Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites
GUERREIROS DA LUZ
Volume II
Segunda Parte
Eles haviam prometido que o final do mês de dezembro seria a data da morte de Isabela. Por mais que não crêssemos que nossa história terminaria assim, com Eduardo e Isabela simplesmente morrendo, aquilo tudo tinha um poder muito desagradável de mexer com as emoções. Com os nervos!
Logo depois que a bola foi destruída, certa tarde de calor estávamos dando o primeiro banho nos gatos. Finalmente o Merengue iria deixar de ser aquele incenso! Agora ele já estava perfeitamente bem e podia passar pela lavagem em regra. Então Isabela deu banho nele primeiro. Enxugou-o com uma toalha e o deixou dentro da cestinha que servia de cama, na cozinha. Enquanto ele terminava de se "arrumar", com aquele lambe-lambe pra todo lado, Isabela levou o Mambo para o banheiro. Mas esqueceu a toalha na cozinha, então deixou o gato trancado lá e voltou para pegar.
O tempo que deixou o Merengue sozinho não foi maior do que alguns segundos... apenas o tempo de levar o Mambo pro banheiro e voltar. Isabela pegou a toalha que tinha ficado ali, já ia indo de volta, e foi então que reparou que o Merengue estava machucado.
— Eduardo! Que aconteceu com o Merengue? Olha só! — fez ela com voz preocupada.
Fui olhar.
— Ué.....mas que foi isso?...
Merengue estava com ferimentos na pata e na orelha. Mas não de uma maneira coerente, como se ele tivesse escorregado, caído e se arranhado. Os machucados, que sangravam um pouco pois o pêlo foi arrancado e a pele ficou escoriada, não tinham qualquer lógica. A pata dianteira estava machucada por fora e a traseira por dentro. A orelha afetada não tinha qualquer relação com o resto... isso em questão de segundos!
— Tenho certeza que ele não estava assim! Acabei de dar banho nele! O que pode ter acontecido, meu Deus do Céu?!
Aquilo nos causou um grande mal-estar. Certamente que a vontade dos demônios era trucidar o gato, exatamente como tinham feito com a bola.
Estávamos extremamente exaustos. Esgotados. Aquele tinha sido um ano por demais desgastante, se é que "desgastante" pode traduzir exatamente aquilo que estava na nossa alma. Novamente as pessoas já estavam em ritmo de férias. E nós iríamos enfrentar as lutas mais árduas agora. Sem qualquer espécie de descanso!
Os ataques não se concentravam apenas em casa, tudo que servisse para abalar nossas emoções parecia estar valendo. Em casa de Dona Márcia, naquele mesmo período, Harpa quase foi atropelada. Viola ficou doente. Ainda bem que não foi nada sério. Isabela ficava apavorada com esse tipo de coisa, havia um ano tinha perdido o Wolfi e a Bitinha.
Não adiantava o nos lamentar, era melhor ir em frente.
Durante as duas Ministrações de dezembro, tratamos da questão da minha paternidade. Mas, fora isso, Deus trazia muitas revelações dos ataques incessantes sobre nós. Novamente, Isabela parecia estar sendo um alvo especial. Certa vez havia uma bruxa ao lado dela e um feto morto. Não era a primeira vez que diziam a Isabela que seu sistema reprodutor era alvo do inimigo, mas o Senhor o estava protegendo.
Não há palavras boas o suficiente para descrever nosso estado naquele final de ano. Era uma mistura de várias sensações: expectativa, temor, esperança.... difícil dizer! Mas era o cansaço que mais pesava.
Tudo isso somado fazia com que a gente ficasse mais predispostos às discussões. Era exatamente isso o que os demônios queriam... nesses momentos, nossa vida se transformava num verdadeiro Inferno. Eu só queria que tudo acabasse! Só queria que a vida acabasse... se eu pudesse ter paz de alguma maneira! Só queria paz, só queria paz!
Durante aqueles momentos me sentia em frangalhos, faria qualquer coisa para fugir dali, acabar com tudo...
Quando briguei com Isabela, logo depois da segunda Ministração de dezembro, eu a culpei muito. Era assim que eu via, alguém tinha que ser responsável por aquela situação terrível e absurda que estávamos vivendo!
Naquele momento, queria até que ela morresse! Que saísse de perto de mim! Eu tive que concordar com aqueles bips... ela era responsável por toda aquela destruição! Foi exatamente isso que eu lhe disse. Naturalmente que ela tinha seus defeitos, eu podia até não falar com sabedoria, mas ela era orgulhosa muitas vezes e resistia a minhas tentativas de reconciliação.
Isabela nem saberia dizer o que sentia. Poderia explodir de angústia, seu desespero foi tão grande que ela mesma se arranhou, se machucou, perdeu o controle completamente. Se continuasse daquele jeito, poderia realmente enlouquecer...
Cada um a seu modo, durante as brigas era fácil sentir o cheiro da morte, o cheiro do fim... o cheiro da desgraça! Não dá para quantificar quem sofreu mais... foram maneiras diferentes de sofrer...
Ela tomou remédio para dormir e dormiu muito: onze horas seguidas, sem acordar. O que, para Isabela, era um record absoluto!
Logo de manhã, sentimos necessidade de buscar Dona Clara imediatamente. A situação parecia tão periclitante e tão densa que, sem a ajuda de alguém, a tragédia seria iminente. Foi Isabela quem deu o xeque-mate.
— Vamos conversar com Dona Clara agora, porque senão vai acontecer uma desgraça... — foi tudo que ela conseguiu dizer.
Foi a coisa certa. Dona Clara já sabia daquele nosso problema, bem como Grace. Naquela manhã ela pôde nos ajudar a entrar em reconciliação. Oramos juntos, não fosse a presença de Dona Clara... nem sei! Isabela, sempre muito sincera, não escondia nada. Não fazia de conta.
Depois disso, já feitas as pazes, ainda assim era preciso ficar esperando que toda a dor passasse. Ela não iria passar naquele dia, nem talvez no outro. O coração ferido de Isabela, levaria tempo para se recuperar. Meu coração também, magoado, precisava de tempo para voltar a bater em compasso normal.
Fomos tomar um café, nos abraçamos, oramos juntos novamente, procuramos de fato ficar em paz. Aquela dor ficou amortecida.
Naquela tarde eu tinha que ir até o centro da cidade buscar mais 130 apostilas que tinha mandado fazer. As pessoas tinham comprado uma no congresso, me procuravam pelo e-mail pedindo mais. O pessoal da equipe de Grace também queria. Nem sei por que Isabela não foi comigo, mas ficou em casa. De forma que fui sozinho. Isso não era comum, de maneira nenhuma, Isabela gostava muito de andar pelo centro da cidade!
Eu, ao contrário, não gostava muito do centro. Era um lugar tumultuado, bagunçado e perigoso, no meu entender. Não via a mesma graça que Isabela naquelas ruas com monumentos antigos, lotadas de camelôs, onde a gente quase não podia andar. O pedaço perto do Teatro Municipal e as ruas de galerias que vendiam de tudo era o que havia de melhor para ela. Segundo Isabela, tudo era barato!
Ah! eu preferia pagar mais caro e ter o conforto do Shopping, adorava explorar aquelas bandas. Comprava ótimos produtos para o cabelo, coisas que só vendiam para cabeleireiros.
Cheguei então ao lugar onde deveria pegar as apostilas que tinham sido encomendadas com antecedência, e estariam prontas naquela tarde. Enquanto esperava fui, conversando com o rapaz que atendia, que também era crente. Ele foi perguntando a respeito da apostila, porque é claro que tinha um título sugestivo: "Satanismo". Aquela palavra, como eu iria perceber, tinha o poder de despertar a imediata curiosidade dos Cristãos. Expliquei um pouco a respeito do conteúdo enquanto ele embalava o material todo dentro de uma caixa de papelão. Depois ele foi contando um pouco sobre si mesmo, que ia casar, como estavam os preparativos, e que Deus estava abençoando muito o seu negócio. O rapaz era falante, mas logo tudo estava pronto.
— Eu te ajudo a colocar no carro, está bem pesada!
— Ih, eu estou sem carro, vim de metrô. Não tem problema, não! Coloquei a mão no bolso para pagar, foi aí que percebemos um pequeno mal-entendido no preço.
— Mas não ia ficar em R$ 220,00? — indaguei quando ele colocou a caixa cheia na minha frente.
— Segundo meus cálculos, dá R$ 290,00. Quanto foi que cobraram a página pra você?
— Da primeira vez, não foi esse valor... eu estou vindo aqui porque foi a Comunidade que indicou vocês. Eles costumam fazer muita coisa aqui!
— Realmente a gente faz um preço especial para eles. Dessa vez, alguém deve ter cometido algum engano e cobrou outro preço de você. Mas não seja por isso! Vamos caprichar no preço, que é para você voltar! Vou fazer a página ao preço que oferecemos para a Comunidade.
— Aí! Muito obrigado!
— Você pediu sem espiral, né? Só grampeado?
— Não, não... pedi com espiral! Eles não puseram dessa vez? — para dizer a verdade, eu nem tinha reparado, ele fechou a caixa e eu confiei que estava tudo certo.
— Caramba, você está sem sorte, hein? Quanta coisa errada! Se você quiser, pode vir buscar amanhã, te garanto que vai estar tudo certinho. Me desculpe...
— Não tem problema. Eu moro longe, não é muito fácil vir para cá! Fica assim mesmo dessa vez, tá tudo certo.
— Deixa então eu ver de novo a diferença de preço... — ele pegou a calculadora. — Em vez de R$ 220,00, fica em... deixa ver... dá R$ 45,50 a menos... R$ 50,00, pelo transtorno! Te faço tudo por R$ 170,00!
Fiquei satisfeito. Ia me sobrar um dinheirinho.
— Muito obrigado, hein?
Ele ainda estava terminando de dar os últimos retoques na caixa, amarrando bem a tampa.
— Já que você vai de metrô, né?
De repente parou e ficou olhando para mim. Seu semblante era de espanto.
— Nossa.... você tem um anjo enorme te acompanhando! Tá aí do teu lado!... Eu não acreditei de imediato. E inquiri:
— Ah, é? E como é esse anjo?
— Ele é muito... alto!... Forte... e é ruivo... — ele olhava para cima. Bem para cima.
Nem precisava dizer mais nada. Fiquei logo interessado.
— É? E você está vendo mais alguma coisa?
— Ele usa uns braceletes, puxa! Nunca vi nada assim! — e continuava olhando. — E esse anjo não tem asa. Nunca imaginei isso! Quer dizer, nunca vi um anjo... mas imaginei que eles tinham asa.
"É porque você nunca sentiu o Poder que sai deles... por isso está assim tão calmo", pensei comigo mesmo. E me controlei para não debulhar ali mesmo. A descrição estava certinha!
— Olha... ele pediu para eu te dar um recado — estava bastante impactado. Seus olhos estavam meio molhados.
Em segundos pensei comigo, um pouco indignado:
"Pôxa, por que ele não aparece para mim e me dá o recado pessoalmente?"
Alguma coisa no meu íntimo falou muito forte. E compreendi que tinha pisado na bola. Tinha pecado muito com minhas palavras. Aquela impressão veio clara no espírito. Mas mesmo assim não quis aceitá-la de muito bom grado. Como que eu levava a bronca, e Isabela fazia o papel da coitadinha?...
— Não sei o que você faz, qual é o seu Ministério, mas Deus tem algo grande para você — continuou ele. — E o recado é o seguinte: "Deus sabe o que passa no seu coração. Nada fica oculto a Deus!" — ele repetia as palavras devagar, porque olhava com atenção para cima e falava com cuidado. — "Você sabe do teu erro, da tua falha... mas hoje é dia de restauração. Esse dinheiro, essa sobra, não foi por acaso. Isso já estava determinado. Porque quem escreve a história é Deus!... No caminho de volta você vai ver uma loja. Você vai saber que é ali que tem que entrar... pega esse dinheiro, e compra alguma coisa para sua esposa. Para alegrar o coração dela!"
Então ele parou. Estava meio emocionado. Aproximou-se de mim, e me deu um abraço.
— Eu não entendi direito... mas Deus sabe!
Foi pegando a caixa nos braços para me ajudar. Eu também me sentia entre emocionado e entorpecido com o recado. Nos despedimos sem maiores delongas:
— Que Deus te abençoe — disse ele.
Eu agradeci e saí carregando aquela caixa pesada. Não sabia se carregava a caixa, ou se parava ali na calçada e chorava. Mesmo assim continuei caminhando, apoiei a caixa num dos ombros e nem enxergava nada à minha volta, só pensando no que tinha acontecido.
Em dado momento, tropecei, e a caixa quase foi para o chão. Consegui apará-la, mas caí junto. Salvei as apostilas, mas eu mesmo fui parar no chão. Na hora em que me levantei, bem diante de mim estava aquela placa: frutas secas.
Olhei desconfiado.
"Caramba... será que essa é a loja? Será que esse é o presente? Vou comprar frutas secas para Isabela?"
Isabela gostava daquele tipo de coisas naturais. E no meu coração veio aquela certeza. Aquele era o lugar certo! O tropeção não tinha sido uma coincidência... Mesmo porque, eu estava a duas quadras do metrô. Naquele pedaço não tinha nenhuma outra loja viável, tinha um sebo, duas lojas de macumba, mais de uma ótica... e o anjo tinha dito que a loja ficava a caminho do metrô, claro que ele não queria que eu ficasse passeando por todo o centro com aquele peso no lombo!
Então entrei. Escolhi algumas coisas diferentes, dentre elas uma que achei o máximo: biscoito de maçã! Pêras secas, damascos, cookies de aveia, balas de algas, etc. e tal, terminaram de encher meu pacote. Eu não curtia esse negócio naturalista, mas Isabela ia achar muito legal!
E fui voltando para casa com a caixa e o pacotinho. Aí já estava cheio de remorsos...
"Coitadinha..."
Ainda olhei das outras lojas até chegar no metrô. Mas realmente não tinha nada de interessante. Um monte de camelôs vendendo meias e camisas de times de futebol. Certamente isso não fazia o gosto de Isabela, portanto era aquela loja mesmo!
Fui trotando para casa, ansioso em me restaurar.
Isabela não esperava e gostou bastante. Não contei que Deus tinha me dado uma bronca, apenas falei que o anjo ruivo tinha dito para eu comprar um presente para ela. Tinha mandado um recado através do dono do xérox. Mais contente do que receber o presente, ficou Isabela contente com o fato de Deus diretamente ter lhe dado aquele mimo.
Naquele mesmo dia, no começo da noite, fomos até a casa de Sarah. Ela tinha nos telefonado dizendo que estava de partida para o exterior. Seria uma visita de despedida, e estava marcada para aquele dia.
Conversamos bastante. Ela foi muito gentil, nos deu várias coisas das quais estava se desfazendo, dentre estas panelas e coisas de cozinha, livros de receitas, alguns objetos de uso pessoal.
Mais uma vez lamentamos o fato de que nossa amizade tivesse ficado trancada. Jefferson nem estava em casa, de forma que não pudemos falar com ele. Oramos, nos abraçamos, foi um tempo muito gostoso.
Mais tarde ela nos levou para comer uma pizza fora. Foi simpático da parte dela! E depois, ela deu R$ 100,00 para Isabela. Foi bem específica em dizer que o dinheiro era para Isabela:
— Que você possa usar esse dinheiro para fazer alguma coisa boa para você. Não é para pagar conta! Eu sei que talvez vocês pudessem usar esse dinheiro de forma mais "útil", mas use-o para satisfazer um desejo do seu coração.
Enquanto ela olhava para o dinheiro, falei sorrindo:
— Viu? Gatinha é especial!
Ela olhou pra mim sem falar nada. Os acontecimentos no semestre inteiro, e especialmente os mais recentes, tinham servido para trancar um pouco aquele processo de receber o Amor do Pai.
— Muito obrigada, Sarah! É a segunda vez hoje que o Senhor se preocupa em me dar um presente... faz um bom tempo que eu não ganhava presente assim, desse jeito! Deus realmente me convenceu de que quis me fazer uma surpresa... acho que Ele sabia que eu estava um pouco triste... e acho que já sei o que vou fazer!
Mais tarde, perguntei para ela com carinho. Eu não queria ver Isabela triste. Não sei o que acontecia a ela durante aquelas brigas... meu desejo era fazê-la feliz!
— O que você quer fazer?
— Vou cortar o cabelo num cabeleireiro bom! Não agüento mais meu cabelo! Do jeito que as coisas aconteceram nesse ano, cuidar da aparência acabou sendo uma coisa meio secundária...
Estes pequenos gestos de Deus mostravam a Isabela que Ele estava agindo como um Pai que ama a filha. Era uma florzinha naquele deserto, uma delicadeza, um afago... uma maneira de dizer "Eu te amo! Agüente mais um pouco..."
Naquele mês de dezembro, nós tínhamos mandado 400 cartas, para 400 líderes de 400 Igrejas. Se o livro ia sair, o Ministério ia começar, isso era óbvio, o anjo ruivo tinha feito um sinal como de um relógio no dia daquele batismo. Tinha dito que não faltava muito tempo. De fato.
Mas as pessoas não poderiam saber que existíamos se não falássemos sobre nós. A possibilidade de encontrarmos um emprego novamente se fazia cada vez mais remota. Chegaram a nos oferecer coisas absurdas, para que Isabela vendesse cosméticos e eu trabalhasse numa gôndola de café. Ninguém parecia pensar que o desejo de Deus era que realmente ficássemos sem emprego durante aquele tempo. Deus não iria tirar o meu emprego de Médica, nem o cargo de Analista Financeiro de Eduardo, a troco de nada.
Embora ele continuasse aceitando participar de processos de seleção, nada aconteceu. Naquele ano de desemprego ele ficou na final de pelo menos uns doze ou quinze processos. Mas Deus não queria... e se Deus não queria... é porque realmente o Ministério estava para começar!
Foi por este motivo que optamos por enviar aquelas cartas. Escrevemos falando sobre o lançamento do livro, falando do testemunho de Eduardo brevemente e oferecendo a possibilidade de visitar aquelas Igrejas. Junto com esta carta enviamos uma carta de apresentação do Pastor Lucas. Apesar disso, os Pastores estavam um pouco preocupados com o lançamento de Filho do Fogo, inclusive contataram Grace para conversar e tomar informações.
Quanto a nós, não havia dinheiro para enviar as cartas, então minha mãe nos deu o valor. Por duas vezes nossa oferta de quarta-feira foi desviada para outros fins. Fomos à Igreja como de costume, no horário de almoço, porque Dona Clara deveria estar com nosso dinheiro. Aliás, estávamos contando com ele para enviar as cartas. Mas ela explicou que tinha sido dada uma outra direção naquele dia e a oferta seria destinada a outro fim. Ficamos com cara de tacho. Tínhamos passado na Igreja certos de que nosso dinheirinho estaria lá, mas saímos de mãos vazias. Não deixava de ser uma humilhante situação!
Enviar as cartas foi um passo de fé da nossa parte, se Deus não nos queria trabalhando secularmente, haveria de realmente abrir logo as portas do Ministério. Não dava para passar o resto da vida "mendigando"! Oramos sobre as cartas e as ungimos. Mas... a verdade é que não recebemos nenhuma resposta.
Tudo que era humanamente possível de fazer, nós fizemos. Nunca nos encostamos, nunca nos conformamos, nunca ficamos acomodados esperando que tudo caísse do céu. Mesmo pelo Ministério... continuávamos em oração para gerar aquilo no Reino do Espírito! Mesmo que Deus houvesse feito uma promessa, havia a nossa parte. Tudo que pudemos fazer... nós fizemos.
Nisso a nossa consciência estava limpa.
Por outro lado, Deus continuou fazendo pequenos milagres de provisão. No segundo final de semana de dezembro, Eduardo e eu estávamos indo até a casa de minha mãe e comentei com ele, apenas por comentar:
— A gasolina já está na reserva, né?
— Não temos com que colocar mais.
— Se a gente tivesse R$ 10,00, dava para esperar até chegar a oferta de quarta-feira. Com R$ 10,00, a gente segura essa gasolina até lá!
Foi apenas um comentário. No dia anterior a gente tinha viajado até uma cidade de interior, a pouco menos de duas horas de São Paulo. Grace tinha um dos seus últimos seminários do ano naquela cidade, e fomos apenas para vender apostilas. Mas tinha sido um fiasco! Vendemos apenas seis unidades. Praticamente nem pagou a viagem e o desgaste. Voltamos para casa muito chateados. A gente não tinha querido sobrecarregar ninguém, pois poderiam ter vendido para nós. Grace imaginava que faríamos uma grande venda, por isso fomos pessoalmente. Mas, infelizmente... tinha sido um tiro n'água!
Naquela tarde, em casa de minha mãe, recebemos um telefonema de uma pessoa da célula dela. Claro que estavam todos sabendo do lançamento do livro e também da apostila. Minha mãe atendeu ao telefone, e depois de conversar, virou-se para nós:
— Ela está perguntando se vocês têm uma apostila para vender.
— Tenho algumas no carro! — respondeu Eduardo.
Minha mãe deu a notícia.
— Eles têm aqui. Pode vir buscar, então! Tchau!
Enquanto minha mãe ia até a cozinha para dar uma checada no almoço, Eduardo comentou comigo:
— E você ainda falou agora mesmo sobre os R$ 10,00! Que coisa!
— Pois não é? Eles estão vindo bem aqui, na nossa mão! Que bom! Pelo menos o Palio não vai ficar parado no meio da rua por falta de gasolina!
Aqueles pequenos detalhes sempre vinham com a assinatura de Deus. Foram muitos deles ao longo daqueles meses! Eu já me sentia bem mais tranqüila em relação ao nosso sustento. Se estivéssemos no centro da vontade Deus, Ele mesmo se incumbiria de tomar conta de nós!
Mas eu estava preocupada com outro detalhe naquela época. Dinheiro já não me incomodava tanto, Deus tinha mostrado muitas vezes a sua Fidelidade. Só que desde a última Ministração de Eduardo, aquela em que colocamos diante de Deus a questão da sua paternidade, ele vinha com uma tosse que não havia meios de cessar.
Não era uma tosse produtiva, cheia de catarro, mas era tão intensa que ele não conseguia dormir, e eu também não. Parecia que ia pôr os dois pulmões para fora! Tossia até perder o fôlego. Até então ele não tinha tido febre, então imaginamos que fosse alguma coisa alérgica. Talvez por causa dos gatos. Mas a verdade é que Eduardo nunca tinha tido alergia a gato, ele sempre conviveu bem com a Viola e a Harpa.
Naquela noite nós estávamos dando a última olhada nos fotolitos. Em breve estaria tudo pronto para ir à gráfica. Como fosse já quase boca do Verão, a noite estava quente, de brisa morna, e os gatos estavam guardados na cozinha para que a gente pudesse abrir completamente a janela do apartamento. Não era seguro ter a janela aberta com eles zanzando por ali, não seria difícil um cair lá embaixo. Mesmo porque, ninguém podia espalhar papéis pelo chão perto deles!
De repente, Eduardo ergueu a cabeça para mim e bufou:
— Puxa... está calor aqui, não?
— Mais ou menos... está gostoso! Não está esse abafamento todo.
— Pois eu estou bufando!
Eduardo tinha o rosto vermelho. Os fotolitos que ele estava olhando jaziam esquecidos ao seu lado. Olhei melhor para ele.
— Será que você não está com febre, não? Você está sentindo que está com febre?
— Acho que não estou.
— Pelo sim, pelo não, vou pegar o termômetro. Fui até o banheiro e trouxe o termômetro.
— Coloque embaixo do braço, bem apertado. Já vamos saber já!
Eu realmente não achava que ele estivesse com febre. Não tinha tido os costumeiros calafrios, nem estava com sintomas de gripe. Até então, aquela tosse tinha uma cara mais alérgica do que infecciosa.
— Fica quietinho aí enquanto mede... — falei para ele, retomando a revisão dos meus fotolitos.
Continuamos conversando enquanto ele ficava com o termômetro embaixo do braço.
— Já deu! Deixa ver!
Eduardo estendeu-o para mim. Eu olhei e... e não acreditei! Era claro que alguma coisa estava errada. Nem quis falar para ele a medição, apenas perguntei:
— Você abaixou a coluna de mercúrio antes de colocar? — Sim. Porquê?
— Hããã... acho que não mediu direito... vamos colocar de novo!
— Mediu direito, sim. Quanto é que deu?
Tive que falar.
— Deve estar errada... era pra você já estar praticamente em coma... deu 42° C!
É impossível! Quer dizer... é impossível!
A coluna de mercúrio tinha subido até em cima, até o limite. Claro que aquilo não era normal. Tinha que haver alguma explicação. Baixei o termômetro novamente e estendi a ele.
— Põe de novo...
Eduardo obedeceu. Desta vez não tive cabeça para olhar os fotolitos. Aquele monte de folhas ficou espalhado ao redor e nós nos entreolhávamos, meio cabreiros. O que estaria acontecendo? Primeiro aquela tosse que não passava... agora aquela febre absurda!
Não agüentei esperar muito tempo.
— Pode me dar.
Olhei de novo. Já passava dos 40° C, só não subiu mais porque não deu tempo para isso.
— Não é possível...
— O que significa isso?
— Não interessa o que significa. Significa que você deveria estar morrendo! Só para dizer o mínimo. — Eu me sentia quase em pânico. — Alguma coisa realmente tem que estar errada... quer dizer, você está muito bem para uma temperatura dessas! Vou medir em mim... esse termômetro está com defeito, só pode ser isso.
Minha temperatura era de 36,6° C. Completamente normal. Eu não sabia que dizer, muito menos o que pensar. Fiquei indignada com aquela situação.
— Isso tem que ser espiritual! Deus não está permitindo que você sofra as conseqüências físicas deste Encantamento, mas alguma coisa muito séria está acontecendo! Não podemos negligenciar isso... — não levei muito tempo pensando.
— Eu vou te ungir! É óbvio que isso é um ataque. Tem certeza que você não está mesmo sentindo nada de diferente?
— Só me sinto meio abafado...
Ergui-me e fui até o escritório, o frasquinho de óleo estava na prateleira de madeira. Meu coração estava muito inquieto, até batia mais forte. "O que está acontecendo, meu Deus? O que significa isso?" Eduardo estava agora sentado no sofá da sala, no chão os fotolitos continuavam espalhados. Me aproximei dele com convicção, uma convicção até estranha, uma convicção que eu não costumava ter. Não era possível que aquilo continuasse, fosse lá o que fosse!
— Vamos orar, tá? E eu vou te ungir...
Eduardo assentiu fechando os olhos. Eu também fechei os meus, e minha voz saía entrecortada, aos trancos, de tal modo estavam abaladas as minhas emoções com a constatação daquela temperatura.
— Oh, Senhor Deus, eu peço a Tua intervenção agora! Nós não sabemos o que está acontecendo, mas isso não é normal, e só pode ser mais um ataque do Inferno sobre a vida do Teu filho. Em nome de Jesus, Te peço que o Senhor o visite agora com a Tua cura... — minha respiração estava ofegante ao falar aquelas palavras.
— Todas as setas que foram lançadas contra Teu filho, contra o corpo dele, arranca agora em nome de Jesus!
Eu já tinha colocado óleo na palma da mão, então coloquei a mão nas costas dele.
— Seja lá que Encantamento for, seja lá que Feitiço for, nós nos levantamos contra tudo isso. Arranca esse mal pela raiz, visita cada célula do corpo do Teu filho, agora Senhor, faça isso! Coloca o sangue de Jesus circulando pelas veias dele, visitando cada órgão, cada sistema, cada célula, cada átomo deste corpo... que o sangue de Cristo circulando neste corpo venha eliminar toda contaminação, toda doença, todo mal. Torna sem efeito este ataque! Dá saúde perfeita ao Eduardo, por favor, meu Deus!...
Enquanto eu orava, fiz simbolicamente gestos de quem arranca as setas do diabo das costas de Eduardo. Depois, apenas fiquei passando várias vezes a mão sobre suas costas e sua nuca. Ele concordava com a minha oração, baixo... oramos ainda um pouco mais, em línguas, baixinho, até cessar.
Olhei para ele. Ele parecia diferente agora, a expressão do seu rosto parecia diferente.
— Deus escutou a sua oração... — fez ele quase com lágrimas nos olhos. Sentei ao seu lado. Até então estivera de pé, mas aí me sentei.
— Por que você diz isso?
— Vou medir de novo!
Eu mesma alcancei o termômetro que tinha ficado no chão. Novamente Eduardo o colocou sob o braço. Esperamos um pouco, o suficiente para medir perfeitamente bem a temperatura. Quando olhamos... inacreditável.
— 36,7° C!!! Meu Deus do Céu! Essa foi a resposta mais rápida que eu já vi! Realmente Deus só estava esperando a nossa oração para agir.
Ficamos boquiabertos. Não havia outra palavra para traduzir o espanto naquele momento. Por mais que a gente tivesse convicção de que Deus ia atuar, não imaginamos que seria daquela maneira incontestável!
— Graças a Deus! — falei eu, suspirando de alívio. — Pra você ver como o negócio era espiritual.
— Quando você orou... não sei... foi como se um anjo colocasse a mão sobre a sua mão! Sabe? Eu senti sua mão nas minhas costas... e então eu senti como se tivesse um anjo perto, e ele colocou a mão sobre a sua mão. Por isso que quando terminamos de orar eu já sabia que Deus tinha atendido.
Fiquei comovida. Foi minha vez de quase derrubar lágrimas.
— Sério? Você viu o anjo? Eduardo sacudiu a cabeça.
— Não. Só senti a presença dele. Como se estivesse atrás de nós... e me tocasse... por cima da sua mão.
Naquela noite foi difícil retomar o trabalho. Toda hora a gente voltava a se olhar, significativamente, completamente embasbacados.
No dia seguinte, aconteceu de novo. A mesma sensação de abafamento, uma febre alta. Mas não tão alta quanto na véspera. Quando olhei o termômetro, não acreditei. E resolvi insistir com Deus:
— Não é possível! Isso é espiritual! Vamos orar outra vez!
E para ter fé de repetir a operação?... E se dessa vez Deus não atuasse? Então, antes de orarmos, algo me veio à mente. Falei a Eduardo:
— Vamos confessar os nossos pecados um contra o outro... vamos recolher as palavras de morte que lançamos, nas nossas brigas... elas estão pairando por aí, dando legalidade ao inimigo...
Foi o que fizemos. Pedimos perdão a Deus, cancelamos as palavras de destruição e morte, nos abençoamos mutuamente. Então nos ungimos. Confesso que foi com o coração na mão que tomamos novamente o termômetro. E de novo... a febre tinha baixado! De maneira instantânea!
— 36,5° C !!! Pôxa... não sei nem o que dizer...
Tinha sido uma experiência incontestável! Depois disso ele não teve mais febre.
Os ataques se sucediam um ao outro das mais diversas maneiras. Naquela mesma semana, ungindo a casa de minha mãe, de repente Eduardo sentiu a opressão. A expressão do rosto dele mudou e, quando perguntei, ele ficou calado por um pouco, com o cenho franzido, mas imediatamente voltou-se e caminhou decidido para a sala. Nós estávamos na cozinha.
Como um cão farejando, ele foi direto à estante da sala, e tomou um objeto. Era um adorno muito antigo que minha mãe havia adquirido numa viagem: uma garrafa em perfeita forma de pirata, e cuja cabeça era uma tampa removível. Era até que bem bonitinho, original.
Mas Eduardo tirou a cabeça do pirata e abriu a garrafa.
— Eu sabia! É isso aqui! Olha...
Entre curiosa e assustada, espiei. Havia alguma coisa lá dentro.
— Meu Deus... que é isso, Eduardo? — cochichei, antes que minha mãe desconfiasse.
De volta à cozinha, ele fez aquela coisa rolar para fora. Vai saber como tinha ido parar ali. Parecia uma concha, dentro da concha havia alguma coisa. Um odor perfumado invadiu o ar ao nosso redor.
— Isso não estava aí com toda certeza... mesmo porque, qual a probabilidade de você sentir opressão e ir direto nesta garrafa? — eu estava mesmo assustada.
— Quando senti a opressão, no meu íntimo perguntei para Deus de onde ela estava vindo, qual a porta... sei lá! Fui como que atraído para ela, quando peguei a garrafa senti minha mão até formigando... isso aqui é um cavalo de Tróia, você sabe. Uma porta a mais que eles estão criando para poder entrar aqui dentro... um objeto de Encantamento!
— Mas como...? Bom, eu sei como!
— Um demônio... ou espírito humano. Mas Deus já mostrou, o fato da gente estar ungindo a casa está fazendo a diferença. Mas por que aqui dentro?... Por que eles escolheram este lugar, tem que ter algum significado.
Ficamos em silêncio um pouco.
— Isso aí é uma concha... — falei.
— E estava dentro de um pirata. Os dois têm a ver com o mar! É isso! —É isso o quê?
— Como é que os bips vêm assinados? Todos eles? — Isso eu sabia muito bem.
— Leviathan...
— O dragão do mar. Entendeu agora?
Ficamos mudos. Era coincidência demais. Ou melhor... não havia coincidências quando se tratava da Irmandade. Era como se eles pudessem até mesmo adiantar que nós iríamos descobrir aquele objeto. E, descobrindo-o, recebemos um recado a mais: que o monstro marinho não tinha desistido de nós! O tempo se aproximava... o tempo que eles tinham escolhido para exercer a sua vingança!
Não foi a única vez que sentimos opressão em casa de minha mãe no momento da unção. Durante o jejum, antes do 31 de outubro já tinha acontecido duas vezes: Eduardo sentiu uma opressão muito forte, muito forte, no quartinho de despejo lá no fundo da casa. Ali dentro havia de tudo um pouco: toda espécie de documentos antigos, objetos antigos, coisas em desuso.
Naquela mesma semana, ungindo as janelas pelo lado de fora, ao passarmos pela janela do quarto da minha mãe, Eduardo também sentiu forte opressão. Quando entramos no quarto, Deus sinalizou o guarda-roupa da esquerda, sinalizou algo relacionado com idolatria. Naquele guarda-roupa ainda estavam guardadas as roupas do meu pai. Exatamente como ele tinha deixado.
Oramos até sentir a opressão desaparecer. Mas a questão é que nós tínhamos uma atuação limitada, em se tratando dos nossos familiares existe também a questão do livre-arbítrio deles. Deus estava trazendo uma proteção, uma cobertura espiritual sobre a casa, sobre minha mãe e meu irmão, mas isto era temporário. Se eles, com suas próprias mãos, tornassem a abrir as portas... invalidariam a unção! Ninguém pode fechar as brechas do outro... infelizmente! Cada um fecha suas próprias brechas. Por amor a nós, a mim e a Eduardo, havia uma proteção especial, sim, sobre os familiares. Mas, torno a dizer... nossa atuação era limitada.
Não muitos dias depois disso, levamos mais um golpe. Ele envolveu minha mãe, mas doía mais do que se tivesse sido em mim. Satanás sabia muito bem como me atingir: bastava atingir meus familiares! Se me atingisse, indiretamente estava atingindo Eduardo. Nós sabíamos o que eles estavam fazendo, isto é, minando as nossas forças. Dando pancadas e mais pancadas de todos os lados, nos cansando fisicamente, emocionalmente e espiritualmente. Tudo aquilo preparava para o golpe final!
Nós sabíamos disso, pelo que lutávamos com toda força que tínhamos, de todos os modos, com tudo o que era possível.
Minha mãe recebia um salário que vinha como pensão do meu pai, era apenas uma parte dos seus rendimentos, mas ela sacava esse pagamento todo mês no caixa eletrônico. Costumava ir ao banco e fazer a tramitação ali mesmo. Mês após mês, ano após ano, fazia do mesmo jeito.
Naquela manhã, ela foi exatamente como das outras vezes, chegou no caixa dentro da agência, o mesmo caixa que estava acostumada a usar, tirou um saldo para checar o depósito, fez a operação de saque, digitou a senha, e... nada de conseguir que o caixa eletrônico a obedecesse! Repetiu três ou quatro vezes a operação, o caixa sempre cancelava com a seguinte resposta: não foi possível completar a operação.
Então minha mãe se dirigiu ao caixa dos idosos, que estava vazio, não esperou nem dois segundos para falar com o atendente. Como já fosse cliente antiga, conhecida na agência, a atendente a acompanhou de imediato até o mesmo caixa eletrônico. Repetiu a operação. Dessa vez ela foi completada, mas a resposta, totalmente inusitada, dizia o seguinte: saldo insuficiente.
Minha mãe começou a entrar em pânico. Tinha apenas cento e poucos reais na conta, quando o pagamento era de mais de R$ 1.000,00, e ela tinha acabado de checar o saldo! Quando tiraram um extrato, para o cúmulo da surpresa, constava um saque de R$900,00!
Minha mãe nos ligou em seguida, ela estava muito nervosa. Explicou pelo telefone:
— Eu não saquei R$ 900,00 em momento algum! Eu ia tirar o valor inteiro, como sempre faço, ia tirar R$ 1.000,00! Foi o tempo de virar as costas, não deu nem um minuto! Não posso imaginar o que possa ter acontecido, mas a verdade é que todo o meu pagamento desapareceu!
Ela estava mais chocada do que assustada. Embora aquele valor não fosse comprometer seu orçamento, apesar de pesar um pouco, era inconcebível! Minha mãe tinha uma idéia do envolvimento de Eduardo com o Satanismo. E ela mesma concluiu:
— Isso é coisa de Satanás!
Não duvidamos em momento algum. Mais uma vez vinha com a assinatura deles: não retiraram o pagamento cheio, os mil e poucos reais... preferiram dar sumiço em R$900,00!
Como isso aconteceu? Difícil de explicar pela razão humana... afinal foi coisa de segundos! Num minuto o dinheiro estava lá, como constou no saldo... no minuto seguinte, sem que ninguém pudesse perceber como aconteceu, havia um saque de R$ 900,00! E não havia fila no caixa eletrônico... não havia alguém atrás dela que porventura tivesse conseguido ver a senha e, enquanto ela ia até o balcão dos idosos, aproveitou-se da distração para sacar o dinheiro. Não tinha ninguém perto dela, o banco estava vazio, não tinha praticamente ninguém!
Oramos, comunicamos Dona Clara, comunicamos Grace, pedimos oração... mas não adiantou. Nunca mais aquele dinheiro apareceu. Coitada da minha mãe...! Eu preferia que todas as coisas ruins acontecessem comigo, e minha família pudesse ser poupada.
Inclusive na véspera havia saído uma restituição do imposto de renda para mim e para Eduardo, no mesmo lote. Tentaram roubar parte da minha restituição, R$ 370,00. Já nem me recordo qual foi o problema, mas tivemos que ir ao banco resolver. No fim deu tudo certo. Encaramos aquilo como mais estilhaços decorrentes de outro salto de 9 dias. Aquela seqüência de saltos tinha começado depois de Sabbath: dia 9 de novembro, dia 18 de novembro, dia 27 de novembro, dia 6 de dezembro, dia 15 de dezembro. Foi no dia 15 que tivemos problema com o imposto de renda. Como não conseguiram me roubar, no dia seguinte roubaram minha mãe! Ela não era o alvo principal, mas foi o alvo secundário. Em última análise, foram cinco investidas, em saltos de nove dias. Cabalisticamente perfeito! Os números cinco e nove são marca registrada do Satanismo.
Por outro lado, aquela seqüência deveria terminar em breve porque no dia 22 de dezembro começava outro período, inaugurado pela Festa do Verão. Eu, particularmente, estava sempre ligada nas datas! Detalhe: nove dias depois da festa do verão, era dia 31 de dezembro. Para todos os efeitos, a data da minha morte... mais uma vez, numerológicamente perfeito.
Por isso e por tudo o mais que vinha acontecendo, é que Deus às vezes tinha que nos dar uma trégua! Ou melhor, trégua não é bem a palavra, nunca existiu trégua! Digamos que o Senhor nos dava uma injeção de ânimo... Ele conhecia nossa limitação. Por vezes, no meio de todas aquelas coisas estranhas, era preciso que Ele sinalizasse a Sua presença, a Sua proteção, o Seu livramento. Senão ficava difícil sobreviver no meio daquele vendaval! Os meses de novembro e dezembro tinham sido bastante atribulados.
Então, o Senhor sabia quando mandar uma experiência sobrenatural para nos animar.
Numa daquelas quartas-feiras em que o dinheiro da nossa oferta foi destinado a outro fim, e ficamos a ver navios, o orçamento apertou mais uma vez. Claro que ele já vinha apertado, arroxado ao máximo... mas o pouco com que contávamos não veio.
Estávamos aprendendo a confiar que Deus era nosso provedor, então... Ele haveria de continuar sendo! Eu gostava muito de uma música que falava assim:
"Se a figueira não florescer, e a videira fruto não der, se nos campos não há o que colher, nem sementes para plantar... desesperado eu não vou ficar! Mas firme vou permanecer, e a Palavra vou confessar, e a situação vai se reverter! O Senhor Deus é meu escudo! Jeová! E Nele eu vou me alegrar! Com Ele eu consigo tudo!
Jeová! Até nas alturas me faz andar! EH! Aleluia, aleluia! EH! Aleluia! Jeová Jireh é Deus de provisão!
Cada vez que cantávamos esta canção na Igreja eu me sentia invadida por um sentimento de júbilo, uma certeza grande de que aquelas palavras eram a mais pura verdade. Raras foram as vezes em que nós não nos dispusemos a louvar. Aliás, acho que não aconteceu nenhuma vez. O máximo que acontecia, pelo menos comigo, era eu permanecer sentada. Por causa do cansaço. No meu íntimo, no meu coração, estava adorando a Deus, mesmo sentada. E Ele sabia disso!
Então, numa noite, de volta ao nosso apartamento, estávamos conversando a respeito das contas que tínhamos que pagar. Falei, sem pensar muito:
— Isso tudo aí que você está falando... essas contas que a gente tem de cobrir e pagar... uns R$ 200,00 dava, né?
Eduardo fez a conta mentalmente e concordou comigo.
— Isso dá. Não sobra para mais nada, mas na semana que vem entra alguma coisa de oferta. Esses R$ 200,00 são urgentes, de qualquer forma, e com isso dá pra saldar os compromissos mais importantes.
No meu íntimo, sinceramente não me preocupei muito. Deus já tinha mostrado tantas e tantas vezes a Sua Fidelidade naquela área! Eduardo tinha mais dificuldade em descansar porque ele era o homem da casa. Mas naquela noite fui me deitar tranqüila, sem nem pensar mais naquele assunto.
"Deus vai dar um jeito... a gente não fabrica dinheiro, e não foi nossa culpa que a oferta não veio..."
Não chegamos nem a orar especificamente daquela vez. Já era tarde quando chegamos em casa e Eduardo foi deitar. Como era meu costume, fiquei perambulando até bem mais tarde. Eu tinha uma grande dificuldade em dormir cedo. Gostava da noite. Gostava do silêncio e da introspecção da noite! Era a hora em que eu me sentia mais sensível, mais emotiva, mais produtiva em todos os sentidos. Gostava tão- somente de ouvir uma música... ler... às vezes só ficar deitada no sofá pensando... orando...
No dia seguinte, acordei tarde. Depois de Eduardo, como sempre. Do quarto gritei para ele assim que tirei as rolhas dos ouvidos:
— Nenê! Nenê!
Se ele estivesse em casa, iria me atender e vir até o quarto. Não havia momento mais agradável do dia do que aquele, pelo menos para mim. Eu adorava gritar "Nenê" e vê-lo entrando pela porta do quarto, sorrindo, me abraçando, cantando para mim aquelas musiquinhas bobas que tanta alegria me causavam.
— Gatinha pequenininha! Gatinha pequenininha! Gatinha acordou!
Eu gostava mesmo de me enrolar como uma Gatinha nessas horas. Como era gostoso quando Nenê vinha até o quarto me falar bom-dia! O dia tinha outra cor, outro sabor... como era bom!
— Oi, Nenê...
Ele sentou na beira da cama, me abraçou. Seu semblante estava feliz.
— Você nem vai acreditar no que aconteceu, menina!
Passei a mão pelos olhos com curiosidade. Devia ser alguma coisa boa!
— Que foi? Que aconteceu?
— Deus atendeu! Deus mandou R$ 200,00!
Até me acomodei melhor, dobrando o travesseiro pelo meio para erguer a cabeça.
— Mandou?!. Como aconteceu isso? — como era bom receber uma boa notícia logo de manhã. "Logo de manhã" era modo de dizer, era a "minha manhã", mas já devia ser quase meio-dia.
— Vai levantando que eu já te conto. Comprei umas coisas para o café!
— Tá bom! — não esperei segunda ordem e fui saltando para o banheiro. Eduardo voltou para a cozinha e logo senti cheiro de café sendo coado. Bem acomodados na nossa mesa redonda, com Mambo e Merengue rodando à nossa volta, ele me contou.
— Quando levantei de manhã, estava convicto: já tinha conversado ontem com Deus. Ele sabe que nós precisávamos daquele dinheiro, então pensei comigo mesmo: "Alguém há de ter depositado esse valor na minha conta". Foi o que imaginei, afinal, como Deus poderia nos mandar o dinheiro? Foi na conta que caíram os dois empréstimos de R$ 1.000,00 da Grace... então não pude pensar em mais nada. Fui até lá.
Não me agüentei.
— Tinha dinheiro na conta?
— Não! — Eduardo até fez uma careta. — Fiquei bem frustrado! E ainda lembrei daquele cheque da sua mãe que temos que cobrir hoje... fui voltando para casa e falando com Deus que aquilo não era possível, que a gente precisava do dinheiro e Ele sabia disso! Então imaginei com meus botões: "Vou achar esse dinheiro na rua, só pode ser!"
Dei risada.
— Você pensou isso mesmo, Eduardo?!
— Pensei, "Mô". Pensei mesmo. Então fui andando bem devagarinho, olhando, olhando na calçada, na sarjeta, perto dos bueiros, perto do canteiro das árvores... mas nada de achar o dinheiro! Já estava quase chegando aqui de volta, super preocupado! Como é que a gente ia fazer? Deus não podia deixar a gente na mão. Daí, pensei de novo: "Então Deus vai tocar no coração de alguém aqui na rua, talvez um crente, um filho Dele, que está andando aqui no meio desta multidão, e que eu não sei quem é... Deus vai tocar no coração dessa pessoa e sinalizar que eu estou precisando desta oferta de R$ 200,00. E a pessoa vai me ofertar!"
— Eduardo, você chutou o balde! Não é possível que você imaginou uma coisa dessas! — como eu sabia que a história tinha final feliz, fui me deliciando com cada detalhe. — Vai dizer que aconteceu assim, que alguém que você nem conhece te deu R$ 200,00 na rua!
Eduardo fez suspense de propósito. E sorria.
— Caaalma...! Estou contando tudo devagar, como você gosta. Não é assim que você faz? Me pede sempre pra contar tudo com detalhes?
— Tá bom, tá bom! Então vai! Conta logo como você arrumou dinheiro.
— Fui andando a dois por hora na rua, olhando bem para a cara das pessoas, só faltava a acenar para elas sinalizando que era eu mesmo! E nada. Aí cheguei aqui no prédio de novo.
Fiquei intrigada de verdade.
— E o que aconteceu?
— Entrei e o porteiro abriu o portão para eu passar. Estava super chateado. Fui indo devagar para pegar o elevador, quando ele me chamou. Cheguei perto da guarita e ele estava com um envelope na mão. Um envelope para a gente!
— Tá brincando! — adivinhei o resto da história. — Vai dizer que o dinheiro estava dentro...
— E você sabe que estava? — Eduardo estava comovido. — No envelope estava escrito à mão nosso nome... e dentro tinha R$ 200,00 em dinheiro!
Era difícil de acreditar que estávamos vivendo coisas assim. Realmente a gente só acreditava porque estava acontecendo conosco!
— Meu Deus do céu.....— não havia nada melhor a dizer.
Eduardo me mostrou o envelope e o dinheiro. Não parecia real.
— Quem será que deixou isso lá embaixo? Você não perguntou?
— Perguntei. Mas o cara não sabia. Disse que foi o porteiro da noite que recebeu.
— Mais tarde você vai lá perguntar, então! A gente tem que saber!
— Com certeza, não precisava nem você dizer.
À noite Eduardo foi direto conversar com o tal do porteiro noturno. Ele não pôde elucidar muito mais aquele mistério. Quando Eduardo subiu e entrou em casa de novo, contou o que o homem tinha dito:
— O cara tá mais confuso do que eu. Era de madrugada e ele estava cochilando... disse que nem deveria estar me falando uma coisa dessas, mas... fato é que estava meio dormindo mesmo. Então disse que alguém bateu no vidro da guarita. Ele acordou, estava meio sonado, e só escutou a pessoa dizer para ele entregar aquele envelope para nós.
— Mas de onde veio a pessoa? — indaguei, ansiosa.
— Foi o que perguntei, mas ele disse que não sabia, que não se lembra de ter aberto o portão pra ninguém. Imaginou que fosse uma pessoa do prédio... e para ele está tudo explicado! Mas se fosse alguém do prédio ia descer de madrugada para colocar o envelope na portaria? Não era mais fácil fazer isso num horário aceitável e, mais ainda, pôr embaixo da nossa porta?!
Desta vez ficamos mudos de verdade. Pensávamos no quanto aquilo era maravilhoso!
— Então será que foi um anjo?...
— Só pode ter sido... — retrucou Eduardo.
Incrível!................ Ali estava a nossa provisão, vinda de Jeová Jireh, pelas mãos de um anjo! Aquelas experiências eram de valor inestimável, incalculável... preciosas demais para a gente tentar agora expressar em palavras humanas o quanto aquilo significava!
Eu queria muito montar uma árvore de Natal. Era o nosso primeiro Natal como casados! Certamente não haveria presentes, mas não podia faltar uma árvore. Falei para Deus sobre o meu desejo, eu tinha feito tantos planos para o nosso primeiro Natal. Queria que fosse em casa, e minha família pudesse vir passar conosco, que eu tivesse condições de fazer uma ceia e receber todo mundo. Mas não ia ser assim... então, pelo menos uma árvore!
Sobrou um dinheirinho, não sei nem como, e pudemos comprar um pinheiro no Ceasa. Eu queria um pinheiro grande, então escolhemos com todo capricho o que nos pareceu mais bonito e que estava ao alcance do nosso bolso.
Convenci Eduardo a ir comigo até a 25 de Março para comprar os enfeitinhos. Não havia lugar mais barato e mais diversificado para comprar coisas de Natal! Foi uma tarde muito agradável para mim, pude rebuscar em tudo, remexer em tudo, e escolher vários penduricalhos para colocar na árvore.
Acho que Eduardo não estava muito satisfeito com a confusão que era a 25 de Março! Realmente a gente tinha que ir até lá disposto a andar muito e cavar espaço na "ombrada" muitas vezes. A despeito disso, eu me diverti! Puxava Eduardo pela mão, mostrava as coisas, pedia que ele me ajudasse a escolher os mais bonitos! Comprei bolas a preço de banana, e vários outros enfeitinhos. Infelizmente não pude comprar a toalha de mesa de Natal. Eu queria uma toalha bem bonita, verde e vermelha, com motivos natalinos. Mas não deu.
Mesmo assim voltei para casa radiante, alegre, animada para enfeitar a árvore! Só aí que percebi que não tinha comprado as fitas. Ficava feio deixar o fio das bolas aparecendo. Então acabei voltando à 25 de Março sozinha apenas para comprar dois ou três rolos de fitas.
O problema era com o Mambo e o Merengue: eles amaram a árvore! Pequenininhos como eram nessa época, os dois adoraram subir nos galhos do pobre pinheiro, arrancavam as bolinhas, grudavam no tronco e escalavam a árvore até o topo! Quando a gente soltava eles de dentro da cozinha, a primeira coisa que faziam era ir brincar na árvore. Não adiantava esperar que eles obedecessem, gatinhos filhotes têm muita energia, e dois ainda por cima... volta e meia eu encontrava uma bolinha embaixo da cama ou atrás do sofá. Eles adoravam brincar com aquilo!
Apesar do meu esforço a árvore não ficou muito bonita, eu não sabia fazer aqueles enfeites cheios de rococós, nem dar aqueles laços bonitos... e depois o pinheiro começou a ficar torto de tanto os gatos se pendurarem nele. Até uma foto nós temos com os dois encarapitados no pinheiro...
Mas o importante é que a árvore de Natal estava montada! Nosso apartamento ficou com um ar mais simpático.
Apesar de tentar fazer com que aquele clima de final de ano inundasse nossa casa, não havia clima de Natal. Nem poderia haver! Eu estava bastante preocupada com o que haveria de acontecer na passagem do ano. Vivia comentando, sempre que possível, com Dona Clara e com Grace. Elas não pareciam muito preocupadas. Dona Clara dizia que aquilo já estava cancelado, que aqueles decretos já se tinham tornado sem efeito no Reino Espiritual. Grace preferia acreditar que os Satanistas estavam mentindo, jogando verde para colher maduro.
Mas aquilo não caía no meu coração. Por tudo que já tinha visto, por tudo que estava vivendo, dada a seriedade daquele momento... não apenas porque se aproximava o aniversário de 33 anos de Eduardo, mas também por causa do lançamento do livro. E também por causa de todas as ameaças que estavam sobre mim e que nós tínhamos conhecimento através de revelação.
O meu íntimo não se convencia com aquela direção. Quem me dera elas estivessem certas! Mas meu coração ficava mais e mais em estado de alerta à medida que passavam os dias de dezembro. Eu só podia pensar numa coisa: eles iriam tentar! Eu tinha praticamente certeza de que tentar eles iam!
Ainda perguntei a Dona Clara, inquieta:
— Eu sei que nós já oramos para cancelar... e por tudo neste mundo gostaria de crer que não vai acontecer nada... que eles não vão nos fazer nada... mas... e se fizerem? E se eles tentarem? Não acho que tudo vai ficar por isso mesmo, que eles se deram ao trabalho de ameaçar apenas para fazer uma guerra de nervos! Eu tenho pra mim que estão falando sério... eu sei que Deus é por nós, que Deus é Poderoso... e esse seria um final absurdo para essa história: eu morrer alguns dias antes da publicação do livro. Se isso acontecer, não tem sentido publicar nada. E dois meses depois da publicação, se Eduardo morrer, também fica sem sentido o Filho do Fogo!
— Então! Deus vai trazer o livramento! Deus já trouxe! Suspirei mais uma vez. Mas insisti:
— Queria realmente acreditar que Deus já trouxe... mas não sei... alguma coisa vai acontecer. Nós precisamos estar em oração!
Não havia com quem mais contar. Nós estávamos muito isolados na Igreja, agora que a maioria sabia do lançamento do livro. Não havia uma cobertura do Corpo sobre nós, embora muito o desejássemos. Era preciso uma cobertura efetiva da Igreja e não apenas de indivíduos isolados, mas não estava acontecendo assim. No nosso coração havia um desejo muito grande de fazer parte do Corpo, de verdade! Mas, pelo que parecia, nós éramos a parte leprosa do Corpo.
Isto não era verbalizado claramente, mas a gente sentia.
Estávamos nos levantando para o lançamento daquele livro, no entanto a Igreja não iria se levantar conosco. Pequenas atitudes falavam muito alto. Na verdade, ninguém estava preocupado conosco. A preocupação maior estava em saber se a Igreja seria retaliada. Por nossa causa.
Eles tinham procurado nos ajudar na medida do possível, tanto é que estávamos vivendo da oferta de quarta-feira, do Culto de mulheres. Mas faltava alguma coisa... Dona Clara estava recebendo parte daquela pressão. Segundo ela, ninguém ficou ao seu lado, muita gente achava que era perigoso continuar nos acompanhando. Apenas seu marido foi a seu favor.
As pessoas com quem podíamos contar, no final das contas, eram mesmo Grace e Dona Clara. Elas foram as guerreiras que desceram ao vale de verdade! Parecia pouco. Mas Deus não estava preocupado com a quantidade de guerreiros ao nosso lado, ele estava mais preocupado com a qualidade. E, agora, também o Pastor Ubiratan tinha se mostrado uma pessoa diferente... afinal, ele tinha dado o selo.
Então... não adiantava espernear! Não adiantava correr atrás de ninguém, a não ser do Senhor dos Exércitos! Agora era vai ou racha. Em poucos dias saberíamos de fato o que ia acontecer. Ou não.
Embora não tivesse me dado conta ainda, aquela Ministração que tive com Grace em agosto foi um marco na minha vida. Eu ainda não tinha percebido isso, mas a libertação daquela gaiola e o início da Cura Interior de alguma maneira estavam me fazendo ver Deus de outra forma. Ainda que eu não tivesse percebido de imediato. Aquele processo estava sendo importantíssimo, realmente foi o começo de uma coisa nova, de uma etapa nova! Sem isso talvez eu não conseguisse passar pelo que ia passar em poucos dias.
Agora Deus parecia estar atendendo às minhas orações de outro jeito: eu vi isso quando orei pela febre de Eduardo. Também em relação ao que falei a respeito dos R$ 10,00 para gasolina. Naquele mesmo dia, Deus trouxe os R$ 10,00! Ele também foi muito amoroso comigo ao me trazer aqueles presentes, o que Eduardo pôde comprar com R$ 50,00 e os R$ 100,00 de Sarah, tudo no mesmo dia. Coisas assim aos poucos estavam me fazendo diferente.
Apesar de ter visto o sobrenatural de Deus se manifestar várias vezes antes, não tinha tido o mesmo efeito sobre mim. Era algo que Deus dava para mim de maneira indireta, numa primeira instância Ele estava tratando com Eduardo. Isso foi tão maciço que me levou àqueles sentimentos ruins do começo do ano: de que Deus não se importava tanto assim comigo, de que Eduardo era o filho preferido, e que não conseguiria continuar caminhando sem ter uma experiência sobrenatural pessoal com Deus. Até então isso não tinha acontecido, isto é, nada tinha sido pessoal. Mas aquelas experiências mais recentes, ao contrário! Eram bastante pessoais!
O mais importante de tudo tinha sido a unção com óleo feita pelo anjo. Veio através das mãos de Eduardo, mas um anjo tinha trazido a unção. Deus havia satisfeito de uma maneira indescritível minha sede, minha necessidade de sobrenatural. Ele tinha ouvido minha oração, tinha entendido a frustração do meu coração. Eu tinha pedido um sinal... e Ele tinha me dado! Tudo isso aconteceu depois da Ministração...
Por causa disso agora eu conseguia compreender e aceitar melhor o Amor de Deus por mim, o Amor pela Isabela. Tinha sido único, tinha sido uma manifestação do Pai para a filha. Não qualquer filha, mas a filha Isabela.
Aquilo seria fundamental para mim, fundamental para o que teria que enfrentar no final do ano. Eu não teria conseguido passar por aquela terrível prova sem este conhecimento novo de Deus.
Ainda que sequer houvesse percebido que o adquirira. Demoraria um bom tempo até que eu estivesse plenamente curada, porque ainda não estava. Aquele processo de cura era sempre muito truncado!
Mas alguma coisa já tinha mudado...
Poucos dias antes do Natal a tosse de Eduardo estava tão feia que resolvi tomar outra postura. Foi a primeira vez que criei coragem para orar em concordância com ele pela cura. Não era fácil para mim tomar tal atitude. Depois da experiência ruim que tive nessa área, na época do meu amigo Renato, nunca mais orei neste sentido. Se Deus quisesse me convencer de que Ele realmente curava, teria que fazer algo muito especial. Caso contrário, eu havia abdicado de pedir coisas assim. Quer dizer... pedir uma cura é pedir uma curai Ou a pessoa fica boa ou não fica, não tem outra alternativa, não dá para ficar relativizando!
Mas aquela tosse estava me incomodando mais do que a Eduardo... uma coisa horrível, muito incomodativa, muito intensa... não dava mais! O que poderia estar acontecendo? Seria algo espiritual? Estaria Eduardo ficando doente de verdade? Aquela alternativa me punha em estado de puro desespero! Eu não conseguiria suportar. Se fosse para alguém ficar doente, que fosse eu.
Pela manhã chamei Eduardo e disse que queria orar por ele.
— Vamos pedir a Deus por essa sua tosse?
— Vamos... está incomodando bastante...
Eu olhava para ele compadecida. Não suportava vê-lo mal, aquilo tinha poder incrível de me deixar pra baixo também. Embora Eduardo insistisse que estava bem, que ia melhorar, que não era nada demais... eu já não podia nem ver e nem ouvir ele tossir!
Não paramos para ficar conversando muito, o melhor era ir direto ao assunto. Então peguei o óleo, orei e ungi Eduardo. Não foi uma oração muito rebuscada, mas foi sincera, e reuni toda a fé que possuía para fazê-la. Era por um bom motivo... Deus tinha que nos ouvir! Ele já havia aprovado que estava nos ouvindo em todas as circunstâncias. Tinha que estar ouvindo agora também.
Pedi a Deus que inundasse com sangue do Cordeiro e Fogo aqueles pulmões. Que visitasse cada célula. Que arrancasse toda raiz do mal daquele aparelho respiratório.
O dia passou. À noite, depois da nossa janta, Eduardo foi para o banho. Eu lavei a louça e deitei no sofá. Estava com aquele assunto na cabeça.
— Deus... precisamos conversar. Você sabe que eu não oraria por isso normalmente, Você conhece minha história, meu passado. Estou me Posicionando... estou me posicionando para ser usada! Mas como vou saber se o Senhor quer me usar agora! E como é que vai ser se ele não for curado? Como é que eu vou ficar? Como vou ter coragem de fazer isso de novo?...
Fui orando neste sentido, desnudando meu coração para Deus. Eduardo abriu a porta do banheiro e comecei a sentir o perfume de talco e desodorante que vinha de lá. Ele começou a falar comigo sobre algum assunto corriqueiro. Eu respondia em frases curtas, no meio da minha oração.
— Tá bom, Nenê... — e baixinho: — Se o Senhor não resolver a tosse, estou sendo sincera... vou ficar sem entender!
Não era uma cobrança, eu não estava querendo coagir Deus a me atender. Só estava sendo transparente. Mesmo porque Ele já sabia mesmo de todas as coisas. Antes que a palavra tivesse me chegado à boca, Ele já a conhecia por inteiro.
— Então, Isabela... que você acha da gente fazer assim? — Eduardo ia entrando na sala, dando continuidade ao assunto.
De repente, estacou na porta. E parou imediatamente de falar. Eu continuava deitada no sofá embaixo da janela, em posição oposta à porta do corredor. Olhei para ele. Estava com uma cara esquisita.
— Que foi ? — perguntei. — Nada. Não sei...
Continuava com aquela cara esquisita. Por fim, como eu perguntasse mais uma vez, ele acabou falando:
— Tem anjos aqui cercando a gente. Mas por quê?
— Porque Deus já disse que nos deu uma guarda... — eu ainda estava com os pensamentos na minha oração. Nem parei para cogitar por que ele estaria dizendo aquilo.
Eduardo sacudiu a cabeça devagar.
— Não... tem anjos diferentes dos normais aqui... tem anjos diferentes! Por quê? Por que eles estão aqui?
Senti um calor subindo até o meu peito. Me senti comovida.
— Eu estava orando... pela sua tosse. Quer dizer, eu ainda não tinha pedido a cura... estava só falando com Deus.
— Então é isso.....será que são anjos de cura? Será que Deus enviou estes anjos esperando que você orasse?
— Vamos orar. Vamos orar de novo!
Foi o que fizemos. Orei com toda a minha fé, e pedi a cura literalmente. Eduardo já tinha tomado uns sete remédios...
Naquela noite ele dormiu bem, melhorou espantosamente. Mas dois dias depois, tornou a piorar. Na véspera do Natal acabamos comprando mais um xarope. Mas não adiantou muito. De qualquer forma, eu não iria dar sossego para Deus. Aquilo estava na minha mente e no meu coração como um desejo muito forte. Eu precisava ver Eduardo bom!! Não parecia uma coisa normal... tinha alguma coisa ruim no meio daquilo.
Quanto a ele, não sei o que estava pensando. A gente não conversava muito sobre isso, era um assunto bem delicado. Ou Deus curava... ou não curava! Não tinha meio-termo.
No dia 29 de dezembro, teve Culto das mulheres de manhã. Eu estava muito cansada e com sono, Eduardo tinha tossido tanto à noite que ninguém pregou olho. Não saberia dizer quanto estava preocupada, quanto estava inquieta, que sensação terrível eu carregava comigo.
Naquela manhã, Eduardo acabou não indo ao Culto. Já fazia um bom tempo que freqüentávamos também o Culto das mulheres todas as quartas de manhã. Quanto mais Palavra, quanto mais Louvor, melhor!
Saí de casa inconformada. Fui o caminho inteiro orando pela tosse, literalmente brigando com Deus. Brigando no bom sentido! Já tinha pedido que Deus trouxesse a cura até o final do ano. Tinha apenas mais dois dias para o final do ano!
— Por que o Senhor enviou aqueles anjos naquele dia? Por quê? Deus, o que o Senhor quer que eu fique pensando? Teu filho não pode mais continuar assim... escuta minha oração de uma vez por todas, me atende, Senhor!
Na Igreja, aquele último Culto do ano teve um clima diferente. Pastor Joel fez uma coisa que não costumava fazer, ungiu todo mundo naquele dia. Quando orou por mim, ao me ungir, fez uma oração certeira. Pediu que eu fosse curada de tudo que ficou distorcido através das minhas imagens de infância. E pediu que eu pudesse ver Deus como Deus Pai! Pediu a cura da alma, e que eu recebesse o Fogo do Espírito Santo.
Depois que acabou, ainda conversei brevemente com Dona Clara.
— Estou na expectativa por causa do dia 31... esteja orando pela gente, tá? Quando cheguei em casa, Eduardo estava melhor. Tinha conseguido dormir
toda a manhã e estava sem tosse. Eu não falei nada sobre minha oração. Ia ficar aguardando em Deus.
No dia seguinte, antevéspera da virada do ano, o dia começou bem. A primeira coisa que fizemos foi orar, nos ungir, ungir a casa e os bichinhos. Mas de uma coisa nos esquecemos: se a data da minha morte era 31 de dezembro, algo teria que acontecer na noite do dia 30. No dia 31 já deveria estar morta. Mas nós estávamos com aquela data na cabeça, e esperávamos um ataque — se houvesse de fato — apenas para o dia seguinte. Esse descuido custou caro.
Saímos pouco antes da hora do almoço para ir até o Vale da Bênção. No boletim da Igreja, havia vários meses que alguém anunciavam uma casa no Vale para alugar. Ali havia um Condomínio fechado agregado a uma Missão.
Nunca tínhamos dado atenção àquilo, mas agora, com a iminência do lançamento de Filho do Fogo, tornava-se cada vez mais improvável que Deus abrisse uma porta de emprego para nós. Se não íamos trabalhar secularmente, cada vez isso ficava mais certo, poderíamos morar em qualquer lugar. Inclusive no Vale da Bênção!
Taí uma coisa que a gente nunca tinha cogitado. De repente, bateu a vontade de, pelo menos, conhecer. O proprietário do nosso apartamento já tinha avisado que o aluguel ia subir. O condomínio também tinha subido. Estava muito caro!
Nós estávamos gastando R$ 1.200,00 apenas para morar.
Não que fosse um valor muito alto. Quando a gente trabalhava, aquilo estava perfeitamente dentro do cabível. Não era nada estratosférico, nada além da conta. Mas tinha também o pagamento do carro. Fora o seguro. E todas as outras despesas: comida, gasolina, pager, luz... gastos pessoais... isso sem contar que nossa casa era uma casa pelada! Era preciso montá-la.
Diga-se de passagem que a dívida feita com a gráfica era bem alta também. Portanto, mesmo que o apartamento fosse a casa dos nossos sonhos, ia ficar um pouco salgado. E eu estava literalmente cheia do barulho do vizinho. Foram muitas as vezes em que saímos de casa apenas por sair, só para não ter que ficar escutando aquele tum-tum-tum. Em duas palavras: a gente estava a fim de mudar!
Foi muito gostoso pegar a estrada naquele dia. Estava um sol bonito, o caminho era bonito, estávamos bem-humorados, enfim... estava tudo legal! Fomos conversando, dando risada.
Quando chegamos, a casa que tinha sido anunciada já estava alugada. Havia mais duas. O senhor que nos atendeu falou muito bem do Vale, ele já morava lá havia vários anos. Da primeira casa, não gostamos. Mas quando fomos ver a outra:
— Eles estão de mudança — explicou o homem. — Vão sair no começo do mês de janeiro. Semana que vem! Já está tudo certo. Tanto é que a casa já está para alugar.
Como a gente não tinha agendado visita, ficava chato bater na porta e incomodar as pessoas. Olhamos por fora, e parecia uma casa maravilhosa. Grande, enorme! Com um jardinzão na frente, um quintal enorme que ia até os fundos do terreno, com pinheiros e árvores frutíferas. De frente para o jardim havia um terraço gostoso, os janelões e a porta de vidro da frente da casa abriam para o terraço. Tinha também uma outra porta principal, de madeira, que dava para a garagem. Para nós, era uma casa linda!
Ficamos olhando com olhos compridos e nem acreditamos no preço do aluguel, mais barato do que o apartamento. O condomínio era a ridícula quantia de R$ 20,00. Fazia uma boa diferença! E íamos viver num lugar muito melhor!
Enquanto Eduardo conversava com o senhor, tomando informações práticas sobre o aluguel, documentação, essas coisas, eu fiquei do outro lado da rua observando um monte de árvores que tinha ali. O terreno em declive era quase como um pedaço de mata. Lá embaixo, no meio das árvores, eu podia vislumbrar uma casa branca. Mais tarde ficamos sabendo que aquela era uma "casinha de oração". Fiquei apenas olhando tudo à minha volta, absorvendo a sensação de tranqüilidade que me causava estar naquele local.
Quando fomos embora, fomos entusiasmados.
— Tudo bem... as ruas não são asfaltadas... mas é tudo tão bonito! — comecei.
— E mesmo! Mas tem essas colinas ao redor, essa vista tão linda, as árvores...
até o cheiro é diferente, reparou? Suspirei fundo.
— Quanto a isso não resta dúvida. É lindo mesmo! Vamos cronometrar quanto tempo leva daqui até a casa da minha mãe?! — então quis saber a verdadeira impressão dele. — Você viria mesmo morar aqui? É uma super mudança!
— Ah, eu viria, sim! Nós não temos compromissos em São Paulo. Dá perfeitamente para ajeitar a vida.
— É. Não daria mesmo para ir todo dia, ia ficar puxado, gastaria muita gasolina. Mesmo porque tem o pedágio! A gente vai gastar menos com aluguel, mas vamos gastar mais com gasolina e pedágio.
— Mesmo assim, é vantagem! Você viu só que casa? Não vejo a hora de ver por dentro.
— Semana que vem a gente volta. Conforme for... temos que estar orando para ter certeza absoluta de que é isso que Deus está preparando para a gente! Aliás, a gente devia até orar já.
Oramos. Colocamos diante de Deus aquele nosso desejo. Se Deus confirmasse, ficaríamos contentes. Mas se não fosse vontade Dele, que fechasse aquela porta de uma vez. Era um grande passo, uma grande mudança. Não poderíamos sequer pensar em fazer algo assim sem ter plena certeza da aprovação e direção do Senhor.
Mas, por hora, ficamos só comentando as vantagens e desvantagens da mudança. A principal vantagem, pelo que me parecia, era o espaço e o silêncio. O homem que nos atendeu tinha garantido que ali era um mar de silêncio! O barulho corriqueiro era o dos passarinhos cantando e, quando muito, alguém orando alto. Falou muito bem do lugar e das condições de vida ali no Vale. Restava o principal: saber a opinião de Deus.
Fomos direto para casa de minha mãe, para almoçar. Levava 40 minutos da porta do Vale até a porta da casa dela. Não era nenhum fim de mundo! Do apartamento, dava quase vinte minutos.
Quando chegamos, fomos logo contando as novidades. Minha mãe ficou um pouco preocupada:
— Mas vocês vão sair do apartamento? Vocês estão tão bem instalados! E vão sair de São Paulo? Nunca mais vou ver a cara de vocês!
Fomos reiterando todos aqueles questionamentos. Ela estava enganada. E quando visse a casa, nos daria razão.
— Não é certeza ainda! — explicou Eduardo. — Na semana que vem vamos ver a casa por dentro. E também temos que saber de Deus se é isso mesmo! Por enquanto, estamos só cogitando, estamos só dizendo que parece ser uma coisa boa!
— Além do quê, me livro daquele vizinho infernal, que não faz nada da vida a não ser barulho de doidos!
Almoçamos, um mais falante do que o outro. E então... uma sombra começou a descer sobre nós. Estávamos completamente esquecidos de qualquer outro assunto, estávamos pensando na casa e na mudança.
O problema começou por causa da Internet. Agora tinha Internet na casa da minha mãe, Marco havia insistido. Havia os horários mais baratos e os horários mais caros para entrar na Rede. Aquele não era um dos horários mais baratos, de forma que teríamos que esperar até depois das seis. Pelo menos, minha mãe tinha deixado claro que preferia que a gente usasse o horário mais barato. Eu não queria desobedecer. Mas Eduardo estava implicante.
— Vou alugar a Internet no Shopping!
— Mas, Eduardo... nosso dinheiro não está sobrando, né? Custa esperar até as seis?
— Seu irmão não está nem aí pro horário, ele usa a hora que quer!
— Só que isso não é problema nosso. Vamos obedecer! A gente pode usar de graça aqui, não é por causa de pouco mais de duas horas que você precisa gastar dinheiro com isso...
Eduardo foi arrogante e orgulhoso.
— Eu não estou precisando desse favor!
— Agora você diz isso! — eu também fui intransigente. Não estava a fim de gastar dinheiro de forma desnecessária.
Procurei convencê-lo de que a gente podia fazer uma horinha no Shopping e usar a Internet mais tarde. Como já dissemos várias vezes, nossas brigas começavam assim, por um motivo completamente tolo. Naquele dia, especialmente naquele dia, não haveria de ser diferente...
Saímos e de fato fomos até o Shopping. Mas começamos a brigar cada vez mais. No estacionamento do Shopping, nem chegamos a descer. Não tinha mais clima para nada. Fomos para casa, brigando pelo caminho. A briga foi como uma explosão! Indescritível... daquela vez pegou fogo muito rápido, não deu nem para saber como aconteceu... não foi como o rastro de pólvora que vai queimando aos poucos até alcançar o barril para, então, explodir... não foi assim... foi como se a explosão já acontecesse de cara!
A partir dali... estava começando o dia mais terrível das nossas vidas até então. Na minha ira, arranhei Eduardo. Eu estava descontrolada e ele também. Quando entramos no estacionamento do apartamento ele saiu do carro iradíssimo, fora de si.
— Você não merece viver!
Mais tarde, conforme eu iria perceber, ele não teria recordação alguma destes momentos. Uma ou duas vezes tinha acontecido algo assim. Ele dizia ou fazia alguma coisa da qual não se recordava depois. Mas eu ainda não tinha conseguido compreender o que aquilo significava. O emocional ficava tão abalado, que eu acabava não pensando nisso depois. Ele não ficava endemoninhado, nem poderia ficar depois de todas as Ministrações. Mas parecia haver um controle a distância (Leia Filho do Fogo).
Claro que naquele momento essa era a última coisa que eu iria pensar.
Eduardo saiu do carro e subiu até o apartamento. Eu estava tão indignada, tão inconformada, que fiquei no carro. Dez minutos depois ele voltou. Simplesmente ligou o carro e saiu dirigindo que nem um louco. Fomos praticamente mudos até nosso destino. Eu não sabia qual era ele até estarmos perto: o Shopping! Eduardo ia ver a Internet de qualquer jeito, pelo visto!
Desceu do carro sem falar comigo. Eu estava chocada com aquela atitude dele, passada, e agora, ao invés da ira, sentia aquela tristeza pesada inundando meu coração. Fiquei no carro esperando. Chorei, orei... e já se tinha passado mais de uma hora desde que ele tinha entrado.
Quando Eduardo voltou, continuou em silêncio na volta para casa. Eu também continuei em silêncio. Pelo visto, aquele era só o começo... o prenúncio... e ele não parecia se dar conta, não parecia estar nem aí! Aquilo me doía na alma de maneira indescritível...
Os grandes momentos de dor da minha vida eu passei sozinha. Aquele não haveria de ser diferente. Assim eu sentia.
Quando chegamos outra vez em casa a noite já estava caindo apesar do Horário de Verão. Eram umas sete e meia. Ele desceu do carro sem olhar para mim e sem me dar nenhuma satisfação. Era tristeza demais no meu coração. Assim que desceu, continuei no carro. Não tinha a menor intenção de subir para o apartamento. Precisava ficar sozinha, precisava orar... não queria ficar perto dele!! Para mim estava muito claro que não fazia diferença se eu vivesse ou morresse...
Tirei o sapato do pé, inclinei um pouco mais o banco de passageiros onde estava sentada, e simplesmente me deixei ficar ali. O estacionamento era escuro, de forma que ninguém poderia me ver com facilidade. Nossa vaga ficava num canto, do meu lado direito estava a parede, na minha frente também havia outra parede... e do lado esquerdo do carro havia mais uma vaga.
Estava silencioso ali. Naquele momento realmente senti vontade de morrer... eu conhecia a dor daquela solidão, tinha passado por ela várias vezes ao longo da vida. Mas nunca de forma tão intensa quanto nos últimos meses, e especialmente naquela hora.
Me senti traída, rejeitada, a última das criaturas. Tudo em que tinha investido parecia estar ruindo.
"Que mais resta para mim?... Me leva embora desta vida, Deus! Não consigo fazer bem para ninguém, nem para mim mesma..."
Orei muito. Desabafei com Deus, orei em línguas, louvei, chorei... pedi por força, por capacitação... nem sei! Foi um tempo em que procurei me acalmar e me fortalecer. O que mais me doía, além das palavras de Eduardo, era o fato de que ele tinha me deixado ali embaixo sozinha. Nem veio atrás de mim para saber como eu estava, para procurar se acertar, para nos colocarmos em ordem para o dia seguinte. Tudo bem... eu também não fui atrás dele. Tinha muita dificuldade em fazer isso...
Mais tarde, eu veria que havia um motivo muito grande pelo qual ele não havia descido. Porém, até aquele momento, eu apenas conseguia contemplar a minha realidade:
"Ele não se preocupa comigo o suficiente".
Fiquei no carro até cansar. Eu tinha medo de subir e continuar a briga. Então fui ficando por ali. Só bem mais tarde é que encontrei coragem para sair do carro e ir até o elevador. Eram dez e vinte. Antes de chegar perto do elevador reparei que ele estava ali mesmo, no subsolo. Mas então alguém o chamou, vi que subiu até o térreo. Apertei o botão e esperei. Até estranhei que o elevador não tivesse subido primeiro, porque certamente a pessoa estava querendo subir. Mas o elevador voltou para o subsolo.
Quando a porta do elevador abriu, Eduardo estava lá dentro. Não entendi. Ele estava com outra roupa, um moletom e camiseta regata. Pelo visto tinha saído de casa e estava chegando naquele momento. Estava com um ar meio estranho, meio ofegante... quando entrei deu umas risadinhas mas não falou nada.
O fato de perceber que ele tinha saído acendeu novamente a minha raiva. Vai ver tinha ido fazer algum cooper para espairecer a cabeça.
"Se ele tivesse me avisado que ia sair eu não precisaria ter ficado quase três horas dentro do carro! Se ele não queria ver a minha cara, eu também não queria ver a dele!"
Quando entramos no apartamento, fui para a cozinha e tomei Novalgina, minha cabeça estava estourando! Fiquei tão chateada com a indiferença dele que fechei a porta e voltei para o estacionamento.
Esperei mais uns quarenta minutos.
A luz acendeu porque alguém entrou no estacionamento com o carro. Olhei pelo espelho retrovisor e vi algumas pessoas que estavam do outro lado descarregando alguns pacotes. De repente, Eduardo estava ali ao lado do carro. Ele chegou sem que eu percebesse, até levei um susto! Quando olhei para trás, ainda de dentro do carro, ele se encostava à parede como se passasse mal.
— Eles vão me matar!! Eles vão me matar!! Vão me levar pro Inferno! — Eduardo chorava copiosamente, no mais completo desespero.
Abri a porta do carro e ele literalmente desabou no chão ali ao lado. Desci imediatamente. Foi mais um susto indescritível!
— Eu não tenho força no meu corpo! — exclamava Eduardo em pânico. Eu não sabia o que fazer.
— Eduardo! — eu já estava agachada perto dele. — Que aconteceu, Eduardo? Fala! Que que foi?!
Quase entrei em pânico só de ver o estado dele. Ele continuava chorando, enrodilhado no chão. Eu o segurei pelo braço para tentar levantá-lo, tentar ver o rosto dele naquela luz mortiça do estacionamento. Ele parecia estar muito quente.
— Nenê, levanta! Levanta! Vai, pára com isso, ninguém vai te matar!
Eduardo fez força para levantar, eu também o puxei pelos braços com toda força que tinha. Mas ele não conseguia sair do chão. Continuava gritando e chorando do mesmo jeito. Fiquei realmente assustada. Não fazia idéia do que poderia estar acontecendo, mas de repente tive uma certeza incontestável:
"Tenho que levar ele daqui! Tenho que encontrar alguém que ore conosco!".
Aquilo era certo para mim. Não parei nem pra pensar. Em momento algum me passou pela mente subir com ele para casa, ficar lá tentando resolver aquela coisa, fosse lá o que fosse que estivesse acontecendo. Era muito claro que eu precisava da ajuda de alguém.
A luz do estacionamento apagou.
Imediatamente segurei Eduardo por baixo das axilas, cruzei as mãos fortemente sobre seu peito e o arrastei para dentro do carro usando a força do meu próprio corpo. Nem sei como fiz aquilo tão rápido! Acho que a adrenalina e a sensação iminente de perigo faz a gente ficar muito mais forte.
Uma vez tendo arrastado Eduardo para o banco do passageiro, eu mesma pulei por cima do câmbio para o banco do motorista. Nem dei a volta por fora do carro.
— Meu Deus, meu Deus! Eu vou morreeeeer! — Eduardo gritava, se debatia completamente em pânico, fora de si.
— Se acalma! Não vai acontecer isso! Não vai acontecer nada disso...
Não sabia dizer se ele estava me ouvindo, me entendendo. Alguma coisa terrível tinha acontecido!
Dei partida no Palio e saí voando dali. Só havia um lugar plausível para ir, nem era muito longe: a casa de Dona Clara! Fui orando sem saber o que orava. Com os dois olhos em Eduardo e, volta e meia, meio olho no trânsito. Ele não parecia ter consciência de onde estava, ou consciência da minha presença. Continuava naquele transe, naquela histeria, e estava muito vermelho, o rosto dele parecia pegar fogo. Ele se contorcia e se debatia, só que aí começou a falar coisas diferentes.
Não era mais Eduardo falando! Entendi de pronto que ele estava repetindo as frases do demônio. Não houve mudança facial, nem mudança de voz. Ele não estava possesso, mas por algum motivo aquele demônio podia controlá-lo a distância. Fiquei horrorizada ao escutar. Nem sei como conseguia dirigir.
— Ah, ah, ah! É muito dinheiro! É muito dinheiro! Ele vai aceitar! Ah, ah, ah, ah!
Sabia que não adiantava querer perguntar nada a Eduardo. Eu apenas olhava tentando compreender o que estava acontecendo e, mais ainda, orava tentando saber o que fazer. Naquela agitação toda o braço de Eduardo batia no bastão do limpador de pára-brisa, e aquilo ligava na minha frente uma vez atrás da outra.
Não adiantava dizer para ele se acalmar. Adiantava falar com Deus. Mas nem isso eu conseguia fazer direito.
— Meu Deus, que está acontecendo? Nos protege, nos protege... não deixa acontecer nada de mal com ele! — eram frases entrecortadas.
Depois continuava orando em línguas, porque minha mente não conseguia raciocinar. Para orar em línguas eu não precisava raciocinar.
— Eu respondi o e-mail! — gritava Eduardo. — É muito dinheiro! É muito dinheiro!
Meus pensamentos davam voltas sobre voltas, eu procurava captar o sentido daquilo tudo, mas em vão. Uma sensação incrivelmente ruim me invadia.
— Eu conheço ele! Ah, ah, ah! Ele vai aceitar, vai aceitar!
Aquilo era para me intimidar. De repente senti sangue subindo à cabeça.
— Você não conhece ele coisa nenhuma, ele é filho do Deus Vivo! E Jesus se manifestou pra isso, para destruir as tuas obras. Quem vai arder no lago de fogo e enxofre é você! — foi uma das poucas coisas que me liguei e respondi àquele demônio. Não parecia ser importante perder tempo com isso. O mais importante era me manter em oração e conseguir chegar na casa de Dona Clara.
— Eu afastei os intercessores! Acabei com eles! Não tem nenhum intercessor para ajudar, ah, ah, ah,ah! Você é nossa amiga! Nossa aliada!
Meu coração deu um nó de desespero e angústia. Aquelas palavras eram facas afiadas, especialmente depois da confusão. Continuei dirigindo sem responder, orando com todas as minhas forças, desligando toda hora o limpador de pára-brisas e olhando para Eduardo aterrorizada.
"Ele não está bem... ele não está bem, meu Deus... não deixa acontecer nada com ele, não deixa isso acontecer... não deixa... nos ajuda!..."
E alto, ia falando o que me vinha na cabeça:
— Cobre ele com o Teu sangue, Jesus! Estende a proteção ao redor dele!
Aí, de repente, percebi que era Eduardo novamente. Então ele chorava, chorava a plenos pulmões, compulsivamente, em desespero. Era bem diferente do tom debochado do demônio!
— Eles estão querendo me matar! Vão me levar para o Inferno!
Não entendia aquilo. A intenção inicial era matar-me, Eduardo deveria morrer depois. Umas duas vezes aquele demônio falou algo neste sentido:
— Nós não queremos mais ela! Vamos levar ele!
Parei o carro diante da casa de Dona Clara. Mas realmente o terreno tinha sido muito bem preparado. Desci do carro sem sapato. Não havia tempo para colocá-lo. Toquei a campainha e a mãe dela atendeu. Procurei parecer o mais normal possível, mas a primeira coisa que ela notou foi que eu estava descalça, em plena calçada.
— A Dona Clara está?
— Humm... não está... — ela falou enquanto olhava para mim com ar de estranheza.
Vez por outra desviava o olhar para Eduardo que, deitado no banco de passageiros, continuava falando bobagem sobre bobagem.
— É que eu precisava muito falar com ela... eu realmente... ela demora?
— Ela foi até o Pronto-socorro porque a Sophia passou mal. Acho que vai voltar tarde!
— Então tá bom... — olhei ao redor completamente desalentada. O que deveria fazer? — Quando ela voltar, pede pra estar orando por nós. Se ela ligar, pede pra ela orar!
— Vocês estão com algum problema?
— É... mais ou menos... pede pra ela estar orando.
Sophia era irmã de Dona Clara. Despedi-me rapidamente e voltei para o volante. Dei meia-volta com o carro para tornar a subir a rua. Só havia um outro lugar possível para ir. A casa da Grace. Nem sabia se ela estava lá ou não, mas eu tinha que encontrar alguém que pudesse nos ajudar, que pudesse orar em concordância conosco. No meu íntimo tinha consciência de que apenas minha oração não seria forte o suficiente para resistir àquele levante horroroso.
Duas quadras mais acima resolvi parar o carro no acostamento, e orar um pouco antes de prosseguir. Orar com Eduardo, claro, de uma maneira mais intensa, mais enfática. Tinha que oferecer resistência de alguma maneira, tinha que pôr minha cabeça no lugar. Estava realmente assustada. A aparência dele era horrível!
O banco de passageiros ainda estava inclinado, como eu tinha deixado. Então me inclinei sobre ele, fui orando bem perto do seu rosto, do seu ouvido. Não sei dizer direito como orei. Fui vomitando a ansiedade do meu coração:
— Cobre ele com o Teu sangue, não deixa acontecer nada de ruim com ele, cerca esse carro com os anjos, cerca com Tua proteção de Fogo. Nos ajuda! Cobre este corpo com Tua proteção... — passava a mão pela cabeça de Eduardo, pelo tórax, pelos braços e pernas. — Cobre este corpo, meu Deus! Protege este corpo! Senhor, eu não tenho óleo aqui, mas manda o Teu óleo, manda os Teus anjos, manda aqueles anjos fortes, me ajuda! — e para Eduardo. — Nenê! Você está me ouvindo?
— Hã?
— Eu amo você, meu amor... eu te amo... você vai ficar bem!
Então Eduardo começou a olhar pela janela, para fora do carro. E balbuciava:
— Eu tô vendo o meu amigo... — chorava de fazer dó. — O meu amigo está ali! Estendeu o braço para fora da janela. Eu olhava para fora mas sabia que não veria nada.
— Segura na minha mão!... — pediu Eduardo. — ....Ele segurou!... Mikhael é teu nome...
Aquilo me fez sentir mais tranqüila. Minha oração deveria estar surtindo efeito. Certamente Eduardo não estava dando a mão para o demônio. Era ele quem falava agora e ele, por ele mesmo, jamais faria isso. Sabia muito bem que o demônio queria matá-lo. Deveria ser um anjo!
— Repete comigo, Eduardo... "Jesus, me salva!"
— Jesus... me... salva... — repetia Eduardo com voz mole, fraca.
— Me cobre com o Teu sangue e me protege.
— Me cobre... com...Teu... sangue...
Da casa da frente saiu um rapaz. Mesmo sem querer, ele viu a cena e percebeu que Eduardo estava esquisito. Continuava falando alto vez por outra, e se agitava um pouco. O moço aproximou-se ligeiramente da janela e me perguntou:
— Tá tudo bem? Você está precisando de ajuda?
Meu rosto devia estar de dar medo. Eu me sentia apavorada. Mas não perdi o controle, respondi meio sem pensar.
— Não, obrigada. Está tudo bem!
Ele assentiu com a cabeça e continuou seu caminho. Achei que não seria prudente continuar ali parada. Tinha que seguir adiante. Mas fiquei meio encafifada... quando cheguei perto de Eduardo tinha sentido um leve cheiro de bebida.
"Será possível que ele bebeu? Mas bebeu o quê? Bebeu aonde?!"
Nenhuma daquelas perguntas teria resposta agora. No entanto, apesar daquele cheiro, Eduardo não estava apresentando as características de alguém que estivesse bêbado. Era uma crise totalmente anormal, uma coisa totalmente fora de proporções e padrão. Eu não conseguia entender também por que o seu corpo parecia estar fervendo. Muito menos se tinha algum fundo de verdade aquela coisa de dinheiro que toda hora ele repetia.
Muito preocupada acelerei o carro e me determinei a ir até a casa de Grace. Alguma hora, em algum lugar, eu iria encontrar alguém. Nem me passava pela cabeça levar Eduardo para o Hospital. Talvez tivesse sido uma boa opção, quando passei perto dele ainda cogitei se deveria entrar no pronto-socorro. Mas não senti paz. Por mais que o corpo dele estivesse sofrendo algum mal, e isso era claro, o mal maior era espiritual. Eu queria por toda lei alguém para orar em concordância.
Conforme fui dirigindo, Eduardo perguntava toda hora, confuso:
— Onde você está indo? Onde você está indo? Vamos voltar pra casa!
— Estou indo até a casa da Grace.
— Não! Não vamos até lá! — ele retorquia com veemência.
Eduardo não estava em condições de decidir nada. Não compreendi o por que daquela relutância. Será possível que era o demônio ainda falando, e Eduardo repetindo? Será que era uma armadilha para me desviar do caminho?
Sem ligar muito para ele, continuei dirigindo no mesmo rumo. Até errei o caminho, tão preocupada estava em olhar para ele!
— Pra lá! Nossa casa está pra lá! Pra lá!— e jogava o braço na minha frente, apontando com um movimento amplo.
— Primeiro a gente vai na casa da Grace! Nós vamos orar com ela.
— Vamos para casa, vamos para casa!
Eduardo insistia tanto que fiz o contorno para ir mesmo para casa. Mas parei o carro de novo na calçada.
— Meu Deus, me ajuda! Me dá uma luz! O que devo fazer?... — me sentia completamente dividida. Não podia perder o controle da situação. Continuava orando em línguas, baixinho. — O que devo fazer?
— É muito dinheiro! Ele vai aceitar! Vai responder o e-mail! Ah, ah, ah, ah! Eu acabei com os intercessores! Eu acabei com a Grace!
Eu não entendia mais nada. Quem estava me dizendo para ir pra casa? Eduardo ou aquele demônio? Que dúvida terrível... não sei como não abri a boca ali mesmo! Por fim, me decidi, embora não sentisse nem captasse nenhum sinal sobrenatural.
Saí novamente com o carro em direção à casa de Grace. Ignorei o que Eduardo dizia. Não podia levar aquilo em consideração.
— Volta, volta, volta!
Atravessei a avenida Doutor Arnaldo e peguei a Paulista. De repente, Eduardo estava muito quieto. Foi a primeira vez em que quase tive certeza que ele ia morrer ali na minha frente! A cabeça balançava de um lado pro outro, os olhos semi-cerrados, o rosto pegando fogo, a boca entreaberta.
— Eduardo! Eduardo? — senti uma onda de horror me percorrer. — Eduardo! Você está me ouvindo?
Então ele parecia acordar daquele torpor, vir de muito longe. Procurava olhar na minha direção, mas eu não tinha certeza de que ele me enxergava. Seus olhos estavam distantes e sem brilho.
— Eu estou vendo o túnel.... estou vendo o caminho!
Alguma coisa me dizia que aquilo não era nada bom. Procurei não pensar. Apenas continuar orando, sem saber o que orava, e vencer aquele trânsito que não estava dos melhores por causa do fim de ano. Ficava parada nos faróis a toda hora.
Volta e meia eu tinha aquela nítida impressão de que Eduardo ia morrer. Sacudia-o pelos ombros, chamava, chamava, orava, dirigia. Agora aquela agitação tinha passado. Ele parecia cada vez mais quieto, mais distante. Mas ainda falava vez por outra:
— Mikhael está dizendo pra voltar... está dizendo para voltar!!
Mas aí voltava a repetir as palavras do demônio, e eu não sabia quem era quem!
— Eu acabei com os intercessores! Você não vai encontrar ninguém!
Não sabia se aquele demônio estava usando o nome do anjo para me fazer voltar, ou se realmente Eduardo estava repetindo certo, tanto as palavras do anjo quanto as do demônio. Que luta terrível passei naqueles momentos! Deus não me trazia nenhum vislumbre sobre qual daquelas vozes era a verdadeira. Se a de Eduardo, se a do anjo... se a do demônio. Onde estava a verdade naquilo tudo?!
Como não conseguisse saber, continuava indo em frente, fazendo aquilo que achava melhor. Durante a oração parecia claro que um anjo tinha aparecido para Eduardo, tinha segurado em sua mão e dito seu nome. Mas será que agora o demônio não estava enganando ele, para me enganar? Naquele tempo que eu estava perdendo, eles ganhavam terreno... Eduardo poderia realmente morrer a qualquer instante!
Mas o que me fez voltar atrás foi quando Eduardo falou exatamente aquilo que eu pressentia. Não sei se por ele mesmo, ou se repetindo o que o anjo dizia.
— Se você for... ele não vai resistir. Ele não vai chegar vivo lá.
Em extrema angústia de alma, optei por dar meia-volta. Mas eu não tinha certeza de que era isso que deveria fazer. Já estava praticamente no meio da Paulista.
— Tá bom... vou voltar!
Assim que virei à direita para conseguir fazer o contorno e cruzar a Avenida para o outro lado, Eduardo falou num fio de voz:
— Você fez a coisa certa...
Tive que acreditar que aquela voz era do anjo. Fiquei parada no farol ao lado do Banco de Boston, todo enfeitado com temas natalinos. O carro do lado buzinava, cheio de gente dentro. Novamente um arrepio de horror me passou pelo corpo. Nem queria imaginar se algum guarda me parasse! Aquele farol não abria...
— Meu Deus... será que devo mesmo voltar? Me dá um sinal! Me dá um sinal! Sinal claro não veio nenhum. Cruzei a Avenida e comecei a voltar. Novamente
Eduardo ficou quieto e longínquo. Não respondeu aos meus chamados. Estava completamente parado, com os olhos esbugalhados. O terror me traspassou como um raio: ele estava morto!
— Eduardo!! — chacoalhei seu ombro.
— Hã?...
— Agüenta firme! Agüenta Firme! Repete comigo: afasta meus inimigos! Pede pra Jesus, Eduardo, pede pra Jesus!
— Afasta... meus inimigos!
Mais de uma vez eu pedi para Eduardo repetir algumas coisas neste sentido. Mas aquela sensação de morte iminente não atenuava! O tempo todo eu orava naquela volta: que Deus mantivesse nossos inimigos afastados.
— Estou vendo os Sadraques.... um monte! Um monte!! Não quero morrer... agora não! Tem muita coisa para eu fazer aqui!
Continuei orando baixinho pedindo que Deus os mantivesse afastados. Com todo o meu esforço tentei não me influenciar. A volta foi tão terrível quanto a ida.
— Segura na minha mão! — voltou a pedir Eduardo, com o braço estendido para fora da janela. Nessa brincadeira toda já havia gastado mais de uma hora. Novamente pensei em levá-lo para o Hospital. Se acontecesse alguma coisa de pior, se tivesse uma parada cardíaca ou qualquer outra coisa, o Hospital tinha como mantê-lo vivo....
Mas sacudi a cabeça! Não podia... não podia ir para o Hospital! Seria o fim dele, tinha certeza. Uma vez lá, não teria poder para interferir em mais nada.
— Deus está dando uma casa linda... — falava Eduardo entre lágrimas. Nessa altura ele já estava caído para a frente, meio no meu colo. Eu o abraçava por trás o tempo todo, orando em línguas sem cessar, dirigindo somente com a mão esquerda e sem sapatos.
— Eu vou morrer.... estou vendo o túnel! Eu não quero morrer! Não agora! Não agora... ainda tem muita coisa para eu fazer aqui!
— Você não vai morrer!
Eduardo repetiu isso várias vezes durante o trajeto. Parei o carro mais uma vez. Tentei acomodá-lo melhor para poder dirigir mais rápido. Eu falava, num frenesi:
— Deus é um Deus de Fidelidade! Ele é Fiel, Ele é Fiel, não vai acontecer nada! Não pode acontecer nada! Não vai acontecer nada!
Quando passamos novamente perto da nossa casa, Eduardo voltou a pedir insistentemente:
— Vamos para casa! Vamos para casa!
Aquilo eu tinha certeza: em hipótese alguma! Voltaria para casa de Dona Clara. A sensação de precisar de mais alguém era indiscutível. Nem liguei para ele, acelerei o carro mais ainda, com determinação. Nem que tivesse que ficar parada na frente da casa dela, mas não ficaria sozinha com Eduardo naquele estado. Precisava de ajuda!
— Tem um e-mail, tem um e-mail! É muito dinheiro!...
Estacionei novamente o carro na frente da casa de Dona Clara. Dessa vez peguei meus sapatos e enfiei de qualquer jeito no pé. Saltei para a rua e toquei a campainha. Novamente a mãe dela veio. Eu estava bem mais desesperada do que da primeira vez.
— Dona Clara não chegou? Não tem um telefone onde eu possa falar com ela?
— Não tem.
— Então... não tem ninguém para quem eu possa ligar? Preciso pedir oração para alguém!
— Só se for a cunhada dela... quer usar o telefone?
— Cadê o telefone?
Eu não queria entrar. Não podia deixar Eduardo ali sozinho, minha sensação é que se virasse as costas, ele morreria.
— É sem fio. Espera um pouco.
Esperei ali mesmo na calçada, andando de um lado pro outro. Logo a mãe de Dona Clara apareceu de novo, mas nem consegui escutar o que ela estava falado, de repente olhei para Eduardo e foi medonho: ele estava com a cabeça encostada no banco, virou os olhos para mim, lentamente. Os olhos dele se tornaram estranhos, mais estranhos ainda. Parecia vítreo... parecia... parecia o olhar de alguém à beira da morte ! Imaginei que aquele era o momento...
Corri até a janela do carro, sacudi seus ombros. Ele estava mole, e seu corpo pegava fogo.
— Eduardo! Eduardo! Oh! Senhor Deus... pelo Amor de Deus, intervém! Nos ajuda!
— Hã...?
Olhei de volta para a mãe de Dona Clara que, parada no portão, espiava com olhos arregalados. Um menino saiu de dentro da casa, não sei quem era aquele menino, mas ele me passou o telefone da cunhada de Dona Clara. Teve a gentileza de discar para mim, não sei se teria conseguido. Os dois ficaram ali, e mais duas pessoas curiosas que saíram da casa vizinha. Eu estava em pânico, nem liguei para eles, todos ficaram por ali.
— Alô!
— Alô.
— É a Malu?
— Sim.
— Malu, pelo amor de Deus, ora comigo agora porque senão vai acontecer uma tragédia!
— Quem está falando?
— É Isabela! Por favor, ora comigo!
Novamente tive aquela medonha sensação de morte. Esqueci que estava ao telefone e comecei a chamá-lo insistentemente, quase gritando:
— Eduardo! Eduardo, fala comigo! Resiste, resiste, resiste! Pelo amor de Deus! Ela orou um pouco do outro lado. E logo pediu que Eduardo repetisse sua oração. Mas Eduardo não conseguia repetir, e eu já não conseguia prestar atenção a nada. Novamente aquele olhar horrível, não parecia que ele ia resistir por muito mais tempo. Desliguei. Ela não estava colaborando muito. Ela não era a pessoa certa!
Eu estava dando um show na frente daquelas quatro pessoas, mas nem me importei. Elas pareciam nem existir! Pensei em ligar para outra pessoa. Toquei para Grace, mas o telefone só dava ocupado.
— Eu matei ela! — balbuciou Eduardo novamente. Entendi que ainda era aquele demônio tentando me intimidar, se referindo a Grace. — Você não vai achar ninguém!
Por alguns segundos aquilo me incomodou. Ele repetia tanto aquilo que me passou pela mente, num flash, se alguma catástrofe realmente não teria acontecido. Mas me recusei a acreditar naquelas palavras!
"Não é possível! É mentira!"
Em desespero de causa liguei para minha própria casa, não era o ideal, mas ia pedir para Marco orar comigo. Mas o telefone também dava ocupado, certamente ele estava na Internet. Então liguei para Grace de novo. Nada. Secretária eletrônica. Deixei um recado desesperado.
— Grace, dia 30, quase meia-noite! Se você vir este recado, ora pela gente! Já não sabia o que fazer. A quem recorrer. Por algum motivo, em cinco minutos liguei de novo para Grace. Minha alma parece que renasceu quando finalmente ela atendeu ao telefone! Quase gritei na rua.
— Grace! É você?! Ora com ele, Grace!
— O que está acontecendo? — ela estava até que calma, para quem estava escutando minha voz naquele tom, à meia-noite...
— Ora com ele, ora com ele... não sei o que está acontecendo! Ele está fora de si! Vou pôr ele no telefone!
Acho que nem esperei resposta. Simplesmente pus o telefone no ouvido de Eduardo, apertei-o bem para que ele pudesse ouvir, e disse-lhe para falar com Grace.
— É a Grace, Eduardo. Fala com ela.
A voz dele não saía, praticamente não existia. Ele até tentou falar, tentou se aprumar no banco, mas sem sucesso. Eu mantinha meu ouvido bem perto do telefone para tentar escutar o que ela dizia. Ela foi direto aos finalmente, percebeu que algo muito estranho estava acontecendo e simplesmente fez Eduardo repetir sua oração. Eu orava sofregamente do lado. Agora estávamos em duas! Aquilo que eu sentia, a necessidade da oração em concordância, era certo! Deu força a Eduardo porque conseguimos exercer uma resistência mais eficaz! Fez diferença!
Por incrível que pareça, ele conseguiu. Confessou Jesus como Senhor e depois pediu o cancelamento de todas as obras do Inferno, todo Encantamento, toda maldição, etc. etc. e etc. ...
Não foi uma oração longa. Algumas frases. Mas de impacto, específicas. Enfraqueceu a influência daquele demônio que, já havia horas, estava praticamente dominando a situação.
Quando terminou, peguei o telefone de volta.
— Grace, estou indo para aí!
Antes que ela pudesse responder qualquer coisa, vi o carro de seu Benito encostando.
— É Dona Clara! Dona Clara está chegando! — gritei pelo telefone.
— Então recebe assistência dela. Se for o caso, depois você vem pra cá.
— Tá bom, tá bom! Vou desligar.
De repente as coisas pareciam estar acontecendo. Corri para perto de Dona Clara. De dentro do carro ela já tinha percebido a confusão na porta de sua casa. Desceu com semblante assustado, veio ao meu encontro.
— Dona Clara! Vem orar comigo!
Ela viu meu rosto e meu estado. Aproximou-se rapidamente da janela do carro. Dispensava explicações. Ao olhar para Eduardo, falou em tom de voz pesaroso.
— Ah, meu Deus.... mas o que está acontecendo?!
— Eu não sei que está acontecendo,! Só sei que ele está assim.
— Quero ir no banheiro! — exclamou Eduardo. E insistia demais nisso.
— Vamos levar ele ao banheiro, então.
Abri a porta do carro e passei os braços em torno de Eduardo para ajudá-lo a levantar. Só nessa hora percebi que ele também estava sem sapatos. Não conseguia ficar em pé, então eu e Dona Clara literalmente o arrastamos para dentro de casa. Nem sei como, pois ele tropeçava em tudo, não conseguia manter o equilíbrio do corpo. Finalmente, pela graça de Deus, eu estava com ele dentro do banheiro, em frente ao vaso.
Dona Clara saiu e eu fiz de tudo para ajudá-lo. Mas o máximo que consegui foi sustentar o seu corpo enquanto ele fazia xixi. Eduardo era pesado, e eu já estava sentindo os efeitos da exaustão. Que horror! Mas o que eu podia fazer?
Quando ele acabou, gritei pela porta entreaberta. Acho que foi a filha de Dona Clara que apareceu, e carregamos Eduardo para o carro novamente. Não vi seu Benito, nem me lembro se vi a Sophia, mas a filha estava ali, com a avó, aquele menino... todos olhavam com ar estranho, entre compadecidos e assustados.
Não me lembro se agradeci ou se me desculpei. Estava fora da minha razão. Só pensava em uma coisa: ir até a casa de Grace! Dona Clara já estava dentro do carro. Parecia muito óbvio também para ela que não podíamos ficar ali. Com esforço acomodei Eduardo novamente no banco de passageiros e fechei a porta.
— O cinto de segurança! — lembrou Dona Clara. Eu não o tinha usado até aquele momento, nem em mim, nem em Eduardo. — Adriana! Pega uma toalha!
Abri a porta, coloquei o cinto, dei a volta, sentei no banco do motorista...
— Cadê a chave? — A chave?
— Meu Deus! Onde foi parar esta chave?
Procurei no chão do carro, Dona Clara olhava no banco de trás. Adriana estava chegando com a toalha, mas correu para dentro de casa de novo, para ver se a chave tinha ficado no banheiro. Desci novamente do carro, em desespero com todo aquele atraso.
— Achou a chave? — indaguei para a moça que voltava.
— Não está no banheiro!
— Meu Deus do céu!!! Cadê essa chave?!
Dona Clara desceu do carro e todo mundo se pôs à procura daquela chave.
Comecei a me sentir esgotada. De repente, por um milagre, me lembrei de olhar
na fresta ao lado do banco de Eduardo. Abri a porta dele mais uma vez e... graças a Deus! Eu devia ter deixado a chave cair ali quando ajudei a retirá-lo do carro.
Pensando hoje, não tem lógica! Quando desci do carro, deixei a chave no contato.
Eu não estava com ela nas mãos enquanto fiquei ao telefone.
— Achei!
Era isso que importava.
Entramos novamente no carro e dei a partida. Tentei explicar a Dona Clara mais ou menos o que tinha acontecido, mas eu não sabia o que tinha acontecido. Então contei da briga, contei que de repente ele tinha aparecido daquele jeito. Minha voz saía ofegante e entrecortada. Mas a presença dela ali no carro me acalmou. Depois de orar com Grace, Eduardo não parecia mais estar naquela iminência de morte. Ele apenas chorava, seus olhos já estavam inchados, e continuava muito quente. Chorava, chorava. Estava mole, derrubado, torporoso. Mal conseguia abrir os olhos. Dona Clara não gastou mais tempo tentando entender a história. Interessava dali para a frente.
Foi orando em línguas, baixo, depois em português... eu dirigia orando junto. Pelo menos ele não estava mais naquele estado de agitação.
Quase não conversamos durante o trajeto. O silêncio era quebrado apenas pelas nossas orações, em tom baixo. O fato de Dona Clara dividir comigo a responsabilidade de levar Eduardo até a casa da Grace trouxe um indescritível alívio! Eu já estava fraquejando depois daquelas horas de tensão absoluta e angústia.
A única vez que Eduardo repetiu a frase daquele demônio durante o caminho, foi naquele momento:
— Eu vou levar ele...
Dona Clara tomou o frasquinho de óleo que trazia consigo e colocou a mão espalmada na testa de Eduardo. E falou bem baixo:
— Você não vai levar nada, em nome de Jesus...
— O Capitão dos Exércitos! O Capitão dos Exércitos está ali... — fez Eduardo depois de uma pequena pausa. E chorava mais.
Voei com o carro. Queria chegar o quanto antes. A maioria dos faróis que Pude furar, assim fiz. Toda hora eu tomava o pulso de Eduardo para medir a freqüência cardíaca.
Quando estacionei em frente à casa de Grace era uma hora da manhã. Saltei para a rua, sentia meu corpo inteiro banhado em suor. Toquei a campainha varias vezes, até rachar Finalmente, a luz acendeu na sala. Grace apareceu na porta de penhoir. Ela não estava esperando que a gente realmente viesse. Muito menos com Dona Clara! Ela veio me abrir o portão da rua, não havia ninguém ali àquela hora.
Falou com voz de espanto:
— Não imaginei que vocês estavam vindo! Que aconteceu?
Dona Clara já tinha descido, eu abri a porta do lado de Eduardo. Nós duas Dona Clara e eu, fizemos o possível para que Eduardo apeasse. Nossa força não foi suficiente, e ele caiu, apesar dos nossos esforços em segurá-lo. Quase bateu com a cabeça no chão. Então nós três conseguimos erguê-lo. Fomos caminhando para dentro. Ainda na área externa da casa, Eduardo tropeçou de novo e caiu estirado ao lado do carro da Grace. Parecia completamente perdido.
— Eduardo! Levanta! Levanta! — exclamou Grace com firmeza. Finalmente entramos sala adentro, e o colocamos na poltrona mais próxima.
Eu nem me sentei. A tranqüilidade de saber que Eduardo estava com elas me fez ter coragem para sair de perto dele.
— Antes de qualquer outra coisa, vou até à farmácia! Às vezes quando chego perto dele sinto cheiro de bebida... não sei se ele bebeu, mas vou comprar uma glicose. Pode ser que ajude. Pelo sim, pelo não... onde tem uma farmácia?
Grace me acompanhou até a rua e explicou. Lembrei que não tinha dinheiro comigo. Aliás, Eduardo estava sem documentos, eu estava sem documentos. Então Dona Clara me emprestou.
Só tinha uma farmácia aberta naquela hora, ficava na avenida lá em cima. Peguei o carro e fui correndo. Por um lado eu me sentia melhor porque Eduardo estava bem guardado, em companhia de pessoas de confiança. Por outro lado...
"De repente Deus permitiu que eu saísse de perto apenas para que eu não veja Eduardo morrer... só para não ficar com essa lembrança na minha cabeça."
Aquela sensação me perseguia, então fiz tudo aos trancos e barrancos. Eu não era tão leiga assim, já tinha visto pessoas morrendo. Já tinha visto os olhos das pessoas que estão morrendo. E já tinha visto muitas pessoas alcoolizadas também. De uma coisa tinha certeza: ainda que Eduardo tivesse bebido, o problema principal não era aquele.
Literalmente voando, fui até à farmácia tremendo, orando, sentindo meu corpo derreter de tensão, desespero e calor. Parei o carro na frente da farmácia e nem desliguei.
Não vendiam glicose injetável ali! Perguntei onde tinha. Disseram-me que na Drogasil, algumas quadras mais para frente. Fui até lá. Comprei a glicose injetável e a seringa. Cada vez mais apreensiva, aproveitei o horário avançado e invadi a contramão. Não queria perder tempo tendo que cruzar a avenida e esperar os faróis. Fui fazendo contramão por dentro, e quando percebi que estava na rua da Grace, desci na contramão, de ré! Eram bem umas oito quadras, talvez... no meu desespero, nem fui com o carro embicado de frente, sei lá por que... só sei que desci a rua de ré.
Estacionei o carro de novo, de qualquer jeito, na frente da casa da Grace. Toquei a campainha. Quando ela apareceu com a chave na mão, olhei diretamente para seu rosto já esperando ouvir a notícia pior.
— Como ele está? — indaguei ansiosamente.
— Está bem... mas ele bebeu, viu, irmã? Ele bebeu... ele falou aqui! Falou que bebeu pinga na padaria!
Quase caí das nuvens.
— Mas ele não bebe pinga! Ele nunca bebeu isso!
A despeito disso tive que aceitar uma parte daquela história como verdadeira, porque eu tinha percebido que Eduardo havia saído de casa. Deus permitiu que eu cruzasse com ele no elevador naquele exato instante, se assim não fosse, nunca teria constatado a sua saída. E aquela saída estava mal explicada... no fundo do meu coração, senti medo... e se ele tivesse cruzado com alguém! Não seria muito difícil...
Entrei em casa ao lado de Grace, e procurei não pensar naquilo de imediato. Olhei para Eduardo que estava meio sentado, meio deitado na poltrona, com a cabeça apoiada no espaldar. Fui lavar as mãos rapidamente para preparar a injeção de glicose.
As veias de Eduardo eram muito boas e eu estava acostumada com elas. Mas minhas mãos tremiam e errei a primeira picada. Na segunda, acertei. Enquanto eu injetava, Dona Clara e Grace oraram abençoando aquele líquido. Nem bem terminei e tirei a agulha, Eduardo inclinou o corpo para a frente e vomitou violentamente aos meus pés, sujando o tapete de Grace e a poltrona. Um cheiro horrível invadiu o ar! Sem dúvida, aquilo era coisa de bebida!
— Põe tudo para fora mesmo! — fez Grace.
Ela ainda tentou colocar um baldinho que tinha ficado esquecido ali, certamente resquício de uma Ministração, mas não deu tempo. Ele vomitou várias vezes no chão. Grace correu para dentro a fim de buscar algo para limpar a sujeira. A faxineira tinha vindo naquele dia para preparar a casa para a virada do ano! Eu não sabia onde enfiar a cara. Estava já tão esgotada que não conseguia parar em pé.
Grace apareceu com um balde e um pano. Começamos a limpar aquela sujeira toda. Eu nem me preocupava com o pano, limpava com a mão mesmo a sujeira que tinha ficado enfiada nas franjinhas do tapete. Suando em bicas, minha boca parecia estar grudada de sede, pegando, dificultando a deglutição.
Tinha um quilo de salame naquele vômito! Eu sabia muito bem que não tinha salame em casa...
"Então comeu e bebeu mesmo na rua."
Mas eu continuava achando muito estranho que ele tivesse feito aquilo sozinho. Não era hábito de Eduardo. Foi mais um dado que me inclinou a pensar que talvez ele tivesse encontrado alguém. Tanto podia ser apenas alguém... um conhecido qualquer... como podia ser alguém! Uma pessoa da Irmandade.
Quando finalmente terminamos a limpeza, Eduardo já estava cochilando. Tentamos limpá-lo como deu. Então Grace trouxe um lençol e colocou sobre o sofá.
— Preciso fazer xixi! — começou Eduardo novamente.
— Não é possível! Ele acabou de ir...
Dona Clara e eu conseguimos levá-lo ao banheiro novamente.
— Não estou enxergando nada... — reclamava Eduardo.
Realmente, durante toda a noite, eu não tinha certeza de que ele estava me enxergando. Procurei não pensar, não responder, não me influenciar. No fundo, eu pensava se aquilo era fato. Porque ele não parecia estar orientado, não parecia estar enxergando ninguém. Antes mesmo de Eduardo falar isso, eu já estava notando alguma coisa estranha! Inclusive ali na sala, ele não fixava direito nenhuma de nós.
Mas no banheiro percebi que ele levantou a tampa da privada, pegou papel higiênico... eu deixei, apenas para observar melhor. Eduardo ainda bateu com o cotovelo no peitoril da janela e quebrou um enfeitinho da irmã da Grace.
Depois daquela saga do banheiro, conseguimos acomodá-lo no sofá coberto pelo lençol. E ele capotou! Eu sabia que efeito benéfico tiveram as orações. Inclusive enquanto eu estava na farmácia, Grace e Dona Clara conversaram e oraram com ele. A glicose terminou com chave de ouro! Se ele dormiu, é porque estava melhor... aquela horrorosa agitação das horas anteriores tinha terminado.
Ainda limpei um pouco mais o chão e a poltrona, como deu. Então sentamos as três e ficamos olhando para Eduardo, que dormia. Grace ainda apagou parte das luzes, deixando apenas o abajur. Ficamos na penumbra, conversando, volta e meia eu ia até ele tomar seu pulso. Estava rítmico, cheio.
— Ele estava muito preocupado com você — falou Dona Clara. — Enquanto você foi à farmácia, toda hora perguntava: "Cadê minha esposa, cadê minha esposa?". E falava também que vocês tinham ido ver uma casa linda. "Vimos uma casa linda, linda...". Não sei se ele sonhou, ou...
— Não, a gente foi mesmo ver uma casa... ele conversou com vocês, assim?
— Não falou muita coisa, mas conversou... nós oramos... e logo você chegou. Passou-se talvez três quartos de hora. Ficamos naquela vigília até duas e meia da madrugada. Então, sugeri:
— Você quer ir para casa, Dona Clara?
Ela estava preocupada com o horário por causa do seu Benito, apesar de que tinha avisado da urgência. Então me ofereci para levá-la. De saída, pedi para Grace:
— Espera eu voltar, tá, Grace? Não deixa ele sozinho! Quando eu voltar, você deita...
— Não deixo, não... pode ir sossegada...
Eram vinte para as três quando saí novamente. Cheguei de volta às três e vinte. Nada como pegar a cidade deserta! Rapidinho fui e voltei. Entrei e Eduardo continuava dormindo, fui novamente tomando seu pulso e percebi que ele ainda estava bem quente.
— Grace, você tem um termômetro?
— Tenho. Vou buscar.
Antes que pudesse conferir a temperatura, Grace trouxe-me um colchão, um travesseiro e um lençol para colocar no chão. Eu e ela arrumamos aquela cama bem ao lado do sofá.
— Muito obrigada, Grace... muito obrigada mesmo!
— Vou deitar, mas qualquer coisa você me chama. É só bater na minha porta!
— Pode deixar.
Assim que ela saiu da sala coloquei o termômetro em Eduardo, esperando encontrá-lo febril. Mas, para minha surpresa, a coluna de mercúrio não subia, permanecia estacada em 35° C. Fiquei nervosa novamente, experimentei o termômetro em mim. Minha temperatura estava normal!
Pus novamente em Eduardo, mas realmente a coluna de mercúrio insistiu em ficar nos 35,3° C. Sacudi a cabeça. Não adiantava pensar em mais nada, nem me angustiar. Era melhor esperar que ele descansasse e que isso, por si só, fosse terapêutico. O que importava é que ele estava ali, em segurança, dormindo, e aparentemente bem melhor do que antes.
Deixei o termômetro de lado. Em poucos dias tinha visto a temperatura dele variar do mínimo ao máximo! De 35° C a 42° C! Eu ainda me sentia agitada demais para deitar. Então fiquei sentada no meu colchão, de olho nele. Apenas contemplei seu rosto e imaginei que coisa terrível tinha acontecido.
Olhei ao redor e senti paz pela primeira vez em muitas horas. O abajur iluminava suavemente a sala cheia de coisas da Grace. A mesinha de centro estava ali ao meu lado, o piano atrás de mim. Senti-me aconchegada e protegida. Olhei para o relógio: eram quinze para as quatro.
Chequei também as pupilas de Eduardo para ver se tinha reflexo, e se estavam iguais. Vai que ele entrasse em coma alcoólico... vai saber! Mas os sinais vitais pareciam bem, pelo menos aqueles que eu podia constatar. Apesar daquela temperatura... o pulso e as pupilas estavam em ordem... ele reagia a chamados verbais e reagia a dor. Isso eu pude constatar várias vezes. Quando eu o chamava, Eduardo procurava se orientar, e também sentiu dor com a picada da injeção.
Quando meus olhos começavam a pesar de sono, estiquei um pouco as costas no meu colchão. Mas não conseguiria dormir. Estava por demais impressionada! Toda hora abria os olhos de novo, olhava para Eduardo, tomava seu pulso. Eu o tinha coberto com um lençol e ficava difícil perceber a sua respiração. Então deitei a cabeça sobre a sua barriga e fechei os olhos para descansar. Assim não precisava ficar toda hora pegando o pulso e abrindo os olhos. Senti-me melhor ali sentada, com a cabeça balançando lentamente ao ritmo da respiração de Eduardo.
O resto da madrugada correu lentamente. Quando o dia começou a amanhecer eu me sentia muito cansada. Quando deu sete horas da manhã, Eduardo acordou. Eu estava ansiosa para saber como ele estava. Olhei para ele e ele para mim. Então começou a perceber que estava num lugar estranho.
— Onde é que eu estou?
— Você está na casa da Grace... — eu não queria falar muito. Preferia ver como é que ele estava primeiro.
— Mas o que que eu estou fazendo aqui?
— A gente veio aqui para orar — tentei desconversar. Ele começou a ficar ansioso e preocupado.
— Mas orar por quê? O que tá acontecendo?
— É que a gente precisou vir pra cá. Tivemos uma luta ontem... e... então a gente veio! Dormimos aqui. Mas não precisa ficar preocupado... — eu queria que Eduardo esquecesse daquele detalhe. — Melhor agora é você descansar...
Mas então algo diferente aconteceu. Eduardo olhava por cima do meu ombro.
— Eu estou vendo o meu amigo...
No meu íntimo eu sabia a quem ele se referia, mas quis ter certeza, então perguntei:
— O anjo?
— É... — Eduardo já estava chorando, com os olhos meio fechados, e tinha a voz fraca, entrecortada.
— O anjo ruivo?
— É...
Como já tinha acontecido antes, ele passou a repetir algumas frases daquele ser espiritual.
— "Nessa noite vocês atravessaram o vale da sombra da morte..."
— ...da sombra da morte? — murmurei.
Aquelas palavras tiveram um estranho impacto sobre mim, criaram vida no meu coração. Por um lado, era terrível... por outro, era incrível! Esta sensação indistinta veio acompanhada de um forte alívio por saber que Eduardo estava sendo visitado.
— "Não tenham medo! Eu estou com vocês. Eu estive o tempo todo com vocês nessa noite!"
Metade das frases Eduardo falava em línguas, metade em português. Eu sabia que aquilo não estava no controle dele. Percebi o quanto estava fraco, debilitado.
Então vi o frasco de óleo da Grace em cima da mesinha. Eu já tinha feito isso uma vez durante a madrugada. Comecei a ungir Eduardo, a cabeça, o coração, os pulmões, o sistema digestivo, tudo... e pedia a restauração do seu organismo.
Depois tomei as mãos dele entre as minhas, e as ungi também:
— Que o Senhor possa usar estas mãos para o Seu serviço, que nunca se estendam para a iniqüidade.
Ungi também os pés. Queria aproveitar a presença do anjo. Eduardo continuava falando em línguas. E eu murmurava bem baixinho:
— Que estes pés sejam calçados com os sapatos da preparação do Evangelho da paz... e que eles andem sempre pelo caminho de Deus, em verdade, pelas veredas da Sua Justiça! — passei a ajustar, então, em oração, cada peça da armadura de Deus sobre o corpo de Eduardo. Ele não estava em condições de fazê-lo, tive fé que poderia fazer por ele.
As lágrimas escorriam pelas suas faces. Então uma das frases veio em português.
— Ele esteve o tempo todo com a gente... e ele lutou muito!... O nome dele é Mikhael... ele é o Capitão do Exército!... Mas... como é que você luta se você não tem espada? — perguntou Eduardo de maneira infantil, naquele estado de fraqueza, torpor e emotividade. Em poucos segundos veio a resposta. — "Jesus também não tinha espada, Ele lutava pela Palavra..."
Ficou nas entrelinhas que ele também tinha lutado daquela maneira, pelo menos assim entendemos.
— Mas... — Eduardo olhava em derredor. — Mas cadê o Exército? Cadê os anjos?... — depois de uma pequena pausa, Eduardo continuou: — "Tem muitos aqui fora. E eu enviei outros para cercar a Clara..."
Eduardo não entendeu aquela parte. E perguntou, dessa vez para mim:
— Dona Clara? Mas por que Dona Clara? O que isso tem a ver?
— Dona Clara também esteve aqui... — respondi.
Aquela visitação única continuava, porque Eduardo novamente olhou por cima do meu ombro. E falou:
— "Fica em paz porque as suas famílias e os animais também estão protegidos. Tem um lacre cercando todos eles!"
Ao escutar isso, comecei a ficar tocada. Certamente não era Eduardo que estava intranqüilo com aquilo, ele nem sabia o que estava acontecendo. Tinha sido eu que, durante a noite, fiquei pensando em como estaria minha família... se Eduardo tinha fechado a porta do apartamento... ou se tinha deixado as janelas abertas, com risco dos gatinhos caírem lá de cima, ou se a porta tinha ficado aberta e eles saíram pelo corredor...
Um pouco disso tudo passou pela minha mente naquela noite. Entendi que o anjo queria me tranqüilizar!
— "Você foi muito corajosa nesta noite... você tem muito valor!" — continuou Eduardo traduzindo as palavras para mim.
Aquele elogio me derrubou. Comecei a chorar imediatamente, sentindo meu corpo em frangalhos, cansado...
— Mas eu tive muito medo! — estava debruçada sobre a barriga de Eduardo, e chorava molhando sua camiseta. — Eu queria muito poder ver os anjos também...
A doçura daquele momento fazia com que a gente falasse coisas bobas, pedisse coisas bobas...
— "Nesse ano você vai ver..." — veio a promessa dele para mim. — "O diabo queria matá-lo nessa noite, mas o Senhor dos Exércitos não queria. Você fez a coisa certa!"
A repetição daquelas palavras me tirou dos ombros mais um enorme peso. Recordei que, quando fiz a volta para retornar à casa de Dona Clara, Eduardo tinha dito aquelas mesmas palavras para mim. "Você fez a coisa certa."
— "Eu escutei as suas orações sobre a tosse... e elas foram respondidas!" — o recado do anjo continuava vindo de encontro perfeitamente às minhas necessidades. — Ele gosta muito de você! — acrescentou Eduardo.
Como eu continuasse chorando, Eduardo repetiu. Acho que o anjo queria que aquilo ficasse bem marcado no meu coração.
— Ele gosta muito de você!
— Eu também gosto muito dele... — retribuí imediatamente aquelas palavras de carinho. Tudo aquilo não tinha preço!
Eduardo repetiu minhas palavras ao anjo, embora eu tivesse certeza de que certamente ele estava escutando por ele mesmo. Então Eduardo riu. E falou:
— Ele tá rindo! Por que ele está rindo se não tem nada engraçado aqui?
Por um instante fiquei desconfiada. Lembrei-me das risadas daquele demônio e quis ter certeza de que era o anjo que estava ali. Então perguntei imediatamente:
— Mas ele tá rindo como?
Eduardo não tinha recordação da noite passada, por isso não entendeu a atitude do anjo. Mas respondeu:
— Não... ele está se alegrando!
— Ele está contente, então? É isso?
— Ele está contente com a vitória!
Fiquei mais tranqüila.
— Ele está pondo a mão na sua cabeça. — Eduardo riu de novo, entre lágrimas. — Que mão enorme! "Estou renovando suas forças... não tenha medo... porque eu estou com vocês!"
Naquele momento tive coragem de fazer uma pergunta que muito queria ver respondida.
— Quem foi aquele anjo que me ungiu?
— Mas o que aconteceu? O que aconteceu? — Eduardo ainda estava ligeiramente agitado querendo entender o que tinha acontecido, e por que estava na casa da Grace. Acho que nem ouviu minha pergunta para transmiti-la ao anjo...
Mas aí, subitamente, se aquietou. Quando vi Eduardo voltando a se acomodar no sofá, relaxando, ainda perguntei:
— Ele disse para você dormir?
— Mikhael vai me trazer à lembrança tudo que aconteceu... mas agora é para eu descansar! Ele disse para eu descansar... "Descanse agora... depois a lembrança vai vir..." — ele se acomodou melhor. — Quando a Grace acordar você me chama?
— Chamo...
A visão tinha terminado. Eu não vi nem ouvi nada, mas Eduardo contou toda a visão de maneira completa mais tarde. Disse que deu risada quando o anjo tocou minha cabeça porque minha cabeça ficou até pequena, a mão dele parecia uma enorme tigela sobre mim. E brilhava... a luz que emanava dele brilhava...
Eduardo virou de lado e fechou os olhos para continuar dormindo. Aí abriu os olhos de novo.
— Alguém ungiu os meus pés?
— Quando, agora?
— Não sei... alguém ungiu?
— Eu ungi... acho que a Grace também ungiu. Por quê?
— O anjo ruivo disse que nós seríamos levados por um novo caminho a partir de agora, um caminho diferente...
Antes que realmente pegasse no sono eu lhe dei água. Quanto a mim, levantei para ir novamente ao banheiro. Tinha passado a noite inteira bebendo água e indo ao banheiro. Eduardo dormiu mais uma meia hora, quarenta minutos.
Fui até o fundo para ver se Grace já tinha levantado. Como ela estivesse em pé, de camisola, ficamos conversando um pouco. Contei sobre o anjo.
— E ele disse que o nome dele era Mikhael? O Capitão dos Exércitos? — Grace se espantou muito. — Mas então é o Arcanjo Miguel! Miguel é que é o Capitão dos Exércitos!
Fiquei tão boquiaberta quanto ela.
Então Grace veio para a sala, queria ver Eduardo. Eu o chamei e nós conversamos um pouco. Ele parecia melhor embora ainda estivesse zonzo. Ficou sentado no sofá, meio coberto com o lençol, e conversou com Grace ali mesmo.
Então ela quis preparar um café bem forte.
— Melhor não, Grace... vai fazer mal pro estômago dele! Nós só almoçamos ontem, depois não comemos mais nada...
Eduardo levantou para ir ao banheiro. Estava enjoado e com vertigens. Então Grace lhe deu um Gatorade. Enquanto a gente conversava e Grace fazia perguntas a Eduardo, comecei a perceber as lacunas de memória dele. A primeira foi em relação ao período que ficou na Internet, no Shopping, no final da tarde do dia anterior.
— Eu até te mandei um e-mail, Grace... falei da casa que nós fomos ver. Fiquei uns dez minutos na Internet ontem!
— Como assim, dez minutos? Fiquei esperando no carro uma hora e quinze! O que você fez no resto do tempo?
— Não sei... só me lembro de ter ficado na Internet!
— Não tinha um e-mail pra você? Você falou nisso o tempo todo!
— Não tinha nada de especial...
Fiquei quieta em relação àquilo. Fiz outras perguntas e percebi que Eduardo não tinha qualquer lembrança do que acontecera entre as seis da tarde e onze da noite, hora em que apareceu ao lado do carro. Eu já sabia que ele não se lembrava de nada do que tinha acontecido durante a madrugada. Portanto... desde o Shopping que ele não se lembrava de mais nada. A última coisa de que tinha consciência é de ter ficado dez minutos na Internet... e só!
Depois de um lanche rápido, nos despedimos de Grace. Ela ficou parada no portão, com um semblante meio compadecido, olhando para nós. Eduardo estava envergonhado por estar descalço, de moletom, de camiseta regata suja de vômito. Ela fez um aceno e nós respondemos. Fomos para casa.
Chegando lá, Eduardo foi se deitar novamente. Estava muito cansado e com o corpo fraco. Eu tentei me deitar também, mas foi impossível dormir. As lembranças daquela noite ficariam impregnadas na minha memória. Não consegui pregar o olho, apesar do meu próprio cansaço. Talvez tenha cochilado cerca de uma hora, o tempo todo me virava para ver se Eduardo estava respirando.
Então levantei e tratei de arrumar um pouco a casa.
Graças a Deus, Mambo e Merengue estavam bem. Mas tinham ficado soltos pela casa, terminaram de destruir a árvore de Natal! Dos males o menor... o mais importante é que estava todo mundo bem.
Depois que Eduardo acordou, a primeira coisa que fizemos foi orar pedindo perdão a Deus. E também que o Senhor trouxesse à lembrança o que havia de fato acontecido com Eduardo.
Depois fomos tomar banho, à noite iríamos com Marco, minha mãe e Karine ao Culto de passagem de ano na Comunidade. Depois, minha mãe tinha providenciado ceia para fazermos na casa dela.
Tirando o cansaço do corpo, de resto estava tudo em paz!
Mas os traumas emocionais daquela noite iriam persistir por muito tempo no meu coração...
Minha impressão é que eu nunca mais conseguiria pôr a cabeça no travesseiro e dormir serenamente. Fiquei muito impressionada... especialmente com a expressão do rosto de Eduardo, com aquela aparência tão profunda de morte... uma coisa pavorosa, horrível...
Alguns sintomas físicos apareceram logo nos próximos dias... resultado daquele estresse emocional indescritível.
Logo depois que chegamos da casa de Grace eu dormi, não pensei em mais nada. Não havia em que pensar! Eu não tinha recordação de coisa alguma... tudo era um grande vazio dentro de mim. No entanto, depois que acordei e oramos juntos, pedindo perdão e também a restituição das lembranças, segundo me havia prometido o anjo ruivo, como o milagre começou a acontecer.
No começo as recordações do dia e noite anterior vieram turvas, como num sonho, mas então foram ficando claras e perfeitas. Para contá-las melhor, terei que recuar um pouco no tempo.
Depois que brigamos, e eu dirigi até em casa pela primeira vez, me sentia muito irado. Não me recordo de ter falado a Isabela que ela não merecia viver. Já devia ser a influência demoníaca a distância, porque não tive qualquer recordação disso. Não me lembro também de ter voltado para o Shopping, aquele trajeto continuou, da mesma forma, como encoberto por uma enorme nuvem...
Destas coisas o Senhor não me trouxe lembrança alguma. Tive que confiar no que Isabela contou.
A primeira lembrança que tenho depois da discussão é de ter aberto a Internet no Shopping. Mas realmente, fiquei ali apenas dez minutos! Depois disso, como continuasse muito irritado e nervoso, simplesmente deixei-me ficar sentado num banco. Fiquei observando as pessoas passarem, era final de ano e o Shopping estava cheio. Inclusive tinha pessoas sentadas ali ao meu lado no banco.
Mas então escutei uma voz muito conhecida. Olhei para o lado. Não vi ninguém. Tão-somente continuavam ali aquelas pessoas desconhecidas... mas não a dona daquela voz... onde estaria ela?...
Então compreendi que se tratava de um desdobramento (Leia Filho do Fogo). Ela estava ali ao meu lado, embora não pudesse ver com meus olhos físicos.
— Olha a vida que você está levando... você pode começar o ano com outra vida, de outra forma... — a voz de Thalya soou muito clara e audível bem ali do meu lado.
Olhei novamente e não vi nada. Achei que estava ouvindo coisas... mesmo assim fiquei refletindo naquelas palavras. E falei para mim mesmo:
"Cansei. Quero mais que acabe, que termine! Não tenho mais nada a perder... pior do que isso não fica!"
Segundo Isabela, eu levei uma hora e quinze para voltar ao carro. Não tenho essa dimensão de tempo na lembrança. O tempo deu um salto e a próxima recordação era de já estar em casa, no apartamento. Sozinho. Isabela tinha ficado no carro, no estacionamento, mas não sei se tinha consciência disso. Ela tinha ficado orando, mas eu estava repleto daquela sensação ruim, daquela angústia, daquela sensação de não haver mais nada a perder.
Eles tinham ganhado muito terreno! Pelo menos eu assim sentia naquele momento.
Queria me anestesiar um pouco. Minha alma pesava tanto que fui procurar aqueles comprimidos que Isabela tomava para dormir, aqueles que ela comprava com receita azul quando estava num período de muita insônia. Mas só tinha um. Minha intenção era tomar quantos tivesse, mas só tinha aquele malfadado comprimido único na carteia!
Fiquei na cozinha pensando o que poderia usar junto com aquele comprimido que me garantisse o efeito anestésico que queria. Nós tínhamos ali uma garrafa de vinho já aberta. E tinha também uma garrafa de aguardente típica de Pernambuco... tínhamos trazido da Lua-de-mel para dar de presente a um tio de Isabela que curtia muito aquele tipo de coisa. Gostava de umas caipirinhas diferentes.
Não tive dúvida. Tomei o comprimido com aquele vinho e uma boa quantidade da aguardente.
Depois disso, entrei no banho, vesti o moletom e a camiseta, fui deitar. Não queria pensar em mais nada, não queria sentir mais nada! Tudo que eu queria era apagar.
Fiquei deitado na cama... quieto... lembro-me que aquela sensação de torpor foi me invadindo, tomando conta de mim, meus pensamentos pareciam mais devagar, minhas emoções, minha mente... eu apenas olhava para o teto do quarto e acompanhava o ruído dos carros na avenida. Mas, de repente, até aquele ruído parece que deixou de existir.
Então algo chamou minha atenção. Virei lentamente a cabeça para o lado esquerdo, para o lado da janela. Ali estava Abraxas. Sim, exatamente ele, exatamente como eu o tinha conhecimento. Os limites do quarto pareciam não mais existir. Entretanto, percebi que ele estava do lado de fora. Não adentrou o apartamento. E dali, a alguns metros de onde eu me encontrava, ele falou com voz muito branda:
— Você está precisando de um pouco de paz — aquela voz era a mesma que eu conhecia e já não ouvia há tantos anos. — Vem comigo! Eu vou te levar para um lugar de paz, você vai ter paz...
Naquele momento, ele falou tudo o que eu queria ouvir. Não sei quanto daquela medicação e das bebidas contribuiu para a minha resposta. Mas naquele momento Abraxas falou a coisa certa.
— Tá bom. Me leva.
Me sobreveio novamente aquela sensação de que não havia absolutamente mais nada a perder. Abraxas respondeu:
— Sai. Você precisa sair daqui.
Então levantei. Calcei o sapato, desci o elevador e saí para a rua. Saí e simplesmente fui andando, me sentia meio balão. Durante o trajeto escutei a voz de Abraxas mais uma vez.
— Você tem três caminhos a tomar. Ou você volta para o Grupo... ou vai direto para um lugar de paz, nessa noite... ou então cancela o livro, e essa possibilidade vai te trazer também muito dinheiro!
Fiquei pensando naquilo, mas não com muita intrepidez. No meu íntimo eu queria paz, só paz! Ele deveria me dar alguma direção, me dizer o que fazer para encontrar o lugar de paz. Só que naquela hora ele não falou mais nada.
Como sentisse sede, parei na dona Deôla para tomar um refrigerante.
Pedi um refrigerante no balcão e fui me sentar numa das mesinhas externas. A noite estava quente. Nem bem me acomodei e reparei num carro que estacionou ali do lado. Era um carro branco, importado, com vidros verdes. Reparei no carro porque não era comum ver um daqueles toda hora. Nem me passou pela cabeça quem poderia descer de dentro. Mais uma vez... para minha surpresa, eram duas pessoas que tinha conhecido muito bem.
Eles apearam e vieram na minha direção... com muita educação chegaram perto, com o sorriso estampado no rosto.
— Podemos nos sentar aqui com você? — perguntou Zórdico com amabilidade. — Vamos conversar um pouco?
— Eu não quero conversar. Não tenho nada para conversar com vocês, quero sossego! Vim aqui só para tomar um refrigerante — respondi com um pouco de enfado, mas não de forma rude.
— Nós também só queremos conversar um pouco com você... — continuou Rúbia no mesmo tom e sempre com o mesmo sorriso.
Fiquei quieto e não falei mais nada. Que fizessem o que quisessem. Então eles sentaram e Zórdico continuou, sempre brandamente. Eu já estava decorando aquela introdução.
— Nós te amamos muito... você nos faz muita falta! Isso é vida pra você estar levando? Olha só... você pode mudar tudo isso! Cancela essa história de livro... esquece isso... olha... começa uma nova vida! Você sabe que ainda tem uma mulher que gosta de você de verdade, e ela está te esperando! Aquela moça que nós encontramos no congresso, daquela vez, ela é sua esposa, não é?
Fiz que sim com a cabeça.
— Pois é... — ele mantinha a calma e a polidez. — Veja só... você acha que ela e mulher para estar do seu lado? Você tem uma outra mulher muito especial, a sua alma gêmea, que está te esperando! Por sinal, você quer que a gente te leve ate ela? Ela está aqui perto, e nós podemos te levar lá. Você não quer?
— Não. Eu não quero saber de nada. Não vou. Já disse que só quero sossego, me deixem em paz!
Rúbia mudou um pouco o assunto:
— Sabe, se você quiser... pode ter muito dinheiro! Você pode ter dinheiro de uma forma que nunca viu, nem em toda a sua vida você poderia ganhar tanto! Nem mesmo se você vendesse demais este livro! Nunca, nunca você conseguiria ganhar esta quantia! Mas nós podemos te dar esse dinheiro... — fez uma pequena pausa. — E aí vamos esquecer esse assunto... você esquece que a gente existe... nós esquecemos que você existe. Então você vai ter a sua paz de volta, tudo vai voltar ao normal! Não vai mais haver lutas, problemas, você vai poder esquecer essa história de guerra. Suas famílias vão ficar ilesas...
— É! — interrompeu Zórdico. — O seu cunhadinho vai voltar a ter a vidinha dele, a velha vai ter o dinheirinho dela de volta!
Num fio da minha memória lembrei-me dos R$ 900,00 de Dona Márcia e das palavras de maldição contra Marco.
— Posso saber por que vocês estão focando tanto o ataque em cima da família da minha esposa?!
— Porque essa é uma das melhores formas de afetá-la. Nós não gostamos dela! Nós gostamos de você. E, por amor a você, a sua família não é tocada. Mas nós odiamos ela! Ela não é a mulher certa para estar ao teu lado. A mulher certa é sua alma gêmea! Teu pai te separou uma outra pessoa, você sabe disso... e ela tomou este lugar. Exatamente por causa disso o ataque sobre ela é muito mais pesado! Você tem idéia do quanto tem sido poupado, óbvio... mas ela não vai ser poupada!
— Não.... tudo só acontece porque Deus está permitindo... Os dois deram uma risadinha meio debochada.
— Então Deus está permitindo a destruição de vocês! — Zórdico sempre teve aquele lado meio sarcástico. Mas não queria continuar discutindo aquele assunto que, para ele, era totalmente dispensável. — Enfim... quanto a você... você pode mudar! Você pode ter dinheiro, ter sossego, como tanto quer. Você pode mudar tudo nesta noite. Lembre-se: dinheiro compra tudo!
— As lutas vão cessar — disse Rúbia. — Todo este Inferno vai cessar. Além disso, tudo isso cessando, você vai poder ter todo esse dinheiro que nós estamos falando para dar um rumo completamente diferente na sua vida!
Eles estavam falando muito naquilo. Até agora não tinham dito o valor.
— Dinheiro, é? Quanto dinheiro?
— Muito dinheiro!! Você só precisa responder o e-mail... se você nos der um OK, vamos depositar na sua conta dinheiro como você nunca viu antes — fez Rúbia novamente.
Os dois se alternavam otimamente naquela persuasão.
— E é só isso? O que vocês querem em troca? — aquela história estava mal contada.
— Nós já dissemos. Você simplesmente não publica o livro, você cancela esse negócio. Sabe, nós não queremos você como inimigo! — continuou Zórdico. — Então se você não quer ser nosso amigo, então pelo menos não vamos ser inimigos Não precisamos disso. Você nos ajuda com seu silêncio... e nós te ajudamos a ter uma vida melhor. Não haverá mais ataques sobre vocês e sobre as famílias... e você terá todo esse dinheiro.
Parei por alguns instantes, refletindo naquilo. Então balancei lentamente a cabeça.
— Mas eu não quero isso... quero paz! Eu só quero sossego, gente... Zórdico se aprumou na cadeira.
— Tem alguma coisa que você anda querendo muito, e que você não está podendo fazer?
— É......nunca me deixam comer salame! Ficam dizendo que eu estou com o colesterol alto! — só depois percebi o quão estúpida havia sido aquela colocação. Naturalmente não era disso que Zórdico estava falando.
Realmente meu colesterol estava um pouco elevado e Isabela procurava me incentivar a não consumir gorduras em excesso.
Zórdico certamente não esperava aquela resposta, até deu risada.
— Ah! Então você quer salame?
Levantou-se, foi até o balcão e trouxe um prato enorme cheio de salame. Colocou na minha frente.
— Pois bem... coma salame! Tudo é lícito pra você!
— Peraí! Vou pegar alguma coisa pra gente beber. — Rúbia levantou também e voltou com três copos de bebida. Pequenos. Parecia caipirinha, porque tinha limão, mas não era caipirinha.
Separou um para ela, um para Zórdico e empurrou o terceiro na minha direção.
— Esse aqui é pra você!
Por uns instantes ainda pensei, olhando para o copo: "Será que eu devo beber?
Ou não?". Mas novamente fui invadido por aquela sensação...
"Ah, não tenho nada a perder! O que que pode acontecer?... Eu só quero paz!" Tomei. Comi o salame. Nem sei o que mais me falaram durante aquele tempo.
Então me levantei.
— Não tenho mais nada para discutir com vocês... não me importunem mais... só quero sossego.
Os dois olharam para mim. Rúbia fez um sinal característico na minha direção e falou:
— Isso nunca aconteceu. Esse momento nunca aconteceu!
— Mas pense na nossa proposta — inteirou Zórdico. — Dela você vai se lembrar... Nem respondi. Saí da padaria e fui tomando o caminho de casa. Agora me sentia realmente zureta... zonzo... não me recordo do trajeto para casa, nem de ter encontrado Isabela no elevador. Não tinha a menor noção do horário. A menor noção de nada.
A próxima coisa de que me lembro é de estar novamente deitado na cama. Em casa. E fiquei esperando. Só queria ir embora. Para aquele lugar de paz! Lembrei que Abraxas tinha falado em três possibilidades... mas eu queria o lugar de paz!
— Me leva daqui! Eu quero aquela paz que você me prometeu!
Então realmente comecei a sentir meu corpo ficando todo dormente, sentindo a respiração diminuir... as forças indo embora... cada vez mais fraco, mais fraco... letárgico... a visão foi ficando turva... parecia que ia entrar num sono profundo, mas eu sabia que não era um sono... eu ia morrer, mas aquilo não parecia ruim.
Não sei o que aconteceu... então de repente eu estava dentro do carro!...
Pensando depois, creio piamente que foi o anjo que me carregou para baixo e me colocou ao lado no carro; quando me soltou, desabei no chão. Uma pessoa que não se lembrou sequer de pôr os sapatos, e que não andou sozinho nem mais uma vez naquela noite, não haveria de ter saído por si mesmo de casa, fechado a porta, andado até o estacionamento... mas este detalhe nunca vou saber com certeza.
O que me lembro é que o carro estava andando, estava em movimento, então olhei para a direita, para fora, e vi Abraxas ali do lado, me acompanhando. Não sei que momento foi aquele da trajetória. Ele olhava para mim e falou de novo:
— Você quer a paz? Quer que eu te leve agora!
Creio que eu respondi. E disse:
— Sim. Quero que você me leve. Você prometeu a paz!
Quando disse isso, vi abrir um túnel grande ali ao meu lado. Fez até um barulho, foi muito real, muito nítido, como se me abrisse a porta de uma outra dimensão...
"ZUUU"!!
Isabela se lembra de eu ter dito algo sobre o túnel. Na trajetória dela, isso foi muito mais pra frente. Toda a lembrança inicial eu perdi. Deus me trouxe na memória apenas os pontos importantes daquela história.
Reparei que aquele túnel se abriu perto dos meus pés, e eu estava bem na beiradinha dele! A um passo de cair naquele precipício sombrio... aí realmente meu corpo começou a cair naquele túnel, lentamente, de leve... já não existia pulsação... não existia respiração... meu corpo parava de funcionar pouco a pouco à medida que eu caía no precipício... senti minha visão sumindo... minha audição perdendo o contato com o mundo... os músculos estavam dormentes... parecia que meu corpo estava parando...
Mas então... de algum lugar muito longe eu escutei a voz de Isabela me chamando...
— Eduardo! Eduardo! Resiste!
Por algum motivo aquilo me trazia de volta e eu perdia a visão do túnel. Isso aconteceu duas vezes. A terceira vez em que o túnel se abriu debaixo dos meus pés, uma coisa diferente aconteceu... naquele momento eu creio que quem me abriu a visão foi Deus.
Quando o túnel se descortinou, imediatamente eu vi muitos Sadraques! Muitos! Uma quantidade absurda, monstruosa! Eram fileiras e mais fileiras, como se o carro estivesse no centro de um imenso funil indescritivelmente grande, repleto de Sadraques. Para onde eu olhasse, para qualquer lado que me voltasse, a única coisa que eu enxergava, até onde minha vista alcançava, eram Sadraques e mais Sadraques!
E o olhar... o olhar deles era de incrível expectativa! De júbilo! Não estavam perto do carro, a fileira mais próxima ficava distante cerca de cinco metros de mim... mas estranhei o rosto deles... estavam como abutres esperando... esperando... não faltava muito... era só mais um pouco...
Então a verdade saltou com indiscutível colorido diante de mim! O lugar aonde eles queriam me levar não era um lugar de paz... eles queriam me arrastar para o Inferno, eu não tinha percebido até aquele momento!
Lembro-me de ter pedido ao anjo ruivo que me desse a mão nesse momento. Eu podia vê-lo naquele momento. Fiquei aterrorizado com a visão dos Sadraques à volta do carro, uma massa incalculável de demônios de morte estava ali ao meu redor. Tive muito medo, então vi que o anjo que estava ali... eu já tinha visto ele antes, em algum momento, e ele tinha me dado a mão. Então gritei de novo:
— Me dá a mão! Segura na minha mão!
Ele estava em cima do carro. Parecia estar deitado sobre o capo do carro, protegendo-nos com seu próprio corpo. Então aquela mão enorme apareceu ali na janela e segurou a minha. Ficava fácil para quem estava de bruços sobre o carro colocar a mão por dentro da janela aberta...
Lembro-me de que em algum momento ele havia falado comigo, disse que seu nome era Mikhael... ele era o Capitão do Exército do Senhor! Eu o vi mais de uma vez...
Taí uma informação que eu não tinha na época... eu não sabia que o Arcanjo Miguel era Capitão dos Exércitos!
Minha próxima lembrança foi a de acordar na casa da Grace, completamente confuso e sem saber como tinha ido parar ali. Então Mikhael apareceu novamente, ele não tinha arredado pé, certamente, até aquele momento. Mas conversou comigo... conversou com Isabela... e embora eu estivesse agitado para saber o que tinha acontecido, pois percebia que alguma coisa muito estranha tinha acontecido, e eu não sabia o que era... então ele me disse para descansar.
Mais tarde eu iria recordar de tudo. E assim aconteceu.
Ainda durante a tarde, conversando com Isabela, Deus desbloqueou minha mente e minha memória. Era uma história completamente indescritível... não fosse por alguns detalhes, e poderíamos até mesmo questioná-la.
Mas eu já sabia do e-mail antes que ele chegasse. Eu também não tinha lembrança da presença de Dona Clara, me espantei muito quando o anjo ruivo
falou que estava mandando uma Guarda para protegê-la. Também não tinha condições de saber disso. Eu nada sabia sobre a oração que Isabela tinha feito sobre a tosse... muito menos que havíamos atravessado o vale da sombra da morte, e que ela tinha sido corajosa...
Falando em tosse, apesar do anjo ter dito que a oração já havia sido respondida, ela demorou ainda meses para passar.
O vômito de bebida e salame provava que eu tinha saído de casa. Não tinha salame na nossa geladeira! Deus permitiu que Isabela descesse do carro exatamente na hora em que eu estava subindo da rua. Ela mesma percebeu que eu tinha saído e estava estranho. Mas Abraxas não queria que ela percebesse meu estado...
Eu não teria condições de ter descido sozinho do apartamento até o carro. Meu corpo já estava dormente e sem forças, além do que não caminhei sozinho mais nenhuma vez naquela madrugada. A impressão que temos é que realmente eu fui carregado pelo anjo, ele me trouxe até a porta do carro e, quando me soltou, desabei ali no chão para ser socorrido por Isabela. Certamente não fui eu que tranquei a porta do apartamento... eu sequer tinha calçado os sapatos, quanto mais me lembrar dos gatos e de qualquer outra coisa, como fechar a porta...
Por esse motivo o anjo tinha dito que enviara também uma proteção para os animais... mais um dado que eu não tinha a menor condição de saber!...
E, mais importante do que tudo... era a sensação de morte iminente que eu senti, e Isabela também pôde constatar. O próprio Mikhael confirmou a intenção maligna do diabo, que era me matar. Havia também um decreto de morte firmado muito tempo antes...
O fato de Isabela ter permanecido firme durante a crise, orando, fez com que toda a legalidade que pudesse existir sobre ela não tivesse efeito. Abraxas mesmo tinha dito: "Nós não queremos mais ela...". Isso quer dizer que eles de fato tinham querido!
Quando repeti aquela frase do anjo, dizendo que Isabela "tinha feito a coisa certa", ele estava se referindo ao fato de ela ter voltado à casa de Dona Clara. A justificativa é que eu não teria chegado vivo na casa de Grace.
A Palavra já diz que "um pode contra mil, mas dois contra dez mil"! Existe uma potencialização de forças na oração em concordância. Era essa cobertura a mais que Isabela precisava para conseguir atravessar a cidade até Grace.
Aquela história pesou muito mais sobre Isabela do que sobre mim.
Ela tinha passado horas terríveis de angústia, tinha orado durante horas, desde muito antes das onze da noite, quando me colocou dentro do carro. Além daquelas horas de oração solitária, enfrentou uma hora e meia de tormento rodando pela cidade, procurando alguém para ajudá-la, sem sucesso. Depois que todo mundo foi deitar, ela ainda passou a noite em claro, vigiando meu sono até as sete horas da manhã...
Depois disso, Isabela nunca mais dormiu com a luz apagada. Ela deixava a
luz do banheiro acesa para iluminar levemente o quarto, ou colocava uma daquelas luzinhas de bebê no próprio quarto. Tinha sempre aquela necessidade de poder perceber se eu estava respirando. Quando saía sozinho, e me atrasava, ou a gente não conseguisse se comunicar por algum motivo, isso deixava Isabela muito nervosa. Assim que levantava da cama, de manhã, imediatamente ela acordava Algum sexto sentido a fazia perceber que eu tinha saído de perto dela!
Experiências assim deixam traumas nas pessoas... ela realmente me viu pendurado por um fio entre a vida e a morte! E é o tipo da coisa que só Deus pode consertar.
Quando contei minha parte do relato, ela sentia aquele peso na boca do estômago.
— Que coisa horrível... que coisa horrível!
"Irai-vos e não pequeis, não se ponha o sol sobre a vossa ira, nem deis lugar ao diabo..."
Naquela noite, na passagem do ano, demos um valor muito especial ao fato de estarmos juntos. Não apenas Isabela e eu, mas a presença de Dona Márcia e Marco era preciosa. Karine também passou o Réveillon conosco. Ela nos havia dado um fogão usado que comprou com sacrifício. Mas não poderíamos usá-lo porque era para gás de rua. Quando Deus confirmasse nossa mudança de casa, ele perderia a utilidade. Só no apartamento era usado gás de rua.
Especialmente Isabela estava satisfeita em poder ter a família perto de si, como sempre tinha sido desde que ela se entendia por gente. Isabela sempre fez a maior questão da família!
Não era de admirar que tocar neles a desestabilizava tanto...
Comemorar junto com Dona Márcia, Marco e comigo foi especial para ela. Karine era uma amiga bastante querida, e o fato de ela estar ali também foi muito bom naquela noite.
Em dado momento Isabela ainda falou, quando algumas palavras meio ásperas foram trocadas entre Dona Márcia e Marco por um motivo fútil.
— O mais importante é estarmos todos aqui! Juntos...
Karine sabia uma parte das nossas lutas, uma parte das bênçãos daquele ano. Olhou para nós com ar meio indagador. Mas nenhum de nós dois teria coragem de contar aquele episódio a ninguém. Aquilo ficou entre nós, Dona Clara e Grace. A única pessoa para quem abrimos alguma coisa foi Marco, bem mais tarde, apenas para que ele soubesse com clareza dos ataques sobre si e sobre sua família.
Não era muito difícil que ele se preocupasse demais com muitos assuntos externos, com outras pessoas, se desgastasse com isso e não percebesse que o alvo maior estava dentro da sua própria casa.
A bem da verdade, as pessoas que estavam mais próximas naquela época da família de Isabela, amigos de Marco, foram um instrumento para causar muita confusão e mais divisão dentro da casa. Tais pessoas não eram alvo em si mesmas, mas os demônios as usavam para aumentar o desgaste emocional, elas estavam servindo apenas para desviar nossos olhos da verdadeira batalha. Marco era alvo... Dona Márcia era alvo...
Mas ele não tinha compreendido isso... e gastava muito tempo e energia com coisas que, ainda que por si só não fossem erradas, eram apenas para desviar a atenção! A verdadeira batalha era dentro de casa... se isso não fosse levado em consideração, eles acabariam por viver exatamente o decreto do inimigo! O decreto de dor, de sofrimento, de destruição e de divisão...
Pessoas mais consagradas não permaneceram em pé. Que dizer daquelas que eram recém convertidas?
Dona Clara viu que estávamos bem. Durante o Culto de Réveillon, fomos até ela apenas para agradecer-lhe. Não era hora de falar sobre nada daquilo! Era melhor deixar a mente descansar. Falando em descansar... eu dormi bastante do dia 31 para o dia 1º. Mas Isabela dormiu apenas seis horas.
Realmente o anjo tinha renovado suas forças. Porque Isabela tinha passado a noite anterior em claro, dormido apenas uma hora depois que chegamos da casa de Grace, e passou pelo Réveillon relativamente bem, até de madrugada novamente.
No dia 1º, fomos almoçar em casa de Dona Márcia outra vez. Embora eu nem tenha ficado sabendo, Isabela entrou em pânico com o fato de eu ter bebido aquilo que Zórdico e Rúbia me deram. Ela não me falou nada, mas passou de tudo pela sua cabeça: que eles pudessem ter me contaminado com alguma doença, por exemplo. Mas, realmente, hoje creio que tinha veneno naquele copo.
Eu tinha bebido, sim, mas eu estava morrendo... e não era de um coma alcoólico! Deveria haver um enterro no dia 31 de dezembro daquele ano! Se não fosse o dela... que fosse o meu.
Que mais nós queríamos para confirmar a intenção clara da Irmandade?
Para mim ficou muito certo que, para facilitar o trabalho deles naquela madrugada, tinham me dado veneno. E eu, na minha insensatez, bebi!
No dia primeiro do ano, enquanto conversava com Marco na sala e Dona Márcia preparava a mesa, Isabela entrou no banheiro. Era o único lugar onde teria privacidade e não seria interrompida. Seu coração estava por demais angustiado, e ela orou com todas as forças que tinha por mim. Pedia perdão incessantemente a Deus, e que Ele cancelasse toda contaminação que tinha vindo por meio daquela bebida. Chorou, chorou... suplicou, suplicou a Deus!
Para que o Senhor fosse misericordioso conosco e nenhum mal acontecesse.
Restava um último detalhe. O e-mail. Se realmente tivesse algo para mim na nossa caixa de correio, era a confirmação que faltava.
Naquele dia, depois do almoço, criamos coragem para acessar a Internet. Sentada ao meu lado, Isabela tinha o rosto até meio pálido e sentia calafrios que vinham de dentro.
— Brrrr.... que nervoso! Estou até tremendo — fez ela.
Aqueles segundos de espera pareciam eternos. Finalmente abri a caixa. Corremos os olhos ansiosamente pelas mensagens novas. Batemos o olho naquilo que estávamos procurando. Difícil descrever a sensação de que ficava por dentro ali estava o e-mail: Leviathan Trevas.
Era o primeiro que nós iríamos receber, mas não seria o último.
Lemos aos trambolhões.
"Caro 'Daniel': admiramos a sua coragem, mas onde isso está te levando? Garanto que não vai te levar a lugar nenhum. Quanto à sua esposa... bem, pense a respeito. Se você aceitar nossa proposta faremos um depósito de 500 mil dólares na sua conta. Esperamos sua resposta até dia 5 de janeiro. Se você responder a este e-mail e aceitar o dinheiro, os ataques vão cessar e você vai viver bem. Você apenas deve deletar o livro do computador. Tudo vai ficar em paz e os ataques sobre a família dela vão cessar. Caso contrário, vocês terão que enfrentar o leão, e ver o nosso Poder. O dinheiro da velha não vai voltar! Quanto a seu cunhado, é só o princípio das dores. A família dela é muito fácil de atingir. Ass. um ex-irmão."
Ficamos chocados com aquela carta. Não era a primeira vez que falavam sobre o leão. O próprio Lucifér. Mas... não adiantava pensar nessas ameaças!
Obviamente, aqueles US$ 500 mil foram descartados e não respondemos coisa alguma. Em quinze dias seria o lançamento do livro.
Durante a semana, Isabela estava exausta. Eu me sentia bem, mas ela estava esgotada. Escrevia agora algumas coisas para Grace. Grace tinha gostado muito da sua maneira de redigir e naquela época cogitou que Isabela atuasse como escritora de sombra em um livro que iria lançar. Pelo que Isabela estava trabalhando naquele material.
Mas durante a semana sentimos opressão, tivemos que correr para tudo quanto é lado, toda hora tinha um abacaxi para descascar.
Mais uma investida veio nos próximos dias. Como a Irmandade não recebeu aquiescência nossa quanto àquele "acordo", mandaram outro e-mail. Para Marco.
Não chegamos a ler, mas era uma carta até que longa. Ofereceram a ele R$ 100 mil caso conseguisse nos convencer a não publicar o livro. O restante da missiva, extremamente arrogante, deixava bem claro que se ele não ajudasse sua vida iria ficar bem pior. Era um decreto de destruição do começo ao fim.
Naturalmente aquilo foi mais uma vez ignorado. Mas não ignorado em oração, é lógico!
Embora tivéssemos um pouco de contratempos em encontrar o Pastor Lucas para fazer o Culto de ação de graças para o lançamento oficial de Filho do Fogo, tudo deu certo. O Culto aconteceu, Pastor Lucas pregou, eles oraram por nós e pelo livro naquele dia. Grace se empenhou e, apesar das suas férias, esteve presente conosco. Como Dona Clara também estava lá, nada mais faltou. Elas tiveram participação na nossa história!
As poucas pessoas que tinham tentado se aproximar, já não estavam perto de nós. Nem Pastora Alice, nem Sarah, nem Jefferson, nem a equipe de Sarah, nem Pastor Adriano, nem mesmo a equipe de Grace. Eu e Isabela não cremos realmente que eles tivessem acreditado em nossa história.
Alguns tentariam manter contato pessoal, independente das Ministrações, mas seria por pouco tempo.
Uma coisa muito boa aconteceu no final daquele mês de janeiro.
Encontramos o Pastor Brintti!!! Aquele por quem tínhamos orado tantas vezes, e por quem eu tinha procurado ao longo dos anos, finalmente apareceu!
Grace nos visitou certa noite para conhecer o apartamento e levar nosso presente de Natal atrasado, um lindo edredom king size para nossa cama. Nós tivemos a maior alegria em preparar um lanche para ela. Lá pelas tantas, de repente nos deu a notícia.
— Encontrei o telefone do Brintti! Dessa vez é certo!
— Não! Tem certeza?!
— Quer ligar para ele? Ele não está mais aqui em São Paulo, está morando em outro Estado!
Grace estendeu o celular. Não tínhamos telefone em casa. Liguei, sentindo o coração até bater mais forte. Como eu queria tornar a rever aquele homem... será que ele ainda se lembrava de mim? Será que se lembrava do que tinha acontecido? E como será que ele estava? Mais de uma vez os Satanistas tinham me dito que ele não estava bem, que eu procurasse saber dele...
Atendeu! Tinha chegado o momento.
— Alô? — disse alguém.
— Alô... por favor, o Pastor Brintti...
Parecia incrível que ninguém retrucasse falando que era engano. Ao contrário, foram chamar!
— Alô? — era a voz dele.
— Pastor Brintti? Quem está falando aqui é o Eduardo... — fui dando alguns dados para que ele se recordasse de quem eu era e em que circunstâncias tínhamos nos conhecido.
Ele não demorou a lembrar. E depois, segundo ele, quando lembrou... não esqueceu mais!
Nossa conversa foi rápida, mas contei o quanto eu o havia procurado, que gostaria muito de vê-lo, que estava lançando um livro... e se ele estava bem!
Depois entreguei o telefone a Grace, que conversou um pouco com ele. Os dois já se conheciam. Ela sabia o quanto aquele homem tinha sido atacado por ter sido o instrumento da minha libertação. Então falou logo:
— Você precisa ser ministrado, Pastor! Estou disposta a ir até aí com Eduardo...
Por incrível que pareça, agendamos uma visita para a outra semana. Única data possível para Grace. Restava que Deus enviasse dinheiro para a minha passagem. Embora Isabela tivesse querido muito ir junto, o dinheiro veio apenas para uma passagem.
Passei um final de semana em companhia dele e da família, com Grace. Praticamente todo o tempo foi gasto numa Ministração relâmpago. Fiquei sabendo um pouco do que tinha acontecido com ele. Pastor Brintti só não morreu e sua família não foi destruída porque Deus é Deus!... Ele passou por momentos terríveis, terríveis... tinha inclusive largado o Pastorado havia anos. Pastor Brintti não teve nenhum problema em aceitar aquela tarde que passou comigo no escritório da Colina Verde como o estopim de todo aquele processo. (Leia Filho do Fogo.)
Foi um momento muito importante e especial. Pude pedir perdão pessoalmente e ajudar Grace na Ministração, como intercessor. Quando voltei para casa, não agüentava de saudades de Isabela. Falei nela o final da semana todo! Não via a hora de revê-la. Ela foi me buscar no aeroporto e eu tinha muitas novidades a contar. Isabela tinha um carinho todo especial pelo Pastor Brintti apesar de ainda não conhecê-lo.
— Ele vai vir para cá em março, eu fiz ele prometer que viria! Ele está completamente sem dinheiro, mas Deus vai providenciar!
— Para a celebração?! — o rosto de Isabela se iluminou. Ela passou a falar como uma maritaca de tanta alegria. — Ah, mas que bom! Deus está atendendo o desejo do nosso coração, né, Eduardo? Lembra quantas vezes falamos em convidar o Pastor Brintti para o seu aniversário de 33 anos?! Puxa, mas que coisa boa, que coisa boa... como Deus é bom, fez com que a gente achasse ele bem em cima da hora! Ele foi responsável pela sua libertação, num primeiro momento, e agora nada mais valioso do que ele estar aqui quando este decreto de morte tiver enfim passado! Mas me conta, vai... como está ele, como ele tem passado de lá para cá?
Fui falando. Durante todo o trajeto de volta para casa contei sobre o final de semana. Depois voltamos a falar sobre a celebração que pretendíamos fazer na data do meu aniversário. E sobre o fato de que Pastor Brintti ia vir. Dona Clara já tinha dado certeza, restava apenas saber da Grace. Em março ela já estava cheia de seminários, e não sabia se teria a data livre.
Mas tinha que dar certo! A gente queria muito que o Pastor Brintti viesse comemorar comigo aquele aniversário especial, com Grace e Dona Clara. Nós já estávamos imaginando como ia ser, queríamos fazer uma celebração de gratidão e júbilo a Deus quando tivéssemos obtido a vitória!
Em menos de dois meses eu completaria 33 anos... até lá, no entanto, a pressão iria aumentar indescritivelmente... a Irmandade faria conosco uma verdadeira guerra de nervos, e a opressão à nossa volta iria crescer. Mas nós dois acreditávamos que aquele meu aniversário seria a data de uma grande vitória! A primeira data já tinha passado, 31 de dezembro... agora vinha a data principal, o dia "D". O dia da vingança deles! A idade que eu nunca chegaria a ter, a idade de Cristo...
Nós havíamos pedido a Deus um sinal a respeito da casa no Vale da Bênção No começo do mês tínhamos voltado para ver a casa por dentro. Era realmente maravilhosa para nós! Uma sala enorme, uma cozinha espaçosa, uma lavanderia grande, uma despensa boa, três quartos ótimos, sendo que um deles era uma enorme suíte. Toda a casa era de piso frio, de ardósia verde e lajotões formando desenhos! Isso sem contar o quintal cheio de árvores frutíferas, aquele pé de amora estava carregado, a goiabeira também! Tinha limão, laranja, mamão, acerola. Um jardim bem grande, uma varanda gostosa, uma boa garagem... era demais!
Por isso pedimos o sinal pra Deus. Da nossa vontade, estávamos bem inclinados à mudança. Então oramos, e também pedimos para Dona Clara estar orando. Grace estava viajando.
O sinal estabelecido era o seguinte: que não houvesse burocracia por parte do proprietário na locação do imóvel. O nome de Isabela estava protestado agora, e o meu próprio nome também, havia anos, desde a época posterior à Irmandade. Também não tínhamos nem um fiador com quem contar. Esse era o primeiro dos sinais. Facilidade de tramitação! Que o proprietário concordasse em nos alugar a casa naquelas condições.
O segundo sinal era a respeito do telefone: que a casa tivesse uma linha, ou então que ele concordasse em abater do aluguel o valor da linha telefônica. Isto é, se tivéssemos de alugar uma linha, que o proprietário concordasse em abater do aluguel este valor. Era imprescindível tê-la por causa da Internet. Morando longe de São Paulo não havia nenhuma facilidade em alugar a Rede por hora.
O dono da casa era um Pastor, muito simpático por sinal. Pastor Ademar. No dia em que fomos ver a casa estava lá coordenando a pintura e fazendo algumas melhorias no quintal. Ele mesmo nos mostrou tudo, orgulhosamente, todas as dependências. Falamos do nosso interesse e dissemos que estaríamos orando ainda alguns dias. Então entraríamos em contato com ele. O Pastor garantiu que também estaria orando.
Quando voltamos a conversar, nossos sinais foram plenamente atendidos. A linha telefônica seria desativada e transferida para a mãe dele, mas Pastor Ademar concordou de pronto em deixá-la na casa. Quanto à documentação, foi muito sincero:
— Nós oramos e sentimos muita paz. Eu realmente fui com a cara de vocês, vamos dispensar toda essa papelada! Se você não quiser me pagar, não vai ser tudo isso que vai fazer a diferença! Eu creio que Deus está nessa história, isso para mim me basta. Vamos fechar o contrato!
Foi muito mais fácil do que alugar o apartamento!
Nossa mudança aconteceu em um mês. Isabela e eu tínhamos estado ali pela primeira vez no dia 30 de dezembro. No dia 29 de janeiro, mudamos! As primeiras vendas dos livros nos garantiram dinheiro suficiente para pagar o transporte dos nossos poucos móveis. Para dizer a verdade, havia mais livros a serem transportados do que móveis! A pilha de livros virou um bom móvel, por sinal. Um bom lugar para apoiar coisas.
Agora estávamos totalmente na dependência da vendagem, porque não era justo continuar vivendo das ofertas da Comunidade. Assim que lançamos o livro, conversamos com Dona Clara e abdicamos daquele valor. De qualquer forma, mudar para o Vale iria baratear um pouco nossas despesas mensais.
Na véspera da mudança, Dona Márcia veio com Marina e a irmã dela para fazer faxina na casa. Dona Márcia estava encantada com nossa nova moradia. Sem dúvida nenhuma, era muito melhor do que o apartamento!
Isabela estava cansada, coitada... nos primeiros dias estranhou muito a casa nova e estava muito triste. Especialmente porque ouviu o vizinho tocando música alto! Havia muita frustração, medo e insegurança no seu coração. Mas aquilo logo passou.
Os gatos adoraram o novo lugar! Como fossem ainda filhotes, o período de adaptação foi super tranqüilo. No começo eles tinham medo de sair no jardim, pisavam com todo cuidado na grama, um chão de textura completamente diferente para eles! Era divertidíssimo observá-los. Isabela ficava de olho para que eles não se perdessem, e logo tanto um quanto outro estavam completamente à vontade com o lugar, sabiam de todas as entradas e saídas.
O único problema é que a casa não tinha armário embutido. A mudança foi feita de forma muito rápida e nós não tínhamos dinheiro para comprar um guarda-roupa. Sem saber o que fazer, as roupas ficaram simplesmente espalhadas pelo chão em um dos quartos. Parecia que uma bomba tinha explodido ali dentro, nós levaríamos semanas para dobrá-las e acomodá-las mais ou menos. No chão, é claro! Elas ficaram meses no chão. Depois, penduramos três varais ao longo das paredes e fizemos de cabideiro.
Parte do esgotamento de Isabela era também por causa dos problemas familiares. Na casa de Dona Márcia havia muitas brigas entre eles, cada dia um problema para resolver. Havia também uma moça estrangeira hospedada lá. Não era muito fácil para Isabela sentir-se na vitrina. Qualquer pessoa que se hospedasse na casa de Dona Márcia ficava incontestavelmente como espectadora de muita confusão!
Ainda mais naquele período...
Quanto a mim, uma boa novidade naquele final de ano e começo de novo ano foi que Wang e Chen voltaram a me procurar. Foram vários encontros evangelísticos. Isabela estava numa tremenda expectativa, pela conversão deles. A cada encontro nosso ela ficava na retaguarda orando. Quando chegava em casa, me enchia de perguntas e queria saber de tudo. Realmente não demoraria muito mais a conversão deles! Seria um presentão de Deus para nós em fevereiro.
No dia 5 de fevereiro recebi um telefonema de Grace. Ela ligou para nos alertar que tinham tido revelação de um ataque muito grande contra nós, de uma destruição sem precedentes. Que a Irmandade estava furiosa com o livro!
Agradeci, mas ela nem precisava ter falado nada. Nós estávamos plenamente cientes da grande guerra que estava por vir. Da mesma maneira como no dia 31 de dezembro o ataque veio, tínhamos certeza que próximo à data do meu aniversário, no início de março, tudo poderia acontecer também...
Depois que Grace ligou, Isabela teve curiosidade em saber a fase da Lua. Aquilo seria um dado a mais para nós. Naquele dia estava começando a Lua Nova. Dentro do contexto cabalístico dos Rituais de Morte, a Lua Nova está associada à morte abrupta. À ceifa! Quando um encantamento é feito neste sentido, buscando a morte de alguém, começa na Lua Nova, e pode haver três a cinco saltos de onze dias. O número 11 faz alusão aos doze apóstolos. É um número de morte, porque um deles morreu. Os saltos subseqüentes significam golpes progressivamente mais fortes, que visam enfraquecer pouco a pouco a vítima até o momento do golpe final.
Era sinal suficiente de que estava começando um período específico... no dia 5 de março começaria outra Lua Nova. Se Isabela não tivesse ido checar, eu não teria me dado a esse trabalho. Mas não deixava de ser um dado a mais, um dado importante. Dessa maneira percebemos que algumas datas se tornavam mais propícias do que outras para Encantamentos, e isso poderia nos fazer mais alertas! Dessa maneira tivemos uma revelação clara da estratégia do inimigo.
A partir do dia 5 de março, o período era crítico de fato. Assim como dissera Grace, um ataque grande estava vindo. Começava no dia 5 de fevereiro. Mas percebemos que era preciso estar muito espertos não somente neste período, mas especialmente a partir do dia 5 de março. Meu aniversário caía naquela semana de Lua Nova.
Como Isabela bem lembrou, o dia 5 de março caía dentro do período do Carnaval.
— Olha só como eles estão preparando... no Carnaval, pra variar, vai ser muito difícil encontrar alguém! Dona Clara vai estar viajando, Grace vai estar sumida. É preciso deixá-las de sobreaviso porque a chance de acontecer alguma coisa no período do Carnaval é grande. Não só pela fase da Lua, mas porque você não deveria amanhecer no dia 9. Portanto, alguma coisa tem que acontecer antes...
No dia seguinte, dia 6 de fevereiro, sentimos muito clara a direção de Deus para iniciar o jejum. Optamos por 33 dias de jejum parcial. Eram 33 anos... e resolvemos fazer 33 dias de jejum para que Deus nos concedesse a vitória. Era fundamental estarmos completamente preparados para o confronto. Nem paramos para pensar, a não ser depois, mas o último dia do jejum coincidia exatamente com o último dos saltos de 11 dias. Além disso, o primeiro dia após o jejum era o dia da celebração de vitória!
Tínhamos consciência de que todo o preparo possível era totalmente necessário! Foram dias de unção diária da casa, de oração, na leitura da Palavra... e de muita luta.
Enquanto isso, a gente se divertia arrumando nosso lar. Tiramos várias fotografias de todos os cantos da casa, nos alegramos com cada detalhe, cada coisinha que Deus nos dava. Não tínhamos mais a "Dona Deôla", mas um dos vizinhos fazia pão caseiro... na cidadezinha ali perto descobrimos uma mulher que tinha algumas vacas e fazia queijo caseiro. Uma delícia de queijo, e barato! O "supermercado" era aquela coisa, um mercadinho de interior, mas vendia um delicioso suspiro! Um suspiro que não tinha em São Paulo.
Também exploramos os arredores para nos deleitarmos com a paisagem. Eram montes verdes ao redor de todo o Vale, e em todo canto a gente via a natureza. Vacas e bezerros também. Até mesmo vários carneiros, que pastavam dentro de um enorme gramado na Missão. Dentro da Missão havia também um lago com patos! Nunca tinha ninguém lá, era um reduto quase que particular. E também podíamos aproveitar o refeitório quando quiséssemos, a refeição era barata.
De manhã, eu gostava de coar o café, e Isabela chamava "Nenê" no quarto. A gente sentava à mesa observando o sol que batia na janela. Em todo o tempo que moramos lá, nunca nos cansamos da vista. Às vezes Isabela ficava bastante tempo na nossa varanda, no final da tarde, sentada no chão observando o horizonte.
Logo nós teríamos condição de comprar duas cadeiras de balanço de pano, uma promoção do Wal Mart. Daí ela já não precisava mais ficar sentada no chão. De noite, era um silêncio profundo, gostoso... quebrado tão-somente pelo "cri-cri-cri" dos grilos.
Até a música do vizinho, que a princípio incomodou muito Isabela, acabou. Oramos a respeito daquilo, inclusive com Dona Clara, e Isabela compartilhou sua frustração e tristeza.
— O que eu mais tinha pedido a Deus é que Ele nos trouxesse para um lugar de silêncio, de paz! De paz! E agora eu tenho uma vizinha, uma mulher crente que escuta reggae, escuta funk, escuta rádio alto! Não é possível, não é nem mesmo um Louvor!
Quando oramos, não demorou muito e eles mudaram. O dono da casa ao lado era também o Pastor Ademar, e ele estava cheio da inadimplência daquele inquilino. Até um "gato" ele tinha puxado do poste da frente para não pagar a luz. Dentre outros tantos problemas...
A verdade é que a casa ficou vazia! E tivemos sossego.
No primeiro dia do jejum, fui até São Paulo porque tinha coisas a fazer. Aproveitei para visitar minha mãe, e fomos juntos até o Shopping mais tarde, só para tomar um lanche. Ela tinha conhecido nosso apartamento, minha avó também. Mas agora ainda não tinha a menor idéia de onde estávamos morando. Mas eu contei com todo entusiasmo sobre a casa, sobre o pomar, sobre o pão e o queijo caseiros, sobre as vacas, sobre a paisagem...
Ela não se interessava por nada disso, e realmente não conseguia compreender como nós tínhamos saído da cidade para aquele fim de mundo! Cada louco com sua mania...
Assim que terminamos de subir a escada rolante encontramos um conhecido! E que conhecido Foi minha mãe quem o viu primeiro.
Ela olhou para aquele homem de calça jeans e camisa para fora da calça e seu rosto subitamente adquiriu outra expressão. Olhei para onde ela estava olhando, e vi que Marlon também olhava para nós. E veio caminhando na nossa direção. Ele também parecia sinceramente surpreso, não estava esperando por aquele encontro.
Mesmo assim, olhou para nós com um sorriso e realmente fez menção de se aproximar.
Não dei chance. Peguei minha mãe pelo braço e demos meia-volta, descemos a escada rolante de novo. Ela parecia bastante confusa:
— Você conhece aquele homem?
— Conheço... você não?—cutuquei.
De fato, ela estava incomodada. Percebi que o tinha reconhecido, mesmo depois de mais de 30 anos. Se minha mãe acompanhasse melhor os noticiários, já o teria visto antes. Mas aquela figura do passado despencou na frente dela sem qualquer aviso prévio.
— Acho que eu estou confundindo com alguém... — ela não se deu por achada.
A sua reação foi o que me bastou. Qualquer dúvida que ainda pudesse ter, agora já não tinha mais.
Três dias depois, no dia 9 de fevereiro (sempre sugestivo), tivemos um monte de problemas. Eu e Isabela nos desencontramos, tínhamos combinado um horário no final do dia pois eu tinha ido me encontrar com Wang e Chen. Tive vários contratempos, Isabela tentou me bipar, mas por algum motivo não recebi o bip. Ela começou a ficar com muito medo, eram quase nove horas da noite, muito mais tarde do que a gente tinha marcado.
Eu tentava ligar para a casa de Dona Márcia, onde ela estava, mas a tempestade que caiu naquele dia deixou toda a região sem luz. A secretária eletrônica não funcionava sem luz, de forma que não conseguia ligação. Tanto eu quanto ela já estávamos bastante preocupados, até que recebi um bip de Isabela dizendo que estava na casa da vizinha, para eu ligar para lá.
Todo o medo e estresse dela a tornaram muito irritada. Acabamos tendo uma pequena confusão na volta para casa. Pequena é modo de dizer: não bati o carro na estrada porque Deus não quis!
Felizmente conseguimos orar em tempo... mas isso não impediu que Isabela voltasse para casa muito chateada. Ela deitou no sofá, tristonha e desanimada. Resolvi refrescar a cabeça abrindo minha caixa de correio. Antes de efetivamente abri-la, aquela sensação estranha me invadiu. Aquela sensação já minha conhecida e que acompanhava o discernimento espiritual.
"Tem alguma coisa estranha aqui na caixa... não posso abrir sem orar antes..."
Chamei Isabela. Tínhamos montado o escritório no segundo ambiente da sala, aquele espaçoso recinto um degrau abaixo do restante da sala. Eu ergui a cabeça para olhar por cima da amurada que separava o recinto do escritório do resto.
— Isabela!
Ela olhou para mim.
— Acho que temos que orar... — não podia ignorar o que Deus estava me dizendo. Imediatamente Isabela ergueu a cabeça.
— Porquê?
— Eu acho... quer dizer, tenho quase certeza...
— Que foi? — dessa vez ela se ergueu do sofá.
— Acho que eles enviaram alguma coisa!
Ela veio para perto de mim. Sentou-se no chão, realmente desanimada.
— Essas coisas têm de chegar na hora H, não é mesmo? Nunca é num dia em que a gente está bem, feliz, bem-humorado! Que será agora, meu Deus....
Encolhida no chão, de pernas cruzadas e com os cotovelos apoiados nela, segurava o queixo com as duas mãos. Mas, por dentro sentia aquela onda de inquietação, de temor, que se transformava em calafrios involuntários por causa da expectativa. Eu não me sentia muito mais confortável.
— Vamos orar... Senhor Deus, pedimos que o Senhor passe Teu Fogo sobre este computador e o limpe de toda contaminação. Todo encantamento e feitiço que porventura estejam acompanhando a carta deles, cancela, torna inoperante, em nome de Jesus. Cerca nossa casa com os anjos, cerca os animais, cerca nosso corpo, alma e espírito. Estende Tuas Muralhas de Fogo ao redor da casa, em torno de toda a casa, por cima e por baixo, e dá ordens aos Teus anjos para que nos protejam. Protege também nossa mente de toda a mentira e artimanha do inimigo. Nos cobre com o sangue do Cordeiro! Em nome de Jesus, amém.
— Amém! — concordou Isabela.
Erguemos nossos rostos, sérios, com o coração batendo um pouco mais forte. Escutei Isabela inspirar fundo. Eu chacoalhava minha perna esquerda instintivamente, rápido. Enquanto a gente esperava o computador se aviar, comentei, só para quebrar o silêncio:
— Pode ser também que seja um alarme falso, pode ser que não seja nada que eu tenha me enganado!...
Isabela nem respondeu, mas mantinha os olhos fixos na tela. Ela tinha mais certeza daquilo do que eu mesmo. E retrucou:
— Sempre que você começa assim, a coisa sempre se confirma... Lá estava ela. A mensagem. LeviathanTrevas. Novamente. Abri. Dizia assim:
"Quando te vi recentemente ao lado de sua mãe minha vontade foi de abraçá-lo e dizer o quanto eu te amo, filho meu. É lamentável que o destino nos tenha separado. Li seu livro, está bem escrito, dê meus parabéns à sua esposa. Você realmente descortinou os nossos segredos, mas sabe... você tem razão. Já viu um bom filme? Você sabe que é tudo mentira, mas paga para ver, se anima, se envolve. Isto lhe dá vida. Não posso sair mais, você sabe disso. Nem deveria lhe dizer isso, não é? Mas você é meu filho, e um pai pode se abrir com o filho, não pode? Não podemos tocá-lo. Nossos mais poderosos Encantamentos não têm atingido vocês, pois a Guarda que Deus te deu é mais poderosa do que nossos feitiços. Agora mesmo sua casa está cercada de anjos e Miguel os está guardando. Mas você sabe, a família dela não tem fé, não tem preparo, eles são muito vulneráveis e fáceis de atingir. Não deveria dizer isso, e sei que corro perigo por fazê-lo, mas orem por eles pois serão muito atacados e seu cunhado não vai passar no exame que vai fazer, e muitas brigas ainda virão. Haverá divisão do lar e o Devorador vai entrar. Quanto a vocês, cuidem-se, pois Lucifér os visitará no início de março. Fiquem alerta. De fato vivo um Inferno... mas não sei como sair desse negro mundo. Orem por mim."
Eu e Isabela custamos a engolir aquelas palavras. Deus havia sinalizado que algo estava vindo do lado de lá, mas nem em sonho nos passaria pela cabeça tais palavras. Por mais que parecessem ser sinceras, por si só aquele veículo (a caixa de correio LeviathanTrevas) já era contaminada. Deus não nos queria pegos de surpresa! E também poderia não ser verdade...
— O que você acha disso? — perguntei a Isabela.
— Sei lá... ele só falou coisas verdadeiras. Falou até do Mikhael! Do princípio de março... está mesmo sendo sincero... ou é só mais uma armadilha?
— O que ele estaria ganhando em falar a verdade?
— Isso é. Talvez eles não tenham tido como saber que nós já sabemos sobre o início de março. Ele está dando uma informação correta! Nós sabemos que o leão vai nos visitar...
— Mas ele não sabia que a gente sabia. Para todos os efeitos, está entregando o ouro! E quer mais do que essa coisa sobre a sua casa?
Isabela passava a mão na cabeça vez após vez, raciocinando. Estava inquieta.
— E essa história do... do exame do Marco? Isso não pode acontecer! Ele tem que passar!
— Quer mais do que ele afirmar que nossa casa está cheia de anjos?
— Até aí, ele poderia estar passando uma falsa idéia para nós, se acharmos que estamos muito protegidos, podemos deixar de fazer a nossa parte e ficar vulneráveis justamente por causa disso! Mas... realmente é uma carta bem estranha.
— É estranha justamente porque é sincera. Até elogiou o livro! Falou que a Irmandade é um Inferno...
Isabela inspirou fundo.
— Nada disso me importa, estou preocupado com o exame do Marco. Isso não pode acontecer! Vamos orar?
Oramos por Marco e também por aquela carta tão esquisita. Depois disso, Isabela foi tomar banho. Não fiquei sabendo, mas no banheiro ela orou intensamente pelo seu irmão. Mais tarde, viria a dizer que foi uma intercessão estranha, diferente... praticamente não reconhecia as línguas que estava falando naquele momento, entre lágrimas, suplicando a Deus que não permitisse uma coisa daquelas!
Depois do banho, veio até mim, muito preocupada e inquieta.
— Precisamos falar com a Grace. Marco precisa orar com a Grace! Não sei dizer por que, mas isso é urgente! Precisamos ligar pra ela, falar dessa carta e dessas ameaças. O exame está aí mesmo, Marco precisa ser ministrado, ela precisa orar com ele neste aspecto.
Nem sei como aquele encontro aconteceu. Fomos debaixo de chuva até o lugar onde ela estava dando curso. Marco e Dona Márcia foram também. Naquela tarde realmente Marco orou com Grace. E ele passou no exame!
Mas se não fosse aquele aviso, aquela intercessão de Isabela não aconteceria, nem o encontro com Grace. Cremos que Deus trouxe livramento dessa forma! Mesmo assim, os problemas para o lado deles não terminaram.
Alguns dias depois recebemos uma boa notícia, no meio de tudo aquilo! Uma pessoa que eu estava evangelizando havia algum tempo tinha pedido um "sinal" para Deus. Se o sinal fosse positivo, ele iria abraçar o Cristianismo. Se não, deixaria tudo de lado. Nós tínhamos bastante convicção de que aquele era um pedido que fazia parte dos planos do próprio Deus.
Naquele dia Isabela havia orado pedindo que Deus realmente concedesse o sinal, e que se fosse o caso, inclusive enviasse um anjo para falar com aquela pessoa. No meio da noite, de madrugada, recebi o telefonema. Ele estava completamente sem fala dizendo que tinha visto um anjo, e o anjo lhe dissera que aquele sinal fora concedido porque Isabela pedira!
Nós dois, Isabela e eu, choramos de alegria com aquela resposta incrível de Deus.
— Deus tem respondido as minhas orações de outra forma... — murmurou Isabela. — Desde a Ministração, e desde a unção, que tenho percebido esse mover de Deus de uma forma diferente!
Foi uma injeção de ânimo no meio daquele mês cheio de cansaço, angústia e expectativa. Nós continuávamos com o jejum, as orações, a unção da casa Às vezes Isabela ia até a casinha de oração do Vale da Bênção para orar ali no telhado Na verdade, o telhado da casinha era uma laje, e tinha até mesmo um caminhozinho para chegar lá. Por isso ela nunca entrava dentro da casinha, ficava sempre no topo.
Quase no final do mês recebemos um recado de Angélica. Isabela tinha feito bastante empatia com ela, e as duas inclusive saíram juntas algumas vezes desde que se tinham conhecido na Ministração. Surgiu ali uma amizade, especialmente porque Angélica tinha traços de caráter semelhante aos de Isabela. Ela estava, naturalmente, de sobreaviso em relação ao meu aniversário de 33 anos.
Recebi um bip de Angélica pedindo que Isabela ligasse em seguida. Prontamente Isabela foi para o telefone. As duas conversaram durante algum tempo e depois Isabela veio me contar.
— A Angélica está orando mesmo pela gente. E ela já tinha me dito que se Deus mostrasse alguma coisa, entraria em contato.
— E aí?
— Ela tem orado junto com a mãe. Tem consciência de que é importante oração em concordância... não quer entrar de cabeça, de frente, e sozinha. No que está muito certa! Mas enfim... hoje elas tiveram três visões.
—Sim.
— A primeira era de uma rede que estava solta no ar, e que tinha fios muito longos que podiam controlar coisas a grandes distâncias. Nós sabemos que eles estão usando esse tipo de coisa, controle a distância... é para a gente estar orando, algo para ficarmos espertos... foi exatamente o que aconteceu com você no final do ano. Ela disse que essa rede tinha sido dobrada, mas não queimada... quer dizer, a impressão que dá é que eles ainda podem fazer uso dela. Viu também uma pá para recolher um cadáver — ela olhou para mim significativamente. — Nada de novo debaixo do sol!
— É. Tudo isso serve de confirmação. Não necessariamente acrescenta algo novo, mas confirma o que já sabemos.
— A outra visão foi de algo semelhante a um objeto oriental, um objeto de invocação de demônios. Por trás dele tem um demônio de Poder muito grande, uma serpente de metal. Ela tem olhos que hipnotizam, eles primeiro paralisam a vítima e depois a própria serpente a mata.
— Que será que isso quer dizer? Isabela sacudiu a cabeça.
— Não sei. Angélica também não sabia. Ela apenas repassou a visão para que nós estivéssemos orando.
— Bem... vamos orar, vamos continuar orando... se alguma dessas coisas que não entendemos de imediato for realmente importante, Deus vai falar.
Três dias depois disso o recado veio por telefone. Claro que antes o terreno era preparado. Meu irmão Roberto tinha vindo nos visitar em casa. Tomou um café conosco, nós dois o recebemos o melhor possível. Ficamos imaginando que talvez fosse haver uma aproximação entre nós. Quando ele chegou à casa de minha mãe, depois da visita, ainda comentou com minha família, em atitude apaziguadora:
— Isabela não é tudo aquilo que vocês pensam! Ela me tratou muito bem... Alguns comentários pouco sábios acabaram chegando até nossos ouvidos.
Aquele era um assunto tabu.
Foi o que serviu para começar a discussão. Naquele início de mês as brigas estavam acontecendo quase todo dia, tudo à nossa volta parecia ferver, estávamos descontrolados apesar do jejum, das orações, da unção...
Ficamos estremecidos até de noite. Mas não tinha saído nenhuma discussão séria. A noite já estava avançada e nós estávamos mais ou menos equilibrados. Isabela estava um pouco triste, orando na varanda, observando a noite; e eu fiquei deitado no sofá dentro de casa, ouvindo walkman.
Assim que tirei o fone do ouvido, o telefone tocou. Era meia-noite e meia. Antes mesmo de atender senti que era alguma coisa ruim. Nem tive tempo de falar alô, pois demorei propositadamente.
Imediatamente a voz de Thalya veio do outro lado:
— Eu estava esperando você tirar o fone do ouvido. Lucifér vai vir, e não ficará pedra sobre pedra. Não tem ninguém protegendo vocês! Se tivesse, eu não teria tão facilmente a informação sobre seu fone de ouvido. Ela não é mulher pra você. Se você ainda quiser fazer algo prazeroso nos seus últimos dias, pode me procurar. Ela é a pedra de tropeço usada para te atacar. Não só não tem ninguém te protegendo, como aqueles que estavam ao seu lado estão caindo um após outro. A "Clarinha" foi parar no Pronto-socorro com falta de ar... e teve não sei quem aí que viu uma serpente, não é? Esse é Leviathan paralisando os intercessores! Não se esqueça de nada do que eu estou dizendo.
E desligou. Fiquei completamente paralisado com o telefone na mão.
Tivemos quatro dias de sossego. Entrou o mês de março. No dia primeiro fomos à Igreja de manhã, no Culto das mulheres, como de costume, especialmente naquele uma amiga de Marco ia ser batizada. Foi gostoso assistir ao Batismo, estava um clima gostoso na Igreja, eu me sentia bem e Isabela também. Apesar da nossa dificuldade financeira, compramos uma pequena lembrancinha, apenas um símbolo de amizade, para a moça que estava se batizando.
Assim que chegamos perto dela para cumprimentar, alegres, querendo falar de Deus, sobre o que Deus tinha feito na vida dela, nem deu tempo... logo enveredaram para o assunto de Irmandade e fizeram uma pergunta chata naquele momento:
— Posso ver a marca que você tem na mão? — não fez por mal, foi só curiosidade. Aquilo foi um banho de água gelada, especialmente era Isabela. Ela estava um pouco saturada daquele assunto. Tinha acabado de escrever o livro, o último ano tinha sido terrível, e os últimos dias estavam carregadas de tensão. Tudo o que ela não queria falar naquele momento era sobre Irmandade, sobre Satanismo!
Ficou quieta, mas depois eu e ela acabamos brigando por causa daquele assunto. Nem sei como abriga começou, mas pegou fogo. Isabela acabou dando um verdadeiro show na casa da mãe dela. No início foi só entre nós, mas eu detestava passar constrangimento, e as atitudes dela me irritaram. Eu descontei com palavras. Isabela ficou tão descontrolada que, no ápice do desespero e da angústia, saiu da casa de Dona Márcia batendo a porta, com a cabeça completamente fora do lugar.
Ninguém fez nada. Só ficaram olhando como quem diz:: "Típico"! Quando Isabela saiu, Marco me chamou para orar. Mas ele não estava preocupado com ela.
— Ela volta — disse para mim.
Ligamos para Dona Clara mas foi difícil a comunicação. Ela vinha sofrendo muitos ataques e estava proibida de entrar em guerra pelo Médico, um Médico Cristão. Enfim Isabela voltou, quase duas horas depois. Mas estava um clima péssimo ali. Dona Márcia olhava torto, sem entender o por que daquela atitude. E Isabela também se sentia péssima diante de todos.
Não havia muito que fazer ali, diante daquele clima de julgamento, então ela novamente virou as costas e saiu. Levou mais uma hora e meia até telefonar, do Shopping ali perto, aonde tinha ido caminhando. Eu fui buscá-la e então fomos embora para nossa casa.
Na estrada ela estava muito calada. Em contrapartida, também extremamente agitada. Não parava quieta, não parava de se contorcer, de passar as mãos pela cabeça, uma atitude muito estranha. Fiquei preocupado. Comecei a orar. Mas ela não melhorou.
Quando chegamos em casa, orei um pouco mais e, estranhamente, ela não queria fazer o mesmo. Estava no limite das suas forças, à beira do esgotamento. Sentia-se péssima, péssima, e muito inquieta. Seus braços estavam machucados pelos arranhões...
Então fui buscar o óleo para ungi-la.
Isabela só chorava, totalmente moída. É difícil expressar em termos humanos aquilo que experimentamos como um verdadeiro massacre espiritual: não há palavras fortes o suficiente. Além do desgaste espiritual daquele dia, também o desgaste emocional tinha sido excessivo. Não só pelo contexto da briga e das palavras que escutara, mas também por causa da atitude pouco conciliatória dos demais.
E pensar que ela estava tão feliz de manhã, dando aquele presentinho na hora do Batismo. Durou muito pouco...
— Onde você ficou o tempo todo?
— Da primeira vez que saí fiquei na rua mesmo, sentei na calçada, fiquei chorando ali... estava me sentindo muito triste, muito magoada. Queria morrer! Não é a primeira vez que me sinto assim.
Eu sabia que aquela expressão não era apenas força de expressão. Quando Isabela falava assim, ela estava sinalizando um sentimento literal. Não se tratava de uma ladainha.
— Tem horas que não sei porque estou viva...
— É bom a gente se reconciliar... Deus está avisando que tem um outro e-mail deles. Estou esperando tudo estar bem para poder abrir...
A expressão dela era de total desalento. Nem diante daquela explicação Isabela resolveu orar.
— Se Deus quisesse que eu orasse agora, que tivesse me proporcionado um dia mais tranqüilo. Estou cheia de ter que fazer das tripas coração, acertar sempre, ser a grande heroína sempre! Pois hoje não tenho mais força pra fazer nada! Essas porcarias vêm sempre na hora certa, na hora em que eu estou "melhor"! Se você precisa orar, que ore com Grace ou com Dona Clara. Eu estou literalmente esgotada!
Não consegui falar com elas. Então orei sozinho mesmo. E abri a caixa: LeviathanTrevas mais uma vez. Aquilo já estava sem graça.
"Elevo os olhos para os montes, de onde me virá o socorro? Os últimos batedores foram liberados. O tempo chegou! Você já está começando a enfrentar as suas mais profundas dores. Seu pai não quis sentar-se a esta mesa, ele ainda sente sua falta. Você será destruído, também essa que te acompanha e a família de bosta dela. Depois de muito sofrimento. Que você se lembre disso quando der o seu último suspiro. Zórdico."
Meu sentimento depois de ler aquilo era indecifrável até mesmo para mim.
Voltei para perto de Isabela. Ela leu no meu rosto a melancolia. Mas por causa de seu abatimento, pela primeira vez não fez perguntas. Eu quis orar mais uma vez. Somente depois disso ela se sentiu um pouco melhor. E criou coragem para saber da carta. Até aquele momento, estava se poupando...
Nosso sentimento era de desânimo. De cansaço. De letargia. Muito difícil de dizer. Quem tinha passado pela mesma coisa, para poder nos consolar naquela hora?
— O que ele quis dizer com batedores? — perguntou Isabela por fim.
— Ah, isso! Bom... um batedor é uma pessoa que faz parte da escolta de alguém muito importante, de uma alta personalidade. Geralmente são aqueles que precedem, em ocasiões solenes, alguém importantíssimo... entendeu o que ele quis dizer?
— Sim... eles já deixaram bem claro tudo isso. Quem está vindo, e que é essa alta personalidade, é o próprio, né?
— O "leão", como eles mesmos disseram. Lucifér.
— E os batedores são aqueles Principados que fazem parte da alta escolta dele...
— Estão abrindo alas... preparando o caminho... para que realmente não reste pedra sobre pedra.
Como era muito difícil traduzir o sentimento do nosso coração.....profundas dores? Talvez nisso houvesse um pingo de verdade.
Aquele último mês estava sendo terrível. De uma opressão muito densa. De profundas dores. Tão profundas que jamais encontraremos uma maneira de traduzi-las plenamente. Apenas aquele que viver uma situação semelhante poderá conhecer a realidade disto tudo.
Nossa mente absorvia aquela informação... saber que os batedores foram liberados durante todo aquele período dava mais crédito à revelação do Feitiço de Morte que tinha começado na Lua Nova, e os saltos de onze dias...
Restava apenas esperar.
Agora faltava pouco.
Não era a primeira vez que falavam do "leão". Tempos atrás haviam mandado um bip neste mesmo sentido.
Enfim chegou a sexta-feira, véspera do feriado de Carnaval. O período crítico estava começando. Como fruto daquela inquietação, já fazia dois dias que Isabela não dormia praticamente nada e ainda estava um pouco estremecida comigo por causa do dia do Batismo.
Levantamos naquela manhã e fomos até o banco em São Roque, precisava pagar umas contas sem demora. No entanto, discutimos por besteira, por causa do lugar de estacionar o carro.
Nada daquilo era normal!
Que Deus tivesse misericórdia! O bem que nós queríamos fazer, não conseguíamos... mas o mal que não queríamos... ah! Como era possível não termos controle sobre nós mesmos?!! Aquilo poderia custar a nossa vida!!
A que ponto chegava o Poder do encantamento... o Poder de Principados e Potestades?! O Poder do próprio Satanás?! Aquilo era inconcebível!
Quem sente na própria pele o furor da guerra não tem prazer algum em senti-lo novamente... quem dera Deus passasse de nós... simplesmente passasse de nós aquela incumbência!!!
Peguei a estrada dirigindo como doido. Aquilo foi mais porque sentia opressão na cidade, aquilo me incomodava mais do que tudo. Eu queria sair dali. parecia haver demônios em toda parte! A impressão que nós tínhamos era de que não chegaríamos vivos ao Vale.
A pedido de Isabela, paramos o carro no acostamento e oramos um pouco. Nada era tão difícil quanto orar naqueles momentos... que tarefa quase impossível era esta, dominar a carne que se revolve loucamente, esmagada pelas circunstâncias e pelos demônios!
Nosso emocional estava abaixo de zero... nosso físico estava abaixo de zero... somente o espírito poderia fazer alguma coisa útil. Mas como era difícil dar vazão ao espírito... como era difícil retomar o equilíbrio!
Que momentos de terror e angústia tenebrosa... ah! Espírito Santo de Deus... onde existe força em nós para resistir??? Onde?!
Nossa curta oração na estrada fez com que conseguíssemos chegar ao Vale. Fomos direto para a casinha de oração. Senti a ira e o mal estar diminuindo só pelo fato de estar ali, agora eu não sentia opressão...
Isabela se sentou num daqueles bancos que ficam ao longo do caminho de subida até a casinha. Estava triste. Orei e pedi também que ela orasse por mim.
— Ora por mim como minha auxiliadora.
Aquela minha atitude fez com que ela também mudasse de pronto. Então atendeu ao meu pedido. Começou orando lentamente, devagar, procurando as palavras... buscando força naquele mar de intensa fraqueza.
— Oh! Senhor... que Tu possas dar a Eduardo uma visão de Ti mesmo. Uma visão do próprio Deus! Que a sua maior arma seja o amor. O diabo não pode nada contra o amor. Que o Senhor possa capacitar Teu filho a ver todas as situações com os olhos do Espírito, para que, assim, a sua alma possa ser controlada... a carne não pode controlar a carne ... apenas o espírito pode fazer morrer a carne. Nos ajuda nestes dias... nos traz a vitória! Como está sendo difícil, meu Pai... como está sendo difícil...
Seguiu orando um pouco mais, suplicando por força e coragem. E por proteção. Aquela era nossa incessante petição naqueles dias. Incrivelmente... aqueles breves minutos que ficamos na presença de Deus foram suficientes para nos pôr em ordem outra vez. E tudo ficou bem. Isabela ficou na casinha e eu fui telefonar, voltei depois.
Daí ficamos conversando, aproveitando o resto daquele dia ensolarado e bonito.
Ia haver um acampamento ali no Vale. Na sexta-feira à noite mesmo começaram a chegar as pessoas, havia vários ônibus dentro da missão. Nós demos uma xeretada, era até estranho ver tudo tão cheio!
No sábado à tarde ficamos em casa, bem guardados. Depois do almoço cada um se distraiu com suas próprias coisas. Eu fui abrir minha caixa de correio e Isabela estava sentada no sofá grifando sua Bíblia. Como estivesse pintando muito, até perguntei, lá pelas tantas:
— O que que você tanto pinta aí?
— Estou grifando com uma cor só trechos dos Salmos que falam que Deus trouxe vitória sobre os inimigos... sabe o que eu estava pensando? A gente poderia ungir todo o condomínio, declarando estas Palavras. Jogamos umas gotinhas de óleo nas esquinas das ruas, oramos e declaramos essa Palavra de vitória.
Por algum motivo, concordei. Foi a única vez que fizemos algo assim. Estávamos esperando exatamente por aquilo que a Irmandade havia dito: isto é, o leão. Era melhor estarmos preparados.
Convictos de que aquela era uma direção de Deus, algo específico para aquele momento, no domingo foi exatamente isso que fizemos. Fomos andando bem devagarinho com o carro por todo o condomínio (não a Missão). Isabela declarava os trechos grifados dos Salmos, e cada vez que havia uma encruzilhada com duas ruas, parávamos o carro, derrubávamos algumas gotinhas de óleo no chão.
Nossa oração principal era de declaração de vitória, não repreendemos demônio algum. O objetivo não era este, era um momento de consagração daquele lugar, um momento de pedir proteção, um momento de declarar a Soberania do Senhor Aqueles que iam vir, nossos inimigos... não estavam ali ainda. Mas quando chegassem, haveriam de ter uma surpresa.
Pedimos que Deus estendesse Fogo por todas as ruas daquele condomínio, e enviasse Exércitos de anjos, e cobrisse tudo com sua proteção. Em cada rua, em cada esquina, assim fazíamos.
— "Tu és nosso Deus, acode as nossas súplicas. Força da nossa salvação, protege nossa cabeça nestes dias de batalha. Guarda-nos das mãos de nossos inimigos, nos preserva dos homens violentos! A nossa alma será salva, quebra-se os laços, e nós estaremos livres! Nosso socorro está no Teu Nome. O Senhor adestra nossas mãos para a batalha e os dedos para a guerra; Tu és nossa fortaleza e misericórdia, alto refúgio, nosso Libertador. Abaixa Senhor, os Teus céus e desce; toca os montes e fumegarão. Estende a mão lá do Alto; Tu nos livrarás das águas e do poder de estranhos, cuja boca profere mentiras e cuja direita é direita de falsidade."
Envia toda a proteção necessária, estende fileiras de guerreiros ao longo destas ruas... cobre com Fogo este lugar! E que teus Exércitos fiquem à espera do inimigo, no momento certo.
Era certo que Lucifér não viria sozinho. O nosso Exército tinha que ser maior do que o dele.
Depois que voltamos para casa ungimos também nossas portas e janelas, os muros, o carro, os animais. E pedimos que Deus estendesse um cerco de Querubins ao redor da nossa moradia.
— Pai, Tu sabes que o diabo é um Querubim. Envia anjos da mesma patente que a dele, envia Querubins. — nós não sabíamos se era certo pedir algo assim, mas pedimos. Deus sabia o tamanho daquela batalha. — Cerca nossa casa com muralhas de Fogo, e com cerco de anjos em toda a extensão do nosso terreno, do jardim ao fundo do quintal. Transforma este lugar numa fortaleza!
Levamos um tempo razoável para fazer tudo isso. Terminamos com a consciência limpa e tranqüila... estava feito!
Restava continuar esperando.
Ainda naquele domingo, no começo da noite fomos comer no refeitório da missão. Depois ficaríamos para assistir o Culto ali, não iríamos até a Comunidade. Já estávamos fazendo isso desde sexta-feira, aproveitávamos a Palavra quase sem sair de casa. Aliás, não queríamos mesmo sair do Vale. Era mais seguro. Naquele domingo começava a Lua Nova. Era dia 5 de março.
O refeitório estava bem cheio, quando saímos de lá e fomos buscar nosso carro, entardecia. Logo mais às oito horas da noite começaria o Culto. Olhei para o céu. Ele tinha adquirido aquele tom azul cobalto, profundo... mas estava diferente... por uma razão que a princípio eu não soube explicar.
Então comecei a sentir a opressão. Opressão crescente.
BBBRRRRRRUUUMMMMM!!!
— Nossa! — exclamou Isabela olhando para cima. — Pelo visto vai chover! Estranho... fez um dia tão bonito. Mas está armando um pé d'água!
Os relâmpagos cortavam o céu, enormes e impiedosos, e trovoava. De repente um vento forte começou a soprar, em rajadas intensas, e Isabela segurou a saia comprida do seu vestido indiano para que ela não saísse voando. Faltou mão para segurar o cabelo, que se revolvia.
Não respondi ao seu comentário. Eu sabia que aquilo não era chuva! Era...... não! Precisava ter certeza antes. Entramos no carro. Isabela ainda olhou para fora:
— Vai chover, sim. Olha só essas nuvens pretas... o céu está ficando todo escuro!
— Não vai chover...
A princípio, ela não notou nada de especial na minha afirmação. Mas eu continuei ligado. Cada vez mais ficava claro para mim que aquela manifestação climática era por causa de outra coisa. Eu pressentia a movimentação do Reino Espiritual, os sinais à nossa volta eram pura conseqüência. O Reino Físico simplesmente traduzia o mover do Reino Invisível. E, eu tinha certeza... não era um mover de Deus...
Dei a partida no carro com as mãos levemente trêmulas. Uma opressão muito densa se formava... não exatamente ao nosso redor, mas ao redor do Vale todo! Uma opressão diferente... carregada... forte... como se... como se o próprio Inferno estivesse chegando... chegando perto... acampando ali... se posicionando. Se eu pudesse ver, tinha certeza que um monstruoso manto de sombras estava descendo sobre o Vale, sobre tudo à nossa volta, cercando tudo, para que nada escapasse dali!
Uma sensação única. Como nunca tinha sentido. Algo realmente tenebroso.
Eu sabia que o dragão do Inferno estava se aproximando, junto com seus príncipes e boa parte do seu exército de Principados e Potestades. Tinha medo de pensar no que aquilo significava...
Estacionamos nosso carro lá em cima, perto da Igreja. Entramos, nos acomodamos lá na frente, como era nosso costume. Fiquei quieto durante um tempo, sondando o ar em derredor.
A opressão continuava, mesmo ali dentro da Igreja! Estava um pouco mais tênue, é verdade, mas continuava... e aquela coisa lá fora continuava pairando, se alinhando, se posicionando... aquela coisa tão densa cuja imagem no meu espírito era como se nem a luz pudesse penetrá-la.
Então, o Louvor começou, mas não serviu para aquietar boa parte daquele povo. Seria um Culto um pouco tumultuado. Em algum momento o Espírito Santo de Deus falou comigo, o discernimento veio límpido no meu coração.
"Hoje é o dia 'D'. Eles vão tentar te levar nesta madrugada. Do dia 5 para o dia 6."
Então, senti uma tremedeira no corpo. Tudo se encaixava perfeitamente: dia 6 de março... 6/3! 6 mais 3 é igual a 9. Dois anos haviam se passado desde a data limite imposta pela Irmandade. Três dias antes do meu aniversário de 33 anos. Primeiro dia da Lua Nova. Morte súbita!
Apesar de não pressentir o que me vinha em espírito, por algum motivo Isabela também estava um pouco tensa. Mas não saberia dizer por quê. Até aquele momento, eu não tinha criado coragem para lhe dizer nada.
Quando terminou o Louvor, apresentaram uma peça de Teatro sobre a história de Ruth, foi muito bonita. E a Palavra também foi boa. Em determinado momento, o contexto levou a pregadora a dizer:
— Vede o livramento que Eu te dou hoje!
E continuou falando sobre a conquista da Terra Prometida. Mais tarde Isabela iria comentar que aquelas palavras bateram muito fundo no seu íntimo. Foi como se Deus dissesse que aquela noite era noite de guerra, noite de conquista... e ela pediria, no seu coração, que Deus nos concedesse a vitória e a conquista.
Então, de repente Isabela se voltou para mim. Do nada. Era o feeling.
— Que foi? — indagou.
Demorei um pouco para conseguir responder. Não conseguia controlar muito bem aqueles tremores involuntários, e quase não segurei as lágrimas.
— É hoje...
— Hoje? — ela entendeu perfeitamente. — Tem certeza?
Fiz que sim, sem dizer mais palavra. Ela também não disse nada. Apenas segurou minha mão com força.
No final do Culto avisaram que ia ter uma vigília naquela noite, quem quisesse participar poderia permanecer na Igreja. Quando a movimentação costumeira de final de Culto começou, Isabela olhou para mim:
— Será que é melhor a gente ficar aqui?
Não precisei esperar quase nada pela resposta. Novamente tinha certeza absoluta: aquela não era a estratégia de Deus para nós.
— Não... vamos para casa.
— Tem certeza? —Tenho.
Saímos da Igreja e fomos pegar nosso carro. Passava um pouco das dez horas da noite. Até aquele momento realmente não tinha chovido. Mas o clima estava tenso, isso para dizer o mínimo. Nós dois nos sentíamos como que pisando em ovos. Uma sensação de temor nos invadia.
O que iria acontecer?!?.....
Descemos a alameda que nos levaria à entrada do condomínio, devagar. Passamos pela cancela, começamos a subir a outra alameda, de terra, que nos levaria até lá em cima, até nossa rua.
Naquele momento não oramos. Nós já tínhamos feito a nossa parte. Qualquer coisa dali para a frente tinha que vir como Rhema! Era impossível pensar em dar qualquer passo sem saber o que ia acontecer, a esmo, no escuro. Estávamos totalmente na dependência de Deus. Durante o Culto, o Senhor tinha permitido que eu me desligasse da opressão, mas tão logo saí da Igreja, voltei a percebê-la imediatamente. Eles estavam ali! Aquela opressão... forte! Continuava...
Embiquei o carro na direção do portão de entrada para a nossa garagem, acendia os faróis altos para iluminar bem. Antes que eu pudesse apear para abrir o portão, Isabela desceu primeiro. Queria ficar ao meu lado. Quer dizer: na minha frente.
— Fica no carro — falei para ela.
— Não. Vou com você.
Nessa altura a gente já estava imaginando de tudo, inclusive que pudesse haver pistoleiros escondidos dentro do jardim, dentro de casa. Isabela preferia levar um tiro ela mesma do que me ver ser baleado na sua frente.
Abrimos o portão juntos e ela entrou antes de mim no jardim, olhava para todos os lados, ressabiada. Subiu até a varanda. Merengue veio ao nosso encontro. Eu recolhi o carro e fechei o portão.
Quando percebi, Isabela já tinha entrado em casa na minha frente, queria ver como estava o ambiente antes de mim. Fui atrás dela. Que teimosa!...
Nós nos entreolhávamos com ar assustado. Olhamos em todos os cômodos da casa, acendendo todas as luzes.
— Parece que está tudo bem...
Mas havia um paradoxo no meu coração. Se na minha alma eu sentia medo, porque Deus havia sinalizado muito claro que aquele era o dia... por outro lado, dentro da nossa casa parecia estar tudo muito calmo... muito calmo. E aquela calmaria era estranha. Não combinava com aquela coisa monstruosa que tinha sentido antes, até poucos minutos antes. Seria alguma armadilha?
Fui para o fundo do quintal, fiquei como que farejando...
"O que será que aconteceu? Que foi feito daquela terrível opressão?! O ar está muito leve aqui em casa... há paz... mas como? Como pode?!..."
Aquela placidez me assustou mais ainda do que a opressão. Tinha que ser uma armadilha...
"Eles devem estar escondidos, e vão aparecer a qualquer momento com toda a fúria... ou então... o quê? O quê? Não sei!"
Eu não sabia o que pensar. Fiquei ali parado, depois caminhei novamente até o jardim, fiquei olhando para o horizonte. Calado. Sondando. Esperando que alguma coisa fizesse lógica naquilo tudo!
Até que Isabela apareceu ao meu lado. Tinha ido trocar de roupa, trocara o vestido por um moletom, tênis e malha. Mais tarde ela iria me dizer o por que da sua escolha:
— No final do ano estava totalmente despreparada. Mas hoje, se tiver que sair correndo, se tiver que dirigir como louca, se tiver até que saltar muros ou entrar no mato... estou preparada! Lembrei daquele texto, durante a reconstrução dos muros de Jerusalém, quando aqueles que edificavam dormiram com as espadas na mão. Quer dizer, estavam prontos! De repente, eu vou ter que correr para algum telefone, posso tropeçar e cair se ficar de tamanco. Então, não! Vou pôr uma roupa de guerra — e segurava na mão o frasquinho de óleo, por dentro do bolso da malha.
Só que naquele momento ela não disse nada sobre isso. Apenas me olhava com ar inquiridor, preocupado, perscrutando meu rosto e sondando minhas reações.
— Que foi, Eduardo? Você está muito quieto, está me deixando mais nervosa. O que você está sentindo? Diz alguma coisa, pelo amor de Deus...
Eu não sabia o que dizer. Estava tão na expectativa quanto ela. Nós dois sabíamos que algo ia acontecer! Mas ela não podia sentir aquilo... aquela tranqüilidade à volta me incomodava sobremaneira...
Tentei explicar:
— Eu não sei... tá tudo muito calmo aqui... não consigo entender...
Ela suspirou profundamente. Da varanda nós contemplávamos a noite, completamente calados. Começou uma garoinha fina, uma chuvinha de nada quando comparada aos fenômenos atmosféricos de algumas horas atrás. A chuvinha nada tinha de demoníaca, era totalmente normal, apenas para desabafar a terra quente.
Nos sentamos na beirada da varanda, Isabela passou o braço dela pelo meu, e ficamos ali sentados, encolhidinhos, bem perto um do outro. A percepção do calor dos nossos corpos dava uma sensação de acolhimento. Mas faltava a segurança. Éramos somente nós dois. Começamos a orar, embora não soubéssemos o que dizer para Deus. Tudo parecia nebuloso. Mas eu precisava entender por que tudo estava tão quieto. Então começamos a orar em línguas, baixinho, devagar.
Comecei a indagar:
— Por que esta paz? Que está acontecendo? O Senhor anunciou a guerra... onde está ela?
Como Deus nada respondesse, oramos apenas um pouquinho mais. Isabela estava com frio, entrou em casa para pegar mais um agasalho e ligar Louvor no aparelho de som. Logo escutei os primeiros acordes da música, e aquilo também trouxe aconchego para nós dois. Isabela voltou para perto de mim, sentou novamente como antes, bem perto. A garoa já estava passando.
— Vamos continuar orando?
Começamos a pedir a Deus uma estratégia. O que nós deveríamos fazer? Não poderíamos sair dali, nem fazer qualquer outra coisa sem que Deus desse alguma direção. Era preciso que Ele sinalizasse alguma coisa... e nos ajudasse a entender.
Não foi preciso orar muito mais. Logo comecei a sentir aquela presença... e que presença! Que presença forte!...
Instintivamente comecei a falar:
— Tem uma presença aqui... uma presença muito forte!!
Isabela se assustou. Seu coração se espremeu no peito e ela perguntou, temerosa:
— Que presença?! São eles? — na cabeça dela, durante a nossa oração Deus estava desmascarando o esconderijo do inimigo. Já imaginou que talvez um demônio estivesse sugando minha energia, e eu já fosse cair duro na frente dela, e ela já tivesse que sair correndo para me ungir. Ela já se imaginava guerreando sozinha, e eu desacordado. — Tá tudo bem? Tá tudo bem?!.
Eu mantinha meus olhos fechados, e todo meu corpo absorvia o impacto do que estava ao meu redor.
—Não.... não é ruim!... É bom, é bom, é bom. Mas como é forte!.. Meu Deus, como é forte!!!
Como poderia descrevê-la? Era uma presença de Poder. Mais ou menos como tinha acontecido no dia da unção de Isabela. Mas dessa vez o que eu podia captar era Poder, Poder, muito, muito mais Poder!!
— É um Poder de Deus! — exclamei.
Certamente Isabela ficou mais calma depois disso. E esperou.
Se eu fosse quantificar, era um Poder maior do que aquele que tinha sentido anteriormente em opressão. Era como se o Poder exercido pelo Inferno tivesse ficado menor diante daquele Poder indescritível que eu pressentia agora, ali no jardim da minha casa. Mais uma vez, era como se meu corpo fosse desvanecer, fosse sucumbir... fosse derreter diante daquilo que estava ali.
"Que coisa tremenda!!!"
Eu até me encolhi. Ainda não podia ver... não podia ver quem, ou o quê, estava ali perto... bem perto de nós! Eu só conseguia tremer e me contorcer, abraçava meu próprio corpo com força. Subitamente comecei a sentir um calor na pele... cálido, brando...
Então... vi aquele foco de luz na minha frente, bem grande. Era ele! O anjo ruivo. Mikhael. Capitão dos Exércitos. Apareceu como eu estava acostumado a vê-lo: com aquelas vestes brancas e resplandecentes, com detalhes em azul mais escuro. Com braceletes grandes de ouro. Dessa vez percebi que havia uma inscrição no seu peito, como se fosse um emblema, mas numa língua que eu não podia compreender. Os cabelos estavam soltos e pareciam ser movimentados pelo vento. A luz irradiava dele...
Tão logo minha vista captou sua figura, ali parada na nossa frente, sobre a grama do jardim, ele começou a falar comigo.
— Assim como Deus deu ordens aos seus Querubins para guardar a Árvore da Vida, porque ela era preciosa para Deus... Ele também deu ordens aos Seus Querubins para protegerem vocês. Porque vocês são preciosos para Deus!
Assim que ele falou isso, rápido como num relâmpago, por visão periférica meus olhos captaram mais focos de luz. Como se tivessem acendido holofotes ao meu redor. Olhei, e por algum motivo incrível aquela luz tão intensa não me ofuscava... era tão forte, mas não causava ofuscamento. Era tão estranho... olhei para ver o que era aquilo, o que mais se descortinava diante de mim.
Vi os Querubins que Mikhael havia dito...!
Cercando toda volta da nossa casa eu podia contemplá-los, perto dos limites dos muros e do jardim. Imensos... maiores do que a casa, maiores do que Mikhael, talvez meio corpo maior do que ele... incrivelmente fortes... não estavam presos aos limites do chão físico...
Olhei mais, e o que me chamava atenção é que eram meio dourados; quer dizer, a luz que emanava deles era meio dourada. Parecia até que o rosto deles, os braços, tudo... tudo era daquela cor dourada! As vestes, homogeneamente douradas, estavam iluminadas, e eu não pude perceber detalhes de outras cores como acontecia com as vestes do anjo ruivo. Olhei melhor... aquelas roupas eram semelhantes ao que eu entendia como sendo uma blindagem!. Era como se eles fossem totalmente revestidos por uma espécie de armadura. Ou o que eu, humanamente, chamava de armadura. Nas suas cabeças havia algo que me lembrou um elmo, mas eu não conseguia divisar direito porque brilhava muito. Tive a impressão de ter visto uma pedra incrustada na frente, uma pedra que também brilhava.
Então desviei os olhos um pouco porque, apesar de não ofuscar a vista... por algum outro motivo não conseguia olhar para eles durante muito tempo. Mas logo tornei a mirá-los, extasiado, enviando olhares grandes para aqueles que estavam mais próximos de mim.
E tentei entender o que estava vendo.
Eles tinham asas... sim, porque eu podia vê-las! Mas pareciam ter uma forma estranha... eu tinha a impressão de ver mais de um par de asas. Não parecia que era apenas um par... como pode? Pareciam quatro asas, misturadas... ou seriam seis asas?! Como pode um anjo ter mais de duas asas? Aquilo não existia na minha imaginação, e eu tentava cruzar essa imagem mental com a realidade da visão.
Não conseguia entender direito... mesmo porque, além daquelas asas eu podia ver os braços deles, que estavam entrelaçados, bem juntinho um do outro. Isso eu percebi muito bem, que havia um verdadeiro anel de anjos entrelaçados entre si guardando a nossa casa. Cada anel daquela extensa corrente viva parecia ser formado por um bloco de quatro anjos. Os quatro olhavam em todas as direções, suas costas pareciam se tocar, e eles olhavam para a frente, para trás, para a direita e para a esquerda... tanto para dentro do terreno da casa, como para fora, para o Vale... como também para os outros dois lados.
O rosto deles também brilhava, consegui perceber num vislumbre, num relanceio do meu olhar... eles tinham o semblante firme... compenetrado... e, ao mesmo tempo, também de amor! Emanava um Poder indescritível deles! Somente agora podia perceber de onde vinha aquela sensação do começo...
A visão durou poucos segundos, então abriu mais ainda, era como se agora houvesse fachos de luz em todas as direções! Comecei a vislumbrar um espetáculo totalmente indescritível! A Guarda que Deus tinha trazido para nós naquela noite!!! Não estava apenas em volta da casa... como tinha percebido a princípio. Os Exércitos Angelicais de Deus se estendiam pelos montes à minha volta, subindo em fileiras, estendendo-se para todos os lados, até onde minha vista alcançava... para todos os lados! aquela visão era maravilhosa... e aterradora! Como era possível existir algo assim??! Uma visão completamente fora de tudo que eu pudesse imaginar, as ruas e os montes ao redor da nossa casa estavam forrados, forrados de anjos de luz... a perder de vista!
Não se tratava apenas de pontos luminosos ao longe, mas aquela sensação de luminosidade era maciça! Era uma coisa só, um bloco só! Como se Exércitos estivessem acampados em toda a volta, até onde era possível divisar. Até mesmo os Querubins ao redor da casa pareciam estender-se em fileiras, como numa arquibancada, iam subindo, uma quantidade enorme... uma multidão de anjos! Legiões e legiões de guerreiros!!!
Eu me contorcia em mim mesmo, abraçava os joelhos, chorava compulsivamente olhando para todos os lados... parecia não suportar a visão.
— São muitos! São muitos! São muitos!
Mas foi só um flash. Deus sabe que a carne humana, pecaminosa e imperfeita, não poderia suportar por muito tempo. Tudo durou alguns momentos, alguns segundos. Foi apenas enquanto Mikhael falou aquela Primeira frase.... minha visão abriu... e fechou! Tão-somente para que eu soubesse que eles estavam ali.
— Nossa... então eles estavam o tempo todo aqui? — perguntei ao anjo ruivo.
— Cada palavra de oração que vem da boca de vocês, Deus está ouvindo. De fato nós iríamos perceber que cada detalhe das nossas orações tinha sido respondido.
Deixei de ver aquele Exército, mas não tinha acabado. Deus estava sendo muito caprichoso em mostrar todas as coisas. Naquele momento, algo mais desviou minha atenção. Que seria aquilo ali perto dos muros?! O entendimento veio no meu espírito e eu pude perceber as Colunas de Fogo ao redor da nossa casa.
Olhei mais, e... não era fogo... fogo como o conhecemos no nosso mundo... pareciam... Colunas de Luz! Como se verdadeiras Muralhas de Luz estivessem cercando nossa casa! Uma Luz que tinha em si mesma um leve movimento, mas eu podia ver através dela, era transparente como cristal. De alguma forma pude entender que aquilo era uma redoma! Uma redoma de Luz que cobria exatamente os limites da nossa casa!
Acho que o entendimento dos antigos era mais arcaico porque eles não conheciam a luz... a luz elétrica, a luz artificial... por isso nomearam aquele efeito da Proteção do Senhor como "fogo"!
Por dentro desta redoma, bem perto dos muros... era ali que começava a primeira fileira de Querubins. Embora eu não pudesse mais enxergá-los!
Poderia morrer depois daquela visão. Por mais que me esforce, todo vocabulário humano é parco demais para exprimir a incomparável majestade do Reino Espiritual. Entendi o por que daquele Poder que emanava... realmente o Inferno tinha vindo... mas no momento preciso Deus enviou também os Seus Exércitos! Ali estavam eles...
Olhei novamente para Mikhael. Seu cabelo balançava suavemente. Abriu a boca e continuou dando o recado do Pai.
— Deus está revestindo vocês com poder, poder e autoridade contra Principados e Potestades, para levar a Palavra de Deus às Igrejas. Deus lhes trará entendimento sobre os Mistérios da Palavra. Vocês estão sendo recrutados para fazer parte deste exército, o exército que vai enfrentar a batalha dos últimos tempos. Cujos militantes serão chamados Guerreiros da Luz!
Então foi como se eu pudesse ter a visão de uma Pedra, uma Pedra muito grande. Aquela Pedra era a Palavra de Deus. Então ele continuou:
— Alguns encontram um caminho sobre a pedra, conseguem caminhar sobre ela, conhecem a sua superfície. Mas outros, sendo perseverantes e insistentes, fazem um buraco nessa Rocha, e vão até a profundidade dela. E ali encontram ouro!
Eu me esforçava sobremaneira em repetir aquelas palavras. Não parava para raciocinar. Tão-somente falava, com um pouco de dificuldade, mas sabia que tinha que repeti-las, elas eram para Isabela também.
— Ai daquele que ousar tocar num só fio de cabelo das tuas cabeças, pois a espada de Deus cairá sobre eles.
Entre lágrimas, Isabela fez menção imediatamente sobre sua família. Falou alto, para que ele ouvisse:
— Protege a minha família! Protege eles também!
Não sei dizer se eu realmente a ouvia, e transmitia ao anjo; ou se apenas escutava a resposta dele, sem ter ouvido a pergunta de Isabela. Mas assim foi respondido:
— Eles estão sendo protegidos. Vão passar pelo Fogo... mas não serão queimados. Eles precisam passar pelo Fogo para ver o Poder de Deus.
Então falou algumas coisas especificamente para Isabela:
— Filha, você é valiosa! É vaso de honra para Deus, e muito amada. Eu me alegro com a sua vida! Estou ouvindo as suas orações. E estou te dando esta autoridade! Não importa o que os homens digam a seu respeito. Eu dei ordem, e você foi ungida por um Querubim. Ainda não chegou o tempo de teus olhos contemplarem o Reino Espiritual, mas hoje deixo um sinal para você, para que você saiba que Nós estivemos aqui. Eu vos deixo a Minha Paz, e um sinal, para que você saiba da Nossa Presença... nesta noite entrego em tuas mãos os teus inimigos.
Isabela não se conteve, e ainda falou novamente, entre lágrimas e entre vários "obrigada!"
— Coloca um sinal no meio deles. Para que eles saibam quem é o Deus Vivo! Vi quando ele ergueu a espada... até então nunca tinha visto a espada do
Capitão dos Exércitos... era uma coisa linda! Como um facho de luz! Com a base cravejada de pedras preciosas, que pareciam muito coloridas, em vários tons de azul e dourado. Causava uma sensação impressionante de força!
Mikhael ergueu a espada e fez um gesto rápido, mas suave, resvalando a ponta dela no jardim. Pelo menos assim me pareceu.
— Aqui é terra santa! — bradou ele.
Não tenho noção exata de quando a visão terminou, a única coisa de que tinha consciência é que aquele Poder indescritível começava a diminuir. Eles continuavam lá, certamente, todos aqueles guerreiros. Mas a minha percepção voltava para dentro dos parâmetros humanos. O espírito se aquietou. E comecei a ter mais consciência do tremor, do choro e das reações naturais do meu corpo e mente.
Isabela também chorava ali ao meu lado. Eu não tinha certeza absoluta do que havia dito a ela... ou não... nem certeza do que havia falado com o anjo, e do que havia simplesmente repetido para ela. Precisava me situar, me acalmar... deixar aquelas sensações gritantes do corpo e da mente diminuírem.
A medida que fui me acalmando, comecei a ter consciência outra vez do lugar onde estava. Abri os olhos, olhei em derredor... mas agora era tão-somente a noite ligeiramente chuvosa, nosso jardim, os muros da casa, a rua deserta, os montes escuros no horizonte. A grama tinha ficado ligeiramente molhada pela garoa breve. Realmente... não choveu! Não de verdade! Ia levar alguns minutos até que conseguisse digerir tudo aquilo.
— Acabou... — foi minha primeira palavra.
Eu estava me referindo àquela batalha, a batalha que tinha sido travada às vésperas do meu aniversário, aquele confronto de honra.
— Realmente eles vieram...
Eu estava me referindo não ao Inferno, mas aos Exércitos de Deus!
Então, de repente, me lembrei do sinal. Levantei como se fosse de mola e corri até o jardim. Como estivesse um pouco escuro, tateei na grama mais ou menos no lugar onde eu o tinha visto com a espada.
— Que foi? — indagou Isabela vindo atrás de mim.
— Não sei... ele falou alguma coisa sobre um sinal... sobre deixar um sinal!
Então minhas mãos tocaram naquela reentrância na terra! Tirei as mãos assustado. Isabela não entendia nada. — Que foi, Eduardo?!
— Olha... olha! Esse era o sinal que ele ia deixar pra você: a ponta da espada! Olha só! Furou o jardim!!
Ao redor daquele pequeno buraco a grama ficou levemente chamuscada... inacreditável!
— Eu vi quando ele deu uma resvalada, uma encostadinha de nada. Era para você!
Isabela também olhava, tocava naquele buraco, analisava...
— Como Deus é tremendo!....
Depois disso entramos em casa, maravilhados e estupefatos ao mesmo tempo. Isabela colocou o CD de Louvor no começo mais uma vez, sentíamos nosso coração leve e transbordante de alegria! Naquele dia não foi preciso fazer nada, o Senhor tinha guerreado por nós! Que manifestação inequívoca do Poder do Altíssimo!
— Você falava em línguas quase o tempo todo! — comentou Isabela.
— Não... eu falei em português. Não falei em línguas hora nenhuma!
— Eu escutei o tempo todo... acredita em mim, não discute, eu estava sóbria! — brincou Isabela. — Você só falava em português quando estava traduzindo para mim. Mas todo o resto do tempo, inclusive quando você parava de falar em português, e voltava a falar com ele, saía tudo em línguas! Saía numa entonação diferente... uma coisa diferente mesmo, não sei dizer. Pareciam frases e palavras carregadas de emoção, era até gostoso ficar ouvindo.
— Imagina! Eu não me lembro disso, Isabela!
— Mas foi assim.
— Puxa... é que parece que eu saio da dimensão real, sabe? Parece que não se está mais no mesmo lugar... no mesmo mundo.
— Mas o que você falava tanto? —Você escutou!
— Não, eu escutei apenas o que você falou em português! Todo o resto, estava falando em línguas! O que é que você tanto falava?
Procurei me lembrar, retomar o fio da meada. Então me lembrei da primeira pergunta que fiz ao anjo ruivo. E comecei a contar a Isabela.
— Bom... lembro que perguntei alguma coisa sobre os Querubins. A visão deles me parecia tão impressionante que tive que ter certeza, então falei: "Estes são os Querubins?". Ele sorriu e fez que sim. Mas então percebi que a roupa dele, a roupa do arcanjo Mikhael, parecia balançar com o vento, e o cabelo dele era solto, parecia também se mexer com a brisa. E a dos Querubins não era assim. Parecia que eles eram realmente revestidos de uma blindagem, de uma armadura. Depois, quando vi aqueles Muros de Luz, aquela coisa totalmente fora de tudo que eu pudesse imaginar, na minha fascinação, perguntei a Mikhael: "Estas são as Muralhas de Fogo?" Ele só sorriu para mim. E de novo fez aquele gesto como quem diz: "Sim!" "Pôxa... como Deus é bom!", continuei dizendo para ele. "Mandou tantos anjos para nos proteger!" Aí foi que ele disse: "Vocês são especiais para Deus, porque Deus os chamou para um Ministério". E eu respondi: "Mas eu não tenho capacidade para isso. O que eu posso fazer?"... E veio a resposta: "Deus vai revestir vocês com muito Poder. Poder contra Principados e Potestades!"
— Ah! Entendi! Na verdade você estava repetindo as respostas dele em português... porque você falava muito em línguas... e só depois é que vinha alguma coisa que eu podia entender! Então foi isso...
Ficamos ainda pensativos por alguns instantes, olhando para o jardim que tinha sido palco daquela experiência maravilhosa.
— E que mais? Que mais você lembra de ter perguntado? Porque tinha horas que eu ficava só ouvindo, você falava bastante, era gostoso escutar...
— Eu lembro... em algum momento, acho que perguntei algo assim... não sei as palavras exatas, mas acho que falei: "Deus de fato me deu um Dom de discernimento, não foi? Hoje eles queriam tomar a minha vida, não queriam? Por isso vocês estão aqui nos cercando, nos protegendo...?" Foi aí que ele respondeu, quase no final: "Fiquem em paz, porque esta noite Deus está entregando nas suas mãos os seus inimigos".
Isabela escutava quieta.
Muito mais tarde, perguntando melhor sobre a aparência dos Querubins, ela ficou muito impressionada porque batia com a visão do Profeta Ezequiel. Mas na época nem eu, nem ela sabíamos sobre isso. Através desta visão Bíblica, entendi que aquele grupo de quatro seres era apenas um Querubim! Na hora eu não tinha a menor noção, por isso me pareceram "blocos" de quatro anjos.
— Eles têm um olhar diferente... de quem está ali para desempenhar um papel, cumprir uma função... e a função era nos guardar, tomar conta de nós! Deu para ver muito de relance, mas... é um olhar firme, penetrante como o de uma águia! Mas junto com isso, dá para perceber o amor — sentia a garganta presa pela emoção. — Lucifér veio... e encontrou muitos como ele. Quer dizer, da mesma patente!
— Que coisa, né? Durante estas últimas semanas, quase todas as vezes que entrava ou saía de casa, lembrei de pedir para Deus que Ele colocasse um cerco vivo de anjos ao redor da nossa casa, no momento exato. E quantas vezes oramos pedindo a cobertura das Muralhas de Fogo, não é? Deus foi caprichoso em mostrar que cada detalhe das nossas petições foi atendido!
Assim que entramos em casa, começou a chover de novo. Parecia que Deus estava apenas esperando que Mikhael trouxesse o Seu recado, para então deixar a chuva cair. Mas agora, eu sabia... nós sabíamos... era apenas chuva de verão!
Isabela vai pegar a caderneta onde costumava anotar as coisas mais importantes que nos aconteciam, para não correr o risco de esquecer depois. No nosso esfuziante contentamento, nada melhor do que falar sobre aquilo naquela mesma hora. Isabela estava louca para saber detalhes do que eu tinha visto. Veio para perto de mim com a caderneta e o gravador. Devia ser quase meia-noite.
Antes de nos sentarmos, fui ao banheiro. Quando estava voltando escutei o telefone tocar. Quando cheguei perto dele, Isabela já estava quase chegando também. Nos entreolhamos rapidamente antes que eu pusesse o fone no ouvido. Quem poderia estar ligando àquela hora?...
— Ai meu Deus... são eles! — murmurou Isabela.
Atendi. Sem dizer nada. Simplesmente esperei. Veio uma voz conhecida pela linha, mas bem diferente de todas as outras vezes. Era uma moça que tinha conhecido na Irmandade, Samantha Warlock, reconheci sua voz imediatamente. Ela estava em pânico:
— Que Feitiço você usou?! — falava aos trancos e barrancos, completamente transtornada. — Como é que você pode estar vivo?!! O que está acontecendo? Eu não acredito, não acredito no que está havendo!
— O que está havendo... é a manifestação do Poder de Deus — respondi, sem ter tempo de pensar nas palavras. — É Ele quem me protege.
Ela não parecia compreender o significado do que eu dizia.
— Não é possível! Não é possível! Depois do que eu vi acontecer aqui, depois de tudo o que fizemos aqui... não pode ser que você continue vivo!! Eles... — a frase seguinte veio carregada de um indescritível pesar: — Eles estão mortos! O Zórdico... e o Taolez! Eles estão mortos!
Emudeci. Então ela repetiu, mais alto:
— Eles estão mortos! Foi agora há pouco... o Zórdico começou a passar mal, sentia uma dor no peito... então o Taolez saiu com ele de carro, foram para o Hospital... ligaram antes... parecia ser alguma coisa do coração... mas no caminho sofreram um acidente... estão mortos, os dois!
— Os dois?? — perguntei, entre penalizado por ela e incrivelmente chocado com o desfecho daquela noite.
— Diga o que eu tenho que fazer! O que eu tenho que fazer? Não é possível você estar vivo...
Isabela estava sentada no chão, no tapete, e intercedia baixinho. Do outro lado da linha, Samantha continuava com o mesmo discurso um pouco desconexo:
— ...Eles morreram... eles morreram... — aquele estado de choque era verdadeiro. Era autêntico. — Mas... que Poder é esse? Que Poder é esse?!!
— Esse é o Poder de Deus. E o que você quer que eu faça? Se você ligou para mim... é porque quer que eu faça alguma coisa?
Ela respondeu muito simplesmente:
— Ora. Ora para Deus... ressuscitar eles!
Eu não sabia bem o que dizer, aquela situação me pegou completamente desprevenido.
— Eu não posso fazer mais nada por eles... foi Juízo de Deus. Mas... por você... eu posso! Eu posso orar por você, Deus está te dando uma chance. Nessa noite você está vendo um sinal do Poder de Deus! Um sinal de que Ele é o Todo-Poderoso. O diabo só quer enganar, distorcer a Palavra, ele distorceu tudo... e você acreditou numa mentira. Jesus Cristo é o verdadeiro Deus. O Poder do encantamento, do feitiço, de Lucifér... tudo isso é limitado. Mas não o Poder do Deus Vivo, como você mesma viu! É Ele quem detém a História.
— Então... então eu quero conhecer esse Jesus! Ora por mim. Eu sei onde você está indo, eu sei que Igrejas você agendou, nós sabemos tudo sobre você. Eu posso ir? Você ora por mim?
Houve uma pequena pausa. Isabela tentava pescar o rumo da conversa nas entrelinhas, olhando ansiosamente para mim enquanto continuava intercedendo.
— Pode — respondi. — Se você vier nessa intenção, eu oro por você. Nesse momento, Isabela levantou a voz:
— Não! Não deixa pra depois. Ora com ela agora, ora com ela agora! Samantha continuava:
— Tem outros mais. Tem outros que estão como eu. Você ora pela gente?
— Sim. E também vou ungir vocês...
— Ora agora! — insistiu Isabela novamente.
Então resolvi seguir sua sugestão.
— Olha... vou orar por você agora, tudo bem?
— Tudo bem.
Comecei a orar. Imediatamente percebi pelo telefone uma respiração pesada e ofegante tomando o lugar dela. Já não sabia se era ela mesmo que estava ali.
— Você não vai impedir ela de fazer esta oração, em nome de Jesus! Que ela fique livre para falar com sua própria boca. Samantha... repete comigo esta oração.
Foi com custo, a voz dela vinha entrecortada, sufocada, engasgada mas... ela repetiu tudo! Não foi uma oração longa nem prolixa, apenas o suficiente naquele momento. E pela sua própria boca, Samantha aceitou Jesus. Eu não sabia, mas aquela seria a sua única e derradeira chance.
— Leia a Bíblia! — falei depois para ela. — Você aceitou Jesus, leia a Bíblia.
— Eu vou ver se eu consigo uma... eu não tenho nenhuma!
Enquanto isso Isabela correu e pegou sua própria Bíblia, começou a folhear rapidamente. Baixinho continuava orando para Deus enviar os anjos para perto de Samantha, para confirmar a salvação, para ajudá-la a sair daquele lugar.
— Você precisa ler agora! — insisti. — Tem que ler a Bíblia, se você fizer isso Deus vai iluminar seus olhos... você vai entender a Palavra de Deus.
— Mas e aí? Que que eu faço?
Entendi. Ela se referia à Irmandade. Como poderia fugir dali.
Isabela encontrou um texto e me pediu para ler a ela. Peguei a Bíblia, li o versículo... ela escutou, acho que entendeu. Mas então...
— Pára, pára, pára.... — disse Samantha aos cochichos, assustada. — Eles estão aqui, estão batendo na porta, acho que eles vão me matar!
— Não, não vão! Deus está com você, Deus vai te proteger! Vou orar por você mais um pouco.
— Não! Tenho que abrir a porta, senão eles vão desconfiar! Vão achar estranho se eu não atender logo. Eu vou te procurar! Eu vou te procurar, e você ora pela gente.
Depois que desligamos o telefone ainda ficamos pensando no que teria acontecido. Oramos por ela, a única coisa plausível para ser feita. Mas realmente Samantha não sobreviveria.
No dia seguinte, continuávamos em estado de êxtase com a experiência da noite anterior. E não conseguimos falar de outra coisa! Nosso único assunto era esse: os anjos, os Querubins, as Muralhas de Fogo, e aquele impressionante telefonema. Mais fantástico do que tudo era o sinal deixado no jardim.
Logo pela manhã, tão logo soltamos Mambo e Merengue, os dois correram para farejar no buraco deixado pela espada do anjo Mikhael. Gatos são assim: curiosos e muito perceptivos. Sempre que tem alguma coisa diferente na casa, pode ser uma sacola, um livro, qualquer coisa... eles percebem e vão xeretar!
Com aquele buraquinho não foi diferente. Se ainda houvesse dúvida no nosso íntimo, a atitude dos gatinhos tiraria na mesma hora. Eles viram, farejaram, observaram... depois deixaram de lado!
— E por falar em sinal... — começou Isabela sentada na mesa do café da manhã — Deus atendeu até a última palavra das nossas orações, de verdade! Eu tinha pedido um outro sinal para Deus...
— Que sinal?
— Alguns dias antes, estive orando na casinha. Não tinha pensado em fazer nenhuma oração especial, fui simplesmente apresentando os principais motivos para Deus. Depois, um pouco antes de encerrar, ainda orei pelo Marlon, para que Deus pudesse falar no coração dele, e que lhe trouxesse uma estratégia. Se ele dissesse um "sim" para Deus, Deus diria um "sim" para ele. E que se de fato ele quisesse, Deus desse a estratégia para este "sim". Então me veio à mente o texto que fala da arca, quando foi levada pelos filisteus para dentro do templo de Dagon. E aí a cabeça de Dagon caiu! Com base nesta lembrança, de repente me vi pedindo algo que não estava formatado na minha cabeça. Foi coisa ali da hora, daquele momento... mas de repente compreendi melhor a seriedade do momento que a gente estava vivendo. No meu íntimo, ficou claro que havia uma disputa de honra sendo travada... a honra de Deus e a honra do diabo. Eles estavam afrontando demais no nome de Deus. Lembra daquela carta do Zórdico? Quanto sarcasmo?
— Você tem razão...
— Já não era mais questão das ameaças que estavam sendo feitas contra nós... eles cuspiam no Nome e no Rosto de Deus! Então pedi aquele sinal... que seria um sinal do confronto, um sinal de Poder! Assim como a cabeça de Dagon foi cortada, pedi que Deus trouxesse uma marca visível de Fogo no meio dos nossos inimigos. E que nós soubéssemos deste sinal! E, mais ainda... que nós soubéssemos que isto foi feito entre eles por nossa causai Pedi a Deus que, através desta manifestação, eles vissem que Deus era de fato o Deus Vivo! Eles tinham que ver com quem estavam mexendo, já não se tratava apenas das nossas vidas, mas do Nome do Senhor. O mais estranho é que eu não pedi para ninguém morrer... mas o meu coração me dizia que essa batalha era importante demais. Era como se eu soubesse que alguém ia morrer... nunca imaginei que Deus respondesse dessa maneira!
Passou o Carnaval. Nós não baixamos a guarda, continuamos vigilantes até que chegasse o dia 9, dia do meu aniversário. No dia 10, terminamos os 33 dias de jejum. Chegou o dia 11, próximo sábado, dia da celebração.
Havia muita gente em casa, dentre eles algumas pessoas especialmente especiais: Grace, Dona Clara, o Pastor Brintti! Ele veio mesmo! Nós o buscamos no aeroporto e ele passou o final de semana em nossa casa! Deus realmente preparou aquele momento de júbilo e vitória!
O Pastor Ubiratan, que tinha cedido o selo da Editora, também estava presente. Angélica, com seu filho. O Fábio, que tinha feito a capa do livro e os fotolitos. Esther, a doadora da oferta. Algumas outras pessoas da equipe da Grace, Dona Márcia, Marco, alguns amigos dele, algumas amigas da célula de Dona Márcia. E várias pessoas que não conhecíamos, mas que acabaram indo com alguns dos convidados. Talvez umas 50 pessoas! Cada um levou um prato de doce ou salgado e, como disse Grace, sobejou!
Foi um momento muito, muito especial.
Coitado do Pastor Brintti... acabou sendo meio assediado por pessoas curiosas que já tinham lido o livro... mas também Grace aproveitou a presença dele e de pessoas da sua equipe para continuar a Ministração que tinha sido começada.
Cinco dias depois tivermos um contra-ataque violentíssimo, quase terminou em tragédia. Dessa vez, só não aconteceu mesmo por intervenção sobrenatural de Deus. Mas também passou.
No final do mês Grace me cedeu seu lugar para participar do congresso com Rebecca Brown. Eu e Isabela trabalhamos muito juntos compactando os principais pontos da mensagem. Zelosa em tudo, como era do seu perfil, Isabela estudou comigo o dia todo, falamos várias vezes toda a mensagem para ganhar segurança. Era importante que eu estivesse bem preparado do ponto de vista humano, essa era a nossa parte. O resto era com Deus. Isabela ficou até de madrugada montando algumas transparências para facilitar o entendimento.
No dia do congresso, em uma hora falei o que me foi possível, para cerca de quatro mil pessoas. Não posso dizer que não ficamos um pouco apreensivos de estarmos naquele lugar, cercados de pessoas, falando sobre aquilo. Eu não circulei pelo meio do povo em momento algum, me deixaram bem guardado na salinha dos Pastores. Tinha sido inclusive uma orientação da Grace.
Algumas informações que nos chegaram naquele dia foram preciosas. Um dos filhos de um dos preletores comentou comigo, um pouco depois da Palavra, que quando nós chegamos, ele tinha visto dois anjos com asas conosco. As suas asas cobriam a mim e a Isabela para nos tornar invisíveis no Reino Espiritual.
Mais tarde, uma das intercessoras que orava com Angélica teve a mesma visão: enquanto eu estava no púlpito falando, um anjo enorme me cobria com uma das asas, e cobria Isabela com a outra. Ela não sabia quem eu era porque Angélica não havia dito nada. Quando subi no púlpito acabou comentando, com ar de estranheza:
— Nossa, como o tempo fechou, como o clima ficou pesado espiritualmente... como o Reino das Trevas está incomodado...
E tinha discernimento de uma, duas, três, quatro.....muitas armadilhas para nós naquele lugar. Sentia como se os anjos de Deus estivessem desarmando muitas armadilhas.
Nesse dia eu vi Mikhael mais uma vez. Foi um pouco antes de me entregarem o microfone para falar. Isabela segurava minha mão fortemente, e a mão dela estava fria. Então minha visão abriu e eu pude vê-lo. Repetiu aquele gesto que tinha me feito no dia do Batismo em casa de Sarah e Jefferson. Aquele gesto que lembrava um relógio correndo.
Então apontou para mim, e apontou para o púlpito. Exatamente como tinha feito na primeira vez que eu o vi, no encontro de casais. Só que dessa vez apontou também para Isabela, e depois para o púlpito. Como que sinalizando que haveria de chegar o momento em que ela também estaria ali.
Mais uma vez reiterou:
— Não tenham medo, vocês estão sendo protegidos. Este é só o começo. Nesse dia terminamos de vender a primeira edição de Filho do Fogo. Marco e Karine foram dois dos que nos ajudaram ficando toda a tarde na nossa barraquinha de livros. No final do dia, com o estoque completamente zerado, Marco ainda comentou com Isabela, rindo:
— Não é possível que possa haver alguma outra coisa que venda tanto quanto este livro. Depois que o Eduardo falou nós vendemos um atrás do outro, sem parar, até o último. Antes da Palavra, não tínhamos vendido quase nenhum...
Com aquele dinheiro pudemos honrar o compromisso financeiro na gráfica e dar entrada na segunda edição.
A partir daquele momento, a porta do ministério realmente escancarou. Iríamos viver um período que seria considerado como o início do ministério, com características e peculiaridades próprias.
A despeito disso tudo, nós queríamos uma confirmação mais fidedigna sobre aquelas duas mortes.
Logo nos primeiros dias, Grace entrou em contato com um policial cristão que ela conhecia. Eu tinha idéia de onde poderia ter acontecido o acidente. Certamente eles estavam na base em casa de Zórdico, e só havia um Hospital plausível aonde eles iriam. Da mesma maneira era fácil inferir a hora provável do acidente, e o provável trajeto do carro. Eu também tinha a descrição física dos dois. Tão logo passei os dados para Grace, o tal policial foi atrás dos registros.
Não demorou muito, e Grace veio com uma resposta da parte dele.
— Ele encontrou um registro, sim. Um acidente naquele horário, naquele trajeto, envolvendo dois homens com as características que você mencionou. Mas ele achou tudo muito estranho porque começaram a fazer perguntas demais. Disse-me que este é um procedimento normal para ele, corriqueiro... mas dessa vez foi questionado demais, até mesmo por amigos próximos. Ele não entendeu por quê. E depois, parece que as informações sumiram. Quando foi olhar novamente, um pouco encafifado, não encontrou mais registro algum...
Aquilo para nós bastava. Ainda assim, mais um detalhe se fez presente. Cerca de pouco mais de um mês e meio depois daquela noite. Um e-mail. Foi o último que nós recebemos do Marlon. A verdade é que estávamos um pouco cabreiros por causa do silêncio deles.
Naquele dia, domingo de Páscoa, tudo correu bem. No dia seguinte, depois que oramos, ungimos a casa e nos ungimos também, Deus trouxe-me discernimento de que o silêncio na Irmandade seria quebrado. Conforme fomos ver, mais ou menos naquela mesma hora em que orávamos, a carta estava sendo enviada.
Dizia assim:
"Querido filho: você não pode imaginar o quanto eu te amo! Filho do fogo, não deixe a chama se apagar, mantenha-se sempre próximo à luz, e ela te guiará, e seus pés não tropeçarão em pedras. Obrigado pelas suas orações, elas têm me mantido vivo! Você tomou conhecimento do imprevisto, não foi? Isso pouco importou para mim, mas este imprevisto salvou algumas pessoas da contaminação. Tal pessoa não é ameaça para nós, já foi neutralizada há anos. O que o dinheiro não compra? Comprou Judas que andou com Cristo, comprou Salomão, e hoje compra muitos 'líderes'... que seu coração jamais se corrompa, e sua fé jamais se abale. Você hoje é referencial para minha vida! Alguém que teve a ousadia de desafiar o príncipe deste mundo e está vivo! Só um Deus muito Poderoso poderia livrá-lo do abismo, Ele te ama muito! Sua casa está cercada, não há como tocá-los! Dois dos nossos foram enviados à 'ala dos órfãos', você sabe quem são eles! Isso abalou as estruturas, e gerou muito espanto deste lado do muro. O silêncio não significa ausência, mas recomposição. O alvo é sua esposa. Como todos a odeiam... a Samantha Warlock, que te ligou, não está mais entre nós. Mas sua oração a levou para pastos verdejantes e para águas tranqüilas, lugares em que ela nunca esteve... quero falar com vocês, tenho algumas dúvidas. Vou procurá-lo em breve, mas será diferente desta vez, não vou pegá-lo de surpresa, quero marcar antes. Como você está de tempo? Sua esposa... eu gostaria de conhecê-la também, apesar de tudo ela tem sido leal a você, e fazer bem a meu filho é fazer para mim! Não desconfie de mim, estou sendo sincero. Ore e peça direção para Deus e verá que esta proposta é verdadeira. Não é cilada! Entrarei em contato para agendarmos nosso encontro e, talvez, o meu com Deus. 'Morte aos fracos, Poder à força' — os que estão em Cristo são fortes, e não há força capaz de destruí-los, o Poder vem do Alto, hoje eu sei disso!"
E assinou com as iniciais do seu nome verdadeiro.
Desta vez nós tivemos que responder, mas somente em uma semana, depois de orar e pedir para Dona Clara e Grace orarem também. Tivemos bastante certeza da abordagem a ser usada, e clamamos para que o Senhor nos livrasse de toda armadilha. Por mais que tudo aquilo pudesse parecer sincero, não subestimaríamos nem por um segundo a inteligência do inimigo. Assim foi a nossa resposta:
"Devido ao teor de sua última mensagem, estamos respondendo. Na verdade não há muito que dizer, mas esperamos que você reflita seriamente. Estão em jogo duas coisas: o Amor de Deus... e o Juízo de Deus. De fato oramos por você, e há muito tempo pedimos a Deus que fosse Misericordioso, e o poupasse por algum tempo para que você pudesse ver o Poder do Criador. E pudesse realmente tomar uma decisão definitiva. Saiba que, se o seu coração for sincero, e o seu desejo de encontrar-se com Deus, real... nada poderá impedir o seu encontro com Jesus de Nazaré! Ele mesmo dará ordens aos Seus Querubins para que abram um caminho por onde você poderá passar. Somente você. E Jesus está esperando-o de braços abertos, para dar-lhe o Amor que você nunca teve, e nunca pensou que pudesse existir. E que não se assemelha em nada ao 'amor' do diabo. O Deus Todo-Poderoso te livrará do mais profundo Poder da Morte, e do Império das Trevas, e do príncipe deste mundo. Apenas creia que isto é possível! 'Por que gastais o dinheiro naquilo que não é pão; e o vosso suor naquilo que não satisfaz? (...). Inclinai os vossos ouvidos e vinde a Jesus; ouvi; e a vossa alma viverá (...). Buscai o Senhor enquanto se pode achar, invocai-o enquanto está perto. Deixe o perverso o seu caminho, o iníquo os seus pensamentos; converta-se ao Senhor, que se compadecerá dele, e volte-se para o nosso Deus, porque é rico em perdoar.' (Is 5.2-3,6). Em contrapartida, o seguinte: se o nosso encontro de fato acontecer, queremos que entenda que este é um encontro de vida ou de morte. Se por acaso isso for mais uma tentativa de engano, mais uma cilada, a pior de todas... será o fim para você! Saiba que a Espada de Deus está sobre a tua cabeça, pronta para desferir os Seus golpes. Ai daquele que tocar em um fio do nosso cabelo! Escolha passar da morte para a vida, agora, nesta vida, porque isso é possível. A Eternidade inteira de dor e sofrimento não será agradável. Portanto, não ouse brincar com Deus nem armar-nos uma cilada. Você sabe que chegou o tempo de Juízo para muitos. Não queira o mesmo para você. Em relação a este encontro, espero que compreenda que algumas diretrizes você terá que aceitar: 1) Não estaremos sozinhos, é claro que mais algumas pessoas estarão à sua espera. Não estamos ignorantes do tamanho desta batalha. Mas Deus o livrará do Inferno, se o seu coração for sincero. 2) Nós escolhemos o local. Quanto ao dia, vamos arrumar um dia de comum acordo. Não pense que este será um encontro ameno, para conversar apenas. Será travada uma guerra violenta, lembre-se disso. Venha disposto a encontrar-se com Jesus Cristo, ou, se não... não venha!!! Porque poderá ser o último dia da sua vida. 'Pois Deus está próximo de castigar, no céu, as hostes celestes, e os reis da terra, na terra.' (Is 24.21). 'Como se dissipa a fumaça, assim Deus dispersa os nossos inimigos, como se derrete a cera ante o fogo, assim à presença de Deus perecem os iníquos. O nosso Deus é Deus libertador, com Deus, o Senhor, está o escaparmos da morte. Sim, Deus parte a cabeça dos Seus inimigos, e o cabeludo crânio do que anda nos seus próprios delitos.' (SI 68. 2, 20,21). Uma vez você me disse algo a respeito de uma marca física, no meu corpo... e que aquilo me fazia diferente dos meus irmãos... está lembrado? Sabe do que eu estou falando? O que estava por trás desta marca não me levou a lugar nenhum, não me trouxe vida. Eu quero falar a você que há uma outra marca, um outro selo, o selo do Espírito de Deus, que vem pelo Sangue do Cordeiro. Este é o caminho para a Vida. Aceite o chamado! Jesus ama você! DN. e ISB."
Recebemos um bip no Shopping, cerca de uma semana mais tarde, como resposta. Mas já estava diferente. Já não parecia o mesmo homem falando, mas o homem controlado pelos demônios.
"Responderei seu e-mail esta semana. Antecipo que não quero a Grace no nosso encontro. Leviathan."
Mas não respondeu coisa alguma. Ficou tudo por isso mesmo. Não se arriscou...
Depois disso tudo, seria muito gostoso terminar esta história com a célebre frase:
"E tendo vencido tudo, e derrotado seus inimigos, e todo Poder que era contra eles... viveram felizes para sempre!"
Mas não pode ser assim. Para que este livro possa ser encerrado com coerência e lógica, é preciso acrescentar ainda mais algumas informações. Estas informações completam o presente relato e fecham este momento da nossa história. Naturalmente que ela continua... mas já não seria possível contá-la neste livro.
Este momento trouxe um pouco mais de luz sobre o por que a Irmandade insistia tanto naquela perseguição.
Ainda que aquela etapa tivesse terminado no dia do 33°. aniversário de Eduardo, as lutas continuaram.
Não é porque Deus nos tinha feito várias promessas que as coisas aconteceram num passe de mágica, como por milagre, sem participação nossa e empenho. Nós já tínhamos aprendido algumas coisas, mas havia muitas outras a serem conquistadas.
Não há mais tempo para falar sobre tudo isso, no entanto um aspecto precisamos ressaltar. Como foi que Deus tratou conosco para resolver dois problemas: a minha Cura Interior e aquelas brigas que aconteciam entre nós dois, o ponto mais vulnerável nas nossas vidas. Como seria simplista terminar dizendo que Deus "resolveu" tudo, e obtivemos a vitória!
Só nós sabemos quantas lágrimas, quanta oração, quanto jejum, quanto aconselhamento e quanta intercessão foram precisos para começarmos a colher as primeiras e periclitantes vitórias...
Seria impossível falar de todas as nuanças deste processo. Foram muitos detalhes, foram muitas revelações profundas. Não podemos mais contá-las com riqueza de detalhes.
Vamos contar apenas aquilo que é impossível de ser esquecido.
E que, assim, o Senhor possa ser engrandecido.
Começo pela minha própria história...
No inverno daquele ano em que estávamos morando no Vale da Bênção, minha mãe foi ministrada depois de muita insistência da minha parte. Não pessoalmente por Grace, foi outra senhora da equipe que a ministrou. Mas a intercessora foi Angélica, a pedido meu. O frio fez com que ela piorasse muito dos seus problemas de saúde, e alguma coisa dentro de mim me dizia que era uma situação urgente, eu sentia a iminência de algo ruim no ar. Como se alguma coisa terrível fosse acontecer!
Mal podia eu imaginar que Deus começaria a trazer à luz aspectos da minha própria vida, do meu passado, durante as Ministrações da minha mãe.
Não foi logo de cara, é claro, afinal ela teria que ser tratada. Talvez nos primeiros cinco ou seis encontros tudo foi relacionado exclusivamente a ela. A sua Ministração não foi das mais fáceis, principalmente por causa dos problemas de memória e pelo fato de ela achar que não precisava ser ministrada. Quer dizer, minha mãe não parecia perceber um fundo espiritual em boa parte dos problemas que estava vivendo.
A dificuldade no começo foi tão grande que me chamaram para participar como intercessora. Mais com o objetivo de ajudar a explicar os problemas, ajudar a encontrar o fio da meada, elucidar algumas questões. Eu não pretendia participar das Ministrações, tinha consciência que era uma coisa individual. Pretendia tão-somente esperar do lado de fora para depois tornar a levar minha mãe para casa. Mas sem a minha presença, de fato teria sido muito mais difícil ir adiante.
Então não me recusei a participar de todas as Ministrações, embora ficasse bastante longe para mim. Eu tinha que vir do Vale da Bênção, pegar minha mãe e levá-la até a Vila Mariana, onde Grace atendia naquela época. O frio era realmente um problema, por isso ela ia toda agasalhada. E eu ainda levava um aquecedor para esquentar a sala.
Mas todas nós víamos nisso uma estratégia de Deus, então me dispus com boa vontade.
Depois resolvemos fazer as Ministrações em casa de minha mãe, para que ela não tivesse que sair na friagem. Então eu ia buscar as Ministradoras na Vila Mariana e as trazia. Depois levava de volta.
O processo foi bastante diversificado: havia muitos aspectos de Cura Interior, muitas lembranças da infância, muitas nuanças do casamento, muitas coisas relacionadas aos filhos. Às vezes, ela não se lembrava de detalhes importantes, por incrível que pareça, mas eu me lembrava. Até mesmo de coisas de antes do meu nascimento, histórias que ela tinha contado sobre si mesma para nós, os filhos, ao longo dos anos. Especialmente dentro do contexto familiar, Deus trouxe várias revelações também sobre o Marco neste período.
Então, foi num desses dias que Deus trouxe algo relacionado a mim, e não a ela.
De certa forma, essas revelações começaram a responder às mais inquietantes dúvidas que eu tinha dentro de mim. O fio da meada da minha vida foi puxado, e aquilo que nunca pude compreender finalmente começou a fazer sentido.
Deus começou a mostrar por que o meu relacionamento com meu pai foi tão desastroso... porque não fui feliz com a Medicina... porque todos os meus talentos naturais foram sufocados... porque aqueles sentimentos de tristeza, de morte, de acusação, de condenação eram tão fortes no meu coração. Não parecia haver motivo aparente...
Também ficou mais fácil entender por que minha família, que tinha tudo para dar certo, enveredou por um caminho de divisão e problemas angustiantes... as conseqüências de problemas aparentemente fúteis pareciam exacerbadas demais, a história da minha família parecia não ter lógica!
A minha própria história parecia ter lacunas...
Tudo começou por causa daquela lembrança... já quase esquecida!
Quando ainda era uma pré-adolescente, um dia eu estava visitando meu pai no serviço dele. Eu estava sempre enrabichada atrás dele! Nessa ocasião, a conversa tomou um rumo diferente, e ele me disse que, quando eu tinha dois anos, estava tendo uma febre inexplicável.
Ele e minha mãe já haviam feito de tudo, sem resultado. Então, na melhor das intenções, meu pai me levou a uma consulta com um Médico seu amigo, um Médico espírita. Recordo-me pouco de todos os detalhes, mas o que ficou impregnado muito forte na minha lembrança foi o que meu pai disse sobre essa consulta.
— Ele chamou você para ir até o colo dele. E você desceu do meu colo e foi sentar no dele! Eu estranhei bastante, porque você não fazia isso... então você ficou sentada ali, e ele falava, mas não com você... parecia que ele estava falando com alguém, alguma coisa, que estava perto de você. Porque uma criança de dois anos não tinha condição nenhuma de entender o que ele estava dizendo! Dentre outras coisas, disse que você era especial... e tinha uma missão no mundo, por isso precisava ser bem cuidada.
Depois disso, meu pai contou que não tive mais febre. Ele tinha ficado bastante impressionado com tudo aquilo.
Por algum motivo que não sei explicar, a não ser pelo fato de que Deus é realmente o detentor da História, naquele momento da minha vida aquela lembrança me incomodou. Talvez tenha sido por causa daquilo que Eduardo tinha me contado.
Ele havia dito que algumas crianças são monitoradas pela Irmandade desde tenra idade.
Aquilo parecia um verdadeiro absurdo, pelo que o assunto me interessou bastante.
Por que isso?
Aquela foi uma discussão que particularmente me impressionou.
Eduardo não sabia explicar exatamente os pormenores. Ou por que realmente a Irmandade não podia explicá-los, ou por que ele não tinha ainda atingido o nível para entrar em contato com aqueles segredos.
Tudo começava com sete personagens Bíblicos. Moisés, Elias, Isaías, Ezequiel, Daniel, João Batista e Jesus.
Mesmo antes de eles terem sido chamados por Deus, e assumido seu papel, havia alguma coisa visível neles. Não aos olhos humanos, mas sim aos olhos das entidades espirituais. Um selo. Uma marca. Um sinal de Deus. A Irmandade não podia saber ao certo por que Deus às vezes permitia que o Seu Selo ficasse exposto no Reino Espiritual; e por que às vezes não o permitia.
Justamente por causa deste selo, segundo a Irmandade, é que Moisés e Jesus permaneceram escondidos durante algum tempo, em lugares improváveis. Era uma maneira de preservá-los, de mantê-los escondidos no Reino Espiritual. Porque já desde o seu nascimento eles tinham o selo! Uma espécie de predestinação.
Uma marca inequívoca. Um destino especial.
Ao longo do tempo, através da observação, o diabo percebeu semelhanças no nascimento destes sete homens. O diabo é um observador da Terra. Ainda que o homem não saiba, ele sabe exatamente o mês, o ano, o dia e a hora, a conjuntura astral e todos os detalhes envolvidos no nascimento destes sete homens.
Claro que este tipo de informação só poderia fazer sentido aos seres humanos depois do advento da informática. Aquilo que o Império das Trevas conhecia como uma realidade só pôde ser repassado à Irmandade dentro de um contexto mais palpável depois que as informações astrológicas, numerológicas e cabalísticas puderam ser lançados no computador.
Eduardo entrou em contato com programas que foram desenvolvidos especialmente para concatenar todas aquelas informações que foram acumuladas pelo diabo ao longo da História da Humanidade.
Dentro da Irmandade era possível construir mapas numerológicos que comprovavam, de modo palpável, aquele tipo de informação aparentemente subjetiva. A data de nascimento dos sete servos de Deus, por exemplo... havia nelas indicadores astrológicos, numerológicos e cabalísticos especialíssimos, conjunturas bastante ímpares. Que se repetiam poucas vezes na História.
Ficou patente que as diferenças cabalísticas entre eles, quando lançadas no computador, eram desprezíveis. Existia uma indiscutível semelhança!
Durante a História mais recente da Igreja, depois da vinda de Cristo e da dispersão dos apóstolos, o diabo continuou acumulando dados para comprovar a sua tese. Todo o período Bíblico e da Igreja foi mapeado.
O que aconteceu então?
Chegou um momento em que o diabo tinha acumulado dados suficientes para perceber que aquela informação era fidedigna. Obviamente isto só é possível para seres que observaram a História como um todo.
Em outras palavras, existia uma maneira de prever, de mapear, de encontrar e perceber o aparecimento de prováveis e futuros servos especiais de Deus. — Grandes diante do Senhor.
Na verdade, eram duas maneiras: a primeira era a simples visualização da marca, do selo de Deus. Esta era a maneira mais antiga, mais arcaica. De repente, simplesmente os demônios enxergavam o selo em alguma criança. Em determinados momentos, eles percebiam aquela espécie de marca espiritual em algumas pessoas. Visível desde o nascimento.
A segunda maneira acontecia pelo rastreamento de pessoas cujo nascimento espelhava a mesma conjuntura dos sete personagens Bíblicos. Como fossem conjunturas muito especiais, é plausível um rastreamento mundial de pessoas nessas condições.
Dentro da Irmandade existe uma lista, na verdade uma verdadeira galeria de nomes cujas condições de nascimento foram rastreadas. A partir daí, essas pessoas começavam a ser observadas. Às vezes, o selo era revelado. Bingo! Outras vezes, mesmo não sendo possível ver o selo, aquelas pessoas recebiam uma atenção especial dos demônios ao longo da vida para que nunca viessem a cumprir o seu destino espiritual.
Então...
Se um futuro servo de Deus era descoberto, só havia uma coisa a ser feita: neutralizá-lo. A Bíblia diz que "muitos são chamados, mas poucos são escolhidos". Quer dizer, Deus chama muitas pessoas, mas escolhe poucos para Ministérios especiais. Os Ministérios especiais estavam ligados a essa predestinação. À presença do selo.
Os demônios sempre vão desafiar a Onisciência, a Onipotência e a Onipresença de Deus. Embora tais indivíduos possam ter sido escolhidos, possam ter sido marcados por Deus, independentemente disso nada impede que os demônios manipulem as situações, criando uma teia de dificuldades... contando justamente com o livre-arbítrio do ser humano!
Se um homem ou uma mulher não quiserem obedecer a Deus, a despeito da predestinação, existe aí uma possibilidade com a qual o diabo pode jogar. Se ele conseguir fazer com que este homem ou esta mulher usem mal o seu livre-arbítrio, terá vencido!
Por isso o importante é descobrir bem cedo quem eram estas pessoas marcadas.
Inclusive existiam estudos computadorizados dentro da Irmandade também em relação à história coletiva da Igreja, e não somente em relação ao indivíduo. Nestes estudos entravam em jogo os grandes avivamentos, e era possível perceber um padrão comum entre eles, a ponto de ser possível precisar uma probabilidade maior ou menor de eles acontecerem em determinados momentos da História.
Levando em conta o período favorável, havia igualmente uma concentração maior na intensidade dos ataques do Inferno. É mais ou menos como destruir uma plantação. Quando se percebe que está chegando a época da colheita, os demônios se empenham em causar uma geada. A geada aborta a colheita, frustra os frutos!
Existia também uma previsão sobre o nascimento de grandes homens no final dos tempos, na época do anticristo. Claro que tudo isso é fruto de estudos complexos e bastante secretos.
Enfim...
Embora Eduardo não pudesse explicar o que era aquele selo espiritual, insistia em dizer que às vezes ele era realmente visível aos demônios. Ficava muito claro no Reino Espiritual que aquela criança tinha um destino especial como serva de Deus no futuro.
E foi isso o que mais me incomodou.
Naquele dia, na Ministração, aquilo estava na minha cabeça. Deus realmente permitiu não apenas que meu pai comentasse aquele antigo episódio comigo, mas também fez com que aquele questionamento me passasse pela mente. Somando as informações, eu queria colocá-las diante do altar de Deus em oração.
Expliquei rapidamente do que se tratava.
— Eu fiquei pensando... — comentei com elas. — Meu pai, mesmo querendo me fazer o bem, naquele momento me expôs espiritualmente. Diante daquele Médico espírita. Se ele era espírita mesmo, não vou saber. Mas fato é que houve ali uma constatação... no mínimo muito estranha! Talvez ele não estivesse falando por si mesmo, antes estava repetindo... como que satisfeito com um grande achado!... Ele disse que eu tinha "uma missão no mundo"... quer dizer, não sei... será que...
Nem precisei continuar. A resposta de Deus veio como uma flecha, Ele parecia estar esperando pelo momento daquela constatação. Antes mesmo de qualquer oração, Angélica me interrompeu:
— Aconteceu exatamente isso. Perto dele tinha um demônio de alta patente dentro do contexto da Nova Era. Um Principado que se mascara com o rótulo da Nova Era. Esse demônio realmente viu uma marca em você, uma marca de perigo e de ameaça para eles. A partir daquele momento, tudo começou a ser feito para te destruir. Mesmo que você nunca conhecesse Eduardo, você teria um Ministério da mesma envergadura que o dele. Por um capricho de Deus, Ele resolveu unir vocês dois. Mas mesmo que isso nunca acontecesse, o seu Ministério iria existir, num patamar semelhante ao dele. E naquele dia isso ficou claro no Reino espiritual. É como se os demônios tivessem visto, tivessem descoberto a sua potencialidade futura.
Eu fiquei até sem fala. Deus havia sido muito rápido. Eu não tinha por que duvidar de Angélica, era uma pessoa séria. Eu já tinha podido constatar a maneira como ela era usada por Deus naquele Dom.
Mesmo assim, eu gostaria de ter mais confirmações sobre aquilo. Não podia simplesmente aceitar por aceitar! Se aquilo era verdade, havia muita coisa a ser descoberta, muita coisa a ser tratada.
Deus iria trazer essas confirmações. Ele ia trazer à luz o meu passado, e as causas ocultas daquilo que hoje eu experimentava apenas como conseqüências. Por isso as conseqüências me pareciam tão exacerbadas, exageradas... por isso parecia haver alguma coisa "escondida" em algum lugar. Deus começou a trazer para fora tudo que estava escondido, e minha própria vida começou a fazer sentido.
Terei que contar apenas os aspectos relevantes. Tudo isto, somado, veio realmente corroborar para tornar aquela premissa verdadeira. Eles tinham visto uma marca... a partir daí viria a destruição.
Ela aconteceu basicamente de duas maneiras: primeiro, visava a minha própria destruição. Segundo, visava a destruição da família porque, sendo ela desestruturada, isso facilitaria a minha desestrutura com ela.
Minha destruição individual tinha que ser uma destruição completa da alma. Tinha que haver uma mutilação da personalidade; eu teria que deixar de saber quem eu era, como eu era... as inclinações naturais da minha alma seriam substituídas por outras que acabariam por se tornar cármicas; haveria uma destruição dos dons talentos naturais. Sentimentos de culpa, de inadequação e que favorecessem a baixa auto-estima seriam criados ao longo da minha vida, vez após vez.J
Quanto à família, a destruição precisava ser completa: ela teria que deixar de ser sustentáculo e apoio para mim. Várias foram as maneiras de fazer isso, de quebrar os pilares fundamentais da minha casa. O curso natural da vida profissional do meu pai seria mudado, minha mãe teria problemas de saúde, eu seria separada do meu único irmão, o distanciamento entre os membros da família seria progressivo. Apenas para dizer o básico. Seria incompreendida (o que certamente aumentaria muito mais a culpa, a depressão, a condenação sobre mim). E, por fim, como o golpe final, meu relacionamento com meu pai seria deteriorado. Não haveria forma melhor de me destruir !
Embora eu não possa dizer exatamente como tudo isso se revelou, posso dizer que veio aparecendo ao longo das Ministrações, ao longo dos meses. Cada item destes foi confirmado.
Eu já vinha orando há um bom tempo para que Deus não deixasse nada oculto ia minha vida. Era aquela velha sensação de haver algo profundo, algo escondido... então orava pedindo que Deus mostrasse aonde estava a porta aberta na minha rida que continuava perpetuando os ataques e as feridas na minha alma.
Deus foi fazendo... porque eu estava buscando!
Foi uma busca de meses, de anos! Que agora estava finalmente culminando em algo mais sólido.
Eu queria muito ser curada, queria profundamente, mais do que tudo, ser curada. Sabia que estava doente, sabia que alguma coisa estava errada... por mais que Deus já tivesse feito muita coisa nas Ministrações anteriores, faltava muito mais.
Por isso torno a dizer que as revelações não vieram apenas por vir, elas vieram porque eu pedi. Porque insistentemente eu pedi, eu sabia, eu sentia que alguma coisa estava errada comigo! E eu me recusava a conformar-me com isto. Ainda que não soubesse o que era. Havia sentimentos que me perseguiam, coisas incrustadas no meu coração...
Até mesmo Eduardo não me dava muito crédito, mas Grace dava.
Quase todas as minhas Ministrações foram com ela, excetuando as revelações que vieram durante a Ministração da minha mãe. Grace sabia que sentimentos rins, de forma muito persistente, podem ter realmente uma raiz espiritual.
Eu não queria desistir! Deus era poderoso... eu tinha visto Ele fazer muita coisa na vida de Eduardo... poderia fazer na minha também!
A verdade é que minhas Ministrações de Cura Interior foram muito diferentes das de Eduardo. Eduardo sabia com o que tinha se envolvido. Mas para mim, aquilo tudo era oculto, era desconhecido, só veio à tona porque Deus fez vir à tona.
Por isso as Ministrações antigas não tinham funcionado... eu nunca me havia envolvido com praticamente nada, era uma libertação perfeitamente comum. Os primeiros resultados palpáveis começaram a vir depois que fui liberta da gaiola, mas aquele era só um primeiro momento no processo de cura de Deus.
O cerne da questão era justamente aquele. O selo. E isso só veio a aparecer durante as Ministrações da minha mãe. Eu não poderia ter feito nada sobre isso antes deste momento.
O primeiro ponto forte que trouxe confirmação a toda aquela história veio através da visão de um iceberg. Foi naquele mesmo dia, um pouco depois daquela primeira revelação envolvendo o Médico.
A partir do momento em que o Reino Espiritual viu o selo, foi construído aquele iceberg para me aprisionar dentro. Deus trazia como suporte o entendimento de que era uma coisa muito antiga...
Angélica teve a visão de mim petrificada dentro dele. Dentro desse iceberg havia galerias com espelhos que refletiam imagens. Naturalmente a visão de quem está dentro do gelo é diferente de quem está fora. A imagem que eu via, através do espelho, não era a mesma imagem que todas as outras pessoas viam, de fora do iceberg.
Essa era uma figura alegórica para mostrar uma espécie de estratégia do inimigo. Ao me fazer viver num mundo paralelo, fora de sincronia com o resto das pessoas, eu jamais seria compreendida nem aceita. Os demônios iriam, ao longo dos anos, trabalhar muito neste sentido. De que eu vivesse uma vida isolada, e o meu ponto de vista nunca fosse compreendido pelos demais. Especialmente minha família.
Como eu estava petrificada, literalmente congelada dentro do gelo, isso queria dizer que meu coração estava congelado. Minha mente, minhas emoções, minha capacidade de ser e de agir, de reagir, de tomar decisões... tudo aquilo estava paralisado!
Quando pedimos que o iceberg fosse destruído, a primeira coisa que aconteceu foi o seu levantamento abrupto de dentro da água. Ao invés de aparecer apenas a pontinha, ele foi inteiramente revelado. Mas não foi destruído. Era tão grande que Angélica levantou da sua cadeira, andando pela sala, para conseguir visualizar melhor aquele imenso bloco de gelo.
Quando novamente pedimos que Deus desfizesse aquilo, o bloco de gelo foi lapidado na figura de um demônio. Um demônio viking. O responsável por tudo aquilo estava sendo revelado, conforme disse Deus através do discernimento espiritual que acompanhou a visão. Detalhe: o demônio com características vikings
é Astaroth, ou aqueles ligados à sua hierarquia. Astaroth é o principal demônio por trás dos enganos da Nova Era.
O iceberg era fruto de feitiçaria para que, em vez de viver a realidade, eu vivesse de sonhos, de ilusões, de imagens falsas. Como eu estava aprisionada dentro dele, toda a minha visão de mundo seria sempre através daquele prisma que o diabo tinha colocado ao meu redor. Eu via uma realidade distorcida. Enxergava a mim mesma, e o mundo, de maneira distorcida.
O que era essa distorção?
A base de todos aqueles sentimentos que me acompanharam a partir de um certo momento na vida: de desvalia, de inadequação, de tristeza, de morte, de culpa... distorções da auto-imagem... das emoções...
Aquelas Ministrações me faziam pensar muito, me faziam rever a minha vida. Comecei a perceber a origem de muita coisa. A nível pessoal, coisas antigas... coisas pessoais... coisas da escola... coisas da família... sentimentos feridos de adolescente... sentimentos feridos de jovem... sentimentos feridos de adulta...
A nível familiar também encontrei algumas marcas claras: meu pai, que deixou rede de ensino para seguir a carreira política, como isso foi origem de muita desgraça na minha casa. Minha mãe, que adoeceu um pouco antes do meu aniversário de nove anos... brigas entre eles... brigas entre nós... a competição velada entre eu e o Marco, e que no fim eu perdi... a princesa que deixou de ser princesa! A faculdade de Medicina que fagocitou tudo...
Tanta coisa, tanta coisa... de repente tudo aquilo começava a fazer sentido.
Mais tarde eu iria ouvir: "Você destruiu a família". Mais uma sutileza do inimigo... no fundo, eu era "responsável", mesmo sem ter consciência disso. Por minha causa, minha família foi atacada. Não apenas eu fui atacada de forma individual, eles foram atacados também. O meu lar tinha que se tornar inóspito para mim. Para nunca haver desenvolvimento espiritual, nada melhor do que destruir as bases familiares e emocionais para concretizar esse objetivo.
Essa visão foi complementada por uma outra visão, em outra ocasião. De certa forma, era muito semelhante à primeira.
Eu estava presa dentro de um quarto. Era uma prisão. Nessa ocasião Deus mostrou que eu estava com cinco anos. Então alguém aparecia ali, que me dava bronca, e me obrigava a vestir uma roupa que eu não queria. Eu só podia sair do quarto quando colocasse aquela roupa, então tentava usá-la. Mas quando saía do padrão imposto, voltava a ficar presa no quarto. Sem roupa.
Apesar da dor que me trazia esta revelação, compreendi muito bem. Nem toda a revelação vem apenas para o intercessor, Deus é sábio em trazer testificação no coração daquele que está sendo ministrado.
Eu não poderia expressar nem desenvolver a minha própria personalidade, não poderia vestir a minha própria roupa! Aquilo traduzia claramente a questão da mutilação de personalidade. Eu só podia estar livre se usasse a roupa que me tinha sido impingida. Deveria ser uma outra pessoa, fazer outras coisas... caso contrário, ficaria exposta de maneira humilhante.
Não havia outro caminho para mim, aquela pessoa era mais forte do que eu. Eu deveria deixar as minhas coisas, e tomar as coisas que aquela pessoa me impingia. Com o discernimento que acompanhava a visão, Angélica disse que um pedaço do meu coração, da minha alma, estava preso naquele quarto.
Neste dia, quando Grace orou para me tirar deste quarto, a visão que Deus trouxe foi muito bonita. Quando eu saí, cresci. Então Angélica me viu com 18 anos, como da outra vez, quando saí da gaiola. Muito tempo depois dessa Ministração eu viria a entender que gaiola era essa. Era a medicina. Ela viu também a coroa do meu Ministério. Novamente, com esta idade, Deus me fazia como princesa. E esta coroa era igual à coroa de Eduardo. Sempre seria, em qualquer lugar do mundo. Eu não era apêndice dele.
Essa visão foi completada por uma outra, não sei se antes ou depois da primeira, mas quando saí do quarto, ainda como criança, Jesus me deu um vestido rosa, um chapéu, meias e sapatos. E Angélica me via brincando num jardim, sujava as meias e a roupa. Mas não era repreendida por Ele. Ele me amava de uma maneira que nunca fui amada, incondicionalmente.
Então Jesus sorria e ficava apontando aquela moça para mim. Apontava a moça para a criança, como que querendo dizer que o destino daquela criança era tornar-se aquela moça que receberia uma coroa de Ministério aos 18 anos.
A questão da idade era algo que fazia essa história espantosa, se ainda todo o resto não fosse suficiente. Por que aprisionar uma menina de cinco anos! Que ameaça ela poderia significar, por si só, humanamente falando?
Ainda uma terceira ocasião:
Foi um dia em que quase não chegamos à Ministração. Tinha impressão que nada ia mudar, e queria morrer.
Até mesmo um atraso de mais de uma hora aconteceu, por causa de uma greve do metrô.
No final da Ministração, depois de muito choro e muito desabafo, incansavelmente procurando por amor e compreensão, me sentia muito só. Grace me abraçou, orou comigo. Depois Eduardo fez o mesmo.
No final, Angélica ainda orou mais uma vez. E dessa vez Deus trouxe a visão. Ela disse que tinha me visto dentro de uma caixa de vidro, presa. Era ainda pequena e estava maltrapilha. As pessoas que olhavam para mim, de fora, não viam o vidro transparente. E diziam: ela quer ser assim, ela quer viver assim, ela não muda porque não quer. Mas não enxergavam o vidro, não enxergavam que aquilo era uma prisão. Eu não tinha outra escolha, não havia outro jeito de viver.
Numa outra ocasião Deus ainda mostrou uma porta aberta na minha fúrcula. Nessa ocasião era Sandra a intercessora.
Através dessa porta, uma Feiticeira entrava em contato comigo. Apareceu um
nome, que embaralhado, formava a frase "sem crê". Novamente o Encantamento mostrava que deveria haver uma paralisação espiritual. "Sem crê", ou seja^uma pessoa que não tem fé, cuja fé foi amortecida, congelada, deturpada por situações emocionais extremas, e que nunca vai poder ser usada por Deus. Novamente ficava claro que situações haveriam de me levar ao esfriamento da fé de forma que eu nunca pudesse ser usada por Deus. Era um forte Encantamento na intenção de impedir o desenvolvimento espiritual.
Estas foram as mais importantes informações que Deus trouxe sobre a minha pessoa de maneira individual, a respeito da deturpação de alma, da destruição de personalidade.
Com relação à família, em mais de uma ocasião Deus trouxe outras visões fortes.
Desta vez, também era Sandra a intercessora.
Para não interromper a Ministração, os intercessores costumavam escrever as visões num papel e entregar direto para Grace. Então ela escreveu da seguinte forma: "Estou vendo uma criança pequena no cemitério, com muito medo e muita raiva. Ela está olhando para três túmulos e é tão forte a visão que parece que meu coração vai sair pela boca".
Compreendi muito rápido o que era aquilo, pois Sandra acrescentou que a criança era eu. Os túmulos eram do meu pai, da minha mãe e do meu irmão. Eles não tiveram a vida que poderiam ter tido. Deus mostrou parte da tristeza e da dor que eu sentia ao vê-los mortos. O fato de aparecer como uma criança na visão significava toda a minha impotência em fazer algo para salvá-los. Também trazia à lembrança que, novamente, esta era uma questão antiga. Essa criança vive como espectadora, há muito tempo, de uma destruição familiar. Ela apenas assiste sem poder fazer nada!
Minha família era solitária. Meu pai costumava dizer que tinha nascido sozinho, porque ele nasceu em casa, o nono filho... sem a ajuda de ninguém. Ele também morreu sozinho. Em casa. Minha mãe, eu e Marco também éramos marcados pela solidão.
Numa outra vez, houve também a visão de um trilho. Um trilho muito antigo, muito extenso, sobre o qual nós deveríamos caminhar como família. Isto é, os trilhos não eram para mim... eram para a minha família, para todos nós. Eles não haviam sido estendidos por Deus, aliás, nenhum de nós era sequer convertido nessa época! O trilho havia sido estendido pelo diabo, e uma nuvem de demônios foi colocada sobre cada membro da família para impedir que nós saíssemos dele. As Ministrações foram marcantes neste aspecto: antecediam a nossa conversão! Quase todas as visões a mostravam como criança, muito antes da minha conversão, eu só iria me converter com 16 anos de idade!
Por sinal, o fato de nós termos nos convertido foi um desvio de curso. Pelo menos Deus assim mostrou. Os demônios não se preocuparam com isso, pelo contrário, foi criado um desvio para que o curso fosse corrigido.
Lembrei-me da maneira absurda como meus pais se afastaram da Igreja antes mesmo de começar a freqüentá-la! Como Marco e eu freqüentamos Igrejas diferentes a maior parte do tempo. Foi um verdadeiro boicote...
Mesmo convertidos, continuávamos caminhando naquele trilho, aquele que levava ao destino que o diabo queria para nós!...
Muitos podem achar isto controverso. Mas a verdade é que as nossas vidas foram reflexo disso. Embora salvos, nenhum de nós colheu a abundância da salvação! E os problemas continuaram, inexoravelmente, exatamente como antes.
Aquela maldição precisava ser quebrada...
Quando oramos por isso, os demônios maiores tiveram de recolher os menores. Mas tinham um ar de deboche no rosto. Sabiam que a manipulação familiar era muito antiga, era só uma questão de tempo para que todos retornassem ao curso que eles queriam.
No entanto, um portão foi aberto no meio dos trilhos, e também havia uma escada que descia. Era um escape que Deus estava trazendo, a possibilidade de uma mudança. Mas a intercessora foi bem clara:
— Essa é uma escolha de cada um. Tem a ver com a renovação do entendimento. Com a obediência. Como todos na família caminharam muito tempo por este trilho, é só isso que sabem fazer, caminhar por ele. Cada um vai ter que passar pelo portão que Deus abriu, sozinho... por outro lado, a escada leva de volta aos trilhos. Existe aí uma forte referência ao livre- arbítrio. Deus está abrindo a porta... resta que cada um enxergue esta porta e se decida a passar por ela.
Essa visão se sucedeu a uma outra. Um incêndio numa casa, e muitas pessoas queridas estavam mortas. Novamente, uma alusão à morte familiar. Havia pessoas carbonizadas, mas eu não estava presente.
Tudo aquilo só trazia crédito ao que eu já sabia. Aquelas maldições antigas, que tinham por objetivo me destruir, geraram um ciclo de destruição familiar, causando traumas, tristeza, divisão, solidão. E morte espiritual.
Deus trouxe revelações também sobre Marco nesta ocasião. Todas as vezes Deus falava sobre prisões espirituais. Nós queríamos muito que ele tivesse sido ministrado dentro da Cura Interior.
Numa outra ocasião, quando todos estes aspectos já tinham sido tratados, mais de um ano depois, lidávamos com outra coisa que não tinha nada a ver comigo. De repente, no meio do nada, no meio das coisas de Eduardo, a intercessora trouxe mais uma visão.
E disse que eu não conseguia sentir o amor de Jesus porque ainda me sentia culpada pela morte do meu pai. A visão que Deus tinha trazido era a seguinte: eu estava paralisada, em pé, olhando para o meu pai que estava na cama, morto. Nessa hora, o demônio colocou uma faca na minha mão.
E a intercessora mesma explicou:
— A faca foi colocada na sua mão naquele momento, para que você tomasse sobre si a culpa da morte. Mas não foi você que usou a faca... agora é preciso orar para tirar essa faca da sua mão.
Em outras palavras, ela queria dizer tirar a culpa de cima de mim.
Não foi a primeira vez que orei por aquilo. Mal conseguia falar quando orei rejeitando a acusação e a condenação.
Estava muito claro para mim o que tinha acontecido na minha vida, e na vida da minha família. Eu não questionava mais nada porque aquilo caía redondo no meu coração. Era a explicação que me faltava, era o fio da meada! Não estava em mim o poder de resolver tudo... por um lado me sentia angustiada, querendo resolver não apenas o meu problema, mas também da minha mãe e do Marco. Agora tudo fazia sentido.
Meu processo de cura seria muito longo. Certamente ele foi aumentado porque eu não conseguia ter período de convalescença. Bastava Deus tratar algum ponto, e praticamente no dia seguinte os demônios começavam a trazer tudo aquilo de volta. Eu escutava aquelas mensagens sem parar, vindas de todos os lados.
Às vezes da minha mãe, às vezes do Eduardo, às vezes do Marco... não necessariamente com palavras, atitudes também falam bastante. Também outras pessoas à minha volta continuariam a me julgar, a me condenar, a cobrar posturas da minha parte de forma direta ou indireta. Especialmente depois que começou o Ministério. Não havia clemência de forma alguma!
Realmente não conseguia receber a minha cura! Havia um bombardeio contrário cada vez que Deus fazia alguma coisa. Estava muito difícil receber... estava muito difícil acreditar que algo novo fosse acontecer na minha vida.
Houve momentos naquele ano em que me sentia como se fosse explodir. Literalmente falando. Parecia que meu corpo e minha alma não iam agüentar tanta angústia, tanta pressão, tanto massacre. Haveria ainda muitos dias e noites horríveis, em que sentia medo, pavor e desespero. Não era sempre assim. Mas quando acontecia, era horrível.
Os sintomas físicos teriam lugar. Problemas na coluna, problemas hormonais, problemas digestivos. Um cansaço indescritível. Durante meses a fio eu tive uma febrícula diária. Todos os dias minha temperatura subia perto dos 37,4° C. Se brigasse com Eduardo, a temperatura subia mais, todas as vezes, sem exceção. Começavam os calafrios, a sensação de incômodo... quando pegava o termômetro, estava com febre.
Fiz todos os exames laboratoriais para descartar qualquer causa natural. De exames reumatológicos a sorologias. Não apareceu nada. E do mesmo jeito como a febre veio, também desapareceu sem deixar vestígio. Levou quase um ano!
Certa ocasião, Eduardo chegou a ligar para Grace, preocupado, dizendo que não tinha palavras para descrever o meu estado. Era preciso usar as palavras de Davi: "envolta por angústias do Inferno, envolta por tramas de morte, cercada de terror por todos os lados". Realmente não havia palavras fortes o suficiente para descrever como eu me sentia algumas vezes. Continuava vivendo situações extremas em que aceitava de volta as palavras de acusação, de derrota, de morte, de loucura, de condenação...
Houve momentos em que senti que para mim não tinham mais jeito. Mesmo que Deus estivesse procurando me libertar, eu não conseguia receber, era mais forte do que eu. O bombardeio contrário era mais forte do que eu. Não havia ninguém ao meu lado para me ajudar a receber, para me ajudar a enxergar de outra maneira, para lutar ao meu lado. Estava sozinha!
A grande realidade é que não aconteceria no meu tempo, não aconteceria do meu jeito... nem no tempo e do jeito dos outros. Deus é Deus, Ele age como quer, quando quer. Basta aceitarmos que, na Sua Onisciência, Ele conhece o tempo e o modo, e todas as coisas.
É incompreensível para mim porque Deus me deixou sofrer durante tanto tempo, na ignorância de muita coisa. E mesmo porque não trouxe a cura logo, acompanhando as revelações. Ele poderia ter feito! Não precisaria ter dependido de mim, nem dos outros, nem dos demônios, nem das circunstâncias... bastava um "sim" Dele, e eu estaria curada!
Mas não foi assim que aconteceu.
As Ministrações com Grace foram uma importante parte deste processo. Em alguns momentos era como fazer uma "terapia", só que, na Cura Interior, o Terapeuta é o próprio Deus! Mas as visitações mais importantes de Deus aconteceram dentro da minha própria casa, junto com Eduardo.
Apenas a primeira delas faz parte dessa história. A outra aconteceu dentro de um outro período, dentro de um outro contexto, bem mais para a frente.
Deus já tinha feito muito por mim... eu já tinha sido liberta de mais de uma prisão espiritual. Mas naquele dia aconteceu algo ímpar conosco.
E melhor que Eduardo mesmo conte o episódio.
Tudo começou depois daquela Ministração.
Quando Angélica teve a visão de Isabela presa dentro de uma caixa de vidro.
Eu não estava dando o devido crédito àqueles sentimentos da minha esposa
porque pareciam desproporcionais. Não parecia haver motivo para insistir tanto nos mesmos pontos.
Mas então... ainda durante a Ministração... eu vi! Deus me trouxe a mesma visão, e aquilo mexeu muito comigo. Não porque Deus tivesse aberto visão, mas porque a visão em si me impressionou bastante.
Então era tudo verdade!
Aquilo de repente fez meus olhos abrirem para aquela realidade que havia estado presente na maior parte das Ministrações de Isabela. A questão do aprisionamento! Deus conhecia meu coração e meus sentimentos. Então Ele me fez contemplar aquela verdade, o estado de Isabela, com meus próprios olhos. Foi como se tirasse um véu da minha vista.
Até aquele dia realmente nós não tínhamos dado maior crédito àquela questão das prisões espirituais. Durante o curso da Grace, no ano anterior, ela havia dado uma aula sobre espíritos em prisão. Escutamos, mas era algo muito distante da nossa vivência. Grace, ao contrário, tinha vários casos semelhantes para contar.
Creio que Deus permitiu que nós dois vivenciássemos aquele episódio totalmente diferente de aprisionamento com um propósito. O Senhor permitiu tal coisa para nos mostrar a profundidade e a realidade das coisas espirituais, até que ponto há mistérios insondáveis dentro do Reino invisível. E como a realidade expressa no mundo do Espírito se reflete ipsis litteris no mundo físico. Deus não precisava ter feito desse jeito... mas Ele queria nos ensinar, queria nos mostrar uma outra dimensão de libertação, de cura e de guerra.
Por mais que não possamos explicar completamente, o Senhor mostrou que o aprisionamento de espíritos é uma realidade.
Depois daquela experiência, não questionamos mais a veracidade dos espíritos em prisão.
Base Bíblica? Aí que está...
Existem tantos textos traduzindo "sensações" semelhantes, que fica sobre nós a pergunta: até que ponto aquela linguagem é apenas simbólica! Por que um colorido tão especial na descrição da sensação de aprisionamento?
"Tira minha alma da prisão, para que eu louve o Teu nome. O inimigo persegue a minha alma, abate-me até o chão; faz-me habitar na escuridão, como aqueles que morreram há muito. Alguns se assentaram nas Trevas e nas sombras da morte, presos da morte, presos de aflição, e em ferros, por se haverem rebelado contra as palavras de Deus, desprezado o conselho do Altíssimo. Estou contado com os que descem à cova; estou como um homem sem forças. Estou atirado entre os mortos, como os feridos de morte que jazem na sepultura, dos quais não Te lembras mais, os quais os exclui a Tua mão. Puseste-me na cova mais profunda, em Trevas, nas profundezas" (Sl 142.7; 143.3; 107.10; 88.4-6).
Quero crer que, em alguns casos, aquilo que parece ser tão-somente um recurso alegórico de linguagem, um colorido a mais, um superlativo exagerado... é declaradamente literall
Cada um que julgue por si. Nós já temos nossa opinião formada.
Durante o curso, Grace ensinou como fazer uma espécie de diagnóstico do aprisionamento, como juntar os sintomas para perceber um espírito "adormecido", ou aprisionado.
Por exemplo, estes são alguns deles: existe uma falta de alegria profunda na vida pessoal e com Deus; aquele que está aprisionado tem uma sensação de tristeza, de vazio, e de solidão muito grande, aparentemente sem causa. Sentimentos de aflição muito intensos podem ser recorrentes quando aparentemente nada está causando aquela aflição. E haver perda de talentos naturais, de energia e de vida, como se tudo aquilo estivesse muito distante e fosse impossível de ser usado ou vivido. Sensação constante de inutilidade, de morte, quando aparentemente as coisas estão indo bem. A pessoa tem percepção de problemas insolúveis, mas não consegue encontrar a causa destes. Consegue apenas sentir os seus efeitos. Há sentimentos recorrentes de ira e depressão.
Especialmente significativa é a falta de empatia das pessoas em geral, que não conseguem compreender, nem enxergar os problemas daquele que está aprisionado.
Como eu já disse, para nós tudo começou depois daquela Ministração.
Nos dias que se seguiram, tive desejo de orar por Isabela. De ungi-la. Pedir que Deus estivesse derramando sobre ela um bálsamo, um refrigério. E a fortalecesse. Nem sei dizer! Gostaria de poder fazer alguma coisa...
No meu coração eu queria muito uma coisa, que Deus restaurasse em Isabela a sua antiga alegria! A felicidade! Aquele riso de gargalhar.
No dia seguinte àquela Ministração, Isabela não estava bem. Teve febre durante o final de semana, mesmo assim tínhamos uma Igreja agendada no domingo. Na segunda-feira ela estava muito cansada e muito deprimida. Acabamos discutindo, para piorar tudo. Mais uma vez o diabo procurava roubar aquilo que Deus estava fazendo. Isabela chorou, chorou, teve muito medo.
Mais tarde nos reatamos. Ela dormiu um pouco e depois viu filme de vídeo para distrair a cabeça.
Mas estava triste.
— Como eu gostaria que alguém tivesse orgulho de mim... e que, olhando, me dissesse: "Como você me faz bem..." — disse Isabela dolorosamente, num desabafo.
Então me compadeci muito. Convidei-a para orar, ela concordou. Nos sentamos na sala, no sofá, e a noite tinha acabado de cair. Ficamos ali acomodados e comecei a colocar diante de Deus aqueles motivos de oração. Pedir aquela restauração.
Alguma coisa diferente Deus tinha que fazer!
Porém, logo no começo da minha oração, alguma coisa forte no meu íntimo, em espírito, me disse:
"Isso que você está pedindo... essa alegria de gargalhar, essa felicidade radiante... está aprisionada espiritualmente..."
Um ímpeto de fazer alguma coisa me invadiu. Eu já tinha pedido antes que o Senhor me trouxesse a estratégia para ajudar Isabela, mas aquele momento... foi como um toque de Trombeta do Céu. Como que me autorizando, como que me dizendo: "Este é o momento!"
Então pedi a Deus que me ensinasse, porque aquilo tudo era muito novo para mim. E também para Isabela. Tinha que buscar Nele a estratégia, o caminho, a coisa certa a fazer. Ele já tinha dado autorização, uma autorização especial, aquele era o kairós de Deus, uma certeza absoluta permeava meu coração. Restava saber o que precisava ser feito.
Então esperei.
Nesse momento a sensibilidade espiritual me fez perceber que havia anjos atrás de mim, uma presença tão palpável que, se voltasse as costas, poderia vê-los todos. Mas não vi. Apenas senti.
Por algum motivo eu já não estava na sala de casa, no nosso sofá. Estava caminhando por um outro lugar... não senti medo propriamente dito, acho que nem mesmo surpresa. Deus ia fazer alguma coisa nova.
Eu não sabia que lugar era aquele........
Estava meio escuro ainda, e enevoado. Como um amanhecer. Compreendi que aquilo era algum tipo de visão do espírito, mas não como eu estava acostumado a ter. Parecia ter sido trasladado literalmente, não se tratava apenas de ver alguma coisa. Estava numa outra dimensão, se é que posso chamar dessa maneira.
Continuei esperando... sentia tranqüilidade por causa da presença daquela Guarda que estava ali comigo. Não saberia quantificar quantos eram, mas me senti protegido.
Fui caminhando, mas não era um caminhar humano, era quase como um flutuar. Um flutuar rente ao chão. Eu estava sendo levado, meu espírito estava sendo levado, não saberia dizer... a única certeza forte era a convicção de que estava ali com um propósito. Eu sabia que propósito era aquele.
Então perguntei aos anjos que estavam comigo, embora não os enxergasse:
"Onde ela está? Eu a vi dentro de uma caixinha de vidro... mas eu não estou vendo a caixinha aqui..."
Olhei em derredor. Aquele era um lugar muito estranho... parecia um deserto... mas não um deserto de areia. Quando a visão começou a clarear, pude perceber aquela imensidão desértica para todos os lados, aquela aridez... uma aridez de pedra! Havia muitas montanhas, altas, mas eram montanhas completamente despidas, sem nenhum verde, sem nenhuma vida...
Um dos anjos me respondeu, ouvi a voz falando ali perto de mim:
"Ela está dentro de um poço... daquele poço!"
Eu procurei pelo poço, mas não vi nenhum poço como estava imaginando, daqueles de pegar água. Vi na verdade uma cratera imensa... cor de cinza, cor de concreto, de diâmetro espantoso! Não saberia quantificar ao certo, mas pelo menos dez quadras de diâmetro, muito grande... muito grande! Uma coisa monstruosa! Inimaginável!...
Cobrindo a boca da cratera havia uma rocha enorme, uma pedra que, eu sabia, ninguém seria capaz de remover. Cor de magma. E perfeitamente ajustada nas paredes da cratera, como se tivesse sido talhada exatamente para ocupar aquele lugar. O poço estava absolutamente bem vedado!
Aquela visão era mais real do que a realidade do dia-a-dia. Até mesmo a noção de tempo e espaço eu perdi.
"Ela tá ali dentro?", me sentia meio desarvorado.
E as vozes dos anjos me respondiam:
"Sim, ela está aí dentro. A rocha precisa ser removida."
Eu ainda não estava sentindo medo. Tão-somente queria uma estratégia. Senti-me ansioso para encontrar a estratégia, uma sensação de urgência me tomava.
"Não saiam de perto... me guardem, me protejam... não saiam de perto..."
Eu queria ter certeza de que eles continuariam ao meu lado até que eu soubesse o que fazer.
Voltei a vista novamente para a rocha, tão grande quanto um campo de futebol... enorme, pesada, irremovível... e continuei falando com eles, inquieto:
"Isso aqui é muito grande, é impossível sair daí! Vocês precisam me ajudar!"
"Não há força que possa remover esta rocha. Só um Homem pode movê-la."
Fiquei pensando quem seria. Na minha mente, na minha mente humana, imaginei que deveria ser o Arcanjo Mikhael.
Então, na minha ansiedade, chamei por ele.
"Mikhael!... Onde está Mikhael, cadê o Capitão dos Exércitos? É ele que vai mover essa rocha!"
Foi então que senti uma movimentação dos anjos atrás de mim, como se estivessem abrindo caminho para alguém passar. Mesmo assim não olhei para trás, ainda estava olhando para a cratera.
Nem sei por que... o natural seria ter olhado, ter esticado a cabeça! Isso foge a qualquer coisa que minha imaginação possa ter produzido... o natural de qualquer ser humano não é ficar de costas, mas olhar para quem está chegando, para aquele que teria Poder de abrir o poço.
Então senti Alguém passando por mim... e não era Mikhael, era um Homem! Um pouco mais alto do que eu... mas... quando ele passou... senti uma onda muito forte de Poder e de Amor junto com Ele... muito mais forte do que o Poder que já tinha sentido irradiar dos anjos... era um Poder tão forte... mas um Poder de Amor!...
Não há palavras para explicar, fui tocado por uma sensação totalmente não humana, algo totalmente sem parâmetros no nosso mundo material. Não sei descrever... era um Poder tão incomensurável, capaz de mudar todo o curso da História, de destruir todo o Universo e fazê-lo de novo... um Poder incomparável!... Mas como se todo esse Poder fosse representado... pelo Amor!...
Quando Ele passou, então eu soube a que Homem os anjos estavam se referindo. Só podia ser um, apenas um... Jesus! O Filho do Deus Vivo!
Eu apenas O vi de costas, e Ele levava nos ombros uma espécie de capa. De um branco inexistente na Terra! Me impressionou muito, a brancura daquela capa... não me recordo de mais nada, mais nenhum detalhe sobre a visão do Homem.
Ele se aproximou da beira da cratera, e vi quando estendeu a mão e tocou na rocha. Não...! Talvez Ele não tenha nem mesmo tocado, apenas estendeu a mão perto e aquela rocha começou milagrosamente a se deslocar na boca da cratera..... começou a deslizar!
Imaginei que fosse ouvir algum ruído, algum som da rocha raspando nas paredes daquele poço indescritível, mas não... não houve ruído algum... foi suave... e abriu! A boca do poço ficou descoberta mais da metade...
Então cheguei perto para ver. Melhor dizendo, de repente eu me encontrei ali, na boca da cratera, fui levado até lá de alguma maneira.
Olhei para dentro e vi um negrume intenso, tão intenso que poderia palpá-lo. Estiquei minha mão e ela desapareceu dentro daquele escuro profundo, muito profundo, que nem mesmo a luz de fora espantava. Mesmo nas bordas. Quando a gente olha para um poço as paredes que estão próximas à superfície são iluminadas pela luz, e somente o fundo fica escuro.
Mas ali não era assim. Um manto negro aterrorizante cobria toda a cratera, era quase como um líquido que invadia tudo até a borda, até a boca. Como um lago escuro, um poço de petróleo. A luz era incapaz de penetrar ali dentro.
Comecei a procurar uma escada, comecei a tatear, como entrar ali dentro? Palpei com minha mão nas bordas da cratera procurando alguma coisa, e meu braço desapareceu naquele lago negro. Não era líquido... era simplesmente a densidade daquele ar, a coisa terrível que era abrigada ali dentro... eu nunca imaginaria nada assim!
Comecei a ficar nervoso porque não sabia como descer. Percebi que os anjos continuavam ali, e imaginei que Jesus também deveria estar por perto... mas eu não estava vendo nenhum deles...
"O que eu devo fazer? Me ajudem! Eu preciso de uma escada para descer... não tem luz... cadê os anjos?"
Mas não houve uma resposta audível como antes.
Minha alma humana raciocinava, e pensei que os anjos poderiam ir na minha frente, iluminando o caminho... então, no meu coração algo me dizia:
"Pode ir... pode ir porque Eu estou com você, você não está sozinho..."
Aquilo me trouxe um pouco de coragem. Dei um passo... pensei que fosse encontrar alguma coisa sólida para pisar, mas não tinha nada sólido, comecei a afundar suavemente... e descer!
À medida que descia comecei a sentir frio... daí tive medo de verdade! Tive medo porque a escuridão era intensa, muito profunda, e eu não conseguia enxergar nada. O silêncio também era estranho... sepulcral, indescritível... não poderia haver nenhuma forma de vida naquele lugar! Tudo era muito escuro, muito frio, muito profundo, muito aterrorizante.
O medo aumentou... só descia... descia... descia...
Para me acalmar, falava o tempo todo para os anjos:
"Me guardem! Me guardem! Não fiquem longe de mim..."
Embora não tivesse resposta, sabia que eles estavam ali, descendo ao meu lado. Mas aquilo parecia não ter fim! O silêncio me incomodava, por isso lá pelas tantas, perguntei de novo:
"Onde é que está Jesus? Será que Ele ficou lá em cima?"
Eu continuava sentindo medo. Dessa vez uma voz me disse:
"Não! Ele está sempre por perto!"
E era a voz de um anjo. Quando ouvi aquela voz, novamente me acalmei um pouco.
Tudo que pude pensar acerca daquele lugar é que ali era uma galeria do Inferno. No nosso mundo real, no tempo Cronos, não saberia dizer quanto tempo passou. Mas naquele mundo onde eu me encontrava, naquele tempo, aquela descida pareceu eterna. Interminável! Parece que fiquei dias descendo pelas entranhas daquele poço... dias inteiros! Muito tempo, muito tempo... não acabava mais.
E pensava comigo, muitas vezes:
"Ela está aqui dentro..."
Daí falava para os anjos:
"Então ela deve estar sentindo muito frio, porque aqui está frio..."
Mas então... finalmente! Comecei a vislumbrar, a distância, uma luz tênue, cálida. Quando fomos chegando mais perto, descendo até lá, percebi que era algo como uma plataforma. Mas o poço não terminava ali, não era o fim, ele continuava, ia mais profundamente ainda!
No entanto, minha atenção foi totalmente desviada para aquela plataforma levemente iluminada. No centro dela havia algo como uma pequena arena. E no centro da arena, eu vi a caixinha de vidro!
Fui apertando minha vista, sentindo o coração bater mais forte. Pude contemplar Isabela dentro da caixa. Mas ela não era como hoje a conheço, era bem mais nova... estava agachada e vestida de forma maltrapilha. A distância consegui ver apenas uma espécie de manta, muito surrada, de cor avermelhada, em que ela se enrolava. Quando ela se levantou, vi que fisicamente era grande, da altura de uma mulher adulta. Mas tinha o rosto infantil.
"Olha, ela não tem só cinco anos! Ela já está grande!"
"Ela está com doze anos agora...", pude ouvir a voz do anjo que me respondeu.
Vi que Isabela se levantou e procurava a saída. Mas não encontrava nenhuma saída. Pelo que perguntei de novo:
"Mas onde está a saída?"
Foi nesse momento que notei aqueles demônios à volta da caixinha. Eram de cor marrom esverdeada, com corpos como de réptil, com uma cauda longa, bem grandes... talvez três vezes o tamanho de um homem! As mandíbulas eram proeminentes e os caninos pontiagudos, saltando para cima, de olhos bem negros, medonhos. As sobrancelhas muito espessas quase juntavam no centro da testa, e as narinas, largas, lembravam as de um cavalo. Tinham orelhas que espetavam para cima e os cabelos nasciam na testa, somando com as sobrancelhas, e se estendiam por trás da cabeça formando o que deveria ser o cabelo. Mas não era cabelo, parecia crina de cavalo cortada bem rente, e descia pelo dorso até a ponta da cauda.
Eles estavam rindo e se divertindo, olhando Isabela presa, e vendo que ela não achava a saída. Entendi que eles eram como os guardiões daquela prisão espiritual. Isabela tateava, tateava, mas não encontrava como sair dali.
Por algum motivo incrível os demônios não tinham a menor consciência da minha presença, nem da presença dos anjos que estavam comigo. Fiquei um pouco angustiado com a visão e perguntei novamente:
"Onde está a saída? Eu também não estou vendo nenhuma saída... não tem saída mesmo..."
Percebi que Isabela já não tinha tanto ímpeto para procurar a fuga. Ela olhava um pouco, mas acabava desistindo e voltava a sentar no chão da caixinha. Então erguia-se novamente, procurava outra vez, mas já sem vontade, conformada... desesperançada... então deixava-se cair no chão outra vez. Mais uma vez levantava, olhava um pouco mais, meio desanimada... e voltava a se sentar. Já estava cansada de procurar e não encontrar saída.
Por vezes se enrolava melhor naquele manto, como se sentisse frio.
"Olha lá, ela está com frio...", falei mais uma vez. "Puxa... ela já está cansada de ficar presa ali, de procurar a saída e nunca encontrar. Ela já não tem esperança de sair... ninguém enxerga ela! Ninguém vê o que ela está passando..."
Naquele momento não escutei resposta, então fui criando coragem de chegar mais perto, e continuava perguntando a única coisa que tinha importância naquele momento:
"Cadê a saída? Cadê a saída? Não estou vendo a saída! Revela pra mim a saída... eu estou vendo que ela não tem saída... o que eu devo fazer?"
Aquela voz me falou, com muita calma:
"A saída vem do Alto... o socorro vem do Alto! Ela ainda não olhou para cima..."
Olhei no topo da caixa e também não vi nada. Fiquei um pouco em pânico.
"Mas ali também não tem saída! Por isso que ela não está vendo...!"
Nesse momento, os demônios começaram a se entreolhar. Como que desconfiados. Como que dizendo:
"Tem alguma coisa estranha por aqui".
Eles pararam com aquele ar de sarcasmo, deixaram de rir e de se divertir, olhavam um para o outro com ar especulativo, de dúvida, como que farejando alguma coisa. Vagarosamente começaram a andar, olhando à volta, procurando, observando muito bem com seus olhos malignos...
Um texto Bíblico me veio à mente, algo me dizia que para invadir uma casa primeiro era preciso amarrar o valente.
"Ai! É preciso amarrar eles! Lembrei disso agora! Não posso chegar perto sem amarrar estes demônios..."
"Não há necessidade disso hoje, eles não vão poder te tocar", respondeu um dos anjos.
Imediatamente, numa explosão de luz, eu vi as Muralhas de Fogo subindo! Não era fogo... claro! Eu já tinha visto ao redor de casa, eram Colunas de Luz! Luz em movimento!!! Mas pude ver bem melhor agora, eram Colunas espessas de uma Luz branca... de movimento como de labaredas de Fogo, mas não era fogo, era Luz! Que efeito magnífico!!
Dessa vez eu não podia olhar através delas, por isso deixei de enxergar os demônios, que ficaram atrás da Coluna. Eu apenas podia ver a caixinha. Aquelas Muralhas de Fogo tinham separado a caixinha dos demônios!
Então já estava ali perto, já estava de frente para a caixa... Isabela olhou para mim de dentro daquele vidro, e parecia um pouco assustada, então falei:
"Fica calma! Eles não estão mais te vendo!"
O Fogo das Muralhas estava bem pertinho de mim, e percebi que não queimava.
"Mas que estranho... esse Fogo não queima... não faz mal!"
"Para vocês não!", me respondeu o anjo. "Essa Luz não faz mal para vocês porque vocês são filhos da Luz. Mas para eles, uma faísca disto é letal!"
"Como assim, letal? Eles morrem? Demônios não morrem..."
"Aquele mesmo que criou tudo do nada, pode fazer qualquer criatura voltar ao nada... por isso é letal!"
Esse era o motivo que mantinha aqueles demônios a distância. Apesar de já saberem que o Inferno estava sendo saqueado, não podiam fazer nada! Porque Jesus estava lá... apesar de que eu não tinha visto mais Jesus. Eu ouvia a voz dos anjos e sabia que eles estavam por perto. Eles tinham dito que Jesus também estava por perto... onde será que Ele estava?
Como não o encontrasse, voltei a perguntar da saída, insistentemente. Por que não me diziam?
"Onde é a saída?!"
Era hora de cumprir o propósito pelo qual eu tinha sido levado àquela prisão. Os anjos estavam ali. Jesus estava ali. Portanto, se eu também estava ali, é porque tinha que fazer a minha parte para que o propósito de Deus fosse cumprido! Qual era a minha parte?
"Eu sei que é em cima... a saída é em cima...", falei para os anjos mais uma vez. "Me mostra onde é, eu não consigo ver!"
Alguma coisa brilhou no alto da caixinha de vidro. E eu vi um cadeado grande, prateado.
"Ah, um cadeado! Tem que abrir o cadeado! Mas como que nós vamos abrir esse cadeado?"
"Usa a chave que Deus te deu!", respondeu o anjo.
Imediatamente me lembrei que Deus tinha mesmo me dado uma chave, eu sabia muito bem do que ele estava falando! Naquela Ministração em que tinha renunciado ao meu destino espiritual, a chave fechou a porta de um poço. Mas ela abria também uma outra porta...
Procurei me encher de fé. Porque não havia nenhuma chave em nenhum lugar, nenhuma chave que eu pudesse ver
"Então... pela fé eu tomo posse da chave que Deus me deu. Agora!"
Quando eu falei isso, a chave apareceu na minha mão! Uma chave dourada, grande... quando experimentei, serviu direitinho! Escutei até o clique do cadeado... e quis puxar a chave de volta...
"A chave é minha..."
Mas não saiu. Estava presa. Não vinha embora, por mais que eu a puxasse! Mas eu a queria de volta, era minha! Então me disseram:
"Essa chave te foi dada com um propósito... e esse é o propósito! Ela só serve para este cadeado."
Fiquei um pouco frustrado e pensei comigo mesmo, não cheguei a falar:
"Puxa... tinha pensado que essa chave ia abrir a porta do Ministério, ou as portas de emprego..."
Os anjos me disseram:
"A porta do Ministério, quem abre é Deus. E a porta do emprego, foi o próprio Deus que fechou!"
Mas a porta da caixinha estava aberta! Metade da porta! Só que Isabela ainda não tinha percebido, estava agachada lá no fundo. Como eu estivesse em cima da caixa, me inclinei para puxá-la. Só que não conseguia alcançá-la! Isabela olhava para cima, mas eu não tinha certeza de que ela estava me vendo.
Oh, puxa......eu podia vê-la com tantos detalhes! Podia vê-la como se fosse uma pessoa real ali na minha frente. Tinha o cabelo um pouco mais escuro, cortado na altura dos ombros, meio desordenado. Os olhos também pareciam mais escuros... mais profundos. E estavam tristes... tão cansados! Pude perceber que por baixo daquela manta surrada ela usava uma roupa comum. Uma camiseta branca, e uma calça meio avermelhada presa por um cinto cor de mostarda. Nos pulsos, pulseirinhas de plástico. Era uma menininha!......
Mas ela não estava me enxergando.
Naquele momento senti novamente a presença daquele Homem, aquele que eu sabia que era Jesus. Mais uma vez eu não O vi de frente. Ele subiu no alto da caixa e estendeu a mão para ela, meio de costas para mim.
E disse:
"Agora você precisa dar um passo de fé... a minha mão está estendida! Se você crer, você sai daqui agora! Depende de você. Essa é a sua parte: o teu passo de fé!"
Então eu gritei para ela:
"Tenha fé! Se você tiver fé como um grão de mostarda, você moverá os montes. Estende tua mão!"
Senti um cerco de anjos à volta. Não os vi. Apenas senti. Como que aguardando! Com grande expectativa! Ela demorou um pouco, mas então estendeu a mão... Jesus a puxou para cima, com suavidade. Mas percebi que havia algum tipo de resistência, os pés dela pareciam grudados no chão. Era como se o Inferno ainda estivesse tentando segurá-la.
Mas a força de Jesus era maior do que o Inferno inteiro! De forma que a resistência durou pouco tempo... e Ele tirou Isabela de dentro da caixa, a colocou sentada sobre a tampa que estava aberta até a metade!
Em seguida arrastou com Suas mãos as coisas dela que tinham ficado dentro da caixa. Só então reparei naquelas coisas, um monte de saquinhos! Saquinhos coloridos...
Jesus pegou todos os saquinhos e pediu que ela estendesse a blusa para formar uma espécie de sacola, daí colocou os saquinhos em cima da blusa dela. E Isabela ficou olhando, sem falar nada, meio que fascinada, meio que incrédula... então Jesus empurrou aqueles saquinhos em direção ao corpo dela... num gesto de devolução. Eu acho que eles entraram... entraram dentro dela!
Eu entendi que eram coisas que Ele estava restituindo, que tinham ficado aprisionadas com ela. Durante tantos anos...
Jesus deu-lhe um abraço! Um abraço de muito Amor.... eu pude ver o quanto Jesus amava Isabela! E meu coração se comoveu... era um Amor muito grande e muito forte. Muito forte! Muito! Como se Ele estivesse aguardando por aquele momento.
Então Ele a segurou nos braços e a levou. Novamente não vi seu rosto, apenas as costas, e vi que Ele carregava Isabela bem junto de Si. Então começamos a subir! Eu olhei para baixo e exclamei:
"E aquela caixa?"
Novamente ouvi a voz dos anjos.
"Não se preocupe. Essa prisão não existe mais!"
Olhei para trás outra vez e vi que as Colunas de Fogo se fecharam, destruíram a caixa!!...
A única coisa que ficou dentro da caixa foi aquela manta. Era parte do passado. Algo em que ela se apegava, com o que se cobria, se escondia... quando estava com medo, assustada... mas que agora não precisava mais.
Seria uma faceta da sua personalidade? Uma maneira de agir? Eu não sei... só sei que aquilo era algo do passado, e que agora ela não precisava mais daquilo.
Ao contrário da descida, a subida foi rápida. Quando chegamos ao topo, na boca da cratera, a pedra foi colocada de volta no lugar. Isabela ainda continuava nos braços de Jesus. Com a mão direita Ele tornou a fechar o poço, e com a outra ainda a segurava. E aí Jesus lacrou aquela pedra, aquele poço ficou completamente lacrado!
Perguntei:
"Não tem perigo de abrir?"
E os anjos me responderam:
"Não. Está selado. Esse poço jamais será aberto novamente."
"Pôxa... mas ela estava lá há tanto tempo..."
"Este foi o tempo. Este foi o tempo dela ser liberta!"
Escutei Jesus falando com Isabela, numa linguagem que ela pudesse entender:
"Isso foi como uma cirurgia espiritual... nos próximos dias você ainda vai sentir um pouco de dor... como num pós-operatório. Vai doer alguns dias. Talvez você ache que a cirurgia não foi bem feita por causa disso."
Eu entendi o que Ele queria dizer. Era como extrair um tumor. Durante alguns dias, há tanta dor que parece que o tumor ainda está ali. Mas com o passar do tempo a dor vai diminuindo, diminuindo... até que chega o momento em que a pessoa que foi operada começa a fazer coisas que não podia fazer antes, porque a doença não deixava...
Alguns dias... quanto era "alguns dias"? Para Aquele que "um dia é como mil anos, e mil anos como um dia...".
"Tudo aquilo que o diabo roubou de você, tudo que lhe subtraiu...", continuou dizendo Jesus para Isabela, "tudo isso te será acrescentado... apenas creia!"
Eu me virei para o lado, para ver se enxergava os anjos, e quando me virei de volta... nós já não estávamos no mesmo lugar! Já não era aquela paisagem árida e desnuda do deserto... aquele deserto de pedra...
Eu podia ver como estava cheio de árvores ali, de pássaros, de beleza! Um lugar muito agradável!...
Estávamos diante de uma estrada bonita, um caminho estreito, mas muito bonito. Era até asfaltado, um asfalto azul celeste, lindo! Parecia um tapete, mas não era realmente, era como um asfalto... e à beira do caminho havia muitas florzinhas coloridas. Olhei, e a estrada ia longe, longe... a perder de vista! Parecia gostosa... muito bonita... não sei aonde ia dar aquele caminho.
Quando olhei para Isabela, surpreso, vi que ela já estava grande... quer dizer, adulta! E não usava mais aquelas roupas puídas, estava toda arrumadinha. Vestia um casaquinho combinando com a saia, um conjunto de casaquinho e saia cor de creme, por baixo uma blusa de seda de cor terra. A bolsa e os sapatos eram da mesma cor do conjunto. Estava muito bem vestida e elegante! Percebi no seu pescoço uma correntinha de ouro.
E ela estava feliz! Estava sorrindo.
Aí Jesus disse para ela:
"Esse é o teu caminho. Segue por aqui. Vai ser um caminho de paz, apesar das lutas. Haverá momentos de chuvas, de tempestades... mas este é o caminho que Eu estou te apontando!"
Então perguntei também:
"E o meu?"
"É o mesmo! Vocês dois vão caminhar juntos!"
Aquele era o início do nosso caminhar.
A próxima coisa de que me lembro é de estar novamente na sala de casa, sentado no sofá, ao lado de Isabela. Demorei um pouco a me situar. Não vi, mas continuei sentindo a presença dos anjos, só que agora sabia que eles estavam ali, na nossa sala. Havia muitos. Fora de casa também. Como que festejando! Se alegrando. Contentes com o que tinha acontecido. Eles sabiam que alguma coisa tinha acontecido de fato!
Quantos dias ia levar a convalescença...?
Eu não sabia, nem ela. Imaginamos que talvez fosse uma coisa rápida, mas "alguns dias", para Jesus, talvez significassem algo diferente do que nossa mente humana compreendia. Logo iríamos constatar isso.
Foi depois disso que Isabela começou a ter febre. Aquela febre tênue, diária, durante meses.
Nem por isso o diabo a deixaria em paz. Continuaria tentando roubar, matar e destruir Isabela, perturbando seu período de cicatrização e convalescença.
Isso ainda levaria meses.
Quanto a mim, depois que terminamos a oração, fiquei olhando para Eduardo... tinha conseguido perceber uma parte do que acontecera. Ele orava muito em línguas, mas parte do que falava às vezes vinha em português. Já estava me acostumando com aquilo. De forma que acompanhei alguma coisa do que estava se passando.
Percebi que ele tinha visto um poço, tinha visto minha prisão espiritual. Escutei quando Eduardo chamou pelo anjo Mikhael. Notei quando ele encontrou a caixinha, e como parecia ansioso perguntando sobre a saída. Eu o ouvia falando várias vezes sobre isso, onde estava a saída, e o que ele deveria fazer... ouvi quando disse várias vezes que os demônios não estavam mais me vendo... e que Jesus me amava muito, muito!
— Quanto amor! Ele te ama muito... Ele te ama muito! — eu podia escutar frases assim no meio daquelas outras, em línguas.
Percebi também parte das suas reações corpóreas, mesmo estando de olhos fechados: quando Eduardo sentia frio dentro daquele poço, se encolhia de verdade, passava as mãos pelos braços na tentativa de aquecer-se. Senti a grande intensidade daquele momento, podia perceber sua inquietação e angústia algumas vezes, e acompanhei com ele aquela oração. Que deve ter durado cerca de 40 ou 45 minutos.
Quando Eduardo disse que Jesus estava me estendendo a mão, e que eu estendesse também a minha... e que era preciso dar um passo de fé... então, ali mesmo onde estava, sentada no sofá, não questionei... ergui bem alto minha mão!
Eu sabia que Jesus estava me tirando daquela prisão, embora não sentisse nada, nem sequer compreendesse o que estava acontecendo. Aceitei aquela experiência como mais uma experiência sobrenatural que o Senhor nos concedia.
Foi com olhos grandes e queixo caído que escutei o relato inteiro da história, depois. Era mais uma experiência que, se não tivesse acontecido conosco, eu teria dificuldades em aceitar...
Mas minha cura ainda não estava terminada. Tinha que esperar aquela convalescença. Tinha que esperar ainda mais um tempo. Tinha que esperar que o processo se completasse.
Haveria uma outra visitação. Profunda, intensa... mas não seria naquele ano, nem naquela casa. Faria parte de um outro período! Eu teria que esperar ainda alguns meses depois disso, mais uma vez.
Chegará o tempo em que todas as promessas virão à luz, porque este processo ainda não terminou, mas está em andamento.
Eu já sabia que a maior parte dos meus problemas vinha de antes, de muito antes de conhecer Eduardo. Mas agora, claro que estava havendo uma somatória! Havia um ataque muito concentrado sobre mim. Fico imaginando a surpresa que Deus não fez ao diabo, me unindo justamente ao desertor!
Os problemas pessoais que estava vivendo no presente tiveram uma origem longínqua, e a Irmandade só se aproveitava das feridas, brechas e portas abertas que eles sabiam muito bem onde estavam. Eles lançavam suas palavras de destruição porque sabiam que estava ali um terreno fértil.
O principal motivo do ataque da Irmandade sobre mim é porque eu trazia discernimento e direção a Eduardo. Aquela afirmação veio de forma contundente através de uma intercessora. Estas foram as duas palavras que Deus trouxe naquela Ministração: discernimento e direção. Sem a minha presença ao lado dele teria sido muito mais fácil persuadir Eduardo a voltar. Mesmo se ele não voltasse, teria sido muito mais fácil atingi-lo, acabar com ele.
A visão continuava mostrando um fogo de artifício que subia e abalava a estrutura do Inferno.
Lembrei da passagem do ano, dentre outras ocasiões... será que abalar o Inferno era aquilo? Quando tudo já estava tão próximo, a vitória deles era tão certa e iminente... mas de repente, tudo acontecia ao contrário do que eles esperavam?
Ou será que abalar a estrutura do Inferno era alguma coisa que viria a acontecer no futuro? Apenas Deus tem a resposta.
Deus também mostrou uma moeda, eu era um lado da moeda e Thalya era o outro lado. Os dois lados de uma mesma moeda. Compreendi o que aquilo significava.
Eduardo havia comentado comigo que ele e Thalya tinham como que dois codinomes dentro da Irmandade, algo mais ligado ao destino espiritual deles, Phobos e Deimos, o nome dos dois satélites de Marte. Marte é um Deus antigo associado à guerra na mitologia grega e latina. Na Irmandade, os dois eram assim chamados porque suas vidas estariam intimamente ligadas entre si, e em torno da guerra.
Neste sentido, eu era realmente a outra face da mesma moeda, porque Deus tinha me chamado para estar intimamente ligada a Eduardo, e nossas vidas também girariam em torno da guerra ao longo dos nossos dias.
No momento seguinte, a visão se completava. Thalya jurava me destruir, empenhando seu próprio sangue nisso e tendo Rúbia como auxiliadora. Eduardo não era qualquer um dentro da Irmandade... se Thalya tinha sido escolhida para estar ao lado dele, ela também não era qualquer uma. Se fôssemos partir do pressuposto de que Deus prometera dar a Eduardo muito mais do que Lucifér... isso também me incluía. E incluía o nosso Ministério.
Para que mais?!?
As revelações traziam confirmação daquilo que sentíamos na pele. Nossas brigas e nosso relacionamento estavam sendo literalmente bombardeados!
Eduardo não queria ser confrontado, e não gostava que medissem força com ele. Eu não gostava de baixar a cabeça. Normalmente não era plácida nem cordata quando me sentia afrontada. Eduardo detestava ser agredido fisicamente, sentir qualquer tipo de dor física. Muitas vezes um tapa ou um arranhão meu era a gota que faltava.
Por isso que, muitas vezes, ao invés de arranhá-lo eu me arranhei a mim mesma. Quase não podia controlar a raiva monstruosa que crescia dentro de mim. Mas creio que não era só isso...
Em contrapartida, em relação a Eduardo, este era um aspecto mais delicado. Durante toda sua vida ele precisou cultivar dentro de si uma essência violenta. Desde tenra idade, quando era maltratado dentro de casa, quando era maltratado na escola... ele aprendeu a não ser tocado. Isso sem falar no contexto herdado através da Irmandade, quando todo mal deveria ser retribuído nove vezes. A essência da alma dele era revidar! Revidar muito mais... e não era revidar contra ele mesmo...
Este era um momento muito perigoso...
Naturalmente a origem das feridas de Eduardo também era muito remota, e só fomos conseguir desvendar parte destes meandros ao longo dos meses e anos.
A grande verdade é uma só: o diabo tinha uma percepção indescritível e incrivelmente eficaz para criar situações em que tanto eu quanto ele fôssemos tocados nos pontos mais nevrálgicos da alma, ao mesmo tempo. Quando a gente conversava mais tarde, percebia as sutilezas da falta de comunicação e da interpretação particular dos fatos.
Satanás sabia como agir! E para isso usava o terreno da nossa própria alma. Não adianta esmiuçar palavras e acontecimentos que foram muito dolorosos para nós. Já nos basta ter percebido plenamente o mecanismo fundamental destas lutas ferrenhas.
Deus evitou que nós dois perecêssemos em mais de uma ocasião.... foi literal, Digo isto para exemplificar a monstruosidade das artimanhas do inimigo. A Bíblia já fala nos mistérios da iniqüidade... certamente isso vai muito além da nossa imaginação!
Talvez pessoas depois de nós, que enfrentarão Principados e Potestades, sendo horrivelmente assoladas nas suas emoções, terão vergonha e receio de falar sobre isso. Exatamente como nós também tivemos. Talvez escutem, como nós, chavões evangélicos do tipo: "Luta todo mundo passa, irmão!"
O motivo pelo qual estamos sendo tão transparentes com algo tão pessoal é porque existem, de fato, intensidades diferentes de luta!
Nós dois só vivemos para contar esta história porque Deus é Poderoso... e porque nós queríamos, acima de qualquer coisa, vencer! Não necessariamente o inimigo, mas a nós mesmos. Porque a parte podre em nós era alimento para ele.
Não poderíamos vencer o inimigo aconchegando pecados escondidos.
Não paramos para pensar no preço que nos custaria a vitória, tudo aquilo que Deus requereu de nós, entregamos a Ele. A tragédia só não aconteceu porque estávamos inconformados com o pecado. E nunca, nunca, nunca, em hipótese alguma... vivendo de bem com ele! Se assim fosse, se nós mesmos nos justificássemos, e inventássemos desculpas para o nosso mau proceder... o final desta história teria sido muito diferente.
Tratamos nosso pecado com toda a ojeriza que ele merece. Em muitos momentos dessa trajetória nós não tínhamos ainda chegado lá, quer dizer, obtido vitória sobre a carne. Mas a nossa presteza em lutar contra ela fez com que o sangue de Cristo cobrisse as nossas brechas.
Fica a última questão.
Por que o Senhor permitiu que chegássemos ao limite das forças, ao fundo do poço, ao mais completo desespero, tantas e tantas e tantas vezes?! Será que nós não merecíamos ter sido poupados, ao menos um pouco?!!
Havia momentos em que a vontade de desistir era tão grande.....
Se existem intensidades diferentes de luta, e se realmente Deus nos predestinava à guerra contra Principados e Potestades, então existem também intensidades diferentes de treinamento!
Tinha que haver um mínimo de substrato nas nossas vidas que servisse de alimento aos demônios. Compreendemos, portanto, que Deus queria nos levar a um patamar crescente de santificação. Em outras palavras, era preciso que tivéssemos uma vida limpa!
E para limpar a nossa vida... era preciso enxergar o lixo que ela abrigava. Pouco importava se algum tipo de comportamento ou reação vinha daquele monte de feridas abertas ao longo dos anos. Não vamos nos colocar tão-somente como vítimas, se aprendemos a agir errado... então aprendemos a agir errado. Tudo isso agora precisava ser tratado.
As brechas precisavam saltar à nossa vista, precisavam ser plenamente expostas. Caso contrário, cada uma delas se tornaria um calcanhar-de-aquiles no futuro. Ninguém que está manco ou doente pode ser enviado ao front de guerra.
Podemos ir à feira ou ao supermercado, podemos nos comprometer como babá de crianças ou de velhinhos, podemos participar de um coral ou de uma peça de Teatro, podemos estar entre amigos... podemos cozinhar... até mesmo limpar uma casa, ou cuidar de documentos importantes... mesmo com alguma doença, ou sendo portadores de algum defeito físico.
Mas o guerreiro tem que estar em plena forma!
Para que a gente estivesse em plena forma, algumas brechas precisavam ser fechadas. E, para serem fechadas, era preciso que as enxergássemos. Depois de enxergá-las, para termos desejo real de restaurá-las, teríamos que perceber que eram sobremodo malignas.
Era preciso que a gente sentisse na pele a que ponto elas poderiam nos levar... no nosso caso, foi preciso sentir a morte batendo na porta! O desespero foi tão grande que nosso único desejo era vencer... ou vencer! Não havia outra possibilidade.
Se tivéssemos aprendido antes, certamente Deus teria nos livrado antes, aí está a grande questão! Aconteceu tantas vezes porque, para nós, tinha que acontecer todas aquelas vezes. Quando a cabeça é muito dura, o corpo padece...
Diz a Palavra que "o ferro com ferro se afia, assim também o homem ao seu amigo".
Neste aspecto, Eduardo e eu fomos como estes dois amigos. Ele nunca teve outro amigo dentro da Igreja, muito menos eu. Para que a brecha se evidenciasse na vida dele, era preciso de alguém que, como ele, fosse "ferro". Isto é... alguém da mesma índole.
O ferro não se afia com uma lixa de unha, por exemplo, nem se afia com outra faca. Se eu fosse lixa de unha, ou faca... Deus teria que ter encontrado outra pessoa para afiar Eduardo. Se não fosse eu... teria sido outra pessoa! Porque, na verdade, Eduardo tinha que enxergar a si mesmo.
Da mesma maneira, eu só seria afiada por alguém que tivesse a mesma essência que a minha. Se não fosse Eduardo, teria sido outra pessoa. Porque eu tinha que enxergar onde estava errando. Tinha que enxergar até onde meus atos poderiam nos levar. Não hesito em assumir a minha culpa, e nem de ser julgada pelos homens. Expus meu pecado, não escondi... para ser curada!
Enfim... Deus permitiu que nós dois quase nos matássemos para perceber que certos traços de caráter, certas feridas, certos traumas emocionais, certos pontos obscuros da alma e da mente tinham que ser curados. Para que tudo isso deixasse de ser matéria-prima para as esculturas do Inferno.
Durante quase todo o segundo ano do casamento Deus permitiu que vivêssemos situações de estresse. À medida que buscamos incessantemente a cura e o livramento, Deus foi acrescentando, uma a uma, todas as informações necessárias para que enfim alcançássemos a vitória.
Isto tudo foi, na verdade... um afiar de Deus. E como doeu!
Logo percebemos que não era apenas um ponto, ou dois, que teriam que ser tratados.
Nem tudo estava à disposição, presente na nossa consciência, antes permaneciam mergulhados no inconsciente ou na pura ignorância dos fatos. Houve uma profunda e minuciosa revelação do passado.
Comigo já tinha começado...
Seria a vez de Eduardo ter seu passado perscrutado.
Os meses que se seguiram foram de muita dor, muita luta, muito sofrimento físico, emocional e espiritual... mas também foi cenário do Poder curador de Deus! O que facilitou este processo foi a confissão da nossa culpa, tanto diante da Grace, em Ministrações, como diante de Dona Clara, em aconselhamentos. Mais ninguém tomou conhecimento das nossas dificuldades.
Não nos orgulhávamos nem um pouco da nossa fraqueza, mas a esperança que ia no nosso coração era que, um dia, milagrosamente, ela fosse transformada em força.
Quando tudo aquilo acabasse.
Uma parte da história de Eduardo tinha que ser revelada. Era a peça que faltava naquele quebra-cabeça. Depois da celebração, e depois do congresso, veio um período em que comecei a ficar encafifada com aquela situação. Com a questão daquele controle a distância exercido em Eduardo quando se via consumido pela ira.
Eu queria muito poder ajudá-lo:
— Você já renunciou tudo! Já passou por Ministrações em todos os aspectos... como pode haver ainda alguma maneira desses demônios te controlar a distância?
Eduardo ficava bastante incomodado com aquilo, especialmente porque não se lembrava de coisa alguma.
— Tem certeza que não se esqueceu de contar nada? Tem certeza de que já ministramos tudo?
— Tudo que eu me lembro, eu comentei com você e com Grace. Não sobrou mais nada! A não ser que tenha apagado da minha memória por algum motivo...
Eu estava realmente incomodada. E comentei com Grace:
— Tem que ter alguma coisa... Grace, se não tivesse nada, seria impossível acoplar essa espécie de controle remoto nele. Não dá pra dizer que tudo isso é apenas conseqüência da ira, porque é completamente fora de proporções. É sobrenatural!
Grace dava muito valor a estas informações. Pedimos que ela estivesse orando por nós nesse sentido, para que Deus mostrasse o que estava errado. Quanto a nós dois, fizemos um jejum e oramos especificamente pedindo a Deus que trouxesse luz sobre o que estava oculto. Se é que ainda havia alguma coisa oculta...
— Se Deus não revelar nada, vamos ter que aceitar que a porta está sendo aberta só pela ira... a Bíblia já diz que não devemos irar e pecar, porque damos lugar ao diabo. Mas não sei... a Bíblia está falando de uma ira humana, creio eu. E pelo que eu conheço de você, está ultrapassando esses limites da normalidade. Não é culpa sua, entendo que a coisa começa no âmbito da alma, da carne... mas depois vai muito além! Não sei se estamos viajando, ou não... mas, para mim... depois de toda essa Ministração, depois de tudo que Deus já fez... parece incabível que coisas assim ainda estejam acontecendo! Parece-me que tem alguma coisa escondida... alguma coisa esquecida em algum lugar, não é possível.
Durante o jejum, oramos realmente para que Deus nos mostrasse. Duas coisas aconteceram nesse período: a primeira delas foi uma direção que me veio, como sempre vinha, sem ser acompanhada de nenhum discernimento espiritual palpável. Eu não tinha aquelas coisas de sentir, de receber palavras de conhecimento, ou visões. Era apenas uma impressão.
A Bíblia tinha tomado um colorido diferente para mim ao longo de toda aquela trajetória. As histórias Bíblicas saltavam aos meus olhos de outra maneira, e os personagens Bíblicos também.
Certo dia eu estava pensando, e reparei que Deus sempre procurava tratar o caráter e a personalidade dos grandes homens que iria usar antes de efetivamente colocá-los para desempenhar o seu destino espiritual. Foi assim com José, que ficou preso durante mais de dez anos... foi assim com Davi, que foi lapidado durante os anos de perseguição... foi assim com Moisés, que fugiu do Egito e foi para o deserto... foi assim com Paulo, com Pedro... foi assim com muitos homens de Deus.
Se o caráter precisou ser lapidado para que eles estivessem aptos a desempenhar a função que lhes era proposta, talvez não fosse diferente no Reino das Trevas. — Eduardo... me responda uma coisa: você tinha uma missão específica dentro da Irmandade, tanto é que já tratamos dessa questão do seu destino espiritual, não é? Se eu estiver errada, me corrija... mas eu creio que o seu caráter foi tratado para que você pudesse ser aquele que o diabo queria, para desempenhar bem o papel que ele queria...
—Certamente!
Diante disso foi fácil perceber que ao longo da sua vida o espírito de ira, de violência e de vingança foi sendo progressivamente criado e incutido dentro dele. Eduardo não foi criado para ser alguém capaz de amar, de perdoar... mas sim, de retribuir nove vezes qualquer dano que fosse feito a ele.
Isso delineou uma nova trilha a ser seguida em Ministração. Ele já havia renunciado ao destino espiritual como um todo, depois havia renunciado ao propósito específico para o qual tinha sido chamado...
Ao que parecia, agora ele tinha que renunciar ao caráter que tinha sido forjado nele ao longo dos anos, ao longo da vida... caráter este que se tornou a base fundamental para que fosse construído aquele edifício. Um monumento em honra a Lucifér.
Ainda procurei explicar bem para Grace:
— O caráter é como se fosse o alicerce desse edifício. Se o edifício é o destino espiritual, o monumento de honra, aquilo que é visível... então o caráter é a base estrutural, o terreno... a parte invisível sobre a qual o edifício é construído. Sem um terreno bem preparado, isto é, sem um caráter especificamente bem forjado, não se pode construir nada! No caso de Eduardo era fundamental o desenvolvimento forte e inabalável da ira, da violência e da vingança... isso aconteceu já desde muito antes de ele entrar na Irmandade. Isso já foi forjado na infância e na adolescência.
Esse aspecto foi ministrado, e abriu um leque de novos pontos. Coisas totalmente relacionadas à Cura Interior. Trouxe à tona muitas lembranças antigas. A intercessora havia dito:
— Ele pensa que são coisas superadas. Mas há muitas lágrimas para serem choradas...
Começou em relação à família. Eduardo acalentava um grande sentimento de culpa e débito em relação a eles. Havia muitos sentimentos e emoções distorcidas quando se tratava deste assunto.
A desconfiança sobre a paternidade foi o ponto principal, fez com que Eduardo fosse muito maltratado pelo pai quando criança. O sentimento de rejeição era muito grande. Tão grande que seu pai tentou mesmo matá-lo.
Quando Eduardo tinha sete anos, um dia estava sozinho em casa com o pai. Brincava atirando uns carrinhos no chão, queria a atenção dele. Como seu pai fosse sempre agressivo, naquele dia não foi diferente, mas a agressão veio de forma mascarada. Ele pegou seu revólver e entregou nas mãos de Eduardo. Disse que era uma brincadeira, Eduardo deveria apontar a arma na direção do rosto e atirar. Como Eduardo quase nunca recebesse atenção, ficou todo entusiasmado.
Mas a mão de criança não tinha força para apertar o gatilho. Então o pai mesmo engatilhou a arma, e novamente estendeu a ele. Só que desta vez, encostada na cabeça. Quando a arma disparou, as mãos de Eduardo não foram capazes de continuar segurando o revólver, pelo que o tiro acertou o guarda-roupa atrás dele.
Foi um susto muito grande, a mãe de Eduardo estava chegando e seu pai, para disfarçar, deu broncas e bateu em Eduardo. Dizendo que ele havia pegado a arma escondido. Eduardo só foi entender o significado deste episódio muito mais tarde. Na hora, sequer imaginou que seu pai pudesse matá-lo.
Em duas outras ocasiões aconteceram coisas semelhantes. Numa delas, o pai tentou afogá-lo dentro da banheira na casa da avó. Eduardo nem entendeu o que aconteceu, só sentia aquele pavor e a sensação de estar preso debaixo d'água. Outra vez, foi uma maldosa tentativa de sufocamento com o travesseiro, quando Eduardo estava dormindo.
Foram muitas situações humilhantes, de agressão, de rejeição, de traição. Eduardo vivia com as pernas marcadas das surras que tomava. Não havia quem o defendesse.
Mais tarde, durante a adolescência, houve por parte da família um acúmulo de palavras pesadas de maldição e condenação. Eduardo nutriu um grande sentimento de inferioridade e culpa, tinha uma enorme necessidade de ser aceito e ter a companhia de alguém. Mas não conseguia imaginar que alguém fosse gostar dele pelo que ele era.
Então, durante a época da "29", a sua boa índole natural começou a ser transformada. Só havia uma maneira de ser bem visto: pela agressividade e violência. O Kung Fu corroborou para isso também. Foi uma grande somatória.
Embora não demonstrasse, uma sensação de julgamento, de constrangimento, de ansiedade o acompanhava quase sempre. O egoísmo da família também deixou suas marcas. Havia uma sensação constante de precisar sempre fazer alguma coisa para ser aceito.
Quando adentrou a Irmandade, esse discurso do mundo mudou. Eduardo passou a escutar tudo ao contrário do que sempre tinha ouvido. Agora ele era muito especial, era o escolhido, tinha grandes qualidades e potenciais.
Mas o diabo não faz o bem para ninguém, a não ser para ele próprio. Isso não serviu para curar Eduardo, obviamente, mas para incutir ainda mais nele uma essência que reagiria violentamente a todo aquele que dissesse o contrário.
Este tratamento ao longo de anos e anos tinha sido uma parte do preparo do seu futuro caráter. O caráter que possibilitaria a Eduardo exercer seu destino espiritual: uma essência de ira, de violência e de vingança incontida. Ele deveria atropelar todos aqueles que se interpusessem em seu caminho.
Por um outro lado, aquela injeção de narcisismo e egocentrismo recebida dentro da Irmandade teve também um papel fundamental. Era importante aquela autoconfiança para o diabo, mas dentro do Reino de Deus ele teria que renunciar ao que foi construído naquele período: um forte orgulho pela capacitação e carisma sobrenaturais que foram recebidos como dons malignos. O orgulho do poder para usar as palavras causando a morte e a destruição. Estes eram dons demoníacos.
Tudo isso Eduardo teve que perceber e renunciar. Em última análise, Eduardo tomou conhecimento de que o seu Isaque era sua auto-imagem. Quer dizer, ele seria capaz de dar a vida, ou de tomar a vida... para manter inabalada a imagem que as pessoas tinham dele. Isso ele tinha aprendido lá, dentro da Irmandade, e era o seu ópio: ser estimado excessivamente pelas pessoas, custasse o que custasse.
Era um processo doloroso de recordação, mas nós estávamos nos aproximando de muita coisa. Enquanto Eduardo estava sendo tratado nesta área, Deus trouxe algumas revelações através das intercessoras Angélica e Esther. Foi em meados de setembro e outubro daquele ano.
Numa das Ministrações, Esther trouxe uma visão que, a princípio, não fez nenhum sentido a Eduardo.
— Eu vi que o seu sangue e o seu esperma foram colhidos... foram colhidos para exames, mas não sei com que propósito. Isso tem algum significado para você? — disse ela.
Eduardo pensou, pensou... por fim sacudiu a cabeça, com olhos distantes e o semblante um pouco contraído.
— Não sei... não tenho idéia...
Ainda nessa Ministração Esther trouxe mais uma visão:
— Eu vi você abrindo uma porta e encontrando uma coisa... uma coisa que te assustou muito.
Novamente Eduardo sacudiu a cabeça.
— Não sei., eu não tenho recordação nenhuma nesse sentido... Praticamente no mesmo período recebi um telefonema de Angélica. Ou melhor, foi um pouco antes, mais ou menos um mês antes. Ela passou um bip me pedindo para ligar. Como nós já tivéssemos nos encontrado várias vezes, e eu confiasse nela, tinha pedido oração naquele sentido: de que Deus revelasse se ainda havia alguma coisa oculta na vida de Eduardo...
Lembro-me que liguei do Shopping Iguatemi.
— Oi, Angélica.
— Oi, Isabela...
Depois de trocarmos algumas amenidades, ela foi direto ao assunto. Os pontos principais da revelação, que parecia muito profunda e específica, foram os seguintes:
— Eu tive novamente a mesma visão daquele dia, quando conheci você no dia da sua primeira Ministração. Até comentei com Grace, mas ela não escutou muito naquele momento, lembra?
— Lembro... você falou que ele ainda precisava ser ministrado, tinha visto o braço dele se transformando, uma coisa assim, não é?
— É... mais ou menos... naquele dia, eu tinha visto somente o braço. Mas agora Deus mostrou a coisa completa. Isso tem a ver com aquele Rito que ele participou, de abertura de um dos Portais, um Rito onde ele se transformava em alguma coisa.
Senti um certo mal-estar na boca do estômago. Aquele era um assunto muito desagradável. Eu detestava ter que falar sobre aquilo, mas se tinha a ver com algo que Deus estava trazendo, então valia a pena.
— Sei.
— Ele não se transformou em um lobo, ou coisa que o valha, como pensou. Pára pra pensar... isso era uma coisa comum, não causaria tanto espanto como causou. Eu vi no que ele se transformou... é como se ele se transformasse no próprio Abraxas! Foi esse o motivo de tanto espanto.
Escutei sem contestar. Estava acostumada a levar em consideração a visão daqueles intercessores, porque tinha tido um sem-número de vezes para constatar a veracidade daquilo. Mesmo assim, era preciso tomar cuidado... às vezes pode haver alguma contaminação da alma, embora soubesse que Angélica era especialmente cuidadosa nesse aspecto, pedindo para que Deus separasse alma de espírito sempre que fosse orar.
— O que Deus mostrou foi o seguinte: o metabolismo dele foi alterado... e ele, esse demônio, naquele momento codificou o Eduardo. Houve ali um contato muito íntimo, não sei como isso funciona, mas a verdade é que a alma dele foi codificada.
E tudo isso ficou armazenado num computador. Não um computador físico, real, mas é como se esse demônio tivesse todas as informações da alma do Eduardo com ele, na sua própria mente. O que acontece então? Ele sabe como provocar e potencializar certas reações, pensamentos, sentimentos... sabe, por exemplo, como provocar ira, como provocar a tristeza, sabe como provocar uma série de coisas, porque ele tem essas informações com ele!
— É como se fosse um código genético da alma, é isso? Trocando em miúdos? — É isso!
— Assim como eu sei que uma determinada seqüência de genes produz uma determinada proteína, responsável por uma determinada função dentro do corpo... se eu fosse usar essa analogia, é como se esse demônio pudesse ter feito a mesma coisa com a alma do Eduardo. Ele sabe exatamente que seqüência de eventos poderiam culminar em uma ira violenta, por exemplo?
— Isso também! Mas não é só isso, ele teria como produzir esses efeitos de fora. Entendeu? Foi isso que Deus mostrou.
— Digamos que a raiva é desencadeada por uma determinada seqüência de conexões neuronais, por uma determinada seqüência de impulsos nervosos... ele poderia, então, a distância... provocar esse efeito?
— É isso!
Até engoli em seco. Aquilo era complicado, e somente compreensível através de exemplos humanos, dos quais o melhor era o próprio código genético. Não poderia entender como um demônio haveria de possuir uma codificação da alma de alguém, mas em se tratando da Irmandade e em se tratando do envolvimento que eles tinham com os demônios e, mais ainda... porque Eduardo era um "Escolhido" especial... era preciso levar tudo em conta!
Já tinha aprendido que há muitos mistérios dentro do Reino Espiritual.
Depois de uma leve pausa, ainda questionei:
— Isso aconteceu naquele Rito?
— Deus mostrou que sim... pelo menos essa codificação de alma. Mas Deus mostrou também uma alteração metabólica, eu não sei o que é isso, Deus não me mostrou mais nada. Mas parece que o metabolismo dele foi alterado, mas não sei se foi nesse Rito, ou se foi em outro momento...
Agradeci a Angélica, pedi que continuasse orando, e fiquei muito encafifada com tudo aquilo. Estava vindo no exato momento em que pedíamos... quanto daquilo era verdadeiro realmente?
Não demorou muito mais e Eduardo sonhou... aquele sonho parece que cutucou alguma coisa no inconsciente dele. Certo dia, aconteceu.
Nesse sonho, Eduardo estava dentro de uma casa e observava uma enorme tempestade do lado de fora. Era tão forte que só a nossa casa estava em pé, e ele percebia que era preciso fechar todas as portas e janelas para impedir que aquela tempestade entrasse. Então Eduardo corria para fechar tudo, todas as entradas.
Menos uma... o sonho se tornava angustiante na medida em que ele corria para todos os cantos daquela casa, à procura daquela porta que batia sem cessar! E não encontrava.
"Onde está essa porta?..."
Eduardo percebia que parte, uma pequena parte daquela tempestade podia entrar dentro da casa. Com violência muitíssimo atenuada, mas ainda assim entrava... e o sonho acabou, e ele não conseguiu descobrir onde estava a porta aberta.
Através desta figura, Deus nos mostrou que realmente havia ainda uma brecha, uma brecha oculta...
Poucos dias depois, como uma avalanche, a lembrança veio...
Por isso agora é melhor que ele mesmo fale a respeito.
De início, realmente, eu não me lembrava de nada daquilo. Era um grande vazio, uma coisa da qual tinha perdido a consciência. Mas depois daquele período de oração, de jejum, de sonhos, da primeira Ministração envolvendo o caráter que o diabo tinha preparado para mim, e também da revelação que Deus trouxe para aquelas duas mulheres, a recordação veio clara e transparente como água cristalina.
Terei que voltar muitos anos no tempo.
O cenário desta história se encaixa mais ou menos na época em que deixei a Irmandade, um pouco antes daquele Sabbath do qual não quis participar...
Marlon vinha me falando sobre a importância de conhecer todas as sub-Bases da Irmandade no Brasil: Porto Alegre, Curitiba, São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Goiânia, Brasília, Salvador e Manaus. Nove ao todo.
Eu já estava acostumado que aquilo fazia parte do meu treinamento, não encarei como nada diferente do que já vinha acontecendo desde que fora um dos noventa escolhidos. Além das viagens para reuniões estratégicas, eu viajei com Zórdico e Marlon para conhecer as outras oito bases. A de São Paulo já era nossa conhecida. Dessa vez foram viagens bem mais seletas, porque eu ia sozinho com eles. Uma ou outra vez Górion foi também.
No futuro haveria doze Bases Mundiais da Irmandade espalhada pelo Globo. Uma delas ficaria no Brasil. Então, uma daquelas nove era também uma Base Mundial. As outras oito, eram sub-Bases daquela Base Mundial.
Marlon começou a me explicar naquela época a questão estratégica do Brasil. Para isso ele começou falando antes dos Estados Unidos.
— Houve um tempo em que aquele foi um país fortemente Protestante, como você sabe. Isso praticamente até a década de 80. Mas isso foi mudando e agora é cada vez menos importante, as Igrejas progressivamente se tornaram pequenas, frias, e com pouco conhecimento de Batalha Espiritual. O interesse naquele pedaço do mundo você já sabe... os Estados Unidos são uma potência! Econômica e bélica, principalmente. Uma vez que o Cristianismo foi contaminado, sobra para nós todo o resto. O potencial incrível daquele país! Antes, por causa do Protestantismo exacerbado a questão moral era tratada de maneira diferente. Um bom presidente não era apenas aquele que fazia um bom trabalho, mas aquele que tinha em si mesmo todo um conjunto de valores éticos, morais, etc. A medida
que o Protestantismo foi se tornando menos importante, isso influenciou até mesmo esse lado político. Hoje em dia, e muito mais no futuro, um bom presidente vai ser aquele que governa bem. E ponto! A vida pessoal dele vai deixar de importar! Isso é fundamental, que a mentalidade daquele povo cada vez mais aceite isso: que pouco importe o caráter pessoal de um líder. Se ele fizer uma boa administração e apresentar soluções, isso é o que faz diferença! Mas só que os demônios fizeram um mapeamento mundial. E esse mapeamento não leva em conta somente os Estados Unidos. Veja só a Europa... houve ali vários focos de avivamento no passado. Mas isso foi fogo de palha! Nada que não pudesse ser contornado. Aí entra em cena o Brasil. Este é um país muito, muito especial... ele não nos interessa em termos políticos ou econômicos, muito menos em qualquer outro aspecto humano. Mas existe aqui uma grande concentração de evangélicos. Os locais selecionados para serem sede das bases não foram escolhidos por acaso, isso foi predeterminado pelas Entidades. Esses eram os lugares onde poderia haver mais focos de avivamento. Com a presença das Bases isso muda de figura, haverá uma forte resistência à difusão de um Cristianismo convincente. Poderá haver Igrejas enormes, mas inoperantes! O tamanho pouco interessa. Mas, retomando... não é isso que importa agora. Como eu te disse, há uma expressão importante do Cristianismo aqui no Brasil, e há também uma antiga profecia: a de que esta Nação seria um Celeiro de Missionários! Isso já é antigo, não sei se você sabe... a primeira vez que ventilou, foi em meados da década de 50. Nem sempre nós temos condição de saber se uma Profecia é verdadeira ou não. Você sabe como são os crentes... às vezes eles vão repetindo as coisas por pura papagaíce! Naquela época não se podia saber ao certo se era uma Profecia vinda de Deus, ou se era algum fruto da alma de alguém, que caiu no gosto do povo Evangélico, e eles passaram a repetir isso de boca em boca. Do mesmo jeito como eles repetem: "Nós já ganhamos!". Às vezes é possível ver um selo de Deus em algumas pessoas. E, de início, a Profecia parecia ser verdadeira porque vinha de homens realmente chamados por Deus. Pelo sim, pelo não... tão logo essa Palavra foi liberada nós tivemos a direção das Entidades de estabelecer uma Base aqui no Brasil. Até então não se cogitava nisso. Não existe uma Profecia dessa sobre nenhuma outra Nação, percebe? A Profecia é para o Brasil! Por isso uma das Bases Mundiais ficou estabelecida aqui... não existe uma Profecia dizendo que qualquer outro país da América Latina, ou do mundo, vai ser Celeiro de Missionários. Era preciso uma concentração muito forte do nosso lado aqui. Mesmo que nem existisse essa Profecia, a verdade é que realmente o Brasil tem um potencial muito grande — isso os demônios já viram há muito tempo —, de expandir o contingente de Evangélicos. Os principais focos de um possível avivamento foram pesquisados pelas próprias Entidades. Entenda que os avivamentos por si só não são perigo para nós. Por exemplo... há outros países da América Latina que têm potencial de crescimento Evangélico, inclusive sabemos que pode haver focos de avivamento. Mas quase sempre o avivamento não atinge a Nação, fica restrito às Igrejas, aos templos, aos arredores... não muda a história de um país! Um país pode passar por avivamento em algumas das suas Igrejas e ainda assim continuar abrigando o maior índice de narcotráfico do planeta, por exemplo! O país não é influenciado pelo avivamento, continua exportando drogas para o mundo inteiro. É aquilo que o Sermão da Montanha fala... o sal foi feito para salgar, e a luz foi feita para iluminar. Se o sal não salga, antes se torna insípido, para nada mais serve, tão-somente para ser espezinhado pelos homens! Perceba que é isso que vai acontecer com muitas Igrejas que não são sal, no devido tempo. Vai chegar um momento em que toda a sujeira e corrupção vai saltar aos olhos de todos, e então eles serão pisados por todos, difamados pela mídia. Na Inglaterra, por exemplo, houve um grande avivamento... mas nós dissemos que tudo aquilo ia terminar em banana. Ninguém se preocupou muito. Porque era passageiro! Hoje aquele templo é realmente um depósito de banana, dentre outros. A mesma coisa aconteceu na África. A nossa profecia é de que aquilo terminava em tamborim! E hoje, parte daqueles lugares onde se pregava a Palavra de Deus, são terreiros de macumba e de baixo espiritismo.
— E não pode ser que aconteça a mesma coisa aqui no Brasil? Por que se preocupar tanto?
Por algum motivo Marlon não sabia explicar, ou não podia me explicar... e só enfocou muito aquela questão da Profecia. Parecia haver algo mais, alguma coisa que somente as Entidades sabiam, que somente a altíssima cúpula da Irmandade tinha conhecimento. Parecia haver muito burburinho no Reino Espiritual em relação ao Brasil.
Assim como era possível ver o selo de algumas pessoas, aquela marca de Deus... como se fosse uma patente espiritual... um chamado verdadeiro para coisas especiais... da mesma forma, quem sabe... talvez fosse possível ver alguma espécie de "selo" em algumas regiões... fosse possível prever alguma coisa sobre algumas regiões!
E, mesmo sendo um país de Terceiro Mundo, espiritualmente falando, o Brasil poderia ser causa de problemas em algum momento futuro. Fato é que, estrategicamente falando, depois dos Estados Unidos, o nosso era o país mais importante na concentração de esforços da Irmandade. Assim como foram os demônios que escolheram os lugares das Bases, e escolheram fazê-las no lugar X, e não no Y, é porque alguma coisa a mais eles enxergavam naquelas regiões.
— É preciso estar alerta! Se este país entrasse de fato em avivamento, as orações e a santificação haveriam de nos atrapalhar. Talvez alguns planos pudessem até mesmo naufragar. Haveria uma guerra tal que culminaria em muitas baixas, de ambos os lados. A restauração da Igreja poderia acabar fazendo diferença no país... não é a regra, mas... nunca se sabe. Poderia influenciar até mesmo na cúpula estratégica do Satanismo. Mas, não se preocupe... isso nunca vai acontecer!
Para isso estamos trabalhando há todos esses anos — fez uma pausa e mudou de assunto. — Por esse motivo, é importante você vir comigo para conhecer a estrutura que foi montada aqui no Brasil! Você vai gostar!
Assim aconteceu. Visitei uma a uma, todas elas, faraônicas, colossais, monstruosas, muitíssimo bem estruturadas e estrategicamente posicionadas. Aqueles eram os lugares preferidos de repouso para Leviathan, quando ele estava no nosso território. Afinal, este Principado era o responsável pela América Latina. Embora rodasse pelo mundo, alternando com os outros três Grandes Príncipes do Inferno, seu lugar de origem — ou melhor, o território que lhe foi confiado por Lucifér —, era a América Latina. Em se tratando da questão estratégica do Brasil, naturalmente que ele tinha especial interesse nesta Nação. Além das Bases, quase sempre havia um outro lugar estratégico para ele ficar, no mesmo estado, ou cidade.
Durante essas viagens Marlon aproveitou para mostrar algo totalmente novo. Levou-me em visita a alguns laboratórios. E naquele momento começou a descortinar-se diante de mim uma fatia a mais de atuação da Irmandade, algo com que nunca sonhei. Nesses lugares eram realizados experimentos científicos que, futuramente, seriam colaboradores tanto da vinda do anticristo como do seu período de reinado.
Um dos principais trabalhos, conforme me explicou Marlon, tratava da produção de um vírus. Esse vírus estava sendo desenvolvido para utilização no período de reinado do anticristo, mais especificamente após o advento da marca da besta, o que a Bíblia chama de Grande Tribulação.
Todos aqueles que se recusarem a receber a marca, sem a qual não será mais possível comprar ou vender, serão impiedosamente eliminados. Principalmente através dos efeitos daquele vírus. Todos os que se opuserem ao governo do anticristo, e não forem leais a ele, serão destruídos de maneira rápida.
— A marca em si será uma espécie de "contato eletrônico" — continuou Marlon. — Uma espécie de chip implantado via subcutânea. Claro que a idéia difundida a priori para as massas será a melhor possível. As incontestáveis vantagens do implante serão amplamente divulgadas, o mundo vai perceber como será um tremendo facilitador em quase todos os aspectos. Não haverá mais necessidade de cartão de crédito, por exemplo, ou de passaporte, carteira de motorista, talão de cheque ou dinheiro, carteira de identidade, cartão de saúde... todas essas informações estarão contidas eletronicamente no implante. Isso vai eliminar as fraudes, muita burocracia, além de facilitar todos os processos financeiros do mundo. Também elimina toda essa papelada da qual dependemos hoje em dia. O custo dos papéis é muito caro, obviamente estamos "preocupados" com as implicações disso, e também com a preservação da natureza! Menos papel... menos devastação nas florestas mundiais. Muitas serão as vantagens que nós vamos apresentar ao mundo para justificar o implante. Pense só nisso: o contato eletrônico sendo rastreado via satélite! Não existe nenhuma possibilidade de alguém ficar escondido, em lugar nenhum. Acabaram-se os seqüestras, os grandes roubos. Mas o que está por trás é o que mais nos interessa, que é justamente o controle das massas. Qualquer indivíduo que se revele como traidor do anticristo, ou da causa que ele representa, qualquer desertor... não tem para onde ir! O contato eletrônico fará com que nunca mais ninguém possa fugir dos nossos olhos. Não haverá traidores! O controle mundial será completo, inexorável e definitivo. Qualquer um que se rebelar contra o implante, não sobreviverá. A melhor maneira de fazer isso é através do vírus, cujas pesquisas estão em andamento há vários anos. A Terceira Praga! Mas isso é problema dos desertores... assim que os primeiros começarem a pagar o pato, e a doença se manifestar neles, muito mais devastadora e mais violenta do que qualquer outra que já existiu, ninguém vai querer fazer parte desse contingente. Especialmente importante é que tal vírus cause muita dor e muito sofrimento... muito mais do que o câncer e a Aids, as duas primeiras Pragas (Leia Filho do Fogo). Quanto a nós... vamos para o lado que nos interessa! É preciso desenvolver uma vacina específica contra esse vírus para proteger o anticristo, a Irmandade e seus colaboradores. Estas são pesquisas paralelas, mas tão importantes quanto o próprio vírus. Quando ele for lançado, todos os Filhos do Fogo já estarão previamente imunizados e não correrão qualquer risco de contaminação.
Depois Marlon me falou sobre o segundo ponto fundamental em que as pesquisas científicas eram particularmente intensas, e os laboratórios estavam particularmente empenhados: no desenvolvimento de algumas drogas que foram chamadas de "comportamentais".
— Como funciona isso... ou melhor, como funcionará esse tipo de coisa no futuro! — continuou Marlon. — Basicamente, essas drogas foram desenvolvidas para serem diluídas em rações animais: gado de corte, gado leiteiro, aves, até mesmo peixes. Outras drogas são para contaminar produtos como hortaliças e frutas, e até mesmo redes hidráulicas podem sofrer contaminação. Também adubos, fertilizantes e inseticidas usados em regiões hortifrutigranjeiras podem ter como aditivante alguma dessas drogas. Em outras palavras, toda a cadeia alimentar humana vai estar sendo pouco a pouco contaminada com estas drogas. Não tem como escapar disso, mesmo quem é vegetariano absoluto vai entrar na dança! A cadeia bioquímica das drogas já é própria para que o organismo humano absorva — e retenha — a quantidade certa. Claro que, para todos efeitos, esta droga não existe. Não vai aparecer na formulação de nenhuma ração, de nenhum produto... não se pode deixar rastro algum! Obviamente não vai estar escrito: "Poderá causar danos cerebrais irreversíveis"! — e Marlon até riu. — Mas em suma: o efeito só será sentido a longo prazo. Os próprios demônios têm dado todas as direções de fórmulas, de cálculos, de estruturas moleculares... embora Lucifér conheça muito bem o corpo humano, muito mais do que nós, ainda assim, para o perfeito sucesso é preciso também uma parceria com Cientistas, Médicos, Bioquímicos, Farmacêuticos e todo aparato para pesquisa de ponta! Temos que ver como toda a teoria funciona no âmbito prático.
— Mas que drogas são essas exatamente, para que servem?
— Espere. Vou chegar lá. Como eu já disse, elas vão contaminar a cadeia alimentar de maneira gradativa, sempre em pequenas quantidades. O objetivo principal não é imediato, mas visa principalmente preparar as gerações futuras. As drogas desenvolvidas têm a capacidade de alterar o código genético, assim como uma radiação pode fazer isso. A radiação de uma bomba atômica, em quantidade maciça, produz certos tipos de cânceres e anomalias genéticas. Estas drogas, ainda que eu não as possa chamar de "radioativas", em pequena quantidade não vão causar destroços no corpo humano, mas algumas alterações genéticas que, por sua vez, vão levar a alterações cerebrais. Mas perceba: não na primeira geração, não em quem está sendo submetido ao seu efeito agora. Os resultados virão nas gerações futuras. E o que vai acontecer? As drogas serão capazes de criar novas conexões neuronais, conexões estas que facilitarão a recepção de certos tipos de microondas que também estão em desenvolvimento. Em suma, haverá uma alteração cerebral genética e progressiva.
— Sim, mas... microondas?
— Certo tipo de onda sonora que o seu ouvido não escuta, mas seu cérebro capta. E influencia o sistema nervoso. O sistema nervoso central funciona através de impulsos eletromagnéticos, como uma grande usina. As pesquisas que estão em andamento demonstram que essas microondas têm o poder de interferir nestes impulsos eletromagnéticos causando reações das mais diversas, por exemplo: tristeza, angústia, raiva, medo, alegria, euforia, depressão, etc. e etc. De acordo com a parte do cérebro que é estimulada! Futuramente estamos empenhados em provocar não apenas respostas emocionais, mas será possível que as microondas transmitam, diretamente para o cérebro do receptor, até mesmo frases curtas. Este resultado nós ainda não temos, as pesquisas mostraram que é preciso "preparar o cérebro" antes, isto é, criar novas ligações neuronais. Este é o ponto onde entram as drogas que falei antes, elas servem exatamente para isso: favorecer a criação de conexões neuronais novas, mais favoráveis à recepção dos impulsos eletromagnéticos anômalos, estes que virão por meio da emissão das microondas! Incrível, hein?! A mensagem subliminar vai ser uma coisa totalmente ultrapassada! Ainda que seja sutil, já despeitou suspeitas. Mas esta outra técnica, mais sutil ainda, vai ser infinitamente mais poderosa! O cérebro de toda a Humanidade, nas gerações futuras, vai estar eletromagneticamente suscetível às informações que nós vamos enviar através das microondas. Isso é só mais uma maneira de controlar as massas mundiais! O poder de persuasão vai ser muito maior. Poderíamos trazer sobre todo o mundo certos tipos de emoções e pensamentos! Naturalmente estamos trabalhando muito neste sentido. Claro que tem que acontecer em escala mundial.
Mas entenda, não vai afetar ninguém que consuma estas coisas na primeira geração, pelo menos não da maneira como queremos. Isto é, hoje! As predisposições genéticas vão começar a aparecer nos filhos destas pessoas, que vão continuar ingerindo estes alimentos, e particularmente nos netos. A partir daí as conexões neuronais já estarão diferentes, aptas para o recebimento das microondas. Como fruto de uma alteração genética.
Embora aquilo não fizesse parte exatamente da área à qual estava destinado, a área política, Marlon parecia bastante entusiasmado em me fazer visitar vários daqueles laboratórios. Como já sabia que tudo vinha a seu tempo... imaginei que os demônios tivessem sinalizado — e liberado —, aquelas informações e visitas para mim. Deveria fazer parte do meu preparo, embora estivesse relacionada à área da saúde.
Em última análise tudo aquilo era mais um dos suportes para a vinda do anticristo, além de favorecer o seu governo absoluto no futuro! Quem poderia opor-se a ele?
Naturalmente a manipulação das massas tinha que ser progressiva, e estaria acontecendo desde antes do reinado. Por isso a importância das drogas. Apenas o vírus seria para o período específico do reinado, mais exatamente para a época da implantação da marca.
— O vírus é para 2006, então?
— Não. Já dissemos que o anticristo vai aparecer em 2006, mas isso não significa que ele vai governar desde essa data. Não é assim que funciona, num passe de mágica! Ele tem que aparecer, tem que ganhar credibilidade, projeção política, ascender... isso leva seu tempo. Ele só vai assumir o Poder definitivamente, como governante mundial, bem mais tarde.
* * * *
Depois daquela visita às Bases e alguns laboratórios brasileiros, a programação seguinte aconteceria fora do Brasil. Marlon e Zórdico me explicaram que era tempo de começar, primeiramente, a ter contato com as Bases fora do Brasil.
A primeira viagem seria para um país da América Latina. Notei que havia um interesse muito grande em que eu continuasse conhecendo, agora, os líderes das Bases estrangeiras. Já havia conhecido os principais líderes nas Bases brasileiras, agora começava minha viagem pelo exterior.
— É importantíssimo você conhecer um pouco da nossa atividade lá fora! — comentava Marlon certo dia, com muita animação. — Vamos tirar foto pro seu passaporte! E depois a gente vai sair, tá?
Concordei, sem especular muito. Sabia que todo conhecimento vinha na hora certa, não adiantava perguntar antes. Pelo visto Marlon fazia toda questão em me fazer conhecido pela alta cúpula da Irmandade. Certamente aquilo também já tinha sido sinalizado pelos demônios!
Era realmente algo muito especial porque em quase todas as ocasiões continuei viajando sozinho com Marlon. Às vezes com Marlon e Zórdico. Era tudo muito interessante, todo mundo me olhava com satisfação, sempre era muito bem recebido.
Existem algumas lacunas na minha memória. Não é de tudo que me recordo.
Logo na primeira viagem, pelo que me lembro, tive uma boa amnésia em relação ao trajeto. Recordo-me apenas de já estar dentro de um carro, em outro país. Sonolento. Sempre sentia muito sono nas viagens! Aquilo tinha que ser proposital! Talvez eles não quisessem que eu escutasse a conversa deles, talvez eles falassem de coisas que eu ainda não podia tomar conhecimento.
Quando dei por mim, Marlon e Zórdico viajavam na frente, e eu estava no banco de trás. Tomamos um avião particular, só pra gente. Mas eu também dormi a maior parte do tempo.
A próxima parte de que me lembro é de estar novamente num carro, caminhando por um bairro bastante bonito, um bairro de elite, com ruas largas, planas e arborizadas, com casas de alto padrão. Como se fosse um bairro nobre de São Paulo.
Estávamos indo para a casa de uma família. Lá, fomos muito bem recebidos por aquelas pessoas cordiais. Era um casal de meia-idade com dois filhos já grandes, na casa dos 20 anos. A família toda pertencia à Irmandade. Num primeiro momento conversamos apenas efemeridades, e lembro que pousamos naquela casa.
No dia seguinte tinha um ótimo café da manhã, cheio de coisas diferentes!
Então me lembro de estar novamente no carro... e Marlon me havia dito:
— Vou mostrar uma coisa pra você! Por isso estava na expectativa.
Para minha surpresa, estávamos chegando perto de um grande Hospital. Estacionamos o carro, entramos e começamos a caminhar por aquele Hospital. Às vezes Marlon e Zórdico cumprimentavam algumas pessoas, me apresentavam rapidamente, e continuávamos nosso caminho. Eram Médicos, mas me lembro muito vagamente deles.
Comecei a perceber que nós estávamos descendo progressivamente. Não reparei no caminho porque conversávamos o tempo todo.
De repente, ele falou casualmente:
— Nós precisamos colher uns exames seus. Vamos tirar seu sangue e também um pouco de esperma — disse Marlon.
Ele sempre era muito pronto em me explicar tudo que tivesse licença para explicar. Antes que pudesse perguntar qualquer coisa, ele continuou:
— Isso é para desenvolver uma vacina especial para você, porque as que você tomou até agora não tiveram o efeito totalmente desejado.
De fato eu havia sido vacinado. Como todos os demais membros da Irmandade, de tempos em tempos. Mas na época não me tinham explicado o porquê daquilo.
— As vacinas contra aquele vírus que te falei estão em fase de pesquisa, mas para você tem que ser uma vacina especial. Temos que desenvolver uma vacina só pra você! A sua genética foi ligeiramente alterada, isso torna o seu organismo único. E faz com que seja necessária agora uma pesquisa específica.
— Alteração genética?!
— Não é uma coisa ruim, pelo contrário! Essa alteração genética aconteceu primordialmente durante o ato da sua concepção, por que você foi gerado em condições especiais. De certa forma, ela se completou durante aquele Rito... aquele Rito em que você sentiu seus ossos estalando! Lembra? Quando você pôde sentir o começo de uma transformação? Uma parte da energia de Leviathan está com você! Foi ele quem te canalizou naquela hora, e também esteve envolvido na sua concepção.
Tudo aquilo me parecia tão estranho que não parei para pensar em como Leviathan poderia estar envolvido no ato que me gerou Se meu pai e minha mãe não tinham absolutamente nada de especial. Para que isso acontecesse, eu sabia, pelo menos teoricamente, era preciso haver uma entidade semicanalizando o meu pai...
Mas estava mais interessado nos finalmente.
— A energia dele, que esteve envolvida tanto na concepção quanto naquele Rito, causou uma pequena alteração. Essa energia está dormente em você! No momento certo, ela vai ser despertada. Mas isso torna o seu corpo diferente. E faz com que agora seja preciso desenvolver essa vacina especial, adaptada ao seu organismo, para que no momento certo você não seja atingido pela Praga...
Parecia uma coisa louca. Mas confiei nele, como sempre, e apenas fiz que sim com a cabeça. À medida que continuávamos descendo por aquele labirinto de Hospital, Marlon ia explicando mais.
— Essa alteração genética não é muito fácil de ser detectada, apenas através da Medicina Ortomolecular, apenas através da Microscopia Eletrônica... — Marlon estava falando grego. Não entendi muito sobre aquilo, mas me recordo daqueles nomes técnicos. Mas não ia ficar sem dormir por causa daquilo, quando chegasse a hora eu compreenderia melhor o que significava essa alteração, e por que tinha sido completada durante o Rito.
Sem que me desse conta de como havia chegado ali, notei que já estávamos numa ala aparentemente bastante seleta, onde havia pouquíssima gente circulando. Eram corredores enormes muito bem iluminados, salas para todos os lados, sem dúvida uma parte de pouco acesso. Uma ala provavelmente secreta.
Aquilo não me surpreendeu, eu já tinha visto coisas semelhantes nos laboratórios que visitei. Minha atenção foi desviada para o Médico que veio ao nosso encontro. Fomos apresentados, e Marlon pediu:
— Explica melhor para ele!
Acho que o tal deveria estar à minha espera.
— Olha... eu não vou ter como te explicar com detalhes tudo isso. É a mesma coisa se você tentasse explicar para uma criança por que ela não pode colocar o dedo na tomada! Ela jamais ia entender os conceitos de corrente elétrica, de curto-circuito... aqui é a mesma coisa: certos detalhes eu vou te falar, e você vai ter que aceitar que é assim. Porque você não vai ter como entender!
Olhei para Marlon de forma inquiridora. Ele respondeu daquele jeito paternal dele.
— Tá tudo bem, filho... pode ficar tranqüilo, você está entre amigos!
Me senti seguro. A afirmação dele era o que me bastava. Então acompanhei o Médico para fazer os exames. Ele tirou bastante sangue, uns doze tubinhos! Então me estendeu um outro frasco.
— Nós vamos precisar também de um pouco do seu esperma.
— Mas por quê?
— É aquilo que eu te falei... isso você tem que aceitar, vai ser muito difícil explicar. Talvez a gente possa precisar disso, não agora, mas no futuro. Talvez possamos precisar de um backup. Mas também vai ser um componente auxiliar no desenvolvimento da vacina para você.
Não sei o que ele quis dizer com backup. Talvez estivesse se referindo à necessidade de uma clonagem. Fiquei quieto e não discuti. Entrei numa sala privativa e fiz como ele me pedia. Depois que voltei, o Médico ainda me deu quatro injeções, uma na veia e três no músculo, mas não senti nenhuma dor.
Eu não sabia onde estava Zórdico, mas toda hora olhava para Marlon, que tinha ficado por perto o tempo todo, a uma ligeira distância. A cada olhar meu, ele me tranqüilizava novamente.
— Você está entre amigos, não se preocupe com nada. Tá doendo?
— Não.
Assim que terminou de me aplicar as injeções, o Médico tornou a falar:
— Quando você estiver nos Estados Unidos, eles vão colher novamente o seu sangue para avaliar a reação dessas injeções.
Não me recordo bem se foi nessa ocasião, ou se foi depois, que um Médico me mostrou, no microscópio eletrônico, qual era a tal alteração genética. Entendi muito pouco. Mas pude comprovar que ela existia de fato. Afinal, eles tinham me provado, tinham mostrado a evidência palpável.
Por fim, enquanto fiquei ali deitado na maca, o Médico recolheu o material do meu exame e levou para uma sala contígua ao laboratório. Um outro homem que estivera por ali todo o tempo, provavelmente um auxiliar, foi atrás dele e os dois ficaram conversando e etiquetando os frascos. Dali a pouco o homem sumiu com material e o Médico ficou conversando com Marlon.
E eu fiquei ali esperando. Mas então cansei de ficar deitado, e resolvi levantar para ver como estava me sentindo depois da retirada do sangue. Não era muito, mas para mim pareceu bastante!
Fui saindo devagarinho, como quem não quer nada. Volta e meia eu olhava para trás e via que Marlon e o Médico continuavam entretidos na sua conversa, sem prestar atenção em mim. Percebi que eu estava me sentindo bem. Então pus a cabeça para fora do laboratório onde estava e espiei os dois lados do corredor. Não havia ninguém. Aliás, não parecia haver ninguém em parte alguma!
Resolvi dar uma voltinha e xeretar um pouco por ali. Fui andando e marcando bem o caminho de volta. O único ruído era dos meus passos caminhando, descendo as escadas, rodando por aqueles corredores. Naquela parte não havia elevadores, mas não resisti à curiosidade.
"Puxa vida... quem diria que eu ia vir parar aqui neste país!"
Xeretei bastante.
Então o silêncio foi quebrado por um som leve. Pareciam gemidos.
"Será que tem gente internada aqui embaixo?"
Aqueles sons pareciam vir de trás de uma porta basculante cujos vidros estavam pintados com tinta preta. Caminhei naquela direção. Quando entrei vi que adiante de mim tinha uma segunda porta igual à primeira, que eu também abri e passei. Saí numa espécie de saguão pequeno com uma porta de cada lado. Experimentei a primeira, a que estava mais perto de mim, mas estava trancada. No entanto... a outra... justamente de onde vinha aquele som... estava entreaberta!
Terminei de abrir a porta e estaquei. Senti um choque percorrer o meu corpo.
Tinha ali duas pessoas em dois leitos, acho que um homem e uma mulher. Estavam totalmente monitorados, com muitos aparelhos à volta, fios para todos os lados, e restritos ao leito.
Mas a visão foi por demais horripilante para mim! Aquelas pessoas estavam num estado deplorável.....com o corpo coberto de chagas, a tal ponto que até o ar cheirava mal. Pareciam monstros indescritíveis... uma coisa medonha).
Os dois perceberam minha entrada e fizeram como que um gesto na minha direção, tentaram erguer as mãos e balançaram a cabeça, pareciam pedir ajuda. Tentaram falar alguma coisa, novamente se esforçavam por erguer as mãos... mas estavam contidas. Eu percebi que eles estavam me pedindo socorro.
Meu susto foi tão grande, e a visão tão pavorosa, que saí de lá correndo, aos trambolhões, em menos de cinco segundos. Empurrei a porta basculante com toda força e até esqueci que havia outra na frente. Na minha pressa bati o rosto na segunda porta. Só queria sair dali! Quase caí no chão no meu desespero... queria ir para bem longe dali.
Saí correndo pelo corredor principal e já não sabia como fazer para voltar ao laboratório.
Eu sabia que tinha que subir umas escadas, então subi correndo a primeira que encontrei, quase em pânico. Notei que estava perdido, já não sabia onde estava. Perdi a compostura e simplesmente comecei a gritar:
— Marlon! Marlon! Zórdico! Onde é que vocês estão? Cadê vocês?! Marlon!!!
Eu tô aqui embaixo!
Não demorou nada e eles me acharam. Vieram ao meu encontro um pouco apreensivos, em passos rápidos. Corri para Marlon e me sentia quase como um menino desamparado, assustado, minha primeira reação, impensada, foi de abraçá-lo com força.
— Olha lá! Você sabe o que tem naquela sala? Tem umas pessoas que estão precisando de ajuda! Elas estão precisando de um Médico! Vamos lá! Vamos ajudar! Cadê o Médico?
Marlon me olhou com um ar que dizia: "Acho que não é hora de eu te falar nada!"
Mesmo assim, ia tentando balbuciar alguma coisa, mas o assistente do Médico, que tinha chegado em seguida, falou primeiro:
— Não... eles não estão precisando de Médicos... eles fazem parte de um experimento!
Eu fiquei completamente chocado, estarrecido, e acho que a expressão do meu rosto dizia tudo. Fui incapaz de dizer qualquer coisa. Fiquei mudo até sairmos do Hospital. Então Marlon procurou salvar a situação.
— É óbvio que as experiências são feitas com seres humanos, não é? Este não é o único lugar onde as pesquisas estão em andamento. Precisamos testar o vírus... tanto para ver a eficácia dele, como também a eficácia da vacina — ele procurou me tranqüilizar mas foi evasivo. — Não era ainda o tempo de você entrar em contato com isso! Tem que haver muito sofrimento e muita dor, para servir de exemplo... para ninguém se atrever! A vacina só será dada a quem aceitar o implante eletrônico. E mesmo assim, certas raças indesejáveis... mesmo com implante... bom! Vamos deixar esse assunto de lado. O que importa é que a sua vacina está em andamento.
— Por que precisa de uma vacina só para mim? — eu estava atordoado e queria mudar de assunto mesmo.
— Eu já te disse. Ninguém tem o organismo como o seu! Existe uma alteração genética, que em última análise causa uma pequena alteração metabólica, e isso é necessário para que você possa cumprir seu papel no futuro.
Não quis saber de mais nada. Não quis entender mais nada. Não parei para pensar que meu nascimento tinha sido programado pela Irmandade, como é possível? Até então aquela ficha não tinha caído, Marlon nunca tinha dito que era meu pai. Nunca tinha dito que estava canalizado — ou melhor, semicanalizado por Leviathan durante o ato que me gerou. Além disso... por que eu precisava de uma alteração metabólica para cumprir o destino que me estava proposto??! O que tem a ver alho com bugalhos???
Marlon percebeu o quanto eu tinha ficado impressionado. Então voltou ao primeiro assunto e tentou ir me acalmando. Me convenceu, (como sempre), que aquilo era um mal necessário...
— São apenas alguns que estão sendo sacrificados em benefício de milhões! Em toda a história da ciência foi assim... isso não é novidade, mas pelo menos somos dignos o suficiente para usar os próprios seres humanos! E não fazer atrocidades com os animais. Nada que é testado em animais tem valor real para o ser humano. Veja só como Deus é muito mais cruel: tem milhares de pessoas em todo o mundo que morrem de doenças horríveis! Deus tem o Poder de curar, mas não está nem aí. Desde a época de Jesus, quando tinha a lepra, o próprio Jesus curou apenas alguns. Ele só se "compadeceu" de alguns!
Eu não quis mais pensar naquilo. Queria esquecer o que tinha visto. E eu realmente esqueci. Depois da minha conversão, aquelas coisas sumiram da minha cabeça!...
Não muito depois da nossa volta ao Brasil, Marlon e Zórdico me comunicaram sobre a próxima viagem. Desta vez nós iríamos para São Francisco, nos Estados Unidos.
Cerca de vinte dias tinham se passado desde a viagem àquele país da América Latina, e a programação já estava definida.
Depois que voltássemos da América do Norte, eu deveria ir com eles conhecer as principais Bases na Europa. Mas só depois do Sabbath.
Recordo-me de que mais uma vez eu literalmente apaguei durante a viagem de avião. Fomos de jato particular novamente, e apesar da minha curiosidade e animação com o fato de estar dentro daquele avião, simplesmente dormi.
Quando abri os olhos, estava no banco de trás de um carro, Marlon e Zórdico na frente, e estávamos passando por cima de uma ponte interminável.
Ergui-me, esfregando os olhos, fascinado com a visão daquela ponte e de toda aquela água!
— Que bonito!!
De início nós fomos novamente a um outro grande laboratório onde tirei sangue outra vez, e tomei mais vacinas. Explicaram-me que havia uma grande chance delas começarem a fazer efeito. Nesse dia não houve mais nada de importante, nada mais de que eu tenha recordação.
No outro dia, um pouco antes do almoço, Marlon me chamou para sair com ele. Parecia especialmente animado.
— Venha comigo! Nós precisamos comprar umas coisas pra você! Hoje no final da tarde você vai participar de uma reunião na casa de uma pessoa muito importante! Você vai conhecer um grupo muito especial.
Fomos só nós dois. Paramos numa loja ultra chique, pelo visto já conhecida dele.
— O que nós vamos fazer aí!
— Vamos te comprar uma roupa legal! — continuou Marlon, mal disfarçando seu entusiasmo. — Venha, venha!
Ele mesmo olhou os modelos, fiz questão de apenas observá-lo, com um sorriso no rosto, sem palpitar. Nunca ele tinha se mostrado tão interessado com a minha aparência. Claro, tinha sido Marlon o principal responsável pela mudança no meu jeito de ser, foi ele quem me incentivou a comprar roupas melhores e a mudar o cabelo. Ele foi o primeiro a me dar dinheiro para isso.
Mas agora, era diferente. Ele mesmo escolheu um terno.
— Experimenta esse! Esse aqui vai ficar perfeito.
Era de um tom azul-marinho muito bonito, um tom azul pouco comum. Enquanto eu experimentava, fez o serviço completo: escolheu também a camisa, as abotoaduras, a gravata, o prendedor de gravata, a cueca, as meias e os sapatos. Tudo completo, do bom e do melhor.
— Nossa, Marlon! Que exagero!
— Hoje será uma noite especial!
Depois escolheu também o perfume, e me fez cortar o cabelo. Eu até dava risada com todo aquele cuidado, ele estava mais eufórico do que eu. Certamente porque sabia do que se tratava, e eu estava no escuro.
— Vamos cuidar da sua apresentação hoje. Vamos fazer uma boa apresentação porque todos vão estar na sua melhor forma também! Eu não quero que você passe vergonha, nem que se sinta inferiorizado. — Marlon me conhecia muito bem. — Você é tanto quanto todos aqueles que vai conhecer nesta noite. Não olha para ninguém com os olhos baixos, você pode olhar nos olhos de todos eles! O que eles têm, você também tem...
— Bom, mas são pessoas que têm muito dinheiro. Eu não tenho muito dinheiro!
— Não, não é disso que eu estou falando. O que eles têm... você também tem! Quero que você saiba isso de antemão! Eu te conheço, às vezes sei que você pode se sentir diminuído pela forma com que eles vão se apresentar diante de você. Por causa do estereótipo! Você olha muito para o rótulo, não se preocupe com o rótulo hoje. Importa muito mais o que vem de dentro, é aquela coisa do coco, lembra? (Leia Filho do Fogo).
Dei uma risadinha.
— Lembro, lembro! Seu exemplo predileto...
Marlon retribuiu um largo sorriso. Ele parecia tão contente, tão orgulhoso de mim, tão entusiasmado. E não respondia a nenhuma das minhas perguntas! Limitava-se a dar um leve sorriso e me pedia para aguardar. Acabei ficando super ansioso também.
No finalzinho da tarde ele e Zórdico me puseram no carro e partimos a caminho do nosso destino. Completamente incógnito para mim.
Já de longe percebi que era uma mansão como eu nunca tinha visto! Colossal! Muito maior do que a casa de Zórdico, onde funcionava nossa Base em São Paulo. Para atravessar o jardim era preciso ir de carro...
Estava entardecendo.
Naturalmente a decoração era primorosa, nem vou gastar tempo com isso, porque senão gastaria tempo demais. Fomos recebidos por um homem muito bem vestido com pinta de mordomo.
— Sejam muito bem-vindos, nós já estávamos à espera de vocês! Andamos bastante por dentro daquela casa e chegamos a uma sala que parecia ser uma sala de reuniões. Uma espécie de biblioteca, uma enorme porta de correr com lajotões de vidro fumê a separava do corredor. Ficava no piso térreo da casa. Pelo visto, a reunião seria ali.
O tal mordomo nos deixou e Marlon me acompanhou até a porta da sala.
— Agora eu não posso mais ficar com você. — Porquê?
— Só você vai participar da reunião.
Por aquela não esperava. Fiquei quieto. Estava sendo chamado para fazer parte de alguma coisa que Marlon não faria parte?!. Ora essa!
Dentro da sala, que era bem grande, me chamou a atenção uma mesa enorme de madeira maciça rodeada de cadeiras. Estava bem posicionada no centro, luxuosa, incrivelmente bem acabada. Havia apenas um homem sentado numa das cadeiras, que não falou nada, quando adentramos o recinto ele apenas fez um cumprimento de cabeça. Nós retribuímos. Não nos conhecíamos mutuamente. Marlon me apontou uma das cadeiras:
— Seu lugar é aquele!
Havia dez lugares à mesa.
Quatro de cada lado, e dois nas cabeceiras. Depois que Marlon saiu, fiquei observando os detalhes. A cadeira era super chique, forrada com almofadões de veludo vermelho, de madeira maciça, com braços de apoio grossos que terminavam em cabeças de dragão banhadas a ouro. Ainda fui curioso em observar a mesa, não havia qualquer junção, qualquer divisão, parecia ter sido feita de um único bloco de árvore!... Acho que talvez fosse preciso um trator só para mudar aquela mesa de lugar.
Havia muitos detalhes de ouro nela, e também pela sala, um luxo incalculável!
As paredes estavam forradas com estantes de livros, e todo o resto da decoração era bastante exótico, puxando para o lado indiano. Mas não era nada ritualístico, tratava-se apenas de um gosto pessoal. Bem diferente, por sinal! Pude até mesmo sentir o cheiro de um incenso aromático, mas novamente não era nenhum incenso de conotação ritualística, como pude perceber pelo odor. Só dava um ar mais real àquela decoração indiana.
Não demorou muito e outras pessoas foram chegando. Outros homens. Ao que parecia, cada um já sabia de antemão qual lugar deveria ocupar. Cumprimentamo-nos mutuamente, mas nenhum de nós conhecia ninguém. A noite seria reveladora para todos!
Havia uma certa reverência no ar e, apesar do que Marlon tinha dito, senti-me um pouco deslocado. Ninguém falava nada, senão teria percebido mais rápido a diversidade de línguas e culturas expressas naqueles nove homens, incluindo a mim. Era algo que dava para inferir porque o biotipo de alguns era bastante diferente. Mais tarde, caso não ficasse sabendo, perguntaria ao Marlon.
Aliás... sabe-se lá onde Marlon iria ficar para me esperar!
Quando estávamos todos acomodados percebi que a cadeira de uma das cabeceiras, a que estava mais perto de mim, ainda permanecia vazia. Deveria ser do nosso anfitrião! As duas cadeiras ao lado dela já estavam ocupadas, a seguir estávamos eu e mais um outro homem à minha frente. O restante da mesa foi preenchido até a outra cabeceira.
Aparentemente havia uma hierarquia expressa naquela ordem, e eu era o quarto nela, o quarto homem dos nove, e também o mais novo. Eu tinha 24 anos na época, mas a maioria deles estava entre 30 e 40. Apenas uns dois pareciam mais velhos.
Demorou um pouco. Eu não tinha idéia do que estávamos esperando, embora parecesse óbvio que estava faltando alguém. Aquele que iria ocupar o lugar de honra, o lugar na cabeceira. Quem seria ele? Por que não vinha?
Não tivemos que esperar muito realmente.
Em dado momento, senti uma mudança no clima... a atmosfera se tornou estranha, densa, carregada... mas de uma outra maneira, uma maneira como eu não estava acostumado. Senti no meu estômago aquela onda característica, a sensação de descer indefinidamente por uma montanha-russa... mas... novamente... de uma maneira como nunca tinha experimentado antes!
Havia uma energia forte se aproximando...
E então entrou um homem na sala. Um homem que eu nunca tinha visto, e que não sabia quem era. Ele se sentou, com tranqüilidade. Parecia estar bastante à vontade, diferente de nós. Enquanto se acomodava, apresentou gestos plácidos, suaves, controlados... mas o rosto estava estranhamente retesado. Como se fosse um rosto de pedra, como se os músculos faciais estivessem enrijecidos... não sei como explicar! Parecia um fenômeno desconhecido para mim, uma impressão ímpar.
Tive a sensação de que ele estava semicanalizado, mas a canalização normalmente muda muito mais as feições, transforma o rosto num rosto não humano. O dele continuava humano... mas com aquela aparência diferente. Pétrea.
Conforme me explicariam mais tarde, aquela aparência pouco confortável era porque não tinha chegado o tempo dele receber a canalização completa daquele que o acompanhava. Por isso o seu corpo estava no máximo do que era suportável. Mas no futuro, seria capaz de canalizar totalmente sem apresentar aquele aspecto enrijecido.
Sentado, primeiro ele nos olhou um a um, olho no olho. Não mais do que cinco a dez segundos foram perdidos com cada homem presente, na ordem exata das cadeiras. Realmente havia uma hierarquia. Quando seu olhar encontrou o meu mantive a postura, mas senti um frio na espinha, como se aqueles olhos pudessem me traspassar. Um misto de medo e curiosidade me dominava!
Ninguém esboçou reação nenhuma, todos nós continuamos olhando para ele e esperando.
"Quem será esse homem?..."
Então ele falou pela primeira vez. Naturalmente não foi em português, mas eu compreendi como se ele estivesse falando meu idioma. O mesmo deve ter acontecido com os outros, pois havia homens de várias Nações ali.
— Sejam todos muito bem-vindos! Vocês estão na casa do pai. E o pai os recebe de braços abertos. Agora, eu os convido a tomar da minha taça!
Tenho lacunas enormes a respeito desta noite. Deus permitiu que eu recordasse apenas o essencial...
Aquele homem levantou e pediu com muita educação:
— Por favor, me acompanhem...
Ele se aproximou de uma das estantes de livros que iam até o teto. Aparentemente algum mecanismo foi destravado, e a estante correu por cima de trilhos dando espaço a uma espécie de ante-sala. Na nossa frente havia uma outra porta muito grande, que destravada por sua vez, correu também sobre trilhos na direção oposta.
Diante de nós, uma escadaria acarpetada, dentro de um túnel muito bem iluminado e bastante espaçoso. Fomos descendo em silêncio. Todos os rostos pareciam na expectativa.
Quando chegamos lá embaixo, percebi que se tratava de um salão de Rituais em miniatura. Poderia ser comparado a algo como uma pequena capela, com todos os aparatos fundamentais, mas em pequena escala. Era bem maior do que a sala de reunião, mas não era como as catedrais a que eu estava acostumado, como na base de São Paulo, ou mesmo no Castelo... mas era um salão de Rituais particular!
A decoração era semelhante à que já conhecia, tão logo entrei pude sentir o cheiro do incenso de ervas, ritualístico; havia um Pentagrama no chão, figuras conhecidas nas paredes, as tochas estavam acesas e era a única iluminação presente. E uma mesa lá na frente... com uma pessoa já preparada, aparentemente sedada.
Então haveria um Ritual... não era apenas uma reunião!
— Nossa aliança vai ser celebrada hoje pela primeira vez! E será o elo da nossa vitória — disse aquele homem. — Ainda não é tempo de estarmos todos juntos, e também não é tempo de vocês receberem toda a verdade. Mas o que vocês precisam saber agora é que são privilegiados. Vocês foram escolhidos por Lucifér, aprovados por Belzebu, Astaroth, Asmodeo e Leviathan, e aplaudidos por todo o Inferno! Poder, honra e glória são depositados em tuas mãos. Bendito para nós é o sangue dos inocentes! Ele chega até mim como aroma suave... o sacrifício de cada um de vocês, tudo que vocês têm feito para me agradar... está sendo reconhecido...
Enquanto falava, progressivamente sua voz ia mudando, e adquirindo outro timbre. De repente, numa explosão, foi completamente transformada. Ele completou:
— Nós nos veremos mais tarde... no futuro... mas hoje é dia de celebrar esta aliança! — pausadamente, com voz indescritivelmente Poderosa, potente, acrescentou: — É contado que a multiplicação da espécie começou através da costela de um homem... dessa costela veio a mulher. E ela, seduzindo, levou o homem ao encontro da serpente... ao encontro do lado sombrio... por isso, hoje, nós damos início a uma outra geração: um outro Império será formado através do coração de uma mulher! Assim como a primeira mulher seduziu o homem, e ele se inclinou perante o lado negro, nós, bebendo da essência dela, da essência do seu coração... seremos aqueles que, seduzindo as Nações, novamente colocaremos o Mundo face a face com a serpente, completamente inclinado diante dela.
Na mesa estava aquela mulher. Ele mesmo fez o que devia, de uma maneira incomum. O processo de preparação da Poção foi longo, e não tenho muitas recordações do desenrolar da noite.
Mas enfim ele colocou o líquido na taça.
Ergueu-a um pouco acima da cabeça e, depois, abaixou até a altura do peito, do coração. Então depositou no chão, com suavidade. E falou:
— Todos vocês que hoje estão aqui são privilegiados porque foram escolhidos. Escolhidos para fazer parte da História, e não apenas observá-la
Tomou novamente a taça nas mãos e desta vez apoiou-a sobre uma pequena mesa à sua frente. Tocou com os dedos o líquido dentro dela, e fez um gesto dizendo:
— Este é o sangue do nosso triunfo! Cada um de vocês, que foram escolhidos, se obedecerem às minhas ordens e seguirem pelos meus caminhos, lhes será concedido Poder como nunca houve na Terra. Poder para fazer as águas se tornarem em sangue, Poder para fazer os vivos sentirem inveja dos mortos, Poder sobre toda a Terra! Poder para lançar pestes e pragas, Poder para destruir Nações, Poder para vencer... tão-somente vencer! Porque vocês lutam pela causa maior. Em breve chegará o tempo de tirarmos o véu, de abrirmos a Cortina do Tempo, e de mostrarmos a todo o Mundo que nós somos Poderosos! Até agora temos agido nos bastidores, nos subterrâneos, à sombra. Mas haverá um tempo em que vamos mostrar a nossa face, e o nosso Poder, com honra e glória! A todo o Mundo. E o Mundo terá que se curvar diante de nós! Porque o Poder maior está aqui! Ao redor desta mesa. Todos vocês são peças deste Jogo, deste Jogo de guerra. Lucifér os convocou, e coloca hoje em cada um de vocês uma patente. E terão como prêmio as Nações do Mundo!
Aproximou-se de cada um de nós, sempre seguindo aquela ordem hierárquica, e nos tocou com ungüento na testa e depois no coração. Então olhava bem firme nos olhos e dizia algumas palavras que não reconheci. Em seguida entregava a taça. E todos nós bebemos dela......cada um por sua vez. Ele também selou os nossos Portais com o conteúdo da taça, falando palavras incompreensíveis.
Os três primeiros homens da ordem receberam um abraço mais apertado, porém breve. Do quarto ao nono, apenas o seu olhar.
Não era um olhar humano. Uma pessoa comum, por mais que possa olhar com firmeza... ou com respeito, ou com ira, ou com amor... continua tendo seus olhos como a janela da alma, como reflexo do interior! Mas ali... os olhos dele não tinham expressão nenhuma). Uma coisa estranha... como se fossem dois olhos de vidro, completamente inexpressivos. Não traziam impressão alguma... nem de amor, nem de admiração, nem de ódio, nem de alegria... nadai Estranho... realmente eram como olhos de vidro... desprovidos de qualquer sentimento. A despeito dos gestos e das palavras traduzirem o certo apreço que parecia ter por nós.
Depois, ele deixou claro que cada um receberia um dom especial a ser manifesto no momento específico, no futuro, para ser destinado ao serviço para o qual estávamos sendo chamados. Naquele momento percebemos que nós, os nove, tínhamos uma marca idêntica na mão. Do mesmo jeito, no mesmo exato lugar.
Este é o único momento nítido para mim. Não me lembro de quase mais nada, a não ser de um outro sacrifício, desta vez de um homem que estava crucificado no chão... ele estava atrás de uma cortina que, no momento certo, foi aberta. Mas foi nosso anfitrião quem presidiu todo aquele Rito, sempre falando com aquela voz Poderosa. Não me lembro a que veio aquele segundo sacrifício...
— Eu os escolhi para fazerem parte do meu reinado, para reinarem ao meu lado! Quando chegar o tempo, eu serei o Líder absoluto deste Império! E vocês serão meus discípulos!
Em algum momento daquela noite ele implantou em nós um pequeno chip, no joelho direito. Foi completamente indolor, rápido, e ele usou para isso um pequeno instrumento parecido com uma pistola de pressão. Ficaria apenas uma leve cicatriz no lugar...
Saímos de lá quase no final da madrugada, pouco antes do nascer do sol.
Marlon esperava por mim. Ele me abraçou com força e carinho, me parabenizou.
— Mais uma etapa. Mais uma etapa foi concluída, filho! Quando você receber o seu diploma, lembre-se de mim.
Mas eu estava por demais atordoado... e tinha uma suspeita dentro do coração. Uma suspeita... porque os gestos daquele homem, a voz... o olhar... eram completamente únicos. Tudo ostentava um Poder inimaginável! Difícil de descrever.
Seria ele... ? Eu não tinha certeza.
Olhei para Marlon, e perguntei:
— Esse... é aquele que vai combater o Cristo? É esse aquele que está saindo da Escuridão para vir fazer prevalecer o reino de Lucifér sobre a Terra? É esse o homem... que vai canalizar Lucifér e fazer com que o Mundo inteiro seja subjugado? É ele quem vai impor a Marca da besta? Aquele que vai governar o Mundo?
Marlon deu-me um sorriso.
— E você está com ele. Você é um dos escolhidos para caminhar com ele! Assim como o Cristo teve doze discípulos, o anticristo escolheu nove para si. Mas isto vai acontecer no tempo certo. Por ora, há muito que fazer lá no nosso país! Temos ainda que terminar algumas coisas. Você só verá de novo este homem em 2006. Até lá, é tempo de você se preparar. Mas... no futuro os principais pontos do Globo terão que estar unidos! Vocês são os representantes dos principais pontos do Globo.
Marlon conhecia a dificuldade que eu tinha em digerir aquelas coisas. Então novamente sorriu e me animou:
— Vamos tomar um café? — convidou-me.
Concordei. Durante o café ele me explicou o melhor que pôde algumas outras coisas, dentro daquilo que eu podia saber:
— Entende agora o que eu estava dizendo sobre a sua alteração genética? Era necessário que o seu organismo fosse diferente para que no futuro você seja capaz, assim como ele, e como os outros, de suportar toda a energia daquele que vai te dar Poder. Um ser humano não consegue suportar a energia de um Principado, não é possível a homem algum canalizar completamente um deles. Era preciso haver uma mudança em você para que o seu corpo suporte, futuramente, receber toda a canalização de Leviathan. Um dos Grandes Príncipes do Inferno, o Quarto Príncipe! Essa é uma honra sem precedentes! Ele caminhou comigo, mas você é o escolhido dele e de Lucifér. Agora posso falar com mais liberdade, você já foi apresentado a ele e posso adiantar um pouco do que te reserva o destino próximo: você deve se tornar o Sumo Sacerdote mais Poderoso da América Latina, o único homem capaz de receber a canalização completa de Leviathan. Lembra-se daquele texto Bíblico que fala que "os filhos de Deus viram que as filhas dos homens eram formosas, e as tomaram para si"? Os filhos de Deus são demônios, e aqueles que nasceram dessa união — dos demônios com as mulheres humanas —, eram gigantes! Você sabe que um demônio não tem poder de reprodução. Mas Súcubus e Incubus podem recolher e transportar esperma humano. Demônios também podem canalizar homens. Mas o que importa, em última análise, é que a energia demoníaca envolvida na concepção causa uma alteração genética na descendência.
De forma que os filhos daquelas mulheres já não eram seres humanos normais, mas gigantes! Lembra também do conceito mitológico grego, dos semideuses? Foi mais ou menos isso que aconteceu com você... por isso seu organismo é diferente. E, no tempo certo, você será expressão de Leviathan! Todo o Poder dele, todo o seu potencial será expresso através de você! Você é o quarto homem dos nove discípulos do anticristo! O Poder que você vai ter, você não calcula!
Eu procurei me alegrar com que ele dizia, mas não me sentia bem. Então Marlon encerrou aquele assunto:
— Calma... eu vou aliviar de você esse sentimento ruim...
Então me abraçou, colocou as mãos na minha cabeça, falou umas palavras no meu ouvido.
Nunca mais tocamos naquele assunto, nem ouvi falar a respeito. Nunca mais vi aquele homem em lugar algum. Não tinha nenhum detalhe especial na sua fisionomia, nada que pudesse chamar a atenção. Como homem, era uma pessoa comum.
Tratei de esquecer o assunto.
Em tudo isso, somente sinto por Marlon...
Quem me dera ver nos seus olhos... algo novo... não a ferocidade de Leviathan... mas o brilho do Espírito Santo.
Que situação completamente sem adjetivos...
Depois, contando sobre aquelas últimas revelações, eu e Isabela não conseguíamos parar com aqueles tremores involuntários que vinham de dentro. Parecia que aquela história nunca chegaria ao fim! Quanto mais a gente sonhava com o fim, mais Deus trazia à tona lembranças tenebrosas. Mas chegou... chegou o fim. Finalmente Deus havia lançado luz até o último quarto escuro daquele negro passado.
É tão estranho pensar nisso...
Há 2000 anos, Satanás se regozijou sobremaneira com a vida de Judas, que traiu a Cristo...! Melhor teria sido para ele nunca haver nascido! O texto de Lucas 22:3 diz que "(...) Satanás entrou em Judas, chamado Iscariotes, que era um dos doze...".
Triste, triste sorte. Muito justo que Deus retribuísse ao diabo e ao anticristo na mesma moeda!
Como levamos tempo para digerir tal coisa......! Saber que eu era como um Judas dos tempos modernos. Passei da morte para a Vida, para honrar e glorificar o Nome do Deus Altíssimo. Ah! teria sido bem mais fácil aceitar se tudo isso tivesse acontecido com um outro... com qualquer outro. Muito mais difícil é se colocar diante desta realidade, e se ver inserido nela... e se aceitar ocupando este lugar.
Não foi fácil para mim... não foi fácil para Isabela... muitos dias e noites ficamos pensando... pensando em quê? Difícil até dizer... pensando em como essa realidade nos atingia em cheio, e como tal coisa podia estar acontecendo conosco!
Depois da revelação, certos textos criaram nova vida, assumiram um significado muito mais próximo. Está chegando o Tempo, os protagonistas do Apocalipse estão entre nós.
"Depois disso, eu continuava olhando nas visões da noite, e eis aqui o quarto animal, terrível, espantoso e sobremodo forte, o qual tinha grandes dentes de ferro; ele devorava, e fazia em pedaços, e pisava aos pés o que sobejava; era diferente de todos os animais que apareceram antes dele e tinha dez chifres. Estando eu a observar os chifres, eis que entre eles subiu um outro pequeno, diante do qual três dos primeiros chifres foram arrancados; e eis que neste chifre havia olhos, como os de homem, e uma boca que falava com insolência". Dn. 7.7-8
"Os dez chifres que viste são dez reis, os quais ainda não receberam reino, mas recebem autoridade como reis, com a besta, durante uma hora. Têm estes um só pensamento e oferecem à besta o poder e a autoridade que possuem". Ap.17.12
Pode parecer estarrecedor, e realmente é estarrecedor, mas Lucifér tinha me escolhido e predestinado para ser um dos reis da terra, um dos chifres da besta. Ao menos tudo parecia apontar esse caminho. Que sorte terrível era essa minha!
Eu não sabia, enquanto ainda lá estava... mas a minha alma aguardava pelo Senhor! Pois sobre mim o Altíssimo já tinha escrito outras linhas, já me havia predestinado outro caminho. Meu destino foi traçado, não pelo diabo, mas por Ele.
A minha alma ansiava pela Sua chegada. Como suspira a corça pelas correntes das águas, assim suspirava a minha alma por Ele, mesmo que eu não o soubesse, não o percebesse. A minha alma tinha sede de Deus, do Deus Vivo; e assim perguntava, lá no mais profundo do seu âmago: "Quando irei e me verei perante a face de Deus?"
E um dia Ele veio... e eu O vi... e o Poder do Eterno transformou a minha sorte, e o meu destino, e a diretriz de cada um dos meus dias. Grande é o Poder do nosso Deus, o Detentor da História! Ele é o Rei de toda a Terra, revestido de Majestade e Poder, Sol e Escudo, nosso Rochedo.
Somente depois que eu e Isabela terminamos de cumprir toda a etapa da Ministração, inclusive estes pontos que Deus descortinou por último, foi que começamos a vislumbrar o início da vitória no nosso relacionamento. Não aconteceu do dia para a noite, nem em uma semana, ou um mês. Mas, à medida que todas essas portas foram sendo progressivamente fechadas, aos poucos aquelas brigas foram amainando. Uma a uma, foram perdendo força. Começamos a sentir os primeiros raios de sol iluminando aquela noite terrível, interminável.
Quanto a Isabela, ela ainda receberia uma visitação especial do Pai. Muito profunda, muito íntima, muito cheia de significado. Cerca de um ano e meio depois da libertação da caixa de vidro que estava dentro da cratera. Era mais uma etapa do seu processo de cura. Somente depois disso ela foi capaz de escrever o presente relato. Os resultados têm vindo aos poucos, no tempo e do modo de Deus. Ele nos pediu a realização de um ato profético naquela ocasião. Como o próprio nome diz... é profético! Nem toda a cura se vê como realidade agora; mas é fato no Reino do Espírito. Vai chegar o tempo de se manifestar.
Deus abriu as portas para que começássemos as visitas às igrejas. Foi uma difícil adaptação no começo. Difícil adaptação entre nós dois. Difícil adaptação com a Igreja. Se por um lado estamos honrados com esta missão, a missão de alertar a Igreja de Cristo sobre a Batalha dos Últimos Tempos, isso não nos isenta dos aspectos árduos deste papel.
Estar a serviço de Deus é uma tarefa extremamente dualista. Extremamente maravilhosa e extremamente dolorosa!
Maravilhosa porque o contato com o Pai se torna diferente, sentimo-nos especialmente realizados e satisfeitos com o privilégio de termos sido incumbidos... de uma missão especial! Para isto não existem palavras de regozijo à altura: saber que Deus realmente nos chamou, nos entregou algo precioso nas mãos... e conta conosco!
Logo começamos a ter retorno do impacto causado pelo "Filho do Fogo" dentro da Igreja, sem dúvida impressionante! Rapidamente ele passou a ser um dos dez livros mais vendidos da Literatura Evangélica Brasileira na lista geral, isto é, a lista que engloba também Literatura estrangeira. Mas chegou a ser o primeiro no ranking dos autores nacionais. Até o presente momento a esmagadora maioria foi profundamente tocada para um novo compromisso com o Pai, tomando ciência de uma nova realidade da Batalha Espiritual. De fato pessoas têm repensado sua vida com Deus. Chegam às nossas mãos os relatos de irmãos, e vemos que em muitos existe, sim, uma genuína sede de mudança. Isso nos traz alegria! É o Espírito Santo tocando nessas vidas, e nos usando como instrumentos.
Também foi especialmente gostoso receber o carinho de tantos! Ficamos sensibilizados e enternecidos com isso, com milhares de pessoas que nos escrevem, enviando palavras de incentivo, elogiando nosso trabalho, compartilhando a transformação em suas vidas. Sem dúvida, é muito gratificante saber que sementes têm sido plantadas em corações, e vão germinar — pelo menos parte delas — em tempo oportuno, para o Senhor. Sabemos que, no Senhor, o nosso trabalho não é vão!
Fora isso as visitas às igrejas, que antes se resumiam em apenas um testemunho, começaram a ser transformadas. Ao longo do primeiro ano do Ministério de repente as experiências que vivemos e relatamos em "Guerreiros da Luz" ganharam uma espécie de "luz própria". Princípios espirituais começaram a saltar diante dos nossos olhos, e era fácil encontrar forte base Bíblica para corroborar as idéias que nos vieram à mente. Foi assim que o Seminário como hoje existe passou a ganhar forma. Era fundamental falar, pelo menos rapidamente, de vários princípios de Guerra. Estes foram também lapidados e adequados à realidade que vivemos hoje dentro do Corpo de Cristo, face às nossas deficiências, que gradativamente tomamos ciência.
Os princípios que salientamos foram condensados não somente no Seminário, mas logo ficou clara a necessidade de um material didático para facilitar o estudo dos irmãos. Foi assim que nasceu o livro "Táticas de Guerra", lançado cerca de um ano antes deste.
Tudo isso tem sido especial e gratificante!
No entanto, alguns, equivocadamente, procuram em nós respostas que só Deus pode dar. Ele é Onisciente, Ele pode — e vai! — trazer discernimento sobre os ataques do inimigo. Desde que algumas premissas sejam cumpridas. Isso não envolve — nunca envolveu — a identidade de indivíduos. Importa o mover espiritual por trás dos indivíduos! Se estivermos verdadeiramente no centro da Vontade de Deus, Ele não nos deixará na ignorância.
Não temos nenhuma fórmula mágica nas mãos. Não temos nenhum poder especial. Talvez muitos ainda não consigo crer que Deus realmente possa falar, possa trazer direção, possa fazer o impossível. E ficam apavorados com histórias de ataques de Satanistas... mas não se voltam para o Senhor... com estes Ele ainda irá tratar neste sentido!
Por outro lado, para cumprir a missão que Deus nos deu... continuamos tendo que enfrentar o inimigo... mas também esbarramos na carnalidade humana, na religiosidade, no farisaísmo. E aí vem a parte dolorosa...
Ainda que haja os de coração puro e sincero, que dão o melhor de si para o Reino, logo percebemos que o diabo encontrou dentro do Povo de Deus algum substrato para nos atacar. A maior parte dos nossos problemas passaram a envolver os Cristãos, e já não necessariamente os Satanistas. Estes ficavam à espreita, lógico, manipulando de longe. Para usar nossos próprios irmãos contra nós. A estratégia da Irmandade mudou.
Embora não tenha sido uma quantidade significativa, o diabo conseguiu causar bastante estrago usando alguns. Isso só serviu para dividir mais ainda o Corpo de Cristo e dificultar o mover de Deus.
Houve quem continuasse achando que eu ainda era da Irmandade, ainda era Satanista. Houve quem achasse que Isabela também era Satanista. Quase sempre esses problemas partiram de pessoas com o coração empedernido, altivo, arrogante, que já perderam a capacidade de discernir o bem e o mal. Ou então, de neófitos que se julgam donos da verdade e acham que já sabem de tudo. Não se colocam como quem tem a aprender, mas como quem já pode ensinar.
Houve quem chegasse com o dedo em riste nos nossos narizes, questionando nossa conversão, nossos frutos, nossa vida com Deus. Isso partiu de uma pessoa na qual confiávamos! A que ponto chega a manipulação do inimigo....
E questionavam diretrizes que nos foram dadas pelo próprio Deus, medidas de segurança e prudência, por exemplo. Porque quem viveu a nossa história fomos nós... ninguém mais...
Sabemos que Deus é quem nos guarda, senão nunca trilharíamos esse caminho. Diz o texto do Salmo 127:1 que "se o Senhor não guardar a cidade, em vão vigia a sentinela". Deus guarda. Mas existem sentinelas, guardas, muralhas. Isso não é falta de confiança em Deus, mas medidas de prudência.
Em muitos locais fomos recebidos com muito carinho e amor. Prepararam com zelo cada detalhe para nossa visita, e Deus honrou tremendamente. Vimos vidas sendo resgatadas, curadas, transformadas pelo Poder da Palavra! Mas também não faltaram pessoas para literalmente nos sugarem vivos, julgarem precipitadamente, nos roubarem financeiramente, nos enganarem com propostas de trabalho injustas, distorcendo a verdade para satisfazerem apenas as suas vontades. E também para tratarem minha esposa como se ela fosse menos importante, aliás... esse aspecto o Senhor adiantou com muita propriedade quando lhe disse que "não se preocupasse com o que haviam de dizer os homens". Deus nunca avisa a toa.
Houve uma esmagadora maioria de pessoas que se afastou de nós por puro medo. Tinham receio de estar ao nosso lado...
E houve também aqueles que nos culparam por seus problemas pessoais. Tinham a impressão de que, ao se aproximarem de nós, ficariam imediatamente expostos a uma terrível nuvem de demônios. E nos culpavam por todo tipo de problema: "Isso está acontecendo por causa de vocês, estamos sendo retaliados por causa de vocês...".
Irmãos, por favor... precisamos balizar tais coisas!
É preciso distinguir duas alternativas, porque o diabo age de duas maneiras. Ou pela legalidade, usando as portas abertas por pecados na vida das pessoas... ou então ele age debaixo da permissão de Deus.
Um exemplo simples: aqueles que foram chamados para andar ao lado de Paulo, de Pedro, realmente ficaram expostos a uma série de perigos. Assim foi, não? Mas em cada um dos problemas se evidenciava a Vontade Soberana de Deus. Tais pessoas tinham sido realmente chamadas para estarem ao lado deles! Caímos na segunda premissa... o diabo teve permissão de agir para cumprir um propósito maior. De Deus.
Se Silas não estivesse convicto do chamado, talvez pudesse erroneamente culpar Paulo pelos açoites que tomou (At 16.16-24). Afinal, foi Paulo quem repreendeu o espírito imundo daquela jovem adivinhadora. Aos invés de permanecerem unidos naquela situação poderiam, pelo contrário, ficar mutuamente a se acusar. É correto dizer que Paulo foi o causador de toda aquela "maldição"?
Deturpada constatação...
Muitas pessoas que se viram retaliadas por demônios depois de terem se aproximado de nós assim falaram: "Levei muitas chibatadas! A culpa é deles!" Deturpada constatação. Deveriam antes perguntar a si mesmas: "Será que foi mesmo o Senhor quem mandou que eu me aproximasse deles? Ou será que decidi isso... por mim mesmo?"
Quem é chamado para a guerra... tem que guerrear! Muitas vezes não se aprende a guerrear sem tomar uma pancada do inimigo. Se querem culpar alguém, que "culpem" a Deus... se fizeram o que Ele não mandou fazer... que culpem a si mesmos. Não a nós.
Quer dizer, quando estamos no centro da Vontade de Deus, não existem "culpados"!
Se Deus mandou de fato, chamou de fato, e está no controle de todas as situações... estes devem aprender a esperar Nele.
Se fôssemos partir desta errônea premissa - que o culpado das chibatadas de Silas era Paulo - então ninguém nunca poderia aproximar-se dele, nem de Pedro, muito menos de Jesus. Pessoas tão visadas pelo Reino das Trevas haveriam de ser maldição para todos, e não bênção.
Enfim...
Temos experimentado um pouco do que é ser Missionário. Doce... sublime... de repente, amargo... aí novamente especial... então mais uma vez frustrante... então Deus nos reanima... tudo volta a melhorar... e o ciclo continua... assim vamos caminhando! Com Ele, e para Ele!
Falamos tais coisas como quem tem experimentado na pele. Foi de ver e sentir, não apenas de ouvir falar.
A despeito de tudo isso, também temos aprendido em cada um destes momentos... sabemos que assim é a vida com Deus. Não somos maiores do que o Mestre!
Queremos apenas que uma última coisa mais fique transparente: a tônica deste relato não é a denúncia do Satanismo, mas a necessidade premente do Povo de Deus realmente tornar-se compromissado com Ele.
Quanto a nós...
Nossa família aumentou, no meio daquele ano compramos o Mel, nosso cachorrinho Weimaraner.
Deus sinalizou claramente nossa saída da Comunidade, inclusive disse o período que isso ocorreria.
Logo depois disso nossa aliança com Dona Clara deixou de existir. Talvez Deus tenha realmente preparado assim, como diria Dona Clara. Mas os Satanistas insistem em alegar que destruíram um de nossos pilares.
Da maneira como aconteceu, realmente ficamos sem compreender plenamente...
Deus continuou nos trazendo experiências mais fortes envolvendo o Seu sobrenatural. Através da boca de Mikhael tem adiantado coisas que hão de vir, nos animado, nos encorajado, mostrado os próximos passos. Nos exortado algumas vezes. Deus começou a falar de forma ainda mais específica.
Então Ele disse que o treinamento estava chegando ao fim. Foi assim que Deus chamou este período, esta história que contamos neste livro. Assim nos disse Ele sobre estes acontecimentos: "Isto é treinamento".
A tarefa que devemos cumprir ainda está por vir. A unção foi derramada, o treinamento está em andamento... depois virá o momento de efetivamente entrarmos no nosso Destino Espiritual.
Então virá a Guerra!
Isabela & Eduardo Mastral
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