá-los novamente até que eu os entendesse. Era tão glorioso para mim quanto ver o Grand Canyon pela primeira vez ou entrar na Capela Sistina. Que trabalho fenomenal, que forças titânicas, o vasto escopo de esforço, planejamento e trabalho... Sentindo-me um pouco tonta, sentei-me novamente.

—Você já viu algo assim? — Eu perguntei a Gwydion, atordoada.

—Uma vez, talvez duas vezes na minha vida. — Respondeu Gwydion, e pude ver que ele estava igualmente deslumbrado. —Mas comparar essas obras-primas seria um insulto a todas elas. Isso é arte.

—Mas para que serve? — Cole perguntou impaciente. Gwydion e eu batemos nele com o mesmo olhar sujo.

—Filisteu. — Murmurou Gwydion.

—Uh, pessoal, acho que vamos parar em breve? — Ethan nos avisou.

—Merda. — Eu murmurei e corri para um dos tijolos, pronta para me defender. Os outros três ficaram tensos também, e o carrinho parou por fim.

Um Construto com a face de um geodo rachado inclinava-se sobre a borda do carrinho. Eu gritei, me afastando para atingi-lo com o tijolo, mas ele apenas arrancou o tijolo da minha mão e se afastou. Outras construções também passaram por nós no carrinho, erguendo tijolos como se nem nos vissem. Ou, mais precisamente, como se simplesmente não importássemos.

—Eles não estão programados para lidar com intrusos, eu acho. — Disse Cole.

Lentamente, saímos do carrinho, tentando não nos queimar no metal quente e desconfiados de qualquer mudança no comportamento dos Construtos, mas eles nem sequer olhavam para nós.

—Acho que não estamos em perigo imediato, então? — Dei de ombros quando saímos do caminho do trabalho do Construto e puxei minha camisa, de repente desejando não estar tão comprometida em usar todo preto. —Exceto por esse calor, Deus, está muito quente!

Gwydion colocou a mão no meu ombro e eu imediatamente me senti mais fria.

—Fique perto. — Ele recomendou. —Eu posso manter o pior dele à distância. Além disso, se você ficar a meio metro de qualquer um desse magma, você pegará fogo.

—Oh, doce, Gwydion é um Ar Condicionado portátil. — Ethan disse alegremente, batendo as mãos nas costas de Gwydion e suspirando de alívio. Cole fez uma careta, mas colocou um dedo no ombro de Gwydion experimentalmente.

—Oh, droga. — Ele murmurou, parecendo surpreso. —Isso é realmente legal.

Quando nós três nos aproximamos, Gwydion parecia ter acabado de morder um limão.

—Então, o que fazemos? — Ethan perguntou, abraçando Gwydion por trás, o queixo no topo da cabeça do outro homem.

—Descobrir um caminho de volta à superfície. — Disse Cole com um encolher de ombros, de onde estava pressionado contra o lado esquerdo de Gwydion. Eu estava moldada para o lado direito dele, e nós dois colocamos as mãos sob a camisa dele para ter acesso mais direto às propriedades de resfriamento de sua pele. Fiquei chocada que Gwydion estivesse tolerando isso, mas não estava disposto a dizer nada.

—Eu gostaria que ainda tivéssemos esse cajado estúpido. — Eu disse frustrada. —Não há outra maneira de sair desses poços na cidade, certo?

—Não sem o segundo cajado. — Gwydion suspirou, os braços cruzados sobre o peito. —E sem os dois, você só ficaria presa lá - e você pararia com isso imediatamente ?!

Ele deu um tapa nas mãos de Cole, que subiam pelas costelas.

—O que você tem cócegas? — Cole perguntou com um sorriso perverso.

—Vou jogá-lo na lava. — Disse Gwydion sem uma pitada de humor. —Não me teste.

—Ok, então nossa única opção é lutar contra o exército de anões? — Eu disse, mudando de assunto rapidamente. —Porque sem mágica, isso não parece uma luta que provavelmente venceremos. Além disso, muitos deles pareciam pessoas normais?

—E essas coisas? — Cole perguntou, gesticulando para os Construtos. —Você disse que pode mudar os comandos deles se você os abrir, certo? E se nós mudarmos um monte deles para fazê-los nos proteger, então eles apenas nos escoltam para fora?

—Não sei se é uma boa ideia. — Disse Gwydion, franzindo a testa. —Você precisaria abri-los para acessar seus papéis e descobrir como alterar os comandos...

—Vale a pena tentar, certo? — Disse Cole. —Melhor que nada?

Gwydion fez um barulho inseguro, mas Cole se afastou dele e se aproximou do Construto com a face do geodo.

—Ethan, me ajude a disputar esse cara.

Ethan relutantemente soltou Gwydion e ajudou Cole a conter o Construto. Não parecia incomodado por ser contido. Apenas continuou tentando seguir na direção que tinha estado, ignorando Cole e Ethan.

Cole deixou Ethan segurá-lo por um momento enquanto procurava ao redor, pegando uma das picaretas que os Construtos estavam usando para expandir a caverna.

—Tudo bem, vamos abrir esse garoto mau. — Disse ele. Ethan ajustou seu aperto no Construto para sair do caminho, subitamente parecendo inseguro.

—Uh, eu não sei disso. — Disse ele. —Quero dizer, você não pode simplesmente acertar o pobre coitado com uma picareta. E se você o matar?

—Não posso matá-lo, não está vivo. — Disse Cole, impaciente. —Apenas fique quieto para não perder!

—Oh, isso vai acabar muito mal. — Disse Gwydion com severa certeza. Eu estava inclinada a concordar, mas também estávamos sem outras ideias.

—Um. — Disse Cole, levantando a picareta como um taco de beisebol. —Dois...

Ethan segurou o Construto o mais longe possível dele, fechando os olhos.

—Três!

Cole girou para as cercas e bateu a picareta no peito do Construto com um estalo alto de pedra.

Instantaneamente, todos os Construtos da caverna pararam, largaram o que estavam fazendo e viraram em nossa direção.

—Sim, lá vai. — Gwydion gritou, agarrando minha mão. —Corram!

Ethan lançou o Construto que ele estava segurando, que instantaneamente se virou e balançou um punho de pedra em sua cabeça. Cole bateu com a picareta, espalhando a cabeça do geodo, mas isso mal pareceu desacelerar. Enquanto isso, todos os outros Construtos da caverna estavam indo para lá com intenção assassina. Gwydion e eu reservamos, e Ethan e Cole, ainda segurando a picareta, correram atrás de nós, gritando palavrões.

—Lá! — Eu gritei, apontando um carrinho de partida, começando a aumentar a velocidade antes da subida em direção à trilha perto do teto da caverna. Gwydion deu dois passos limitados e pulou no carrinho com uma graça desumana, estragada apenas pela dança desajeitada e embaralhada que ele tinha que fazer para colocar o pé no topo do minério empilhado dentro do carrinho. Assim que ele estava estável, ele se virou e agarrou minha mão estendida, me balançando ao lado dele. Nós dois estendemos a mão para Ethan, arrastando-o a bordo, depois para Cole, ficando logo atrás, perseguido por uma horda de Construções assustadoramente silenciosas e sedentas de sangue.

—Largue a picareta, idiota! — Eu gritei.

Amaldiçoando alto, ele jogou de volta para os Construtos, tirando um pedaço do ombro de uma criatura de pedra sem muito efeito. Um pouco mais leve, ele correu os últimos degraus, e nós o agarramos, arrastando-o para o carrinho apenas um segundo antes de começar a disparar para cima e todos nós tivemos que nos esforçar para reestabelecer nosso equilíbrio.

Os Construtos subiram atrás de nós, silenciosos e implacáveis, e tentaram nos pegar no minuto em que o carrinho parou ou diminuiu a velocidade. O único anão perto do ringue havia nos notado agora e estava gritando ordens furiosas contra os Construtos, presumivelmente reafirmando suas ordens para matar a merda de nós.

—Destrua-os! — O anão gritou. —Não os deixe perto do portal!

—Trabalho fantástico, idiota. — Disse Gwydion, dando a Cole um olhar assassino. —Isso definitivamente ajudou!

—Como eu deveria saber que eles se tornariam todos assassinos? — Cole gritou defensivamente.

—Talvez usando um pouco de bom senso pela primeira vez na vida!

—Eu não vi você correndo para me parar, imbecil! Ou sugerindo idéias melhores!

—Calem-se! — Eu gritei para os dois. —Este carrinho está indo para o forno!

Isso chamou a atenção de ambos rapidamente. Em nossa pressa de pegar um carrinho de fuga, escolhemos um dos que enviava minério até a forja. Em apenas alguns minutos, seríamos jogados diretamente em um tanque maciço de metal fundido superaquecido.

—Filho da puta. — Cole disse calmamente.

Procurei um pouco fora do carrinho, meu coração disparado. A trilha atrás do carrinho fervilhava com Construtores assassinos. À frente, havia apenas o forno e uma queda de duzentos pés de cada lado.

—Estamos fodidos. — Eu disse, nem um pouco articulada.

—Nós definitivamente vamos morrer. — Ethan concordou, nós dois um pouco atordoados para reagir adequadamente à nossa morte horrível iminente.

—Foda-se. — Declarou Cole. Então ele me agarrou pelos ombros e me arrastou para um beijo áspero e apaixonado, tão abrupto e poderoso que eu mal consegui responder. Talvez fosse porque estávamos prestes a morrer, mas ele beijou com desespero, uma fome frenética e ardente, que eu nunca havia experimentado, o que fez meu coração disparar e minha adrenalina disparar. Então, de uma só vez, ele me soltou, deixando minha boca machucada e desolada. No mesmo movimento, ele puxou Ethan pela camisa e o beijou também, com a mesma intensidade empolgante. Vi os olhos de Ethan se arregalarem, e então senti a repentina onda de poder de sua maldição. Cole deve ter sentido isso também, porque ele empurrou Ethan para longe, agarrou minha mão e pulou para fora do carrinho. Gwydion hesitou apenas um momento, encarando Ethan quando o lobisomem se dobrou, uivando, mudando mais rapidamente do que eu já o vira mudar voluntariamente. Então ele pulou também.

Cole agarrou a beira da pista suspensa, flutuando no ar. Eu me esforcei para pular, quase perdi o controle, e só o recuperei quando Cole me pegou, me segurando até que eu estivesse segura, Gwydion pendurado no outro lado dele.

Acima de nós, Ethan - não, o Lobo - uivou quando saltou do carrinho um segundo antes de jogá-lo na forja.

O Lobo apenas se assemelhava tangencialmente à forma normal de lobo de Ethan, que era quadrúpede e muito parecida com um lobo normal, embora muito grande. O Lobo era algo de um filme de terror. Maciço, bípede, cheio de pelos escuros e grossos sobre músculos poderosos e pesados. Ele se ergueu em toda sua altura, o peito largo arfava e fixou seus terríveis olhos amarelos em nós, cheios de um ódio que consumia tudo. Estávamos completamente expostos aqui. Mal teria que nos tocar para nos enviar despencando para nossas mortes.

Felizmente, foi rapidamente distraído pelo enxame de Construtores assassinos. Os homens de pedra se jogaram no Lobo sem consideração por suas vidas. Eles o golpearam com golpes esmagadores feitos por punhos como blocos de concreto, e isso apenas os jogou para o lado, enviando-os voando da ponte para quebrar no chão abaixo. O Lobo rasgou a multidão de Construtos como se não fossem nada, reduzindo-os a escombros com um golpe de suas garras terríveis. Ele avançou pela pista, derrubando Construtos como pinos de boliche. Depois que tivemos algum espaço entre nós e o Lobo, Gwydion se arrastou de volta para o parapeito e me puxou atrás dele. Eu me virei para ajudar Cole, embora meus braços estivessem queimando por tanto tempo pendurados.

—Temos que sair daqui. — Eu disse, agarrando-me a Cole enquanto observava o Lobo abrir caminho através de Construto após Construto. —Agora!

—Como? — Perguntou Cole. —Outro carrinho?

—Não. — Disse Gwydion, apontando para o volante. —Nós vamos usar isso.

—O anão chamou de portal. — Eu disse, entendendo. —Onde quer que leve, provavelmente é melhor do que aqui!

Cole parecia inseguro, mas levantou as mãos.

—Foda-se, vale a pena tentar! — Ele disse.

Corremos pelos trilhos do carrinho, a uma distância segura atrás do massacre que o Lobo estava causando, até podermos pular, deslizando pela parede até o fundo da caverna.

Os Construtos estavam todos ocupados com o Lobo. A única coisa entre nós e o portal era o anão. Ele brandiu seu livro de pedra para nós com as mãos trêmulas.

—Este é o trabalho da minha vida! — Ele declarou. —Eu não vou deixar você hooligans destruí-lo!

—Você projetou isso? — Eu perguntei, cheio de súbita admiração e um milhão de perguntas.

—Senhor. — Disse Gwydion, cortando-me. —Você é sem dúvida o maior encantador desta época e um dos melhores que já ouvi em todos os reinos. Tenho imenso respeito por você, e é por isso que será uma tremenda vergonha se eu tivesse que te espancar até a morte agora, porque você não sairá do caminho.

Ele pegou uma pá de algum lugar, que o anão estava olhando agora, sua expressão em algum lugar entre orgulho e medo lisonjeados.

—Para o inferno. — Disse o anão. —Eu sempre odiei trabalhar para comissão.

Ele saiu do caminho.

Havia algum tipo de painel de controle perto de onde o Anão estava sentado, e eu o agarrei, olhando para os controles, completamente perdida.

—Como nós controlamos isso? — Eu perguntei, procurando ao redor do anão, mas ele já estava fazendo trilhas para o túnel mais próximo.

—Não precisamos controlá-lo. — Insistiu Cole. —Apenas ligue! Qualquer lugar é melhor do que aqui!

Eu apertei alguns botões, puxei algumas alavancas, mas nada aconteceu. A pedra angular e todos os painéis estavam no lugar, mas não havia reação. Cole lambeu os lábios.

—Vexa. — Ele disse. —Lembra da coisa que eu disse para você nunca mais fazer?

—Coisas estúpidas que colocam minha vida em perigo?

—Mais especificamente.

—Explorar fontes de energia universais primárias?

—Sim.

Gwydion e eu demos a Cole um olhar arregalado.

—Você realmente acha que isso vai funcionar? — Gwydion perguntou.

Cole olhou para onde o Lobo estava rapidamente ficando sem Construtos para destruir. Os grandes da forja tinham andado lentamente com pés pesados de bigorna e finalmente estavam brigando de verdade, mas nem eles durariam muito. O Lobo parecia ser tão indestrutível quanto furioso.

—Acho que não temos muitas outras opções. — Respondeu Cole. —Apenas despeje o máximo de energia possível e espere o melhor!

Eu acho que essa foi a lógica mais sólida que eu poderia esperar.

—Foda-se. — Eu disse, ecoando o sentimento anterior de Cole. —Aqui vai tudo!

Fechei os olhos, alcançando o lugar profundo dentro de mim, onde minha conexão com a vela estava ancorada. Eu sabia o que esperar agora, e apenas hesitei um momento com a lembrança fraca de quanto isso doeu da última vez, antes de pegar o fogo e me sentir em chamas.

Cole e Gwydion saltaram para longe quando o fogo me cercou. O poder correu através de mim como uma represa quebrando, como um raio, e eu agarrei no painel de controle para me aterrar.

A energia rasgou através de mim enquanto passava, deixando-me irregular de uma maneira que era mais espiritual do que física. Mas enquanto olhava através dos meus olhos ardentes, vi o anel começar a se mover, girando, componentes flutuando e se movendo independentemente, à medida que os feitiços queimavam.

Essa bela máquina deveria ter criado um portal igualmente bonito, algo absolutamente perfeito, não apenas estável, mas permanente, um ponto fixo fora do tempo que unia duas realidades. O que eu o forcei a produzir, incompleto e inexpertemente pilotado, foi uma bagunça, crepitando com o desperdício de energia, desequilibrado e desmoronando mesmo quando começou a abrir. Mas estava aberto.

Gwydion me agarrou, me arrastou para longe do console. Eu podia senti-lo sugando o poder, embora felizmente eu já tivesse jogado a maior parte dele no portal.

—Rápido! — Gwydion gritou para Cole. —Agora, antes que desmorone!

Eles correram em direção ao portal, meio me arrastando, quase inconscientes e bêbados com o poder e a lembrança já desbotada da agonia ardente. Mas havia uma última coisa que eu tinha que fazer antes de sairmos. Eu me arrastei de Gwydion para fazê-lo parar, coloquei os dedos nos lábios e assobiei o mais alto que pude.

—Ethan! — Eu gritei quando o Lobo parou sua destruição e olhou para mim. Eu acenei meus braços. —Por aqui!

Gwydion me agarrou pelo meio, me jogou por cima do ombro e correu para o portal. Rosnando, o Lobo correu atrás de nós. Gwydion pulou através do portal e vi o Lobo pular, garras estendidas, apenas um segundo antes do caos nos envolver.

 

 

 

 

 

 

Capitulo Dezesseis


Por vários minutos ou possivelmente uma eternidade, caímos no espaço.

Perdi o controle dos outros quase ao mesmo tempo. Flashes de mundos explodiram em ambos os lados de mim. Luz, escuridão, fogo, gelo, horizonte de Manhattan, castelo de Titânia, mundos que eu só podia ver em seção transversal, mundos que eu só conseguia ouvir ou cheirar. Uma vez, um salão escuro, cheio de velas.

E então, de repente, bati de cara no azulejo branco de vinil. Gwydion caiu em cima de mim, cotovelos primeiro. Cole caiu um pé à minha esquerda. O Lobo veio por último, bateu a cabeça em uma prateleira no caminho e caiu inconsciente no chão.

Presumimos que estávamos em algum tipo de armário de suprimentos. Luzes fluorescentes brancas nos encaravam de cima.

—Onde estamos? — Cole perguntou, apertando os olhos e desorientado.

—A julgar pelo cheiro anti-séptico e pelos sanitários? — Eu respondi, minha voz um pouco confusa. —Hospital. Ow. Ow! Merda!

Acabei de perceber uma dor ardente no quadril, que estava piorando rapidamente. Eu me levantei e enfiei no bolso, pegando a moeda da sorte que Gwydion tinha me dado quando nos conhecemos. A coisa maldita estava fumegando, estava tão quente e previsivelmente queimando meus dedos quando eu o puxei para fora. Deixei cair, e ela saltou e rolou para fora da porta do armário aberta.

Troquei um olhar com Cole e Gwydion, que ainda estavam se levantando.

—Bem, vá em frente. — Disse Gwydion. —É uma sorte, por isso deve levá-lo a algum lugar. E alguém provavelmente está a caminho de investigar esse acidente de qualquer maneira.

Sem outra palavra, corri atrás da moeda.

Eu estava certa sobre ser um hospital, embora estranhamente silencioso para a hora do dia que a luz que entrava pelas janelas sugeria. A moeda fumegante rolou pelo corredor de azulejos, e eu corri atrás dele. De repente, seu caminho começou a se curvar, até cair abruptamente de lado. Com o último momento, derrapou sob a porta de um quarto privativo de longa permanência.

O nome na porta dizia E. Bellefonte.

Abri a porta com cuidado, preocupada em incomodar alguém. Mas não havia visitantes na sala e, assim que dei uma boa olhada no paciente, percebi que não havia preocupação em perturbá-los.

E. Bellefonte era um homem mais velho, quarenta e poucos, talvez cinquenta e poucos. Ele ainda tinha o cabelo, apesar de o loiro dourado estar sombreado a branco. Ele devia ter sido bonito como uma estrela de cinema uma vez, pensei, embora provavelmente só pudesse dizer devido à minha experiência com cadáveres. Uma doença longa e desgastante o havia reduzido a um substancial sem sombra do que aquele que pairava sobre ele, sinalizando sua morte que se aproximava rapidamente. Ele só estava vivo agora por causa das máquinas amontoadas em torno de sua cama, mantendo seu corpo funcionando mesmo quando desmoronava. Mas mesmo isso não era suficiente para manter a sombra afastada.

—Aqui está. — Disse Gwydion, entrando na sala. Cole, com o braço de Ethan sobre os ombros, saiu mancando atrás de Gwydion, arrastando o lobisomem, que havia sido empurrado às pressas para uma roupa cirúrgica mal ajustada. Gwydion inclinou-se para pegar a moeda da sorte, que ardia em sua mão, o metal estalando e desmoronando. —Você queimou completamente. Eu nunca vi isso. Que tipo de-?

Ele calou a boca abruptamente quando viu o que eu já tinha visto.

A Vela da Aliança estava posta na mesa de cabeceira de E. Bellefonte. Gwydion olhou para ela, depois para a moeda murcha na mão, antes de enfiar os restos arruinados da moeda em seu casaco. —Essa é uma moeda da sorte.

—O que está fazendo aqui? — Perguntou Cole. —Quem é esse cara?

—É para mantê-lo vivo. — Respondi instintivamente. Eu podia sentir como a vela estava conectada a ele, mantendo sua força vital de uma maneira que as máquinas nunca podiam.

Antes que pudéssemos dizer mais alguma coisa, um portal surgiu à nossa frente, e Gilfaethwy apareceu, tendo-se colocado apenas a meio caminho.

—Por aqui. — Ele sussurrou em um sussurro urgente. —Rápido!

—Você! — Gwydion rosnou e agarrou Gil pela frente da camisa, arrastando-o pelo resto do caminho para fora do portal. —Você me roubou! De novo! Você me deixou entrar nas garras dos Seelie!

—Você fugiu! — Gil disse com um sorriso. —Eu sabia que você faria! Você sempre sabe! Falando nisso...— Ele gesticulou rapidamente em direção ao portal. —Precisamos ir agora. Vocês não podem estar aqui!

—Por quê? — Eu perguntei. —Onde estamos?

—Onde não importa. — Disse Gil. —E porque é que todos nós vamos morrer. Eu nem entendo como você chegou aqui! Agora vamos, vamos!

—Não, não há mais portais! — Cole disse teimosamente. —Já tive portais suficientes! Parece a Terra e vou ficar aqui!

De repente, as luzes no corredor do lado de fora do quarto do hospital ficaram negras. Nenhuma luz veio das janelas. Uma voz profunda e familiar ecoou como uma lixa contra a minha alma.

—Como se atreve a vir aqui...

—Aethon. — Eu sussurrei involuntariamente, terror tomando meu coração como um punho.

—Esquece, porra! — Cole gritou, jogou Ethan através do portal e pulou atrás dele.

Gil entrou na porta, olhando para a escuridão.

—Velho amigo, querido amigo, parceiro, se você me desse um momento para-

—COMO VOCÊ OUSA?

Gil estava claramente certo. Precisávamos sair imediatamente. Mas eu não estava saindo de mãos vazias, não depois de tudo isso. Eu me virei, pegando a vela.

—Vexa, não!

Ouvi o grito de Gwydion, o roçar de seus dedos estendendo a mão para me impedir, mas era tarde demais. Minha mão se fechou ao redor da vela, e a absoluta escuridão da Morte alcançou e me engoliu.

Tão rapidamente que eu nem senti, de repente eu mal a reconheci.

Eu morri.

Capitulo Nove

Por um momento, eu não estava no meu corpo. Eu estava em outro lugar, queimando viva na escuridão. Meus ouvidos estavam cheios do clamor de mil sinos tocando. Eu não conseguia fazer meu corpo gritar. Não pude apagar o fogo. A dor estava tão além de qualquer coisa que eu pudesse envolver minha cabeça que depois eu não conseguia descrever e mal conseguia me lembrar como era. Eu sabia com absoluta certeza que iria morrer. Pelos olhos fixos e sem resposta do meu corpo, a costa distante de repente pareceu muito mais perto.

No lugar onde eu estava queimando, senti uma mão fria no meu ombro. Alguém parado atrás de mim. A voz deles sacudiu meus ossos fumegantes.

—Ainda não.

E então, de repente, eu estava de volta à minha própria pele, transbordando com tanta energia que doía, como agulhas sob a minha pele tentando forçar sua saída. Sem pensar, bati as mãos no peito de Gwydion e abri as comportas. O poder correu para fora de mim em uma torrente que eu não poderia ter parado se quisesse. Queimou-me quando passou, afundando nele. Os olhos de Gwydion se abriram de uma só vez, o corte em sua cabeça se uniu à luz prateada e se fechou.

Mas não consegui parar o fluxo de poder. Havia muito para eu conter, e Gwydion era um vaso vazio. Ele olhou para mim e eu me vi refletida em seus olhos arregalados, envoltos em fogo, chamas chorando. Ele sentou, minhas mãos ainda em seu peito, ainda derramando poder nele apenas para me impedir de queimar. Ele me alcançou lentamente e segurou meu rosto em suas mãos trêmulas, sua pele bebendo o fogo. Suas mãos estavam frias como água em um dia de verão, acalmando o calor terrível que estava tentando o seu melhor para me queimar viva. Ele se inclinou para perto, curvando-se no meu fogo e beijou minha boca ardente.

Ele tirou o poder de mim como veneno de uma ferida. Apressou-se ainda mais rápido do que antes, e eu tremi de dor e alívio. Ele poderia ter tudo, se quisesse. Enquanto o fogo parou, eu não me importei.

Eu derreti em seu beijo gelado, em seus braços, a queima finalmente começando a retroceder quando o poder passou por mim. Afinal, não era infinito, e Gwydion aceitou tudo ansiosamente.

Ansiosamente demais. Enquanto o poder continuava fluindo de mim como sangue de uma veia, comecei a voltar aos meus sentidos e percebi que tínhamos passado o ponto do que eu não podia conter. Minhas mãos se apertaram no tecido do casaco de Gwydion, tentando e falhando em afastá-lo. Ele poderia muito bem ter sido feito de pedra. Estávamos nos aproximando rapidamente de um ponto com menos energia do que eu tinha desde que tocara a vela. Eu assisti esse ponto ir e vir e o beijo de Gwydion ainda continuava, até eu perceber que ele não iria parar até que eu estivesse vazia de toda a magia, ou morta.

Então eu o mordi, forte o suficiente para tirar sangue, e ele se afastou, o fluxo de poder finalmente parando. Eu o empurrei, colocando espaço entre nós rapidamente, caso ele tentasse continuar. Meu coração estava batendo forte e eu ainda estava desorientado, lutando para manter a lembrança do que havia acontecido quando tentei acessar a vela.

—Que porra é essa? — Cole estava dizendo, e parecia que ele estava dizendo isso há algum tempo, pois Gwydion e eu estávamos insensíveis demais para perceber. Ethan me pegou quando me afastei de Gwydion, e deixei que ele me segurasse, agradecida pela sensação de segurança em seus braços.

—O que aconteceu? — Ethan me perguntou. —O que você fez?

—Mas como? — Cole disse, olhando para mim com algo entre reverência e medo. —Eu nunca vi esse tipo de poder em lugar algum.

—Eu tenho. — Gwydion falou suavemente. Ele se ajoelhou onde eu o empurrei, parecendo quase tão abalado quanto eu quando tocou seu lábio mordido e olhou com olhos arregalados para o sangue em seus dedos. Mas havia um olhar quase arrebatador em seus olhos.

—Eu não sou tão forte desde que deixei Avalon. — Disse ele e olhou para mim como se eu fosse algo santo e aterrorizante. —Você tem o poder de uma rainha.

Ele piscou e pareceu repentinamente um pouco enjoado, caindo de costas com uma surpreendente falta de graça pelo que eu esperava dele.

—E eu quase matei você. — Disse ele, quase para si mesmo.

Ethan e Cole trocaram um olhar assustado com isso, depois olharam para mim onde eu ainda estava enrolada nos braços de Ethan.

—Estou bem. — Eu disse rapidamente, o que era verdade. Cansada e mais fraca do que eu estava há um tempo, mas eu não estava sangrando ou pegando fogo, e eu podia deitar minha cabeça no peito de Ethan e ouvir seu coração bater. —Eu estou bem. Foi apenas um pouco de energia demais, só isso.

—Um pouco de energia demais de onde? — Perguntou Cole. —Onde você conseguiu isso?

—Uh, eu tentei bater na vela. — Eu disse. —Ainda estou conectada a ela, então achei que talvez pudesse acessar sua fonte de energia.

—Você usou a fonte de toda energia necromântica na Terra? — Cole disse, sua voz falhando. —Como você não está morta? Como todos nós não estamos mortos?

Eu não tinha uma resposta para isso. Também não parecia Gwydion, mas ele também não estava prestando atenção, com a mão na boca e as sobrancelhas franzidas, o olhar focado na costa distante.

—Só... nunca faça isso de novo. — Exigiu Cole. —Jesus Cristo, não é à toa que você estava pegando fogo. Há uma razão pela qual as pessoas trabalham com focos como a vela, sua idiota! Usar a fonte bruta deveria tê-la fritado como um inseto e todos nós com você.

—Eu acho que é uma coisa boa que Gwydion possa absorver tudo. — Ethan disse enquanto eu franzi a testa e tentei lembrar o que tinha acontecido quando eu peguei a chama. Lembrei vagamente da queimação. Todo o resto estava perdido no fogo até o momento em que Gwydion me beijou.

—Besteira que ele fez. — Cole riu. — Tanto poder o fritaria também. Ou Vexa de alguma forma conseguiu se abrir para, literalmente, todo o poder da própria morte e apenas canalizar um pedacinho, o que é absurdo - como tentar pular no oceano e esperar apenas molhar o dedo - ou o que ela bateu não foi a vela.

Eu não gostei desse pensamento.

—O fato de que ela seria capaz de alcançar a vela quando ela estiver literalmente em um universo diferente já é bastante absurdo! — Cole disse, jogando as mãos no ar. —Isso é besteira estranha, e eu não gosto!

—Independentemente disso, está pronto. — Interrompeu Gwydion, levantando-se e tirando a jaqueta molhada. A balsa balançou e Cole tropeçou, olhando para Gwydion enquanto ele apenas conseguia manter o equilíbrio. Gwydion o ignorou, olhando para mim enquanto tirava a gravata também, deixando apenas sua camiseta branca solta. —Perdoe-me por um momento.

Então ele deu dois passos e mergulhou da balsa. Por um segundo, apenas encaramos as ondulações em seu rastro, surpresos demais para reagir. Finalmente, Ethan apenas balançou a cabeça e suspirou.

—Por que não? Não como qualquer outra coisa ultimamente faz algum sentido. — Ele murmurou, depois me puxou para mais perto, esfregando os braços para tentar me aquecer. Nós dois ainda estávamos encharcados, então não adiantou muito.

—Então. — Ele disse depois de um momento. —Você beijou Gwydion.

Fiquei confusa por um momento até perceber que ele quis dizer o que tinha acabado de acontecer. Foi realmente difícil manter essas memórias por algum motivo.

—Oh, sim. — Eu disse com um sorriso tímido. —Pouco mais do que isso, na verdade. Logo antes de Gil escapar.

—Eu pensei que você disse que não achava que iria dormir com ele? — Ethan perguntou, sobrancelhas levantadas.

—Sim, eu não pensei que sim. — Eu disse, envergonhada agora. —Ele é... surpreendentemente persuasivo. Foi apenas uma coisa única. Nós deixamos isso claro.

—Espere, você dormiu com esse cara? — Cole perguntou, franzindo o nariz.

Cobri meu rosto com a mão, tentando controlar o rubor que aquece minhas bochechas.

—Sim, eu dormi. — Eu disse, tentando segurar algum orgulho. —Não é da sua conta.

Cole apenas balançou a cabeça.

—Alguém já lhe disse que você tem um gosto terrível? — Ele perguntou. —E possivelmente um desejo de morte?

—Ele tem razão. — Ethan disse com um encolher de ombros.

—Considerando que eu estava flertando com você esta manhã, Cole. — Eu disse maliciosamente. —Eu não faria comentários sobre o meu gosto.

—Foi essa manhã? — Ethan disse pensativo. —Era noite no Julius, e dormimos pelo menos algumas horas, então...

—Estar interessada em mim é absolutamente um sinal de mau gosto. — Respondeu Cole. —Possivelmente uma decisão pior do que o monstro devorador de homens que pode te atacar a qualquer momento. Provavelmente pior que o lobisomem também.

Ethan bufou.

—Você não é tão ruim. — Ele disse.

—Eu sou um desastre humano sem-teto que está apenas usando você para colocar minhas mãos em uma ferramenta mágica incrivelmente poderosa por minhas próprias razões egoístas. — Apontou Cole.

—Mas você tem um cabelo muito bom. — Eu rebati, apenas meio sarcasticamente. Cole parou, pego de surpresa.

—Bom senso de humor também. — Ethan concordou, e eu sorri quando vi Cole ficando vermelho.

—Bom gosto em filmes. — Acrescentei.

—Sorriso fofo. — Ethan falou.

—Olhos lindos.

—Inteligente como o inferno.

—Bunda fantástica.

—Tudo bem, isso é o suficiente! — Cole disse, vermelho como uma beterraba. —Vocês dois são claramente idiotas, sem senso de autopreservação.

Um respingo nos interrompeu quando Gwydion reapareceu, jogando o cajado na jangada antes de sair da água. Eu me permiti um minuto para admirar o quão bom ele parecia encharcado assim.

—Perdi algo? — Ele perguntou, levantando-se e torcendo a camisa. Cole ainda estava muito vermelho, e Ethan e eu não conseguimos parar de sorrir.

—Apenas nós dizendo a Cole todas as coisas que gostamos nele. — Eu o informei.

—Espero que você tenha mencionado sua bunda fenomenal. — Disse Gwydion casualmente, pegando o cajado e o paletó. Cole parecia quase combustão espontânea. —Todo mundo está de pé agora. Precisamos nos mexer se quisermos alcançar meu gêmeo idiota.

—Mas não sabemos para onde ele foi. — Eu disse, levantando-me e oferecendo uma mão para Ethan.

—Eu posso rastrear seus feitiços de teletransporte. — Disse Gwydion e estalou os dedos.

Uma onda de ar quente tomou conta de nós quatro ao mesmo tempo. Meu cabelo voou ao redor do meu rosto, minhas roupas esvoaçantes. Eu lutei para segurar minha saia enquanto a água saía de nossas roupas em uma explosão deslumbrante. Quando o vento se acalmou, Gwydion olhou para onde Gilfaethwy havia desaparecido e passou a mão pelo ar como se estivesse limpando vapor de um espelho. Um rastreamento complexo de magia apareceu diante dele, que ele se inclinou para ler. —Foi por isso que ele pegou o cajado e foi primeiro à Cidade Sem Fim. É muito mais difícil rastrear o cajado, e eu não seria capaz de dizer por quais dos poços da cidade ele passou se eu não tivesse- Não o vi. Mas agora que ele está se teletransportando sob seu próprio poder - o que ele não tem muito entre nossa recente briga e nossa visita à Cidade - segui-lo será muito fácil. Eu posso finalmente ser capaz de-

Ele ficou em silêncio bruscamente, depois descartou o texto mágico, carrancudo.

—O que há de errado? — Eu perguntei preocupado.

—Eu descobri para onde ele foi. — Respondeu Gwydion, conciso. Ele bateu com o cajado na superfície da balsa de madeira, e um portal se abriu através do qual eu podia ver vagamente os galhos das árvores. Gwydion se aproximou, hesitou e depois olhou para mim.

—Eu deveria te mandar para casa. — Disse ele. —Para onde ele está indo é... inóspito para os humanos. Eu deveria ser capaz de lidar com ele sozinho.

—Como você lidou com ele da última vez? — Eu perguntei. —A vida de Ethan está baseada no que Gil sabe. E sem o Vidro do Artífice, não podemos nem tentar descobrir mais sobre a maldição por conta própria. Não há como não ir com você.

—Onde ela vai, eu vou. — Ethan disse, colocando a mão no meu ombro.

Nós dois olhamos para Cole, que cruzou os braços, ainda um pouco rosado ao redor das orelhas.

—Eu realmente não tenho escolha, tenho? — Ele reclamou. —Se vocês idiotas vão e se matam, não há como eu pegar a vela.

Eu sorri para ele, feliz por ele estar conosco.

—Então está resolvido. — Eu disse. —Todos nós vamos.

—Não é nem remotamente estabelecido. — Argumentou Gwydion. —É a coisa mais distante da solução.

—Você realmente vai discutir comigo depois que eu quase morri salvando você? — Eu perguntei, mãos nos meus quadris.

Gwydion fechou os olhos por um momento, reunindo a compostura.

—Tudo bem. Vocês todos estão vindo. Tenho certeza que isso não vai acabar mal.

Ele pegou o casaco do braço, virou de dentro para fora e entregou para mim.

—Vista isso. Fiquem perto de mim. Não façam barulho e não usem magia, a menos que eu peça. Se nos separarmos... Vocês provavelmente morrerão. Não comam nada. Não cantem nem dancem. Façam tudo ao seu alcance. Não ofendam nada. Não ofereçam ajuda, a menos que seja solicitado, faça-o e não reclame. Aceite o que lhe derem depois, mas se alguém tentar lhe dar algo que você não ganhou, recuse educadamente enquanto vocês podem e espero que eu possa encontrar vocês a tempo de salvá-los. Entendido?

Não remotamente, mas assenti e coloquei o casaco de dentro para fora de qualquer maneira.

—Então vamos acabar logo com isso. — Disse Gwydion com um suspiro.

Sem mais cerimônia, ele atravessou o portal. Eu dei a Ethan e Cole um último sorriso encorajador, depois fui atrás dele, esperando que o que esperasse do outro lado não fosse pior do que o que já tínhamos enfrentado. Mas, pela primeira vez, eu estava menos preocupada com o desconhecido do que com meu próprio poder. Eu ainda não tinha certeza do que tinha acontecido quando tentei curar Gwydion, mas tinha certeza de que isso aconteceria novamente. Em algum lugar no fundo da minha mente, as palavras 'ainda não' ainda ecoavam.

 

 

 

 

 


Capitulo Dez

 

Das sombras frias e cinzentas da Costa DIstante, entrei em um dia perfeito de verão. Era verão também na Terra, mas não assim. Esse era um daqueles dias míticos, a partir de memórias idílicas excessivamente nostálgicas da infância, ou um daqueles filmes inexplicavelmente populares da maioridade, onde algo terrível acontece com o cachorro leal de uma criança. Estava frio o suficiente na sombra para fazer o calor do sol parecer mais calmante do que opressivo. Enormes árvores velhas erguiam-se ao nosso redor, suas folhas lançando sombras verdes na terra rica e escura, seus arcos pesados de frutas. A vegetação rasteira era uma profusão de flores silvestres e frutos maduros. O ar estava denso com o som do canto dos pássaros e o murmúrio musical da água correndo em algum lugar próximo. A luz através das árvores era dourada, quase tangível, e senti uma onda de prazer e excitação estranhos assim que respirei o ar. Tudo, todos os mirtilos gordos, pedras brilhantes e pássaros cantando de suas gargantas vermelhas, estavam positivamente cheios de significado. Qualquer coisa que caísse em meus olhos, desde uma teia de aranha pendurada em prata pendurada sob a sombra de uma raiz de carvalho até as cabeças de sementes douradas da grama alta crescendo em um pedaço de luz solar, me atingiu com uma intensidade que me fez ter certeza de que tocar qualquer parte disso seria embarcar em uma aventura fantástica.

Gwydion estalou os dedos na frente do meu rosto, impaciente, tirando-me do meu devaneio.

—Foco. — Ele insistiu. —Você não deve deixar este lugar colocar seus ganchos em você. Seu charme é um veneno, você entende? Tudo isso é apenas a pele brilhante de um sapo venenoso.

—Mas é tão... mágico. — Eu disse, surpresa com o quão jovem eu parecia, como uma criança na Disney World.

—O que é este lugar? — Ethan perguntou, parecendo tão impressionado quanto eu. Eu olhei para ele quando Cole entrou no portal. A boca de Ethan estava aberta em um espanto frouxo, seus olhos brilhando. Ele parecia mais jovem de alguma forma, as linhas ao redor dos olhos se foram, o peso fora dos ombros. A luz do sol brilhava bastante em seus cachos castanhos escuros e seus olhos dourados. Ele parecia tão magnificamente mágico e importante quanto todo o resto. Ele pegou meu olhar e ouvi sua respiração prender e vi seus olhos se arregalarem.

—Vexa. — Ele disse, suas mãos encontrando minha cintura. —Você parece tão... radiante. Deus, eu nunca vi nada tão-

—Nada disso, nada disso! — Gwydion disse agitando a mão bruscamente entre nossos rostos até nos afastarmos. —Eu sabia que era uma péssima idéia. Concentrem-se, por favor! Você, Cole! Fique fora daqui!

Cole, parecendo tão atordoado e surpreso quanto o resto de nós, olhou para cima, confuso, de onde ele estava vagando em um pedaço de amora, mistificado com as frutas perfeitas, como joias, e pequenas flores brancas de estrelas. Seus olhos, sempre adoráveis, eram de um azul mais brilhante do que eu já tinha visto na Terra. O tom escuro de seu cabelo combinava com o da fruta ao seu redor. A graça de seus membros musculosos quando Gwydion o agarrou pela camisa e o arrastou de volta para nós era absolutamente sublime. Ethan e eu voltamos juntos assim que Gwydion parou de nos separar fisicamente, nossos braços se abraçando como se tivessem sido feitos para isso. Quando Gwydion empurrou Cole para nós, nós o alcançamos ao mesmo tempo. Eu sorri quando toquei sua bochecha, sua pele macia e quente, e pela primeira vez ele não recuou do contato. Ethan segurou o outro lado do rosto, acariciando a linha fina da bochecha com o polegar. Cole fechou os olhos e afundou em nosso toque como um banho quente após um dia difícil.

—Como você pode pensar que não é absolutamente lindo? — Eu perguntei, impressionado com cada mecha de seu cabelo, a curva de sua mandíbula, a cor de seus lábios.

—Você é como uma obra de arte. — Ethan concordou, virando seu sorriso deslumbrante para mim, o calor tão comovente que eu quase podia chorar. —Vocês dois são. Gostaria de saber com quem comparar você. Nunca consigo me lembrar dos nomes. Vexa sempre pode.

Eu sorri de volta para ele, lembrando como quando o conhecemos eu o comparei com o David de Bernini e uma dúzia de outras obras de arte clássica. Eu estava um pouco desorientada na época, mas a comparação se manteve.

—Algo pré-rafaelita. — Eu disse. —Edward Hughes talvez.

—Você é tão inteligente. — Disse Ethan.

—Estou tão feliz que vocês estão tendo um momento de união tão adorável. — Disse Gwydion, tentando nos afastar um do outro. —Mas se vocês tentarem recuperar os sentidos, realmente não temos tempo para uma orgia no momento.

—Isso é... intoxicação mágica. — Disse Cole, esfregando os olhos. Adorei a delicada arte de seus dedos e o tom avermelhado que o atrito colocou em suas bochechas.

—De fato! — Gwydion disse, pingando sarcasmo. —Que bom que você está alcançando! Isso deve desaparecer em breve, mas não podemos dar ao luxo de esperar por isso, nem tenho paciência para ver vocês três se lutarem até que isso aconteça.

Eu me perguntava por que ele estava de mau humor quando era um dia tão perfeito. Mas eu não poderia estar chateada com ele por isso. Ele era bonito demais para se zangar. A luz do sol não parecia tocá-lo, mas quando ele estava na sombra, ele parecia esculpido em mármore frio, frio e sem falhas e brilhando como gelo. Quase doía olhar para ele, como a luz refletindo na neve até ficar ofuscante. E às vezes, quando eu o via pelo canto do olho, ele era mais do que isso. Maior do que eu podia imaginar, e quando ele se moveu, houve um farfalhar de pelos e uma sombra de chifres.

—Ele está certo. — Disse Cole, balançando a cabeça enquanto se distraía brevemente por uma borboleta que passava com asas como vitrais vivos. —Precisamos... Continuar em movimento. Estamos em perigo. Tentem se lembrar do medo.

Eu não queria ter medo, não quando era tão bonito aqui. Mas fiz o meu melhor quando Cole pegou minha mão e me puxou atrás de Gwydion. Peguei Ethan com a mão livre e o puxei. Uma corrente de margarida, como quando éramos crianças. O pensamento me fez rir, o que o fez começar.

Gwydion suspirou cansado. —Pelo menos vocês estão se movendo. Por aqui. Não se afastem. Não há sinal de seu feitiço de teletransporte aqui. Ele deve ter ido mais longe antes de lançá-lo para tentar me expulsar. Mas por que ele arriscaria isso aqui? De todos lugares?

Eu mal ouvia Gwydion e não entendia por que ele não gostava daqui. Ele fez parecer tão perigoso, mas era o lugar mais maravilhoso que eu já vi. Ao atravessarmos as árvores, pequenos pedaços de magia se revelaram entre as folhas. Uma macieira com casca de prata fina estava crescendo perto de um riacho claro, com seus galhos forrados e pesados por frutas feitas de ouro e diamante. Uma cobra com escamas de esmeralda translúcida estava pendurada nos galhos, nos observando com sábios olhos rubis escuros. Tinha uma daquelas bocas fofas de filhotes de píton que são tão adoráveis, mas Gwydion não me deixou fazer amizade com ela.

Mulheres minúsculas, que não eram mais do que meu braço, nadavam através do riacho, pulando como peixes, brilhando rosa iridescente e lavanda como o interior de uma concha, estalando seus minúsculos dentes afiados em insetos. Vi um campo de flores brancas crescer, grande como a palma da minha mão, e no centro de cada uma havia um minúsculo sino de ouro. Quando o vento soprava, eles tocavam tão docemente que Gwydion teve que gritar conosco para nos impedir de vagar neles para nos deitar e apenas ouvir. Cole sugeriu que cantássemos, o que foi uma ideia tão boa que eu o beijei por isso, e ele ficou vermelho e começou a rir e esqueceu sua sugestão até que Gwydion o lembrou, quando ele afastou Ethan de tentar mentir novamente nas flores, que eram tentando envolver tenras videiras verdes ao redor de seus sapatos, como se quisessem que ele ficasse. A única música que todos conhecíamos era Bohemian Rhapsody, e cantamos o mais alto que pudemos por insistência de Gwydion, até deixarmos o campo de flores para trás e ele nos pediu para parar. Mas continuamos esquecendo que ele nos disse para parar e começar de novo. É uma música tão boa, afinal. Nós finalmente paramos quando ele ameaçou fechar nossas bocas com mágica nos fez esconder em um arbusto enquanto uma procissão de árvores andando passava majestosamente.

Quando o desfile de árvores terminou, eu estava finalmente começando a recuperar meus sentidos um pouco, o suficiente para perceber que estávamos com problemas. Embora eu ainda estivesse flutuando e facilmente distraída, eu estava presente o suficiente para olhar para a merda ridícula que acabamos de percorrer e empalidecer com a quantidade ridícula de sério perigo em que estávamos, que eu apenas... não notei.

—Essas flores tinham dentes. — Eu sussurrei para mim mesma, olhando para um fragmento perfeito de céu azul através das folhas acima de nós.

—Finalmente começando a sair disso? — Perguntou Cole. Ainda estávamos sentados no mato. Eu não tinha notado os espinhos antes agora.

—Acho que sim. — Eu disse, esfregando a cabeça. —Mais ou menos. Jesus, eu não estive tão bêbada desde o último ano.

—É o ar aqui. — Disse Cole. —Está tão cheio de magia que você quase pode vê-la a olho nu. É por isso que tudo parece tão...

Ele fez um gesto ambíguo, mexendo os dedos ilustrativamente. Eu imaginei que entendi o ponto dele.

—Graças à lei. — Gwydion reapareceu, arrastando um Ethan tropeçando, que estava sorrindo e segurando uma das flores de sino. —Eu tinha medo que você se afastasse. Eu tive que perseguir esse idiota até o prado. Eu deveria ter deixado eles comê-lo. Eu teria todo o direito!

Ele estava parecendo mais do que um pouco esfarrapado, mesmo através da névoa mágica que o tornava tão etérea adorável.

—Desculpe. — Eu disse, levantando-me inquieta e ajudando Cole a se levantar. —Eu acho que estou começando a descer.

—Provavelmente levará Ethan mais um pouco. — Disse Cole. —Ele não está tão acostumado à magia quanto nós.

Ethan pressionou a flor do sino em minhas mãos. Peguei-a com relutância, olhando para trás como dentes de gancho voltados para os dentes que revestiam a trombeta interna.

—Eu comprei para você. — Ethan disse, e ele estava tão sério e bonito que eu quase esqueci os dentes completamente. —Eu não te dei nada ainda. Preciso te dar coisas, para que quando eu me for, você se lembre de mim.

Ele disse isso sem um pingo de arrependimento ou amargura, o que a fez doer ainda mais. Comecei a dizer algo, insistindo que não era o que iria acontecer, mas não queria estragar a felicidade dele. Eu sabia que ele tinha tido pouco o suficiente ultimamente.

—Obrigada, querido — Eu disse e o beijei. —Eu prometo que nunca, nunca vou te esquecer.

Encantado, ele me pegou e me virou, regando meu rosto em beijinhos.

—Adorável. — Disse Gwydion sarcasticamente. —Podemos seguir em frente? A trilha de Gil está ficando mais fria.

Fiz Ethan me colocar no chão e começamos a andar novamente. Definitivamente, eu ainda estava bem maluca, mas ter pelo menos um pé mais ou menos no chão tornava mais fácil apreciar as coisas realmente incríveis que estávamos vendo, além de ajudar a manter um olho em Ethan, e ocasionalmente até em Cole. Não que eu estivesse muito melhor, sendo desviada por um raio de sol que capturava o ar como se fosse um prisma, arco-íris deslizantes e brilhantes, ou um ninho de coelhos com presas e chifres, que eu percebi que um pouco tarde demais estavam sendo guardados por seus pais igualmente afiados e com chifres. Mas pelo menos agora um de nós geralmente era lúcido o suficiente para pegar o outro. Gwydion tinha um grande potencial como pastor profissional.

E então Gwydion afastou uma cortina de musgo pendurado e todos nós congelamos no lugar como se ficássemos impressionados ao ver o que havia do outro lado.

A alguns metros de distância, pastando pacificamente em uma piscina vernal, havia um unicórnio.

Era, sem exceção, a coisa mais linda que eu já vi. Eu não conseguia acreditar que alguém tivesse convencido as pessoas de que se parecesse com um cavalo. Era um tipo de ungulado, claramente, mas mais como um grande cervo em proporções, com uma cabeça um tanto parecida com uma cabra. A cauda comprida era preênsil, como a de um gato, e adornada no final com os mesmos cachos sedosos e prateados brancos da crina. Seus olhos eram impressionantes além da minha capacidade de descrever. Eles eram ao mesmo tempo profundos, escuros e infinitamente inteligentes, e também brilhavam com mil cores, queimando com a luz interior. Seu chifre brilhava com suave iridescência, como pérola ou nácar, subindo mais de um pé da testa até um ponto que brilhava como uma estrela.

—É...? — Eu sussurrei, minha voz tremendo. —É realmente-?

—Sim. — Disse Gwydion, estendendo a mão para impedir que alguém se aproximasse. —Silêncio. Fora dos tribunais, não há mais coisa perigosa neste lugar. Devemos recuar lentamente, tentar dar a volta.

—Como isso pode ser perigoso? — Eu perguntei, completamente extasiada. —É um unicórnio!

—É exatamente por isso que é perigoso. — Disse Gwydion, impaciente. —Eles são forças primordiais - o conceito de justiça dando forma. Se eles sentirem a menor sombra em seu coração, eles a esculpirão. Eles não podem ser combatidos ou fugir. Depois que decidem matá-lo, nada pode detê-los. Eles podem até matar um fae.

—Isso não parece exatamente justiça para mim. — Disse Cole, franzindo a testa. —Apenas assassinato resumido por qualquer crime? E o que exatamente eles definem como uma 'sombra' no seu coração? Isso me mataria se eu me sentisse culpado por esquecer o aniversário da minha avó?

—Não seja pedante. — Disse Gwydion, virando-se para olhá-lo. —Só estou dizendo que, se você merece morrer, eles saberão.

—Bem, isso é um pouco diferente de 'se houver uma sombra em seu coração'.

—Bem, o julgamento deles sobre quem merece morrer tende a se inclinar pesadamente para todos na minha experiência, então me perdoe por me tornar poético.

—Bem, então eles não são personificados pela Justiça. Justiça verdadeira não ignora o contexto.

Não ouvi a resposta de Gwydion porque já estava na metade da distância entre mim e o unicórnio. Ele levantou sua bela cabeça quando me aproximei, e eu não pude deixar de sorrir. Eu nem estava pensando no perigo. Tudo o que eu conseguia pensar era que esse era um unicórnio real na minha frente. Tudo o que eu sonhava quando menina, todos os livros de fantasia que eu desejava escapar, voltaram correndo para mim como um golpe no peito. Eu não percebi o quanto eu queria isso, neste exato momento, toda a minha vida. Se eu pudesse tocá-lo, apenas uma vez, morreria feliz. O unicórnio, silencioso e perfeito, virou-se lentamente para me encarar.

Ouvi vagamente Ethan começar a gritar meu nome, apenas para ser rapidamente abafado.

—Temos que fazer alguma coisa! — Cole estava dizendo. —Isso poderia matá-la!

—Se interrompermos agora — Respondeu Gwydion severamente. —Definitivamente vai.

Eu não estava com medo. Quem poderia ter medo na presença de algo assim? Ele deu dois passos lentos em minha direção, seus cascos ecoando a cada passo, apesar de andar sobre musgo macio. Eu assisti, impressionada e aberta, enquanto abaixava a cabeça, trazendo seu chifre longo e perversamente afiado ao meu peito. O ponto descansou logo acima do meu coração. De repente, pensei, como se estivesse compelida, a tudo o que recentemente senti culpa. Quando Gwydion se machucou, depois de me envolver nisso por minha causa. Colocando Cole em perigo pela mesma razão. Quando meus vizinhos encontraram o buraco no quintal onde o cachorro morto havia sido 'desenterrado por um leão da montanha', mesmo que o cachorro estivesse ressuscitado e vivendo feliz na casa da minha tia. Aprendendo que meus poderes estavam acelerando a maldição de Ethan. Quando Ethan quase foi morto me protegendo de Aethon. Na maioria das vezes eu tinha visto Ethan ultimamente, honestamente. Se não fosse por mim, ele ainda teria anos. Eu até me senti culpada por fazê-lo ficar comigo. Egoísta. Fazendo-o continuar lutando, mesmo que ele estivesse com medo e com dor só porque eu não queria perdê-lo ainda. Fazendo-o me ver flertar com os homens que eventualmente o substituiriam. Eu deveria ter recusado quando ele se ofereceu para abrir o relacionamento. Eu sabia que ele só estava fazendo isso porque ele não queria que eu estivesse sozinha. Eu deveria ter recusado ele quando ele se ofereceu para me ajudar com isso. Eu nunca deveria tê-lo colocado em perigo. Ele merecia mais que eu. Eu era uma necromante, e o que Julius dissesse, nunca seria capaz de me convencer, muito menos de mais alguém, de que era uma magia puramente inocente. Eu estava cheia de algo sombrio e mau, e não podia mudar isso.

Eu funguei, lágrimas escorrendo pelo meu rosto. Eu sabia que o unicórnio podia ver toda a minha culpa, e a vergonha me fez querer entrar em um buraco e morrer. Eu não tinha medo de que isso me matasse. Eu não estava pensando sobre isso. Eu só queria ser digna disso.

Senti algo molhado cair no meu ombro e abri os olhos. O unicórnio chorava, chorando lágrimas leitosas que se transformavam em cristal quando caíam na grama. Ele levantou o chifre do meu coração e agora encostou a cabeça na minha, como se estivesse tentando me confortar. Joguei meus braços em volta do pescoço sem um momento de hesitação e enterrei meu rosto na seda fria de sua juba. Irradiava contentamento, uma paz profunda e tranquilizadora que me assegurava que tudo ficaria bem. Não era apenas Justiça, como Gwydion pensava. Era a paz que seguia a verdadeira justiça.

—Em todos os meus anos, nunca vi isso acontecer. — Sussurrou Gwydion de onde estavam escondidos, parecendo atordoado. —Eu ouvi histórias, mas...

Respirei fundo, infundindo-me com o máximo de paz possível. A vertigem da intoxicação mágica se foi, mas eu estava feliz por isso. Eu nunca teria tido a coragem de me aproximar sem ela. Então me forcei a me afastar, embora uma grande parte de mim só quisesse seguir o unicórnio para sempre. Havia pessoas que ainda precisavam de mim aqui. E alguém que precisava disso muito mais do que eu.

—Vexa? — Ethan disse inquieto. —Você está bem?

Eu me virei para eles, sorrindo enquanto esfregava as lágrimas do meu rosto.

—Sim. — Eu disse. —Eu estou bem.

Estendi a mão para Ethan, acenando para ele avançar.

—Não faça isso. — Disse Cole. —Ela claramente perdeu a cabeça.

Ethan parecia nervoso, mas saiu de trás do mato, caminhando em nossa direção com cautela. O Unicórnio fez um barulho baixo e desapontado, como um cavalo, e se levantou um pouco, mas eu joguei meus braços em torno dele novamente, acariciando seu pescoço até que ele se acalmasse e deixasse Ethan se aproximar.

—Não tenha medo. — eu disse, pegando sua mão. —Não vai machucá-lo. Se pode chorar por mim, vai te amar.

Ethan não parecia certo, mas quando ele olhou para o Unicórnio, pude ver a admiração em seus olhos tão poderosos e profundamente enraizados quanto os meus. Eu não tinha sido a única sonhando com esse momento.

O unicórnio colocou seu chife no peito de Ethan, e vi as lágrimas nos olhos dele quase imediatamente. Ele soluçou, o ombro tremendo, enquanto revivia a culpa que o unicórnio havia trazido diante dele.

—Não olhe. — Ele implorou ao unicórnio, não a mim. —Eu não sou - eu não sou como-

Eu vi a ponta do chifre do unicórnio afundar no peito de Ethan apenas o suficiente para tirar sangue. Agarrei a mão de Ethan novamente, apertando com força.

—Seja honesto. — Insisti. —Você tem que olhar para tudo. Você tem que deixar que isso faça parte de você.

Ethan balançou a cabeça e senti um tremor de medo quando o chifre do unicórnio afundou um pouco mais fundo, com medo de ter cometido um erro. Mas não havia mais nada que eu pudesse fazer. Não havia nada que eu pudesse dizer agora. Ethan sabia que eu estava aqui, que o apoiaria, não importa o quê. O problema não estava comigo ou com mais ninguém. Era em Ethan.

O chifre afundou mais e eu agarrei a mão de Ethan, com medo de tê-lo levado à morte.

—Eu te amo. — Eu disse, a primeira vez que disse as palavras. A primeira vez que estive realmente, realmente certa de senti-las. —Ethan, eu te amo muito.

Ethan estremeceu, depois apertou minha mão.

—Tudo bem. — Disse ele, um som de aceitação cansada. —Bem.

A tensão sumiu dele, embora as lágrimas caíssem rápido e com força. O chifre do unicórnio recuou, não deixando feridas nem sangue. Deitou a cabeça ao lado da dele por um momento, antes que ele caísse de joelhos na grama. Caí ao lado dele, segurando-o perto. Ele tremia, ainda chorando muito.

—Vê? — Eu sussurrei. —Eu sabia. Eu sabia que pensaria que você é tão incrível quanto eu.

Ele soluçou, maravilhado e incrédulo em seus olhos quando olhou para o unicórnio. Mas quando ele olhou para mim, havia apenas amor em seus olhos.

—Eu também te amo, Vexa. — Disse ele. —Muito.

Ele me puxou para um beijo aos pés do unicórnio, que pressionou o nariz na têmpora de Ethan e depois na minha, antes que ele se virasse e se afastasse na sombra das árvores.

Fiquei de pé instável e puxei Ethan comigo enquanto Cole e Gwydion saíam cautelosos dos arbustos. Ethan me abraçou com força, e eu o abracei de volta, meus pensamentos ainda nos arrependimentos que o Unicórnio havia me mostrado. Não tinha falado ou compartilhado nenhuma sabedoria, mas a sensação de paz que me enchia me dava um tipo estranho de clareza, uma distância daqueles sentimentos que os tornavam mais fáceis de lidar. Eu esperava que Ethan sentisse o mesmo. Eu esperava que algo tão puro e mágico, declarando-o digno, aliviasse um pouco da dor contida dentro dele.

Cole me surpreendeu jogando os braços em volta de nós dois, a cabeça no meu ombro.

—O que eu acabei de dizer sobre fazer coisas estúpidas e perigosas? — Ele repreendeu, sua mão segurando firmemente as costas da minha camisa. Não pude deixar de sorrir com sua preocupação relutante. Ethan retornou meu sorriso, nós dois emocionalmente exaustos, mas cheios pela profunda paz do julgamento do unicórnio.

—Tenho certeza que você só me disse para não explorar fontes mágicas poderosas. — Provoquei. —Você não especificou que eu não deveria fazer nada perigoso.

Ele levantou a cabeça para me encarar.

—Você tem alguma ideia de como será inconveniente para mim se você morrer? — Ele disse.

—Bem, eu não gostaria de ser um inconveniente. — Eu disse com uma risada.

—Tarde demais. — Declarou Gwydion se aproximando de nós, colocando algo no bolso.

—Sua preocupação é comovente. — Eu disse a ele por cima da cabeça de Cole, depois coloquei um braço em volta de Cole para atraí-lo com mais segurança para o abraço, Ethan fazendo o mesmo. Cole ficou tenso sem jeito, mas não se afastou. Talvez fosse um pouco da intoxicação mágica ainda o afetando. Eu tinha certeza de que era o que ele culparia de qualquer maneira.

—Eu tenho certeza que isso faz com que vocês dois sejam dignos de serem reis da Inglaterra. — Disse Gwydion casualmente, claramente tentando entender tudo, como se eu não tivesse visto o medo dele. —Eu tenho a espada em casa, se vocês estiverem interessados.

Ethan abafou uma risada no meu ombro.

—Vou considerar. — Eu disse a Gwydion com um sorriso. Ele zombou com um arco, depois endireitou as roupas e limpou a garganta.

—Agora, realmente precisamos nos mexer. Magia assim vai atrair-

Ele foi interrompido por uma flecha acertando-o no peito.

Ele voou para trás, esparramando na grama. No mesmo momento, Cole e Ethan desabaram em ambos os lados de mim. Muito horrorizada para reagir, eu só podia ver uma fila de arqueiros emergir das árvores, flechas batendo, lideradas por um homem com barba dourada e uma coroa brilhante.

—Vocês invadiram a terra sagrada de Tir Na Nog. — Declarou o homem. —A rainha exige suas presenças.

 

 

 

Capitulo Onze


O charme que os fae costumavam colocar Ethan e Cole para dormir não funcionou em mim, provavelmente graças à jaqueta de Gwydion, então tive o prazer de ser amarrada e arrastada para as costas de um cavalo atrás do homem barbudo, algo que discordei veementemente, mas não pude fazer muita coisa. Não que eu não tentei. Convoquei todas as coisas mortas na área que pude alcançar, incluindo algum animal maciço e trêmulo que eu nem reconheci, e fui prontamente e completamente desligada com alguns gestos casuais dos fae. Eu poderia muito bem nem ter me incomodado. Eu consegui dar um tapa em alguns deles com necrose quando eles foram me amarrar e deram um bom chute, mas naquele momento, tudo que eu estava salvando era meu orgulho.

Eu assisti, doente de ansiedade, enquanto jogavam Ethan, Cole e Gwydion nas costas de seus cavalos, nem mesmo removendo a flecha de Gwydion, e nos levavam embora.

Não tínhamos andado muito tempo antes de chegarmos a um caminho verde, que logo se tornou uma estrada de terra bem trilhada e depois pavimentada um pouco mais em tijolos de pedra. A essa altura, o palácio já estava à vista.

Um imenso e reluzente edifício dourado, repleto de pináculos e filigrana, parecia algo que a Disney rejeitaria por ser exagerado demais. A vegetação caía em cascata de todas as paredes e janelas, flores quase mais comuns que o onipresente trabalho de pergaminho dourado. Era bonito, com certeza, mas não tinha nada no Unicórnio, e de qualquer maneira, eu estava ocupada sendo absolutamente irritada como o inferno.

Por fim, eles nos levaram a um enorme jardim no pátio, tão denso com plantas que dificilmente parecia haver espaço para as pessoas, cercados por todos os lados por finas colunas de mármore branco. Um maciço carvalho ficava em uma extremidade do pátio, e seu tronco fora cultivado, não esculpido, na forma de um trono elaborado, cravejado de pedras preciosas e marfim.

A mulher que estava sentada era, sem dúvida, uma rainha. Você poderia dizer que ela era uma rainha mesmo sem a coroa ou o lindo vestido dourado. Ela teria sido uma rainha completamente nua. Um lampejo daqueles olhos escuros deixaria isso claro. O fato de ela ter pelo menos o dobro da altura de qualquer outra pessoa aqui também pode ter contribuído para sua aura de superioridade real.

Sendo Rainha do Verão, eu meio que esperava uma loira, talvez uma ruiva. Mas o cabelo de Titania era o preto do solo rico, sua pele tão escura quanto uma noite de verão. Ela brilhava como o coração do sol e segurava um cajado de ouro em uma mão, que parecia ter uma estrela viva em sua cabeça de filigrana.

Fomos trazidos à sua frente, eu caminhando entre dois guardas e os outros três jogados sem cerimônia. O homem barbudo se ajoelhou para arrancar a flecha do peito de Gwydion. Assim que saiu, Gwydion acordou, tossindo e engasgando.

Lancei um rápido olhar para os homens de ambos os lados, depois chutei um na virilha e balancei os punhos amarrados para atingir a outra força total no rosto. Enquanto eles estavam cambaleando, corri para Gwydion, convocando um enxame de insetos para manter os guardas afastados enquanto eu o arrastava até nossos companheiros inconscientes.

 

—Teleporte-nos para fora! — Eu disse a Gwydion, tentando freneticamente manter os insetos mortos entre mim e os guardas, que pareciam apenas levemente aborrecidos por eles e não com pressa de me recapturar.

—Não posso. — Disse Gwydion, ainda sibilando.

—O que você quer dizer com não pode?

—Obrigada, Hern. — Titania disse graciosamente para o homem barbudo, ignorando minha tentativa de fuga completamente. —Por favor, remova o charme dos outros dois. Estou muito curiosa em saber o que os trouxe ao nosso reino.

Hern curvou-se profundamente, depois acenou com a mão e Ethan e Cole sentaram-se um momento depois, piscando em confusão.

—É o suficiente. — Disse Titania, e os insetos que eu estava controlando se transformaram em uma chuva de pétalas de flores instantaneamente, sem o menor gesto dela. Eu peguei qualquer outro poder que eu tinha e não encontrei nada. Apenas a paz prolongada do toque do unicórnio me impediu de surtar completamente. Os olhos escuros e brilhantes de Titânia voltaram-se para Gwydion, assim como os do resto da corte, que estavam quase invisíveis entre as flores do jardim, verdes e brilhantes. Pelo canto do olho, eles não pareciam humanos. Vi carapaças cambiantes e asas e olhos iridescentes cintilantes como jóias multifacetadas.

—Gwydion Greenwood. — Ela falou, e sua voz tremeu no ar e fez as flores girarem em sua direção. —Pensei em ver seu irmão ajoelhado diante de mim em uma dessas noites. Mas você não esperava. Você sempre preferiu os reinos mundanos.

Eu não precisava saber muito sobre faes para saber que isso era um insulto.

Gwydion recuperou o fôlego e lutava de joelhos. Ajudei-o tanto quanto me atrevi, com medo de tirar os olhos da rainha. Gwydion, pelo contrário, nem sequer a olhava. Ele manteve a cabeça baixa e a postura baixa.

—E ainda aqui está você. — Titania continuou. —E com um bando de humanos não menos. Que planos fascinantes você deve ter. Por favor, compartilhe-os.

—Nossa chegada aqui não foi intencional, Vossa Majestade. — Disse Gwydion, a cabeça tão baixa que seus cabelos roçaram o mosaico vidrado. —Um ladrão roubou algo meu e fugiu através de um portal. Foi por coincidência que o ladrão escolheu este lugar como destino.

—Nós dois vivemos muito tempo. — Disse Titania casualmente. —Muito tempo para acreditar na coincidência.

—Então claramente o ladrão sabia que me levar até aqui atrairia sua atenção e me impediria de seguir. — Disse Gwydion rapidamente. —Mas você deve saber que eu não voltaria a esse lugar de bom grado.

—E ainda aqui está você. — Disse Titania novamente. —E Hern, o melhor caçador da minha corte, não viu vestígios de sua pedreira. Somente você, perambulando pelo território que lhe era proibido antes do seu exílio.

—Vossa Majestade. — Disse Gwydion, e pude ver suor em sua testa. —Eu nunca tentei interferir nos seus assuntos. Mesmo antes das tolices que levaram à minha... partida. Você sabe que não tenho ambições.

—Você não tinha. — Titania confirmou casualmente. —Mas você passou mil verões entre os humanos, e quem sabe que influências tóxicas suas mentes mesquinhas podem infligir? Talvez você tente recuperar sua posição entre os Invisíveis, ganhando-lhes uma pequena vitória contra nós, nesta nossa época de supremacia?

—Não, Majestade, eu nunca...

—Você roubou o meu reino. — Disse Titania, uma onda de calor saindo do trono, o que me deixou tonta e com sede. —Sem aviso prévio em um jardim onde sua espécie sempre foi proibida, trazendo com você criaturas mortais com magia repugnante para suas almas, e você espera que eu acredite em suas intenções puras? Você me aceita como uma tola, Gwydion Greewood? Sílabas do seu verdadeiro nome - Sol à meia-noite, Espelho de Gelo, Canção de arrepio - eu poderia torcer você em mil formas e plantá-lo como uma das minhas árvores.

Enquanto ela falava, o calor aumentou até que eu mal conseguia respirar, como estar diante de uma fornalha no deserto. Gwydion se enrolou em si mesmo, a pele brilhando com suor, o cabelo mole. Eu podia ver a agonia em seu rosto e meio que esperava que ele evaporasse, um fio de vapor como um floco de neve caindo no fogo. Em vez disso, seus membros torceram e tensionaram, sua pele ficou escura, rachando em casca.

—Meu jardim pode usar uma ou duas sempre-vivas. — Disse Titania com crueldade preguiçosa.

Ethan e Cole estavam sofrendo sob o calor da mesma forma que eu, e os dois ainda estavam se recuperando da confusão do feitiço de dormir de Hern. Eu podia ver Cole se esforçando para encontrar sua mágica e não encontrando nada ao seu alcance. Ethan empurrou o Lobo para a superfície, mas a exaustão pelo calor diminuiu sua força e deixou seus dentes sem brilho e suas garras mal estendidas. Meus braços estavam em volta de Gwydion e, entre meus dedos, brotavam galhos, afiados com agulhas de pinheiro.

—Pare! — Eu exigi, com toda a força que pude reunir, o som ainda fraco dos meus pulmões sem ar. —Não foi culpa dele! Foi Gil-

De repente, o calor desapareceu e a casca desapareceu da pele de Gwydion.

—Então, foi Gilfaethwy quem voltou primeiro. — Disse Titania com um sorriso doce. —Por que você não mencionou que era seu irmão que você estava perseguindo? Eu poderia ter adivinhado. Ele sempre estava roubando seus brinquedos. Foi isso que levou você a essa confusão em primeiro lugar, não foi, querido?

Gwydion não conseguiu falar. Ele estava tremendo muito e mal conseguia se segurar. Lembrei-me com súbito medo como o que Gwydion havia dito que os Unseelie fariam com ele se ele voltasse. A Corte de Verão faria o mesmo e o torturaria para alcançar Gilfaethwy?

Lutei de pé, aproveitando a sensação de paz que o Unicórnio me deixou como se fosse uma piscina parada no meu coração.

—Gwydion não é seu para punir. — Eu disse e ouvi um murmúrio de choque e até risadas correndo pela corte reunida. Eu senti que provavelmente deveria ter me curvado ou adicionado uma 'Sua Majestade' antes de desafiar diretamente seu poder, mas era tarde demais para isso agora. —Ele não pertence ao seu tribunal.

Titania levantou uma sobrancelha escura e sorriu, divertida.

—Vejo você seguir uma nova rainha hoje em dia, Gwydion. — Disse ela, e tentei ignorar o rubor em minhas bochechas com a zombaria em seu tom. —Foi ela quem colocou o cheiro da morte em você?

Gwydion ainda não conseguia controlar as palavras. Ele agarrou o tornozelo das minhas calças com as mãos trêmulas, claramente tentando me fazer calar a boca de qualquer maneira.

—Bem, pequena rainha. — Titania disse com seu sorriso venenoso. —É verdade que não é da minha conta julgar os crimes dos quais ele originalmente fugiu. Mas ele passou por aqui, um Unseelie em Seelie pousa, e por isso tenho todo o direito da lei de exigir sua vida.

—Mas então você perderia Gilfaethwy. — Eu apontei, pensando rapidamente e puxando a primeira razão que eu consegui pensar na minha bunda. —E você nunca teria a chance de puni-lo pelo que ele fez.

Titania considerou isso, uma mão delicada em sua linda bochecha.

—Verdade. — Ela concluiu finalmente. — Mas o que me impede de poupar a morte de Gwydion? Em minha infinita misericórdia, talvez eu lhe conceda sua vida e apenas o castigue, infligindo toda tortura inteligente que minha corte possa conceber até que seu querido irmão se mostre apenas para acabar com a dor?

A mão de Gwydion apertou meu tornozelo, e o medo como água gelada em minhas veias fez o calor terrível da rainha parecer morno.

—Porque não funcionaria. — Eu disse, as palavras parecendo sair dos meus lábios antes de pensar completamente nelas. Procurei alguma justificativa para o que tinha acabado de dizer, ainda me perguntando por que o havia dito. —Ele... Gilfaethwy tem algum novo tipo de magia de proteção nele. É... provavelmente porque o seu caçador não o notou, mesmo que ele estivesse no seu território por mais tempo do que nós. Provavelmente bloqueia a conexão dele com Gwydion. Você poderia torturá-lo para sempre e Gil nunca sentiria nada.

Isso era absolutamente besteira. Eu não sabia disso. Gwydion mencionou de antemão que Gil tinha algum tipo de escudo impedindo Gwydion de usar o Vidro do Artífice nele. Era um alcance e meio afirmar que o impediria de sentir a outra metade de sua alma sendo torturada. Mas eu disse isso com tanta confiança quanto pude, olhando a rainha em seu rosto radiante, embora queimasse como se olhasse diretamente para o sol, e a vi reclinar em seu trono com uma expressão pensativa. Havia queimaduras ardentes nos braços do trono vivo onde suas mãos estiveram.

—Que pequena rainha interessante você encontrou. — Titania disse a Gwydion, que ainda estava ajoelhado aos meus pés, os dedos segurando minhas calças como se estivesse tentando rasgá-las. —Estou intrigada. É tão raro hoje em dia ver algo novo e divertido. Os humanos podem ser terrivelmente cansativos em números, mas sinto falta dos dias em que esses raros mortais excepcionais decidiram fazer algo tolo. Eles são terrivelmente estúpidos e inventivo. As mentes imortais tendem a se apegar à ideia de que já tentaram de tudo e o que não tentaram não vale o esforço. Isso as torna insuportavelmente entediantes.

—Honestamente, eu já vi essa atitude em muitos humanos. — Eu disse, um pouco tonta de estresse.

A rainha riu, um som clamoroso como sinos de metal tocando e tempestades de verão. Isso me abalou tanto que quase caí no chão ao lado de Gwydion.

—Bem, então, pequena rainha. — Disse Titania, cruzando as pernas e arrumando as saias com um segundo par de braços que eu ainda não havia notado. —Por favor, me diga como você resolveria esse problema. Estou muito curiosa para ouvir.

Engoli em seco e olhei para Gwydion, que balançava a cabeça sutilmente. Um olhar para Cole o viu também balançando a cabeça, com muito mais ênfase, e Ethan gesticulando com a mão esticada na garganta, no sinal universal de 'cale a boca antes que você morra'.

Eu decidi ignorá-los.

—Penitência. — Disse à rainha. —O castigo para nós quatro que invadimos deve ser penitência. Nós o pagaremos por nosso crime, trazendo a você alguém culpado de um crime muito maior. Vamos lá, vamos pegar Gilfaethwy e trazê-lo de volta a você para julgamento.

A boca perfeita de Titania se curvou em um sorriso largo e de dentes afiados que me fez lembrar de um gato de Cheshire.

—Que sugestão divertida. — Disse ela. A mão de Gwydion caiu da minha perna e Cole escondeu o rosto nas mãos. —Oh, já faz muito tempo desde que eu tive a chance de brincar com humanos. Outros Fae já conhecem todos os passos. Você nunca pode realmente vencer, ou apenas por centímetros. Que delícia ver alguém tropeçar diretamente em seu próprio sentido, mortes pela primeira vez. Eu nem precisei sugerir nada. Delicioso!

Meu estômago afundou aproximadamente 13 quilômetros na terra.

—Muito bem. — Disse Titania, batendo com o cetro no azulejo, que tocou como sinos. — Aceito. Vou perdoá-los pela invasão e permitir que vocês saiam, com a condição de voltar com o traidor Gilfaethwy e entregá-lo a mim. Como sou generosa, darei uma quinzena para protegê-los. Ao meio-dia daqui a duas semanas, se você não o trouxerem para mim, a penitência falhará e farei o que eu quiser com todos os quatro.

Fomos sumariamente expulsos do palácio. Sentamos na terra além de seus portões, recuperando o fôlego.

—Sua idiota. — Cole gemeu, com o rosto ainda nas mãos. —Você completa... Deus! Você nunca leu um conto de faes em sua vida?

—Eu não tive escolha! — Eu disse defensivamente. —Ela teria matado a todos nós! Pelo menos eu ganhei algum tempo.

—Ela não teria matado nenhum de nós! — Cole estalou. —Ela teria torturado Gwydion, talvez o trocado pelos Unseelie. Mas somos humanos enganados aqui por um Fae exilado que não é da sua corte. Ela não tinha poder sobre nós. Ela poderia ter tentado nos enganar para ficar ou fazer coisas de outra maneira. - difícil para nós, mas ela não poderia nos matar. Pelo menos até que você prometeu todas as nossas vidas a ela em troca de Gil!

Eu fiquei vermelha, envergonhada.

—Eu não sabia disso. — Eu disse, me sentindo uma idiota. —Fiz o melhor que pude!

—Além disso, devo lembrá-la. — Disse Gwydion em voz baixa, ainda sentado com a cabeça entre os joelhos. —Que se conseguirmos e levarmos Gilfaethwy até ela, a morte dele será minha também?

Engoli em seco.

—Ela querer Gilfaethwy mais do que você era a única alavanca que tínhamos. — Eu disse. —Nós vamos descobrir alguma coisa. Pelo menos agora temos algum tempo.

Gwydion respirou fundo, depois se levantou lentamente, oferecendo-me uma mão para meus pés também.

—Você está certa. — Disse ele, mantendo a voz muito calma, embora ele não olhasse para mim. —Não houve melhor curso de ação. Você preservou todas as nossas vidas, mesmo que por enquanto. Agora, precisamos ir e encontrar meu irmão; nesse momento, pretendo dividi-lo em dois, jogar metade no colo da rainha e levar a outra casa para viver o resto de sua vida miserável na menor e mais desconfortável gaiola que eu puder encontrar.

—É um plano. — Eu disse com um encolher de ombros. —Eu vou levar.

—Pergunta. — Ethan interrompeu. —Uh, então, primeiro de tudo... Essa era a rainha dos fae?

—Um deles, sim. — Respondeu Gwydion, relutante.

—Este lugar é de onde os fae vêm? — Ethan assumiu, gesticulando amplamente para Tir Na Nog.

—Não. — Disse Gwydion com um suspiro. —Esta é apenas a sede da Corte Seelie. Francamente, não se sabe de qual das Outras Terras os Fae emergiram, e supõe-se que o acesso a esse lugar tenha sido perdido.

—Como chegamos lá? — Ethan perguntou, ignorando as questões maiores que a declaração levantou. Repeti brevemente tudo o que havia acontecido entre Gwydion sendo alvejado e eles acordando em frente à rainha. Gwydion esfregou a flecha no ombro com uma careta como eu mencionei.

—Tudo bem. — Ele disse, balançando a cabeça. —Acho que já entendi. Mais uma pergunta. Como vamos encontrar Gil?

—Eu posso ser capaz de ajudá-los com isso.

Erguemos os olhos quando o homem de barba e a coroa de ouro, Hern, saiu dos portões do palácio ao nosso lado.

—Sua Alteza. Por que você nos ajudaria? — Gwydion perguntou sem rodeios.

—Sou o melhor caçador da Corte de Verão. — Respondeu Hern, igualmente direto. — Minha sombra na corte de inverno tem uma posição semelhante. Nenhum de nós jamais deixou escapar uma coisa que declaramos presa. Para que seu irmão tenha passado por meu território despercebido, e eu passo por sua trilha e não a sinta, é um insulto indescritível. Se minha sombra soubesse disso, a vergonha acabaria com nós dois. Devo segui-lo, pelo menos até onde ele foi em Tir Na Nog, por minha própria honra.

—Então você terá sua honra e nossa gratidão, rei Hern. — Gwydion confirmou.

—Eu também vou ter isso. — Disse Hern, apontando para mim. Meus olhos se arregalaram por um momento, antes que ele esclarecesse. —Ali, no seu casaco. No bolso. A chave que abre as portas entre os mundos.

Enfiei a mão no bolso do casaco de Gwydion e minha mão se fechou em torno de algo de madeira. Quando o tirei, ele se transformou em Cajado de Abeona. Gwydion empalideceu.

—Você não retribuirá meus esforços em seu nome com mera gratidão vazia. — Disse Hern. —Você vai me dar isso, e eu expandirei minhas áreas de caça para todos os mundos.

—Tenho outras bugigangas. — Afirmou Gwydion. —Coisas de muito mais utilidade para você do que para o pessoal. O Chifre de Caça que sua sombra perdeu na última vez que a Caçada Selvagem atravessou o reino mortal. Um sapato lançado do casco de Sleipner, que dará a qualquer montaria que a use a velocidade do rei dos cavalos.

—É esse cajado que eu quero. — Declarou Hern. —E eu terei isso ou nada.

—Então nada. — Disse Gwydion entre dentes. —E vamos encontrar Gilfaethwy por conta própria.

—Você confundiu minha oferta de caridade. — Disse Hern, frio e alto, a luz brilhando em sua coroa. —Caçarei Gilfaethwy com ou sem você. E se você me recusar, certamente o encontrarei diante de você e o devolverei à minha rainha pelos dentes dos meus cães. Aceite minha ajuda, me dê o cajado e eu lhe darei um avanço.

Até eu poderia dizer que estávamos sem opções.

—Precisamos pegá-lo. — Eu disse, interrompendo a despeito do quão ruim meu acordo foi na última vez. —Podemos dar a você depois que ele for entregue à rainha?

Hern considerou por um momento.

—Eu exigiria um vínculo. — Disse ele. —Garantia para garantir o pagamento. Um dos humanos faria.

—Não. — Eu disse imediatamente.

—Eles não seriam prejudicados. — Insistiu Hern. —E seria devolvido imediatamente após a entrega da equipe.

—Algo mais. — Eu insisti. —Nenhum humano.

—Aqui. — Gwydion enfiou a mão no casaco que eu ainda estava vestindo e tirou outra coisa, que reconheci após um breve vislumbre como o Espelho Branco e rapidamente desviou os olhos. —Isso. Você estava lá na noite do erro de Gilfaethwy. Você sabe o quanto eu o valorizo e o que significaria se fosse perdido para mim. É um seguro muito maior do que a vida de algumas espécies de pássaros como esses.

Hern pensou por um momento e depois balançou a cabeça.

—Essa coisa ofende os olhos da minha rainha. Eu não aceitaria isso por nenhum preço. É o cajado, ou nada.

Troquei um olhar com Gwydion, que rangeu os dentes e finalmente tirou o bastão de mim, entregando-o a Hern.

—O acordo está fechado. — Disse Hern, encolhendo o cajado e enfiando-o em seu gibão de ouro. — Encontrarei por qual porta Gilfaethwy saiu de Tir Na Nog e deixarei vocês para segui-lo por três noites. Quando a lua surgir na quarta noite, irei atrás dele eu mesmo. Se vocês não devolverem o traidor à rainha, então eu irei, e vocês se renderão à misericórdia da rainha como fracassos. Corram e eu os caçarei até o fim de todos os mundos.

 


Capitulo Doze


Nosso prazo foi reduzido de quinze dias para três dias e seguimos Hern, o Caçador, de volta às florestas de Tir Na Nog. Nós três já estávamos completamente sóbrios, a maravilha infantil da intoxicação mágica, fadada a uma desconfiança ansiosa de tudo o que viamos.

Hern nos emprestou cavalos para cavalgar ao lado de sua equipe de caça, em troca de três sílabas com o nome verdadeiro de um cavaleiro Unseelie que era o rival de alguém que ele gostava. Eu estava começando a aprender que segredos e favores eram a moeda corrente aqui, e absolutamente nada era dado livremente.

—O conceito de dívida é abominável para os Fae. — Explicou Cole quando mencionei isso. —Deixar uma dívida não paga é deixar outra pessoa com poder sobre você, em um sentido muito literal. Se Hern tivesse nos dado os cavalos e Gwydion não tivesse insistido em discutir como estava pagando por eles antes de aceitar, ele o faria. Deu a Hern um cheque em branco para nos deter mais tarde. Ele poderia ter exigido qualquer coisa, e Gwydion teria sido obrigado pela lei a entregá-lo. É por isso que alguns Fae ficam tão irritados se você tentar agradecê-los ou pagá-los.

—Então, o que Gwydion estava dizendo que Hern teria nossa gratidão mais cedo? — Eu perguntei.

—Foi um truque. — Disse Cole com um encolher de ombros. —Hern fez uma oferta padrão de um favor, que apenas um idiota aceitaria, mas é a abertura tradicional. Gwydion tentou interpretar a oferta de Hern como algo que Hern estava fazendo por si mesmo, não um favor que incorreria em dívida aberta ou um serviço que seria exigir pagamento, já que coincidentemente estaríamos nos beneficiando de seus esforços. Ele provavelmente passou muito tempo com seres humanos. Se Hern fosse estúpido, ele poderia ter entendido isso como um cheque em branco e aceito. Mas considerando que parece que Hern é o favorito da rainha no momento, ele provavelmente não é burro, e a implicação o insultou. Hern imediatamente esclareceu que estava oferecendo um serviço, exigiu um preço que sabia que Gwydion não gostaria de pagar e acrescentou uma ameaça em boa medida, como ele estava considerando, Hern teria tido motivos para atacá-lo pelo insulto.

—Deus, faes são uma merda. — Eu disse, esfregando a mão no rosto.

—Amém. — Ethan entrou na conversa.

As montarias de faes, pelo menos, eram extremamente bem comportadas. Eles eram um passeio mais suave do que a maioria dos carros em que eu tinha estado e não exigiam nenhuma direção de nós, o que era bom, já que apenas Ethan realmente sabia andar. Cole nunca tinha visto um cavalo de perto e ficou um pouco intimidado por toda a situação.

Passamos novamente pelo prado das flores de sino, e os cavaleiros de Hern tocaram uma música de marcha, um grande coro de vozes masculinas tão poderosas e unificadas que sacudiram as árvores e abafaram completamente o toque dos sinos. Eu não sabia dizer o que eles cantavam, as palavras derretiam no cérebro como manteiga na boca. Mas eu sabia que isso fazia meu sangue pulsar e meu coração disparar de emoção, ansioso para correr, perseguir e ser perseguida. Caçar e ser caçada. Não era a compulsão emocionante de muitas das outras influências que eu ouvi desde que estive aqui. Teria sido fácil confundir o desejo com o meu. O que, penso, só o tornou mais perigoso.

Passamos pela clareira onde vimos o Unicórnio, e vi Gwydion convocando a tela cheia de texto mágico novamente, procurando sinais de Gilfaethwy e ficando cada vez mais frustrado com o passar do tempo. Mas Hern avançou com total confiança e sem hesitação, parando apenas raramente para consultar o bando de cães excitáveis que vagavam em torno dos cascos de seu cavalo, que decolariam em uma cavalgada multicolorida de latidos animados em uma direção ou outra, e Hern faria orientar a equipe de caça para segui-los.

Finalmente, no que parecia um prado arbitrário entre as árvores, os cães começaram a latir e uivar, correndo em torno de um ponto no centro do prado.

Hern desceu do cavalo e se inclinou para tocar a grama, pensativo. Gwydion examinou sua tela mágica, os olhos disparando freneticamente, mas eu pude ver que ele não viu nada.

—Encontrei a pedreira. — Hern anunciou, endireitando-se.

—Como?— Gwydion exigiu. —Não há vestígios mágicos de Gilfaethwy em lugar algum!

—Claro que não. — Respondeu Hern. —Não acompanho a trilha dele há algum tempo.

Gwydion cuspiu em indignação.

—Sua sombra é inteligente. — Continuou Hern. —Ele colocou um pouco de sua vontade em uma corça comum. Ele vagou pelos seus negócios, criando uma pista falsa óbvia, enquanto a sua melhor e mais escondida seguiu um caminho mais direto. Vestindo a forma da mesma corça, ele foi aos gnomos e os faes de barro. Assim que soube que ele seguira naquela direção, soube o que ele planejava e nos trouxe aqui.

—Onde é aqui? — Eu perguntei, olhando em volta para a clareira normal.

—Ele não tinha ajudantes. — Reuniu Gwydion. —E ele não pôde ficar aqui por tempo suficiente para recuperar o poder de se teletransportar novamente. Ele negociou com os gnomos para lhe abrir uma porta para os Campos Escuros.

—Só assim — Hern concordou. —E provavelmente pagou um preço caro por isso. Felizmente, eu conhecia esse lugar e, portanto, não temos motivos para negociar com o povo da terra a passagem para o seu lugar ancestral.

Ele assobiou e seus cães começaram a circular novamente no centro do prado, correndo cada vez mais rápido, até que eram apenas um borrão manchado e um uivo alto e estridente.

Quando não puderam ir mais rápido, dispersaram-se de uma só vez, cada cão correndo em outra direção para queimar o momento antes de retornar a Hern, que os cumprimentou com tapinhas e guloseimas em seu alforje.

Onde eles estavam correndo, um buraco se abriu na terra.

Era o buraco mais escuro que eu já tinha visto, com as mesmas qualidades vazias sem fundo que o vazio atrás das portas no julgamento da porta demoníaca azul.

—O caminho está aberto para vocês. — Declarou Hern. —Vão em frente, e boa caça. Estarei atrás de vocês daqui a três dias, e se a presa tola permanecer nos reinos mágicos, duvido que demore mais de um dia para capturá-lo. Se ele for para na Terra, pode me levar três. Então, eu sugiro que você se apressem.

—Sua ajuda é apreciada. — Disse Gwydion, tenso. —E devidamente paga.

Hern assentiu. —Não há dívida. No entanto...

Gwydion deu um passo em direção ao buraco e parou enquanto Hern falava. Hern avançou com um belo cão de visão prateado, elegante e comprido, com finos olhos escuros.

—Eu estaria disposto a lhe emprestar um dos meus cães. — Disse ele. —Ela é mais esperta do que a maioria dos fae, mais veloz que a luz e totalmente implacável. Ela teria sua sombra em suas mandíbulas ao amanhecer. Tudo o que eu pediria em troca é um dos seus humanos. O espinhoso de cabelos escuros, talvez. Ele faria um excelente terrier.

—Não, obrigada. — Eu disse antes que Gwydion pudesse responder, não querendo arriscar. —Nós temos nosso próprio cão.

Eu dei um tapinha em Ethan com um sorriso brincalhão.

—Isso não é um cão de caça. — Respondeu Hern, sem deixar vestígios de sorriso no rosto. —Isso é um lobo. Ele não tem mestre, e qualquer homem tolo o suficiente para tentar treiná-lo logo encontraria sua garganta nos dentes. Se você perguntar a minha sabedoria, é melhor deixar um animal como esse ser deixado na natureza ou abatido.

—Sinto muito. — Eu disse alto, pegando a mão de Ethan e puxando-o em direção ao buraco. —Eu não pude ouvir seu conselho não solicitado sobre o quanto eu amo meu namorado! Tchau!

Gwydion balançou a cabeça, mas a julgar pelo fato de o mundo não ter caído ao redor dos meus ouvidos, recusar-se a reconhecer seu conselho ‘dado livremente’ provavelmente era uma boa ideia. Ele me apontou para o buraco e, vendo que não havia escada ou degraus, dei de ombros e pulei.

A escuridão passou correndo por mim, uivando em meus ouvidos. Terra fria roçou meus ombros quando eu me afastei muito de cada lado. Depois que eu cai pelo que pareceu uma eternidade (e comecei a me preocupar com a bagunça), houve um estranho movimento indutor de náusea no meu estômago e, de repente, eu estava caindo na outra direção, de cabeça primeiro.

Eu me esforcei para me endireitar, perdendo completamente a noção de cima e para baixo, preocupada de cair do mesmo buraco no colo de Hern.

Em vez disso, caí de pé em terra dura e negra.

Ethan pousou ao meu lado, tendo caído do nada e parecendo muito confuso. Cole o seguiu e, um segundo depois, Gwydion pousou também.

Enquanto isso, eu estava olhando em choque para o terreno ao nosso redor.

Dizer que era montanhoso era fazer um desserviço às montanhas. Havia picos irregulares, mas eles tinham pouco em comum com as montanhas da Terra, que eram majestosas erupções de pedra envoltas em vegetação e neve. Esses... tumultos de solo negro pareciam ter mais em comum com a sujeira agitada após uma extensa construção. E não havia nada verde. Nenhuma árvore morta ou erva murcha até onde os olhos podiam ver. A terra parecia explodida, queimada e atropelada por um trator. O céu era de um laranja sombrio desbotando para um vermelho feio da cor da pele rasgada. Não consegui encontrar o sol.

—Os Campos Escuros. — Gwydion nos apresentou antes que pudéssemos começar a fazer perguntas. —Lar dos anões. Muitos dos Fae que vivem no solo ou sob o solo consideram que este foi seu lar ancestral até que, de acordo com a tradição oral e precisamente nenhum registro em primeira mão ou evidência física, a indústria furiosa dos anões que habitam profundezas queimaram a superfície da vida e afastaram todas elas, o que provavelmente é uma invenção destinada a distingui-las do resto da corte que, como eu disse antes, perdeu toda a memória de nosso reino nativo há tanto tempo que nem as rainhas se lembram disso.

—Isso aconteceu antes de serem coroados? — Eu perguntei.

—Possivelmente.

—Então, a rainha não governa para sempre?

Gwydion me deu um olhar estranho antes de responder.

—Em teoria. Todos os Fae são imortais, mas nós não somos Verdadeiros Imortais. Os Verdadeiros Imortais não podem realmente ser mortos de nenhuma maneira. Os Imortais regulares simplesmente requerem circunstâncias específicas e, muitas vezes, encontram o caminho de volta à vida, independentemente através das fileiras da corte, o número de vulnerabilidades que temos se torna cada vez menor. A realeza logo abaixo dos monarcas reinantes é invulnerável a quase tudo, exceto profecias, heróis e uns aos outros. As rainhas reinantes e seus reis caídos estavam acima mesmo assim, voltando mesmo depois de serem mortos por Heróis, ou um pelo outro. Mas o problema com Oberon e Morozko deixou alguns se perguntando se talvez as circunstâncias para matar um monarca fossem simplesmente mais específicas do que pensávamos. Se os monarcas não são eternos, como é feito um monarca? Nunca houve outras rainhas além de Mab e Titânia. Nenhum rei além de Morozko e Oberon. Não na memória viva. Histórias antigas que mencionam coroações e casamentos reais. Até crianças. O que implica que as coisas nem sempre foram como são. E com a perda dos reis, elas podem mudar novamente.

Eu não esperava uma resposta tão extensa e não tinha certeza do que fazer com ela, além de aceitar que Gwydion realmente gostava do som de sua própria voz.

—Então, por que Gil veio aqui? — Cole perguntou, chutando uma pedra, que derrapou na encosta em que estávamos em uma pequena cascata de cinzas e sujeira enegrecida.

—Considerando que ele parece ter vindo aqui deliberadamente, não apenas em uma tentativa contínua de nos jogar fora — Disse Gwydion, caminhando ao longo da encosta, — Presumo que ele esteja aqui para ver os anões. O que colocou uma idéia muito desagradável na minha cabeça.

—O que é? — Eu perguntei enquanto o seguíamos.

—O vidro do meu artífice é feito pelos anões. — Disse Gwydion, sombrio.

Isso não me explicou nada, mas por mais que Gwydion gostasse de se ouvir falar, ele gostava mais de drama. Ele não deu mais detalhes enquanto caminhávamos pela terra queimada.

—Deveria haver uma porta aqui perto. — Disse ele, olhando as encostas ásperas à frente.

—Por que o túnel nos deixou aqui? — Eu perguntei. —Estou assumindo que os anões estão todos no subsolo, certo?

—Correto. — Confirmou Gwydion. —Mas nenhuma mágica, exceto a mágica dos anões, funciona abaixo do solo aqui. Há mágica no ar. Você pode lançar tudo o que gosta acima do solo. Mas sob a terra, ela é apagada como uma vela. Os anões aprenderam a bombear a magia da superfície, batendo-a em uma forma sólida e criando magníficas ferramentas e encantamentos. Dizem que eles inventaram todo o conceito de encantamento. Mas nenhuma mágica ou magia natural funcionará em seus corredores.

—Isso é preocupante. — Murmurei. Curiosamente, procurei qualquer coisa morta que pudesse usar, mas não havia nada dentro do alcance. Tudo o que havia morrido aqui havia morrido há tanto tempo que não havia mais vestígios, nem mesmo ossos. O próprio planeta era uma grande coisa morta, e eu tinha certeza que nem Aethon tinha poder suficiente para aumentar.

Mas logo chegamos a uma porta de pedra indefinida, situada em uma colina em ruínas e coberta de cinzas. Gwydion bateu com força e sentou-se na terra.

—Sente-se. — Ele aconselhou. —Vai demorar um pouco. Eles precisam subir. Essas portas não são usadas com frequência.

—Você tem certeza que eles ouviram? — Eu perguntei, sentando-me.

—Oh, certamente. — Confirmou Gwydion, recostando-se na colina e fechando os olhos. —Estamos pisando no telhado. Eles sabem que estamos aqui. O importante é nos anunciar como convidados, em vez de intrusos. A lei dos anões não é como a lei dos Fae, mas eu tenho um pouco de compreensão disso.

Então nós esperamos. Depois de toda pressa e estresse, parecia estranho estar esperando. Isso me deixou inquieta e com coceira. Cole e Ethan pareciam ansiosos também.

Eu assisti o céu, supondo que fosse pôr do sol e seria noite em breve. Mas as cores não mudaram e a luz não desapareceu, o que me deixou desconfortável.

—Podemos dar ao luxo de esperar assim? — Eu perguntei. —Temos apenas três dias.

—Menos que isso. — Respondeu Gwydion. —O tempo se move de maneira diferente aqui em Tir Na Nog. Os anões minaram o sol, você vê. Então, tudo fica parado. Enquanto isso, o tempo relativo dos outros reinos corre sem ele. Provavelmente já perdemos meio dia, A oferta de Hern de três dias foi uma piada cruel. Estou apenas esperando que os anões nos deixem entrar antes que ele chegue. Hern tentará atacar com todos os seus cães, e os anões o matarão ou o jogarão no mínimo e possivelmente nos comprar algum tempo.

Eu olhei para Gwydion quando o horror tomou conta de mim. Ethan e Cole estavam prestando atenção agora também.

—Por que você não disse algo sobre o tempo antes? — Eu disse, lutando contra o desejo de sacudi-lo. —Não podemos ficar sentados aqui! Precisamos fazer alguma coisa!

Eu pulei de pé, tentando encontrar uma maneira de abrir a porta. Ethan apenas apoiou a cabeça nos joelhos. Cole levantou-se para me ajudar com a porta, embora ele se movesse mais devagar.

Em sua defesa, Gwydion pelo menos pareceu um pouco surpreso com a minha angústia.

—Eu pensei que já tinha explicado que conceitos como tempo não funcionam da mesma forma nas Outras Terras. — Disse ele com uma careta. —Você não entendeu?

—Claramente, não o entendemos. — Respondeu Cole por mim. —Ficamos com a impressão aparentemente equivocada de que realmente tivemos uma chance.

Gwydion suspirou e se levantou, me puxando gentilmente para longe da porta. Eu considerei fortemente dar um soco nele, mas algo em sua expressão me fez hesitar.

—Ainda temos uma chance. — Disse ele, me olhando nos olhos. Eu não tinha percebido o quão raramente ele fazia isso antes agora. —É menos tempo do que pensávamos, mas não é uma sentença de morte. E agora, nossa melhor opção é apenas ser paciente. Não há mais nada que possamos fazer.

Sentei-me de novo, passando as mãos pelos cabelos enquanto minha cabeça latejava com uma dor de cabeça tensa que se formava desde antes de aterrissarmos em Tir Na Nog.

—Isso é culpa minha. — Eu gemi. —Eu nunca deveria ter tentado falar com a rainha. Eu não deveria ter parado para acariciar o unicórnio. Eu não deveria ter te distraído para que Gil pudesse escapar em primeiro lugar. Eu nunca deveria ter tocado aquela vela estúpida...

—Isso é bastante presunçoso da sua parte. — Zombou Gwydion, o que não era a reação que eu esperava. Ele se sentou ao meu lado enquanto eu esperava que ele elaborasse. —Com o que eu quero dizer, acredito que você está inflando bastante sua própria importância nessas coisas. Tenho quase certeza de que tudo teria acontecido mais ou menos da mesma maneira. Estou certo de que nossa posição seria realmente pior se você tivesse não divertisse a rainha. Eu certamente não estava em posição de barganhar, e você nos comprou tempo, o que não é pouca coisa e muitas vezes tudo o que realmente pode ser feito. Hern ainda nos pegaria, mesmo que não parássemos para o unicórnio, e acredito que sem a influência dele, você não seria capaz de enfrentar a rainha. Quanto a Gil e a vela, bem, essas duas coisas foram totalmente minha culpa.

—Eu me perder em sua casa e tropeçar em um de seus artefatos não foi sua culpa. — Protestei.

—Eu discordo. — Disse Gwydion calmamente. —Eu poderia ter avisado você sobre os perigos em minha casa. Eu poderia ter levado você a um lugar confortável para esperar e lhe dito para não vagar. Eu poderia ter te libertado da porta e depois retornado às minhas responsabilidades. Mas, como em expondo você à vela, optei por não, porque queria ver o que aconteceria. O que, embora seja uma razão compreensível para a maioria das fae, é uma desculpa ruim para os humanos.

—Gil disse a mesma coisa sobre a maldição de Ethan. — Lembrei. —Ele tinha que ver o que aconteceria.

—É uma compulsão dos fae. — Disse Gwydion com um encolher de ombros. —Mas não inegável. Eu poderia ter resistido ao desejo. Que eu não fiz isso não é culpa de ninguém, mas é minha.

—Eu também poderia ter resistido. — Apontei. —Eu não tinha que pegar a vela. Eu não tinha que vagar em sua casa estúpida. Eu não tinha que aceitar sua... oferta, no jantar.

—Então, qualquer culpa que você carregue é diminuída pelo fato de você não ter ideia do que estava fazendo, e eu fiz.

Eu bufei de frustração.

—Eu definitivamente sabia o que estava fazendo no jantar. — Eu disse. —Eu sabia que ninguém estava de olho em Gil.

—Você supôs que eu não o teria deixado se não tivesse certeza de que ele estava seguro. — Disse Gwydion com um encolher de ombros. —E nós dois estávamos um pouco frustrados e distraídos, se bem me lembro. Se você era um pouco ingênua em acreditar que eu poderia confiar, isso dificilmente é um crime.

—Por que você não deixa isso ser minha culpa? — Eu perguntei, agitação crescente. Gwydion me encarou com um olhar curioso.

—Por que você quer que seja sua culpa?

Recostei-me, mal percebendo que estava de pé novamente.

—Eu não sei. — Eu disse, passando a mão pelo meu cabelo novamente. Eu o endireitei na manhã em que saímos da casa da minha tia, há quanto tempo isso era agora, mas entre o mergulho em Costa Distante e toda a volta, estava ficando completamente encaracolado novamente e rígido com água salgada. —Problemas de controle, provavelmente.

—Você parece ter aqueles em espadas.

—Sim, estou começando a descobrir isso.

Ele colocou a mão no meu ombro, o gesto um pouco rígido, mas eu poderia dizer que ele estava tentando me confortar.

—Por que você está sendo legal comigo? — Eu perguntei. Pensando bem, durante todo o caminho em Tir Na Nog, ele tinha sido extraordinariamente atencioso. Para ele de qualquer maneira.

—Você salvou minha vida. — Ressaltou. —De uma maneira bastante fantástica.

—Você realmente teria morrido? — Eu apontei. Ele encolheu os ombros.

—Quem pode dizer? Afogar-me não é tipicamente uma das maneiras pelas quais eu posso morrer. Mas a Costa Distante é um lugar estranho. A morte se aproxima da superfície. A imortalidade é um pouco mais porosa do que o habitual. E eu estava com pouca mágica. Pode ter certeza de que eu ficaria inconsciente por muito mais tempo do que você precisaria morrer de fome ou sede ou ficar desesperada o suficiente para tentar usar o bastão, destruindo assim as moléculas. Eu teria acabado sozinho, à deriva em coma, e adivinhar o que poderia acontecer então, em um lugar como Costa Distante, só pode ser especulação infundada.

—Então, você me deve? — Eu perguntei, franzindo a testa. —Cole mencionou que vocês odeiam isso.

Gwydion desviou o olhar, os olhos examinando a paisagem árida e torturada.

—Não é tão simples. — Disse ele por fim, quieto como este planeta silencioso. —Existe uma dívida. Mas eu não me ressinto. Existem alguns grilhões que até usamos de bom grado.

Percebendo que havia algo que ele não estava me dizendo, fiquei quieta e esperei que ele gostasse de se ouvir falar para tirá-lo melhor. Mas ele não disse mais nada. Abri minha boca para induzi-lo, apenas para ser interrompida pelo raspar de pedra quando a porta na cidade de Dwarven se abriu.

 

 

 

 

 

 

 

 


Capitulo Treze


O anão não se parecia com o que eu esperava.

Eu havia antecipado algo parecido com o que as pessoas com nanismo eram na Terra. Curto e atarracado, provavelmente com barbas. Que fantasia havia me dito que os anões se pareciam a vida toda.

O anão na minha frente, no entanto, parecia algo entre um texugo e uma toupeira de nariz estrelado.

Era curto, mais ou menos um metro e oitenta, e coberto por um denso pelo cinza. Seu pelo afinava até um subpelo mais elegante, perto do delicado órgão sensorial rosa no centro de seu rosto pontudo e sem olhos, e nas costas de suas patas dianteiras, equipadas com garras longas e perversamente curvas. Seu 'nariz' se contorcia de forma independente, de uma maneira fascinante e também um pouco nauseante de assistir. Usava um avental de couro e nada mais. Andava um pouco inclinado para a frente, como se preferisse andar de quatro.

—Você tem sorte de eu ainda estar tão perto da superfície. — Disse o anão com uma voz surpreendentemente genial enquanto nos conduzia para os túneis de terra apagados. —O forte da Primeira Vigia fica a uma curta caminhada de distância desta porta normalmente. Mas eu tive que deixar algum outro idiota dominado pelo sol entrar em menos de meio turno atrás.

Gwydion tirou um pequeno acessório encantado de seu casaco, que parecia o tipo de bolas de cristal que eu imaginava antes. Ele sussurrou uma palavra e brilhou o suficiente para iluminar vagamente o nosso caminho. Pela fraca luz empoeirada da mariposa, trocamos um olhar significativo.

—Onde ele foi? — Eu perguntei. —O idiota do sol, quero dizer.

—Não perguntei. — Disse o anão com um encolher de ombros. —Ele já alcançou a Primeira Vigilância a essa altura e eles o enviarão para onde ele pretender ir.

—Você não estava curioso? — Eu perguntei. —Quero dizer, pessoas de outros mundos vêm aqui com tanta frequência?

—Eu imagino que ele ficou agradecido por sair do sol! — O anão riu. Seu focinho comprido estava cheio de dentes afiados e finos, e ele não se virou nem olhou para nós quando falou. Provavelmente devido à falta de olhos. —Eu não consigo entender por que vocês correm por mundos que ainda os possuem. Mineramos o nosso e a luz ainda é insuportável.

Pensei em perguntar como ele poderia dizer, considerando que ele não tinha olhos, mas decidi que poderia ser rude.

—Acho que é exatamente com o que estamos acostumados. — Disse diplomaticamente. —Nascer lá em cima e tudo.

—Bem, está tudo bem. — Disse o anão com um tom distinto de pena. —As portas da Cidade Baixa estão abertas a todas as pobres massas queimadas pelo sol. Temos espaço suficiente para todos, e sempre há trabalho a ser feito. Eu imagino que vocês todos acabarão aqui eventualmente, uma vez que se espalhe a notícia de que há uma alternativa para viver na superfície. Em que trabalho você espera ser colocado?

—Uh, nós não somos-

—Você nunca conseguirá um emprego em engenharia, então não se preocupe. Nenhum anão que valha a bigode confiaria em um túnel construído por um da superfície. Você simplesmente não tem o menor sentido, sem ofensa. Ouço que algumas da superfícies fazem encantadores decentes, mas não há mobilidade para isso, mas posso dizer bem ao capataz da mina Fernfossil, se quiser, encontrar um bom trabalho sólido no transporte de solo e valorizados. Limpe o solo por apenas algumas décadas e você pode abrir sua própria empresa.

—Na verdade, não estamos procurando trabalho. — Eu disse rapidamente antes que o anão pudesse continuar falando. —Estamos apenas tentando encontrar o homem que veio aqui mais cedo. Então vamos embora.

Isso realmente fez o anão parar.

—Por que diabos você quer fazer isso? — Ele perguntou. —Agora que você sabe como é adorável, fresco e escuro aqui em baixo? — Comecei a explicar, mas ele me dispensou com um aceno de suas longas garras. —Você mudará sua música quando vir a cidade. Melhor construção em todos os mundos.

O anão parecia um pouco ofendido e não falou muito mais enquanto continuávamos descendo o túnel.

Um turno, ao que parece, durou cerca de quatro horas, e a Primeira Vigilância estava a um turno da porta. Enquanto caminhávamos, o túnel mudou lentamente de terra nua para terra empacotada com pedra, pedra esculpida e tijolo fino. Havia uma ênfase definida na função sobre a forma, pelo menos pelo que podíamos ver pela luz fraca de Gwydion, mas ao mesmo tempo, os corredores eram amplos, confortáveis e bem conservados. Não estávamos tropeçando em tijolos soltos, e o ar estava relativamente fresco. O único problema era a falta de fontes de luz.

Ainda assim, já estávamos há um tempo antes de chegarmos aqui. Ethan e Cole haviam conseguido algumas horas de descanso na casa de Gwydion (e eu tinha comida possivelmente encantada e sexo possivelmente mágico), mas isso não compensava as horas que passávamos por reinos mágicos sem nem mesmo uma pausa para o almoço. Estávamos todos começando a parecer bastante irregulares.

Os confortáveis túneis anões apresentavam bancos e fontes regulares de pedra esculpida, trazendo água fria da nascente mais para baixo, mas nosso guia parou para usá-los menos da metade com a frequência que gostaríamos que ele usasse e, em geral, não parecia se cansar. Ele andava devagar, falando apenas ocasionalmente para comentar sobre o tipo ou a qualidade da pedra que estávamos passando.

—Há muita diversidade nesses túneis! — Ele alegou. —É mais eficiente usar pedra local sempre que possível, em vez de transportar tijolos de mais fundo. Então, você ver todos os tipos de técnicas inteligentes usadas para tirar proveito da pedra menos do que a ideal, mantendo tudo dentro dos altos padrões da Código do engenheiro. Pegue este gesso, por exemplo...

Ele continuou assim por um tempo. Aprendi depois de uma ou duas dessas palestras que ele só se ofendia se eu tentasse contribuir com a conversa. Então, todos ouvimos em silêncio, aprendendo mais sobre geologia do que qualquer um de nós jamais se interessou em saber.

Finalmente, a Primeira Vigilância apareceu. Com o que quero dizer, o túnel terminava em um par de portas pesadas, que os Anões introduziram como forte, com grande orgulho. Depois das portas, era um pouco mais impressionante. As portas se abriram para uma ampla calçada, que serpenteava para baixo e para longe de nós, ao redor dos lados de um grande caldeirão. Era iluminado pela primeira vez por uma enorme esfera presa em anéis de latão pendurados no teto, que brilhavam com o que parecia ser a luz do sol.

—Uhg. — O anão fez uma careta. —Sinto muito por isso. Desvantagem de morar em qualquer um dos Fortes. O superintendente do Anel insiste em manter os turnos claros onde essas malditas lanternas estão acesas. Muitos da superfícies vivem nos fortes. Aparentemente, isso ajuda a se adaptar.

As paredes da cratera afundada estavam abarrotadas de prédios esculpidos, seu tamanho e estilo eram extremamente regulares e eficientes, sem perda de espaço. Olhando para baixo, o Forte parecia uma cidade pequena, cheia de vida, nem toda idêntica ao Anão ao nosso lado. Quando ele nos levou para o Forte, um carrinho passou por duas criaturas humanóides do tamanho de anões, que pareciam ser feitas de pedra bruta. Eles eram tão sem olhos quanto os anões e nos ignoraram completamente. Ethan, distraído olhando de soslaio para a lanterna, esbarrou em um deles. Ele se desculpou profusamente, mas não notaram ou reconheceram a colisão ou o pedido de desculpas, apenas se endireitaram e continuaran.

—Não se preocupe. — Disse o anão. —Os Construtos não estão vivos. Eles são apenas material de sucata encantado que usamos para tarefas domésticas ou trabalhos muito perigosos para arriscar os Anões.

—Oh. — Ethan disse, cuidando do carrinho em retirada com uma expressão preocupada. —Eles não podem... sentir as coisas, podem?

—Claro que não. — Zombou o anão. —Eles são feitos de pedra. Sem terminações nervosas, sem cérebros para pensamentos complexos. Se não lhes disserem para sair durante um desmoronamento, eles simplesmente ficarão lá e se deixarão enterrados. Os roteiristas precisam escrever tudo. Seus comportamentos no papel e assados quando são feitos, e eles não podem fazer nada que não esteja nesse papel, a menos que você os abra e adicione novos comportamentos. Eles estão apenas movendo ferramentas, amigo. Você não vai perguntar a uma broca se ela tem sentimentos só porque acontece, não é?

—Não, mas uma broca não tem o formato de uma pessoa. — Disse Ethan defensivamente. O anão deu de ombros.

—É uma forma eficiente. Versátil. E é o que construímos para todas as portas para caberem.

Um ponto decente.

—E se alguém escrevesse um comportamento como 'estar vivo' ou 'pensar com identidade' ou algo em seu papel? — Eu perguntei curiosa.

—Você acha que eles não tentaram isso logo? — O anão riu. —Alguns dos roteiristas particularmente excêntricos ainda estão tentando. Mas você não pode usar um martelo para um balde e não pode fazer uma pedra pensar que é uma pessoa.

Ainda assim, finalmente chegamos a um tópico de conversa sobre o qual eu não conseguia ofender o sujeito que estava falando, então conversamos sobre as tentativas fracassadas do roteirista de fazer um constructo vivo (parecia haver duas grandes escolas de pensamento sobre o assunto, um escrevendo comportamentos muito amplos abertos à interpretação e o outro escrevendo listas cada vez mais específicas e detalhadas de todas as minúcias da vida - mais os maçons radicais que pensavam que a resposta era esculpir os cérebros dos Construtos, que geralmente eram considerados malucos) até o fundo do forte. O forte era realmente muito bom. Eu não sabia o suficiente sobre arquitetura para apreciar a qualidade da construção, e qualquer floreio artístico tendia a ser tátil ou até auditivo, então não havia muito o que olhar. Mas os anões claramente tinham talento para o planejamento da cidade. Tudo era eficiente, limpo, fácil de navegar, provavelmente bem rotulado, embora eu não pudesse ler a sinalização anã e, como no túnel da porta da frente, sempre havia muitos lugares para sentar e uma fonte quando você queria uma. Havia até canteiros de flores e espaços verdes, embora fossem baseados em fungos e musgos.

—Agora, é provável que seu amigo tenha ido até o escritório de refugiados. — Disse o anão, apontando para um prédio com uma placa complexa em anão ilegível. —Ele precisaria de um passe de trem para deixar o forte. Eles deveriam poder lhe dizer para onde ele foi.

Dissemos adeus ao nosso guia que, apesar de tudo, tinha sido bastante gentil, e seguimos para o Escritório de Refugiados.

Era um prédio pequeno e eficiente, com assentos confortáveis e um anão amigável na recepção, que ficou encantado em nos ver, pois raramente viam mais de um ou dois refugiados em um dia. Fiz uma tentativa inútil de garantir que não éramos refugiados e não planejávamos ficar. Eles apenas nos garantiram que mudaríamos de ideia e nos deram nossos pacotes de orientação, que incluíam o passe de trem que nosso guia havia mencionado - um pedaço fino de lata ou alumínio duro, talvez com nossos nomes, espécies e portão de entrada. Após algumas discussões, o escrivão também cedeu e nos disse para onde Gil havia ido.

—Ele foi para a cidade central, para o palácio antigo. — Explicou o anão. —Alegou que ele tinha negócios urgentes com o rei. Queria saber se havia uma linha expressa.

—Existe? — Eu disse, meu coração batendo mais rápido, mesmo com um pouco de progresso. O anão fez um gesto ambivalente.

—Se você pegar o trem daqui até a mina de Limespire no segundo anel e depois transferir para a Linha R, ela para no distrito histórico do governo. Mas você precisará de autorização de turismo em seus cartões de trem. Gostamos de ficar de olho em o movimento de novos cidadãos, apenas por precaução. Depois de uma década ou mais, você poderá se mover livremente entre os anéis, como qualquer cidadão.

—Você pode nos dar isso? — Eu disse impaciente. —Autorização de turismo? Precisamos ver o rei também.

—Bem, eu posso. — Disse o anão, hesitante. —Mas vocês tem certeza de que é isso que você querem? Quero dizer, é apenas que não tenho certeza de que seu amigo sabia exatamente o que estava fazendo. Ele parecia pensar que o rei poderia ajudá-lo com alguma coisa, mas, bem, somos parlamentares. Monarquia. O rei é um velho simpático e todos nós o amamos, mas não é como se ele realmente tomasse alguma decisão. Se ele quisesse conversar com a União dos Engenheiros, talvez, ou o Parlamento dos Superintendentes, até o nosso capataz local...

O anão parou sem esperança.

—Sim, ele é um idiota. — Eu concordei imediatamente. —Também não sabemos o que ele está planejando. É por isso que precisamos alcançá-lo o mais rápido possível e impedi-lo de fazer algo estúpido.

O anão da mesa suspirou e pegou nossas cartas de trem de volta, usando um dispositivo que parecia um furador pesado para carimbar um quadrado estriado no canto de cada uma de nossas cartas, o que aparentemente nos deu permissão para turismo.

Sem perder tempo, seguimos apressadamente na direção em que o recepcionista nos dissera que poderíamos encontrar a estação de trem. No meio do caminho, a mudança brilhante terminou, e a enorme luz da lanterna desapareceu quando grossas cortinas de metal foram desenhadas em torno dela. Gwydion pegou seu pequeno globo de luz novamente e navegamos pela cidade no semi-escuro. Ocasionalmente, víamos outros não-anões, outros refugiados, cuidando de seus negócios à luz de dispositivos mágicos como os de Gwydion ou lâmpadas que pareciam ser versões em miniatura da lanterna. Não havia muitos, e quase nenhum deles era remotamente humanoide.

Felizmente, o trem não estava muito cheio, mas a maioria dos outros passageiros era anão, que nos deu olhares curiosos ao encontrarmos lugares frente a frente.

—Finalmente desistiram do sol, hein? — Um perguntou alto e amigável. Eu apenas sorri e assenti.

—Você não vai se arrepender! — o anão me assegurou.

Eu não tinha certeza do que pensar dos anões. Eles certamente eram amigáveis. E avançados, para uma espécie de fantasia que vivia no subsolo em outro universo. Eles tinham transporte público (a viagem de trem era o cheiro mais suave e agradável que eu já havia experimentado) e, de acordo com o pacote de orientação, assistência médica gratuita. Mas havia algo apenas um pouco fora da coisa toda. Talvez não fosse familiar, ou porque eles insistiam que eu não iria querer sair.

 


Capitulo Quatorze


O trem não tinha janelas, sendo os passageiros quase todos cegos. Mas havia um mapa de rotas na parede ao lado de nossos assentos. Era estrutural, destinado a ser lido pelo toque e não pela visão, mas pelo que pude decifrar, a Cidade Baixa era essencialmente uma versão maior e invertida da forma de cratera do Primeira Vigilância. Anéis de assentamentos subiam e desciam, ficando cada vez maiores. Estávamos indo em direção a um ponto próximo ao fundo, onde os anéis se tornavam menos distintos, ondulando em milhares de pequenos desvios e galhos que não estavam, presumivelmente, na linha de trem. O que eles eram, eu não poderia dizer.

Trocamos de trem no que parecia ser o equivalente a Grande Central, pulando na linha R. O R acabava por significar ‘áspero’, a textura usada para diferenciá-lo nos mapas. Havia uma linha suave, uma linha irregular e uma linha afiada...

Eu gostaria de poder apreciar as cidades e estruturas pelas quais estávamos passando. Mas estava escuro demais para ver qualquer coisa. As coisas só ficaram mais confusas quando chegamos ao distrito histórico do governo, que tinha avenidas amplas e elegantes e altos e belos edifícios, que nos fizeram sentir perdidos no escuro em um plano interminável de paralelepípedos até nos depararmos com uma fachada elaboradamente curvada. Curiosamente, também tínhamos visto menos anões quanto mais fundo chegávamos à cidade. Um local falador que pedimos orientações em Limespire havia dito que quase todo mundo estava trabalhando em projetos de expansão à margem. O que significava que, além de estarmos perdidos no escuro, estávamos perdidos em uma cidade estranhamente vazia e silenciosa no escuro.

—Já tive o suficiente dessa merda. — Disse Ethan. Ele parecia um pouco desconfortável desde que entramos no túnel. Eu estava começando a pensar que ele poderia ser um pouco claustrofóbico.

—Porra mesmo. — Cole concordou. —Não podemos ter mais luz, pelo menos?

—A menos que um de vocês tenha pensado em trazer uma lanterna. — Disse Gwydion, um pouco mal-humorado. Também não achei que ele estivesse gostando disso. Ou talvez estivesse apenas sendo separado de sua magia que ele não apreciava.

—Temos que estar perto do Palácio Antigo, certo? — Eu perguntei, olhando de soslaio para o mapa que um anão prestativo nos havia dado, que era obviamente todo em textura e, portanto, quase inútil. —Acho que foi a fonte em que quase caí foi a do lado de fora do antigo prédio parlamentar. Se continuarmos em frente-

—Você estão perdidos, amigos? — Alguém gritou inaceitavelmente longe. Mas, novamente, os anões tinham uma audição muito melhor que os humanos. Talvez a distância aceitável para a comunicação gritada fosse diferente para eles.

Fomos em direção à voz até a luz de Gwydion iluminar um anão em armadura elaborada e, eu esperava, cerimonial.

—Estamos procurando o palácio antigo. — Eu disse. —Somos visitantes da superfície e precisamos falar com seu rei.

—Por que? — O anão perguntou, parecendo confuso. —Se é importante o suficiente para trazê-los até aqui, seria melhor conversar com o Parlamento dos Superintendentes.

—Não, nós definitivamente precisamos conversar com o rei. — Eu disse, exausta de ter essa conversa.

—Bem, este é o palácio antigo. — Disse o anão. —Eu vou mostrar, e vocês podem conversar com alguém sobre uma audiência, se o velho não estiver cochilando. — O anão, que imaginei ser algum tipo de guarda do palácio, riu com carinho. —Você sabe que ele dormiu um ano inteiro? Tivemos uma festa fantástica quando ele acordou.

O interior era tão vasto e escuro quanto o exterior, embora tenhamos caminhado sobre mármore macio e acetinado, em vez de pedras. Estávamos andando entre vários anões de importância indeterminada, a maioria dos quais nunca vimos bem, antes de finalmente chegarmos a alguém que, presumivelmente, tinha autoridade para decidir se poderíamos ver o rei.

—Sinto muito. — Disseram eles, invisíveis fora do alcance da luz do outro lado da ampla mesa. —Mas vocês entendem por que não podemos permitir que qualquer da superfície aleatório se encontre cara a cara com o rei. Talvez se vocês fizerem uma petição por escrito-

—Este não é um da superfície qualquer. — Interrompeu Gwydion, parecendo profundamente irritado. —Você não tem capacidade de sentir mágica? Esta é a herdeira do príncipe Tzarnavaras, uma rainha por direito próprio, afilhada da morte.

Houve um momento de silêncio do outro lado da mesa, então uma mão com garras disparou para agarrar a minha onde repousava sobre a mesa. Não forte o suficiente para machucar, mas o suficiente para me assustar. Eu podia sentir algo contra a minha magia, vagando como mãos curiosas. Levei a chama da vela para frente rapidamente, concentrando-me tanto que por um momento sua luz irradiou através da minha pele e lançou um brilho azul no rosto chocado do anão.

—Oh, oh meu Deus! — O anão disse assustado. —Eu não sabia que você estava visitando a realeza! Disseram-me que eram refugiados.

—Ninguém perguntou. — Eu disse, brincando, enquanto puxava minha mão. —Meus consortes e eu somos tratados como meros imigrantes desde que chegamos. Como se você não acreditasse em ninguém, a não ser um anão, poderia ser importante!

—Isso não é - nunca pretendemos sugerir -— O anão balbuciou.

—Tenho certeza de que não. — Gwydion cortou-os bruscamente. —Mas talvez você deva permitir à rainha sua visita real antes de causar um incidente internacional.

Ele seguiu isso com algumas manobras de mão, mostrando ao anão alguns 'documentos reais', que eu tinha quase certeza de que eram cupons que recebemos em nosso pacote de orientação para o ‘Buffet de comidas exóticas do Digger Dan, a mais autêntica culinária da superfícies do Fort do Anel!’

E então, finalmente, estávamos diante das portas da sala do trono. Eu assumi que elas eram grandes e impressionantes. Eu só podia vê-las um canto minúsculo de cada vez pela luz fraca do orbe de Gwydion.

—Alguém mais acha que essa é uma má ideia? — Ethan sussurrou. Eu estava inclinada a concordar, mas era tarde demais para voltar agora. As portas se abriram e entramos para encontrar o rei.

A sala do trono era grande e escura como breu. A escuridão parecia próxima e quase sólida, grossa como o solo. A luz da esfera de Gwydion penetrou apenas alguns centímetros à nossa volta. Ficamos amontoados no minúsculo círculo de luz, sentindo-nos decididamente não-reais quando um anão nos anunciou como —Sua Majestade, a Rainha Noturna da antiga Constantinopla da Antiga Linha de Tzarnavaras e seus Consortes.

—Vossa Majestade. — Disse o Anão, voltando-se para nós, o brilho de seus pelos quase invisível à luz. —Apresento o Raiz da Montanha, nascido em pedra, cujos dentes esculpiram as primeiras cavernas, que sangraram as primeiras veias de ferro, arquiteto da cidade e capataz dos capatazes, o pai-anão de toda a nossa espécie e rei de tudo o que habita embaixo.

Percebi que não havia nome próprio entre todos esses títulos. Mas o anão recuou e a porta se fechou atrás de nós, deixando-nos sozinhos no escuro. Se o rei estava lá conosco, não sentíamos sinal dele.

—Olá? — Chamei experimentalmente, minha voz ecoando na vasta sala.

—Você pode fazer isso mais brilhante? — Cole perguntou, cutucando o orbe de Gwydion. Gwydion olhou para mim e, quando assenti, ele deu de ombros e a luz ficou mais forte, afastando a escuridão ao nosso redor. Vimos iluminar as esculturas delicadas e intrincadas no chão, as complexidades sutis e elaboradas das paredes, coisas que só podiam ser apreciadas pelo toque, não pela vista. E no final da sala, vimos um monte de terra escura que chegava até o teto, como se a parede dos fundos tivesse simplesmente desabado.

E então, quando a luz de Gwydion a tocou, o monte começou a se mover.

Não havia... palavras para descrever o arquiteto. Em um momento, sob um ângulo de luz, a terra parecia atraí-lo, uma construção como a que vimos trabalhando por toda a cidade. Por outro ângulo, vi a carne branca brilhante de um verme maciço. Por outro, o pelo e as garras de uma toupeira. Por outro, um homem, ou o cadáver de um homem, meio enterrado, nos observando com olhos de poço.

—Fora. — Ele falou, sua voz como uma trituração de placas tectônicas e o barulho de terra. —Fora, maldita luz, e fiquem quietos.

Gwydion apagou o orbe imediatamente, salvando-nos da terrível imagem em constante mudança do arquiteto.

—Aquele Sol, como uma erva daninha no meu jardim, eu não levantei nem engoli e permito que sua queima sufoque na vastidão de Mim. Mesmo agora, fragmentos de seu brilho odioso assaltam-me. Que brotos tenros empurram suas raízes rasas na minha presença, ainda quente com luz amarga?

Não via meus companheiros para saber se estavam com medo ou planejando alguma coisa. Eu me atrapalhei na escuridão e peguei as duas mãos, apertando-as para me tranquilizar. Um deles era notavelmente legal e quase definitivamente a de Gwydion. A outra, calejada e me segurando frouxamente, à beira de se afastar, era provavelmente Cole.

—Perdoe nossa perturbação, arquiteto. — Gwydion falou à minha esquerda. —Nós procuramos um criminoso. Meu irmão roubou algo meu e o trouxe aqui. Buscamos apenas sua orientação na captura dele e sua paciência enquanto o perseguimos em seu reino.

Houve um som baixo e estridente como um terremoto, que poderia ter sido uma risada.

—Como a tolice vem em três. — Disse o arquiteto. —Assim, a roda gira como sempre e traz para mim os mesmos rostos novamente. As estações mudam, mas uma estação mais estranha do que já foi vista sobe como uma estrela murcha, antecipando o sol. O que foi bem-sucedido neste novo discurso no lugar daquele eixo de duas faces que já foi o ponto de apoio de todos os nossos ciclos incessantes? Melhores perguntas, pequenos brotos.

Eu esperava que Gwydion entendesse um pouco disso, porque certamente não. Eu sempre estive mais interessada em Poe do que em Shakespeare.

—Perdoe-me, Majestade. — Empurrou Gwydion. —Mas minha sombra, meu irmão, veio aqui? Ele trouxe alguma coisa para você? Você sabe onde ele foi?

—O meu é um pátio de sombras, erva daninha. — Falou o arquiteto, o humor desaparecendo de sua voz. —Eu sou o rei das profundezas primitivas, às quais nenhuma luz jamais tocará. Tua cintilação de velas sombreia arte como grãos de areia no plano infinito do oceano.

—Minhas desculpas, Vossa Majestade. — Disse Gwydion rapidamente.

—Ei, ele veio aqui ou não? — Cole gritou impaciente, apertando minha mão. —Eu vi suas profundezas primitivas e, aos meus olhos de da superfície de merda, não é mais escuro que este quarto. Não estou tão impressionado.

Houve um longo silêncio em que eu esperei o pior. Mas, finalmente, aquela risada baixa do terremoto encheu a sala novamente.

—As pequenas coisas verdes e crescentes. — O Arquiteto falou quase melancolicamente. —Em que séculos eu enrolei suas raízes e enfrentei a luz para comer sua suavidade? Esse tempo já passou, e quando essas raízes profundas amarraram e quebraram as pedras, também minha coroa ficou presa em suas garras. Aquela sombra veio, tu sementes desamparadas, tiras de dente-de-leão. E trouxe com ele uma preciosa lasca de nossa força antiga. Mas a veia se partiu. Os rios profundos o agarraram em sua corrente, cravaram unhas em minha obra-prima e chamaram isso de sua. Esses erros da noite para a escuridão e procuram sobreviver a todos os sóis, por qualquer meio profano.

—O que isso significa? — Ethan perguntou.

—Isso significa que ele não está aqui. — Resumiu Cole.

—Mas ele estava. — Acrescentou Gwydion. —Ele foi ao Parlamento. Ou foi levado para lá.

—Filho da puta. — Eu murmurei. —Eles continuaram nos dizendo-

—Outra questão. — O rei murmurou, e a sala tremeu. Ele estava se mexendo? —Os portões da cidade estão escancarados e muita coisa é esquecida. Mas a lei antiga ainda permanece. Teu irmão é ladrão entre ladrões. Dívida é devida, erva daninha.

A mão de Gwydion apertou a minha.

—Não foi roubado. — Disse ele rapidamente. —O Vidro foi adquirido legalmente. A Marcha dos Magos o comprou dos Anões ao preço de dez mil escravos e das três jóias de Nimüe -

—Não houve compra. — Falou o arquiteto, inexorável como um deslizamento de terra. —Os anões não reconhecem esse conceito. Todas as coisas feitas pelos anões são de propriedade dos anões, até o fim de tudo. Eu estava lá! Vi-o colocado nessas mãos enganosas! Emprestado antes da duração de sua linhagem, que morreu não cem anos depois, mas o que era nosso não foi devolvido como deveria ter sido. Foi roubado, escondido! Negociado entre ladrões até que aterrisse em tuas mãos gananciosas. E ainda assim a dívida poderia ter sido perdoada se você, que sabia o que segurava, houvesse devolvido o que foi roubado. Mas você o guardou entre seu tesouro, seu pequeno dragão. E busque agora mesmo recuperar o que nunca foi seu!

Gwydion estava tremendo. Eu podia sentir os tremores em sua mão, distintos dos tremores na terra, quando algo inimaginavelmente maciço se moveu no outro extremo da sala.

—A dívida é devida. E, por lei, aceitarei apenas o preço do sangue, o preço da carne, uma libra por ano que for retida. Diga-me, erva, quanto pesa?

Eu já ouvi o suficiente. Peguei o orbe da outra mão de Gwydion e coloquei meu poder nele. Brilhou à vida com a luz azul do fogo. O Arquiteto pairava sobre nós como uma onda prestes a colidir, um dragão e um inseto e um gigante de cem braços, antigo além de todos os tempos e tão inevitável quanto a terra ao nosso redor.

Mas ele recuou da luz, uivando como se o queimasse.

—Fora! — Ele berrou. —Maldita luz! Eu terei! Sufocarei toda luz dentro de mim! Vou engolir todo sol e toda chama de vela até que eu receba escuridão!

Ele se agitou, bobinas terríveis quebrando as paredes e nos cobrindo de terra. Peguei Ethan e corri, Cole e Gwydion logo atrás de mim.

Nós batemos em um anão quando saímos, que soltou um grito estridente e penetrante. Ele ecoou por todo o palácio e além dele, um coro de gritos que eu sabia que não significava nada de bom para nós.

Coloquei mais luz no orbe e corri pela passagem aberta mais próxima. Eu me revezava ao acaso, avançando em qualquer direção que parecesse oposta ao som dos terríveis gritos.

—Você nunca vai fugir deles aqui. — Disse Gwydion enquanto corríamos. —Eles podem sentir cada passo que damos. Eles conhecem este lugar melhor do que você conhece sua casa de infância.

—Então o que vamos fazer? — Eu perguntei. —Nunca voltaremos à superfície sem a ajuda deles!

Gwydion não parecia ter uma resposta.

No lampejo da luz selvagem, Ethan mudou para sua forma de lobo.

—Subam. — Ele disse, com as roupas presas nas mandíbulas. —Eles podem sentir nossos passos, certo? Então talvez isso os jogue fora.

—Vale a pena tentar. — Concordou Gwydion, e eu gritei quando ele me pegou nos braços. Cole, parecendo muito inseguro, subiu nas costas de Ethan. —Silêncio agora. Eles podem ouvir nossas vozes tão bem quanto nossos passos.

Então, em total silêncio, corremos mais fundo no infinito escuro das minas dos Anões. Corremos sem plano ou direção. Quando encontramos Anões ou Construtos, tudo o que podíamos fazer era correr na outra direção. Eu nunca me senti tão perdida e desamparada. Eu não tive tanto medo do escuro desde criança.

Eventualmente, fomos fundo o suficiente para que os anões nos perseguissem diminuíssem e desaparecessem. Ficamos com medo deles alcançando a esperança desesperada de que, em algum lugar nos túneis intermináveis da Cidade Baixa, encontrássemos algum caminho de volta à superfície.


Capitulo Quinze


Os túneis ao nosso redor ficaram mais duros à medida que avançávamos. Foram-se os bancos e as fontes, depois os tijolos e até as colunas e suspensórios. Corremos por túneis sinuosos não refinados, que cresciam e se encolhiam como cavernas naturais, como se tivessem sido recentemente escavados na rocha e na terra. Às vezes, tropeçamos em trilhos de metal e ouvimos o estrondo distante das carroças. Uma passou por nós, sem tripulação, do tamanho de uma minivan, carregada de pedra e minério e voltando na direção em que viemos. Quando outra, quase vazio e indo para o outro lado, passou rapidamente, eu mal precisava trocar um olhar com os outros antes de pegá-la e subir a bordo. Ele nos levou mais fundo, seu poder magnético não diminuído pelo peso adicional de três humanos e um lobo do tamanho de um urso. Ethan recuou entre os tijolos de pedra empilhados no fundo do carrinho e lutou para se vestir novamente, mordendo reclamações quando a pedra raspou e cutucou sua pele nua.

Bem, não estávamos dando nenhum passo agora. Se alguma coisa os jogaria fora de nossa trilha, eu esperava que isso acontecesse.

À luz do orbe, Gwydion olhou de soslaio para o mapa a partir dos nossos pacotes de orientação. Ele foi o único de nós que conseguiu segurar o dele, enfiado nos bolsos aparentemente sem fundo da jaqueta.

—Estamos muito no fundo. — Ele sussurrou. —Mais profundo do que eu acho que qualquer não-anão já foi. Estes são novos túneis. Acredito que deixamos o último desenvolvimento documentado neste mapa há algum tempo.

—Então, provavelmente não há muita chance de encontrar uma saída aqui embaixo, existe? — Eu perguntei sombriamente.

—Uma saída de ar, talvez. — Considerou Gwydion, esfregando o queixo enquanto olhava o mapa. —Mas... Não, seriam vários dias de subida vertical. Nós nunca conseguiríamos. Poderíamos encontrar um desses carrinhos voltando para o Forte do Anel.

—Mas então teríamos que lidar com os anões novamente. — Apontei. Gwydion apertou os lábios e ficou em silêncio, olhando fixamente para o mapa como se ele simplesmente parecesse tempo suficiente para a solução se revelar. Troquei olhares com Cole. Estávamos sujos e cansados. Ethan, sempre exausto pela mudança, parecia quase cochilando.

—Eu conheço algumas... pessoas. — Cole ofereceu em voz baixa. —Pessoas para quem eu poderia chamar.

—Não. — Disse Gwydion com firmeza e imediatamente. —Mesmo se você pudesse conseguir que os rituais funcionassem neste lugar, trazer algo assim aqui seria condenar a nós e a todos os outros neste poço odioso.

—Eu posso lidar com eles. — Disse Cole defensivamente. —Eu tenho lidado com eles há anos.

—Ou então eles deixaram você pensar. — Gwydion retrucou. —Por mais insidiosos que os Fae possam ser, por mais cruéis, nossas motivações raramente são mais que egoísmo e tédio. As coisas de que você fala são infinitamente pacientes e infinitamente maliciosas. Eles não querem. Eles não querem. Eles não podem ser persuadidos. Eles têm apenas um objetivo, e uma inteligência focada apenas em alcançá-lo. A única maneira de vencer essas coisas é não jogar, nunca entrar nelas e rezar para que elas nunca notem você. Eu posso prometer a você o que você já sofreu com sua associação com eles, você sofrerá pior antes do final.

—Tudo bem, Jesus. — Cole levantou as mãos para parar a palestra de Gwydion. —Foi apenas uma sugestão. Melhor do que morrer aqui ou ser rasgado em pedaços pelo rei.

—Não. — Disse Gwydion, com os olhos escuros com uma gravidade terrível. —Confie em mim. Qualquer morte que os Anões possam inventar seria muito preferível.

O carrinho deu um pulo, atingindo algum solavanco na pista e, de repente, havia luz acima de nós, tão brilhante após a escuridão sem fim que meus olhos doíam, embora ainda estivesse relativamente escuro. Confusa, levantei-me para espiar por cima da borda do carrinho.

A pista havia entrado em uma caverna enorme, grande como um estádio. A luz que eu vi vinha de canais brilhantes de magma que atravessavam a caverna em canais esculpidos para esse fim. Pesada e lenta, escorria em direção a uma estrutura central, algum tipo de forno feito de enormes pedras negras, cada uma sozinha provavelmente do tamanho de um trailer de largura dupla. Em toda a base do forno, em uma plataforma preta, enormes Construtos, cada um com pelo menos dois metros de altura e feitos de retalhos de pedra, lama e metal, continuavam trabalhando. A fornalha fundia minério alimentado por carrinhos como o que estávamos, e o Construtos tirava-os das torneiras e os moldava com as mãos com precisão impecável, martelando-os com seus punhos enormes em bigornas do tamanho de carros.

Construtos menores enchiam o resto da caverna, tendendo o fluxo de magma, carregando e descarregando carrinhos, expandindo a caverna com picaretas e pás e carregando as peças que os Construtos maiores terminavam em direção a algo atrás do forno. Quando a trilha, que corria perto do topo da caverna, curvava-se ao redor da vasta sala, o que eles estavam construindo apareceu.

Fazia um calor escaldante, mesmo de onde estávamos. Preocupei-me por um momento que estávamos indo para o forno, mas a pista estava inclinando para baixo e para longe. Levando ao andar onde os Construtos estava terminando de descarregar suprimentos de outro carrinho. O carrinho à frente dele estava sendo carregado com sucata e minério da constante expansão, para ser enviado de volta a uma pista paralela à que nos levara até aqui, que provavelmente retornaria a quem estava fornecendo.

—O que é essa coisa? — Ethan perguntou, olhando para o anel enorme e limpando o suor da testa.

—Não tenho certeza. — Respondeu Gwydion com uma carranca, também espiando por cima da borda. —Seja o que for, é terrivelmente complicado. Olhe para os encantamentos.

Eu não tinha olhado tão de perto antes, mas agora que treinei minha visão mágica sobre ele, pude ver que ele estava rastejando com a magia mais complexa que já vi. Eu não acho que nada que eu tenha visto na coleção de Gwydion possa se comparar à escala completa dele. Era como se alguém tivesse construído o Empire State Building com sementes de gergelim individuais. Cada centímetro quadrado estava cheio de um feitiço de imenso poder. Se você removesse a matéria física da roda, a magia que a compunha ainda seria densa demais para ver através dela. Fiquei espantada, quase feliz. Eu nunca tinha visto algo tão incrível. Queria tocá-lo tanto que podia prová-lo, cavar aqueles feitiços, desmontá-los e juntá-los novamente até que eu os entendesse. Era tão glorioso para mim quanto ver o Grand Canyon pela primeira vez ou entrar na Capela Sistina. Que trabalho fenomenal, que forças titânicas, o vasto escopo de esforço, planejamento e trabalho... Sentindo-me um pouco tonta, sentei-me novamente.

—Você já viu algo assim? — Eu perguntei a Gwydion, atordoada.

—Uma vez, talvez duas vezes na minha vida. — Respondeu Gwydion, e pude ver que ele estava igualmente deslumbrado. —Mas comparar essas obras-primas seria um insulto a todas elas. Isso é arte.

—Mas para que serve? — Cole perguntou impaciente. Gwydion e eu batemos nele com o mesmo olhar sujo.

—Filisteu. — Murmurou Gwydion.

—Uh, pessoal, acho que vamos parar em breve? — Ethan nos avisou.

—Merda. — Eu murmurei e corri para um dos tijolos, pronta para me defender. Os outros três ficaram tensos também, e o carrinho parou por fim.

Um Construto com a face de um geodo rachado inclinava-se sobre a borda do carrinho. Eu gritei, me afastando para atingi-lo com o tijolo, mas ele apenas arrancou o tijolo da minha mão e se afastou. Outras construções também passaram por nós no carrinho, erguendo tijolos como se nem nos vissem. Ou, mais precisamente, como se simplesmente não importássemos.

—Eles não estão programados para lidar com intrusos, eu acho. — Disse Cole.

Lentamente, saímos do carrinho, tentando não nos queimar no metal quente e desconfiados de qualquer mudança no comportamento dos Construtos, mas eles nem sequer olhavam para nós.

—Acho que não estamos em perigo imediato, então? — Dei de ombros quando saímos do caminho do trabalho do Construto e puxei minha camisa, de repente desejando não estar tão comprometida em usar todo preto. —Exceto por esse calor, Deus, está muito quente!

Gwydion colocou a mão no meu ombro e eu imediatamente me senti mais fria.

—Fique perto. — Ele recomendou. —Eu posso manter o pior dele à distância. Além disso, se você ficar a meio metro de qualquer um desse magma, você pegará fogo.

—Oh, doce, Gwydion é um Ar Condicionado portátil. — Ethan disse alegremente, batendo as mãos nas costas de Gwydion e suspirando de alívio. Cole fez uma careta, mas colocou um dedo no ombro de Gwydion experimentalmente.

—Oh, droga. — Ele murmurou, parecendo surpreso. —Isso é realmente legal.

Quando nós três nos aproximamos, Gwydion parecia ter acabado de morder um limão.

—Então, o que fazemos? — Ethan perguntou, abraçando Gwydion por trás, o queixo no topo da cabeça do outro homem.

—Descobrir um caminho de volta à superfície. — Disse Cole com um encolher de ombros, de onde estava pressionado contra o lado esquerdo de Gwydion. Eu estava moldada para o lado direito dele, e nós dois colocamos as mãos sob a camisa dele para ter acesso mais direto às propriedades de resfriamento de sua pele. Fiquei chocada que Gwydion estivesse tolerando isso, mas não estava disposto a dizer nada.

—Eu gostaria que ainda tivéssemos esse cajado estúpido. — Eu disse frustrada. —Não há outra maneira de sair desses poços na cidade, certo?

—Não sem o segundo cajado. — Gwydion suspirou, os braços cruzados sobre o peito. —E sem os dois, você só ficaria presa lá - e você pararia com isso imediatamente ?!

Ele deu um tapa nas mãos de Cole, que subiam pelas costelas.

—O que você tem cócegas? — Cole perguntou com um sorriso perverso.

—Vou jogá-lo na lava. — Disse Gwydion sem uma pitada de humor. —Não me teste.

—Ok, então nossa única opção é lutar contra o exército de anões? — Eu disse, mudando de assunto rapidamente. —Porque sem mágica, isso não parece uma luta que provavelmente venceremos. Além disso, muitos deles pareciam pessoas normais?

—E essas coisas? — Cole perguntou, gesticulando para os Construtos. —Você disse que pode mudar os comandos deles se você os abrir, certo? E se nós mudarmos um monte deles para fazê-los nos proteger, então eles apenas nos escoltam para fora?

—Não sei se é uma boa ideia. — Disse Gwydion, franzindo a testa. —Você precisaria abri-los para acessar seus papéis e descobrir como alterar os comandos...

—Vale a pena tentar, certo? — Disse Cole. —Melhor que nada?

Gwydion fez um barulho inseguro, mas Cole se afastou dele e se aproximou do Construto com a face do geodo.

—Ethan, me ajude a disputar esse cara.

Ethan relutantemente soltou Gwydion e ajudou Cole a conter o Construto. Não parecia incomodado por ser contido. Apenas continuou tentando seguir na direção que tinha estado, ignorando Cole e Ethan.

Cole deixou Ethan segurá-lo por um momento enquanto procurava ao redor, pegando uma das picaretas que os Construtos estavam usando para expandir a caverna.

—Tudo bem, vamos abrir esse garoto mau. — Disse ele. Ethan ajustou seu aperto no Construto para sair do caminho, subitamente parecendo inseguro.

—Uh, eu não sei disso. — Disse ele. —Quero dizer, você não pode simplesmente acertar o pobre coitado com uma picareta. E se você o matar?

—Não posso matá-lo, não está vivo. — Disse Cole, impaciente. —Apenas fique quieto para não perder!

—Oh, isso vai acabar muito mal. — Disse Gwydion com severa certeza. Eu estava inclinada a concordar, mas também estávamos sem outras ideias.

—Um. — Disse Cole, levantando a picareta como um taco de beisebol. —Dois...

Ethan segurou o Construto o mais longe possível dele, fechando os olhos.

—Três!

Cole girou para as cercas e bateu a picareta no peito do Construto com um estalo alto de pedra.

Instantaneamente, todos os Construtos da caverna pararam, largaram o que estavam fazendo e viraram em nossa direção.

—Sim, lá vai. — Gwydion gritou, agarrando minha mão. —Corram!

Ethan lançou o Construto que ele estava segurando, que instantaneamente se virou e balançou um punho de pedra em sua cabeça. Cole bateu com a picareta, espalhando a cabeça do geodo, mas isso mal pareceu desacelerar. Enquanto isso, todos os outros Construtos da caverna estavam indo para lá com intenção assassina. Gwydion e eu reservamos, e Ethan e Cole, ainda segurando a picareta, correram atrás de nós, gritando palavrões.

—Lá! — Eu gritei, apontando um carrinho de partida, começando a aumentar a velocidade antes da subida em direção à trilha perto do teto da caverna. Gwydion deu dois passos limitados e pulou no carrinho com uma graça desumana, estragada apenas pela dança desajeitada e embaralhada que ele tinha que fazer para colocar o pé no topo do minério empilhado dentro do carrinho. Assim que ele estava estável, ele se virou e agarrou minha mão estendida, me balançando ao lado dele. Nós dois estendemos a mão para Ethan, arrastando-o a bordo, depois para Cole, ficando logo atrás, perseguido por uma horda de Construções assustadoramente silenciosas e sedentas de sangue.

—Largue a picareta, idiota! — Eu gritei.

Amaldiçoando alto, ele jogou de volta para os Construtos, tirando um pedaço do ombro de uma criatura de pedra sem muito efeito. Um pouco mais leve, ele correu os últimos degraus, e nós o agarramos, arrastando-o para o carrinho apenas um segundo antes de começar a disparar para cima e todos nós tivemos que nos esforçar para reestabelecer nosso equilíbrio.

Os Construtos subiram atrás de nós, silenciosos e implacáveis, e tentaram nos pegar no minuto em que o carrinho parou ou diminuiu a velocidade. O único anão perto do ringue havia nos notado agora e estava gritando ordens furiosas contra os Construtos, presumivelmente reafirmando suas ordens para matar a merda de nós.

—Destrua-os! — O anão gritou. —Não os deixe perto do portal!

—Trabalho fantástico, idiota. — Disse Gwydion, dando a Cole um olhar assassino. —Isso definitivamente ajudou!

—Como eu deveria saber que eles se tornariam todos assassinos? — Cole gritou defensivamente.

—Talvez usando um pouco de bom senso pela primeira vez na vida!

—Eu não vi você correndo para me parar, imbecil! Ou sugerindo idéias melhores!

—Calem-se! — Eu gritei para os dois. —Este carrinho está indo para o forno!

Isso chamou a atenção de ambos rapidamente. Em nossa pressa de pegar um carrinho de fuga, escolhemos um dos que enviava minério até a forja. Em apenas alguns minutos, seríamos jogados diretamente em um tanque maciço de metal fundido superaquecido.

—Filho da puta. — Cole disse calmamente.

Procurei um pouco fora do carrinho, meu coração disparado. A trilha atrás do carrinho fervilhava com Construtores assassinos. À frente, havia apenas o forno e uma queda de duzentos pés de cada lado.

—Estamos fodidos. — Eu disse, nem um pouco articulada.

—Nós definitivamente vamos morrer. — Ethan concordou, nós dois um pouco atordoados para reagir adequadamente à nossa morte horrível iminente.

—Foda-se. — Declarou Cole. Então ele me agarrou pelos ombros e me arrastou para um beijo áspero e apaixonado, tão abrupto e poderoso que eu mal consegui responder. Talvez fosse porque estávamos prestes a morrer, mas ele beijou com desespero, uma fome frenética e ardente, que eu nunca havia experimentado, o que fez meu coração disparar e minha adrenalina disparar. Então, de uma só vez, ele me soltou, deixando minha boca machucada e desolada. No mesmo movimento, ele puxou Ethan pela camisa e o beijou também, com a mesma intensidade empolgante. Vi os olhos de Ethan se arregalarem, e então senti a repentina onda de poder de sua maldição. Cole deve ter sentido isso também, porque ele empurrou Ethan para longe, agarrou minha mão e pulou para fora do carrinho. Gwydion hesitou apenas um momento, encarando Ethan quando o lobisomem se dobrou, uivando, mudando mais rapidamente do que eu já o vira mudar voluntariamente. Então ele pulou também.

Cole agarrou a beira da pista suspensa, flutuando no ar. Eu me esforcei para pular, quase perdi o controle, e só o recuperei quando Cole me pegou, me segurando até que eu estivesse segura, Gwydion pendurado no outro lado dele.

Acima de nós, Ethan - não, o Lobo - uivou quando saltou do carrinho um segundo antes de jogá-lo na forja.

O Lobo apenas se assemelhava tangencialmente à forma normal de lobo de Ethan, que era quadrúpede e muito parecida com um lobo normal, embora muito grande. O Lobo era algo de um filme de terror. Maciço, bípede, cheio de pelos escuros e grossos sobre músculos poderosos e pesados. Ele se ergueu em toda sua altura, o peito largo arfava e fixou seus terríveis olhos amarelos em nós, cheios de um ódio que consumia tudo. Estávamos completamente expostos aqui. Mal teria que nos tocar para nos enviar despencando para nossas mortes.

Felizmente, foi rapidamente distraído pelo enxame de Construtores assassinos. Os homens de pedra se jogaram no Lobo sem consideração por suas vidas. Eles o golpearam com golpes esmagadores feitos por punhos como blocos de concreto, e isso apenas os jogou para o lado, enviando-os voando da ponte para quebrar no chão abaixo. O Lobo rasgou a multidão de Construtos como se não fossem nada, reduzindo-os a escombros com um golpe de suas garras terríveis. Ele avançou pela pista, derrubando Construtos como pinos de boliche. Depois que tivemos algum espaço entre nós e o Lobo, Gwydion se arrastou de volta para o parapeito e me puxou atrás dele. Eu me virei para ajudar Cole, embora meus braços estivessem queimando por tanto tempo pendurados.

—Temos que sair daqui. — Eu disse, agarrando-me a Cole enquanto observava o Lobo abrir caminho através de Construto após Construto. —Agora!

—Como? — Perguntou Cole. —Outro carrinho?

—Não. — Disse Gwydion, apontando para o volante. —Nós vamos usar isso.

—O anão chamou de portal. — Eu disse, entendendo. —Onde quer que leve, provavelmente é melhor do que aqui!

Cole parecia inseguro, mas levantou as mãos.

—Foda-se, vale a pena tentar! — Ele disse.

Corremos pelos trilhos do carrinho, a uma distância segura atrás do massacre que o Lobo estava causando, até podermos pular, deslizando pela parede até o fundo da caverna.

Os Construtos estavam todos ocupados com o Lobo. A única coisa entre nós e o portal era o anão. Ele brandiu seu livro de pedra para nós com as mãos trêmulas.

—Este é o trabalho da minha vida! — Ele declarou. —Eu não vou deixar você hooligans destruí-lo!

—Você projetou isso? — Eu perguntei, cheio de súbita admiração e um milhão de perguntas.

—Senhor. — Disse Gwydion, cortando-me. —Você é sem dúvida o maior encantador desta época e um dos melhores que já ouvi em todos os reinos. Tenho imenso respeito por você, e é por isso que será uma tremenda vergonha se eu tivesse que te espancar até a morte agora, porque você não sairá do caminho.

Ele pegou uma pá de algum lugar, que o anão estava olhando agora, sua expressão em algum lugar entre orgulho e medo lisonjeados.

—Para o inferno. — Disse o anão. —Eu sempre odiei trabalhar para comissão.

Ele saiu do caminho.

Havia algum tipo de painel de controle perto de onde o Anão estava sentado, e eu o agarrei, olhando para os controles, completamente perdida.

—Como nós controlamos isso? — Eu perguntei, procurando ao redor do anão, mas ele já estava fazendo trilhas para o túnel mais próximo.

—Não precisamos controlá-lo. — Insistiu Cole. —Apenas ligue! Qualquer lugar é melhor do que aqui!

Eu apertei alguns botões, puxei algumas alavancas, mas nada aconteceu. A pedra angular e todos os painéis estavam no lugar, mas não havia reação. Cole lambeu os lábios.

—Vexa. — Ele disse. —Lembra da coisa que eu disse para você nunca mais fazer?

—Coisas estúpidas que colocam minha vida em perigo?

—Mais especificamente.

—Explorar fontes de energia universais primárias?

—Sim.

Gwydion e eu demos a Cole um olhar arregalado.

—Você realmente acha que isso vai funcionar? — Gwydion perguntou.

Cole olhou para onde o Lobo estava rapidamente ficando sem Construtos para destruir. Os grandes da forja tinham andado lentamente com pés pesados de bigorna e finalmente estavam brigando de verdade, mas nem eles durariam muito. O Lobo parecia ser tão indestrutível quanto furioso.

—Acho que não temos muitas outras opções. — Respondeu Cole. —Apenas despeje o máximo de energia possível e espere o melhor!

Eu acho que essa foi a lógica mais sólida que eu poderia esperar.

—Foda-se. — Eu disse, ecoando o sentimento anterior de Cole. —Aqui vai tudo!

Fechei os olhos, alcançando o lugar profundo dentro de mim, onde minha conexão com a vela estava ancorada. Eu sabia o que esperar agora, e apenas hesitei um momento com a lembrança fraca de quanto isso doeu da última vez, antes de pegar o fogo e me sentir em chamas.

Cole e Gwydion saltaram para longe quando o fogo me cercou. O poder correu através de mim como uma represa quebrando, como um raio, e eu agarrei no painel de controle para me aterrar.

A energia rasgou através de mim enquanto passava, deixando-me irregular de uma maneira que era mais espiritual do que física. Mas enquanto olhava através dos meus olhos ardentes, vi o anel começar a se mover, girando, componentes flutuando e se movendo independentemente, à medida que os feitiços queimavam.

Essa bela máquina deveria ter criado um portal igualmente bonito, algo absolutamente perfeito, não apenas estável, mas permanente, um ponto fixo fora do tempo que unia duas realidades. O que eu o forcei a produzir, incompleto e inexpertemente pilotado, foi uma bagunça, crepitando com o desperdício de energia, desequilibrado e desmoronando mesmo quando começou a abrir. Mas estava aberto.

Gwydion me agarrou, me arrastou para longe do console. Eu podia senti-lo sugando o poder, embora felizmente eu já tivesse jogado a maior parte dele no portal.

—Rápido! — Gwydion gritou para Cole. —Agora, antes que desmorone!

Eles correram em direção ao portal, meio me arrastando, quase inconscientes e bêbados com o poder e a lembrança já desbotada da agonia ardente. Mas havia uma última coisa que eu tinha que fazer antes de sairmos. Eu me arrastei de Gwydion para fazê-lo parar, coloquei os dedos nos lábios e assobiei o mais alto que pude.

—Ethan! — Eu gritei quando o Lobo parou sua destruição e olhou para mim. Eu acenei meus braços. —Por aqui!

Gwydion me agarrou pelo meio, me jogou por cima do ombro e correu para o portal. Rosnando, o Lobo correu atrás de nós. Gwydion pulou através do portal e vi o Lobo pular, garras estendidas, apenas um segundo antes do caos nos envolver.

 

 

 

 

 

 

Capitulo Dezesseis


Por vários minutos ou possivelmente uma eternidade, caímos no espaço.

Perdi o controle dos outros quase ao mesmo tempo. Flashes de mundos explodiram em ambos os lados de mim. Luz, escuridão, fogo, gelo, horizonte de Manhattan, castelo de Titânia, mundos que eu só podia ver em seção transversal, mundos que eu só conseguia ouvir ou cheirar. Uma vez, um salão escuro, cheio de velas.

E então, de repente, bati de cara no azulejo branco de vinil. Gwydion caiu em cima de mim, cotovelos primeiro. Cole caiu um pé à minha esquerda. O Lobo veio por último, bateu a cabeça em uma prateleira no caminho e caiu inconsciente no chão.

Presumimos que estávamos em algum tipo de armário de suprimentos. Luzes fluorescentes brancas nos encaravam de cima.

—Onde estamos? — Cole perguntou, apertando os olhos e desorientado.

—A julgar pelo cheiro anti-séptico e pelos sanitários? — Eu respondi, minha voz um pouco confusa. —Hospital. Ow. Ow! Merda!

Acabei de perceber uma dor ardente no quadril, que estava piorando rapidamente. Eu me levantei e enfiei no bolso, pegando a moeda da sorte que Gwydion tinha me dado quando nos conhecemos. A coisa maldita estava fumegando, estava tão quente e previsivelmente queimando meus dedos quando eu o puxei para fora. Deixei cair, e ela saltou e rolou para fora da porta do armário aberta.

Troquei um olhar com Cole e Gwydion, que ainda estavam se levantando.

—Bem, vá em frente. — Disse Gwydion. —É uma sorte, por isso deve levá-lo a algum lugar. E alguém provavelmente está a caminho de investigar esse acidente de qualquer maneira.

Sem outra palavra, corri atrás da moeda.

Eu estava certa sobre ser um hospital, embora estranhamente silencioso para a hora do dia que a luz que entrava pelas janelas sugeria. A moeda fumegante rolou pelo corredor de azulejos, e eu corri atrás dele. De repente, seu caminho começou a se curvar, até cair abruptamente de lado. Com o último momento, derrapou sob a porta de um quarto privativo de longa permanência.

O nome na porta dizia E. Bellefonte.

Abri a porta com cuidado, preocupada em incomodar alguém. Mas não havia visitantes na sala e, assim que dei uma boa olhada no paciente, percebi que não havia preocupação em perturbá-los.

E. Bellefonte era um homem mais velho, quarenta e poucos, talvez cinquenta e poucos. Ele ainda tinha o cabelo, apesar de o loiro dourado estar sombreado a branco. Ele devia ter sido bonito como uma estrela de cinema uma vez, pensei, embora provavelmente só pudesse dizer devido à minha experiência com cadáveres. Uma doença longa e desgastante o havia reduzido a um substancial sem sombra do que aquele que pairava sobre ele, sinalizando sua morte que se aproximava rapidamente. Ele só estava vivo agora por causa das máquinas amontoadas em torno de sua cama, mantendo seu corpo funcionando mesmo quando desmoronava. Mas mesmo isso não era suficiente para manter a sombra afastada.

—Aqui está. — Disse Gwydion, entrando na sala. Cole, com o braço de Ethan sobre os ombros, saiu mancando atrás de Gwydion, arrastando o lobisomem, que havia sido empurrado às pressas para uma roupa cirúrgica mal ajustada. Gwydion inclinou-se para pegar a moeda da sorte, que ardia em sua mão, o metal estalando e desmoronando. —Você queimou completamente. Eu nunca vi isso. Que tipo de-?

Ele calou a boca abruptamente quando viu o que eu já tinha visto.

A Vela da Aliança estava posta na mesa de cabeceira de E. Bellefonte. Gwydion olhou para ela, depois para a moeda murcha na mão, antes de enfiar os restos arruinados da moeda em seu casaco. —Essa é uma moeda da sorte.

—O que está fazendo aqui? — Perguntou Cole. —Quem é esse cara?

—É para mantê-lo vivo. — Respondi instintivamente. Eu podia sentir como a vela estava conectada a ele, mantendo sua força vital de uma maneira que as máquinas nunca podiam.

Antes que pudéssemos dizer mais alguma coisa, um portal surgiu à nossa frente, e Gilfaethwy apareceu, tendo-se colocado apenas a meio caminho.

—Por aqui. — Ele sussurrou em um sussurro urgente. —Rápido!

—Você! — Gwydion rosnou e agarrou Gil pela frente da camisa, arrastando-o pelo resto do caminho para fora do portal. —Você me roubou! De novo! Você me deixou entrar nas garras dos Seelie!

—Você fugiu! — Gil disse com um sorriso. —Eu sabia que você faria! Você sempre sabe! Falando nisso...— Ele gesticulou rapidamente em direção ao portal. —Precisamos ir agora. Vocês não podem estar aqui!

—Por quê? — Eu perguntei. —Onde estamos?

—Onde não importa. — Disse Gil. —E porque é que todos nós vamos morrer. Eu nem entendo como você chegou aqui! Agora vamos, vamos!

—Não, não há mais portais! — Cole disse teimosamente. —Já tive portais suficientes! Parece a Terra e vou ficar aqui!

De repente, as luzes no corredor do lado de fora do quarto do hospital ficaram negras. Nenhuma luz veio das janelas. Uma voz profunda e familiar ecoou como uma lixa contra a minha alma.

—Como se atreve a vir aqui...

—Aethon. — Eu sussurrei involuntariamente, terror tomando meu coração como um punho.

—Esquece, porra! — Cole gritou, jogou Ethan através do portal e pulou atrás dele.

Gil entrou na porta, olhando para a escuridão.

—Velho amigo, querido amigo, parceiro, se você me desse um momento para-

—COMO VOCÊ OUSA?

Gil estava claramente certo. Precisávamos sair imediatamente. Mas eu não estava saindo de mãos vazias, não depois de tudo isso. Eu me virei, pegando a vela.

—Vexa, não!

Ouvi o grito de Gwydion, o roçar de seus dedos estendendo a mão para me impedir, mas era tarde demais. Minha mão se fechou ao redor da vela, e a absoluta escuridão da Morte alcançou e me engoliu.

Tão rapidamente que eu nem senti, de repente eu mal a reconheci.

Eu morri.

Capitulo Nove

Por um momento, eu não estava no meu corpo. Eu estava em outro lugar, queimando viva na escuridão. Meus ouvidos estavam cheios do clamor de mil sinos tocando. Eu não conseguia fazer meu corpo gritar. Não pude apagar o fogo. A dor estava tão além de qualquer coisa que eu pudesse envolver minha cabeça que depois eu não conseguia descrever e mal conseguia me lembrar como era. Eu sabia com absoluta certeza que iria morrer. Pelos olhos fixos e sem resposta do meu corpo, a costa distante de repente pareceu muito mais perto.

No lugar onde eu estava queimando, senti uma mão fria no meu ombro. Alguém parado atrás de mim. A voz deles sacudiu meus ossos fumegantes.

—Ainda não.

E então, de repente, eu estava de volta à minha própria pele, transbordando com tanta energia que doía, como agulhas sob a minha pele tentando forçar sua saída. Sem pensar, bati as mãos no peito de Gwydion e abri as comportas. O poder correu para fora de mim em uma torrente que eu não poderia ter parado se quisesse. Queimou-me quando passou, afundando nele. Os olhos de Gwydion se abriram de uma só vez, o corte em sua cabeça se uniu à luz prateada e se fechou.

Mas não consegui parar o fluxo de poder. Havia muito para eu conter, e Gwydion era um vaso vazio. Ele olhou para mim e eu me vi refletida em seus olhos arregalados, envoltos em fogo, chamas chorando. Ele sentou, minhas mãos ainda em seu peito, ainda derramando poder nele apenas para me impedir de queimar. Ele me alcançou lentamente e segurou meu rosto em suas mãos trêmulas, sua pele bebendo o fogo. Suas mãos estavam frias como água em um dia de verão, acalmando o calor terrível que estava tentando o seu melhor para me queimar viva. Ele se inclinou para perto, curvando-se no meu fogo e beijou minha boca ardente.

Ele tirou o poder de mim como veneno de uma ferida. Apressou-se ainda mais rápido do que antes, e eu tremi de dor e alívio. Ele poderia ter tudo, se quisesse. Enquanto o fogo parou, eu não me importei.

Eu derreti em seu beijo gelado, em seus braços, a queima finalmente começando a retroceder quando o poder passou por mim. Afinal, não era infinito, e Gwydion aceitou tudo ansiosamente.

Ansiosamente demais. Enquanto o poder continuava fluindo de mim como sangue de uma veia, comecei a voltar aos meus sentidos e percebi que tínhamos passado o ponto do que eu não podia conter. Minhas mãos se apertaram no tecido do casaco de Gwydion, tentando e falhando em afastá-lo. Ele poderia muito bem ter sido feito de pedra. Estávamos nos aproximando rapidamente de um ponto com menos energia do que eu tinha desde que tocara a vela. Eu assisti esse ponto ir e vir e o beijo de Gwydion ainda continuava, até eu perceber que ele não iria parar até que eu estivesse vazia de toda a magia, ou morta.

Então eu o mordi, forte o suficiente para tirar sangue, e ele se afastou, o fluxo de poder finalmente parando. Eu o empurrei, colocando espaço entre nós rapidamente, caso ele tentasse continuar. Meu coração estava batendo forte e eu ainda estava desorientado, lutando para manter a lembrança do que havia acontecido quando tentei acessar a vela.

—Que porra é essa? — Cole estava dizendo, e parecia que ele estava dizendo isso há algum tempo, pois Gwydion e eu estávamos insensíveis demais para perceber. Ethan me pegou quando me afastei de Gwydion, e deixei que ele me segurasse, agradecida pela sensação de segurança em seus braços.

—O que aconteceu? — Ethan me perguntou. —O que você fez?

—Mas como? — Cole disse, olhando para mim com algo entre reverência e medo. —Eu nunca vi esse tipo de poder em lugar algum.

—Eu tenho. — Gwydion falou suavemente. Ele se ajoelhou onde eu o empurrei, parecendo quase tão abalado quanto eu quando tocou seu lábio mordido e olhou com olhos arregalados para o sangue em seus dedos. Mas havia um olhar quase arrebatador em seus olhos.

—Eu não sou tão forte desde que deixei Avalon. — Disse ele e olhou para mim como se eu fosse algo santo e aterrorizante. —Você tem o poder de uma rainha.

Ele piscou e pareceu repentinamente um pouco enjoado, caindo de costas com uma surpreendente falta de graça pelo que eu esperava dele.

—E eu quase matei você. — Disse ele, quase para si mesmo.

Ethan e Cole trocaram um olhar assustado com isso, depois olharam para mim onde eu ainda estava enrolada nos braços de Ethan.

—Estou bem. — Eu disse rapidamente, o que era verdade. Cansada e mais fraca do que eu estava há um tempo, mas eu não estava sangrando ou pegando fogo, e eu podia deitar minha cabeça no peito de Ethan e ouvir seu coração bater. —Eu estou bem. Foi apenas um pouco de energia demais, só isso.

—Um pouco de energia demais de onde? — Perguntou Cole. —Onde você conseguiu isso?

—Uh, eu tentei bater na vela. — Eu disse. —Ainda estou conectada a ela, então achei que talvez pudesse acessar sua fonte de energia.

—Você usou a fonte de toda energia necromântica na Terra? — Cole disse, sua voz falhando. —Como você não está morta? Como todos nós não estamos mortos?

Eu não tinha uma resposta para isso. Também não parecia Gwydion, mas ele também não estava prestando atenção, com a mão na boca e as sobrancelhas franzidas, o olhar focado na costa distante.

—Só... nunca faça isso de novo. — Exigiu Cole. —Jesus Cristo, não é à toa que você estava pegando fogo. Há uma razão pela qual as pessoas trabalham com focos como a vela, sua idiota! Usar a fonte bruta deveria tê-la fritado como um inseto e todos nós com você.

—Eu acho que é uma coisa boa que Gwydion possa absorver tudo. — Ethan disse enquanto eu franzi a testa e tentei lembrar o que tinha acontecido quando eu peguei a chama. Lembrei vagamente da queimação. Todo o resto estava perdido no fogo até o momento em que Gwydion me beijou.

—Besteira que ele fez. — Cole riu. — Tanto poder o fritaria também. Ou Vexa de alguma forma conseguiu se abrir para, literalmente, todo o poder da própria morte e apenas canalizar um pedacinho, o que é absurdo - como tentar pular no oceano e esperar apenas molhar o dedo - ou o que ela bateu não foi a vela.

Eu não gostei desse pensamento.

—O fato de que ela seria capaz de alcançar a vela quando ela estiver literalmente em um universo diferente já é bastante absurdo! — Cole disse, jogando as mãos no ar. —Isso é besteira estranha, e eu não gosto!

—Independentemente disso, está pronto. — Interrompeu Gwydion, levantando-se e tirando a jaqueta molhada. A balsa balançou e Cole tropeçou, olhando para Gwydion enquanto ele apenas conseguia manter o equilíbrio. Gwydion o ignorou, olhando para mim enquanto tirava a gravata também, deixando apenas sua camiseta branca solta. —Perdoe-me por um momento.

Então ele deu dois passos e mergulhou da balsa. Por um segundo, apenas encaramos as ondulações em seu rastro, surpresos demais para reagir. Finalmente, Ethan apenas balançou a cabeça e suspirou.

—Por que não? Não como qualquer outra coisa ultimamente faz algum sentido. — Ele murmurou, depois me puxou para mais perto, esfregando os braços para tentar me aquecer. Nós dois ainda estávamos encharcados, então não adiantou muito.

—Então. — Ele disse depois de um momento. —Você beijou Gwydion.

Fiquei confusa por um momento até perceber que ele quis dizer o que tinha acabado de acontecer. Foi realmente difícil manter essas memórias por algum motivo.

—Oh, sim. — Eu disse com um sorriso tímido. —Pouco mais do que isso, na verdade. Logo antes de Gil escapar.

—Eu pensei que você disse que não achava que iria dormir com ele? — Ethan perguntou, sobrancelhas levantadas.

—Sim, eu não pensei que sim. — Eu disse, envergonhada agora. —Ele é... surpreendentemente persuasivo. Foi apenas uma coisa única. Nós deixamos isso claro.

—Espere, você dormiu com esse cara? — Cole perguntou, franzindo o nariz.

Cobri meu rosto com a mão, tentando controlar o rubor que aquece minhas bochechas.

—Sim, eu dormi. — Eu disse, tentando segurar algum orgulho. —Não é da sua conta.

Cole apenas balançou a cabeça.

—Alguém já lhe disse que você tem um gosto terrível? — Ele perguntou. —E possivelmente um desejo de morte?

—Ele tem razão. — Ethan disse com um encolher de ombros.

—Considerando que eu estava flertando com você esta manhã, Cole. — Eu disse maliciosamente. —Eu não faria comentários sobre o meu gosto.

—Foi essa manhã? — Ethan disse pensativo. —Era noite no Julius, e dormimos pelo menos algumas horas, então...

—Estar interessada em mim é absolutamente um sinal de mau gosto. — Respondeu Cole. —Possivelmente uma decisão pior do que o monstro devorador de homens que pode te atacar a qualquer momento. Provavelmente pior que o lobisomem também.

Ethan bufou.

—Você não é tão ruim. — Ele disse.

—Eu sou um desastre humano sem-teto que está apenas usando você para colocar minhas mãos em uma ferramenta mágica incrivelmente poderosa por minhas próprias razões egoístas. — Apontou Cole.

—Mas você tem um cabelo muito bom. — Eu rebati, apenas meio sarcasticamente. Cole parou, pego de surpresa.

—Bom senso de humor também. — Ethan concordou, e eu sorri quando vi Cole ficando vermelho.

—Bom gosto em filmes. — Acrescentei.

—Sorriso fofo. — Ethan falou.

—Olhos lindos.

—Inteligente como o inferno.

—Bunda fantástica.

—Tudo bem, isso é o suficiente! — Cole disse, vermelho como uma beterraba. —Vocês dois são claramente idiotas, sem senso de autopreservação.

Um respingo nos interrompeu quando Gwydion reapareceu, jogando o cajado na jangada antes de sair da água. Eu me permiti um minuto para admirar o quão bom ele parecia encharcado assim.

—Perdi algo? — Ele perguntou, levantando-se e torcendo a camisa. Cole ainda estava muito vermelho, e Ethan e eu não conseguimos parar de sorrir.

—Apenas nós dizendo a Cole todas as coisas que gostamos nele. — Eu o informei.

—Espero que você tenha mencionado sua bunda fenomenal. — Disse Gwydion casualmente, pegando o cajado e o paletó. Cole parecia quase combustão espontânea. —Todo mundo está de pé agora. Precisamos nos mexer se quisermos alcançar meu gêmeo idiota.

—Mas não sabemos para onde ele foi. — Eu disse, levantando-me e oferecendo uma mão para Ethan.

—Eu posso rastrear seus feitiços de teletransporte. — Disse Gwydion e estalou os dedos.

Uma onda de ar quente tomou conta de nós quatro ao mesmo tempo. Meu cabelo voou ao redor do meu rosto, minhas roupas esvoaçantes. Eu lutei para segurar minha saia enquanto a água saía de nossas roupas em uma explosão deslumbrante. Quando o vento se acalmou, Gwydion olhou para onde Gilfaethwy havia desaparecido e passou a mão pelo ar como se estivesse limpando vapor de um espelho. Um rastreamento complexo de magia apareceu diante dele, que ele se inclinou para ler. —Foi por isso que ele pegou o cajado e foi primeiro à Cidade Sem Fim. É muito mais difícil rastrear o cajado, e eu não seria capaz de dizer por quais dos poços da cidade ele passou se eu não tivesse- Não o vi. Mas agora que ele está se teletransportando sob seu próprio poder - o que ele não tem muito entre nossa recente briga e nossa visita à Cidade - segui-lo será muito fácil. Eu posso finalmente ser capaz de-

Ele ficou em silêncio bruscamente, depois descartou o texto mágico, carrancudo.

—O que há de errado? — Eu perguntei preocupado.

—Eu descobri para onde ele foi. — Respondeu Gwydion, conciso. Ele bateu com o cajado na superfície da balsa de madeira, e um portal se abriu através do qual eu podia ver vagamente os galhos das árvores. Gwydion se aproximou, hesitou e depois olhou para mim.

—Eu deveria te mandar para casa. — Disse ele. —Para onde ele está indo é... inóspito para os humanos. Eu deveria ser capaz de lidar com ele sozinho.

—Como você lidou com ele da última vez? — Eu perguntei. —A vida de Ethan está baseada no que Gil sabe. E sem o Vidro do Artífice, não podemos nem tentar descobrir mais sobre a maldição por conta própria. Não há como não ir com você.

—Onde ela vai, eu vou. — Ethan disse, colocando a mão no meu ombro.

Nós dois olhamos para Cole, que cruzou os braços, ainda um pouco rosado ao redor das orelhas.

—Eu realmente não tenho escolha, tenho? — Ele reclamou. —Se vocês idiotas vão e se matam, não há como eu pegar a vela.

Eu sorri para ele, feliz por ele estar conosco.

—Então está resolvido. — Eu disse. —Todos nós vamos.

—Não é nem remotamente estabelecido. — Argumentou Gwydion. —É a coisa mais distante da solução.

—Você realmente vai discutir comigo depois que eu quase morri salvando você? — Eu perguntei, mãos nos meus quadris.

Gwydion fechou os olhos por um momento, reunindo a compostura.

—Tudo bem. Vocês todos estão vindo. Tenho certeza que isso não vai acabar mal.

Ele pegou o casaco do braço, virou de dentro para fora e entregou para mim.

—Vista isso. Fiquem perto de mim. Não façam barulho e não usem magia, a menos que eu peça. Se nos separarmos... Vocês provavelmente morrerão. Não comam nada. Não cantem nem dancem. Façam tudo ao seu alcance. Não ofendam nada. Não ofereçam ajuda, a menos que seja solicitado, faça-o e não reclame. Aceite o que lhe derem depois, mas se alguém tentar lhe dar algo que você não ganhou, recuse educadamente enquanto vocês podem e espero que eu possa encontrar vocês a tempo de salvá-los. Entendido?

Não remotamente, mas assenti e coloquei o casaco de dentro para fora de qualquer maneira.

—Então vamos acabar logo com isso. — Disse Gwydion com um suspiro.

Sem mais cerimônia, ele atravessou o portal. Eu dei a Ethan e Cole um último sorriso encorajador, depois fui atrás dele, esperando que o que esperasse do outro lado não fosse pior do que o que já tínhamos enfrentado. Mas, pela primeira vez, eu estava menos preocupada com o desconhecido do que com meu próprio poder. Eu ainda não tinha certeza do que tinha acontecido quando tentei curar Gwydion, mas tinha certeza de que isso aconteceria novamente. Em algum lugar no fundo da minha mente, as palavras 'ainda não' ainda ecoavam.

 

 

 

 

 


Capitulo Dez

 

Das sombras frias e cinzentas da Costa DIstante, entrei em um dia perfeito de verão. Era verão também na Terra, mas não assim. Esse era um daqueles dias míticos, a partir de memórias idílicas excessivamente nostálgicas da infância, ou um daqueles filmes inexplicavelmente populares da maioridade, onde algo terrível acontece com o cachorro leal de uma criança. Estava frio o suficiente na sombra para fazer o calor do sol parecer mais calmante do que opressivo. Enormes árvores velhas erguiam-se ao nosso redor, suas folhas lançando sombras verdes na terra rica e escura, seus arcos pesados de frutas. A vegetação rasteira era uma profusão de flores silvestres e frutos maduros. O ar estava denso com o som do canto dos pássaros e o murmúrio musical da água correndo em algum lugar próximo. A luz através das árvores era dourada, quase tangível, e senti uma onda de prazer e excitação estranhos assim que respirei o ar. Tudo, todos os mirtilos gordos, pedras brilhantes e pássaros cantando de suas gargantas vermelhas, estavam positivamente cheios de significado. Qualquer coisa que caísse em meus olhos, desde uma teia de aranha pendurada em prata pendurada sob a sombra de uma raiz de carvalho até as cabeças de sementes douradas da grama alta crescendo em um pedaço de luz solar, me atingiu com uma intensidade que me fez ter certeza de que tocar qualquer parte disso seria embarcar em uma aventura fantástica.

Gwydion estalou os dedos na frente do meu rosto, impaciente, tirando-me do meu devaneio.

—Foco. — Ele insistiu. —Você não deve deixar este lugar colocar seus ganchos em você. Seu charme é um veneno, você entende? Tudo isso é apenas a pele brilhante de um sapo venenoso.

—Mas é tão... mágico. — Eu disse, surpresa com o quão jovem eu parecia, como uma criança na Disney World.

—O que é este lugar? — Ethan perguntou, parecendo tão impressionado quanto eu. Eu olhei para ele quando Cole entrou no portal. A boca de Ethan estava aberta em um espanto frouxo, seus olhos brilhando. Ele parecia mais jovem de alguma forma, as linhas ao redor dos olhos se foram, o peso fora dos ombros. A luz do sol brilhava bastante em seus cachos castanhos escuros e seus olhos dourados. Ele parecia tão magnificamente mágico e importante quanto todo o resto. Ele pegou meu olhar e ouvi sua respiração prender e vi seus olhos se arregalarem.

—Vexa. — Ele disse, suas mãos encontrando minha cintura. —Você parece tão... radiante. Deus, eu nunca vi nada tão-

—Nada disso, nada disso! — Gwydion disse agitando a mão bruscamente entre nossos rostos até nos afastarmos. —Eu sabia que era uma péssima idéia. Concentrem-se, por favor! Você, Cole! Fique fora daqui!

Cole, parecendo tão atordoado e surpreso quanto o resto de nós, olhou para cima, confuso, de onde ele estava vagando em um pedaço de amora, mistificado com as frutas perfeitas, como joias, e pequenas flores brancas de estrelas. Seus olhos, sempre adoráveis, eram de um azul mais brilhante do que eu já tinha visto na Terra. O tom escuro de seu cabelo combinava com o da fruta ao seu redor. A graça de seus membros musculosos quando Gwydion o agarrou pela camisa e o arrastou de volta para nós era absolutamente sublime. Ethan e eu voltamos juntos assim que Gwydion parou de nos separar fisicamente, nossos braços se abraçando como se tivessem sido feitos para isso. Quando Gwydion empurrou Cole para nós, nós o alcançamos ao mesmo tempo. Eu sorri quando toquei sua bochecha, sua pele macia e quente, e pela primeira vez ele não recuou do contato. Ethan segurou o outro lado do rosto, acariciando a linha fina da bochecha com o polegar. Cole fechou os olhos e afundou em nosso toque como um banho quente após um dia difícil.

—Como você pode pensar que não é absolutamente lindo? — Eu perguntei, impressionado com cada mecha de seu cabelo, a curva de sua mandíbula, a cor de seus lábios.

—Você é como uma obra de arte. — Ethan concordou, virando seu sorriso deslumbrante para mim, o calor tão comovente que eu quase podia chorar. —Vocês dois são. Gostaria de saber com quem comparar você. Nunca consigo me lembrar dos nomes. Vexa sempre pode.

Eu sorri de volta para ele, lembrando como quando o conhecemos eu o comparei com o David de Bernini e uma dúzia de outras obras de arte clássica. Eu estava um pouco desorientada na época, mas a comparação se manteve.

—Algo pré-rafaelita. — Eu disse. —Edward Hughes talvez.

—Você é tão inteligente. — Disse Ethan.

—Estou tão feliz que vocês estão tendo um momento de união tão adorável. — Disse Gwydion, tentando nos afastar um do outro. —Mas se vocês tentarem recuperar os sentidos, realmente não temos tempo para uma orgia no momento.

—Isso é... intoxicação mágica. — Disse Cole, esfregando os olhos. Adorei a delicada arte de seus dedos e o tom avermelhado que o atrito colocou em suas bochechas.

—De fato! — Gwydion disse, pingando sarcasmo. —Que bom que você está alcançando! Isso deve desaparecer em breve, mas não podemos dar ao luxo de esperar por isso, nem tenho paciência para ver vocês três se lutarem até que isso aconteça.

Eu me perguntava por que ele estava de mau humor quando era um dia tão perfeito. Mas eu não poderia estar chateada com ele por isso. Ele era bonito demais para se zangar. A luz do sol não parecia tocá-lo, mas quando ele estava na sombra, ele parecia esculpido em mármore frio, frio e sem falhas e brilhando como gelo. Quase doía olhar para ele, como a luz refletindo na neve até ficar ofuscante. E às vezes, quando eu o via pelo canto do olho, ele era mais do que isso. Maior do que eu podia imaginar, e quando ele se moveu, houve um farfalhar de pelos e uma sombra de chifres.

—Ele está certo. — Disse Cole, balançando a cabeça enquanto se distraía brevemente por uma borboleta que passava com asas como vitrais vivos. —Precisamos... Continuar em movimento. Estamos em perigo. Tentem se lembrar do medo.

Eu não queria ter medo, não quando era tão bonito aqui. Mas fiz o meu melhor quando Cole pegou minha mão e me puxou atrás de Gwydion. Peguei Ethan com a mão livre e o puxei. Uma corrente de margarida, como quando éramos crianças. O pensamento me fez rir, o que o fez começar.

Gwydion suspirou cansado. —Pelo menos vocês estão se movendo. Por aqui. Não se afastem. Não há sinal de seu feitiço de teletransporte aqui. Ele deve ter ido mais longe antes de lançá-lo para tentar me expulsar. Mas por que ele arriscaria isso aqui? De todos lugares?

Eu mal ouvia Gwydion e não entendia por que ele não gostava daqui. Ele fez parecer tão perigoso, mas era o lugar mais maravilhoso que eu já vi. Ao atravessarmos as árvores, pequenos pedaços de magia se revelaram entre as folhas. Uma macieira com casca de prata fina estava crescendo perto de um riacho claro, com seus galhos forrados e pesados por frutas feitas de ouro e diamante. Uma cobra com escamas de esmeralda translúcida estava pendurada nos galhos, nos observando com sábios olhos rubis escuros. Tinha uma daquelas bocas fofas de filhotes de píton que são tão adoráveis, mas Gwydion não me deixou fazer amizade com ela.

Mulheres minúsculas, que não eram mais do que meu braço, nadavam através do riacho, pulando como peixes, brilhando rosa iridescente e lavanda como o interior de uma concha, estalando seus minúsculos dentes afiados em insetos. Vi um campo de flores brancas crescer, grande como a palma da minha mão, e no centro de cada uma havia um minúsculo sino de ouro. Quando o vento soprava, eles tocavam tão docemente que Gwydion teve que gritar conosco para nos impedir de vagar neles para nos deitar e apenas ouvir. Cole sugeriu que cantássemos, o que foi uma ideia tão boa que eu o beijei por isso, e ele ficou vermelho e começou a rir e esqueceu sua sugestão até que Gwydion o lembrou, quando ele afastou Ethan de tentar mentir novamente nas flores, que eram tentando envolver tenras videiras verdes ao redor de seus sapatos, como se quisessem que ele ficasse. A única música que todos conhecíamos era Bohemian Rhapsody, e cantamos o mais alto que pudemos por insistência de Gwydion, até deixarmos o campo de flores para trás e ele nos pediu para parar. Mas continuamos esquecendo que ele nos disse para parar e começar de novo. É uma música tão boa, afinal. Nós finalmente paramos quando ele ameaçou fechar nossas bocas com mágica nos fez esconder em um arbusto enquanto uma procissão de árvores andando passava majestosamente.

Quando o desfile de árvores terminou, eu estava finalmente começando a recuperar meus sentidos um pouco, o suficiente para perceber que estávamos com problemas. Embora eu ainda estivesse flutuando e facilmente distraída, eu estava presente o suficiente para olhar para a merda ridícula que acabamos de percorrer e empalidecer com a quantidade ridícula de sério perigo em que estávamos, que eu apenas... não notei.

—Essas flores tinham dentes. — Eu sussurrei para mim mesma, olhando para um fragmento perfeito de céu azul através das folhas acima de nós.

—Finalmente começando a sair disso? — Perguntou Cole. Ainda estávamos sentados no mato. Eu não tinha notado os espinhos antes agora.

—Acho que sim. — Eu disse, esfregando a cabeça. —Mais ou menos. Jesus, eu não estive tão bêbada desde o último ano.

—É o ar aqui. — Disse Cole. —Está tão cheio de magia que você quase pode vê-la a olho nu. É por isso que tudo parece tão...

Ele fez um gesto ambíguo, mexendo os dedos ilustrativamente. Eu imaginei que entendi o ponto dele.

—Graças à lei. — Gwydion reapareceu, arrastando um Ethan tropeçando, que estava sorrindo e segurando uma das flores de sino. —Eu tinha medo que você se afastasse. Eu tive que perseguir esse idiota até o prado. Eu deveria ter deixado eles comê-lo. Eu teria todo o direito!

Ele estava parecendo mais do que um pouco esfarrapado, mesmo através da névoa mágica que o tornava tão etérea adorável.

—Desculpe. — Eu disse, levantando-me inquieta e ajudando Cole a se levantar. —Eu acho que estou começando a descer.

—Provavelmente levará Ethan mais um pouco. — Disse Cole. —Ele não está tão acostumado à magia quanto nós.

Ethan pressionou a flor do sino em minhas mãos. Peguei-a com relutância, olhando para trás como dentes de gancho voltados para os dentes que revestiam a trombeta interna.

—Eu comprei para você. — Ethan disse, e ele estava tão sério e bonito que eu quase esqueci os dentes completamente. —Eu não te dei nada ainda. Preciso te dar coisas, para que quando eu me for, você se lembre de mim.

Ele disse isso sem um pingo de arrependimento ou amargura, o que a fez doer ainda mais. Comecei a dizer algo, insistindo que não era o que iria acontecer, mas não queria estragar a felicidade dele. Eu sabia que ele tinha tido pouco o suficiente ultimamente.

—Obrigada, querido — Eu disse e o beijei. —Eu prometo que nunca, nunca vou te esquecer.

Encantado, ele me pegou e me virou, regando meu rosto em beijinhos.

—Adorável. — Disse Gwydion sarcasticamente. —Podemos seguir em frente? A trilha de Gil está ficando mais fria.

Fiz Ethan me colocar no chão e começamos a andar novamente. Definitivamente, eu ainda estava bem maluca, mas ter pelo menos um pé mais ou menos no chão tornava mais fácil apreciar as coisas realmente incríveis que estávamos vendo, além de ajudar a manter um olho em Ethan, e ocasionalmente até em Cole. Não que eu estivesse muito melhor, sendo desviada por um raio de sol que capturava o ar como se fosse um prisma, arco-íris deslizantes e brilhantes, ou um ninho de coelhos com presas e chifres, que eu percebi que um pouco tarde demais estavam sendo guardados por seus pais igualmente afiados e com chifres. Mas pelo menos agora um de nós geralmente era lúcido o suficiente para pegar o outro. Gwydion tinha um grande potencial como pastor profissional.

E então Gwydion afastou uma cortina de musgo pendurado e todos nós congelamos no lugar como se ficássemos impressionados ao ver o que havia do outro lado.

A alguns metros de distância, pastando pacificamente em uma piscina vernal, havia um unicórnio.

Era, sem exceção, a coisa mais linda que eu já vi. Eu não conseguia acreditar que alguém tivesse convencido as pessoas de que se parecesse com um cavalo. Era um tipo de ungulado, claramente, mas mais como um grande cervo em proporções, com uma cabeça um tanto parecida com uma cabra. A cauda comprida era preênsil, como a de um gato, e adornada no final com os mesmos cachos sedosos e prateados brancos da crina. Seus olhos eram impressionantes além da minha capacidade de descrever. Eles eram ao mesmo tempo profundos, escuros e infinitamente inteligentes, e também brilhavam com mil cores, queimando com a luz interior. Seu chifre brilhava com suave iridescência, como pérola ou nácar, subindo mais de um pé da testa até um ponto que brilhava como uma estrela.

—É...? — Eu sussurrei, minha voz tremendo. —É realmente-?

—Sim. — Disse Gwydion, estendendo a mão para impedir que alguém se aproximasse. —Silêncio. Fora dos tribunais, não há mais coisa perigosa neste lugar. Devemos recuar lentamente, tentar dar a volta.

—Como isso pode ser perigoso? — Eu perguntei, completamente extasiada. —É um unicórnio!

—É exatamente por isso que é perigoso. — Disse Gwydion, impaciente. —Eles são forças primordiais - o conceito de justiça dando forma. Se eles sentirem a menor sombra em seu coração, eles a esculpirão. Eles não podem ser combatidos ou fugir. Depois que decidem matá-lo, nada pode detê-los. Eles podem até matar um fae.

—Isso não parece exatamente justiça para mim. — Disse Cole, franzindo a testa. —Apenas assassinato resumido por qualquer crime? E o que exatamente eles definem como uma 'sombra' no seu coração? Isso me mataria se eu me sentisse culpado por esquecer o aniversário da minha avó?

—Não seja pedante. — Disse Gwydion, virando-se para olhá-lo. —Só estou dizendo que, se você merece morrer, eles saberão.

—Bem, isso é um pouco diferente de 'se houver uma sombra em seu coração'.

—Bem, o julgamento deles sobre quem merece morrer tende a se inclinar pesadamente para todos na minha experiência, então me perdoe por me tornar poético.

—Bem, então eles não são personificados pela Justiça. Justiça verdadeira não ignora o contexto.

Não ouvi a resposta de Gwydion porque já estava na metade da distância entre mim e o unicórnio. Ele levantou sua bela cabeça quando me aproximei, e eu não pude deixar de sorrir. Eu nem estava pensando no perigo. Tudo o que eu conseguia pensar era que esse era um unicórnio real na minha frente. Tudo o que eu sonhava quando menina, todos os livros de fantasia que eu desejava escapar, voltaram correndo para mim como um golpe no peito. Eu não percebi o quanto eu queria isso, neste exato momento, toda a minha vida. Se eu pudesse tocá-lo, apenas uma vez, morreria feliz. O unicórnio, silencioso e perfeito, virou-se lentamente para me encarar.

Ouvi vagamente Ethan começar a gritar meu nome, apenas para ser rapidamente abafado.

—Temos que fazer alguma coisa! — Cole estava dizendo. —Isso poderia matá-la!

—Se interrompermos agora — Respondeu Gwydion severamente. —Definitivamente vai.

Eu não estava com medo. Quem poderia ter medo na presença de algo assim? Ele deu dois passos lentos em minha direção, seus cascos ecoando a cada passo, apesar de andar sobre musgo macio. Eu assisti, impressionada e aberta, enquanto abaixava a cabeça, trazendo seu chifre longo e perversamente afiado ao meu peito. O ponto descansou logo acima do meu coração. De repente, pensei, como se estivesse compelida, a tudo o que recentemente senti culpa. Quando Gwydion se machucou, depois de me envolver nisso por minha causa. Colocando Cole em perigo pela mesma razão. Quando meus vizinhos encontraram o buraco no quintal onde o cachorro morto havia sido 'desenterrado por um leão da montanha', mesmo que o cachorro estivesse ressuscitado e vivendo feliz na casa da minha tia. Aprendendo que meus poderes estavam acelerando a maldição de Ethan. Quando Ethan quase foi morto me protegendo de Aethon. Na maioria das vezes eu tinha visto Ethan ultimamente, honestamente. Se não fosse por mim, ele ainda teria anos. Eu até me senti culpada por fazê-lo ficar comigo. Egoísta. Fazendo-o continuar lutando, mesmo que ele estivesse com medo e com dor só porque eu não queria perdê-lo ainda. Fazendo-o me ver flertar com os homens que eventualmente o substituiriam. Eu deveria ter recusado quando ele se ofereceu para abrir o relacionamento. Eu sabia que ele só estava fazendo isso porque ele não queria que eu estivesse sozinha. Eu deveria ter recusado ele quando ele se ofereceu para me ajudar com isso. Eu nunca deveria tê-lo colocado em perigo. Ele merecia mais que eu. Eu era uma necromante, e o que Julius dissesse, nunca seria capaz de me convencer, muito menos de mais alguém, de que era uma magia puramente inocente. Eu estava cheia de algo sombrio e mau, e não podia mudar isso.

Eu funguei, lágrimas escorrendo pelo meu rosto. Eu sabia que o unicórnio podia ver toda a minha culpa, e a vergonha me fez querer entrar em um buraco e morrer. Eu não tinha medo de que isso me matasse. Eu não estava pensando sobre isso. Eu só queria ser digna disso.

Senti algo molhado cair no meu ombro e abri os olhos. O unicórnio chorava, chorando lágrimas leitosas que se transformavam em cristal quando caíam na grama. Ele levantou o chifre do meu coração e agora encostou a cabeça na minha, como se estivesse tentando me confortar. Joguei meus braços em volta do pescoço sem um momento de hesitação e enterrei meu rosto na seda fria de sua juba. Irradiava contentamento, uma paz profunda e tranquilizadora que me assegurava que tudo ficaria bem. Não era apenas Justiça, como Gwydion pensava. Era a paz que seguia a verdadeira justiça.

—Em todos os meus anos, nunca vi isso acontecer. — Sussurrou Gwydion de onde estavam escondidos, parecendo atordoado. —Eu ouvi histórias, mas...

Respirei fundo, infundindo-me com o máximo de paz possível. A vertigem da intoxicação mágica se foi, mas eu estava feliz por isso. Eu nunca teria tido a coragem de me aproximar sem ela. Então me forcei a me afastar, embora uma grande parte de mim só quisesse seguir o unicórnio para sempre. Havia pessoas que ainda precisavam de mim aqui. E alguém que precisava disso muito mais do que eu.

—Vexa? — Ethan disse inquieto. —Você está bem?

Eu me virei para eles, sorrindo enquanto esfregava as lágrimas do meu rosto.

—Sim. — Eu disse. —Eu estou bem.

Estendi a mão para Ethan, acenando para ele avançar.

—Não faça isso. — Disse Cole. —Ela claramente perdeu a cabeça.

Ethan parecia nervoso, mas saiu de trás do mato, caminhando em nossa direção com cautela. O Unicórnio fez um barulho baixo e desapontado, como um cavalo, e se levantou um pouco, mas eu joguei meus braços em torno dele novamente, acariciando seu pescoço até que ele se acalmasse e deixasse Ethan se aproximar.

—Não tenha medo. — eu disse, pegando sua mão. —Não vai machucá-lo. Se pode chorar por mim, vai te amar.

Ethan não parecia certo, mas quando ele olhou para o Unicórnio, pude ver a admiração em seus olhos tão poderosos e profundamente enraizados quanto os meus. Eu não tinha sido a única sonhando com esse momento.

O unicórnio colocou seu chife no peito de Ethan, e vi as lágrimas nos olhos dele quase imediatamente. Ele soluçou, o ombro tremendo, enquanto revivia a culpa que o unicórnio havia trazido diante dele.

—Não olhe. — Ele implorou ao unicórnio, não a mim. —Eu não sou - eu não sou como-

Eu vi a ponta do chifre do unicórnio afundar no peito de Ethan apenas o suficiente para tirar sangue. Agarrei a mão de Ethan novamente, apertando com força.

—Seja honesto. — Insisti. —Você tem que olhar para tudo. Você tem que deixar que isso faça parte de você.

Ethan balançou a cabeça e senti um tremor de medo quando o chifre do unicórnio afundou um pouco mais fundo, com medo de ter cometido um erro. Mas não havia mais nada que eu pudesse fazer. Não havia nada que eu pudesse dizer agora. Ethan sabia que eu estava aqui, que o apoiaria, não importa o quê. O problema não estava comigo ou com mais ninguém. Era em Ethan.

O chifre afundou mais e eu agarrei a mão de Ethan, com medo de tê-lo levado à morte.

—Eu te amo. — Eu disse, a primeira vez que disse as palavras. A primeira vez que estive realmente, realmente certa de senti-las. —Ethan, eu te amo muito.

Ethan estremeceu, depois apertou minha mão.

—Tudo bem. — Disse ele, um som de aceitação cansada. —Bem.

A tensão sumiu dele, embora as lágrimas caíssem rápido e com força. O chifre do unicórnio recuou, não deixando feridas nem sangue. Deitou a cabeça ao lado da dele por um momento, antes que ele caísse de joelhos na grama. Caí ao lado dele, segurando-o perto. Ele tremia, ainda chorando muito.

—Vê? — Eu sussurrei. —Eu sabia. Eu sabia que pensaria que você é tão incrível quanto eu.

Ele soluçou, maravilhado e incrédulo em seus olhos quando olhou para o unicórnio. Mas quando ele olhou para mim, havia apenas amor em seus olhos.

—Eu também te amo, Vexa. — Disse ele. —Muito.

Ele me puxou para um beijo aos pés do unicórnio, que pressionou o nariz na têmpora de Ethan e depois na minha, antes que ele se virasse e se afastasse na sombra das árvores.

Fiquei de pé instável e puxei Ethan comigo enquanto Cole e Gwydion saíam cautelosos dos arbustos. Ethan me abraçou com força, e eu o abracei de volta, meus pensamentos ainda nos arrependimentos que o Unicórnio havia me mostrado. Não tinha falado ou compartilhado nenhuma sabedoria, mas a sensação de paz que me enchia me dava um tipo estranho de clareza, uma distância daqueles sentimentos que os tornavam mais fáceis de lidar. Eu esperava que Ethan sentisse o mesmo. Eu esperava que algo tão puro e mágico, declarando-o digno, aliviasse um pouco da dor contida dentro dele.

Cole me surpreendeu jogando os braços em volta de nós dois, a cabeça no meu ombro.

—O que eu acabei de dizer sobre fazer coisas estúpidas e perigosas? — Ele repreendeu, sua mão segurando firmemente as costas da minha camisa. Não pude deixar de sorrir com sua preocupação relutante. Ethan retornou meu sorriso, nós dois emocionalmente exaustos, mas cheios pela profunda paz do julgamento do unicórnio.

—Tenho certeza que você só me disse para não explorar fontes mágicas poderosas. — Provoquei. —Você não especificou que eu não deveria fazer nada perigoso.

Ele levantou a cabeça para me encarar.

—Você tem alguma ideia de como será inconveniente para mim se você morrer? — Ele disse.

—Bem, eu não gostaria de ser um inconveniente. — Eu disse com uma risada.

—Tarde demais. — Declarou Gwydion se aproximando de nós, colocando algo no bolso.

—Sua preocupação é comovente. — Eu disse a ele por cima da cabeça de Cole, depois coloquei um braço em volta de Cole para atraí-lo com mais segurança para o abraço, Ethan fazendo o mesmo. Cole ficou tenso sem jeito, mas não se afastou. Talvez fosse um pouco da intoxicação mágica ainda o afetando. Eu tinha certeza de que era o que ele culparia de qualquer maneira.

—Eu tenho certeza que isso faz com que vocês dois sejam dignos de serem reis da Inglaterra. — Disse Gwydion casualmente, claramente tentando entender tudo, como se eu não tivesse visto o medo dele. —Eu tenho a espada em casa, se vocês estiverem interessados.

Ethan abafou uma risada no meu ombro.

—Vou considerar. — Eu disse a Gwydion com um sorriso. Ele zombou com um arco, depois endireitou as roupas e limpou a garganta.

—Agora, realmente precisamos nos mexer. Magia assim vai atrair-

Ele foi interrompido por uma flecha acertando-o no peito.

Ele voou para trás, esparramando na grama. No mesmo momento, Cole e Ethan desabaram em ambos os lados de mim. Muito horrorizada para reagir, eu só podia ver uma fila de arqueiros emergir das árvores, flechas batendo, lideradas por um homem com barba dourada e uma coroa brilhante.

—Vocês invadiram a terra sagrada de Tir Na Nog. — Declarou o homem. —A rainha exige suas presenças.

 

 

 

Capitulo Onze


O charme que os fae costumavam colocar Ethan e Cole para dormir não funcionou em mim, provavelmente graças à jaqueta de Gwydion, então tive o prazer de ser amarrada e arrastada para as costas de um cavalo atrás do homem barbudo, algo que discordei veementemente, mas não pude fazer muita coisa. Não que eu não tentei. Convoquei todas as coisas mortas na área que pude alcançar, incluindo algum animal maciço e trêmulo que eu nem reconheci, e fui prontamente e completamente desligada com alguns gestos casuais dos fae. Eu poderia muito bem nem ter me incomodado. Eu consegui dar um tapa em alguns deles com necrose quando eles foram me amarrar e deram um bom chute, mas naquele momento, tudo que eu estava salvando era meu orgulho.

Eu assisti, doente de ansiedade, enquanto jogavam Ethan, Cole e Gwydion nas costas de seus cavalos, nem mesmo removendo a flecha de Gwydion, e nos levavam embora.

Não tínhamos andado muito tempo antes de chegarmos a um caminho verde, que logo se tornou uma estrada de terra bem trilhada e depois pavimentada um pouco mais em tijolos de pedra. A essa altura, o palácio já estava à vista.

Um imenso e reluzente edifício dourado, repleto de pináculos e filigrana, parecia algo que a Disney rejeitaria por ser exagerado demais. A vegetação caía em cascata de todas as paredes e janelas, flores quase mais comuns que o onipresente trabalho de pergaminho dourado. Era bonito, com certeza, mas não tinha nada no Unicórnio, e de qualquer maneira, eu estava ocupada sendo absolutamente irritada como o inferno.

Por fim, eles nos levaram a um enorme jardim no pátio, tão denso com plantas que dificilmente parecia haver espaço para as pessoas, cercados por todos os lados por finas colunas de mármore branco. Um maciço carvalho ficava em uma extremidade do pátio, e seu tronco fora cultivado, não esculpido, na forma de um trono elaborado, cravejado de pedras preciosas e marfim.

A mulher que estava sentada era, sem dúvida, uma rainha. Você poderia dizer que ela era uma rainha mesmo sem a coroa ou o lindo vestido dourado. Ela teria sido uma rainha completamente nua. Um lampejo daqueles olhos escuros deixaria isso claro. O fato de ela ter pelo menos o dobro da altura de qualquer outra pessoa aqui também pode ter contribuído para sua aura de superioridade real.

Sendo Rainha do Verão, eu meio que esperava uma loira, talvez uma ruiva. Mas o cabelo de Titania era o preto do solo rico, sua pele tão escura quanto uma noite de verão. Ela brilhava como o coração do sol e segurava um cajado de ouro em uma mão, que parecia ter uma estrela viva em sua cabeça de filigrana.

Fomos trazidos à sua frente, eu caminhando entre dois guardas e os outros três jogados sem cerimônia. O homem barbudo se ajoelhou para arrancar a flecha do peito de Gwydion. Assim que saiu, Gwydion acordou, tossindo e engasgando.

Lancei um rápido olhar para os homens de ambos os lados, depois chutei um na virilha e balancei os punhos amarrados para atingir a outra força total no rosto. Enquanto eles estavam cambaleando, corri para Gwydion, convocando um enxame de insetos para manter os guardas afastados enquanto eu o arrastava até nossos companheiros inconscientes.

 

—Teleporte-nos para fora! — Eu disse a Gwydion, tentando freneticamente manter os insetos mortos entre mim e os guardas, que pareciam apenas levemente aborrecidos por eles e não com pressa de me recapturar.

—Não posso. — Disse Gwydion, ainda sibilando.

—O que você quer dizer com não pode?

—Obrigada, Hern. — Titania disse graciosamente para o homem barbudo, ignorando minha tentativa de fuga completamente. —Por favor, remova o charme dos outros dois. Estou muito curiosa em saber o que os trouxe ao nosso reino.

Hern curvou-se profundamente, depois acenou com a mão e Ethan e Cole sentaram-se um momento depois, piscando em confusão.

—É o suficiente. — Disse Titania, e os insetos que eu estava controlando se transformaram em uma chuva de pétalas de flores instantaneamente, sem o menor gesto dela. Eu peguei qualquer outro poder que eu tinha e não encontrei nada. Apenas a paz prolongada do toque do unicórnio me impediu de surtar completamente. Os olhos escuros e brilhantes de Titânia voltaram-se para Gwydion, assim como os do resto da corte, que estavam quase invisíveis entre as flores do jardim, verdes e brilhantes. Pelo canto do olho, eles não pareciam humanos. Vi carapaças cambiantes e asas e olhos iridescentes cintilantes como jóias multifacetadas.

—Gwydion Greenwood. — Ela falou, e sua voz tremeu no ar e fez as flores girarem em sua direção. —Pensei em ver seu irmão ajoelhado diante de mim em uma dessas noites. Mas você não esperava. Você sempre preferiu os reinos mundanos.

Eu não precisava saber muito sobre faes para saber que isso era um insulto.

Gwydion recuperou o fôlego e lutava de joelhos. Ajudei-o tanto quanto me atrevi, com medo de tirar os olhos da rainha. Gwydion, pelo contrário, nem sequer a olhava. Ele manteve a cabeça baixa e a postura baixa.

—E ainda aqui está você. — Titania continuou. —E com um bando de humanos não menos. Que planos fascinantes você deve ter. Por favor, compartilhe-os.

—Nossa chegada aqui não foi intencional, Vossa Majestade. — Disse Gwydion, a cabeça tão baixa que seus cabelos roçaram o mosaico vidrado. —Um ladrão roubou algo meu e fugiu através de um portal. Foi por coincidência que o ladrão escolheu este lugar como destino.

—Nós dois vivemos muito tempo. — Disse Titania casualmente. —Muito tempo para acreditar na coincidência.

—Então claramente o ladrão sabia que me levar até aqui atrairia sua atenção e me impediria de seguir. — Disse Gwydion rapidamente. —Mas você deve saber que eu não voltaria a esse lugar de bom grado.

—E ainda aqui está você. — Disse Titania novamente. —E Hern, o melhor caçador da minha corte, não viu vestígios de sua pedreira. Somente você, perambulando pelo território que lhe era proibido antes do seu exílio.

—Vossa Majestade. — Disse Gwydion, e pude ver suor em sua testa. —Eu nunca tentei interferir nos seus assuntos. Mesmo antes das tolices que levaram à minha... partida. Você sabe que não tenho ambições.

—Você não tinha. — Titania confirmou casualmente. —Mas você passou mil verões entre os humanos, e quem sabe que influências tóxicas suas mentes mesquinhas podem infligir? Talvez você tente recuperar sua posição entre os Invisíveis, ganhando-lhes uma pequena vitória contra nós, nesta nossa época de supremacia?

—Não, Majestade, eu nunca...

—Você roubou o meu reino. — Disse Titania, uma onda de calor saindo do trono, o que me deixou tonta e com sede. —Sem aviso prévio em um jardim onde sua espécie sempre foi proibida, trazendo com você criaturas mortais com magia repugnante para suas almas, e você espera que eu acredite em suas intenções puras? Você me aceita como uma tola, Gwydion Greewood? Sílabas do seu verdadeiro nome - Sol à meia-noite, Espelho de Gelo, Canção de arrepio - eu poderia torcer você em mil formas e plantá-lo como uma das minhas árvores.

Enquanto ela falava, o calor aumentou até que eu mal conseguia respirar, como estar diante de uma fornalha no deserto. Gwydion se enrolou em si mesmo, a pele brilhando com suor, o cabelo mole. Eu podia ver a agonia em seu rosto e meio que esperava que ele evaporasse, um fio de vapor como um floco de neve caindo no fogo. Em vez disso, seus membros torceram e tensionaram, sua pele ficou escura, rachando em casca.

—Meu jardim pode usar uma ou duas sempre-vivas. — Disse Titania com crueldade preguiçosa.

Ethan e Cole estavam sofrendo sob o calor da mesma forma que eu, e os dois ainda estavam se recuperando da confusão do feitiço de dormir de Hern. Eu podia ver Cole se esforçando para encontrar sua mágica e não encontrando nada ao seu alcance. Ethan empurrou o Lobo para a superfície, mas a exaustão pelo calor diminuiu sua força e deixou seus dentes sem brilho e suas garras mal estendidas. Meus braços estavam em volta de Gwydion e, entre meus dedos, brotavam galhos, afiados com agulhas de pinheiro.

—Pare! — Eu exigi, com toda a força que pude reunir, o som ainda fraco dos meus pulmões sem ar. —Não foi culpa dele! Foi Gil-

De repente, o calor desapareceu e a casca desapareceu da pele de Gwydion.

—Então, foi Gilfaethwy quem voltou primeiro. — Disse Titania com um sorriso doce. —Por que você não mencionou que era seu irmão que você estava perseguindo? Eu poderia ter adivinhado. Ele sempre estava roubando seus brinquedos. Foi isso que levou você a essa confusão em primeiro lugar, não foi, querido?

Gwydion não conseguiu falar. Ele estava tremendo muito e mal conseguia se segurar. Lembrei-me com súbito medo como o que Gwydion havia dito que os Unseelie fariam com ele se ele voltasse. A Corte de Verão faria o mesmo e o torturaria para alcançar Gilfaethwy?

Lutei de pé, aproveitando a sensação de paz que o Unicórnio me deixou como se fosse uma piscina parada no meu coração.

—Gwydion não é seu para punir. — Eu disse e ouvi um murmúrio de choque e até risadas correndo pela corte reunida. Eu senti que provavelmente deveria ter me curvado ou adicionado uma 'Sua Majestade' antes de desafiar diretamente seu poder, mas era tarde demais para isso agora. —Ele não pertence ao seu tribunal.

Titania levantou uma sobrancelha escura e sorriu, divertida.

—Vejo você seguir uma nova rainha hoje em dia, Gwydion. — Disse ela, e tentei ignorar o rubor em minhas bochechas com a zombaria em seu tom. —Foi ela quem colocou o cheiro da morte em você?

Gwydion ainda não conseguia controlar as palavras. Ele agarrou o tornozelo das minhas calças com as mãos trêmulas, claramente tentando me fazer calar a boca de qualquer maneira.

—Bem, pequena rainha. — Titania disse com seu sorriso venenoso. —É verdade que não é da minha conta julgar os crimes dos quais ele originalmente fugiu. Mas ele passou por aqui, um Unseelie em Seelie pousa, e por isso tenho todo o direito da lei de exigir sua vida.

—Mas então você perderia Gilfaethwy. — Eu apontei, pensando rapidamente e puxando a primeira razão que eu consegui pensar na minha bunda. —E você nunca teria a chance de puni-lo pelo que ele fez.

Titania considerou isso, uma mão delicada em sua linda bochecha.

—Verdade. — Ela concluiu finalmente. — Mas o que me impede de poupar a morte de Gwydion? Em minha infinita misericórdia, talvez eu lhe conceda sua vida e apenas o castigue, infligindo toda tortura inteligente que minha corte possa conceber até que seu querido irmão se mostre apenas para acabar com a dor?

A mão de Gwydion apertou meu tornozelo, e o medo como água gelada em minhas veias fez o calor terrível da rainha parecer morno.

—Porque não funcionaria. — Eu disse, as palavras parecendo sair dos meus lábios antes de pensar completamente nelas. Procurei alguma justificativa para o que tinha acabado de dizer, ainda me perguntando por que o havia dito. —Ele... Gilfaethwy tem algum novo tipo de magia de proteção nele. É... provavelmente porque o seu caçador não o notou, mesmo que ele estivesse no seu território por mais tempo do que nós. Provavelmente bloqueia a conexão dele com Gwydion. Você poderia torturá-lo para sempre e Gil nunca sentiria nada.

Isso era absolutamente besteira. Eu não sabia disso. Gwydion mencionou de antemão que Gil tinha algum tipo de escudo impedindo Gwydion de usar o Vidro do Artífice nele. Era um alcance e meio afirmar que o impediria de sentir a outra metade de sua alma sendo torturada. Mas eu disse isso com tanta confiança quanto pude, olhando a rainha em seu rosto radiante, embora queimasse como se olhasse diretamente para o sol, e a vi reclinar em seu trono com uma expressão pensativa. Havia queimaduras ardentes nos braços do trono vivo onde suas mãos estiveram.

—Que pequena rainha interessante você encontrou. — Titania disse a Gwydion, que ainda estava ajoelhado aos meus pés, os dedos segurando minhas calças como se estivesse tentando rasgá-las. —Estou intrigada. É tão raro hoje em dia ver algo novo e divertido. Os humanos podem ser terrivelmente cansativos em números, mas sinto falta dos dias em que esses raros mortais excepcionais decidiram fazer algo tolo. Eles são terrivelmente estúpidos e inventivo. As mentes imortais tendem a se apegar à ideia de que já tentaram de tudo e o que não tentaram não vale o esforço. Isso as torna insuportavelmente entediantes.

—Honestamente, eu já vi essa atitude em muitos humanos. — Eu disse, um pouco tonta de estresse.

A rainha riu, um som clamoroso como sinos de metal tocando e tempestades de verão. Isso me abalou tanto que quase caí no chão ao lado de Gwydion.

—Bem, então, pequena rainha. — Disse Titania, cruzando as pernas e arrumando as saias com um segundo par de braços que eu ainda não havia notado. —Por favor, me diga como você resolveria esse problema. Estou muito curiosa para ouvir.

Engoli em seco e olhei para Gwydion, que balançava a cabeça sutilmente. Um olhar para Cole o viu também balançando a cabeça, com muito mais ênfase, e Ethan gesticulando com a mão esticada na garganta, no sinal universal de 'cale a boca antes que você morra'.

Eu decidi ignorá-los.

—Penitência. — Disse à rainha. —O castigo para nós quatro que invadimos deve ser penitência. Nós o pagaremos por nosso crime, trazendo a você alguém culpado de um crime muito maior. Vamos lá, vamos pegar Gilfaethwy e trazê-lo de volta a você para julgamento.

A boca perfeita de Titania se curvou em um sorriso largo e de dentes afiados que me fez lembrar de um gato de Cheshire.

—Que sugestão divertida. — Disse ela. A mão de Gwydion caiu da minha perna e Cole escondeu o rosto nas mãos. —Oh, já faz muito tempo desde que eu tive a chance de brincar com humanos. Outros Fae já conhecem todos os passos. Você nunca pode realmente vencer, ou apenas por centímetros. Que delícia ver alguém tropeçar diretamente em seu próprio sentido, mortes pela primeira vez. Eu nem precisei sugerir nada. Delicioso!

Meu estômago afundou aproximadamente 13 quilômetros na terra.

—Muito bem. — Disse Titania, batendo com o cetro no azulejo, que tocou como sinos. — Aceito. Vou perdoá-los pela invasão e permitir que vocês saiam, com a condição de voltar com o traidor Gilfaethwy e entregá-lo a mim. Como sou generosa, darei uma quinzena para protegê-los. Ao meio-dia daqui a duas semanas, se você não o trouxerem para mim, a penitência falhará e farei o que eu quiser com todos os quatro.

Fomos sumariamente expulsos do palácio. Sentamos na terra além de seus portões, recuperando o fôlego.

—Sua idiota. — Cole gemeu, com o rosto ainda nas mãos. —Você completa... Deus! Você nunca leu um conto de faes em sua vida?

—Eu não tive escolha! — Eu disse defensivamente. —Ela teria matado a todos nós! Pelo menos eu ganhei algum tempo.

—Ela não teria matado nenhum de nós! — Cole estalou. —Ela teria torturado Gwydion, talvez o trocado pelos Unseelie. Mas somos humanos enganados aqui por um Fae exilado que não é da sua corte. Ela não tinha poder sobre nós. Ela poderia ter tentado nos enganar para ficar ou fazer coisas de outra maneira. - difícil para nós, mas ela não poderia nos matar. Pelo menos até que você prometeu todas as nossas vidas a ela em troca de Gil!

Eu fiquei vermelha, envergonhada.

—Eu não sabia disso. — Eu disse, me sentindo uma idiota. —Fiz o melhor que pude!

—Além disso, devo lembrá-la. — Disse Gwydion em voz baixa, ainda sentado com a cabeça entre os joelhos. —Que se conseguirmos e levarmos Gilfaethwy até ela, a morte dele será minha também?

Engoli em seco.

—Ela querer Gilfaethwy mais do que você era a única alavanca que tínhamos. — Eu disse. —Nós vamos descobrir alguma coisa. Pelo menos agora temos algum tempo.

Gwydion respirou fundo, depois se levantou lentamente, oferecendo-me uma mão para meus pés também.

—Você está certa. — Disse ele, mantendo a voz muito calma, embora ele não olhasse para mim. —Não houve melhor curso de ação. Você preservou todas as nossas vidas, mesmo que por enquanto. Agora, precisamos ir e encontrar meu irmão; nesse momento, pretendo dividi-lo em dois, jogar metade no colo da rainha e levar a outra casa para viver o resto de sua vida miserável na menor e mais desconfortável gaiola que eu puder encontrar.

—É um plano. — Eu disse com um encolher de ombros. —Eu vou levar.

—Pergunta. — Ethan interrompeu. —Uh, então, primeiro de tudo... Essa era a rainha dos fae?

—Um deles, sim. — Respondeu Gwydion, relutante.

—Este lugar é de onde os fae vêm? — Ethan assumiu, gesticulando amplamente para Tir Na Nog.

—Não. — Disse Gwydion com um suspiro. —Esta é apenas a sede da Corte Seelie. Francamente, não se sabe de qual das Outras Terras os Fae emergiram, e supõe-se que o acesso a esse lugar tenha sido perdido.

—Como chegamos lá? — Ethan perguntou, ignorando as questões maiores que a declaração levantou. Repeti brevemente tudo o que havia acontecido entre Gwydion sendo alvejado e eles acordando em frente à rainha. Gwydion esfregou a flecha no ombro com uma careta como eu mencionei.

—Tudo bem. — Ele disse, balançando a cabeça. —Acho que já entendi. Mais uma pergunta. Como vamos encontrar Gil?

—Eu posso ser capaz de ajudá-los com isso.

Erguemos os olhos quando o homem de barba e a coroa de ouro, Hern, saiu dos portões do palácio ao nosso lado.

—Sua Alteza. Por que você nos ajudaria? — Gwydion perguntou sem rodeios.

—Sou o melhor caçador da Corte de Verão. — Respondeu Hern, igualmente direto. — Minha sombra na corte de inverno tem uma posição semelhante. Nenhum de nós jamais deixou escapar uma coisa que declaramos presa. Para que seu irmão tenha passado por meu território despercebido, e eu passo por sua trilha e não a sinta, é um insulto indescritível. Se minha sombra soubesse disso, a vergonha acabaria com nós dois. Devo segui-lo, pelo menos até onde ele foi em Tir Na Nog, por minha própria honra.

—Então você terá sua honra e nossa gratidão, rei Hern. — Gwydion confirmou.

—Eu também vou ter isso. — Disse Hern, apontando para mim. Meus olhos se arregalaram por um momento, antes que ele esclarecesse. —Ali, no seu casaco. No bolso. A chave que abre as portas entre os mundos.

Enfiei a mão no bolso do casaco de Gwydion e minha mão se fechou em torno de algo de madeira. Quando o tirei, ele se transformou em Cajado de Abeona. Gwydion empalideceu.

—Você não retribuirá meus esforços em seu nome com mera gratidão vazia. — Disse Hern. —Você vai me dar isso, e eu expandirei minhas áreas de caça para todos os mundos.

—Tenho outras bugigangas. — Afirmou Gwydion. —Coisas de muito mais utilidade para você do que para o pessoal. O Chifre de Caça que sua sombra perdeu na última vez que a Caçada Selvagem atravessou o reino mortal. Um sapato lançado do casco de Sleipner, que dará a qualquer montaria que a use a velocidade do rei dos cavalos.

—É esse cajado que eu quero. — Declarou Hern. —E eu terei isso ou nada.

—Então nada. — Disse Gwydion entre dentes. —E vamos encontrar Gilfaethwy por conta própria.

—Você confundiu minha oferta de caridade. — Disse Hern, frio e alto, a luz brilhando em sua coroa. —Caçarei Gilfaethwy com ou sem você. E se você me recusar, certamente o encontrarei diante de você e o devolverei à minha rainha pelos dentes dos meus cães. Aceite minha ajuda, me dê o cajado e eu lhe darei um avanço.

Até eu poderia dizer que estávamos sem opções.

—Precisamos pegá-lo. — Eu disse, interrompendo a despeito do quão ruim meu acordo foi na última vez. —Podemos dar a você depois que ele for entregue à rainha?

Hern considerou por um momento.

—Eu exigiria um vínculo. — Disse ele. —Garantia para garantir o pagamento. Um dos humanos faria.

—Não. — Eu disse imediatamente.

—Eles não seriam prejudicados. — Insistiu Hern. —E seria devolvido imediatamente após a entrega da equipe.

—Algo mais. — Eu insisti. —Nenhum humano.

—Aqui. — Gwydion enfiou a mão no casaco que eu ainda estava vestindo e tirou outra coisa, que reconheci após um breve vislumbre como o Espelho Branco e rapidamente desviou os olhos. —Isso. Você estava lá na noite do erro de Gilfaethwy. Você sabe o quanto eu o valorizo e o que significaria se fosse perdido para mim. É um seguro muito maior do que a vida de algumas espécies de pássaros como esses.

Hern pensou por um momento e depois balançou a cabeça.

—Essa coisa ofende os olhos da minha rainha. Eu não aceitaria isso por nenhum preço. É o cajado, ou nada.

Troquei um olhar com Gwydion, que rangeu os dentes e finalmente tirou o bastão de mim, entregando-o a Hern.

—O acordo está fechado. — Disse Hern, encolhendo o cajado e enfiando-o em seu gibão de ouro. — Encontrarei por qual porta Gilfaethwy saiu de Tir Na Nog e deixarei vocês para segui-lo por três noites. Quando a lua surgir na quarta noite, irei atrás dele eu mesmo. Se vocês não devolverem o traidor à rainha, então eu irei, e vocês se renderão à misericórdia da rainha como fracassos. Corram e eu os caçarei até o fim de todos os mundos.

 


Capitulo Doze


Nosso prazo foi reduzido de quinze dias para três dias e seguimos Hern, o Caçador, de volta às florestas de Tir Na Nog. Nós três já estávamos completamente sóbrios, a maravilha infantil da intoxicação mágica, fadada a uma desconfiança ansiosa de tudo o que viamos.

Hern nos emprestou cavalos para cavalgar ao lado de sua equipe de caça, em troca de três sílabas com o nome verdadeiro de um cavaleiro Unseelie que era o rival de alguém que ele gostava. Eu estava começando a aprender que segredos e favores eram a moeda corrente aqui, e absolutamente nada era dado livremente.

—O conceito de dívida é abominável para os Fae. — Explicou Cole quando mencionei isso. —Deixar uma dívida não paga é deixar outra pessoa com poder sobre você, em um sentido muito literal. Se Hern tivesse nos dado os cavalos e Gwydion não tivesse insistido em discutir como estava pagando por eles antes de aceitar, ele o faria. Deu a Hern um cheque em branco para nos deter mais tarde. Ele poderia ter exigido qualquer coisa, e Gwydion teria sido obrigado pela lei a entregá-lo. É por isso que alguns Fae ficam tão irritados se você tentar agradecê-los ou pagá-los.

—Então, o que Gwydion estava dizendo que Hern teria nossa gratidão mais cedo? — Eu perguntei.

—Foi um truque. — Disse Cole com um encolher de ombros. —Hern fez uma oferta padrão de um favor, que apenas um idiota aceitaria, mas é a abertura tradicional. Gwydion tentou interpretar a oferta de Hern como algo que Hern estava fazendo por si mesmo, não um favor que incorreria em dívida aberta ou um serviço que seria exigir pagamento, já que coincidentemente estaríamos nos beneficiando de seus esforços. Ele provavelmente passou muito tempo com seres humanos. Se Hern fosse estúpido, ele poderia ter entendido isso como um cheque em branco e aceito. Mas considerando que parece que Hern é o favorito da rainha no momento, ele provavelmente não é burro, e a implicação o insultou. Hern imediatamente esclareceu que estava oferecendo um serviço, exigiu um preço que sabia que Gwydion não gostaria de pagar e acrescentou uma ameaça em boa medida, como ele estava considerando, Hern teria tido motivos para atacá-lo pelo insulto.

—Deus, faes são uma merda. — Eu disse, esfregando a mão no rosto.

—Amém. — Ethan entrou na conversa.

As montarias de faes, pelo menos, eram extremamente bem comportadas. Eles eram um passeio mais suave do que a maioria dos carros em que eu tinha estado e não exigiam nenhuma direção de nós, o que era bom, já que apenas Ethan realmente sabia andar. Cole nunca tinha visto um cavalo de perto e ficou um pouco intimidado por toda a situação.

Passamos novamente pelo prado das flores de sino, e os cavaleiros de Hern tocaram uma música de marcha, um grande coro de vozes masculinas tão poderosas e unificadas que sacudiram as árvores e abafaram completamente o toque dos sinos. Eu não sabia dizer o que eles cantavam, as palavras derretiam no cérebro como manteiga na boca. Mas eu sabia que isso fazia meu sangue pulsar e meu coração disparar de emoção, ansioso para correr, perseguir e ser perseguida. Caçar e ser caçada. Não era a compulsão emocionante de muitas das outras influências que eu ouvi desde que estive aqui. Teria sido fácil confundir o desejo com o meu. O que, penso, só o tornou mais perigoso.

Passamos pela clareira onde vimos o Unicórnio, e vi Gwydion convocando a tela cheia de texto mágico novamente, procurando sinais de Gilfaethwy e ficando cada vez mais frustrado com o passar do tempo. Mas Hern avançou com total confiança e sem hesitação, parando apenas raramente para consultar o bando de cães excitáveis que vagavam em torno dos cascos de seu cavalo, que decolariam em uma cavalgada multicolorida de latidos animados em uma direção ou outra, e Hern faria orientar a equipe de caça para segui-los.

Finalmente, no que parecia um prado arbitrário entre as árvores, os cães começaram a latir e uivar, correndo em torno de um ponto no centro do prado.

Hern desceu do cavalo e se inclinou para tocar a grama, pensativo. Gwydion examinou sua tela mágica, os olhos disparando freneticamente, mas eu pude ver que ele não viu nada.

—Encontrei a pedreira. — Hern anunciou, endireitando-se.

—Como?— Gwydion exigiu. —Não há vestígios mágicos de Gilfaethwy em lugar algum!

—Claro que não. — Respondeu Hern. —Não acompanho a trilha dele há algum tempo.

Gwydion cuspiu em indignação.

—Sua sombra é inteligente. — Continuou Hern. —Ele colocou um pouco de sua vontade em uma corça comum. Ele vagou pelos seus negócios, criando uma pista falsa óbvia, enquanto a sua melhor e mais escondida seguiu um caminho mais direto. Vestindo a forma da mesma corça, ele foi aos gnomos e os faes de barro. Assim que soube que ele seguira naquela direção, soube o que ele planejava e nos trouxe aqui.

—Onde é aqui? — Eu perguntei, olhando em volta para a clareira normal.

—Ele não tinha ajudantes. — Reuniu Gwydion. —E ele não pôde ficar aqui por tempo suficiente para recuperar o poder de se teletransportar novamente. Ele negociou com os gnomos para lhe abrir uma porta para os Campos Escuros.

—Só assim — Hern concordou. —E provavelmente pagou um preço caro por isso. Felizmente, eu conhecia esse lugar e, portanto, não temos motivos para negociar com o povo da terra a passagem para o seu lugar ancestral.

Ele assobiou e seus cães começaram a circular novamente no centro do prado, correndo cada vez mais rápido, até que eram apenas um borrão manchado e um uivo alto e estridente.

Quando não puderam ir mais rápido, dispersaram-se de uma só vez, cada cão correndo em outra direção para queimar o momento antes de retornar a Hern, que os cumprimentou com tapinhas e guloseimas em seu alforje.

Onde eles estavam correndo, um buraco se abriu na terra.

Era o buraco mais escuro que eu já tinha visto, com as mesmas qualidades vazias sem fundo que o vazio atrás das portas no julgamento da porta demoníaca azul.

—O caminho está aberto para vocês. — Declarou Hern. —Vão em frente, e boa caça. Estarei atrás de vocês daqui a três dias, e se a presa tola permanecer nos reinos mágicos, duvido que demore mais de um dia para capturá-lo. Se ele for para na Terra, pode me levar três. Então, eu sugiro que você se apressem.

—Sua ajuda é apreciada. — Disse Gwydion, tenso. —E devidamente paga.

Hern assentiu. —Não há dívida. No entanto...

Gwydion deu um passo em direção ao buraco e parou enquanto Hern falava. Hern avançou com um belo cão de visão prateado, elegante e comprido, com finos olhos escuros.

—Eu estaria disposto a lhe emprestar um dos meus cães. — Disse ele. —Ela é mais esperta do que a maioria dos fae, mais veloz que a luz e totalmente implacável. Ela teria sua sombra em suas mandíbulas ao amanhecer. Tudo o que eu pediria em troca é um dos seus humanos. O espinhoso de cabelos escuros, talvez. Ele faria um excelente terrier.

—Não, obrigada. — Eu disse antes que Gwydion pudesse responder, não querendo arriscar. —Nós temos nosso próprio cão.

Eu dei um tapinha em Ethan com um sorriso brincalhão.

—Isso não é um cão de caça. — Respondeu Hern, sem deixar vestígios de sorriso no rosto. —Isso é um lobo. Ele não tem mestre, e qualquer homem tolo o suficiente para tentar treiná-lo logo encontraria sua garganta nos dentes. Se você perguntar a minha sabedoria, é melhor deixar um animal como esse ser deixado na natureza ou abatido.

—Sinto muito. — Eu disse alto, pegando a mão de Ethan e puxando-o em direção ao buraco. —Eu não pude ouvir seu conselho não solicitado sobre o quanto eu amo meu namorado! Tchau!

Gwydion balançou a cabeça, mas a julgar pelo fato de o mundo não ter caído ao redor dos meus ouvidos, recusar-se a reconhecer seu conselho ‘dado livremente’ provavelmente era uma boa ideia. Ele me apontou para o buraco e, vendo que não havia escada ou degraus, dei de ombros e pulei.

A escuridão passou correndo por mim, uivando em meus ouvidos. Terra fria roçou meus ombros quando eu me afastei muito de cada lado. Depois que eu cai pelo que pareceu uma eternidade (e comecei a me preocupar com a bagunça), houve um estranho movimento indutor de náusea no meu estômago e, de repente, eu estava caindo na outra direção, de cabeça primeiro.

Eu me esforcei para me endireitar, perdendo completamente a noção de cima e para baixo, preocupada de cair do mesmo buraco no colo de Hern.

Em vez disso, caí de pé em terra dura e negra.

Ethan pousou ao meu lado, tendo caído do nada e parecendo muito confuso. Cole o seguiu e, um segundo depois, Gwydion pousou também.

Enquanto isso, eu estava olhando em choque para o terreno ao nosso redor.

Dizer que era montanhoso era fazer um desserviço às montanhas. Havia picos irregulares, mas eles tinham pouco em comum com as montanhas da Terra, que eram majestosas erupções de pedra envoltas em vegetação e neve. Esses... tumultos de solo negro pareciam ter mais em comum com a sujeira agitada após uma extensa construção. E não havia nada verde. Nenhuma árvore morta ou erva murcha até onde os olhos podiam ver. A terra parecia explodida, queimada e atropelada por um trator. O céu era de um laranja sombrio desbotando para um vermelho feio da cor da pele rasgada. Não consegui encontrar o sol.

—Os Campos Escuros. — Gwydion nos apresentou antes que pudéssemos começar a fazer perguntas. —Lar dos anões. Muitos dos Fae que vivem no solo ou sob o solo consideram que este foi seu lar ancestral até que, de acordo com a tradição oral e precisamente nenhum registro em primeira mão ou evidência física, a indústria furiosa dos anões que habitam profundezas queimaram a superfície da vida e afastaram todas elas, o que provavelmente é uma invenção destinada a distingui-las do resto da corte que, como eu disse antes, perdeu toda a memória de nosso reino nativo há tanto tempo que nem as rainhas se lembram disso.

—Isso aconteceu antes de serem coroados? — Eu perguntei.

—Possivelmente.

—Então, a rainha não governa para sempre?

Gwydion me deu um olhar estranho antes de responder.

—Em teoria. Todos os Fae são imortais, mas nós não somos Verdadeiros Imortais. Os Verdadeiros Imortais não podem realmente ser mortos de nenhuma maneira. Os Imortais regulares simplesmente requerem circunstâncias específicas e, muitas vezes, encontram o caminho de volta à vida, independentemente através das fileiras da corte, o número de vulnerabilidades que temos se torna cada vez menor. A realeza logo abaixo dos monarcas reinantes é invulnerável a quase tudo, exceto profecias, heróis e uns aos outros. As rainhas reinantes e seus reis caídos estavam acima mesmo assim, voltando mesmo depois de serem mortos por Heróis, ou um pelo outro. Mas o problema com Oberon e Morozko deixou alguns se perguntando se talvez as circunstâncias para matar um monarca fossem simplesmente mais específicas do que pensávamos. Se os monarcas não são eternos, como é feito um monarca? Nunca houve outras rainhas além de Mab e Titânia. Nenhum rei além de Morozko e Oberon. Não na memória viva. Histórias antigas que mencionam coroações e casamentos reais. Até crianças. O que implica que as coisas nem sempre foram como são. E com a perda dos reis, elas podem mudar novamente.

Eu não esperava uma resposta tão extensa e não tinha certeza do que fazer com ela, além de aceitar que Gwydion realmente gostava do som de sua própria voz.

—Então, por que Gil veio aqui? — Cole perguntou, chutando uma pedra, que derrapou na encosta em que estávamos em uma pequena cascata de cinzas e sujeira enegrecida.

—Considerando que ele parece ter vindo aqui deliberadamente, não apenas em uma tentativa contínua de nos jogar fora — Disse Gwydion, caminhando ao longo da encosta, — Presumo que ele esteja aqui para ver os anões. O que colocou uma idéia muito desagradável na minha cabeça.

—O que é? — Eu perguntei enquanto o seguíamos.

—O vidro do meu artífice é feito pelos anões. — Disse Gwydion, sombrio.

Isso não me explicou nada, mas por mais que Gwydion gostasse de se ouvir falar, ele gostava mais de drama. Ele não deu mais detalhes enquanto caminhávamos pela terra queimada.

—Deveria haver uma porta aqui perto. — Disse ele, olhando as encostas ásperas à frente.

—Por que o túnel nos deixou aqui? — Eu perguntei. —Estou assumindo que os anões estão todos no subsolo, certo?

—Correto. — Confirmou Gwydion. —Mas nenhuma mágica, exceto a mágica dos anões, funciona abaixo do solo aqui. Há mágica no ar. Você pode lançar tudo o que gosta acima do solo. Mas sob a terra, ela é apagada como uma vela. Os anões aprenderam a bombear a magia da superfície, batendo-a em uma forma sólida e criando magníficas ferramentas e encantamentos. Dizem que eles inventaram todo o conceito de encantamento. Mas nenhuma mágica ou magia natural funcionará em seus corredores.

—Isso é preocupante. — Murmurei. Curiosamente, procurei qualquer coisa morta que pudesse usar, mas não havia nada dentro do alcance. Tudo o que havia morrido aqui havia morrido há tanto tempo que não havia mais vestígios, nem mesmo ossos. O próprio planeta era uma grande coisa morta, e eu tinha certeza que nem Aethon tinha poder suficiente para aumentar.

Mas logo chegamos a uma porta de pedra indefinida, situada em uma colina em ruínas e coberta de cinzas. Gwydion bateu com força e sentou-se na terra.

—Sente-se. — Ele aconselhou. —Vai demorar um pouco. Eles precisam subir. Essas portas não são usadas com frequência.

—Você tem certeza que eles ouviram? — Eu perguntei, sentando-me.

—Oh, certamente. — Confirmou Gwydion, recostando-se na colina e fechando os olhos. —Estamos pisando no telhado. Eles sabem que estamos aqui. O importante é nos anunciar como convidados, em vez de intrusos. A lei dos anões não é como a lei dos Fae, mas eu tenho um pouco de compreensão disso.

Então nós esperamos. Depois de toda pressa e estresse, parecia estranho estar esperando. Isso me deixou inquieta e com coceira. Cole e Ethan pareciam ansiosos também.

Eu assisti o céu, supondo que fosse pôr do sol e seria noite em breve. Mas as cores não mudaram e a luz não desapareceu, o que me deixou desconfortável.

—Podemos dar ao luxo de esperar assim? — Eu perguntei. —Temos apenas três dias.

—Menos que isso. — Respondeu Gwydion. —O tempo se move de maneira diferente aqui em Tir Na Nog. Os anões minaram o sol, você vê. Então, tudo fica parado. Enquanto isso, o tempo relativo dos outros reinos corre sem ele. Provavelmente já perdemos meio dia, A oferta de Hern de três dias foi uma piada cruel. Estou apenas esperando que os anões nos deixem entrar antes que ele chegue. Hern tentará atacar com todos os seus cães, e os anões o matarão ou o jogarão no mínimo e possivelmente nos comprar algum tempo.

Eu olhei para Gwydion quando o horror tomou conta de mim. Ethan e Cole estavam prestando atenção agora também.

—Por que você não disse algo sobre o tempo antes? — Eu disse, lutando contra o desejo de sacudi-lo. —Não podemos ficar sentados aqui! Precisamos fazer alguma coisa!

Eu pulei de pé, tentando encontrar uma maneira de abrir a porta. Ethan apenas apoiou a cabeça nos joelhos. Cole levantou-se para me ajudar com a porta, embora ele se movesse mais devagar.

Em sua defesa, Gwydion pelo menos pareceu um pouco surpreso com a minha angústia.

—Eu pensei que já tinha explicado que conceitos como tempo não funcionam da mesma forma nas Outras Terras. — Disse ele com uma careta. —Você não entendeu?

—Claramente, não o entendemos. — Respondeu Cole por mim. —Ficamos com a impressão aparentemente equivocada de que realmente tivemos uma chance.

Gwydion suspirou e se levantou, me puxando gentilmente para longe da porta. Eu considerei fortemente dar um soco nele, mas algo em sua expressão me fez hesitar.

—Ainda temos uma chance. — Disse ele, me olhando nos olhos. Eu não tinha percebido o quão raramente ele fazia isso antes agora. —É menos tempo do que pensávamos, mas não é uma sentença de morte. E agora, nossa melhor opção é apenas ser paciente. Não há mais nada que possamos fazer.

Sentei-me de novo, passando as mãos pelos cabelos enquanto minha cabeça latejava com uma dor de cabeça tensa que se formava desde antes de aterrissarmos em Tir Na Nog.

—Isso é culpa minha. — Eu gemi. —Eu nunca deveria ter tentado falar com a rainha. Eu não deveria ter parado para acariciar o unicórnio. Eu não deveria ter te distraído para que Gil pudesse escapar em primeiro lugar. Eu nunca deveria ter tocado aquela vela estúpida...

—Isso é bastante presunçoso da sua parte. — Zombou Gwydion, o que não era a reação que eu esperava. Ele se sentou ao meu lado enquanto eu esperava que ele elaborasse. —Com o que eu quero dizer, acredito que você está inflando bastante sua própria importância nessas coisas. Tenho quase certeza de que tudo teria acontecido mais ou menos da mesma maneira. Estou certo de que nossa posição seria realmente pior se você tivesse não divertisse a rainha. Eu certamente não estava em posição de barganhar, e você nos comprou tempo, o que não é pouca coisa e muitas vezes tudo o que realmente pode ser feito. Hern ainda nos pegaria, mesmo que não parássemos para o unicórnio, e acredito que sem a influência dele, você não seria capaz de enfrentar a rainha. Quanto a Gil e a vela, bem, essas duas coisas foram totalmente minha culpa.

—Eu me perder em sua casa e tropeçar em um de seus artefatos não foi sua culpa. — Protestei.

—Eu discordo. — Disse Gwydion calmamente. —Eu poderia ter avisado você sobre os perigos em minha casa. Eu poderia ter levado você a um lugar confortável para esperar e lhe dito para não vagar. Eu poderia ter te libertado da porta e depois retornado às minhas responsabilidades. Mas, como em expondo você à vela, optei por não, porque queria ver o que aconteceria. O que, embora seja uma razão compreensível para a maioria das fae, é uma desculpa ruim para os humanos.

—Gil disse a mesma coisa sobre a maldição de Ethan. — Lembrei. —Ele tinha que ver o que aconteceria.

—É uma compulsão dos fae. — Disse Gwydion com um encolher de ombros. —Mas não inegável. Eu poderia ter resistido ao desejo. Que eu não fiz isso não é culpa de ninguém, mas é minha.

—Eu também poderia ter resistido. — Apontei. —Eu não tinha que pegar a vela. Eu não tinha que vagar em sua casa estúpida. Eu não tinha que aceitar sua... oferta, no jantar.

—Então, qualquer culpa que você carregue é diminuída pelo fato de você não ter ideia do que estava fazendo, e eu fiz.

Eu bufei de frustração.

—Eu definitivamente sabia o que estava fazendo no jantar. — Eu disse. —Eu sabia que ninguém estava de olho em Gil.

—Você supôs que eu não o teria deixado se não tivesse certeza de que ele estava seguro. — Disse Gwydion com um encolher de ombros. —E nós dois estávamos um pouco frustrados e distraídos, se bem me lembro. Se você era um pouco ingênua em acreditar que eu poderia confiar, isso dificilmente é um crime.

—Por que você não deixa isso ser minha culpa? — Eu perguntei, agitação crescente. Gwydion me encarou com um olhar curioso.

—Por que você quer que seja sua culpa?

Recostei-me, mal percebendo que estava de pé novamente.

—Eu não sei. — Eu disse, passando a mão pelo meu cabelo novamente. Eu o endireitei na manhã em que saímos da casa da minha tia, há quanto tempo isso era agora, mas entre o mergulho em Costa Distante e toda a volta, estava ficando completamente encaracolado novamente e rígido com água salgada. —Problemas de controle, provavelmente.

—Você parece ter aqueles em espadas.

—Sim, estou começando a descobrir isso.

Ele colocou a mão no meu ombro, o gesto um pouco rígido, mas eu poderia dizer que ele estava tentando me confortar.

—Por que você está sendo legal comigo? — Eu perguntei. Pensando bem, durante todo o caminho em Tir Na Nog, ele tinha sido extraordinariamente atencioso. Para ele de qualquer maneira.

—Você salvou minha vida. — Ressaltou. —De uma maneira bastante fantástica.

—Você realmente teria morrido? — Eu apontei. Ele encolheu os ombros.

—Quem pode dizer? Afogar-me não é tipicamente uma das maneiras pelas quais eu posso morrer. Mas a Costa Distante é um lugar estranho. A morte se aproxima da superfície. A imortalidade é um pouco mais porosa do que o habitual. E eu estava com pouca mágica. Pode ter certeza de que eu ficaria inconsciente por muito mais tempo do que você precisaria morrer de fome ou sede ou ficar desesperada o suficiente para tentar usar o bastão, destruindo assim as moléculas. Eu teria acabado sozinho, à deriva em coma, e adivinhar o que poderia acontecer então, em um lugar como Costa Distante, só pode ser especulação infundada.

—Então, você me deve? — Eu perguntei, franzindo a testa. —Cole mencionou que vocês odeiam isso.

Gwydion desviou o olhar, os olhos examinando a paisagem árida e torturada.

—Não é tão simples. — Disse ele por fim, quieto como este planeta silencioso. —Existe uma dívida. Mas eu não me ressinto. Existem alguns grilhões que até usamos de bom grado.

Percebendo que havia algo que ele não estava me dizendo, fiquei quieta e esperei que ele gostasse de se ouvir falar para tirá-lo melhor. Mas ele não disse mais nada. Abri minha boca para induzi-lo, apenas para ser interrompida pelo raspar de pedra quando a porta na cidade de Dwarven se abriu.

 

 

 

 

 

 

 

 


Capitulo Treze


O anão não se parecia com o que eu esperava.

Eu havia antecipado algo parecido com o que as pessoas com nanismo eram na Terra. Curto e atarracado, provavelmente com barbas. Que fantasia havia me dito que os anões se pareciam a vida toda.

O anão na minha frente, no entanto, parecia algo entre um texugo e uma toupeira de nariz estrelado.

Era curto, mais ou menos um metro e oitenta, e coberto por um denso pelo cinza. Seu pelo afinava até um subpelo mais elegante, perto do delicado órgão sensorial rosa no centro de seu rosto pontudo e sem olhos, e nas costas de suas patas dianteiras, equipadas com garras longas e perversamente curvas. Seu 'nariz' se contorcia de forma independente, de uma maneira fascinante e também um pouco nauseante de assistir. Usava um avental de couro e nada mais. Andava um pouco inclinado para a frente, como se preferisse andar de quatro.

—Você tem sorte de eu ainda estar tão perto da superfície. — Disse o anão com uma voz surpreendentemente genial enquanto nos conduzia para os túneis de terra apagados. —O forte da Primeira Vigia fica a uma curta caminhada de distância desta porta normalmente. Mas eu tive que deixar algum outro idiota dominado pelo sol entrar em menos de meio turno atrás.

Gwydion tirou um pequeno acessório encantado de seu casaco, que parecia o tipo de bolas de cristal que eu imaginava antes. Ele sussurrou uma palavra e brilhou o suficiente para iluminar vagamente o nosso caminho. Pela fraca luz empoeirada da mariposa, trocamos um olhar significativo.

—Onde ele foi? — Eu perguntei. —O idiota do sol, quero dizer.

—Não perguntei. — Disse o anão com um encolher de ombros. —Ele já alcançou a Primeira Vigilância a essa altura e eles o enviarão para onde ele pretender ir.

—Você não estava curioso? — Eu perguntei. —Quero dizer, pessoas de outros mundos vêm aqui com tanta frequência?

—Eu imagino que ele ficou agradecido por sair do sol! — O anão riu. Seu focinho comprido estava cheio de dentes afiados e finos, e ele não se virou nem olhou para nós quando falou. Provavelmente devido à falta de olhos. —Eu não consigo entender por que vocês correm por mundos que ainda os possuem. Mineramos o nosso e a luz ainda é insuportável.

Pensei em perguntar como ele poderia dizer, considerando que ele não tinha olhos, mas decidi que poderia ser rude.

—Acho que é exatamente com o que estamos acostumados. — Disse diplomaticamente. —Nascer lá em cima e tudo.

—Bem, está tudo bem. — Disse o anão com um tom distinto de pena. —As portas da Cidade Baixa estão abertas a todas as pobres massas queimadas pelo sol. Temos espaço suficiente para todos, e sempre há trabalho a ser feito. Eu imagino que vocês todos acabarão aqui eventualmente, uma vez que se espalhe a notícia de que há uma alternativa para viver na superfície. Em que trabalho você espera ser colocado?

—Uh, nós não somos-

—Você nunca conseguirá um emprego em engenharia, então não se preocupe. Nenhum anão que valha a bigode confiaria em um túnel construído por um da superfície. Você simplesmente não tem o menor sentido, sem ofensa. Ouço que algumas da superfícies fazem encantadores decentes, mas não há mobilidade para isso, mas posso dizer bem ao capataz da mina Fernfossil, se quiser, encontrar um bom trabalho sólido no transporte de solo e valorizados. Limpe o solo por apenas algumas décadas e você pode abrir sua própria empresa.

—Na verdade, não estamos procurando trabalho. — Eu disse rapidamente antes que o anão pudesse continuar falando. —Estamos apenas tentando encontrar o homem que veio aqui mais cedo. Então vamos embora.

Isso realmente fez o anão parar.

—Por que diabos você quer fazer isso? — Ele perguntou. —Agora que você sabe como é adorável, fresco e escuro aqui em baixo? — Comecei a explicar, mas ele me dispensou com um aceno de suas longas garras. —Você mudará sua música quando vir a cidade. Melhor construção em todos os mundos.

O anão parecia um pouco ofendido e não falou muito mais enquanto continuávamos descendo o túnel.

Um turno, ao que parece, durou cerca de quatro horas, e a Primeira Vigilância estava a um turno da porta. Enquanto caminhávamos, o túnel mudou lentamente de terra nua para terra empacotada com pedra, pedra esculpida e tijolo fino. Havia uma ênfase definida na função sobre a forma, pelo menos pelo que podíamos ver pela luz fraca de Gwydion, mas ao mesmo tempo, os corredores eram amplos, confortáveis e bem conservados. Não estávamos tropeçando em tijolos soltos, e o ar estava relativamente fresco. O único problema era a falta de fontes de luz.

Ainda assim, já estávamos há um tempo antes de chegarmos aqui. Ethan e Cole haviam conseguido algumas horas de descanso na casa de Gwydion (e eu tinha comida possivelmente encantada e sexo possivelmente mágico), mas isso não compensava as horas que passávamos por reinos mágicos sem nem mesmo uma pausa para o almoço. Estávamos todos começando a parecer bastante irregulares.

Os confortáveis túneis anões apresentavam bancos e fontes regulares de pedra esculpida, trazendo água fria da nascente mais para baixo, mas nosso guia parou para usá-los menos da metade com a frequência que gostaríamos que ele usasse e, em geral, não parecia se cansar. Ele andava devagar, falando apenas ocasionalmente para comentar sobre o tipo ou a qualidade da pedra que estávamos passando.

—Há muita diversidade nesses túneis! — Ele alegou. —É mais eficiente usar pedra local sempre que possível, em vez de transportar tijolos de mais fundo. Então, você ver todos os tipos de técnicas inteligentes usadas para tirar proveito da pedra menos do que a ideal, mantendo tudo dentro dos altos padrões da Código do engenheiro. Pegue este gesso, por exemplo...

Ele continuou assim por um tempo. Aprendi depois de uma ou duas dessas palestras que ele só se ofendia se eu tentasse contribuir com a conversa. Então, todos ouvimos em silêncio, aprendendo mais sobre geologia do que qualquer um de nós jamais se interessou em saber.

Finalmente, a Primeira Vigilância apareceu. Com o que quero dizer, o túnel terminava em um par de portas pesadas, que os Anões introduziram como forte, com grande orgulho. Depois das portas, era um pouco mais impressionante. As portas se abriram para uma ampla calçada, que serpenteava para baixo e para longe de nós, ao redor dos lados de um grande caldeirão. Era iluminado pela primeira vez por uma enorme esfera presa em anéis de latão pendurados no teto, que brilhavam com o que parecia ser a luz do sol.

—Uhg. — O anão fez uma careta. —Sinto muito por isso. Desvantagem de morar em qualquer um dos Fortes. O superintendente do Anel insiste em manter os turnos claros onde essas malditas lanternas estão acesas. Muitos da superfícies vivem nos fortes. Aparentemente, isso ajuda a se adaptar.

As paredes da cratera afundada estavam abarrotadas de prédios esculpidos, seu tamanho e estilo eram extremamente regulares e eficientes, sem perda de espaço. Olhando para baixo, o Forte parecia uma cidade pequena, cheia de vida, nem toda idêntica ao Anão ao nosso lado. Quando ele nos levou para o Forte, um carrinho passou por duas criaturas humanóides do tamanho de anões, que pareciam ser feitas de pedra bruta. Eles eram tão sem olhos quanto os anões e nos ignoraram completamente. Ethan, distraído olhando de soslaio para a lanterna, esbarrou em um deles. Ele se desculpou profusamente, mas não notaram ou reconheceram a colisão ou o pedido de desculpas, apenas se endireitaram e continuaran.

—Não se preocupe. — Disse o anão. —Os Construtos não estão vivos. Eles são apenas material de sucata encantado que usamos para tarefas domésticas ou trabalhos muito perigosos para arriscar os Anões.

—Oh. — Ethan disse, cuidando do carrinho em retirada com uma expressão preocupada. —Eles não podem... sentir as coisas, podem?

—Claro que não. — Zombou o anão. —Eles são feitos de pedra. Sem terminações nervosas, sem cérebros para pensamentos complexos. Se não lhes disserem para sair durante um desmoronamento, eles simplesmente ficarão lá e se deixarão enterrados. Os roteiristas precisam escrever tudo. Seus comportamentos no papel e assados quando são feitos, e eles não podem fazer nada que não esteja nesse papel, a menos que você os abra e adicione novos comportamentos. Eles estão apenas movendo ferramentas, amigo. Você não vai perguntar a uma broca se ela tem sentimentos só porque acontece, não é?

—Não, mas uma broca não tem o formato de uma pessoa. — Disse Ethan defensivamente. O anão deu de ombros.

—É uma forma eficiente. Versátil. E é o que construímos para todas as portas para caberem.

Um ponto decente.

—E se alguém escrevesse um comportamento como 'estar vivo' ou 'pensar com identidade' ou algo em seu papel? — Eu perguntei curiosa.

—Você acha que eles não tentaram isso logo? — O anão riu. —Alguns dos roteiristas particularmente excêntricos ainda estão tentando. Mas você não pode usar um martelo para um balde e não pode fazer uma pedra pensar que é uma pessoa.

Ainda assim, finalmente chegamos a um tópico de conversa sobre o qual eu não conseguia ofender o sujeito que estava falando, então conversamos sobre as tentativas fracassadas do roteirista de fazer um constructo vivo (parecia haver duas grandes escolas de pensamento sobre o assunto, um escrevendo comportamentos muito amplos abertos à interpretação e o outro escrevendo listas cada vez mais específicas e detalhadas de todas as minúcias da vida - mais os maçons radicais que pensavam que a resposta era esculpir os cérebros dos Construtos, que geralmente eram considerados malucos) até o fundo do forte. O forte era realmente muito bom. Eu não sabia o suficiente sobre arquitetura para apreciar a qualidade da construção, e qualquer floreio artístico tendia a ser tátil ou até auditivo, então não havia muito o que olhar. Mas os anões claramente tinham talento para o planejamento da cidade. Tudo era eficiente, limpo, fácil de navegar, provavelmente bem rotulado, embora eu não pudesse ler a sinalização anã e, como no túnel da porta da frente, sempre havia muitos lugares para sentar e uma fonte quando você queria uma. Havia até canteiros de flores e espaços verdes, embora fossem baseados em fungos e musgos.

—Agora, é provável que seu amigo tenha ido até o escritório de refugiados. — Disse o anão, apontando para um prédio com uma placa complexa em anão ilegível. —Ele precisaria de um passe de trem para deixar o forte. Eles deveriam poder lhe dizer para onde ele foi.

Dissemos adeus ao nosso guia que, apesar de tudo, tinha sido bastante gentil, e seguimos para o Escritório de Refugiados.

Era um prédio pequeno e eficiente, com assentos confortáveis e um anão amigável na recepção, que ficou encantado em nos ver, pois raramente viam mais de um ou dois refugiados em um dia. Fiz uma tentativa inútil de garantir que não éramos refugiados e não planejávamos ficar. Eles apenas nos garantiram que mudaríamos de ideia e nos deram nossos pacotes de orientação, que incluíam o passe de trem que nosso guia havia mencionado - um pedaço fino de lata ou alumínio duro, talvez com nossos nomes, espécies e portão de entrada. Após algumas discussões, o escrivão também cedeu e nos disse para onde Gil havia ido.

—Ele foi para a cidade central, para o palácio antigo. — Explicou o anão. —Alegou que ele tinha negócios urgentes com o rei. Queria saber se havia uma linha expressa.

—Existe? — Eu disse, meu coração batendo mais rápido, mesmo com um pouco de progresso. O anão fez um gesto ambivalente.

—Se você pegar o trem daqui até a mina de Limespire no segundo anel e depois transferir para a Linha R, ela para no distrito histórico do governo. Mas você precisará de autorização de turismo em seus cartões de trem. Gostamos de ficar de olho em o movimento de novos cidadãos, apenas por precaução. Depois de uma década ou mais, você poderá se mover livremente entre os anéis, como qualquer cidadão.

—Você pode nos dar isso? — Eu disse impaciente. —Autorização de turismo? Precisamos ver o rei também.

—Bem, eu posso. — Disse o anão, hesitante. —Mas vocês tem certeza de que é isso que você querem? Quero dizer, é apenas que não tenho certeza de que seu amigo sabia exatamente o que estava fazendo. Ele parecia pensar que o rei poderia ajudá-lo com alguma coisa, mas, bem, somos parlamentares. Monarquia. O rei é um velho simpático e todos nós o amamos, mas não é como se ele realmente tomasse alguma decisão. Se ele quisesse conversar com a União dos Engenheiros, talvez, ou o Parlamento dos Superintendentes, até o nosso capataz local...

O anão parou sem esperança.

—Sim, ele é um idiota. — Eu concordei imediatamente. —Também não sabemos o que ele está planejando. É por isso que precisamos alcançá-lo o mais rápido possível e impedi-lo de fazer algo estúpido.

O anão da mesa suspirou e pegou nossas cartas de trem de volta, usando um dispositivo que parecia um furador pesado para carimbar um quadrado estriado no canto de cada uma de nossas cartas, o que aparentemente nos deu permissão para turismo.

Sem perder tempo, seguimos apressadamente na direção em que o recepcionista nos dissera que poderíamos encontrar a estação de trem. No meio do caminho, a mudança brilhante terminou, e a enorme luz da lanterna desapareceu quando grossas cortinas de metal foram desenhadas em torno dela. Gwydion pegou seu pequeno globo de luz novamente e navegamos pela cidade no semi-escuro. Ocasionalmente, víamos outros não-anões, outros refugiados, cuidando de seus negócios à luz de dispositivos mágicos como os de Gwydion ou lâmpadas que pareciam ser versões em miniatura da lanterna. Não havia muitos, e quase nenhum deles era remotamente humanoide.

Felizmente, o trem não estava muito cheio, mas a maioria dos outros passageiros era anão, que nos deu olhares curiosos ao encontrarmos lugares frente a frente.

—Finalmente desistiram do sol, hein? — Um perguntou alto e amigável. Eu apenas sorri e assenti.

—Você não vai se arrepender! — o anão me assegurou.

Eu não tinha certeza do que pensar dos anões. Eles certamente eram amigáveis. E avançados, para uma espécie de fantasia que vivia no subsolo em outro universo. Eles tinham transporte público (a viagem de trem era o cheiro mais suave e agradável que eu já havia experimentado) e, de acordo com o pacote de orientação, assistência médica gratuita. Mas havia algo apenas um pouco fora da coisa toda. Talvez não fosse familiar, ou porque eles insistiam que eu não iria querer sair.

 


Capitulo Quatorze


O trem não tinha janelas, sendo os passageiros quase todos cegos. Mas havia um mapa de rotas na parede ao lado de nossos assentos. Era estrutural, destinado a ser lido pelo toque e não pela visão, mas pelo que pude decifrar, a Cidade Baixa era essencialmente uma versão maior e invertida da forma de cratera do Primeira Vigilância. Anéis de assentamentos subiam e desciam, ficando cada vez maiores. Estávamos indo em direção a um ponto próximo ao fundo, onde os anéis se tornavam menos distintos, ondulando em milhares de pequenos desvios e galhos que não estavam, presumivelmente, na linha de trem. O que eles eram, eu não poderia dizer.

Trocamos de trem no que parecia ser o equivalente a Grande Central, pulando na linha R. O R acabava por significar ‘áspero’, a textura usada para diferenciá-lo nos mapas. Havia uma linha suave, uma linha irregular e uma linha afiada...

Eu gostaria de poder apreciar as cidades e estruturas pelas quais estávamos passando. Mas estava escuro demais para ver qualquer coisa. As coisas só ficaram mais confusas quando chegamos ao distrito histórico do governo, que tinha avenidas amplas e elegantes e altos e belos edifícios, que nos fizeram sentir perdidos no escuro em um plano interminável de paralelepípedos até nos depararmos com uma fachada elaboradamente curvada. Curiosamente, também tínhamos visto menos anões quanto mais fundo chegávamos à cidade. Um local falador que pedimos orientações em Limespire havia dito que quase todo mundo estava trabalhando em projetos de expansão à margem. O que significava que, além de estarmos perdidos no escuro, estávamos perdidos em uma cidade estranhamente vazia e silenciosa no escuro.

—Já tive o suficiente dessa merda. — Disse Ethan. Ele parecia um pouco desconfortável desde que entramos no túnel. Eu estava começando a pensar que ele poderia ser um pouco claustrofóbico.

—Porra mesmo. — Cole concordou. —Não podemos ter mais luz, pelo menos?

—A menos que um de vocês tenha pensado em trazer uma lanterna. — Disse Gwydion, um pouco mal-humorado. Também não achei que ele estivesse gostando disso. Ou talvez estivesse apenas sendo separado de sua magia que ele não apreciava.

—Temos que estar perto do Palácio Antigo, certo? — Eu perguntei, olhando de soslaio para o mapa que um anão prestativo nos havia dado, que era obviamente todo em textura e, portanto, quase inútil. —Acho que foi a fonte em que quase caí foi a do lado de fora do antigo prédio parlamentar. Se continuarmos em frente-

—Você estão perdidos, amigos? — Alguém gritou inaceitavelmente longe. Mas, novamente, os anões tinham uma audição muito melhor que os humanos. Talvez a distância aceitável para a comunicação gritada fosse diferente para eles.

Fomos em direção à voz até a luz de Gwydion iluminar um anão em armadura elaborada e, eu esperava, cerimonial.

—Estamos procurando o palácio antigo. — Eu disse. —Somos visitantes da superfície e precisamos falar com seu rei.

—Por que? — O anão perguntou, parecendo confuso. —Se é importante o suficiente para trazê-los até aqui, seria melhor conversar com o Parlamento dos Superintendentes.

—Não, nós definitivamente precisamos conversar com o rei. — Eu disse, exausta de ter essa conversa.

—Bem, este é o palácio antigo. — Disse o anão. —Eu vou mostrar, e vocês podem conversar com alguém sobre uma audiência, se o velho não estiver cochilando. — O anão, que imaginei ser algum tipo de guarda do palácio, riu com carinho. —Você sabe que ele dormiu um ano inteiro? Tivemos uma festa fantástica quando ele acordou.

O interior era tão vasto e escuro quanto o exterior, embora tenhamos caminhado sobre mármore macio e acetinado, em vez de pedras. Estávamos andando entre vários anões de importância indeterminada, a maioria dos quais nunca vimos bem, antes de finalmente chegarmos a alguém que, presumivelmente, tinha autoridade para decidir se poderíamos ver o rei.

—Sinto muito. — Disseram eles, invisíveis fora do alcance da luz do outro lado da ampla mesa. —Mas vocês entendem por que não podemos permitir que qualquer da superfície aleatório se encontre cara a cara com o rei. Talvez se vocês fizerem uma petição por escrito-

—Este não é um da superfície qualquer. — Interrompeu Gwydion, parecendo profundamente irritado. —Você não tem capacidade de sentir mágica? Esta é a herdeira do príncipe Tzarnavaras, uma rainha por direito próprio, afilhada da morte.

Houve um momento de silêncio do outro lado da mesa, então uma mão com garras disparou para agarrar a minha onde repousava sobre a mesa. Não forte o suficiente para machucar, mas o suficiente para me assustar. Eu podia sentir algo contra a minha magia, vagando como mãos curiosas. Levei a chama da vela para frente rapidamente, concentrando-me tanto que por um momento sua luz irradiou através da minha pele e lançou um brilho azul no rosto chocado do anão.

—Oh, oh meu Deus! — O anão disse assustado. —Eu não sabia que você estava visitando a realeza! Disseram-me que eram refugiados.

—Ninguém perguntou. — Eu disse, brincando, enquanto puxava minha mão. —Meus consortes e eu somos tratados como meros imigrantes desde que chegamos. Como se você não acreditasse em ninguém, a não ser um anão, poderia ser importante!

—Isso não é - nunca pretendemos sugerir -— O anão balbuciou.

—Tenho certeza de que não. — Gwydion cortou-os bruscamente. —Mas talvez você deva permitir à rainha sua visita real antes de causar um incidente internacional.

Ele seguiu isso com algumas manobras de mão, mostrando ao anão alguns 'documentos reais', que eu tinha quase certeza de que eram cupons que recebemos em nosso pacote de orientação para o ‘Buffet de comidas exóticas do Digger Dan, a mais autêntica culinária da superfícies do Fort do Anel!’

E então, finalmente, estávamos diante das portas da sala do trono. Eu assumi que elas eram grandes e impressionantes. Eu só podia vê-las um canto minúsculo de cada vez pela luz fraca do orbe de Gwydion.

—Alguém mais acha que essa é uma má ideia? — Ethan sussurrou. Eu estava inclinada a concordar, mas era tarde demais para voltar agora. As portas se abriram e entramos para encontrar o rei.

A sala do trono era grande e escura como breu. A escuridão parecia próxima e quase sólida, grossa como o solo. A luz da esfera de Gwydion penetrou apenas alguns centímetros à nossa volta. Ficamos amontoados no minúsculo círculo de luz, sentindo-nos decididamente não-reais quando um anão nos anunciou como —Sua Majestade, a Rainha Noturna da antiga Constantinopla da Antiga Linha de Tzarnavaras e seus Consortes.

—Vossa Majestade. — Disse o Anão, voltando-se para nós, o brilho de seus pelos quase invisível à luz. —Apresento o Raiz da Montanha, nascido em pedra, cujos dentes esculpiram as primeiras cavernas, que sangraram as primeiras veias de ferro, arquiteto da cidade e capataz dos capatazes, o pai-anão de toda a nossa espécie e rei de tudo o que habita embaixo.

Percebi que não havia nome próprio entre todos esses títulos. Mas o anão recuou e a porta se fechou atrás de nós, deixando-nos sozinhos no escuro. Se o rei estava lá conosco, não sentíamos sinal dele.

—Olá? — Chamei experimentalmente, minha voz ecoando na vasta sala.

—Você pode fazer isso mais brilhante? — Cole perguntou, cutucando o orbe de Gwydion. Gwydion olhou para mim e, quando assenti, ele deu de ombros e a luz ficou mais forte, afastando a escuridão ao nosso redor. Vimos iluminar as esculturas delicadas e intrincadas no chão, as complexidades sutis e elaboradas das paredes, coisas que só podiam ser apreciadas pelo toque, não pela vista. E no final da sala, vimos um monte de terra escura que chegava até o teto, como se a parede dos fundos tivesse simplesmente desabado.

E então, quando a luz de Gwydion a tocou, o monte começou a se mover.

Não havia... palavras para descrever o arquiteto. Em um momento, sob um ângulo de luz, a terra parecia atraí-lo, uma construção como a que vimos trabalhando por toda a cidade. Por outro ângulo, vi a carne branca brilhante de um verme maciço. Por outro, o pelo e as garras de uma toupeira. Por outro, um homem, ou o cadáver de um homem, meio enterrado, nos observando com olhos de poço.

—Fora. — Ele falou, sua voz como uma trituração de placas tectônicas e o barulho de terra. —Fora, maldita luz, e fiquem quietos.

Gwydion apagou o orbe imediatamente, salvando-nos da terrível imagem em constante mudança do arquiteto.

—Aquele Sol, como uma erva daninha no meu jardim, eu não levantei nem engoli e permito que sua queima sufoque na vastidão de Mim. Mesmo agora, fragmentos de seu brilho odioso assaltam-me. Que brotos tenros empurram suas raízes rasas na minha presença, ainda quente com luz amarga?

Não via meus companheiros para saber se estavam com medo ou planejando alguma coisa. Eu me atrapalhei na escuridão e peguei as duas mãos, apertando-as para me tranquilizar. Um deles era notavelmente legal e quase definitivamente a de Gwydion. A outra, calejada e me segurando frouxamente, à beira de se afastar, era provavelmente Cole.

—Perdoe nossa perturbação, arquiteto. — Gwydion falou à minha esquerda. —Nós procuramos um criminoso. Meu irmão roubou algo meu e o trouxe aqui. Buscamos apenas sua orientação na captura dele e sua paciência enquanto o perseguimos em seu reino.

Houve um som baixo e estridente como um terremoto, que poderia ter sido uma risada.

—Como a tolice vem em três. — Disse o arquiteto. —Assim, a roda gira como sempre e traz para mim os mesmos rostos novamente. As estações mudam, mas uma estação mais estranha do que já foi vista sobe como uma estrela murcha, antecipando o sol. O que foi bem-sucedido neste novo discurso no lugar daquele eixo de duas faces que já foi o ponto de apoio de todos os nossos ciclos incessantes? Melhores perguntas, pequenos brotos.

Eu esperava que Gwydion entendesse um pouco disso, porque certamente não. Eu sempre estive mais interessada em Poe do que em Shakespeare.

—Perdoe-me, Majestade. — Empurrou Gwydion. —Mas minha sombra, meu irmão, veio aqui? Ele trouxe alguma coisa para você? Você sabe onde ele foi?

—O meu é um pátio de sombras, erva daninha. — Falou o arquiteto, o humor desaparecendo de sua voz. —Eu sou o rei das profundezas primitivas, às quais nenhuma luz jamais tocará. Tua cintilação de velas sombreia arte como grãos de areia no plano infinito do oceano.

—Minhas desculpas, Vossa Majestade. — Disse Gwydion rapidamente.

—Ei, ele veio aqui ou não? — Cole gritou impaciente, apertando minha mão. —Eu vi suas profundezas primitivas e, aos meus olhos de da superfície de merda, não é mais escuro que este quarto. Não estou tão impressionado.

Houve um longo silêncio em que eu esperei o pior. Mas, finalmente, aquela risada baixa do terremoto encheu a sala novamente.

—As pequenas coisas verdes e crescentes. — O Arquiteto falou quase melancolicamente. —Em que séculos eu enrolei suas raízes e enfrentei a luz para comer sua suavidade? Esse tempo já passou, e quando essas raízes profundas amarraram e quebraram as pedras, também minha coroa ficou presa em suas garras. Aquela sombra veio, tu sementes desamparadas, tiras de dente-de-leão. E trouxe com ele uma preciosa lasca de nossa força antiga. Mas a veia se partiu. Os rios profundos o agarraram em sua corrente, cravaram unhas em minha obra-prima e chamaram isso de sua. Esses erros da noite para a escuridão e procuram sobreviver a todos os sóis, por qualquer meio profano.

—O que isso significa? — Ethan perguntou.

—Isso significa que ele não está aqui. — Resumiu Cole.

—Mas ele estava. — Acrescentou Gwydion. —Ele foi ao Parlamento. Ou foi levado para lá.

—Filho da puta. — Eu murmurei. —Eles continuaram nos dizendo-

—Outra questão. — O rei murmurou, e a sala tremeu. Ele estava se mexendo? —Os portões da cidade estão escancarados e muita coisa é esquecida. Mas a lei antiga ainda permanece. Teu irmão é ladrão entre ladrões. Dívida é devida, erva daninha.

A mão de Gwydion apertou a minha.

—Não foi roubado. — Disse ele rapidamente. —O Vidro foi adquirido legalmente. A Marcha dos Magos o comprou dos Anões ao preço de dez mil escravos e das três jóias de Nimüe -

—Não houve compra. — Falou o arquiteto, inexorável como um deslizamento de terra. —Os anões não reconhecem esse conceito. Todas as coisas feitas pelos anões são de propriedade dos anões, até o fim de tudo. Eu estava lá! Vi-o colocado nessas mãos enganosas! Emprestado antes da duração de sua linhagem, que morreu não cem anos depois, mas o que era nosso não foi devolvido como deveria ter sido. Foi roubado, escondido! Negociado entre ladrões até que aterrisse em tuas mãos gananciosas. E ainda assim a dívida poderia ter sido perdoada se você, que sabia o que segurava, houvesse devolvido o que foi roubado. Mas você o guardou entre seu tesouro, seu pequeno dragão. E busque agora mesmo recuperar o que nunca foi seu!

Gwydion estava tremendo. Eu podia sentir os tremores em sua mão, distintos dos tremores na terra, quando algo inimaginavelmente maciço se moveu no outro extremo da sala.

—A dívida é devida. E, por lei, aceitarei apenas o preço do sangue, o preço da carne, uma libra por ano que for retida. Diga-me, erva, quanto pesa?

Eu já ouvi o suficiente. Peguei o orbe da outra mão de Gwydion e coloquei meu poder nele. Brilhou à vida com a luz azul do fogo. O Arquiteto pairava sobre nós como uma onda prestes a colidir, um dragão e um inseto e um gigante de cem braços, antigo além de todos os tempos e tão inevitável quanto a terra ao nosso redor.

Mas ele recuou da luz, uivando como se o queimasse.

—Fora! — Ele berrou. —Maldita luz! Eu terei! Sufocarei toda luz dentro de mim! Vou engolir todo sol e toda chama de vela até que eu receba escuridão!

Ele se agitou, bobinas terríveis quebrando as paredes e nos cobrindo de terra. Peguei Ethan e corri, Cole e Gwydion logo atrás de mim.

Nós batemos em um anão quando saímos, que soltou um grito estridente e penetrante. Ele ecoou por todo o palácio e além dele, um coro de gritos que eu sabia que não significava nada de bom para nós.

Coloquei mais luz no orbe e corri pela passagem aberta mais próxima. Eu me revezava ao acaso, avançando em qualquer direção que parecesse oposta ao som dos terríveis gritos.

—Você nunca vai fugir deles aqui. — Disse Gwydion enquanto corríamos. —Eles podem sentir cada passo que damos. Eles conhecem este lugar melhor do que você conhece sua casa de infância.

—Então o que vamos fazer? — Eu perguntei. —Nunca voltaremos à superfície sem a ajuda deles!

Gwydion não parecia ter uma resposta.

No lampejo da luz selvagem, Ethan mudou para sua forma de lobo.

—Subam. — Ele disse, com as roupas presas nas mandíbulas. —Eles podem sentir nossos passos, certo? Então talvez isso os jogue fora.

—Vale a pena tentar. — Concordou Gwydion, e eu gritei quando ele me pegou nos braços. Cole, parecendo muito inseguro, subiu nas costas de Ethan. —Silêncio agora. Eles podem ouvir nossas vozes tão bem quanto nossos passos.

Então, em total silêncio, corremos mais fundo no infinito escuro das minas dos Anões. Corremos sem plano ou direção. Quando encontramos Anões ou Construtos, tudo o que podíamos fazer era correr na outra direção. Eu nunca me senti tão perdida e desamparada. Eu não tive tanto medo do escuro desde criança.

Eventualmente, fomos fundo o suficiente para que os anões nos perseguissem diminuíssem e desaparecessem. Ficamos com medo deles alcançando a esperança desesperada de que, em algum lugar nos túneis intermináveis da Cidade Baixa, encontrássemos algum caminho de volta à superfície.


Capitulo Quinze


Os túneis ao nosso redor ficaram mais duros à medida que avançávamos. Foram-se os bancos e as fontes, depois os tijolos e até as colunas e suspensórios. Corremos por túneis sinuosos não refinados, que cresciam e se encolhiam como cavernas naturais, como se tivessem sido recentemente escavados na rocha e na terra. Às vezes, tropeçamos em trilhos de metal e ouvimos o estrondo distante das carroças. Uma passou por nós, sem tripulação, do tamanho de uma minivan, carregada de pedra e minério e voltando na direção em que viemos. Quando outra, quase vazio e indo para o outro lado, passou rapidamente, eu mal precisava trocar um olhar com os outros antes de pegá-la e subir a bordo. Ele nos levou mais fundo, seu poder magnético não diminuído pelo peso adicional de três humanos e um lobo do tamanho de um urso. Ethan recuou entre os tijolos de pedra empilhados no fundo do carrinho e lutou para se vestir novamente, mordendo reclamações quando a pedra raspou e cutucou sua pele nua.

Bem, não estávamos dando nenhum passo agora. Se alguma coisa os jogaria fora de nossa trilha, eu esperava que isso acontecesse.

À luz do orbe, Gwydion olhou de soslaio para o mapa a partir dos nossos pacotes de orientação. Ele foi o único de nós que conseguiu segurar o dele, enfiado nos bolsos aparentemente sem fundo da jaqueta.

—Estamos muito no fundo. — Ele sussurrou. —Mais profundo do que eu acho que qualquer não-anão já foi. Estes são novos túneis. Acredito que deixamos o último desenvolvimento documentado neste mapa há algum tempo.

—Então, provavelmente não há muita chance de encontrar uma saída aqui embaixo, existe? — Eu perguntei sombriamente.

—Uma saída de ar, talvez. — Considerou Gwydion, esfregando o queixo enquanto olhava o mapa. —Mas... Não, seriam vários dias de subida vertical. Nós nunca conseguiríamos. Poderíamos encontrar um desses carrinhos voltando para o Forte do Anel.

—Mas então teríamos que lidar com os anões novamente. — Apontei. Gwydion apertou os lábios e ficou em silêncio, olhando fixamente para o mapa como se ele simplesmente parecesse tempo suficiente para a solução se revelar. Troquei olhares com Cole. Estávamos sujos e cansados. Ethan, sempre exausto pela mudança, parecia quase cochilando.

—Eu conheço algumas... pessoas. — Cole ofereceu em voz baixa. —Pessoas para quem eu poderia chamar.

—Não. — Disse Gwydion com firmeza e imediatamente. —Mesmo se você pudesse conseguir que os rituais funcionassem neste lugar, trazer algo assim aqui seria condenar a nós e a todos os outros neste poço odioso.

—Eu posso lidar com eles. — Disse Cole defensivamente. —Eu tenho lidado com eles há anos.

—Ou então eles deixaram você pensar. — Gwydion retrucou. —Por mais insidiosos que os Fae possam ser, por mais cruéis, nossas motivações raramente são mais que egoísmo e tédio. As coisas de que você fala são infinitamente pacientes e infinitamente maliciosas. Eles não querem. Eles não querem. Eles não podem ser persuadidos. Eles têm apenas um objetivo, e uma inteligência focada apenas em alcançá-lo. A única maneira de vencer essas coisas é não jogar, nunca entrar nelas e rezar para que elas nunca notem você. Eu posso prometer a você o que você já sofreu com sua associação com eles, você sofrerá pior antes do final.

—Tudo bem, Jesus. — Cole levantou as mãos para parar a palestra de Gwydion. —Foi apenas uma sugestão. Melhor do que morrer aqui ou ser rasgado em pedaços pelo rei.

—Não. — Disse Gwydion, com os olhos escuros com uma gravidade terrível. —Confie em mim. Qualquer morte que os Anões possam inventar seria muito preferível.

O carrinho deu um pulo, atingindo algum solavanco na pista e, de repente, havia luz acima de nós, tão brilhante após a escuridão sem fim que meus olhos doíam, embora ainda estivesse relativamente escuro. Confusa, levantei-me para espiar por cima da borda do carrinho.

A pista havia entrado em uma caverna enorme, grande como um estádio. A luz que eu vi vinha de canais brilhantes de magma que atravessavam a caverna em canais esculpidos para esse fim. Pesada e lenta, escorria em direção a uma estrutura central, algum tipo de forno feito de enormes pedras negras, cada uma sozinha provavelmente do tamanho de um trailer de largura dupla. Em toda a base do forno, em uma plataforma preta, enormes Construtos, cada um com pelo menos dois metros de altura e feitos de retalhos de pedra, lama e metal, continuavam trabalhando. A fornalha fundia minério alimentado por carrinhos como o que estávamos, e o Construtos tirava-os das torneiras e os moldava com as mãos com precisão impecável, martelando-os com seus punhos enormes em bigornas do tamanho de carros.

Construtos menores enchiam o resto da caverna, tendendo o fluxo de magma, carregando e descarregando carrinhos, expandindo a caverna com picaretas e pás e carregando as peças que os Construtos maiores terminavam em direção a algo atrás do forno. Quando a trilha, que corria perto do topo da caverna, curvava-se ao redor da vasta sala, o que eles estavam construindo apareceu.

Fazia um calor escaldante, mesmo de onde estávamos. Preocupei-me por um momento que estávamos indo para o forno, mas a pista estava inclinando para baixo e para longe. Levando ao andar onde os Construtos estava terminando de descarregar suprimentos de outro carrinho. O carrinho à frente dele estava sendo carregado com sucata e minério da constante expansão, para ser enviado de volta a uma pista paralela à que nos levara até aqui, que provavelmente retornaria a quem estava fornecendo.

—O que é essa coisa? — Ethan perguntou, olhando para o anel enorme e limpando o suor da testa.

—Não tenho certeza. — Respondeu Gwydion com uma carranca, também espiando por cima da borda. —Seja o que for, é terrivelmente complicado. Olhe para os encantamentos.

Eu não tinha olhado tão de perto antes, mas agora que treinei minha visão mágica sobre ele, pude ver que ele estava rastejando com a magia mais complexa que já vi. Eu não acho que nada que eu tenha visto na coleção de Gwydion possa se comparar à escala completa dele. Era como se alguém tivesse construído o Empire State Building com sementes de gergelim individuais. Cada centímetro quadrado estava cheio de um feitiço de imenso poder. Se você removesse a matéria física da roda, a magia que a compunha ainda seria densa demais para ver através dela. Fiquei espantada, quase feliz. Eu nunca tinha visto algo tão incrível. Queria tocá-lo tanto que podia prová-lo, cavar aqueles feitiços, desmontá-los e juntá-los novamente até que eu os entendesse. Era tão glorioso para mim quanto ver o Grand Canyon pela primeira vez ou entrar na Capela Sistina. Que trabalho fenomenal, que forças titânicas, o vasto escopo de esforço, planejamento e trabalho... Sentindo-me um pouco tonta, sentei-me novamente.

—Você já viu algo assim? — Eu perguntei a Gwydion, atordoada.

—Uma vez, talvez duas vezes na minha vida. — Respondeu Gwydion, e pude ver que ele estava igualmente deslumbrado. —Mas comparar essas obras-primas seria um insulto a todas elas. Isso é arte.

—Mas para que serve? — Cole perguntou impaciente. Gwydion e eu batemos nele com o mesmo olhar sujo.

—Filisteu. — Murmurou Gwydion.

—Uh, pessoal, acho que vamos parar em breve? — Ethan nos avisou.

—Merda. — Eu murmurei e corri para um dos tijolos, pronta para me defender. Os outros três ficaram tensos também, e o carrinho parou por fim.

Um Construto com a face de um geodo rachado inclinava-se sobre a borda do carrinho. Eu gritei, me afastando para atingi-lo com o tijolo, mas ele apenas arrancou o tijolo da minha mão e se afastou. Outras construções também passaram por nós no carrinho, erguendo tijolos como se nem nos vissem. Ou, mais precisamente, como se simplesmente não importássemos.

—Eles não estão programados para lidar com intrusos, eu acho. — Disse Cole.

Lentamente, saímos do carrinho, tentando não nos queimar no metal quente e desconfiados de qualquer mudança no comportamento dos Construtos, mas eles nem sequer olhavam para nós.

—Acho que não estamos em perigo imediato, então? — Dei de ombros quando saímos do caminho do trabalho do Construto e puxei minha camisa, de repente desejando não estar tão comprometida em usar todo preto. —Exceto por esse calor, Deus, está muito quente!

Gwydion colocou a mão no meu ombro e eu imediatamente me senti mais fria.

—Fique perto. — Ele recomendou. —Eu posso manter o pior dele à distância. Além disso, se você ficar a meio metro de qualquer um desse magma, você pegará fogo.

—Oh, doce, Gwydion é um Ar Condicionado portátil. — Ethan disse alegremente, batendo as mãos nas costas de Gwydion e suspirando de alívio. Cole fez uma careta, mas colocou um dedo no ombro de Gwydion experimentalmente.

—Oh, droga. — Ele murmurou, parecendo surpreso. —Isso é realmente legal.

Quando nós três nos aproximamos, Gwydion parecia ter acabado de morder um limão.

—Então, o que fazemos? — Ethan perguntou, abraçando Gwydion por trás, o queixo no topo da cabeça do outro homem.

—Descobrir um caminho de volta à superfície. — Disse Cole com um encolher de ombros, de onde estava pressionado contra o lado esquerdo de Gwydion. Eu estava moldada para o lado direito dele, e nós dois colocamos as mãos sob a camisa dele para ter acesso mais direto às propriedades de resfriamento de sua pele. Fiquei chocada que Gwydion estivesse tolerando isso, mas não estava disposto a dizer nada.

—Eu gostaria que ainda tivéssemos esse cajado estúpido. — Eu disse frustrada. —Não há outra maneira de sair desses poços na cidade, certo?

—Não sem o segundo cajado. — Gwydion suspirou, os braços cruzados sobre o peito. —E sem os dois, você só ficaria presa lá - e você pararia com isso imediatamente ?!

Ele deu um tapa nas mãos de Cole, que subiam pelas costelas.

—O que você tem cócegas? — Cole perguntou com um sorriso perverso.

—Vou jogá-lo na lava. — Disse Gwydion sem uma pitada de humor. —Não me teste.

—Ok, então nossa única opção é lutar contra o exército de anões? — Eu disse, mudando de assunto rapidamente. —Porque sem mágica, isso não parece uma luta que provavelmente venceremos. Além disso, muitos deles pareciam pessoas normais?

—E essas coisas? — Cole perguntou, gesticulando para os Construtos. —Você disse que pode mudar os comandos deles se você os abrir, certo? E se nós mudarmos um monte deles para fazê-los nos proteger, então eles apenas nos escoltam para fora?

—Não sei se é uma boa ideia. — Disse Gwydion, franzindo a testa. —Você precisaria abri-los para acessar seus papéis e descobrir como alterar os comandos...

—Vale a pena tentar, certo? — Disse Cole. —Melhor que nada?

Gwydion fez um barulho inseguro, mas Cole se afastou dele e se aproximou do Construto com a face do geodo.

—Ethan, me ajude a disputar esse cara.

Ethan relutantemente soltou Gwydion e ajudou Cole a conter o Construto. Não parecia incomodado por ser contido. Apenas continuou tentando seguir na direção que tinha estado, ignorando Cole e Ethan.

Cole deixou Ethan segurá-lo por um momento enquanto procurava ao redor, pegando uma das picaretas que os Construtos estavam usando para expandir a caverna.

—Tudo bem, vamos abrir esse garoto mau. — Disse ele. Ethan ajustou seu aperto no Construto para sair do caminho, subitamente parecendo inseguro.

—Uh, eu não sei disso. — Disse ele. —Quero dizer, você não pode simplesmente acertar o pobre coitado com uma picareta. E se você o matar?

—Não posso matá-lo, não está vivo. — Disse Cole, impaciente. —Apenas fique quieto para não perder!

—Oh, isso vai acabar muito mal. — Disse Gwydion com severa certeza. Eu estava inclinada a concordar, mas também estávamos sem outras ideias.

—Um. — Disse Cole, levantando a picareta como um taco de beisebol. —Dois...

Ethan segurou o Construto o mais longe possível dele, fechando os olhos.

—Três!

Cole girou para as cercas e bateu a picareta no peito do Construto com um estalo alto de pedra.

Instantaneamente, todos os Construtos da caverna pararam, largaram o que estavam fazendo e viraram em nossa direção.

—Sim, lá vai. — Gwydion gritou, agarrando minha mão. —Corram!

Ethan lançou o Construto que ele estava segurando, que instantaneamente se virou e balançou um punho de pedra em sua cabeça. Cole bateu com a picareta, espalhando a cabeça do geodo, mas isso mal pareceu desacelerar. Enquanto isso, todos os outros Construtos da caverna estavam indo para lá com intenção assassina. Gwydion e eu reservamos, e Ethan e Cole, ainda segurando a picareta, correram atrás de nós, gritando palavrões.

—Lá! — Eu gritei, apontando um carrinho de partida, começando a aumentar a velocidade antes da subida em direção à trilha perto do teto da caverna. Gwydion deu dois passos limitados e pulou no carrinho com uma graça desumana, estragada apenas pela dança desajeitada e embaralhada que ele tinha que fazer para colocar o pé no topo do minério empilhado dentro do carrinho. Assim que ele estava estável, ele se virou e agarrou minha mão estendida, me balançando ao lado dele. Nós dois estendemos a mão para Ethan, arrastando-o a bordo, depois para Cole, ficando logo atrás, perseguido por uma horda de Construções assustadoramente silenciosas e sedentas de sangue.

—Largue a picareta, idiota! — Eu gritei.

Amaldiçoando alto, ele jogou de volta para os Construtos, tirando um pedaço do ombro de uma criatura de pedra sem muito efeito. Um pouco mais leve, ele correu os últimos degraus, e nós o agarramos, arrastando-o para o carrinho apenas um segundo antes de começar a disparar para cima e todos nós tivemos que nos esforçar para reestabelecer nosso equilíbrio.

Os Construtos subiram atrás de nós, silenciosos e implacáveis, e tentaram nos pegar no minuto em que o carrinho parou ou diminuiu a velocidade. O único anão perto do ringue havia nos notado agora e estava gritando ordens furiosas contra os Construtos, presumivelmente reafirmando suas ordens para matar a merda de nós.

—Destrua-os! — O anão gritou. —Não os deixe perto do portal!

—Trabalho fantástico, idiota. — Disse Gwydion, dando a Cole um olhar assassino. —Isso definitivamente ajudou!

—Como eu deveria saber que eles se tornariam todos assassinos? — Cole gritou defensivamente.

—Talvez usando um pouco de bom senso pela primeira vez na vida!

—Eu não vi você correndo para me parar, imbecil! Ou sugerindo idéias melhores!

—Calem-se! — Eu gritei para os dois. —Este carrinho está indo para o forno!

Isso chamou a atenção de ambos rapidamente. Em nossa pressa de pegar um carrinho de fuga, escolhemos um dos que enviava minério até a forja. Em apenas alguns minutos, seríamos jogados diretamente em um tanque maciço de metal fundido superaquecido.

—Filho da puta. — Cole disse calmamente.

Procurei um pouco fora do carrinho, meu coração disparado. A trilha atrás do carrinho fervilhava com Construtores assassinos. À frente, havia apenas o forno e uma queda de duzentos pés de cada lado.

—Estamos fodidos. — Eu disse, nem um pouco articulada.

—Nós definitivamente vamos morrer. — Ethan concordou, nós dois um pouco atordoados para reagir adequadamente à nossa morte horrível iminente.

—Foda-se. — Declarou Cole. Então ele me agarrou pelos ombros e me arrastou para um beijo áspero e apaixonado, tão abrupto e poderoso que eu mal consegui responder. Talvez fosse porque estávamos prestes a morrer, mas ele beijou com desespero, uma fome frenética e ardente, que eu nunca havia experimentado, o que fez meu coração disparar e minha adrenalina disparar. Então, de uma só vez, ele me soltou, deixando minha boca machucada e desolada. No mesmo movimento, ele puxou Ethan pela camisa e o beijou também, com a mesma intensidade empolgante. Vi os olhos de Ethan se arregalarem, e então senti a repentina onda de poder de sua maldição. Cole deve ter sentido isso também, porque ele empurrou Ethan para longe, agarrou minha mão e pulou para fora do carrinho. Gwydion hesitou apenas um momento, encarando Ethan quando o lobisomem se dobrou, uivando, mudando mais rapidamente do que eu já o vira mudar voluntariamente. Então ele pulou também.

Cole agarrou a beira da pista suspensa, flutuando no ar. Eu me esforcei para pular, quase perdi o controle, e só o recuperei quando Cole me pegou, me segurando até que eu estivesse segura, Gwydion pendurado no outro lado dele.

Acima de nós, Ethan - não, o Lobo - uivou quando saltou do carrinho um segundo antes de jogá-lo na forja.

O Lobo apenas se assemelhava tangencialmente à forma normal de lobo de Ethan, que era quadrúpede e muito parecida com um lobo normal, embora muito grande. O Lobo era algo de um filme de terror. Maciço, bípede, cheio de pelos escuros e grossos sobre músculos poderosos e pesados. Ele se ergueu em toda sua altura, o peito largo arfava e fixou seus terríveis olhos amarelos em nós, cheios de um ódio que consumia tudo. Estávamos completamente expostos aqui. Mal teria que nos tocar para nos enviar despencando para nossas mortes.

Felizmente, foi rapidamente distraído pelo enxame de Construtores assassinos. Os homens de pedra se jogaram no Lobo sem consideração por suas vidas. Eles o golpearam com golpes esmagadores feitos por punhos como blocos de concreto, e isso apenas os jogou para o lado, enviando-os voando da ponte para quebrar no chão abaixo. O Lobo rasgou a multidão de Construtos como se não fossem nada, reduzindo-os a escombros com um golpe de suas garras terríveis. Ele avançou pela pista, derrubando Construtos como pinos de boliche. Depois que tivemos algum espaço entre nós e o Lobo, Gwydion se arrastou de volta para o parapeito e me puxou atrás dele. Eu me virei para ajudar Cole, embora meus braços estivessem queimando por tanto tempo pendurados.

—Temos que sair daqui. — Eu disse, agarrando-me a Cole enquanto observava o Lobo abrir caminho através de Construto após Construto. —Agora!

—Como? — Perguntou Cole. —Outro carrinho?

—Não. — Disse Gwydion, apontando para o volante. —Nós vamos usar isso.

—O anão chamou de portal. — Eu disse, entendendo. —Onde quer que leve, provavelmente é melhor do que aqui!

Cole parecia inseguro, mas levantou as mãos.

—Foda-se, vale a pena tentar! — Ele disse.

Corremos pelos trilhos do carrinho, a uma distância segura atrás do massacre que o Lobo estava causando, até podermos pular, deslizando pela parede até o fundo da caverna.

Os Construtos estavam todos ocupados com o Lobo. A única coisa entre nós e o portal era o anão. Ele brandiu seu livro de pedra para nós com as mãos trêmulas.

—Este é o trabalho da minha vida! — Ele declarou. —Eu não vou deixar você hooligans destruí-lo!

—Você projetou isso? — Eu perguntei, cheio de súbita admiração e um milhão de perguntas.

—Senhor. — Disse Gwydion, cortando-me. —Você é sem dúvida o maior encantador desta época e um dos melhores que já ouvi em todos os reinos. Tenho imenso respeito por você, e é por isso que será uma tremenda vergonha se eu tivesse que te espancar até a morte agora, porque você não sairá do caminho.

Ele pegou uma pá de algum lugar, que o anão estava olhando agora, sua expressão em algum lugar entre orgulho e medo lisonjeados.

—Para o inferno. — Disse o anão. —Eu sempre odiei trabalhar para comissão.

Ele saiu do caminho.

Havia algum tipo de painel de controle perto de onde o Anão estava sentado, e eu o agarrei, olhando para os controles, completamente perdida.

—Como nós controlamos isso? — Eu perguntei, procurando ao redor do anão, mas ele já estava fazendo trilhas para o túnel mais próximo.

—Não precisamos controlá-lo. — Insistiu Cole. —Apenas ligue! Qualquer lugar é melhor do que aqui!

Eu apertei alguns botões, puxei algumas alavancas, mas nada aconteceu. A pedra angular e todos os painéis estavam no lugar, mas não havia reação. Cole lambeu os lábios.

—Vexa. — Ele disse. —Lembra da coisa que eu disse para você nunca mais fazer?

—Coisas estúpidas que colocam minha vida em perigo?

—Mais especificamente.

—Explorar fontes de energia universais primárias?

—Sim.

Gwydion e eu demos a Cole um olhar arregalado.

—Você realmente acha que isso vai funcionar? — Gwydion perguntou.

Cole olhou para onde o Lobo estava rapidamente ficando sem Construtos para destruir. Os grandes da forja tinham andado lentamente com pés pesados de bigorna e finalmente estavam brigando de verdade, mas nem eles durariam muito. O Lobo parecia ser tão indestrutível quanto furioso.

—Acho que não temos muitas outras opções. — Respondeu Cole. —Apenas despeje o máximo de energia possível e espere o melhor!

Eu acho que essa foi a lógica mais sólida que eu poderia esperar.

—Foda-se. — Eu disse, ecoando o sentimento anterior de Cole. —Aqui vai tudo!

Fechei os olhos, alcançando o lugar profundo dentro de mim, onde minha conexão com a vela estava ancorada. Eu sabia o que esperar agora, e apenas hesitei um momento com a lembrança fraca de quanto isso doeu da última vez, antes de pegar o fogo e me sentir em chamas.

Cole e Gwydion saltaram para longe quando o fogo me cercou. O poder correu através de mim como uma represa quebrando, como um raio, e eu agarrei no painel de controle para me aterrar.

A energia rasgou através de mim enquanto passava, deixando-me irregular de uma maneira que era mais espiritual do que física. Mas enquanto olhava através dos meus olhos ardentes, vi o anel começar a se mover, girando, componentes flutuando e se movendo independentemente, à medida que os feitiços queimavam.

Essa bela máquina deveria ter criado um portal igualmente bonito, algo absolutamente perfeito, não apenas estável, mas permanente, um ponto fixo fora do tempo que unia duas realidades. O que eu o forcei a produzir, incompleto e inexpertemente pilotado, foi uma bagunça, crepitando com o desperdício de energia, desequilibrado e desmoronando mesmo quando começou a abrir. Mas estava aberto.

Gwydion me agarrou, me arrastou para longe do console. Eu podia senti-lo sugando o poder, embora felizmente eu já tivesse jogado a maior parte dele no portal.

—Rápido! — Gwydion gritou para Cole. —Agora, antes que desmorone!

Eles correram em direção ao portal, meio me arrastando, quase inconscientes e bêbados com o poder e a lembrança já desbotada da agonia ardente. Mas havia uma última coisa que eu tinha que fazer antes de sairmos. Eu me arrastei de Gwydion para fazê-lo parar, coloquei os dedos nos lábios e assobiei o mais alto que pude.

—Ethan! — Eu gritei quando o Lobo parou sua destruição e olhou para mim. Eu acenei meus braços. —Por aqui!

Gwydion me agarrou pelo meio, me jogou por cima do ombro e correu para o portal. Rosnando, o Lobo correu atrás de nós. Gwydion pulou através do portal e vi o Lobo pular, garras estendidas, apenas um segundo antes do caos nos envolver.

 

 

 

 

 

 

Capitulo Dezesseis


Por vários minutos ou possivelmente uma eternidade, caímos no espaço.

Perdi o controle dos outros quase ao mesmo tempo. Flashes de mundos explodiram em ambos os lados de mim. Luz, escuridão, fogo, gelo, horizonte de Manhattan, castelo de Titânia, mundos que eu só podia ver em seção transversal, mundos que eu só conseguia ouvir ou cheirar. Uma vez, um salão escuro, cheio de velas.

E então, de repente, bati de cara no azulejo branco de vinil. Gwydion caiu em cima de mim, cotovelos primeiro. Cole caiu um pé à minha esquerda. O Lobo veio por último, bateu a cabeça em uma prateleira no caminho e caiu inconsciente no chão.

Presumimos que estávamos em algum tipo de armário de suprimentos. Luzes fluorescentes brancas nos encaravam de cima.

—Onde estamos? — Cole perguntou, apertando os olhos e desorientado.

—A julgar pelo cheiro anti-séptico e pelos sanitários? — Eu respondi, minha voz um pouco confusa. —Hospital. Ow. Ow! Merda!

Acabei de perceber uma dor ardente no quadril, que estava piorando rapidamente. Eu me levantei e enfiei no bolso, pegando a moeda da sorte que Gwydion tinha me dado quando nos conhecemos. A coisa maldita estava fumegando, estava tão quente e previsivelmente queimando meus dedos quando eu o puxei para fora. Deixei cair, e ela saltou e rolou para fora da porta do armário aberta.

Troquei um olhar com Cole e Gwydion, que ainda estavam se levantando.

—Bem, vá em frente. — Disse Gwydion. —É uma sorte, por isso deve levá-lo a algum lugar. E alguém provavelmente está a caminho de investigar esse acidente de qualquer maneira.

Sem outra palavra, corri atrás da moeda.

Eu estava certa sobre ser um hospital, embora estranhamente silencioso para a hora do dia que a luz que entrava pelas janelas sugeria. A moeda fumegante rolou pelo corredor de azulejos, e eu corri atrás dele. De repente, seu caminho começou a se curvar, até cair abruptamente de lado. Com o último momento, derrapou sob a porta de um quarto privativo de longa permanência.

O nome na porta dizia E. Bellefonte.

Abri a porta com cuidado, preocupada em incomodar alguém. Mas não havia visitantes na sala e, assim que dei uma boa olhada no paciente, percebi que não havia preocupação em perturbá-los.

E. Bellefonte era um homem mais velho, quarenta e poucos, talvez cinquenta e poucos. Ele ainda tinha o cabelo, apesar de o loiro dourado estar sombreado a branco. Ele devia ter sido bonito como uma estrela de cinema uma vez, pensei, embora provavelmente só pudesse dizer devido à minha experiência com cadáveres. Uma doença longa e desgastante o havia reduzido a um substancial sem sombra do que aquele que pairava sobre ele, sinalizando sua morte que se aproximava rapidamente. Ele só estava vivo agora por causa das máquinas amontoadas em torno de sua cama, mantendo seu corpo funcionando mesmo quando desmoronava. Mas mesmo isso não era suficiente para manter a sombra afastada.

—Aqui está. — Disse Gwydion, entrando na sala. Cole, com o braço de Ethan sobre os ombros, saiu mancando atrás de Gwydion, arrastando o lobisomem, que havia sido empurrado às pressas para uma roupa cirúrgica mal ajustada. Gwydion inclinou-se para pegar a moeda da sorte, que ardia em sua mão, o metal estalando e desmoronando. —Você queimou completamente. Eu nunca vi isso. Que tipo de-?

Ele calou a boca abruptamente quando viu o que eu já tinha visto.

A Vela da Aliança estava posta na mesa de cabeceira de E. Bellefonte. Gwydion olhou para ela, depois para a moeda murcha na mão, antes de enfiar os restos arruinados da moeda em seu casaco. —Essa é uma moeda da sorte.

—O que está fazendo aqui? — Perguntou Cole. —Quem é esse cara?

—É para mantê-lo vivo. — Respondi instintivamente. Eu podia sentir como a vela estava conectada a ele, mantendo sua força vital de uma maneira que as máquinas nunca podiam.

Antes que pudéssemos dizer mais alguma coisa, um portal surgiu à nossa frente, e Gilfaethwy apareceu, tendo-se colocado apenas a meio caminho.

—Por aqui. — Ele sussurrou em um sussurro urgente. —Rápido!

—Você! — Gwydion rosnou e agarrou Gil pela frente da camisa, arrastando-o pelo resto do caminho para fora do portal. —Você me roubou! De novo! Você me deixou entrar nas garras dos Seelie!

—Você fugiu! — Gil disse com um sorriso. —Eu sabia que você faria! Você sempre sabe! Falando nisso...— Ele gesticulou rapidamente em direção ao portal. —Precisamos ir agora. Vocês não podem estar aqui!

—Por quê? — Eu perguntei. —Onde estamos?

—Onde não importa. — Disse Gil. —E porque é que todos nós vamos morrer. Eu nem entendo como você chegou aqui! Agora vamos, vamos!

—Não, não há mais portais! — Cole disse teimosamente. —Já tive portais suficientes! Parece a Terra e vou ficar aqui!

De repente, as luzes no corredor do lado de fora do quarto do hospital ficaram negras. Nenhuma luz veio das janelas. Uma voz profunda e familiar ecoou como uma lixa contra a minha alma.

—Como se atreve a vir aqui...

—Aethon. — Eu sussurrei involuntariamente, terror tomando meu coração como um punho.

—Esquece, porra! — Cole gritou, jogou Ethan através do portal e pulou atrás dele.

Gil entrou na porta, olhando para a escuridão.

—Velho amigo, querido amigo, parceiro, se você me desse um momento para-

—COMO VOCÊ OUSA?

Gil estava claramente certo. Precisávamos sair imediatamente. Mas eu não estava saindo de mãos vazias, não depois de tudo isso. Eu me virei, pegando a vela.

—Vexa, não!

Ouvi o grito de Gwydion, o roçar de seus dedos estendendo a mão para me impedir, mas era tarde demais. Minha mão se fechou ao redor da vela, e a absoluta escuridão da Morte alcançou e me engoliu.

Tão rapidamente que eu nem senti, de repente eu mal a reconheci.

Eu morri.

Capitulo Nove

Por um momento, eu não estava no meu corpo. Eu estava em outro lugar, queimando viva na escuridão. Meus ouvidos estavam cheios do clamor de mil sinos tocando. Eu não conseguia fazer meu corpo gritar. Não pude apagar o fogo. A dor estava tão além de qualquer coisa que eu pudesse envolver minha cabeça que depois eu não conseguia descrever e mal conseguia me lembrar como era. Eu sabia com absoluta certeza que iria morrer. Pelos olhos fixos e sem resposta do meu corpo, a costa distante de repente pareceu muito mais perto.

No lugar onde eu estava queimando, senti uma mão fria no meu ombro. Alguém parado atrás de mim. A voz deles sacudiu meus ossos fumegantes.

—Ainda não.

E então, de repente, eu estava de volta à minha própria pele, transbordando com tanta energia que doía, como agulhas sob a minha pele tentando forçar sua saída. Sem pensar, bati as mãos no peito de Gwydion e abri as comportas. O poder correu para fora de mim em uma torrente que eu não poderia ter parado se quisesse. Queimou-me quando passou, afundando nele. Os olhos de Gwydion se abriram de uma só vez, o corte em sua cabeça se uniu à luz prateada e se fechou.

Mas não consegui parar o fluxo de poder. Havia muito para eu conter, e Gwydion era um vaso vazio. Ele olhou para mim e eu me vi refletida em seus olhos arregalados, envoltos em fogo, chamas chorando. Ele sentou, minhas mãos ainda em seu peito, ainda derramando poder nele apenas para me impedir de queimar. Ele me alcançou lentamente e segurou meu rosto em suas mãos trêmulas, sua pele bebendo o fogo. Suas mãos estavam frias como água em um dia de verão, acalmando o calor terrível que estava tentando o seu melhor para me queimar viva. Ele se inclinou para perto, curvando-se no meu fogo e beijou minha boca ardente.

Ele tirou o poder de mim como veneno de uma ferida. Apressou-se ainda mais rápido do que antes, e eu tremi de dor e alívio. Ele poderia ter tudo, se quisesse. Enquanto o fogo parou, eu não me importei.

Eu derreti em seu beijo gelado, em seus braços, a queima finalmente começando a retroceder quando o poder passou por mim. Afinal, não era infinito, e Gwydion aceitou tudo ansiosamente.

Ansiosamente demais. Enquanto o poder continuava fluindo de mim como sangue de uma veia, comecei a voltar aos meus sentidos e percebi que tínhamos passado o ponto do que eu não podia conter. Minhas mãos se apertaram no tecido do casaco de Gwydion, tentando e falhando em afastá-lo. Ele poderia muito bem ter sido feito de pedra. Estávamos nos aproximando rapidamente de um ponto com menos energia do que eu tinha desde que tocara a vela. Eu assisti esse ponto ir e vir e o beijo de Gwydion ainda continuava, até eu perceber que ele não iria parar até que eu estivesse vazia de toda a magia, ou morta.

Então eu o mordi, forte o suficiente para tirar sangue, e ele se afastou, o fluxo de poder finalmente parando. Eu o empurrei, colocando espaço entre nós rapidamente, caso ele tentasse continuar. Meu coração estava batendo forte e eu ainda estava desorientado, lutando para manter a lembrança do que havia acontecido quando tentei acessar a vela.

—Que porra é essa? — Cole estava dizendo, e parecia que ele estava dizendo isso há algum tempo, pois Gwydion e eu estávamos insensíveis demais para perceber. Ethan me pegou quando me afastei de Gwydion, e deixei que ele me segurasse, agradecida pela sensação de segurança em seus braços.

—O que aconteceu? — Ethan me perguntou. —O que você fez?

—Mas como? — Cole disse, olhando para mim com algo entre reverência e medo. —Eu nunca vi esse tipo de poder em lugar algum.

—Eu tenho. — Gwydion falou suavemente. Ele se ajoelhou onde eu o empurrei, parecendo quase tão abalado quanto eu quando tocou seu lábio mordido e olhou com olhos arregalados para o sangue em seus dedos. Mas havia um olhar quase arrebatador em seus olhos.

—Eu não sou tão forte desde que deixei Avalon. — Disse ele e olhou para mim como se eu fosse algo santo e aterrorizante. —Você tem o poder de uma rainha.

Ele piscou e pareceu repentinamente um pouco enjoado, caindo de costas com uma surpreendente falta de graça pelo que eu esperava dele.

—E eu quase matei você. — Disse ele, quase para si mesmo.

Ethan e Cole trocaram um olhar assustado com isso, depois olharam para mim onde eu ainda estava enrolada nos braços de Ethan.

—Estou bem. — Eu disse rapidamente, o que era verdade. Cansada e mais fraca do que eu estava há um tempo, mas eu não estava sangrando ou pegando fogo, e eu podia deitar minha cabeça no peito de Ethan e ouvir seu coração bater. —Eu estou bem. Foi apenas um pouco de energia demais, só isso.

—Um pouco de energia demais de onde? — Perguntou Cole. —Onde você conseguiu isso?

—Uh, eu tentei bater na vela. — Eu disse. —Ainda estou conectada a ela, então achei que talvez pudesse acessar sua fonte de energia.

—Você usou a fonte de toda energia necromântica na Terra? — Cole disse, sua voz falhando. —Como você não está morta? Como todos nós não estamos mortos?

Eu não tinha uma resposta para isso. Também não parecia Gwydion, mas ele também não estava prestando atenção, com a mão na boca e as sobrancelhas franzidas, o olhar focado na costa distante.

—Só... nunca faça isso de novo. — Exigiu Cole. —Jesus Cristo, não é à toa que você estava pegando fogo. Há uma razão pela qual as pessoas trabalham com focos como a vela, sua idiota! Usar a fonte bruta deveria tê-la fritado como um inseto e todos nós com você.

—Eu acho que é uma coisa boa que Gwydion possa absorver tudo. — Ethan disse enquanto eu franzi a testa e tentei lembrar o que tinha acontecido quando eu peguei a chama. Lembrei vagamente da queimação. Todo o resto estava perdido no fogo até o momento em que Gwydion me beijou.

—Besteira que ele fez. — Cole riu. — Tanto poder o fritaria também. Ou Vexa de alguma forma conseguiu se abrir para, literalmente, todo o poder da própria morte e apenas canalizar um pedacinho, o que é absurdo - como tentar pular no oceano e esperar apenas molhar o dedo - ou o que ela bateu não foi a vela.

Eu não gostei desse pensamento.

—O fato de que ela seria capaz de alcançar a vela quando ela estiver literalmente em um universo diferente já é bastante absurdo! — Cole disse, jogando as mãos no ar. —Isso é besteira estranha, e eu não gosto!

—Independentemente disso, está pronto. — Interrompeu Gwydion, levantando-se e tirando a jaqueta molhada. A balsa balançou e Cole tropeçou, olhando para Gwydion enquanto ele apenas conseguia manter o equilíbrio. Gwydion o ignorou, olhando para mim enquanto tirava a gravata também, deixando apenas sua camiseta branca solta. —Perdoe-me por um momento.

Então ele deu dois passos e mergulhou da balsa. Por um segundo, apenas encaramos as ondulações em seu rastro, surpresos demais para reagir. Finalmente, Ethan apenas balançou a cabeça e suspirou.

—Por que não? Não como qualquer outra coisa ultimamente faz algum sentido. — Ele murmurou, depois me puxou para mais perto, esfregando os braços para tentar me aquecer. Nós dois ainda estávamos encharcados, então não adiantou muito.

—Então. — Ele disse depois de um momento. —Você beijou Gwydion.

Fiquei confusa por um momento até perceber que ele quis dizer o que tinha acabado de acontecer. Foi realmente difícil manter essas memórias por algum motivo.

—Oh, sim. — Eu disse com um sorriso tímido. —Pouco mais do que isso, na verdade. Logo antes de Gil escapar.

—Eu pensei que você disse que não achava que iria dormir com ele? — Ethan perguntou, sobrancelhas levantadas.

—Sim, eu não pensei que sim. — Eu disse, envergonhada agora. —Ele é... surpreendentemente persuasivo. Foi apenas uma coisa única. Nós deixamos isso claro.

—Espere, você dormiu com esse cara? — Cole perguntou, franzindo o nariz.

Cobri meu rosto com a mão, tentando controlar o rubor que aquece minhas bochechas.

—Sim, eu dormi. — Eu disse, tentando segurar algum orgulho. —Não é da sua conta.

Cole apenas balançou a cabeça.

—Alguém já lhe disse que você tem um gosto terrível? — Ele perguntou. —E possivelmente um desejo de morte?

—Ele tem razão. — Ethan disse com um encolher de ombros.

—Considerando que eu estava flertando com você esta manhã, Cole. — Eu disse maliciosamente. —Eu não faria comentários sobre o meu gosto.

—Foi essa manhã? — Ethan disse pensativo. —Era noite no Julius, e dormimos pelo menos algumas horas, então...

—Estar interessada em mim é absolutamente um sinal de mau gosto. — Respondeu Cole. —Possivelmente uma decisão pior do que o monstro devorador de homens que pode te atacar a qualquer momento. Provavelmente pior que o lobisomem também.

Ethan bufou.

—Você não é tão ruim. — Ele disse.

—Eu sou um desastre humano sem-teto que está apenas usando você para colocar minhas mãos em uma ferramenta mágica incrivelmente poderosa por minhas próprias razões egoístas. — Apontou Cole.

—Mas você tem um cabelo muito bom. — Eu rebati, apenas meio sarcasticamente. Cole parou, pego de surpresa.

—Bom senso de humor também. — Ethan concordou, e eu sorri quando vi Cole ficando vermelho.

—Bom gosto em filmes. — Acrescentei.

—Sorriso fofo. — Ethan falou.

—Olhos lindos.

—Inteligente como o inferno.

—Bunda fantástica.

—Tudo bem, isso é o suficiente! — Cole disse, vermelho como uma beterraba. —Vocês dois são claramente idiotas, sem senso de autopreservação.

Um respingo nos interrompeu quando Gwydion reapareceu, jogando o cajado na jangada antes de sair da água. Eu me permiti um minuto para admirar o quão bom ele parecia encharcado assim.

—Perdi algo? — Ele perguntou, levantando-se e torcendo a camisa. Cole ainda estava muito vermelho, e Ethan e eu não conseguimos parar de sorrir.

—Apenas nós dizendo a Cole todas as coisas que gostamos nele. — Eu o informei.

—Espero que você tenha mencionado sua bunda fenomenal. — Disse Gwydion casualmente, pegando o cajado e o paletó. Cole parecia quase combustão espontânea. —Todo mundo está de pé agora. Precisamos nos mexer se quisermos alcançar meu gêmeo idiota.

—Mas não sabemos para onde ele foi. — Eu disse, levantando-me e oferecendo uma mão para Ethan.

—Eu posso rastrear seus feitiços de teletransporte. — Disse Gwydion e estalou os dedos.

Uma onda de ar quente tomou conta de nós quatro ao mesmo tempo. Meu cabelo voou ao redor do meu rosto, minhas roupas esvoaçantes. Eu lutei para segurar minha saia enquanto a água saía de nossas roupas em uma explosão deslumbrante. Quando o vento se acalmou, Gwydion olhou para onde Gilfaethwy havia desaparecido e passou a mão pelo ar como se estivesse limpando vapor de um espelho. Um rastreamento complexo de magia apareceu diante dele, que ele se inclinou para ler. —Foi por isso que ele pegou o cajado e foi primeiro à Cidade Sem Fim. É muito mais difícil rastrear o cajado, e eu não seria capaz de dizer por quais dos poços da cidade ele passou se eu não tivesse- Não o vi. Mas agora que ele está se teletransportando sob seu próprio poder - o que ele não tem muito entre nossa recente briga e nossa visita à Cidade - segui-lo será muito fácil. Eu posso finalmente ser capaz de-

Ele ficou em silêncio bruscamente, depois descartou o texto mágico, carrancudo.

—O que há de errado? — Eu perguntei preocupado.

—Eu descobri para onde ele foi. — Respondeu Gwydion, conciso. Ele bateu com o cajado na superfície da balsa de madeira, e um portal se abriu através do qual eu podia ver vagamente os galhos das árvores. Gwydion se aproximou, hesitou e depois olhou para mim.

—Eu deveria te mandar para casa. — Disse ele. —Para onde ele está indo é... inóspito para os humanos. Eu deveria ser capaz de lidar com ele sozinho.

—Como você lidou com ele da última vez? — Eu perguntei. —A vida de Ethan está baseada no que Gil sabe. E sem o Vidro do Artífice, não podemos nem tentar descobrir mais sobre a maldição por conta própria. Não há como não ir com você.

—Onde ela vai, eu vou. — Ethan disse, colocando a mão no meu ombro.

Nós dois olhamos para Cole, que cruzou os braços, ainda um pouco rosado ao redor das orelhas.

—Eu realmente não tenho escolha, tenho? — Ele reclamou. —Se vocês idiotas vão e se matam, não há como eu pegar a vela.

Eu sorri para ele, feliz por ele estar conosco.

—Então está resolvido. — Eu disse. —Todos nós vamos.

—Não é nem remotamente estabelecido. — Argumentou Gwydion. —É a coisa mais distante da solução.

—Você realmente vai discutir comigo depois que eu quase morri salvando você? — Eu perguntei, mãos nos meus quadris.

Gwydion fechou os olhos por um momento, reunindo a compostura.

—Tudo bem. Vocês todos estão vindo. Tenho certeza que isso não vai acabar mal.

Ele pegou o casaco do braço, virou de dentro para fora e entregou para mim.

—Vista isso. Fiquem perto de mim. Não façam barulho e não usem magia, a menos que eu peça. Se nos separarmos... Vocês provavelmente morrerão. Não comam nada. Não cantem nem dancem. Façam tudo ao seu alcance. Não ofendam nada. Não ofereçam ajuda, a menos que seja solicitado, faça-o e não reclame. Aceite o que lhe derem depois, mas se alguém tentar lhe dar algo que você não ganhou, recuse educadamente enquanto vocês podem e espero que eu possa encontrar vocês a tempo de salvá-los. Entendido?

Não remotamente, mas assenti e coloquei o casaco de dentro para fora de qualquer maneira.

—Então vamos acabar logo com isso. — Disse Gwydion com um suspiro.

Sem mais cerimônia, ele atravessou o portal. Eu dei a Ethan e Cole um último sorriso encorajador, depois fui atrás dele, esperando que o que esperasse do outro lado não fosse pior do que o que já tínhamos enfrentado. Mas, pela primeira vez, eu estava menos preocupada com o desconhecido do que com meu próprio poder. Eu ainda não tinha certeza do que tinha acontecido quando tentei curar Gwydion, mas tinha certeza de que isso aconteceria novamente. Em algum lugar no fundo da minha mente, as palavras 'ainda não' ainda ecoavam.

 

 

 

 

 


Capitulo Dez

 

Das sombras frias e cinzentas da Costa DIstante, entrei em um dia perfeito de verão. Era verão também na Terra, mas não assim. Esse era um daqueles dias míticos, a partir de memórias idílicas excessivamente nostálgicas da infância, ou um daqueles filmes inexplicavelmente populares da maioridade, onde algo terrível acontece com o cachorro leal de uma criança. Estava frio o suficiente na sombra para fazer o calor do sol parecer mais calmante do que opressivo. Enormes árvores velhas erguiam-se ao nosso redor, suas folhas lançando sombras verdes na terra rica e escura, seus arcos pesados de frutas. A vegetação rasteira era uma profusão de flores silvestres e frutos maduros. O ar estava denso com o som do canto dos pássaros e o murmúrio musical da água correndo em algum lugar próximo. A luz através das árvores era dourada, quase tangível, e senti uma onda de prazer e excitação estranhos assim que respirei o ar. Tudo, todos os mirtilos gordos, pedras brilhantes e pássaros cantando de suas gargantas vermelhas, estavam positivamente cheios de significado. Qualquer coisa que caísse em meus olhos, desde uma teia de aranha pendurada em prata pendurada sob a sombra de uma raiz de carvalho até as cabeças de sementes douradas da grama alta crescendo em um pedaço de luz solar, me atingiu com uma intensidade que me fez ter certeza de que tocar qualquer parte disso seria embarcar em uma aventura fantástica.

Gwydion estalou os dedos na frente do meu rosto, impaciente, tirando-me do meu devaneio.

—Foco. — Ele insistiu. —Você não deve deixar este lugar colocar seus ganchos em você. Seu charme é um veneno, você entende? Tudo isso é apenas a pele brilhante de um sapo venenoso.

—Mas é tão... mágico. — Eu disse, surpresa com o quão jovem eu parecia, como uma criança na Disney World.

—O que é este lugar? — Ethan perguntou, parecendo tão impressionado quanto eu. Eu olhei para ele quando Cole entrou no portal. A boca de Ethan estava aberta em um espanto frouxo, seus olhos brilhando. Ele parecia mais jovem de alguma forma, as linhas ao redor dos olhos se foram, o peso fora dos ombros. A luz do sol brilhava bastante em seus cachos castanhos escuros e seus olhos dourados. Ele parecia tão magnificamente mágico e importante quanto todo o resto. Ele pegou meu olhar e ouvi sua respiração prender e vi seus olhos se arregalarem.

—Vexa. — Ele disse, suas mãos encontrando minha cintura. —Você parece tão... radiante. Deus, eu nunca vi nada tão-

—Nada disso, nada disso! — Gwydion disse agitando a mão bruscamente entre nossos rostos até nos afastarmos. —Eu sabia que era uma péssima idéia. Concentrem-se, por favor! Você, Cole! Fique fora daqui!

Cole, parecendo tão atordoado e surpreso quanto o resto de nós, olhou para cima, confuso, de onde ele estava vagando em um pedaço de amora, mistificado com as frutas perfeitas, como joias, e pequenas flores brancas de estrelas. Seus olhos, sempre adoráveis, eram de um azul mais brilhante do que eu já tinha visto na Terra. O tom escuro de seu cabelo combinava com o da fruta ao seu redor. A graça de seus membros musculosos quando Gwydion o agarrou pela camisa e o arrastou de volta para nós era absolutamente sublime. Ethan e eu voltamos juntos assim que Gwydion parou de nos separar fisicamente, nossos braços se abraçando como se tivessem sido feitos para isso. Quando Gwydion empurrou Cole para nós, nós o alcançamos ao mesmo tempo. Eu sorri quando toquei sua bochecha, sua pele macia e quente, e pela primeira vez ele não recuou do contato. Ethan segurou o outro lado do rosto, acariciando a linha fina da bochecha com o polegar. Cole fechou os olhos e afundou em nosso toque como um banho quente após um dia difícil.

—Como você pode pensar que não é absolutamente lindo? — Eu perguntei, impressionado com cada mecha de seu cabelo, a curva de sua mandíbula, a cor de seus lábios.

—Você é como uma obra de arte. — Ethan concordou, virando seu sorriso deslumbrante para mim, o calor tão comovente que eu quase podia chorar. —Vocês dois são. Gostaria de saber com quem comparar você. Nunca consigo me lembrar dos nomes. Vexa sempre pode.

Eu sorri de volta para ele, lembrando como quando o conhecemos eu o comparei com o David de Bernini e uma dúzia de outras obras de arte clássica. Eu estava um pouco desorientada na época, mas a comparação se manteve.

—Algo pré-rafaelita. — Eu disse. —Edward Hughes talvez.

—Você é tão inteligente. — Disse Ethan.

—Estou tão feliz que vocês estão tendo um momento de união tão adorável. — Disse Gwydion, tentando nos afastar um do outro. —Mas se vocês tentarem recuperar os sentidos, realmente não temos tempo para uma orgia no momento.

—Isso é... intoxicação mágica. — Disse Cole, esfregando os olhos. Adorei a delicada arte de seus dedos e o tom avermelhado que o atrito colocou em suas bochechas.

—De fato! — Gwydion disse, pingando sarcasmo. —Que bom que você está alcançando! Isso deve desaparecer em breve, mas não podemos dar ao luxo de esperar por isso, nem tenho paciência para ver vocês três se lutarem até que isso aconteça.

Eu me perguntava por que ele estava de mau humor quando era um dia tão perfeito. Mas eu não poderia estar chateada com ele por isso. Ele era bonito demais para se zangar. A luz do sol não parecia tocá-lo, mas quando ele estava na sombra, ele parecia esculpido em mármore frio, frio e sem falhas e brilhando como gelo. Quase doía olhar para ele, como a luz refletindo na neve até ficar ofuscante. E às vezes, quando eu o via pelo canto do olho, ele era mais do que isso. Maior do que eu podia imaginar, e quando ele se moveu, houve um farfalhar de pelos e uma sombra de chifres.

—Ele está certo. — Disse Cole, balançando a cabeça enquanto se distraía brevemente por uma borboleta que passava com asas como vitrais vivos. —Precisamos... Continuar em movimento. Estamos em perigo. Tentem se lembrar do medo.

Eu não queria ter medo, não quando era tão bonito aqui. Mas fiz o meu melhor quando Cole pegou minha mão e me puxou atrás de Gwydion. Peguei Ethan com a mão livre e o puxei. Uma corrente de margarida, como quando éramos crianças. O pensamento me fez rir, o que o fez começar.

Gwydion suspirou cansado. —Pelo menos vocês estão se movendo. Por aqui. Não se afastem. Não há sinal de seu feitiço de teletransporte aqui. Ele deve ter ido mais longe antes de lançá-lo para tentar me expulsar. Mas por que ele arriscaria isso aqui? De todos lugares?

Eu mal ouvia Gwydion e não entendia por que ele não gostava daqui. Ele fez parecer tão perigoso, mas era o lugar mais maravilhoso que eu já vi. Ao atravessarmos as árvores, pequenos pedaços de magia se revelaram entre as folhas. Uma macieira com casca de prata fina estava crescendo perto de um riacho claro, com seus galhos forrados e pesados por frutas feitas de ouro e diamante. Uma cobra com escamas de esmeralda translúcida estava pendurada nos galhos, nos observando com sábios olhos rubis escuros. Tinha uma daquelas bocas fofas de filhotes de píton que são tão adoráveis, mas Gwydion não me deixou fazer amizade com ela.

Mulheres minúsculas, que não eram mais do que meu braço, nadavam através do riacho, pulando como peixes, brilhando rosa iridescente e lavanda como o interior de uma concha, estalando seus minúsculos dentes afiados em insetos. Vi um campo de flores brancas crescer, grande como a palma da minha mão, e no centro de cada uma havia um minúsculo sino de ouro. Quando o vento soprava, eles tocavam tão docemente que Gwydion teve que gritar conosco para nos impedir de vagar neles para nos deitar e apenas ouvir. Cole sugeriu que cantássemos, o que foi uma ideia tão boa que eu o beijei por isso, e ele ficou vermelho e começou a rir e esqueceu sua sugestão até que Gwydion o lembrou, quando ele afastou Ethan de tentar mentir novamente nas flores, que eram tentando envolver tenras videiras verdes ao redor de seus sapatos, como se quisessem que ele ficasse. A única música que todos conhecíamos era Bohemian Rhapsody, e cantamos o mais alto que pudemos por insistência de Gwydion, até deixarmos o campo de flores para trás e ele nos pediu para parar. Mas continuamos esquecendo que ele nos disse para parar e começar de novo. É uma música tão boa, afinal. Nós finalmente paramos quando ele ameaçou fechar nossas bocas com mágica nos fez esconder em um arbusto enquanto uma procissão de árvores andando passava majestosamente.

Quando o desfile de árvores terminou, eu estava finalmente começando a recuperar meus sentidos um pouco, o suficiente para perceber que estávamos com problemas. Embora eu ainda estivesse flutuando e facilmente distraída, eu estava presente o suficiente para olhar para a merda ridícula que acabamos de percorrer e empalidecer com a quantidade ridícula de sério perigo em que estávamos, que eu apenas... não notei.

—Essas flores tinham dentes. — Eu sussurrei para mim mesma, olhando para um fragmento perfeito de céu azul através das folhas acima de nós.

—Finalmente começando a sair disso? — Perguntou Cole. Ainda estávamos sentados no mato. Eu não tinha notado os espinhos antes agora.

—Acho que sim. — Eu disse, esfregando a cabeça. —Mais ou menos. Jesus, eu não estive tão bêbada desde o último ano.

—É o ar aqui. — Disse Cole. —Está tão cheio de magia que você quase pode vê-la a olho nu. É por isso que tudo parece tão...

Ele fez um gesto ambíguo, mexendo os dedos ilustrativamente. Eu imaginei que entendi o ponto dele.

—Graças à lei. — Gwydion reapareceu, arrastando um Ethan tropeçando, que estava sorrindo e segurando uma das flores de sino. —Eu tinha medo que você se afastasse. Eu tive que perseguir esse idiota até o prado. Eu deveria ter deixado eles comê-lo. Eu teria todo o direito!

Ele estava parecendo mais do que um pouco esfarrapado, mesmo através da névoa mágica que o tornava tão etérea adorável.

—Desculpe. — Eu disse, levantando-me inquieta e ajudando Cole a se levantar. —Eu acho que estou começando a descer.

—Provavelmente levará Ethan mais um pouco. — Disse Cole. —Ele não está tão acostumado à magia quanto nós.

Ethan pressionou a flor do sino em minhas mãos. Peguei-a com relutância, olhando para trás como dentes de gancho voltados para os dentes que revestiam a trombeta interna.

—Eu comprei para você. — Ethan disse, e ele estava tão sério e bonito que eu quase esqueci os dentes completamente. —Eu não te dei nada ainda. Preciso te dar coisas, para que quando eu me for, você se lembre de mim.

Ele disse isso sem um pingo de arrependimento ou amargura, o que a fez doer ainda mais. Comecei a dizer algo, insistindo que não era o que iria acontecer, mas não queria estragar a felicidade dele. Eu sabia que ele tinha tido pouco o suficiente ultimamente.

—Obrigada, querido — Eu disse e o beijei. —Eu prometo que nunca, nunca vou te esquecer.

Encantado, ele me pegou e me virou, regando meu rosto em beijinhos.

—Adorável. — Disse Gwydion sarcasticamente. —Podemos seguir em frente? A trilha de Gil está ficando mais fria.

Fiz Ethan me colocar no chão e começamos a andar novamente. Definitivamente, eu ainda estava bem maluca, mas ter pelo menos um pé mais ou menos no chão tornava mais fácil apreciar as coisas realmente incríveis que estávamos vendo, além de ajudar a manter um olho em Ethan, e ocasionalmente até em Cole. Não que eu estivesse muito melhor, sendo desviada por um raio de sol que capturava o ar como se fosse um prisma, arco-íris deslizantes e brilhantes, ou um ninho de coelhos com presas e chifres, que eu percebi que um pouco tarde demais estavam sendo guardados por seus pais igualmente afiados e com chifres. Mas pelo menos agora um de nós geralmente era lúcido o suficiente para pegar o outro. Gwydion tinha um grande potencial como pastor profissional.

E então Gwydion afastou uma cortina de musgo pendurado e todos nós congelamos no lugar como se ficássemos impressionados ao ver o que havia do outro lado.

A alguns metros de distância, pastando pacificamente em uma piscina vernal, havia um unicórnio.

Era, sem exceção, a coisa mais linda que eu já vi. Eu não conseguia acreditar que alguém tivesse convencido as pessoas de que se parecesse com um cavalo. Era um tipo de ungulado, claramente, mas mais como um grande cervo em proporções, com uma cabeça um tanto parecida com uma cabra. A cauda comprida era preênsil, como a de um gato, e adornada no final com os mesmos cachos sedosos e prateados brancos da crina. Seus olhos eram impressionantes além da minha capacidade de descrever. Eles eram ao mesmo tempo profundos, escuros e infinitamente inteligentes, e também brilhavam com mil cores, queimando com a luz interior. Seu chifre brilhava com suave iridescência, como pérola ou nácar, subindo mais de um pé da testa até um ponto que brilhava como uma estrela.

—É...? — Eu sussurrei, minha voz tremendo. —É realmente-?

—Sim. — Disse Gwydion, estendendo a mão para impedir que alguém se aproximasse. —Silêncio. Fora dos tribunais, não há mais coisa perigosa neste lugar. Devemos recuar lentamente, tentar dar a volta.

—Como isso pode ser perigoso? — Eu perguntei, completamente extasiada. —É um unicórnio!

—É exatamente por isso que é perigoso. — Disse Gwydion, impaciente. —Eles são forças primordiais - o conceito de justiça dando forma. Se eles sentirem a menor sombra em seu coração, eles a esculpirão. Eles não podem ser combatidos ou fugir. Depois que decidem matá-lo, nada pode detê-los. Eles podem até matar um fae.

—Isso não parece exatamente justiça para mim. — Disse Cole, franzindo a testa. —Apenas assassinato resumido por qualquer crime? E o que exatamente eles definem como uma 'sombra' no seu coração? Isso me mataria se eu me sentisse culpado por esquecer o aniversário da minha avó?

—Não seja pedante. — Disse Gwydion, virando-se para olhá-lo. —Só estou dizendo que, se você merece morrer, eles saberão.

—Bem, isso é um pouco diferente de 'se houver uma sombra em seu coração'.

—Bem, o julgamento deles sobre quem merece morrer tende a se inclinar pesadamente para todos na minha experiência, então me perdoe por me tornar poético.

—Bem, então eles não são personificados pela Justiça. Justiça verdadeira não ignora o contexto.

Não ouvi a resposta de Gwydion porque já estava na metade da distância entre mim e o unicórnio. Ele levantou sua bela cabeça quando me aproximei, e eu não pude deixar de sorrir. Eu nem estava pensando no perigo. Tudo o que eu conseguia pensar era que esse era um unicórnio real na minha frente. Tudo o que eu sonhava quando menina, todos os livros de fantasia que eu desejava escapar, voltaram correndo para mim como um golpe no peito. Eu não percebi o quanto eu queria isso, neste exato momento, toda a minha vida. Se eu pudesse tocá-lo, apenas uma vez, morreria feliz. O unicórnio, silencioso e perfeito, virou-se lentamente para me encarar.

Ouvi vagamente Ethan começar a gritar meu nome, apenas para ser rapidamente abafado.

—Temos que fazer alguma coisa! — Cole estava dizendo. —Isso poderia matá-la!

—Se interrompermos agora — Respondeu Gwydion severamente. —Definitivamente vai.

Eu não estava com medo. Quem poderia ter medo na presença de algo assim? Ele deu dois passos lentos em minha direção, seus cascos ecoando a cada passo, apesar de andar sobre musgo macio. Eu assisti, impressionada e aberta, enquanto abaixava a cabeça, trazendo seu chifre longo e perversamente afiado ao meu peito. O ponto descansou logo acima do meu coração. De repente, pensei, como se estivesse compelida, a tudo o que recentemente senti culpa. Quando Gwydion se machucou, depois de me envolver nisso por minha causa. Colocando Cole em perigo pela mesma razão. Quando meus vizinhos encontraram o buraco no quintal onde o cachorro morto havia sido 'desenterrado por um leão da montanha', mesmo que o cachorro estivesse ressuscitado e vivendo feliz na casa da minha tia. Aprendendo que meus poderes estavam acelerando a maldição de Ethan. Quando Ethan quase foi morto me protegendo de Aethon. Na maioria das vezes eu tinha visto Ethan ultimamente, honestamente. Se não fosse por mim, ele ainda teria anos. Eu até me senti culpada por fazê-lo ficar comigo. Egoísta. Fazendo-o continuar lutando, mesmo que ele estivesse com medo e com dor só porque eu não queria perdê-lo ainda. Fazendo-o me ver flertar com os homens que eventualmente o substituiriam. Eu deveria ter recusado quando ele se ofereceu para abrir o relacionamento. Eu sabia que ele só estava fazendo isso porque ele não queria que eu estivesse sozinha. Eu deveria ter recusado ele quando ele se ofereceu para me ajudar com isso. Eu nunca deveria tê-lo colocado em perigo. Ele merecia mais que eu. Eu era uma necromante, e o que Julius dissesse, nunca seria capaz de me convencer, muito menos de mais alguém, de que era uma magia puramente inocente. Eu estava cheia de algo sombrio e mau, e não podia mudar isso.

Eu funguei, lágrimas escorrendo pelo meu rosto. Eu sabia que o unicórnio podia ver toda a minha culpa, e a vergonha me fez querer entrar em um buraco e morrer. Eu não tinha medo de que isso me matasse. Eu não estava pensando sobre isso. Eu só queria ser digna disso.

Senti algo molhado cair no meu ombro e abri os olhos. O unicórnio chorava, chorando lágrimas leitosas que se transformavam em cristal quando caíam na grama. Ele levantou o chifre do meu coração e agora encostou a cabeça na minha, como se estivesse tentando me confortar. Joguei meus braços em volta do pescoço sem um momento de hesitação e enterrei meu rosto na seda fria de sua juba. Irradiava contentamento, uma paz profunda e tranquilizadora que me assegurava que tudo ficaria bem. Não era apenas Justiça, como Gwydion pensava. Era a paz que seguia a verdadeira justiça.

—Em todos os meus anos, nunca vi isso acontecer. — Sussurrou Gwydion de onde estavam escondidos, parecendo atordoado. —Eu ouvi histórias, mas...

Respirei fundo, infundindo-me com o máximo de paz possível. A vertigem da intoxicação mágica se foi, mas eu estava feliz por isso. Eu nunca teria tido a coragem de me aproximar sem ela. Então me forcei a me afastar, embora uma grande parte de mim só quisesse seguir o unicórnio para sempre. Havia pessoas que ainda precisavam de mim aqui. E alguém que precisava disso muito mais do que eu.

—Vexa? — Ethan disse inquieto. —Você está bem?

Eu me virei para eles, sorrindo enquanto esfregava as lágrimas do meu rosto.

—Sim. — Eu disse. —Eu estou bem.

Estendi a mão para Ethan, acenando para ele avançar.

—Não faça isso. — Disse Cole. —Ela claramente perdeu a cabeça.

Ethan parecia nervoso, mas saiu de trás do mato, caminhando em nossa direção com cautela. O Unicórnio fez um barulho baixo e desapontado, como um cavalo, e se levantou um pouco, mas eu joguei meus braços em torno dele novamente, acariciando seu pescoço até que ele se acalmasse e deixasse Ethan se aproximar.

—Não tenha medo. — eu disse, pegando sua mão. —Não vai machucá-lo. Se pode chorar por mim, vai te amar.

Ethan não parecia certo, mas quando ele olhou para o Unicórnio, pude ver a admiração em seus olhos tão poderosos e profundamente enraizados quanto os meus. Eu não tinha sido a única sonhando com esse momento.

O unicórnio colocou seu chife no peito de Ethan, e vi as lágrimas nos olhos dele quase imediatamente. Ele soluçou, o ombro tremendo, enquanto revivia a culpa que o unicórnio havia trazido diante dele.

—Não olhe. — Ele implorou ao unicórnio, não a mim. —Eu não sou - eu não sou como-

Eu vi a ponta do chifre do unicórnio afundar no peito de Ethan apenas o suficiente para tirar sangue. Agarrei a mão de Ethan novamente, apertando com força.

—Seja honesto. — Insisti. —Você tem que olhar para tudo. Você tem que deixar que isso faça parte de você.

Ethan balançou a cabeça e senti um tremor de medo quando o chifre do unicórnio afundou um pouco mais fundo, com medo de ter cometido um erro. Mas não havia mais nada que eu pudesse fazer. Não havia nada que eu pudesse dizer agora. Ethan sabia que eu estava aqui, que o apoiaria, não importa o quê. O problema não estava comigo ou com mais ninguém. Era em Ethan.

O chifre afundou mais e eu agarrei a mão de Ethan, com medo de tê-lo levado à morte.

—Eu te amo. — Eu disse, a primeira vez que disse as palavras. A primeira vez que estive realmente, realmente certa de senti-las. —Ethan, eu te amo muito.

Ethan estremeceu, depois apertou minha mão.

—Tudo bem. — Disse ele, um som de aceitação cansada. —Bem.

A tensão sumiu dele, embora as lágrimas caíssem rápido e com força. O chifre do unicórnio recuou, não deixando feridas nem sangue. Deitou a cabeça ao lado da dele por um momento, antes que ele caísse de joelhos na grama. Caí ao lado dele, segurando-o perto. Ele tremia, ainda chorando muito.

—Vê? — Eu sussurrei. —Eu sabia. Eu sabia que pensaria que você é tão incrível quanto eu.

Ele soluçou, maravilhado e incrédulo em seus olhos quando olhou para o unicórnio. Mas quando ele olhou para mim, havia apenas amor em seus olhos.

—Eu também te amo, Vexa. — Disse ele. —Muito.

Ele me puxou para um beijo aos pés do unicórnio, que pressionou o nariz na têmpora de Ethan e depois na minha, antes que ele se virasse e se afastasse na sombra das árvores.

Fiquei de pé instável e puxei Ethan comigo enquanto Cole e Gwydion saíam cautelosos dos arbustos. Ethan me abraçou com força, e eu o abracei de volta, meus pensamentos ainda nos arrependimentos que o Unicórnio havia me mostrado. Não tinha falado ou compartilhado nenhuma sabedoria, mas a sensação de paz que me enchia me dava um tipo estranho de clareza, uma distância daqueles sentimentos que os tornavam mais fáceis de lidar. Eu esperava que Ethan sentisse o mesmo. Eu esperava que algo tão puro e mágico, declarando-o digno, aliviasse um pouco da dor contida dentro dele.

Cole me surpreendeu jogando os braços em volta de nós dois, a cabeça no meu ombro.

—O que eu acabei de dizer sobre fazer coisas estúpidas e perigosas? — Ele repreendeu, sua mão segurando firmemente as costas da minha camisa. Não pude deixar de sorrir com sua preocupação relutante. Ethan retornou meu sorriso, nós dois emocionalmente exaustos, mas cheios pela profunda paz do julgamento do unicórnio.

—Tenho certeza que você só me disse para não explorar fontes mágicas poderosas. — Provoquei. —Você não especificou que eu não deveria fazer nada perigoso.

Ele levantou a cabeça para me encarar.

—Você tem alguma ideia de como será inconveniente para mim se você morrer? — Ele disse.

—Bem, eu não gostaria de ser um inconveniente. — Eu disse com uma risada.

—Tarde demais. — Declarou Gwydion se aproximando de nós, colocando algo no bolso.

—Sua preocupação é comovente. — Eu disse a ele por cima da cabeça de Cole, depois coloquei um braço em volta de Cole para atraí-lo com mais segurança para o abraço, Ethan fazendo o mesmo. Cole ficou tenso sem jeito, mas não se afastou. Talvez fosse um pouco da intoxicação mágica ainda o afetando. Eu tinha certeza de que era o que ele culparia de qualquer maneira.

—Eu tenho certeza que isso faz com que vocês dois sejam dignos de serem reis da Inglaterra. — Disse Gwydion casualmente, claramente tentando entender tudo, como se eu não tivesse visto o medo dele. —Eu tenho a espada em casa, se vocês estiverem interessados.

Ethan abafou uma risada no meu ombro.

—Vou considerar. — Eu disse a Gwydion com um sorriso. Ele zombou com um arco, depois endireitou as roupas e limpou a garganta.

—Agora, realmente precisamos nos mexer. Magia assim vai atrair-

Ele foi interrompido por uma flecha acertando-o no peito.

Ele voou para trás, esparramando na grama. No mesmo momento, Cole e Ethan desabaram em ambos os lados de mim. Muito horrorizada para reagir, eu só podia ver uma fila de arqueiros emergir das árvores, flechas batendo, lideradas por um homem com barba dourada e uma coroa brilhante.

—Vocês invadiram a terra sagrada de Tir Na Nog. — Declarou o homem. —A rainha exige suas presenças.

 

 

 

Capitulo Onze


O charme que os fae costumavam colocar Ethan e Cole para dormir não funcionou em mim, provavelmente graças à jaqueta de Gwydion, então tive o prazer de ser amarrada e arrastada para as costas de um cavalo atrás do homem barbudo, algo que discordei veementemente, mas não pude fazer muita coisa. Não que eu não tentei. Convoquei todas as coisas mortas na área que pude alcançar, incluindo algum animal maciço e trêmulo que eu nem reconheci, e fui prontamente e completamente desligada com alguns gestos casuais dos fae. Eu poderia muito bem nem ter me incomodado. Eu consegui dar um tapa em alguns deles com necrose quando eles foram me amarrar e deram um bom chute, mas naquele momento, tudo que eu estava salvando era meu orgulho.

Eu assisti, doente de ansiedade, enquanto jogavam Ethan, Cole e Gwydion nas costas de seus cavalos, nem mesmo removendo a flecha de Gwydion, e nos levavam embora.

Não tínhamos andado muito tempo antes de chegarmos a um caminho verde, que logo se tornou uma estrada de terra bem trilhada e depois pavimentada um pouco mais em tijolos de pedra. A essa altura, o palácio já estava à vista.

Um imenso e reluzente edifício dourado, repleto de pináculos e filigrana, parecia algo que a Disney rejeitaria por ser exagerado demais. A vegetação caía em cascata de todas as paredes e janelas, flores quase mais comuns que o onipresente trabalho de pergaminho dourado. Era bonito, com certeza, mas não tinha nada no Unicórnio, e de qualquer maneira, eu estava ocupada sendo absolutamente irritada como o inferno.

Por fim, eles nos levaram a um enorme jardim no pátio, tão denso com plantas que dificilmente parecia haver espaço para as pessoas, cercados por todos os lados por finas colunas de mármore branco. Um maciço carvalho ficava em uma extremidade do pátio, e seu tronco fora cultivado, não esculpido, na forma de um trono elaborado, cravejado de pedras preciosas e marfim.

A mulher que estava sentada era, sem dúvida, uma rainha. Você poderia dizer que ela era uma rainha mesmo sem a coroa ou o lindo vestido dourado. Ela teria sido uma rainha completamente nua. Um lampejo daqueles olhos escuros deixaria isso claro. O fato de ela ter pelo menos o dobro da altura de qualquer outra pessoa aqui também pode ter contribuído para sua aura de superioridade real.

Sendo Rainha do Verão, eu meio que esperava uma loira, talvez uma ruiva. Mas o cabelo de Titania era o preto do solo rico, sua pele tão escura quanto uma noite de verão. Ela brilhava como o coração do sol e segurava um cajado de ouro em uma mão, que parecia ter uma estrela viva em sua cabeça de filigrana.

Fomos trazidos à sua frente, eu caminhando entre dois guardas e os outros três jogados sem cerimônia. O homem barbudo se ajoelhou para arrancar a flecha do peito de Gwydion. Assim que saiu, Gwydion acordou, tossindo e engasgando.

Lancei um rápido olhar para os homens de ambos os lados, depois chutei um na virilha e balancei os punhos amarrados para atingir a outra força total no rosto. Enquanto eles estavam cambaleando, corri para Gwydion, convocando um enxame de insetos para manter os guardas afastados enquanto eu o arrastava até nossos companheiros inconscientes.

 

—Teleporte-nos para fora! — Eu disse a Gwydion, tentando freneticamente manter os insetos mortos entre mim e os guardas, que pareciam apenas levemente aborrecidos por eles e não com pressa de me recapturar.

—Não posso. — Disse Gwydion, ainda sibilando.

—O que você quer dizer com não pode?

—Obrigada, Hern. — Titania disse graciosamente para o homem barbudo, ignorando minha tentativa de fuga completamente. —Por favor, remova o charme dos outros dois. Estou muito curiosa em saber o que os trouxe ao nosso reino.

Hern curvou-se profundamente, depois acenou com a mão e Ethan e Cole sentaram-se um momento depois, piscando em confusão.

—É o suficiente. — Disse Titania, e os insetos que eu estava controlando se transformaram em uma chuva de pétalas de flores instantaneamente, sem o menor gesto dela. Eu peguei qualquer outro poder que eu tinha e não encontrei nada. Apenas a paz prolongada do toque do unicórnio me impediu de surtar completamente. Os olhos escuros e brilhantes de Titânia voltaram-se para Gwydion, assim como os do resto da corte, que estavam quase invisíveis entre as flores do jardim, verdes e brilhantes. Pelo canto do olho, eles não pareciam humanos. Vi carapaças cambiantes e asas e olhos iridescentes cintilantes como jóias multifacetadas.

—Gwydion Greenwood. — Ela falou, e sua voz tremeu no ar e fez as flores girarem em sua direção. —Pensei em ver seu irmão ajoelhado diante de mim em uma dessas noites. Mas você não esperava. Você sempre preferiu os reinos mundanos.

Eu não precisava saber muito sobre faes para saber que isso era um insulto.

Gwydion recuperou o fôlego e lutava de joelhos. Ajudei-o tanto quanto me atrevi, com medo de tirar os olhos da rainha. Gwydion, pelo contrário, nem sequer a olhava. Ele manteve a cabeça baixa e a postura baixa.

—E ainda aqui está você. — Titania continuou. —E com um bando de humanos não menos. Que planos fascinantes você deve ter. Por favor, compartilhe-os.

—Nossa chegada aqui não foi intencional, Vossa Majestade. — Disse Gwydion, a cabeça tão baixa que seus cabelos roçaram o mosaico vidrado. —Um ladrão roubou algo meu e fugiu através de um portal. Foi por coincidência que o ladrão escolheu este lugar como destino.

—Nós dois vivemos muito tempo. — Disse Titania casualmente. —Muito tempo para acreditar na coincidência.

—Então claramente o ladrão sabia que me levar até aqui atrairia sua atenção e me impediria de seguir. — Disse Gwydion rapidamente. —Mas você deve saber que eu não voltaria a esse lugar de bom grado.

—E ainda aqui está você. — Disse Titania novamente. —E Hern, o melhor caçador da minha corte, não viu vestígios de sua pedreira. Somente você, perambulando pelo território que lhe era proibido antes do seu exílio.

—Vossa Majestade. — Disse Gwydion, e pude ver suor em sua testa. —Eu nunca tentei interferir nos seus assuntos. Mesmo antes das tolices que levaram à minha... partida. Você sabe que não tenho ambições.

—Você não tinha. — Titania confirmou casualmente. —Mas você passou mil verões entre os humanos, e quem sabe que influências tóxicas suas mentes mesquinhas podem infligir? Talvez você tente recuperar sua posição entre os Invisíveis, ganhando-lhes uma pequena vitória contra nós, nesta nossa época de supremacia?

—Não, Majestade, eu nunca...

—Você roubou o meu reino. — Disse Titania, uma onda de calor saindo do trono, o que me deixou tonta e com sede. —Sem aviso prévio em um jardim onde sua espécie sempre foi proibida, trazendo com você criaturas mortais com magia repugnante para suas almas, e você espera que eu acredite em suas intenções puras? Você me aceita como uma tola, Gwydion Greewood? Sílabas do seu verdadeiro nome - Sol à meia-noite, Espelho de Gelo, Canção de arrepio - eu poderia torcer você em mil formas e plantá-lo como uma das minhas árvores.

Enquanto ela falava, o calor aumentou até que eu mal conseguia respirar, como estar diante de uma fornalha no deserto. Gwydion se enrolou em si mesmo, a pele brilhando com suor, o cabelo mole. Eu podia ver a agonia em seu rosto e meio que esperava que ele evaporasse, um fio de vapor como um floco de neve caindo no fogo. Em vez disso, seus membros torceram e tensionaram, sua pele ficou escura, rachando em casca.

—Meu jardim pode usar uma ou duas sempre-vivas. — Disse Titania com crueldade preguiçosa.

Ethan e Cole estavam sofrendo sob o calor da mesma forma que eu, e os dois ainda estavam se recuperando da confusão do feitiço de dormir de Hern. Eu podia ver Cole se esforçando para encontrar sua mágica e não encontrando nada ao seu alcance. Ethan empurrou o Lobo para a superfície, mas a exaustão pelo calor diminuiu sua força e deixou seus dentes sem brilho e suas garras mal estendidas. Meus braços estavam em volta de Gwydion e, entre meus dedos, brotavam galhos, afiados com agulhas de pinheiro.

—Pare! — Eu exigi, com toda a força que pude reunir, o som ainda fraco dos meus pulmões sem ar. —Não foi culpa dele! Foi Gil-

De repente, o calor desapareceu e a casca desapareceu da pele de Gwydion.

—Então, foi Gilfaethwy quem voltou primeiro. — Disse Titania com um sorriso doce. —Por que você não mencionou que era seu irmão que você estava perseguindo? Eu poderia ter adivinhado. Ele sempre estava roubando seus brinquedos. Foi isso que levou você a essa confusão em primeiro lugar, não foi, querido?

Gwydion não conseguiu falar. Ele estava tremendo muito e mal conseguia se segurar. Lembrei-me com súbito medo como o que Gwydion havia dito que os Unseelie fariam com ele se ele voltasse. A Corte de Verão faria o mesmo e o torturaria para alcançar Gilfaethwy?

Lutei de pé, aproveitando a sensação de paz que o Unicórnio me deixou como se fosse uma piscina parada no meu coração.

—Gwydion não é seu para punir. — Eu disse e ouvi um murmúrio de choque e até risadas correndo pela corte reunida. Eu senti que provavelmente deveria ter me curvado ou adicionado uma 'Sua Majestade' antes de desafiar diretamente seu poder, mas era tarde demais para isso agora. —Ele não pertence ao seu tribunal.

Titania levantou uma sobrancelha escura e sorriu, divertida.

—Vejo você seguir uma nova rainha hoje em dia, Gwydion. — Disse ela, e tentei ignorar o rubor em minhas bochechas com a zombaria em seu tom. —Foi ela quem colocou o cheiro da morte em você?

Gwydion ainda não conseguia controlar as palavras. Ele agarrou o tornozelo das minhas calças com as mãos trêmulas, claramente tentando me fazer calar a boca de qualquer maneira.

—Bem, pequena rainha. — Titania disse com seu sorriso venenoso. —É verdade que não é da minha conta julgar os crimes dos quais ele originalmente fugiu. Mas ele passou por aqui, um Unseelie em Seelie pousa, e por isso tenho todo o direito da lei de exigir sua vida.

—Mas então você perderia Gilfaethwy. — Eu apontei, pensando rapidamente e puxando a primeira razão que eu consegui pensar na minha bunda. —E você nunca teria a chance de puni-lo pelo que ele fez.

Titania considerou isso, uma mão delicada em sua linda bochecha.

—Verdade. — Ela concluiu finalmente. — Mas o que me impede de poupar a morte de Gwydion? Em minha infinita misericórdia, talvez eu lhe conceda sua vida e apenas o castigue, infligindo toda tortura inteligente que minha corte possa conceber até que seu querido irmão se mostre apenas para acabar com a dor?

A mão de Gwydion apertou meu tornozelo, e o medo como água gelada em minhas veias fez o calor terrível da rainha parecer morno.

—Porque não funcionaria. — Eu disse, as palavras parecendo sair dos meus lábios antes de pensar completamente nelas. Procurei alguma justificativa para o que tinha acabado de dizer, ainda me perguntando por que o havia dito. —Ele... Gilfaethwy tem algum novo tipo de magia de proteção nele. É... provavelmente porque o seu caçador não o notou, mesmo que ele estivesse no seu território por mais tempo do que nós. Provavelmente bloqueia a conexão dele com Gwydion. Você poderia torturá-lo para sempre e Gil nunca sentiria nada.

Isso era absolutamente besteira. Eu não sabia disso. Gwydion mencionou de antemão que Gil tinha algum tipo de escudo impedindo Gwydion de usar o Vidro do Artífice nele. Era um alcance e meio afirmar que o impediria de sentir a outra metade de sua alma sendo torturada. Mas eu disse isso com tanta confiança quanto pude, olhando a rainha em seu rosto radiante, embora queimasse como se olhasse diretamente para o sol, e a vi reclinar em seu trono com uma expressão pensativa. Havia queimaduras ardentes nos braços do trono vivo onde suas mãos estiveram.

—Que pequena rainha interessante você encontrou. — Titania disse a Gwydion, que ainda estava ajoelhado aos meus pés, os dedos segurando minhas calças como se estivesse tentando rasgá-las. —Estou intrigada. É tão raro hoje em dia ver algo novo e divertido. Os humanos podem ser terrivelmente cansativos em números, mas sinto falta dos dias em que esses raros mortais excepcionais decidiram fazer algo tolo. Eles são terrivelmente estúpidos e inventivo. As mentes imortais tendem a se apegar à ideia de que já tentaram de tudo e o que não tentaram não vale o esforço. Isso as torna insuportavelmente entediantes.

—Honestamente, eu já vi essa atitude em muitos humanos. — Eu disse, um pouco tonta de estresse.

A rainha riu, um som clamoroso como sinos de metal tocando e tempestades de verão. Isso me abalou tanto que quase caí no chão ao lado de Gwydion.

—Bem, então, pequena rainha. — Disse Titania, cruzando as pernas e arrumando as saias com um segundo par de braços que eu ainda não havia notado. —Por favor, me diga como você resolveria esse problema. Estou muito curiosa para ouvir.

Engoli em seco e olhei para Gwydion, que balançava a cabeça sutilmente. Um olhar para Cole o viu também balançando a cabeça, com muito mais ênfase, e Ethan gesticulando com a mão esticada na garganta, no sinal universal de 'cale a boca antes que você morra'.

Eu decidi ignorá-los.

—Penitência. — Disse à rainha. —O castigo para nós quatro que invadimos deve ser penitência. Nós o pagaremos por nosso crime, trazendo a você alguém culpado de um crime muito maior. Vamos lá, vamos pegar Gilfaethwy e trazê-lo de volta a você para julgamento.

A boca perfeita de Titania se curvou em um sorriso largo e de dentes afiados que me fez lembrar de um gato de Cheshire.

—Que sugestão divertida. — Disse ela. A mão de Gwydion caiu da minha perna e Cole escondeu o rosto nas mãos. —Oh, já faz muito tempo desde que eu tive a chance de brincar com humanos. Outros Fae já conhecem todos os passos. Você nunca pode realmente vencer, ou apenas por centímetros. Que delícia ver alguém tropeçar diretamente em seu próprio sentido, mortes pela primeira vez. Eu nem precisei sugerir nada. Delicioso!

Meu estômago afundou aproximadamente 13 quilômetros na terra.

—Muito bem. — Disse Titania, batendo com o cetro no azulejo, que tocou como sinos. — Aceito. Vou perdoá-los pela invasão e permitir que vocês saiam, com a condição de voltar com o traidor Gilfaethwy e entregá-lo a mim. Como sou generosa, darei uma quinzena para protegê-los. Ao meio-dia daqui a duas semanas, se você não o trouxerem para mim, a penitência falhará e farei o que eu quiser com todos os quatro.

Fomos sumariamente expulsos do palácio. Sentamos na terra além de seus portões, recuperando o fôlego.

—Sua idiota. — Cole gemeu, com o rosto ainda nas mãos. —Você completa... Deus! Você nunca leu um conto de faes em sua vida?

—Eu não tive escolha! — Eu disse defensivamente. —Ela teria matado a todos nós! Pelo menos eu ganhei algum tempo.

—Ela não teria matado nenhum de nós! — Cole estalou. —Ela teria torturado Gwydion, talvez o trocado pelos Unseelie. Mas somos humanos enganados aqui por um Fae exilado que não é da sua corte. Ela não tinha poder sobre nós. Ela poderia ter tentado nos enganar para ficar ou fazer coisas de outra maneira. - difícil para nós, mas ela não poderia nos matar. Pelo menos até que você prometeu todas as nossas vidas a ela em troca de Gil!

Eu fiquei vermelha, envergonhada.

—Eu não sabia disso. — Eu disse, me sentindo uma idiota. —Fiz o melhor que pude!

—Além disso, devo lembrá-la. — Disse Gwydion em voz baixa, ainda sentado com a cabeça entre os joelhos. —Que se conseguirmos e levarmos Gilfaethwy até ela, a morte dele será minha também?

Engoli em seco.

—Ela querer Gilfaethwy mais do que você era a única alavanca que tínhamos. — Eu disse. —Nós vamos descobrir alguma coisa. Pelo menos agora temos algum tempo.

Gwydion respirou fundo, depois se levantou lentamente, oferecendo-me uma mão para meus pés também.

—Você está certa. — Disse ele, mantendo a voz muito calma, embora ele não olhasse para mim. —Não houve melhor curso de ação. Você preservou todas as nossas vidas, mesmo que por enquanto. Agora, precisamos ir e encontrar meu irmão; nesse momento, pretendo dividi-lo em dois, jogar metade no colo da rainha e levar a outra casa para viver o resto de sua vida miserável na menor e mais desconfortável gaiola que eu puder encontrar.

—É um plano. — Eu disse com um encolher de ombros. —Eu vou levar.

—Pergunta. — Ethan interrompeu. —Uh, então, primeiro de tudo... Essa era a rainha dos fae?

—Um deles, sim. — Respondeu Gwydion, relutante.

—Este lugar é de onde os fae vêm? — Ethan assumiu, gesticulando amplamente para Tir Na Nog.

—Não. — Disse Gwydion com um suspiro. —Esta é apenas a sede da Corte Seelie. Francamente, não se sabe de qual das Outras Terras os Fae emergiram, e supõe-se que o acesso a esse lugar tenha sido perdido.

—Como chegamos lá? — Ethan perguntou, ignorando as questões maiores que a declaração levantou. Repeti brevemente tudo o que havia acontecido entre Gwydion sendo alvejado e eles acordando em frente à rainha. Gwydion esfregou a flecha no ombro com uma careta como eu mencionei.

—Tudo bem. — Ele disse, balançando a cabeça. —Acho que já entendi. Mais uma pergunta. Como vamos encontrar Gil?

—Eu posso ser capaz de ajudá-los com isso.

Erguemos os olhos quando o homem de barba e a coroa de ouro, Hern, saiu dos portões do palácio ao nosso lado.

—Sua Alteza. Por que você nos ajudaria? — Gwydion perguntou sem rodeios.

—Sou o melhor caçador da Corte de Verão. — Respondeu Hern, igualmente direto. — Minha sombra na corte de inverno tem uma posição semelhante. Nenhum de nós jamais deixou escapar uma coisa que declaramos presa. Para que seu irmão tenha passado por meu território despercebido, e eu passo por sua trilha e não a sinta, é um insulto indescritível. Se minha sombra soubesse disso, a vergonha acabaria com nós dois. Devo segui-lo, pelo menos até onde ele foi em Tir Na Nog, por minha própria honra.

—Então você terá sua honra e nossa gratidão, rei Hern. — Gwydion confirmou.

—Eu também vou ter isso. — Disse Hern, apontando para mim. Meus olhos se arregalaram por um momento, antes que ele esclarecesse. —Ali, no seu casaco. No bolso. A chave que abre as portas entre os mundos.

Enfiei a mão no bolso do casaco de Gwydion e minha mão se fechou em torno de algo de madeira. Quando o tirei, ele se transformou em Cajado de Abeona. Gwydion empalideceu.

—Você não retribuirá meus esforços em seu nome com mera gratidão vazia. — Disse Hern. —Você vai me dar isso, e eu expandirei minhas áreas de caça para todos os mundos.

—Tenho outras bugigangas. — Afirmou Gwydion. —Coisas de muito mais utilidade para você do que para o pessoal. O Chifre de Caça que sua sombra perdeu na última vez que a Caçada Selvagem atravessou o reino mortal. Um sapato lançado do casco de Sleipner, que dará a qualquer montaria que a use a velocidade do rei dos cavalos.

—É esse cajado que eu quero. — Declarou Hern. —E eu terei isso ou nada.

—Então nada. — Disse Gwydion entre dentes. —E vamos encontrar Gilfaethwy por conta própria.

—Você confundiu minha oferta de caridade. — Disse Hern, frio e alto, a luz brilhando em sua coroa. —Caçarei Gilfaethwy com ou sem você. E se você me recusar, certamente o encontrarei diante de você e o devolverei à minha rainha pelos dentes dos meus cães. Aceite minha ajuda, me dê o cajado e eu lhe darei um avanço.

Até eu poderia dizer que estávamos sem opções.

—Precisamos pegá-lo. — Eu disse, interrompendo a despeito do quão ruim meu acordo foi na última vez. —Podemos dar a você depois que ele for entregue à rainha?

Hern considerou por um momento.

—Eu exigiria um vínculo. — Disse ele. —Garantia para garantir o pagamento. Um dos humanos faria.

—Não. — Eu disse imediatamente.

—Eles não seriam prejudicados. — Insistiu Hern. —E seria devolvido imediatamente após a entrega da equipe.

—Algo mais. — Eu insisti. —Nenhum humano.

—Aqui. — Gwydion enfiou a mão no casaco que eu ainda estava vestindo e tirou outra coisa, que reconheci após um breve vislumbre como o Espelho Branco e rapidamente desviou os olhos. —Isso. Você estava lá na noite do erro de Gilfaethwy. Você sabe o quanto eu o valorizo e o que significaria se fosse perdido para mim. É um seguro muito maior do que a vida de algumas espécies de pássaros como esses.

Hern pensou por um momento e depois balançou a cabeça.

—Essa coisa ofende os olhos da minha rainha. Eu não aceitaria isso por nenhum preço. É o cajado, ou nada.

Troquei um olhar com Gwydion, que rangeu os dentes e finalmente tirou o bastão de mim, entregando-o a Hern.

—O acordo está fechado. — Disse Hern, encolhendo o cajado e enfiando-o em seu gibão de ouro. — Encontrarei por qual porta Gilfaethwy saiu de Tir Na Nog e deixarei vocês para segui-lo por três noites. Quando a lua surgir na quarta noite, irei atrás dele eu mesmo. Se vocês não devolverem o traidor à rainha, então eu irei, e vocês se renderão à misericórdia da rainha como fracassos. Corram e eu os caçarei até o fim de todos os mundos.

 


Capitulo Doze


Nosso prazo foi reduzido de quinze dias para três dias e seguimos Hern, o Caçador, de volta às florestas de Tir Na Nog. Nós três já estávamos completamente sóbrios, a maravilha infantil da intoxicação mágica, fadada a uma desconfiança ansiosa de tudo o que viamos.

Hern nos emprestou cavalos para cavalgar ao lado de sua equipe de caça, em troca de três sílabas com o nome verdadeiro de um cavaleiro Unseelie que era o rival de alguém que ele gostava. Eu estava começando a aprender que segredos e favores eram a moeda corrente aqui, e absolutamente nada era dado livremente.

—O conceito de dívida é abominável para os Fae. — Explicou Cole quando mencionei isso. —Deixar uma dívida não paga é deixar outra pessoa com poder sobre você, em um sentido muito literal. Se Hern tivesse nos dado os cavalos e Gwydion não tivesse insistido em discutir como estava pagando por eles antes de aceitar, ele o faria. Deu a Hern um cheque em branco para nos deter mais tarde. Ele poderia ter exigido qualquer coisa, e Gwydion teria sido obrigado pela lei a entregá-lo. É por isso que alguns Fae ficam tão irritados se você tentar agradecê-los ou pagá-los.

—Então, o que Gwydion estava dizendo que Hern teria nossa gratidão mais cedo? — Eu perguntei.

—Foi um truque. — Disse Cole com um encolher de ombros. —Hern fez uma oferta padrão de um favor, que apenas um idiota aceitaria, mas é a abertura tradicional. Gwydion tentou interpretar a oferta de Hern como algo que Hern estava fazendo por si mesmo, não um favor que incorreria em dívida aberta ou um serviço que seria exigir pagamento, já que coincidentemente estaríamos nos beneficiando de seus esforços. Ele provavelmente passou muito tempo com seres humanos. Se Hern fosse estúpido, ele poderia ter entendido isso como um cheque em branco e aceito. Mas considerando que parece que Hern é o favorito da rainha no momento, ele provavelmente não é burro, e a implicação o insultou. Hern imediatamente esclareceu que estava oferecendo um serviço, exigiu um preço que sabia que Gwydion não gostaria de pagar e acrescentou uma ameaça em boa medida, como ele estava considerando, Hern teria tido motivos para atacá-lo pelo insulto.

—Deus, faes são uma merda. — Eu disse, esfregando a mão no rosto.

—Amém. — Ethan entrou na conversa.

As montarias de faes, pelo menos, eram extremamente bem comportadas. Eles eram um passeio mais suave do que a maioria dos carros em que eu tinha estado e não exigiam nenhuma direção de nós, o que era bom, já que apenas Ethan realmente sabia andar. Cole nunca tinha visto um cavalo de perto e ficou um pouco intimidado por toda a situação.

Passamos novamente pelo prado das flores de sino, e os cavaleiros de Hern tocaram uma música de marcha, um grande coro de vozes masculinas tão poderosas e unificadas que sacudiram as árvores e abafaram completamente o toque dos sinos. Eu não sabia dizer o que eles cantavam, as palavras derretiam no cérebro como manteiga na boca. Mas eu sabia que isso fazia meu sangue pulsar e meu coração disparar de emoção, ansioso para correr, perseguir e ser perseguida. Caçar e ser caçada. Não era a compulsão emocionante de muitas das outras influências que eu ouvi desde que estive aqui. Teria sido fácil confundir o desejo com o meu. O que, penso, só o tornou mais perigoso.

Passamos pela clareira onde vimos o Unicórnio, e vi Gwydion convocando a tela cheia de texto mágico novamente, procurando sinais de Gilfaethwy e ficando cada vez mais frustrado com o passar do tempo. Mas Hern avançou com total confiança e sem hesitação, parando apenas raramente para consultar o bando de cães excitáveis que vagavam em torno dos cascos de seu cavalo, que decolariam em uma cavalgada multicolorida de latidos animados em uma direção ou outra, e Hern faria orientar a equipe de caça para segui-los.

Finalmente, no que parecia um prado arbitrário entre as árvores, os cães começaram a latir e uivar, correndo em torno de um ponto no centro do prado.

Hern desceu do cavalo e se inclinou para tocar a grama, pensativo. Gwydion examinou sua tela mágica, os olhos disparando freneticamente, mas eu pude ver que ele não viu nada.

—Encontrei a pedreira. — Hern anunciou, endireitando-se.

—Como?— Gwydion exigiu. —Não há vestígios mágicos de Gilfaethwy em lugar algum!

—Claro que não. — Respondeu Hern. —Não acompanho a trilha dele há algum tempo.

Gwydion cuspiu em indignação.

—Sua sombra é inteligente. — Continuou Hern. —Ele colocou um pouco de sua vontade em uma corça comum. Ele vagou pelos seus negócios, criando uma pista falsa óbvia, enquanto a sua melhor e mais escondida seguiu um caminho mais direto. Vestindo a forma da mesma corça, ele foi aos gnomos e os faes de barro. Assim que soube que ele seguira naquela direção, soube o que ele planejava e nos trouxe aqui.

—Onde é aqui? — Eu perguntei, olhando em volta para a clareira normal.

—Ele não tinha ajudantes. — Reuniu Gwydion. —E ele não pôde ficar aqui por tempo suficiente para recuperar o poder de se teletransportar novamente. Ele negociou com os gnomos para lhe abrir uma porta para os Campos Escuros.

—Só assim — Hern concordou. —E provavelmente pagou um preço caro por isso. Felizmente, eu conhecia esse lugar e, portanto, não temos motivos para negociar com o povo da terra a passagem para o seu lugar ancestral.

Ele assobiou e seus cães começaram a circular novamente no centro do prado, correndo cada vez mais rápido, até que eram apenas um borrão manchado e um uivo alto e estridente.

Quando não puderam ir mais rápido, dispersaram-se de uma só vez, cada cão correndo em outra direção para queimar o momento antes de retornar a Hern, que os cumprimentou com tapinhas e guloseimas em seu alforje.

Onde eles estavam correndo, um buraco se abriu na terra.

Era o buraco mais escuro que eu já tinha visto, com as mesmas qualidades vazias sem fundo que o vazio atrás das portas no julgamento da porta demoníaca azul.

—O caminho está aberto para vocês. — Declarou Hern. —Vão em frente, e boa caça. Estarei atrás de vocês daqui a três dias, e se a presa tola permanecer nos reinos mágicos, duvido que demore mais de um dia para capturá-lo. Se ele for para na Terra, pode me levar três. Então, eu sugiro que você se apressem.

—Sua ajuda é apreciada. — Disse Gwydion, tenso. —E devidamente paga.

Hern assentiu. —Não há dívida. No entanto...

Gwydion deu um passo em direção ao buraco e parou enquanto Hern falava. Hern avançou com um belo cão de visão prateado, elegante e comprido, com finos olhos escuros.

—Eu estaria disposto a lhe emprestar um dos meus cães. — Disse ele. —Ela é mais esperta do que a maioria dos fae, mais veloz que a luz e totalmente implacável. Ela teria sua sombra em suas mandíbulas ao amanhecer. Tudo o que eu pediria em troca é um dos seus humanos. O espinhoso de cabelos escuros, talvez. Ele faria um excelente terrier.

—Não, obrigada. — Eu disse antes que Gwydion pudesse responder, não querendo arriscar. —Nós temos nosso próprio cão.

Eu dei um tapinha em Ethan com um sorriso brincalhão.

—Isso não é um cão de caça. — Respondeu Hern, sem deixar vestígios de sorriso no rosto. —Isso é um lobo. Ele não tem mestre, e qualquer homem tolo o suficiente para tentar treiná-lo logo encontraria sua garganta nos dentes. Se você perguntar a minha sabedoria, é melhor deixar um animal como esse ser deixado na natureza ou abatido.

—Sinto muito. — Eu disse alto, pegando a mão de Ethan e puxando-o em direção ao buraco. —Eu não pude ouvir seu conselho não solicitado sobre o quanto eu amo meu namorado! Tchau!

Gwydion balançou a cabeça, mas a julgar pelo fato de o mundo não ter caído ao redor dos meus ouvidos, recusar-se a reconhecer seu conselho ‘dado livremente’ provavelmente era uma boa ideia. Ele me apontou para o buraco e, vendo que não havia escada ou degraus, dei de ombros e pulei.

A escuridão passou correndo por mim, uivando em meus ouvidos. Terra fria roçou meus ombros quando eu me afastei muito de cada lado. Depois que eu cai pelo que pareceu uma eternidade (e comecei a me preocupar com a bagunça), houve um estranho movimento indutor de náusea no meu estômago e, de repente, eu estava caindo na outra direção, de cabeça primeiro.

Eu me esforcei para me endireitar, perdendo completamente a noção de cima e para baixo, preocupada de cair do mesmo buraco no colo de Hern.

Em vez disso, caí de pé em terra dura e negra.

Ethan pousou ao meu lado, tendo caído do nada e parecendo muito confuso. Cole o seguiu e, um segundo depois, Gwydion pousou também.

Enquanto isso, eu estava olhando em choque para o terreno ao nosso redor.

Dizer que era montanhoso era fazer um desserviço às montanhas. Havia picos irregulares, mas eles tinham pouco em comum com as montanhas da Terra, que eram majestosas erupções de pedra envoltas em vegetação e neve. Esses... tumultos de solo negro pareciam ter mais em comum com a sujeira agitada após uma extensa construção. E não havia nada verde. Nenhuma árvore morta ou erva murcha até onde os olhos podiam ver. A terra parecia explodida, queimada e atropelada por um trator. O céu era de um laranja sombrio desbotando para um vermelho feio da cor da pele rasgada. Não consegui encontrar o sol.

—Os Campos Escuros. — Gwydion nos apresentou antes que pudéssemos começar a fazer perguntas. —Lar dos anões. Muitos dos Fae que vivem no solo ou sob o solo consideram que este foi seu lar ancestral até que, de acordo com a tradição oral e precisamente nenhum registro em primeira mão ou evidência física, a indústria furiosa dos anões que habitam profundezas queimaram a superfície da vida e afastaram todas elas, o que provavelmente é uma invenção destinada a distingui-las do resto da corte que, como eu disse antes, perdeu toda a memória de nosso reino nativo há tanto tempo que nem as rainhas se lembram disso.

—Isso aconteceu antes de serem coroados? — Eu perguntei.

—Possivelmente.

—Então, a rainha não governa para sempre?

Gwydion me deu um olhar estranho antes de responder.

—Em teoria. Todos os Fae são imortais, mas nós não somos Verdadeiros Imortais. Os Verdadeiros Imortais não podem realmente ser mortos de nenhuma maneira. Os Imortais regulares simplesmente requerem circunstâncias específicas e, muitas vezes, encontram o caminho de volta à vida, independentemente através das fileiras da corte, o número de vulnerabilidades que temos se torna cada vez menor. A realeza logo abaixo dos monarcas reinantes é invulnerável a quase tudo, exceto profecias, heróis e uns aos outros. As rainhas reinantes e seus reis caídos estavam acima mesmo assim, voltando mesmo depois de serem mortos por Heróis, ou um pelo outro. Mas o problema com Oberon e Morozko deixou alguns se perguntando se talvez as circunstâncias para matar um monarca fossem simplesmente mais específicas do que pensávamos. Se os monarcas não são eternos, como é feito um monarca? Nunca houve outras rainhas além de Mab e Titânia. Nenhum rei além de Morozko e Oberon. Não na memória viva. Histórias antigas que mencionam coroações e casamentos reais. Até crianças. O que implica que as coisas nem sempre foram como são. E com a perda dos reis, elas podem mudar novamente.

Eu não esperava uma resposta tão extensa e não tinha certeza do que fazer com ela, além de aceitar que Gwydion realmente gostava do som de sua própria voz.

—Então, por que Gil veio aqui? — Cole perguntou, chutando uma pedra, que derrapou na encosta em que estávamos em uma pequena cascata de cinzas e sujeira enegrecida.

—Considerando que ele parece ter vindo aqui deliberadamente, não apenas em uma tentativa contínua de nos jogar fora — Disse Gwydion, caminhando ao longo da encosta, — Presumo que ele esteja aqui para ver os anões. O que colocou uma idéia muito desagradável na minha cabeça.

—O que é? — Eu perguntei enquanto o seguíamos.

—O vidro do meu artífice é feito pelos anões. — Disse Gwydion, sombrio.

Isso não me explicou nada, mas por mais que Gwydion gostasse de se ouvir falar, ele gostava mais de drama. Ele não deu mais detalhes enquanto caminhávamos pela terra queimada.

—Deveria haver uma porta aqui perto. — Disse ele, olhando as encostas ásperas à frente.

—Por que o túnel nos deixou aqui? — Eu perguntei. —Estou assumindo que os anões estão todos no subsolo, certo?

—Correto. — Confirmou Gwydion. —Mas nenhuma mágica, exceto a mágica dos anões, funciona abaixo do solo aqui. Há mágica no ar. Você pode lançar tudo o que gosta acima do solo. Mas sob a terra, ela é apagada como uma vela. Os anões aprenderam a bombear a magia da superfície, batendo-a em uma forma sólida e criando magníficas ferramentas e encantamentos. Dizem que eles inventaram todo o conceito de encantamento. Mas nenhuma mágica ou magia natural funcionará em seus corredores.

—Isso é preocupante. — Murmurei. Curiosamente, procurei qualquer coisa morta que pudesse usar, mas não havia nada dentro do alcance. Tudo o que havia morrido aqui havia morrido há tanto tempo que não havia mais vestígios, nem mesmo ossos. O próprio planeta era uma grande coisa morta, e eu tinha certeza que nem Aethon tinha poder suficiente para aumentar.

Mas logo chegamos a uma porta de pedra indefinida, situada em uma colina em ruínas e coberta de cinzas. Gwydion bateu com força e sentou-se na terra.

—Sente-se. — Ele aconselhou. —Vai demorar um pouco. Eles precisam subir. Essas portas não são usadas com frequência.

—Você tem certeza que eles ouviram? — Eu perguntei, sentando-me.

—Oh, certamente. — Confirmou Gwydion, recostando-se na colina e fechando os olhos. —Estamos pisando no telhado. Eles sabem que estamos aqui. O importante é nos anunciar como convidados, em vez de intrusos. A lei dos anões não é como a lei dos Fae, mas eu tenho um pouco de compreensão disso.

Então nós esperamos. Depois de toda pressa e estresse, parecia estranho estar esperando. Isso me deixou inquieta e com coceira. Cole e Ethan pareciam ansiosos também.

Eu assisti o céu, supondo que fosse pôr do sol e seria noite em breve. Mas as cores não mudaram e a luz não desapareceu, o que me deixou desconfortável.

—Podemos dar ao luxo de esperar assim? — Eu perguntei. —Temos apenas três dias.

—Menos que isso. — Respondeu Gwydion. —O tempo se move de maneira diferente aqui em Tir Na Nog. Os anões minaram o sol, você vê. Então, tudo fica parado. Enquanto isso, o tempo relativo dos outros reinos corre sem ele. Provavelmente já perdemos meio dia, A oferta de Hern de três dias foi uma piada cruel. Estou apenas esperando que os anões nos deixem entrar antes que ele chegue. Hern tentará atacar com todos os seus cães, e os anões o matarão ou o jogarão no mínimo e possivelmente nos comprar algum tempo.

Eu olhei para Gwydion quando o horror tomou conta de mim. Ethan e Cole estavam prestando atenção agora também.

—Por que você não disse algo sobre o tempo antes? — Eu disse, lutando contra o desejo de sacudi-lo. —Não podemos ficar sentados aqui! Precisamos fazer alguma coisa!

Eu pulei de pé, tentando encontrar uma maneira de abrir a porta. Ethan apenas apoiou a cabeça nos joelhos. Cole levantou-se para me ajudar com a porta, embora ele se movesse mais devagar.

Em sua defesa, Gwydion pelo menos pareceu um pouco surpreso com a minha angústia.

—Eu pensei que já tinha explicado que conceitos como tempo não funcionam da mesma forma nas Outras Terras. — Disse ele com uma careta. —Você não entendeu?

—Claramente, não o entendemos. — Respondeu Cole por mim. —Ficamos com a impressão aparentemente equivocada de que realmente tivemos uma chance.

Gwydion suspirou e se levantou, me puxando gentilmente para longe da porta. Eu considerei fortemente dar um soco nele, mas algo em sua expressão me fez hesitar.

—Ainda temos uma chance. — Disse ele, me olhando nos olhos. Eu não tinha percebido o quão raramente ele fazia isso antes agora. —É menos tempo do que pensávamos, mas não é uma sentença de morte. E agora, nossa melhor opção é apenas ser paciente. Não há mais nada que possamos fazer.

Sentei-me de novo, passando as mãos pelos cabelos enquanto minha cabeça latejava com uma dor de cabeça tensa que se formava desde antes de aterrissarmos em Tir Na Nog.

—Isso é culpa minha. — Eu gemi. —Eu nunca deveria ter tentado falar com a rainha. Eu não deveria ter parado para acariciar o unicórnio. Eu não deveria ter te distraído para que Gil pudesse escapar em primeiro lugar. Eu nunca deveria ter tocado aquela vela estúpida...

—Isso é bastante presunçoso da sua parte. — Zombou Gwydion, o que não era a reação que eu esperava. Ele se sentou ao meu lado enquanto eu esperava que ele elaborasse. —Com o que eu quero dizer, acredito que você está inflando bastante sua própria importância nessas coisas. Tenho quase certeza de que tudo teria acontecido mais ou menos da mesma maneira. Estou certo de que nossa posição seria realmente pior se você tivesse não divertisse a rainha. Eu certamente não estava em posição de barganhar, e você nos comprou tempo, o que não é pouca coisa e muitas vezes tudo o que realmente pode ser feito. Hern ainda nos pegaria, mesmo que não parássemos para o unicórnio, e acredito que sem a influência dele, você não seria capaz de enfrentar a rainha. Quanto a Gil e a vela, bem, essas duas coisas foram totalmente minha culpa.

—Eu me perder em sua casa e tropeçar em um de seus artefatos não foi sua culpa. — Protestei.

—Eu discordo. — Disse Gwydion calmamente. —Eu poderia ter avisado você sobre os perigos em minha casa. Eu poderia ter levado você a um lugar confortável para esperar e lhe dito para não vagar. Eu poderia ter te libertado da porta e depois retornado às minhas responsabilidades. Mas, como em expondo você à vela, optei por não, porque queria ver o que aconteceria. O que, embora seja uma razão compreensível para a maioria das fae, é uma desculpa ruim para os humanos.

—Gil disse a mesma coisa sobre a maldição de Ethan. — Lembrei. —Ele tinha que ver o que aconteceria.

—É uma compulsão dos fae. — Disse Gwydion com um encolher de ombros. —Mas não inegável. Eu poderia ter resistido ao desejo. Que eu não fiz isso não é culpa de ninguém, mas é minha.

—Eu também poderia ter resistido. — Apontei. —Eu não tinha que pegar a vela. Eu não tinha que vagar em sua casa estúpida. Eu não tinha que aceitar sua... oferta, no jantar.

—Então, qualquer culpa que você carregue é diminuída pelo fato de você não ter ideia do que estava fazendo, e eu fiz.

Eu bufei de frustração.

—Eu definitivamente sabia o que estava fazendo no jantar. — Eu disse. —Eu sabia que ninguém estava de olho em Gil.

—Você supôs que eu não o teria deixado se não tivesse certeza de que ele estava seguro. — Disse Gwydion com um encolher de ombros. —E nós dois estávamos um pouco frustrados e distraídos, se bem me lembro. Se você era um pouco ingênua em acreditar que eu poderia confiar, isso dificilmente é um crime.

—Por que você não deixa isso ser minha culpa? — Eu perguntei, agitação crescente. Gwydion me encarou com um olhar curioso.

—Por que você quer que seja sua culpa?

Recostei-me, mal percebendo que estava de pé novamente.

—Eu não sei. — Eu disse, passando a mão pelo meu cabelo novamente. Eu o endireitei na manhã em que saímos da casa da minha tia, há quanto tempo isso era agora, mas entre o mergulho em Costa Distante e toda a volta, estava ficando completamente encaracolado novamente e rígido com água salgada. —Problemas de controle, provavelmente.

—Você parece ter aqueles em espadas.

—Sim, estou começando a descobrir isso.

Ele colocou a mão no meu ombro, o gesto um pouco rígido, mas eu poderia dizer que ele estava tentando me confortar.

—Por que você está sendo legal comigo? — Eu perguntei. Pensando bem, durante todo o caminho em Tir Na Nog, ele tinha sido extraordinariamente atencioso. Para ele de qualquer maneira.

—Você salvou minha vida. — Ressaltou. —De uma maneira bastante fantástica.

—Você realmente teria morrido? — Eu apontei. Ele encolheu os ombros.

—Quem pode dizer? Afogar-me não é tipicamente uma das maneiras pelas quais eu posso morrer. Mas a Costa Distante é um lugar estranho. A morte se aproxima da superfície. A imortalidade é um pouco mais porosa do que o habitual. E eu estava com pouca mágica. Pode ter certeza de que eu ficaria inconsciente por muito mais tempo do que você precisaria morrer de fome ou sede ou ficar desesperada o suficiente para tentar usar o bastão, destruindo assim as moléculas. Eu teria acabado sozinho, à deriva em coma, e adivinhar o que poderia acontecer então, em um lugar como Costa Distante, só pode ser especulação infundada.

—Então, você me deve? — Eu perguntei, franzindo a testa. —Cole mencionou que vocês odeiam isso.

Gwydion desviou o olhar, os olhos examinando a paisagem árida e torturada.

—Não é tão simples. — Disse ele por fim, quieto como este planeta silencioso. —Existe uma dívida. Mas eu não me ressinto. Existem alguns grilhões que até usamos de bom grado.

Percebendo que havia algo que ele não estava me dizendo, fiquei quieta e esperei que ele gostasse de se ouvir falar para tirá-lo melhor. Mas ele não disse mais nada. Abri minha boca para induzi-lo, apenas para ser interrompida pelo raspar de pedra quando a porta na cidade de Dwarven se abriu.

 

 

 

 

 

 

 

 


Capitulo Treze


O anão não se parecia com o que eu esperava.

Eu havia antecipado algo parecido com o que as pessoas com nanismo eram na Terra. Curto e atarracado, provavelmente com barbas. Que fantasia havia me dito que os anões se pareciam a vida toda.

O anão na minha frente, no entanto, parecia algo entre um texugo e uma toupeira de nariz estrelado.

Era curto, mais ou menos um metro e oitenta, e coberto por um denso pelo cinza. Seu pelo afinava até um subpelo mais elegante, perto do delicado órgão sensorial rosa no centro de seu rosto pontudo e sem olhos, e nas costas de suas patas dianteiras, equipadas com garras longas e perversamente curvas. Seu 'nariz' se contorcia de forma independente, de uma maneira fascinante e também um pouco nauseante de assistir. Usava um avental de couro e nada mais. Andava um pouco inclinado para a frente, como se preferisse andar de quatro.

—Você tem sorte de eu ainda estar tão perto da superfície. — Disse o anão com uma voz surpreendentemente genial enquanto nos conduzia para os túneis de terra apagados. —O forte da Primeira Vigia fica a uma curta caminhada de distância desta porta normalmente. Mas eu tive que deixar algum outro idiota dominado pelo sol entrar em menos de meio turno atrás.

Gwydion tirou um pequeno acessório encantado de seu casaco, que parecia o tipo de bolas de cristal que eu imaginava antes. Ele sussurrou uma palavra e brilhou o suficiente para iluminar vagamente o nosso caminho. Pela fraca luz empoeirada da mariposa, trocamos um olhar significativo.

—Onde ele foi? — Eu perguntei. —O idiota do sol, quero dizer.

—Não perguntei. — Disse o anão com um encolher de ombros. —Ele já alcançou a Primeira Vigilância a essa altura e eles o enviarão para onde ele pretender ir.

—Você não estava curioso? — Eu perguntei. —Quero dizer, pessoas de outros mundos vêm aqui com tanta frequência?

—Eu imagino que ele ficou agradecido por sair do sol! — O anão riu. Seu focinho comprido estava cheio de dentes afiados e finos, e ele não se virou nem olhou para nós quando falou. Provavelmente devido à falta de olhos. —Eu não consigo entender por que vocês correm por mundos que ainda os possuem. Mineramos o nosso e a luz ainda é insuportável.

Pensei em perguntar como ele poderia dizer, considerando que ele não tinha olhos, mas decidi que poderia ser rude.

—Acho que é exatamente com o que estamos acostumados. — Disse diplomaticamente. —Nascer lá em cima e tudo.

—Bem, está tudo bem. — Disse o anão com um tom distinto de pena. —As portas da Cidade Baixa estão abertas a todas as pobres massas queimadas pelo sol. Temos espaço suficiente para todos, e sempre há trabalho a ser feito. Eu imagino que vocês todos acabarão aqui eventualmente, uma vez que se espalhe a notícia de que há uma alternativa para viver na superfície. Em que trabalho você espera ser colocado?

—Uh, nós não somos-

—Você nunca conseguirá um emprego em engenharia, então não se preocupe. Nenhum anão que valha a bigode confiaria em um túnel construído por um da superfície. Você simplesmente não tem o menor sentido, sem ofensa. Ouço que algumas da superfícies fazem encantadores decentes, mas não há mobilidade para isso, mas posso dizer bem ao capataz da mina Fernfossil, se quiser, encontrar um bom trabalho sólido no transporte de solo e valorizados. Limpe o solo por apenas algumas décadas e você pode abrir sua própria empresa.

—Na verdade, não estamos procurando trabalho. — Eu disse rapidamente antes que o anão pudesse continuar falando. —Estamos apenas tentando encontrar o homem que veio aqui mais cedo. Então vamos embora.

Isso realmente fez o anão parar.

—Por que diabos você quer fazer isso? — Ele perguntou. —Agora que você sabe como é adorável, fresco e escuro aqui em baixo? — Comecei a explicar, mas ele me dispensou com um aceno de suas longas garras. —Você mudará sua música quando vir a cidade. Melhor construção em todos os mundos.

O anão parecia um pouco ofendido e não falou muito mais enquanto continuávamos descendo o túnel.

Um turno, ao que parece, durou cerca de quatro horas, e a Primeira Vigilância estava a um turno da porta. Enquanto caminhávamos, o túnel mudou lentamente de terra nua para terra empacotada com pedra, pedra esculpida e tijolo fino. Havia uma ênfase definida na função sobre a forma, pelo menos pelo que podíamos ver pela luz fraca de Gwydion, mas ao mesmo tempo, os corredores eram amplos, confortáveis e bem conservados. Não estávamos tropeçando em tijolos soltos, e o ar estava relativamente fresco. O único problema era a falta de fontes de luz.

Ainda assim, já estávamos há um tempo antes de chegarmos aqui. Ethan e Cole haviam conseguido algumas horas de descanso na casa de Gwydion (e eu tinha comida possivelmente encantada e sexo possivelmente mágico), mas isso não compensava as horas que passávamos por reinos mágicos sem nem mesmo uma pausa para o almoço. Estávamos todos começando a parecer bastante irregulares.

Os confortáveis túneis anões apresentavam bancos e fontes regulares de pedra esculpida, trazendo água fria da nascente mais para baixo, mas nosso guia parou para usá-los menos da metade com a frequência que gostaríamos que ele usasse e, em geral, não parecia se cansar. Ele andava devagar, falando apenas ocasionalmente para comentar sobre o tipo ou a qualidade da pedra que estávamos passando.

—Há muita diversidade nesses túneis! — Ele alegou. —É mais eficiente usar pedra local sempre que possível, em vez de transportar tijolos de mais fundo. Então, você ver todos os tipos de técnicas inteligentes usadas para tirar proveito da pedra menos do que a ideal, mantendo tudo dentro dos altos padrões da Código do engenheiro. Pegue este gesso, por exemplo...

Ele continuou assim por um tempo. Aprendi depois de uma ou duas dessas palestras que ele só se ofendia se eu tentasse contribuir com a conversa. Então, todos ouvimos em silêncio, aprendendo mais sobre geologia do que qualquer um de nós jamais se interessou em saber.

Finalmente, a Primeira Vigilância apareceu. Com o que quero dizer, o túnel terminava em um par de portas pesadas, que os Anões introduziram como forte, com grande orgulho. Depois das portas, era um pouco mais impressionante. As portas se abriram para uma ampla calçada, que serpenteava para baixo e para longe de nós, ao redor dos lados de um grande caldeirão. Era iluminado pela primeira vez por uma enorme esfera presa em anéis de latão pendurados no teto, que brilhavam com o que parecia ser a luz do sol.

—Uhg. — O anão fez uma careta. —Sinto muito por isso. Desvantagem de morar em qualquer um dos Fortes. O superintendente do Anel insiste em manter os turnos claros onde essas malditas lanternas estão acesas. Muitos da superfícies vivem nos fortes. Aparentemente, isso ajuda a se adaptar.

As paredes da cratera afundada estavam abarrotadas de prédios esculpidos, seu tamanho e estilo eram extremamente regulares e eficientes, sem perda de espaço. Olhando para baixo, o Forte parecia uma cidade pequena, cheia de vida, nem toda idêntica ao Anão ao nosso lado. Quando ele nos levou para o Forte, um carrinho passou por duas criaturas humanóides do tamanho de anões, que pareciam ser feitas de pedra bruta. Eles eram tão sem olhos quanto os anões e nos ignoraram completamente. Ethan, distraído olhando de soslaio para a lanterna, esbarrou em um deles. Ele se desculpou profusamente, mas não notaram ou reconheceram a colisão ou o pedido de desculpas, apenas se endireitaram e continuaran.

—Não se preocupe. — Disse o anão. —Os Construtos não estão vivos. Eles são apenas material de sucata encantado que usamos para tarefas domésticas ou trabalhos muito perigosos para arriscar os Anões.

—Oh. — Ethan disse, cuidando do carrinho em retirada com uma expressão preocupada. —Eles não podem... sentir as coisas, podem?

—Claro que não. — Zombou o anão. —Eles são feitos de pedra. Sem terminações nervosas, sem cérebros para pensamentos complexos. Se não lhes disserem para sair durante um desmoronamento, eles simplesmente ficarão lá e se deixarão enterrados. Os roteiristas precisam escrever tudo. Seus comportamentos no papel e assados quando são feitos, e eles não podem fazer nada que não esteja nesse papel, a menos que você os abra e adicione novos comportamentos. Eles estão apenas movendo ferramentas, amigo. Você não vai perguntar a uma broca se ela tem sentimentos só porque acontece, não é?

—Não, mas uma broca não tem o formato de uma pessoa. — Disse Ethan defensivamente. O anão deu de ombros.

—É uma forma eficiente. Versátil. E é o que construímos para todas as portas para caberem.

Um ponto decente.

—E se alguém escrevesse um comportamento como 'estar vivo' ou 'pensar com identidade' ou algo em seu papel? — Eu perguntei curiosa.

—Você acha que eles não tentaram isso logo? — O anão riu. —Alguns dos roteiristas particularmente excêntricos ainda estão tentando. Mas você não pode usar um martelo para um balde e não pode fazer uma pedra pensar que é uma pessoa.

Ainda assim, finalmente chegamos a um tópico de conversa sobre o qual eu não conseguia ofender o sujeito que estava falando, então conversamos sobre as tentativas fracassadas do roteirista de fazer um constructo vivo (parecia haver duas grandes escolas de pensamento sobre o assunto, um escrevendo comportamentos muito amplos abertos à interpretação e o outro escrevendo listas cada vez mais específicas e detalhadas de todas as minúcias da vida - mais os maçons radicais que pensavam que a resposta era esculpir os cérebros dos Construtos, que geralmente eram considerados malucos) até o fundo do forte. O forte era realmente muito bom. Eu não sabia o suficiente sobre arquitetura para apreciar a qualidade da construção, e qualquer floreio artístico tendia a ser tátil ou até auditivo, então não havia muito o que olhar. Mas os anões claramente tinham talento para o planejamento da cidade. Tudo era eficiente, limpo, fácil de navegar, provavelmente bem rotulado, embora eu não pudesse ler a sinalização anã e, como no túnel da porta da frente, sempre havia muitos lugares para sentar e uma fonte quando você queria uma. Havia até canteiros de flores e espaços verdes, embora fossem baseados em fungos e musgos.

—Agora, é provável que seu amigo tenha ido até o escritório de refugiados. — Disse o anão, apontando para um prédio com uma placa complexa em anão ilegível. —Ele precisaria de um passe de trem para deixar o forte. Eles deveriam poder lhe dizer para onde ele foi.

Dissemos adeus ao nosso guia que, apesar de tudo, tinha sido bastante gentil, e seguimos para o Escritório de Refugiados.

Era um prédio pequeno e eficiente, com assentos confortáveis e um anão amigável na recepção, que ficou encantado em nos ver, pois raramente viam mais de um ou dois refugiados em um dia. Fiz uma tentativa inútil de garantir que não éramos refugiados e não planejávamos ficar. Eles apenas nos garantiram que mudaríamos de ideia e nos deram nossos pacotes de orientação, que incluíam o passe de trem que nosso guia havia mencionado - um pedaço fino de lata ou alumínio duro, talvez com nossos nomes, espécies e portão de entrada. Após algumas discussões, o escrivão também cedeu e nos disse para onde Gil havia ido.

—Ele foi para a cidade central, para o palácio antigo. — Explicou o anão. —Alegou que ele tinha negócios urgentes com o rei. Queria saber se havia uma linha expressa.

—Existe? — Eu disse, meu coração batendo mais rápido, mesmo com um pouco de progresso. O anão fez um gesto ambivalente.

—Se você pegar o trem daqui até a mina de Limespire no segundo anel e depois transferir para a Linha R, ela para no distrito histórico do governo. Mas você precisará de autorização de turismo em seus cartões de trem. Gostamos de ficar de olho em o movimento de novos cidadãos, apenas por precaução. Depois de uma década ou mais, você poderá se mover livremente entre os anéis, como qualquer cidadão.

—Você pode nos dar isso? — Eu disse impaciente. —Autorização de turismo? Precisamos ver o rei também.

—Bem, eu posso. — Disse o anão, hesitante. —Mas vocês tem certeza de que é isso que você querem? Quero dizer, é apenas que não tenho certeza de que seu amigo sabia exatamente o que estava fazendo. Ele parecia pensar que o rei poderia ajudá-lo com alguma coisa, mas, bem, somos parlamentares. Monarquia. O rei é um velho simpático e todos nós o amamos, mas não é como se ele realmente tomasse alguma decisão. Se ele quisesse conversar com a União dos Engenheiros, talvez, ou o Parlamento dos Superintendentes, até o nosso capataz local...

O anão parou sem esperança.

—Sim, ele é um idiota. — Eu concordei imediatamente. —Também não sabemos o que ele está planejando. É por isso que precisamos alcançá-lo o mais rápido possível e impedi-lo de fazer algo estúpido.

O anão da mesa suspirou e pegou nossas cartas de trem de volta, usando um dispositivo que parecia um furador pesado para carimbar um quadrado estriado no canto de cada uma de nossas cartas, o que aparentemente nos deu permissão para turismo.

Sem perder tempo, seguimos apressadamente na direção em que o recepcionista nos dissera que poderíamos encontrar a estação de trem. No meio do caminho, a mudança brilhante terminou, e a enorme luz da lanterna desapareceu quando grossas cortinas de metal foram desenhadas em torno dela. Gwydion pegou seu pequeno globo de luz novamente e navegamos pela cidade no semi-escuro. Ocasionalmente, víamos outros não-anões, outros refugiados, cuidando de seus negócios à luz de dispositivos mágicos como os de Gwydion ou lâmpadas que pareciam ser versões em miniatura da lanterna. Não havia muitos, e quase nenhum deles era remotamente humanoide.

Felizmente, o trem não estava muito cheio, mas a maioria dos outros passageiros era anão, que nos deu olhares curiosos ao encontrarmos lugares frente a frente.

—Finalmente desistiram do sol, hein? — Um perguntou alto e amigável. Eu apenas sorri e assenti.

—Você não vai se arrepender! — o anão me assegurou.

Eu não tinha certeza do que pensar dos anões. Eles certamente eram amigáveis. E avançados, para uma espécie de fantasia que vivia no subsolo em outro universo. Eles tinham transporte público (a viagem de trem era o cheiro mais suave e agradável que eu já havia experimentado) e, de acordo com o pacote de orientação, assistência médica gratuita. Mas havia algo apenas um pouco fora da coisa toda. Talvez não fosse familiar, ou porque eles insistiam que eu não iria querer sair.

 


Capitulo Quatorze


O trem não tinha janelas, sendo os passageiros quase todos cegos. Mas havia um mapa de rotas na parede ao lado de nossos assentos. Era estrutural, destinado a ser lido pelo toque e não pela visão, mas pelo que pude decifrar, a Cidade Baixa era essencialmente uma versão maior e invertida da forma de cratera do Primeira Vigilância. Anéis de assentamentos subiam e desciam, ficando cada vez maiores. Estávamos indo em direção a um ponto próximo ao fundo, onde os anéis se tornavam menos distintos, ondulando em milhares de pequenos desvios e galhos que não estavam, presumivelmente, na linha de trem. O que eles eram, eu não poderia dizer.

Trocamos de trem no que parecia ser o equivalente a Grande Central, pulando na linha R. O R acabava por significar ‘áspero’, a textura usada para diferenciá-lo nos mapas. Havia uma linha suave, uma linha irregular e uma linha afiada...

Eu gostaria de poder apreciar as cidades e estruturas pelas quais estávamos passando. Mas estava escuro demais para ver qualquer coisa. As coisas só ficaram mais confusas quando chegamos ao distrito histórico do governo, que tinha avenidas amplas e elegantes e altos e belos edifícios, que nos fizeram sentir perdidos no escuro em um plano interminável de paralelepípedos até nos depararmos com uma fachada elaboradamente curvada. Curiosamente, também tínhamos visto menos anões quanto mais fundo chegávamos à cidade. Um local falador que pedimos orientações em Limespire havia dito que quase todo mundo estava trabalhando em projetos de expansão à margem. O que significava que, além de estarmos perdidos no escuro, estávamos perdidos em uma cidade estranhamente vazia e silenciosa no escuro.

—Já tive o suficiente dessa merda. — Disse Ethan. Ele parecia um pouco desconfortável desde que entramos no túnel. Eu estava começando a pensar que ele poderia ser um pouco claustrofóbico.

—Porra mesmo. — Cole concordou. —Não podemos ter mais luz, pelo menos?

—A menos que um de vocês tenha pensado em trazer uma lanterna. — Disse Gwydion, um pouco mal-humorado. Também não achei que ele estivesse gostando disso. Ou talvez estivesse apenas sendo separado de sua magia que ele não apreciava.

—Temos que estar perto do Palácio Antigo, certo? — Eu perguntei, olhando de soslaio para o mapa que um anão prestativo nos havia dado, que era obviamente todo em textura e, portanto, quase inútil. —Acho que foi a fonte em que quase caí foi a do lado de fora do antigo prédio parlamentar. Se continuarmos em frente-

—Você estão perdidos, amigos? — Alguém gritou inaceitavelmente longe. Mas, novamente, os anões tinham uma audição muito melhor que os humanos. Talvez a distância aceitável para a comunicação gritada fosse diferente para eles.

Fomos em direção à voz até a luz de Gwydion iluminar um anão em armadura elaborada e, eu esperava, cerimonial.

—Estamos procurando o palácio antigo. — Eu disse. —Somos visitantes da superfície e precisamos falar com seu rei.

—Por que? — O anão perguntou, parecendo confuso. —Se é importante o suficiente para trazê-los até aqui, seria melhor conversar com o Parlamento dos Superintendentes.

—Não, nós definitivamente precisamos conversar com o rei. — Eu disse, exausta de ter essa conversa.

—Bem, este é o palácio antigo. — Disse o anão. —Eu vou mostrar, e vocês podem conversar com alguém sobre uma audiência, se o velho não estiver cochilando. — O anão, que imaginei ser algum tipo de guarda do palácio, riu com carinho. —Você sabe que ele dormiu um ano inteiro? Tivemos uma festa fantástica quando ele acordou.

O interior era tão vasto e escuro quanto o exterior, embora tenhamos caminhado sobre mármore macio e acetinado, em vez de pedras. Estávamos andando entre vários anões de importância indeterminada, a maioria dos quais nunca vimos bem, antes de finalmente chegarmos a alguém que, presumivelmente, tinha autoridade para decidir se poderíamos ver o rei.

—Sinto muito. — Disseram eles, invisíveis fora do alcance da luz do outro lado da ampla mesa. —Mas vocês entendem por que não podemos permitir que qualquer da superfície aleatório se encontre cara a cara com o rei. Talvez se vocês fizerem uma petição por escrito-

—Este não é um da superfície qualquer. — Interrompeu Gwydion, parecendo profundamente irritado. —Você não tem capacidade de sentir mágica? Esta é a herdeira do príncipe Tzarnavaras, uma rainha por direito próprio, afilhada da morte.

Houve um momento de silêncio do outro lado da mesa, então uma mão com garras disparou para agarrar a minha onde repousava sobre a mesa. Não forte o suficiente para machucar, mas o suficiente para me assustar. Eu podia sentir algo contra a minha magia, vagando como mãos curiosas. Levei a chama da vela para frente rapidamente, concentrando-me tanto que por um momento sua luz irradiou através da minha pele e lançou um brilho azul no rosto chocado do anão.

—Oh, oh meu Deus! — O anão disse assustado. —Eu não sabia que você estava visitando a realeza! Disseram-me que eram refugiados.

—Ninguém perguntou. — Eu disse, brincando, enquanto puxava minha mão. —Meus consortes e eu somos tratados como meros imigrantes desde que chegamos. Como se você não acreditasse em ninguém, a não ser um anão, poderia ser importante!

—Isso não é - nunca pretendemos sugerir -— O anão balbuciou.

—Tenho certeza de que não. — Gwydion cortou-os bruscamente. —Mas talvez você deva permitir à rainha sua visita real antes de causar um incidente internacional.

Ele seguiu isso com algumas manobras de mão, mostrando ao anão alguns 'documentos reais', que eu tinha quase certeza de que eram cupons que recebemos em nosso pacote de orientação para o ‘Buffet de comidas exóticas do Digger Dan, a mais autêntica culinária da superfícies do Fort do Anel!’

E então, finalmente, estávamos diante das portas da sala do trono. Eu assumi que elas eram grandes e impressionantes. Eu só podia vê-las um canto minúsculo de cada vez pela luz fraca do orbe de Gwydion.

—Alguém mais acha que essa é uma má ideia? — Ethan sussurrou. Eu estava inclinada a concordar, mas era tarde demais para voltar agora. As portas se abriram e entramos para encontrar o rei.

A sala do trono era grande e escura como breu. A escuridão parecia próxima e quase sólida, grossa como o solo. A luz da esfera de Gwydion penetrou apenas alguns centímetros à nossa volta. Ficamos amontoados no minúsculo círculo de luz, sentindo-nos decididamente não-reais quando um anão nos anunciou como —Sua Majestade, a Rainha Noturna da antiga Constantinopla da Antiga Linha de Tzarnavaras e seus Consortes.

—Vossa Majestade. — Disse o Anão, voltando-se para nós, o brilho de seus pelos quase invisível à luz. —Apresento o Raiz da Montanha, nascido em pedra, cujos dentes esculpiram as primeiras cavernas, que sangraram as primeiras veias de ferro, arquiteto da cidade e capataz dos capatazes, o pai-anão de toda a nossa espécie e rei de tudo o que habita embaixo.

Percebi que não havia nome próprio entre todos esses títulos. Mas o anão recuou e a porta se fechou atrás de nós, deixando-nos sozinhos no escuro. Se o rei estava lá conosco, não sentíamos sinal dele.

—Olá? — Chamei experimentalmente, minha voz ecoando na vasta sala.

—Você pode fazer isso mais brilhante? — Cole perguntou, cutucando o orbe de Gwydion. Gwydion olhou para mim e, quando assenti, ele deu de ombros e a luz ficou mais forte, afastando a escuridão ao nosso redor. Vimos iluminar as esculturas delicadas e intrincadas no chão, as complexidades sutis e elaboradas das paredes, coisas que só podiam ser apreciadas pelo toque, não pela vista. E no final da sala, vimos um monte de terra escura que chegava até o teto, como se a parede dos fundos tivesse simplesmente desabado.

E então, quando a luz de Gwydion a tocou, o monte começou a se mover.

Não havia... palavras para descrever o arquiteto. Em um momento, sob um ângulo de luz, a terra parecia atraí-lo, uma construção como a que vimos trabalhando por toda a cidade. Por outro ângulo, vi a carne branca brilhante de um verme maciço. Por outro, o pelo e as garras de uma toupeira. Por outro, um homem, ou o cadáver de um homem, meio enterrado, nos observando com olhos de poço.

—Fora. — Ele falou, sua voz como uma trituração de placas tectônicas e o barulho de terra. —Fora, maldita luz, e fiquem quietos.

Gwydion apagou o orbe imediatamente, salvando-nos da terrível imagem em constante mudança do arquiteto.

—Aquele Sol, como uma erva daninha no meu jardim, eu não levantei nem engoli e permito que sua queima sufoque na vastidão de Mim. Mesmo agora, fragmentos de seu brilho odioso assaltam-me. Que brotos tenros empurram suas raízes rasas na minha presença, ainda quente com luz amarga?

Não via meus companheiros para saber se estavam com medo ou planejando alguma coisa. Eu me atrapalhei na escuridão e peguei as duas mãos, apertando-as para me tranquilizar. Um deles era notavelmente legal e quase definitivamente a de Gwydion. A outra, calejada e me segurando frouxamente, à beira de se afastar, era provavelmente Cole.

—Perdoe nossa perturbação, arquiteto. — Gwydion falou à minha esquerda. —Nós procuramos um criminoso. Meu irmão roubou algo meu e o trouxe aqui. Buscamos apenas sua orientação na captura dele e sua paciência enquanto o perseguimos em seu reino.

Houve um som baixo e estridente como um terremoto, que poderia ter sido uma risada.

—Como a tolice vem em três. — Disse o arquiteto. —Assim, a roda gira como sempre e traz para mim os mesmos rostos novamente. As estações mudam, mas uma estação mais estranha do que já foi vista sobe como uma estrela murcha, antecipando o sol. O que foi bem-sucedido neste novo discurso no lugar daquele eixo de duas faces que já foi o ponto de apoio de todos os nossos ciclos incessantes? Melhores perguntas, pequenos brotos.

Eu esperava que Gwydion entendesse um pouco disso, porque certamente não. Eu sempre estive mais interessada em Poe do que em Shakespeare.

—Perdoe-me, Majestade. — Empurrou Gwydion. —Mas minha sombra, meu irmão, veio aqui? Ele trouxe alguma coisa para você? Você sabe onde ele foi?

—O meu é um pátio de sombras, erva daninha. — Falou o arquiteto, o humor desaparecendo de sua voz. —Eu sou o rei das profundezas primitivas, às quais nenhuma luz jamais tocará. Tua cintilação de velas sombreia arte como grãos de areia no plano infinito do oceano.

—Minhas desculpas, Vossa Majestade. — Disse Gwydion rapidamente.

—Ei, ele veio aqui ou não? — Cole gritou impaciente, apertando minha mão. —Eu vi suas profundezas primitivas e, aos meus olhos de da superfície de merda, não é mais escuro que este quarto. Não estou tão impressionado.

Houve um longo silêncio em que eu esperei o pior. Mas, finalmente, aquela risada baixa do terremoto encheu a sala novamente.

—As pequenas coisas verdes e crescentes. — O Arquiteto falou quase melancolicamente. —Em que séculos eu enrolei suas raízes e enfrentei a luz para comer sua suavidade? Esse tempo já passou, e quando essas raízes profundas amarraram e quebraram as pedras, também minha coroa ficou presa em suas garras. Aquela sombra veio, tu sementes desamparadas, tiras de dente-de-leão. E trouxe com ele uma preciosa lasca de nossa força antiga. Mas a veia se partiu. Os rios profundos o agarraram em sua corrente, cravaram unhas em minha obra-prima e chamaram isso de sua. Esses erros da noite para a escuridão e procuram sobreviver a todos os sóis, por qualquer meio profano.

—O que isso significa? — Ethan perguntou.

—Isso significa que ele não está aqui. — Resumiu Cole.

—Mas ele estava. — Acrescentou Gwydion. —Ele foi ao Parlamento. Ou foi levado para lá.

—Filho da puta. — Eu murmurei. —Eles continuaram nos dizendo-

—Outra questão. — O rei murmurou, e a sala tremeu. Ele estava se mexendo? —Os portões da cidade estão escancarados e muita coisa é esquecida. Mas a lei antiga ainda permanece. Teu irmão é ladrão entre ladrões. Dívida é devida, erva daninha.

A mão de Gwydion apertou a minha.

—Não foi roubado. — Disse ele rapidamente. —O Vidro foi adquirido legalmente. A Marcha dos Magos o comprou dos Anões ao preço de dez mil escravos e das três jóias de Nimüe -

—Não houve compra. — Falou o arquiteto, inexorável como um deslizamento de terra. —Os anões não reconhecem esse conceito. Todas as coisas feitas pelos anões são de propriedade dos anões, até o fim de tudo. Eu estava lá! Vi-o colocado nessas mãos enganosas! Emprestado antes da duração de sua linhagem, que morreu não cem anos depois, mas o que era nosso não foi devolvido como deveria ter sido. Foi roubado, escondido! Negociado entre ladrões até que aterrisse em tuas mãos gananciosas. E ainda assim a dívida poderia ter sido perdoada se você, que sabia o que segurava, houvesse devolvido o que foi roubado. Mas você o guardou entre seu tesouro, seu pequeno dragão. E busque agora mesmo recuperar o que nunca foi seu!

Gwydion estava tremendo. Eu podia sentir os tremores em sua mão, distintos dos tremores na terra, quando algo inimaginavelmente maciço se moveu no outro extremo da sala.

—A dívida é devida. E, por lei, aceitarei apenas o preço do sangue, o preço da carne, uma libra por ano que for retida. Diga-me, erva, quanto pesa?

Eu já ouvi o suficiente. Peguei o orbe da outra mão de Gwydion e coloquei meu poder nele. Brilhou à vida com a luz azul do fogo. O Arquiteto pairava sobre nós como uma onda prestes a colidir, um dragão e um inseto e um gigante de cem braços, antigo além de todos os tempos e tão inevitável quanto a terra ao nosso redor.

Mas ele recuou da luz, uivando como se o queimasse.

—Fora! — Ele berrou. —Maldita luz! Eu terei! Sufocarei toda luz dentro de mim! Vou engolir todo sol e toda chama de vela até que eu receba escuridão!

Ele se agitou, bobinas terríveis quebrando as paredes e nos cobrindo de terra. Peguei Ethan e corri, Cole e Gwydion logo atrás de mim.

Nós batemos em um anão quando saímos, que soltou um grito estridente e penetrante. Ele ecoou por todo o palácio e além dele, um coro de gritos que eu sabia que não significava nada de bom para nós.

Coloquei mais luz no orbe e corri pela passagem aberta mais próxima. Eu me revezava ao acaso, avançando em qualquer direção que parecesse oposta ao som dos terríveis gritos.

—Você nunca vai fugir deles aqui. — Disse Gwydion enquanto corríamos. —Eles podem sentir cada passo que damos. Eles conhecem este lugar melhor do que você conhece sua casa de infância.

—Então o que vamos fazer? — Eu perguntei. —Nunca voltaremos à superfície sem a ajuda deles!

Gwydion não parecia ter uma resposta.

No lampejo da luz selvagem, Ethan mudou para sua forma de lobo.

—Subam. — Ele disse, com as roupas presas nas mandíbulas. —Eles podem sentir nossos passos, certo? Então talvez isso os jogue fora.

—Vale a pena tentar. — Concordou Gwydion, e eu gritei quando ele me pegou nos braços. Cole, parecendo muito inseguro, subiu nas costas de Ethan. —Silêncio agora. Eles podem ouvir nossas vozes tão bem quanto nossos passos.

Então, em total silêncio, corremos mais fundo no infinito escuro das minas dos Anões. Corremos sem plano ou direção. Quando encontramos Anões ou Construtos, tudo o que podíamos fazer era correr na outra direção. Eu nunca me senti tão perdida e desamparada. Eu não tive tanto medo do escuro desde criança.

Eventualmente, fomos fundo o suficiente para que os anões nos perseguissem diminuíssem e desaparecessem. Ficamos com medo deles alcançando a esperança desesperada de que, em algum lugar nos túneis intermináveis da Cidade Baixa, encontrássemos algum caminho de volta à superfície.


Capitulo Quinze


Os túneis ao nosso redor ficaram mais duros à medida que avançávamos. Foram-se os bancos e as fontes, depois os tijolos e até as colunas e suspensórios. Corremos por túneis sinuosos não refinados, que cresciam e se encolhiam como cavernas naturais, como se tivessem sido recentemente escavados na rocha e na terra. Às vezes, tropeçamos em trilhos de metal e ouvimos o estrondo distante das carroças. Uma passou por nós, sem tripulação, do tamanho de uma minivan, carregada de pedra e minério e voltando na direção em que viemos. Quando outra, quase vazio e indo para o outro lado, passou rapidamente, eu mal precisava trocar um olhar com os outros antes de pegá-la e subir a bordo. Ele nos levou mais fundo, seu poder magnético não diminuído pelo peso adicional de três humanos e um lobo do tamanho de um urso. Ethan recuou entre os tijolos de pedra empilhados no fundo do carrinho e lutou para se vestir novamente, mordendo reclamações quando a pedra raspou e cutucou sua pele nua.

Bem, não estávamos dando nenhum passo agora. Se alguma coisa os jogaria fora de nossa trilha, eu esperava que isso acontecesse.

À luz do orbe, Gwydion olhou de soslaio para o mapa a partir dos nossos pacotes de orientação. Ele foi o único de nós que conseguiu segurar o dele, enfiado nos bolsos aparentemente sem fundo da jaqueta.

—Estamos muito no fundo. — Ele sussurrou. —Mais profundo do que eu acho que qualquer não-anão já foi. Estes são novos túneis. Acredito que deixamos o último desenvolvimento documentado neste mapa há algum tempo.

—Então, provavelmente não há muita chance de encontrar uma saída aqui embaixo, existe? — Eu perguntei sombriamente.

—Uma saída de ar, talvez. — Considerou Gwydion, esfregando o queixo enquanto olhava o mapa. —Mas... Não, seriam vários dias de subida vertical. Nós nunca conseguiríamos. Poderíamos encontrar um desses carrinhos voltando para o Forte do Anel.

—Mas então teríamos que lidar com os anões novamente. — Apontei. Gwydion apertou os lábios e ficou em silêncio, olhando fixamente para o mapa como se ele simplesmente parecesse tempo suficiente para a solução se revelar. Troquei olhares com Cole. Estávamos sujos e cansados. Ethan, sempre exausto pela mudança, parecia quase cochilando.

—Eu conheço algumas... pessoas. — Cole ofereceu em voz baixa. —Pessoas para quem eu poderia chamar.

—Não. — Disse Gwydion com firmeza e imediatamente. —Mesmo se você pudesse conseguir que os rituais funcionassem neste lugar, trazer algo assim aqui seria condenar a nós e a todos os outros neste poço odioso.

—Eu posso lidar com eles. — Disse Cole defensivamente. —Eu tenho lidado com eles há anos.

—Ou então eles deixaram você pensar. — Gwydion retrucou. —Por mais insidiosos que os Fae possam ser, por mais cruéis, nossas motivações raramente são mais que egoísmo e tédio. As coisas de que você fala são infinitamente pacientes e infinitamente maliciosas. Eles não querem. Eles não querem. Eles não podem ser persuadidos. Eles têm apenas um objetivo, e uma inteligência focada apenas em alcançá-lo. A única maneira de vencer essas coisas é não jogar, nunca entrar nelas e rezar para que elas nunca notem você. Eu posso prometer a você o que você já sofreu com sua associação com eles, você sofrerá pior antes do final.

—Tudo bem, Jesus. — Cole levantou as mãos para parar a palestra de Gwydion. —Foi apenas uma sugestão. Melhor do que morrer aqui ou ser rasgado em pedaços pelo rei.

—Não. — Disse Gwydion, com os olhos escuros com uma gravidade terrível. —Confie em mim. Qualquer morte que os Anões possam inventar seria muito preferível.

O carrinho deu um pulo, atingindo algum solavanco na pista e, de repente, havia luz acima de nós, tão brilhante após a escuridão sem fim que meus olhos doíam, embora ainda estivesse relativamente escuro. Confusa, levantei-me para espiar por cima da borda do carrinho.

A pista havia entrado em uma caverna enorme, grande como um estádio. A luz que eu vi vinha de canais brilhantes de magma que atravessavam a caverna em canais esculpidos para esse fim. Pesada e lenta, escorria em direção a uma estrutura central, algum tipo de forno feito de enormes pedras negras, cada uma sozinha provavelmente do tamanho de um trailer de largura dupla. Em toda a base do forno, em uma plataforma preta, enormes Construtos, cada um com pelo menos dois metros de altura e feitos de retalhos de pedra, lama e metal, continuavam trabalhando. A fornalha fundia minério alimentado por carrinhos como o que estávamos, e o Construtos tirava-os das torneiras e os moldava com as mãos com precisão impecável, martelando-os com seus punhos enormes em bigornas do tamanho de carros.

Construtos menores enchiam o resto da caverna, tendendo o fluxo de magma, carregando e descarregando carrinhos, expandindo a caverna com picaretas e pás e carregando as peças que os Construtos maiores terminavam em direção a algo atrás do forno. Quando a trilha, que corria perto do topo da caverna, curvava-se ao redor da vasta sala, o que eles estavam construindo apareceu.

Fazia um calor escaldante, mesmo de onde estávamos. Preocupei-me por um momento que estávamos indo para o forno, mas a pista estava inclinando para baixo e para longe. Levando ao andar onde os Construtos estava terminando de descarregar suprimentos de outro carrinho. O carrinho à frente dele estava sendo carregado com sucata e minério da constante expansão, para ser enviado de volta a uma pista paralela à que nos levara até aqui, que provavelmente retornaria a quem estava fornecendo.

—O que é essa coisa? — Ethan perguntou, olhando para o anel enorme e limpando o suor da testa.

—Não tenho certeza. — Respondeu Gwydion com uma carranca, também espiando por cima da borda. —Seja o que for, é terrivelmente complicado. Olhe para os encantamentos.

Eu não tinha olhado tão de perto antes, mas agora que treinei minha visão mágica sobre ele, pude ver que ele estava rastejando com a magia mais complexa que já vi. Eu não acho que nada que eu tenha visto na coleção de Gwydion possa se comparar à escala completa dele. Era como se alguém tivesse construído o Empire State Building com sementes de gergelim individuais. Cada centímetro quadrado estava cheio de um feitiço de imenso poder. Se você removesse a matéria física da roda, a magia que a compunha ainda seria densa demais para ver através dela. Fiquei espantada, quase feliz. Eu nunca tinha visto algo tão incrível. Queria tocá-lo tanto que podia prová-lo, cavar aqueles feitiços, desmontá-los e juntá-los novamente até que eu os entendesse. Era tão glorioso para mim quanto ver o Grand Canyon pela primeira vez ou entrar na Capela Sistina. Que trabalho fenomenal, que forças titânicas, o vasto escopo de esforço, planejamento e trabalho... Sentindo-me um pouco tonta, sentei-me novamente.

—Você já viu algo assim? — Eu perguntei a Gwydion, atordoada.

—Uma vez, talvez duas vezes na minha vida. — Respondeu Gwydion, e pude ver que ele estava igualmente deslumbrado. —Mas comparar essas obras-primas seria um insulto a todas elas. Isso é arte.

—Mas para que serve? — Cole perguntou impaciente. Gwydion e eu batemos nele com o mesmo olhar sujo.

—Filisteu. — Murmurou Gwydion.

—Uh, pessoal, acho que vamos parar em breve? — Ethan nos avisou.

—Merda. — Eu murmurei e corri para um dos tijolos, pronta para me defender. Os outros três ficaram tensos também, e o carrinho parou por fim.

Um Construto com a face de um geodo rachado inclinava-se sobre a borda do carrinho. Eu gritei, me afastando para atingi-lo com o tijolo, mas ele apenas arrancou o tijolo da minha mão e se afastou. Outras construções também passaram por nós no carrinho, erguendo tijolos como se nem nos vissem. Ou, mais precisamente, como se simplesmente não importássemos.

—Eles não estão programados para lidar com intrusos, eu acho. — Disse Cole.

Lentamente, saímos do carrinho, tentando não nos queimar no metal quente e desconfiados de qualquer mudança no comportamento dos Construtos, mas eles nem sequer olhavam para nós.

—Acho que não estamos em perigo imediato, então? — Dei de ombros quando saímos do caminho do trabalho do Construto e puxei minha camisa, de repente desejando não estar tão comprometida em usar todo preto. —Exceto por esse calor, Deus, está muito quente!

Gwydion colocou a mão no meu ombro e eu imediatamente me senti mais fria.

—Fique perto. — Ele recomendou. —Eu posso manter o pior dele à distância. Além disso, se você ficar a meio metro de qualquer um desse magma, você pegará fogo.

—Oh, doce, Gwydion é um Ar Condicionado portátil. — Ethan disse alegremente, batendo as mãos nas costas de Gwydion e suspirando de alívio. Cole fez uma careta, mas colocou um dedo no ombro de Gwydion experimentalmente.

—Oh, droga. — Ele murmurou, parecendo surpreso. —Isso é realmente legal.

Quando nós três nos aproximamos, Gwydion parecia ter acabado de morder um limão.

—Então, o que fazemos? — Ethan perguntou, abraçando Gwydion por trás, o queixo no topo da cabeça do outro homem.

—Descobrir um caminho de volta à superfície. — Disse Cole com um encolher de ombros, de onde estava pressionado contra o lado esquerdo de Gwydion. Eu estava moldada para o lado direito dele, e nós dois colocamos as mãos sob a camisa dele para ter acesso mais direto às propriedades de resfriamento de sua pele. Fiquei chocada que Gwydion estivesse tolerando isso, mas não estava disposto a dizer nada.

—Eu gostaria que ainda tivéssemos esse cajado estúpido. — Eu disse frustrada. —Não há outra maneira de sair desses poços na cidade, certo?

—Não sem o segundo cajado. — Gwydion suspirou, os braços cruzados sobre o peito. —E sem os dois, você só ficaria presa lá - e você pararia com isso imediatamente ?!

Ele deu um tapa nas mãos de Cole, que subiam pelas costelas.

—O que você tem cócegas? — Cole perguntou com um sorriso perverso.

—Vou jogá-lo na lava. — Disse Gwydion sem uma pitada de humor. —Não me teste.

—Ok, então nossa única opção é lutar contra o exército de anões? — Eu disse, mudando de assunto rapidamente. —Porque sem mágica, isso não parece uma luta que provavelmente venceremos. Além disso, muitos deles pareciam pessoas normais?

—E essas coisas? — Cole perguntou, gesticulando para os Construtos. —Você disse que pode mudar os comandos deles se você os abrir, certo? E se nós mudarmos um monte deles para fazê-los nos proteger, então eles apenas nos escoltam para fora?

—Não sei se é uma boa ideia. — Disse Gwydion, franzindo a testa. —Você precisaria abri-los para acessar seus papéis e descobrir como alterar os comandos...

—Vale a pena tentar, certo? — Disse Cole. —Melhor que nada?

Gwydion fez um barulho inseguro, mas Cole se afastou dele e se aproximou do Construto com a face do geodo.

—Ethan, me ajude a disputar esse cara.

Ethan relutantemente soltou Gwydion e ajudou Cole a conter o Construto. Não parecia incomodado por ser contido. Apenas continuou tentando seguir na direção que tinha estado, ignorando Cole e Ethan.

Cole deixou Ethan segurá-lo por um momento enquanto procurava ao redor, pegando uma das picaretas que os Construtos estavam usando para expandir a caverna.

—Tudo bem, vamos abrir esse garoto mau. — Disse ele. Ethan ajustou seu aperto no Construto para sair do caminho, subitamente parecendo inseguro.

—Uh, eu não sei disso. — Disse ele. —Quero dizer, você não pode simplesmente acertar o pobre coitado com uma picareta. E se você o matar?

—Não posso matá-lo, não está vivo. — Disse Cole, impaciente. —Apenas fique quieto para não perder!

—Oh, isso vai acabar muito mal. — Disse Gwydion com severa certeza. Eu estava inclinada a concordar, mas também estávamos sem outras ideias.

—Um. — Disse Cole, levantando a picareta como um taco de beisebol. —Dois...

Ethan segurou o Construto o mais longe possível dele, fechando os olhos.

—Três!

Cole girou para as cercas e bateu a picareta no peito do Construto com um estalo alto de pedra.

Instantaneamente, todos os Construtos da caverna pararam, largaram o que estavam fazendo e viraram em nossa direção.

—Sim, lá vai. — Gwydion gritou, agarrando minha mão. —Corram!

Ethan lançou o Construto que ele estava segurando, que instantaneamente se virou e balançou um punho de pedra em sua cabeça. Cole bateu com a picareta, espalhando a cabeça do geodo, mas isso mal pareceu desacelerar. Enquanto isso, todos os outros Construtos da caverna estavam indo para lá com intenção assassina. Gwydion e eu reservamos, e Ethan e Cole, ainda segurando a picareta, correram atrás de nós, gritando palavrões.

—Lá! — Eu gritei, apontando um carrinho de partida, começando a aumentar a velocidade antes da subida em direção à trilha perto do teto da caverna. Gwydion deu dois passos limitados e pulou no carrinho com uma graça desumana, estragada apenas pela dança desajeitada e embaralhada que ele tinha que fazer para colocar o pé no topo do minério empilhado dentro do carrinho. Assim que ele estava estável, ele se virou e agarrou minha mão estendida, me balançando ao lado dele. Nós dois estendemos a mão para Ethan, arrastando-o a bordo, depois para Cole, ficando logo atrás, perseguido por uma horda de Construções assustadoramente silenciosas e sedentas de sangue.

—Largue a picareta, idiota! — Eu gritei.

Amaldiçoando alto, ele jogou de volta para os Construtos, tirando um pedaço do ombro de uma criatura de pedra sem muito efeito. Um pouco mais leve, ele correu os últimos degraus, e nós o agarramos, arrastando-o para o carrinho apenas um segundo antes de começar a disparar para cima e todos nós tivemos que nos esforçar para reestabelecer nosso equilíbrio.

Os Construtos subiram atrás de nós, silenciosos e implacáveis, e tentaram nos pegar no minuto em que o carrinho parou ou diminuiu a velocidade. O único anão perto do ringue havia nos notado agora e estava gritando ordens furiosas contra os Construtos, presumivelmente reafirmando suas ordens para matar a merda de nós.

—Destrua-os! — O anão gritou. —Não os deixe perto do portal!

—Trabalho fantástico, idiota. — Disse Gwydion, dando a Cole um olhar assassino. —Isso definitivamente ajudou!

—Como eu deveria saber que eles se tornariam todos assassinos? — Cole gritou defensivamente.

—Talvez usando um pouco de bom senso pela primeira vez na vida!

—Eu não vi você correndo para me parar, imbecil! Ou sugerindo idéias melhores!

—Calem-se! — Eu gritei para os dois. —Este carrinho está indo para o forno!

Isso chamou a atenção de ambos rapidamente. Em nossa pressa de pegar um carrinho de fuga, escolhemos um dos que enviava minério até a forja. Em apenas alguns minutos, seríamos jogados diretamente em um tanque maciço de metal fundido superaquecido.

—Filho da puta. — Cole disse calmamente.

Procurei um pouco fora do carrinho, meu coração disparado. A trilha atrás do carrinho fervilhava com Construtores assassinos. À frente, havia apenas o forno e uma queda de duzentos pés de cada lado.

—Estamos fodidos. — Eu disse, nem um pouco articulada.

—Nós definitivamente vamos morrer. — Ethan concordou, nós dois um pouco atordoados para reagir adequadamente à nossa morte horrível iminente.

—Foda-se. — Declarou Cole. Então ele me agarrou pelos ombros e me arrastou para um beijo áspero e apaixonado, tão abrupto e poderoso que eu mal consegui responder. Talvez fosse porque estávamos prestes a morrer, mas ele beijou com desespero, uma fome frenética e ardente, que eu nunca havia experimentado, o que fez meu coração disparar e minha adrenalina disparar. Então, de uma só vez, ele me soltou, deixando minha boca machucada e desolada. No mesmo movimento, ele puxou Ethan pela camisa e o beijou também, com a mesma intensidade empolgante. Vi os olhos de Ethan se arregalarem, e então senti a repentina onda de poder de sua maldição. Cole deve ter sentido isso também, porque ele empurrou Ethan para longe, agarrou minha mão e pulou para fora do carrinho. Gwydion hesitou apenas um momento, encarando Ethan quando o lobisomem se dobrou, uivando, mudando mais rapidamente do que eu já o vira mudar voluntariamente. Então ele pulou também.

Cole agarrou a beira da pista suspensa, flutuando no ar. Eu me esforcei para pular, quase perdi o controle, e só o recuperei quando Cole me pegou, me segurando até que eu estivesse segura, Gwydion pendurado no outro lado dele.

Acima de nós, Ethan - não, o Lobo - uivou quando saltou do carrinho um segundo antes de jogá-lo na forja.

O Lobo apenas se assemelhava tangencialmente à forma normal de lobo de Ethan, que era quadrúpede e muito parecida com um lobo normal, embora muito grande. O Lobo era algo de um filme de terror. Maciço, bípede, cheio de pelos escuros e grossos sobre músculos poderosos e pesados. Ele se ergueu em toda sua altura, o peito largo arfava e fixou seus terríveis olhos amarelos em nós, cheios de um ódio que consumia tudo. Estávamos completamente expostos aqui. Mal teria que nos tocar para nos enviar despencando para nossas mortes.

Felizmente, foi rapidamente distraído pelo enxame de Construtores assassinos. Os homens de pedra se jogaram no Lobo sem consideração por suas vidas. Eles o golpearam com golpes esmagadores feitos por punhos como blocos de concreto, e isso apenas os jogou para o lado, enviando-os voando da ponte para quebrar no chão abaixo. O Lobo rasgou a multidão de Construtos como se não fossem nada, reduzindo-os a escombros com um golpe de suas garras terríveis. Ele avançou pela pista, derrubando Construtos como pinos de boliche. Depois que tivemos algum espaço entre nós e o Lobo, Gwydion se arrastou de volta para o parapeito e me puxou atrás dele. Eu me virei para ajudar Cole, embora meus braços estivessem queimando por tanto tempo pendurados.

—Temos que sair daqui. — Eu disse, agarrando-me a Cole enquanto observava o Lobo abrir caminho através de Construto após Construto. —Agora!

—Como? — Perguntou Cole. —Outro carrinho?

—Não. — Disse Gwydion, apontando para o volante. —Nós vamos usar isso.

—O anão chamou de portal. — Eu disse, entendendo. —Onde quer que leve, provavelmente é melhor do que aqui!

Cole parecia inseguro, mas levantou as mãos.

—Foda-se, vale a pena tentar! — Ele disse.

Corremos pelos trilhos do carrinho, a uma distância segura atrás do massacre que o Lobo estava causando, até podermos pular, deslizando pela parede até o fundo da caverna.

Os Construtos estavam todos ocupados com o Lobo. A única coisa entre nós e o portal era o anão. Ele brandiu seu livro de pedra para nós com as mãos trêmulas.

—Este é o trabalho da minha vida! — Ele declarou. —Eu não vou deixar você hooligans destruí-lo!

—Você projetou isso? — Eu perguntei, cheio de súbita admiração e um milhão de perguntas.

—Senhor. — Disse Gwydion, cortando-me. —Você é sem dúvida o maior encantador desta época e um dos melhores que já ouvi em todos os reinos. Tenho imenso respeito por você, e é por isso que será uma tremenda vergonha se eu tivesse que te espancar até a morte agora, porque você não sairá do caminho.

Ele pegou uma pá de algum lugar, que o anão estava olhando agora, sua expressão em algum lugar entre orgulho e medo lisonjeados.

—Para o inferno. — Disse o anão. —Eu sempre odiei trabalhar para comissão.

Ele saiu do caminho.

Havia algum tipo de painel de controle perto de onde o Anão estava sentado, e eu o agarrei, olhando para os controles, completamente perdida.

—Como nós controlamos isso? — Eu perguntei, procurando ao redor do anão, mas ele já estava fazendo trilhas para o túnel mais próximo.

—Não precisamos controlá-lo. — Insistiu Cole. —Apenas ligue! Qualquer lugar é melhor do que aqui!

Eu apertei alguns botões, puxei algumas alavancas, mas nada aconteceu. A pedra angular e todos os painéis estavam no lugar, mas não havia reação. Cole lambeu os lábios.

—Vexa. — Ele disse. —Lembra da coisa que eu disse para você nunca mais fazer?

—Coisas estúpidas que colocam minha vida em perigo?

—Mais especificamente.

—Explorar fontes de energia universais primárias?

—Sim.

Gwydion e eu demos a Cole um olhar arregalado.

—Você realmente acha que isso vai funcionar? — Gwydion perguntou.

Cole olhou para onde o Lobo estava rapidamente ficando sem Construtos para destruir. Os grandes da forja tinham andado lentamente com pés pesados de bigorna e finalmente estavam brigando de verdade, mas nem eles durariam muito. O Lobo parecia ser tão indestrutível quanto furioso.

—Acho que não temos muitas outras opções. — Respondeu Cole. —Apenas despeje o máximo de energia possível e espere o melhor!

Eu acho que essa foi a lógica mais sólida que eu poderia esperar.

—Foda-se. — Eu disse, ecoando o sentimento anterior de Cole. —Aqui vai tudo!

Fechei os olhos, alcançando o lugar profundo dentro de mim, onde minha conexão com a vela estava ancorada. Eu sabia o que esperar agora, e apenas hesitei um momento com a lembrança fraca de quanto isso doeu da última vez, antes de pegar o fogo e me sentir em chamas.

Cole e Gwydion saltaram para longe quando o fogo me cercou. O poder correu através de mim como uma represa quebrando, como um raio, e eu agarrei no painel de controle para me aterrar.

A energia rasgou através de mim enquanto passava, deixando-me irregular de uma maneira que era mais espiritual do que física. Mas enquanto olhava através dos meus olhos ardentes, vi o anel começar a se mover, girando, componentes flutuando e se movendo independentemente, à medida que os feitiços queimavam.

Essa bela máquina deveria ter criado um portal igualmente bonito, algo absolutamente perfeito, não apenas estável, mas permanente, um ponto fixo fora do tempo que unia duas realidades. O que eu o forcei a produzir, incompleto e inexpertemente pilotado, foi uma bagunça, crepitando com o desperdício de energia, desequilibrado e desmoronando mesmo quando começou a abrir. Mas estava aberto.

Gwydion me agarrou, me arrastou para longe do console. Eu podia senti-lo sugando o poder, embora felizmente eu já tivesse jogado a maior parte dele no portal.

—Rápido! — Gwydion gritou para Cole. —Agora, antes que desmorone!

Eles correram em direção ao portal, meio me arrastando, quase inconscientes e bêbados com o poder e a lembrança já desbotada da agonia ardente. Mas havia uma última coisa que eu tinha que fazer antes de sairmos. Eu me arrastei de Gwydion para fazê-lo parar, coloquei os dedos nos lábios e assobiei o mais alto que pude.

—Ethan! — Eu gritei quando o Lobo parou sua destruição e olhou para mim. Eu acenei meus braços. —Por aqui!

Gwydion me agarrou pelo meio, me jogou por cima do ombro e correu para o portal. Rosnando, o Lobo correu atrás de nós. Gwydion pulou através do portal e vi o Lobo pular, garras estendidas, apenas um segundo antes do caos nos envolver.

 

 

 

 

 

 

Capitulo Dezesseis


Por vários minutos ou possivelmente uma eternidade, caímos no espaço.

Perdi o controle dos outros quase ao mesmo tempo. Flashes de mundos explodiram em ambos os lados de mim. Luz, escuridão, fogo, gelo, horizonte de Manhattan, castelo de Titânia, mundos que eu só podia ver em seção transversal, mundos que eu só conseguia ouvir ou cheirar. Uma vez, um salão escuro, cheio de velas.

E então, de repente, bati de cara no azulejo branco de vinil. Gwydion caiu em cima de mim, cotovelos primeiro. Cole caiu um pé à minha esquerda. O Lobo veio por último, bateu a cabeça em uma prateleira no caminho e caiu inconsciente no chão.

Presumimos que estávamos em algum tipo de armário de suprimentos. Luzes fluorescentes brancas nos encaravam de cima.

—Onde estamos? — Cole perguntou, apertando os olhos e desorientado.

—A julgar pelo cheiro anti-séptico e pelos sanitários? — Eu respondi, minha voz um pouco confusa. —Hospital. Ow. Ow! Merda!

Acabei de perceber uma dor ardente no quadril, que estava piorando rapidamente. Eu me levantei e enfiei no bolso, pegando a moeda da sorte que Gwydion tinha me dado quando nos conhecemos. A coisa maldita estava fumegando, estava tão quente e previsivelmente queimando meus dedos quando eu o puxei para fora. Deixei cair, e ela saltou e rolou para fora da porta do armário aberta.

Troquei um olhar com Cole e Gwydion, que ainda estavam se levantando.

—Bem, vá em frente. — Disse Gwydion. —É uma sorte, por isso deve levá-lo a algum lugar. E alguém provavelmente está a caminho de investigar esse acidente de qualquer maneira.

Sem outra palavra, corri atrás da moeda.

Eu estava certa sobre ser um hospital, embora estranhamente silencioso para a hora do dia que a luz que entrava pelas janelas sugeria. A moeda fumegante rolou pelo corredor de azulejos, e eu corri atrás dele. De repente, seu caminho começou a se curvar, até cair abruptamente de lado. Com o último momento, derrapou sob a porta de um quarto privativo de longa permanência.

O nome na porta dizia E. Bellefonte.

Abri a porta com cuidado, preocupada em incomodar alguém. Mas não havia visitantes na sala e, assim que dei uma boa olhada no paciente, percebi que não havia preocupação em perturbá-los.

E. Bellefonte era um homem mais velho, quarenta e poucos, talvez cinquenta e poucos. Ele ainda tinha o cabelo, apesar de o loiro dourado estar sombreado a branco. Ele devia ter sido bonito como uma estrela de cinema uma vez, pensei, embora provavelmente só pudesse dizer devido à minha experiência com cadáveres. Uma doença longa e desgastante o havia reduzido a um substancial sem sombra do que aquele que pairava sobre ele, sinalizando sua morte que se aproximava rapidamente. Ele só estava vivo agora por causa das máquinas amontoadas em torno de sua cama, mantendo seu corpo funcionando mesmo quando desmoronava. Mas mesmo isso não era suficiente para manter a sombra afastada.

—Aqui está. — Disse Gwydion, entrando na sala. Cole, com o braço de Ethan sobre os ombros, saiu mancando atrás de Gwydion, arrastando o lobisomem, que havia sido empurrado às pressas para uma roupa cirúrgica mal ajustada. Gwydion inclinou-se para pegar a moeda da sorte, que ardia em sua mão, o metal estalando e desmoronando. —Você queimou completamente. Eu nunca vi isso. Que tipo de-?

Ele calou a boca abruptamente quando viu o que eu já tinha visto.

A Vela da Aliança estava posta na mesa de cabeceira de E. Bellefonte. Gwydion olhou para ela, depois para a moeda murcha na mão, antes de enfiar os restos arruinados da moeda em seu casaco. —Essa é uma moeda da sorte.

—O que está fazendo aqui? — Perguntou Cole. —Quem é esse cara?

—É para mantê-lo vivo. — Respondi instintivamente. Eu podia sentir como a vela estava conectada a ele, mantendo sua força vital de uma maneira que as máquinas nunca podiam.

Antes que pudéssemos dizer mais alguma coisa, um portal surgiu à nossa frente, e Gilfaethwy apareceu, tendo-se colocado apenas a meio caminho.

—Por aqui. — Ele sussurrou em um sussurro urgente. —Rápido!

—Você! — Gwydion rosnou e agarrou Gil pela frente da camisa, arrastando-o pelo resto do caminho para fora do portal. —Você me roubou! De novo! Você me deixou entrar nas garras dos Seelie!

—Você fugiu! — Gil disse com um sorriso. —Eu sabia que você faria! Você sempre sabe! Falando nisso...— Ele gesticulou rapidamente em direção ao portal. —Precisamos ir agora. Vocês não podem estar aqui!

—Por quê? — Eu perguntei. —Onde estamos?

—Onde não importa. — Disse Gil. —E porque é que todos nós vamos morrer. Eu nem entendo como você chegou aqui! Agora vamos, vamos!

—Não, não há mais portais! — Cole disse teimosamente. —Já tive portais suficientes! Parece a Terra e vou ficar aqui!

De repente, as luzes no corredor do lado de fora do quarto do hospital ficaram negras. Nenhuma luz veio das janelas. Uma voz profunda e familiar ecoou como uma lixa contra a minha alma.

—Como se atreve a vir aqui...

—Aethon. — Eu sussurrei involuntariamente, terror tomando meu coração como um punho.

—Esquece, porra! — Cole gritou, jogou Ethan através do portal e pulou atrás dele.

Gil entrou na porta, olhando para a escuridão.

—Velho amigo, querido amigo, parceiro, se você me desse um momento para-

—COMO VOCÊ OUSA?

Gil estava claramente certo. Precisávamos sair imediatamente. Mas eu não estava saindo de mãos vazias, não depois de tudo isso. Eu me virei, pegando a vela.

—Vexa, não!

Ouvi o grito de Gwydion, o roçar de seus dedos estendendo a mão para me impedir, mas era tarde demais. Minha mão se fechou ao redor da vela, e a absoluta escuridão da Morte alcançou e me engoliu.

Tão rapidamente que eu nem senti, de repente eu mal a reconheci.

Eu morri.

Capitulo Nove

Por um momento, eu não estava no meu corpo. Eu estava em outro lugar, queimando viva na escuridão. Meus ouvidos estavam cheios do clamor de mil sinos tocando. Eu não conseguia fazer meu corpo gritar. Não pude apagar o fogo. A dor estava tão além de qualquer coisa que eu pudesse envolver minha cabeça que depois eu não conseguia descrever e mal conseguia me lembrar como era. Eu sabia com absoluta certeza que iria morrer. Pelos olhos fixos e sem resposta do meu corpo, a costa distante de repente pareceu muito mais perto.

No lugar onde eu estava queimando, senti uma mão fria no meu ombro. Alguém parado atrás de mim. A voz deles sacudiu meus ossos fumegantes.

—Ainda não.

E então, de repente, eu estava de volta à minha própria pele, transbordando com tanta energia que doía, como agulhas sob a minha pele tentando forçar sua saída. Sem pensar, bati as mãos no peito de Gwydion e abri as comportas. O poder correu para fora de mim em uma torrente que eu não poderia ter parado se quisesse. Queimou-me quando passou, afundando nele. Os olhos de Gwydion se abriram de uma só vez, o corte em sua cabeça se uniu à luz prateada e se fechou.

Mas não consegui parar o fluxo de poder. Havia muito para eu conter, e Gwydion era um vaso vazio. Ele olhou para mim e eu me vi refletida em seus olhos arregalados, envoltos em fogo, chamas chorando. Ele sentou, minhas mãos ainda em seu peito, ainda derramando poder nele apenas para me impedir de queimar. Ele me alcançou lentamente e segurou meu rosto em suas mãos trêmulas, sua pele bebendo o fogo. Suas mãos estavam frias como água em um dia de verão, acalmando o calor terrível que estava tentando o seu melhor para me queimar viva. Ele se inclinou para perto, curvando-se no meu fogo e beijou minha boca ardente.

Ele tirou o poder de mim como veneno de uma ferida. Apressou-se ainda mais rápido do que antes, e eu tremi de dor e alívio. Ele poderia ter tudo, se quisesse. Enquanto o fogo parou, eu não me importei.

Eu derreti em seu beijo gelado, em seus braços, a queima finalmente começando a retroceder quando o poder passou por mim. Afinal, não era infinito, e Gwydion aceitou tudo ansiosamente.

Ansiosamente demais. Enquanto o poder continuava fluindo de mim como sangue de uma veia, comecei a voltar aos meus sentidos e percebi que tínhamos passado o ponto do que eu não podia conter. Minhas mãos se apertaram no tecido do casaco de Gwydion, tentando e falhando em afastá-lo. Ele poderia muito bem ter sido feito de pedra. Estávamos nos aproximando rapidamente de um ponto com menos energia do que eu tinha desde que tocara a vela. Eu assisti esse ponto ir e vir e o beijo de Gwydion ainda continuava, até eu perceber que ele não iria parar até que eu estivesse vazia de toda a magia, ou morta.

Então eu o mordi, forte o suficiente para tirar sangue, e ele se afastou, o fluxo de poder finalmente parando. Eu o empurrei, colocando espaço entre nós rapidamente, caso ele tentasse continuar. Meu coração estava batendo forte e eu ainda estava desorientado, lutando para manter a lembrança do que havia acontecido quando tentei acessar a vela.

—Que porra é essa? — Cole estava dizendo, e parecia que ele estava dizendo isso há algum tempo, pois Gwydion e eu estávamos insensíveis demais para perceber. Ethan me pegou quando me afastei de Gwydion, e deixei que ele me segurasse, agradecida pela sensação de segurança em seus braços.

—O que aconteceu? — Ethan me perguntou. —O que você fez?

—Mas como? — Cole disse, olhando para mim com algo entre reverência e medo. —Eu nunca vi esse tipo de poder em lugar algum.

—Eu tenho. — Gwydion falou suavemente. Ele se ajoelhou onde eu o empurrei, parecendo quase tão abalado quanto eu quando tocou seu lábio mordido e olhou com olhos arregalados para o sangue em seus dedos. Mas havia um olhar quase arrebatador em seus olhos.

—Eu não sou tão forte desde que deixei Avalon. — Disse ele e olhou para mim como se eu fosse algo santo e aterrorizante. —Você tem o poder de uma rainha.

Ele piscou e pareceu repentinamente um pouco enjoado, caindo de costas com uma surpreendente falta de graça pelo que eu esperava dele.

—E eu quase matei você. — Disse ele, quase para si mesmo.

Ethan e Cole trocaram um olhar assustado com isso, depois olharam para mim onde eu ainda estava enrolada nos braços de Ethan.

—Estou bem. — Eu disse rapidamente, o que era verdade. Cansada e mais fraca do que eu estava há um tempo, mas eu não estava sangrando ou pegando fogo, e eu podia deitar minha cabeça no peito de Ethan e ouvir seu coração bater. —Eu estou bem. Foi apenas um pouco de energia demais, só isso.

—Um pouco de energia demais de onde? — Perguntou Cole. —Onde você conseguiu isso?

—Uh, eu tentei bater na vela. — Eu disse. —Ainda estou conectada a ela, então achei que talvez pudesse acessar sua fonte de energia.

—Você usou a fonte de toda energia necromântica na Terra? — Cole disse, sua voz falhando. —Como você não está morta? Como todos nós não estamos mortos?

Eu não tinha uma resposta para isso. Também não parecia Gwydion, mas ele também não estava prestando atenção, com a mão na boca e as sobrancelhas franzidas, o olhar focado na costa distante.

—Só... nunca faça isso de novo. — Exigiu Cole. —Jesus Cristo, não é à toa que você estava pegando fogo. Há uma razão pela qual as pessoas trabalham com focos como a vela, sua idiota! Usar a fonte bruta deveria tê-la fritado como um inseto e todos nós com você.

—Eu acho que é uma coisa boa que Gwydion possa absorver tudo. — Ethan disse enquanto eu franzi a testa e tentei lembrar o que tinha acontecido quando eu peguei a chama. Lembrei vagamente da queimação. Todo o resto estava perdido no fogo até o momento em que Gwydion me beijou.

—Besteira que ele fez. — Cole riu. — Tanto poder o fritaria também. Ou Vexa de alguma forma conseguiu se abrir para, literalmente, todo o poder da própria morte e apenas canalizar um pedacinho, o que é absurdo - como tentar pular no oceano e esperar apenas molhar o dedo - ou o que ela bateu não foi a vela.

Eu não gostei desse pensamento.

—O fato de que ela seria capaz de alcançar a vela quando ela estiver literalmente em um universo diferente já é bastante absurdo! — Cole disse, jogando as mãos no ar. —Isso é besteira estranha, e eu não gosto!

—Independentemente disso, está pronto. — Interrompeu Gwydion, levantando-se e tirando a jaqueta molhada. A balsa balançou e Cole tropeçou, olhando para Gwydion enquanto ele apenas conseguia manter o equilíbrio. Gwydion o ignorou, olhando para mim enquanto tirava a gravata também, deixando apenas sua camiseta branca solta. —Perdoe-me por um momento.

Então ele deu dois passos e mergulhou da balsa. Por um segundo, apenas encaramos as ondulações em seu rastro, surpresos demais para reagir. Finalmente, Ethan apenas balançou a cabeça e suspirou.

—Por que não? Não como qualquer outra coisa ultimamente faz algum sentido. — Ele murmurou, depois me puxou para mais perto, esfregando os braços para tentar me aquecer. Nós dois ainda estávamos encharcados, então não adiantou muito.

—Então. — Ele disse depois de um momento. —Você beijou Gwydion.

Fiquei confusa por um momento até perceber que ele quis dizer o que tinha acabado de acontecer. Foi realmente difícil manter essas memórias por algum motivo.

—Oh, sim. — Eu disse com um sorriso tímido. —Pouco mais do que isso, na verdade. Logo antes de Gil escapar.

—Eu pensei que você disse que não achava que iria dormir com ele? — Ethan perguntou, sobrancelhas levantadas.

—Sim, eu não pensei que sim. — Eu disse, envergonhada agora. —Ele é... surpreendentemente persuasivo. Foi apenas uma coisa única. Nós deixamos isso claro.

—Espere, você dormiu com esse cara? — Cole perguntou, franzindo o nariz.

Cobri meu rosto com a mão, tentando controlar o rubor que aquece minhas bochechas.

—Sim, eu dormi. — Eu disse, tentando segurar algum orgulho. —Não é da sua conta.

Cole apenas balançou a cabeça.

—Alguém já lhe disse que você tem um gosto terrível? — Ele perguntou. —E possivelmente um desejo de morte?

—Ele tem razão. — Ethan disse com um encolher de ombros.

—Considerando que eu estava flertando com você esta manhã, Cole. — Eu disse maliciosamente. —Eu não faria comentários sobre o meu gosto.

—Foi essa manhã? — Ethan disse pensativo. —Era noite no Julius, e dormimos pelo menos algumas horas, então...

—Estar interessada em mim é absolutamente um sinal de mau gosto. — Respondeu Cole. —Possivelmente uma decisão pior do que o monstro devorador de homens que pode te atacar a qualquer momento. Provavelmente pior que o lobisomem também.

Ethan bufou.

—Você não é tão ruim. — Ele disse.

—Eu sou um desastre humano sem-teto que está apenas usando você para colocar minhas mãos em uma ferramenta mágica incrivelmente poderosa por minhas próprias razões egoístas. — Apontou Cole.

—Mas você tem um cabelo muito bom. — Eu rebati, apenas meio sarcasticamente. Cole parou, pego de surpresa.

—Bom senso de humor também. — Ethan concordou, e eu sorri quando vi Cole ficando vermelho.

—Bom gosto em filmes. — Acrescentei.

—Sorriso fofo. — Ethan falou.

—Olhos lindos.

—Inteligente como o inferno.

—Bunda fantástica.

—Tudo bem, isso é o suficiente! — Cole disse, vermelho como uma beterraba. —Vocês dois são claramente idiotas, sem senso de autopreservação.

Um respingo nos interrompeu quando Gwydion reapareceu, jogando o cajado na jangada antes de sair da água. Eu me permiti um minuto para admirar o quão bom ele parecia encharcado assim.

—Perdi algo? — Ele perguntou, levantando-se e torcendo a camisa. Cole ainda estava muito vermelho, e Ethan e eu não conseguimos parar de sorrir.

—Apenas nós dizendo a Cole todas as coisas que gostamos nele. — Eu o informei.

—Espero que você tenha mencionado sua bunda fenomenal. — Disse Gwydion casualmente, pegando o cajado e o paletó. Cole parecia quase combustão espontânea. —Todo mundo está de pé agora. Precisamos nos mexer se quisermos alcançar meu gêmeo idiota.

—Mas não sabemos para onde ele foi. — Eu disse, levantando-me e oferecendo uma mão para Ethan.

—Eu posso rastrear seus feitiços de teletransporte. — Disse Gwydion e estalou os dedos.

Uma onda de ar quente tomou conta de nós quatro ao mesmo tempo. Meu cabelo voou ao redor do meu rosto, minhas roupas esvoaçantes. Eu lutei para segurar minha saia enquanto a água saía de nossas roupas em uma explosão deslumbrante. Quando o vento se acalmou, Gwydion olhou para onde Gilfaethwy havia desaparecido e passou a mão pelo ar como se estivesse limpando vapor de um espelho. Um rastreamento complexo de magia apareceu diante dele, que ele se inclinou para ler. —Foi por isso que ele pegou o cajado e foi primeiro à Cidade Sem Fim. É muito mais difícil rastrear o cajado, e eu não seria capaz de dizer por quais dos poços da cidade ele passou se eu não tivesse- Não o vi. Mas agora que ele está se teletransportando sob seu próprio poder - o que ele não tem muito entre nossa recente briga e nossa visita à Cidade - segui-lo será muito fácil. Eu posso finalmente ser capaz de-

Ele ficou em silêncio bruscamente, depois descartou o texto mágico, carrancudo.

—O que há de errado? — Eu perguntei preocupado.

—Eu descobri para onde ele foi. — Respondeu Gwydion, conciso. Ele bateu com o cajado na superfície da balsa de madeira, e um portal se abriu através do qual eu podia ver vagamente os galhos das árvores. Gwydion se aproximou, hesitou e depois olhou para mim.

—Eu deveria te mandar para casa. — Disse ele. —Para onde ele está indo é... inóspito para os humanos. Eu deveria ser capaz de lidar com ele sozinho.

—Como você lidou com ele da última vez? — Eu perguntei. —A vida de Ethan está baseada no que Gil sabe. E sem o Vidro do Artífice, não podemos nem tentar descobrir mais sobre a maldição por conta própria. Não há como não ir com você.

—Onde ela vai, eu vou. — Ethan disse, colocando a mão no meu ombro.

Nós dois olhamos para Cole, que cruzou os braços, ainda um pouco rosado ao redor das orelhas.

—Eu realmente não tenho escolha, tenho? — Ele reclamou. —Se vocês idiotas vão e se matam, não há como eu pegar a vela.

Eu sorri para ele, feliz por ele estar conosco.

—Então está resolvido. — Eu disse. —Todos nós vamos.

—Não é nem remotamente estabelecido. — Argumentou Gwydion. —É a coisa mais distante da solução.

—Você realmente vai discutir comigo depois que eu quase morri salvando você? — Eu perguntei, mãos nos meus quadris.

Gwydion fechou os olhos por um momento, reunindo a compostura.

—Tudo bem. Vocês todos estão vindo. Tenho certeza que isso não vai acabar mal.

Ele pegou o casaco do braço, virou de dentro para fora e entregou para mim.

—Vista isso. Fiquem perto de mim. Não façam barulho e não usem magia, a menos que eu peça. Se nos separarmos... Vocês provavelmente morrerão. Não comam nada. Não cantem nem dancem. Façam tudo ao seu alcance. Não ofendam nada. Não ofereçam ajuda, a menos que seja solicitado, faça-o e não reclame. Aceite o que lhe derem depois, mas se alguém tentar lhe dar algo que você não ganhou, recuse educadamente enquanto vocês podem e espero que eu possa encontrar vocês a tempo de salvá-los. Entendido?

Não remotamente, mas assenti e coloquei o casaco de dentro para fora de qualquer maneira.

—Então vamos acabar logo com isso. — Disse Gwydion com um suspiro.

Sem mais cerimônia, ele atravessou o portal. Eu dei a Ethan e Cole um último sorriso encorajador, depois fui atrás dele, esperando que o que esperasse do outro lado não fosse pior do que o que já tínhamos enfrentado. Mas, pela primeira vez, eu estava menos preocupada com o desconhecido do que com meu próprio poder. Eu ainda não tinha certeza do que tinha acontecido quando tentei curar Gwydion, mas tinha certeza de que isso aconteceria novamente. Em algum lugar no fundo da minha mente, as palavras 'ainda não' ainda ecoavam.

 

 

 

 

 


Capitulo Dez

 

Das sombras frias e cinzentas da Costa DIstante, entrei em um dia perfeito de verão. Era verão também na Terra, mas não assim. Esse era um daqueles dias míticos, a partir de memórias idílicas excessivamente nostálgicas da infância, ou um daqueles filmes inexplicavelmente populares da maioridade, onde algo terrível acontece com o cachorro leal de uma criança. Estava frio o suficiente na sombra para fazer o calor do sol parecer mais calmante do que opressivo. Enormes árvores velhas erguiam-se ao nosso redor, suas folhas lançando sombras verdes na terra rica e escura, seus arcos pesados de frutas. A vegetação rasteira era uma profusão de flores silvestres e frutos maduros. O ar estava denso com o som do canto dos pássaros e o murmúrio musical da água correndo em algum lugar próximo. A luz através das árvores era dourada, quase tangível, e senti uma onda de prazer e excitação estranhos assim que respirei o ar. Tudo, todos os mirtilos gordos, pedras brilhantes e pássaros cantando de suas gargantas vermelhas, estavam positivamente cheios de significado. Qualquer coisa que caísse em meus olhos, desde uma teia de aranha pendurada em prata pendurada sob a sombra de uma raiz de carvalho até as cabeças de sementes douradas da grama alta crescendo em um pedaço de luz solar, me atingiu com uma intensidade que me fez ter certeza de que tocar qualquer parte disso seria embarcar em uma aventura fantástica.

Gwydion estalou os dedos na frente do meu rosto, impaciente, tirando-me do meu devaneio.

—Foco. — Ele insistiu. —Você não deve deixar este lugar colocar seus ganchos em você. Seu charme é um veneno, você entende? Tudo isso é apenas a pele brilhante de um sapo venenoso.

—Mas é tão... mágico. — Eu disse, surpresa com o quão jovem eu parecia, como uma criança na Disney World.

—O que é este lugar? — Ethan perguntou, parecendo tão impressionado quanto eu. Eu olhei para ele quando Cole entrou no portal. A boca de Ethan estava aberta em um espanto frouxo, seus olhos brilhando. Ele parecia mais jovem de alguma forma, as linhas ao redor dos olhos se foram, o peso fora dos ombros. A luz do sol brilhava bastante em seus cachos castanhos escuros e seus olhos dourados. Ele parecia tão magnificamente mágico e importante quanto todo o resto. Ele pegou meu olhar e ouvi sua respiração prender e vi seus olhos se arregalarem.

—Vexa. — Ele disse, suas mãos encontrando minha cintura. —Você parece tão... radiante. Deus, eu nunca vi nada tão-

—Nada disso, nada disso! — Gwydion disse agitando a mão bruscamente entre nossos rostos até nos afastarmos. —Eu sabia que era uma péssima idéia. Concentrem-se, por favor! Você, Cole! Fique fora daqui!

Cole, parecendo tão atordoado e surpreso quanto o resto de nós, olhou para cima, confuso, de onde ele estava vagando em um pedaço de amora, mistificado com as frutas perfeitas, como joias, e pequenas flores brancas de estrelas. Seus olhos, sempre adoráveis, eram de um azul mais brilhante do que eu já tinha visto na Terra. O tom escuro de seu cabelo combinava com o da fruta ao seu redor. A graça de seus membros musculosos quando Gwydion o agarrou pela camisa e o arrastou de volta para nós era absolutamente sublime. Ethan e eu voltamos juntos assim que Gwydion parou de nos separar fisicamente, nossos braços se abraçando como se tivessem sido feitos para isso. Quando Gwydion empurrou Cole para nós, nós o alcançamos ao mesmo tempo. Eu sorri quando toquei sua bochecha, sua pele macia e quente, e pela primeira vez ele não recuou do contato. Ethan segurou o outro lado do rosto, acariciando a linha fina da bochecha com o polegar. Cole fechou os olhos e afundou em nosso toque como um banho quente após um dia difícil.

—Como você pode pensar que não é absolutamente lindo? — Eu perguntei, impressionado com cada mecha de seu cabelo, a curva de sua mandíbula, a cor de seus lábios.

—Você é como uma obra de arte. — Ethan concordou, virando seu sorriso deslumbrante para mim, o calor tão comovente que eu quase podia chorar. —Vocês dois são. Gostaria de saber com quem comparar você. Nunca consigo me lembrar dos nomes. Vexa sempre pode.

Eu sorri de volta para ele, lembrando como quando o conhecemos eu o comparei com o David de Bernini e uma dúzia de outras obras de arte clássica. Eu estava um pouco desorientada na época, mas a comparação se manteve.

—Algo pré-rafaelita. — Eu disse. —Edward Hughes talvez.

—Você é tão inteligente. — Disse Ethan.

—Estou tão feliz que vocês estão tendo um momento de união tão adorável. — Disse Gwydion, tentando nos afastar um do outro. —Mas se vocês tentarem recuperar os sentidos, realmente não temos tempo para uma orgia no momento.

—Isso é... intoxicação mágica. — Disse Cole, esfregando os olhos. Adorei a delicada arte de seus dedos e o tom avermelhado que o atrito colocou em suas bochechas.

—De fato! — Gwydion disse, pingando sarcasmo. —Que bom que você está alcançando! Isso deve desaparecer em breve, mas não podemos dar ao luxo de esperar por isso, nem tenho paciência para ver vocês três se lutarem até que isso aconteça.

Eu me perguntava por que ele estava de mau humor quando era um dia tão perfeito. Mas eu não poderia estar chateada com ele por isso. Ele era bonito demais para se zangar. A luz do sol não parecia tocá-lo, mas quando ele estava na sombra, ele parecia esculpido em mármore frio, frio e sem falhas e brilhando como gelo. Quase doía olhar para ele, como a luz refletindo na neve até ficar ofuscante. E às vezes, quando eu o via pelo canto do olho, ele era mais do que isso. Maior do que eu podia imaginar, e quando ele se moveu, houve um farfalhar de pelos e uma sombra de chifres.

—Ele está certo. — Disse Cole, balançando a cabeça enquanto se distraía brevemente por uma borboleta que passava com asas como vitrais vivos. —Precisamos... Continuar em movimento. Estamos em perigo. Tentem se lembrar do medo.

Eu não queria ter medo, não quando era tão bonito aqui. Mas fiz o meu melhor quando Cole pegou minha mão e me puxou atrás de Gwydion. Peguei Ethan com a mão livre e o puxei. Uma corrente de margarida, como quando éramos crianças. O pensamento me fez rir, o que o fez começar.

Gwydion suspirou cansado. —Pelo menos vocês estão se movendo. Por aqui. Não se afastem. Não há sinal de seu feitiço de teletransporte aqui. Ele deve ter ido mais longe antes de lançá-lo para tentar me expulsar. Mas por que ele arriscaria isso aqui? De todos lugares?

Eu mal ouvia Gwydion e não entendia por que ele não gostava daqui. Ele fez parecer tão perigoso, mas era o lugar mais maravilhoso que eu já vi. Ao atravessarmos as árvores, pequenos pedaços de magia se revelaram entre as folhas. Uma macieira com casca de prata fina estava crescendo perto de um riacho claro, com seus galhos forrados e pesados por frutas feitas de ouro e diamante. Uma cobra com escamas de esmeralda translúcida estava pendurada nos galhos, nos observando com sábios olhos rubis escuros. Tinha uma daquelas bocas fofas de filhotes de píton que são tão adoráveis, mas Gwydion não me deixou fazer amizade com ela.

Mulheres minúsculas, que não eram mais do que meu braço, nadavam através do riacho, pulando como peixes, brilhando rosa iridescente e lavanda como o interior de uma concha, estalando seus minúsculos dentes afiados em insetos. Vi um campo de flores brancas crescer, grande como a palma da minha mão, e no centro de cada uma havia um minúsculo sino de ouro. Quando o vento soprava, eles tocavam tão docemente que Gwydion teve que gritar conosco para nos impedir de vagar neles para nos deitar e apenas ouvir. Cole sugeriu que cantássemos, o que foi uma ideia tão boa que eu o beijei por isso, e ele ficou vermelho e começou a rir e esqueceu sua sugestão até que Gwydion o lembrou, quando ele afastou Ethan de tentar mentir novamente nas flores, que eram tentando envolver tenras videiras verdes ao redor de seus sapatos, como se quisessem que ele ficasse. A única música que todos conhecíamos era Bohemian Rhapsody, e cantamos o mais alto que pudemos por insistência de Gwydion, até deixarmos o campo de flores para trás e ele nos pediu para parar. Mas continuamos esquecendo que ele nos disse para parar e começar de novo. É uma música tão boa, afinal. Nós finalmente paramos quando ele ameaçou fechar nossas bocas com mágica nos fez esconder em um arbusto enquanto uma procissão de árvores andando passava majestosamente.

Quando o desfile de árvores terminou, eu estava finalmente começando a recuperar meus sentidos um pouco, o suficiente para perceber que estávamos com problemas. Embora eu ainda estivesse flutuando e facilmente distraída, eu estava presente o suficiente para olhar para a merda ridícula que acabamos de percorrer e empalidecer com a quantidade ridícula de sério perigo em que estávamos, que eu apenas... não notei.

—Essas flores tinham dentes. — Eu sussurrei para mim mesma, olhando para um fragmento perfeito de céu azul através das folhas acima de nós.

—Finalmente começando a sair disso? — Perguntou Cole. Ainda estávamos sentados no mato. Eu não tinha notado os espinhos antes agora.

—Acho que sim. — Eu disse, esfregando a cabeça. —Mais ou menos. Jesus, eu não estive tão bêbada desde o último ano.

—É o ar aqui. — Disse Cole. —Está tão cheio de magia que você quase pode vê-la a olho nu. É por isso que tudo parece tão...

Ele fez um gesto ambíguo, mexendo os dedos ilustrativamente. Eu imaginei que entendi o ponto dele.

—Graças à lei. — Gwydion reapareceu, arrastando um Ethan tropeçando, que estava sorrindo e segurando uma das flores de sino. —Eu tinha medo que você se afastasse. Eu tive que perseguir esse idiota até o prado. Eu deveria ter deixado eles comê-lo. Eu teria todo o direito!

Ele estava parecendo mais do que um pouco esfarrapado, mesmo através da névoa mágica que o tornava tão etérea adorável.

—Desculpe. — Eu disse, levantando-me inquieta e ajudando Cole a se levantar. —Eu acho que estou começando a descer.

—Provavelmente levará Ethan mais um pouco. — Disse Cole. —Ele não está tão acostumado à magia quanto nós.

Ethan pressionou a flor do sino em minhas mãos. Peguei-a com relutância, olhando para trás como dentes de gancho voltados para os dentes que revestiam a trombeta interna.

—Eu comprei para você. — Ethan disse, e ele estava tão sério e bonito que eu quase esqueci os dentes completamente. —Eu não te dei nada ainda. Preciso te dar coisas, para que quando eu me for, você se lembre de mim.

Ele disse isso sem um pingo de arrependimento ou amargura, o que a fez doer ainda mais. Comecei a dizer algo, insistindo que não era o que iria acontecer, mas não queria estragar a felicidade dele. Eu sabia que ele tinha tido pouco o suficiente ultimamente.

—Obrigada, querido — Eu disse e o beijei. —Eu prometo que nunca, nunca vou te esquecer.

Encantado, ele me pegou e me virou, regando meu rosto em beijinhos.

—Adorável. — Disse Gwydion sarcasticamente. —Podemos seguir em frente? A trilha de Gil está ficando mais fria.

Fiz Ethan me colocar no chão e começamos a andar novamente. Definitivamente, eu ainda estava bem maluca, mas ter pelo menos um pé mais ou menos no chão tornava mais fácil apreciar as coisas realmente incríveis que estávamos vendo, além de ajudar a manter um olho em Ethan, e ocasionalmente até em Cole. Não que eu estivesse muito melhor, sendo desviada por um raio de sol que capturava o ar como se fosse um prisma, arco-íris deslizantes e brilhantes, ou um ninho de coelhos com presas e chifres, que eu percebi que um pouco tarde demais estavam sendo guardados por seus pais igualmente afiados e com chifres. Mas pelo menos agora um de nós geralmente era lúcido o suficiente para pegar o outro. Gwydion tinha um grande potencial como pastor profissional.

E então Gwydion afastou uma cortina de musgo pendurado e todos nós congelamos no lugar como se ficássemos impressionados ao ver o que havia do outro lado.

A alguns metros de distância, pastando pacificamente em uma piscina vernal, havia um unicórnio.

Era, sem exceção, a coisa mais linda que eu já vi. Eu não conseguia acreditar que alguém tivesse convencido as pessoas de que se parecesse com um cavalo. Era um tipo de ungulado, claramente, mas mais como um grande cervo em proporções, com uma cabeça um tanto parecida com uma cabra. A cauda comprida era preênsil, como a de um gato, e adornada no final com os mesmos cachos sedosos e prateados brancos da crina. Seus olhos eram impressionantes além da minha capacidade de descrever. Eles eram ao mesmo tempo profundos, escuros e infinitamente inteligentes, e também brilhavam com mil cores, queimando com a luz interior. Seu chifre brilhava com suave iridescência, como pérola ou nácar, subindo mais de um pé da testa até um ponto que brilhava como uma estrela.

—É...? — Eu sussurrei, minha voz tremendo. —É realmente-?

—Sim. — Disse Gwydion, estendendo a mão para impedir que alguém se aproximasse. —Silêncio. Fora dos tribunais, não há mais coisa perigosa neste lugar. Devemos recuar lentamente, tentar dar a volta.

—Como isso pode ser perigoso? — Eu perguntei, completamente extasiada. —É um unicórnio!

—É exatamente por isso que é perigoso. — Disse Gwydion, impaciente. —Eles são forças primordiais - o conceito de justiça dando forma. Se eles sentirem a menor sombra em seu coração, eles a esculpirão. Eles não podem ser combatidos ou fugir. Depois que decidem matá-lo, nada pode detê-los. Eles podem até matar um fae.

—Isso não parece exatamente justiça para mim. — Disse Cole, franzindo a testa. —Apenas assassinato resumido por qualquer crime? E o que exatamente eles definem como uma 'sombra' no seu coração? Isso me mataria se eu me sentisse culpado por esquecer o aniversário da minha avó?

—Não seja pedante. — Disse Gwydion, virando-se para olhá-lo. —Só estou dizendo que, se você merece morrer, eles saberão.

—Bem, isso é um pouco diferente de 'se houver uma sombra em seu coração'.

—Bem, o julgamento deles sobre quem merece morrer tende a se inclinar pesadamente para todos na minha experiência, então me perdoe por me tornar poético.

—Bem, então eles não são personificados pela Justiça. Justiça verdadeira não ignora o contexto.

Não ouvi a resposta de Gwydion porque já estava na metade da distância entre mim e o unicórnio. Ele levantou sua bela cabeça quando me aproximei, e eu não pude deixar de sorrir. Eu nem estava pensando no perigo. Tudo o que eu conseguia pensar era que esse era um unicórnio real na minha frente. Tudo o que eu sonhava quando menina, todos os livros de fantasia que eu desejava escapar, voltaram correndo para mim como um golpe no peito. Eu não percebi o quanto eu queria isso, neste exato momento, toda a minha vida. Se eu pudesse tocá-lo, apenas uma vez, morreria feliz. O unicórnio, silencioso e perfeito, virou-se lentamente para me encarar.

Ouvi vagamente Ethan começar a gritar meu nome, apenas para ser rapidamente abafado.

—Temos que fazer alguma coisa! — Cole estava dizendo. —Isso poderia matá-la!

—Se interrompermos agora — Respondeu Gwydion severamente. —Definitivamente vai.

Eu não estava com medo. Quem poderia ter medo na presença de algo assim? Ele deu dois passos lentos em minha direção, seus cascos ecoando a cada passo, apesar de andar sobre musgo macio. Eu assisti, impressionada e aberta, enquanto abaixava a cabeça, trazendo seu chifre longo e perversamente afiado ao meu peito. O ponto descansou logo acima do meu coração. De repente, pensei, como se estivesse compelida, a tudo o que recentemente senti culpa. Quando Gwydion se machucou, depois de me envolver nisso por minha causa. Colocando Cole em perigo pela mesma razão. Quando meus vizinhos encontraram o buraco no quintal onde o cachorro morto havia sido 'desenterrado por um leão da montanha', mesmo que o cachorro estivesse ressuscitado e vivendo feliz na casa da minha tia. Aprendendo que meus poderes estavam acelerando a maldição de Ethan. Quando Ethan quase foi morto me protegendo de Aethon. Na maioria das vezes eu tinha visto Ethan ultimamente, honestamente. Se não fosse por mim, ele ainda teria anos. Eu até me senti culpada por fazê-lo ficar comigo. Egoísta. Fazendo-o continuar lutando, mesmo que ele estivesse com medo e com dor só porque eu não queria perdê-lo ainda. Fazendo-o me ver flertar com os homens que eventualmente o substituiriam. Eu deveria ter recusado quando ele se ofereceu para abrir o relacionamento. Eu sabia que ele só estava fazendo isso porque ele não queria que eu estivesse sozinha. Eu deveria ter recusado ele quando ele se ofereceu para me ajudar com isso. Eu nunca deveria tê-lo colocado em perigo. Ele merecia mais que eu. Eu era uma necromante, e o que Julius dissesse, nunca seria capaz de me convencer, muito menos de mais alguém, de que era uma magia puramente inocente. Eu estava cheia de algo sombrio e mau, e não podia mudar isso.

Eu funguei, lágrimas escorrendo pelo meu rosto. Eu sabia que o unicórnio podia ver toda a minha culpa, e a vergonha me fez querer entrar em um buraco e morrer. Eu não tinha medo de que isso me matasse. Eu não estava pensando sobre isso. Eu só queria ser digna disso.

Senti algo molhado cair no meu ombro e abri os olhos. O unicórnio chorava, chorando lágrimas leitosas que se transformavam em cristal quando caíam na grama. Ele levantou o chifre do meu coração e agora encostou a cabeça na minha, como se estivesse tentando me confortar. Joguei meus braços em volta do pescoço sem um momento de hesitação e enterrei meu rosto na seda fria de sua juba. Irradiava contentamento, uma paz profunda e tranquilizadora que me assegurava que tudo ficaria bem. Não era apenas Justiça, como Gwydion pensava. Era a paz que seguia a verdadeira justiça.

—Em todos os meus anos, nunca vi isso acontecer. — Sussurrou Gwydion de onde estavam escondidos, parecendo atordoado. —Eu ouvi histórias, mas...

Respirei fundo, infundindo-me com o máximo de paz possível. A vertigem da intoxicação mágica se foi, mas eu estava feliz por isso. Eu nunca teria tido a coragem de me aproximar sem ela. Então me forcei a me afastar, embora uma grande parte de mim só quisesse seguir o unicórnio para sempre. Havia pessoas que ainda precisavam de mim aqui. E alguém que precisava disso muito mais do que eu.

—Vexa? — Ethan disse inquieto. —Você está bem?

Eu me virei para eles, sorrindo enquanto esfregava as lágrimas do meu rosto.

—Sim. — Eu disse. —Eu estou bem.

Estendi a mão para Ethan, acenando para ele avançar.

—Não faça isso. — Disse Cole. —Ela claramente perdeu a cabeça.

Ethan parecia nervoso, mas saiu de trás do mato, caminhando em nossa direção com cautela. O Unicórnio fez um barulho baixo e desapontado, como um cavalo, e se levantou um pouco, mas eu joguei meus braços em torno dele novamente, acariciando seu pescoço até que ele se acalmasse e deixasse Ethan se aproximar.

—Não tenha medo. — eu disse, pegando sua mão. —Não vai machucá-lo. Se pode chorar por mim, vai te amar.

Ethan não parecia certo, mas quando ele olhou para o Unicórnio, pude ver a admiração em seus olhos tão poderosos e profundamente enraizados quanto os meus. Eu não tinha sido a única sonhando com esse momento.

O unicórnio colocou seu chife no peito de Ethan, e vi as lágrimas nos olhos dele quase imediatamente. Ele soluçou, o ombro tremendo, enquanto revivia a culpa que o unicórnio havia trazido diante dele.

—Não olhe. — Ele implorou ao unicórnio, não a mim. —Eu não sou - eu não sou como-

Eu vi a ponta do chifre do unicórnio afundar no peito de Ethan apenas o suficiente para tirar sangue. Agarrei a mão de Ethan novamente, apertando com força.

—Seja honesto. — Insisti. —Você tem que olhar para tudo. Você tem que deixar que isso faça parte de você.

Ethan balançou a cabeça e senti um tremor de medo quando o chifre do unicórnio afundou um pouco mais fundo, com medo de ter cometido um erro. Mas não havia mais nada que eu pudesse fazer. Não havia nada que eu pudesse dizer agora. Ethan sabia que eu estava aqui, que o apoiaria, não importa o quê. O problema não estava comigo ou com mais ninguém. Era em Ethan.

O chifre afundou mais e eu agarrei a mão de Ethan, com medo de tê-lo levado à morte.

—Eu te amo. — Eu disse, a primeira vez que disse as palavras. A primeira vez que estive realmente, realmente certa de senti-las. —Ethan, eu te amo muito.

Ethan estremeceu, depois apertou minha mão.

—Tudo bem. — Disse ele, um som de aceitação cansada. —Bem.

A tensão sumiu dele, embora as lágrimas caíssem rápido e com força. O chifre do unicórnio recuou, não deixando feridas nem sangue. Deitou a cabeça ao lado da dele por um momento, antes que ele caísse de joelhos na grama. Caí ao lado dele, segurando-o perto. Ele tremia, ainda chorando muito.

—Vê? — Eu sussurrei. —Eu sabia. Eu sabia que pensaria que você é tão incrível quanto eu.

Ele soluçou, maravilhado e incrédulo em seus olhos quando olhou para o unicórnio. Mas quando ele olhou para mim, havia apenas amor em seus olhos.

—Eu também te amo, Vexa. — Disse ele. —Muito.

Ele me puxou para um beijo aos pés do unicórnio, que pressionou o nariz na têmpora de Ethan e depois na minha, antes que ele se virasse e se afastasse na sombra das árvores.

Fiquei de pé instável e puxei Ethan comigo enquanto Cole e Gwydion saíam cautelosos dos arbustos. Ethan me abraçou com força, e eu o abracei de volta, meus pensamentos ainda nos arrependimentos que o Unicórnio havia me mostrado. Não tinha falado ou compartilhado nenhuma sabedoria, mas a sensação de paz que me enchia me dava um tipo estranho de clareza, uma distância daqueles sentimentos que os tornavam mais fáceis de lidar. Eu esperava que Ethan sentisse o mesmo. Eu esperava que algo tão puro e mágico, declarando-o digno, aliviasse um pouco da dor contida dentro dele.

Cole me surpreendeu jogando os braços em volta de nós dois, a cabeça no meu ombro.

—O que eu acabei de dizer sobre fazer coisas estúpidas e perigosas? — Ele repreendeu, sua mão segurando firmemente as costas da minha camisa. Não pude deixar de sorrir com sua preocupação relutante. Ethan retornou meu sorriso, nós dois emocionalmente exaustos, mas cheios pela profunda paz do julgamento do unicórnio.

—Tenho certeza que você só me disse para não explorar fontes mágicas poderosas. — Provoquei. —Você não especificou que eu não deveria fazer nada perigoso.

Ele levantou a cabeça para me encarar.

—Você tem alguma ideia de como será inconveniente para mim se você morrer? — Ele disse.

—Bem, eu não gostaria de ser um inconveniente. — Eu disse com uma risada.

—Tarde demais. — Declarou Gwydion se aproximando de nós, colocando algo no bolso.

—Sua preocupação é comovente. — Eu disse a ele por cima da cabeça de Cole, depois coloquei um braço em volta de Cole para atraí-lo com mais segurança para o abraço, Ethan fazendo o mesmo. Cole ficou tenso sem jeito, mas não se afastou. Talvez fosse um pouco da intoxicação mágica ainda o afetando. Eu tinha certeza de que era o que ele culparia de qualquer maneira.

—Eu tenho certeza que isso faz com que vocês dois sejam dignos de serem reis da Inglaterra. — Disse Gwydion casualmente, claramente tentando entender tudo, como se eu não tivesse visto o medo dele. —Eu tenho a espada em casa, se vocês estiverem interessados.

Ethan abafou uma risada no meu ombro.

—Vou considerar. — Eu disse a Gwydion com um sorriso. Ele zombou com um arco, depois endireitou as roupas e limpou a garganta.

—Agora, realmente precisamos nos mexer. Magia assim vai atrair-

Ele foi interrompido por uma flecha acertando-o no peito.

Ele voou para trás, esparramando na grama. No mesmo momento, Cole e Ethan desabaram em ambos os lados de mim. Muito horrorizada para reagir, eu só podia ver uma fila de arqueiros emergir das árvores, flechas batendo, lideradas por um homem com barba dourada e uma coroa brilhante.

—Vocês invadiram a terra sagrada de Tir Na Nog. — Declarou o homem. —A rainha exige suas presenças.

 

 

 

Capitulo Onze


O charme que os fae costumavam colocar Ethan e Cole para dormir não funcionou em mim, provavelmente graças à jaqueta de Gwydion, então tive o prazer de ser amarrada e arrastada para as costas de um cavalo atrás do homem barbudo, algo que discordei veementemente, mas não pude fazer muita coisa. Não que eu não tentei. Convoquei todas as coisas mortas na área que pude alcançar, incluindo algum animal maciço e trêmulo que eu nem reconheci, e fui prontamente e completamente desligada com alguns gestos casuais dos fae. Eu poderia muito bem nem ter me incomodado. Eu consegui dar um tapa em alguns deles com necrose quando eles foram me amarrar e deram um bom chute, mas naquele momento, tudo que eu estava salvando era meu orgulho.

Eu assisti, doente de ansiedade, enquanto jogavam Ethan, Cole e Gwydion nas costas de seus cavalos, nem mesmo removendo a flecha de Gwydion, e nos levavam embora.

Não tínhamos andado muito tempo antes de chegarmos a um caminho verde, que logo se tornou uma estrada de terra bem trilhada e depois pavimentada um pouco mais em tijolos de pedra. A essa altura, o palácio já estava à vista.

Um imenso e reluzente edifício dourado, repleto de pináculos e filigrana, parecia algo que a Disney rejeitaria por ser exagerado demais. A vegetação caía em cascata de todas as paredes e janelas, flores quase mais comuns que o onipresente trabalho de pergaminho dourado. Era bonito, com certeza, mas não tinha nada no Unicórnio, e de qualquer maneira, eu estava ocupada sendo absolutamente irritada como o inferno.

Por fim, eles nos levaram a um enorme jardim no pátio, tão denso com plantas que dificilmente parecia haver espaço para as pessoas, cercados por todos os lados por finas colunas de mármore branco. Um maciço carvalho ficava em uma extremidade do pátio, e seu tronco fora cultivado, não esculpido, na forma de um trono elaborado, cravejado de pedras preciosas e marfim.

A mulher que estava sentada era, sem dúvida, uma rainha. Você poderia dizer que ela era uma rainha mesmo sem a coroa ou o lindo vestido dourado. Ela teria sido uma rainha completamente nua. Um lampejo daqueles olhos escuros deixaria isso claro. O fato de ela ter pelo menos o dobro da altura de qualquer outra pessoa aqui também pode ter contribuído para sua aura de superioridade real.

Sendo Rainha do Verão, eu meio que esperava uma loira, talvez uma ruiva. Mas o cabelo de Titania era o preto do solo rico, sua pele tão escura quanto uma noite de verão. Ela brilhava como o coração do sol e segurava um cajado de ouro em uma mão, que parecia ter uma estrela viva em sua cabeça de filigrana.

Fomos trazidos à sua frente, eu caminhando entre dois guardas e os outros três jogados sem cerimônia. O homem barbudo se ajoelhou para arrancar a flecha do peito de Gwydion. Assim que saiu, Gwydion acordou, tossindo e engasgando.

Lancei um rápido olhar para os homens de ambos os lados, depois chutei um na virilha e balancei os punhos amarrados para atingir a outra força total no rosto. Enquanto eles estavam cambaleando, corri para Gwydion, convocando um enxame de insetos para manter os guardas afastados enquanto eu o arrastava até nossos companheiros inconscientes.

 

—Teleporte-nos para fora! — Eu disse a Gwydion, tentando freneticamente manter os insetos mortos entre mim e os guardas, que pareciam apenas levemente aborrecidos por eles e não com pressa de me recapturar.

—Não posso. — Disse Gwydion, ainda sibilando.

—O que você quer dizer com não pode?

—Obrigada, Hern. — Titania disse graciosamente para o homem barbudo, ignorando minha tentativa de fuga completamente. —Por favor, remova o charme dos outros dois. Estou muito curiosa em saber o que os trouxe ao nosso reino.

Hern curvou-se profundamente, depois acenou com a mão e Ethan e Cole sentaram-se um momento depois, piscando em confusão.

—É o suficiente. — Disse Titania, e os insetos que eu estava controlando se transformaram em uma chuva de pétalas de flores instantaneamente, sem o menor gesto dela. Eu peguei qualquer outro poder que eu tinha e não encontrei nada. Apenas a paz prolongada do toque do unicórnio me impediu de surtar completamente. Os olhos escuros e brilhantes de Titânia voltaram-se para Gwydion, assim como os do resto da corte, que estavam quase invisíveis entre as flores do jardim, verdes e brilhantes. Pelo canto do olho, eles não pareciam humanos. Vi carapaças cambiantes e asas e olhos iridescentes cintilantes como jóias multifacetadas.

—Gwydion Greenwood. — Ela falou, e sua voz tremeu no ar e fez as flores girarem em sua direção. —Pensei em ver seu irmão ajoelhado diante de mim em uma dessas noites. Mas você não esperava. Você sempre preferiu os reinos mundanos.

Eu não precisava saber muito sobre faes para saber que isso era um insulto.

Gwydion recuperou o fôlego e lutava de joelhos. Ajudei-o tanto quanto me atrevi, com medo de tirar os olhos da rainha. Gwydion, pelo contrário, nem sequer a olhava. Ele manteve a cabeça baixa e a postura baixa.

—E ainda aqui está você. — Titania continuou. —E com um bando de humanos não menos. Que planos fascinantes você deve ter. Por favor, compartilhe-os.

—Nossa chegada aqui não foi intencional, Vossa Majestade. — Disse Gwydion, a cabeça tão baixa que seus cabelos roçaram o mosaico vidrado. —Um ladrão roubou algo meu e fugiu através de um portal. Foi por coincidência que o ladrão escolheu este lugar como destino.

—Nós dois vivemos muito tempo. — Disse Titania casualmente. —Muito tempo para acreditar na coincidência.

—Então claramente o ladrão sabia que me levar até aqui atrairia sua atenção e me impediria de seguir. — Disse Gwydion rapidamente. —Mas você deve saber que eu não voltaria a esse lugar de bom grado.

—E ainda aqui está você. — Disse Titania novamente. —E Hern, o melhor caçador da minha corte, não viu vestígios de sua pedreira. Somente você, perambulando pelo território que lhe era proibido antes do seu exílio.

—Vossa Majestade. — Disse Gwydion, e pude ver suor em sua testa. —Eu nunca tentei interferir nos seus assuntos. Mesmo antes das tolices que levaram à minha... partida. Você sabe que não tenho ambições.

—Você não tinha. — Titania confirmou casualmente. —Mas você passou mil verões entre os humanos, e quem sabe que influências tóxicas suas mentes mesquinhas podem infligir? Talvez você tente recuperar sua posição entre os Invisíveis, ganhando-lhes uma pequena vitória contra nós, nesta nossa época de supremacia?

—Não, Majestade, eu nunca...

—Você roubou o meu reino. — Disse Titania, uma onda de calor saindo do trono, o que me deixou tonta e com sede. —Sem aviso prévio em um jardim onde sua espécie sempre foi proibida, trazendo com você criaturas mortais com magia repugnante para suas almas, e você espera que eu acredite em suas intenções puras? Você me aceita como uma tola, Gwydion Greewood? Sílabas do seu verdadeiro nome - Sol à meia-noite, Espelho de Gelo, Canção de arrepio - eu poderia torcer você em mil formas e plantá-lo como uma das minhas árvores.

Enquanto ela falava, o calor aumentou até que eu mal conseguia respirar, como estar diante de uma fornalha no deserto. Gwydion se enrolou em si mesmo, a pele brilhando com suor, o cabelo mole. Eu podia ver a agonia em seu rosto e meio que esperava que ele evaporasse, um fio de vapor como um floco de neve caindo no fogo. Em vez disso, seus membros torceram e tensionaram, sua pele ficou escura, rachando em casca.

—Meu jardim pode usar uma ou duas sempre-vivas. — Disse Titania com crueldade preguiçosa.

Ethan e Cole estavam sofrendo sob o calor da mesma forma que eu, e os dois ainda estavam se recuperando da confusão do feitiço de dormir de Hern. Eu podia ver Cole se esforçando para encontrar sua mágica e não encontrando nada ao seu alcance. Ethan empurrou o Lobo para a superfície, mas a exaustão pelo calor diminuiu sua força e deixou seus dentes sem brilho e suas garras mal estendidas. Meus braços estavam em volta de Gwydion e, entre meus dedos, brotavam galhos, afiados com agulhas de pinheiro.

—Pare! — Eu exigi, com toda a força que pude reunir, o som ainda fraco dos meus pulmões sem ar. —Não foi culpa dele! Foi Gil-

De repente, o calor desapareceu e a casca desapareceu da pele de Gwydion.

—Então, foi Gilfaethwy quem voltou primeiro. — Disse Titania com um sorriso doce. —Por que você não mencionou que era seu irmão que você estava perseguindo? Eu poderia ter adivinhado. Ele sempre estava roubando seus brinquedos. Foi isso que levou você a essa confusão em primeiro lugar, não foi, querido?

Gwydion não conseguiu falar. Ele estava tremendo muito e mal conseguia se segurar. Lembrei-me com súbito medo como o que Gwydion havia dito que os Unseelie fariam com ele se ele voltasse. A Corte de Verão faria o mesmo e o torturaria para alcançar Gilfaethwy?

Lutei de pé, aproveitando a sensação de paz que o Unicórnio me deixou como se fosse uma piscina parada no meu coração.

—Gwydion não é seu para punir. — Eu disse e ouvi um murmúrio de choque e até risadas correndo pela corte reunida. Eu senti que provavelmente deveria ter me curvado ou adicionado uma 'Sua Majestade' antes de desafiar diretamente seu poder, mas era tarde demais para isso agora. —Ele não pertence ao seu tribunal.

Titania levantou uma sobrancelha escura e sorriu, divertida.

—Vejo você seguir uma nova rainha hoje em dia, Gwydion. — Disse ela, e tentei ignorar o rubor em minhas bochechas com a zombaria em seu tom. —Foi ela quem colocou o cheiro da morte em você?

Gwydion ainda não conseguia controlar as palavras. Ele agarrou o tornozelo das minhas calças com as mãos trêmulas, claramente tentando me fazer calar a boca de qualquer maneira.

—Bem, pequena rainha. — Titania disse com seu sorriso venenoso. —É verdade que não é da minha conta julgar os crimes dos quais ele originalmente fugiu. Mas ele passou por aqui, um Unseelie em Seelie pousa, e por isso tenho todo o direito da lei de exigir sua vida.

—Mas então você perderia Gilfaethwy. — Eu apontei, pensando rapidamente e puxando a primeira razão que eu consegui pensar na minha bunda. —E você nunca teria a chance de puni-lo pelo que ele fez.

Titania considerou isso, uma mão delicada em sua linda bochecha.

—Verdade. — Ela concluiu finalmente. — Mas o que me impede de poupar a morte de Gwydion? Em minha infinita misericórdia, talvez eu lhe conceda sua vida e apenas o castigue, infligindo toda tortura inteligente que minha corte possa conceber até que seu querido irmão se mostre apenas para acabar com a dor?

A mão de Gwydion apertou meu tornozelo, e o medo como água gelada em minhas veias fez o calor terrível da rainha parecer morno.

—Porque não funcionaria. — Eu disse, as palavras parecendo sair dos meus lábios antes de pensar completamente nelas. Procurei alguma justificativa para o que tinha acabado de dizer, ainda me perguntando por que o havia dito. —Ele... Gilfaethwy tem algum novo tipo de magia de proteção nele. É... provavelmente porque o seu caçador não o notou, mesmo que ele estivesse no seu território por mais tempo do que nós. Provavelmente bloqueia a conexão dele com Gwydion. Você poderia torturá-lo para sempre e Gil nunca sentiria nada.

Isso era absolutamente besteira. Eu não sabia disso. Gwydion mencionou de antemão que Gil tinha algum tipo de escudo impedindo Gwydion de usar o Vidro do Artífice nele. Era um alcance e meio afirmar que o impediria de sentir a outra metade de sua alma sendo torturada. Mas eu disse isso com tanta confiança quanto pude, olhando a rainha em seu rosto radiante, embora queimasse como se olhasse diretamente para o sol, e a vi reclinar em seu trono com uma expressão pensativa. Havia queimaduras ardentes nos braços do trono vivo onde suas mãos estiveram.

—Que pequena rainha interessante você encontrou. — Titania disse a Gwydion, que ainda estava ajoelhado aos meus pés, os dedos segurando minhas calças como se estivesse tentando rasgá-las. —Estou intrigada. É tão raro hoje em dia ver algo novo e divertido. Os humanos podem ser terrivelmente cansativos em números, mas sinto falta dos dias em que esses raros mortais excepcionais decidiram fazer algo tolo. Eles são terrivelmente estúpidos e inventivo. As mentes imortais tendem a se apegar à ideia de que já tentaram de tudo e o que não tentaram não vale o esforço. Isso as torna insuportavelmente entediantes.

—Honestamente, eu já vi essa atitude em muitos humanos. — Eu disse, um pouco tonta de estresse.

A rainha riu, um som clamoroso como sinos de metal tocando e tempestades de verão. Isso me abalou tanto que quase caí no chão ao lado de Gwydion.

—Bem, então, pequena rainha. — Disse Titania, cruzando as pernas e arrumando as saias com um segundo par de braços que eu ainda não havia notado. —Por favor, me diga como você resolveria esse problema. Estou muito curiosa para ouvir.

Engoli em seco e olhei para Gwydion, que balançava a cabeça sutilmente. Um olhar para Cole o viu também balançando a cabeça, com muito mais ênfase, e Ethan gesticulando com a mão esticada na garganta, no sinal universal de 'cale a boca antes que você morra'.

Eu decidi ignorá-los.

—Penitência. — Disse à rainha. —O castigo para nós quatro que invadimos deve ser penitência. Nós o pagaremos por nosso crime, trazendo a você alguém culpado de um crime muito maior. Vamos lá, vamos pegar Gilfaethwy e trazê-lo de volta a você para julgamento.

A boca perfeita de Titania se curvou em um sorriso largo e de dentes afiados que me fez lembrar de um gato de Cheshire.

—Que sugestão divertida. — Disse ela. A mão de Gwydion caiu da minha perna e Cole escondeu o rosto nas mãos. —Oh, já faz muito tempo desde que eu tive a chance de brincar com humanos. Outros Fae já conhecem todos os passos. Você nunca pode realmente vencer, ou apenas por centímetros. Que delícia ver alguém tropeçar diretamente em seu próprio sentido, mortes pela primeira vez. Eu nem precisei sugerir nada. Delicioso!

Meu estômago afundou aproximadamente 13 quilômetros na terra.

—Muito bem. — Disse Titania, batendo com o cetro no azulejo, que tocou como sinos. — Aceito. Vou perdoá-los pela invasão e permitir que vocês saiam, com a condição de voltar com o traidor Gilfaethwy e entregá-lo a mim. Como sou generosa, darei uma quinzena para protegê-los. Ao meio-dia daqui a duas semanas, se você não o trouxerem para mim, a penitência falhará e farei o que eu quiser com todos os quatro.

Fomos sumariamente expulsos do palácio. Sentamos na terra além de seus portões, recuperando o fôlego.

—Sua idiota. — Cole gemeu, com o rosto ainda nas mãos. —Você completa... Deus! Você nunca leu um conto de faes em sua vida?

—Eu não tive escolha! — Eu disse defensivamente. —Ela teria matado a todos nós! Pelo menos eu ganhei algum tempo.

—Ela não teria matado nenhum de nós! — Cole estalou. —Ela teria torturado Gwydion, talvez o trocado pelos Unseelie. Mas somos humanos enganados aqui por um Fae exilado que não é da sua corte. Ela não tinha poder sobre nós. Ela poderia ter tentado nos enganar para ficar ou fazer coisas de outra maneira. - difícil para nós, mas ela não poderia nos matar. Pelo menos até que você prometeu todas as nossas vidas a ela em troca de Gil!

Eu fiquei vermelha, envergonhada.

—Eu não sabia disso. — Eu disse, me sentindo uma idiota. —Fiz o melhor que pude!

—Além disso, devo lembrá-la. — Disse Gwydion em voz baixa, ainda sentado com a cabeça entre os joelhos. —Que se conseguirmos e levarmos Gilfaethwy até ela, a morte dele será minha também?

Engoli em seco.

—Ela querer Gilfaethwy mais do que você era a única alavanca que tínhamos. — Eu disse. —Nós vamos descobrir alguma coisa. Pelo menos agora temos algum tempo.

Gwydion respirou fundo, depois se levantou lentamente, oferecendo-me uma mão para meus pés também.

—Você está certa. — Disse ele, mantendo a voz muito calma, embora ele não olhasse para mim. —Não houve melhor curso de ação. Você preservou todas as nossas vidas, mesmo que por enquanto. Agora, precisamos ir e encontrar meu irmão; nesse momento, pretendo dividi-lo em dois, jogar metade no colo da rainha e levar a outra casa para viver o resto de sua vida miserável na menor e mais desconfortável gaiola que eu puder encontrar.

—É um plano. — Eu disse com um encolher de ombros. —Eu vou levar.

—Pergunta. — Ethan interrompeu. —Uh, então, primeiro de tudo... Essa era a rainha dos fae?

—Um deles, sim. — Respondeu Gwydion, relutante.

—Este lugar é de onde os fae vêm? — Ethan assumiu, gesticulando amplamente para Tir Na Nog.

—Não. — Disse Gwydion com um suspiro. —Esta é apenas a sede da Corte Seelie. Francamente, não se sabe de qual das Outras Terras os Fae emergiram, e supõe-se que o acesso a esse lugar tenha sido perdido.

—Como chegamos lá? — Ethan perguntou, ignorando as questões maiores que a declaração levantou. Repeti brevemente tudo o que havia acontecido entre Gwydion sendo alvejado e eles acordando em frente à rainha. Gwydion esfregou a flecha no ombro com uma careta como eu mencionei.

—Tudo bem. — Ele disse, balançando a cabeça. —Acho que já entendi. Mais uma pergunta. Como vamos encontrar Gil?

—Eu posso ser capaz de ajudá-los com isso.

Erguemos os olhos quando o homem de barba e a coroa de ouro, Hern, saiu dos portões do palácio ao nosso lado.

—Sua Alteza. Por que você nos ajudaria? — Gwydion perguntou sem rodeios.

—Sou o melhor caçador da Corte de Verão. — Respondeu Hern, igualmente direto. — Minha sombra na corte de inverno tem uma posição semelhante. Nenhum de nós jamais deixou escapar uma coisa que declaramos presa. Para que seu irmão tenha passado por meu território despercebido, e eu passo por sua trilha e não a sinta, é um insulto indescritível. Se minha sombra soubesse disso, a vergonha acabaria com nós dois. Devo segui-lo, pelo menos até onde ele foi em Tir Na Nog, por minha própria honra.

—Então você terá sua honra e nossa gratidão, rei Hern. — Gwydion confirmou.

—Eu também vou ter isso. — Disse Hern, apontando para mim. Meus olhos se arregalaram por um momento, antes que ele esclarecesse. —Ali, no seu casaco. No bolso. A chave que abre as portas entre os mundos.

Enfiei a mão no bolso do casaco de Gwydion e minha mão se fechou em torno de algo de madeira. Quando o tirei, ele se transformou em Cajado de Abeona. Gwydion empalideceu.

—Você não retribuirá meus esforços em seu nome com mera gratidão vazia. — Disse Hern. —Você vai me dar isso, e eu expandirei minhas áreas de caça para todos os mundos.

—Tenho outras bugigangas. — Afirmou Gwydion. —Coisas de muito mais utilidade para você do que para o pessoal. O Chifre de Caça que sua sombra perdeu na última vez que a Caçada Selvagem atravessou o reino mortal. Um sapato lançado do casco de Sleipner, que dará a qualquer montaria que a use a velocidade do rei dos cavalos.

—É esse cajado que eu quero. — Declarou Hern. —E eu terei isso ou nada.

—Então nada. — Disse Gwydion entre dentes. —E vamos encontrar Gilfaethwy por conta própria.

—Você confundiu minha oferta de caridade. — Disse Hern, frio e alto, a luz brilhando em sua coroa. —Caçarei Gilfaethwy com ou sem você. E se você me recusar, certamente o encontrarei diante de você e o devolverei à minha rainha pelos dentes dos meus cães. Aceite minha ajuda, me dê o cajado e eu lhe darei um avanço.

Até eu poderia dizer que estávamos sem opções.

—Precisamos pegá-lo. — Eu disse, interrompendo a despeito do quão ruim meu acordo foi na última vez. —Podemos dar a você depois que ele for entregue à rainha?

Hern considerou por um momento.

—Eu exigiria um vínculo. — Disse ele. —Garantia para garantir o pagamento. Um dos humanos faria.

—Não. — Eu disse imediatamente.

—Eles não seriam prejudicados. — Insistiu Hern. —E seria devolvido imediatamente após a entrega da equipe.

—Algo mais. — Eu insisti. —Nenhum humano.

—Aqui. — Gwydion enfiou a mão no casaco que eu ainda estava vestindo e tirou outra coisa, que reconheci após um breve vislumbre como o Espelho Branco e rapidamente desviou os olhos. —Isso. Você estava lá na noite do erro de Gilfaethwy. Você sabe o quanto eu o valorizo e o que significaria se fosse perdido para mim. É um seguro muito maior do que a vida de algumas espécies de pássaros como esses.

Hern pensou por um momento e depois balançou a cabeça.

—Essa coisa ofende os olhos da minha rainha. Eu não aceitaria isso por nenhum preço. É o cajado, ou nada.

Troquei um olhar com Gwydion, que rangeu os dentes e finalmente tirou o bastão de mim, entregando-o a Hern.

—O acordo está fechado. — Disse Hern, encolhendo o cajado e enfiando-o em seu gibão de ouro. — Encontrarei por qual porta Gilfaethwy saiu de Tir Na Nog e deixarei vocês para segui-lo por três noites. Quando a lua surgir na quarta noite, irei atrás dele eu mesmo. Se vocês não devolverem o traidor à rainha, então eu irei, e vocês se renderão à misericórdia da rainha como fracassos. Corram e eu os caçarei até o fim de todos os mundos.

 


Capitulo Doze


Nosso prazo foi reduzido de quinze dias para três dias e seguimos Hern, o Caçador, de volta às florestas de Tir Na Nog. Nós três já estávamos completamente sóbrios, a maravilha infantil da intoxicação mágica, fadada a uma desconfiança ansiosa de tudo o que viamos.

Hern nos emprestou cavalos para cavalgar ao lado de sua equipe de caça, em troca de três sílabas com o nome verdadeiro de um cavaleiro Unseelie que era o rival de alguém que ele gostava. Eu estava começando a aprender que segredos e favores eram a moeda corrente aqui, e absolutamente nada era dado livremente.

—O conceito de dívida é abominável para os Fae. — Explicou Cole quando mencionei isso. —Deixar uma dívida não paga é deixar outra pessoa com poder sobre você, em um sentido muito literal. Se Hern tivesse nos dado os cavalos e Gwydion não tivesse insistido em discutir como estava pagando por eles antes de aceitar, ele o faria. Deu a Hern um cheque em branco para nos deter mais tarde. Ele poderia ter exigido qualquer coisa, e Gwydion teria sido obrigado pela lei a entregá-lo. É por isso que alguns Fae ficam tão irritados se você tentar agradecê-los ou pagá-los.

—Então, o que Gwydion estava dizendo que Hern teria nossa gratidão mais cedo? — Eu perguntei.

—Foi um truque. — Disse Cole com um encolher de ombros. —Hern fez uma oferta padrão de um favor, que apenas um idiota aceitaria, mas é a abertura tradicional. Gwydion tentou interpretar a oferta de Hern como algo que Hern estava fazendo por si mesmo, não um favor que incorreria em dívida aberta ou um serviço que seria exigir pagamento, já que coincidentemente estaríamos nos beneficiando de seus esforços. Ele provavelmente passou muito tempo com seres humanos. Se Hern fosse estúpido, ele poderia ter entendido isso como um cheque em branco e aceito. Mas considerando que parece que Hern é o favorito da rainha no momento, ele provavelmente não é burro, e a implicação o insultou. Hern imediatamente esclareceu que estava oferecendo um serviço, exigiu um preço que sabia que Gwydion não gostaria de pagar e acrescentou uma ameaça em boa medida, como ele estava considerando, Hern teria tido motivos para atacá-lo pelo insulto.

—Deus, faes são uma merda. — Eu disse, esfregando a mão no rosto.

—Amém. — Ethan entrou na conversa.

As montarias de faes, pelo menos, eram extremamente bem comportadas. Eles eram um passeio mais suave do que a maioria dos carros em que eu tinha estado e não exigiam nenhuma direção de nós, o que era bom, já que apenas Ethan realmente sabia andar. Cole nunca tinha visto um cavalo de perto e ficou um pouco intimidado por toda a situação.

Passamos novamente pelo prado das flores de sino, e os cavaleiros de Hern tocaram uma música de marcha, um grande coro de vozes masculinas tão poderosas e unificadas que sacudiram as árvores e abafaram completamente o toque dos sinos. Eu não sabia dizer o que eles cantavam, as palavras derretiam no cérebro como manteiga na boca. Mas eu sabia que isso fazia meu sangue pulsar e meu coração disparar de emoção, ansioso para correr, perseguir e ser perseguida. Caçar e ser caçada. Não era a compulsão emocionante de muitas das outras influências que eu ouvi desde que estive aqui. Teria sido fácil confundir o desejo com o meu. O que, penso, só o tornou mais perigoso.

Passamos pela clareira onde vimos o Unicórnio, e vi Gwydion convocando a tela cheia de texto mágico novamente, procurando sinais de Gilfaethwy e ficando cada vez mais frustrado com o passar do tempo. Mas Hern avançou com total confiança e sem hesitação, parando apenas raramente para consultar o bando de cães excitáveis que vagavam em torno dos cascos de seu cavalo, que decolariam em uma cavalgada multicolorida de latidos animados em uma direção ou outra, e Hern faria orientar a equipe de caça para segui-los.

Finalmente, no que parecia um prado arbitrário entre as árvores, os cães começaram a latir e uivar, correndo em torno de um ponto no centro do prado.

Hern desceu do cavalo e se inclinou para tocar a grama, pensativo. Gwydion examinou sua tela mágica, os olhos disparando freneticamente, mas eu pude ver que ele não viu nada.

—Encontrei a pedreira. — Hern anunciou, endireitando-se.

—Como?— Gwydion exigiu. —Não há vestígios mágicos de Gilfaethwy em lugar algum!

—Claro que não. — Respondeu Hern. —Não acompanho a trilha dele há algum tempo.

Gwydion cuspiu em indignação.

—Sua sombra é inteligente. — Continuou Hern. —Ele colocou um pouco de sua vontade em uma corça comum. Ele vagou pelos seus negócios, criando uma pista falsa óbvia, enquanto a sua melhor e mais escondida seguiu um caminho mais direto. Vestindo a forma da mesma corça, ele foi aos gnomos e os faes de barro. Assim que soube que ele seguira naquela direção, soube o que ele planejava e nos trouxe aqui.

—Onde é aqui? — Eu perguntei, olhando em volta para a clareira normal.

—Ele não tinha ajudantes. — Reuniu Gwydion. —E ele não pôde ficar aqui por tempo suficiente para recuperar o poder de se teletransportar novamente. Ele negociou com os gnomos para lhe abrir uma porta para os Campos Escuros.

—Só assim — Hern concordou. —E provavelmente pagou um preço caro por isso. Felizmente, eu conhecia esse lugar e, portanto, não temos motivos para negociar com o povo da terra a passagem para o seu lugar ancestral.

Ele assobiou e seus cães começaram a circular novamente no centro do prado, correndo cada vez mais rápido, até que eram apenas um borrão manchado e um uivo alto e estridente.

Quando não puderam ir mais rápido, dispersaram-se de uma só vez, cada cão correndo em outra direção para queimar o momento antes de retornar a Hern, que os cumprimentou com tapinhas e guloseimas em seu alforje.

Onde eles estavam correndo, um buraco se abriu na terra.

Era o buraco mais escuro que eu já tinha visto, com as mesmas qualidades vazias sem fundo que o vazio atrás das portas no julgamento da porta demoníaca azul.

—O caminho está aberto para vocês. — Declarou Hern. —Vão em frente, e boa caça. Estarei atrás de vocês daqui a três dias, e se a presa tola permanecer nos reinos mágicos, duvido que demore mais de um dia para capturá-lo. Se ele for para na Terra, pode me levar três. Então, eu sugiro que você se apressem.

—Sua ajuda é apreciada. — Disse Gwydion, tenso. —E devidamente paga.

Hern assentiu. —Não há dívida. No entanto...

Gwydion deu um passo em direção ao buraco e parou enquanto Hern falava. Hern avançou com um belo cão de visão prateado, elegante e comprido, com finos olhos escuros.

—Eu estaria disposto a lhe emprestar um dos meus cães. — Disse ele. —Ela é mais esperta do que a maioria dos fae, mais veloz que a luz e totalmente implacável. Ela teria sua sombra em suas mandíbulas ao amanhecer. Tudo o que eu pediria em troca é um dos seus humanos. O espinhoso de cabelos escuros, talvez. Ele faria um excelente terrier.

—Não, obrigada. — Eu disse antes que Gwydion pudesse responder, não querendo arriscar. —Nós temos nosso próprio cão.

Eu dei um tapinha em Ethan com um sorriso brincalhão.

—Isso não é um cão de caça. — Respondeu Hern, sem deixar vestígios de sorriso no rosto. —Isso é um lobo. Ele não tem mestre, e qualquer homem tolo o suficiente para tentar treiná-lo logo encontraria sua garganta nos dentes. Se você perguntar a minha sabedoria, é melhor deixar um animal como esse ser deixado na natureza ou abatido.

—Sinto muito. — Eu disse alto, pegando a mão de Ethan e puxando-o em direção ao buraco. —Eu não pude ouvir seu conselho não solicitado sobre o quanto eu amo meu namorado! Tchau!

Gwydion balançou a cabeça, mas a julgar pelo fato de o mundo não ter caído ao redor dos meus ouvidos, recusar-se a reconhecer seu conselho ‘dado livremente’ provavelmente era uma boa ideia. Ele me apontou para o buraco e, vendo que não havia escada ou degraus, dei de ombros e pulei.

A escuridão passou correndo por mim, uivando em meus ouvidos. Terra fria roçou meus ombros quando eu me afastei muito de cada lado. Depois que eu cai pelo que pareceu uma eternidade (e comecei a me preocupar com a bagunça), houve um estranho movimento indutor de náusea no meu estômago e, de repente, eu estava caindo na outra direção, de cabeça primeiro.

Eu me esforcei para me endireitar, perdendo completamente a noção de cima e para baixo, preocupada de cair do mesmo buraco no colo de Hern.

Em vez disso, caí de pé em terra dura e negra.

Ethan pousou ao meu lado, tendo caído do nada e parecendo muito confuso. Cole o seguiu e, um segundo depois, Gwydion pousou também.

Enquanto isso, eu estava olhando em choque para o terreno ao nosso redor.

Dizer que era montanhoso era fazer um desserviço às montanhas. Havia picos irregulares, mas eles tinham pouco em comum com as montanhas da Terra, que eram majestosas erupções de pedra envoltas em vegetação e neve. Esses... tumultos de solo negro pareciam ter mais em comum com a sujeira agitada após uma extensa construção. E não havia nada verde. Nenhuma árvore morta ou erva murcha até onde os olhos podiam ver. A terra parecia explodida, queimada e atropelada por um trator. O céu era de um laranja sombrio desbotando para um vermelho feio da cor da pele rasgada. Não consegui encontrar o sol.

—Os Campos Escuros. — Gwydion nos apresentou antes que pudéssemos começar a fazer perguntas. —Lar dos anões. Muitos dos Fae que vivem no solo ou sob o solo consideram que este foi seu lar ancestral até que, de acordo com a tradição oral e precisamente nenhum registro em primeira mão ou evidência física, a indústria furiosa dos anões que habitam profundezas queimaram a superfície da vida e afastaram todas elas, o que provavelmente é uma invenção destinada a distingui-las do resto da corte que, como eu disse antes, perdeu toda a memória de nosso reino nativo há tanto tempo que nem as rainhas se lembram disso.

—Isso aconteceu antes de serem coroados? — Eu perguntei.

—Possivelmente.

—Então, a rainha não governa para sempre?

Gwydion me deu um olhar estranho antes de responder.

—Em teoria. Todos os Fae são imortais, mas nós não somos Verdadeiros Imortais. Os Verdadeiros Imortais não podem realmente ser mortos de nenhuma maneira. Os Imortais regulares simplesmente requerem circunstâncias específicas e, muitas vezes, encontram o caminho de volta à vida, independentemente através das fileiras da corte, o número de vulnerabilidades que temos se torna cada vez menor. A realeza logo abaixo dos monarcas reinantes é invulnerável a quase tudo, exceto profecias, heróis e uns aos outros. As rainhas reinantes e seus reis caídos estavam acima mesmo assim, voltando mesmo depois de serem mortos por Heróis, ou um pelo outro. Mas o problema com Oberon e Morozko deixou alguns se perguntando se talvez as circunstâncias para matar um monarca fossem simplesmente mais específicas do que pensávamos. Se os monarcas não são eternos, como é feito um monarca? Nunca houve outras rainhas além de Mab e Titânia. Nenhum rei além de Morozko e Oberon. Não na memória viva. Histórias antigas que mencionam coroações e casamentos reais. Até crianças. O que implica que as coisas nem sempre foram como são. E com a perda dos reis, elas podem mudar novamente.

Eu não esperava uma resposta tão extensa e não tinha certeza do que fazer com ela, além de aceitar que Gwydion realmente gostava do som de sua própria voz.

—Então, por que Gil veio aqui? — Cole perguntou, chutando uma pedra, que derrapou na encosta em que estávamos em uma pequena cascata de cinzas e sujeira enegrecida.

—Considerando que ele parece ter vindo aqui deliberadamente, não apenas em uma tentativa contínua de nos jogar fora — Disse Gwydion, caminhando ao longo da encosta, — Presumo que ele esteja aqui para ver os anões. O que colocou uma idéia muito desagradável na minha cabeça.

—O que é? — Eu perguntei enquanto o seguíamos.

—O vidro do meu artífice é feito pelos anões. — Disse Gwydion, sombrio.

Isso não me explicou nada, mas por mais que Gwydion gostasse de se ouvir falar, ele gostava mais de drama. Ele não deu mais detalhes enquanto caminhávamos pela terra queimada.

—Deveria haver uma porta aqui perto. — Disse ele, olhando as encostas ásperas à frente.

—Por que o túnel nos deixou aqui? — Eu perguntei. —Estou assumindo que os anões estão todos no subsolo, certo?

—Correto. — Confirmou Gwydion. —Mas nenhuma mágica, exceto a mágica dos anões, funciona abaixo do solo aqui. Há mágica no ar. Você pode lançar tudo o que gosta acima do solo. Mas sob a terra, ela é apagada como uma vela. Os anões aprenderam a bombear a magia da superfície, batendo-a em uma forma sólida e criando magníficas ferramentas e encantamentos. Dizem que eles inventaram todo o conceito de encantamento. Mas nenhuma mágica ou magia natural funcionará em seus corredores.

—Isso é preocupante. — Murmurei. Curiosamente, procurei qualquer coisa morta que pudesse usar, mas não havia nada dentro do alcance. Tudo o que havia morrido aqui havia morrido há tanto tempo que não havia mais vestígios, nem mesmo ossos. O próprio planeta era uma grande coisa morta, e eu tinha certeza que nem Aethon tinha poder suficiente para aumentar.

Mas logo chegamos a uma porta de pedra indefinida, situada em uma colina em ruínas e coberta de cinzas. Gwydion bateu com força e sentou-se na terra.

—Sente-se. — Ele aconselhou. —Vai demorar um pouco. Eles precisam subir. Essas portas não são usadas com frequência.

—Você tem certeza que eles ouviram? — Eu perguntei, sentando-me.

—Oh, certamente. — Confirmou Gwydion, recostando-se na colina e fechando os olhos. —Estamos pisando no telhado. Eles sabem que estamos aqui. O importante é nos anunciar como convidados, em vez de intrusos. A lei dos anões não é como a lei dos Fae, mas eu tenho um pouco de compreensão disso.

Então nós esperamos. Depois de toda pressa e estresse, parecia estranho estar esperando. Isso me deixou inquieta e com coceira. Cole e Ethan pareciam ansiosos também.

Eu assisti o céu, supondo que fosse pôr do sol e seria noite em breve. Mas as cores não mudaram e a luz não desapareceu, o que me deixou desconfortável.

—Podemos dar ao luxo de esperar assim? — Eu perguntei. —Temos apenas três dias.

—Menos que isso. — Respondeu Gwydion. —O tempo se move de maneira diferente aqui em Tir Na Nog. Os anões minaram o sol, você vê. Então, tudo fica parado. Enquanto isso, o tempo relativo dos outros reinos corre sem ele. Provavelmente já perdemos meio dia, A oferta de Hern de três dias foi uma piada cruel. Estou apenas esperando que os anões nos deixem entrar antes que ele chegue. Hern tentará atacar com todos os seus cães, e os anões o matarão ou o jogarão no mínimo e possivelmente nos comprar algum tempo.

Eu olhei para Gwydion quando o horror tomou conta de mim. Ethan e Cole estavam prestando atenção agora também.

—Por que você não disse algo sobre o tempo antes? — Eu disse, lutando contra o desejo de sacudi-lo. —Não podemos ficar sentados aqui! Precisamos fazer alguma coisa!

Eu pulei de pé, tentando encontrar uma maneira de abrir a porta. Ethan apenas apoiou a cabeça nos joelhos. Cole levantou-se para me ajudar com a porta, embora ele se movesse mais devagar.

Em sua defesa, Gwydion pelo menos pareceu um pouco surpreso com a minha angústia.

—Eu pensei que já tinha explicado que conceitos como tempo não funcionam da mesma forma nas Outras Terras. — Disse ele com uma careta. —Você não entendeu?

—Claramente, não o entendemos. — Respondeu Cole por mim. —Ficamos com a impressão aparentemente equivocada de que realmente tivemos uma chance.

Gwydion suspirou e se levantou, me puxando gentilmente para longe da porta. Eu considerei fortemente dar um soco nele, mas algo em sua expressão me fez hesitar.

—Ainda temos uma chance. — Disse ele, me olhando nos olhos. Eu não tinha percebido o quão raramente ele fazia isso antes agora. —É menos tempo do que pensávamos, mas não é uma sentença de morte. E agora, nossa melhor opção é apenas ser paciente. Não há mais nada que possamos fazer.

Sentei-me de novo, passando as mãos pelos cabelos enquanto minha cabeça latejava com uma dor de cabeça tensa que se formava desde antes de aterrissarmos em Tir Na Nog.

—Isso é culpa minha. — Eu gemi. —Eu nunca deveria ter tentado falar com a rainha. Eu não deveria ter parado para acariciar o unicórnio. Eu não deveria ter te distraído para que Gil pudesse escapar em primeiro lugar. Eu nunca deveria ter tocado aquela vela estúpida...

—Isso é bastante presunçoso da sua parte. — Zombou Gwydion, o que não era a reação que eu esperava. Ele se sentou ao meu lado enquanto eu esperava que ele elaborasse. —Com o que eu quero dizer, acredito que você está inflando bastante sua própria importância nessas coisas. Tenho quase certeza de que tudo teria acontecido mais ou menos da mesma maneira. Estou certo de que nossa posição seria realmente pior se você tivesse não divertisse a rainha. Eu certamente não estava em posição de barganhar, e você nos comprou tempo, o que não é pouca coisa e muitas vezes tudo o que realmente pode ser feito. Hern ainda nos pegaria, mesmo que não parássemos para o unicórnio, e acredito que sem a influência dele, você não seria capaz de enfrentar a rainha. Quanto a Gil e a vela, bem, essas duas coisas foram totalmente minha culpa.

—Eu me perder em sua casa e tropeçar em um de seus artefatos não foi sua culpa. — Protestei.

—Eu discordo. — Disse Gwydion calmamente. —Eu poderia ter avisado você sobre os perigos em minha casa. Eu poderia ter levado você a um lugar confortável para esperar e lhe dito para não vagar. Eu poderia ter te libertado da porta e depois retornado às minhas responsabilidades. Mas, como em expondo você à vela, optei por não, porque queria ver o que aconteceria. O que, embora seja uma razão compreensível para a maioria das fae, é uma desculpa ruim para os humanos.

—Gil disse a mesma coisa sobre a maldição de Ethan. — Lembrei. —Ele tinha que ver o que aconteceria.

—É uma compulsão dos fae. — Disse Gwydion com um encolher de ombros. —Mas não inegável. Eu poderia ter resistido ao desejo. Que eu não fiz isso não é culpa de ninguém, mas é minha.

—Eu também poderia ter resistido. — Apontei. —Eu não tinha que pegar a vela. Eu não tinha que vagar em sua casa estúpida. Eu não tinha que aceitar sua... oferta, no jantar.

—Então, qualquer culpa que você carregue é diminuída pelo fato de você não ter ideia do que estava fazendo, e eu fiz.

Eu bufei de frustração.

—Eu definitivamente sabia o que estava fazendo no jantar. — Eu disse. —Eu sabia que ninguém estava de olho em Gil.

—Você supôs que eu não o teria deixado se não tivesse certeza de que ele estava seguro. — Disse Gwydion com um encolher de ombros. —E nós dois estávamos um pouco frustrados e distraídos, se bem me lembro. Se você era um pouco ingênua em acreditar que eu poderia confiar, isso dificilmente é um crime.

—Por que você não deixa isso ser minha culpa? — Eu perguntei, agitação crescente. Gwydion me encarou com um olhar curioso.

—Por que você quer que seja sua culpa?

Recostei-me, mal percebendo que estava de pé novamente.

—Eu não sei. — Eu disse, passando a mão pelo meu cabelo novamente. Eu o endireitei na manhã em que saímos da casa da minha tia, há quanto tempo isso era agora, mas entre o mergulho em Costa Distante e toda a volta, estava ficando completamente encaracolado novamente e rígido com água salgada. —Problemas de controle, provavelmente.

—Você parece ter aqueles em espadas.

—Sim, estou começando a descobrir isso.

Ele colocou a mão no meu ombro, o gesto um pouco rígido, mas eu poderia dizer que ele estava tentando me confortar.

—Por que você está sendo legal comigo? — Eu perguntei. Pensando bem, durante todo o caminho em Tir Na Nog, ele tinha sido extraordinariamente atencioso. Para ele de qualquer maneira.

—Você salvou minha vida. — Ressaltou. —De uma maneira bastante fantástica.

—Você realmente teria morrido? — Eu apontei. Ele encolheu os ombros.

—Quem pode dizer? Afogar-me não é tipicamente uma das maneiras pelas quais eu posso morrer. Mas a Costa Distante é um lugar estranho. A morte se aproxima da superfície. A imortalidade é um pouco mais porosa do que o habitual. E eu estava com pouca mágica. Pode ter certeza de que eu ficaria inconsciente por muito mais tempo do que você precisaria morrer de fome ou sede ou ficar desesperada o suficiente para tentar usar o bastão, destruindo assim as moléculas. Eu teria acabado sozinho, à deriva em coma, e adivinhar o que poderia acontecer então, em um lugar como Costa Distante, só pode ser especulação infundada.

—Então, você me deve? — Eu perguntei, franzindo a testa. —Cole mencionou que vocês odeiam isso.

Gwydion desviou o olhar, os olhos examinando a paisagem árida e torturada.

—Não é tão simples. — Disse ele por fim, quieto como este planeta silencioso. —Existe uma dívida. Mas eu não me ressinto. Existem alguns grilhões que até usamos de bom grado.

Percebendo que havia algo que ele não estava me dizendo, fiquei quieta e esperei que ele gostasse de se ouvir falar para tirá-lo melhor. Mas ele não disse mais nada. Abri minha boca para induzi-lo, apenas para ser interrompida pelo raspar de pedra quando a porta na cidade de Dwarven se abriu.

 

 

 

 

 

 

 

 


Capitulo Treze


O anão não se parecia com o que eu esperava.

Eu havia antecipado algo parecido com o que as pessoas com nanismo eram na Terra. Curto e atarracado, provavelmente com barbas. Que fantasia havia me dito que os anões se pareciam a vida toda.

O anão na minha frente, no entanto, parecia algo entre um texugo e uma toupeira de nariz estrelado.

Era curto, mais ou menos um metro e oitenta, e coberto por um denso pelo cinza. Seu pelo afinava até um subpelo mais elegante, perto do delicado órgão sensorial rosa no centro de seu rosto pontudo e sem olhos, e nas costas de suas patas dianteiras, equipadas com garras longas e perversamente curvas. Seu 'nariz' se contorcia de forma independente, de uma maneira fascinante e também um pouco nauseante de assistir. Usava um avental de couro e nada mais. Andava um pouco inclinado para a frente, como se preferisse andar de quatro.

—Você tem sorte de eu ainda estar tão perto da superfície. — Disse o anão com uma voz surpreendentemente genial enquanto nos conduzia para os túneis de terra apagados. —O forte da Primeira Vigia fica a uma curta caminhada de distância desta porta normalmente. Mas eu tive que deixar algum outro idiota dominado pelo sol entrar em menos de meio turno atrás.

Gwydion tirou um pequeno acessório encantado de seu casaco, que parecia o tipo de bolas de cristal que eu imaginava antes. Ele sussurrou uma palavra e brilhou o suficiente para iluminar vagamente o nosso caminho. Pela fraca luz empoeirada da mariposa, trocamos um olhar significativo.

—Onde ele foi? — Eu perguntei. —O idiota do sol, quero dizer.

—Não perguntei. — Disse o anão com um encolher de ombros. —Ele já alcançou a Primeira Vigilância a essa altura e eles o enviarão para onde ele pretender ir.

—Você não estava curioso? — Eu perguntei. —Quero dizer, pessoas de outros mundos vêm aqui com tanta frequência?

—Eu imagino que ele ficou agradecido por sair do sol! — O anão riu. Seu focinho comprido estava cheio de dentes afiados e finos, e ele não se virou nem olhou para nós quando falou. Provavelmente devido à falta de olhos. —Eu não consigo entender por que vocês correm por mundos que ainda os possuem. Mineramos o nosso e a luz ainda é insuportável.

Pensei em perguntar como ele poderia dizer, considerando que ele não tinha olhos, mas decidi que poderia ser rude.

—Acho que é exatamente com o que estamos acostumados. — Disse diplomaticamente. —Nascer lá em cima e tudo.

—Bem, está tudo bem. — Disse o anão com um tom distinto de pena. —As portas da Cidade Baixa estão abertas a todas as pobres massas queimadas pelo sol. Temos espaço suficiente para todos, e sempre há trabalho a ser feito. Eu imagino que vocês todos acabarão aqui eventualmente, uma vez que se espalhe a notícia de que há uma alternativa para viver na superfície. Em que trabalho você espera ser colocado?

—Uh, nós não somos-

—Você nunca conseguirá um emprego em engenharia, então não se preocupe. Nenhum anão que valha a bigode confiaria em um túnel construído por um da superfície. Você simplesmente não tem o menor sentido, sem ofensa. Ouço que algumas da superfícies fazem encantadores decentes, mas não há mobilidade para isso, mas posso dizer bem ao capataz da mina Fernfossil, se quiser, encontrar um bom trabalho sólido no transporte de solo e valorizados. Limpe o solo por apenas algumas décadas e você pode abrir sua própria empresa.

—Na verdade, não estamos procurando trabalho. — Eu disse rapidamente antes que o anão pudesse continuar falando. —Estamos apenas tentando encontrar o homem que veio aqui mais cedo. Então vamos embora.

Isso realmente fez o anão parar.

—Por que diabos você quer fazer isso? — Ele perguntou. —Agora que você sabe como é adorável, fresco e escuro aqui em baixo? — Comecei a explicar, mas ele me dispensou com um aceno de suas longas garras. —Você mudará sua música quando vir a cidade. Melhor construção em todos os mundos.

O anão parecia um pouco ofendido e não falou muito mais enquanto continuávamos descendo o túnel.

Um turno, ao que parece, durou cerca de quatro horas, e a Primeira Vigilância estava a um turno da porta. Enquanto caminhávamos, o túnel mudou lentamente de terra nua para terra empacotada com pedra, pedra esculpida e tijolo fino. Havia uma ênfase definida na função sobre a forma, pelo menos pelo que podíamos ver pela luz fraca de Gwydion, mas ao mesmo tempo, os corredores eram amplos, confortáveis e bem conservados. Não estávamos tropeçando em tijolos soltos, e o ar estava relativamente fresco. O único problema era a falta de fontes de luz.

Ainda assim, já estávamos há um tempo antes de chegarmos aqui. Ethan e Cole haviam conseguido algumas horas de descanso na casa de Gwydion (e eu tinha comida possivelmente encantada e sexo possivelmente mágico), mas isso não compensava as horas que passávamos por reinos mágicos sem nem mesmo uma pausa para o almoço. Estávamos todos começando a parecer bastante irregulares.

Os confortáveis túneis anões apresentavam bancos e fontes regulares de pedra esculpida, trazendo água fria da nascente mais para baixo, mas nosso guia parou para usá-los menos da metade com a frequência que gostaríamos que ele usasse e, em geral, não parecia se cansar. Ele andava devagar, falando apenas ocasionalmente para comentar sobre o tipo ou a qualidade da pedra que estávamos passando.

—Há muita diversidade nesses túneis! — Ele alegou. —É mais eficiente usar pedra local sempre que possível, em vez de transportar tijolos de mais fundo. Então, você ver todos os tipos de técnicas inteligentes usadas para tirar proveito da pedra menos do que a ideal, mantendo tudo dentro dos altos padrões da Código do engenheiro. Pegue este gesso, por exemplo...

Ele continuou assim por um tempo. Aprendi depois de uma ou duas dessas palestras que ele só se ofendia se eu tentasse contribuir com a conversa. Então, todos ouvimos em silêncio, aprendendo mais sobre geologia do que qualquer um de nós jamais se interessou em saber.

Finalmente, a Primeira Vigilância apareceu. Com o que quero dizer, o túnel terminava em um par de portas pesadas, que os Anões introduziram como forte, com grande orgulho. Depois das portas, era um pouco mais impressionante. As portas se abriram para uma ampla calçada, que serpenteava para baixo e para longe de nós, ao redor dos lados de um grande caldeirão. Era iluminado pela primeira vez por uma enorme esfera presa em anéis de latão pendurados no teto, que brilhavam com o que parecia ser a luz do sol.

—Uhg. — O anão fez uma careta. —Sinto muito por isso. Desvantagem de morar em qualquer um dos Fortes. O superintendente do Anel insiste em manter os turnos claros onde essas malditas lanternas estão acesas. Muitos da superfícies vivem nos fortes. Aparentemente, isso ajuda a se adaptar.

As paredes da cratera afundada estavam abarrotadas de prédios esculpidos, seu tamanho e estilo eram extremamente regulares e eficientes, sem perda de espaço. Olhando para baixo, o Forte parecia uma cidade pequena, cheia de vida, nem toda idêntica ao Anão ao nosso lado. Quando ele nos levou para o Forte, um carrinho passou por duas criaturas humanóides do tamanho de anões, que pareciam ser feitas de pedra bruta. Eles eram tão sem olhos quanto os anões e nos ignoraram completamente. Ethan, distraído olhando de soslaio para a lanterna, esbarrou em um deles. Ele se desculpou profusamente, mas não notaram ou reconheceram a colisão ou o pedido de desculpas, apenas se endireitaram e continuaran.

—Não se preocupe. — Disse o anão. —Os Construtos não estão vivos. Eles são apenas material de sucata encantado que usamos para tarefas domésticas ou trabalhos muito perigosos para arriscar os Anões.

—Oh. — Ethan disse, cuidando do carrinho em retirada com uma expressão preocupada. —Eles não podem... sentir as coisas, podem?

—Claro que não. — Zombou o anão. —Eles são feitos de pedra. Sem terminações nervosas, sem cérebros para pensamentos complexos. Se não lhes disserem para sair durante um desmoronamento, eles simplesmente ficarão lá e se deixarão enterrados. Os roteiristas precisam escrever tudo. Seus comportamentos no papel e assados quando são feitos, e eles não podem fazer nada que não esteja nesse papel, a menos que você os abra e adicione novos comportamentos. Eles estão apenas movendo ferramentas, amigo. Você não vai perguntar a uma broca se ela tem sentimentos só porque acontece, não é?

—Não, mas uma broca não tem o formato de uma pessoa. — Disse Ethan defensivamente. O anão deu de ombros.

—É uma forma eficiente. Versátil. E é o que construímos para todas as portas para caberem.

Um ponto decente.

—E se alguém escrevesse um comportamento como 'estar vivo' ou 'pensar com identidade' ou algo em seu papel? — Eu perguntei curiosa.

—Você acha que eles não tentaram isso logo? — O anão riu. —Alguns dos roteiristas particularmente excêntricos ainda estão tentando. Mas você não pode usar um martelo para um balde e não pode fazer uma pedra pensar que é uma pessoa.

Ainda assim, finalmente chegamos a um tópico de conversa sobre o qual eu não conseguia ofender o sujeito que estava falando, então conversamos sobre as tentativas fracassadas do roteirista de fazer um constructo vivo (parecia haver duas grandes escolas de pensamento sobre o assunto, um escrevendo comportamentos muito amplos abertos à interpretação e o outro escrevendo listas cada vez mais específicas e detalhadas de todas as minúcias da vida - mais os maçons radicais que pensavam que a resposta era esculpir os cérebros dos Construtos, que geralmente eram considerados malucos) até o fundo do forte. O forte era realmente muito bom. Eu não sabia o suficiente sobre arquitetura para apreciar a qualidade da construção, e qualquer floreio artístico tendia a ser tátil ou até auditivo, então não havia muito o que olhar. Mas os anões claramente tinham talento para o planejamento da cidade. Tudo era eficiente, limpo, fácil de navegar, provavelmente bem rotulado, embora eu não pudesse ler a sinalização anã e, como no túnel da porta da frente, sempre havia muitos lugares para sentar e uma fonte quando você queria uma. Havia até canteiros de flores e espaços verdes, embora fossem baseados em fungos e musgos.

—Agora, é provável que seu amigo tenha ido até o escritório de refugiados. — Disse o anão, apontando para um prédio com uma placa complexa em anão ilegível. —Ele precisaria de um passe de trem para deixar o forte. Eles deveriam poder lhe dizer para onde ele foi.

Dissemos adeus ao nosso guia que, apesar de tudo, tinha sido bastante gentil, e seguimos para o Escritório de Refugiados.

Era um prédio pequeno e eficiente, com assentos confortáveis e um anão amigável na recepção, que ficou encantado em nos ver, pois raramente viam mais de um ou dois refugiados em um dia. Fiz uma tentativa inútil de garantir que não éramos refugiados e não planejávamos ficar. Eles apenas nos garantiram que mudaríamos de ideia e nos deram nossos pacotes de orientação, que incluíam o passe de trem que nosso guia havia mencionado - um pedaço fino de lata ou alumínio duro, talvez com nossos nomes, espécies e portão de entrada. Após algumas discussões, o escrivão também cedeu e nos disse para onde Gil havia ido.

—Ele foi para a cidade central, para o palácio antigo. — Explicou o anão. —Alegou que ele tinha negócios urgentes com o rei. Queria saber se havia uma linha expressa.

—Existe? — Eu disse, meu coração batendo mais rápido, mesmo com um pouco de progresso. O anão fez um gesto ambivalente.

—Se você pegar o trem daqui até a mina de Limespire no segundo anel e depois transferir para a Linha R, ela para no distrito histórico do governo. Mas você precisará de autorização de turismo em seus cartões de trem. Gostamos de ficar de olho em o movimento de novos cidadãos, apenas por precaução. Depois de uma década ou mais, você poderá se mover livremente entre os anéis, como qualquer cidadão.

—Você pode nos dar isso? — Eu disse impaciente. —Autorização de turismo? Precisamos ver o rei também.

—Bem, eu posso. — Disse o anão, hesitante. —Mas vocês tem certeza de que é isso que você querem? Quero dizer, é apenas que não tenho certeza de que seu amigo sabia exatamente o que estava fazendo. Ele parecia pensar que o rei poderia ajudá-lo com alguma coisa, mas, bem, somos parlamentares. Monarquia. O rei é um velho simpático e todos nós o amamos, mas não é como se ele realmente tomasse alguma decisão. Se ele quisesse conversar com a União dos Engenheiros, talvez, ou o Parlamento dos Superintendentes, até o nosso capataz local...

O anão parou sem esperança.

—Sim, ele é um idiota. — Eu concordei imediatamente. —Também não sabemos o que ele está planejando. É por isso que precisamos alcançá-lo o mais rápido possível e impedi-lo de fazer algo estúpido.

O anão da mesa suspirou e pegou nossas cartas de trem de volta, usando um dispositivo que parecia um furador pesado para carimbar um quadrado estriado no canto de cada uma de nossas cartas, o que aparentemente nos deu permissão para turismo.

Sem perder tempo, seguimos apressadamente na direção em que o recepcionista nos dissera que poderíamos encontrar a estação de trem. No meio do caminho, a mudança brilhante terminou, e a enorme luz da lanterna desapareceu quando grossas cortinas de metal foram desenhadas em torno dela. Gwydion pegou seu pequeno globo de luz novamente e navegamos pela cidade no semi-escuro. Ocasionalmente, víamos outros não-anões, outros refugiados, cuidando de seus negócios à luz de dispositivos mágicos como os de Gwydion ou lâmpadas que pareciam ser versões em miniatura da lanterna. Não havia muitos, e quase nenhum deles era remotamente humanoide.

Felizmente, o trem não estava muito cheio, mas a maioria dos outros passageiros era anão, que nos deu olhares curiosos ao encontrarmos lugares frente a frente.

—Finalmente desistiram do sol, hein? — Um perguntou alto e amigável. Eu apenas sorri e assenti.

—Você não vai se arrepender! — o anão me assegurou.

Eu não tinha certeza do que pensar dos anões. Eles certamente eram amigáveis. E avançados, para uma espécie de fantasia que vivia no subsolo em outro universo. Eles tinham transporte público (a viagem de trem era o cheiro mais suave e agradável que eu já havia experimentado) e, de acordo com o pacote de orientação, assistência médica gratuita. Mas havia algo apenas um pouco fora da coisa toda. Talvez não fosse familiar, ou porque eles insistiam que eu não iria querer sair.

 


Capitulo Quatorze


O trem não tinha janelas, sendo os passageiros quase todos cegos. Mas havia um mapa de rotas na parede ao lado de nossos assentos. Era estrutural, destinado a ser lido pelo toque e não pela visão, mas pelo que pude decifrar, a Cidade Baixa era essencialmente uma versão maior e invertida da forma de cratera do Primeira Vigilância. Anéis de assentamentos subiam e desciam, ficando cada vez maiores. Estávamos indo em direção a um ponto próximo ao fundo, onde os anéis se tornavam menos distintos, ondulando em milhares de pequenos desvios e galhos que não estavam, presumivelmente, na linha de trem. O que eles eram, eu não poderia dizer.

Trocamos de trem no que parecia ser o equivalente a Grande Central, pulando na linha R. O R acabava por significar ‘áspero’, a textura usada para diferenciá-lo nos mapas. Havia uma linha suave, uma linha irregular e uma linha afiada...

Eu gostaria de poder apreciar as cidades e estruturas pelas quais estávamos passando. Mas estava escuro demais para ver qualquer coisa. As coisas só ficaram mais confusas quando chegamos ao distrito histórico do governo, que tinha avenidas amplas e elegantes e altos e belos edifícios, que nos fizeram sentir perdidos no escuro em um plano interminável de paralelepípedos até nos depararmos com uma fachada elaboradamente curvada. Curiosamente, também tínhamos visto menos anões quanto mais fundo chegávamos à cidade. Um local falador que pedimos orientações em Limespire havia dito que quase todo mundo estava trabalhando em projetos de expansão à margem. O que significava que, além de estarmos perdidos no escuro, estávamos perdidos em uma cidade estranhamente vazia e silenciosa no escuro.

—Já tive o suficiente dessa merda. — Disse Ethan. Ele parecia um pouco desconfortável desde que entramos no túnel. Eu estava começando a pensar que ele poderia ser um pouco claustrofóbico.

—Porra mesmo. — Cole concordou. —Não podemos ter mais luz, pelo menos?

—A menos que um de vocês tenha pensado em trazer uma lanterna. — Disse Gwydion, um pouco mal-humorado. Também não achei que ele estivesse gostando disso. Ou talvez estivesse apenas sendo separado de sua magia que ele não apreciava.

—Temos que estar perto do Palácio Antigo, certo? — Eu perguntei, olhando de soslaio para o mapa que um anão prestativo nos havia dado, que era obviamente todo em textura e, portanto, quase inútil. —Acho que foi a fonte em que quase caí foi a do lado de fora do antigo prédio parlamentar. Se continuarmos em frente-

—Você estão perdidos, amigos? — Alguém gritou inaceitavelmente longe. Mas, novamente, os anões tinham uma audição muito melhor que os humanos. Talvez a distância aceitável para a comunicação gritada fosse diferente para eles.

Fomos em direção à voz até a luz de Gwydion iluminar um anão em armadura elaborada e, eu esperava, cerimonial.

—Estamos procurando o palácio antigo. — Eu disse. —Somos visitantes da superfície e precisamos falar com seu rei.

—Por que? — O anão perguntou, parecendo confuso. —Se é importante o suficiente para trazê-los até aqui, seria melhor conversar com o Parlamento dos Superintendentes.

—Não, nós definitivamente precisamos conversar com o rei. — Eu disse, exausta de ter essa conversa.

—Bem, este é o palácio antigo. — Disse o anão. —Eu vou mostrar, e vocês podem conversar com alguém sobre uma audiência, se o velho não estiver cochilando. — O anão, que imaginei ser algum tipo de guarda do palácio, riu com carinho. —Você sabe que ele dormiu um ano inteiro? Tivemos uma festa fantástica quando ele acordou.

O interior era tão vasto e escuro quanto o exterior, embora tenhamos caminhado sobre mármore macio e acetinado, em vez de pedras. Estávamos andando entre vários anões de importância indeterminada, a maioria dos quais nunca vimos bem, antes de finalmente chegarmos a alguém que, presumivelmente, tinha autoridade para decidir se poderíamos ver o rei.

—Sinto muito. — Disseram eles, invisíveis fora do alcance da luz do outro lado da ampla mesa. —Mas vocês entendem por que não podemos permitir que qualquer da superfície aleatório se encontre cara a cara com o rei. Talvez se vocês fizerem uma petição por escrito-

—Este não é um da superfície qualquer. — Interrompeu Gwydion, parecendo profundamente irritado. —Você não tem capacidade de sentir mágica? Esta é a herdeira do príncipe Tzarnavaras, uma rainha por direito próprio, afilhada da morte.

Houve um momento de silêncio do outro lado da mesa, então uma mão com garras disparou para agarrar a minha onde repousava sobre a mesa. Não forte o suficiente para machucar, mas o suficiente para me assustar. Eu podia sentir algo contra a minha magia, vagando como mãos curiosas. Levei a chama da vela para frente rapidamente, concentrando-me tanto que por um momento sua luz irradiou através da minha pele e lançou um brilho azul no rosto chocado do anão.

—Oh, oh meu Deus! — O anão disse assustado. —Eu não sabia que você estava visitando a realeza! Disseram-me que eram refugiados.

—Ninguém perguntou. — Eu disse, brincando, enquanto puxava minha mão. —Meus consortes e eu somos tratados como meros imigrantes desde que chegamos. Como se você não acreditasse em ninguém, a não ser um anão, poderia ser importante!

—Isso não é - nunca pretendemos sugerir -— O anão balbuciou.

—Tenho certeza de que não. — Gwydion cortou-os bruscamente. —Mas talvez você deva permitir à rainha sua visita real antes de causar um incidente internacional.

Ele seguiu isso com algumas manobras de mão, mostrando ao anão alguns 'documentos reais', que eu tinha quase certeza de que eram cupons que recebemos em nosso pacote de orientação para o ‘Buffet de comidas exóticas do Digger Dan, a mais autêntica culinária da superfícies do Fort do Anel!’

E então, finalmente, estávamos diante das portas da sala do trono. Eu assumi que elas eram grandes e impressionantes. Eu só podia vê-las um canto minúsculo de cada vez pela luz fraca do orbe de Gwydion.

—Alguém mais acha que essa é uma má ideia? — Ethan sussurrou. Eu estava inclinada a concordar, mas era tarde demais para voltar agora. As portas se abriram e entramos para encontrar o rei.

A sala do trono era grande e escura como breu. A escuridão parecia próxima e quase sólida, grossa como o solo. A luz da esfera de Gwydion penetrou apenas alguns centímetros à nossa volta. Ficamos amontoados no minúsculo círculo de luz, sentindo-nos decididamente não-reais quando um anão nos anunciou como —Sua Majestade, a Rainha Noturna da antiga Constantinopla da Antiga Linha de Tzarnavaras e seus Consortes.

—Vossa Majestade. — Disse o Anão, voltando-se para nós, o brilho de seus pelos quase invisível à luz. —Apresento o Raiz da Montanha, nascido em pedra, cujos dentes esculpiram as primeiras cavernas, que sangraram as primeiras veias de ferro, arquiteto da cidade e capataz dos capatazes, o pai-anão de toda a nossa espécie e rei de tudo o que habita embaixo.

Percebi que não havia nome próprio entre todos esses títulos. Mas o anão recuou e a porta se fechou atrás de nós, deixando-nos sozinhos no escuro. Se o rei estava lá conosco, não sentíamos sinal dele.

—Olá? — Chamei experimentalmente, minha voz ecoando na vasta sala.

—Você pode fazer isso mais brilhante? — Cole perguntou, cutucando o orbe de Gwydion. Gwydion olhou para mim e, quando assenti, ele deu de ombros e a luz ficou mais forte, afastando a escuridão ao nosso redor. Vimos iluminar as esculturas delicadas e intrincadas no chão, as complexidades sutis e elaboradas das paredes, coisas que só podiam ser apreciadas pelo toque, não pela vista. E no final da sala, vimos um monte de terra escura que chegava até o teto, como se a parede dos fundos tivesse simplesmente desabado.

E então, quando a luz de Gwydion a tocou, o monte começou a se mover.

Não havia... palavras para descrever o arquiteto. Em um momento, sob um ângulo de luz, a terra parecia atraí-lo, uma construção como a que vimos trabalhando por toda a cidade. Por outro ângulo, vi a carne branca brilhante de um verme maciço. Por outro, o pelo e as garras de uma toupeira. Por outro, um homem, ou o cadáver de um homem, meio enterrado, nos observando com olhos de poço.

—Fora. — Ele falou, sua voz como uma trituração de placas tectônicas e o barulho de terra. —Fora, maldita luz, e fiquem quietos.

Gwydion apagou o orbe imediatamente, salvando-nos da terrível imagem em constante mudança do arquiteto.

—Aquele Sol, como uma erva daninha no meu jardim, eu não levantei nem engoli e permito que sua queima sufoque na vastidão de Mim. Mesmo agora, fragmentos de seu brilho odioso assaltam-me. Que brotos tenros empurram suas raízes rasas na minha presença, ainda quente com luz amarga?

Não via meus companheiros para saber se estavam com medo ou planejando alguma coisa. Eu me atrapalhei na escuridão e peguei as duas mãos, apertando-as para me tranquilizar. Um deles era notavelmente legal e quase definitivamente a de Gwydion. A outra, calejada e me segurando frouxamente, à beira de se afastar, era provavelmente Cole.

—Perdoe nossa perturbação, arquiteto. — Gwydion falou à minha esquerda. —Nós procuramos um criminoso. Meu irmão roubou algo meu e o trouxe aqui. Buscamos apenas sua orientação na captura dele e sua paciência enquanto o perseguimos em seu reino.

Houve um som baixo e estridente como um terremoto, que poderia ter sido uma risada.

—Como a tolice vem em três. — Disse o arquiteto. —Assim, a roda gira como sempre e traz para mim os mesmos rostos novamente. As estações mudam, mas uma estação mais estranha do que já foi vista sobe como uma estrela murcha, antecipando o sol. O que foi bem-sucedido neste novo discurso no lugar daquele eixo de duas faces que já foi o ponto de apoio de todos os nossos ciclos incessantes? Melhores perguntas, pequenos brotos.

Eu esperava que Gwydion entendesse um pouco disso, porque certamente não. Eu sempre estive mais interessada em Poe do que em Shakespeare.

—Perdoe-me, Majestade. — Empurrou Gwydion. —Mas minha sombra, meu irmão, veio aqui? Ele trouxe alguma coisa para você? Você sabe onde ele foi?

—O meu é um pátio de sombras, erva daninha. — Falou o arquiteto, o humor desaparecendo de sua voz. —Eu sou o rei das profundezas primitivas, às quais nenhuma luz jamais tocará. Tua cintilação de velas sombreia arte como grãos de areia no plano infinito do oceano.

—Minhas desculpas, Vossa Majestade. — Disse Gwydion rapidamente.

—Ei, ele veio aqui ou não? — Cole gritou impaciente, apertando minha mão. —Eu vi suas profundezas primitivas e, aos meus olhos de da superfície de merda, não é mais escuro que este quarto. Não estou tão impressionado.

Houve um longo silêncio em que eu esperei o pior. Mas, finalmente, aquela risada baixa do terremoto encheu a sala novamente.

—As pequenas coisas verdes e crescentes. — O Arquiteto falou quase melancolicamente. —Em que séculos eu enrolei suas raízes e enfrentei a luz para comer sua suavidade? Esse tempo já passou, e quando essas raízes profundas amarraram e quebraram as pedras, também minha coroa ficou presa em suas garras. Aquela sombra veio, tu sementes desamparadas, tiras de dente-de-leão. E trouxe com ele uma preciosa lasca de nossa força antiga. Mas a veia se partiu. Os rios profundos o agarraram em sua corrente, cravaram unhas em minha obra-prima e chamaram isso de sua. Esses erros da noite para a escuridão e procuram sobreviver a todos os sóis, por qualquer meio profano.

—O que isso significa? — Ethan perguntou.

—Isso significa que ele não está aqui. — Resumiu Cole.

—Mas ele estava. — Acrescentou Gwydion. —Ele foi ao Parlamento. Ou foi levado para lá.

—Filho da puta. — Eu murmurei. —Eles continuaram nos dizendo-

—Outra questão. — O rei murmurou, e a sala tremeu. Ele estava se mexendo? —Os portões da cidade estão escancarados e muita coisa é esquecida. Mas a lei antiga ainda permanece. Teu irmão é ladrão entre ladrões. Dívida é devida, erva daninha.

A mão de Gwydion apertou a minha.

—Não foi roubado. — Disse ele rapidamente. —O Vidro foi adquirido legalmente. A Marcha dos Magos o comprou dos Anões ao preço de dez mil escravos e das três jóias de Nimüe -

—Não houve compra. — Falou o arquiteto, inexorável como um deslizamento de terra. —Os anões não reconhecem esse conceito. Todas as coisas feitas pelos anões são de propriedade dos anões, até o fim de tudo. Eu estava lá! Vi-o colocado nessas mãos enganosas! Emprestado antes da duração de sua linhagem, que morreu não cem anos depois, mas o que era nosso não foi devolvido como deveria ter sido. Foi roubado, escondido! Negociado entre ladrões até que aterrisse em tuas mãos gananciosas. E ainda assim a dívida poderia ter sido perdoada se você, que sabia o que segurava, houvesse devolvido o que foi roubado. Mas você o guardou entre seu tesouro, seu pequeno dragão. E busque agora mesmo recuperar o que nunca foi seu!

Gwydion estava tremendo. Eu podia sentir os tremores em sua mão, distintos dos tremores na terra, quando algo inimaginavelmente maciço se moveu no outro extremo da sala.

—A dívida é devida. E, por lei, aceitarei apenas o preço do sangue, o preço da carne, uma libra por ano que for retida. Diga-me, erva, quanto pesa?

Eu já ouvi o suficiente. Peguei o orbe da outra mão de Gwydion e coloquei meu poder nele. Brilhou à vida com a luz azul do fogo. O Arquiteto pairava sobre nós como uma onda prestes a colidir, um dragão e um inseto e um gigante de cem braços, antigo além de todos os tempos e tão inevitável quanto a terra ao nosso redor.

Mas ele recuou da luz, uivando como se o queimasse.

—Fora! — Ele berrou. —Maldita luz! Eu terei! Sufocarei toda luz dentro de mim! Vou engolir todo sol e toda chama de vela até que eu receba escuridão!

Ele se agitou, bobinas terríveis quebrando as paredes e nos cobrindo de terra. Peguei Ethan e corri, Cole e Gwydion logo atrás de mim.

Nós batemos em um anão quando saímos, que soltou um grito estridente e penetrante. Ele ecoou por todo o palácio e além dele, um coro de gritos que eu sabia que não significava nada de bom para nós.

Coloquei mais luz no orbe e corri pela passagem aberta mais próxima. Eu me revezava ao acaso, avançando em qualquer direção que parecesse oposta ao som dos terríveis gritos.

—Você nunca vai fugir deles aqui. — Disse Gwydion enquanto corríamos. —Eles podem sentir cada passo que damos. Eles conhecem este lugar melhor do que você conhece sua casa de infância.

—Então o que vamos fazer? — Eu perguntei. —Nunca voltaremos à superfície sem a ajuda deles!

Gwydion não parecia ter uma resposta.

No lampejo da luz selvagem, Ethan mudou para sua forma de lobo.

—Subam. — Ele disse, com as roupas presas nas mandíbulas. —Eles podem sentir nossos passos, certo? Então talvez isso os jogue fora.

—Vale a pena tentar. — Concordou Gwydion, e eu gritei quando ele me pegou nos braços. Cole, parecendo muito inseguro, subiu nas costas de Ethan. —Silêncio agora. Eles podem ouvir nossas vozes tão bem quanto nossos passos.

Então, em total silêncio, corremos mais fundo no infinito escuro das minas dos Anões. Corremos sem plano ou direção. Quando encontramos Anões ou Construtos, tudo o que podíamos fazer era correr na outra direção. Eu nunca me senti tão perdida e desamparada. Eu não tive tanto medo do escuro desde criança.

Eventualmente, fomos fundo o suficiente para que os anões nos perseguissem diminuíssem e desaparecessem. Ficamos com medo deles alcançando a esperança desesperada de que, em algum lugar nos túneis intermináveis da Cidade Baixa, encontrássemos algum caminho de volta à superfície.


Capitulo Quinze


Os túneis ao nosso redor ficaram mais duros à medida que avançávamos. Foram-se os bancos e as fontes, depois os tijolos e até as colunas e suspensórios. Corremos por túneis sinuosos não refinados, que cresciam e se encolhiam como cavernas naturais, como se tivessem sido recentemente escavados na rocha e na terra. Às vezes, tropeçamos em trilhos de metal e ouvimos o estrondo distante das carroças. Uma passou por nós, sem tripulação, do tamanho de uma minivan, carregada de pedra e minério e voltando na direção em que viemos. Quando outra, quase vazio e indo para o outro lado, passou rapidamente, eu mal precisava trocar um olhar com os outros antes de pegá-la e subir a bordo. Ele nos levou mais fundo, seu poder magnético não diminuído pelo peso adicional de três humanos e um lobo do tamanho de um urso. Ethan recuou entre os tijolos de pedra empilhados no fundo do carrinho e lutou para se vestir novamente, mordendo reclamações quando a pedra raspou e cutucou sua pele nua.

Bem, não estávamos dando nenhum passo agora. Se alguma coisa os jogaria fora de nossa trilha, eu esperava que isso acontecesse.

À luz do orbe, Gwydion olhou de soslaio para o mapa a partir dos nossos pacotes de orientação. Ele foi o único de nós que conseguiu segurar o dele, enfiado nos bolsos aparentemente sem fundo da jaqueta.

—Estamos muito no fundo. — Ele sussurrou. —Mais profundo do que eu acho que qualquer não-anão já foi. Estes são novos túneis. Acredito que deixamos o último desenvolvimento documentado neste mapa há algum tempo.

—Então, provavelmente não há muita chance de encontrar uma saída aqui embaixo, existe? — Eu perguntei sombriamente.

—Uma saída de ar, talvez. — Considerou Gwydion, esfregando o queixo enquanto olhava o mapa. —Mas... Não, seriam vários dias de subida vertical. Nós nunca conseguiríamos. Poderíamos encontrar um desses carrinhos voltando para o Forte do Anel.

—Mas então teríamos que lidar com os anões novamente. — Apontei. Gwydion apertou os lábios e ficou em silêncio, olhando fixamente para o mapa como se ele simplesmente parecesse tempo suficiente para a solução se revelar. Troquei olhares com Cole. Estávamos sujos e cansados. Ethan, sempre exausto pela mudança, parecia quase cochilando.

—Eu conheço algumas... pessoas. — Cole ofereceu em voz baixa. —Pessoas para quem eu poderia chamar.

—Não. — Disse Gwydion com firmeza e imediatamente. —Mesmo se você pudesse conseguir que os rituais funcionassem neste lugar, trazer algo assim aqui seria condenar a nós e a todos os outros neste poço odioso.

—Eu posso lidar com eles. — Disse Cole defensivamente. —Eu tenho lidado com eles há anos.

—Ou então eles deixaram você pensar. — Gwydion retrucou. —Por mais insidiosos que os Fae possam ser, por mais cruéis, nossas motivações raramente são mais que egoísmo e tédio. As coisas de que você fala são infinitamente pacientes e infinitamente maliciosas. Eles não querem. Eles não querem. Eles não podem ser persuadidos. Eles têm apenas um objetivo, e uma inteligência focada apenas em alcançá-lo. A única maneira de vencer essas coisas é não jogar, nunca entrar nelas e rezar para que elas nunca notem você. Eu posso prometer a você o que você já sofreu com sua associação com eles, você sofrerá pior antes do final.

—Tudo bem, Jesus. — Cole levantou as mãos para parar a palestra de Gwydion. —Foi apenas uma sugestão. Melhor do que morrer aqui ou ser rasgado em pedaços pelo rei.

—Não. — Disse Gwydion, com os olhos escuros com uma gravidade terrível. —Confie em mim. Qualquer morte que os Anões possam inventar seria muito preferível.

O carrinho deu um pulo, atingindo algum solavanco na pista e, de repente, havia luz acima de nós, tão brilhante após a escuridão sem fim que meus olhos doíam, embora ainda estivesse relativamente escuro. Confusa, levantei-me para espiar por cima da borda do carrinho.

A pista havia entrado em uma caverna enorme, grande como um estádio. A luz que eu vi vinha de canais brilhantes de magma que atravessavam a caverna em canais esculpidos para esse fim. Pesada e lenta, escorria em direção a uma estrutura central, algum tipo de forno feito de enormes pedras negras, cada uma sozinha provavelmente do tamanho de um trailer de largura dupla. Em toda a base do forno, em uma plataforma preta, enormes Construtos, cada um com pelo menos dois metros de altura e feitos de retalhos de pedra, lama e metal, continuavam trabalhando. A fornalha fundia minério alimentado por carrinhos como o que estávamos, e o Construtos tirava-os das torneiras e os moldava com as mãos com precisão impecável, martelando-os com seus punhos enormes em bigornas do tamanho de carros.

Construtos menores enchiam o resto da caverna, tendendo o fluxo de magma, carregando e descarregando carrinhos, expandindo a caverna com picaretas e pás e carregando as peças que os Construtos maiores terminavam em direção a algo atrás do forno. Quando a trilha, que corria perto do topo da caverna, curvava-se ao redor da vasta sala, o que eles estavam construindo apareceu.

Fazia um calor escaldante, mesmo de onde estávamos. Preocupei-me por um momento que estávamos indo para o forno, mas a pista estava inclinando para baixo e para longe. Levando ao andar onde os Construtos estava terminando de descarregar suprimentos de outro carrinho. O carrinho à frente dele estava sendo carregado com sucata e minério da constante expansão, para ser enviado de volta a uma pista paralela à que nos levara até aqui, que provavelmente retornaria a quem estava fornecendo.

—O que é essa coisa? — Ethan perguntou, olhando para o anel enorme e limpando o suor da testa.

—Não tenho certeza. — Respondeu Gwydion com uma carranca, também espiando por cima da borda. —Seja o que for, é terrivelmente complicado. Olhe para os encantamentos.

Eu não tinha olhado tão de perto antes, mas agora que treinei minha visão mágica sobre ele, pude ver que ele estava rastejando com a magia mais complexa que já vi. Eu não acho que nada que eu tenha visto na coleção de Gwydion possa se comparar à escala completa dele. Era como se alguém tivesse construído o Empire State Building com sementes de gergelim individuais. Cada centímetro quadrado estava cheio de um feitiço de imenso poder. Se você removesse a matéria física da roda, a magia que a compunha ainda seria densa demais para ver através dela. Fiquei espantada, quase feliz. Eu nunca tinha visto algo tão incrível. Queria tocá-lo tanto que podia prová-lo, cavar aqueles feitiços, desmontá-los e juntá-los novamente até que eu os entendesse. Era tão glorioso para mim quanto ver o Grand Canyon pela primeira vez ou entrar na Capela Sistina. Que trabalho fenomenal, que forças titânicas, o vasto escopo de esforço, planejamento e trabalho... Sentindo-me um pouco tonta, sentei-me novamente.

—Você já viu algo assim? — Eu perguntei a Gwydion, atordoada.

—Uma vez, talvez duas vezes na minha vida. — Respondeu Gwydion, e pude ver que ele estava igualmente deslumbrado. —Mas comparar essas obras-primas seria um insulto a todas elas. Isso é arte.

—Mas para que serve? — Cole perguntou impaciente. Gwydion e eu batemos nele com o mesmo olhar sujo.

—Filisteu. — Murmurou Gwydion.

—Uh, pessoal, acho que vamos parar em breve? — Ethan nos avisou.

—Merda. — Eu murmurei e corri para um dos tijolos, pronta para me defender. Os outros três ficaram tensos também, e o carrinho parou por fim.

Um Construto com a face de um geodo rachado inclinava-se sobre a borda do carrinho. Eu gritei, me afastando para atingi-lo com o tijolo, mas ele apenas arrancou o tijolo da minha mão e se afastou. Outras construções também passaram por nós no carrinho, erguendo tijolos como se nem nos vissem. Ou, mais precisamente, como se simplesmente não importássemos.

—Eles não estão programados para lidar com intrusos, eu acho. — Disse Cole.

Lentamente, saímos do carrinho, tentando não nos queimar no metal quente e desconfiados de qualquer mudança no comportamento dos Construtos, mas eles nem sequer olhavam para nós.

—Acho que não estamos em perigo imediato, então? — Dei de ombros quando saímos do caminho do trabalho do Construto e puxei minha camisa, de repente desejando não estar tão comprometida em usar todo preto. —Exceto por esse calor, Deus, está muito quente!

Gwydion colocou a mão no meu ombro e eu imediatamente me senti mais fria.

—Fique perto. — Ele recomendou. —Eu posso manter o pior dele à distância. Além disso, se você ficar a meio metro de qualquer um desse magma, você pegará fogo.

—Oh, doce, Gwydion é um Ar Condicionado portátil. — Ethan disse alegremente, batendo as mãos nas costas de Gwydion e suspirando de alívio. Cole fez uma careta, mas colocou um dedo no ombro de Gwydion experimentalmente.

—Oh, droga. — Ele murmurou, parecendo surpreso. —Isso é realmente legal.

Quando nós três nos aproximamos, Gwydion parecia ter acabado de morder um limão.

—Então, o que fazemos? — Ethan perguntou, abraçando Gwydion por trás, o queixo no topo da cabeça do outro homem.

—Descobrir um caminho de volta à superfície. — Disse Cole com um encolher de ombros, de onde estava pressionado contra o lado esquerdo de Gwydion. Eu estava moldada para o lado direito dele, e nós dois colocamos as mãos sob a camisa dele para ter acesso mais direto às propriedades de resfriamento de sua pele. Fiquei chocada que Gwydion estivesse tolerando isso, mas não estava disposto a dizer nada.

—Eu gostaria que ainda tivéssemos esse cajado estúpido. — Eu disse frustrada. —Não há outra maneira de sair desses poços na cidade, certo?

—Não sem o segundo cajado. — Gwydion suspirou, os braços cruzados sobre o peito. —E sem os dois, você só ficaria presa lá - e você pararia com isso imediatamente ?!

Ele deu um tapa nas mãos de Cole, que subiam pelas costelas.

—O que você tem cócegas? — Cole perguntou com um sorriso perverso.

—Vou jogá-lo na lava. — Disse Gwydion sem uma pitada de humor. —Não me teste.

—Ok, então nossa única opção é lutar contra o exército de anões? — Eu disse, mudando de assunto rapidamente. —Porque sem mágica, isso não parece uma luta que provavelmente venceremos. Além disso, muitos deles pareciam pessoas normais?

—E essas coisas? — Cole perguntou, gesticulando para os Construtos. —Você disse que pode mudar os comandos deles se você os abrir, certo? E se nós mudarmos um monte deles para fazê-los nos proteger, então eles apenas nos escoltam para fora?

—Não sei se é uma boa ideia. — Disse Gwydion, franzindo a testa. —Você precisaria abri-los para acessar seus papéis e descobrir como alterar os comandos...

—Vale a pena tentar, certo? — Disse Cole. —Melhor que nada?

Gwydion fez um barulho inseguro, mas Cole se afastou dele e se aproximou do Construto com a face do geodo.

—Ethan, me ajude a disputar esse cara.

Ethan relutantemente soltou Gwydion e ajudou Cole a conter o Construto. Não parecia incomodado por ser contido. Apenas continuou tentando seguir na direção que tinha estado, ignorando Cole e Ethan.

Cole deixou Ethan segurá-lo por um momento enquanto procurava ao redor, pegando uma das picaretas que os Construtos estavam usando para expandir a caverna.

—Tudo bem, vamos abrir esse garoto mau. — Disse ele. Ethan ajustou seu aperto no Construto para sair do caminho, subitamente parecendo inseguro.

—Uh, eu não sei disso. — Disse ele. —Quero dizer, você não pode simplesmente acertar o pobre coitado com uma picareta. E se você o matar?

—Não posso matá-lo, não está vivo. — Disse Cole, impaciente. —Apenas fique quieto para não perder!

—Oh, isso vai acabar muito mal. — Disse Gwydion com severa certeza. Eu estava inclinada a concordar, mas também estávamos sem outras ideias.

—Um. — Disse Cole, levantando a picareta como um taco de beisebol. —Dois...

Ethan segurou o Construto o mais longe possível dele, fechando os olhos.

—Três!

Cole girou para as cercas e bateu a picareta no peito do Construto com um estalo alto de pedra.

Instantaneamente, todos os Construtos da caverna pararam, largaram o que estavam fazendo e viraram em nossa direção.

—Sim, lá vai. — Gwydion gritou, agarrando minha mão. —Corram!

Ethan lançou o Construto que ele estava segurando, que instantaneamente se virou e balançou um punho de pedra em sua cabeça. Cole bateu com a picareta, espalhando a cabeça do geodo, mas isso mal pareceu desacelerar. Enquanto isso, todos os outros Construtos da caverna estavam indo para lá com intenção assassina. Gwydion e eu reservamos, e Ethan e Cole, ainda segurando a picareta, correram atrás de nós, gritando palavrões.

—Lá! — Eu gritei, apontando um carrinho de partida, começando a aumentar a velocidade antes da subida em direção à trilha perto do teto da caverna. Gwydion deu dois passos limitados e pulou no carrinho com uma graça desumana, estragada apenas pela dança desajeitada e embaralhada que ele tinha que fazer para colocar o pé no topo do minério empilhado dentro do carrinho. Assim que ele estava estável, ele se virou e agarrou minha mão estendida, me balançando ao lado dele. Nós dois estendemos a mão para Ethan, arrastando-o a bordo, depois para Cole, ficando logo atrás, perseguido por uma horda de Construções assustadoramente silenciosas e sedentas de sangue.

—Largue a picareta, idiota! — Eu gritei.

Amaldiçoando alto, ele jogou de volta para os Construtos, tirando um pedaço do ombro de uma criatura de pedra sem muito efeito. Um pouco mais leve, ele correu os últimos degraus, e nós o agarramos, arrastando-o para o carrinho apenas um segundo antes de começar a disparar para cima e todos nós tivemos que nos esforçar para reestabelecer nosso equilíbrio.

Os Construtos subiram atrás de nós, silenciosos e implacáveis, e tentaram nos pegar no minuto em que o carrinho parou ou diminuiu a velocidade. O único anão perto do ringue havia nos notado agora e estava gritando ordens furiosas contra os Construtos, presumivelmente reafirmando suas ordens para matar a merda de nós.

—Destrua-os! — O anão gritou. —Não os deixe perto do portal!

—Trabalho fantástico, idiota. — Disse Gwydion, dando a Cole um olhar assassino. —Isso definitivamente ajudou!

—Como eu deveria saber que eles se tornariam todos assassinos? — Cole gritou defensivamente.

—Talvez usando um pouco de bom senso pela primeira vez na vida!

—Eu não vi você correndo para me parar, imbecil! Ou sugerindo idéias melhores!

—Calem-se! — Eu gritei para os dois. —Este carrinho está indo para o forno!

Isso chamou a atenção de ambos rapidamente. Em nossa pressa de pegar um carrinho de fuga, escolhemos um dos que enviava minério até a forja. Em apenas alguns minutos, seríamos jogados diretamente em um tanque maciço de metal fundido superaquecido.

—Filho da puta. — Cole disse calmamente.

Procurei um pouco fora do carrinho, meu coração disparado. A trilha atrás do carrinho fervilhava com Construtores assassinos. À frente, havia apenas o forno e uma queda de duzentos pés de cada lado.

—Estamos fodidos. — Eu disse, nem um pouco articulada.

—Nós definitivamente vamos morrer. — Ethan concordou, nós dois um pouco atordoados para reagir adequadamente à nossa morte horrível iminente.

—Foda-se. — Declarou Cole. Então ele me agarrou pelos ombros e me arrastou para um beijo áspero e apaixonado, tão abrupto e poderoso que eu mal consegui responder. Talvez fosse porque estávamos prestes a morrer, mas ele beijou com desespero, uma fome frenética e ardente, que eu nunca havia experimentado, o que fez meu coração disparar e minha adrenalina disparar. Então, de uma só vez, ele me soltou, deixando minha boca machucada e desolada. No mesmo movimento, ele puxou Ethan pela camisa e o beijou também, com a mesma intensidade empolgante. Vi os olhos de Ethan se arregalarem, e então senti a repentina onda de poder de sua maldição. Cole deve ter sentido isso também, porque ele empurrou Ethan para longe, agarrou minha mão e pulou para fora do carrinho. Gwydion hesitou apenas um momento, encarando Ethan quando o lobisomem se dobrou, uivando, mudando mais rapidamente do que eu já o vira mudar voluntariamente. Então ele pulou também.

Cole agarrou a beira da pista suspensa, flutuando no ar. Eu me esforcei para pular, quase perdi o controle, e só o recuperei quando Cole me pegou, me segurando até que eu estivesse segura, Gwydion pendurado no outro lado dele.

Acima de nós, Ethan - não, o Lobo - uivou quando saltou do carrinho um segundo antes de jogá-lo na forja.

O Lobo apenas se assemelhava tangencialmente à forma normal de lobo de Ethan, que era quadrúpede e muito parecida com um lobo normal, embora muito grande. O Lobo era algo de um filme de terror. Maciço, bípede, cheio de pelos escuros e grossos sobre músculos poderosos e pesados. Ele se ergueu em toda sua altura, o peito largo arfava e fixou seus terríveis olhos amarelos em nós, cheios de um ódio que consumia tudo. Estávamos completamente expostos aqui. Mal teria que nos tocar para nos enviar despencando para nossas mortes.

Felizmente, foi rapidamente distraído pelo enxame de Construtores assassinos. Os homens de pedra se jogaram no Lobo sem consideração por suas vidas. Eles o golpearam com golpes esmagadores feitos por punhos como blocos de concreto, e isso apenas os jogou para o lado, enviando-os voando da ponte para quebrar no chão abaixo. O Lobo rasgou a multidão de Construtos como se não fossem nada, reduzindo-os a escombros com um golpe de suas garras terríveis. Ele avançou pela pista, derrubando Construtos como pinos de boliche. Depois que tivemos algum espaço entre nós e o Lobo, Gwydion se arrastou de volta para o parapeito e me puxou atrás dele. Eu me virei para ajudar Cole, embora meus braços estivessem queimando por tanto tempo pendurados.

—Temos que sair daqui. — Eu disse, agarrando-me a Cole enquanto observava o Lobo abrir caminho através de Construto após Construto. —Agora!

—Como? — Perguntou Cole. —Outro carrinho?

—Não. — Disse Gwydion, apontando para o volante. —Nós vamos usar isso.

—O anão chamou de portal. — Eu disse, entendendo. —Onde quer que leve, provavelmente é melhor do que aqui!

Cole parecia inseguro, mas levantou as mãos.

—Foda-se, vale a pena tentar! — Ele disse.

Corremos pelos trilhos do carrinho, a uma distância segura atrás do massacre que o Lobo estava causando, até podermos pular, deslizando pela parede até o fundo da caverna.

Os Construtos estavam todos ocupados com o Lobo. A única coisa entre nós e o portal era o anão. Ele brandiu seu livro de pedra para nós com as mãos trêmulas.

—Este é o trabalho da minha vida! — Ele declarou. —Eu não vou deixar você hooligans destruí-lo!

—Você projetou isso? — Eu perguntei, cheio de súbita admiração e um milhão de perguntas.

—Senhor. — Disse Gwydion, cortando-me. —Você é sem dúvida o maior encantador desta época e um dos melhores que já ouvi em todos os reinos. Tenho imenso respeito por você, e é por isso que será uma tremenda vergonha se eu tivesse que te espancar até a morte agora, porque você não sairá do caminho.

Ele pegou uma pá de algum lugar, que o anão estava olhando agora, sua expressão em algum lugar entre orgulho e medo lisonjeados.

—Para o inferno. — Disse o anão. —Eu sempre odiei trabalhar para comissão.

Ele saiu do caminho.

Havia algum tipo de painel de controle perto de onde o Anão estava sentado, e eu o agarrei, olhando para os controles, completamente perdida.

—Como nós controlamos isso? — Eu perguntei, procurando ao redor do anão, mas ele já estava fazendo trilhas para o túnel mais próximo.

—Não precisamos controlá-lo. — Insistiu Cole. —Apenas ligue! Qualquer lugar é melhor do que aqui!

Eu apertei alguns botões, puxei algumas alavancas, mas nada aconteceu. A pedra angular e todos os painéis estavam no lugar, mas não havia reação. Cole lambeu os lábios.

—Vexa. — Ele disse. —Lembra da coisa que eu disse para você nunca mais fazer?

—Coisas estúpidas que colocam minha vida em perigo?

—Mais especificamente.

—Explorar fontes de energia universais primárias?

—Sim.

Gwydion e eu demos a Cole um olhar arregalado.

—Você realmente acha que isso vai funcionar? — Gwydion perguntou.

Cole olhou para onde o Lobo estava rapidamente ficando sem Construtos para destruir. Os grandes da forja tinham andado lentamente com pés pesados de bigorna e finalmente estavam brigando de verdade, mas nem eles durariam muito. O Lobo parecia ser tão indestrutível quanto furioso.

—Acho que não temos muitas outras opções. — Respondeu Cole. —Apenas despeje o máximo de energia possível e espere o melhor!

Eu acho que essa foi a lógica mais sólida que eu poderia esperar.

—Foda-se. — Eu disse, ecoando o sentimento anterior de Cole. —Aqui vai tudo!

Fechei os olhos, alcançando o lugar profundo dentro de mim, onde minha conexão com a vela estava ancorada. Eu sabia o que esperar agora, e apenas hesitei um momento com a lembrança fraca de quanto isso doeu da última vez, antes de pegar o fogo e me sentir em chamas.

Cole e Gwydion saltaram para longe quando o fogo me cercou. O poder correu através de mim como uma represa quebrando, como um raio, e eu agarrei no painel de controle para me aterrar.

A energia rasgou através de mim enquanto passava, deixando-me irregular de uma maneira que era mais espiritual do que física. Mas enquanto olhava através dos meus olhos ardentes, vi o anel começar a se mover, girando, componentes flutuando e se movendo independentemente, à medida que os feitiços queimavam.

Essa bela máquina deveria ter criado um portal igualmente bonito, algo absolutamente perfeito, não apenas estável, mas permanente, um ponto fixo fora do tempo que unia duas realidades. O que eu o forcei a produzir, incompleto e inexpertemente pilotado, foi uma bagunça, crepitando com o desperdício de energia, desequilibrado e desmoronando mesmo quando começou a abrir. Mas estava aberto.

Gwydion me agarrou, me arrastou para longe do console. Eu podia senti-lo sugando o poder, embora felizmente eu já tivesse jogado a maior parte dele no portal.

—Rápido! — Gwydion gritou para Cole. —Agora, antes que desmorone!

Eles correram em direção ao portal, meio me arrastando, quase inconscientes e bêbados com o poder e a lembrança já desbotada da agonia ardente. Mas havia uma última coisa que eu tinha que fazer antes de sairmos. Eu me arrastei de Gwydion para fazê-lo parar, coloquei os dedos nos lábios e assobiei o mais alto que pude.

—Ethan! — Eu gritei quando o Lobo parou sua destruição e olhou para mim. Eu acenei meus braços. —Por aqui!

Gwydion me agarrou pelo meio, me jogou por cima do ombro e correu para o portal. Rosnando, o Lobo correu atrás de nós. Gwydion pulou através do portal e vi o Lobo pular, garras estendidas, apenas um segundo antes do caos nos envolver.

 

 

 

 

 

 

Capitulo Dezesseis


Por vários minutos ou possivelmente uma eternidade, caímos no espaço.

Perdi o controle dos outros quase ao mesmo tempo. Flashes de mundos explodiram em ambos os lados de mim. Luz, escuridão, fogo, gelo, horizonte de Manhattan, castelo de Titânia, mundos que eu só podia ver em seção transversal, mundos que eu só conseguia ouvir ou cheirar. Uma vez, um salão escuro, cheio de velas.

E então, de repente, bati de cara no azulejo branco de vinil. Gwydion caiu em cima de mim, cotovelos primeiro. Cole caiu um pé à minha esquerda. O Lobo veio por último, bateu a cabeça em uma prateleira no caminho e caiu inconsciente no chão.

Presumimos que estávamos em algum tipo de armário de suprimentos. Luzes fluorescentes brancas nos encaravam de cima.

—Onde estamos? — Cole perguntou, apertando os olhos e desorientado.

—A julgar pelo cheiro anti-séptico e pelos sanitários? — Eu respondi, minha voz um pouco confusa. —Hospital. Ow. Ow! Merda!

Acabei de perceber uma dor ardente no quadril, que estava piorando rapidamente. Eu me levantei e enfiei no bolso, pegando a moeda da sorte que Gwydion tinha me dado quando nos conhecemos. A coisa maldita estava fumegando, estava tão quente e previsivelmente queimando meus dedos quando eu o puxei para fora. Deixei cair, e ela saltou e rolou para fora da porta do armário aberta.

Troquei um olhar com Cole e Gwydion, que ainda estavam se levantando.

—Bem, vá em frente. — Disse Gwydion. —É uma sorte, por isso deve levá-lo a algum lugar. E alguém provavelmente está a caminho de investigar esse acidente de qualquer maneira.

Sem outra palavra, corri atrás da moeda.

Eu estava certa sobre ser um hospital, embora estranhamente silencioso para a hora do dia que a luz que entrava pelas janelas sugeria. A moeda fumegante rolou pelo corredor de azulejos, e eu corri atrás dele. De repente, seu caminho começou a se curvar, até cair abruptamente de lado. Com o último momento, derrapou sob a porta de um quarto privativo de longa permanência.

O nome na porta dizia E. Bellefonte.

Abri a porta com cuidado, preocupada em incomodar alguém. Mas não havia visitantes na sala e, assim que dei uma boa olhada no paciente, percebi que não havia preocupação em perturbá-los.

E. Bellefonte era um homem mais velho, quarenta e poucos, talvez cinquenta e poucos. Ele ainda tinha o cabelo, apesar de o loiro dourado estar sombreado a branco. Ele devia ter sido bonito como uma estrela de cinema uma vez, pensei, embora provavelmente só pudesse dizer devido à minha experiência com cadáveres. Uma doença longa e desgastante o havia reduzido a um substancial sem sombra do que aquele que pairava sobre ele, sinalizando sua morte que se aproximava rapidamente. Ele só estava vivo agora por causa das máquinas amontoadas em torno de sua cama, mantendo seu corpo funcionando mesmo quando desmoronava. Mas mesmo isso não era suficiente para manter a sombra afastada.

—Aqui está. — Disse Gwydion, entrando na sala. Cole, com o braço de Ethan sobre os ombros, saiu mancando atrás de Gwydion, arrastando o lobisomem, que havia sido empurrado às pressas para uma roupa cirúrgica mal ajustada. Gwydion inclinou-se para pegar a moeda da sorte, que ardia em sua mão, o metal estalando e desmoronando. —Você queimou completamente. Eu nunca vi isso. Que tipo de-?

Ele calou a boca abruptamente quando viu o que eu já tinha visto.

A Vela da Aliança estava posta na mesa de cabeceira de E. Bellefonte. Gwydion olhou para ela, depois para a moeda murcha na mão, antes de enfiar os restos arruinados da moeda em seu casaco. —Essa é uma moeda da sorte.

—O que está fazendo aqui? — Perguntou Cole. —Quem é esse cara?

—É para mantê-lo vivo. — Respondi instintivamente. Eu podia sentir como a vela estava conectada a ele, mantendo sua força vital de uma maneira que as máquinas nunca podiam.

Antes que pudéssemos dizer mais alguma coisa, um portal surgiu à nossa frente, e Gilfaethwy apareceu, tendo-se colocado apenas a meio caminho.

—Por aqui. — Ele sussurrou em um sussurro urgente. —Rápido!

—Você! — Gwydion rosnou e agarrou Gil pela frente da camisa, arrastando-o pelo resto do caminho para fora do portal. —Você me roubou! De novo! Você me deixou entrar nas garras dos Seelie!

—Você fugiu! — Gil disse com um sorriso. —Eu sabia que você faria! Você sempre sabe! Falando nisso...— Ele gesticulou rapidamente em direção ao portal. —Precisamos ir agora. Vocês não podem estar aqui!

—Por quê? — Eu perguntei. —Onde estamos?

—Onde não importa. — Disse Gil. —E porque é que todos nós vamos morrer. Eu nem entendo como você chegou aqui! Agora vamos, vamos!

—Não, não há mais portais! — Cole disse teimosamente. —Já tive portais suficientes! Parece a Terra e vou ficar aqui!

De repente, as luzes no corredor do lado de fora do quarto do hospital ficaram negras. Nenhuma luz veio das janelas. Uma voz profunda e familiar ecoou como uma lixa contra a minha alma.

—Como se atreve a vir aqui...

—Aethon. — Eu sussurrei involuntariamente, terror tomando meu coração como um punho.

—Esquece, porra! — Cole gritou, jogou Ethan através do portal e pulou atrás dele.

Gil entrou na porta, olhando para a escuridão.

—Velho amigo, querido amigo, parceiro, se você me desse um momento para-

—COMO VOCÊ OUSA?

Gil estava claramente certo. Precisávamos sair imediatamente. Mas eu não estava saindo de mãos vazias, não depois de tudo isso. Eu me virei, pegando a vela.

—Vexa, não!

Ouvi o grito de Gwydion, o roçar de seus dedos estendendo a mão para me impedir, mas era tarde demais. Minha mão se fechou ao redor da vela, e a absoluta escuridão da Morte alcançou e me engoliu.

Tão rapidamente que eu nem senti, de repente eu mal a reconheci.

Eu morri.

Capitulo Nove

Por um momento, eu não estava no meu corpo. Eu estava em outro lugar, queimando viva na escuridão. Meus ouvidos estavam cheios do clamor de mil sinos tocando. Eu não conseguia fazer meu corpo gritar. Não pude apagar o fogo. A dor estava tão além de qualquer coisa que eu pudesse envolver minha cabeça que depois eu não conseguia descrever e mal conseguia me lembrar como era. Eu sabia com absoluta certeza que iria morrer. Pelos olhos fixos e sem resposta do meu corpo, a costa distante de repente pareceu muito mais perto.

No lugar onde eu estava queimando, senti uma mão fria no meu ombro. Alguém parado atrás de mim. A voz deles sacudiu meus ossos fumegantes.

—Ainda não.

E então, de repente, eu estava de volta à minha própria pele, transbordando com tanta energia que doía, como agulhas sob a minha pele tentando forçar sua saída. Sem pensar, bati as mãos no peito de Gwydion e abri as comportas. O poder correu para fora de mim em uma torrente que eu não poderia ter parado se quisesse. Queimou-me quando passou, afundando nele. Os olhos de Gwydion se abriram de uma só vez, o corte em sua cabeça se uniu à luz prateada e se fechou.

Mas não consegui parar o fluxo de poder. Havia muito para eu conter, e Gwydion era um vaso vazio. Ele olhou para mim e eu me vi refletida em seus olhos arregalados, envoltos em fogo, chamas chorando. Ele sentou, minhas mãos ainda em seu peito, ainda derramando poder nele apenas para me impedir de queimar. Ele me alcançou lentamente e segurou meu rosto em suas mãos trêmulas, sua pele bebendo o fogo. Suas mãos estavam frias como água em um dia de verão, acalmando o calor terrível que estava tentando o seu melhor para me queimar viva. Ele se inclinou para perto, curvando-se no meu fogo e beijou minha boca ardente.

Ele tirou o poder de mim como veneno de uma ferida. Apressou-se ainda mais rápido do que antes, e eu tremi de dor e alívio. Ele poderia ter tudo, se quisesse. Enquanto o fogo parou, eu não me importei.

Eu derreti em seu beijo gelado, em seus braços, a queima finalmente começando a retroceder quando o poder passou por mim. Afinal, não era infinito, e Gwydion aceitou tudo ansiosamente.

Ansiosamente demais. Enquanto o poder continuava fluindo de mim como sangue de uma veia, comecei a voltar aos meus sentidos e percebi que tínhamos passado o ponto do que eu não podia conter. Minhas mãos se apertaram no tecido do casaco de Gwydion, tentando e falhando em afastá-lo. Ele poderia muito bem ter sido feito de pedra. Estávamos nos aproximando rapidamente de um ponto com menos energia do que eu tinha desde que tocara a vela. Eu assisti esse ponto ir e vir e o beijo de Gwydion ainda continuava, até eu perceber que ele não iria parar até que eu estivesse vazia de toda a magia, ou morta.

Então eu o mordi, forte o suficiente para tirar sangue, e ele se afastou, o fluxo de poder finalmente parando. Eu o empurrei, colocando espaço entre nós rapidamente, caso ele tentasse continuar. Meu coração estava batendo forte e eu ainda estava desorientado, lutando para manter a lembrança do que havia acontecido quando tentei acessar a vela.

—Que porra é essa? — Cole estava dizendo, e parecia que ele estava dizendo isso há algum tempo, pois Gwydion e eu estávamos insensíveis demais para perceber. Ethan me pegou quando me afastei de Gwydion, e deixei que ele me segurasse, agradecida pela sensação de segurança em seus braços.

—O que aconteceu? — Ethan me perguntou. —O que você fez?

—Mas como? — Cole disse, olhando para mim com algo entre reverência e medo. —Eu nunca vi esse tipo de poder em lugar algum.

—Eu tenho. — Gwydion falou suavemente. Ele se ajoelhou onde eu o empurrei, parecendo quase tão abalado quanto eu quando tocou seu lábio mordido e olhou com olhos arregalados para o sangue em seus dedos. Mas havia um olhar quase arrebatador em seus olhos.

—Eu não sou tão forte desde que deixei Avalon. — Disse ele e olhou para mim como se eu fosse algo santo e aterrorizante. —Você tem o poder de uma rainha.

Ele piscou e pareceu repentinamente um pouco enjoado, caindo de costas com uma surpreendente falta de graça pelo que eu esperava dele.

—E eu quase matei você. — Disse ele, quase para si mesmo.

Ethan e Cole trocaram um olhar assustado com isso, depois olharam para mim onde eu ainda estava enrolada nos braços de Ethan.

—Estou bem. — Eu disse rapidamente, o que era verdade. Cansada e mais fraca do que eu estava há um tempo, mas eu não estava sangrando ou pegando fogo, e eu podia deitar minha cabeça no peito de Ethan e ouvir seu coração bater. —Eu estou bem. Foi apenas um pouco de energia demais, só isso.

—Um pouco de energia demais de onde? — Perguntou Cole. —Onde você conseguiu isso?

—Uh, eu tentei bater na vela. — Eu disse. —Ainda estou conectada a ela, então achei que talvez pudesse acessar sua fonte de energia.

—Você usou a fonte de toda energia necromântica na Terra? — Cole disse, sua voz falhando. —Como você não está morta? Como todos nós não estamos mortos?

Eu não tinha uma resposta para isso. Também não parecia Gwydion, mas ele também não estava prestando atenção, com a mão na boca e as sobrancelhas franzidas, o olhar focado na costa distante.

—Só... nunca faça isso de novo. — Exigiu Cole. —Jesus Cristo, não é à toa que você estava pegando fogo. Há uma razão pela qual as pessoas trabalham com focos como a vela, sua idiota! Usar a fonte bruta deveria tê-la fritado como um inseto e todos nós com você.

—Eu acho que é uma coisa boa que Gwydion possa absorver tudo. — Ethan disse enquanto eu franzi a testa e tentei lembrar o que tinha acontecido quando eu peguei a chama. Lembrei vagamente da queimação. Todo o resto estava perdido no fogo até o momento em que Gwydion me beijou.

—Besteira que ele fez. — Cole riu. — Tanto poder o fritaria também. Ou Vexa de alguma forma conseguiu se abrir para, literalmente, todo o poder da própria morte e apenas canalizar um pedacinho, o que é absurdo - como tentar pular no oceano e esperar apenas molhar o dedo - ou o que ela bateu não foi a vela.

Eu não gostei desse pensamento.

—O fato de que ela seria capaz de alcançar a vela quando ela estiver literalmente em um universo diferente já é bastante absurdo! — Cole disse, jogando as mãos no ar. —Isso é besteira estranha, e eu não gosto!

—Independentemente disso, está pronto. — Interrompeu Gwydion, levantando-se e tirando a jaqueta molhada. A balsa balançou e Cole tropeçou, olhando para Gwydion enquanto ele apenas conseguia manter o equilíbrio. Gwydion o ignorou, olhando para mim enquanto tirava a gravata também, deixando apenas sua camiseta branca solta. —Perdoe-me por um momento.

Então ele deu dois passos e mergulhou da balsa. Por um segundo, apenas encaramos as ondulações em seu rastro, surpresos demais para reagir. Finalmente, Ethan apenas balançou a cabeça e suspirou.

—Por que não? Não como qualquer outra coisa ultimamente faz algum sentido. — Ele murmurou, depois me puxou para mais perto, esfregando os braços para tentar me aquecer. Nós dois ainda estávamos encharcados, então não adiantou muito.

—Então. — Ele disse depois de um momento. —Você beijou Gwydion.

Fiquei confusa por um momento até perceber que ele quis dizer o que tinha acabado de acontecer. Foi realmente difícil manter essas memórias por algum motivo.

—Oh, sim. — Eu disse com um sorriso tímido. —Pouco mais do que isso, na verdade. Logo antes de Gil escapar.

—Eu pensei que você disse que não achava que iria dormir com ele? — Ethan perguntou, sobrancelhas levantadas.

—Sim, eu não pensei que sim. — Eu disse, envergonhada agora. —Ele é... surpreendentemente persuasivo. Foi apenas uma coisa única. Nós deixamos isso claro.

—Espere, você dormiu com esse cara? — Cole perguntou, franzindo o nariz.

Cobri meu rosto com a mão, tentando controlar o rubor que aquece minhas bochechas.

—Sim, eu dormi. — Eu disse, tentando segurar algum orgulho. —Não é da sua conta.

Cole apenas balançou a cabeça.

—Alguém já lhe disse que você tem um gosto terrível? — Ele perguntou. —E possivelmente um desejo de morte?

—Ele tem razão. — Ethan disse com um encolher de ombros.

—Considerando que eu estava flertando com você esta manhã, Cole. — Eu disse maliciosamente. —Eu não faria comentários sobre o meu gosto.

—Foi essa manhã? — Ethan disse pensativo. —Era noite no Julius, e dormimos pelo menos algumas horas, então...

—Estar interessada em mim é absolutamente um sinal de mau gosto. — Respondeu Cole. —Possivelmente uma decisão pior do que o monstro devorador de homens que pode te atacar a qualquer momento. Provavelmente pior que o lobisomem também.

Ethan bufou.

—Você não é tão ruim. — Ele disse.

—Eu sou um desastre humano sem-teto que está apenas usando você para colocar minhas mãos em uma ferramenta mágica incrivelmente poderosa por minhas próprias razões egoístas. — Apontou Cole.

—Mas você tem um cabelo muito bom. — Eu rebati, apenas meio sarcasticamente. Cole parou, pego de surpresa.

—Bom senso de humor também. — Ethan concordou, e eu sorri quando vi Cole ficando vermelho.

—Bom gosto em filmes. — Acrescentei.

—Sorriso fofo. — Ethan falou.

—Olhos lindos.

—Inteligente como o inferno.

—Bunda fantástica.

—Tudo bem, isso é o suficiente! — Cole disse, vermelho como uma beterraba. —Vocês dois são claramente idiotas, sem senso de autopreservação.

Um respingo nos interrompeu quando Gwydion reapareceu, jogando o cajado na jangada antes de sair da água. Eu me permiti um minuto para admirar o quão bom ele parecia encharcado assim.

—Perdi algo? — Ele perguntou, levantando-se e torcendo a camisa. Cole ainda estava muito vermelho, e Ethan e eu não conseguimos parar de sorrir.

—Apenas nós dizendo a Cole todas as coisas que gostamos nele. — Eu o informei.

—Espero que você tenha mencionado sua bunda fenomenal. — Disse Gwydion casualmente, pegando o cajado e o paletó. Cole parecia quase combustão espontânea. —Todo mundo está de pé agora. Precisamos nos mexer se quisermos alcançar meu gêmeo idiota.

—Mas não sabemos para onde ele foi. — Eu disse, levantando-me e oferecendo uma mão para Ethan.

—Eu posso rastrear seus feitiços de teletransporte. — Disse Gwydion e estalou os dedos.

Uma onda de ar quente tomou conta de nós quatro ao mesmo tempo. Meu cabelo voou ao redor do meu rosto, minhas roupas esvoaçantes. Eu lutei para segurar minha saia enquanto a água saía de nossas roupas em uma explosão deslumbrante. Quando o vento se acalmou, Gwydion olhou para onde Gilfaethwy havia desaparecido e passou a mão pelo ar como se estivesse limpando vapor de um espelho. Um rastreamento complexo de magia apareceu diante dele, que ele se inclinou para ler. —Foi por isso que ele pegou o cajado e foi primeiro à Cidade Sem Fim. É muito mais difícil rastrear o cajado, e eu não seria capaz de dizer por quais dos poços da cidade ele passou se eu não tivesse- Não o vi. Mas agora que ele está se teletransportando sob seu próprio poder - o que ele não tem muito entre nossa recente briga e nossa visita à Cidade - segui-lo será muito fácil. Eu posso finalmente ser capaz de-

Ele ficou em silêncio bruscamente, depois descartou o texto mágico, carrancudo.

—O que há de errado? — Eu perguntei preocupado.

—Eu descobri para onde ele foi. — Respondeu Gwydion, conciso. Ele bateu com o cajado na superfície da balsa de madeira, e um portal se abriu através do qual eu podia ver vagamente os galhos das árvores. Gwydion se aproximou, hesitou e depois olhou para mim.

—Eu deveria te mandar para casa. — Disse ele. —Para onde ele está indo é... inóspito para os humanos. Eu deveria ser capaz de lidar com ele sozinho.

—Como você lidou com ele da última vez? — Eu perguntei. —A vida de Ethan está baseada no que Gil sabe. E sem o Vidro do Artífice, não podemos nem tentar descobrir mais sobre a maldição por conta própria. Não há como não ir com você.

—Onde ela vai, eu vou. — Ethan disse, colocando a mão no meu ombro.

Nós dois olhamos para Cole, que cruzou os braços, ainda um pouco rosado ao redor das orelhas.

—Eu realmente não tenho escolha, tenho? — Ele reclamou. —Se vocês idiotas vão e se matam, não há como eu pegar a vela.

Eu sorri para ele, feliz por ele estar conosco.

—Então está resolvido. — Eu disse. —Todos nós vamos.

—Não é nem remotamente estabelecido. — Argumentou Gwydion. —É a coisa mais distante da solução.

—Você realmente vai discutir comigo depois que eu quase morri salvando você? — Eu perguntei, mãos nos meus quadris.

Gwydion fechou os olhos por um momento, reunindo a compostura.

—Tudo bem. Vocês todos estão vindo. Tenho certeza que isso não vai acabar mal.

Ele pegou o casaco do braço, virou de dentro para fora e entregou para mim.

—Vista isso. Fiquem perto de mim. Não façam barulho e não usem magia, a menos que eu peça. Se nos separarmos... Vocês provavelmente morrerão. Não comam nada. Não cantem nem dancem. Façam tudo ao seu alcance. Não ofendam nada. Não ofereçam ajuda, a menos que seja solicitado, faça-o e não reclame. Aceite o que lhe derem depois, mas se alguém tentar lhe dar algo que você não ganhou, recuse educadamente enquanto vocês podem e espero que eu possa encontrar vocês a tempo de salvá-los. Entendido?

Não remotamente, mas assenti e coloquei o casaco de dentro para fora de qualquer maneira.

—Então vamos acabar logo com isso. — Disse Gwydion com um suspiro.

Sem mais cerimônia, ele atravessou o portal. Eu dei a Ethan e Cole um último sorriso encorajador, depois fui atrás dele, esperando que o que esperasse do outro lado não fosse pior do que o que já tínhamos enfrentado. Mas, pela primeira vez, eu estava menos preocupada com o desconhecido do que com meu próprio poder. Eu ainda não tinha certeza do que tinha acontecido quando tentei curar Gwydion, mas tinha certeza de que isso aconteceria novamente. Em algum lugar no fundo da minha mente, as palavras 'ainda não' ainda ecoavam.

 

 

 

 

 


Capitulo Dez

 

Das sombras frias e cinzentas da Costa DIstante, entrei em um dia perfeito de verão. Era verão também na Terra, mas não assim. Esse era um daqueles dias míticos, a partir de memórias idílicas excessivamente nostálgicas da infância, ou um daqueles filmes inexplicavelmente populares da maioridade, onde algo terrível acontece com o cachorro leal de uma criança. Estava frio o suficiente na sombra para fazer o calor do sol parecer mais calmante do que opressivo. Enormes árvores velhas erguiam-se ao nosso redor, suas folhas lançando sombras verdes na terra rica e escura, seus arcos pesados de frutas. A vegetação rasteira era uma profusão de flores silvestres e frutos maduros. O ar estava denso com o som do canto dos pássaros e o murmúrio musical da água correndo em algum lugar próximo. A luz através das árvores era dourada, quase tangível, e senti uma onda de prazer e excitação estranhos assim que respirei o ar. Tudo, todos os mirtilos gordos, pedras brilhantes e pássaros cantando de suas gargantas vermelhas, estavam positivamente cheios de significado. Qualquer coisa que caísse em meus olhos, desde uma teia de aranha pendurada em prata pendurada sob a sombra de uma raiz de carvalho até as cabeças de sementes douradas da grama alta crescendo em um pedaço de luz solar, me atingiu com uma intensidade que me fez ter certeza de que tocar qualquer parte disso seria embarcar em uma aventura fantástica.

Gwydion estalou os dedos na frente do meu rosto, impaciente, tirando-me do meu devaneio.

—Foco. — Ele insistiu. —Você não deve deixar este lugar colocar seus ganchos em você. Seu charme é um veneno, você entende? Tudo isso é apenas a pele brilhante de um sapo venenoso.

—Mas é tão... mágico. — Eu disse, surpresa com o quão jovem eu parecia, como uma criança na Disney World.

—O que é este lugar? — Ethan perguntou, parecendo tão impressionado quanto eu. Eu olhei para ele quando Cole entrou no portal. A boca de Ethan estava aberta em um espanto frouxo, seus olhos brilhando. Ele parecia mais jovem de alguma forma, as linhas ao redor dos olhos se foram, o peso fora dos ombros. A luz do sol brilhava bastante em seus cachos castanhos escuros e seus olhos dourados. Ele parecia tão magnificamente mágico e importante quanto todo o resto. Ele pegou meu olhar e ouvi sua respiração prender e vi seus olhos se arregalarem.

—Vexa. — Ele disse, suas mãos encontrando minha cintura. —Você parece tão... radiante. Deus, eu nunca vi nada tão-

—Nada disso, nada disso! — Gwydion disse agitando a mão bruscamente entre nossos rostos até nos afastarmos. —Eu sabia que era uma péssima idéia. Concentrem-se, por favor! Você, Cole! Fique fora daqui!

Cole, parecendo tão atordoado e surpreso quanto o resto de nós, olhou para cima, confuso, de onde ele estava vagando em um pedaço de amora, mistificado com as frutas perfeitas, como joias, e pequenas flores brancas de estrelas. Seus olhos, sempre adoráveis, eram de um azul mais brilhante do que eu já tinha visto na Terra. O tom escuro de seu cabelo combinava com o da fruta ao seu redor. A graça de seus membros musculosos quando Gwydion o agarrou pela camisa e o arrastou de volta para nós era absolutamente sublime. Ethan e eu voltamos juntos assim que Gwydion parou de nos separar fisicamente, nossos braços se abraçando como se tivessem sido feitos para isso. Quando Gwydion empurrou Cole para nós, nós o alcançamos ao mesmo tempo. Eu sorri quando toquei sua bochecha, sua pele macia e quente, e pela primeira vez ele não recuou do contato. Ethan segurou o outro lado do rosto, acariciando a linha fina da bochecha com o polegar. Cole fechou os olhos e afundou em nosso toque como um banho quente após um dia difícil.

—Como você pode pensar que não é absolutamente lindo? — Eu perguntei, impressionado com cada mecha de seu cabelo, a curva de sua mandíbula, a cor de seus lábios.

—Você é como uma obra de arte. — Ethan concordou, virando seu sorriso deslumbrante para mim, o calor tão comovente que eu quase podia chorar. —Vocês dois são. Gostaria de saber com quem comparar você. Nunca consigo me lembrar dos nomes. Vexa sempre pode.

Eu sorri de volta para ele, lembrando como quando o conhecemos eu o comparei com o David de Bernini e uma dúzia de outras obras de arte clássica. Eu estava um pouco desorientada na época, mas a comparação se manteve.

—Algo pré-rafaelita. — Eu disse. —Edward Hughes talvez.

—Você é tão inteligente. — Disse Ethan.

—Estou tão feliz que vocês estão tendo um momento de união tão adorável. — Disse Gwydion, tentando nos afastar um do outro. —Mas se vocês tentarem recuperar os sentidos, realmente não temos tempo para uma orgia no momento.

—Isso é... intoxicação mágica. — Disse Cole, esfregando os olhos. Adorei a delicada arte de seus dedos e o tom avermelhado que o atrito colocou em suas bochechas.

—De fato! — Gwydion disse, pingando sarcasmo. —Que bom que você está alcançando! Isso deve desaparecer em breve, mas não podemos dar ao luxo de esperar por isso, nem tenho paciência para ver vocês três se lutarem até que isso aconteça.

Eu me perguntava por que ele estava de mau humor quando era um dia tão perfeito. Mas eu não poderia estar chateada com ele por isso. Ele era bonito demais para se zangar. A luz do sol não parecia tocá-lo, mas quando ele estava na sombra, ele parecia esculpido em mármore frio, frio e sem falhas e brilhando como gelo. Quase doía olhar para ele, como a luz refletindo na neve até ficar ofuscante. E às vezes, quando eu o via pelo canto do olho, ele era mais do que isso. Maior do que eu podia imaginar, e quando ele se moveu, houve um farfalhar de pelos e uma sombra de chifres.

—Ele está certo. — Disse Cole, balançando a cabeça enquanto se distraía brevemente por uma borboleta que passava com asas como vitrais vivos. —Precisamos... Continuar em movimento. Estamos em perigo. Tentem se lembrar do medo.

Eu não queria ter medo, não quando era tão bonito aqui. Mas fiz o meu melhor quando Cole pegou minha mão e me puxou atrás de Gwydion. Peguei Ethan com a mão livre e o puxei. Uma corrente de margarida, como quando éramos crianças. O pensamento me fez rir, o que o fez começar.

Gwydion suspirou cansado. —Pelo menos vocês estão se movendo. Por aqui. Não se afastem. Não há sinal de seu feitiço de teletransporte aqui. Ele deve ter ido mais longe antes de lançá-lo para tentar me expulsar. Mas por que ele arriscaria isso aqui? De todos lugares?

Eu mal ouvia Gwydion e não entendia por que ele não gostava daqui. Ele fez parecer tão perigoso, mas era o lugar mais maravilhoso que eu já vi. Ao atravessarmos as árvores, pequenos pedaços de magia se revelaram entre as folhas. Uma macieira com casca de prata fina estava crescendo perto de um riacho claro, com seus galhos forrados e pesados por frutas feitas de ouro e diamante. Uma cobra com escamas de esmeralda translúcida estava pendurada nos galhos, nos observando com sábios olhos rubis escuros. Tinha uma daquelas bocas fofas de filhotes de píton que são tão adoráveis, mas Gwydion não me deixou fazer amizade com ela.

Mulheres minúsculas, que não eram mais do que meu braço, nadavam através do riacho, pulando como peixes, brilhando rosa iridescente e lavanda como o interior de uma concha, estalando seus minúsculos dentes afiados em insetos. Vi um campo de flores brancas crescer, grande como a palma da minha mão, e no centro de cada uma havia um minúsculo sino de ouro. Quando o vento soprava, eles tocavam tão docemente que Gwydion teve que gritar conosco para nos impedir de vagar neles para nos deitar e apenas ouvir. Cole sugeriu que cantássemos, o que foi uma ideia tão boa que eu o beijei por isso, e ele ficou vermelho e começou a rir e esqueceu sua sugestão até que Gwydion o lembrou, quando ele afastou Ethan de tentar mentir novamente nas flores, que eram tentando envolver tenras videiras verdes ao redor de seus sapatos, como se quisessem que ele ficasse. A única música que todos conhecíamos era Bohemian Rhapsody, e cantamos o mais alto que pudemos por insistência de Gwydion, até deixarmos o campo de flores para trás e ele nos pediu para parar. Mas continuamos esquecendo que ele nos disse para parar e começar de novo. É uma música tão boa, afinal. Nós finalmente paramos quando ele ameaçou fechar nossas bocas com mágica nos fez esconder em um arbusto enquanto uma procissão de árvores andando passava majestosamente.

Quando o desfile de árvores terminou, eu estava finalmente começando a recuperar meus sentidos um pouco, o suficiente para perceber que estávamos com problemas. Embora eu ainda estivesse flutuando e facilmente distraída, eu estava presente o suficiente para olhar para a merda ridícula que acabamos de percorrer e empalidecer com a quantidade ridícula de sério perigo em que estávamos, que eu apenas... não notei.

—Essas flores tinham dentes. — Eu sussurrei para mim mesma, olhando para um fragmento perfeito de céu azul através das folhas acima de nós.

—Finalmente começando a sair disso? — Perguntou Cole. Ainda estávamos sentados no mato. Eu não tinha notado os espinhos antes agora.

—Acho que sim. — Eu disse, esfregando a cabeça. —Mais ou menos. Jesus, eu não estive tão bêbada desde o último ano.

—É o ar aqui. — Disse Cole. —Está tão cheio de magia que você quase pode vê-la a olho nu. É por isso que tudo parece tão...

Ele fez um gesto ambíguo, mexendo os dedos ilustrativamente. Eu imaginei que entendi o ponto dele.

—Graças à lei. — Gwydion reapareceu, arrastando um Ethan tropeçando, que estava sorrindo e segurando uma das flores de sino. —Eu tinha medo que você se afastasse. Eu tive que perseguir esse idiota até o prado. Eu deveria ter deixado eles comê-lo. Eu teria todo o direito!

Ele estava parecendo mais do que um pouco esfarrapado, mesmo através da névoa mágica que o tornava tão etérea adorável.

—Desculpe. — Eu disse, levantando-me inquieta e ajudando Cole a se levantar. —Eu acho que estou começando a descer.

—Provavelmente levará Ethan mais um pouco. — Disse Cole. —Ele não está tão acostumado à magia quanto nós.

Ethan pressionou a flor do sino em minhas mãos. Peguei-a com relutância, olhando para trás como dentes de gancho voltados para os dentes que revestiam a trombeta interna.

—Eu comprei para você. — Ethan disse, e ele estava tão sério e bonito que eu quase esqueci os dentes completamente. —Eu não te dei nada ainda. Preciso te dar coisas, para que quando eu me for, você se lembre de mim.

Ele disse isso sem um pingo de arrependimento ou amargura, o que a fez doer ainda mais. Comecei a dizer algo, insistindo que não era o que iria acontecer, mas não queria estragar a felicidade dele. Eu sabia que ele tinha tido pouco o suficiente ultimamente.

—Obrigada, querido — Eu disse e o beijei. —Eu prometo que nunca, nunca vou te esquecer.

Encantado, ele me pegou e me virou, regando meu rosto em beijinhos.

—Adorável. — Disse Gwydion sarcasticamente. —Podemos seguir em frente? A trilha de Gil está ficando mais fria.

Fiz Ethan me colocar no chão e começamos a andar novamente. Definitivamente, eu ainda estava bem maluca, mas ter pelo menos um pé mais ou menos no chão tornava mais fácil apreciar as coisas realmente incríveis que estávamos vendo, além de ajudar a manter um olho em Ethan, e ocasionalmente até em Cole. Não que eu estivesse muito melhor, sendo desviada por um raio de sol que capturava o ar como se fosse um prisma, arco-íris deslizantes e brilhantes, ou um ninho de coelhos com presas e chifres, que eu percebi que um pouco tarde demais estavam sendo guardados por seus pais igualmente afiados e com chifres. Mas pelo menos agora um de nós geralmente era lúcido o suficiente para pegar o outro. Gwydion tinha um grande potencial como pastor profissional.

E então Gwydion afastou uma cortina de musgo pendurado e todos nós congelamos no lugar como se ficássemos impressionados ao ver o que havia do outro lado.

A alguns metros de distância, pastando pacificamente em uma piscina vernal, havia um unicórnio.

Era, sem exceção, a coisa mais linda que eu já vi. Eu não conseguia acreditar que alguém tivesse convencido as pessoas de que se parecesse com um cavalo. Era um tipo de ungulado, claramente, mas mais como um grande cervo em proporções, com uma cabeça um tanto parecida com uma cabra. A cauda comprida era preênsil, como a de um gato, e adornada no final com os mesmos cachos sedosos e prateados brancos da crina. Seus olhos eram impressionantes além da minha capacidade de descrever. Eles eram ao mesmo tempo profundos, escuros e infinitamente inteligentes, e também brilhavam com mil cores, queimando com a luz interior. Seu chifre brilhava com suave iridescência, como pérola ou nácar, subindo mais de um pé da testa até um ponto que brilhava como uma estrela.

—É...? — Eu sussurrei, minha voz tremendo. —É realmente-?

—Sim. — Disse Gwydion, estendendo a mão para impedir que alguém se aproximasse. —Silêncio. Fora dos tribunais, não há mais coisa perigosa neste lugar. Devemos recuar lentamente, tentar dar a volta.

—Como isso pode ser perigoso? — Eu perguntei, completamente extasiada. —É um unicórnio!

—É exatamente por isso que é perigoso. — Disse Gwydion, impaciente. —Eles são forças primordiais - o conceito de justiça dando forma. Se eles sentirem a menor sombra em seu coração, eles a esculpirão. Eles não podem ser combatidos ou fugir. Depois que decidem matá-lo, nada pode detê-los. Eles podem até matar um fae.

—Isso não parece exatamente justiça para mim. — Disse Cole, franzindo a testa. —Apenas assassinato resumido por qualquer crime? E o que exatamente eles definem como uma 'sombra' no seu coração? Isso me mataria se eu me sentisse culpado por esquecer o aniversário da minha avó?

—Não seja pedante. — Disse Gwydion, virando-se para olhá-lo. —Só estou dizendo que, se você merece morrer, eles saberão.

—Bem, isso é um pouco diferente de 'se houver uma sombra em seu coração'.

—Bem, o julgamento deles sobre quem merece morrer tende a se inclinar pesadamente para todos na minha experiência, então me perdoe por me tornar poético.

—Bem, então eles não são personificados pela Justiça. Justiça verdadeira não ignora o contexto.

Não ouvi a resposta de Gwydion porque já estava na metade da distância entre mim e o unicórnio. Ele levantou sua bela cabeça quando me aproximei, e eu não pude deixar de sorrir. Eu nem estava pensando no perigo. Tudo o que eu conseguia pensar era que esse era um unicórnio real na minha frente. Tudo o que eu sonhava quando menina, todos os livros de fantasia que eu desejava escapar, voltaram correndo para mim como um golpe no peito. Eu não percebi o quanto eu queria isso, neste exato momento, toda a minha vida. Se eu pudesse tocá-lo, apenas uma vez, morreria feliz. O unicórnio, silencioso e perfeito, virou-se lentamente para me encarar.

Ouvi vagamente Ethan começar a gritar meu nome, apenas para ser rapidamente abafado.

—Temos que fazer alguma coisa! — Cole estava dizendo. —Isso poderia matá-la!

—Se interrompermos agora — Respondeu Gwydion severamente. —Definitivamente vai.

Eu não estava com medo. Quem poderia ter medo na presença de algo assim? Ele deu dois passos lentos em minha direção, seus cascos ecoando a cada passo, apesar de andar sobre musgo macio. Eu assisti, impressionada e aberta, enquanto abaixava a cabeça, trazendo seu chifre longo e perversamente afiado ao meu peito. O ponto descansou logo acima do meu coração. De repente, pensei, como se estivesse compelida, a tudo o que recentemente senti culpa. Quando Gwydion se machucou, depois de me envolver nisso por minha causa. Colocando Cole em perigo pela mesma razão. Quando meus vizinhos encontraram o buraco no quintal onde o cachorro morto havia sido 'desenterrado por um leão da montanha', mesmo que o cachorro estivesse ressuscitado e vivendo feliz na casa da minha tia. Aprendendo que meus poderes estavam acelerando a maldição de Ethan. Quando Ethan quase foi morto me protegendo de Aethon. Na maioria das vezes eu tinha visto Ethan ultimamente, honestamente. Se não fosse por mim, ele ainda teria anos. Eu até me senti culpada por fazê-lo ficar comigo. Egoísta. Fazendo-o continuar lutando, mesmo que ele estivesse com medo e com dor só porque eu não queria perdê-lo ainda. Fazendo-o me ver flertar com os homens que eventualmente o substituiriam. Eu deveria ter recusado quando ele se ofereceu para abrir o relacionamento. Eu sabia que ele só estava fazendo isso porque ele não queria que eu estivesse sozinha. Eu deveria ter recusado ele quando ele se ofereceu para me ajudar com isso. Eu nunca deveria tê-lo colocado em perigo. Ele merecia mais que eu. Eu era uma necromante, e o que Julius dissesse, nunca seria capaz de me convencer, muito menos de mais alguém, de que era uma magia puramente inocente. Eu estava cheia de algo sombrio e mau, e não podia mudar isso.

Eu funguei, lágrimas escorrendo pelo meu rosto. Eu sabia que o unicórnio podia ver toda a minha culpa, e a vergonha me fez querer entrar em um buraco e morrer. Eu não tinha medo de que isso me matasse. Eu não estava pensando sobre isso. Eu só queria ser digna disso.

Senti algo molhado cair no meu ombro e abri os olhos. O unicórnio chorava, chorando lágrimas leitosas que se transformavam em cristal quando caíam na grama. Ele levantou o chifre do meu coração e agora encostou a cabeça na minha, como se estivesse tentando me confortar. Joguei meus braços em volta do pescoço sem um momento de hesitação e enterrei meu rosto na seda fria de sua juba. Irradiava contentamento, uma paz profunda e tranquilizadora que me assegurava que tudo ficaria bem. Não era apenas Justiça, como Gwydion pensava. Era a paz que seguia a verdadeira justiça.

—Em todos os meus anos, nunca vi isso acontecer. — Sussurrou Gwydion de onde estavam escondidos, parecendo atordoado. —Eu ouvi histórias, mas...

Respirei fundo, infundindo-me com o máximo de paz possível. A vertigem da intoxicação mágica se foi, mas eu estava feliz por isso. Eu nunca teria tido a coragem de me aproximar sem ela. Então me forcei a me afastar, embora uma grande parte de mim só quisesse seguir o unicórnio para sempre. Havia pessoas que ainda precisavam de mim aqui. E alguém que precisava disso muito mais do que eu.

—Vexa? — Ethan disse inquieto. —Você está bem?

Eu me virei para eles, sorrindo enquanto esfregava as lágrimas do meu rosto.

—Sim. — Eu disse. —Eu estou bem.

Estendi a mão para Ethan, acenando para ele avançar.

—Não faça isso. — Disse Cole. —Ela claramente perdeu a cabeça.

Ethan parecia nervoso, mas saiu de trás do mato, caminhando em nossa direção com cautela. O Unicórnio fez um barulho baixo e desapontado, como um cavalo, e se levantou um pouco, mas eu joguei meus braços em torno dele novamente, acariciando seu pescoço até que ele se acalmasse e deixasse Ethan se aproximar.

—Não tenha medo. — eu disse, pegando sua mão. —Não vai machucá-lo. Se pode chorar por mim, vai te amar.

Ethan não parecia certo, mas quando ele olhou para o Unicórnio, pude ver a admiração em seus olhos tão poderosos e profundamente enraizados quanto os meus. Eu não tinha sido a única sonhando com esse momento.

O unicórnio colocou seu chife no peito de Ethan, e vi as lágrimas nos olhos dele quase imediatamente. Ele soluçou, o ombro tremendo, enquanto revivia a culpa que o unicórnio havia trazido diante dele.

—Não olhe. — Ele implorou ao unicórnio, não a mim. —Eu não sou - eu não sou como-

Eu vi a ponta do chifre do unicórnio afundar no peito de Ethan apenas o suficiente para tirar sangue. Agarrei a mão de Ethan novamente, apertando com força.

—Seja honesto. — Insisti. —Você tem que olhar para tudo. Você tem que deixar que isso faça parte de você.

Ethan balançou a cabeça e senti um tremor de medo quando o chifre do unicórnio afundou um pouco mais fundo, com medo de ter cometido um erro. Mas não havia mais nada que eu pudesse fazer. Não havia nada que eu pudesse dizer agora. Ethan sabia que eu estava aqui, que o apoiaria, não importa o quê. O problema não estava comigo ou com mais ninguém. Era em Ethan.

O chifre afundou mais e eu agarrei a mão de Ethan, com medo de tê-lo levado à morte.

—Eu te amo. — Eu disse, a primeira vez que disse as palavras. A primeira vez que estive realmente, realmente certa de senti-las. —Ethan, eu te amo muito.

Ethan estremeceu, depois apertou minha mão.

—Tudo bem. — Disse ele, um som de aceitação cansada. —Bem.

A tensão sumiu dele, embora as lágrimas caíssem rápido e com força. O chifre do unicórnio recuou, não deixando feridas nem sangue. Deitou a cabeça ao lado da dele por um momento, antes que ele caísse de joelhos na grama. Caí ao lado dele, segurando-o perto. Ele tremia, ainda chorando muito.

—Vê? — Eu sussurrei. —Eu sabia. Eu sabia que pensaria que você é tão incrível quanto eu.

Ele soluçou, maravilhado e incrédulo em seus olhos quando olhou para o unicórnio. Mas quando ele olhou para mim, havia apenas amor em seus olhos.

—Eu também te amo, Vexa. — Disse ele. —Muito.

Ele me puxou para um beijo aos pés do unicórnio, que pressionou o nariz na têmpora de Ethan e depois na minha, antes que ele se virasse e se afastasse na sombra das árvores.

Fiquei de pé instável e puxei Ethan comigo enquanto Cole e Gwydion saíam cautelosos dos arbustos. Ethan me abraçou com força, e eu o abracei de volta, meus pensamentos ainda nos arrependimentos que o Unicórnio havia me mostrado. Não tinha falado ou compartilhado nenhuma sabedoria, mas a sensação de paz que me enchia me dava um tipo estranho de clareza, uma distância daqueles sentimentos que os tornavam mais fáceis de lidar. Eu esperava que Ethan sentisse o mesmo. Eu esperava que algo tão puro e mágico, declarando-o digno, aliviasse um pouco da dor contida dentro dele.

Cole me surpreendeu jogando os braços em volta de nós dois, a cabeça no meu ombro.

—O que eu acabei de dizer sobre fazer coisas estúpidas e perigosas? — Ele repreendeu, sua mão segurando firmemente as costas da minha camisa. Não pude deixar de sorrir com sua preocupação relutante. Ethan retornou meu sorriso, nós dois emocionalmente exaustos, mas cheios pela profunda paz do julgamento do unicórnio.

—Tenho certeza que você só me disse para não explorar fontes mágicas poderosas. — Provoquei. —Você não especificou que eu não deveria fazer nada perigoso.

Ele levantou a cabeça para me encarar.

—Você tem alguma ideia de como será inconveniente para mim se você morrer? — Ele disse.

—Bem, eu não gostaria de ser um inconveniente. — Eu disse com uma risada.

—Tarde demais. — Declarou Gwydion se aproximando de nós, colocando algo no bolso.

—Sua preocupação é comovente. — Eu disse a ele por cima da cabeça de Cole, depois coloquei um braço em volta de Cole para atraí-lo com mais segurança para o abraço, Ethan fazendo o mesmo. Cole ficou tenso sem jeito, mas não se afastou. Talvez fosse um pouco da intoxicação mágica ainda o afetando. Eu tinha certeza de que era o que ele culparia de qualquer maneira.

—Eu tenho certeza que isso faz com que vocês dois sejam dignos de serem reis da Inglaterra. — Disse Gwydion casualmente, claramente tentando entender tudo, como se eu não tivesse visto o medo dele. —Eu tenho a espada em casa, se vocês estiverem interessados.

Ethan abafou uma risada no meu ombro.

—Vou considerar. — Eu disse a Gwydion com um sorriso. Ele zombou com um arco, depois endireitou as roupas e limpou a garganta.

—Agora, realmente precisamos nos mexer. Magia assim vai atrair-

Ele foi interrompido por uma flecha acertando-o no peito.

Ele voou para trás, esparramando na grama. No mesmo momento, Cole e Ethan desabaram em ambos os lados de mim. Muito horrorizada para reagir, eu só podia ver uma fila de arqueiros emergir das árvores, flechas batendo, lideradas por um homem com barba dourada e uma coroa brilhante.

—Vocês invadiram a terra sagrada de Tir Na Nog. — Declarou o homem. —A rainha exige suas presenças.

 

 

 

Capitulo Onze


O charme que os fae costumavam colocar Ethan e Cole para dormir não funcionou em mim, provavelmente graças à jaqueta de Gwydion, então tive o prazer de ser amarrada e arrastada para as costas de um cavalo atrás do homem barbudo, algo que discordei veementemente, mas não pude fazer muita coisa. Não que eu não tentei. Convoquei todas as coisas mortas na área que pude alcançar, incluindo algum animal maciço e trêmulo que eu nem reconheci, e fui prontamente e completamente desligada com alguns gestos casuais dos fae. Eu poderia muito bem nem ter me incomodado. Eu consegui dar um tapa em alguns deles com necrose quando eles foram me amarrar e deram um bom chute, mas naquele momento, tudo que eu estava salvando era meu orgulho.

Eu assisti, doente de ansiedade, enquanto jogavam Ethan, Cole e Gwydion nas costas de seus cavalos, nem mesmo removendo a flecha de Gwydion, e nos levavam embora.

Não tínhamos andado muito tempo antes de chegarmos a um caminho verde, que logo se tornou uma estrada de terra bem trilhada e depois pavimentada um pouco mais em tijolos de pedra. A essa altura, o palácio já estava à vista.

Um imenso e reluzente edifício dourado, repleto de pináculos e filigrana, parecia algo que a Disney rejeitaria por ser exagerado demais. A vegetação caía em cascata de todas as paredes e janelas, flores quase mais comuns que o onipresente trabalho de pergaminho dourado. Era bonito, com certeza, mas não tinha nada no Unicórnio, e de qualquer maneira, eu estava ocupada sendo absolutamente irritada como o inferno.

Por fim, eles nos levaram a um enorme jardim no pátio, tão denso com plantas que dificilmente parecia haver espaço para as pessoas, cercados por todos os lados por finas colunas de mármore branco. Um maciço carvalho ficava em uma extremidade do pátio, e seu tronco fora cultivado, não esculpido, na forma de um trono elaborado, cravejado de pedras preciosas e marfim.

A mulher que estava sentada era, sem dúvida, uma rainha. Você poderia dizer que ela era uma rainha mesmo sem a coroa ou o lindo vestido dourado. Ela teria sido uma rainha completamente nua. Um lampejo daqueles olhos escuros deixaria isso claro. O fato de ela ter pelo menos o dobro da altura de qualquer outra pessoa aqui também pode ter contribuído para sua aura de superioridade real.

Sendo Rainha do Verão, eu meio que esperava uma loira, talvez uma ruiva. Mas o cabelo de Titania era o preto do solo rico, sua pele tão escura quanto uma noite de verão. Ela brilhava como o coração do sol e segurava um cajado de ouro em uma mão, que parecia ter uma estrela viva em sua cabeça de filigrana.

Fomos trazidos à sua frente, eu caminhando entre dois guardas e os outros três jogados sem cerimônia. O homem barbudo se ajoelhou para arrancar a flecha do peito de Gwydion. Assim que saiu, Gwydion acordou, tossindo e engasgando.

Lancei um rápido olhar para os homens de ambos os lados, depois chutei um na virilha e balancei os punhos amarrados para atingir a outra força total no rosto. Enquanto eles estavam cambaleando, corri para Gwydion, convocando um enxame de insetos para manter os guardas afastados enquanto eu o arrastava até nossos companheiros inconscientes.

 

—Teleporte-nos para fora! — Eu disse a Gwydion, tentando freneticamente manter os insetos mortos entre mim e os guardas, que pareciam apenas levemente aborrecidos por eles e não com pressa de me recapturar.

—Não posso. — Disse Gwydion, ainda sibilando.

—O que você quer dizer com não pode?

—Obrigada, Hern. — Titania disse graciosamente para o homem barbudo, ignorando minha tentativa de fuga completamente. —Por favor, remova o charme dos outros dois. Estou muito curiosa em saber o que os trouxe ao nosso reino.

Hern curvou-se profundamente, depois acenou com a mão e Ethan e Cole sentaram-se um momento depois, piscando em confusão.

—É o suficiente. — Disse Titania, e os insetos que eu estava controlando se transformaram em uma chuva de pétalas de flores instantaneamente, sem o menor gesto dela. Eu peguei qualquer outro poder que eu tinha e não encontrei nada. Apenas a paz prolongada do toque do unicórnio me impediu de surtar completamente. Os olhos escuros e brilhantes de Titânia voltaram-se para Gwydion, assim como os do resto da corte, que estavam quase invisíveis entre as flores do jardim, verdes e brilhantes. Pelo canto do olho, eles não pareciam humanos. Vi carapaças cambiantes e asas e olhos iridescentes cintilantes como jóias multifacetadas.

—Gwydion Greenwood. — Ela falou, e sua voz tremeu no ar e fez as flores girarem em sua direção. —Pensei em ver seu irmão ajoelhado diante de mim em uma dessas noites. Mas você não esperava. Você sempre preferiu os reinos mundanos.

Eu não precisava saber muito sobre faes para saber que isso era um insulto.

Gwydion recuperou o fôlego e lutava de joelhos. Ajudei-o tanto quanto me atrevi, com medo de tirar os olhos da rainha. Gwydion, pelo contrário, nem sequer a olhava. Ele manteve a cabeça baixa e a postura baixa.

—E ainda aqui está você. — Titania continuou. —E com um bando de humanos não menos. Que planos fascinantes você deve ter. Por favor, compartilhe-os.

—Nossa chegada aqui não foi intencional, Vossa Majestade. — Disse Gwydion, a cabeça tão baixa que seus cabelos roçaram o mosaico vidrado. —Um ladrão roubou algo meu e fugiu através de um portal. Foi por coincidência que o ladrão escolheu este lugar como destino.

—Nós dois vivemos muito tempo. — Disse Titania casualmente. —Muito tempo para acreditar na coincidência.

—Então claramente o ladrão sabia que me levar até aqui atrairia sua atenção e me impediria de seguir. — Disse Gwydion rapidamente. —Mas você deve saber que eu não voltaria a esse lugar de bom grado.

—E ainda aqui está você. — Disse Titania novamente. —E Hern, o melhor caçador da minha corte, não viu vestígios de sua pedreira. Somente você, perambulando pelo território que lhe era proibido antes do seu exílio.

—Vossa Majestade. — Disse Gwydion, e pude ver suor em sua testa. —Eu nunca tentei interferir nos seus assuntos. Mesmo antes das tolices que levaram à minha... partida. Você sabe que não tenho ambições.

—Você não tinha. — Titania confirmou casualmente. —Mas você passou mil verões entre os humanos, e quem sabe que influências tóxicas suas mentes mesquinhas podem infligir? Talvez você tente recuperar sua posição entre os Invisíveis, ganhando-lhes uma pequena vitória contra nós, nesta nossa época de supremacia?

—Não, Majestade, eu nunca...

—Você roubou o meu reino. — Disse Titania, uma onda de calor saindo do trono, o que me deixou tonta e com sede. —Sem aviso prévio em um jardim onde sua espécie sempre foi proibida, trazendo com você criaturas mortais com magia repugnante para suas almas, e você espera que eu acredite em suas intenções puras? Você me aceita como uma tola, Gwydion Greewood? Sílabas do seu verdadeiro nome - Sol à meia-noite, Espelho de Gelo, Canção de arrepio - eu poderia torcer você em mil formas e plantá-lo como uma das minhas árvores.

Enquanto ela falava, o calor aumentou até que eu mal conseguia respirar, como estar diante de uma fornalha no deserto. Gwydion se enrolou em si mesmo, a pele brilhando com suor, o cabelo mole. Eu podia ver a agonia em seu rosto e meio que esperava que ele evaporasse, um fio de vapor como um floco de neve caindo no fogo. Em vez disso, seus membros torceram e tensionaram, sua pele ficou escura, rachando em casca.

—Meu jardim pode usar uma ou duas sempre-vivas. — Disse Titania com crueldade preguiçosa.

Ethan e Cole estavam sofrendo sob o calor da mesma forma que eu, e os dois ainda estavam se recuperando da confusão do feitiço de dormir de Hern. Eu podia ver Cole se esforçando para encontrar sua mágica e não encontrando nada ao seu alcance. Ethan empurrou o Lobo para a superfície, mas a exaustão pelo calor diminuiu sua força e deixou seus dentes sem brilho e suas garras mal estendidas. Meus braços estavam em volta de Gwydion e, entre meus dedos, brotavam galhos, afiados com agulhas de pinheiro.

—Pare! — Eu exigi, com toda a força que pude reunir, o som ainda fraco dos meus pulmões sem ar. —Não foi culpa dele! Foi Gil-

De repente, o calor desapareceu e a casca desapareceu da pele de Gwydion.

—Então, foi Gilfaethwy quem voltou primeiro. — Disse Titania com um sorriso doce. —Por que você não mencionou que era seu irmão que você estava perseguindo? Eu poderia ter adivinhado. Ele sempre estava roubando seus brinquedos. Foi isso que levou você a essa confusão em primeiro lugar, não foi, querido?

Gwydion não conseguiu falar. Ele estava tremendo muito e mal conseguia se segurar. Lembrei-me com súbito medo como o que Gwydion havia dito que os Unseelie fariam com ele se ele voltasse. A Corte de Verão faria o mesmo e o torturaria para alcançar Gilfaethwy?

Lutei de pé, aproveitando a sensação de paz que o Unicórnio me deixou como se fosse uma piscina parada no meu coração.

—Gwydion não é seu para punir. — Eu disse e ouvi um murmúrio de choque e até risadas correndo pela corte reunida. Eu senti que provavelmente deveria ter me curvado ou adicionado uma 'Sua Majestade' antes de desafiar diretamente seu poder, mas era tarde demais para isso agora. —Ele não pertence ao seu tribunal.

Titania levantou uma sobrancelha escura e sorriu, divertida.

—Vejo você seguir uma nova rainha hoje em dia, Gwydion. — Disse ela, e tentei ignorar o rubor em minhas bochechas com a zombaria em seu tom. —Foi ela quem colocou o cheiro da morte em você?

Gwydion ainda não conseguia controlar as palavras. Ele agarrou o tornozelo das minhas calças com as mãos trêmulas, claramente tentando me fazer calar a boca de qualquer maneira.

—Bem, pequena rainha. — Titania disse com seu sorriso venenoso. —É verdade que não é da minha conta julgar os crimes dos quais ele originalmente fugiu. Mas ele passou por aqui, um Unseelie em Seelie pousa, e por isso tenho todo o direito da lei de exigir sua vida.

—Mas então você perderia Gilfaethwy. — Eu apontei, pensando rapidamente e puxando a primeira razão que eu consegui pensar na minha bunda. —E você nunca teria a chance de puni-lo pelo que ele fez.

Titania considerou isso, uma mão delicada em sua linda bochecha.

—Verdade. — Ela concluiu finalmente. — Mas o que me impede de poupar a morte de Gwydion? Em minha infinita misericórdia, talvez eu lhe conceda sua vida e apenas o castigue, infligindo toda tortura inteligente que minha corte possa conceber até que seu querido irmão se mostre apenas para acabar com a dor?

A mão de Gwydion apertou meu tornozelo, e o medo como água gelada em minhas veias fez o calor terrível da rainha parecer morno.

—Porque não funcionaria. — Eu disse, as palavras parecendo sair dos meus lábios antes de pensar completamente nelas. Procurei alguma justificativa para o que tinha acabado de dizer, ainda me perguntando por que o havia dito. —Ele... Gilfaethwy tem algum novo tipo de magia de proteção nele. É... provavelmente porque o seu caçador não o notou, mesmo que ele estivesse no seu território por mais tempo do que nós. Provavelmente bloqueia a conexão dele com Gwydion. Você poderia torturá-lo para sempre e Gil nunca sentiria nada.

Isso era absolutamente besteira. Eu não sabia disso. Gwydion mencionou de antemão que Gil tinha algum tipo de escudo impedindo Gwydion de usar o Vidro do Artífice nele. Era um alcance e meio afirmar que o impediria de sentir a outra metade de sua alma sendo torturada. Mas eu disse isso com tanta confiança quanto pude, olhando a rainha em seu rosto radiante, embora queimasse como se olhasse diretamente para o sol, e a vi reclinar em seu trono com uma expressão pensativa. Havia queimaduras ardentes nos braços do trono vivo onde suas mãos estiveram.

—Que pequena rainha interessante você encontrou. — Titania disse a Gwydion, que ainda estava ajoelhado aos meus pés, os dedos segurando minhas calças como se estivesse tentando rasgá-las. —Estou intrigada. É tão raro hoje em dia ver algo novo e divertido. Os humanos podem ser terrivelmente cansativos em números, mas sinto falta dos dias em que esses raros mortais excepcionais decidiram fazer algo tolo. Eles são terrivelmente estúpidos e inventivo. As mentes imortais tendem a se apegar à ideia de que já tentaram de tudo e o que não tentaram não vale o esforço. Isso as torna insuportavelmente entediantes.

—Honestamente, eu já vi essa atitude em muitos humanos. — Eu disse, um pouco tonta de estresse.

A rainha riu, um som clamoroso como sinos de metal tocando e tempestades de verão. Isso me abalou tanto que quase caí no chão ao lado de Gwydion.

—Bem, então, pequena rainha. — Disse Titania, cruzando as pernas e arrumando as saias com um segundo par de braços que eu ainda não havia notado. —Por favor, me diga como você resolveria esse problema. Estou muito curiosa para ouvir.

Engoli em seco e olhei para Gwydion, que balançava a cabeça sutilmente. Um olhar para Cole o viu também balançando a cabeça, com muito mais ênfase, e Ethan gesticulando com a mão esticada na garganta, no sinal universal de 'cale a boca antes que você morra'.

Eu decidi ignorá-los.

—Penitência. — Disse à rainha. —O castigo para nós quatro que invadimos deve ser penitência. Nós o pagaremos por nosso crime, trazendo a você alguém culpado de um crime muito maior. Vamos lá, vamos pegar Gilfaethwy e trazê-lo de volta a você para julgamento.

A boca perfeita de Titania se curvou em um sorriso largo e de dentes afiados que me fez lembrar de um gato de Cheshire.

—Que sugestão divertida. — Disse ela. A mão de Gwydion caiu da minha perna e Cole escondeu o rosto nas mãos. —Oh, já faz muito tempo desde que eu tive a chance de brincar com humanos. Outros Fae já conhecem todos os passos. Você nunca pode realmente vencer, ou apenas por centímetros. Que delícia ver alguém tropeçar diretamente em seu próprio sentido, mortes pela primeira vez. Eu nem precisei sugerir nada. Delicioso!

Meu estômago afundou aproximadamente 13 quilômetros na terra.

—Muito bem. — Disse Titania, batendo com o cetro no azulejo, que tocou como sinos. — Aceito. Vou perdoá-los pela invasão e permitir que vocês saiam, com a condição de voltar com o traidor Gilfaethwy e entregá-lo a mim. Como sou generosa, darei uma quinzena para protegê-los. Ao meio-dia daqui a duas semanas, se você não o trouxerem para mim, a penitência falhará e farei o que eu quiser com todos os quatro.

Fomos sumariamente expulsos do palácio. Sentamos na terra além de seus portões, recuperando o fôlego.

—Sua idiota. — Cole gemeu, com o rosto ainda nas mãos. —Você completa... Deus! Você nunca leu um conto de faes em sua vida?

—Eu não tive escolha! — Eu disse defensivamente. —Ela teria matado a todos nós! Pelo menos eu ganhei algum tempo.

—Ela não teria matado nenhum de nós! — Cole estalou. —Ela teria torturado Gwydion, talvez o trocado pelos Unseelie. Mas somos humanos enganados aqui por um Fae exilado que não é da sua corte. Ela não tinha poder sobre nós. Ela poderia ter tentado nos enganar para ficar ou fazer coisas de outra maneira. - difícil para nós, mas ela não poderia nos matar. Pelo menos até que você prometeu todas as nossas vidas a ela em troca de Gil!

Eu fiquei vermelha, envergonhada.

—Eu não sabia disso. — Eu disse, me sentindo uma idiota. —Fiz o melhor que pude!

—Além disso, devo lembrá-la. — Disse Gwydion em voz baixa, ainda sentado com a cabeça entre os joelhos. —Que se conseguirmos e levarmos Gilfaethwy até ela, a morte dele será minha também?

Engoli em seco.

—Ela querer Gilfaethwy mais do que você era a única alavanca que tínhamos. — Eu disse. —Nós vamos descobrir alguma coisa. Pelo menos agora temos algum tempo.

Gwydion respirou fundo, depois se levantou lentamente, oferecendo-me uma mão para meus pés também.

—Você está certa. — Disse ele, mantendo a voz muito calma, embora ele não olhasse para mim. —Não houve melhor curso de ação. Você preservou todas as nossas vidas, mesmo que por enquanto. Agora, precisamos ir e encontrar meu irmão; nesse momento, pretendo dividi-lo em dois, jogar metade no colo da rainha e levar a outra casa para viver o resto de sua vida miserável na menor e mais desconfortável gaiola que eu puder encontrar.

—É um plano. — Eu disse com um encolher de ombros. —Eu vou levar.

—Pergunta. — Ethan interrompeu. —Uh, então, primeiro de tudo... Essa era a rainha dos fae?

—Um deles, sim. — Respondeu Gwydion, relutante.

—Este lugar é de onde os fae vêm? — Ethan assumiu, gesticulando amplamente para Tir Na Nog.

—Não. — Disse Gwydion com um suspiro. —Esta é apenas a sede da Corte Seelie. Francamente, não se sabe de qual das Outras Terras os Fae emergiram, e supõe-se que o acesso a esse lugar tenha sido perdido.

—Como chegamos lá? — Ethan perguntou, ignorando as questões maiores que a declaração levantou. Repeti brevemente tudo o que havia acontecido entre Gwydion sendo alvejado e eles acordando em frente à rainha. Gwydion esfregou a flecha no ombro com uma careta como eu mencionei.

—Tudo bem. — Ele disse, balançando a cabeça. —Acho que já entendi. Mais uma pergunta. Como vamos encontrar Gil?

—Eu posso ser capaz de ajudá-los com isso.

Erguemos os olhos quando o homem de barba e a coroa de ouro, Hern, saiu dos portões do palácio ao nosso lado.

—Sua Alteza. Por que você nos ajudaria? — Gwydion perguntou sem rodeios.

—Sou o melhor caçador da Corte de Verão. — Respondeu Hern, igualmente direto. — Minha sombra na corte de inverno tem uma posição semelhante. Nenhum de nós jamais deixou escapar uma coisa que declaramos presa. Para que seu irmão tenha passado por meu território despercebido, e eu passo por sua trilha e não a sinta, é um insulto indescritível. Se minha sombra soubesse disso, a vergonha acabaria com nós dois. Devo segui-lo, pelo menos até onde ele foi em Tir Na Nog, por minha própria honra.

—Então você terá sua honra e nossa gratidão, rei Hern. — Gwydion confirmou.

—Eu também vou ter isso. — Disse Hern, apontando para mim. Meus olhos se arregalaram por um momento, antes que ele esclarecesse. —Ali, no seu casaco. No bolso. A chave que abre as portas entre os mundos.

Enfiei a mão no bolso do casaco de Gwydion e minha mão se fechou em torno de algo de madeira. Quando o tirei, ele se transformou em Cajado de Abeona. Gwydion empalideceu.

—Você não retribuirá meus esforços em seu nome com mera gratidão vazia. — Disse Hern. —Você vai me dar isso, e eu expandirei minhas áreas de caça para todos os mundos.

—Tenho outras bugigangas. — Afirmou Gwydion. —Coisas de muito mais utilidade para você do que para o pessoal. O Chifre de Caça que sua sombra perdeu na última vez que a Caçada Selvagem atravessou o reino mortal. Um sapato lançado do casco de Sleipner, que dará a qualquer montaria que a use a velocidade do rei dos cavalos.

—É esse cajado que eu quero. — Declarou Hern. —E eu terei isso ou nada.

—Então nada. — Disse Gwydion entre dentes. —E vamos encontrar Gilfaethwy por conta própria.

—Você confundiu minha oferta de caridade. — Disse Hern, frio e alto, a luz brilhando em sua coroa. —Caçarei Gilfaethwy com ou sem você. E se você me recusar, certamente o encontrarei diante de você e o devolverei à minha rainha pelos dentes dos meus cães. Aceite minha ajuda, me dê o cajado e eu lhe darei um avanço.

Até eu poderia dizer que estávamos sem opções.

—Precisamos pegá-lo. — Eu disse, interrompendo a despeito do quão ruim meu acordo foi na última vez. —Podemos dar a você depois que ele for entregue à rainha?

Hern considerou por um momento.

—Eu exigiria um vínculo. — Disse ele. —Garantia para garantir o pagamento. Um dos humanos faria.

—Não. — Eu disse imediatamente.

—Eles não seriam prejudicados. — Insistiu Hern. —E seria devolvido imediatamente após a entrega da equipe.

—Algo mais. — Eu insisti. —Nenhum humano.

—Aqui. — Gwydion enfiou a mão no casaco que eu ainda estava vestindo e tirou outra coisa, que reconheci após um breve vislumbre como o Espelho Branco e rapidamente desviou os olhos. —Isso. Você estava lá na noite do erro de Gilfaethwy. Você sabe o quanto eu o valorizo e o que significaria se fosse perdido para mim. É um seguro muito maior do que a vida de algumas espécies de pássaros como esses.

Hern pensou por um momento e depois balançou a cabeça.

—Essa coisa ofende os olhos da minha rainha. Eu não aceitaria isso por nenhum preço. É o cajado, ou nada.

Troquei um olhar com Gwydion, que rangeu os dentes e finalmente tirou o bastão de mim, entregando-o a Hern.

—O acordo está fechado. — Disse Hern, encolhendo o cajado e enfiando-o em seu gibão de ouro. — Encontrarei por qual porta Gilfaethwy saiu de Tir Na Nog e deixarei vocês para segui-lo por três noites. Quando a lua surgir na quarta noite, irei atrás dele eu mesmo. Se vocês não devolverem o traidor à rainha, então eu irei, e vocês se renderão à misericórdia da rainha como fracassos. Corram e eu os caçarei até o fim de todos os mundos.

 


Capitulo Doze


Nosso prazo foi reduzido de quinze dias para três dias e seguimos Hern, o Caçador, de volta às florestas de Tir Na Nog. Nós três já estávamos completamente sóbrios, a maravilha infantil da intoxicação mágica, fadada a uma desconfiança ansiosa de tudo o que viamos.

Hern nos emprestou cavalos para cavalgar ao lado de sua equipe de caça, em troca de três sílabas com o nome verdadeiro de um cavaleiro Unseelie que era o rival de alguém que ele gostava. Eu estava começando a aprender que segredos e favores eram a moeda corrente aqui, e absolutamente nada era dado livremente.

—O conceito de dívida é abominável para os Fae. — Explicou Cole quando mencionei isso. —Deixar uma dívida não paga é deixar outra pessoa com poder sobre você, em um sentido muito literal. Se Hern tivesse nos dado os cavalos e Gwydion não tivesse insistido em discutir como estava pagando por eles antes de aceitar, ele o faria. Deu a Hern um cheque em branco para nos deter mais tarde. Ele poderia ter exigido qualquer coisa, e Gwydion teria sido obrigado pela lei a entregá-lo. É por isso que alguns Fae ficam tão irritados se você tentar agradecê-los ou pagá-los.

—Então, o que Gwydion estava dizendo que Hern teria nossa gratidão mais cedo? — Eu perguntei.

—Foi um truque. — Disse Cole com um encolher de ombros. —Hern fez uma oferta padrão de um favor, que apenas um idiota aceitaria, mas é a abertura tradicional. Gwydion tentou interpretar a oferta de Hern como algo que Hern estava fazendo por si mesmo, não um favor que incorreria em dívida aberta ou um serviço que seria exigir pagamento, já que coincidentemente estaríamos nos beneficiando de seus esforços. Ele provavelmente passou muito tempo com seres humanos. Se Hern fosse estúpido, ele poderia ter entendido isso como um cheque em branco e aceito. Mas considerando que parece que Hern é o favorito da rainha no momento, ele provavelmente não é burro, e a implicação o insultou. Hern imediatamente esclareceu que estava oferecendo um serviço, exigiu um preço que sabia que Gwydion não gostaria de pagar e acrescentou uma ameaça em boa medida, como ele estava considerando, Hern teria tido motivos para atacá-lo pelo insulto.

—Deus, faes são uma merda. — Eu disse, esfregando a mão no rosto.

—Amém. — Ethan entrou na conversa.

As montarias de faes, pelo menos, eram extremamente bem comportadas. Eles eram um passeio mais suave do que a maioria dos carros em que eu tinha estado e não exigiam nenhuma direção de nós, o que era bom, já que apenas Ethan realmente sabia andar. Cole nunca tinha visto um cavalo de perto e ficou um pouco intimidado por toda a situação.

Passamos novamente pelo prado das flores de sino, e os cavaleiros de Hern tocaram uma música de marcha, um grande coro de vozes masculinas tão poderosas e unificadas que sacudiram as árvores e abafaram completamente o toque dos sinos. Eu não sabia dizer o que eles cantavam, as palavras derretiam no cérebro como manteiga na boca. Mas eu sabia que isso fazia meu sangue pulsar e meu coração disparar de emoção, ansioso para correr, perseguir e ser perseguida. Caçar e ser caçada. Não era a compulsão emocionante de muitas das outras influências que eu ouvi desde que estive aqui. Teria sido fácil confundir o desejo com o meu. O que, penso, só o tornou mais perigoso.

Passamos pela clareira onde vimos o Unicórnio, e vi Gwydion convocando a tela cheia de texto mágico novamente, procurando sinais de Gilfaethwy e ficando cada vez mais frustrado com o passar do tempo. Mas Hern avançou com total confiança e sem hesitação, parando apenas raramente para consultar o bando de cães excitáveis que vagavam em torno dos cascos de seu cavalo, que decolariam em uma cavalgada multicolorida de latidos animados em uma direção ou outra, e Hern faria orientar a equipe de caça para segui-los.

Finalmente, no que parecia um prado arbitrário entre as árvores, os cães começaram a latir e uivar, correndo em torno de um ponto no centro do prado.

Hern desceu do cavalo e se inclinou para tocar a grama, pensativo. Gwydion examinou sua tela mágica, os olhos disparando freneticamente, mas eu pude ver que ele não viu nada.

—Encontrei a pedreira. — Hern anunciou, endireitando-se.

—Como?— Gwydion exigiu. —Não há vestígios mágicos de Gilfaethwy em lugar algum!

—Claro que não. — Respondeu Hern. —Não acompanho a trilha dele há algum tempo.

Gwydion cuspiu em indignação.

—Sua sombra é inteligente. — Continuou Hern. —Ele colocou um pouco de sua vontade em uma corça comum. Ele vagou pelos seus negócios, criando uma pista falsa óbvia, enquanto a sua melhor e mais escondida seguiu um caminho mais direto. Vestindo a forma da mesma corça, ele foi aos gnomos e os faes de barro. Assim que soube que ele seguira naquela direção, soube o que ele planejava e nos trouxe aqui.

—Onde é aqui? — Eu perguntei, olhando em volta para a clareira normal.

—Ele não tinha ajudantes. — Reuniu Gwydion. —E ele não pôde ficar aqui por tempo suficiente para recuperar o poder de se teletransportar novamente. Ele negociou com os gnomos para lhe abrir uma porta para os Campos Escuros.

—Só assim — Hern concordou. —E provavelmente pagou um preço caro por isso. Felizmente, eu conhecia esse lugar e, portanto, não temos motivos para negociar com o povo da terra a passagem para o seu lugar ancestral.

Ele assobiou e seus cães começaram a circular novamente no centro do prado, correndo cada vez mais rápido, até que eram apenas um borrão manchado e um uivo alto e estridente.

Quando não puderam ir mais rápido, dispersaram-se de uma só vez, cada cão correndo em outra direção para queimar o momento antes de retornar a Hern, que os cumprimentou com tapinhas e guloseimas em seu alforje.

Onde eles estavam correndo, um buraco se abriu na terra.

Era o buraco mais escuro que eu já tinha visto, com as mesmas qualidades vazias sem fundo que o vazio atrás das portas no julgamento da porta demoníaca azul.

—O caminho está aberto para vocês. — Declarou Hern. —Vão em frente, e boa caça. Estarei atrás de vocês daqui a três dias, e se a presa tola permanecer nos reinos mágicos, duvido que demore mais de um dia para capturá-lo. Se ele for para na Terra, pode me levar três. Então, eu sugiro que você se apressem.

—Sua ajuda é apreciada. — Disse Gwydion, tenso. —E devidamente paga.

Hern assentiu. —Não há dívida. No entanto...

Gwydion deu um passo em direção ao buraco e parou enquanto Hern falava. Hern avançou com um belo cão de visão prateado, elegante e comprido, com finos olhos escuros.

—Eu estaria disposto a lhe emprestar um dos meus cães. — Disse ele. —Ela é mais esperta do que a maioria dos fae, mais veloz que a luz e totalmente implacável. Ela teria sua sombra em suas mandíbulas ao amanhecer. Tudo o que eu pediria em troca é um dos seus humanos. O espinhoso de cabelos escuros, talvez. Ele faria um excelente terrier.

—Não, obrigada. — Eu disse antes que Gwydion pudesse responder, não querendo arriscar. —Nós temos nosso próprio cão.

Eu dei um tapinha em Ethan com um sorriso brincalhão.

—Isso não é um cão de caça. — Respondeu Hern, sem deixar vestígios de sorriso no rosto. —Isso é um lobo. Ele não tem mestre, e qualquer homem tolo o suficiente para tentar treiná-lo logo encontraria sua garganta nos dentes. Se você perguntar a minha sabedoria, é melhor deixar um animal como esse ser deixado na natureza ou abatido.

—Sinto muito. — Eu disse alto, pegando a mão de Ethan e puxando-o em direção ao buraco. —Eu não pude ouvir seu conselho não solicitado sobre o quanto eu amo meu namorado! Tchau!

Gwydion balançou a cabeça, mas a julgar pelo fato de o mundo não ter caído ao redor dos meus ouvidos, recusar-se a reconhecer seu conselho ‘dado livremente’ provavelmente era uma boa ideia. Ele me apontou para o buraco e, vendo que não havia escada ou degraus, dei de ombros e pulei.

A escuridão passou correndo por mim, uivando em meus ouvidos. Terra fria roçou meus ombros quando eu me afastei muito de cada lado. Depois que eu cai pelo que pareceu uma eternidade (e comecei a me preocupar com a bagunça), houve um estranho movimento indutor de náusea no meu estômago e, de repente, eu estava caindo na outra direção, de cabeça primeiro.

Eu me esforcei para me endireitar, perdendo completamente a noção de cima e para baixo, preocupada de cair do mesmo buraco no colo de Hern.

Em vez disso, caí de pé em terra dura e negra.

Ethan pousou ao meu lado, tendo caído do nada e parecendo muito confuso. Cole o seguiu e, um segundo depois, Gwydion pousou também.

Enquanto isso, eu estava olhando em choque para o terreno ao nosso redor.

Dizer que era montanhoso era fazer um desserviço às montanhas. Havia picos irregulares, mas eles tinham pouco em comum com as montanhas da Terra, que eram majestosas erupções de pedra envoltas em vegetação e neve. Esses... tumultos de solo negro pareciam ter mais em comum com a sujeira agitada após uma extensa construção. E não havia nada verde. Nenhuma árvore morta ou erva murcha até onde os olhos podiam ver. A terra parecia explodida, queimada e atropelada por um trator. O céu era de um laranja sombrio desbotando para um vermelho feio da cor da pele rasgada. Não consegui encontrar o sol.

—Os Campos Escuros. — Gwydion nos apresentou antes que pudéssemos começar a fazer perguntas. —Lar dos anões. Muitos dos Fae que vivem no solo ou sob o solo consideram que este foi seu lar ancestral até que, de acordo com a tradição oral e precisamente nenhum registro em primeira mão ou evidência física, a indústria furiosa dos anões que habitam profundezas queimaram a superfície da vida e afastaram todas elas, o que provavelmente é uma invenção destinada a distingui-las do resto da corte que, como eu disse antes, perdeu toda a memória de nosso reino nativo há tanto tempo que nem as rainhas se lembram disso.

—Isso aconteceu antes de serem coroados? — Eu perguntei.

—Possivelmente.

—Então, a rainha não governa para sempre?

Gwydion me deu um olhar estranho antes de responder.

—Em teoria. Todos os Fae são imortais, mas nós não somos Verdadeiros Imortais. Os Verdadeiros Imortais não podem realmente ser mortos de nenhuma maneira. Os Imortais regulares simplesmente requerem circunstâncias específicas e, muitas vezes, encontram o caminho de volta à vida, independentemente através das fileiras da corte, o número de vulnerabilidades que temos se torna cada vez menor. A realeza logo abaixo dos monarcas reinantes é invulnerável a quase tudo, exceto profecias, heróis e uns aos outros. As rainhas reinantes e seus reis caídos estavam acima mesmo assim, voltando mesmo depois de serem mortos por Heróis, ou um pelo outro. Mas o problema com Oberon e Morozko deixou alguns se perguntando se talvez as circunstâncias para matar um monarca fossem simplesmente mais específicas do que pensávamos. Se os monarcas não são eternos, como é feito um monarca? Nunca houve outras rainhas além de Mab e Titânia. Nenhum rei além de Morozko e Oberon. Não na memória viva. Histórias antigas que mencionam coroações e casamentos reais. Até crianças. O que implica que as coisas nem sempre foram como são. E com a perda dos reis, elas podem mudar novamente.

Eu não esperava uma resposta tão extensa e não tinha certeza do que fazer com ela, além de aceitar que Gwydion realmente gostava do som de sua própria voz.

—Então, por que Gil veio aqui? — Cole perguntou, chutando uma pedra, que derrapou na encosta em que estávamos em uma pequena cascata de cinzas e sujeira enegrecida.

—Considerando que ele parece ter vindo aqui deliberadamente, não apenas em uma tentativa contínua de nos jogar fora — Disse Gwydion, caminhando ao longo da encosta, — Presumo que ele esteja aqui para ver os anões. O que colocou uma idéia muito desagradável na minha cabeça.

—O que é? — Eu perguntei enquanto o seguíamos.

—O vidro do meu artífice é feito pelos anões. — Disse Gwydion, sombrio.

Isso não me explicou nada, mas por mais que Gwydion gostasse de se ouvir falar, ele gostava mais de drama. Ele não deu mais detalhes enquanto caminhávamos pela terra queimada.

—Deveria haver uma porta aqui perto. — Disse ele, olhando as encostas ásperas à frente.

—Por que o túnel nos deixou aqui? — Eu perguntei. —Estou assumindo que os anões estão todos no subsolo, certo?

—Correto. — Confirmou Gwydion. —Mas nenhuma mágica, exceto a mágica dos anões, funciona abaixo do solo aqui. Há mágica no ar. Você pode lançar tudo o que gosta acima do solo. Mas sob a terra, ela é apagada como uma vela. Os anões aprenderam a bombear a magia da superfície, batendo-a em uma forma sólida e criando magníficas ferramentas e encantamentos. Dizem que eles inventaram todo o conceito de encantamento. Mas nenhuma mágica ou magia natural funcionará em seus corredores.

—Isso é preocupante. — Murmurei. Curiosamente, procurei qualquer coisa morta que pudesse usar, mas não havia nada dentro do alcance. Tudo o que havia morrido aqui havia morrido há tanto tempo que não havia mais vestígios, nem mesmo ossos. O próprio planeta era uma grande coisa morta, e eu tinha certeza que nem Aethon tinha poder suficiente para aumentar.

Mas logo chegamos a uma porta de pedra indefinida, situada em uma colina em ruínas e coberta de cinzas. Gwydion bateu com força e sentou-se na terra.

—Sente-se. — Ele aconselhou. —Vai demorar um pouco. Eles precisam subir. Essas portas não são usadas com frequência.

—Você tem certeza que eles ouviram? — Eu perguntei, sentando-me.

—Oh, certamente. — Confirmou Gwydion, recostando-se na colina e fechando os olhos. —Estamos pisando no telhado. Eles sabem que estamos aqui. O importante é nos anunciar como convidados, em vez de intrusos. A lei dos anões não é como a lei dos Fae, mas eu tenho um pouco de compreensão disso.

Então nós esperamos. Depois de toda pressa e estresse, parecia estranho estar esperando. Isso me deixou inquieta e com coceira. Cole e Ethan pareciam ansiosos também.

Eu assisti o céu, supondo que fosse pôr do sol e seria noite em breve. Mas as cores não mudaram e a luz não desapareceu, o que me deixou desconfortável.

—Podemos dar ao luxo de esperar assim? — Eu perguntei. —Temos apenas três dias.

—Menos que isso. — Respondeu Gwydion. —O tempo se move de maneira diferente aqui em Tir Na Nog. Os anões minaram o sol, você vê. Então, tudo fica parado. Enquanto isso, o tempo relativo dos outros reinos corre sem ele. Provavelmente já perdemos meio dia, A oferta de Hern de três dias foi uma piada cruel. Estou apenas esperando que os anões nos deixem entrar antes que ele chegue. Hern tentará atacar com todos os seus cães, e os anões o matarão ou o jogarão no mínimo e possivelmente nos comprar algum tempo.

Eu olhei para Gwydion quando o horror tomou conta de mim. Ethan e Cole estavam prestando atenção agora também.

—Por que você não disse algo sobre o tempo antes? — Eu disse, lutando contra o desejo de sacudi-lo. —Não podemos ficar sentados aqui! Precisamos fazer alguma coisa!

Eu pulei de pé, tentando encontrar uma maneira de abrir a porta. Ethan apenas apoiou a cabeça nos joelhos. Cole levantou-se para me ajudar com a porta, embora ele se movesse mais devagar.

Em sua defesa, Gwydion pelo menos pareceu um pouco surpreso com a minha angústia.

—Eu pensei que já tinha explicado que conceitos como tempo não funcionam da mesma forma nas Outras Terras. — Disse ele com uma careta. —Você não entendeu?

—Claramente, não o entendemos. — Respondeu Cole por mim. —Ficamos com a impressão aparentemente equivocada de que realmente tivemos uma chance.

Gwydion suspirou e se levantou, me puxando gentilmente para longe da porta. Eu considerei fortemente dar um soco nele, mas algo em sua expressão me fez hesitar.

—Ainda temos uma chance. — Disse ele, me olhando nos olhos. Eu não tinha percebido o quão raramente ele fazia isso antes agora. —É menos tempo do que pensávamos, mas não é uma sentença de morte. E agora, nossa melhor opção é apenas ser paciente. Não há mais nada que possamos fazer.

Sentei-me de novo, passando as mãos pelos cabelos enquanto minha cabeça latejava com uma dor de cabeça tensa que se formava desde antes de aterrissarmos em Tir Na Nog.

—Isso é culpa minha. — Eu gemi. —Eu nunca deveria ter tentado falar com a rainha. Eu não deveria ter parado para acariciar o unicórnio. Eu não deveria ter te distraído para que Gil pudesse escapar em primeiro lugar. Eu nunca deveria ter tocado aquela vela estúpida...

—Isso é bastante presunçoso da sua parte. — Zombou Gwydion, o que não era a reação que eu esperava. Ele se sentou ao meu lado enquanto eu esperava que ele elaborasse. —Com o que eu quero dizer, acredito que você está inflando bastante sua própria importância nessas coisas. Tenho quase certeza de que tudo teria acontecido mais ou menos da mesma maneira. Estou certo de que nossa posição seria realmente pior se você tivesse não divertisse a rainha. Eu certamente não estava em posição de barganhar, e você nos comprou tempo, o que não é pouca coisa e muitas vezes tudo o que realmente pode ser feito. Hern ainda nos pegaria, mesmo que não parássemos para o unicórnio, e acredito que sem a influência dele, você não seria capaz de enfrentar a rainha. Quanto a Gil e a vela, bem, essas duas coisas foram totalmente minha culpa.

—Eu me perder em sua casa e tropeçar em um de seus artefatos não foi sua culpa. — Protestei.

—Eu discordo. — Disse Gwydion calmamente. —Eu poderia ter avisado você sobre os perigos em minha casa. Eu poderia ter levado você a um lugar confortável para esperar e lhe dito para não vagar. Eu poderia ter te libertado da porta e depois retornado às minhas responsabilidades. Mas, como em expondo você à vela, optei por não, porque queria ver o que aconteceria. O que, embora seja uma razão compreensível para a maioria das fae, é uma desculpa ruim para os humanos.

—Gil disse a mesma coisa sobre a maldição de Ethan. — Lembrei. —Ele tinha que ver o que aconteceria.

—É uma compulsão dos fae. — Disse Gwydion com um encolher de ombros. —Mas não inegável. Eu poderia ter resistido ao desejo. Que eu não fiz isso não é culpa de ninguém, mas é minha.

—Eu também poderia ter resistido. — Apontei. —Eu não tinha que pegar a vela. Eu não tinha que vagar em sua casa estúpida. Eu não tinha que aceitar sua... oferta, no jantar.

—Então, qualquer culpa que você carregue é diminuída pelo fato de você não ter ideia do que estava fazendo, e eu fiz.

Eu bufei de frustração.

—Eu definitivamente sabia o que estava fazendo no jantar. — Eu disse. —Eu sabia que ninguém estava de olho em Gil.

—Você supôs que eu não o teria deixado se não tivesse certeza de que ele estava seguro. — Disse Gwydion com um encolher de ombros. —E nós dois estávamos um pouco frustrados e distraídos, se bem me lembro. Se você era um pouco ingênua em acreditar que eu poderia confiar, isso dificilmente é um crime.

—Por que você não deixa isso ser minha culpa? — Eu perguntei, agitação crescente. Gwydion me encarou com um olhar curioso.

—Por que você quer que seja sua culpa?

Recostei-me, mal percebendo que estava de pé novamente.

—Eu não sei. — Eu disse, passando a mão pelo meu cabelo novamente. Eu o endireitei na manhã em que saímos da casa da minha tia, há quanto tempo isso era agora, mas entre o mergulho em Costa Distante e toda a volta, estava ficando completamente encaracolado novamente e rígido com água salgada. —Problemas de controle, provavelmente.

—Você parece ter aqueles em espadas.

—Sim, estou começando a descobrir isso.

Ele colocou a mão no meu ombro, o gesto um pouco rígido, mas eu poderia dizer que ele estava tentando me confortar.

—Por que você está sendo legal comigo? — Eu perguntei. Pensando bem, durante todo o caminho em Tir Na Nog, ele tinha sido extraordinariamente atencioso. Para ele de qualquer maneira.

—Você salvou minha vida. — Ressaltou. —De uma maneira bastante fantástica.

—Você realmente teria morrido? — Eu apontei. Ele encolheu os ombros.

—Quem pode dizer? Afogar-me não é tipicamente uma das maneiras pelas quais eu posso morrer. Mas a Costa Distante é um lugar estranho. A morte se aproxima da superfície. A imortalidade é um pouco mais porosa do que o habitual. E eu estava com pouca mágica. Pode ter certeza de que eu ficaria inconsciente por muito mais tempo do que você precisaria morrer de fome ou sede ou ficar desesperada o suficiente para tentar usar o bastão, destruindo assim as moléculas. Eu teria acabado sozinho, à deriva em coma, e adivinhar o que poderia acontecer então, em um lugar como Costa Distante, só pode ser especulação infundada.

—Então, você me deve? — Eu perguntei, franzindo a testa. —Cole mencionou que vocês odeiam isso.

Gwydion desviou o olhar, os olhos examinando a paisagem árida e torturada.

—Não é tão simples. — Disse ele por fim, quieto como este planeta silencioso. —Existe uma dívida. Mas eu não me ressinto. Existem alguns grilhões que até usamos de bom grado.

Percebendo que havia algo que ele não estava me dizendo, fiquei quieta e esperei que ele gostasse de se ouvir falar para tirá-lo melhor. Mas ele não disse mais nada. Abri minha boca para induzi-lo, apenas para ser interrompida pelo raspar de pedra quando a porta na cidade de Dwarven se abriu.

 

 

 

 

 

 

 

 


Capitulo Treze


O anão não se parecia com o que eu esperava.

Eu havia antecipado algo parecido com o que as pessoas com nanismo eram na Terra. Curto e atarracado, provavelmente com barbas. Que fantasia havia me dito que os anões se pareciam a vida toda.

O anão na minha frente, no entanto, parecia algo entre um texugo e uma toupeira de nariz estrelado.

Era curto, mais ou menos um metro e oitenta, e coberto por um denso pelo cinza. Seu pelo afinava até um subpelo mais elegante, perto do delicado órgão sensorial rosa no centro de seu rosto pontudo e sem olhos, e nas costas de suas patas dianteiras, equipadas com garras longas e perversamente curvas. Seu 'nariz' se contorcia de forma independente, de uma maneira fascinante e também um pouco nauseante de assistir. Usava um avental de couro e nada mais. Andava um pouco inclinado para a frente, como se preferisse andar de quatro.

—Você tem sorte de eu ainda estar tão perto da superfície. — Disse o anão com uma voz surpreendentemente genial enquanto nos conduzia para os túneis de terra apagados. —O forte da Primeira Vigia fica a uma curta caminhada de distância desta porta normalmente. Mas eu tive que deixar algum outro idiota dominado pelo sol entrar em menos de meio turno atrás.

Gwydion tirou um pequeno acessório encantado de seu casaco, que parecia o tipo de bolas de cristal que eu imaginava antes. Ele sussurrou uma palavra e brilhou o suficiente para iluminar vagamente o nosso caminho. Pela fraca luz empoeirada da mariposa, trocamos um olhar significativo.

—Onde ele foi? — Eu perguntei. —O idiota do sol, quero dizer.

—Não perguntei. — Disse o anão com um encolher de ombros. —Ele já alcançou a Primeira Vigilância a essa altura e eles o enviarão para onde ele pretender ir.

—Você não estava curioso? — Eu perguntei. —Quero dizer, pessoas de outros mundos vêm aqui com tanta frequência?

—Eu imagino que ele ficou agradecido por sair do sol! — O anão riu. Seu focinho comprido estava cheio de dentes afiados e finos, e ele não se virou nem olhou para nós quando falou. Provavelmente devido à falta de olhos. —Eu não consigo entender por que vocês correm por mundos que ainda os possuem. Mineramos o nosso e a luz ainda é insuportável.

Pensei em perguntar como ele poderia dizer, considerando que ele não tinha olhos, mas decidi que poderia ser rude.

—Acho que é exatamente com o que estamos acostumados. — Disse diplomaticamente. —Nascer lá em cima e tudo.

—Bem, está tudo bem. — Disse o anão com um tom distinto de pena. —As portas da Cidade Baixa estão abertas a todas as pobres massas queimadas pelo sol. Temos espaço suficiente para todos, e sempre há trabalho a ser feito. Eu imagino que vocês todos acabarão aqui eventualmente, uma vez que se espalhe a notícia de que há uma alternativa para viver na superfície. Em que trabalho você espera ser colocado?

—Uh, nós não somos-

—Você nunca conseguirá um emprego em engenharia, então não se preocupe. Nenhum anão que valha a bigode confiaria em um túnel construído por um da superfície. Você simplesmente não tem o menor sentido, sem ofensa. Ouço que algumas da superfícies fazem encantadores decentes, mas não há mobilidade para isso, mas posso dizer bem ao capataz da mina Fernfossil, se quiser, encontrar um bom trabalho sólido no transporte de solo e valorizados. Limpe o solo por apenas algumas décadas e você pode abrir sua própria empresa.

—Na verdade, não estamos procurando trabalho. — Eu disse rapidamente antes que o anão pudesse continuar falando. —Estamos apenas tentando encontrar o homem que veio aqui mais cedo. Então vamos embora.

Isso realmente fez o anão parar.

—Por que diabos você quer fazer isso? — Ele perguntou. —Agora que você sabe como é adorável, fresco e escuro aqui em baixo? — Comecei a explicar, mas ele me dispensou com um aceno de suas longas garras. —Você mudará sua música quando vir a cidade. Melhor construção em todos os mundos.

O anão parecia um pouco ofendido e não falou muito mais enquanto continuávamos descendo o túnel.

Um turno, ao que parece, durou cerca de quatro horas, e a Primeira Vigilância estava a um turno da porta. Enquanto caminhávamos, o túnel mudou lentamente de terra nua para terra empacotada com pedra, pedra esculpida e tijolo fino. Havia uma ênfase definida na função sobre a forma, pelo menos pelo que podíamos ver pela luz fraca de Gwydion, mas ao mesmo tempo, os corredores eram amplos, confortáveis e bem conservados. Não estávamos tropeçando em tijolos soltos, e o ar estava relativamente fresco. O único problema era a falta de fontes de luz.

Ainda assim, já estávamos há um tempo antes de chegarmos aqui. Ethan e Cole haviam conseguido algumas horas de descanso na casa de Gwydion (e eu tinha comida possivelmente encantada e sexo possivelmente mágico), mas isso não compensava as horas que passávamos por reinos mágicos sem nem mesmo uma pausa para o almoço. Estávamos todos começando a parecer bastante irregulares.

Os confortáveis túneis anões apresentavam bancos e fontes regulares de pedra esculpida, trazendo água fria da nascente mais para baixo, mas nosso guia parou para usá-los menos da metade com a frequência que gostaríamos que ele usasse e, em geral, não parecia se cansar. Ele andava devagar, falando apenas ocasionalmente para comentar sobre o tipo ou a qualidade da pedra que estávamos passando.

—Há muita diversidade nesses túneis! — Ele alegou. —É mais eficiente usar pedra local sempre que possível, em vez de transportar tijolos de mais fundo. Então, você ver todos os tipos de técnicas inteligentes usadas para tirar proveito da pedra menos do que a ideal, mantendo tudo dentro dos altos padrões da Código do engenheiro. Pegue este gesso, por exemplo...

Ele continuou assim por um tempo. Aprendi depois de uma ou duas dessas palestras que ele só se ofendia se eu tentasse contribuir com a conversa. Então, todos ouvimos em silêncio, aprendendo mais sobre geologia do que qualquer um de nós jamais se interessou em saber.

Finalmente, a Primeira Vigilância apareceu. Com o que quero dizer, o túnel terminava em um par de portas pesadas, que os Anões introduziram como forte, com grande orgulho. Depois das portas, era um pouco mais impressionante. As portas se abriram para uma ampla calçada, que serpenteava para baixo e para longe de nós, ao redor dos lados de um grande caldeirão. Era iluminado pela primeira vez por uma enorme esfera presa em anéis de latão pendurados no teto, que brilhavam com o que parecia ser a luz do sol.

—Uhg. — O anão fez uma careta. —Sinto muito por isso. Desvantagem de morar em qualquer um dos Fortes. O superintendente do Anel insiste em manter os turnos claros onde essas malditas lanternas estão acesas. Muitos da superfícies vivem nos fortes. Aparentemente, isso ajuda a se adaptar.

As paredes da cratera afundada estavam abarrotadas de prédios esculpidos, seu tamanho e estilo eram extremamente regulares e eficientes, sem perda de espaço. Olhando para baixo, o Forte parecia uma cidade pequena, cheia de vida, nem toda idêntica ao Anão ao nosso lado. Quando ele nos levou para o Forte, um carrinho passou por duas criaturas humanóides do tamanho de anões, que pareciam ser feitas de pedra bruta. Eles eram tão sem olhos quanto os anões e nos ignoraram completamente. Ethan, distraído olhando de soslaio para a lanterna, esbarrou em um deles. Ele se desculpou profusamente, mas não notaram ou reconheceram a colisão ou o pedido de desculpas, apenas se endireitaram e continuaran.

—Não se preocupe. — Disse o anão. —Os Construtos não estão vivos. Eles são apenas material de sucata encantado que usamos para tarefas domésticas ou trabalhos muito perigosos para arriscar os Anões.

—Oh. — Ethan disse, cuidando do carrinho em retirada com uma expressão preocupada. —Eles não podem... sentir as coisas, podem?

—Claro que não. — Zombou o anão. —Eles são feitos de pedra. Sem terminações nervosas, sem cérebros para pensamentos complexos. Se não lhes disserem para sair durante um desmoronamento, eles simplesmente ficarão lá e se deixarão enterrados. Os roteiristas precisam escrever tudo. Seus comportamentos no papel e assados quando são feitos, e eles não podem fazer nada que não esteja nesse papel, a menos que você os abra e adicione novos comportamentos. Eles estão apenas movendo ferramentas, amigo. Você não vai perguntar a uma broca se ela tem sentimentos só porque acontece, não é?

—Não, mas uma broca não tem o formato de uma pessoa. — Disse Ethan defensivamente. O anão deu de ombros.

—É uma forma eficiente. Versátil. E é o que construímos para todas as portas para caberem.

Um ponto decente.

—E se alguém escrevesse um comportamento como 'estar vivo' ou 'pensar com identidade' ou algo em seu papel? — Eu perguntei curiosa.

—Você acha que eles não tentaram isso logo? — O anão riu. —Alguns dos roteiristas particularmente excêntricos ainda estão tentando. Mas você não pode usar um martelo para um balde e não pode fazer uma pedra pensar que é uma pessoa.

Ainda assim, finalmente chegamos a um tópico de conversa sobre o qual eu não conseguia ofender o sujeito que estava falando, então conversamos sobre as tentativas fracassadas do roteirista de fazer um constructo vivo (parecia haver duas grandes escolas de pensamento sobre o assunto, um escrevendo comportamentos muito amplos abertos à interpretação e o outro escrevendo listas cada vez mais específicas e detalhadas de todas as minúcias da vida - mais os maçons radicais que pensavam que a resposta era esculpir os cérebros dos Construtos, que geralmente eram considerados malucos) até o fundo do forte. O forte era realmente muito bom. Eu não sabia o suficiente sobre arquitetura para apreciar a qualidade da construção, e qualquer floreio artístico tendia a ser tátil ou até auditivo, então não havia muito o que olhar. Mas os anões claramente tinham talento para o planejamento da cidade. Tudo era eficiente, limpo, fácil de navegar, provavelmente bem rotulado, embora eu não pudesse ler a sinalização anã e, como no túnel da porta da frente, sempre havia muitos lugares para sentar e uma fonte quando você queria uma. Havia até canteiros de flores e espaços verdes, embora fossem baseados em fungos e musgos.

—Agora, é provável que seu amigo tenha ido até o escritório de refugiados. — Disse o anão, apontando para um prédio com uma placa complexa em anão ilegível. —Ele precisaria de um passe de trem para deixar o forte. Eles deveriam poder lhe dizer para onde ele foi.

Dissemos adeus ao nosso guia que, apesar de tudo, tinha sido bastante gentil, e seguimos para o Escritório de Refugiados.

Era um prédio pequeno e eficiente, com assentos confortáveis e um anão amigável na recepção, que ficou encantado em nos ver, pois raramente viam mais de um ou dois refugiados em um dia. Fiz uma tentativa inútil de garantir que não éramos refugiados e não planejávamos ficar. Eles apenas nos garantiram que mudaríamos de ideia e nos deram nossos pacotes de orientação, que incluíam o passe de trem que nosso guia havia mencionado - um pedaço fino de lata ou alumínio duro, talvez com nossos nomes, espécies e portão de entrada. Após algumas discussões, o escrivão também cedeu e nos disse para onde Gil havia ido.

—Ele foi para a cidade central, para o palácio antigo. — Explicou o anão. —Alegou que ele tinha negócios urgentes com o rei. Queria saber se havia uma linha expressa.

—Existe? — Eu disse, meu coração batendo mais rápido, mesmo com um pouco de progresso. O anão fez um gesto ambivalente.

—Se você pegar o trem daqui até a mina de Limespire no segundo anel e depois transferir para a Linha R, ela para no distrito histórico do governo. Mas você precisará de autorização de turismo em seus cartões de trem. Gostamos de ficar de olho em o movimento de novos cidadãos, apenas por precaução. Depois de uma década ou mais, você poderá se mover livremente entre os anéis, como qualquer cidadão.

—Você pode nos dar isso? — Eu disse impaciente. —Autorização de turismo? Precisamos ver o rei também.

—Bem, eu posso. — Disse o anão, hesitante. —Mas vocês tem certeza de que é isso que você querem? Quero dizer, é apenas que não tenho certeza de que seu amigo sabia exatamente o que estava fazendo. Ele parecia pensar que o rei poderia ajudá-lo com alguma coisa, mas, bem, somos parlamentares. Monarquia. O rei é um velho simpático e todos nós o amamos, mas não é como se ele realmente tomasse alguma decisão. Se ele quisesse conversar com a União dos Engenheiros, talvez, ou o Parlamento dos Superintendentes, até o nosso capataz local...

O anão parou sem esperança.

—Sim, ele é um idiota. — Eu concordei imediatamente. —Também não sabemos o que ele está planejando. É por isso que precisamos alcançá-lo o mais rápido possível e impedi-lo de fazer algo estúpido.

O anão da mesa suspirou e pegou nossas cartas de trem de volta, usando um dispositivo que parecia um furador pesado para carimbar um quadrado estriado no canto de cada uma de nossas cartas, o que aparentemente nos deu permissão para turismo.

Sem perder tempo, seguimos apressadamente na direção em que o recepcionista nos dissera que poderíamos encontrar a estação de trem. No meio do caminho, a mudança brilhante terminou, e a enorme luz da lanterna desapareceu quando grossas cortinas de metal foram desenhadas em torno dela. Gwydion pegou seu pequeno globo de luz novamente e navegamos pela cidade no semi-escuro. Ocasionalmente, víamos outros não-anões, outros refugiados, cuidando de seus negócios à luz de dispositivos mágicos como os de Gwydion ou lâmpadas que pareciam ser versões em miniatura da lanterna. Não havia muitos, e quase nenhum deles era remotamente humanoide.

Felizmente, o trem não estava muito cheio, mas a maioria dos outros passageiros era anão, que nos deu olhares curiosos ao encontrarmos lugares frente a frente.

—Finalmente desistiram do sol, hein? — Um perguntou alto e amigável. Eu apenas sorri e assenti.

—Você não vai se arrepender! — o anão me assegurou.

Eu não tinha certeza do que pensar dos anões. Eles certamente eram amigáveis. E avançados, para uma espécie de fantasia que vivia no subsolo em outro universo. Eles tinham transporte público (a viagem de trem era o cheiro mais suave e agradável que eu já havia experimentado) e, de acordo com o pacote de orientação, assistência médica gratuita. Mas havia algo apenas um pouco fora da coisa toda. Talvez não fosse familiar, ou porque eles insistiam que eu não iria querer sair.

 


Capitulo Quatorze


O trem não tinha janelas, sendo os passageiros quase todos cegos. Mas havia um mapa de rotas na parede ao lado de nossos assentos. Era estrutural, destinado a ser lido pelo toque e não pela visão, mas pelo que pude decifrar, a Cidade Baixa era essencialmente uma versão maior e invertida da forma de cratera do Primeira Vigilância. Anéis de assentamentos subiam e desciam, ficando cada vez maiores. Estávamos indo em direção a um ponto próximo ao fundo, onde os anéis se tornavam menos distintos, ondulando em milhares de pequenos desvios e galhos que não estavam, presumivelmente, na linha de trem. O que eles eram, eu não poderia dizer.

Trocamos de trem no que parecia ser o equivalente a Grande Central, pulando na linha R. O R acabava por significar ‘áspero’, a textura usada para diferenciá-lo nos mapas. Havia uma linha suave, uma linha irregular e uma linha afiada...

Eu gostaria de poder apreciar as cidades e estruturas pelas quais estávamos passando. Mas estava escuro demais para ver qualquer coisa. As coisas só ficaram mais confusas quando chegamos ao distrito histórico do governo, que tinha avenidas amplas e elegantes e altos e belos edifícios, que nos fizeram sentir perdidos no escuro em um plano interminável de paralelepípedos até nos depararmos com uma fachada elaboradamente curvada. Curiosamente, também tínhamos visto menos anões quanto mais fundo chegávamos à cidade. Um local falador que pedimos orientações em Limespire havia dito que quase todo mundo estava trabalhando em projetos de expansão à margem. O que significava que, além de estarmos perdidos no escuro, estávamos perdidos em uma cidade estranhamente vazia e silenciosa no escuro.

—Já tive o suficiente dessa merda. — Disse Ethan. Ele parecia um pouco desconfortável desde que entramos no túnel. Eu estava começando a pensar que ele poderia ser um pouco claustrofóbico.

—Porra mesmo. — Cole concordou. —Não podemos ter mais luz, pelo menos?

—A menos que um de vocês tenha pensado em trazer uma lanterna. — Disse Gwydion, um pouco mal-humorado. Também não achei que ele estivesse gostando disso. Ou talvez estivesse apenas sendo separado de sua magia que ele não apreciava.

—Temos que estar perto do Palácio Antigo, certo? — Eu perguntei, olhando de soslaio para o mapa que um anão prestativo nos havia dado, que era obviamente todo em textura e, portanto, quase inútil. —Acho que foi a fonte em que quase caí foi a do lado de fora do antigo prédio parlamentar. Se continuarmos em frente-

—Você estão perdidos, amigos? — Alguém gritou inaceitavelmente longe. Mas, novamente, os anões tinham uma audição muito melhor que os humanos. Talvez a distância aceitável para a comunicação gritada fosse diferente para eles.

Fomos em direção à voz até a luz de Gwydion iluminar um anão em armadura elaborada e, eu esperava, cerimonial.

—Estamos procurando o palácio antigo. — Eu disse. —Somos visitantes da superfície e precisamos falar com seu rei.

—Por que? — O anão perguntou, parecendo confuso. —Se é importante o suficiente para trazê-los até aqui, seria melhor conversar com o Parlamento dos Superintendentes.

—Não, nós definitivamente precisamos conversar com o rei. — Eu disse, exausta de ter essa conversa.

—Bem, este é o palácio antigo. — Disse o anão. —Eu vou mostrar, e vocês podem conversar com alguém sobre uma audiência, se o velho não estiver cochilando. — O anão, que imaginei ser algum tipo de guarda do palácio, riu com carinho. —Você sabe que ele dormiu um ano inteiro? Tivemos uma festa fantástica quando ele acordou.

O interior era tão vasto e escuro quanto o exterior, embora tenhamos caminhado sobre mármore macio e acetinado, em vez de pedras. Estávamos andando entre vários anões de importância indeterminada, a maioria dos quais nunca vimos bem, antes de finalmente chegarmos a alguém que, presumivelmente, tinha autoridade para decidir se poderíamos ver o rei.

—Sinto muito. — Disseram eles, invisíveis fora do alcance da luz do outro lado da ampla mesa. —Mas vocês entendem por que não podemos permitir que qualquer da superfície aleatório se encontre cara a cara com o rei. Talvez se vocês fizerem uma petição por escrito-

—Este não é um da superfície qualquer. — Interrompeu Gwydion, parecendo profundamente irritado. —Você não tem capacidade de sentir mágica? Esta é a herdeira do príncipe Tzarnavaras, uma rainha por direito próprio, afilhada da morte.

Houve um momento de silêncio do outro lado da mesa, então uma mão com garras disparou para agarrar a minha onde repousava sobre a mesa. Não forte o suficiente para machucar, mas o suficiente para me assustar. Eu podia sentir algo contra a minha magia, vagando como mãos curiosas. Levei a chama da vela para frente rapidamente, concentrando-me tanto que por um momento sua luz irradiou através da minha pele e lançou um brilho azul no rosto chocado do anão.

—Oh, oh meu Deus! — O anão disse assustado. —Eu não sabia que você estava visitando a realeza! Disseram-me que eram refugiados.

—Ninguém perguntou. — Eu disse, brincando, enquanto puxava minha mão. —Meus consortes e eu somos tratados como meros imigrantes desde que chegamos. Como se você não acreditasse em ninguém, a não ser um anão, poderia ser importante!

—Isso não é - nunca pretendemos sugerir -— O anão balbuciou.

—Tenho certeza de que não. — Gwydion cortou-os bruscamente. —Mas talvez você deva permitir à rainha sua visita real antes de causar um incidente internacional.

Ele seguiu isso com algumas manobras de mão, mostrando ao anão alguns 'documentos reais', que eu tinha quase certeza de que eram cupons que recebemos em nosso pacote de orientação para o ‘Buffet de comidas exóticas do Digger Dan, a mais autêntica culinária da superfícies do Fort do Anel!’

E então, finalmente, estávamos diante das portas da sala do trono. Eu assumi que elas eram grandes e impressionantes. Eu só podia vê-las um canto minúsculo de cada vez pela luz fraca do orbe de Gwydion.

—Alguém mais acha que essa é uma má ideia? — Ethan sussurrou. Eu estava inclinada a concordar, mas era tarde demais para voltar agora. As portas se abriram e entramos para encontrar o rei.

A sala do trono era grande e escura como breu. A escuridão parecia próxima e quase sólida, grossa como o solo. A luz da esfera de Gwydion penetrou apenas alguns centímetros à nossa volta. Ficamos amontoados no minúsculo círculo de luz, sentindo-nos decididamente não-reais quando um anão nos anunciou como —Sua Majestade, a Rainha Noturna da antiga Constantinopla da Antiga Linha de Tzarnavaras e seus Consortes.

—Vossa Majestade. — Disse o Anão, voltando-se para nós, o brilho de seus pelos quase invisível à luz. —Apresento o Raiz da Montanha, nascido em pedra, cujos dentes esculpiram as primeiras cavernas, que sangraram as primeiras veias de ferro, arquiteto da cidade e capataz dos capatazes, o pai-anão de toda a nossa espécie e rei de tudo o que habita embaixo.

Percebi que não havia nome próprio entre todos esses títulos. Mas o anão recuou e a porta se fechou atrás de nós, deixando-nos sozinhos no escuro. Se o rei estava lá conosco, não sentíamos sinal dele.

—Olá? — Chamei experimentalmente, minha voz ecoando na vasta sala.

—Você pode fazer isso mais brilhante? — Cole perguntou, cutucando o orbe de Gwydion. Gwydion olhou para mim e, quando assenti, ele deu de ombros e a luz ficou mais forte, afastando a escuridão ao nosso redor. Vimos iluminar as esculturas delicadas e intrincadas no chão, as complexidades sutis e elaboradas das paredes, coisas que só podiam ser apreciadas pelo toque, não pela vista. E no final da sala, vimos um monte de terra escura que chegava até o teto, como se a parede dos fundos tivesse simplesmente desabado.

E então, quando a luz de Gwydion a tocou, o monte começou a se mover.

Não havia... palavras para descrever o arquiteto. Em um momento, sob um ângulo de luz, a terra parecia atraí-lo, uma construção como a que vimos trabalhando por toda a cidade. Por outro ângulo, vi a carne branca brilhante de um verme maciço. Por outro, o pelo e as garras de uma toupeira. Por outro, um homem, ou o cadáver de um homem, meio enterrado, nos observando com olhos de poço.

—Fora. — Ele falou, sua voz como uma trituração de placas tectônicas e o barulho de terra. —Fora, maldita luz, e fiquem quietos.

Gwydion apagou o orbe imediatamente, salvando-nos da terrível imagem em constante mudança do arquiteto.

—Aquele Sol, como uma erva daninha no meu jardim, eu não levantei nem engoli e permito que sua queima sufoque na vastidão de Mim. Mesmo agora, fragmentos de seu brilho odioso assaltam-me. Que brotos tenros empurram suas raízes rasas na minha presença, ainda quente com luz amarga?

Não via meus companheiros para saber se estavam com medo ou planejando alguma coisa. Eu me atrapalhei na escuridão e peguei as duas mãos, apertando-as para me tranquilizar. Um deles era notavelmente legal e quase definitivamente a de Gwydion. A outra, calejada e me segurando frouxamente, à beira de se afastar, era provavelmente Cole.

—Perdoe nossa perturbação, arquiteto. — Gwydion falou à minha esquerda. —Nós procuramos um criminoso. Meu irmão roubou algo meu e o trouxe aqui. Buscamos apenas sua orientação na captura dele e sua paciência enquanto o perseguimos em seu reino.

Houve um som baixo e estridente como um terremoto, que poderia ter sido uma risada.

—Como a tolice vem em três. — Disse o arquiteto. —Assim, a roda gira como sempre e traz para mim os mesmos rostos novamente. As estações mudam, mas uma estação mais estranha do que já foi vista sobe como uma estrela murcha, antecipando o sol. O que foi bem-sucedido neste novo discurso no lugar daquele eixo de duas faces que já foi o ponto de apoio de todos os nossos ciclos incessantes? Melhores perguntas, pequenos brotos.

Eu esperava que Gwydion entendesse um pouco disso, porque certamente não. Eu sempre estive mais interessada em Poe do que em Shakespeare.

—Perdoe-me, Majestade. — Empurrou Gwydion. —Mas minha sombra, meu irmão, veio aqui? Ele trouxe alguma coisa para você? Você sabe onde ele foi?

—O meu é um pátio de sombras, erva daninha. — Falou o arquiteto, o humor desaparecendo de sua voz. —Eu sou o rei das profundezas primitivas, às quais nenhuma luz jamais tocará. Tua cintilação de velas sombreia arte como grãos de areia no plano infinito do oceano.

—Minhas desculpas, Vossa Majestade. — Disse Gwydion rapidamente.

—Ei, ele veio aqui ou não? — Cole gritou impaciente, apertando minha mão. —Eu vi suas profundezas primitivas e, aos meus olhos de da superfície de merda, não é mais escuro que este quarto. Não estou tão impressionado.

Houve um longo silêncio em que eu esperei o pior. Mas, finalmente, aquela risada baixa do terremoto encheu a sala novamente.

—As pequenas coisas verdes e crescentes. — O Arquiteto falou quase melancolicamente. —Em que séculos eu enrolei suas raízes e enfrentei a luz para comer sua suavidade? Esse tempo já passou, e quando essas raízes profundas amarraram e quebraram as pedras, também minha coroa ficou presa em suas garras. Aquela sombra veio, tu sementes desamparadas, tiras de dente-de-leão. E trouxe com ele uma preciosa lasca de nossa força antiga. Mas a veia se partiu. Os rios profundos o agarraram em sua corrente, cravaram unhas em minha obra-prima e chamaram isso de sua. Esses erros da noite para a escuridão e procuram sobreviver a todos os sóis, por qualquer meio profano.

—O que isso significa? — Ethan perguntou.

—Isso significa que ele não está aqui. — Resumiu Cole.

—Mas ele estava. — Acrescentou Gwydion. —Ele foi ao Parlamento. Ou foi levado para lá.

—Filho da puta. — Eu murmurei. —Eles continuaram nos dizendo-

—Outra questão. — O rei murmurou, e a sala tremeu. Ele estava se mexendo? —Os portões da cidade estão escancarados e muita coisa é esquecida. Mas a lei antiga ainda permanece. Teu irmão é ladrão entre ladrões. Dívida é devida, erva daninha.

A mão de Gwydion apertou a minha.

—Não foi roubado. — Disse ele rapidamente. —O Vidro foi adquirido legalmente. A Marcha dos Magos o comprou dos Anões ao preço de dez mil escravos e das três jóias de Nimüe -

—Não houve compra. — Falou o arquiteto, inexorável como um deslizamento de terra. —Os anões não reconhecem esse conceito. Todas as coisas feitas pelos anões são de propriedade dos anões, até o fim de tudo. Eu estava lá! Vi-o colocado nessas mãos enganosas! Emprestado antes da duração de sua linhagem, que morreu não cem anos depois, mas o que era nosso não foi devolvido como deveria ter sido. Foi roubado, escondido! Negociado entre ladrões até que aterrisse em tuas mãos gananciosas. E ainda assim a dívida poderia ter sido perdoada se você, que sabia o que segurava, houvesse devolvido o que foi roubado. Mas você o guardou entre seu tesouro, seu pequeno dragão. E busque agora mesmo recuperar o que nunca foi seu!

Gwydion estava tremendo. Eu podia sentir os tremores em sua mão, distintos dos tremores na terra, quando algo inimaginavelmente maciço se moveu no outro extremo da sala.

—A dívida é devida. E, por lei, aceitarei apenas o preço do sangue, o preço da carne, uma libra por ano que for retida. Diga-me, erva, quanto pesa?

Eu já ouvi o suficiente. Peguei o orbe da outra mão de Gwydion e coloquei meu poder nele. Brilhou à vida com a luz azul do fogo. O Arquiteto pairava sobre nós como uma onda prestes a colidir, um dragão e um inseto e um gigante de cem braços, antigo além de todos os tempos e tão inevitável quanto a terra ao nosso redor.

Mas ele recuou da luz, uivando como se o queimasse.

—Fora! — Ele berrou. —Maldita luz! Eu terei! Sufocarei toda luz dentro de mim! Vou engolir todo sol e toda chama de vela até que eu receba escuridão!

Ele se agitou, bobinas terríveis quebrando as paredes e nos cobrindo de terra. Peguei Ethan e corri, Cole e Gwydion logo atrás de mim.

Nós batemos em um anão quando saímos, que soltou um grito estridente e penetrante. Ele ecoou por todo o palácio e além dele, um coro de gritos que eu sabia que não significava nada de bom para nós.

Coloquei mais luz no orbe e corri pela passagem aberta mais próxima. Eu me revezava ao acaso, avançando em qualquer direção que parecesse oposta ao som dos terríveis gritos.

—Você nunca vai fugir deles aqui. — Disse Gwydion enquanto corríamos. —Eles podem sentir cada passo que damos. Eles conhecem este lugar melhor do que você conhece sua casa de infância.

—Então o que vamos fazer? — Eu perguntei. —Nunca voltaremos à superfície sem a ajuda deles!

Gwydion não parecia ter uma resposta.

No lampejo da luz selvagem, Ethan mudou para sua forma de lobo.

—Subam. — Ele disse, com as roupas presas nas mandíbulas. —Eles podem sentir nossos passos, certo? Então talvez isso os jogue fora.

—Vale a pena tentar. — Concordou Gwydion, e eu gritei quando ele me pegou nos braços. Cole, parecendo muito inseguro, subiu nas costas de Ethan. —Silêncio agora. Eles podem ouvir nossas vozes tão bem quanto nossos passos.

Então, em total silêncio, corremos mais fundo no infinito escuro das minas dos Anões. Corremos sem plano ou direção. Quando encontramos Anões ou Construtos, tudo o que podíamos fazer era correr na outra direção. Eu nunca me senti tão perdida e desamparada. Eu não tive tanto medo do escuro desde criança.

Eventualmente, fomos fundo o suficiente para que os anões nos perseguissem diminuíssem e desaparecessem. Ficamos com medo deles alcançando a esperança desesperada de que, em algum lugar nos túneis intermináveis da Cidade Baixa, encontrássemos algum caminho de volta à superfície.


Capitulo Quinze


Os túneis ao nosso redor ficaram mais duros à medida que avançávamos. Foram-se os bancos e as fontes, depois os tijolos e até as colunas e suspensórios. Corremos por túneis sinuosos não refinados, que cresciam e se encolhiam como cavernas naturais, como se tivessem sido recentemente escavados na rocha e na terra. Às vezes, tropeçamos em trilhos de metal e ouvimos o estrondo distante das carroças. Uma passou por nós, sem tripulação, do tamanho de uma minivan, carregada de pedra e minério e voltando na direção em que viemos. Quando outra, quase vazio e indo para o outro lado, passou rapidamente, eu mal precisava trocar um olhar com os outros antes de pegá-la e subir a bordo. Ele nos levou mais fundo, seu poder magnético não diminuído pelo peso adicional de três humanos e um lobo do tamanho de um urso. Ethan recuou entre os tijolos de pedra empilhados no fundo do carrinho e lutou para se vestir novamente, mordendo reclamações quando a pedra raspou e cutucou sua pele nua.

Bem, não estávamos dando nenhum passo agora. Se alguma coisa os jogaria fora de nossa trilha, eu esperava que isso acontecesse.

À luz do orbe, Gwydion olhou de soslaio para o mapa a partir dos nossos pacotes de orientação. Ele foi o único de nós que conseguiu segurar o dele, enfiado nos bolsos aparentemente sem fundo da jaqueta.

—Estamos muito no fundo. — Ele sussurrou. —Mais profundo do que eu acho que qualquer não-anão já foi. Estes são novos túneis. Acredito que deixamos o último desenvolvimento documentado neste mapa há algum tempo.

—Então, provavelmente não há muita chance de encontrar uma saída aqui embaixo, existe? — Eu perguntei sombriamente.

—Uma saída de ar, talvez. — Considerou Gwydion, esfregando o queixo enquanto olhava o mapa. —Mas... Não, seriam vários dias de subida vertical. Nós nunca conseguiríamos. Poderíamos encontrar um desses carrinhos voltando para o Forte do Anel.

—Mas então teríamos que lidar com os anões novamente. — Apontei. Gwydion apertou os lábios e ficou em silêncio, olhando fixamente para o mapa como se ele simplesmente parecesse tempo suficiente para a solução se revelar. Troquei olhares com Cole. Estávamos sujos e cansados. Ethan, sempre exausto pela mudança, parecia quase cochilando.

—Eu conheço algumas... pessoas. — Cole ofereceu em voz baixa. —Pessoas para quem eu poderia chamar.

—Não. — Disse Gwydion com firmeza e imediatamente. —Mesmo se você pudesse conseguir que os rituais funcionassem neste lugar, trazer algo assim aqui seria condenar a nós e a todos os outros neste poço odioso.

—Eu posso lidar com eles. — Disse Cole defensivamente. —Eu tenho lidado com eles há anos.

—Ou então eles deixaram você pensar. — Gwydion retrucou. —Por mais insidiosos que os Fae possam ser, por mais cruéis, nossas motivações raramente são mais que egoísmo e tédio. As coisas de que você fala são infinitamente pacientes e infinitamente maliciosas. Eles não querem. Eles não querem. Eles não podem ser persuadidos. Eles têm apenas um objetivo, e uma inteligência focada apenas em alcançá-lo. A única maneira de vencer essas coisas é não jogar, nunca entrar nelas e rezar para que elas nunca notem você. Eu posso prometer a você o que você já sofreu com sua associação com eles, você sofrerá pior antes do final.

—Tudo bem, Jesus. — Cole levantou as mãos para parar a palestra de Gwydion. —Foi apenas uma sugestão. Melhor do que morrer aqui ou ser rasgado em pedaços pelo rei.

—Não. — Disse Gwydion, com os olhos escuros com uma gravidade terrível. —Confie em mim. Qualquer morte que os Anões possam inventar seria muito preferível.

O carrinho deu um pulo, atingindo algum solavanco na pista e, de repente, havia luz acima de nós, tão brilhante após a escuridão sem fim que meus olhos doíam, embora ainda estivesse relativamente escuro. Confusa, levantei-me para espiar por cima da borda do carrinho.

A pista havia entrado em uma caverna enorme, grande como um estádio. A luz que eu vi vinha de canais brilhantes de magma que atravessavam a caverna em canais esculpidos para esse fim. Pesada e lenta, escorria em direção a uma estrutura central, algum tipo de forno feito de enormes pedras negras, cada uma sozinha provavelmente do tamanho de um trailer de largura dupla. Em toda a base do forno, em uma plataforma preta, enormes Construtos, cada um com pelo menos dois metros de altura e feitos de retalhos de pedra, lama e metal, continuavam trabalhando. A fornalha fundia minério alimentado por carrinhos como o que estávamos, e o Construtos tirava-os das torneiras e os moldava com as mãos com precisão impecável, martelando-os com seus punhos enormes em bigornas do tamanho de carros.

Construtos menores enchiam o resto da caverna, tendendo o fluxo de magma, carregando e descarregando carrinhos, expandindo a caverna com picaretas e pás e carregando as peças que os Construtos maiores terminavam em direção a algo atrás do forno. Quando a trilha, que corria perto do topo da caverna, curvava-se ao redor da vasta sala, o que eles estavam construindo apareceu.

Fazia um calor escaldante, mesmo de onde estávamos. Preocupei-me por um momento que estávamos indo para o forno, mas a pista estava inclinando para baixo e para longe. Levando ao andar onde os Construtos estava terminando de descarregar suprimentos de outro carrinho. O carrinho à frente dele estava sendo carregado com sucata e minério da constante expansão, para ser enviado de volta a uma pista paralela à que nos levara até aqui, que provavelmente retornaria a quem estava fornecendo.

—O que é essa coisa? — Ethan perguntou, olhando para o anel enorme e limpando o suor da testa.

—Não tenho certeza. — Respondeu Gwydion com uma carranca, também espiando por cima da borda. —Seja o que for, é terrivelmente complicado. Olhe para os encantamentos.

Eu não tinha olhado tão de perto antes, mas agora que treinei minha visão mágica sobre ele, pude ver que ele estava rastejando com a magia mais complexa que já vi. Eu não acho que nada que eu tenha visto na coleção de Gwydion possa se comparar à escala completa dele. Era como se alguém tivesse construído o Empire State Building com sementes de gergelim individuais. Cada centímetro quadrado estava cheio de um feitiço de imenso poder. Se você removesse a matéria física da roda, a magia que a compunha ainda seria densa demais para ver através dela. Fiquei espantada, quase feliz. Eu nunca tinha visto algo tão incrível. Queria tocá-lo tanto que podia prová-lo, cavar aqueles feitiços, desmontá-los e juntá-los novamente até que eu os entendesse. Era tão glorioso para mim quanto ver o Grand Canyon pela primeira vez ou entrar na Capela Sistina. Que trabalho fenomenal, que forças titânicas, o vasto escopo de esforço, planejamento e trabalho... Sentindo-me um pouco tonta, sentei-me novamente.

—Você já viu algo assim? — Eu perguntei a Gwydion, atordoada.

—Uma vez, talvez duas vezes na minha vida. — Respondeu Gwydion, e pude ver que ele estava igualmente deslumbrado. —Mas comparar essas obras-primas seria um insulto a todas elas. Isso é arte.

—Mas para que serve? — Cole perguntou impaciente. Gwydion e eu batemos nele com o mesmo olhar sujo.

—Filisteu. — Murmurou Gwydion.

—Uh, pessoal, acho que vamos parar em breve? — Ethan nos avisou.

—Merda. — Eu murmurei e corri para um dos tijolos, pronta para me defender. Os outros três ficaram tensos também, e o carrinho parou por fim.

Um Construto com a face de um geodo rachado inclinava-se sobre a borda do carrinho. Eu gritei, me afastando para atingi-lo com o tijolo, mas ele apenas arrancou o tijolo da minha mão e se afastou. Outras construções também passaram por nós no carrinho, erguendo tijolos como se nem nos vissem. Ou, mais precisamente, como se simplesmente não importássemos.

—Eles não estão programados para lidar com intrusos, eu acho. — Disse Cole.

Lentamente, saímos do carrinho, tentando não nos queimar no metal quente e desconfiados de qualquer mudança no comportamento dos Construtos, mas eles nem sequer olhavam para nós.

—Acho que não estamos em perigo imediato, então? — Dei de ombros quando saímos do caminho do trabalho do Construto e puxei minha camisa, de repente desejando não estar tão comprometida em usar todo preto. —Exceto por esse calor, Deus, está muito quente!

Gwydion colocou a mão no meu ombro e eu imediatamente me senti mais fria.

—Fique perto. — Ele recomendou. —Eu posso manter o pior dele à distância. Além disso, se você ficar a meio metro de qualquer um desse magma, você pegará fogo.

—Oh, doce, Gwydion é um Ar Condicionado portátil. — Ethan disse alegremente, batendo as mãos nas costas de Gwydion e suspirando de alívio. Cole fez uma careta, mas colocou um dedo no ombro de Gwydion experimentalmente.

—Oh, droga. — Ele murmurou, parecendo surpreso. —Isso é realmente legal.

Quando nós três nos aproximamos, Gwydion parecia ter acabado de morder um limão.

—Então, o que fazemos? — Ethan perguntou, abraçando Gwydion por trás, o queixo no topo da cabeça do outro homem.

—Descobrir um caminho de volta à superfície. — Disse Cole com um encolher de ombros, de onde estava pressionado contra o lado esquerdo de Gwydion. Eu estava moldada para o lado direito dele, e nós dois colocamos as mãos sob a camisa dele para ter acesso mais direto às propriedades de resfriamento de sua pele. Fiquei chocada que Gwydion estivesse tolerando isso, mas não estava disposto a dizer nada.

—Eu gostaria que ainda tivéssemos esse cajado estúpido. — Eu disse frustrada. —Não há outra maneira de sair desses poços na cidade, certo?

—Não sem o segundo cajado. — Gwydion suspirou, os braços cruzados sobre o peito. —E sem os dois, você só ficaria presa lá - e você pararia com isso imediatamente ?!

Ele deu um tapa nas mãos de Cole, que subiam pelas costelas.

—O que você tem cócegas? — Cole perguntou com um sorriso perverso.

—Vou jogá-lo na lava. — Disse Gwydion sem uma pitada de humor. —Não me teste.

—Ok, então nossa única opção é lutar contra o exército de anões? — Eu disse, mudando de assunto rapidamente. —Porque sem mágica, isso não parece uma luta que provavelmente venceremos. Além disso, muitos deles pareciam pessoas normais?

—E essas coisas? — Cole perguntou, gesticulando para os Construtos. —Você disse que pode mudar os comandos deles se você os abrir, certo? E se nós mudarmos um monte deles para fazê-los nos proteger, então eles apenas nos escoltam para fora?

—Não sei se é uma boa ideia. — Disse Gwydion, franzindo a testa. —Você precisaria abri-los para acessar seus papéis e descobrir como alterar os comandos...

—Vale a pena tentar, certo? — Disse Cole. —Melhor que nada?

Gwydion fez um barulho inseguro, mas Cole se afastou dele e se aproximou do Construto com a face do geodo.

—Ethan, me ajude a disputar esse cara.

Ethan relutantemente soltou Gwydion e ajudou Cole a conter o Construto. Não parecia incomodado por ser contido. Apenas continuou tentando seguir na direção que tinha estado, ignorando Cole e Ethan.

Cole deixou Ethan segurá-lo por um momento enquanto procurava ao redor, pegando uma das picaretas que os Construtos estavam usando para expandir a caverna.

—Tudo bem, vamos abrir esse garoto mau. — Disse ele. Ethan ajustou seu aperto no Construto para sair do caminho, subitamente parecendo inseguro.

—Uh, eu não sei disso. — Disse ele. —Quero dizer, você não pode simplesmente acertar o pobre coitado com uma picareta. E se você o matar?

—Não posso matá-lo, não está vivo. — Disse Cole, impaciente. —Apenas fique quieto para não perder!

—Oh, isso vai acabar muito mal. — Disse Gwydion com severa certeza. Eu estava inclinada a concordar, mas também estávamos sem outras ideias.

—Um. — Disse Cole, levantando a picareta como um taco de beisebol. —Dois...

Ethan segurou o Construto o mais longe possível dele, fechando os olhos.

—Três!

Cole girou para as cercas e bateu a picareta no peito do Construto com um estalo alto de pedra.

Instantaneamente, todos os Construtos da caverna pararam, largaram o que estavam fazendo e viraram em nossa direção.

—Sim, lá vai. — Gwydion gritou, agarrando minha mão. —Corram!

Ethan lançou o Construto que ele estava segurando, que instantaneamente se virou e balançou um punho de pedra em sua cabeça. Cole bateu com a picareta, espalhando a cabeça do geodo, mas isso mal pareceu desacelerar. Enquanto isso, todos os outros Construtos da caverna estavam indo para lá com intenção assassina. Gwydion e eu reservamos, e Ethan e Cole, ainda segurando a picareta, correram atrás de nós, gritando palavrões.

—Lá! — Eu gritei, apontando um carrinho de partida, começando a aumentar a velocidade antes da subida em direção à trilha perto do teto da caverna. Gwydion deu dois passos limitados e pulou no carrinho com uma graça desumana, estragada apenas pela dança desajeitada e embaralhada que ele tinha que fazer para colocar o pé no topo do minério empilhado dentro do carrinho. Assim que ele estava estável, ele se virou e agarrou minha mão estendida, me balançando ao lado dele. Nós dois estendemos a mão para Ethan, arrastando-o a bordo, depois para Cole, ficando logo atrás, perseguido por uma horda de Construções assustadoramente silenciosas e sedentas de sangue.

—Largue a picareta, idiota! — Eu gritei.

Amaldiçoando alto, ele jogou de volta para os Construtos, tirando um pedaço do ombro de uma criatura de pedra sem muito efeito. Um pouco mais leve, ele correu os últimos degraus, e nós o agarramos, arrastando-o para o carrinho apenas um segundo antes de começar a disparar para cima e todos nós tivemos que nos esforçar para reestabelecer nosso equilíbrio.

Os Construtos subiram atrás de nós, silenciosos e implacáveis, e tentaram nos pegar no minuto em que o carrinho parou ou diminuiu a velocidade. O único anão perto do ringue havia nos notado agora e estava gritando ordens furiosas contra os Construtos, presumivelmente reafirmando suas ordens para matar a merda de nós.

—Destrua-os! — O anão gritou. —Não os deixe perto do portal!

—Trabalho fantástico, idiota. — Disse Gwydion, dando a Cole um olhar assassino. —Isso definitivamente ajudou!

—Como eu deveria saber que eles se tornariam todos assassinos? — Cole gritou defensivamente.

—Talvez usando um pouco de bom senso pela primeira vez na vida!

—Eu não vi você correndo para me parar, imbecil! Ou sugerindo idéias melhores!

—Calem-se! — Eu gritei para os dois. —Este carrinho está indo para o forno!

Isso chamou a atenção de ambos rapidamente. Em nossa pressa de pegar um carrinho de fuga, escolhemos um dos que enviava minério até a forja. Em apenas alguns minutos, seríamos jogados diretamente em um tanque maciço de metal fundido superaquecido.

—Filho da puta. — Cole disse calmamente.

Procurei um pouco fora do carrinho, meu coração disparado. A trilha atrás do carrinho fervilhava com Construtores assassinos. À frente, havia apenas o forno e uma queda de duzentos pés de cada lado.

—Estamos fodidos. — Eu disse, nem um pouco articulada.

—Nós definitivamente vamos morrer. — Ethan concordou, nós dois um pouco atordoados para reagir adequadamente à nossa morte horrível iminente.

—Foda-se. — Declarou Cole. Então ele me agarrou pelos ombros e me arrastou para um beijo áspero e apaixonado, tão abrupto e poderoso que eu mal consegui responder. Talvez fosse porque estávamos prestes a morrer, mas ele beijou com desespero, uma fome frenética e ardente, que eu nunca havia experimentado, o que fez meu coração disparar e minha adrenalina disparar. Então, de uma só vez, ele me soltou, deixando minha boca machucada e desolada. No mesmo movimento, ele puxou Ethan pela camisa e o beijou também, com a mesma intensidade empolgante. Vi os olhos de Ethan se arregalarem, e então senti a repentina onda de poder de sua maldição. Cole deve ter sentido isso também, porque ele empurrou Ethan para longe, agarrou minha mão e pulou para fora do carrinho. Gwydion hesitou apenas um momento, encarando Ethan quando o lobisomem se dobrou, uivando, mudando mais rapidamente do que eu já o vira mudar voluntariamente. Então ele pulou também.

Cole agarrou a beira da pista suspensa, flutuando no ar. Eu me esforcei para pular, quase perdi o controle, e só o recuperei quando Cole me pegou, me segurando até que eu estivesse segura, Gwydion pendurado no outro lado dele.

Acima de nós, Ethan - não, o Lobo - uivou quando saltou do carrinho um segundo antes de jogá-lo na forja.

O Lobo apenas se assemelhava tangencialmente à forma normal de lobo de Ethan, que era quadrúpede e muito parecida com um lobo normal, embora muito grande. O Lobo era algo de um filme de terror. Maciço, bípede, cheio de pelos escuros e grossos sobre músculos poderosos e pesados. Ele se ergueu em toda sua altura, o peito largo arfava e fixou seus terríveis olhos amarelos em nós, cheios de um ódio que consumia tudo. Estávamos completamente expostos aqui. Mal teria que nos tocar para nos enviar despencando para nossas mortes.

Felizmente, foi rapidamente distraído pelo enxame de Construtores assassinos. Os homens de pedra se jogaram no Lobo sem consideração por suas vidas. Eles o golpearam com golpes esmagadores feitos por punhos como blocos de concreto, e isso apenas os jogou para o lado, enviando-os voando da ponte para quebrar no chão abaixo. O Lobo rasgou a multidão de Construtos como se não fossem nada, reduzindo-os a escombros com um golpe de suas garras terríveis. Ele avançou pela pista, derrubando Construtos como pinos de boliche. Depois que tivemos algum espaço entre nós e o Lobo, Gwydion se arrastou de volta para o parapeito e me puxou atrás dele. Eu me virei para ajudar Cole, embora meus braços estivessem queimando por tanto tempo pendurados.

—Temos que sair daqui. — Eu disse, agarrando-me a Cole enquanto observava o Lobo abrir caminho através de Construto após Construto. —Agora!

—Como? — Perguntou Cole. —Outro carrinho?

—Não. — Disse Gwydion, apontando para o volante. —Nós vamos usar isso.

—O anão chamou de portal. — Eu disse, entendendo. —Onde quer que leve, provavelmente é melhor do que aqui!

Cole parecia inseguro, mas levantou as mãos.

—Foda-se, vale a pena tentar! — Ele disse.

Corremos pelos trilhos do carrinho, a uma distância segura atrás do massacre que o Lobo estava causando, até podermos pular, deslizando pela parede até o fundo da caverna.

Os Construtos estavam todos ocupados com o Lobo. A única coisa entre nós e o portal era o anão. Ele brandiu seu livro de pedra para nós com as mãos trêmulas.

—Este é o trabalho da minha vida! — Ele declarou. —Eu não vou deixar você hooligans destruí-lo!

—Você projetou isso? — Eu perguntei, cheio de súbita admiração e um milhão de perguntas.

—Senhor. — Disse Gwydion, cortando-me. —Você é sem dúvida o maior encantador desta época e um dos melhores que já ouvi em todos os reinos. Tenho imenso respeito por você, e é por isso que será uma tremenda vergonha se eu tivesse que te espancar até a morte agora, porque você não sairá do caminho.

Ele pegou uma pá de algum lugar, que o anão estava olhando agora, sua expressão em algum lugar entre orgulho e medo lisonjeados.

—Para o inferno. — Disse o anão. —Eu sempre odiei trabalhar para comissão.

Ele saiu do caminho.

Havia algum tipo de painel de controle perto de onde o Anão estava sentado, e eu o agarrei, olhando para os controles, completamente perdida.

—Como nós controlamos isso? — Eu perguntei, procurando ao redor do anão, mas ele já estava fazendo trilhas para o túnel mais próximo.

—Não precisamos controlá-lo. — Insistiu Cole. —Apenas ligue! Qualquer lugar é melhor do que aqui!

Eu apertei alguns botões, puxei algumas alavancas, mas nada aconteceu. A pedra angular e todos os painéis estavam no lugar, mas não havia reação. Cole lambeu os lábios.

—Vexa. — Ele disse. —Lembra da coisa que eu disse para você nunca mais fazer?

—Coisas estúpidas que colocam minha vida em perigo?

—Mais especificamente.

—Explorar fontes de energia universais primárias?

—Sim.

Gwydion e eu demos a Cole um olhar arregalado.

—Você realmente acha que isso vai funcionar? — Gwydion perguntou.

Cole olhou para onde o Lobo estava rapidamente ficando sem Construtos para destruir. Os grandes da forja tinham andado lentamente com pés pesados de bigorna e finalmente estavam brigando de verdade, mas nem eles durariam muito. O Lobo parecia ser tão indestrutível quanto furioso.

—Acho que não temos muitas outras opções. — Respondeu Cole. —Apenas despeje o máximo de energia possível e espere o melhor!

Eu acho que essa foi a lógica mais sólida que eu poderia esperar.

—Foda-se. — Eu disse, ecoando o sentimento anterior de Cole. —Aqui vai tudo!

Fechei os olhos, alcançando o lugar profundo dentro de mim, onde minha conexão com a vela estava ancorada. Eu sabia o que esperar agora, e apenas hesitei um momento com a lembrança fraca de quanto isso doeu da última vez, antes de pegar o fogo e me sentir em chamas.

Cole e Gwydion saltaram para longe quando o fogo me cercou. O poder correu através de mim como uma represa quebrando, como um raio, e eu agarrei no painel de controle para me aterrar.

A energia rasgou através de mim enquanto passava, deixando-me irregular de uma maneira que era mais espiritual do que física. Mas enquanto olhava através dos meus olhos ardentes, vi o anel começar a se mover, girando, componentes flutuando e se movendo independentemente, à medida que os feitiços queimavam.

Essa bela máquina deveria ter criado um portal igualmente bonito, algo absolutamente perfeito, não apenas estável, mas permanente, um ponto fixo fora do tempo que unia duas realidades. O que eu o forcei a produzir, incompleto e inexpertemente pilotado, foi uma bagunça, crepitando com o desperdício de energia, desequilibrado e desmoronando mesmo quando começou a abrir. Mas estava aberto.

Gwydion me agarrou, me arrastou para longe do console. Eu podia senti-lo sugando o poder, embora felizmente eu já tivesse jogado a maior parte dele no portal.

—Rápido! — Gwydion gritou para Cole. —Agora, antes que desmorone!

Eles correram em direção ao portal, meio me arrastando, quase inconscientes e bêbados com o poder e a lembrança já desbotada da agonia ardente. Mas havia uma última coisa que eu tinha que fazer antes de sairmos. Eu me arrastei de Gwydion para fazê-lo parar, coloquei os dedos nos lábios e assobiei o mais alto que pude.

—Ethan! — Eu gritei quando o Lobo parou sua destruição e olhou para mim. Eu acenei meus braços. —Por aqui!

Gwydion me agarrou pelo meio, me jogou por cima do ombro e correu para o portal. Rosnando, o Lobo correu atrás de nós. Gwydion pulou através do portal e vi o Lobo pular, garras estendidas, apenas um segundo antes do caos nos envolver.

 

 

 

 

 

 

Capitulo Dezesseis


Por vários minutos ou possivelmente uma eternidade, caímos no espaço.

Perdi o controle dos outros quase ao mesmo tempo. Flashes de mundos explodiram em ambos os lados de mim. Luz, escuridão, fogo, gelo, horizonte de Manhattan, castelo de Titânia, mundos que eu só podia ver em seção transversal, mundos que eu só conseguia ouvir ou cheirar. Uma vez, um salão escuro, cheio de velas.

E então, de repente, bati de cara no azulejo branco de vinil. Gwydion caiu em cima de mim, cotovelos primeiro. Cole caiu um pé à minha esquerda. O Lobo veio por último, bateu a cabeça em uma prateleira no caminho e caiu inconsciente no chão.

Presumimos que estávamos em algum tipo de armário de suprimentos. Luzes fluorescentes brancas nos encaravam de cima.

—Onde estamos? — Cole perguntou, apertando os olhos e desorientado.

—A julgar pelo cheiro anti-séptico e pelos sanitários? — Eu respondi, minha voz um pouco confusa. —Hospital. Ow. Ow! Merda!

Acabei de perceber uma dor ardente no quadril, que estava piorando rapidamente. Eu me levantei e enfiei no bolso, pegando a moeda da sorte que Gwydion tinha me dado quando nos conhecemos. A coisa maldita estava fumegando, estava tão quente e previsivelmente queimando meus dedos quando eu o puxei para fora. Deixei cair, e ela saltou e rolou para fora da porta do armário aberta.

Troquei um olhar com Cole e Gwydion, que ainda estavam se levantando.

—Bem, vá em frente. — Disse Gwydion. —É uma sorte, por isso deve levá-lo a algum lugar. E alguém provavelmente está a caminho de investigar esse acidente de qualquer maneira.

Sem outra palavra, corri atrás da moeda.

Eu estava certa sobre ser um hospital, embora estranhamente silencioso para a hora do dia que a luz que entrava pelas janelas sugeria. A moeda fumegante rolou pelo corredor de azulejos, e eu corri atrás dele. De repente, seu caminho começou a se curvar, até cair abruptamente de lado. Com o último momento, derrapou sob a porta de um quarto privativo de longa permanência.

O nome na porta dizia E. Bellefonte.

Abri a porta com cuidado, preocupada em incomodar alguém. Mas não havia visitantes na sala e, assim que dei uma boa olhada no paciente, percebi que não havia preocupação em perturbá-los.

E. Bellefonte era um homem mais velho, quarenta e poucos, talvez cinquenta e poucos. Ele ainda tinha o cabelo, apesar de o loiro dourado estar sombreado a branco. Ele devia ter sido bonito como uma estrela de cinema uma vez, pensei, embora provavelmente só pudesse dizer devido à minha experiência com cadáveres. Uma doença longa e desgastante o havia reduzido a um substancial sem sombra do que aquele que pairava sobre ele, sinalizando sua morte que se aproximava rapidamente. Ele só estava vivo agora por causa das máquinas amontoadas em torno de sua cama, mantendo seu corpo funcionando mesmo quando desmoronava. Mas mesmo isso não era suficiente para manter a sombra afastada.

—Aqui está. — Disse Gwydion, entrando na sala. Cole, com o braço de Ethan sobre os ombros, saiu mancando atrás de Gwydion, arrastando o lobisomem, que havia sido empurrado às pressas para uma roupa cirúrgica mal ajustada. Gwydion inclinou-se para pegar a moeda da sorte, que ardia em sua mão, o metal estalando e desmoronando. —Você queimou completamente. Eu nunca vi isso. Que tipo de-?

Ele calou a boca abruptamente quando viu o que eu já tinha visto.

A Vela da Aliança estava posta na mesa de cabeceira de E. Bellefonte. Gwydion olhou para ela, depois para a moeda murcha na mão, antes de enfiar os restos arruinados da moeda em seu casaco. —Essa é uma moeda da sorte.

—O que está fazendo aqui? — Perguntou Cole. —Quem é esse cara?

—É para mantê-lo vivo. — Respondi instintivamente. Eu podia sentir como a vela estava conectada a ele, mantendo sua força vital de uma maneira que as máquinas nunca podiam.

Antes que pudéssemos dizer mais alguma coisa, um portal surgiu à nossa frente, e Gilfaethwy apareceu, tendo-se colocado apenas a meio caminho.

—Por aqui. — Ele sussurrou em um sussurro urgente. —Rápido!

—Você! — Gwydion rosnou e agarrou Gil pela frente da camisa, arrastando-o pelo resto do caminho para fora do portal. —Você me roubou! De novo! Você me deixou entrar nas garras dos Seelie!

—Você fugiu! — Gil disse com um sorriso. —Eu sabia que você faria! Você sempre sabe! Falando nisso...— Ele gesticulou rapidamente em direção ao portal. —Precisamos ir agora. Vocês não podem estar aqui!

—Por quê? — Eu perguntei. —Onde estamos?

—Onde não importa. — Disse Gil. —E porque é que todos nós vamos morrer. Eu nem entendo como você chegou aqui! Agora vamos, vamos!

—Não, não há mais portais! — Cole disse teimosamente. —Já tive portais suficientes! Parece a Terra e vou ficar aqui!

De repente, as luzes no corredor do lado de fora do quarto do hospital ficaram negras. Nenhuma luz veio das janelas. Uma voz profunda e familiar ecoou como uma lixa contra a minha alma.

—Como se atreve a vir aqui...

—Aethon. — Eu sussurrei involuntariamente, terror tomando meu coração como um punho.

—Esquece, porra! — Cole gritou, jogou Ethan através do portal e pulou atrás dele.

Gil entrou na porta, olhando para a escuridão.

—Velho amigo, querido amigo, parceiro, se você me desse um momento para-

—COMO VOCÊ OUSA?

Gil estava claramente certo. Precisávamos sair imediatamente. Mas eu não estava saindo de mãos vazias, não depois de tudo isso. Eu me virei, pegando a vela.

—Vexa, não!

Ouvi o grito de Gwydion, o roçar de seus dedos estendendo a mão para me impedir, mas era tarde demais. Minha mão se fechou ao redor da vela, e a absoluta escuridão da Morte alcançou e me engoliu.

Tão rapidamente que eu nem senti, de repente eu mal a reconheci.

Eu morri.

Capitulo Nove

Por um momento, eu não estava no meu corpo. Eu estava em outro lugar, queimando viva na escuridão. Meus ouvidos estavam cheios do clamor de mil sinos tocando. Eu não conseguia fazer meu corpo gritar. Não pude apagar o fogo. A dor estava tão além de qualquer coisa que eu pudesse envolver minha cabeça que depois eu não conseguia descrever e mal conseguia me lembrar como era. Eu sabia com absoluta certeza que iria morrer. Pelos olhos fixos e sem resposta do meu corpo, a costa distante de repente pareceu muito mais perto.

No lugar onde eu estava queimando, senti uma mão fria no meu ombro. Alguém parado atrás de mim. A voz deles sacudiu meus ossos fumegantes.

—Ainda não.

E então, de repente, eu estava de volta à minha própria pele, transbordando com tanta energia que doía, como agulhas sob a minha pele tentando forçar sua saída. Sem pensar, bati as mãos no peito de Gwydion e abri as comportas. O poder correu para fora de mim em uma torrente que eu não poderia ter parado se quisesse. Queimou-me quando passou, afundando nele. Os olhos de Gwydion se abriram de uma só vez, o corte em sua cabeça se uniu à luz prateada e se fechou.

Mas não consegui parar o fluxo de poder. Havia muito para eu conter, e Gwydion era um vaso vazio. Ele olhou para mim e eu me vi refletida em seus olhos arregalados, envoltos em fogo, chamas chorando. Ele sentou, minhas mãos ainda em seu peito, ainda derramando poder nele apenas para me impedir de queimar. Ele me alcançou lentamente e segurou meu rosto em suas mãos trêmulas, sua pele bebendo o fogo. Suas mãos estavam frias como água em um dia de verão, acalmando o calor terrível que estava tentando o seu melhor para me queimar viva. Ele se inclinou para perto, curvando-se no meu fogo e beijou minha boca ardente.

Ele tirou o poder de mim como veneno de uma ferida. Apressou-se ainda mais rápido do que antes, e eu tremi de dor e alívio. Ele poderia ter tudo, se quisesse. Enquanto o fogo parou, eu não me importei.

Eu derreti em seu beijo gelado, em seus braços, a queima finalmente começando a retroceder quando o poder passou por mim. Afinal, não era infinito, e Gwydion aceitou tudo ansiosamente.

Ansiosamente demais. Enquanto o poder continuava fluindo de mim como sangue de uma veia, comecei a voltar aos meus sentidos e percebi que tínhamos passado o ponto do que eu não podia conter. Minhas mãos se apertaram no tecido do casaco de Gwydion, tentando e falhando em afastá-lo. Ele poderia muito bem ter sido feito de pedra. Estávamos nos aproximando rapidamente de um ponto com menos energia do que eu tinha desde que tocara a vela. Eu assisti esse ponto ir e vir e o beijo de Gwydion ainda continuava, até eu perceber que ele não iria parar até que eu estivesse vazia de toda a magia, ou morta.

Então eu o mordi, forte o suficiente para tirar sangue, e ele se afastou, o fluxo de poder finalmente parando. Eu o empurrei, colocando espaço entre nós rapidamente, caso ele tentasse continuar. Meu coração estava batendo forte e eu ainda estava desorientado, lutando para manter a lembrança do que havia acontecido quando tentei acessar a vela.

—Que porra é essa? — Cole estava dizendo, e parecia que ele estava dizendo isso há algum tempo, pois Gwydion e eu estávamos insensíveis demais para perceber. Ethan me pegou quando me afastei de Gwydion, e deixei que ele me segurasse, agradecida pela sensação de segurança em seus braços.

—O que aconteceu? — Ethan me perguntou. —O que você fez?

—Mas como? — Cole disse, olhando para mim com algo entre reverência e medo. —Eu nunca vi esse tipo de poder em lugar algum.

—Eu tenho. — Gwydion falou suavemente. Ele se ajoelhou onde eu o empurrei, parecendo quase tão abalado quanto eu quando tocou seu lábio mordido e olhou com olhos arregalados para o sangue em seus dedos. Mas havia um olhar quase arrebatador em seus olhos.

—Eu não sou tão forte desde que deixei Avalon. — Disse ele e olhou para mim como se eu fosse algo santo e aterrorizante. —Você tem o poder de uma rainha.

Ele piscou e pareceu repentinamente um pouco enjoado, caindo de costas com uma surpreendente falta de graça pelo que eu esperava dele.

—E eu quase matei você. — Disse ele, quase para si mesmo.

Ethan e Cole trocaram um olhar assustado com isso, depois olharam para mim onde eu ainda estava enrolada nos braços de Ethan.

—Estou bem. — Eu disse rapidamente, o que era verdade. Cansada e mais fraca do que eu estava há um tempo, mas eu não estava sangrando ou pegando fogo, e eu podia deitar minha cabeça no peito de Ethan e ouvir seu coração bater. —Eu estou bem. Foi apenas um pouco de energia demais, só isso.

—Um pouco de energia demais de onde? — Perguntou Cole. —Onde você conseguiu isso?

—Uh, eu tentei bater na vela. — Eu disse. —Ainda estou conectada a ela, então achei que talvez pudesse acessar sua fonte de energia.

—Você usou a fonte de toda energia necromântica na Terra? — Cole disse, sua voz falhando. —Como você não está morta? Como todos nós não estamos mortos?

Eu não tinha uma resposta para isso. Também não parecia Gwydion, mas ele também não estava prestando atenção, com a mão na boca e as sobrancelhas franzidas, o olhar focado na costa distante.

—Só... nunca faça isso de novo. — Exigiu Cole. —Jesus Cristo, não é à toa que você estava pegando fogo. Há uma razão pela qual as pessoas trabalham com focos como a vela, sua idiota! Usar a fonte bruta deveria tê-la fritado como um inseto e todos nós com você.

—Eu acho que é uma coisa boa que Gwydion possa absorver tudo. — Ethan disse enquanto eu franzi a testa e tentei lembrar o que tinha acontecido quando eu peguei a chama. Lembrei vagamente da queimação. Todo o resto estava perdido no fogo até o momento em que Gwydion me beijou.

—Besteira que ele fez. — Cole riu. — Tanto poder o fritaria também. Ou Vexa de alguma forma conseguiu se abrir para, literalmente, todo o poder da própria morte e apenas canalizar um pedacinho, o que é absurdo - como tentar pular no oceano e esperar apenas molhar o dedo - ou o que ela bateu não foi a vela.

Eu não gostei desse pensamento.

—O fato de que ela seria capaz de alcançar a vela quando ela estiver literalmente em um universo diferente já é bastante absurdo! — Cole disse, jogando as mãos no ar. —Isso é besteira estranha, e eu não gosto!

—Independentemente disso, está pronto. — Interrompeu Gwydion, levantando-se e tirando a jaqueta molhada. A balsa balançou e Cole tropeçou, olhando para Gwydion enquanto ele apenas conseguia manter o equilíbrio. Gwydion o ignorou, olhando para mim enquanto tirava a gravata também, deixando apenas sua camiseta branca solta. —Perdoe-me por um momento.

Então ele deu dois passos e mergulhou da balsa. Por um segundo, apenas encaramos as ondulações em seu rastro, surpresos demais para reagir. Finalmente, Ethan apenas balançou a cabeça e suspirou.

—Por que não? Não como qualquer outra coisa ultimamente faz algum sentido. — Ele murmurou, depois me puxou para mais perto, esfregando os braços para tentar me aquecer. Nós dois ainda estávamos encharcados, então não adiantou muito.

—Então. — Ele disse depois de um momento. —Você beijou Gwydion.

Fiquei confusa por um momento até perceber que ele quis dizer o que tinha acabado de acontecer. Foi realmente difícil manter essas memórias por algum motivo.

—Oh, sim. — Eu disse com um sorriso tímido. —Pouco mais do que isso, na verdade. Logo antes de Gil escapar.

—Eu pensei que você disse que não achava que iria dormir com ele? — Ethan perguntou, sobrancelhas levantadas.

—Sim, eu não pensei que sim. — Eu disse, envergonhada agora. —Ele é... surpreendentemente persuasivo. Foi apenas uma coisa única. Nós deixamos isso claro.

—Espere, você dormiu com esse cara? — Cole perguntou, franzindo o nariz.

Cobri meu rosto com a mão, tentando controlar o rubor que aquece minhas bochechas.

—Sim, eu dormi. — Eu disse, tentando segurar algum orgulho. —Não é da sua conta.

Cole apenas balançou a cabeça.

—Alguém já lhe disse que você tem um gosto terrível? — Ele perguntou. —E possivelmente um desejo de morte?

—Ele tem razão. — Ethan disse com um encolher de ombros.

—Considerando que eu estava flertando com você esta manhã, Cole. — Eu disse maliciosamente. —Eu não faria comentários sobre o meu gosto.

—Foi essa manhã? — Ethan disse pensativo. —Era noite no Julius, e dormimos pelo menos algumas horas, então...

—Estar interessada em mim é absolutamente um sinal de mau gosto. — Respondeu Cole. —Possivelmente uma decisão pior do que o monstro devorador de homens que pode te atacar a qualquer momento. Provavelmente pior que o lobisomem também.

Ethan bufou.

—Você não é tão ruim. — Ele disse.

—Eu sou um desastre humano sem-teto que está apenas usando você para colocar minhas mãos em uma ferramenta mágica incrivelmente poderosa por minhas próprias razões egoístas. — Apontou Cole.

—Mas você tem um cabelo muito bom. — Eu rebati, apenas meio sarcasticamente. Cole parou, pego de surpresa.

—Bom senso de humor também. — Ethan concordou, e eu sorri quando vi Cole ficando vermelho.

—Bom gosto em filmes. — Acrescentei.

—Sorriso fofo. — Ethan falou.

—Olhos lindos.

—Inteligente como o inferno.

—Bunda fantástica.

—Tudo bem, isso é o suficiente! — Cole disse, vermelho como uma beterraba. —Vocês dois são claramente idiotas, sem senso de autopreservação.

Um respingo nos interrompeu quando Gwydion reapareceu, jogando o cajado na jangada antes de sair da água. Eu me permiti um minuto para admirar o quão bom ele parecia encharcado assim.

—Perdi algo? — Ele perguntou, levantando-se e torcendo a camisa. Cole ainda estava muito vermelho, e Ethan e eu não conseguimos parar de sorrir.

—Apenas nós dizendo a Cole todas as coisas que gostamos nele. — Eu o informei.

—Espero que você tenha mencionado sua bunda fenomenal. — Disse Gwydion casualmente, pegando o cajado e o paletó. Cole parecia quase combustão espontânea. —Todo mundo está de pé agora. Precisamos nos mexer se quisermos alcançar meu gêmeo idiota.

—Mas não sabemos para onde ele foi. — Eu disse, levantando-me e oferecendo uma mão para Ethan.

—Eu posso rastrear seus feitiços de teletransporte. — Disse Gwydion e estalou os dedos.

Uma onda de ar quente tomou conta de nós quatro ao mesmo tempo. Meu cabelo voou ao redor do meu rosto, minhas roupas esvoaçantes. Eu lutei para segurar minha saia enquanto a água saía de nossas roupas em uma explosão deslumbrante. Quando o vento se acalmou, Gwydion olhou para onde Gilfaethwy havia desaparecido e passou a mão pelo ar como se estivesse limpando vapor de um espelho. Um rastreamento complexo de magia apareceu diante dele, que ele se inclinou para ler. —Foi por isso que ele pegou o cajado e foi primeiro à Cidade Sem Fim. É muito mais difícil rastrear o cajado, e eu não seria capaz de dizer por quais dos poços da cidade ele passou se eu não tivesse- Não o vi. Mas agora que ele está se teletransportando sob seu próprio poder - o que ele não tem muito entre nossa recente briga e nossa visita à Cidade - segui-lo será muito fácil. Eu posso finalmente ser capaz de-

Ele ficou em silêncio bruscamente, depois descartou o texto mágico, carrancudo.

—O que há de errado? — Eu perguntei preocupado.

—Eu descobri para onde ele foi. — Respondeu Gwydion, conciso. Ele bateu com o cajado na superfície da balsa de madeira, e um portal se abriu através do qual eu podia ver vagamente os galhos das árvores. Gwydion se aproximou, hesitou e depois olhou para mim.

—Eu deveria te mandar para casa. — Disse ele. —Para onde ele está indo é... inóspito para os humanos. Eu deveria ser capaz de lidar com ele sozinho.

—Como você lidou com ele da última vez? — Eu perguntei. —A vida de Ethan está baseada no que Gil sabe. E sem o Vidro do Artífice, não podemos nem tentar descobrir mais sobre a maldição por conta própria. Não há como não ir com você.

—Onde ela vai, eu vou. — Ethan disse, colocando a mão no meu ombro.

Nós dois olhamos para Cole, que cruzou os braços, ainda um pouco rosado ao redor das orelhas.

—Eu realmente não tenho escolha, tenho? — Ele reclamou. —Se vocês idiotas vão e se matam, não há como eu pegar a vela.

Eu sorri para ele, feliz por ele estar conosco.

—Então está resolvido. — Eu disse. —Todos nós vamos.

—Não é nem remotamente estabelecido. — Argumentou Gwydion. —É a coisa mais distante da solução.

—Você realmente vai discutir comigo depois que eu quase morri salvando você? — Eu perguntei, mãos nos meus quadris.

Gwydion fechou os olhos por um momento, reunindo a compostura.

—Tudo bem. Vocês todos estão vindo. Tenho certeza que isso não vai acabar mal.

Ele pegou o casaco do braço, virou de dentro para fora e entregou para mim.

—Vista isso. Fiquem perto de mim. Não façam barulho e não usem magia, a menos que eu peça. Se nos separarmos... Vocês provavelmente morrerão. Não comam nada. Não cantem nem dancem. Façam tudo ao seu alcance. Não ofendam nada. Não ofereçam ajuda, a menos que seja solicitado, faça-o e não reclame. Aceite o que lhe derem depois, mas se alguém tentar lhe dar algo que você não ganhou, recuse educadamente enquanto vocês podem e espero que eu possa encontrar vocês a tempo de salvá-los. Entendido?

Não remotamente, mas assenti e coloquei o casaco de dentro para fora de qualquer maneira.

—Então vamos acabar logo com isso. — Disse Gwydion com um suspiro.

Sem mais cerimônia, ele atravessou o portal. Eu dei a Ethan e Cole um último sorriso encorajador, depois fui atrás dele, esperando que o que esperasse do outro lado não fosse pior do que o que já tínhamos enfrentado. Mas, pela primeira vez, eu estava menos preocupada com o desconhecido do que com meu próprio poder. Eu ainda não tinha certeza do que tinha acontecido quando tentei curar Gwydion, mas tinha certeza de que isso aconteceria novamente. Em algum lugar no fundo da minha mente, as palavras 'ainda não' ainda ecoavam.

 

 

 

 

 


Capitulo Dez

 

Das sombras frias e cinzentas da Costa DIstante, entrei em um dia perfeito de verão. Era verão também na Terra, mas não assim. Esse era um daqueles dias míticos, a partir de memórias idílicas excessivamente nostálgicas da infância, ou um daqueles filmes inexplicavelmente populares da maioridade, onde algo terrível acontece com o cachorro leal de uma criança. Estava frio o suficiente na sombra para fazer o calor do sol parecer mais calmante do que opressivo. Enormes árvores velhas erguiam-se ao nosso redor, suas folhas lançando sombras verdes na terra rica e escura, seus arcos pesados de frutas. A vegetação rasteira era uma profusão de flores silvestres e frutos maduros. O ar estava denso com o som do canto dos pássaros e o murmúrio musical da água correndo em algum lugar próximo. A luz através das árvores era dourada, quase tangível, e senti uma onda de prazer e excitação estranhos assim que respirei o ar. Tudo, todos os mirtilos gordos, pedras brilhantes e pássaros cantando de suas gargantas vermelhas, estavam positivamente cheios de significado. Qualquer coisa que caísse em meus olhos, desde uma teia de aranha pendurada em prata pendurada sob a sombra de uma raiz de carvalho até as cabeças de sementes douradas da grama alta crescendo em um pedaço de luz solar, me atingiu com uma intensidade que me fez ter certeza de que tocar qualquer parte disso seria embarcar em uma aventura fantástica.

Gwydion estalou os dedos na frente do meu rosto, impaciente, tirando-me do meu devaneio.

—Foco. — Ele insistiu. —Você não deve deixar este lugar colocar seus ganchos em você. Seu charme é um veneno, você entende? Tudo isso é apenas a pele brilhante de um sapo venenoso.

—Mas é tão... mágico. — Eu disse, surpresa com o quão jovem eu parecia, como uma criança na Disney World.

—O que é este lugar? — Ethan perguntou, parecendo tão impressionado quanto eu. Eu olhei para ele quando Cole entrou no portal. A boca de Ethan estava aberta em um espanto frouxo, seus olhos brilhando. Ele parecia mais jovem de alguma forma, as linhas ao redor dos olhos se foram, o peso fora dos ombros. A luz do sol brilhava bastante em seus cachos castanhos escuros e seus olhos dourados. Ele parecia tão magnificamente mágico e importante quanto todo o resto. Ele pegou meu olhar e ouvi sua respiração prender e vi seus olhos se arregalarem.

—Vexa. — Ele disse, suas mãos encontrando minha cintura. —Você parece tão... radiante. Deus, eu nunca vi nada tão-

—Nada disso, nada disso! — Gwydion disse agitando a mão bruscamente entre nossos rostos até nos afastarmos. —Eu sabia que era uma péssima idéia. Concentrem-se, por favor! Você, Cole! Fique fora daqui!

Cole, parecendo tão atordoado e surpreso quanto o resto de nós, olhou para cima, confuso, de onde ele estava vagando em um pedaço de amora, mistificado com as frutas perfeitas, como joias, e pequenas flores brancas de estrelas. Seus olhos, sempre adoráveis, eram de um azul mais brilhante do que eu já tinha visto na Terra. O tom escuro de seu cabelo combinava com o da fruta ao seu redor. A graça de seus membros musculosos quando Gwydion o agarrou pela camisa e o arrastou de volta para nós era absolutamente sublime. Ethan e eu voltamos juntos assim que Gwydion parou de nos separar fisicamente, nossos braços se abraçando como se tivessem sido feitos para isso. Quando Gwydion empurrou Cole para nós, nós o alcançamos ao mesmo tempo. Eu sorri quando toquei sua bochecha, sua pele macia e quente, e pela primeira vez ele não recuou do contato. Ethan segurou o outro lado do rosto, acariciando a linha fina da bochecha com o polegar. Cole fechou os olhos e afundou em nosso toque como um banho quente após um dia difícil.

—Como você pode pensar que não é absolutamente lindo? — Eu perguntei, impressionado com cada mecha de seu cabelo, a curva de sua mandíbula, a cor de seus lábios.

—Você é como uma obra de arte. — Ethan concordou, virando seu sorriso deslumbrante para mim, o calor tão comovente que eu quase podia chorar. —Vocês dois são. Gostaria de saber com quem comparar você. Nunca consigo me lembrar dos nomes. Vexa sempre pode.

Eu sorri de volta para ele, lembrando como quando o conhecemos eu o comparei com o David de Bernini e uma dúzia de outras obras de arte clássica. Eu estava um pouco desorientada na época, mas a comparação se manteve.

—Algo pré-rafaelita. — Eu disse. —Edward Hughes talvez.

—Você é tão inteligente. — Disse Ethan.

—Estou tão feliz que vocês estão tendo um momento de união tão adorável. — Disse Gwydion, tentando nos afastar um do outro. —Mas se vocês tentarem recuperar os sentidos, realmente não temos tempo para uma orgia no momento.

—Isso é... intoxicação mágica. — Disse Cole, esfregando os olhos. Adorei a delicada arte de seus dedos e o tom avermelhado que o atrito colocou em suas bochechas.

—De fato! — Gwydion disse, pingando sarcasmo. —Que bom que você está alcançando! Isso deve desaparecer em breve, mas não podemos dar ao luxo de esperar por isso, nem tenho paciência para ver vocês três se lutarem até que isso aconteça.

Eu me perguntava por que ele estava de mau humor quando era um dia tão perfeito. Mas eu não poderia estar chateada com ele por isso. Ele era bonito demais para se zangar. A luz do sol não parecia tocá-lo, mas quando ele estava na sombra, ele parecia esculpido em mármore frio, frio e sem falhas e brilhando como gelo. Quase doía olhar para ele, como a luz refletindo na neve até ficar ofuscante. E às vezes, quando eu o via pelo canto do olho, ele era mais do que isso. Maior do que eu podia imaginar, e quando ele se moveu, houve um farfalhar de pelos e uma sombra de chifres.

—Ele está certo. — Disse Cole, balançando a cabeça enquanto se distraía brevemente por uma borboleta que passava com asas como vitrais vivos. —Precisamos... Continuar em movimento. Estamos em perigo. Tentem se lembrar do medo.

Eu não queria ter medo, não quando era tão bonito aqui. Mas fiz o meu melhor quando Cole pegou minha mão e me puxou atrás de Gwydion. Peguei Ethan com a mão livre e o puxei. Uma corrente de margarida, como quando éramos crianças. O pensamento me fez rir, o que o fez começar.

Gwydion suspirou cansado. —Pelo menos vocês estão se movendo. Por aqui. Não se afastem. Não há sinal de seu feitiço de teletransporte aqui. Ele deve ter ido mais longe antes de lançá-lo para tentar me expulsar. Mas por que ele arriscaria isso aqui? De todos lugares?

Eu mal ouvia Gwydion e não entendia por que ele não gostava daqui. Ele fez parecer tão perigoso, mas era o lugar mais maravilhoso que eu já vi. Ao atravessarmos as árvores, pequenos pedaços de magia se revelaram entre as folhas. Uma macieira com casca de prata fina estava crescendo perto de um riacho claro, com seus galhos forrados e pesados por frutas feitas de ouro e diamante. Uma cobra com escamas de esmeralda translúcida estava pendurada nos galhos, nos observando com sábios olhos rubis escuros. Tinha uma daquelas bocas fofas de filhotes de píton que são tão adoráveis, mas Gwydion não me deixou fazer amizade com ela.

Mulheres minúsculas, que não eram mais do que meu braço, nadavam através do riacho, pulando como peixes, brilhando rosa iridescente e lavanda como o interior de uma concha, estalando seus minúsculos dentes afiados em insetos. Vi um campo de flores brancas crescer, grande como a palma da minha mão, e no centro de cada uma havia um minúsculo sino de ouro. Quando o vento soprava, eles tocavam tão docemente que Gwydion teve que gritar conosco para nos impedir de vagar neles para nos deitar e apenas ouvir. Cole sugeriu que cantássemos, o que foi uma ideia tão boa que eu o beijei por isso, e ele ficou vermelho e começou a rir e esqueceu sua sugestão até que Gwydion o lembrou, quando ele afastou Ethan de tentar mentir novamente nas flores, que eram tentando envolver tenras videiras verdes ao redor de seus sapatos, como se quisessem que ele ficasse. A única música que todos conhecíamos era Bohemian Rhapsody, e cantamos o mais alto que pudemos por insistência de Gwydion, até deixarmos o campo de flores para trás e ele nos pediu para parar. Mas continuamos esquecendo que ele nos disse para parar e começar de novo. É uma música tão boa, afinal. Nós finalmente paramos quando ele ameaçou fechar nossas bocas com mágica nos fez esconder em um arbusto enquanto uma procissão de árvores andando passava majestosamente.

Quando o desfile de árvores terminou, eu estava finalmente começando a recuperar meus sentidos um pouco, o suficiente para perceber que estávamos com problemas. Embora eu ainda estivesse flutuando e facilmente distraída, eu estava presente o suficiente para olhar para a merda ridícula que acabamos de percorrer e empalidecer com a quantidade ridícula de sério perigo em que estávamos, que eu apenas... não notei.

—Essas flores tinham dentes. — Eu sussurrei para mim mesma, olhando para um fragmento perfeito de céu azul através das folhas acima de nós.

—Finalmente começando a sair disso? — Perguntou Cole. Ainda estávamos sentados no mato. Eu não tinha notado os espinhos antes agora.

—Acho que sim. — Eu disse, esfregando a cabeça. —Mais ou menos. Jesus, eu não estive tão bêbada desde o último ano.

—É o ar aqui. — Disse Cole. —Está tão cheio de magia que você quase pode vê-la a olho nu. É por isso que tudo parece tão...

Ele fez um gesto ambíguo, mexendo os dedos ilustrativamente. Eu imaginei que entendi o ponto dele.

—Graças à lei. — Gwydion reapareceu, arrastando um Ethan tropeçando, que estava sorrindo e segurando uma das flores de sino. —Eu tinha medo que você se afastasse. Eu tive que perseguir esse idiota até o prado. Eu deveria ter deixado eles comê-lo. Eu teria todo o direito!

Ele estava parecendo mais do que um pouco esfarrapado, mesmo através da névoa mágica que o tornava tão etérea adorável.

—Desculpe. — Eu disse, levantando-me inquieta e ajudando Cole a se levantar. —Eu acho que estou começando a descer.

—Provavelmente levará Ethan mais um pouco. — Disse Cole. —Ele não está tão acostumado à magia quanto nós.

Ethan pressionou a flor do sino em minhas mãos. Peguei-a com relutância, olhando para trás como dentes de gancho voltados para os dentes que revestiam a trombeta interna.

—Eu comprei para você. — Ethan disse, e ele estava tão sério e bonito que eu quase esqueci os dentes completamente. —Eu não te dei nada ainda. Preciso te dar coisas, para que quando eu me for, você se lembre de mim.

Ele disse isso sem um pingo de arrependimento ou amargura, o que a fez doer ainda mais. Comecei a dizer algo, insistindo que não era o que iria acontecer, mas não queria estragar a felicidade dele. Eu sabia que ele tinha tido pouco o suficiente ultimamente.

—Obrigada, querido — Eu disse e o beijei. —Eu prometo que nunca, nunca vou te esquecer.

Encantado, ele me pegou e me virou, regando meu rosto em beijinhos.

—Adorável. — Disse Gwydion sarcasticamente. —Podemos seguir em frente? A trilha de Gil está ficando mais fria.

Fiz Ethan me colocar no chão e começamos a andar novamente. Definitivamente, eu ainda estava bem maluca, mas ter pelo menos um pé mais ou menos no chão tornava mais fácil apreciar as coisas realmente incríveis que estávamos vendo, além de ajudar a manter um olho em Ethan, e ocasionalmente até em Cole. Não que eu estivesse muito melhor, sendo desviada por um raio de sol que capturava o ar como se fosse um prisma, arco-íris deslizantes e brilhantes, ou um ninho de coelhos com presas e chifres, que eu percebi que um pouco tarde demais estavam sendo guardados por seus pais igualmente afiados e com chifres. Mas pelo menos agora um de nós geralmente era lúcido o suficiente para pegar o outro. Gwydion tinha um grande potencial como pastor profissional.

E então Gwydion afastou uma cortina de musgo pendurado e todos nós congelamos no lugar como se ficássemos impressionados ao ver o que havia do outro lado.

A alguns metros de distância, pastando pacificamente em uma piscina vernal, havia um unicórnio.

Era, sem exceção, a coisa mais linda que eu já vi. Eu não conseguia acreditar que alguém tivesse convencido as pessoas de que se parecesse com um cavalo. Era um tipo de ungulado, claramente, mas mais como um grande cervo em proporções, com uma cabeça um tanto parecida com uma cabra. A cauda comprida era preênsil, como a de um gato, e adornada no final com os mesmos cachos sedosos e prateados brancos da crina. Seus olhos eram impressionantes além da minha capacidade de descrever. Eles eram ao mesmo tempo profundos, escuros e infinitamente inteligentes, e também brilhavam com mil cores, queimando com a luz interior. Seu chifre brilhava com suave iridescência, como pérola ou nácar, subindo mais de um pé da testa até um ponto que brilhava como uma estrela.

—É...? — Eu sussurrei, minha voz tremendo. —É realmente-?

—Sim. — Disse Gwydion, estendendo a mão para impedir que alguém se aproximasse. —Silêncio. Fora dos tribunais, não há mais coisa perigosa neste lugar. Devemos recuar lentamente, tentar dar a volta.

—Como isso pode ser perigoso? — Eu perguntei, completamente extasiada. —É um unicórnio!

—É exatamente por isso que é perigoso. — Disse Gwydion, impaciente. —Eles são forças primordiais - o conceito de justiça dando forma. Se eles sentirem a menor sombra em seu coração, eles a esculpirão. Eles não podem ser combatidos ou fugir. Depois que decidem matá-lo, nada pode detê-los. Eles podem até matar um fae.

—Isso não parece exatamente justiça para mim. — Disse Cole, franzindo a testa. —Apenas assassinato resumido por qualquer crime? E o que exatamente eles definem como uma 'sombra' no seu coração? Isso me mataria se eu me sentisse culpado por esquecer o aniversário da minha avó?

—Não seja pedante. — Disse Gwydion, virando-se para olhá-lo. —Só estou dizendo que, se você merece morrer, eles saberão.

—Bem, isso é um pouco diferente de 'se houver uma sombra em seu coração'.

—Bem, o julgamento deles sobre quem merece morrer tende a se inclinar pesadamente para todos na minha experiência, então me perdoe por me tornar poético.

—Bem, então eles não são personificados pela Justiça. Justiça verdadeira não ignora o contexto.

Não ouvi a resposta de Gwydion porque já estava na metade da distância entre mim e o unicórnio. Ele levantou sua bela cabeça quando me aproximei, e eu não pude deixar de sorrir. Eu nem estava pensando no perigo. Tudo o que eu conseguia pensar era que esse era um unicórnio real na minha frente. Tudo o que eu sonhava quando menina, todos os livros de fantasia que eu desejava escapar, voltaram correndo para mim como um golpe no peito. Eu não percebi o quanto eu queria isso, neste exato momento, toda a minha vida. Se eu pudesse tocá-lo, apenas uma vez, morreria feliz. O unicórnio, silencioso e perfeito, virou-se lentamente para me encarar.

Ouvi vagamente Ethan começar a gritar meu nome, apenas para ser rapidamente abafado.

—Temos que fazer alguma coisa! — Cole estava dizendo. —Isso poderia matá-la!

—Se interrompermos agora — Respondeu Gwydion severamente. —Definitivamente vai.

Eu não estava com medo. Quem poderia ter medo na presença de algo assim? Ele deu dois passos lentos em minha direção, seus cascos ecoando a cada passo, apesar de andar sobre musgo macio. Eu assisti, impressionada e aberta, enquanto abaixava a cabeça, trazendo seu chifre longo e perversamente afiado ao meu peito. O ponto descansou logo acima do meu coração. De repente, pensei, como se estivesse compelida, a tudo o que recentemente senti culpa. Quando Gwydion se machucou, depois de me envolver nisso por minha causa. Colocando Cole em perigo pela mesma razão. Quando meus vizinhos encontraram o buraco no quintal onde o cachorro morto havia sido 'desenterrado por um leão da montanha', mesmo que o cachorro estivesse ressuscitado e vivendo feliz na casa da minha tia. Aprendendo que meus poderes estavam acelerando a maldição de Ethan. Quando Ethan quase foi morto me protegendo de Aethon. Na maioria das vezes eu tinha visto Ethan ultimamente, honestamente. Se não fosse por mim, ele ainda teria anos. Eu até me senti culpada por fazê-lo ficar comigo. Egoísta. Fazendo-o continuar lutando, mesmo que ele estivesse com medo e com dor só porque eu não queria perdê-lo ainda. Fazendo-o me ver flertar com os homens que eventualmente o substituiriam. Eu deveria ter recusado quando ele se ofereceu para abrir o relacionamento. Eu sabia que ele só estava fazendo isso porque ele não queria que eu estivesse sozinha. Eu deveria ter recusado ele quando ele se ofereceu para me ajudar com isso. Eu nunca deveria tê-lo colocado em perigo. Ele merecia mais que eu. Eu era uma necromante, e o que Julius dissesse, nunca seria capaz de me convencer, muito menos de mais alguém, de que era uma magia puramente inocente. Eu estava cheia de algo sombrio e mau, e não podia mudar isso.

Eu funguei, lágrimas escorrendo pelo meu rosto. Eu sabia que o unicórnio podia ver toda a minha culpa, e a vergonha me fez querer entrar em um buraco e morrer. Eu não tinha medo de que isso me matasse. Eu não estava pensando sobre isso. Eu só queria ser digna disso.

Senti algo molhado cair no meu ombro e abri os olhos. O unicórnio chorava, chorando lágrimas leitosas que se transformavam em cristal quando caíam na grama. Ele levantou o chifre do meu coração e agora encostou a cabeça na minha, como se estivesse tentando me confortar. Joguei meus braços em volta do pescoço sem um momento de hesitação e enterrei meu rosto na seda fria de sua juba. Irradiava contentamento, uma paz profunda e tranquilizadora que me assegurava que tudo ficaria bem. Não era apenas Justiça, como Gwydion pensava. Era a paz que seguia a verdadeira justiça.

—Em todos os meus anos, nunca vi isso acontecer. — Sussurrou Gwydion de onde estavam escondidos, parecendo atordoado. —Eu ouvi histórias, mas...

Respirei fundo, infundindo-me com o máximo de paz possível. A vertigem da intoxicação mágica se foi, mas eu estava feliz por isso. Eu nunca teria tido a coragem de me aproximar sem ela. Então me forcei a me afastar, embora uma grande parte de mim só quisesse seguir o unicórnio para sempre. Havia pessoas que ainda precisavam de mim aqui. E alguém que precisava disso muito mais do que eu.

—Vexa? — Ethan disse inquieto. —Você está bem?

Eu me virei para eles, sorrindo enquanto esfregava as lágrimas do meu rosto.

—Sim. — Eu disse. —Eu estou bem.

Estendi a mão para Ethan, acenando para ele avançar.

—Não faça isso. — Disse Cole. —Ela claramente perdeu a cabeça.

Ethan parecia nervoso, mas saiu de trás do mato, caminhando em nossa direção com cautela. O Unicórnio fez um barulho baixo e desapontado, como um cavalo, e se levantou um pouco, mas eu joguei meus braços em torno dele novamente, acariciando seu pescoço até que ele se acalmasse e deixasse Ethan se aproximar.

—Não tenha medo. — eu disse, pegando sua mão. —Não vai machucá-lo. Se pode chorar por mim, vai te amar.

Ethan não parecia certo, mas quando ele olhou para o Unicórnio, pude ver a admiração em seus olhos tão poderosos e profundamente enraizados quanto os meus. Eu não tinha sido a única sonhando com esse momento.

O unicórnio colocou seu chife no peito de Ethan, e vi as lágrimas nos olhos dele quase imediatamente. Ele soluçou, o ombro tremendo, enquanto revivia a culpa que o unicórnio havia trazido diante dele.

—Não olhe. — Ele implorou ao unicórnio, não a mim. —Eu não sou - eu não sou como-

Eu vi a ponta do chifre do unicórnio afundar no peito de Ethan apenas o suficiente para tirar sangue. Agarrei a mão de Ethan novamente, apertando com força.

—Seja honesto. — Insisti. —Você tem que olhar para tudo. Você tem que deixar que isso faça parte de você.

Ethan balançou a cabeça e senti um tremor de medo quando o chifre do unicórnio afundou um pouco mais fundo, com medo de ter cometido um erro. Mas não havia mais nada que eu pudesse fazer. Não havia nada que eu pudesse dizer agora. Ethan sabia que eu estava aqui, que o apoiaria, não importa o quê. O problema não estava comigo ou com mais ninguém. Era em Ethan.

O chifre afundou mais e eu agarrei a mão de Ethan, com medo de tê-lo levado à morte.

—Eu te amo. — Eu disse, a primeira vez que disse as palavras. A primeira vez que estive realmente, realmente certa de senti-las. —Ethan, eu te amo muito.

Ethan estremeceu, depois apertou minha mão.

—Tudo bem. — Disse ele, um som de aceitação cansada. —Bem.

A tensão sumiu dele, embora as lágrimas caíssem rápido e com força. O chifre do unicórnio recuou, não deixando feridas nem sangue. Deitou a cabeça ao lado da dele por um momento, antes que ele caísse de joelhos na grama. Caí ao lado dele, segurando-o perto. Ele tremia, ainda chorando muito.

—Vê? — Eu sussurrei. —Eu sabia. Eu sabia que pensaria que você é tão incrível quanto eu.

Ele soluçou, maravilhado e incrédulo em seus olhos quando olhou para o unicórnio. Mas quando ele olhou para mim, havia apenas amor em seus olhos.

—Eu também te amo, Vexa. — Disse ele. —Muito.

Ele me puxou para um beijo aos pés do unicórnio, que pressionou o nariz na têmpora de Ethan e depois na minha, antes que ele se virasse e se afastasse na sombra das árvores.

Fiquei de pé instável e puxei Ethan comigo enquanto Cole e Gwydion saíam cautelosos dos arbustos. Ethan me abraçou com força, e eu o abracei de volta, meus pensamentos ainda nos arrependimentos que o Unicórnio havia me mostrado. Não tinha falado ou compartilhado nenhuma sabedoria, mas a sensação de paz que me enchia me dava um tipo estranho de clareza, uma distância daqueles sentimentos que os tornavam mais fáceis de lidar. Eu esperava que Ethan sentisse o mesmo. Eu esperava que algo tão puro e mágico, declarando-o digno, aliviasse um pouco da dor contida dentro dele.

Cole me surpreendeu jogando os braços em volta de nós dois, a cabeça no meu ombro.

—O que eu acabei de dizer sobre fazer coisas estúpidas e perigosas? — Ele repreendeu, sua mão segurando firmemente as costas da minha camisa. Não pude deixar de sorrir com sua preocupação relutante. Ethan retornou meu sorriso, nós dois emocionalmente exaustos, mas cheios pela profunda paz do julgamento do unicórnio.

—Tenho certeza que você só me disse para não explorar fontes mágicas poderosas. — Provoquei. —Você não especificou que eu não deveria fazer nada perigoso.

Ele levantou a cabeça para me encarar.

—Você tem alguma ideia de como será inconveniente para mim se você morrer? — Ele disse.

—Bem, eu não gostaria de ser um inconveniente. — Eu disse com uma risada.

—Tarde demais. — Declarou Gwydion se aproximando de nós, colocando algo no bolso.

—Sua preocupação é comovente. — Eu disse a ele por cima da cabeça de Cole, depois coloquei um braço em volta de Cole para atraí-lo com mais segurança para o abraço, Ethan fazendo o mesmo. Cole ficou tenso sem jeito, mas não se afastou. Talvez fosse um pouco da intoxicação mágica ainda o afetando. Eu tinha certeza de que era o que ele culparia de qualquer maneira.

—Eu tenho certeza que isso faz com que vocês dois sejam dignos de serem reis da Inglaterra. — Disse Gwydion casualmente, claramente tentando entender tudo, como se eu não tivesse visto o medo dele. —Eu tenho a espada em casa, se vocês estiverem interessados.

Ethan abafou uma risada no meu ombro.

—Vou considerar. — Eu disse a Gwydion com um sorriso. Ele zombou com um arco, depois endireitou as roupas e limpou a garganta.

—Agora, realmente precisamos nos mexer. Magia assim vai atrair-

Ele foi interrompido por uma flecha acertando-o no peito.

Ele voou para trás, esparramando na grama. No mesmo momento, Cole e Ethan desabaram em ambos os lados de mim. Muito horrorizada para reagir, eu só podia ver uma fila de arqueiros emergir das árvores, flechas batendo, lideradas por um homem com barba dourada e uma coroa brilhante.

—Vocês invadiram a terra sagrada de Tir Na Nog. — Declarou o homem. —A rainha exige suas presenças.

 

 

 

Capitulo Onze


O charme que os fae costumavam colocar Ethan e Cole para dormir não funcionou em mim, provavelmente graças à jaqueta de Gwydion, então tive o prazer de ser amarrada e arrastada para as costas de um cavalo atrás do homem barbudo, algo que discordei veementemente, mas não pude fazer muita coisa. Não que eu não tentei. Convoquei todas as coisas mortas na área que pude alcançar, incluindo algum animal maciço e trêmulo que eu nem reconheci, e fui prontamente e completamente desligada com alguns gestos casuais dos fae. Eu poderia muito bem nem ter me incomodado. Eu consegui dar um tapa em alguns deles com necrose quando eles foram me amarrar e deram um bom chute, mas naquele momento, tudo que eu estava salvando era meu orgulho.

Eu assisti, doente de ansiedade, enquanto jogavam Ethan, Cole e Gwydion nas costas de seus cavalos, nem mesmo removendo a flecha de Gwydion, e nos levavam embora.

Não tínhamos andado muito tempo antes de chegarmos a um caminho verde, que logo se tornou uma estrada de terra bem trilhada e depois pavimentada um pouco mais em tijolos de pedra. A essa altura, o palácio já estava à vista.

Um imenso e reluzente edifício dourado, repleto de pináculos e filigrana, parecia algo que a Disney rejeitaria por ser exagerado demais. A vegetação caía em cascata de todas as paredes e janelas, flores quase mais comuns que o onipresente trabalho de pergaminho dourado. Era bonito, com certeza, mas não tinha nada no Unicórnio, e de qualquer maneira, eu estava ocupada sendo absolutamente irritada como o inferno.

Por fim, eles nos levaram a um enorme jardim no pátio, tão denso com plantas que dificilmente parecia haver espaço para as pessoas, cercados por todos os lados por finas colunas de mármore branco. Um maciço carvalho ficava em uma extremidade do pátio, e seu tronco fora cultivado, não esculpido, na forma de um trono elaborado, cravejado de pedras preciosas e marfim.

A mulher que estava sentada era, sem dúvida, uma rainha. Você poderia dizer que ela era uma rainha mesmo sem a coroa ou o lindo vestido dourado. Ela teria sido uma rainha completamente nua. Um lampejo daqueles olhos escuros deixaria isso claro. O fato de ela ter pelo menos o dobro da altura de qualquer outra pessoa aqui também pode ter contribuído para sua aura de superioridade real.

Sendo Rainha do Verão, eu meio que esperava uma loira, talvez uma ruiva. Mas o cabelo de Titania era o preto do solo rico, sua pele tão escura quanto uma noite de verão. Ela brilhava como o coração do sol e segurava um cajado de ouro em uma mão, que parecia ter uma estrela viva em sua cabeça de filigrana.

Fomos trazidos à sua frente, eu caminhando entre dois guardas e os outros três jogados sem cerimônia. O homem barbudo se ajoelhou para arrancar a flecha do peito de Gwydion. Assim que saiu, Gwydion acordou, tossindo e engasgando.

Lancei um rápido olhar para os homens de ambos os lados, depois chutei um na virilha e balancei os punhos amarrados para atingir a outra força total no rosto. Enquanto eles estavam cambaleando, corri para Gwydion, convocando um enxame de insetos para manter os guardas afastados enquanto eu o arrastava até nossos companheiros inconscientes.

 

—Teleporte-nos para fora! — Eu disse a Gwydion, tentando freneticamente manter os insetos mortos entre mim e os guardas, que pareciam apenas levemente aborrecidos por eles e não com pressa de me recapturar.

—Não posso. — Disse Gwydion, ainda sibilando.

—O que você quer dizer com não pode?

—Obrigada, Hern. — Titania disse graciosamente para o homem barbudo, ignorando minha tentativa de fuga completamente. —Por favor, remova o charme dos outros dois. Estou muito curiosa em saber o que os trouxe ao nosso reino.

Hern curvou-se profundamente, depois acenou com a mão e Ethan e Cole sentaram-se um momento depois, piscando em confusão.

—É o suficiente. — Disse Titania, e os insetos que eu estava controlando se transformaram em uma chuva de pétalas de flores instantaneamente, sem o menor gesto dela. Eu peguei qualquer outro poder que eu tinha e não encontrei nada. Apenas a paz prolongada do toque do unicórnio me impediu de surtar completamente. Os olhos escuros e brilhantes de Titânia voltaram-se para Gwydion, assim como os do resto da corte, que estavam quase invisíveis entre as flores do jardim, verdes e brilhantes. Pelo canto do olho, eles não pareciam humanos. Vi carapaças cambiantes e asas e olhos iridescentes cintilantes como jóias multifacetadas.

—Gwydion Greenwood. — Ela falou, e sua voz tremeu no ar e fez as flores girarem em sua direção. —Pensei em ver seu irmão ajoelhado diante de mim em uma dessas noites. Mas você não esperava. Você sempre preferiu os reinos mundanos.

Eu não precisava saber muito sobre faes para saber que isso era um insulto.

Gwydion recuperou o fôlego e lutava de joelhos. Ajudei-o tanto quanto me atrevi, com medo de tirar os olhos da rainha. Gwydion, pelo contrário, nem sequer a olhava. Ele manteve a cabeça baixa e a postura baixa.

—E ainda aqui está você. — Titania continuou. —E com um bando de humanos não menos. Que planos fascinantes você deve ter. Por favor, compartilhe-os.

—Nossa chegada aqui não foi intencional, Vossa Majestade. — Disse Gwydion, a cabeça tão baixa que seus cabelos roçaram o mosaico vidrado. —Um ladrão roubou algo meu e fugiu através de um portal. Foi por coincidência que o ladrão escolheu este lugar como destino.

—Nós dois vivemos muito tempo. — Disse Titania casualmente. —Muito tempo para acreditar na coincidência.

—Então claramente o ladrão sabia que me levar até aqui atrairia sua atenção e me impediria de seguir. — Disse Gwydion rapidamente. —Mas você deve saber que eu não voltaria a esse lugar de bom grado.

—E ainda aqui está você. — Disse Titania novamente. —E Hern, o melhor caçador da minha corte, não viu vestígios de sua pedreira. Somente você, perambulando pelo território que lhe era proibido antes do seu exílio.

—Vossa Majestade. — Disse Gwydion, e pude ver suor em sua testa. —Eu nunca tentei interferir nos seus assuntos. Mesmo antes das tolices que levaram à minha... partida. Você sabe que não tenho ambições.

—Você não tinha. — Titania confirmou casualmente. —Mas você passou mil verões entre os humanos, e quem sabe que influências tóxicas suas mentes mesquinhas podem infligir? Talvez você tente recuperar sua posição entre os Invisíveis, ganhando-lhes uma pequena vitória contra nós, nesta nossa época de supremacia?

—Não, Majestade, eu nunca...

—Você roubou o meu reino. — Disse Titania, uma onda de calor saindo do trono, o que me deixou tonta e com sede. —Sem aviso prévio em um jardim onde sua espécie sempre foi proibida, trazendo com você criaturas mortais com magia repugnante para suas almas, e você espera que eu acredite em suas intenções puras? Você me aceita como uma tola, Gwydion Greewood? Sílabas do seu verdadeiro nome - Sol à meia-noite, Espelho de Gelo, Canção de arrepio - eu poderia torcer você em mil formas e plantá-lo como uma das minhas árvores.

Enquanto ela falava, o calor aumentou até que eu mal conseguia respirar, como estar diante de uma fornalha no deserto. Gwydion se enrolou em si mesmo, a pele brilhando com suor, o cabelo mole. Eu podia ver a agonia em seu rosto e meio que esperava que ele evaporasse, um fio de vapor como um floco de neve caindo no fogo. Em vez disso, seus membros torceram e tensionaram, sua pele ficou escura, rachando em casca.

—Meu jardim pode usar uma ou duas sempre-vivas. — Disse Titania com crueldade preguiçosa.

Ethan e Cole estavam sofrendo sob o calor da mesma forma que eu, e os dois ainda estavam se recuperando da confusão do feitiço de dormir de Hern. Eu podia ver Cole se esforçando para encontrar sua mágica e não encontrando nada ao seu alcance. Ethan empurrou o Lobo para a superfície, mas a exaustão pelo calor diminuiu sua força e deixou seus dentes sem brilho e suas garras mal estendidas. Meus braços estavam em volta de Gwydion e, entre meus dedos, brotavam galhos, afiados com agulhas de pinheiro.

—Pare! — Eu exigi, com toda a força que pude reunir, o som ainda fraco dos meus pulmões sem ar. —Não foi culpa dele! Foi Gil-

De repente, o calor desapareceu e a casca desapareceu da pele de Gwydion.

—Então, foi Gilfaethwy quem voltou primeiro. — Disse Titania com um sorriso doce. —Por que você não mencionou que era seu irmão que você estava perseguindo? Eu poderia ter adivinhado. Ele sempre estava roubando seus brinquedos. Foi isso que levou você a essa confusão em primeiro lugar, não foi, querido?

Gwydion não conseguiu falar. Ele estava tremendo muito e mal conseguia se segurar. Lembrei-me com súbito medo como o que Gwydion havia dito que os Unseelie fariam com ele se ele voltasse. A Corte de Verão faria o mesmo e o torturaria para alcançar Gilfaethwy?

Lutei de pé, aproveitando a sensação de paz que o Unicórnio me deixou como se fosse uma piscina parada no meu coração.

—Gwydion não é seu para punir. — Eu disse e ouvi um murmúrio de choque e até risadas correndo pela corte reunida. Eu senti que provavelmente deveria ter me curvado ou adicionado uma 'Sua Majestade' antes de desafiar diretamente seu poder, mas era tarde demais para isso agora. —Ele não pertence ao seu tribunal.

Titania levantou uma sobrancelha escura e sorriu, divertida.

—Vejo você seguir uma nova rainha hoje em dia, Gwydion. — Disse ela, e tentei ignorar o rubor em minhas bochechas com a zombaria em seu tom. —Foi ela quem colocou o cheiro da morte em você?

Gwydion ainda não conseguia controlar as palavras. Ele agarrou o tornozelo das minhas calças com as mãos trêmulas, claramente tentando me fazer calar a boca de qualquer maneira.

—Bem, pequena rainha. — Titania disse com seu sorriso venenoso. —É verdade que não é da minha conta julgar os crimes dos quais ele originalmente fugiu. Mas ele passou por aqui, um Unseelie em Seelie pousa, e por isso tenho todo o direito da lei de exigir sua vida.

—Mas então você perderia Gilfaethwy. — Eu apontei, pensando rapidamente e puxando a primeira razão que eu consegui pensar na minha bunda. —E você nunca teria a chance de puni-lo pelo que ele fez.

Titania considerou isso, uma mão delicada em sua linda bochecha.

—Verdade. — Ela concluiu finalmente. — Mas o que me impede de poupar a morte de Gwydion? Em minha infinita misericórdia, talvez eu lhe conceda sua vida e apenas o castigue, infligindo toda tortura inteligente que minha corte possa conceber até que seu querido irmão se mostre apenas para acabar com a dor?

A mão de Gwydion apertou meu tornozelo, e o medo como água gelada em minhas veias fez o calor terrível da rainha parecer morno.

—Porque não funcionaria. — Eu disse, as palavras parecendo sair dos meus lábios antes de pensar completamente nelas. Procurei alguma justificativa para o que tinha acabado de dizer, ainda me perguntando por que o havia dito. —Ele... Gilfaethwy tem algum novo tipo de magia de proteção nele. É... provavelmente porque o seu caçador não o notou, mesmo que ele estivesse no seu território por mais tempo do que nós. Provavelmente bloqueia a conexão dele com Gwydion. Você poderia torturá-lo para sempre e Gil nunca sentiria nada.

Isso era absolutamente besteira. Eu não sabia disso. Gwydion mencionou de antemão que Gil tinha algum tipo de escudo impedindo Gwydion de usar o Vidro do Artífice nele. Era um alcance e meio afirmar que o impediria de sentir a outra metade de sua alma sendo torturada. Mas eu disse isso com tanta confiança quanto pude, olhando a rainha em seu rosto radiante, embora queimasse como se olhasse diretamente para o sol, e a vi reclinar em seu trono com uma expressão pensativa. Havia queimaduras ardentes nos braços do trono vivo onde suas mãos estiveram.

—Que pequena rainha interessante você encontrou. — Titania disse a Gwydion, que ainda estava ajoelhado aos meus pés, os dedos segurando minhas calças como se estivesse tentando rasgá-las. —Estou intrigada. É tão raro hoje em dia ver algo novo e divertido. Os humanos podem ser terrivelmente cansativos em números, mas sinto falta dos dias em que esses raros mortais excepcionais decidiram fazer algo tolo. Eles são terrivelmente estúpidos e inventivo. As mentes imortais tendem a se apegar à ideia de que já tentaram de tudo e o que não tentaram não vale o esforço. Isso as torna insuportavelmente entediantes.

—Honestamente, eu já vi essa atitude em muitos humanos. — Eu disse, um pouco tonta de estresse.

A rainha riu, um som clamoroso como sinos de metal tocando e tempestades de verão. Isso me abalou tanto que quase caí no chão ao lado de Gwydion.

—Bem, então, pequena rainha. — Disse Titania, cruzando as pernas e arrumando as saias com um segundo par de braços que eu ainda não havia notado. —Por favor, me diga como você resolveria esse problema. Estou muito curiosa para ouvir.

Engoli em seco e olhei para Gwydion, que balançava a cabeça sutilmente. Um olhar para Cole o viu também balançando a cabeça, com muito mais ênfase, e Ethan gesticulando com a mão esticada na garganta, no sinal universal de 'cale a boca antes que você morra'.

Eu decidi ignorá-los.

—Penitência. — Disse à rainha. —O castigo para nós quatro que invadimos deve ser penitência. Nós o pagaremos por nosso crime, trazendo a você alguém culpado de um crime muito maior. Vamos lá, vamos pegar Gilfaethwy e trazê-lo de volta a você para julgamento.

A boca perfeita de Titania se curvou em um sorriso largo e de dentes afiados que me fez lembrar de um gato de Cheshire.

—Que sugestão divertida. — Disse ela. A mão de Gwydion caiu da minha perna e Cole escondeu o rosto nas mãos. —Oh, já faz muito tempo desde que eu tive a chance de brincar com humanos. Outros Fae já conhecem todos os passos. Você nunca pode realmente vencer, ou apenas por centímetros. Que delícia ver alguém tropeçar diretamente em seu próprio sentido, mortes pela primeira vez. Eu nem precisei sugerir nada. Delicioso!

Meu estômago afundou aproximadamente 13 quilômetros na terra.

—Muito bem. — Disse Titania, batendo com o cetro no azulejo, que tocou como sinos. — Aceito. Vou perdoá-los pela invasão e permitir que vocês saiam, com a condição de voltar com o traidor Gilfaethwy e entregá-lo a mim. Como sou generosa, darei uma quinzena para protegê-los. Ao meio-dia daqui a duas semanas, se você não o trouxerem para mim, a penitência falhará e farei o que eu quiser com todos os quatro.

Fomos sumariamente expulsos do palácio. Sentamos na terra além de seus portões, recuperando o fôlego.

—Sua idiota. — Cole gemeu, com o rosto ainda nas mãos. —Você completa... Deus! Você nunca leu um conto de faes em sua vida?

—Eu não tive escolha! — Eu disse defensivamente. —Ela teria matado a todos nós! Pelo menos eu ganhei algum tempo.

—Ela não teria matado nenhum de nós! — Cole estalou. —Ela teria torturado Gwydion, talvez o trocado pelos Unseelie. Mas somos humanos enganados aqui por um Fae exilado que não é da sua corte. Ela não tinha poder sobre nós. Ela poderia ter tentado nos enganar para ficar ou fazer coisas de outra maneira. - difícil para nós, mas ela não poderia nos matar. Pelo menos até que você prometeu todas as nossas vidas a ela em troca de Gil!

Eu fiquei vermelha, envergonhada.

—Eu não sabia disso. — Eu disse, me sentindo uma idiota. —Fiz o melhor que pude!

—Além disso, devo lembrá-la. — Disse Gwydion em voz baixa, ainda sentado com a cabeça entre os joelhos. —Que se conseguirmos e levarmos Gilfaethwy até ela, a morte dele será minha também?

Engoli em seco.

—Ela querer Gilfaethwy mais do que você era a única alavanca que tínhamos. — Eu disse. —Nós vamos descobrir alguma coisa. Pelo menos agora temos algum tempo.

Gwydion respirou fundo, depois se levantou lentamente, oferecendo-me uma mão para meus pés também.

—Você está certa. — Disse ele, mantendo a voz muito calma, embora ele não olhasse para mim. —Não houve melhor curso de ação. Você preservou todas as nossas vidas, mesmo que por enquanto. Agora, precisamos ir e encontrar meu irmão; nesse momento, pretendo dividi-lo em dois, jogar metade no colo da rainha e levar a outra casa para viver o resto de sua vida miserável na menor e mais desconfortável gaiola que eu puder encontrar.

—É um plano. — Eu disse com um encolher de ombros. —Eu vou levar.

—Pergunta. — Ethan interrompeu. —Uh, então, primeiro de tudo... Essa era a rainha dos fae?

—Um deles, sim. — Respondeu Gwydion, relutante.

—Este lugar é de onde os fae vêm? — Ethan assumiu, gesticulando amplamente para Tir Na Nog.

—Não. — Disse Gwydion com um suspiro. —Esta é apenas a sede da Corte Seelie. Francamente, não se sabe de qual das Outras Terras os Fae emergiram, e supõe-se que o acesso a esse lugar tenha sido perdido.

—Como chegamos lá? — Ethan perguntou, ignorando as questões maiores que a declaração levantou. Repeti brevemente tudo o que havia acontecido entre Gwydion sendo alvejado e eles acordando em frente à rainha. Gwydion esfregou a flecha no ombro com uma careta como eu mencionei.

—Tudo bem. — Ele disse, balançando a cabeça. —Acho que já entendi. Mais uma pergunta. Como vamos encontrar Gil?

—Eu posso ser capaz de ajudá-los com isso.

Erguemos os olhos quando o homem de barba e a coroa de ouro, Hern, saiu dos portões do palácio ao nosso lado.

—Sua Alteza. Por que você nos ajudaria? — Gwydion perguntou sem rodeios.

—Sou o melhor caçador da Corte de Verão. — Respondeu Hern, igualmente direto. — Minha sombra na corte de inverno tem uma posição semelhante. Nenhum de nós jamais deixou escapar uma coisa que declaramos presa. Para que seu irmão tenha passado por meu território despercebido, e eu passo por sua trilha e não a sinta, é um insulto indescritível. Se minha sombra soubesse disso, a vergonha acabaria com nós dois. Devo segui-lo, pelo menos até onde ele foi em Tir Na Nog, por minha própria honra.

—Então você terá sua honra e nossa gratidão, rei Hern. — Gwydion confirmou.

—Eu também vou ter isso. — Disse Hern, apontando para mim. Meus olhos se arregalaram por um momento, antes que ele esclarecesse. —Ali, no seu casaco. No bolso. A chave que abre as portas entre os mundos.

Enfiei a mão no bolso do casaco de Gwydion e minha mão se fechou em torno de algo de madeira. Quando o tirei, ele se transformou em Cajado de Abeona. Gwydion empalideceu.

—Você não retribuirá meus esforços em seu nome com mera gratidão vazia. — Disse Hern. —Você vai me dar isso, e eu expandirei minhas áreas de caça para todos os mundos.

—Tenho outras bugigangas. — Afirmou Gwydion. —Coisas de muito mais utilidade para você do que para o pessoal. O Chifre de Caça que sua sombra perdeu na última vez que a Caçada Selvagem atravessou o reino mortal. Um sapato lançado do casco de Sleipner, que dará a qualquer montaria que a use a velocidade do rei dos cavalos.

—É esse cajado que eu quero. — Declarou Hern. —E eu terei isso ou nada.

—Então nada. — Disse Gwydion entre dentes. —E vamos encontrar Gilfaethwy por conta própria.

—Você confundiu minha oferta de caridade. — Disse Hern, frio e alto, a luz brilhando em sua coroa. —Caçarei Gilfaethwy com ou sem você. E se você me recusar, certamente o encontrarei diante de você e o devolverei à minha rainha pelos dentes dos meus cães. Aceite minha ajuda, me dê o cajado e eu lhe darei um avanço.

Até eu poderia dizer que estávamos sem opções.

—Precisamos pegá-lo. — Eu disse, interrompendo a despeito do quão ruim meu acordo foi na última vez. —Podemos dar a você depois que ele for entregue à rainha?

Hern considerou por um momento.

—Eu exigiria um vínculo. — Disse ele. —Garantia para garantir o pagamento. Um dos humanos faria.

—Não. — Eu disse imediatamente.

—Eles não seriam prejudicados. — Insistiu Hern. —E seria devolvido imediatamente após a entrega da equipe.

—Algo mais. — Eu insisti. —Nenhum humano.

—Aqui. — Gwydion enfiou a mão no casaco que eu ainda estava vestindo e tirou outra coisa, que reconheci após um breve vislumbre como o Espelho Branco e rapidamente desviou os olhos. —Isso. Você estava lá na noite do erro de Gilfaethwy. Você sabe o quanto eu o valorizo e o que significaria se fosse perdido para mim. É um seguro muito maior do que a vida de algumas espécies de pássaros como esses.

Hern pensou por um momento e depois balançou a cabeça.

—Essa coisa ofende os olhos da minha rainha. Eu não aceitaria isso por nenhum preço. É o cajado, ou nada.

Troquei um olhar com Gwydion, que rangeu os dentes e finalmente tirou o bastão de mim, entregando-o a Hern.

—O acordo está fechado. — Disse Hern, encolhendo o cajado e enfiando-o em seu gibão de ouro. — Encontrarei por qual porta Gilfaethwy saiu de Tir Na Nog e deixarei vocês para segui-lo por três noites. Quando a lua surgir na quarta noite, irei atrás dele eu mesmo. Se vocês não devolverem o traidor à rainha, então eu irei, e vocês se renderão à misericórdia da rainha como fracassos. Corram e eu os caçarei até o fim de todos os mundos.

 


Capitulo Doze


Nosso prazo foi reduzido de quinze dias para três dias e seguimos Hern, o Caçador, de volta às florestas de Tir Na Nog. Nós três já estávamos completamente sóbrios, a maravilha infantil da intoxicação mágica, fadada a uma desconfiança ansiosa de tudo o que viamos.

Hern nos emprestou cavalos para cavalgar ao lado de sua equipe de caça, em troca de três sílabas com o nome verdadeiro de um cavaleiro Unseelie que era o rival de alguém que ele gostava. Eu estava começando a aprender que segredos e favores eram a moeda corrente aqui, e absolutamente nada era dado livremente.

—O conceito de dívida é abominável para os Fae. — Explicou Cole quando mencionei isso. —Deixar uma dívida não paga é deixar outra pessoa com poder sobre você, em um sentido muito literal. Se Hern tivesse nos dado os cavalos e Gwydion não tivesse insistido em discutir como estava pagando por eles antes de aceitar, ele o faria. Deu a Hern um cheque em branco para nos deter mais tarde. Ele poderia ter exigido qualquer coisa, e Gwydion teria sido obrigado pela lei a entregá-lo. É por isso que alguns Fae ficam tão irritados se você tentar agradecê-los ou pagá-los.

—Então, o que Gwydion estava dizendo que Hern teria nossa gratidão mais cedo? — Eu perguntei.

—Foi um truque. — Disse Cole com um encolher de ombros. —Hern fez uma oferta padrão de um favor, que apenas um idiota aceitaria, mas é a abertura tradicional. Gwydion tentou interpretar a oferta de Hern como algo que Hern estava fazendo por si mesmo, não um favor que incorreria em dívida aberta ou um serviço que seria exigir pagamento, já que coincidentemente estaríamos nos beneficiando de seus esforços. Ele provavelmente passou muito tempo com seres humanos. Se Hern fosse estúpido, ele poderia ter entendido isso como um cheque em branco e aceito. Mas considerando que parece que Hern é o favorito da rainha no momento, ele provavelmente não é burro, e a implicação o insultou. Hern imediatamente esclareceu que estava oferecendo um serviço, exigiu um preço que sabia que Gwydion não gostaria de pagar e acrescentou uma ameaça em boa medida, como ele estava considerando, Hern teria tido motivos para atacá-lo pelo insulto.

—Deus, faes são uma merda. — Eu disse, esfregando a mão no rosto.

—Amém. — Ethan entrou na conversa.

As montarias de faes, pelo menos, eram extremamente bem comportadas. Eles eram um passeio mais suave do que a maioria dos carros em que eu tinha estado e não exigiam nenhuma direção de nós, o que era bom, já que apenas Ethan realmente sabia andar. Cole nunca tinha visto um cavalo de perto e ficou um pouco intimidado por toda a situação.

Passamos novamente pelo prado das flores de sino, e os cavaleiros de Hern tocaram uma música de marcha, um grande coro de vozes masculinas tão poderosas e unificadas que sacudiram as árvores e abafaram completamente o toque dos sinos. Eu não sabia dizer o que eles cantavam, as palavras derretiam no cérebro como manteiga na boca. Mas eu sabia que isso fazia meu sangue pulsar e meu coração disparar de emoção, ansioso para correr, perseguir e ser perseguida. Caçar e ser caçada. Não era a compulsão emocionante de muitas das outras influências que eu ouvi desde que estive aqui. Teria sido fácil confundir o desejo com o meu. O que, penso, só o tornou mais perigoso.

Passamos pela clareira onde vimos o Unicórnio, e vi Gwydion convocando a tela cheia de texto mágico novamente, procurando sinais de Gilfaethwy e ficando cada vez mais frustrado com o passar do tempo. Mas Hern avançou com total confiança e sem hesitação, parando apenas raramente para consultar o bando de cães excitáveis que vagavam em torno dos cascos de seu cavalo, que decolariam em uma cavalgada multicolorida de latidos animados em uma direção ou outra, e Hern faria orientar a equipe de caça para segui-los.

Finalmente, no que parecia um prado arbitrário entre as árvores, os cães começaram a latir e uivar, correndo em torno de um ponto no centro do prado.

Hern desceu do cavalo e se inclinou para tocar a grama, pensativo. Gwydion examinou sua tela mágica, os olhos disparando freneticamente, mas eu pude ver que ele não viu nada.

—Encontrei a pedreira. — Hern anunciou, endireitando-se.

—Como?— Gwydion exigiu. —Não há vestígios mágicos de Gilfaethwy em lugar algum!

—Claro que não. — Respondeu Hern. —Não acompanho a trilha dele há algum tempo.

Gwydion cuspiu em indignação.

—Sua sombra é inteligente. — Continuou Hern. —Ele colocou um pouco de sua vontade em uma corça comum. Ele vagou pelos seus negócios, criando uma pista falsa óbvia, enquanto a sua melhor e mais escondida seguiu um caminho mais direto. Vestindo a forma da mesma corça, ele foi aos gnomos e os faes de barro. Assim que soube que ele seguira naquela direção, soube o que ele planejava e nos trouxe aqui.

—Onde é aqui? — Eu perguntei, olhando em volta para a clareira normal.

—Ele não tinha ajudantes. — Reuniu Gwydion. —E ele não pôde ficar aqui por tempo suficiente para recuperar o poder de se teletransportar novamente. Ele negociou com os gnomos para lhe abrir uma porta para os Campos Escuros.

—Só assim — Hern concordou. —E provavelmente pagou um preço caro por isso. Felizmente, eu conhecia esse lugar e, portanto, não temos motivos para negociar com o povo da terra a passagem para o seu lugar ancestral.

Ele assobiou e seus cães começaram a circular novamente no centro do prado, correndo cada vez mais rápido, até que eram apenas um borrão manchado e um uivo alto e estridente.

Quando não puderam ir mais rápido, dispersaram-se de uma só vez, cada cão correndo em outra direção para queimar o momento antes de retornar a Hern, que os cumprimentou com tapinhas e guloseimas em seu alforje.

Onde eles estavam correndo, um buraco se abriu na terra.

Era o buraco mais escuro que eu já tinha visto, com as mesmas qualidades vazias sem fundo que o vazio atrás das portas no julgamento da porta demoníaca azul.

—O caminho está aberto para vocês. — Declarou Hern. —Vão em frente, e boa caça. Estarei atrás de vocês daqui a três dias, e se a presa tola permanecer nos reinos mágicos, duvido que demore mais de um dia para capturá-lo. Se ele for para na Terra, pode me levar três. Então, eu sugiro que você se apressem.

—Sua ajuda é apreciada. — Disse Gwydion, tenso. —E devidamente paga.

Hern assentiu. —Não há dívida. No entanto...

Gwydion deu um passo em direção ao buraco e parou enquanto Hern falava. Hern avançou com um belo cão de visão prateado, elegante e comprido, com finos olhos escuros.

—Eu estaria disposto a lhe emprestar um dos meus cães. — Disse ele. —Ela é mais esperta do que a maioria dos fae, mais veloz que a luz e totalmente implacável. Ela teria sua sombra em suas mandíbulas ao amanhecer. Tudo o que eu pediria em troca é um dos seus humanos. O espinhoso de cabelos escuros, talvez. Ele faria um excelente terrier.

—Não, obrigada. — Eu disse antes que Gwydion pudesse responder, não querendo arriscar. —Nós temos nosso próprio cão.

Eu dei um tapinha em Ethan com um sorriso brincalhão.

—Isso não é um cão de caça. — Respondeu Hern, sem deixar vestígios de sorriso no rosto. —Isso é um lobo. Ele não tem mestre, e qualquer homem tolo o suficiente para tentar treiná-lo logo encontraria sua garganta nos dentes. Se você perguntar a minha sabedoria, é melhor deixar um animal como esse ser deixado na natureza ou abatido.

—Sinto muito. — Eu disse alto, pegando a mão de Ethan e puxando-o em direção ao buraco. —Eu não pude ouvir seu conselho não solicitado sobre o quanto eu amo meu namorado! Tchau!

Gwydion balançou a cabeça, mas a julgar pelo fato de o mundo não ter caído ao redor dos meus ouvidos, recusar-se a reconhecer seu conselho ‘dado livremente’ provavelmente era uma boa ideia. Ele me apontou para o buraco e, vendo que não havia escada ou degraus, dei de ombros e pulei.

A escuridão passou correndo por mim, uivando em meus ouvidos. Terra fria roçou meus ombros quando eu me afastei muito de cada lado. Depois que eu cai pelo que pareceu uma eternidade (e comecei a me preocupar com a bagunça), houve um estranho movimento indutor de náusea no meu estômago e, de repente, eu estava caindo na outra direção, de cabeça primeiro.

Eu me esforcei para me endireitar, perdendo completamente a noção de cima e para baixo, preocupada de cair do mesmo buraco no colo de Hern.

Em vez disso, caí de pé em terra dura e negra.

Ethan pousou ao meu lado, tendo caído do nada e parecendo muito confuso. Cole o seguiu e, um segundo depois, Gwydion pousou também.

Enquanto isso, eu estava olhando em choque para o terreno ao nosso redor.

Dizer que era montanhoso era fazer um desserviço às montanhas. Havia picos irregulares, mas eles tinham pouco em comum com as montanhas da Terra, que eram majestosas erupções de pedra envoltas em vegetação e neve. Esses... tumultos de solo negro pareciam ter mais em comum com a sujeira agitada após uma extensa construção. E não havia nada verde. Nenhuma árvore morta ou erva murcha até onde os olhos podiam ver. A terra parecia explodida, queimada e atropelada por um trator. O céu era de um laranja sombrio desbotando para um vermelho feio da cor da pele rasgada. Não consegui encontrar o sol.

—Os Campos Escuros. — Gwydion nos apresentou antes que pudéssemos começar a fazer perguntas. —Lar dos anões. Muitos dos Fae que vivem no solo ou sob o solo consideram que este foi seu lar ancestral até que, de acordo com a tradição oral e precisamente nenhum registro em primeira mão ou evidência física, a indústria furiosa dos anões que habitam profundezas queimaram a superfície da vida e afastaram todas elas, o que provavelmente é uma invenção destinada a distingui-las do resto da corte que, como eu disse antes, perdeu toda a memória de nosso reino nativo há tanto tempo que nem as rainhas se lembram disso.

—Isso aconteceu antes de serem coroados? — Eu perguntei.

—Possivelmente.

—Então, a rainha não governa para sempre?

Gwydion me deu um olhar estranho antes de responder.

—Em teoria. Todos os Fae são imortais, mas nós não somos Verdadeiros Imortais. Os Verdadeiros Imortais não podem realmente ser mortos de nenhuma maneira. Os Imortais regulares simplesmente requerem circunstâncias específicas e, muitas vezes, encontram o caminho de volta à vida, independentemente através das fileiras da corte, o número de vulnerabilidades que temos se torna cada vez menor. A realeza logo abaixo dos monarcas reinantes é invulnerável a quase tudo, exceto profecias, heróis e uns aos outros. As rainhas reinantes e seus reis caídos estavam acima mesmo assim, voltando mesmo depois de serem mortos por Heróis, ou um pelo outro. Mas o problema com Oberon e Morozko deixou alguns se perguntando se talvez as circunstâncias para matar um monarca fossem simplesmente mais específicas do que pensávamos. Se os monarcas não são eternos, como é feito um monarca? Nunca houve outras rainhas além de Mab e Titânia. Nenhum rei além de Morozko e Oberon. Não na memória viva. Histórias antigas que mencionam coroações e casamentos reais. Até crianças. O que implica que as coisas nem sempre foram como são. E com a perda dos reis, elas podem mudar novamente.

Eu não esperava uma resposta tão extensa e não tinha certeza do que fazer com ela, além de aceitar que Gwydion realmente gostava do som de sua própria voz.

—Então, por que Gil veio aqui? — Cole perguntou, chutando uma pedra, que derrapou na encosta em que estávamos em uma pequena cascata de cinzas e sujeira enegrecida.

—Considerando que ele parece ter vindo aqui deliberadamente, não apenas em uma tentativa contínua de nos jogar fora — Disse Gwydion, caminhando ao longo da encosta, — Presumo que ele esteja aqui para ver os anões. O que colocou uma idéia muito desagradável na minha cabeça.

—O que é? — Eu perguntei enquanto o seguíamos.

—O vidro do meu artífice é feito pelos anões. — Disse Gwydion, sombrio.

Isso não me explicou nada, mas por mais que Gwydion gostasse de se ouvir falar, ele gostava mais de drama. Ele não deu mais detalhes enquanto caminhávamos pela terra queimada.

—Deveria haver uma porta aqui perto. — Disse ele, olhando as encostas ásperas à frente.

—Por que o túnel nos deixou aqui? — Eu perguntei. —Estou assumindo que os anões estão todos no subsolo, certo?

—Correto. — Confirmou Gwydion. —Mas nenhuma mágica, exceto a mágica dos anões, funciona abaixo do solo aqui. Há mágica no ar. Você pode lançar tudo o que gosta acima do solo. Mas sob a terra, ela é apagada como uma vela. Os anões aprenderam a bombear a magia da superfície, batendo-a em uma forma sólida e criando magníficas ferramentas e encantamentos. Dizem que eles inventaram todo o conceito de encantamento. Mas nenhuma mágica ou magia natural funcionará em seus corredores.

—Isso é preocupante. — Murmurei. Curiosamente, procurei qualquer coisa morta que pudesse usar, mas não havia nada dentro do alcance. Tudo o que havia morrido aqui havia morrido há tanto tempo que não havia mais vestígios, nem mesmo ossos. O próprio planeta era uma grande coisa morta, e eu tinha certeza que nem Aethon tinha poder suficiente para aumentar.

Mas logo chegamos a uma porta de pedra indefinida, situada em uma colina em ruínas e coberta de cinzas. Gwydion bateu com força e sentou-se na terra.

—Sente-se. — Ele aconselhou. —Vai demorar um pouco. Eles precisam subir. Essas portas não são usadas com frequência.

—Você tem certeza que eles ouviram? — Eu perguntei, sentando-me.

—Oh, certamente. — Confirmou Gwydion, recostando-se na colina e fechando os olhos. —Estamos pisando no telhado. Eles sabem que estamos aqui. O importante é nos anunciar como convidados, em vez de intrusos. A lei dos anões não é como a lei dos Fae, mas eu tenho um pouco de compreensão disso.

Então nós esperamos. Depois de toda pressa e estresse, parecia estranho estar esperando. Isso me deixou inquieta e com coceira. Cole e Ethan pareciam ansiosos também.

Eu assisti o céu, supondo que fosse pôr do sol e seria noite em breve. Mas as cores não mudaram e a luz não desapareceu, o que me deixou desconfortável.

—Podemos dar ao luxo de esperar assim? — Eu perguntei. —Temos apenas três dias.

—Menos que isso. — Respondeu Gwydion. —O tempo se move de maneira diferente aqui em Tir Na Nog. Os anões minaram o sol, você vê. Então, tudo fica parado. Enquanto isso, o tempo relativo dos outros reinos corre sem ele. Provavelmente já perdemos meio dia, A oferta de Hern de três dias foi uma piada cruel. Estou apenas esperando que os anões nos deixem entrar antes que ele chegue. Hern tentará atacar com todos os seus cães, e os anões o matarão ou o jogarão no mínimo e possivelmente nos comprar algum tempo.

Eu olhei para Gwydion quando o horror tomou conta de mim. Ethan e Cole estavam prestando atenção agora também.

—Por que você não disse algo sobre o tempo antes? — Eu disse, lutando contra o desejo de sacudi-lo. —Não podemos ficar sentados aqui! Precisamos fazer alguma coisa!

Eu pulei de pé, tentando encontrar uma maneira de abrir a porta. Ethan apenas apoiou a cabeça nos joelhos. Cole levantou-se para me ajudar com a porta, embora ele se movesse mais devagar.

Em sua defesa, Gwydion pelo menos pareceu um pouco surpreso com a minha angústia.

—Eu pensei que já tinha explicado que conceitos como tempo não funcionam da mesma forma nas Outras Terras. — Disse ele com uma careta. —Você não entendeu?

—Claramente, não o entendemos. — Respondeu Cole por mim. —Ficamos com a impressão aparentemente equivocada de que realmente tivemos uma chance.

Gwydion suspirou e se levantou, me puxando gentilmente para longe da porta. Eu considerei fortemente dar um soco nele, mas algo em sua expressão me fez hesitar.

—Ainda temos uma chance. — Disse ele, me olhando nos olhos. Eu não tinha percebido o quão raramente ele fazia isso antes agora. —É menos tempo do que pensávamos, mas não é uma sentença de morte. E agora, nossa melhor opção é apenas ser paciente. Não há mais nada que possamos fazer.

Sentei-me de novo, passando as mãos pelos cabelos enquanto minha cabeça latejava com uma dor de cabeça tensa que se formava desde antes de aterrissarmos em Tir Na Nog.

—Isso é culpa minha. — Eu gemi. —Eu nunca deveria ter tentado falar com a rainha. Eu não deveria ter parado para acariciar o unicórnio. Eu não deveria ter te distraído para que Gil pudesse escapar em primeiro lugar. Eu nunca deveria ter tocado aquela vela estúpida...

—Isso é bastante presunçoso da sua parte. — Zombou Gwydion, o que não era a reação que eu esperava. Ele se sentou ao meu lado enquanto eu esperava que ele elaborasse. —Com o que eu quero dizer, acredito que você está inflando bastante sua própria importância nessas coisas. Tenho quase certeza de que tudo teria acontecido mais ou menos da mesma maneira. Estou certo de que nossa posição seria realmente pior se você tivesse não divertisse a rainha. Eu certamente não estava em posição de barganhar, e você nos comprou tempo, o que não é pouca coisa e muitas vezes tudo o que realmente pode ser feito. Hern ainda nos pegaria, mesmo que não parássemos para o unicórnio, e acredito que sem a influência dele, você não seria capaz de enfrentar a rainha. Quanto a Gil e a vela, bem, essas duas coisas foram totalmente minha culpa.

—Eu me perder em sua casa e tropeçar em um de seus artefatos não foi sua culpa. — Protestei.

—Eu discordo. — Disse Gwydion calmamente. —Eu poderia ter avisado você sobre os perigos em minha casa. Eu poderia ter levado você a um lugar confortável para esperar e lhe dito para não vagar. Eu poderia ter te libertado da porta e depois retornado às minhas responsabilidades. Mas, como em expondo você à vela, optei por não, porque queria ver o que aconteceria. O que, embora seja uma razão compreensível para a maioria das fae, é uma desculpa ruim para os humanos.

—Gil disse a mesma coisa sobre a maldição de Ethan. — Lembrei. —Ele tinha que ver o que aconteceria.

—É uma compulsão dos fae. — Disse Gwydion com um encolher de ombros. —Mas não inegável. Eu poderia ter resistido ao desejo. Que eu não fiz isso não é culpa de ninguém, mas é minha.

—Eu também poderia ter resistido. — Apontei. —Eu não tinha que pegar a vela. Eu não tinha que vagar em sua casa estúpida. Eu não tinha que aceitar sua... oferta, no jantar.

—Então, qualquer culpa que você carregue é diminuída pelo fato de você não ter ideia do que estava fazendo, e eu fiz.

Eu bufei de frustração.

—Eu definitivamente sabia o que estava fazendo no jantar. — Eu disse. —Eu sabia que ninguém estava de olho em Gil.

—Você supôs que eu não o teria deixado se não tivesse certeza de que ele estava seguro. — Disse Gwydion com um encolher de ombros. —E nós dois estávamos um pouco frustrados e distraídos, se bem me lembro. Se você era um pouco ingênua em acreditar que eu poderia confiar, isso dificilmente é um crime.

—Por que você não deixa isso ser minha culpa? — Eu perguntei, agitação crescente. Gwydion me encarou com um olhar curioso.

—Por que você quer que seja sua culpa?

Recostei-me, mal percebendo que estava de pé novamente.

—Eu não sei. — Eu disse, passando a mão pelo meu cabelo novamente. Eu o endireitei na manhã em que saímos da casa da minha tia, há quanto tempo isso era agora, mas entre o mergulho em Costa Distante e toda a volta, estava ficando completamente encaracolado novamente e rígido com água salgada. —Problemas de controle, provavelmente.

—Você parece ter aqueles em espadas.

—Sim, estou começando a descobrir isso.

Ele colocou a mão no meu ombro, o gesto um pouco rígido, mas eu poderia dizer que ele estava tentando me confortar.

—Por que você está sendo legal comigo? — Eu perguntei. Pensando bem, durante todo o caminho em Tir Na Nog, ele tinha sido extraordinariamente atencioso. Para ele de qualquer maneira.

—Você salvou minha vida. — Ressaltou. —De uma maneira bastante fantástica.

—Você realmente teria morrido? — Eu apontei. Ele encolheu os ombros.

—Quem pode dizer? Afogar-me não é tipicamente uma das maneiras pelas quais eu posso morrer. Mas a Costa Distante é um lugar estranho. A morte se aproxima da superfície. A imortalidade é um pouco mais porosa do que o habitual. E eu estava com pouca mágica. Pode ter certeza de que eu ficaria inconsciente por muito mais tempo do que você precisaria morrer de fome ou sede ou ficar desesperada o suficiente para tentar usar o bastão, destruindo assim as moléculas. Eu teria acabado sozinho, à deriva em coma, e adivinhar o que poderia acontecer então, em um lugar como Costa Distante, só pode ser especulação infundada.

—Então, você me deve? — Eu perguntei, franzindo a testa. —Cole mencionou que vocês odeiam isso.

Gwydion desviou o olhar, os olhos examinando a paisagem árida e torturada.

—Não é tão simples. — Disse ele por fim, quieto como este planeta silencioso. —Existe uma dívida. Mas eu não me ressinto. Existem alguns grilhões que até usamos de bom grado.

Percebendo que havia algo que ele não estava me dizendo, fiquei quieta e esperei que ele gostasse de se ouvir falar para tirá-lo melhor. Mas ele não disse mais nada. Abri minha boca para induzi-lo, apenas para ser interrompida pelo raspar de pedra quando a porta na cidade de Dwarven se abriu.

 

 

 

 

 

 

 

 


Capitulo Treze


O anão não se parecia com o que eu esperava.

Eu havia antecipado algo parecido com o que as pessoas com nanismo eram na Terra. Curto e atarracado, provavelmente com barbas. Que fantasia havia me dito que os anões se pareciam a vida toda.

O anão na minha frente, no entanto, parecia algo entre um texugo e uma toupeira de nariz estrelado.

Era curto, mais ou menos um metro e oitenta, e coberto por um denso pelo cinza. Seu pelo afinava até um subpelo mais elegante, perto do delicado órgão sensorial rosa no centro de seu rosto pontudo e sem olhos, e nas costas de suas patas dianteiras, equipadas com garras longas e perversamente curvas. Seu 'nariz' se contorcia de forma independente, de uma maneira fascinante e também um pouco nauseante de assistir. Usava um avental de couro e nada mais. Andava um pouco inclinado para a frente, como se preferisse andar de quatro.

—Você tem sorte de eu ainda estar tão perto da superfície. — Disse o anão com uma voz surpreendentemente genial enquanto nos conduzia para os túneis de terra apagados. —O forte da Primeira Vigia fica a uma curta caminhada de distância desta porta normalmente. Mas eu tive que deixar algum outro idiota dominado pelo sol entrar em menos de meio turno atrás.

Gwydion tirou um pequeno acessório encantado de seu casaco, que parecia o tipo de bolas de cristal que eu imaginava antes. Ele sussurrou uma palavra e brilhou o suficiente para iluminar vagamente o nosso caminho. Pela fraca luz empoeirada da mariposa, trocamos um olhar significativo.

—Onde ele foi? — Eu perguntei. —O idiota do sol, quero dizer.

—Não perguntei. — Disse o anão com um encolher de ombros. —Ele já alcançou a Primeira Vigilância a essa altura e eles o enviarão para onde ele pretender ir.

—Você não estava curioso? — Eu perguntei. —Quero dizer, pessoas de outros mundos vêm aqui com tanta frequência?

—Eu imagino que ele ficou agradecido por sair do sol! — O anão riu. Seu focinho comprido estava cheio de dentes afiados e finos, e ele não se virou nem olhou para nós quando falou. Provavelmente devido à falta de olhos. —Eu não consigo entender por que vocês correm por mundos que ainda os possuem. Mineramos o nosso e a luz ainda é insuportável.

Pensei em perguntar como ele poderia dizer, considerando que ele não tinha olhos, mas decidi que poderia ser rude.

—Acho que é exatamente com o que estamos acostumados. — Disse diplomaticamente. —Nascer lá em cima e tudo.

—Bem, está tudo bem. — Disse o anão com um tom distinto de pena. —As portas da Cidade Baixa estão abertas a todas as pobres massas queimadas pelo sol. Temos espaço suficiente para todos, e sempre há trabalho a ser feito. Eu imagino que vocês todos acabarão aqui eventualmente, uma vez que se espalhe a notícia de que há uma alternativa para viver na superfície. Em que trabalho você espera ser colocado?

—Uh, nós não somos-

—Você nunca conseguirá um emprego em engenharia, então não se preocupe. Nenhum anão que valha a bigode confiaria em um túnel construído por um da superfície. Você simplesmente não tem o menor sentido, sem ofensa. Ouço que algumas da superfícies fazem encantadores decentes, mas não há mobilidade para isso, mas posso dizer bem ao capataz da mina Fernfossil, se quiser, encontrar um bom trabalho sólido no transporte de solo e valorizados. Limpe o solo por apenas algumas décadas e você pode abrir sua própria empresa.

—Na verdade, não estamos procurando trabalho. — Eu disse rapidamente antes que o anão pudesse continuar falando. —Estamos apenas tentando encontrar o homem que veio aqui mais cedo. Então vamos embora.

Isso realmente fez o anão parar.

—Por que diabos você quer fazer isso? — Ele perguntou. —Agora que você sabe como é adorável, fresco e escuro aqui em baixo? — Comecei a explicar, mas ele me dispensou com um aceno de suas longas garras. —Você mudará sua música quando vir a cidade. Melhor construção em todos os mundos.

O anão parecia um pouco ofendido e não falou muito mais enquanto continuávamos descendo o túnel.

Um turno, ao que parece, durou cerca de quatro horas, e a Primeira Vigilância estava a um turno da porta. Enquanto caminhávamos, o túnel mudou lentamente de terra nua para terra empacotada com pedra, pedra esculpida e tijolo fino. Havia uma ênfase definida na função sobre a forma, pelo menos pelo que podíamos ver pela luz fraca de Gwydion, mas ao mesmo tempo, os corredores eram amplos, confortáveis e bem conservados. Não estávamos tropeçando em tijolos soltos, e o ar estava relativamente fresco. O único problema era a falta de fontes de luz.

Ainda assim, já estávamos há um tempo antes de chegarmos aqui. Ethan e Cole haviam conseguido algumas horas de descanso na casa de Gwydion (e eu tinha comida possivelmente encantada e sexo possivelmente mágico), mas isso não compensava as horas que passávamos por reinos mágicos sem nem mesmo uma pausa para o almoço. Estávamos todos começando a parecer bastante irregulares.

Os confortáveis túneis anões apresentavam bancos e fontes regulares de pedra esculpida, trazendo água fria da nascente mais para baixo, mas nosso guia parou para usá-los menos da metade com a frequência que gostaríamos que ele usasse e, em geral, não parecia se cansar. Ele andava devagar, falando apenas ocasionalmente para comentar sobre o tipo ou a qualidade da pedra que estávamos passando.

—Há muita diversidade nesses túneis! — Ele alegou. —É mais eficiente usar pedra local sempre que possível, em vez de transportar tijolos de mais fundo. Então, você ver todos os tipos de técnicas inteligentes usadas para tirar proveito da pedra menos do que a ideal, mantendo tudo dentro dos altos padrões da Código do engenheiro. Pegue este gesso, por exemplo...

Ele continuou assim por um tempo. Aprendi depois de uma ou duas dessas palestras que ele só se ofendia se eu tentasse contribuir com a conversa. Então, todos ouvimos em silêncio, aprendendo mais sobre geologia do que qualquer um de nós jamais se interessou em saber.

Finalmente, a Primeira Vigilância apareceu. Com o que quero dizer, o túnel terminava em um par de portas pesadas, que os Anões introduziram como forte, com grande orgulho. Depois das portas, era um pouco mais impressionante. As portas se abriram para uma ampla calçada, que serpenteava para baixo e para longe de nós, ao redor dos lados de um grande caldeirão. Era iluminado pela primeira vez por uma enorme esfera presa em anéis de latão pendurados no teto, que brilhavam com o que parecia ser a luz do sol.

—Uhg. — O anão fez uma careta. —Sinto muito por isso. Desvantagem de morar em qualquer um dos Fortes. O superintendente do Anel insiste em manter os turnos claros onde essas malditas lanternas estão acesas. Muitos da superfícies vivem nos fortes. Aparentemente, isso ajuda a se adaptar.

As paredes da cratera afundada estavam abarrotadas de prédios esculpidos, seu tamanho e estilo eram extremamente regulares e eficientes, sem perda de espaço. Olhando para baixo, o Forte parecia uma cidade pequena, cheia de vida, nem toda idêntica ao Anão ao nosso lado. Quando ele nos levou para o Forte, um carrinho passou por duas criaturas humanóides do tamanho de anões, que pareciam ser feitas de pedra bruta. Eles eram tão sem olhos quanto os anões e nos ignoraram completamente. Ethan, distraído olhando de soslaio para a lanterna, esbarrou em um deles. Ele se desculpou profusamente, mas não notaram ou reconheceram a colisão ou o pedido de desculpas, apenas se endireitaram e continuaran.

—Não se preocupe. — Disse o anão. —Os Construtos não estão vivos. Eles são apenas material de sucata encantado que usamos para tarefas domésticas ou trabalhos muito perigosos para arriscar os Anões.

—Oh. — Ethan disse, cuidando do carrinho em retirada com uma expressão preocupada. —Eles não podem... sentir as coisas, podem?

—Claro que não. — Zombou o anão. —Eles são feitos de pedra. Sem terminações nervosas, sem cérebros para pensamentos complexos. Se não lhes disserem para sair durante um desmoronamento, eles simplesmente ficarão lá e se deixarão enterrados. Os roteiristas precisam escrever tudo. Seus comportamentos no papel e assados quando são feitos, e eles não podem fazer nada que não esteja nesse papel, a menos que você os abra e adicione novos comportamentos. Eles estão apenas movendo ferramentas, amigo. Você não vai perguntar a uma broca se ela tem sentimentos só porque acontece, não é?

—Não, mas uma broca não tem o formato de uma pessoa. — Disse Ethan defensivamente. O anão deu de ombros.

—É uma forma eficiente. Versátil. E é o que construímos para todas as portas para caberem.

Um ponto decente.

—E se alguém escrevesse um comportamento como 'estar vivo' ou 'pensar com identidade' ou algo em seu papel? — Eu perguntei curiosa.

—Você acha que eles não tentaram isso logo? — O anão riu. —Alguns dos roteiristas particularmente excêntricos ainda estão tentando. Mas você não pode usar um martelo para um balde e não pode fazer uma pedra pensar que é uma pessoa.

Ainda assim, finalmente chegamos a um tópico de conversa sobre o qual eu não conseguia ofender o sujeito que estava falando, então conversamos sobre as tentativas fracassadas do roteirista de fazer um constructo vivo (parecia haver duas grandes escolas de pensamento sobre o assunto, um escrevendo comportamentos muito amplos abertos à interpretação e o outro escrevendo listas cada vez mais específicas e detalhadas de todas as minúcias da vida - mais os maçons radicais que pensavam que a resposta era esculpir os cérebros dos Construtos, que geralmente eram considerados malucos) até o fundo do forte. O forte era realmente muito bom. Eu não sabia o suficiente sobre arquitetura para apreciar a qualidade da construção, e qualquer floreio artístico tendia a ser tátil ou até auditivo, então não havia muito o que olhar. Mas os anões claramente tinham talento para o planejamento da cidade. Tudo era eficiente, limpo, fácil de navegar, provavelmente bem rotulado, embora eu não pudesse ler a sinalização anã e, como no túnel da porta da frente, sempre havia muitos lugares para sentar e uma fonte quando você queria uma. Havia até canteiros de flores e espaços verdes, embora fossem baseados em fungos e musgos.

—Agora, é provável que seu amigo tenha ido até o escritório de refugiados. — Disse o anão, apontando para um prédio com uma placa complexa em anão ilegível. —Ele precisaria de um passe de trem para deixar o forte. Eles deveriam poder lhe dizer para onde ele foi.

Dissemos adeus ao nosso guia que, apesar de tudo, tinha sido bastante gentil, e seguimos para o Escritório de Refugiados.

Era um prédio pequeno e eficiente, com assentos confortáveis e um anão amigável na recepção, que ficou encantado em nos ver, pois raramente viam mais de um ou dois refugiados em um dia. Fiz uma tentativa inútil de garantir que não éramos refugiados e não planejávamos ficar. Eles apenas nos garantiram que mudaríamos de ideia e nos deram nossos pacotes de orientação, que incluíam o passe de trem que nosso guia havia mencionado - um pedaço fino de lata ou alumínio duro, talvez com nossos nomes, espécies e portão de entrada. Após algumas discussões, o escrivão também cedeu e nos disse para onde Gil havia ido.

—Ele foi para a cidade central, para o palácio antigo. — Explicou o anão. —Alegou que ele tinha negócios urgentes com o rei. Queria saber se havia uma linha expressa.

—Existe? — Eu disse, meu coração batendo mais rápido, mesmo com um pouco de progresso. O anão fez um gesto ambivalente.

—Se você pegar o trem daqui até a mina de Limespire no segundo anel e depois transferir para a Linha R, ela para no distrito histórico do governo. Mas você precisará de autorização de turismo em seus cartões de trem. Gostamos de ficar de olho em o movimento de novos cidadãos, apenas por precaução. Depois de uma década ou mais, você poderá se mover livremente entre os anéis, como qualquer cidadão.

—Você pode nos dar isso? — Eu disse impaciente. —Autorização de turismo? Precisamos ver o rei também.

—Bem, eu posso. — Disse o anão, hesitante. —Mas vocês tem certeza de que é isso que você querem? Quero dizer, é apenas que não tenho certeza de que seu amigo sabia exatamente o que estava fazendo. Ele parecia pensar que o rei poderia ajudá-lo com alguma coisa, mas, bem, somos parlamentares. Monarquia. O rei é um velho simpático e todos nós o amamos, mas não é como se ele realmente tomasse alguma decisão. Se ele quisesse conversar com a União dos Engenheiros, talvez, ou o Parlamento dos Superintendentes, até o nosso capataz local...

O anão parou sem esperança.

—Sim, ele é um idiota. — Eu concordei imediatamente. —Também não sabemos o que ele está planejando. É por isso que precisamos alcançá-lo o mais rápido possível e impedi-lo de fazer algo estúpido.

O anão da mesa suspirou e pegou nossas cartas de trem de volta, usando um dispositivo que parecia um furador pesado para carimbar um quadrado estriado no canto de cada uma de nossas cartas, o que aparentemente nos deu permissão para turismo.

Sem perder tempo, seguimos apressadamente na direção em que o recepcionista nos dissera que poderíamos encontrar a estação de trem. No meio do caminho, a mudança brilhante terminou, e a enorme luz da lanterna desapareceu quando grossas cortinas de metal foram desenhadas em torno dela. Gwydion pegou seu pequeno globo de luz novamente e navegamos pela cidade no semi-escuro. Ocasionalmente, víamos outros não-anões, outros refugiados, cuidando de seus negócios à luz de dispositivos mágicos como os de Gwydion ou lâmpadas que pareciam ser versões em miniatura da lanterna. Não havia muitos, e quase nenhum deles era remotamente humanoide.

Felizmente, o trem não estava muito cheio, mas a maioria dos outros passageiros era anão, que nos deu olhares curiosos ao encontrarmos lugares frente a frente.

—Finalmente desistiram do sol, hein? — Um perguntou alto e amigável. Eu apenas sorri e assenti.

—Você não vai se arrepender! — o anão me assegurou.

Eu não tinha certeza do que pensar dos anões. Eles certamente eram amigáveis. E avançados, para uma espécie de fantasia que vivia no subsolo em outro universo. Eles tinham transporte público (a viagem de trem era o cheiro mais suave e agradável que eu já havia experimentado) e, de acordo com o pacote de orientação, assistência médica gratuita. Mas havia algo apenas um pouco fora da coisa toda. Talvez não fosse familiar, ou porque eles insistiam que eu não iria querer sair.

 


Capitulo Quatorze


O trem não tinha janelas, sendo os passageiros quase todos cegos. Mas havia um mapa de rotas na parede ao lado de nossos assentos. Era estrutural, destinado a ser lido pelo toque e não pela visão, mas pelo que pude decifrar, a Cidade Baixa era essencialmente uma versão maior e invertida da forma de cratera do Primeira Vigilância. Anéis de assentamentos subiam e desciam, ficando cada vez maiores. Estávamos indo em direção a um ponto próximo ao fundo, onde os anéis se tornavam menos distintos, ondulando em milhares de pequenos desvios e galhos que não estavam, presumivelmente, na linha de trem. O que eles eram, eu não poderia dizer.

Trocamos de trem no que parecia ser o equivalente a Grande Central, pulando na linha R. O R acabava por significar ‘áspero’, a textura usada para diferenciá-lo nos mapas. Havia uma linha suave, uma linha irregular e uma linha afiada...

Eu gostaria de poder apreciar as cidades e estruturas pelas quais estávamos passando. Mas estava escuro demais para ver qualquer coisa. As coisas só ficaram mais confusas quando chegamos ao distrito histórico do governo, que tinha avenidas amplas e elegantes e altos e belos edifícios, que nos fizeram sentir perdidos no escuro em um plano interminável de paralelepípedos até nos depararmos com uma fachada elaboradamente curvada. Curiosamente, também tínhamos visto menos anões quanto mais fundo chegávamos à cidade. Um local falador que pedimos orientações em Limespire havia dito que quase todo mundo estava trabalhando em projetos de expansão à margem. O que significava que, além de estarmos perdidos no escuro, estávamos perdidos em uma cidade estranhamente vazia e silenciosa no escuro.

—Já tive o suficiente dessa merda. — Disse Ethan. Ele parecia um pouco desconfortável desde que entramos no túnel. Eu estava começando a pensar que ele poderia ser um pouco claustrofóbico.

—Porra mesmo. — Cole concordou. —Não podemos ter mais luz, pelo menos?

—A menos que um de vocês tenha pensado em trazer uma lanterna. — Disse Gwydion, um pouco mal-humorado. Também não achei que ele estivesse gostando disso. Ou talvez estivesse apenas sendo separado de sua magia que ele não apreciava.

—Temos que estar perto do Palácio Antigo, certo? — Eu perguntei, olhando de soslaio para o mapa que um anão prestativo nos havia dado, que era obviamente todo em textura e, portanto, quase inútil. —Acho que foi a fonte em que quase caí foi a do lado de fora do antigo prédio parlamentar. Se continuarmos em frente-

—Você estão perdidos, amigos? — Alguém gritou inaceitavelmente longe. Mas, novamente, os anões tinham uma audição muito melhor que os humanos. Talvez a distância aceitável para a comunicação gritada fosse diferente para eles.

Fomos em direção à voz até a luz de Gwydion iluminar um anão em armadura elaborada e, eu esperava, cerimonial.

—Estamos procurando o palácio antigo. — Eu disse. —Somos visitantes da superfície e precisamos falar com seu rei.

—Por que? — O anão perguntou, parecendo confuso. —Se é importante o suficiente para trazê-los até aqui, seria melhor conversar com o Parlamento dos Superintendentes.

—Não, nós definitivamente precisamos conversar com o rei. — Eu disse, exausta de ter essa conversa.

—Bem, este é o palácio antigo. — Disse o anão. —Eu vou mostrar, e vocês podem conversar com alguém sobre uma audiência, se o velho não estiver cochilando. — O anão, que imaginei ser algum tipo de guarda do palácio, riu com carinho. —Você sabe que ele dormiu um ano inteiro? Tivemos uma festa fantástica quando ele acordou.

O interior era tão vasto e escuro quanto o exterior, embora tenhamos caminhado sobre mármore macio e acetinado, em vez de pedras. Estávamos andando entre vários anões de importância indeterminada, a maioria dos quais nunca vimos bem, antes de finalmente chegarmos a alguém que, presumivelmente, tinha autoridade para decidir se poderíamos ver o rei.

—Sinto muito. — Disseram eles, invisíveis fora do alcance da luz do outro lado da ampla mesa. —Mas vocês entendem por que não podemos permitir que qualquer da superfície aleatório se encontre cara a cara com o rei. Talvez se vocês fizerem uma petição por escrito-

—Este não é um da superfície qualquer. — Interrompeu Gwydion, parecendo profundamente irritado. —Você não tem capacidade de sentir mágica? Esta é a herdeira do príncipe Tzarnavaras, uma rainha por direito próprio, afilhada da morte.

Houve um momento de silêncio do outro lado da mesa, então uma mão com garras disparou para agarrar a minha onde repousava sobre a mesa. Não forte o suficiente para machucar, mas o suficiente para me assustar. Eu podia sentir algo contra a minha magia, vagando como mãos curiosas. Levei a chama da vela para frente rapidamente, concentrando-me tanto que por um momento sua luz irradiou através da minha pele e lançou um brilho azul no rosto chocado do anão.

—Oh, oh meu Deus! — O anão disse assustado. —Eu não sabia que você estava visitando a realeza! Disseram-me que eram refugiados.

—Ninguém perguntou. — Eu disse, brincando, enquanto puxava minha mão. —Meus consortes e eu somos tratados como meros imigrantes desde que chegamos. Como se você não acreditasse em ninguém, a não ser um anão, poderia ser importante!

—Isso não é - nunca pretendemos sugerir -— O anão balbuciou.

—Tenho certeza de que não. — Gwydion cortou-os bruscamente. —Mas talvez você deva permitir à rainha sua visita real antes de causar um incidente internacional.

Ele seguiu isso com algumas manobras de mão, mostrando ao anão alguns 'documentos reais', que eu tinha quase certeza de que eram cupons que recebemos em nosso pacote de orientação para o ‘Buffet de comidas exóticas do Digger Dan, a mais autêntica culinária da superfícies do Fort do Anel!’

E então, finalmente, estávamos diante das portas da sala do trono. Eu assumi que elas eram grandes e impressionantes. Eu só podia vê-las um canto minúsculo de cada vez pela luz fraca do orbe de Gwydion.

—Alguém mais acha que essa é uma má ideia? — Ethan sussurrou. Eu estava inclinada a concordar, mas era tarde demais para voltar agora. As portas se abriram e entramos para encontrar o rei.

A sala do trono era grande e escura como breu. A escuridão parecia próxima e quase sólida, grossa como o solo. A luz da esfera de Gwydion penetrou apenas alguns centímetros à nossa volta. Ficamos amontoados no minúsculo círculo de luz, sentindo-nos decididamente não-reais quando um anão nos anunciou como —Sua Majestade, a Rainha Noturna da antiga Constantinopla da Antiga Linha de Tzarnavaras e seus Consortes.

—Vossa Majestade. — Disse o Anão, voltando-se para nós, o brilho de seus pelos quase invisível à luz. —Apresento o Raiz da Montanha, nascido em pedra, cujos dentes esculpiram as primeiras cavernas, que sangraram as primeiras veias de ferro, arquiteto da cidade e capataz dos capatazes, o pai-anão de toda a nossa espécie e rei de tudo o que habita embaixo.

Percebi que não havia nome próprio entre todos esses títulos. Mas o anão recuou e a porta se fechou atrás de nós, deixando-nos sozinhos no escuro. Se o rei estava lá conosco, não sentíamos sinal dele.

—Olá? — Chamei experimentalmente, minha voz ecoando na vasta sala.

—Você pode fazer isso mais brilhante? — Cole perguntou, cutucando o orbe de Gwydion. Gwydion olhou para mim e, quando assenti, ele deu de ombros e a luz ficou mais forte, afastando a escuridão ao nosso redor. Vimos iluminar as esculturas delicadas e intrincadas no chão, as complexidades sutis e elaboradas das paredes, coisas que só podiam ser apreciadas pelo toque, não pela vista. E no final da sala, vimos um monte de terra escura que chegava até o teto, como se a parede dos fundos tivesse simplesmente desabado.

E então, quando a luz de Gwydion a tocou, o monte começou a se mover.

Não havia... palavras para descrever o arquiteto. Em um momento, sob um ângulo de luz, a terra parecia atraí-lo, uma construção como a que vimos trabalhando por toda a cidade. Por outro ângulo, vi a carne branca brilhante de um verme maciço. Por outro, o pelo e as garras de uma toupeira. Por outro, um homem, ou o cadáver de um homem, meio enterrado, nos observando com olhos de poço.

—Fora. — Ele falou, sua voz como uma trituração de placas tectônicas e o barulho de terra. —Fora, maldita luz, e fiquem quietos.

Gwydion apagou o orbe imediatamente, salvando-nos da terrível imagem em constante mudança do arquiteto.

—Aquele Sol, como uma erva daninha no meu jardim, eu não levantei nem engoli e permito que sua queima sufoque na vastidão de Mim. Mesmo agora, fragmentos de seu brilho odioso assaltam-me. Que brotos tenros empurram suas raízes rasas na minha presença, ainda quente com luz amarga?

Não via meus companheiros para saber se estavam com medo ou planejando alguma coisa. Eu me atrapalhei na escuridão e peguei as duas mãos, apertando-as para me tranquilizar. Um deles era notavelmente legal e quase definitivamente a de Gwydion. A outra, calejada e me segurando frouxamente, à beira de se afastar, era provavelmente Cole.

—Perdoe nossa perturbação, arquiteto. — Gwydion falou à minha esquerda. —Nós procuramos um criminoso. Meu irmão roubou algo meu e o trouxe aqui. Buscamos apenas sua orientação na captura dele e sua paciência enquanto o perseguimos em seu reino.

Houve um som baixo e estridente como um terremoto, que poderia ter sido uma risada.

—Como a tolice vem em três. — Disse o arquiteto. —Assim, a roda gira como sempre e traz para mim os mesmos rostos novamente. As estações mudam, mas uma estação mais estranha do que já foi vista sobe como uma estrela murcha, antecipando o sol. O que foi bem-sucedido neste novo discurso no lugar daquele eixo de duas faces que já foi o ponto de apoio de todos os nossos ciclos incessantes? Melhores perguntas, pequenos brotos.

Eu esperava que Gwydion entendesse um pouco disso, porque certamente não. Eu sempre estive mais interessada em Poe do que em Shakespeare.

—Perdoe-me, Majestade. — Empurrou Gwydion. —Mas minha sombra, meu irmão, veio aqui? Ele trouxe alguma coisa para você? Você sabe onde ele foi?

—O meu é um pátio de sombras, erva daninha. — Falou o arquiteto, o humor desaparecendo de sua voz. —Eu sou o rei das profundezas primitivas, às quais nenhuma luz jamais tocará. Tua cintilação de velas sombreia arte como grãos de areia no plano infinito do oceano.

—Minhas desculpas, Vossa Majestade. — Disse Gwydion rapidamente.

—Ei, ele veio aqui ou não? — Cole gritou impaciente, apertando minha mão. —Eu vi suas profundezas primitivas e, aos meus olhos de da superfície de merda, não é mais escuro que este quarto. Não estou tão impressionado.

Houve um longo silêncio em que eu esperei o pior. Mas, finalmente, aquela risada baixa do terremoto encheu a sala novamente.

—As pequenas coisas verdes e crescentes. — O Arquiteto falou quase melancolicamente. —Em que séculos eu enrolei suas raízes e enfrentei a luz para comer sua suavidade? Esse tempo já passou, e quando essas raízes profundas amarraram e quebraram as pedras, também minha coroa ficou presa em suas garras. Aquela sombra veio, tu sementes desamparadas, tiras de dente-de-leão. E trouxe com ele uma preciosa lasca de nossa força antiga. Mas a veia se partiu. Os rios profundos o agarraram em sua corrente, cravaram unhas em minha obra-prima e chamaram isso de sua. Esses erros da noite para a escuridão e procuram sobreviver a todos os sóis, por qualquer meio profano.

—O que isso significa? — Ethan perguntou.

—Isso significa que ele não está aqui. — Resumiu Cole.

—Mas ele estava. — Acrescentou Gwydion. —Ele foi ao Parlamento. Ou foi levado para lá.

—Filho da puta. — Eu murmurei. —Eles continuaram nos dizendo-

—Outra questão. — O rei murmurou, e a sala tremeu. Ele estava se mexendo? —Os portões da cidade estão escancarados e muita coisa é esquecida. Mas a lei antiga ainda permanece. Teu irmão é ladrão entre ladrões. Dívida é devida, erva daninha.

A mão de Gwydion apertou a minha.

—Não foi roubado. — Disse ele rapidamente. —O Vidro foi adquirido legalmente. A Marcha dos Magos o comprou dos Anões ao preço de dez mil escravos e das três jóias de Nimüe -

—Não houve compra. — Falou o arquiteto, inexorável como um deslizamento de terra. —Os anões não reconhecem esse conceito. Todas as coisas feitas pelos anões são de propriedade dos anões, até o fim de tudo. Eu estava lá! Vi-o colocado nessas mãos enganosas! Emprestado antes da duração de sua linhagem, que morreu não cem anos depois, mas o que era nosso não foi devolvido como deveria ter sido. Foi roubado, escondido! Negociado entre ladrões até que aterrisse em tuas mãos gananciosas. E ainda assim a dívida poderia ter sido perdoada se você, que sabia o que segurava, houvesse devolvido o que foi roubado. Mas você o guardou entre seu tesouro, seu pequeno dragão. E busque agora mesmo recuperar o que nunca foi seu!

Gwydion estava tremendo. Eu podia sentir os tremores em sua mão, distintos dos tremores na terra, quando algo inimaginavelmente maciço se moveu no outro extremo da sala.

—A dívida é devida. E, por lei, aceitarei apenas o preço do sangue, o preço da carne, uma libra por ano que for retida. Diga-me, erva, quanto pesa?

Eu já ouvi o suficiente. Peguei o orbe da outra mão de Gwydion e coloquei meu poder nele. Brilhou à vida com a luz azul do fogo. O Arquiteto pairava sobre nós como uma onda prestes a colidir, um dragão e um inseto e um gigante de cem braços, antigo além de todos os tempos e tão inevitável quanto a terra ao nosso redor.

Mas ele recuou da luz, uivando como se o queimasse.

—Fora! — Ele berrou. —Maldita luz! Eu terei! Sufocarei toda luz dentro de mim! Vou engolir todo sol e toda chama de vela até que eu receba escuridão!

Ele se agitou, bobinas terríveis quebrando as paredes e nos cobrindo de terra. Peguei Ethan e corri, Cole e Gwydion logo atrás de mim.

Nós batemos em um anão quando saímos, que soltou um grito estridente e penetrante. Ele ecoou por todo o palácio e além dele, um coro de gritos que eu sabia que não significava nada de bom para nós.

Coloquei mais luz no orbe e corri pela passagem aberta mais próxima. Eu me revezava ao acaso, avançando em qualquer direção que parecesse oposta ao som dos terríveis gritos.

—Você nunca vai fugir deles aqui. — Disse Gwydion enquanto corríamos. —Eles podem sentir cada passo que damos. Eles conhecem este lugar melhor do que você conhece sua casa de infância.

—Então o que vamos fazer? — Eu perguntei. —Nunca voltaremos à superfície sem a ajuda deles!

Gwydion não parecia ter uma resposta.

No lampejo da luz selvagem, Ethan mudou para sua forma de lobo.

—Subam. — Ele disse, com as roupas presas nas mandíbulas. —Eles podem sentir nossos passos, certo? Então talvez isso os jogue fora.

—Vale a pena tentar. — Concordou Gwydion, e eu gritei quando ele me pegou nos braços. Cole, parecendo muito inseguro, subiu nas costas de Ethan. —Silêncio agora. Eles podem ouvir nossas vozes tão bem quanto nossos passos.

Então, em total silêncio, corremos mais fundo no infinito escuro das minas dos Anões. Corremos sem plano ou direção. Quando encontramos Anões ou Construtos, tudo o que podíamos fazer era correr na outra direção. Eu nunca me senti tão perdida e desamparada. Eu não tive tanto medo do escuro desde criança.

Eventualmente, fomos fundo o suficiente para que os anões nos perseguissem diminuíssem e desaparecessem. Ficamos com medo deles alcançando a esperança desesperada de que, em algum lugar nos túneis intermináveis da Cidade Baixa, encontrássemos algum caminho de volta à superfície.


Capitulo Quinze


Os túneis ao nosso redor ficaram mais duros à medida que avançávamos. Foram-se os bancos e as fontes, depois os tijolos e até as colunas e suspensórios. Corremos por túneis sinuosos não refinados, que cresciam e se encolhiam como cavernas naturais, como se tivessem sido recentemente escavados na rocha e na terra. Às vezes, tropeçamos em trilhos de metal e ouvimos o estrondo distante das carroças. Uma passou por nós, sem tripulação, do tamanho de uma minivan, carregada de pedra e minério e voltando na direção em que viemos. Quando outra, quase vazio e indo para o outro lado, passou rapidamente, eu mal precisava trocar um olhar com os outros antes de pegá-la e subir a bordo. Ele nos levou mais fundo, seu poder magnético não diminuído pelo peso adicional de três humanos e um lobo do tamanho de um urso. Ethan recuou entre os tijolos de pedra empilhados no fundo do carrinho e lutou para se vestir novamente, mordendo reclamações quando a pedra raspou e cutucou sua pele nua.

Bem, não estávamos dando nenhum passo agora. Se alguma coisa os jogaria fora de nossa trilha, eu esperava que isso acontecesse.

À luz do orbe, Gwydion olhou de soslaio para o mapa a partir dos nossos pacotes de orientação. Ele foi o único de nós que conseguiu segurar o dele, enfiado nos bolsos aparentemente sem fundo da jaqueta.

—Estamos muito no fundo. — Ele sussurrou. —Mais profundo do que eu acho que qualquer não-anão já foi. Estes são novos túneis. Acredito que deixamos o último desenvolvimento documentado neste mapa há algum tempo.

—Então, provavelmente não há muita chance de encontrar uma saída aqui embaixo, existe? — Eu perguntei sombriamente.

—Uma saída de ar, talvez. — Considerou Gwydion, esfregando o queixo enquanto olhava o mapa. —Mas... Não, seriam vários dias de subida vertical. Nós nunca conseguiríamos. Poderíamos encontrar um desses carrinhos voltando para o Forte do Anel.

—Mas então teríamos que lidar com os anões novamente. — Apontei. Gwydion apertou os lábios e ficou em silêncio, olhando fixamente para o mapa como se ele simplesmente parecesse tempo suficiente para a solução se revelar. Troquei olhares com Cole. Estávamos sujos e cansados. Ethan, sempre exausto pela mudança, parecia quase cochilando.

—Eu conheço algumas... pessoas. — Cole ofereceu em voz baixa. —Pessoas para quem eu poderia chamar.

—Não. — Disse Gwydion com firmeza e imediatamente. —Mesmo se você pudesse conseguir que os rituais funcionassem neste lugar, trazer algo assim aqui seria condenar a nós e a todos os outros neste poço odioso.

—Eu posso lidar com eles. — Disse Cole defensivamente. —Eu tenho lidado com eles há anos.

—Ou então eles deixaram você pensar. — Gwydion retrucou. —Por mais insidiosos que os Fae possam ser, por mais cruéis, nossas motivações raramente são mais que egoísmo e tédio. As coisas de que você fala são infinitamente pacientes e infinitamente maliciosas. Eles não querem. Eles não querem. Eles não podem ser persuadidos. Eles têm apenas um objetivo, e uma inteligência focada apenas em alcançá-lo. A única maneira de vencer essas coisas é não jogar, nunca entrar nelas e rezar para que elas nunca notem você. Eu posso prometer a você o que você já sofreu com sua associação com eles, você sofrerá pior antes do final.

—Tudo bem, Jesus. — Cole levantou as mãos para parar a palestra de Gwydion. —Foi apenas uma sugestão. Melhor do que morrer aqui ou ser rasgado em pedaços pelo rei.

—Não. — Disse Gwydion, com os olhos escuros com uma gravidade terrível. —Confie em mim. Qualquer morte que os Anões possam inventar seria muito preferível.

O carrinho deu um pulo, atingindo algum solavanco na pista e, de repente, havia luz acima de nós, tão brilhante após a escuridão sem fim que meus olhos doíam, embora ainda estivesse relativamente escuro. Confusa, levantei-me para espiar por cima da borda do carrinho.

A pista havia entrado em uma caverna enorme, grande como um estádio. A luz que eu vi vinha de canais brilhantes de magma que atravessavam a caverna em canais esculpidos para esse fim. Pesada e lenta, escorria em direção a uma estrutura central, algum tipo de forno feito de enormes pedras negras, cada uma sozinha provavelmente do tamanho de um trailer de largura dupla. Em toda a base do forno, em uma plataforma preta, enormes Construtos, cada um com pelo menos dois metros de altura e feitos de retalhos de pedra, lama e metal, continuavam trabalhando. A fornalha fundia minério alimentado por carrinhos como o que estávamos, e o Construtos tirava-os das torneiras e os moldava com as mãos com precisão impecável, martelando-os com seus punhos enormes em bigornas do tamanho de carros.

Construtos menores enchiam o resto da caverna, tendendo o fluxo de magma, carregando e descarregando carrinhos, expandindo a caverna com picaretas e pás e carregando as peças que os Construtos maiores terminavam em direção a algo atrás do forno. Quando a trilha, que corria perto do topo da caverna, curvava-se ao redor da vasta sala, o que eles estavam construindo apareceu.

Fazia um calor escaldante, mesmo de onde estávamos. Preocupei-me por um momento que estávamos indo para o forno, mas a pista estava inclinando para baixo e para longe. Levando ao andar onde os Construtos estava terminando de descarregar suprimentos de outro carrinho. O carrinho à frente dele estava sendo carregado com sucata e minério da constante expansão, para ser enviado de volta a uma pista paralela à que nos levara até aqui, que provavelmente retornaria a quem estava fornecendo.

—O que é essa coisa? — Ethan perguntou, olhando para o anel enorme e limpando o suor da testa.

—Não tenho certeza. — Respondeu Gwydion com uma carranca, também espiando por cima da borda. —Seja o que for, é terrivelmente complicado. Olhe para os encantamentos.

Eu não tinha olhado tão de perto antes, mas agora que treinei minha visão mágica sobre ele, pude ver que ele estava rastejando com a magia mais complexa que já vi. Eu não acho que nada que eu tenha visto na coleção de Gwydion possa se comparar à escala completa dele. Era como se alguém tivesse construído o Empire State Building com sementes de gergelim individuais. Cada centímetro quadrado estava cheio de um feitiço de imenso poder. Se você removesse a matéria física da roda, a magia que a compunha ainda seria densa demais para ver através dela. Fiquei espantada, quase feliz. Eu nunca tinha visto algo tão incrível. Queria tocá-lo tanto que podia prová-lo, cavar aqueles feitiços, desmontá-los e juntá-los novamente até que eu os entendesse. Era tão glorioso para mim quanto ver o Grand Canyon pela primeira vez ou entrar na Capela Sistina. Que trabalho fenomenal, que forças titânicas, o vasto escopo de esforço, planejamento e trabalho... Sentindo-me um pouco tonta, sentei-me novamente.

—Você já viu algo assim? — Eu perguntei a Gwydion, atordoada.

—Uma vez, talvez duas vezes na minha vida. — Respondeu Gwydion, e pude ver que ele estava igualmente deslumbrado. —Mas comparar essas obras-primas seria um insulto a todas elas. Isso é arte.

—Mas para que serve? — Cole perguntou impaciente. Gwydion e eu batemos nele com o mesmo olhar sujo.

—Filisteu. — Murmurou Gwydion.

—Uh, pessoal, acho que vamos parar em breve? — Ethan nos avisou.

—Merda. — Eu murmurei e corri para um dos tijolos, pronta para me defender. Os outros três ficaram tensos também, e o carrinho parou por fim.

Um Construto com a face de um geodo rachado inclinava-se sobre a borda do carrinho. Eu gritei, me afastando para atingi-lo com o tijolo, mas ele apenas arrancou o tijolo da minha mão e se afastou. Outras construções também passaram por nós no carrinho, erguendo tijolos como se nem nos vissem. Ou, mais precisamente, como se simplesmente não importássemos.

—Eles não estão programados para lidar com intrusos, eu acho. — Disse Cole.

Lentamente, saímos do carrinho, tentando não nos queimar no metal quente e desconfiados de qualquer mudança no comportamento dos Construtos, mas eles nem sequer olhavam para nós.

—Acho que não estamos em perigo imediato, então? — Dei de ombros quando saímos do caminho do trabalho do Construto e puxei minha camisa, de repente desejando não estar tão comprometida em usar todo preto. —Exceto por esse calor, Deus, está muito quente!

Gwydion colocou a mão no meu ombro e eu imediatamente me senti mais fria.

—Fique perto. — Ele recomendou. —Eu posso manter o pior dele à distância. Além disso, se você ficar a meio metro de qualquer um desse magma, você pegará fogo.

—Oh, doce, Gwydion é um Ar Condicionado portátil. — Ethan disse alegremente, batendo as mãos nas costas de Gwydion e suspirando de alívio. Cole fez uma careta, mas colocou um dedo no ombro de Gwydion experimentalmente.

—Oh, droga. — Ele murmurou, parecendo surpreso. —Isso é realmente legal.

Quando nós três nos aproximamos, Gwydion parecia ter acabado de morder um limão.

—Então, o que fazemos? — Ethan perguntou, abraçando Gwydion por trás, o queixo no topo da cabeça do outro homem.

—Descobrir um caminho de volta à superfície. — Disse Cole com um encolher de ombros, de onde estava pressionado contra o lado esquerdo de Gwydion. Eu estava moldada para o lado direito dele, e nós dois colocamos as mãos sob a camisa dele para ter acesso mais direto às propriedades de resfriamento de sua pele. Fiquei chocada que Gwydion estivesse tolerando isso, mas não estava disposto a dizer nada.

—Eu gostaria que ainda tivéssemos esse cajado estúpido. — Eu disse frustrada. —Não há outra maneira de sair desses poços na cidade, certo?

—Não sem o segundo cajado. — Gwydion suspirou, os braços cruzados sobre o peito. —E sem os dois, você só ficaria presa lá - e você pararia com isso imediatamente ?!

Ele deu um tapa nas mãos de Cole, que subiam pelas costelas.

—O que você tem cócegas? — Cole perguntou com um sorriso perverso.

—Vou jogá-lo na lava. — Disse Gwydion sem uma pitada de humor. —Não me teste.

—Ok, então nossa única opção é lutar contra o exército de anões? — Eu disse, mudando de assunto rapidamente. —Porque sem mágica, isso não parece uma luta que provavelmente venceremos. Além disso, muitos deles pareciam pessoas normais?

—E essas coisas? — Cole perguntou, gesticulando para os Construtos. —Você disse que pode mudar os comandos deles se você os abrir, certo? E se nós mudarmos um monte deles para fazê-los nos proteger, então eles apenas nos escoltam para fora?

—Não sei se é uma boa ideia. — Disse Gwydion, franzindo a testa. —Você precisaria abri-los para acessar seus papéis e descobrir como alterar os comandos...

—Vale a pena tentar, certo? — Disse Cole. —Melhor que nada?

Gwydion fez um barulho inseguro, mas Cole se afastou dele e se aproximou do Construto com a face do geodo.

—Ethan, me ajude a disputar esse cara.

Ethan relutantemente soltou Gwydion e ajudou Cole a conter o Construto. Não parecia incomodado por ser contido. Apenas continuou tentando seguir na direção que tinha estado, ignorando Cole e Ethan.

Cole deixou Ethan segurá-lo por um momento enquanto procurava ao redor, pegando uma das picaretas que os Construtos estavam usando para expandir a caverna.

—Tudo bem, vamos abrir esse garoto mau. — Disse ele. Ethan ajustou seu aperto no Construto para sair do caminho, subitamente parecendo inseguro.

—Uh, eu não sei disso. — Disse ele. —Quero dizer, você não pode simplesmente acertar o pobre coitado com uma picareta. E se você o matar?

—Não posso matá-lo, não está vivo. — Disse Cole, impaciente. —Apenas fique quieto para não perder!

—Oh, isso vai acabar muito mal. — Disse Gwydion com severa certeza. Eu estava inclinada a concordar, mas também estávamos sem outras ideias.

—Um. — Disse Cole, levantando a picareta como um taco de beisebol. —Dois...

Ethan segurou o Construto o mais longe possível dele, fechando os olhos.

—Três!

Cole girou para as cercas e bateu a picareta no peito do Construto com um estalo alto de pedra.

Instantaneamente, todos os Construtos da caverna pararam, largaram o que estavam fazendo e viraram em nossa direção.

—Sim, lá vai. — Gwydion gritou, agarrando minha mão. —Corram!

Ethan lançou o Construto que ele estava segurando, que instantaneamente se virou e balançou um punho de pedra em sua cabeça. Cole bateu com a picareta, espalhando a cabeça do geodo, mas isso mal pareceu desacelerar. Enquanto isso, todos os outros Construtos da caverna estavam indo para lá com intenção assassina. Gwydion e eu reservamos, e Ethan e Cole, ainda segurando a picareta, correram atrás de nós, gritando palavrões.

—Lá! — Eu gritei, apontando um carrinho de partida, começando a aumentar a velocidade antes da subida em direção à trilha perto do teto da caverna. Gwydion deu dois passos limitados e pulou no carrinho com uma graça desumana, estragada apenas pela dança desajeitada e embaralhada que ele tinha que fazer para colocar o pé no topo do minério empilhado dentro do carrinho. Assim que ele estava estável, ele se virou e agarrou minha mão estendida, me balançando ao lado dele. Nós dois estendemos a mão para Ethan, arrastando-o a bordo, depois para Cole, ficando logo atrás, perseguido por uma horda de Construções assustadoramente silenciosas e sedentas de sangue.

—Largue a picareta, idiota! — Eu gritei.

Amaldiçoando alto, ele jogou de volta para os Construtos, tirando um pedaço do ombro de uma criatura de pedra sem muito efeito. Um pouco mais leve, ele correu os últimos degraus, e nós o agarramos, arrastando-o para o carrinho apenas um segundo antes de começar a disparar para cima e todos nós tivemos que nos esforçar para reestabelecer nosso equilíbrio.

Os Construtos subiram atrás de nós, silenciosos e implacáveis, e tentaram nos pegar no minuto em que o carrinho parou ou diminuiu a velocidade. O único anão perto do ringue havia nos notado agora e estava gritando ordens furiosas contra os Construtos, presumivelmente reafirmando suas ordens para matar a merda de nós.

—Destrua-os! — O anão gritou. —Não os deixe perto do portal!

—Trabalho fantástico, idiota. — Disse Gwydion, dando a Cole um olhar assassino. —Isso definitivamente ajudou!

—Como eu deveria saber que eles se tornariam todos assassinos? — Cole gritou defensivamente.

—Talvez usando um pouco de bom senso pela primeira vez na vida!

—Eu não vi você correndo para me parar, imbecil! Ou sugerindo idéias melhores!

—Calem-se! — Eu gritei para os dois. —Este carrinho está indo para o forno!

Isso chamou a atenção de ambos rapidamente. Em nossa pressa de pegar um carrinho de fuga, escolhemos um dos que enviava minério até a forja. Em apenas alguns minutos, seríamos jogados diretamente em um tanque maciço de metal fundido superaquecido.

—Filho da puta. — Cole disse calmamente.

Procurei um pouco fora do carrinho, meu coração disparado. A trilha atrás do carrinho fervilhava com Construtores assassinos. À frente, havia apenas o forno e uma queda de duzentos pés de cada lado.

—Estamos fodidos. — Eu disse, nem um pouco articulada.

—Nós definitivamente vamos morrer. — Ethan concordou, nós dois um pouco atordoados para reagir adequadamente à nossa morte horrível iminente.

—Foda-se. — Declarou Cole. Então ele me agarrou pelos ombros e me arrastou para um beijo áspero e apaixonado, tão abrupto e poderoso que eu mal consegui responder. Talvez fosse porque estávamos prestes a morrer, mas ele beijou com desespero, uma fome frenética e ardente, que eu nunca havia experimentado, o que fez meu coração disparar e minha adrenalina disparar. Então, de uma só vez, ele me soltou, deixando minha boca machucada e desolada. No mesmo movimento, ele puxou Ethan pela camisa e o beijou também, com a mesma intensidade empolgante. Vi os olhos de Ethan se arregalarem, e então senti a repentina onda de poder de sua maldição. Cole deve ter sentido isso também, porque ele empurrou Ethan para longe, agarrou minha mão e pulou para fora do carrinho. Gwydion hesitou apenas um momento, encarando Ethan quando o lobisomem se dobrou, uivando, mudando mais rapidamente do que eu já o vira mudar voluntariamente. Então ele pulou também.

Cole agarrou a beira da pista suspensa, flutuando no ar. Eu me esforcei para pular, quase perdi o controle, e só o recuperei quando Cole me pegou, me segurando até que eu estivesse segura, Gwydion pendurado no outro lado dele.

Acima de nós, Ethan - não, o Lobo - uivou quando saltou do carrinho um segundo antes de jogá-lo na forja.

O Lobo apenas se assemelhava tangencialmente à forma normal de lobo de Ethan, que era quadrúpede e muito parecida com um lobo normal, embora muito grande. O Lobo era algo de um filme de terror. Maciço, bípede, cheio de pelos escuros e grossos sobre músculos poderosos e pesados. Ele se ergueu em toda sua altura, o peito largo arfava e fixou seus terríveis olhos amarelos em nós, cheios de um ódio que consumia tudo. Estávamos completamente expostos aqui. Mal teria que nos tocar para nos enviar despencando para nossas mortes.

Felizmente, foi rapidamente distraído pelo enxame de Construtores assassinos. Os homens de pedra se jogaram no Lobo sem consideração por suas vidas. Eles o golpearam com golpes esmagadores feitos por punhos como blocos de concreto, e isso apenas os jogou para o lado, enviando-os voando da ponte para quebrar no chão abaixo. O Lobo rasgou a multidão de Construtos como se não fossem nada, reduzindo-os a escombros com um golpe de suas garras terríveis. Ele avançou pela pista, derrubando Construtos como pinos de boliche. Depois que tivemos algum espaço entre nós e o Lobo, Gwydion se arrastou de volta para o parapeito e me puxou atrás dele. Eu me virei para ajudar Cole, embora meus braços estivessem queimando por tanto tempo pendurados.

—Temos que sair daqui. — Eu disse, agarrando-me a Cole enquanto observava o Lobo abrir caminho através de Construto após Construto. —Agora!

—Como? — Perguntou Cole. —Outro carrinho?

—Não. — Disse Gwydion, apontando para o volante. —Nós vamos usar isso.

—O anão chamou de portal. — Eu disse, entendendo. —Onde quer que leve, provavelmente é melhor do que aqui!

Cole parecia inseguro, mas levantou as mãos.

—Foda-se, vale a pena tentar! — Ele disse.

Corremos pelos trilhos do carrinho, a uma distância segura atrás do massacre que o Lobo estava causando, até podermos pular, deslizando pela parede até o fundo da caverna.

Os Construtos estavam todos ocupados com o Lobo. A única coisa entre nós e o portal era o anão. Ele brandiu seu livro de pedra para nós com as mãos trêmulas.

—Este é o trabalho da minha vida! — Ele declarou. —Eu não vou deixar você hooligans destruí-lo!

—Você projetou isso? — Eu perguntei, cheio de súbita admiração e um milhão de perguntas.

—Senhor. — Disse Gwydion, cortando-me. —Você é sem dúvida o maior encantador desta época e um dos melhores que já ouvi em todos os reinos. Tenho imenso respeito por você, e é por isso que será uma tremenda vergonha se eu tivesse que te espancar até a morte agora, porque você não sairá do caminho.

Ele pegou uma pá de algum lugar, que o anão estava olhando agora, sua expressão em algum lugar entre orgulho e medo lisonjeados.

—Para o inferno. — Disse o anão. —Eu sempre odiei trabalhar para comissão.

Ele saiu do caminho.

Havia algum tipo de painel de controle perto de onde o Anão estava sentado, e eu o agarrei, olhando para os controles, completamente perdida.

—Como nós controlamos isso? — Eu perguntei, procurando ao redor do anão, mas ele já estava fazendo trilhas para o túnel mais próximo.

—Não precisamos controlá-lo. — Insistiu Cole. —Apenas ligue! Qualquer lugar é melhor do que aqui!

Eu apertei alguns botões, puxei algumas alavancas, mas nada aconteceu. A pedra angular e todos os painéis estavam no lugar, mas não havia reação. Cole lambeu os lábios.

—Vexa. — Ele disse. —Lembra da coisa que eu disse para você nunca mais fazer?

—Coisas estúpidas que colocam minha vida em perigo?

—Mais especificamente.

—Explorar fontes de energia universais primárias?

—Sim.

Gwydion e eu demos a Cole um olhar arregalado.

—Você realmente acha que isso vai funcionar? — Gwydion perguntou.

Cole olhou para onde o Lobo estava rapidamente ficando sem Construtos para destruir. Os grandes da forja tinham andado lentamente com pés pesados de bigorna e finalmente estavam brigando de verdade, mas nem eles durariam muito. O Lobo parecia ser tão indestrutível quanto furioso.

—Acho que não temos muitas outras opções. — Respondeu Cole. —Apenas despeje o máximo de energia possível e espere o melhor!

Eu acho que essa foi a lógica mais sólida que eu poderia esperar.

—Foda-se. — Eu disse, ecoando o sentimento anterior de Cole. —Aqui vai tudo!

Fechei os olhos, alcançando o lugar profundo dentro de mim, onde minha conexão com a vela estava ancorada. Eu sabia o que esperar agora, e apenas hesitei um momento com a lembrança fraca de quanto isso doeu da última vez, antes de pegar o fogo e me sentir em chamas.

Cole e Gwydion saltaram para longe quando o fogo me cercou. O poder correu através de mim como uma represa quebrando, como um raio, e eu agarrei no painel de controle para me aterrar.

A energia rasgou através de mim enquanto passava, deixando-me irregular de uma maneira que era mais espiritual do que física. Mas enquanto olhava através dos meus olhos ardentes, vi o anel começar a se mover, girando, componentes flutuando e se movendo independentemente, à medida que os feitiços queimavam.

Essa bela máquina deveria ter criado um portal igualmente bonito, algo absolutamente perfeito, não apenas estável, mas permanente, um ponto fixo fora do tempo que unia duas realidades. O que eu o forcei a produzir, incompleto e inexpertemente pilotado, foi uma bagunça, crepitando com o desperdício de energia, desequilibrado e desmoronando mesmo quando começou a abrir. Mas estava aberto.

Gwydion me agarrou, me arrastou para longe do console. Eu podia senti-lo sugando o poder, embora felizmente eu já tivesse jogado a maior parte dele no portal.

—Rápido! — Gwydion gritou para Cole. —Agora, antes que desmorone!

Eles correram em direção ao portal, meio me arrastando, quase inconscientes e bêbados com o poder e a lembrança já desbotada da agonia ardente. Mas havia uma última coisa que eu tinha que fazer antes de sairmos. Eu me arrastei de Gwydion para fazê-lo parar, coloquei os dedos nos lábios e assobiei o mais alto que pude.

—Ethan! — Eu gritei quando o Lobo parou sua destruição e olhou para mim. Eu acenei meus braços. —Por aqui!

Gwydion me agarrou pelo meio, me jogou por cima do ombro e correu para o portal. Rosnando, o Lobo correu atrás de nós. Gwydion pulou através do portal e vi o Lobo pular, garras estendidas, apenas um segundo antes do caos nos envolver.

 

 

 

 

 

 

Capitulo Dezesseis


Por vários minutos ou possivelmente uma eternidade, caímos no espaço.

Perdi o controle dos outros quase ao mesmo tempo. Flashes de mundos explodiram em ambos os lados de mim. Luz, escuridão, fogo, gelo, horizonte de Manhattan, castelo de Titânia, mundos que eu só podia ver em seção transversal, mundos que eu só conseguia ouvir ou cheirar. Uma vez, um salão escuro, cheio de velas.

E então, de repente, bati de cara no azulejo branco de vinil. Gwydion caiu em cima de mim, cotovelos primeiro. Cole caiu um pé à minha esquerda. O Lobo veio por último, bateu a cabeça em uma prateleira no caminho e caiu inconsciente no chão.

Presumimos que estávamos em algum tipo de armário de suprimentos. Luzes fluorescentes brancas nos encaravam de cima.

—Onde estamos? — Cole perguntou, apertando os olhos e desorientado.

—A julgar pelo cheiro anti-séptico e pelos sanitários? — Eu respondi, minha voz um pouco confusa. —Hospital. Ow. Ow! Merda!

Acabei de perceber uma dor ardente no quadril, que estava piorando rapidamente. Eu me levantei e enfiei no bolso, pegando a moeda da sorte que Gwydion tinha me dado quando nos conhecemos. A coisa maldita estava fumegando, estava tão quente e previsivelmente queimando meus dedos quando eu o puxei para fora. Deixei cair, e ela saltou e rolou para fora da porta do armário aberta.

Troquei um olhar com Cole e Gwydion, que ainda estavam se levantando.

—Bem, vá em frente. — Disse Gwydion. —É uma sorte, por isso deve levá-lo a algum lugar. E alguém provavelmente está a caminho de investigar esse acidente de qualquer maneira.

Sem outra palavra, corri atrás da moeda.

Eu estava certa sobre ser um hospital, embora estranhamente silencioso para a hora do dia que a luz que entrava pelas janelas sugeria. A moeda fumegante rolou pelo corredor de azulejos, e eu corri atrás dele. De repente, seu caminho começou a se curvar, até cair abruptamente de lado. Com o último momento, derrapou sob a porta de um quarto privativo de longa permanência.

O nome na porta dizia E. Bellefonte.

Abri a porta com cuidado, preocupada em incomodar alguém. Mas não havia visitantes na sala e, assim que dei uma boa olhada no paciente, percebi que não havia preocupação em perturbá-los.

E. Bellefonte era um homem mais velho, quarenta e poucos, talvez cinquenta e poucos. Ele ainda tinha o cabelo, apesar de o loiro dourado estar sombreado a branco. Ele devia ter sido bonito como uma estrela de cinema uma vez, pensei, embora provavelmente só pudesse dizer devido à minha experiência com cadáveres. Uma doença longa e desgastante o havia reduzido a um substancial sem sombra do que aquele que pairava sobre ele, sinalizando sua morte que se aproximava rapidamente. Ele só estava vivo agora por causa das máquinas amontoadas em torno de sua cama, mantendo seu corpo funcionando mesmo quando desmoronava. Mas mesmo isso não era suficiente para manter a sombra afastada.

—Aqui está. — Disse Gwydion, entrando na sala. Cole, com o braço de Ethan sobre os ombros, saiu mancando atrás de Gwydion, arrastando o lobisomem, que havia sido empurrado às pressas para uma roupa cirúrgica mal ajustada. Gwydion inclinou-se para pegar a moeda da sorte, que ardia em sua mão, o metal estalando e desmoronando. —Você queimou completamente. Eu nunca vi isso. Que tipo de-?

Ele calou a boca abruptamente quando viu o que eu já tinha visto.

A Vela da Aliança estava posta na mesa de cabeceira de E. Bellefonte. Gwydion olhou para ela, depois para a moeda murcha na mão, antes de enfiar os restos arruinados da moeda em seu casaco. —Essa é uma moeda da sorte.

—O que está fazendo aqui? — Perguntou Cole. —Quem é esse cara?

—É para mantê-lo vivo. — Respondi instintivamente. Eu podia sentir como a vela estava conectada a ele, mantendo sua força vital de uma maneira que as máquinas nunca podiam.

Antes que pudéssemos dizer mais alguma coisa, um portal surgiu à nossa frente, e Gilfaethwy apareceu, tendo-se colocado apenas a meio caminho.

—Por aqui. — Ele sussurrou em um sussurro urgente. —Rápido!

—Você! — Gwydion rosnou e agarrou Gil pela frente da camisa, arrastando-o pelo resto do caminho para fora do portal. —Você me roubou! De novo! Você me deixou entrar nas garras dos Seelie!

—Você fugiu! — Gil disse com um sorriso. —Eu sabia que você faria! Você sempre sabe! Falando nisso...— Ele gesticulou rapidamente em direção ao portal. —Precisamos ir agora. Vocês não podem estar aqui!

—Por quê? — Eu perguntei. —Onde estamos?

—Onde não importa. — Disse Gil. —E porque é que todos nós vamos morrer. Eu nem entendo como você chegou aqui! Agora vamos, vamos!

—Não, não há mais portais! — Cole disse teimosamente. —Já tive portais suficientes! Parece a Terra e vou ficar aqui!

De repente, as luzes no corredor do lado de fora do quarto do hospital ficaram negras. Nenhuma luz veio das janelas. Uma voz profunda e familiar ecoou como uma lixa contra a minha alma.

—Como se atreve a vir aqui...

—Aethon. — Eu sussurrei involuntariamente, terror tomando meu coração como um punho.

—Esquece, porra! — Cole gritou, jogou Ethan através do portal e pulou atrás dele.

Gil entrou na porta, olhando para a escuridão.

—Velho amigo, querido amigo, parceiro, se você me desse um momento para-

—COMO VOCÊ OUSA?

Gil estava claramente certo. Precisávamos sair imediatamente. Mas eu não estava saindo de mãos vazias, não depois de tudo isso. Eu me virei, pegando a vela.

—Vexa, não!

Ouvi o grito de Gwydion, o roçar de seus dedos estendendo a mão para me impedir, mas era tarde demais. Minha mão se fechou ao redor da vela, e a absoluta escuridão da Morte alcançou e me engoliu.

Tão rapidamente que eu nem senti, de repente eu mal a reconheci.

Eu morri.

Capitulo Nove

Por um momento, eu não estava no meu corpo. Eu estava em outro lugar, queimando viva na escuridão. Meus ouvidos estavam cheios do clamor de mil sinos tocando. Eu não conseguia fazer meu corpo gritar. Não pude apagar o fogo. A dor estava tão além de qualquer coisa que eu pudesse envolver minha cabeça que depois eu não conseguia descrever e mal conseguia me lembrar como era. Eu sabia com absoluta certeza que iria morrer. Pelos olhos fixos e sem resposta do meu corpo, a costa distante de repente pareceu muito mais perto.

No lugar onde eu estava queimando, senti uma mão fria no meu ombro. Alguém parado atrás de mim. A voz deles sacudiu meus ossos fumegantes.

—Ainda não.

E então, de repente, eu estava de volta à minha própria pele, transbordando com tanta energia que doía, como agulhas sob a minha pele tentando forçar sua saída. Sem pensar, bati as mãos no peito de Gwydion e abri as comportas. O poder correu para fora de mim em uma torrente que eu não poderia ter parado se quisesse. Queimou-me quando passou, afundando nele. Os olhos de Gwydion se abriram de uma só vez, o corte em sua cabeça se uniu à luz prateada e se fechou.

Mas não consegui parar o fluxo de poder. Havia muito para eu conter, e Gwydion era um vaso vazio. Ele olhou para mim e eu me vi refletida em seus olhos arregalados, envoltos em fogo, chamas chorando. Ele sentou, minhas mãos ainda em seu peito, ainda derramando poder nele apenas para me impedir de queimar. Ele me alcançou lentamente e segurou meu rosto em suas mãos trêmulas, sua pele bebendo o fogo. Suas mãos estavam frias como água em um dia de verão, acalmando o calor terrível que estava tentando o seu melhor para me queimar viva. Ele se inclinou para perto, curvando-se no meu fogo e beijou minha boca ardente.

Ele tirou o poder de mim como veneno de uma ferida. Apressou-se ainda mais rápido do que antes, e eu tremi de dor e alívio. Ele poderia ter tudo, se quisesse. Enquanto o fogo parou, eu não me importei.

Eu derreti em seu beijo gelado, em seus braços, a queima finalmente começando a retroceder quando o poder passou por mim. Afinal, não era infinito, e Gwydion aceitou tudo ansiosamente.

Ansiosamente demais. Enquanto o poder continuava fluindo de mim como sangue de uma veia, comecei a voltar aos meus sentidos e percebi que tínhamos passado o ponto do que eu não podia conter. Minhas mãos se apertaram no tecido do casaco de Gwydion, tentando e falhando em afastá-lo. Ele poderia muito bem ter sido feito de pedra. Estávamos nos aproximando rapidamente de um ponto com menos energia do que eu tinha desde que tocara a vela. Eu assisti esse ponto ir e vir e o beijo de Gwydion ainda continuava, até eu perceber que ele não iria parar até que eu estivesse vazia de toda a magia, ou morta.

Então eu o mordi, forte o suficiente para tirar sangue, e ele se afastou, o fluxo de poder finalmente parando. Eu o empurrei, colocando espaço entre nós rapidamente, caso ele tentasse continuar. Meu coração estava batendo forte e eu ainda estava desorientado, lutando para manter a lembrança do que havia acontecido quando tentei acessar a vela.

—Que porra é essa? — Cole estava dizendo, e parecia que ele estava dizendo isso há algum tempo, pois Gwydion e eu estávamos insensíveis demais para perceber. Ethan me pegou quando me afastei de Gwydion, e deixei que ele me segurasse, agradecida pela sensação de segurança em seus braços.

—O que aconteceu? — Ethan me perguntou. —O que você fez?

—Mas como? — Cole disse, olhando para mim com algo entre reverência e medo. —Eu nunca vi esse tipo de poder em lugar algum.

—Eu tenho. — Gwydion falou suavemente. Ele se ajoelhou onde eu o empurrei, parecendo quase tão abalado quanto eu quando tocou seu lábio mordido e olhou com olhos arregalados para o sangue em seus dedos. Mas havia um olhar quase arrebatador em seus olhos.

—Eu não sou tão forte desde que deixei Avalon. — Disse ele e olhou para mim como se eu fosse algo santo e aterrorizante. —Você tem o poder de uma rainha.

Ele piscou e pareceu repentinamente um pouco enjoado, caindo de costas com uma surpreendente falta de graça pelo que eu esperava dele.

—E eu quase matei você. — Disse ele, quase para si mesmo.

Ethan e Cole trocaram um olhar assustado com isso, depois olharam para mim onde eu ainda estava enrolada nos braços de Ethan.

—Estou bem. — Eu disse rapidamente, o que era verdade. Cansada e mais fraca do que eu estava há um tempo, mas eu não estava sangrando ou pegando fogo, e eu podia deitar minha cabeça no peito de Ethan e ouvir seu coração bater. —Eu estou bem. Foi apenas um pouco de energia demais, só isso.

—Um pouco de energia demais de onde? — Perguntou Cole. —Onde você conseguiu isso?

—Uh, eu tentei bater na vela. — Eu disse. —Ainda estou conectada a ela, então achei que talvez pudesse acessar sua fonte de energia.

—Você usou a fonte de toda energia necromântica na Terra? — Cole disse, sua voz falhando. —Como você não está morta? Como todos nós não estamos mortos?

Eu não tinha uma resposta para isso. Também não parecia Gwydion, mas ele também não estava prestando atenção, com a mão na boca e as sobrancelhas franzidas, o olhar focado na costa distante.

—Só... nunca faça isso de novo. — Exigiu Cole. —Jesus Cristo, não é à toa que você estava pegando fogo. Há uma razão pela qual as pessoas trabalham com focos como a vela, sua idiota! Usar a fonte bruta deveria tê-la fritado como um inseto e todos nós com você.

—Eu acho que é uma coisa boa que Gwydion possa absorver tudo. — Ethan disse enquanto eu franzi a testa e tentei lembrar o que tinha acontecido quando eu peguei a chama. Lembrei vagamente da queimação. Todo o resto estava perdido no fogo até o momento em que Gwydion me beijou.

—Besteira que ele fez. — Cole riu. — Tanto poder o fritaria também. Ou Vexa de alguma forma conseguiu se abrir para, literalmente, todo o poder da própria morte e apenas canalizar um pedacinho, o que é absurdo - como tentar pular no oceano e esperar apenas molhar o dedo - ou o que ela bateu não foi a vela.

Eu não gostei desse pensamento.

—O fato de que ela seria capaz de alcançar a vela quando ela estiver literalmente em um universo diferente já é bastante absurdo! — Cole disse, jogando as mãos no ar. —Isso é besteira estranha, e eu não gosto!

—Independentemente disso, está pronto. — Interrompeu Gwydion, levantando-se e tirando a jaqueta molhada. A balsa balançou e Cole tropeçou, olhando para Gwydion enquanto ele apenas conseguia manter o equilíbrio. Gwydion o ignorou, olhando para mim enquanto tirava a gravata também, deixando apenas sua camiseta branca solta. —Perdoe-me por um momento.

Então ele deu dois passos e mergulhou da balsa. Por um segundo, apenas encaramos as ondulações em seu rastro, surpresos demais para reagir. Finalmente, Ethan apenas balançou a cabeça e suspirou.

—Por que não? Não como qualquer outra coisa ultimamente faz algum sentido. — Ele murmurou, depois me puxou para mais perto, esfregando os braços para tentar me aquecer. Nós dois ainda estávamos encharcados, então não adiantou muito.

—Então. — Ele disse depois de um momento. —Você beijou Gwydion.

Fiquei confusa por um momento até perceber que ele quis dizer o que tinha acabado de acontecer. Foi realmente difícil manter essas memórias por algum motivo.

—Oh, sim. — Eu disse com um sorriso tímido. —Pouco mais do que isso, na verdade. Logo antes de Gil escapar.

—Eu pensei que você disse que não achava que iria dormir com ele? — Ethan perguntou, sobrancelhas levantadas.

—Sim, eu não pensei que sim. — Eu disse, envergonhada agora. —Ele é... surpreendentemente persuasivo. Foi apenas uma coisa única. Nós deixamos isso claro.

—Espere, você dormiu com esse cara? — Cole perguntou, franzindo o nariz.

Cobri meu rosto com a mão, tentando controlar o rubor que aquece minhas bochechas.

—Sim, eu dormi. — Eu disse, tentando segurar algum orgulho. —Não é da sua conta.

Cole apenas balançou a cabeça.

—Alguém já lhe disse que você tem um gosto terrível? — Ele perguntou. —E possivelmente um desejo de morte?

—Ele tem razão. — Ethan disse com um encolher de ombros.

—Considerando que eu estava flertando com você esta manhã, Cole. — Eu disse maliciosamente. —Eu não faria comentários sobre o meu gosto.

—Foi essa manhã? — Ethan disse pensativo. —Era noite no Julius, e dormimos pelo menos algumas horas, então...

—Estar interessada em mim é absolutamente um sinal de mau gosto. — Respondeu Cole. —Possivelmente uma decisão pior do que o monstro devorador de homens que pode te atacar a qualquer momento. Provavelmente pior que o lobisomem também.

Ethan bufou.

—Você não é tão ruim. — Ele disse.

—Eu sou um desastre humano sem-teto que está apenas usando você para colocar minhas mãos em uma ferramenta mágica incrivelmente poderosa por minhas próprias razões egoístas. — Apontou Cole.

—Mas você tem um cabelo muito bom. — Eu rebati, apenas meio sarcasticamente. Cole parou, pego de surpresa.

—Bom senso de humor também. — Ethan concordou, e eu sorri quando vi Cole ficando vermelho.

—Bom gosto em filmes. — Acrescentei.

—Sorriso fofo. — Ethan falou.

—Olhos lindos.

—Inteligente como o inferno.

—Bunda fantástica.

—Tudo bem, isso é o suficiente! — Cole disse, vermelho como uma beterraba. —Vocês dois são claramente idiotas, sem senso de autopreservação.

Um respingo nos interrompeu quando Gwydion reapareceu, jogando o cajado na jangada antes de sair da água. Eu me permiti um minuto para admirar o quão bom ele parecia encharcado assim.

—Perdi algo? — Ele perguntou, levantando-se e torcendo a camisa. Cole ainda estava muito vermelho, e Ethan e eu não conseguimos parar de sorrir.

—Apenas nós dizendo a Cole todas as coisas que gostamos nele. — Eu o informei.

—Espero que você tenha mencionado sua bunda fenomenal. — Disse Gwydion casualmente, pegando o cajado e o paletó. Cole parecia quase combustão espontânea. —Todo mundo está de pé agora. Precisamos nos mexer se quisermos alcançar meu gêmeo idiota.

—Mas não sabemos para onde ele foi. — Eu disse, levantando-me e oferecendo uma mão para Ethan.

—Eu posso rastrear seus feitiços de teletransporte. — Disse Gwydion e estalou os dedos.

Uma onda de ar quente tomou conta de nós quatro ao mesmo tempo. Meu cabelo voou ao redor do meu rosto, minhas roupas esvoaçantes. Eu lutei para segurar minha saia enquanto a água saía de nossas roupas em uma explosão deslumbrante. Quando o vento se acalmou, Gwydion olhou para onde Gilfaethwy havia desaparecido e passou a mão pelo ar como se estivesse limpando vapor de um espelho. Um rastreamento complexo de magia apareceu diante dele, que ele se inclinou para ler. —Foi por isso que ele pegou o cajado e foi primeiro à Cidade Sem Fim. É muito mais difícil rastrear o cajado, e eu não seria capaz de dizer por quais dos poços da cidade ele passou se eu não tivesse- Não o vi. Mas agora que ele está se teletransportando sob seu próprio poder - o que ele não tem muito entre nossa recente briga e nossa visita à Cidade - segui-lo será muito fácil. Eu posso finalmente ser capaz de-

Ele ficou em silêncio bruscamente, depois descartou o texto mágico, carrancudo.

—O que há de errado? — Eu perguntei preocupado.

—Eu descobri para onde ele foi. — Respondeu Gwydion, conciso. Ele bateu com o cajado na superfície da balsa de madeira, e um portal se abriu através do qual eu podia ver vagamente os galhos das árvores. Gwydion se aproximou, hesitou e depois olhou para mim.

—Eu deveria te mandar para casa. — Disse ele. —Para onde ele está indo é... inóspito para os humanos. Eu deveria ser capaz de lidar com ele sozinho.

—Como você lidou com ele da última vez? — Eu perguntei. —A vida de Ethan está baseada no que Gil sabe. E sem o Vidro do Artífice, não podemos nem tentar descobrir mais sobre a maldição por conta própria. Não há como não ir com você.

—Onde ela vai, eu vou. — Ethan disse, colocando a mão no meu ombro.

Nós dois olhamos para Cole, que cruzou os braços, ainda um pouco rosado ao redor das orelhas.

—Eu realmente não tenho escolha, tenho? — Ele reclamou. —Se vocês idiotas vão e se matam, não há como eu pegar a vela.

Eu sorri para ele, feliz por ele estar conosco.

—Então está resolvido. — Eu disse. —Todos nós vamos.

—Não é nem remotamente estabelecido. — Argumentou Gwydion. —É a coisa mais distante da solução.

—Você realmente vai discutir comigo depois que eu quase morri salvando você? — Eu perguntei, mãos nos meus quadris.

Gwydion fechou os olhos por um momento, reunindo a compostura.

—Tudo bem. Vocês todos estão vindo. Tenho certeza que isso não vai acabar mal.

Ele pegou o casaco do braço, virou de dentro para fora e entregou para mim.

—Vista isso. Fiquem perto de mim. Não façam barulho e não usem magia, a menos que eu peça. Se nos separarmos... Vocês provavelmente morrerão. Não comam nada. Não cantem nem dancem. Façam tudo ao seu alcance. Não ofendam nada. Não ofereçam ajuda, a menos que seja solicitado, faça-o e não reclame. Aceite o que lhe derem depois, mas se alguém tentar lhe dar algo que você não ganhou, recuse educadamente enquanto vocês podem e espero que eu possa encontrar vocês a tempo de salvá-los. Entendido?

Não remotamente, mas assenti e coloquei o casaco de dentro para fora de qualquer maneira.

—Então vamos acabar logo com isso. — Disse Gwydion com um suspiro.

Sem mais cerimônia, ele atravessou o portal. Eu dei a Ethan e Cole um último sorriso encorajador, depois fui atrás dele, esperando que o que esperasse do outro lado não fosse pior do que o que já tínhamos enfrentado. Mas, pela primeira vez, eu estava menos preocupada com o desconhecido do que com meu próprio poder. Eu ainda não tinha certeza do que tinha acontecido quando tentei curar Gwydion, mas tinha certeza de que isso aconteceria novamente. Em algum lugar no fundo da minha mente, as palavras 'ainda não' ainda ecoavam.

 

 

 

 

 


Capitulo Dez

 

Das sombras frias e cinzentas da Costa DIstante, entrei em um dia perfeito de verão. Era verão também na Terra, mas não assim. Esse era um daqueles dias míticos, a partir de memórias idílicas excessivamente nostálgicas da infância, ou um daqueles filmes inexplicavelmente populares da maioridade, onde algo terrível acontece com o cachorro leal de uma criança. Estava frio o suficiente na sombra para fazer o calor do sol parecer mais calmante do que opressivo. Enormes árvores velhas erguiam-se ao nosso redor, suas folhas lançando sombras verdes na terra rica e escura, seus arcos pesados de frutas. A vegetação rasteira era uma profusão de flores silvestres e frutos maduros. O ar estava denso com o som do canto dos pássaros e o murmúrio musical da água correndo em algum lugar próximo. A luz através das árvores era dourada, quase tangível, e senti uma onda de prazer e excitação estranhos assim que respirei o ar. Tudo, todos os mirtilos gordos, pedras brilhantes e pássaros cantando de suas gargantas vermelhas, estavam positivamente cheios de significado. Qualquer coisa que caísse em meus olhos, desde uma teia de aranha pendurada em prata pendurada sob a sombra de uma raiz de carvalho até as cabeças de sementes douradas da grama alta crescendo em um pedaço de luz solar, me atingiu com uma intensidade que me fez ter certeza de que tocar qualquer parte disso seria embarcar em uma aventura fantástica.

Gwydion estalou os dedos na frente do meu rosto, impaciente, tirando-me do meu devaneio.

—Foco. — Ele insistiu. —Você não deve deixar este lugar colocar seus ganchos em você. Seu charme é um veneno, você entende? Tudo isso é apenas a pele brilhante de um sapo venenoso.

—Mas é tão... mágico. — Eu disse, surpresa com o quão jovem eu parecia, como uma criança na Disney World.

—O que é este lugar? — Ethan perguntou, parecendo tão impressionado quanto eu. Eu olhei para ele quando Cole entrou no portal. A boca de Ethan estava aberta em um espanto frouxo, seus olhos brilhando. Ele parecia mais jovem de alguma forma, as linhas ao redor dos olhos se foram, o peso fora dos ombros. A luz do sol brilhava bastante em seus cachos castanhos escuros e seus olhos dourados. Ele parecia tão magnificamente mágico e importante quanto todo o resto. Ele pegou meu olhar e ouvi sua respiração prender e vi seus olhos se arregalarem.

—Vexa. — Ele disse, suas mãos encontrando minha cintura. —Você parece tão... radiante. Deus, eu nunca vi nada tão-

—Nada disso, nada disso! — Gwydion disse agitando a mão bruscamente entre nossos rostos até nos afastarmos. —Eu sabia que era uma péssima idéia. Concentrem-se, por favor! Você, Cole! Fique fora daqui!

Cole, parecendo tão atordoado e surpreso quanto o resto de nós, olhou para cima, confuso, de onde ele estava vagando em um pedaço de amora, mistificado com as frutas perfeitas, como joias, e pequenas flores brancas de estrelas. Seus olhos, sempre adoráveis, eram de um azul mais brilhante do que eu já tinha visto na Terra. O tom escuro de seu cabelo combinava com o da fruta ao seu redor. A graça de seus membros musculosos quando Gwydion o agarrou pela camisa e o arrastou de volta para nós era absolutamente sublime. Ethan e eu voltamos juntos assim que Gwydion parou de nos separar fisicamente, nossos braços se abraçando como se tivessem sido feitos para isso. Quando Gwydion empurrou Cole para nós, nós o alcançamos ao mesmo tempo. Eu sorri quando toquei sua bochecha, sua pele macia e quente, e pela primeira vez ele não recuou do contato. Ethan segurou o outro lado do rosto, acariciando a linha fina da bochecha com o polegar. Cole fechou os olhos e afundou em nosso toque como um banho quente após um dia difícil.

—Como você pode pensar que não é absolutamente lindo? — Eu perguntei, impressionado com cada mecha de seu cabelo, a curva de sua mandíbula, a cor de seus lábios.

—Você é como uma obra de arte. — Ethan concordou, virando seu sorriso deslumbrante para mim, o calor tão comovente que eu quase podia chorar. —Vocês dois são. Gostaria de saber com quem comparar você. Nunca consigo me lembrar dos nomes. Vexa sempre pode.

Eu sorri de volta para ele, lembrando como quando o conhecemos eu o comparei com o David de Bernini e uma dúzia de outras obras de arte clássica. Eu estava um pouco desorientada na época, mas a comparação se manteve.

—Algo pré-rafaelita. — Eu disse. —Edward Hughes talvez.

—Você é tão inteligente. — Disse Ethan.

—Estou tão feliz que vocês estão tendo um momento de união tão adorável. — Disse Gwydion, tentando nos afastar um do outro. —Mas se vocês tentarem recuperar os sentidos, realmente não temos tempo para uma orgia no momento.

—Isso é... intoxicação mágica. — Disse Cole, esfregando os olhos. Adorei a delicada arte de seus dedos e o tom avermelhado que o atrito colocou em suas bochechas.

—De fato! — Gwydion disse, pingando sarcasmo. —Que bom que você está alcançando! Isso deve desaparecer em breve, mas não podemos dar ao luxo de esperar por isso, nem tenho paciência para ver vocês três se lutarem até que isso aconteça.

Eu me perguntava por que ele estava de mau humor quando era um dia tão perfeito. Mas eu não poderia estar chateada com ele por isso. Ele era bonito demais para se zangar. A luz do sol não parecia tocá-lo, mas quando ele estava na sombra, ele parecia esculpido em mármore frio, frio e sem falhas e brilhando como gelo. Quase doía olhar para ele, como a luz refletindo na neve até ficar ofuscante. E às vezes, quando eu o via pelo canto do olho, ele era mais do que isso. Maior do que eu podia imaginar, e quando ele se moveu, houve um farfalhar de pelos e uma sombra de chifres.

—Ele está certo. — Disse Cole, balançando a cabeça enquanto se distraía brevemente por uma borboleta que passava com asas como vitrais vivos. —Precisamos... Continuar em movimento. Estamos em perigo. Tentem se lembrar do medo.

Eu não queria ter medo, não quando era tão bonito aqui. Mas fiz o meu melhor quando Cole pegou minha mão e me puxou atrás de Gwydion. Peguei Ethan com a mão livre e o puxei. Uma corrente de margarida, como quando éramos crianças. O pensamento me fez rir, o que o fez começar.

Gwydion suspirou cansado. —Pelo menos vocês estão se movendo. Por aqui. Não se afastem. Não há sinal de seu feitiço de teletransporte aqui. Ele deve ter ido mais longe antes de lançá-lo para tentar me expulsar. Mas por que ele arriscaria isso aqui? De todos lugares?

Eu mal ouvia Gwydion e não entendia por que ele não gostava daqui. Ele fez parecer tão perigoso, mas era o lugar mais maravilhoso que eu já vi. Ao atravessarmos as árvores, pequenos pedaços de magia se revelaram entre as folhas. Uma macieira com casca de prata fina estava crescendo perto de um riacho claro, com seus galhos forrados e pesados por frutas feitas de ouro e diamante. Uma cobra com escamas de esmeralda translúcida estava pendurada nos galhos, nos observando com sábios olhos rubis escuros. Tinha uma daquelas bocas fofas de filhotes de píton que são tão adoráveis, mas Gwydion não me deixou fazer amizade com ela.

Mulheres minúsculas, que não eram mais do que meu braço, nadavam através do riacho, pulando como peixes, brilhando rosa iridescente e lavanda como o interior de uma concha, estalando seus minúsculos dentes afiados em insetos. Vi um campo de flores brancas crescer, grande como a palma da minha mão, e no centro de cada uma havia um minúsculo sino de ouro. Quando o vento soprava, eles tocavam tão docemente que Gwydion teve que gritar conosco para nos impedir de vagar neles para nos deitar e apenas ouvir. Cole sugeriu que cantássemos, o que foi uma ideia tão boa que eu o beijei por isso, e ele ficou vermelho e começou a rir e esqueceu sua sugestão até que Gwydion o lembrou, quando ele afastou Ethan de tentar mentir novamente nas flores, que eram tentando envolver tenras videiras verdes ao redor de seus sapatos, como se quisessem que ele ficasse. A única música que todos conhecíamos era Bohemian Rhapsody, e cantamos o mais alto que pudemos por insistência de Gwydion, até deixarmos o campo de flores para trás e ele nos pediu para parar. Mas continuamos esquecendo que ele nos disse para parar e começar de novo. É uma música tão boa, afinal. Nós finalmente paramos quando ele ameaçou fechar nossas bocas com mágica nos fez esconder em um arbusto enquanto uma procissão de árvores andando passava majestosamente.

Quando o desfile de árvores terminou, eu estava finalmente começando a recuperar meus sentidos um pouco, o suficiente para perceber que estávamos com problemas. Embora eu ainda estivesse flutuando e facilmente distraída, eu estava presente o suficiente para olhar para a merda ridícula que acabamos de percorrer e empalidecer com a quantidade ridícula de sério perigo em que estávamos, que eu apenas... não notei.

—Essas flores tinham dentes. — Eu sussurrei para mim mesma, olhando para um fragmento perfeito de céu azul através das folhas acima de nós.

—Finalmente começando a sair disso? — Perguntou Cole. Ainda estávamos sentados no mato. Eu não tinha notado os espinhos antes agora.

—Acho que sim. — Eu disse, esfregando a cabeça. —Mais ou menos. Jesus, eu não estive tão bêbada desde o último ano.

—É o ar aqui. — Disse Cole. —Está tão cheio de magia que você quase pode vê-la a olho nu. É por isso que tudo parece tão...

Ele fez um gesto ambíguo, mexendo os dedos ilustrativamente. Eu imaginei que entendi o ponto dele.

—Graças à lei. — Gwydion reapareceu, arrastando um Ethan tropeçando, que estava sorrindo e segurando uma das flores de sino. —Eu tinha medo que você se afastasse. Eu tive que perseguir esse idiota até o prado. Eu deveria ter deixado eles comê-lo. Eu teria todo o direito!

Ele estava parecendo mais do que um pouco esfarrapado, mesmo através da névoa mágica que o tornava tão etérea adorável.

—Desculpe. — Eu disse, levantando-me inquieta e ajudando Cole a se levantar. —Eu acho que estou começando a descer.

—Provavelmente levará Ethan mais um pouco. — Disse Cole. —Ele não está tão acostumado à magia quanto nós.

Ethan pressionou a flor do sino em minhas mãos. Peguei-a com relutância, olhando para trás como dentes de gancho voltados para os dentes que revestiam a trombeta interna.

—Eu comprei para você. — Ethan disse, e ele estava tão sério e bonito que eu quase esqueci os dentes completamente. —Eu não te dei nada ainda. Preciso te dar coisas, para que quando eu me for, você se lembre de mim.

Ele disse isso sem um pingo de arrependimento ou amargura, o que a fez doer ainda mais. Comecei a dizer algo, insistindo que não era o que iria acontecer, mas não queria estragar a felicidade dele. Eu sabia que ele tinha tido pouco o suficiente ultimamente.

—Obrigada, querido — Eu disse e o beijei. —Eu prometo que nunca, nunca vou te esquecer.

Encantado, ele me pegou e me virou, regando meu rosto em beijinhos.

—Adorável. — Disse Gwydion sarcasticamente. —Podemos seguir em frente? A trilha de Gil está ficando mais fria.

Fiz Ethan me colocar no chão e começamos a andar novamente. Definitivamente, eu ainda estava bem maluca, mas ter pelo menos um pé mais ou menos no chão tornava mais fácil apreciar as coisas realmente incríveis que estávamos vendo, além de ajudar a manter um olho em Ethan, e ocasionalmente até em Cole. Não que eu estivesse muito melhor, sendo desviada por um raio de sol que capturava o ar como se fosse um prisma, arco-íris deslizantes e brilhantes, ou um ninho de coelhos com presas e chifres, que eu percebi que um pouco tarde demais estavam sendo guardados por seus pais igualmente afiados e com chifres. Mas pelo menos agora um de nós geralmente era lúcido o suficiente para pegar o outro. Gwydion tinha um grande potencial como pastor profissional.

E então Gwydion afastou uma cortina de musgo pendurado e todos nós congelamos no lugar como se ficássemos impressionados ao ver o que havia do outro lado.

A alguns metros de distância, pastando pacificamente em uma piscina vernal, havia um unicórnio.

Era, sem exceção, a coisa mais linda que eu já vi. Eu não conseguia acreditar que alguém tivesse convencido as pessoas de que se parecesse com um cavalo. Era um tipo de ungulado, claramente, mas mais como um grande cervo em proporções, com uma cabeça um tanto parecida com uma cabra. A cauda comprida era preênsil, como a de um gato, e adornada no final com os mesmos cachos sedosos e prateados brancos da crina. Seus olhos eram impressionantes além da minha capacidade de descrever. Eles eram ao mesmo tempo profundos, escuros e infinitamente inteligentes, e também brilhavam com mil cores, queimando com a luz interior. Seu chifre brilhava com suave iridescência, como pérola ou nácar, subindo mais de um pé da testa até um ponto que brilhava como uma estrela.

—É...? — Eu sussurrei, minha voz tremendo. —É realmente-?

—Sim. — Disse Gwydion, estendendo a mão para impedir que alguém se aproximasse. —Silêncio. Fora dos tribunais, não há mais coisa perigosa neste lugar. Devemos recuar lentamente, tentar dar a volta.

—Como isso pode ser perigoso? — Eu perguntei, completamente extasiada. —É um unicórnio!

—É exatamente por isso que é perigoso. — Disse Gwydion, impaciente. —Eles são forças primordiais - o conceito de justiça dando forma. Se eles sentirem a menor sombra em seu coração, eles a esculpirão. Eles não podem ser combatidos ou fugir. Depois que decidem matá-lo, nada pode detê-los. Eles podem até matar um fae.

—Isso não parece exatamente justiça para mim. — Disse Cole, franzindo a testa. —Apenas assassinato resumido por qualquer crime? E o que exatamente eles definem como uma 'sombra' no seu coração? Isso me mataria se eu me sentisse culpado por esquecer o aniversário da minha avó?

—Não seja pedante. — Disse Gwydion, virando-se para olhá-lo. —Só estou dizendo que, se você merece morrer, eles saberão.

—Bem, isso é um pouco diferente de 'se houver uma sombra em seu coração'.

—Bem, o julgamento deles sobre quem merece morrer tende a se inclinar pesadamente para todos na minha experiência, então me perdoe por me tornar poético.

—Bem, então eles não são personificados pela Justiça. Justiça verdadeira não ignora o contexto.

Não ouvi a resposta de Gwydion porque já estava na metade da distância entre mim e o unicórnio. Ele levantou sua bela cabeça quando me aproximei, e eu não pude deixar de sorrir. Eu nem estava pensando no perigo. Tudo o que eu conseguia pensar era que esse era um unicórnio real na minha frente. Tudo o que eu sonhava quando menina, todos os livros de fantasia que eu desejava escapar, voltaram correndo para mim como um golpe no peito. Eu não percebi o quanto eu queria isso, neste exato momento, toda a minha vida. Se eu pudesse tocá-lo, apenas uma vez, morreria feliz. O unicórnio, silencioso e perfeito, virou-se lentamente para me encarar.

Ouvi vagamente Ethan começar a gritar meu nome, apenas para ser rapidamente abafado.

—Temos que fazer alguma coisa! — Cole estava dizendo. —Isso poderia matá-la!

—Se interrompermos agora — Respondeu Gwydion severamente. —Definitivamente vai.

Eu não estava com medo. Quem poderia ter medo na presença de algo assim? Ele deu dois passos lentos em minha direção, seus cascos ecoando a cada passo, apesar de andar sobre musgo macio. Eu assisti, impressionada e aberta, enquanto abaixava a cabeça, trazendo seu chifre longo e perversamente afiado ao meu peito. O ponto descansou logo acima do meu coração. De repente, pensei, como se estivesse compelida, a tudo o que recentemente senti culpa. Quando Gwydion se machucou, depois de me envolver nisso por minha causa. Colocando Cole em perigo pela mesma razão. Quando meus vizinhos encontraram o buraco no quintal onde o cachorro morto havia sido 'desenterrado por um leão da montanha', mesmo que o cachorro estivesse ressuscitado e vivendo feliz na casa da minha tia. Aprendendo que meus poderes estavam acelerando a maldição de Ethan. Quando Ethan quase foi morto me protegendo de Aethon. Na maioria das vezes eu tinha visto Ethan ultimamente, honestamente. Se não fosse por mim, ele ainda teria anos. Eu até me senti culpada por fazê-lo ficar comigo. Egoísta. Fazendo-o continuar lutando, mesmo que ele estivesse com medo e com dor só porque eu não queria perdê-lo ainda. Fazendo-o me ver flertar com os homens que eventualmente o substituiriam. Eu deveria ter recusado quando ele se ofereceu para abrir o relacionamento. Eu sabia que ele só estava fazendo isso porque ele não queria que eu estivesse sozinha. Eu deveria ter recusado ele quando ele se ofereceu para me ajudar com isso. Eu nunca deveria tê-lo colocado em perigo. Ele merecia mais que eu. Eu era uma necromante, e o que Julius dissesse, nunca seria capaz de me convencer, muito menos de mais alguém, de que era uma magia puramente inocente. Eu estava cheia de algo sombrio e mau, e não podia mudar isso.

Eu funguei, lágrimas escorrendo pelo meu rosto. Eu sabia que o unicórnio podia ver toda a minha culpa, e a vergonha me fez querer entrar em um buraco e morrer. Eu não tinha medo de que isso me matasse. Eu não estava pensando sobre isso. Eu só queria ser digna disso.

Senti algo molhado cair no meu ombro e abri os olhos. O unicórnio chorava, chorando lágrimas leitosas que se transformavam em cristal quando caíam na grama. Ele levantou o chifre do meu coração e agora encostou a cabeça na minha, como se estivesse tentando me confortar. Joguei meus braços em volta do pescoço sem um momento de hesitação e enterrei meu rosto na seda fria de sua juba. Irradiava contentamento, uma paz profunda e tranquilizadora que me assegurava que tudo ficaria bem. Não era apenas Justiça, como Gwydion pensava. Era a paz que seguia a verdadeira justiça.

—Em todos os meus anos, nunca vi isso acontecer. — Sussurrou Gwydion de onde estavam escondidos, parecendo atordoado. —Eu ouvi histórias, mas...

Respirei fundo, infundindo-me com o máximo de paz possível. A vertigem da intoxicação mágica se foi, mas eu estava feliz por isso. Eu nunca teria tido a coragem de me aproximar sem ela. Então me forcei a me afastar, embora uma grande parte de mim só quisesse seguir o unicórnio para sempre. Havia pessoas que ainda precisavam de mim aqui. E alguém que precisava disso muito mais do que eu.

—Vexa? — Ethan disse inquieto. —Você está bem?

Eu me virei para eles, sorrindo enquanto esfregava as lágrimas do meu rosto.

—Sim. — Eu disse. —Eu estou bem.

Estendi a mão para Ethan, acenando para ele avançar.

—Não faça isso. — Disse Cole. —Ela claramente perdeu a cabeça.

Ethan parecia nervoso, mas saiu de trás do mato, caminhando em nossa direção com cautela. O Unicórnio fez um barulho baixo e desapontado, como um cavalo, e se levantou um pouco, mas eu joguei meus braços em torno dele novamente, acariciando seu pescoço até que ele se acalmasse e deixasse Ethan se aproximar.

—Não tenha medo. — eu disse, pegando sua mão. —Não vai machucá-lo. Se pode chorar por mim, vai te amar.

Ethan não parecia certo, mas quando ele olhou para o Unicórnio, pude ver a admiração em seus olhos tão poderosos e profundamente enraizados quanto os meus. Eu não tinha sido a única sonhando com esse momento.

O unicórnio colocou seu chife no peito de Ethan, e vi as lágrimas nos olhos dele quase imediatamente. Ele soluçou, o ombro tremendo, enquanto revivia a culpa que o unicórnio havia trazido diante dele.

—Não olhe. — Ele implorou ao unicórnio, não a mim. —Eu não sou - eu não sou como-

Eu vi a ponta do chifre do unicórnio afundar no peito de Ethan apenas o suficiente para tirar sangue. Agarrei a mão de Ethan novamente, apertando com força.

—Seja honesto. — Insisti. —Você tem que olhar para tudo. Você tem que deixar que isso faça parte de você.

Ethan balançou a cabeça e senti um tremor de medo quando o chifre do unicórnio afundou um pouco mais fundo, com medo de ter cometido um erro. Mas não havia mais nada que eu pudesse fazer. Não havia nada que eu pudesse dizer agora. Ethan sabia que eu estava aqui, que o apoiaria, não importa o quê. O problema não estava comigo ou com mais ninguém. Era em Ethan.

O chifre afundou mais e eu agarrei a mão de Ethan, com medo de tê-lo levado à morte.

—Eu te amo. — Eu disse, a primeira vez que disse as palavras. A primeira vez que estive realmente, realmente certa de senti-las. —Ethan, eu te amo muito.

Ethan estremeceu, depois apertou minha mão.

—Tudo bem. — Disse ele, um som de aceitação cansada. —Bem.

A tensão sumiu dele, embora as lágrimas caíssem rápido e com força. O chifre do unicórnio recuou, não deixando feridas nem sangue. Deitou a cabeça ao lado da dele por um momento, antes que ele caísse de joelhos na grama. Caí ao lado dele, segurando-o perto. Ele tremia, ainda chorando muito.

—Vê? — Eu sussurrei. —Eu sabia. Eu sabia que pensaria que você é tão incrível quanto eu.

Ele soluçou, maravilhado e incrédulo em seus olhos quando olhou para o unicórnio. Mas quando ele olhou para mim, havia apenas amor em seus olhos.

—Eu também te amo, Vexa. — Disse ele. —Muito.

Ele me puxou para um beijo aos pés do unicórnio, que pressionou o nariz na têmpora de Ethan e depois na minha, antes que ele se virasse e se afastasse na sombra das árvores.

Fiquei de pé instável e puxei Ethan comigo enquanto Cole e Gwydion saíam cautelosos dos arbustos. Ethan me abraçou com força, e eu o abracei de volta, meus pensamentos ainda nos arrependimentos que o Unicórnio havia me mostrado. Não tinha falado ou compartilhado nenhuma sabedoria, mas a sensação de paz que me enchia me dava um tipo estranho de clareza, uma distância daqueles sentimentos que os tornavam mais fáceis de lidar. Eu esperava que Ethan sentisse o mesmo. Eu esperava que algo tão puro e mágico, declarando-o digno, aliviasse um pouco da dor contida dentro dele.

Cole me surpreendeu jogando os braços em volta de nós dois, a cabeça no meu ombro.

—O que eu acabei de dizer sobre fazer coisas estúpidas e perigosas? — Ele repreendeu, sua mão segurando firmemente as costas da minha camisa. Não pude deixar de sorrir com sua preocupação relutante. Ethan retornou meu sorriso, nós dois emocionalmente exaustos, mas cheios pela profunda paz do julgamento do unicórnio.

—Tenho certeza que você só me disse para não explorar fontes mágicas poderosas. — Provoquei. —Você não especificou que eu não deveria fazer nada perigoso.

Ele levantou a cabeça para me encarar.

—Você tem alguma ideia de como será inconveniente para mim se você morrer? — Ele disse.

—Bem, eu não gostaria de ser um inconveniente. — Eu disse com uma risada.

—Tarde demais. — Declarou Gwydion se aproximando de nós, colocando algo no bolso.

—Sua preocupação é comovente. — Eu disse a ele por cima da cabeça de Cole, depois coloquei um braço em volta de Cole para atraí-lo com mais segurança para o abraço, Ethan fazendo o mesmo. Cole ficou tenso sem jeito, mas não se afastou. Talvez fosse um pouco da intoxicação mágica ainda o afetando. Eu tinha certeza de que era o que ele culparia de qualquer maneira.

—Eu tenho certeza que isso faz com que vocês dois sejam dignos de serem reis da Inglaterra. — Disse Gwydion casualmente, claramente tentando entender tudo, como se eu não tivesse visto o medo dele. —Eu tenho a espada em casa, se vocês estiverem interessados.

Ethan abafou uma risada no meu ombro.

—Vou considerar. — Eu disse a Gwydion com um sorriso. Ele zombou com um arco, depois endireitou as roupas e limpou a garganta.

—Agora, realmente precisamos nos mexer. Magia assim vai atrair-

Ele foi interrompido por uma flecha acertando-o no peito.

Ele voou para trás, esparramando na grama. No mesmo momento, Cole e Ethan desabaram em ambos os lados de mim. Muito horrorizada para reagir, eu só podia ver uma fila de arqueiros emergir das árvores, flechas batendo, lideradas por um homem com barba dourada e uma coroa brilhante.

—Vocês invadiram a terra sagrada de Tir Na Nog. — Declarou o homem. —A rainha exige suas presenças.

 

 

 

Capitulo Onze


O charme que os fae costumavam colocar Ethan e Cole para dormir não funcionou em mim, provavelmente graças à jaqueta de Gwydion, então tive o prazer de ser amarrada e arrastada para as costas de um cavalo atrás do homem barbudo, algo que discordei veementemente, mas não pude fazer muita coisa. Não que eu não tentei. Convoquei todas as coisas mortas na área que pude alcançar, incluindo algum animal maciço e trêmulo que eu nem reconheci, e fui prontamente e completamente desligada com alguns gestos casuais dos fae. Eu poderia muito bem nem ter me incomodado. Eu consegui dar um tapa em alguns deles com necrose quando eles foram me amarrar e deram um bom chute, mas naquele momento, tudo que eu estava salvando era meu orgulho.

Eu assisti, doente de ansiedade, enquanto jogavam Ethan, Cole e Gwydion nas costas de seus cavalos, nem mesmo removendo a flecha de Gwydion, e nos levavam embora.

Não tínhamos andado muito tempo antes de chegarmos a um caminho verde, que logo se tornou uma estrada de terra bem trilhada e depois pavimentada um pouco mais em tijolos de pedra. A essa altura, o palácio já estava à vista.

Um imenso e reluzente edifício dourado, repleto de pináculos e filigrana, parecia algo que a Disney rejeitaria por ser exagerado demais. A vegetação caía em cascata de todas as paredes e janelas, flores quase mais comuns que o onipresente trabalho de pergaminho dourado. Era bonito, com certeza, mas não tinha nada no Unicórnio, e de qualquer maneira, eu estava ocupada sendo absolutamente irritada como o inferno.

Por fim, eles nos levaram a um enorme jardim no pátio, tão denso com plantas que dificilmente parecia haver espaço para as pessoas, cercados por todos os lados por finas colunas de mármore branco. Um maciço carvalho ficava em uma extremidade do pátio, e seu tronco fora cultivado, não esculpido, na forma de um trono elaborado, cravejado de pedras preciosas e marfim.

A mulher que estava sentada era, sem dúvida, uma rainha. Você poderia dizer que ela era uma rainha mesmo sem a coroa ou o lindo vestido dourado. Ela teria sido uma rainha completamente nua. Um lampejo daqueles olhos escuros deixaria isso claro. O fato de ela ter pelo menos o dobro da altura de qualquer outra pessoa aqui também pode ter contribuído para sua aura de superioridade real.

Sendo Rainha do Verão, eu meio que esperava uma loira, talvez uma ruiva. Mas o cabelo de Titania era o preto do solo rico, sua pele tão escura quanto uma noite de verão. Ela brilhava como o coração do sol e segurava um cajado de ouro em uma mão, que parecia ter uma estrela viva em sua cabeça de filigrana.

Fomos trazidos à sua frente, eu caminhando entre dois guardas e os outros três jogados sem cerimônia. O homem barbudo se ajoelhou para arrancar a flecha do peito de Gwydion. Assim que saiu, Gwydion acordou, tossindo e engasgando.

Lancei um rápido olhar para os homens de ambos os lados, depois chutei um na virilha e balancei os punhos amarrados para atingir a outra força total no rosto. Enquanto eles estavam cambaleando, corri para Gwydion, convocando um enxame de insetos para manter os guardas afastados enquanto eu o arrastava até nossos companheiros inconscientes.

 

—Teleporte-nos para fora! — Eu disse a Gwydion, tentando freneticamente manter os insetos mortos entre mim e os guardas, que pareciam apenas levemente aborrecidos por eles e não com pressa de me recapturar.

—Não posso. — Disse Gwydion, ainda sibilando.

—O que você quer dizer com não pode?

—Obrigada, Hern. — Titania disse graciosamente para o homem barbudo, ignorando minha tentativa de fuga completamente. —Por favor, remova o charme dos outros dois. Estou muito curiosa em saber o que os trouxe ao nosso reino.

Hern curvou-se profundamente, depois acenou com a mão e Ethan e Cole sentaram-se um momento depois, piscando em confusão.

—É o suficiente. — Disse Titania, e os insetos que eu estava controlando se transformaram em uma chuva de pétalas de flores instantaneamente, sem o menor gesto dela. Eu peguei qualquer outro poder que eu tinha e não encontrei nada. Apenas a paz prolongada do toque do unicórnio me impediu de surtar completamente. Os olhos escuros e brilhantes de Titânia voltaram-se para Gwydion, assim como os do resto da corte, que estavam quase invisíveis entre as flores do jardim, verdes e brilhantes. Pelo canto do olho, eles não pareciam humanos. Vi carapaças cambiantes e asas e olhos iridescentes cintilantes como jóias multifacetadas.

—Gwydion Greenwood. — Ela falou, e sua voz tremeu no ar e fez as flores girarem em sua direção. —Pensei em ver seu irmão ajoelhado diante de mim em uma dessas noites. Mas você não esperava. Você sempre preferiu os reinos mundanos.

Eu não precisava saber muito sobre faes para saber que isso era um insulto.

Gwydion recuperou o fôlego e lutava de joelhos. Ajudei-o tanto quanto me atrevi, com medo de tirar os olhos da rainha. Gwydion, pelo contrário, nem sequer a olhava. Ele manteve a cabeça baixa e a postura baixa.

—E ainda aqui está você. — Titania continuou. —E com um bando de humanos não menos. Que planos fascinantes você deve ter. Por favor, compartilhe-os.

—Nossa chegada aqui não foi intencional, Vossa Majestade. — Disse Gwydion, a cabeça tão baixa que seus cabelos roçaram o mosaico vidrado. —Um ladrão roubou algo meu e fugiu através de um portal. Foi por coincidência que o ladrão escolheu este lugar como destino.

—Nós dois vivemos muito tempo. — Disse Titania casualmente. —Muito tempo para acreditar na coincidência.

—Então claramente o ladrão sabia que me levar até aqui atrairia sua atenção e me impediria de seguir. — Disse Gwydion rapidamente. —Mas você deve saber que eu não voltaria a esse lugar de bom grado.

—E ainda aqui está você. — Disse Titania novamente. —E Hern, o melhor caçador da minha corte, não viu vestígios de sua pedreira. Somente você, perambulando pelo território que lhe era proibido antes do seu exílio.

—Vossa Majestade. — Disse Gwydion, e pude ver suor em sua testa. —Eu nunca tentei interferir nos seus assuntos. Mesmo antes das tolices que levaram à minha... partida. Você sabe que não tenho ambições.

—Você não tinha. — Titania confirmou casualmente. —Mas você passou mil verões entre os humanos, e quem sabe que influências tóxicas suas mentes mesquinhas podem infligir? Talvez você tente recuperar sua posição entre os Invisíveis, ganhando-lhes uma pequena vitória contra nós, nesta nossa época de supremacia?

—Não, Majestade, eu nunca...

—Você roubou o meu reino. — Disse Titania, uma onda de calor saindo do trono, o que me deixou tonta e com sede. —Sem aviso prévio em um jardim onde sua espécie sempre foi proibida, trazendo com você criaturas mortais com magia repugnante para suas almas, e você espera que eu acredite em suas intenções puras? Você me aceita como uma tola, Gwydion Greewood? Sílabas do seu verdadeiro nome - Sol à meia-noite, Espelho de Gelo, Canção de arrepio - eu poderia torcer você em mil formas e plantá-lo como uma das minhas árvores.

Enquanto ela falava, o calor aumentou até que eu mal conseguia respirar, como estar diante de uma fornalha no deserto. Gwydion se enrolou em si mesmo, a pele brilhando com suor, o cabelo mole. Eu podia ver a agonia em seu rosto e meio que esperava que ele evaporasse, um fio de vapor como um floco de neve caindo no fogo. Em vez disso, seus membros torceram e tensionaram, sua pele ficou escura, rachando em casca.

—Meu jardim pode usar uma ou duas sempre-vivas. — Disse Titania com crueldade preguiçosa.

Ethan e Cole estavam sofrendo sob o calor da mesma forma que eu, e os dois ainda estavam se recuperando da confusão do feitiço de dormir de Hern. Eu podia ver Cole se esforçando para encontrar sua mágica e não encontrando nada ao seu alcance. Ethan empurrou o Lobo para a superfície, mas a exaustão pelo calor diminuiu sua força e deixou seus dentes sem brilho e suas garras mal estendidas. Meus braços estavam em volta de Gwydion e, entre meus dedos, brotavam galhos, afiados com agulhas de pinheiro.

—Pare! — Eu exigi, com toda a força que pude reunir, o som ainda fraco dos meus pulmões sem ar. —Não foi culpa dele! Foi Gil-

De repente, o calor desapareceu e a casca desapareceu da pele de Gwydion.

—Então, foi Gilfaethwy quem voltou primeiro. — Disse Titania com um sorriso doce. —Por que você não mencionou que era seu irmão que você estava perseguindo? Eu poderia ter adivinhado. Ele sempre estava roubando seus brinquedos. Foi isso que levou você a essa confusão em primeiro lugar, não foi, querido?

Gwydion não conseguiu falar. Ele estava tremendo muito e mal conseguia se segurar. Lembrei-me com súbito medo como o que Gwydion havia dito que os Unseelie fariam com ele se ele voltasse. A Corte de Verão faria o mesmo e o torturaria para alcançar Gilfaethwy?

Lutei de pé, aproveitando a sensação de paz que o Unicórnio me deixou como se fosse uma piscina parada no meu coração.

—Gwydion não é seu para punir. — Eu disse e ouvi um murmúrio de choque e até risadas correndo pela corte reunida. Eu senti que provavelmente deveria ter me curvado ou adicionado uma 'Sua Majestade' antes de desafiar diretamente seu poder, mas era tarde demais para isso agora. —Ele não pertence ao seu tribunal.

Titania levantou uma sobrancelha escura e sorriu, divertida.

—Vejo você seguir uma nova rainha hoje em dia, Gwydion. — Disse ela, e tentei ignorar o rubor em minhas bochechas com a zombaria em seu tom. —Foi ela quem colocou o cheiro da morte em você?

Gwydion ainda não conseguia controlar as palavras. Ele agarrou o tornozelo das minhas calças com as mãos trêmulas, claramente tentando me fazer calar a boca de qualquer maneira.

—Bem, pequena rainha. — Titania disse com seu sorriso venenoso. —É verdade que não é da minha conta julgar os crimes dos quais ele originalmente fugiu. Mas ele passou por aqui, um Unseelie em Seelie pousa, e por isso tenho todo o direito da lei de exigir sua vida.

—Mas então você perderia Gilfaethwy. — Eu apontei, pensando rapidamente e puxando a primeira razão que eu consegui pensar na minha bunda. —E você nunca teria a chance de puni-lo pelo que ele fez.

Titania considerou isso, uma mão delicada em sua linda bochecha.

—Verdade. — Ela concluiu finalmente. — Mas o que me impede de poupar a morte de Gwydion? Em minha infinita misericórdia, talvez eu lhe conceda sua vida e apenas o castigue, infligindo toda tortura inteligente que minha corte possa conceber até que seu querido irmão se mostre apenas para acabar com a dor?

A mão de Gwydion apertou meu tornozelo, e o medo como água gelada em minhas veias fez o calor terrível da rainha parecer morno.

—Porque não funcionaria. — Eu disse, as palavras parecendo sair dos meus lábios antes de pensar completamente nelas. Procurei alguma justificativa para o que tinha acabado de dizer, ainda me perguntando por que o havia dito. —Ele... Gilfaethwy tem algum novo tipo de magia de proteção nele. É... provavelmente porque o seu caçador não o notou, mesmo que ele estivesse no seu território por mais tempo do que nós. Provavelmente bloqueia a conexão dele com Gwydion. Você poderia torturá-lo para sempre e Gil nunca sentiria nada.

Isso era absolutamente besteira. Eu não sabia disso. Gwydion mencionou de antemão que Gil tinha algum tipo de escudo impedindo Gwydion de usar o Vidro do Artífice nele. Era um alcance e meio afirmar que o impediria de sentir a outra metade de sua alma sendo torturada. Mas eu disse isso com tanta confiança quanto pude, olhando a rainha em seu rosto radiante, embora queimasse como se olhasse diretamente para o sol, e a vi reclinar em seu trono com uma expressão pensativa. Havia queimaduras ardentes nos braços do trono vivo onde suas mãos estiveram.

—Que pequena rainha interessante você encontrou. — Titania disse a Gwydion, que ainda estava ajoelhado aos meus pés, os dedos segurando minhas calças como se estivesse tentando rasgá-las. —Estou intrigada. É tão raro hoje em dia ver algo novo e divertido. Os humanos podem ser terrivelmente cansativos em números, mas sinto falta dos dias em que esses raros mortais excepcionais decidiram fazer algo tolo. Eles são terrivelmente estúpidos e inventivo. As mentes imortais tendem a se apegar à ideia de que já tentaram de tudo e o que não tentaram não vale o esforço. Isso as torna insuportavelmente entediantes.

—Honestamente, eu já vi essa atitude em muitos humanos. — Eu disse, um pouco tonta de estresse.

A rainha riu, um som clamoroso como sinos de metal tocando e tempestades de verão. Isso me abalou tanto que quase caí no chão ao lado de Gwydion.

—Bem, então, pequena rainha. — Disse Titania, cruzando as pernas e arrumando as saias com um segundo par de braços que eu ainda não havia notado. —Por favor, me diga como você resolveria esse problema. Estou muito curiosa para ouvir.

Engoli em seco e olhei para Gwydion, que balançava a cabeça sutilmente. Um olhar para Cole o viu também balançando a cabeça, com muito mais ênfase, e Ethan gesticulando com a mão esticada na garganta, no sinal universal de 'cale a boca antes que você morra'.

Eu decidi ignorá-los.

—Penitência. — Disse à rainha. —O castigo para nós quatro que invadimos deve ser penitência. Nós o pagaremos por nosso crime, trazendo a você alguém culpado de um crime muito maior. Vamos lá, vamos pegar Gilfaethwy e trazê-lo de volta a você para julgamento.

A boca perfeita de Titania se curvou em um sorriso largo e de dentes afiados que me fez lembrar de um gato de Cheshire.

—Que sugestão divertida. — Disse ela. A mão de Gwydion caiu da minha perna e Cole escondeu o rosto nas mãos. —Oh, já faz muito tempo desde que eu tive a chance de brincar com humanos. Outros Fae já conhecem todos os passos. Você nunca pode realmente vencer, ou apenas por centímetros. Que delícia ver alguém tropeçar diretamente em seu próprio sentido, mortes pela primeira vez. Eu nem precisei sugerir nada. Delicioso!

Meu estômago afundou aproximadamente 13 quilômetros na terra.

—Muito bem. — Disse Titania, batendo com o cetro no azulejo, que tocou como sinos. — Aceito. Vou perdoá-los pela invasão e permitir que vocês saiam, com a condição de voltar com o traidor Gilfaethwy e entregá-lo a mim. Como sou generosa, darei uma quinzena para protegê-los. Ao meio-dia daqui a duas semanas, se você não o trouxerem para mim, a penitência falhará e farei o que eu quiser com todos os quatro.

Fomos sumariamente expulsos do palácio. Sentamos na terra além de seus portões, recuperando o fôlego.

—Sua idiota. — Cole gemeu, com o rosto ainda nas mãos. —Você completa... Deus! Você nunca leu um conto de faes em sua vida?

—Eu não tive escolha! — Eu disse defensivamente. —Ela teria matado a todos nós! Pelo menos eu ganhei algum tempo.

—Ela não teria matado nenhum de nós! — Cole estalou. —Ela teria torturado Gwydion, talvez o trocado pelos Unseelie. Mas somos humanos enganados aqui por um Fae exilado que não é da sua corte. Ela não tinha poder sobre nós. Ela poderia ter tentado nos enganar para ficar ou fazer coisas de outra maneira. - difícil para nós, mas ela não poderia nos matar. Pelo menos até que você prometeu todas as nossas vidas a ela em troca de Gil!

Eu fiquei vermelha, envergonhada.

—Eu não sabia disso. — Eu disse, me sentindo uma idiota. —Fiz o melhor que pude!

—Além disso, devo lembrá-la. — Disse Gwydion em voz baixa, ainda sentado com a cabeça entre os joelhos. —Que se conseguirmos e levarmos Gilfaethwy até ela, a morte dele será minha também?

Engoli em seco.

—Ela querer Gilfaethwy mais do que você era a única alavanca que tínhamos. — Eu disse. —Nós vamos descobrir alguma coisa. Pelo menos agora temos algum tempo.

Gwydion respirou fundo, depois se levantou lentamente, oferecendo-me uma mão para meus pés também.

—Você está certa. — Disse ele, mantendo a voz muito calma, embora ele não olhasse para mim. —Não houve melhor curso de ação. Você preservou todas as nossas vidas, mesmo que por enquanto. Agora, precisamos ir e encontrar meu irmão; nesse momento, pretendo dividi-lo em dois, jogar metade no colo da rainha e levar a outra casa para viver o resto de sua vida miserável na menor e mais desconfortável gaiola que eu puder encontrar.

—É um plano. — Eu disse com um encolher de ombros. —Eu vou levar.

—Pergunta. — Ethan interrompeu. —Uh, então, primeiro de tudo... Essa era a rainha dos fae?

—Um deles, sim. — Respondeu Gwydion, relutante.

—Este lugar é de onde os fae vêm? — Ethan assumiu, gesticulando amplamente para Tir Na Nog.

—Não. — Disse Gwydion com um suspiro. —Esta é apenas a sede da Corte Seelie. Francamente, não se sabe de qual das Outras Terras os Fae emergiram, e supõe-se que o acesso a esse lugar tenha sido perdido.

—Como chegamos lá? — Ethan perguntou, ignorando as questões maiores que a declaração levantou. Repeti brevemente tudo o que havia acontecido entre Gwydion sendo alvejado e eles acordando em frente à rainha. Gwydion esfregou a flecha no ombro com uma careta como eu mencionei.

—Tudo bem. — Ele disse, balançando a cabeça. —Acho que já entendi. Mais uma pergunta. Como vamos encontrar Gil?

—Eu posso ser capaz de ajudá-los com isso.

Erguemos os olhos quando o homem de barba e a coroa de ouro, Hern, saiu dos portões do palácio ao nosso lado.

—Sua Alteza. Por que você nos ajudaria? — Gwydion perguntou sem rodeios.

—Sou o melhor caçador da Corte de Verão. — Respondeu Hern, igualmente direto. — Minha sombra na corte de inverno tem uma posição semelhante. Nenhum de nós jamais deixou escapar uma coisa que declaramos presa. Para que seu irmão tenha passado por meu território despercebido, e eu passo por sua trilha e não a sinta, é um insulto indescritível. Se minha sombra soubesse disso, a vergonha acabaria com nós dois. Devo segui-lo, pelo menos até onde ele foi em Tir Na Nog, por minha própria honra.

—Então você terá sua honra e nossa gratidão, rei Hern. — Gwydion confirmou.

—Eu também vou ter isso. — Disse Hern, apontando para mim. Meus olhos se arregalaram por um momento, antes que ele esclarecesse. —Ali, no seu casaco. No bolso. A chave que abre as portas entre os mundos.

Enfiei a mão no bolso do casaco de Gwydion e minha mão se fechou em torno de algo de madeira. Quando o tirei, ele se transformou em Cajado de Abeona. Gwydion empalideceu.

—Você não retribuirá meus esforços em seu nome com mera gratidão vazia. — Disse Hern. —Você vai me dar isso, e eu expandirei minhas áreas de caça para todos os mundos.

—Tenho outras bugigangas. — Afirmou Gwydion. —Coisas de muito mais utilidade para você do que para o pessoal. O Chifre de Caça que sua sombra perdeu na última vez que a Caçada Selvagem atravessou o reino mortal. Um sapato lançado do casco de Sleipner, que dará a qualquer montaria que a use a velocidade do rei dos cavalos.

—É esse cajado que eu quero. — Declarou Hern. —E eu terei isso ou nada.

—Então nada. — Disse Gwydion entre dentes. —E vamos encontrar Gilfaethwy por conta própria.

—Você confundiu minha oferta de caridade. — Disse Hern, frio e alto, a luz brilhando em sua coroa. —Caçarei Gilfaethwy com ou sem você. E se você me recusar, certamente o encontrarei diante de você e o devolverei à minha rainha pelos dentes dos meus cães. Aceite minha ajuda, me dê o cajado e eu lhe darei um avanço.

Até eu poderia dizer que estávamos sem opções.

—Precisamos pegá-lo. — Eu disse, interrompendo a despeito do quão ruim meu acordo foi na última vez. —Podemos dar a você depois que ele for entregue à rainha?

Hern considerou por um momento.

—Eu exigiria um vínculo. — Disse ele. —Garantia para garantir o pagamento. Um dos humanos faria.

—Não. — Eu disse imediatamente.

—Eles não seriam prejudicados. — Insistiu Hern. —E seria devolvido imediatamente após a entrega da equipe.

—Algo mais. — Eu insisti. —Nenhum humano.

—Aqui. — Gwydion enfiou a mão no casaco que eu ainda estava vestindo e tirou outra coisa, que reconheci após um breve vislumbre como o Espelho Branco e rapidamente desviou os olhos. —Isso. Você estava lá na noite do erro de Gilfaethwy. Você sabe o quanto eu o valorizo e o que significaria se fosse perdido para mim. É um seguro muito maior do que a vida de algumas espécies de pássaros como esses.

Hern pensou por um momento e depois balançou a cabeça.

—Essa coisa ofende os olhos da minha rainha. Eu não aceitaria isso por nenhum preço. É o cajado, ou nada.

Troquei um olhar com Gwydion, que rangeu os dentes e finalmente tirou o bastão de mim, entregando-o a Hern.

—O acordo está fechado. — Disse Hern, encolhendo o cajado e enfiando-o em seu gibão de ouro. — Encontrarei por qual porta Gilfaethwy saiu de Tir Na Nog e deixarei vocês para segui-lo por três noites. Quando a lua surgir na quarta noite, irei atrás dele eu mesmo. Se vocês não devolverem o traidor à rainha, então eu irei, e vocês se renderão à misericórdia da rainha como fracassos. Corram e eu os caçarei até o fim de todos os mundos.

 


Capitulo Doze


Nosso prazo foi reduzido de quinze dias para três dias e seguimos Hern, o Caçador, de volta às florestas de Tir Na Nog. Nós três já estávamos completamente sóbrios, a maravilha infantil da intoxicação mágica, fadada a uma desconfiança ansiosa de tudo o que viamos.

Hern nos emprestou cavalos para cavalgar ao lado de sua equipe de caça, em troca de três sílabas com o nome verdadeiro de um cavaleiro Unseelie que era o rival de alguém que ele gostava. Eu estava começando a aprender que segredos e favores eram a moeda corrente aqui, e absolutamente nada era dado livremente.

—O conceito de dívida é abominável para os Fae. — Explicou Cole quando mencionei isso. —Deixar uma dívida não paga é deixar outra pessoa com poder sobre você, em um sentido muito literal. Se Hern tivesse nos dado os cavalos e Gwydion não tivesse insistido em discutir como estava pagando por eles antes de aceitar, ele o faria. Deu a Hern um cheque em branco para nos deter mais tarde. Ele poderia ter exigido qualquer coisa, e Gwydion teria sido obrigado pela lei a entregá-lo. É por isso que alguns Fae ficam tão irritados se você tentar agradecê-los ou pagá-los.

—Então, o que Gwydion estava dizendo que Hern teria nossa gratidão mais cedo? — Eu perguntei.

—Foi um truque. — Disse Cole com um encolher de ombros. —Hern fez uma oferta padrão de um favor, que apenas um idiota aceitaria, mas é a abertura tradicional. Gwydion tentou interpretar a oferta de Hern como algo que Hern estava fazendo por si mesmo, não um favor que incorreria em dívida aberta ou um serviço que seria exigir pagamento, já que coincidentemente estaríamos nos beneficiando de seus esforços. Ele provavelmente passou muito tempo com seres humanos. Se Hern fosse estúpido, ele poderia ter entendido isso como um cheque em branco e aceito. Mas considerando que parece que Hern é o favorito da rainha no momento, ele provavelmente não é burro, e a implicação o insultou. Hern imediatamente esclareceu que estava oferecendo um serviço, exigiu um preço que sabia que Gwydion não gostaria de pagar e acrescentou uma ameaça em boa medida, como ele estava considerando, Hern teria tido motivos para atacá-lo pelo insulto.

—Deus, faes são uma merda. — Eu disse, esfregando a mão no rosto.

—Amém. — Ethan entrou na conversa.

As montarias de faes, pelo menos, eram extremamente bem comportadas. Eles eram um passeio mais suave do que a maioria dos carros em que eu tinha estado e não exigiam nenhuma direção de nós, o que era bom, já que apenas Ethan realmente sabia andar. Cole nunca tinha visto um cavalo de perto e ficou um pouco intimidado por toda a situação.

Passamos novamente pelo prado das flores de sino, e os cavaleiros de Hern tocaram uma música de marcha, um grande coro de vozes masculinas tão poderosas e unificadas que sacudiram as árvores e abafaram completamente o toque dos sinos. Eu não sabia dizer o que eles cantavam, as palavras derretiam no cérebro como manteiga na boca. Mas eu sabia que isso fazia meu sangue pulsar e meu coração disparar de emoção, ansioso para correr, perseguir e ser perseguida. Caçar e ser caçada. Não era a compulsão emocionante de muitas das outras influências que eu ouvi desde que estive aqui. Teria sido fácil confundir o desejo com o meu. O que, penso, só o tornou mais perigoso.

Passamos pela clareira onde vimos o Unicórnio, e vi Gwydion convocando a tela cheia de texto mágico novamente, procurando sinais de Gilfaethwy e ficando cada vez mais frustrado com o passar do tempo. Mas Hern avançou com total confiança e sem hesitação, parando apenas raramente para consultar o bando de cães excitáveis que vagavam em torno dos cascos de seu cavalo, que decolariam em uma cavalgada multicolorida de latidos animados em uma direção ou outra, e Hern faria orientar a equipe de caça para segui-los.

Finalmente, no que parecia um prado arbitrário entre as árvores, os cães começaram a latir e uivar, correndo em torno de um ponto no centro do prado.

Hern desceu do cavalo e se inclinou para tocar a grama, pensativo. Gwydion examinou sua tela mágica, os olhos disparando freneticamente, mas eu pude ver que ele não viu nada.

—Encontrei a pedreira. — Hern anunciou, endireitando-se.

—Como?— Gwydion exigiu. —Não há vestígios mágicos de Gilfaethwy em lugar algum!

—Claro que não. — Respondeu Hern. —Não acompanho a trilha dele há algum tempo.

Gwydion cuspiu em indignação.

—Sua sombra é inteligente. — Continuou Hern. —Ele colocou um pouco de sua vontade em uma corça comum. Ele vagou pelos seus negócios, criando uma pista falsa óbvia, enquanto a sua melhor e mais escondida seguiu um caminho mais direto. Vestindo a forma da mesma corça, ele foi aos gnomos e os faes de barro. Assim que soube que ele seguira naquela direção, soube o que ele planejava e nos trouxe aqui.

—Onde é aqui? — Eu perguntei, olhando em volta para a clareira normal.

—Ele não tinha ajudantes. — Reuniu Gwydion. —E ele não pôde ficar aqui por tempo suficiente para recuperar o poder de se teletransportar novamente. Ele negociou com os gnomos para lhe abrir uma porta para os Campos Escuros.

—Só assim — Hern concordou. —E provavelmente pagou um preço caro por isso. Felizmente, eu conhecia esse lugar e, portanto, não temos motivos para negociar com o povo da terra a passagem para o seu lugar ancestral.

Ele assobiou e seus cães começaram a circular novamente no centro do prado, correndo cada vez mais rápido, até que eram apenas um borrão manchado e um uivo alto e estridente.

Quando não puderam ir mais rápido, dispersaram-se de uma só vez, cada cão correndo em outra direção para queimar o momento antes de retornar a Hern, que os cumprimentou com tapinhas e guloseimas em seu alforje.

Onde eles estavam correndo, um buraco se abriu na terra.

Era o buraco mais escuro que eu já tinha visto, com as mesmas qualidades vazias sem fundo que o vazio atrás das portas no julgamento da porta demoníaca azul.

—O caminho está aberto para vocês. — Declarou Hern. —Vão em frente, e boa caça. Estarei atrás de vocês daqui a três dias, e se a presa tola permanecer nos reinos mágicos, duvido que demore mais de um dia para capturá-lo. Se ele for para na Terra, pode me levar três. Então, eu sugiro que você se apressem.

—Sua ajuda é apreciada. — Disse Gwydion, tenso. —E devidamente paga.

Hern assentiu. —Não há dívida. No entanto...

Gwydion deu um passo em direção ao buraco e parou enquanto Hern falava. Hern avançou com um belo cão de visão prateado, elegante e comprido, com finos olhos escuros.

—Eu estaria disposto a lhe emprestar um dos meus cães. — Disse ele. —Ela é mais esperta do que a maioria dos fae, mais veloz que a luz e totalmente implacável. Ela teria sua sombra em suas mandíbulas ao amanhecer. Tudo o que eu pediria em troca é um dos seus humanos. O espinhoso de cabelos escuros, talvez. Ele faria um excelente terrier.

—Não, obrigada. — Eu disse antes que Gwydion pudesse responder, não querendo arriscar. —Nós temos nosso próprio cão.

Eu dei um tapinha em Ethan com um sorriso brincalhão.

—Isso não é um cão de caça. — Respondeu Hern, sem deixar vestígios de sorriso no rosto. —Isso é um lobo. Ele não tem mestre, e qualquer homem tolo o suficiente para tentar treiná-lo logo encontraria sua garganta nos dentes. Se você perguntar a minha sabedoria, é melhor deixar um animal como esse ser deixado na natureza ou abatido.

—Sinto muito. — Eu disse alto, pegando a mão de Ethan e puxando-o em direção ao buraco. —Eu não pude ouvir seu conselho não solicitado sobre o quanto eu amo meu namorado! Tchau!

Gwydion balançou a cabeça, mas a julgar pelo fato de o mundo não ter caído ao redor dos meus ouvidos, recusar-se a reconhecer seu conselho ‘dado livremente’ provavelmente era uma boa ideia. Ele me apontou para o buraco e, vendo que não havia escada ou degraus, dei de ombros e pulei.

A escuridão passou correndo por mim, uivando em meus ouvidos. Terra fria roçou meus ombros quando eu me afastei muito de cada lado. Depois que eu cai pelo que pareceu uma eternidade (e comecei a me preocupar com a bagunça), houve um estranho movimento indutor de náusea no meu estômago e, de repente, eu estava caindo na outra direção, de cabeça primeiro.

Eu me esforcei para me endireitar, perdendo completamente a noção de cima e para baixo, preocupada de cair do mesmo buraco no colo de Hern.

Em vez disso, caí de pé em terra dura e negra.

Ethan pousou ao meu lado, tendo caído do nada e parecendo muito confuso. Cole o seguiu e, um segundo depois, Gwydion pousou também.

Enquanto isso, eu estava olhando em choque para o terreno ao nosso redor.

Dizer que era montanhoso era fazer um desserviço às montanhas. Havia picos irregulares, mas eles tinham pouco em comum com as montanhas da Terra, que eram majestosas erupções de pedra envoltas em vegetação e neve. Esses... tumultos de solo negro pareciam ter mais em comum com a sujeira agitada após uma extensa construção. E não havia nada verde. Nenhuma árvore morta ou erva murcha até onde os olhos podiam ver. A terra parecia explodida, queimada e atropelada por um trator. O céu era de um laranja sombrio desbotando para um vermelho feio da cor da pele rasgada. Não consegui encontrar o sol.

—Os Campos Escuros. — Gwydion nos apresentou antes que pudéssemos começar a fazer perguntas. —Lar dos anões. Muitos dos Fae que vivem no solo ou sob o solo consideram que este foi seu lar ancestral até que, de acordo com a tradição oral e precisamente nenhum registro em primeira mão ou evidência física, a indústria furiosa dos anões que habitam profundezas queimaram a superfície da vida e afastaram todas elas, o que provavelmente é uma invenção destinada a distingui-las do resto da corte que, como eu disse antes, perdeu toda a memória de nosso reino nativo há tanto tempo que nem as rainhas se lembram disso.

—Isso aconteceu antes de serem coroados? — Eu perguntei.

—Possivelmente.

—Então, a rainha não governa para sempre?

Gwydion me deu um olhar estranho antes de responder.

—Em teoria. Todos os Fae são imortais, mas nós não somos Verdadeiros Imortais. Os Verdadeiros Imortais não podem realmente ser mortos de nenhuma maneira. Os Imortais regulares simplesmente requerem circunstâncias específicas e, muitas vezes, encontram o caminho de volta à vida, independentemente através das fileiras da corte, o número de vulnerabilidades que temos se torna cada vez menor. A realeza logo abaixo dos monarcas reinantes é invulnerável a quase tudo, exceto profecias, heróis e uns aos outros. As rainhas reinantes e seus reis caídos estavam acima mesmo assim, voltando mesmo depois de serem mortos por Heróis, ou um pelo outro. Mas o problema com Oberon e Morozko deixou alguns se perguntando se talvez as circunstâncias para matar um monarca fossem simplesmente mais específicas do que pensávamos. Se os monarcas não são eternos, como é feito um monarca? Nunca houve outras rainhas além de Mab e Titânia. Nenhum rei além de Morozko e Oberon. Não na memória viva. Histórias antigas que mencionam coroações e casamentos reais. Até crianças. O que implica que as coisas nem sempre foram como são. E com a perda dos reis, elas podem mudar novamente.

Eu não esperava uma resposta tão extensa e não tinha certeza do que fazer com ela, além de aceitar que Gwydion realmente gostava do som de sua própria voz.

—Então, por que Gil veio aqui? — Cole perguntou, chutando uma pedra, que derrapou na encosta em que estávamos em uma pequena cascata de cinzas e sujeira enegrecida.

—Considerando que ele parece ter vindo aqui deliberadamente, não apenas em uma tentativa contínua de nos jogar fora — Disse Gwydion, caminhando ao longo da encosta, — Presumo que ele esteja aqui para ver os anões. O que colocou uma idéia muito desagradável na minha cabeça.

—O que é? — Eu perguntei enquanto o seguíamos.

—O vidro do meu artífice é feito pelos anões. — Disse Gwydion, sombrio.

Isso não me explicou nada, mas por mais que Gwydion gostasse de se ouvir falar, ele gostava mais de drama. Ele não deu mais detalhes enquanto caminhávamos pela terra queimada.

—Deveria haver uma porta aqui perto. — Disse ele, olhando as encostas ásperas à frente.

—Por que o túnel nos deixou aqui? — Eu perguntei. —Estou assumindo que os anões estão todos no subsolo, certo?

—Correto. — Confirmou Gwydion. —Mas nenhuma mágica, exceto a mágica dos anões, funciona abaixo do solo aqui. Há mágica no ar. Você pode lançar tudo o que gosta acima do solo. Mas sob a terra, ela é apagada como uma vela. Os anões aprenderam a bombear a magia da superfície, batendo-a em uma forma sólida e criando magníficas ferramentas e encantamentos. Dizem que eles inventaram todo o conceito de encantamento. Mas nenhuma mágica ou magia natural funcionará em seus corredores.

—Isso é preocupante. — Murmurei. Curiosamente, procurei qualquer coisa morta que pudesse usar, mas não havia nada dentro do alcance. Tudo o que havia morrido aqui havia morrido há tanto tempo que não havia mais vestígios, nem mesmo ossos. O próprio planeta era uma grande coisa morta, e eu tinha certeza que nem Aethon tinha poder suficiente para aumentar.

Mas logo chegamos a uma porta de pedra indefinida, situada em uma colina em ruínas e coberta de cinzas. Gwydion bateu com força e sentou-se na terra.

—Sente-se. — Ele aconselhou. —Vai demorar um pouco. Eles precisam subir. Essas portas não são usadas com frequência.

—Você tem certeza que eles ouviram? — Eu perguntei, sentando-me.

—Oh, certamente. — Confirmou Gwydion, recostando-se na colina e fechando os olhos. —Estamos pisando no telhado. Eles sabem que estamos aqui. O importante é nos anunciar como convidados, em vez de intrusos. A lei dos anões não é como a lei dos Fae, mas eu tenho um pouco de compreensão disso.

Então nós esperamos. Depois de toda pressa e estresse, parecia estranho estar esperando. Isso me deixou inquieta e com coceira. Cole e Ethan pareciam ansiosos também.

Eu assisti o céu, supondo que fosse pôr do sol e seria noite em breve. Mas as cores não mudaram e a luz não desapareceu, o que me deixou desconfortável.

—Podemos dar ao luxo de esperar assim? — Eu perguntei. —Temos apenas três dias.

—Menos que isso. — Respondeu Gwydion. —O tempo se move de maneira diferente aqui em Tir Na Nog. Os anões minaram o sol, você vê. Então, tudo fica parado. Enquanto isso, o tempo relativo dos outros reinos corre sem ele. Provavelmente já perdemos meio dia, A oferta de Hern de três dias foi uma piada cruel. Estou apenas esperando que os anões nos deixem entrar antes que ele chegue. Hern tentará atacar com todos os seus cães, e os anões o matarão ou o jogarão no mínimo e possivelmente nos comprar algum tempo.

Eu olhei para Gwydion quando o horror tomou conta de mim. Ethan e Cole estavam prestando atenção agora também.

—Por que você não disse algo sobre o tempo antes? — Eu disse, lutando contra o desejo de sacudi-lo. —Não podemos ficar sentados aqui! Precisamos fazer alguma coisa!

Eu pulei de pé, tentando encontrar uma maneira de abrir a porta. Ethan apenas apoiou a cabeça nos joelhos. Cole levantou-se para me ajudar com a porta, embora ele se movesse mais devagar.

Em sua defesa, Gwydion pelo menos pareceu um pouco surpreso com a minha angústia.

—Eu pensei que já tinha explicado que conceitos como tempo não funcionam da mesma forma nas Outras Terras. — Disse ele com uma careta. —Você não entendeu?

—Claramente, não o entendemos. — Respondeu Cole por mim. —Ficamos com a impressão aparentemente equivocada de que realmente tivemos uma chance.

Gwydion suspirou e se levantou, me puxando gentilmente para longe da porta. Eu considerei fortemente dar um soco nele, mas algo em sua expressão me fez hesitar.

—Ainda temos uma chance. — Disse ele, me olhando nos olhos. Eu não tinha percebido o quão raramente ele fazia isso antes agora. —É menos tempo do que pensávamos, mas não é uma sentença de morte. E agora, nossa melhor opção é apenas ser paciente. Não há mais nada que possamos fazer.

Sentei-me de novo, passando as mãos pelos cabelos enquanto minha cabeça latejava com uma dor de cabeça tensa que se formava desde antes de aterrissarmos em Tir Na Nog.

—Isso é culpa minha. — Eu gemi. —Eu nunca deveria ter tentado falar com a rainha. Eu não deveria ter parado para acariciar o unicórnio. Eu não deveria ter te distraído para que Gil pudesse escapar em primeiro lugar. Eu nunca deveria ter tocado aquela vela estúpida...

—Isso é bastante presunçoso da sua parte. — Zombou Gwydion, o que não era a reação que eu esperava. Ele se sentou ao meu lado enquanto eu esperava que ele elaborasse. —Com o que eu quero dizer, acredito que você está inflando bastante sua própria importância nessas coisas. Tenho quase certeza de que tudo teria acontecido mais ou menos da mesma maneira. Estou certo de que nossa posição seria realmente pior se você tivesse não divertisse a rainha. Eu certamente não estava em posição de barganhar, e você nos comprou tempo, o que não é pouca coisa e muitas vezes tudo o que realmente pode ser feito. Hern ainda nos pegaria, mesmo que não parássemos para o unicórnio, e acredito que sem a influência dele, você não seria capaz de enfrentar a rainha. Quanto a Gil e a vela, bem, essas duas coisas foram totalmente minha culpa.

—Eu me perder em sua casa e tropeçar em um de seus artefatos não foi sua culpa. — Protestei.

—Eu discordo. — Disse Gwydion calmamente. —Eu poderia ter avisado você sobre os perigos em minha casa. Eu poderia ter levado você a um lugar confortável para esperar e lhe dito para não vagar. Eu poderia ter te libertado da porta e depois retornado às minhas responsabilidades. Mas, como em expondo você à vela, optei por não, porque queria ver o que aconteceria. O que, embora seja uma razão compreensível para a maioria das fae, é uma desculpa ruim para os humanos.

—Gil disse a mesma coisa sobre a maldição de Ethan. — Lembrei. —Ele tinha que ver o que aconteceria.

—É uma compulsão dos fae. — Disse Gwydion com um encolher de ombros. —Mas não inegável. Eu poderia ter resistido ao desejo. Que eu não fiz isso não é culpa de ninguém, mas é minha.

—Eu também poderia ter resistido. — Apontei. —Eu não tinha que pegar a vela. Eu não tinha que vagar em sua casa estúpida. Eu não tinha que aceitar sua... oferta, no jantar.

—Então, qualquer culpa que você carregue é diminuída pelo fato de você não ter ideia do que estava fazendo, e eu fiz.

Eu bufei de frustração.

—Eu definitivamente sabia o que estava fazendo no jantar. — Eu disse. —Eu sabia que ninguém estava de olho em Gil.

—Você supôs que eu não o teria deixado se não tivesse certeza de que ele estava seguro. — Disse Gwydion com um encolher de ombros. —E nós dois estávamos um pouco frustrados e distraídos, se bem me lembro. Se você era um pouco ingênua em acreditar que eu poderia confiar, isso dificilmente é um crime.

—Por que você não deixa isso ser minha culpa? — Eu perguntei, agitação crescente. Gwydion me encarou com um olhar curioso.

—Por que você quer que seja sua culpa?

Recostei-me, mal percebendo que estava de pé novamente.

—Eu não sei. — Eu disse, passando a mão pelo meu cabelo novamente. Eu o endireitei na manhã em que saímos da casa da minha tia, há quanto tempo isso era agora, mas entre o mergulho em Costa Distante e toda a volta, estava ficando completamente encaracolado novamente e rígido com água salgada. —Problemas de controle, provavelmente.

—Você parece ter aqueles em espadas.

—Sim, estou começando a descobrir isso.

Ele colocou a mão no meu ombro, o gesto um pouco rígido, mas eu poderia dizer que ele estava tentando me confortar.

—Por que você está sendo legal comigo? — Eu perguntei. Pensando bem, durante todo o caminho em Tir Na Nog, ele tinha sido extraordinariamente atencioso. Para ele de qualquer maneira.

—Você salvou minha vida. — Ressaltou. —De uma maneira bastante fantástica.

—Você realmente teria morrido? — Eu apontei. Ele encolheu os ombros.

—Quem pode dizer? Afogar-me não é tipicamente uma das maneiras pelas quais eu posso morrer. Mas a Costa Distante é um lugar estranho. A morte se aproxima da superfície. A imortalidade é um pouco mais porosa do que o habitual. E eu estava com pouca mágica. Pode ter certeza de que eu ficaria inconsciente por muito mais tempo do que você precisaria morrer de fome ou sede ou ficar desesperada o suficiente para tentar usar o bastão, destruindo assim as moléculas. Eu teria acabado sozinho, à deriva em coma, e adivinhar o que poderia acontecer então, em um lugar como Costa Distante, só pode ser especulação infundada.

—Então, você me deve? — Eu perguntei, franzindo a testa. —Cole mencionou que vocês odeiam isso.

Gwydion desviou o olhar, os olhos examinando a paisagem árida e torturada.

—Não é tão simples. — Disse ele por fim, quieto como este planeta silencioso. —Existe uma dívida. Mas eu não me ressinto. Existem alguns grilhões que até usamos de bom grado.

Percebendo que havia algo que ele não estava me dizendo, fiquei quieta e esperei que ele gostasse de se ouvir falar para tirá-lo melhor. Mas ele não disse mais nada. Abri minha boca para induzi-lo, apenas para ser interrompida pelo raspar de pedra quando a porta na cidade de Dwarven se abriu.

 

 

 

 

 

 

 

 


Capitulo Treze


O anão não se parecia com o que eu esperava.

Eu havia antecipado algo parecido com o que as pessoas com nanismo eram na Terra. Curto e atarracado, provavelmente com barbas. Que fantasia havia me dito que os anões se pareciam a vida toda.

O anão na minha frente, no entanto, parecia algo entre um texugo e uma toupeira de nariz estrelado.

Era curto, mais ou menos um metro e oitenta, e coberto por um denso pelo cinza. Seu pelo afinava até um subpelo mais elegante, perto do delicado órgão sensorial rosa no centro de seu rosto pontudo e sem olhos, e nas costas de suas patas dianteiras, equipadas com garras longas e perversamente curvas. Seu 'nariz' se contorcia de forma independente, de uma maneira fascinante e também um pouco nauseante de assistir. Usava um avental de couro e nada mais. Andava um pouco inclinado para a frente, como se preferisse andar de quatro.

—Você tem sorte de eu ainda estar tão perto da superfície. — Disse o anão com uma voz surpreendentemente genial enquanto nos conduzia para os túneis de terra apagados. —O forte da Primeira Vigia fica a uma curta caminhada de distância desta porta normalmente. Mas eu tive que deixar algum outro idiota dominado pelo sol entrar em menos de meio turno atrás.

Gwydion tirou um pequeno acessório encantado de seu casaco, que parecia o tipo de bolas de cristal que eu imaginava antes. Ele sussurrou uma palavra e brilhou o suficiente para iluminar vagamente o nosso caminho. Pela fraca luz empoeirada da mariposa, trocamos um olhar significativo.

—Onde ele foi? — Eu perguntei. —O idiota do sol, quero dizer.

—Não perguntei. — Disse o anão com um encolher de ombros. —Ele já alcançou a Primeira Vigilância a essa altura e eles o enviarão para onde ele pretender ir.

—Você não estava curioso? — Eu perguntei. —Quero dizer, pessoas de outros mundos vêm aqui com tanta frequência?

—Eu imagino que ele ficou agradecido por sair do sol! — O anão riu. Seu focinho comprido estava cheio de dentes afiados e finos, e ele não se virou nem olhou para nós quando falou. Provavelmente devido à falta de olhos. —Eu não consigo entender por que vocês correm por mundos que ainda os possuem. Mineramos o nosso e a luz ainda é insuportável.

Pensei em perguntar como ele poderia dizer, considerando que ele não tinha olhos, mas decidi que poderia ser rude.

—Acho que é exatamente com o que estamos acostumados. — Disse diplomaticamente. —Nascer lá em cima e tudo.

—Bem, está tudo bem. — Disse o anão com um tom distinto de pena. —As portas da Cidade Baixa estão abertas a todas as pobres massas queimadas pelo sol. Temos espaço suficiente para todos, e sempre há trabalho a ser feito. Eu imagino que vocês todos acabarão aqui eventualmente, uma vez que se espalhe a notícia de que há uma alternativa para viver na superfície. Em que trabalho você espera ser colocado?

—Uh, nós não somos-

—Você nunca conseguirá um emprego em engenharia, então não se preocupe. Nenhum anão que valha a bigode confiaria em um túnel construído por um da superfície. Você simplesmente não tem o menor sentido, sem ofensa. Ouço que algumas da superfícies fazem encantadores decentes, mas não há mobilidade para isso, mas posso dizer bem ao capataz da mina Fernfossil, se quiser, encontrar um bom trabalho sólido no transporte de solo e valorizados. Limpe o solo por apenas algumas décadas e você pode abrir sua própria empresa.

—Na verdade, não estamos procurando trabalho. — Eu disse rapidamente antes que o anão pudesse continuar falando. —Estamos apenas tentando encontrar o homem que veio aqui mais cedo. Então vamos embora.

Isso realmente fez o anão parar.

—Por que diabos você quer fazer isso? — Ele perguntou. —Agora que você sabe como é adorável, fresco e escuro aqui em baixo? — Comecei a explicar, mas ele me dispensou com um aceno de suas longas garras. —Você mudará sua música quando vir a cidade. Melhor construção em todos os mundos.

O anão parecia um pouco ofendido e não falou muito mais enquanto continuávamos descendo o túnel.

Um turno, ao que parece, durou cerca de quatro horas, e a Primeira Vigilância estava a um turno da porta. Enquanto caminhávamos, o túnel mudou lentamente de terra nua para terra empacotada com pedra, pedra esculpida e tijolo fino. Havia uma ênfase definida na função sobre a forma, pelo menos pelo que podíamos ver pela luz fraca de Gwydion, mas ao mesmo tempo, os corredores eram amplos, confortáveis e bem conservados. Não estávamos tropeçando em tijolos soltos, e o ar estava relativamente fresco. O único problema era a falta de fontes de luz.

Ainda assim, já estávamos há um tempo antes de chegarmos aqui. Ethan e Cole haviam conseguido algumas horas de descanso na casa de Gwydion (e eu tinha comida possivelmente encantada e sexo possivelmente mágico), mas isso não compensava as horas que passávamos por reinos mágicos sem nem mesmo uma pausa para o almoço. Estávamos todos começando a parecer bastante irregulares.

Os confortáveis túneis anões apresentavam bancos e fontes regulares de pedra esculpida, trazendo água fria da nascente mais para baixo, mas nosso guia parou para usá-los menos da metade com a frequência que gostaríamos que ele usasse e, em geral, não parecia se cansar. Ele andava devagar, falando apenas ocasionalmente para comentar sobre o tipo ou a qualidade da pedra que estávamos passando.

—Há muita diversidade nesses túneis! — Ele alegou. —É mais eficiente usar pedra local sempre que possível, em vez de transportar tijolos de mais fundo. Então, você ver todos os tipos de técnicas inteligentes usadas para tirar proveito da pedra menos do que a ideal, mantendo tudo dentro dos altos padrões da Código do engenheiro. Pegue este gesso, por exemplo...

Ele continuou assim por um tempo. Aprendi depois de uma ou duas dessas palestras que ele só se ofendia se eu tentasse contribuir com a conversa. Então, todos ouvimos em silêncio, aprendendo mais sobre geologia do que qualquer um de nós jamais se interessou em saber.

Finalmente, a Primeira Vigilância apareceu. Com o que quero dizer, o túnel terminava em um par de portas pesadas, que os Anões introduziram como forte, com grande orgulho. Depois das portas, era um pouco mais impressionante. As portas se abriram para uma ampla calçada, que serpenteava para baixo e para longe de nós, ao redor dos lados de um grande caldeirão. Era iluminado pela primeira vez por uma enorme esfera presa em anéis de latão pendurados no teto, que brilhavam com o que parecia ser a luz do sol.

—Uhg. — O anão fez uma careta. —Sinto muito por isso. Desvantagem de morar em qualquer um dos Fortes. O superintendente do Anel insiste em manter os turnos claros onde essas malditas lanternas estão acesas. Muitos da superfícies vivem nos fortes. Aparentemente, isso ajuda a se adaptar.

As paredes da cratera afundada estavam abarrotadas de prédios esculpidos, seu tamanho e estilo eram extremamente regulares e eficientes, sem perda de espaço. Olhando para baixo, o Forte parecia uma cidade pequena, cheia de vida, nem toda idêntica ao Anão ao nosso lado. Quando ele nos levou para o Forte, um carrinho passou por duas criaturas humanóides do tamanho de anões, que pareciam ser feitas de pedra bruta. Eles eram tão sem olhos quanto os anões e nos ignoraram completamente. Ethan, distraído olhando de soslaio para a lanterna, esbarrou em um deles. Ele se desculpou profusamente, mas não notaram ou reconheceram a colisão ou o pedido de desculpas, apenas se endireitaram e continuaran.

—Não se preocupe. — Disse o anão. —Os Construtos não estão vivos. Eles são apenas material de sucata encantado que usamos para tarefas domésticas ou trabalhos muito perigosos para arriscar os Anões.

—Oh. — Ethan disse, cuidando do carrinho em retirada com uma expressão preocupada. —Eles não podem... sentir as coisas, podem?

—Claro que não. — Zombou o anão. —Eles são feitos de pedra. Sem terminações nervosas, sem cérebros para pensamentos complexos. Se não lhes disserem para sair durante um desmoronamento, eles simplesmente ficarão lá e se deixarão enterrados. Os roteiristas precisam escrever tudo. Seus comportamentos no papel e assados quando são feitos, e eles não podem fazer nada que não esteja nesse papel, a menos que você os abra e adicione novos comportamentos. Eles estão apenas movendo ferramentas, amigo. Você não vai perguntar a uma broca se ela tem sentimentos só porque acontece, não é?

—Não, mas uma broca não tem o formato de uma pessoa. — Disse Ethan defensivamente. O anão deu de ombros.

—É uma forma eficiente. Versátil. E é o que construímos para todas as portas para caberem.

Um ponto decente.

—E se alguém escrevesse um comportamento como 'estar vivo' ou 'pensar com identidade' ou algo em seu papel? — Eu perguntei curiosa.

—Você acha que eles não tentaram isso logo? — O anão riu. —Alguns dos roteiristas particularmente excêntricos ainda estão tentando. Mas você não pode usar um martelo para um balde e não pode fazer uma pedra pensar que é uma pessoa.

Ainda assim, finalmente chegamos a um tópico de conversa sobre o qual eu não conseguia ofender o sujeito que estava falando, então conversamos sobre as tentativas fracassadas do roteirista de fazer um constructo vivo (parecia haver duas grandes escolas de pensamento sobre o assunto, um escrevendo comportamentos muito amplos abertos à interpretação e o outro escrevendo listas cada vez mais específicas e detalhadas de todas as minúcias da vida - mais os maçons radicais que pensavam que a resposta era esculpir os cérebros dos Construtos, que geralmente eram considerados malucos) até o fundo do forte. O forte era realmente muito bom. Eu não sabia o suficiente sobre arquitetura para apreciar a qualidade da construção, e qualquer floreio artístico tendia a ser tátil ou até auditivo, então não havia muito o que olhar. Mas os anões claramente tinham talento para o planejamento da cidade. Tudo era eficiente, limpo, fácil de navegar, provavelmente bem rotulado, embora eu não pudesse ler a sinalização anã e, como no túnel da porta da frente, sempre havia muitos lugares para sentar e uma fonte quando você queria uma. Havia até canteiros de flores e espaços verdes, embora fossem baseados em fungos e musgos.

—Agora, é provável que seu amigo tenha ido até o escritório de refugiados. — Disse o anão, apontando para um prédio com uma placa complexa em anão ilegível. —Ele precisaria de um passe de trem para deixar o forte. Eles deveriam poder lhe dizer para onde ele foi.

Dissemos adeus ao nosso guia que, apesar de tudo, tinha sido bastante gentil, e seguimos para o Escritório de Refugiados.

Era um prédio pequeno e eficiente, com assentos confortáveis e um anão amigável na recepção, que ficou encantado em nos ver, pois raramente viam mais de um ou dois refugiados em um dia. Fiz uma tentativa inútil de garantir que não éramos refugiados e não planejávamos ficar. Eles apenas nos garantiram que mudaríamos de ideia e nos deram nossos pacotes de orientação, que incluíam o passe de trem que nosso guia havia mencionado - um pedaço fino de lata ou alumínio duro, talvez com nossos nomes, espécies e portão de entrada. Após algumas discussões, o escrivão também cedeu e nos disse para onde Gil havia ido.

—Ele foi para a cidade central, para o palácio antigo. — Explicou o anão. —Alegou que ele tinha negócios urgentes com o rei. Queria saber se havia uma linha expressa.

—Existe? — Eu disse, meu coração batendo mais rápido, mesmo com um pouco de progresso. O anão fez um gesto ambivalente.

—Se você pegar o trem daqui até a mina de Limespire no segundo anel e depois transferir para a Linha R, ela para no distrito histórico do governo. Mas você precisará de autorização de turismo em seus cartões de trem. Gostamos de ficar de olho em o movimento de novos cidadãos, apenas por precaução. Depois de uma década ou mais, você poderá se mover livremente entre os anéis, como qualquer cidadão.

—Você pode nos dar isso? — Eu disse impaciente. —Autorização de turismo? Precisamos ver o rei também.

—Bem, eu posso. — Disse o anão, hesitante. —Mas vocês tem certeza de que é isso que você querem? Quero dizer, é apenas que não tenho certeza de que seu amigo sabia exatamente o que estava fazendo. Ele parecia pensar que o rei poderia ajudá-lo com alguma coisa, mas, bem, somos parlamentares. Monarquia. O rei é um velho simpático e todos nós o amamos, mas não é como se ele realmente tomasse alguma decisão. Se ele quisesse conversar com a União dos Engenheiros, talvez, ou o Parlamento dos Superintendentes, até o nosso capataz local...

O anão parou sem esperança.

—Sim, ele é um idiota. — Eu concordei imediatamente. —Também não sabemos o que ele está planejando. É por isso que precisamos alcançá-lo o mais rápido possível e impedi-lo de fazer algo estúpido.

O anão da mesa suspirou e pegou nossas cartas de trem de volta, usando um dispositivo que parecia um furador pesado para carimbar um quadrado estriado no canto de cada uma de nossas cartas, o que aparentemente nos deu permissão para turismo.

Sem perder tempo, seguimos apressadamente na direção em que o recepcionista nos dissera que poderíamos encontrar a estação de trem. No meio do caminho, a mudança brilhante terminou, e a enorme luz da lanterna desapareceu quando grossas cortinas de metal foram desenhadas em torno dela. Gwydion pegou seu pequeno globo de luz novamente e navegamos pela cidade no semi-escuro. Ocasionalmente, víamos outros não-anões, outros refugiados, cuidando de seus negócios à luz de dispositivos mágicos como os de Gwydion ou lâmpadas que pareciam ser versões em miniatura da lanterna. Não havia muitos, e quase nenhum deles era remotamente humanoide.

Felizmente, o trem não estava muito cheio, mas a maioria dos outros passageiros era anão, que nos deu olhares curiosos ao encontrarmos lugares frente a frente.

—Finalmente desistiram do sol, hein? — Um perguntou alto e amigável. Eu apenas sorri e assenti.

—Você não vai se arrepender! — o anão me assegurou.

Eu não tinha certeza do que pensar dos anões. Eles certamente eram amigáveis. E avançados, para uma espécie de fantasia que vivia no subsolo em outro universo. Eles tinham transporte público (a viagem de trem era o cheiro mais suave e agradável que eu já havia experimentado) e, de acordo com o pacote de orientação, assistência médica gratuita. Mas havia algo apenas um pouco fora da coisa toda. Talvez não fosse familiar, ou porque eles insistiam que eu não iria querer sair.

 


Capitulo Quatorze


O trem não tinha janelas, sendo os passageiros quase todos cegos. Mas havia um mapa de rotas na parede ao lado de nossos assentos. Era estrutural, destinado a ser lido pelo toque e não pela visão, mas pelo que pude decifrar, a Cidade Baixa era essencialmente uma versão maior e invertida da forma de cratera do Primeira Vigilância. Anéis de assentamentos subiam e desciam, ficando cada vez maiores. Estávamos indo em direção a um ponto próximo ao fundo, onde os anéis se tornavam menos distintos, ondulando em milhares de pequenos desvios e galhos que não estavam, presumivelmente, na linha de trem. O que eles eram, eu não poderia dizer.

Trocamos de trem no que parecia ser o equivalente a Grande Central, pulando na linha R. O R acabava por significar ‘áspero’, a textura usada para diferenciá-lo nos mapas. Havia uma linha suave, uma linha irregular e uma linha afiada...

Eu gostaria de poder apreciar as cidades e estruturas pelas quais estávamos passando. Mas estava escuro demais para ver qualquer coisa. As coisas só ficaram mais confusas quando chegamos ao distrito histórico do governo, que tinha avenidas amplas e elegantes e altos e belos edifícios, que nos fizeram sentir perdidos no escuro em um plano interminável de paralelepípedos até nos depararmos com uma fachada elaboradamente curvada. Curiosamente, também tínhamos visto menos anões quanto mais fundo chegávamos à cidade. Um local falador que pedimos orientações em Limespire havia dito que quase todo mundo estava trabalhando em projetos de expansão à margem. O que significava que, além de estarmos perdidos no escuro, estávamos perdidos em uma cidade estranhamente vazia e silenciosa no escuro.

—Já tive o suficiente dessa merda. — Disse Ethan. Ele parecia um pouco desconfortável desde que entramos no túnel. Eu estava começando a pensar que ele poderia ser um pouco claustrofóbico.

—Porra mesmo. — Cole concordou. —Não podemos ter mais luz, pelo menos?

—A menos que um de vocês tenha pensado em trazer uma lanterna. — Disse Gwydion, um pouco mal-humorado. Também não achei que ele estivesse gostando disso. Ou talvez estivesse apenas sendo separado de sua magia que ele não apreciava.

—Temos que estar perto do Palácio Antigo, certo? — Eu perguntei, olhando de soslaio para o mapa que um anão prestativo nos havia dado, que era obviamente todo em textura e, portanto, quase inútil. —Acho que foi a fonte em que quase caí foi a do lado de fora do antigo prédio parlamentar. Se continuarmos em frente-

—Você estão perdidos, amigos? — Alguém gritou inaceitavelmente longe. Mas, novamente, os anões tinham uma audição muito melhor que os humanos. Talvez a distância aceitável para a comunicação gritada fosse diferente para eles.

Fomos em direção à voz até a luz de Gwydion iluminar um anão em armadura elaborada e, eu esperava, cerimonial.

—Estamos procurando o palácio antigo. — Eu disse. —Somos visitantes da superfície e precisamos falar com seu rei.

—Por que? — O anão perguntou, parecendo confuso. —Se é importante o suficiente para trazê-los até aqui, seria melhor conversar com o Parlamento dos Superintendentes.

—Não, nós definitivamente precisamos conversar com o rei. — Eu disse, exausta de ter essa conversa.

—Bem, este é o palácio antigo. — Disse o anão. —Eu vou mostrar, e vocês podem conversar com alguém sobre uma audiência, se o velho não estiver cochilando. — O anão, que imaginei ser algum tipo de guarda do palácio, riu com carinho. —Você sabe que ele dormiu um ano inteiro? Tivemos uma festa fantástica quando ele acordou.

O interior era tão vasto e escuro quanto o exterior, embora tenhamos caminhado sobre mármore macio e acetinado, em vez de pedras. Estávamos andando entre vários anões de importância indeterminada, a maioria dos quais nunca vimos bem, antes de finalmente chegarmos a alguém que, presumivelmente, tinha autoridade para decidir se poderíamos ver o rei.

—Sinto muito. — Disseram eles, invisíveis fora do alcance da luz do outro lado da ampla mesa. —Mas vocês entendem por que não podemos permitir que qualquer da superfície aleatório se encontre cara a cara com o rei. Talvez se vocês fizerem uma petição por escrito-

—Este não é um da superfície qualquer. — Interrompeu Gwydion, parecendo profundamente irritado. —Você não tem capacidade de sentir mágica? Esta é a herdeira do príncipe Tzarnavaras, uma rainha por direito próprio, afilhada da morte.

Houve um momento de silêncio do outro lado da mesa, então uma mão com garras disparou para agarrar a minha onde repousava sobre a mesa. Não forte o suficiente para machucar, mas o suficiente para me assustar. Eu podia sentir algo contra a minha magia, vagando como mãos curiosas. Levei a chama da vela para frente rapidamente, concentrando-me tanto que por um momento sua luz irradiou através da minha pele e lançou um brilho azul no rosto chocado do anão.

—Oh, oh meu Deus! — O anão disse assustado. —Eu não sabia que você estava visitando a realeza! Disseram-me que eram refugiados.

—Ninguém perguntou. — Eu disse, brincando, enquanto puxava minha mão. —Meus consortes e eu somos tratados como meros imigrantes desde que chegamos. Como se você não acreditasse em ninguém, a não ser um anão, poderia ser importante!

—Isso não é - nunca pretendemos sugerir -— O anão balbuciou.

—Tenho certeza de que não. — Gwydion cortou-os bruscamente. —Mas talvez você deva permitir à rainha sua visita real antes de causar um incidente internacional.

Ele seguiu isso com algumas manobras de mão, mostrando ao anão alguns 'documentos reais', que eu tinha quase certeza de que eram cupons que recebemos em nosso pacote de orientação para o ‘Buffet de comidas exóticas do Digger Dan, a mais autêntica culinária da superfícies do Fort do Anel!’

E então, finalmente, estávamos diante das portas da sala do trono. Eu assumi que elas eram grandes e impressionantes. Eu só podia vê-las um canto minúsculo de cada vez pela luz fraca do orbe de Gwydion.

—Alguém mais acha que essa é uma má ideia? — Ethan sussurrou. Eu estava inclinada a concordar, mas era tarde demais para voltar agora. As portas se abriram e entramos para encontrar o rei.

A sala do trono era grande e escura como breu. A escuridão parecia próxima e quase sólida, grossa como o solo. A luz da esfera de Gwydion penetrou apenas alguns centímetros à nossa volta. Ficamos amontoados no minúsculo círculo de luz, sentindo-nos decididamente não-reais quando um anão nos anunciou como —Sua Majestade, a Rainha Noturna da antiga Constantinopla da Antiga Linha de Tzarnavaras e seus Consortes.

—Vossa Majestade. — Disse o Anão, voltando-se para nós, o brilho de seus pelos quase invisível à luz. —Apresento o Raiz da Montanha, nascido em pedra, cujos dentes esculpiram as primeiras cavernas, que sangraram as primeiras veias de ferro, arquiteto da cidade e capataz dos capatazes, o pai-anão de toda a nossa espécie e rei de tudo o que habita embaixo.

Percebi que não havia nome próprio entre todos esses títulos. Mas o anão recuou e a porta se fechou atrás de nós, deixando-nos sozinhos no escuro. Se o rei estava lá conosco, não sentíamos sinal dele.

—Olá? — Chamei experimentalmente, minha voz ecoando na vasta sala.

—Você pode fazer isso mais brilhante? — Cole perguntou, cutucando o orbe de Gwydion. Gwydion olhou para mim e, quando assenti, ele deu de ombros e a luz ficou mais forte, afastando a escuridão ao nosso redor. Vimos iluminar as esculturas delicadas e intrincadas no chão, as complexidades sutis e elaboradas das paredes, coisas que só podiam ser apreciadas pelo toque, não pela vista. E no final da sala, vimos um monte de terra escura que chegava até o teto, como se a parede dos fundos tivesse simplesmente desabado.

E então, quando a luz de Gwydion a tocou, o monte começou a se mover.

Não havia... palavras para descrever o arquiteto. Em um momento, sob um ângulo de luz, a terra parecia atraí-lo, uma construção como a que vimos trabalhando por toda a cidade. Por outro ângulo, vi a carne branca brilhante de um verme maciço. Por outro, o pelo e as garras de uma toupeira. Por outro, um homem, ou o cadáver de um homem, meio enterrado, nos observando com olhos de poço.

—Fora. — Ele falou, sua voz como uma trituração de placas tectônicas e o barulho de terra. —Fora, maldita luz, e fiquem quietos.

Gwydion apagou o orbe imediatamente, salvando-nos da terrível imagem em constante mudança do arquiteto.

—Aquele Sol, como uma erva daninha no meu jardim, eu não levantei nem engoli e permito que sua queima sufoque na vastidão de Mim. Mesmo agora, fragmentos de seu brilho odioso assaltam-me. Que brotos tenros empurram suas raízes rasas na minha presença, ainda quente com luz amarga?

Não via meus companheiros para saber se estavam com medo ou planejando alguma coisa. Eu me atrapalhei na escuridão e peguei as duas mãos, apertando-as para me tranquilizar. Um deles era notavelmente legal e quase definitivamente a de Gwydion. A outra, calejada e me segurando frouxamente, à beira de se afastar, era provavelmente Cole.

—Perdoe nossa perturbação, arquiteto. — Gwydion falou à minha esquerda. —Nós procuramos um criminoso. Meu irmão roubou algo meu e o trouxe aqui. Buscamos apenas sua orientação na captura dele e sua paciência enquanto o perseguimos em seu reino.

Houve um som baixo e estridente como um terremoto, que poderia ter sido uma risada.

—Como a tolice vem em três. — Disse o arquiteto. —Assim, a roda gira como sempre e traz para mim os mesmos rostos novamente. As estações mudam, mas uma estação mais estranha do que já foi vista sobe como uma estrela murcha, antecipando o sol. O que foi bem-sucedido neste novo discurso no lugar daquele eixo de duas faces que já foi o ponto de apoio de todos os nossos ciclos incessantes? Melhores perguntas, pequenos brotos.

Eu esperava que Gwydion entendesse um pouco disso, porque certamente não. Eu sempre estive mais interessada em Poe do que em Shakespeare.

—Perdoe-me, Majestade. — Empurrou Gwydion. —Mas minha sombra, meu irmão, veio aqui? Ele trouxe alguma coisa para você? Você sabe onde ele foi?

—O meu é um pátio de sombras, erva daninha. — Falou o arquiteto, o humor desaparecendo de sua voz. —Eu sou o rei das profundezas primitivas, às quais nenhuma luz jamais tocará. Tua cintilação de velas sombreia arte como grãos de areia no plano infinito do oceano.

—Minhas desculpas, Vossa Majestade. — Disse Gwydion rapidamente.

—Ei, ele veio aqui ou não? — Cole gritou impaciente, apertando minha mão. —Eu vi suas profundezas primitivas e, aos meus olhos de da superfície de merda, não é mais escuro que este quarto. Não estou tão impressionado.

Houve um longo silêncio em que eu esperei o pior. Mas, finalmente, aquela risada baixa do terremoto encheu a sala novamente.

—As pequenas coisas verdes e crescentes. — O Arquiteto falou quase melancolicamente. —Em que séculos eu enrolei suas raízes e enfrentei a luz para comer sua suavidade? Esse tempo já passou, e quando essas raízes profundas amarraram e quebraram as pedras, também minha coroa ficou presa em suas garras. Aquela sombra veio, tu sementes desamparadas, tiras de dente-de-leão. E trouxe com ele uma preciosa lasca de nossa força antiga. Mas a veia se partiu. Os rios profundos o agarraram em sua corrente, cravaram unhas em minha obra-prima e chamaram isso de sua. Esses erros da noite para a escuridão e procuram sobreviver a todos os sóis, por qualquer meio profano.

—O que isso significa? — Ethan perguntou.

—Isso significa que ele não está aqui. — Resumiu Cole.

—Mas ele estava. — Acrescentou Gwydion. —Ele foi ao Parlamento. Ou foi levado para lá.

—Filho da puta. — Eu murmurei. —Eles continuaram nos dizendo-

—Outra questão. — O rei murmurou, e a sala tremeu. Ele estava se mexendo? —Os portões da cidade estão escancarados e muita coisa é esquecida. Mas a lei antiga ainda permanece. Teu irmão é ladrão entre ladrões. Dívida é devida, erva daninha.

A mão de Gwydion apertou a minha.

—Não foi roubado. — Disse ele rapidamente. —O Vidro foi adquirido legalmente. A Marcha dos Magos o comprou dos Anões ao preço de dez mil escravos e das três jóias de Nimüe -

—Não houve compra. — Falou o arquiteto, inexorável como um deslizamento de terra. —Os anões não reconhecem esse conceito. Todas as coisas feitas pelos anões são de propriedade dos anões, até o fim de tudo. Eu estava lá! Vi-o colocado nessas mãos enganosas! Emprestado antes da duração de sua linhagem, que morreu não cem anos depois, mas o que era nosso não foi devolvido como deveria ter sido. Foi roubado, escondido! Negociado entre ladrões até que aterrisse em tuas mãos gananciosas. E ainda assim a dívida poderia ter sido perdoada se você, que sabia o que segurava, houvesse devolvido o que foi roubado. Mas você o guardou entre seu tesouro, seu pequeno dragão. E busque agora mesmo recuperar o que nunca foi seu!

Gwydion estava tremendo. Eu podia sentir os tremores em sua mão, distintos dos tremores na terra, quando algo inimaginavelmente maciço se moveu no outro extremo da sala.

—A dívida é devida. E, por lei, aceitarei apenas o preço do sangue, o preço da carne, uma libra por ano que for retida. Diga-me, erva, quanto pesa?

Eu já ouvi o suficiente. Peguei o orbe da outra mão de Gwydion e coloquei meu poder nele. Brilhou à vida com a luz azul do fogo. O Arquiteto pairava sobre nós como uma onda prestes a colidir, um dragão e um inseto e um gigante de cem braços, antigo além de todos os tempos e tão inevitável quanto a terra ao nosso redor.

Mas ele recuou da luz, uivando como se o queimasse.

—Fora! — Ele berrou. —Maldita luz! Eu terei! Sufocarei toda luz dentro de mim! Vou engolir todo sol e toda chama de vela até que eu receba escuridão!

Ele se agitou, bobinas terríveis quebrando as paredes e nos cobrindo de terra. Peguei Ethan e corri, Cole e Gwydion logo atrás de mim.

Nós batemos em um anão quando saímos, que soltou um grito estridente e penetrante. Ele ecoou por todo o palácio e além dele, um coro de gritos que eu sabia que não significava nada de bom para nós.

Coloquei mais luz no orbe e corri pela passagem aberta mais próxima. Eu me revezava ao acaso, avançando em qualquer direção que parecesse oposta ao som dos terríveis gritos.

—Você nunca vai fugir deles aqui. — Disse Gwydion enquanto corríamos. —Eles podem sentir cada passo que damos. Eles conhecem este lugar melhor do que você conhece sua casa de infância.

—Então o que vamos fazer? — Eu perguntei. —Nunca voltaremos à superfície sem a ajuda deles!

Gwydion não parecia ter uma resposta.

No lampejo da luz selvagem, Ethan mudou para sua forma de lobo.

—Subam. — Ele disse, com as roupas presas nas mandíbulas. —Eles podem sentir nossos passos, certo? Então talvez isso os jogue fora.

—Vale a pena tentar. — Concordou Gwydion, e eu gritei quando ele me pegou nos braços. Cole, parecendo muito inseguro, subiu nas costas de Ethan. —Silêncio agora. Eles podem ouvir nossas vozes tão bem quanto nossos passos.

Então, em total silêncio, corremos mais fundo no infinito escuro das minas dos Anões. Corremos sem plano ou direção. Quando encontramos Anões ou Construtos, tudo o que podíamos fazer era correr na outra direção. Eu nunca me senti tão perdida e desamparada. Eu não tive tanto medo do escuro desde criança.

Eventualmente, fomos fundo o suficiente para que os anões nos perseguissem diminuíssem e desaparecessem. Ficamos com medo deles alcançando a esperança desesperada de que, em algum lugar nos túneis intermináveis da Cidade Baixa, encontrássemos algum caminho de volta à superfície.


Capitulo Quinze


Os túneis ao nosso redor ficaram mais duros à medida que avançávamos. Foram-se os bancos e as fontes, depois os tijolos e até as colunas e suspensórios. Corremos por túneis sinuosos não refinados, que cresciam e se encolhiam como cavernas naturais, como se tivessem sido recentemente escavados na rocha e na terra. Às vezes, tropeçamos em trilhos de metal e ouvimos o estrondo distante das carroças. Uma passou por nós, sem tripulação, do tamanho de uma minivan, carregada de pedra e minério e voltando na direção em que viemos. Quando outra, quase vazio e indo para o outro lado, passou rapidamente, eu mal precisava trocar um olhar com os outros antes de pegá-la e subir a bordo. Ele nos levou mais fundo, seu poder magnético não diminuído pelo peso adicional de três humanos e um lobo do tamanho de um urso. Ethan recuou entre os tijolos de pedra empilhados no fundo do carrinho e lutou para se vestir novamente, mordendo reclamações quando a pedra raspou e cutucou sua pele nua.

Bem, não estávamos dando nenhum passo agora. Se alguma coisa os jogaria fora de nossa trilha, eu esperava que isso acontecesse.

À luz do orbe, Gwydion olhou de soslaio para o mapa a partir dos nossos pacotes de orientação. Ele foi o único de nós que conseguiu segurar o dele, enfiado nos bolsos aparentemente sem fundo da jaqueta.

—Estamos muito no fundo. — Ele sussurrou. —Mais profundo do que eu acho que qualquer não-anão já foi. Estes são novos túneis. Acredito que deixamos o último desenvolvimento documentado neste mapa há algum tempo.

—Então, provavelmente não há muita chance de encontrar uma saída aqui embaixo, existe? — Eu perguntei sombriamente.

—Uma saída de ar, talvez. — Considerou Gwydion, esfregando o queixo enquanto olhava o mapa. —Mas... Não, seriam vários dias de subida vertical. Nós nunca conseguiríamos. Poderíamos encontrar um desses carrinhos voltando para o Forte do Anel.

—Mas então teríamos que lidar com os anões novamente. — Apontei. Gwydion apertou os lábios e ficou em silêncio, olhando fixamente para o mapa como se ele simplesmente parecesse tempo suficiente para a solução se revelar. Troquei olhares com Cole. Estávamos sujos e cansados. Ethan, sempre exausto pela mudança, parecia quase cochilando.

—Eu conheço algumas... pessoas. — Cole ofereceu em voz baixa. —Pessoas para quem eu poderia chamar.

—Não. — Disse Gwydion com firmeza e imediatamente. —Mesmo se você pudesse conseguir que os rituais funcionassem neste lugar, trazer algo assim aqui seria condenar a nós e a todos os outros neste poço odioso.

—Eu posso lidar com eles. — Disse Cole defensivamente. —Eu tenho lidado com eles há anos.

—Ou então eles deixaram você pensar. — Gwydion retrucou. —Por mais insidiosos que os Fae possam ser, por mais cruéis, nossas motivações raramente são mais que egoísmo e tédio. As coisas de que você fala são infinitamente pacientes e infinitamente maliciosas. Eles não querem. Eles não querem. Eles não podem ser persuadidos. Eles têm apenas um objetivo, e uma inteligência focada apenas em alcançá-lo. A única maneira de vencer essas coisas é não jogar, nunca entrar nelas e rezar para que elas nunca notem você. Eu posso prometer a você o que você já sofreu com sua associação com eles, você sofrerá pior antes do final.

—Tudo bem, Jesus. — Cole levantou as mãos para parar a palestra de Gwydion. —Foi apenas uma sugestão. Melhor do que morrer aqui ou ser rasgado em pedaços pelo rei.

—Não. — Disse Gwydion, com os olhos escuros com uma gravidade terrível. —Confie em mim. Qualquer morte que os Anões possam inventar seria muito preferível.

O carrinho deu um pulo, atingindo algum solavanco na pista e, de repente, havia luz acima de nós, tão brilhante após a escuridão sem fim que meus olhos doíam, embora ainda estivesse relativamente escuro. Confusa, levantei-me para espiar por cima da borda do carrinho.

A pista havia entrado em uma caverna enorme, grande como um estádio. A luz que eu vi vinha de canais brilhantes de magma que atravessavam a caverna em canais esculpidos para esse fim. Pesada e lenta, escorria em direção a uma estrutura central, algum tipo de forno feito de enormes pedras negras, cada uma sozinha provavelmente do tamanho de um trailer de largura dupla. Em toda a base do forno, em uma plataforma preta, enormes Construtos, cada um com pelo menos dois metros de altura e feitos de retalhos de pedra, lama e metal, continuavam trabalhando. A fornalha fundia minério alimentado por carrinhos como o que estávamos, e o Construtos tirava-os das torneiras e os moldava com as mãos com precisão impecável, martelando-os com seus punhos enormes em bigornas do tamanho de carros.

Construtos menores enchiam o resto da caverna, tendendo o fluxo de magma, carregando e descarregando carrinhos, expandindo a caverna com picaretas e pás e carregando as peças que os Construtos maiores terminavam em direção a algo atrás do forno. Quando a trilha, que corria perto do topo da caverna, curvava-se ao redor da vasta sala, o que eles estavam construindo apareceu.

Fazia um calor escaldante, mesmo de onde estávamos. Preocupei-me por um momento que estávamos indo para o forno, mas a pista estava inclinando para baixo e para longe. Levando ao andar onde os Construtos estava terminando de descarregar suprimentos de outro carrinho. O carrinho à frente dele estava sendo carregado com sucata e minério da constante expansão, para ser enviado de volta a uma pista paralela à que nos levara até aqui, que provavelmente retornaria a quem estava fornecendo.

—O que é essa coisa? — Ethan perguntou, olhando para o anel enorme e limpando o suor da testa.

—Não tenho certeza. — Respondeu Gwydion com uma carranca, também espiando por cima da borda. —Seja o que for, é terrivelmente complicado. Olhe para os encantamentos.

Eu não tinha olhado tão de perto antes, mas agora que treinei minha visão mágica sobre ele, pude ver que ele estava rastejando com a magia mais complexa que já vi. Eu não acho que nada que eu tenha visto na coleção de Gwydion possa se comparar à escala completa dele. Era como se alguém tivesse construído o Empire State Building com sementes de gergelim individuais. Cada centímetro quadrado estava cheio de um feitiço de imenso poder. Se você removesse a matéria física da roda, a magia que a compunha ainda seria densa demais para ver através dela. Fiquei espantada, quase feliz. Eu nunca tinha visto algo tão incrível. Queria tocá-lo tanto que podia prová-lo, cavar aqueles feitiços, desmontá-los e juntá-los novamente até que eu os entendesse. Era tão glorioso para mim quanto ver o Grand Canyon pela primeira vez ou entrar na Capela Sistina. Que trabalho fenomenal, que forças titânicas, o vasto escopo de esforço, planejamento e trabalho... Sentindo-me um pouco tonta, sentei-me novamente.

—Você já viu algo assim? — Eu perguntei a Gwydion, atordoada.

—Uma vez, talvez duas vezes na minha vida. — Respondeu Gwydion, e pude ver que ele estava igualmente deslumbrado. —Mas comparar essas obras-primas seria um insulto a todas elas. Isso é arte.

—Mas para que serve? — Cole perguntou impaciente. Gwydion e eu batemos nele com o mesmo olhar sujo.

—Filisteu. — Murmurou Gwydion.

—Uh, pessoal, acho que vamos parar em breve? — Ethan nos avisou.

—Merda. — Eu murmurei e corri para um dos tijolos, pronta para me defender. Os outros três ficaram tensos também, e o carrinho parou por fim.

Um Construto com a face de um geodo rachado inclinava-se sobre a borda do carrinho. Eu gritei, me afastando para atingi-lo com o tijolo, mas ele apenas arrancou o tijolo da minha mão e se afastou. Outras construções também passaram por nós no carrinho, erguendo tijolos como se nem nos vissem. Ou, mais precisamente, como se simplesmente não importássemos.

—Eles não estão programados para lidar com intrusos, eu acho. — Disse Cole.

Lentamente, saímos do carrinho, tentando não nos queimar no metal quente e desconfiados de qualquer mudança no comportamento dos Construtos, mas eles nem sequer olhavam para nós.

—Acho que não estamos em perigo imediato, então? — Dei de ombros quando saímos do caminho do trabalho do Construto e puxei minha camisa, de repente desejando não estar tão comprometida em usar todo preto. —Exceto por esse calor, Deus, está muito quente!

Gwydion colocou a mão no meu ombro e eu imediatamente me senti mais fria.

—Fique perto. — Ele recomendou. —Eu posso manter o pior dele à distância. Além disso, se você ficar a meio metro de qualquer um desse magma, você pegará fogo.

—Oh, doce, Gwydion é um Ar Condicionado portátil. — Ethan disse alegremente, batendo as mãos nas costas de Gwydion e suspirando de alívio. Cole fez uma careta, mas colocou um dedo no ombro de Gwydion experimentalmente.

—Oh, droga. — Ele murmurou, parecendo surpreso. —Isso é realmente legal.

Quando nós três nos aproximamos, Gwydion parecia ter acabado de morder um limão.

—Então, o que fazemos? — Ethan perguntou, abraçando Gwydion por trás, o queixo no topo da cabeça do outro homem.

—Descobrir um caminho de volta à superfície. — Disse Cole com um encolher de ombros, de onde estava pressionado contra o lado esquerdo de Gwydion. Eu estava moldada para o lado direito dele, e nós dois colocamos as mãos sob a camisa dele para ter acesso mais direto às propriedades de resfriamento de sua pele. Fiquei chocada que Gwydion estivesse tolerando isso, mas não estava disposto a dizer nada.

—Eu gostaria que ainda tivéssemos esse cajado estúpido. — Eu disse frustrada. —Não há outra maneira de sair desses poços na cidade, certo?

—Não sem o segundo cajado. — Gwydion suspirou, os braços cruzados sobre o peito. —E sem os dois, você só ficaria presa lá - e você pararia com isso imediatamente ?!

Ele deu um tapa nas mãos de Cole, que subiam pelas costelas.

—O que você tem cócegas? — Cole perguntou com um sorriso perverso.

—Vou jogá-lo na lava. — Disse Gwydion sem uma pitada de humor. —Não me teste.

—Ok, então nossa única opção é lutar contra o exército de anões? — Eu disse, mudando de assunto rapidamente. —Porque sem mágica, isso não parece uma luta que provavelmente venceremos. Além disso, muitos deles pareciam pessoas normais?

—E essas coisas? — Cole perguntou, gesticulando para os Construtos. —Você disse que pode mudar os comandos deles se você os abrir, certo? E se nós mudarmos um monte deles para fazê-los nos proteger, então eles apenas nos escoltam para fora?

—Não sei se é uma boa ideia. — Disse Gwydion, franzindo a testa. —Você precisaria abri-los para acessar seus papéis e descobrir como alterar os comandos...

—Vale a pena tentar, certo? — Disse Cole. —Melhor que nada?

Gwydion fez um barulho inseguro, mas Cole se afastou dele e se aproximou do Construto com a face do geodo.

—Ethan, me ajude a disputar esse cara.

Ethan relutantemente soltou Gwydion e ajudou Cole a conter o Construto. Não parecia incomodado por ser contido. Apenas continuou tentando seguir na direção que tinha estado, ignorando Cole e Ethan.

Cole deixou Ethan segurá-lo por um momento enquanto procurava ao redor, pegando uma das picaretas que os Construtos estavam usando para expandir a caverna.

—Tudo bem, vamos abrir esse garoto mau. — Disse ele. Ethan ajustou seu aperto no Construto para sair do caminho, subitamente parecendo inseguro.

—Uh, eu não sei disso. — Disse ele. —Quero dizer, você não pode simplesmente acertar o pobre coitado com uma picareta. E se você o matar?

—Não posso matá-lo, não está vivo. — Disse Cole, impaciente. —Apenas fique quieto para não perder!

—Oh, isso vai acabar muito mal. — Disse Gwydion com severa certeza. Eu estava inclinada a concordar, mas também estávamos sem outras ideias.

—Um. — Disse Cole, levantando a picareta como um taco de beisebol. —Dois...

Ethan segurou o Construto o mais longe possível dele, fechando os olhos.

—Três!

Cole girou para as cercas e bateu a picareta no peito do Construto com um estalo alto de pedra.

Instantaneamente, todos os Construtos da caverna pararam, largaram o que estavam fazendo e viraram em nossa direção.

—Sim, lá vai. — Gwydion gritou, agarrando minha mão. —Corram!

Ethan lançou o Construto que ele estava segurando, que instantaneamente se virou e balançou um punho de pedra em sua cabeça. Cole bateu com a picareta, espalhando a cabeça do geodo, mas isso mal pareceu desacelerar. Enquanto isso, todos os outros Construtos da caverna estavam indo para lá com intenção assassina. Gwydion e eu reservamos, e Ethan e Cole, ainda segurando a picareta, correram atrás de nós, gritando palavrões.

—Lá! — Eu gritei, apontando um carrinho de partida, começando a aumentar a velocidade antes da subida em direção à trilha perto do teto da caverna. Gwydion deu dois passos limitados e pulou no carrinho com uma graça desumana, estragada apenas pela dança desajeitada e embaralhada que ele tinha que fazer para colocar o pé no topo do minério empilhado dentro do carrinho. Assim que ele estava estável, ele se virou e agarrou minha mão estendida, me balançando ao lado dele. Nós dois estendemos a mão para Ethan, arrastando-o a bordo, depois para Cole, ficando logo atrás, perseguido por uma horda de Construções assustadoramente silenciosas e sedentas de sangue.

—Largue a picareta, idiota! — Eu gritei.

Amaldiçoando alto, ele jogou de volta para os Construtos, tirando um pedaço do ombro de uma criatura de pedra sem muito efeito. Um pouco mais leve, ele correu os últimos degraus, e nós o agarramos, arrastando-o para o carrinho apenas um segundo antes de começar a disparar para cima e todos nós tivemos que nos esforçar para reestabelecer nosso equilíbrio.

Os Construtos subiram atrás de nós, silenciosos e implacáveis, e tentaram nos pegar no minuto em que o carrinho parou ou diminuiu a velocidade. O único anão perto do ringue havia nos notado agora e estava gritando ordens furiosas contra os Construtos, presumivelmente reafirmando suas ordens para matar a merda de nós.

—Destrua-os! — O anão gritou. —Não os deixe perto do portal!

—Trabalho fantástico, idiota. — Disse Gwydion, dando a Cole um olhar assassino. —Isso definitivamente ajudou!

—Como eu deveria saber que eles se tornariam todos assassinos? — Cole gritou defensivamente.

—Talvez usando um pouco de bom senso pela primeira vez na vida!

—Eu não vi você correndo para me parar, imbecil! Ou sugerindo idéias melhores!

—Calem-se! — Eu gritei para os dois. —Este carrinho está indo para o forno!

Isso chamou a atenção de ambos rapidamente. Em nossa pressa de pegar um carrinho de fuga, escolhemos um dos que enviava minério até a forja. Em apenas alguns minutos, seríamos jogados diretamente em um tanque maciço de metal fundido superaquecido.

—Filho da puta. — Cole disse calmamente.

Procurei um pouco fora do carrinho, meu coração disparado. A trilha atrás do carrinho fervilhava com Construtores assassinos. À frente, havia apenas o forno e uma queda de duzentos pés de cada lado.

—Estamos fodidos. — Eu disse, nem um pouco articulada.

—Nós definitivamente vamos morrer. — Ethan concordou, nós dois um pouco atordoados para reagir adequadamente à nossa morte horrível iminente.

—Foda-se. — Declarou Cole. Então ele me agarrou pelos ombros e me arrastou para um beijo áspero e apaixonado, tão abrupto e poderoso que eu mal consegui responder. Talvez fosse porque estávamos prestes a morrer, mas ele beijou com desespero, uma fome frenética e ardente, que eu nunca havia experimentado, o que fez meu coração disparar e minha adrenalina disparar. Então, de uma só vez, ele me soltou, deixando minha boca machucada e desolada. No mesmo movimento, ele puxou Ethan pela camisa e o beijou também, com a mesma intensidade empolgante. Vi os olhos de Ethan se arregalarem, e então senti a repentina onda de poder de sua maldição. Cole deve ter sentido isso também, porque ele empurrou Ethan para longe, agarrou minha mão e pulou para fora do carrinho. Gwydion hesitou apenas um momento, encarando Ethan quando o lobisomem se dobrou, uivando, mudando mais rapidamente do que eu já o vira mudar voluntariamente. Então ele pulou também.

Cole agarrou a beira da pista suspensa, flutuando no ar. Eu me esforcei para pular, quase perdi o controle, e só o recuperei quando Cole me pegou, me segurando até que eu estivesse segura, Gwydion pendurado no outro lado dele.

Acima de nós, Ethan - não, o Lobo - uivou quando saltou do carrinho um segundo antes de jogá-lo na forja.

O Lobo apenas se assemelhava tangencialmente à forma normal de lobo de Ethan, que era quadrúpede e muito parecida com um lobo normal, embora muito grande. O Lobo era algo de um filme de terror. Maciço, bípede, cheio de pelos escuros e grossos sobre músculos poderosos e pesados. Ele se ergueu em toda sua altura, o peito largo arfava e fixou seus terríveis olhos amarelos em nós, cheios de um ódio que consumia tudo. Estávamos completamente expostos aqui. Mal teria que nos tocar para nos enviar despencando para nossas mortes.

Felizmente, foi rapidamente distraído pelo enxame de Construtores assassinos. Os homens de pedra se jogaram no Lobo sem consideração por suas vidas. Eles o golpearam com golpes esmagadores feitos por punhos como blocos de concreto, e isso apenas os jogou para o lado, enviando-os voando da ponte para quebrar no chão abaixo. O Lobo rasgou a multidão de Construtos como se não fossem nada, reduzindo-os a escombros com um golpe de suas garras terríveis. Ele avançou pela pista, derrubando Construtos como pinos de boliche. Depois que tivemos algum espaço entre nós e o Lobo, Gwydion se arrastou de volta para o parapeito e me puxou atrás dele. Eu me virei para ajudar Cole, embora meus braços estivessem queimando por tanto tempo pendurados.

—Temos que sair daqui. — Eu disse, agarrando-me a Cole enquanto observava o Lobo abrir caminho através de Construto após Construto. —Agora!

—Como? — Perguntou Cole. —Outro carrinho?

—Não. — Disse Gwydion, apontando para o volante. —Nós vamos usar isso.

—O anão chamou de portal. — Eu disse, entendendo. —Onde quer que leve, provavelmente é melhor do que aqui!

Cole parecia inseguro, mas levantou as mãos.

—Foda-se, vale a pena tentar! — Ele disse.

Corremos pelos trilhos do carrinho, a uma distância segura atrás do massacre que o Lobo estava causando, até podermos pular, deslizando pela parede até o fundo da caverna.

Os Construtos estavam todos ocupados com o Lobo. A única coisa entre nós e o portal era o anão. Ele brandiu seu livro de pedra para nós com as mãos trêmulas.

—Este é o trabalho da minha vida! — Ele declarou. —Eu não vou deixar você hooligans destruí-lo!

—Você projetou isso? — Eu perguntei, cheio de súbita admiração e um milhão de perguntas.

—Senhor. — Disse Gwydion, cortando-me. —Você é sem dúvida o maior encantador desta época e um dos melhores que já ouvi em todos os reinos. Tenho imenso respeito por você, e é por isso que será uma tremenda vergonha se eu tivesse que te espancar até a morte agora, porque você não sairá do caminho.

Ele pegou uma pá de algum lugar, que o anão estava olhando agora, sua expressão em algum lugar entre orgulho e medo lisonjeados.

—Para o inferno. — Disse o anão. —Eu sempre odiei trabalhar para comissão.

Ele saiu do caminho.

Havia algum tipo de painel de controle perto de onde o Anão estava sentado, e eu o agarrei, olhando para os controles, completamente perdida.

—Como nós controlamos isso? — Eu perguntei, procurando ao redor do anão, mas ele já estava fazendo trilhas para o túnel mais próximo.

—Não precisamos controlá-lo. — Insistiu Cole. —Apenas ligue! Qualquer lugar é melhor do que aqui!

Eu apertei alguns botões, puxei algumas alavancas, mas nada aconteceu. A pedra angular e todos os painéis estavam no lugar, mas não havia reação. Cole lambeu os lábios.

—Vexa. — Ele disse. —Lembra da coisa que eu disse para você nunca mais fazer?

—Coisas estúpidas que colocam minha vida em perigo?

—Mais especificamente.

—Explorar fontes de energia universais primárias?

—Sim.

Gwydion e eu demos a Cole um olhar arregalado.

—Você realmente acha que isso vai funcionar? — Gwydion perguntou.

Cole olhou para onde o Lobo estava rapidamente ficando sem Construtos para destruir. Os grandes da forja tinham andado lentamente com pés pesados de bigorna e finalmente estavam brigando de verdade, mas nem eles durariam muito. O Lobo parecia ser tão indestrutível quanto furioso.

—Acho que não temos muitas outras opções. — Respondeu Cole. —Apenas despeje o máximo de energia possível e espere o melhor!

Eu acho que essa foi a lógica mais sólida que eu poderia esperar.

—Foda-se. — Eu disse, ecoando o sentimento anterior de Cole. —Aqui vai tudo!

Fechei os olhos, alcançando o lugar profundo dentro de mim, onde minha conexão com a vela estava ancorada. Eu sabia o que esperar agora, e apenas hesitei um momento com a lembrança fraca de quanto isso doeu da última vez, antes de pegar o fogo e me sentir em chamas.

Cole e Gwydion saltaram para longe quando o fogo me cercou. O poder correu através de mim como uma represa quebrando, como um raio, e eu agarrei no painel de controle para me aterrar.

A energia rasgou através de mim enquanto passava, deixando-me irregular de uma maneira que era mais espiritual do que física. Mas enquanto olhava através dos meus olhos ardentes, vi o anel começar a se mover, girando, componentes flutuando e se movendo independentemente, à medida que os feitiços queimavam.

Essa bela máquina deveria ter criado um portal igualmente bonito, algo absolutamente perfeito, não apenas estável, mas permanente, um ponto fixo fora do tempo que unia duas realidades. O que eu o forcei a produzir, incompleto e inexpertemente pilotado, foi uma bagunça, crepitando com o desperdício de energia, desequilibrado e desmoronando mesmo quando começou a abrir. Mas estava aberto.

Gwydion me agarrou, me arrastou para longe do console. Eu podia senti-lo sugando o poder, embora felizmente eu já tivesse jogado a maior parte dele no portal.

—Rápido! — Gwydion gritou para Cole. —Agora, antes que desmorone!

Eles correram em direção ao portal, meio me arrastando, quase inconscientes e bêbados com o poder e a lembrança já desbotada da agonia ardente. Mas havia uma última coisa que eu tinha que fazer antes de sairmos. Eu me arrastei de Gwydion para fazê-lo parar, coloquei os dedos nos lábios e assobiei o mais alto que pude.

—Ethan! — Eu gritei quando o Lobo parou sua destruição e olhou para mim. Eu acenei meus braços. —Por aqui!

Gwydion me agarrou pelo meio, me jogou por cima do ombro e correu para o portal. Rosnando, o Lobo correu atrás de nós. Gwydion pulou através do portal e vi o Lobo pular, garras estendidas, apenas um segundo antes do caos nos envolver.

 

 

 

 

 

 

Capitulo Dezesseis


Por vários minutos ou possivelmente uma eternidade, caímos no espaço.

Perdi o controle dos outros quase ao mesmo tempo. Flashes de mundos explodiram em ambos os lados de mim. Luz, escuridão, fogo, gelo, horizonte de Manhattan, castelo de Titânia, mundos que eu só podia ver em seção transversal, mundos que eu só conseguia ouvir ou cheirar. Uma vez, um salão escuro, cheio de velas.

E então, de repente, bati de cara no azulejo branco de vinil. Gwydion caiu em cima de mim, cotovelos primeiro. Cole caiu um pé à minha esquerda. O Lobo veio por último, bateu a cabeça em uma prateleira no caminho e caiu inconsciente no chão.

Presumimos que estávamos em algum tipo de armário de suprimentos. Luzes fluorescentes brancas nos encaravam de cima.

—Onde estamos? — Cole perguntou, apertando os olhos e desorientado.

—A julgar pelo cheiro anti-séptico e pelos sanitários? — Eu respondi, minha voz um pouco confusa. —Hospital. Ow. Ow! Merda!

Acabei de perceber uma dor ardente no quadril, que estava piorando rapidamente. Eu me levantei e enfiei no bolso, pegando a moeda da sorte que Gwydion tinha me dado quando nos conhecemos. A coisa maldita estava fumegando, estava tão quente e previsivelmente queimando meus dedos quando eu o puxei para fora. Deixei cair, e ela saltou e rolou para fora da porta do armário aberta.

Troquei um olhar com Cole e Gwydion, que ainda estavam se levantando.

—Bem, vá em frente. — Disse Gwydion. —É uma sorte, por isso deve levá-lo a algum lugar. E alguém provavelmente está a caminho de investigar esse acidente de qualquer maneira.

Sem outra palavra, corri atrás da moeda.

Eu estava certa sobre ser um hospital, embora estranhamente silencioso para a hora do dia que a luz que entrava pelas janelas sugeria. A moeda fumegante rolou pelo corredor de azulejos, e eu corri atrás dele. De repente, seu caminho começou a se curvar, até cair abruptamente de lado. Com o último momento, derrapou sob a porta de um quarto privativo de longa permanência.

O nome na porta dizia E. Bellefonte.

Abri a porta com cuidado, preocupada em incomodar alguém. Mas não havia visitantes na sala e, assim que dei uma boa olhada no paciente, percebi que não havia preocupação em perturbá-los.

E. Bellefonte era um homem mais velho, quarenta e poucos, talvez cinquenta e poucos. Ele ainda tinha o cabelo, apesar de o loiro dourado estar sombreado a branco. Ele devia ter sido bonito como uma estrela de cinema uma vez, pensei, embora provavelmente só pudesse dizer devido à minha experiência com cadáveres. Uma doença longa e desgastante o havia reduzido a um substancial sem sombra do que aquele que pairava sobre ele, sinalizando sua morte que se aproximava rapidamente. Ele só estava vivo agora por causa das máquinas amontoadas em torno de sua cama, mantendo seu corpo funcionando mesmo quando desmoronava. Mas mesmo isso não era suficiente para manter a sombra afastada.

—Aqui está. — Disse Gwydion, entrando na sala. Cole, com o braço de Ethan sobre os ombros, saiu mancando atrás de Gwydion, arrastando o lobisomem, que havia sido empurrado às pressas para uma roupa cirúrgica mal ajustada. Gwydion inclinou-se para pegar a moeda da sorte, que ardia em sua mão, o metal estalando e desmoronando. —Você queimou completamente. Eu nunca vi isso. Que tipo de-?

Ele calou a boca abruptamente quando viu o que eu já tinha visto.

A Vela da Aliança estava posta na mesa de cabeceira de E. Bellefonte. Gwydion olhou para ela, depois para a moeda murcha na mão, antes de enfiar os restos arruinados da moeda em seu casaco. —Essa é uma moeda da sorte.

—O que está fazendo aqui? — Perguntou Cole. —Quem é esse cara?

—É para mantê-lo vivo. — Respondi instintivamente. Eu podia sentir como a vela estava conectada a ele, mantendo sua força vital de uma maneira que as máquinas nunca podiam.

Antes que pudéssemos dizer mais alguma coisa, um portal surgiu à nossa frente, e Gilfaethwy apareceu, tendo-se colocado apenas a meio caminho.

—Por aqui. — Ele sussurrou em um sussurro urgente. —Rápido!

—Você! — Gwydion rosnou e agarrou Gil pela frente da camisa, arrastando-o pelo resto do caminho para fora do portal. —Você me roubou! De novo! Você me deixou entrar nas garras dos Seelie!

—Você fugiu! — Gil disse com um sorriso. —Eu sabia que você faria! Você sempre sabe! Falando nisso...— Ele gesticulou rapidamente em direção ao portal. —Precisamos ir agora. Vocês não podem estar aqui!

—Por quê? — Eu perguntei. —Onde estamos?

—Onde não importa. — Disse Gil. —E porque é que todos nós vamos morrer. Eu nem entendo como você chegou aqui! Agora vamos, vamos!

—Não, não há mais portais! — Cole disse teimosamente. —Já tive portais suficientes! Parece a Terra e vou ficar aqui!

De repente, as luzes no corredor do lado de fora do quarto do hospital ficaram negras. Nenhuma luz veio das janelas. Uma voz profunda e familiar ecoou como uma lixa contra a minha alma.

—Como se atreve a vir aqui...

—Aethon. — Eu sussurrei involuntariamente, terror tomando meu coração como um punho.

—Esquece, porra! — Cole gritou, jogou Ethan através do portal e pulou atrás dele.

Gil entrou na porta, olhando para a escuridão.

—Velho amigo, querido amigo, parceiro, se você me desse um momento para-

—COMO VOCÊ OUSA?

Gil estava claramente certo. Precisávamos sair imediatamente. Mas eu não estava saindo de mãos vazias, não depois de tudo isso. Eu me virei, pegando a vela.

—Vexa, não!

Ouvi o grito de Gwydion, o roçar de seus dedos estendendo a mão para me impedir, mas era tarde demais. Minha mão se fechou ao redor da vela, e a absoluta escuridão da Morte alcançou e me engoliu.

Tão rapidamente que eu nem senti, de repente eu mal a reconheci.

Eu morri.

Capitulo Nove

Por um momento, eu não estava no meu corpo. Eu estava em outro lugar, queimando viva na escuridão. Meus ouvidos estavam cheios do clamor de mil sinos tocando. Eu não conseguia fazer meu corpo gritar. Não pude apagar o fogo. A dor estava tão além de qualquer coisa que eu pudesse envolver minha cabeça que depois eu não conseguia descrever e mal conseguia me lembrar como era. Eu sabia com absoluta certeza que iria morrer. Pelos olhos fixos e sem resposta do meu corpo, a costa distante de repente pareceu muito mais perto.

No lugar onde eu estava queimando, senti uma mão fria no meu ombro. Alguém parado atrás de mim. A voz deles sacudiu meus ossos fumegantes.

—Ainda não.

E então, de repente, eu estava de volta à minha própria pele, transbordando com tanta energia que doía, como agulhas sob a minha pele tentando forçar sua saída. Sem pensar, bati as mãos no peito de Gwydion e abri as comportas. O poder correu para fora de mim em uma torrente que eu não poderia ter parado se quisesse. Queimou-me quando passou, afundando nele. Os olhos de Gwydion se abriram de uma só vez, o corte em sua cabeça se uniu à luz prateada e se fechou.

Mas não consegui parar o fluxo de poder. Havia muito para eu conter, e Gwydion era um vaso vazio. Ele olhou para mim e eu me vi refletida em seus olhos arregalados, envoltos em fogo, chamas chorando. Ele sentou, minhas mãos ainda em seu peito, ainda derramando poder nele apenas para me impedir de queimar. Ele me alcançou lentamente e segurou meu rosto em suas mãos trêmulas, sua pele bebendo o fogo. Suas mãos estavam frias como água em um dia de verão, acalmando o calor terrível que estava tentando o seu melhor para me queimar viva. Ele se inclinou para perto, curvando-se no meu fogo e beijou minha boca ardente.

Ele tirou o poder de mim como veneno de uma ferida. Apressou-se ainda mais rápido do que antes, e eu tremi de dor e alívio. Ele poderia ter tudo, se quisesse. Enquanto o fogo parou, eu não me importei.

Eu derreti em seu beijo gelado, em seus braços, a queima finalmente começando a retroceder quando o poder passou por mim. Afinal, não era infinito, e Gwydion aceitou tudo ansiosamente.

Ansiosamente demais. Enquanto o poder continuava fluindo de mim como sangue de uma veia, comecei a voltar aos meus sentidos e percebi que tínhamos passado o ponto do que eu não podia conter. Minhas mãos se apertaram no tecido do casaco de Gwydion, tentando e falhando em afastá-lo. Ele poderia muito bem ter sido feito de pedra. Estávamos nos aproximando rapidamente de um ponto com menos energia do que eu tinha desde que tocara a vela. Eu assisti esse ponto ir e vir e o beijo de Gwydion ainda continuava, até eu perceber que ele não iria parar até que eu estivesse vazia de toda a magia, ou morta.

Então eu o mordi, forte o suficiente para tirar sangue, e ele se afastou, o fluxo de poder finalmente parando. Eu o empurrei, colocando espaço entre nós rapidamente, caso ele tentasse continuar. Meu coração estava batendo forte e eu ainda estava desorientado, lutando para manter a lembrança do que havia acontecido quando tentei acessar a vela.

—Que porra é essa? — Cole estava dizendo, e parecia que ele estava dizendo isso há algum tempo, pois Gwydion e eu estávamos insensíveis demais para perceber. Ethan me pegou quando me afastei de Gwydion, e deixei que ele me segurasse, agradecida pela sensação de segurança em seus braços.

—O que aconteceu? — Ethan me perguntou. —O que você fez?

—Mas como? — Cole disse, olhando para mim com algo entre reverência e medo. —Eu nunca vi esse tipo de poder em lugar algum.

—Eu tenho. — Gwydion falou suavemente. Ele se ajoelhou onde eu o empurrei, parecendo quase tão abalado quanto eu quando tocou seu lábio mordido e olhou com olhos arregalados para o sangue em seus dedos. Mas havia um olhar quase arrebatador em seus olhos.

—Eu não sou tão forte desde que deixei Avalon. — Disse ele e olhou para mim como se eu fosse algo santo e aterrorizante. —Você tem o poder de uma rainha.

Ele piscou e pareceu repentinamente um pouco enjoado, caindo de costas com uma surpreendente falta de graça pelo que eu esperava dele.

—E eu quase matei você. — Disse ele, quase para si mesmo.

Ethan e Cole trocaram um olhar assustado com isso, depois olharam para mim onde eu ainda estava enrolada nos braços de Ethan.

—Estou bem. — Eu disse rapidamente, o que era verdade. Cansada e mais fraca do que eu estava há um tempo, mas eu não estava sangrando ou pegando fogo, e eu podia deitar minha cabeça no peito de Ethan e ouvir seu coração bater. —Eu estou bem. Foi apenas um pouco de energia demais, só isso.

—Um pouco de energia demais de onde? — Perguntou Cole. —Onde você conseguiu isso?

—Uh, eu tentei bater na vela. — Eu disse. —Ainda estou conectada a ela, então achei que talvez pudesse acessar sua fonte de energia.

—Você usou a fonte de toda energia necromântica na Terra? — Cole disse, sua voz falhando. —Como você não está morta? Como todos nós não estamos mortos?

Eu não tinha uma resposta para isso. Também não parecia Gwydion, mas ele também não estava prestando atenção, com a mão na boca e as sobrancelhas franzidas, o olhar focado na costa distante.

—Só... nunca faça isso de novo. — Exigiu Cole. —Jesus Cristo, não é à toa que você estava pegando fogo. Há uma razão pela qual as pessoas trabalham com focos como a vela, sua idiota! Usar a fonte bruta deveria tê-la fritado como um inseto e todos nós com você.

—Eu acho que é uma coisa boa que Gwydion possa absorver tudo. — Ethan disse enquanto eu franzi a testa e tentei lembrar o que tinha acontecido quando eu peguei a chama. Lembrei vagamente da queimação. Todo o resto estava perdido no fogo até o momento em que Gwydion me beijou.

—Besteira que ele fez. — Cole riu. — Tanto poder o fritaria também. Ou Vexa de alguma forma conseguiu se abrir para, literalmente, todo o poder da própria morte e apenas canalizar um pedacinho, o que é absurdo - como tentar pular no oceano e esperar apenas molhar o dedo - ou o que ela bateu não foi a vela.

Eu não gostei desse pensamento.

—O fato de que ela seria capaz de alcançar a vela quando ela estiver literalmente em um universo diferente já é bastante absurdo! — Cole disse, jogando as mãos no ar. —Isso é besteira estranha, e eu não gosto!

—Independentemente disso, está pronto. — Interrompeu Gwydion, levantando-se e tirando a jaqueta molhada. A balsa balançou e Cole tropeçou, olhando para Gwydion enquanto ele apenas conseguia manter o equilíbrio. Gwydion o ignorou, olhando para mim enquanto tirava a gravata também, deixando apenas sua camiseta branca solta. —Perdoe-me por um momento.

Então ele deu dois passos e mergulhou da balsa. Por um segundo, apenas encaramos as ondulações em seu rastro, surpresos demais para reagir. Finalmente, Ethan apenas balançou a cabeça e suspirou.

—Por que não? Não como qualquer outra coisa ultimamente faz algum sentido. — Ele murmurou, depois me puxou para mais perto, esfregando os braços para tentar me aquecer. Nós dois ainda estávamos encharcados, então não adiantou muito.

—Então. — Ele disse depois de um momento. —Você beijou Gwydion.

Fiquei confusa por um momento até perceber que ele quis dizer o que tinha acabado de acontecer. Foi realmente difícil manter essas memórias por algum motivo.

—Oh, sim. — Eu disse com um sorriso tímido. —Pouco mais do que isso, na verdade. Logo antes de Gil escapar.

—Eu pensei que você disse que não achava que iria dormir com ele? — Ethan perguntou, sobrancelhas levantadas.

—Sim, eu não pensei que sim. — Eu disse, envergonhada agora. —Ele é... surpreendentemente persuasivo. Foi apenas uma coisa única. Nós deixamos isso claro.

—Espere, você dormiu com esse cara? — Cole perguntou, franzindo o nariz.

Cobri meu rosto com a mão, tentando controlar o rubor que aquece minhas bochechas.

—Sim, eu dormi. — Eu disse, tentando segurar algum orgulho. —Não é da sua conta.

Cole apenas balançou a cabeça.

—Alguém já lhe disse que você tem um gosto terrível? — Ele perguntou. —E possivelmente um desejo de morte?

—Ele tem razão. — Ethan disse com um encolher de ombros.

—Considerando que eu estava flertando com você esta manhã, Cole. — Eu disse maliciosamente. —Eu não faria comentários sobre o meu gosto.

—Foi essa manhã? — Ethan disse pensativo. —Era noite no Julius, e dormimos pelo menos algumas horas, então...

—Estar interessada em mim é absolutamente um sinal de mau gosto. — Respondeu Cole. —Possivelmente uma decisão pior do que o monstro devorador de homens que pode te atacar a qualquer momento. Provavelmente pior que o lobisomem também.

Ethan bufou.

—Você não é tão ruim. — Ele disse.

—Eu sou um desastre humano sem-teto que está apenas usando você para colocar minhas mãos em uma ferramenta mágica incrivelmente poderosa por minhas próprias razões egoístas. — Apontou Cole.

—Mas você tem um cabelo muito bom. — Eu rebati, apenas meio sarcasticamente. Cole parou, pego de surpresa.

—Bom senso de humor também. — Ethan concordou, e eu sorri quando vi Cole ficando vermelho.

—Bom gosto em filmes. — Acrescentei.

—Sorriso fofo. — Ethan falou.

—Olhos lindos.

—Inteligente como o inferno.

—Bunda fantástica.

—Tudo bem, isso é o suficiente! — Cole disse, vermelho como uma beterraba. —Vocês dois são claramente idiotas, sem senso de autopreservação.

Um respingo nos interrompeu quando Gwydion reapareceu, jogando o cajado na jangada antes de sair da água. Eu me permiti um minuto para admirar o quão bom ele parecia encharcado assim.

—Perdi algo? — Ele perguntou, levantando-se e torcendo a camisa. Cole ainda estava muito vermelho, e Ethan e eu não conseguimos parar de sorrir.

—Apenas nós dizendo a Cole todas as coisas que gostamos nele. — Eu o informei.

—Espero que você tenha mencionado sua bunda fenomenal. — Disse Gwydion casualmente, pegando o cajado e o paletó. Cole parecia quase combustão espontânea. —Todo mundo está de pé agora. Precisamos nos mexer se quisermos alcançar meu gêmeo idiota.

—Mas não sabemos para onde ele foi. — Eu disse, levantando-me e oferecendo uma mão para Ethan.

—Eu posso rastrear seus feitiços de teletransporte. — Disse Gwydion e estalou os dedos.

Uma onda de ar quente tomou conta de nós quatro ao mesmo tempo. Meu cabelo voou ao redor do meu rosto, minhas roupas esvoaçantes. Eu lutei para segurar minha saia enquanto a água saía de nossas roupas em uma explosão deslumbrante. Quando o vento se acalmou, Gwydion olhou para onde Gilfaethwy havia desaparecido e passou a mão pelo ar como se estivesse limpando vapor de um espelho. Um rastreamento complexo de magia apareceu diante dele, que ele se inclinou para ler. —Foi por isso que ele pegou o cajado e foi primeiro à Cidade Sem Fim. É muito mais difícil rastrear o cajado, e eu não seria capaz de dizer por quais dos poços da cidade ele passou se eu não tivesse- Não o vi. Mas agora que ele está se teletransportando sob seu próprio poder - o que ele não tem muito entre nossa recente briga e nossa visita à Cidade - segui-lo será muito fácil. Eu posso finalmente ser capaz de-

Ele ficou em silêncio bruscamente, depois descartou o texto mágico, carrancudo.

—O que há de errado? — Eu perguntei preocupado.

—Eu descobri para onde ele foi. — Respondeu Gwydion, conciso. Ele bateu com o cajado na superfície da balsa de madeira, e um portal se abriu através do qual eu podia ver vagamente os galhos das árvores. Gwydion se aproximou, hesitou e depois olhou para mim.

—Eu deveria te mandar para casa. — Disse ele. —Para onde ele está indo é... inóspito para os humanos. Eu deveria ser capaz de lidar com ele sozinho.

—Como você lidou com ele da última vez? — Eu perguntei. —A vida de Ethan está baseada no que Gil sabe. E sem o Vidro do Artífice, não podemos nem tentar descobrir mais sobre a maldição por conta própria. Não há como não ir com você.

—Onde ela vai, eu vou. — Ethan disse, colocando a mão no meu ombro.

Nós dois olhamos para Cole, que cruzou os braços, ainda um pouco rosado ao redor das orelhas.

—Eu realmente não tenho escolha, tenho? — Ele reclamou. —Se vocês idiotas vão e se matam, não há como eu pegar a vela.

Eu sorri para ele, feliz por ele estar conosco.

—Então está resolvido. — Eu disse. —Todos nós vamos.

—Não é nem remotamente estabelecido. — Argumentou Gwydion. —É a coisa mais distante da solução.

—Você realmente vai discutir comigo depois que eu quase morri salvando você? — Eu perguntei, mãos nos meus quadris.

Gwydion fechou os olhos por um momento, reunindo a compostura.

—Tudo bem. Vocês todos estão vindo. Tenho certeza que isso não vai acabar mal.

Ele pegou o casaco do braço, virou de dentro para fora e entregou para mim.

—Vista isso. Fiquem perto de mim. Não façam barulho e não usem magia, a menos que eu peça. Se nos separarmos... Vocês provavelmente morrerão. Não comam nada. Não cantem nem dancem. Façam tudo ao seu alcance. Não ofendam nada. Não ofereçam ajuda, a menos que seja solicitado, faça-o e não reclame. Aceite o que lhe derem depois, mas se alguém tentar lhe dar algo que você não ganhou, recuse educadamente enquanto vocês podem e espero que eu possa encontrar vocês a tempo de salvá-los. Entendido?

Não remotamente, mas assenti e coloquei o casaco de dentro para fora de qualquer maneira.

—Então vamos acabar logo com isso. — Disse Gwydion com um suspiro.

Sem mais cerimônia, ele atravessou o portal. Eu dei a Ethan e Cole um último sorriso encorajador, depois fui atrás dele, esperando que o que esperasse do outro lado não fosse pior do que o que já tínhamos enfrentado. Mas, pela primeira vez, eu estava menos preocupada com o desconhecido do que com meu próprio poder. Eu ainda não tinha certeza do que tinha acontecido quando tentei curar Gwydion, mas tinha certeza de que isso aconteceria novamente. Em algum lugar no fundo da minha mente, as palavras 'ainda não' ainda ecoavam.

 

 

 

 

 


Capitulo Dez

 

Das sombras frias e cinzentas da Costa DIstante, entrei em um dia perfeito de verão. Era verão também na Terra, mas não assim. Esse era um daqueles dias míticos, a partir de memórias idílicas excessivamente nostálgicas da infância, ou um daqueles filmes inexplicavelmente populares da maioridade, onde algo terrível acontece com o cachorro leal de uma criança. Estava frio o suficiente na sombra para fazer o calor do sol parecer mais calmante do que opressivo. Enormes árvores velhas erguiam-se ao nosso redor, suas folhas lançando sombras verdes na terra rica e escura, seus arcos pesados de frutas. A vegetação rasteira era uma profusão de flores silvestres e frutos maduros. O ar estava denso com o som do canto dos pássaros e o murmúrio musical da água correndo em algum lugar próximo. A luz através das árvores era dourada, quase tangível, e senti uma onda de prazer e excitação estranhos assim que respirei o ar. Tudo, todos os mirtilos gordos, pedras brilhantes e pássaros cantando de suas gargantas vermelhas, estavam positivamente cheios de significado. Qualquer coisa que caísse em meus olhos, desde uma teia de aranha pendurada em prata pendurada sob a sombra de uma raiz de carvalho até as cabeças de sementes douradas da grama alta crescendo em um pedaço de luz solar, me atingiu com uma intensidade que me fez ter certeza de que tocar qualquer parte disso seria embarcar em uma aventura fantástica.

Gwydion estalou os dedos na frente do meu rosto, impaciente, tirando-me do meu devaneio.

—Foco. — Ele insistiu. —Você não deve deixar este lugar colocar seus ganchos em você. Seu charme é um veneno, você entende? Tudo isso é apenas a pele brilhante de um sapo venenoso.

—Mas é tão... mágico. — Eu disse, surpresa com o quão jovem eu parecia, como uma criança na Disney World.

—O que é este lugar? — Ethan perguntou, parecendo tão impressionado quanto eu. Eu olhei para ele quando Cole entrou no portal. A boca de Ethan estava aberta em um espanto frouxo, seus olhos brilhando. Ele parecia mais jovem de alguma forma, as linhas ao redor dos olhos se foram, o peso fora dos ombros. A luz do sol brilhava bastante em seus cachos castanhos escuros e seus olhos dourados. Ele parecia tão magnificamente mágico e importante quanto todo o resto. Ele pegou meu olhar e ouvi sua respiração prender e vi seus olhos se arregalarem.

—Vexa. — Ele disse, suas mãos encontrando minha cintura. —Você parece tão... radiante. Deus, eu nunca vi nada tão-

—Nada disso, nada disso! — Gwydion disse agitando a mão bruscamente entre nossos rostos até nos afastarmos. —Eu sabia que era uma péssima idéia. Concentrem-se, por favor! Você, Cole! Fique fora daqui!

Cole, parecendo tão atordoado e surpreso quanto o resto de nós, olhou para cima, confuso, de onde ele estava vagando em um pedaço de amora, mistificado com as frutas perfeitas, como joias, e pequenas flores brancas de estrelas. Seus olhos, sempre adoráveis, eram de um azul mais brilhante do que eu já tinha visto na Terra. O tom escuro de seu cabelo combinava com o da fruta ao seu redor. A graça de seus membros musculosos quando Gwydion o agarrou pela camisa e o arrastou de volta para nós era absolutamente sublime. Ethan e eu voltamos juntos assim que Gwydion parou de nos separar fisicamente, nossos braços se abraçando como se tivessem sido feitos para isso. Quando Gwydion empurrou Cole para nós, nós o alcançamos ao mesmo tempo. Eu sorri quando toquei sua bochecha, sua pele macia e quente, e pela primeira vez ele não recuou do contato. Ethan segurou o outro lado do rosto, acariciando a linha fina da bochecha com o polegar. Cole fechou os olhos e afundou em nosso toque como um banho quente após um dia difícil.

—Como você pode pensar que não é absolutamente lindo? — Eu perguntei, impressionado com cada mecha de seu cabelo, a curva de sua mandíbula, a cor de seus lábios.

—Você é como uma obra de arte. — Ethan concordou, virando seu sorriso deslumbrante para mim, o calor tão comovente que eu quase podia chorar. —Vocês dois são. Gostaria de saber com quem comparar você. Nunca consigo me lembrar dos nomes. Vexa sempre pode.

Eu sorri de volta para ele, lembrando como quando o conhecemos eu o comparei com o David de Bernini e uma dúzia de outras obras de arte clássica. Eu estava um pouco desorientada na época, mas a comparação se manteve.

—Algo pré-rafaelita. — Eu disse. —Edward Hughes talvez.

—Você é tão inteligente. — Disse Ethan.

—Estou tão feliz que vocês estão tendo um momento de união tão adorável. — Disse Gwydion, tentando nos afastar um do outro. —Mas se vocês tentarem recuperar os sentidos, realmente não temos tempo para uma orgia no momento.

—Isso é... intoxicação mágica. — Disse Cole, esfregando os olhos. Adorei a delicada arte de seus dedos e o tom avermelhado que o atrito colocou em suas bochechas.

—De fato! — Gwydion disse, pingando sarcasmo. —Que bom que você está alcançando! Isso deve desaparecer em breve, mas não podemos dar ao luxo de esperar por isso, nem tenho paciência para ver vocês três se lutarem até que isso aconteça.

Eu me perguntava por que ele estava de mau humor quando era um dia tão perfeito. Mas eu não poderia estar chateada com ele por isso. Ele era bonito demais para se zangar. A luz do sol não parecia tocá-lo, mas quando ele estava na sombra, ele parecia esculpido em mármore frio, frio e sem falhas e brilhando como gelo. Quase doía olhar para ele, como a luz refletindo na neve até ficar ofuscante. E às vezes, quando eu o via pelo canto do olho, ele era mais do que isso. Maior do que eu podia imaginar, e quando ele se moveu, houve um farfalhar de pelos e uma sombra de chifres.

—Ele está certo. — Disse Cole, balançando a cabeça enquanto se distraía brevemente por uma borboleta que passava com asas como vitrais vivos. —Precisamos... Continuar em movimento. Estamos em perigo. Tentem se lembrar do medo.

Eu não queria ter medo, não quando era tão bonito aqui. Mas fiz o meu melhor quando Cole pegou minha mão e me puxou atrás de Gwydion. Peguei Ethan com a mão livre e o puxei. Uma corrente de margarida, como quando éramos crianças. O pensamento me fez rir, o que o fez começar.

Gwydion suspirou cansado. —Pelo menos vocês estão se movendo. Por aqui. Não se afastem. Não há sinal de seu feitiço de teletransporte aqui. Ele deve ter ido mais longe antes de lançá-lo para tentar me expulsar. Mas por que ele arriscaria isso aqui? De todos lugares?

Eu mal ouvia Gwydion e não entendia por que ele não gostava daqui. Ele fez parecer tão perigoso, mas era o lugar mais maravilhoso que eu já vi. Ao atravessarmos as árvores, pequenos pedaços de magia se revelaram entre as folhas. Uma macieira com casca de prata fina estava crescendo perto de um riacho claro, com seus galhos forrados e pesados por frutas feitas de ouro e diamante. Uma cobra com escamas de esmeralda translúcida estava pendurada nos galhos, nos observando com sábios olhos rubis escuros. Tinha uma daquelas bocas fofas de filhotes de píton que são tão adoráveis, mas Gwydion não me deixou fazer amizade com ela.

Mulheres minúsculas, que não eram mais do que meu braço, nadavam através do riacho, pulando como peixes, brilhando rosa iridescente e lavanda como o interior de uma concha, estalando seus minúsculos dentes afiados em insetos. Vi um campo de flores brancas crescer, grande como a palma da minha mão, e no centro de cada uma havia um minúsculo sino de ouro. Quando o vento soprava, eles tocavam tão docemente que Gwydion teve que gritar conosco para nos impedir de vagar neles para nos deitar e apenas ouvir. Cole sugeriu que cantássemos, o que foi uma ideia tão boa que eu o beijei por isso, e ele ficou vermelho e começou a rir e esqueceu sua sugestão até que Gwydion o lembrou, quando ele afastou Ethan de tentar mentir novamente nas flores, que eram tentando envolver tenras videiras verdes ao redor de seus sapatos, como se quisessem que ele ficasse. A única música que todos conhecíamos era Bohemian Rhapsody, e cantamos o mais alto que pudemos por insistência de Gwydion, até deixarmos o campo de flores para trás e ele nos pediu para parar. Mas continuamos esquecendo que ele nos disse para parar e começar de novo. É uma música tão boa, afinal. Nós finalmente paramos quando ele ameaçou fechar nossas bocas com mágica nos fez esconder em um arbusto enquanto uma procissão de árvores andando passava majestosamente.

Quando o desfile de árvores terminou, eu estava finalmente começando a recuperar meus sentidos um pouco, o suficiente para perceber que estávamos com problemas. Embora eu ainda estivesse flutuando e facilmente distraída, eu estava presente o suficiente para olhar para a merda ridícula que acabamos de percorrer e empalidecer com a quantidade ridícula de sério perigo em que estávamos, que eu apenas... não notei.

—Essas flores tinham dentes. — Eu sussurrei para mim mesma, olhando para um fragmento perfeito de céu azul através das folhas acima de nós.

—Finalmente começando a sair disso? — Perguntou Cole. Ainda estávamos sentados no mato. Eu não tinha notado os espinhos antes agora.

—Acho que sim. — Eu disse, esfregando a cabeça. —Mais ou menos. Jesus, eu não estive tão bêbada desde o último ano.

—É o ar aqui. — Disse Cole. —Está tão cheio de magia que você quase pode vê-la a olho nu. É por isso que tudo parece tão...

Ele fez um gesto ambíguo, mexendo os dedos ilustrativamente. Eu imaginei que entendi o ponto dele.

—Graças à lei. — Gwydion reapareceu, arrastando um Ethan tropeçando, que estava sorrindo e segurando uma das flores de sino. —Eu tinha medo que você se afastasse. Eu tive que perseguir esse idiota até o prado. Eu deveria ter deixado eles comê-lo. Eu teria todo o direito!

Ele estava parecendo mais do que um pouco esfarrapado, mesmo através da névoa mágica que o tornava tão etérea adorável.

—Desculpe. — Eu disse, levantando-me inquieta e ajudando Cole a se levantar. —Eu acho que estou começando a descer.

—Provavelmente levará Ethan mais um pouco. — Disse Cole. —Ele não está tão acostumado à magia quanto nós.

Ethan pressionou a flor do sino em minhas mãos. Peguei-a com relutância, olhando para trás como dentes de gancho voltados para os dentes que revestiam a trombeta interna.

—Eu comprei para você. — Ethan disse, e ele estava tão sério e bonito que eu quase esqueci os dentes completamente. —Eu não te dei nada ainda. Preciso te dar coisas, para que quando eu me for, você se lembre de mim.

Ele disse isso sem um pingo de arrependimento ou amargura, o que a fez doer ainda mais. Comecei a dizer algo, insistindo que não era o que iria acontecer, mas não queria estragar a felicidade dele. Eu sabia que ele tinha tido pouco o suficiente ultimamente.

—Obrigada, querido — Eu disse e o beijei. —Eu prometo que nunca, nunca vou te esquecer.

Encantado, ele me pegou e me virou, regando meu rosto em beijinhos.

—Adorável. — Disse Gwydion sarcasticamente. —Podemos seguir em frente? A trilha de Gil está ficando mais fria.

Fiz Ethan me colocar no chão e começamos a andar novamente. Definitivamente, eu ainda estava bem maluca, mas ter pelo menos um pé mais ou menos no chão tornava mais fácil apreciar as coisas realmente incríveis que estávamos vendo, além de ajudar a manter um olho em Ethan, e ocasionalmente até em Cole. Não que eu estivesse muito melhor, sendo desviada por um raio de sol que capturava o ar como se fosse um prisma, arco-íris deslizantes e brilhantes, ou um ninho de coelhos com presas e chifres, que eu percebi que um pouco tarde demais estavam sendo guardados por seus pais igualmente afiados e com chifres. Mas pelo menos agora um de nós geralmente era lúcido o suficiente para pegar o outro. Gwydion tinha um grande potencial como pastor profissional.

E então Gwydion afastou uma cortina de musgo pendurado e todos nós congelamos no lugar como se ficássemos impressionados ao ver o que havia do outro lado.

A alguns metros de distância, pastando pacificamente em uma piscina vernal, havia um unicórnio.

Era, sem exceção, a coisa mais linda que eu já vi. Eu não conseguia acreditar que alguém tivesse convencido as pessoas de que se parecesse com um cavalo. Era um tipo de ungulado, claramente, mas mais como um grande cervo em proporções, com uma cabeça um tanto parecida com uma cabra. A cauda comprida era preênsil, como a de um gato, e adornada no final com os mesmos cachos sedosos e prateados brancos da crina. Seus olhos eram impressionantes além da minha capacidade de descrever. Eles eram ao mesmo tempo profundos, escuros e infinitamente inteligentes, e também brilhavam com mil cores, queimando com a luz interior. Seu chifre brilhava com suave iridescência, como pérola ou nácar, subindo mais de um pé da testa até um ponto que brilhava como uma estrela.

—É...? — Eu sussurrei, minha voz tremendo. —É realmente-?

—Sim. — Disse Gwydion, estendendo a mão para impedir que alguém se aproximasse. —Silêncio. Fora dos tribunais, não há mais coisa perigosa neste lugar. Devemos recuar lentamente, tentar dar a volta.

—Como isso pode ser perigoso? — Eu perguntei, completamente extasiada. —É um unicórnio!

—É exatamente por isso que é perigoso. — Disse Gwydion, impaciente. —Eles são forças primordiais - o conceito de justiça dando forma. Se eles sentirem a menor sombra em seu coração, eles a esculpirão. Eles não podem ser combatidos ou fugir. Depois que decidem matá-lo, nada pode detê-los. Eles podem até matar um fae.

—Isso não parece exatamente justiça para mim. — Disse Cole, franzindo a testa. —Apenas assassinato resumido por qualquer crime? E o que exatamente eles definem como uma 'sombra' no seu coração? Isso me mataria se eu me sentisse culpado por esquecer o aniversário da minha avó?

—Não seja pedante. — Disse Gwydion, virando-se para olhá-lo. —Só estou dizendo que, se você merece morrer, eles saberão.

—Bem, isso é um pouco diferente de 'se houver uma sombra em seu coração'.

—Bem, o julgamento deles sobre quem merece morrer tende a se inclinar pesadamente para todos na minha experiência, então me perdoe por me tornar poético.

—Bem, então eles não são personificados pela Justiça. Justiça verdadeira não ignora o contexto.

Não ouvi a resposta de Gwydion porque já estava na metade da distância entre mim e o unicórnio. Ele levantou sua bela cabeça quando me aproximei, e eu não pude deixar de sorrir. Eu nem estava pensando no perigo. Tudo o que eu conseguia pensar era que esse era um unicórnio real na minha frente. Tudo o que eu sonhava quando menina, todos os livros de fantasia que eu desejava escapar, voltaram correndo para mim como um golpe no peito. Eu não percebi o quanto eu queria isso, neste exato momento, toda a minha vida. Se eu pudesse tocá-lo, apenas uma vez, morreria feliz. O unicórnio, silencioso e perfeito, virou-se lentamente para me encarar.

Ouvi vagamente Ethan começar a gritar meu nome, apenas para ser rapidamente abafado.

—Temos que fazer alguma coisa! — Cole estava dizendo. —Isso poderia matá-la!

—Se interrompermos agora — Respondeu Gwydion severamente. —Definitivamente vai.

Eu não estava com medo. Quem poderia ter medo na presença de algo assim? Ele deu dois passos lentos em minha direção, seus cascos ecoando a cada passo, apesar de andar sobre musgo macio. Eu assisti, impressionada e aberta, enquanto abaixava a cabeça, trazendo seu chifre longo e perversamente afiado ao meu peito. O ponto descansou logo acima do meu coração. De repente, pensei, como se estivesse compelida, a tudo o que recentemente senti culpa. Quando Gwydion se machucou, depois de me envolver nisso por minha causa. Colocando Cole em perigo pela mesma razão. Quando meus vizinhos encontraram o buraco no quintal onde o cachorro morto havia sido 'desenterrado por um leão da montanha', mesmo que o cachorro estivesse ressuscitado e vivendo feliz na casa da minha tia. Aprendendo que meus poderes estavam acelerando a maldição de Ethan. Quando Ethan quase foi morto me protegendo de Aethon. Na maioria das vezes eu tinha visto Ethan ultimamente, honestamente. Se não fosse por mim, ele ainda teria anos. Eu até me senti culpada por fazê-lo ficar comigo. Egoísta. Fazendo-o continuar lutando, mesmo que ele estivesse com medo e com dor só porque eu não queria perdê-lo ainda. Fazendo-o me ver flertar com os homens que eventualmente o substituiriam. Eu deveria ter recusado quando ele se ofereceu para abrir o relacionamento. Eu sabia que ele só estava fazendo isso porque ele não queria que eu estivesse sozinha. Eu deveria ter recusado ele quando ele se ofereceu para me ajudar com isso. Eu nunca deveria tê-lo colocado em perigo. Ele merecia mais que eu. Eu era uma necromante, e o que Julius dissesse, nunca seria capaz de me convencer, muito menos de mais alguém, de que era uma magia puramente inocente. Eu estava cheia de algo sombrio e mau, e não podia mudar isso.

Eu funguei, lágrimas escorrendo pelo meu rosto. Eu sabia que o unicórnio podia ver toda a minha culpa, e a vergonha me fez querer entrar em um buraco e morrer. Eu não tinha medo de que isso me matasse. Eu não estava pensando sobre isso. Eu só queria ser digna disso.

Senti algo molhado cair no meu ombro e abri os olhos. O unicórnio chorava, chorando lágrimas leitosas que se transformavam em cristal quando caíam na grama. Ele levantou o chifre do meu coração e agora encostou a cabeça na minha, como se estivesse tentando me confortar. Joguei meus braços em volta do pescoço sem um momento de hesitação e enterrei meu rosto na seda fria de sua juba. Irradiava contentamento, uma paz profunda e tranquilizadora que me assegurava que tudo ficaria bem. Não era apenas Justiça, como Gwydion pensava. Era a paz que seguia a verdadeira justiça.

—Em todos os meus anos, nunca vi isso acontecer. — Sussurrou Gwydion de onde estavam escondidos, parecendo atordoado. —Eu ouvi histórias, mas...

Respirei fundo, infundindo-me com o máximo de paz possível. A vertigem da intoxicação mágica se foi, mas eu estava feliz por isso. Eu nunca teria tido a coragem de me aproximar sem ela. Então me forcei a me afastar, embora uma grande parte de mim só quisesse seguir o unicórnio para sempre. Havia pessoas que ainda precisavam de mim aqui. E alguém que precisava disso muito mais do que eu.

—Vexa? — Ethan disse inquieto. —Você está bem?

Eu me virei para eles, sorrindo enquanto esfregava as lágrimas do meu rosto.

—Sim. — Eu disse. —Eu estou bem.

Estendi a mão para Ethan, acenando para ele avançar.

—Não faça isso. — Disse Cole. —Ela claramente perdeu a cabeça.

Ethan parecia nervoso, mas saiu de trás do mato, caminhando em nossa direção com cautela. O Unicórnio fez um barulho baixo e desapontado, como um cavalo, e se levantou um pouco, mas eu joguei meus braços em torno dele novamente, acariciando seu pescoço até que ele se acalmasse e deixasse Ethan se aproximar.

—Não tenha medo. — eu disse, pegando sua mão. —Não vai machucá-lo. Se pode chorar por mim, vai te amar.

Ethan não parecia certo, mas quando ele olhou para o Unicórnio, pude ver a admiração em seus olhos tão poderosos e profundamente enraizados quanto os meus. Eu não tinha sido a única sonhando com esse momento.

O unicórnio colocou seu chife no peito de Ethan, e vi as lágrimas nos olhos dele quase imediatamente. Ele soluçou, o ombro tremendo, enquanto revivia a culpa que o unicórnio havia trazido diante dele.

—Não olhe. — Ele implorou ao unicórnio, não a mim. —Eu não sou - eu não sou como-

Eu vi a ponta do chifre do unicórnio afundar no peito de Ethan apenas o suficiente para tirar sangue. Agarrei a mão de Ethan novamente, apertando com força.

—Seja honesto. — Insisti. —Você tem que olhar para tudo. Você tem que deixar que isso faça parte de você.

Ethan balançou a cabeça e senti um tremor de medo quando o chifre do unicórnio afundou um pouco mais fundo, com medo de ter cometido um erro. Mas não havia mais nada que eu pudesse fazer. Não havia nada que eu pudesse dizer agora. Ethan sabia que eu estava aqui, que o apoiaria, não importa o quê. O problema não estava comigo ou com mais ninguém. Era em Ethan.

O chifre afundou mais e eu agarrei a mão de Ethan, com medo de tê-lo levado à morte.

—Eu te amo. — Eu disse, a primeira vez que disse as palavras. A primeira vez que estive realmente, realmente certa de senti-las. —Ethan, eu te amo muito.

Ethan estremeceu, depois apertou minha mão.

—Tudo bem. — Disse ele, um som de aceitação cansada. —Bem.

A tensão sumiu dele, embora as lágrimas caíssem rápido e com força. O chifre do unicórnio recuou, não deixando feridas nem sangue. Deitou a cabeça ao lado da dele por um momento, antes que ele caísse de joelhos na grama. Caí ao lado dele, segurando-o perto. Ele tremia, ainda chorando muito.

—Vê? — Eu sussurrei. —Eu sabia. Eu sabia que pensaria que você é tão incrível quanto eu.

Ele soluçou, maravilhado e incrédulo em seus olhos quando olhou para o unicórnio. Mas quando ele olhou para mim, havia apenas amor em seus olhos.

—Eu também te amo, Vexa. — Disse ele. —Muito.

Ele me puxou para um beijo aos pés do unicórnio, que pressionou o nariz na têmpora de Ethan e depois na minha, antes que ele se virasse e se afastasse na sombra das árvores.

Fiquei de pé instável e puxei Ethan comigo enquanto Cole e Gwydion saíam cautelosos dos arbustos. Ethan me abraçou com força, e eu o abracei de volta, meus pensamentos ainda nos arrependimentos que o Unicórnio havia me mostrado. Não tinha falado ou compartilhado nenhuma sabedoria, mas a sensação de paz que me enchia me dava um tipo estranho de clareza, uma distância daqueles sentimentos que os tornavam mais fáceis de lidar. Eu esperava que Ethan sentisse o mesmo. Eu esperava que algo tão puro e mágico, declarando-o digno, aliviasse um pouco da dor contida dentro dele.

Cole me surpreendeu jogando os braços em volta de nós dois, a cabeça no meu ombro.

—O que eu acabei de dizer sobre fazer coisas estúpidas e perigosas? — Ele repreendeu, sua mão segurando firmemente as costas da minha camisa. Não pude deixar de sorrir com sua preocupação relutante. Ethan retornou meu sorriso, nós dois emocionalmente exaustos, mas cheios pela profunda paz do julgamento do unicórnio.

—Tenho certeza que você só me disse para não explorar fontes mágicas poderosas. — Provoquei. —Você não especificou que eu não deveria fazer nada perigoso.

Ele levantou a cabeça para me encarar.

—Você tem alguma ideia de como será inconveniente para mim se você morrer? — Ele disse.

—Bem, eu não gostaria de ser um inconveniente. — Eu disse com uma risada.

—Tarde demais. — Declarou Gwydion se aproximando de nós, colocando algo no bolso.

—Sua preocupação é comovente. — Eu disse a ele por cima da cabeça de Cole, depois coloquei um braço em volta de Cole para atraí-lo com mais segurança para o abraço, Ethan fazendo o mesmo. Cole ficou tenso sem jeito, mas não se afastou. Talvez fosse um pouco da intoxicação mágica ainda o afetando. Eu tinha certeza de que era o que ele culparia de qualquer maneira.

—Eu tenho certeza que isso faz com que vocês dois sejam dignos de serem reis da Inglaterra. — Disse Gwydion casualmente, claramente tentando entender tudo, como se eu não tivesse visto o medo dele. —Eu tenho a espada em casa, se vocês estiverem interessados.

Ethan abafou uma risada no meu ombro.

—Vou considerar. — Eu disse a Gwydion com um sorriso. Ele zombou com um arco, depois endireitou as roupas e limpou a garganta.

—Agora, realmente precisamos nos mexer. Magia assim vai atrair-

Ele foi interrompido por uma flecha acertando-o no peito.

Ele voou para trás, esparramando na grama. No mesmo momento, Cole e Ethan desabaram em ambos os lados de mim. Muito horrorizada para reagir, eu só podia ver uma fila de arqueiros emergir das árvores, flechas batendo, lideradas por um homem com barba dourada e uma coroa brilhante.

—Vocês invadiram a terra sagrada de Tir Na Nog. — Declarou o homem. —A rainha exige suas presenças.

 

 

 

Capitulo Onze


O charme que os fae costumavam colocar Ethan e Cole para dormir não funcionou em mim, provavelmente graças à jaqueta de Gwydion, então tive o prazer de ser amarrada e arrastada para as costas de um cavalo atrás do homem barbudo, algo que discordei veementemente, mas não pude fazer muita coisa. Não que eu não tentei. Convoquei todas as coisas mortas na área que pude alcançar, incluindo algum animal maciço e trêmulo que eu nem reconheci, e fui prontamente e completamente desligada com alguns gestos casuais dos fae. Eu poderia muito bem nem ter me incomodado. Eu consegui dar um tapa em alguns deles com necrose quando eles foram me amarrar e deram um bom chute, mas naquele momento, tudo que eu estava salvando era meu orgulho.

Eu assisti, doente de ansiedade, enquanto jogavam Ethan, Cole e Gwydion nas costas de seus cavalos, nem mesmo removendo a flecha de Gwydion, e nos levavam embora.

Não tínhamos andado muito tempo antes de chegarmos a um caminho verde, que logo se tornou uma estrada de terra bem trilhada e depois pavimentada um pouco mais em tijolos de pedra. A essa altura, o palácio já estava à vista.

Um imenso e reluzente edifício dourado, repleto de pináculos e filigrana, parecia algo que a Disney rejeitaria por ser exagerado demais. A vegetação caía em cascata de todas as paredes e janelas, flores quase mais comuns que o onipresente trabalho de pergaminho dourado. Era bonito, com certeza, mas não tinha nada no Unicórnio, e de qualquer maneira, eu estava ocupada sendo absolutamente irritada como o inferno.

Por fim, eles nos levaram a um enorme jardim no pátio, tão denso com plantas que dificilmente parecia haver espaço para as pessoas, cercados por todos os lados por finas colunas de mármore branco. Um maciço carvalho ficava em uma extremidade do pátio, e seu tronco fora cultivado, não esculpido, na forma de um trono elaborado, cravejado de pedras preciosas e marfim.

A mulher que estava sentada era, sem dúvida, uma rainha. Você poderia dizer que ela era uma rainha mesmo sem a coroa ou o lindo vestido dourado. Ela teria sido uma rainha completamente nua. Um lampejo daqueles olhos escuros deixaria isso claro. O fato de ela ter pelo menos o dobro da altura de qualquer outra pessoa aqui também pode ter contribuído para sua aura de superioridade real.

Sendo Rainha do Verão, eu meio que esperava uma loira, talvez uma ruiva. Mas o cabelo de Titania era o preto do solo rico, sua pele tão escura quanto uma noite de verão. Ela brilhava como o coração do sol e segurava um cajado de ouro em uma mão, que parecia ter uma estrela viva em sua cabeça de filigrana.

Fomos trazidos à sua frente, eu caminhando entre dois guardas e os outros três jogados sem cerimônia. O homem barbudo se ajoelhou para arrancar a flecha do peito de Gwydion. Assim que saiu, Gwydion acordou, tossindo e engasgando.

Lancei um rápido olhar para os homens de ambos os lados, depois chutei um na virilha e balancei os punhos amarrados para atingir a outra força total no rosto. Enquanto eles estavam cambaleando, corri para Gwydion, convocando um enxame de insetos para manter os guardas afastados enquanto eu o arrastava até nossos companheiros inconscientes.

 

—Teleporte-nos para fora! — Eu disse a Gwydion, tentando freneticamente manter os insetos mortos entre mim e os guardas, que pareciam apenas levemente aborrecidos por eles e não com pressa de me recapturar.

—Não posso. — Disse Gwydion, ainda sibilando.

—O que você quer dizer com não pode?

—Obrigada, Hern. — Titania disse graciosamente para o homem barbudo, ignorando minha tentativa de fuga completamente. —Por favor, remova o charme dos outros dois. Estou muito curiosa em saber o que os trouxe ao nosso reino.

Hern curvou-se profundamente, depois acenou com a mão e Ethan e Cole sentaram-se um momento depois, piscando em confusão.

—É o suficiente. — Disse Titania, e os insetos que eu estava controlando se transformaram em uma chuva de pétalas de flores instantaneamente, sem o menor gesto dela. Eu peguei qualquer outro poder que eu tinha e não encontrei nada. Apenas a paz prolongada do toque do unicórnio me impediu de surtar completamente. Os olhos escuros e brilhantes de Titânia voltaram-se para Gwydion, assim como os do resto da corte, que estavam quase invisíveis entre as flores do jardim, verdes e brilhantes. Pelo canto do olho, eles não pareciam humanos. Vi carapaças cambiantes e asas e olhos iridescentes cintilantes como jóias multifacetadas.

—Gwydion Greenwood. — Ela falou, e sua voz tremeu no ar e fez as flores girarem em sua direção. —Pensei em ver seu irmão ajoelhado diante de mim em uma dessas noites. Mas você não esperava. Você sempre preferiu os reinos mundanos.

Eu não precisava saber muito sobre faes para saber que isso era um insulto.

Gwydion recuperou o fôlego e lutava de joelhos. Ajudei-o tanto quanto me atrevi, com medo de tirar os olhos da rainha. Gwydion, pelo contrário, nem sequer a olhava. Ele manteve a cabeça baixa e a postura baixa.

—E ainda aqui está você. — Titania continuou. —E com um bando de humanos não menos. Que planos fascinantes você deve ter. Por favor, compartilhe-os.

—Nossa chegada aqui não foi intencional, Vossa Majestade. — Disse Gwydion, a cabeça tão baixa que seus cabelos roçaram o mosaico vidrado. —Um ladrão roubou algo meu e fugiu através de um portal. Foi por coincidência que o ladrão escolheu este lugar como destino.

—Nós dois vivemos muito tempo. — Disse Titania casualmente. —Muito tempo para acreditar na coincidência.

—Então claramente o ladrão sabia que me levar até aqui atrairia sua atenção e me impediria de seguir. — Disse Gwydion rapidamente. —Mas você deve saber que eu não voltaria a esse lugar de bom grado.

—E ainda aqui está você. — Disse Titania novamente. —E Hern, o melhor caçador da minha corte, não viu vestígios de sua pedreira. Somente você, perambulando pelo território que lhe era proibido antes do seu exílio.

—Vossa Majestade. — Disse Gwydion, e pude ver suor em sua testa. —Eu nunca tentei interferir nos seus assuntos. Mesmo antes das tolices que levaram à minha... partida. Você sabe que não tenho ambições.

—Você não tinha. — Titania confirmou casualmente. —Mas você passou mil verões entre os humanos, e quem sabe que influências tóxicas suas mentes mesquinhas podem infligir? Talvez você tente recuperar sua posição entre os Invisíveis, ganhando-lhes uma pequena vitória contra nós, nesta nossa época de supremacia?

—Não, Majestade, eu nunca...

—Você roubou o meu reino. — Disse Titania, uma onda de calor saindo do trono, o que me deixou tonta e com sede. —Sem aviso prévio em um jardim onde sua espécie sempre foi proibida, trazendo com você criaturas mortais com magia repugnante para suas almas, e você espera que eu acredite em suas intenções puras? Você me aceita como uma tola, Gwydion Greewood? Sílabas do seu verdadeiro nome - Sol à meia-noite, Espelho de Gelo, Canção de arrepio - eu poderia torcer você em mil formas e plantá-lo como uma das minhas árvores.

Enquanto ela falava, o calor aumentou até que eu mal conseguia respirar, como estar diante de uma fornalha no deserto. Gwydion se enrolou em si mesmo, a pele brilhando com suor, o cabelo mole. Eu podia ver a agonia em seu rosto e meio que esperava que ele evaporasse, um fio de vapor como um floco de neve caindo no fogo. Em vez disso, seus membros torceram e tensionaram, sua pele ficou escura, rachando em casca.

—Meu jardim pode usar uma ou duas sempre-vivas. — Disse Titania com crueldade preguiçosa.

Ethan e Cole estavam sofrendo sob o calor da mesma forma que eu, e os dois ainda estavam se recuperando da confusão do feitiço de dormir de Hern. Eu podia ver Cole se esforçando para encontrar sua mágica e não encontrando nada ao seu alcance. Ethan empurrou o Lobo para a superfície, mas a exaustão pelo calor diminuiu sua força e deixou seus dentes sem brilho e suas garras mal estendidas. Meus braços estavam em volta de Gwydion e, entre meus dedos, brotavam galhos, afiados com agulhas de pinheiro.

—Pare! — Eu exigi, com toda a força que pude reunir, o som ainda fraco dos meus pulmões sem ar. —Não foi culpa dele! Foi Gil-

De repente, o calor desapareceu e a casca desapareceu da pele de Gwydion.

—Então, foi Gilfaethwy quem voltou primeiro. — Disse Titania com um sorriso doce. —Por que você não mencionou que era seu irmão que você estava perseguindo? Eu poderia ter adivinhado. Ele sempre estava roubando seus brinquedos. Foi isso que levou você a essa confusão em primeiro lugar, não foi, querido?

Gwydion não conseguiu falar. Ele estava tremendo muito e mal conseguia se segurar. Lembrei-me com súbito medo como o que Gwydion havia dito que os Unseelie fariam com ele se ele voltasse. A Corte de Verão faria o mesmo e o torturaria para alcançar Gilfaethwy?

Lutei de pé, aproveitando a sensação de paz que o Unicórnio me deixou como se fosse uma piscina parada no meu coração.

—Gwydion não é seu para punir. — Eu disse e ouvi um murmúrio de choque e até risadas correndo pela corte reunida. Eu senti que provavelmente deveria ter me curvado ou adicionado uma 'Sua Majestade' antes de desafiar diretamente seu poder, mas era tarde demais para isso agora. —Ele não pertence ao seu tribunal.

Titania levantou uma sobrancelha escura e sorriu, divertida.

—Vejo você seguir uma nova rainha hoje em dia, Gwydion. — Disse ela, e tentei ignorar o rubor em minhas bochechas com a zombaria em seu tom. —Foi ela quem colocou o cheiro da morte em você?

Gwydion ainda não conseguia controlar as palavras. Ele agarrou o tornozelo das minhas calças com as mãos trêmulas, claramente tentando me fazer calar a boca de qualquer maneira.

—Bem, pequena rainha. — Titania disse com seu sorriso venenoso. —É verdade que não é da minha conta julgar os crimes dos quais ele originalmente fugiu. Mas ele passou por aqui, um Unseelie em Seelie pousa, e por isso tenho todo o direito da lei de exigir sua vida.

—Mas então você perderia Gilfaethwy. — Eu apontei, pensando rapidamente e puxando a primeira razão que eu consegui pensar na minha bunda. —E você nunca teria a chance de puni-lo pelo que ele fez.

Titania considerou isso, uma mão delicada em sua linda bochecha.

—Verdade. — Ela concluiu finalmente. — Mas o que me impede de poupar a morte de Gwydion? Em minha infinita misericórdia, talvez eu lhe conceda sua vida e apenas o castigue, infligindo toda tortura inteligente que minha corte possa conceber até que seu querido irmão se mostre apenas para acabar com a dor?

A mão de Gwydion apertou meu tornozelo, e o medo como água gelada em minhas veias fez o calor terrível da rainha parecer morno.

—Porque não funcionaria. — Eu disse, as palavras parecendo sair dos meus lábios antes de pensar completamente nelas. Procurei alguma justificativa para o que tinha acabado de dizer, ainda me perguntando por que o havia dito. —Ele... Gilfaethwy tem algum novo tipo de magia de proteção nele. É... provavelmente porque o seu caçador não o notou, mesmo que ele estivesse no seu território por mais tempo do que nós. Provavelmente bloqueia a conexão dele com Gwydion. Você poderia torturá-lo para sempre e Gil nunca sentiria nada.

Isso era absolutamente besteira. Eu não sabia disso. Gwydion mencionou de antemão que Gil tinha algum tipo de escudo impedindo Gwydion de usar o Vidro do Artífice nele. Era um alcance e meio afirmar que o impediria de sentir a outra metade de sua alma sendo torturada. Mas eu disse isso com tanta confiança quanto pude, olhando a rainha em seu rosto radiante, embora queimasse como se olhasse diretamente para o sol, e a vi reclinar em seu trono com uma expressão pensativa. Havia queimaduras ardentes nos braços do trono vivo onde suas mãos estiveram.

—Que pequena rainha interessante você encontrou. — Titania disse a Gwydion, que ainda estava ajoelhado aos meus pés, os dedos segurando minhas calças como se estivesse tentando rasgá-las. —Estou intrigada. É tão raro hoje em dia ver algo novo e divertido. Os humanos podem ser terrivelmente cansativos em números, mas sinto falta dos dias em que esses raros mortais excepcionais decidiram fazer algo tolo. Eles são terrivelmente estúpidos e inventivo. As mentes imortais tendem a se apegar à ideia de que já tentaram de tudo e o que não tentaram não vale o esforço. Isso as torna insuportavelmente entediantes.

—Honestamente, eu já vi essa atitude em muitos humanos. — Eu disse, um pouco tonta de estresse.

A rainha riu, um som clamoroso como sinos de metal tocando e tempestades de verão. Isso me abalou tanto que quase caí no chão ao lado de Gwydion.

—Bem, então, pequena rainha. — Disse Titania, cruzando as pernas e arrumando as saias com um segundo par de braços que eu ainda não havia notado. —Por favor, me diga como você resolveria esse problema. Estou muito curiosa para ouvir.

Engoli em seco e olhei para Gwydion, que balançava a cabeça sutilmente. Um olhar para Cole o viu também balançando a cabeça, com muito mais ênfase, e Ethan gesticulando com a mão esticada na garganta, no sinal universal de 'cale a boca antes que você morra'.

Eu decidi ignorá-los.

—Penitência. — Disse à rainha. —O castigo para nós quatro que invadimos deve ser penitência. Nós o pagaremos por nosso crime, trazendo a você alguém culpado de um crime muito maior. Vamos lá, vamos pegar Gilfaethwy e trazê-lo de volta a você para julgamento.

A boca perfeita de Titania se curvou em um sorriso largo e de dentes afiados que me fez lembrar de um gato de Cheshire.

—Que sugestão divertida. — Disse ela. A mão de Gwydion caiu da minha perna e Cole escondeu o rosto nas mãos. —Oh, já faz muito tempo desde que eu tive a chance de brincar com humanos. Outros Fae já conhecem todos os passos. Você nunca pode realmente vencer, ou apenas por centímetros. Que delícia ver alguém tropeçar diretamente em seu próprio sentido, mortes pela primeira vez. Eu nem precisei sugerir nada. Delicioso!

Meu estômago afundou aproximadamente 13 quilômetros na terra.

—Muito bem. — Disse Titania, batendo com o cetro no azulejo, que tocou como sinos. — Aceito. Vou perdoá-los pela invasão e permitir que vocês saiam, com a condição de voltar com o traidor Gilfaethwy e entregá-lo a mim. Como sou generosa, darei uma quinzena para protegê-los. Ao meio-dia daqui a duas semanas, se você não o trouxerem para mim, a penitência falhará e farei o que eu quiser com todos os quatro.

Fomos sumariamente expulsos do palácio. Sentamos na terra além de seus portões, recuperando o fôlego.

—Sua idiota. — Cole gemeu, com o rosto ainda nas mãos. —Você completa... Deus! Você nunca leu um conto de faes em sua vida?

—Eu não tive escolha! — Eu disse defensivamente. —Ela teria matado a todos nós! Pelo menos eu ganhei algum tempo.

—Ela não teria matado nenhum de nós! — Cole estalou. —Ela teria torturado Gwydion, talvez o trocado pelos Unseelie. Mas somos humanos enganados aqui por um Fae exilado que não é da sua corte. Ela não tinha poder sobre nós. Ela poderia ter tentado nos enganar para ficar ou fazer coisas de outra maneira. - difícil para nós, mas ela não poderia nos matar. Pelo menos até que você prometeu todas as nossas vidas a ela em troca de Gil!

Eu fiquei vermelha, envergonhada.

—Eu não sabia disso. — Eu disse, me sentindo uma idiota. —Fiz o melhor que pude!

—Além disso, devo lembrá-la. — Disse Gwydion em voz baixa, ainda sentado com a cabeça entre os joelhos. —Que se conseguirmos e levarmos Gilfaethwy até ela, a morte dele será minha também?

Engoli em seco.

—Ela querer Gilfaethwy mais do que você era a única alavanca que tínhamos. — Eu disse. —Nós vamos descobrir alguma coisa. Pelo menos agora temos algum tempo.

Gwydion respirou fundo, depois se levantou lentamente, oferecendo-me uma mão para meus pés também.

—Você está certa. — Disse ele, mantendo a voz muito calma, embora ele não olhasse para mim. —Não houve melhor curso de ação. Você preservou todas as nossas vidas, mesmo que por enquanto. Agora, precisamos ir e encontrar meu irmão; nesse momento, pretendo dividi-lo em dois, jogar metade no colo da rainha e levar a outra casa para viver o resto de sua vida miserável na menor e mais desconfortável gaiola que eu puder encontrar.

—É um plano. — Eu disse com um encolher de ombros. —Eu vou levar.

—Pergunta. — Ethan interrompeu. —Uh, então, primeiro de tudo... Essa era a rainha dos fae?

—Um deles, sim. — Respondeu Gwydion, relutante.

—Este lugar é de onde os fae vêm? — Ethan assumiu, gesticulando amplamente para Tir Na Nog.

—Não. — Disse Gwydion com um suspiro. —Esta é apenas a sede da Corte Seelie. Francamente, não se sabe de qual das Outras Terras os Fae emergiram, e supõe-se que o acesso a esse lugar tenha sido perdido.

—Como chegamos lá? — Ethan perguntou, ignorando as questões maiores que a declaração levantou. Repeti brevemente tudo o que havia acontecido entre Gwydion sendo alvejado e eles acordando em frente à rainha. Gwydion esfregou a flecha no ombro com uma careta como eu mencionei.

—Tudo bem. — Ele disse, balançando a cabeça. —Acho que já entendi. Mais uma pergunta. Como vamos encontrar Gil?

—Eu posso ser capaz de ajudá-los com isso.

Erguemos os olhos quando o homem de barba e a coroa de ouro, Hern, saiu dos portões do palácio ao nosso lado.

—Sua Alteza. Por que você nos ajudaria? — Gwydion perguntou sem rodeios.

—Sou o melhor caçador da Corte de Verão. — Respondeu Hern, igualmente direto. — Minha sombra na corte de inverno tem uma posição semelhante. Nenhum de nós jamais deixou escapar uma coisa que declaramos presa. Para que seu irmão tenha passado por meu território despercebido, e eu passo por sua trilha e não a sinta, é um insulto indescritível. Se minha sombra soubesse disso, a vergonha acabaria com nós dois. Devo segui-lo, pelo menos até onde ele foi em Tir Na Nog, por minha própria honra.

—Então você terá sua honra e nossa gratidão, rei Hern. — Gwydion confirmou.

—Eu também vou ter isso. — Disse Hern, apontando para mim. Meus olhos se arregalaram por um momento, antes que ele esclarecesse. —Ali, no seu casaco. No bolso. A chave que abre as portas entre os mundos.

Enfiei a mão no bolso do casaco de Gwydion e minha mão se fechou em torno de algo de madeira. Quando o tirei, ele se transformou em Cajado de Abeona. Gwydion empalideceu.

—Você não retribuirá meus esforços em seu nome com mera gratidão vazia. — Disse Hern. —Você vai me dar isso, e eu expandirei minhas áreas de caça para todos os mundos.

—Tenho outras bugigangas. — Afirmou Gwydion. —Coisas de muito mais utilidade para você do que para o pessoal. O Chifre de Caça que sua sombra perdeu na última vez que a Caçada Selvagem atravessou o reino mortal. Um sapato lançado do casco de Sleipner, que dará a qualquer montaria que a use a velocidade do rei dos cavalos.

—É esse cajado que eu quero. — Declarou Hern. —E eu terei isso ou nada.

—Então nada. — Disse Gwydion entre dentes. —E vamos encontrar Gilfaethwy por conta própria.

—Você confundiu minha oferta de caridade. — Disse Hern, frio e alto, a luz brilhando em sua coroa. —Caçarei Gilfaethwy com ou sem você. E se você me recusar, certamente o encontrarei diante de você e o devolverei à minha rainha pelos dentes dos meus cães. Aceite minha ajuda, me dê o cajado e eu lhe darei um avanço.

Até eu poderia dizer que estávamos sem opções.

—Precisamos pegá-lo. — Eu disse, interrompendo a despeito do quão ruim meu acordo foi na última vez. —Podemos dar a você depois que ele for entregue à rainha?

Hern considerou por um momento.

—Eu exigiria um vínculo. — Disse ele. —Garantia para garantir o pagamento. Um dos humanos faria.

—Não. — Eu disse imediatamente.

—Eles não seriam prejudicados. — Insistiu Hern. —E seria devolvido imediatamente após a entrega da equipe.

—Algo mais. — Eu insisti. —Nenhum humano.

—Aqui. — Gwydion enfiou a mão no casaco que eu ainda estava vestindo e tirou outra coisa, que reconheci após um breve vislumbre como o Espelho Branco e rapidamente desviou os olhos. —Isso. Você estava lá na noite do erro de Gilfaethwy. Você sabe o quanto eu o valorizo e o que significaria se fosse perdido para mim. É um seguro muito maior do que a vida de algumas espécies de pássaros como esses.

Hern pensou por um momento e depois balançou a cabeça.

—Essa coisa ofende os olhos da minha rainha. Eu não aceitaria isso por nenhum preço. É o cajado, ou nada.

Troquei um olhar com Gwydion, que rangeu os dentes e finalmente tirou o bastão de mim, entregando-o a Hern.

—O acordo está fechado. — Disse Hern, encolhendo o cajado e enfiando-o em seu gibão de ouro. — Encontrarei por qual porta Gilfaethwy saiu de Tir Na Nog e deixarei vocês para segui-lo por três noites. Quando a lua surgir na quarta noite, irei atrás dele eu mesmo. Se vocês não devolverem o traidor à rainha, então eu irei, e vocês se renderão à misericórdia da rainha como fracassos. Corram e eu os caçarei até o fim de todos os mundos.

 


Capitulo Doze


Nosso prazo foi reduzido de quinze dias para três dias e seguimos Hern, o Caçador, de volta às florestas de Tir Na Nog. Nós três já estávamos completamente sóbrios, a maravilha infantil da intoxicação mágica, fadada a uma desconfiança ansiosa de tudo o que viamos.

Hern nos emprestou cavalos para cavalgar ao lado de sua equipe de caça, em troca de três sílabas com o nome verdadeiro de um cavaleiro Unseelie que era o rival de alguém que ele gostava. Eu estava começando a aprender que segredos e favores eram a moeda corrente aqui, e absolutamente nada era dado livremente.

—O conceito de dívida é abominável para os Fae. — Explicou Cole quando mencionei isso. —Deixar uma dívida não paga é deixar outra pessoa com poder sobre você, em um sentido muito literal. Se Hern tivesse nos dado os cavalos e Gwydion não tivesse insistido em discutir como estava pagando por eles antes de aceitar, ele o faria. Deu a Hern um cheque em branco para nos deter mais tarde. Ele poderia ter exigido qualquer coisa, e Gwydion teria sido obrigado pela lei a entregá-lo. É por isso que alguns Fae ficam tão irritados se você tentar agradecê-los ou pagá-los.

—Então, o que Gwydion estava dizendo que Hern teria nossa gratidão mais cedo? — Eu perguntei.

—Foi um truque. — Disse Cole com um encolher de ombros. —Hern fez uma oferta padrão de um favor, que apenas um idiota aceitaria, mas é a abertura tradicional. Gwydion tentou interpretar a oferta de Hern como algo que Hern estava fazendo por si mesmo, não um favor que incorreria em dívida aberta ou um serviço que seria exigir pagamento, já que coincidentemente estaríamos nos beneficiando de seus esforços. Ele provavelmente passou muito tempo com seres humanos. Se Hern fosse estúpido, ele poderia ter entendido isso como um cheque em branco e aceito. Mas considerando que parece que Hern é o favorito da rainha no momento, ele provavelmente não é burro, e a implicação o insultou. Hern imediatamente esclareceu que estava oferecendo um serviço, exigiu um preço que sabia que Gwydion não gostaria de pagar e acrescentou uma ameaça em boa medida, como ele estava considerando, Hern teria tido motivos para atacá-lo pelo insulto.

—Deus, faes são uma merda. — Eu disse, esfregando a mão no rosto.

—Amém. — Ethan entrou na conversa.

As montarias de faes, pelo menos, eram extremamente bem comportadas. Eles eram um passeio mais suave do que a maioria dos carros em que eu tinha estado e não exigiam nenhuma direção de nós, o que era bom, já que apenas Ethan realmente sabia andar. Cole nunca tinha visto um cavalo de perto e ficou um pouco intimidado por toda a situação.

Passamos novamente pelo prado das flores de sino, e os cavaleiros de Hern tocaram uma música de marcha, um grande coro de vozes masculinas tão poderosas e unificadas que sacudiram as árvores e abafaram completamente o toque dos sinos. Eu não sabia dizer o que eles cantavam, as palavras derretiam no cérebro como manteiga na boca. Mas eu sabia que isso fazia meu sangue pulsar e meu coração disparar de emoção, ansioso para correr, perseguir e ser perseguida. Caçar e ser caçada. Não era a compulsão emocionante de muitas das outras influências que eu ouvi desde que estive aqui. Teria sido fácil confundir o desejo com o meu. O que, penso, só o tornou mais perigoso.

Passamos pela clareira onde vimos o Unicórnio, e vi Gwydion convocando a tela cheia de texto mágico novamente, procurando sinais de Gilfaethwy e ficando cada vez mais frustrado com o passar do tempo. Mas Hern avançou com total confiança e sem hesitação, parando apenas raramente para consultar o bando de cães excitáveis que vagavam em torno dos cascos de seu cavalo, que decolariam em uma cavalgada multicolorida de latidos animados em uma direção ou outra, e Hern faria orientar a equipe de caça para segui-los.

Finalmente, no que parecia um prado arbitrário entre as árvores, os cães começaram a latir e uivar, correndo em torno de um ponto no centro do prado.

Hern desceu do cavalo e se inclinou para tocar a grama, pensativo. Gwydion examinou sua tela mágica, os olhos disparando freneticamente, mas eu pude ver que ele não viu nada.

—Encontrei a pedreira. — Hern anunciou, endireitando-se.

—Como?— Gwydion exigiu. —Não há vestígios mágicos de Gilfaethwy em lugar algum!

—Claro que não. — Respondeu Hern. —Não acompanho a trilha dele há algum tempo.

Gwydion cuspiu em indignação.

—Sua sombra é inteligente. — Continuou Hern. —Ele colocou um pouco de sua vontade em uma corça comum. Ele vagou pelos seus negócios, criando uma pista falsa óbvia, enquanto a sua melhor e mais escondida seguiu um caminho mais direto. Vestindo a forma da mesma corça, ele foi aos gnomos e os faes de barro. Assim que soube que ele seguira naquela direção, soube o que ele planejava e nos trouxe aqui.

—Onde é aqui? — Eu perguntei, olhando em volta para a clareira normal.

—Ele não tinha ajudantes. — Reuniu Gwydion. —E ele não pôde ficar aqui por tempo suficiente para recuperar o poder de se teletransportar novamente. Ele negociou com os gnomos para lhe abrir uma porta para os Campos Escuros.

—Só assim — Hern concordou. —E provavelmente pagou um preço caro por isso. Felizmente, eu conhecia esse lugar e, portanto, não temos motivos para negociar com o povo da terra a passagem para o seu lugar ancestral.

Ele assobiou e seus cães começaram a circular novamente no centro do prado, correndo cada vez mais rápido, até que eram apenas um borrão manchado e um uivo alto e estridente.

Quando não puderam ir mais rápido, dispersaram-se de uma só vez, cada cão correndo em outra direção para queimar o momento antes de retornar a Hern, que os cumprimentou com tapinhas e guloseimas em seu alforje.

Onde eles estavam correndo, um buraco se abriu na terra.

Era o buraco mais escuro que eu já tinha visto, com as mesmas qualidades vazias sem fundo que o vazio atrás das portas no julgamento da porta demoníaca azul.

—O caminho está aberto para vocês. — Declarou Hern. —Vão em frente, e boa caça. Estarei atrás de vocês daqui a três dias, e se a presa tola permanecer nos reinos mágicos, duvido que demore mais de um dia para capturá-lo. Se ele for para na Terra, pode me levar três. Então, eu sugiro que você se apressem.

—Sua ajuda é apreciada. — Disse Gwydion, tenso. —E devidamente paga.

Hern assentiu. —Não há dívida. No entanto...

Gwydion deu um passo em direção ao buraco e parou enquanto Hern falava. Hern avançou com um belo cão de visão prateado, elegante e comprido, com finos olhos escuros.

—Eu estaria disposto a lhe emprestar um dos meus cães. — Disse ele. —Ela é mais esperta do que a maioria dos fae, mais veloz que a luz e totalmente implacável. Ela teria sua sombra em suas mandíbulas ao amanhecer. Tudo o que eu pediria em troca é um dos seus humanos. O espinhoso de cabelos escuros, talvez. Ele faria um excelente terrier.

—Não, obrigada. — Eu disse antes que Gwydion pudesse responder, não querendo arriscar. —Nós temos nosso próprio cão.

Eu dei um tapinha em Ethan com um sorriso brincalhão.

—Isso não é um cão de caça. — Respondeu Hern, sem deixar vestígios de sorriso no rosto. —Isso é um lobo. Ele não tem mestre, e qualquer homem tolo o suficiente para tentar treiná-lo logo encontraria sua garganta nos dentes. Se você perguntar a minha sabedoria, é melhor deixar um animal como esse ser deixado na natureza ou abatido.

—Sinto muito. — Eu disse alto, pegando a mão de Ethan e puxando-o em direção ao buraco. —Eu não pude ouvir seu conselho não solicitado sobre o quanto eu amo meu namorado! Tchau!

Gwydion balançou a cabeça, mas a julgar pelo fato de o mundo não ter caído ao redor dos meus ouvidos, recusar-se a reconhecer seu conselho ‘dado livremente’ provavelmente era uma boa ideia. Ele me apontou para o buraco e, vendo que não havia escada ou degraus, dei de ombros e pulei.

A escuridão passou correndo por mim, uivando em meus ouvidos. Terra fria roçou meus ombros quando eu me afastei muito de cada lado. Depois que eu cai pelo que pareceu uma eternidade (e comecei a me preocupar com a bagunça), houve um estranho movimento indutor de náusea no meu estômago e, de repente, eu estava caindo na outra direção, de cabeça primeiro.

Eu me esforcei para me endireitar, perdendo completamente a noção de cima e para baixo, preocupada de cair do mesmo buraco no colo de Hern.

Em vez disso, caí de pé em terra dura e negra.

Ethan pousou ao meu lado, tendo caído do nada e parecendo muito confuso. Cole o seguiu e, um segundo depois, Gwydion pousou também.

Enquanto isso, eu estava olhando em choque para o terreno ao nosso redor.

Dizer que era montanhoso era fazer um desserviço às montanhas. Havia picos irregulares, mas eles tinham pouco em comum com as montanhas da Terra, que eram majestosas erupções de pedra envoltas em vegetação e neve. Esses... tumultos de solo negro pareciam ter mais em comum com a sujeira agitada após uma extensa construção. E não havia nada verde. Nenhuma árvore morta ou erva murcha até onde os olhos podiam ver. A terra parecia explodida, queimada e atropelada por um trator. O céu era de um laranja sombrio desbotando para um vermelho feio da cor da pele rasgada. Não consegui encontrar o sol.

—Os Campos Escuros. — Gwydion nos apresentou antes que pudéssemos começar a fazer perguntas. —Lar dos anões. Muitos dos Fae que vivem no solo ou sob o solo consideram que este foi seu lar ancestral até que, de acordo com a tradição oral e precisamente nenhum registro em primeira mão ou evidência física, a indústria furiosa dos anões que habitam profundezas queimaram a superfície da vida e afastaram todas elas, o que provavelmente é uma invenção destinada a distingui-las do resto da corte que, como eu disse antes, perdeu toda a memória de nosso reino nativo há tanto tempo que nem as rainhas se lembram disso.

—Isso aconteceu antes de serem coroados? — Eu perguntei.

—Possivelmente.

—Então, a rainha não governa para sempre?

Gwydion me deu um olhar estranho antes de responder.

—Em teoria. Todos os Fae são imortais, mas nós não somos Verdadeiros Imortais. Os Verdadeiros Imortais não podem realmente ser mortos de nenhuma maneira. Os Imortais regulares simplesmente requerem circunstâncias específicas e, muitas vezes, encontram o caminho de volta à vida, independentemente através das fileiras da corte, o número de vulnerabilidades que temos se torna cada vez menor. A realeza logo abaixo dos monarcas reinantes é invulnerável a quase tudo, exceto profecias, heróis e uns aos outros. As rainhas reinantes e seus reis caídos estavam acima mesmo assim, voltando mesmo depois de serem mortos por Heróis, ou um pelo outro. Mas o problema com Oberon e Morozko deixou alguns se perguntando se talvez as circunstâncias para matar um monarca fossem simplesmente mais específicas do que pensávamos. Se os monarcas não são eternos, como é feito um monarca? Nunca houve outras rainhas além de Mab e Titânia. Nenhum rei além de Morozko e Oberon. Não na memória viva. Histórias antigas que mencionam coroações e casamentos reais. Até crianças. O que implica que as coisas nem sempre foram como são. E com a perda dos reis, elas podem mudar novamente.

Eu não esperava uma resposta tão extensa e não tinha certeza do que fazer com ela, além de aceitar que Gwydion realmente gostava do som de sua própria voz.

—Então, por que Gil veio aqui? — Cole perguntou, chutando uma pedra, que derrapou na encosta em que estávamos em uma pequena cascata de cinzas e sujeira enegrecida.

—Considerando que ele parece ter vindo aqui deliberadamente, não apenas em uma tentativa contínua de nos jogar fora — Disse Gwydion, caminhando ao longo da encosta, — Presumo que ele esteja aqui para ver os anões. O que colocou uma idéia muito desagradável na minha cabeça.

—O que é? — Eu perguntei enquanto o seguíamos.

—O vidro do meu artífice é feito pelos anões. — Disse Gwydion, sombrio.

Isso não me explicou nada, mas por mais que Gwydion gostasse de se ouvir falar, ele gostava mais de drama. Ele não deu mais detalhes enquanto caminhávamos pela terra queimada.

—Deveria haver uma porta aqui perto. — Disse ele, olhando as encostas ásperas à frente.

—Por que o túnel nos deixou aqui? — Eu perguntei. —Estou assumindo que os anões estão todos no subsolo, certo?

—Correto. — Confirmou Gwydion. —Mas nenhuma mágica, exceto a mágica dos anões, funciona abaixo do solo aqui. Há mágica no ar. Você pode lançar tudo o que gosta acima do solo. Mas sob a terra, ela é apagada como uma vela. Os anões aprenderam a bombear a magia da superfície, batendo-a em uma forma sólida e criando magníficas ferramentas e encantamentos. Dizem que eles inventaram todo o conceito de encantamento. Mas nenhuma mágica ou magia natural funcionará em seus corredores.

—Isso é preocupante. — Murmurei. Curiosamente, procurei qualquer coisa morta que pudesse usar, mas não havia nada dentro do alcance. Tudo o que havia morrido aqui havia morrido há tanto tempo que não havia mais vestígios, nem mesmo ossos. O próprio planeta era uma grande coisa morta, e eu tinha certeza que nem Aethon tinha poder suficiente para aumentar.

Mas logo chegamos a uma porta de pedra indefinida, situada em uma colina em ruínas e coberta de cinzas. Gwydion bateu com força e sentou-se na terra.

—Sente-se. — Ele aconselhou. —Vai demorar um pouco. Eles precisam subir. Essas portas não são usadas com frequência.

—Você tem certeza que eles ouviram? — Eu perguntei, sentando-me.

—Oh, certamente. — Confirmou Gwydion, recostando-se na colina e fechando os olhos. —Estamos pisando no telhado. Eles sabem que estamos aqui. O importante é nos anunciar como convidados, em vez de intrusos. A lei dos anões não é como a lei dos Fae, mas eu tenho um pouco de compreensão disso.

Então nós esperamos. Depois de toda pressa e estresse, parecia estranho estar esperando. Isso me deixou inquieta e com coceira. Cole e Ethan pareciam ansiosos também.

Eu assisti o céu, supondo que fosse pôr do sol e seria noite em breve. Mas as cores não mudaram e a luz não desapareceu, o que me deixou desconfortável.

—Podemos dar ao luxo de esperar assim? — Eu perguntei. —Temos apenas três dias.

—Menos que isso. — Respondeu Gwydion. —O tempo se move de maneira diferente aqui em Tir Na Nog. Os anões minaram o sol, você vê. Então, tudo fica parado. Enquanto isso, o tempo relativo dos outros reinos corre sem ele. Provavelmente já perdemos meio dia, A oferta de Hern de três dias foi uma piada cruel. Estou apenas esperando que os anões nos deixem entrar antes que ele chegue. Hern tentará atacar com todos os seus cães, e os anões o matarão ou o jogarão no mínimo e possivelmente nos comprar algum tempo.

Eu olhei para Gwydion quando o horror tomou conta de mim. Ethan e Cole estavam prestando atenção agora também.

—Por que você não disse algo sobre o tempo antes? — Eu disse, lutando contra o desejo de sacudi-lo. —Não podemos ficar sentados aqui! Precisamos fazer alguma coisa!

Eu pulei de pé, tentando encontrar uma maneira de abrir a porta. Ethan apenas apoiou a cabeça nos joelhos. Cole levantou-se para me ajudar com a porta, embora ele se movesse mais devagar.

Em sua defesa, Gwydion pelo menos pareceu um pouco surpreso com a minha angústia.

—Eu pensei que já tinha explicado que conceitos como tempo não funcionam da mesma forma nas Outras Terras. — Disse ele com uma careta. —Você não entendeu?

—Claramente, não o entendemos. — Respondeu Cole por mim. —Ficamos com a impressão aparentemente equivocada de que realmente tivemos uma chance.

Gwydion suspirou e se levantou, me puxando gentilmente para longe da porta. Eu considerei fortemente dar um soco nele, mas algo em sua expressão me fez hesitar.

—Ainda temos uma chance. — Disse ele, me olhando nos olhos. Eu não tinha percebido o quão raramente ele fazia isso antes agora. —É menos tempo do que pensávamos, mas não é uma sentença de morte. E agora, nossa melhor opção é apenas ser paciente. Não há mais nada que possamos fazer.

Sentei-me de novo, passando as mãos pelos cabelos enquanto minha cabeça latejava com uma dor de cabeça tensa que se formava desde antes de aterrissarmos em Tir Na Nog.

—Isso é culpa minha. — Eu gemi. —Eu nunca deveria ter tentado falar com a rainha. Eu não deveria ter parado para acariciar o unicórnio. Eu não deveria ter te distraído para que Gil pudesse escapar em primeiro lugar. Eu nunca deveria ter tocado aquela vela estúpida...

—Isso é bastante presunçoso da sua parte. — Zombou Gwydion, o que não era a reação que eu esperava. Ele se sentou ao meu lado enquanto eu esperava que ele elaborasse. —Com o que eu quero dizer, acredito que você está inflando bastante sua própria importância nessas coisas. Tenho quase certeza de que tudo teria acontecido mais ou menos da mesma maneira. Estou certo de que nossa posição seria realmente pior se você tivesse não divertisse a rainha. Eu certamente não estava em posição de barganhar, e você nos comprou tempo, o que não é pouca coisa e muitas vezes tudo o que realmente pode ser feito. Hern ainda nos pegaria, mesmo que não parássemos para o unicórnio, e acredito que sem a influência dele, você não seria capaz de enfrentar a rainha. Quanto a Gil e a vela, bem, essas duas coisas foram totalmente minha culpa.

—Eu me perder em sua casa e tropeçar em um de seus artefatos não foi sua culpa. — Protestei.

—Eu discordo. — Disse Gwydion calmamente. —Eu poderia ter avisado você sobre os perigos em minha casa. Eu poderia ter levado você a um lugar confortável para esperar e lhe dito para não vagar. Eu poderia ter te libertado da porta e depois retornado às minhas responsabilidades. Mas, como em expondo você à vela, optei por não, porque queria ver o que aconteceria. O que, embora seja uma razão compreensível para a maioria das fae, é uma desculpa ruim para os humanos.

—Gil disse a mesma coisa sobre a maldição de Ethan. — Lembrei. —Ele tinha que ver o que aconteceria.

—É uma compulsão dos fae. — Disse Gwydion com um encolher de ombros. —Mas não inegável. Eu poderia ter resistido ao desejo. Que eu não fiz isso não é culpa de ninguém, mas é minha.

—Eu também poderia ter resistido. — Apontei. —Eu não tinha que pegar a vela. Eu não tinha que vagar em sua casa estúpida. Eu não tinha que aceitar sua... oferta, no jantar.

—Então, qualquer culpa que você carregue é diminuída pelo fato de você não ter ideia do que estava fazendo, e eu fiz.

Eu bufei de frustração.

—Eu definitivamente sabia o que estava fazendo no jantar. — Eu disse. —Eu sabia que ninguém estava de olho em Gil.

—Você supôs que eu não o teria deixado se não tivesse certeza de que ele estava seguro. — Disse Gwydion com um encolher de ombros. —E nós dois estávamos um pouco frustrados e distraídos, se bem me lembro. Se você era um pouco ingênua em acreditar que eu poderia confiar, isso dificilmente é um crime.

—Por que você não deixa isso ser minha culpa? — Eu perguntei, agitação crescente. Gwydion me encarou com um olhar curioso.

—Por que você quer que seja sua culpa?

Recostei-me, mal percebendo que estava de pé novamente.

—Eu não sei. — Eu disse, passando a mão pelo meu cabelo novamente. Eu o endireitei na manhã em que saímos da casa da minha tia, há quanto tempo isso era agora, mas entre o mergulho em Costa Distante e toda a volta, estava ficando completamente encaracolado novamente e rígido com água salgada. —Problemas de controle, provavelmente.

—Você parece ter aqueles em espadas.

—Sim, estou começando a descobrir isso.

Ele colocou a mão no meu ombro, o gesto um pouco rígido, mas eu poderia dizer que ele estava tentando me confortar.

—Por que você está sendo legal comigo? — Eu perguntei. Pensando bem, durante todo o caminho em Tir Na Nog, ele tinha sido extraordinariamente atencioso. Para ele de qualquer maneira.

—Você salvou minha vida. — Ressaltou. —De uma maneira bastante fantástica.

—Você realmente teria morrido? — Eu apontei. Ele encolheu os ombros.

—Quem pode dizer? Afogar-me não é tipicamente uma das maneiras pelas quais eu posso morrer. Mas a Costa Distante é um lugar estranho. A morte se aproxima da superfície. A imortalidade é um pouco mais porosa do que o habitual. E eu estava com pouca mágica. Pode ter certeza de que eu ficaria inconsciente por muito mais tempo do que você precisaria morrer de fome ou sede ou ficar desesperada o suficiente para tentar usar o bastão, destruindo assim as moléculas. Eu teria acabado sozinho, à deriva em coma, e adivinhar o que poderia acontecer então, em um lugar como Costa Distante, só pode ser especulação infundada.

—Então, você me deve? — Eu perguntei, franzindo a testa. —Cole mencionou que vocês odeiam isso.

Gwydion desviou o olhar, os olhos examinando a paisagem árida e torturada.

—Não é tão simples. — Disse ele por fim, quieto como este planeta silencioso. —Existe uma dívida. Mas eu não me ressinto. Existem alguns grilhões que até usamos de bom grado.

Percebendo que havia algo que ele não estava me dizendo, fiquei quieta e esperei que ele gostasse de se ouvir falar para tirá-lo melhor. Mas ele não disse mais nada. Abri minha boca para induzi-lo, apenas para ser interrompida pelo raspar de pedra quando a porta na cidade de Dwarven se abriu.

 

 

 

 

 

 

 

 


Capitulo Treze


O anão não se parecia com o que eu esperava.

Eu havia antecipado algo parecido com o que as pessoas com nanismo eram na Terra. Curto e atarracado, provavelmente com barbas. Que fantasia havia me dito que os anões se pareciam a vida toda.

O anão na minha frente, no entanto, parecia algo entre um texugo e uma toupeira de nariz estrelado.

Era curto, mais ou menos um metro e oitenta, e coberto por um denso pelo cinza. Seu pelo afinava até um subpelo mais elegante, perto do delicado órgão sensorial rosa no centro de seu rosto pontudo e sem olhos, e nas costas de suas patas dianteiras, equipadas com garras longas e perversamente curvas. Seu 'nariz' se contorcia de forma independente, de uma maneira fascinante e também um pouco nauseante de assistir. Usava um avental de couro e nada mais. Andava um pouco inclinado para a frente, como se preferisse andar de quatro.

—Você tem sorte de eu ainda estar tão perto da superfície. — Disse o anão com uma voz surpreendentemente genial enquanto nos conduzia para os túneis de terra apagados. —O forte da Primeira Vigia fica a uma curta caminhada de distância desta porta normalmente. Mas eu tive que deixar algum outro idiota dominado pelo sol entrar em menos de meio turno atrás.

Gwydion tirou um pequeno acessório encantado de seu casaco, que parecia o tipo de bolas de cristal que eu imaginava antes. Ele sussurrou uma palavra e brilhou o suficiente para iluminar vagamente o nosso caminho. Pela fraca luz empoeirada da mariposa, trocamos um olhar significativo.

—Onde ele foi? — Eu perguntei. —O idiota do sol, quero dizer.

—Não perguntei. — Disse o anão com um encolher de ombros. —Ele já alcançou a Primeira Vigilância a essa altura e eles o enviarão para onde ele pretender ir.

—Você não estava curioso? — Eu perguntei. —Quero dizer, pessoas de outros mundos vêm aqui com tanta frequência?

—Eu imagino que ele ficou agradecido por sair do sol! — O anão riu. Seu focinho comprido estava cheio de dentes afiados e finos, e ele não se virou nem olhou para nós quando falou. Provavelmente devido à falta de olhos. —Eu não consigo entender por que vocês correm por mundos que ainda os possuem. Mineramos o nosso e a luz ainda é insuportável.

Pensei em perguntar como ele poderia dizer, considerando que ele não tinha olhos, mas decidi que poderia ser rude.

—Acho que é exatamente com o que estamos acostumados. — Disse diplomaticamente. —Nascer lá em cima e tudo.

—Bem, está tudo bem. — Disse o anão com um tom distinto de pena. —As portas da Cidade Baixa estão abertas a todas as pobres massas queimadas pelo sol. Temos espaço suficiente para todos, e sempre há trabalho a ser feito. Eu imagino que vocês todos acabarão aqui eventualmente, uma vez que se espalhe a notícia de que há uma alternativa para viver na superfície. Em que trabalho você espera ser colocado?

—Uh, nós não somos-

—Você nunca conseguirá um emprego em engenharia, então não se preocupe. Nenhum anão que valha a bigode confiaria em um túnel construído por um da superfície. Você simplesmente não tem o menor sentido, sem ofensa. Ouço que algumas da superfícies fazem encantadores decentes, mas não há mobilidade para isso, mas posso dizer bem ao capataz da mina Fernfossil, se quiser, encontrar um bom trabalho sólido no transporte de solo e valorizados. Limpe o solo por apenas algumas décadas e você pode abrir sua própria empresa.

—Na verdade, não estamos procurando trabalho. — Eu disse rapidamente antes que o anão pudesse continuar falando. —Estamos apenas tentando encontrar o homem que veio aqui mais cedo. Então vamos embora.

Isso realmente fez o anão parar.

—Por que diabos você quer fazer isso? — Ele perguntou. —Agora que você sabe como é adorável, fresco e escuro aqui em baixo? — Comecei a explicar, mas ele me dispensou com um aceno de suas longas garras. —Você mudará sua música quando vir a cidade. Melhor construção em todos os mundos.

O anão parecia um pouco ofendido e não falou muito mais enquanto continuávamos descendo o túnel.

Um turno, ao que parece, durou cerca de quatro horas, e a Primeira Vigilância estava a um turno da porta. Enquanto caminhávamos, o túnel mudou lentamente de terra nua para terra empacotada com pedra, pedra esculpida e tijolo fino. Havia uma ênfase definida na função sobre a forma, pelo menos pelo que podíamos ver pela luz fraca de Gwydion, mas ao mesmo tempo, os corredores eram amplos, confortáveis e bem conservados. Não estávamos tropeçando em tijolos soltos, e o ar estava relativamente fresco. O único problema era a falta de fontes de luz.

Ainda assim, já estávamos há um tempo antes de chegarmos aqui. Ethan e Cole haviam conseguido algumas horas de descanso na casa de Gwydion (e eu tinha comida possivelmente encantada e sexo possivelmente mágico), mas isso não compensava as horas que passávamos por reinos mágicos sem nem mesmo uma pausa para o almoço. Estávamos todos começando a parecer bastante irregulares.

Os confortáveis túneis anões apresentavam bancos e fontes regulares de pedra esculpida, trazendo água fria da nascente mais para baixo, mas nosso guia parou para usá-los menos da metade com a frequência que gostaríamos que ele usasse e, em geral, não parecia se cansar. Ele andava devagar, falando apenas ocasionalmente para comentar sobre o tipo ou a qualidade da pedra que estávamos passando.

—Há muita diversidade nesses túneis! — Ele alegou. —É mais eficiente usar pedra local sempre que possível, em vez de transportar tijolos de mais fundo. Então, você ver todos os tipos de técnicas inteligentes usadas para tirar proveito da pedra menos do que a ideal, mantendo tudo dentro dos altos padrões da Código do engenheiro. Pegue este gesso, por exemplo...

Ele continuou assim por um tempo. Aprendi depois de uma ou duas dessas palestras que ele só se ofendia se eu tentasse contribuir com a conversa. Então, todos ouvimos em silêncio, aprendendo mais sobre geologia do que qualquer um de nós jamais se interessou em saber.

Finalmente, a Primeira Vigilância apareceu. Com o que quero dizer, o túnel terminava em um par de portas pesadas, que os Anões introduziram como forte, com grande orgulho. Depois das portas, era um pouco mais impressionante. As portas se abriram para uma ampla calçada, que serpenteava para baixo e para longe de nós, ao redor dos lados de um grande caldeirão. Era iluminado pela primeira vez por uma enorme esfera presa em anéis de latão pendurados no teto, que brilhavam com o que parecia ser a luz do sol.

—Uhg. — O anão fez uma careta. —Sinto muito por isso. Desvantagem de morar em qualquer um dos Fortes. O superintendente do Anel insiste em manter os turnos claros onde essas malditas lanternas estão acesas. Muitos da superfícies vivem nos fortes. Aparentemente, isso ajuda a se adaptar.

As paredes da cratera afundada estavam abarrotadas de prédios esculpidos, seu tamanho e estilo eram extremamente regulares e eficientes, sem perda de espaço. Olhando para baixo, o Forte parecia uma cidade pequena, cheia de vida, nem toda idêntica ao Anão ao nosso lado. Quando ele nos levou para o Forte, um carrinho passou por duas criaturas humanóides do tamanho de anões, que pareciam ser feitas de pedra bruta. Eles eram tão sem olhos quanto os anões e nos ignoraram completamente. Ethan, distraído olhando de soslaio para a lanterna, esbarrou em um deles. Ele se desculpou profusamente, mas não notaram ou reconheceram a colisão ou o pedido de desculpas, apenas se endireitaram e continuaran.

—Não se preocupe. — Disse o anão. —Os Construtos não estão vivos. Eles são apenas material de sucata encantado que usamos para tarefas domésticas ou trabalhos muito perigosos para arriscar os Anões.

—Oh. — Ethan disse, cuidando do carrinho em retirada com uma expressão preocupada. —Eles não podem... sentir as coisas, podem?

—Claro que não. — Zombou o anão. —Eles são feitos de pedra. Sem terminações nervosas, sem cérebros para pensamentos complexos. Se não lhes disserem para sair durante um desmoronamento, eles simplesmente ficarão lá e se deixarão enterrados. Os roteiristas precisam escrever tudo. Seus comportamentos no papel e assados quando são feitos, e eles não podem fazer nada que não esteja nesse papel, a menos que você os abra e adicione novos comportamentos. Eles estão apenas movendo ferramentas, amigo. Você não vai perguntar a uma broca se ela tem sentimentos só porque acontece, não é?

—Não, mas uma broca não tem o formato de uma pessoa. — Disse Ethan defensivamente. O anão deu de ombros.

—É uma forma eficiente. Versátil. E é o que construímos para todas as portas para caberem.

Um ponto decente.

—E se alguém escrevesse um comportamento como 'estar vivo' ou 'pensar com identidade' ou algo em seu papel? — Eu perguntei curiosa.

—Você acha que eles não tentaram isso logo? — O anão riu. —Alguns dos roteiristas particularmente excêntricos ainda estão tentando. Mas você não pode usar um martelo para um balde e não pode fazer uma pedra pensar que é uma pessoa.

Ainda assim, finalmente chegamos a um tópico de conversa sobre o qual eu não conseguia ofender o sujeito que estava falando, então conversamos sobre as tentativas fracassadas do roteirista de fazer um constructo vivo (parecia haver duas grandes escolas de pensamento sobre o assunto, um escrevendo comportamentos muito amplos abertos à interpretação e o outro escrevendo listas cada vez mais específicas e detalhadas de todas as minúcias da vida - mais os maçons radicais que pensavam que a resposta era esculpir os cérebros dos Construtos, que geralmente eram considerados malucos) até o fundo do forte. O forte era realmente muito bom. Eu não sabia o suficiente sobre arquitetura para apreciar a qualidade da construção, e qualquer floreio artístico tendia a ser tátil ou até auditivo, então não havia muito o que olhar. Mas os anões claramente tinham talento para o planejamento da cidade. Tudo era eficiente, limpo, fácil de navegar, provavelmente bem rotulado, embora eu não pudesse ler a sinalização anã e, como no túnel da porta da frente, sempre havia muitos lugares para sentar e uma fonte quando você queria uma. Havia até canteiros de flores e espaços verdes, embora fossem baseados em fungos e musgos.

—Agora, é provável que seu amigo tenha ido até o escritório de refugiados. — Disse o anão, apontando para um prédio com uma placa complexa em anão ilegível. —Ele precisaria de um passe de trem para deixar o forte. Eles deveriam poder lhe dizer para onde ele foi.

Dissemos adeus ao nosso guia que, apesar de tudo, tinha sido bastante gentil, e seguimos para o Escritório de Refugiados.

Era um prédio pequeno e eficiente, com assentos confortáveis e um anão amigável na recepção, que ficou encantado em nos ver, pois raramente viam mais de um ou dois refugiados em um dia. Fiz uma tentativa inútil de garantir que não éramos refugiados e não planejávamos ficar. Eles apenas nos garantiram que mudaríamos de ideia e nos deram nossos pacotes de orientação, que incluíam o passe de trem que nosso guia havia mencionado - um pedaço fino de lata ou alumínio duro, talvez com nossos nomes, espécies e portão de entrada. Após algumas discussões, o escrivão também cedeu e nos disse para onde Gil havia ido.

—Ele foi para a cidade central, para o palácio antigo. — Explicou o anão. —Alegou que ele tinha negócios urgentes com o rei. Queria saber se havia uma linha expressa.

—Existe? — Eu disse, meu coração batendo mais rápido, mesmo com um pouco de progresso. O anão fez um gesto ambivalente.

—Se você pegar o trem daqui até a mina de Limespire no segundo anel e depois transferir para a Linha R, ela para no distrito histórico do governo. Mas você precisará de autorização de turismo em seus cartões de trem. Gostamos de ficar de olho em o movimento de novos cidadãos, apenas por precaução. Depois de uma década ou mais, você poderá se mover livremente entre os anéis, como qualquer cidadão.

—Você pode nos dar isso? — Eu disse impaciente. —Autorização de turismo? Precisamos ver o rei também.

—Bem, eu posso. — Disse o anão, hesitante. —Mas vocês tem certeza de que é isso que você querem? Quero dizer, é apenas que não tenho certeza de que seu amigo sabia exatamente o que estava fazendo. Ele parecia pensar que o rei poderia ajudá-lo com alguma coisa, mas, bem, somos parlamentares. Monarquia. O rei é um velho simpático e todos nós o amamos, mas não é como se ele realmente tomasse alguma decisão. Se ele quisesse conversar com a União dos Engenheiros, talvez, ou o Parlamento dos Superintendentes, até o nosso capataz local...

O anão parou sem esperança.

—Sim, ele é um idiota. — Eu concordei imediatamente. —Também não sabemos o que ele está planejando. É por isso que precisamos alcançá-lo o mais rápido possível e impedi-lo de fazer algo estúpido.

O anão da mesa suspirou e pegou nossas cartas de trem de volta, usando um dispositivo que parecia um furador pesado para carimbar um quadrado estriado no canto de cada uma de nossas cartas, o que aparentemente nos deu permissão para turismo.

Sem perder tempo, seguimos apressadamente na direção em que o recepcionista nos dissera que poderíamos encontrar a estação de trem. No meio do caminho, a mudança brilhante terminou, e a enorme luz da lanterna desapareceu quando grossas cortinas de metal foram desenhadas em torno dela. Gwydion pegou seu pequeno globo de luz novamente e navegamos pela cidade no semi-escuro. Ocasionalmente, víamos outros não-anões, outros refugiados, cuidando de seus negócios à luz de dispositivos mágicos como os de Gwydion ou lâmpadas que pareciam ser versões em miniatura da lanterna. Não havia muitos, e quase nenhum deles era remotamente humanoide.

Felizmente, o trem não estava muito cheio, mas a maioria dos outros passageiros era anão, que nos deu olhares curiosos ao encontrarmos lugares frente a frente.

—Finalmente desistiram do sol, hein? — Um perguntou alto e amigável. Eu apenas sorri e assenti.

—Você não vai se arrepender! — o anão me assegurou.

Eu não tinha certeza do que pensar dos anões. Eles certamente eram amigáveis. E avançados, para uma espécie de fantasia que vivia no subsolo em outro universo. Eles tinham transporte público (a viagem de trem era o cheiro mais suave e agradável que eu já havia experimentado) e, de acordo com o pacote de orientação, assistência médica gratuita. Mas havia algo apenas um pouco fora da coisa toda. Talvez não fosse familiar, ou porque eles insistiam que eu não iria querer sair.

 


Capitulo Quatorze


O trem não tinha janelas, sendo os passageiros quase todos cegos. Mas havia um mapa de rotas na parede ao lado de nossos assentos. Era estrutural, destinado a ser lido pelo toque e não pela visão, mas pelo que pude decifrar, a Cidade Baixa era essencialmente uma versão maior e invertida da forma de cratera do Primeira Vigilância. Anéis de assentamentos subiam e desciam, ficando cada vez maiores. Estávamos indo em direção a um ponto próximo ao fundo, onde os anéis se tornavam menos distintos, ondulando em milhares de pequenos desvios e galhos que não estavam, presumivelmente, na linha de trem. O que eles eram, eu não poderia dizer.

Trocamos de trem no que parecia ser o equivalente a Grande Central, pulando na linha R. O R acabava por significar ‘áspero’, a textura usada para diferenciá-lo nos mapas. Havia uma linha suave, uma linha irregular e uma linha afiada...

Eu gostaria de poder apreciar as cidades e estruturas pelas quais estávamos passando. Mas estava escuro demais para ver qualquer coisa. As coisas só ficaram mais confusas quando chegamos ao distrito histórico do governo, que tinha avenidas amplas e elegantes e altos e belos edifícios, que nos fizeram sentir perdidos no escuro em um plano interminável de paralelepípedos até nos depararmos com uma fachada elaboradamente curvada. Curiosamente, também tínhamos visto menos anões quanto mais fundo chegávamos à cidade. Um local falador que pedimos orientações em Limespire havia dito que quase todo mundo estava trabalhando em projetos de expansão à margem. O que significava que, além de estarmos perdidos no escuro, estávamos perdidos em uma cidade estranhamente vazia e silenciosa no escuro.

—Já tive o suficiente dessa merda. — Disse Ethan. Ele parecia um pouco desconfortável desde que entramos no túnel. Eu estava começando a pensar que ele poderia ser um pouco claustrofóbico.

—Porra mesmo. — Cole concordou. —Não podemos ter mais luz, pelo menos?

—A menos que um de vocês tenha pensado em trazer uma lanterna. — Disse Gwydion, um pouco mal-humorado. Também não achei que ele estivesse gostando disso. Ou talvez estivesse apenas sendo separado de sua magia que ele não apreciava.

—Temos que estar perto do Palácio Antigo, certo? — Eu perguntei, olhando de soslaio para o mapa que um anão prestativo nos havia dado, que era obviamente todo em textura e, portanto, quase inútil. —Acho que foi a fonte em que quase caí foi a do lado de fora do antigo prédio parlamentar. Se continuarmos em frente-

—Você estão perdidos, amigos? — Alguém gritou inaceitavelmente longe. Mas, novamente, os anões tinham uma audição muito melhor que os humanos. Talvez a distância aceitável para a comunicação gritada fosse diferente para eles.

Fomos em direção à voz até a luz de Gwydion iluminar um anão em armadura elaborada e, eu esperava, cerimonial.

—Estamos procurando o palácio antigo. — Eu disse. —Somos visitantes da superfície e precisamos falar com seu rei.

—Por que? — O anão perguntou, parecendo confuso. —Se é importante o suficiente para trazê-los até aqui, seria melhor conversar com o Parlamento dos Superintendentes.

—Não, nós definitivamente precisamos conversar com o rei. — Eu disse, exausta de ter essa conversa.

—Bem, este é o palácio antigo. — Disse o anão. —Eu vou mostrar, e vocês podem conversar com alguém sobre uma audiência, se o velho não estiver cochilando. — O anão, que imaginei ser algum tipo de guarda do palácio, riu com carinho. —Você sabe que ele dormiu um ano inteiro? Tivemos uma festa fantástica quando ele acordou.

O interior era tão vasto e escuro quanto o exterior, embora tenhamos caminhado sobre mármore macio e acetinado, em vez de pedras. Estávamos andando entre vários anões de importância indeterminada, a maioria dos quais nunca vimos bem, antes de finalmente chegarmos a alguém que, presumivelmente, tinha autoridade para decidir se poderíamos ver o rei.

—Sinto muito. — Disseram eles, invisíveis fora do alcance da luz do outro lado da ampla mesa. —Mas vocês entendem por que não podemos permitir que qualquer da superfície aleatório se encontre cara a cara com o rei. Talvez se vocês fizerem uma petição por escrito-

—Este não é um da superfície qualquer. — Interrompeu Gwydion, parecendo profundamente irritado. —Você não tem capacidade de sentir mágica? Esta é a herdeira do príncipe Tzarnavaras, uma rainha por direito próprio, afilhada da morte.

Houve um momento de silêncio do outro lado da mesa, então uma mão com garras disparou para agarrar a minha onde repousava sobre a mesa. Não forte o suficiente para machucar, mas o suficiente para me assustar. Eu podia sentir algo contra a minha magia, vagando como mãos curiosas. Levei a chama da vela para frente rapidamente, concentrando-me tanto que por um momento sua luz irradiou através da minha pele e lançou um brilho azul no rosto chocado do anão.

—Oh, oh meu Deus! — O anão disse assustado. —Eu não sabia que você estava visitando a realeza! Disseram-me que eram refugiados.

—Ninguém perguntou. — Eu disse, brincando, enquanto puxava minha mão. —Meus consortes e eu somos tratados como meros imigrantes desde que chegamos. Como se você não acreditasse em ninguém, a não ser um anão, poderia ser importante!

—Isso não é - nunca pretendemos sugerir -— O anão balbuciou.

—Tenho certeza de que não. — Gwydion cortou-os bruscamente. —Mas talvez você deva permitir à rainha sua visita real antes de causar um incidente internacional.

Ele seguiu isso com algumas manobras de mão, mostrando ao anão alguns 'documentos reais', que eu tinha quase certeza de que eram cupons que recebemos em nosso pacote de orientação para o ‘Buffet de comidas exóticas do Digger Dan, a mais autêntica culinária da superfícies do Fort do Anel!’

E então, finalmente, estávamos diante das portas da sala do trono. Eu assumi que elas eram grandes e impressionantes. Eu só podia vê-las um canto minúsculo de cada vez pela luz fraca do orbe de Gwydion.

—Alguém mais acha que essa é uma má ideia? — Ethan sussurrou. Eu estava inclinada a concordar, mas era tarde demais para voltar agora. As portas se abriram e entramos para encontrar o rei.

A sala do trono era grande e escura como breu. A escuridão parecia próxima e quase sólida, grossa como o solo. A luz da esfera de Gwydion penetrou apenas alguns centímetros à nossa volta. Ficamos amontoados no minúsculo círculo de luz, sentindo-nos decididamente não-reais quando um anão nos anunciou como —Sua Majestade, a Rainha Noturna da antiga Constantinopla da Antiga Linha de Tzarnavaras e seus Consortes.

—Vossa Majestade. — Disse o Anão, voltando-se para nós, o brilho de seus pelos quase invisível à luz. —Apresento o Raiz da Montanha, nascido em pedra, cujos dentes esculpiram as primeiras cavernas, que sangraram as primeiras veias de ferro, arquiteto da cidade e capataz dos capatazes, o pai-anão de toda a nossa espécie e rei de tudo o que habita embaixo.

Percebi que não havia nome próprio entre todos esses títulos. Mas o anão recuou e a porta se fechou atrás de nós, deixando-nos sozinhos no escuro. Se o rei estava lá conosco, não sentíamos sinal dele.

—Olá? — Chamei experimentalmente, minha voz ecoando na vasta sala.

—Você pode fazer isso mais brilhante? — Cole perguntou, cutucando o orbe de Gwydion. Gwydion olhou para mim e, quando assenti, ele deu de ombros e a luz ficou mais forte, afastando a escuridão ao nosso redor. Vimos iluminar as esculturas delicadas e intrincadas no chão, as complexidades sutis e elaboradas das paredes, coisas que só podiam ser apreciadas pelo toque, não pela vista. E no final da sala, vimos um monte de terra escura que chegava até o teto, como se a parede dos fundos tivesse simplesmente desabado.

E então, quando a luz de Gwydion a tocou, o monte começou a se mover.

Não havia... palavras para descrever o arquiteto. Em um momento, sob um ângulo de luz, a terra parecia atraí-lo, uma construção como a que vimos trabalhando por toda a cidade. Por outro ângulo, vi a carne branca brilhante de um verme maciço. Por outro, o pelo e as garras de uma toupeira. Por outro, um homem, ou o cadáver de um homem, meio enterrado, nos observando com olhos de poço.

—Fora. — Ele falou, sua voz como uma trituração de placas tectônicas e o barulho de terra. —Fora, maldita luz, e fiquem quietos.

Gwydion apagou o orbe imediatamente, salvando-nos da terrível imagem em constante mudança do arquiteto.

—Aquele Sol, como uma erva daninha no meu jardim, eu não levantei nem engoli e permito que sua queima sufoque na vastidão de Mim. Mesmo agora, fragmentos de seu brilho odioso assaltam-me. Que brotos tenros empurram suas raízes rasas na minha presença, ainda quente com luz amarga?

Não via meus companheiros para saber se estavam com medo ou planejando alguma coisa. Eu me atrapalhei na escuridão e peguei as duas mãos, apertando-as para me tranquilizar. Um deles era notavelmente legal e quase definitivamente a de Gwydion. A outra, calejada e me segurando frouxamente, à beira de se afastar, era provavelmente Cole.

—Perdoe nossa perturbação, arquiteto. — Gwydion falou à minha esquerda. —Nós procuramos um criminoso. Meu irmão roubou algo meu e o trouxe aqui. Buscamos apenas sua orientação na captura dele e sua paciência enquanto o perseguimos em seu reino.

Houve um som baixo e estridente como um terremoto, que poderia ter sido uma risada.

—Como a tolice vem em três. — Disse o arquiteto. —Assim, a roda gira como sempre e traz para mim os mesmos rostos novamente. As estações mudam, mas uma estação mais estranha do que já foi vista sobe como uma estrela murcha, antecipando o sol. O que foi bem-sucedido neste novo discurso no lugar daquele eixo de duas faces que já foi o ponto de apoio de todos os nossos ciclos incessantes? Melhores perguntas, pequenos brotos.

Eu esperava que Gwydion entendesse um pouco disso, porque certamente não. Eu sempre estive mais interessada em Poe do que em Shakespeare.

—Perdoe-me, Majestade. — Empurrou Gwydion. —Mas minha sombra, meu irmão, veio aqui? Ele trouxe alguma coisa para você? Você sabe onde ele foi?

—O meu é um pátio de sombras, erva daninha. — Falou o arquiteto, o humor desaparecendo de sua voz. —Eu sou o rei das profundezas primitivas, às quais nenhuma luz jamais tocará. Tua cintilação de velas sombreia arte como grãos de areia no plano infinito do oceano.

—Minhas desculpas, Vossa Majestade. — Disse Gwydion rapidamente.

—Ei, ele veio aqui ou não? — Cole gritou impaciente, apertando minha mão. —Eu vi suas profundezas primitivas e, aos meus olhos de da superfície de merda, não é mais escuro que este quarto. Não estou tão impressionado.

Houve um longo silêncio em que eu esperei o pior. Mas, finalmente, aquela risada baixa do terremoto encheu a sala novamente.

—As pequenas coisas verdes e crescentes. — O Arquiteto falou quase melancolicamente. —Em que séculos eu enrolei suas raízes e enfrentei a luz para comer sua suavidade? Esse tempo já passou, e quando essas raízes profundas amarraram e quebraram as pedras, também minha coroa ficou presa em suas garras. Aquela sombra veio, tu sementes desamparadas, tiras de dente-de-leão. E trouxe com ele uma preciosa lasca de nossa força antiga. Mas a veia se partiu. Os rios profundos o agarraram em sua corrente, cravaram unhas em minha obra-prima e chamaram isso de sua. Esses erros da noite para a escuridão e procuram sobreviver a todos os sóis, por qualquer meio profano.

—O que isso significa? — Ethan perguntou.

—Isso significa que ele não está aqui. — Resumiu Cole.

—Mas ele estava. — Acrescentou Gwydion. —Ele foi ao Parlamento. Ou foi levado para lá.

—Filho da puta. — Eu murmurei. —Eles continuaram nos dizendo-

—Outra questão. — O rei murmurou, e a sala tremeu. Ele estava se mexendo? —Os portões da cidade estão escancarados e muita coisa é esquecida. Mas a lei antiga ainda permanece. Teu irmão é ladrão entre ladrões. Dívida é devida, erva daninha.

A mão de Gwydion apertou a minha.

—Não foi roubado. — Disse ele rapidamente. —O Vidro foi adquirido legalmente. A Marcha dos Magos o comprou dos Anões ao preço de dez mil escravos e das três jóias de Nimüe -

—Não houve compra. — Falou o arquiteto, inexorável como um deslizamento de terra. —Os anões não reconhecem esse conceito. Todas as coisas feitas pelos anões são de propriedade dos anões, até o fim de tudo. Eu estava lá! Vi-o colocado nessas mãos enganosas! Emprestado antes da duração de sua linhagem, que morreu não cem anos depois, mas o que era nosso não foi devolvido como deveria ter sido. Foi roubado, escondido! Negociado entre ladrões até que aterrisse em tuas mãos gananciosas. E ainda assim a dívida poderia ter sido perdoada se você, que sabia o que segurava, houvesse devolvido o que foi roubado. Mas você o guardou entre seu tesouro, seu pequeno dragão. E busque agora mesmo recuperar o que nunca foi seu!

Gwydion estava tremendo. Eu podia sentir os tremores em sua mão, distintos dos tremores na terra, quando algo inimaginavelmente maciço se moveu no outro extremo da sala.

—A dívida é devida. E, por lei, aceitarei apenas o preço do sangue, o preço da carne, uma libra por ano que for retida. Diga-me, erva, quanto pesa?

Eu já ouvi o suficiente. Peguei o orbe da outra mão de Gwydion e coloquei meu poder nele. Brilhou à vida com a luz azul do fogo. O Arquiteto pairava sobre nós como uma onda prestes a colidir, um dragão e um inseto e um gigante de cem braços, antigo além de todos os tempos e tão inevitável quanto a terra ao nosso redor.

Mas ele recuou da luz, uivando como se o queimasse.

—Fora! — Ele berrou. —Maldita luz! Eu terei! Sufocarei toda luz dentro de mim! Vou engolir todo sol e toda chama de vela até que eu receba escuridão!

Ele se agitou, bobinas terríveis quebrando as paredes e nos cobrindo de terra. Peguei Ethan e corri, Cole e Gwydion logo atrás de mim.

Nós batemos em um anão quando saímos, que soltou um grito estridente e penetrante. Ele ecoou por todo o palácio e além dele, um coro de gritos que eu sabia que não significava nada de bom para nós.

Coloquei mais luz no orbe e corri pela passagem aberta mais próxima. Eu me revezava ao acaso, avançando em qualquer direção que parecesse oposta ao som dos terríveis gritos.

—Você nunca vai fugir deles aqui. — Disse Gwydion enquanto corríamos. —Eles podem sentir cada passo que damos. Eles conhecem este lugar melhor do que você conhece sua casa de infância.

—Então o que vamos fazer? — Eu perguntei. —Nunca voltaremos à superfície sem a ajuda deles!

Gwydion não parecia ter uma resposta.

No lampejo da luz selvagem, Ethan mudou para sua forma de lobo.

—Subam. — Ele disse, com as roupas presas nas mandíbulas. —Eles podem sentir nossos passos, certo? Então talvez isso os jogue fora.

—Vale a pena tentar. — Concordou Gwydion, e eu gritei quando ele me pegou nos braços. Cole, parecendo muito inseguro, subiu nas costas de Ethan. —Silêncio agora. Eles podem ouvir nossas vozes tão bem quanto nossos passos.

Então, em total silêncio, corremos mais fundo no infinito escuro das minas dos Anões. Corremos sem plano ou direção. Quando encontramos Anões ou Construtos, tudo o que podíamos fazer era correr na outra direção. Eu nunca me senti tão perdida e desamparada. Eu não tive tanto medo do escuro desde criança.

Eventualmente, fomos fundo o suficiente para que os anões nos perseguissem diminuíssem e desaparecessem. Ficamos com medo deles alcançando a esperança desesperada de que, em algum lugar nos túneis intermináveis da Cidade Baixa, encontrássemos algum caminho de volta à superfície.


Capitulo Quinze


Os túneis ao nosso redor ficaram mais duros à medida que avançávamos. Foram-se os bancos e as fontes, depois os tijolos e até as colunas e suspensórios. Corremos por túneis sinuosos não refinados, que cresciam e se encolhiam como cavernas naturais, como se tivessem sido recentemente escavados na rocha e na terra. Às vezes, tropeçamos em trilhos de metal e ouvimos o estrondo distante das carroças. Uma passou por nós, sem tripulação, do tamanho de uma minivan, carregada de pedra e minério e voltando na direção em que viemos. Quando outra, quase vazio e indo para o outro lado, passou rapidamente, eu mal precisava trocar um olhar com os outros antes de pegá-la e subir a bordo. Ele nos levou mais fundo, seu poder magnético não diminuído pelo peso adicional de três humanos e um lobo do tamanho de um urso. Ethan recuou entre os tijolos de pedra empilhados no fundo do carrinho e lutou para se vestir novamente, mordendo reclamações quando a pedra raspou e cutucou sua pele nua.

Bem, não estávamos dando nenhum passo agora. Se alguma coisa os jogaria fora de nossa trilha, eu esperava que isso acontecesse.

À luz do orbe, Gwydion olhou de soslaio para o mapa a partir dos nossos pacotes de orientação. Ele foi o único de nós que conseguiu segurar o dele, enfiado nos bolsos aparentemente sem fundo da jaqueta.

—Estamos muito no fundo. — Ele sussurrou. —Mais profundo do que eu acho que qualquer não-anão já foi. Estes são novos túneis. Acredito que deixamos o último desenvolvimento documentado neste mapa há algum tempo.

—Então, provavelmente não há muita chance de encontrar uma saída aqui embaixo, existe? — Eu perguntei sombriamente.

—Uma saída de ar, talvez. — Considerou Gwydion, esfregando o queixo enquanto olhava o mapa. —Mas... Não, seriam vários dias de subida vertical. Nós nunca conseguiríamos. Poderíamos encontrar um desses carrinhos voltando para o Forte do Anel.

—Mas então teríamos que lidar com os anões novamente. — Apontei. Gwydion apertou os lábios e ficou em silêncio, olhando fixamente para o mapa como se ele simplesmente parecesse tempo suficiente para a solução se revelar. Troquei olhares com Cole. Estávamos sujos e cansados. Ethan, sempre exausto pela mudança, parecia quase cochilando.

—Eu conheço algumas... pessoas. — Cole ofereceu em voz baixa. —Pessoas para quem eu poderia chamar.

—Não. — Disse Gwydion com firmeza e imediatamente. —Mesmo se você pudesse conseguir que os rituais funcionassem neste lugar, trazer algo assim aqui seria condenar a nós e a todos os outros neste poço odioso.

—Eu posso lidar com eles. — Disse Cole defensivamente. —Eu tenho lidado com eles há anos.

—Ou então eles deixaram você pensar. — Gwydion retrucou. —Por mais insidiosos que os Fae possam ser, por mais cruéis, nossas motivações raramente são mais que egoísmo e tédio. As coisas de que você fala são infinitamente pacientes e infinitamente maliciosas. Eles não querem. Eles não querem. Eles não podem ser persuadidos. Eles têm apenas um objetivo, e uma inteligência focada apenas em alcançá-lo. A única maneira de vencer essas coisas é não jogar, nunca entrar nelas e rezar para que elas nunca notem você. Eu posso prometer a você o que você já sofreu com sua associação com eles, você sofrerá pior antes do final.

—Tudo bem, Jesus. — Cole levantou as mãos para parar a palestra de Gwydion. —Foi apenas uma sugestão. Melhor do que morrer aqui ou ser rasgado em pedaços pelo rei.

—Não. — Disse Gwydion, com os olhos escuros com uma gravidade terrível. —Confie em mim. Qualquer morte que os Anões possam inventar seria muito preferível.

O carrinho deu um pulo, atingindo algum solavanco na pista e, de repente, havia luz acima de nós, tão brilhante após a escuridão sem fim que meus olhos doíam, embora ainda estivesse relativamente escuro. Confusa, levantei-me para espiar por cima da borda do carrinho.

A pista havia entrado em uma caverna enorme, grande como um estádio. A luz que eu vi vinha de canais brilhantes de magma que atravessavam a caverna em canais esculpidos para esse fim. Pesada e lenta, escorria em direção a uma estrutura central, algum tipo de forno feito de enormes pedras negras, cada uma sozinha provavelmente do tamanho de um trailer de largura dupla. Em toda a base do forno, em uma plataforma preta, enormes Construtos, cada um com pelo menos dois metros de altura e feitos de retalhos de pedra, lama e metal, continuavam trabalhando. A fornalha fundia minério alimentado por carrinhos como o que estávamos, e o Construtos tirava-os das torneiras e os moldava com as mãos com precisão impecável, martelando-os com seus punhos enormes em bigornas do tamanho de carros.

Construtos menores enchiam o resto da caverna, tendendo o fluxo de magma, carregando e descarregando carrinhos, expandindo a caverna com picaretas e pás e carregando as peças que os Construtos maiores terminavam em direção a algo atrás do forno. Quando a trilha, que corria perto do topo da caverna, curvava-se ao redor da vasta sala, o que eles estavam construindo apareceu.

Fazia um calor escaldante, mesmo de onde estávamos. Preocupei-me por um momento que estávamos indo para o forno, mas a pista estava inclinando para baixo e para longe. Levando ao andar onde os Construtos estava terminando de descarregar suprimentos de outro carrinho. O carrinho à frente dele estava sendo carregado com sucata e minério da constante expansão, para ser enviado de volta a uma pista paralela à que nos levara até aqui, que provavelmente retornaria a quem estava fornecendo.

—O que é essa coisa? — Ethan perguntou, olhando para o anel enorme e limpando o suor da testa.

—Não tenho certeza. — Respondeu Gwydion com uma carranca, também espiando por cima da borda. —Seja o que for, é terrivelmente complicado. Olhe para os encantamentos.

Eu não tinha olhado tão de perto antes, mas agora que treinei minha visão mágica sobre ele, pude ver que ele estava rastejando com a magia mais complexa que já vi. Eu não acho que nada que eu tenha visto na coleção de Gwydion possa se comparar à escala completa dele. Era como se alguém tivesse construído o Empire State Building com sementes de gergelim individuais. Cada centímetro quadrado estava cheio de um feitiço de imenso poder. Se você removesse a matéria física da roda, a magia que a compunha ainda seria densa demais para ver através dela. Fiquei espantada, quase feliz. Eu nunca tinha visto algo tão incrível. Queria tocá-lo tanto que podia prová-lo, cavar aqueles feitiços, desmontá-los e juntá-los novamente até que eu os entendesse. Era tão glorioso para mim quanto ver o Grand Canyon pela primeira vez ou entrar na Capela Sistina. Que trabalho fenomenal, que forças titânicas, o vasto escopo de esforço, planejamento e trabalho... Sentindo-me um pouco tonta, sentei-me novamente.

—Você já viu algo assim? — Eu perguntei a Gwydion, atordoada.

—Uma vez, talvez duas vezes na minha vida. — Respondeu Gwydion, e pude ver que ele estava igualmente deslumbrado. —Mas comparar essas obras-primas seria um insulto a todas elas. Isso é arte.

—Mas para que serve? — Cole perguntou impaciente. Gwydion e eu batemos nele com o mesmo olhar sujo.

—Filisteu. — Murmurou Gwydion.

—Uh, pessoal, acho que vamos parar em breve? — Ethan nos avisou.

—Merda. — Eu murmurei e corri para um dos tijolos, pronta para me defender. Os outros três ficaram tensos também, e o carrinho parou por fim.

Um Construto com a face de um geodo rachado inclinava-se sobre a borda do carrinho. Eu gritei, me afastando para atingi-lo com o tijolo, mas ele apenas arrancou o tijolo da minha mão e se afastou. Outras construções também passaram por nós no carrinho, erguendo tijolos como se nem nos vissem. Ou, mais precisamente, como se simplesmente não importássemos.

—Eles não estão programados para lidar com intrusos, eu acho. — Disse Cole.

Lentamente, saímos do carrinho, tentando não nos queimar no metal quente e desconfiados de qualquer mudança no comportamento dos Construtos, mas eles nem sequer olhavam para nós.

—Acho que não estamos em perigo imediato, então? — Dei de ombros quando saímos do caminho do trabalho do Construto e puxei minha camisa, de repente desejando não estar tão comprometida em usar todo preto. —Exceto por esse calor, Deus, está muito quente!

Gwydion colocou a mão no meu ombro e eu imediatamente me senti mais fria.

—Fique perto. — Ele recomendou. —Eu posso manter o pior dele à distância. Além disso, se você ficar a meio metro de qualquer um desse magma, você pegará fogo.

—Oh, doce, Gwydion é um Ar Condicionado portátil. — Ethan disse alegremente, batendo as mãos nas costas de Gwydion e suspirando de alívio. Cole fez uma careta, mas colocou um dedo no ombro de Gwydion experimentalmente.

—Oh, droga. — Ele murmurou, parecendo surpreso. —Isso é realmente legal.

Quando nós três nos aproximamos, Gwydion parecia ter acabado de morder um limão.

—Então, o que fazemos? — Ethan perguntou, abraçando Gwydion por trás, o queixo no topo da cabeça do outro homem.

—Descobrir um caminho de volta à superfície. — Disse Cole com um encolher de ombros, de onde estava pressionado contra o lado esquerdo de Gwydion. Eu estava moldada para o lado direito dele, e nós dois colocamos as mãos sob a camisa dele para ter acesso mais direto às propriedades de resfriamento de sua pele. Fiquei chocada que Gwydion estivesse tolerando isso, mas não estava disposto a dizer nada.

—Eu gostaria que ainda tivéssemos esse cajado estúpido. — Eu disse frustrada. —Não há outra maneira de sair desses poços na cidade, certo?

—Não sem o segundo cajado. — Gwydion suspirou, os braços cruzados sobre o peito. —E sem os dois, você só ficaria presa lá - e você pararia com isso imediatamente ?!

Ele deu um tapa nas mãos de Cole, que subiam pelas costelas.

—O que você tem cócegas? — Cole perguntou com um sorriso perverso.

—Vou jogá-lo na lava. — Disse Gwydion sem uma pitada de humor. —Não me teste.

—Ok, então nossa única opção é lutar contra o exército de anões? — Eu disse, mudando de assunto rapidamente. —Porque sem mágica, isso não parece uma luta que provavelmente venceremos. Além disso, muitos deles pareciam pessoas normais?

—E essas coisas? — Cole perguntou, gesticulando para os Construtos. —Você disse que pode mudar os comandos deles se você os abrir, certo? E se nós mudarmos um monte deles para fazê-los nos proteger, então eles apenas nos escoltam para fora?

—Não sei se é uma boa ideia. — Disse Gwydion, franzindo a testa. —Você precisaria abri-los para acessar seus papéis e descobrir como alterar os comandos...

—Vale a pena tentar, certo? — Disse Cole. —Melhor que nada?

Gwydion fez um barulho inseguro, mas Cole se afastou dele e se aproximou do Construto com a face do geodo.

—Ethan, me ajude a disputar esse cara.

Ethan relutantemente soltou Gwydion e ajudou Cole a conter o Construto. Não parecia incomodado por ser contido. Apenas continuou tentando seguir na direção que tinha estado, ignorando Cole e Ethan.

Cole deixou Ethan segurá-lo por um momento enquanto procurava ao redor, pegando uma das picaretas que os Construtos estavam usando para expandir a caverna.

—Tudo bem, vamos abrir esse garoto mau. — Disse ele. Ethan ajustou seu aperto no Construto para sair do caminho, subitamente parecendo inseguro.

—Uh, eu não sei disso. — Disse ele. —Quero dizer, você não pode simplesmente acertar o pobre coitado com uma picareta. E se você o matar?

—Não posso matá-lo, não está vivo. — Disse Cole, impaciente. —Apenas fique quieto para não perder!

—Oh, isso vai acabar muito mal. — Disse Gwydion com severa certeza. Eu estava inclinada a concordar, mas também estávamos sem outras ideias.

—Um. — Disse Cole, levantando a picareta como um taco de beisebol. —Dois...

Ethan segurou o Construto o mais longe possível dele, fechando os olhos.

—Três!

Cole girou para as cercas e bateu a picareta no peito do Construto com um estalo alto de pedra.

Instantaneamente, todos os Construtos da caverna pararam, largaram o que estavam fazendo e viraram em nossa direção.

—Sim, lá vai. — Gwydion gritou, agarrando minha mão. —Corram!

Ethan lançou o Construto que ele estava segurando, que instantaneamente se virou e balançou um punho de pedra em sua cabeça. Cole bateu com a picareta, espalhando a cabeça do geodo, mas isso mal pareceu desacelerar. Enquanto isso, todos os outros Construtos da caverna estavam indo para lá com intenção assassina. Gwydion e eu reservamos, e Ethan e Cole, ainda segurando a picareta, correram atrás de nós, gritando palavrões.

—Lá! — Eu gritei, apontando um carrinho de partida, começando a aumentar a velocidade antes da subida em direção à trilha perto do teto da caverna. Gwydion deu dois passos limitados e pulou no carrinho com uma graça desumana, estragada apenas pela dança desajeitada e embaralhada que ele tinha que fazer para colocar o pé no topo do minério empilhado dentro do carrinho. Assim que ele estava estável, ele se virou e agarrou minha mão estendida, me balançando ao lado dele. Nós dois estendemos a mão para Ethan, arrastando-o a bordo, depois para Cole, ficando logo atrás, perseguido por uma horda de Construções assustadoramente silenciosas e sedentas de sangue.

—Largue a picareta, idiota! — Eu gritei.

Amaldiçoando alto, ele jogou de volta para os Construtos, tirando um pedaço do ombro de uma criatura de pedra sem muito efeito. Um pouco mais leve, ele correu os últimos degraus, e nós o agarramos, arrastando-o para o carrinho apenas um segundo antes de começar a disparar para cima e todos nós tivemos que nos esforçar para reestabelecer nosso equilíbrio.

Os Construtos subiram atrás de nós, silenciosos e implacáveis, e tentaram nos pegar no minuto em que o carrinho parou ou diminuiu a velocidade. O único anão perto do ringue havia nos notado agora e estava gritando ordens furiosas contra os Construtos, presumivelmente reafirmando suas ordens para matar a merda de nós.

—Destrua-os! — O anão gritou. —Não os deixe perto do portal!

—Trabalho fantástico, idiota. — Disse Gwydion, dando a Cole um olhar assassino. —Isso definitivamente ajudou!

—Como eu deveria saber que eles se tornariam todos assassinos? — Cole gritou defensivamente.

—Talvez usando um pouco de bom senso pela primeira vez na vida!

—Eu não vi você correndo para me parar, imbecil! Ou sugerindo idéias melhores!

—Calem-se! — Eu gritei para os dois. —Este carrinho está indo para o forno!

Isso chamou a atenção de ambos rapidamente. Em nossa pressa de pegar um carrinho de fuga, escolhemos um dos que enviava minério até a forja. Em apenas alguns minutos, seríamos jogados diretamente em um tanque maciço de metal fundido superaquecido.

—Filho da puta. — Cole disse calmamente.

Procurei um pouco fora do carrinho, meu coração disparado. A trilha atrás do carrinho fervilhava com Construtores assassinos. À frente, havia apenas o forno e uma queda de duzentos pés de cada lado.

—Estamos fodidos. — Eu disse, nem um pouco articulada.

—Nós definitivamente vamos morrer. — Ethan concordou, nós dois um pouco atordoados para reagir adequadamente à nossa morte horrível iminente.

—Foda-se. — Declarou Cole. Então ele me agarrou pelos ombros e me arrastou para um beijo áspero e apaixonado, tão abrupto e poderoso que eu mal consegui responder. Talvez fosse porque estávamos prestes a morrer, mas ele beijou com desespero, uma fome frenética e ardente, que eu nunca havia experimentado, o que fez meu coração disparar e minha adrenalina disparar. Então, de uma só vez, ele me soltou, deixando minha boca machucada e desolada. No mesmo movimento, ele puxou Ethan pela camisa e o beijou também, com a mesma intensidade empolgante. Vi os olhos de Ethan se arregalarem, e então senti a repentina onda de poder de sua maldição. Cole deve ter sentido isso também, porque ele empurrou Ethan para longe, agarrou minha mão e pulou para fora do carrinho. Gwydion hesitou apenas um momento, encarando Ethan quando o lobisomem se dobrou, uivando, mudando mais rapidamente do que eu já o vira mudar voluntariamente. Então ele pulou também.

Cole agarrou a beira da pista suspensa, flutuando no ar. Eu me esforcei para pular, quase perdi o controle, e só o recuperei quando Cole me pegou, me segurando até que eu estivesse segura, Gwydion pendurado no outro lado dele.

Acima de nós, Ethan - não, o Lobo - uivou quando saltou do carrinho um segundo antes de jogá-lo na forja.

O Lobo apenas se assemelhava tangencialmente à forma normal de lobo de Ethan, que era quadrúpede e muito parecida com um lobo normal, embora muito grande. O Lobo era algo de um filme de terror. Maciço, bípede, cheio de pelos escuros e grossos sobre músculos poderosos e pesados. Ele se ergueu em toda sua altura, o peito largo arfava e fixou seus terríveis olhos amarelos em nós, cheios de um ódio que consumia tudo. Estávamos completamente expostos aqui. Mal teria que nos tocar para nos enviar despencando para nossas mortes.

Felizmente, foi rapidamente distraído pelo enxame de Construtores assassinos. Os homens de pedra se jogaram no Lobo sem consideração por suas vidas. Eles o golpearam com golpes esmagadores feitos por punhos como blocos de concreto, e isso apenas os jogou para o lado, enviando-os voando da ponte para quebrar no chão abaixo. O Lobo rasgou a multidão de Construtos como se não fossem nada, reduzindo-os a escombros com um golpe de suas garras terríveis. Ele avançou pela pista, derrubando Construtos como pinos de boliche. Depois que tivemos algum espaço entre nós e o Lobo, Gwydion se arrastou de volta para o parapeito e me puxou atrás dele. Eu me virei para ajudar Cole, embora meus braços estivessem queimando por tanto tempo pendurados.

—Temos que sair daqui. — Eu disse, agarrando-me a Cole enquanto observava o Lobo abrir caminho através de Construto após Construto. —Agora!

—Como? — Perguntou Cole. —Outro carrinho?

—Não. — Disse Gwydion, apontando para o volante. —Nós vamos usar isso.

—O anão chamou de portal. — Eu disse, entendendo. —Onde quer que leve, provavelmente é melhor do que aqui!

Cole parecia inseguro, mas levantou as mãos.

—Foda-se, vale a pena tentar! — Ele disse.

Corremos pelos trilhos do carrinho, a uma distância segura atrás do massacre que o Lobo estava causando, até podermos pular, deslizando pela parede até o fundo da caverna.

Os Construtos estavam todos ocupados com o Lobo. A única coisa entre nós e o portal era o anão. Ele brandiu seu livro de pedra para nós com as mãos trêmulas.

—Este é o trabalho da minha vida! — Ele declarou. —Eu não vou deixar você hooligans destruí-lo!

—Você projetou isso? — Eu perguntei, cheio de súbita admiração e um milhão de perguntas.

—Senhor. — Disse Gwydion, cortando-me. —Você é sem dúvida o maior encantador desta época e um dos melhores que já ouvi em todos os reinos. Tenho imenso respeito por você, e é por isso que será uma tremenda vergonha se eu tivesse que te espancar até a morte agora, porque você não sairá do caminho.

Ele pegou uma pá de algum lugar, que o anão estava olhando agora, sua expressão em algum lugar entre orgulho e medo lisonjeados.

—Para o inferno. — Disse o anão. —Eu sempre odiei trabalhar para comissão.

Ele saiu do caminho.

Havia algum tipo de painel de controle perto de onde o Anão estava sentado, e eu o agarrei, olhando para os controles, completamente perdida.

—Como nós controlamos isso? — Eu perguntei, procurando ao redor do anão, mas ele já estava fazendo trilhas para o túnel mais próximo.

—Não precisamos controlá-lo. — Insistiu Cole. —Apenas ligue! Qualquer lugar é melhor do que aqui!

Eu apertei alguns botões, puxei algumas alavancas, mas nada aconteceu. A pedra angular e todos os painéis estavam no lugar, mas não havia reação. Cole lambeu os lábios.

—Vexa. — Ele disse. —Lembra da coisa que eu disse para você nunca mais fazer?

—Coisas estúpidas que colocam minha vida em perigo?

—Mais especificamente.

—Explorar fontes de energia universais primárias?

—Sim.

Gwydion e eu demos a Cole um olhar arregalado.

—Você realmente acha que isso vai funcionar? — Gwydion perguntou.

Cole olhou para onde o Lobo estava rapidamente ficando sem Construtos para destruir. Os grandes da forja tinham andado lentamente com pés pesados de bigorna e finalmente estavam brigando de verdade, mas nem eles durariam muito. O Lobo parecia ser tão indestrutível quanto furioso.

—Acho que não temos muitas outras opções. — Respondeu Cole. —Apenas despeje o máximo de energia possível e espere o melhor!

Eu acho que essa foi a lógica mais sólida que eu poderia esperar.

—Foda-se. — Eu disse, ecoando o sentimento anterior de Cole. —Aqui vai tudo!

Fechei os olhos, alcançando o lugar profundo dentro de mim, onde minha conexão com a vela estava ancorada. Eu sabia o que esperar agora, e apenas hesitei um momento com a lembrança fraca de quanto isso doeu da última vez, antes de pegar o fogo e me sentir em chamas.

Cole e Gwydion saltaram para longe quando o fogo me cercou. O poder correu através de mim como uma represa quebrando, como um raio, e eu agarrei no painel de controle para me aterrar.

A energia rasgou através de mim enquanto passava, deixando-me irregular de uma maneira que era mais espiritual do que física. Mas enquanto olhava através dos meus olhos ardentes, vi o anel começar a se mover, girando, componentes flutuando e se movendo independentemente, à medida que os feitiços queimavam.

Essa bela máquina deveria ter criado um portal igualmente bonito, algo absolutamente perfeito, não apenas estável, mas permanente, um ponto fixo fora do tempo que unia duas realidades. O que eu o forcei a produzir, incompleto e inexpertemente pilotado, foi uma bagunça, crepitando com o desperdício de energia, desequilibrado e desmoronando mesmo quando começou a abrir. Mas estava aberto.

Gwydion me agarrou, me arrastou para longe do console. Eu podia senti-lo sugando o poder, embora felizmente eu já tivesse jogado a maior parte dele no portal.

—Rápido! — Gwydion gritou para Cole. —Agora, antes que desmorone!

Eles correram em direção ao portal, meio me arrastando, quase inconscientes e bêbados com o poder e a lembrança já desbotada da agonia ardente. Mas havia uma última coisa que eu tinha que fazer antes de sairmos. Eu me arrastei de Gwydion para fazê-lo parar, coloquei os dedos nos lábios e assobiei o mais alto que pude.

—Ethan! — Eu gritei quando o Lobo parou sua destruição e olhou para mim. Eu acenei meus braços. —Por aqui!

Gwydion me agarrou pelo meio, me jogou por cima do ombro e correu para o portal. Rosnando, o Lobo correu atrás de nós. Gwydion pulou através do portal e vi o Lobo pular, garras estendidas, apenas um segundo antes do caos nos envolver.

 

 

 

 

 

 

Capitulo Dezesseis


Por vários minutos ou possivelmente uma eternidade, caímos no espaço.

Perdi o controle dos outros quase ao mesmo tempo. Flashes de mundos explodiram em ambos os lados de mim. Luz, escuridão, fogo, gelo, horizonte de Manhattan, castelo de Titânia, mundos que eu só podia ver em seção transversal, mundos que eu só conseguia ouvir ou cheirar. Uma vez, um salão escuro, cheio de velas.

E então, de repente, bati de cara no azulejo branco de vinil. Gwydion caiu em cima de mim, cotovelos primeiro. Cole caiu um pé à minha esquerda. O Lobo veio por último, bateu a cabeça em uma prateleira no caminho e caiu inconsciente no chão.

Presumimos que estávamos em algum tipo de armário de suprimentos. Luzes fluorescentes brancas nos encaravam de cima.

—Onde estamos? — Cole perguntou, apertando os olhos e desorientado.

—A julgar pelo cheiro anti-séptico e pelos sanitários? — Eu respondi, minha voz um pouco confusa. —Hospital. Ow. Ow! Merda!

Acabei de perceber uma dor ardente no quadril, que estava piorando rapidamente. Eu me levantei e enfiei no bolso, pegando a moeda da sorte que Gwydion tinha me dado quando nos conhecemos. A coisa maldita estava fumegando, estava tão quente e previsivelmente queimando meus dedos quando eu o puxei para fora. Deixei cair, e ela saltou e rolou para fora da porta do armário aberta.

Troquei um olhar com Cole e Gwydion, que ainda estavam se levantando.

—Bem, vá em frente. — Disse Gwydion. —É uma sorte, por isso deve levá-lo a algum lugar. E alguém provavelmente está a caminho de investigar esse acidente de qualquer maneira.

Sem outra palavra, corri atrás da moeda.

Eu estava certa sobre ser um hospital, embora estranhamente silencioso para a hora do dia que a luz que entrava pelas janelas sugeria. A moeda fumegante rolou pelo corredor de azulejos, e eu corri atrás dele. De repente, seu caminho começou a se curvar, até cair abruptamente de lado. Com o último momento, derrapou sob a porta de um quarto privativo de longa permanência.

O nome na porta dizia E. Bellefonte.

Abri a porta com cuidado, preocupada em incomodar alguém. Mas não havia visitantes na sala e, assim que dei uma boa olhada no paciente, percebi que não havia preocupação em perturbá-los.

E. Bellefonte era um homem mais velho, quarenta e poucos, talvez cinquenta e poucos. Ele ainda tinha o cabelo, apesar de o loiro dourado estar sombreado a branco. Ele devia ter sido bonito como uma estrela de cinema uma vez, pensei, embora provavelmente só pudesse dizer devido à minha experiência com cadáveres. Uma doença longa e desgastante o havia reduzido a um substancial sem sombra do que aquele que pairava sobre ele, sinalizando sua morte que se aproximava rapidamente. Ele só estava vivo agora por causa das máquinas amontoadas em torno de sua cama, mantendo seu corpo funcionando mesmo quando desmoronava. Mas mesmo isso não era suficiente para manter a sombra afastada.

—Aqui está. — Disse Gwydion, entrando na sala. Cole, com o braço de Ethan sobre os ombros, saiu mancando atrás de Gwydion, arrastando o lobisomem, que havia sido empurrado às pressas para uma roupa cirúrgica mal ajustada. Gwydion inclinou-se para pegar a moeda da sorte, que ardia em sua mão, o metal estalando e desmoronando. —Você queimou completamente. Eu nunca vi isso. Que tipo de-?

Ele calou a boca abruptamente quando viu o que eu já tinha visto.

A Vela da Aliança estava posta na mesa de cabeceira de E. Bellefonte. Gwydion olhou para ela, depois para a moeda murcha na mão, antes de enfiar os restos arruinados da moeda em seu casaco. —Essa é uma moeda da sorte.

—O que está fazendo aqui? — Perguntou Cole. —Quem é esse cara?

—É para mantê-lo vivo. — Respondi instintivamente. Eu podia sentir como a vela estava conectada a ele, mantendo sua força vital de uma maneira que as máquinas nunca podiam.

Antes que pudéssemos dizer mais alguma coisa, um portal surgiu à nossa frente, e Gilfaethwy apareceu, tendo-se colocado apenas a meio caminho.

—Por aqui. — Ele sussurrou em um sussurro urgente. —Rápido!

—Você! — Gwydion rosnou e agarrou Gil pela frente da camisa, arrastando-o pelo resto do caminho para fora do portal. —Você me roubou! De novo! Você me deixou entrar nas garras dos Seelie!

—Você fugiu! — Gil disse com um sorriso. —Eu sabia que você faria! Você sempre sabe! Falando nisso...— Ele gesticulou rapidamente em direção ao portal. —Precisamos ir agora. Vocês não podem estar aqui!

—Por quê? — Eu perguntei. —Onde estamos?

—Onde não importa. — Disse Gil. —E porque é que todos nós vamos morrer. Eu nem entendo como você chegou aqui! Agora vamos, vamos!

—Não, não há mais portais! — Cole disse teimosamente. —Já tive portais suficientes! Parece a Terra e vou ficar aqui!

De repente, as luzes no corredor do lado de fora do quarto do hospital ficaram negras. Nenhuma luz veio das janelas. Uma voz profunda e familiar ecoou como uma lixa contra a minha alma.

—Como se atreve a vir aqui...

—Aethon. — Eu sussurrei involuntariamente, terror tomando meu coração como um punho.

—Esquece, porra! — Cole gritou, jogou Ethan através do portal e pulou atrás dele.

Gil entrou na porta, olhando para a escuridão.

—Velho amigo, querido amigo, parceiro, se você me desse um momento para-

—COMO VOCÊ OUSA?

Gil estava claramente certo. Precisávamos sair imediatamente. Mas eu não estava saindo de mãos vazias, não depois de tudo isso. Eu me virei, pegando a vela.

—Vexa, não!

Ouvi o grito de Gwydion, o roçar de seus dedos estendendo a mão para me impedir, mas era tarde demais. Minha mão se fechou ao redor da vela, e a absoluta escuridão da Morte alcançou e me engoliu.

Tão rapidamente que eu nem senti, de repente eu mal a reconheci.

Eu morri.

Capitulo Nove

Por um momento, eu não estava no meu corpo. Eu estava em outro lugar, queimando viva na escuridão. Meus ouvidos estavam cheios do clamor de mil sinos tocando. Eu não conseguia fazer meu corpo gritar. Não pude apagar o fogo. A dor estava tão além de qualquer coisa que eu pudesse envolver minha cabeça que depois eu não conseguia descrever e mal conseguia me lembrar como era. Eu sabia com absoluta certeza que iria morrer. Pelos olhos fixos e sem resposta do meu corpo, a costa distante de repente pareceu muito mais perto.

No lugar onde eu estava queimando, senti uma mão fria no meu ombro. Alguém parado atrás de mim. A voz deles sacudiu meus ossos fumegantes.

—Ainda não.

E então, de repente, eu estava de volta à minha própria pele, transbordando com tanta energia que doía, como agulhas sob a minha pele tentando forçar sua saída. Sem pensar, bati as mãos no peito de Gwydion e abri as comportas. O poder correu para fora de mim em uma torrente que eu não poderia ter parado se quisesse. Queimou-me quando passou, afundando nele. Os olhos de Gwydion se abriram de uma só vez, o corte em sua cabeça se uniu à luz prateada e se fechou.

Mas não consegui parar o fluxo de poder. Havia muito para eu conter, e Gwydion era um vaso vazio. Ele olhou para mim e eu me vi refletida em seus olhos arregalados, envoltos em fogo, chamas chorando. Ele sentou, minhas mãos ainda em seu peito, ainda derramando poder nele apenas para me impedir de queimar. Ele me alcançou lentamente e segurou meu rosto em suas mãos trêmulas, sua pele bebendo o fogo. Suas mãos estavam frias como água em um dia de verão, acalmando o calor terrível que estava tentando o seu melhor para me queimar viva. Ele se inclinou para perto, curvando-se no meu fogo e beijou minha boca ardente.

Ele tirou o poder de mim como veneno de uma ferida. Apressou-se ainda mais rápido do que antes, e eu tremi de dor e alívio. Ele poderia ter tudo, se quisesse. Enquanto o fogo parou, eu não me importei.

Eu derreti em seu beijo gelado, em seus braços, a queima finalmente começando a retroceder quando o poder passou por mim. Afinal, não era infinito, e Gwydion aceitou tudo ansiosamente.

Ansiosamente demais. Enquanto o poder continuava fluindo de mim como sangue de uma veia, comecei a voltar aos meus sentidos e percebi que tínhamos passado o ponto do que eu não podia conter. Minhas mãos se apertaram no tecido do casaco de Gwydion, tentando e falhando em afastá-lo. Ele poderia muito bem ter sido feito de pedra. Estávamos nos aproximando rapidamente de um ponto com menos energia do que eu tinha desde que tocara a vela. Eu assisti esse ponto ir e vir e o beijo de Gwydion ainda continuava, até eu perceber que ele não iria parar até que eu estivesse vazia de toda a magia, ou morta.

Então eu o mordi, forte o suficiente para tirar sangue, e ele se afastou, o fluxo de poder finalmente parando. Eu o empurrei, colocando espaço entre nós rapidamente, caso ele tentasse continuar. Meu coração estava batendo forte e eu ainda estava desorientado, lutando para manter a lembrança do que havia acontecido quando tentei acessar a vela.

—Que porra é essa? — Cole estava dizendo, e parecia que ele estava dizendo isso há algum tempo, pois Gwydion e eu estávamos insensíveis demais para perceber. Ethan me pegou quando me afastei de Gwydion, e deixei que ele me segurasse, agradecida pela sensação de segurança em seus braços.

—O que aconteceu? — Ethan me perguntou. —O que você fez?

—Mas como? — Cole disse, olhando para mim com algo entre reverência e medo. —Eu nunca vi esse tipo de poder em lugar algum.

—Eu tenho. — Gwydion falou suavemente. Ele se ajoelhou onde eu o empurrei, parecendo quase tão abalado quanto eu quando tocou seu lábio mordido e olhou com olhos arregalados para o sangue em seus dedos. Mas havia um olhar quase arrebatador em seus olhos.

—Eu não sou tão forte desde que deixei Avalon. — Disse ele e olhou para mim como se eu fosse algo santo e aterrorizante. —Você tem o poder de uma rainha.

Ele piscou e pareceu repentinamente um pouco enjoado, caindo de costas com uma surpreendente falta de graça pelo que eu esperava dele.

—E eu quase matei você. — Disse ele, quase para si mesmo.

Ethan e Cole trocaram um olhar assustado com isso, depois olharam para mim onde eu ainda estava enrolada nos braços de Ethan.

—Estou bem. — Eu disse rapidamente, o que era verdade. Cansada e mais fraca do que eu estava há um tempo, mas eu não estava sangrando ou pegando fogo, e eu podia deitar minha cabeça no peito de Ethan e ouvir seu coração bater. —Eu estou bem. Foi apenas um pouco de energia demais, só isso.

—Um pouco de energia demais de onde? — Perguntou Cole. —Onde você conseguiu isso?

—Uh, eu tentei bater na vela. — Eu disse. —Ainda estou conectada a ela, então achei que talvez pudesse acessar sua fonte de energia.

—Você usou a fonte de toda energia necromântica na Terra? — Cole disse, sua voz falhando. —Como você não está morta? Como todos nós não estamos mortos?

Eu não tinha uma resposta para isso. Também não parecia Gwydion, mas ele também não estava prestando atenção, com a mão na boca e as sobrancelhas franzidas, o olhar focado na costa distante.

—Só... nunca faça isso de novo. — Exigiu Cole. —Jesus Cristo, não é à toa que você estava pegando fogo. Há uma razão pela qual as pessoas trabalham com focos como a vela, sua idiota! Usar a fonte bruta deveria tê-la fritado como um inseto e todos nós com você.

—Eu acho que é uma coisa boa que Gwydion possa absorver tudo. — Ethan disse enquanto eu franzi a testa e tentei lembrar o que tinha acontecido quando eu peguei a chama. Lembrei vagamente da queimação. Todo o resto estava perdido no fogo até o momento em que Gwydion me beijou.

—Besteira que ele fez. — Cole riu. — Tanto poder o fritaria também. Ou Vexa de alguma forma conseguiu se abrir para, literalmente, todo o poder da própria morte e apenas canalizar um pedacinho, o que é absurdo - como tentar pular no oceano e esperar apenas molhar o dedo - ou o que ela bateu não foi a vela.

Eu não gostei desse pensamento.

—O fato de que ela seria capaz de alcançar a vela quando ela estiver literalmente em um universo diferente já é bastante absurdo! — Cole disse, jogando as mãos no ar. —Isso é besteira estranha, e eu não gosto!

—Independentemente disso, está pronto. — Interrompeu Gwydion, levantando-se e tirando a jaqueta molhada. A balsa balançou e Cole tropeçou, olhando para Gwydion enquanto ele apenas conseguia manter o equilíbrio. Gwydion o ignorou, olhando para mim enquanto tirava a gravata também, deixando apenas sua camiseta branca solta. —Perdoe-me por um momento.

Então ele deu dois passos e mergulhou da balsa. Por um segundo, apenas encaramos as ondulações em seu rastro, surpresos demais para reagir. Finalmente, Ethan apenas balançou a cabeça e suspirou.

—Por que não? Não como qualquer outra coisa ultimamente faz algum sentido. — Ele murmurou, depois me puxou para mais perto, esfregando os braços para tentar me aquecer. Nós dois ainda estávamos encharcados, então não adiantou muito.

—Então. — Ele disse depois de um momento. —Você beijou Gwydion.

Fiquei confusa por um momento até perceber que ele quis dizer o que tinha acabado de acontecer. Foi realmente difícil manter essas memórias por algum motivo.

—Oh, sim. — Eu disse com um sorriso tímido. —Pouco mais do que isso, na verdade. Logo antes de Gil escapar.

—Eu pensei que você disse que não achava que iria dormir com ele? — Ethan perguntou, sobrancelhas levantadas.

—Sim, eu não pensei que sim. — Eu disse, envergonhada agora. —Ele é... surpreendentemente persuasivo. Foi apenas uma coisa única. Nós deixamos isso claro.

—Espere, você dormiu com esse cara? — Cole perguntou, franzindo o nariz.

Cobri meu rosto com a mão, tentando controlar o rubor que aquece minhas bochechas.

—Sim, eu dormi. — Eu disse, tentando segurar algum orgulho. —Não é da sua conta.

Cole apenas balançou a cabeça.

—Alguém já lhe disse que você tem um gosto terrível? — Ele perguntou. —E possivelmente um desejo de morte?

—Ele tem razão. — Ethan disse com um encolher de ombros.

—Considerando que eu estava flertando com você esta manhã, Cole. — Eu disse maliciosamente. —Eu não faria comentários sobre o meu gosto.

—Foi essa manhã? — Ethan disse pensativo. —Era noite no Julius, e dormimos pelo menos algumas horas, então...

—Estar interessada em mim é absolutamente um sinal de mau gosto. — Respondeu Cole. —Possivelmente uma decisão pior do que o monstro devorador de homens que pode te atacar a qualquer momento. Provavelmente pior que o lobisomem também.

Ethan bufou.

—Você não é tão ruim. — Ele disse.

—Eu sou um desastre humano sem-teto que está apenas usando você para colocar minhas mãos em uma ferramenta mágica incrivelmente poderosa por minhas próprias razões egoístas. — Apontou Cole.

—Mas você tem um cabelo muito bom. — Eu rebati, apenas meio sarcasticamente. Cole parou, pego de surpresa.

—Bom senso de humor também. — Ethan concordou, e eu sorri quando vi Cole ficando vermelho.

—Bom gosto em filmes. — Acrescentei.

—Sorriso fofo. — Ethan falou.

—Olhos lindos.

—Inteligente como o inferno.

—Bunda fantástica.

—Tudo bem, isso é o suficiente! — Cole disse, vermelho como uma beterraba. —Vocês dois são claramente idiotas, sem senso de autopreservação.

Um respingo nos interrompeu quando Gwydion reapareceu, jogando o cajado na jangada antes de sair da água. Eu me permiti um minuto para admirar o quão bom ele parecia encharcado assim.

—Perdi algo? — Ele perguntou, levantando-se e torcendo a camisa. Cole ainda estava muito vermelho, e Ethan e eu não conseguimos parar de sorrir.

—Apenas nós dizendo a Cole todas as coisas que gostamos nele. — Eu o informei.

—Espero que você tenha mencionado sua bunda fenomenal. — Disse Gwydion casualmente, pegando o cajado e o paletó. Cole parecia quase combustão espontânea. —Todo mundo está de pé agora. Precisamos nos mexer se quisermos alcançar meu gêmeo idiota.

—Mas não sabemos para onde ele foi. — Eu disse, levantando-me e oferecendo uma mão para Ethan.

—Eu posso rastrear seus feitiços de teletransporte. — Disse Gwydion e estalou os dedos.

Uma onda de ar quente tomou conta de nós quatro ao mesmo tempo. Meu cabelo voou ao redor do meu rosto, minhas roupas esvoaçantes. Eu lutei para segurar minha saia enquanto a água saía de nossas roupas em uma explosão deslumbrante. Quando o vento se acalmou, Gwydion olhou para onde Gilfaethwy havia desaparecido e passou a mão pelo ar como se estivesse limpando vapor de um espelho. Um rastreamento complexo de magia apareceu diante dele, que ele se inclinou para ler. —Foi por isso que ele pegou o cajado e foi primeiro à Cidade Sem Fim. É muito mais difícil rastrear o cajado, e eu não seria capaz de dizer por quais dos poços da cidade ele passou se eu não tivesse- Não o vi. Mas agora que ele está se teletransportando sob seu próprio poder - o que ele não tem muito entre nossa recente briga e nossa visita à Cidade - segui-lo será muito fácil. Eu posso finalmente ser capaz de-

Ele ficou em silêncio bruscamente, depois descartou o texto mágico, carrancudo.

—O que há de errado? — Eu perguntei preocupado.

—Eu descobri para onde ele foi. — Respondeu Gwydion, conciso. Ele bateu com o cajado na superfície da balsa de madeira, e um portal se abriu através do qual eu podia ver vagamente os galhos das árvores. Gwydion se aproximou, hesitou e depois olhou para mim.

—Eu deveria te mandar para casa. — Disse ele. —Para onde ele está indo é... inóspito para os humanos. Eu deveria ser capaz de lidar com ele sozinho.

—Como você lidou com ele da última vez? — Eu perguntei. —A vida de Ethan está baseada no que Gil sabe. E sem o Vidro do Artífice, não podemos nem tentar descobrir mais sobre a maldição por conta própria. Não há como não ir com você.

—Onde ela vai, eu vou. — Ethan disse, colocando a mão no meu ombro.

Nós dois olhamos para Cole, que cruzou os braços, ainda um pouco rosado ao redor das orelhas.

—Eu realmente não tenho escolha, tenho? — Ele reclamou. —Se vocês idiotas vão e se matam, não há como eu pegar a vela.

Eu sorri para ele, feliz por ele estar conosco.

—Então está resolvido. — Eu disse. —Todos nós vamos.

—Não é nem remotamente estabelecido. — Argumentou Gwydion. —É a coisa mais distante da solução.

—Você realmente vai discutir comigo depois que eu quase morri salvando você? — Eu perguntei, mãos nos meus quadris.

Gwydion fechou os olhos por um momento, reunindo a compostura.

—Tudo bem. Vocês todos estão vindo. Tenho certeza que isso não vai acabar mal.

Ele pegou o casaco do braço, virou de dentro para fora e entregou para mim.

—Vista isso. Fiquem perto de mim. Não façam barulho e não usem magia, a menos que eu peça. Se nos separarmos... Vocês provavelmente morrerão. Não comam nada. Não cantem nem dancem. Façam tudo ao seu alcance. Não ofendam nada. Não ofereçam ajuda, a menos que seja solicitado, faça-o e não reclame. Aceite o que lhe derem depois, mas se alguém tentar lhe dar algo que você não ganhou, recuse educadamente enquanto vocês podem e espero que eu possa encontrar vocês a tempo de salvá-los. Entendido?

Não remotamente, mas assenti e coloquei o casaco de dentro para fora de qualquer maneira.

—Então vamos acabar logo com isso. — Disse Gwydion com um suspiro.

Sem mais cerimônia, ele atravessou o portal. Eu dei a Ethan e Cole um último sorriso encorajador, depois fui atrás dele, esperando que o que esperasse do outro lado não fosse pior do que o que já tínhamos enfrentado. Mas, pela primeira vez, eu estava menos preocupada com o desconhecido do que com meu próprio poder. Eu ainda não tinha certeza do que tinha acontecido quando tentei curar Gwydion, mas tinha certeza de que isso aconteceria novamente. Em algum lugar no fundo da minha mente, as palavras 'ainda não' ainda ecoavam.

 

 

 

 

 


Capitulo Dez

 

Das sombras frias e cinzentas da Costa DIstante, entrei em um dia perfeito de verão. Era verão também na Terra, mas não assim. Esse era um daqueles dias míticos, a partir de memórias idílicas excessivamente nostálgicas da infância, ou um daqueles filmes inexplicavelmente populares da maioridade, onde algo terrível acontece com o cachorro leal de uma criança. Estava frio o suficiente na sombra para fazer o calor do sol parecer mais calmante do que opressivo. Enormes árvores velhas erguiam-se ao nosso redor, suas folhas lançando sombras verdes na terra rica e escura, seus arcos pesados de frutas. A vegetação rasteira era uma profusão de flores silvestres e frutos maduros. O ar estava denso com o som do canto dos pássaros e o murmúrio musical da água correndo em algum lugar próximo. A luz através das árvores era dourada, quase tangível, e senti uma onda de prazer e excitação estranhos assim que respirei o ar. Tudo, todos os mirtilos gordos, pedras brilhantes e pássaros cantando de suas gargantas vermelhas, estavam positivamente cheios de significado. Qualquer coisa que caísse em meus olhos, desde uma teia de aranha pendurada em prata pendurada sob a sombra de uma raiz de carvalho até as cabeças de sementes douradas da grama alta crescendo em um pedaço de luz solar, me atingiu com uma intensidade que me fez ter certeza de que tocar qualquer parte disso seria embarcar em uma aventura fantástica.

Gwydion estalou os dedos na frente do meu rosto, impaciente, tirando-me do meu devaneio.

—Foco. — Ele insistiu. —Você não deve deixar este lugar colocar seus ganchos em você. Seu charme é um veneno, você entende? Tudo isso é apenas a pele brilhante de um sapo venenoso.

—Mas é tão... mágico. — Eu disse, surpresa com o quão jovem eu parecia, como uma criança na Disney World.

—O que é este lugar? — Ethan perguntou, parecendo tão impressionado quanto eu. Eu olhei para ele quando Cole entrou no portal. A boca de Ethan estava aberta em um espanto frouxo, seus olhos brilhando. Ele parecia mais jovem de alguma forma, as linhas ao redor dos olhos se foram, o peso fora dos ombros. A luz do sol brilhava bastante em seus cachos castanhos escuros e seus olhos dourados. Ele parecia tão magnificamente mágico e importante quanto todo o resto. Ele pegou meu olhar e ouvi sua respiração prender e vi seus olhos se arregalarem.

—Vexa. — Ele disse, suas mãos encontrando minha cintura. —Você parece tão... radiante. Deus, eu nunca vi nada tão-

—Nada disso, nada disso! — Gwydion disse agitando a mão bruscamente entre nossos rostos até nos afastarmos. —Eu sabia que era uma péssima idéia. Concentrem-se, por favor! Você, Cole! Fique fora daqui!

Cole, parecendo tão atordoado e surpreso quanto o resto de nós, olhou para cima, confuso, de onde ele estava vagando em um pedaço de amora, mistificado com as frutas perfeitas, como joias, e pequenas flores brancas de estrelas. Seus olhos, sempre adoráveis, eram de um azul mais brilhante do que eu já tinha visto na Terra. O tom escuro de seu cabelo combinava com o da fruta ao seu redor. A graça de seus membros musculosos quando Gwydion o agarrou pela camisa e o arrastou de volta para nós era absolutamente sublime. Ethan e eu voltamos juntos assim que Gwydion parou de nos separar fisicamente, nossos braços se abraçando como se tivessem sido feitos para isso. Quando Gwydion empurrou Cole para nós, nós o alcançamos ao mesmo tempo. Eu sorri quando toquei sua bochecha, sua pele macia e quente, e pela primeira vez ele não recuou do contato. Ethan segurou o outro lado do rosto, acariciando a linha fina da bochecha com o polegar. Cole fechou os olhos e afundou em nosso toque como um banho quente após um dia difícil.

—Como você pode pensar que não é absolutamente lindo? — Eu perguntei, impressionado com cada mecha de seu cabelo, a curva de sua mandíbula, a cor de seus lábios.

—Você é como uma obra de arte. — Ethan concordou, virando seu sorriso deslumbrante para mim, o calor tão comovente que eu quase podia chorar. —Vocês dois são. Gostaria de saber com quem comparar você. Nunca consigo me lembrar dos nomes. Vexa sempre pode.

Eu sorri de volta para ele, lembrando como quando o conhecemos eu o comparei com o David de Bernini e uma dúzia de outras obras de arte clássica. Eu estava um pouco desorientada na época, mas a comparação se manteve.

—Algo pré-rafaelita. — Eu disse. —Edward Hughes talvez.

—Você é tão inteligente. — Disse Ethan.

—Estou tão feliz que vocês estão tendo um momento de união tão adorável. — Disse Gwydion, tentando nos afastar um do outro. —Mas se vocês tentarem recuperar os sentidos, realmente não temos tempo para uma orgia no momento.

—Isso é... intoxicação mágica. — Disse Cole, esfregando os olhos. Adorei a delicada arte de seus dedos e o tom avermelhado que o atrito colocou em suas bochechas.

—De fato! — Gwydion disse, pingando sarcasmo. —Que bom que você está alcançando! Isso deve desaparecer em breve, mas não podemos dar ao luxo de esperar por isso, nem tenho paciência para ver vocês três se lutarem até que isso aconteça.

Eu me perguntava por que ele estava de mau humor quando era um dia tão perfeito. Mas eu não poderia estar chateada com ele por isso. Ele era bonito demais para se zangar. A luz do sol não parecia tocá-lo, mas quando ele estava na sombra, ele parecia esculpido em mármore frio, frio e sem falhas e brilhando como gelo. Quase doía olhar para ele, como a luz refletindo na neve até ficar ofuscante. E às vezes, quando eu o via pelo canto do olho, ele era mais do que isso. Maior do que eu podia imaginar, e quando ele se moveu, houve um farfalhar de pelos e uma sombra de chifres.

—Ele está certo. — Disse Cole, balançando a cabeça enquanto se distraía brevemente por uma borboleta que passava com asas como vitrais vivos. —Precisamos... Continuar em movimento. Estamos em perigo. Tentem se lembrar do medo.

Eu não queria ter medo, não quando era tão bonito aqui. Mas fiz o meu melhor quando Cole pegou minha mão e me puxou atrás de Gwydion. Peguei Ethan com a mão livre e o puxei. Uma corrente de margarida, como quando éramos crianças. O pensamento me fez rir, o que o fez começar.

Gwydion suspirou cansado. —Pelo menos vocês estão se movendo. Por aqui. Não se afastem. Não há sinal de seu feitiço de teletransporte aqui. Ele deve ter ido mais longe antes de lançá-lo para tentar me expulsar. Mas por que ele arriscaria isso aqui? De todos lugares?

Eu mal ouvia Gwydion e não entendia por que ele não gostava daqui. Ele fez parecer tão perigoso, mas era o lugar mais maravilhoso que eu já vi. Ao atravessarmos as árvores, pequenos pedaços de magia se revelaram entre as folhas. Uma macieira com casca de prata fina estava crescendo perto de um riacho claro, com seus galhos forrados e pesados por frutas feitas de ouro e diamante. Uma cobra com escamas de esmeralda translúcida estava pendurada nos galhos, nos observando com sábios olhos rubis escuros. Tinha uma daquelas bocas fofas de filhotes de píton que são tão adoráveis, mas Gwydion não me deixou fazer amizade com ela.

Mulheres minúsculas, que não eram mais do que meu braço, nadavam através do riacho, pulando como peixes, brilhando rosa iridescente e lavanda como o interior de uma concha, estalando seus minúsculos dentes afiados em insetos. Vi um campo de flores brancas crescer, grande como a palma da minha mão, e no centro de cada uma havia um minúsculo sino de ouro. Quando o vento soprava, eles tocavam tão docemente que Gwydion teve que gritar conosco para nos impedir de vagar neles para nos deitar e apenas ouvir. Cole sugeriu que cantássemos, o que foi uma ideia tão boa que eu o beijei por isso, e ele ficou vermelho e começou a rir e esqueceu sua sugestão até que Gwydion o lembrou, quando ele afastou Ethan de tentar mentir novamente nas flores, que eram tentando envolver tenras videiras verdes ao redor de seus sapatos, como se quisessem que ele ficasse. A única música que todos conhecíamos era Bohemian Rhapsody, e cantamos o mais alto que pudemos por insistência de Gwydion, até deixarmos o campo de flores para trás e ele nos pediu para parar. Mas continuamos esquecendo que ele nos disse para parar e começar de novo. É uma música tão boa, afinal. Nós finalmente paramos quando ele ameaçou fechar nossas bocas com mágica nos fez esconder em um arbusto enquanto uma procissão de árvores andando passava majestosamente.

Quando o desfile de árvores terminou, eu estava finalmente começando a recuperar meus sentidos um pouco, o suficiente para perceber que estávamos com problemas. Embora eu ainda estivesse flutuando e facilmente distraída, eu estava presente o suficiente para olhar para a merda ridícula que acabamos de percorrer e empalidecer com a quantidade ridícula de sério perigo em que estávamos, que eu apenas... não notei.

—Essas flores tinham dentes. — Eu sussurrei para mim mesma, olhando para um fragmento perfeito de céu azul através das folhas acima de nós.

—Finalmente começando a sair disso? — Perguntou Cole. Ainda estávamos sentados no mato. Eu não tinha notado os espinhos antes agora.

—Acho que sim. — Eu disse, esfregando a cabeça. —Mais ou menos. Jesus, eu não estive tão bêbada desde o último ano.

—É o ar aqui. — Disse Cole. —Está tão cheio de magia que você quase pode vê-la a olho nu. É por isso que tudo parece tão...

Ele fez um gesto ambíguo, mexendo os dedos ilustrativamente. Eu imaginei que entendi o ponto dele.

—Graças à lei. — Gwydion reapareceu, arrastando um Ethan tropeçando, que estava sorrindo e segurando uma das flores de sino. —Eu tinha medo que você se afastasse. Eu tive que perseguir esse idiota até o prado. Eu deveria ter deixado eles comê-lo. Eu teria todo o direito!

Ele estava parecendo mais do que um pouco esfarrapado, mesmo através da névoa mágica que o tornava tão etérea adorável.

—Desculpe. — Eu disse, levantando-me inquieta e ajudando Cole a se levantar. —Eu acho que estou começando a descer.

—Provavelmente levará Ethan mais um pouco. — Disse Cole. —Ele não está tão acostumado à magia quanto nós.

Ethan pressionou a flor do sino em minhas mãos. Peguei-a com relutância, olhando para trás como dentes de gancho voltados para os dentes que revestiam a trombeta interna.

—Eu comprei para você. — Ethan disse, e ele estava tão sério e bonito que eu quase esqueci os dentes completamente. —Eu não te dei nada ainda. Preciso te dar coisas, para que quando eu me for, você se lembre de mim.

Ele disse isso sem um pingo de arrependimento ou amargura, o que a fez doer ainda mais. Comecei a dizer algo, insistindo que não era o que iria acontecer, mas não queria estragar a felicidade dele. Eu sabia que ele tinha tido pouco o suficiente ultimamente.

—Obrigada, querido — Eu disse e o beijei. —Eu prometo que nunca, nunca vou te esquecer.

Encantado, ele me pegou e me virou, regando meu rosto em beijinhos.

—Adorável. — Disse Gwydion sarcasticamente. —Podemos seguir em frente? A trilha de Gil está ficando mais fria.

Fiz Ethan me colocar no chão e começamos a andar novamente. Definitivamente, eu ainda estava bem maluca, mas ter pelo menos um pé mais ou menos no chão tornava mais fácil apreciar as coisas realmente incríveis que estávamos vendo, além de ajudar a manter um olho em Ethan, e ocasionalmente até em Cole. Não que eu estivesse muito melhor, sendo desviada por um raio de sol que capturava o ar como se fosse um prisma, arco-íris deslizantes e brilhantes, ou um ninho de coelhos com presas e chifres, que eu percebi que um pouco tarde demais estavam sendo guardados por seus pais igualmente afiados e com chifres. Mas pelo menos agora um de nós geralmente era lúcido o suficiente para pegar o outro. Gwydion tinha um grande potencial como pastor profissional.

E então Gwydion afastou uma cortina de musgo pendurado e todos nós congelamos no lugar como se ficássemos impressionados ao ver o que havia do outro lado.

A alguns metros de distância, pastando pacificamente em uma piscina vernal, havia um unicórnio.

Era, sem exceção, a coisa mais linda que eu já vi. Eu não conseguia acreditar que alguém tivesse convencido as pessoas de que se parecesse com um cavalo. Era um tipo de ungulado, claramente, mas mais como um grande cervo em proporções, com uma cabeça um tanto parecida com uma cabra. A cauda comprida era preênsil, como a de um gato, e adornada no final com os mesmos cachos sedosos e prateados brancos da crina. Seus olhos eram impressionantes além da minha capacidade de descrever. Eles eram ao mesmo tempo profundos, escuros e infinitamente inteligentes, e também brilhavam com mil cores, queimando com a luz interior. Seu chifre brilhava com suave iridescência, como pérola ou nácar, subindo mais de um pé da testa até um ponto que brilhava como uma estrela.

—É...? — Eu sussurrei, minha voz tremendo. —É realmente-?

—Sim. — Disse Gwydion, estendendo a mão para impedir que alguém se aproximasse. —Silêncio. Fora dos tribunais, não há mais coisa perigosa neste lugar. Devemos recuar lentamente, tentar dar a volta.

—Como isso pode ser perigoso? — Eu perguntei, completamente extasiada. —É um unicórnio!

—É exatamente por isso que é perigoso. — Disse Gwydion, impaciente. —Eles são forças primordiais - o conceito de justiça dando forma. Se eles sentirem a menor sombra em seu coração, eles a esculpirão. Eles não podem ser combatidos ou fugir. Depois que decidem matá-lo, nada pode detê-los. Eles podem até matar um fae.

—Isso não parece exatamente justiça para mim. — Disse Cole, franzindo a testa. —Apenas assassinato resumido por qualquer crime? E o que exatamente eles definem como uma 'sombra' no seu coração? Isso me mataria se eu me sentisse culpado por esquecer o aniversário da minha avó?

—Não seja pedante. — Disse Gwydion, virando-se para olhá-lo. —Só estou dizendo que, se você merece morrer, eles saberão.

—Bem, isso é um pouco diferente de 'se houver uma sombra em seu coração'.

—Bem, o julgamento deles sobre quem merece morrer tende a se inclinar pesadamente para todos na minha experiência, então me perdoe por me tornar poético.

—Bem, então eles não são personificados pela Justiça. Justiça verdadeira não ignora o contexto.

Não ouvi a resposta de Gwydion porque já estava na metade da distância entre mim e o unicórnio. Ele levantou sua bela cabeça quando me aproximei, e eu não pude deixar de sorrir. Eu nem estava pensando no perigo. Tudo o que eu conseguia pensar era que esse era um unicórnio real na minha frente. Tudo o que eu sonhava quando menina, todos os livros de fantasia que eu desejava escapar, voltaram correndo para mim como um golpe no peito. Eu não percebi o quanto eu queria isso, neste exato momento, toda a minha vida. Se eu pudesse tocá-lo, apenas uma vez, morreria feliz. O unicórnio, silencioso e perfeito, virou-se lentamente para me encarar.

Ouvi vagamente Ethan começar a gritar meu nome, apenas para ser rapidamente abafado.

—Temos que fazer alguma coisa! — Cole estava dizendo. —Isso poderia matá-la!

—Se interrompermos agora — Respondeu Gwydion severamente. —Definitivamente vai.

Eu não estava com medo. Quem poderia ter medo na presença de algo assim? Ele deu dois passos lentos em minha direção, seus cascos ecoando a cada passo, apesar de andar sobre musgo macio. Eu assisti, impressionada e aberta, enquanto abaixava a cabeça, trazendo seu chifre longo e perversamente afiado ao meu peito. O ponto descansou logo acima do meu coração. De repente, pensei, como se estivesse compelida, a tudo o que recentemente senti culpa. Quando Gwydion se machucou, depois de me envolver nisso por minha causa. Colocando Cole em perigo pela mesma razão. Quando meus vizinhos encontraram o buraco no quintal onde o cachorro morto havia sido 'desenterrado por um leão da montanha', mesmo que o cachorro estivesse ressuscitado e vivendo feliz na casa da minha tia. Aprendendo que meus poderes estavam acelerando a maldição de Ethan. Quando Ethan quase foi morto me protegendo de Aethon. Na maioria das vezes eu tinha visto Ethan ultimamente, honestamente. Se não fosse por mim, ele ainda teria anos. Eu até me senti culpada por fazê-lo ficar comigo. Egoísta. Fazendo-o continuar lutando, mesmo que ele estivesse com medo e com dor só porque eu não queria perdê-lo ainda. Fazendo-o me ver flertar com os homens que eventualmente o substituiriam. Eu deveria ter recusado quando ele se ofereceu para abrir o relacionamento. Eu sabia que ele só estava fazendo isso porque ele não queria que eu estivesse sozinha. Eu deveria ter recusado ele quando ele se ofereceu para me ajudar com isso. Eu nunca deveria tê-lo colocado em perigo. Ele merecia mais que eu. Eu era uma necromante, e o que Julius dissesse, nunca seria capaz de me convencer, muito menos de mais alguém, de que era uma magia puramente inocente. Eu estava cheia de algo sombrio e mau, e não podia mudar isso.

Eu funguei, lágrimas escorrendo pelo meu rosto. Eu sabia que o unicórnio podia ver toda a minha culpa, e a vergonha me fez querer entrar em um buraco e morrer. Eu não tinha medo de que isso me matasse. Eu não estava pensando sobre isso. Eu só queria ser digna disso.

Senti algo molhado cair no meu ombro e abri os olhos. O unicórnio chorava, chorando lágrimas leitosas que se transformavam em cristal quando caíam na grama. Ele levantou o chifre do meu coração e agora encostou a cabeça na minha, como se estivesse tentando me confortar. Joguei meus braços em volta do pescoço sem um momento de hesitação e enterrei meu rosto na seda fria de sua juba. Irradiava contentamento, uma paz profunda e tranquilizadora que me assegurava que tudo ficaria bem. Não era apenas Justiça, como Gwydion pensava. Era a paz que seguia a verdadeira justiça.

—Em todos os meus anos, nunca vi isso acontecer. — Sussurrou Gwydion de onde estavam escondidos, parecendo atordoado. —Eu ouvi histórias, mas...

Respirei fundo, infundindo-me com o máximo de paz possível. A vertigem da intoxicação mágica se foi, mas eu estava feliz por isso. Eu nunca teria tido a coragem de me aproximar sem ela. Então me forcei a me afastar, embora uma grande parte de mim só quisesse seguir o unicórnio para sempre. Havia pessoas que ainda precisavam de mim aqui. E alguém que precisava disso muito mais do que eu.

—Vexa? — Ethan disse inquieto. —Você está bem?

Eu me virei para eles, sorrindo enquanto esfregava as lágrimas do meu rosto.

—Sim. — Eu disse. —Eu estou bem.

Estendi a mão para Ethan, acenando para ele avançar.

—Não faça isso. — Disse Cole. —Ela claramente perdeu a cabeça.

Ethan parecia nervoso, mas saiu de trás do mato, caminhando em nossa direção com cautela. O Unicórnio fez um barulho baixo e desapontado, como um cavalo, e se levantou um pouco, mas eu joguei meus braços em torno dele novamente, acariciando seu pescoço até que ele se acalmasse e deixasse Ethan se aproximar.

—Não tenha medo. — eu disse, pegando sua mão. —Não vai machucá-lo. Se pode chorar por mim, vai te amar.

Ethan não parecia certo, mas quando ele olhou para o Unicórnio, pude ver a admiração em seus olhos tão poderosos e profundamente enraizados quanto os meus. Eu não tinha sido a única sonhando com esse momento.

O unicórnio colocou seu chife no peito de Ethan, e vi as lágrimas nos olhos dele quase imediatamente. Ele soluçou, o ombro tremendo, enquanto revivia a culpa que o unicórnio havia trazido diante dele.

—Não olhe. — Ele implorou ao unicórnio, não a mim. —Eu não sou - eu não sou como-

Eu vi a ponta do chifre do unicórnio afundar no peito de Ethan apenas o suficiente para tirar sangue. Agarrei a mão de Ethan novamente, apertando com força.

—Seja honesto. — Insisti. —Você tem que olhar para tudo. Você tem que deixar que isso faça parte de você.

Ethan balançou a cabeça e senti um tremor de medo quando o chifre do unicórnio afundou um pouco mais fundo, com medo de ter cometido um erro. Mas não havia mais nada que eu pudesse fazer. Não havia nada que eu pudesse dizer agora. Ethan sabia que eu estava aqui, que o apoiaria, não importa o quê. O problema não estava comigo ou com mais ninguém. Era em Ethan.

O chifre afundou mais e eu agarrei a mão de Ethan, com medo de tê-lo levado à morte.

—Eu te amo. — Eu disse, a primeira vez que disse as palavras. A primeira vez que estive realmente, realmente certa de senti-las. —Ethan, eu te amo muito.

Ethan estremeceu, depois apertou minha mão.

—Tudo bem. — Disse ele, um som de aceitação cansada. —Bem.

A tensão sumiu dele, embora as lágrimas caíssem rápido e com força. O chifre do unicórnio recuou, não deixando feridas nem sangue. Deitou a cabeça ao lado da dele por um momento, antes que ele caísse de joelhos na grama. Caí ao lado dele, segurando-o perto. Ele tremia, ainda chorando muito.

—Vê? — Eu sussurrei. —Eu sabia. Eu sabia que pensaria que você é tão incrível quanto eu.

Ele soluçou, maravilhado e incrédulo em seus olhos quando olhou para o unicórnio. Mas quando ele olhou para mim, havia apenas amor em seus olhos.

—Eu também te amo, Vexa. — Disse ele. —Muito.

Ele me puxou para um beijo aos pés do unicórnio, que pressionou o nariz na têmpora de Ethan e depois na minha, antes que ele se virasse e se afastasse na sombra das árvores.

Fiquei de pé instável e puxei Ethan comigo enquanto Cole e Gwydion saíam cautelosos dos arbustos. Ethan me abraçou com força, e eu o abracei de volta, meus pensamentos ainda nos arrependimentos que o Unicórnio havia me mostrado. Não tinha falado ou compartilhado nenhuma sabedoria, mas a sensação de paz que me enchia me dava um tipo estranho de clareza, uma distância daqueles sentimentos que os tornavam mais fáceis de lidar. Eu esperava que Ethan sentisse o mesmo. Eu esperava que algo tão puro e mágico, declarando-o digno, aliviasse um pouco da dor contida dentro dele.

Cole me surpreendeu jogando os braços em volta de nós dois, a cabeça no meu ombro.

—O que eu acabei de dizer sobre fazer coisas estúpidas e perigosas? — Ele repreendeu, sua mão segurando firmemente as costas da minha camisa. Não pude deixar de sorrir com sua preocupação relutante. Ethan retornou meu sorriso, nós dois emocionalmente exaustos, mas cheios pela profunda paz do julgamento do unicórnio.

—Tenho certeza que você só me disse para não explorar fontes mágicas poderosas. — Provoquei. —Você não especificou que eu não deveria fazer nada perigoso.

Ele levantou a cabeça para me encarar.

—Você tem alguma ideia de como será inconveniente para mim se você morrer? — Ele disse.

—Bem, eu não gostaria de ser um inconveniente. — Eu disse com uma risada.

—Tarde demais. — Declarou Gwydion se aproximando de nós, colocando algo no bolso.

—Sua preocupação é comovente. — Eu disse a ele por cima da cabeça de Cole, depois coloquei um braço em volta de Cole para atraí-lo com mais segurança para o abraço, Ethan fazendo o mesmo. Cole ficou tenso sem jeito, mas não se afastou. Talvez fosse um pouco da intoxicação mágica ainda o afetando. Eu tinha certeza de que era o que ele culparia de qualquer maneira.

—Eu tenho certeza que isso faz com que vocês dois sejam dignos de serem reis da Inglaterra. — Disse Gwydion casualmente, claramente tentando entender tudo, como se eu não tivesse visto o medo dele. —Eu tenho a espada em casa, se vocês estiverem interessados.

Ethan abafou uma risada no meu ombro.

—Vou considerar. — Eu disse a Gwydion com um sorriso. Ele zombou com um arco, depois endireitou as roupas e limpou a garganta.

—Agora, realmente precisamos nos mexer. Magia assim vai atrair-

Ele foi interrompido por uma flecha acertando-o no peito.

Ele voou para trás, esparramando na grama. No mesmo momento, Cole e Ethan desabaram em ambos os lados de mim. Muito horrorizada para reagir, eu só podia ver uma fila de arqueiros emergir das árvores, flechas batendo, lideradas por um homem com barba dourada e uma coroa brilhante.

—Vocês invadiram a terra sagrada de Tir Na Nog. — Declarou o homem. —A rainha exige suas presenças.

 

 

 

Capitulo Onze


O charme que os fae costumavam colocar Ethan e Cole para dormir não funcionou em mim, provavelmente graças à jaqueta de Gwydion, então tive o prazer de ser amarrada e arrastada para as costas de um cavalo atrás do homem barbudo, algo que discordei veementemente, mas não pude fazer muita coisa. Não que eu não tentei. Convoquei todas as coisas mortas na área que pude alcançar, incluindo algum animal maciço e trêmulo que eu nem reconheci, e fui prontamente e completamente desligada com alguns gestos casuais dos fae. Eu poderia muito bem nem ter me incomodado. Eu consegui dar um tapa em alguns deles com necrose quando eles foram me amarrar e deram um bom chute, mas naquele momento, tudo que eu estava salvando era meu orgulho.

Eu assisti, doente de ansiedade, enquanto jogavam Ethan, Cole e Gwydion nas costas de seus cavalos, nem mesmo removendo a flecha de Gwydion, e nos levavam embora.

Não tínhamos andado muito tempo antes de chegarmos a um caminho verde, que logo se tornou uma estrada de terra bem trilhada e depois pavimentada um pouco mais em tijolos de pedra. A essa altura, o palácio já estava à vista.

Um imenso e reluzente edifício dourado, repleto de pináculos e filigrana, parecia algo que a Disney rejeitaria por ser exagerado demais. A vegetação caía em cascata de todas as paredes e janelas, flores quase mais comuns que o onipresente trabalho de pergaminho dourado. Era bonito, com certeza, mas não tinha nada no Unicórnio, e de qualquer maneira, eu estava ocupada sendo absolutamente irritada como o inferno.

Por fim, eles nos levaram a um enorme jardim no pátio, tão denso com plantas que dificilmente parecia haver espaço para as pessoas, cercados por todos os lados por finas colunas de mármore branco. Um maciço carvalho ficava em uma extremidade do pátio, e seu tronco fora cultivado, não esculpido, na forma de um trono elaborado, cravejado de pedras preciosas e marfim.

A mulher que estava sentada era, sem dúvida, uma rainha. Você poderia dizer que ela era uma rainha mesmo sem a coroa ou o lindo vestido dourado. Ela teria sido uma rainha completamente nua. Um lampejo daqueles olhos escuros deixaria isso claro. O fato de ela ter pelo menos o dobro da altura de qualquer outra pessoa aqui também pode ter contribuído para sua aura de superioridade real.

Sendo Rainha do Verão, eu meio que esperava uma loira, talvez uma ruiva. Mas o cabelo de Titania era o preto do solo rico, sua pele tão escura quanto uma noite de verão. Ela brilhava como o coração do sol e segurava um cajado de ouro em uma mão, que parecia ter uma estrela viva em sua cabeça de filigrana.

Fomos trazidos à sua frente, eu caminhando entre dois guardas e os outros três jogados sem cerimônia. O homem barbudo se ajoelhou para arrancar a flecha do peito de Gwydion. Assim que saiu, Gwydion acordou, tossindo e engasgando.

Lancei um rápido olhar para os homens de ambos os lados, depois chutei um na virilha e balancei os punhos amarrados para atingir a outra força total no rosto. Enquanto eles estavam cambaleando, corri para Gwydion, convocando um enxame de insetos para manter os guardas afastados enquanto eu o arrastava até nossos companheiros inconscientes.

 

—Teleporte-nos para fora! — Eu disse a Gwydion, tentando freneticamente manter os insetos mortos entre mim e os guardas, que pareciam apenas levemente aborrecidos por eles e não com pressa de me recapturar.

—Não posso. — Disse Gwydion, ainda sibilando.

—O que você quer dizer com não pode?

—Obrigada, Hern. — Titania disse graciosamente para o homem barbudo, ignorando minha tentativa de fuga completamente. —Por favor, remova o charme dos outros dois. Estou muito curiosa em saber o que os trouxe ao nosso reino.

Hern curvou-se profundamente, depois acenou com a mão e Ethan e Cole sentaram-se um momento depois, piscando em confusão.

—É o suficiente. — Disse Titania, e os insetos que eu estava controlando se transformaram em uma chuva de pétalas de flores instantaneamente, sem o menor gesto dela. Eu peguei qualquer outro poder que eu tinha e não encontrei nada. Apenas a paz prolongada do toque do unicórnio me impediu de surtar completamente. Os olhos escuros e brilhantes de Titânia voltaram-se para Gwydion, assim como os do resto da corte, que estavam quase invisíveis entre as flores do jardim, verdes e brilhantes. Pelo canto do olho, eles não pareciam humanos. Vi carapaças cambiantes e asas e olhos iridescentes cintilantes como jóias multifacetadas.

—Gwydion Greenwood. — Ela falou, e sua voz tremeu no ar e fez as flores girarem em sua direção. —Pensei em ver seu irmão ajoelhado diante de mim em uma dessas noites. Mas você não esperava. Você sempre preferiu os reinos mundanos.

Eu não precisava saber muito sobre faes para saber que isso era um insulto.

Gwydion recuperou o fôlego e lutava de joelhos. Ajudei-o tanto quanto me atrevi, com medo de tirar os olhos da rainha. Gwydion, pelo contrário, nem sequer a olhava. Ele manteve a cabeça baixa e a postura baixa.

—E ainda aqui está você. — Titania continuou. —E com um bando de humanos não menos. Que planos fascinantes você deve ter. Por favor, compartilhe-os.

—Nossa chegada aqui não foi intencional, Vossa Majestade. — Disse Gwydion, a cabeça tão baixa que seus cabelos roçaram o mosaico vidrado. —Um ladrão roubou algo meu e fugiu através de um portal. Foi por coincidência que o ladrão escolheu este lugar como destino.

—Nós dois vivemos muito tempo. — Disse Titania casualmente. —Muito tempo para acreditar na coincidência.

—Então claramente o ladrão sabia que me levar até aqui atrairia sua atenção e me impediria de seguir. — Disse Gwydion rapidamente. —Mas você deve saber que eu não voltaria a esse lugar de bom grado.

—E ainda aqui está você. — Disse Titania novamente. —E Hern, o melhor caçador da minha corte, não viu vestígios de sua pedreira. Somente você, perambulando pelo território que lhe era proibido antes do seu exílio.

—Vossa Majestade. — Disse Gwydion, e pude ver suor em sua testa. —Eu nunca tentei interferir nos seus assuntos. Mesmo antes das tolices que levaram à minha... partida. Você sabe que não tenho ambições.

—Você não tinha. — Titania confirmou casualmente. —Mas você passou mil verões entre os humanos, e quem sabe que influências tóxicas suas mentes mesquinhas podem infligir? Talvez você tente recuperar sua posição entre os Invisíveis, ganhando-lhes uma pequena vitória contra nós, nesta nossa época de supremacia?

—Não, Majestade, eu nunca...

—Você roubou o meu reino. — Disse Titania, uma onda de calor saindo do trono, o que me deixou tonta e com sede. —Sem aviso prévio em um jardim onde sua espécie sempre foi proibida, trazendo com você criaturas mortais com magia repugnante para suas almas, e você espera que eu acredite em suas intenções puras? Você me aceita como uma tola, Gwydion Greewood? Sílabas do seu verdadeiro nome - Sol à meia-noite, Espelho de Gelo, Canção de arrepio - eu poderia torcer você em mil formas e plantá-lo como uma das minhas árvores.

Enquanto ela falava, o calor aumentou até que eu mal conseguia respirar, como estar diante de uma fornalha no deserto. Gwydion se enrolou em si mesmo, a pele brilhando com suor, o cabelo mole. Eu podia ver a agonia em seu rosto e meio que esperava que ele evaporasse, um fio de vapor como um floco de neve caindo no fogo. Em vez disso, seus membros torceram e tensionaram, sua pele ficou escura, rachando em casca.

—Meu jardim pode usar uma ou duas sempre-vivas. — Disse Titania com crueldade preguiçosa.

Ethan e Cole estavam sofrendo sob o calor da mesma forma que eu, e os dois ainda estavam se recuperando da confusão do feitiço de dormir de Hern. Eu podia ver Cole se esforçando para encontrar sua mágica e não encontrando nada ao seu alcance. Ethan empurrou o Lobo para a superfície, mas a exaustão pelo calor diminuiu sua força e deixou seus dentes sem brilho e suas garras mal estendidas. Meus braços estavam em volta de Gwydion e, entre meus dedos, brotavam galhos, afiados com agulhas de pinheiro.

—Pare! — Eu exigi, com toda a força que pude reunir, o som ainda fraco dos meus pulmões sem ar. —Não foi culpa dele! Foi Gil-

De repente, o calor desapareceu e a casca desapareceu da pele de Gwydion.

—Então, foi Gilfaethwy quem voltou primeiro. — Disse Titania com um sorriso doce. —Por que você não mencionou que era seu irmão que você estava perseguindo? Eu poderia ter adivinhado. Ele sempre estava roubando seus brinquedos. Foi isso que levou você a essa confusão em primeiro lugar, não foi, querido?

Gwydion não conseguiu falar. Ele estava tremendo muito e mal conseguia se segurar. Lembrei-me com súbito medo como o que Gwydion havia dito que os Unseelie fariam com ele se ele voltasse. A Corte de Verão faria o mesmo e o torturaria para alcançar Gilfaethwy?

Lutei de pé, aproveitando a sensação de paz que o Unicórnio me deixou como se fosse uma piscina parada no meu coração.

—Gwydion não é seu para punir. — Eu disse e ouvi um murmúrio de choque e até risadas correndo pela corte reunida. Eu senti que provavelmente deveria ter me curvado ou adicionado uma 'Sua Majestade' antes de desafiar diretamente seu poder, mas era tarde demais para isso agora. —Ele não pertence ao seu tribunal.

Titania levantou uma sobrancelha escura e sorriu, divertida.

—Vejo você seguir uma nova rainha hoje em dia, Gwydion. — Disse ela, e tentei ignorar o rubor em minhas bochechas com a zombaria em seu tom. —Foi ela quem colocou o cheiro da morte em você?

Gwydion ainda não conseguia controlar as palavras. Ele agarrou o tornozelo das minhas calças com as mãos trêmulas, claramente tentando me fazer calar a boca de qualquer maneira.

—Bem, pequena rainha. — Titania disse com seu sorriso venenoso. —É verdade que não é da minha conta julgar os crimes dos quais ele originalmente fugiu. Mas ele passou por aqui, um Unseelie em Seelie pousa, e por isso tenho todo o direito da lei de exigir sua vida.

—Mas então você perderia Gilfaethwy. — Eu apontei, pensando rapidamente e puxando a primeira razão que eu consegui pensar na minha bunda. —E você nunca teria a chance de puni-lo pelo que ele fez.

Titania considerou isso, uma mão delicada em sua linda bochecha.

—Verdade. — Ela concluiu finalmente. — Mas o que me impede de poupar a morte de Gwydion? Em minha infinita misericórdia, talvez eu lhe conceda sua vida e apenas o castigue, infligindo toda tortura inteligente que minha corte possa conceber até que seu querido irmão se mostre apenas para acabar com a dor?

A mão de Gwydion apertou meu tornozelo, e o medo como água gelada em minhas veias fez o calor terrível da rainha parecer morno.

—Porque não funcionaria. — Eu disse, as palavras parecendo sair dos meus lábios antes de pensar completamente nelas. Procurei alguma justificativa para o que tinha acabado de dizer, ainda me perguntando por que o havia dito. —Ele... Gilfaethwy tem algum novo tipo de magia de proteção nele. É... provavelmente porque o seu caçador não o notou, mesmo que ele estivesse no seu território por mais tempo do que nós. Provavelmente bloqueia a conexão dele com Gwydion. Você poderia torturá-lo para sempre e Gil nunca sentiria nada.

Isso era absolutamente besteira. Eu não sabia disso. Gwydion mencionou de antemão que Gil tinha algum tipo de escudo impedindo Gwydion de usar o Vidro do Artífice nele. Era um alcance e meio afirmar que o impediria de sentir a outra metade de sua alma sendo torturada. Mas eu disse isso com tanta confiança quanto pude, olhando a rainha em seu rosto radiante, embora queimasse como se olhasse diretamente para o sol, e a vi reclinar em seu trono com uma expressão pensativa. Havia queimaduras ardentes nos braços do trono vivo onde suas mãos estiveram.

—Que pequena rainha interessante você encontrou. — Titania disse a Gwydion, que ainda estava ajoelhado aos meus pés, os dedos segurando minhas calças como se estivesse tentando rasgá-las. —Estou intrigada. É tão raro hoje em dia ver algo novo e divertido. Os humanos podem ser terrivelmente cansativos em números, mas sinto falta dos dias em que esses raros mortais excepcionais decidiram fazer algo tolo. Eles são terrivelmente estúpidos e inventivo. As mentes imortais tendem a se apegar à ideia de que já tentaram de tudo e o que não tentaram não vale o esforço. Isso as torna insuportavelmente entediantes.

—Honestamente, eu já vi essa atitude em muitos humanos. — Eu disse, um pouco tonta de estresse.

A rainha riu, um som clamoroso como sinos de metal tocando e tempestades de verão. Isso me abalou tanto que quase caí no chão ao lado de Gwydion.

—Bem, então, pequena rainha. — Disse Titania, cruzando as pernas e arrumando as saias com um segundo par de braços que eu ainda não havia notado. —Por favor, me diga como você resolveria esse problema. Estou muito curiosa para ouvir.

Engoli em seco e olhei para Gwydion, que balançava a cabeça sutilmente. Um olhar para Cole o viu também balançando a cabeça, com muito mais ênfase, e Ethan gesticulando com a mão esticada na garganta, no sinal universal de 'cale a boca antes que você morra'.

Eu decidi ignorá-los.

—Penitência. — Disse à rainha. —O castigo para nós quatro que invadimos deve ser penitência. Nós o pagaremos por nosso crime, trazendo a você alguém culpado de um crime muito maior. Vamos lá, vamos pegar Gilfaethwy e trazê-lo de volta a você para julgamento.

A boca perfeita de Titania se curvou em um sorriso largo e de dentes afiados que me fez lembrar de um gato de Cheshire.

—Que sugestão divertida. — Disse ela. A mão de Gwydion caiu da minha perna e Cole escondeu o rosto nas mãos. —Oh, já faz muito tempo desde que eu tive a chance de brincar com humanos. Outros Fae já conhecem todos os passos. Você nunca pode realmente vencer, ou apenas por centímetros. Que delícia ver alguém tropeçar diretamente em seu próprio sentido, mortes pela primeira vez. Eu nem precisei sugerir nada. Delicioso!

Meu estômago afundou aproximadamente 13 quilômetros na terra.

—Muito bem. — Disse Titania, batendo com o cetro no azulejo, que tocou como sinos. — Aceito. Vou perdoá-los pela invasão e permitir que vocês saiam, com a condição de voltar com o traidor Gilfaethwy e entregá-lo a mim. Como sou generosa, darei uma quinzena para protegê-los. Ao meio-dia daqui a duas semanas, se você não o trouxerem para mim, a penitência falhará e farei o que eu quiser com todos os quatro.

Fomos sumariamente expulsos do palácio. Sentamos na terra além de seus portões, recuperando o fôlego.

—Sua idiota. — Cole gemeu, com o rosto ainda nas mãos. —Você completa... Deus! Você nunca leu um conto de faes em sua vida?

—Eu não tive escolha! — Eu disse defensivamente. —Ela teria matado a todos nós! Pelo menos eu ganhei algum tempo.

—Ela não teria matado nenhum de nós! — Cole estalou. —Ela teria torturado Gwydion, talvez o trocado pelos Unseelie. Mas somos humanos enganados aqui por um Fae exilado que não é da sua corte. Ela não tinha poder sobre nós. Ela poderia ter tentado nos enganar para ficar ou fazer coisas de outra maneira. - difícil para nós, mas ela não poderia nos matar. Pelo menos até que você prometeu todas as nossas vidas a ela em troca de Gil!

Eu fiquei vermelha, envergonhada.

—Eu não sabia disso. — Eu disse, me sentindo uma idiota. —Fiz o melhor que pude!

—Além disso, devo lembrá-la. — Disse Gwydion em voz baixa, ainda sentado com a cabeça entre os joelhos. —Que se conseguirmos e levarmos Gilfaethwy até ela, a morte dele será minha também?

Engoli em seco.

—Ela querer Gilfaethwy mais do que você era a única alavanca que tínhamos. — Eu disse. —Nós vamos descobrir alguma coisa. Pelo menos agora temos algum tempo.

Gwydion respirou fundo, depois se levantou lentamente, oferecendo-me uma mão para meus pés também.

—Você está certa. — Disse ele, mantendo a voz muito calma, embora ele não olhasse para mim. —Não houve melhor curso de ação. Você preservou todas as nossas vidas, mesmo que por enquanto. Agora, precisamos ir e encontrar meu irmão; nesse momento, pretendo dividi-lo em dois, jogar metade no colo da rainha e levar a outra casa para viver o resto de sua vida miserável na menor e mais desconfortável gaiola que eu puder encontrar.

—É um plano. — Eu disse com um encolher de ombros. —Eu vou levar.

—Pergunta. — Ethan interrompeu. —Uh, então, primeiro de tudo... Essa era a rainha dos fae?

—Um deles, sim. — Respondeu Gwydion, relutante.

—Este lugar é de onde os fae vêm? — Ethan assumiu, gesticulando amplamente para Tir Na Nog.

—Não. — Disse Gwydion com um suspiro. —Esta é apenas a sede da Corte Seelie. Francamente, não se sabe de qual das Outras Terras os Fae emergiram, e supõe-se que o acesso a esse lugar tenha sido perdido.

—Como chegamos lá? — Ethan perguntou, ignorando as questões maiores que a declaração levantou. Repeti brevemente tudo o que havia acontecido entre Gwydion sendo alvejado e eles acordando em frente à rainha. Gwydion esfregou a flecha no ombro com uma careta como eu mencionei.

—Tudo bem. — Ele disse, balançando a cabeça. —Acho que já entendi. Mais uma pergunta. Como vamos encontrar Gil?

—Eu posso ser capaz de ajudá-los com isso.

Erguemos os olhos quando o homem de barba e a coroa de ouro, Hern, saiu dos portões do palácio ao nosso lado.

—Sua Alteza. Por que você nos ajudaria? — Gwydion perguntou sem rodeios.

—Sou o melhor caçador da Corte de Verão. — Respondeu Hern, igualmente direto. — Minha sombra na corte de inverno tem uma posição semelhante. Nenhum de nós jamais deixou escapar uma coisa que declaramos presa. Para que seu irmão tenha passado por meu território despercebido, e eu passo por sua trilha e não a sinta, é um insulto indescritível. Se minha sombra soubesse disso, a vergonha acabaria com nós dois. Devo segui-lo, pelo menos até onde ele foi em Tir Na Nog, por minha própria honra.

—Então você terá sua honra e nossa gratidão, rei Hern. — Gwydion confirmou.

—Eu também vou ter isso. — Disse Hern, apontando para mim. Meus olhos se arregalaram por um momento, antes que ele esclarecesse. —Ali, no seu casaco. No bolso. A chave que abre as portas entre os mundos.

Enfiei a mão no bolso do casaco de Gwydion e minha mão se fechou em torno de algo de madeira. Quando o tirei, ele se transformou em Cajado de Abeona. Gwydion empalideceu.

—Você não retribuirá meus esforços em seu nome com mera gratidão vazia. — Disse Hern. —Você vai me dar isso, e eu expandirei minhas áreas de caça para todos os mundos.

—Tenho outras bugigangas. — Afirmou Gwydion. —Coisas de muito mais utilidade para você do que para o pessoal. O Chifre de Caça que sua sombra perdeu na última vez que a Caçada Selvagem atravessou o reino mortal. Um sapato lançado do casco de Sleipner, que dará a qualquer montaria que a use a velocidade do rei dos cavalos.

—É esse cajado que eu quero. — Declarou Hern. —E eu terei isso ou nada.

—Então nada. — Disse Gwydion entre dentes. —E vamos encontrar Gilfaethwy por conta própria.

—Você confundiu minha oferta de caridade. — Disse Hern, frio e alto, a luz brilhando em sua coroa. —Caçarei Gilfaethwy com ou sem você. E se você me recusar, certamente o encontrarei diante de você e o devolverei à minha rainha pelos dentes dos meus cães. Aceite minha ajuda, me dê o cajado e eu lhe darei um avanço.

Até eu poderia dizer que estávamos sem opções.

—Precisamos pegá-lo. — Eu disse, interrompendo a despeito do quão ruim meu acordo foi na última vez. —Podemos dar a você depois que ele for entregue à rainha?

Hern considerou por um momento.

—Eu exigiria um vínculo. — Disse ele. —Garantia para garantir o pagamento. Um dos humanos faria.

—Não. — Eu disse imediatamente.

—Eles não seriam prejudicados. — Insistiu Hern. —E seria devolvido imediatamente após a entrega da equipe.

—Algo mais. — Eu insisti. —Nenhum humano.

—Aqui. — Gwydion enfiou a mão no casaco que eu ainda estava vestindo e tirou outra coisa, que reconheci após um breve vislumbre como o Espelho Branco e rapidamente desviou os olhos. —Isso. Você estava lá na noite do erro de Gilfaethwy. Você sabe o quanto eu o valorizo e o que significaria se fosse perdido para mim. É um seguro muito maior do que a vida de algumas espécies de pássaros como esses.

Hern pensou por um momento e depois balançou a cabeça.

—Essa coisa ofende os olhos da minha rainha. Eu não aceitaria isso por nenhum preço. É o cajado, ou nada.

Troquei um olhar com Gwydion, que rangeu os dentes e finalmente tirou o bastão de mim, entregando-o a Hern.

—O acordo está fechado. — Disse Hern, encolhendo o cajado e enfiando-o em seu gibão de ouro. — Encontrarei por qual porta Gilfaethwy saiu de Tir Na Nog e deixarei vocês para segui-lo por três noites. Quando a lua surgir na quarta noite, irei atrás dele eu mesmo. Se vocês não devolverem o traidor à rainha, então eu irei, e vocês se renderão à misericórdia da rainha como fracassos. Corram e eu os caçarei até o fim de todos os mundos.

 


Capitulo Doze


Nosso prazo foi reduzido de quinze dias para três dias e seguimos Hern, o Caçador, de volta às florestas de Tir Na Nog. Nós três já estávamos completamente sóbrios, a maravilha infantil da intoxicação mágica, fadada a uma desconfiança ansiosa de tudo o que viamos.

Hern nos emprestou cavalos para cavalgar ao lado de sua equipe de caça, em troca de três sílabas com o nome verdadeiro de um cavaleiro Unseelie que era o rival de alguém que ele gostava. Eu estava começando a aprender que segredos e favores eram a moeda corrente aqui, e absolutamente nada era dado livremente.

—O conceito de dívida é abominável para os Fae. — Explicou Cole quando mencionei isso. —Deixar uma dívida não paga é deixar outra pessoa com poder sobre você, em um sentido muito literal. Se Hern tivesse nos dado os cavalos e Gwydion não tivesse insistido em discutir como estava pagando por eles antes de aceitar, ele o faria. Deu a Hern um cheque em branco para nos deter mais tarde. Ele poderia ter exigido qualquer coisa, e Gwydion teria sido obrigado pela lei a entregá-lo. É por isso que alguns Fae ficam tão irritados se você tentar agradecê-los ou pagá-los.

—Então, o que Gwydion estava dizendo que Hern teria nossa gratidão mais cedo? — Eu perguntei.

—Foi um truque. — Disse Cole com um encolher de ombros. —Hern fez uma oferta padrão de um favor, que apenas um idiota aceitaria, mas é a abertura tradicional. Gwydion tentou interpretar a oferta de Hern como algo que Hern estava fazendo por si mesmo, não um favor que incorreria em dívida aberta ou um serviço que seria exigir pagamento, já que coincidentemente estaríamos nos beneficiando de seus esforços. Ele provavelmente passou muito tempo com seres humanos. Se Hern fosse estúpido, ele poderia ter entendido isso como um cheque em branco e aceito. Mas considerando que parece que Hern é o favorito da rainha no momento, ele provavelmente não é burro, e a implicação o insultou. Hern imediatamente esclareceu que estava oferecendo um serviço, exigiu um preço que sabia que Gwydion não gostaria de pagar e acrescentou uma ameaça em boa medida, como ele estava considerando, Hern teria tido motivos para atacá-lo pelo insulto.

—Deus, faes são uma merda. — Eu disse, esfregando a mão no rosto.

—Amém. — Ethan entrou na conversa.

As montarias de faes, pelo menos, eram extremamente bem comportadas. Eles eram um passeio mais suave do que a maioria dos carros em que eu tinha estado e não exigiam nenhuma direção de nós, o que era bom, já que apenas Ethan realmente sabia andar. Cole nunca tinha visto um cavalo de perto e ficou um pouco intimidado por toda a situação.

Passamos novamente pelo prado das flores de sino, e os cavaleiros de Hern tocaram uma música de marcha, um grande coro de vozes masculinas tão poderosas e unificadas que sacudiram as árvores e abafaram completamente o toque dos sinos. Eu não sabia dizer o que eles cantavam, as palavras derretiam no cérebro como manteiga na boca. Mas eu sabia que isso fazia meu sangue pulsar e meu coração disparar de emoção, ansioso para correr, perseguir e ser perseguida. Caçar e ser caçada. Não era a compulsão emocionante de muitas das outras influências que eu ouvi desde que estive aqui. Teria sido fácil confundir o desejo com o meu. O que, penso, só o tornou mais perigoso.

Passamos pela clareira onde vimos o Unicórnio, e vi Gwydion convocando a tela cheia de texto mágico novamente, procurando sinais de Gilfaethwy e ficando cada vez mais frustrado com o passar do tempo. Mas Hern avançou com total confiança e sem hesitação, parando apenas raramente para consultar o bando de cães excitáveis que vagavam em torno dos cascos de seu cavalo, que decolariam em uma cavalgada multicolorida de latidos animados em uma direção ou outra, e Hern faria orientar a equipe de caça para segui-los.

Finalmente, no que parecia um prado arbitrário entre as árvores, os cães começaram a latir e uivar, correndo em torno de um ponto no centro do prado.

Hern desceu do cavalo e se inclinou para tocar a grama, pensativo. Gwydion examinou sua tela mágica, os olhos disparando freneticamente, mas eu pude ver que ele não viu nada.

—Encontrei a pedreira. — Hern anunciou, endireitando-se.

—Como?— Gwydion exigiu. —Não há vestígios mágicos de Gilfaethwy em lugar algum!

—Claro que não. — Respondeu Hern. —Não acompanho a trilha dele há algum tempo.

Gwydion cuspiu em indignação.

—Sua sombra é inteligente. — Continuou Hern. —Ele colocou um pouco de sua vontade em uma corça comum. Ele vagou pelos seus negócios, criando uma pista falsa óbvia, enquanto a sua melhor e mais escondida seguiu um caminho mais direto. Vestindo a forma da mesma corça, ele foi aos gnomos e os faes de barro. Assim que soube que ele seguira naquela direção, soube o que ele planejava e nos trouxe aqui.

—Onde é aqui? — Eu perguntei, olhando em volta para a clareira normal.

—Ele não tinha ajudantes. — Reuniu Gwydion. —E ele não pôde ficar aqui por tempo suficiente para recuperar o poder de se teletransportar novamente. Ele negociou com os gnomos para lhe abrir uma porta para os Campos Escuros.

—Só assim — Hern concordou. —E provavelmente pagou um preço caro por isso. Felizmente, eu conhecia esse lugar e, portanto, não temos motivos para negociar com o povo da terra a passagem para o seu lugar ancestral.

Ele assobiou e seus cães começaram a circular novamente no centro do prado, correndo cada vez mais rápido, até que eram apenas um borrão manchado e um uivo alto e estridente.

Quando não puderam ir mais rápido, dispersaram-se de uma só vez, cada cão correndo em outra direção para queimar o momento antes de retornar a Hern, que os cumprimentou com tapinhas e guloseimas em seu alforje.

Onde eles estavam correndo, um buraco se abriu na terra.

Era o buraco mais escuro que eu já tinha visto, com as mesmas qualidades vazias sem fundo que o vazio atrás das portas no julgamento da porta demoníaca azul.

—O caminho está aberto para vocês. — Declarou Hern. —Vão em frente, e boa caça. Estarei atrás de vocês daqui a três dias, e se a presa tola permanecer nos reinos mágicos, duvido que demore mais de um dia para capturá-lo. Se ele for para na Terra, pode me levar três. Então, eu sugiro que você se apressem.

—Sua ajuda é apreciada. — Disse Gwydion, tenso. —E devidamente paga.

Hern assentiu. —Não há dívida. No entanto...

Gwydion deu um passo em direção ao buraco e parou enquanto Hern falava. Hern avançou com um belo cão de visão prateado, elegante e comprido, com finos olhos escuros.

—Eu estaria disposto a lhe emprestar um dos meus cães. — Disse ele. —Ela é mais esperta do que a maioria dos fae, mais veloz que a luz e totalmente implacável. Ela teria sua sombra em suas mandíbulas ao amanhecer. Tudo o que eu pediria em troca é um dos seus humanos. O espinhoso de cabelos escuros, talvez. Ele faria um excelente terrier.

—Não, obrigada. — Eu disse antes que Gwydion pudesse responder, não querendo arriscar. —Nós temos nosso próprio cão.

Eu dei um tapinha em Ethan com um sorriso brincalhão.

—Isso não é um cão de caça. — Respondeu Hern, sem deixar vestígios de sorriso no rosto. —Isso é um lobo. Ele não tem mestre, e qualquer homem tolo o suficiente para tentar treiná-lo logo encontraria sua garganta nos dentes. Se você perguntar a minha sabedoria, é melhor deixar um animal como esse ser deixado na natureza ou abatido.

—Sinto muito. — Eu disse alto, pegando a mão de Ethan e puxando-o em direção ao buraco. —Eu não pude ouvir seu conselho não solicitado sobre o quanto eu amo meu namorado! Tchau!

Gwydion balançou a cabeça, mas a julgar pelo fato de o mundo não ter caído ao redor dos meus ouvidos, recusar-se a reconhecer seu conselho ‘dado livremente’ provavelmente era uma boa ideia. Ele me apontou para o buraco e, vendo que não havia escada ou degraus, dei de ombros e pulei.

A escuridão passou correndo por mim, uivando em meus ouvidos. Terra fria roçou meus ombros quando eu me afastei muito de cada lado. Depois que eu cai pelo que pareceu uma eternidade (e comecei a me preocupar com a bagunça), houve um estranho movimento indutor de náusea no meu estômago e, de repente, eu estava caindo na outra direção, de cabeça primeiro.

Eu me esforcei para me endireitar, perdendo completamente a noção de cima e para baixo, preocupada de cair do mesmo buraco no colo de Hern.

Em vez disso, caí de pé em terra dura e negra.

Ethan pousou ao meu lado, tendo caído do nada e parecendo muito confuso. Cole o seguiu e, um segundo depois, Gwydion pousou também.

Enquanto isso, eu estava olhando em choque para o terreno ao nosso redor.

Dizer que era montanhoso era fazer um desserviço às montanhas. Havia picos irregulares, mas eles tinham pouco em comum com as montanhas da Terra, que eram majestosas erupções de pedra envoltas em vegetação e neve. Esses... tumultos de solo negro pareciam ter mais em comum com a sujeira agitada após uma extensa construção. E não havia nada verde. Nenhuma árvore morta ou erva murcha até onde os olhos podiam ver. A terra parecia explodida, queimada e atropelada por um trator. O céu era de um laranja sombrio desbotando para um vermelho feio da cor da pele rasgada. Não consegui encontrar o sol.

—Os Campos Escuros. — Gwydion nos apresentou antes que pudéssemos começar a fazer perguntas. —Lar dos anões. Muitos dos Fae que vivem no solo ou sob o solo consideram que este foi seu lar ancestral até que, de acordo com a tradição oral e precisamente nenhum registro em primeira mão ou evidência física, a indústria furiosa dos anões que habitam profundezas queimaram a superfície da vida e afastaram todas elas, o que provavelmente é uma invenção destinada a distingui-las do resto da corte que, como eu disse antes, perdeu toda a memória de nosso reino nativo há tanto tempo que nem as rainhas se lembram disso.

—Isso aconteceu antes de serem coroados? — Eu perguntei.

—Possivelmente.

—Então, a rainha não governa para sempre?

Gwydion me deu um olhar estranho antes de responder.

—Em teoria. Todos os Fae são imortais, mas nós não somos Verdadeiros Imortais. Os Verdadeiros Imortais não podem realmente ser mortos de nenhuma maneira. Os Imortais regulares simplesmente requerem circunstâncias específicas e, muitas vezes, encontram o caminho de volta à vida, independentemente através das fileiras da corte, o número de vulnerabilidades que temos se torna cada vez menor. A realeza logo abaixo dos monarcas reinantes é invulnerável a quase tudo, exceto profecias, heróis e uns aos outros. As rainhas reinantes e seus reis caídos estavam acima mesmo assim, voltando mesmo depois de serem mortos por Heróis, ou um pelo outro. Mas o problema com Oberon e Morozko deixou alguns se perguntando se talvez as circunstâncias para matar um monarca fossem simplesmente mais específicas do que pensávamos. Se os monarcas não são eternos, como é feito um monarca? Nunca houve outras rainhas além de Mab e Titânia. Nenhum rei além de Morozko e Oberon. Não na memória viva. Histórias antigas que mencionam coroações e casamentos reais. Até crianças. O que implica que as coisas nem sempre foram como são. E com a perda dos reis, elas podem mudar novamente.

Eu não esperava uma resposta tão extensa e não tinha certeza do que fazer com ela, além de aceitar que Gwydion realmente gostava do som de sua própria voz.

—Então, por que Gil veio aqui? — Cole perguntou, chutando uma pedra, que derrapou na encosta em que estávamos em uma pequena cascata de cinzas e sujeira enegrecida.

—Considerando que ele parece ter vindo aqui deliberadamente, não apenas em uma tentativa contínua de nos jogar fora — Disse Gwydion, caminhando ao longo da encosta, — Presumo que ele esteja aqui para ver os anões. O que colocou uma idéia muito desagradável na minha cabeça.

—O que é? — Eu perguntei enquanto o seguíamos.

—O vidro do meu artífice é feito pelos anões. — Disse Gwydion, sombrio.

Isso não me explicou nada, mas por mais que Gwydion gostasse de se ouvir falar, ele gostava mais de drama. Ele não deu mais detalhes enquanto caminhávamos pela terra queimada.

—Deveria haver uma porta aqui perto. — Disse ele, olhando as encostas ásperas à frente.

—Por que o túnel nos deixou aqui? — Eu perguntei. —Estou assumindo que os anões estão todos no subsolo, certo?

—Correto. — Confirmou Gwydion. —Mas nenhuma mágica, exceto a mágica dos anões, funciona abaixo do solo aqui. Há mágica no ar. Você pode lançar tudo o que gosta acima do solo. Mas sob a terra, ela é apagada como uma vela. Os anões aprenderam a bombear a magia da superfície, batendo-a em uma forma sólida e criando magníficas ferramentas e encantamentos. Dizem que eles inventaram todo o conceito de encantamento. Mas nenhuma mágica ou magia natural funcionará em seus corredores.

—Isso é preocupante. — Murmurei. Curiosamente, procurei qualquer coisa morta que pudesse usar, mas não havia nada dentro do alcance. Tudo o que havia morrido aqui havia morrido há tanto tempo que não havia mais vestígios, nem mesmo ossos. O próprio planeta era uma grande coisa morta, e eu tinha certeza que nem Aethon tinha poder suficiente para aumentar.

Mas logo chegamos a uma porta de pedra indefinida, situada em uma colina em ruínas e coberta de cinzas. Gwydion bateu com força e sentou-se na terra.

—Sente-se. — Ele aconselhou. —Vai demorar um pouco. Eles precisam subir. Essas portas não são usadas com frequência.

—Você tem certeza que eles ouviram? — Eu perguntei, sentando-me.

—Oh, certamente. — Confirmou Gwydion, recostando-se na colina e fechando os olhos. —Estamos pisando no telhado. Eles sabem que estamos aqui. O importante é nos anunciar como convidados, em vez de intrusos. A lei dos anões não é como a lei dos Fae, mas eu tenho um pouco de compreensão disso.

Então nós esperamos. Depois de toda pressa e estresse, parecia estranho estar esperando. Isso me deixou inquieta e com coceira. Cole e Ethan pareciam ansiosos também.

Eu assisti o céu, supondo que fosse pôr do sol e seria noite em breve. Mas as cores não mudaram e a luz não desapareceu, o que me deixou desconfortável.

—Podemos dar ao luxo de esperar assim? — Eu perguntei. —Temos apenas três dias.

—Menos que isso. — Respondeu Gwydion. —O tempo se move de maneira diferente aqui em Tir Na Nog. Os anões minaram o sol, você vê. Então, tudo fica parado. Enquanto isso, o tempo relativo dos outros reinos corre sem ele. Provavelmente já perdemos meio dia, A oferta de Hern de três dias foi uma piada cruel. Estou apenas esperando que os anões nos deixem entrar antes que ele chegue. Hern tentará atacar com todos os seus cães, e os anões o matarão ou o jogarão no mínimo e possivelmente nos comprar algum tempo.

Eu olhei para Gwydion quando o horror tomou conta de mim. Ethan e Cole estavam prestando atenção agora também.

—Por que você não disse algo sobre o tempo antes? — Eu disse, lutando contra o desejo de sacudi-lo. —Não podemos ficar sentados aqui! Precisamos fazer alguma coisa!

Eu pulei de pé, tentando encontrar uma maneira de abrir a porta. Ethan apenas apoiou a cabeça nos joelhos. Cole levantou-se para me ajudar com a porta, embora ele se movesse mais devagar.

Em sua defesa, Gwydion pelo menos pareceu um pouco surpreso com a minha angústia.

—Eu pensei que já tinha explicado que conceitos como tempo não funcionam da mesma forma nas Outras Terras. — Disse ele com uma careta. —Você não entendeu?

—Claramente, não o entendemos. — Respondeu Cole por mim. —Ficamos com a impressão aparentemente equivocada de que realmente tivemos uma chance.

Gwydion suspirou e se levantou, me puxando gentilmente para longe da porta. Eu considerei fortemente dar um soco nele, mas algo em sua expressão me fez hesitar.

—Ainda temos uma chance. — Disse ele, me olhando nos olhos. Eu não tinha percebido o quão raramente ele fazia isso antes agora. —É menos tempo do que pensávamos, mas não é uma sentença de morte. E agora, nossa melhor opção é apenas ser paciente. Não há mais nada que possamos fazer.

Sentei-me de novo, passando as mãos pelos cabelos enquanto minha cabeça latejava com uma dor de cabeça tensa que se formava desde antes de aterrissarmos em Tir Na Nog.

—Isso é culpa minha. — Eu gemi. —Eu nunca deveria ter tentado falar com a rainha. Eu não deveria ter parado para acariciar o unicórnio. Eu não deveria ter te distraído para que Gil pudesse escapar em primeiro lugar. Eu nunca deveria ter tocado aquela vela estúpida...

—Isso é bastante presunçoso da sua parte. — Zombou Gwydion, o que não era a reação que eu esperava. Ele se sentou ao meu lado enquanto eu esperava que ele elaborasse. —Com o que eu quero dizer, acredito que você está inflando bastante sua própria importância nessas coisas. Tenho quase certeza de que tudo teria acontecido mais ou menos da mesma maneira. Estou certo de que nossa posição seria realmente pior se você tivesse não divertisse a rainha. Eu certamente não estava em posição de barganhar, e você nos comprou tempo, o que não é pouca coisa e muitas vezes tudo o que realmente pode ser feito. Hern ainda nos pegaria, mesmo que não parássemos para o unicórnio, e acredito que sem a influência dele, você não seria capaz de enfrentar a rainha. Quanto a Gil e a vela, bem, essas duas coisas foram totalmente minha culpa.

—Eu me perder em sua casa e tropeçar em um de seus artefatos não foi sua culpa. — Protestei.

—Eu discordo. — Disse Gwydion calmamente. —Eu poderia ter avisado você sobre os perigos em minha casa. Eu poderia ter levado você a um lugar confortável para esperar e lhe dito para não vagar. Eu poderia ter te libertado da porta e depois retornado às minhas responsabilidades. Mas, como em expondo você à vela, optei por não, porque queria ver o que aconteceria. O que, embora seja uma razão compreensível para a maioria das fae, é uma desculpa ruim para os humanos.

—Gil disse a mesma coisa sobre a maldição de Ethan. — Lembrei. —Ele tinha que ver o que aconteceria.

—É uma compulsão dos fae. — Disse Gwydion com um encolher de ombros. —Mas não inegável. Eu poderia ter resistido ao desejo. Que eu não fiz isso não é culpa de ninguém, mas é minha.

—Eu também poderia ter resistido. — Apontei. —Eu não tinha que pegar a vela. Eu não tinha que vagar em sua casa estúpida. Eu não tinha que aceitar sua... oferta, no jantar.

—Então, qualquer culpa que você carregue é diminuída pelo fato de você não ter ideia do que estava fazendo, e eu fiz.

Eu bufei de frustração.

—Eu definitivamente sabia o que estava fazendo no jantar. — Eu disse. —Eu sabia que ninguém estava de olho em Gil.

—Você supôs que eu não o teria deixado se não tivesse certeza de que ele estava seguro. — Disse Gwydion com um encolher de ombros. —E nós dois estávamos um pouco frustrados e distraídos, se bem me lembro. Se você era um pouco ingênua em acreditar que eu poderia confiar, isso dificilmente é um crime.

—Por que você não deixa isso ser minha culpa? — Eu perguntei, agitação crescente. Gwydion me encarou com um olhar curioso.

—Por que você quer que seja sua culpa?

Recostei-me, mal percebendo que estava de pé novamente.

—Eu não sei. — Eu disse, passando a mão pelo meu cabelo novamente. Eu o endireitei na manhã em que saímos da casa da minha tia, há quanto tempo isso era agora, mas entre o mergulho em Costa Distante e toda a volta, estava ficando completamente encaracolado novamente e rígido com água salgada. —Problemas de controle, provavelmente.

—Você parece ter aqueles em espadas.

—Sim, estou começando a descobrir isso.

Ele colocou a mão no meu ombro, o gesto um pouco rígido, mas eu poderia dizer que ele estava tentando me confortar.

—Por que você está sendo legal comigo? — Eu perguntei. Pensando bem, durante todo o caminho em Tir Na Nog, ele tinha sido extraordinariamente atencioso. Para ele de qualquer maneira.

—Você salvou minha vida. — Ressaltou. —De uma maneira bastante fantástica.

—Você realmente teria morrido? — Eu apontei. Ele encolheu os ombros.

—Quem pode dizer? Afogar-me não é tipicamente uma das maneiras pelas quais eu posso morrer. Mas a Costa Distante é um lugar estranho. A morte se aproxima da superfície. A imortalidade é um pouco mais porosa do que o habitual. E eu estava com pouca mágica. Pode ter certeza de que eu ficaria inconsciente por muito mais tempo do que você precisaria morrer de fome ou sede ou ficar desesperada o suficiente para tentar usar o bastão, destruindo assim as moléculas. Eu teria acabado sozinho, à deriva em coma, e adivinhar o que poderia acontecer então, em um lugar como Costa Distante, só pode ser especulação infundada.

—Então, você me deve? — Eu perguntei, franzindo a testa. —Cole mencionou que vocês odeiam isso.

Gwydion desviou o olhar, os olhos examinando a paisagem árida e torturada.

—Não é tão simples. — Disse ele por fim, quieto como este planeta silencioso. —Existe uma dívida. Mas eu não me ressinto. Existem alguns grilhões que até usamos de bom grado.

Percebendo que havia algo que ele não estava me dizendo, fiquei quieta e esperei que ele gostasse de se ouvir falar para tirá-lo melhor. Mas ele não disse mais nada. Abri minha boca para induzi-lo, apenas para ser interrompida pelo raspar de pedra quando a porta na cidade de Dwarven se abriu.

 

 

 

 

 

 

 

 


Capitulo Treze


O anão não se parecia com o que eu esperava.

Eu havia antecipado algo parecido com o que as pessoas com nanismo eram na Terra. Curto e atarracado, provavelmente com barbas. Que fantasia havia me dito que os anões se pareciam a vida toda.

O anão na minha frente, no entanto, parecia algo entre um texugo e uma toupeira de nariz estrelado.

Era curto, mais ou menos um metro e oitenta, e coberto por um denso pelo cinza. Seu pelo afinava até um subpelo mais elegante, perto do delicado órgão sensorial rosa no centro de seu rosto pontudo e sem olhos, e nas costas de suas patas dianteiras, equipadas com garras longas e perversamente curvas. Seu 'nariz' se contorcia de forma independente, de uma maneira fascinante e também um pouco nauseante de assistir. Usava um avental de couro e nada mais. Andava um pouco inclinado para a frente, como se preferisse andar de quatro.

—Você tem sorte de eu ainda estar tão perto da superfície. — Disse o anão com uma voz surpreendentemente genial enquanto nos conduzia para os túneis de terra apagados. —O forte da Primeira Vigia fica a uma curta caminhada de distância desta porta normalmente. Mas eu tive que deixar algum outro idiota dominado pelo sol entrar em menos de meio turno atrás.

Gwydion tirou um pequeno acessório encantado de seu casaco, que parecia o tipo de bolas de cristal que eu imaginava antes. Ele sussurrou uma palavra e brilhou o suficiente para iluminar vagamente o nosso caminho. Pela fraca luz empoeirada da mariposa, trocamos um olhar significativo.

—Onde ele foi? — Eu perguntei. —O idiota do sol, quero dizer.

—Não perguntei. — Disse o anão com um encolher de ombros. —Ele já alcançou a Primeira Vigilância a essa altura e eles o enviarão para onde ele pretender ir.

—Você não estava curioso? — Eu perguntei. —Quero dizer, pessoas de outros mundos vêm aqui com tanta frequência?

—Eu imagino que ele ficou agradecido por sair do sol! — O anão riu. Seu focinho comprido estava cheio de dentes afiados e finos, e ele não se virou nem olhou para nós quando falou. Provavelmente devido à falta de olhos. —Eu não consigo entender por que vocês correm por mundos que ainda os possuem. Mineramos o nosso e a luz ainda é insuportável.

Pensei em perguntar como ele poderia dizer, considerando que ele não tinha olhos, mas decidi que poderia ser rude.

—Acho que é exatamente com o que estamos acostumados. — Disse diplomaticamente. —Nascer lá em cima e tudo.

—Bem, está tudo bem. — Disse o anão com um tom distinto de pena. —As portas da Cidade Baixa estão abertas a todas as pobres massas queimadas pelo sol. Temos espaço suficiente para todos, e sempre há trabalho a ser feito. Eu imagino que vocês todos acabarão aqui eventualmente, uma vez que se espalhe a notícia de que há uma alternativa para viver na superfície. Em que trabalho você espera ser colocado?

—Uh, nós não somos-

—Você nunca conseguirá um emprego em engenharia, então não se preocupe. Nenhum anão que valha a bigode confiaria em um túnel construído por um da superfície. Você simplesmente não tem o menor sentido, sem ofensa. Ouço que algumas da superfícies fazem encantadores decentes, mas não há mobilidade para isso, mas posso dizer bem ao capataz da mina Fernfossil, se quiser, encontrar um bom trabalho sólido no transporte de solo e valorizados. Limpe o solo por apenas algumas décadas e você pode abrir sua própria empresa.

—Na verdade, não estamos procurando trabalho. — Eu disse rapidamente antes que o anão pudesse continuar falando. —Estamos apenas tentando encontrar o homem que veio aqui mais cedo. Então vamos embora.

Isso realmente fez o anão parar.

—Por que diabos você quer fazer isso? — Ele perguntou. —Agora que você sabe como é adorável, fresco e escuro aqui em baixo? — Comecei a explicar, mas ele me dispensou com um aceno de suas longas garras. —Você mudará sua música quando vir a cidade. Melhor construção em todos os mundos.

O anão parecia um pouco ofendido e não falou muito mais enquanto continuávamos descendo o túnel.

Um turno, ao que parece, durou cerca de quatro horas, e a Primeira Vigilância estava a um turno da porta. Enquanto caminhávamos, o túnel mudou lentamente de terra nua para terra empacotada com pedra, pedra esculpida e tijolo fino. Havia uma ênfase definida na função sobre a forma, pelo menos pelo que podíamos ver pela luz fraca de Gwydion, mas ao mesmo tempo, os corredores eram amplos, confortáveis e bem conservados. Não estávamos tropeçando em tijolos soltos, e o ar estava relativamente fresco. O único problema era a falta de fontes de luz.

Ainda assim, já estávamos há um tempo antes de chegarmos aqui. Ethan e Cole haviam conseguido algumas horas de descanso na casa de Gwydion (e eu tinha comida possivelmente encantada e sexo possivelmente mágico), mas isso não compensava as horas que passávamos por reinos mágicos sem nem mesmo uma pausa para o almoço. Estávamos todos começando a parecer bastante irregulares.

Os confortáveis túneis anões apresentavam bancos e fontes regulares de pedra esculpida, trazendo água fria da nascente mais para baixo, mas nosso guia parou para usá-los menos da metade com a frequência que gostaríamos que ele usasse e, em geral, não parecia se cansar. Ele andava devagar, falando apenas ocasionalmente para comentar sobre o tipo ou a qualidade da pedra que estávamos passando.

—Há muita diversidade nesses túneis! — Ele alegou. —É mais eficiente usar pedra local sempre que possível, em vez de transportar tijolos de mais fundo. Então, você ver todos os tipos de técnicas inteligentes usadas para tirar proveito da pedra menos do que a ideal, mantendo tudo dentro dos altos padrões da Código do engenheiro. Pegue este gesso, por exemplo...

Ele continuou assim por um tempo. Aprendi depois de uma ou duas dessas palestras que ele só se ofendia se eu tentasse contribuir com a conversa. Então, todos ouvimos em silêncio, aprendendo mais sobre geologia do que qualquer um de nós jamais se interessou em saber.

Finalmente, a Primeira Vigilância apareceu. Com o que quero dizer, o túnel terminava em um par de portas pesadas, que os Anões introduziram como forte, com grande orgulho. Depois das portas, era um pouco mais impressionante. As portas se abriram para uma ampla calçada, que serpenteava para baixo e para longe de nós, ao redor dos lados de um grande caldeirão. Era iluminado pela primeira vez por uma enorme esfera presa em anéis de latão pendurados no teto, que brilhavam com o que parecia ser a luz do sol.

—Uhg. — O anão fez uma careta. —Sinto muito por isso. Desvantagem de morar em qualquer um dos Fortes. O superintendente do Anel insiste em manter os turnos claros onde essas malditas lanternas estão acesas. Muitos da superfícies vivem nos fortes. Aparentemente, isso ajuda a se adaptar.

As paredes da cratera afundada estavam abarrotadas de prédios esculpidos, seu tamanho e estilo eram extremamente regulares e eficientes, sem perda de espaço. Olhando para baixo, o Forte parecia uma cidade pequena, cheia de vida, nem toda idêntica ao Anão ao nosso lado. Quando ele nos levou para o Forte, um carrinho passou por duas criaturas humanóides do tamanho de anões, que pareciam ser feitas de pedra bruta. Eles eram tão sem olhos quanto os anões e nos ignoraram completamente. Ethan, distraído olhando de soslaio para a lanterna, esbarrou em um deles. Ele se desculpou profusamente, mas não notaram ou reconheceram a colisão ou o pedido de desculpas, apenas se endireitaram e continuaran.

—Não se preocupe. — Disse o anão. —Os Construtos não estão vivos. Eles são apenas material de sucata encantado que usamos para tarefas domésticas ou trabalhos muito perigosos para arriscar os Anões.

—Oh. — Ethan disse, cuidando do carrinho em retirada com uma expressão preocupada. —Eles não podem... sentir as coisas, podem?

—Claro que não. — Zombou o anão. —Eles são feitos de pedra. Sem terminações nervosas, sem cérebros para pensamentos complexos. Se não lhes disserem para sair durante um desmoronamento, eles simplesmente ficarão lá e se deixarão enterrados. Os roteiristas precisam escrever tudo. Seus comportamentos no papel e assados quando são feitos, e eles não podem fazer nada que não esteja nesse papel, a menos que você os abra e adicione novos comportamentos. Eles estão apenas movendo ferramentas, amigo. Você não vai perguntar a uma broca se ela tem sentimentos só porque acontece, não é?

—Não, mas uma broca não tem o formato de uma pessoa. — Disse Ethan defensivamente. O anão deu de ombros.

—É uma forma eficiente. Versátil. E é o que construímos para todas as portas para caberem.

Um ponto decente.

—E se alguém escrevesse um comportamento como 'estar vivo' ou 'pensar com identidade' ou algo em seu papel? — Eu perguntei curiosa.

—Você acha que eles não tentaram isso logo? — O anão riu. —Alguns dos roteiristas particularmente excêntricos ainda estão tentando. Mas você não pode usar um martelo para um balde e não pode fazer uma pedra pensar que é uma pessoa.

Ainda assim, finalmente chegamos a um tópico de conversa sobre o qual eu não conseguia ofender o sujeito que estava falando, então conversamos sobre as tentativas fracassadas do roteirista de fazer um constructo vivo (parecia haver duas grandes escolas de pensamento sobre o assunto, um escrevendo comportamentos muito amplos abertos à interpretação e o outro escrevendo listas cada vez mais específicas e detalhadas de todas as minúcias da vida - mais os maçons radicais que pensavam que a resposta era esculpir os cérebros dos Construtos, que geralmente eram considerados malucos) até o fundo do forte. O forte era realmente muito bom. Eu não sabia o suficiente sobre arquitetura para apreciar a qualidade da construção, e qualquer floreio artístico tendia a ser tátil ou até auditivo, então não havia muito o que olhar. Mas os anões claramente tinham talento para o planejamento da cidade. Tudo era eficiente, limpo, fácil de navegar, provavelmente bem rotulado, embora eu não pudesse ler a sinalização anã e, como no túnel da porta da frente, sempre havia muitos lugares para sentar e uma fonte quando você queria uma. Havia até canteiros de flores e espaços verdes, embora fossem baseados em fungos e musgos.

—Agora, é provável que seu amigo tenha ido até o escritório de refugiados. — Disse o anão, apontando para um prédio com uma placa complexa em anão ilegível. —Ele precisaria de um passe de trem para deixar o forte. Eles deveriam poder lhe dizer para onde ele foi.

Dissemos adeus ao nosso guia que, apesar de tudo, tinha sido bastante gentil, e seguimos para o Escritório de Refugiados.

Era um prédio pequeno e eficiente, com assentos confortáveis e um anão amigável na recepção, que ficou encantado em nos ver, pois raramente viam mais de um ou dois refugiados em um dia. Fiz uma tentativa inútil de garantir que não éramos refugiados e não planejávamos ficar. Eles apenas nos garantiram que mudaríamos de ideia e nos deram nossos pacotes de orientação, que incluíam o passe de trem que nosso guia havia mencionado - um pedaço fino de lata ou alumínio duro, talvez com nossos nomes, espécies e portão de entrada. Após algumas discussões, o escrivão também cedeu e nos disse para onde Gil havia ido.

—Ele foi para a cidade central, para o palácio antigo. — Explicou o anão. —Alegou que ele tinha negócios urgentes com o rei. Queria saber se havia uma linha expressa.

—Existe? — Eu disse, meu coração batendo mais rápido, mesmo com um pouco de progresso. O anão fez um gesto ambivalente.

—Se você pegar o trem daqui até a mina de Limespire no segundo anel e depois transferir para a Linha R, ela para no distrito histórico do governo. Mas você precisará de autorização de turismo em seus cartões de trem. Gostamos de ficar de olho em o movimento de novos cidadãos, apenas por precaução. Depois de uma década ou mais, você poderá se mover livremente entre os anéis, como qualquer cidadão.

—Você pode nos dar isso? — Eu disse impaciente. —Autorização de turismo? Precisamos ver o rei também.

—Bem, eu posso. — Disse o anão, hesitante. —Mas vocês tem certeza de que é isso que você querem? Quero dizer, é apenas que não tenho certeza de que seu amigo sabia exatamente o que estava fazendo. Ele parecia pensar que o rei poderia ajudá-lo com alguma coisa, mas, bem, somos parlamentares. Monarquia. O rei é um velho simpático e todos nós o amamos, mas não é como se ele realmente tomasse alguma decisão. Se ele quisesse conversar com a União dos Engenheiros, talvez, ou o Parlamento dos Superintendentes, até o nosso capataz local...

O anão parou sem esperança.

—Sim, ele é um idiota. — Eu concordei imediatamente. —Também não sabemos o que ele está planejando. É por isso que precisamos alcançá-lo o mais rápido possível e impedi-lo de fazer algo estúpido.

O anão da mesa suspirou e pegou nossas cartas de trem de volta, usando um dispositivo que parecia um furador pesado para carimbar um quadrado estriado no canto de cada uma de nossas cartas, o que aparentemente nos deu permissão para turismo.

Sem perder tempo, seguimos apressadamente na direção em que o recepcionista nos dissera que poderíamos encontrar a estação de trem. No meio do caminho, a mudança brilhante terminou, e a enorme luz da lanterna desapareceu quando grossas cortinas de metal foram desenhadas em torno dela. Gwydion pegou seu pequeno globo de luz novamente e navegamos pela cidade no semi-escuro. Ocasionalmente, víamos outros não-anões, outros refugiados, cuidando de seus negócios à luz de dispositivos mágicos como os de Gwydion ou lâmpadas que pareciam ser versões em miniatura da lanterna. Não havia muitos, e quase nenhum deles era remotamente humanoide.

Felizmente, o trem não estava muito cheio, mas a maioria dos outros passageiros era anão, que nos deu olhares curiosos ao encontrarmos lugares frente a frente.

—Finalmente desistiram do sol, hein? — Um perguntou alto e amigável. Eu apenas sorri e assenti.

—Você não vai se arrepender! — o anão me assegurou.

Eu não tinha certeza do que pensar dos anões. Eles certamente eram amigáveis. E avançados, para uma espécie de fantasia que vivia no subsolo em outro universo. Eles tinham transporte público (a viagem de trem era o cheiro mais suave e agradável que eu já havia experimentado) e, de acordo com o pacote de orientação, assistência médica gratuita. Mas havia algo apenas um pouco fora da coisa toda. Talvez não fosse familiar, ou porque eles insistiam que eu não iria querer sair.

 


Capitulo Quatorze


O trem não tinha janelas, sendo os passageiros quase todos cegos. Mas havia um mapa de rotas na parede ao lado de nossos assentos. Era estrutural, destinado a ser lido pelo toque e não pela visão, mas pelo que pude decifrar, a Cidade Baixa era essencialmente uma versão maior e invertida da forma de cratera do Primeira Vigilância. Anéis de assentamentos subiam e desciam, ficando cada vez maiores. Estávamos indo em direção a um ponto próximo ao fundo, onde os anéis se tornavam menos distintos, ondulando em milhares de pequenos desvios e galhos que não estavam, presumivelmente, na linha de trem. O que eles eram, eu não poderia dizer.

Trocamos de trem no que parecia ser o equivalente a Grande Central, pulando na linha R. O R acabava por significar ‘áspero’, a textura usada para diferenciá-lo nos mapas. Havia uma linha suave, uma linha irregular e uma linha afiada...

Eu gostaria de poder apreciar as cidades e estruturas pelas quais estávamos passando. Mas estava escuro demais para ver qualquer coisa. As coisas só ficaram mais confusas quando chegamos ao distrito histórico do governo, que tinha avenidas amplas e elegantes e altos e belos edifícios, que nos fizeram sentir perdidos no escuro em um plano interminável de paralelepípedos até nos depararmos com uma fachada elaboradamente curvada. Curiosamente, também tínhamos visto menos anões quanto mais fundo chegávamos à cidade. Um local falador que pedimos orientações em Limespire havia dito que quase todo mundo estava trabalhando em projetos de expansão à margem. O que significava que, além de estarmos perdidos no escuro, estávamos perdidos em uma cidade estranhamente vazia e silenciosa no escuro.

—Já tive o suficiente dessa merda. — Disse Ethan. Ele parecia um pouco desconfortável desde que entramos no túnel. Eu estava começando a pensar que ele poderia ser um pouco claustrofóbico.

—Porra mesmo. — Cole concordou. —Não podemos ter mais luz, pelo menos?

—A menos que um de vocês tenha pensado em trazer uma lanterna. — Disse Gwydion, um pouco mal-humorado. Também não achei que ele estivesse gostando disso. Ou talvez estivesse apenas sendo separado de sua magia que ele não apreciava.

—Temos que estar perto do Palácio Antigo, certo? — Eu perguntei, olhando de soslaio para o mapa que um anão prestativo nos havia dado, que era obviamente todo em textura e, portanto, quase inútil. —Acho que foi a fonte em que quase caí foi a do lado de fora do antigo prédio parlamentar. Se continuarmos em frente-

—Você estão perdidos, amigos? — Alguém gritou inaceitavelmente longe. Mas, novamente, os anões tinham uma audição muito melhor que os humanos. Talvez a distância aceitável para a comunicação gritada fosse diferente para eles.

Fomos em direção à voz até a luz de Gwydion iluminar um anão em armadura elaborada e, eu esperava, cerimonial.

—Estamos procurando o palácio antigo. — Eu disse. —Somos visitantes da superfície e precisamos falar com seu rei.

—Por que? — O anão perguntou, parecendo confuso. —Se é importante o suficiente para trazê-los até aqui, seria melhor conversar com o Parlamento dos Superintendentes.

—Não, nós definitivamente precisamos conversar com o rei. — Eu disse, exausta de ter essa conversa.

—Bem, este é o palácio antigo. — Disse o anão. —Eu vou mostrar, e vocês podem conversar com alguém sobre uma audiência, se o velho não estiver cochilando. — O anão, que imaginei ser algum tipo de guarda do palácio, riu com carinho. —Você sabe que ele dormiu um ano inteiro? Tivemos uma festa fantástica quando ele acordou.

O interior era tão vasto e escuro quanto o exterior, embora tenhamos caminhado sobre mármore macio e acetinado, em vez de pedras. Estávamos andando entre vários anões de importância indeterminada, a maioria dos quais nunca vimos bem, antes de finalmente chegarmos a alguém que, presumivelmente, tinha autoridade para decidir se poderíamos ver o rei.

—Sinto muito. — Disseram eles, invisíveis fora do alcance da luz do outro lado da ampla mesa. —Mas vocês entendem por que não podemos permitir que qualquer da superfície aleatório se encontre cara a cara com o rei. Talvez se vocês fizerem uma petição por escrito-

—Este não é um da superfície qualquer. — Interrompeu Gwydion, parecendo profundamente irritado. —Você não tem capacidade de sentir mágica? Esta é a herdeira do príncipe Tzarnavaras, uma rainha por direito próprio, afilhada da morte.

Houve um momento de silêncio do outro lado da mesa, então uma mão com garras disparou para agarrar a minha onde repousava sobre a mesa. Não forte o suficiente para machucar, mas o suficiente para me assustar. Eu podia sentir algo contra a minha magia, vagando como mãos curiosas. Levei a chama da vela para frente rapidamente, concentrando-me tanto que por um momento sua luz irradiou através da minha pele e lançou um brilho azul no rosto chocado do anão.

—Oh, oh meu Deus! — O anão disse assustado. —Eu não sabia que você estava visitando a realeza! Disseram-me que eram refugiados.

—Ninguém perguntou. — Eu disse, brincando, enquanto puxava minha mão. —Meus consortes e eu somos tratados como meros imigrantes desde que chegamos. Como se você não acreditasse em ninguém, a não ser um anão, poderia ser importante!

—Isso não é - nunca pretendemos sugerir -— O anão balbuciou.

—Tenho certeza de que não. — Gwydion cortou-os bruscamente. —Mas talvez você deva permitir à rainha sua visita real antes de causar um incidente internacional.

Ele seguiu isso com algumas manobras de mão, mostrando ao anão alguns 'documentos reais', que eu tinha quase certeza de que eram cupons que recebemos em nosso pacote de orientação para o ‘Buffet de comidas exóticas do Digger Dan, a mais autêntica culinária da superfícies do Fort do Anel!’

E então, finalmente, estávamos diante das portas da sala do trono. Eu assumi que elas eram grandes e impressionantes. Eu só podia vê-las um canto minúsculo de cada vez pela luz fraca do orbe de Gwydion.

—Alguém mais acha que essa é uma má ideia? — Ethan sussurrou. Eu estava inclinada a concordar, mas era tarde demais para voltar agora. As portas se abriram e entramos para encontrar o rei.

A sala do trono era grande e escura como breu. A escuridão parecia próxima e quase sólida, grossa como o solo. A luz da esfera de Gwydion penetrou apenas alguns centímetros à nossa volta. Ficamos amontoados no minúsculo círculo de luz, sentindo-nos decididamente não-reais quando um anão nos anunciou como —Sua Majestade, a Rainha Noturna da antiga Constantinopla da Antiga Linha de Tzarnavaras e seus Consortes.

—Vossa Majestade. — Disse o Anão, voltando-se para nós, o brilho de seus pelos quase invisível à luz. —Apresento o Raiz da Montanha, nascido em pedra, cujos dentes esculpiram as primeiras cavernas, que sangraram as primeiras veias de ferro, arquiteto da cidade e capataz dos capatazes, o pai-anão de toda a nossa espécie e rei de tudo o que habita embaixo.

Percebi que não havia nome próprio entre todos esses títulos. Mas o anão recuou e a porta se fechou atrás de nós, deixando-nos sozinhos no escuro. Se o rei estava lá conosco, não sentíamos sinal dele.

—Olá? — Chamei experimentalmente, minha voz ecoando na vasta sala.

—Você pode fazer isso mais brilhante? — Cole perguntou, cutucando o orbe de Gwydion. Gwydion olhou para mim e, quando assenti, ele deu de ombros e a luz ficou mais forte, afastando a escuridão ao nosso redor. Vimos iluminar as esculturas delicadas e intrincadas no chão, as complexidades sutis e elaboradas das paredes, coisas que só podiam ser apreciadas pelo toque, não pela vista. E no final da sala, vimos um monte de terra escura que chegava até o teto, como se a parede dos fundos tivesse simplesmente desabado.

E então, quando a luz de Gwydion a tocou, o monte começou a se mover.

Não havia... palavras para descrever o arquiteto. Em um momento, sob um ângulo de luz, a terra parecia atraí-lo, uma construção como a que vimos trabalhando por toda a cidade. Por outro ângulo, vi a carne branca brilhante de um verme maciço. Por outro, o pelo e as garras de uma toupeira. Por outro, um homem, ou o cadáver de um homem, meio enterrado, nos observando com olhos de poço.

—Fora. — Ele falou, sua voz como uma trituração de placas tectônicas e o barulho de terra. —Fora, maldita luz, e fiquem quietos.

Gwydion apagou o orbe imediatamente, salvando-nos da terrível imagem em constante mudança do arquiteto.

—Aquele Sol, como uma erva daninha no meu jardim, eu não levantei nem engoli e permito que sua queima sufoque na vastidão de Mim. Mesmo agora, fragmentos de seu brilho odioso assaltam-me. Que brotos tenros empurram suas raízes rasas na minha presença, ainda quente com luz amarga?

Não via meus companheiros para saber se estavam com medo ou planejando alguma coisa. Eu me atrapalhei na escuridão e peguei as duas mãos, apertando-as para me tranquilizar. Um deles era notavelmente legal e quase definitivamente a de Gwydion. A outra, calejada e me segurando frouxamente, à beira de se afastar, era provavelmente Cole.

—Perdoe nossa perturbação, arquiteto. — Gwydion falou à minha esquerda. —Nós procuramos um criminoso. Meu irmão roubou algo meu e o trouxe aqui. Buscamos apenas sua orientação na captura dele e sua paciência enquanto o perseguimos em seu reino.

Houve um som baixo e estridente como um terremoto, que poderia ter sido uma risada.

—Como a tolice vem em três. — Disse o arquiteto. —Assim, a roda gira como sempre e traz para mim os mesmos rostos novamente. As estações mudam, mas uma estação mais estranha do que já foi vista sobe como uma estrela murcha, antecipando o sol. O que foi bem-sucedido neste novo discurso no lugar daquele eixo de duas faces que já foi o ponto de apoio de todos os nossos ciclos incessantes? Melhores perguntas, pequenos brotos.

Eu esperava que Gwydion entendesse um pouco disso, porque certamente não. Eu sempre estive mais interessada em Poe do que em Shakespeare.

—Perdoe-me, Majestade. — Empurrou Gwydion. —Mas minha sombra, meu irmão, veio aqui? Ele trouxe alguma coisa para você? Você sabe onde ele foi?

—O meu é um pátio de sombras, erva daninha. — Falou o arquiteto, o humor desaparecendo de sua voz. —Eu sou o rei das profundezas primitivas, às quais nenhuma luz jamais tocará. Tua cintilação de velas sombreia arte como grãos de areia no plano infinito do oceano.

—Minhas desculpas, Vossa Majestade. — Disse Gwydion rapidamente.

—Ei, ele veio aqui ou não? — Cole gritou impaciente, apertando minha mão. —Eu vi suas profundezas primitivas e, aos meus olhos de da superfície de merda, não é mais escuro que este quarto. Não estou tão impressionado.

Houve um longo silêncio em que eu esperei o pior. Mas, finalmente, aquela risada baixa do terremoto encheu a sala novamente.

—As pequenas coisas verdes e crescentes. — O Arquiteto falou quase melancolicamente. —Em que séculos eu enrolei suas raízes e enfrentei a luz para comer sua suavidade? Esse tempo já passou, e quando essas raízes profundas amarraram e quebraram as pedras, também minha coroa ficou presa em suas garras. Aquela sombra veio, tu sementes desamparadas, tiras de dente-de-leão. E trouxe com ele uma preciosa lasca de nossa força antiga. Mas a veia se partiu. Os rios profundos o agarraram em sua corrente, cravaram unhas em minha obra-prima e chamaram isso de sua. Esses erros da noite para a escuridão e procuram sobreviver a todos os sóis, por qualquer meio profano.

—O que isso significa? — Ethan perguntou.

—Isso significa que ele não está aqui. — Resumiu Cole.

—Mas ele estava. — Acrescentou Gwydion. —Ele foi ao Parlamento. Ou foi levado para lá.

—Filho da puta. — Eu murmurei. —Eles continuaram nos dizendo-

—Outra questão. — O rei murmurou, e a sala tremeu. Ele estava se mexendo? —Os portões da cidade estão escancarados e muita coisa é esquecida. Mas a lei antiga ainda permanece. Teu irmão é ladrão entre ladrões. Dívida é devida, erva daninha.

A mão de Gwydion apertou a minha.

—Não foi roubado. — Disse ele rapidamente. —O Vidro foi adquirido legalmente. A Marcha dos Magos o comprou dos Anões ao preço de dez mil escravos e das três jóias de Nimüe -

—Não houve compra. — Falou o arquiteto, inexorável como um deslizamento de terra. —Os anões não reconhecem esse conceito. Todas as coisas feitas pelos anões são de propriedade dos anões, até o fim de tudo. Eu estava lá! Vi-o colocado nessas mãos enganosas! Emprestado antes da duração de sua linhagem, que morreu não cem anos depois, mas o que era nosso não foi devolvido como deveria ter sido. Foi roubado, escondido! Negociado entre ladrões até que aterrisse em tuas mãos gananciosas. E ainda assim a dívida poderia ter sido perdoada se você, que sabia o que segurava, houvesse devolvido o que foi roubado. Mas você o guardou entre seu tesouro, seu pequeno dragão. E busque agora mesmo recuperar o que nunca foi seu!

Gwydion estava tremendo. Eu podia sentir os tremores em sua mão, distintos dos tremores na terra, quando algo inimaginavelmente maciço se moveu no outro extremo da sala.

—A dívida é devida. E, por lei, aceitarei apenas o preço do sangue, o preço da carne, uma libra por ano que for retida. Diga-me, erva, quanto pesa?

Eu já ouvi o suficiente. Peguei o orbe da outra mão de Gwydion e coloquei meu poder nele. Brilhou à vida com a luz azul do fogo. O Arquiteto pairava sobre nós como uma onda prestes a colidir, um dragão e um inseto e um gigante de cem braços, antigo além de todos os tempos e tão inevitável quanto a terra ao nosso redor.

Mas ele recuou da luz, uivando como se o queimasse.

—Fora! — Ele berrou. —Maldita luz! Eu terei! Sufocarei toda luz dentro de mim! Vou engolir todo sol e toda chama de vela até que eu receba escuridão!

Ele se agitou, bobinas terríveis quebrando as paredes e nos cobrindo de terra. Peguei Ethan e corri, Cole e Gwydion logo atrás de mim.

Nós batemos em um anão quando saímos, que soltou um grito estridente e penetrante. Ele ecoou por todo o palácio e além dele, um coro de gritos que eu sabia que não significava nada de bom para nós.

Coloquei mais luz no orbe e corri pela passagem aberta mais próxima. Eu me revezava ao acaso, avançando em qualquer direção que parecesse oposta ao som dos terríveis gritos.

—Você nunca vai fugir deles aqui. — Disse Gwydion enquanto corríamos. —Eles podem sentir cada passo que damos. Eles conhecem este lugar melhor do que você conhece sua casa de infância.

—Então o que vamos fazer? — Eu perguntei. —Nunca voltaremos à superfície sem a ajuda deles!

Gwydion não parecia ter uma resposta.

No lampejo da luz selvagem, Ethan mudou para sua forma de lobo.

—Subam. — Ele disse, com as roupas presas nas mandíbulas. —Eles podem sentir nossos passos, certo? Então talvez isso os jogue fora.

—Vale a pena tentar. — Concordou Gwydion, e eu gritei quando ele me pegou nos braços. Cole, parecendo muito inseguro, subiu nas costas de Ethan. —Silêncio agora. Eles podem ouvir nossas vozes tão bem quanto nossos passos.

Então, em total silêncio, corremos mais fundo no infinito escuro das minas dos Anões. Corremos sem plano ou direção. Quando encontramos Anões ou Construtos, tudo o que podíamos fazer era correr na outra direção. Eu nunca me senti tão perdida e desamparada. Eu não tive tanto medo do escuro desde criança.

Eventualmente, fomos fundo o suficiente para que os anões nos perseguissem diminuíssem e desaparecessem. Ficamos com medo deles alcançando a esperança desesperada de que, em algum lugar nos túneis intermináveis da Cidade Baixa, encontrássemos algum caminho de volta à superfície.


Capitulo Quinze


Os túneis ao nosso redor ficaram mais duros à medida que avançávamos. Foram-se os bancos e as fontes, depois os tijolos e até as colunas e suspensórios. Corremos por túneis sinuosos não refinados, que cresciam e se encolhiam como cavernas naturais, como se tivessem sido recentemente escavados na rocha e na terra. Às vezes, tropeçamos em trilhos de metal e ouvimos o estrondo distante das carroças. Uma passou por nós, sem tripulação, do tamanho de uma minivan, carregada de pedra e minério e voltando na direção em que viemos. Quando outra, quase vazio e indo para o outro lado, passou rapidamente, eu mal precisava trocar um olhar com os outros antes de pegá-la e subir a bordo. Ele nos levou mais fundo, seu poder magnético não diminuído pelo peso adicional de três humanos e um lobo do tamanho de um urso. Ethan recuou entre os tijolos de pedra empilhados no fundo do carrinho e lutou para se vestir novamente, mordendo reclamações quando a pedra raspou e cutucou sua pele nua.

Bem, não estávamos dando nenhum passo agora. Se alguma coisa os jogaria fora de nossa trilha, eu esperava que isso acontecesse.

À luz do orbe, Gwydion olhou de soslaio para o mapa a partir dos nossos pacotes de orientação. Ele foi o único de nós que conseguiu segurar o dele, enfiado nos bolsos aparentemente sem fundo da jaqueta.

—Estamos muito no fundo. — Ele sussurrou. —Mais profundo do que eu acho que qualquer não-anão já foi. Estes são novos túneis. Acredito que deixamos o último desenvolvimento documentado neste mapa há algum tempo.

—Então, provavelmente não há muita chance de encontrar uma saída aqui embaixo, existe? — Eu perguntei sombriamente.

—Uma saída de ar, talvez. — Considerou Gwydion, esfregando o queixo enquanto olhava o mapa. —Mas... Não, seriam vários dias de subida vertical. Nós nunca conseguiríamos. Poderíamos encontrar um desses carrinhos voltando para o Forte do Anel.

—Mas então teríamos que lidar com os anões novamente. — Apontei. Gwydion apertou os lábios e ficou em silêncio, olhando fixamente para o mapa como se ele simplesmente parecesse tempo suficiente para a solução se revelar. Troquei olhares com Cole. Estávamos sujos e cansados. Ethan, sempre exausto pela mudança, parecia quase cochilando.

—Eu conheço algumas... pessoas. — Cole ofereceu em voz baixa. —Pessoas para quem eu poderia chamar.

—Não. — Disse Gwydion com firmeza e imediatamente. —Mesmo se você pudesse conseguir que os rituais funcionassem neste lugar, trazer algo assim aqui seria condenar a nós e a todos os outros neste poço odioso.

—Eu posso lidar com eles. — Disse Cole defensivamente. —Eu tenho lidado com eles há anos.

—Ou então eles deixaram você pensar. — Gwydion retrucou. —Por mais insidiosos que os Fae possam ser, por mais cruéis, nossas motivações raramente são mais que egoísmo e tédio. As coisas de que você fala são infinitamente pacientes e infinitamente maliciosas. Eles não querem. Eles não querem. Eles não podem ser persuadidos. Eles têm apenas um objetivo, e uma inteligência focada apenas em alcançá-lo. A única maneira de vencer essas coisas é não jogar, nunca entrar nelas e rezar para que elas nunca notem você. Eu posso prometer a você o que você já sofreu com sua associação com eles, você sofrerá pior antes do final.

—Tudo bem, Jesus. — Cole levantou as mãos para parar a palestra de Gwydion. —Foi apenas uma sugestão. Melhor do que morrer aqui ou ser rasgado em pedaços pelo rei.

—Não. — Disse Gwydion, com os olhos escuros com uma gravidade terrível. —Confie em mim. Qualquer morte que os Anões possam inventar seria muito preferível.

O carrinho deu um pulo, atingindo algum solavanco na pista e, de repente, havia luz acima de nós, tão brilhante após a escuridão sem fim que meus olhos doíam, embora ainda estivesse relativamente escuro. Confusa, levantei-me para espiar por cima da borda do carrinho.

A pista havia entrado em uma caverna enorme, grande como um estádio. A luz que eu vi vinha de canais brilhantes de magma que atravessavam a caverna em canais esculpidos para esse fim. Pesada e lenta, escorria em direção a uma estrutura central, algum tipo de forno feito de enormes pedras negras, cada uma sozinha provavelmente do tamanho de um trailer de largura dupla. Em toda a base do forno, em uma plataforma preta, enormes Construtos, cada um com pelo menos dois metros de altura e feitos de retalhos de pedra, lama e metal, continuavam trabalhando. A fornalha fundia minério alimentado por carrinhos como o que estávamos, e o Construtos tirava-os das torneiras e os moldava com as mãos com precisão impecável, martelando-os com seus punhos enormes em bigornas do tamanho de carros.

Construtos menores enchiam o resto da caverna, tendendo o fluxo de magma, carregando e descarregando carrinhos, expandindo a caverna com picaretas e pás e carregando as peças que os Construtos maiores terminavam em direção a algo atrás do forno. Quando a trilha, que corria perto do topo da caverna, curvava-se ao redor da vasta sala, o que eles estavam construindo apareceu.

Fazia um calor escaldante, mesmo de onde estávamos. Preocupei-me por um momento que estávamos indo para o forno, mas a pista estava inclinando para baixo e para longe. Levando ao andar onde os Construtos estava terminando de descarregar suprimentos de outro carrinho. O carrinho à frente dele estava sendo carregado com sucata e minério da constante expansão, para ser enviado de volta a uma pista paralela à que nos levara até aqui, que provavelmente retornaria a quem estava fornecendo.

—O que é essa coisa? — Ethan perguntou, olhando para o anel enorme e limpando o suor da testa.

—Não tenho certeza. — Respondeu Gwydion com uma carranca, também espiando por cima da borda. —Seja o que for, é terrivelmente complicado. Olhe para os encantamentos.

Eu não tinha olhado tão de perto antes, mas agora que treinei minha visão mágica sobre ele, pude ver que ele estava rastejando com a magia mais complexa que já vi. Eu não acho que nada que eu tenha visto na coleção de Gwydion possa se comparar à escala completa dele. Era como se alguém tivesse construído o Empire State Building com sementes de gergelim individuais. Cada centímetro quadrado estava cheio de um feitiço de imenso poder. Se você removesse a matéria física da roda, a magia que a compunha ainda seria densa demais para ver através dela. Fiquei espantada, quase feliz. Eu nunca tinha visto algo tão incrível. Queria tocá-lo tanto que podia prová-lo, cavar aqueles feitiços, desmontá-los e juntá-los novamente até que eu os entendesse. Era tão glorioso para mim quanto ver o Grand Canyon pela primeira vez ou entrar na Capela Sistina. Que trabalho fenomenal, que forças titânicas, o vasto escopo de esforço, planejamento e trabalho... Sentindo-me um pouco tonta, sentei-me novamente.

—Você já viu algo assim? — Eu perguntei a Gwydion, atordoada.

—Uma vez, talvez duas vezes na minha vida. — Respondeu Gwydion, e pude ver que ele estava igualmente deslumbrado. —Mas comparar essas obras-primas seria um insulto a todas elas. Isso é arte.

—Mas para que serve? — Cole perguntou impaciente. Gwydion e eu batemos nele com o mesmo olhar sujo.

—Filisteu. — Murmurou Gwydion.

—Uh, pessoal, acho que vamos parar em breve? — Ethan nos avisou.

—Merda. — Eu murmurei e corri para um dos tijolos, pronta para me defender. Os outros três ficaram tensos também, e o carrinho parou por fim.

Um Construto com a face de um geodo rachado inclinava-se sobre a borda do carrinho. Eu gritei, me afastando para atingi-lo com o tijolo, mas ele apenas arrancou o tijolo da minha mão e se afastou. Outras construções também passaram por nós no carrinho, erguendo tijolos como se nem nos vissem. Ou, mais precisamente, como se simplesmente não importássemos.

—Eles não estão programados para lidar com intrusos, eu acho. — Disse Cole.

Lentamente, saímos do carrinho, tentando não nos queimar no metal quente e desconfiados de qualquer mudança no comportamento dos Construtos, mas eles nem sequer olhavam para nós.

—Acho que não estamos em perigo imediato, então? — Dei de ombros quando saímos do caminho do trabalho do Construto e puxei minha camisa, de repente desejando não estar tão comprometida em usar todo preto. —Exceto por esse calor, Deus, está muito quente!

Gwydion colocou a mão no meu ombro e eu imediatamente me senti mais fria.

—Fique perto. — Ele recomendou. —Eu posso manter o pior dele à distância. Além disso, se você ficar a meio metro de qualquer um desse magma, você pegará fogo.

—Oh, doce, Gwydion é um Ar Condicionado portátil. — Ethan disse alegremente, batendo as mãos nas costas de Gwydion e suspirando de alívio. Cole fez uma careta, mas colocou um dedo no ombro de Gwydion experimentalmente.

—Oh, droga. — Ele murmurou, parecendo surpreso. —Isso é realmente legal.

Quando nós três nos aproximamos, Gwydion parecia ter acabado de morder um limão.

—Então, o que fazemos? — Ethan perguntou, abraçando Gwydion por trás, o queixo no topo da cabeça do outro homem.

—Descobrir um caminho de volta à superfície. — Disse Cole com um encolher de ombros, de onde estava pressionado contra o lado esquerdo de Gwydion. Eu estava moldada para o lado direito dele, e nós dois colocamos as mãos sob a camisa dele para ter acesso mais direto às propriedades de resfriamento de sua pele. Fiquei chocada que Gwydion estivesse tolerando isso, mas não estava disposto a dizer nada.

—Eu gostaria que ainda tivéssemos esse cajado estúpido. — Eu disse frustrada. —Não há outra maneira de sair desses poços na cidade, certo?

—Não sem o segundo cajado. — Gwydion suspirou, os braços cruzados sobre o peito. —E sem os dois, você só ficaria presa lá - e você pararia com isso imediatamente ?!

Ele deu um tapa nas mãos de Cole, que subiam pelas costelas.

—O que você tem cócegas? — Cole perguntou com um sorriso perverso.

—Vou jogá-lo na lava. — Disse Gwydion sem uma pitada de humor. —Não me teste.

—Ok, então nossa única opção é lutar contra o exército de anões? — Eu disse, mudando de assunto rapidamente. —Porque sem mágica, isso não parece uma luta que provavelmente venceremos. Além disso, muitos deles pareciam pessoas normais?

—E essas coisas? — Cole perguntou, gesticulando para os Construtos. —Você disse que pode mudar os comandos deles se você os abrir, certo? E se nós mudarmos um monte deles para fazê-los nos proteger, então eles apenas nos escoltam para fora?

—Não sei se é uma boa ideia. — Disse Gwydion, franzindo a testa. —Você precisaria abri-los para acessar seus papéis e descobrir como alterar os comandos...

—Vale a pena tentar, certo? — Disse Cole. —Melhor que nada?

Gwydion fez um barulho inseguro, mas Cole se afastou dele e se aproximou do Construto com a face do geodo.

—Ethan, me ajude a disputar esse cara.

Ethan relutantemente soltou Gwydion e ajudou Cole a conter o Construto. Não parecia incomodado por ser contido. Apenas continuou tentando seguir na direção que tinha estado, ignorando Cole e Ethan.

Cole deixou Ethan segurá-lo por um momento enquanto procurava ao redor, pegando uma das picaretas que os Construtos estavam usando para expandir a caverna.

—Tudo bem, vamos abrir esse garoto mau. — Disse ele. Ethan ajustou seu aperto no Construto para sair do caminho, subitamente parecendo inseguro.

—Uh, eu não sei disso. — Disse ele. —Quero dizer, você não pode simplesmente acertar o pobre coitado com uma picareta. E se você o matar?

—Não posso matá-lo, não está vivo. — Disse Cole, impaciente. —Apenas fique quieto para não perder!

—Oh, isso vai acabar muito mal. — Disse Gwydion com severa certeza. Eu estava inclinada a concordar, mas também estávamos sem outras ideias.

—Um. — Disse Cole, levantando a picareta como um taco de beisebol. —Dois...

Ethan segurou o Construto o mais longe possível dele, fechando os olhos.

—Três!

Cole girou para as cercas e bateu a picareta no peito do Construto com um estalo alto de pedra.

Instantaneamente, todos os Construtos da caverna pararam, largaram o que estavam fazendo e viraram em nossa direção.

—Sim, lá vai. — Gwydion gritou, agarrando minha mão. —Corram!

Ethan lançou o Construto que ele estava segurando, que instantaneamente se virou e balançou um punho de pedra em sua cabeça. Cole bateu com a picareta, espalhando a cabeça do geodo, mas isso mal pareceu desacelerar. Enquanto isso, todos os outros Construtos da caverna estavam indo para lá com intenção assassina. Gwydion e eu reservamos, e Ethan e Cole, ainda segurando a picareta, correram atrás de nós, gritando palavrões.

—Lá! — Eu gritei, apontando um carrinho de partida, começando a aumentar a velocidade antes da subida em direção à trilha perto do teto da caverna. Gwydion deu dois passos limitados e pulou no carrinho com uma graça desumana, estragada apenas pela dança desajeitada e embaralhada que ele tinha que fazer para colocar o pé no topo do minério empilhado dentro do carrinho. Assim que ele estava estável, ele se virou e agarrou minha mão estendida, me balançando ao lado dele. Nós dois estendemos a mão para Ethan, arrastando-o a bordo, depois para Cole, ficando logo atrás, perseguido por uma horda de Construções assustadoramente silenciosas e sedentas de sangue.

—Largue a picareta, idiota! — Eu gritei.

Amaldiçoando alto, ele jogou de volta para os Construtos, tirando um pedaço do ombro de uma criatura de pedra sem muito efeito. Um pouco mais leve, ele correu os últimos degraus, e nós o agarramos, arrastando-o para o carrinho apenas um segundo antes de começar a disparar para cima e todos nós tivemos que nos esforçar para reestabelecer nosso equilíbrio.

Os Construtos subiram atrás de nós, silenciosos e implacáveis, e tentaram nos pegar no minuto em que o carrinho parou ou diminuiu a velocidade. O único anão perto do ringue havia nos notado agora e estava gritando ordens furiosas contra os Construtos, presumivelmente reafirmando suas ordens para matar a merda de nós.

—Destrua-os! — O anão gritou. —Não os deixe perto do portal!

—Trabalho fantástico, idiota. — Disse Gwydion, dando a Cole um olhar assassino. —Isso definitivamente ajudou!

—Como eu deveria saber que eles se tornariam todos assassinos? — Cole gritou defensivamente.

—Talvez usando um pouco de bom senso pela primeira vez na vida!

—Eu não vi você correndo para me parar, imbecil! Ou sugerindo idéias melhores!

—Calem-se! — Eu gritei para os dois. —Este carrinho está indo para o forno!

Isso chamou a atenção de ambos rapidamente. Em nossa pressa de pegar um carrinho de fuga, escolhemos um dos que enviava minério até a forja. Em apenas alguns minutos, seríamos jogados diretamente em um tanque maciço de metal fundido superaquecido.

—Filho da puta. — Cole disse calmamente.

Procurei um pouco fora do carrinho, meu coração disparado. A trilha atrás do carrinho fervilhava com Construtores assassinos. À frente, havia apenas o forno e uma queda de duzentos pés de cada lado.

—Estamos fodidos. — Eu disse, nem um pouco articulada.

—Nós definitivamente vamos morrer. — Ethan concordou, nós dois um pouco atordoados para reagir adequadamente à nossa morte horrível iminente.

—Foda-se. — Declarou Cole. Então ele me agarrou pelos ombros e me arrastou para um beijo áspero e apaixonado, tão abrupto e poderoso que eu mal consegui responder. Talvez fosse porque estávamos prestes a morrer, mas ele beijou com desespero, uma fome frenética e ardente, que eu nunca havia experimentado, o que fez meu coração disparar e minha adrenalina disparar. Então, de uma só vez, ele me soltou, deixando minha boca machucada e desolada. No mesmo movimento, ele puxou Ethan pela camisa e o beijou também, com a mesma intensidade empolgante. Vi os olhos de Ethan se arregalarem, e então senti a repentina onda de poder de sua maldição. Cole deve ter sentido isso também, porque ele empurrou Ethan para longe, agarrou minha mão e pulou para fora do carrinho. Gwydion hesitou apenas um momento, encarando Ethan quando o lobisomem se dobrou, uivando, mudando mais rapidamente do que eu já o vira mudar voluntariamente. Então ele pulou também.

Cole agarrou a beira da pista suspensa, flutuando no ar. Eu me esforcei para pular, quase perdi o controle, e só o recuperei quando Cole me pegou, me segurando até que eu estivesse segura, Gwydion pendurado no outro lado dele.

Acima de nós, Ethan - não, o Lobo - uivou quando saltou do carrinho um segundo antes de jogá-lo na forja.

O Lobo apenas se assemelhava tangencialmente à forma normal de lobo de Ethan, que era quadrúpede e muito parecida com um lobo normal, embora muito grande. O Lobo era algo de um filme de terror. Maciço, bípede, cheio de pelos escuros e grossos sobre músculos poderosos e pesados. Ele se ergueu em toda sua altura, o peito largo arfava e fixou seus terríveis olhos amarelos em nós, cheios de um ódio que consumia tudo. Estávamos completamente expostos aqui. Mal teria que nos tocar para nos enviar despencando para nossas mortes.

Felizmente, foi rapidamente distraído pelo enxame de Construtores assassinos. Os homens de pedra se jogaram no Lobo sem consideração por suas vidas. Eles o golpearam com golpes esmagadores feitos por punhos como blocos de concreto, e isso apenas os jogou para o lado, enviando-os voando da ponte para quebrar no chão abaixo. O Lobo rasgou a multidão de Construtos como se não fossem nada, reduzindo-os a escombros com um golpe de suas garras terríveis. Ele avançou pela pista, derrubando Construtos como pinos de boliche. Depois que tivemos algum espaço entre nós e o Lobo, Gwydion se arrastou de volta para o parapeito e me puxou atrás dele. Eu me virei para ajudar Cole, embora meus braços estivessem queimando por tanto tempo pendurados.

—Temos que sair daqui. — Eu disse, agarrando-me a Cole enquanto observava o Lobo abrir caminho através de Construto após Construto. —Agora!

—Como? — Perguntou Cole. —Outro carrinho?

—Não. — Disse Gwydion, apontando para o volante. —Nós vamos usar isso.

—O anão chamou de portal. — Eu disse, entendendo. —Onde quer que leve, provavelmente é melhor do que aqui!

Cole parecia inseguro, mas levantou as mãos.

—Foda-se, vale a pena tentar! — Ele disse.

Corremos pelos trilhos do carrinho, a uma distância segura atrás do massacre que o Lobo estava causando, até podermos pular, deslizando pela parede até o fundo da caverna.

Os Construtos estavam todos ocupados com o Lobo. A única coisa entre nós e o portal era o anão. Ele brandiu seu livro de pedra para nós com as mãos trêmulas.

—Este é o trabalho da minha vida! — Ele declarou. —Eu não vou deixar você hooligans destruí-lo!

—Você projetou isso? — Eu perguntei, cheio de súbita admiração e um milhão de perguntas.

—Senhor. — Disse Gwydion, cortando-me. —Você é sem dúvida o maior encantador desta época e um dos melhores que já ouvi em todos os reinos. Tenho imenso respeito por você, e é por isso que será uma tremenda vergonha se eu tivesse que te espancar até a morte agora, porque você não sairá do caminho.

Ele pegou uma pá de algum lugar, que o anão estava olhando agora, sua expressão em algum lugar entre orgulho e medo lisonjeados.

—Para o inferno. — Disse o anão. —Eu sempre odiei trabalhar para comissão.

Ele saiu do caminho.

Havia algum tipo de painel de controle perto de onde o Anão estava sentado, e eu o agarrei, olhando para os controles, completamente perdida.

—Como nós controlamos isso? — Eu perguntei, procurando ao redor do anão, mas ele já estava fazendo trilhas para o túnel mais próximo.

—Não precisamos controlá-lo. — Insistiu Cole. —Apenas ligue! Qualquer lugar é melhor do que aqui!

Eu apertei alguns botões, puxei algumas alavancas, mas nada aconteceu. A pedra angular e todos os painéis estavam no lugar, mas não havia reação. Cole lambeu os lábios.

—Vexa. — Ele disse. —Lembra da coisa que eu disse para você nunca mais fazer?

—Coisas estúpidas que colocam minha vida em perigo?

—Mais especificamente.

—Explorar fontes de energia universais primárias?

—Sim.

Gwydion e eu demos a Cole um olhar arregalado.

—Você realmente acha que isso vai funcionar? — Gwydion perguntou.

Cole olhou para onde o Lobo estava rapidamente ficando sem Construtos para destruir. Os grandes da forja tinham andado lentamente com pés pesados de bigorna e finalmente estavam brigando de verdade, mas nem eles durariam muito. O Lobo parecia ser tão indestrutível quanto furioso.

—Acho que não temos muitas outras opções. — Respondeu Cole. —Apenas despeje o máximo de energia possível e espere o melhor!

Eu acho que essa foi a lógica mais sólida que eu poderia esperar.

—Foda-se. — Eu disse, ecoando o sentimento anterior de Cole. —Aqui vai tudo!

Fechei os olhos, alcançando o lugar profundo dentro de mim, onde minha conexão com a vela estava ancorada. Eu sabia o que esperar agora, e apenas hesitei um momento com a lembrança fraca de quanto isso doeu da última vez, antes de pegar o fogo e me sentir em chamas.

Cole e Gwydion saltaram para longe quando o fogo me cercou. O poder correu através de mim como uma represa quebrando, como um raio, e eu agarrei no painel de controle para me aterrar.

A energia rasgou através de mim enquanto passava, deixando-me irregular de uma maneira que era mais espiritual do que física. Mas enquanto olhava através dos meus olhos ardentes, vi o anel começar a se mover, girando, componentes flutuando e se movendo independentemente, à medida que os feitiços queimavam.

Essa bela máquina deveria ter criado um portal igualmente bonito, algo absolutamente perfeito, não apenas estável, mas permanente, um ponto fixo fora do tempo que unia duas realidades. O que eu o forcei a produzir, incompleto e inexpertemente pilotado, foi uma bagunça, crepitando com o desperdício de energia, desequilibrado e desmoronando mesmo quando começou a abrir. Mas estava aberto.

Gwydion me agarrou, me arrastou para longe do console. Eu podia senti-lo sugando o poder, embora felizmente eu já tivesse jogado a maior parte dele no portal.

—Rápido! — Gwydion gritou para Cole. —Agora, antes que desmorone!

Eles correram em direção ao portal, meio me arrastando, quase inconscientes e bêbados com o poder e a lembrança já desbotada da agonia ardente. Mas havia uma última coisa que eu tinha que fazer antes de sairmos. Eu me arrastei de Gwydion para fazê-lo parar, coloquei os dedos nos lábios e assobiei o mais alto que pude.

—Ethan! — Eu gritei quando o Lobo parou sua destruição e olhou para mim. Eu acenei meus braços. —Por aqui!

Gwydion me agarrou pelo meio, me jogou por cima do ombro e correu para o portal. Rosnando, o Lobo correu atrás de nós. Gwydion pulou através do portal e vi o Lobo pular, garras estendidas, apenas um segundo antes do caos nos envolver.

 

 

 

 

 

 

Capitulo Dezesseis


Por vários minutos ou possivelmente uma eternidade, caímos no espaço.

Perdi o controle dos outros quase ao mesmo tempo. Flashes de mundos explodiram em ambos os lados de mim. Luz, escuridão, fogo, gelo, horizonte de Manhattan, castelo de Titânia, mundos que eu só podia ver em seção transversal, mundos que eu só conseguia ouvir ou cheirar. Uma vez, um salão escuro, cheio de velas.

E então, de repente, bati de cara no azulejo branco de vinil. Gwydion caiu em cima de mim, cotovelos primeiro. Cole caiu um pé à minha esquerda. O Lobo veio por último, bateu a cabeça em uma prateleira no caminho e caiu inconsciente no chão.

Presumimos que estávamos em algum tipo de armário de suprimentos. Luzes fluorescentes brancas nos encaravam de cima.

—Onde estamos? — Cole perguntou, apertando os olhos e desorientado.

—A julgar pelo cheiro anti-séptico e pelos sanitários? — Eu respondi, minha voz um pouco confusa. —Hospital. Ow. Ow! Merda!

Acabei de perceber uma dor ardente no quadril, que estava piorando rapidamente. Eu me levantei e enfiei no bolso, pegando a moeda da sorte que Gwydion tinha me dado quando nos conhecemos. A coisa maldita estava fumegando, estava tão quente e previsivelmente queimando meus dedos quando eu o puxei para fora. Deixei cair, e ela saltou e rolou para fora da porta do armário aberta.

Troquei um olhar com Cole e Gwydion, que ainda estavam se levantando.

—Bem, vá em frente. — Disse Gwydion. —É uma sorte, por isso deve levá-lo a algum lugar. E alguém provavelmente está a caminho de investigar esse acidente de qualquer maneira.

Sem outra palavra, corri atrás da moeda.

Eu estava certa sobre ser um hospital, embora estranhamente silencioso para a hora do dia que a luz que entrava pelas janelas sugeria. A moeda fumegante rolou pelo corredor de azulejos, e eu corri atrás dele. De repente, seu caminho começou a se curvar, até cair abruptamente de lado. Com o último momento, derrapou sob a porta de um quarto privativo de longa permanência.

O nome na porta dizia E. Bellefonte.

Abri a porta com cuidado, preocupada em incomodar alguém. Mas não havia visitantes na sala e, assim que dei uma boa olhada no paciente, percebi que não havia preocupação em perturbá-los.

E. Bellefonte era um homem mais velho, quarenta e poucos, talvez cinquenta e poucos. Ele ainda tinha o cabelo, apesar de o loiro dourado estar sombreado a branco. Ele devia ter sido bonito como uma estrela de cinema uma vez, pensei, embora provavelmente só pudesse dizer devido à minha experiência com cadáveres. Uma doença longa e desgastante o havia reduzido a um substancial sem sombra do que aquele que pairava sobre ele, sinalizando sua morte que se aproximava rapidamente. Ele só estava vivo agora por causa das máquinas amontoadas em torno de sua cama, mantendo seu corpo funcionando mesmo quando desmoronava. Mas mesmo isso não era suficiente para manter a sombra afastada.

—Aqui está. — Disse Gwydion, entrando na sala. Cole, com o braço de Ethan sobre os ombros, saiu mancando atrás de Gwydion, arrastando o lobisomem, que havia sido empurrado às pressas para uma roupa cirúrgica mal ajustada. Gwydion inclinou-se para pegar a moeda da sorte, que ardia em sua mão, o metal estalando e desmoronando. —Você queimou completamente. Eu nunca vi isso. Que tipo de-?

Ele calou a boca abruptamente quando viu o que eu já tinha visto.

A Vela da Aliança estava posta na mesa de cabeceira de E. Bellefonte. Gwydion olhou para ela, depois para a moeda murcha na mão, antes de enfiar os restos arruinados da moeda em seu casaco. —Essa é uma moeda da sorte.

—O que está fazendo aqui? — Perguntou Cole. —Quem é esse cara?

—É para mantê-lo vivo. — Respondi instintivamente. Eu podia sentir como a vela estava conectada a ele, mantendo sua força vital de uma maneira que as máquinas nunca podiam.

Antes que pudéssemos dizer mais alguma coisa, um portal surgiu à nossa frente, e Gilfaethwy apareceu, tendo-se colocado apenas a meio caminho.

—Por aqui. — Ele sussurrou em um sussurro urgente. —Rápido!

—Você! — Gwydion rosnou e agarrou Gil pela frente da camisa, arrastando-o pelo resto do caminho para fora do portal. —Você me roubou! De novo! Você me deixou entrar nas garras dos Seelie!

—Você fugiu! — Gil disse com um sorriso. —Eu sabia que você faria! Você sempre sabe! Falando nisso...— Ele gesticulou rapidamente em direção ao portal. —Precisamos ir agora. Vocês não podem estar aqui!

—Por quê? — Eu perguntei. —Onde estamos?

—Onde não importa. — Disse Gil. —E porque é que todos nós vamos morrer. Eu nem entendo como você chegou aqui! Agora vamos, vamos!

—Não, não há mais portais! — Cole disse teimosamente. —Já tive portais suficientes! Parece a Terra e vou ficar aqui!

De repente, as luzes no corredor do lado de fora do quarto do hospital ficaram negras. Nenhuma luz veio das janelas. Uma voz profunda e familiar ecoou como uma lixa contra a minha alma.

—Como se atreve a vir aqui...

—Aethon. — Eu sussurrei involuntariamente, terror tomando meu coração como um punho.

—Esquece, porra! — Cole gritou, jogou Ethan através do portal e pulou atrás dele.

Gil entrou na porta, olhando para a escuridão.

—Velho amigo, querido amigo, parceiro, se você me desse um momento para-

—COMO VOCÊ OUSA?

Gil estava claramente certo. Precisávamos sair imediatamente. Mas eu não estava saindo de mãos vazias, não depois de tudo isso. Eu me virei, pegando a vela.

—Vexa, não!

Ouvi o grito de Gwydion, o roçar de seus dedos estendendo a mão para me impedir, mas era tarde demais. Minha mão se fechou ao redor da vela, e a absoluta escuridão da Morte alcançou e me engoliu.

Tão rapidamente que eu nem senti, de repente eu mal a reconheci.

Eu morri.

Capitulo Nove

Por um momento, eu não estava no meu corpo. Eu estava em outro lugar, queimando viva na escuridão. Meus ouvidos estavam cheios do clamor de mil sinos tocando. Eu não conseguia fazer meu corpo gritar. Não pude apagar o fogo. A dor estava tão além de qualquer coisa que eu pudesse envolver minha cabeça que depois eu não conseguia descrever e mal conseguia me lembrar como era. Eu sabia com absoluta certeza que iria morrer. Pelos olhos fixos e sem resposta do meu corpo, a costa distante de repente pareceu muito mais perto.

No lugar onde eu estava queimando, senti uma mão fria no meu ombro. Alguém parado atrás de mim. A voz deles sacudiu meus ossos fumegantes.

—Ainda não.

E então, de repente, eu estava de volta à minha própria pele, transbordando com tanta energia que doía, como agulhas sob a minha pele tentando forçar sua saída. Sem pensar, bati as mãos no peito de Gwydion e abri as comportas. O poder correu para fora de mim em uma torrente que eu não poderia ter parado se quisesse. Queimou-me quando passou, afundando nele. Os olhos de Gwydion se abriram de uma só vez, o corte em sua cabeça se uniu à luz prateada e se fechou.

Mas não consegui parar o fluxo de poder. Havia muito para eu conter, e Gwydion era um vaso vazio. Ele olhou para mim e eu me vi refletida em seus olhos arregalados, envoltos em fogo, chamas chorando. Ele sentou, minhas mãos ainda em seu peito, ainda derramando poder nele apenas para me impedir de queimar. Ele me alcançou lentamente e segurou meu rosto em suas mãos trêmulas, sua pele bebendo o fogo. Suas mãos estavam frias como água em um dia de verão, acalmando o calor terrível que estava tentando o seu melhor para me queimar viva. Ele se inclinou para perto, curvando-se no meu fogo e beijou minha boca ardente.

Ele tirou o poder de mim como veneno de uma ferida. Apressou-se ainda mais rápido do que antes, e eu tremi de dor e alívio. Ele poderia ter tudo, se quisesse. Enquanto o fogo parou, eu não me importei.

Eu derreti em seu beijo gelado, em seus braços, a queima finalmente começando a retroceder quando o poder passou por mim. Afinal, não era infinito, e Gwydion aceitou tudo ansiosamente.

Ansiosamente demais. Enquanto o poder continuava fluindo de mim como sangue de uma veia, comecei a voltar aos meus sentidos e percebi que tínhamos passado o ponto do que eu não podia conter. Minhas mãos se apertaram no tecido do casaco de Gwydion, tentando e falhando em afastá-lo. Ele poderia muito bem ter sido feito de pedra. Estávamos nos aproximando rapidamente de um ponto com menos energia do que eu tinha desde que tocara a vela. Eu assisti esse ponto ir e vir e o beijo de Gwydion ainda continuava, até eu perceber que ele não iria parar até que eu estivesse vazia de toda a magia, ou morta.

Então eu o mordi, forte o suficiente para tirar sangue, e ele se afastou, o fluxo de poder finalmente parando. Eu o empurrei, colocando espaço entre nós rapidamente, caso ele tentasse continuar. Meu coração estava batendo forte e eu ainda estava desorientado, lutando para manter a lembrança do que havia acontecido quando tentei acessar a vela.

—Que porra é essa? — Cole estava dizendo, e parecia que ele estava dizendo isso há algum tempo, pois Gwydion e eu estávamos insensíveis demais para perceber. Ethan me pegou quando me afastei de Gwydion, e deixei que ele me segurasse, agradecida pela sensação de segurança em seus braços.

—O que aconteceu? — Ethan me perguntou. —O que você fez?

—Mas como? — Cole disse, olhando para mim com algo entre reverência e medo. —Eu nunca vi esse tipo de poder em lugar algum.

—Eu tenho. — Gwydion falou suavemente. Ele se ajoelhou onde eu o empurrei, parecendo quase tão abalado quanto eu quando tocou seu lábio mordido e olhou com olhos arregalados para o sangue em seus dedos. Mas havia um olhar quase arrebatador em seus olhos.

—Eu não sou tão forte desde que deixei Avalon. — Disse ele e olhou para mim como se eu fosse algo santo e aterrorizante. —Você tem o poder de uma rainha.

Ele piscou e pareceu repentinamente um pouco enjoado, caindo de costas com uma surpreendente falta de graça pelo que eu esperava dele.

—E eu quase matei você. — Disse ele, quase para si mesmo.

Ethan e Cole trocaram um olhar assustado com isso, depois olharam para mim onde eu ainda estava enrolada nos braços de Ethan.

—Estou bem. — Eu disse rapidamente, o que era verdade. Cansada e mais fraca do que eu estava há um tempo, mas eu não estava sangrando ou pegando fogo, e eu podia deitar minha cabeça no peito de Ethan e ouvir seu coração bater. —Eu estou bem. Foi apenas um pouco de energia demais, só isso.

—Um pouco de energia demais de onde? — Perguntou Cole. —Onde você conseguiu isso?

—Uh, eu tentei bater na vela. — Eu disse. —Ainda estou conectada a ela, então achei que talvez pudesse acessar sua fonte de energia.

—Você usou a fonte de toda energia necromântica na Terra? — Cole disse, sua voz falhando. —Como você não está morta? Como todos nós não estamos mortos?

Eu não tinha uma resposta para isso. Também não parecia Gwydion, mas ele também não estava prestando atenção, com a mão na boca e as sobrancelhas franzidas, o olhar focado na costa distante.

—Só... nunca faça isso de novo. — Exigiu Cole. —Jesus Cristo, não é à toa que você estava pegando fogo. Há uma razão pela qual as pessoas trabalham com focos como a vela, sua idiota! Usar a fonte bruta deveria tê-la fritado como um inseto e todos nós com você.

—Eu acho que é uma coisa boa que Gwydion possa absorver tudo. — Ethan disse enquanto eu franzi a testa e tentei lembrar o que tinha acontecido quando eu peguei a chama. Lembrei vagamente da queimação. Todo o resto estava perdido no fogo até o momento em que Gwydion me beijou.

—Besteira que ele fez. — Cole riu. — Tanto poder o fritaria também. Ou Vexa de alguma forma conseguiu se abrir para, literalmente, todo o poder da própria morte e apenas canalizar um pedacinho, o que é absurdo - como tentar pular no oceano e esperar apenas molhar o dedo - ou o que ela bateu não foi a vela.

Eu não gostei desse pensamento.

—O fato de que ela seria capaz de alcançar a vela quando ela estiver literalmente em um universo diferente já é bastante absurdo! — Cole disse, jogando as mãos no ar. —Isso é besteira estranha, e eu não gosto!

—Independentemente disso, está pronto. — Interrompeu Gwydion, levantando-se e tirando a jaqueta molhada. A balsa balançou e Cole tropeçou, olhando para Gwydion enquanto ele apenas conseguia manter o equilíbrio. Gwydion o ignorou, olhando para mim enquanto tirava a gravata também, deixando apenas sua camiseta branca solta. —Perdoe-me por um momento.

Então ele deu dois passos e mergulhou da balsa. Por um segundo, apenas encaramos as ondulações em seu rastro, surpresos demais para reagir. Finalmente, Ethan apenas balançou a cabeça e suspirou.

—Por que não? Não como qualquer outra coisa ultimamente faz algum sentido. — Ele murmurou, depois me puxou para mais perto, esfregando os braços para tentar me aquecer. Nós dois ainda estávamos encharcados, então não adiantou muito.

—Então. — Ele disse depois de um momento. —Você beijou Gwydion.

Fiquei confusa por um momento até perceber que ele quis dizer o que tinha acabado de acontecer. Foi realmente difícil manter essas memórias por algum motivo.

—Oh, sim. — Eu disse com um sorriso tímido. —Pouco mais do que isso, na verdade. Logo antes de Gil escapar.

—Eu pensei que você disse que não achava que iria dormir com ele? — Ethan perguntou, sobrancelhas levantadas.

—Sim, eu não pensei que sim. — Eu disse, envergonhada agora. —Ele é... surpreendentemente persuasivo. Foi apenas uma coisa única. Nós deixamos isso claro.

—Espere, você dormiu com esse cara? — Cole perguntou, franzindo o nariz.

Cobri meu rosto com a mão, tentando controlar o rubor que aquece minhas bochechas.

—Sim, eu dormi. — Eu disse, tentando segurar algum orgulho. —Não é da sua conta.

Cole apenas balançou a cabeça.

—Alguém já lhe disse que você tem um gosto terrível? — Ele perguntou. —E possivelmente um desejo de morte?

—Ele tem razão. — Ethan disse com um encolher de ombros.

—Considerando que eu estava flertando com você esta manhã, Cole. — Eu disse maliciosamente. —Eu não faria comentários sobre o meu gosto.

—Foi essa manhã? — Ethan disse pensativo. —Era noite no Julius, e dormimos pelo menos algumas horas, então...

—Estar interessada em mim é absolutamente um sinal de mau gosto. — Respondeu Cole. —Possivelmente uma decisão pior do que o monstro devorador de homens que pode te atacar a qualquer momento. Provavelmente pior que o lobisomem também.

Ethan bufou.

—Você não é tão ruim. — Ele disse.

—Eu sou um desastre humano sem-teto que está apenas usando você para colocar minhas mãos em uma ferramenta mágica incrivelmente poderosa por minhas próprias razões egoístas. — Apontou Cole.

—Mas você tem um cabelo muito bom. — Eu rebati, apenas meio sarcasticamente. Cole parou, pego de surpresa.

—Bom senso de humor também. — Ethan concordou, e eu sorri quando vi Cole ficando vermelho.

—Bom gosto em filmes. — Acrescentei.

—Sorriso fofo. — Ethan falou.

—Olhos lindos.

—Inteligente como o inferno.

—Bunda fantástica.

—Tudo bem, isso é o suficiente! — Cole disse, vermelho como uma beterraba. —Vocês dois são claramente idiotas, sem senso de autopreservação.

Um respingo nos interrompeu quando Gwydion reapareceu, jogando o cajado na jangada antes de sair da água. Eu me permiti um minuto para admirar o quão bom ele parecia encharcado assim.

—Perdi algo? — Ele perguntou, levantando-se e torcendo a camisa. Cole ainda estava muito vermelho, e Ethan e eu não conseguimos parar de sorrir.

—Apenas nós dizendo a Cole todas as coisas que gostamos nele. — Eu o informei.

—Espero que você tenha mencionado sua bunda fenomenal. — Disse Gwydion casualmente, pegando o cajado e o paletó. Cole parecia quase combustão espontânea. —Todo mundo está de pé agora. Precisamos nos mexer se quisermos alcançar meu gêmeo idiota.

—Mas não sabemos para onde ele foi. — Eu disse, levantando-me e oferecendo uma mão para Ethan.

—Eu posso rastrear seus feitiços de teletransporte. — Disse Gwydion e estalou os dedos.

Uma onda de ar quente tomou conta de nós quatro ao mesmo tempo. Meu cabelo voou ao redor do meu rosto, minhas roupas esvoaçantes. Eu lutei para segurar minha saia enquanto a água saía de nossas roupas em uma explosão deslumbrante. Quando o vento se acalmou, Gwydion olhou para onde Gilfaethwy havia desaparecido e passou a mão pelo ar como se estivesse limpando vapor de um espelho. Um rastreamento complexo de magia apareceu diante dele, que ele se inclinou para ler. —Foi por isso que ele pegou o cajado e foi primeiro à Cidade Sem Fim. É muito mais difícil rastrear o cajado, e eu não seria capaz de dizer por quais dos poços da cidade ele passou se eu não tivesse- Não o vi. Mas agora que ele está se teletransportando sob seu próprio poder - o que ele não tem muito entre nossa recente briga e nossa visita à Cidade - segui-lo será muito fácil. Eu posso finalmente ser capaz de-

Ele ficou em silêncio bruscamente, depois descartou o texto mágico, carrancudo.

—O que há de errado? — Eu perguntei preocupado.

—Eu descobri para onde ele foi. — Respondeu Gwydion, conciso. Ele bateu com o cajado na superfície da balsa de madeira, e um portal se abriu através do qual eu podia ver vagamente os galhos das árvores. Gwydion se aproximou, hesitou e depois olhou para mim.

—Eu deveria te mandar para casa. — Disse ele. —Para onde ele está indo é... inóspito para os humanos. Eu deveria ser capaz de lidar com ele sozinho.

—Como você lidou com ele da última vez? — Eu perguntei. —A vida de Ethan está baseada no que Gil sabe. E sem o Vidro do Artífice, não podemos nem tentar descobrir mais sobre a maldição por conta própria. Não há como não ir com você.

—Onde ela vai, eu vou. — Ethan disse, colocando a mão no meu ombro.

Nós dois olhamos para Cole, que cruzou os braços, ainda um pouco rosado ao redor das orelhas.

—Eu realmente não tenho escolha, tenho? — Ele reclamou. —Se vocês idiotas vão e se matam, não há como eu pegar a vela.

Eu sorri para ele, feliz por ele estar conosco.

—Então está resolvido. — Eu disse. —Todos nós vamos.

—Não é nem remotamente estabelecido. — Argumentou Gwydion. —É a coisa mais distante da solução.

—Você realmente vai discutir comigo depois que eu quase morri salvando você? — Eu perguntei, mãos nos meus quadris.

Gwydion fechou os olhos por um momento, reunindo a compostura.

—Tudo bem. Vocês todos estão vindo. Tenho certeza que isso não vai acabar mal.

Ele pegou o casaco do braço, virou de dentro para fora e entregou para mim.

—Vista isso. Fiquem perto de mim. Não façam barulho e não usem magia, a menos que eu peça. Se nos separarmos... Vocês provavelmente morrerão. Não comam nada. Não cantem nem dancem. Façam tudo ao seu alcance. Não ofendam nada. Não ofereçam ajuda, a menos que seja solicitado, faça-o e não reclame. Aceite o que lhe derem depois, mas se alguém tentar lhe dar algo que você não ganhou, recuse educadamente enquanto vocês podem e espero que eu possa encontrar vocês a tempo de salvá-los. Entendido?

Não remotamente, mas assenti e coloquei o casaco de dentro para fora de qualquer maneira.

—Então vamos acabar logo com isso. — Disse Gwydion com um suspiro.

Sem mais cerimônia, ele atravessou o portal. Eu dei a Ethan e Cole um último sorriso encorajador, depois fui atrás dele, esperando que o que esperasse do outro lado não fosse pior do que o que já tínhamos enfrentado. Mas, pela primeira vez, eu estava menos preocupada com o desconhecido do que com meu próprio poder. Eu ainda não tinha certeza do que tinha acontecido quando tentei curar Gwydion, mas tinha certeza de que isso aconteceria novamente. Em algum lugar no fundo da minha mente, as palavras 'ainda não' ainda ecoavam.

 

 

 

 

 


Capitulo Dez

 

Das sombras frias e cinzentas da Costa DIstante, entrei em um dia perfeito de verão. Era verão também na Terra, mas não assim. Esse era um daqueles dias míticos, a partir de memórias idílicas excessivamente nostálgicas da infância, ou um daqueles filmes inexplicavelmente populares da maioridade, onde algo terrível acontece com o cachorro leal de uma criança. Estava frio o suficiente na sombra para fazer o calor do sol parecer mais calmante do que opressivo. Enormes árvores velhas erguiam-se ao nosso redor, suas folhas lançando sombras verdes na terra rica e escura, seus arcos pesados de frutas. A vegetação rasteira era uma profusão de flores silvestres e frutos maduros. O ar estava denso com o som do canto dos pássaros e o murmúrio musical da água correndo em algum lugar próximo. A luz através das árvores era dourada, quase tangível, e senti uma onda de prazer e excitação estranhos assim que respirei o ar. Tudo, todos os mirtilos gordos, pedras brilhantes e pássaros cantando de suas gargantas vermelhas, estavam positivamente cheios de significado. Qualquer coisa que caísse em meus olhos, desde uma teia de aranha pendurada em prata pendurada sob a sombra de uma raiz de carvalho até as cabeças de sementes douradas da grama alta crescendo em um pedaço de luz solar, me atingiu com uma intensidade que me fez ter certeza de que tocar qualquer parte disso seria embarcar em uma aventura fantástica.

Gwydion estalou os dedos na frente do meu rosto, impaciente, tirando-me do meu devaneio.

—Foco. — Ele insistiu. —Você não deve deixar este lugar colocar seus ganchos em você. Seu charme é um veneno, você entende? Tudo isso é apenas a pele brilhante de um sapo venenoso.

—Mas é tão... mágico. — Eu disse, surpresa com o quão jovem eu parecia, como uma criança na Disney World.

—O que é este lugar? — Ethan perguntou, parecendo tão impressionado quanto eu. Eu olhei para ele quando Cole entrou no portal. A boca de Ethan estava aberta em um espanto frouxo, seus olhos brilhando. Ele parecia mais jovem de alguma forma, as linhas ao redor dos olhos se foram, o peso fora dos ombros. A luz do sol brilhava bastante em seus cachos castanhos escuros e seus olhos dourados. Ele parecia tão magnificamente mágico e importante quanto todo o resto. Ele pegou meu olhar e ouvi sua respiração prender e vi seus olhos se arregalarem.

—Vexa. — Ele disse, suas mãos encontrando minha cintura. —Você parece tão... radiante. Deus, eu nunca vi nada tão-

—Nada disso, nada disso! — Gwydion disse agitando a mão bruscamente entre nossos rostos até nos afastarmos. —Eu sabia que era uma péssima idéia. Concentrem-se, por favor! Você, Cole! Fique fora daqui!

Cole, parecendo tão atordoado e surpreso quanto o resto de nós, olhou para cima, confuso, de onde ele estava vagando em um pedaço de amora, mistificado com as frutas perfeitas, como joias, e pequenas flores brancas de estrelas. Seus olhos, sempre adoráveis, eram de um azul mais brilhante do que eu já tinha visto na Terra. O tom escuro de seu cabelo combinava com o da fruta ao seu redor. A graça de seus membros musculosos quando Gwydion o agarrou pela camisa e o arrastou de volta para nós era absolutamente sublime. Ethan e eu voltamos juntos assim que Gwydion parou de nos separar fisicamente, nossos braços se abraçando como se tivessem sido feitos para isso. Quando Gwydion empurrou Cole para nós, nós o alcançamos ao mesmo tempo. Eu sorri quando toquei sua bochecha, sua pele macia e quente, e pela primeira vez ele não recuou do contato. Ethan segurou o outro lado do rosto, acariciando a linha fina da bochecha com o polegar. Cole fechou os olhos e afundou em nosso toque como um banho quente após um dia difícil.

—Como você pode pensar que não é absolutamente lindo? — Eu perguntei, impressionado com cada mecha de seu cabelo, a curva de sua mandíbula, a cor de seus lábios.

—Você é como uma obra de arte. — Ethan concordou, virando seu sorriso deslumbrante para mim, o calor tão comovente que eu quase podia chorar. —Vocês dois são. Gostaria de saber com quem comparar você. Nunca consigo me lembrar dos nomes. Vexa sempre pode.

Eu sorri de volta para ele, lembrando como quando o conhecemos eu o comparei com o David de Bernini e uma dúzia de outras obras de arte clássica. Eu estava um pouco desorientada na época, mas a comparação se manteve.

—Algo pré-rafaelita. — Eu disse. —Edward Hughes talvez.

—Você é tão inteligente. — Disse Ethan.

—Estou tão feliz que vocês estão tendo um momento de união tão adorável. — Disse Gwydion, tentando nos afastar um do outro. —Mas se vocês tentarem recuperar os sentidos, realmente não temos tempo para uma orgia no momento.

—Isso é... intoxicação mágica. — Disse Cole, esfregando os olhos. Adorei a delicada arte de seus dedos e o tom avermelhado que o atrito colocou em suas bochechas.

—De fato! — Gwydion disse, pingando sarcasmo. —Que bom que você está alcançando! Isso deve desaparecer em breve, mas não podemos dar ao luxo de esperar por isso, nem tenho paciência para ver vocês três se lutarem até que isso aconteça.

Eu me perguntava por que ele estava de mau humor quando era um dia tão perfeito. Mas eu não poderia estar chateada com ele por isso. Ele era bonito demais para se zangar. A luz do sol não parecia tocá-lo, mas quando ele estava na sombra, ele parecia esculpido em mármore frio, frio e sem falhas e brilhando como gelo. Quase doía olhar para ele, como a luz refletindo na neve até ficar ofuscante. E às vezes, quando eu o via pelo canto do olho, ele era mais do que isso. Maior do que eu podia imaginar, e quando ele se moveu, houve um farfalhar de pelos e uma sombra de chifres.

—Ele está certo. — Disse Cole, balançando a cabeça enquanto se distraía brevemente por uma borboleta que passava com asas como vitrais vivos. —Precisamos... Continuar em movimento. Estamos em perigo. Tentem se lembrar do medo.

Eu não queria ter medo, não quando era tão bonito aqui. Mas fiz o meu melhor quando Cole pegou minha mão e me puxou atrás de Gwydion. Peguei Ethan com a mão livre e o puxei. Uma corrente de margarida, como quando éramos crianças. O pensamento me fez rir, o que o fez começar.

Gwydion suspirou cansado. —Pelo menos vocês estão se movendo. Por aqui. Não se afastem. Não há sinal de seu feitiço de teletransporte aqui. Ele deve ter ido mais longe antes de lançá-lo para tentar me expulsar. Mas por que ele arriscaria isso aqui? De todos lugares?

Eu mal ouvia Gwydion e não entendia por que ele não gostava daqui. Ele fez parecer tão perigoso, mas era o lugar mais maravilhoso que eu já vi. Ao atravessarmos as árvores, pequenos pedaços de magia se revelaram entre as folhas. Uma macieira com casca de prata fina estava crescendo perto de um riacho claro, com seus galhos forrados e pesados por frutas feitas de ouro e diamante. Uma cobra com escamas de esmeralda translúcida estava pendurada nos galhos, nos observando com sábios olhos rubis escuros. Tinha uma daquelas bocas fofas de filhotes de píton que são tão adoráveis, mas Gwydion não me deixou fazer amizade com ela.

Mulheres minúsculas, que não eram mais do que meu braço, nadavam através do riacho, pulando como peixes, brilhando rosa iridescente e lavanda como o interior de uma concha, estalando seus minúsculos dentes afiados em insetos. Vi um campo de flores brancas crescer, grande como a palma da minha mão, e no centro de cada uma havia um minúsculo sino de ouro. Quando o vento soprava, eles tocavam tão docemente que Gwydion teve que gritar conosco para nos impedir de vagar neles para nos deitar e apenas ouvir. Cole sugeriu que cantássemos, o que foi uma ideia tão boa que eu o beijei por isso, e ele ficou vermelho e começou a rir e esqueceu sua sugestão até que Gwydion o lembrou, quando ele afastou Ethan de tentar mentir novamente nas flores, que eram tentando envolver tenras videiras verdes ao redor de seus sapatos, como se quisessem que ele ficasse. A única música que todos conhecíamos era Bohemian Rhapsody, e cantamos o mais alto que pudemos por insistência de Gwydion, até deixarmos o campo de flores para trás e ele nos pediu para parar. Mas continuamos esquecendo que ele nos disse para parar e começar de novo. É uma música tão boa, afinal. Nós finalmente paramos quando ele ameaçou fechar nossas bocas com mágica nos fez esconder em um arbusto enquanto uma procissão de árvores andando passava majestosamente.

Quando o desfile de árvores terminou, eu estava finalmente começando a recuperar meus sentidos um pouco, o suficiente para perceber que estávamos com problemas. Embora eu ainda estivesse flutuando e facilmente distraída, eu estava presente o suficiente para olhar para a merda ridícula que acabamos de percorrer e empalidecer com a quantidade ridícula de sério perigo em que estávamos, que eu apenas... não notei.

—Essas flores tinham dentes. — Eu sussurrei para mim mesma, olhando para um fragmento perfeito de céu azul através das folhas acima de nós.

—Finalmente começando a sair disso? — Perguntou Cole. Ainda estávamos sentados no mato. Eu não tinha notado os espinhos antes agora.

—Acho que sim. — Eu disse, esfregando a cabeça. —Mais ou menos. Jesus, eu não estive tão bêbada desde o último ano.

—É o ar aqui. — Disse Cole. —Está tão cheio de magia que você quase pode vê-la a olho nu. É por isso que tudo parece tão...

Ele fez um gesto ambíguo, mexendo os dedos ilustrativamente. Eu imaginei que entendi o ponto dele.

—Graças à lei. — Gwydion reapareceu, arrastando um Ethan tropeçando, que estava sorrindo e segurando uma das flores de sino. —Eu tinha medo que você se afastasse. Eu tive que perseguir esse idiota até o prado. Eu deveria ter deixado eles comê-lo. Eu teria todo o direito!

Ele estava parecendo mais do que um pouco esfarrapado, mesmo através da névoa mágica que o tornava tão etérea adorável.

—Desculpe. — Eu disse, levantando-me inquieta e ajudando Cole a se levantar. —Eu acho que estou começando a descer.

—Provavelmente levará Ethan mais um pouco. — Disse Cole. —Ele não está tão acostumado à magia quanto nós.

Ethan pressionou a flor do sino em minhas mãos. Peguei-a com relutância, olhando para trás como dentes de gancho voltados para os dentes que revestiam a trombeta interna.

—Eu comprei para você. — Ethan disse, e ele estava tão sério e bonito que eu quase esqueci os dentes completamente. —Eu não te dei nada ainda. Preciso te dar coisas, para que quando eu me for, você se lembre de mim.

Ele disse isso sem um pingo de arrependimento ou amargura, o que a fez doer ainda mais. Comecei a dizer algo, insistindo que não era o que iria acontecer, mas não queria estragar a felicidade dele. Eu sabia que ele tinha tido pouco o suficiente ultimamente.

—Obrigada, querido — Eu disse e o beijei. —Eu prometo que nunca, nunca vou te esquecer.

Encantado, ele me pegou e me virou, regando meu rosto em beijinhos.

—Adorável. — Disse Gwydion sarcasticamente. —Podemos seguir em frente? A trilha de Gil está ficando mais fria.

Fiz Ethan me colocar no chão e começamos a andar novamente. Definitivamente, eu ainda estava bem maluca, mas ter pelo menos um pé mais ou menos no chão tornava mais fácil apreciar as coisas realmente incríveis que estávamos vendo, além de ajudar a manter um olho em Ethan, e ocasionalmente até em Cole. Não que eu estivesse muito melhor, sendo desviada por um raio de sol que capturava o ar como se fosse um prisma, arco-íris deslizantes e brilhantes, ou um ninho de coelhos com presas e chifres, que eu percebi que um pouco tarde demais estavam sendo guardados por seus pais igualmente afiados e com chifres. Mas pelo menos agora um de nós geralmente era lúcido o suficiente para pegar o outro. Gwydion tinha um grande potencial como pastor profissional.

E então Gwydion afastou uma cortina de musgo pendurado e todos nós congelamos no lugar como se ficássemos impressionados ao ver o que havia do outro lado.

A alguns metros de distância, pastando pacificamente em uma piscina vernal, havia um unicórnio.

Era, sem exceção, a coisa mais linda que eu já vi. Eu não conseguia acreditar que alguém tivesse convencido as pessoas de que se parecesse com um cavalo. Era um tipo de ungulado, claramente, mas mais como um grande cervo em proporções, com uma cabeça um tanto parecida com uma cabra. A cauda comprida era preênsil, como a de um gato, e adornada no final com os mesmos cachos sedosos e prateados brancos da crina. Seus olhos eram impressionantes além da minha capacidade de descrever. Eles eram ao mesmo tempo profundos, escuros e infinitamente inteligentes, e também brilhavam com mil cores, queimando com a luz interior. Seu chifre brilhava com suave iridescência, como pérola ou nácar, subindo mais de um pé da testa até um ponto que brilhava como uma estrela.

—É...? — Eu sussurrei, minha voz tremendo. —É realmente-?

—Sim. — Disse Gwydion, estendendo a mão para impedir que alguém se aproximasse. —Silêncio. Fora dos tribunais, não há mais coisa perigosa neste lugar. Devemos recuar lentamente, tentar dar a volta.

—Como isso pode ser perigoso? — Eu perguntei, completamente extasiada. —É um unicórnio!

—É exatamente por isso que é perigoso. — Disse Gwydion, impaciente. —Eles são forças primordiais - o conceito de justiça dando forma. Se eles sentirem a menor sombra em seu coração, eles a esculpirão. Eles não podem ser combatidos ou fugir. Depois que decidem matá-lo, nada pode detê-los. Eles podem até matar um fae.

—Isso não parece exatamente justiça para mim. — Disse Cole, franzindo a testa. —Apenas assassinato resumido por qualquer crime? E o que exatamente eles definem como uma 'sombra' no seu coração? Isso me mataria se eu me sentisse culpado por esquecer o aniversário da minha avó?

—Não seja pedante. — Disse Gwydion, virando-se para olhá-lo. —Só estou dizendo que, se você merece morrer, eles saberão.

—Bem, isso é um pouco diferente de 'se houver uma sombra em seu coração'.

—Bem, o julgamento deles sobre quem merece morrer tende a se inclinar pesadamente para todos na minha experiência, então me perdoe por me tornar poético.

—Bem, então eles não são personificados pela Justiça. Justiça verdadeira não ignora o contexto.

Não ouvi a resposta de Gwydion porque já estava na metade da distância entre mim e o unicórnio. Ele levantou sua bela cabeça quando me aproximei, e eu não pude deixar de sorrir. Eu nem estava pensando no perigo. Tudo o que eu conseguia pensar era que esse era um unicórnio real na minha frente. Tudo o que eu sonhava quando menina, todos os livros de fantasia que eu desejava escapar, voltaram correndo para mim como um golpe no peito. Eu não percebi o quanto eu queria isso, neste exato momento, toda a minha vida. Se eu pudesse tocá-lo, apenas uma vez, morreria feliz. O unicórnio, silencioso e perfeito, virou-se lentamente para me encarar.

Ouvi vagamente Ethan começar a gritar meu nome, apenas para ser rapidamente abafado.

—Temos que fazer alguma coisa! — Cole estava dizendo. —Isso poderia matá-la!

—Se interrompermos agora — Respondeu Gwydion severamente. —Definitivamente vai.

Eu não estava com medo. Quem poderia ter medo na presença de algo assim? Ele deu dois passos lentos em minha direção, seus cascos ecoando a cada passo, apesar de andar sobre musgo macio. Eu assisti, impressionada e aberta, enquanto abaixava a cabeça, trazendo seu chifre longo e perversamente afiado ao meu peito. O ponto descansou logo acima do meu coração. De repente, pensei, como se estivesse compelida, a tudo o que recentemente senti culpa. Quando Gwydion se machucou, depois de me envolver nisso por minha causa. Colocando Cole em perigo pela mesma razão. Quando meus vizinhos encontraram o buraco no quintal onde o cachorro morto havia sido 'desenterrado por um leão da montanha', mesmo que o cachorro estivesse ressuscitado e vivendo feliz na casa da minha tia. Aprendendo que meus poderes estavam acelerando a maldição de Ethan. Quando Ethan quase foi morto me protegendo de Aethon. Na maioria das vezes eu tinha visto Ethan ultimamente, honestamente. Se não fosse por mim, ele ainda teria anos. Eu até me senti culpada por fazê-lo ficar comigo. Egoísta. Fazendo-o continuar lutando, mesmo que ele estivesse com medo e com dor só porque eu não queria perdê-lo ainda. Fazendo-o me ver flertar com os homens que eventualmente o substituiriam. Eu deveria ter recusado quando ele se ofereceu para abrir o relacionamento. Eu sabia que ele só estava fazendo isso porque ele não queria que eu estivesse sozinha. Eu deveria ter recusado ele quando ele se ofereceu para me ajudar com isso. Eu nunca deveria tê-lo colocado em perigo. Ele merecia mais que eu. Eu era uma necromante, e o que Julius dissesse, nunca seria capaz de me convencer, muito menos de mais alguém, de que era uma magia puramente inocente. Eu estava cheia de algo sombrio e mau, e não podia mudar isso.

Eu funguei, lágrimas escorrendo pelo meu rosto. Eu sabia que o unicórnio podia ver toda a minha culpa, e a vergonha me fez querer entrar em um buraco e morrer. Eu não tinha medo de que isso me matasse. Eu não estava pensando sobre isso. Eu só queria ser digna disso.

Senti algo molhado cair no meu ombro e abri os olhos. O unicórnio chorava, chorando lágrimas leitosas que se transformavam em cristal quando caíam na grama. Ele levantou o chifre do meu coração e agora encostou a cabeça na minha, como se estivesse tentando me confortar. Joguei meus braços em volta do pescoço sem um momento de hesitação e enterrei meu rosto na seda fria de sua juba. Irradiava contentamento, uma paz profunda e tranquilizadora que me assegurava que tudo ficaria bem. Não era apenas Justiça, como Gwydion pensava. Era a paz que seguia a verdadeira justiça.

—Em todos os meus anos, nunca vi isso acontecer. — Sussurrou Gwydion de onde estavam escondidos, parecendo atordoado. —Eu ouvi histórias, mas...

Respirei fundo, infundindo-me com o máximo de paz possível. A vertigem da intoxicação mágica se foi, mas eu estava feliz por isso. Eu nunca teria tido a coragem de me aproximar sem ela. Então me forcei a me afastar, embora uma grande parte de mim só quisesse seguir o unicórnio para sempre. Havia pessoas que ainda precisavam de mim aqui. E alguém que precisava disso muito mais do que eu.

—Vexa? — Ethan disse inquieto. —Você está bem?

Eu me virei para eles, sorrindo enquanto esfregava as lágrimas do meu rosto.

—Sim. — Eu disse. —Eu estou bem.

Estendi a mão para Ethan, acenando para ele avançar.

—Não faça isso. — Disse Cole. —Ela claramente perdeu a cabeça.

Ethan parecia nervoso, mas saiu de trás do mato, caminhando em nossa direção com cautela. O Unicórnio fez um barulho baixo e desapontado, como um cavalo, e se levantou um pouco, mas eu joguei meus braços em torno dele novamente, acariciando seu pescoço até que ele se acalmasse e deixasse Ethan se aproximar.

—Não tenha medo. — eu disse, pegando sua mão. —Não vai machucá-lo. Se pode chorar por mim, vai te amar.

Ethan não parecia certo, mas quando ele olhou para o Unicórnio, pude ver a admiração em seus olhos tão poderosos e profundamente enraizados quanto os meus. Eu não tinha sido a única sonhando com esse momento.

O unicórnio colocou seu chife no peito de Ethan, e vi as lágrimas nos olhos dele quase imediatamente. Ele soluçou, o ombro tremendo, enquanto revivia a culpa que o unicórnio havia trazido diante dele.

—Não olhe. — Ele implorou ao unicórnio, não a mim. —Eu não sou - eu não sou como-

Eu vi a ponta do chifre do unicórnio afundar no peito de Ethan apenas o suficiente para tirar sangue. Agarrei a mão de Ethan novamente, apertando com força.

—Seja honesto. — Insisti. —Você tem que olhar para tudo. Você tem que deixar que isso faça parte de você.

Ethan balançou a cabeça e senti um tremor de medo quando o chifre do unicórnio afundou um pouco mais fundo, com medo de ter cometido um erro. Mas não havia mais nada que eu pudesse fazer. Não havia nada que eu pudesse dizer agora. Ethan sabia que eu estava aqui, que o apoiaria, não importa o quê. O problema não estava comigo ou com mais ninguém. Era em Ethan.

O chifre afundou mais e eu agarrei a mão de Ethan, com medo de tê-lo levado à morte.

—Eu te amo. — Eu disse, a primeira vez que disse as palavras. A primeira vez que estive realmente, realmente certa de senti-las. —Ethan, eu te amo muito.

Ethan estremeceu, depois apertou minha mão.

—Tudo bem. — Disse ele, um som de aceitação cansada. —Bem.

A tensão sumiu dele, embora as lágrimas caíssem rápido e com força. O chifre do unicórnio recuou, não deixando feridas nem sangue. Deitou a cabeça ao lado da dele por um momento, antes que ele caísse de joelhos na grama. Caí ao lado dele, segurando-o perto. Ele tremia, ainda chorando muito.

—Vê? — Eu sussurrei. —Eu sabia. Eu sabia que pensaria que você é tão incrível quanto eu.

Ele soluçou, maravilhado e incrédulo em seus olhos quando olhou para o unicórnio. Mas quando ele olhou para mim, havia apenas amor em seus olhos.

—Eu também te amo, Vexa. — Disse ele. —Muito.

Ele me puxou para um beijo aos pés do unicórnio, que pressionou o nariz na têmpora de Ethan e depois na minha, antes que ele se virasse e se afastasse na sombra das árvores.

Fiquei de pé instável e puxei Ethan comigo enquanto Cole e Gwydion saíam cautelosos dos arbustos. Ethan me abraçou com força, e eu o abracei de volta, meus pensamentos ainda nos arrependimentos que o Unicórnio havia me mostrado. Não tinha falado ou compartilhado nenhuma sabedoria, mas a sensação de paz que me enchia me dava um tipo estranho de clareza, uma distância daqueles sentimentos que os tornavam mais fáceis de lidar. Eu esperava que Ethan sentisse o mesmo. Eu esperava que algo tão puro e mágico, declarando-o digno, aliviasse um pouco da dor contida dentro dele.

Cole me surpreendeu jogando os braços em volta de nós dois, a cabeça no meu ombro.

—O que eu acabei de dizer sobre fazer coisas estúpidas e perigosas? — Ele repreendeu, sua mão segurando firmemente as costas da minha camisa. Não pude deixar de sorrir com sua preocupação relutante. Ethan retornou meu sorriso, nós dois emocionalmente exaustos, mas cheios pela profunda paz do julgamento do unicórnio.

—Tenho certeza que você só me disse para não explorar fontes mágicas poderosas. — Provoquei. —Você não especificou que eu não deveria fazer nada perigoso.

Ele levantou a cabeça para me encarar.

—Você tem alguma ideia de como será inconveniente para mim se você morrer? — Ele disse.

—Bem, eu não gostaria de ser um inconveniente. — Eu disse com uma risada.

—Tarde demais. — Declarou Gwydion se aproximando de nós, colocando algo no bolso.

—Sua preocupação é comovente. — Eu disse a ele por cima da cabeça de Cole, depois coloquei um braço em volta de Cole para atraí-lo com mais segurança para o abraço, Ethan fazendo o mesmo. Cole ficou tenso sem jeito, mas não se afastou. Talvez fosse um pouco da intoxicação mágica ainda o afetando. Eu tinha certeza de que era o que ele culparia de qualquer maneira.

—Eu tenho certeza que isso faz com que vocês dois sejam dignos de serem reis da Inglaterra. — Disse Gwydion casualmente, claramente tentando entender tudo, como se eu não tivesse visto o medo dele. —Eu tenho a espada em casa, se vocês estiverem interessados.

Ethan abafou uma risada no meu ombro.

—Vou considerar. — Eu disse a Gwydion com um sorriso. Ele zombou com um arco, depois endireitou as roupas e limpou a garganta.

—Agora, realmente precisamos nos mexer. Magia assim vai atrair-

Ele foi interrompido por uma flecha acertando-o no peito.

Ele voou para trás, esparramando na grama. No mesmo momento, Cole e Ethan desabaram em ambos os lados de mim. Muito horrorizada para reagir, eu só podia ver uma fila de arqueiros emergir das árvores, flechas batendo, lideradas por um homem com barba dourada e uma coroa brilhante.

—Vocês invadiram a terra sagrada de Tir Na Nog. — Declarou o homem. —A rainha exige suas presenças.

 

 

 

Capitulo Onze


O charme que os fae costumavam colocar Ethan e Cole para dormir não funcionou em mim, provavelmente graças à jaqueta de Gwydion, então tive o prazer de ser amarrada e arrastada para as costas de um cavalo atrás do homem barbudo, algo que discordei veementemente, mas não pude fazer muita coisa. Não que eu não tentei. Convoquei todas as coisas mortas na área que pude alcançar, incluindo algum animal maciço e trêmulo que eu nem reconheci, e fui prontamente e completamente desligada com alguns gestos casuais dos fae. Eu poderia muito bem nem ter me incomodado. Eu consegui dar um tapa em alguns deles com necrose quando eles foram me amarrar e deram um bom chute, mas naquele momento, tudo que eu estava salvando era meu orgulho.

Eu assisti, doente de ansiedade, enquanto jogavam Ethan, Cole e Gwydion nas costas de seus cavalos, nem mesmo removendo a flecha de Gwydion, e nos levavam embora.

Não tínhamos andado muito tempo antes de chegarmos a um caminho verde, que logo se tornou uma estrada de terra bem trilhada e depois pavimentada um pouco mais em tijolos de pedra. A essa altura, o palácio já estava à vista.

Um imenso e reluzente edifício dourado, repleto de pináculos e filigrana, parecia algo que a Disney rejeitaria por ser exagerado demais. A vegetação caía em cascata de todas as paredes e janelas, flores quase mais comuns que o onipresente trabalho de pergaminho dourado. Era bonito, com certeza, mas não tinha nada no Unicórnio, e de qualquer maneira, eu estava ocupada sendo absolutamente irritada como o inferno.

Por fim, eles nos levaram a um enorme jardim no pátio, tão denso com plantas que dificilmente parecia haver espaço para as pessoas, cercados por todos os lados por finas colunas de mármore branco. Um maciço carvalho ficava em uma extremidade do pátio, e seu tronco fora cultivado, não esculpido, na forma de um trono elaborado, cravejado de pedras preciosas e marfim.

A mulher que estava sentada era, sem dúvida, uma rainha. Você poderia dizer que ela era uma rainha mesmo sem a coroa ou o lindo vestido dourado. Ela teria sido uma rainha completamente nua. Um lampejo daqueles olhos escuros deixaria isso claro. O fato de ela ter pelo menos o dobro da altura de qualquer outra pessoa aqui também pode ter contribuído para sua aura de superioridade real.

Sendo Rainha do Verão, eu meio que esperava uma loira, talvez uma ruiva. Mas o cabelo de Titania era o preto do solo rico, sua pele tão escura quanto uma noite de verão. Ela brilhava como o coração do sol e segurava um cajado de ouro em uma mão, que parecia ter uma estrela viva em sua cabeça de filigrana.

Fomos trazidos à sua frente, eu caminhando entre dois guardas e os outros três jogados sem cerimônia. O homem barbudo se ajoelhou para arrancar a flecha do peito de Gwydion. Assim que saiu, Gwydion acordou, tossindo e engasgando.

Lancei um rápido olhar para os homens de ambos os lados, depois chutei um na virilha e balancei os punhos amarrados para atingir a outra força total no rosto. Enquanto eles estavam cambaleando, corri para Gwydion, convocando um enxame de insetos para manter os guardas afastados enquanto eu o arrastava até nossos companheiros inconscientes.

 

—Teleporte-nos para fora! — Eu disse a Gwydion, tentando freneticamente manter os insetos mortos entre mim e os guardas, que pareciam apenas levemente aborrecidos por eles e não com pressa de me recapturar.

—Não posso. — Disse Gwydion, ainda sibilando.

—O que você quer dizer com não pode?

—Obrigada, Hern. — Titania disse graciosamente para o homem barbudo, ignorando minha tentativa de fuga completamente. —Por favor, remova o charme dos outros dois. Estou muito curiosa em saber o que os trouxe ao nosso reino.

Hern curvou-se profundamente, depois acenou com a mão e Ethan e Cole sentaram-se um momento depois, piscando em confusão.

—É o suficiente. — Disse Titania, e os insetos que eu estava controlando se transformaram em uma chuva de pétalas de flores instantaneamente, sem o menor gesto dela. Eu peguei qualquer outro poder que eu tinha e não encontrei nada. Apenas a paz prolongada do toque do unicórnio me impediu de surtar completamente. Os olhos escuros e brilhantes de Titânia voltaram-se para Gwydion, assim como os do resto da corte, que estavam quase invisíveis entre as flores do jardim, verdes e brilhantes. Pelo canto do olho, eles não pareciam humanos. Vi carapaças cambiantes e asas e olhos iridescentes cintilantes como jóias multifacetadas.

—Gwydion Greenwood. — Ela falou, e sua voz tremeu no ar e fez as flores girarem em sua direção. —Pensei em ver seu irmão ajoelhado diante de mim em uma dessas noites. Mas você não esperava. Você sempre preferiu os reinos mundanos.

Eu não precisava saber muito sobre faes para saber que isso era um insulto.

Gwydion recuperou o fôlego e lutava de joelhos. Ajudei-o tanto quanto me atrevi, com medo de tirar os olhos da rainha. Gwydion, pelo contrário, nem sequer a olhava. Ele manteve a cabeça baixa e a postura baixa.

—E ainda aqui está você. — Titania continuou. —E com um bando de humanos não menos. Que planos fascinantes você deve ter. Por favor, compartilhe-os.

—Nossa chegada aqui não foi intencional, Vossa Majestade. — Disse Gwydion, a cabeça tão baixa que seus cabelos roçaram o mosaico vidrado. —Um ladrão roubou algo meu e fugiu através de um portal. Foi por coincidência que o ladrão escolheu este lugar como destino.

—Nós dois vivemos muito tempo. — Disse Titania casualmente. —Muito tempo para acreditar na coincidência.

—Então claramente o ladrão sabia que me levar até aqui atrairia sua atenção e me impediria de seguir. — Disse Gwydion rapidamente. —Mas você deve saber que eu não voltaria a esse lugar de bom grado.

—E ainda aqui está você. — Disse Titania novamente. —E Hern, o melhor caçador da minha corte, não viu vestígios de sua pedreira. Somente você, perambulando pelo território que lhe era proibido antes do seu exílio.

—Vossa Majestade. — Disse Gwydion, e pude ver suor em sua testa. —Eu nunca tentei interferir nos seus assuntos. Mesmo antes das tolices que levaram à minha... partida. Você sabe que não tenho ambições.

—Você não tinha. — Titania confirmou casualmente. —Mas você passou mil verões entre os humanos, e quem sabe que influências tóxicas suas mentes mesquinhas podem infligir? Talvez você tente recuperar sua posição entre os Invisíveis, ganhando-lhes uma pequena vitória contra nós, nesta nossa época de supremacia?

—Não, Majestade, eu nunca...

—Você roubou o meu reino. — Disse Titania, uma onda de calor saindo do trono, o que me deixou tonta e com sede. —Sem aviso prévio em um jardim onde sua espécie sempre foi proibida, trazendo com você criaturas mortais com magia repugnante para suas almas, e você espera que eu acredite em suas intenções puras? Você me aceita como uma tola, Gwydion Greewood? Sílabas do seu verdadeiro nome - Sol à meia-noite, Espelho de Gelo, Canção de arrepio - eu poderia torcer você em mil formas e plantá-lo como uma das minhas árvores.

Enquanto ela falava, o calor aumentou até que eu mal conseguia respirar, como estar diante de uma fornalha no deserto. Gwydion se enrolou em si mesmo, a pele brilhando com suor, o cabelo mole. Eu podia ver a agonia em seu rosto e meio que esperava que ele evaporasse, um fio de vapor como um floco de neve caindo no fogo. Em vez disso, seus membros torceram e tensionaram, sua pele ficou escura, rachando em casca.

—Meu jardim pode usar uma ou duas sempre-vivas. — Disse Titania com crueldade preguiçosa.

Ethan e Cole estavam sofrendo sob o calor da mesma forma que eu, e os dois ainda estavam se recuperando da confusão do feitiço de dormir de Hern. Eu podia ver Cole se esforçando para encontrar sua mágica e não encontrando nada ao seu alcance. Ethan empurrou o Lobo para a superfície, mas a exaustão pelo calor diminuiu sua força e deixou seus dentes sem brilho e suas garras mal estendidas. Meus braços estavam em volta de Gwydion e, entre meus dedos, brotavam galhos, afiados com agulhas de pinheiro.

—Pare! — Eu exigi, com toda a força que pude reunir, o som ainda fraco dos meus pulmões sem ar. —Não foi culpa dele! Foi Gil-

De repente, o calor desapareceu e a casca desapareceu da pele de Gwydion.

—Então, foi Gilfaethwy quem voltou primeiro. — Disse Titania com um sorriso doce. —Por que você não mencionou que era seu irmão que você estava perseguindo? Eu poderia ter adivinhado. Ele sempre estava roubando seus brinquedos. Foi isso que levou você a essa confusão em primeiro lugar, não foi, querido?

Gwydion não conseguiu falar. Ele estava tremendo muito e mal conseguia se segurar. Lembrei-me com súbito medo como o que Gwydion havia dito que os Unseelie fariam com ele se ele voltasse. A Corte de Verão faria o mesmo e o torturaria para alcançar Gilfaethwy?

Lutei de pé, aproveitando a sensação de paz que o Unicórnio me deixou como se fosse uma piscina parada no meu coração.

—Gwydion não é seu para punir. — Eu disse e ouvi um murmúrio de choque e até risadas correndo pela corte reunida. Eu senti que provavelmente deveria ter me curvado ou adicionado uma 'Sua Majestade' antes de desafiar diretamente seu poder, mas era tarde demais para isso agora. —Ele não pertence ao seu tribunal.

Titania levantou uma sobrancelha escura e sorriu, divertida.

—Vejo você seguir uma nova rainha hoje em dia, Gwydion. — Disse ela, e tentei ignorar o rubor em minhas bochechas com a zombaria em seu tom. —Foi ela quem colocou o cheiro da morte em você?

Gwydion ainda não conseguia controlar as palavras. Ele agarrou o tornozelo das minhas calças com as mãos trêmulas, claramente tentando me fazer calar a boca de qualquer maneira.

—Bem, pequena rainha. — Titania disse com seu sorriso venenoso. —É verdade que não é da minha conta julgar os crimes dos quais ele originalmente fugiu. Mas ele passou por aqui, um Unseelie em Seelie pousa, e por isso tenho todo o direito da lei de exigir sua vida.

—Mas então você perderia Gilfaethwy. — Eu apontei, pensando rapidamente e puxando a primeira razão que eu consegui pensar na minha bunda. —E você nunca teria a chance de puni-lo pelo que ele fez.

Titania considerou isso, uma mão delicada em sua linda bochecha.

—Verdade. — Ela concluiu finalmente. — Mas o que me impede de poupar a morte de Gwydion? Em minha infinita misericórdia, talvez eu lhe conceda sua vida e apenas o castigue, infligindo toda tortura inteligente que minha corte possa conceber até que seu querido irmão se mostre apenas para acabar com a dor?

A mão de Gwydion apertou meu tornozelo, e o medo como água gelada em minhas veias fez o calor terrível da rainha parecer morno.

—Porque não funcionaria. — Eu disse, as palavras parecendo sair dos meus lábios antes de pensar completamente nelas. Procurei alguma justificativa para o que tinha acabado de dizer, ainda me perguntando por que o havia dito. —Ele... Gilfaethwy tem algum novo tipo de magia de proteção nele. É... provavelmente porque o seu caçador não o notou, mesmo que ele estivesse no seu território por mais tempo do que nós. Provavelmente bloqueia a conexão dele com Gwydion. Você poderia torturá-lo para sempre e Gil nunca sentiria nada.

Isso era absolutamente besteira. Eu não sabia disso. Gwydion mencionou de antemão que Gil tinha algum tipo de escudo impedindo Gwydion de usar o Vidro do Artífice nele. Era um alcance e meio afirmar que o impediria de sentir a outra metade de sua alma sendo torturada. Mas eu disse isso com tanta confiança quanto pude, olhando a rainha em seu rosto radiante, embora queimasse como se olhasse diretamente para o sol, e a vi reclinar em seu trono com uma expressão pensativa. Havia queimaduras ardentes nos braços do trono vivo onde suas mãos estiveram.

—Que pequena rainha interessante você encontrou. — Titania disse a Gwydion, que ainda estava ajoelhado aos meus pés, os dedos segurando minhas calças como se estivesse tentando rasgá-las. —Estou intrigada. É tão raro hoje em dia ver algo novo e divertido. Os humanos podem ser terrivelmente cansativos em números, mas sinto falta dos dias em que esses raros mortais excepcionais decidiram fazer algo tolo. Eles são terrivelmente estúpidos e inventivo. As mentes imortais tendem a se apegar à ideia de que já tentaram de tudo e o que não tentaram não vale o esforço. Isso as torna insuportavelmente entediantes.

—Honestamente, eu já vi essa atitude em muitos humanos. — Eu disse, um pouco tonta de estresse.

A rainha riu, um som clamoroso como sinos de metal tocando e tempestades de verão. Isso me abalou tanto que quase caí no chão ao lado de Gwydion.

—Bem, então, pequena rainha. — Disse Titania, cruzando as pernas e arrumando as saias com um segundo par de braços que eu ainda não havia notado. —Por favor, me diga como você resolveria esse problema. Estou muito curiosa para ouvir.

Engoli em seco e olhei para Gwydion, que balançava a cabeça sutilmente. Um olhar para Cole o viu também balançando a cabeça, com muito mais ênfase, e Ethan gesticulando com a mão esticada na garganta, no sinal universal de 'cale a boca antes que você morra'.

Eu decidi ignorá-los.

—Penitência. — Disse à rainha. —O castigo para nós quatro que invadimos deve ser penitência. Nós o pagaremos por nosso crime, trazendo a você alguém culpado de um crime muito maior. Vamos lá, vamos pegar Gilfaethwy e trazê-lo de volta a você para julgamento.

A boca perfeita de Titania se curvou em um sorriso largo e de dentes afiados que me fez lembrar de um gato de Cheshire.

—Que sugestão divertida. — Disse ela. A mão de Gwydion caiu da minha perna e Cole escondeu o rosto nas mãos. —Oh, já faz muito tempo desde que eu tive a chance de brincar com humanos. Outros Fae já conhecem todos os passos. Você nunca pode realmente vencer, ou apenas por centímetros. Que delícia ver alguém tropeçar diretamente em seu próprio sentido, mortes pela primeira vez. Eu nem precisei sugerir nada. Delicioso!

Meu estômago afundou aproximadamente 13 quilômetros na terra.

—Muito bem. — Disse Titania, batendo com o cetro no azulejo, que tocou como sinos. — Aceito. Vou perdoá-los pela invasão e permitir que vocês saiam, com a condição de voltar com o traidor Gilfaethwy e entregá-lo a mim. Como sou generosa, darei uma quinzena para protegê-los. Ao meio-dia daqui a duas semanas, se você não o trouxerem para mim, a penitência falhará e farei o que eu quiser com todos os quatro.

Fomos sumariamente expulsos do palácio. Sentamos na terra além de seus portões, recuperando o fôlego.

—Sua idiota. — Cole gemeu, com o rosto ainda nas mãos. —Você completa... Deus! Você nunca leu um conto de faes em sua vida?

—Eu não tive escolha! — Eu disse defensivamente. —Ela teria matado a todos nós! Pelo menos eu ganhei algum tempo.

—Ela não teria matado nenhum de nós! — Cole estalou. —Ela teria torturado Gwydion, talvez o trocado pelos Unseelie. Mas somos humanos enganados aqui por um Fae exilado que não é da sua corte. Ela não tinha poder sobre nós. Ela poderia ter tentado nos enganar para ficar ou fazer coisas de outra maneira. - difícil para nós, mas ela não poderia nos matar. Pelo menos até que você prometeu todas as nossas vidas a ela em troca de Gil!

Eu fiquei vermelha, envergonhada.

—Eu não sabia disso. — Eu disse, me sentindo uma idiota. —Fiz o melhor que pude!

—Além disso, devo lembrá-la. — Disse Gwydion em voz baixa, ainda sentado com a cabeça entre os joelhos. —Que se conseguirmos e levarmos Gilfaethwy até ela, a morte dele será minha também?

Engoli em seco.

—Ela querer Gilfaethwy mais do que você era a única alavanca que tínhamos. — Eu disse. —Nós vamos descobrir alguma coisa. Pelo menos agora temos algum tempo.

Gwydion respirou fundo, depois se levantou lentamente, oferecendo-me uma mão para meus pés também.

—Você está certa. — Disse ele, mantendo a voz muito calma, embora ele não olhasse para mim. —Não houve melhor curso de ação. Você preservou todas as nossas vidas, mesmo que por enquanto. Agora, precisamos ir e encontrar meu irmão; nesse momento, pretendo dividi-lo em dois, jogar metade no colo da rainha e levar a outra casa para viver o resto de sua vida miserável na menor e mais desconfortável gaiola que eu puder encontrar.

—É um plano. — Eu disse com um encolher de ombros. —Eu vou levar.

—Pergunta. — Ethan interrompeu. —Uh, então, primeiro de tudo... Essa era a rainha dos fae?

—Um deles, sim. — Respondeu Gwydion, relutante.

—Este lugar é de onde os fae vêm? — Ethan assumiu, gesticulando amplamente para Tir Na Nog.

—Não. — Disse Gwydion com um suspiro. —Esta é apenas a sede da Corte Seelie. Francamente, não se sabe de qual das Outras Terras os Fae emergiram, e supõe-se que o acesso a esse lugar tenha sido perdido.

—Como chegamos lá? — Ethan perguntou, ignorando as questões maiores que a declaração levantou. Repeti brevemente tudo o que havia acontecido entre Gwydion sendo alvejado e eles acordando em frente à rainha. Gwydion esfregou a flecha no ombro com uma careta como eu mencionei.

—Tudo bem. — Ele disse, balançando a cabeça. —Acho que já entendi. Mais uma pergunta. Como vamos encontrar Gil?

—Eu posso ser capaz de ajudá-los com isso.

Erguemos os olhos quando o homem de barba e a coroa de ouro, Hern, saiu dos portões do palácio ao nosso lado.

—Sua Alteza. Por que você nos ajudaria? — Gwydion perguntou sem rodeios.

—Sou o melhor caçador da Corte de Verão. — Respondeu Hern, igualmente direto. — Minha sombra na corte de inverno tem uma posição semelhante. Nenhum de nós jamais deixou escapar uma coisa que declaramos presa. Para que seu irmão tenha passado por meu território despercebido, e eu passo por sua trilha e não a sinta, é um insulto indescritível. Se minha sombra soubesse disso, a vergonha acabaria com nós dois. Devo segui-lo, pelo menos até onde ele foi em Tir Na Nog, por minha própria honra.

—Então você terá sua honra e nossa gratidão, rei Hern. — Gwydion confirmou.

—Eu também vou ter isso. — Disse Hern, apontando para mim. Meus olhos se arregalaram por um momento, antes que ele esclarecesse. —Ali, no seu casaco. No bolso. A chave que abre as portas entre os mundos.

Enfiei a mão no bolso do casaco de Gwydion e minha mão se fechou em torno de algo de madeira. Quando o tirei, ele se transformou em Cajado de Abeona. Gwydion empalideceu.

—Você não retribuirá meus esforços em seu nome com mera gratidão vazia. — Disse Hern. —Você vai me dar isso, e eu expandirei minhas áreas de caça para todos os mundos.

—Tenho outras bugigangas. — Afirmou Gwydion. —Coisas de muito mais utilidade para você do que para o pessoal. O Chifre de Caça que sua sombra perdeu na última vez que a Caçada Selvagem atravessou o reino mortal. Um sapato lançado do casco de Sleipner, que dará a qualquer montaria que a use a velocidade do rei dos cavalos.

—É esse cajado que eu quero. — Declarou Hern. —E eu terei isso ou nada.

—Então nada. — Disse Gwydion entre dentes. —E vamos encontrar Gilfaethwy por conta própria.

—Você confundiu minha oferta de caridade. — Disse Hern, frio e alto, a luz brilhando em sua coroa. —Caçarei Gilfaethwy com ou sem você. E se você me recusar, certamente o encontrarei diante de você e o devolverei à minha rainha pelos dentes dos meus cães. Aceite minha ajuda, me dê o cajado e eu lhe darei um avanço.

Até eu poderia dizer que estávamos sem opções.

—Precisamos pegá-lo. — Eu disse, interrompendo a despeito do quão ruim meu acordo foi na última vez. —Podemos dar a você depois que ele for entregue à rainha?

Hern considerou por um momento.

—Eu exigiria um vínculo. — Disse ele. —Garantia para garantir o pagamento. Um dos humanos faria.

—Não. — Eu disse imediatamente.

—Eles não seriam prejudicados. — Insistiu Hern. —E seria devolvido imediatamente após a entrega da equipe.

—Algo mais. — Eu insisti. —Nenhum humano.

—Aqui. — Gwydion enfiou a mão no casaco que eu ainda estava vestindo e tirou outra coisa, que reconheci após um breve vislumbre como o Espelho Branco e rapidamente desviou os olhos. —Isso. Você estava lá na noite do erro de Gilfaethwy. Você sabe o quanto eu o valorizo e o que significaria se fosse perdido para mim. É um seguro muito maior do que a vida de algumas espécies de pássaros como esses.

Hern pensou por um momento e depois balançou a cabeça.

—Essa coisa ofende os olhos da minha rainha. Eu não aceitaria isso por nenhum preço. É o cajado, ou nada.

Troquei um olhar com Gwydion, que rangeu os dentes e finalmente tirou o bastão de mim, entregando-o a Hern.

—O acordo está fechado. — Disse Hern, encolhendo o cajado e enfiando-o em seu gibão de ouro. — Encontrarei por qual porta Gilfaethwy saiu de Tir Na Nog e deixarei vocês para segui-lo por três noites. Quando a lua surgir na quarta noite, irei atrás dele eu mesmo. Se vocês não devolverem o traidor à rainha, então eu irei, e vocês se renderão à misericórdia da rainha como fracassos. Corram e eu os caçarei até o fim de todos os mundos.

 


Capitulo Doze


Nosso prazo foi reduzido de quinze dias para três dias e seguimos Hern, o Caçador, de volta às florestas de Tir Na Nog. Nós três já estávamos completamente sóbrios, a maravilha infantil da intoxicação mágica, fadada a uma desconfiança ansiosa de tudo o que viamos.

Hern nos emprestou cavalos para cavalgar ao lado de sua equipe de caça, em troca de três sílabas com o nome verdadeiro de um cavaleiro Unseelie que era o rival de alguém que ele gostava. Eu estava começando a aprender que segredos e favores eram a moeda corrente aqui, e absolutamente nada era dado livremente.

—O conceito de dívida é abominável para os Fae. — Explicou Cole quando mencionei isso. —Deixar uma dívida não paga é deixar outra pessoa com poder sobre você, em um sentido muito literal. Se Hern tivesse nos dado os cavalos e Gwydion não tivesse insistido em discutir como estava pagando por eles antes de aceitar, ele o faria. Deu a Hern um cheque em branco para nos deter mais tarde. Ele poderia ter exigido qualquer coisa, e Gwydion teria sido obrigado pela lei a entregá-lo. É por isso que alguns Fae ficam tão irritados se você tentar agradecê-los ou pagá-los.

—Então, o que Gwydion estava dizendo que Hern teria nossa gratidão mais cedo? — Eu perguntei.

—Foi um truque. — Disse Cole com um encolher de ombros. —Hern fez uma oferta padrão de um favor, que apenas um idiota aceitaria, mas é a abertura tradicional. Gwydion tentou interpretar a oferta de Hern como algo que Hern estava fazendo por si mesmo, não um favor que incorreria em dívida aberta ou um serviço que seria exigir pagamento, já que coincidentemente estaríamos nos beneficiando de seus esforços. Ele provavelmente passou muito tempo com seres humanos. Se Hern fosse estúpido, ele poderia ter entendido isso como um cheque em branco e aceito. Mas considerando que parece que Hern é o favorito da rainha no momento, ele provavelmente não é burro, e a implicação o insultou. Hern imediatamente esclareceu que estava oferecendo um serviço, exigiu um preço que sabia que Gwydion não gostaria de pagar e acrescentou uma ameaça em boa medida, como ele estava considerando, Hern teria tido motivos para atacá-lo pelo insulto.

—Deus, faes são uma merda. — Eu disse, esfregando a mão no rosto.

—Amém. — Ethan entrou na conversa.

As montarias de faes, pelo menos, eram extremamente bem comportadas. Eles eram um passeio mais suave do que a maioria dos carros em que eu tinha estado e não exigiam nenhuma direção de nós, o que era bom, já que apenas Ethan realmente sabia andar. Cole nunca tinha visto um cavalo de perto e ficou um pouco intimidado por toda a situação.

Passamos novamente pelo prado das flores de sino, e os cavaleiros de Hern tocaram uma música de marcha, um grande coro de vozes masculinas tão poderosas e unificadas que sacudiram as árvores e abafaram completamente o toque dos sinos. Eu não sabia dizer o que eles cantavam, as palavras derretiam no cérebro como manteiga na boca. Mas eu sabia que isso fazia meu sangue pulsar e meu coração disparar de emoção, ansioso para correr, perseguir e ser perseguida. Caçar e ser caçada. Não era a compulsão emocionante de muitas das outras influências que eu ouvi desde que estive aqui. Teria sido fácil confundir o desejo com o meu. O que, penso, só o tornou mais perigoso.

Passamos pela clareira onde vimos o Unicórnio, e vi Gwydion convocando a tela cheia de texto mágico novamente, procurando sinais de Gilfaethwy e ficando cada vez mais frustrado com o passar do tempo. Mas Hern avançou com total confiança e sem hesitação, parando apenas raramente para consultar o bando de cães excitáveis que vagavam em torno dos cascos de seu cavalo, que decolariam em uma cavalgada multicolorida de latidos animados em uma direção ou outra, e Hern faria orientar a equipe de caça para segui-los.

Finalmente, no que parecia um prado arbitrário entre as árvores, os cães começaram a latir e uivar, correndo em torno de um ponto no centro do prado.

Hern desceu do cavalo e se inclinou para tocar a grama, pensativo. Gwydion examinou sua tela mágica, os olhos disparando freneticamente, mas eu pude ver que ele não viu nada.

—Encontrei a pedreira. — Hern anunciou, endireitando-se.

—Como?— Gwydion exigiu. —Não há vestígios mágicos de Gilfaethwy em lugar algum!

—Claro que não. — Respondeu Hern. —Não acompanho a trilha dele há algum tempo.

Gwydion cuspiu em indignação.

—Sua sombra é inteligente. — Continuou Hern. —Ele colocou um pouco de sua vontade em uma corça comum. Ele vagou pelos seus negócios, criando uma pista falsa óbvia, enquanto a sua melhor e mais escondida seguiu um caminho mais direto. Vestindo a forma da mesma corça, ele foi aos gnomos e os faes de barro. Assim que soube que ele seguira naquela direção, soube o que ele planejava e nos trouxe aqui.

—Onde é aqui? — Eu perguntei, olhando em volta para a clareira normal.

—Ele não tinha ajudantes. — Reuniu Gwydion. —E ele não pôde ficar aqui por tempo suficiente para recuperar o poder de se teletransportar novamente. Ele negociou com os gnomos para lhe abrir uma porta para os Campos Escuros.

—Só assim — Hern concordou. —E provavelmente pagou um preço caro por isso. Felizmente, eu conhecia esse lugar e, portanto, não temos motivos para negociar com o povo da terra a passagem para o seu lugar ancestral.

Ele assobiou e seus cães começaram a circular novamente no centro do prado, correndo cada vez mais rápido, até que eram apenas um borrão manchado e um uivo alto e estridente.

Quando não puderam ir mais rápido, dispersaram-se de uma só vez, cada cão correndo em outra direção para queimar o momento antes de retornar a Hern, que os cumprimentou com tapinhas e guloseimas em seu alforje.

Onde eles estavam correndo, um buraco se abriu na terra.

Era o buraco mais escuro que eu já tinha visto, com as mesmas qualidades vazias sem fundo que o vazio atrás das portas no julgamento da porta demoníaca azul.

—O caminho está aberto para vocês. — Declarou Hern. —Vão em frente, e boa caça. Estarei atrás de vocês daqui a três dias, e se a presa tola permanecer nos reinos mágicos, duvido que demore mais de um dia para capturá-lo. Se ele for para na Terra, pode me levar três. Então, eu sugiro que você se apressem.

—Sua ajuda é apreciada. — Disse Gwydion, tenso. —E devidamente paga.

Hern assentiu. —Não há dívida. No entanto...

Gwydion deu um passo em direção ao buraco e parou enquanto Hern falava. Hern avançou com um belo cão de visão prateado, elegante e comprido, com finos olhos escuros.

—Eu estaria disposto a lhe emprestar um dos meus cães. — Disse ele. —Ela é mais esperta do que a maioria dos fae, mais veloz que a luz e totalmente implacável. Ela teria sua sombra em suas mandíbulas ao amanhecer. Tudo o que eu pediria em troca é um dos seus humanos. O espinhoso de cabelos escuros, talvez. Ele faria um excelente terrier.

—Não, obrigada. — Eu disse antes que Gwydion pudesse responder, não querendo arriscar. —Nós temos nosso próprio cão.

Eu dei um tapinha em Ethan com um sorriso brincalhão.

—Isso não é um cão de caça. — Respondeu Hern, sem deixar vestígios de sorriso no rosto. —Isso é um lobo. Ele não tem mestre, e qualquer homem tolo o suficiente para tentar treiná-lo logo encontraria sua garganta nos dentes. Se você perguntar a minha sabedoria, é melhor deixar um animal como esse ser deixado na natureza ou abatido.

—Sinto muito. — Eu disse alto, pegando a mão de Ethan e puxando-o em direção ao buraco. —Eu não pude ouvir seu conselho não solicitado sobre o quanto eu amo meu namorado! Tchau!

Gwydion balançou a cabeça, mas a julgar pelo fato de o mundo não ter caído ao redor dos meus ouvidos, recusar-se a reconhecer seu conselho ‘dado livremente’ provavelmente era uma boa ideia. Ele me apontou para o buraco e, vendo que não havia escada ou degraus, dei de ombros e pulei.

A escuridão passou correndo por mim, uivando em meus ouvidos. Terra fria roçou meus ombros quando eu me afastei muito de cada lado. Depois que eu cai pelo que pareceu uma eternidade (e comecei a me preocupar com a bagunça), houve um estranho movimento indutor de náusea no meu estômago e, de repente, eu estava caindo na outra direção, de cabeça primeiro.

Eu me esforcei para me endireitar, perdendo completamente a noção de cima e para baixo, preocupada de cair do mesmo buraco no colo de Hern.

Em vez disso, caí de pé em terra dura e negra.

Ethan pousou ao meu lado, tendo caído do nada e parecendo muito confuso. Cole o seguiu e, um segundo depois, Gwydion pousou também.

Enquanto isso, eu estava olhando em choque para o terreno ao nosso redor.

Dizer que era montanhoso era fazer um desserviço às montanhas. Havia picos irregulares, mas eles tinham pouco em comum com as montanhas da Terra, que eram majestosas erupções de pedra envoltas em vegetação e neve. Esses... tumultos de solo negro pareciam ter mais em comum com a sujeira agitada após uma extensa construção. E não havia nada verde. Nenhuma árvore morta ou erva murcha até onde os olhos podiam ver. A terra parecia explodida, queimada e atropelada por um trator. O céu era de um laranja sombrio desbotando para um vermelho feio da cor da pele rasgada. Não consegui encontrar o sol.

—Os Campos Escuros. — Gwydion nos apresentou antes que pudéssemos começar a fazer perguntas. —Lar dos anões. Muitos dos Fae que vivem no solo ou sob o solo consideram que este foi seu lar ancestral até que, de acordo com a tradição oral e precisamente nenhum registro em primeira mão ou evidência física, a indústria furiosa dos anões que habitam profundezas queimaram a superfície da vida e afastaram todas elas, o que provavelmente é uma invenção destinada a distingui-las do resto da corte que, como eu disse antes, perdeu toda a memória de nosso reino nativo há tanto tempo que nem as rainhas se lembram disso.

—Isso aconteceu antes de serem coroados? — Eu perguntei.

—Possivelmente.

—Então, a rainha não governa para sempre?

Gwydion me deu um olhar estranho antes de responder.

—Em teoria. Todos os Fae são imortais, mas nós não somos Verdadeiros Imortais. Os Verdadeiros Imortais não podem realmente ser mortos de nenhuma maneira. Os Imortais regulares simplesmente requerem circunstâncias específicas e, muitas vezes, encontram o caminho de volta à vida, independentemente através das fileiras da corte, o número de vulnerabilidades que temos se torna cada vez menor. A realeza logo abaixo dos monarcas reinantes é invulnerável a quase tudo, exceto profecias, heróis e uns aos outros. As rainhas reinantes e seus reis caídos estavam acima mesmo assim, voltando mesmo depois de serem mortos por Heróis, ou um pelo outro. Mas o problema com Oberon e Morozko deixou alguns se perguntando se talvez as circunstâncias para matar um monarca fossem simplesmente mais específicas do que pensávamos. Se os monarcas não são eternos, como é feito um monarca? Nunca houve outras rainhas além de Mab e Titânia. Nenhum rei além de Morozko e Oberon. Não na memória viva. Histórias antigas que mencionam coroações e casamentos reais. Até crianças. O que implica que as coisas nem sempre foram como são. E com a perda dos reis, elas podem mudar novamente.

Eu não esperava uma resposta tão extensa e não tinha certeza do que fazer com ela, além de aceitar que Gwydion realmente gostava do som de sua própria voz.

—Então, por que Gil veio aqui? — Cole perguntou, chutando uma pedra, que derrapou na encosta em que estávamos em uma pequena cascata de cinzas e sujeira enegrecida.

—Considerando que ele parece ter vindo aqui deliberadamente, não apenas em uma tentativa contínua de nos jogar fora — Disse Gwydion, caminhando ao longo da encosta, — Presumo que ele esteja aqui para ver os anões. O que colocou uma idéia muito desagradável na minha cabeça.

—O que é? — Eu perguntei enquanto o seguíamos.

—O vidro do meu artífice é feito pelos anões. — Disse Gwydion, sombrio.

Isso não me explicou nada, mas por mais que Gwydion gostasse de se ouvir falar, ele gostava mais de drama. Ele não deu mais detalhes enquanto caminhávamos pela terra queimada.

—Deveria haver uma porta aqui perto. — Disse ele, olhando as encostas ásperas à frente.

—Por que o túnel nos deixou aqui? — Eu perguntei. —Estou assumindo que os anões estão todos no subsolo, certo?

—Correto. — Confirmou Gwydion. —Mas nenhuma mágica, exceto a mágica dos anões, funciona abaixo do solo aqui. Há mágica no ar. Você pode lançar tudo o que gosta acima do solo. Mas sob a terra, ela é apagada como uma vela. Os anões aprenderam a bombear a magia da superfície, batendo-a em uma forma sólida e criando magníficas ferramentas e encantamentos. Dizem que eles inventaram todo o conceito de encantamento. Mas nenhuma mágica ou magia natural funcionará em seus corredores.

—Isso é preocupante. — Murmurei. Curiosamente, procurei qualquer coisa morta que pudesse usar, mas não havia nada dentro do alcance. Tudo o que havia morrido aqui havia morrido há tanto tempo que não havia mais vestígios, nem mesmo ossos. O próprio planeta era uma grande coisa morta, e eu tinha certeza que nem Aethon tinha poder suficiente para aumentar.

Mas logo chegamos a uma porta de pedra indefinida, situada em uma colina em ruínas e coberta de cinzas. Gwydion bateu com força e sentou-se na terra.

—Sente-se. — Ele aconselhou. —Vai demorar um pouco. Eles precisam subir. Essas portas não são usadas com frequência.

—Você tem certeza que eles ouviram? — Eu perguntei, sentando-me.

—Oh, certamente. — Confirmou Gwydion, recostando-se na colina e fechando os olhos. —Estamos pisando no telhado. Eles sabem que estamos aqui. O importante é nos anunciar como convidados, em vez de intrusos. A lei dos anões não é como a lei dos Fae, mas eu tenho um pouco de compreensão disso.

Então nós esperamos. Depois de toda pressa e estresse, parecia estranho estar esperando. Isso me deixou inquieta e com coceira. Cole e Ethan pareciam ansiosos também.

Eu assisti o céu, supondo que fosse pôr do sol e seria noite em breve. Mas as cores não mudaram e a luz não desapareceu, o que me deixou desconfortável.

—Podemos dar ao luxo de esperar assim? — Eu perguntei. —Temos apenas três dias.

—Menos que isso. — Respondeu Gwydion. —O tempo se move de maneira diferente aqui em Tir Na Nog. Os anões minaram o sol, você vê. Então, tudo fica parado. Enquanto isso, o tempo relativo dos outros reinos corre sem ele. Provavelmente já perdemos meio dia, A oferta de Hern de três dias foi uma piada cruel. Estou apenas esperando que os anões nos deixem entrar antes que ele chegue. Hern tentará atacar com todos os seus cães, e os anões o matarão ou o jogarão no mínimo e possivelmente nos comprar algum tempo.

Eu olhei para Gwydion quando o horror tomou conta de mim. Ethan e Cole estavam prestando atenção agora também.

—Por que você não disse algo sobre o tempo antes? — Eu disse, lutando contra o desejo de sacudi-lo. —Não podemos ficar sentados aqui! Precisamos fazer alguma coisa!

Eu pulei de pé, tentando encontrar uma maneira de abrir a porta. Ethan apenas apoiou a cabeça nos joelhos. Cole levantou-se para me ajudar com a porta, embora ele se movesse mais devagar.

Em sua defesa, Gwydion pelo menos pareceu um pouco surpreso com a minha angústia.

—Eu pensei que já tinha explicado que conceitos como tempo não funcionam da mesma forma nas Outras Terras. — Disse ele com uma careta. —Você não entendeu?

—Claramente, não o entendemos. — Respondeu Cole por mim. —Ficamos com a impressão aparentemente equivocada de que realmente tivemos uma chance.

Gwydion suspirou e se levantou, me puxando gentilmente para longe da porta. Eu considerei fortemente dar um soco nele, mas algo em sua expressão me fez hesitar.

—Ainda temos uma chance. — Disse ele, me olhando nos olhos. Eu não tinha percebido o quão raramente ele fazia isso antes agora. —É menos tempo do que pensávamos, mas não é uma sentença de morte. E agora, nossa melhor opção é apenas ser paciente. Não há mais nada que possamos fazer.

Sentei-me de novo, passando as mãos pelos cabelos enquanto minha cabeça latejava com uma dor de cabeça tensa que se formava desde antes de aterrissarmos em Tir Na Nog.

—Isso é culpa minha. — Eu gemi. —Eu nunca deveria ter tentado falar com a rainha. Eu não deveria ter parado para acariciar o unicórnio. Eu não deveria ter te distraído para que Gil pudesse escapar em primeiro lugar. Eu nunca deveria ter tocado aquela vela estúpida...

—Isso é bastante presunçoso da sua parte. — Zombou Gwydion, o que não era a reação que eu esperava. Ele se sentou ao meu lado enquanto eu esperava que ele elaborasse. —Com o que eu quero dizer, acredito que você está inflando bastante sua própria importância nessas coisas. Tenho quase certeza de que tudo teria acontecido mais ou menos da mesma maneira. Estou certo de que nossa posição seria realmente pior se você tivesse não divertisse a rainha. Eu certamente não estava em posição de barganhar, e você nos comprou tempo, o que não é pouca coisa e muitas vezes tudo o que realmente pode ser feito. Hern ainda nos pegaria, mesmo que não parássemos para o unicórnio, e acredito que sem a influência dele, você não seria capaz de enfrentar a rainha. Quanto a Gil e a vela, bem, essas duas coisas foram totalmente minha culpa.

—Eu me perder em sua casa e tropeçar em um de seus artefatos não foi sua culpa. — Protestei.

—Eu discordo. — Disse Gwydion calmamente. —Eu poderia ter avisado você sobre os perigos em minha casa. Eu poderia ter levado você a um lugar confortável para esperar e lhe dito para não vagar. Eu poderia ter te libertado da porta e depois retornado às minhas responsabilidades. Mas, como em expondo você à vela, optei por não, porque queria ver o que aconteceria. O que, embora seja uma razão compreensível para a maioria das fae, é uma desculpa ruim para os humanos.

—Gil disse a mesma coisa sobre a maldição de Ethan. — Lembrei. —Ele tinha que ver o que aconteceria.

—É uma compulsão dos fae. — Disse Gwydion com um encolher de ombros. —Mas não inegável. Eu poderia ter resistido ao desejo. Que eu não fiz isso não é culpa de ninguém, mas é minha.

—Eu também poderia ter resistido. — Apontei. —Eu não tinha que pegar a vela. Eu não tinha que vagar em sua casa estúpida. Eu não tinha que aceitar sua... oferta, no jantar.

—Então, qualquer culpa que você carregue é diminuída pelo fato de você não ter ideia do que estava fazendo, e eu fiz.

Eu bufei de frustração.

—Eu definitivamente sabia o que estava fazendo no jantar. — Eu disse. —Eu sabia que ninguém estava de olho em Gil.

—Você supôs que eu não o teria deixado se não tivesse certeza de que ele estava seguro. — Disse Gwydion com um encolher de ombros. —E nós dois estávamos um pouco frustrados e distraídos, se bem me lembro. Se você era um pouco ingênua em acreditar que eu poderia confiar, isso dificilmente é um crime.

—Por que você não deixa isso ser minha culpa? — Eu perguntei, agitação crescente. Gwydion me encarou com um olhar curioso.

—Por que você quer que seja sua culpa?

Recostei-me, mal percebendo que estava de pé novamente.

—Eu não sei. — Eu disse, passando a mão pelo meu cabelo novamente. Eu o endireitei na manhã em que saímos da casa da minha tia, há quanto tempo isso era agora, mas entre o mergulho em Costa Distante e toda a volta, estava ficando completamente encaracolado novamente e rígido com água salgada. —Problemas de controle, provavelmente.

—Você parece ter aqueles em espadas.

—Sim, estou começando a descobrir isso.

Ele colocou a mão no meu ombro, o gesto um pouco rígido, mas eu poderia dizer que ele estava tentando me confortar.

—Por que você está sendo legal comigo? — Eu perguntei. Pensando bem, durante todo o caminho em Tir Na Nog, ele tinha sido extraordinariamente atencioso. Para ele de qualquer maneira.

—Você salvou minha vida. — Ressaltou. —De uma maneira bastante fantástica.

—Você realmente teria morrido? — Eu apontei. Ele encolheu os ombros.

—Quem pode dizer? Afogar-me não é tipicamente uma das maneiras pelas quais eu posso morrer. Mas a Costa Distante é um lugar estranho. A morte se aproxima da superfície. A imortalidade é um pouco mais porosa do que o habitual. E eu estava com pouca mágica. Pode ter certeza de que eu ficaria inconsciente por muito mais tempo do que você precisaria morrer de fome ou sede ou ficar desesperada o suficiente para tentar usar o bastão, destruindo assim as moléculas. Eu teria acabado sozinho, à deriva em coma, e adivinhar o que poderia acontecer então, em um lugar como Costa Distante, só pode ser especulação infundada.

—Então, você me deve? — Eu perguntei, franzindo a testa. —Cole mencionou que vocês odeiam isso.

Gwydion desviou o olhar, os olhos examinando a paisagem árida e torturada.

—Não é tão simples. — Disse ele por fim, quieto como este planeta silencioso. —Existe uma dívida. Mas eu não me ressinto. Existem alguns grilhões que até usamos de bom grado.

Percebendo que havia algo que ele não estava me dizendo, fiquei quieta e esperei que ele gostasse de se ouvir falar para tirá-lo melhor. Mas ele não disse mais nada. Abri minha boca para induzi-lo, apenas para ser interrompida pelo raspar de pedra quando a porta na cidade de Dwarven se abriu.

 

 

 

 

 

 

 

 


Capitulo Treze


O anão não se parecia com o que eu esperava.

Eu havia antecipado algo parecido com o que as pessoas com nanismo eram na Terra. Curto e atarracado, provavelmente com barbas. Que fantasia havia me dito que os anões se pareciam a vida toda.

O anão na minha frente, no entanto, parecia algo entre um texugo e uma toupeira de nariz estrelado.

Era curto, mais ou menos um metro e oitenta, e coberto por um denso pelo cinza. Seu pelo afinava até um subpelo mais elegante, perto do delicado órgão sensorial rosa no centro de seu rosto pontudo e sem olhos, e nas costas de suas patas dianteiras, equipadas com garras longas e perversamente curvas. Seu 'nariz' se contorcia de forma independente, de uma maneira fascinante e também um pouco nauseante de assistir. Usava um avental de couro e nada mais. Andava um pouco inclinado para a frente, como se preferisse andar de quatro.

—Você tem sorte de eu ainda estar tão perto da superfície. — Disse o anão com uma voz surpreendentemente genial enquanto nos conduzia para os túneis de terra apagados. —O forte da Primeira Vigia fica a uma curta caminhada de distância desta porta normalmente. Mas eu tive que deixar algum outro idiota dominado pelo sol entrar em menos de meio turno atrás.

Gwydion tirou um pequeno acessório encantado de seu casaco, que parecia o tipo de bolas de cristal que eu imaginava antes. Ele sussurrou uma palavra e brilhou o suficiente para iluminar vagamente o nosso caminho. Pela fraca luz empoeirada da mariposa, trocamos um olhar significativo.

—Onde ele foi? — Eu perguntei. —O idiota do sol, quero dizer.

—Não perguntei. — Disse o anão com um encolher de ombros. —Ele já alcançou a Primeira Vigilância a essa altura e eles o enviarão para onde ele pretender ir.

—Você não estava curioso? — Eu perguntei. —Quero dizer, pessoas de outros mundos vêm aqui com tanta frequência?

—Eu imagino que ele ficou agradecido por sair do sol! — O anão riu. Seu focinho comprido estava cheio de dentes afiados e finos, e ele não se virou nem olhou para nós quando falou. Provavelmente devido à falta de olhos. —Eu não consigo entender por que vocês correm por mundos que ainda os possuem. Mineramos o nosso e a luz ainda é insuportável.

Pensei em perguntar como ele poderia dizer, considerando que ele não tinha olhos, mas decidi que poderia ser rude.

—Acho que é exatamente com o que estamos acostumados. — Disse diplomaticamente. —Nascer lá em cima e tudo.

—Bem, está tudo bem. — Disse o anão com um tom distinto de pena. —As portas da Cidade Baixa estão abertas a todas as pobres massas queimadas pelo sol. Temos espaço suficiente para todos, e sempre há trabalho a ser feito. Eu imagino que vocês todos acabarão aqui eventualmente, uma vez que se espalhe a notícia de que há uma alternativa para viver na superfície. Em que trabalho você espera ser colocado?

—Uh, nós não somos-

—Você nunca conseguirá um emprego em engenharia, então não se preocupe. Nenhum anão que valha a bigode confiaria em um túnel construído por um da superfície. Você simplesmente não tem o menor sentido, sem ofensa. Ouço que algumas da superfícies fazem encantadores decentes, mas não há mobilidade para isso, mas posso dizer bem ao capataz da mina Fernfossil, se quiser, encontrar um bom trabalho sólido no transporte de solo e valorizados. Limpe o solo por apenas algumas décadas e você pode abrir sua própria empresa.

—Na verdade, não estamos procurando trabalho. — Eu disse rapidamente antes que o anão pudesse continuar falando. —Estamos apenas tentando encontrar o homem que veio aqui mais cedo. Então vamos embora.

Isso realmente fez o anão parar.

—Por que diabos você quer fazer isso? — Ele perguntou. —Agora que você sabe como é adorável, fresco e escuro aqui em baixo? — Comecei a explicar, mas ele me dispensou com um aceno de suas longas garras. —Você mudará sua música quando vir a cidade. Melhor construção em todos os mundos.

O anão parecia um pouco ofendido e não falou muito mais enquanto continuávamos descendo o túnel.

Um turno, ao que parece, durou cerca de quatro horas, e a Primeira Vigilância estava a um turno da porta. Enquanto caminhávamos, o túnel mudou lentamente de terra nua para terra empacotada com pedra, pedra esculpida e tijolo fino. Havia uma ênfase definida na função sobre a forma, pelo menos pelo que podíamos ver pela luz fraca de Gwydion, mas ao mesmo tempo, os corredores eram amplos, confortáveis e bem conservados. Não estávamos tropeçando em tijolos soltos, e o ar estava relativamente fresco. O único problema era a falta de fontes de luz.

Ainda assim, já estávamos há um tempo antes de chegarmos aqui. Ethan e Cole haviam conseguido algumas horas de descanso na casa de Gwydion (e eu tinha comida possivelmente encantada e sexo possivelmente mágico), mas isso não compensava as horas que passávamos por reinos mágicos sem nem mesmo uma pausa para o almoço. Estávamos todos começando a parecer bastante irregulares.

Os confortáveis túneis anões apresentavam bancos e fontes regulares de pedra esculpida, trazendo água fria da nascente mais para baixo, mas nosso guia parou para usá-los menos da metade com a frequência que gostaríamos que ele usasse e, em geral, não parecia se cansar. Ele andava devagar, falando apenas ocasionalmente para comentar sobre o tipo ou a qualidade da pedra que estávamos passando.

—Há muita diversidade nesses túneis! — Ele alegou. —É mais eficiente usar pedra local sempre que possível, em vez de transportar tijolos de mais fundo. Então, você ver todos os tipos de técnicas inteligentes usadas para tirar proveito da pedra menos do que a ideal, mantendo tudo dentro dos altos padrões da Código do engenheiro. Pegue este gesso, por exemplo...

Ele continuou assim por um tempo. Aprendi depois de uma ou duas dessas palestras que ele só se ofendia se eu tentasse contribuir com a conversa. Então, todos ouvimos em silêncio, aprendendo mais sobre geologia do que qualquer um de nós jamais se interessou em saber.

Finalmente, a Primeira Vigilância apareceu. Com o que quero dizer, o túnel terminava em um par de portas pesadas, que os Anões introduziram como forte, com grande orgulho. Depois das portas, era um pouco mais impressionante. As portas se abriram para uma ampla calçada, que serpenteava para baixo e para longe de nós, ao redor dos lados de um grande caldeirão. Era iluminado pela primeira vez por uma enorme esfera presa em anéis de latão pendurados no teto, que brilhavam com o que parecia ser a luz do sol.

—Uhg. — O anão fez uma careta. —Sinto muito por isso. Desvantagem de morar em qualquer um dos Fortes. O superintendente do Anel insiste em manter os turnos claros onde essas malditas lanternas estão acesas. Muitos da superfícies vivem nos fortes. Aparentemente, isso ajuda a se adaptar.

As paredes da cratera afundada estavam abarrotadas de prédios esculpidos, seu tamanho e estilo eram extremamente regulares e eficientes, sem perda de espaço. Olhando para baixo, o Forte parecia uma cidade pequena, cheia de vida, nem toda idêntica ao Anão ao nosso lado. Quando ele nos levou para o Forte, um carrinho passou por duas criaturas humanóides do tamanho de anões, que pareciam ser feitas de pedra bruta. Eles eram tão sem olhos quanto os anões e nos ignoraram completamente. Ethan, distraído olhando de soslaio para a lanterna, esbarrou em um deles. Ele se desculpou profusamente, mas não notaram ou reconheceram a colisão ou o pedido de desculpas, apenas se endireitaram e continuaran.

—Não se preocupe. — Disse o anão. —Os Construtos não estão vivos. Eles são apenas material de sucata encantado que usamos para tarefas domésticas ou trabalhos muito perigosos para arriscar os Anões.

—Oh. — Ethan disse, cuidando do carrinho em retirada com uma expressão preocupada. —Eles não podem... sentir as coisas, podem?

—Claro que não. — Zombou o anão. —Eles são feitos de pedra. Sem terminações nervosas, sem cérebros para pensamentos complexos. Se não lhes disserem para sair durante um desmoronamento, eles simplesmente ficarão lá e se deixarão enterrados. Os roteiristas precisam escrever tudo. Seus comportamentos no papel e assados quando são feitos, e eles não podem fazer nada que não esteja nesse papel, a menos que você os abra e adicione novos comportamentos. Eles estão apenas movendo ferramentas, amigo. Você não vai perguntar a uma broca se ela tem sentimentos só porque acontece, não é?

—Não, mas uma broca não tem o formato de uma pessoa. — Disse Ethan defensivamente. O anão deu de ombros.

—É uma forma eficiente. Versátil. E é o que construímos para todas as portas para caberem.

Um ponto decente.

—E se alguém escrevesse um comportamento como 'estar vivo' ou 'pensar com identidade' ou algo em seu papel? — Eu perguntei curiosa.

—Você acha que eles não tentaram isso logo? — O anão riu. —Alguns dos roteiristas particularmente excêntricos ainda estão tentando. Mas você não pode usar um martelo para um balde e não pode fazer uma pedra pensar que é uma pessoa.

Ainda assim, finalmente chegamos a um tópico de conversa sobre o qual eu não conseguia ofender o sujeito que estava falando, então conversamos sobre as tentativas fracassadas do roteirista de fazer um constructo vivo (parecia haver duas grandes escolas de pensamento sobre o assunto, um escrevendo comportamentos muito amplos abertos à interpretação e o outro escrevendo listas cada vez mais específicas e detalhadas de todas as minúcias da vida - mais os maçons radicais que pensavam que a resposta era esculpir os cérebros dos Construtos, que geralmente eram considerados malucos) até o fundo do forte. O forte era realmente muito bom. Eu não sabia o suficiente sobre arquitetura para apreciar a qualidade da construção, e qualquer floreio artístico tendia a ser tátil ou até auditivo, então não havia muito o que olhar. Mas os anões claramente tinham talento para o planejamento da cidade. Tudo era eficiente, limpo, fácil de navegar, provavelmente bem rotulado, embora eu não pudesse ler a sinalização anã e, como no túnel da porta da frente, sempre havia muitos lugares para sentar e uma fonte quando você queria uma. Havia até canteiros de flores e espaços verdes, embora fossem baseados em fungos e musgos.

—Agora, é provável que seu amigo tenha ido até o escritório de refugiados. — Disse o anão, apontando para um prédio com uma placa complexa em anão ilegível. —Ele precisaria de um passe de trem para deixar o forte. Eles deveriam poder lhe dizer para onde ele foi.

Dissemos adeus ao nosso guia que, apesar de tudo, tinha sido bastante gentil, e seguimos para o Escritório de Refugiados.

Era um prédio pequeno e eficiente, com assentos confortáveis e um anão amigável na recepção, que ficou encantado em nos ver, pois raramente viam mais de um ou dois refugiados em um dia. Fiz uma tentativa inútil de garantir que não éramos refugiados e não planejávamos ficar. Eles apenas nos garantiram que mudaríamos de ideia e nos deram nossos pacotes de orientação, que incluíam o passe de trem que nosso guia havia mencionado - um pedaço fino de lata ou alumínio duro, talvez com nossos nomes, espécies e portão de entrada. Após algumas discussões, o escrivão também cedeu e nos disse para onde Gil havia ido.

—Ele foi para a cidade central, para o palácio antigo. — Explicou o anão. —Alegou que ele tinha negócios urgentes com o rei. Queria saber se havia uma linha expressa.

—Existe? — Eu disse, meu coração batendo mais rápido, mesmo com um pouco de progresso. O anão fez um gesto ambivalente.

—Se você pegar o trem daqui até a mina de Limespire no segundo anel e depois transferir para a Linha R, ela para no distrito histórico do governo. Mas você precisará de autorização de turismo em seus cartões de trem. Gostamos de ficar de olho em o movimento de novos cidadãos, apenas por precaução. Depois de uma década ou mais, você poderá se mover livremente entre os anéis, como qualquer cidadão.

—Você pode nos dar isso? — Eu disse impaciente. —Autorização de turismo? Precisamos ver o rei também.

—Bem, eu posso. — Disse o anão, hesitante. —Mas vocês tem certeza de que é isso que você querem? Quero dizer, é apenas que não tenho certeza de que seu amigo sabia exatamente o que estava fazendo. Ele parecia pensar que o rei poderia ajudá-lo com alguma coisa, mas, bem, somos parlamentares. Monarquia. O rei é um velho simpático e todos nós o amamos, mas não é como se ele realmente tomasse alguma decisão. Se ele quisesse conversar com a União dos Engenheiros, talvez, ou o Parlamento dos Superintendentes, até o nosso capataz local...

O anão parou sem esperança.

—Sim, ele é um idiota. — Eu concordei imediatamente. —Também não sabemos o que ele está planejando. É por isso que precisamos alcançá-lo o mais rápido possível e impedi-lo de fazer algo estúpido.

O anão da mesa suspirou e pegou nossas cartas de trem de volta, usando um dispositivo que parecia um furador pesado para carimbar um quadrado estriado no canto de cada uma de nossas cartas, o que aparentemente nos deu permissão para turismo.

Sem perder tempo, seguimos apressadamente na direção em que o recepcionista nos dissera que poderíamos encontrar a estação de trem. No meio do caminho, a mudança brilhante terminou, e a enorme luz da lanterna desapareceu quando grossas cortinas de metal foram desenhadas em torno dela. Gwydion pegou seu pequeno globo de luz novamente e navegamos pela cidade no semi-escuro. Ocasionalmente, víamos outros não-anões, outros refugiados, cuidando de seus negócios à luz de dispositivos mágicos como os de Gwydion ou lâmpadas que pareciam ser versões em miniatura da lanterna. Não havia muitos, e quase nenhum deles era remotamente humanoide.

Felizmente, o trem não estava muito cheio, mas a maioria dos outros passageiros era anão, que nos deu olhares curiosos ao encontrarmos lugares frente a frente.

—Finalmente desistiram do sol, hein? — Um perguntou alto e amigável. Eu apenas sorri e assenti.

—Você não vai se arrepender! — o anão me assegurou.

Eu não tinha certeza do que pensar dos anões. Eles certamente eram amigáveis. E avançados, para uma espécie de fantasia que vivia no subsolo em outro universo. Eles tinham transporte público (a viagem de trem era o cheiro mais suave e agradável que eu já havia experimentado) e, de acordo com o pacote de orientação, assistência médica gratuita. Mas havia algo apenas um pouco fora da coisa toda. Talvez não fosse familiar, ou porque eles insistiam que eu não iria querer sair.

 


Capitulo Quatorze


O trem não tinha janelas, sendo os passageiros quase todos cegos. Mas havia um mapa de rotas na parede ao lado de nossos assentos. Era estrutural, destinado a ser lido pelo toque e não pela visão, mas pelo que pude decifrar, a Cidade Baixa era essencialmente uma versão maior e invertida da forma de cratera do Primeira Vigilância. Anéis de assentamentos subiam e desciam, ficando cada vez maiores. Estávamos indo em direção a um ponto próximo ao fundo, onde os anéis se tornavam menos distintos, ondulando em milhares de pequenos desvios e galhos que não estavam, presumivelmente, na linha de trem. O que eles eram, eu não poderia dizer.

Trocamos de trem no que parecia ser o equivalente a Grande Central, pulando na linha R. O R acabava por significar ‘áspero’, a textura usada para diferenciá-lo nos mapas. Havia uma linha suave, uma linha irregular e uma linha afiada...

Eu gostaria de poder apreciar as cidades e estruturas pelas quais estávamos passando. Mas estava escuro demais para ver qualquer coisa. As coisas só ficaram mais confusas quando chegamos ao distrito histórico do governo, que tinha avenidas amplas e elegantes e altos e belos edifícios, que nos fizeram sentir perdidos no escuro em um plano interminável de paralelepípedos até nos depararmos com uma fachada elaboradamente curvada. Curiosamente, também tínhamos visto menos anões quanto mais fundo chegávamos à cidade. Um local falador que pedimos orientações em Limespire havia dito que quase todo mundo estava trabalhando em projetos de expansão à margem. O que significava que, além de estarmos perdidos no escuro, estávamos perdidos em uma cidade estranhamente vazia e silenciosa no escuro.

—Já tive o suficiente dessa merda. — Disse Ethan. Ele parecia um pouco desconfortável desde que entramos no túnel. Eu estava começando a pensar que ele poderia ser um pouco claustrofóbico.

—Porra mesmo. — Cole concordou. —Não podemos ter mais luz, pelo menos?

—A menos que um de vocês tenha pensado em trazer uma lanterna. — Disse Gwydion, um pouco mal-humorado. Também não achei que ele estivesse gostando disso. Ou talvez estivesse apenas sendo separado de sua magia que ele não apreciava.

—Temos que estar perto do Palácio Antigo, certo? — Eu perguntei, olhando de soslaio para o mapa que um anão prestativo nos havia dado, que era obviamente todo em textura e, portanto, quase inútil. —Acho que foi a fonte em que quase caí foi a do lado de fora do antigo prédio parlamentar. Se continuarmos em frente-

—Você estão perdidos, amigos? — Alguém gritou inaceitavelmente longe. Mas, novamente, os anões tinham uma audição muito melhor que os humanos. Talvez a distância aceitável para a comunicação gritada fosse diferente para eles.

Fomos em direção à voz até a luz de Gwydion iluminar um anão em armadura elaborada e, eu esperava, cerimonial.

—Estamos procurando o palácio antigo. — Eu disse. —Somos visitantes da superfície e precisamos falar com seu rei.

—Por que? — O anão perguntou, parecendo confuso. —Se é importante o suficiente para trazê-los até aqui, seria melhor conversar com o Parlamento dos Superintendentes.

—Não, nós definitivamente precisamos conversar com o rei. — Eu disse, exausta de ter essa conversa.

—Bem, este é o palácio antigo. — Disse o anão. —Eu vou mostrar, e vocês podem conversar com alguém sobre uma audiência, se o velho não estiver cochilando. — O anão, que imaginei ser algum tipo de guarda do palácio, riu com carinho. —Você sabe que ele dormiu um ano inteiro? Tivemos uma festa fantástica quando ele acordou.

O interior era tão vasto e escuro quanto o exterior, embora tenhamos caminhado sobre mármore macio e acetinado, em vez de pedras. Estávamos andando entre vários anões de importância indeterminada, a maioria dos quais nunca vimos bem, antes de finalmente chegarmos a alguém que, presumivelmente, tinha autoridade para decidir se poderíamos ver o rei.

—Sinto muito. — Disseram eles, invisíveis fora do alcance da luz do outro lado da ampla mesa. —Mas vocês entendem por que não podemos permitir que qualquer da superfície aleatório se encontre cara a cara com o rei. Talvez se vocês fizerem uma petição por escrito-

—Este não é um da superfície qualquer. — Interrompeu Gwydion, parecendo profundamente irritado. —Você não tem capacidade de sentir mágica? Esta é a herdeira do príncipe Tzarnavaras, uma rainha por direito próprio, afilhada da morte.

Houve um momento de silêncio do outro lado da mesa, então uma mão com garras disparou para agarrar a minha onde repousava sobre a mesa. Não forte o suficiente para machucar, mas o suficiente para me assustar. Eu podia sentir algo contra a minha magia, vagando como mãos curiosas. Levei a chama da vela para frente rapidamente, concentrando-me tanto que por um momento sua luz irradiou através da minha pele e lançou um brilho azul no rosto chocado do anão.

—Oh, oh meu Deus! — O anão disse assustado. —Eu não sabia que você estava visitando a realeza! Disseram-me que eram refugiados.

—Ninguém perguntou. — Eu disse, brincando, enquanto puxava minha mão. —Meus consortes e eu somos tratados como meros imigrantes desde que chegamos. Como se você não acreditasse em ninguém, a não ser um anão, poderia ser importante!

—Isso não é - nunca pretendemos sugerir -— O anão balbuciou.

—Tenho certeza de que não. — Gwydion cortou-os bruscamente. —Mas talvez você deva permitir à rainha sua visita real antes de causar um incidente internacional.

Ele seguiu isso com algumas manobras de mão, mostrando ao anão alguns 'documentos reais', que eu tinha quase certeza de que eram cupons que recebemos em nosso pacote de orientação para o ‘Buffet de comidas exóticas do Digger Dan, a mais autêntica culinária da superfícies do Fort do Anel!’

E então, finalmente, estávamos diante das portas da sala do trono. Eu assumi que elas eram grandes e impressionantes. Eu só podia vê-las um canto minúsculo de cada vez pela luz fraca do orbe de Gwydion.

—Alguém mais acha que essa é uma má ideia? — Ethan sussurrou. Eu estava inclinada a concordar, mas era tarde demais para voltar agora. As portas se abriram e entramos para encontrar o rei.

A sala do trono era grande e escura como breu. A escuridão parecia próxima e quase sólida, grossa como o solo. A luz da esfera de Gwydion penetrou apenas alguns centímetros à nossa volta. Ficamos amontoados no minúsculo círculo de luz, sentindo-nos decididamente não-reais quando um anão nos anunciou como —Sua Majestade, a Rainha Noturna da antiga Constantinopla da Antiga Linha de Tzarnavaras e seus Consortes.

—Vossa Majestade. — Disse o Anão, voltando-se para nós, o brilho de seus pelos quase invisível à luz. —Apresento o Raiz da Montanha, nascido em pedra, cujos dentes esculpiram as primeiras cavernas, que sangraram as primeiras veias de ferro, arquiteto da cidade e capataz dos capatazes, o pai-anão de toda a nossa espécie e rei de tudo o que habita embaixo.

Percebi que não havia nome próprio entre todos esses títulos. Mas o anão recuou e a porta se fechou atrás de nós, deixando-nos sozinhos no escuro. Se o rei estava lá conosco, não sentíamos sinal dele.

—Olá? — Chamei experimentalmente, minha voz ecoando na vasta sala.

—Você pode fazer isso mais brilhante? — Cole perguntou, cutucando o orbe de Gwydion. Gwydion olhou para mim e, quando assenti, ele deu de ombros e a luz ficou mais forte, afastando a escuridão ao nosso redor. Vimos iluminar as esculturas delicadas e intrincadas no chão, as complexidades sutis e elaboradas das paredes, coisas que só podiam ser apreciadas pelo toque, não pela vista. E no final da sala, vimos um monte de terra escura que chegava até o teto, como se a parede dos fundos tivesse simplesmente desabado.

E então, quando a luz de Gwydion a tocou, o monte começou a se mover.

Não havia... palavras para descrever o arquiteto. Em um momento, sob um ângulo de luz, a terra parecia atraí-lo, uma construção como a que vimos trabalhando por toda a cidade. Por outro ângulo, vi a carne branca brilhante de um verme maciço. Por outro, o pelo e as garras de uma toupeira. Por outro, um homem, ou o cadáver de um homem, meio enterrado, nos observando com olhos de poço.

—Fora. — Ele falou, sua voz como uma trituração de placas tectônicas e o barulho de terra. —Fora, maldita luz, e fiquem quietos.

Gwydion apagou o orbe imediatamente, salvando-nos da terrível imagem em constante mudança do arquiteto.

—Aquele Sol, como uma erva daninha no meu jardim, eu não levantei nem engoli e permito que sua queima sufoque na vastidão de Mim. Mesmo agora, fragmentos de seu brilho odioso assaltam-me. Que brotos tenros empurram suas raízes rasas na minha presença, ainda quente com luz amarga?

Não via meus companheiros para saber se estavam com medo ou planejando alguma coisa. Eu me atrapalhei na escuridão e peguei as duas mãos, apertando-as para me tranquilizar. Um deles era notavelmente legal e quase definitivamente a de Gwydion. A outra, calejada e me segurando frouxamente, à beira de se afastar, era provavelmente Cole.

—Perdoe nossa perturbação, arquiteto. — Gwydion falou à minha esquerda. —Nós procuramos um criminoso. Meu irmão roubou algo meu e o trouxe aqui. Buscamos apenas sua orientação na captura dele e sua paciência enquanto o perseguimos em seu reino.

Houve um som baixo e estridente como um terremoto, que poderia ter sido uma risada.

—Como a tolice vem em três. — Disse o arquiteto. —Assim, a roda gira como sempre e traz para mim os mesmos rostos novamente. As estações mudam, mas uma estação mais estranha do que já foi vista sobe como uma estrela murcha, antecipando o sol. O que foi bem-sucedido neste novo discurso no lugar daquele eixo de duas faces que já foi o ponto de apoio de todos os nossos ciclos incessantes? Melhores perguntas, pequenos brotos.

Eu esperava que Gwydion entendesse um pouco disso, porque certamente não. Eu sempre estive mais interessada em Poe do que em Shakespeare.

—Perdoe-me, Majestade. — Empurrou Gwydion. —Mas minha sombra, meu irmão, veio aqui? Ele trouxe alguma coisa para você? Você sabe onde ele foi?

—O meu é um pátio de sombras, erva daninha. — Falou o arquiteto, o humor desaparecendo de sua voz. —Eu sou o rei das profundezas primitivas, às quais nenhuma luz jamais tocará. Tua cintilação de velas sombreia arte como grãos de areia no plano infinito do oceano.

—Minhas desculpas, Vossa Majestade. — Disse Gwydion rapidamente.

—Ei, ele veio aqui ou não? — Cole gritou impaciente, apertando minha mão. —Eu vi suas profundezas primitivas e, aos meus olhos de da superfície de merda, não é mais escuro que este quarto. Não estou tão impressionado.

Houve um longo silêncio em que eu esperei o pior. Mas, finalmente, aquela risada baixa do terremoto encheu a sala novamente.

—As pequenas coisas verdes e crescentes. — O Arquiteto falou quase melancolicamente. —Em que séculos eu enrolei suas raízes e enfrentei a luz para comer sua suavidade? Esse tempo já passou, e quando essas raízes profundas amarraram e quebraram as pedras, também minha coroa ficou presa em suas garras. Aquela sombra veio, tu sementes desamparadas, tiras de dente-de-leão. E trouxe com ele uma preciosa lasca de nossa força antiga. Mas a veia se partiu. Os rios profundos o agarraram em sua corrente, cravaram unhas em minha obra-prima e chamaram isso de sua. Esses erros da noite para a escuridão e procuram sobreviver a todos os sóis, por qualquer meio profano.

—O que isso significa? — Ethan perguntou.

—Isso significa que ele não está aqui. — Resumiu Cole.

—Mas ele estava. — Acrescentou Gwydion. —Ele foi ao Parlamento. Ou foi levado para lá.

—Filho da puta. — Eu murmurei. —Eles continuaram nos dizendo-

—Outra questão. — O rei murmurou, e a sala tremeu. Ele estava se mexendo? —Os portões da cidade estão escancarados e muita coisa é esquecida. Mas a lei antiga ainda permanece. Teu irmão é ladrão entre ladrões. Dívida é devida, erva daninha.

A mão de Gwydion apertou a minha.

—Não foi roubado. — Disse ele rapidamente. —O Vidro foi adquirido legalmente. A Marcha dos Magos o comprou dos Anões ao preço de dez mil escravos e das três jóias de Nimüe -

—Não houve compra. — Falou o arquiteto, inexorável como um deslizamento de terra. —Os anões não reconhecem esse conceito. Todas as coisas feitas pelos anões são de propriedade dos anões, até o fim de tudo. Eu estava lá! Vi-o colocado nessas mãos enganosas! Emprestado antes da duração de sua linhagem, que morreu não cem anos depois, mas o que era nosso não foi devolvido como deveria ter sido. Foi roubado, escondido! Negociado entre ladrões até que aterrisse em tuas mãos gananciosas. E ainda assim a dívida poderia ter sido perdoada se você, que sabia o que segurava, houvesse devolvido o que foi roubado. Mas você o guardou entre seu tesouro, seu pequeno dragão. E busque agora mesmo recuperar o que nunca foi seu!

Gwydion estava tremendo. Eu podia sentir os tremores em sua mão, distintos dos tremores na terra, quando algo inimaginavelmente maciço se moveu no outro extremo da sala.

—A dívida é devida. E, por lei, aceitarei apenas o preço do sangue, o preço da carne, uma libra por ano que for retida. Diga-me, erva, quanto pesa?

Eu já ouvi o suficiente. Peguei o orbe da outra mão de Gwydion e coloquei meu poder nele. Brilhou à vida com a luz azul do fogo. O Arquiteto pairava sobre nós como uma onda prestes a colidir, um dragão e um inseto e um gigante de cem braços, antigo além de todos os tempos e tão inevitável quanto a terra ao nosso redor.

Mas ele recuou da luz, uivando como se o queimasse.

—Fora! — Ele berrou. —Maldita luz! Eu terei! Sufocarei toda luz dentro de mim! Vou engolir todo sol e toda chama de vela até que eu receba escuridão!

Ele se agitou, bobinas terríveis quebrando as paredes e nos cobrindo de terra. Peguei Ethan e corri, Cole e Gwydion logo atrás de mim.

Nós batemos em um anão quando saímos, que soltou um grito estridente e penetrante. Ele ecoou por todo o palácio e além dele, um coro de gritos que eu sabia que não significava nada de bom para nós.

Coloquei mais luz no orbe e corri pela passagem aberta mais próxima. Eu me revezava ao acaso, avançando em qualquer direção que parecesse oposta ao som dos terríveis gritos.

—Você nunca vai fugir deles aqui. — Disse Gwydion enquanto corríamos. —Eles podem sentir cada passo que damos. Eles conhecem este lugar melhor do que você conhece sua casa de infância.

—Então o que vamos fazer? — Eu perguntei. —Nunca voltaremos à superfície sem a ajuda deles!

Gwydion não parecia ter uma resposta.

No lampejo da luz selvagem, Ethan mudou para sua forma de lobo.

—Subam. — Ele disse, com as roupas presas nas mandíbulas. —Eles podem sentir nossos passos, certo? Então talvez isso os jogue fora.

—Vale a pena tentar. — Concordou Gwydion, e eu gritei quando ele me pegou nos braços. Cole, parecendo muito inseguro, subiu nas costas de Ethan. —Silêncio agora. Eles podem ouvir nossas vozes tão bem quanto nossos passos.

Então, em total silêncio, corremos mais fundo no infinito escuro das minas dos Anões. Corremos sem plano ou direção. Quando encontramos Anões ou Construtos, tudo o que podíamos fazer era correr na outra direção. Eu nunca me senti tão perdida e desamparada. Eu não tive tanto medo do escuro desde criança.

Eventualmente, fomos fundo o suficiente para que os anões nos perseguissem diminuíssem e desaparecessem. Ficamos com medo deles alcançando a esperança desesperada de que, em algum lugar nos túneis intermináveis da Cidade Baixa, encontrássemos algum caminho de volta à superfície.


Capitulo Quinze


Os túneis ao nosso redor ficaram mais duros à medida que avançávamos. Foram-se os bancos e as fontes, depois os tijolos e até as colunas e suspensórios. Corremos por túneis sinuosos não refinados, que cresciam e se encolhiam como cavernas naturais, como se tivessem sido recentemente escavados na rocha e na terra. Às vezes, tropeçamos em trilhos de metal e ouvimos o estrondo distante das carroças. Uma passou por nós, sem tripulação, do tamanho de uma minivan, carregada de pedra e minério e voltando na direção em que viemos. Quando outra, quase vazio e indo para o outro lado, passou rapidamente, eu mal precisava trocar um olhar com os outros antes de pegá-la e subir a bordo. Ele nos levou mais fundo, seu poder magnético não diminuído pelo peso adicional de três humanos e um lobo do tamanho de um urso. Ethan recuou entre os tijolos de pedra empilhados no fundo do carrinho e lutou para se vestir novamente, mordendo reclamações quando a pedra raspou e cutucou sua pele nua.

Bem, não estávamos dando nenhum passo agora. Se alguma coisa os jogaria fora de nossa trilha, eu esperava que isso acontecesse.

À luz do orbe, Gwydion olhou de soslaio para o mapa a partir dos nossos pacotes de orientação. Ele foi o único de nós que conseguiu segurar o dele, enfiado nos bolsos aparentemente sem fundo da jaqueta.

—Estamos muito no fundo. — Ele sussurrou. —Mais profundo do que eu acho que qualquer não-anão já foi. Estes são novos túneis. Acredito que deixamos o último desenvolvimento documentado neste mapa há algum tempo.

—Então, provavelmente não há muita chance de encontrar uma saída aqui embaixo, existe? — Eu perguntei sombriamente.

—Uma saída de ar, talvez. — Considerou Gwydion, esfregando o queixo enquanto olhava o mapa. —Mas... Não, seriam vários dias de subida vertical. Nós nunca conseguiríamos. Poderíamos encontrar um desses carrinhos voltando para o Forte do Anel.

—Mas então teríamos que lidar com os anões novamente. — Apontei. Gwydion apertou os lábios e ficou em silêncio, olhando fixamente para o mapa como se ele simplesmente parecesse tempo suficiente para a solução se revelar. Troquei olhares com Cole. Estávamos sujos e cansados. Ethan, sempre exausto pela mudança, parecia quase cochilando.

—Eu conheço algumas... pessoas. — Cole ofereceu em voz baixa. —Pessoas para quem eu poderia chamar.

—Não. — Disse Gwydion com firmeza e imediatamente. —Mesmo se você pudesse conseguir que os rituais funcionassem neste lugar, trazer algo assim aqui seria condenar a nós e a todos os outros neste poço odioso.

—Eu posso lidar com eles. — Disse Cole defensivamente. —Eu tenho lidado com eles há anos.

—Ou então eles deixaram você pensar. — Gwydion retrucou. —Por mais insidiosos que os Fae possam ser, por mais cruéis, nossas motivações raramente são mais que egoísmo e tédio. As coisas de que você fala são infinitamente pacientes e infinitamente maliciosas. Eles não querem. Eles não querem. Eles não podem ser persuadidos. Eles têm apenas um objetivo, e uma inteligência focada apenas em alcançá-lo. A única maneira de vencer essas coisas é não jogar, nunca entrar nelas e rezar para que elas nunca notem você. Eu posso prometer a você o que você já sofreu com sua associação com eles, você sofrerá pior antes do final.

—Tudo bem, Jesus. — Cole levantou as mãos para parar a palestra de Gwydion. —Foi apenas uma sugestão. Melhor do que morrer aqui ou ser rasgado em pedaços pelo rei.

—Não. — Disse Gwydion, com os olhos escuros com uma gravidade terrível. —Confie em mim. Qualquer morte que os Anões possam inventar seria muito preferível.

O carrinho deu um pulo, atingindo algum solavanco na pista e, de repente, havia luz acima de nós, tão brilhante após a escuridão sem fim que meus olhos doíam, embora ainda estivesse relativamente escuro. Confusa, levantei-me para espiar por cima da borda do carrinho.

A pista havia entrado em uma caverna enorme, grande como um estádio. A luz que eu vi vinha de canais brilhantes de magma que atravessavam a caverna em canais esculpidos para esse fim. Pesada e lenta, escorria em direção a uma estrutura central, algum tipo de forno feito de enormes pedras negras, cada uma sozinha provavelmente do tamanho de um trailer de largura dupla. Em toda a base do forno, em uma plataforma preta, enormes Construtos, cada um com pelo menos dois metros de altura e feitos de retalhos de pedra, lama e metal, continuavam trabalhando. A fornalha fundia minério alimentado por carrinhos como o que estávamos, e o Construtos tirava-os das torneiras e os moldava com as mãos com precisão impecável, martelando-os com seus punhos enormes em bigornas do tamanho de carros.

Construtos menores enchiam o resto da caverna, tendendo o fluxo de magma, carregando e descarregando carrinhos, expandindo a caverna com picaretas e pás e carregando as peças que os Construtos maiores terminavam em direção a algo atrás do forno. Quando a trilha, que corria perto do topo da caverna, curvava-se ao redor da vasta sala, o que eles estavam construindo apareceu.

Fazia um calor escaldante, mesmo de onde estávamos. Preocupei-me por um momento que estávamos indo para o forno, mas a pista estava inclinando para baixo e para longe. Levando ao andar onde os Construtos estava terminando de descarregar suprimentos de outro carrinho. O carrinho à frente dele estava sendo carregado com sucata e minério da constante expansão, para ser enviado de volta a uma pista paralela à que nos levara até aqui, que provavelmente retornaria a quem estava fornecendo.

—O que é essa coisa? — Ethan perguntou, olhando para o anel enorme e limpando o suor da testa.

—Não tenho certeza. — Respondeu Gwydion com uma carranca, também espiando por cima da borda. —Seja o que for, é terrivelmente complicado. Olhe para os encantamentos.

Eu não tinha olhado tão de perto antes, mas agora que treinei minha visão mágica sobre ele, pude ver que ele estava rastejando com a magia mais complexa que já vi. Eu não acho que nada que eu tenha visto na coleção de Gwydion possa se comparar à escala completa dele. Era como se alguém tivesse construído o Empire State Building com sementes de gergelim individuais. Cada centímetro quadrado estava cheio de um feitiço de imenso poder. Se você removesse a matéria física da roda, a magia que a compunha ainda seria densa demais para ver através dela. Fiquei espantada, quase feliz. Eu nunca tinha visto algo tão incrível. Queria tocá-lo tanto que podia prová-lo, cavar aqueles feitiços, desmontá-los e juntá-los novamente até que eu os entendesse. Era tão glorioso para mim quanto ver o Grand Canyon pela primeira vez ou entrar na Capela Sistina. Que trabalho fenomenal, que forças titânicas, o vasto escopo de esforço, planejamento e trabalho... Sentindo-me um pouco tonta, sentei-me novamente.

—Você já viu algo assim? — Eu perguntei a Gwydion, atordoada.

—Uma vez, talvez duas vezes na minha vida. — Respondeu Gwydion, e pude ver que ele estava igualmente deslumbrado. —Mas comparar essas obras-primas seria um insulto a todas elas. Isso é arte.

—Mas para que serve? — Cole perguntou impaciente. Gwydion e eu batemos nele com o mesmo olhar sujo.

—Filisteu. — Murmurou Gwydion.

—Uh, pessoal, acho que vamos parar em breve? — Ethan nos avisou.

—Merda. — Eu murmurei e corri para um dos tijolos, pronta para me defender. Os outros três ficaram tensos também, e o carrinho parou por fim.

Um Construto com a face de um geodo rachado inclinava-se sobre a borda do carrinho. Eu gritei, me afastando para atingi-lo com o tijolo, mas ele apenas arrancou o tijolo da minha mão e se afastou. Outras construções também passaram por nós no carrinho, erguendo tijolos como se nem nos vissem. Ou, mais precisamente, como se simplesmente não importássemos.

—Eles não estão programados para lidar com intrusos, eu acho. — Disse Cole.

Lentamente, saímos do carrinho, tentando não nos queimar no metal quente e desconfiados de qualquer mudança no comportamento dos Construtos, mas eles nem sequer olhavam para nós.

—Acho que não estamos em perigo imediato, então? — Dei de ombros quando saímos do caminho do trabalho do Construto e puxei minha camisa, de repente desejando não estar tão comprometida em usar todo preto. —Exceto por esse calor, Deus, está muito quente!

Gwydion colocou a mão no meu ombro e eu imediatamente me senti mais fria.

—Fique perto. — Ele recomendou. —Eu posso manter o pior dele à distância. Além disso, se você ficar a meio metro de qualquer um desse magma, você pegará fogo.

—Oh, doce, Gwydion é um Ar Condicionado portátil. — Ethan disse alegremente, batendo as mãos nas costas de Gwydion e suspirando de alívio. Cole fez uma careta, mas colocou um dedo no ombro de Gwydion experimentalmente.

—Oh, droga. — Ele murmurou, parecendo surpreso. —Isso é realmente legal.

Quando nós três nos aproximamos, Gwydion parecia ter acabado de morder um limão.

—Então, o que fazemos? — Ethan perguntou, abraçando Gwydion por trás, o queixo no topo da cabeça do outro homem.

—Descobrir um caminho de volta à superfície. — Disse Cole com um encolher de ombros, de onde estava pressionado contra o lado esquerdo de Gwydion. Eu estava moldada para o lado direito dele, e nós dois colocamos as mãos sob a camisa dele para ter acesso mais direto às propriedades de resfriamento de sua pele. Fiquei chocada que Gwydion estivesse tolerando isso, mas não estava disposto a dizer nada.

—Eu gostaria que ainda tivéssemos esse cajado estúpido. — Eu disse frustrada. —Não há outra maneira de sair desses poços na cidade, certo?

—Não sem o segundo cajado. — Gwydion suspirou, os braços cruzados sobre o peito. —E sem os dois, você só ficaria presa lá - e você pararia com isso imediatamente ?!

Ele deu um tapa nas mãos de Cole, que subiam pelas costelas.

—O que você tem cócegas? — Cole perguntou com um sorriso perverso.

—Vou jogá-lo na lava. — Disse Gwydion sem uma pitada de humor. —Não me teste.

—Ok, então nossa única opção é lutar contra o exército de anões? — Eu disse, mudando de assunto rapidamente. —Porque sem mágica, isso não parece uma luta que provavelmente venceremos. Além disso, muitos deles pareciam pessoas normais?

—E essas coisas? — Cole perguntou, gesticulando para os Construtos. —Você disse que pode mudar os comandos deles se você os abrir, certo? E se nós mudarmos um monte deles para fazê-los nos proteger, então eles apenas nos escoltam para fora?

—Não sei se é uma boa ideia. — Disse Gwydion, franzindo a testa. —Você precisaria abri-los para acessar seus papéis e descobrir como alterar os comandos...

—Vale a pena tentar, certo? — Disse Cole. —Melhor que nada?

Gwydion fez um barulho inseguro, mas Cole se afastou dele e se aproximou do Construto com a face do geodo.

—Ethan, me ajude a disputar esse cara.

Ethan relutantemente soltou Gwydion e ajudou Cole a conter o Construto. Não parecia incomodado por ser contido. Apenas continuou tentando seguir na direção que tinha estado, ignorando Cole e Ethan.

Cole deixou Ethan segurá-lo por um momento enquanto procurava ao redor, pegando uma das picaretas que os Construtos estavam usando para expandir a caverna.

—Tudo bem, vamos abrir esse garoto mau. — Disse ele. Ethan ajustou seu aperto no Construto para sair do caminho, subitamente parecendo inseguro.

—Uh, eu não sei disso. — Disse ele. —Quero dizer, você não pode simplesmente acertar o pobre coitado com uma picareta. E se você o matar?

—Não posso matá-lo, não está vivo. — Disse Cole, impaciente. —Apenas fique quieto para não perder!

—Oh, isso vai acabar muito mal. — Disse Gwydion com severa certeza. Eu estava inclinada a concordar, mas também estávamos sem outras ideias.

—Um. — Disse Cole, levantando a picareta como um taco de beisebol. —Dois...

Ethan segurou o Construto o mais longe possível dele, fechando os olhos.

—Três!

Cole girou para as cercas e bateu a picareta no peito do Construto com um estalo alto de pedra.

Instantaneamente, todos os Construtos da caverna pararam, largaram o que estavam fazendo e viraram em nossa direção.

—Sim, lá vai. — Gwydion gritou, agarrando minha mão. —Corram!

Ethan lançou o Construto que ele estava segurando, que instantaneamente se virou e balançou um punho de pedra em sua cabeça. Cole bateu com a picareta, espalhando a cabeça do geodo, mas isso mal pareceu desacelerar. Enquanto isso, todos os outros Construtos da caverna estavam indo para lá com intenção assassina. Gwydion e eu reservamos, e Ethan e Cole, ainda segurando a picareta, correram atrás de nós, gritando palavrões.

—Lá! — Eu gritei, apontando um carrinho de partida, começando a aumentar a velocidade antes da subida em direção à trilha perto do teto da caverna. Gwydion deu dois passos limitados e pulou no carrinho com uma graça desumana, estragada apenas pela dança desajeitada e embaralhada que ele tinha que fazer para colocar o pé no topo do minério empilhado dentro do carrinho. Assim que ele estava estável, ele se virou e agarrou minha mão estendida, me balançando ao lado dele. Nós dois estendemos a mão para Ethan, arrastando-o a bordo, depois para Cole, ficando logo atrás, perseguido por uma horda de Construções assustadoramente silenciosas e sedentas de sangue.

—Largue a picareta, idiota! — Eu gritei.

Amaldiçoando alto, ele jogou de volta para os Construtos, tirando um pedaço do ombro de uma criatura de pedra sem muito efeito. Um pouco mais leve, ele correu os últimos degraus, e nós o agarramos, arrastando-o para o carrinho apenas um segundo antes de começar a disparar para cima e todos nós tivemos que nos esforçar para reestabelecer nosso equilíbrio.

Os Construtos subiram atrás de nós, silenciosos e implacáveis, e tentaram nos pegar no minuto em que o carrinho parou ou diminuiu a velocidade. O único anão perto do ringue havia nos notado agora e estava gritando ordens furiosas contra os Construtos, presumivelmente reafirmando suas ordens para matar a merda de nós.

—Destrua-os! — O anão gritou. —Não os deixe perto do portal!

—Trabalho fantástico, idiota. — Disse Gwydion, dando a Cole um olhar assassino. —Isso definitivamente ajudou!

—Como eu deveria saber que eles se tornariam todos assassinos? — Cole gritou defensivamente.

—Talvez usando um pouco de bom senso pela primeira vez na vida!

—Eu não vi você correndo para me parar, imbecil! Ou sugerindo idéias melhores!

—Calem-se! — Eu gritei para os dois. —Este carrinho está indo para o forno!

Isso chamou a atenção de ambos rapidamente. Em nossa pressa de pegar um carrinho de fuga, escolhemos um dos que enviava minério até a forja. Em apenas alguns minutos, seríamos jogados diretamente em um tanque maciço de metal fundido superaquecido.

—Filho da puta. — Cole disse calmamente.

Procurei um pouco fora do carrinho, meu coração disparado. A trilha atrás do carrinho fervilhava com Construtores assassinos. À frente, havia apenas o forno e uma queda de duzentos pés de cada lado.

—Estamos fodidos. — Eu disse, nem um pouco articulada.

—Nós definitivamente vamos morrer. — Ethan concordou, nós dois um pouco atordoados para reagir adequadamente à nossa morte horrível iminente.

—Foda-se. — Declarou Cole. Então ele me agarrou pelos ombros e me arrastou para um beijo áspero e apaixonado, tão abrupto e poderoso que eu mal consegui responder. Talvez fosse porque estávamos prestes a morrer, mas ele beijou com desespero, uma fome frenética e ardente, que eu nunca havia experimentado, o que fez meu coração disparar e minha adrenalina disparar. Então, de uma só vez, ele me soltou, deixando minha boca machucada e desolada. No mesmo movimento, ele puxou Ethan pela camisa e o beijou também, com a mesma intensidade empolgante. Vi os olhos de Ethan se arregalarem, e então senti a repentina onda de poder de sua maldição. Cole deve ter sentido isso também, porque ele empurrou Ethan para longe, agarrou minha mão e pulou para fora do carrinho. Gwydion hesitou apenas um momento, encarando Ethan quando o lobisomem se dobrou, uivando, mudando mais rapidamente do que eu já o vira mudar voluntariamente. Então ele pulou também.

Cole agarrou a beira da pista suspensa, flutuando no ar. Eu me esforcei para pular, quase perdi o controle, e só o recuperei quando Cole me pegou, me segurando até que eu estivesse segura, Gwydion pendurado no outro lado dele.

Acima de nós, Ethan - não, o Lobo - uivou quando saltou do carrinho um segundo antes de jogá-lo na forja.

O Lobo apenas se assemelhava tangencialmente à forma normal de lobo de Ethan, que era quadrúpede e muito parecida com um lobo normal, embora muito grande. O Lobo era algo de um filme de terror. Maciço, bípede, cheio de pelos escuros e grossos sobre músculos poderosos e pesados. Ele se ergueu em toda sua altura, o peito largo arfava e fixou seus terríveis olhos amarelos em nós, cheios de um ódio que consumia tudo. Estávamos completamente expostos aqui. Mal teria que nos tocar para nos enviar despencando para nossas mortes.

Felizmente, foi rapidamente distraído pelo enxame de Construtores assassinos. Os homens de pedra se jogaram no Lobo sem consideração por suas vidas. Eles o golpearam com golpes esmagadores feitos por punhos como blocos de concreto, e isso apenas os jogou para o lado, enviando-os voando da ponte para quebrar no chão abaixo. O Lobo rasgou a multidão de Construtos como se não fossem nada, reduzindo-os a escombros com um golpe de suas garras terríveis. Ele avançou pela pista, derrubando Construtos como pinos de boliche. Depois que tivemos algum espaço entre nós e o Lobo, Gwydion se arrastou de volta para o parapeito e me puxou atrás dele. Eu me virei para ajudar Cole, embora meus braços estivessem queimando por tanto tempo pendurados.

—Temos que sair daqui. — Eu disse, agarrando-me a Cole enquanto observava o Lobo abrir caminho através de Construto após Construto. —Agora!

—Como? — Perguntou Cole. —Outro carrinho?

—Não. — Disse Gwydion, apontando para o volante. —Nós vamos usar isso.

—O anão chamou de portal. — Eu disse, entendendo. —Onde quer que leve, provavelmente é melhor do que aqui!

Cole parecia inseguro, mas levantou as mãos.

—Foda-se, vale a pena tentar! — Ele disse.

Corremos pelos trilhos do carrinho, a uma distância segura atrás do massacre que o Lobo estava causando, até podermos pular, deslizando pela parede até o fundo da caverna.

Os Construtos estavam todos ocupados com o Lobo. A única coisa entre nós e o portal era o anão. Ele brandiu seu livro de pedra para nós com as mãos trêmulas.

—Este é o trabalho da minha vida! — Ele declarou. —Eu não vou deixar você hooligans destruí-lo!

—Você projetou isso? — Eu perguntei, cheio de súbita admiração e um milhão de perguntas.

—Senhor. — Disse Gwydion, cortando-me. —Você é sem dúvida o maior encantador desta época e um dos melhores que já ouvi em todos os reinos. Tenho imenso respeito por você, e é por isso que será uma tremenda vergonha se eu tivesse que te espancar até a morte agora, porque você não sairá do caminho.

Ele pegou uma pá de algum lugar, que o anão estava olhando agora, sua expressão em algum lugar entre orgulho e medo lisonjeados.

—Para o inferno. — Disse o anão. —Eu sempre odiei trabalhar para comissão.

Ele saiu do caminho.

Havia algum tipo de painel de controle perto de onde o Anão estava sentado, e eu o agarrei, olhando para os controles, completamente perdida.

—Como nós controlamos isso? — Eu perguntei, procurando ao redor do anão, mas ele já estava fazendo trilhas para o túnel mais próximo.

—Não precisamos controlá-lo. — Insistiu Cole. —Apenas ligue! Qualquer lugar é melhor do que aqui!

Eu apertei alguns botões, puxei algumas alavancas, mas nada aconteceu. A pedra angular e todos os painéis estavam no lugar, mas não havia reação. Cole lambeu os lábios.

—Vexa. — Ele disse. —Lembra da coisa que eu disse para você nunca mais fazer?

—Coisas estúpidas que colocam minha vida em perigo?

—Mais especificamente.

—Explorar fontes de energia universais primárias?

—Sim.

Gwydion e eu demos a Cole um olhar arregalado.

—Você realmente acha que isso vai funcionar? — Gwydion perguntou.

Cole olhou para onde o Lobo estava rapidamente ficando sem Construtos para destruir. Os grandes da forja tinham andado lentamente com pés pesados de bigorna e finalmente estavam brigando de verdade, mas nem eles durariam muito. O Lobo parecia ser tão indestrutível quanto furioso.

—Acho que não temos muitas outras opções. — Respondeu Cole. —Apenas despeje o máximo de energia possível e espere o melhor!

Eu acho que essa foi a lógica mais sólida que eu poderia esperar.

—Foda-se. — Eu disse, ecoando o sentimento anterior de Cole. —Aqui vai tudo!

Fechei os olhos, alcançando o lugar profundo dentro de mim, onde minha conexão com a vela estava ancorada. Eu sabia o que esperar agora, e apenas hesitei um momento com a lembrança fraca de quanto isso doeu da última vez, antes de pegar o fogo e me sentir em chamas.

Cole e Gwydion saltaram para longe quando o fogo me cercou. O poder correu através de mim como uma represa quebrando, como um raio, e eu agarrei no painel de controle para me aterrar.

A energia rasgou através de mim enquanto passava, deixando-me irregular de uma maneira que era mais espiritual do que física. Mas enquanto olhava através dos meus olhos ardentes, vi o anel começar a se mover, girando, componentes flutuando e se movendo independentemente, à medida que os feitiços queimavam.

Essa bela máquina deveria ter criado um portal igualmente bonito, algo absolutamente perfeito, não apenas estável, mas permanente, um ponto fixo fora do tempo que unia duas realidades. O que eu o forcei a produzir, incompleto e inexpertemente pilotado, foi uma bagunça, crepitando com o desperdício de energia, desequilibrado e desmoronando mesmo quando começou a abrir. Mas estava aberto.

Gwydion me agarrou, me arrastou para longe do console. Eu podia senti-lo sugando o poder, embora felizmente eu já tivesse jogado a maior parte dele no portal.

—Rápido! — Gwydion gritou para Cole. —Agora, antes que desmorone!

Eles correram em direção ao portal, meio me arrastando, quase inconscientes e bêbados com o poder e a lembrança já desbotada da agonia ardente. Mas havia uma última coisa que eu tinha que fazer antes de sairmos. Eu me arrastei de Gwydion para fazê-lo parar, coloquei os dedos nos lábios e assobiei o mais alto que pude.

—Ethan! — Eu gritei quando o Lobo parou sua destruição e olhou para mim. Eu acenei meus braços. —Por aqui!

Gwydion me agarrou pelo meio, me jogou por cima do ombro e correu para o portal. Rosnando, o Lobo correu atrás de nós. Gwydion pulou através do portal e vi o Lobo pular, garras estendidas, apenas um segundo antes do caos nos envolver.

 

 

 

 

 

 

Capitulo Dezesseis


Por vários minutos ou possivelmente uma eternidade, caímos no espaço.

Perdi o controle dos outros quase ao mesmo tempo. Flashes de mundos explodiram em ambos os lados de mim. Luz, escuridão, fogo, gelo, horizonte de Manhattan, castelo de Titânia, mundos que eu só podia ver em seção transversal, mundos que eu só conseguia ouvir ou cheirar. Uma vez, um salão escuro, cheio de velas.

E então, de repente, bati de cara no azulejo branco de vinil. Gwydion caiu em cima de mim, cotovelos primeiro. Cole caiu um pé à minha esquerda. O Lobo veio por último, bateu a cabeça em uma prateleira no caminho e caiu inconsciente no chão.

Presumimos que estávamos em algum tipo de armário de suprimentos. Luzes fluorescentes brancas nos encaravam de cima.

—Onde estamos? — Cole perguntou, apertando os olhos e desorientado.

—A julgar pelo cheiro anti-séptico e pelos sanitários? — Eu respondi, minha voz um pouco confusa. —Hospital. Ow. Ow! Merda!

Acabei de perceber uma dor ardente no quadril, que estava piorando rapidamente. Eu me levantei e enfiei no bolso, pegando a moeda da sorte que Gwydion tinha me dado quando nos conhecemos. A coisa maldita estava fumegando, estava tão quente e previsivelmente queimando meus dedos quando eu o puxei para fora. Deixei cair, e ela saltou e rolou para fora da porta do armário aberta.

Troquei um olhar com Cole e Gwydion, que ainda estavam se levantando.

—Bem, vá em frente. — Disse Gwydion. —É uma sorte, por isso deve levá-lo a algum lugar. E alguém provavelmente está a caminho de investigar esse acidente de qualquer maneira.

Sem outra palavra, corri atrás da moeda.

Eu estava certa sobre ser um hospital, embora estranhamente silencioso para a hora do dia que a luz que entrava pelas janelas sugeria. A moeda fumegante rolou pelo corredor de azulejos, e eu corri atrás dele. De repente, seu caminho começou a se curvar, até cair abruptamente de lado. Com o último momento, derrapou sob a porta de um quarto privativo de longa permanência.

O nome na porta dizia E. Bellefonte.

Abri a porta com cuidado, preocupada em incomodar alguém. Mas não havia visitantes na sala e, assim que dei uma boa olhada no paciente, percebi que não havia preocupação em perturbá-los.

E. Bellefonte era um homem mais velho, quarenta e poucos, talvez cinquenta e poucos. Ele ainda tinha o cabelo, apesar de o loiro dourado estar sombreado a branco. Ele devia ter sido bonito como uma estrela de cinema uma vez, pensei, embora provavelmente só pudesse dizer devido à minha experiência com cadáveres. Uma doença longa e desgastante o havia reduzido a um substancial sem sombra do que aquele que pairava sobre ele, sinalizando sua morte que se aproximava rapidamente. Ele só estava vivo agora por causa das máquinas amontoadas em torno de sua cama, mantendo seu corpo funcionando mesmo quando desmoronava. Mas mesmo isso não era suficiente para manter a sombra afastada.

—Aqui está. — Disse Gwydion, entrando na sala. Cole, com o braço de Ethan sobre os ombros, saiu mancando atrás de Gwydion, arrastando o lobisomem, que havia sido empurrado às pressas para uma roupa cirúrgica mal ajustada. Gwydion inclinou-se para pegar a moeda da sorte, que ardia em sua mão, o metal estalando e desmoronando. —Você queimou completamente. Eu nunca vi isso. Que tipo de-?

Ele calou a boca abruptamente quando viu o que eu já tinha visto.

A Vela da Aliança estava posta na mesa de cabeceira de E. Bellefonte. Gwydion olhou para ela, depois para a moeda murcha na mão, antes de enfiar os restos arruinados da moeda em seu casaco. —Essa é uma moeda da sorte.

—O que está fazendo aqui? — Perguntou Cole. —Quem é esse cara?

—É para mantê-lo vivo. — Respondi instintivamente. Eu podia sentir como a vela estava conectada a ele, mantendo sua força vital de uma maneira que as máquinas nunca podiam.

Antes que pudéssemos dizer mais alguma coisa, um portal surgiu à nossa frente, e Gilfaethwy apareceu, tendo-se colocado apenas a meio caminho.

—Por aqui. — Ele sussurrou em um sussurro urgente. —Rápido!

—Você! — Gwydion rosnou e agarrou Gil pela frente da camisa, arrastando-o pelo resto do caminho para fora do portal. —Você me roubou! De novo! Você me deixou entrar nas garras dos Seelie!

—Você fugiu! — Gil disse com um sorriso. —Eu sabia que você faria! Você sempre sabe! Falando nisso...— Ele gesticulou rapidamente em direção ao portal. —Precisamos ir agora. Vocês não podem estar aqui!

—Por quê? — Eu perguntei. —Onde estamos?

—Onde não importa. — Disse Gil. —E porque é que todos nós vamos morrer. Eu nem entendo como você chegou aqui! Agora vamos, vamos!

—Não, não há mais portais! — Cole disse teimosamente. —Já tive portais suficientes! Parece a Terra e vou ficar aqui!

De repente, as luzes no corredor do lado de fora do quarto do hospital ficaram negras. Nenhuma luz veio das janelas. Uma voz profunda e familiar ecoou como uma lixa contra a minha alma.

—Como se atreve a vir aqui...

—Aethon. — Eu sussurrei involuntariamente, terror tomando meu coração como um punho.

—Esquece, porra! — Cole gritou, jogou Ethan através do portal e pulou atrás dele.

Gil entrou na porta, olhando para a escuridão.

—Velho amigo, querido amigo, parceiro, se você me desse um momento para-

—COMO VOCÊ OUSA?

Gil estava claramente certo. Precisávamos sair imediatamente. Mas eu não estava saindo de mãos vazias, não depois de tudo isso. Eu me virei, pegando a vela.

—Vexa, não!

Ouvi o grito de Gwydion, o roçar de seus dedos estendendo a mão para me impedir, mas era tarde demais. Minha mão se fechou ao redor da vela, e a absoluta escuridão da Morte alcançou e me engoliu.

Tão rapidamente que eu nem senti, de repente eu mal a reconheci.

Eu morri.

 

 

                                                   D. D. Miers e Graceley Knox         

 

 

 

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