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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


HALF BLOOD / Jennifer L. Armentrout
HALF BLOOD / Jennifer L. Armentrout

 

 

                                                                                                                                                

  

 

 

 

 

 

Meus olhos se abriram quando o bizarro sexto sentido iniciou a minha resposta de luta ou fuga. A umidade de Georgia e a poeira que cobria o chão tornava difícil respirar. Desde que eu tinha fugido de Miami, não tinha estado segura em nenhum lugar. Esta fábrica abandonada não tinha sido diferente.
Os Daimons estavam aqui.
Eu podia ouvi-los no andar mais baixo, buscando cada sala sistematicamente, abrindo as portas e fechando-as ruidosamente. O som me levou de volta a alguns dias atrás, quando eu abri a porta do quarto da mamãe. Ela tinha estado nos braços de um desses monstros, ao lado de um vaso quebrado de flores de hibisco. Pétalas roxas tinham se espalhado pelo chão, misturando-se com o sangue. A memória torcia as minhas entranhas, mas eu não conseguia pensar nela agora.
Levantei-me de um salto, hesitando no corredor estreito, esforçando-me para ouvir quantos Daimons estavam aqui. Três? Mais? Meus dedos apertaram em torno do punho fino da pá de jardim. Segurei-a, correndo os dedos sobre as bordas afiadas plaqueadas em titânio. O ato lembrou-me do que precisava ser feito. Daimons detestavam titânio.

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Além da decapitação - que era demasiado nojenta - titânio era a única coisa que iria matá-los. Nomeado assim por causa dos Titãs, o metal precioso era venenoso para os viciados em éter.
Em algum lugar do prédio, uma tábua gemeu e cedeu. Um uivo quebrou o silêncio profundo, começando como uma baixa lamentação antes de crescer para um tom intenso e estridente. O grito soou desumano, doente e horripilante. Nada neste mundo soava como um daimon - um daimon com fome.
E estava perto.
Eu corri pelo corredor, meus tênis esfarrapados batendo contra as tábuas gastas. A velocidade estava no meu sangue e fios de cabelo longos e sujos voavam atrás de mim. Dobrei a esquina, sabendo que tinha apenas alguns segundos… 
Uma lufada de ar velho girou em torno de mim quando o daimon pegou um punhado de minha camisa, me jogando contra a parede. Poeira e gesso flutuaram pelo ar. Explosões negras pontilharam a minha visão enquanto me levantava. Aqueles buracos negros e sem alma onde os olhos deveriam ter estado pareciam olhar para mim como se eu fosse o seu bilhete para a próxima refeição. O daimon agarrou o meu ombro, e eu deixei o instinto me dominar. Eu me virei, pegando o olhar de surpresa em seu rosto pálido uma fração de segundo antes de chutar. Meu pé conectou com o lado de sua cabeça. O impacto enviou-o cambaleando para a parede oposta. Virando-me, enfiei a mão nele. Surpresa se transformou em horror quando o daimon olhou para a pá de jardim enterrada em seu estômago. Não importa onde acertávamos. Titânio sempre matava um daimon.Um som gutural escapou de sua boca escancarada, antes que ele explodisse em um pó azul cintilante.
Com a pá ainda na mão, dei meia volta e desci as escadas dois degraus de cada vez. Ignorei a dor em meus quadris enquanto corria pelo chão. Eu ia conseguir — tinha que conseguir. Eu ficaria super-puta na outra vida se morresse virgem neste buraco de merda.
— Pequena mestiça, para onde você está fugindo?
Eu tropecei para o lado, caindo em uma prensa de aço de grandes dimensões.Virei-me e o meu coração bateu contra as minhas costelas. O daimon apareceu poucos metros atrás de mim. Tal como o do andar de cima, ele parecia uma aberração. Sua boca estava aberta, expondo dentes afiados e serrilhados e aqueles buracos negros enviaram calafrios sobre a minha pele. Eles não refletiam nenhuma luz ou vida, apenas a morte. Suas bochechas estavam afundadas, a pele sobrenaturalmente pálida. Veias saltaram, marcando o seu rosto como cobras de tinta. Ele realmente parecia algo saído do meu pior pesadelo - algo demoníaco. Apenas um mestiço poderia ver através do glamour por alguns momentos. Em seguida, a magia elementar assumia o controle, revelando a aparência que ele costumava ter. Adonis veio à minha mente – um homem loiro e deslumbrante.
— O que você está fazendo aqui tão sozinha? — Ele perguntou, a voz profunda e sedutora.
Dei um passo para trás, meus olhos procurando uma saída. O aspirante a Adonis bloqueou a minha saída, e eu sabia que não podia ficar parada por muito tempo. Daimons conseguiam ainda exercer controle sobre os elementos. Se ele me atacasse com o ar ou fogo, eu era um caso perdido.
Ele riu, o som sem qualquer humor ou vida. — Talvez se você implorar — e eu quero dizer, realmente implorar – eu deixo a sua morte ser rápida. Francamente, mestiços realmente não me satisfazem. Puros-sangues por outro lado, — ele soltou um som de prazer, — São como refeições requintadas. Mestiços? Vocês são mais como fast food.
— Dê um passo mais perto, e você vai acabar como o seu amigo lá em cima. — Esperei ter soado ameaçadora o suficiente. Pouco provável. — Tente-me.
Suas sobrancelhas se levantaram. — Agora você está começando a me aborrecer. Você já matou dois de nós.
— Você mantém um registro ou algo assim? — Meu coração parou quando o assoalho rangeu atrás de mim. Virei-me, detectando uma daimon. Ela avançou para mais perto, obrigando-me a ir em direção ao outro daimon. Eles estavam prendendome, não me dando nenhuma oportunidade de escapar.
Outro gritou em algum lugar da pilha de lixo. Pânico e medo me estrangularam. Meu estômago rolou violentamente enquanto os meus dedos tremiam em torno da pá de jardim. Deuses, eu queria vomitar.
O líder avançou para mim. — Sabe o que eu vou fazer para você? 
Eu engoli e fixei um sorriso no meu rosto. — Blah. Blah. Você vai me matar. Blah. Eu sei. 
O grito voraz da mulher cortou-lhe a resposta.
Obviamente, ela estava com muita fome. Ela circulou-me como um abutre, pronta para atacar. Meus olhos se estreitaram nela. Os famintos eram sempre os mais estúpidos – os fracos do bando. A lenda dizia que era o primeiro gosto de éter - a força de vida que corria no nosso sangue - que possuía um puro-sangue. Bastava um gosto para transformar um em um daimon com um vício para toda a vida. Havia uma boa chance de que eu poderia passar por ela. O outro... bem, ele era uma história diferente.
Fingi que ia atacá-la. Como uma drogada perseguindo o vício ela veio direta para mim. O homem gritou para ela parar, mas era tarde demais. Fui na direção oposta, como um velocista olímpico, correndo para a porta que eu tinha chutado no início da noite. Uma vez fora, as chances estariam de volta a meu favor. Uma pequena janela de esperança se acendeu para a vida e me impulsionou para a frente.
A pior coisa aconteceu. Uma parede de chamas voou em frente a mim, queimando através de bancos e subindo pelo menos oito metros no ar. Era real. Nenhuma ilusão. O calor soprou de volta para mim e o fogo crepitou, comendo através das paredes.
Na minha frente, ele atravessou as chamas, se parecendo exatamente como um caçador de daimons deveria parecer. O fogo não queimou as suas calças nem sujou a sua camisa. Nem um fio de cabelo escuro foi tocado pelo fogo. Aqueles olhos frios da cor de nuvens de tempestade se fixaram em mim.
Era ele - Aiden St. Delphi.
Eu nunca esquecerei o seu nome ou rosto. A primeira vez que peguei um vislumbre dele em pé na frente da arena de treinamento, uma paixão ridícula surgira para a vida. Eu tinha 14 anos e ele 17. O fato de que ele era um puro-sangue não tinha importado sempre que eu o vira em torno do campus.
A presença de Aiden só poderia significar uma coisa: os Sentinelas tinham chegado.
Nossos olhos se encontraram, e então ele olhou por cima do meu ombro. — Baixe-se. 
Não precisava que me dissessem duas vezes. Como um profissional, eu caí no chão.
O tiro de calor voou acima de mim, colidindo com o alvo desejado. O chão tremeu com a daimon se debatendo selvagemente e seus gritos feridos encheram o ar. Apenas titânio mataria um daimon, mas me senti confiante de que ser queimado vivo não era uma sensação muito boa.
Elevando-me sobre os cotovelos, espiei através do meu cabelo sujo quando Aiden abaixou a mão. Um som de estalo seguido de movimento, e as chamas desapareceram tão rápido quanto apareceram. Em poucos segundos, apenas o cheiro de madeira queimada, carne e fumaça permaneceu.
Mais dois sentinelas se apressaram para a sala. Reconheci um deles. Kain Poros: um mestiço cerca de um ano mais velho que eu.
Uma vez tínhamos treinado juntos. Kain se moveu com uma graça que nunca teve antes. Ele foi para a fêmea, e com um só golpe rápido, enfiou uma adaga, longa e fina na carne queimada de sua pele. Ela também se tornou em nada mais que pó.
O outro Sentinela tinha o ar de um puro-sangue, mas eu nunca o tinha visto antes. Ele era grande – grande do tipo ‘cara que usa esteróides’ — e concentrou a sua atenção no daimon que eu sabia que estava em algum lugar da fábrica, mas que ainda não tinha visto. Observando como ele se mexia tão graciosamente com tal corpo grande me fez sentir extremamente inadequada, especialmente considerando que eu ainda estava deitada esparramada no chão. Arrastei-me para os meus pés, sentindo a adrenalina alimentada pelo terror desaparecer.
Sem aviso, minha cabeça explodiu em dor ao mesmo tempo que o lado de meu rosto bateu no chão com força. Atordoada e confusa, precisei de um momento para perceber que o Aspirante a Adonis tinha agarrado as minhas pernas. Me torci, mas a aberração afundou as mãos em meu cabelo e puxou a minha cabeça para trás. Eu enterrei os meus dedos na sua pele, mas isso não fez nada para aliviar a pressão no meu pescoço. Por um momento, surpresa, achei que ele queria arrancar a minha cabeça, mas ele afundou os dentes afiados em meu ombro, rasgando tecidos e carne. Eu gritei, realmente gritei.
Eu estava pegando fogo, tinha que estar. A drenagem queimou a minha pele; picadas afiadas irradiaram através de cada célula do meu corpo. E mesmo que eu fosse apenas uma mestiça, não cheia de éter como um puro sangue, o daimon continuou a beber a minha essência como se eu fosse. Não era o meu sangue que ele queria; ele ia engolir litros de sangue apenas para chegar ao éter.
O meu próprio espírito mudou quando ele o arrastou para si. Dor tornou-se tudo.
De repente, o daimon ergueu a boca. — O que você é?
Sua voz sussurrada arrastou as palavras.
Não havia tempo para sequer pensar na questão. Ele foi arrancado de mim e meu corpo caiu para a frente. Eu rolei em uma bola, confusa e sangrenta, soando mais como um animal ferido do que qualquer coisa remotamente humana. Foi a primeira vez que eu fui marcada - drenada por um daimon.
Acima dos pequenos sons que fiz, eu ouvi um repugnante estalo, e, em seguida, gritos selvagens, mas a dor havia assumido os meus sentidos. Começou a se afastar de meus dedos, deslizando em seu caminho de volta para o meu núcleo onde ainda ardia. Tentei respirar através disso, mas porra...
Mãos suaves rolaram-me sobre as minhas costas, afastando os meus dedos do meu ombro. Eu olhava para Aiden.
— Você está bem? Alexandria? Por favor, diga alguma coisa.
— Alex, — eu engasguei. — Todo mundo me chama de Alex.
Ele deu uma risada curta e aliviada. — Okay. Boa. Alex, você consegue levantar? 
Eu acho que assenti com a cabeça. A cada poucos segundos um flash de calor perfurante me percorria, mas a dor havia desaparecido para uma sensação de desconforto constante. — Isso foi realmente uma... droga. 
Aiden conseguiu envolver um braço em volta de mim, levantando-me. Eu balancei enquanto ele afastou meu cabelo para o lado e deu uma olhada ao dano. — Dê-lhe alguns minutos. A dor vai diminuir.
Levantando a cabeça, olhei em volta. Kain e o outro Sentinela estavam olhando carrancudos para duas pilhas quase idênticas de pó azul.
O puro-sangue virou-se para nós. — Acho que estão todos.
Aiden assentiu. — Alex, nós precisamos ir. Agora. Voltar ao Covenant. 
Ao Covenant? Não inteiramente no controle das minhas emoções, virei-me para Aiden. Ele estava todo de preto – o uniforme que os Sentinelas usavam. Por um segundo quente, aquela paixão de garota veio à tona desde há três anos. Aiden parecia sublime, mas a fúria aniquilou essa paixão estúpida.
O Covenant estava envolvido nisto - vindo me resgatar? Onde diabos tinham estado quando um dos daimons havia entrado em nossa casa?
Ele deu um passo adiante, mas eu não o vi - eu vi o corpo sem vida da minha mãe novamente. A última coisa que ela viu na Terra foi o rosto horrível de um daimon, e a última coisa que ela sentiu... eu estremeci, lembrando a dor perfurante da mordida do daimon.
Aiden deu mais um passo em minha direção. Reagi, uma resposta nascida de raiva e dor. Lancei-me a ele, usando movimentos que não tinha praticado nos últimos anos. As coisas simples como chutes e socos eram uma coisa, mas um ataque ofensivo era algo que eu mal tinha aprendido.
Ele pegou a minha mão e me girou de modo que eu enfrentei a outra direção. Em questão de segundos, ele tinha os meus braços presos, mas toda a dor e a tristeza subiram em mim, substituindo qualquer senso comum. Inclinei-me para a frente, com a intenção de obter espaço suficiente entre nós para dar um chute em seu traseiro.
— Não, — advertiu Aiden, sua voz enganosamente suave. — Eu não te quero machucar. 
Minha respiração saiu áspera e irregular. Eu podia sentir o sangue quente escorrendo pelo meu pescoço, misturando-se com suor. Eu continuei a lutar mesmo quando minha cabeça turvou, e o fato de que Aiden me segurou tão facilmente só fez o meu mundo ficar vermelho com raiva.
— Whoa! — Kain gritou do lado de fora, — Alex, você nos conhece! Não se lembra de mim? Nós não vamos te machucar.
— Cale-se! — Livrei-me do aperto de Aiden, esquivando Kain e o Senhor Esteróides. Nenhum deles esperava que eu fugisse, mas foi o que eu fiz.
Cheguei à porta que levava para fora da fábrica, esquivei-me da madeira quebrada e corri para fora. Meus pés me carregaram em direção ao campo do outro lado da rua. Meus pensamentos eram uma completa bagunça. Por que eu estava fugindo? Eu não estava tentando voltar ao Covenant desde o ataque do daimon em Miami?
Meu corpo não queria fazer isso, mas continuei correndo pelas ervas altas e arbustos espinhosos. Passos pesados soaram atrás de mim, ficando cada vez mais perto. Minha visão turvou um pouco, meu coração trovejou no meu peito. Eu estava tão confusa. Então um corpo rígido caiu sobre mim, tirando o ar de meus pulmões. Desci em uma confusão em espiral de pernas e braços.
De algum modo, Aiden virou e levou o peso da queda. Caí em cima dele, e fiquei lá por um momento antes que ele rolasse sobre mim, prendendo-me contra a grama do campo.
Pânico e raiva explodiram dentro de mim. — Agora? Onde estavam vocês há uma semana? Onde estava o Covenant quando a minha mãe estava sendo morta? Onde você estava?
Aiden recuou, os olhos arregalados. — Sinto muito. Nós não sabíamos… 
Seu pedido de desculpas só me irritou ainda mais. Eu queria machucá-lo. Eu queria fazê-lo me libertar. Eu queria... eu queria... Eu não sabia o que diabos queria, mas não conseguia parar de gritar, arranhar e chutá-lo. Somente quando Aiden pressionou seu corpo longo e esguio contra o meu, eu parei. Seu peso, sua proximidade, seguraram-me imóvel.
Não havia um centímetro de espaço entre nós. Eu podia sentir a ondulação dura dos seus músculos abdominais pressionando contra meu estômago, podia sentir os lábios a poucos centímetros dos meus.
De repente tive uma idéia maluca. Gostaria de saber se seus lábios eram tão bons quanto pareciam... porque pareciam impressionantes.
Isso era um pensamento errado a ter. Eu tinha que ser louca – essa era a única desculpa plausível para o que eu estava fazendo e pensando. A forma como eu olhava para os lábios dele ou o fato de que eu queria desesperadamente ser beijada — tudo errado por uma infinidade de razões. Além do fato de que eu acabara de tentar chutar a bunda dele, eu parecia uma bagunça. Sujeira tornava o meu rosto irreconhecível, eu não tinha tomado banho em uma semana e tinha certeza que cheirava mal. Estava nojenta.
Mas pelo jeito como ele abaixou a cabeça, eu realmente achei que ele me ia beijar. Meu corpo inteiro ficou tenso na expectativa, como se à espera de ser beijada pela primeira vez, e esta não era definitivamente a primeira vez que era beijada. Eu tinha beijado muitos garotos, mas não ele.
Não um puro sangue.
Aiden deslocou-se, pressionando-me ainda mais para baixo. Eu inalei agudamente e minha mente correu a um milhão de quilômetros por segundo, expelindo nada de útil. Ele moveu a mão direita na minha testa.
Sinos de alerta dispararam.
Ele murmurou uma compulsão, rápida e em voz baixa, rápido demais para eu entender as palavras.
Filho da…
Uma escuridão repentina levou-me, vazia de pensamento e significado. Não havia como lutar contra algo tão poderoso, e sem deixar sair uma única palavra de protesto, eu afundei em suas profundezas sombrias.
O local onde minha cabeça descansava era sólido, mas estranhamente confortável. Eu me aconcheguei mais perto, sentindo-me segura e quente, algo que eu não sentia desde que mamãe chutou minha bunda para fora do Covenant há três anos. Saltar de um lugar para outro raramente proporciona um conforto tão grande. Algo não estava certo.
 
Meus olhos se abriram. 
 
Filho da puta.
 
Pulei do ombro de Aiden tão rápido que bati minha cabeça contra a janela. — Merda!
 
Ele se virou para mim, as sobrancelhas escuras levantadas. — Você está bem?
 
Eu ignorei a preocupação em sua voz e olhei para ele. Eu não tinha ideia de quanto tempo estive a dormir. A julgar pelo azul profundo do céu fora dos vidros escurecidos, imaginei que tinham sido horas. Puros não deveriam usar compulsões em mestiços que não estavam em servidão; era considerado altamente antiético desde que compulsão priva as pessoas da livre vontade, da escolha e tudo mais.
 
Malditos Hematoi. Não que eles alguma vez se preocupassem com a ética.
 
 Antes que os semideuses originais tivessem morrido junto com Hércules e Perseu, todos eles se uniram uns com os outros da maneira que apenas os gregos podiam. Essas uniões haviam produzido os puro-sangues - os Hematoi - uma raça muito, muito poderosa. Eles poderiam exercer controle sobre os quatro elementos: ar, água, fogo e terra, e manipular o poder bruto em feitiços e compulsões. Puros nunca usavam seus dons contra outro puro. Fazer isso significava prisão - ou mesmo morte em alguns casos.
 
Sendo uma meio-sangue, o produto de um puro-sangue e um comum humano, - uma vira-lata segundo os padrões dos puros - eu não tinha controle sobre os elementos. Meu tipo era agraciado com a mesma força e velocidade que os puros, mas nós tínhamos um presente muito especial que nos diferenciava. Nós podíamos ver através da magia Elemental usada pelos Daimons. Os puros não podiam.
 
Havia um monte de nós mestiços correndo por aí, provavelmente mais do que puros-sangues. Considerando que puros casavam para melhorar sua posição na nossa sociedade em vez de se casarem por amor, eles tendiam a fazer bagunça – muita. Como eles não são suscetíveis às doenças que assolam os mortais, eu deduzi que eles achem que não há problema em renunciar à proteção. Como se verificou, sua prole meiosangue servia numa posição muito valiosa na sociedade puro-sangue.
 
— Alex. — Aiden franziu a testa enquanto me observava. — Você está bem?
 
— Sim, eu estou bem. — Fiz uma careta enquanto olhava os meus arredores. Estávamos em algo grande, provavelmente um dos grandes jipes do Covenant, jipes que poderiam arar sobre uma aldeia inteira. Puros não estavam preocupados com coisas como dinheiro e gás. "Quanto maior, melhor" era seu lema não oficial.
 
O outro puro – o enorme - estava ao volante e Kain estava sentado no banco do passageiro, em silêncio, olhando pela janela. — Onde estamos?
 
— Nós estamos na costa, nos arredores de Bald Head Island. Estamos quase na Ilha Divindade. — respondeu Aiden.
 
Meu coração saltou. — O quê?
 
— Estamos voltando para o Covenant, Alex.
 
O Covenant - o lugar onde eu tinha treinado e chamava de lar até três anos atrás. Suspirando, esfreguei as costas da minha cabeça. — O Covenant enviou você? Ou foi ... meu padrasto?
 
— O Covenant.
 
Respirei mais facilmente. Meu padrasto puro-sangue não estaria feliz em me ver. — Você trabalha para o Covenant agora?
 
— Não. Eu sou apenas um sentinela. Sou mais um empréstimo por enquanto. Seu tio nos enviou para encontrá-la. — Aiden fez uma pausa, olhando pela janela. — Muita coisa mudou desde que você se foi.
 
 Eu queria perguntar o que um sentinela fazia na bem protegida Ilha Divindade, mas eu percebi que não era da minha conta. — O que mudou?
 
— Bem, seu tio é agora o diretor do Covenant.
 
 — Marcus? Espere. O quê? O que aconteceu com diretor Nasso?
 
— Ele morreu cerca de dois anos atrás.
 
— Ah. — Não era grande surpresa. Ele era tão velho quanto a terra. Eu não disse qualquer outra coisa enquanto refletia sobre o fato de meu tio ser agora o Diretor Andros. Ugh. Fiz uma careta. Eu mal conhecia o homem, mas a última vez que eu me lembrava, ele vinha trabalhando seu caminho através da política puro-sangue. Eu não deveria estar surpresa por ele ter encontrado o seu caminho para uma posição tão cobiçada.
 
— Alex, eu sinto muito sobre a compulsão lá atrás. — Aiden quebrou o silêncio que se estendeu entre nós. — Eu não queria que você se machucasse.
 
Eu não respondi.
 
— E ... Sinto muito por sua mãe. Procuramos em todos os lugares por vocês duas, mas vocês não ficavam em um lugar por muito tempo. Nós chegámos muito tarde.
 
Meu coração apertou no meu peito. — Sim, vocês chegaram tarde demais.
 
Mais alguns minutos de silêncio encheram o jipe. — Por que sua mãe partiu três anos atrás?
 
Eu olhei através da cortina do meu cabelo. Aiden me observava enquanto ele esperava por uma resposta para sua pergunta capciosa. — Eu não sei.
 
Desde a idade de sete anos, eu tinha sido uma meio-sangue em treinamento - um dos chamados mestiços "privilegiados". Tínhamos duas opções na vida - participar do Covenant ou ir para a classe trabalhadora. Mestiços que tinham um puro-sangue disposto a falar por eles e a pagar o custo de uma educação eram incluídos no Covenant para treinar como sentinelas ou guardas. Os outros mestiços não tinham tanta sorte.
 
Eles eram cercados pelos Mestres, um grupo de puros que se sobressaíam na arte de compulsão. Um elixir tinha sido criado a partir de uma mistura especial de flores de papoula e chá. A mistura funcionava de forma diferente no sangue de um mestiço. Em vez de deixá-los letárgicos e sonolentos, a papoula refinada os tornava condescendentes e vagos, dando-lhes uma sensação enebriante da qual eles nunca desceriam. Mestres começavam a colocar mestiços sobre o efeito do elixir com a idade de sete anos - a idade da razão - e continuavam em doses diárias. Sem educação. Nenhuma liberdade.
 
Os mestres no fim das contas, eram os responsáveis por distribuir o elixir e acompanhar o comportamento dos meios-sangues em servidão. Eram eles também que os marcavam em sua testa. Um círculo com uma linha através dele, o sinal dolorosamente visível da escravidão.
 
Todos os mestiços temiam esse futuro. Mesmo que nós acabássemos o treinamento no Covenant, levaria apenas um movimento errado para que nos fosse dada a bebida que continuariam a nos dar. O que minha mãe fez, tirar-me do Covenant sem sequer uma explicação, era um grande ataque contra mim. Eu também estava certa de que pegar metade da fortuna de seu marido, meu padrasto, não poderia me ajudar em nada, tampouco.
 
Em seguida, houve todas aquelas vezes que eu deveria ter contatado o Covenant e entregado a minha mãe, feito o que era esperado de mim. Uma ligação, uma estúpida ligação teria salvado sua vida.
 
O Covenant jogaria isso contra mim, também.
 
A memória de acordar e tropeçar no meu pior pesadelo ressurgiu. Um dia antes, ela pediu que eu limpasse o jardim da varanda que eu exigi ter, mas eu dormi até tarde. Até eu me levantar e pegar o saquinho de ferramentas de jardim, já era meio-dia.
 
Imaginando que mamãe já estava trabalhando no jardim, fui para fora na varanda, mas o jardim estava vazio. Eu fiquei lá por um tempo, olhando para o beco através da rua, brincando com a pá de jardim. Então, através das sombras, saiu um homem, um daimon.
 
Ele estava ali em plena luz do dia, olhando para mim. Ele estava tão perto que eu poderia ter atirado a pá e acertado nele. Com o coração na garganta, eu fui para trás da grade. Eu corri de volta para a casa, gritando por ela. Não tinha havido nenhuma resposta. Os quartos pareciam um borrão enquanto eu corria pelo corredor pequeno para seu quarto e abria a porta. O que eu tinha visto iria me assombrar para sempre - sangue, muito sangue, e os olhos da mamãe, abertos e vagos, olhando para o nada.
 
— Estamos aqui. — Kain se inclinou ansiosamente.
 
Todos os meus pensamentos desapareceram quando o meu estômago deu uma volta engraçada. Eu me virei e olhei pela janela. A Ilha Divindade realmente consistia em duas ilhas. Os puros viviam em suas casas extravagantes na primeira ilha. Para o mundo exterior, parecia como qualquer comunidade de ilha normal. Pequenas lojas e restaurantes ladeavam as ruas. Havia até mesmo lojas dirigidas por mortais e adaptadas a eles. As praias primitivas eram de morrer.
 
Daimons não gostavam de viajar através da água. Quando um puro virava para o lado escuro, a sua magia Elemental distorcia e só poderia ser acessada se estivessem tocando a terra. Estar fora do contato com a terra os enfraquecia. Isso fazia uma ilha o buraco perfeito para o esconderijo de nossa espécie.
 
Era muito cedo para alguém estar nas ruas, e em questão de minutos, passamos a segunda ponte. Nesta parte da Ilha Divindade, aninhado entre os pântanos, praias e florestas praticamente intocadas pelo homem, estava o Covenant.
 
Erguendo-se entre o mar infinito e hectares de praias de areia branca, a grande estrutura de arenito que nós passámos era a escola onde puros e mestiços frequentavam aulas. Com suas espessas colunas de mármore e estátuas estrategicamente colocadas dos deuses, era um lugar intimidador e sobrenatural. Os mortais pensavam que o Covenant era uma escola particular de elite onde nenhum de seus filhos alguma vez iria ter o privilégio de estudar. Eles estavam certos. As pessoas tinham que ter algo superespecial em seu sangue para levá-los tão longe.
 
Além do edifício principal estavam os dormitórios e eles também se vangloriavam de mais colunas e estátuas. Pequenos edifícios e bangalôs pontilhavam a paisagem, e as academias grandes e centros de treinamento se assentavam ao lado do pátio. Eles sempre me lembravam dos coliseus antigos, exceto que os nossos eram fechados; furacões poderiam ser uma verdadeira puta nesta zona.
Era tudo lindo, um lugar que eu amava e odiava ao mesmo tempo. Vendo-o agora, eu percebi o quanto eu tinha sentido a sua falta... E mãe. Ela tinha ficado na ilha principal, enquanto eu tinha ido para a escola, mas ela tinha sido uma presença constante em todo o campus, aparecendo e levando-me para almoçar depois das aulas, pedindo ao velho diretor que me permitisse ficar com ela durante os fins de semana. Deuses, eu só queria mais uma chance, mais um segundo para dizer a ela…
 
Eu parei.
 
Controle - eu precisava estar no controle agora, e ceder à dor persistente não iria me ajudar. Endireitando-me, sai do jipe e segui Aiden para o dormitório das meninas. Nós éramos os únicos que se deslocavam pelos corredores silenciosos.  Sendo o início do verão, apenas alguns alunos estariam correndo por aí.
 
— Se limpe. Eu vou voltar para te buscar logo. — Ele começou a virar, mas parou. — Vou encontrar algo para você usar e deixá-lo sobre a mesa.
 
Eu balancei a cabeça, sem palavras. Mesmo que eu estivesse tentando empurrar as emoções para baixo, algumas delas escapuliram. Três anos atrás, todo o meu futuro tinha sido perfeitamente planejado. Todos os instrutores do Covenant tinham elogiado minhas habilidades nas sessões de treinamento. Eles chegaram ao ponto de dizer que eu poderia me tornar uma Sentinela. Sentinelas eram os melhores e eu tinha sido uma das melhores.
 
Três anos sem nenhum treinamento me colocavam atrás de qualquer meio-sangue. Uma vida inteira de servidão provavelmente esperava por mim, um futuro que eu não poderia enfrentar. Ser sujeita às vontades dos puros, não tendo nenhum controle ou podendo dizer qualquer coisa - a possibilidade me aterrorizou.
 
 Uma possibilidade agravada pela  necessidade que me consumia para caçar Daimons.
 
Combatê-los estava arraigado em meu sangue, mas depois de ver o que aconteceu com a mamãe o desejo disparou.
 
Somente o Covenant poderia fornecer os meios para eu alcançar meus objetivos, e meu tio puro-sangue ausente agora possuía o meu futuro em suas mãos.
 
Meus passos estavam pesados enquanto eu me movia para os quartos familiares. Eles estavam totalmente mobiliados, parecendo maiores do que eu lembrava. O quarto tinha uma área de estar separada e um quarto de tamanho decente. E ele tinha seu próprio banheiro. O Covenant oferecia apenas o melhor para seus alunos.
 
Tomei um banho mais do que necessário, deleitando-me com a sensação de estar limpa novamente. As pessoas tomavam coisas como chuveiros por garantidas. Eu sabia que o tinha feito. Após o ataque daimon, eu peguei a estrada com pouco dinheiro. Permanecer viva acabou por ser mais importante do que um chuveiro.
 
Uma vez que eu tive certeza de que toda a sujeira estava lavada, encontrei a pilha limpa de roupas deixadas na mesinha em frente ao sofá. Peguei-as, percebi imediatamente que era o traje de treinamento fornecido pelo Covenant. As calças eram pelo menos dois números maiores, mas eu não ia ser uma cadela sobre isso. Eu os trouxe para meu nariz e cheirei. Elas cheiravam tão, tão limpas.
 
De volta ao banheiro, eu estiquei o pescoço. As marcas do daimon eram exatamente onde o pescoço encontrava a clavícula. As marcas ficariam de uma cor vermelha raivosa durante os próximos cerca de dois dias e depois desbotaria a uma cicatriz pálida e brilhante. A mordida de um daimon nunca deixava a pele intacta. As linhas quase idênticas de perfurações minúsculas enjoavam-me e também me lembravam de um dos meus velhos instrutores. Ela era uma bela mulher mais velha que tinha se aposentado para ensinar táticas de defesa básicas após uma desagradável rodada com um daimon. Seus braços tinham ficado cobertos com pálidas cicatrizes, em forma de meio círculo, um ou dois tons mais claros do que seu tom de pele.
 
Uma marca tinha sido ruim o suficiente. Eu não podia imaginar o que deve ter sido para ela. Os daimons tentaram transformá-la através da drenagem de todo o seu éter. Quando dizia respeito a transformar um puro, não havia troca de sangue. 
 
Era um processo assustadoramente simples.
 
Um daimon coloca seus lábios nos do puro que foi drenado, compartilham algum de seu éter e – voila, daimon novo! Tal como sangue infectado, a essência contaminada passava para um puro, e nada poderia ser feito para desfazer a alteração. O puro estava perdido para sempre. Tanto quanto nós sabíamos, era a única forma de que um daimon poderia ser feito, mas, novamente, não era como se nós andássemos falando com eles. Eles eram mortos assim que fossem vistos.
 
Eu sempre pensei que a política era estúpida. Ninguém, nem mesmo o Conselho, sabia o que os daimons pensavam conseguir com os homicídios. Se pegássemos um e realmente o questionássemos, poderíamos aprender muito sobre eles. Quais eram seus planos, seus objetivos? Será que eles sequer tinham algum? Ou era apenas a necessidade de éter que os mantinha continuando? Nós não sabíamos. Tudo o que os Hematoi queriam era detê-los e garantir que nenhum dos puros fosse transformado.
 
Enfim, rumores diziam que a nossa instrutora tinha esperado até ao último momento para atacar, portanto, frustrando os planos do daimon. Lembrei-me de olhar para essas marcas e pensar quão terrível era que o corpo dela, antes impecável, tinha sido arruinado.
 
Meu reflexo embaçado no espelho olhou para mim. Esta marca seria difícil de esconder, mas poderia ter sido pior. Ele poderia ter marcado um pedaço do meu rosto - daimons podiam ser cruéis.
 
Mestiços não podiam ser transformados, é por isso que nós éramos excelentes lutadores contra os Daimons. Morrer era o pior que poderia acontecer conosco. Quem se importava se um meio-sangue morria no campo de batalha? Para os puros, éramos dispensáveis.
 
Suspirando, eu lancei o meu cabelo sobre meu ombro e afastei-me do espelho quando uma batida suave soou. Um segundo depois, Aiden abriu a porta do meu dormitório. Todo seu 1,98m deu uma parada abrupta no momento em que ele me viu. Surpresa cintilou em seu rosto, enquanto olhava para a nova versão de mim.
 
O que posso dizer? Eu me arrumava bem.
 
Com toda a sujeira e rudeza fora, eu parecia com a minha mãe. Longos cabelos escuros caíam nas minhas costas, eu tinha aquelas maçãs do rosto salientes e lábios cheios que a maioria dos puros tinha. Eu era um pouco mais curva do que a estrutura esbelta de minha mãe e eu não tinha seus olhos incríveis. Os meus eram marrons, marrom acolhedor. 
 
Eu derrubei minha cabeça para trás, olhando-o diretamente nos olhos pela primeira vez. — O quê?
 
Ele se recuperou em tempo recorde. — Nada. Você está pronta?
 
— Eu acho que sim. — Dei outra olhada quando ele saiu do meu quarto.
 
As ondas do cabelo marrom escuro de Aiden continuamente caiam sobre a testa, roçando as sobrancelhas igualmente escuras. As linhas do rosto eram quase perfeitas, a curva de sua mandíbula era forte, e tinha os lábios mais expressivos que eu já vi. Mas eram aqueles olhos de nuvem de trovoada que eu achava lindos. Ninguém tinha aqueles olhos.
 
Desde o breve momento em que ele me segurou no campo, senti-me bastante segura de que o resto dele era igualmente deslumbrante. Pena que ele era um purosangue. Puros estavam fora dos limites para mim e para cada mestiço lá fora.
 
Supostamente, os deuses tinham proibido interações do tipo divertido entre mestiços e puros. Algo a ver com a pureza de sangue não ser manchada - um medo de que uma criança de tal acoplamento fosse... Franzi a testa para as costas de Aiden.
 
O que seria - um Ciclope?
 
Eu não sabia o que poderia acontecer, mas eu sabia que era considerado muito, muito ruim. Deuses ficavam ofendidos, o que não era uma coisa boa. Então, já que eu tinha idade suficiente para entender como os bebês eram feitos, nós meios-sangues tínhamos sido ensinados a nunca olhar para um puro com nada além de respeito e admiração. Puros eram ensinados a nunca manchar a sua linhagem, se misturando com um meio-sangue, mas houve momentos em que mestiços e puros se relacionaram. Não terminou bem, e os mestiços geralmente foram punidos.
 
Não era justo, mas era a maneira que este mundo existia. Os puros estavam no topo da cadeia alimentar. Eles faziam as regras, controlavam o Conselho, e ainda dirigiam o Covenant.
 
Aiden olhou por cima do ombro para mim. — Quantos Daimons você matou?
 
— Só dois. — Acelerei o meu ritmo para que eu pudesse acompanhar suas longas pernas.
 
— Só dois? — Estupefação encheu sua voz. —Você percebe o quão fantástico é para um meio-sangue não totalmente treinado matar um daimon, que dirá dois?
 
— Eu acho que sim. — Fiz uma pausa, sentindo a bolha de raiva ameaçando transbordar. Quando o daimon me viu em pé na porta do quarto da minha mãe, ele se lançou contra mim... e direto para a pá que eu tinha nas mãos. Idiota. O outro daimon não foi tão burro. — Eu teria matado o outro em Miami... mas eu estava, eu não sei. Eu não estava pensando. Eu sei que eu deveria ter ido atrás dele, mas entrei em pânico.
 
Aiden parou e me encarou. — Alex, o fato de que você derrotou um daimon sem treinamento é notável. Foi corajoso, mas também tolo.
 
— Bem, obrigada.
 
— Você não está treinada. Os daimons poderiam facilmente ter matado você. E o que você matou na fábrica? Outro ato destemido, mas tolo.
 
Eu fiz uma careta. — Eu pensei que você disse que era surpreendente e notável.
 
— Foi, mas você poderia ter morrido. — Ele seguiu na frente.
 
Esforcei-me para acompanhá-lo. — Por que você se importaria se eu estivesse morta? Por quê a preocupação de Marcus? Eu nem conheço o homem, e se ele não me permitir voltar a treinar, eu fico tão boa quanto morta, de qualquer maneira.
 
— Isso seria uma vergonha. — Ele olhou para mim suavemente. — Você tem todo o potencial do mundo.
 
Meus olhos se estreitaram em suas costas. A súbita vontade de empurrá-lo era quase grande demais para deixar passar. Nós não falámos depois disso. Uma vez fora, a brisa brincou com meus cabelos, e eu senti o gosto do sal do mar enquanto o sol aquecia minha pele gelada.
 
Aiden me levou de volta para o prédio principal da escola e até o número ridículo de escadas que levavam ao gabinete do reitor. As formidáveis portas duplas apareceram à frente e eu engoli em seco. Eu passei muito tempo neste escritório quando o diretor Nasso tinha supervisionado o Covenant.
 
Enquanto os guardas abriam a porta para nós, eu me lembrei da última vez que estive neste escritório para um sermão. Eu tinha quatorze anos, e entediada, eu tinha convencido um dos puros a inundar a ala de ciências utilizando o elemento água. Claro que ele totalmente me delatou.
 
Nasso não tinha ficado feliz.   Meu primeiro vislumbre do escritório foi exatamente como eu me lembrava: perfeito e bem desenhado. Várias cadeiras de couro encontravam-se diante de uma grande mesa de carvalho cereja. Peixes coloridos nadavam de um lado para o outro no aquário que revestia a parede atrás da mesa.
 
Meu tio entrou em minha linha de visão e eu hesitei. Havia muito tempo que não o via, anos realmente. Eu tinha esquecido o quanto ele se parecia com a mamãe. Eles partilhavam os mesmos olhos cor de esmeralda, aqueles que mudavam dependendo do humor. Eram olhos que só minha mãe e meu tio compartilhavam.
 
Exceto que a última vez que tinha visto os olhos dela, eles não tinham estado vibrantes. O sentimento desagradável inchou dentro de mim, pressionando no meu peito. Eu dei um passo à frente, empurrando-o para longe.
 
 — Alexandria. — A voz profunda e culta de Marcus atraiu-me de volta para a sala. — Depois de todos estes anos. Vê-la novamente? Eu estou sem palavras.
 
O tio - e eu usava o termo de forma vaga - não soava em nada como um membro próximo da família. Seu tom era frio e plástico. Quando eu encontrei seus olhos, eu soube logo depois que eu estava condenada. Não havia nada em seu olhar ligando-me a ele, nenhuma felicidade ou alívio ao ver a sua única sobrinha viva e inteira. Na verdade, ele parecia bastante entediado.
 
Alguém pigarreou chamando minha atenção para o canto do escritório. Nós não estávamos sozinhos. O Senhor Esteróides estava no canto, junto com uma pura. Ela era alta e esbelta, com cascatas de cabelo cor de corvo. Eu deduzi que era uma instrutora.
 
Apenas puros que não tinham aspirações para os jogos políticos de seu mundo ensinavam no Covenant ou se tornavam sentinelas ou como Aiden que viviam com razões suprapessoais para o fazer: como ter seus pais assassinados por Daimons bem na frente dele quando ele era uma criança. Que foi o que aconteceu com ele. Supostamente, era por isso que Aiden havia escolhido se tornar um sentinela. Ele provavelmente queria algum tipo de vingança.
 
Algo que tínhamos em comum.
 
— Sente-se. — Marcus apontou para uma cadeira. — Temos muito o que discutir.
 
Tirei meus olhos dos puros e avancei. Esperança surgiu com a presença deles. Por que outra razão haveria puros aqui se não fosse para falar sobre a minha falta de formação e as formas de superá-la?
 
Marcus passou atrás de sua mesa e sentou-se. De lá, ele cruzou as mãos e me encarou. Mal-estar me fez sentar reta e balançar os pés acima do piso.
 
— Eu realmente não sei por onde começar com... essa bagunça que Rachelle criou.
 
Eu não respondi por que não tinha certeza se tinha ouvido corretamente. 
 
— Primeiro, ela quase arruinou Lucian. Duas vezes. — Ele falou como se eu tivesse algo a ver com isso. — O escândalo que ela criou quando conheceu seu pai foi ruim o suficiente. Quando ela esvaziou a conta de Lucian no banco e fugiu com você? Bem, eu tenho certeza que até mesmo você pode entender as implicações duradouras de uma decisão tão imprudente.
 
Ah, Lucian. O marido perfeito puro-sangue da mamãe, meu padrasto. Eu podia imaginar a sua resposta. Provavelmente tinha envolvido uma série de objetos sendo atirados e lamentos sobre seu pobre julgamento. Eu não sei nem se a mamãe o tinha amado ou se ela amava o meu pai mortal com quem teve um caso.
 
Marcus continuou listando como suas decisões tinham ferido Lucian. Eu praticamente o sintonizei como barulho de fundo. A última vez que eu lembrava, Lucian estava trabalhando para garantir um lugar no Conselho puro-sangue. Remanescente da antiga quadra olímpica grega, o Conselho tinha doze figuras dominantes e, desses 12, dois eram ministros.
 
Os Ministros eram os mais poderosos. Eles governavam as vidas de ambos, dos puros e dos mestiços, assim como Hera e Zeus governavam Olympia. Desnecessário dizer que os Ministros tinham egos fodidamente enormes.
 
Cada localização onde havia um Covenant possuía um Conselho: Carolina do Norte, Tennessee, Nova York, e a universidade puro-sangue localizada em Dakota do Sul. Os oito Ministros controlavam o Conselho.
 
— Você está me ouvindo, Alexandria? — Marcus fez uma careta para mim.
 
Minha cabeça ergueu. — Sim... você está falando sobre o quão ruim tudo foi para Lucian. Eu sinto pena dele. Realmente, eu sinto. Tenho certeza de que isso empalidece em comparação a ter sua vida arrancada de você. 
 
Um olhar estranho surgiu em seu rosto. — Você está se referindo ao destino da sua mãe?
 
— Você quer dizer o destino da sua irmã? — Meus olhos se estreitaram quando encontrei o seu olhar.
 
Marcus olhou para mim, seu rosto ficando branco. — Rachelle selou seu próprio destino quando deixou a segurança de nossa sociedade. O que aconteceu com ela é verdadeiramente trágico, mas eu não posso me sentir muito chateado. Quando ela te levou para longe do Covenant provou que não dava a mínima para a reputação de Lucian ou para a sua segurança. Ela era egocêntrica, irresponsável…
 
 — Ela era tudo para mim! — Eu pulei para os meus pés. — Ela não fez nada além de pensar em mim! O que lhe aconteceu foi horrível, 'trágico' é para pessoas que morrem em acidentes de carro!
 
Sua expressão não mudou. — Ela não fez nada além de pensar em você? Acho isso estranho. Ela deixou a segurança do Covenant e colocou ambas em perigo.
 
Mordi a parte interna da bochecha.
 
— Exatamente. — Seu olhar ficou ártico. — Sente-se, Alexandria.
 
Furiosa, eu me forcei a sentar e calar a boca.
 
— Ela lhe disse por que você precisava deixar o Covenant? Deu-lhe alguma razão do porque ela faria uma coisa tão imprudente?
 
Olhei para os puros. Aiden tinham recuado para ficar ao lado dos outros dois. Os três assistiam a esta novela com cara de paisagem. Grande ajuda que eles estavam sendo.
 
— Alexandria, fiz-lhe uma pergunta.
 
A madeira dura espetou em minhas mãos enquanto eu agarrava os braços da cadeira. — Eu ouvi você. Não. Ela não me disse.
 
Um músculo apertou ao longo da mandíbula de Marcus, enquanto olhava para mim em silêncio. — Bem, isso é uma vergonha.
 
Como não tinha a certeza de como responder, eu o assisti abrir um arquivo em sua mesa e espalhar os papéis alinhados na frente dele. Inclinando para frente, eu tentei ver o que eram.
 
Limpando a garganta, ele pegou um dos papéis. — Bem, eu não posso fazê-la responsável por aquilo que Rachelle fez. Os deuses sabem que ela está sofrendo as consequências.
 
— Eu acho que Alexandria está consciente de como sua mãe sofreu, — a mulher pura interrompeu. — Não há necessidade de ir mais longe.
 
O olhar de Marcus virou glacial. — Sim. Acho que você está correta, Laadan. — Ele virou-se para o papel que pegou entre os dedos elegantes. — Quando fui avisado de que tinham sido finalmente localizadas, pedi que relatórios fossem enviados para mim.
 
Eu estremeci e sentei-me no assento. Isso não ia ser bom.
 
— Todos os seus instrutores não tinham nada mais que elogios brilhantes quanto à sua formação.
 
Um pequeno sorriso se formou em meus lábios. — Eu era muito boa.
 
— No entanto, — ele olhou para cima, encontrando meus olhos brevemente, — quando se trata de seus registros de comportamento, eu me encontro ... boquiaberto.
 
Meu sorriso murchou e morreu.
— Várias notas sobre questões de desrespeito para com seus professores e outros alunos. — continuou ele. — Uma nota especial aqui, escrita pessoalmente pelo instrutor Banks, afirma que o seu nível de respeito pelos seus superiores é seriamente deficiente e que era um problema contínuo.
 
— O instrutor Banks não tinha senso de humor.
 
Marcus arqueou uma sobrancelha. — Então eu imagino que nem o Instrutor Richards nem o instrutor Otávio tinham, também? Eles também escreveram que às vezes você era incontrolável e indisciplinada.
 
Protestos morreram nos meus lábios. Eu não tinha nada a dizer.
 
— Seus problemas com o respeito não parecem ser os únicos. — Ele pegou outro pedaço de papel e suas sobrancelhas se levantaram. — Você foi disciplinada várias vezes por sair sorrateiramente do Covenant, por lutar, perturbar a aula, quebrar inúmeras regras, e, oh, sim, o meu favorito? — Ele olhou para cima, sorrindo com força. — Você já colecionava deméritos repetidos por desrespeitar o toque de recolher e por confraternizar no dormitório masculino.
 
Eu me mexi desconfortavelmente.
 
 — Tudo antes da idade de quatorze anos. — Seus lábios se apertaram. — Você deve estar orgulhosa.
 
Meus olhos se arregalaram enquanto eu olhava para sua mesa. — Eu não diria orgulho.
 
— Será que isso importa?
 
Olhei para cima. — Acho que... não?
 
O sorriso apertado voltou. — Considerando o seu comportamento anterior, eu receio lhe dizer que não há nenhuma maneira de que eu poderia permitir-lhe voltar a treinar.
 
— O quê? — Minha voz ficou estridente. — Então por que estou aqui?
 
Marcus colocou os papéis de volta no arquivo e fechou-o. — Nossas comunidades estão sempre precisando de funcionários. Falei com o Lucian esta manhã. Ele lhe ofereceu um lugar em sua casa. Você devia estar honrada.
 
— Não! — Eu me levantei mais uma vez. Pânico e raiva tomaram conta de mim. — Não há nenhuma maneira de você me drogar! Eu não vou ser uma serva em sua casa ou na de qualquer outro puro!
 
— Então o quê? — Marcus cruzou as mãos novamente e me olhou com calma. — Você vai voltar a viver nas ruas? Eu não vou permitir isso. A decisão já foi tomada. Você não vai reentrar no Covenant.
 
Aquelas palavras me chocaram tanto que fiquei em silêncio. Todos os meus sonhos de vingança se evaporaram. Olhei para meu tio, odiando-o quase tanto quanto eu odiava Daimons.
 
O senhor Esteróides limpou a garganta. — Se me permite, posso dizer uma coisa?
 
Marcus e eu nos virámos em sua direção. Fiquei surpresa por ele poder falar, mas Marcus acenou com a mão para ele continuar.
 
— Ela matou dois Daimons.
 
— Eu estou ciente disso, Leon.
 
 O homem que estava prestes a derrubar todo o meu mundo não parecia muito interessado.
 
— Quando a encontrámos na Geórgia, ela estava lutando sozinha contra mais dois Daimons, — Leon continuou. — Seu potencial, se treinada adequadamente, é astronômico.
 
 Chocada por este puro estar intercedendo por mim, sentei-me lentamente. Marcus ainda não parecia impressionado e aqueles olhos verdes brilhantes eram tão duros como gelo.
 
— Eu entendo, mas seu comportamento de antes do incidente com sua mãe não pode ser apagado. Esta é uma escola e não uma creche. Eu não tenho tempo nem energia para manter um olho nela. Eu não posso tê-la correndo selvagem por estas salas e influenciando os outros alunos.
 
Revirei os olhos. Ele me fez soar como uma criminosa astuta prestes a derrubar todo o Covenant.
 
— Então atribua alguém a ela, — disse Leon. — Há instrutores aqui durante o verão que são capazes de manter um olho sobre ela.
 
— Eu não preciso de uma babá. Não é como se eu fosse queimar um edifício.
 
Todo mundo me ignorou.
 
Marcus suspirou. — Mesmo se a atribuir a alguém, ela está atrasada em sua formação. Não há nenhuma maneira de ela estar em pé de igualdade com os de sua classe. Chegando o outono, ela estará extremamente para trás.
 
Desta vez foi Aiden quem falou. — Teríamos todo o verão para prepará-la. É possível que ela possa estar pronta o suficiente para frequentar as aulas.
 
— Quem tem tempo para tal empreendimento? — Marcus fez uma careta. — Aiden, você é um sentinela, e não um instrutor. Nem Leon. E Laadan terá de voltar para Nova York logo. Os outros instrutores têm uma vida, a qual eu não posso esperar que larguem apenas por uma meio-sangue.
 
A expressão de Aiden era ilegível e eu com certeza não soube o que provocou as palavras que saíram de sua boca. — Eu posso trabalhar com ela. Não iria interferir com os meus deveres.
 
— Você é um dos melhores Sentinelas, — Marcus balançou a cabeça. — Seria um desperdício de seu talento.
 
Eles continuaram a discutir sobre o que fazer comigo. Tentei intrometer uma vez, mas depois o olhar de alerta tanto de Leon, quanto de Aiden me fizeram calar a boca. Marcus continuou afirmando que eu era uma causa perdida, enquanto Aiden e Leon argumentavam que eu poderia ser corrigida. A enorme vontade de meu tio de dar-me à Lucian doeu. Servidão não era um futuro agradável. Todo mundo sabia disso. Eu tinha ouvido rumores, aqueles terríveis a respeito de como os puros tratavam os mestiços - especialmente mestiças.
 
Laadan deu um passo à frente depois que Aiden e Marcus chegaram a um impasse sobre o que fazer comigo. Lentamente, ela jogou seu longo cabelo sobre o ombro. — Que tal fazer um acordo, diretor Andros? Se Aiden diz que ele pode treiná-la e ainda fazer seus deveres, então você não tem nada a perder. Se ela não estiver pronta até o final do verão, ela não fica.
 
Eu virei de volta para Marcus, cheia de esperança.
 
Ele olhou para mim pelo que pareceu uma eternidade. — Tudo bem. — Ele se recostou na cadeira. — Mas é sua responsabilidade, Aiden. Você entendeu? Qualquer coisa e, eu quero dizer qualquer coisa que ela fizer será refletida em você. E confiem em mim, ela vai fazer alguma coisa. Ela é exatamente como sua mãe.
 
Aiden de repente olhou cauteloso para mim. — Sim. Eu entendo.
 
Um largo sorriso irrompeu no meu rosto e o olhar cauteloso em seu rosto aumentou, mas quando me virei para Marcus, meu sorriso morreu sob seu olhar gelado.
 
— Eu vou ser menos tolerante do que o seu antigo diretor, Alexandria. Não me faça arrepender desta decisão.
 
Eu assenti, não confiando plenamente em mim para falar. Havia uma boa chance de eu estragar tudo se o fizesse. Em seguida, Marcus me dispensou com um aceno de sua mão. Levantei-me e deixei seu escritório. Laadan e Leon permaneceram, mas Aiden me seguiu.
 
Eu me virei para ele. — Obrigada.
 
Aiden olhou para mim. — Não me agradeça ainda.
 
Eu sufoquei um bocejo e encolhi os ombros. — Bem, eu agradeço. Eu realmente acho que Marcus teria me enviado para Lucian se não fosse por vocês três.
 
— Ele teria. Seu padrasto é o seu guardião legal.
 
Estremeci. — Isso é reconfortante.
 
Ele pegou a minha reação. — Foi algo que Lucian fez que acarretou a fuga de vocês?
 
— Não, mas Lucian... não gostava muito de mim. Eu sou filha do amor de minha mãe, você sabe? Ele é apenas Lucian. O que o merda é afinal?
 
As sobrancelhas de Aiden subiram. — Esse merda é o Ministro do Conselho.
 
Minha boca abriu. — O quê? Você está brincando, certo?
 
— Por que eu iria brincar com algo assim? Então você pode querer parar de chamá-lo assim em público. Eu duvido que isso fosse ajudar a sua causa.
 
A notícia de que Lucian era agora um ministro fez o meu estômago apertar, especialmente considerando que ele tinha um "lugar" para mim em sua casa. Eu balancei minha cabeça e afastei aquela implicação de meus pensamentos. Eu tinha um número suficiente de outras preocupações imediatas antes dele.
 
— Você deve descansar um pouco. Venha amanhã, vamos começar a treinar... se você se sentir pronta.
 
— Eu estou.
 
Aiden olhou meu rosto machucado e depois para baixo, como se ele pudesse ver os muitos cortes e contusões que eu acumulei desde que tinha fugido de Miami. — Você tem certeza?
 
Assenti, o meu olhar caindo sobre a mecha de cabelo que ele continuava afastando de sua testa. — Vamos começar com o quê? Eu não comecei nenhuma das táticas ofensivas ou treinamento Silat.
 
Ele balançou a cabeça. — Eu odeio decepcionar você, mas você não vai começar com o treinamento Silat.
 
Isso era decepcionante. Eu gostava de punhais e todas as coisas cortantes, e eu realmente gostaria de saber como usá-los efetivamente. Comecei a ir em direção ao meu dormitório, mas a voz de Aiden me parou.
 
— Alex. Não... me decepcione. Qualquer coisa que você fizer vai voltar para mim. Você entende?
 
— Sim. Não se preocupe. Eu não sou tão ruim quanto Marcus faz soar.
 
Ele pareceu duvidoso. — Confraternizar nos dormitórios masculinos?
 
Eu enrubesci. — Eu estava visitando amigos. Não é como se eu estivesse transando com algum deles. Eu tinha apenas quatorze anos. Não sou uma oferecida.
 
— Bem, bom saber. — Ele se afastou.
 
Suspirando, eu voltei para meu quarto. Eu estava cansada, mas toda a emoção de receber uma segunda chance tinha me eletrizado. Depois de olhar para a cama por uma quantidade absurda de tempo, eu saí do meu quarto e caminhei pelos corredores vazios do dormitório das meninas. Os puros e mestiços compartilhavam alojamentos apenas no Covenant. Em qualquer outro lugar, eram separados.
 
Eu tentei lembrar como era estar aqui. Os rigorosos programas de treinamento, os trabalhos de classe ridículos, estudar coisas que me aborreciam até as lágrimas e todos os jogos sociais que os puros e os mestiços tinham de jogar. Não há nada como um bando de adolescentes maliciosos que poderiam ou chutar o seu traseiro até o outro lado do país ou colocá-lo a arder com um simples pensamento. Isso por si só fazia com que as pessoas arrumassem briga ou ficassem amigas. E no final do dia, era sempre bom ter um incendiário a quem recorrer.
 
Todos tinham um papel a desempenhar. Eu tinha sido considerada legal pelos padrões dos meios-sangues, mas agora eu não tinha ideia de onde estaria no outono.
 
Depois de percorrer as salas vazias, saí do dormitório das meninas e me dirigi para um dos menores edifícios perto dos pântanos. Um edifício quadrado constituído de um refeitório, uma sala de recreação e rodeado de um pátio colorido.
 
Diminuí a velocidade quando me aproximei de uma das salas maiores. O riso e barulho irradiando da sala provaram que havia alguns alunos que permaneceram aqui nas férias de verão. Algo despencou dentro de mim. Será que eles me aceitariam de volta? Será que eles ainda me conheceriam? Inferno, eles se importariam?
 
Respirando fundo, abri as portas. Ninguém pareceu notar-me. Todo mundo estava ocupado torcendo por um puro que flutuava várias peças da mobília no ar. A jovem era uma novata que controlava o elemento ar, o que explicava todo o barulho. Mamãe tinha usado o ar, também. Afinal, era o elemento mais comum. Puros só podiam controlar um, às vezes dois, se eles fossem realmente poderosos.
 
Estudei a menina. Com seus brilhantes cachos vermelhos e gigantes olhos azuis, ela parecia por volta dos doze anos, especialmente em pé ao lado dos imponentes mestiços, vestida com o seu suéter fofo. Eu realmente não podia falar muito. Tinha apenas os meus 1,68 metros, que era um tamanho anão comparado com a maioria dos mestiços.
 
Eu culpava o meu pai mortal.
 
Enquanto isso, a pura franziu os lábios quando uma outra cadeira tombou para o chão e mais risadas irromperam a partir de seu público todo, exceto um. Caleb Nicolo. Alto, loiro e com um sorriso todo encantador, Caleb tinha sido meu parceiro quando eu tinha estado no Covenant. Eu não deveria ter estado tão surpresa ao vê-lo aqui durante o verão. Sua mãe mortal nunca quis nada a ver com seu filho "estranho" e seu pai purosangue estava totalmente ausente na lista.
 
Caleb olhou para mim, de olhos arregalados e atordoados. — Santa... porcaria.
 
Todos se voltaram para mim, até mesmo a pura. Com sua concentração quebrada, todos os itens caíram no chão. Vários dos mestiços fugiram quando o sofá desceu, e, em seguida, a mesa de sinuca.
 
Eu mexi os dedos. — Há quanto tempo, hein?
 
Caleb dentro de dois segundos cruzou o comprimento da sala e me puxou para um abraço enorme. Então ele me pegou e me girou.
 
— Onde diabos você estava? — Ele me colocou no chão. — Três anos, Alex? Que diabos? Você sabe o que metade dos estudantes disse que aconteceu com você e sua mãe? Pensamos que você estivesse morta! Eu poderia seriamente te dar um soco no rosto agora mesmo.
 
Eu mal conseguia segurar meu sorriso. — Eu senti sua falta também.
 
Ele continuou me olhando como se eu fosse algum tipo de miragem. — Eu não posso acreditar que você realmente está parada aqui. É melhor ter uma história maluca para mim.
 
Eu ri. — Como o quê?
 
— É melhor você ter tido um bebê, matado alguém ou dormido com um puro. Essas são as suas três opções. Qualquer coisa menor é totalmente inaceitável.
 
— Você vai se decepcionar, porque não foi nada emocionante.
 
Caleb deixou cair o braço sobre os meus ombros e me conduziu para um dos sofás. — Então você tem que me dizer o que diabos andou fazendo e como chegou até aqui. E por que você não ligou para qualquer um de nós? Não há um único lugar neste mundo que não tenha serviço de celular.
 
— Eu aposto que ela provavelmente matou alguém.
 
Inclinei a cabeça para trás e vi Jackson Manos no grupo de mestiços que eu não reconhecia. Ele parecia exatamente como eu me lembrava dele. O cabelo escuro repartido ao meio, um corpo feito apenas para fazer as meninas babarem, olhos sensuais e igualmente escuros. Eu lhe dei o meu melhor sorriso. — Que seja, idiota. Eu não matei ninguém.
 
Jackson balançou a cabeça quando se aproximou de nós. — Você se lembra de derrubar Nick em seu pescoço durante a prática? Você quase o matou. Ainda bem que nós curamos tão rapidamente ou você o teria colocado fora do treinamento por meses.
 
Todos nós rimos da lembrança. Pobre Nick tinha passado uma semana na enfermaria após o incidente. Nosso bom tempo e a curiosidade geral levou os outros mestiços para o sofá. Sabendo que eu tinha que responder a algumas das perguntas sobre a minha ausência, eventualmente, eu elaborei um conto muito brando sobre mãe querer viver entre os mortais. Caleb me olhou desconfiado, mas ele não questionou.
 
— Que diabos você está vestindo, falando nisso? Parece o uniforme de treinamento de um cara. — Caleb puxou minha manga.
 
— É tudo o que eu tenho. — Dei um suspiro dramático e lamentável. — Duvido que eu vá sair tão cedo e não tenho dinheiro.
 
Ele sorriu. — Eu sei onde eles guardam todas as roupas de treinamento aqui. Amanhã, posso buscar algum material extra na cidade.
 
— Você não precisa. E, além disso, eu não acho que quero que você compre para mim. Eu ia acabar parecendo uma stripper.
 
Caleb riu, a pele em torno de seus olhos azuis enrugou. — Não se preocupe com isso. Meu pai mandou-me uma fortuna há algumas semanas atrás. Acho que ele se sente mal por ser uma merda de pai. De qualquer forma, eu vou chamar uma das meninas para ir comigo ou algo assim.
 
A pura - Thea era o nome dela - finalmente fez seu caminho até onde estávamos sentados. Ela parecia agradável e genuinamente interessada em mim, mas fez a pergunta que eu temia.
 
— Então, sua mãe... se reconciliou com Lucian? — Ela perguntou com uma voz doce e infantil.
 
Obriguei-me a não mostrar qualquer reação. — Não.
 
Ela pareceu surpresa. Assim como os mestiços.
 
— Mas... eles não podem se divorciar, — disse Caleb. — Eles estão indo morar em casas separadas?
 
Puros nunca se divorciavam. Eles acreditavam que seus companheiros eram predestinados pelos deuses. Eu sempre pensei que era uma droga, mas a coisa do "nãodivórcio" explicava por que tantos deles tinham casos.
 
— Uh... não, — eu disse. —Mamãe ... não sobreviveu ao exterior.
 
A boca de Caleb caiu aberta. — Oh. Cara, eu sinto muito.
 
Obriguei-me a encolher os ombros. — Está tudo bem.
 
— O que aconteceu com ela? — Jackson perguntou, com a falta de tato de sempre.
 
Tomei uma respiração profunda e decidi dizer a verdade. — Um daimon a pegou.
 
Isso levou a uma nova rodada de perguntas, todas as quais eu respondi com sinceridade. Cada um de seus rostos espelhou choque e admiração quando eu cheguei à parte onde lutei e matei dois dos Daimons. Mesmo Jackson parecia impressionado. Nenhum deles tinha sequer visto um daimon na vida real.
 
Eu não entrei em detalhes sobre meu encontro com o Marcus, mas disse a eles que o meu verão não ia ser tudo diversão e jogos. Quando mencionei que eu estaria treinando com Aiden, um gemido coletivo soou.
 
— O quê? — Eu olhei em torno do grupo.
 
Caleb chutou as pernas do meu colo e se levantou. — Aiden é um dos mais difíceis….
 
— Duros. — acrescentou Jackson solenemente.
 
— Maus. — falou uma garota meio-sangue com corte curto no cabelo castanho. Eu acho que o nome dela era Elena.
 
Mal-estar passou por mim. Por que eu tinha me metido com ele? E eles não foram suaves com suas descrições.
 
— Fortes. — acrescentou outro garoto.
 
Elena olhou ao redor da sala, seus lábios se curvaram. — O mais sexy.
 
Houve uma rodada de suspiros das meninas, mas Caleb franziu a testa. — Esse não é o ponto. Cara, ele é uma besta. Ele nem sequer é um Instrutor. Ele é um Sentinela por completo.
 
— O último par de turmas de formandos foi atribuído à sua área. — Jackson balançou a cabeça. — Ele nem sequer é um Guia, mas eliminou mais de metade deles e enviou-os para trás como guardas.
 
— Oh. — Dei de ombros. Isso não soou tão ruim assim. Eu estava prestes a apontar isso, quando uma nova voz interrompeu.
 
— Bem, olhe quem está de volta? Se não é nossa única fugitiva. — disse Lea Samos com a voz arrastada.
 
 Fechei os olhos e contei até dez. Contei mais cinco. — Você está perdida, Lea? Este não é o lugar onde eles estão entregando os testes de gravidez gratuitos.
 
 — Oh, rapaz. — Caleb mudou-se para ficar atrás do sofá, ficando fora do caminho. Eu não o culpo. Lea e eu tínhamos uma história lendária. A maioria das brigas nos relatórios de Marcus tinham o envolvimento dela.
 
Ela deu aquele riso rouco e profundo com que eu estava muito familiarizada. Olhei para cima nessa altura. Ela não tinha mudado nada.
 
Okay. Isso era mentira.
 
Na verdade, Lea tinha ficado mais bonita nos últimos três anos. Com seu cabelo longo cor de cobre, olhos de ametista, e pele incrivelmente bronzeada, parecia algum tipo de modelo glamorosa. Eu não podia deixar de pensar em meus próprios olhos castanhos comuns.
 
Enquanto a minha própria reputação estelar fez com que o meu nome fosse sussurrado pela boca de muitos no meu tempo aqui, Lea tinha, literalmente, percorrido todo o Covenant. Não. Ela o tinha possuído.
 
Seus olhos me avaliaram de cima a baixo quando ela atravessou toda a sala de recreação, olhando minha enorme camisa e calça de treinamento. Uma sobrancelha perfeitamente preparada arqueou. — Você não está adorável?
 
Ela, é claro, estava vestida com a saia mais curta e mais apertada conhecida pelo homem. — Essa não é a mesma saia que você usava no terceiro grau? Está ficando um pouco apertada. Você pode querer aumentar um tamanho ou três.
 
Lea sorriu e jogou a massa de cabelo sobre o ombro. Ela se sentou em uma das cadeiras de lua fluorescente à nossa frente. — O que aconteceu com seu rosto?
 
— O que aconteceu com o seu? — Retorqui. — Você parece um maldito Oompa Loompa1. Você deve parar com o spray de bronzeamento, Lea.
 
Houve risadinhas da nossa audiência improvisada, mas Lea ignorou. Ela estava focada em mim, sua arqui-inimiga. Nós já estavámos nessa desde que tínhamos sete anos. Inimigas da caixa de areia, eu imagino. — Você sabe o que eu ouvi hoje de manhã?
 
Suspirei. — O quê?
 
Jackson passeou a seu lado, seus olhos escuros devorando suas longas pernas. Moveu-se para trás dela e puxou uma mecha de seu cabelo. — Lea, pare com isso. Ela acabou de voltar.
 
Minhas sobrancelhas levantaram quando ela lhe fez sinal para baixar com um movimento do seu dedo mindinho. Ele abaixou a boca para a dela. Lentamente, eu me virei para Caleb. Parecendo entediado com a exibição, ele encolheu os ombros. Instrutores não podiam impedir os alunos de se agarrar. Quero dizer, vamos lá. Com um bando de adolescentes juntos, acontecia, mas o Covenant franzia a testa para eles. Normalmente, os alunos não se exibiam.
 
Quando eles terminaram de lamber um ao outro, Lea voltou a olhar para mim. — Eu ouvi que o diretor Andros não queria você de volta. Seu próprio tio queria colocá-la em servidão. Quão triste é isso?
 
Fitei-a.
 
— Foram precisos três puros para convencer seu tio de que valia a pena mantê-la
cá. 
 
Caleb bufou. — Alex é uma das melhores. Eu duvido que demorou muito para convencê-lo.
 
Lea abriu a boca, mas eu a interrompi. — Eu era uma das melhores. E é verdade. Aparentemente, eu tenho uma má reputação e ele achava que eu tinha perdido muito tempo.
 
— O quê? — Caleb olhou para mim.
 
Dei de ombros. — Eu tenho até o final do verão para provar a Marcus que posso recuperar o tempo e me juntar ao resto dos alunos. Não é grande coisa, certo, Lea? — Eu a encarei, sorrindo. — Eu acho que você se lembra da última vez que brigamos? Foi há muito tempo, mas eu tenho certeza que você se lembra muito claramente.
 
Um rubor rosa encheu suas bochechas bronzeadas e sua mão se arrastou até o nariz o que pareceu ser um movimento inconsciente, desenhando um sorriso ainda maior em mim. Em uma idade tão jovem, a nossa disputa era para ter sido um exercício de treinamento absolutamente sem nenhum contato. Mas um insulto tinha conduzido a outro e eu tinha quebrado seu nariz.
 
Em dois lugares.
 
Isso também tinha me dado uma suspensão durante três semanas.
 
Os lábios rechonchudos de Lea se apertaram. — Você sabe o que mais eu sei, Alex?
 
Cruzei os braços sobre o meu peito. — O quê?
 
— Enquanto todo mundo aqui pode acreditar em qualquer desculpa esfarrapada que você deu para sua mãe fugir, eu sei o verdadeiro motivo. —Seus olhos brilharam com malícia.
 
Frieza caiu sobre mim. — E como você sabe?
 
Seus lábios se curvaram nos cantos quando ela encontrou meu olhar. Eu vagamente percebi Jackson se afastando dela. — Sua mãe se encontrou com a avó Piperi.
 
Vovó Piperi? Revirei os olhos. Piperi era uma mulher velha e louca que era supostamente um oráculo. Os puros acreditavam que ela conversava com os deuses. Eu acreditava que ela conversava com uma grande quantidade de bebida alcoólica. 
 
— Então? — Eu disse.
 
— Eu sei o que a vovó Piperi disse para sua mãe enlouquecer. Ela estava louca, certo?
 
Eu estava em pé sem perceber. — Lea, cale a boca.
 
Ela olhou para mim, os olhos arregalados e imperturbáveis. — Agora, Alex, você pode querer se acalmar. Uma pequena luta e você estará limpando banheiros pelo  resto de sua vida.
 
Minhas mãos contraíram. Teria ela estado na sala, sob mesa de Marcus ou algo assim? De que outra forma ela sabia tanto? Mas Lea estava correta e isso era uma droga. Ser uma pessoa melhor significava ficar longe dela. Foi mais difícil do que eu imaginava, como caminhar através de areia movediça. Quanto mais eu me afastava, mais o ar ao meu redor, literalmente, exigia que eu ficasse e quebrasse o nariz dela de novo. Mas eu fiz isso e me afastei de sua cadeira sem bater. 
 
Eu era uma pessoa totalmente diferente, uma pessoa melhor.
 
— Você não quer saber o que ela disse a sua mãe para enlouquecê-la? Para fazê-la partir? Você vai ficar feliz em saber que tinha tudo a ver com você.
 
Eu parei. Assim como Lea sabia que eu faria.
 
Caleb apareceu ao meu lado e agarrou meu braço. — Vamos, Alex. Se o que ela está dizendo é verdade, então você não precisa cair por essa porcaria. Você sabe que ela não sabe nada.
 
 Lea virou e jogou um fino braço sobre o encosto da cadeira. — Mas eu sei. Você vê, sua mãe e Piperi não estavam sozinhas no jardim. Alguém ouviu a conversa.
 
Saí do aperto de Caleb e me virei. — Quem as ouviu?
 
Ela encolheu os ombros, estudando as unhas pintadas. Eu soube então que  iria acabar batendo nela. — O oráculo disse a sua mãe que você seria a única a matá-la. Considerando que você não pôde parar um daimon de drenar ela, eu acho que Piperi quis dizer isso no sentido abstrato. O que é um bom meio-sangue que não pode até mesmo proteger sua própria mãe? É de se admirar Marcus não querer você de volta?
 
Houve um momento em que ninguém se mexeu na sala, nem mesmo eu. Então eu sorri para ela, antes de agarrar um punhado de cabelo cor de cobre e puxá-la para fora da cadeira.
 
Foda-se ser uma pessoa melhor.
 
A maneira como a boca dela ficou aberta enquanto ela caía para trás quase compensou pelas suas palavras cruéis. Claramente, ela não tinha esperado que eu fizesse nada, achando que a ameaça por eu ser expulsa era de longe muito boa. Lea não conhecia o poder das suas palavras.
 
Eu puxei meu braço de volta, com a intenção de desfazer o que quer que os médicos tenham feito para consertar aquele ousado narizinho dela, mas meu punho nunca aterrissou. De fato, Caleb chegou até mim antes que eu desse outro passo em direção a ela. Ele literalmente me carregou para fora da sala de recreação, e então me colocou no chão e bloqueou meu caminho de volta para Lea. Havia um sorriso selvagem em seu rosto enquanto eu tentava rodeá-lo.
 
— Deixe-me passar, Caleb. Eu juro pelos deuses, vou quebrar a cara dela!
 
— De volta nem um dia, Alex. Uau.
 
— Cala a boca. —Eu o encarei.
 
— Alex, esquece isso. Você entra em uma briga e será chutada para fora. E então? Ser uma servente pelo resto da sua vida? De qualquer forma, você sabe que ela está mentindo. Então deixe passar.
 
Eu olhei para minhas mãos e notei vários fios de cabelo vermelho enrolados ao redor dos meus dedos. Doce.
 
Caleb viu o brilho cruel em meus olhos e pareceu perceber que ficar perto dessa sala não iria acabar bem. Agarrando meu braço, ele praticamente me arrastou pelo corredor.
 
— Ela é só uma garota estúpida. Você sabe que ela só estava falando porcarias, certo?
 
— Quem sabe? — eu resmunguei. — Ela está certa, sabia? Eu não tenho ideia do por que a mamãe foi embora. Ela poderia ter falado com a Vovó Piperi. Eu não sei.
 
— Eu duvido seriamente que o oráculo tenha dito que você mataria sua mãe.
 
Não estando convencida, eu soquei a porta da frente para abri-la.
 
Caleb seguiu bem de perto. — Apenas esqueça sobre isso, ok? Você tem que se focar nos treinamentos, não em Lea ou o que o Oráculo pode ter dito.
 
— Mais fácil falar do que fazer.
 
— Ok. Então você poderia perguntar para o oráculo o que ela disse para sua mãe.
 
Eu olhei para ele. 
 
— O que? Você poderia perguntar para o oráculo se isso a incomoda tanto.
 
— De forma alguma aquela mulher ainda está viva. — Eu estremeci com o sol ofuscante. — Foi há três anos que mamãe pode ter conversado com ela.
 
Agora Caleb me deu a mesma olhada.
 
— O que? Não pode ser. Ela teria que ter... como cento e cinquenta anos agora.
 
Puros tinham muito poder e um oráculo teria ainda mais, mas nenhum deles era imortal.
 
— Alex, ela é o oráculo. Ela estará viva até que a próxima chegue ao poder.
 
Eu revirei meus olhos para Caleb. — Ela é apenas uma velha maluca. Se comunicar com os deuses? A única coisa com quem ela se comunica são as árvores, e seu clube de bridge2.
 
Ele fez um som de exasperação. — Nunca deixa de me surpreender que sendo o que você é – o que nós somos – você ainda não acredita nos deuses.
 
— Não. Eu acredito neles. Eu só acho que eles são proprietários ausentes. Bem agora, eles provavelmente estão saindo em algum lugar em Las Vegas, transando com dançarinas e trapaceando no poker.
 
Caleb pulou para longe de mim, seus pés aterrissando nas pedrinhas castanhas e brancas. — Não me deixe estar próximo a você quando um deles a atingir com um raio.
 
Eu ri. — Sim, eles realmente estão observando e cuidando das coisas. É por isso que nós temos os Daimons correndo por aí drenando os puros e matando os mortais pela diversão disso.
 
— É por isso que os deuses nos têm. — Caleb sorriu como se ele tivesse acabado de explicar tudo.
 
— Que seja. — Nós paramos no final do caminho de pedras. Daqui, ou íamos para o dormitório das garotas ou dos garotos.
 
Nós dois olhámos para o pântano alagado. Pequenas flores silvestres e arbustos baixos pontilhavam a água salobra, fazendo atravessar a bagunça quase impossível. Mais à frente estava a floresta – literalmente uma terra de ninguém. Quando eu era mais jovem achava que monstros viviam no bosque escuro. Quando fui ficando mais velha aprendi que ultrapassando os pântanos, havia a ilha principal, me dando uma rota de fuga perfeita quando eu queria me esgueirar por aí.
 
— Será que a velha bruxa ainda vive lá? — eu perguntei finalmente. E se eu pudesse falar com Piperi?
 
 2 Jogo de Cartas.
 
Caleb assentiu. — Eu acho que sim, mas quem sabe? Ela vem ao campus de vez em quando.
 
— Oh. — Eu apertei os olhos para a luz dura. — Você sabe o que eu estava pensando?
 
Ele me olhou. — O que?
 
— A mamãe nunca me disse porque nós precisávamos ir embora, Caleb. Nenhuma vez durante aqueles três anos. Eu acho que ficaria... mais tranquila se soubesse porque mamãe foi embora em primeiro lugar. Eu sei que isso não muda nada do que aconteceu, mas ao menos eu saberia que diabos era tão importante que nós tivemos que partir daqui.
 
— Só a oráculo sabe e quem sabe quando ela estará de volta aqui? E você não pode ir a ela. Ela vive lá atrás. Mesmo eu não me arrisco tão longe em direção àqueles pântanos. Então nem sequer pense nisso.
 
Meus lábios se curvaram nos cantos. — Todos esses anos, e você ainda me conhece tão bem.
 
Ele riu. — Talvez nós podemos dar uma festa para ela e atraí-la. Eu acho que ela estava aqui para o equinócio da primavera.
 
— Mesmo? — Talvez se eu conversasse com o oráculo, ela me daria algumas respostas – ou diria o meu futuro.
 
Caleb deu de ombros. — Não me lembro, mas falando sobre festejar, vai acontecer uma esse fim de semana na ilha principal. Zarak está dando essa festa. Você vai?
 
Eu reprimi um bocejo. — Zarak? Uau. Eu não o vejo há muito tempo, mas eu duvido que festejar seja algo que vou estar fazendo em breve. Estou permanentemente de castigo.
 
— O que? — a boca de Caleb caiu. — Você pode fugir. Você era como a rainha da fuga.
 
— Sim, mas isso foi antes do meu tio virar o diretor e eu não estar a um passo de ser expulsa.
 
Caleb bufou. — Alex, você quase foi expulsa tipo três vezes. Desde quando isso a parou? De qualquer forma, eu tenho certeza que nós podemos pensar em algo. Além do mais, será como uma festa de boas-vindas de volta para você.
 
Era uma má ideia, mas eu senti a excitação de sempre mexendo na minha barriga. — Bem... eu não vou treinar essa noite.
 
— Não. — Caleb concordou.
 
Um sorriso puxou os meus lábios. — E se esgueirar por aí nunca matou ninguém.
 
— Ou as fez ser expulsas.
 
Nós sorrimos um para o outro, e assim mesmo, as coisas eram da maneira que tinham sido antes que tudo tivesse ido para o inferno.
 
Caleb e eu tivemos uma pequena aventura na sala de abastecimentos no prédio principal da escola depois do jantar. Nós roubamos cada artigo possível de roupa que serviria em mim e Caleb prometeu mais uma vez pegar uma das outras garotas mestiças e ir às compras para mim no dia seguinte. Eu poderia só imaginar com o que ele voltaria.
 
Com nossos braços cheios, nos dirigimos para o meu dormitório. Eu estava só um pouco surpresa quando avistei a formidável forma de Aiden em pé nas grossas colunas de mármore na ampla varanda. Os olhos de Caleb se arregalaram.
 
Eu gemi. — Flagrada.
 
Meus passos diminuíram à medida que nós chegámos perto dele. Eu não podia ler nada da sua expressão estoica ou pela forma como ele inclinou a cabeça para Caleb de uma maneira respeitosa. Pela primeira vez em sua vida inteira, Caleb ficou sem palavras quando Aiden deu um passo à frente e pegou o braço cheio de roupas dele.
 
— Eu preciso lembrar a você que garotos não são permitidos nos dormitórios das garotas, Nicolo?
 
Caleb balançou a cabeça, mudo.
 
Ele ergueu as sobrancelhas quando se virou para mim. — Nós precisamos conversar.
 
Eu olhei para Caleb, desamparada, mas ele recuou com um meio sorriso de desculpas. Por um segundo quente, eu considerei segui-lo. Não o fiz. 
 
— Sobre o que nós precisamos conversar?
 
Aiden fez um sinal para mim, para eu avançar, com um curto aceno. — Você não descansou no dia todo, descansou?
 
Eu mudei meu fardo para meu outro braço. — Não. Eu estava recuperando o tempo com os amigos.
 
Ele pareceu considerar aquilo enquanto descíamos pelo corredor. Obrigado aos deuses por me ter sido dado um quarto no andar inferior. Eu odiava escadas, e mesmo apesar do Covenant ter mais dinheiro do que eu poderia compreender, não havia um único elevador em todo o campus.
 
— Você deveria ter descansado. Amanhã não será fácil para você.
 
— Você poderia sempre fazer isso mais fácil para mim.
 
Aiden riu. O som era um barulho rico e profundo, que teria trazido um sorriso ao meu rosto em uma situação diferente.
 
Como em uma situação que ele não estivesse rindo de mim.
 
Eu franzi o cenho enquanto abria a porta do meu quarto. — Porque você está permitido no meu quarto se Caleb não?
 
Ele arqueou uma sobrancelha. — Eu não sou um estudante.
 
— Ainda é um cara. — Eu levei meu fardo de roupas para o quarto, onde as derrubei no chão.
 
— Você não é nem mesmo um Instrutor ou um Guia. Então eu acho que se você está permitido aqui, Caleb deveria estar também.
 
Aiden me estudou por um momento, dobrando os braços no peito. — Me disseram que você estava interessada em se tornar uma Sentinela ao invés de um Guarda.
 
Eu sentei na cama e sorri para ele. — Você me verificou.
 
— Eu decidi que estaria melhor preparado.
 
— Tenho certeza que te disseram coisas maravilhosas a meu respeito.
 
Ele revirou os olhos. — A maioria do que o Diretor Andros disse estava correto. Você é bem conhecida pelos Instrutores. Eles fizeram elogios ao seu talento e ambição. As outras coisas... bem, elas podem ser esperadas. Você era só uma criança – ainda é uma criança.
 
— Eu não sou uma criança.
 
Os lábios de Aiden se torceram como se ele desejasse sorrir. — Você ainda é uma criança.
 
Minhas bochechas coraram. Era uma coisa uma pessoa de idade dizer que eu era uma criança. Quem se importa? Mas quando era um cara super quente me dizendo isso, não me deixava toda calorosa e alegre por dentro.
 
— Eu não sou uma criança. — repeti.
 
— Mesmo? Então você deve ser uma adulta?
 
— Claro. — Dei a ele o meu melhor sorriso, aquele que geralmente me tirava de problemas.
 
Aiden não foi afetado. — Interessante. Um adulto saberia quando se afastar de uma briga, Alex. Especialmente depois de ser avisada de que qualquer comportamento questionável poderia resultar em sua remoção do Covenant.
 
Meu sorriso desapareceu. — Eu não tenho ideia sobre o que você está falando, mas teria que concordar.
 
Aiden inclinou a cabeça para o lado. — Não tem?
 
— Não.
 
Um pequeno sorriso apareceu em seus lábios. Deveria ter me servido como um aviso, mas eu me encontrei encarando aqueles lábios no lugar de prestar atenção nele. De repente, ele se agachou na minha frente na altura dos olhos.
 
— Então eu deveria estar aliviado em saber que o que me disseram há apenas uma hora atrás é falso. Não foi você que arrancou uma garota – pelos cabelos – para fora de uma cadeira no salão comum.
 
Eu abri minha boca para negar isso, mas meus protestos morreram.Maldição. Sempre havia alguém disposto a dedurar as pessoas.
 
— Você entende a situação precária em que está? — Seu olhar firme segurou o meu. — Quão tolo é permitir que simples palavras levem você à violência?
 
Puxar Lea para fora da cadeira tinha sido tolo, mas ela tinha me irritado. — Ela estava falando sobre a minha mãe.
 
— Isso importa? Pense sobre isso. São só palavras e palavras não significam nada. Apenas ações significam. Você vai lutar com cada pessoa que diz alguma coisa sobre você ou sua mãe? Se vai, você deveria ir em frente e fazer as suas malas agora.
 
— Mas…
 
— Vão haver rumores – rumores ridículos sobre porque sua mãe foi embora. Porque você não voltou. Você não pode lutar com cada pessoa que te chateia.
 
Inclinei a cabeça para o lado. — Eu poderia tentar.
 
— Alex, você precisa se focar em voltar para o Covenant. Bem agora, você está aqui como uma cortesia. Você quer vingança contra os Daimons, certo?
 
— Sim! — minha voz se tornou feroz quando meus pulsos se cerraram.
 
— Você quer ser capaz de sair e lutar com eles? Então você precisa prestar atenção no treinamento, ao invés do que as pessoas estão dizendo sobre você.
 
— Mas ela disse que eu fui a razão pela mamãe ter morrido! — ouvindo a minha voz quebrar do jeito que fez, eu tive que olhar para longe. Era uma fraqueza em mim. Vergonhoso. Fraca e envergonhada não estavam no vocabulário de um Sentinela.
 
— Alex, olhe para mim.
 
Eu hesitei antes de o fazer. Por um momento, a dureza em sua expressão suavizou. Quando ele me olhava assim, eu realmente acreditava que ele entendia a minha reação. Talvez ele não concordasse com isso, mas ao menos entendia porque eu tinha feito isso.
 
— Você sabe que não havia nada que você pudesse fazer sobre o que aconteceu à sua mãe. — Seus olhos procuraram meu rosto. — Você realmente sabe disso, certo?
 
— Eu deveria ter feito alguma coisa. Eu tive todo aquele tempo e eu deveria ter ligado para alguém. Talvez então... — eu corri a mão através do meu cabelo e respirei fundo. — Talvez então nada disso teria acontecido.
 
— Alex, você não poderia saber que isso acabaria dessa forma.
 
— Mas eu sabia. — Eu fechei meus olhos, sentindo uma torção em meu estômago. — Nós todos sabíamos. É o que acontece quando você deixa a segurança da comunidade. Eu sabia que aconteceria, mas eu só tinha medo que eles não a deixassem voltar depois de ter ido embora. Eu não poderia... deixá-la lá fora sozinha.
 
Aiden ficou em silêncio por tanto tempo, que eu pensei que ele tinha deixado o quarto, mas então senti sua mão em meu ombro. Abri meus olhos, virando a minha cabeça para olhar para a sua mão. Seus dedos eram longos e de aparência graciosa. Mortais, eu imaginei. Mas agora, eles estavam gentis. Como se eu não tivesse vontade própria, olhei para dentro de seus olhos prateados. Não consegui evitar lembrar do que se tinha passado entre nós na fábrica.
 
Abruptamente, Aiden me soltou. Correndo uma mão por seu cabelo, ele pareceu incerto sobre o que estava fazendo. — Olhe. Descanse um pouco. Oito da manhã chegará rapidamente. — Ele se virou para sair, mas parou. — E não deixe esse quarto de novo hoje a noite. Eu não quero descobrir pela manhã que você incendiou uma aldeia enquanto eu dormia.
 
Havia várias réplicas que eu tinha em mente, todas elas espertas e sarcásticas, mas eu as reprimi e me empurrei para fora da cama. Aiden parou na minha porta e olhou para o corredor vazio.
 
— Alex, o que aconteceu com a sua mãe não é sua culpa. Colocar esse tipo de culpa em si mesma só vai prejudicar você. Não vai levá-la a lugar nenhum. Você entende?
 
— Sim. — eu menti.
 
Mesmo apesar de eu querer acreditar que o que Aiden disse era verdade, eu sabia que não era. Se eu tivesse contatado o Covenant, mamãe ainda estaria viva. Então sim, de certa forma, Lea estava certa.
 
Eu fui responsável pela  morte da minha mãe.
 
O dia seguinte foi como voltar no tempo para mim - acordar demasiado cedo para conseguir pensar direito e vestir roupas feitas para ser chutada no traseiro. Desta vez, porém, havia algumas coisas diferentes.
 
Olhando para Aiden, por exemplo, ficou claro que ele não ia ser como os Instrutores que eu tinha antes. Eles tinham sido Sentinelas ou Guardas feridos no trabalho ou aqueles que queriam sossegar. Naquela época, eu sempre acabava com Instrutores que eram antigos como sujeira ou chatos.
 
Aiden não era nenhuma dessas coisas.
 
Ele usava o mesmo estilo de calças de treino que eu tinha roubado do almoxarifado, mas onde eu usava uma camisa branca modesta, ele tinha uma t-shirt sem mangas. E cara, ele tinha braços para mostrar. Sua pele não era enrugada; ele estava longe de ser chato; e ele estava realmente lá fora, caçando daimons.
 
Mas ele tinha uma coisa em comum com meus antigos Instrutores. No momento em que entrei na academia, ele era todo negócios. Pelo jeito como ele me mandou fazer vários exercícios de aquecimento e ordenou-me a desenrolar todos os tapetes, eu sabia que iria sofrer até o final do dia.
 
— Quanto você se lembra de seu treinamento anterior?
 
Olhei em volta, vendo coisas em que não tinha posto os olhos em três anos – esteiras de treinamento para facilitar as quedas, manequins com pele que parecia real e um kit de primeiros socorros em todos os cantos. As pessoas costumavam sangrar em algum momento no treinamento. Mas a parede mais distante me interessou mais. Estava coberta com perversas facas com as quais eu nunca tinha chegado a praticar.
 
— As coisas normais: coisas de livros didáticos, formação ofensiva, técnicas de chutes e socos. — Eu me aproximei da parede de armas, era como compulsão. 
 
— Não muito então. 
 
Pegando um dos punhais de titânio delgados que os Sentinelas geralmente transportavam, eu assenti. — As coisas boas começavam exatamente...
 
Aiden me cercou, arrancando o punhal dos meus dedos e colocando-o de volta na parede. Seus dedos permaneceram sobre a lâmina com reverência. — Você não ganhou o direito de tocar essas armas, especialmente aquela.
 
No início, eu pensei que ele estivesse brincando, mas uma olhada no rosto dele me disse que ele não estava. — Por quê?
 
Ele não respondeu.
 
Eu meio que queria tocá-la novamente, mas puxei minha mão de volta e me afastei da parede. — Eu era boa em tudo o que aprendi. Eu podia bater e chutar forte. Eu podia correr mais rápido do que qualquer um na minha classe.
 
Ele voltou para o centro da sala e colocou as mãos em seus quadris estreitos. — Não muito então. — repetiu ele.
 
Meus olhos seguiram-no. — Você poderia dizer isso.
 
— Você deve se acostumar a esta sala. Vamos passar oito horas por dia aqui.
 
— Você está brincando, certo?
 
Ele não parecia estar brincando. — No final do corredor tem um ginásio. Você deve visitá-lo... muitas vezes.
 
Minha boca abriu.
 
Aiden me deu um olhar brando. — Você está muito magra. Precisa ganhar peso e músculo. — Ele estendeu a mão e tocou meu braço esquelético. — A velocidade e força, você tem naturalmente. Mas agora, uma criança de dez anos, poderia derrubá-la.
 
Fechei minha boca. Ele tinha um ponto. Esta manhã, eu tive que amarrar o nó duas vezes em meus cordões para ele se aguentar. — Bem, não era como se eu tivesse três refeições por dia. Falando nisso, eu estou meio com fome. Não tenho café da manhã?
 
O olhar duro nos seus olhos suavizou um pouco e por um momento parecia o olhar que ele tinha quando estava em meu quarto na noite anterior. — Eu trouxe um batido de proteína.
 
— Eca. —gemi, mas quando ele pegou o recipiente de plástico e me entregou, eu peguei.
 
— Beba. Nós vamos cobrir algumas regras básicas primeiro. — Aiden recuou. — Vá em frente e sente. Eu quero que você ouça.
 
E lá se foi a aparência mais suave e gentil. Revirando os olhos, sentei-me e cuidadosamente coloquei a garrafa nos lábios. Cheirava como chocolate velho e parecia um milk-shake aguado. Nojento.
 
Ele parou na minha frente com aqueles braços impossivelmente fortes em seu peito. — Primeiro: não beba ou fume.
 
— Xi. Isso significa que eu tenho que largar o vício do crack.
 
Ele olhou para mim, claramente não impressionado. — Você não poderá deixar o Covenant sem permissão ou - não olhe para mim desse jeito.
 
— Meu Deus, quantos anos você tem? — Eu sabia totalmente quantos anos ele tinha, mas queria perguntar.
 
Aiden inclinou o pescoço. — Farei 21 em outubro.
 
— Huh. — Eu balancei a garrafa. — Então, você sempre foi assim ... maduro?
 
Suas sobrancelhas franziram. — Maduro?
 
— Sim, você soa como um pai. — Eu aprofundei a minha voz e tentei um olhar severo. — “Não olhe para mim desse jeito ou então”.
 
Aiden piscou lentamente. — Eu não soei assim e eu não disse “ou então”.
 
— Mas se você tivesse, como o “ou então” seria? — Eu escondi o meu sorriso com a garrafa.
 
Ele olhou para o lado, franzindo a testa. — Você poderia apenas não interromper?
 
— Tanto faz. — Eu tomei uma bebida. — Então por que não posso deixar a ilha?
 
— É para sua segurança e minha paz de espírito. — Aiden retornou à sua posição original, os braços sobre o peito, as pernas abertas. — Você não pode sair desta ilha sem estar acompanhada por alguém.
 
— Meus amigos contam? — Eu perguntei, apenas meio séria.
 
— Não.
 
— Então, quem tem permissão para acompanhar-me?
 
Aiden fechou os olhos e suspirou. — Ou eu ou um dos outros Instrutores.
 
Eu agitei o líquido em torno da garrafa. — Eu sei as regras, Aiden. Você não tem que me lembrá-las.
 
Parecia que ele queria salientar o fato de que eu provavelmente poderia precisar de um lembrete, mas, ele cedeu. Depois que terminei, ele tomou o batido e caminhou de volta para onde estavam vários sacos de pancada encostados na parede.
 
Levantei-me e me estiquei. — Então, o que vou aprender hoje? Acho que devemos começar com qualquer coisa que não envolva você chutar minha bunda.
 
Seus lábios tremeram como se estivesse lutando contra um sorriso. — Os princípios básicos.
 
— Os princípios básicos. — Eu fiz beicinho. — Você tem que estar brincando comigo. Eu sei o básico.
 
— Você sabe o suficiente para não se matar de imediato. — Ele franziu a testa enquanto eu pulei de lado a lado. — O que você está fazendo?
 
Parei, encolhendo os ombros. — Estou entediada.
 
Aiden revirou os olhos. — Então vamos começar. Você não vai ficar entediada por muito tempo.
 
— Sim, mestre.
 
Ele fez uma careta. — Não me chame assim. Eu não sou seu mestre. Só os deuses podem ser chamados de nossos mestres.
 
— Sim... — Fiz uma pausa enquanto seus olhos brilhavam e sua mandíbula apertava — senhor.
 
Aiden olhou para mim um momento, e depois assentiu. — Okay. Quero ver como você cai.
 
— Eu quase te dei um bom golpe na fábrica. — Senti a necessidade de recordá-lo.
 
Virando-se para mim, ele apontou para uma das esteiras. — O quase não conta, Alex. Nunca conta.
 
Arrastei-me mais e parei na frente dele quando ele me circulou. — Daimons não usam apenas força quando atacam, mas também magia elementar.
 
— Sim. Sim.
 
Daimons poderiam ser ridiculamente fortes, dependendo de quantos puros ou mestiços eles tinham drenado. Ser atingido por um deles usando o elemento ar era o mesmo que ser atropelado por um trem de carga. A única vez que daimons não eram perigosos era quando eles estavam drenando éter.
 
— A chave é nunca deixá-los te derrubar no chão, mas isso vai acontecer, mesmo com o melhor de nós. Quando isso acontece, você precisa ser capaz de voltar para cima. — Seus olhos cinzentos se focaram em mim.
 
Isto era chato. — Aiden, eu me lembro do meu treinamento. Eu sei como cair.
 
— Sabe?
 
— Cair é o mais fácil...
 
Minhas costas bateram no tapete de treino. Dor me atingiu. Fiquei ali atordoada.
 
Aiden pairou sobre mim. — Isso foi apenas um toque de amor e você não pousou corretamente.
 
— Ow. — Eu não tinha certeza se podia me mover.
 
— Você deveria ter caído em sua parte superior das costas. É menos doloroso e mais fácil de manobrar. — Ele ofereceu sua mão. — Pensei que você soubesse como cair?
 
— Deuses. — eu disse. — Você não poderia ter me dito em primeiro lugar?
 
 Ignorei a mão e descobri que podia me mover. Eu estava de pé, olhando para ele.
 
Um sorriso torto se formou em seus lábios. — Mesmo sem um aviso, você tem um segundo antes de cair. Você tem tempo mais que suficiente para posicionar seu corpo corretamente.
 
— Role os quadris e mantenha seu queixo para baixo. — Fiz uma careta, esfregando minhas costas. — Sim, eu me lembro.
 
— Então me mostre. — Ele parou, olhando-me como se eu fosse algum tipo de espécime estranho. — Ponha seus braços para cima - aqui. Assim. — Ele posicionou meus braços para que eles bloqueassem meu peito. — Mantenha-os fortes. Não há braços de espaguete.
 
— Ok.
 
Ele fez uma careta para os meus braços finos. — Bem, mantenha-os tão fortes quanto você puder.
 
— Hardy Har Har3.
 
Ele sorriu novamente. — Tudo bem.
 
Em seguida, ele bateu meus braços com o lado mais largo dos dele. Na verdade, ele não me bateu forte, mas eu ainda caí. E caí do jeito errado. Rolei, estremecendo.
 
— Alex, você sabe o que fazer.
 
Rolei e gemi. — Bem... parece que é algo que eu esqueci.
 
— Levante-se. — Ele ofereceu a mão, mas eu ainda não a peguei. Levantei-me. — Coloque os braços para cima.
 
Eu coloquei e me preparei para o ataque inevitável. Eu caí, repetidas vezes. Passei o seguinte par de horas nas minhas costas e não do jeito certo. Chegou a um ponto em que Aiden reveu os mecanismos de queda como se eu tivesse dez anos.
 
Mas, finalmente, do lixo inútil flutuando no meu cérebro, eu retirei a técnica que tinha aprendido há muito tempo e eu acertei em cheio.
 
— Até que enfim. — Aiden murmurou.
 
Nós paramos para o almoço, que consistia em eu comer sozinha enquanto Aiden saiu para fazer o que queria. Cerca de quinze minutos depois, uma puro-sangue em um jaleco branco apareceu na minha frente. Engoli um bocado de comida. — Oi?
 
— Por favor, siga-me. — disse ela.
 
Olhei para meu almoço meio comido e suspirei. Eu larguei meu prato e a segui para a construção médica atrás das estruturas de treinamento. — Estou recebendo um exame físico ou algo assim?
 
Ela não respondeu.
 
Qualquer tentativa de conversa foi ignorada e eu desisti na hora em que pulei em cima da mesa. Vi-a ir para o armário e mexer ao redor por alguns segundos. Ela virou, sacudindo o fim da seringa.
 
Meus olhos se arregalaram. — Uh ... o que é isso?
 
— Por favor, levante a manga de sua camisa.
 
Cautelosa, eu fiz como instruída. — Mas o que vocês estão me dando… porra! — Minha pele queimou onde ela aplicou no braço. — Isso dói como o inferno.
 
Seus lábios se curvaram em um sorriso amarelo, mas suas palavras escorriam desgosto. — Você será lembrada em seis meses para receber outra dose. Nas próximas quarenta e oito horas, por favor, tente abster-se de atividades sexuais sem proteção.
 
Tente abster-se? Como se eu tivesse incontroláveis impulsos animalescos e pulasse em cada mestiço à vista? — Eu não sou uma piranha louca por sexo, senhora.
 
A pura virou as costas, claramente despachando-me. Pulei para fora da mesa, puxando minha manga para baixo. Eu não podia acreditar que tinha esquecido sobre o controle de natalidade obrigatório no Covenant para fêmeas meio-sangues. Afinal, a prole de dois mestiços era como os mortais e inútil para os puros. Isso nunca tinha realmente me incomodado desde que eu duvidava que fosse desenvolver um desejo maternal. Mas a pura poderia ter pelo menos me avisado antes de me picar.
 
Quando voltei para a sala de treinamento, Aiden olhou-me esfregando meu braço, mas eu não expliquei. De lá, ele mudou para outra de minhas técnicas favoritas: ser derrubada e me levantar rapidamente.
 
Eu era uma droga a isso também.
 
Até o final da prática, cada músculo nas minhas costas doía e minhas coxas pareciam como se algum otário as tivessem perfurado. Eu estava um pouco lenta a guardar os tapetes. Tanto que, eventualmente, Aiden assumiu.
 
— Vai ficar mais fácil. — Ele olhou para cima quando eu cheguei mancando até onde ele estava acumulando os tapetes de treino. — Seu corpo vai se acostumar com isso novamente.
 
— Eu espero que sim.
 
— Você deve se manter fora da academia por alguns dias.
 
Eu poderia tê-lo abraçado.
 
— Mas você deve definitivamente fazer os alongamentos de aquecimento à noite. Irá ajudar a relaxar os músculos. Você não vai estar tão dolorida depois.
 
Eu o segui até a porta. Parecia um bom conselho. Fora da sala de treinamento, esperei enquanto Aiden fechava as portas duplas.
 
— Amanhã vamos trabalhar com o salto um pouco mais. Então vamos passar para técnicas de bloqueio.
 
Comecei a apontar que eu tinha aprendido várias técnicas de bloqueio, mas me lembrei de quão rapidamente o daimon tinha me mordido na Geórgia. Minha mão foi para o meu ombro sobre a cicatriz ligeiramente irregular.
 
— Você está bem?
 
Soltando a minha mão, eu acenei a cabeça. — Sim.
 
Como se ele pudesse de alguma forma ler mentes, ele adiantou-se e roçou minhas costas por cima do meu ombro. O toque ligeiro provocou um arrepio. — Não é ruim. Vai passar em breve.
 
— Vai cicatrizar - já está começando.
 
— Alguns diriam que tais cicatrizes são medalhas de honra.
 
— Sério?
 
Aiden balançou a cabeça. — Sim. Ela mostra o quão forte e corajosa você foi. Não é nada para se envergonhar.
 
— Claro. — Eu forcei um sorriso rápido e brilhante.
 
 Eu poderia dizer pelo olhar em seu rosto que ele não acreditou em mim, mas não insistiu. Eu saí mancando, voltando para o meu quarto. Caleb esperava fora da minha porta com um punhado de sacolas de compras e um olhar nervoso no rosto.
 
— Caleb, você não precisava fazer tudo isso. E você vai ser pego aqui.
 
— Então me deixe entrar em seu quarto antes que me peguem. E não se preocupe com as compras. Eu tive algumas garotas gostosas experimentando as roupas para mim. Confie em mim, dia mutuamente benéfico.
 
Eu bufei quando manquei para o sofá e sentei. — Obrigada. Fico te devendo.
 
Caleb me atualizou de todas as coisas que eu tinha perdido durante a minha ausência - que era como eu estava me referindo a isso agora - enquanto eu retirava várias calças jeans, vestidos e bermudas que eu duvidava que estivessem incluídos no código de vestimenta do Covenant. Balancei minha cabeça. Onde no inferno eu deveria usar algumas dessas coisas? Na esquina de uma rua?
 
Aparentemente, pouca coisa havia mudado. Todo mundo ainda fugia e ficava com alguém. Lea com sucesso colocou dois ou três meninos uns contra os outros na esperança de ficarem entre as pernas dela. Jackson parecia ser o vencedor, se ontem tivesse sido qualquer indicação. Dois anos e meio mais velhos do que nós, Rosalie e Natanael tinham se formado e eram Sentinelas agora e eu estava fora de mim de inveja. Após a prática de hoje, eu duvidava que Aiden ainda pensasse que eu tinha qualquer potencial.
 
Luke, um mestiço com quem eu costumava sair, saiu do armário no ano passado, não que ser gay ou bissexual fosse remotamente um grande negócio por aqui. Ser descendentes de um monte de deuses com tesão que não discriminavam ao escolher seus parceiros sexuais, deixava pouco para se chocar quando se tratava de sexo ou atividades relacionadas.
 
Parecia que eu era a única virgem por aqui. Suspirei.
 
— O treinamento foi tão ruim assim?
 
— Acho que quebrou minhas costas hoje. — eu brinquei.
 
Parecia que ele queria rir. — Você não quebrou suas costas. Você está apenas... fora da prática. Em um par de dias, você vai espancar Aiden.
 
— Duvido.
 
— Então o que ele queria ontem? Cara, eu vou ser honesto. Estou esperando ele aparecer aqui e me esculachar por estar em seu quarto.
 
— Então você não deveria estar aqui, se está com medo.
 
Caleb ignorou isso. — O que Aiden queria ontem?
 
— Eu acho que Lea me delatou. Aiden sabia sobre a coisa na sala de recreação. Ele não foi realmente um cão, mas eu poderia ter passado bem sem a palestra.
 
— Porra, ela é uma vadia, às vezes. — Ele sentou-se na cadeira, passando a mão pelos cabelos. — Talvez pudéssemos lhe queimar as sobrancelhas ou algo assim. Tenho certeza que Zarak não ficaria triste com isso.
 
Eu ri. — Tenho certeza que não vai ajudar a minha causa.
 
— Você sabe, eu fiquei...
 
— O quê? — Eu gritei, quase saindo do sofá. Movimento errado. Doeu. — Por favor, me diga que você não ficou com Lea?
 
Ele encolheu os ombros. — Eu estava entediado. Ela estava disponível. Não foi ruim de todo...
 
Com nojo, joguei um travesseiro em sua cabeça e o interrompi. — Eu não quero saber os detalhes. Eu só vou fingir que você nunca admitiu isso.
 
Um sorriso apareceu em seus lábios. — Bem, parece que Lea está determinada em te ferrar se ela te delatou.
 
Deitei-me, pensando nas outras pessoas na sala. — Eu não sei. E sobre a pura que estava na sala?
 
— Quem? Thea? — Ele balançou a cabeça. — Não há como ela ter contado a ninguém.
 
— O que Thea está fazendo aqui, a propósito?
 
Era estranho ver qualquer puro no Covenant durante o verão. Eles ficavam durante o ano letivo, mas quando chegava o verão, eles saíam com seus pais, provavelmente viajando pelo mundo e fazendo outras coisas ridiculamente caras. Diversão, coisas totalmente legais. Claro, eles tinham Guardas que os acompanhavam em suas aventuras, apenas no caso de um daimon ter alguma ideia.
 
— Seus pais estão no Conselho e não têm tempo para ela. Ela é muito legal, mas super tranquila. Eu acho que ela tem tesão por Deacon.
 
— Deacon, como o irmão de Aiden?
 
— Sim.
 
Eu poderia dizer que havia algo por trás do fato de Thea gostar dele. — Qual é o problema? Ambos são puros.
 
Caleb arqueou uma sobrancelha para mim, mas depois pareceu lembrar que eu não tinha estado aqui durante três anos. — Deacon tem uma reputação.
 
— Okay. — Tentei libertar um súbito nó nas costas. 
 
— E Thea também. E vamos apenas dizer que Thea ganhou o prêmio de pureza. 
 
Bom saber que eu não era a única virgem. — E?
 
— A reputação de Deacon é... mais do - hmm, como faço para explicar agradavelmente? — Ele fez uma pausa, parecendo pensativo. — Deacon segue as tendências de Zeus -  esse tipo de reputação.
 
— Bem... os opostos se atraem, eu acho.
 
— Não tão opostos.
 
Dei de ombros, e depois fiz uma careta pela dor.
 
— Quase me esqueci. Você não vai acreditar no que eu ouvi hoje na cidade. Uma das proprietárias da loja estava ocupada fofocando enquanto eu pagava, totalmente indiferente sobre quem poderia ouvi-la, mas - oh yeah, a propósito, essa proprietária da loja provavelmente acha que eu sou um drag-queen agora.
 
Eu ri.
 
Seus olhos se estreitaram pela minha apatia. — De qualquer forma, você se lembra de Kelia Lothos?
 
Meus lábios franziram. Kelia Lothos - o nome soava familiar. — Ela não era uma Guarda aqui?
 
— Sim, cerca de dez anos mais velha do que nós. Ela arrumou um namorado.
 
— Bom para ela.
 
— Espere, Alex. Você deve esperar. Seu nome é Hector - não sei o seu sobrenome. De qualquer forma, ele é um puro de uma das outras comunidades. — Ele parou para dar um efeito dramático.
 
Corri a mão no meu rabo de cavalo, não tendo certeza para onde ele estava indo com tudo isso.
 
— Ele é um maldito puro-sangue. — Ele ergueu as mãos. — Lembra-se? Não é permitido.
 
Meus olhos se arregalaram. — Oh não, não é bom.
 
Ele balançou a cabeça e fios de cabelo loiro caíram sobre seus olhos. — Eu não posso acreditar que eles foram estúpidos o suficiente para sequer pensar em algo assim.
 
O fato de que não éramos autorizados a ter qualquer tipo de relacionamento amoroso com um puro era uma regra enraizada em nós desde o nascimento. A maioria dos meios-sangues nem sequer questionavam, mas, novamente, a maioria dos mestiços não questionava muito. Éramos treinados a obedecer desde cedo.
 
Tentei encontrar uma posição confortável. — O que você acha que vai acontecer com Kelia?
 
Caleb bufou. — Ela provavelmente vai ser despojada de seus deveres de Guarda e enviada para trabalhar em uma das casas.
 
Isso me encheu de irritação e ressentimento. — E Hector receberá uma palmada na mão. Como isso é justo?
 
Ele me olhou estranho. — Não é, mas é o que acontece.
 
— É estúpido. — Eu senti algo apertar na minha mandíbula. — Quem se importa se um mestiço e um puro ficam juntos? É realmente um grande negócio a ponto de Kelia ter que perder tudo?
 
Os olhos de Caleb se arregalaram. — É a maneira que é, Alex. Você sabe disso.
 
Cruzei os braços, perguntando por que eu me sentia tão ressentida sobre isso. Era o jeito que as coisas tinham sido por eras, mas parecia tão injusto. — É errado, Caleb. Kelia basicamente vai acabar como uma escrava só porque se engraçou com um puro.
 
Ele ficou quieto por um momento e então seus olhos se concentraram em mim. — A sua reação tem algo a ver com o fato de o seu novo treinador pessoal ser o puro pelo qual todas as meninas babam?
 
Eu fiz uma careta. — Absolutamente não, você está louco? Ele vai acabar me matando. — Fiz uma pausa, afundando na almofada. — Acho que é o que ele planeja.
 
— Que seja.
 
Esticando as pernas, encarei-o com um olhar sério. — Você se esqueceu que eu passei três anos lá fora, no mundo normal - um mundo onde puros e mestiços nem sequer existem. Ninguém verifica o pedigree de alguém antes de sair com essa pessoa.
 
Ele olhou para longe alguns minutos. — Como era?
 
— Como era o que?
 
Caleb mexeu na ponta da cadeira. — Estar lá fora, longe de tudo... isso?
 
— Oh. — Apoiei-me no meu cotovelo. A maioria dos mestiços não tinha ideia de como era. Claro, eles se misturaram no mundo exterior - sendo misturar a palavrachave - mas eles nunca eram uma parte dele, não por tempo suficiente. Nem os puros. Para a nossa espécie, a vida mortal parecia violenta, onde daimons não eram as únicas coisas más com as quais as pessoas tinham que se preocupar.
 
Sim, tínhamos nossos loucos também. Os caras que não tinham a palavra "não" em seu vocabulário, as fofoqueiras e as pessoas que fariam qualquer coisa para conseguir o que queriam. Mas não era nada parecido com o mundo mortal e eu não tinha certeza se isso era uma coisa boa ou ruim.
 
— Bem, é diferente. Há tantas pessoas que são diferentes. Eu meio que me incluía até certo ponto.
 
Caleb ouvia com entusiasmo demais para seu próprio bem, enquanto eu tentava explicar como era lá fora. Sempre que nos mudávamos, a mamãe tinha que usar compulsão para me levar para o sistema escolar local, sem transcrições. Caleb mostrou interesse de forma demasiada no sistema escolar mortal, mas era diferente do do Covenant. Aqui, passamos a maior parte de nossos dias lutando nas aulas. No mundo mortal, eu tinha passado a maior parte das minhas aulas olhando para o quadro-negro.
 
Ser curioso sobre o mundo exterior não era necessariamente uma coisa boa. Geralmente levava alguém a fazer uma corrida para ele. Mamãe e eu fomos mais bem sucedidas do que a maioria das pessoas que tinham se aventurado lá fora. O Covenant sempre achava as pessoas que tentavam viver no mundo exterior.
 
Eles haviam nos encontrado um pouco tarde demais.
 
Caleb inclinou a cabeça para o lado enquanto me estudava. — O que você está achando de voltar pra cá?
 
Deitei-me de costas, olhando para o teto. — Bom.
 
— Sério? — Ele se levantou. — Porque você já passou por muita coisa.
 
— Sim, eu estou bem.
 
Caleb veio para onde eu estava e sentou-se, praticamente empurrando-me de lado.
 
— Ai.
 
— Alex, a porcaria que aconteceu tem que ter, você sabe, te incomodado. Teria mexido comigo.
 
Fechei os olhos. — Caleb, agradeço a sua preocupação, mas você está praticamente sentado em cima de mim.
 
Ele se mexeu, mas manteve-se ao meu lado. — Você vai falar comigo sobre isso?
 
— Olhe. Eu estou bem. Não é como se não me incomodasse. — Eu abri meus olhos e encontrei-o me observando. — Okay. Mexe comigo. Feliz?
 
— Claro que eu não estou feliz.
 
Uma coisa em que eu não era boa era em falar de como me sentia. Inferno, eu não era boa nem em pensar em como me sentia. Mas não parecia que Caleb ia se contentar tão cedo. — Eu... tento não pensar sobre isso. É melhor assim.
 
Ele franziu a testa. — Sério? Preciso usar a psicologia básica em você e ir com o ‘provavelmente não é uma coisa boa você não pensar sobre isso?' 
 
Eu gemi. — Eu odeio psicologia, então por favor não comece.
 
— Alex?
 
Sentei-me, ignorando a dor aguda em minhas costas, empurrando-o para fora do sofá. Ele apoiou-se facilmente. — O que você quer que eu diga? Que eu sinto falta da minha mãe? Sim. Eu sinto falta dela. Que é totalmente uma merda vê-la sendo drenada por um daimon? Sim, é uma merda. Lutar com daimons e pensar que eu ia morrer foi divertido? Não. Não foi divertido. Isso também foi uma merda.
 
Ele assentiu, aceitando o meu pequeno discurso. — Você teve um funeral para ela ou algo assim?
 
— Essa é uma pergunta estúpida, Caleb. — Eu empurrei para trás o cabelo que escapara do meu rabo de cavalo. — Eu não cheguei a ter um funeral. Depois que eu matei o daimon, houve um outro. Eu corri.
 
Seu rosto empalideceu. — Alguém voltou para buscar o seu corpo?
 
Eu me encolhi. — Não sei. Eu não perguntei.
 
Ele pareceu meditar sobre isso. — Talvez se você tivesse uma cerimônia para ela, iria ajudar. Você sabe, uma reunião só para lembrar dela.
 
Joguei um duro olhar para ele. — Nós não vamos ter um funeral. Estou falando sério. Se você sequer pensar em algo assim, vou arriscar ser expulsa apenas para chutar o seu traseiro. — Ter um funeral significava enfrentar que minha mãe estava morta. A parede de resistência que eu tinha construído em torno de mim, iria quebrar e eu... eu não podia lidar com isso.
 
— Certo. Certo. — Ele ergueu as mãos. — Eu só pensei que iria trazer-lhe algum encerramento.
 
— Eu tive um encerramento. Lembra-se? Eu a vi morrer.
 
Desta vez, foi ele quem se encolheu. — Alex... Sinto muito. Deuses, eu nem sei como você deve ter se sentido. Não posso nem imaginar isso.
 
Ele então deu um passo adiante, como se pretendesse me abraçar, mas eu acenei que não. Caleb pareceu entender que eu não queria falar mais sobre isso e voltou a falar sobre temas mais seguros - mais fofoca, mais contos de travessuras no Covenant.
 
Fiquei no sofá depois dele ter saído do dormitório. Eu deveria estar pronta para ir comer ou para ir socializar, mas não estava. Nossa conversa - a parte sobre a minha mãe - permaneceu como uma ferida purulenta. Eu tentei focar na fofoca que tinha descoberto. Eu até tentei pensar em como Jackson parecia bem agora - mesmo Caleb, porque ele realmente cresceu nos últimos três anos - mas suas imagens foram rapidamente substituídas por Aiden e os seus braços.
 
E isso era tão errado.
 
Deitei e voltei a olhar para o teto. Eu estava bem. Eu estava ótima, na verdade. Estar de volta ao Covenant era muito melhor do que estar lá fora, no mundo normal ou a limpar banheiros na casa de algum puro. Esfreguei meus olhos, franzindo a testa. Eu estava bem.
 
Eu tinha que estar bem.
 
Eu queria entrar em um buraco e morrer. 
 
— Lá vai você. — Aiden assentiu enquanto eu desviava de um de seus golpes. — Use seu antebraço. Se mova com propósito.
 
Me mover com propósito? Que tal se eu me movesse para um lugar onde pudesse me deitar? Isso era um propósito que eu poderia apreciar. Aiden se lançou para mim e eu bloqueei seu soco. Inferno, eu era boa nisso. Em seguida, ele se virou, e para alguém tão malditamente alto, ele com certeza podia mover aquele corpo como um ninja.
 
Seu calcanhar passou por entre meus braços e bateu no meu lado. O impacto brevemente registrado na minha escala de dor. Por esta altura, eu já me tinha acostumado ao aumento acentuado da dor e o latejar que se seguia. Inalei lentamente e tentei respirar através da agonia. Mestiços não mostram a dor em seu rosto para o inimigo. Ao menos eu me lembrava disso.
 
Aiden endireitou-se, preocupação cintilando em seu rosto. — Você está bem?
 
Cerrei os dentes. — Sim.
 
Ele se aproximou de mim, parecendo duvidoso. — Essa foi uma batida muito dura, Alex. Está tudo bem se doer. Nós faremos uma pausa durante alguns minutos.
 
— Não. — Me endireitei enquanto ele observava. — Estou bem. Vamos tentar de novo.
 
E nós fizemos. Falhar alguns socos e chutes era muito melhor do que ter que correr voltas como ontem ou passar a tarde inteira na academia.
 
Isso foi o que aconteceu quando eu choraminguei sobre as minhas costas e lateral doloridas da última vez. Aiden passou por várias outras técnicas de bloqueio que uma garota de dez anos poderia dominar enquanto eu assistia obsessivamente seus movimentos. Ao longo dos últimos dois dias, eu tinha percebido o quanto eu realmente estava atrasada, até mesmo fiquei espantada com o fato de ter conseguido matar dois daimons.
 
Eu mal podia bloquear a maioria dos chutes de Aiden.
 
— Observe-me. — Ele me circulou, seu corpo tenso. — Há sempre alguma coisa que vai indicar o meu próximo movimento. Pode ser um tremor suave do músculo ou um breve olhar, mas sempre há alguma coisa. Quando um daimon ataca, não é diferente.
 
Eu concordei e nós nos enquadramos novamente. Aiden se moveu com apenas um golpe de mão. Eu bati seu braço para longe, e depois o outro. Não era com seus golpes ou socos que eu tinha um problema. Eram seus chutes – ele girava tão rápido. Mas dessa vez, eu vi seus olhos caírem para a minha cintura.
 
Torcendo para o chute, eu trouxe meu braço para baixo em um movimento de bloqueio limpo um segundo muito tarde. Seu pé conectou com as minhas costas machucadas. Eu me dobrei imediatamente, segurando meus joelhos enquanto respirava lentamente para dentro e para fora.
 
Imediatamente, Aiden estava ao meu lado. — Alex?
 
— Isso... arde um pouquinho.
 
— Se te faz sentir melhor, você quase conseguiu dessa vez.
 
Eu olhei para cima e dei uma risada curta com a visão de seu sorriso torto. — É bom ouvir.
 
Ele começou a dizer alguma coisa, mas seu sorriso desapareceu e sua voz deu um aviso baixo. — Alex. Fique em pé.
 
Minhas costas protestaram com tal movimento repentino, mas no momento em que vi Marcus na porta, eu entendi o porquê. Eu não precisava parecer como se tivesse acabado de ter o meu traseiro chutado na frente dele.
 
Marcus se encostou na porta, os braços cruzados. — Eu me perguntava como o treinamento estava indo. Vejo que está se movendo ao longo do esperado.
 
Ouch. Eu tomei uma respiração profunda. — Você gostaria de experimentá-lo?
 
As sobrancelhas de Marcus se levantaram e ele sorriu, mas Aiden colocou uma mão de aviso no meu braço. — Não.
 
Afastei sua mão. Eu estava bem certa que poderia pegar meu tio. Com seu cabelo perfeitamente arrumado e calças cáqui sem vincos, ele parecia um modelo em um pôster para o mês do clube-de-iate.
 
— Eu jogo se você jogar. — eu ofereci novamente com um sorriso brilhante.
 
— Alex, estou dizendo para você não fazer isso. Ele costumava ser…
 
Marcus se empurrou para longe da parede. — Está tudo bem, Aiden. Eu não aceitaria uma oferta tão ridícula normalmente, mas eu estou me sentindo caridoso.
 
Eu ri silenciosamente. — Caridoso?
 
— Marcus, isso não é necessário. — Aiden se moveu na minha frente. — Ela está apenas começando a aprender a bloquear corretamente.
 
Fiz uma careta para Aiden. Cristo. Que maneira de me proteger, amigo. Meu ego rugiu de volta a vida e eu me empurrei ao redor de Aiden. — Eu acho que o pego.
 
Marcus inclinou a cabeça para trás e riu, mas Aiden parecia menos divertido com toda a situação. — Alex, estou dizendo para você não fazer isso. Fica quieta e me escuta.
 
Eu olhei para Aiden inocentemente. — Fazer o que?
 
— Não. Ela vai me pegar, Aiden. Vamos ver o que ela aprendeu. Já que ela está me desafiando, suponho que está pronta.
 
Eu plantei minhas mãos em meu quadril. — Eu não sei. Me sinto mal por espancar um velho.
 
O olhar esmeralda brilhante de Marcus pousou em mim. — Me ataque.
 
— O que?
 
Ele parecia perplexo, mas depois estalou os dedos. — É verdade! Você não aprendeu nenhum movimento real de ataque. Então eu devo atacar você. Você realmente sabe técnicas de bloqueio defensivo?
 
Marcus sabia sobre técnicas de bloqueio defensivo? Eu mudei meu peso e olhei para Aiden. Ele não parecia satisfeito com nada disso. — Sim.
 
— Então você deve estar habilmente treinada para se defender. — Marcus fez uma pausa e o sorriso desapareceu. — Apenas me imagine como o inimigo, Alexandria.
 
— Oh, isso não será tão difícil, Diretor Andros. — Eu levantei minhas mãos e fiz um movimento para ele seguir em frente. Eu era uma total durona. 
 
Marcus não deu nenhum outro aviso além de um fino tremor em seu braço bem antes de se mover. Eu levantei meu braço, bem como Aiden instruiu, e bloqueei o soco. Não pude lutar contra o sorriso selvagem enquanto desviava outro soco de ranger os ossos. Meu olhar estreitou para meu tio quando ele se esticou e se preparou para outro ataque.
 
— Se afaste. — A voz de Aiden veio do lado de fora, baixa e áspera. — Você está muito perto.
 
Eu fui para a frente, bloqueando outro golpe de Marcus. A arrogância assumiu. — Você tem que ser mais rápido…
 
Ao invés de Marcus continuar o que eu esperava que seria um chute circular malditamente bom, ele agarrou meu braço e torceu. Enquanto me girava, ele trouxe seu outro braço ao redor do meu pescoço, me colocando em um estrangulamento brutal.
 
Meu coração batia contra minhas costelas. Qualquer um dos movimentos que eu fiz só conseguiu torcer meu braço em um ângulo ainda mais anormal. Em segundos, ele me deixou indefesa. Em qualquer outra situação, como uma em que não fosse meu tio me segurando em um estrangulamento, eu teria lhe dado respeito por uma manobra tão rápida.
 
Ele abaixou a cabeça, falando diretamente no meu ouvido. — Agora apenas imagine se eu fosse um daimon. — disse Marcus. — O que você acha que aconteceria a seguir? 
 
Eu me recusei a responder, cerrando meus dentes.
 
— Alexandria, eu te fiz uma pergunta. O que aconteceria se eu fosse um daimon? — Seu agarre apertou.
 
Meu olhar encontrou o de Aiden. Ele observava a coisa toda com uma raiva impotente gravada em seu rosto. Eu podia dizer que havia uma parte dele que queria entrar, mas ele sabia que não poderia.
 
— Precisamos tentar isso de novo? — Marcus perguntou.
 
— Não! Eu… estaria morta.
 
— Sim. Você estaria morta. —  Marcus me soltou e eu tropecei para a frente. Ele passou raspando por mim, em direção a Aiden. — Se você sequer espera tê-la pronta no outono, talvez queira trabalhar em sua atitute e ter certeza de que ela na verdade segue as suas instruções na próxima vez. Se ela continuar desse jeito, irá falhar.
 
Sem tirar os olhos de mim por um segundo, ele deu a Marcus um breve aceno.
 
Eu esbravejei silenciosamente até ao momento em que Marcus desapareceu. — Que diabos eu fiz para ele? —esfreguei meu pescoço distraída. — Ele poderia ter quebrado meu braço!
 
— Se ele quisesse quebrar seu braço, ele teria feito. Eu falei para você ficar quieta, Alex. O que você esperava do Marcus? Você pensou que ele era apenas algum purosangue preguiçoso que precisava de proteção? — a voz dele pingava sarcasmo.
 
— Bem, ele parece um! Como eu poderia saber que ele era secretamente um Rambo em Dockers4?
 
                                                         
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Aiden andou até mim, estendendo a mão e pegando meu queixo. — Você deveria saber, porque eu disse para não pressioná-lo. Porém, você ainda o fez. Você não me ouviu. Ele costumava ser um Sentinela, Alex.
 
— O que? Marcus era um Sentinela? Eu não sabia disso!
 
— Eu tentei dizer isso a você. — Aiden fechou os olhos e liberou meu queixo. Se virando para longe, ele correu uma mão pelo cabelo. — Marcus está certo. Você não estará pronta no outono se não me ouvir. — Ele suspirou. — É por isso que eu nunca poderia ser um Instrutor ou um Guia. Eu não tenho paciência para essa porcaria.
 
Essa era uma daquelas vezes em que eu sabia que precisava calar a boca, mas não podia. Zangada como o inferno, eu o segui através do tatame. — Estou ouvindo você!
 
Ele se virou. — Que parte você ouviu, Alex? Eu disse a você explicitamente para não pressioná-lo. Se você não consegue me ouvir, como alguém pode – incluindo Marcus – esperar que você escute os seus Instrutores no outono?
 
Ele estava certo, mas eu estava muito envergonhada e brava para admitir isso. — Ele só fez isso porque não gosta de mim.
 
Ele fez um som exasperado. — Isso não tem nada a ver com o fato de ele gostar ou não de você, Alex. Isso tem tudo a ver com o fato de que você não escuta! Você passou muito tempo lá fora onde podia facilmente se defender contra os mortais, mas já não está no mundo mortal.
 
— Eu sei disso. Não sou estúpida!
 
— Mesmo? — Seus olhos brilharam um prata furioso. — Você está atrás de cada pessoa aqui. Mesmo os puros que frequentarão a escola no outono terão o conhecimento básico de como se defender. Você ainda quer ser uma Sentinela? Depois do que você me mostrou hoje, eu duvido que esse seja o caso. Você sabe o que faz um Sentinela? Obediência, Alex.
 
Senti minhas bochechas ficarem vermelhas. O surgir repentino de lágrimas quentes picou meus olhos. Eu pisquei e me virei para longe dele.
 
Aiden amaldiçoou sob a respiração. — Eu não estou... tentando constranger você, Alex. Mas esses são os fatos. Nós temos estado treinando por apenas uma semana e você tem uma estrada longa pela frente. Você precisa me ouvir.
 
Uma vez que tinha quase certeza de que não começaria a chorar, eu o encarei.
 
— Porque você me defendeu? Quando Marcus queria me entregar para o Lucian?
 
Aiden desviou o olhar, franzindo a testa. — Porque você tem potencial e nós não podemos nos dar ao luxo de ter esse potencial desperdiçado.
 
— Se eu... não tivesse perdido tanto tempo, eu sei que seria boa.
 
Ele se virou para mim, os olhos mudando de volta para um suave cinza. — Eu sei, mas você realmente perdeu muito tempo. Agora nós temos que trazer você de volta para onde precisa estar. Lutar contra seu tio não vai te ajudar.
 
Meus ombros caíram e eu desviei o olhar. —Ele me odeia. Ele realmente me odeia.
 
— Alex, ele não odeia você.
 
— Oh não, eu acho que odeia. Essa foi a primeira vez que eu o vi desde a primeira manhã aqui, e ele estava mais do que ansioso para provar que eu sou uma imbecil. É óbvio que ele não quer que eu seja treinada.
 
— Esse não é o caso.
 
Eu olhei para ele. — Mesmo? Então qual é o caso?
 
Aiden abriu a boca, mas a fechou.
 
— Sim. Exatamente.
 
Ele ficou quieto por alguns momentos. — Vocês dois eram sequer próximos?
 
Eu dei uma risada curta. — Antes? Não. Eu só o via quando ele visitava a mamãe. Ele nunca me deu atenção. Eu sempre imaginei que ele era um dos puros que não eram muito afeiçoados com o... meu tipo.
 
Havia um monte de puros lá fora que olhavam para baixo para os mestiços, nos vendo mais como cidadãos de segunda classe do que qualquer outra coisa. Eles sabiam que precisavam de nós, mas isso não mudava como nos viam como algo abaixo deles.
 
— Marcus nunca se sentiu dessa forma sobre... mestiços.
 
Dei de ombros, de repente cansada de falar. — Eu acho que é só comigo, então.  — Olhei para cima e forcei um sorriso fraco. — Então... você vai me mostrar o que fiz de errado?
 
— Qual parte? — Sua boca apertou.
 
— Tudo?
 
Ele finalmente sorriu, mas as provocações de costume que nós disparávamos um para o outro durante nossas sessões de treinamento desapareceram. Suas instruções diretas e formais deixavam claro seu desapontamento comigo. Mas o que eu poderia fazer? Eu não sabia que Marcus era o Chuck Norris. Eu tinha perdido a calma. Então o que? Então porque eu me sentia nojenta? 
 
Depois da prática, eu ainda não conseguia afastar a sensação de ser um fracasso absoluto. Nem mesmo quando Caleb apareceu na minha porta horas mais tarde.
 
Franzindo a testa, eu pisei para o lado e o deixei entrar. — Você está realmente bom em se esgueirar para dentro desse dormitório, Caleb.
 
Ele sorriu, mas o sorriso desapareceu quando viu a minha roupa manchada de suor. — É a festa de Zarak. Hoje a noite. Se lembra?
 
— Porra. Não. — Eu chutei a porta fechada.
 
— Bem, é melhor você ficar pronta. Como agora. Nós já estamos atrasados.
 
Eu debati sobre dizer que não estava a fim de ir, mas a ideia de ficar emburrada em meu quarto não parecia divertida. Imaginei que merecia uma noite de diversão depois do dia que tive, e não era como se Aiden ou Marcus soubessem que eu decidi ir para a festa de Zarak. — Eu preciso tomar um banho rápido primeiro. Fique a vontade.
 
— Claro. — Ele se sentou no sofá e pegou o controle remoto. — Vai ter um monte de puros lá. Alguns que não viram você desde que voltou. Claro, eles sabem que você está de volta. Todo mundo está falando sobre isso.
 
Revirando os olhos, fechei a porta do banheiro e tirei as minhas roupas. Eu não estava preocupada com Caleb avançando em mim. Seria como encontrar a sua irmã nua; eu duvidava que ele quisesse ver os meus bens. Quando me virei de frente para o espelho, avistei um banquete de machucados azulados cobrindo minhas costas e meus lados. Eca. Me virei para longe.
 
Caleb continuou a falar do quarto. — Lea e Jackson tiveram uma grande briga hoje, bem na praia para todo mundo ver. Foi engraçado assistir.
 
Eu não tinha tanta certeza sobre isso. Depois de um banho rápido, sequei meu cabelo para que ele caísse em um tipo de ondas controláveis. Agora o que vestir?
 
— Você está quase pronta aí? Deuses estou entediado.
 
— Quase. — Eu tirei um par de jeans e uma camisa embora quisesse usar o vestidinho preto promíscuo que Caleb tinha escolhido, mas as costas baixas mostrariam todos os machucados.
 
Caleb se levantou quando eu entrei na sala. — Você parece gostosa.
 
Eu fiz uma careta. — Você acha que isso é quente?
 
Ele riu enquanto se virava em direção a porta. — Não.
 
No momento em que nós encontramos alguns outros mestiços na beira do campus, o monólogo que Caleb executava sobre quem estaria na festa, tinha expulsado o pior de meu mau-humor. Caleb continuou olhando furtivamente para uma das garotas que tinha se juntado a nós enquanto caminhávamos pela ponte para a Ilha principal. Foi fácil esquecer sobre o treino e tudo o que eu tinha perdido no último par de anos.
 
Não foi difícil passarmos pelos Guardas. Nenhum deles me reconheceu, ou se o fizeram, eles não se preocuparam o suficiente para me enviar de volta ao meu quarto. Eles estavam acostumados com as crianças fazendo seu caminho de ida e volta para as duas Ilhas, especialmente durante o verão.
 
— Uau. —Uma das garotas soltou uma expiração baixa enquanto contornávamos as dunas de areia. — A festa está definitivamente em alta velocidade.
 
Ela estava certa. Assim que dobramos a curva, puros e mestiços se derramavam para fora da grande casa de praia. Fazia séculos desde que eu tinha estado na casa de Zarak. Como Thea, seus pais tinham lugares no Conselho, tinham muito dinheiro, e tinham pouco tempo para sua prole puro-sangue.
 
Com essa vista incrível do oceano, o revestimento azul pálido e alpendre branco, a casa de praia dos pais de Zarak era idêntica à casa onde mamãe tinha vivido. Eu presumi que a casa dela ainda estava no lado oposto da Ilha. Uma mistura de dor e felicidade fluíu através de mim. Eu me vi como uma garotinha, brincando na varanda, correndo pelas dunas de areia, rindo e vendo a mamãe sorrindo para mim. Ela sempre tinha estado sorrindo.
 
— Ei. — Caleb veio atrás de mim. — Você está bem?
 
— Sim.
 
Ele passou os braços ao redor dos meus ombros e deu um aperto. — Vamos lá, você vai ser como uma estrela do rock aqui. Todo mundo vai ficar feliz em te ver.
 
Andando em direção à casa de praia, eu me senti mesmo como uma estrela do rock. Todo o lugar para que eu olhava alguém chamava meu nome ou corria para me dar um abraço e um “bem vinda de volta” caloroso. Por um tempo, eu me perdi no mar de rostos familiares.
 
Alguém empurrou um copo de plástico na minha mão; outro o encheu com uma garrafa aberta, e antes que eu percebesse, estava em movimento alegremente entre velhos amigos.
 
Eu segui a passos largos, esperando encontrar Zarak em algum lugar na casa. Ele era, afinal, um dos meus puros-sangues favoritos. Esquivando-me de dois mestiços se pegando enquanto ainda mantinham um aperto firme em seus copos vermelhos de plástico – habilidade incrível a propósito – eu deslizei para dentro da cozinha menos lotada. Finalmente, localizei a cabeça reconhecível de cachos loiros. Ele parecia ocupado com uma linda loira.
 
Eu tinha bastante certeza de que estaria interrompendo, mas não achei que Zarak se importaria. Ele tinha que ter sentido a minha falta. Eu andei e toquei meus dedos ao longo da curva de seu ombro. Levou um momento para ele levantar a cabeça e se virar. Um par de olhos cinza impressionantes – claramente que não eram de Zarak – encontraram os meus.
 
Dei um passo para trás. Eu nunca tinha visto o garoto antes, mas havia algo estranhamente familiar sobre aqueles olhos e as linhas de seu rosto.
 
— O que nós temos aqui? — ele me deu um sorriso preguiçoso. — Uma meiosangue ansiosa por me conhecer? — ele olhou para a outra garota, e então para mim.
 
— Oh, bem... eu pensei que você fosse outra pessoa. Desculpe.
 
Divertimento brilhou em seus olhos. — Eu acho que estava sendo presunçoso, não estava?
 
Não podia evitar sorrir. — Sim, você estava.
 
— Mas você não estava sendo preçunsosa assumindo que eu era outra pessoa? Isso importa? — eu balancei a cabeça. — Bem, eu deveria me apresentar. — Ele deu um passo a frente e inclinou-se – literalmente, dobrando a cintura e inclinando. — Eu sou Deacon St. Delphi, e você é?
 
Meu queixo quase bateu no chão. Honestamente, eu deveria ter sabido no minuto em que vi seus olhos. Eles eram quase idênticos aos de Aiden.
 
Os lábios de Deacon viraram em um sorriso maroto. — Vejo que você ouviu sobre mim.
 
— Sim, eu conheço seu irmão.
 
Suas sobrancelhas se levantaram. — Meu irmão perfeito conhece uma meiosangue? Interessante. Qual é o seu nome?
 
Claramente irritada com a falta de atenção, a garota atrás dele soprou e deslizou ao nosso redor. Meu olhar a seguiu, mas ele nem a olhou. — Meu nome é Alexandria Andros, mas…
 
— Mas todos a chamam de Alex. — Deacon suspirou. — Sim. Eu ouvi sobre você também.
 
Dei um gole na minha bebida, olhando-o sobre o copo. — Bem então. Tenho medo de perguntar.
 
Ele andou até o balcão e pegou uma garrafa, tomando um gole saudável. — Você é aquela que meu irmão gastou meses perseguindo e agora está sobrecarregado com o treinamento.
 
Meu sorriso azedou. — Sobrecarregado?
 
Ele riu, balançando a garrafa de licor em seus dedos. — Não que eu me importaria em estar sobrecarregado com você. Mas meu irmão... bem, ele tende a raramente apreciar o que está na frente dele. Pegue-me, como exemplo. Ele passa a maior parte de seu tempo livre tendo certeza de que estou me comportando como um bom puro ao invés de me divertir. Agora... ele passará todo esse tempo se certificando que você se comporte.
 
Isso fez pouco sentido para mim. — Eu não acho que seu irmão está me apreciando muito no momento.
 
— Duvido disso. — Ele me ofereceu a garrafa. Eu balancei a cabeça. Servindo-se da bebida, ele sorriu amplamente. — Eu tenho certeza que meu irmão te aprecia muito.
 
— Porque você…
 
Colocando a garrafa de lado, ele pegou um copo e colocou o dedo na borda. Chamas surgiram ao redor do copo. Um segundo depois, ele soprou o fogo e bebeu o copo. Outro maldito incendiário, o que era outra coisa que eu deveria ter sabido. Afinidades puras em relação a certos elementos tendem a ocorrer na família.
 
— Porque eu acharia isso? — Deacon inclinou-se como se estivesse prestes a compartilhar um grande segredo. — Porque eu conheço meu irmão, e eu sei que ele não teria se voluntariado para ajudar qualquer meio-sangue. Ele não é a mais paciente das pessoas.
 
Franzi o cenho. — Ele é muito paciente comigo. — Exceto talvez por hoje, mas eu não ia compartilhar aquilo.
 
Deacon me deu um olhar de conhecimento. — Preciso dizer mais?
 
— Eu acho que não.
 
Ele parecia achar aquilo igualmente divertido. Passando o braço livre ao redor dos meus ombros, ele me conduziu em direção a varanda e justamente para o caminho de Lea e Elena, a garota que eu tinha conhecido na sala no meu primeiro dia de volta. A única razão para eu lembrar seu nome era por causa do seu corte de cabelo super curto.
 
Suspirei.
 
Deacon olhou de soslaio para mim. — Suas amigas?
 
— Não exatamente. — murmurei.
 
— Ei ruiva. — ele murmurou. — Parece boa.
 
Eu tive que admitir. Lea parecia requintada no vestido colante vermelho que se agarrava a cada curva do seu corpo. Ela estava quente - uma pena que ela era uma completa e total vadia.
 
Seu olhar flutuou para mim e então para o braço de Deacon, que ainda pendurava em meu ombro. — Oh Deuses, por favor me diga que você derramou bebida em sua camisa e esta andando temporariamente com ela para esconder a mancha. Porque Deacon, eu preferia ter um fio de cabelo das costas de um Daimon enroscado no dente do que desfilar com um tumor como essa por aí. 
 
Deacon levantou as sobrancelhas para mim. — Acho que você estava certa sobre a coisa ‘não exatamente amigas’.
 
Dei-lhe um olhar malicioso.
 
Ele virou um sorriso de megawatts para Lea. Ele até tinha covinhas, umas que eu tinha certeza que Aiden teria se ele realmente sorrisse. — Você tem uma boca muito bonita para palavras tão feias.
 
Lea sorriu tolamente. — Você nunca se preocupou em como eu usei minha boca antes, Deacon.
 
Olhei boquiaberta para Deacon. — Oh... uau.
 
Seus lábios curvaram em um meio sorriso, mas ele não respondeu. Eu fugi para longe dele e puxei Caleb de volta pela varanda extensa. Não estava muito lotado agora. Olhando por cima do ombro, percebi que Lea e Deacon tinham ido ainda mais para trás na sala, se escondendo de vista.
 
— Ok. Eu perdi algo enquanto estava fora? — perguntei.
 
O rosto de Caleb se encolheu. — Do que você está falando?
 
— A Lea e o Deacon estão saindo?
 
Ele arrebentou numa gargalhada. — Não, mas eles gostam de falar um monte de bobagem.
 
Bati no braço dele. — Não ria de mim. E se as pessoas pensarem que eles estão? Lea poderia ficar com grandes problemas.
 
— Eles não estão saindo, Alex. Lea é estúpida, mas não tão estúpida. Mesmo se eles estiverem tentando mudar as leis da Ordem da Raça, nenhum mestiço por aqui está disposto a brincar com um puro.
 
— Eles estão mudando a Ordem da Raça?
 
— Tentando é a palavra chave. Tendo sucesso é uma história totalmente diferente.
 
Os olhos de Caleb se arregalaram ao ouvir a voz inesperada. Eu me virei, quase derrubando meu copo. Kain Poros estava sentado na beira do parapeito, vestido com o uniforme do Covenant. — O que você está fazendo aqui?
 
— Sendo babá. — Kain resmungou — e eu não me importo com o que você está bebendo, então pare de procurar por um lugar para despejar seu copo.
 
Uma vez que superei o meu choque por sua atitude blasé em relação a bebida para menores de idade, dei um sorriso radiante. — Então eles estão tentando mudar a Ordem da Raça?
 
— Sim, mas está encontrando muita resistência. — Ele parou, seu olhar estreitando para um mestiço que estava se chegando muito perto da fogueira que alguém tinha decidido começar. — Ei! Sim! Você! Saia daí inferno.
 
Caleb chegou perto de mim, pousando seu copo discretamente abaixo. — Eu odeio que eles até chamem de Ordem da Raça. Soa tão ridículo.
 
— Tenho que concordar. — Kain assentiu. — Mas é assim que eles sempre a chamaram.
 
Nós já tínhamos reunido um pequeno público a essa altura. — Alguém pode por favor me deixar a par do que diabos eles estão tentando mudar?
 
— É uma petição para retirar a lei contra a mistura das duas raças. — Um garoto com o cabelo castanho cortado rente à cabeça sorriu maliciosamente.
 
— Uma petição para permitir que os mestiços e os puros se misturem? — Meus olhos se arregalaram. — O que causou isso?
 
O garoto puro bufou. — Não fique muito esperançosa. Não vai acontecer. Permitir que mestiços e puros se misturem não é a única coisa que eles estão buscando. O Conselho não vai contra os Deuses e eles certo como o inferno não vão permitir mestiços no Conselho. Não é nada para se empolgar.
 
A forte inclinação para lançar meu copo em seu rosto era difícil de ignorar, mas eu duvidava que Kain suportaria isso.
 
— Quem é você?
 
Seus olhos afiaram sobre mim, obviamente não gostando do meu tom. — Não deveria ser eu a fazer essa pergunta, meio-sangue?
 
Caleb cortou antes que eu pudesse responder. — O nome dele é Cody Hale.
 
Eu ignorei Caleb e fiz uma careta para o puro. — Eu deveria saber quem você é?
 
— Pare com isso, Alex. — Kain desceu do parapeito, efetivamente me lembrando do meu lugar no esquema das coisas. Se Cody dissesse pule, eu teria que dizer o quão alto. Discutir com ele não era como uma mestiça tratava um puro – nunca. — De qualquer forma, eu ouvi os membros do Conselho falando sobre isso. Os mestiços do Covenant do Tennessee tem um forte apoio. Eles estão pedindo para estar no Conselho.
 
— Duvido que eles cheguem a algum lugar. — Caleb disse.
 
— Nós não sabemos. — Kain respondeu. — Há uma boa chance de que o Conselho os ouça em novembro, e talvez até concorde.
 
Minhas sobrancelhas levantaram. — Quando foi que tudo isso aconteceu?
 
— Cerca de um ano atrás. — Kain deu de ombros. — E pegou um monte de movimento. O Covenant de Dakota do Sul está se envolvendo também. E estava na altura.
 
— E aqui e Nova York? — eu perguntei.
 
Caleb bufou. — Alex, a filial de Carolina do Norte ainda existe no tempo dos Gregos e com o Conselho principal estando localizado em Nova York, eles vão segurar todas as regras e rituais antigos. No Norte do Estado é um mundo totalmente diferente. Lá é brutal.
 
— Se há um movimento tão grande, então porque Hector e Kelia estão em tantos problemas? — Franzi a testa, lembrando de Caleb me contando a história deles.
 
— Porque nada foi aprovado e eu acho que o nosso Ministro está procurando fazer um exemplo deles. — A boca de Kain se apertou.
 
— Sim, uma forma de nos lembrar onde pertencemos e o que acontece quando não seguimos as regras. — Jackson empurrou através do pequeno grupo, sorrindo apesar do quão depressivas eram as suas palavras.
 
— Oh, pelo amor dos Deuses, — Kain estalou. Girando ao redor, ele correu para fora da varanda. Dois mestiços estavam tentando ligar um dune buggy5. — Vocês dois é
                                                         
 5 Um dune buggy é um veículo de lazer com rodas grandes e pneus largos, projetado para uso em dunas de areia, praias ou recreação no deserto.
 
Melhor que não estejam sequer a uma milha de distância disso na hora que eu chegar aí. Sim! Vocês dois!
 
A discussão sobre a petição diminuiu enquanto mais copos de plásticos foram passando ao redor. Aparentemente, discussão política só era aceitável antes do terceiro copo. Eu ainda estava remoendo sobre a Ordem da Raça e o que isso poderia significar quando Jackson se sentou no balanço ao meu lado.
 
Olhei para cima, sorrindo. — Ei.
 
Ele abriu um sorriso encantador. — Você viu a Lea?
 
— Quem não viu? — eu ri.
 
Ele não achou isso tão engraçado quanto eu achei, mas minha observação maliciosa serviu aos dois propósitos. Jackson se colou ao meu quadril pelo resto da noite, e quando Lea reapareceu, seu rosto virou um tom manchado de vermelho quando viu o quão perto Jackson e eu estávamos. E nós estávamos realmente superperto no balanço da varanda. Eu estava praticamente no colo dele. 
 
Inclinei meu copo para ela. 
 
O olhar estreito que ela enviou na minha direção disse tudo. Satisfeita comigo mesma, eu me virei para Jackson com um sorriso presunçoso. — Sua namorada não parece muito feliz.
 
— Ela não tem parecido desde que você voltou. — Ele correu um dedo pelo meu braço. — O que está acontecendo entre vocês duas, de qualquer maneira?
 
Lea e eu sempre tínhamos sido assim. Eu imaginava que isso tinha muito a ver com o fato de que nós duas éramos agressivas, conflituosas, e malditamente incríveis. Mas havia mais; eu só não conseguia me lembrar. Dei de ombros. — Quem sabe?
 
Zarak finalmente apareceu e estava muito feliz em me ver. Graças à ele e Cody, todo mundo estava afim da ideia de mover a festa para outro lugar levando os Porsches de mamãe e papai para Myrtle.
 
Desde que eu tinha minhas mãos cheias com o Jackson, perdi a noção do Caleb em algum ponto, e escondi meu copo de plástico meio cheio atrás do balanço. Eu estava bem com o zumbido feliz, mas estava apenas a alguns goles de distância de um zumbido queda-de-cara-no-chão.
 
— Você vai com eles?
 
Franzindo a testa, eu olhei para o Jackson. — Huh?
 
Ele sorriu, inclinando-se para que seus lábios quase roçassem minha orelha quando falou. — Indo para Myrtle?
 
— Oh. — Balancei meus pés para frente e para trás. — Não sei, mas soa divertido.
 
Jackson agarrou as minhas mãos, me puxando para meus pés. — Zarak está saindo. Nós podemos pegar uma carona com ele.
 
Eu devo ter perdido a parte quando ele e eu tínhamos virado “nós”, mas não protestei quando ele me levou para baixo dos degraus e através da praia. Muitas das pessoas já tinham saído, e eu peguei um rápido vislumbre de Lea deslizando no banco de trás com Deacon. Eu não tinha ideia de onde Kain estava; eu não o tinha visto desde o incidente com o dune buggy. 
 
Zarak escorregou para o assento do motorista do único outro carro que sobrou – ao menos ele parecia bem o suficiente para estar atrás do volante. A garota que eu tinha visto mais cedo com Deacon estava tomando seu doce tempo decidindo qual carro era o mais legal.
 
Ficando entediada, eu me encostei contra o lado da casa enquanto a garota conversava com Lea. Jackson se apoiou ao meu lado. Inclinei minha cabeça para trás, amando a forma como a brisa morna acariciava o meu rosto. — Você não deveria estar indo com ela?
 
Ele pausou, olhando sobre seu ombro. — Ela obviamente tem outros planos.
 
— Mas ela está te encarando. — Eu apontei. Ela tinha o rosto plantado contra a janela.
 
— Deixe-a olhar. — Ele se moveu mais perto, exibindo um sorriso perverso. — Ela fez a escolha dela, não foi?
 
— Acho que sim.
 
— Eu fiz a minha. — Jackson se inclinou para me beijar.
 
Mesmo pensando que teria amado ver o rosto de Lea depois de eu beijar Jackson, me desviei. Jackson era um jogador de oportunidades iguais e esse tipo de jogo eu não me sentia realmente a fim de jogar. 
 
Ele riu e me agarrou de forma divertida. Conseguiu uma boa pegada no meu braço e me puxou de volta. —Você vai me fazer persegui-la?
 
Meu zumbido feliz tinha o potencial de se tornar um zumbido ruim se eu continuasse com essa porcaria. Soltando o meu braço, eu forcei um sorriso. — É melhor você ir andando. Zarak vai deixar você para trás.
 
Ele se estendeu para mim de novo, mas eu me esquivei daquelas mãos muito amigáveis. — Você não vai?
 
Balancei a cabeça. — Não. Eu acho que vou terminar a noite por aqui. 
 
— Eu posso te fazer companhia se é isso o que você quer. Nós podemos fazer a festa no meu dormitório ou no quarto de Zarak. —Ele começou a andar para trás, em direção ao carro. — Eu não acho que ele se importaria. Última chance, Alex.
 
Levou cada polegada do meu auto-controle para não rir. Eu balancei a cabeça e recuei, sabendo que parecia como uma provocação total. — Talvez da próxima vez. — Então eu me virei, sem dar a Jackson outro momento para me jogar dentro do carro. 
 
Me perguntando se Caleb tinha ido a Myrtle, fiz meu caminho de volta através da praia e em direção a ponte, passando por diversas casas de praia silenciosas. O ar ao meu redor cheirava a sal marinho. Eu amava aquele cheiro. Me lembrava da mamãe e dos dias que nós costumávamos passar sem fazer nada na areia. Então, presa nas memórias, eu só voltei à realidade quando um calafrio correu pela minha espinha quando me aproximei da ponte.
 
Os arbustos desgrenhados e o mato alto balançavam na brisa fresca. Estranho uma vez que a brisa tinha sido agradável apenas alguns minutos atrás. Eu dei um passo a frente, escaneando o brejo. Escuridão cobria o brejo, mas uma sombra expessa se afastou do resto, se tornando mais sólida quando os segundos passavam.
 
O vento carregava um sussurro. “Lexie...”
 
Eu tinha que estar ouvindo coisas. Apenas mamãe tinha me chamado de Lexie, nada poderia estar lá, mas o medo ainda enrolava como molas apertadas no meu estômago.
 
Sem aviso, mãos fortes agarraram meus ombros e me puxaram de volta. Meu coração parou, e por um momento, eu não sabia quem tinha me agarrado por trás. O instinto de atacar surgiu, mas então eu peguei o cheiro familiar de sabão e oceano.
 
Aiden.
 
— O que você está fazendo? — A voz dele tinha uma pontada exigente.
 
Eu me virei e olhei para cima, para ele. Seus olhos eram fendas finas. Vê-lo me deixou sem fala por um segundo. — Eu... há alguma coisa lá.
 
As mãos de Aiden escorregaram dos meus ombros enquanto ele se virava para onde eu apontei. Naturalmente, não havia nada lá além das sombras normais que a lua lançava em todo o brejo. Ele me encarou. — Não há nada lá. O que você está fazendo aqui fora sozinha? Você não tem permissão para estar fora da ilha sem supervisão, Alex. Nunca.
 
Caramba. Dei um passo para trás, sem saber como responder. 
 
Então ele se inclinou, farejando o ar. — Você esteve bebendo.
 
— Não estive.
 
As sobrancelhas dele levantaram-se, os lábios franzidos. — O que você está fazendo do lado de fora do Covenant?
 
Brinquei com a borda da minha camisa. — Eu estava... visitando amigos, e se bem me lembro, me disseram que eu não poderia deixar a ilha. Tecnicamente, eu ainda estou na Ilha Divindade.
 
Ele inclinou a cabeça para o lado, cruzando os braços. — Estou bastante certo de que permanecer na Ilha controlada pelo Covenant estava subentendido.
 
— Bem, você sabe o que eles dizem sobre subentender as coisas.
 
— Alex. — Sua voz baixou em alerta.
 
— O que você está fazendo aqui fora, andando por aí no escuro como algum tipo de... perseguidor? — Assim que aquele último bocado saiu da minha boca, eu meio que queria me bater. 
 
Aiden riu, incrédulo.
 
— Não que você precise saber, mas eu estava no processo de seguir um grupo de idiotas para a praia de Myrtle.
 
Meu queixo caiu. — Você estava seguindo-os?
 
— Sim, um punhado de Sentinelas estava. — Os lábios de Aiden curvaram em um sorriso desigual. — O que? Você parece surpresa. Você realmente acha que nós deixaríamos um bando de adolescentes sair dessa ilha sem proteção? Eles podem não perceber que nós estamos sempre rastreando-os, mas ninguém sai daqui sem que nós saibamos.
 
— Bem... isso é simplesmente fantástico. — Guardei esse pequeno pedaço de conhecimento à distância. — Porque você ainda está aqui então?
 
Ele não respondeu imediatamente a pergunta, uma vez que estava ocupado me arrastando de volta em direção à ponte. — Eu vi que você não foi com eles.
 
Eu tropecei. — O que... exatamente você viu?
 
Ele olhou para mim, arqueando uma sobrancelha. — O suficiente.
 
Ruborizando até a raiz dos meus cabelos, eu gemi. Aiden riu baixinho, mas eu o ouvi.
 
— Porque você não foi com eles?
 
Ponderei em apontar que ele já sabia o porque, mas decidi que já estava em problema suficiente. — Eu... percebi que tinha me envolvido em estupidez suficiente pela noite.
 
Na verdade, ele riu mais alto então. Era profundo e rico. Bom. Olhei para cima rapidamente, esperando ver as suas covinhas. Não tive tanta sorte. — É bom ouvir você dizer isso.
 
Meus ombros caíram. — Então em quanto problema eu estou?
 
Aiden pareceu considerar isso por alguns momentos. — Eu não vou contar a Marcus, se é isso o que você está insinuando.
 
Surpresa, eu sorri para ele. — Obrigada.
 
Ele olhou para longe, balançando a cabeça. — Não me agradeça ainda.
 
Me lembrei da primeira vez que ele me disse isso. Eu me perguntava quando suspostamente o agradeceria.
 
— Mas eu não quero pegar você com uma bebida na mão de novo.
 
Revirei os olhos. — Caramba, lá vai você, soando como um papai novamente. Você precisa começar a soar como se tivesse vinte anos.
 
Ele ignorou isso, assentindo aos Guardas que passamos no lado oposto ao final da ponte. — É ruim o suficiente que eu tenha que perseguir meu irmão. Por favor não se adicione aos meus problemas.
 
Ousei uma olhada para ele. Ele olhava diretamente à frente, um músculo fletindo ao longo da sua mandíbula. — Sim... ele parece como uma mão cheia de problemas.
 
— E mais alguns.
 
Me lembrei do que Deacon disse sobre Aiden ter certeza de que eu me comportava agora.
 
— Me... desculpe. Não quero que você se sinta como... se tivesse que tomar conta de mim.
 
Aiden me deu um olhar penetrante. — Bem... obrigado.
 
Torci meus dedos, sentindo a língua presa por alguma razão. — Deve ter sido difícil ter que criá-lo, praticamente sozinho.
 
Ele bufou. — Você não tem ideia.
 
Eu realmente não tinha. Aiden tinha sido só uma criança quando seus pais morreram. E se eu tivesse tido um irmãozinho ou irmãzinha e fosse responsável por eles? Não havia como. Eu nem sequer podia me colocar nessa situação. Alguns momentos se passaram antes de eu perguntar. — Como... você fez isso?
 
— Fiz o que, Alex?
 
Nós passamos a ponte e o Covenant pairava à nossa frente. Diminuí meus passos. — Como você cuidou de Deacon depois... que algo tão terrível aconteceu?
 
Um sorriso rígido formou em seus lábios. — Não tive outra escolha. Eu me recusei a permitir que Deacon fosse entregue a outra família. Eu acho que... meus pais iriam querer que fosse eu a criá-lo.
 
— Mas isso é muita responsabilidade. Como você fez isso enquanto ia à escola? Inferno, enquanto treinava?
 
Graduação no Covenant não significava que o treinamento acabava para um Sentinela. O primeiro ano no trabalho era notoriamente feroz. O tempo era dividido entre seguir Sentinelas treinados chamados Guias e ainda treinamento de alto impacto em aulas de artes marciais e testes estressantes.
 
Ele enfiou as mãos em seus bolsos fundos do uniforme negro do Covenant. — Houve momentos onde eu considerei fazer o que minha família iria querer para mim. Ir para a Faculdade e voltar, me envolver na política do nosso mundo. Eu sei que meus pais iriam querer que eu cuidasse de Deacon, mas a última coisa que eles teriam sequer escolhido para mim era me tornar um Sentinela. Eles nunca entenderam... esse tipo de vida.
 
A maioria dos puros não entendia, e eu não entendi completamente até que tinha visto a minha mãe ser atacada. Só então eu compreendi a necessidade de Sentinelas. Empurrando o pensamento perturbador para longe, tentei pensar no que eu lembrava sobre seus pais. 
 
Eles tinham aparência jovem, como a maioria dos puros tinha, e do que eu sabia, eles tinham sido poderosos. — Eles estavam no Conselho, certo?
 
Ele assentiu. — Mas depois da morte deles, ser um Sentinela era o que eu queria.
 
— Algo que você precisava. — Eu corrigi suavemente.
 
Seu passo diminuiu e ele pareceu surpreso. — Você está certa. Ser um Sentinela era algo que eu precisava - ainda preciso. — Ele pausou, olhando para longe. — Você saberia. É o que você precisa.
 
— Sim.
 
— Como você sobreviveu? — Ele virou a questão para mim.
 
Ficando desconfortável, eu me concentrei na água do oceano. À noite, em baixo da luz da lua, parecia tão escura e grossa como o petróleo. — Eu não sei.
 
— Você não tinha outra escolha, Alex.
 
Dei de ombros. — Acho que sim.
 
— Você não gosta de falar sobre isso, pois não?
 
— É obvio?
 
Paramos onde o caminho se dividia entre os dormitórios. — Você não acha que é uma boa ideia falar sobre isso? — Sua voz tinha um tom sério que o fazia parecer muito mais velho. — Você quase não teve tempo para lidar com o que aconteceu com a sua mãe... o que você testemunhou e teve que fazer.
 
Senti algo apertar na minha mandíbula. — O que eu tive que fazer é o que todos os Sentinelas têm que fazer. Estou treinando para matar daimons. E não posso falar com ninguém. Se Marcus sequer suspeitasse que eu tenho problemas para lidar com isso, ele me entregaria para Lucian.
 
Aiden parou e quando ele me olhou, havia uma quantidade infinita de paciência em seu rosto. Mais uma vez, eu fui atingida pelo que Deacon tinha dito. — Você só tem dezessete anos. A maioria dos Sentinelas não comete a sua primeira matança até um ano ou mais depois da graduação.
 
Suspirei; agora era um bom momento para mudar de assunto. — Você sabe o que disse sobre seus pais não quererem que você tivesse esse tipo de vida? 
 
Aiden assentiu, um olhar curioso em seu rosto. Ele provavelmente se perguntava onde diabos eu estava indo com isso. — Eu acho - não, eu sei que eles estariam orgulhosos de você, de qualquer forma.
 
Ele levantou uma sobrancelha. — Você acha isso porque eu me ofereci para te treinar?
 
— Não. Eu acho isso porque me lembro de você.
 
Minhas palavras pareceram pegá-lo desprevenido. — Como? Nós não partilhávamos nenhuma aula ou horário.
 
— Eu vi você por aí algumas vezes. Eu sempre sabia quando você estava por perto. — Disparei.
 
Os lábios de Aiden inclinaram nos cantos quando ele me olhou. — O que?
 
Dei um passo para trás, ruborizando. — Eu quero dizer, você tinha essa reputação por ser tão fodão. Mesmo quando ainda estava na escola, todo mundo sabia que você seria um Sentinela incrível.
 
— Oh. — Ele riu de novo, relaxando um pouquinho. — Eu suponho que deveria me sentir elogiado.
 
Assenti vigorosamente. — Deveria. Os mestiços seguem o seu exemplo. Bem, aqueles que querem ser Sentinelas. Ainda no outro dia, eles estavam me dizendo sobre quantas mortes você fez. É lendário. Especialmente para um puro - desculpe. Eu não quero dizer que matar um monte de daimons é necessariamente uma coisa boa ou algo para estar orgulhoso, mas... eu preciso calar a boca agora.
 
— Não. Eu entendo o que você está dizendo. Matar é uma necessidade no nosso mundo. Cada morte cobra seu preço, porque o daimon costumava ser uma boa pessoa. Alguém que você pode ter conhecido. Nunca é fácil tirar a vida de alguém, mas olhar para baixo para alguém que uma vez você considerava um amigo é... muito mais difícil.
 
Fiz uma cara. — Eu não sei se poderia fazer isso... — Vi o divertimento desaparecer de seu rosto. Essa não deve ter sido a reposta certa. — Eu quero dizer, quando vemos os daimons, nós mestiços os vemos pelo o que eles verdadeiramente se parecem. Ao menos, em um primeiro momento e então nós os vemos por quem eles costumavam ser. A mágica Elemental os muda de volta então eles se parecem com quem costumavam ser. Você já sabe disso, claro, mesmo que você não veja através da magia negra como nós. Eu poderia fazer isso. Tenho certeza que poderia matar alguém que uma vez eu conheci.
 
Os lábios de Aiden franziram e ele olhou para longe. — É difícil quando é alguém que você conhecia.
 
— Você já lutou com alguém que conhecia antes de ter ido completamente para o lado negro?
 
— Sim.
 
Eu engoli em seco. — Você...?
 
— Sim. Não foi fácil. — Ele me encarou. — Está ficando tarde, bem depois do seu toque de recolher, e você não vai se livrar facilmente por essa noite. Espero vê-la amanhã no ginásio às oito.
 
— O que? — Eu tinha assumido que tinha o fim de semana para mim.
 
Ele simplesmente levantou a sobrancelha. — Eu preciso listar as regras que você quebrou?
 
Eu queria apontar que não era a única que tinha quebrado as regras essa noite - e que algumas pessoas que não eu ainda estavam no momento quebrando regras - mas consegui manter a minha boca fechada. Mesmo eu podia reconhecer que minha punição poderia ser muito pior. Assentindo, comecei a andar para o meu dormitório.
 
— Alex?
 
Eu me virei, imaginando se ele tinha mudado de ideia e ia ordenar que eu visse Marcus de manhã e confessasse sobre meu mau comportamento. — Sim?
 
Ele tirou uma mecha de cabelo escuro da testa e mostrou aquele sorriso torto.
 
— Eu me lembro de você.
 
Franzi o rosto. — O que?
 
O sorriso aumentou para um sorriso cheio. E... Oh, cara. Ele tinha covinhas. O ar em meus pulmões morreu. — Eu me lembro de você também.
 
Eu estava sendo punida.
Parecia que a parte da conversa de ontem à noite sobre não ser permitida sair da ilha controlada pelo Covenant não era uma suposição. Okay. Eu sabia isso, mas honestamente, era realmente um problema tão grande?
Era um grande problema para Aiden.
Ele levou a minha bunda para o ginásio assim que começou a manhã e passamos a maior parte do dia lá. Ele mostrou-me alguns exercícios que queria que eu fizesse, algumas repetições com pesos, e depois uma enorme quantidade de cardio.
Eu odiava cardio.
 
Enquanto eu corria de uma máquina de exercícios para a seguinte, Aiden sentouse, estendeu as longas pernas dele, e abriu um livro que provavelmente pesava tanto como eu.
Eu olhei para a máquina de leg press6. — O que você está lendo?  
Ele não olhou para cima. — Se você é capaz de falar enquanto treina então não está treinando o suficiente.  
Fiz uma cara para sua cabeça curvada e subi para a máquina. Depois de fazer as minhas repetições, percebi que não havia uma forma graciosa de sair da coisa. Preocupada com fazer figura de idiota, eu roubei um rápido olhar para ele antes de rolar para fora da máquina.
Havia mais algumas máquinas que ele queria que eu fizesse e fiquei quieta por cerca de cinco minutos. — Quem lê livros tão grandes para se divertir?  
Aiden levantou a cabeça, prendendo-me com uma expressão entediada. — Quem fala para se ouvir falar?  
Meus olhos se arregalaram. — Você está com um humor adorável hoje.
Com o livro obscenamente grande equilibrado sobre um joelho, ele virou uma página. — Você precisa trabalhar a força da sua parte superior do corpo, Alex. Não suas habilidades motoras da fala.  
Olhei para o haltere e imaginei-o voando para o outro lado da sala - em seu rosto. Mas era um rosto tão bonito, e eu odiaria arruiná-lo. Horas se passaram assim. Ele lia o seu livro, eu irritava-o, ele gritava comigo, e então eu pulava em outra máquina.
Triste como era, eu meio que me estava divertindo a chateá-lo e acho que ele também estava. De vez em quando, um pequeno - e eu quero dizer realmente pequeno - sorriso enfeitava os seus lábios sempre que eu fazia uma pergunta irritante. Eu não tinha certeza de que ele estava sequer prestando atenção ao livro de…
— Alex, pare de olhar para mim e faça algum cardio. — Ele virou outra página.
Eu pisquei. — Espero que o seu livro seja sobre charme e habilidades de personalidade. 
Aha! Lá estava o fantasma de um sorriso. — Cardio, faça cardio. Você é rápida, Alex. Daimons são rápidos, também, e com fome Daimons serão ainda mais rápidos.  
Minha cabeça caiu para trás e eu gemi quando me arrastei para a esteira que ele tinha apontado anteriormente. — Quanto tempo? 
— Sessenta minutos. 
Bebê adorável no Hades! Ele era louco? Quando eu perguntei isso, ele não achou graça. Foram precisas várias tentativas para conseguir a esteira a trabalhar a uma velocidade em que eu poderia correr.
Cinco minutos depois, Aiden olhou para cima e viu o quão rápido eu estava indo. Exasperado comigo, ele se levantou e caminhou até onde eu estava correndo. Sem uma palavra, ele aumentou a velocidade acima de quatro - eu estava a correr no dois - e depois voltou à sua parede e ao seu livro.
Maldito seja.
Sem fôlego e ainda completamente fora de forma, eu quase caí da esteira quando o tempo atingiu os sessenta minutos e diminuiu para o modo lento. Olhei para onde Aiden estava inclinado contra a parede, absorto em seu livro de tamanho gigantesco.
— O que... você está lendo? 
Ele olhou para cima e suspirou. — Fábulas Gregas e Lendas.
— Oh! — Eu sempre gostei de ler o que o mundo mortal escrevia sobre os nossos deuses. Algumas das histórias até estavam corretas enquanto o resto era apenas lixo.
— Peguei-o na biblioteca. Você sabe, é o lugar onde você devia ficar no seu tempo livre em vez de beber.  
Estremeci e balancei os braços para fora. — Eu odeio a biblioteca. Todo mundo odeia a biblioteca aqui.  
Balançando a cabeça, ele fechou o livro. — Por que é que os mestiços acreditam que há cães infernais, harpias e fúrias vivendo na biblioteca? Eu não entendo.  
— Você não tem estado na biblioteca, a sério? Ugh. É assustador e você ouve coisas o tempo todo. Quando eu era criança, ouvi algo rosnar lá uma vez. — Saí da esteira e parei na frente dele. — Caleb ouviu asas batendo lá dentro, perto do andar mais baixo. Eu não estou brincando. 
Aiden riu profundamente. — Vocês são ridículos. Não há nada na biblioteca. E todas essas criaturas foram removidas do mundo mortal há muito tempo. De qualquer forma, — ele levantou o livro e sacudiu-o — É um dos seus livros de escola. 
Deixei-me cair ao lado dele. — Oh. Chato. Eu não posso acreditar que você lê livros da escola para se divertir. — Fiz uma pausa, considerando isso. — Não importa. Pensando bem, eu posso acreditar que você lê livros de ensino por diversão.
Ele virou a cabeça para mim. — Alongamentos de relaxamento. 
— Sim, senhor! — Saudei-o, estiquei as pernas e agarrei meus dedos dos pés. — Então, que lenda você está lendo isso? Como Zeus era o deus mais promíscuo de todos? Essa foi uma lenda que os mortais realmente acertaram. Ele foi responsável pela maioria dos semideuses originais todos aqueles anos atrás.
— Não. — Ele me entregou o livro. — Aqui. Por que você não fica com ele e faz algumas leituras? Tenho a sensação de que depois de hoje você vai passar algumas longas noites em seu quarto.  
Revirei os olhos, mas peguei o livro. Após a prática, encontrei-me com Caleb e reclamei durante a hora seguinte sobre como Aiden estava sendo totalmente não legal. Então eu reclamei sobre como ele desapareceu na noite passada, me deixando com Jackson.
Amigos não deixam amigos agir como idiotas.
Pouco tempo depois, eu voltei para o meu quarto em vez de escapar com Caleb. Eu tinha uma suspeita crescente de que se o fizesse, seria apanhada, e eu realmente não queria passar mais um dia no ginásio. Era ruim o suficiente ter que passar uma boa hora ou duas em cada noite.
Absolutamente entediada, eu peguei o livro com cheiro a mofo e folheei a coisa antiga. Metade do livro estava escrita em grego antigo e fora da minha capacidade de decifrar. Parecia um monte de linhas onduladas para mim. Depois de encontrar a parte em Inglês, eu descobri que não era sobre lendas ou fábulas. Era realmente um relato detalhado de cada um dos deuses, o que eles representavam, e sua ascensão ao poder. Havia até mesmo uma seção sobre puros-sangues e seus mestiços inferiores - nós. Literalmente, era assim que estávamos listados neste livro.
Não é brincadeira:
O Puro-Sangue e sua metade inferior - o Meio-Sangue.
 
Folheei as páginas, chegando a uma parada em um pequeno pedaço de texto com o nome de “Ethos Krian”. Mesmo eu lembrava esse nome. Todos os mestiços lembravam. Ele foi o primeiro de um grupo muito seleto de meio-sangues que podia controlar os elementos. Mas... oh, ele foi mais do que isso. Ele foi o primeiro Apollyon - o único meio-sangue com a capacidade de controlar os elementos e utilizar o mesmo tipo de compulsão que os puros podiam usar sobre os mortais.
Em outras palavras, o Apollyon era um grande fodão meio-sangue.
 
Ethos Krian, nascido de um puro-sangue e um mortal em Nápoles, 2848 ED (1256 dC), foi o primeiro meio-sangue registrado a mostrar as habilidades de um verdadeiro Hematoi. Como previsto pelo oráculo de Roma, com a idade de 18, a palingênese7 despertou o poder de Ethos.
Há linhas de pensamento conflitantes sobre as origens do Apollyon e seu propósito. A crença popular diz que os deuses que detêm o tribunal de Olympia concederam o dom dos quatro elementos e o poder de akasha, o quinto e último elemento, a Ethos como uma medida para garantir que nenhum poder de um puro-sangue substituiu o de seus senhores. O Apollyon tem um impacto directo na ligação com os deuses e atua como o Destruidor. O Apollyon é conhecido como “Aquele que anda no meio dos deuses”. 
Desde o nascimento do Ethos, um Apollyon tem nascido a cada geração como ditado pelo oráculo...
 
A seção passou de seguida a listar os nomes dos outros Apollyons, parando no ano de 3517 no calendário Hematoi - 1925 dC.
Nós precisávamos mesmo de atualizar os livros didáticos.
Avancei essa parte e virei a página. Havia outra parte descrevendo as características do Apollyon e outra passagem com que eu não estava familiarizada.
Minha respiração ficou presa quando eu li uma vez, duas. — De jeito nenhum. 
 
 7 Ciclo de fim e recomeço, regeneração.
 
Ao longo do tempo, apenas um Apollyon tem nascido a cada geração com exceção do que veio a ser conhecido como “Tragédia do Solaris”. No ano 3203 ED (1611 dC), um segundo Apollyon foi descoberto no Novo Mundo. A palingenesia despertou Solaris (sobrenome e parentesco desconhecidos) para o poder no aniversário de dezoito anos dela, dando origem a uma cadeia de eventos surpreendentes e dramáticos. Até esta data, nunca houve uma explicação da razão de como existiram dois Apollyons na mesma geração ou porquê.
 
Eu li a seção novamente. Nunca havia dois Apollyons. Nunca. Eu tinha ouvido lendas quando era criança sobre a possibilidade de dois, mas desprezei-as como sendo... bem, lendas. Continuando, eu rapidamente apurei que não sabia nada.
 
Acredita-se que o Primeiro sentiu a marcação de outro Apollyon no aniversário de dezoito anos dela e, sem saber das consequências, se juntou a ela no Novo Mundo. Os efeitos da união foram descritos comos vastos e prejudiciais para ambos os puros-sangues e seus mestres, os deuses. Após a união, como se fossem duas metades destinadas a formar um todo, os poderes de Solaris se mudaram para o Primeiro Apollyon, tornando-se assim, o Primeiro o que sempre foi temido: o Assassino dos Deuses. O poder do Primeiro tornou-se instável e destrutivo.
A reação dos deuses, principalmente a Ordem de Thanatos, foi rápida e justa. Ambos os Apollyons foram executados sem julgamento.
 
— Uau... — Fechei o livro e sentei-me. Os deuses, quando ameaçados, não eram de brincadeiras. Um Apollyon atuava como um controle e sistema de equilíbrio, capaz de lutar contra qualquer coisa, mas se houvesse dois deles de uma vez?
Havia um Apollyon agora, mas eu nunca o conheci. Ele era como uma espécie de celebridade. Nós sabíamos que ele estava lá fora em algum lugar, mas nunca o vimos pessoalmente. Eu sabia que o Apollyon se focava em Daimons agora em vez de efetuar justiça contra puros-sangues. Desde a criação do Conselho, os puros já não pensavam que podiam dominar os deuses - ou, pelo menos, eles não diziam isso abertamente.
Pousei o livro de lado e desliguei a lâmpada.
Pobre Solaris.
Em algum lugar, os deuses tinham feito asneira e criado dois. Não era como se fosse culpa dela. Ela provavelmente nem tinha visto o que a estava atingindo.
 
Enquanto a excitação do Solstício de Verão borbulhava através do Covenant, me acomodei de volta na vida de uma meio-sangue em formação. A emoção da minha presença tinha desaparecido, e a maioria dos estudantes que permaneceram no Covenant durante o verão se acostumaram a me ter por perto. Claro que o fato de eu ter matado dois Daimons garantiu a minha fama. Até mesmo os comentários de cadela da Lea se tornaram menos frequentes.
Lea e Jackson acabaram, voltaram a ficar juntos, e até onde eu sabia, estavam separados novamente.
Durante o tempo em que Jackson era um homem livre, eu desenvolvi uma rotina de o evitar. Sim, ele era pura sensualidade, mas ele também era super-rápido com as mãos, e em mais do que uma ocasião, eu tive que retirá-las da minha bunda. Caleb era sempre rápido em apontar que eu não podia reclamar uma vez que eu é que era a culpada.
Outro tipo de rotina estranha se desenvolveu, mas esta foi entre Aiden e eu. Sendo que eu estava sempre de mau humor pela manhã, geralmente começávamos o treino com alongamentos e algumas voltas - basicamente qualquer coisa que nos impedisse de falar. No final da manhã, havia menos probabilidade de eu morder sua cabeça e estava mais recetiva a trabalhar nas coisas importantes. Ele nunca mencionou a noite em que me flagrou na festa e em que nós falámos sobre a necessidade que ambos tínhamos para nos tornarmos Sentinelas. Ele também nunca explicou o que quis dizer com: — Eu lembro de você.  
Claro, eu inventei uma tonelada de explicações ridículas. Meu talento era tão incrível que todos sabiam quem eu era. Ou minhas palhaçadas dentro e fora das salas de treinamento tinham-me feito uma lenda no meu próprio direito. Ou eu tinha sido tão absurdamente bonita que ele não podia evitar me notar. Essa última era a mais absurda. Eu era desajeitada e uma total inapta em socialização nessa altura. Sem mencionar que alguém como Aiden nunca olharia para uma meio-sangue dessa maneira.
Durante o treinamento, Aiden era severo e rígido nos seus métodos. Só algumas vezes ele parecia deslizar e sorrir quando pensava que eu não estava olhando. Mas eu estava sempre olhando.
Quem poderia me culpar? Aiden era... gostosura encarnada. Eu alternava entre olhar para os braços definidos e ficar com inveja de como ele se movia com tanta graça fluída, mas era mais do que apenas a sua capacidade de me fazer babar. Nunca na minha vida eu tinha encontrado alguém tão paciente e tolerante comigo. Os deuses sabem que sou chata para caramba, mas Aiden me tratava como se eu fosse sua igual. Nenhum puro realmente fazia isso. O dia em que eu me tinha envergonhado ao desafiar meu tio parecia esquecido, e Aiden fazia de tudo para se certificar de que eu estava evoluindo como esperado.
Com sua orientação, eu estava me acostumando às exigências do treinamento e do peso que elas tinham no meu corpo. Eu até aumentei um pouco o meu peso. A parte da inaptidão ainda estava no ar. Aiden ainda não me deixava ficar a menos de 3 metros de qualquer uma das armas bacanas.
No dia do Solstício de Verão, eu tentei me aproximar da parede de destruição no final do treino.
— Nem pense nisso. Você poderia cortar sua mão... ou a minha.  
Eu congelei, a minha mão a uma polegada do punhal maravilhoso. Droga.
— Alex. — Aiden soou um pouco divertido. — Temos pouco tempo restante. Precisamos trabalhar em seus bloqueios.  
Gemendo, afastei-me do que eu realmente queria aprender. — Bloqueio de novo? Isso é tudo o que fizemos durante semanas.  
Aiden cruzou os braços sobre o peito. Hoje, ele usava uma t-shirt branca lisa. Ele fazia-a parecer boa, muito boa. — Isso é não tudo o que fizemos.  
— Okay. Estou pronta para avançar para algo mais, como praticar com facas ou defesa contra as artes das trevas. Coisas legais.  
— Você acabou de citar Harry Potter? 
Eu sorri. — Talvez sim. 
Ele balançou a cabeça. — Nós estamos praticando chutes e socos, Alex. E seus bloqueios ainda precisam ser trabalhados. Quantos dos meus chutes você foi capaz de bloquear hoje?  
— Bem... — Eu fiz uma careta. Ele já sabia a resposta. Eu só tinha conseguido bloquear uns poucos. — Uns dois, mas você é rápido. 
— E Daimons são mais rápidos do que eu. 
— Tenho as minhas dúvidas acerca disso. — Nada era tão rápido quanto Aiden. Metade do tempo ele se movia como um borrão. Mas eu fiquei em posição e esperei.
Aiden relembrou-me as manobras mais uma vez, e eu podia jurar que ele abrandou seus chutes um pouco, porque eu bloqueei mais do que alguma vez consegui antes. Nós nos separamos, prestes a iniciar uma nova rodada de pontapés quando um assobio soou no corredor. O culpado – Lucas de cabelos cor de bronze – estava de pé na porta para a sala de treinamento. Eu sorri e acenei.
— Você não está prestando atenção. — Aiden estalou.
Meu sorriso caiu do meu rosto quando Lucas e um par de outros mestiços desapareceram de vista. — Desculpe.
Ele exalou lentamente e acenou para eu chegar à frente. Concordei sem discutir. — Ele é mais um dos seus garotos? Você anda sempre com aquele outro.
Minhas mãos caíram para os meus lados. — O quê? 
Aiden trouxe a sua perna em uma volta rápida. Mal tive tempo para bloqueá-lo. — Ele é outro dos seus garotos? 
Eu não sabia se devia rir, ficar chateada, ou em êxtase por ele ter notado que eu estava sempre com o outro garoto.
Lançando meu rabo de cavalo por cima do meu ombro, eu peguei seu antebraço antes que ele conectasse com o meu estômago. — Não que seja da sua conta, mas ele não estava assobiando para mim.  
Ele sacudiu a mão para trás, franzindo a testa. — O que é que isso quer dizer?  
Eu levantei minhas sobrancelhas para ele e esperei que ele percebesse. O momento em que ele percebeu, seus olhos se arregalaram e sua boca formou um círculo perfeito. Em vez de cair na minha bunda rindo como eu queria, eu o ataquei com um pontapé vicioso. Visando o ponto vulnerável em sua caixa torácica, eu quase gritei por causa de quão perfeito meu pontapé ia ser. 
Eu nunca fiz contato.
Em um golpe astucioso de seu braço, ele mandou-me para o tapete. Situando-se acima de mim, ele realmente sorriu. — Boa tentativa.
Apoiei-me em meus cotovelos, carrancuda. — Como é que você sorri quando me derruba?  
Ele ofereceu sua mão. — São as pequenas coisas que me fazem feliz.  
Eu aceitei, e ele arrastou-me para os meus pés. — É bom saber. 
Encolhendo os ombros, eu passei por ele e agarrei a minha garrafa de água. — Então... hum, você vai às comemorações hoje à noite?  
O Solstício era um grande negócio para os puros. Ele começava com mais de um mês de eventos sociais que levavam à sessão do Conselho em agosto. Hoje à noite seria a maior celebração, e se os deuses fossem abençoá-los com sua presença, hoje seria a noite. Eu duvidava que algum aparecesse, mas os puros vestiam-se todos com suas roupas coloridas apenas no caso.
Haveria também uma tonelada de festas realizadas na ilha principal – para as quais nenhum dos mestiços estava convidado - e quero dizer nenhum. E como todos os pais puros estariam em casa, não haveria festa na casa de Zarak. No entanto, dizia-se que haveria uma festa na praia organizada por Jackson. Eu não tinha certeza se iria fazer uma aparência ou não.
— Provavelmente. — Aiden se esticou, mostrando uma faixa de pele esticada ao longo da faixa de suas calças. — Eu não sou muito fã dessas coisas, mas preciso aparecer em alguns eventos.  
Fiz-me concentrar no rosto dele, que era mais difícil do que eu pensava. — Por que você precisa? 
Ele abriu um sorriso. — É o que nós, adultos, temos que fazer, Alex. 
Revirei os olhos e tomei um gole. — Você pode ir e sair com seus amigos. Vai ser divertido.  
Aiden olhou para mim de forma estranha.
Baixei a garrafa de água. — Você sabe como se divertir, certo?  
— Claro. 
Do nada isso me atingiu. Eu não acho que Aiden poderia divertir-se. Assim como eu não podia suportar realmente pensar sobre o que aconteceu com minha mãe. Culpa de sobrevivente - pelo menos é o que acho que lhe chamam.
Aiden estendeu a mão, tocando meu braço. — O que você está pensando?  
Olhei para cima, encontrando seu olhar fixo em mim. — Eu estava apenas... pensando.  
Ele recuou, apoiando-se contra a parede, e olhou para mim curiosamente. — Pensando sobre o quê? 
— É difícil para você... divertir-se, não é? Quer dizer, eu nunca realmente vejo você fazendo qualquer coisa. Eu só vi você com Kain ou Leon e nunca com uma garota. Eu te vi uma vez em jeans... — Eu parei, ruborizando. O que vê-lo em jeans tinha a ver com qualquer coisa? Mas isso tinha sido uma visão impressionante. — Enfim, eu acho que é difícil depois do que aconteceu com seus pais. 
Aiden se empurrou da parede, os olhos de repente de um cinza duro. — Eu tenho amigos, Alex, e eu sei como me divertir.  
Minhas bochechas ficaram ainda mais quentes. Obviamente, eu tinha atingido um ponto sensível. Whoops. Sentindo-me muito idiota, eu terminei o treinamento e corri de volta para o meu dormitório. Às vezes eu me perguntava no que estava pensando quando abria minha boca.
Desgostosa, tomei um banho rápido e vesti um par de shorts. Logo depois, voltei para o centro do campus para me encontrar com Caleb no refeitório, determinada a esquecer minha falta de jeito.
Caleb já estava lá, em uma conversa profunda com outro meio-sangue sobre quem tinha conseguido melhores pontuações em seus exercícios de campo no final do último semestre. Como eu ainda não tinha participado em nenhum exercício de campo, fui praticamente deixada de fora da conversa. Me senti como uma perdedora.
— Você vai à festa hoje à noite? — Caleb perguntou.
Olhei para cima. — Eu acho que sim. Não é como se tivesse coisa melhor para fazer.  
— Só não faça uma repetição da última vez. 
Atirei-lhe um olhar maléfico. — Não me deixe pendurada enquanto você corre para Myrtle, idiota.
Caleb deu uma risadinha. — Você deveria ter vindo. Lea reclamou até o momento em que viu Jackson sem você. Ela praticamente arruinou a noite de todos. Bem, na verdade, Cody arruinou a noite de todos.  
Eu puxei minhas pernas para cima e recostei-me no meu lugar. Era a primeira vez que eu tinha ouvido falar disso. — O que aconteceu? 
Ele fez uma careta. — Alguém falou sobre a porcaria da Ordem da Raça de novo, e Cody pirou. Ele começou a falar merdas sobre ela. Dizendo coisas sobre nós, mestiços, não pertencermos ao Conselho.  
— Tenho certeza de que isso foi bem aceite. 
Ele sorriu. — Sim, então ele disse algo sobre como as duas raças não devem se misturar e todas essas baboseiras sobre a pureza do sangue deles. — Ele fez uma pausa, olhando para alguém atrás de mim com grande interesse.
Eu virei, mas só peguei um vislumbre de pele de tom caramelo e cabelos longos e encaracolados. Eu me virei para ele com as sobrancelhas levantadas. — Então, o que aconteceu? 
— Um... alguns meio-sangues ficaram chateados. A próxima coisa que nós sabemos, Cody e Jackson estavam brigando. Cara, eles estavam brigando com tudo.  
Meus olhos se arregalaram. — O quê? Cody denunciou-o?  
— Não, — disse Caleb, sorrindo. — Zarak convenceu Cody a não o fazer, mas ele bateu forte em Cody. Foi muito impressionante. Claro que os dois idiotas ficaram amigos em seguida. Eles estão bem agora.  
Aliviada, me acomodei novamente na minha cadeira. Golpear um puro - mesmo em auto-defesa - era uma maneira rápida de ser chutado para fora do Covenant. Matar um puro em qualquer situação levaria a execução, mesmo se ele estivesse tentando cortar sua cabeça. Por muito injusto que fosse, tínhamos que ter cuidado ao navegar a política do mundo dos puros. Nós poderíamos chutar o traseiro uns dos outros, mas quando se tratava dos puros, eles eram intocáveis em mais maneiras do que uma. E se nós quebrássemos uma das regras... bem, estávamos apenas a um passo de distância de uma vida de servidão - ou morte.
Tremendo, pensei na minha situação precária. Se eu não fosse aceite no outono, a servidão era o que eu tinha pela frente. Não havia nenhuma maneira de eu permitir isso. Eu teria que fugir, mas onde eu iria? O que eu faria? Viver nas ruas? Conseguir um trabalho e fingir ser uma mortal novamente?
Empurrando os pensamentos preocupantes para longe, me concentrei na festa de Jackson, à qual finalmente concordei em participar e, algumas horas depois, encontreime lá. A festinha realmente não era pequena, parecia que todos os mestiços que estavam presos no Covenant durante o verão tinham aparecido na praia. Alguns estavam estendidos em cima de cobertores, outros reclinados em cadeiras. Ninguém estava na água.
Optei por um cobertor confortável ao lado de Lucas. Ritter, um meio-sangue mais jovem com o cabelo vermelho mais brilhante que eu já vi, me ofereceu um copo de plástico amarelo, mas eu recusei. Rit ficou um pouco com a gente, falando sobre como estava se preparando para viajar para a Califórnia durante o resto do verão. Eu estava apenas um pouco invejosa.
— Você não está bebendo? — Perguntou Lucas.
Até eu fiquei surpresa com a minha decisão, mas dei de ombros. — Não estou com vontade esta noite.  
Ele afastou um fio longo de cabelo cor de bronze de seus olhos. — Eu coloquei você em problemas hoje durante o treino? 
— Não. Eu geralmente sou facilmente distraída. Então nada novo.  
Lucas me cutucou, sorrindo. — Eu posso ver porque você é distraída. Pena que ele é um puro. Eu daria minha nádega esquerda por uma parte disso.  
— Ele gosta de garotas. 
— Então? — Luke riu da minha expressão. — Como ele é? Ele parece tão quieto. Como você sabe que ele seria bom na… 
— Pare! — Eu ri, levantando a minha mão. O movimento puxou os meus músculos das costas doloridos.
Lucas inclinou para trás a cabeça e riu. — Você não pode dizer que nunca pensou sobre isso.  
— Ele é... ele é um puro, — eu disse novamente, como se isso não o fizesse sexy.
Lucas me lançou um olhar compreensivo.
— Okay. — Eu suspirei. — Ele é realmente... muito legal e paciente. Na maioria das vezes... e eu me sinto estranha ao falar sobre ele. Podemos falar de outro cara quente? 
— Oh, sim. Por favor. Podemos falar sobre outro cara quente? — Caleb bufou. — Exatamente o que eu quero falar. 
Lucas ignorou-o, seu olhar percorrendo a praia e parando perto de um par de geladeiras. — Que tal Jackson? 
Recostei-me em minhas costas. — Não diga o nome dele. 
Ele riu da minha patética tentativa de me fazer invisível. — Ele acabou de chegar sem Lea. Pensando bem, onde no inferno é que está essa louca?  
Recusei-me a olhar para cima e chamar a atenção de Jackson. — Não tenho nenhuma ideia. Não a vi.  
— Isso é uma coisa ruim? — Perguntou Caleb.
— Ah, Alex, aqui vem o seu homem, — anunciou Lucas.
Não havia para onde ir e eu olhei impotente entre Caleb e Lucas. Nenhum dos dois fez nada para esconder a sua diversão.
— Alex, por onde você esteve? — Disse Jackson com voz arrastada. — Eu não vi você por aí.  
Apertei os meus olhos fechados e murmurei algumas maldições.
— Eu estive ocupada com o treinamento. 
Jackson balançou para a direita, em direção a um Caleb distraído.
— Aiden deve saber que você precisa sair e ter um pouco de diversão.  
Lucas se virou e me deu uma piscada maliciosa antes de levantar. Eu sentei-me, mas não consegui ir mais longe que isso. Jackson caiu para o espaço vazio e jogou o braço em volta de mim, quase me fazendo cair.
Sua respiração estava muito quente e cheirava a cerveja. — Sabe, você é mais do que bem-vinda para ficar aqui depois da festa.  
— Ah... Eu não sei sobre isso. 
Jackson sorriu e mudou-se para mais perto. Normalmente eu acharia Jackson atraente, mas ele só me enojou agora. Alguma coisa estava errada comigo. Tinha que estar. — Você não pode ter treino amanhã. Não depois das celebrações. Mesmo Aiden estará dormindo até tarde.  
Eu duvidava e encontrei-me perguntando se Aiden estaria se divertindo. Será que ele foi para as comemorações e ficou? Ou será que ele apareceu, fez uma aparição e foi embora? Eu meio que esperava que ele tivesse ficado e se divertido. Ele poderia precisar disso depois de passar um dia inteiro enfurnado comigo.
— Alex? 
— Huh? 
Jackson riu e enfiou a mão sobre o meu ombro. Eu agarrei-a e deixei-a cair em seu colo. Destemido, ele veio para mim de novo. — Eu estava perguntando se você queria algo para beber. Zarak entrou em um frenesi de compulsão e estocou-nos para o resto do verão.  
Isso era bom saber. — Não. Eu estou bem. Não tenho sede.  
Eventualmente, Jackson ficou entediado com a minha falta de interesse e vagueou para longe. Grata, virei-me para Caleb. — Dê-me um soco da próxima vez que eu sequer pensar em falar com um cara. Sério.  
Ele olhou para seu copo, franzindo a testa. — O que aconteceu com ele? Ele veio para você demasiado forte? — Um olhar feroz caiu sobre o seu rosto quando seus olhos se estreitaram nas costas de Jackson. — Preciso machucá-lo?  
— Não! — Eu ri. — É só... Eu não sei. — Eu me virei e vi-o com a mestiça de quem tinha pegado um vislumbre anteriormente. Ela era uma morena bonita, ridiculamente cheia de curvas, e ela tinha uma lisa pele cor de caramelo. — Jackson não faz o meu tipo.  
— Quem faz? — Seu próprio olhar parou na companheira de Jackson.
— Quem é essa garota? — Eu perguntei.
Virou-se e suspirou. — Essa é Olivia. Seu último nome é um daqueles impronunciáveis gregos. Seu pai é um mortal; a mãe dela é uma pura.
Continuei assistindo a menina. Ela usava um par de jeans de designer que eu teria matado para ter. Ela também continuava evitando as mãos voadoras de Jackson. — Como é que esta é a primeira vez que eu a vejo?  
— Ela esteve com seu pai. Eu acho. — Ele limpou a garganta. — Ela realmente é... bastante legal. 
Olhei para ele bruscamente. — Você gosta dela, não é? 
— Não! Não, claro que não. — Sua voz soou meio estrangulada.
A minha curiosidade aumentou à medida que os olhos de Caleb pareciam ser atraídos de volta para Olivia. Uma tonalidade de vermelho cobria suas bochechas. — Claro. Você não está interessado nela de todo.  
Caleb tomou um gole longo de sua bebida. — Cale a boca, Alex. 
Eu abri minha boca, mas o que eu estava prestes a dizer foi cortado quando Deacon St. Delphi apareceu do nada.
— Que diabos? 
Caleb seguiu o meu olhar. — Agora, isso é interessante. 
Ver Deacon na praia não era de todo surpreendente, mas vê-lo na noite do solstício quando todos os puros ficavam juntos era chocante.
Era tão… impuro dele.
Deacon varreu os mestiços com um olhar distante e um sorriso sardônico rompeu em seu rosto quando nos viu. Vindo em nossa direção, ele puxou um frasco de prata brilhante do bolso de seus jeans. — Feliz Solstício de Verão! 
Caleb engasgou com sua bebida. — Igualmente para você.
Ele tomou o lugar vazio de Jackson, aparentemente sem conhecimento dos olhares chocados. Limpei a garganta. — O que… você está fazendo aqui? 
— O quê? Eu fiquei entediado demais na ilha principal. Toda a pompa e circunstância é suficiente para deixar um homem sóbrio. 
— Nós não podemos ter isso. — Eu avaliei o vermelho em torno de seus olhos. — Você alguma vez está sóbrio? 
Ele pareceu pensar sobre isso. — Não se eu puder evitar. Coisas são... mais fáceis dessa forma.  
Eu sabia que ele estava falando sobre seus pais. Incerta de como responder, esperei que ele continuasse.
— Aiden odeia que eu beba tanto. — Ele olhou para o seu cantil. — Ele está certo, você sabe. 
Brinquei com meus cabelos, torcendo-os em uma corda grossa. — Certo sobre o
quê? 
Deacon inclinou a cabeça para trás, olhando para as estrelas que cobriam o céu noturno. — Tudo, mas principalmente o caminho que ele escolheu. — Ele parou e riu. — Se ele apenas soubesse, huh?  
— Eles não vão saber que você se foi? — Caleb cortou as minhas palavras.
— E vir aqui e estragar toda a sua diversão? — O olhar sério de Deacon desapareceu. — Absolutamente. Em cerca de uma hora, quando eles começarem o seu ritual de cânticos e essa porcaria, alguém - mais provavelmente meu irmão - vai perceber que não estou lá e vem procurar-me.  
Minha boca abriu. — Aiden ainda está lá? 
— Você veio aqui sabendo que iriam segui-lo? — Caleb franziu a testa.
Deacon pareceu entretido por ambas as afirmações. — Sim responde a todas. — Ele tirou um caracol de sua testa. 
— Merda. — Caleb começou a ficar em pé enquanto eu refletia sobre o conhecimento de que Aiden ainda estava festejando. — Alex, nós devemos ir.  
— Sente-se. — Deacon levantou a mão. — Você tem pelo menos uma hora. Eu vou dar aos meninos da festa tempo suficiente para limpar. Confie em mim.  
Caleb não parecia ouvi-lo. Ele olhou para a beira-mar, onde Olivia e outro meiosangue estavam juntos, realmente juntos. Segundos se passaram enquanto seu rosto endurecia. Debruçando-me, eu puxei a barra de sua camisa.
Ele me deu um largo sorriso. — Você sabe? Estou muito cansado. Acho que vou voltar para o dormitório.  
— Boo. — Deacon esticou o lábio inferior.
Eu me levantei. — Desculpe.
— Duplo Boo. — Ele balançou a cabeça. — E a diversão estava apenas começando.  
Jogando um adeus rápido para Deacon, segui Caleb até à praia. Passámos por Lea enquanto ela descia o calçadão de madeira.
— Gosta de ir atrás das minhas sobras? — Lea franziu o nariz. — Que fofo. 
Um segundo depois, eu envolvi minha mão em torno de seu antebraço.
— Hey.
Lea tentou libertar o seu braço, mas eu era mais forte do que ela. — O quê? 
Sorri o meu melhor sorriso. — O seu namorado está procurando mais. Você obviamente não é o suficiente para ele. — Libertei-a então, deixando uma Lea muito infeliz em pé sozinha.
— Caleb! — Eu corri para alcançá-lo.
— Eu sei o que você vai dizer, então não quero ouvir.  
Prendi meus cabelos atrás das orelhas. — Como você sabe o que eu ia dizer? Tudo o que eu queria salientar é que se você gosta da garota lá atrás, você poderia apenas… 
Com um olhar de soslaio, ele ergueu as sobrancelhas. — Eu realmente não quero falar sobre isso.  
— Mas... eu não entendo por que você não admite isso. O que no inferno é o grande problema? 
Ele suspirou. — Alguma coisa aconteceu na noite em que fomos para Myrtle.  
Eu tropecei em meus pés. — O quê? 
— Não isso. Bem... não realmente, mas chegou perto.  
— O quê? — Eu gritei, socando o seu braço. — Como é que você não disse nada? Com a garota Olivia? Caramba, eu sou sua melhor amiga e você esqueceu de mencionar isso?  
— Nós tínhamos bebido os dois, Alex. Estávamos discutindo sobre quem disse shotgun primeiro... e a próxima coisa que eu sei, estamos nos beijando com tudo.  
Mordi o lábio. — Isso é meio quente. Então, por que você não vai falar com ela?  
O silêncio se estendeu entre nós, antes que ele respondesse.
— Porque eu gosto dela, gosto muito dela, e você gostaria dela, também. Ela é inteligente, engraçada, forte, e sua bunda é tão…  
— Caleb, ok. Percebi a ideia. Você realmente gosta dela. Portanto, fale com ela.  
Nós fomos em direção ao pátio situado entre os dois dormitórios. — Você não entendeu. E devia ter entendido. Nada vai sair disso. Você sabe como é para nós.  
— Huh? — Olhei para os intrincados desenhos sobre o caminho. Eram runas e símbolos esculpidos no mármore. Alguns representavam deuses, enquanto outros pareciam que alguma criança pegou um marcador e se divertiu. Na verdade, parecia algo que eu desenharia.
— Não importa. Eu só preciso ficar com outra pessoa. Tirar esta sensação estúpida do meu sistema.  
Eu levantei os meus olhos das marcas estranhas. — Isso soa como um plano sólido.
— Talvez eu deva ficar com Lea novamente ou outra pessoa. E você?  
Eu atirei-lhe um olhar sujo. — Puxa, obrigado. Mas, falando sério, você não quer ficar com qualquer uma. Você quer algo... significativo. — Eu parei, sem saber de onde isso veio.
Claramente, ele também não sabia. — Algo significativo? Alex, você esteve no mundo normal por demasiado tempo. Você sabe como é para nós. Nós não temos “significativo”.
Eu suspirei. — Sim, eu sei. 
— Nós somos ou Guardas ou Sentinelas - não maridos, esposas ou pais. — Ele parou, franzindo a testa. — Encontros e namoradas. Isso é o que temos. Nosso dever não permite muito mais.  
Ele estava certo. Nascer um meio-sangue eliminava qualquer chance de um relacionamento normal e saudável. Como disse Caleb: nosso dever não permitia que formássemos vínculos - qualquer coisa que nos fizesse arrepender de desistir dessa coisa ou de a deixar para trás. Depois da graduação, poderíamos ser atribuídos a qualquer lugar e em qualquer momento poderíamos ser arrancados desse lugar e ser enviados a algum outro.
Era uma vida dura e solitária mas com um propósito.
Eu chutei uma pedrinha, enviando-a a voar para o meio da vegetação rasteira. — Só porque não teremos a cerca branca, não quer dizer... — A pele da minha testa enrugou quando um súbito arrepio me percorreu. Veio do nada, e pelo olhar de súbita confusão no rosto de Caleb, eu sabia que ele o sentira, também.
— Um menino e uma menina, um com um futuro brilhante e curto, e o outro coberto de sombras e dúvida.  
A rouca voz antiga nos paralisou. Caleb e eu virámos. O banco de pedra tinha estado desocupado há um momento atrás, mas lá estava ela. E ela era velha, do tipo devia-estar-morta-a-esta-altura.
Uma enorme pilha de puro cabelo branco estava preso em cima de sua cabeça, e sua pele era escura como carvão e fortemente alinhada. Sua postura torta fazia-a parecer ainda mais velha, mas seus olhos eram afiados. Inteligentes.
Eu nunca a tinha visto antes, mas sabia instintivamente quem ela era. — Vovó Piperi? 
Ela inclinou a cabeça para trás e riu descontroladamente. Eu meio que esperava que o peso de seu cabelo a derrubasse, mas ela manteve-se na posição vertical. — Oh, Alexandria, você parece tão surpresa. Você não achava que eu era real? 
Caleb espetou-me com o cotovelo, algumas vezes, mas eu não conseguia parar de olhar. — Você sabe quem eu sou? 
Seus olhos escuros piscaram para Caleb. — Claro que sim. — Ela alisou as mãos sobre o que parecia ser um roupão. — Lembro-me também da sua mãe. 
A descrença trouxe-me um passo mais perto do oráculo, mas o choque me deixou sem palavras.
— Lembro-me de sua mãe, — ela continuou, balançando a cabeça para trás e para diante. — Ela veio até mim há três anos, sim. Falei a verdade para ela, você vê. A verdade era apenas para ela ouvir. — Ela fez uma pausa, o seu olhar caindo para Caleb. — O que você está fazendo aqui, filho? 
De olhos arregalados, ele se mexeu desconfortavelmente. — Nós estávamos... caminhando de volta para os nossos dormitórios.
Vovó Piperi sorriu, esticando a pele frágil como papel em torno de sua boca. — Você gostaria de ouvir a verdade - a sua verdade? O que os deuses têm guardado para você? 
Caleb empalideceu. O problema com as verdades é que elas geralmente confundem a sua cabeça. Não importava se era conversa de louco ou não.
— Vovó Piperi, o que você disse a minha mãe? — Eu perguntei.
— Se eu dissesse a você, o que mudaria? O destino é o destino, você vê. Assim como o amor é o amor. — Ela riu como se tivesse dito algo engraçado. — O que está escrito pelos deuses irá passar. A maioria já passou. Um assunto tão triste quando as crianças se voltam contra seus criadores.  
Eu não tinha ideia do que ela estava falando e me senti muito certa de que ela era certificável, mas eu precisava saber o que Piperi disse - se ela disse alguma coisa. Talvez Caleb estivesse certo e eu precisasse de encerramento. — Por favor. Eu preciso saber o que você disse a ela. O que a fez ir embora?  
Ela inclinou a cabeça para o lado. — Você não quer saber sobre a sua verdade, criança? Isso é que é importante agora. Você não quer saber sobre o amor? Sobre o que é proibido e o que é predestinado?  
Meus braços caíram para os meus lados e eu pisquei para conter as lágrimas repentinas.
— Eu não quero saber sobre o amor. 
— Mas você deve, minha filha. Você precisa saber sobre o amor. As coisas que as pessoas vão fazer por amor. Todas as verdades terminam no amor, não é? De uma forma ou de outra, é verdade. Veja, há uma diferença entre amor e necessidade. Por vezes, o que você sente é imediato e sem rima ou razão. — Ela sentou-se um pouco mais reta. — Duas pessoas se veem através de uma sala ou tocam a pele um do outro sem querer. Suas almas reconhecem a pessoa como sua própria. Não precisa de tempo para descobrir isso. A alma sempre sabe... se é certo ou errado.  
Caleb pegou meu braço. — Vamos lá. Vamos. Ela não está dizendo qualquer coisa que você quer ouvir.  
— O primeiro... o primeiro é sempre o mais poderoso. — Ela fechou os olhos, suspirando. — Então há necessidade e destino. Isso é um tipo diferente. Necessidade cobre-se com amor, mas necessidade... necessidade nunca é amor. Sempre tome cuidado com os que precisam de você. Há sempre um desejo por trás de uma necessidade, você vê.  
Caleb largou o meu braço e apontou ferozmente para a passagem atrás de nós.
— Às vezes você vai confundir necessidade com amor. Tenha cuidado. A estrada da necessidade nunca é justa, nunca uma boa. Muito parecida com o caminho que você deve descer. Cuidado com quem tem necessidade de você. 
A senhora era uma lunática, e mesmo sabendo isso, as palavras dela ainda causaram arrepios na minha espinha. — Por que a estrada não vai ser fácil para mim? — Eu perguntei, ignorando Caleb.
Ela se levantou. Bem, tanto quanto ela se podia levantar. Como as suas costas eram curvadas para a frente isso impedia-a de ficar de pé completamente. — As estradas são sempre esburacadas, nunca planas. Este aqui, — ela acenou para Caleb com uma gargalhada muito pequena, — este tem uma estrada cheia de luz. 
Caleb parou de apontar para trás de nós. — Isso é bom saber.  
— Uma estrada curta e cheia de luz, — acrescentou a avó Piperi. 
Seu rosto caiu. — Isso é... bom saber. 
— E a estrada? — Eu perguntei de novo, esperando por uma resposta que faria sentido.
— Ah, as estradas estão sempre à sombra. O seu caminho está cheio de sombras, cheio de obras que devem ser feitas. Ele vem para os da sua espécie.  
Caleb me lançou um olhar significativo, mas eu balancei a cabeça. Eu não tinha ideia do que ela estava falando, mas eu ainda não estava disposta a partir. Ela mancou passando por mim e eu saí do caminho. Minhas costas roçaram algo macio e quente, chamando a minha atenção. Voltei-me, encontrando grandes flores roxas com brilhantes centros amarelos. Eu me aproximei, inalando seu cheiro agridoce, quase picante.
— Cuidado aí, filha. Você está tocando solanáceas8. — Ela parou, voltando-se para onde estávamos. — Muito perigoso... muito parecido com beijos daqueles que andam entre os deuses. Inebriante, doce e mortal... você precisa saber como lidar com isso do jeito certo. Apenas um pouco e você vai ficar bem. Demais... e te tira o que faz de você quem é.  — Ela sorriu suavemente, como se estivesse lembrando de algo. — Os deuses se movem em torno de nós, sempre por perto. Eles estão assistindo e esperando para ver qual se revela ser o mais forte. Eles estão aqui agora. Você vê, o fim está sobre eles, sobre todos nós. Até mesmo os deuses têm pouca fé.  
Caleb me passou um outro olhar com os olhos arregalados. Dei de ombros, decidindo dar-lhe mais uma chance. — Então não há nada que você vai me contar sobre a minha mãe? 
— Nada que você não saiba. 
— Espere...? — Minha pele estava quente e fria ao mesmo tempo. — O que... Lea disse é verdade? Que eu fui a razão pela qual minha mãe morreu?  
— Vamos, Alex. Você está certa. — Caleb deu um passo para trás. — Ela está louca. 
Piperi suspirou. — Sempre há ouvidos por aqui, mas os ouvidos nem sempre ouvem corretamente.  
— Alex, vamos embora. 
Eu pisquei e - não estou exagerando - no tempo que me levou a abrir os olhos, a vovó Piperi ficou na minha frente. A velha senhora se movia assim rápido. Sua mão agarrou o meu ombro com força suficiente para me fazer estremecer.
                                                         
Ela olhou para mim com olhos tão afiados como lâminas, e quando falou, sua voz perdeu a rouquidão. E ela não pareceu louca de todo. Oh não, suas palavras eram claras e diretas ao ponto.
— Você vai matar as pessoas que ama. Está em seu sangue, no seu destino. Assim os deuses o disseram e assim os deuses o previram.
 
— Alex! Observe as mãos dele. Você está deixando bloqueios demais passarem!
Eu assenti para as palavras duras de Aiden e me coloquei em posição para lutar com Kain novamente. Aiden estava certo. Kain estava acabando comigo. Meus movimentos eram lentos, irregulares e distraídos demais - principalmente devido a ficar acordada até a metade da noite, repetindo a conversa bizarra com a Vovó Piperi.
Este era um momento realmente ruim para se preocupar. Hoje era o primeiro treino com Kain, e eu estava lutando como um bebê. Kain não ia facilitar para mim também. Não que eu quisesse isso, mas também não queria parecer um excremento total na frente de outro Sentinela.
Outro de seus chutes brutais conseguiu passar pelo meu bloqueio e me esquivei com apenas uma fração de segundo de sobra. Evasão não era o ponto deste exercício. Se fosse eu estaria me destacando.
Aiden avançou para mim então, reposicionando meus braços de uma maneira que teria com sucesso derrubado a perna de Kain. — Observe-o. Até mesmo o mais leve tremor muscular vai entregar o seu ataque. Você tem que prestar atenção Alex.
— Eu sei. — Dei um passo para trás e corri meu braço sobre minha testa. — Eu sei. Posso fazer isso.
Kain balançou a cabeça e se afastou para pegar sua garrafa de água enquanto Aiden me conduzia para o outro lado da sala, sua mão em volta do meu braço. Ele se inclinou para que estivesse ao nível dos meus olhos. — Qual é o seu problema hoje? Eu sei que pode fazer melhor que isso.
Inclinei-me para pegar minha água, mas a garrafa estava vazia. Aiden me entregou a sua. — Estou apenas... fora hoje. — Tomei um gole e entreguei de volta para ele.
— Eu posso dizer.
Mordi meu lábio, corando. Eu era melhor do que isso e deuses, queria provar para Aiden que eu era. Se não pudesse passar por isso então não poderia avançar para mais nada - para todas aquelas coisas malditamente legais que eu queria aprender.
— Alex, você esteve distraída o dia todo. — Seus olhos encontraram e seguraram os meus. — É melhor isto não ter nada a ver com a festa que Jackson deu na praia na noite passada.
Oh deuses, não havia nada que este homem não soubesse? Balancei a cabeça. —
Não.
Aiden me deu um olhar conhecedor e tomou um gole da garrafa antes de empurra-la de volta em minhas mãos. — Beba.
Eu suspirei me afastando dele. — Vamos novamente, okay?
Aiden fez sinal para Kain voltar e então bateu no meu ombro. — Você pode fazer isso Alex.
Depois de me recuperar e tomar outro gole de água, larguei a garrafa no chão. Voltei para o centro das esteiras e acenei para Kain.
Kain me observou cansadamente. — Você está pronta?
— Sim. — Cerrei os dentes. Kain levantou as sobrancelhas, como se duvidasse que ia fazer alguma coisa diferente dessa vez.
— Tudo bem. — Ele balançou a cabeça e nós ficamos em posição de combate novamente. — Lembre-se de antecipar meus movimentos.
Eu bloqueei seu primeiro chute, então seu soco. Nós circulamos um ao outro por algumas voltas, enquanto eu me perguntava que diabos a Vovó Piperi quis dizer ao afirmar que eu mataria aqueles que eu amava. Isso não fazia nenhum sentido, porque a única pessoa que eu amava já estava morta e eu, certa como o inferno não a tinha matado. Você não pode matar alguém que já está morta, e não era como se eu amasse... 
A bota de Kain bateu passando as minhas defesas e se conectou com meu estomago. Dor explodiu através de mim, tão intensa e avassaladora que caí de joelhos. A forma como eu aterrissei colocou pressão sobre minhas costas maltratadas. Estremecendo, alcancei em volta e segurei minhas costas com uma mão e meu estomago com a outra.
Eu estava uma bagunça total.
Kain caiu na minha frente. — Maldição Alex! O que você estava fazendo? Você não deveria ter estado tão perto de mim!
— Yeah. — Eu gemi. Respire até passar. Apenas respire até passar.Mais fácil falar do que fazer, mas continuei dizendo isso a mim mesma. Esperei Aiden se lançar em um grande discurso, mas ele não disse uma palavra para mim. Ao invés, se aproximou e puxou Kain pela nuca, quase erguendo-o fora do chão.
— A prática acabou.
A boca de Kain caiu aberta e sua pele normalmente bronzeada empalideceu. — Mas…
— Aparentemente você não entendeu. — Sua voz soou baixa e perigosa.
Me levantei aos tropeções. — Aiden, a culpa é minha. Eu me inclinei. — Não era preciso elaborar, estava óbvio o que eu tinha feito errado.
Aiden olhou por cima do ombro para mim. Alguns concisos segundos mais tarde, ele liberou Kain. — Vá.
Kain endireitou sua camisa enquanto recuava. — Alex me desculpe.
Acenei uma mão para ele. — Nada demais.
Aiden pisou na minha frente, descartando Kain sem sequer outra palavra. — Deixe-me dar uma olhada nisso.
— Oh... está tudo bem. — Virei para longe dele. Meus olhos ardiam, mas não por causa da dor latejante. Eu queria sentar e chorar. Tinha andado direto para o chute. Uma criança não teria cometido tal erro. Foi patético.
Ele colocou uma mão surpreendentemente gentil no meu ombro e virou-me para trás. — Está tudo bem, Alex. — Quando não me mexi, ele deu um passo para trás. — Você agarrou suas costas. Eu preciso ter certeza que você está bem.
Não vendo saída para isso, eu segui Aiden para uma das salas menores, onde eles mantinham suprimentos médicos. Era uma sala fria e estéril como qualquer consultório médico com a exceção da pintura de Afrodite em toda a sua glória nua, o que eu achei estranho e um pouco perturbador.
— Suba na mesa.
Eu não queria nada mais que correr de volta para o meu quarto e ficar emburrada em privado, mas fiz o que ele disse.
Aiden voltou para mim, seu olhar fixo sobre a minha cabeça. — Como está seu estomago?
— Okay.
— Porque você agarrou suas costas?
— Estão doendo. — Esfreguei minhas mãos sobre minhas coxas. — Me sinto como uma imbecil.
— Você não é uma imbecil.
— Eu sou. Devia ter prestado atenção. Andei direto para o chute. Não foi culpa de Kain.
Ele pareceu considerar isso. — Eu nunca vi você tão distraída.
Pelo ultimo mês, tínhamos tido dias de oito horas de treinamento, e acho que durante esse tempo ele tinha visto um monte de coisas de mim. Mas eu nunca estive tão fora de foco.
— Você não pode se dar ao luxo de estar tão distraída — ele continuou gentilmente. — Você está acompanhando notavelmente bem, mas não tem tempo a perder. É quase Julho e isso nos deixa com cerca de dois meses para você alcançar. Seu tio tem pedido relatórios semanais. Não pense que ele se esqueceu de você.
Cheia de vergonha e desapontamento, meus olhos caíram para minhas mãos. — Eu sei.
Aiden colocou os dedos no meu queixo, guiando minha cabeça para cima. — Porque você está tão distraída Alex? Você se move como se não tivesse dormido e está agindo como se sua mente estivesse a um milhão de milhas daqui. Se não é a festa na noite passada, é um cara que tem distraído você?
Eu me encolhi. — Olha, há várias coisas que não vou discutir com você. Caras é uma delas.
Os olhos de Aiden se arregalaram. — Sério? Se está interferindo com seu treinamento, então está interferindo comigo.
— Jeez. — Eu me movi desconfortavelmente sob seu olhar intenso. — Não há um cara. Não tenho nenhum cara.
Ele ficou em silêncio, me observando curiosamente. Aqueles olhos tinham um efeito calmante e, embora soubesse que era estúpido, tão estúpido, respirei fundo. — Eu vi Vovó Piperi noite passada.
Pareceu que Aiden esperava que eu dissesse qualquer coisa, menos isso. Embora seu rosto estivesse impassível como sempre, seus olhos pareceram se aprofundar. — E?
— E Lea estava certa…
— Alex. —Aiden me cortou. — Não vá por aí. Você não é responsável.
— Ela estava certa e errada ao mesmo tempo. — Parei, suspirando ao ver o olhar duvidoso no rosto de Aiden. — Vovó Piperi não quis me contar tudo. Na verdade, ela me disse um monte de coisas loucas sobre amor e necessidade... e beijos de deuses. Enfim, ela me disse que eu mataria quem eu amava, mas como isso é possível? Mamãe já está morta.
Um olhar estranho cintilou em seu rosto, mas se foi antes que eu pudesse descobrir o que era. — Pensei que você disse que não acreditava nesse tipo de coisa.
Claro, ele iria lembrar desse dos bilhões de comentários aleatórios que eu tinha feito. — Eu não acredito, mas não é todo dia que dizem que você vai matar alguém que ama.
— Então isso é o que tem incomodado você hoje?
Eu apertei minhas coxas. — Sim. Não. Quero dizer, você acha que a culpa foi minha?
— Oh Alex. — Ele balançou a cabeça. — Se lembra de quando me perguntou por que eu me voluntariei para treinar você?
— Sim.
Ele se afastou da mesa que eu estava sentada. — Bem, eu menti para você.
— É. — Mordi meu lábio e desviei o olhar. — Já descobri isso.
— Descobriu? — Ele soou surpreso.
— Você se voluntariou para me ajudar por causa do que aconteceu com seus pais. — Eu dei uma olhada nele. Estava quieto enquanto me observava. — Acho que te lembrei de você mesmo quando isso aconteceu.
Aiden me encarou por um segundo eterno. — Você é muito mais observadora do que te dou crédito.
— Obrigada. — Não compartilhei o fato de que descobri isso recentemente.
Aquele sorriso torto apareceu. — Você está certa, se isso te faz se sentir melhor. Lembro-me como foi depois. Você sempre se pergunta se havia qualquer coisa que pudesse ter sido feito diferente, tão sem sentido como é, mas você fica obcecado no “e se” disso tudo. — O sorriso desapareceu lentamente e ele desviou o rosto. — Durante muito tempo, eu costumava pensar que se tivesse decidido ser um Sentinela mais cedo, eu poderia ter parado o daimon.
— Mas você não sabia que um daimon ia atacar . Você era - é - um puro sangue. Tão poucos de vocês até mesmo... escolhem esta vida. E você era apenas uma criança. Não pode se culpar por isso.
Aiden ficou de frente para mim com um olhar curioso. — Então você pode se responsabilizar pelo que aconteceu com sua mãe? Você pode ter percebido que havia uma possibilidade de que um daimon iria te encontrar, mas não sabia.
— É. — Odiava quando ele estava certo.
— Você ainda está se prendendo a essa culpa. Tanto é assim que você está considerando demais o que o oráculo disse. Não pode deixar o que ela te disse te atingir Alex. Um oráculo só fala em possibilidades, não fatos.
— Pensei que um oráculo só falasse com deuses e o destino. — Eu disse secamente.
Ele pareceu duvidoso. — Um oráculo vê o passado e a possibilidade no futuro, mas isso não está gravado em pedra. Não há tal coisa como um destino certo. Só você está no controle de seu destino. Você não é responsável pelo que... aconteceu com sua mãe. Precisa deixar ir, Alex.
— Porque todos dizem isso assim? Ninguém diz que ela morreu. Todo mundo está, tipo, com medo de dizer isso. Não é o que aconteceu - ela foi morta.
Uma sombra apareceu em seu rosto, mas ele contornou a mesa. — Deixe-me olhar suas costas. — Antes que eu soubesse o que ele estava fazendo, ele levantou a parte de trás da minha camisa e inalou bruscamente.
— O quê? — Perguntei, mas ele não disse nada. Apenas puxou minha camisa para cima ainda mais. — Ei, o que você está fazendo? — Afastei suas mãos com um tapa.
Ele disparou ao redor da mesa, seus olhos um cinza escuro. — O que acha que estou fazendo? Há quanto tempo suas costas estão assim?
Me encolhi. — Desde que nós... um... começamos a treinar bloqueio.
— Porque não me disse algo sobre isso?
— Não é grande coisa. Não dói, não realmente.
— Malditos meio sangues. Sei que todos vocês tem uma tolerância a dor mais alta que o normal, mas isto é ridículo. Isso tem que doer.
Encarei suas costas enquanto ele vasculhava os numerosos armários. — Estou em treinamento. — Forcei tanta maturidade em minha voz quanto possível. — Não se espera reclamar e gemer de dor. É uma parte do treinamento - uma parte de ser Sentinela. Isso acontece.
Aiden girou, a sua expressão incrédula. — Você não tem treinado por três anos, Alex. Seu corpo - sua pele não está mais acostumada a isso. Não pode deixar coisas como essa passarem porque você acha que alguém vai pensar menos de você.
Pisquei. — Não acho que as pessoas vão pensar menos de mim. É apenas um... par de malditas contusões. Algumas delas já desapareceram. Vê?
Ele colocou um pequeno jarro ao meu lado na mesa. — Besteira.
— Você nunca xingou antes. — Eu tinha a mais estranha vontade de rir.
— Não é apenas uma contusão. Sua costa toda está preto e azul, Alex. — Aiden fez uma pausa, suas mãos apertando o ar. — Estava com medo que eu pensasse menos de você se mencionasse isso?
Dei uma sacudida leve de cabeça. — Não.
Seus lábios se apertaram. — Eu não esperava que seu corpo se adaptasse rapidamente, e honestamente eu deveria saber disso.
— Aiden, sério, não dói tanto assim. — A dor interminável era algo a que eu tinha me acostumado, então não estava realmente mentindo.
Pegando o pote, ele caminhou em volta da mesa. — Isto deve ajudar, e da próxima vez, vai me dizer quando algo estiver errado com você.
— Tudo bem. — Eu decidi não pressionar minha sorte. Ele não parecia que iria apreciar qualquer resposta sarcástica neste momento. — O que é essa coisa, de qualquer maneira?
Ele desenroscou a tampa. — É uma mistura de Arnica e Mentol. Arnica é parte de uma flor. Age como um anti-inflamatório e reduz a dor. Deve ajudar.
Esperei que ele me entregasse o pote, mas ao invés mergulhou os dedos nele. — O que você está…?
— Levante sua camisa. Não quero ter isso nela toda. Tende a manchar a roupa.
Estupefata, encontrei-me levantando a borda da minha camisa. Mais uma vez, houve um brusco arfar enquanto ele dava uma olhada em minhas costas.
— Alex, você não pode deixar algo assim ficar sem tratamento. — Desta vez, a raiva havia desaparecido de sua voz. — Se você estiver ferida, tem que me dizer. Eu não teria...
Sido tão duro comigo? Me permitindo praticar com Kain e levar uma surra? Isso não era o que eu queria.
— Nunca sinta como se não pudesse me contar quando algo estiver errado. Tem que confiar que eu me importaria se você estivesse ferida.
— Não é sua culpa. Eu poderia ter te contado…
Ele colocou os dedos contra minha pele e eu quase pulei para fora da mesa. Não porque o unguento estivesse frio - não me levem a mal, estava congelando - mas eram os dedos dele se movendo ao longo das minhas costas. Um puro nunca tocava em um mestiço desse jeito. Ou talvez eles tocassem agora. Eu não sabia, mas não podia imaginar os outros puros que conhecia buscando aliviar a dor de um mestiço. Geralmente não se importavam o suficiente para isso.
Aiden silenciosamente trabalhou o grosso bálsamo em toda a minha pele e então para cima. Eventualmente, seus dedos roçaram a borda do meu sutiã esportivo. Minha pele se sentia estranhamente quente, o que era curioso para mim desde que a coisa era tão fria. Concentrei-me na parede à minha frente. Havia aquela imagem de Afrodite empoleirada em cima de uma rocha. Ela tinha este olhar vigoroso em seu rosto e seus seios estavam pendurados para todo mundo ver.
Aquilo era tão inútil.
Aiden continuou em silêncio. De vez em quando meu corpo estremecia por vontade própria e então me senti quente, realmente quente.
— Você alguma vez conheceu seu pai biológico? — Sua voz calma invadiu meus pensamentos.
Balancei a cabeça. — Não. Ele morreu antes de eu nascer.
Seus dedos hábeis deslizaram ao longo do lado da minha barriga. — Sabe alguma coisa sobre ele?
— Não. Mamãe nunca realmente falou sobre ele, mas acho que eles costumavam passar o tempo em Gatlinburg, Tennessee. Passávamos o solstício de inverno lá quando ela podia... ficar longe de Lucian. Eu acho... que estar nas cabanas a fazia se sentir perto dele.
— Ela o amava?
Assenti. — Acho que sim.
Ele trabalhava na parte inferior das minhas costas agora, movendo o bálsamo em círculos suaves, e de vez em quando o aroma fresco do mentol me alcançava.
— O que você ia fazer se os Daimons não tivessem aparecido? Você tinha algo a fazer certo?
Esta era uma pergunta fácil, mas achei difícil me concentrar em qualquer coisa além de seus dedos. — Um... eu queria fazer um monte de coisas.
Seus dedos pararam e ele riu suavemente. — Como o que?
— Eu... não sei.
— Alguma vez planejou voltar para o Covenant?
— Sim e não. — engoli em seco. — Antes do ataque, nunca pensei que eu veria o Covenant de novo. Depois que isso aconteceu, eu estava tentando chegar àquele em Nashville, mas os Daimons... continuavam entrando no nosso caminho.
— Então o que iria fazer se os Daimons não tivessem te encontrado? — Ele sabia que não devia focar naquela horrível semana depois do ataque. Sabia que eu não falaria sobre isso.
— Quando... eu era realmente pequena, minha mãe e vários Sentinelas levaram um monte de nós, crianças, ao zoológico. Eu amei - amei os animais. Passei o verão inteiro dizendo à mamãe que eu pertencia ao zoológico.
— O que? — ele soou incrédulo. — Você pensou que pertencia ao zoológico?
Senti um sorriso puxar meus lábios. — É, eu era uma criança estranha. Então... era uma das coisas que pensei que poderia fazer. Você sabe; trabalhar com animais ou alguma coisa assim, mas... — Dei de ombros, me sentindo meio estúpida.
— Mas o que, Alex? — Eu podia sentir seu sorriso.
Baixei o olhar para meus dedos. — Mas eu sempre quis voltar para o Covenant. Precisava. Simplesmente não me encaixava com todas as pessoas normais. Sentia falta daqui, sentia falta de ter um propósito e saber o que eu deveria estar fazendo.
Seus dedos deixaram minha pele e ele ficou em silencio por tanto tempo que pensei que algo tinha acontecido. Me virei para encara-lo. — O que?
Ele inclinou a cabeça para o lado. — Nada.
Cruzei minhas pernas e soltei um suspiro. — Você está olhando pra mim como se eu fosse esquisita.
Aiden colocou o pote de lado. — Você não é esquisita.
— Então... ? — Deixei minha camisa cair de volta e peguei o pote. — Você terminou? — Quando ele assentiu coloquei a tampa novamente.
Aiden se inclinou para frente, colocando as mãos em cada lado de minhas pernas cruzadas. — Da próxima vez que você estiver ferida, quero que me diga.
Quando olhei para cima, ele estava ao nível dos olhos comigo e estávamos apenas alguns centímetros separados - o mais próximo que jamais havíamos estado fora da sala de treinamento. — Okay.
— E... você não é esquisita. Bem, conheci pessoas mais esquisitas que você.
Comecei a sorrir, mas algo na maneira que Aiden olhava pra mim me chamou a atenção. Era como se ele estivesse assumindo responsabilidade por mim e o que eu sentia. Eu sabia que ele assumia. Talvez isso viesse de ter que cuidar de Deacon... Deacon? Lembrei-me do que ele tinha dito ontem à noite.
Clareando minha garganta, foquei em seu ombro. — Deacon alguma vez falou coisas? Você sabe, sobre seus pais?
Minha pergunta o pegou fora de guarda. Ele demorou alguns segundos para responder. — Não. Assim como você.
Ignorei isso. — Sabe como ele bebe? Acho que ele faz isso para que não tenha que ficar pensando no assunto.
Aiden piscou. — É por isso que você o faz?
— Não! Eu não faço, mas esse não é o ponto. O que eu estou dizendo...? — Deuses, o que eu estava fazendo? Tentando conversar com ele sobre seu irmão?
— O que você esta dizendo?
Esperando não estar ultrapassando os limites, prossegui. — Acho que Deacon bebe para não sentir.
Aiden suspirou. — Eu sei. Assim como todos os conselheiros e professores. Não importa o que eu faça ou para quem o leve, ele não vai se abrir.
Assenti, entendendo o quão duro isso era para Deacon. — Ele está... orgulhoso de você. Ele não disse isso exatamente assim, mas está orgulhoso do que você está fazendo.
Ele piscou. — Por que… como você saberia?
Dei de ombros. — Acho que se você continuar com o que está fazendo, porque o que você está fazendo é certo, ele vai mudar de opinião.
O olhar sério permaneceu e havia muito mais do que isso. Parecia preocupado e por razões que nem sequer queria reconhecer, isso me incomodou.
— Ei. — estendi a mão e toquei na sua que descansava perto da minha perna esquerda. — Você é…
A mão que toquei levantou e se juntou a minha. Congelei quando ele passou seus dedos entre os meus. — Sou o que?
Lindo. Gentil. Paciente. Perfeito. Não disse nenhuma dessas coisas. Ao invés disso encarei seus dedos, me perguntando se ele sabia que estava segurando minha mão. — Você é sempre tão...
Seu polegar se moveu sobre o topo da minha mão. O bálsamo fez seus dedos frescos e suaves. — O que?
Olhei para cima e fiquei imediatamente enredada. Seu olhar fixo, seu toque suave ao longo da minha mão estava fazendo coisas muito estranhas. Me senti quente e tonta, como se tivesse estado sentada no sol o dia todo. Tudo que eu podia pensar era como sua mão sentia na minha. Então, como sentiria ela em outras partes. Eu não deveria estar pensando nisso definitivamente.
Aiden era um puro.
A porta da sala se abriu. Lancei-me para trás, minha mão caindo para o meu colo.
Uma sombra grande e pesada parou na porta. Senhor Esteroides - Leon - olhou ao redor da sala, seus olhos caindo em Aiden, que tinha se movido para uma distância muito mais apropriada.
— Estive procurando você em toda a parte. — Leon disse.
— E ai? — Aiden perguntou uniformemente.
Leon poupou um olhar de relance para mim. Ele não suspeitava de nada. Porque ele iria? Aiden era um bem respeitado puro e eu, apenas uma meio sangue que ele estava treinando.
— Ela se machucou?
— Ela está ótima. O que você precisava?
— Marcus precisa nos ver.
Aiden assentiu. Começou a seguir Leon para fora, mas parou na porta. Virando para mim ele era todo negócios de novo. — Vamos conversar sobre isso mais tarde.
— Okay. — Eu disse, mas ele já tinha ido.
Meu olhar voltou para a pintura da deusa do amor. Engoli em seco e meu aperto no pequeno pote se estreitou. Não havia nenhuma maneira - absolutamente nenhuma maneira - que eu estivesse interessada no Aiden dessa forma. Claro, ele era digno de desmaio e muito agradável, paciente e divertido em uma espécie de forma seca. Havia um monte de coisas sobre ele para se gostar. Se ele fosse um meio sangue, então não haveria nada de errado. Ele não trabalhava para o Covenant, então não havia o tipo de problema de uma estudante ficando com um professor e ele era apenas três anos mais velho que eu. Se fosse um meio sangue, eu provavelmente já teria me jogado nele.
Mas Aiden era uma droga de puro sangue.
Uma droga de puro sangue com dedos maravilhosamente fortes e um sorriso que... bem, me fazia sentir como se houvesse um ninho de borboletas no meu estomago. E a maneira como ele olhou pra mim - como seus olhos mudaram de cinza para prata em um batimento cardíaco - me afetava até mesmo agora. Meu pequeno coração estúpido pulou em meu peito.
 
Estendida nas esteiras, passando pelos movimentos de alongamento um par de dias depois, Aiden decidiu revelar porque Marcus tinha querido vê-lo.
— Lucian está vindo.
Levantei os olhos para o teto, desapontada. — Então?
Em vez de pairar sobre mim como geralmente fazia, ele desceu ao meu lado na esteira. Sua perna roçou a minha, causando um aperto no meu peito. Você está sendo ridícula, Alex. Pare com isso. Movi minha perna para longe da sua.
— Ele vai querer conversar com você.
Empurrando minha estranha atração por ele para fora da minha mente, me concentrei em suas palavras. — Por quê?
Ele dobrou os joelhos e baixou os braços sobre eles. — Lucian é seu tutor legal. Suponho que ele esteja curioso para ver como seu treinamento está avançando.
— Curioso? — Chutei minhas pernas no ar. Por que? Eu não tinha ideia. — Lucian nunca esteve interessado em qualquer coisa que tivesse a ver comigo. Por que começaria agora?
Sua expressão apertou por um momento. — As coisas são diferentes agora. Com sua mãe... 
— Isso não importa. Não tem nada a ver comigo.
Ele ainda parecia estranho enquanto continuava me observando apontar os dedos dos pés para o teto. — Tem tudo a ver com você. — Ele respirou fundo, parecendo escolher suas próximas palavras sabiamente. — Lucian é radicalmente contra você retornar ao Covenant.
— Bom saber que Lucian e Marcus têm isso em comum.
Sua mandíbula apertou. — Lucian e Marcus não tem nada em comum.
Lá vai ele de novo, tentando me convencer que Marcus não era o desprezível que eu acreditava que ele era. Ele esteve nisso durante semanas, falando sobre como meu tio tinha parecido preocupado quando minha mãe e eu tínhamos desaparecido. Ou como Marcus pareceu aliviado quando Aiden tinha comunicado a ele que eu estava viva. Legal de Aiden querer reparar o relacionamento entre nós, mas ele não percebia que não havia nada a reparar.
Aiden esticou o braço e empurrou minhas pernas de volta para baixo na esteira. — Você nunca fica parada por cinco segundos?
Sorri largamente, sentando. — Nope.
Ele olhou como se quisesse sorrir, mas não fez. — Hoje a noite, quando você vir Lucian, precisa estar no seu melhor comportamento.
Rolei para os meus pés, rindo agora. — Melhor comportamento? Então eu deveria desafiar Lucian para uma luta, suponho? Eu ganharia essa. Ele é um total babaca.
A carranca severa que surgiu em seu rosto era uma clara indicação de que ele não estava se divertindo. — Você percebe que seu padrasto pode derrubar a decisão de Marcus de permitir que você fique aqui? Que a sua autoridade prevalece sobre a de seu tio?
— Sim. — Coloquei as minhas mãos em meus quadris. — Desde que Marcus só está me permitindo ficar se eu me provar ser capaz de retornar as aulas no outono, eu não vejo o que é a grande coisa.
Aiden ficou de pé rapidamente. Por um momento, fui atingida pelo quão rápido ele se moveu. — A grande coisa é que se você discutir com o Ministro como você fez com Marcus, você não vai ganhar uma segunda chance. Ninguém vai ser capaz de te ajudar.
Desviei meu olhar dele. — Não vou discutir com ele. Honestamente, não há nada que Lucian possa me dizer que vai me deixar irritada. Ele não significa nada para mim. Nunca significou.
Aiden parecia duvidar. — Tente se lembrar disso.
Sorri. — Você tem tão pouca fé em mim.
Surpreendentemente, Aiden sorriu de volta pra mim. Isso me fez sentir toda quente e estúpida. — Como estão suas costas?
— Oh. Estão indo bem. Aquela... coisa realmente ajudou.
Ele percorreu as esteiras, olhos prata focados em mim. — Certifique-se de colocálo todas as noites. As contusões devem desaparecer em alguns dias.
Você poderia sempre ajudar a coloca-lo novamente, mas eu não disse isso. Recuei, mantendo um espaço entre nós. — Sim, sensei.
Aiden parou diante de mim. — Melhor ir. O Ministro e seus guardas estarão chegando em breve, e espera-se que todos aqueles no Covenant o encontrem.
Gemi. Todo mundo estaria usando um uniforme emitido pelo Covenant de algum tipo e ninguém tinha me dado um. — Eu vou parecer uma…
Aiden colocou suas mãos em meus braços, apagando minhas habilidades de pensamento crítico. Levantei o olhar para ele, imaginando um cenário vividamente selvagem no qual ele me puxava contra ele e me beijava como os homens de peito largo naqueles livros indecentes que minha mãe costumava ler.
Ele me levantou e me colocou no chão alguns pés fora da esteira. Agachando-se, começou a enrolar as esteiras. Lá se foram minhas fantasias. — Você vai se parecer o quê? — Ele perguntou.
Passei minhas mãos pelos meus braços. — O que eu deveria vestir? Vou me destacar e vai ficar todo mundo olhando pra mim.
Ele me olhou através de cílios pesados. — Desde quando você se incomoda com todo mundo encarando você?
— Bom ponto. — Sorri para ele e então me afastei. — Te vejo depois.
Até o momento que cheguei a sala comum, todo mundo estava zumbindo sobre hoje a noite.
Não era Lucian que fazia Caleb ficar marchando o comprimento da sala. Até mesmo Lea parecia tensa enquanto torcia uma mecha de cabelo ao redor dos dedos. Nenhum de nós mestiços se importava muito com Lucian pessoalmente, mas como o Ministro do Tribunal ele exercia um alto nível de controle sobre os puros e os mestiços.
Ninguém conseguia descobrir porque um Ministro viria ao Covenant durante o verão, quando a vasta maioria dos estudantes estava ausente.
Eu ainda estava ocupada imaginando Aiden como um pirata, varrendo-me para fora dos meus pés.
— Você sabe alguma coisa? — Perguntou Luke.
Antes que eu pudesse responder, Lea entrou na conversa. — Como ela saberia? Lucian mal a reivindica.
Olhei para ela brandamente. — Isso era para ferir meus sentimentos ou alguma coisa assim?
Ela deu de ombros. — Minha madrasta me visita todos os domingos. Porque Lucian nunca te visitou?
— Como você saberia?
Seu olhar era manhoso. — Eu sei.
— Então você está transando com um dos Guardas, não está? — Franzi o cenho para ela. — Isso explica como você sabe tanto.
Os olhos de Lea se estreitaram, muito como um gato fazia quando avistava um
rato.
Abafando um riso, coloquei minha aposta em Clive, um Guarda mais jovem que esteve presente no primeiro dia que eu cheguei ao Covenant. Ele era bonito, gostava de checar as garotas mais jovens, e eu o tinha visto ao redor dos dormitórios algumas vezes.
— Possivelmente Lucian esteja vindo remover você do Covenant. — Lea estudou suas unhas. — Sempre pensei que você se encaixaria melhor com os escravos.
Casualmente, me inclinei para a frente e agarrei uma das grossas revistas. Eu a lancei na cabeça curvada de Lea. Com reflexos meio sangue, ela a arrebatou antes que fizesse contato. — Obrigada. Precisava de algo para ler. — Ela a folheou.
Conforme se aproximava das sete horas, voltei ao meu quarto para me arrumar. Dobrado na mesa de centro estava um uniforme verde oliva, emitido pelo Covenant. Meus olhos se arregalaram enquanto eu pegava o uniforme e uma pequena nota caiu. A abri com dedos trêmulos:
 
Tive que adivinhar seu tamanho. 
Vejo você hoje à noite.
 
Sorrindo, olhei dentro das calças e vi que eram do meu tamanho. Não havia como parar o calor que se espalhou por mim. O que Aiden tinha feito significava o mundo para mim. Hoje à noite eu ia parecer como se realmente pertencesse ao Covenant.
Em vez dos uniformes pretos que os Sentinelas usavam, os alunos vestiam trajes verdes do mesmo corte - reminiscência de uniformes do exercito. E eles tinham bolsos e ganchos estilosos feitos para carregar armas, o que eu realmente gostei.
Tomei um banho rápido, e depois que coloquei o uniforme senti uma agitação. Anos tinham se passado desde que eu tinha usado isso, e havia momentos quando achava que nunca iria usa-lo novamente. Girando na frente do espelho, eu tinha que dizer que parecia bem em roupas verdes.
Excitada, puxei meu cabelo para cima em um rabo de cavalo e saí para me encontrar com Caleb. Juntos, nos dirigimos para o campus principal e uma divertida onda de nostalgia percorreu-me enquanto entravamos no maior edifício da academia.
Eu tinha evitado a secção da academia do campus desde que tinha voltado, principalmente porque era lá que Marcus tinha seu escritório. Também parecia injusto sujeitar-me a todas as memórias se ele decidisse em um mês ou dois não me deixar ficar.
É claro, Caleb pensava que as coisas estavam ótimas e Marcus me permitiria ficar, mas eu não estava tão certa. Eu nem mesmo o tinha visto desde o dia em que ele tinha parado perto do ginásio e eu tinha sido feita de idiota. Me senti confiante de que tinha feito uma impressão duradoura. Pensando nisso, não era de se admirar que Aiden estivesse tão preocupado com o que eu diria para Lucian.
Balançando a cabeça, olhei em volta da multidão de pessoas que enchia o grandioso saguão da escola. Parecia que cada Guarda e Sentinela estava presente, de pé sobre as estátuas das nove musas. As nove Olimpianas, filhas de Zeus e Mnemosyne, ou com quem quer que fosse que ele tivesse ficado. Quem realmente sabia? O deus se divertia bastante.
Os Guardas se alinhavam em todos os cantos e bloqueavam todas as saídas, parecendo de pedra e ferozes. Os Sentinelas ficavam no meio, parecendo viciosos e prontos para a batalha.
Sem surpresa, meus olhos encontraram Aiden imediatamente. Ele estava entre Kain e Leon. Na minha opinião, aqueles três eram os que mais pareciam perigosos de todos eles.
Aiden levantou o olhar então, seus olhos encontrando os meus. Ele me deu um pequeno aceno de cabeça, e embora ele não tenha dito nada, seus olhos falaram por ele. Aquele olhar guardava uma medida de orgulho e carinho. Talvez ele até pensasse que eu fiz o uniforme de cadete parecer bom. Comecei a sorrir, mas Caleb levou-me por outra direção, a esquerda dos Sentinelas, onde os alunos pertenciam. Conseguimos nos espremer ao lado da obsessão secreta de Caleb - Olivia. Tão conveniente.
Ela sorriu. — Estava me perguntando se vocês chegariam a tempo.
Caleb disse algo incoerente, bochechas corando uma cor avermelhada. Afasteime do embaraço de segunda mão e não pude sequer olhar para ver a resposta de Olivia. Pobre Caleb.
— Boa aparência, Alex. — Jackson sussurrou.
Isso nunca falhava. O único cara que eu não queria que me notasse sempre notava. Olhando para ele, forcei um sorriso. — Obrigada.
Ele pareceu achar que eu realmente apreciei seu elogio, mas então Lea entrou, e eu juro, ela conseguiu deixar o uniforme tão apertado quanto humanamente possível. Baixei os olhos para o meu próprio e notei que as minhas pernas não pareciam nem de longe tão boas quanto as dela pareciam. Vadia.
Observei quando ela perambulou passando pelos Guardas e curvou os lábios para um deles antes de se espremer entre Lucas e Jackson. Ela murmurou alguma coisa, mas minha atenção já tinha sido capturada por algo mais surpreendente do que quão boas suas pernas pareciam.
Servos mestiços estavam atrás do pessoal, parados e quietos. Fileira após fileira de monótonas túnicas cinza e calças brancas desbotadas que os faziam quase indistinguíveis uns dos outros. Desde que eu tinha voltado ao Covenant, tinha tido apenas um vislumbre de um servo aqui e ali. Era seu trabalho serem invisíveis, facilmente negligenciados. Ou talvez estivesse arraigado em nós - os mestiços livres - ignorar sua presença. Deuses, havia tantos deles e todos pareciam o mesmo: olhos vidrados, expressões vagas, e um círculo grosseiramente tatuado com uma linha através dele marcava cada uma de suas testas. Marcá-los tão visivelmente garantia que todos soubessem sua posição no sistema de castas. Me bateu de repente:
Eu poderia realmente me tornar um deles.
Engolindo a pontada afiada do pânico, olhei para a frente a tempo de ver o meu tio avançar até o centro da sala e ficar de pé com as mãos cruzadas atrás das costas. Não havia um fio de cabelo castanho fora do lugar na cabeça de Marcus, e o terno escuro que ele usava parecia tão fora de lugar. Até mesmo os instrutores que estavam presentes se vestiam de forma informal em comparação e ele, vestindo uniformes emitidos pelo Covenant.
As portas frontais de mármore e vidro grosso se abriram quando os Guardas do Conselho entraram. Não pude evitar o minúsculo arfar que escapou de meus lábios. Eles eram uma visão impressionante de se contemplar, vestindo uniformes brancos e expressões brutais. Então os membros do Conselho entraram. Na verdade, apenas dois deles seguiram atrás dos Guardas. Eu não tinha ideia de quem era a mulher, mas reconheci o homem imediatamente.
Vestido com trajes brancos, Lucian não tinha mudado um pedaço desde a ultima vez que eu o vi. Seu cabelo cor de corvo ainda estava ridiculamente longo e seu rosto parecia tão sem emoção quanto o de um daimon. Inegavelmente, ele era um homem atraente - como todos os puros eram - mas havia algo nele que deixava um gosto ruim na minha boca.
Seu ar de arrogância se encaixava nele como uma segunda pele. Enquanto se aproximava de Marcus, seus lábios se torceram em um sorriso que parecia de plástico. Os dois trocaram suas saudações. Marcus até curvou-se ligeiramente. Graças aos deuses, eles não esperavam que fizéssemos qualquer um desses absurdos. Se sim, alguém teria que me forçar a ficar de joelhos com um drop kick9.
Lucian era um Ministro, mas ele não era nenhum deus. Não era nem mesmo da realeza. Ele era apenas um puro com um monte de poder. Oh, e auto importância. Não podia esquecer isso. Nunca entendi o que a mamãe tinha visto nele, em primeiro lugar.
Dinheiro, poder e prestígio?
Suspirei. Ninguém era perfeito - nem mesmo ela.
Mais vários Guardas seguiram Lucian e a mulher, que percebi era a outra Ministra. Cada um dos Guardas era idêntico ao do primeiro conjunto, exceto um. Ele era diferente, muito diferente de todos os mestiços aqui.
O ar foi sugado direto para fora da sala no momento em que ele pisou no edifício.
Ele era alto - talvez até tão alto quanto Aiden, mas eu não podia ter certeza. Seu cabelo loiro estava puxado para trás em um rabo de cavalo pequeno, exibindo suas feições impossivelmente perfeitas e compleição dourada. Estava vestido todo de preto, como os Sentinelas. Sob uma circunstancia diferente - uma em que eu na verdade não percebesse o que ele era - eu teria dito que ele é tão quente que solta fumaça.
— Santa merda. — Luke murmurou.
Uma fina subcorrente de eletricidade permeou a sala, percorrendo sob minha pele, então através de mim. Estremeci e dei um passo para trás, me chocando com Caleb.
— O Apollyon. — Disse alguém atrás de mim. Talvez Lea? Eu não tinha ideia.
                                                         
 9 É um golpe de luta livre em que o lutador aplica um chute aéreo (“voadora”)  no adversário, utilizando os dois pés ao mesmo tempo, geralmente acertando a cabeça ou os joelhos dos adversários.
 
Santa merda, de fato.
O Apollyon seguiu atrás de Lucian e Marcus, mantendo-se a uma distancia segura o suficiente. Ele não estava amontoando-os, mas poderia reagir a qualquer ameaça percebida. Todos nós encaramos, afetados por sua mera presença.
Inconscientemente, dei outro passo para trás enquanto o pequeno grupo se aproximava do nosso lado. Não sei o que deu em mim, mas de repente, eu queria estar tão longe quanto possível... e precisava estar bem aqui mais do que qualquer outra coisa neste mundo. Bem... talvez não qualquer coisa, mas muito malditamente perto.
Eu não queria olhar para ele, mas não consegui desviar o olhar. Meu estomago embrulhou quando nossos olhares se encontraram. Seus olhos - eles eram da mais estranha cor que eu já tinha visto, e conforme ele chegava mais perto, percebi que não era a minha imaginação. Seus olhos eram da cor de âmbar, quase iridescentes.
Enquanto ele continuava a me encarar, algo aconteceu. Começou como uma linha fraca descendo lentamente por seus braços, escurecendo para um preto como tinta quando alcançou seus dedos. Então, só de uma vez, a linha fina se espalhou por toda a matiz dourada de sua pele e mudou para uma infinidade de modelos em espiral. A tatuagem mudou e se transformou, alcançando sob sua camisa e se estendendo ao longo de seu pescoço até que os desenhos intrincados cobriam o lado direito do seu rosto. As marcas significavam algo. O que, eu não tinha ideia. Quando ele passou por nós, minha respiração saiu como um arquejo rápido.
— Você está bem? — Caleb franziu o cenho para mim.
— Yeah. — Alisei meu cabelo para trás com mãos tremulas. — Ele é...
— Malditamente quente. — Elena se virou para mim, os olhos dançando com excitação. — Quem sabia que o Apollyon seria tão inacreditavelmente deslumbrante?
Caleb fez uma careta. — Ele é o Apollyon, Elena. Você não deveria falar sobre ele dessa maneira.
Minhas sobrancelhas se uniram. — Mas aquelas marcas...
Elena jogou a Caleb um olhar sujo. — Que marcas? E porque importa se eu digo que ele é quente? Duvido que ele ficaria ofendido.
— O que você quer dizer? — Eu passei empurrando por Caleb. — Você não viu aquelas... tatuagens? Elas apareceram do nada. Cobriram seu corpo inteiro e seu rosto!
Os lábios de Elena franziram enquanto ela me encarava. — Eu não vi nada. Talvez eu só estivesse presa naqueles lábios.
— E essa bunda. — Interrompeu Lea.
— Aqueles braços. — Adicionou Elena.
— Vocês estão falando sério? — Olhei fixamente para cada um deles. — Vocês não viram nenhum tipo de tatuagem?
Eles balançaram as cabeças.
Os caras, com a exceção de Luke, pareciam muito desgostosos com a comoção que Elena e Lea estavam fazendo. Assim como eu. Exasperada, me choquei contra Aiden. — Whoa! Desculpe.
Ele ergueu as sobrancelhas. — Não saia vagando para longe. — Isso foi tudo o que ele disse.
Caleb me puxou para o lado. — Sobre o que é isso tudo?
— Ah, Lucian quer conversar comigo ou algo assim.
Ele se encolheu. — Deve ser embaraçoso.
— Você não imagina o quanto. — Momentaneamente esqueci as tatuagens do Apollyon.
Mesmo se eu quisesse, não conseguia vagar muito longe. Nosso pequeno grupo conseguiu sair pela frente e para o sol que estava se pondo. Todos pareciam estar falando sobre o Apollyon. Ninguém esperava que ele estivesse aqui nem sabia há quanto tempo ele era um dos Guardas de Lucian. Visto que Lucian tinha fixado residência na ilha principal, parecia que alguém deveria ter sabido sobre a presença do Apollyon anteriormente. Essa questão trocou para uma mais interessante.
— O Apollyon geralmente está fora caçando Daimons. — Luke sugeriu no parapeito. — Porque ele seria reatribuído para guardar Lucian?
— Talvez algo esteja acontecendo. — Os olhos de Caleb se atiraram de volta para o edifício. — Como algo grande. Talvez Lucian esteja sendo ameaçado.
— Pelo quê? — Franzi o cenho, inclinando-me contra uma das colunas. — Ele está sempre rodeado por uma porcaria de tonelada de Guardas. Nem um único daimon poderia chegar perto dele.
— Quem se importa? — Lea sugou seu lábio inferior e suspirou. — O Apollyon está aqui e ele é quente. Precisamos nos preocupar com qualquer outra coisa?
Fiz uma careta. — Wow. Você vai ser uma excelente Sentinela um dia.
Meus olhos se estreitaram em Lea, mas Olivia se remexendo sem parar atraiu minha raiva. — Qual é o seu problema?
Olivia olhou para cima, seus olhos cor de chocolates enormes. — Desculpe, eu só... estou tão inquieta agora. — Estremeceu e envolveu seus braços em volta da própria cintura. — Não sei como vocês podem dizer que ele é quente. Não me interpretem mal, mas ele é o Apollyon. Todo esse poder é assustador.
— Todo esse poder é sexy. — Lea se recostou, fechou os olhos e suspirou. — Você pode imaginar como ele é na…?
As portas atrás de nós se abriram e Aiden gesticulou para que eu fosse em frente. Nos degraus abaixo, alguém fez um ruído baixo. Eu o ignorei e deixei meu pequeno grupo de inimigos e amigos para trás.
— Tão cedo? — Perguntei uma vez que estava dentro da sala.
Aiden assentiu. — Acho que eles querem acabar logo com isso.
— Oh. — Segui Aiden subindo as escadas. — Hey. Obrigada pelo uniforme. — A lembrança dele fazendo isso por mim me fez sorrir.
Ele olhou sobre o ombro. — Não foi um problema. Você parece bem nele.
Minhas sobrancelhas dispararam para cima enquanto meu coração fazia uma estrelinha.
Corando Aiden desviou o olhar. — Quero dizer... é bom ver você no uniforme.
Meu sorriso cresceu a proporções épicas. Eu o alcancei e tomei as escadas ao lado de sua estrutura alta. — Então... o Apollyon?
Aiden enrijeceu. — Não fazia ideia que ele estaria aqui com Lucian. Sua reatribuição não deve ter acontecido há muito tempo.
— Por quê?
Ele deu uma cotovelada em meu braço. — Há algumas coisas que não posso divulgar, Alex.
Normalmente eu teria contrariado isso, mas a forma como ele disse, de tal maneira provocadora, me fez sentir aérea e engraçada. — Isso não é justo.
Aiden não respondeu a isso, e subimos um par de andares em silencio. — Você... sentiu alguma coisa quando Seth entrou?
— Seth?
— O Apollyon se chama Seth.
— Oh. Esse é um nome chato. Ele deveria ser chamado de algo mais interessante.
Ele deu uma risada baixa. — Como ele deveria se chamar então?
Pensei nisso por um momento. — Não sei. Algo que soasse Grego, ou pelo menos, algo chuta traseiros.
— Como você chamaria?
— Não sei. Algo maligno e legal, pelo menos. Talvez Apollo. Entendeu? Apollo. Apollyon.
Aiden riu. — De qualquer forma, você sentiu alguma coisa?
— Yeah... era estranho. Quase como uma corrente elétrica ou algo assim.
Ele assentiu ainda sorrindo. — É o aether nele. É muito poderoso.
Nós nos aproximámos do andar superior e passei uma mão sobre minha testa. Escadas eram umas vadias. — Porque você pergunta?
— Você parecia um pouco atordoada. É um pouco inquietante a primeira vez que você está perto dele. Eu teria te avisado se tivesse percebido que ele estaria aqui.
— Essa não foi a coisa mais perturbadora.
— Hmm?
Inalei profundamente. — As... tatuagens eram mais inquietantes. — Eu o observei atentamente. Sua reação me diria se eu estava louca ou algo assim.
Aiden parou na hora. — O quê?
Oh cara, eu estava louca.
Ele desceu um degrau. — Que tatuagens Alex?
Engoli em seco ao olhar afiado em seus olhos. — Pensei ter visto algumas marcas sobre ele. Elas não estavam lá no começo, mas de repente estavam. Eu... suponho que estou vendo coisas.
Aiden exalou lentamente, seus olhos no meu rosto. Ele estendeu a mão, alisando para trás uma mexa do meu cabelo que havia se soltado. Sua mão demorou contra minha bochecha, e naquele momento, não havia nada mais importante do que ele me tocando. Em torpor eu o olhava.
Tudo rápido demais, sua mão caiu para seu lado e seus olhos encontraram os meus. Eu podia ver que havia várias coisas que ele queria dizer, mas por qualquer que fosse o motivo, ele não podia. — Nós temos que ir. Marcus está esperando. Alex, tente ser tão agradável quanto puder, okay?
Ele começou a subir as escadas de novo, e corri para alcança-lo. — Então, eu estava vendo coisas?
Aiden enviou aos Guardas no final do corredor um olhar significativo. — Eu não sei. Falaremos mais sobre isso mais tarde.
Frustrada, o segui para o escritório de Marcus. Lucian ainda não tinha chegado e Marcus sentava-se atrás de sua grande e velha mesa. Ele estava parecido com quando estava no saguão, mas desprovido de paletó.
— Venha, sente-se. — Ele fez um gesto para a frente.
Arrastei-me através do escritório, aliviada que Aiden não estivesse me deixando sozinha. Ele não tomou o assento ao meu lado, mas permaneceu ao longo da parede no mesmo local que tinha estado na primeira vez que me encontrei em frente a Marcus.
Todo o cenário não era um bom presságio, mas não tive muito tempo para insistir nisso. Mesmo com as minhas costas para a porta, soube quando o grupo de Lucian se aproximou do escritório, mas ele não estava fazendo os pequenos pelos dos meus braços se levantarem. No momento em que o Apollyon entrou na sala com meu padrasto, todo o oxigênio evaporou.
Lutando contra a quase avassaladora necessidade de virar meu corpo, apertei os braços da cadeira. Não queria reconhecer Lucian, nem olhar para o Apollyon.
Aiden limpou a garganta e minha cabeça estalou para cima. Marcus me encarava com os olhos estreitos. Oh... merda. Minhas pernas estavam estranhamente entorpecidas enquanto me forçava a ficar de pé.
Pelo canto do olho vi Seth tomar posição ao lado de Aiden. Ele deu ao puro sangue um aceno breve, que Aiden retornou. Porque não vi aquelas tatuagens, me permiti levantar minha cabeça.
Instantaneamente, nossos olhos se encontraram. Seu olhar não era lisonjeiro. Ele estava me checando, mas não como a maioria dos caras checavam. Em vez disso, ele me estudava. Tão perto quanto estávamos, percebi que ele era jovem. Eu não tinha esperado por isso. Com todo esse poder e reputação, esperava alguém mais velho, mas ele provavelmente tinha em torno da minha idade.
E ele era realmente... lindo. Bem, tão lindo quanto um cara poderia ser. Mas sua beleza era fria e dura, como se ele tivesse sido reunido em partes para parecer de uma determinada maneira, mas como se os deuses tivessem se esquecido de dar-lhe um toque de humanidade - de vida.
Senti os outros olhares fixos, e quando eu olhei para Aiden, ele usava uma expressão perplexa enquanto me observava e a Seth. Marcus... bem, ele parecia expectante, como se estivesse esperando algo acontecer.
— Alexandria. — Ele acenou em direção a Lucian
Eu suprimi o impulso de gemer alto e levantei a minha mão, mexendo meus dedos para o Ministro do Conselho. — Oi.
Alguém - ou Aiden ou Seth - soou como se engolisse uma risada. Mas então o insensato aconteceu. Lucian adiantou-se e passou os braços a minha volta. Congelei, meus braços presos desajeitadamente em meus lados enquanto o cheiro de ervas e incenso assaltavam meus sentidos.
— Oh Alexandria, é tão bom ver você. Depois de todos esses anos, e através de todo o medo e preocupação, você está aqui de pé. Os deuses responderam nossas orações. — Lucian recuou, mas manteve as mãos plantadas em meus ombros. Seus olhos escuros examinaram cada centímetro do meu rosto. — Pelos deuses... você parece tanto com Rachelle.
Eu não tinha ideia do que fazer. De todas as reações que eu tinha esperado, esta não tinha sido uma possibilidade. Toda a vez que estive perto de Lucian no passado, ele sempre olhava para mim com tal desdém frio. Esta exibição bizarra de afeto me deixou sem palavras.
— No momento em que Marcus me avisou que você estava segura, fiquei muito feliz. Eu disse a Marcus que tinha um lugar na minha casa para você. — Os olhos de Lucian se fixaram de volta nos meus, e havia algo que eu não confiava nesse olhar caloroso. — Teria vindo mais cedo, mas estava participando de negócios do Conselho, você vê? Mas o seu antigo quarto... de quando você ficou conosco ainda está intacto. Quero que você volte para casa Alexandria. Não precisa ficar aqui.
Minha boca ficou aberta nesse ponto e me perguntei se ele tinha sido substituído por um puro sangue mais agradável nos últimos três anos. — O quê?
— Tenho certeza de que Alexandria está apenas superada por sua felicidade. — Comentou Marcus brandamente.
Houve aquele som sufocado novamente, e comecei a suspeitar que Seth fosse o culpado. Aiden era demasiado bem treinado para escorregar duas vezes. Encarei Lucian. — Estou... apenas confusa.
— Confusa? Posso imaginar. Depois de tudo o que você passou. — Lucian liberou meus ombros, mas então agarrou minha mão. Tentei não deixar o meu arrepio visível. — Você é de longe jovem demais para sofrer como tem sofrido. A marca... nunca vai embora, vai querida?
Minha mão livre foi para o meu pescoço autoconscientemente. — Não.
Ele assentiu com simpatia, e então me levou para as cadeiras. Soltou minha mão, reajustando sua roupa enquanto tomava um assento. Despenquei na outra cadeira.
— Você precisa voltar para casa. — Os olhos de Lucian perfuraram os meus. — Você não precisa lutar para alcançar os outros. Esta vida já não é mais necessária para você. Tenho conversado com Marcus longamente. Você pode frequentar o Covenant no outono como uma estudante, mas não uma em treinamento.
Eu não podia ter ouvido isso direito. Mestiços não frequentavam o Covenant como estudantes. Eles treinavam ou entravam em escravidão.
Marcus sentou-se lentamente, seu olhar brilhante fixado em mim. — Alexandria, Lucian está oferecendo a você uma oportunidade para uma vida muito diferente.
Não pude impedir. O riso começou em minha garganta e borbulhou para fora. — Isto... isto é uma piada, certo?
Lucian trocou um olhar com Marcus. — Não. Isso não é uma piada, Alexandria. Sei que não fomos sempre próximos quando você era mais jovem, mas depois de tudo o que aconteceu, eu vi onde falhei com você como um pai.
Ri de novo, ganhando um olhar desaprovador de Marcus. — Sinto muito. — Arfei enquanto voltava a ter o controle de mim mesma. — Isso simplesmente é tão não o que eu esperava.
— Você não precisa se desculpar minha filha.
Engasguei. — Você não é meu pai.
— Alexandria! — Marcus avisou.
— O que? — Olhei para meu tio. — Ele não é.
— Está tudo bem Marcus. — A voz de Lucian se encheu de aço coberto com veludo. — Quando Alexandria era mais jovem, eu não era quase nada para ela. Deixei minha própria amargura dominar tudo. Mas agora, tudo parece tão superficial. — Ele se virou para me olhar. — Se eu tivesse sido uma figura paterna melhor então talvez você tivesse chamado por ajuda quando sua mãe levou você embora.
Corri uma mão sobre o lado do meu rosto, sentindo como se tivesse entrado em um mundo diferente - um mundo onde Lucian não era um babaca gigante, e onde eu ainda tinha alguém que era tecnicamente família e de fato se importava comigo.
— Mas isso está no passado, minha querida. Vim para te levar de volta para casa. — Lucian me deu um sorriso de lábios finos. — Já falei com Marcus, e nós concordámos que - considerando as circunstâncias - isso seria o melhor.
Estalei para fora da minha névoa de burrice. — Espere. Estou evoluindo não estou? — Rodopiei em meu assento. — Aiden, estou evoluindo, certo? Eu vou estar pronta no outono.
— Sim. – Ele olhou passando por mim para Marcus. — Mais rápido do que eu teria pensado possível, para ser honesto.
Emocionada que ele não tivesse me jogado sob o ônibus, voltei-me para o meu tio. — Posso fazer isso. Tenho que ser uma Sentinela. Não quero nada mais. – Minha voz estava áspera com desespero. — Não posso fazer nada mais.
Pela primeira vez desde que tinha conhecido Marcus, ele realmente pareceu aflito, como se estivesse prestes a dizer algo que não queria. — Alexandria, não é sobre o treinamento. Estou ciente de seu progresso.
— Então o que é? – Não me importava que tivesse testemunhas do meu pânico. As paredes estavam se fechando, e eu nem sequer entendia o porque.
— Você vai ser cuidada. – Lucian tentou parecer tranquilizador. — Alexandria, você não pode mais ser uma Sentinela. Não com tal horrível conflito de interesses.
— O que? – Olhei de um lado para o outro, entre meu tio e meu padrasto. — Não há conflitos de interesses. Mais do que ninguém, eu tenho uma razão para ser uma Sentinela!
Lucian franziu o cenho. — Mais do que ninguém, você tem uma razão para não ser uma Sentinela.
— Ministro – Aiden deu um passo á frente, seus olhos se estreitando em Lucian.
— Sei que tem trabalhado duro com ela e aprecio isso, St. Delphi. Mas não posso permitir isso. – Lucian levantou a mão. — O que você acha que vai acontecer uma vez que ela se formar? Uma vez que ela deixar a ilha?
— Uh, vou caçar e matar Daimons?
Lucian se virou para mim. — Caçar e matar Daimons? – Seu rosto ficou mais pálido do que o normal - o que era dizer alguma coisa - e ele se virou para Marcus. — Ela não sabe, sabe?
Os olhos de Marcus se fecharam brevemente. — Não. Pensamos... que seria o melhor.
Um desconforto deslizou por minhas costas. — Sei o que?
— Irresponsável. – Sibilou Lucian. Ele abaixou a cabeça, apertando a ponte de seu nariz.
Fiquei de pé. — Sei o que?
Marcus olhou para cima, seu rosto abatido e sem cor. — Não há maneira fácil de dizer isso. Sua mãe não está morta.
Nada existia, para além dessas palavras.
Marcus levantou-se e contornou a sua mesa. Ele parou diante de mim. O olhar triste voltou, mas desta vez também estava misturado com simpatia.
O estalar do relógio de parede e o zumbido suave do motor do aquário encheu a sala. Ninguém falou, ninguém tirou os olhos de mim. Eu não tinha ideia de quanto tempo fiquei lá olhando para ele enquanto tentava assimilar o que ele disse. Nada fazia sentido para mim em primeiro lugar. Esperança e descrença caíram juntas, então uma realização horrível quando entendi o olhar solidário que tinha atravessado o rosto dele.
Ela ainda estava viva, mas...
— Não... — Eu me afastei da cadeira, tentando colocar distância entre suas palavras e mim. — Você está mentindo. Eu a vi. O daimon drenando ela, e eu toquei-a. Ela estava tão... tão fria. 
— Alexandria, me desculpe, mas… 
— Não! É impossível. Ela estava morta! 
Aiden estava ao meu lado, colocando a mão nas minhas costas. — Alex…
Eu serpenteei para fora de seu alcance. Sua voz, Oh, deuses, a sua voz disse tudo. E quando eu olhei para ele, vi a tristeza gravada em seu rosto marcante, eu sabia.
— Alex, havia um outro daimon. Você sabe disso.  
A voz de Marcus ultrapassou o som do sangue fluindo que enchia meus ouvidos.
— Sim, mas... — Lembrei-me de como tinha estado apavorada.
Soluçando e histérica, eu a tinha sacudido e pedido para ela acordar, mas ela não se moveu.
E então eu ouvi alguém fora.
Em pânico, eu fugi para o quarto e peguei o dinheiro. As coisas tinham ficado embaçadas aí. Eu tinha precisado fugir. Foi o que minha mãe me preparou para fazer se algo como isso acontecesse.
Meu coração gaguejou e perdeu uma batida. — Ela... ela ainda estava viva? Oh… Oh, meus deuses. Eu a deixei. — Eu queria vomitar tudo sobre os sapatos polidos de Marcus. — Eu a deixei! Eu poderia tê-la ajudado! Eu poderia ter feito alguma coisa! 
— Não. — Aiden se aproximou de mim, mas eu recuei. — Não havia nada que você pudesse fazer.
— O outro daimon fez isso? — Olhei para Marcus, exigindo uma resposta.
Ele assentiu. — Nós assumimos isso. 
Eu comecei a tremer. — Não. Mamãe não se tornaria... é impossível. Vocês… Vocês estão errados. 
— Alexandria, você sabe como isso poderia ter sido feito. 
Marcus estava certo. A energia que o daimon passava estava manchada. Ela teria ficado viciada desde o primeiro momento daí em diante. Era uma forma cruel de transformar um puro-sangue, roubando-lhes toda a livre vontade.
Eu queria gritar e chorar, mas disse a mim mesma que podia lidar com isso. A queimação em meus olhos me disse que eu era uma mentirosa. Voltei-me para Marcus. — Ela é... um daimon? 
Algo semelhante à dor tremeluziu em seu rosto estoico. — Sim.
Me senti presa nesta sala com estranhos. Meus olhos deslizaram sobre seus rostos. Lucian parecia entediado com isso, surpreendente, considerando sua manifestação anterior de carinho e apoio. Aiden parecia que estava tendo dificuldade em manter a sua expressão em branco. E Seth... bem, ele estava me observando expectante. Esperando que eu ficasse histérica, eu assumi.
Ele podia conseguir isso. Eu estava a um passo de pirar completamente.
Engolindo apesar da massa grossa na minha garganta, tentei retardar o bater selvagem no meu peito. — Como você sabe isso?
— Ela é minha irmã. Eu saberia se ela estivesse morta. 
— Você pode estar errado. — Meu sussurro acendeu um fragmento minúsculo de esperança. Morta era melhor que a alternativa. Não havia como voltar atrás quando um puro se transformava em daimon. Nenhuma quantidade de poder ou súplica - nem mesmo os deuses podiam corrigi-lo.
Marcus balançou a cabeça. — Ela foi flagrada na Geórgia. Logo antes de te encontrarmos. 
Eu podia ver que dizer isso machucava-o, possivelmente, tanto quanto me machucava. 
Ela tinha sido sua irmã depois de tudo. Marcus não era tão sem emoção como se fazia parecer.
Em seguida, o Apollyon falou. — Você disse que a mãe dela foi vista na Geórgia. Alexandria não estava na Geórgia, quando você a encontrou? — Sua voz estava estranhamente acentuada, com uma qualidade quase musical.
Virei-me lentamente para ele.
— Sim. — As sobrancelhas escuras de Aiden franziram.
Seth pareceu considerar isso. — Isso não parece estranho a mais ninguém? Poderia ser que a mãe se lembrou dela? Que estava na verdade seguindo-a?
Um olhar estranho passou pelo rosto de Marcus. — Estamos cientes da possibilidade.
Não fazia sentido. Quando puros são transformados, eles não se preocupam com as coisas de suas vidas anteriores. Ou, pelo menos, era o que acreditávamos. Então, novamente, não era como se alguém perdesse tempo a questionar um daimon. Eles eram mortos assim que eram vistos. Sem perguntas.
— Você acredita que a mãe está ciente dela. Possivelmente até mesmo procurando por ela? — Seth perguntou.
— Há uma chance, mas não podemos ter certeza. Poderia ter sido uma coincidência que ela estivesse na Geórgia. — As palavras de Marcus soaram falsas.
— Uma coincidência que ela estivesse em Geórgia, em adição aos dois Daimons que a seguiram? — Aiden perguntou. A carranca de Marcus se aprofundou, mas Aiden continuou, — Você sabe como me sinto sobre isso. Nós não sabemos o quanto de suas vidas anteriores os Daimons retêm. Há uma chance de que ela esteja procurando Alex.
A sala se inclinou, e eu fechei os olhos com força. Me procurando? Não como minha mãe, mas como um daimon. Para quê? As possibilidades assustaram-me... me enojaram.
— É mais uma razão para removê-la do Covenant, St. Delphi. Sob os meus cuidados, Alexandria estará protegida pelos Guardas do Conselho e o Apollyon. Se Rachelle a está caçando, então ela vai estar mais segura comigo. 
Quando abri os olhos, percebi que estava em pé no meio da sala. Cada respiração que dava me machucava. A necessidade de ceder às lágrimas estava lá, mas afastei-a. Eu levantei o meu queixo e olhei para Marcus nos olhos. — Você sabe onde ela está agora? 
Marcus ergueu as sobrancelhas quando se virou para Lucian, que tomou um momento antes de responder. — Eu tenho uma dúzia de meus melhores Sentinelas caçando-a.
Assenti. — E todos vocês pensam que saber que minha mãe... é um daimon vai ficar no caminho de eu me tornar uma Sentinela eficaz? 
Houve uma pausa. — Nem todos nós concordamos, mas sim. 
— Eu não posso ser a primeira pessoa a enfrentar isso.
— Claro que não, — disse Marcus, — mas você é jovem, Alexandria, e você é...
Minha respiração ficou presa na minha garganta novamente. — Eu sou o quê?
Ilógica? Atormentada? Puta da vida? Essas eram algumas coisas que eu estava sentindo agora.
Ele balançou a cabeça. — As coisas são diferentes para você, Alexandria.
— Não. Não são. — Minha voz estava áspera. — Eu sou uma meio-sangue. Meu dever é matar Daimons não importa o quê. Isso não vai me afetar. Minha mãe, ela está morta para mim.
Marcus olhou para mim. — Alexandria... 
— Você vai obrigá-la a partir do Covenant, Ministro? — Seth perguntou.
— Nós não vamos forçá-la a sair. — Marcus interrompeu, seus olhos em mim.
Lucian se virou para Marcus. — Nós concordamos com isso, Marcus. — Sua voz era baixa e tensa. — Ela precisa ser colocada sob meus cuidados.
Eu sabia que ele estava dizendo um inferno de muito mais. Assisti Marcus considerar o que quer que fosse essa coisa inexprimível.
— Ela pode permanecer no Covenant. — Marcus manteve seu olhar nivelado. — Nada será prejudicado se ela permanecer aqui. Nós podemos discutir isso mais tarde, você não concorda?
Meus olhos se arregalaram enquanto observava o Ministro se submeter a Marcus. — Sim. Discutiremos isso em grande detalhe. 
Marcus assentiu com a cabeça antes de virar para mim. — O acordo original ainda se mantém, Alexandria. Você vai ter que provar para mim que está pronta para seguir as aulas no outono.
Deixei escapar o fôlego que eu estava segurando. — Existe alguma coisa mais?
— Não. — Me virei para sair, mas Marcus me parou.
— Alexandria... Sinto muito pelo que aconteceu. Sua mãe... não merecia isso. Nem você.  
Um pedido de desculpas sincero, mas que não significava nada para mim. Eu estava dormente por dentro, e não queria nada mais do que me afastar de todos eles. Saí do escritório com a minha cabeça alta, não vendo ninguém. Eu até passei os Guardas, que provavelmente tinham ouvido tudo.
— Alex, espere. 
Lutando para controlar o ciclone de emoções se construindo dentro de mim, virei-me. Aiden tinha-me seguido. Eu avisei-o com a mão trêmula. — Não.
Ele recuou. — Alex, deixe-me explicar. 
Por cima do ombro, vi que não estávamos sozinhos. Os Guardas estavam em pé junto das portas fechadas que davam para o escritório de Marcus - e também lá estava o Apollyon. Ele nos olhava com indiferença casual.
Eu forcei a minha voz a sair baixa. — Você sabia todo esse tempo, não sabia? Você sabia o que realmente aconteceu com minha mãe.
O músculo em sua mandíbula contorceu. — Sim. Eu sabia. 
Dor explodiu no meu peito. Parte de mim esperava que ele não soubesse, que ele não tivesse escondido isso de mim. Dei um passo para a frente. — Nós passámos todos os dias juntos e nunca cruzou a sua mente me dizer? Você acha que eu não tinha o direito de saber a verdade?
— Claro que eu acho que você tinha o direito, mas não estava em seu melhor interesse. Ainda não está. Como você pode se concentrar em treinar - se concentrar na preparação para matar Daimons, - quando você sabe que sua mãe é um deles?
Eu abri minha boca, mas nada saiu. Como eu poderia me focar agora?
— Sinto muito que você tenha que descobrir dessa maneira, mas eu não me arrependo de esconder isso de você. Nós poderíamos tê-la encontrado e eliminado o problema sem que você soubesse. Esse era o plano.
— Esse era o plano? Matá-la antes que eu descobrisse que ela está viva? — Minha voz ficou mais alta com cada palavra. — Você prega para mim sobre confiar em você? Como no inferno eu posso confiar em você agora?
Essas palavras atingiram o ponto. Ele deu um passo para trás, correndo a mão pelos cabelos. — Como é que saber a situação da sua mãe faz você se sentir? O que faz você pensar?
Lágrimas quentes queimaram no fundo da minha garganta. Eu ia quebrar aqui na frente dele. Comecei a recuar.
— Por favor. Me deixe em paz. Deixe-me sozinha.
Desta vez, quando me virei, ninguém me parou.
 
Atordoada, subi na minha cama. Um sentimento doentio caiu sobre mim. Parte de mim queria acreditar que todos estavam errados e que minha mãe não era um daimon.
Meu estômago se agitou e eu enrolei-me numa bola. Mamãe estava lá fora, em algum lugar, e ela estava matando pessoas. A partir do momento em que ela foi transformada, a necessidade de se alimentar de éter a teria consumido. Nada mais importaria para ela.
Mesmo que ela se lembrasse de mim, não seria da mesma forma.
Rastejei para fora da cama, mal chegando ao banheiro a tempo. Caí de joelhos, agarrei os lados do vaso sanitário, e vomitei até que meu corpo tremia. Quando terminei, não tinha força para me levantar.
Meus pensamentos rodopiavam em uma confusão inebriante. Minha mãe é um daimon. Sentinelas estavam lá fora, caçando-a. Mas eu não conseguia substituir o sorriso caloroso dela pelo de um daimon.
Ela era minha mãe.
Me afastei do banheiro e descansei a cabeça contra meus joelhos. Em algum ponto, houve uma batida na porta, mas eu ignorei o som. Não havia ninguém que eu queria ver, ninguém com quem eu queria falar. Não sei quanto tempo fiquei assim. Poderiam ter sido minutos ou horas. Forcei-me a não pensar e apenas respirar. A parte respiratória foi fácil, mas a parte de não pensar era impossível. Eventualmente, levanteime e olhei para o meu reflexo.
Mamãe olhava para mim - tudo igual, exceto os olhos, a única coisa que não compartilhávamos. Mas agora... agora ela tinha buracos em vez de olhos e sua boca estava cheia de dentes afiados.
E se ela me visse novamente, não iria sorrir ou abraçar-me. Ela não escovaria meu cabelo, como costumava fazer.
Não haveria lágrimas de felicidade. Ela podia nem mesmo saber o meu nome.
Ela iria tentar me matar.
E eu tentaria matá-la.
 
No domingo à noite, eu não conseguia mais me esconder no quarto. Cansada de pensar, cansada de estar sozinha, e cansada de mim mesma. Em alguma hora do dia anterior, meu apetite retornou e eu estava morrendo de fome.
Consegui chegar à lanchonete antes que fechasse. Felizmente, estava vazia e eu pude comer três pedaços de pizza fria em paz. A comida se estabeleceu em uma bola densa no meu estômago, mas eu consegui engolir um quarto pedaço de pizza.
O silêncio espesso da lanchonete me envolveu. Com nada acontecendo, a tagarelice interminável de meus pensamentos começou novamente. Mãe. Mãe. Mãe. Desde sexta à noite, ela era tudo em que eu conseguia pensar.
Havia algo que eu poderia ter feito diferente? Eu poderia tê-la impedido de se transformar em um monstro? Se eu não tivesse entrado em pânico depois do ataque, talvez eu pudesse combater o outro daimon. Eu poderia ter salvo minha mãe desse destino horrível.
A culpa virou a comida azeda no meu estômago. Empurrei-me da mesa e dirigime para fora exatamente quando um dos empregados chegou para fechar por essa noite. Alguns adolescentes atravessavam pela praça, mas ninguém que eu conhecesse muito bem.
Eu não sei por que acabei na sala principal de treinamento. Era perto das oito, mas eles nunca trancavam essas salas, embora as armas estivessem seguras depois das sessões de treinamento. Parei na frente de um dos manequins utilizados para prática com faca e partida ocasional de boxe.
Inquietação coçava através de mim enquanto eu olhava para a figura realística. Cortes minúsculos e sulcos marcados no pescoço, tórax e abdômen. Essas eram as áreas onde os mestiços eram treinados para atacar: o plexo solar, o coração, o pescoço e o estômago.
Passei os dedos sobre as cavidades. As lâminas produzidas pelo Covenant eram intensamente afiadas, designadas a cortar rapidamente a pele do daimon e causar o máximo dano.
De olho nas zonas de ataque marcadas em vermelho - lugares para bater ou chutar se eu tiver que enfrentar um daimon em um combate de mão a mão - eu puxei meu cabelo num rabo de cavalo confuso. Aiden tinha me permitido praticar com os manequins algumas vezes, provavelmente porque ele tinha cansado de mim chutandoo.
O primeiro soco que eu dei, jogou o boneco a uma polegada, talvez duas. Blah. O segundo e o terceiro rangeram de volta alguns centímetros a mais, mas ainda não significava nada pra mim. O turbilhão de emoções pressionou dentro de mim, exigindo que eu desmoronasse nisso. Renda-se. Aceite a oferta de Lucian. Nunca arrisque enfrentar Mamãe. Deixe outro alguém lidar com isso.
Eu andei para trás, descansando minhas mãos em minhas coxas.
Minha mãe era um daimon. Como uma meio-sangue, eu era obrigada a matá-la. Como sua filha, eu era obrigada a... O que? Aquela resposta tinha me fugido o fim de semana inteiro. O que eu deveria fazer?
Mate-a. Fuja dela. Salve-a de algum jeito.
 
Um grito frustrante escapou de mim enquanto eu balançava minha perna ao redor e conectava com o centro do manequim. Ele balançou para trás cerca de meio metro, e quando ele veio de volta pra mim, eu ataquei - balançando, socando e chutando.  Minha raiva e descrença cresceram com cada golpe.
Isso não era justo. Nada disso era.
O suor escorria por mim, umedecendo a minha camisa até que agarrou a minha pele e o cabelo disperso ficou colado na parte de trás de meu pescoço. Eu não conseguia parar. A violência derramou em mim, tornando-se uma coisa física. Podia sentir a raiva no fundo da minha garganta - grossa como bile, e pesada. Me sintonizei com isso. Eu me tornei isso.
A raiva me percorreu e aos meus movimentos até que meus chutes e golpes tornaram-se tão precisos que se o manequim fosse uma pessoa real, ela estaria morta. Só então eu fiquei satisfeita. Eu tropecei para trás, limpando minha mão sobre a testa e virando-me.
Aiden estava parado na porta.
Ele veio para a frente, parando no centro da sala e tomando a mesma posição que normalmente tomava durante as nossas sessões de treinamento. Ele usava calça jeans, algo que raramente se via nele.
Aiden não disse nada enquanto me assistia. Eu não sabia no que ele estava pensando, ou porque ele estava ali. Eu não me importava. Fúria ainda fervia dentro de mim. De alguma forma, eu imaginei que deveria ser o que um daimon devia sentir, como uma espécie de força invisível controlando cada movimento seu. 
Fora do controle - eu estava fora de controle agora. Sem dizer uma palavra, eu atravessei a distância entre nós. Um olhar cuidadoso cintilou em seus olhos.
Não havia nenhum pensamento por trás disso, apenas raiva e mágoa esmagadora em carne viva. Eu puxei meu braço para trás e o soquei no lado direito de sua mandíbula. Dor feroz explodiu em meus dedos.
— Droga! — Inclinei-me, trazendo de volta a minha mão ao meu peito. Eu não achava que isso fosse doer tanto. Pior ainda foi o fato de quase não ter tido impacto sobre ele.
Ele se virou para mim como se eu não tivesse acabado de socar seu rosto e franziu a testa. — Isso te fez se sentir melhor? Mudou algo para você?
 
Eu me endireitei. — Não! Eu quero fazer isso de novo!
— Você quer lutar? — Ele deu um passo para o lado, inclinando a cabeça para baixo na minha direção. — Então lute comigo.
Ele não teve que me perguntar duas vezes. Lancei-me para ele. Ele bloqueou o primeiro golpe, mas a minha raiva me fez mais rápida do que ele percebeu. O lado mais largo do meu braço atravessou o seu bloqueio, acertando-o no peito. Isso não o perturbou - nem um pouco. Mas prazer surgiu dentro de mim, incentivando-me a seguir em frente. Queimando com raiva e outra emoção feroz próxima, eu lutei mais e melhor do que um dia eu pratiquei.
Nós circulamos um ao outro, trocando golpes. Aiden não jogou tudo em mim, e isso me tirou do sério. Eu ataquei mais fortemente, levando-o para trás através das esteiras. Seus olhos queimaram num prata perigoso quando ele pegou meu punho perto de se encontrar com seu nariz. Não era muito legal da minha parte mirar acima do peito, mas dane-se.
— Isso é suficiente. — Aiden me empurrou de volta.
Mas isso não era suficiente. Nunca seria suficiente. Eu usei uma das jogadas que ele me ensinou dias atrás. Aiden se moveu, então ele me pegou no meio do vôo, trazendo-me para baixo sobre o tapete. Uma vez que ele me tinha embaixo, ele se levantou de volta aos seus calcanhares.
— Eu sei que você está com raiva. — Ele não estava nem com falta de ar. Eu, pelo outro lado, estava arfando por ar. — Sei que você está confusa e magoada. O que você está sentindo não é imaginável.
Meu peito subia e descia rapidamente. Comecei a levantar-me, mas ele me empurrou para baixo com a mão. — Sim, eu estou com raiva!
— Você tem toda razão de estar.
— Você deveria ter me dito! — O fogo em meus olhos tinha aumentado. — Alguém deveria ter me contado! Se não Marcus, então você deveria!
Ele virou a cabeça para longe. — Você está certa.
Suas palavras suaves não me ajudaram. Eu ainda ouvia como ele falou não se arrepender de não ter me contado, que era para o meu bem. Ele baixou as mãos às suas coxas depois de alguns instantes.
 
Movimento errado.
Eu levantei do tatame, alcançando seu cabelo sedoso. Movimento total de garota, mas em algum momento ao longo do caminho, eu me perdi com a raiva.
— Pare com isso! — Ele capturou meus pulsos com facilidade. Na verdade, foi embaraçosa a rapidez com que ele me subjugou. Desta vez, ele me prendeu ao tatame. — Pare com isso, Alex. — Ele disse de novo, muito mais alto.
Eu joguei minha cabeça para trás, pronta para plantar meu pé em algum lugar quando nossos olhares se encontraram. Eu parei, então, com centímetros de seu rosto do meu. A atmosfera mudou quando uma das emoções selvagens que rodavam por mim conseguiu se libertar e saiu da minha cabeça.
Seu torso magro e pernas pressionadas contra as minhas de uma maneira que me fez pensar em outras coisas - coisas que não envolviam lutar ou matar, mas envolviam transpiração, muita transpiração. Respirar tornou-se difícil à medida que continuámos a olhar um para o outro. Suas ondas escuras de cabelo haviam caído para a frente em seus olhos. Ele não estava se movendo, e eu não podia nem que eu quisesse. Eu não queria. Oh, deuses, eu não queria me mover nunca mais. Vi o momento em que ele reconheceu a mudança em mim. Algo mudou em seus olhos e seus lábios se separaram.
Essa era apenas uma inofensiva e estúpida atração. Mesmo quando eu levantei a cabeça, trazendo meus lábios a centímetros apenas dos seus, continuei dizendo-me isso. Eu não o queria. Não desse jeito - não mais do que qualquer coisa que eu já quis na vida.
Eu o beijei.
A princípio, isso não era muito um beijo. Meus lábios apenas roçaram os seus, e quando ele não se moveu, eu pressionei mais. Aiden parecia atordoado demais para fazer qualquer coisa durante segundos. Mas então ele soltou meus pulsos e suas mãos deslizaram até meus braços.
O beijo se aprofundou, cheio de paixão e raiva. Havia também a frustração, tanta frustração. Em seguida, Aiden se pressionou para baixo, e eu não era mais a única fazendo o beijo acontecer. Seus lábios se moviam contra os meus, seus dedos apertando minha pele. Depois de apenas alguns segundos, ele interrompeu o beijo e saltou para longe de mim.
 
A vários metros de distância, Aiden agachou sobre seus pés. Sua respiração pesada encheu o espaço entre nós. Seus olhos estavam arregalados, eles haviam dilatado até que estivessem quase pretos.
Eu me sentei e ajeitei-me. O que eu tinha feito atravessou a névoa espessa que nublava meus pensamentos. Eu não tinha apenas socado um puro no rosto, como também o beijado. Oh... oh, cara. Minhas bochechas coraram; meu corpo inteiro corou.
Aiden se levantou devagar. — Está tudo bem. — Sua voz grossa. — Essas coisas acontecem... Quando você está se sentindo muito estressado.
Essas coisas acontecem? Eu não achava isso. — Eu... Eu não consigo acreditar que fiz aquilo.
— É apenas stress. — Ele permaneceu numa distância segura. — Está tudo bem,
Alex.
Eu pulei para meus pés. — Acho que devo ir embora agora.
Ele andou para a frente, mas parou, com medo de chegar mais perto. — Alex... Está tudo bem.
— Sim, droga de stress, hein? Whoa. Tudo bem. Tudo está totalmente bem. — Eu andei para trás, olhando para tudo, menos para ele. — Eu precisei daquela - não a última coisa! Ou a coisa de quando eu te soquei! Mas as coisas de quando eu estava... você sabe, trabalhando minha agressão... e socos. Tudo bem... Vejo você amanhã. — Eu fugi da sala - de todo o edifício.
Lá fora, no ar da noite grossa e úmida, eu bati em minha testa e gemi. — Oh, meus deuses. — Em algum lugar atrás de mim uma porta abriu, então eu comecei a descer pelo meu caminho novamente.
Eu realmente não estava prestando atenção em para onde eu estava indo. Choque e constrangimento não descreviam adequadamente o que  estava sentindo. Mortificação era uma palavra muito fraca. Talvez eu pudesse culpar o stress. Queria rir, exceto que eu também queria chorar.
Eu seria capaz de viver dessa vez? Deuses, eu não conseguia acreditar que  realmente beijei ele. Nem conseguia acreditar que houve um momento em que ele me beijou de volta, que ele se pressionou contra mim de um jeito que dizia que ele queria aquilo tanto quanto eu. Isso deve ter sido uma invenção da minha imaginação.
 
Precisava de um novo treinador. Precisava de um novo treinador rapidamente. De jeito nenhum conseguiria ao menos encará-lo novamente sem desmaiar de novo e morrer. De jeito nenhum, e…
Alguém pisou na minha frente. Movi-me para o lado para evitar quem quer que fosse, mas a pessoa me bloqueou. De saco cheio, já que eu não conseguia ficar de mau humor em privacidade, eu disparei sem olhar. — Deuses! Saia do meu… 
As palavras morreram em meus lábios.
O Apollyon estava na minha frente.
— Bem, boa noite para você. — Seus lábios se enrolaram num sorriso casual.
— Hm... Desculpe, eu não te vi. — Ou senti ele, o que era estranho considerando que ambas as vezes eu o senti antes de olhá-lo de verdade.
— Obviamente. Você estava olhando para o chão como se ele tivesse feito algo terrível para você.
— Sim, estou meio que tendo um final de semana ruim... Isso apenas não vai acabar. — Eu o desviei, mas ele se moveu para a minha frente novamente. — Com licença. — Usei a minha voz mais fofa possível. Ele era, afinal, o Apollyon.
— Posso ter apenas alguns minutos do seu tempo?
Olhei ao redor do pátio vazio, sabendo que eu não podia recusar. — Claro, mas  tenho que voltar ao meu dormitório cedo.
— Então caminharei com você e poderemos conversar.
Acenei, não tendo nenhuma maldita pista do que ele poderia querer falar comigo. Fiz um gesto para a frente, cansada.
— Estive procurando por você. — Ele começou a andar ao meu lado. — Aparentemente, você tem se escondido em seu dormitório, e seus amigos me avisaram que homens não são permitidos no dormitório. Eu não sou exceção, o que acho estranho e muito irritante. Pequenas regras bobas do Covenant não deveriam se aplicar a mim.
Franzi as sobrancelhas, não certa do que estranhar mais: Que ele saiba quem são meus amigos, ou que ele estava me procurando. Ambas as coisas eram igualmente assustadoras para mim. Ele poderia arrancar o meu pescoço como um galho. Ele era o Apollyon - alguém por quem ninguém queria ser procurado.
— Então estive esperando você reaparecer.
Agora aquilo era assustador. Eu sentia o seu olhar, mas mantive meus olhos fixados à frente. — Por quê?
Seth facilmente acompanhou meus passos ao meu lado. — Quero saber o que você é.
Eu congelei e tive de olhar para ele. Estava tão perto, sem tocar. Sinceramente, parecia que ele não queria. Cuidado prendia em sua feição enquanto  me observava. — Eu sou uma meio-sangue.
Ele arqueou uma sobrancelha loira. — Whoa. Eu não fazia ideia que você era uma meio-sangue, Alexandria. O choque me empalideceu.
Estreitei os olhos para ele. — Me chame de Alex. Então porque você perguntou?
— Sim, eu sei. Todo mundo te chama por um nome de garoto. — Seu lábio superior se enrolou e frustração preencheu sua voz. — De qualquer jeito, você sabe que não é isso o que estou perguntando. Eu quero saber o que você é.
Chatear o Apollyon provavelmente não era a coisa mais esperta a fazer, mas meu humor estava em algum lugar entre o ruim e o muito ruim. Cruzei meus braços contra meu peito. — Eu sou uma garota. Você é um garoto. Isso clareia as coisas para você?
Um canto de sua boca contorceu. — Obrigado pela aula sexual. Eu sempre estive confuso quando se tratava sobre garotos e garotas, mas mais uma vez, não é o que estou perguntando. — Ele deu um passo à frente, inclinando sua cabeça para o lado. — Por Maio, Lucian requereu a minha presença no Cônsul. Eles encontraram você na mesma altura. Achei isso estranho.
Meus instintos gritaram para me afastar, mas eu recusei. — Ok?
— Não acredito em coincidências. A ordem de Lucian tem a ver com você. Então isso leva a uma grande questão.
— Que é?
— O que é tão importante sobre uma pequena garota cuja mãe é um daimon? — Ele circulou ao meu redor. Eu virei, seguindo seus movimentos. — Porque Lucian iria me querer agora, mas não antes? Você estava exatamente no escritório do seu diretor. Você não seria o primeiro mestiço ou até mesmo puro a encarar uma pessoa amada ou um amigo numa batalha. O que te torna tão especial?
Irritação estremeceu dentro de mim. — Eu não tenho ideia. Porque você não vai e pergunta a ele?
Vários fios pequenos escaparam da correia de couro e caíram em torno de seu rosto. — Eu duvido que Lucian esteja sendo honesto.
— Lucian não tem que ser honesto.
— Você saberia. Ele é seu padrasto.
— Lucian não é nada para mim. O que você viu naquele escritório foi bizarro. Ele deveria estar sob o efeito de alguma droga.
— Então você não ficaria chateada se eu dissesse que ele é um imbecil?
Mordi minha risada de volta. — Não.
Seus lábios se curvaram numa metade de sorriso. — Eu pretendo descobrir porque fui afastado da caça para proteger uma garota.
Minhas sobrancelhas subiram. — Você não está me protegendo. Você está protegendo Lucian.
— É mesmo? Porque Lucian precisaria de mim como um Guarda? Ele raramente sai do Cônsul e está sempre cercado por várias camadas de proteção. Um Guarda incipiente poderia vigiá-lo. Isso é perder meu tempo.
Ele tinha um bom ponto, mas eu não tinha respostas para ele. Encolhi os ombros e comecei a andar de novo, esperando que ele não me seguisse, mas ele seguiu.
— Então vou te perguntar novamente. O que você é?
Das duas primeiras vezes que ele fez essa pergunta, tinha apenas me irritado, mas na terceira eu vasculhei dentro do meu cérebro e empurrei uma memória perdida. Eu pensei na noite na fábrica. O que o daimon tinha dito depois de me marcar? Eu parei, franzindo as sobrancelhas enquanto as palavras flutuavam para a superfície. “O que você é?” Minha mão foi para o meu pescoço, roçando sobre a pele ultra-suave da cicatriz.
Os olhos de Seth estreitaram para mim. — O que é?
Olhei para cima. — Sabe, você não é a primeira pessoa a me perguntar isso. Um daimon me perguntou... Depois de me marcar.
Interesse cintilou em seu rosto. — Talvez eu só precise te morder para descobrir.
Minha mão caiu ao meu lado e cortei-lhe um olhar. Ele estava brincando, mas ainda me pareceu estranho. — Boa sorte com isso.
Ele sorriu dessa vez, piscando uma fileira de dentes perfeitos brancos. Seu sorriso não era nada como o de Aiden, mas era bonito. — Você não parece ter medo de mim.
Eu respirei fundo. — Porque eu deveria ter?
Seth encolheu os ombros. — Todo mundo tem medo de mim. Mesmo Lucian - mesmo Daimons tem medo de mim. Você sabe, eles conseguem me sentir, e mesmo sabendo que eu sou a Morte para eles, eles vêm correndo até mim. Eu sou como refeições requintadas para eles. Eles não podem deixar passar.
— Sim... E eu sou como comida rápida. — Eu murmurei, recordando o que o daimon em Georgia tinha dito.
— Talvez... Ou talvez não. Quer ouvir algo estranho?
Eu olhei ao redor, procurando por uma escapatória. Meu estômago fez a coisa arrepiante de novo. — Na verdade não.
Ele colocou os fios soltos do cabelo atrás da orelha. — Eu sabia que você estaria aqui. Não você, assim dizendo. Mas eu sabia que alguém - alguém diferente. Eu senti isso do lado de fora, antes de entrar no saguão. Foi como uma atração magnética. Eu pensei em você imediatamente.
O sentimento de estranheza estava aumentando enquanto conversava com ele. — Ahn?
— Isso nunca aconteceu antes. — Ele abriu os braços e se aproximou. Eu pulei para trás. Aborrecimento puxou seus lábios para baixo nos cantos.
Havia uma infinidade de razões pelas quais eu não queria que ele me tocasse. Alarmada que ele realmente ia, eu soltei a primeira coisa que me veio à mente. — Eu vi suas tatuagens.
Seth congelou, um braço estendido em minha direção. Surpresa brilhou em seu rosto, antes de seu braço cair e de repente parecer desconfiado. Inferno, ele não parecia mais querer me tocar - ou estar no mesmo código postal que eu. Ele recuou dessa vez.
Eu deveria estar feliz, mas isso só aumentou a pilha de nervos formando em minha barriga. — Eu... Eu tenho que ir. Está tarde.
O repentino vento de ar fez minha cabeça ser empurrada. Seth se moveu rápido, possivelmente mais rápido que Aiden, e agora ele estava de volta ao meu espaço pessoal. — Você quis dizer o que você falou no escritório do diretor? Que sua mãe estava morta para você? Você realmente acredita nisso?
Pega de surpresa pela pergunta, eu não respondi.
Ele se inclinou para mais perto, a voz baixa, mas ainda melódica. — Se não, então é melhor você rezar para nunca encontrá-la, porque ela vai te matar.
 
A prática foi épicamente estranha no dia seguinte. Aiden passou o tempo fingindo que eu não o tinha agredido física e sexualmente, o que criou um conjunto de emoções contraditórias em mim. Parte de mim estava agradecida por ele não ter trazido isso à tona. E a outra parte... bem, aquela parte se sentia ofendida. Embora isso não fizesse completamente sentido, eu queria que ele reconhecesse o que se tinha passado entre nós.
 
Mas eu realmente trouxe a raiva para a aula prática. Lutei melhor e bloqueei mais do que alguma vez já fiz. Aiden elogiou a minha técnica em uma maneira verdadeiramente profissional, o que me irritou. Quando nós enrolámos os colchonetes no final da prática, senti todos os tipos de confronto.
 
— Choquei com Seth... na noite passada. — As palavras “noite passada” provavelmente pesavam muito mais do que qualquer outra coisa que eu disse.
 
Aiden endureceu, mas não respondeu. 
 
— Ele quer saber por que Lucian o ordenou para o Conselho.
 
Aiden se endireitou, escovando as mãos por suas coxas. — Ele não deveria questionar as ordens dele.
 
Eu arqueei uma sobrancelha. — Ele acha que tem alguma coisa a ver comigo.
 
Ele olhou para mim então, o rosto impressionantemente em branco. 
 
— Tem a ver?
 
Nenhuma resposta.
 
— Isso tem alguma coisa a ver com o que aconteceu com minha mãe? — Minhas mãos curvaram em punhos pelo seu silêncio contínuo. — Você disse na noite passada que eu tinha todo o direito de saber o que aconteceu com a minha mãe. Então eu acho que tenho todo o direito de saber que diabos está acontecendo. Ou você vai mentir para mim de novo?
 
Isso conseguiu uma resposta. — Eu nunca menti para você antes, Alex. Eu omiti a verdade.
 
Eu revirei os olhos. — Sim, isso não é mentir.
 
Irritação queimou em suas feições. — Você acha que eu gostei de saber o que aconteceu com a sua mãe? Apreciei ver o quão machucada você ficou quando descobriu?
 
— Esse não é o ponto.
 
— O ponto é, eu estou aqui para treinar você. Deixar você pronta para assistir as aulas no outono.
 
— E nada mais, hum? — A mágoa que brotou alimentou minha raiva. — Nem mesmo a cortesia comum de me dizer o que está acontecendo quando você tão obviamente sabe o que está se passando?
 
A incerteza escureceu sua expressão. Ele balançou a cabeça e correu uma mão pelo cabelo. As ondas escuras caíram de volta para a sua testa como sempre faziam.
 
— Eu não sei porque o Ministro ordenou o Seth para o Conselho. Eu sou só um Sentinela, Alex. Não estou a par do funcionamento interno do Conselho, mas... — ele respirou fundo. — Eu não confio totalmente no seu padastro. Sua exibição no escritório de Marcus foi... anormal.
 
Fora de todas as coisas que eu esperava que ele dissesse, eu estava chocada que ele admtiria isso. Isso difundiu um pouco - não tudo - da minha raiva.
 
— O que você acha que ele está aprontando?
 
— É tudo o que eu sei, Alex. Se eu fosse você... tomaria cuidado em torno de Seth. Apollyons podem ser instáveis, por vezes, perigosos. Eles são conhecidos por perder a calma, e se ele está bravo sobre sua recolocação...
 
Assenti, mas eu não estava realmente preocupada com isso. Aiden foi embora sem dizer muito mais. Desapontada, eu sai da sala de treinamento e choquei com Caleb.
 
Nós dois nos encaramos.
 
— Então... estou supondo que você já ouviu? — tentei parecer indiferente.
 
Caleb assentiu, seus olhos azuis céu, tristes. — Alex, sinto muito. Não é certo - não é justo.
 
— Não é. — eu sussurrei.
 
Sabendo como eu era com esses tipos de coisas, ele deixou para lá depois disso. Nós não trouxemos isso à tona de novo, e pelo o resto da noite foi como se as coisas fossem normais. Mamãe não era uma daimon, e ela não estava lá fora drenando os puros. Foi mais fácil ir em frente, fingindo que tudo estava normal. Funcionou por um tempo.
 
Um par de dias depois recebi meu desejo por um novo treinador. Bem... quase. Quando eu abri as portas duplas para a sala de treinamento principal, Aiden não estava sozinho. Kain estava ao lado dele, parecendo como se ele lembrasse claramente nossa última sessão de treinamento.
 
Meus passos diminuíram enquanto meus olhos saltavam entre eles.
 
— Ei...?
 
O olhar no rosto de Aiden era ilegível - uma expressão comum desde que o tinha beijado. — Kain vai nos ajudar a treinar três dias por semana.
 
— Oh, — eu me senti dividida entre estar empolgada em aprender o que quer que Kain pudesse me mostrar e desapontada que mais alguém estava invadindo meu tempo com Aiden.
 
Eu realmente tinha muito o que aprender com Kain. Ele não era tão rápido quanto Aiden, mas eu começava a antecipar os movimentos que Aiden usava.
 
Com Kain, era tudo novidade. Até o final do treino, eu me senti um pouco melhor sobre a mudança em nosso treinamento, mas ainda havia uma preocupação persistente sobre se a reaparição de Kain tinha alguma coisa a ver com o beijo.
 
Kain não era o único que continuava reaparecendo.
 
Ao longo da semana seguinte, Seth permanecia ao redor do campus, aparecendo na sala de recreação, no refeitório, e na sala de treinamento. Isso fez evitá-lo - o que tinha sido meu plano - impossível. Tentar me aguentar nos treinos contra Kain com apenas Aiden assistindo era ruim o suficiente, mas ter o Apollyon no meio era totalmente um saco.
 
Felizmente, hoje era dia de folga de Kain. Ele tinha acompanhado um grupo de puros em uma escapada no fim de semana. Me senti mal por ele. Ontem, ele passou a maior parte da prática reclamando sobre isso. Ele era um caçador nato, não uma babá. Eu ficaria puta também se tivesse sido sobrecarregada com essa atribuição.
 
Na prática, nós tínhamos finalmente ultrapassado as técnicas de bloqueio e estávamos trabalhando em diferentes tipos de quedas. Embora eu tivesse plantado o rosto de Aiden no chão muitas vezes ao longo do dia, ele foi super paciente comigo.
 
Apesar de mentir para mim sobre a minha mãe, o cara tinha que ser um santo de algum tipo.
 
— Você foi muito bem essa semana. — Ele me deu um sorriso hesitante enquanto saímos.
 
Eu balancei a cabeça. — Kain chutou meu traseiro na prática ontem.
 
Aiden empurrou a porta aberta e a segurou para mim. Normalmente, ele deixava as portas bem abertas, mas ultimamente ele tinha começado a fechá-las. — Kain tem mais experiência de campo do que você, mas você estava indo bem contra ele.
 
Meus lábios se curvaram para cima. Tão triste como era, eu vivia por esses momentos quando ele elogiava minha melhora.
 
— Obrigada.
 
Ele assentiu. — Você acha que ajuda trabalhar com Kain?
 
Nós paramos nas portas que davam para fora. Eu estava meio atordoada por ele sequer perguntar a minha opinião. — Sim... ele tem táticas diferentes de você. Eu acho que ajuda que você possa ver o que estou fazendo de errado e me encaminhar através disso.
 
— Bom. É o que eu esperava.
 
— Mesmo? — eu disparei. — Eu pensei que era por causa… esquece.
 
Os olhos de Aiden se estreitaram. — Sim. Porque outro motivo eu iria querer que Kain ajudasse?
 
Horrorizada e envergonhada que eu tinha ido lá inconscientemente, eu me virei para longe. — Uh... esquece que eu disse qualquer coisa.
 
— Alex. — Ele disse meu nome daquela forma suave e infinitamente paciente. Contra a minha vontade, eu me virei para ele. —Trazer Kain para os treinos não tem nada a ver com aquela noite. 
 
Eu queria correr e me esconder. Eu também queria encontrar uma focinheira para mim. — Não tem?
 
— Não.
 
— Sobre aquela noite... — eu respirei fundo. — Me desculpe por ter batido em você e... a outra coisa.
 
Seus olhos se aprofundaram, se tornando mais prateados do que cinzas. — Eu aceito suas desculpas por bater em mim.
 
Eu não tinha percebido até agora, mas nós estávamos em pé perto o suficiente que nossos sapatos se tocavam. Eu não sei se ele tinha se movido, ou se eu tinha. — E sobre a outra coisa?
 
Aiden sorriu então, mostrando aquelas covinhas profundas. Seu braço roçou o meu quando ele esticou a mão e abriu a porta. — Você não tem que se desculpar pela outra coisa.
 
Eu tropecei na luz solar brilhante. — Não?
 
Ele balançou a cabeça, ainda sorrindo, e então simplesmente saiu.
 
Confusa e um pouco obsecada com o que aquilo podia significar, eu me juntei aos meus amigos para o jantar e descobri que a nossa mais recente adição estava mais uma vez em nossa mesa. Meu sorriso desapareceu enquanto eu via a admiração aberta salpicada através do rosto de Caleb - o olhar que ele tinha sempre que conversava com Seth.Eles nem sequer olharam quando eu sentei na mesa com eles.
 
Todos pareciam consumidos com o que quer que Seth estava contando a eles. Eu parecia ser a única que não estava impressionada com ele.
 
— Quantas mortes você já fez? — Caleb se inclinou para a frente.
 
Eles já não tinham tido essa conversa? Oh, sim. Ontem. Eu mordi um suspiro de aborrecimento.
 
Seth se reclinou na cadeira de plástico, uma perna apoiada contra a borda da mesa.
— Mais de vinte.
 
— Uau. — Elena suspirou, um olhar de admiração pura encobrindo seus olhos.
 
Eu revirei os olhos e dei uma mordida na carne assada seca.
 
— Você não sabe o número exato? — Caleb levantou a sobrancelha. — Eu manteria uma lista com os dias e horários.
 
Eu achei aquilo mórbido, mas Seth sorriu. — Vinte e cinco. Teria sido vinte e seis, mas o último bastardo fugiu de mim.
 
— Fugiu do Apollyon? — eu dei um gole na minha água. — Embaraçoso.
 
Os olhos de Caleb cresceram do tamanho de pires, e honestamente, eu não sabia o que tinha me provocado a dizer isso - provavelmente aquele pequeno pedaço de conselho que ele tinha me dado na última vez que tínhamos conversado em particular. Seth pareceu levar isso na esportiva. Ele entregou sua garrafa de agua para mim. — Quantos você já matou?
 
— Dois. — Eu enfiei uma garfada de carne na boca.
 
— Nada mal para uma garota destreinada.
 
Eu sorri brilhantemente. — Não.
 
Caleb me lançou um olhar de aviso antes de se virar de volta para Seth. — Então... como é a sensação de usar os elementos?
 
— Incrível. — Os olhos de Seth ficaram em mim. — Eu nunca fui marcado.
 
Eu fiquei rígida, a mão a meio caminho da minha boca. Ouch.
 
— Como é a sensação disso, Alex?
 
Eu me obriguei a mastigar a comida lentamente. — Oh... a sensação é maravilhosa.
 
Ele se moveu, se inclinando perto o suficiente que eu podia sentir sua respiração em meu pescoço. Meu corpo todo ficou em alerta. — Pequena cicatriz desagradável que você tem aqui.
 
O garfo caiu dos meus dedos, espirrando purê de batatas pela mesa. Eu reuni o meu melhor olhar “princesa de gelo” e encontrei seu olhar. — Você está no meu espaço pessoal, amigão.
 
Um sorriso brincalhão enfeitou seus lábios. — Então? O que você vai fazer sobre isso? Jogar seu purê de batatas em mim? Estou consumido pelo terror.
 
Socar você na cara. Isso era o que eu queria dizer e fazer, mas mesmo eu não era assim tão estúpida. Ao invés, eu retribuí o sorriso. — Porque você está aqui? Você não deveria estar fazendo coisas importantes, como protegendo o Lucian?
 
Caleb e o resto das crianças não pegaram a minha dica, mas ele pegou. O sorriso escorregou do seu rosto e ele ficou em pé. Se virando para eles, ele assentiu. — Foi bom conversar com todos vocês. — Ao sair, ele passou por Olivia. A pobre garota parecia como se quissesse surtar.
 
— Oh, meus Deuses, Alex. Ele é o Apollyon. — Elena sibilou.
 
Eu limpei a minha bagunça de purê de batatas. — Sim. E daí?
 
Ela derrubou um guardanapo sobre a maior parte das batatas. — Uh... você poderia ter um pouco mais de respeito em relação a ele.
 
— Eu estava sendo respeitosa. Eu só não estava beijando seu traseiro. — Levantei as sobrancelhas enquando olhava para ela.
 
— Nós não estávamos beijando o traseiro dele. — Ela franziu a testa, recolhendo a bagunça.
 
Eu apertei os lábios. — Não é o que parecia para mim.
 
— Tanto faz. — Caleb exalou em um assobio. — Eu quero dizer, uau. Ele matou vinte e cinco daimons. Ele pode manejar todos os quatro elementos mais o quinto - o quinto, Alex. Sim, eu vou beijar o traseiro dele durante o dia todo.
 
Eu sufoquei meu gemido. — Você deveria começar um fã clube. Elena pode ser sua vice-presidente.
 
Ele forçou um sorriso. — Talvez eu comece.
 
Felizmente, nós mudamos de assunto uma vez que Olivia se sentou na nossa mesa. Caleb estava  muito feliz em vê-la, e meu olhar oscilava entre os dois.
 
— Vocês ouviram galera? — os olhos cor de café de Olivia se arregalaram.
 
Eu estava meio com medo de perguntar. — O que?
 
Ela lançou um olhar nervoso para mim. — Houve um ataque de daimon no Lago Lure tarde da noite de ontem. O Conselho acabou de saber. Eles não puderam segurar o grupo de puros e seus Guardas.
 
A informação limpou tudo o resto dos meus pensamentos. Eu não estava pensando em meu comportamento rude em relação à Seth ou o que Aiden poderia ter insinuado mais cedo. Eu não estava sequer pensando sobre a mamãe.
 
Elena engasgou. — O que? O Lago Lure é apenas quatro horas daqui.
 
O Lago Lure era uma comunidade pequena para onde vários puros gostavam de fugir. Assim como o lugar em Gatlinburg onde minha mãe costumava me levar, que deveria ser bem guardado. Seguro. Ao menos, isso era o que tinha sido dito.
 
— Como isso é possível? — eu odiei a forma como a minha voz guinchou.
 
Olivia balançou a cabeça. — Eu não sei, mas muitos dos Guardas do Conselho saíram com o grupo esse fim de semana. Eles tinham pelo menos dois Sentinelas treinados.
 
Minha boca secou. Não. Não podia ser o mesmo grupo - o grupo que Kain tinha estado reclamando sobre ser uma babá.
 
— Alguém que conhecemos? — Caleb se inclinou.
 
Ela olhou ao redor, baixando a voz. — Mamãe não podia dizer muito mais. Ela estava saindo para ir investigar... a cena, mas ela disse que Kain e Herc eram os dois Sentinelas. Eu não ouvi nada sobre o que aconteceu com eles, mas...
 
Daimons não deixavam mestiços vivos.
 
Silêncio caiu sobre a mesa enquanto processávamos as notícias. Eu engoli contra o aperto repentino na minha garganta. Kain tinha estado chutando meu traseiro e bricando comigo apenas ontem. Ele era bom e rápido, mas se estava sumido, isso significava que tinha sido levado para um lanche mais tarde. Kain era um mestiço, então ele não poderia ser transformado em um daimon.
 
Não. Eu balancei a cabeça. Ele fugiu. Eles apenas não o encontraram ainda.
 
Caleb empurrou seu prato para longe. Agora eu desejava que não tivesse comido tanto. As notícias estavam fazendo coisas estranhas para a comida no meu estômago, mas todos nós fingimos que não estávamos tão afetados. Nós estávamos em treinamento. Em um ano ou mais, nós estaríamos enfrentando essas coisas pessoalmente.
 
— E quanto aos puros? Quem eram eles? — a voz de Elena tremeu.
 
O olhar cruzando seu rosto me encheu de mal-estar. De repente, eu entendi que não era apenas Kain que tínhamos perdido.
 
— Havia duas famílias. — Olivia engoliu em seco. — Liza e Zeke Dikti, e a filha deles Letha. A outra família era... o pai de Lea e sua madastra.
 
Silêncio.
 
Nenhum de nós se moveu. Eu não acho que nós sequer respirávamos. Deuses, eu odiava Lea. Realmente, eu odiava, mas eu sabia qual era essa sensação. Ou, pelo menos, eu costumava saber. Finalmente, Caleb encontrou a capacidade para falar.
 
— Lea e sua meia-irmã estava com eles?
 
Olivia balançou a cabeça. — Dawn ficou em casa e Lea está aqui - estava aqui. No caminho para cá, eu vi Dawn. Ela veio buscá-la.
 
— Isso é tão horrível. — O rosto de Elena empalideceu. — Quantos anos Dawn tem?
 
— Ela tem cerca de vinte e dois. — Caleb mordeu o lábio.
 
— Tem idade suficiente para pegar o assento de seus pais, mas quem... — Olivia parou de falar.
 
Nós todos sabíamos o que ela estava pensando. Quem iria querer pegar um assento no Conselho dessa forma?
 
De volta ao meu dormitório, encontrei duas cartas presas à minha porta. Uma era um pedaço de papel dobrado e a outra era um envelope. O papel continha uma mensagem rabiscada de Aiden cancelando a prática de amanhã devido a acontecimentos imprevistos. Obviamente, ele tinha sido chamado para investigar o ataque.
 
O dobrei a nota e a coloquei sobre a mesa. O envelope era algo totalmente diferente; vinha do meu padastro bipolar. Eu não li o cartão. No entanto, havia muitas notas de cem dólares dobradas dentro do envelope. Aquelas eu guardei. O cartão foi para o lixo.
 
Depois de passar o resto da noite pensando sobre o que tinha acontecido no Lago Lure, eu tive problemas para dormir e acordei muito cedo, cheia de agitação.
 
No almoço, descobri que Seth também tinha ido com Aiden. Mais informações vieram do Covenant ao longo do dia. Olivia tinha estado certa. Todos os puros que tinham estado em Lago Lure tinham sido massacrados. Também os servos mestiços. Eles tinham procurado no lago e nas terras, mas apenas quatro da equipe de Segurança haviam sido encontrados. Eles haviam sido drenados de todo o seu éter. Os outros dois, incluindo Kain, não tinham sido descobertos.
 
Olivia, que se tornou nossa principal fonte de informação, nos encheu com o que ela sabia. — Alguns dos mortos sofreram várias marcas. Mas os mestiços que eles encontraram... eles estavam cobertos com as marcas de daimon.
 
Eu li a mesma pergunta repugnante no rosto pálido ao redor da mesa: Porque? Por nascimento, os mestiços tinham menos éter neles. Porque os daimons drenariam repetidamente um mestiço quando eles tinham puros que estavam cheios de éter?
 
Eu engoli em seco. — Você sabe como eles conseguiram passar os Guardas?
 
Ela balançou a cabeça. — Ainda não, mas havia câmeras de segurança em torno das cabines, então eles estão esperando que as filmagens vão revelar alguma coisa.
 
Alguns dos mestiços tentaram um tipo de normalidade enquanto o tempo passava, e nenhum de nós queria estar sozinho. Mas a atividade na mesa de sinuca faltava, os risos normais e o sistema de jogos ficaram intocados em frente as TVs.
 
A atmosfera sombria começou a chegar até mim. Eu voltei para meu dormitório depois do jantar. Poucas horas depois, houve uma batida suave na minha porta. Eu levantei, esperando Caleb ou Olivia.
 
Aiden estava lá, e meu coração deu uma sacudida estranha que eu estava começando a odiar.
 
Eu fiz a estúpida pergunta. — Você está bem? — claro que ele não estava. Eu me chutei mentalmente enquanto ele entrava e fechei a porta.
 
— Você ouviu?
 
Nenhum ponto em mentir. — Sim, eu ouvi na noite passada. — Sentei na borda do sofá.
 
— Eu acabei de voltar. As notícias correm rápido. — Eu nunca o tinha visto tão exausto ou sério. Seu cabelo parecia como se ele tivesse corrido as mãos através dele por muitas vezes, e agora ia para todas as direções. A necessidade de confortá-lo quase me dominou, mas não havia nada que eu pudesse fazer. Ele apontou para o sofá.
 
— Posso?
 
Eu assenti. — Foi... realmente ruim, não foi?
 
Ele se sentou, descansando as mãos nos joelhos. — Foi muito ruim.
 
— Como os Daimons chegaram a eles?
 
Ele olhou para cima. — Eles pegaram um dos puros do lado de fora. Uma vez que os Daimons entraram - o ataque surpreendeu os Guardas. Havia três Daimons... e os Sentinelas - eles lutaram duramente.
 
Engoli em seco. Três daimons. À noite em Georgia, eu tinha estado surpresa por quantos estavam juntos. Aiden estava pensando ao longo das mesmas linhas. 
 
— Os Daimons estão realmente começando a trabalhar em grupos. Eles estão mostrando um nível de restrição em seus ataques, uma organização que eles nunca tiveram antes. Dois dos mestiços estão desaparecidos.
 
— O que você acha que isso significa?
 
Ele balançou a cabeça. — Nós não temos certeza, mas vamos descobrir.
 
Eu não tinha dúvida que eles iriam. — Eu... desculpe que você tenha que lidar com isso.
 
Uma dureza assentou através dele. Ele não se moveu. — Alex... há algo que eu preciso dizer a você.
 
— Tudo bem. — Eu queria acreditar que a seriedade em sua voz era devido a toda a coisa pesada que ele tinha lidado ao longo do dia.
 
— Havia câmeras de segurança. Elas nos permitiram ter uma boa ideia do que aconteceu do lado de fora da casa, mas não dentro. — Ele respirou fundo e levantou a cabeça. Nossos olhos se encontraram. — Eu vim aqui primeiro.
 
Meu peito apertou. — Isso... isso vai ficar ruim, não vai?
 
Aiden não mediu as palavras. — Sim.
 
O ar ficou preso nos meus pulmões. — O que... é?
 
Ele virou seu longo corpo em minha direção. — Eu queria ter certeza que você soubesse antes... de qualquer outra pessoa. Nós não podemos parar as pessoas de descobrir. Havia muitas pessoas lá.
 
— Tudo bem?
 
— Alex, não há uma forma fácil de dizer isso. Nós vimos a sua mãe nas câmeras de segurança. Ela era um dos Daimons que os atacaram.
 
Eu fiquei em pé, e então sentei novamente. Meu cérebro se recusava a processar isso. Eu balancei a cabeça enquanto meus pensamentos ficavam repentindo. Não. Não. Não. Não ela - qualquer um menos ela.
 
— Alex?
 
Parecia como se eu não pudesse recuperar o fôlego. Isso era pior do que ver a apatia nos olhos dela quando ela tinha ficado no chão, pior do que ouvir que ela tinha sido transformada. Isso... isso era pior.
 
— Alex, me desculpe.
 
Eu engoli com dificuldade. — Ela... ela matou algum deles?
 
— Não há nenhuma maneira de saber a menos que encontremos qualquer dos mestiços vivos, mas eu suponho que sim. Isso é o que um daimon faz.
 
Eu pisquei lágrimas quentes. Não chore. Não faça isso. — Você... viu Lea? Ela está
bem?
 
Espanto cintilou no rosto de Aiden.
 
O riso que escapou de mim era um som trêmulo e quebrado. — Lea e eu não somos amigas, mas eu não queria...
 
— Você não queria que ela passasse por isso. Eu sei. — Ele esticou a mão e pegou a minha. Seus dedos pareciam extremamente quentes, fortes e seguros. — Alex, há mais do que isso.
 
Eu quase ri de novo. — Como pode haver mais?
 
Sua mão apertou a minha. — Não pode ser uma coincidência que ela está tão perto do Covenant. Não deixa nenhuma dúvida de que ela se lembra de você.
 
— Oh. — Eu parei lá, incapaz de ir mais longe.
 
 Eu me virei para longe de Aiden, olhando nossas mãos. Silêncio estendeu entre nós, e então ele se inclinou e envolveu seu outro braço ao redor do meu ombro. Cada músculo do meu corpo ficou em alerta. Mesmo em um momento como esse, eu podia reconhecer o erro dessa situação. Aiden não deveria estar me oferecendo nenhum tipo de conforto. Ele provavelmente não deveria nem sequer ter vindo para me contar. Mestiços e puros não consolavam um ao outro.
 
Mas com Aiden eu nunca me senti como uma mestiça e eu nunca pensei nele como um puro.
 
Aiden murmurou alguma coisa que eu não pude entender. Soou como Grego antigo, a língua dos deuses. Eu não sei por que, mas o som da voz dele cortou através da barreira que eu estava tentando e falhando em remendar. Eu afundei para a frente, descansando minha cabeça contra o ombro dele. Apertei os olhos contra o ardor áspero. Minha respiração saia em arquejos curtos e instáveis. Eu não sei quanto tempo nós ficamos assim, a bochecha dele contra o topo da minha cabeça, nossos dedos enrolados.
 
— Você mostra uma força incrível. — ele murmurou, mexendo o cabelo ao redor da minha orelha.
 
Eu forcei meus olhos a abrirem. — Oh... estou apenas economizando tudo isso para anos de terapia mais tarde.
 
— Você não se dá crédito suficiente. O que teve que enfrentar? Você é muito
forte.
 
Ele se afastou, sua mão roçando através da minha bochecha tão rapidamente que eu realmente acreditei que tinha imaginado o toque. — Alex, eu tenho que ir verificar com Marcus. Ele está esperando por mim.
 
Eu assenti e ele soltou a minha mão e ficou em pé. — Poderia... poderia haver uma chance de que ela não tenha matado eles?
 
Aiden parou na porta. — Alex, eu não sei. Seria altamente improvável.
 
— Você irá... me deixar saber se eles encontrarem qualquer um dos mestiços vivos? — eu sabia que era inútil.
 
Ele concordou. — Sim. Alex... se você precisar de qualquer coisa, me avise. — Ele fechou a porta com um clique atrás dele.
 
Sozinha, eu escorreguei para o chão e pressionei minha cabeça contra os joelhos. Poderia haver uma chance de que mamãe não tivesse matado ninguém. Ela poderia estar com os outros Daimons porque não sabia o que mais fazer. Talvez ela estivesse confusa. Talvez ela estivesse vindo atrás de mim.
 
Eu estremeci, pressionando ainda mais para baixo. Meu coração doía. Parecia que ele estava se despedaçando de novo - tudo de novo. Havia a menor e mais ínfima chance de que ela não tivesse matado ninguém. Mesmo eu sabia o quão estúpido era realmente agarrar essa chance, mas eu fiz. Porque o que mais eu faria? As palavras de Vovó Piperi tornaram-se mais claras para mim - não apenas o que ela tinha dito, mas o que ela não tinha.
 
Por alguma razão, mamãe tinha deixado a segurança da comunidade para me afastar do Covenant colocando tudo isso - essa enorme bagunça - em movimento. Durante aqueles três anos, eu nunca tinha chamado uma vez por ajuda, nunca parei a insanidade de viver desprotegida entre os mortais.
 
As inúmeras vezes que eu não tinha feito nada passaram diante de mim.De  certa forma eu era responsável pelo o que tinha acontecido com ela.
 
Pior ainda, se ela tinha matado aquelas pessoas inocentes, eu era responsável por suas mortes, também. Minhas pernas não tremeram quando eu levantei. Certeza encheu minha mente - talvez tivesse estado lá desde a noite em que ouvi o que realmente tinha acontecido a ela. Havia uma pequena chance de que ela não tivesse cometido crimes terríveis, mas se... se o daimon que tinha sido a minha mãe tinha matado alguém, então de uma forma ou de outra, eu ia matá-la. Ela era minha responsabilidade agora - meu problema.
 
Eu fingi que nada estava errado no dia seguinte na aula de prática. Funcionou bem até que fizemos um intervalo e Aiden perguntou como eu estava indo.
 
Mantive a minha voz calma. — Estou bem.
 
Então eu descarreguei tudo no meu boneco10. No final da prática, uma onda de energia deslizou pela minha coluna bem antes de Seth aparecer. Ele ficou parado na porta, observando calmamente. Eu tinha uma suspeita de que ele estava lá por mim. Gemendo, demorei o meu tempo para enrolar os colchonetes.
 
Aiden acenou com a cabeça em direção ao Seth. — Está tudo bem?
 
                                                         
 10 Aqueles bonecos para praticar chutes e socos.
 
— Quem sabe? — eu fiz uma careta.
 
Aiden se esticou, ficando em sua altura máxima. — Ele tem estado incomodando você?
 
Uma grande parte de mim queria dizer sim, mas na realidade, Seth não tinha realmente me incomodado. E se ele tinha, o que Aiden poderia fazer sobre isso? Aiden era um guerreiro Sentinela fodão, mas Seth era o Apollyon. Onde Aiden controlava o fogo - muito impressionante - e ele podia lutar, Seth controlava todos os quatro elementos - muito assustador - e podia enxugar o chão com a cara de Aiden.
 
Aiden olhou para Seth de uma forma que dizia que ele não tinha problema nenhum em confrontar Seth por mim. Tão estúpido como parecia, eu senti um sorriso puxar meus lábios.
 
Tão errado.
 
Forçando o sorriso para fora do meu rosto, contornei Aiden. — Verei você mais tarde, tudo bem?
 
Ele assentiu, os olhos ainda treinados sobre Seth. Tudo bem então.
 
Agarrando a minha garrafa de agua do chão, eu marchei pelo chão. Assenti para o Seth quando passei por ele, meio esperando que ele estivesse ali apenas para participar do épico olhar de Aiden e nada mais, mas ele se virou e imediatamente me seguiu.
 
O sorriso de Seth parecia auto-satisfeito. — Seu treinador realmente não gosta de mim.
 
— Ele não é meu treinador. Ele é um Sentinela. — Continuei andando. — Eu duvido que ele está sequer preocupado com você.
 
Seth riu. — Seu treinador, que também é um Sentinela, mal falou comigo enquanto nós estávamos em Lago Lure. E quando ele fez, eu diria que foi muito friamente. Isso machuca meus sentimentos.
 
Eu duvidei daquilo. — Ele provavelmente não estava a fim de fazer amigos considerando o que estava acontecendo.
 
— Considerando que sua mãe era uma parte do grupo de ataque? — Ele levantou uma sobrancelha casual. — Ele parecia anormalmente afetado quando nós revisamos as gravações e a vimos.
 
As palavras dele foram um tapa bem-colocado no rosto.
 
Parando, eu o encarei. — Seth, o que você quer?
 
Ele inclinou a cabeça para trás. Uma nuvem escura rolou acima, lançando uma sombra cinza sobre o espaço. Haveria uma tempestade. — Eu queria ver como você estava. Isso é tão errado?
 
Eu pensei sobre aquilo. — Sim. Você não me conhece. Porque se preocuparia?
 
Ele olhou para baixo, encontrando meus olhos. — Tudo bem. Eu realmente não me importo. Mas você é a razão pela qual estou preso a esse caipira, sendo babá de um auto-virtuoso babaca.
 
Meus olhos se arregalaram. A cadência de sua voz fez essas palavras soarem elegantes. Foi quase engraçado. — Você sabe, eu realmente não me importo sobre isso bem nesse momento.
 
 Eu parei enquanto vários mestiços passaram por nós. Eles nos olharam - olharam para mim. Eu fiz o meu melhor para ignorar seus olhares.
 
— Claro que você não se importa. Sua mãe assassinou a família de uma colega de classe. Minha mente estaria em outro lugar, também.
 
— Deuses! — eu fiquei boquiaberta. — Realmente, isso foi ótimo. — Andei para fora, em frente.
 
Seth me seguiu. — Isso não foi... muito legal da minha parte. Eu tenho sido dito que sou dolorosamente fechado. Talvez eu devesse trabalhar nisso.
 
— Sim, talvez você devesse ir fazer isso bem agora. — Atirei as palavras sobre meu ombro. 
 
Ainda assim, ele me alcançou. — Eu perguntei para Lucian, você sabe. Perguntei por que estou aqui.
 
Eu cerrei os dentes e continuei andando. As nuvens sinistras continuavam rolando. O céu parecia como se fosse rachar a qualquer momento.
 
— Você sabe como ele respondeu? Ele perguntou o que eu achava de você.
 
Eu estava apenas meio curiosa para ouvir o que ele respondeu.
 
— Ele estava ansioso para ouvir o que eu tinha a dizer.
 
 Um relâmpago atirou através do céu, atingindo ao largo da costa. Uma fração de segundo depois, um trovão silenciou a conversa. Eu peguei meu ritmo quando o dormitório das meninas apareceu na visão. — Você não quer saber?
 
— Não.
 
Outro relâmpago iluminou o céu. Dessa vez ele assolou a ilha, em algum lugar além dos brejos. Foi perto, muito perto. — Você mente.
 
Eu me virei. Minha resposta espertinha morreu antes que tomasse forma totalmente. Marcas escuras quebravam o tom dourado da pele dele em cada pedaço de carne exposta. Elas se torciam em desenhos, se mantinham por alguns segundos, e então se moviam em uma outra forma.
 
O que elas eram?
 
Eu arranquei meus olhos dos braços dele, mas as tatuagens esticavam através os lados de sua bochecha impecável, gravando em direção aos cantos dos seus olhos. Um desejo de tocá-las bateu em mim.
 
— Você as vê de novo, não é?
 
Não havia sentido em mentir. — Sim.
 
Raiva e confusão queimaram fundo em seus olhos. Um relâmpago guinchou no céu.
— Isso é impossível.
 
O trovão soou tão alto que eu vacilei. Foi então que percebi. — A tempestade... você está fazendo isso.
 
— Isso acontece quando fico de mau-humor. Estou bastante irritado agora. — Seth deu um passo para frente, elevando-se sobre mim. — Eu não seria tão temperamental se soubesse o que estava acontecendo. Eu preciso saber como você pode ver as marcas do Apollyon.
 
Eu me forcei a encontrar os olhos dele. Aquilo foi um erro - um grande, e estúpido erro. Poder subiu, cru e intenso. Eu senti que rastejava sobre a minha pele e escorregava pela minha espinha. E ao mesmo tempo, minha cabeça esvaziou de tudo exceto a necessidade de encontrar a fonte do poder louco. Eu preciso me afastar o mais rápido possível. Ao invés, em uma espécie de torpor, eu dei um passo à frente. Tinha que ser o que ele era. A energia fluindo através dele tinha esse tipo de efeito atrativo, um que agarrava os puros, mestiços... mesmo os Daimons.
 
Eu estava sentindo aqueles efeitos agora. A selvageria que permaneceu em mim levantou a cabeça e me incentivou a ir em frente. Me incitou a tocá-lo, porque eu tinha muita certeza que o que quer que estava acontecendo seria de alguma forma exposta no momento que nossas peles se tocassem.
 
Seth não se moveu enquanto eu olhava para ele. Ele parecia como se estivesse trabalhando para juntar um quebra-cabeça e eu era uma das peças. O sorriso preguiçoso desapareceu e seus lábios se separaram. Ele inalou bruscamente e estendeu uma mão.
 
Demorou muito, mas eu me esquivei. Seth não me seguiu. Assim que eu pisei dentro do dormitório, o céu rasgou, e outro lampejo de luz ofuscante cortou através do céu escuro.
 
Em algum lugar, não muito longe, ele golpeou de novo.
 
Mais tarde naquela noite, eu confidenciei com Caleb enquanto estávamos juntos no fundo da sala de recreação cheia. A chuva tinha dirigido todos para dentro e nossa privacidade não estava garantida por muito tempo.
 
— Você se lembra o que a Vovó Piperi disse?
 
Suas sobrancelhas se levantaram. — Na verdade não. Ela disse muita coisa doida. Por quê?
 
Eu brinquei com meu cabelo, girando-o ao redor do meu dedo. — Algumas vezes eu acho que ela não é tão louca.
 
— Espera. O que? Você é a pessoa que disse que ela é louca.
 
— Bem, isso foi antes que minha mãe se virasse para o lado negro e começasse a matar pessoas.
 
Caleb olhou ao redor da sala. — Alex.
 
Ninguém estava escutando, embora as pessoas olhassem de vez em quando e sussurrassem. — É verdade. O que a Piperi disse? ‘Você vai matar aqueles que você ama?’ Eu pensei que soava loucura, mas isso foi antes que eu soube que mamãe era um daimon. Nós estamos treinando para matar Daimons. Parece muito óbvio, não parece?
 
— Olhe. Alex, não há nenhuma forma que você seria sequer colocada nessa situação.
 
— Ela está a cerca de quatro horas daqui. Porque você acha que ela acabou na Carolina do Norte?
 
— Eu não sei, mas os Sentinelas vão pegá-la antes que você... — Ele parou de falar pelo olhar no meu rosto. — Você não terá que lidar com isso. Você está no Covenant pelo próximo ano, Alex.
 
Em outras palavras, um Sentinela a mataria antes que eu graduasse, eliminando a chance dos nossos caminhos jamais se cruzarem. Eu realmente não sabia o que pensar sobre isso.
 
— Alex, você está bem? — ele inclinou a cabeça, me observando de perto. — Eu quero dizer... realmente bem?
 
Dei de ombros para sua preocupação. — Aiden disse que eles não podiam ter certeza se a mamãe foi na verdade uma parte do ataque. Ela estava na câmera, mas...
 
— Alex. — Entendimento e tristeza cresceu em seu rosto.— Ela é um daimon, Alex. Eu sei que você quer pensar que ela não é. Eu entendo isso, mas não esqueça o que ela se tornou.
 
— Eu não me esqueci! — Várias pessoas da mesa de sinuca olharam para cima. Eu abaixei a minha voz. — Olhe. Tudo o que estou dizendo é que poderia haver uma chance, uma pequena chance que ela é…
 
— Que ela é o que? Não um daimon? — ele agarrou meu braço, me puxando ao redor de um dos jogos de arcada. — Alex, ela estava com o grupo de Daimons que matou a família de Lea.
 
Soltei o meu braço. — Caleb, ela veio para Carolina do Norte. Porque mais ela viria aqui se não se lembrasse de mim, não quisesse me ver?
 
— Ela poderia querer matar você, Alex. Isso para começar. Ela já matou.
 
— Você não sabe! Ninguém sabe.
 
Ele levantou o queixo. — E se ela fizesse?
 
Minha raiva desapareceu em determinação. — Então eu vou encontrá-la e eu mesma vou matá-la. Mas eu conheço a mamãe. Ela lutaria contra o que se tornou.
 
Caleb correu uma mão através do seu cabelo e segurou a nuca. — Alex, eu acho que você... oh.
 
Eu franzi o cenho. — Você acha o que?
 
A expressão dele assumiu o olhar abismado que ele tinha sempre que via Seth.
 
Quando me virei minhas suspeitas foram confirmadas. Seth entrou pelas portas, imediatamente cercado por seus fanáticos.
 
— Sabe, se você continua ficando com esse olhar em seu rosto sempre que ele chega, as pessoas vão começar a falar.
 
— Que seja.
 
Eu mudei de assunto. — A propósito, o que há entre você e Olivia? Você falou com ela sobre o Myrtle?
 
— Não, não falei. Não há nada entre nós dois. — Caleb me encarou, sua expressão curiosa agora. — O que há entre você e Seth? Espere, deixe-me reformular: O que há com você quando se trata do Seth?
 
Eu rolei meus olhos. — Eu só não... gosto dele. E não mude de assunto.
 
Ele fez uma careta. — Como você pode não gostar dele? Ele é o Apollyon. Como mestiços, nós somos obrigados a gostar dele. Ele é o único que pode controlar os elementos.
 
— Que seja.
 
— Alex. Olhe para ele. — Ele tentou me virar, mas eu me prendi no chão. — Oh, espere. Ele está olhando para cá.
 
Eu o empurrei mais para trás. — Ele não está vindo para cá, está?
 
Ele sorriu. — Sim - não. Espere. Elena o cortou.
 
— Oh, graças aos deuses.
 
Caleb franziu as sobrancelhas. — Qual é o seu negócio?
 
— Ele é estranho e...
 
Ele se inclinou mais perto. — E o que? Vamos lá. Me diga. Você tem que me dizer. Eu sou seu melhor amigo. Diga-me porque você o odeia. — Seus olhos estreitaram. — É porque você está inegavelmente atraída por ele?
 
Eu ri. — Deuses. Não. Você vai achar que a verdadeira razão é ainda mais louca.
 
— Tente-me.
 
Então eu disse a ele sobre as suspeitas de Seth sobre porque ele tinha sido ordenado para cá e sobre as tatuagens sendo reais, mas eu deixei de fora aquela parte sobre querer tocá-lo. Aquilo era muito constrangedor para eu sequer falar em voz alta. Ele parecia totalmente perplexo... e animado.
 
Ele praticamente saltou. — As tatuagens são reais? Só você pode vê-las?
 
— Aparentemente. — Eu suspirei, olhando sobre meu ombro. Elena estava terrívelmente perto de Seth. — Eu não tenho nenhuma ideia do que tudo isso significa, mas Seth não está muito feliz sobre isso. A tempestade mais cedo? A chuva? Aquilo foi ele.
 
— O que? Eu ouvi sobre alguns dos puros serem capaz de controlar o tempo, mas nunca vi isso. —  Ele olhou de relance para ele. — Uau. Isso é incrível.
 
— Será que você conseguiria tirar esse olhar maravilhado do seu rosto por dois segundos? Está me assustando.
 
Ele me bateu no braço. — Tudo bem. Eu preciso me focar. — Levou um esforço visível para ele não olhar para o Seth. Não era porque Caleb estava atraído por ele. Honestamente, Seth era apenas cheio de éter. Nenhum de nós podia evitar. — Porque a ordem de Lucian teria alguma coisa a ver com você?
 
— Boa pergunta. — Então me atingiu. — Talvez Lucian tema que eu seja um risco. Você sabe, por causa da mamãe? Talvez ele trouxe Seth aqui apenas no caso de eu fazer alguma coisa.
 
— Fazer o que? Deixa-la entrar aqui? Fazer uma festa de boas-vindas para sua mãe? — descrença encheu sua voz. — Você não faria isso, e eu nem sequer acho que Lucian consideraria isso.
 
Eu assenti, mas minha nova ideia carregou muito peso. Explicaria porque Lucian não queria que eu retornasse para o Covenant. Na casa dele, eu estaria sob vigilância constante, mas aqui eu praticamente passeava livremente. A única falha naquela ideia: Lucian realmente achava que eu faria alguma coisa tão terrível?
 
— Provavelmente não é nada. — Caleb mordeu o lábio inferior. — Quero dizer, o que poderia ser? Não pode significar nada.
 
— Tem que significar alguma coisa. Eu preciso descobrir.
 
Caleb me encarou. — Você acha... que está se focando nisso por causa de... tudo o que aconteceu?
 
Bem, claro que eu estava, mas esse não era o ponto. — Não.
 
— Talvez o estresse esteja fazendo você ver mais do que realmente há.
 
— Eu não estou vendo nada, — retorqui. Ele não parecia que concordava. Exasperada com ele e a conversa, eu olhei para a sala de recreação. 
 
Elena ainda tinha Seth encurralado, mas aquilo não foi o que chamou minha atenção. Jackson estava na sala. Ele se inclinava contra uma das mesas de sinuca ao lado de Cody e um outro garoto mestiço. Sua pele morena parecia extraordinariamente pálida e ele parecia como se não tivesse dormido recentemente. Eu não podia culpá-lo. Enquanto eu não sabia o status atual de seu relacionamento com Lea, ele tinha que estar preocupado com ela, chateado com o que tinha acontecido com os pais dela.
 
Meu olhar mudou para o Cody. Por um segundo, nossos olhos se encontraram através da sala. Eu não esperava um sorriso ou qualquer coisa, mas seu olhar gélido e enojado ainda cortou através de mim. Confusa, eu observei enquanto ele se abaixava e dizia algo para o Jackson.
 
Eu respirei estremecendo. — Acho que eles estão falando sobre mim.
 
— Quem? — Caleb se virou. — Oh. Jackson e Cody? Você só está sendo paranoica.
 
— Você acha que eles... sabem?
 
— Sobre a sua mãe? — ele balançou a cabeça. — Eles sabem que ela é um daimon, mas eu não acho que eles saibam que ela estava no Lago Lure.
 
— Aiden disse que as pessoas descobririam. — Minha voz se apertou.
 
Caleb pareceu ficar mais alto quando ele pegou meu medo. — Ninguém vai culpar você. Ninguém vai segurar isso contra você. Eles não podem, porque isso não tem nada a ver com você.
 
Eu assenti, querendo acreditar nele. — Claro. Eu acho que você está certo.
 
Durante a semana seguinte, os sussurros cresceram. As pessoas encaravam. As pessoas falavam. No início, ninguém teve coragem de dizer qualquer coisa para mim diretamente, mas os puros... bem, eles sabiam que eu não poderia tocá-los.
 
No caminho de volta para as salas de treinamento depois do almoço, eu passei por Cody no pátio. Mantive a minha cabeça abaixada e passei rapidamente por ele, mas eu ouvi suas palavras de qualquer jeito. —Você não deveria estar aqui.
 
Minha cabeça levantou, mas ele já estava a meio caminho para baixo. Eu me dirigi de volta ao treinamento, as palavras dele repetindo uma e outra vez. Eu não poderia tê-las ouvido errado. Aiden me deu um olhar intrigado quando eu entrei na sala de treinamento. Quando o treinamento se aproximava do fim, eu finalmente disse alguma coisa.
 
—Você acha que há uma chance... que minha mãe não tenha atacado aquelas pessoas?
 
Ele derrubou o colchonete e me encarou. — Se ela não atacou então isso mudaria o que nós sabemos sobre Daimons, não mudaria?
 
Eu assenti solenemente. Daimons precisavam drenar o éter para sobreviver. Mamãe não seria nenhuma excessão. — Mas eles poderiam... drenar sem matar, certo?
 
— Eles poderiam, mas Daimons raramente veem o ponto em não matar. Mesmo transformar um puro requer uma quantidade de contenção que a maioria dos Daimons não tem.
 
Nenhum dos puros tinha sido transformado no Lago Lure. O ataque dos Daimons não tinha mostrado nenhuma contenção.
 
— Alex?
 
Eu olhei para cima, sem ficar surpresa em ver que ele estava em pé na minha frente. Preocupação revestia seu rosto. Eu forcei um sorriso. — Parte de mim espera que ela ainda esteja lá de alguma forma. Que ela não seja toda má, e ainda seja a mamãe.
 
— Eu sei. — Sua voz estava suave.
 
— Essa parte em mim, é tão ridícula, porque eu sei - eu realmente sei que ela é má e precisa ser detida.
 
Aiden deu um passo à frente, seus olhos estavam tão brilhantes e tão quentes. Eu queria esquecer sobre tudo e cair naqueles olhos. Cuidadosamente, ele esticou uma mão e com aqueles dedos, colocou de volta um fio de cabelo que sempre acabava em meu rosto. Eu tremi, incapaz de evitar.
 
— Não há nada errado com esperança, Alex.
 
— Mas?
 
— Mas você tem que saber quando deixar a esperança ir. — Ele trouxe as pontas dos dedos através da minha bochecha. Sua mão caiu e ele deu um passo para trás, a conexão quebrada. —Você se lembra porque disse que precisava estar no Covenant?
 
A pergunta me pegou desprevenida. — Sim... eu precisava lutar contra Daimons. Eu tenho que fazer.
 
Aiden assentiu. — E você ainda precisa disso? Mesmo depois de saber que sua mãe é um deles?
 
Eu pensei sobre aquilo por um momento. — Sim. Eles ainda estão lá fora, matando. Eles... tem que ser detidos. Eu ainda preciso disso, apesar da mamãe ser um deles.
 
Um pequeno sorriso torceu em seus lábios. — Então há esperança.
 
— Esperança pelo o que?
 
Ele passou roçando por mim, parando apenas tempo suficiente para me dar um olhar de conhecimento. — Esperança para você.
 
Eu o observei sair, confusa com suas palavras. Esperança para mim? Esperança que as pessoas esqueceriam que a minha mãe era um daimon que muito possivelmente tinha abatido a família de uma colega? 
 
Mais tarde naquela noite, eu senti os olhares na sala comum. Eventualmente, a palavra me alcançou. Alguns deles - puros e mestiços - não achavam que eu poderia ser confiável. Não com a mamãe tão perto e tão mortal. Era estúpido.
 
Mas ficou pior. Agora as pessoas questionavam porque nós tínhamos saído três anos atrás, e porque eu nunca tinha retornado para o Covenant durante aquele tempo. Rumores circulavam. Meu favorito? Mamãe tinha se tornado um daimon muito antes daquela noite terrível em Miami.
 
E algumas pessoas acreditavam nisso.
 
Os dias passaram, e apenas alguns mestiços falavam comigo. Nenhum dos puros falava. Seth não estava ajudando o assunto tampouco, e caramba, ele tornou impossível evitá-lo. Ele estava em todo lugar: no pátio depois da prática, jantando com Caleb e Luke. Ele até mesmo aparecia aleatóriamente durante a prática, sempre observando calmamente. Era irritante e assustador.
 
Um certo olhar cruzava o rosto de Aiden sempre que Seth passava por aqui. Eu gostava de me dizer que era uma mistura de antipatia e proteção. Embora hoje nós terminámos a prática sem o Seth aparecer, então eu não consegui continuar a analisar o olhar. Que vergonha. Eu observei enquanto Aiden agarrava um dos bonecos em que nós estivemos praticando e o arrastou em direção a parede. A coisa pesava uma tonelada, mas ele a movia ao redor como se não pesasse nada.
 
— Precisa de ajuda? — eu ofereci de qualquer maneira.
 
Ele balançou a cabeça e colocou o boneco contra a parede. — Vem até aqui.
 
— O que há?
 
— Você vê isso? — ele apontou para o peito do boneco. Havia vários entalhes no material que parecia de carne. Quando eu assenti, ele correu as pontas dos dedos sobre eles. — Esses são dos seus socos de hoje. — Sua voz encheu de orgulho, e foi melhor do que qualquer olhar que ele poderia dar a Seth. — Isso é o quão forte as suas batidas tem se tornado. Notável.
 
Eu estava radiante. — Uau. Eu tenho os dedos da morte.
 
Ele deu uma risadinha. — E esses são dos seus chutes. — Ele passou as mãos sobre o quadril do boneco. Parte do material tinha sido batido para dentro. E parte de mim estava com inveja do boneco. Eu queria que aqueles dedos me tocassem assim.
 
— Há alunos da sua idade que passaram por anos de treinamento e não podem inflingir esse tipo de dano.
 
— Eu sou a mestre de kung fu. Então o que você diz? Estou pronta para brincar com os brinquedos de adultos?
 
Aiden olhou para a parede, aquela que eu queria muito tocar. — Possivelmente.
 
A ideia de treinar com as facas me fez querer dançar uma dança feliz, mas isso também me lembrou sobre para o que as facas eram usadas. — Posso fazer uma pergunta pessoal?
 
Ele apenas pareceu um pouco apreensivo. — Sim.
 
— Se... seus pais tivessem sido transformados, o que você teria feito?
 
Aiden pausou antes de responder. — Eu os teria caçado. Alex, eles não iriam querer aquele tipo de vida, perder toda a sua moral e ideais - matar. Eles não iam querer isso.
 
Eu engoli em seco, meus olhos ainda treinados na parede. — Mas eles... eram seus pais.
 
— Eles eram meus pais, mas não seriam uma vez que tivessem sido transformados.— Aiden parou ao meu lado, e eu senti os olhos dele em mim. — Em algum momento nós temos que deixar ir embora o apego. Se não é a sua... mãe, poderia ser qualquer outra pessoa que você conhece ou ama. Se esse dia vier, você teria que encarar que eles não são a mesma pessoa que costumavam ser.
 
Eu assenti distraidamente. Aiden estava tecnicamente certo, mas ao final, seus pais não tinham sido transformados. Eles tinham sido mortos, então ele nunca tinha realmente encarado algo como isso.
 
Ele me girou para longe da parede naquele momento. — Você é mais forte do que percebe, Alex. Ser uma Sentinela é um modo de vida para você, não apenas uma opção melhor como é para alguns dos outros.
 
Mais uma vez, suas palavras trouxeram uma grande quantidade de calor. — Como você sabe que eu sou tão forte? Eu poderia estar balançando para frente e para trás no meu quarto por tudo o que você sabe.
 
Ele me deu um olhar estranho, mas balançou a cabeça. — Não. Você é sempre... tão viva, mesmo quando está passando por algo que escureceria as almas da maioria das pessoas. — Ele parou ali, tornando-se consciente do que tinha dito. As covas de suas bochechas coraram. — De qualquer forma, você é incrivelmente determinada - ao ponto da teimosia. Você não pararia até que tivesse sucesso. Alex, você sabe o que é certo e o que não é. Eu não estou preocupado com você não sendo forte. Eu estou preocupado com você sendo muito forte.
 
Meu coração meio que inchou. Ele... se importava comigo, e ele hesitou antes de responder a pergunta sobre seus pais.
 
De alguma forma, isso me fez sentir melhor sobre as minhas próprias emoções conflitantes, e ele realmente trouxe um ponto válido. Não importa quem eu encarasse lá fora, se eles eram Daimons, era meu dever matá-los. Era por isso que eu estava treinando agora. De certa forma, eu estava na verdade treinando para matá-la.
 
Eu respirei fundo. — Você sabe... eu odeio quando você está certo.
 
Ele riu quando eu fiz uma careta para ele. — Mas você tem estado certa quando nem sequer percebe isso.
 
— Huh?
 
— Quando disse que eu não sabia como me divertir - no dia do solstício? Você estava certa. Depois que meus pais morreram, eu tive que crescer realmente rápido. Leon diz que a minha personalidade foi deixada para trás em algum lugar. — Ele pausou, rindo baixinho. — Eu acho que ele estava certo, também.
 
— Como Leon saberia? Ele é como falar com uma estátua de Apollo. De qualquer forma, você é engraçado - quando quer ser. E legal, e inteligente, muito inteligente. Você tem a melhor personalidade que eu…
 
— Ok. — Rindo, ele ergueu as mãos. — Eu entendo, e eu realmente me divirto. Treinar você é divertido e definitivamente não é chato.
 
Eu murmurei alguma coisa incoerente, porque meu peito, bem, estava fazendo aquela coisa esvoaçante novamente. A prática tinha acabado, e mesmo assim eu queria ficar com ele, não havia nenhuma outra razão para eu não sair. Fui para as portas.
 
— Alex?
 
Meu estômago se contraiu. — Sim?
 
Ele estava a alguns passos de distância. — Eu acho que seria uma boa ideia... se você não usasse isso para a prática de novo.
 
Oh. Eu tinha esquecido o que estava usando. Era um par de shorts questionáveis que Caleb tinha escolhido para mim. Eu nem mesmo pensei que ele tinha notado. Olhando para Aiden agora, eu percebi que ele tinha notado. Eu fixei um olhar excessicamente inocente no meu rosto.
 
— Você acha esses shorts uma distração?
 
Aiden me deu um de seus raros sorrisos. Cada célula em meu corpo se aqueceu. Eu até esqueci sobre a coisa terrível para a qual eu estava treinando. Seu sorriso tinha esse tipo de impacto.
 
— Não são os shorts que eu acho uma distração. — Ele passou roçando por mim, parando na porta. — Na nossa próxima prática eu posso deixá-la treinar com as adagas se nós tivermos tempo.
 
Meus shorts distrativos e tudo o mais foram esquecidos por enquanto. — De jeito nenhum. Você está falando sério?
 
Ele tentou parecer sério, mas seu sorriso pareceu um pouco malicioso. — Eu acho que não machucaria, mas só por um pouquinho. Eu acho que ajudará... você ter a sensação de como lidar com elas.
 
Olhei para trás na parede de armas. Eu nem sequer tinha permissão para tocálas, e agora ele ia me deixar realmente praticar com elas. Era como se formar no jardim de infância. Inferno, era como véspera de Natal.
 
Sem pensar, eu fechei a distância entre nós e o abracei. Aiden imediatamente enrijeceu obviamente pego desprevenido. Foi apenas um simples abraço, mas a tensão acumulou vários graus. De repente eu me perguntei como sentiria se eu descansasse a cabeça contra seu peito como eu tinha feito quando ele voltou do Lago Lure. Ou se seus braços viessem ao redor de mim e me segurassem, mas não para conforto. Ou se eu o beijasse de novo como eu tinha feito aquela noite... ele me beijaria de volta?
 
— Você é demasiado bonita para estar vestida desse jeito. — Sua respiração agitou o meu cabelo. — E você está demasiado entusiasmada por trabalhar com facas.
 
Eu liberei, dando um passo para trás. O que? Aiden pensava que eu era bonita? Levou alguns momentos para raciocinar além disso. — Eu sou sedenta por sangue. O que posso dizer?
 
Os olhos de Aiden caíram, e eu decidi que precisava ir até a loja e comprar tantos pares minúsculos de shorts quanto eu pudesse encontrar.
 
Um pouco antes do amanhecer, o funeral para aqueles que haviam sido assassinados em Lake Lure começou e... bem, era uma droga do jeito que todos os funerais eram. Eu fiquei na parte de trás da funerária, me recusando a ir para qualquer lugar próximo dos mortos. Eu prestei meus respeitos de uma distância saudável.
Os três corpos da família Dikti, o pai de Lea e a madrasta, e os Guardas estavam coberto por linho e envoltos em ouro. De lá, a procissão funerária começou, e foi longa. Os corpos foram erguidos em piras e carregados pela rua principal. Todas as atividades turísticas foram cortadas para a Ilha Divindade, e as ruas estavam cheias de purossangue e mestiços enlutados. 
 
Os estudantes que permaneceram no Covenant se destacavam na multidão. Nós éramos aqueles vestidos de preto ou roupas de festa. Nenhum de nós tinha algo realmente apropriado para usar em um funeral. Eu estava com um vestido e sandálias. Era o melhor que eu tinha.
Fiquei próxima do Caleb e da Olívia, e eu apenas peguei um rápido lampejo da Lea e da Dawn no cemitério. As irmãs dividiam o mesmo cabelo avermelhado e corpo impossivelmente esbelto, e até mesmo com os olhos inchados, Dawn estava absolutamente deslumbrante.
Os Hematoi não enterram os mortos. Depois de queimar os restos, eles erguiam uma estátua efígie enorme de mármore. O trabalho do artista que iria honrar a família Samos retratava suas imagens montadas em um pedestal esculpido com um verso grego sobre imortalidade entre os deuses. O pedestal arredondado já ocupava o local.
As jóias e o ouro foram retirados dos corpos e colocados no pedestal. Eu realmente queria ir embora nessa hora, mas seria o máximo do desrespeito. Eu me virei quando eles acenderam as piras, mas ainda ouvi o farfalhar do fogo enquanto ele comia seus corpos cobertos. Eu estremeci, odiando a finalidade de tudo isso, odiando que estas eram possivelmente as vítimas da minha mãe.
Lentamente, os enlutados se separaram. Alguns seguiram para casa; outros foram para pequenas recepções organizadas nas casas das famílias. Eu fui atrás de Caleb e Olivia, voltando para o Covenant, para longe de toda essa morte e desespero.
Enquanto nós passávamos as piras, meus olhos encontraram o Aiden. Ele estava perto do Leon, a alguns metros de Dawn e Lea. Ele olhou para cima - quase como se tivesse me sentido - e nossos olhos se encontraram. Ele não fez nenhum outro reconhecimento, mas eu podia notar que ele aprovava a minha presença. Ontem, antes da conversa sobre caçar os entes queridos e o incidente com o short quando ele disse que eu era bonita, eu havia mencionado que estava incerta se deveria vir ou não, considerando que mamãe havia sido um dos Daimons.
Aiden olhou para mim com uma carranca séria. – Você se sentiria mais culpada por não ir e prestar os seus respeitos. Você merece fazer isso. Do mesmo jeito que todos, Alex.
Ele estava certo, claro. Eu odiava funerais, mas eu teria me sentido mal se não tivesse vindo.
Agora, ele assentiu discretamente antes de se virar para Dawn. Ele esticou o braço e tocou o braço dela. Uma mecha de cabelo escuro caiu sobre sua testa quando ele abaixou a cabeça, oferecendo as suas condolências. Voltei minha atenção para os grandes portões de ferro que separavam a cidade da trama de estátuas sem sentido. 
Seth estava parado lá, vestido em seu uniforme preto. Sem dúvida ele estava nos assistindo. Eu o ignorei enquanto nós deixávamos o cemitério.
Pelo resto do dia, tentei esquecer que nós havíamos perdido tantas pessoas inocentes. E que a mamãe havia sido a responsável.
 
Eu não consegui fazer nada com as adagas no treino seguinte. Quando eu reclamei sobre isso, Aiden me assistiu com uma paciência entretida.
— Vamos lá. – Eu tirei os tatames do chão. – Como eu vou conseguir aprender tudo quando nem posso tocar uma adaga?
Aiden me empurrou para fora do caminho e assumiu o meu trabalho com o tatame.
— Eu preciso ter certeza que você saiba se defender...
— Ela não praticou com nenhuma lâmina do Covenant?
Seth estava encostado na porta, braços cruzados no peito. Ele nos assistia com uma expressão preguiçosa, mas seus olhos estavam extraordinariamente brilhantes.
Aiden se endireitou, mal se incomodando em olhar para ele. – Eu poderia ter jurado que tinha trancado a porta.
Seth sorriu. – Eu destranquei e abri a porta.
— Como você fez isso? – eu perguntei. – A porta tranca por dentro.
— Segredos de Apollyon. Não posso revelá-los. – Ele piscou para mim antes de virar seus olhos âmbares para o Aiden. – Como ela pode estar preparada para lutar se não sabe manejar a única arma que ela possui contra um daimon?
 
Seth ganhou pontos comigo nessa pergunta. Eu olhei para o Aiden ansiosamente. A expressão fria e desgostosa que ele mostrava ganhou mais pontos ainda.
— Eu não estava ciente que você tinha alguma autoridade sobre o treinamento dela. — Aiden arqueou uma sobrancelha negra.
— Eu não tenho. – Seth se afastou da porta e caminhou pela sala de treinamento. Ele tirou uma das adagas da parede e nos encarou. – Estou certo de que poderia convencer o Marcus ou o Lucian a deixar Alex treinar algumas vezes comigo. Você gostaria disso, Alex?
Eu senti o Aiden ficar tenso ao meu lado e balancei a cabeça. – Não. Não mesmo.
Um sorriso lento se espalhou no rosto do Seth enquanto ele girava a adaga na mão. – Sério, eu te deixaria brincar com... os brinquedos dos adultos. – Ele parou na minha frente, oferecendo a lâmina com o cabo para mim. – Aqui. Pegue.
Meu olhar caiu no metal reluzente na mão dele. A ponta havia sido afiada para um ponto brutal. Como se eu estivesse sob uma compulsão poderosa, eu tentei alcançala.
A mão de Aiden prendeu a mão do Seth, tirando a adaga e a mão do Seth para fora do meu caminho. Assustada, olhei para o Aiden. Seus furiosos olhos prateados encontraram e seguraram o olhar do Seth.
— Ela treinará com as adagas quando eu decidir. Não você. A sua presença aqui não é bem-vinda.
Os olhos do Seth olharam rapidamente a mão do Aiden. Seu sorriso não recuou uma vez sequer. — Bem controlador, não é? Desde quando vocês puros se importam sobre o que um mestiço toca ou não toca?
— Desde quando o Apollyon se preocupa com uma mestiça? Alguém pensaria que ele teria melhores coisas para fazer.
— Alguém pensaria que um puro-sangue teria mais sabedoria do que se apaixo...
— Ok. – Eu dei um passo entre os dois, cortando sabe-se lá os deuses o que Seth estava prestes a dizer. – Hora de serem bonzinhos, meninos. – Nenhum deles pareceu me ouvir ou me ver. Suspirando, eu agarrei o braço do Aiden. Ele olhou para mim então. – O treino terminou certo?
 Relutantemente, ele largou o pulso do Seth e se afastou. Até mesmo ele parecia surpreso pela sua resposta, mas ele assistia Seth intentamente. – No momento... sim.
Seth deu de ombros e girou a lâmina novamente, seu olhar concentrado mais uma vez. – Eu realmente não tenho nada melhor para fazer do que me preocupar com uma garota mestiça.
Havia algo na maneira que ele falou que me deu arrepios. Ou poderia ter sido também a habilidade na qual ele lidava com a lâmina. – Eu acho que vou passar.
Depois disso, Aiden e eu deixamos a sala de treinamento, nenhum de nós falou. Eu não tinha certeza do motivo pelo qual o Aiden havia reagido tão fortemente como ele fez ou porque o Seth sentia a necessidade de provocar o Aiden dessa forma.
Mas quando eu me encontrei com o Caleb, tirei tudo isso da cabeça para pensar nisso depois.
Caleb decidiu que nós precisávamos nos divertir, e a diversão existia na ilha principal na noite semanal de filme do Zarak. Ele sempre conseguia por as mãos nos filmes que haviam acabado de sair no cinema, e já que nenhum de nós conseguia ir a lugares com frequência, era uma grande coisa assistir seja o que for que o mundo mortal estivesse no momento obcecado. Eu fiquei surpresa que ele estava bem depois dos funerais ontem, mas presumi que todos precisavam relaxar um pouco, lembrando que eles ainda estavam vivos.
Mas logo que nós chegamos a casa dele, eu sabia que as coisas não seriam divertidas. Todo mundo parou de falar quando nós descemos no porão que havia sido convertido em um mini-cinema. Puros e mestiços me encararam, e no momento que o Caleb seguiu a Olivia pelas escadas, as pessoas começaram a sussurrar.
Fingindo que eu não estava nem um pouco incomodada, eu me sentei em umas das cadeiras desocupadas e me foquei em um ponto na parede. Orgulho evitava que eu saísse correndo do cômodo. Depois de alguns minutos, Deacon se livrou do grupo de garotos e se juntou a mim.
— Como você está?
Eu deslizei um olhar nele. — Ótima.
Ele me ofereceu uma bebida de seu frasco. Eu o peguei e dei um grande gole, assistindo-o com o canto dos olhos. — Cuidado, — ele riu enquanto tirava o frasco dos meus dedos.
O líquido queimou minha garganta e fez os meus olhos arderem.
— Meu, o que é esse negócio?
Deacon deu de ombros. – É a minha mistura especial própria.
— Bem... certamente é especial.
Alguém do outro lado do cômodo sussurrou algo que eu não consegui entender, mas Cody começou a dar risada. Me sentindo paranóica, eu tentei ignora-lo.
— Eles estão falando de você.
Lentamente, eu olhei para o Deacon. – Obrigada, camarada.
— Todo mundo está. – Ele deu de ombros e girou o frasco nas mãos. — Francamente, eu não me importo. A sua mãe é um daimon. E daí? Não é como se você pudesse ter evitado.
— Isso realmente não te incomoda? De todas as pessoas, eu pensei que isso te incomodaria.
— Não. Você não é responsável pelo que sua mãe fez.
— Ou não fez. – Eu mordi meu lábio, encarando o chão. — Ninguém sabe se ela fez alguma coisa.
Deacon ergueu suas sobrancelhas enquanto tomava um longo gole.
— Você está certa.
O grupo a nossa frente irrompeu em risinhos e olhares furtivos. Zarak balançou a cabeça, virando sua atenção para o controle remoto em sua mão.
— Eu acho que os odeio, — murmurei, desejando que eu não tivesse decidido vir aqui.
— Eles estão apenas assustados. — Ele deu um olhar direcionado para o grupo de pessoas em todo o cômodo. — Todos eles temem ser transformados. Os Daimons nunca estiveram tão próximos assim, Alex. Quatro horas não é muito longe, e poderia ter sido qualquer um deles. Poderia ter sido a morte deles.
Eu estremeci e desejei um outro gole do frasco do Deacon. Era realmente reconfortante. — Por que você não está com medo?
— Nós todos morremos um dia, certo?
— Isso é macabro.
— Mas o meu irmão nunca permitiria que algo assim acontecesse comigo, — ele acrescentou. — Ele morreria primeiro... e ele nunca deixaria isso acontecer também. Falando no meu irmão, como ele está treinando a minha mestiça favorita?
— Uh... bem, realmente bem.
A voz do Cody soou. — A única razão porque ela ainda está aqui é porque o padrasto dela é o Ministro e o tio dela é o reitor.
Toda semana eu estive ignorando os sussurros maldosos e as encaradas horríveis, mas isso - isso eu não podia ignorar. Eu não conseguiria dormir se eu o fizesse.
Eu me inclinei para frente na cadeira, descansando os meus braços nos joelhos. — O que isso quer dizer?
Ninguém ousou falar enquanto Cody levantava sua cabeça na minha direção. — A única razão que você ainda está aqui é por causa de quem são seus parentes. Qualquer outro mestiço já teria sido jogado na servidão.
Respirando fundo, eu procurei nas minhas memórias por algo calmante. Eu não arrumei nada. — Porque isso aconteceria, Cody?
Deacon se afastou de mim, com o frasco na mão.
— Você trouxe a sua mãe aqui. É por isso. Aqueles puros morreram porque a sua mãe está por aí procurando por você! Se você não estivesse aqui, eles ainda estariam vivos.
— Merda. — Zarak ficou de pé, tirando a cadeira dele do caminho. Bem a tempo, também. Eu voei pelo cômodo, parando bem na frente do Cody.
— Você vai se arrepender de ter dito isso.
Os lábios do Cody se retorceram em um sorriso. Ele não estava com medo de
mim.
— Uau. Ameaçar um puro vai te fazer ser expulsa do Covenant. Talvez seja isso que você queira? Daí você pode se reunir com a sua mãe.
Meu queixo caiu no chão e o meu punho estava prestes a acertar o dele.
Deacon interveio, colocando um braço ao redor da minha cintura. Ele me pegou e me colocou na direção oposta.
— Fora. — Ele não me deu muita opção com sua mão nas minhas costas, me empurrando na direção das portas de vidro.
Estar do lado de fora não acalmou a minha raiva. — Eu vou matar ele!
— Não, você não vai. – Deacon enfiou o frasco na minha mão. - Tome um gole. Vai ajudar.
Eu tirei a tampa e tomei um gole generoso. O líquido queimou minhas entranhas e só alimentou a minha raiva. Eu tentei passar o Deacon, mas para alguém tão esbelto e destreinado, ele se provou ser um obstáculo viável. 
Maldito ele.
— Eu não vou te deixar entrar lá. O seu padrasto pode ser o Ministro, mas se você bater no Cody, você está ferrada.
Ele estava certo, mas eu sorri. – Teria valido a pena.
— Será que teria valido a pena? – Ele deu um passo para o lado, cachos loiros caindo em seus olhos enquanto ele me bloqueava de novo. – Como você acha que o Aiden se sentiria?
A pergunta me atingiu no peito. – Hein?
— Se você for expulsa, o que o meu irmão iria pensar?
Relaxei os punhos que tinha feito com minhas mãos. – Eu... não sei.
Deacon inclinou seu frasco para mim. – Ele se culparia. Pensaria que ele não te aconselhou ou te treinou bem o bastante. Você quer isso?
Meus olhos se estreitaram. Eu não gostei do seu pensamento lógico.
— Da mesma forma que ele te aconselha a não ficar bêbado o tempo todo? E mesmo assim você está. Como você acha que isso deixa ele se sentindo?
Ele lentamente abaixou o frasco. – Touché.
Alguns segundos depois, o apoio chegou. – Que infernos aconteceu? – Caleb exigiu.
— Alguns dos seus amigos não estão brincando direito. — Deacon inclinou sua cabeça na direção da porta.
Caleb franziu a testa enquanto ele caminhava até mim. — Algum deles fez alguma coisa com você? — Raiva passou em seu rosto quando eu disse para ele o que o Cody havia dito. — Você está brincando comigo?
Cruzei os meus braços. — Parece que eu estou brincando?
— Não. Vamos apenas retornar para a outra ilha. Aqueles idiotas lá não entendem.
— Ninguém entende, — eu atirei em resposta, raiva ainda inundando o meu sistema. — Você pode ficar aqui com os seus amigos, mas eu estou voltando. Isso foi uma idéia terrível.
— Ei! — As sobrancelhas de Caleb se ergueram. – Eles não são os meus amigos. Você é! E eu entendo, Alex. Eu sei que você passou por muita coisa.
Eu me virei para o Caleb. Eu sabia que isso era irracional, mas eu não conseguia parar. — Você entende? Como infernos você poderia entender? A sua mãe não quer ficar perto de você! O seu pai ainda está vivo! Ele não é um daimon, Caleb. Como inferno você pode entender?
Ele ergueu as mãos como se ele pudesse parar as minhas palavras fisicamente de alguma forma. Dor cintilou em seu rosto. — Alex? Pelos Deuses.
Deacon enfiou o frasco no bolso, suspirando. — Alex, tente se acalmar. Você tem uma audiência.
Ele estava tão certo. As pessoas haviam saído em um momento, e estavam vadiando no vasto pavimento, assistindo com antecipação. Eles queriam uma briga mais cedo e isso havia sido negado a eles. Eu respirei fundo e tentei dominar a minha raiva.
Eu falhei. — Cada pessoa estúpida daqui acha que eu sou a razão pela qual aquelas pessoas morreram!
Descrença brilhou no rosto de Caleb. — Isso não pode ser verdade. Olha. Você está apenas estressada. Vamos voltar...
Meu controle se quebrou. Fechando a distância entre nós, eu me perguntei se eu bateria no meu melhor amigo. Bem possivelmente, mas eu nunca descobri. Do nada, Seth apareceu ao meu lado, vestido de preto, como ele sempre estava. Ele nunca tirava o uniforme?
Sua presença não somente me surpreendeu e me deixou imóvel, ele também teve o efeito de acalmar todos ao nosso redor. Ele deu uma olhada longa e áspera em mim e então falou naquela voz lírica com sotaque dele. — Isso é o bastante.
Eu teria dito para qualquer um se ferrar, mas isso não era uma situação normal, e Seth não era uma pessoa normal. Nós nos encaramos. Claramente, ele esperava que eu ouvisse a sua advertência ou senão...
Com esforço visível, eu recuei. Caleb deu um passo na minha direção, mas Deacon agarrou o seu braço. — Deixe-a ir.
E eu fui. Passei por diversas casas antes que o Seth me alcançasse. – Você deixou um bando de puros te chatear desse jeito?
— Você é muito perseguidor, Seth. Há quanto tempo você estava esperando lá?
— Eu não sou um perseguidor, e eu estava lá por tempo suficiente para perceber que você não tem autocontrole e é instável. Eu meio que gosto disso ao seu respeito — principalmente porque eu acho isso divertido. Mas você tem que saber que não é responsável pelo que sua mãe fez. Quem se importa com o que um bando de puros mimados pensa?
— Você não sabe se a minha mãe fez alguma coisa!
— Você está falando sério? — Seus olhos procuraram em meu rosto. Ele achou o que estava procurando. — Você está! Agora eu posso adicionar estúpida na minha lista de adjetivos para te descrever.
Eu me perguntei que outros adjetivos existiam. — Que seja. Só me deixe em paz.
Seth me cortou. — Ela é um daimon. Ela mata... mata inocentes, Alex. É isso que Daimons fazem. Não há motivo por trás disso. É isso que ela está fazendo, mas não é culpa sua.
Eu realmente queria chutar ou dar um soco nele, mas nenhuma destas coisas iria ser inteligente. Viu, eu tinha autocontrole e inteligência. Eu desviei dele, mas Seth não iria aceitar.
Ele estendeu a mão, a mão fechou em volta do meu antebraço. Pele contra pele.
O mundo explodiu.
Uma onda de eletricidade percorreu o meu corpo. Era como a sensação que eu tinha sempre que ele estava por perto, mas cem vezes mais forte. Eu não conseguia falar, e quanto mais o Seth segurava, mais poderosa a sensação se tornava. O que eu estava sentindo era insano. O que eu estava vendo era insano. Intenso, luzes intensas azuis contornaram a mão dele. Se retorciam como uma corda, crepitando e retorcendose em meu braço, e na mão dele.
Instintivamente, eu sabia que isso estava nos conectando - ligando-nos juntos. Para sempre.
— Não. Não, isso não é possível! — O corpo do Seth havia ficado rígido.
Eu realmente queria que ele largasse do meu braço, porque seus dedos se enfiaram na minha pele e algo... algo mais estava acontecendo. Eu senti isso se mover dentro de mim, se contorcendo pelo meu interior, e com cada torcida eu sabia que isso estava nos ligando juntos.
Emoções e pensamentos que não eram meus me percorriam.
Eles vieram em uma luz ofuscante, seguido por cores vibrantes girando e se deslocando até que eu fui capaz de compreender e dar sentido a alguns deles.
Isso não é possível.
Isso vai matar a nós dois.
Eu engoli em seco procurando ar. Os pensamentos do Seth se arrastavam ao redor dos meus e suas emoções rolavam e tropeçavam dentro de nós dois.
Abruptamente, tudo isso parou como se uma porta estivesse se fechando na minha mente.
As cores recuaram, e finalmente, o fio azul tremeluziu e se tornou um brilho fraco, antes de desaparecer.
— Uh... suas tatuagens estão de volta.
Seth piscou enquanto ele encarava onde a mão dele ainda estava no meu braço. — Isso não pode estar acontecendo.
— O que... aconteceu? Porque se você sabe, eu realmente gostaria de saber sobre
isso.
Ele olhou para cima, seus olhos brilhavam na escuridão. O olhar perplexo desapareceu, sendo substituído por raiva. — Nós vamos morrer.
Não era isso que eu queria ouvir. — Eu... o quê?
Seja lá o que ele sabia finalmente a ficha caiu para ele. Seus lábios se estreitaram, e então ele começou a andar, me arrastando junto com ele. 
— Espera! Onde nós estamos indo?
— Eles sabiam! Eles sabiam esse tempo todo. Agora eu entendo porque o Lucian me mandou para o Conselho quando eles encontraram você.
Meus pés deslizavam na areia enquanto eu tropeçava para manter o passo com ele. Eu perdi uma sandália no processo, então perdi a outra uns dois passos depois. Droga, eu gostava dessas sandálias. — Seth! Você terá que ir mais devagar e me dizer o que está acontecendo.
Ele me lançou um olhar perigoso por cima do ombro. – O seu pretensioso padrasto irá nos contar o que está acontecendo.
Eu não gostei de admitir isso, mas eu estava assustada, realmente assustada. Apollyons podem ser instáveis - perigosos até. Sem brincadeira. Seth aumentou o passo, me arrastando atrás dele. Eu escorreguei. Meu joelho pegou na barra do meu vestido de algodão, rasgando-o. Com um gemido impaciente, ele me ergueu de pé e continuou.
Um relâmpago passou pelo céu, enquanto ele continuava a me arrastar por toda a ilha. Parecia como se o raio tivesse atingido um barco a alguns metros dali. A luz me assustou, mas Seth ignorou a bagunça que a sua ira havia criado.
— Pare! — Eu enfiei meus pés na areia. — O barco está em chamas! Nós temos que fazer algo!
Seth se virou, seus olhos luminosos. Ele me puxou contra ele. — Não é problema nosso.
Respirações pesadas soltavam-se de dentro do meu peito. — Seth... você está me assustando.
A expressão dele permaneceu áspera e feroz, mas seu aperto ao redor do meu braço se afrouxou um pouco. — Não é de mim que você tem que ter medo. Vamos lá.
Ele me puxou passando pelo barco em chamas e subiu o contorno da costa.
Seth se virou quando ele avistou a casa do Lucian, tomando a ampla varanda a dois passos de cada vez. Claramente, ele não se importava se eu conseguia manter o passo com ele ou não. Ele me soltou e então começou a bater na porta como a polícia fazia na televisão.
Dois Guardas com aparência temível abriram a porta. O primeiro me poupou apenas uma rápida olhada antes de firmar os olhos estreitos no Seth.
O queixo do Seth se levantou. — Nós precisamos ver o Lucian agora.
O Guarda se endireitou. — O Ministro já se retirou para a noite. Você terá...
Uma explosão brutal de vento veio por detrás de nós. Por um segundo, eu não conseguia ver além da confusão de cabelos que sopravam no meu rosto, mas quando eu consegui, meu coração parou. A força de quase um furacão atingiu o Guarda no peito, atirando-o para trás e prendendo-o na metade da parede da opulente varanda do meu padrasto. O vento se acalmou, mas o Guarda permaneceu contra a parede.
Seth passou pela porta e olhou o outro Guarda. — Vá chamar o Lucian. Agora.
O Guarda retirou os olhos do seu colega de trabalho e se apressou para fazer o que Seth havia mandado. Eu segui o Seth para dentro, minhas mãos tremendo tanto que eu as segurei juntas. — Seth? Seth, o que você está fazendo? Você precisa parar. Tipo agora mesmo. Você não pode fazer isso! Invadir a casa do Lucian...
— Fique quieta.
Me retirando para o canto mais afastado da sala de estar, eu encarei o Guarda. O ar estalava com tensão e poder - tipo de poder do Apollyon. Eu me apertei contra a parede enquanto isso se arrastava pela minha pele e fazia seu caminho para dentro de mim.
Uma quantidade razoável de agitação e movimento no topo da escada me chamou atenção. Lucian desceu a escada em caracol, vestido com uma calça de pijama e uma camiseta larga. Ver ele dessa forma me fez rir, mas saiu de uma forma curta e histérica.
Lucian notou a minha posição semi-petrificada no canto, e então olhou para o Guarda suspenso contra a parede. Finalmente, ele deu ao Seth um olhar estranhamente calmo. — Do que isso se trata?
— Eu quero saber quanto tempo você iria com continuar essa loucura antes que nós dois fôssemos assassinados enquanto dormimos!
Minha boca se escancarou.
A voz do Lucian permaneceu nivelada e calma. – Deixe o Guarda descer e eu te contarei tudo.
Seth não parecia que queria fazer isso, mas ele largou o Guarda, e não muito gentilmente. O pobre homem caiu com tudo no chão. — Eu quero saber a verdade.
Lucian assentiu. — Por que nós não vamos para o escritório? Alexandria parece que realmente poderia se sentar.
Seth olhou por cima do ombro com a testa franzida, como se ele tivesse se esquecido de mim. Eu devo ter parecido bem deplorável, porque ele concordou. Eu meio que pensei em sair correndo, mas duvido que chegaria muito longe. Além disso, além do medo, eu também estava curiosa para caramba para saber o que estava acontecendo.
Nós entramos em uma pequena sala com paredes de vidro. Eu praticamente desabei na cadeira branca de vime. Os Guardas nos seguiram, mas Lucian os dispensou. — Por favor, notifiquem o Reitor Andros que o Seth e a Alexandria estão aqui. Ele irá entender. — Os Guardas hesitaram, mas Lucian os assegurou com um aceno indiferente. Quando eles saíram, ele encarou o Seth, — Sente?
— Eu prefiro ficar de pé.
— Hum... há um barco em chamas lá fora. — Minha voz soava tensa e muito alta. — Alguém poderia ir lá ver.
— Isso vai ser cuidado. — Lucian sentou-se em uma das cadeiras ao meu lado. — Alexandria, eu não fui inteiramente honesto contigo.
Uma pequena chacota saiu de mim. — Sério.
Ele se inclinou para frente, descansando suas mãos contra a sua calça de pijama xadrez. – Três anos atrás, o oráculo contou a sua mãe que, no seu décimo oitavo aniversário, você se tornaria o Apollyon.
Eu ri alto. — Isso. É. Ridículo.
— É? – Seth se virou para me encarar. Parecia como se ele quisesse me sacudir.
— Hum... sim! — Meus olhos se arregalaram. — Há apenas um de vocês... – Minha voz foi sumindo quando eu me lembrei do que eu havia lido no livro que o Aiden havia me emprestado. Tudo de uma vez, eu senti frio e calor.
— Antes que a Rachel fosse embora, ela contou para o Marcus. Ele não concordou com as decisões dela, mas ela sentia a necessidade de te proteger.
— Me proteger do quê? — Logo que as palavras saíram da minha boca, eu já sabia a resposta. Me proteger do que aconteceu com Solaris. Eu balancei a cabeça. — Não. Isso é muito louco. O oráculo não contou isso para mamãe!
— Você está se referindo a outra parte, aquela onde ela diz que você matará aqueles que você ama? Essa não é a parte importante. O que é importante é que você irá se tornar o outro Apollyon. — Ele se virou para o Seth, sorrindo. — Ter o Seth aqui foi a melhor forma de descobrir se o que o oráculo disse estava correto.
Seth caminhou pelo comprimento da sala. — Faz todo o sentido. Por que eu... te senti no primeiro dia. Claro que sua mãe foi embora daqui. Ela provavelmente pensou que ela poderia de alguma forma esconder você entre os mortais. — Ele se virou e observou o Lucian. — Por que você iria querer nos reunir? Você sabe o que vai acontecer.
— Nós não sabemos o que vai acontecer. — Lucian retornou o olhar dele. — Não houve dois de vocês em mais de quatrocentos anos. As coisas mudaram desde então. E os deuses também. 
Meus olhos saltavam entre eles. — Gente... eu sei o que vocês estão dizendo, mas vocês estão errados. De jeito nenhum eu sou o que ele é. De jeito nenhum.
— Então como você explica o que aconteceu lá fora? — Seth me olhou feio.
Respirando fundo, eu o ignorei. — Não é possível.
— O que aconteceu? — Lucian soava curioso.
Os olhos de Lucian dançavam entre nós enquanto Seth explicava sobre o fio azul e como, por alguns segundos, nós escutamos os pensamentos um do outro.
Claramente ele não estava surpreso.
— Não é nada realmente para se preocupar. O que vocês experimentaram era apenas uma maneira de um reconhecer o outro. Essa é a razão que eu atribui você para cá, Seth. Nós tínhamos que ver se ela era a outra metade. A possibilidade... era uma oportunidade muito grande para passar. Eu apenas não esperava demorar tanto tempo para vocês dois se reunirem.
— Valeu o risco? — Seth fez uma careta. — Se os deuses não sabiam sobre ela antes, eles irão logo. Você poderia apenas ter deixado quieto. A vida dela não vale nada para você?
Meu padrasto se inclinou para frente, seus olhos encontrando os de Seth.
— Você entende o que isso significa? Não apenas para você, mas para a nossa raça? Vocês dois vão mudar tudo, Seth. Sim. Você é poderoso agora, mas quando ela fizer dezoito anos, o seu poder vai ser tornar ilimitado.
Isso pareceu chamar a atenção do Seth. — Mas os deuses... eles não permitirão que isso aconteça.
Lucian se inclinou para trás novamente. — Os deuses... não falam conosco a anos, Seth.
— O quê? — Seth e eu gritamos. Isso era uma coisa bem séria.
Lucian mexeu seu pulso de maneira desinteressada. — Eles se retiraram, e o Conselho não acredita que eles vão intervir em alguma coisa. Além disso, se os deuses estivessem curiosos ou preocupados, eles já saberiam sobre a Alexandria. Se o oráculo já viu então os deuses já sabem. Eles devem estar cientes dela.
Eu não acreditava no Lucian. Nem por um segundo. — Eles não estavam cientes da Solaris!
Os dois olharam para mim. Uma linha se formou entre as sobrancelhas do Lucian. — Como você sabe sobre a Solaris?
— Eu... eu li sobre ela. Eles mataram os dois Apollyons.
Lucian balançou a cabeça. — Você não sabe toda a verdade por trás disso. O outro Apollyon atacou o Conselho e Solaris foi obrigada a pará-lo. Ela não o fez. Foi por isso que eles foram executados.
Eu fiz uma careta. O livro não disse nada sobre isso.
Seth finalmente se sentou. — O que você tem a ganhar com isso?
Os olhos de Lucian se arregalaram. — Com vocês dois, nós podemos eliminar os Daimons sem arriscar tantas vidas. Nós poderíamos mudar as regras... as leis acerca dos mestiços, os decretos sobre casamento, o Conselho. Oras, tudo é possível.
Eu queria dar um soco no estômago dele. Lucian não se importava com os mestiços.
— Que regras do Conselho você gostaria de ver modificado?
Seth observou o rosto de Lucian.
— É melhor discutirmos estas coisas depois, Seth. — Ele acenou com a mão para mim, sorrindo daquele jeito estranho de novo. — Ela está fadada a ser sua outra metade.
Seth se virou e me olhou por um longo tempo. — Poderia ser pior, eu acho.
Ok, isso me deu arrepios. — O que você quer dizer com isso?
— Vocês dois são como peças de um quebra-cabeças. Vocês se encaixam. O seu poder alimenta o dele... e vice-versa. — Lucian sorriu. — Sério, é incrível. Você é a outra metade dele, Alexandria. Você está fadada a estar com ele. Você pertence a ele.
Era como se alguém tivesse sentado em cima do meu peito. — Oh. Oh. Não.
Seth fez uma careta para mim. — Você não precisa soar tão enojada.
No outro dia eu me senti compelida a tocá-lo, eu pensei que era somente por causa do que ele era, mas poderia ser por causa do que nós éramos? Eu estremeci. — Enojada? É revoltante! Vocês estão se ouvindo?
Seth suspirou. — Agora você está apenas nos insultando.
Eu ignorei isso, eu o ignorei. — Eu... eu não pertenço a ninguém.
Lucian encontrou o meu olhar, e eu fui atingida por aquela intensidade.
— Mas você pertence.
— Isso é insano!
— Quando ela fizer dezoito anos, — Seth apertou os lábios, — o poder... o poder dela vai para mim.
— Sim. — Lucian assentiu ansiosamente. — Uma vez que ela passe pela palingenese - o Despertar - aos dezoito, tudo o que você tem que fazer é toca-la.
— Então... — Ele não precisou nem dizer. Nós todos sabíamos.
Seth se tornaria o Assassino de Deuses.
Ele se virou para o Lucian. — Quem sabe sobre isso?
— Marcus sabe, assim como a mãe de Alexandria.
Meu coração caiu.
Seth olhou de relance para mim, sua expressão ilegível. — Isso explica por que ela tem vindo tão perto do Covenant quando a maioria dos Daimons não ousariam, mas por quê? Uma mestiça não pode ser transformada.
— Por que mais um daimon gostaria de colocar suas mãos em um Apollyon? Até mesmo agora, o éter na Alexandria poderia alimentá-los por meses. — Lucian gesticulou na minha direção. — O que você acha que acontecerá se a mãe dela a tiver depois de ela passar pela palingenese?
Eu não podia acreditar no que eu estava ouvindo. — Você acha que ela está aqui para que eu possa ser algum tipo de plano de alimentação para ela?
Ele olhou para cima. — Por que mais ela estaria aqui, Alexandria? Era por isso que eu era contra você ficar no Covenant, e o Marcus também. Não tinha nada a ver com o tempo que você perdeu ou o seu comportamento anterior. Havia uma chance de que nós poderíamos parar a Rachelle até você se graduar. O risco era muito grande que você ficasse cara a cara com ela e hesitar no seu dever. Eu não posso permitir que um daimon coloque as mãos no Apollyon.
— Mas agora é diferente? — eu perguntei.
— Sim. — Lucian ficou de pé, colocando as mãos nos meus ombros.
— Com ela tão próximo, nós seremos capazes de encontrá-la. Você nunca terá que enfrenta-la. Isso é uma coisa boa, Alexandria.
— Uma coisa boa? — Eu dei uma risada áspera e me afastei das mãos dele. — Isso é retorcido e... doentio.
Seth virou sua cabeça na minha direção. — Alex, você não pode apenas ignorar isso. Ignorar o que você é. O que nós somos...
Eu coloquei minhas mãos entre nós. — Oh, nem pense nisso, amigo. Nós não somos nada! Nós nunca seremos nada. Ok?
Ele revirou os olhos, claramente entediado com os meus protestos.
Eu comecei a sair do cômodo. — Eu seriamente não quero mais ouvir sobre nada disso de novo. Eu apenas vou fingir que essa conversa não aconteceu.
— Alex. Pare. — Seth deu um passo na minha direção.
Eu olhei feio para ele. — Não me siga! Sério, Seth. Eu não me importo se você pode me jogar pelo ar. Se você me seguir, eu vou pular de uma maldita ponte e te levar comigo!
— Deixe-a ir. — Lucian de um aceno elegante com a mão. — Ela precisa de tempo... para se acostumar a isso.
Surpreendentemente, Seth ouviu. Eu fui embora então, batendo a porta da frente atrás de mim. Meus pensamentos quicavam na minha cabeça em uma bagunça caótica no caminho de volta para a ilha. Eu mal notei que o ar não estava mais espesso pela fumaça. Alguém havia cuidado do incêndio no barco. Os Guardas na ponte pareciam entediados quando eu pedi para passar.
Minutos depois, eu cruzei o campus e a seção de praia arenosa separando o colégio e o alojamento de convidados do resto do campus. Sob nenhuma circunstância eu... ou qualquer estudante... era permitido vagar pelo alojamento deles, mas eu precisava falar com alguém... eu precisava do Aiden.
Aiden poderia encontrar um sentido nisso tudo. Ele saberia o que fazer.
Já que a maioria dos chalés estava vazia durante o verão, era fácil descobrir qual era a dele. Somente um dos chalés praticamente idênticos tinha luz dentro. Eu parei na frente da porta e hesitei. Vir aqui... não somente iria me meter em problemas, mas também acarretaria problemas para o Aiden. Eu nem podia começar a imaginar o que eles fariam se eu fosse descoberta no chalé de um puro-sangue a essa hora da noite. Mas eu precisava dele, e isso era mais importante do que as consequências.
Aiden respondeu depois de alguns segundos, reagindo ao meu ver em sua porta incrivelmente bem. — Algo errado?
Não era tarde, mas ele estava vestido como se tivesse na cama. A calça do pijama ficava melhor nele do que no Lucian. E a camiseta também. — Eu preciso falar com você.
Seu olhar caiu para os meus pés. — Onde estão os seus sapatos? Por que você está coberta de areia? Alex, fale comigo agora. O que aconteceu?
Eu olhei para baixo tolamente... minhas sandálias? Elas estavam perdidas em algum lugar na ilha principal, para nunca mais serem vistas novamente.
Suspirando, eu empurrei as mechas embaraçadas de cabelo para trás. — Eu sei que eu não deveria estar aqui, mas eu não sabia com quem mais falar.
Aiden estendeu a mão e pegou os meus braços num abraço suave. Sem dizer uma palavra, ele me levou para dentro do seu chalé.
 
Quando Aiden me guiou para o sofá me sentei, o observando. Foi meio que perigoso e reconfortante ao mesmo tempo.
— Deixe-me... te dar um copo de água.
Meu olhar se arrastou por sua sala de estar. Não era muito maior que o meu quarto do dormitório, e muito parecido com o meu, que era desprovido de qualquer coisa decorativa. Não havia fotos, pinturas favoritas, ou arte nas paredes. Em vez disso, livros e quadrinhos estavam espalhados sobre a mesa de café, alinhados nas estantes numerosas e empilhados na sua mesa do computador. Sem televisão.
Ele era um leitor - provavelmente lia até quadrinhos gregos antigos. Por alguma razão me fez sorrir. Então eu observei no canto da sala, entre a estante e a mesa. Um violão encostado na parede e várias palhetas coloridas formavam uma fila em uma das prateleiras - todas as cores exceto preto.
Eu sabia que essas mãos eram usadas para algo gracioso e artístico. Me perguntei se eu poderia conseguir que ele tocasse pra mim. Sempre tive uma queda por caras que tocam violão.
— Você toca? — Inclinei meu queixo em direção ao violão.
— De vez em quando. — Ele me entregou um copo de água e eu bebi antes que ele sentasse ao meu lado. — Com sede?
— Mmm. —Enxuguei algumas gotas que escorreram fora dos meus lábios. — Obrigada. Qual é a das palhetas?
Ele olhou para o violão. — Eu as coleciono. Um hábito estranho meu, eu acho.
— Você precisa de uma preta.
— Acho que sim. — Aiden pegou o copo e o colocou sobre a mesa do café, franzindo o cenho quando notou o tremor em minhas mãos. — Alex, o que aconteceu?
Meu riso ficou preso na minha garganta. — Vai parecer loucura. — Dei uma olhada rápida nele, e ver a preocupação por mim em seu rosto foi quase a minha ruína.
— Alex... você pode me dizer. Eu não vou julga-la. — Gostaria de saber o que ele pensava sobre o que aconteceu. — Você confia em mim certo?
Olhei para as mãos, os dedos. Você está fadada a ficar com ele. Aquelas palavras tiveram um efeito devastador sobre mim. Tirei minhas mãos das suas deixando-as livres e me levantei. — Sim. Eu confiava. Confio. Isso é tão louco.
Aiden permaneceu sentado, mas seus olhos seguiram o meu ritmo irregular. — Tente começar do início.
Balancei a cabeça, alisando minhas mãos sobre meu vestido. Comecei desde o início. O olhar no rosto de Aiden endureceu quando lhe contei o que tinha dito Cody e ficou ainda mais perigoso quando eu expliquei como Seth havia afundado o barco de alguém. Contei-lhe tudo, até mesmo a parte com Seth e como éramos “duas metades” ou qualquer coisa. Aiden era um ouvinte notável. Ele não fez nenhuma pergunta, mas eu sabia que ele tinha absorvido tudo o que falei.
— Portanto não pode ser verdade, certo? Quer dizer, nada disso é real. — Voltei a rondar o comprimento de sua sala de estar. — Lucian disse que essa era a razão de mamãe fugir. O oráculo disse lhe que eu era o segundo Apollyon e que ela estava com medo de que os deuses... me matassem, eu acho. — Minha risada soou um pouco estridente.
Aiden passou as mãos pelos cabelos. — Eu suspeitei que algo estranho havia acontecido quando Lucian quis levar você de volta para sua casa. E quando você disse que tinha visto as marcas de Seth... eu não posso acreditar que estive perto de alguém tão raro esse tempo todo. Quando você completa dezoito Alex?
Eu deslizei minhas mãos até meus lados nervosamente. — Quatro de Março.
Menos de um ano a partir de agora.
Aiden coçou o queixo. — Quando você falou com o oráculo, ela disse algo assim?
— Não, ela apenas disse que eu iria matar as pessoas que amo. Nada sobre isso, mas ela disse tanta coisa louca. —Eu engoli, ouvindo o sangue correndo em minhas veias. — Quero dizer, olhando para trás, algumas das coisas que ela disse faziam sentido, mas eu simplesmente não entendo.
— Como você pode entender? — Ele veio ao redor da pequena mesa de madeira. — Agora sabemos porque sua mãe iria correr tal risco em deixar a segurança da ilha. Ela queria proteger você. A história de Solaris é verdadeiramente trágica, mas ela se levantou contra o Conselho e os deuses. Isso é o que selou seu destino. Não é o que foi escrito sobre eles nos livros.
— Porque Solaris fez isso? Ela não sabia o que aconteceria?
— Alguns dizem que ela se apaixonou pelo Primeiro. Quando ele foi contra o Conselho, ela defendeu-o.
— Isso é tão estúpido. — Revirei os olhos. — Ela basicamente cometeu suicidio. Isso não é amor.
Aiden deu o mais breve dos sorrisos. — As pessoas fazem as coisas mais loucas quando estão apaixonadas, Alex. Olhe para o que sua mãe fez. É um tipo diferente de amor, mas ela deixou tudo porque te amava.
— Eu nunca entendi por que ela partiu. — Minha voz soou jovem e frágil. — Agora eu sei. Ela realmente deixou a ilha para me proteger. — O conhecimento afundou como leite coalhado no meu estômago. — Você sabe, eu meio que a odiava por me levar para longe daqui. Eu nunca entendi por que ela iria fazer algo tão arriscado e estúpido, mas ela fez isso para me proteger. 
— Deve trazer-lhe algum tipo de paz por saber o porquê, não é?
— Paz? Eu não sei. Tudo o que posso pensar é que se eu não fosse algum tipo de aberração gigante, ela ainda estaria viva. 
Minhas palavras fizeram um lampejo de dor cruzar seu rosto. — Você não pode se culpar por isso. Eu não vou permitir Alex. Você chegou longe demais para isso.
Eu balancei a cabeça, desviando o olhar. Aiden podia acreditar em tudo o que ele queria, mas se eu não tivesse sido a segunda vinda do Apollyon nada disso teria acontecido.
— Eu odeio isso. Odeio não ter controle.
— Mas você tem controle, Alex. O que você é lhe dá mais controle do que ninguém.
— Como assim? De acordo com Lucian, sou o canal elétrico pessoal de Seth ou algo assim. Quem sabe? Ninguém.
— Você está certa. Ninguém sabe. Quando você fizer dezoito...
— Eu vou ser uma aberração gigante.
— Não era isso o que eu ia dizer.
Ergui as sobrancelhas e olhei para ele. — Ok. Quando fizer dezoito os deuses irão me matar no meu sono. Isso é o que Seth disse.
A raiva transformou os seus olhos em cinza escuro. — Os deuses tem de estar conscientes de você. Eu sei que isso não te faz se sentir melhor, mas se eles queriam... se livrar de você, já teriam feito. Então, quando você completar dezoito, tudo será possível...
— Você está agindo como se isso fosse uma coisa boa.
— Pode ser Alex. Com dois de vocês…
— Você soa como Lucian! — Fui para longe dele. — Logo você vai estar me dizendo que eu sou a metade de Seth super-especial e que eu pertenço a ele, como se eu fosse um tipo de objeto ao invés de uma pessoa.
— Não estou dizendo isso. — Ele fechou a distância, colocando as mãos sobre meus ombros. Tremi sob o peso de suas mãos. — Se lembra do que eu disse sobre o destino? — Balancei minha cabeça. Lembrava-me de como ele tinha achado meus shorts uma distração. Eu tinha essa característica de memória maravilhosa e subjetiva. — Só você tem o controle sobre o seu futuro, Alex. Só você tem o controle sobre o que quer.
— Acha realmente isso?
Ele assentiu. — Sim.
Balancei a cabeça, duvidosa de que eu poderia acreditar em algo neste momento, e comecei a escapar, mas as mãos de Aiden apertaram meus ombros. Um instante depois, me puxou para perto dele. Hesitei, porque estar próxima a ele era, possivelmente, a mais doce forma de tortura.
Eu precisava me afastar... ir tão longe quanto possível, mas seus braços circularam meus ombros. Aos poucos, com cuidado, eu descansei minha cabeça no peito dele. Minhas mãos caíram para a curva de suas costas e respirei fundo. Seu cheiro, uma mistura de mar e sabão, encheu-me. A batida constante de seu coração em meu rosto aquecido me confortou. Era apenas um abraço, mas deuses, significava muito. Isso significava tudo.
— Não quero ser essa coisa de Apollyon. — Fechei meus olhos. — Nem sequer gosto de estar no mesmo país que Seth. Não quero nada disto.
Aiden alisou a mão nas minhas costas. — Eu sei. É impressionante e assustador, mas você não está sozinha. Vamos lidar com isso. Tudo vai ficar bem.
Me pressionei mais perto. O tempo pareceu abrandar, permitindo-me alguns momentos do simples prazer de estar em seus braços, mas depois os dedos passeando através dos meus cabelos, encontraram seu caminho para o meu couro cabeludo, e de lá ele guiou minha cabeça para trás.
— Não tem nada com o que se preocupar, Alex. Não vou deixar nada acontecer com você.
Essas palavras proibidas enrolaram em meu coração, ficando para sempre gravadas em minha alma. Nossos olhos se encontraram. O silêncio estendeu-se entre nós quando nos olhamos. Seus olhos voltaram para o prata feroz e seu outro braço escorregou para a minha cintura, a apertando. Seus dedos em meu cabelo, lentamente, traçaram a curva da minha bochecha. Meu sangue pulsou através de mim quando o seu olhar intenso seguiu as pontas dos dedos. Ele os moveu pelo meu rosto e, em seguida pelos meus lábios entreabertos.
Nós não deveríamos estar fazendo isso. Ele era um puro sangue. Tudo poderia chegar a um fim desastroso para nós, se fossemos apanhados, mas não importava. Neste momento, estar com ele parecia valer qualquer consequência que poderia vir. Isto era certo, como se estivesse destinado a acontecer. Não havia qualquer explicação lógica para isso.
Então ele se inclinou para a frente e descansou seu rosto contra o meu. Um formigamento quente se espalhou através de mim, quando seus lábios se moveram contra a minha orelha. — Você deve me dizer para parar.
Eu não disse uma palavra.
Aiden fez um som profundo na garganta. Sua mão deslizou a minha volta, deixando um rastro de fogo pelo caminho e seus lábios se moviam na minha bochecha, pairarando acima dos meus. Esqueci como respirar, e o mais importante, como pensar.
Moveu-se, ainda que lentamente, e seus lábios roçaram nos meus uma vez, e depois duas. Foi um beijo macio e bonito, mas quando o beijo se aprofundou, não era tímido. Era cheio de perigosa necessidade reprimida, um desejo que tinha sido negado por muito tempo. Senti o beijo feroz, exigente e queimando a minha alma.
Aiden me puxou para ele, me apertando contra seu corpo. E quando me beijou de novo, nos deixou a ambos sem fôlego. Nossas mãos entrelaçaram no corpo um do outro enquanto recuávamos para seu quarto. Minhas mãos encontraram o caminho debaixo de sua camisa e sobre a pele tensa de seu peito. Nos afastamos tempo suficiente para que eu tirasse sua camisa, e deuses, cada ondulação dura era tão deslumbrante como eu havia imaginado.
Me deitando em sua cama, suas mãos deslizaram do meu rosto para os meus braços. Em seguida passou a mão sobre minha barriga, então meu quadril, e sob a orla do meu vestido. De alguma forma, o topo do meu vestido acabou na minha cintura, e sua boca se moveu sobre meu corpo. Me derreti com ele, seus beijos e seu toque. Meus dedos cavaram na pele dos seus braços, e minhas entranhas estavam em rolos apertados. Todos os lugares em que nossos corpos se tocavam, lançavam faíscas.
Aiden afastou seus lábios dos meus, e eu fiz um som de protesto, mas depois sua boca deslizou pela minha garganta e na base do meu pescoço. Minha pele queimava e meus pensamentos estavam em chamas. Seu nome era apenas um sussurro, mas eu senti seus lábios curvarem em minha pele. 
Seu olhar e dedos seguiram um caminho invisível quando ele me virou, colocando-me em cima. — Você é tão bonita. Tão corajosa, tão cheia de vida. — Ele guiou minha cabeça para baixo e deixou um beijo doce contra a cicatriz no meu pescoço. — Você não tem ideia não é? Tem tanta vida em você.
Inclinei minha cabeça e ele beijou a ponta do meu nariz. — Sério?
— Sim. — Ele afastou o cabelo do meu rosto. — Desde a noite em que te vi na Georgia, você tem estado sob minha pele. Você entrou dentro de mim, tornou-se uma parte de mim. Não posso me livrar dela. É errado. — Ele nos moveu, rolando na cama, até que se inclinasse sobre mim. — Agapi mou, não posso... — Ele trouxe seus lábios até os meus uma vez mais.
Não havia mais palavras. Nossos beijos endureceram, seus lábios e as mãos assumiram um propósito que só podia significar uma coisa. Eu nunca tinha ido tão longe com um cara antes, mas sabia que queria estar com ele. Não havia dúvida, era a única certeza. Tudo no meu mundo girava em torno deste momento.
Aiden levantou a cabeça, olhando para mim com essa pergunta em seus olhos. — Você confia em mim?
Corri meus dedos sobre seu rosto, em seguida, seus lábios entreabertos. — Sim.
Aiden fez um som profundo na garganta e pegou minha mão. Trazendo-a aos lábios, ele pressionou um beijo em cada dedo, então minha mão e em seguida, meus lábios. E isso foi quando alguém bateu na porta. Nós dois congelamos um contra o outro. Seus olhos, ainda nebulosos com fome, encontraram os meus. Um segundo se passou, e outro. Pensei que ele ia ignorar. Deuses, eu queria que ele ignorasse. Muito. Profundamente. A minha vida dependia disso. Mas o golpe veio de novo, desta vez uma voz acompanhava.
— Aiden, abra essa porta. Agora. 
Leon.
Droga. Isso era tudo o que eu conseguia pensar. Estávamos presos. Eu não sabia o que fazer. Só estava ali, de olhos arregalados e nua. Enlouquecendo e totalmente nua.
Sem tirar os olhos de mim, Aiden lentamente se levantou. Somente quando ele se inclinou para pegar a camisa que eu havia jogado de lado ele quebrou o contato visual. Ele saiu do quarto sem fazer barulho e fechou a porta atrás dele.
Fiquei ali por alguns momentos, presa pela descrença. O clima foi completamente arruinado - obviamente, e eu ainda estava nua. Qualquer um poderia entrar, e aqui estava eu, deitada sobre a cama. Sua cama...
Mais assustada do que poderia ter imaginado, pulei e peguei meu vestido. Vestindo-o, eu procurei um lugar para me esconder, mas as palavras de Leon me congelaram.
— Eu não queria acordá-lo, mas achei que você gostaria de saber isso imediatamente. Eles encontraram Kain. Ele está vivo.
Eu ouvi, meu estomago na garganta, Aiden convencendo Leon de que ele iria encontra-lo na enfermaria enquanto eu absolutamente recusava olhar para sua cama. Minha cabeça virou quando Aiden abriu a porta. — Eu ouvi.
Aiden assentiu, seus olhos cinzentos cheios de conflito interno. — Vou deixar você saber o que ele disser.
Me aproximei. — Quero ir. Tenho que ouvir o que ele diz.
— Alex, já passou do seu toque de recolher, e como é que você saberia que devia ir a enfermaria?
Droga. Eu odiava quando ele estava certo. — Mas eu posso me esgueirar até lá. Os quartos estão apenas separados por divisórias. Eu poderia ficar para trás...
— Alex. — O garoto amável tinha ido embora. — Você precisa voltar para seu dormitório. Agora. Prometo que vou te dizer tudo o que ele disser, ok?
Não vendo nenhuma maneira de ganhar esta discussão, assenti. Esperamos alguns minutos mais até que saímos de sua casa. Na porta, Aiden fez uma pausa, seus dedos se fechando ao seu lado.
Franzi o cenho. — O quê?
O olhar de Aiden em mim deixou meus pulmões sem ar. Paixão bateu em mim, dura e quente. O olhar em seu rosto - em seus olhos - me causou arrepios que passaram através de mim. Sem dizer uma palavra, ele segurou meu rosto e trouxe seus lábios aos meus. O beijo levou o resto de ar que ainda sobrava em mim. Foi emocionante e profundo, de parar o coração. Eu nunca quis que acabasse, mas acabou. Aiden deu um passo para trás, seus dedos foram lentamente para longe de minhas bochechas.
— Não faça nada estúpido. — Sua voz soou grossa. Então ele desapareceu na escuridão fora de sua cabana.
Voltei para meu dormitório com joelhos como se fossem feitos de borracha, repetindo o que tinha acontecido entre nós. Esses beijos, seu toque, e a forma como ele olhou para mim ficariam para sempre marcados em minha mente. A dois segundos de perder a minha virgindade.
Dois estúpidos segundos.
Mas esse ultimo beijo - havia algo nele, algo que me encheu de nervosismo e angústia. Uma vez dentro do meu quarto, eu andei de um lado para o outro. Entre descobrir que me tornaria uma segunda Apollyon em meu aniversário, o que aconteceu entre mim e Aiden, e o ressurgimento inesperado de Kain, eu estava elétrica. Tomei um banho. Até ajeitei meu quarto, mas nada poderia me desgastar. Agora, Aiden e os outros sentinelas estavam questionando Kain - obtendo as respostas que eu precisava. Mamãe era uma assassina?
Horas se passaram enquanto eu esperava por Aiden com notícias, mas não aconteceu. Caí em um sono agitado e acordei muito cedo. Eu tinha cerca de uma hora antes do treino começar, e não havia nenhuma maneira que eu pudesse esperar mais. O plano se formou em minha mente. Vesti minha roupa de ginástica e corri para fora.
O sol tinha acabado de aparecer no horizonte, mas a umidade fez o ar sombrio. Evitei os guardas em patrulha, contornando as laterais dos edifícios e fiz meu caminho para a enfermaria. O ar fresco me cumprimentou no interior do edifício estreito. Me movi por corredores com pequenos escritórios e um par de salas maiores, equipadas para lidar com emergências médicas. Os médicos puro-sangue viviam na ilha principal e só pessoal da enfermaria ficava durante o ano letivo. Este era o início de uma manhã de verão, apenas algumas enfermeiras estariam no prédio.
Eu já tinha desculpas prontas se alguma das enfermeiras me visse. Tive câimbras assassinas. Quebrei o dedo do pé. Diria até que precisava de um teste de gravidez se isso significava que eu poderia chegar até onde eles mantinham Kain, mas eu não precisei de nenhuma das minhas desculpas. A ala médica estava silenciosa como um túmulo enquanto eu vagava pelo corredor mal iluminado. Depois de verificar várias das salas menores, tropecei em uma enfermaria usada para acomodar vários pacientes ao mesmo tempo. Instinto me levou a passar pelas macas vazias e ir além da cortina de ervilha verde.
Congelei, o tecido fino como papel tremulando atrás de mim. 
Kain estava sentado no meio da cama, vestindo calças de corrida frouxas e nada mais. Caracóis sombrios de cabelo escondiam a maior parte de seu rosto voltado para baixo, mas o peito... engolindo o súbito aumento da bile, eu só podia olhar.
Seu peito, incrivelmente pálido, estava coberto de dentadas em forma crescente e cortes finos que pareciam ter sido feitos por um de nossos punhais emitidos pelo Covenant. Não havia muito espaço onde ele não tivesse sido marcado.
Ele levantou a cabeça. Seus olhos azuis se destacaram contra uma palidez cadavérica. Me aproximei mais, sentindo algo no meu peito apertar. Ele parecia tão mal, e quando ele sorriu para mim, parecia pior. Sua pele estava tão pálida que seus lábios pareciam vermelho sangue. Um pouco de culpa brilhou dentro de mim. Talvez eu pudesse ter esperado para interrogá-lo, mas do jeito de Alex típico, eu agi sem pensar.
— Kain você está bem?
— Acho que sim.
— Eu queria... lhe fazer umas perguntas... está tudo bem pra você?
— Quer perguntar sobre sua mãe? — Ele olhou para suas mãos.
Alívio bateu em mim. Eu não teria que me explicar. Me aproximei. — Sim.
Ele ficou em silencio enquanto continuava olhando para suas mãos. Estava segurando alguma coisa, mas eu não podia ver o que era. — Eu disse aos outros que não me lembro de nada.
Eu queria sentar e chorar. Kain tinha sido minha única esperança. — Você não se lembra?
— Isso é o que eu lhes disse.
Um som estranho saiu de trás da cortina verde do outro lado da cama de Kain, como um pano arrastando sobre um piso liso. Minhas sobrancelhas arquearam enquanto eu olhava para ele. —Está... está alguém lá atrás?
A única resposta foi um gorgolejar baixo. O medo saiu do nada, avançando na minha espinha, exigindo que eu fugisse desse quarto agora. Contornei a cama e afastei a cortina. Meus lábios se separaram em um grito silencioso. 
Três enfermeiras puro-sangue estavam estateladas no chão sangrando. Uma ainda se agarrava à vida. Uma linha vermelha rasgou através de sua garganta enquanto ela tentava rastejar a pequena distância. Estendi a mão para ela, mas com um último barulho, ela se foi. Enraizada no lugar, eu não conseguia pensar ou respirar. 
Gargantas cortadas. Todas mortas.
— Lexie.
Ninguém a não ser minha mãe me chamava isso - ninguém. Me virei, minha mão subindo para a minha boca. Kain permanecia no lado oposto da cama, olhando para baixo, para suas mãos.
— Acho que o apelido Lexie é muito melhor do que Alex, mas o que eu sei? — Ele riu, e a risada soou fria, sem graça, morta. — Eu não sabia de nada até agora. 
Comecei a correr.
Kain moveu-se surpreendentemente rápido para alguém que tinha sido torturado por semanas. Ele estava na minha frente com o punhal na mão antes que eu fosse para a porta.
Meus olhos congelaram na adaga. — Por quê?
— Por quê? — Sua voz imitava meu tom. — Você não entende? Não. Claro que não. Eu não conseguiria também. Eles tentaram com os guardas primeiro, mas drenaram muito rápido. Eles morreram.
Algo estava tão, tão errado com ele. A tortura poderia ter feito isso, todas essas marcas poderiam o ter levado a loucura. Mas não importa realmente porque ele havia enlouquecido, a verdade era que ele estava definitivamente louco - e eu estava encurralada.
— Quando eles chegaram a mim, já tinham aprendido com seus erros. Tem que drenar a nossa espécie lentamente. — Ele olhou para o punhal. — Mas nós não somos como eles. Nós não mudamos, como eles. 
Eu recuei, engolindo o medo. Meu treinamento desapareceu. Eu sabia como lidar com um daimon, mas um amigo louco era uma história diferente.
— Eu estava com fome, tanta fome. Não há nada como isso. Tive que fazê-lo.
Uma compreensão horrível me atingiu. Dei mais um passo para trás exatamente  quando ele se lançou contra mim. Ele era tão rápido, mais rápido do que nunca. Antes que eu pudesse totalmente registrar o movimento, seu punho acertou meu rosto. Voei batendo em uma dessas mesinhas. Aconteceu tão rápido que não poderia amortecer minha queda. Caí em um montão confuso, atordoada e sentindo sangue na boca. 
Kain foi até mim imediatamente, me puxando para ficar de pé e me atirando para o outro lado da sala. Atingi a beira de uma cama com  força e, em seguida o chão. Me erguendo com dificuldade, ignorei a dor e enfrentei a única coisa que não podia existir. 
Além da razão ou explicação, eu não tinha dúvida de que Kain não era mais um meio-sangue. Só uma coisa se movia tão rapidamente como ele se moveu. 
Impossível como era, ele era um daimon.
 
Além de estar anormalmente pálido, Kain parecia... Kain. Isso explicava como nenhum dos outros mestiços tinha percebido. Nada sobre ele exalava um aviso de que algo estava terrivelmente errado. Bem... exceto a pilha de cadáveres atrás da cortina.
 
Estendi a mão para o que parecia ser uma máquina de monitor cardíaco, arremessando-a em sua cabeça. Não surpreendentemente, ele desviou-se.
 
Ele riu aquele riso doentio de novo. — Você não pode fazer melhor que isso? Lembra-se das nossas sessões de treinamento? Como eu facilmente vencia você?
 
Ignorei a lembrança dolorosa, pensando que era melhor mantê-lo falando até que eu tivesse uma opção. — Como isto é possível? Você é um meio sangue.
 
Ele assentiu, mudando a lâmina para a outra mão. — Você não estava prestando atenção? Eu já lhe disse. Eles sugam a nossa espécie lentamente, e deuses, dói como o inferno. Eu queria morrer mil vezes, mas não o fiz. E agora? Eu sou melhor do que eu era. Mais rápido. Mais forte. Você não pode brigar comigo. Nenhum de vocês pode. — Ele ergueu o punhal e mexeu-o para a frente e para trás. — A parte de alimentação é confusa, mas funciona.
 
Olhei por cima do ombro. Havia uma pequena chance de que eu pudesse chegar à porta. Eu ainda era rápida e não estava muito machucada. — Isso... tem que ser uma droga.
 
Ele deu de ombros, parecendo o antigo Kain, tanto que me roubou o fôlego. — Você se acostuma quando estiver com fome.
 
Isso foi animador. Eu avancei para a minha esquerda.
 
— Vi a sua mãe.
 
Cada instinto em mim gritou para não ouvi-lo. — Você... falou com ela?
 
— Ela estava frenética, matando e tendo prazer nisso, também. Foi ela quem me fez. — Ele lambeu os lábios. — Ela está vindo para você, sabia?
 
— Onde ela está? — Eu não esperava que ele respondesse, mas ele fez.
 
— Basta você deixar a segurança do Covenant que vai encontrá-la... ou ela vai encontrar você. Mas isso não vai acontecer.
 
— Oh? — Eu sussurrei, mas já sabia. Não era estúpida. Mamãe não teria chance de pegar meu éter, porque Kain ia me cortar e me drenar.
 
— Você sabe qual é a única coisa ruim sobre ser um daimon? Eu estou sempre com uma maldita fome. Mas você? Tenho certeza que você vai saber maravilhosamente. É uma coisa boa que você veio para mim. Confiou em mim. — Seus olhos azuis caíram para o meu pescoço, para minha pulsação frenética. — Ela vai continuar a matar até encontrar você ou até que você esteja morta. E você vai morrer.
 
Essa foi a minha deixa para fazer a minha jogada. Empurrei com toda minha força, mas não adiantou. Kain bloqueou a minha única rota de fuga. Sem outra opção além de lutar com ele, eu pulei, desarmada e desqualificada.
 
Seus lábios vermelhos se contorceram. — Você realmente quer tentar?
 
Forcei ousadia tanto quanto era possível na minha voz. — Você quer?
 
Desta vez, quando ele tentou me agarrar, chutei e acertei a mão dele que segurava o punhal. Ele voou de sua mão, caindo contra o chão. Antes que eu pudesse comemorar a pequena vitória, o punho dele me atacou, e parecia que ele se lembrava de quão pobres eram as minhas habilidades de bloqueio. O soco me atingiu no estômago, dobrando-me.
 
Uma corrente de ar agitou meu cabelo, me dando apenas um segundo para endireitar-me. Eu era um caso perdido, sem dúvida sobre isso. Mas quando levantei a cabeça, não era Kain na minha frente.
 
Era Aiden.
 
Ele não disse nada para Kain. De alguma forma, ele apenas sabia enquanto me empurrava para trás, para longe do daimon meio-sangue. Kain voltou sua atenção para Aiden. Ele soltou um grito, assustadoramente parecido com o do daimon na Geórgia. Eles circulavam entre si, e com Kain desarmado, Aiden teve a mão superior. Eles trocaram golpes viciosos - não de antigos parceiros, mas de inimigos. Em seguida, Aiden fez o seu movimento. Enfiou o punhal de titânio profundamente no estômago de Kain.
 
O impossível aconteceu - Kain não caiu.
 
Aiden recuou, revelando o rosto assustado de Kain. Ele olhou para a ferida aberta e começou a rir. Deveria ter sido um golpe mortal, mas quando a fria compreensão assentou, eu percebi que tínhamos mais a aprender sobre Daimons mestiços.
 
Eles eram imunes ao titânio.
 
Aiden se afastou de Kain, que bloqueou e virou-se para dar-lhe um chute. Uma máquina médica caiu contra a parede. Eu fiquei boquiaberta, congelada no lugar. Não podia simplesmente ficar ali. Fui para o punhal no chão.
 
— Para trás! — Aiden gritou enquanto meus dedos alcançavam o titânio frio.
 
Olhei para cima, vendo os reforços - e o Apollyon.
 
— Afastem-se! — A voz de Seth trovejou através do caos.
 
Aiden saltou para a frente, me empurrando contra a parede e protegendo-me com seu corpo. Minhas mãos caíram para o seu peito. Virei a cabeça quando Seth pisou na frente dos Sentinelas, um braço estendido na frente dele.
 
Segundos mais tarde, algo que eu só poderia descrever como um relâmpago irrompeu de sua mão. O flash de luz azul - tão intensa e brilhante – obscureceu tudo no quarto. Akasha - o quinto e último elemento: só os deuses e o Apollyon podiam invocálo.
 
— Não olhe. — Aiden sussurrou.
 
Pressionei meu rosto em seu peito quando o ar se encheu com o som crepitante do elemento mais poderoso conhecido pelos Hematoi. Gritos horríveis saíram de Kain quando o akasha colidiu com ele. Estremeci, me empurrando ainda mais contra Aiden. Os gritos - eu nunca iria esquecer aqueles gritos.
 
O aperto de Aiden em torno de mim aumentou até que o barulho parou e o agonizante corpo de Kain bateu no chão. Aiden foi para trás, em seguida as pontas de seus dedos roçaram sobre meu lábio rachado e inchado. Por um breve segundo, seus olhos se encontraram com os meus. Era um olhar que dizia muito. Dor. Alívio. Fúria.
 
Todos correram para a sala ao mesmo tempo. No caos, Aiden rapidamente me verificou de novo antes de me entregar a Seth. — Tire-a daqui.
 
Seth puxou-me longe dos Sentinelas quando Aiden voltou sua atenção para o corpo amassado. No corredor, passamos por Marcus e vários outros guardas. Ele lançou-nos um breve olhar. Seth me levou para o corredor em silêncio até que ele me empurrou para outra sala no final.
 
Ele fechou a porta atrás dele e então lentamente se aproximou de mim. — Você está bem?
 
Eu recuei até me pressionar contra a parede mais distante dele, respirando pesadamente.
 
— Alex? — Seus olhos se estreitaram.
 
Em questão de horas, tudo tinha mudado. Nosso mundo - meu mundo - não era mais o mesmo. Era demais. Mamãe, a coisa louca com Seth, ontem à noite com Aiden, e agora isso? Eu desmoronei. Deslizando na parede, sentei-me com os meus joelhos pressionados contra meu peito. Eu ri.
 
— Alex, levante-se. — Sua voz, que era uma melodia musical, soou forçada. — Isto é muito, eu sei disso. Mas você tem que se manter firme. Eles vão vir aqui em breve. Eles querem respostas. Ontem à noite, Kain era normal - tão normal quanto Kain poderia ser. Agora ele era um daimon. Eles vão querer saber o que aconteceu.
 
Kain tinha sido um daimon então, mas ninguém sabia disso. Ninguém poderia ter sabido na noite passada. Olhei para Seth inexpressivamente. O que ele queria me dizer? Que eu estava bem?
 
Ele tentou novamente, agachando-se diante de mim. — Alex, você não pode deixá-los te ver assim. Você me entende? Você não pode deixar os outros Sentinelas ou seu tio te verem assim.
 
Será que isso importa? As regras tinham mudado. Seth não podia estar em toda a parte. Iríamos lutar e morreríamos. Pior ainda, poderíamos ser transformados. Eu poderia ser transformada. Assim como a mamãe. Esse pensamento trouxe um lampejo de sanidade. Se eu pirasse, que bem isso faria? E quanto à mamãe? Quem poderia corrigir isso, consertar o que ela se tornou?
 
Seth olhou por cima do ombro para a porta. — Alex, você está começando a me preocupar. Me insulta... ou algo assim.
 
Um sorriso fraco se esticou em meus lábios. — Você é uma aberração maior do que eu poderia alguma vez ter imaginado.
 
Ele riu, e meus ouvidos deviam estar me enganando, porque ele parecia aliviado. — Você é tão aberração quanto eu sou. O que tem a dizer sobre isso?
 
Eu me arrepiei, meus dedos apertando em torno de meus joelhos. — Eu te odeio.
 
— Você não pode me odiar, Alex. Você não me conhece ainda.
 
— Não importa. Eu odeio o que você significa para mim. Eu odeio não ter controle. Eu odeio que todo mundo já mentiu para mim. — Em um rolo agora, eu endireitei as minhas pernas. — E eu odeio o que isso significa. Os Sentinelas vão morrer lá fora, um após o outro. Eu odeio que eu ainda pense na minha mãe... como a minha mãe.
 
Seth se inclinou para a frente e segurou meu queixo. O choque de seu toque não foi tão estranho como antes, mas a transferência de energia bizarra ainda deslizou por mim. — Então, apanhe o ódio e faça algo sobre isso, Alex. Use o ódio. Não se sente aqui como se não houvesse nenhuma esperança para eles - para nós.
 
Para nós? Será que ele quis dizer para a nossa espécie ou para ele e para mim?
 
— Você viu o que eu posso fazer. Você será capaz de fazer isso. Juntos, podemos detê-los. Sem você, nós não podemos. E caramba, eu preciso que você seja forte. O que de bom você traria se você acabar como uma serva maldita só porque  não pode lidar com isso?
 
 Bem... eu acho que ele respondeu à minha pergunta. Afastei sua mão. — Solte o meu rosto.
 
Ele se inclinou mais perto. — O que exatamente você vai fazer sobre isso?
 
Eu atirei-lhe um olhar de advertência. — Não me importo se você pode disparar raios da sua mão. Eu chuto a sua cara.
 
— Por que não me surpreende? Poderia fazer diferença o fato de você saber que eu não vou te machucar - que eu não posso?
 
— Provavelmente. — Eu realmente não tinha certeza sobre isso. Vinte e quatro horas atrás ele arrastou-me por toda a ilha.
 
— Isso não soa particularmente justo, não é?
 
— Essa coisa toda com você não é justo. — Cutuquei o peito dele com o meu dedo. — Você tem o controle nisso.
 
Seth fez um som exasperado. Ele estendeu a mão e apertou os lados da minha cabeça. — Você tem todo o controle. Não entendeu?
 
Irritada, eu agarrei os pulsos dele. — Solte-me.
 
Ele torceu as mãos e prendeu as minhas. Aqueles olhos de âmbar queimaram, como se ele estivesse pronto para o desafio. Depois de alguns momentos concisos, ele se separou e se levantou. — Aí está a atitude que eu vim a conhecer e odiar.
 
Mostrei-lhe o dedo, mas o ruim foi que sua energia irritante de alguma forma chegou até mim. Não que eu iria admiti-lo. Nunca.
 
Ele pegou uma toalha na prateleira. Depois de molhá-la, jogou-a para mim. — Limpe-se. — Ele enviou-me um sorriso diabólico. — Eu não posso ter a minha pequena Apollyon em treinamento parecendo uma bagunça.
 
Meus dedos cerraram em torno da toalha. — Se você disser algo tão estúpido de novo, vou sufocar você em seu sono.
 
As sobrancelhas de ouro arquearam. — Pequena Alex, você está sugerindo dormirmos juntos?
 
Atordoada pela forma como ele chegou a essa conclusão, eu abaixei a toalha. — O quê? Não!
 
— Então como você poderia sufocar-me em meu sono, a menos que você estivesse na cama comigo? — Ele deu um sorriso malicioso. — Pense nisso.
 
— Oh, cale a boca.
 
Ele deu de ombros e olhou para a porta. — Eles estão vindo.
 
Eu estava apenas meio curiosa para saber como ele sabia disso, mas quando esfreguei o pano debaixo do meu lábio inchado, a porta se abriu. Marcus entrou primeiro, e Aiden apareceu atrás dele. Seu olhar varreu-me, verificando-me mais uma vez. O olhar no seu rosto disse que ele queria se aproximar, mas com Marcus e meia dúzia de sentinelas presentes, era impossível. Eu lutei contra a necessidade de estar em seus braços e voltei minha atenção para meu tio.
 
 Marcus encontrou os meus olhos. — Preciso saber exatamente o que aconteceu.
 
Então eu disse a eles tudo o que lembrava. Marcus permaneceu impassível através de tudo isso. Ele fez as perguntas apropriadas e quando acabou, eu queria correr de volta ao meu quarto. Reviver tudo o que aconteceu com Kain havia drenado a minha alma.
 
Marcus me deu permissão para sair, e eu fiquei em pé enquanto ele deu ordens para Leon e Aiden. — Notifiquem os outros Covenants. Eu cuido do Conselho.
 
Aiden tinha me seguido até o corredor. — Eu não pedi para você não fazer algo estúpido?
 
Eu estremeci. — Sim, mas eu não sabia - não pensei que Kain estaria assim.
 
Aiden balançou a cabeça, correndo a mão pelos cabelos. Então ele fez a única pergunta que ninguém tinha pensado em perguntar. — Ele disse alguma coisa sobre sua mãe?
 
— Ele disse que ela o matou. — Inalei agudamente. — Que ela teve grande prazer nisso.
 
Simpatia brilhou naqueles olhos frios. — Alex, me desculpe. Eu sei que você esperava que não fosse o caso. Você está bem?
 
Na verdade não, mas eu queria ser forte para ele. — Sim.
 
Ele apertou os lábios. — Vamos conversar mais tarde..., ok? Vou deixar você saber quando vamos ter prática novamente. As coisas vão estar caóticas nos próximos dias.
 
— Aiden... Kain disse que ela estava procurando por mim. Que ela estava vindo para mim.
 
Deve ter sido algo na minha voz, porque ele estava na minha frente tão rapidamente. Ele estendeu a mão e segurou meu rosto, sua voz estava tão firme que eu não duvidei de uma palavra que ele disse. — Não vou permitir que isso aconteça. Nunca. Você nunca vai encará-la.
 
Engoli em seco. Sua proximidade, seu toque, evocou tantas lembranças, que me levou um momento para responder. — Mas se acontecesse, eu poderia fazê-lo.
 
— Kain disse mais alguma coisa sobre sua mãe?
 
Ela vai continuar matando até te encontrar...
 
— Não. — Eu balancei a cabeça quando a culpa comeu um buraco na minha
alma.
 
Sua mão caiu para o peito, onde ele esfregou um ponto acima do coração. — Você vai fazer algo estúpido novamente.
 
Eu sorri fracamente. — Bem, geralmente eu faço uma vez por dia.
 
Aiden levantou uma sobrancelha, seus olhos brilhantes divertidos por um momento. — Não, não é isso que eu quis dizer.
 
— Então o que você quis dizer?
 
Ele balançou a cabeça. — Não é nada. Falaremos em breve. 
 
 Ele passou por Seth no caminho de volta para a sala. Por um momento, sua expressão endureceu como pedra. Pode ter havido respeito mútuo em seus rostos, mas havia definitivamente antipatia mútua, também.
 
Saí antes que Seth pudesse me parar. Quando voltei ao dormitório das meninas, muitos dos alunos estavam na varanda. As notícias viajavam rápido, mesmo que ainda fosse cedo, mas a parte mais chocante foi Lea estar entre eles.
 
Vê-la fez com que meu coração se apertasse. Ela parecia terrível pelo padrão de Lea – o que significava que ela se parecia com o resto de nós em um dia bom. Eu não sabia o que dizer a ela. Nós não éramos amigas, mas o que ela estava passando era inimaginável.
 
O que eu poderia dizer? Nenhuma quantidade de desculpas ou palavras de condolências faria algo melhor para ela, mas quando eu me aproximei, vi os olhos vermelhos, a linha firme de seus lábios normalmente cheios e o ar de desolação geral em torno dela. Provocou uma memória de como eu me senti quando pensei que minha mãe tinha morrido. Agora, pegue isso e multiplique por dois, era assim que Lea se sentia.
 
Nossos olhares se encontraram e um pedido de desculpas coxo rolou para fora da minha boca. — Sinto muito... por tudo.
 
Surpreendentemente, Lea acenou com a cabeça quando passou por mim. Eu parei atrás dela, desejando que ela me chamasse de cadela ou zombasse do meu rosto. Seria melhor do que isso. Cansada e dolorida, eu caminhei pelo corredor e passei por um grupo de meninas. Havia sussurros e eles estavam certos. Minha mãe era uma daimon mortífera.
 
No meu quarto, caí. Ainda vestida com minhas roupas, eu dormi o tipo de sono que as pessoas só têm depois de enfrentar algo tão vasto e transformador. Em algum lugar, nesse estado semi lúcido antes de estar completamente adormecida, percebi que quando Seth e eu tínhamos nos tocado na sala médica, não houve nenhum cordão azul.
 
Aiden enviou uma nota no dia seguinte dizendo que a prática ainda estava cancelada. Ele não mencionou quando entraria em contato comigo novamente. Durante as horas, uma irritante preocupação se desenvolveu. Aiden se arrependeu do que aconteceu entre nós? Será que ele ainda me queria? Iríamos nos falar de novo?
 
As minhas prioridades estavam muito confusas, mas eu não podia evitar. Desde que eu tinha acordado, tudo que eu podia pensar era no que quase aconteceu entre nós dois. E quando o fiz, senti-me quente e envergonhada.
 
Olhei para o livro gigantesco que ele me emprestou. Eu tinha deixado no chão ao lado do sofá. Uma ideia surgiu na minha cabeça. Eu poderia devolver o livro a ele, inocente motivo suficiente para procurá-lo. Minha mente estava decidida antes que eu percebesse. Agarrei o livro e escancarei a porta.
 
Caleb estava ali, uma mão levantada, como se ele estivesse prestes a bater e a outra segurando uma caixa de pizza. — Oh! — Ele recuou, assustado.
 
— Hey. — Eu não podia encontrar seus olhos.
 
Ele abaixou a mão. A nossa quase luta permaneceu entre nós como um sangue ruim. — Então você está lendo fábulas gregas agora?
 
— Um ... — Olhei para a maldita coisa. — É... eu acho.
 
Caleb mordeu seu lábio inferior, um hábito nervoso que tinha desde a infância. — Eu sei o que aconteceu. Quero dizer... seu rosto meio que diz tudo.
 
Inconscientemente, meus dedos foram para o meu lábio cortado.
 
— Queria ter a certeza que estava bem.
 
Assenti. — Estou.
 
— Olhe. Eu trouxe comida. — Ele segurou a caixa com um sorriso. — E eu vou ser pego, se você não me deixar entrar ou sair.
 
— Tudo bem. — Deixei cair o livro no chão e seguiu-o para fora.
 
No caminho para o pátio, optei por um tema seguro. — Eu vi Lea ontem de manhã.
 
Ele assentiu. — Ela voltou tarde na noite anterior. E tem sido muito discreta. Mesmo que ela seja uma vadia completa, sinto muito por ela.
 
— Você já falou com ela?
 
Caleb assentiu. — Ela está abalada. Eu não tenho certeza se isso realmente a atingiu, sabe?
 
Eu entendia mais do que ele provavelmente poderia. Encontramos um local com sombra debaixo de algumas árvores grandes de oliveiras e sentamos. Eu escolhi a pizza, arrumando minhas fatias de pepperoni em um bruto rosto sorridente.
 
— Alex, o que realmente aconteceu com Kain? — Sua voz caiu para um sussurro. — Todo mundo está dizendo que ele era um daimon, mas não pode ser possível, certo?
 
Olhei por cima da minha comida. — Ele era um daimon.
 
O sol se escondeu entre os galhos, pegando os fios de cabelo de Caleb e transformando-os em uma cor dourada brilhante. — Como os Sentinelas não sabiam disso?
 
— Ele parecia exatamente como sempre foi. Seus olhos estavam bem, os dentes normais. — Eu me inclinei contra a árvore e cruzei as pernas na altura dos tornozelos. — Não havia nenhuma maneira de dizer. Eu não soube até que... vi os puros. — Uma imagem que eu nunca poderia apagar.
 
Ele engoliu em seco, olhando para a sua pizza. — Mais funerais. — ele murmurou. Em seguida, mais alto, — Não posso acreditar nisso. Todo esse tempo e nunca houve um mestiço daimon. Como é que é possível?
 
Eu disse a ele o que Kain havia dito, pensando que não havia razão para manter isso em segredo. Sua reação foi típica: pesada e profunda. Cair na batalha significava morte para nós e nunca tivemos que considerar qualquer outra coisa.
 
Caleb franziu a testa. — E se Kain não foi o primeiro? E se outros Daimons já descobriram e nós simplesmente não sabíamos?
 
Olhamos um para o outro. Engoli, larguei a minha pizza de volta no prato. — Então nós escolhemos um inferno de altura para nos formarmos na primavera, hein?
 
Nós dois rimos... nervosamente. Então voltei para reorganizar a minha pizza, pensando em tudo o que tinha acontecido. Imagens de Aiden sem camisa passaram diante de mim. A maneira como ele olhou para mim e me beijou. O toque da ponta dos dedos de Aiden foi lentamente substituído pelo toque de Seth e do cordão azul.
 
— O que você está pensando? — Caleb avançou para mais perto e continuou quando não respondi. — O que você sabe? Você tem aquele olhar no seu rosto! Parece quando tínhamos 13 anos e você pegou o Instrutor Lethos e Michaels dando amassos na sala de armazenamento!
 
 — Eca! — Meu rosto se amassou com a memória. Condenando-o por lembrar a mais grosseira das coisas. — Não é nada. Eu só estou pensando... sobre tudo. Tem sido um longo par de dias.
 
— Tudo mudou.
 
Olhei para Caleb, sentindo por ele. — Sim.
 
— Eles vão ter que mudar a forma como estamos treinando, sabe? — Ele continuou com a voz mais suave que, possivelmente, eu já tinha ouvido ele usar. — Daimons sempre tiveram força e velocidade, mas agora vamos estar lutando com meios sangue treinados como nós. Eles vão conhecer as nossas técnicas, movimentos  – tudo.
 
— Muitos de nós vão morrer lá fora. Mais do que nunca.
 
— Mas nós temos o Apollyon. — Ele estendeu a mão e apertou a minha. — Agora você tem que gostar dele. Ele vai salvar nossos traseiros lá fora.
 
A necessidade de dizer-lhe quase tudo tomou conta de mim, mas eu desviei o olhar, fixando meus olhos nas espessas flores de cheiro amargo. Eu não conseguia me lembrar de como elas eram chamadas. Fuligem da noite ou algo assim? O que tinha Vovó Piperi dito sobre elas? Como os beijos de quem anda no meio dos deuses...
 
Voltei para Caleb e percebi que não estávamos mais sozinhos. Olivia estava ao lado dele, braços apertados em volta da cintura. Ele disse a ela o que aconteceu e ele não se comportou como um idiota apaixonado, o que era bom. Finalmente, ela sentou-se e mandou-me um olhar solidário. Imaginei que meu rosto estava em mau estado, mas eu não tinha realmente olhado para ele.
 
Caleb disse algo engraçado e Olivia riu. Eu ri também, mas Caleb olhou para mim, pegando o tom falso. Eu tentei colocar-me na conversa, mas não pude. Cada um de nós passou o resto do dia tentando esquecer uma coisa ou outra. Caleb e Olivia focaram em coisa alguma além da fria realidade dos mestiços sendo transformados em Daimons. E eu? Bem, eu tentei esquecer tudo.
 
Quando anoiteceu, nós voltamos para nossos dormitórios, fazendo planos para encontrar-nos para o almoço de amanhã. Sozinho, Caleb me parou antes de eu me dirigir até os degraus da varanda. — Alex, eu sei que você vem passando por muita coisa. No topo de tudo, a escola vai começar em duas semanas. Você tem um monte de estresse em você. E eu sinto muito sobre o que aconteceu na noite em casa do Zarak.
 
A escola vai começar em duas semanas? Caramba, eu nem percebi. — Eu que deveria me desculpar. — Eu quis dizer isso. — Sinto muito por ter sido uma vadia.
 
Ele riu e me deu um abraço rápido. Indo para trás, seu sorriso desapareceu. — Tem certeza que está tudo bem?
 
— Yeah. — Eu vi ele começar a virar. — Caleb?
 
Ele parou, esperando.
 
— Mamãe... matou aquelas pessoas em Lake Lure. Ela foi quem transformou
Kain.
 
— Eu... eu sinto muito. — Ele deu um passo à frente, as mãos subindo e depois caindo para os lados. — Ela não é sua mãe mais. Não é ela fazendo isso.
 
 — Eu sei. — A mamãe que eu conhecia não teria prazer em matar nem insetos. Ela nunca teria prejudicado outra vida, sugando pessoas. — Kain disse que ela continuará matando até que me encontre.
 
Parecia que ele não sabia o que dizer. — Alex, ela continuaria matando, não importa o quê. Eu sei que isso vai soar horrível, mas os sentinelas vão encontrá-la. Eles vão impedi-la.
 
Eu assenti, brincando com a ponta da minha camisa. — Eu que deveria para-la. Ela é minha mãe.
 
Caleb franziu a testa. — Deve ser qualquer um exceto você desde que ela era sua mãe. Eu… — A carranca desapareceu de seu rosto, enquanto olhava para mim. — Alex, você não irá atrás dela, irá?
 
— Não! — Forcei uma risada. — Eu não sou louca.
 
Ele continuou a olhar para mim.
 
— Olhe. Eu nem saberia onde encontrá-la, — eu disse a ele, mas as palavras de Kain vieram de volta para mim. 
 
Basta você deixar a segurança do Covenant que vai encontrá-la ou ela vai encontrar você.
 
 — Por que você não volta comigo? Nós podemos baixar uma tonelada de filmes ilegais e assisti-los. Podemos até entrar no refeitório e roubar um monte de comida. Que tal isso? Parece divertido, certo?
 
Parecia, mas ... — Não. Eu estou realmente cansada, Caleb. O último par de dias tem sido...
 
— Uma droga?
 
— Sim, você pode dizer isso. — Eu recuei então. — Vejo você no café da manhã? Eu duvido que vá ter prática.
 
— Ok. — Ele ainda parecia preocupado. — Se você mudar de ideia, sabe onde me encontrar.
 
Eu assenti e me dirigi para dentro do dormitório. Havia um outro envelope branco enfiado na fenda pequena. Quando eu vi a escrita florida de Lucian, houve um sentimento estranho de afundamento em meu peito. Nada de Aiden.
 
— Deuses. — Abri-o e rapidamente descartei sem ler. Embora, eu estivesse coletando uma quantia bastante grande de dinheiro. Este continha uns 300, que eu escondi com o resto na caixa. Uma vez que as coisas se acalmassem, eu iria fazer algumas compras urgentes.
 
Depois de colocar um pijama de algodão, peguei o livro de lendas gregas e trouxe de volta para a cama, folheando a seção sobre o Apollyon. Li a passagem outra vez, à procura de algo que pudesse me dizer o que iria acontecer quando eu fizesse 18, mas o livro não me disse nada que eu já não soubesse.
 
Que não era muita coisa.
 
Eu devo ter adormecido, porque a próxima coisa que eu soube era que estava olhando para o teto do meu quarto escuro. Sentei-me e empurrei para trás o emaranhado de cabelos. Desorientada e ainda meio dormindo, eu tentei lembrar o que eu sonhei.
 
Mamãe.
 
Nós estávamos no zoológico no meu sonho. Foi como quando eu era criança, mas eu era mais velha e mamãe... Mamãe tinha ido matar todos os animais, rasgando suas gargantas e rindo. O tempo todo, eu apenas estava junto e olhava. Eu nunca sequer tentei impedi-la.
 
Girei minhas pernas sobre a beirada da cama e sentei lá quando meu estômago revirou. 
 
Ela vai continuar matando até encontrar você. 
 
Me levantei, sentindo minhas pernas estranhamente fracas. Foi por isso que Kain tinha vindo aqui? Mamãe sabia, de alguma forma, que eu iria procurá-lo e ele iria transmitir essa mensagem?
 
Não. Não era possível. Kain voltou ao Covenant, porque ele era...
 
Por que tinha de voltar a um lugar cheio de pessoas prontas para matá-lo?
 
Outra lembrança se destacou, mais brilhante que o resto. Era de Aiden e eu em pé na frente dos manequins na sala de treinamento. Eu perguntei o que ele faria se seus pais houvessem sido transformados.
 
— Eu os caçaria. Eles não iriam querer esse tipo de vida.
 
Eu apertei os meus olhos fechados.
 
Mamãe teria preferido morrer em vez de se tornar um monstro caçando cada criatura viva. E agora, ela estava lá fora, matando e caçando - esperando. De alguma forma, acabei na frente do meu armário, meus dedos à deriva sobre o uniforme do Covenant.
 
Então eu a encontraria e mataria eu mesma. Minhas próprias palavras queimaram em minha mente. Não havia dúvida do que precisava ser feito. Era louco e irresponsável - estúpido mesmo, mas o plano tomou forma. Fria determinação de aço caiu sobre mim, e eu parei de pensar.
 
Eu comecei a agir.
 
Era muito cedo para alguém estar percorrendo os corredores do Covenant. Somente as sombras dos guardas patrulhando se moviam sob o luar. Chegar ao armazém seguro atrás das arenas de formação não foi tão difícil quanto eu pensei que poderia ser. Os guardas estavam mais preocupados com eventuais fragilidades no perímetro. Uma vez lá dentro, eu encontrei meu caminho para onde eles guardavam os uniformes. Minhas mãos agarraram um uniforme e meu coração disparou quando eu rapidamente o vesti. Não precisava de um espelho para me dizer como eu estava - sempre soube que ficaria muito bem em um uniforme de Sentinela. Preto era uma cor muito lisonjeira para mim.
 
Os Hematoi usavam o elemento terra para disfarçar os uniformes para o mundo mortal não suspeitar que fossem de uma organização paramilitar. Para um mortal, o uniforme pareciam simples velhos jeans e uma camisa, mas a um meio-sangue, era um sinal da mais alta posição que um meio-sangue poderia obter. Só os melhores usavam esse uniforme.
 
Havia uma boa chance de esta ser a primeira e a última vez que eu iria vesti-lo. Se eu voltasse...  eu provavelmente seria expulsa. Se eu não conseguisse voltar, bem, isso era algo que eu não conseguia pensar.
 
Você vai fazer algo estúpido. 
 
Meus pés tropeçaram quando me lembrei do que Aiden tinha dito. Sim. Isto era muito estúpido. Como ele sabia? Meu coração virou. Aiden sempre soube o que eu estava pensando. Ele não precisava de um cordão azul ou uma palavra de um oráculo louco para me conhecer. Ele simplesmente conhecia.
 
Eu não podia pensar nele agora ou o que ele faria se descobrisse o que eu estava fazendo. Peguei um boné da prateleira de cima, torci o cabelo para cima, e puxei o boné para baixo de modo que cobriu parte do meu rosto.
 
Então voltei minha atenção para a sala de armas - um balcão único com praticamente qualquer faca mortal, arma e quase tudo o que esfaqueava e decapitava. Tão doente quanto era, eu estava animada por estar aqui. Não tinha certeza do que isso diria sobre mim como uma pessoa, mas, novamente, a matança era parte de ser um meio sangue, tal como era parte de um daimon. Ninguém do nosso tipo poderia escapar - somente os puros podiam.
 
Optei por dois punhais. Um eu enganchei no lado da minha coxa direita, e o outro diminuiu de seis polegadas para duas com um simples toque de um botão no punho. Eu coloquei esse em meu bolso ao longo da costura da minha calça. Peguei uma arma e a carreguei.
 
Balas com invólucro de titânio. Coisas mortais aqui.
 
Com um último olhar para a sala da morte e desmembramento, dei um pequeno suspiro e fiz o que tanto Caleb e Aiden provavelmente temiam. Deixei a segurança do Covenant.
 
Caramba. Meu disfarce funcionou.
Fiquei nas sombras na maioria do tempo, recusando pensar sobre as minhas ações. Enquanto eu cruzava a primeira ponte, os Guardas simplesmente assentiram. Um até mesmo assoviou, obviamente me confundindo por alguém com idade legal.
Enquanto navegava pelas ruas vazias da ilha principal, pensei sobre as vezes que eu matei. Eu tinha duas mortes de daimon no meu cinto. Podia fazer isso. Mamãe não seria diferente.
Ela não podia ser diferente.
Sendo um daimon jovem, ela teria velocidade e força, mas ela nunca teve nenhum treinamento sério. Não como o tipo que eu havia tido. Eu seria mais rápida e mais forte do que ela. Aiden havia praticamente enfiado este fato dentro de mim através de socos; os daimons recém transformados estariam apenas preocupados com uma coisa: drenar. Com três meses, ela seria considerada uma novata... um bebê daimon.
Teria que atacar enquanto ela parecia ainda um daimon, antes que a magia elementar a cobrisse e ela parecesse igual... a mamãe.
A ponte principal provava ser um pouco mais difícil de cruzar, mas agradecidamente, aqueles Guardiões não tinham muito contato com os estudantes. Nenhum deles me reconheceu, mas eles queriam conversar. Me atrasou o suficiente para fazer a minha confiança tremer.
Até que um disse. — Esteja segura e volte, Sentinela, — e deu um passo para o lado.
Sentinela. Sempre foi o que eu quis ser depois da graduação, pegar uma rota mais proativa em lidar com os Daimons ao invés de guardar os puros ou suas comunidades.
Mais uma vez, fiquei nas sombras enquanto fazia meu caminho ao redor dos barcos de pesca e barcos de cruzeiro. Os moradores da Ilha Bald Head estavam acostumados com o pessoal “intensamente privado” da Ilha Divindade, mas havia algo sobre nós que eles sentiam. Eles não sabiam o que era que os fazia se afastar ao mesmo tempo que queriam ficar perto de nós.
 Viver entre os mortais por três anos foi realmente uma experiência horrível para mim. Os adolescentes queriam ficar próximos de mim enquanto seus pais diziam que eu era um “daqueles jovens” de quem que eles precisavam se afastar. O que seja que isso signifique.
Me perguntei o que aqueles pais iriam pensar se eles soubessem exatamente o que eu era... uma quase treinada máquina de matar. Acho que eles estavam certos por exigir que suas crianças ficassem longe.
Quando deixei as docas, permaneci nas laterais dos prédios.
Não estava certa de onde ir, mas tinha uma sensação que não iria muito longe. E eu estava certa. Cerca de dez minutos no que eu me referia amavelmente como um mundo normal, escutei rápidos passos atrás de mim. Me virei para encarar o que seria o meu invasor, arma na mão e nivelada.
— Caleb? – senti algo entre descrença e alívio.
Ele estava a alguns metros atrás de mim, olhos azuis arregalados e braços erguidos. Ele estava com uma calça de pijama, uma camiseta branca, e chinelos. — Abaixe sua arma! — ele sibilou. — Deuses. Você vai acidentalmente atirar em mim ou algo assim.
Abaixei a arma e peguei o braço dele, arrastando-o para um beco. — Caleb, o que você está fazendo aqui? Você está louco?
— Eu podia te fazer a mesma pergunta. – Ele me olhou feio. — Eu estava te seguindo, obviamente.
Balancei minha cabeça e enfiei minha arma de volta na cintura da minha calça. Eu esqueci o coldre - vá saber. — Você precisa voltar para o Covenant. Agora. Droga, Caleb! O que você está pensando?
— O que você está pensando? — Ele me olhou com raiva enquanto atirava a questão de volta para mim. — Eu sabia que você iria fazer algo incrivelmente estúpido. Foi por isso que eu nem dormi. Sentei ao lado da minha maldita janela e esperei. E eis que eu vejo o seu traseiro louco saindo de fininho pela quadra!
— Como no inferno você passou pelos Guardiões com seu pijama do Mario Brothers?
Ele olhou para si mesmo, dando de ombros. — Tenho minhas maneiras.
— Suas maneiras? — Eu não tinha tempo para isso. Desviando dele, eu apontei na direção da ponte. — Você precisa voltar pra lá, onde é seguro.
Ele cruzou os braços no peito teimosamente. — Não sem você.
— Oh, pelo amor dos deuses! — Meu humor estourou. — Eu não preciso disso agora. Você não entende.
— Não comece com essa merda de “eu não entendo”. Isso não é sobre entender nada! Isso é sobre você ser morta! Isso é suicídio, Alex. Isso não é corajoso. Não é esperto. Isso não é sobre dever ou alguma culpa equivocada que você...
Seus olhos se arregalaram de novo quando algo pousou a uns dois metros de mim. Eu me virei, e ao mesmo tempo, Caleb agarrou a adaga das minhas calças enquanto eu puxava a arma.
Era ela.
Ela estava parada lá, no meio do beco. Era ela... exceto que não era. Tinha o cabelo longo e escuro dela que caía em ondas suaves, emoldurando seu pálido e medonho rosto – aquelas maçãs do rosto salientes e lábios familiares. Mas escuridão existia onde seus olhos deveriam estar. Veias escuras cobriam seu rosto, e se ela sorrisse, haveria uma fila de dentes afiados nojentos em sua boca.
Era minha mãe... transformada num daimon.
O choque de vê-la... ver seu rosto lindo e adorável retorcido em uma máscara grotesca... fez meu braço vacilar, meu dedo tremer em cima do gatilho. Era ela... mas não era.
Eu sabia que de onde ela estava, de jeito nenhum ela poderia se defender contra um tiro no peito. Eu tinha a vantagem com a minha arma cheia de balas de titânio... um clipe inteiro delas, na verdade. Eu podia acabar com ela aqui mesmo e tudo isso chegaria ao fim.
Ela não se moveu, nem um centímetro.
E agora ela parecia com a mamãe. A magia Elemental encobria o daimon nela, e ela me encarava com aqueles olhos brilhantes de cor de esmeralda. Seu rosto ainda estava pálido, mas não estava mais coberto com veias grossas. Ela parecia exatamente a mesma da noite em que foi transformada... sorrindo para mim, segurando meu olhar com o dela.
— Lexie, — ela murmurou, mas eu a ouvi em alto e bom som. Era a voz dela. Só ouvi-la fiz coisas maravilhosas e horríveis para mim.
Ela era linda, estonteante, e bem viva... daimon ou não.
— Alex! Faça! Faça...! — Caleb gritou.
Uma rápida olhada atrás de mim confirmou que mamãe não estava sozinha.
Outro daimon de cabelos escuros tinha uma mão ao redor do pescoço do Caleb. Ele não se moveu para matá-lo ou marcá-lo. Ele simplesmente o segurou.
— Lexie, olhe para mim.
Incapaz de negar o som da voz dela, eu me virei de volta para ela. Estava mais perto... perto o bastante para que uma bala deixasse um buraco em seu peito. E perto o bastante para que conseguir sentir uma fragrância de baunilha... seu perfume favorito.
Meu olhar passou por seu rosto, cada linha dele familiar e linda para mim. Enquanto eu encarava seus olhos, me lembrei das coisas mais fortes. Memórias dos nossos verões juntos, o dia que ela havia me levado para o zoológico e me disse o nome do meu pai, o olhar em seu rosto quando ela me contou que nós precisávamos deixar o Covenant, e a aparência dela estendida no chão do seu pequeno banheiro.
Vacilei. Não conseguia recuperar a minha respiração enquanto encarava aqueles olhos. Esta era a minha mãe... minha mãe! Ela havia me criado, me tratado como se eu fosse a coisa mais preciosa do mundo.
E eu tinha sido o tudo dela... sua razão de viver. Eu não conseguia me mexer.
Faça! Ela não é mais a sua mãe! Meu braço tremeu.
Faça! Faça!
Um grito de frustração me perfurou e o meu braço caiu para o lado. Segundos, somente segundos se passaram e, no entanto, parecia uma eternidade. Eu não conseguia fazer.
Seus lábios se curvaram em um sorriso presunçoso. Caleb deu um grito atrás de mim, e então dor explodiu ao longo da minha têmpora. Eu escorreguei na escuridão doce do esquecimento.
 
Acordei com uma dor de cabeça lancinante e um gosto amargo e seco na minha boca. Demorei alguns minutos para me lembrar do que havia acontecido. Uma mistura de horror e desapontamento me fez levantar repentinamente, em alerta apesar da dor pulsante radiando pelo meu rosto. Eu toquei a minha cabeça ansiosamente, sentindo um nó do tamanho de um ovo.
Zonza, eu olhei ao redor para o quarto esplendorosamente decorado. As paredes de cedro, a grande cama coberta com lençóis de cetim, a televisão de plasma, os móveis artesanais, tudo isso parecia familiar para mim. Era um dos quartos das cabanas onde nós costumávamos visitar, aquela onde eu havia dormido meia dúzia de vezes. Um vaso de flores de hibisco roxo estava ao lado da cama... a favorita da mamãe. Ela tinha um fraco por flores roxas.
Choque e desalento me inundaram. Eu me lembro deste quarto. Oh, deuses. Isso não era bom. Não.
Eu estava na maldita Gatlinburg, Tennesseee... mais do que cinco horas de distância do Covenant. Cinco horas. Pior ainda, eu não vi o Caleb. Me arrastando até a porta, eu pausei e escutei. Nem um som. Eu olhei para as portas de vidro que levavam para a varanda, mas não tinha como ir embora. Eu tinha que encontrar o Caleb... se ele ainda estivesse vivo.
Eu sufoquei este pensamento. Ele tinha que estar vivo.
Não tinha outro jeito.
Claro, minha arma havia sumido e Caleb havia levado a minha adaga. Não havia nada neste quarto que eu podia usar como arma. Se eu começasse a quebrar as coisas, iria chamar atenção, e não era como se estas coisas pudessem ser transformadas em armas. Qualquer coisa que pudesse ser feita de titânio havia sido removida.
Tentei a maçaneta e a encontrei destrancada. Avancei pela porta aberta e olhei em volta. O sol nasceu lá fora, empurrando as sombras para longe da sala e da cozinha. Uma grande mesa redonda estava no meio da sala, cercada por seis cadeiras iguais. Duas das cadeiras haviam sido puxadas para trás, como se elas estivessem sido ocupadas. Diversas garrafas vazias de cerveja descansavam na superfície de carvalho esculpido. Daimons bebiam cerveja? Eu não tinha ideia. Havia dois sofás grandes, novos cobertos com um tecido chique marrom.
Do outro lado da sala, a televisão estava ligada, mas muda... uma daquelas grandes de tela fina, presa na parede. Eu fui até a mesa e peguei a garrafa de cerveja. Não mataria um daimon, mas pelo menos era uma arma.
Um grito abafado atraiu minha atenção para um dos quartos dos fundos. Se eu me lembrava direito, havia mais dois quartos, outra sala de estar, e uma sala de jogos. Todas as portas estavam fechadas. Eu me arrastei para mais perto, congelando quando o som veio novamente do quarto principal.
Apertei a garrafa na minha mão e murmurei um xingamento baixinho. Não tinha certeza para qual deus eu estava rezando, mas eu realmente esperava que um deles respondesse. Então chutei a porta. As dobradiças guincharam e abriram quando a madeira ao redor da maçaneta se despedaçou. A porta se abriu.
Minha respiração ficou presa na minha garganta por causa do pesadelo se revelando perante a mim. Caleb estava preso à cama. Um daimon loiro estava em cima dele, suas mãos calejadas cobrindo a boca dele e segurando-o enquanto ele mordia o seu braço. Os sons que o daimon fazia enquanto ele drenava o sangue do Caleb para chegar ao éter me horrorizaram.
Com o som dos meus gritos cheios de raiva, o daimon ergueu sua cabeça. Seu olhar vazio me penetrou. Eu me lancei da porta, com a garrafa erguida bem alta no ar. Não o mataria, mas eu iria fazer doer.
Exceto que isso nunca aconteceu.
Estava tão distraída pelo que o daimon estava fazendo com o Caleb, que não verifiquei o quarto. Estúpida. Mas droga, estas eram os tipos de coisas que eu havia perdido quando eu deixei o Covenant. Apenas sabia como agir e lutar. Não pensar.
Alguém me agarrou por trás. Meu braço foi torcido para trás até que eu derrubei a garrafa no chão. As duas cadeiras que estavam afastadas da mesa apareceram na minha frente. Eu devia ter visto isso acontecer. Lutar se provava inútil nesta posição, mas eu ainda chutei e tentei arrancar o meu corpo para longe. Somente fez com que o daimon apertasse mais o seu controle até que se tornasse doloroso.
— Calma. Calma. Daniel não vai matar o seu amigo. — A voz veio detrás da minha orelha. — Não ainda.
Daniel sorriu, mostrando uma fileira de dentes manchados de sangue. Em um piscar de olhos ele estava na minha frente, inclinando a cabeça para o lado. O deslumbramento assumiu, revelando características de puro-sangue.
Ele teria sido lindo se não fosse pelos filetes de sangue pingando de seu queixo.
O corpo do Caleb tremeu por alguns segundos. Réplicas da mordida... eu saberia. Seus braços nus revelaram não uma, mas duas mordidas de daimon. Furiosa, eu gritei para o daimon na minha frente. — Eu vou te matar!
Daniel riu e limpou o queixo com as costas da mão. — E eu vou adorar saborear você. — Ele me cheirou. - literalmente me cheirou. — Eu quase posso saboreá-la agora.
Eu chutei, acertando-o no peito. Ele deu uns dois passos para trás, atingindo a cama. Caleb gemeu e tentou se sentar. Daniel deu um soco no Caleb. Eu gritei, lutando como um animal raivoso, mas o daimon me acertou e eu caí no chão.
E então eu estava voando, mas ninguém estava me tocando. Eu atingi a parede com tanta força que o gesso rachou, juntamente com o que pareceu ser todos os ossos do meu corpo. Lá eu fiquei, presa com os pés pendurados a vários metros do chão. O daimon controlava o elemento de ar - algo mais que eu não aprendi a me defender contra.
— Você precisa aprender a ser boazinha. Vocês dois. — O outro daimon ergueu sua mão. Ele tinha um sotaque sulista - suave e intenso. Ele se aproximou de onde eu estava e deu um tapinha no topo do meu pé. Era o daimon do beco, o de cabelo escuro que havia estado com a mamãe. — Nós ficamos com fome, sabia? E com você aqui... bem, isso corrói as nossas entranhas. É como um fogo dentro de nós.
Eu tentei me afastar da parede, mas não me movi. — Fique longe dele!
Ele me ignorou, andando até o corpo imóvel do Caleb. — Nós não somos Daimons novos de jeito nenhum, mas você... torna difícil resistir ao apelo do éter. Só uma dose. É tudo o que queremos. — Ele percorreu as pontas dos dedos no rosto do Caleb. — Mas nós não podemos. Não até que a Rachel retorne.
— Não toque nele. — Eu mal reconheci a minha própria e baixa voz.
Ele olhou de volta para mim e acenou com a mão como se estivesse pensando em algo mais. Eu atingi o chão primeiro com os pés, e então caí de joelhos. Ignorei a maneira como os músculos do meu estômago se tencionaram e me ergui de pé. Sem pensar em nada a não ser tirá-lo de perto do Caleb, eu corri até ele. O daimon de cabelo escuro balançou a cabeça e simplesmente jogou seu braço para cima.
Meu corpo atingiu a parede, derrubando diversas pinturas no chão. Isso... isso não era nada como treinamento.
E desta vez eu não levantei.
Claramente incomodado, ele se afastou de Caleb. Avançou para mim, e eu gritei, golpeando-o. Ele pegou meu braço e então o outro, me erguendo de pé.
Com os dois braços inutilizados, eu tinha apenas as minhas pernas.
Aiden sempre elogiava os meus chutes, e com isso em mente, eu empurrei a parte superior das costas contra a parede. Usando os braços do daimon e a parede para me apoiar, empurrei as minhas pernas até o peito e chutei.
Eu o acertei bem no peito, e pelo olhar assustado em seu rosto, ele não estava esperando isso. Ele recuou diversos passos, e eu atingi o chão mais uma vez.
Daniel se levantou da cama e enfiou suas mãos no meu cabelo, puxando o meu pescoço para trás. Por um momento, uma sensação doentia de déjà vu me atingiu, mas não tinha o Aiden para me salvar agora... sem a cavalaria prestes a chegar.
Enquanto eu lutava com o Daniel, o daimon de cabelos escuros caiu na minha frente. Com suas mãos descansando em seus joelhos e o sorriso preguiçoso a mostra em seu rosto, ele parecia como se estivesse prestes a conversar sobre o tempo comigo.
Ele era casual desse jeito.
— O que está acontecendo aqui?
Daniel me soltou com o som da voz afiada e brava da minha mãe. Eu lutei para ficar de pé, me virando em direção a ela. Eu não pude evitar sentir a mistura de terror e amor me percorrendo. Ela estava parada no batente da porta, observando o estrago com um olhar crítico. Eu somente vi o deslumbramento. Eu não conseguia ver a forma verdadeira dela.
Eu estava tão ferrada.
— Eric? — Ela dirigiu sua careta para o de cabelos escuros.
— Sua filha... ela não está contente com o atual estado das coisas.
Eu não conseguia tirar meus olhos dela enquanto ela passava por cima de um pedaço de madeira quebrada. — É bom que minha filha não tenha um fio de cabelo faltando na cabeça dela.
Eric olhou para Daniel. — O cabelo dela está perfeitamente bem. Ela está bem. Como também o outro mestiço.
— Oh. Sim. — Ela se virou para o Caleb. — Eu me lembro dele. Ele é seu namorado, Lexie? Que doce dele vir junto de qualquer forma. Estúpido, mas doce.
— Mãe. — Minha voz se quebrou.
Ela se virou para mim com um sorriso - um grande, e lindo sorriso.
— Lexie?
— Por favor... — eu engoli. — Por favor, deixe o Caleb ir.
Ela estalou a língua e balançou a cabeça. — Eu não posso permitir isso.
Minhas entranhas se reviraram. — Por favor. Ele... apenas, por favor.
— Bebê, eu não posso. Eu preciso dele. — Ela esticou o braço e acariciou o meu cabelo, da maneira como ela costumava fazer. Eu recuei, e ela fez uma careta. — Eu sabia que você viria. Eu te conheço. A culpa e o medo iriam te devorar. O que eu não planejava era ele, mas eu não estou brava. Vê? Ele vai ficar.
— Você podia deixá-lo ir. — Meu queixo tremeu.
A mão dela foi até a minha bochecha. — Eu não posso. Ele irá garantir que você coopere comigo. Se você fizer tudo que eu te pedir, ele irá viver. Eu não vou matá-lo ou transformá-lo.
Eu não era estúpida o bastante para ter esperança. Havia uma pegadinha, provavelmente uma grande e terrível.
Ela deu um passo para longe, virando sua atenção para os dois Daimons. — O que vocês disseram para ela?
O queixo de Eric se levantou. — Nada.
Minha mãe assentiu. Sua voz era a mesma, mas eu percebi que enquanto ela falava, faltava o que na realidade tornava ela, ela mesma. Não havia suavidade, nem emoção. Era dura, sem emoção... não era ela. — Bom. — Ela me encarou mais uma vez. — Eu quero que você entenda uma coisa, Lexie. Eu te amo muito, muito mesmo.
Eu pisquei, recuando contra a parede. Suas palavras me machucaram mais do que qualquer golpe poderia ter feito. — Como você pode me amar? Você é um daimon.
— Eu ainda sou a sua mãe, — ela respondeu no mesmo tom sem emoção, — e você ainda me ama. É por isso que você não me matou quando você teve a chance.
Um ato e uma verdade que eu já estava me arrependendo, mas olhando para ela agora, eu podia apenas vê-la... mãe. Eu fechei os meus olhos, desejando que eu visse o daimon, o monstro dentro dela.
Quando eu abri os meus olhos, ela ainda era a mesma.
Seus lábios se torceram em um sorriso. — Você não pode voltar para o Covenant. Eu não posso permitir isso. Eu tenho que te manter longe de lá. Permanentemente.
Meu olhar caiu para o Caleb. Daniel se aproximou mais dele. — Por quê? — eu podia manter a minha postura contanto que o bastardo não o tocasse novamente.
— Eu preciso te manter longe do Apollyon.
Eu pisquei, sem esperar isso. — O quê?
— Ele vai tirar tudo de você. Seu poder, seus dons - tudo. Ele é o Primeiro, Lexie. Quer ele saiba ou não, ele irá drenar tudo de você para que ele possa se tornar o Assassino de Deuses. Não restará mais nada de você quando ele terminar. O Conselho... eles sabem disso. Eles não ligam. Tudo que eles querem é o Assassino de Deuses, mas Thanatos nunca permitirá que isso aconteça.
Eu recuei, balançando a minha cabeça. Mamãe estava totalmente louca.
— Eles não ligam para o que ele irá fazer contigo. Eu não posso permitir isso. Você entende? — Ela andou para frente, vindo parar na minha frente. – É por isso que eu devo fazer isso. Eu tenho que te transformar em um daimon.
O quarto girou por um momento, eu pensei que iria desmaiar.
— Eu não tenho outra escolha. — Ela pegou a minha mão, puxando-a para onde o seu coração batia. Ela a segurou lá. — Como um daimon, você será mais rápida e mais forte do que você é agora. Você será imune ao titânio. Você terá grande poder... quando você fizer dezoito anos, você será invencível.
— Não. — Eu tirei minha mão. — Não!
— Você não tem ideia de para o quê você está dizendo ‘não’. Eu pensei que tinha vivido antes, mas agora eu estou realmente vivendo. — Ela ergueu sua mão livre na frente do meu rosto, mexendo seus dedos uma, duas vezes. Uma faísca pequena saiu das pontas de seus dedos, e então seu corpo inteiro estava pegando fogo.
Eu recuei, mas seu aperto aumentou na minha mão.
— Fogo, Lexie. Eu mal podia controlar o elemento ar quando eu era uma purosangue, mas como daimon, eu posso controlar o fogo.
— Mas você está matando pessoas! Como isso torna tudo bem?
— Você se acostuma. — Ela deu de ombros despreocupadamente. — Você se acostumará.
Meu sangue congelou nas veias. — Você soa... malditamente louca.
Ela olhou para mim maliciosamente. — Você diz isso agora, mas você vai ver. O Conselho quer todo mundo acreditando que os Daimons não possuem alma, que são criaturas do mal. Por quê? Medo. Eles sabem que nós somos bem mais poderosos, e no final, nós ganharemos esta guerra. Nós somos como deuses. Não. Nós somos deuses.
Daniel praticamente lambeu seus lábios em antecipação enquanto ele me observava. Enjôo e medo me perfuraram, e eu balancei a cabeça. — Não. Não faça isso. Por favor.
— É a única maneira. — Ela se afastou, olhando de volta para mim por cima do ombro. — Não me faça te forçar a fazer isso.
Eu olhei para ela, me perguntando como eu pude ter hesitado lá no beco. Não havia nada sobre esta coisa na minha frente que era a minha mãe. Nada. — Você é malditamente louca.
Ela se virou, a expressão se endurecendo. — Eu te disse para não me forçar a fazer isso. Daniel!
Eu me empurrei para longe da parede enquanto Daniel agarrava Caleb, que gemeu enquanto ele começava a voltar a si. Mamãe me pegou antes que eu pudesse alcançá-los. O daimon abaixou sua cabeça até o braço dele.
Horror se revirou dentro de mim. — Não! Pare!
Daniel riu um momento antes dos seus dentes cortarem a carne.
Caleb derrapou sobre a cama, olhos ficando selvagens enquanto seus gritos aterrorizados enchiam a cabana. Eu empurrei minha mãe, mas eu não conseguia passar por ela. Ela era forte, tão incrivelmente forte.
— Eric, venha aqui.
Eric parecia estar mais do que feliz em agradar. Seus olhos escuros se acenderam de fome. Revulsão e medo me preencheram, e as minhas forças foram renovadas.
O aperto da minha mãe se intensificou ao redor da minha cintura. — Lembre-se do que eu te falei, Eric. Pequenas mordidas, a cada hora e nada mais. Se ela lutar com você, mate o menino. Se ela colaborar, deixe o menino em paz.
Eu fiquei gelada. — Não! Não!
— Sinto muito, bebê. Isso vai doer, mas se você não lutar com eles, tudo terminará logo. É a única opção, Lexie. Eu nunca seria capaz de controlar você de outra maneira. Você verá. Será para o melhor no final. Eu te prometo.
Então ela me empurrou para o Eric.
 
Assim mesmo.
Que cadela.
Eu gritei e corri de volta para ela quando Eric me puxou para seus braços. — Não os deixe fazer isso!
 
Ela levantou a mão. — Eric.
 
O daimon me virou. Eu chutei e ameacei todos os métodos possíveis de morte e desmembramento, mas não o detive. O daimon sorriu para mim através do meu discurso. Então os dedos apertaram e em um milésimo de segundo seus dentes se afundaram na carne macia do meu braço.
 
Fogo passou por mim. Recuei, tentando escapar do incêndio, mas ele seguiu os meus movimentos. Durante meus gritos, eu podia ouvir Caleb gritando e implorando para que eles parassem. Nem minha mãe nem o daimon prestaram atenção nele. A dor deslizou através de cada parte do meu corpo quando Eric continuou a drenar. A sala inclinou e havia uma boa chance de que eu fosse desmaiar.
 
— Basta. — ela murmurou.
 
O daimon levantou seu rosto. — Ela tem um gosto divino.
 
— É o éter. Ela tem mais nela do que um puro.
 
Eric me deixou ir então e eu caí de joelhos, tremendo. Não havia nada, absolutamente nada que me fizesse sentir assim. Mesmo os choques posteriores à marcação me tiraram o fôlego. Sem ar, fiquei lá até que o fogo se tornou nada mais que uma dor.
 
Só então me dei conta de que Caleb ficou em silêncio. Eu levantei minha cabeça e o vi olhando para mim. Havia uma expressão atordoada nos olhos, como se de alguma forma ele tivesse conseguido afastar-se deste lugar, deixou o seu corpo ou algo assim. Eu queria estar onde ele estava.
 
— Agora, isso não foi tão ruim, foi? — Mamãe agarrou meus ombros e me forçou contra a parede.
 
— Não me toque. — Minhas palavras saíram fracas e arrastadas.
 
Ela me deu um sorriso frio. — Eu sei que você está chateada, mas você vai ver. Vamos mudar o mundo juntas.
 
Daniel voltou para o lado de Caleb, mas ele não se mexeu. A forma como Daniel olhou para ele me fez pensar que ele queria fazer coisas ruins para Caleb. De repente, as palavras do oráculo voltaram para mim.
 
Um com um futuro brilhante e curto.
 
Caleb iria morrer. Horror obrigou-me a ir para a cama. Isto não podia estar acontecendo! Em um instante, Eric tinha me prendido contra a parede. Sangue - meu sangue - ainda manchava seus lábios. Uma vez que ele tinha certeza que eu não iria fugir de novo, me soltou e recostou-se com um meio sorriso presunçoso.
 
Enojada, eu afastei a minha própria dor e medo. — Mamãe... por favor, deixe Caleb ir. Por favor. Eu farei qualquer coisa. — E eu quis dizer isso. Não havia nenhuma maneira de eu deixar Caleb morrer neste lugar esquecido por deus. — Por favor, deixeo ir.
 
Ela estudou-me silenciosamente. — O que você faria?
 
Minha voz se quebrou. — Qualquer coisa. Só deixe-o ir.
 
— Será que você promete que não vai brigar comigo ou correr?
 
As palavras do oráculo continuavam se repetindo uma e outra vez, como um canto doente. Não havia como dizer quanto mais disso ele poderia aguentar. A cor de Caleb era um tom de giz, doentio. O que estava prestes a acontecer estava predestinado, não estava? Os deuses já viram isso? E se eu não quisesse lutar, eu iria ser transformada em um daimon.
 
Engoli o gosto de bile. — Sim. Eu prometo.
 
Seu olhar cintilou sobre Caleb e o daimon. Ela suspirou. — Ele permanece, mas já que você fez uma promessa, vou fazer-lhe uma. Eles não vão tocá-lo novamente, mas sua presença fará com que você cumpra sua promessa.
 
Tirado de seu torpor, Caleb freneticamente balançou a cabeça para mim, mas eu concordei novamente. Eu queria ele fora daqui, mas por agora, isto era o melhor que poderia fazer. Sentei-me em frente da cama com as costas pressionadas contra a parede, os olhos fixos em Caleb e Daniel. Eric tomou posição ao meu lado. Tudo que eu podia fazer era esperar que alguém estivesse procurando por nós agora. Talvez Aiden finalmente iria falar comigo ou iniciar a prática novamente. Talvez alguém tivesse procurado por Caleb e alguém no Covenant juntaria dois mais dois. Se não, em uma reviravolta horrível do destino, da próxima vez que eu visse Aiden ele iria tentar me matar.
 
E eu duvidava que ele fosse vacilar como eu.
 
Daniel se afastou de Caleb e olhou para a marca fresca no meu braço. Eu apertei os meus olhos fechados e virei minha cabeça. Em seguida era a vez de Daniel e eu tinha uma sensação de que ele ia torná-lo tão doloroso quanto possível. Meus olhos ardiam quando eu me empurrei contra a parede, desejando que eu pudesse de alguma forma desaparecer nela.
 
Uma hora chegou e passou, e meu corpo ficou tenso quando Daniel ajoelhou-se e arrancou meu outro braço do meu peito. Isso estava errado, muito errado. Não havia nenhuma maneira de me preparar para isso, e quando Eric colocou a mão sobre minha boca, Daniel mordeu em meu pulso.
 
Eu afundei contra a parede, cambaleando depois que ele acabou. Como um relógio, Daniel e Eric tomavam marcações em volta de mim. Mamãe tagarelava e falava sobre como iríamos erradicar os membros do Conselho, começando primeiro com Lucian. Nós, então, sentaríamos nos tronos e até mesmo os deuses se curvariam diante de nós. Viraríamos o jogo, dizia ela, e os Daimons reinariam sobre não apenas os purossangues, mas o mundo mortal, também.
 
— Nós vamos ter que derrubar o Primeiro, mas quando você for um daimon Apollyon vai ser mais forte que ele, melhor do que ele.
 
Mamãe estava realmente, absolutamente louca.
 
Eu aprendi sobre a sua drenagem. Talvez ela estivesse tentando me preparar para minha nova vida? Puros eram mantidos por dias, mestiços apenas por algumas horas, e os mortais, bem, eles os matavam para se divertir. Pena que não havia um puro que eu pudesse entregar aos Daimons agora. Isso pode parecer terrível, mas meus braços estavam cobertos de mordidas em forma de lua crescente, muito parecido com como a minha antiga instrutora havia sido marcada. E eu tinha pena dela - irônico.
 
A drenagem continuou. Pedaços do que eu era desapareciam com cada marca. Eu já não tentava me afastar quando Daniel mergulhava para baixo ou Eric se inclinava. Eu nem sequer gritava. E todo o tempo, ela ficou lá e assistiu tudo. Eu estava me perdendo para esta loucura doente, e minha alma estava ficando escura e desesperada.
 
Eventualmente, ela saiu para ir verificar as estradas. Nem uma vez ela se alimentou de mim. Eu supus que ela tinha se alimentado de um puro antes, mas quando ela saiu, eu imediatamente a quis de volta. Com a sua partida, Daniel se aproximou, e embora isso me fizesse querer vomitar, eu deixei-o chegar mais perto. De vez em quando, ele ia correr as pontas de seus dedos sobre meus braços, ao redor das marcas de mordida. Pelo menos isso manteve sua atenção longe de Caleb.
 
— Já posso sentir. — murmurou Eric.
 
Eu tinha esquecido que ele ainda estava lá. Mesmo que estivesse marcando o inferno em mim, eu o preferia a Daniel. — Sentir o quê? — Minha voz soava sonolenta.
 
— O éter, estou zumbindo com ele. Quase como se eu pudesse fazer qualquer coisa. — Ele se aproximou e enfiou o dedo em uma das mordidas, fazendo-me estremecer. — Você o sente te deixando? Indo para mim?
 
Recusando-me a responder, eu abaixei minha cabeça aos meus joelhos dobrados. Ele parecia alto... e eu me sentia doente, a minha alma sentia-se mal. No momento em que Daniel inclinou o meu pescoço para trás, eu estava exausta e quase delirante da dor. Caleb não tinha se movido nem um pouco e Eric não precisava mais cobrir a minha boca. Só choraminguei quando os dentes perfuraram a pele na base do meu pescoço.
 
Eric soltou calmos ruídos quando Daniel me drenava, o polegar traçando o selvagem martelar do meu pulso. — Isso vai acabar logo. Você vai ver. Apenas um par mais de marcas, e vai estar terminado. Um novo mundo está esperando por você.
 
 Depois que Daniel terminou, eu caí para o lado. A sala se movia, inclinada. Era difícil me concentrar no que Eric estava falando.
 
— Nós vamos mudar os mestiços primeiro. Eles não podem ser identificados como nós. Eles não precisam de magia elementar. Em todo o mundo, vamos lançar o nosso ataque. Vai ser bonito. — Eric sorriu com o pensamento. — Os Covenants serão infiltrados... e então o Conselho.
 
Era um plano suficientemente bom, que poderia facilmente se tornar uma realidade assustadora. Eric não parecia incomodado com a falta de resposta na conversação. Ele continuou, e eu achei difícil manter os olhos abertos. O medo e a ansiedade tinham me derrubado. Eu cochilei. Por quanto tempo, eu não sei, mas algo sacudiu me acordando.
 
Cansada e confusa, eu levantei a cabeça a tempo de ver Daniel em pé na minha frente. Já tinha se passado outra hora? Era isso? Eu não poderia evitar me perguntar se eles estavam se preparando para a última mordida, a última gota de éter e o último pedaço da minha alma.
 
— Daniel, não está na hora.
 
— Eu não me importo. Você está recebendo mais do que eu. Você está praticamente brilhando. Olhe para mim! — Daniel fez uma careta. — Eu não me pareço com você.
 
Eric não estava brilhando, mas sua pele tinha tomado uma cor saudável. Ele parecia... como um puro-sangue normal. Daniel, por outro lado, ainda estava branco como folha.
 
Eric balançou a cabeça. — Ela vai te matar.
 
Daniel caiu na minha frente e enfiou a mão pelo meu cabelo, puxando minha cabeça violentamente. — Não, se ela não souber. Como saberia? Eu só quero mais um pouco.
 
— Não... o deixe. — Minha voz fraca saiu implorando, mas se Eric estava preocupado com o destino de Daniel, ele com certeza não demonstrou ou tentou parálo.
 
Havia um ponto no meu pescoço que ainda estava livre de mordida. Eu silenciosamente implorei para que ele não fosse lá. Eu não sei por que eu me importava neste momento, mas caramba, eu ainda tinha alguma vaidade.
 
— Ela provavelmente gostará disso. — disse Daniel. Um batimento cardíaco depois, ele cravou os dentes nesse ponto e seus lábios se moveram contra a minha pele. A dor me atravessou, fazendo-me enrijecer. Uma mão sua agarrava o meu cabelo e a outra estava amigável, deslizando sobre meu ombro e ainda mais para baixo.
 
Fora de tudo o que estava acontecendo, isso - isso era demais. Com toda a força que eu tinha em mim, eu levantei minhas mãos e cravei minhas unhas nas laterais do seu rosto.
 
Daniel recuou, uivando. Minha camisa rasgou no processo, mas o som - o olhar em seu rosto encheu-me com um senso de satisfação. Vergões profundos e com aparência de raiva se formaram em seu rosto, escorrendo com sangue fresco. Cegamente, ele atacou e me pegou no olho, derrubando-me para Eric.
 
— Inferno! — Eric saltou e eu comi o chão.
 
Me enrolei no meu lado e em posição fetal. Acima de mim, senti Eric empurrar Daniel para trás e gritar na cara dele, mas eu não estava escutando. Algo longo e fino escavou na minha coxa. Eu lentamente rolei, avançando os dedos para baixo até que se fechou sobre o objeto escondido na costura da calça.
 
A faca - a retrátil.
 
De repente, Eric me levantou e endireitou-me para que eu olhasse para ele. Algo molhado e quente correu para o lado do meu rosto, escorrendo de meu olho direito. Sangue. Não como se eu tivesse muito mais para que eu pudesse me dar ao luxo de perder.
 
Por cima do ombro, vi que Caleb estava acordado. Ele olhou para mim, e eu tentei enviar-lhe uma mensagem, mas Eric estava fazendo um bom trabalho de bloqueio. Da frente da casa, ouviu a porta se abrir e o clique dos saltos da minha mãe ressoaram pela cabine. Eric largou-me e se afastou. Meus lábios se curvaram em um sorriso triste. Ele sabia. Eu sabia.
 
Mamãe ia ficar puta quando desse uma olhada no meu rosto.
 
Ela entrou no quarto e seus olhos se estreitaram em mim. Em um segundo, ela estava ajoelhada na minha frente, inclinando minha cabeça para trás. — O que aconteceu aqui?
 
A perda de sangue e a exaustão confundiram meus pensamentos. Momentos se passaram enquanto eu olhava para ela. Não conseguia me lembrar onde eu estava ou como cheguei lá. Tudo que eu queria fazer era pressionar o meu rosto contra ela, para ela me abraçar e me dizer que tudo ficaria bem. Ela era minha mãe, e ela iria detê-los. Ela tinha que fazê-lo, especialmente algo tão vil, tão horrendo. — Mãe? Olha... olha o que eles me fizeram.
 
— Shh. — Ela alisou meu cabelo para trás do meu rosto.
 
— Por favor... por favor faça eles pararem. — Agarrei-a em um abraço fraco, querendo subir em seus braços, querendo que ela me abraçasse. Ela não o fez. Quando ela se afastou de mim, eu gritei e estendi a mão para ela.
 
Não. Essa - essa coisa na minha frente não era minha mãe. Minha mãe nunca teria virado as costas para mim. Ela teria me segurado, me confortado. Eu caí, piscando lentamente.
 
— Quem fez isso com o rosto dela? — Sua voz era tão fria, tão mortal e tão diferente da voz de minha mãe, mas ao mesmo tempo, ouvi algo em suas palavras. Reconhecendo o tom das muitas vezes que ela me repreendeu quando eu me metia em confusão - era o tom que ela usava bem antes de começar a gritar. Eric e Daniel não sabiam. Eles não conheciam minha mãe como eu.
 
— Quem você acha? — Eric zombou.
 
Ela apertou os lábios frios contra minha testa, e eu apertei os olhos fechados. Ela não era minha mãe. — Eu dei aos dois ordens explícitas. — Ela se endireitou, com os olhos caindo para Daniel.
 
Realidade revolveu em torno de mim mais uma vez e eu me ajoelhei. Eu não conseguia pensar mais nela, não podia vê-la como minha mãe. Tomei a minha decisão. Que se dane o destino. Meus olhos se encontraram com os de Caleb e eu acenei para ele com as costas de mamãe viradas para mim e murmurei as seguintes palavras: — Prepare-se. — Eu só podia esperar que ele entendesse.
 
— Isso é simplesmente inaceitável. — Esse foi o único aviso que ela deu. Ela lançou-se em Daniel, deixando-o mais afastado de Caleb. Os dois Daimons caíram no chão, balançando e atacando.
 
Aproveitei a oportunidade. Cambaleei para os meus pés e me aproximei de Caleb. Felizmente, ele entendeu a mensagem. Ele deslizou para fora da cama quando Eric foi atrás de Daniel, também. Eu cambaleei para os meus pés quando mãe ergueu Daniel. Ele era uns bons 30 centímetros mais alto que ela, mas ela jogou-o ao redor da sala como se fosse nada. Houve um momento em que eu não pude me mover. Sua força era chocante, não natural.
 
Tonta e com náuseas, eu tropecei para longe da sala com Caleb atrás. Corremos pela cabine e saímos pela porta da frente. A chuva batia no telhado, quase - mas não completamente - silenciando a crise, molhada e desleixada de dentro da casa. O som impulsionou nós dois para os trilhos. Esquecendo o quão alto as plataformas eram, eu bati no chão duro, caindo de joelhos.
 
— Lexie!
 
A voz de minha mãe empurrou-me para os meus pés. Olhando para o meu lado, vi Caleb fazer o mesmo. Corremos, meio que deslizando e meio caindo no morro lamacento. Galhos me batiam no rosto, puxando a minha roupa e meu cabelo, mas eu continuei correndo. Todo o tempo gasto no ginásio compensou. Os meus músculos empurravam apesar da dor e da falta de sangue.
 
— Alexandria!
 
Nós não fomos rápidos o suficiente. O grito assustado de Caleb me fez virar. Minha mãe agarrou-o por trás, jogando-o de lado. Choque cintilou em seu rosto antes de ele se chocar com uma árvore grossa. Eu gritei, recuando para onde ele tinha caído.
 
Uma barreira de chamas subiu, empurrando-me para trás. O incêndio destruiu tudo em seu caminho quando se espalhou. Caleb rolou para seu lado, mal escapando dele. Eu tropecei para trás quando o mundo queimava em chamas vermelhas e violetas. A chuva não fez nada para derrubar o fogo sobrenatural.
 
E então ela parou - alta e reta, como uma deusa terrível da morte. Por duas vezes eu não tinha conseguido ver isso. No beco na Bald Head e nos momentos anteriores na cabine, logo depois que eu percebi que tinha um punhal do Covenant no meu bolso.
 
— Lexie, você me prometeu que não iria correr. — Ela parecia surpreendentemente calma.
 
Será? Minha mão escorregou para o bolso lateral. — Eu menti.
 
— Eu cuidei de Daniel. Você não terá que se preocupar com ele. — Ela se aproximou. — Tudo vai ficar bem agora. Lexie, você deve sentar-se. Você está sangrando por toda parte.
 
Olhei para mim mesma. Correr tinha acelerado minha pulsação arterial. Eu podia sentir o sangue escorrendo pelos meus braços e pescoço. Era uma espécie de surpresa que eu tinha alguma sobra em mim. Pelo canto do meu olho, um lampejo de azul escuro disparou entre as chamas.
 
— Faça logo, Rachelle. Ela está fraca. — Fúria e impaciência coloriam as palavras de Eric. — Cuide dela e vamos dar o fora daqui!
 
Isso foi tão verdadeiro. Tonta e sem equilíbrio, um coelho poderia ser melhor que eu agora. — Não chegue mais perto.
 
Minha mãe riu. — Lexie, acontecerá em breve. Eu sei que você está com medo, mas você não tem nada com que se preocupar. Eu vou cuidar de tudo. Você não confia em mim? Eu sou sua mãe.
 
Eu voltei, parando quando senti o calor das chamas. — Você não é minha mãe.
 
Ela seguiu em frente. Em algum lugar distante, eu pensei ter ouvido meu nome sendo chamado. Era a voz de Aiden. Tinha que ser uma alucinação, porque nem Eric nem minha mãe reagiram ao som, mas mesmo que fosse apenas uma manifestação triste do meu subconsciente, deu-me força para continuar em pé. Meus dedos deslizaram sobre o punhal delgado. Como é que eles não viram isso? — Você não é minha mãe. — eu disse de novo, minha voz soando rouca.
 
— Bebe, você está confusa. Eu sou sua mãe.
 
Meu polegar escovou sobre o botão de liberação. — Você morreu em Miami.
 
Seus olhos tinham um brilho perigoso. — Alexandria... não há outra opção.
 
Espere, uma voz sussurrou na minha cabeça, espere até que suas defesas estejam baixas. Se ela visse a lâmina, estaria acabado. Eu precisava que ela acreditasse que ela tinha ganhado. Eu precisava dela vulnerável. Embora, a coisa estranha era, eu estava quase cem por cento certa de que a voz não me pertencia. Mas isso realmente não importava agora.
 
— Há outra opção. Você poderia simplesmente me matar.
 
— Não. Você vai se juntar a mim. — A voz dela parecia com a do quarto, logo antes de ela matar Daniel por me tocar. Quão confuso era isso? — E desde que você quebrou sua promessa, vou ter que matar o seu namorado. Isso é, se ele ainda não foi queimado vivo.
 
Tudo se resumiu a este momento. Morrer ou matar. Ser transformada em um monstro ou matá-la. A minha respiração não era suficiente. — Você já está morta. — eu sussurrei, — e eu preferia estar morta do que me transformar no que você é.
 
— Você vai me agradecer mais tarde. — Movendo-se desumanamente rápida, ela envolveu a mão pelo meu cabelo e empurrou minha cabeça para trás.
 
O punho da lâmina parecia estranho, errado mesmo. Sugando o ar, eu apertei o botão. Não havia muito espaço entre nós, mas eu ainda tinha meu braço entre nós. Não seria linear, não neste ângulo, mas mataria.
 
Você vai matar as pessoas que ama.
 
O destino estava certo sobre isso.
 
Minha mãe pulou para trás, a boca escancarada de surpresa. Ela olhou para baixo. Eu também. Minha mão estava alinhada com o peito dela, e a lâmina tinha afundado através de sua pele como o titânio sempre faz quando encontra a carne de um daimon.
 
Ela tropeçou para trás quando eu retirei o punhal. Seu rosto se contorceu e turvou. Olhos belos e brilhantes encontraram os meus e depois desapareceram. Como se um interruptor tivesse sido apertado, o fogo nos circulando deixou de existir.
 
Seu grito encheu a floresta e os meus gritos superaram os dela. Ela caiu, assim como minhas pernas se recusaram a cooperar. Nós duas nos dobramos dentro de nós mesmas, ao mesmo tempo, só que eu desmoronei em uma pilha bagunçada e ela dobrou em si mesma. Houve um momento, ele foi rápido, mas eu vi o brilho de alívio cruzar seu rosto. Naquele instante, ela era a mamãe. Ela realmente era. E então ela começou a descamar, desaparecendo até não sobrar nada além de uma fina camada de pó azul.
 
Eu cedi para a frente, descansando minha cabeça contra o chão úmido, vagamente consciente da corrida de Eric e da chuva martelando em mim. Meses de dor e perda giravam dentro de mim, invadindo cada célula, cada poro. Nada existia além da dor, um tipo diferente de ferida. As marcas e os hematomas desbotavam em comparação a ela. A angústia me consumia. Eu queria morrer exatamente como a mamãe tinha. Eu matei a minha mãe. Daimon ou não, eu tinha matado ela.
 
O tempo parou. Poderiam ter passado minutos ou horas, mas finalmente houve vozes. As pessoas chamavam meu nome, chamavam o de Caleb, mas eu não podia responder. Tudo parecia distante e irreal.
 
Então, mãos fortes me cercaram, me levantaram. Minha cabeça caiu para trás e chuva fria respingava em minhas bochechas. — Alex, olha para mim. Por favor.
 
Reconhecendo a voz, eu abri meus olhos. Aiden olhou para mim, o rosto pálido e esgotado. Ele parecia em dor quando seu olhar vagou sobre as muitas marcas de mordida. — Hey. — eu murmurei.
 
— Vai ficar tudo bem. — Sua voz tinha um tom desesperado de pânico. Ele correu os dedos molhados em meu rosto, pegando meu queixo. — Eu preciso que você mantenha seus olhos abertos e fale comigo. Tudo vai ficar bem.
 
Me sentia engraçada, então eu duvidava disso. Havia tantas vozes, algumas eu reconheci e algumas não. Em algum lugar eu ouvi Seth. — Onde está... Caleb?
 
— Ele está bem. Encontramos ele, Alex, fique comigo. Fale comigo.
 
— Você estava... certo. — Eu engoli, necessitando dizer alguma coisa para ele. — Ela ficou aliviada. Eu vi isso... 
 
— Alex? — Aiden permaneceu segurando-me ao seu peito. Senti seu coração trovejando em minha bochecha e então eu não senti absolutamente nada.
 
  Acordei encarando o brilho suave das luzes fluorescentes no teto. Eu não tinha certeza do que havia me acordado ou de onde eu estava.
 
— Alex.
 
Eu virei minha cabeça e encontrei seus olhos cinza claros. Aiden estava sentado na beirada da cama. Ondas escuras caíam sobre sua testa. Ele parecia diferente para mim. Sombras floresciam embaixo de seus olhos.
 
— Ei, — eu resmunguei.
 
Aiden sorriu aquele sorriso maravilhoso que era tão raro, tão lindo. Ele esticou o braço e com apenas as pontas de seus dedos, ele tirou algumas mechas de cabelo da minha testa.
 
— Como você está se sentindo?
 
— Ok. Eu estou... com sede. – Tentei limpar minha garganta de novo.
 
Ele se inclinou, a cama afundado um pouco enquanto ele pegava um copo da mesa de cabeceira. Ajudando-me a sentar, ele esperou enquanto eu engolia a água fria. – Mais?
 
Eu balancei minha cabeça. Sentando-me, eu tinha uma melhor vista do quarto estranho. Eu estava conectada a uma dezena de tubos, mas não estava no Covenant. – Onde nós estamos?
 
— Nós estamos no Covenant de Nashville. Nós não podíamos arriscar o tempo que nos tomaria para te levar de volta para Carolina do Norte.
 
Ele pausou, parecendo escolher suas próximas palavras. — Alex, porque você fez isso?
 
Eu me inclinei para trás e fechei meus olhos. — Estou em grandes problemas, não é?
 
— Você roubou um uniforme de Sentinela. Você também roubou armas e deixou a área sem permissão. Sem treinamento e despreparada, você foi embora para caçar sua mãe. O que você fez foi imprudente, tão perigoso. Você não pode ser morta, Alex. Então sim, você está com problemas.
 
— Eu meio que imaginei isso. – Eu suspirei, abrindo meus olhos.
 
— Marcus irá me expulsar agora, não é?
 
Simpatia brilhou em seu rosto. – Eu não sei. Marcus está bem chateado. Ele teria vindo aqui, mas ele está com o Conselho. Todo mundo está agitado sobre o que aconteceu com Kain e as implicações.
 
— Tudo mudou, — eu murmurei para mim mesma.
 
— Humm?
 
Eu respirei fundo. – Caleb não deveria estar em problemas. Ele tentou me parar, mas... onde ele está?
 
— Ele está aqui, em um quarto diferente. E ele está acordado faz um dia, perguntando por você. Está com duas costelas machucadas, mas ele ficará bem. Irá voltar mais tarde hoje, mas você precisará ficar aqui por mais um tempo.
 
Alívio me lavou. Eu relaxei contra os travesseiros fofos. – Por quanto tempo eu dormi?
 
Ele brincou com os cobertores, ajustando-os ao meu redor.
 
— Dois dias.
 
— Uau.
 
— Você estava bem mal, Alex. Eu pensei...
 
Eu olhei para ele, meus olhos encontrando os dele e permanecendo ali.
 
— Pensou o quê?
 
Aiden exalou suavemente. – Eu pensei... nós pensamos que havíamos te perdido. Eu nunca vi tantas mordidas em uma pessoa ainda... viva.
 
Seus olhos se fecharam brevemente. Eles estavam de uma cor surpreendente quando eles abriram... um lindo prateado. – Você me assustou. De verdade.
 
Havia dor no meu peito, um tipo de dor chata.
 
— Eu não tive intenção. Eu pensei...
 
— O que você pensou, Alex? Você realmente pensou? – Aiden abaixou seu queixo. Um músculo se franziu ao longo de sua mandíbula. – Não importa agora. Caleb nos contou tudo.
 
Eu tinha certeza que ele quis dizer que o ‘tudo’ havia sido seu falatório enlouquecido, os Daimons, e aquelas terríveis, terríveis horas no quarto. – Caleb não deveria ser punido. Ele realmente tentou me parar, mas nós fomos emboscados em um beco... e eu a vi. Eu deveria ter matado-a então, mas não consegui. Eu falhei, e eu poderia ter feito o Caleb ser morto.
 
Aiden me encarou novamente. – Eu sei.
 
Eu engoli. – Eu tive que fazer isso. Ela iria continuar matando, Aiden. Eu não podia ficar parada e esperar que os Sentinelas a encontrassem. Sim, foi estúpido. Olhe para mim. – Eu ergui meus braços enfaixados. – Eu sei que foi estúpido, mas ela era minha mãe. Eu tinha que fazer isso.
 
Aiden estava silencioso enquanto ele me olhava. – Por que você não veio até mim ao invés de sair correndo e fazer isso?
 
— Porque você estava ocupado com o que aconteceu com o Kain e você teria me parado.
 
Raiva acendeu seus olhos. – Pode apostar que eu teria te parado... evitado que isso acontecesse com você!
 
Eu recuei. – É por isso que eu não podia ir até você.
 
— Você nunca devia ter enfrentado o que você enfrentou. Nenhum de nós queria que você passasse por isso. O que você deve estar sentindo...
 
— Eu estou lidando. – Apertei a pressão repentina no fundo da minha garganta.
 
Ele correu a mão pelo cabelo. Parecia que ele havia feito isso diversas vezes nos últimos dois dias. – Você é tão tolamente corajosa.
 
Suas palavras me trouxeram de volta a memória da noite na cama dele. — Você já disse antes.
 
— Sim. E eu falei sério. Se eu apenas soubesse o quão tolamente corajosa você era, eu teria te trancado no teu quarto.
 
— Eu também imaginei isso.
 
Ele não disse nada para isso e nos sentamos em silêncio por um longo tempo.  Então ele começou a levantar. – Você precisa descansar. Eu venho te checar daqui a pouco.
 
— Não vá. Não ainda.
 
Aiden me encarou como se ele pudesse ler o que estava dentro de mim. – Eu sei sobre o que você quer conversar, mas agora não é hora. Você precisa ficar melhor. Então podemos conversar.
 
Meus dedos se apertaram na coberta. – Eu quero falar sobre isso agora.
 
— Alex. – Sua voz era suave.
 
— Aiden?
 
Seus lábios se retorceram com a minha resposta, mas então seus olhos encontraram os meus e os seguraram nas suas profundezas. — A noite... o que aconteceu entre nós foi... bem, não deveria ter acontecido.
 
Auch. Foi uma luta manter o meu rosto em branco e não mostrar o quanto estas palavras doeram.
 
— Você... se arrependeu? Do que aconteceu conosco? — Se ele disser sim, eu acho que morro.
 
— Por mais que tenha sido errado, eu não me arrependo. Eu não posso. — Ele desviou o olhar então, respirando fundo. — Eu perdi o controle, perdi a vista do que realmente era importante para você... para mim.
 
— Eu não estava reclamando.
 
Ele olhou para mim preocupado. – Alex, você não está tornando isso fácil.
 
Me endireitei mais, ignorando a maneira que os tubos puxavam os meus braços. — Por que eu deveria? Eu... gosto de você. Gosto de estar perto de você. Confio em você. Eu não sou ingênua e burra. Eu queria você. Ainda quero.
 
As mãos dele se apertaram contra a coberta enfiada ao redor das minhas pernas. — Eu não estou dizendo que você é ingênua ou burra, Alex. Mas... droga, eu quase destruí o futuro de nós dois em questão de minutos. O que você acha que teria acontecido se nós tivéssemos sido pegos?
 
Eu dei de ombros, mas eu sabia o que poderia ter acontecido. Não teria sido bonito. — Mas nós não fomos pegos. — Então algo me ocorreu. Talvez não tivesse nada a ver com as regras de verdade. — É porque eu sou a metade estranha do Seth? É por isso?
 
— Não. Não tem absolutamente nada a ver com isso.
 
— Então por quê?
 
Aiden me encarou como se ele pudesse de alguma forma me fazer entender apenas com o seu olhar. — Não tem nada a ver com você ser o Apollyon. Alex, você sabe que eu não te vejo como sendo diferente de mim, mas... o Conselho vai.
 
— Puros fazem isso... eles fazem isso o tempo todo e não são pegos.
 
— Eu sei que existem alguns puro sangues que quebram as regras, mas eles fazem isso porque eles não se importam com o que vai acontecer com a outra pessoa, e eu me importo com o que vai acontecer com você. — Seus olhos procuraram os meus intensamente. — Eu me preocupo mais do que eu deveria e é por isso que eu não vou te colocar nessa situação e ameaçar o seu futuro.
 
Desesperada, eu tentei procurar por uma maneira que nós pudéssemos fazer isso funcionar. Nós tínhamos que dar certo, mas o olhar no rosto do Aiden roubou o meu fôlego, meus protestos.
 
Ele fechou seus olhos e respirou fundo. — Nós dois precisamos ser Sentinelas, certo? Você sabe por que eu tenho que fazer isso. Eu sei por que você tem que fazer isso. Eu perdi o controle, esquecendo de ver o que sairia disso. Eu poderia ter terminado quaisquer chances que você pudesse ter de se tornar uma Sentinela, mas pior do que isso, eu poderia ter roubado o seu futuro. Não importa o que você é ou que você se tornará quando você fizer dezoito anos. O Conselho iria garantir que você fosse removida do Covenant, e eu... nunca me perdoaria por isso.
 
— Mas a Lei da Raça...
 
— A Lei da Raça não mudou, e com o conhecimento que os mestiços podem ser transformados, eu duvido que vá. Qualquer que seja o terreno que os mestiços ganharam foi perdido no momento que os Daimons descobriram que a sua raça pode ser transformada.
 
Bem... isso era depressivo, mas não tanto quanto isso.
 
Tudo sobre os momentos que nós dividimos tinha sido mágico, perfeito, e tão certo. De maneira nenhuma eu poderia ter confundido o olhar em seus olhos ou a maneira como ele me tocava.
 
Olhando para ele agora, eu sabia que eu ainda não confundiria aquele olhar de quase desespero, ou luxúria ou algo bem mais forte.
 
Eu tentei brincar. — Mas eu sou o Apollyon. O que eles podem realmente dizer? Aos dezoito, eu poderia apenas acabar com qualquer um que me cause problema.
 
Seus lábios se retorceram. — Isso não importa. Estas regras foram feitas desde o tempo que os deuses andavam entre os mortais. Nem mesmo o Lucian ou o Marcus iriam ser capazes de parar o que fosse acontecer. Eles te dariam o elixir e você seria colocada em servidão, Alex. E eu não poderia viver comigo mesmo sabendo  que teria causado isso a você. Ver você perder tudo que te torna quem você é? Eu não conseguiria suportar isso. E eu não poderia viver te vendo como o resto dos servos. Você tem muita vida para isso, muita vida para perder por mim.
 
Eu me movi para mais perto, minhas pernas roçando as mãos dele e o meu rosto a meros centímetros de seu rosto. Eu sabia que a minha aparência estava uma bagunça, mas eu também sabia que o Aiden via além disso. — Você não me quer?
 
Fazendo um gemido baixo em sua garganta, ele pressionou sua testa com a minha. — Você sabe a resposta para isso. Eu ainda... quero você, mas nós não podemos ficar juntos, Alex. Puros e mestiços não podem ficar juntos dessa forma. Nós não podemos esquecer disso.
 
— Eu odeio regras. — Suspirei, sentindo uma queimação na minha garganta de novo. Eu queria que ele me abraçasse desde o momento que eu havia acordado. E o nosso sangue nem permitia isso.
 
Ele soava como se quisesse rir, mas sabia que somente iria me provocar mais. Ele suspirou. — Mas nós temos que segui-las, Alex. Eu não posso ser a razão pela qual você perca tudo.
 
Regras podiam ir para o inferno. Havia apenas alguns centímetros entre nós, e se eu movesse um pouco mais, nossos lábios se tocariam. Eu me perguntei o que ele pensaria sobre o nosso futuro então. Se eu apenas o beijasse, ele se importaria com as regras? Sobre o que as pessoas achariam?
 
Quase como se ele tivesse sentido o que eu estava pensando, ele murmurou, — Você é tão imprudente.
 
A última vez que eu estive acordada, eu pensei que nunca sorriria de novo, mas eu sorri. — Eu sei.
 
Aiden se mexeu e pressionou seus lábios contra a minha testa.
 
Ele se demorou alguns segundos, e antes que eu pudesse fazer qualquer coisa, que era uma droga, porque eu estava me sentindo bem imprudente, ele se empurrou para longe. — Eu... eu sempre vou me importar contigo, mas nós não vamos fazer isso. Nós não podemos. Você entende?
 
Eu o encarei, sabendo que ele estava certo, mas ele também estava errado. Ele queria isso com a mesma força que eu, mas ele estava muito preocupado pelo que poderia acontecer comigo. Parte de mim gostava ainda mais dele por isso, mas o meu coração... bem, ele estava se quebrando. A única coisa que evitava que ele se despedaçasse completamente foi o olhar furtivo de desejo e o carinho que passou pelo rosto dele enquanto ele se afastava em direção à porta.
 
— Descanse um pouco, — ele disse quando eu não respondi. — Eu venho te ver depois.
 
Eu deslizei de volta na cama, mas então algo mais me ocorreu. — Aiden?
 
Ele parou, se virando. — Sim?
 
— Como vocês nos encontraram?
 
Seu rosto se endureceu. — Seth.
 
Confusa, eu me sentei de novo. — O quê? Como?
 
Aiden balançou sua cabeça de leve. — Eu não sei. Ele apareceu bem cedo de manhã... na manhã que você partiu... e disse que algo estava errado e que você estava em perigo. Eu verifiquei o seu quarto e vi que você tinha ido. Uma vez que estávamos na estrada, ele sabia onde te encontrar. De alguma forma, ele podia sentir onde você estava. Eu não sei como, mas ele sabia. Seth era a razão que nós fomos capazes de te encontrar.
 
Dois dias depois, eu retornei para o Covenant, cheia de sangue e fluído. Logo que eu cheguei, fui levada para a enfermaria para ser checada novamente. Aiden sentou ao meu lado enquanto o médico removia a gaze branca que cobria cada pedaço de pele exposta.
 
Desnecessário dizer, eu olhei para cima. Diversas marcas de lua crescente marcavam cada braço. Elas ainda estavam bem vermelhas e enquanto o médico fazia uma mistura de ervas que ‘deveria’ ajudar a minimizar as cicatrizes, eu vasculhei pelas gavetas.
 
— O que você está procurando? — Aiden perguntou.
 
— Um espelho.
 
Ele sabia o motivo. Algumas vezes, mesmo sendo irritante, era como se nós dividíssemos o mesmo cérebro. — Não está tão ruim, Alex.
 
Lancei um olhar por cima do ombro. — Eu quero ver.
 
Aiden tentou de novo fazer com que eu me sentasse, mas eu me recusei a ouvir até que ele se levantou e encontrou um pequeno espelho de plástico. Sem dizer uma palavra, ele o entregou para mim.
 
— Obrigada. — Eu ergui o espelho e quase o derrubei.
 
Roxo escuro cobria o meu olho direito e se espalhava na direção da linha do meu cabelo. Iria sumir em uns dois dias. Um olho roxo não era grande coisa. Eu gostava de pensar que parecia fodona com ele. No entanto, as marcas em cada lado do meu pescoço estavam horrendas. Algumas delas pareciam profundas, quase como se pedaços de pele tivessem sido arrancados e fundidos novamente juntos, a carne desigual e vermelha. A vermelhidão iria desaparecer, mas as cicatrizes deixadas para trás iriam ser profundas e óbvias.
 
Meus dedos se apertaram ao redor do cabo de plástico. — Está... eu estou horrível.
 
Ele estava imediatamente ao meu lado. — Não. Elas irão desaparecer, e antes que você perceba, ninguém nem irá notar.
 
Eu balancei minha cabeça. Eu não podia esconder isso... não todas elas.
 
— Além disso, — ele disse na mesma voz gentil, — estas são cicatrizes para você ter orgulho. Olhe o que você sobreviveu. Estas cicatrizes irão te deixar mais forte, mais linda no final.
 
— Você disse isso antes... sobre a primeira.
 
— Ainda penso igual, Alex. Eu juro.
 
Lentamente, eu abaixei o espelho no pequeno balcão e... eu quebrei.
 
Não eram as cicatrizes ou o que o Aiden havia dito. Era que aquelas cicatrizes sempre seriam um lembrete de... perder a mamãe em Miami. Todas as coisas horríveis que ela havia feito e permitido acontecer. E o que eu havia feito... matado-a. Eles eram soluços grandes e poderosos. O tipo em que eu não conseguia realmente respirar ou pensar. Eu tentei me recompor, mas falhei.   Me sentei no meio do consultório médico e chorei. Eu queria minha mãe, mas ela nunca iria responder, me confortar. Ela havia ido, realmente ido desta vez. Um buraco gigante se abriu em mim e o pesar, apenas saiu, e continuou vindo e vindo.
 
Aiden se ajoelhou ao meu lado, colocando os braços ao redor dos meus ombros curvados. Ele não disse uma única palavra. Ele apenas me deixou chorar, e depois de meses me forçando a apenas seguir em frente, toda a dor e mágoa haviam se acumulado em um maciço nó que finalmente se soltou.
 
Uma vez que eu havia chorado tudo, eu não tinha certeza de quanto tempo havia passado. Minha cabeça doía, minha garganta estava áspera, e os meus olhos inchados. Mas de uma maneira estranha, eu me sentia melhor, como se eu pudesse finalmente respirar de novo, realmente respirar. Todos estes meses, eu estive sufocando lentamente e eu nem havia percebido até ser tarde demais.
 
Eu funguei e fiz uma careta por causa da dor chata na minha nuca. – Lembra-se do que você disse sobre como os seus pais não teriam gostado de uma vida como aquela?
 
Seus dedos se moviam calmamente sobre os meus ombros tensos.
 
— Sim. Eu lembro.
 
— Ela também não. Eu vi apenas antes que ela... se fosse. Parecia aliviada. Ela realmente parecia.
 
— Você a libertou de uma existência horrível. É isso que a sua mãe iria querer.
 
Alguns minutos se passaram. Eu ainda não podia olhar para cima. – Você acha que ela está em um lugar melhor agora? – Eu perguntei, minha voz soando pequena.
 
— Claro que ela está. — Cara, ele realmente soava como se acreditasse nisso também. — Onde ela está... ela não está mais sofrendo. É o paraíso... um lugar tão lindo que nós nem podemos imaginar como deve ser.
 
Eu presumi que ele estava falando de Elysia... um lugar bem parecido com o céu. Eu respirei fundo e limpei os meus olhos. — Se alguém merece isso, é ela. Eu sei que parece ruim já que ela se tornou um daimon, mas ela nunca teria escolhido isso.
 
— Eu sei, Alex. Os deuses sabem também.
 
Lentamente, eu comecei a me recompor e fiquei de pé. — Sinto muito por... descarregar tudo isso em você. — Dei uma olhada furtiva nele.
 
Aiden fez uma careta. — Nunca sinta muito por isso, Alex. Eu já te disse antes, se você precisar de alguma coisa você pode vir até mim.
 
— Obrigada por... tudo.
 
Ele assentiu, dando um passo para o lado enquanto eu passava por ele.
 
— Alex? – Ele pegou um pote do balcão. O médico deve ter entrado em alguma hora. — Não esqueça isso.
 
Eu peguei o pote e murmurei o meu agradecimento. Com os olhos embaçados, eu o segui para fora e para o sol vívido. Ele machucou minha cabeça e os meus olhos, mas de uma forma, o sol ainda dava uma sensação boa na minha pele. Eu estava viva.
 
Nós ficamos parados um momento na calçada de mármore, nós dois encarando o pátio e o oceano além. Eu me perguntei o que ele estava pensando.
 
— Você vai voltar para o seu dormitório?
 
— Sim.
 
Nós não falamos sobre a nossa conversa em Nashville ou sobre a noite na casa dele, mas isso permaneceu na minha mente quando nós fizemos o nosso caminho para os dormitórios. Andando tão próximos como estávamos, era difícil não pensar sobre isso, mas quando eu pensei no Caleb, todos os pensamentos de romance... ou falta dele... sumiram. Eu realmente precisava vê-lo.
 
— Vejo você... por aí?
 
Aiden assentiu enquanto ele encarava o outro lado do pátio. Alguns mestiços estavam sentados nos bancos entre os dormitórios. Um puro estava com eles. Ela estava fazendo chover em um lugar. Meio legal.
 
Eu suspirei, enrolando. – Tudo bem...
 
— Alex?
 
— Sim?
 
Ele me encarou, um suave sorriso puxando seus lábios.
 
— Você ficará bem.
 
— Sim... eu estou. Eu acho que custa mais do que dois Daimons famintos para me derrubar, hein?
 
Ele riu, e o som quase tirou o ar do meu peito. Eu amava a maneira como ele ria. Eu olhei para ele, um pequeno sorriso puxando meus lábios. Como sempre, nossos olhos se encontraram e algo profundo se acendeu entre nós. Mesmo aqui, do lado de fora como nós estávamos, ainda estava lá.
 
Aiden deu um passo para trás. Não havia mais nada a dizer. Eu dei um pequeno aceno para ele e assisti até que ele desapareceu de vista, então eu passei pelo pátio e segui para o quarto do Caleb. Eu não estava preocupada por ser pega nos dormitórios dos meninos. Nós não tínhamos tido oportunidade de conversar desde que tudo aconteceu. Ele abriu a porta depois da primeira batida, vestindo calça de moletom e uma camiseta larga.
 
— Ei, — eu disse.
 
Ele sorriu e abriu um pouco mais a porta. O sorriso imediatamente se transformou em uma careta e ele pegou as suas laterais. — Droga. Eu continuou esquecendo de não me mover de uma certa maneira.
 
— Você está bem?
 
— Sim, minhas costelas estão apenas um pouco doloridas. Você?
 
Eu o segui de volta ao quarto e sentei de pernas cruzadas na cama. – Bom. Acabei de ser liberada pelo médico.
 
Ele se acomodou na cama ao meu lado. Um franzido atravessou o seu rosto enquanto ele me estudava. — São mordidas? Por que elas não se curaram iguais as minhas?
 
Eu olhei para os braços dele. Quatro dias depois e o único lembrete eram as costelas doloridas e uns duas cicatrizes pálidas pontuando seus braços. — Eu não sei. O médico disse que elas desapareceriam em alguns dias. Ele me deu um pote de coisa para passar nelas. — Eu dei um tapinha no meu bolso. — Está bem feio, não é?
 
— Não. Você meio que parece... como se eu tivesse que ter medo de você me dar uma surra ou algo assim.
 
Eu ri. — Isso é porque eu posso te dar uma surra.
 
Ele ergueu as sobrancelhas. — Alex, eu estava meio atordoado na floresta, mas eu te ouvi...
 
— Matá-la? — Eu me inclinei para trás e peguei um travesseiro. — Sim, eu matei.
 
A minha franqueza o fez recuar. — Eu... sinto muito. Eu queria saber o que dizer para tornar tudo mais fácil para você.
 
— Você não precisa dizer nada sobre isso. — Me esticando ao lado dele, eu encarei as estrelinhas verdes que estavam por todo o teto. À noite, elas brilhavam. — Caleb, sinto muito por ter te arrastado para essa bagunça.
 
— Não. Você não me arrastou para nada.
 
— Você não devia ter estado lá. O que o Daniel estava fazendo...
 
A mão dele se apertou ao meu lado. Eu não acho que ele me viu notar, mas eu notei. — Você não...
 
— Você não deveria estar lá.
 
Ele fez um aceno com a mão, me cortando. — Pare. Eu tomei a decisão de te seguir. Eu poderia ter ido até um dos Guardiões ou Sentinelas. Ao invés disso, eu segui você. Foi minha escolha.
 
Eu o encarei e vi que ele estava realmente falando sério. Ele parecia como se não estivesse dormindo bem. Eu desviei o olhar.
 
— Sinto muito... que você teve que passar por isso.
 
— Está tudo bem, certo? Olha. Para que servem os amigos se eles não podem dividir algumas horas de Daimons psicóticos? Nós podemos olhar para isso como uma experiência de vínculo.
 
Eu funguei. — Experiência de vínculo?
 
Ele assentiu e começou a me contar mais sobre os mestiços que o visitaram desde que ele voltou para o Covenant.
 
Quando ele mencionou a Olivia, ele ficou com aquele olhar de bobo em seu rosto. De repente eu me perguntei se ficava com aquele sorriso bobo no meu rosto quando eu pensava no Aiden. Deuses, espero que não.
 
— E daí uma biscate se esfregou na minha perna mais cedo, — Caleb continuou.
 
— O quê?
 
Ele riu, e então fez uma careta. — Você não estava me ouvindo.
 
— Desculpa. — Eu pisquei. — Eu meio que viajei um pouco.
 
— Eu percebi.
 
Eu então tive um caso maléfico de vomitar palavras. — Eu quase peguei o Aiden.
 
A boca do Caleb se escancarou. Ele demorou umas duas ou três tentativas para dizer algo coerente. — Você quer dizer que você quase o pegou tipo, digamos, com uma vara de pescar ou algo assim?
 
Minhas sobrancelhas franziram com a cena. — Não.
 
— Pegou ele com um soco no queixo então?
 
Eu balancei a cabeça.
 
Ele me encarou, seu rosto se drenando de toda a cor. — Alex, que diabos você estava pensando? Você está ficando louca? Você quer acabar na servidão? Uau. Oh, meus deuses, você é louca.
 
Eu me encolhi. — Eu disse que nós quase ficamos, Caleb. Relaxa.
 
— Quase? — Ele jogou seus braços, e então fez uma careta. — O Conselho... os Mestres nem quase se importam. Cara, e aqui estava eu pensando que o Aiden era legal. Malditos puros, eles não dão a mínima sobre o que acontece conosco. Arriscar o seu futuro inteiro só para entrar no meio...
 
— Ei. O Aiden não é assim.
 
Caleb olhou para mim maliciosamente. — Ele não é?
 
— Não. — Eu esfreguei os meus olhos. — O Aiden não vai arriscar o meu futuro. Confie em mim. Ele não é nada como o resto deles. Eu confio nele com a minha vida, Caleb.
 
Ele considerou isso em silêncio. — Como isso aconteceu?
 
— Eu não vou entrar em detalhes, seu pervertido. Foi algo que... apenas aconteceu, mas acabou. Eu tinha que contar para alguém, mas você tem que me prometer que você não dirá nada.
 
— Claro, não vou. Eu não posso acreditar que você até está se preocupando com
isso.
 
— Eu sei, mas eu me sinto melhor dizendo, não é?
 
— Você percebe o quão errado isso é?
 
— Sim mas... ele é tão diferente de qualquer puro que eu conheço. Ele nem pensa igual a eles. Ele é bondoso e realmente engraçado quando você começa a conhecê-lo. Ele não aguenta nenhuma merda minha, e eu meio que gosto dele por isso. Eu não sei. Aiden apenas me entende.
 
— E você percebe que tudo isso não significa nada? — Caleb disse. — Que isso não pode dar em nada?
 
Esse conhecimento machucava mais do que deveria, eu suspirei. — Eu sei. Nós podemos... falar sobre outra coisa?
 
Caleb ficou em silêncio, pensando só os deuses sabem o quê.
 
— Você viu o Seth?
 
Eu me apoiei sobre um cotovelo. — Não. Ele não foi me visitar quando eu estava em Nashville e eu não estive realmente em nenhum lugar hoje. Por quê?
 
Ele fez o melhor para dar de ombros. Com suas costelas machucadas, saiu meio torto. — Eu imaginei que você o veria já...
 
— Já o quê?
 
— Eu sei que eu estava entrando e saindo de consciência na cabana, Alex, mas sua mãe disse que você era outro Apollyon. — Ele me observou de perto.
 
O meu estômago se revirou e eu me deitei de volta na cama, em silêncio. Caleb ainda me observava. Esperando. Eu respirei fundo e disse para ele tudo apressadamente, parando apenas para respirar um pouco antes de dizer para ele que o Seth se tornaria o Assassino dos deuses. Quando acabei, Caleb me encarava como se eu tivesse três cabeças. — O quê?
 
Ele piscou e balançou a cabeça. — É só que... você não dever ser, Alex. Eu me lembro da aula de História e Civilização ano passado. Nós falamos sobre os Apollyons e o que aconteceu com Solaris. Isso é... uau.
 
— Uau não é exatamente a palavra que eu estava procurando. — Eu me ergui e cruzei minhas pernas. – Quer dizer, é bem legal. Certo? Aos dezoito anos, ou eu serei obliterada ou sugada até secar pelo Seth ao invés de legalmente poder comprar cigarros.
 
— Mas...
 
— Não que eu fosse fumar. Eu acho que eu poderia adquirir o hábito. Talvez, apenas talvez, eu ficaria energizada o suficiente para usar akasha, porque eu vi o Seth usar e foi malditamente legal. Eu gostaria de atingir um daimon ou dois com isso.
 
Caleb fez uma careta. — Você não está levando isso nem um pouco a sério.
 
— Ah, estou sim. Isso é o que eu gosto de chamar de me conformar com o impossível.
 
Ele não estava impressionado com a minha estratégia. — Você disse que Solaris foi morta porque o primeiro Apollyon atacou o Conselho, certo? Não por causa do que ela era?
 
Eu dei de ombros. — Então contanto que o Seth não enlouqueça, eu acho que estou bem.
 
— Por que a Solaris não o enfrentou?
 
— Porque ela se apaixonou por ele ou algo sem graça assim.
 
— Então não se apaixone pelo Seth.
 
— Eu realmente não acho que isso seja problema.
 
Ele não pareceu totalmente convencido. — Eu pensei que vocês dois pertenciam juntos ou algo assim?
 
— Não dessa forma! — Eu forcei minha voz a ficar mais calma. — É como se a nossa energia respondesse uma a outra. Não é nada mais do que isso. Eu apenas fui feita para... eu não sei, completá-lo. Quão sem graça é isso?
 
Ele me deu um olhar preocupado. — Alex, o que você vai fazer a respeito disso?
 
— O que eu posso fazer? Eu não vou parar de viver... ou desistir da minha vida, por causa do que possa acontecer. Algo realmente ruim pode resultar disso ou algo realmente bom... ou nada. Eu não sei, mas eu sei que eu vou me focar em ser uma... — Eu parei, surpresa pelas minhas próprias palavras. Uau. Era um daqueles momentos realmente maduros e raros da minha vida.
 
Droga. Onde estava o Aiden para testemunhar isso?
 
— Se focar no quê?
 
Um sorriso largo se espalhou em meu rosto. — Me focar em ser uma Sentinela fodona.
 
Caleb ainda não estava acreditando, mas eu falei da Olivia e ele foi distraído com sucesso. Eventualmente eu me levantei para ir embora. A caminho da saída, eu tive uma ideia. Meio que veio do nada, mas no momento que apareceu na minha cabeça, eu tinha que fazer.
 
— Você pode me encontrar amanhã a noite por volta das oito?
 
Seu olhar encontrou o meu. De alguma forma, eu acho que ele sabia o que eu iria perguntar, porque ele já estava assentindo. — Eu quero fazer... algo para a minha mãe. Eu apertei os braços ao redor da minha cintura. — Como um memorial ou algo assim. Quer dizer, você não é obrigado.
 
— Claro que eu vou estar lá.
 
Ficando vermelha, eu assenti. — Obrigada.
 
Ao retornar ao meu quarto, eu encontrei duas cartas presas na porta... uma do Lucian e uma do Marcus. Eu estava tentada a jogar as duas no lixo mas eu abri a do meu tio.
 
Foi uma coisa boa eu ter feito isso. A mensagem era simples, alta e clara.
 
Alexandria,
 
Por favor, venha me ver imediatamente.
 
Marcus.
 
Droga.
 
Eu joguei as duas cartas na mesinha na frente do meu sofá e fechei a porta atrás de mim. Meus pensamentos rodopiavam com o que Marcus poderia querer falar comigo. Meu, as possibilidades eram infinitas. A façanha que eu acabara de cometer, meu futuro no Covenant, ou todo o negócio de Apollyon. Bons deuses, eu poderia realmente ser expulsa e mandada para viver com o Lucien.
 
Como eu pude esquecer isso?
 
Quando eu finalmente cheguei no escritório dele, o sol já havia começado a descer sobre as águas, e a luz nebulosa enviava um arco-íris de cores cintilando sobre o oceano. Eu tentei me preparar parar a nossa reunião, mas eu não sabia o que o Marcus iria fazer. Ele iria me expulsar? O meu estômago se revirou desconfortavelmente. O que eu faria? Viveria com o Lucian? Entrar na servidão? Eu não poderia viver com nenhuma destas opções.
 
Os Guardas me deram um aceno curto antes de abrirem a porta para o escritório do Marcus e deram um passo para o lado. Meu sorriso era mais uma careta, mas exaltação se encheu dentro de mim quando eu reconheci quem estava ao lado da enorme massa que era o Leon.
 
Aiden deu um pequeno aceno, um sorriso reconfortante enquanto os Guardas fecharam a porta atrás de mim, mas o momento que eu virei para o Marcus, minha pele ficou gelada.
 
Ele parecia furioso.
Foi provavelmente a primeira vez que o vi demonstrar qualquer emoção extrema. Me preparei para o que eu pensava ser um grande festival de gritos.
— Em primeiro lugar, estou contente de ver que você está viva e não em pedaços. — Então, seu olhar caiu no meu pescoço e, finalmente, nos meus braços. — Ainda que sem um pedaço.
A raiva me atingiu, mas consegui manter minha boca fechada.
— O que você fez mostrou que não tem absolutamente nenhuma consideração com sua vida ou para com a vida dos outros…
 
— Eu tenho respeito pela vida de outras pessoas!
Aiden me lançou um olhar de aviso que dizia para eu calar a boca.
— Ir atrás de um daimon - qualquer daimon - inexperiente e despreparada é o máximo de um comportamento irresponsável e idiota. De todas as pessoas, você deve saber as consequências. Com o que você é, o que você vai se tornar, não posso salientar quão irresponsáveis suas ações são... — Marcus continuou, mas eu já não estava atenta nesse momento.
Em vez disso, me perguntei há quanto tempo Leon sabia o que eu era. Lucian disse que só ele e Marcus tinham tido conhecimento do que Piperi disse a minha mãe, mas um pensamento me ocorreu. Leon tinha sido o primeiro a vir em minha defesa, quando eles me trouxeram de volta ao Covenant. E se ele sempre soube? Olhei para meu tio, não prestando muita atenção ao que ele estava dizendo. Havia sempre a chance de não terem sido honestos comigo sobre quem sabia. Inferno, Lucian e Marcus não tinham sido honestos sobre um monte de coisas.
— Se não fosse por Seth, você estaria morta ou pior. E o seu amido Sr. Nicolo teria tido o mesmo destino.
Minha atenção se animou um pouco. Onde infernos estava Seth, afinal? Eu meio que esperava que ele se tivesse incluido nesta reunião.
— Você tem algo a dizer para si mesma?
— Um... — Dei uma rápida olhada em Aiden antes de responder. — Foi muito estúpido da minha parte.
Marcus arqueou uma sobrancelha perfeitamente preparada para mim. — É só isso?
— Não. — Balancei a cabeça. — Não deveria ter feito isso, mas eu não me arrependo.
Eu podia sentir os olhos de Aiden em mim. Engolindo em seco, me abaixei e coloquei as mãos na mesa de Marcus. — Lamento que Caleb tenha se machucado e o daimon fugido, mas ela era minha mãe, a minha responsabilidade. Você não entende, mas eu tinha que fazer isso.
Ele se recostou na cadeira enquanto me estudava. — Acredite ou não, eu entendo. Não faz suas ações justificáveis ou inteligentes, mas eu entendo a sua motivação.
Surpresa bati no encosto da cadeira, em silêncio.
— Alexandria, um monte de coisas mudaram. Com os Daimons capazes de transformar mestiços, é diferente a forma como devemos encarar cada situação. — Ele fez uma pausa, as pontas de seus dedos descansando sob o queixo. — O Conselho esta chamando uma reunião especial durante as sessões de Novembro, em Nova York, para discutir as ramificações. Desde que você é testemunha ocular dos seus planos, você irá. Seu testemunho vai ajudar a decidir como o Conselho vai agir contra esta nova ameaça.
— Meu testemunho?
Marcus assentiu. — Você estava a par de todos os planos dos Daimons. O Conselho precisa ouvir exatamente o que lhe foi dito.
— Mas foi apenas minha mãe... — Parei não tendo certeza do quanto Leon sabia.
Meu tio pareceu entender. — É altamente duvidoso que Rachelle tenha descoberto que mestiços podem ser transformados. É mais provável que ela tenha testemunhado outro daimon fazendo. Ela queria você... por suas próprias razões.
Ele tinha um bom ponto. Com base no que ela disse, deu a entender que havia algum grande plano, mais do que apenas uma banda alegre de psicopatas. E então havia Eric, ele ainda estava lá fora. Só os deuses sabem no que ele esteve se metendo.
— Há algo mais que precisamos discutir. — Ele tinha a minha atenção novamente. — Aiden contou-me que você progrediu o suficiente para continuar no Covenant. 
Ele pegou o arquivo temido e o abriu. Afundei no meu assento, lembrando da ultima vez que ele tinha dado uma olhada naquilo. 
— Você tem uma noção forte sobre as técnicas de defesa e combate ofensivo, mas eu vejo aqui que você não começou o treinamento de Silat ou defesa contra os elementos e ainda está muito atrás com seus estudos. Você nem mesmo teve uma aula sobre reconstrução ou técnica básica de proteção...
— Eu não quero ser uma Guarda. — apontei — E posso acompanhar as coisas da classe. Sei que posso.
— A sua vontade de ser ou não uma Guarda ou Sentinela ainda não é uma preocupação neste momento, Alexandria.
— Mas...
— Aiden concordou em continuar a sua formação. — Marcus arquivou o processo. — Ao longo do ano letivo. Ele acredita que com a sua ajuda e com o tempo que você gasta com os instrutores, você será plenamente capaz de alcançar a classe.
Tentei o meu melhor para não olhar Aiden, mas quase sai da minha cadeira. Uma vez que as aulas começassem, Aiden não tinha que continuar a me treinar. Ele era um Sentinela em tempo integral. Dar o seu tempo livre para mim tinha que significar alguma coisa.
— Tenho que ser honesto, Alexandria. Eu não tenho certeza se será suficiente, mas tenho que levar em consideração tudo o que tem feito recentemente. Mesmo sem todo o treinamento e experiência em sala de aula, você provou que sua habilidade é... além de nossos Sentinelas experientes.
— Mas, espere. O quê?
Marcus sorriu, e não era falso ou frio. Naquele momento, ele me lembrou muito da minha mãe e eu não podia lutar contra a forma como a parede proverbial entre nós abriu. No entanto, as palavras seguintes explodiram a barreira em pedaços. — Se você puder se formar na primavera, estou confiante de que irá ser uma excepcional Sentinela.
Atônita, eu o olhava. Eu esperava que ele tentasse me mandar de volta para Lucian, então eu estaria sob o controle do Conselho bem antes de completar 18, mas foi o fato de Marcus me ter elogiado que me chocou. Finalmente encontrei a minha voz. — Então... eu posso ficar?
— Sim. Depois do inicio das aulas, você vai precisar gastar tempo extra para alcançar os outros. 
Uma pequena parte de mim queria pular e abraçar o homem, mas a reação seria tão pouco legal. Então segui totalmente calma. — Obrigada.
Marcus assentiu. — Trabalhei um acordo com Aiden para dividir o treinamento com Seth. Nós dois concordamos que seria o melhor. Há coisas em que Seth será... mais adequado com o tempo.
Estava demasiado feliz por ter sido permitida ficar para me preocupar sobre o tempo que teria obrigatoriamente que passar com Seth. Após três anos no limbo no que se referia ao meu futuro, eu mal podia conter o alívio e emoção correndo através de mim. Acenei com a cabeça avidamente quando Marcus delineou um plano para me colocar a par dos estudos e como eu iria alternar dias entre Aiden e Seth.
 
Quando o meu encontro com Marcus acabou, eu ainda queria abraçá-lo. — É só isso?
 
Seu olhar esmeralda pousou em mim. — Sim... Por agora.
 
Um largo sorriso irrompeu no meu rosto. — Obrigada, Marcus.
 
Marcus assentiu, e ainda sorrindo, eu me levantei. Lá fora, Aiden e eu trocamos olhares aliviados antes de eu fechar a porta atrás de mim. Saltitei para fora do edifício principal e todo o caminho para meu dormitório. Não conseguia tirar o sorriso do meu rosto. Tais coisas terríveis que tinham acontecido, mas apesar de tudo, as coisas estavam começando a melhorar.
 
Uma vez dentro do meu quarto do dormitório, chutei os sapatos e tirei minha blusa. Meu top de baixo ficou preso na blusa durante o processo. Virei e puxei minha blusa.
 
— Por favor, não pare apenas com a blusa.
 
— Santa merda! — Apertei meu peito com surpresa.
 
Seth estava sentado na minha cama, as mãos cruzadas no colo. Seu cabelo caía solto em volta do rosto. Havia um sorriso diabólico nos lábios que dizia que ele tinha tido totalmente um vislumbre do meu sutiã.
 
— O que você está fazendo aqui?— Quase como uma reflexão tardia, acrescentei: — E na minha cama? 
 
— Esperando por você.
 
Eu olhei para ele. Parte de mim queria que Seth saísse, mas eu também estava curiosa. Sentei-me ao lado dele, passando minhas mãos sobre os topos das minhas coxas. Eu não estava exatamente nervosa, mas me sentia um pouco alterada. Seth foi o primeiro a quebrar o silêncio estranho que se espalhou entre nós. 
 
— Você parece horrível.
 
— Obrigada. — Eu gemi e segurei meus braços. As manchas vermelhas arroxeadas cobriam cada pedaço dos meus braços, mas eu sabia que meu pescoço... Bem, estava ruim. Por alguns minutos, eu tinha esquecido sobre isso. — Eu realmente aprecio você apontar isso.
 
Seth inclinou a cabeça para mim e encolheu os ombros. — Eu já vi pior. Havia uma Sentinela que ficou encurralada uma vez, em Nova York. Realmente era uma menina bonita, um pouco mais velha que você, e decidiu que tinha de ser uma Sentinela em vez de  Guarda. Um daimon deu uma mordida em seu rosto, só para provar…
 
— Ugh. Ok. Eu sei o que você está dizendo: que poderia ser pior. Tente dizerme quando  não parecer que eu fui para a terceira base com um vampiro. Então, por que você está aqui? 
 
— Eu queria falar com você. 
 
— Sobre? — Olhei para os meus pés e mexi os dedos dos pés.
 
— Nós.
 
Cansada, levantei a cabeça e olhei para ele. — Não há…
 
Ele estendeu a mão e colocou um dedo sobre os meus lábios. — Eu tenho algo realmente importante a dizer sobre esse assunto, e depois se você me der uma chance de dizer isso, eu não vou forçar ou voltar a falar disso novamente. Ok?
 
Eu deveria ter afastado a sua mão, exigido que ele saísse, ou pelo menos, me recostado. Em vez disso,  gentilmente empurrei o dedo dele. — Antes de ir mais longe, quero dizer uma coisa.
 
As sobrancelhas de Seth levantaram com curiosidade. — Ok.
 
Eu respirei fundo e olhei para os meus pés de novo. — Obrigada por fazer o que... fez para nos encontrar. Se não fosse por você, então eu provavelmente estaria morta ou fatiada em algum lugar. Então... Obrigada.
 
Ele ficou em silêncio por tanto tempo que eu verifiquei o que ele estava fazendo. Seth apenas olhava para mim com esse olhar mudo em seu rosto. Para não sorrir, eu desviei o olhar. — O quê?
 
— Eu acho que é a coisa mais bonita que você me disse. Desde sempre.
 
Eu ri. — Não é não. Eu disse coisas boas para você antes.
 
— Como o quê?
 
Tinha que haver outra situação quando eu disse algo de bom. — Como... Quando... — Eu não conseguia pensar em nada. Caramba, eu era uma cadela. — Ok. Essa é a primeira coisa boa que eu disse para você.
 
— Acho que preciso de um momento para reconhecer e valorizar isso.
 
Revirei os olhos. — Seguindo em frente, o que você quer falar?
 
Seth ficou sério. — Eu queria falar honestamente de algumas coisas com você.
 
— Como o quê? — Me recostei contra os travesseiros que revestiam o topo da minha cama, movendo minhas pernas para que elas não o tocassem.
 
Suas sobrancelhas franziram. — Como o que o futuro tem guardado para nós.
 
Eu suspirei. — Seth, nada vai acontecer entre…
 
—Você ainda não está nem um pouco curiosa para saber como eu te encontrei? Você não quer saber como eu fiz isso?
 
— Sim, pensando nisso, eu gostaria de saber.
 
Seth se inclinou para trás em um braço, virando de lado. O movimento enviou mechas de cabelo de ouro para a frente, deslizando sobre sua mandíbula. Seu quadril ficou demasiado perto de meus dedos do pé. Não que ele parecia se importar. — Eu estava tendo um sonho muito bom sobre essa garota que conheci em Houston e nós estávamos…
 
Eu gemi. — Seth.
 
— De repente, fui arremessado para fora do sonho. Eu acordei e meu coração estava acelerado, suor escorrendo. Eu não tinha ideia do por que. Eu me senti doente, doente na minha alma.
 
Puxei meus joelhos ao meu peito. — Por quê?
 
— Estou chegando lá, Alex. Levei um tempo para perceber que nada estava errado comigo, mas a sensação não ia embora. Então eu senti, a primeira mordida. Era como se eu estivesse pegando fogo e a dor - era algo real. Por um segundo, eu realmente pensei que tinha sido mordido. Ocorreu-me então. Era você que eu estava sentindo. Fui procurar Aiden…
 
— Por que você foi ter com ele?
 
— Porque eu achei que se alguém sabia onde você estava, seria ele. Não se mostrou de grande ajuda, no entanto. Ele não tinha ideia.
 
Como ele chegou a essa conclusão? Isso era algo melhor deixar intocado por agora. — Então você sentiu o que eu estava sentindo?
 
Seth concordou. — Cada. Uma. das. Mordidas. Como se fosse minha pele sendo arrancada  e meu éter sendo drenado. Eu nunca senti nada parecido. Ele desviou o olhar. Alguns momentos se passaram antes que ele falasse de novo. — Eu não sei como você... lidou com isso. Parecia que minha alma estava sendo dilacerada, mas era sua alma.
 
Meio entorpecida pelo que ele estava explicando, eu ouvi em silêncio.
 
— Uma vez que percebemos que você não estava no seu quarto, Aiden descobriu o que você tinha feito. Saímos imediatamente, e eu mal posso explicar como sabia para onde ir. Era como se algo estivesse me levando. Instinto, talvez? — Ele encolheu os ombros, olhando para sua mão. — Eu não sei. Sabia que era para oeste, e quando chegamos perto da linha de Tennessee, Aiden disse que você uma vez mencionou Gatlinburg. Assim que ele disse isso, eu sabia onde você estava.
 
— Mas como? Algo disso aconteceu antes? Quando eu estava lutando com Kain?
 
Ele olhou para cima e balançou a cabeça. — Acho que não. Seja lá o que tenha mudado, aconteceu depois disso. A única coisa que posso dizer é que quanto mais eu estou perto de você, mais… ligados nós ficamos e como eu já passei pela mudança, eu posso entrar em sintonia com esse tipo de coisa melhor.
 
Fiz uma careta. — Não faz nenhum sentido.
 
— Vai fazer. — Ele suspirou. — Quando Lucian disse que nós éramos duas metades feitas para ser um todo, ele não estava brincando. Se você tivesse ficado naquela noite em casa dele, você teria aprendido algumas coisas interessantes. Isso tornaria as coisas... Muito mais fáceis.
 
Ah, maldição. Aquela noite, só me fazia pensar em uma coisa: Aiden. Com certo esforço e luta, consegui empurrá-lo para o canto mais distante da minha mente. — Que tipo de coisas?
 
Seth sentou-se e me encarou com um movimento fluido. — Os deuses sabem que você vai odiar isso, mas oh, que inferno. Quanto mais nós estamos em torno um do outro, mais ligado nos tornaremos, ao ponto de que nenhum de nós saberá realmente onde começa um e acaba o outro.
 
Sentei-me um pouco mais reta. — Eu não gosto de como isso soa.
 
— É... Bem, nem eu. Mas isso é o que vai acontecer. Eu sei como você lida com o controle. Você é como eu nesse sentido. Eu não gosto de não ser capaz de controlar o que estou sentindo. Assim como você, mas isso não vai importar. E agora, isso já está me afetando.
 
— O que está afetando você?
 
Ele parecia lutar para achar as palavras certas. — Estar em torno de você já está me afetando. Eu posso invocar akasha facilmente, sentir quando você está magoada, e mesmo agora, eu posso sentir isso. — Ele fez uma pausa, uma respiração profunda. — É o poder em você, o éter. Ele me chama, e você nem sequer mudou ainda. Como você acha que vai ser quando mudar? Quando você fizer dezoito? 
 
Eu não sabia e realmente não gostava de onde nada disto estava indo. — Você sabe o que vai acontecer, não é?
 
Seth concordou com a cabeça e desviou o olhar. — Uma vez que isso acontecer, será mil vezes, não, um milhão de vezes mais forte. O que eu quero você vai querer. Vamos partilhar os mesmos pensamentos, necessidades e desejos. Supostamente, funciona em ambos os sentidos, mas vou ser mais forte do que você. O que você quer pode acabar sendo desviado pelo que eu quero. Eu sou o primeiro, Alex. Só é preciso um toque e o poder muda para mim. Fiquei em pânico e  falhei em afastá-lo. Comecei a levantar, mas Seth colocou as mãos sobre os meus joelhos. Graças aos deuses eu estava vestindo jeans, porque se a sua pele tocasse a minha e essa porcaria começasse a acontecer agora, provavelmente eu piraria.
 
— Alex, me ouça.
 
— Ouvi-lo? Você está dizendo que eu não tenho controle sobre nada. — Balancei a cabeça freneticamente. O movimento selvagem estendeu a pele macia na minha garganta, mas eu ignorei a picada. — Isso não pode acontecer. Eu não posso lidar com isso. Eu não acredito em estar destinada a alguém, nem sequer acredito no destino.
 
— Alex, acalme-se. Olhe. Eu sei que isso é, provavelmente, de longe a pior coisa que poderia acontecer com você, mas você tem tempo.
 
— O que você quer dizer com tenho tempo?
 
— Nada disso afeta você agora... Você não vai querer qualquer coisa que eu quero agora. — Ele soltou os meus joelhos e se inclinou para trás, para longe de mim. — Mas não é assim que funciona para mim. Estar perto de você significa que a conexão está sufocando meu controle. Como agora, seu coração está acelerado. Estar tão perto de você... É como estar dentro de sua cabeça, mas você ainda tem tempo.
 
Processar tudo isso não foi fácil. Quero dizer, eu percebia o que ele estava dizendo. Como ele já tinha atravessado a palingênese, o que quer que estivesse acontecendo entre nós já estava afetando-o, mas não a mim. Não até que eu completasse dezoito. Então? — Por que Lucian não me falou nada sobre isso?
 
— Você não ficou lá, Alex.
 
Eu fiz uma careta para ele. — Não gosto nada disso, Seth. Estamos falando de sete meses aqui. Em sete meses, vou ter dezoito anos.
 
— Eu sei. Sete meses de eu ajudar você a treinar, então tente imaginar o que diabos eu vou sentir nesse tempo inteiro.
 
Eu tentei, mas não consegui. — Isso não vai funcionar.
 
Ele se inclinou para a frente e colocou uma mecha de cabelo loiro atrás da orelha. — Isso é o que eu estou pensando. Tive uma ideia. Agora, ouça-me sobre este assunto. Sou capaz de lidar com isso por agora, porque mesmo que seja forte, não é tão forte. É factível para mim, mas depois de você acordar, as coisas vão mudar. Se não podemos lidar com isso, se você não pode lidar com isso, então vamos separar. Eu vou embora. Você não será capaz por causa da escola, mas eu posso. Eu vou para a outra extremidade da terra. 
 
— Mas o Conselho, Lucian, ele quer você aqui, comigo. — Revirei os olhos. — Por alguma razão. Ele mandou você aqui.
 
Seth deu de ombros, e então ele desabou sobre suas costas. — Tanto faz. Que se dane o Conselho. Eu sou o Apollyon. O que inferno o Lucian pode fazer comigo?
 
Aquelas eram perigosas palavras rebeldes. Eu meio que gostava delas. — Você realmente fará isso por mim?
 
Ele virou seu olhar para mim, sorrindo ligeiramente. — Sim. Realmente faria isso. Você parece surpresa.
 
Uma das minhas pernas caíu do lado da cama, quando eu me inclinei sobre ele. — Sim. Por que você faria? Parece que tudo vem fácil para você.
 
— Você acha que eu sou uma pessoa ruim ou algo assim? — Ele continuou a sorrir para mim.
 
Eu pisquei, tomada pela surpresa. — Não... Eu não acho isso.
 
— Então por que você acha que eu iria forçar isso em você? Estar distante não vai parar a conexão de aumentar, mas vai parar a mudança de poder. As coisas... serão intensas uma vez que a transferência aconteça. Se eu partir, vamos cada um ainda ser a nossa própria pessoa. 
 
Do nada, eu percebi tudo. — Isto é para você. Você não acha que  vai ser capaz de lidar com isso.
 
Ele só reconheceu as minhas palavras com um toque sarcástico nos lábios.
 
Essa coisa de conexão deve realmente preocupá-lo se ele realmente achava que não seria capaz de lidar com ela. Por errado que fosse, isso me fez sentir melhor sobre a situação. No final, se as coisas se tornassem demasiado, haveria uma saída. Eu ainda tinha o controle. Assim como Seth.
 
— O que você está pensando?
 
Tirada dos meus pensamentos, olhei para ele. — Os próximos sete meses vão realmente ser uma droga para você.
 
Seth inclinou a cabeça para trás e riu. — Ah, eu não sei nada sobre isso. Isso - essa coisa - tem seus benefícios.
 
Sentei-me de volta, cruzando meus braços. — Como assim?
 
Ele sorriu.
 
— O que você está pensando?
 
— Que nós realmente tivemos uma conversa inteira sem um insulto sequer. Mais cedo do que pensa, você ainda me vai considerar um amigo.
 
— Passos de bebê, Seth. Passos de bebê.
 
Ele se virou para olhar para o meu teto. Não havia estrelas brilhando, apenas a comum e velha pintura maçante branca. Sem pensar, me mudei novamente, estendendo a mão e pousando-a em cima da dele que descansava perto da minha coxa. Chame isso de uma experiência, mas eu queria ver o que iria acontecer.
 
A cabeça de Seth veio em minha direção. — O que você está fazendo?
 
— Nada. — E nada foi o que aconteceu. Confusa, eu envolvi meus dedos em torno dos dele.
 
— Não me parece nada. — Seus olhos se estreitaram em mim. 
 
— Eu acho que sim. — Desistindo do meu teste de improviso, eu levantei a minha mão. — Você não deveria estar... — Tudo o que eu estava prestes a dizer morreu nos meus lábios. Incrivelmente rápido Seth agarrou minha mão e enfiou os dedos nos meus.
 
— É isso que você queria? — perguntou ele, muito casualmente.
 
Aconteceu. Estando tão perto dele neste momento, eu podia ver de onde as marcas vinham. As veias grossas na mão foram as primeiras a escurecer, ramificando-se antes de se espalhar por seu braço. Hipnotizada, eu assisti as tatuagens escuras cobrirem cada pedaço de pele exposta. Diante de meus olhos, elas se afastaram de suas veias, girando em torno de sua pele. Rompendo em projetos diferentes enquanto ele – nós - continuamos a dar as mãos.
 
— O que elas significam? — Olhei para cima. Seus olhos estavam fechados. — As marcas?
 
— Elas são... As marcas de Apollyon. — Ele respondeu lentamente, como se estivesse tendo dificuldades para formar palavras e frases. — São runas e magias... Destinadas a oferecer proteção... ou no nosso caso, alertar uns aos outros da nossa presença... Ou algo assim. Elas significam outras coisas, também.
 
— Oh. — As runas deslizaram para baixo de sua pele, em direção às pontas dos dedos. Me chame de louca, mas eu estava confiante de que essas marcas estavam reagindo ao local onde nossa pele se tocava, e por uma fração de segundo, eu realmente acreditei que esses grifos iriam saltar de sua pele e se espalhar pela minha carne.
 
— Será que... eu ficarei assim um dia?
 
— Hmm?
 
Eu tirei meu olhar de nossas mãos e olhei para cima. Os olhos de Seth ainda estavam fechados, sua expressão relaxada. Na verdade, era mais do que isso. Ele parecia... Satisfeito. Saciado. Eu nunca tinha visto ele tão calmo. 
 
— É este um dos benefícios? — Eu quis dizer isso como uma piada, mas a realização atingiu-me antes que ele pudesse responder. Era porque ele estava perto de mim. Algo tão simples como isso afetava-o. Eu o afetava dessa maneira. 
 
Lembrei-me do que ele disse depois da minha luta com Kain. — Eu realmente tenho todo o poder nisso.
 
Seus olhos se abriram e eles brilhavam como duas joias gigantes. — O quê?
 
Meus dedos apertaram os seus, e seus lábios se separaram, permitindo um suspiro forte sair. Então, lentamente, com cuidado, eu soltei meu controle sobre seus dedos. Interessante. — Nada.
 
— Eu nunca deveria ter dito a verdade sobre isso. — Sua voz tinha um certo tom áspero. — Você tem, pelo menos por agora.
 
Eu ignorei a última parte e puxei minha mão livre antes das marcas poderem tocar minha pele. Nós não dissemos nada por alguns minutos. Eu me inclinei para trás contra os travesseiros e Seth fechou os olhos mais uma vez. Durante esse trecho de silêncio, eu assisti a constante subida e descida de seu peito. Quase parecia que ele estava dormindo. Descontraído como estava, a beleza do seu rosto não parecia tão fria ou metódica. Desta vez, eu fui a primeira a quebrar o silêncio.
 
— Então... O que você está fazendo?
 
— Agora? — Ele parecia sonolento. — Estou fazendo planos. Coisas que eu estou indo mostrar-lhe. Na formação, é claro.
 
Minhas sobrancelhas levantaram-se. — Eu não vejo nada que você possa me mostrar que Aiden não pode.
 
Seth riu então, e quando ele falou, sua voz era presunçosa e conhecedora. — Ah, Alex, eu tenho um monte para lhe mostrar. Coisas que Aiden nunca será capaz de lhe ensinar.
 
Olhando para ele, admiti que havia uma parte minúscula de mim que realmente estava curiosa quanto a tudo o que ele planejava me mostrar. Eu me senti confiante de que seria divertido.
 
Nós realmente não conversamos depois disso, e muito em breve, a emoção de tudo desapareceu, deixando-me exausta. Minhas pálpebras começaram a ficar muito pesadas para manter abertas, e eu não queria nada mais do que chutar Seth da cama, para que eu pudesse me deitar. Como ele era, pegou bastante espaço esparramado no meio da minha cama.
 
Não de todo surpreendente, Seth abriu os olhos e, em seguida, olhou para mim. Quando ele deu um meio sorriso e empurrou-se a seus pés, eu me perguntei se ele tinha percebido que eu estava prestes a chutá-lo da cama.
 
Lá se foi o elemento surpresa.
 
— Você vai embora? — Eu perguntei, porque realmente, eu não tinha ideia do que dizer.
 
Seth não respondeu. Ele levantou os braços acima da cabeça e se espreguiçou, mostrando uma fileira de músculos tensos, quando a camisa preta subiu até seu estômago. A imagem de um gato passou diante de mim. Era assim que ele se movia, felino e predatório. Era uma graça sutil, nem humana nem mestiça.
 
— Você sabe o que seu nome significa? Seu nome real, Alexandria?
 
Eu balancei minha cabeça.
 
Ele sorriu lentamente. — Significa ‘defensora do homem’  em grego.
 
— Oh. Isso soa legal. O que o seu nome…?
 
De repente, ele se inclinou pela cintura e veio em minha direção. Ele era tão malditamente rápido que eu nem sequer tive a chance de recuar, que por sinal, é totalmente uma reação natural quando o Apollyon vem em direção a alguém tão rapidamente.
 
Ele roçou os lábios sobre a minha testa, demorando apenas o tempo suficiente para eu ficar bastante certa de que ele deu um beijo suave na minha pele antes de se endireitar.
 
— Boa noite, Alexandria, Defensora do Homem.
 
Atordoada, eu murmurei algo ao longo das linhas de adeus, mas ele se foi antes que eu pudesse começar inteiramente a formar as palavras. Levantei minha mão e passei os dedos sobre o ponto que seus lábios tinham tocado. Seu gesto foi estranho, inesperado, errado, e... doce.
 
Me aliviei e estiquei as pernas. Olhando para o teto, me perguntava o que o próximo par de meses guardava para mim. Para a maior parte, eu vi vazio. Tudo havia mudado - eu tinha mudado, mas a única coisa que eu poderia ter certeza era que entre Aiden e Seth, eu ia aprender muitas coisas.
 
Na tarde seguinte, lembrei-me do cartão de Lucian que jogara na mesa. Enfiei o dedo sob o vinco e abri-a. Tirei o dinheiro para fora, e pela primeira vez, eu realmente li a nota.
 
Não era ruim ou demasiado falsa, mas ainda assim, nada se movia no meu peito enquanto eu olhava para baixo para sua caligrafia elegante. Não importa quanto dinheiro ele me enviasse ou quantas cartas ele escrevesse pessoalmente, ele não poderia comprar o meu amor ou apagar a desconfiança em torno dele como uma nuvem espessa.
 
Mas o dinheiro dele ia me comprar uns sapatos muito doces em breve.
 
Com esse pensamento em mente, eu tomei banho e encontrei algo para vestir que cobria o pior das marcas. Manter o meu cabelo para baixo ajudou com a situação do pescoço, mas não cobriu todas as manchas.
 
Para minha surpresa, os guardas não me pararam quando eu cruzei a ponte para a ilha principal, mas enquanto eu vagava pela rua principal, tive uma sensação de estar sendo observada. Um olhar rápido sobre o meu ombro confirmou minhas suspeitas. Um dos Guardas da ponte tinha se separado de seu companheiro  e mantinha uma distância discreta atrás de mim. Talvez Lucian ou Marcus estivessem preocupados de que eu fugisse novamente... Ou fizesse outra coisa incrivelmente irresponsável.
 
Joguei ao Guarda um sorriso atrevido antes de entrar precipitadamente em uma das lojas do calçadão turístico da propriedade dos puros, mas gerida pelos mortais. O que eu encontrei em destaque era uma variedade de velas artesanais, mosaicos feitos de conchas esmagadas, e produtos para o banho de sal marinho. Sorrindo para mim, senti que iria gastar parte do dinheiro de Lucian aqui.
 
Entusiasmada com todas as coisas de garota que eu planejava fazer, considerei os prazeres simples da vida muitas vezes esquecidos quando uma pessoa se prepara para matar Daimons. Banhos de espuma eram geralmente de baixa prioridade. Peguei algumas velas brancas votivas em pequenos barcos de madeira e um punhado de grandes velas perfumadas, do tipo que cheirava como se tivesse tido uma overdose em banho e óleo para o corpo.
 
No caixa, eu ignorei a maneira como a funcionária obviamente mortal, continuou olhando para o meu pescoço. Algo era usado para compelir os mortais que moravam perto do Covenant, para convencê-los de que todas as coisas estranhas que viam eram realmente normais. Essa garota parecia que poderia precisar de outra dose.
 
— É só isso? — Ela gaguejou durante a última palavra, forçando o olhar para longe de minhas cicatrizes.
 
Me mexi desconfortavelmente. Era assim que as pessoas iam agir até que as malditas marcas de mordida desaparecessem? Meus olhos caíram dela para um conjunto de papel com tema do mar ao lado do registro. — Posso acrescentar isso?
 
A garota assentiu, jogando cabelo com madeixas em seu rosto. Incapaz de olhar diretamente para mim, ela me atendeu muito rápido.
 
Uma vez fora da loja, eu me sentei em um dos bancos brancos que revestiam a rua e escrevi um par de linhas. Depois de selar o envelope, eu atravessei a rua e cortei entre uma livraria e uma loja de conveniência.
 
Não precisei olhar para trás para saber que o Guarda ainda me seguia. Dez minutos mais tarde, subi a passos largos para a casa de praia de Lucian e deslizei a nota pela fresta debaixo da porta.
 
Havia uma boa chance de que não chegasse até ele, mas pelo menos eu tentava agradecer-lhe. Eu me sentiria menos culpada por gastar a minha mini-fortuna no meu guarda-roupas de regresso às aulas. Afinal, eu não podia usar vestidos verdes e roupas de treino durante todo o ano.
 
Corri de sua varanda só para o caso de ele realmente estar em casa e me pegar lá. Com minha sacola de compras cheirosas, eu comecei a voltar para a ilha do Covenant.
 
— Senhorita Andros?
 
Deixando escapar um suspiro enorme, eu me virei para enfrentar o Guarda que me seguia. Ele estava junto do seu parceiro agora, um olhar sem graça no rosto. — Sim?
 
— A próxima vez que você quiser sair do Covenant, por favor, obtenha permissão.
 
Revirei os olhos, mas assenti. Eu tinha voltado a minha situação inicial desde que tinha voltado ao Covenant. Ainda precisava de uma babá.
 
Ao voltar para o campus, eu fiz mais uma parada antes de  me encontrar com Caleb: o pátio. Hibiscos tinham sido as flores favoritas da mamãe e eu encontrei vários. Eu gostava de pensar que eles cheiravam a trópicos, mas eu nunca conseguia sentir qualquer cheiro deles. Mamãe tinha apenas gostado de como eles eram lindos. Peguei cerca de meia dúzia e deixei o jardim.
 
Ao me aproximar do dormitório das meninas, vi Lea sentada na varanda da frente com algumas meninas. Ela parecia muito melhor do que a última vez que eu a tinha visto.
 
Ela inclinou o queixo quando eu passei por ela, usando uma mão para jogar o cabelo gloriosamente brilhante por cima do ombro. O silêncio se esticou entre nós e então ela abriu a boca.
 
— Você não está mais bonita que o normal?— Ela se afastou das colunas grossas e mordeu o lábio inferior carnudo. — Bem... Pelo menos as marcas chamam a atenção para longe do seu rosto. Acho que é uma coisa boa, hein?
 
Eu não sabia se devia rir ou socar seu rosto. De qualquer maneira, tão ridículo quanto parecia, era bom ver Lea voltar para sua vadia interior.
 
—O quê?— Ela estreitou os olhos em desafio. —Você não tem nada a dizer?
 
Eu pensei sobre isso. —Eu sinto muito... Você está tão bronzeada que eu pensei que fosse uma cadeira de couro.
 
Ela sorriu com desdém enquanto passava rebolando por mim. — Tanto faz. Anormal.
 
Normalmente essas palavras teriam começado uma batalha interminável de insultos, mas desta vez, deixei passar. Eu tinha coisas melhores para fazer. Dentro do meu quarto, eu separei as velas e os barcos pequenos usados para guiar os espíritos na vida após a morte. O significado era totalmente simbólico, mas como eu não tinha um corpo ou um túmulo era o melhor que eu poderia usar.
 
Tomei o meu tempo me preparando. Eu queria parecer bem - tão agradável como eu poderia parecer com metade do meu corpo coberto de marcas. Quando me senti satisfeita que o meu cabelo não se parecia com uma bola de frizz e que o vestido que eu tinha usado para os funerais anteriores não estava em mau estado, então peguei um casaco leve. Deslizando-o sobre meus braços, juntei minhas coisas e parti para me encontrar com Caleb.
 
Ele já estava perto da água, perto da beira do mangue e onde a casa do pessoal ficava. Era o melhor lugar, o mais privado para fazer tal coisa, e eu me senti feliz por isso. Vendo Caleb em suas roupas bonitas me senti como se levasse um soco no meu peito.
 
Ele deve ter cavado um par de calças pretas para fora do fundo do seu armário, pois eram um par de centímetros demasiado curtas para ele. Mesmo que minha mãe tenha tentado matar Caleb, ele se vestiu por respeito a sua memória e por mim. Algo ficou preso na minha garganta. Eu engoli, mas a sensação não ia embora.
 
Simpatia irradiava de Caleb quando ele se adiantou e levou as flores das minhas mãos. Silenciosamente, ele começou a arrumar os barcos pequenos e eu arranquei as pétalas macias e joguei-as nos barcos. Achei que ela… teria gostado do toque extra.
 
Olhando para os três barcos, engoli em seco novamente. Um para a mamãe, um para Kain e um para todos os outros que haviam morrido. — Eu realmente aprecio isso — eu disse. — Obrigada.
 
— Estou feliz que você esteja fazendo isso.
 
A queima em meus olhos aumentou e minha garganta apertou. — E que você queira me incluir — acrescentou.
 
Oh, deuses. Ele estava fazendo isso acontecer. Eu ia chorar.
 
Caleb se aproximou de mim e passou o braço em volta dos meus ombros. —Está tudo bem.
 
Uma única lágrima escapou. Apanhei-a com a ponta do meu dedo antes que ela  fizesse o seu caminho pelo meu rosto, mas depois veio outra lágrima gorda... E outra. Eu limpei o meu rosto com as costas da minha mão. — Sinto muito. — funguei.
 
— Não. — Caleb balançou a cabeça, — não se arrependa.
 
Eu assenti e respirei fundo. Depois de alguns momentos, segurei as lágrimas e forcei um sorriso amarelo.
 
Ficámos meio perdidos nos braços um do outro por um tempo. Ambos tínhamos alguma coisa para lamentar - algo que tínhamos perdido. Talvez Caleb precisasse disso também. O tempo pareceu abrandar até que estávamos prontos.
 
Olhei para as velas. — Droga... — Eu tinha esquecido um isqueiro.
 
— Precisa de uma luz?
 
Virámos na direção da voz rica e profunda. Eu reconheci o som por todo o caminho até a minha alma.
 
Aiden estava a uma curta distância de nós, suas mãos enfiadas profundamente nos bolsos da calça jeans. O sol poente criou um halo em torno dele, e por um pequeno momento, eu quase acreditava que ele era realmente um deus e não um puro.
 
Eu pisquei, mas ele não desapareceu. Ele estava realmente aqui. — Sim.
 
Ele avançou e tocou cada vela de baunilha com a ponta do seu dedo. Chamas anormalmente brilhantes despertaram e cresceram não se incomodando com a brisa vinda do oceano. Quando ele terminou, levantou-se e olhou para mim. Orgulho e confiança encheram seu olhar, e eu sabia que ele aprovava o que eu estava fazendo.
 
Engoli mais lágrimas e Aiden recuou de volta para onde ele tinha estado parado. Com esforço, rasguei meu olhar do dele e peguei meu pequeno barco. Caleb seguiu o exemplo e nós caminhámos para onde a água se transformava em espuma, branca e fina, lambendo nossos joelhos. Avançámos o suficiente para que as ondas não trouxessem os barcos para trás.
 
Caleb pousou os seus dois barcos primeiro. Seus lábios se moviam, mas eu não conseguia ouvir o que ele dizia. Uma oração, talvez? Eu não poderia afirmar ao certo, mas depois de alguns instantes, ele se soltou de seus barcos e as ondas os levaram consigo.
 
Tantas coisas passaram pela minha cabeça enquanto eu olhava para o meu barco. Fechei os olhos, vendo o seu belo sorriso. Imaginei-a acenando e dizendo-me que estava tudo bem, tudo bem deixar tudo ir agora. E eu acho que, de certa forma, ela estava bem. Ela estava em um lugar melhor. Eu realmente acreditava nisso. Sempre haverá algum tipo de culpa. Tudo o que ela tinha feito a partir do momento em que o oráculo tinha falado com ela a tinha levado a isso, mas finalmente acabou. Abaixando-me, eu coloquei o barco do espírito na água.
 
— Obrigado por tudo, por tudo o que você desistiu por mim. — Fiz uma pausa, sentindo a umidade  escorrendo pelo meu rosto. — Eu sinto tanto sua falta. Eu sempre vou te amar.
 
Meus dedos demoraram em torno do barco para mais um segundo, e então as ondas espumosas levaram o barco de mim. Mais e mais para longe, os três barcos foram, as velas ainda brilhando. O céu tinha escurecido pelo tempo que eu perdi de vista os barcos e sua luz suave. Caleb esperou por mim na areia, e além dele estava Aiden. Se Caleb achou algo sobre a presença de Aiden, ele não mostrou em seu rosto.
 
Cuidadosamente, eu fiz meu caminho de volta à praia. A distância entre Aiden e eu pareceu evaporar, e ficámos só nós dois. Um pequeno sorriso se insinuou nos lábios dele quando me aproximei.
 
— Obrigada. — sussurrei.
 
Aiden pareceu compreender que eu estava agradecendo por mais do que apenas uma luz. Falou em voz baixa para que apenas eu pudesse ouvi-lo. — Quando meus pais morreram, eu nunca pensei que encontraria a paz novamente. Eu sei que você encontrou, e por isso, estou feliz. Você merece isso, Alex.
 
— Você… alguma vez encontrou paz?
 
Ele estendeu a mão e roçou os dedos sobre a curva da minha bochecha. Foi um gesto tão rápido que eu sabia que Caleb não tinha visto. — Sim. Eu encontrei agora.
 
Inalei agudamente, querendo dizer muito para ele, mas não podendo. Gosto de pensar que ele sabia, e provavelmente era verdade. Aiden recuou, e com um último olhar, se virou e foi para casa.
 
Assisti até Aiden se tornar nada mais do que uma sombra fraca. Voltando para onde Caleb estava sentado, eu me deixei cair ao lado dele e coloquei minha cabeça em seu ombro. De vez em quando, a água salgada tocava os nossos dedos dos pés, e eu pegava o perfume de baunilha da brisa saindo do oceano. O ar estava quente e agradável, mas à beira do mar me causava um arrepio suave, significando que o Outono estava a caminho. Mas, por agora a areia estava quente na ilha ao largo da Costa da Carolina e o ar ainda cheirava a verão.

 

 

                                                                                                    Jennifer L. Armentrout

 

 

 

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