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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


HÁ SEMPRE UM MELHOR / James Licker
HÁ SEMPRE UM MELHOR / James Licker

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

Biblioteca Virtual do Poeta Sem Limites

 

 

HÁ SEMPRE UM MELHOR

 

Um inspetor federal eficiente e destemido...

Uma linda moça, sedutora e amorosa...

Ladrões de gado dispostos a tudo...

A corista do Saloon, solícita e dedicada...

A mulher amada em perigo...

A chegada de Claude Kirkpawells a Green River City, no Wyoming, contrariou o interesse de muita gente que andava à margem da lei.

Implacável perseguição começou, ocasionando mortos e feridos.

Mas, no fim, o bem sempre vence.

  

   Uma Fuga Espetacular

   O Inspetor Federal Claude Kirkpawells olhou para o corpo nu de Dalilla, ao seu lado.

   A moça ressonava tranquila, dormia aquele sono pesado de depois do amor; estava naquele estado de repouso letárgico em que ficam as mulheres depois de plenamente satisfeitas.

   Sim. Tinha sido maravilhoso!

   Dalilla mostrara-lhe que, apesar de toda a sua inexperiência, apesar de ter apenas dezoito anos de idade, tinha sido capaz de lhe dar muito mais do que qualquer outra mulher jamais lhe tinha propiciado em matéria de prazer e de satisfação.

   Com trinta anos de uma vida muito mais do que simplesmente vivida, aliás, muitas e muitas vezes arriscadamente apostada contra o próprio Diabo, Claude já tinha tido oportunidade de estar com muitas mulheres, desde as mais baixas mundanas até mesmo distintas senhoras da alta sociedade dos locais por onde passara, que mal amadas por seus maridos, buscaram encontrar nos braços de uma aventura, a satisfação e o afeto que lhes era negado.

   Porém, em nenhum desses casos Claude pudera contar com uma parceira como Dalilla Ritter.

   Com todo o carinho, ele acariciou suas costas, vendo, com um sorriso, que ela se enrodilhava outra vez em seu corpo, como uma gata no cio, murmurando:

   — Oh, querido... Ame-me mais uma vez. Quero senti-lo novamente em mim. Quero levar essa lembrança comigo até o dia em que você voltar.

   E já despertando, o olhar ansioso, ela perguntou:

   —- Você vai voltar, não é mesmo? Você não vai me abandonar, depois de tudo o que aconteceu, não é verdade?

   Claude sorriu.

   Beijando-a ternamente, ele respondeu:

   — Eu seria muito idiota se a abandonasse, Dalilla! Não há a menor necessidade de você se preocupar com uma coisa dessas!

   Abraçando-o, puxando-o outra vez para si, a moça disse:

   — Eu não suportaria viver sem você, meu amor. Não suportaria ficar sem os seus carinhos, sem ter esse peito forte em que encostar a minha cabeça para poder adormecer...

   Claude Kirkpawells se deixou levar mais uma vez para os píncaros do prazer máximo da vida humana.

   Sentindo vibrar sob o seu o corpo ardente de Dalilla, o Inspetor se lembrou do momento em que a conhecera, há pouco mais ou menos dois meses.

   Ele tinha chegado a Green River City, no Wyoming com a missão de elucidar uma série de roubos de gado e de assassinatos que vinham ocorrendo na região e que, até aquela data, ninguém conseguira esclarecer.

   Naquele final de século, o incremento da produção de carne no Wyoming tinha atraído para o Estado uma verdadeira multidão de colonos que, cientes da necessidade que os rancheiros iriam ter de uma produção de forrageiras e de alimentos para os seus próprios vaqueiros, não perderam a oportunidade de ocupar as terras mais altas, onde antigamente houvera florestas extensas e que, segundo o que se dizia, não prestavam para criar gado.

   Ora, essa multidão de colonos, de agricultores desejosos de uma oportunidade na vida, foi seguida, como era de se esperar, por outra, de homens que não possuíam propriamente uma vontade muito grande de trabalhar e que queriam simplesmente ganhar dinheiro sem fazer muito esforço, queriam arrumar uma maneira de sobreviver sem que fosse preciso suar a camisa.

   Esses homens, muito pouco tempo depois de sua chegada ao Wyoming, perceberam que aquilo que pretendiam ter como fonte de renda, ou seja, o jogo e a exploração dos seus semelhantes, não teria nenhum futuro uma vez que os habitantes do local estavam interessados muito mais em trabalhar do que em se divertir ou arriscar seu dinheiro em negócios mirabolantes e em negociatas desonestas.

   Por isso, no Wyoming, não tinham nenhuma chance os vigaristas, pessoas que pretendiam vender para os incautos coisas como o Parque Nacional do Yellowstone ou mesmo a Golden Gate.

   Da mesma forma morreriam de fome os jogadores profissionais, uma vez que não teriam a menor possibilidade de coisa nenhuma já que os homens que iam aos saloons no final da tarde, preferiam tomar um gole de uísque e ficar conversando sobre a colheita futura ou novos métodos de plantio e de irrigação a perderem tempo e dinheiro jogando cartas, em fazer apostas e coisas do gênero.

   É evidente que havia o jogo.

   Porém, era um jogo que se poderia chamar de "manso", já que as apostas nunca passavam dos cem dólares.

   Com essa dificuldade de encontrar meios de sobrevivência, os "espertinhos” não tiveram outra alternativa senão se unirem, se agregarem, formando verdadeiras quadrilhas para, uns sustentando e apoiando os outros, conseguirem ao menos não passar fome.

   Dessa agremiação de marginais à formação de organizados "sindicatos do crime", o passo foi muito pequeno.

   Muito rapidamente, eles perceberam que o grande negócio no Wyoming, especialmente no sudeste desse Estado, era o roubo de gado.

   Naquela época, o Wyoming, graças às características muito especiais de suas pastarias, possuía mais gado que o próprio Texas e, assim, a quantidade de dinheiro que circulava nos bancos e mesmo nas casas dos ranchos, era verdadeiramente fabulosa.

   Uma tentação permanente para todos aqueles que gostavam de viver de tomar dos outros aquilo que possuíam.

   Ora... Se havia tanto dinheiro, porque não tomá-lo?

   Os assaltos começaram a se suceder.

   Primeiro, foram roubos comuns, assaltos a Bancos e a companhias de diligências, depois aos trens e por fim aos próprios ranchos quando, já mais organizados, os bandidos possuíam um esquema de verdadeiros pequenos exércitos, capazes de espalhar o terror e o pânico por regiões inteiras.

   Os soldados de Laramie Fort entraram em ação no sentido de proteger aqueles bravos homens que estavam trabalhando a terra, que estavam criando gado e explorando os recursos naturais do Wyoming e que, justamente por pensarem muito mais no trabalho que desenvolviam do que em qualquer outra coisa, não tinham tempo para se preocupar em formar equipes de defesa contra os bandidos.

   Isso seria função do Exército, era para isso que se pagavam os impostos e, assim, não havia mais o que discutir. Os soldados que viessem e que tratassem de liquidar os bandidos.

   Claro... Os assaltos diminuíram.

   Porém, quase que concomitantemente, os roubos de gado começaram a aumentar e, com eles, o número de assassinatos entre os vaqueiros e entre os rancheiros de toda a região.

   E fora justamente para acabar com um bando que estava levando o terror para o condado de Green River City, que o Departamento Federal de Justiça resolveu enviar para lá o Inspetor Claude Kirkpawells, um dos homens considerados mais eficientes de todo o verdadeiro exército de que podia dispor o governo da União.

   Claude não tivera muita dificuldade em localizar os homens responsáveis por aquele estado de coisas e, com surpresa, descobriu que o maior criminoso, ou seja, o homem que não permitia de maneira nenhuma que o gado dos outros ficassem em paz, não era outro senão o rancheiro mais poderoso de toda a região e que, justamente por possuir um esquema de infraestrutura mais que perfeito, não era apanhado com a boca na botija de jeito nenhum.

   Carlos Rodriguez, um mexicano milionário cuja origem do dinheiro jamais fora satisfatoriamente explicada, tripudiava sobre todos, sobre as autoridades, sobre a Lei.

   Exatamente por ser assim, tirânico e ousado, Rodriguez não havia julgado necessário continuar a acobertar os seus próprios crimes, imaginando que a sua força e o seu dinheiro tudo pudesse resolver.

   Fora justamente quando se metera com a bela Dalilla Ritter, a filha de um pequeno rancheiro cujas terras faziam divisa com a sua imensa propriedade, que Rodriguez se viu obrigado a conhecer Kirkpawells.

   O mexicano havia deixado para mais tarde o que tencionava fazer com o senhor Ritter.

   Sua intenção era a de poupá-lo, de se tornar simpático para com ele de maneira a sensibilizá-lo e, principalmente à sua filha para que esta viesse a se transformar em mais uma de suas inúmeras amantes.

   Porém, nem Ritter e muito menos Dalilla estavam dispostos a esse tipo de coisa.

   Revoltada, a moça fugira de seu rancho e, irado, o mexicano o invadiu, simplesmente matando seu pai e se apossando de suas terras como se dele fossem desde sempre.

   Dalilla ficara sabendo que aquele homem que estava hospedado no hotel era um inspetor federal.

   Durante uma noite, justamente quando Kirkpawells já estava começando a ficar desesperado por não conseguir juntar meios de provar que Rodriguez não passava de um criminoso, ela bateu à sua porta.

   Ainda ofegante de tanto amor, Dalilla olhou para o teto, o belo busto arfando com a respiração apressada.

   — Lembra-se daquela primeira vez, querido — perguntou ela.

   — Sim — respondeu Claude acariciando os seus seios. — Jamais vou me esquecer.

   Dalilla riu.

   — Eu estava disposta a qualquer coisa...

   E, olhando para Kirkpawells, acrescentou:

   — Mas não poderia jamais imaginar que iria me apaixonar dessa maneira.

   Claude ficou em silêncio.

   Ele também não estava esperando tudo o que acontecera depois.

   Para ele, poderia ter ficado simplesmente no campo da aventura, poderia não ter ido para frente.

   — Eu também me apaixonei, Dalilla. Falou ele.

   A jovem beijou-o com ternura e disse:

   — Agora, eu não posso mais viver sem você.

   Novamente ansiosa, murmurou:

   — Não me abandone, Claude! Não me deixe, sozinha!

   — Não tenha esse receio, querida — falou Kirkpawells. — Nós nos casaremos assim que eu regressar, assim que eu pedir a minha demissão!

   Mais uma vez, ele deixou seus pensamentos voarem enquanto Dalilla, fechando os olhos, adormecia novamente, a cabeça pousada sobre o seu peito, seus lábios tocando suavemente a sua pele.

   Claude ficou agradavelmente surpreso com aquela moça tão bonita que estava à soleira de sua porta.

   — Deixe-me entrar, por favor! — pediu ela.

   Ora! Era o tipo da coisa que não era preciso uma mulher bonita pedir!

   Claude se afastou para o lado, deixando-a entrar e, por mera questão de delicadeza, deixara a porta aberta.

   — Feche, pelo amor de Deus! — implorou Dalilla — tenho medo que tenham me seguido até aqui!

   Franzindo as sobrancelhas, intrigado, Kirkpawells obedeceu, dando duas voltas à chave na fechadura.

   — Mas o que é que está acontecendo? — perguntou ele.

   — Carlos Rodriguez — respondeu Dalilla em um sopro. — Ele matou meu pai, se apossou de meu rancho e, agora, quer que eu vá ser mais uma das prostitutas que mantém em sua casa!

   Claude sorriu. Era a primeira acusação frontal feita contra aquele bandido.

   Aquela moça, ao contrário de todos os outros habitantes da cidade, tinha tido a coragem de dizer que Rodriguez era, de fato, um canalha... Porém...

   Quem é que poderia provar que ela estava dizendo a verdade? A troco de quê não seria ela apenas mais uma das prostitutas do mexicano e que, revoltada ou com ciúmes de outra qualquer, não estivesse inventando tudo aquilo?

   Como se lesse os pensamentos do rapaz, Dalilla falou:

   — Tenho como comprovar tudo o que digo. Quando fugi de meu rancho, trouxe comigo toda a documentação comprovando as minhas palavras!

   Abrindo uma pequena valise, tirou lá de dentro, de entre diversas peças de roupas deliciosamente perfumadas, um calhamaço de papéis e deixou-os sobre a cama de Claude, dizendo:

   — Pode examinar... Verá que não estou mentindo!

   Claude sorriu.

   Ia abrindo a boca para falar qualquer coisa quando a porta do quarto se abriu, a fechadura voando em mil pedaços pelo formidável impacto de uma bala disparada contra ela.

   Mais do que depressa, Claude se atirou contra a jovem, empurrando-a para o chão, ao mesmo tempo em que via dois homens mal-encarados entrando em seu aposento, ambos empunhando seus revólveres.

   Com uma risada carregada de maldade, o mais velho dos dois falou:

   — Ora, que sorte! Estávamos apenas esperando apanhar essa pombinha... Mas viemos dar de cara com o maldito federal que Rodriguez está querendo ver pelo avesso!

   Não era preciso mais nada para comprovar coisa nenhuma.

   Com uma habilidade e uma rapidez sem precedentes, Claude rolou para o lado, de maneira a ficar um pouco mais longe de Dalilla e, ao mesmo tempo, suas mãos buscaram os revólveres.

   Disparou antes que os dois bandidos pudessem se refazer da surpresa.

   Suas balas, certeiras e mortíferas, foram alcançar o centro da testa dos dois bandidos, derrubando-os já mortos, antes mesmo que tocassem o chão.

   Claude ouviu passos no corredor.

   Escutou claramente uma voz que dizia:

   — Vamos! Alguém disparou contra Gross e Langman!

   Não havia como e nem porque esperar para ver os acontecimentos.

   Era preciso escapar dali de qualquer maneira e, o que era pior, levando consigo aquela moça!

   Rapidamente, Claude empurrou para a porta escancarada o pesado armário do quarto e, sem perda de tempo, segurando Dalilla no colo, saltou pela janela, ganhando os fundos do hotel em que estava, dando mais uma vez graças a Deus por ter tido a boa ideia de escolher um quarto no térreo e não no segundo andar.

   Correu com a jovem nos braços até um trole que, providencialmente estava parado ali, saltou para a boleia do veículo e, fazendo estalar as rédeas sobre o dorso do animal, obrigou-o a galopar para fora da cidade.

   Já estava ali em Green River City havia uma semana e, por isso, podia dizer que conhecia muito bem os seus arredores.

   Não vacilou em rumar para a região norte, onde, mais afastada da linha de trem, havia uma série de minas abandonadas, local em que[P1], com certeza, poderia se esconder com mais facilidade e segurança.

   Dalilla parecia estar se dando conta do que acontecera, somente naquele momento, ou seja, quando já no trole, estavam se afastando das últimas construções do Green River City.

   — Meu Deus! — exclamou, chorosa. — Nós poderíamos ter sido mortos!

   — Mas não o fomos — sorriu Claude. — E por isso mesmo, temos a obrigação de tentar escapar!

   Olhando de lado para a jovem, ele disse:

   — Depois, eu voltarei à cidade para cuidar de Rodriguez, mocinha... O que ele fez não pode ficar de graça!

   Chegaram às minas que Claude buscava e, escolhendo a mais ampla e ao menos aparentemente, mais segura, o inspetor fez o trole entrar, dizendo:

   — Aqui estaremos seguros... E você poderá ficar pelo menos alguns dias escondida, enquanto cuido de Rodriguez.

   Havia pavor no rosto de Dalilla, quando ela falou:

   — Não! Pelo amor de Deus, não me deixe sozinha! Não suportarei ficar aqui assim, sem ter com quem falar, sem ter com quem sentir, ao menos, que ainda estou viva!

   Claude sorriu.

   A moça se abraçou a ele, fazendo-o sentir perturbadoramente as suas formas...

   — Está bem — disse ele. — Vou ficar com você.

   Usando os forros dos assentos da boleia, Claude improvisou uma cama para Dalilla e disse:

   — Deite-se, menina, você precisa descansar um pouco. Amanhã pela manhã, nós pensaremos no que fazer.

   Espichou-se sobre o chão de pedras da mina, ao lado de Dalilla e, puxando o chapéu para cima de seus olhos procurou, ele também, adormecer. Não foi possível.

   A moça, buscando em seus sonhos, um pouco mais de segurança,   abraçara-se a ele e, com esse contato excessivamente próximo, excessivamente perturbador,Claude não conseguiu conciliar o sono.

   Em dado momento, incomodado pela dureza do chão, ele se mexeu.

   Foi o bastante para despertar, assustada, Dalilla.

   — O que foi — perguntou ela, aflita. — O que aconteceu?

   — Nada — disse Claude sorrindo e afagando os seus cabelos. — Eu, apenas, me mexi.

   Nesse instante, Dalilla se deu conta de que ele estava deitado sobre as pedras e que isso não poderia, de maneira nenhuma estar confortável.

   — Mas você está em um péssimo lugar! — exclamou ela. — Venha mais para cá! Fique ao menos onde está forrado!

   E, afastando-se um pouco, obrigou o inspetor a se colar a ela.

   Com voz trêmula, Claude falou:

   — Isso pode ser perigoso, pequena... — Posso me transformar em um lobisomem, sabia?

   Dalilla sorriu.

   Pousando seus lábios de encontro aos dele, ela falou:

   — Não tem importância... Não sei o que é que vai acontecer comigo nas próximas horas. Pode ser que Rodriguez, afinal, consiga me apanhar e...

   Começando a desabotoar a camisa de Claude, acrescentou:

   — E eu não quero, de maneira nenhuma, que ele seja o primeiro.

   Foi no dia seguinte pela manhã, quando Claude acordou com o corpo dolorido da má posição e de todos os excessos amorosos que tinha praticado ensinando Dalilla a ser mulher, que Rodriguez apareceu.

   Seguira os rastros deixados pelo trole e, sem qualquer dificuldade, localizara a mina em que estavam escondidos os dois amantes.

   Quando Claude ameaçou deixar a entrada da mina, escutou o ruído de cascos de cavalos que se aproximavam e vozes.

   Muitas vozes chegavam até seus ouvidos, vindas da parte de baixo da trilha que dava acesso à mina.

   Nitidamente, entendeu alguém que dizia:

   — Quero a garota viva! O homem, nós o arrastaremos pela pradaria até que seu corpo fique totalmente esfacelado! Mas a garota, eu a quero viva e inteira, estão compreendendo?

   — Certo, Rodriguez! — escutou alguém responder. — Você terá a sua virgem ainda esta manhã.

   Claude não pode deixar de sorrir... Rodriguez jamais teria a sua virgem!

   E isso, por duas razões principais:

   Primeira, porque Dalilla não era mais virgem e, segunda, porque ele não deixaria nem mesmo que aqueles bandidos se aproximassem!

   Lentamente, cautelosamente, escondido pelo mato que crescera ao redor da entrada da mina, Claude Kirkpawells se aproximou da borda do pequeno pátio que antigamente era utilizado para a manobra dos vagões de minério.

   De sua bota direita, tirou duas bananas de dinamite às quais já estava adaptado um pedaço de pavio de queima rápida.

   Esperou que Rodriguez e seus homens estivessem bem debaixo do local onde ele se encontrava e, então, acendeu o estopim.

   A explosão foi brutal...

   Dos doze pistoleiros que estavam acompanhando Carlos Rodriguez, nenhum ficou vivo e o bandido, sob quem uma das cargas explodira, foi arremessado para cima, a despeito de suas duzentas e oitenta libras de peso, caindo morto, com o pescoço quebrado pelo deslocamento de ar.

   O drama havia terminado.

   A partir daí, durante dois meses, Claude Kirkpawells se deliciara em viver, apenas. Sentir os carinhos de Dalilla, sonhar com um futuro que lhe parecera sempre tão distante.

   De repente, percebeu que queria se casar, percebeu que queria ficar com aquela moça para o resto de seus dias.

   Sim... Precisava, apenas, receber algum dinheiro a mais que lhe permitisse recomeçar o rancho que fora de Ritter.

   — Você vai pedir demissão? — perguntou Dalilla, vestindo-se.

   — Sim — respondeu Claude, ajeitando um pouco melhor o cinturão com os Colts.

   — Não vai me abandonar? — insistiu ela.

   — É claro que não! — exclamou o inspetor. — A troco de quê eu faria isso, Dalilla?

   Depois de um curto silêncio, a jovem respondeu:

   — Não sei... De repente, eu não passei de mais uma aventura em sua vida... Já ouvi muito a respeito do comportamento dos homens...

   — Não é verdade, Dalilla — disse Claude, muito sério. — Você não foi uma aventura em minha vida, mas sim a aventura de minha vida. Há uma diferença, não é verdade?

   Beijando-a, ele completou:

   — E eu quero continuar a viver essa delícia, compreendeu? Por isso, vou a Denver para pedir minha demissão, arrumar um pouco mais de dinheiro e, dentro de no máximo seis meses, estarei de volta para podermos nos casar e dar continuidade à nossa vida!

   Apertando-se muito a ele. Dalilla respondeu:

   — Eu o estarei esperando, Claude... Eu o estarei esperando...

  

   Uma Vida Miserável

   Douggy Maxwell olhou para o copo que estava em sua mão e, com uma risada sarcástica, falou:

   — São todos covardes! Não há um sequer que tenha coragem de erguer a voz contra mim, quanto mais empunhar armas!

   Os dois companheiros de mesa sorriram.

   Wells e Jonathan sabiam que o que o chefe estava dizendo era a mais pura realidade.

   Eram apenas três, mas eram mais do que suficientes para dominar a pequena e pacífica Rocky Falls City.

   — Veja como eles nos olham! — exclamou Douggy. — Parecem cachorrinhos com medo de apanhar! Não teremos qualquer dificuldade para fazer com que eles se comportem exatamente como queremos!

   Tomou o resto do uísque que estava no copo, serviu-se mais uma dose e continuou:

   — Nem sequer vamos precisar assaltar. A partir de hoje, começaremos a cobrar taxas de proteção, compreendem o que quero dizer? Aqueles que se recusarem a pagar terão os seus bens danificados, terão as suas famílias maltratadas e, o que é pior, terão suas esposas e filhas violentadas! Não haverá um só que se digne ou que ouse se rebelar contra nós!

   Wells olhou em torno de si.

   Ali no saloon, de fato, todos os outros frequentadores estavam calados olhando de maneira ressabiada para os três bandidos. .

   Não havia um só homem que ousasse encará-los e, apesar de todos portarem seus revólveres, era mais do que certo que ninguém teria coragem para sacá-los contra aqueles três facínoras.

   Sim... A cidade seria deles, sem a menor sombra de dúvida...

   — Acho que está certo, Douggy — disse Wells. — Nós poderemos ficar ricos aqui em Rocky Falls!

   Douggy fechou a cara.

   Seu olhar, frio como o gelo e duro como o aço, fixou-se em Wells enquanto ele dizia:

   — Mas é claro que eu estou certo, estúpido, desde quando eu digo alguma coisa que não seja absolutamente certa?

   Wells sentiu o sangue lhe subir ao rosto.

   Tinha, mais uma vez, acabado de perder uma excelente oportunidade de ficar em silêncio.

   — Desculpe, chefe — balbuciou ele. — Não quis dizer por mal... Apenas expressei a minha opinião.

   — Pois eu não preciso da opinião de ninguém — rosnou Douggy. — Se precisasse, pode estar certo que eu não seria, hoje, o chefe desta quadrilha! Não seria o líder, entende?

   Wells não disse mais nada.

   Limitou-se a abaixar os olhos — como a imensa maioria das pessoas, não era capaz de encarar por muito tempo o olhar frio de Douggy — e a encher o seu copo de uísque.

   Pelo menos, bebendo, não falaria nada e, mais facilmente, esqueceria a humilhação por que tinha acabado de passar.

   Sim.

   Douggy Maxwell era o chefe, era o que tinha sempre razão e era aquele contra quem não valia de maneira nenhuma se rebelar.

   Ele próprio, Wells, já sofrerá as consequências de uma crise de fúria de Douggy e não queria, de maneira nenhuma passar por uma experiência semelhante.

   No interior do escritório do saloon, através de uma pequena fresta da porta mal fechada, Stutt Borns, o proprietário, olhava para os três bandidos.

   — Teremos problemas — disse ele para o seu gerente, Larry.

   — Também acho — falou o funcionário. — E o pior é que não teremos a menor condição de reagir! Esta cidade é todinha de gente pacata, de gente que é incapaz de fazer mal a uma mosca e que esteve, durante todos estes últimos dez anos, acostumada a obedecer ordens de Paul Vincent!

   Uma expressão de raiva profunda vincou o rosto de Stutt.

   — Isso é o que me dá mais raiva! — exclamou ele. — Pensar que nós chamamos esses três bandidos para que nos livrassem de Paul!

   Sacudindo negativamente a cabeça, ele murmurou:

   — Que mau negócio fizemos... Mas que droga! Saímos de uma vida miserável para entrarmos em outra, pior ainda!

   Larry sorriu com tristeza.

   — Eu bem que avisei. Você, assim com os outros, não poderão jamais dizer que não foram avisados!

   Era bem verdade e Stutt sabia disso muito bem.

   Quando surgira a ideia de contratar um grupo de pistoleiros para espantar em definitivo Paul Vincent, o ladrão de gado daquela região, Larry fora o único a dizer que esse jamais seria o caminho, que o correto era chamar os federais, era fazer com que a Lei fosse cumprida e não tentar acabar com o crime contratando nada mais do que outros criminosos que, no fim, poderiam ainda ser piores do que os primeiros.

   Mas ninguém lhe dera ouvidos.

   Afinal de contas, ele era um simples funcionário do saloon, não tinha nenhum interesse maior do que o próprio emprego.

   E os homens de negócios de Rocky Falls City resolveram contratar aqueles três que, por uma simples questão de acaso, tinham acabado de chegar à cidade.

   Gastaram pouco. Dez mil dólares apenas, o que era uma ninharia frente ao prejuízo que Vincent vinha causando para os habitantes do condado.

   Até nisso, Larry tinha ficado desconfiado.

   Pistoleiros que se prezem não desperdiçam assim — falara ele. — Estes estão fazendo um preço barato unicamente porque estão querendo tomar o lugar de Paul.

   Porém, mais uma vez, não lhe deram qualquer atenção.

   Douggy e seus dois companheiros se mostraram de uma eficiência ímpar.

   Mal tinham acabado de receber os cinco mil dólares iniciais pela empreitada, já estavam em ação, iniciando a limpeza de uma forma simplesmente exemplar.

   Isoladamente ou em grupos, os homens de Vincent foram caindo, sob as balas certeiras dos três pistoleiros até que, finalmente, apenas o próprio Vincent e os quatro homens de sua extrema e absoluta confiança restaram.

   Os dois grupos se encontraram na rua principal, em frente à igreja.

   — Podemos nos unir — sugeriu Vincent.

   — Não há lugar para dois deuses em um mesmo altar — argumentou Douggy. — Um de nós terá que ceder o lugar e, evidentemente eu não serei esse idiota.

   As armas surgiram.

   Todos eram muito rápidos, todos eram muitíssimo experientes na lide com os Colts.

   Porém, não houve chance para Vincent e seus quatro comparsas diante daqueles três que, segundo eles mesmos diziam, eram os mais rápidos gatilhos a oeste do Mississipi.

   Os cinco homens tombaram, cada um deles levando para a eternidade um feio orifício de bala no centro da testa.

   Foi desde o momento em que acontecera aquele duelo, que a população de Rocky Falls City percebeu que simplesmente haviam trocado de algozes.

   Todos tinham escutado Douggy dizer que "não há lugar para dois deuses em um mesmo altar".

   E isso, simplesmente significava que ele estava se habilitando a substituir o tirano anterior.

   Foi o que aconteceu. Já no dia seguinte, depois de receberem os outros cinco mil dólares do preço combinado, ao contrário do que todos ali estavam esperando, os bandidos não foram embora.

   — Vamos ficar algum tempo — disse Douggy, cínico. — O clima daqui é muito bom, estamos gostando do pessoal da cidade. Acho que vamos ficar.

   E Rocky Falls City voltou a ser o domínio do terror, voltou a ter a mesma vida miserável de antes.

   Stutt voltou a sentar à sua escrivaninha e, olhando desesperado para Larry, perguntou:

   — E agora, Larry? O que é que nós vamos fazer

   Larry ergueu os ombros com indiferença e disse:

   — Não sei... Vocês não quiseram me ouvir quando tudo isso começou... Agora, a troco de quê querem a minha opinião?

   Stutt olhou com raiva para o seu funcionário ingrato que não estava ajudando em nada o seu patrão a se livrar de uma situação terrível, quando o próprio Larry o interrompeu para falar:

   — Talvez seja agora a hora certa de fazer aquilo que vocês deveriam ter feito há muito tempo atrás, Stutt... Chamem os federais!

   Sentando-se à frente de seu chefe, disse, em voz baixa:

   — Podemos e temos que aproveitar este momento. Enquanto eles ainda não estão controlando até mesmo o telégrafo!

   E, com uma expressão carregada de preocupação, acrescentou:

   — Ofereça uma recompensa para os federais que vierem para a cidade. Assim, eles se animarão a agir o mais depressa possível pois, além de tudo, haverá o peso de interesses pessoais e egoísticos dos próprios agentes e delegados que, na verdade, são homens como quaisquer outros e que se animarão muito mais se souberem que estamos dispostos a pagar uma importância vultosa pelo serviço que prestarem!

  

   A Oportunidade Esperada

   O Inspetor-Chefe Hamilton McCartney olhou para o homem que estava diante de si, em sua sala, e perguntou:

   — E então? Será que ainda está querendo a sua demissão?

   Com um sorriso sarcástico, acrescentou:

   — Afinal de contas, cem mil dólares são cem mil dólares... E, segundo o que está dizendo, eles serão de imensa utilidade para a sua nova vida!

   Kirkpawells sorriu.

   Sim... Havia muito que ele estava esperando uma oportunidade daquelas...

   Com cem mil dólares em sua conta bancária, poderia facilmente fazer com que o rancho de Dalilla se transformasse em um verdadeiro primor.

   Cem mil dólares!

   Era dinheiro para ninguém reclamar! Olhou, mais uma vez para o telegrama que tinha em suas mãos.

   Ali, com um tom de desespero que parecia emanar do papel, estava escrito:

   INSPETOR HAMILTON MCCARTNEY DENVER — COLORADO

   ENVIE URGENTE EQUIPE DE DELEGADOS PARA LIQUIDAR TRÊS PISTOLEIROS QUE ESTÃO FAZENDO DE ROCKY FALLS CITY UM VERDADEIRO INFERNO. OFERECEMOS CEM MIL DÓLARES DE RECOMPENSA PELO SERVIÇO.

   ASSINADO: STUTT BORNS — REPRESENTANTE DA ASSOCIAÇÃO DE COMERCIANTES.

   — E então? — perguntou McCartney. — Ainda quer a demissão?

   — Sim, chefe — respondeu Kirkpawells. — Mas depois que tiver solucionado este caso.

   O Inspetor-Chefe riu.

   — Eu sabia, rapaz! — exclamou ele. — Isso eu tinha como certo! Sempre poderia contar com você!

   Claude riu e replicou:

   — Mas que fique claro que eu estou aceitando a missão por causa do dinheiro, McCartney! Não quero ir se, por acaso, você vier me dizer que não tenho o direito de receber a recompensa!

   — Jamais diria uma coisa dessas, Claude — afirmou o chefe. — Você, como qualquer outro, tem todo o direito de receber uma gratificação por um bom serviço prestado. O que você não teria direito, seria de cobrar, compreende? Mas tem até mesmo o dever de receber o dinheiro que a população da cidade quiser lhe dar!

   Oferecendo um copo de uísque para o federal, McCartney indagou:

   Vai mesmo pedir demissão depois que tiver resolvido esse problema?

   — Sim, chefe — confirmou Claude. — A vida de um inspetor-federal e a de um homem casado que deseja constituir uma família estável e que quer conviver com sua esposa e com seus filhos, não são compatíveis.

   McCartney suspirou.

   — É pena. Você sempre foi um dos mais eficientes homens com que a nossa corporação pode contar. — disse ele. — Você fará falta em nosso quadro, Claude. Muita falta!

   Claude olhou, sem jeito, para as pontas de seus sapatos.

   Na realidade, desde que tomara a decisão de abandonar a carreira, ele vinha sentindo uma espécie de angústia.

   Sabia que, se ele faria falta nos quadros da corporação, esta também faria muita falta em sua vida.

   Afinal, ele tinha se acostumado a ter o tempo todo preenchido por assuntos concernentes ao seu trabalho, perseguições a bandidos, limpeza de cidade e de condados inteiros.

   A partir do momento em que entregasse a insígnia, em que deixasse o Departamento Federal de Justiça, esse tipo de coisa nunca mais iria acontecer.

   Sacudiu a cabeça afastando de si esses pensamentos.

   Talvez, não mais tivesse que se ocupar de bandidos e de coisas desse gênero. Porém, em compensação, teria para si o dia inteiro, o tempo todo, sempre que quisesse, os carinhos de sua Dalilla.

   Sorriu, ao se lembrar da moça.

   Ela sim, é que faria muita falta em sua vida!

   Levantando-se, perguntou:

   — Quando tenho que partir Chefe? Tenho pressa de ir para lá e, o mais rapidamente possível me desligar de tudo isto!

   Dalilla sorriu satisfeita ao ler o telegrama que Claude lhe havia enviado, dando-lhe conta de que dentro de muito pouco tempo poderiam estar juntos.

   Seria apenas o tempo de ir para Rocky Falls City resolver aquele problema e, depois, regressar a Denver para o desligamento definitivo da corporação.

   Sem perder tempo, telegrafou de volta ao seu amado pedindo-lhe que tomasse cuidado, dizendo-lhe que estaria rezando para que tivesse todo o sucesso e para que pudesse voltar o mais cedo possível para os seus braços.

   A resposta de Dalilla ainda teve tempo de alcançar Claude no quartel da corporação e, sorrindo, feliz com as palavras da sua amada, o inspetor guardou o telegrama no bolso de sua camisa, bem sobre o coração.

   Sim. Ele tinha muita pressa de poder estar com ela outra vez.

   Percebera, até que um tanto surpreso, que a vida sem Dalilla não tinha a menor graça e, assustado, descobrira que se tivesse que perdê-la, se Dalilla, por qualquer razão desaparecesse de sua vida, com toda a certeza, ele perderia completamente qualquer estímulo pra continuar nesse mundo.

   Embarcou no trem para o sul, rumo à cidade que estava precisando de seus serviços e, mais uma vez, leu as instruções que havia recebido de seu chefe, aquelas coisas de sempre, recomendando que tomasse muito cuidado para não transformar a ação de Justiça em uma verdadeira carnificina. .

   O que era absolutamente ridículo pois, se seguisse, a cada vez, esse tipo de conselho, certamente não teria conseguido chegar vivo até os trinta anos de idade.

   Para Claude Kirkpawells, assim como para qualquer outro dos federais que eram designados para esse tipo de ação, a vida era um constante perigo, os bandidos sempre esperando uma oportunidade qualquer de enviá-los com uma passagem somente de ida, a uma visita ao outro mundo.

   Por isso, era importante que eles mesmos não perdessem nenhuma chance.

   Não poderiam deixar escapar os golpes de sorte e, sempre que possível, era melhor eliminar um bandido do que prendê-lo.

   O que, visto por alguns ângulos excessivamente humanísticos, pode até parecer o normal.

   Porém, para quem viveu naqueles anos finais do Século XIX, era mais do que claro que não se poderia ser muito magnânimo com os que ficavam à margem da Lei.

   Eles, sem sombra de dúvida, não teriam dó e nem compaixão de quem quer que fosse que se aventurasse a se atravessar em seu caminho!

   Um agente federal ou um mendigo, para os bandidos, era a mesma coisa.

   E, desde que conhecera Dalilla, Claude Kirkpawells passara a dar um valor extraordinário à própria vida, o que significava simplesmente que, se ele já era perigoso para os facínoras, antes, desde aquele dia em que vira palpável, pela primeira vez, a felicidade, ele se tinha transformado em um perigo muitas e muitas vezes maior.

  

   Muito Mais Sério do que Aparentava

   Rocky Falls City pareceu a Kirkpawells uma cidadezinha paradisíaca.

   Encravada no meio das Montanhas Rochosas, em um vale fértil e de clima ameno; era o tipo do lugar onde um homem gostaria de terminar os seus dias.

   — Se não fosse pelo rancho de Dalilla em Green River City — murmurou ele, pensativo — bem que eu poderia muito bem vir me instalar aqui com ela.

   Porém, seria uma falta absoluta de senso prático.

   Em primeiro lugar, o que ele, Kirkpawells queria fazer era criar gado e, para isso, não existia melhor local em toda a União, do que o sul do Wyoming e, mais especificamente, Green River City, um lugar onde havia trem, onde o desenvolvimento estava começando a chegar, inclusive com a criação de um grande teatro na cidade, o que significava nada mais e nada menos que começaria a aparecer cultura por lá.

   Coisa que, ali em Rocky Falls City, jamais viria a acontecer.

   Enquanto caminhava pela rua principal da cidade, puxando morosamente pelas rédeas o seu cavalo, Claude não pode deixar de pensar que, apesar de todo o atraso que estava parecendo existir naquele lugar, a violência, símbolo máximo da civilização para alguns estudiosos dos hábitos do Velho Oeste, como por exemplo, o historiador e romancista Bill Purse, já ali se encontrava presente.

   — Bill Purse tem toda a razão — pensou ele — Aqui no Oeste dos Estados Unidos, à medida que as cidades vão evoluindo, vão se tornando ninhos de serpentes, vão se transformando em lugares onde o crime impera. E Rocky Falls City me parece estar indo exatamente por esse caminho! Começou a ficar mais civilizada, o que quer dizer que começou a ficar mais violenta e mais cheia de bandidos e de problemas. Acabou por ser tornar um lugar que junta as desvantagens dos vilarejos às das cidades grandes!

   Cumprimentou simpaticamente uma senhora que vinha passando com uma cesta de verduras e notou, decepcionado, que ela não lhe dava a menor atenção, muito pelo contrário. Pareceu-lhe que a mulher estava abominando a chegada de mais um estranho ao local.

   Continuando a sua caminhada, notou o escritório do xerife fechado, a varanda à sua frente completamente empoeirada, o que significava que havia muito tempo que ninguém pisava ali.

   Reparou, também que as fisionomias daqueles que por ele cruzavam na rua, eram carregadas, tensas, aborrecidas e tristes.

   Sinais evidentes de que a vida por ali não era nem um pouco boa.

   Claude rumou para a estrebaria municipal, o único lugar onde poderia deixar o seu cavalo em segurança e, ao menos garantir-lhe um pouco de trato.

   Lá chegando, o velho responsável pelos animais recebeu-o com frieza, uma atitude contrária aos preceitos e praxes do Oeste que tinham, como que uma espécie de obrigação, fazer com que o cavalariço fosse extremamente bem educado com os visitantes e recém-chegados de modo a fazer com que eles ficassem bem agradados com o local e, assim, permanecessem o maior tempo possível, trazendo novos dólares para o comércio municipal.

   Já em Rocky Falls City, tal não aconteceu.

   Muito pelo contrário, o idoso funcionário da estrebaria, mal trocou duas palavras com Claude. Recebeu a moeda de ouro sem dizer um só agradecimento e, com um resmungo, concordou em cuidar bem de seu cavalo.

   Claude ergueu os ombros, indiferente.

   No fundo, não lhe fazia muita diferença estar sendo bem tratado ou não por aquele homem.

   Aliás, ele tinha a certeza de que até ele mostrar claramente quem era, não teria muita chance de ter vantagem nenhuma por ali.

   Fechou um pouco melhor o seu paletó, escondendo assim um pouco mais a insígnia de inspetor federal e rumou para o hotel.

   Estava cansado, queria ficar alguns momentos repousando antes de começar efetivamente, a trabalhar.

   No saloon, através das janelas envidraçadas e imundas, Douggy, Wells e Jonathan viram perfeitamente o recém-chegado caminhando pela rua principal.

   — Está bem vestido — comentou Douggy.

   — Parece ser um negociante — falou Wells.

   — Ou um pistoleiro — disse Jonathan. — Veja como ele carrega os revólveres. Colocados muito baixo, quase na metade das coxas. Isso é coisa de quem está mais do que acostumado a lidar com as armas!

   Douggy e Wells não puderam deixar de rir do comentário do companheiro.

   — Tem razão — fez Douggy. — Basta ver como é que nós mesmos carregamos os nossos Colts!

   Em seguida, chamando uma das coristas, Douggy ordenou:

   — Aposto o que quiser que ele virá para cá e, depois de tomar um trago no balcão, irá para o quarto. Você irá levar a água para o seu banho e tratará de ver quem é esse indivíduo e o que é que ele faz.

   A moça fez uma careta.

   Não gostava nem um pouco dessas coisas mas gostava ainda menos de apanhar e, disso, já tinha a experiência. Tinha levado uma surra de Douggy quando se recusara a certas baixezas que ele exigira quando sozinha no quarto com o bandido.

   Por isso, achou que o melhor era obedecer.

   Menos de quinze minutos depois, confirmando as previsões de Douggy, Kirkpawells entrou no saloon, dirigiu-se ao balcão de bebidas, pediu um uísque e, depois de apanhar a chave de um dos quartos e de encomendar um pouco de água quente para um banho, subiu as escadas.

   Evidentemente, notou a presença daqueles três indivíduos ali embaixo e não precisou ser um adivinho para saber que eles eram justamente os bandidos que estava procurando.

   Isso estava em suas fisionomias, lombrosianamente¹ criminosas.

   Entrando no quarto que lhe tinha sido destinado, sorriu satisfeito ao perceber que o banheiro era separado, o que o permitiria fazer a alagação que quisesse durante o banho sem que precisasse ficar pisando no molhado depois.

   Despediu-se e, como de hábito carregou para a sala de banhos o seu revólver e a carteira, bem como a estrela de inspetor.

   Não havia a menor necessidade de saberem, tão cedo que ele fazia parte da Corporação.

   Trancou a porta por dentro e, por medida de segurança, empurrou a cômoda que estava ali ao lado da banheira para frente, barricando a porta.

   Teve, no entanto, que voltar a afastá-la, pois a água quente ainda não havia chegado.

   Não esperou meia hora e ouviu baterem à porta.

   Já nu, gritou para quem estava batendo para que deixasse a água no corredor, à frente de seu quarto que ele mesmo a apanharia.

   Com voz um tanto quanto ansiosa, a corista que subira os baldes perguntou:

   — Não vai precisar de ajuda, senhor? Poderei esfregar as suas costas.

   Claude vacilou por um breve momento. Sim. Bem que ele gostaria muito que uma mão de mulher lhe esfregasse as costas e, depois...

   Porém, essa mão teria que ser de Dalilla e de nenhuma outra!

   — Não, obrigado — respondeu ele. — Pode deixar a água aí. Eu deixarei uma moeda no chão depois que a apanhar.

   A jovem suspirou.

   Ergueu os ombros, deixou os dois baldes de água quente ali no chão e se afastou um pouco, pisando ruidosamente sobre o assoalho para que o tão estranho e inibido hóspede percebesse que ela estava indo embora.

   Da beirada da escada, a moça viu que Claude apanhava os baldes e deixava, em seu lugar, uma moeda de ouro.

   Em seguida, aproximando-se cautelosamente, escutou a porta da sala de banho se fechar e ouviu o ruído da água sendo despejada na banheira.

   Ela ainda esperou quase dois minutos antes de abrir a porta com a chave mestra que trazia em sua mão.

   A corista estava se sentindo terrivelmente mal em agir como estava agindo.

   Aquele homem tinha sido delicado para com ela, tinha deixado uma moeda de ouro a troco de dois simples baldes de água quente e ela ainda iria fazer-lhe uma traição.

   Viu as suas coisas sobre a cadeira, viu que a camisa estava extremamente empoeirada e, decidindo de repente, apanhou-a, falando em voz alta:

   — Vou passar a sua camisa, senhor. É o mínimo que posso fazer em troca da moeda que me deu!

   E, com malícia em sua voz, aquela malícia que somente as profissionais sabem ter:

   — Já que não quer que eu lhe esfregue as costas, vou passar a sua camisa!

   No interior da sala de banhos, Claude sorriu.

   Ora, não era uma má ideia. Se ela estava querendo trabalhar, que trabalhasse!

   Olhou para a banqueta que estava ao alcance de sua mão, viu que a carteira, o cinturão e a sua insígnia ali se encontravam.

   Não havia mal nenhum, portanto, em que ela lhe levasse a camisa para baixo.

   A corista desceu as escadas e, passando pela frente do balcão do bar, olhou para Douggy em desafio e disse:

   — Ele não quis os meus serviços. Não pude fazer nada além de lhe deixar a água e de apanhar a sua camisa para passá-la.

   Douggy se aproximou ameaçador da garota e, com um safanão, arrancou-lhe das mãos a roupa que estava segurando.

   Revistou seus bolsos, encontrou o telegrama que estava nela e, com o cenho franzido, leu:

   CLAUDE KIRKPAWELLS — DENVER — COLORADO

   FAÇA UMA BOA VIAGEM. ESTAREI ESPERANDO POR VOCÊ COM MUITA ANSIEDADE. MIL BEIJOS.

   ASSINADO: DALILLA — GREEN RIVER CITY.

   — Ora! — exclamou Douggy. — Nada de interessante.

   Assim dizendo, entregou a camisa de volta para a corista e falou:

   — Você estará com ele outra vez quando for devolver a camisa. Por isso, veja o que consegue descobrir, compreendeu?

   Atemorizada, a jovem fez um sinal afirmativo com a cabeça e, cheia de pressa, seguiu seu caminho.

   Foi alguns momentos mais tarde, quando estava passando o ferro sobre o peito da peça de vestuário, que ela notou aquela mancha no lado esquerdo.

   — Que engraçado! — exclamou ela. — Parece a forma de uma estrela!

   E, então, ela compreendeu.

   Aquele homem era nada mais e nada menos o inspetor federal que tinha chegado a Rocky Falls City para salvar a cidade das mãos daqueles bandidos!

   For um momento, ela ficou muitíssimo excitada.

   Sua situação não era nem um pouquinho invejável.

   Se ela falasse para Douggy alguma coisa a respeito de sua descoberta, com toda a certeza, aquele representante da Lei seria morto.

   E, se não falasse e, depois, o bandido viesse a descobrir, poderia esperar por um corretivo do qual jamais se esqueceria, mesmo que vivesse duzentos anos.

   O caso estava se tornando muito mais sério do que aparentava.

   Dobrou o telegrama com cuidado, recolocou-o no bolso da camisa e murmurou:

   — Bem, acho que a minha obrigação é fazer com que ele ao menos tenha chance de se defender e, para isso, o melhor que eu tenho a fazer será dizer-lhe de quem é que tem que fugir!

  

   Um Crime Imperdoável

   Eve, esse era o nome da corista, se apressou em levar para o quarto a camisa de Claude.

   Não se preocupou em bater à porta e foi entrando, surpreendendo o inspetor no momento em que ele ainda estava nu, acabando de se enxaguar em uma toalha.

   Em um gesto instintivo, ele procurou esconder a sua nudez mas a jovem, com um sorriso malicioso, falou:

   — Não se preocupe, inspetor... Eu estou mais do que acostumada a ver homens nus! Pode ter certeza de que isso não me causa nenhuma espécie.

   Claude encarou-a intrigado.

   Antes que ele pudesse perguntar como é que ela sabia que ele era um federal, a moça disse:

   — Vi a marca da estrela em sua camisa, inspetor. Por isso, adivinhei...

   Fechou a porta, trancando-a a chave e, em voz baixa, ajuntou:

   — Aqueles três, lá em baixo... Eles me mandaram ver quem é que você é! Eu não disse nada... Tem que tomar cuidado com eles! São pistoleiros muito perigosos e estão dominando completamente a nossa cidade!

   Claude sorriu.

   — Não se preocupe, moça — falou ele. — Pode acreditar que eu posso ser muito mais perigoso do que os três juntos!

   — Não sei, não... — fez ela, meneando a cabeça em sinal de dúvida. — EU os vi atirando... São capazes de coisas verdadeiramente incríveis com os revólveres! Receio que você os esteja subestimando e isso poderia ser fatal!

   Claude sorriu mais uma vez, passou a mão sobre os cabelos da jovem e entregando-lhe uma nota de cem dólares, falou:

   — Pois fique tranquila. Não pretendo me deixar matar e, agora que você me avisou, terei mais cuidado e mais chances de sobreviver.

   Voltando a se vestir, acrescentou:

   — Espere que eu acabe de me vestir e então desça. Eu estarei logo atrás de você e, se tudo correr como estou pensando, apanharei esses três bandidos ainda hoje, de maneira a poder ficar pelo menos dois dias descansando aqui em Rocky Falls City.

   Sorriu e acrescentou:

   — Daí sim, sem problemas, você verá como sei ser um freguês alegre e que não dá trabalho algum para satisfazer!

   Acabou de meter as calças, vestiu a camisa e, ostensivamente, fixou a estrela em seu peito, dizendo:

   — Agora, não há mais porque razão esconder a minha identidade.

   Em seguida, ajustou os cinturões, prendendo firmemente às coxas os coldres de saque rápido em que estavam os seus Colts e, já pronto, falou:

   — Muito bem, menina... Podemos ir.

   Já estavam perto da porta, quando a moça se lembrou de dizer:

   — Já estava me esquecendo... Eles leram o telegrama que estava em seu bolso.

   Kirkpawells ergueu os ombros, indiferente.

   — Isso não tem importância alguma... Um telegrama de minha noiva recomendando que eu tome cuidado e dizendo que estará a me esperar. Algo de importância apenas para mim.

   Eve abriu a porta e se esgueirou para o corredor.

   Desceu correndo as escadas, tão apressada estava que não viu Jonathan ali no alto, olhando o que ela estava fazendo.

   Da porta entreaberta, Claude viu a moça descer e viu, imediatamente em seus calcanhares, a figura de Jonathan também descendo.

   Com cuidado e em perfeito silêncio, ele se aproximou do fim do corredor e, escondido, escutou o bandido dizer:

   — Ouvi a conversa dos dois, chefe! Fiquei atrás da porta do quarto vizinho e pude ouvir tudo o que eles falaram!

   E, com a voz chegando a estar estrangulada, disse:

   — Esse sujeito é um federal! E está aqui para nos apanhar!

   Douggy agarrou o braço de Eve e rosnou:

   — Com que então você falou tudo para ele, não é mesmo?!

   E, erguendo a mão para esbofeteá-la, falou:

   — Pois vai se arrepender amargamente do dia em que nasceu, ordinária!

   Ora... Claude não poderia, de maneira nenhuma, deixar que aquele bandido agredisse Eve.

   Seria um crime imperdoável de sua parte, permitir que uma mulher apanhasse exatamente por tê-lo avisado de que poderia estar correndo um perigo imenso.

   Assim, surgindo no alto da escada, gritou:

   — Largue a moça, cachorro! Largue-a imediatamente e erga as mãos! Vocês três estão presos!

   Douggy, porém, não estava com a menor vontade de se entregar e ir acabar os seus dias em uma penitenciária.

   Seus dois companheiros, Wells e Jonathan, pensavam da mesma maneira.

   Com uma rapidez formidável, eles foram às armas, enquanto Douggy, empurrando Eve para frente de maneira a lhe dar cobertura, mergulhava contra a janela, estilhaçando-a, transformando-a em um milhão de cacos, ganhando a rua.

   Jonathan e Wells surpreenderam-se com a atitude de seu chefe justamente no instante em que estavam acabando de sacar os Colts.

   Foi esse instante de hesitação que os levou à morte.

   Claude sacou os revólveres e disparou, com uma precisão diabólica, estourando-lhes os miolos, fazendo suas balas penetrarem-lhes na testa.

   Correndo, desceu a escada para tentar alcançar Douggy mas este, muito rápido, tinha conseguido saltar sobre o lombo de um cavalo que estava em frente ao armazém e, picando-o com as esporas, já se encontrava longe, na rua principal.

 Não adiantaria coisa nenhuma correr...

   O animal de Claude estava desencilhado, na estrebaria, longe pelo menos um terço de milha de distância e, quando conseguisse apanhá-lo, o bandido já estaria muito longe.

   De mais a mais, Claude queria receber o dinheiro da recompensa e enviá-lo para a conta de Dalilla, em Green River City pois, se o Destino quisesse que ele ficasse para sempre ali naquelas pradarias encravadas em um vale das Rochosas, pelo menos a sua amada teria com o que começar a vida.

   Teria com o que iniciar a exploração racional de seu rancho.

   Assim, vendo o bandido a se afastar para longe, ergueu os ombros e comentou, em voz alta:

   — Ora... Amanhã eu o apanho, com toda a calma, depois que ele estiver certo de que se encontra em segurança!

   Sorriu para o barman que já começava a servir uísque para todos por conta da casa e falou:

   — Preciso encontrar um tal de Stutt... Parece que é o homem que ficou encarregado de me pagar!

   Stutt abriu a porta do escritório e disse:

   — Pois aqui está o dinheiro, inspetor... Acredito que esse maldito Douggy, nunca mais terá coragem de voltar por estes lados!

   Enquanto Claude recebia o dinheiro e fazia com que o banqueiro da cidade enviasse os cem mil dólares para a conta de Dalilla em Green River City, o inspetor arrumava mil desculpas para não aceitar — sem ofender — o pagamento muito especial que Eve queria lhe fazer.

   Há mais de dez milhas de distância, rumando para o norte, Douggy amaldiçoava a sua sorte.

   — Mas como é que eu pude me deixar cair em uma armadilha tão simples? Como é que um miserável inspetor federal conseguiu derrotar tão facilmente os meus dois homens?

   E, fincando as esporas nos flancos de seu animal, rosnou:

   — Mas isso não pode ficar assim! Mas de maneira nenhuma! Isso não pode ficar dessa maneira! Não pode!

   Notou que o cavalo começava a dar mostras de fadiga e, prudentemente, achou melhor diminuir a marcha.

   Sabia muito bem que o pior que poderia acontecer para ele naquele momento, seria justamente ficar a pé. Sem o animal, não teria a menor chance de escapar dali, não conseguiria caminhar nem mesmo cinco milhas de qualquer patrulha que aquele maldito federal tivesse conseguido organizar.

   Era bem verdade, no entanto, que Douggy achava ser muito difícil que uma patrulha viesse em sua perseguição.

   Afinal de contas, toda a população de Rocky Falls City não passava de um bando de covardes e, mesmo sabendo que ele, Douggy Maxwell, estava sozinho, não teriam coragem para sair em seu encalço.

   Todos sabiam muitíssimo bem que não teriam a menor condição de saírem vivos se, por um acaso, se vissem sozinhos, frente a frente com Douggy.

   Por extensão, Douggy achou que esse tipo de receio, que essa espécie de covardia acabaria por contaminar o federal.

   Ele haveria de escutar coisas e mais coisas a respeito da rapidez com que era capaz de sacar as armas, e, assim, acabaria ficando com medo de persegui-lo.

   Lembrou-se da fisionomia fria e dura daquele federal.

   Sim. Douggy era obrigado a confessar a si próprio que sentira medo.

   Um medo horrível, coisa que não era nem um pouco comum em sua personalidade, em suas reações.

   Estava acostumado a enfrentar situações perigosíssimas, estava mais do que habituado a passar por riscos imensos e a matar homens iguais a ele.

   E, no entanto, quando vira o inspetor federal no alto da escada, alguma coisa diferente acontecera dentro de sua alma, alguma coisa o fizera tremer e, desesperado, percebera que não teria sido capaz de sacar o revólver contra aquele indivíduo.

   Revoltado consigo mesmo por causa daquele momento de fraqueza que o fizera fugir diante do perigo, coisa que nunca havia acontecido antes, Douggy murmurou:

   — Mas eu tenho que apanhá-lo... Vou apanhá-lo, custe o que custar e hei de fazer com que passe pelo mesmo medo por que passei! Isso não pode ficar assim! Não poderei ter sossego enquanto não me vingar desse desgraçado!

   Cheio de raiva olhou para trás.

   Não havia o menor sinal de que alguém o estivesse perseguindo e, assim, Douggy resolveu diminuir um pouco mais a marcha para poupar o cavalo.

   Parou em um riacho, deixou-o beber à vontade e, apeando, tratou de subir a uma rocha mais alta para verificar com cuidado os arredores.

   Não — pensou ele. — Não estou sendo seguido... Poderei ficar em paz esta noite e amanhã, ao amanhecer o dia, tratarei de começar a planejar a minha vingança!

  

   Uma Ideia Diabólica

   Por mais que se esquivasse e por mais que dissesse que estava com pressa, Claude não conseguiu evitar uma celebração, uma comemoração e uma festa que os habitantes da cidade resolveram fazer em sua homenagem.

   Parecia incrível.

   O próprio Larry riu ao contar para o inspetor que, algumas semanas atrás, quando Douggy e seus homens tinham livrado a cidade de Vincent, o que mais os moradores de Rocky Falls estavam querendo, era justamente que eles fossem embora e, no entanto, com Claude Kirkpawells, a história era justamente o contrário.

   O que todos estavam querendo era segurá-lo o mais possível, de maneira a garantirem para si mesmos um pouco mais de proteção.

   — Sabemos que você, pelo fato de ser um federal, não vai tentar dominar a cidade, não vai tentar tiranizar o povo — explicou Stutt. — Por isso, quanto mais tempo ficar entre nós, especialmente agora, enquanto Douggy ainda se encontra por perto, melhor será!

   Dessa maneira, Claude não conseguiu escapar de um jantar e de algumas horas de conversa com os comerciantes locais que, a todo custo, estavam querendo que ele aceitasse o cargo de xerife, vago desde que Vincent aparecera e assassinara o último representante da Lei no Condado.

   — Não posso aceitar — disse Claude. — Em primeiro lugar, porque estou deixando a corporação para me casar e para ir viver em um rancho, pacificamente e sem mais utilizar as minhas armas... Em segundo lugar, porque é preciso, ainda, apanhar Douggy...

   E, pondo o mais que podia de seriedade em sua expressão, acrescentou:

   — Esse homem é perigoso. Nada o impede de refazer uma quadrilha, desta feita maior e mais eficiente, e voltar para cá disposto a se vingar.

   Foi a pior ideia que ele poderia ter tido: falar essa frase.

   Stutt foi o primeiro a saltar na oportunidade, dizendo que, assim sendo, não seria justo que ele deixasse à cidade, com o risco de, repentinamente, tudo voltar a ser como era antes, ou seja, com o perigo de Douggy regressar e dominar ainda mais intensamente o condado.

   Claude foi salvo já perto de onze horas da noite, por Eve que, puxando-o pelo braço, falou:

   — Venha... Vamos para o quarto... Será a única maneira de você se livrar desses egoístas! Amanhã, quando clarear o dia, você poderá partir mais à vontade à caça de Douggy. Ninguém precisará saber que você foi embora, concorda?

   Era uma ideia bem viável.

   Claude estava cansado, estava desejando mais do que qualquer outra coisa em sua vida, uma cama macia, com lençóis limpos, para poder dormir por algumas horas.

   Ninguém reclamou quando, com Eve pendurada ao seu braço, o inspetor se despediu dizendo que precisava repousar um pouco.

   Sim... Eve cuidaria de convencê-lo a ficar por mais alguns dias pelo menos.

   E, naquele salão, não havia um só homem que não estivesse cansado de saber que aquela corista, quando queria prender um homem e arrancar dele metade de sua fortuna, não precisava fazer muita coisa.

   Bastava que ele se deitasse ao seu lado... Por meia hora... Jamais seria preciso mais do que isso.

   Desde que Eve chegara à cidade, jamais houve um sequer que resistisse aos seus encantos e aos seus conhecimentos inigualáveis na arte de amar.

   Claro que Claude Kirkpawells não seria diferente de ninguém!

   Por mais que fosse um inspetor federal, por mais que fosse cônscio de suas responsabilidades como representante da lei!

   Afinal de contas, com tudo isso, ele não deixava de ser um homem como qualquer outro e, portanto, sujeito às fraquezas naturais do ser humano do sexo masculino.

   E Eve, com certeza, era mais do que suficiente para fazer com que essas fraquezas aparecessem à tona para qualquer um.

   — Deite-se, Claude — disse Eve, com carinho. — Sei muito bem que você precisa descansar e que, a julgar pela maneira como me tratou, não está disposto a trair a sua noiva!

   Um pouco corado, encabulado, Claude resmungou uma desculpa qualquer enquanto Eve ia desabotoando a sua roupa, praticamente obrigando-o a ir para a cama.

   — Ficarei aqui ao seu lado, Claude — falou ela. — Aqueles imbecis lá embaixo têm que pensar que nós dois...

   Sorriu e completou:

   — Você compreende o que eu quero dizer.

   — Espero, apenas que você não fique ofendida, Eve — falou Claude, deitando-se.

   — De maneira nenhuma — afirmou a moça, acariciando os cabelos do inspetor, sentada ao lado da cama. — Muito pelo contrário, o máximo que eu posso sentir é inveja de sua noiva... Uma inveja no bom sentido é claro! Gostaria de encontrar, um dia, um homem que me amasse como você ama a sua Dalilla.

   Beijou a testa de Claude e murmurou:

   — Durma, agora, Claude... Talvez amanhã você precise estar bem descansado se, por acaso, vier a encontrar Douggy.

   Claude fechou os olhos, sentindo, deliciado, o carinho que Eve lhe fazia na cabeça.

   Sim. Era mais do que evidente que ele preferiria estar com Dalilla mas, como isso era absolutamente impossível, o máximo que ele podia fazer era imaginar que aquela mão e que aquelas carícias estavam vindo de sua amada e não de uma corista especialista no amor mercenário.

   Claude dormiu depressa.

   Estava realmente cansado, dormira muito pouco nos últimos dias e, assim, não foi preciso mais do que cinco minutos para que ele se deixasse levar para o reino dos sonhos, para um lugar onde ele se encontrava com Dalilla, os dois sozinhos olhando para uma pradaria imensa, cheia de gado... O seu rancho.

   O tão sonhado rancho que, a partir do momento em que chegasse a Green River City, poderia começar a tocar.

   Despertou com a luz do sol entrando forte pela janela do quarto, sentindo o corpo de Eve ao lado do seu, a moça ainda vestida, adormecida profundamente.

   Levantou-se e, com esse movimento, Eve despertou, dizendo:

   — Já fui à estrebaria e mandei deixar o seu cavalo aqui embaixo, Claude, assim poderá sair o quanto antes, está bem? Antes que Stutt e os outros egoístas comecem a aborrecê-lo com propostas que veem apenas o lado deles e não pensam nem um pouquinho no que você pode querer ou deixar de querer.

   Claude agradeceu, vestiu-se o mais depressa que pode e, vendo que já passava de sete horas da manhã, apanhou o farnel que Eve havia preparado para que levasse em sua viagem e disse:

   — Você foi formidável, Eve... E espero que um dia consiga achar o seu caminho.

   Uma tristeza profunda sombreou o rosto da corista, quando ela falou:

   — Não tenho mais essa esperança, Claude... Sou uma corista... Não mais na realidade, que uma prostituta um pouco mais refinada... Não creio que venha a encontrar alguém que não olhe para o meu passado... Pelo menos, não aqui, nesta cidade!

   Claude refletiu por alguns momentos.

   Apanhando a sua carteira, tirou lá de dentro a maior parte do dinheiro que havia e entregou-o à moça, dizendo:

   — Não creio que eu precise de mais do que mil dólares para conseguir apanhar Douggy e ir para Green River City. Aqui há perto de nove mil. Faça suas malas e trate de dar o fora desta cidade! Vá para algum lugar um pouco mais civilizado, compreende? Onde você possa ter oportunidade de ser diferente, de levar uma vida melhor e mais cheia de futuro!

   Duas grossas lágrimas escorreram pelo rosto de Eve.

   — Não posso aceitar — falou ela. — Isso não é justo...

   Claude beijou-a na testa e ponderou:

   — Ganhei cem mil dólares para acabar com a violência e a tirania de Douggy e seus comparsas. Você ajudou. Acho que não há nada mais justo do que eu lhe dar uma pequena parte desse lucro!

   Ajustou o cinturão com os Colts e, fazendo uma carícia no rosto de Eve, acrescentou:

   — O passado não importa, Eve... E para o homem que a amar, que se decidir a dividir uma vida com você, pode estar certo que o que vai importar é ser o último e não o primeiro...

   Douggy olhou para trás e franziu as sobrancelhas.

   Era estranho...

   Por incrível que parecesse, não estava sendo seguido por ninguém havia já dois dias!

   — Mas o que será que está acontecendo? — perguntou-se. — Será possível que aquele federal tenha perdido a minha pista?

   Balançou a cabeça em sinal de dúvida e murmurou:

   — Acho que ele pode estar tramando alguma coisa, e eu não estou gostando nem um pouquinho disso!

   Quando anoiteceu, Douggy se encarapitou no alto de um pinheiro e vasculhou com o olhar toda a planície que se estendia à sua frente.

   Não havia o menor clarão de fogueira, não havia o menor sinal de perseguidores.

   Descendo da árvore, acendendo uma grande fogueira já então começando a desejar que alguém aparecesse para atacá-lo e, assim livrar-se o mais depressa possível daquele estado de ansiedade, começou a refletir, a pensar nas probabilidades que tinha.

   Era mais do que claro que ele teria que fugir para o Canadá.

   Se, ao deixar Rocky City, tivesse rumado para o sul ao invés de seguir para o norte, Douggy poderia ir para o México mas, quis o Destino que, naquele momento de desespero, de quase pânico em que se vira ao se defrontar com Claude Kirkpawells, ele tivesse escolhido o norte como seu objetivo.

   Ora... Àquela altura dos acontecimentos, era literalmente impossível que o federal não soubesse que ele estava indo para o norte!

   Assim, o que é que era mais provável de acontecer?

   Evidentemente, que ele, ou seja, Kirkpawells, estivesse esperando a sua chegada em Denver, a primeira cidade grande ao norte de Rocky Falls City onde Douggy poderia apanhar um trem para o norte, para o Canadá e, consequentemente, para a sua liberdade.

   A ideia se abateu sobre a sua cabeça como uma verdadeira marretada.

   Era isso! Kirkpawells estaria em Denver, simplesmente esperando! E o agarraria assim que pusesse os pés na cidade!

   — "Não posso ir para Denver!" — pensou Douggy — "Não quero ir para trás das grades!".

   Foi nesse momento que ele se lembrou do telegrama.

   O telegrama que tinha lido lá no saloon.

   — Aquele maldito tem uma noiva, uma amante, uma mulher qualquer que o está esperando em Green River City! — exclamou Douggy começando a esboçar um sorriso. — E é ela quem irá me salvar! Ela será o passaporte de que estou precisando para atravessar a fronteira! E escoltado por um desgraçado federal!

   E, dizendo essa frase, Douggy riu sozinho, já arquitetando o plano que iria por em prática para conseguir o seu intento.

   Claude Kirkpawells olhou para o horizonte.

   — Não há dúvida — disse ele para si mesmo — Douggy está indo para Denver onde, com certeza, pretende apanhar um trem para o Canadá!

   Havia, efetivamente, muitos indícios que permitiriam ao inspetor raciocinar daquela maneira.

   Em primeiro lugar, o fato de o bandido estar indo para o norte. Em segundo, a evidência de que seria muito melhor e mais rápido, para uma fuga, estar em um trem.

   Em terceiro lugar, seria muito mais simples para Douggy conseguir encontrar novos comparsas ali, na capital do Colorado do que em qualquer outro lugar no meio das Rochosas.

   E, segundo o que imaginava Claude, Douggy não iria deixar de voltar para Rocky Falls City, onde ele tinha deixado a maior parte do dinheiro que havia conseguido roubar durante as últimas semanas.

   Assim, decidiu seguir o facínora à distância, mantendo pelo menos três ou quatro milhas entre eles, de maneira a não haver o perigo de ser visto por Douggy em momento nenhum.

   Não era uma tarefa complicada...

   O bandido estava acendendo fogueiras imensas à noite, não estava tomando o menor cuidado em esconder as marcas de seu cavalo durante o dia.

   Dessa maneira, Claude seguia Douggy durante a noite, orientando-se pelo clarão do fogo e, de dia, deixava-o se distanciar.

   — Vou segui-lo até Denver. Lá será muito mais fácil prendê-lo e acabarei correndo o menor risco possível — disse Claude.

   O que era perfeitamente explicável.

   Na capital do Colorado, Claude poderia contar com a ajuda de todos os delegados e inspetores da corporação e, assim, ele não precisaria temer uma emboscada ou qualquer outra coisa do gênero. Bastaria um pedido para que o chefe mobilizasse mais de vinte homens para dar caça àquele assassino.

   Porém, no quarto dia de viagem, Claude começou a perceber que Douggy estava desviando a sua rota para o oeste, afastando-se cada vez mais de Denver.

   — Mas o que diabo está acontecendo? — perguntou-se o inspetor. — Será que ele se perdeu?

   Ao mesmo tempo, Claude pode notar que os rastros do animal de Douggy estavam mais fundos e mais espaçados, o que indicava que ele estava apressando a marcha.

   — Desse jeito, dentro de mais alguns dias ele estará em Green River City! Está andando cada vez mais depressa! Não está com a menor pena do cavalo! — exclamou em pensamentos, o inspetor.

   E, de repente, ele percebeu.

   Green River City!

   A cidade onde estava a sua Dalilla!

   E Douggy tinha lido o telegrama que ela lhe enviara!

  

   Uma Surpresa Desagradável

   A partir daquele instante, Claude Kirkpawells decidiu que não valia a pena correr risco nenhum.

   Tinha que alcançar Douggy de qualquer maneira, antes que ele pudesse chegar perto de Green River City, ou seja, antes que ele pudesse efetivamente ameaçar a sua Dalilla.

   As evidências eram por demais claras.

   O bandido estava querendo chegar até a moça para, sequestrando-a, mantendo-a como refém, conseguir atravessar a fronteira para o Canadá com toda a calma, apoiado até mesmo pelo próprio Claude que, logicamente, vendo a noiva em perigo, não hesitaria em facilitar tudo para o facínora de maneira a poder evitar que Dalilla sofresse alguma espécie de represália.

   Não! Ele não poderia deixar que as coisas chegassem a esse ponto!

   Não poderia por a vida de Dalilla em uma situação de perigo, mesmo porque ele tinha certeza de que, a partir do momento em que Douggy estivesse no Canadá, ele os mataria sumariamente.

   Isso, é claro, sem contar com o fato de que haveria de violentar rudemente a pobre moça.

   Porém, as coisas não estavam saindo como Claude desejava.

   O animal que Douggy estava montando era excelente e possuía uma resistência muito acima do normal.

   O cavalo suportava galopadas longas e trotes rápidos por tempos incríveis e, assim, ao contrário de diminuir a distância que os separava, ela estava aumentando a cada hora.

   — Não tenho outro jeito — murmurou Claude. — Terei que alcançá-lo e eliminá-lo durante a noite!

   Mas...

   Douggy parecia ter percebido, finalmente, a perseguição e, até mesmo de noite, ele tratava de continuar a viajar.

   Avançava noite adentro por horas a fio e isso servia bem para deixar Claude furioso uma vez que ele não podia se arriscar a segui-lo na escuridão.

   Entre mil outras razões, havia a possibilidade de Douggy preparar-lhe uma cilada e, se isso acontecesse, Claude poderia dizer adeus a toda e qualquer esperança de um futuro com a sua Dalilla.

   Por isso, quando começava a escurecer, Claude parava, procurava repousar o mais possível para somente continuar a perseguição depois que avistava o fogo aceso pelo bandido. Seria uma questão de perseverança.

   E o inspetor federal tinha todos os motivos do mundo para ser perseverante naquele momento.

   Enquanto isso, o pânico começava a tomar conta do espírito de Douggy.

   Ele havia percebido a perseguição e havia notado que aquele homem não era fácil de ser enganado.

   Muito pelo contrário, o Inspetor Kirkpawells era, com toda a certeza um dos mais hábeis perseguidores que ele jamais tinha enfrentado.

   Douggy sentiu um certo e efêmero alívio ao ver que o seu cavalo tinha mais resistência do que o outro e, assim, poderia aumentar um pouco a distância durante o dia.

   Quando a noite caía, enquanto lhe era possível, o bandido avançava, sem parar nem mesmo para comer ou para beber água nos regatos.

   Ora... O resultado desse esforço logo se fez notar.

   O cavalo, logicamente, não conseguiria suportar tanta caminhada sem uma pausa para beber, sem um pouco de repouso para descansar os músculos excessivamente estirados.

   Pouco tempo depois, ele começou a dar sinais de fadiga.

   E, infelizmente para Douggy, não era mais aquele cansaço que se resolve com uma ou duas horas de repouso, mas sim o do cansaço que mostra o cavalo quando está definitivamente esgotado, quando o animal não mais está suportando coisa nenhuma, que está prestes a estourar.

   Douggy percebeu que ele ia morrer.

   — Maldição! — exclamou, esporeando furiosamente os flancos de sua montaria, tentando inutilmente fazê-lo continuar. Porém, o cavalo não ia mais.

   Ajoelhando, o animal derrubou o cavaleiro e tombou de lado, já nos estertores da morte.

   Douggy cocou o alto da cabeça, desesperado.

   Teria que prosseguir de qualquer maneira e, à pé, não teria a menor condição.

   A única chance seria armar uma emboscada para Claude e, matando-o, ficar com o seu cavalo.

   Era algo que, mais uma vez, estaria mudando radicalmente os seus planos mas não tinha qualquer outra alternativa.

   — Por um lado é bom — consolou-se o bandido. — Não precisarei ir até Green River City. Com Kirkpawells morto, não há porque sequestrar a tal mulher!

   Meticulosamente, preparou-se para a emboscada.

   Voltou atrás sobre seus próprios passos de maneira a encontrar um local onde pudesse surpreender o inspetor sem que este desconfiasse de coisa alguma, o que, fatalmente iria acontecer se ele chegasse a ver o cavalo morto no meio do caminho.

   Claude saberia imediatamente que o bandido estaria escondido por perto, apenas esperando a oportunidade para agir, para lhe fazer uma surpresa extremamente desagradável.

   Achou, a cerca de um quarto de milha depois, um lugar que lhe pareceu ser o mais adequado para o que estava tencionando fazer.

   Tratava-se de um pequeno estreitamento na trilha, cercado de formações rochosas que poderiam perfeitamente servir de abrigo para o facínora no momento do combate.

   Encarapitou-se sobre uma espécie de laje de granito, protegido por outra pedra que dava ao conjunto todo um aspecto de seteira natural.

   — Daqui — disse Douggy para si mesmo — poderei ver o que se passa lá em baixo sem que tenha que me expor... É o lugar ideal.

   Apanhou o rifle que trazia consigo e se aprontou para o grande momento.

   Era apenas uma questão de tempo, apenas uma questão de ter um pouco de paciência e tudo estaria acabado.

   Claude Kirkpawells estaria morto e ele, Douggy, teria todo o futuro pela frente, lá no Canadá.

   Claude, por sua vez, também estava começando a ficar impaciente e preocupado, uma vez que sabia muito bem quais seriam as consequências para a sua Dalilla, se ele não conseguisse interceptar Douggy a tempo.

   Via cada vez mais abismado, que o bandido, ao invés de poupar ao menos um pouco o animal, parecia estar fazendo questão absoluta de forçá-lo, aumentando terrivelmente o ritmo de sua marcha.

   Foi já perto de três horas da tarde que Claude, pela primeira vez, viu as marcas das patas traseiras do cavalo montado pelo bandido, um pouco mais separadas entre si, do que o normal.

   — Está se cansando! — exclamou. — O cavalo está começando a não aguentar mais!

   Passou a prestar mais atenção e logo à frente, pode ver com clareza que as duas patas dianteiras estavam perdendo a cadência do trote.

   Era mais um sinal muito claro de que, dentro de um espaço de tempo muito curto, Douggy teria problemas muito sérios com a montaria.

   — Pode ser que ele resolva me atacar para apanhar o meu cavalo — murmurou Claude, consigo mesmo. — Preciso prestar atenção a tudo o que existir no caminho!

   Instintivamente, o inspetor diminuiu a marcha de sua caminhada, fazendo com que seu animal seguisse a passo, sem mais se incomodar com qualquer espécie de pressa.

   — Ninguém tem pressa de enfrentar a morte — murmurou Claude, olhando para todos os lados, esperando a cada instante que o bandido lhe enviasse uma bala para os miolos.

   Assim, chegou ao local onde a formação natural de rochas, fazia com que existisse um lugar absolutamente ideal para uma emboscada.

   — Se ele estiver em algum lugar é minha espera — disse para si mesmo Claude — esse lugar terá que ser aqui!

   Parou a menos de cem jardas de distância da pedra em que se escondia o bandido.

   Douggy sabia que o inspetor chegara ao lugar, mas de onde estava não era possível enxergar a posição de Claude.

   Por um breve momento, o bandido pensou em mudar de posição, logo desistindo ao perceber que, ao menor movimento, seria visto.

   A situação estava ficando insustentável.

   Claude sabia que não poderia avançar pois isso significaria a sua morte e Douggy não podia se mexer pois se fizesse isso, com toda a certeza o inspetor o veria e, a partir do momento em que estivesse descoberto, não poderia suportar por muito tempo.

   Mais uma vez, foi o Destino que se encarregou de mostrar para Claude o lugar em que se escondia aquele facínora.

   Um coelho da pradaria saiu de sua toca, na base de uma grande rocha.

   Em uma corrida assustada rumou diretamente para o local onde se encontrava, escondido, Douggy.

   De repente, ao perceber a presença humana naquele local, o coelho estacou.

   Balançou as orelhas, mexeu o focinho e, mais do que depressa, ele fugiu para o lado diametralmente oposto.

   Ora... Para um homem como Claude Kirkpawells, caçador nato, a atitude do coelho foi mais do que suficiente para que ele soubesse que era exatamente ali que estava escondido o facínora.

   Sem vacilar mais, apeou de seu cavalo e, buscando a proteção de uma pedra, disparou com o revólver contra a posição ocupada por Douggy.

   Foi o bastante para que ele se desesperasse de uma vez e começasse a atirar a esmo, começasse a desperdiçar as suas balas.

   Era uma manobra de importância para Claude.

   Não pela quantidade de tiros perdidos a que estava forçando o outro, mas sim porque isso permitia-lhe descobrir com exatidão o lugar em que ele se encontrava e, assim, poderia pensar em uma forma mais simples de desalojá-lo.

   Claude parou de atirar.

   Douggy ainda disparou mais algumas vezes e cessou fogo, deixando que Claude escutasse o pequeno e discreto ruído do tambor da arma se abrindo para ser recarregada.

   Era o momento que parecia ser o mais indicado para um assalto.

   Claude deixou o esconderijo e abriu fogo, desta feita, conseguindo enxergar perfeitamente o bandido.

   Douggy recebeu as balas em cheio.

   Claude o atingiu no peito e na cabeça, empurrando-o de cima da trincheira improvisada de pedras, jogando-o já morto no chão.

   O bandido ficou exatamente na posição em que havia caído.

   O inspetor se aproximou, mexeu no cadáver com o pé e disse:

   — Pronto! Agora sim, está tudo acabado! Não me resta mais nada a não ser ir para casa, ir para os braços de Dalilla e, de lá, pedir a minha demissão!

  

   A Notícia da Liberdade

   Dalilla olhou para o marido e franziu a testa.

   Ele estava sentado diante da lareira, com um telegrama nas mãos.

   — E então? — perguntou ela. — Más notícias?

   E, com uma expressão preocupada, acrescentou:

   — Não estou gostando muito disso... Já faz mais de um ano que você pediu a sua demissão e, até agora, Denver nem sequer se dignou a enviar um telegrama acusando o recebimento de sua carta!

   — Eles não aceitaram o meu pedido — falou Claude. — Simplesmente eu continuo a ser um inspetor federal e os meus vencimentos têm sido depositados todos os meses em minha conta no Banco de Denver.

   Dalilla sentiu que empalidecia.

   — Mas então! — exclamou ela. — Você pode ser chamado para uma missão qualquer.

   — E é isso mesmo o que está acontecendo — falou Claude. — Estão me dando mais uma missão.

   E, sem mais palavras, estendeu a mão, passando o telegrama para a ansiosa Dalilla.

   Ali, estava escrito:

   CLAUDE KIRKPAWELLS — GREEN RIVER CITY — WYOMING

   SUA DEMISSÃO NÃO FOI ACEITA. SUA NOVA MISSÃO É A DE FORMAR AÍ NO WYOMING, A MAIS NOVA FILIAL DA CORPORAÇÃO. FELICIDADES.

   ASSINADO: CHEFIA GERAL.

   — Bem... — fez Dalilla, aliviada — pelo menos, esta notícia pode ser interpretada como uma notícia de liberdade... Como chefe de um departamento inteiro, você não terá obrigação de se arriscar, não é mesmo?

   E, agarrando o pescoço de Claude, ela completou:

   — E nós poderemos ter o resto da vida para nos amarmos!

  

   1) Provavelmente o autor quis referir-se a Cezare Lombroso, famoso criminologista italiano, nascido em 06 de novembro de 1835 e falecido em 19 de outubro de 1909.

[P1]Substitui a palavra “onde” pela expressão “local em que”, para evitar repetição na mesma frase.

 

                                                                                James Licker  

 

                      

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