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Planeta Criança



Poesia & Contos Infantis

 

 

 


HARD DRIVE / Barbara Biazioli
HARD DRIVE / Barbara Biazioli

                                                                                                                                                   

                                                                                                                                                  

 

 

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Series & Trilogias Literarias

 

 

 

 

 

 

Estaríamos na sala de leilões, a sala convencional que sempre usamos. A mesma sala desde que inauguramos o Palácio Hanzel. Mas o propósito desta noite não se refere às garotas que ficavam expostas como pedaços de carne em uma vitrine de um açougue. Esta noite estamos diante de mulheres que escolhem os seus quartos. Elas determinam até que ponto elas podem caminhar. Outras escolhem caminhar um pouco mais e tudo aqui é mais arriscado.
Estamos eu, Giovani, Wallace, Carl, Andrew, Bryan e Cesar, olhando para a tela que mostra onde cada uma das mulheres entrou. Cada uma escolheu um quarto e esta noite Marco O’Neil sabe que apenas nós, os pioneiros deste lugar, temos exclusividade. Não há outros clientes no Palácio.
É uma despedida, é uma última noite aqui.
- Uma pena que Simon não esteja aqui - analiso que Simon é o tipo de cara que a ausência é notada. Ele é a diversão da casa.
- Férias - Giovani diz - A morena é audaciosa. Achei que ela fosse escolher a Torneo e ela entrou na Rito. Ela está muito segura de si - ele conclui e o jovem que subsitui Simon entra na sala com um carrinho cheio de bebidas. Não sabemos seu nome e Marcos prefere assim. Mas Giovani com certeza já tem todas as informações sobre ele. Não podemos correr riscos.
Essa morena vai ter que aguentar a cera quente, os grampos e alguns golpes de chicote. É a ala da dor, do limite entre a dor e o prazer, o momento em que um se funde ao outro e se tornam algo único.
- Também pensei isso. Seu rosto angelical é apenas uma máscara, ela pode surpreender - Andrew diz e o jovem coloca em dois copos whiskey sem gelo, são para Bryan e Cesar que conversam discretamente entre eles.
- Olha - Carl joga a cabeça em direção à tela - Não acredito, é a primeira vez que vejo uma loura escolher essa sala - ele completa e o jovem entrega para ele uma batida à base de rum e guaraná. A loura escolheu a Alpha, a sala pouco usada e que é de longe a que ultrapassa todos os limites - Precisa de coragem, ficar amarrada em tempo integral e à disposição de uma penetração dolorida sem poder olhar nos olhos do participante; implica em ser fodida e não saber nem de onde veio o pau que a penetra. Sem contar a suspensão, onde seus olhos permanecem vendados e a penetração pode ser dupla - ele conclui.
Alpha, como o próprio nome diz, um manda, o outro obedece, sem acordo algum ou limite para o tempo de imobilidade.
A explicação para limite seria mais fácil se não o tivéssemos testado tantas vezes.
- Fico com a loura - Wallace pronuncia secamente e isso não me surpreende, e ele não vai dividir a tarefa com ninguém. Nunca saberemos o que ele faz. A única vez que houve um incidente foi há muitos anos, logo depois da inauguração do Palácio Hanzel e, depois disso, ele, que já era extremamente reservado, passou a ser a grande incógnita do Clube. O que se passa em sua cabeça, as coisas que possivelmente o atormentam, estão ali, jogadas em algum ponto, mas acredito que elas estejam esperando apenas um gatilho para serem disparadas.
- Para você é fácil, se tornou adepto desta sala desde que as alas de limites foram inauguradas - comento e vejo o sorriso escondido no rosto de Wallace. Sempre será um mistério boa parte da vida desse cara. O que sabemos é apenas aquilo que ele deseja mostrar e ele quase não demonstra nada.
Vejo uma asiática entrar em uma das salas Torneo e ela olha para o pequeno ambiente, mas entre as alas é o maior, são oito metros quadrados, uma cama de casal com amarras prontas. Limitar os movimentos é o principal objetivo desse cômodo.
A Torneo é de longe a mais suave das alas. O sexo é estabelecido pelo membro do Clube e a mulher precisa aceitar que o sexo anal pode ser o único praticado. Ela pode tocar o participante e pode receber mais de um visitante. Essa noite é uma exceção, uma cortesia de Marco O’Neil e apenas eu a foderei por aqui.
- Fico com a asiática - falo e Giovani alcança o copo com vodca e alguma fruta, não estou prestando atenção nisso agora.
Olho para o grupo que no começo era maior, somos os fundadores e um filme passa diante dos meus olhos. Aqui, nesse palácio escolhido a dedo por Evan, já estivemos perto de muitas coisas, desde orgias regadas a bebidas até o desespero de ver a polícia tentando entrar aqui sem um mandato.
Naquela noite, eu pensei que fosse o fim, até que Giovani encontrou a pessoa certa, a pessoa que aceitaria fazer vista grossa sobre nosso estabelecimento de entretenimento a troco, é claro, de uma pequena contribuição.
Tudo tem seu preço, tudo e todos. Evan sempre disse isso.
A porta se abre e vejo uma assombração, alguém que pensei que não veria tão cedo.
- Senhores - Philip Gutemberg nos cumprimenta com um sorriso irônico, demonstrando bem que ele é o tipo de coisa que somos obrigados a suportar. Ele já perdeu a empresa para o Evan, perdeu quase toda a sua fortuna em jogatinas, prostitutas e drogas e ainda consegue manter sua mensalidade em dia, que não é baixa. Como ele consegue isso é um mistério para mim.
- Philip - Giovani é o único que se predispõe a colocar em prática a boa e velha educação. O restante apenas acena com a cabeça. Estamos mais interessados na sua ausência do que em sua chegada.
- Nosso número está menor, os fracos estão indo embora - ele usa sarcasmo e eu quero usar meu punho fechado em sua cara, mas não posso. Não hoje.
- Cara, relaxa, hoje é uma noite de despedida - Giovani, como sempre, tentar acalmar os ânimos.
- Não me diga que você vai deixar nosso santuário - ele zomba e se joga no sofá, chamando o jovem de qualquer maneira e exigindo algo para beber.
- Sirva-se sozinho - o jovem que não sorriu e não nos foi apresentado, impõe seu limite e, pelo visto, ele já conhece a fama de Philip.
- Não esqueça que pago seu salário - ele desafia e eu vejo Wallace se levantando calmamente e caminhando em sua direção. Ele não faz nada, apenas para diante de Gutemberg, acena com sua cabeça e Philip se levanta o acompanhando. Eu juro por Deus que gostaria de saber sobre o lance de Wallace. Ele não disse nada. Gutemberg levantou as mãos em rendição e o acompanhou como um cachorro bem treinado.
Já presenciei Wallace enfurecido. Uma única vez e foi dentro da casa de sua mãe. Não sei o motivo, apenas escutei quando o irmão dele foi arremessado do outro lado da sala e isso bastou. Não conseguimos segurá-lo e também não insistimos em fazer isso. Wallace é o cara que mataria no mais profundo silêncio e palitaria os dentes depois.
- Ele não seria louco de desafiar Wallace - Giovani comenta e se ajeita na poltrona - Preciso de mais, poderia providenciar, por favor - ele pede para o jovem e levanta o copo. O substituto o atende e eu vejo a sombra deles pela fresta embaixo da porta. Não escuto o que falam, estamos ouvindo Ray Charles, Hit The Road Jack.
- Quem seria maluco o suficiente para isso? - Andrew pergunta e nega com a cabeça rindo.
- Se lembra da última vez que ele foi à John John? - Cesar fala e arregala os olhos - O que poderia ser destruído, ele destruiu - ele conclui.
- Ele nunca mais pisou naquele lugar, além de ter pago pelo prejuízo - Bryan comenta e eu prefiro não lembrar. Ele derrubou os sete homens que tentaram deter sua fúria, ele estava tão transtornado e nada o controlava.
- Quase cem mil dólares de despesas e mais advogados para abafarem o caso - Giovani completa - Isso tem muitos anos e é um dos assuntos que jamais devemos comentar quando ele estiver por perto. Isso não é apenas uma sugestão, é algo que aconselho com preocupação - Gio diz e todos estão olhando para ele.
- Não me lembro o motivo da briga - falo.
- Eu me lembro e é por isso que sugiro não comentar nada sobre isso - ele fala e Wallace entra novamente. Gutemberg não.
- Um a menos? - Bryan pergunta olhando para Wallace que voltou como se nada tivesse acontecido. Acho que ele bebeu fluído de bateria quando era bebê.
- Uma a mais - Wallace responde e fica de pé, com as mãos no bolso e olhando para o monitor.
- Escolho a morena - Carl diz mudando de assunto e eu me levanto, caminho até o carrinho, pego uma garrafa de whiskey ainda lacrada e vou em direção à asiática. Não sei o que ela espera, mas eu tenho mais do que um pau duro para fodê-la. Eu tenho a tensão de uma temporada de merdas que vem acontecendo.
Caminho pelo corredor. A madeira cara que cobre as paredes recebeu um verniz especial, é como se estivéssemos em algum século perdido no passado, mas com o benefício do ar condicionado.
Em cada parte da parede dividida em quadrados, uma obra de arte arrematada em algum leilão, bem parecido com esse que praticamos aqui.
Chego na bifurcação e vejo um mapa orientando sobre a disposição de cada quarto. Isso é para os novatos, eu conheço esse lugar como a palma da minha mão. Terceira porta à esquerda.
Antes de colocar a mão na maçaneta, escuto os passos dos outros. Eles estão indo em direção a suas missões e essa noite tudo soa como se fosse a última vez. E será.
- Divirta-se - Giovani sussurra assim que passa por mim e segue em direção ao seu quarto. Eu sei a intenção de suas palavras.
É o que sempre faço, respondo para mim mesmo, e giro a maçaneta.
Ela está de costas para mim, nua, e agora o sinal de celular é interrompido. Graças a Philip que resolveu gravar seu pequeno e miserável desempenho sexual e postar na Hell Line, Marco O’Neil precisou intervir de alguma forma, por isso, bloqueador de sinal de internet e celular foi adicionado aos serviços oferecidos pelo Palácio. Antes de mais nada, isso aqui é um tipo de prostituição, executada em um lugar privado, mas o ato é o mesmo e não vamos discutir sobre a geografia.
Ela se vira lentamente e olha em meus olhos.
- O branco de sua camisa não está me oferecendo paz - ela brinca.
- Perfeito, a ideia é exatamente essa - ela vem em minha direção e abre a minha camisa, escuto os botões tilintando contra o chão. Estou de bermuda e isso facilita as coisas por aqui. Elas não imaginam, mas sabemos quem são graças a Giovani que busca todas as informações sobre cada uma delas. Essa asiática é superintendente de uma empresa de investimentos em moedas estrangeiras.
Antes de estarmos aqui, existe uma pesquisa, uma busca por falhas e sempre guardamos na manga algum ponto ruim do passado delas. É um tipo de munição que não pretendemos usar, se chegar nesse ponto é porque os muros do Palácio Hanzel estão em ruínas.
Acredite, ninguém chega aqui com uma vida invicta e quase casta.
Giovani é capaz de rastrear qualquer informação, sobre qualquer pessoa e eu sei que ele não faz isso sozinho.
- E qual seria a ideia? - ela pergunta e me encara. Seu rosto não tem nenhuma maquiagem e seus cabelos estão soltos e por vezes cobrem e descobrem seus seios. Ela tem uma tatuagem sobre o ombro esquerdo, está em uma língua que não conheço. Ela é esguia, pele clara, muito clara, e sua barriga tem um caminho sinuoso até o encontro de suas pernas. Ela é sexy até na forma de olhar. Não possui defeitos, seios médios, bicos escuros e estão ali, empinados, convidando a minha boca.
Seguro-a com força, levo-a até a cabeceira da cama, do lado esquerdo, e a coloco apoiada, curvando seu traseiro em minha direção. É para isso que ela está aqui, para ser enrabada, foi por isso que ela assinou o termo. Ela vai ter que obedecer. Amarro seus punhos e suas mãos estão sobre a esfera que serve de adorno na cabeceira.
Tiro do meu bolso um preservativo e, no instante seguinte, o visto, assim que minha bermuda cai sobre meus pés. Hoje, eu não tenho tanto tempo, não tenho também interesse em prolongar essa noite.
Enfio lentamente e percebo que isso é algo que ela domina bem. Penetro-a e assim que sinto seu limite escuto seu gemido - Mais - ela pede, foi isso que ela veio procurar aqui e eu posso garantir que não estamos de brincadeira.
Entro e saio e isso é diferente. Aqui não existe um contato preliminar e sabemos que quando essa ala é usada é porque alguns limites já foram ultrapassados e outros vários foram tranquilamente ignorados.
No outro lado do Palácio, onde acontecem os nossos leilões, estão as garotas que estão aqui para serem tratadas como se algum sentimento fosse real. Desse lado, as mulheres que estão aqui, querem distância de tudo isso. Aqui o sexo não é racional e a maioria de nossas ações é por instinto.
Mas a tranquilidade está no fato de não serem apenas mulheres que foram convidadas e não têm nada a perder. As mulheres que frequentam este lado do palácio são executivas bem-sucedidas, médicas, advogadas e eu sei que tem uma juíza casada que conhece bem a sala Alpha. Algumas vezes elas são mais ameaçadoras do que todos nós juntos.
Giovani traçou um perfil dessas mulheres, um estudo com empenho e descobriu que elas podem e, com certeza, são mais perigosas do que nós.
Enquanto fodo essa asiática, escuto seu gemido mais alto e eu sei o que isso significa, ela quer estar livre, se sentir livre, e isso não é possível diante de um cargo e a pressão cotidiana. Aqui é um refúgio e uma válvula de escape.
Ela rebola de maneira perfeita, ela sabe o que fazer com um pau em seu traseiro e claramente isso me motiva.
- Não pare - ela aumenta seu ritmo e goza, e isso é muito bom. Passo meus dedos entre suas pernas e o enfio em sua boceta. Ela está molhada, pronta para uma sequência farta de sexo anal.
- Escolheu a ala certa, aqui não é permitido ter medo - falo e ela pouco se importa, é isso que ela quer, uma boa e generosa foda. Estamos aqui para isso, baby.
Não me lembro da última vez que trepei depois de um drinque com alguém comum. Tenho trabalhado demais e trepado de menos, essa é a verdade da minha vida.
Volto a enterrar e ela grita, seu gemido não passa dos limites desse quarto. Aqui tudo é a prova de som e isso foi estrategicamente pensado. Em outra oportunidade, havia quatro homens e uma executiva da bolsa de valores, ela era a dominadora e, até onde eu sei, foi ela quem enrabou os quatro. A vida tem suas surpresas.
Entro e saio dela e vejo suas costas em um movimento artístico. Ela é boa em requebrar e eu sinto que possa estar caminhando lentamente para o meu orgasmo.
Saio dela, removo a camisinha e alcanço outra, essa estava entre outras sobre a cama que não será utilizada. Apoio sua perna sobre o criado-mudo e a vejo aberta, exposta. Gosto do que vejo, um sexo que brilha de tão molhado, sou capaz de vê-la pulsar.
- Forte, muito forte - ela ordena e pelo visto ela não está aqui para brincadeiras - E rápido, não tenho tempo para perder, meu voo sai em menos de quatro horas - ela é autoritária e está com sua boceta implorando por isso.
Enterro de uma única vez e não tenho dó quando alcanço a entrada de seu útero, ela vai se lembrar disso amanhã pela manhã, quando formos novamente estranhos, desconhecidos e componentes do passado um do outro.
Saio devagar e entro rápido, com força e com um pouco de raiva contida por conta de suas ordens. Ela começa a rebolar novamente e sabe que isso é fatal, ela entende desse jogo de cartas marcadas - Quero que goze em meu corpo, minhas costas - ela ordena novamente e eu sorrio - Mas, antes vou gozar no seu pau - ela fala e eu começo uma sequência de investidas intensas, doloridas e nada saudáveis, até que ela geme mais alto e goza.
Continuo no mesmo movimento e saio de seu corpo, jogando a camisinha de lado e a desamarrando - Ajoelhe-se - ela obedece e vejo sua boca se abrindo - Boa menina - me masturbo diante de sua boca, sinto sua língua vermelha tocar gentilmente em mim, bem ali na cabeça do meu pau e, enfim, deixo em seu rosto o resultado de suas reboladas.
- Você escolheu essa ala, você sabe as regras desse jogo - a lembro.
Ela circula seus lábios e resgata um pouco de mim e engole. Deus, isso é maravilhoso de se ver. Ela se levantou sozinha, foi até o pequeno lavabo e voltou com seu rosto limpo.
Eu sei seu nome, mas ela não imagina. Permiti que ela descansasse por alguns minutos, o mesmo tempo que levei para me colocar de novo em pé, ficar duro e a foder mais uma vez. E foi exatamente isso que eu fiz, e como regra (pedido estipulado por ela) a amarrei novamente, mas agora ela está deitada e seus braços estão abertos. Faz parte do fetiche ser solta por outra pessoa, como se tivesse sendo salva de sua masmorra fictícia e pouco convencional.
Tenho-a ali, sob custódia, e eu sei que ela ficará bem, foi apenas o sexo que ela deveria ter ideia que aconteceria. Peguei-a de quatro, fodi como eu quis e depois a enrabei como nenhum outro jamais fez.
Foi ela quem pediu por mais, ela desejou mais de mim e eu estava apenas satisfazendo seu pedido. Eu sou um homem bom.
Deslizei as pontas de meus dedos sobre seus seios, percorri sua barriga e os enfiei em sua boceta. Eu a faria pedir por mais, porque eu sei como fazer isso, eu sei como fazer doer e sei curar quando necessário.
Ela aceitou entrar na Ala Torneo, e aqui não é um lugar para fracos e pessoas com medo. Há um aviso claro e eu a lembrei a todo instante sobre isso.
Ainda teríamos mais uma rodada...

 


 


1

Alexander

Estamos a mais de trinta mil pés. O jato é de Giovani, que olha para a tela de seu laptop atentamente enquanto eu olho pela janela. Estamos sobre as nuvens e pouco se vê. Na verdade, nada se vê, são quase quatro horas da manhã e estamos voltando para Nova York.

- O que está te incomodando? - Giovani pergunta e não me olha. Vejo Sohan servindo uma dose de whiskey para Gio e o mesmo para mim. Sohan é o cara quieto, que observa tudo atentamente e nunca se pronuncia. Sua voz é ouvida apenas em seus cumprimentos de bom dia, tarde ou noite e ele jamais entra em alguma conversa. Ele é o homem que serve as bebidas, cuida do jato e das idas de Gio para Las Vegas. Ele é o homem que sempre está a postos com um extintor quando Gio resolve bancar o Nero.

Ele trabalha com Gio há pelo menos oito anos e é de extrema confiança. Desconfio que ele entenda de tecnologia da informação assim como Gio. Ele não anda a tira colo, mas eu sei que ele fica em algum ponto apenas esperando o chamado do chefe.

- Não estou incomodado - respondo e agradeço a Sohan pela bebida.

- Sua capacidade para mentira é igual a minha para corte e costura - ele fala comigo ainda sem me encarar. Como sabe que estou incomodado? Não estou fazendo nada, estou apenas analisando alguns fatos. Mas ele está certo e me sinto confortável em falar com ele.

- Em alguns momentos não consigo ver o trilho que eu deveria estar - a frase sai sem sentido. Eu nunca fui homem de estabelecer regras, mas eu não vivo em uma esbórnia constante e, nos últimos meses, tenho passado apuros por conta de um filho da puta. Um hacker resolveu foder com os meus trilhos. Não sabia se matava Benjamin por estar com a minha irmã ou se contratava a CIA para pegar esse maldito hacker.

- Tudo isso por conta de sua saída do Clube? - ele pergunta e, enfim, suspende seu rosto em minha direção.

- Não é a saída, é o motivo, a razão que gerou esse resultado - desabafo me sentindo inútil diante de um hacker que tem abusado da sorte - Para ser franco, esse clube já me rendeu mais alegrias do que atualmente - falo e bebo um gole do que está em meu copo.

- O hacker? - ele pergunta como se não soubesse ou como se fosse algo banal.

- Sim, esse filho da puta não está deixando rastro e está me deixando maluco - falo e bebo o restante do whiskey - Os IPs rastreados cada hora aparecem em algum lugar do planeta, estão criptografados e esse jogo de brincar com o dinheiro e não retirar um único centavo me deixa com a sensação de que meu cliente vai acordar um dia e não terá um tostão sequer.

- Esse é o cara mais rápido que já conheci. Ele revira tudo em questão de minutos e, no instante seguinte, tudo volta ao normal. Eu nunca demorei tanto para encontrar um “rato” - ele assume - E você sabe que não costumo falhar, mas estou providenciando uma ratoeira especial para nosso amiguinho - ele diz e bebe um pouco.

Vejo-o acenando para Sohan e ele se aproxima com a garrafa - Sohan, temos uma linha funcional aqui? - ele pergunta e Sohan pega o celular que está em seu bolso e olha para a tela.

- Agora sim - ele entrega o celular para Gio e essa foi a segunda vez que escuto a voz dele hoje. Sohan tem um metro e noventa de altura, se não tiver mais, seu cabelo é curto, muito curto, e é possível ver a cor da pele do seu couro cabeludo. E ele não parece em nada com um segurança, ele sempre está de jeans, sempre. Vejo Gio tocando na tela do celular e colocar na orelha em seguida.

- Sou eu - Gio fala ao telefone - Quanto tempo para ficar pronto? - ele pergunta - O “rato” voltou com mais força essa semana - ele diz e eu daria minha fortuna para saber quem é esse contato de Giovani. É como se ele tivesse um reforço, alguém na retaguarda que por vezes soubesse até mesmo mais do que ele, e isso seria apavorante.

Há quase um ano ele me ligou e disse que a temperatura externa do meu chalé, em Aspen, era de menos catorze graus. Assim que ele me passou a posição meteorológica, gargalhou e desligou. Então, se alguém nesse mundo é melhor do que ele, possivelmente essa pessoa saiba o número dos meus batimentos cardíacos.

- Esta semana ele deixou duas contas da Oracle flutuando e demoramos quase oito horas para estabilizar - ele explica e escuta o que a outra pessoa está falando - Não acredito que seja pessoal, a identidade dos proprietários da Oracle não consta em lugar nenhum - ele fala e digita algo com a outra mão - Concordo - ele diz - Espero seu retorno - ele desliga e Sohan se aproxima e coloca mais whiskey em meu copo.

- Alguma novidade? - pergunto e bebo mais um pouco.

- Talvez não seja a Oracle o alvo, talvez seja uma das empresas que ele está brincando - Gio fala e vira a tela para mim - Veja, a primeira empresa foi a Herins Tofan, ela faz aplicações que rendem mais do que a poupança; a segunda, foi Joe Martini, que vende online os jogos de todo o mundo; em seguida, foi a Thirty Hours, plataforma online que consegue vender tudo com o menor preço do mercado e garante a entrega em todo o território americano em no máximo trinta horas, e a Xtiling, importadora mundial com sede em Xangai - ele fala apontando para cada uma delas - Cuidamos de um banco, de oito empresas de transporte e mais algumas dúzias que não me lembro, mas apenas essas quatro foram atingidas até o momento. O que estamos fazendo é triangular o que elas têm em comum - Gio explica e eu entendo isso, já fizemos isso antes.

- Gio, já tentamos isso e não encontramos nada que as ligassem - falo e bebo mais de minha bebida.

- Sim, e sabemos que o hacker camufla seu IP, por isso, estamos criando uma armadilha para essa triangulação ser mais eficiente. Vai demorar um pouco, mas vamos pegá-lo - ele volta o laptop para o seu campo de visão e observa a tela.

- Pelo visto você tem alguém que está um passo à frente e está te ajudando - tento descobrir algo sobre essa pessoa que sempre está nos bastidores.

- Vamos pegá-lo - ele encerra minha investida e não deixa espaço para alguma pergunta sobre essa pessoa.

- São meses nessa merda e é por isso que saí do clube. Essas vindas para Madri me tomam tempo, tempo que eu poderia ficar mais de olho em minhas operações - desabafo e Sohan coloca a garrafa de whiskey na minha frente. Parece que ele percebeu que é disso que estou precisando.

- Bem- vindo ao mundo dos adultos - ele zomba - E como Marco reagiu? - ele pergunta.

- Não se opôs, mas levantou a questão sobre as últimas saídas - falo e encho meu copo. Percebo Gio me olhando seriamente.

- E qual seria a questão? - ele pergunta e fecha o laptop. Seu rosto muda de expressão e eu conheço Gio há tempo suficiente para saber quando ele está preocupado, curioso ou debochado. Ele está debochando.

- Ora, Gio, o cara está perdendo mais um cliente, um faturamento a menos - falo e encho novamente meu copo.

- Alec, acha mesmo que Marco O’Neil está preocupado com faturamento? Você acha que sua pequena contribuição mensal é que mantém aquele lugar? - ele fala algumas vezes sobre o Palácio como se não fosse importante, ou como se não fosse MAIS importante agora.

- Gio, eu e você reviramos o histórico dele e o lance não é dinheiro, mas acho que quando um dos membros fundadores sai, é como se ele estivesse perdendo parte da referência do Palácio. Somos nós, sempre seremos os caras que levantaram aquele lugar - falo e bebo mais um gole e me apoio em meus joelhos.

Para esse retorno não fiz questão de uma roupa especial, estou de bermuda, camisa e chinelos. Minha bagagem é uma pequena bolsa de mão e me sinto mais aliviado do que triste por essa decisão.

- Sim, mas a questão não é essa, o Palácio era o nosso parque de diversões - ele conjuga no passado e isso me assombra por poucos segundos - Mas para ele... Marco não tem mais nada a perder nessa vida e ele tem investido milhares de euros naquele lugar, tudo que ele recebe do Palácio ele destina para o Palácio, é como se ele injetasse tudo no clube Full Time - Gio diz e vira a tela novamente para mim - Veja - ele abre o laptop, digita alguma coisa e aponta para uma foto de Marco saindo de um restaurante carregando caixas e essa foto não é de uma reportagem, ele não foi flagrado, ele foi seguido e Gio me deixa com uma pulga atrás da orelha que não para de pular.

- Você está seguindo o Marco? - pergunto.

- Não tenho tempo para isso - ele responde e volta a tela para os seus olhos - Mas eu conheço gente com tempo e eu precisava de algumas informações, nada de especial - ele responde e eu não sei se quero saber sobre o que se trata. Gio em alguns momentos me deixa com medo.

- O que tem nessas caixas? Comida aos pobres e desabrigados? - zombo.

- Sim - ele responde sorrindo.

- Bacana isso, mas depois que ele termina sua filantropia, ele vai trepar no Palácio - sou irônico.

- Eis a questão, meu nobre amigo - ele diz e me mostra outra foto, é Marco em frente ao Palácio, falando com um dos seguranças. Ele deixa o laptop de lado e me encara - Essa foto foi tirada na mesma noite, quase no mesmo horário, o único problema é que a distância do Palácio para esse restaurante é de quase duas horas, e o intervalo entre as fotos foi de vinte minutos. Marco tem um irmão gêmeo - Gio se levanta e se espreguiça. Ele está de jeans, camiseta branca e descalço e fala isso naturalmente, como se estivesse falando do clima ou de alguma marca de cerveja.

- Você me deixa com medo, sabia? - falo e estico minhas pernas sobre a pequena mesa diante do meu assento.

- Marco não tem nada a perder e se enfiou em um antro de putaria; já o irmão, Edward, é voltado à filantropia, nunca entenderemos o ser humano - ele conclui.

- Gio, com qual objetivo investigou a vida do Marco? - pergunto.

- Benjamin me passou algumas informações, pelo visto o lugar está tendo um número grande de visitas e agora não se limita mais às noites. Eu precisava saber sobre os meus riscos, só isso - ele fala e vai até o banheiro.

Sempre estivemos em risco naquele lugar. Olho pela janela e vejo tudo escuro e muitas vezes me sinto assim também, como se não tivesse cor alguma para demonstrar. Escuto Gio voltando e passando as mãos pelos cabelos. Encaro-o - Você realmente é assustador - brinco e dou risada.

- Não é nada relevante, ele tem um irmão gêmeo e pronto, um é diferente do outro e só. Eu queria apenas saber mais sobre ele e entender até que ponto ele quer ir com essa expansão do clube, isso é um jogo arriscado - ele diz e acena positivo para Sohan que devolve o mesmo tipo de aceno e vai para a área de serviço do jato - Isso só prova que todo ser humano tem um lado que ele prefere esconder, algo que o mundo não merece e nem precisa saber. Eu só quero ter certeza de tudo que faço e por isso eu pergunto, mas eu sei para quem perguntar e quando levantar as questões - ele diz e Sohan volta e devolve novamente o mesmo aceno.

- Está tudo bem? - pergunto e aponto para ele e para Sohan.

- Sim, é que vamos precisar fazer uma escala - ele diz.

- Achei que estávamos sobrevoando o oceano em direção a Nova York - falo e olho para baixo, ainda não vejo nada.

- Ainda não - ele diz e eu termino de beber.

- Posso saber onde vamos fazer essa escala? - pergunto.

- Moscou - ele responde e oferece um sorriso sem dentes.

- Isso não é uma escala, estamos indo na direção contrária de onde deveríamos ir - falo e me levanto.

- Calma, serão apenas duas horas, é o tempo que tenho de permissão para ficar na pista, com quem eu preciso falar vai estar me esperando lá - ele explica e percebo.

- O que você teria para resolver em Moscou que não pode fazer em uma ligação? - pergunto e sinto o jato começar a perder altitude. O aviso sobre o cinto acende e eu acato.

- Nada de especial, eu preciso ver uma pessoa, você me entende, certo? - ele pergunta e faz cara de idiota. Será que Gio está mantendo um relacionamento à distância? Não, esse não é o perfil dele.

- Por que você está mentindo para mim? - pergunto.

- A verdade pode ser escandalosa e nada simpática, será uma parada rápida - ele responde mais friamente e eu vejo um Gio misterioso.

- Cara, você poderia arrumar uma foda mais perto da sua casa - zombo e tento não entrar na pilha de entender o que está acontecendo.

- E está perto da minha casa - ele dispõe um sorriso torto e rebelde e eu nego com a cabeça.

- Eu espero aqui dentro, só preciso de mais whiskey - falo e Sohan acena positivamente. Gio se senta e afivela o cinto - Você vem para Moscou com frequência? - pergunto e me sinto no direito de saber.

- De duas a três vezes por mês, tudo depende - ele responde tranquilamente e pega o laptop no colo novamente - É como se fosse a minha segunda casa - ele fala olhando para a tela do laptop e sorri. Que porra está acontecendo aqui?

O jatinho pousa e assim que é liberada a porta, espio pela janela e vejo Gio atravessando a pista em direção a um barracão. Ele colocou um sobretudo e vestiu botas acolchoadas, aqui é mais frio. Sohan ficou no jatinho. Alguém saiu de uma das portas e cumprimentou Gio. É um homem, mas eu não consigo ver quem é. O cara mostra alguma coisa para Gio na tela do celular, Gio pega o próprio celular e tira uma foto e o guarda novamente. Procuro meu celular e não o encontro, eu queria aproximar a imagem e saber quem é esse cara. Mas eu não conseguiria ter tanto sucesso, ele está de chapéu, sobretudo e um cachecol em torno no pescoço.

Percebo a conversa ficar mais descontraída. Será que Gio é gay? Preciso de mais whiskey. Encho novamente meu copo e Sohan passa por mim vestindo um casaco e vai em direção a Gio. Ele se aproxima, fala alguma coisa no ouvido de Gio e volta.

Será que ele está envolvido com a máfia? Ele não pode se envolver em mais nada, ele acabou com o sistema de Wall Street quando era adolescente e seu pai desembolsou uma fortuna com advogados para livrá-lo.

- Você acha que ele vai demorar? - pergunto para Sohan assim que ele entra aquecendo suas mãos.

- Acredito que não - ele responde sucinto e eu estou começando a ficar com mais medo agora.

Levanto-me e vou até a escada do jato, o frio me impede de pisar para fora e eu volto para o meu lugar. Procuro meu celular e o vejo sobre a mesa do assento atrás de onde estou. Coloco minha digital e percebo que ele está sem bateria.

- Merda - falo e vejo Gio entrar com um sorriso no rosto.

- Podemos ir - ele fala para Sohan - Está muito frio - ele diz e esfrega as mãos.

- Cara, você está dando a bunda? - pergunto enquanto ele se senta onde estava e pega o laptop.

- Posso simplesmente ignorar e prosseguir como se essa pergunta nunca tivesse existido? - ele não olha para minha cara e responde mecanicamente.

- Volta rindo de um encontro com um homem, não consigo pensar em nada melhor - falo e me sento.

- Pelo visto não consegue pensar - ele responde e agora está sorrindo - Alec, não se preocupe, não vim até aqui para um encontro, eu trepei o suficiente em Madri - ele mantém a voz calma na resposta e digita rapidamente algo assim que olha a tela do seu celular.

- O cara poderia ter te mandado um SMS - zombo e bebo mais um pouco de whiskey, percebo que estou mais alegre do que deveria.

- Não poderia, não para o que estamos fazendo - ele responde.

- Cheio de segredinho, vai à merda - falo e ele mantém seus olhos na tela.

- Não posso ir à merda, estou tentando te salvar dela - ele não muda o tom de voz e isso está me irritando - Vim pegar a triangulação que ele fez. Enquanto estávamos voando, a Oracle recebeu a visita de nosso rato e ele estava online e captou o momento em que ele entrou. Seu IP estava camuflado e ele ligou os padrões e filtrou, agora nosso rato começa a ficar encurralado - ele sequer olha em minha direção.

- E qual era o problema de eu conhecer esse cara que está por trás de tudo isso? - pergunto - Que porra! Esse filho de uma puta parece que sabe em que momento agir - estou extremamente irritado com esse hacker, eu não sei dizer o que sou capaz de fazer quando eu colocar as minhas mãos nele.

- Ele não gosta de pessoas - Gio responde - Agora se acalme, ele não fez nada, apenas entrou e revirou uma ou duas informações e ajeitou de novo antes de sair. Ele está perdendo o medo e ficando cada vez mais tempo dentro de nosso sistema e é isso que eu preciso, preciso que ele perca totalmente o medo.

- Não estou te entendendo - falo.

- Sem medo, menos limite e, aí, você esquece dos riscos e dos cuidados, é nesse momento que seu rastro fica onde eu possa achá-lo - ele explica e eu acho que bebi demais.

- Cara, eu não quero pensar nisso. Esse merda já me causou tantos problemas. Tenho quatro grandes empresas que podem rescindir o contrato por conta disso. Sei que não vou ficar menos rico por conta disso, mas é o nome da Oracle em jogo. Eu saí do Clube exclusivamente por causa desse filho da puta - descarrego e coloco mais uma dose em meu copo. Nem o álcool está fazendo o efeito que preciso - O tal cara que não gosta de pessoas, parece que abriu uma exceção para você - falo e olho para a pista, o jato começa a taxiar. Olho para Gio e ele digita mais alguma coisa e para.

- As aparências enganam, Alexander - ele olha friamente para mim.


2

 

Zero

 


A programação é simples e eu não me importo com a noite que os responsáveis por isso perderão. Não deixaram a porta aberta, eu a abri, mas antes, eu fiz a fechadura, fiz a chave e, agora, eu posso distribuir isso da maneira que eu quiser.

Troco uma informação sobre investimentos e a coloco sobre um item que a Thirty Hours entregaria e, com isso, cliente, fornecedor e entregador se perdem e o prazo fabuloso estipulado por eles, não será cumprido.

A matemática é simples, colocam grades, alarmes e escolhem um cachorro violento, e eu tenho uma serra, um alicate e carrego um bife. Resumindo: eu posso acabar com as grades, cortar os fios do alarme e alimentar o cachorro.

Entro pela porta da frente e sinto que sou inclusive bem-vindo.

Olho para a plataforma da Xtiling e acho que vou enviar uma sugestão para o designer da página. Layout horrível.


“Caro responsável por esse design, contrate outra pessoa para fazer esse serviço”


Deixo meu recado na página principal e junto, indico o valor de um item que eles importam e que está mais barato em outro site. Estamos aqui para servir ao cliente e fornecer, honestamente, o melhor que o mercado tem a oferecer.

Tenho apenas mais dois minutos por aqui antes que percebam que cheguei para o “jantar”.

Agora, entro no sistema do Joe Martini. Essa plataforma de jogos tem todas as novidades mundiais e acredito que ela deva ter algo de respeito. Gargalho alto e escolho Pac-Man, sim, nosso amigo redondinho vai estampar a fachada de todos os jogos e seu preço é melhor, apenas um centavo. Volto a gargalhar e isso tem alimentado a minha alma.

Saio e espero, vejo de fora a sujeira que deixei. É engraçado olhar o desespero alheio, ainda mais quando se vive um todos os dias. Olho os quatro sites avisarem sobre um problema técnico e agora é o momento em que eu entro, desfaço o que acabei de fazer e suspendo o valor que todas estão recebendo nesse momento.

Por alguns minutos, nenhuma das quatro receberá nada, tudo está flutuando e eu deixaria assim. Mas eu não posso, não deixo rastro, meu serviço é bem limpinho.

Permito, como gesto nobre de minha parte, que tudo volte ao normal, mas eu deixo o recado para o designer do site da Xtiling. Está medonho e precisa com urgência de um profissional da área.

Desconecto e eu sei que tem um olho tentando me encontrar. Não vai conseguir. Você acha que consegue me ver, mas eu deixo você olhar apenas o que eu quero que veja. Você não consegue olhar nos meus olhos.


3

 

Alexander

 


Olho para as oito telas que estão na minha frente, estou de pé olhando esse filho de uma puta entrar e sair.

Eu preciso acabar com ele, mas preciso fazer isso com as minhas mãos, eu faço questão de quebrar o pescoço dele. Escuto uma música vindo de longe e isso me desperta e ele sai do sistema.

- Viu o que esse filho de um quilo de merda fez? - pergunto para Gio assim que aperto o viva voz do meu celular.

- Ele está se divertindo, mas será por pouco tempo. Hoje, ele não conseguiu fazer nada, acho que ele viu o presentinho no meio do caminho - Gio gargalha e eu sei o que ele fez, ele disfarçou alguns vírus e deixou pelo caminho que o maldito costuma percorrer.

- Ele deixou pistas de como age, ele entra sempre da mesma forma - falo e escuto Gio concordando - Qual foi o intervalo desta vez? - pergunto.

- Ele demorou uma semana para entrar, o espaço entre uma visita e outra diminuiu - Gio ressalta.

- Vamos pegá-lo - falo.

- Sim, mas isso não será hoje. Hoje, vamos à John John. Andrew reservou um camarote para nós. Carl, Bryan e Cesar já confirmaram presença - Gio me lembra da festa que And quer fazer em comemoração à sua nova colocação na Nike.

- Vou para casa e a gente se encontra lá - falo e desligo em seguida.

Pego minha carteira junto com meu celular, fecho meu escritório. Aluguei esse andar comercial desde que meus pais foram para a Suécia e eu comprei o meu apartamento. Kim foi morar com aquele cretino. Benjamin passou a ter meu respeito e tem andado na linha. Isso poupa a sua vida.

Desço e vou para o meu carro, acelero até a Central Park West, entro pela garagem e subo até o nono andar, onde as caixas da mudança nunca acabam e atrapalham meu caminho.

- O senhor vai jantar? - Karime, minha assistente, que era da minha mãe, me surpreende caminhando com um cesto de roupas indo em direção à área de serviço.

- Não, vou sair e você já deveria ter ido embora - a lembro sobre o horário.

- Adiantei o meu serviço, amanhã estou de folga - ela me lembra seu cronograma e o quanto é chata com suas obrigações. Karime está na minha família há pelo menos doze anos e me conhece como ninguém - O senhor precisa comer, está emagrecendo de forma rápida - ela diz e continua seu caminho - Essa casa tem apenas caixas a serem desfeitas e armários sem comida e estou proibida de resolver esses dois problemas - ela está zangada e eu não quero que ela mexa nas caixas.

Não respondo. Eu poderia dizer a ela que tem um filho da puta de um hacker me tirando o sono e a fome, mas ela não entenderia. Ela vem aqui apenas para cuidar da limpeza e está de bom tamanho, eu quase não fico aqui. Nem o plástico do sofá eu tirei e há meses a decoradora quer vir aqui com a equipe para colocar em ordem esse apartamento, e eu nunca marco. Porque tem um maldito me deixando maluco.

Tomo o banho mais rápido que já tomei e olho para o relógio, são nove e quarenta e oito. Escolho um jeans e uma camisa verde claro, os sapatênis de quase sempre e desço. Karime desce junto comigo e eu dou uma carona a ela até a estação central.

Meu celular toca e eu atendo.

- O desgraçado acabou de deixar um recado - Gio fala e me manda um print da tela.

“Obrigado pelos presentes, achei educado retribuir”

- O maldito deixou um vírus em cada porta de acesso dos quatro sites - Gio fala e eu soco o volante.

- Que merda! - falo alto dentro do carro.

- Ele entrou e saiu. Os vírus já foram removidos e agora os sites estão funcionando em um sistema paralelo provisoriamente até que o canal principal fique seguro - Gio avisa - Estou a caminho da John John e tem alguém de olho no site nesse momento - ele conclui.

Estou há dois meses fora do clube por conta desse maldito, meu apartamento está uma zona e eu o culpo também. Algumas das minhas trepadas das últimas oito semanas foram interrompidas por causa dele. Ele é o inferno na minha vida.

- Eu não respondo por mim na hora em que eu colocar as mãos nesse bastardo - falo e desligo em seguida.

Há uma semana eu estava com Ariana Marise, adoro pronunciar esse nome. Eu saí do banho e ela estava sentada na beirada da cama com as pernas abertas e seu indicador me chamava e eu sou um bom menino.

Ariana Marise é alta, tem pernas grossas e seios fartos, o tipo de mulher que naturalmente conquista meu pau duro e, em troca, ofereço um bom número de orgasmos.

Ela estava me olhando como se aquela fosse a última noite da minha vida e eu estava disposto a encarar isso como uma verdade a ser aceita.

Nenhum pelo no caminho, seu sexo claro, brilhando em minha direção, me fez tirar a toalha e deixar diante dela o que ela está pedindo.

- Beije-a - ela aponta para o meio de suas pernas e eu sorrio de lado.

- Primeiro as damas - falo e me enfio no meio de suas pernas, segurando sua nuca e colocando meu pau em sua boca. Parece agressivo, mas é assim que ela gosta e eu exercito a minha memória para não confundir os gostos e muito menos as mulheres.

Ela me engoliu até onde conseguiu e deliciosamente engasgou depois, essa cena é estimulante, excitante e eu sei recompensar.

Saí de sua boca e me ajoelhei diante dela. Abri suas pernas e as suspendi. Suguei seu clítoris como se fosse realmente a minha última noite na Terra e, depois, enfiei três dedos, a circulei internamente e quando ela estava quase gozando, a chupei com mais intensidade e ela gozou, gritou e eu observei o momento em que ela alcançou os próprios seios.

Coloquei o terceiro preservativo e a fodi forte, como ela pediu. E quando eu o tirei, o dia estava invadindo meu quarto e era hora dela ir embora.

Ariana é a mulher semanal que, assim como eu, busca fodas extras e eu gosto dessa falta de interesse sentimental da parte dela. Mas confesso que é só ela me ligar que eu vou. Sempre vou. Nessa noite, antes da segunda trepada da noite, recebi dois alertas e quase que minha noite foi destruída. É como se esse maldito soubesse que meu pau estava duro.

Tereza também é boa de trepar. Ela é mais velha e sempre tem um truque novo, algo que aprendo e pratico com êxito depois.

Tereza é a russa mais gostosa que já comi, quase da minha altura e isso me enlouquece. Já trepei com ela no banheiro do Tribecca e Julian me ajudou com isso. É de extrema importância remunerar as pessoas à sua volta. Isso foi há dois dias e assim que saí do banheiro, meu celular tocou, era Gio tentando impedir que o sistema da Xtiling saísse do ar.

Esse maldito está fodendo as minhas fodas! Soco o volante.

Fico cego por dois minutos e acelero até a John John. Largo o carro na mão do manobrista e nem vejo a cara do sujeito.

Subo para o camarote e de longe vejo Andrew, Carl e Cesar gargalhando com a atendente que coloca as bebidas sobre a mesa. Aproximo-me e observo a loura caminhando para fora do camarote, era ela que estava servindo os putos, acho que seu nome é Chayenne e ela é uma das mais antigas da casa.

- Oi, Alexander - ela diz assim que passa por mim e eu aceno com a cabeça e ela pouco se importa e eu idem. Caminho até os putos que olham as duas moças do camarote ao lado que rebolam com seus vestidos justos que permitem que minha imaginação evolua.

- E aí, Alec? - And se aproxima e aperta a minha mão.

- Movimentado aqui hoje - falo e aperto a mão de Cesar e Carl em seguida.

- Fazia tempo que não pisava aqui - Carl diz e eu ajeito meu cabelo com as mãos - Brooke - Carl chama a atendente que está no camarote ao lado e ela olha - Por favor, traga mais um Red - ele pede uma bebida especial da casa e ela consente com a cabeça. Vejo-a mancando e imagino que ela possa ter se machucado durante o expediente.

- E Gio? - Carl pergunta.

- Acabei de falar com ele e disse que estava chegando - falo e pego um copo que estava sobre a mesa. Não sei o que é, apenas bebo um gole e tento esquecer o que o puto desse hacker está fazendo com a minha vida.

- Conseguiu pegar o hacker? - Cesar pergunta e Bryan chega falando ao celular com alguém.

- Ainda não, mas estamos progredindo, quando eu o pegar possivelmente vou pra cadeia - tomo minha bebida.

- O cara deve ser muito bom, nem Gio o pegou ainda - Andrew diz e bebe.

- Como está cheio esse lugar - Bryan fala e aperta a mão de cada um - Semana passada não tinha metade desse tumulto, alguma coisa especial? - ele pergunta e guarda o celular no bolso. Bryan é excessivamente vaidoso e eu sempre tenho a impressão de que ele está gravando um comercial de xampu.

- Eu estou aqui! - Andrew sacaneia e gargalha.

- Vai se foder, And - falo e Gio chega respirando fundo.

- E aí? - ele cumprimenta de maneira geral e Chayenne entrega a bebida que Carl havia pedido para Brooke. Naturalmente sabemos os nomes das atendentes, frequentamos a John John e temos privilégios por aqui. Ele agradece e segura o copo preenchido com alguma coisa vermelha misturada com vodca - Preciso falar com você - ele fala e me puxa pelo cotovelo.

- Não me diga que o desgraçado está ativo nesse momento! - falo e levanto a mão para Lucy, outra atendente que estava caminhando em nossa direção - Me traga uma garrafa de whiskey, o de sempre, por favor - peço e Gio me mostra a tela do seu celular - Filho de uma grande puta suja, vou matar esse cara - falo e levo minhas mãos até a cabeça e analiso o que acabei de ler “ Isso poderia ser diferente”

- Desconfio que ele não esteja falando com a gente, ele está falando com o dono de uma dessas empresas - ele diz e eu juro que não entendo - Alec, seja quem for, o cara é muito bom e se ele não estivesse nos fodendo, eu o contrataria. Ele consegue entrar em qualquer plataforma e a gente só sabe que ele está lá porque ele avisa, deixa a sua assinatura - ele diz e eu o encaro tentando entender que tipo de assinatura.

- Que assinatura? - pergunto e uma morena de me fazer tirar a cueca passa por mim e esfrega seu lindo e arrebitado traseiro, mas eu tenho algo mais importante para resolver. Mas se ela me der alguns minutos, terei prazer em me enfiar aí dentro.

- Zero, é esse o nome que ele está usando - ele pega outro celular no bolso e mostra os arquivos que ele conseguiu capturar enquanto o bastardo fodia meu sistema de segurança - Olha aqui - ele aponta para uma sequência de números que entendo muito bem e depois da barra o nome... ZERO.

- Maldito seja - falo e Brooke coloca a garrafa de whiskey e os copos sobre a mesa - Obrigado - agradeço a ela e vou em direção ao sofá que contorna o camarote - Preciso pegar esse cara - falo e abro a garrafa e sirvo dois copos. Eu não acredito que é sexta-feira e vou ter que ficar de plantão em frente ao sistema esperando esse bastardo aparecer. Vejo Gio olhando para Chayenne - Já comeu, comida requentada não tem graça - o lembro que ele já fodeu com a atendente.

- Não fale assim, não fodo, eu faço amor - ele abre um sorriso mais bastardo possível.

- Sei, todos nós atravessamos o oceano para fazer amor - falo com a dose certa de sarcasmo e dou risada, o que me resta é rir.

- Chayenne não me deu problema, ela não é de romance, o lance dela é outro. Ela seria um membro de Palácio Hanzel se existisse a versão feminina para ele - ele diz e bebe um pouco do whiskey.

Lucy entra em nosso camarote e fala alguma coisa para Chayenne que havia acabado de passar por nós e foi em direção a Bryan e Cesar, que agora conversam apoiados na grade de segurança. Andrew está animado com a morena que se esfregou em mim e eu não tenho cabeça para pensar em nada a não ser no homicídio triplamente qualificado que estou pensando em praticar.

- Vocês precisam de alguma coisa? - Lucy se inclina e coloca uma mão em minha perna e outra na perna de Gio. Sua pergunta tem tanta intenção ruim que deixaria o próprio Satanás com arrepios.

- Por enquanto não - respondo sorrindo e ela pisca um dos olhos.

- Chayenne estava atendendo o camarote superior, mas ela vai precisar atender os camarotes de baixo e apenas Brooke vai ficar aqui à disposição dos três camarotes, mas isso é só até Chayenne subir, ok? - ela explica e vejo Gio colocando a mão sobre a mão dela impedindo-a de sair. Temos atendimento privilegiado aqui e somos informados até da disposição das atendentes.

- Por que esse lugar está tão cheio? - Gio pergunta maliciosamente e posso sentir o vinco que fica no meio de suas pernas pulsando. Ela engole seco.

- And não contou? - ela se aproxima de Gio e morde o lábio inferior - And escolheu esse camarote por conta da visão privilegiada que terão - ela aponta para os tecidos pendurados no teto - Teremos uma performance, vocês vão gostar - ela se aproxima ainda mais de Gio e esfrega o polegar em sua coxa - Se não gostar, me avise - ela pisca um dos olhos e vai embora.

- Se não comeu, não precisa de muito trabalho - zombo e ele suspende os ombros e eu entendo o que ele quis dizer - Você comeu todas aqui? - pergunto.

- Não comi a Lucy - ele diz.

- Não? Fez amor com ela, seu puto! - ele gargalha - E Brooke? Dê um tempo, ela é a mais nova por aqui, tente ao menos respeitar - falo e bebo um gole do whiskey. De repente, vejo uma loura, ela foi enviada por Deus e desenhada habilmente por Ele. Sinto meu coração disparar e olha que ele não funciona há um bom tempo. Ela tem as curvas perfeitas, usa um vestido vermelho e eu quero, em nome de Deus, rasgá-lo.

Ela para na minha frente e sorri. Hoje eu fodo com essa loura até ela pedir socorro. Vejo Gio falando oi para Brooke e imagino que ela será a próxima que ele vai foder aqui.

A loura, de cabelos ondulados e lábios carnudos, se apoia na barra de segurança e observa as pessoas que deslizam pelo tecido. Estou completamente atordoado por ela e ela permite que eu a devore com meus olhos.

- Tudo bem com você? - escuto Gio falando com Brooke e eu não estou preocupado com isso, eu quero a loura, nua de preferência.

- Sim, estou bem, e você? - ela mantém a conversa e nem imagina que Gio quer uma foda, porque é isso que ele está fazendo com todas aqui.

Ela joga o cabelo e isso é um sinal mais do que antigo e quer dizer: VENHA! Eu sou um menino obediente e gosto de coisas perfeitas e uniformes. Gosto de louras altas e com vestido vermelho e gosto sem o vestido também.

Aproximo-me dela e automaticamente ela se mexe, fazendo com que eu preste atenção em seu corpo. Ela sorriu e me encarou.

- Gosta do vestido? - ela pergunta e nem imagina quantos iguais a esse eu destruí à unha.

- Não acho que serviria em mim - respondo e ela sorri - Prefiro o que ele está tentando esconder - Ela é alta e seus saltos quase a deixam da mesma altura que eu. Suas coxas são fartas e parecem ser macias, eu as morderia, não com muita força, apenas para saber até que ponto ela suporta algum tipo de dor.

- Tem senso de humor e é bonito, não me diga que é casado ou gay - ela diz e eu a encaro.

- Pareço casado ou gay? - me aproximo dela a pressionando contra a barra de segurança - Responda isso de acordo com o que está sentindo entre suas pernas - permito que meu pau duro roce em seu corpo e a vejo engolir seco.

- Não - as letras saem fáceis demais e eu percebo algo em seu nariz, é branco e eu desaprovo completamente e em todos os sentidos.

- Então, guarde isso para você, agora se puder me dar licença - falo e a deixo ali, olhando sozinha para lugar nenhum. Volto para perto de Gio e Brooke já não está mais caindo em sua lábia.

- A loura tem um pau ou já teve um? - ele pergunta me sacaneando.

- Que pergunta é essa, Giovani? - questiono e alcanço a garrafa de whiskey e encho meu copo. Andrew está devorando a morena e Bryan e Cesar viram alguma coisa lá embaixo que os interessa, eles descem e eu bebo mais um gole generoso de whiskey.

- Para você ter dispensado... - ele diz.

- Ela deve ter cheirado pelo menos duas carreiras de pó e você sabe o que penso sobre isso - falo e ele suspende as sobrancelhas.

- Isso é complicado - ele diz e alcança a garrafa de whiskey e se serve.

- Essa noite você vai traçar a Brooke? - pergunto e vejo seu celular tocando e ele atende. Escuto-o dizendo que está a caminho e acho que a foda dele será em outro lugar. Pelo visto essa reunião em nome do novo cargo de Andrew será mais breve do que pensei. Ele desliga o telefone e solta o ar.

- Cara, preciso ir mas antes deixa eu te falar uma coisa, Lucy e Chayenne foram fodidas na mesma noite, elas curtem isso e eu as ajudei e não se repetiu mais - ele termina a bebida - Brooke não é assim, ela é de um corte diferente - ele se levanta - Eu sei, não faço isso no Clube, mas eu tenho uma vida razoavelmente satisfatória e ativa aqui fora que é onde a vida acontece de verdade - ele sorri - Agora eu vou embora, não para minha casa, mas para um lugar em que estou gostando de estar - ele deixa a dica e sai e eu estou sozinho, olhando para Andrew enfiar a mão entre as pernas da morena.


Escuto Closer, do The Chainsmokers.


Vejo as pessoas descendo pelo tecido vermelho e sinto um vazio estúpido e sem sentido, como se o mundo estivesse se ruindo diante dos meus pés e que meu inferno astral será longo e severo como o frio nova-iorquino.


“Nós nunca vamos envelhecer”, diz a letra.


Uma morena, quase da minha altura, passa por mim e para, olhando por cima de seu ombro.

- Está se divertindo? - ela pergunta e coloca seus olhos em minha direção.

- Defina diversão - peço e cruzo meus braços a intimando a uma resposta que nós dois sabemos qual é.

- Sou boa em definições - ela diz e me chama com seu indicador.

Levanto-me e paro atrás dela, deixando meu corpo tocar o dela, deixo tocar a parte que está interessada em suas definições sejam elas quais forem.

- Confia em mim? - ela pergunta assim que se vira para mim.

- Nem um pouco - respondo e ela aproxima seus lábios de minha boca e não encosta.

- Ótimo, assim eu não corro o risco de decepcionar ninguém por aqui - ela tem uma determinada ousadia que não admiro. Mulheres ousadas de maneira vulgar não despertam meu interesse, apenas endurecem meu pau e isso, sabemos, é algo passageiro.

Ela me leva para uma área reservada, em um camarote fechado com uma cortina de veludo púrpura e a fecha em seguida.

- Pode me ajudar com isso? - ela fica de costas para mim e me mostra o zíper de seu vestido branco e bem justo ao corpo.

Desço vagarosamente e assim que o tecido cobre seus pés, eu percebo que ela esqueceu a calcinha em casa e me faz pensar que outros estiverem ali.

Pego um preservativo em meu bolso de trás, desço apenas o meu zíper e o visto. Não vou beijá-la, não quero ter a sensação de estar chupando um pau por tabela.

Coloco-a de quatro apoiada no sofá e não a deixo falar nada. Apenas enterro com força e puxo seu cabelo. Vou fundo e ela grita, ela geme e rebola e é isso que ela quer essa noite. Essa morena é o exemplo clássico de uma mulher que está caçando e eu não sou presa de ninguém.

Entro e saio e quero apenas gozar, mas antes eu preciso saber se ela gozou. Tento fazer o meu trabalho pelo menos com o mínimo de empenho e percebo-a gemendo mais alto. Ela está gozando e eu não quero perder muito do meu tempo por aqui. Ela também não.

Gozo e saio dela em seguida. Tirando o preservativo e o jogando dentro de um copo descartável.

- Uau! Essa é uma rapidinha que vale a pena - ela diz e eu sorrio. Comigo sempre vale a pena, minha querida - Posso ficar com seu número? - ela pergunta e eu subo meu zíper e ajeito meu cabelo.

- Não essa noite - beijo seu rosto e pego seu vestido - Precisa de ajuda? - pergunto segurando a peça fazendo menção em ajudá-la. Seu rosto está fechado e ela tira a peça da minha mão.

- Saiba que você foi a minha aposta essa noite. Faturei cem dólares das minhas amigas, elas falaram que você era a minha missão - ela tenta me atingir e isso me faz sentir algo que há muito tempo não sentia. Dó.

Aproximo-me do rosto dela e acaricio com as costas da minha mão. Alcanço minha carteira do bolso, tiro um pequeno maço com algums notas de cem dólares e entrego apenas uma para ela - E você é a mais barata que peguei essa noite - pisco um dos olhos e saio tranquilamente, tendo a certeza que ela vai demorar para colocar seu vestido barato e correr fazendo um escândalo.

Passo pelo camarote que eu estava e desço em direção à pista de dança. A performance das pessoas no tecido me atrai por alguns minutos e eu me apoio no balcão ao lado da pista.

Peço um whiskey sem gelo e me sento ali, olhando as pessoas entrando, saindo e tudo isso começa a ficar chato. Acho que estou ficando velho.

Estou na minha terceira dose de whiskey e eu não a bebo completamente. Deixo o copo ali e volto para o camarote onde Andrew está. Começa a tocar Stole The Show, de Kygo.


“Há heróis, vilões, temos a quem culpar”


Olho para a tela do meu celular e são quase três horas da manhã. Não quero mais ficar aqui.

Aproximo-me de Andrew e ele me encara.

- E aí? - ele pergunta.

- Eu preciso ir, e pelo visto sua comemoração já deu certo - falo em seu ouvido e evito apertar a sua mão que deve estar molhada. Bato em seu ombro e desço a escada. Preciso desligar e dormir pelo menos oito horas seguidas.

Paro na porta e tento achar o manobrista e, na realidade, ele me acha.

- A X6 prata, certo? - ele pergunta.

- Sim - respondo e olho para os lados, tem uma fila que está esperando o carro.

- Vai ter que esperar alguns minutos, a rua onde fica o estacionamento está interditada - ele avisa e isso seria a cereja do bolo do dia.

Pego o celular e percorro meu perfil do Facebook. Vejo a foto de Kim e Benjamin. Eles estão na Suíça e eu não acredito que ela foi parar nos braços dele e estão com casamento marcado para daqui dois meses mais ou menos. Ela está feliz. Sinto meu sorriso ao olhar a alegria dos dois.

Vejo as fotos de Evan e Vick, os gêmeos estão grandes e o casal ainda se olha como se tivesse acabado de se conhecer. Ramon está em Portugal e Christen postou uma foto no aeroporto, está indo se encontrar com ele.

As coisas mudam, melhoram eu acho. Sebastian e Vivian são a prova de que as pessoas podem mudar, ou a prova de que a essência vence.

Perco-me nas fotos dos casais e olho as fotos dos putos que ainda fazem parte do Clube. Eu sou o cara do limbo, que não tem nem o céu e nem a passagem para o inferno. O tempo está virando e tudo indica que uma chuva está a caminho.

- Seu carro - escuto e acordo dos meus pensamentos que se tornaram mais agressivos mediante alguns fatos.

- Obrigado - pego minha carteira e dou alguma nota para ele e não reparo em quanto.

Dou a volta e entro no meu carro e acelero em direção à minha casa que fica a algumas quadras daqui.

O semáforo fecha. Olho ao redor e o movimento dessa cidade é pulsante e, em alguns momentos, me atordoa. Assim que vejo o verde do sinal, acelero e viro à esquerda tentando fugir do fluxo.

A rua está mais calma e eu entro na Nona, onde o fluxo volta a ser intenso. A garoa chata começa a ficar mais forte e acredito que o final de semana será com chuva. Estou na via da direita e outro semáforo fechado. Olho para a calçada e vejo um rosto conhecido, é Brooke e pelo visto ela saiu mais cedo. Ela está tentando se aquecer esfregando os braços e ela deveria estar usando uma blusa. Ela está com uma mochila e ainda está mancando. Talvez tenha sido um tombo mais sério do que imaginei. Essa camiseta de mangas cavadas não é indicada para esse tempo. Nego com a cabeça.

Buzino duas vezes e ela suspende o rosto procurando e, então, abaixo o vidro.

- Brooke? - a chamo e ela olha para dentro do carro tentando reconhecer. Ela oferece dois passos e olha para o meu rosto. Ela levanta a mão e acena - Vem, eu te dou uma carona - falo e ela se aproxima da porta.

- Não se incomode, minha casa está a quatro quadras daqui - ela diz e a chuva começa a ficar mais intensa e ela olha para cima, deixando que seu rosto seja atingido pelas gotas - Ou talvez eu aceite - ela me olha e suspende os ombros. Eu abro a porta.

Puxo do banco de trás um agasalho cinza que está há dez dias passeando comigo e eu sempre esqueço de tirar - Vista isso - peço... ordeno... não sei - ela pega e veste. Caberia mais quatro dela ali dentro, ela é magrinha, baixinha, talvez um metro e sessenta - O ideal não é ter um guarda-chuva e uma blusa para esse tipo de surpresa? - pergunto e o sinal abre.

- Seria, mas esqueci minha sacola com guarda-chuva e minha blusa no metrô - ela explica e enxuga o rosto com as mangas do agasalho.

- Por que estava indo a pé?

- Exercício - ela mente com a resposta - Esqueci minha carteira em casa - ela deixa provas de que sua memória é ruim.

- São quase quatro horas da manhã e com seu peso o vento forte a levaria embora - falo e ela ri.

- Não lembro seu nome - ela diz e eu a encaro enquanto ela ajeita sua mochila em seu colo.

- Alexander - respondo e sorrio.

- Desculpe, é que converso mais com Gio e, então, é mais fácil de lembrar - ela diz - Olha, você pode me deixar na próxima esquina, senão terá que dar uma volta imensa. Eles interditaram as duas quadras para uma obra do subsolo - ela diz preocupada - Não quero atrapalhar você - ela ressalta e eu a olho enquanto ela ajeita seus cabelos para trás. Eles são ondulados, castanhos, e seus olhos são azuis. Sua pele é clara e suas unhas são curtas, sem esmalte.

- Desculpe a franqueza, mas não acredito que tenha competência para me atrapalhar - falo isso pensando nos meus problemas que são incrivelmente maiores.

- Não sei o tamanho da minha competência, mas tento não usá-la contra ninguém - sinto a alfinetada levemente.

- Não foi isso, é que tenho problemas maiores do que um trânsito - explico e desligo o som que estava me irritando. Tudo agora está em silêncio.

- Tudo se resolve - ela tenta confortar com inocência e não faz ideia do inferno que está sendo a minha vida.

- Estou contando com isso - falo e sorrio amarelo - Me avise onde tenho que virar - peço e ela aponta para a esquerda na próxima esquina.

Viro onde ela pediu e vejo o aglomerado de prédios com as escadarias de incêndio.

- Desculpe a observação, mas mora em um bom lugar - ela está a poucas quadras do coração de Nova York.

- Sim, eu gosto muito, mas não é meu, ele é da avó de uma amiga e dividimos as despesas. Meu salário na John John não me permitiria morar aqui sozinha - ela aponta para o prédio e vejo uma mulher toda de branco procurando as chaves dentro da bolsa em frente à porta do prédio - Por falar nisso, ela está ali, chegando do plantão. Ela é enfermeira e fisioterapeuta e tem turnos malucos de trabalho - ela fala e eu observo seus dentes. São branquinhos, alinhados e ela tem uma boca bonita, bem desenhada. Eu nunca havia prestado atenção nela. Sorte dela.

- De qualquer forma, está bem localizada - digo e a amiga dela ainda não conseguiu encontrar as chaves.

- Obrigada pela carona - ela agradece e começa a retirar o agasalho.

- Não precisa, fique com ele e tente não esquecê-lo no metrô - brinco com ela.

- Primeiro presente do ano - ela diz e tenta abrir a porta.

- Desculpe, está travada - falo e libero sua saída.

- Ofereceria um café, mas acho que não tenho um café tão caro quanto está acostumado a beber - ela diz sem graça.

- Um café para retribuir a carona? - pergunto.

- Mais ou menos isso, mas de uma maneira mais feliz? - ela questiona e mantém os ombros no alto. Ela seria capaz de sumir dentro do agasalho - Desculpe, eu só queria retribuir e meu café é ótimo - ela se vangloria do seu feito e sorri. Ela é baixinha, por isso eu nunca coloquei atenção sobre ela.

Estaciono o carro e a encaro - Vamos ver se é bom mesmo - falo e a boca dela se abre - Não era para aceitar? - pergunto sorrindo.

- É que o apartamento é simples e... - ela limpa a garganta e olha para as pontas dos dedos.

- Mas eu não estou interessado no apartamento, quero apenas o que me foi oferecido como sendo ótimo... - brinco com ela e a vejo sorrindo - Melhor nos apressarmos, sua amiga ainda não encontrou as chaves - rio e ela também.

Saímos do carro e nos aproximamos da amiga que estava com a roupa molhada.

- A minha está mais fácil - Brooke diz e dobra várias vezes a manga do agasalho e pega a chave dentro do bolso frontal de sua mochila.

- Acho que perdi a minha chave de novo - ela diz e entramos em seguida. Vejo a escada estreita, piso antigo e o corrimão de madeira que precisa de manutenção com urgência.

Subimos os quatro andares e elas foram na frente, falando sobre suas tarefas no trabalho, sobre uma conta que venceu, que a dispensa está vazia e no domingo é folga e elas poderão fazer compras. Um cara desce e as cumprimenta com um beijo rápido no rosto e pede desculpas pela pressa.

Assim que entro no apartamento, eu tenho que admitir, mesmo sendo simples, está tudo tão limpo e organizado que me fez lembrar das minhas caixas entulhadas no meio do meu apartamento que caberia uns dez desse dentro.

- Oi - a amiga de Brooke me cumprimenta.

- Desculpe, estava com pressa de subir e acabei não apresentando vocês - Brooke fica sem jeito - Julianne, esse é Alexander, cliente especial da John John e gentilmente me salvou da chuva. Alexander, essa é Julianne, enfermeira em dois hospitais e trabalha muito e o tempo todo - Julianne é bonita e sorri com a brincadeira da amiga.

- Muito prazer, mas eu não vou poder dar muita atenção, pego outro plantão em uma hora. Se me der licença - ela diz e vai para alguma área mais íntima do pequeno apartamento.

Encaro Brooke que está olhando para mim sem acreditar que eu esteja ali, no seu modesto apartamento sublocado. Eu também não sei o que estou fazendo ali, mas me parece o certo.

Escuto uma música, e olho para Brooke.

- É o celular dela, Love on the Brain, Rihana - ela explica e a letra me parece de alguém com relacionamento difícil.

- Poderia ser pior - falo sorrindo.

- Como assim? - ela pergunta e coloca o cabelo atrás da orelha. Meu Deus, isso é bom de olhar.

- Poderia ser o meu celular - zombo e ela gargalha. Os olhos dela são grandes... intimidadores? Se controle, Alexander, você a partiria ao meio. As altas aguentam mais. Seu olhar está perdido, tentando me encaixar no layout do seu apartamento e ela percebe que eu estou encarando-a.

- Seu café - ela diz perdida e retira o agasalho. Ela o coloca sobre o encosto do sofá com alguns remendos. Ela vai para a cozinha que é logo ali e fala de lá - Sente-se, tente ficar à vontade - ela diz.

Eu me aproximo dela e me sento em uma das quatro cadeiras velhas da cozinha e reparo nos armários antigos, no fogão que provavelmente não funciona de maneira totalmente eficaz e eu a vejo abrindo a geladeira que está vazia. Ela retira uma jarra de plástico com água e pega um copo que foi de algum outro produto algum dia.

- Aceita um pouco de água antes do café? - ela pergunta e coloca o copo e a jarra sobre a mesa.

- Eu espero pelo café, obrigado - sorrio e a vejo pegando um pote pequeno e colocando sobre a pia. Ela enche uma chaleira com água e coloca sobre a boca do fogão que demora a funcionar. Ela está usando um jeans justo e mesmo sendo magrinha, vejo um traseiro bem desenhado dentro das devidas proporções e eu realmente a quebraria ao meio. Acho que estou com vontade de fazer isso. Ela coloca água para ela mesma beber. Ela está com sede e a visão de olhar seus lábios em torno do copo me faz ter pensamentos ruins. Eu sempre tenho pensamentos ruins. Algumas gotas escapam e ela desliza a ponta dos dedos sobre os lábios tentando enxugar e eu estou pensando exatamente no contrário disso. Pressiono meu maxilar e tento conter o que está dentro das minhas calças.

Ela é tão simples e sua imagem se faz tão sexy diante de mim. Eu sempre a vejo no escuro da John John e isso a salvou até o momento. Ela é, definitivamente, muito bonita.


“O que você quer de mim?”, diz a letra.


Vejo-a mexer em algumas coisas para fazer a sua tal especialidade e ela faz café de um jeito diferente - Onde aprendeu a fazer café assim? - pergunto.

- Minha mãe era brasileira - ela responde.

- Era? - murmuro.

- Ela faleceu há cinco anos, uma noite ela dormiu e não acordou - ela diz tranquilamente e eu tento comparar o que chamo de problema com o que estou presenciando.

- Sinto muito - lamento.

- Ela me ensinou a fazer café, caipirinha e feijoada - ela fala com orgulho de seu curriculum gastronômico brasileiro e eu estou sorrindo pelo jeito dela falar.

- E seu pai? - pergunto e vejo sua mão parar no ar, segurando a colher que carregava o açúcar. Ela suspira e solta o ar lentamente.

- Meu pai mora no Brooklyn, vou lá todos os dias para ajudá-lo. Ele sofreu um derrame há alguns anos e tem seus movimentos parcialmente limitados - ela responde e olha para mim com um sorriso menos feliz.

Vejo-a despejar o resto de pó de café dentro de uma espécie de pano, é um coador de tecido e sinto culpa por ela usar o que ainda tem apenas para retribuir uma carona.

Ela vai até a sua mochila e olha para o celular assim que ela o alcança. Ele possivelmente tem alguns anos, enquanto o meu, em menos de um ano, troquei quatro ou cinco vezes de aparelho.

- Em alguns minutos o café vai ficar pronto - ela diz.

- Não estou com pressa - falo e ela me olha esperançosa, eu acho.

- Você faz esse tipo de coisa mesmo? - ela pergunta e se senta de frente para mim.

- Faço muitas coisas, precisa ser mais específica - peço e inclino meu corpo considerando olhar seu rosto ainda mais de perto, com esperança de encontrar um defeito ou ela ter mau hálito, assim meu pau recuaria.

- Você aceita café assim facilmente? - ela pergunta.

- Não foi assim tão fácil. Você queria retribuir a carona, eu gosto de café e você fez uma propaganda excelente de suas habilidades - sorrio ao dizer e vejo o sorriso em seu rosto - Posso lhe fazer uma pergunta?

- Claro -ela responde.

- Vi que você está mancando, você caiu? - questiono e ela massageia o quadril do lado direito.

- Não, é um problema que tive na infância. Uma injeção contra uma infecção atingiu meu nervo e quando fico muito tempo em pé, dói muito e foi por isso que Lucy me dispensou mais cedo, geralmente saio as cinco da manhã, em algumas vezes, às seis - ela explica e isso não deveria me comover como está me comovendo. Mulheres nuas querendo uma foda me comovem, não histórias do sofá da Oprah.

- Deveria arrumar outro emprego - falo.

- Até gostaria, mas por conta desse emprego, tenho tempo de cuidar do meu pai, mesmo morando um pouco longe, a grana é boa - ela explica e só agora me dou conta de que existem outros tipos de problemas, maiores, não solucionáveis e trágicos, que fazem dos meus algo mísero.

Ela caminha até a chaleira e a água está fervendo. Ela tenta disfarçar seu mancar, mas eu o percebo.

Ela despeja a água sobre o tecido preso em uma armação que eu nunca tinha visto, isso filtra o pó, e aos poucos o pequeno ambiente, preenchido com móveis velhos e sofás remendados, é tomado pelo aroma do café fresco.

Julianne passa por nós e se despede rapidamente avisando que encontrou a chave, logo depois ela sai e fecha a porta.

- O cheiro está perfeito - falo e ela sorri.

- Espere até sentir o sabor - ela dança com os ombros orgulhosa de sua produção.

Ela serve duas xícaras, a dela tem uma pequena trinca, a minha está perfeita. Ela levanta a xícara fazendo menção de um brinde.

- Às gentilezas - ela diz.

- Ao dom de fazer café para retribuir isso - toco em sua xícara e levo a minha até a boca. Deixo o líquido quente, saboroso, tomar conta do meu paladar e ela tem razão, ela sabe como fazer isso de um jeito muito bom.

- Está perfeito - elogio e bebo mais um pouco.

- Eu avisei - ela faz uma cara de autoconfiança e pisca um dos olhos para mim.

Bebo tudo e coloco a xícara sobre a mesa - Obrigado. Estava precisando sair da minha rotina - assumo.

- Dizem que rotinas são boas - ela fala e bebe mais um pouco de café.

- Depende do ponto de vista. Algumas nos tomam tempo e energia, essas não são boas, mas as que nos dão isso de uma única vez, são ótimas - espero que ela não perceba, mas só tem intenção ruim no que eu disse.

- Tenho uma rotina regrada, se eu sair dela, me perco - ela diz e termina seu café rodando a xícara como distração.

- A minha rotina é lidar com a bagunça, é como se o caos me fizesse ganhar dinheiro - pergunto e ela olha atentamente para mim.

- Não consigo assimilar algo bom no que me disse, mas deduzo que esteja funcionando para você, apesar de parecer muito chato diante do meu ponto de vista - ela fala e eu não me atento às palavras, estou olhando em seus olhos e ela é curiosamente inteligente. Minha testa franze e eu tento retomar o fio da conversa.

- Não se engane, é chato para mim também, por isso esse tipo de coisa - levanto a xícara já vazia - Me salva de tudo isso - e me levanto - Preciso ir - minto. Eu não preciso, mas eu devo, pelo menos é isso que meu lado racional está me dizendo. Vá embora, Alexander, ela é diferente! Escuto a voz de Giovani como um martírio em minha mente e tudo que eu queria é apenas mais uma foda essa noite e, aí, eu sossegaria.

Ela se levanta em seguida e vejo que ela sentiu sua perna fisgar. Eu não posso fodê-la, isso lhe daria mais dor e eu não tenho essa intenção. Pelo menos, não é a sua perna que eu faria doer.

- Que bom que ajudei com alguma coisa, obrigada pela carona - ela vai até o agasalho e me entrega.

- Pode ficar, cuide dele assim como prepara o café - falo e vou em direção à porta - Nos vemos na John John - aviso e ela está perto de mim e já coloco a mão na maçaneta. Viro-me e beijo seu rosto - Obrigado pelo café - agradeço novamente olhando dentro dos seus olhos.

- Por nada. Quando quiser, sabe onde eu moro... - ela sorri e eu saio de seu apartamento, fechando a porta em minhas costas e descendo, para algum lugar que não sei onde é, e não estou falando das escadas.

Antes de chegar no meu carro, ligo para Ariana Marise e ela pode resolver meu problema essa noite.

- Oi - ela diz macio.

- Quero te ver - falo.

- Adoraria, mas estou indo para Vegas - ela responde.

- Estou sendo dispensado - faço charme e entro no meu carro acionando o bluetooth.

- Eu jamais dispensaria você, nosso problema agora é geográfico. Volto em duas semanas e compenso você por isso, me espere do jeito que eu gosto - ela diz e eu sorrio.

- Eu sempre estou do jeito que você gosta - falo e escuto sua risada. Desligo e sigo para minha casa. Sigo de pau duro e com gosto do melhor café em minha boca.


4

 

Brooke

 


A chuva poderia dar uma trégua, apenas alguns minutos. É o que preciso para descer desse ônibus na próxima quadra e chegar depois de cento e oito passos na portaria do prédio onde meu pai me espera com suas limitações e poucos pedidos.

Olho pela porta e vejo Ashley correr apressadamente e ela está indo para o mesmo lugar que eu, inclusive no mesmo andar. Ashley e eu crescemos juntas, morávamos em Jersey e com uma diferença de meses mudamos para o Brooklyn. Minha casa era melhor lá, mas as coisas ficaram difíceis depois que papai ficou doente e viemos para cá algum tempo depois da morte da mamãe. Ashley veio antes de mim, foi ela que encontrou esse apartamento em conta e que conseguimos comprar com o dinheiro da casa e ainda saldamos algumas das milhares de contas atrasadas. Somos amigas até hoje. O que mudou foi a minha ida para a city e ela continuou aqui. Julianne também é minha amiga, mas por conta dos seus turnos malucos, quase não nos vemos.

Temos uma história muito semelhante, seu pai morreu ainda jovem, a mãe dela estava grávida dela quando ficou viúva e ela foi criada pela mãe e pela avó. Nesse apartamento hoje só restou ela. Quando a mãe de Ashley engravidou, ela tinha mais de quarenta anos e era sua primeira filha, era uma gravidez de risco, mas ela sobreviveu ao parto e aos dezoito anos de Ashley. Devo concluir que ela era uma mulher muito forte.

Ashley tem por tendência fazer coisas idiotas, como seguir um namorado por toda cidade até descobrir o que ele estava fazendo. Quando ela entrou e o flagrou com uma senhora quase centenária, ela entendeu que em alguns momentos os homens são verdadeiros. Ela peca pelo excesso, mas tem um coração de ouro e um ótimo gosto musical e isso precisa ser levado em conta. O namorado em questão terminou com ela e há um ano ela está se dedicando a essa vida que ela chama de “laboratório”, já que nunca passou mais do que dois meses sem um namorado.

O ônibus freia bruscamente e eu me agarro à barra de alumínio. Ele abre a porta já que estamos a poucos metros do ponto de parada. Escuto um resmungo do motorista e desço do ônibus com outras pessoas.

- Ashley! - a chamo e ela, desorientada naturalmente, procura olhando para os lados. Ela é engraçada mesmo sem querer ser e está usando um daqueles casacos longos encontrados facilmente em brechós - Ashley! - chamo de novo e ela gira ainda caminhando e me encontra com seus olhos.

- B! - apelido desde sempre e que nunca vai mudar. Ela cessa os passos e eu apresso os meus - Chegou mais cedo hoje? - ela pergunta assim que me abraça e sinto minha perna ainda doer um pouco.

- Sim, preciso voltar para a city mais cedo hoje, meu turno começa um pouco antes - explico e caminhamos em direção ao prédio - E por que você está correndo tanto? - pergunto.

- Esqueci uma chaleira no fogo - isso não me surpreende. Ela ainda vai incendiar seu imóvel e o prédio todo.

- Não adianta eu pedir para você ser mais atenta, se aos vinte e oito anos ainda esquece chaleiras no fogo, com certeza isso não vai mudar - falo e entramos no prédio. Subimos três andares de escada, só temos a opção escada, seja essa ou a de incêndio.

- Até que enfim algo que valha a pena nesse fim de mundo, as garotas que embelezam esse mausoléu - Jack Midle, morador do mesmo andar que nós, que se mudou há pouco mais de oito meses para o prédio, é o tipo galanteador e eu assumo que sair para beber com ele é algo formidável. Ele tem um cabelo lindo, parece ser macio, eu gostaria de tocar nesses fios dourados.

- Com essa lábia, não entendo como está solteiro - Ashley brinca.

- Quem disse que estou? - ele se aproxima e beija nossos rostos e ficamos parados no andar.

- Parece mais animado hoje - observo e ele abre um sorriso perfeito. Ele vive de maneira simples, mas às vezes encontro resíduos de uma vida rica, a começar pelas suas roupas, o seu perfume e como é lindamente educado. Eu sei detectar dinheiro, trabalho para pessoas que tem muito disso.

- Sim, hoje em especial estou mais animado - ele responde e seu celular toca. O seu ringtone é o som de game over de algum jogo de video game. Ele digita rapidamente alguma coisa na tela e sorri.

- Que sorriso, hein! Queria ser essa sortuda - Ashley brinca com ele e ele dança com as sobrancelhas. Jack nunca foi oferecido, seus elogios delicados e quase cômicos são sutis e ele é discreto.

- O que vão fazer hoje? - ele pergunta e Ashley arregala os olhos e corre para o seu apartamento “Minha chaleira!”, ela diz.

- Eu vou trabalhar, caso Ashley não incendeie o prédio - dou risada.

- Eu também, pretendo não sair pelos próximos dias - ele responde e eu sei que ele trabalha em casa.

- Muito trabalho? - pergunto e alcanço a chave do apartamento dentro da minha bolsa.

- Muito e um pouco mais do que isso - ele solta um sorriso malicioso e eu gosto de olhar para o rosto dele. Ele tem pele de bebê e olhos castanhos e acolhedores.

- Você acredita que eu não esqueci a chaleira no fogo? - Ashley sai de seu apartamento comemorando e com um sorriso no rosto.

- Estamos a salvo - Jack diz e beija nossos rostos - Vou buscar meu café da manhã e voltar, tenho muita coisa para resolver ainda hoje - ele desce as escadas em saltos, pulando os degraus e me parece muito feliz.

- Onde você estava indo quando se lembrou da suposta chaleira? - pergunto e abro a porta do apartamento. Meu pai está deitado, mas eu sei que ele já se levantou e tomou seu remédio. Ele costuma voltar para a cama assim que toma sua medicação e um iogurte.

- Indo ao mercado - ela responde.

- Você trabalha hoje? Achei que estivesse de folga esse sábado - pergunto e coloco as coisas para o almoço sobre a mesa.

- Não, estava indo fazer compras, minha casa não tem nada e estou comendo muito na rua. Preciso parar e tentar resolver meu problema do cartão de crédito, gastei mais do que podia e agora vou ter que passar alguns meses em um regime forçado - ela explica e se senta no sofá.

- Espere aí - falo e vou até o quarto ver se está tudo bem com meu pai. Abro a porta devagar e escuto “querubim” - Oi, pai - respondo ao seu apelido carinhoso - já cheguei, vou deixar tudo pronto para o seu dia - falo e vejo-o tentando sorrir e o que vale é a sua intenção.

- Obrigado - ele diz com as letras distorcidas, mas eu entendo.

- Me agradece todos os dias e todos os dias peço que não o faça - me aproximo dele e beijo sua careca - Eu te amo, pai - falo.

- Meu querubim - ele diz com dificuldade e eu sorrio.

- Para sempre - respondo como todos os dias e todas as vezes que ele me chama de querubim. Ele me chama assim desde que me conheço por gente, por conta do meu tamanho, miúdo. Não sei de onde ele tirou essa ideia, mas ele sempre me viu como um anjo. Acho que é isso que significa e eu gosto de escutar isso vindo dele, é como se fosse meu acalento.

Deixo-o ali deitado e abro parcialmente a janela como ele gosta e vou em direção à cozinha preparar suas coisas.

- Precisa controlar seus gastos - passo por Ashley que está rindo para a tela do celular e aponto o dedo para ela.

- Para você está fácil, conseguiu emprego na John John, e eu sei que está faturando alto por semana com aqueles ricaços - ela diz e tem razão. Não posso reclamar de quanto eu ganho, mas eu tenho meus custos e cuido do meu pai. Compro seus remédios, pago meu aluguel e tenho minhas despesas fixas que são altas também.

- Esperei por meses por essa vaga na John John e o lugar é disputado. Aqui, no Brooklyn, eu estava ganhando apenas para comer, mal dava para os remédios do meu pai, agora eu consigo até fazer uma pequena poupança - falo e mexo nas panelas.

- Poderia me encaixar nesse lugar - ela pede pela enésima vez.

- Já te disse que dei o seu nome, mas existe uma fila de pessoas indicadas pelas mais antigas da casa e eu sou a mais nova daquele lugar - explico e vou até a sala - Adoraria ter você comigo na ilha - falo olhando para os seus olhos azuis e para o seu cabelo cacheado e curto. Beijo seu rosto.

- Você está lá todo esse tempo, e não encontrou nenhuma boca rica para beijar? - ela pergunta e eu torço o nariz.

- Meu foco não é esse - falo e a chamo com a mão para vir até a cozinha.

- Qual é o seu foco mesmo? Ah é, fazer pós e depois doutorado, blá blá blá... B, você ganhou bolsa de estudos e concluiu a faculdade, até hoje eu não entendo como conseguiu dar conta de tudo e olhar aquele diploma - ela aponta para a parede da sala onde o meu certificado está em um belo quadro feito pelo meu pai. Esse é o seu grande orgulho - Mas trabalha como garçonete - ela fala.

- E ganho o suficiente para não querer parar, sem contar que fiz amigos muito legais e que apesar do dinheiro, me respeitam e muito - falo e prendo meu cabelo enquanto preparo o almoço.

- Ah tah... que amigos? - ela pergunta.

- Drew, o cara das terças que já chegou a me dar duzentos dólares de gorjeta e já me ofereceu carona diversas vezes, sem contar que não sou tratada como empregada, o lugar é ótimo - respondo.

- Então por que vai torrar sua grana com estudo se está bem sem eles? - ela faz uma pergunta bem cretina.

- Porque aos cinquenta anos, as escadas da John John serão um desafio que não vou querer encarar. Uso o lugar para ganhar meu dinheiro e ponto, não quero criar raiz e não ter nada de bom para apresentar e você deveria ir para faculdade - a advirto.

- Nunca tive saco para estudar - ela responde e encosta a testa na mesa assim que se senta.

- Um dia será difícil para você sem estudo, a não ser que ganhe na loteria - sorrio e nego com a cabeça.

- A verdade é que não aguento mais aquele mercado e o sr. Valdez falando mil vezes sobre as latas empilhadas - ela fala e eu gargalho por saber do que ela está falando. Trabalhei dois anos com ele e seu sotaque latino e sua paranoia com os rótulos me enlouquecia - Na segunda-feira vou pedir para me colocarem no caixa, não aguento mais ser repositora - ela confessa e eu a olho por cima do meu ombro.

- Vou falar de você novamente na John John, mas tem que me prometer que se conseguir, vai para uma faculdade - falo e vejo a porta da dispensa se abrir, ela está com problema e precisa bater forte para ela ficar fechada sem precisar trancar. Bato a porta - Preciso arrumar isso - falo e Ashley olha para a tela do celular.

- Era só o que me faltava, você quer me obrigar a estudar! - ela resmunga.

- Sim, e vai me agradecer por isso quando ficar mais velha - falo e me sento na frente dela - Imagina você empilhando caixas aos sessenta anos? - pergunto e ela sacode a cabeça de maneira negativa - É disso que estou falando, temos quase trinta e daqui a pouco tudo se torna mais difícil - alcanço sua mão e ela sorri.

- Prometo, se eu conseguir essa vaga, eu volto a estudar e me mudo para a city- ela diz e sorri para mim - Quem sabe podemos alugar algo juntas? - ela diz.

- Posso ver com a Julianne. Tem mais um quarto no apartamento e eu sei que ela alugaria. Ela é uma pessoa do bem, um pouco rígida com algumas coisas, mas nada fora do comum - falo e olho para os olhos dela.

- Você deveria arrumar um namorado - ela diz.

- Para quê? Para ser enganada como da última vez? Joguei sete anos da minha vida no lixo, obrigada, e nunca fui tão feliz como estou sendo nesses últimos dois anos - justifico e me encosto na cadeira. E meu ex-namorado fazia muita besteira e isso se amontoou com outras coisas e rompemos - Inclusive estava falando sobre isso com Gio - me lembro da conversa que tivemos há dois meses quando meu ex resolveu aparecer e ele fingiu ser meu namorado.

- Quem diabos é esse tal de Gio? - ela pergunta e mexe nos cabelos os deixando ainda mais bonitos, seus cachos são incríveis e ela não faz ideia do quanto é bonita.

- Um cliente da John John. Michel resolveu aparecer uma vez por lá e me interceptou na saída e Giovani estava ali, viu a cena e se passou por meu namorado. Ele percebeu que Michel se tornaria agressivo comigo, mas não com ele, já que Gio é o tipo grande, me entende? GRANDE! - Faço o tamanho dele com meus braços.

- Qualquer coisa perto de você é grande - ela zomba e gargalha - Mas e aí? Ficou com esse tal de Gio? - ela pergunta cheia de coisa ruim nas suas intenções.

- Não, ele se tornou o cliente bacana que gosto de conversar e sempre tem uma moça lá fora da John John que conversa animadamente com ele, não rolou nenhum clima entre nós - me levanto e vou olhar as panelas.

Arrumo a mesa e deixo as refeições do meu pai separadas como ele gosta.

- Mas poderia ser mais do que um cliente - ela diz com maldade.

- Não, definitivamente - respondo e escuto meu pai caminhando até nós. Parte-me o coração vê-lo desta forma, ele sempre foi ativo e, agora, se arrasta por esse apartamento esperando pelas minhas visitas ou pela morte. Ele atende quem chegar primeiro.

- Eu ajeitaria a minha vida nesse lugar - o ponto de vista dela é supérfluo e diferente do meu.

- Vou te avisar, nesse lugar se a sua cabeça não estiver bem orientada você se perde no meio de um poder que não têm. Ali não é seu dinheiro e nem seus amigos, ali são clientes e nada pode encantar - explico e meu pai se aproxima.

- Menina - ele cumprimenta Ashley de um jeito carinhoso já que não consegue pronunciar seu nome.

- Tio Foreman - ela diz e se levanta indo em sua direção e beijando seu rosto - Sente-se aqui - ela puxa uma cadeira e ele acata seu pedido.

- Pai, está tudo pronto, não precisa limpar nada, eu volto amanhã e faço isso. E seus remédios do dia estão aqui como sempre - repito todos os dias isso e todos os dias penso que essa situação poderia estar diferente. Não me importo em fazer essa maratona, mas eu me importo em olhar para ele e não ver mais nada, nenhum brilho em seu olhar ou vontade de viver.

- Meu querubim - essa é a forma que ele tem de agradecer todos os dias.

Aproximo-me de seu rosto e o encaro com amor - O que mais o senhor precisa? - pergunto e ele pisca seus olhos dolorosamente.

- Tenho tudo que preciso diante dos meus olhos - ele responde dentro de suas limitações e isso estremece meu coração.

- Eu volto amanhã perto do almoço, então, vou deixar na geladeira algumas frutas picadas para o senhor - falo e seguro sua mão trêmula e fria assim como estou nesse momento, e é assim que fico todos os dias, cada vez mais trêmula e fria de maneira irreversível.

Vou até o quarto, arrumo tudo e puxo as folhas da janela para que ele possa encostá-las caso chova.

Ele consegue tomar banho sozinho, mas eu deixo suas roupas separadas e a toalha limpa no banheiro. Tento facilitar tudo que eu posso, mas às vezes me sinto pouco perto de tudo que ele precisa.

Volto para a cozinha e vejo Ashley arrumando a camisa dele e o seu casaco de lã. Ela sempre teve muito carinho por ele e é ela que o visita de vez em quando para me tranquilizar.

Olho para o vidro de suas vitaminas e sei que preciso comprar mais e trazer até segunda-feira.

Sento à mesa com eles e ele me observa com ternura - Faz muito por mim - ele diz.

- Não diga isso - alcanço sua mão e beijo - Eu preciso ir, o senhor sabe que final de semana tudo é mais corrido para mim - assim que explico ele acena que sim - Promete que vai tomar cuidado? Já liguei a televisão em seu canal favorito e se amanhã não estiver chovendo, podemos dar uma volta no bairro, tudo bem? - pergunto e ele acena que sim com a cabeça. Coloco sua refeição perto de suas mãos.

- Agora eu vou - beijo sua cabeça e Ashley beija seu rosto - Até amanhã, pai - me despeço.

- Até amanhã, querubim - escuto e saio junto com Ashley.

- Você consegue dar um pulinho aqui esta noite e me avisar se está tudo bem com ele? - peço.

- Sempre consigo, fica tranquila - ela diz e eu pego uma nota de cinquenta dólares e entrego a ela - O que é isso? - ela pergunta - Não quero seu dinheiro, nunca precisou me pagar para visitar seu pai rapidamente e, para ser honesta, sábado passado eu e ele assistimos por horas a Roda da Fortuna. Eu não tinha dinheiro e nem companhia, então, eu fiquei com ele até ele dormir - ela suspende os ombros.

- Não estou te pagando, quero que coma direito - falo e ela sorri.

- Quem precisa comer direito aqui é você! Eu ia comentar sobre a sua roupa, mas sei que não sou parâmetro por me vestir através dos brechós desse paraíso, mas vamos combinar, não acha que esse moletom está muito grande? O defunto era maior? De quem você roubou isso?

Ela estica o agasalho que ganhei ontem de Alexander e foi a primeira coisa que achei quando saí e percebi que estava frio.

- Ontem, eu estava voltando a pé e um cliente me viu e ofereceu carona. Eu estava com frio e molhada e ele acabou emprestando o agasalho - explico e ela aproxima seu nariz e cheira.

- Perfume bom, e olha que você mexeu com comida - ela cheira de novo - Ele é bonito? - ela pergunta com palavras cheias de contornos sexuais.

- Sim, muito bonito, acho que mais charmoso do que bonito - analiso internamente - Ele é alto, grande - falo descendo os degraus.

- O seu parâmetro para grande é qualquer coisa que seja mais alto do que você e isso quase generaliza tudo à sua volta, você não tem nem um metro de sessenta de altura - ela diz e eu paro e a encaro.

- Respeite meus cento e sessenta e dois centímetros, por favor? - exijo sorrindo e ela me abraça facilmente por cima do ombro, ela tem dez centímetros a mais do que eu.

- E qual é o nome desse gentil cavalheiro que é alto, bonito, charmoso e cheiroso pra cacete? - ela pergunta.

- Alexander e, pensando sobre isso, estou me sentindo ridícula - falo e continuamos a descida.

- Por que se sentiria ridícula? - ela questiona e continuamos a descer atracadas, ela em cima de mim.

- Eu o convidei para entrar no apartamento e fiz café para ele, ele deve ter tanto dinheiro e já deve ter experimentado tantos cafés de tantos lugares do mundo e eu fiz esse papel ridículo - admito e sinto minha garganta se contorcer. Fui uma idiota, mas eu queria agradecer a carona.

- Por que está se sentindo assim? - ela me aperta por cima do ombro - Seu café é o melhor do mundo, apesar que nunca saí dos Estados Unidos - ela zomba.

- O apartamento é simples, uma das xícaras estava com uma trinca, sei lá, ele nem deve se lembrar disso, é que não havia analisado minha atitude ontem - falo.

- Ele vai sempre na John John?

- Sim, não toda semana, ele vai uma vez por mês. Algumas vezes ele e os amigos fecham o camarote e algumas sortudas são escolhidas por eles, e eles são bons em escolher, sempre as mais bonitas, mais encorpadas, mais altas e isso me faz pensar no meu lugar dentro da John John. Eu não seria escolhida por eles e ainda piora quando começo a sentir a ineficiência da minha perna direita - eu nunca seria uma das garotas desses rapazes.

- E como vai devolver o agasalho para ele? - ela cantarola a pergunta.

- Ele disse que eu poderia ficar com ele - olho para a blusa assim que chegamos no térreo e estico as barras e percebo que sou muitos números menor do que isso.

- Que gentil ou que grosseiro? Ele pode não ter gostado do café e, te dando a blusa, evita ter que consumir a bebida ingrata - ela gargalha.

- Cretina, ele me deu antes mesmo de eu mencionar o convite. Eu havia dito que esqueci minha sacola com guarda-chuva e blusa no metrô e acho que isso o comoveu - sorrio.

- O que tem nos bolsos? - ela pergunta.

- Não tem bolsos - respondo.

- Tem sim, estão fechados com zíper emborrachado e embutido, ele é apropriado para corrida, mais leve - ela se tornou entendedora de roupas quando? Em suas idas até o brechó do Bartho’s?

- Eu não abri, eu nem vi isso, eu nem me lembrava da trajetória dessa blusa. Eu só a peguei porque estava no caminho quando saí correndo do apartamento - falo e ela abre um zíper de cada vez e enfia as mãos simultaneamente em cada bolso.

- Olha - ela retira de um dos bolsos duas notas de cem dólares, um cartão de banco e um pen-drive, do outro ela tira um cartão de estacionamento do prédio empresarial que fica no coração financeiro de Manhattan - Vamos ver o que tem nesse pen-drive? Imagina só, ele pode ser um sádico, ou um terrorista e ainda temos duzentos dólares para gastar - ela diz e eu retiro tudo da mão dela.

- Não para tudo isso que você disse - guardo tudo nos bolsos da minha calça - Vou devolver tudo, não pego nada que não seja meu e não me interessa o que tem nesse pen-drive. Ele foi gentil e eu gostaria que quem achasse a minha sacola me devolvesse, dentro dela estava minha blusa azul claro, lembra? O guarda-chuva eu não me importo, mas a blusa... essa deu dó - falo e Ashley está me olhando com cara de paisagem.

- Você é tonta! - ela diz.

- Honesta, Ashley. Isso não me pertence e eu sei quem é o dono e sei onde posso encontrá-lo, por que eu ficaria com isso? - pergunto e ela bufa revirando os olhos.

- Não vou discutir isso com você - ela diz e Jack entra apressado falando ao celular.

- Minhas lindas, lamento não falar com vocês agora, mas eu preciso resolver um assunto muito importante - ele diz e sobe de três em três degraus.

- Com o que mesmo que ele trabalha? - ela pergunta sorrindo encantada pela figura loura, ela sempre se encanta com ele.

- Ele faz desenhos para jogos online, acho que é isso - respondo e caminhamos para fora do prédio e a chuva parou atendendo aos meus pedidos e poderia ficar assim até eu chegar no meu apartamento.

- Acho ele lindo, mas mesmo com todo esse charme que ele joga, eu sinto que ele mantém uma distância segura - Ashley fala.

- Você é maluca, sabia? - sorrio - Ele é muito legal e simpático.

- E lindo, perfumado, dentes branquinhos e tem um corpo que acredito que seja mais bonito do que ele mostra - ela não perde a chance.

- Você precisa procurar ajuda médica - caminhamos em direção à parada de ônibus e ela me faz companhia.

- Tudo bem que eu precise de ajuda, mas você não acha que ele tem muitos adjetivos e quase não tem defeito? Se é que ele possui isso - ela conclui.

- Ashley, ele é um jovem atarefado com seus jogos online, só isso - respondo e olho para ver se o meu ônibus está chegando.

- Para com isso, você já entrou no apartamento dele? - ela pergunta.

- Sim, várias vezes - respondo encarando-a.

- Me explica por que alguém precisa de tudo aquilo? Tem tantas telas de computadores, tem tanto fio pendurado, eu senti medo de estar ali - ela fala.

- Você realmente precisa de ajuda profissional. O cara faz jogos online, você queria que ele tivesse o quê? Abóboras pelo apartamento? Agora eu vou embora, meu ônibus está chegando.

Beijo o rosto da maluca e entro procurando um lugar para sentar.

Acomodo-me perto da janela e a vejo mandando beijos para mim. Pego os itens encontrados no bolso do agasalho e observo atentamente.

No cartão de estacionamento o endereço, 85 Beaver, St - Wall Street.


5

 

Zero

 

- Temos alguns jogadores! - falo alto assim que vejo os presentinhos que me deixaram. São vírus. Eu sei como eles estão escondidos e sei como acabar com cada um e como multiplicá-los. Ainda não é a hora de permitir uma epidemia, quero me divertir um pouco mais.

Envio um agradecimento pelos presentinhos e com a instrução para eliminar ou multiplicar cada um deles. Aproveite essa aula, não é todo dia que aprecio repassar meus humildes conhecimentos.

De quebra, envio um manual sobre o vírus que eu criei.

Sou uma nobre alma.

Vamos, me encontrem, rastreiem meu IP. Hoje vou enviá-los para sete países diferentes, com cento e noventa e quatro possibilidades de endereços, um deles é do Pentágono e outro, da Casa Branca.

É engraçado ver como uma reação simples faz tudo desmoronar como um castelo de cartas de baralho. Vejo como tudo poderia ser tão simples, mas agora eu não quero simplificar, eu quero escutar o barulho disso tudo.

Prometo ficar em silêncio.

A partir de agora não há mais volta, nosso jogo começa a ficar mais sério e nossa conversa vai além de um simples e fodido hard drive.


6

 

Alexander

 


Meu celular toca incansavelmente e toda vez fico aflito achando que possa ser o maldito invadindo o meu sistema de segurança e fodendo com meus clientes. Olho para a tela e vejo a cara do Giovani e isso não é um bom sinal.

- É noite de sábado, não me fale nada para estragar isso - peço e escuto-o digitando.

- O nosso ratinho deixou instruções de como eliminar ou multiplicar os vírus, certo? - ele fala do que aconteceu na última invasão do filho da puta.

- Sim, isso foi ontem, o que aconteceu desta vez? - pergunto e vou para o meu quarto desviando das caixas.

- Rastreamos cada IP - rastreamos? Questiono internamente - A ousadia dele é tamanha que um dos endereços era da Casa Branca e o outro, do Pentágono - ele diz e escuto o digitar dele sobre as teclas. Ele sabe como fazer isso rápido demais.

- Você só pode estar brincando, ele não tem medo. Se ele usou isso como camuflagem, agora temos pessoas maiores querendo saber quem é e onde ele está - falo.

- Isso é uma possibilidade, mas isso acontece o tempo todo e eles podem não prestar atenção. Estou tentando montar uma plataforma espelho, igual à funcional, apenas para capturá-lo. Não sei até que ponto ele pode ir, mas sou franco em dizer, ou melhor, em repetir, se esse filho da puta não estivesse fazendo isso, eu o contrataria. Ele abre portas, as deixa abertas e fica trocando a fechadura. Alexander, o cara é bom, muito bom, encontrei alguém que está me desafiando - ele admite.

- Vou enlouquecer com isso. Suspendi o site duas vezes e, com isso, o cliente não lucra e eu arco com esses prejuízos - coloco o celular no viva voz.

- Cara, eu não participo da contratação de empresas, eu acredito que possa ser um concorrente, estou levantando os potenciais e filtrando por ordem de interesse - Gio fala e eu quero apenas que esse inferno acabe - Eu sou o cara dos bastidores, você é o cara que os clientes conhecem - ele diz.

- Isso pode demorar e eu vou perder algumas de nossas maiores contas - confesso e solto o ar escolhendo a roupa que vou usar.

- Sim, mas estou trabalhando para que esse tempo seja abreviado. Ele não voltou a entrar e algumas vezes acredito que ele esteja apenas jogando, mas ainda não sabemos a real sobre ele e estamos falando de contas que operam milhões toda semana - ele me lembra de algo fatídico. Meus clientes podem ir à falência da noite para o dia.

- Estou linkado vinte quatro horas desde que esse cretino surgiu e infelizmente estamos fazendo o possível - falo e visto jeans e polo escura - Eu vou ao Tribecca. Preciso comer decentemente e de algumas doses, mas não vou exagerar. Quero ficar ligado nesse filho da puta - respondo e ajeito os cabelos com as mãos. Tenho usado-os mais curto há algum tempo.

- Eu também não comi nada, ficamos o dia todo vasculhando em cada lixeira procurando esse rato - ficamos? Essa conjugação faz apitar alguma coisa aqui dentro e eu sei que Gio conhece pessoas que conhecem outras coisas, mas ele as preserva. Quem são essas pessoas? - Nos encontramos lá - ele fala e desligamos em seguida.

Não tenho pistas de quem possa ser, não sei se o problema é pessoal, ligado a mim ou às empresas. O que sei é que estou lidando com alguém que brinca com meu sistema e isso me deixa potencialmente fragilizado diante das minhas habilidades.

 

***

 

- Julian, hoje eu prefiro California Sterling Classic Caviar e Berkshire Pork Chop, a carne é a de sempre e uma Evian por enquanto - mudo o meu pedido, que quase sempre é o mesmo, para o garçom que sempre me atende. Vejo Gio entrar falando ao celular com um sorriso no rosto e isso ao menos me tranquiliza.

Ele se aproxima e se senta desligando em seguida.

- Já pediu? - ele pergunta.

- Sim, acabei de pedir - respondo e vejo meu celular avisar sobre as mensagens. Em outras épocas apareceria Hell Line, agora isso não será mais possível. Em vez de trepar em Madri, tenho que caçar um bastardo que está me fodendo.

Ele levanta o braço e Julian retorna rapidamente.

- Boa noite, Julian, o de sempre e um whiskey, pode ser um Buchanans doze anos - ele diz e eu já decorei esse prato: Lobster Cavatelli de entrada, o restante é carne vermelha e salada com mussarela de búfala - Julian nem anota o pedido e nos deixa.

- Alec, a plataforma está quase pronta, estou ajustando alguns detalhes e ela vai ser nossa ratoeira. Até o momento ele não apareceu e acredito que, por ser sábado à noite, ele deve saber que o movimento nesses sites é menos intenso; seus horários de brincar sempre batem, como um relógio programado - ele diz.

- Isso não me deixa totalmente aliviado. Temos os melhores servidores, trabalhamos com um pessoal enxuto e de extrema confiança, mas agora estou suspeitando de todos - falo e as bebidas são servidas. Peço que tragam uma dose do whiskey para mim também.

- Respira fundo e vamos tentar não pensar nisso. Mudando de assunto, ficou até o fim da festa ontem? - ele pergunta sobre a festa na John John que não enquadro como festa.

-Até umas três da manhã. Fodi uma morena no camarote, Andrew pegou outra morena e quase a fodeu ali mesmo, você foi embora e Bryan e Cesar devem ter achado algumas presas também, eles desapareceram. Você que saiu quietinho e eu sei que foi trepar, isso que você está fazendo com essa garota, eu espero que seja uma mulher, é errado - zombo dele.

- Vai se foder, Alec! É uma mulher sim e não estou enganando ninguém. Existe um interesse bilateral para não transformar isso em nada sério - ele diz com um sorriso filho da puta na cara - E você, ficou com quantas? - ele diz e bebe seu whiskey.

- Minha noite foi miserável - respondo e me ocorre o que fiz ontem.

- Duvido.

- Sério, a única mulher que ficou mais próxima de mim além da morena que não me tomou nem cinco minutos, foi a Brooke. Estava indo embora e a vi caminhando, ofereci uma carona porque estava começando a chover - falo e sorrio ao lembrar dela vestindo o meu agasalho e de como ficou imenso.

- E esse sorriso é por conta de uma carona? - ele é rápido e observador. Em alguns momentos eu consigo imaginar se Gio é perigoso também.

- Nada disso, é que ela é pequeninha e eu emprestei, ou melhor, dei o meu agasalho para ela usar porque ela havia esquecido o dela no metrô, eu acho, e ficou imenso. Depois, fomos para a casa dela e ela achou que deveria retribuir com um café e eu aceitei. Ela mora em um bom lugar mas de maneira bem modesta - me lembro da simplicidade do apartamento.

- O melhor café que já experimentei - ele diz e isso faz com que alguma coisa salte aqui dentro. Todos bebem esse raio de café?

- Você já esteve no apartamento dela? - pergunto.

- Sim, uma vez e já tem alguns meses. Ela estava saindo da John John e um ex-namorado estava alterado na porta e achei que as coisas pudessem ficar ruins, me passei por namorado dela e o cara recuou - ele fala tranquilamente batendo os dedos sobre a mesa.

- E para retribuir ela também fez café para você? - ironizo.

- E tinha um bolo, acho que de nozes, não havia sido feito por ela, acho que foi a colega dela, Julianne - ele responde tão sutilmente que chega a me irritar - Algum problema? - ele pergunta - Brooke faz um bom café, tem olhos azuis lindos e é dócil, cheia de gentilezas e educação - concordo com tudo que ele disse, mentalmente.

- E esse ex-namorado nunca mais apareceu? - pergunto e meu whiskey chega.

- Perguntei isso a ela ontem quando conversávamos, e pelo visto não. Ela quer fazer pós, terminou a faculdade de Letras e agora está tentando uma bolsa para continuar estudando - ele sabe muito sobre ela e eu não preciso ficar incomodado. Mas estou em algum grau, como se estivesse fora de forma em minhas habilidades de conquista.

- Andou investigando ela? - zombo e bebo.

- Claro que não, ali não tem segredos, um pai que precisa de ajuda, um trabalho e um apartamento alugado com uma amiga. Eu não investigo todo mundo, a não ser que me peça - ele sobe e desce as sobrancelhas, me alfinetando.

- Foi só um café, um ótimo café por sinal - falo, terminando minha bebida.

- Ali eu não preciso investigar, é tudo muito claro e ela é uma simples atendente que trabalha muito e se dedica a um pai doente - ele repete.

- Já disse isso - falo.

- Não deveria se irritar já que foi apenas um café - ele é cínico.

- Sabe como irritar - falo para ele.

Em seguida, nossos pratos são entregues e eu evito falar mais alguma coisa.

É, foi um ótimo café.


***

 

Aperto a mão de Gio e caminho em direção ao meu carro. Pego meu celular e ligo para Rariny, ela é a loura que sabe o que fazer com meu pau. Entro no carro e coloco no Bluetooth.

Conhecemo-nos na John John há alguns meses e foi lá mesmo que ela me engoliu e mostrou a que veio. É o tipo de foda que precisa ser repetida várias vezes, ela é incansável.

- Alô - respondo assim que ela atende.

- Estava pensando em você - ela diz - Na verdade, pensando no que eu faria com você - ela diz e eu posso ir até ela para conferir.

Ela mora perto da John John e eu conheço bem seu apartamento luxuoso que vale alguns milhões.

- Se eu for até aí, você pode me mostrar - insinuo.

- Você sabe o caminho - ela diz e essa conversa pode ser encerrada. Desligo e acelero até ela.

Paro no semáforo e vejo uma mensagem via Whatsapp. É de Karolyn, a moça grega que sabe me deixar relaxado.

“Engoliria você agora” - ela escreveu e se ela tivesse me enviado isso cinco minutos antes, Rariny não teria uma foda.

“Engoliria amanhã?” - pergunto.

Preciso organizar isso, se eu conseguir, todo mundo trepa.

“Engoliria sempre” - ela responde e uma trepada está garantida para amanhã.

Chego na casa de Rariny e ela me recebe nua, e é isso que chamo de uma boa recepção.

- Demorou - ela disse e caiu de joelhos na minha frente, abrindo minha calça e me engolindo, vorazmente, e eu sou um homem de sorte.

Assim que meu pau estava latejando, ela se levantou e andou graciosamente, mostrando suas curvas e seus cabelos lisos até a cintura. Ela pegou um preservativo e colocou em mim.

- Não quer que eu termine de tirar a roupa? - pergunto.

- Não, quero assim, e eu tenho pressa, é quase meia-noite e eu preciso sair - ela diz colocando o preservativo e me encara.

- Quanta pressa - comento e ela se coloca de quatro diante de mim e eu enterro, forte, rápido e seu gemido ecoa pelas paredes.

- Mais forte - ela pede gemendo e eu faço, entro e saio e se ela tem pressa, quem sou eu para atrapalhar seus planos? Eu quero apenas que ela fique satisfeita e quero gozar também, apenas isso. É como se ela fosse um dos clientes da Oracle.

Entro e saio batendo forte dentro dela, até chegamos em nosso objetivo.

- Quem você vai enganar essa noite? - pergunto e ela sorri colocando um macacão preto de couro, colado em seu corpo. Se ela morresse agora, sua alma não teria como desencarnar. Recomponho-me e ando ajeitando meu cabelo com meus dedos.

- Alguém que, possivelmente, vai implorar por isso - ela responde e em poucos minutos coloca um salto e maquiagem.

- Você é malvada - acuso-a.

- Sim, me esforço diariamente para isso - ela borrifa perfume em seu pescoço e para diante dos meus olhos - Vamos, eu desço com você - ela diz e seguimos para o térreo.

Ela é o tipo de mulher que homens fracos devem evitar, ela suga almas e dorme muito bem com isso.

Saímos do elevador e do prédio em seguida. Ela sai dançando pela calçada, rodopiando e eu a vejo trombando com alguém que gira com o impacto. Estou ao lado dela.

- Não olha por onde anda? - Rariny questiona de maneira severa e eu vejo Brooke tentando se orientar.

- Desculpe - Brooke pede.

- Vê se presta atenção! - Rariny a alerta.

- Ela não viu você - falo para Rariny e me aproximo de Brooke - Está tudo bem com você? - pergunto e olho para os olhos dela. Saiu mais cedo hoje da John John, observo internamente - Está de folga? - pergunto e ela fica surpresa com a minha pergunta.

- Não, é que hoje, por ser sábado, eu troquei com Jeffrey, entrei mais cedo no lugar dele e ele está fazendo meu horário - ela explica e eu não canso de olhar os seus olhos azuis.

- Como essa baixinha não me viu? Olha o tamanho dela e olha o meu! - Rariny é repulsiva e eu estou olhando para Brooke que se afasta rapidamente, andando pela calçada.

- Não precisa tratar as pessoas dessa forma! - a repreendo.

- Faça-me um grande favor, avise à humanidade que eu preciso de espaço - ela diz olhando para mim e eu nego com a cabeça.

- A humanidade tem mais o que fazer - falo e procuro por Brooke e a vejo entrando num ônibus mais à frente. Ela estava mancando e eu sei o motivo. Lembro-me do café, infelizmente.

- É apenas uma garota - ela diz.

- Tenha uma boa noite - falo e caminho em direção ao meu carro que está na rua lateral.

A humanidade está infectada com pessoas como Rariny e carente de pessoas como Brooke, que me olhou perdida assim que sentiu o impacto e, mesmo assim, preferiu distância de qualquer confusão.


7

 

Brooke

 


Deve ser a namorada dele, penso sobre o que aconteceu no sábado à noite assim que saí da John John.

Ele se aproximou de mim depois que a morena trombou comigo e me olhou como se eu tivesse quebrado alguma coisa. Mas a morena começou a gritar e eu não gosto de barulho, não gosto de confusão, e entrei no ônibus errado. Pelo menos fiquei longe de qualquer gritaria de baixo nível.

A morena sempre está na John John e eu não quero perder o meu emprego.

Desvio da poça d’água e corro em direção à calçada. Vai ser rápido e vou conseguir ir ao banco pagar algumas contas. Deveria ter pago pela internet.

Paro na portaria, o prédio segue o padrão imponente de Wall Street e o que tenho a dizer é que, segunda-feira chovendo, ninguém merece. Deveria ter comprado um guarda-chuva antes de entrar no ônibus.

- Bom dia - falo para o porteiro.

- Bom dia - ele retorna.

- Eu gostaria de falar com Alexander - peço.

- Você precisa ir até a recepção e informar o andar - ele diz simpático.

- Eu não sei o andar, eu só sei que é aqui porque encontrei um cartão de estacionamento junto com seus objetos - justifico.

- Vinte e oito, mas aviso, ninguém sobe, geralmente ele desce ou pede para um representante - o guarda diz e eu vejo o nome de Carlos no crachá.

- Não preciso subir, preciso apenas entregar os objetos dele - explico.

- Vá até a recepção e repasse isso - ele diz e sorri finalizando a conversa.

Faço o que me orientou e a senhora pediu para eu aguardar em um dos sofás. Coloco a minha mochila sobre as minhas pernas e espero olhando para um quadro que não faz sentido para mim.

Isso é arte? Deve ser. Pergunto e respondo para mim mesma.

Pego meu celular e vejo se tem alguma novidade ou se Ashley conseguiu evitar suas idiotices no Facebook. Não, ela definitivamente não deveria ter nenhum tipo de acesso às redes sociais. Dou risada das fotos que ela tirou ontem à noite e olho para os lados para me certificar que ninguém está aqui para atestar minha loucura.

- Você quem gostaria de falar com Alexander? - me surpreendo e o celular saltita de minhas mãos e quase cai. Pego-o no ar. Um rapaz, alto, de óculos na ponta do nariz e de cabelos longos presos com rabo de cavalo, pergunta.

- Sim, mas eu não quero atrapalhar, eu queria apenas devolver esses objetos - mostro o saquinho de preservar comida na geladeira, com o dinheiro, o pen-drive e o cartão do estacionamento.

- Pode deixar que eu mesmo entrego. Trabalho para ele e, nesse momento, ele está em reunião - o rapaz explica e eu acho que posso confiar, acho que ele não vai roubar o dinheiro do patrão.

- Se importa de arrumar um papel e uma caneta para mim? - peço e ele caminha até a recepção e volta com meu pedido.

Escrevo e coloco o papel dentro do saquinho e fecho o zíper que qualquer macaco conseguiria abrir. Estou confiando no belo rapaz de cabelo bonito.

- Obrigada - agradeço.

- Eu que agradeço - ele sorri e eu o vejo caminhando para o elevador.

Caminho para perto da porta e vejo a chuva apertando, olho para o Carlos que suspende os ombros. Ainda bem que hoje é a minha folga e já deixei tudo pronto na casa do meu pai, então, eu posso esperar até a chuva amenizar um pouco.

- Precisa ir trabalhar? - ele pergunta educadamente me olhando ali diante da água que não para de cair. Ele é alto, tem uma pele clara e é careca, não sei se é por opção ou por sacanagem da genética.

- Não, hoje é a minha folga - respondo - Ainda bem - falo e sorrio.

- Pelo visto, essa chuva não vai passar tão cedo. Quer que eu providencie um taxi? - ele é solícito e eu penso na grana que gastaria com isso.

- Não precisa, vou esperar mais uns minutinhos se não for problema - aviso.

- Nenhum problema, se mudar de ideia eu posso chamar um taxi para você - ele diz e eu apenas sorrio e fico ali, olhando para a rua e penso que terei que comprar outro guarda-chuva, e daqui alguns dias eu o esquecerei novamente em algum lugar.

Tento assinalar todas as tarefas na casa do meu pai como executadas, não esqueci nada e ontem fiz a faxina semanal, deixando tudo ok para o decorrer da semana. Ashley estava na casa da tia, em Jersey, e Jack, que seria a minha companhia, estava trabalhando e nervoso por algum motivo. Mas ele, como sempre, foi fofo e voltou rápido para o seu apartamento.

A chuva diminui e eu vou em direção à porta - Carlos, obrigada - agradeço e ele abre a porta para eu sair quando sinto alguém segurar meu cotovelo e me puxar de volta para dentro. Viro-me e olho para o dono dos pertences.

- É incomum as pessoas devolverem dinheiro, por isso, eu desci para conferir se era real - ele sorri e eu percebo um sorriso bonito, cercado por um rosto harmonioso e mais atraente do que na noite do café. Talvez tenha sido sua mão em meu cotovelo, ou a claridade do dia que me trouxa mais realidade. Eu o conheço há alguns meses e estou me perguntando por que não percebi isso antes.

- Sou real - subo os ombros e os solto. Vejo-o olhando para baixo e isso faz parte do meu cotidiano. Eu olho para cima para ver as pessoas, eu sou a mais baixinha da John John, a mais baixinha entre os meus amigos e ele deve ser mais alto que muita gente. Eu tenho um metro e sessenta e dois e isso deve ser respeitado.

- Que bom, mas não precisava se incomodar, saiu do outro lado para vir até aqui - ele diz.

- Tem duzentos dólares, um pen-drive e um cartão de estacionamento, nada disso me pertence, apenas o agasalho que confesso estar usando como pijama e, por isso, não tenho intenção de devolver - sorrio para ele e percebo um sorriso mais relaxado surgir.

- O agasalho foi um presente, usado algumas vezes, mas foi um presente, não sinta obrigação de devolver - ele diz e eu não sei sobre o que conversar com ele. Eu até sei, mas eu acho que ele está sendo apenas cordial por eu ter devolvido alguns trocados. Ele não me intimida e estou à vontade, mas eu não quero que ele sinta pena da garota que serve bebidas e sabe fazer café.

- Eu agradeço - falo e sorrio para ele.

- Ele tinha razão - ele murmura.

- Quem tinha razão? - pergunto.

- Desculpe, eu falei isso alto? - ele pergunta sem graça.

- Sim, e acho que até mesmo o Carlos ouviu - zombo.

- Nada, pensei alto demais, mas como me retribuiu uma carona com um café, preciso retribuir sua honestidade com alguma coisa - ele diz.

- Ser honesto não é um quesito para recompensas - falo e ele pondera com a cabeça como se concordasse e não ao mesmo tempo.

- Ou pode ser apenas um pretexto para dividirmos mais um café - ele diz e pisca para mim. Ele é direto e estou buscando na minha memória as últimas garotas que saíram com ele quando ele esteve na John John - Carlos, poderia, por gentileza pedir que tragam meu carro? - ele fala e eu ainda estou tentando engolir o caroço que está na minha garganta. Eu não consigo me lembrar dele saindo com alguém de lá. Gio sempre tem alguém, mas ele não frequenta tanto a John John quanto Gio ou os outros, como se participassem de um grupo secreto e limitado.

- Era só ter convidado, já sabe que sou apaixonada por café - tento deixar o clima mais suave - Mas, você estava em reunião e eu não quero te atrapalhar, podemos deixar para uma próxima oportunidade - tento falar algo diferente do que a minha mente está gritando “Vai, sua imbecil”.

- Já passou da hora do almoço, um café é mais apropriado do que qualquer coisa diferente disso - ele diz e eu não deveria focar meus olhos em seus dentes brancos. Eu deveria sair daqui agora e voltar para o meu apartamento e organizar as compras que fiz ontem à tarde com Julianne e que ainda estão sobre a mesa da cozinha. Ou pagar as contas que preciso. Foco, Brooke! Por que será não consigo focar em mais nada quando estou perto dele?

- Vai ter que esperar eu guardar as compras, elas estão todas sobre a mesa - falo.

- O café, hoje, eu vou providenciar - ele diz e Carlos avisa que o carro já está na frente do prédio - Um pouco de chuva até chegar no carro, tudo bem para você? - com esse charme eu banco o próprio Moisés.

- Sem problema, já tomei chuvas piores - e sem nenhum propósito feliz depois disso, penso comigo.

Carlos abre a porta e ele sai primeiro e abre a porta para mim e assim que eu entro, ele dá a volta e entra ajeitando seus cabelos para trás.

- Tudo bem até agora? - ele pergunta e eu tento domar meu cabelo que é liso, pouco e fino, e mesmo assim, consegue se tornar horripilante por conta da chuva. Um dia ele foi comprido e isso facilitava, mas agora essa franja completa o filme de terror.

- Tirando meu cabelo que resolveu se manifestar, está tudo bem - falo e ele sorri achando graça.

- Não há nada de errado com ele - ele diz e aperta alguns botões e um ar morno vem na direção do meu rosto - Pode secar com isso - ele diz e eu sinto a gentileza dele. Ele é sempre gentil e eu não sei como vim parar nesse carro, mas agora ele está indo em direção a algum lugar que vende café e eu não me sinto intimidada, estou apenas curiosa.

- Tudo isso por conta de um pen-drive e duzentos dólares? - pergunto e ele sorri de lado e me encara por apenas dois segundos e volta a olhar para frente.

O que tem nele que o deixa tão... tão... atraente? Não sei se é essa a palavra.

 

 

***

Alexander

 


- Não, tudo isso pelo cartão do estacionamento, meu carro estava preso lá há dias - brinco com ela e ela sabe que foi com esse carro que a levei para casa... e tomei o seu café. Assim como Giovani. Ele realmente tinha razão, os olhos dela são lindos.

- Tinha algo de importante no pen-drive? - ela pergunta.

- Músicas - respondo e o coloco na parte frontal do carro e ela observa com tanta atenção, parece uma criança.

- Isso é Beatles? - ela pergunta ao ouvir With a little help my friend.

- A música foi feita por Paul MaCartney e John Lennon, mas é Joe Cocker que está interpretando, eu prefiro - falo e ela acompanha a letra - Conhece a letra? - pergunto e ela continua cantando.

- Meu pai gosta muito dessa música - ela diz e se empolga com a letra colocando movimento de seu corpo junto com a melodia.


“Eu só preciso de alguém que saiba exatamente para onde estou indo”


Sigo até a Magnolia e eu sei que lá tem o café que preciso, mas agora não é essa a questão. A questão é que os olhos dela são mais azuis do que eu conseguia me lembrar e ela me transmite uma fragilidade que me atrai. Esse é o ponto de atração dela, essa é a fonte de seu magnetismo.

Estaciono o carro e a chuva não parou, mas diminuiu consideravelmente. Saio do carro e abro a porta para ela e agora consigo reparar em sua roupa simples, um jeans claro e uma camisa fina cor de rosa, o All Star quebra o conjunto e a deixa com aspecto ainda mais jovem.

Não consigo explicar o porquê de ter saído do escritório no meio de toda confusão com um hacker, mas eu sei dizer que foi ela, apenas isso. Pode ter sido o bilhete:


“Alexander,


Isso estava nos bolsos do agasalho que, gentilmente, me deu.


Brooke”


Entramos e nos sentamos perto do vidro com vista para a rua, ela escolheu o lugar.

- Eu... - começo a frase e paro. Seus olhos me assombram e esperam pelo restante - Sobre sábado à noite - falo.

- Peça desculpas à sua namorada, eu não a vi, ela saiu rápido, rodopiando e trombou comigo e quando me dei por conta, estava girando - ela diz.

- Ela não é a minha namorada - falo - Eu peço desculpas por ela, pela grosseria - falo.

- Ela só disse a verdade. Sou baixinha e ela é alta, naturalmente eu teria que vê-la - ela fala e mexe nas unhas.

- Não concordo e peço desculpas por ela ter sido rude - falo e Brooke está sorrindo.

- Tenho um metro e sessenta e dois e mesmo isso estando dentro dos padrões, eu sei que sou baixinha, ou estou andando com pessoas muito altas, o que me desfavorece - sorrio ao escutá-la falando.

- Apoiada em sua luta - brinco.

- Estava com tanto medo dela me reconhecer que entrei no ônibus errado, ela é cliente da John John e eu poderia perder o meu emprego - ela fala e isso me incomoda.

- Eu não permitiria e eu tenho mais poder que ela dentro da John John - aviso.

- Mas eu pensei que ela era sua namorada e você, obviamente, a defenderia e eu estaria ferrada - a simplicidade dela destrói alguns padrões que eu havia estabelecido.

- Não tenho namorada - afirmo olhando em seus olhos.

- Isso é um desabafo ou uma comemoração? - ela tem um senso de humor ácido e eu gosto de ouvir seu timbre de voz.

- Uma constatação, apenas isso - respondo e ela está mexendo no açucareiro que está sobre a mesa - Está de folga hoje? - pergunto.

- Sim, estava ansiosa por isso. Tenho corrido tanto contra o tempo que, mesmo sendo uma segunda-feira chuvosa, estou feliz por conseguir parar um pouco e respirar - ela diz e coloca sua mochila de lado. Ela tem os cílios escuros e isso realça ainda mais a cor clara de seus olhos - E você? Pode sair assim? - ela pergunta e não se sente intimidada ou tensa. Ela está ali como se estivéssemos em sua casa preenchida de coisas simples e com o aroma do melhor café que já experimentei. Eu e Giovani. Isso não devia me incomodar.

- Sim, meu chefe é tranquilo com isso e acredito que esteja tudo sob controle - respondo e ela não faz ideia de quem sou eu ou o que faço.

- Que bom, o meu chefe também é legal, mas horários são cumpridos com rigor na John John - ela explica e uma atendente tira o meu pedido, dois cafés, e sai em seguida.

- Além da John John, e dos cuidados com seu pai, o que mais você faz? - pergunto e me sinto profundamente interessado por ela.

- Não acha que tem coisa o bastante para fazer nessa frase? - ela ri - Eu me formei em Letras, mas ganho mais dinheiro servindo bebidas - seu sorriso é bonito, sua boca é vermelha e bem desenhada, tem o tamanho ideal e deixa seu rosto harmonioso. Ela não é o tipo que pararia o trânsito, pernas grossas e alta, mas ela parou alguma coisa por aqui e está me obrigando a encará-la - Mas, meu objetivo é a pós-graduação - nosso café é servido - Quando eu me formei, meu pai não pôde ir, ele estava se recuperando ainda, mas eu queria dar essa alegria para ele - ela diz e eu gostaria de me concentrar mais no que ela diz do que na língua vermelha dela que se movimenta como um balé dentro de sua boca e isso me faz ter pensamentos ruins - A alegria do meu pai foi tanta que ele pediu que ampliasse e emoldurasse o meu diploma e agora está na sala dele. Ele não sabe que sirvo bebidas - sinto uma ponta de lamento em suas palavras.

- Algumas pessoas merecem ser poupadas de determinadas informações - falo e imagino quantas informações eu preciso reter e poupar a humanidade.

- Me sinto bem ouvindo isso - ela diz e gira a xícara olhando para mim. Seus olhos são devastadoramente gentis. Sinto-me interessado sobre a figura simples que precisa de carona por conta da chuva e para poupar sua perna de grandes esforços.

- Tem algum hobby? - pergunto e bebo um pouco de café sem tirar os olhos dela e eu deveria estar atento ao hacker que a qualquer momento pode foder com o meu dia.

- Quando eu estava morando no Brooklyn, eu amava andar de bicicleta, mas agora não tenho tempo - ela explica e bebe um pouco do café também - E você? Trabalha com o quê? - ela pergunta e eu não falo o que eu faço. Não é algo público exatamente por lidar com bancos e isso poderia me colocar em riscos.

- Sou gestor de empreendimentos - mudo o nome, o que não significa que eu esteja mentindo.

- Isso deve ser importante - ela diz.

- Tão importante quanto o que você faz, fornecemos o que nos é pedido - respondo e ela fica feliz em ouvir que somos iguais profissionalmente.

- Fala como se fosse importante servir algumas bebidas - ela retruca.

- E você age como se não fosse - pisco um dos olhos e encaro seus olhos azuis. Mesmo ela não sendo, eu consigo vê-la linda. Só preciso estabelecer dentro da minha mente como cheguei a essa conclusão, mesmo sabendo que ela não é. Como se meu instinto falasse que ela é a garota do baile e meu racional dissesse que não, simples assim. Mas eu ignorei uma das partes e acho ela até mais bonita agora, levando a xícara de café até a boca.

- Está uma delícia - ela diz.

- Ficou difícil encontrar um bom café aqui depois que experimentei o seu - minto. Eu não procurei em outros lugares e só estamos aqui porque ela é honesta e eu acredito que não deveria ser, porque agora não é apenas a vaga lembrança de um par de olhos de um tom de azul qualquer, agora é o tom certo, no rosto certo e está gravado. Preciso avançar pelo menos uma casa e sair das xícaras de café.

- Exagerado - ela diz.

- Eu sou - assumo e bebo mais um pouco - O que você vai fazer hoje à noite? - pergunto e os olhos dela se abrem em espanto.

- Estou de folga, então, se eu puder ficar em um lugar que não tenha barulho, eu agradeço - ela diz.

- Te pego às oito - falo e ela está com uma interrogação no meio da cara.

- E onde vamos? - ela pergunta - Que roupa vestir? - se ela soubesse o que tenho em mente, ela não colocaria nada e facilitaria meu trabalho.

- Vamos ficar em silêncio, eu prometo - mas não garanto.

- Eu tenho vinte e oito anos e sei o que resulta encontros como esse - ela diz.

- Se sabe, então, eu não tenho motivos para me preocupar - sorrio para ela e não sei o que é, mas é estranho isso. Não queria que o café estivesse acabando.


8

 


Brooke

 

 

Não tenho grandes opções ou um closet forrado de marcas, então, um jeans, blusa de lã e sapatos básicos e pretos assim como minha blusa, são a alternativa escolhida.

- Vai sair? - Julianne surge na porta do quarto perguntando enquanto morde uma maçã. Ela está de pijama e tudo indica que não terá nenhum plantão nas próximas horas.

- Vou - respondo sorrindo e passando um pouco de brilho nos lábios.

- Posso saber quem é o sortudo? - ela pergunta sentando na minha cama. Julianne e eu nos conhecemos de um jeito incomum há um ano. Meu pai precisou ficar dois dias no hospital e ela estava de plantão. Lembro de estar chegando e a vi discutindo com um homem, vendo meu desespero ela veio em minha direção. Ajudou-me a tirar meu pai do taxi e ficou comigo até ele ficar melhor.

Conversamos, trocamos experiências de vida e, depois, o telefone. Até que um dia, liguei e perguntei se ela sabia de algum apartamento para alugar, eu havia conseguido uma vaga na John John. Ela ofereceu um quarto aqui e o valor é praticamente simbólico. Eu sei que ela me chamou como porto seguro já que o tal homem da discussão era seu ex-namorado e não aceitava o fim. Ele a infernizou durante um tempo, até que assumi para ele que era namorada dela, então, ele desistiu e seguiu a vida dele sem mais aparecer por aqui. Julianne está desde então sem um namorado e se dedica aos turnos malucos. Segundo ela, o peso de uma traição é incalculável quando ela vem de pessoas que você confia. Nisso, eu e ela temos algo em comum.

Seu ex-namorado a traiu com sua melhor amiga de faculdade e isso foi o suficiente para que nove anos de relacionamento fossem arruinados definitivamente.

- Lembra do homem que me deu carona? - pergunto e verifico a franja, que supostamente era para ficar de lado e não caindo desesperadamente sobre meus olhos.

- Claro, você utilizou todo o café em nome de uma carona - ela morde a maçã e cruza as pernas sobre a cama. Ela sorri. Julianne é bonita, estamparia uma Vogue francesa assim, de pijamas e sem maquiagem. Mas ela não enxerga isso e não faz ideia de que poderia ter qualquer homem.

- Ele vai passar aqui daqui a pouco - falo e me sento ao lado dela.

- Fico feliz que esteja conhecendo alguém, nunca a vi com ninguém e isso vai ser importante. Sua vida é uma loucura - ela diz e coloca a mão sobre a minha perna.

- Só vou sair, eu tenho outro foco atualmente e estou tentando fazer o que for preciso para conseguir - falo e me levanto. Passo um pouco de perfume nos pulsos e fico de frente a ela.

- Está obcecada em voltar a estudar e isso é bom, mas não se torne escrava de algumas decisões - ela se levanta e fica de frente para mim - Viva, isso é mais importante - ela beija meu rosto e vai em direção à sala.

Pego minha bolsa e vou até ela - E você, Julianne? Quando vai colocar outra roupa que não seja pijama ou uniforme de hospital? Não a vejo saindo - falo e a vejo ligando a televisão.

- Eu sei, mas não sei se vou encontrar algo de interessante no mundo - ela diz e seu tom é mais triste desta vez.

- Como vai saber se não se permite? - pergunto e me sento na poltrona quase de frente a ela - Ainda gosta dele, né? - ela me olha e fecha seus olhos com pesar.

- Não sei se gosto, mas às vezes penso o quanto teria sido perfeito se ele não tivesse me enganado, estaríamos prestes a nos casar e essa dor que às vezes se remonta não existiria. Nós tínhamos planos bem traçados. Provavelmente agora, eu já estaria com pelo menos um filho. Sabe, meu relógio biológico já deu uns gritos por aí... Bom, acho que os planos eram só meus... - ela confessa.

- Acho que se livrou de algo antes de se casar. Depois disso, acredito que as coisas se complicam ainda mais - falo e escuto a mensagem chegando em meu celular. Alexander chegou.

- Eu sei, prometo que vou me arriscar, mas não hoje, às quatro da manhã pego outro plantão - ela diz - Agora vai lá e mostre ao homem alto que essa baixinha tem poder - ela diz e eu me aproximo beijando sua cabeça.

Algumas dores passam, outras ficam como alerta, como se fosse o aviso de que nossa fragilidade pode ser atingida com sucesso.

Desço as escadas com pulos de dois em dois degraus e chego na porta. Abro e vejo Rony, o morador do andar acima do nosso e que poderia qualquer dia ficar sem camisa só para termos certeza de que ele é tão musculoso quanto eu e Julianne apostamos.

- Quanta pressa, sweet - ele me chama assim desde que me mudei.

- Tudo bem com você, Rony? - ele me abraça e beija meu rosto - Hoje é a minha vez de ter pressa - sorrio para ele.

- Agora está tudo bem, ou melhor, agora está tudo perfeito - ele, com sua voz maliciosa, cantarola coisas de arrepiar. Rony deve ter alguma origem árabe, seus traços são tão marcantes e eu sei que o encaro toda vez que o vejo - Para onde está indo? - ele pergunta e eu olho para fora e vejo Alexander encostado no carro. Ele também está de Jeans, de camisa verde e uma jaqueta de couro preta e seu rosto está inclinado, me encarando e sem nenhum sorriso.

- Vou sair com um amigo, estou de folga hoje - falo e ele me abraça de novo e beija mais uma vez meu rosto.

- Vai lá, aproveita, mas evite beijar na boca, você é muito linda para oferecer esse privilégio para qualquer um, ok? - ele diz e me deixa no chão. Vejo-o subir as escadas e volto a olhar para Alexander que está esfregando a mão em sua boca.

- Oi - falo com um sorriso e ele abre a porta. Vejo-o dar a volta assim que entro e ele se senta do meu lado.

- Oi - não consigo sentir nada em seu cumprimento, absolutamente nada. Como se fosse um bloco de gelo flutuando assim que se desprendeu do grande iceberg.

- Está tudo bem? - pergunto.

- Sim, poderia estar melhor - ele resmunga.

- Não tem problema se quiser desistir. Por favor, não se sinta preso a um convite feito - falo e ele dá partida no carro.

- Não sou homem de desistir - ele diz e acelera.

Meu celular avisa sobre uma mensagem, é Ashley dizendo que está tudo bem com meu pai e que tentou abrir a despensa da cozinha mas estava trancada. Ela queria deixar alguma coisa para o meu pai.

Respondo que precisei trancar porque está toda hora abrindo e tenho medo que ele entre lá e se machuque. Avisei sobre as coisas que estão no balcão ao lado da geladeira e mandei um beijo agradecendo o carinho dela com ele.

- Alguma coisa importante? - ele pergunta e eu o flagro olhando para o celular em minhas mãos.

- Deveria olhar para o trânsito - falo sorrindo.

- Não confia em mim? - ele pergunta com um sorriso meio de lado e totalmente endiabrado. Meu Deus!

- Estou aqui, não estou? - pergunto.

- Mais ou menos, poderia deixar seu celular de lado ou avisar que está ocupada - ele determina e eu sorrio.

- Gosta de comandar? - pergunto.

- Não, mas é de meu agrado ser obedecido - ele sorri e mostra seus dentes. Acho que posso beijá-lo agora. Chacoalho minha cabeça e tento não fazer cara de otária.

- Ainda não estabeleceu as ordens, então, não posso ser considerada uma companhia rebelde - respondo à altura e ele nega com a cabeça.

Ele aumenta o volume apenas apertando um botão no volante e vejo seus dedos acompanharem a melodia. Castle On The Hill, de Ed Sheeran.

- Vamos deixar uma coisa muita clara, e então, se você achar que é além do que pode fazer, paramos aqui e eu te deixo na sua casa, tudo bem? - ele diz sério mas não está falando sério. Ele está brincando comigo.

- Tudo bem, até porque achei mesmo que fosse apenas um passeio - falo e sorrio para ele.

- Eu beijaria você - ele diz - Beijaria agora - ele repete.

- Se estivéssemos em um lugar mais reservado e não guiando um carro, não teria problema. Não quero sofrer um acidente por conta de um beijo - brinco e ele está sorrindo.

- Ok, eu sou muito bom em estabelecer ordens e, diferente de você, eu não estou achando que isso é apenas um passeio, e isso baseado no que me disse mais cedo enquanto tomávamos café - ele fala e estamos indo sentido Central Park.

- Uau! E o que foi que eu disse? - pergunto e cruzo meus braços assim que guardo meu celular. Tento segurar a risada - E não acha que para uma terceira vez que estamos nos vendo, tudo isso é surreal? - observo e ele me olha rapidamente. Em seguida, ele entra com o carro em uma garagem e desliga o motor.

- Na realidade, nos vemos muito mais do que isso se contabilizarmos nossos contatos dentro da John John - ele está cerrando os olhos e seu sorriso quase está escapando - Brooke, acredite, eu não preciso de mais do que um único encontro para conseguir o que eu quero, então, tenha o mínimo de respeito, está conseguindo mais tempo meu do que eu havia previsto - ele parece ser sério - E você deixou claro que sabe o que acontece nesses encontros, lembra? - ele questiona e sai do carro, dando a volta, abrindo a porta para mim e me tirando do carro. Ele me encosta no carro e se enfia no meio das minhas pernas, segura meu pescoço gentilmente suspendendo meu queixo e, então, percebo que estamos num estacionamento de um prédio e não faço ideia de onde seja isso, porque passei o percurso admirando seu perfil bravo e cheio de coisas que fazem algumas de minhas partes cobertas pulsarem.

- Poderia pelo menos me beijar? Assim eu posso dizer se precisa me levar embora ou não - falo sorrindo e ele nega com a cabeça.

- Um beijo vai determinar se vai ficar comigo ou não? - ele pergunta sorrindo.

- Não, ele só vai estabelecer se você pode ser obedecido ou não - eu mal termino a frase e sinto sua língua massagear a minha. É violento e intimidador, ele tem lábios macios e eu me entrego, sentindo com a minha língua o aspecto macio da sua. Sinto seus braços em torno do meu corpo e minha respiração está paralisada enquanto ele pressiona sua pélvis contra o meu sexo.

Suas mãos agora estão sob a minha blusa e as sinto percorrendo minhas costas e alcançam meus seios. Ele os agarra e algo entra em curto, é lá embaixo, e talvez eu tivesse que ter assistido alguma coisa no RedTube antes de sair com ele.

- Vai me obedecer? - ele pergunta com sua boca encostada na minha e suas mãos estão acariciando meu seio.

- Só se for preciso - sorrio e ele volta a me beijar. Desta vez, ele morde meu lábio e puxa em sua direção. Vejo seu sorriso e eu gosto desse tipo de duelo onde os dois são vencedores.

- Boa menina - ele diz e me solta, ajeitando a minha roupa e me levando para o elevador.

- Você mora aqui? - pergunto.

- Sim - ele responde e chegamos ao térreo - Mas, o nosso destino não é aqui - ele diz e caminhamos sentido Central Park.

- Está me levando ali? - aponto para o ponto verde e imenso localizado no coração de Nova York.

- Sim.

- Ah... - achei que fosse algo diferente, mas vou tentar fingir que isso é novo para mim.

Alcançamos a calçada, andamos por alguns minutos e chegamos no coreto. Mas estou achando que há muito romance em um primeiro encontro.

- Essa é sua tática? - pergunto.

- Tática? - ele me olha sem entender.

- Sim, aplica romance no primeiro encontro e, aí, consegue o que quer - falo e caminho em torno do coreto.

Vejo-o se aproximando e segurando a minha mão. Ele olha dentro dos meus olhos, como se olhasse através deles, e respira fundo - Duas coisas - ele diz e sela a minha boca - Isso não é nem de perto algo romântico - ele nega com a cabeça - Seu parâmetro para isso é duvidoso - ele sorri.

- Estar em um coreto, à noite, com essas estrelas, para mim é algo muito romântico - falo e mexo no detalhe de sua jaqueta.

- Mas na minha concepção, romance é algo que faria seu coração bater mais vezes do que o necessário. Agora, apenas fique em silêncio - ele coloca o indicador sobre meus lábios e o mantém ali. Acho que ele é realmente bom com ordens.

Não escuto nada além de nossas respirações e, ao longe, os carros, mas muito longe, eles quase não existem nesse momento.

Ele segura a minha mão e me leva para fora do coreto e se posiciona atrás de mim. Ele cobre meus olhos com suas mãos e eu sinto seu perfume. É bom.

- Consegue ouvir o barulho do silêncio? - ele pergunta e eu respondo um sim tímido - Agora, olhe - ele suspende meu rosto e eu vejo o céu, eu vejo estrelas e sinto meu coração batendo mais vezes do que o necessário.

- Uau - falo e suspiro.

- Não preciso de acessórios para conseguir o que eu quero, apenas consigo e, no geral, elas se repetem - ele diz em murmúrio em meu ouvido. Minha pele se arrepia.

- Pensei que isso fosse o ingresso para levar as mulheres pra cama - falo ainda olhando para o céu, até que ele me vira para encará-lo.

- Acha, realmente, que eu preciso disso? - ele pergunta e eu nego com a cabeça, e ele se aproxima, me beijando docemente, diferente da primeira vez, melhor dessa vez, e eu quero outras vezes - Me falou que gostaria de estar em um lugar com silêncio... Ei-lo - ele leva a mão ao meu redor e volta a me beijar.

- Confesso que funcionaria - falo e sorrio para ele.

- Acho que já passei da fase de coisas que não funcionam - ele diz e agora beijá-lo é entorpecente, é perigoso e está me tirando da realidade.

- Está com fome? - ele pergunta.

- Não, estou bem, aqui.

 

 


***

Alexander

 

 

Minha vida “amorosa” se resumia ao Clube 13, e eu só percebi isso agora. Não havia as saídas para trepadas casuais, era meu trabalho e Madri me consumindo, como se estivesse preso em uma fenda no tempo onde nada evoluía. Eu nem me lembrava que havia estrelas em Nova York. Mas eu as vi um pouco antes de entrar no meu carro e ir em direção à casa dela, que agora insiste em dizer que tudo isso é romântico, que isso levaria alguma mulher para cama, me falando o oposto do que estava acostumado.

Para mim, as mulheres vão para cama assim que assinam um contrato como encomenda ou quando escolhem seus quartos na nova ala do Palácio Hanzel.

Ela está aqui, enroscada em minha boca e escutando o silêncio que precisava e vendo as estrelas que até pouco tempo não existiam.

- Poderia ficar aqui a noite toda - ela diz.

- No Central Park? - pergunto.

- Não, em seus lábios - ela diz e eu a suspendo em meu colo e a beijo.

Talvez tenha sido a versão de Giovani sobre o café ou seus olhos, talvez tenham sido as músicas no pen-drive ou os duzentos dólares. Eu nunca saberei a origem da força matriz que está me impulsionando para ficar exatamente onde estou.

- Fique o tempo que achar que deve ficar - falo e ela me beija, segurando a minha nuca e deixando que eu percorra seus lábios com os meus.

Coloco-a no chão e encosto a minha testa na dela - Você é perigosa - falo sorrindo.

- Não tenho tamanho para ser uma ameaça - ela zomba.

- Dependendo do veneno, uma gota basta - a alerto.

Deixo-a solta e caminho em volta do coreto - Você vem sempre aqui? - ela pergunta e eu quase esqueci que o Central Park ficava em Nova York.

- Para ser honesto, há muito tempo não vinha. Estava trabalhando muito, mas aqui era um lugar que minha mãe e meu pai traziam eu e minha irmã quando éramos crianças - falo e ela agora me segue e fica do meu lado.

- Você tem uma irmã? - ela diz feliz - Eu gostaria de ter tido um irmão, alguém para brigar por motivos idiotas - ela fala e enrosca seus dedos aos meus.

- Kim - eu falo.

- Kim?

- Sim, seu nome é Kimberly e vai se casar daqui dois meses - falo feliz e me lembro que isso nem sempre foi de meu agrado.

- Uau, ela é mais nova? - ela pergunta e isso me intriga.

- Por que está perguntando isso? - falo e estamos caminhando sem destino.

- Apenas curiosidade e você falou dela com tanto carinho - ela diz.

- Sim, ela é mais nova - respondo e pego meu celular e mostro a foto dela e de Benjamin quando estavam em Malibu, na casa de Ramon.

- Ela é linda - ela diz e eu suspiro - E ele está à altura dela - ela observa e eu a encaro.

- Acha ele bonito? - olho para a foto e tento encontrar isso que ela está falando. Para mim, ele sempre será um puto e fim de conversa.

- Sim, e isso é bem nítido - ela ri e olha para a minha cara. Paro de andar e a puxo para perto de mim.

- Seu parâmetro para beleza é ruim - falo e beijo sua boca.

- Não deveria dizer isso - ela retruca.

- Por quê?

- Porque eu te acho mais bonito do que ele - ela suspende as sobrancelhas.

- Nesse caso, seu parâmetro foi restaurado com sucesso - brinco e beijo sua testa - Ela é muito importante para mim - respiro fundo.

- Irmãos são importantes - ela diz.

- É... mas existe algo que me liga a ela de maneira extraordinária. Garanto que não foi fácil para ela estar nesse relacionamento, eu impedi de todas as formas e hoje vejo o quanto errei - sem imaginar, eu estava abrindo meu coração. O saldo dessa noite é estrelas e um coração funcional, tudo está diferente.

- Posso saber por quê? - ela pergunta e vai em direção a um banco. Ela bate com a mão ao lado dela fazendo menção para eu me sentar e eu obedeço.

- Eu tinha medo que ela estivesse em perigo nas mãos dele, mas isso tudo tem uma explicação - falo e a coloco em meu colo - Quando éramos crianças, ela estava com quase oito e eu com quase treze, ela se afogou e tentei salvá-la, mas quase me afoguei também. Quando acordei, a primeira palavra que disse foi seu nome e foi o seu rosto que surgiu e me disse: “Você não sabe nadar tão bem”. Depois disso, eu tentei salvá-la do mundo e quase a matei quando a distanciei desse cara - confesso e ela mexe em meu cabelo.

- Você o conhecia? - ela pergunta.

- Bem o suficiente para querê-lo longe dela - admito rindo e me lembrando dele lambendo duas mulheres dentro do Palácio Hanzel. Meu Deus, Kim nunca saberá disso.

- Não era seu amigo? - ela questiona e ajeita o colarinho da minha camisa.

- O melhor que alguém poderia ter - respondo sorrindo e ela sorri para mim também. Talvez seja esse o momento exato em que a força motriz ganha mais potência e eu analiso se amanhã eu poderei sentir seus beijos novamente.

- Você é estranho, sabia? - ela pergunta.

- Sim, e me sinto estranho também pelo que vou perguntar - falo e ela se ajeita em meu colo. Mantém-se em silêncio, esperando minha pergunta - Posso te ver amanhã?

- Só amanhã? - ela quebra a minha pergunta e, pela primeira vez, me sinto fragilizado diante de uma mulher.


9

 

Zero

 

 

Talvez uma motivação para que o sistema de segurança seja restaurado seja o suficiente para eles terem o que fazer durante a semana.

Hoje não tenho muito tempo, é domingo e eu preciso concluir outras questões.

Coloco um brinquedinho para decifrarem e, com isso, a semana será mais divertida e eu não precisarei estar aqui o tempo todo.

Não posso deixar rastro e, para isso, abro as portas para outros entrarem. Vamos, me encontrem, deixem isso mais emocionante porque até agora sou a única pessoa que parece estar se divertindo por aqui.

A partir de agora o jogo muda e não poderei recuar nenhuma casa. Os vírus foram enviados e tudo agora é uma questão de tempo.


10

 

Alexander

 

 

- Seria importante você prestar atenção - Gio me desperta e estamos dentro de sua sala, no nosso andar comercial. Física e mentalmente, ainda sinto os lábios de Brooke junto com meu lamento quando a deixei em seu apartamento assim que saímos do Central Park. Ela não deveria estar aqui nesse momento.

- Estou prestando atenção - falo e Gio me encara.

- Não em mim, pelo visto - ele diz com ironia - Escute, existe um padrão de invasão e tudo parece ser programado, porém, em algumas invasões, ele mostra saber o que estamos fazendo - Gio fala e eu preciso me concentrar no Hacker.

- Acha que ele sabe quando estamos olhando seus passos? - pergunto e Gio mostra o que o desgraçado está fazendo.

- Não tenho certeza, é isso que estou verificando, se ele age de acordo com o que protegemos, ou se ele simplesmente deixa tudo com hora e data para entrar - Gio explica.

- Mas isso seria possível tantas vezes? - pergunto e eu tenho consciência de que quem entende mesmo disso tudo aqui é ele e que meu conhecimento é pequeno perto do que Gio entende.

- Sim, mas ele é bom e eu conheço empresas que pagariam milhões por esse serviço. Alguém que levanta falhas em sistema de segurança hoje ganha mais do que quem implanta segurança.

- Encontrou um adversário à sua altura - falo e vejo-o digitar e as telas se abrem em mil informações.

- Não, eu admito, ele é melhor do que eu - ele diz - Veja - Gio mostra o caminho que o hacker fez da última vez e é quase uma obra de arte, se não estivesse fodendo minha vida.

- Gio, precisamos parar esse cara - falo e me levanto andando pela sala.

- Estamos fazendo o possível - ele diz e eu pego meu celular.

Eu não deveria, mas penso em Brooke ou no que ela está fazendo e envio uma mensagem. Coloco o celular sobre a bancada e olho o trabalho escultural que esse maldito faz. O desgraçado é bom e eu tenho Gio como base para comparações.

- O que está rolando? - ele pergunta e acho que estou dando demonstrações gratuitas de que a noite passada foi perfeita. Analiso e penso, não houve sexo, mas houve algo diferente, houve compartilhamento e isso antes se resumia a trepadas. Ela me ouviu e acho que, antes de tudo, eu também precisava falar.

- Não entendi - respondo.

- Não tente fazer isso, sou mais rápido do que você, qual é o nome dela? - Gio pergunta.

- Do que diabos você está falando? - me sento na cadeira dele e vejo o meu celular avisar sobre alguma coisa. Estico meu braço e coloco minha digital.

“Eu também estava pensando em você”, aparece na minha tela e beijos não costumam rodopiar a minha mente como um tipo de lembrança a ser revivida, mas ela insiste e acho que preciso concluir isso, é como um pênalti não marcado.

- Estou falando da sua cara de idiota - ele responde e continua digitando alguma coisa mesmo estando de pé - Acredite, já vi essa mesma cara em Evan, Sebastian e Ramon.

- Brooke - respondo e nego com a cabeça.

- Tome cuidado com ela, ela não é perfil de Clube 13 ou perfil Alexander; ela tem uma vida simples e poderia se apaixonar e se decepcionar com você - ele parece incomodado.

- Acha que eu sou assim? - pergunto.

- Não acho, eu tenho certeza. Conheço você há tempo suficiente para lhe dizer que Brooke faria sua vida ser mais feliz e posso afirmar que o contrário talvez não seja possível, se for fazer alguma coisa, escolha outra pessoa - ele parece furioso.

- Qual é o seu problema, Giovani? - pergunto.

- Ela não merece ser enganada - ele diz.

- Parece mais do que preocupado com ela - falo e ele fica de frente para mim.

- A história de merda que ela tem, não está precisando de uma decepção amorosa. Tome cuidado, ela é frágil, por mais que não pareça - ele a defende.

- Não vou fazer nada que ela não queira. Agora, se estava rolando um clima entre vocês, eu saio da jogada - o encaro.

- Alexander, apenas não seja você com ela, eu tenho certeza que aí dentro você tem algo de bom pra oferecer - ele aponta o dedo para o meu peito.

Olho para baixo e nego com a cabeça.

- Eu também preciso dessa coisa boa que deve estar aqui dentro - falo e ele sorri.

- Agora sim, você tem o meu respeito e meu apoio, ela é uma pessoa do bem - ele diz sorrindo e eu sei, meu histórico é uma fatalidade no quesito empenho em ser leal com as mulheres, e eu assumo minha culpa plena sobre cada uma que enganei e foram quase todas.

- Ela é diferente - falo e dou a volta me apoiando na mesa e olhando para ele que agora cruza os braços e está sorrindo para mim - Ela me ouviu, me fez rir e discorda de algumas coisas - falo e olho para baixo negando com a cabeça - Ela está aqui agora e tudo parece menos perigoso por conta disso - confesso apontando para as telas e ele está sorrindo.

- É isso que faz a vida valer a pena, encontrar alguém - ele diz e isso me desperta curiosidade sobre sua propriedade em falar.

- Mas você não encontrou ninguém e ainda fala como se isso fosse a verdadeira tábua de salvação - o alerto e ele sorri e se aproxima de mim.

- Não encontrei AINDA, meu caro - ele dá dois tapas no meu ombro - Te aviso assim que isso acontecer - ele sorri e eu duvido que ele dividiria isso com alguém.

- Gio - o chamo e o celular dele brilha, toca, e um alerta é disparado no meu celular também.

- Ele entrou - Gio diz e dá a volta se sentando em sua cadeira - São nove e quarenta e oito da manhã e isso é atípico - Gio explica e aciona tudo para impedir o acesso desse merda em meu sistema - Ele não está conseguindo entrar, está funcionando - Gio comemora o novo sistema e isso me deixa mais tranquilo.

- Ele faz um caminho inverso, ele abre várias portas - observo o que o hacker está fazendo.

- Caralho - Gio fala, ele entrou - Maldito - ele soca a mesa e olha para as telas e vê os passos - Ele está online - Gio pega o telefone e faz uma ligação - Você está vendo? - ele pergunta - Então, é exatamente aí que precisamos bloqueá-lo - ele fala e desliga - Ele já saiu, entrou, fez a gente de idiota e foi embora - Gio diz e de repente na tela temos mais um alerta.

- É ele, de novo, ousadia do caralho! - falo e o celular de Gio toca.

- Sim, é ele - ele diz e escuta o que a outra pessoa está falando - Sério? - Gio sorri e eu vejo na tela o maldito sendo impedido pelo obstáculo que Gio colocou - Filho de uma puta! - Gio comemora - Sim, ele saiu e não deve estar feliz, valeu - ele diz e desliga em seguida. - Hoje ele não vai nos visitar novamente. Vamos aprimorar essa defesa e talvez ele desista e busque outro sistema para invadir - Gio diz.

- Isso parece um inferno - falo.

- E é - Gio responde.

 

***

Zero

 

- Maldição! - soco a mesa e o caneteiro tomba esparramando tudo. Preciso quebrar esse bloqueio e talvez eu saiba como fazer isso, mas agora não tenho tempo. Desligo tudo e deixo apenas meu servidor camuflado recebendo as informações que preciso. Olho para o relógio e realmente o meu horário já se esgotou por hoje com essa brincadeira.


11

 

Brooke

 

 

Pensei que hoje, por ser terça-feira, a John John não estaria tão cheia. Caminho entre os dois camarotes inferiores e vejo as mulheres dançando o ritmo de Rihana, This is What you Came For, e eu estou enjoada desses ritmos e das pessoas daqui. Mas sou grata, é esse trabalho que está me ajudando no que preciso.

- Ei, Brooke, poderia me trazer mais uma? - Beau, o visitante mais assíduo desse lugar, levanta uma garrafa de vodca e essa será a terceira da noite e com certeza amanhã ele não se lembrará que deixou pouco mais de vinte mil na John John. Mas para ele os vinte mil não são nada.

Aceno que sim e vou em direção ao balcão e peço a garrafa e só indico o camarote a ser marcado para cobrança. Beau é herdeiro de um banco e tem duas concessionárias aqui na ilha. Ele não precisa trabalhar e não o faz. Toda terça-feira ele está aqui, com mulheres diferentes, e isso é um dos pontos que faz desse lugar algo fútil e passageiro. E esse é o nome que ele gosta de ser chamado. Chamá-lo de Giuseppe praticamente o ofenderia.

Vejo Lucy discutindo com uma garota e aqui temos liberdade para fazer isso, podemos colocar o cliente em seu devido lugar e o dono daqui estabeleceu isso como regra básica para que haja respeito.

Já houve brigas aqui em que o lugar precisou ficar fechado por quase uma semana, os responsáveis por isso não podem entrar mais aqui.

São dez e trinta e nove e eu sei que essa noite vai passar rápido e minha perna poderia não doer, pelo menos não hoje.

 


***

 


São cinco e dez da manhã e estou exausta. A John John está vazia, e eu posso ir embora. Acho que vou a pé, estou cansada, mas minha perna colaborou hoje.

Vou até o meu armário, pego minha mochila e saio me despedindo dos que ainda estão por ali. Lucy está apoiada no balcão bebendo uma cerveja e levanta o braço acenando para mim.

Saio pela porta lateral e Tom está lá, encostado em uma das paredes do beco. O segurança que só pelo tamanho impõe respeito.

- Até amanhã, baixinha! - ele diz carinhoso e entra na John John e tranca a porta. Eu deveria ter pego uma blusa, penso enquanto esfrego meus braços tentando me aquecer.

- Até daqui a pouco - falo sorrindo e caminho em direção à avenida. Sinto minha perna doer um pouco agora. Paro antes de sair do beco e massageio meu quadril - Ora, vamos, agora não é hora para isso - falo alto olhando para a minha perna.

- Falando sozinha, baby? - levanto meu rosto e vejo Michel, fumando e andando em minha direção.

- Melhor falar sozinha, trata-se de um diálogo sábio - respondo e caminho, tentando desviar dele.

- Não tenha tanta pressa - ele diz e joga a fumaça de cigarro na minha cara impedindo meus passos - Está muito escuro para você caminhar sozinha - ele me leva para junto do seu corpo - Precisamos conversar - ele protesta e segura meu braço com força.

- Não tenho nenhum assunto pendente para tratar com você - respondo e não tenho medo dele. Ele deveria ter medo de mim, eu sei como consegue dinheiro. Tento me soltar dele e não consigo. Ele me segura com muito mais força.

- Acha que não temos? - ele pergunta e me chacoalha - Onde está aquele seu namoradinho de merda? - ele está falando de Giovani que não é meu namorado mas se passou por tal. Seus dedos apertam meu braço, eu sou menor do que ele e ele é mais forte.

- Quer falar comigo? - escuto alguém perguntando e procuro ao meu redor. É Alexander - Perguntou sobre o namoradinho de merda dela, estou aqui - ele se aproxima e Michel, que me solta me empurrando, dá passos para trás - Entra no carro - Alexander ordena em minha direção colocando a chave do carro em minha mão - Vou deixar uma coisa muito clara - ele se aproxima rapidamente de Michel e acerta seu nariz com muita habilidade. O sangue desce cobrindo sua boca - Essa é a coisa que tenho para deixar clara - ele diz e volta em minha direção - Eu mandei você entrar no carro - ele fala com a voz cheia de ordem e protesto e me leva até o carro com a mão na base das minhas costas. Ele pega a chave da minha mão bruscamente e ainda estou tentando entender o cenário à minha volta.

Ele abre a porta do passageiro e espera eu entrar e a fecha. Ele entra em seguida, se colocando no banco do motorista. Ele segura o volante com força, com as duas mãos e fecha os olhos por apenas três segundos, e isso pareceu uma eternidade.

Alexander dá partida e acelera. Vejo o percurso da minha casa ficando cada vez mais diferente, e o trajeto agora fica igual ao percurso até a casa dele. Estamos indo sentido Central Park e eu não sei o motivo pelo qual ele está tão enfurecido.

Ele entra com o carro na garagem e sai, vindo em minha direção e abrindo a porta. Eu não sei o que perguntar, talvez ele tenha tido um dia difícil no trabalho e agora ele precisa apenas fazer isso, ficar puto sem dizer uma única palavra.

Subimos de elevador e tudo está irritante de tão silencioso.

A porta se abre e eu vejo algumas caixas espalhadas, todas têm alguma indicação, como roupas, jogos, documentos e eu acho que ele acabou de se mudar.

- Faz pouco tempo que se mudou? - pergunto olhando para as caixas enquanto ele joga de qualquer jeito as chaves e sua carteira sobre a mesa ao lado de um sofá que ainda está encapado com o plástico da loja. Ele olha para o celular e o coloca ao lado da carteira.

- Há alguns meses - ele responde ríspido e para de costas para mim.

- Não deveria estar dormindo? Daqui a pouco seu expediente vai começar - falo e não tiro a minha mochila das costas. Estou parada olhando para ele, que está de frente para sua varanda e abaixa a cabeça negando veemente alguma coisa que apita internamente.

- Escute - ele diz ainda de costas - Eu deveria estar fazendo um milhão de outras coisas, menos isso que acabei de fazer - ele conclui e se vira, apertando os passos e se aproximando de mim. Ele fica tão próximo que sinto o cheiro do seu banho recém tomado.

- E por que não está fazendo? Eu sou bem grandinha e posso me cuidar, sempre fui embora sozinha da John John - rebato e ele cerra os olhos.

- Porque eu não estou conseguindo assimilar um caminho eficaz longe de você - ele devolve, me tirando o ar - Quanto a ser grandinha, eu não consigo acreditar nisso, estava sendo facilmente arrastada por aquele monte de merda - ele aproxima seu rosto ainda mais de mim e se inclina. Posso sentir seu hálito de menta, de dentes recém escovados

- Estava pensando em ficar longe de mim? - pergunto.

- Sim - ele me beija forte, mordendo a minha boca - E como pode ver eu fracassei - ele retoma o beijo e tira a minha mochila e a coloca no chão, ali mesmo perto dos meus pés.

- Gosto de saber que fracassou - sorrio.

- Quem era aquele cara? - ele pergunta.

- Meu ex-namorado - falo.

- Quero o nome dele, completo de preferência - ele exige e me leva pelo corredor, segurando a minha mão.

- Vai colocar o FBI atrás dele? - zombo.

- Conheço gente pior do que eles para ficar na cola desse filho da puta - ele me solta na hora em que chegamos ao seu quarto e eu o vejo caminhando até uma porta, parece ser um banheiro. Ele está de frente à pia, imensa, com um espelho que cobre toda a parede. Ele está lavando as mãos e, em seguida, lava o rosto - Posso saber o que ele queria? - ele pergunta me olhando através do espelho.

- Há dois meses ele apareceu e Gio me salvou, agora você, ele está ficando cada vez mais furioso com isso - falo e ele fecha seu rosto em um semblante feio.

- Não respondeu a merda da pergunta - ele diz grosseiramente.

- Por que está tão bravo? - pergunto.

- Ainda pergunta? Que tipo de relacionamento doente era esse que ele podia te agredir e você permaneceu com ele? - ele pergunta e eu me recordo das vezes em que Michel foi um pouco violento com as palavras.

- Está bravo porque tive um relacionamento ruim? - pergunto e me aproximo, ficando do lado dele.

- Não, estou puto da vida porque esse relacionamento ainda está aqui, com você - ele vira o rosto, com seus braços apoiados na pia e me encara.

- Não está aqui, isso acabou há dois anos e ele sempre aparece, ele tem medo que eu conte a alguém sobre o que ele faz - falo e agora ele fica de frente para mim.

- E o que esse merda faz? - ele pergunta.

- Por que isso está te irritando tanto? - pergunto e me aproximo dele.

- Porque eu não tive sucesso em querer ficar longe de você - ele se aproxima e me beija novamente.

- Ele rouba dinheiro das contas, das pessoas, pega um pouco de cada um e assim ninguém percebe, mas, no final, ele consegue manter seu padrão de vida - explico.

- Ele é um hacker? - vejo ódio no olhar de Alexander, como se isso fosse fazer seu peito explodir.

- Acho que sim. Ele invade o sistema do banco e retira centavos de milhares de clientes - explico e ele nega com a cabeça.

- Você fazia isso com ele? - ele pergunta.

- Claro que não, eu sempre trabalhei, e foi por isso que terminamos. Quando eu descobri que meus presentes eram comprados com dinheiro sujo, eu devolvi tudo e nunca mais quis saber dele. Tenho um pai que trabalhou arduamente a vida toda e mesmo quando teve a oportunidade, ele preferiu perder, não ouse pensar isso de mim - protesto e ele recua.

- Não quero ele perto de você - ele admite.

- Por quê? - pergunto e me aproximo, fecho a torneira e pego a toalha enxugando seu rosto.

- Porque é exatamente onde eu quero estar - ele me senta sobre a pia, e me beija, docemente, lentamente, com passagens tranquilas de sua língua em torno da minha. Ele parece mais calmo agora, mas posso sentir seu coração gritar em seu peito, como se ele estivesse me beijando para não enlouquecer.

- Está mais calmo? - pergunto.

- Ainda não - ele responde e pega a barra da minha blusa e tira assim que ergo meus braços - Mas espero que me ajude com isso - ele me abraça e eu sinto seus dedos desabotoarem meu sutien. Cada mão segura uma alça e ele retira discretamente, como se não quisesse revelar meu corpo de uma única vez - Linda - ele diz e coloca o sutien de lado e me abraça. Sinto o tecido de sua camisa sobre meus seios e ele está devidamente encaixado entre as minhas pernas.

- Posso tentar - falo e beijo sua boca, desabotoando sua camisa. Vejo-a deslizar pelos seus braços e cair - Mas antes eu preciso de um banho - confesso e ele sorri, olhando para mim.

- Posso? - ele pergunta.

- Pode o quê? - desconfio da pergunta.

- Confia em mim? - a pergunta é feita através de seus olhos, eles a expressam com mais clareza do que seus lábios diante de mim. Ele retira meus tênis e os deixa sobre a bancada da pia.

- Algo me diz que não devo - respondo.

Ele sorri e me coloca de pé e abre meu jeans. Ele cuidadosamente levanta cada um de meus pés para que possa tirar a peça por completo e eu estou tentando não parecer ofegante, mas não estou conseguindo.

Minha calcinha pelo menos é apresentável, mas eu me puno por não estar com algo mais sexy. Pelo menos a depilação está em dia.

Ele enrosca seus dedos de cada lado da minha calcinha e a desce. Ele a pega e a coloca sobre a pia.

Vejo-o caminhando em direção ao chuveiro e o liga. O chuveiro fica exatamente no meio do banheiro e o vidro que o cerca é totalmente transparente e isso é novo para mim. Ultimamente não tenho estado com homens, estou tão ocupada com tudo que acho que esqueci de mim.

Ele me chama com seus dedos e eu caminho em sua direção. Sinto-me estranhamente protegida por ele.

Ele me coloca embaixo da água e eu sinto o jato morno deslizando pelo meu corpo. Abro meus olhos e o vejo retirando sua roupa e me encarando. Ele entra e alcança uma esponja gigante, enche de sabonete líquido que cheira algo cítrico e, de repente, a esponja sobe meu abdômen e passa pelos meus seios.

Alexander deixa a esponja de lado e coloca o sabonete em suas mãos. Ele massageia meus ombros e desce até meus pulsos e sobe. Sinto seus dedos descerem meu colo e ele acomoda cada seio em uma mão.

O silêncio quebrado apenas pela água do chuveiro que escoa pelo ralo lateral é mais alto do que a minha respiração, mas não supera o barulho do meu coração que está disparado e quase salta do meu peito.

Ele passa suas mãos pela minha barriga e me vira de costas para ele. Percebo-o abrindo as minhas pernas e enquanto uma de suas mãos brinca em meu sexo, a outra agarra meu seio. Sinto uma agulhada no encontro de minhas pernas e ele massageia meu clítoris. Sua experiência em banhos é nítida, e sua experiência com o corpo feminino é maior ainda.

Ele se abaixa e movimenta seus dedos em cada uma de minhas pernas e eu preciso me controlar. Gostaria que ele falasse alguma coisa, qualquer coisa.

Alexander abre mais o chuveiro e toda a espuma vai embora. Ainda estou de costas para ele e vejo sua mão fechando o registro. Sua boca se aproxima do meu pescoço e um beijo é colocado bem ali, onde o arrepio começa e só termina onde seus dedos estavam.

Ele sai e pega uma das toalhas que estava sobre uma bancada de madeira.

- Vem - ele pede com a toalha aberta, me esperando fora do box. Ele está excitado e seu corpo nu me faz engolir seco diversas vezes.

Obedeço.

Ele me enxuga e me leva até o quarto. Ele ainda está molhado e não está demonstrando interesse em se enxugar. Alexander me coloca de pé aos pés da cama e me encara duramente.

- Tenho pensado em você mais do que costumo pensar em qualquer pessoa - ele me deita e o vejo observar o meu corpo - Não gosto de me sentir vulnerável e estou me sentindo assim desde que apareceu com sua honestidade em meu trabalho - ele se coloca no meio de minhas pernas e encara meus olhos - É como se estivesse chovendo o tempo todo e você precisasse da minha carona - ele confessa e beija minha boca, docemente e para, beijando meu queixo e deslizando seus lábios pelo meu pescoço e alcança meu seio.

Ele passeia com sua língua sobre o bico e subitamente o suga, calmamente. De novo a agulhada ali embaixo acontece.

Remexo-me sentido seus lábios em torno do meu bico. Estou me sentindo molhada. Ele desce e circula meu umbigo e alcança minha virilha.

Seus dentes roçam sobre o vinco entre a minha perna e minha região mais íntima. Arrepia e me contorço sob ele.

Sua respiração é calma e ele parece saber exatamente o que fazer. Ele abre meus lábios e coloca sutilmente sua língua sobre meu clítoris e desce até a entrada do meu sexo.

Meu gemido sai mais alto e eu remexo meu quadril, até que ele segura de cada lado e depois abre ainda mais as minhas pernas. Ele suga cuidadosamente, como se gostasse do sabor que deposito em sua boca. Ele é gentil, acelera o ritmo e eu percebo que meu corpo precisa se entregar.

Sua língua me invade e me abandona, ele circula meu ponto sensível e suga em seguida. Isso está melhor do que imaginei, até que toda a minha energia é canalizada em direção à sua boca e eu gozo. Ele sabe o que fazer, como fazer e eu deixo... eu obedeço.

Alexander sai da cama e vai em direção a um gaveteiro alto e retira da primeira gaveta um preservativo. Vejo-o abrindo a embalagem e ele vem em minha direção deslizando-o sobre seu membro. Ele é hábil e eu me sinto à vontade com isso.

Ele se coloca no meio de minhas pernas e seu rosto está exatamente diante do meu - Preciso disso - ele diz e entra, vagarosamente, e me preenche completamente. Estou há muito tempo sem sexo e eu o vejo fechar os olhos - Céus - ele murmura como uma prece e abre seus olhos em seguida.

Seu corpo começa um ritmo perfeito dentro de mim que intercala entradas e saídas e um pequeno instante aqui dentro. Ele remexe dentro de mim, atingindo todos os pontos e eu deixo meu gemido sair, esqueço quem eu sou e me entrego a ele, totalmente.

Percebo o acelerar, a força e a intensidade que ele se enterra dentro de mim como se o fim estivesse próximo, como se o controle sobre seu corpo fosse inexistente.

- Goze comigo - ele pede e sinto seus lábios me beijarem. Agora, ele está tentando se controlar mas parece que é em vão, eu sei, eu sinto. Ele morde meu lábio e abre os olhos - Não consigo segurar - ele diz e isso me oferece um tesão fora do comum.

Ele aproxima sua boca do meu ouvido e geme baixinho - Estou gozando - ele diz e isso me deixa ainda mais excitada.

Seu corpo se torna mais solto, relaxado e leve. Ele para, descansa sua testa sobre a minha por alguns instantes. Ele está respirando rápido e eu também.

Alexander está ofegante e rola para o meu lado, levando meu corpo para junto dele e abraçando como conchinha - Fique comigo aqui - ele pede.

- Já estou aqui - respondo baixinho. E não tenho vontade de estar em outro lugar.


12

 

Alexander

 

 

O que está acontecendo? Nada disso é razoável. É como se ela sempre estivesse por aqui. É como se ali, no meio da minha cama enrolada em um lençol, fosse o seu lugar, e ele estava vazio até então, mesmo quando não estava, porque nunca era ela, nunca havia sido ela.

Ela tem estado em meus pensamentos. Ela não deveria ter ido me devolver nada, isso se somou ao café, aos elogios de Gio sobre ela e sobre a minha curiosidade natural sobre as mulheres.

Não é um sentimento, é uma reação. É meu corpo e mente reagindo diante de uma determinada situação, como defesa... ou como rendição.

É como se meu corpo respondesse a um instinto natural, é como se ela tivesse a senha para chegar até mim e isso é estranho. Eu a conheço há alguns meses e nunca a olhei com nenhum desejo, até ela se perder dentro do meu agasalho e me oferecer um café.

Observo-a dormir e tento entender que essa foda pode ter colocado o ponto final que sempre esteve presente. Eu vou levá-la embora e ela não vai mais estar tão presente em meus pensamentos porque é assim que funciona. Pelo menos é o que eu espero, mesmo sentindo que isso possa não ser possível.

Ela dorme como se estivesse exausta e eu só consigo observar sua respiração profunda, aqui sentado nessa poltrona, com meus braços apoiados em meus joelhos.

- O que ela está fazendo comigo? - murmuro para meus ouvidos.

Talvez seja a liberdade que o Clube tenha me dado não fazendo mais parte da minha vida. A possibilidade é essa, já que mantive todas as mulheres longe o suficiente de mim por conta do Palácio. Mas agora, ele não existe mais em minha vida, um hacker me fez deixar aquela vida que um dia foi legal. Ultimamente, estar no Clube era quase um sacrifício.

Mas alguma coisa está estranha. Outras mulheres estiveram aqui depois da minha saída, e não foram poucas. O problema é mesmo eu somando o número de mulheres que estiveram aqui, depois da minha total liberdade restabelecida, a soma parece não ser o suficiente. É como se apenas ela tivesse em suas mãos o resultado exato desta equação.

Penso nos outros que deixaram o Clube por conta de uma mulher, e de repente, uma mulher chega assim que eu deixei o Clube. É como se fosse uma recompensa por bom comportamento. Preciso não focar nela desta forma, o saldo está muito positivo para uma recém chegada.

Ela se ajeita e puxa um travesseiro e o abraça. É como se ela precisasse ser protegida e esse instinto que ela desperta em mim é enlouquecedor.

Os primeiros raios de sol surgem e atravessam as cortinas. Agora ela está mais iluminada.

Deito-me ao seu lado e a acomodo em meu peito, ela se encaixa em mim, como um gato sobre uma almofada.

Claramente eu não deveria ter feito isso. Respiro fundo e beijo seus cabelos.

Sinto que agora é tarde, não tarde demais, apenas tarde o suficiente.

 

***

 

Acordo e a vejo em meu peito, acomodada como criança, e antes que eu possa evitar, eu sorrio. Deixo-a ali por alguns instantes e coloco uma roupa.

Saio do apartamento e vou em direção ao Starbucks que fica na mesma quadra do meu prédio. Ela precisa comer.

Volto com café, muffins e bolo e a encontro olhando para as caixas na sala. Ela está com o cabelo bagunçado e seu rosto está amassado de sono. Linda.

- Precisa de ajuda com isso? - ela aponta para as caixas.

- Não se preocupe - falo e me aproximo dela que está usando uma camiseta minha. É branca e a cobre até a metade da coxa. Beijo sua cabeça e ela me abraça pela cintura. Estou com as mãos ocupadas e eu preciso não sentir isso, preciso limitar a presença dela por aqui, não no apartamento, mas em minha mente - Está com fome? - pergunto.

- Fome de fugitiva - ela brinca e me solta.

- Ótimo, então coma tudo - falo e vou em direção à cozinha e deixo tudo sobre a ilha. Ela se aproxima e começa a se servir sem cerimônia nenhuma. Eu gosto de ver isso.

- A pessoa que trabalha com você não pode arrumar isso para você? - ela pergunta mordendo um muffin de banana e aponta para as caixas.

- Ela desistiu - respondo e bebo um pouco do frapuccino de coockies.

- Por que ela faria isso? - ela questiona e morde o muffin novamente.

- Porque ela me conhece muito bem - respondo e ela sorri.

- Fazia muito tempo que não dormia tão bem - ela diz e coça o olho com a mão fechada e isso é perturbador, sexy e eu gosto de olhar ela ali, despojadamente diferente das mulheres que já estiveram comigo, e realmente não foram poucas.

- Pode voltar e dormir mais se quiser - falo e me repreendo internamente, não estou agindo como eu deveria.

- Não posso, tenho que ir pra casa do meu pai - ela responde.

- Todo dia você faz isso? - pergunto e me sento em um dos bancos altos.

- Sim - ela responde e termina com o primeiro muffin e abre a sacola pegando um bolo de chocolate.

- Deve ser cansativo - falo e a observo abrir a embalagem e morder com gosto o bolo.

- Sim, mas ele precisa de mim - ela diz com a boca parcialmente cheia.

Ela cuida e provavelmente se deixa de lado. Aqui dentro, algo me diz que seria uma boa ideia cuidar dela.

- A que horas precisa estar lá? - olho para o relógio na parede da sala e a encaro.

- Daqui uma hora, preciso separar os remédios e deixar sua comida pronta - ela responde.

- Eu te levo - aviso.

- Fica no Brooklyn - ela diz e eu sei disso, ela me disse isso na noite em que me ofereceu o café. O mesmo café que Gio já tinha experimentado. Isso ainda me incomoda.

- Eu te levo - agora meu tom é de ordem.

- Posso te fazer uma pergunta? - ela fala.

- Sim.

- Por que foi até a John John essa madrugada?

- Porque você estava lá - respondo e a vejo tentar esconder um sorriso sujo de bolo de chocolate.

- Eu não tenho muito a oferecer - ela destaca e abre os braços se apresentando.

- Não entendi - respondo e me apoio em meus braços.

- Não tenho dinheiro, não tenho uma casa, e sirvo bebidas em um lugar para pessoas ricas, mas eu não sou- ela pontua.

- Isso eu tenho e eu gosto de beber - sorrio para ela.

- Vou repetir, talvez você não tenha entendido, eu não tenho muito a oferecer - ela insiste e eu nego discretamente com a cabeça e a encaro.

- Mas eu tenho - respondo sorrindo e descendo meus olhos pelos seus seios e volto a olhar para os seus olhos azuis. Ela tem alguma coisa que me intriga e me aproxima.

- O que você está querendo? - ela pergunta intrigada - Poderia ter qualquer mulher - ela diz.

- É exatamente isso, eu já tive qualquer mulher, e o problema é exatamente esse, eram mulheres qualquer - explico.

- E onde isso vai dar? - ele está cheia de questões.

- Eu não faço ideia e é por isso que estou interessado em passar mais tempo com você - sou direto.

- Não pode falar esse tipo de coisa - ela sorri sem jeito.

- Por que não? - a intimo.

- Porque eu posso achar que é verdade - ela responde sorrindo e bebe um pouco do café.

- Isso seria um problema - respondo e a vejo ir em direção ao quarto.

- Vou me trocar, preciso ir - ela diz - Mesmo não querendo - ela resmunga e eu me flagro sorrindo por ter ouvido isso.

Minutos depois, ela volta e está com a mesma roupa e caminha em minha direção. Estou no mesmo lugar.

- Apenas tome cuidado para não me machucar - ela pede e beija a minha boca - Achei uma escova de dentes dentro da embalagem e tomei a liberdade - ela diz e eu sinto o hálito de creme dental.

- Ela é sua - falo.

- Já ganhei um agasalho e uma escova de dentes - ela pisca um dos olhos e eu não sei se foi apenas isso que ela ganhou...

 


***

 


Estaciono o carro em frente a um prédio antigo. Estamos na 72 Rapelye St, Brooklyn.

- Obrigada pela carona e olha que nem está chovendo - ela brinca.

- Como assim obrigada pela carona? - pergunto - Espero ao menos que retribua isso com uma xícara de café - falo e percebo seu rosto mudar, ela fica sem reação por alguns instantes e engole seco - Algum problema? Não quer que eu suba? - pergunto.

- Não, é que você sabe que meu pai está lá, e aí, você seria apresentado a ele e tudo é tão simples, tão modesto - percebo-a gaguejar e eu não a deixo terminar de falar e saio do carro abrindo a porta e a tirando.

- Para mim está perfeito - me inclino e beijo sua boca. Vejo-a sorrir e ela segura sua mochila em seu colo a abraçando - Mas se você não quiser, eu não entro - selo sua boca e ela para, olha para os lados e me encara.

- Você sabe que depois que passamos de alguns pontos, tudo fica mais difícil de voltar atrás - ela diz.

- Se eu voltar, vou parar em um tempo em que você não existia e isso não faz o menor sentido para mim - falo e vejo um pequeno sorriso surgir em seu rosto.

Caminhamos em direção à porta do prédio, ela pega um punhado de chaves na mão e antes que possa entrar no prédio, um cara sai e quase tromba com ela.

- Lindinha! - ele diz. Lindinha? Que porra é essa?

- Jack! - ela retorna animada e eu não gosto disso e meu rosto geralmente denuncia o que não gosto, e eu sei que minha cara está sem nenhum sinal de expressão feliz e, para completar, ele se aproxima e beija o rosto dela. Já odeio esse cara. Será que já posso socá-lo?

- Você veio aqui ontem? - ele pergunta para ela e sinto que estou sendo ignorado por ele, o que me deixa ainda mais infeliz com a presença desse cara. Vou mostrar a lindinha palma da minha mão na cara dele.

- Sim, eu cheguei bem cedo e fiquei até a hora do almoço - ela está dando satisfações a ele. Limpo a minha garganta e encaro o cretino - Ah, sim, Alexander, esse é meu vizinho, Jack - ela fica sem graça - Jack, esse é Alexander, ele é clien... - a interrompo

- O namorado dela - ela me encara e chacoalha a cabeça tentando entender o que eu disse. Ele me olha de um jeito que não gosto, como se soubesse quem eu sou e é exatamente por isso que não sou bem-vindo.

- E aí? - ele me cumprimenta como um moleque e estende a mão para mim, eu prefiro apenas ignorar. Já ignorei pessoas mais importantes e durmo muito bem com essa decisão. Já quebrei um nariz recentemente e posso quebrar outro e também ficarei em paz com isso.

Aceno discretamente com a cabeça em direção a ele e ele cerra os olhos.

- Eu preciso ir - ele diz e se despede dela. Eu limito até onde ele pode chegar e não permito que ele a beije novamente. Algumas acessibilidades são irritantes. Ele pode fazer isso quando eu não estiver por perto, espero que nunca.

- Nos vemos na festa domingo? - ela pergunta. Que porra de festa é essa? Que merda é essa que está acontecendo comigo? Eu deveria deixá-la ali e ponto, eu não sou o tipo guarda-costas ou motorista particular, eu deveria apenas colocá-la misturada às outras e essa coisa toda de querer ficar perto não existiria. Mas ela não se perde no meio de outras, mesmo tendo uma estatura propícia para isso. Na verdade, eu sou incapaz de fazer isso. Ela quebrou alguma coisa por aqui e acho que não tem conserto.

- Com certeza - ele diz e sai andando. Vai tarde, penso comigo.

- Que festa? - pergunto e ela me encara com uma cara brava, franzindo a testa e começa a andar na minha frente.

- Que namorado? - ela pergunta? Eu, ora, penso - Eu não te desmenti para não ficar feio. Você não é meu namorado e, para ser honesta, eu quero distância dessa patente - ela pisa firme nos degraus e acelera como se quisesse me deixar para trás.

- Escute - a pego pelo braço e paro seus passos apressados e a encosto na parede - Eu não seria um namorado que você escolheria? - faço charme e a beijo. Ela se entrega e, mesmo assim, bufa.

- Não quero essa coisa de compromisso, não quero ter responsabilidade, quero ser livre. Eu tenho muita coisa para fazer, como uma festa para ir sem ter que me preocupar com franzidos infernais em testas alheias, se é que me entende - ela diz com a boca torcida. Ela é linda... INFERNO.

- Eu só disse isso porque eu não queria que ele encostasse em você - falo e vejo seu rosto amolecer e ela sorrir.

- Está rápido demais - ela diz, e eu penso que para mim está tudo bem, está no tempo certo e que eu deveria estar ficando maluco. Já trepei com tantas mulheres, de todos os tipos, mas esse tipo, que cabe no meu colo e que me olha como se pudesse destruir a minha alma, é a primeira vez. INFERNO².

- Tudo bem - me afasto dela e a encaro - Fique com meu número - tiro da minha carteira meu cartão e coloco em sua direção e ela olha assustada. Por favor, rejeite, peço internamente - Se precisar de alguma coisa pode me ligar - ela está paralisada e empurra a minha mão e não pega o cartão, graças a Deus. Desço um degrau, mais um na minha escala de resistência às mulheres mais precisamente. Ela tem me feito descer em queda livre e sem nenhum tipo de proteção. Sinto que estou em perigo em suas mãos e sinto que seria pior se eu não corresse risco algum.

- Espera - ela diz e solta o ar - Estou com medo - ela diz e eu estou parado no degrau que desci - Olhe para mim, o que eu sou? O que eu poderia oferecer a você? - ela pergunta.

- Quando não estou olhando para você, mesmo dormindo, estou pensando em você. Concordo, está tudo muito rápido e tudo é culpa sua - falo olhando para os degraus e não para ela - Quando a vi quase sendo pisoteada por aquela infeliz, eu quis ir atrás de você, mas ponderei que isso poderia me levar para um caminho estranho - nego com a cabeça - Mas, no dia seguinte, você surgiu no meio da chuva e me trouxe um tipo de sol - o que estou fazendo? O que estou dizendo a ela? Onde está a minha armadura e minha sobriedade? Deve ter ficado em um dos bolsos do agasalho que dei a ela. Isso ela não me devolveu.

- Tenho medo de como isso possa terminar - ela confessa.

- Eu tenho medo que isso não comece - assumo e ela desce parando de frente para mim.

- Nos conhecemos há meses e tudo isso agora... estou confusa - ela explica e eu sorrio. O escuro da John John não me deixou ver você, Brooke, e eu não conhecia seu café, seus lábios e sua necessidade de proteção. Por favor, tente ler isso em meus olhos, eu também estou com medo, mas tenho medo de mim, que nunca sentiu isso e não faço ideia do que seja. Descobri que eu era confuso antes, e agora, com você aqui, tudo parece que ficou mais claro, ou ainda mais confuso, mas eu estou melhor assim. Deslizo as costas dos meus dedos em seu rosto e ela sorri.

- Não acha que é muita gente confusa na mesma relação? - ela brinca e, por Deus, eu não canso de olhar para ela. O que diabos essa mulher tem que está me deixando assim?

- Então, temos uma relação? - pergunto e me sinto um idiota perto dela e eu quero saber onde foi parar o meu parâmetro para exigências que uma mulher deve ter para estar comigo. Eu sempre saí com as altas, corpo torneado, mas essa porra toda se perdeu em algum lugar e tudo está confuso pra caralho.

- Uma relação confusa, eu diria - ela responde mostrando seus dentes e algo me encanta em mais um grau. Talvez seja esse franzido que se forma no alto de sua sobrancelha esquerda quando ela faz caras e bocas que esteja me derrubando.

Inclino-me e aproximo minha boca da dela. Eu quero beijá-la.

- Você sabia que o apartamento em cima do meu está com vazamento? - uma voz nos interrompe.

- Ashley - ela diz baixinho para mim e eu me viro e vejo a figura mais diferente que já vi em toda a minha vida. Isso é terrível, porque moro em Nova York e todas as tribos estão por aqui. Desde um homem com um cocar e sunga em pleno inverno no meio da Times Square até as pessoas solitárias sentadas na escadaria em frente ao Olive Garden.

- E para piorar, o morador está viajando - ela conclui - Tudo bem com vocês? - ela pergunta e me encara - Pelo visto está, né? - ela diz brincando e Brooke sobe dois degraus.

- E você está atrasada para o trabalho - Brooke a alerta.

- Não estou, se eu tivesse um trabalho eu estaria - a figura estranha comenta levantando as mãos.

- O que você está dizendo? - Brooke pergunta.

- Que você poderia me arranjar alguma coisa na John John, porque estou disponível para o mercado de trabalho - a amiga estranha diz e eu encosto no corrimão da escada - Se eu fosse você, não encostaria aí, a não ser que tenha alguma tendência suicida - ela fala direcionando o dedo até o andar de baixo - O cupim acabou com a estrutura disso - ela alerta. Gostei dela, mesmo ela sendo visivelmente estranha. Eu me desencosto, melhor prevenir.

- Alexander, essa é Ashley, minha amiga de infância. Ashley, esse é o Alexander... - ela não consegue estabelecer a posição que estou para ela nesse momento.

- Ah, o do agasalho imenso? - ela me olha dos pés a cabeça - Agora eu entendo o tamanho do moletom - ela sorri - Costuma doar roupas com dinheiro nos bolsos? Se for assim, eu moro no trinta e nove - ela aponta o dedo para o andar de cima.

- Ashley - Brooke a interrompe com um tipo de rosnado bonito - Como assim perdeu o emprego? - Brooke se mostra preocupada.

- Corte de custos, foram sete - ela explica e levanta os ombros - Vou fazer o quê? - ela diz e eu subo a escada ficando ao lado de Brooke.

- Eu vou tentar lá, eu até comentei ontem à noite com Lucy, que agora está gerenciando, ela ficou de ver - Brooke explica - Depois eu te ligo, preciso ver meu pai - ela se despede.

- Ontem à noite eu dei uma olhada e estava tudo bem - Ashley diz e eu vejo Brooke sorrindo.

- Obrigada - ela agradece e se despedem com um olhar que acredito que apenas elas possam entender. Aceno com a cabeça seguindo Brooke que sobe mais um lance de escada.

- Ela gosta de coisas coloridas? - pergunto reparando na jaqueta com um imenso arco-íris estampado na frente.

- E gosta ainda mais se forem de brechó - ela fala de um jeito divertido e coloca a chave e gira, abrindo a porta. Vejo um sofá de couro velho, dois lugares, e uma poltrona do mesmo tecido, marrom e com manchas, mas tudo está limpo. Na parede, o diploma de Letras de Brooke; uma mesa com três cadeiras e um banco na cozinha e esse apartamento cabe dentro do meu quarto. Uma televisão antiga está sobre um móvel e uma planta bem cuidada está bem ao lado.

Fotos da família logo ali, na parede que separa a cozinha da sala. Duas portas ao fundo e eu deduzo que sejam os quartos. Caminhando lentamente vem um senhor, ele não parece ter uma idade avançada, mas ele é debilitado e caminha com dificuldade.

- Pai - ela diz e se aproxima beijando seu rosto e ele a olha com tanto amor, com tanta ternura, que eu não sei se o mundo lá fora saiba que isso ainda existe.

- Querubim - ele diz baixinho para ela e ele me olha.

- Alexander, esse é meu pai, Isaac. Pai, esse é um grande amigo, Alexander - ela nos apresenta e eu me aproximo dele, segurando sua mão e esperando ele apertar, mas ele o faz de maneira sutil.

- Ofereça café a ele - ele diz e ela já fez isso e por causa disso estou aqui. Café é a bebida mais perigosa do mundo. Isso deveria vir escrito nas embalagens.

- Acho que ele veio até aqui porque sabia que teríamos uma boa xícara de café - ela fala e beija o rosto do pai, que caminha e se senta na poltrona. Ele se vira bem sozinho, mas acredito que Brooke facilita isso deixando tudo arrumado. Ela vai até a cozinha e eu escuto-a bater uma porta - Preciso arrumar essa porta - ela diz.

- Quer que eu veja? - pergunto assim que me aproximo dela.

- Não, não se preocupe, é só a maçaneta - ela fala com desdém - Alexander, pode ir embora se quiser, eu vou demorar um pouco por aqui - ela avisa e eu sorrio.

- Se não se importar, eu prefiro ficar e tomar o meu café - sorrio para ela e a beijo. Desconfio que o pai dela esteja olhando, afinal, o apartamento é pequeno e a poltrona que ele está fica de frente à cozinha.

- Sente-se - ela aponta a cadeira.

- Vou me sentar na sala, pode ser? - beijo seu rosto e me sento no sofá de dois lugares e percebo Isaac me olhando como se quisesse perguntar alguma coisa e eu deixo o espaço que ele precisa para isso.

- Ela é meu bem precioso, cuide - ele fala vagarosamente e baixo, e eu o compreendo, não as palavras, mas o fato de ela ser especial. Sim, isto está mais rápido do que o normal. Na verdade, isso não é normal.

- Prometo - falo, na mesma altura que ele, olhando-o nos olhos e algo familiar me atinge. Não estou me reconhecendo, não estou sendo o que eu era e é como se eu tivesse passado por alguma metamorfose lenta e extraordinária.

Vejo-a se movimentar de um lado para o outro, alheia ao rápido bate papo entre mim e o pai dela, arrumando algumas coisas na cozinha e, depois, indo até o quarto, e voltando com um balde, arruma alguma coisa dentro da geladeira e seu pai me olha com um sorriso e os minutos passam.

Ela conversa comigo enquanto trabalha e ela é rápida, segurou um copo que estava caindo e isso é bom, é bom olhar alguém com destreza.

Meu celular interrompe o que estou olhando.

- Gio? - pergunto.

- Cara, o nosso ratinho não veio essa manhã, mas deixou um recado programado, estamos mais perto dele agora. Estou a caminho do escritório e te mostro o que fizemos ontem à noite - Gio explica e eu estou olhando para ela, para o seu jeans e seu tênis que a deixam com aspecto tão jovial, quase adolescente, e isso se contrasta com as mulheres exuberantes e de salto que se ajoelhavam diante de mim e me engoliam vorazmente. Ela é a versão que nunca procurei, que nunca me encantou. Eu fui enganado minha vida toda.

- Vou demorar um pouco para chegar - falo e caminho até a cozinha e vejo a geladeira aberta, onde tudo que tem é pouco, é quase nada. Desligo em seguida e olho para ela que sobe em uma cadeira e pega um pote no alto no armário.

- Você tem que trabalhar, não precisa ficar aqui - ela diz e desce da cadeira.

- A verdade é que não tenho que trabalhar e preciso ficar aqui - me aproximo dela e me inclino considerando beijá-la, mas não o faço - Eu espero por você - falo, e por mais que eu não me reconheça, estou bem sentindo isso, aqui no Brooklyn... aqui... perto dela.

Estou furando o barco que me levaria de volta para casa.


13

 

Brooke

 

 

Ele estaciona o carro em frente ao meu apartamento e me encara. Eu tenho a sensação de que ele está gostando de ficar por perto e eu estou gostando disso também. Apesar do meu objetivo ser diferente disso, nada me impede de estar com ele vivendo isso que faz meu coração bater melhor.

Alexander me tirou da rotina. Minha vida estava resumida a coisas tão mecânicas, tipo chegar antes na John John, fazer contagem de garrafas e itens do estoque, limpar mesas, organizar camarotes e, depois, voltar para casa e ter que sair para ficar perto de meu pai. Tudo estava programado assim, e ele chegou e aceitou o meu café. Sinto-me humana, feliz e não preciso pular nenhuma etapa, não preciso tentar descobrir se isso vai dar certo ou não, eu preciso apenas viver o que está acontecendo.

- Posso fazer uma pergunta? - ele diz e eu me viro e fico de frente a ele.

- Claro - respondo e apoio meu braço no banco do carro e espero para ouvir sua inquisição.

- Já considerou trabalhar durante o dia? - escuto e sorrio.

- Já, mas a remuneração é baixa e eu tenho muitas despesas - explico e ele parece entender, mas não compreender.

- Por que eu tive a sensação de que seu amigo que encontramos no prédio onde seu pai mora, não gostou de me ver com você? - as palavras dele têm um determinado incômodo encontrado apenas em relacionamentos longos ou baseados em sentimentos mais sólidos.

- Não sei se conhece matemática, mas agora já são duas perguntas - zombo e sorrio para ele.

- Tenho tanta coisa para perguntar para você e, ao mesmo tempo, gosto desta sensação de descoberta. Confesso que algumas não me deixam feliz, mas as outras, compensam vizinhos e ex-namorados - ele diz e eu sinto o mesmo. Estou adorando essa coisa de tudo ser descoberto, de toda a novidade. É como se isso fosse o certo - Então, apenas responda, vamos evitar um novo nariz acertando meu punho - ele sorri para mim.

- Porque possivelmente ele não tenha gostado - respondo olhando para ele.

- Posso saber por quê? - ele pergunta mais sério.

- Porque ele já me ajudou a sair de frias com meu ex-namorado e se preocupa com o fato de eu poder me enfiar em outra roubada - ele cerra os olhos e nega com a cabeça.

- Ele pareceu interessado em você e não em sua segurança - ele responde de maneira grosseira e olha para frente.

- E isso te incomoda? - questiono.

- O que você acha? - ele devolve e eu sorrio.

- Jack passa mais tempo na frente de um computador do que com mulheres. Acredite, ele troca um encontro por uma noite inteira jogando sabe-se lá Deus o quê - falo e abro a minha mochila para procurar a minha chave.

- O que ele faz? Com o que ele trabalha? - ele pergunta e eu estou procurando a minha chave e nem me dou ao trabalho de olhar para ele.

- Ele faz jogos para computadores. Ele é muito bom e parece que veio de uma família rica, nem sei por que ele mora naquele fim de mundo, ele poderia ser seu vizinho - falo e encontro a minha chave - Por que você quer saber? - pergunto e o encaro.

- Seu ex-namorado é hacker, esse faz jogos, aquela garota colorida também conhece alguma coisa desse mundo digital? - ele pergunta e isso me intriga.

- Ashley? - gargalho - Ela aprendeu a mexer no Whatsapp tem menos de três meses, ela é realmente desligada desse mundo - respondo e tento sair do carro, mas a porta está travada.

- O que você está fazendo? - ele está cheio de perguntas.

- Tentando sair do carro para que você possa ir trabalhar - respondo sorrindo.

- Não estou me referindo à sua ação, estou me referindo à minha reação diante de você - escuto e fico sem ter nada à altura para responder.

Penso que ele possa estar mais adiantado do que eu nessa “coisa” que está rolando entre nós. Não sou nem de perto parecida com as mulheres que ele deve ter arrastado porta afora da John John, todas parecidas com aquela que me deu uma trombada.

- Também gosto de estar com você, e é estranho porque nos conhecemos antes e é como se desde sempre tivéssemos isso e não soubéssemos - falo usando o indicador para nos ligar e vejo um pequeno sorriso em seu rosto - Quer subir? - pergunto com intenções ruins.

- Não precisa fazer café por conta dessa carona - ele retruca sorrindo.

- Pensei em outra alternativa que inibe o sono assim como o café - sorrio com malícia e ele destrava a porta.

- E sua amiga? - ele pergunta de Julianne .

- Ela vai ficar três semanas em Nova Orleans com uma tia, ela está de férias - respondo e abro a porta - Você vem? - pisco um dos olhos e escuto-o saindo do carro.

Ele anda do meu lado e entra junto comigo e antes que eu possa ter qualquer tipo de defesa, não que eu queira, ele me encosta na parede e me beija com força - Não quero outras pessoas interessadas em você - ele fala com tom autoritário e eu sorrio mesmo o beijando - Não contei nenhuma piada - ele diz e morde meu lábio e solta, encostando sua testa na minha.

- Está com ciúmes? Acabamos de nos conhecer - falo e ele respira fundo, seus olhos estão fechados.

- Não acabamos de nos conhecer e eu não sei o nome disso, eu só sei que não gosto de sentir e sei a causa, então, evite - ele diz.

A sensação é de que mesmo tendo o mundo em suas mãos, ele não tinha nada; é como se sua carência tivesse encontrado alguém que a compreendesse. Mas eu ainda não o compreendo.

Ele abre os olhos e me beija, ali mesmo na entrada do prédio, e eu não sei o que eu tenho que possa estar atraindo-o desta forma, mas eu sei o que ele tem: ele tem um beijo bom, uma língua hábil e seu perfume é aquele tipo de coisa que queremos por perto.

- Vamos continuar com isso lá em cima? - falo e o levo segurando sua mão. Ele tem mãos grandes e combina com outra parte de seu corpo. Ele deve praticar esportes e só de pensar neles sinto fadiga.

Abro a porta do apartamento e sinto o tranco dele me levando, jogando a minha mochila em um canto qualquer e retirando a minha blusa e me virando de frente para ele. Ele arranca a minha roupa com pressa e se livra das dele com mais agilidade ainda.

- Eu preciso estar aqui - ele enfia dois dedos dentro de mim e me vira de costas, me levando até a parede e suspendendo meus cabelos. Ele mordisca meu pescoço e seus dedos ainda estão dentro de mim. Eu prefiro não pensar onde ou com quem ele aprendeu isso.

Sinto sua língua subindo até minha orelha e isso arrepia ainda mais. Ele remexe seus dedos dentro de mim e meu gemido sai mais alto e eu não quero imaginar o que os vizinhos vão pensar.

Ele me vira rapidamente de frente para ele e me encaixa em seu quadril.

- Onde é o seu quarto? - ele pergunta e eu aponto em direção à porta e ele abre a porta do quarto de Julianne .

- Não! Esse não é o meu quarto - falo, ele pouco se importa.

- Mas é por isso que entrei, porque não pode, porque não é o certo - ele diz e me deita na cama da Ju e, por Deus, se ela souber disso, ela me mata. Ela é toda cheia de regras e limites.

Ele abre as minhas pernas e olha para o meu sexo, e morde o próprio lábio. Ele pressiona o polegar sobre meu clítoris e me encara enquanto faz isso.

- Vamos, se entregue - ele diz e continua a massagem apenas com o polegar e eu fecho meus olhos segurando os lençóis e me contorcendo. Sinto-me molhada, me sinto completamente refém do que ele sabe fazer.

Sinto as forças do meu corpo serem conduzidas até seu dedo e estou prestes a ter um orgasmo através da melhor masturbação da minha vida. Meu gemido sai mais alto e ele sabe o que está acontecendo, ele enfia novamente os dois dedos e agora tudo é simultâneo, meus sentidos se tornam mais apurados e se perdem no instante seguinte.

Ele sabe que estou gozando em seus dedos e ele espera o pulsar em sua mão parar para ele sair e voltar no instante seguinte colocando um preservativo que possivelmente estava em sua calça.

Ele me tira da cama e me apoia de quatro sobre a cama de Julianne. Sinto seus dedos enroscarem em meus cabelos e o impacto dele penetrando meu corpo, o tranco é tão forte que o sinto bater aqui dentro, tão dolorido e tão mágico.

Ele entra mais uma vez e para, puxando meu cabelo e deslizando a outra mão pela lateral do meu corpo. O movimento dele ir e vir é convulsionante, sei que preciso mais dele, é como se em cada entrada eu pedisse para ele ficar.

- Hummmm - gemo e ele começa a ser mais intenso, mais forte, mais rápido e, de repente, ele para, deixando tudo mais lento, mais suave, e estou sentindo mais desejo por ele. O tesão é quase inconcebível e ele volta a ser rápido, ele bate forte dentro de mim e para, ficando por alguns segundos aqui dentro.

Ele remexe dentro de mim e isso ativa todos os pontos que faltavam e eu não escondo - Vou gozar - sinto-o voltando em um ritmo calmo como se soubesse que é assim que vou gozar em seu pau, é como se ele soubesse como meu corpo funciona.

Ele sai de mim e me coloca na cama novamente. Seu olhar está sobre meus olhos e eu tenho medo que ele possa estar vendo algo que eu mesmo não conheço.

Ele se coloca no meio de minhas pernas e entra, gentilmente, e beija a minha boca - Cristo! - ele murmura e continua o ir e vir majestoso. Entrego-me a ele e permito que sinta meu limite e eu vou me lembrar disso logo mais.

Seu ritmo é perfeito, e logo ele vai concluir.

- Estou gozando - ele sussurra em meu ouvido e isso passou a ser a minha senha para ser derrotada. Gosto de perder para ele.

Ele espera alguns instantes e me deixa ali, com uma parte de mim não funcionando muito bem. Ele vai até o banheiro e depois vai direto para a sala. Eu estou olhando para o teto de Julianne e tentando entender o que foi que me atingiu.

Escuto o som vindo de fora, algum carro está parado e o som está alto, é I’m Found, de Amber Run.


“Eu avancei mais do que deveria... Senti sua falta mais do que pensei que iria”, escuto a letra e fecho meus olhos.


Ele me surpreende me pegando no colo e me levando até a minha cama.

- Prometa que vai ficar aqui? - ele pede e se abaixa do meu lado.

- Uma hora vou precisar ir no banheiro, tomar banho e comer, sem contar que às oito da noite começa meu expediente na John John - brinco com ele.

- Eu venho te buscar - ele diz e beija a minha boca. Não posso deixar isso acontecer. Nitidamente ele tem problemas com posse, ciúmes e gosta de dar ordens e isso tudo não deveria me parecer tão atraente

- Não precisa, eu vou a pé e você já deveria estar no trabalho - o alerto sobre responsabilidades e ele está sorrindo agachado ao lado da minha cama. Talvez eu esteja vivendo o momento ápice dos contos de fadas, quando a princesa é beijada.

- Estarei aqui pouco antes das oito - ele sela a minha boca e vai embora. Escuto a porta se fechando e tento não deixar tudo isso florido o suficiente para ser irreversível a qualquer momento. Mas estou falhando.

 

***

Alexander

 


- Meu Deus! - escuto Gio falando do meu lado e isso me desperta dos pensamentos. Eu estava quase deitado em minha poltrona reclinável no escritório.

- Está rezando, seu cretino? - brinco e volto a olhar para a tela do computador.

- Acho que não elaboraram uma oração para atingir tal magnitude - ele fala com um sorriso idiota na cara.

- Atingir o quê? - pergunto e olho os contratos recentes. Dois deles são os mais altos e poderiam sustentar algumas famílias por alguns anos.

- Você está apaixonado - ele gargalha e se joga no sofá da minha sala.

- Claro que não, ela só fode bem o suficiente para eu querer mais - respondo digitando e não me dou ao trabalho de olhar a cara que ele está fazendo.

- Escutei isso de Evan, Sebastian, Ramon e com Benjamin tenho até uma história engraçada, quer ouvir? - ele está me provocando.

- Eu sabia que suas mãos estavam envolvidas nesse relacionamento de Benjamin e Kim - ele foi o maior incentivador dos dois, agiu nas minhas costas, esse filho de uma puta. Ainda bem que ele fez isso.

- Minhas mãos não, minha estratégia, o que é bem diferente - ele diz e balança o pé.

- Não estou apaixonado, estou curtindo, e ela também - falo e tento acreditar no que está saindo da minha boca.

- Sei - ele é cansativo algumas vezes.

- Você viu a conta que entrou para nós? - pergunto sobre a fábrica de automóveis que acaba de fechar um contrato milionário conosco.

- Não só vi como já está rodando o novo programa da base de teste. Temos quatro meses para adaptação e que bom que seu caso é diferente dos outros - ele diz e eu o encaro enquanto ele digita em seu celular alguma coisa.

- Do que você está falando? - pergunto.

- Alec, os outros precisaram sair do clube porque já estavam tão envolvidos que ficaram em uma grande encruzilhada. Você teve a sorte de não precisar fazer isso, não saiu do clube por causa dela, saiu porque simplesmente quis - ele diz.

- Não, eu saí por causa desse hacker filho de uma grande puta roliça e gorda, e eu confesso que o Clube já tinha esgotado todas as vantagens e se tornou a monotonia que sempre evitamos - falo e ele coloca o celular no bolso interno do paletó e pega outro no bolso da calça - Por que mesmo você tem dois celulares? - pergunto.

- Um para a vida pessoal e trabalho e outro para salvar a vida dos irresponsáveis dos meus amigos - ele sorri sarcasticamente.

- Eu admito que gosto de estar com ela - falo com lamento.

- E qual é o problema então? - ele pergunta e eu encosto em minha poltrona e coloco as mãos atrás da minha cabeça.

- John John, ela trabalha à noite, cuida do pai durante o dia. Eu precisei me virar em dois e estou pregado de sono. Eu fiquei esperando-a sair até às cinco da manhã, sem contar que o ex-namorado dela resolveu ter a mesma ideia que eu - falo e Giovani digita rapidamente no celular.

- Aquele cretino - ele diz.

- Um cretino com o nariz quebrado - falo - Você sabia que ele é um hacker sujo, ele retira centavos das contas? - pergunto.

- Sim, a Brooke me contou quando a levei embora - ele não faz ideia do quanto essa história me irrita - Mas ele é muito fraco e trabalha deixando pegadas - ele diz - Vou dar um susto nele, eu tenho os IPs que ele usa.

- O vizinho do apartamento do pai dela faz jogos online e quando ele me viu, pareceu que estava vendo o próprio demônio - falo e Gio me olha.

- Qual o nome dele? - Gio pergunta.

- Jack, mas não sei o sobrenome. Pelo visto é rico e não precisaria estar lá, naquele prédio. Ele me olhou como se me odiasse, como se me conhecesse antes daquele momento - falo e Gio volta a digitar alguma coisa e sai da sala sem dizer nada. Maluco, penso comigo e ele volta com o laptop - O que você está fazendo? - pergunto e me aproximo dos monitores e olho o movimento da Maccouant, empresa do Evan. O site dele teve um aumento de mais de quatrocentos por cento depois que ele abriu a nova filial na Noruega. Isso deve estar pagando pelo seu novo apartamento em Paris.

- Estou buscando criadores de jogos online, todos eles, e fazendo uma triangulação, mas esse nome não consta na base. Ele deve usar um apelido, mas mesmo assim, não existe um IP no Brooklyn operando com esse propósito. Ele deve usar algum tipo de serviço terceirizado ou está com seu IP camuflado - ele diz e isso me deixa em alerta e eu olho para ele.

- Preciso de mais informação - falo e meu celular toca. Olho para a tela e é ela. Estou sorrindo - Oi - respondo.

- Oi, vou ter que ir mais cedo para John John. Não se preocupe, vou sozinha - ela diz e eu paro de sorrir.

- Eu levo você - falo.

- Impossível, eu já estou aqui - ela diz e eu solto o ar.

- Mas são duas horas da tarde, espero que com isso saia antes do expediente comum - minha voz é mais seca.

- Impossível também, estou indo mais cedo porque Lucy precisou ir para Jersey e não vai poder trabalhar hoje - ela explica e eu não estou feliz com isso.

- Quero que me ligue quando sair - ordeno.

- Sim, senhor - ela gargalha e eu sorrio ao escutar.

- Não gosto de saber que está aí - falo baixo para Giovani não ouvir.

- É meu trabalho, meu querido, sem ele eu estaria ferrada - ela diz e desligamos em seguida.

- Eu só queria mais tempo com ela, assim isso acabaria logo e partiria para outra - falo e Gio nega com a cabeça.

- Você tem consciência de que falar isso não fará você acreditar nisso ou fazer isso se tornar verdade, certo? - ele se levanta e vem em minha direção - Então, passe mais tempo com ela - ele diz e suspende as sobrancelhas - Vou almoçar, quer ir? - ele pergunta e eu não sei se conheço Gio bem o suficiente, mas admito, ele sempre surpreende e isso algumas vezes me dá medo.


14

 

Zero

 

 

Espero que tudo que programei para essa semana chegue até meu alvo. Não é fácil, mas está sendo divertido e estou a poucos metros do meu objetivo. Uma cartada final, entrando e jogando tudo para o alto, bagunçando o suficiente para não conseguirem arrumar tão cedo.

O mundo é cheio de surpresas e é uma pena, mas vocês não podem olhar nos meus olhos... vocês não conseguem.


15

 

Alexander

 


Estou há cinco dias sem ver a Brooke. Vimo-nos no domingo depois de também termos ficado dois dias sem nos ver. Nosso contato é apenas pelo celular, estou sentindo falta dela e isso porque o maldito bastardo resolveu deixar um quebra-cabeça. Estou sem dormir e comer direito desde então e hoje, sendo sexta-feira, eu pensei que pudéssemos ficar juntos, porque eu pensei nela nos últimos dias e me flagrei sorrindo todas as vezes que seu rosto surgiu em minha mente.

Estou na minha sala esperando Gio com a resposta sobre a última visita do nosso amigo que está acabando comigo.

Vejo uma mensagem via Whatsapp e é ela.

“Não vou trabalhar hoje, aconteceu alguma coisa na John John”

Assim que eu li, liguei imediatamente para ela. Pode ter sido alguma briga e eu sei de uma pessoa que faria aquele lugar fechar tranquilamente. Wallace.

- Oi - impressionante, estou sorrindo apenas por ouvir sua voz.

- Oi, está tudo bem? - pergunto.

- Sim, mas chegamos para o expediente e parece que alguém andou mexendo no sistema da John John e tudo está inoperante, desde os caixas até o som, que é todo computadorizado. Algum hacker andou brincando por aqui e, pelo visto, eles vão demorar um pouco para estabelecer tudo. Quem entrou no sistema zerou tudo, é como se não tivesse histórico da casa, como se ela fosse ser inaugurada hoje. Pelo menos é isso que estão falando - ela explica e a única coisa que penso é um nome, Giovani Mackenzie.

- Não vou mentir, fico feliz por isso, vou poder te ver - confesso.

- Pensei o mesmo - ela diz - Estou indo pra minha casa e eu sei que você está trabalhando. Vou ficar te esperando, não demora... - ela deixa sua voz macia e eu fecho os olhos imaginando-a nua.

- Esperei por você durante muito tempo, não vou fazer o mesmo com você - eu não entendo por que tudo é mais fácil de falar para ela. Deve ser porque é real.

- Até logo - ela diz e desligamos em seguida.

Gio entra na minha sala e ele olha para a tela do celular e sorri - Temos uma informação - ele diz e o fato dele sempre conjugar o verbo no plural me deixa completamente irritado porque eu sei que não é o Hilbert que trabalha aqui, ele está falando do cara dos bastidores.

- Você sabia que a John John não vai abrir hoje e pode ser que não abra nos próximos dias? - pergunto e cruzo meus braços.

- Que pena, estava pensando em ir lá hoje à noite - ele fala com deboche.

- Gio? - o chamo.

- Eles usam um cercado para recém-nascidos naquele lugar para proteger as informações. Você sabia que nos anos anteriores à minha entrada como um dos sócios, eles estavam fechando no vermelho e se eu não fosse sócio da John John, o processo contra Wallace teria acontecido? - ele continua olhando para a tela do celular e fala como se mencionasse a chuva que está se aproximando novamente de Nova York nos próximos dias.

- Eles podem te rastrear - falo sorrindo com ironia porque eu sei que Gio nunca será pego.

- Claro, e aí, descobrirão onde o Papai Noel mora. Eu sou o Papai Noel - ele guarda o celular e me encara - Você queria mais tempo com ela para ter certeza que mais meia dúzia de fodas resolverão seu problema e eu, como amigo, achei justo e muito divertido colaborar para esse ritual de sexo sem sentimento - ele mantém o deboche, se senta e abre os braços no encosto do sofá.

- Acha que estou apaixonado? - pergunto sorrindo sem dentes e encabulado de certa forma.

- Não, eu nunca acho nada, meus comentários são baseados nas evidências. Meu caro amigo Alexander Von Humbolt, paixão foi quando ela devolveu sua grana. Agora, se tornou necessidade e é a partir daí que as coisas se transformam, é a partir desse ponto que é determinado quanto um suporta a ausência do outro - ele fala sério e eu não sei, mas ele sempre fala com coerência e isso é perturbador.

- Ela é especial - admito.

- Eu sei - ele fala - Se não fosse você não teria investigado a vida dela - ele diz. Claro que ele saberia que eu a investigaria, preciso saber onde estou me metendo.

- Ela é simples e tudo que encontrei foi sua formação acadêmica e seu seguro social - eu não me envolveria desta forma com alguém sem ter as informações básicas para eu me sentir tranquilo. Até o seu exame de sangue feito há pouco tempo como norma da John John eu vi. Ela está com anemia. E eu não posso falar isso, mas posso alimentá-la - Quais são as novidades sobre nosso “amigo”? - pergunto sobre o hacker e tiro de mim o foco dessa conversa.

- Nas últimas quatro visitas, ele quase teve sucesso, mas sobrou uma linha de busca dos IPs e agora podemos filtrar isso e, em breve, saberemos o endereço dele para o envio da coroa de flores - ele diz e isso me acalma, mas ainda não resolve o meu problema.

- Isso é bom, ainda estou preso a esse infeliz - passo as mãos pelos cabelos e Gio me encara.

- Vai - ele joga a cabeça em direção à porta - Fique com ela e resolva pelo menos esse problema - ele sorri - Eu te mantenho informado - ele fala e sai da minha sala.

Pego meu celular e envio uma mensagem para ela.

“Estaria disposta a me aguentar por um tempo?”

Pego minhas coisas e saio. Preciso enjoar da presença dela, mesmo não confiando muito nisso.

 

***

 


Envio uma mensagem dizendo que estou na frente de seu apartamento, ela responde que já desce para abrir a portaria. Pego meu celular e vejo a mensagem que chegou. É de Kim, ela vai até a minha casa amanhã com o puto. Ele sempre será um puto.

Escuto a chave virando na maçaneta e ela está lá, com um sorriso lindo... e de toalha?! Quer merda é essa?

- O que é isso? - aponto para a toalha dela.

- Uma toalha, não conhece? Tem algumas dessa na sua casa - ela só pode estar de brincadeira comigo.

- Está bem humorada para quem está prestes a ter o traseiro esquentado - falo e ela sorri.

- Quer ver o que tem aqui debaixo? - ela zomba.

- Eu já vi - a coloco em meu ombro e dou um tapa em sua bunda. Subo com pressa - E é por isso que não a quero por aí como se ainda estivesse disponível - ordeno e ela me encara.

- Não dá para ver nada... eu acho, já que estou no seu ombro e meu traseiro está para cima - ela gargalha.

- Mas dá para imaginar e isso basta - falo e aperto os passos.

- Sweet? - só pode ser brincadeira. Outro vizinho, mais um que pode ter o nariz quebrado a qualquer momento. Passo por ele e não deixo tempo, espaço, possibilidade ou tentiva dele se aproximar.

- Oi, Rony - ela o cumprimenta mesmo estando em meu ombro - Não posso falar agora - ela diz de um jeito divertido e apenas ela está feliz com tudo isso. Dou outro tapa em sua bunda.

- Isso dói! - ela reclama.

- A intenção é essa! - resmungo.

Entramos no apartamento e a coloco no chão. A desgraçada está sorrindo enquanto eu bato a porta nas minhas costas.

- Escute - passo as mãos pelos cabelos - Não é assim que as coisas funcionam - a advirto - Por que desceu assim? O que custava colocar alguma roupa? - estou puto da vida e ela está agindo como se fosse normal.

- Não estou entendendo - ela diz e cruza os braços.

- Eu explico, sou bom em deixar as coisas bem claras - falo e ela suspende as sobrancelhas. Se eu não estivesse furioso, eu a agarraria.

- Eu sei, eu vi no beco quando deixou as coisas claras para Michel - ela responde afiado.

- Não quero ter que acabar com todas as suas toalhas - falo e a encaro.

- Nesse caso, eu desceria sem nada me cobrindo? - ela está debochando de mim - Alec, já perdi as contas de quantas vezes desci de toalha para abrir a porta para Julianne que tem problemas com suas chaves quase sempre.

- Está fazendo piada?

- Sim, eu acho, pelo menos estou tentando - dou um passo em sua direção e aponto o dedo.

- Não sei dividir, porra! - falo e solto o ar. Ela eu não sei dividir, ela é pequena e se eu dividir tenho medo que não sobre muita coisa para mim.

- Isso? - ela solta a toalha e a vejo nua, perfeita para mim - É isso que não quer dividir? - ela coloca as mãos na cintura e eu não vi o caminho. Levei-a para parede e a beijei, a abraçando o mais forte que pude.

- Entende que eu a foderia agora? - falo com a boca em seus lábios.

- Não vai fazer? - ela pergunta e volta a me beijar.

- Não, agora não - falo e solto de seus lábios a abraçando - Não faça isso, não funciono bem com as minhas coisas correndo riscos - desabafo misturando assuntos diferentes e que, no fim, significam a mesma coisa.

- Coisa? Minha classificação está péssima. Como eu posso melhorar essa legenda? - ela brinca e eu a pego no colo. É tão fácil. Levo-a para o seu quarto e a sento na cama.

Abro seu armário e a vejo me olhar espantada. Baby, não faz ideia do que posso fazer, penso comigo. Ela é organizada e eu gosto de ver suas poucas roupas arrumadas e tudo organizado. Eu não sou assim, eu pago alguém para ser.

- Aqui eu encontro calcinhas? - aponto para a primeira gaveta.

- Sim - ela responde com um sorriso.

Abro e vejo algumas peças e pego três, coloco em cima da cama e vejo uma peça de cetim, preta, e pelo visto não foi usada... está com a etiqueta. Pego-a e coloco em meu bolso.

Não pergunto mais nada, abro as outras gavetas e escolho uma troca de roupa para ela poder sair.

- Há pouco mais de uma semana, você experimentou meu café pela primeira vez - ela diz e eu sorrio.

- Estou há dias sendo enganado por você? - brinco.

- Sim, e pelo visto estou fazendo isso com sucesso! - ela gargalha e me sinto tão íntimo dela, tão à vontade. Os dias que não conseguimos nos ver por conta do meu problema e do trabalho dela foram longos, tristes, e eu senti falta das suas gracinhas e do seu café... Senti falta dela em meu colo.

Aproximo-me dela e coloco uma das calcinhas, uma calça legging branca e uma blusa de manga longa verde clara.

- Sutien? - ela pergunta.

- Não será necessário - sorrio ao responder - calce alguma coisa - ordeno.

- Reparou que desde que chegou está me dando ordens? - ela pergunta - Não é assim que uma pessoa enganada age - ela continua brincando.

- E eu deixei isso muito claro em nossas primeiras conversas, sou bom nisso também - selo sua boca e a encaro - Não era para ser assim, eu estava procurando tranquilidade para resolver outras questões, mas você não é boa em me deixar em paz, então, assuma seu papel e o cumpra com dignidade agora que fodeu com os meus planos - a encaro e ela está com a boca aberta.

- Posso saber se ao menos eu vou voltar para cá em breve? - ela pergunta.

- Não se depender de mim.

 

***

 


Ela anda no meio das caixas de minha “recente” mudança e me olha desconfiada - Sabia que uma hora vai precisar do que está aqui dentro? - ela me adverte novamente sobre as caixas e eu estou na cozinha olhando para ela. É o que tenho feito desde que a vi sob as luzes de seu apartamento enquanto fazia café.

Meu iPod está tocando Sam Cooke, A Change is Gonna Come... Uma mudança está chegando.


“Alguém está me falando... não deixe o tempo passar”


- Não estou preparado psicologicamente para perder meu tempo com isso - falo e tiro as embalagens de comida que pegamos no St Regis no caminho para cá.

- São apenas oito caixas - ela diz.

- Oito é um número razoável para eu adiar isso - falo e ela retira o plástico do sofá que eu nunca me sentei. Ele chegou tem menos de um mês, eu passava mais tempo fora do que aqui.

- Olha, é um sofá! - ela me sacaneia - Eu deveria ter feito isso da última vez que estive aqui - ela diz e se sente à vontade em minha casa. Fico feliz por isso.

- Nunca me sentei nele - falo e arrumo a bancada da cozinha para nós dois.

- Então, por que pagou quinze mil por ele? - ela pergunta e se aproxima olhando a etiqueta.

- Não sei quanto ele me custou - falo e percebo que talvez esses quinze mil sejam um valor inalcançável para ela.

- Isso é o que muitos ganham em um ano - ela coloca a etiqueta sobre a bancada e se senta no banco alto - Outros não chegam nem perto disso - ela observa e eu alcanço a etiqueta e jogo no lixo.

- Eu sei - falo.

- É uma pena não ter se sentado nele, é confortável - ela diz e eu a encaro.

Saio da cozinha e vou em direção à mesa de centro e posiciono-a perto do sofá e transfiro nosso jantar para a sala, de frente para a varanda.

- Vamos resolver isso - falo e a levo para a sala e, enfim, me sento no tal sofá.

- Deveria aproveitar mais os benefícios de se ter dinheiro - ela diz e se senta no chão de pernas cruzadas e corta seu bife em tiras.

- Mas eu aproveito, não passo nenhum tipo de vontade - falo e penso que, inclusive, atravessava o oceano apenas para trepar de maneira diferente. Pelo menos era diferente, depois ficou igual e sem emoção. No final, era apenas pau duro e fodas sem praticamente olhar na cara um do outro.

- Mas a questão não é poder comprar o que deseja, mas aproveitar aquilo que já tem - ela fala e coloca um pedaço de carne na boca - Por exemplo, já tomou café naquela varanda? - ela pergunta e aponta para o espaço que pisei menos de três vezes depois que comprei esse apartamento.

- Não.

- Quantos filmes já assistiu nessa televisão? - ela aponta para a tela de sessenta polegadas que foi ligada uma única vez e eu percebo que estou no meio de muita coisa que me custou muito e foi em vão - Quantas vezes comeu o cachorro-quente que tem ali na esquina depois que se mudou? - ela mantém a maldita inquisição.

- Nunca parei para pensar sobre isso - me sento como ela e fatio a minha carne.

- Eis o problema, você não para - ela coloca mais comida na boca e parece estar faminta - Não anda descalço, não aproveita o que já conquistou, então, eu vou te fazer mais uma pergunta e não precisa responder para mim, responda para você - ela fala e tenta engolir rapidamente o que está em sua boca e eu espero - Por que, raios, querer conquistar mais se o que tem já não cabe mais em suas mãos? - ela oferece o golpe final e eu não tenho uma resposta para isso - Esse é o mal da humanidade, querem ter mais, não para se satisfazer, apenas para possuir, para ter mais que o vizinho e tudo se resume em uma única coisa: pessoas imoralmente competitivas - a escuto e fico impressionado.

Encaro-a e sou obrigado a concordar, o dinheiro me traz um conforto que não uso porque ele toma o meu tempo.

- A faculdade de Letras fez tudo isso com você e você insiste em trabalhar naquele lugarzinho - falo e ela arregala os olhos.

- O lugar não é ruim, afinal, você frequenta e gasta muito bem por lá - ela observa e continua comendo. Insolente.

- Passou a ser ruim - falo e ela deixa os talheres sobre o prato e engole a comida.

- Em que momento isso aconteceu? - ela pergunta e cruza os braços.

- No momento em que algo meu precisa circular por lá sem eu poder estar por perto - respondo e é a minha vez de comer.

- Trabalho lá há meses e, até então, eu era invisível, agora, me tornei propriedade sua em tempo recorde - ela fala e pega os talheres.

- Sim, e peço, com rigorosa insistência, que aceite isso o mais depressa, assim, será menos doloroso - falo sorrindo para ela que nega sorrindo com a cabeça.

- É um caminho sem volta? - ela questiona e está quase finalizando sua comida.

- Estou trabalhando para isso - respondo e a presença dela me traz a calma que meus problemas tiram. Gosto de olhar para ela assim, simples, que fez questão de ficar descalça assim que pisou no meu apartamento.

O que ela chama de rápido, eu chamo de a tempo de salvar a minha alma.

Ela limpa tudo e eu observo a rapidez que ela faz e vai em direção ao sofá.

- Gostou mesmo dele - afirmo e ela o reclina por completo e se deita.

- Sim, vem aqui - ela bate a mão do lado dela e eu me flagro a obedecendo e isso não é bom, é a segunda vez que obedeço ao mesmo comando.

Assim que eu me sento, ela coloca sua cabeça em meu colo e me encara.

- Você é o tipo de coisa boa de se olhar - ela diz.

- Coisa? - pergunto.

- Sim, somos um par de coisas - ela gargalha e eu a puxo para o meu colo.

- Por que não precisou da minha carona antes? - pergunto e selo sua boca.

- Porque não estava chovendo - ela franze o nariz e ajeita meu cabelo - Amanhã, pela manhã, eu preciso ir até a casa do meu pai - ela diz.

- Eu levo você - falo.

- Vai adiantar se eu disser que não precisa? - ela está sorrindo e mexendo em meu cabelo - Gosto do seu cabelo - ela diz e eu sei que ele está comprido.

- Não vai adiantar e eu estou procurando em você algo que eu não goste - falo e ela fica estática - Você me causa urgência - admito e ela sorri - Vejo em você algo que me deixa melhor, então, eu assumo meu egoísmo em querer ficar perto de você. Gosto de como estou me sentindo ultimamente.

Ela me olha séria e parece não acreditar.

- Então, está me usando para o seu próprio bem-estar? - ela brinca.

- Sim, não estou mentindo, você me traz benefícios - falo e ela gargalha.

Ela se ajeita em meu colo e fica quase de frente para mim.

- E quais seriam? - ela pergunta e se encaixa colocando uma perna de cada lado do meu corpo.

- Me fez sentar no sofá - zombo e gargalho e ela me acompanha - Me fez ver o sol nascer quando te busquei na John John, passeei pelo coreto do Central Park e há muitos anos eu não visitava aquele lugar. Atravessei a ponte do Brooklyn e isso é raro, geralmente eu saio de Nova York de helicóptero ou alguém dirigindo para mim - falo e mexo em sua orelha - Me fez ter uma refeição decente e eu estava precisando disso - ela olha dentro dos meus olhos e eu sei que ela pode ver mais do que seu reflexo.

Este é o ponto em que fica difícil voltar atrás, porque ir em frente parece ser mais arriscado e incrivelmente melhor.


16

 

Alexander

 


Acordo com ela se mexendo em meu braço. Adormecemos no sofá e o dia já clareou lá fora. E algo está feliz aqui dentro. Ajeito-me e ela está em um sono tão profundo, é tão bom de ver.

Escuto a porta do elevador se abrindo e vejo minha irmã se colocando na minha frente, ela tem passe livre por aqui e eu coloco o indicador sobre o meu lábio pedindo silêncio e ela está sorrindo para mim. Ela está com copos do Starbucks.

Levanto-me e pego Brooke em meu colo e a levo para o quarto. Deito-a em minha cama e a cubro.

- O que é que está acontecendo aqui? - ela diz assim que apareço no corredor e vem em minha direção.

- É... - travo e coço a minha cabeça tentando orientar as palavras para que elas não saiam de qualquer jeito - Eu não sei, ela é diferente - vejo o sorriso de Kim se abrir e isso reflete em mim.

- Meu Deus! - ela pula em meu pescoço - Você vai sair daquele antro - ela fala comemorando.

- Eu já saí de lá e foi antes de estar com ela. Eu saí por conta daquele maldito hacker - caminhamos até o sofá e ela me entrega o copo com café e eu já tenho um café favorito.

- Não conseguiram pegá-lo ainda? - ela pergunta.

- Não, mas estamos mais perto. Gio o cercou e, uma hora, ele vai parar aqui na minha mão - falo e ela ainda está sorrindo.

- Estou tão feliz de ter visto o que eu vi - ela enche meu rosto de beijo.

- Onde está o canalha que você escolheu para passar raiva o resto da vida? - pergunto sobre Benjamin.

- Encontramos com Ramon e Christen na calçada, eles estão conversando, mas já está subindo - ela olha ao redor - Não vai organizar essas caixas? Uma hora você vai precisar do que está dentro delas - ela repete o que Brooke disse na noite passada.

- Escuto isso o tempo todo de Brooke - falo e bebo um gole de café.

- O nome dela é Brooke? Já gostei - Kim está sorrindo para mim o tempo todo - Você está feliz? - ela pergunta e eu me lembro da noite passada enquanto escovávamos os dentes e jogávamos jogo da velha no espelho do banheiro usando a pasta de dente.

- Sim - falo e pressiono os lábios - Era isso que você sentia com aquele puto? - pergunto.

- Não, é isso que ainda sinto. É como se isso fosse a razão para tudo fazer sentido e ser sentido - ela responde e eu vejo o quanto ela está feliz.

- Falta pouco para o casamento - falo.

- Sim, está tudo pronto, ainda estou trabalhando e não enlouqueci ninguém - ela diz.

- Papai enviou uma foto e, pelo visto, ele e a mamãe se adaptaram bem à Suécia - bebo mais um pouco do café e olho para ela - Mas, por que está aqui? Estava viajando e veio direto para cá - questiono.

- Estava com saudade de você - ela diz.

- Anda, Kim, fala o que você precisa - eu a conheço bem e se for o que estou pensando...

- Dum Dum, meu irmão amado, você precisa aceitar o convite em ser o meu padrinho ao lado de Rosemary - eu sabia.

- Eu já aceitei ser seu padrinho, mas você está de sacanagem comigo a colocando como meu par, ela me persegue desde o colegial - apoio meus braços nas minhas pernas e nego com a cabeça. Olho para ela e ela está com um sorriso de orelha a orelha esperando que eu aceite. Por conta do filho da puta que seria o par dela e está se recuperando de uma cirurgia e não vai poder ir, vou ter que aguentar aquele perfume azedo da Rosemary - Okay, eu vou aceitar, mas vou levar Brooke, certo? - falo.

- É lógico que você vai levá-la, mas no altar as fotos serão com Rosemary. Ela é uma pessoa querida para mim, depois da Vivian - e nessa eu me fodo.

- Tudo bem, me trouxe o café, está com cara de bobona e posso ver que o puto está te fazendo feliz - falo e a porta do elevador se abre.

- E aí, cunhadinho? - Benjamin já chega me sacaneando - Somos da mesma família, meu querido - ele gosta de me atormentar.

- Ainda dá tempo de te matar antes de assinar os papéis - me levanto e o cumprimento.

- Acabou de acordar? Depois eu que tenho a fama ruim - ele zomba e bebe um pouco do que a Kim está bebendo.

- Ele teve uma noite boa - a linguaruda fala e acena em direção ao quarto.

- Não!? - ele diz com o sorriso de filho da puta e debochado.

- Vai se foder, Ben! - falo e nego com a cabeça.

- É sério? Tem alguém aqui? É mulher? - é um cretino mesmo.

- Cala a boca, Benjamin - falo e percebo que Brooke chegou perto da porta e voltou rápido para o quarto - Me deem um minuto - vou até o quarto e escuto-a no banheiro. Ela ajeita o cabelo e começa a escovar os dentes em seguida.

- Bom dia - ela diz com a escova na boca.

- Bom dia, quero te apresentar a duas pessoas - ela me olha pelo espelho.

- Tem certeza? - ela fala com a boca cheia de espuma.

- Sim, eu tenho - a abraço por trás e beijo sua nuca. Ela termina e assim que enxuga a boca, sela meus lábios e sorri.

- Com essa roupa? - ela pergunta.

- Melhor do que de toalha - resmungo - Ainda vamos terminar essa conversa - a vejo rolar os olhos e a trago para perto de mim - Preparada? - pergunto.

- Não - ela responde e eu a levo em direção à sala.

Quando a coloco diante da minha irmã, eu vejo o sorriso de Kim se abrir.

- Kim, essa é a Brooke. Brooke, essa é a minha irmã Kim e o noivo dela, Benjamin - os apresento e Benjamin está fazendo caras e bocas para mim. Vou ter que aturá-lo o resto da vida mesmo?

- Prazer - ela está tímida e se aproxima de mim rapidamente assim que cumprimenta os dois.

- Eu preciso te avisar, você é maluca - Benjamin faz piada e ela está sorrindo.

- Ele é mais - ela aponta o dedo para mim.

- Que ótimo, um par de malucos que vão estar no meu casamento. Agora, eu preciso ir. Foi um prazer gigantesco conhecer você - Kim fala e beija os dois lados do rosto de Brooke e depois o meu. Benjamin faz o mesmo e assim que se aproxima de mim ele solta um aí, sim bem baixinho. É um cretino, o maior de todos. Eles vão em direção ao elevador.

- Não tenho escolha - falo e Kim suspende os braços e Benjamin a abraça por trás beijando seu pescoço e entram no elevador. Vejo a porta se fechando e olho para Brooke.

- Ela é linda mesmo e os dois juntos é algo insuportável de olhar - ela brinca.

- Ela sempre foi linda, ele já é um estragado, ela merecia alguém melhor - zombo - Na hora em que você quiser ir para a casa do seu pai, é só me avisar - falo e ela está sorrindo para mim.

- Dormimos no sofá - ela diz.

- É, na mesma frase duas coisas bem diferentes para mim - dormir com uma mulher, e apenas isso... e no sofá.

 

***

 

Ela insistiu e no retorno da casa de seu pai, passamos para ela pegar outras coisas em seu apartamento, como o xampu e outros acessórios do universo feminino que só fazem sentido para elas.

Ela também pegou dois sutiens e trocas de roupa, eu apenas obedeci ao seu comando.

- Precisa de espaço para suas coisas? - pergunto e a vejo colocar os seus itens de higiene sobre a pia.

- Não muito, assim como eu, não há necessidade de grandes espaços - ela zomba e seus cabelos ainda estão molhados. Confesso, eu a espiei enquanto tomava banho assim que chegamos e eu só fiz isso porque a vi fazendo o mesmo comigo.

- Tem uma prateleira no meu closet, coloque suas roupas por lá e eu vou fazer de tudo para que não as use - falo e me aproximo dela.

- Uma hora vou precisar, sua assistente pode chegar a qualquer momento - ela fala.

- Ela não vai chegar, eu a dispensei até segunda-feira via Whattsapp - respondo e deixo claro que minhas intenções são as piores. Ainda não a fodi como eu quero, ela ainda não sabe o que posso e VOU fazer.

- Você sabia que a sua dispensa está vazia? - ela diz enquanto caminha até meu closet.

- Eu gostaria de saber como você sabe disso - questiono e encosto no batente olhando para ela que coloca o cabelo atrás da orelha e isso me chama a atenção. Assim, eu consigo ver o seu perfil e ela tem me encantado. Eu devo estar muito carente para estar assim, tão perturbado por conta dela.

- Eu olhei - ela responde e não me encara - É você? - ela pega um porta-retrato e olha para a foto.

- Sim, sou eu e Kim, acho que tinha uns doze anos - respondo - Essa era a casa do meu avô, fica em Boston - respondo - Por que olhou os armários? - pergunto intrigado.

- Estava procurando alguma coisa para comer e você estava no banheiro - ela responde tranquilamente.

- O que você quer comer? - ela vira o rosto na minha direção e me encara dos pés, subindo bem devagar os olhos até focar em meu rosto.

- Não faço ideia - ela responde com um sorriso safado e é bom sentir isso, eu não fazia ideia do quanto é bom. Também não faço ideia de quando vai acabar, mas não quero pensar sobre isso - O que é aquela caixa de madeira? - ela olha para cima e aponta o dedo.

Aproximo-me dela e encosto meu corpo nas costas dela e alcanço uma caixa que está no alto e entrego a ela - Esse sou eu desde que nasci - falo e estou excitado por estar perto dela, mas ainda não é o momento de uma foda. Guarde suas energias, eu vou esgotá-la essa noite.

Ela caminha em direção ao quarto e se senta no chão ao lado da cama.

- Você era muito fofo - ela me mostra uma foto de quando eu era bebê e foi minha mãe que montou essa caixa. Kim também não escapou. É uma foto por ano de nossas vidas, sendo que na maioria estamos juntos.

- Era? - pergunto e me sento ao lado dela.

- Sim! - ela está com voz toda mole - É que agora você cresceu e os adjetivos são outros - ela fala olhando uma a uma, até que chega em uma foto em que estou com Kim. Estou sentado do lado dela, estou beijando sua cabeça e ela está com a cabeça apoiada em meu ombro.

- Ela sempre foi linda - ela diz e mostra a foto para mim.

- Sempre e com isso já me causou problemas - resmungo.

- Você é ciumento demais - ela diz e coloca a caixa sobre o criado-mudo e se senta no meu colo de frente para mim.

- Sim, eu sou e admito isso, não escondo que não gosto de dividir nada - falo e ela mexe no meu cabelo e olha para os próprios dedos.

- Quanto egoísmo - ela sorri.

- Sou também. Prezo o que é meu, não saio por aí distribuindo o que conquisto - sou possessivo, minha querida, desde sempre e isso não vai mudar. Aliás, acredito que esteja piorando, ou aperfeiçoando, dependendo do ponto de vista.

- Fala como se fosse dono do mundo - ela é debochada.

- Eu sou dono daquilo que conquisto, do meu mundo, estou errado por isso? - pergunto.

- Não, mas fica engraçado de ouvir - ela sorri e eu estou olhando para ela. Deslizo minhas mãos em seus cabelos e a puxo para perto de mim. Beijo sua boca e a encaro.

- Fico melhor com você por perto - encosto a minha testa na dela.

- É porque não passamos mais de vinte e quatro horas juntos, vai ver quando tiver que aguentar minha TPM - ela brinca - Mas, no momento, eu tenho uma ideia, vamos! - ela se levanta e me puxa - é o tempo de eu calçar meu tênis.

- Posso saber para onde vamos? - pergunto e calço um sapatênis que estava ao lado da minha cama.

- Vamos resolver um problema. Bom, para mim é problema grave - ela diz - É surpresa, preciso apenas que dirija - ela ordena e eu... acato? De novo? Nego com a cabeça e sorrio.

 

***

 

- Você empurra e eu pego as coisas - ela coloca um carrinho de compras sob as minhas mãos. Estamos no Walmart e eu não acredito nisso. Há anos não piso em um supermercado.

- Eu não estou feliz aqui - falo.

- E eu não estou feliz em ficar numa casa onde a dispensa está vazia - ela diz e caminha ao meu lado - Tomei a liberdade de fazer uma lista - ela me mostra a tela do celular - Sua assistente não faz compras porque você não para em casa - ela diz e entramos no corredor de massas.

- Exatamente, acredito que ela compre apenas produtos de limpeza e leva e traz minha roupa da lavanderia - falo resmungando - E é por isso que convivo pacificamente com ela há muitos anos - falo com menção de uma pequena indireta.

- Sorria, isso é um paraíso e eu não vou fazer você carregar mil sacolas, vamos comprar apenas o que preciso para fazer algumas receitas enquanto eu estiver por lá - ela coloca os itens no carrinho e anda do meu lado olhando algumas vezes para mim como se esperasse um sorriso ou que eu a perdoe por isso. Deveria ter feito sexo com ela quando me encarou no closet.

Escuto meu celular tocando e vejo na tela, é Andrew.

- Fala, seu cretino - atento e a vejo colocando as coisas de acordo com a lista que ela elaborou. O alto-falante anuncia promoções e a voz do Andrew se perde.

- Onde você está? - ele pergunta.

- No Walmart - resmungo e escuto-o cair na gargalhada.

- O que diabos você está fazendo aí?

- Resolvendo um problema - respondo alto e a encaro. Ela sorri e suspende os ombros.

- Achei que estivesse empurrando um carrinho de compras - ele fala com certo alívio e eu prefiro não responder - Escute, você vai estar em casa mais tarde? - ele pergunta.

- Sim - respondo e vejo Brooke se esforçando para alcançar a prateleira de cima. Aproximo-me e pego facilmente o que ela precisa e entrego em suas mãos.

- Preciso da sua ajuda para uma campanha, poderia me ajudar? - ele pede.

- Claro, daqui uma hora - Brooke resmunga e aponta dois dedos, indicando duas horas - Ou melhor, duas horas, eu vou estar em casa, te espero - desligamos em seguida e ela sobe na ponta do carrinho e me encara sorrindo, como uma criança.

- Empurre - ela diz.

- Com você aí em cima? - pergunto.

- Sim, nunca se divertiu em um supermercado? - ela questiona e eu não me lembro de ter feito isso, ou se fiz, já esqueci.

Começo a empurrar e ela indica o corredor que é para eu entrar e mostra o item que quer pegar. Aproximo-a e ela pega e, assim, ela faz por mais quatro corredores, até que desce e se aproxima de mim me encarando - Você deveria visitar mais vezes lugares como esse - cerro os olhos e ela está sorrindo, zombando de mim e o pior é eu estar gostando disso.

Beijo-a no meio do corredor do supermercado e tento não precisar mais dela, mas eu não sei se quero.

Caminhamos até o caixa e tem uma fila considerável. Ainda bem que aumentei em mais uma hora meu encontro com Andrew.

- Gosto desse mercado, mas prefiro um que fica no Brooklyn, os preços são melhores - ela fala lendo a embalagem de um carregador que estava nas prateleiras que separam os carrinhos.

- Pelo menos temos alguém se divertindo por aqui - falo e ela coloca a embalagem de volta no lugar e pega uma caixa de algum produto de higiene pessoal.

- Você não está se divertindo? - ela pergunta e não olha para mim. Limpo a garganta e ela me olha. Eu estava sério, mas ela virou seu rosto sorrindo e tudo parecia mais legal nesse momento.

Assim que nossas compras passaram e a simpática garota loura do caixa que sorria de maneira muito oferecida para mim fala o valor final, eu pego a minha carteira e coloco na máquina.

- Espere - Brooke diz e tanto a caixa quanto eu a olhamos. Ela pega um papel que estava dentro da capa do seu celular - Tenho dois cupons de desconto - eu não acredito que ela fez isso.

A garota do caixa pegou os cupons com certo nojo e Brooke estava sorrindo - Temos que economizar, afinal, são gêmeos que estão a caminho - ela coloca a mão na barriga e a caixa desfaz o sorriso e me olha com receio. Que desgraçadinha.

Ela dá o desconto dos infernos por conta do cupom e saímos em seguida.

- Não acredito nisso - falo.

- Nos gêmeos? Relaxa, isso não tem como acontecer, tomo remédio e minha menstruação é um relógio, sem contar que só transamos com camisinha - ela diz e chegamos ao carro.

- De onde você saiu? - pergunto.

- De um lugar que você conhece muito bem. A sorte é que nasci com menos de três quilos e não judiei muito da minha mãe - ela é debochada e me ajuda a colocar meia dúzia de sacolas dentro do porta-mala.

- Você usou cupons de desconto - a acuso e ela suspende suas palmas com uma cara de interrogação.

- E qual é o problema? Se fôssemos no mercado Brooklyn, eu teria pelo menos seis cupons - ela diz e eu abro a porta do passageiro para ela entrar - Você não os usa? - ela pergunta e olha para a tela do celular e, em seguida, para mim.

- Há anos eu não piso em um mercado, que dirá usar cupons de desconto - resmungo e ela está sorrindo enquanto dou partida no carro e saio do estacionamento.

- Pois deveria, economizou vinte e oito dólares - ela me alerta e eu nego com a cabeça.

 


***

 

Olho para ela colocando as coisas que vai precisar em ordem sobre a bancada. Nunca nenhuma mulher esteve aqui para cozinhar, o trato aqui antes era um outro tipo de refeição. Ela aperta o play na tela do seu celular e sua trilha particular começa a tocar.


“Você colocou as mãos em meu corpo e disse que estava pronto para o grande salto”, Adele diz em Send my Love.


- Preciso daquela tigela - ela aponta o dedo para a última parte do armário e eu sei, os armários são altos, mas é bom vê-la na ponta dos pés tentando alcançar - Ela está com a etiqueta da loja - ela mostra o fundo da tigela para mim.

- Qual é o seu problema com as etiquetas? - pergunto e ela bufa colocando a mão na cintura.

- Meu problema é elas continuarem no item depois de já estarem no lugar de uso, você nunca a usou - ela diz e começa a acompanhar a letra e dança junto com a melodia. Pego o meu celular que está em meu bolso e filmo quase um minuto dela cantando, dançando e mexendo na porra da tigela. Aproximo-me dela e tiro uma selfie nossa e ela está mostrando a língua.

- Assim como a grande maioria do que está guardado. Se eu não tirei nem a minha mudança das caixas, que dirá a etiqueta de coisas que nem uso. Isso tudo só está aí porque na equipe de Sebastian, que além de ter feito os armários, estava incluso um maldito decorador - falo e ela se aproxima.

- As coisas que estão na sua casa que custaram o seu dinheiro e não foi pouco, não foi você que escolheu? - ela diz olhando em meus olhos.

- A grande maioria - respondo e ela me faz pensar um pouco mais sobre isso. Irrito-me um pouco, mas devo concordar, ela está certa.

Ela se levanta na ponta dos pés e beija a minha boca - A decoradora acertou em cheio, está tudo perfeito, mas parece que foi feito para outra pessoa - ela fala e eu gostaria de dizer que não, que não concordo.

Ela volta para as panelas e meu cenho está franzido, quero mais dela por perto de mim, mesmo sendo uma audácia determinadas observações, mas elas caem como uma luva e eu não consigo elaborar nada contra ela.

Vejo-a preparar tudo e abro um vinho, sirvo duas taças e coloco meu celular para rodar a playlist. Sento no banco alto em torno da ilha e a observo tomando seu vinho e dançando com a música, ela está o tempo todo descalça. O som é Pillowtalk, de Zayn.

- Em alguns minutos tudo vai ficar pronto - ela diz e se aproxima de mim. Ela coloca a taça sobre a bancada da cozinha e me vira para ficar de frente a ela. Sinto-a se encaixar no meio das minhas pernas - Sabe o que eu quero? - ela pergunta.

- Não faço ideia - olho no fundo dos olhos.

- Posso te dar uma dica - ela diz e arranca a blusa. Ela está de legging e sutien na minha frente.

- Ainda não entendi - falo e sorrio.

- Posso dar outra - ela tira o sutien e a vejo linda, seios empinados para mim e eu levo a taça até a minha boca.

- Precisa ser mais clara - falo e ela se afasta, retira sua calça, a calcinha e se senta sobre a bancada abrindo as pernas e colocando a taça bem ali, impedindo parcialmente a minha visão.

- Vou te ajudar a usar as coisas que estão por aqui - ela diz e a única coisa que eu quero usar é ela e por um bom tempo.

Levanto-me e vou até o meu quarto. Pego um preservativo e coloco em meu bolso e volto. Quando chego na cozinha, ela está deitada sobre a bancada, com a perna direita dobrada e a esquerda cruzando-a. Provocadora.

Sinto meu pau latejar com isso, e ali mesmo de onde estou me livro das roupas e coloco o preservativo.

Não penso, apenas deixo meu instinto agir e me aproximo abrindo suas pernas e me colocando sobre ela.

- Vou me lembrar disso cada vez que me sentar aqui para o meu café da manhã - falo e a penetro, devagar, e eu sei que isso é apenas para tentar conter o incêndio que está a caminho.

Mantenho o ir e vir e seus gemidos agora são mais soltos, mais vorazes, e eu gosto de entrar e sair sabendo que ela está prestes a gozar. Ela tem vinte e oito anos e sabe o quer quer da vida, não estou lindando com uma garotinha que precisa fazer drama ou charme, porque essas são as duas coisas que mais me irritam em uma mulher.

Beijo-a e entro com um pouco mais de força e ela laça a minha cintura com suas pernas, me pressionando contra ela e eu fico ali dentro, a sentindo e eu não gostaria de estar de camisinha. Ela está tão molhada, tão pronta, e nosso encaixe é perfeito.

Ela está olhando para mim e seus dedos estão em meus cabelos, segurando a minha nuca e eu me aproximo a beijando.

Ela goza para mim e eu não hesito, não tento segurar e a acompanho. Nunca me senti tão sem controle em relação ao meu corpo e arrisco dizer que não consigo controlar o que está aqui dentro também.


17

 

Zero

 


Minha mente está funcionando o tempo todo em relação a isso. Sinto que o fim está mais próximo e é por isso que tenho trabalhado dia e noite. Tudo seria mais simples, seu desgraçado!

Espero que tudo esteja acontecendo como programado.


18

 

Brooke

 

 

Alexander recebeu uma ligação que o tal amigo atrasaria e isso nos deu tempo de limpar tudo depois do nosso jantar feito na hora do café da tarde. Ainda tive tempo e fiz um bolo nos padrões brasileiros, que agora está no forno.

Estou usando uma de suas camisas e uma calcinha, deixando as coisas mais fáceis para ambos. Ele está sentado na varanda, usando bermuda e está com seu tórax exposto, não se importando com a brisa mais forte desse fim de tarde. É como se ele estivesse respirando ar fresco pela primeira vez.

Aproximo-me dele e me sento em seu colo.

- Um doce pelos seus pensamentos - ofereço e beijo sua boca.

- Desde que esse doce não seja comprado no supermercado - ele diz sorrindo e me beija. Ele tem feito algo especial em mim.

- Aquele lugar é muito bom - falo e me levanto. Vou até o parapeito da varanda e observo o Central Park que está ali, pedindo para ser admirado.

- Ótimo, não sei como consegui viver até hoje sem ter pisado lá - ele zomba e eu me viro de frente para ele.

- O que você pratica? Quais são seus hobbies? - pergunto e apoio meus cotovelos no parapeito.

- O que eu pratico? - ele pergunta.

- Sim, eu vi dois floretes de esgrima no que era para ser um escritório, eles estão sobre a mesa - falo.

- Fui esgrimista durante alguns anos, mas estou sem tempo ultimamente - ele responde e isso é triste - Eu era bom - ele fala com lamento.

- Que pena, deveria arrumar tempo para fazer o que gosta - falo e ele me olha, não nos olhos, ele olha para o meu sexo.

- Mas eu tenho tempo para fazer o que gosto - ele pisca um dos olhos e eu nego com a cabeça.

- Tive uma ideia - falo e escuto o celular dele tocando e ele dando um ok.

Vou até o quase escritório dele e vejo os floretes e no alto da estante tem dois troféus e algumas medalhas ainda em sacos. Tem um quadro de madeira com algumas tachas e eu suponho que elas deveriam estar lá, mostrando que ele teve um tempo para ele um dia e que resultou em alguns prêmios.

Alguns livros estão na estante, outros ainda estão empilhados pelos cantos do escritório. Dois quadros estão envolvidos por plástico e a janela completa o ambiente. A vista é perfeita.

Olho para os floretes, retiro-os da caixa e os levo feliz para que ele me ensine.

- Alec! Você poderia... - paro assim que entro na sala e o vejo conversando com um homem alto, louro, de cabelos jogados para trás e, puta que pariu, que homem lindo. Espera... é o Andrew da John John, eu sempre cuido de suas reservas. Sorrio para ele que está de boca aberta e olho para Alexander que está com o rosto fechado, testa enrugada e olhos soltando fogo. Qual é o maldito problema dele? Eu o conheço, e acho educado cumprimentá-lo.

- Brooke? - Andrew diz e eu mantenho o sorriso.

- Sim, é a Brooke - ele diz colocando sua mão em meu ombro, sorrindo para mim - Algum problema além da falta de conhecimento da parte dela sobre as vestimentas adequadas para a prática de esgrima? - Alexander pergunta sarcasticamente marcando seu território e beijando meu rosto.

- Nenhum - Andrew levanta as mãos em sinal de rendição.

Alexander aproxima sua boca do meu ouvido - Por favor, coloque algo que cubra tudo isso. Apenas eu posso - sinto sua malícia assim que ele desliza sua língua em meu lóbulo. Meu Deus, isso arrepia.

- Poderia me dar licença - vou para o quarto e coloco os floretes em cima da cama e troco de roupa. Escolho algo que me cubra bem, tipo a blusa e a calça que usei para ir ao mercado mais cedo.

Volto para a sala e eles ainda estão conversando. Alexander está colocando um pouco de whiskey para ele no copo e eu me aproximo.

- Essa campanha, você gostaria de fazer com uma apresentação tridimensional? - eles falam sobre alguma coisa que prefiro ficar em silêncio e ir direto para a varanda.

- Sim, tenho alguns meses e eu sei que você entende e muito de computação gráfica. Como eu não quero recorrer aos profissionais internos, porque acredito que a ideia central possa vazar, achei que pudesse me ajudar - Andrew fala e eu, então, percebo que Alexander faz mais do que gestão de alguma coisa que não me lembro o que é.

- Hilbrand trabalha comigo há muito tempo, é o melhor que conheço, e para você estar empolgado é algo grande dentro da Nike? - Alexander pergunta.

- Sim, tem outra pessoa disputando essa conta comigo e eu não vou perder - Andrew fala e escuto-o colocando o copo sobre a mesa. Onde estão os descansos de copo para a mesa não ficar marcada? Penso comigo e acho que ele está indo embora - Nesse pendrive tem todas as informações da nova linha que será lançada na próxima estação, segredo de estado ainda - ele diz e eu fico curiosa em saber o que será lançado.

- Deixa comigo, vou ver o que consigo e te aviso - Alexander fala.

- Brooke? - escuto Andrew chamando meu nome e eu vou até ele - Já vou indo - ele se aproxima e beija meu rosto dos dois lados.

- Até logo - falo sorrindo e Alexander não está nem perto de ficar feliz, eu já conheço suas reações e isso não é bom. Não é bom para mim.

Ele se despede de Alexander, mas antes de sair, eu escuto-o dizendo - Não acha melhor arrumar isso? Uma hora você vai precisar do que está dentro dessas caixas - e vai embora. Vejo Alexander olhar para baixo assim que a porta do elevador se abre e eu estou exatamente atrás dele, esperando seu olhar enfurecido ou alguma palavra de ordem falando sobre sua dificuldade em dividir coisas.

Ele se vira e olha para mim e vai para o bar, onde a garrafa de whiskey está aberta e quase pela metade. Ele enche o copo e vai até a varanda e se apoia no parapeito. Ele pareceu mais triste do que furioso e eu ficaria mais feliz se ele falasse alguma coisa. O silêncio nos oferece alguns benefícios, mas não o alívio.

Caminho e paro atrás dele e não falo nada. Ele observa nada em especial, apenas bebe enquanto seus olhos alcançam alguma coisa que talvez nem ele saiba.

- Acho que você ainda não percebeu - ele diz e continua bebendo.

- Sobre a camisa? Eu não percebi mesmo, foi sem querer - por que estou me sentindo culpada? Poderia ter sido uma toalha.

- Não é isso - ele fala e fica em silêncio, balança a cabeça em negação. É frustrante e isso me arrasa em alguns momentos, porque eu não sei nada sobre ele, nem seu sobrenome, nada que possa me dar pistas sobre sua personalidade.

- Então o que é? - pergunto levantando as mãos e as deixando se espalmarem contra as minhas pernas.

- Minha... - ele para e bebe o restante de seu copo e se vira de frente para mim, colocando o copo sobre a mesa da varanda. Ele se aproxima rapidamente me pegando pela cintura. Ele me beija, e tudo fica com gosto de sua boca e whiskey, tudo está perfeito - Você é minha - ele diz beijando a minha boca e eu o abraço, é o máximo que eu consigo fazer nesse momento.

- Isso é uma ordem? - pergunto ainda sentindo seus lábios.

- Não, é apenas um pedido - ele fala com humildade e esse lado dele é novo para mim.

Aperto-o contra o meu corpo e eu quero dizer que sim, que seu pedido será atendido com sucesso mas, ao mesmo tempo, eu tenho medo. O coração é o único capaz de oferecer vida e morte ao mesmo tempo. Enquanto ele bate, alguém dentro dele pode ter morrido.

Ele me leva para dentro do apartamento em direção ao quarto. Estamos em silêncio e ele pega o celular e digita alguma coisa, colocando-o sobre o criado-mudo.

Ele suspende meus braços e retira a minha blusa e beija a minha boca. Ele me vira de costas para ele e desabotoa meu sutien sem remover a peça. Ele desce a minha calça e minha calcinha juntas e dá a volta ficando de frente para mim.

Apenas com a mão direita ele suspende uma das taças do sutien e a deixa ali, apoiada em meus seios. Ele se senta na cama e me coloca entre suas pernas. Escuto Shawn Mendes cantando Mercy.


“Você me tem em suas mãos e não faz ideia do poder que tem. Porto-me como um gigante, mas diante de você... eu caio”


Ele me aproxima de seu corpo e coloca minha perna direita sobre a cama, acomoda meu seio em sua boca e eu sinto seus lábios brincarem com o meu bico enrijecido e, em seguida, ele suga calmamente, sem pressa.

Meu sexo pulsa e estou exposta. Seus dedos me encontram e ele pressiona o indicador contra meu clítoris no primeiro momento, no instante seguinte, sinto a pressão aumentar e ele o faz com dois dedos e meu seio permanece em sua boca. Sua outra mão está no meu traseiro e isso é tão excitante. Ele conhece e sabe como movimentar seus dedos, o movimento se torna mais intenso, com mais ritmo, e desconfio que ele tenha descoberto como meu corpo funciona.

Levo minhas mãos até seus cabelos e permito que meu corpo se entregue. Relaxo e sinto sua massagem em mim, percebo meu sexo ficando molhado. Seus dedos permanecem no mesmo lugar e eu almejo que ele me foda com força.

O movimento aumenta, minha respiração se torna entrecortada e meus gemidos o fazem sugar meu seio entre as pequenas mordidas. Ele percebe que estou quase gozando e intensifica o que já está bom, tornando perfeito.

Gozo com ele me masturbando, tocando meu corpo habilmente e me inclino beijando sua cabeça.

Ele solta de mim apenas para retirar a sua bermuda e cueca, deixando as peças ali mesmo, caídas aos seus pés.

De repente, ele se coloca de joelhos diante de mim e seus lábios alcançam os meus. Ele os abre carinhosamente e encontra meu clítoris com sua língua que começa a circular habilmente, aproveitando os pulsos do último orgasmo.

Ele começa a sugar vagarosamente e agora seus dedos estão dentro de mim e meu gemido sai mais alto, mais forte, e ele mantém, como se nenhum ruído estivesse entre nós.

Seus dedos entram e saem, sua boca me suga e massageia com intervalos perfeitos, fazendo com que pequenos choques aconteçam e sensibilizando o ponto que já é sensível.

Meu Deus, o que eu gozei na última semana com ele é mais do que experimentei toda a minha vida. Ele acaba de instaurar um parâmetro que pode comprometer a minha vida sexual daqui para frente.

Gozo de novo e ele se levanta, beijando a minha boca e me obrigando a sentir o gosto... o meu gosto.


“Por favor, tenha misericórdia de mim, vá com calma com o meu coração”


Ele me deita na cama e eu não o vejo colocando o preservativo e, definitivamente, por mais que isso seja irresponsável, eu não me preocupo.

Sinto-o entrar lentamente e seus olhos se fecham, o que o atordoa, faz o mesmo comigo.

Ele permanece imóvel por um par de segundos dentro de mim e me encara. Abro ainda mais as minhas pernas e dobro meus joelhos, quero sentir mais dele aqui dentro de mim.

Alexander começa a ir mais lento e voltar com força, de uma única vez, e seu gemido me deixa intoxicada; perco os sentidos e ele continua, com o movimento e com gemido rouco perto de minha orelha. Sinto-o fundo, bater e sair, e tudo explode em mil vontades, e um curto circuito começa em meu útero que o sente, batendo forte e saindo bem devagar. É cruel e tão bom.

Ele volta a enterrar com dureza, com mais força, buscando fôlego, buscando tempo e, de repente, ele volta a repetir cada entrada, cada saída e ele triunfa, ele é bom no que está fazendo.

Percebo-o se levantando e me virando rapidamente na cama, me puxando pelos meus pés. Ele me coloca de quatro e sinto medo que um anal possa estar mais perto do que imaginei. Eu nunca fiz e confesso ter receio.

Suas mãos estão em meu quadril e ele volta a me penetrar, ele me segura com força, entra com força e agora eu grito, com tesão, e ele mantém. Ele não para e eu sei que essa partida vai ser mais longa.

Ele segura cada lado do meu traseiro e abre, como se quisesse colocar mais dele em mim e me sinto totalmente vulnerável, exposta e com um tesão quase impraticável.

Seu ritmo é perfeito e ele desliza suas mãos em minhas costas e uma delas alcança meus cabelos. Ele puxa suavemente me trazendo para mais perto e agora cada uma de suas enterradas faz mais barulho e eu sinto o impacto, até que ele entende meu rebolado com seu pau dentro de mim. Isso mesmo, meu querido, vou gozar de novo, porque você sabe como fazer isso.

Ele está em silêncio, que em alguns momentos é interrompido por nossos gemidos e ele volta a sair de mim, me virando novamente e me tirando da cama. Ele me leva até a janela que está fechada e encosta meus seios no vidro frio.

- Olhe para Nova York enquanto eu fodo você - ele diz em minha nuca suspendendo meus cabelos e se enterrando novamente em mim. Ele levanta apenas uma de minhas pernas me deixando mais livre para os seus movimentos. Ele a apoia na poltrona ao lado.

Ele faz cada vez mais forte e a sensação é de que o mundo está vendo a minha trepada e o mundo não faz ideia do quanto isso está bom. Empino um pouco minha bunda e ele alcança meu seio, brincando com dois dedos sobre o bico e o agarrando em seguida.

Meu corpo gira no próprio eixo e ele me puxa para junto dele me abraçando e me beijando. Sou encaixada em seu quadril e ele entra novamente, no mesmo ritmo.

Ele me encosta na parede e ali ele usa de apoio para me foder... com força.

Meu limite o sente diversas vezes, mas agora já não é mais dolorido, é viciante e é como se meu corpo se moldasse ao dele e eu capto um ritmo mais intenso, mais rápido, e eu não quero isso, eu quero saber que gosto ele tem.

Desvencilho-me dele e o coloco diante da mesma janela que ele me fodeu.

Fico de joelhos e ele me encara.

- Olhe para Nova York enquanto eu experimento você - falo e o engulo lentamente, assim como ele faz comigo. Ele é grande e minha garganta nota a invasão e ele agora segura cada lado da janela enquanto eu o coloco todo dentro da minha boca.

Ele geme mais alto e eu espio seu rosto que está em minha direção.

- Foda-se, Nova York - ele diz gemendo e me encarando e eu sei, está bom. Deslizo minha língua em sua extremidade e o engulo novamente, e outra vez, até que sinto suas mãos em torno da minha cabeça apenas sutilmente e ele enche a minha boca, deliciosamente, e há muito tempo eu não fazia isso. Sinto vontade e engulo, fazendo seu rosto amolecer e ele me puxa para junto dele.

- Seu gosto é bom - falo e ele me beija e não sei se essa intimidade toda pode ser colocada em um tipo específico de escala.

- Entende agora? - ele pergunta.

- O quê?

- Preciso que seja minha - ele fala, me beija e me leva para a cama, deitando-se do meu lado e me aninhando em seu corpo.

Fecho os olhos e não penso em mais nada, esqueço o turbilhão de coisas que preciso fazer diariamente e penso no quanto isso está sendo bom o suficiente para ganhar espaço dentro de mim.

O tempo passa.

Perco-me agora na cortina que se movimenta e seus dedos deslizam cada vez mais devagar sobre o meu braço, até que param e ele está dormindo. Sua respiração é mais lenta, profunda.

- Sua - murmuro.


19

 

Alexander

 


- Sua - ela disse baixinho e eu ouvi. Sorri internamente e me entreguei ao sono.

Ela está dormindo e eu sei que daqui a pouco ela vai precisar sair e ir até o pai. Lamento por essa vida de dupla jornada que ela leva e eu gostaria de poder fazer alguma coisa.

Pego meu celular no criado-mudo e vou em direção à cozinha e arrumo a mesa de café da manhã. Eu nunca fiz isso antes, pelo menos não para duas pessoas, ou melhor, nunca fiz isso como um casal, porque com outro homem sim, aquele puto do Benjamin quando ficou na minha antiga casa logo que se enroscou com a Kim. O bastardo se sentava e, com um sorriso irônico, dividia a primeira refeição do dia comigo. E hoje ele tem o meu respeito.

Coloco o som baixinho e deixo a playlist rolar e escuto Starving, de Haille Steinfeld.

Acompanho uma parte da música e percebo que só tem café da manhã para ser preparado, porque ontem eu estive no mercado... com o cupom de desconto. Nunca vou me esquecer disso e nem perdoá-la por isso.

- Faminta - escuto-a dizendo.

- Não sou bom com isso - aponto para a ilha com algumas coisas sobre ela.

- É o nome da música - ela diz e se aproxima de mim, se aninhando em meu tórax como um gato - “Eu não sabia que estava faminta até te provar” - ela canta junto com a música e eu beijo sua cabeça.

- Se isso é um bom dia, desejo um bom dia para você também - falo e ela, que usa a mesma camisa de ontem quando Andrew esteve aqui, me encara. A base de seus cabelos está molhada, ela lavou o rosto e, para mim, está linda desse jeito. Merece ser escondida do mundo.

- Bom dia - ela está com a voz rouca e atracada em mim.

- Preciso terminar de arrumar a mesa - falo e ela se afasta se sentando no banco alto e esticando suas pernas sobre o outro.

- E você sabe como fazer isso? - ela coloca as palmas para cima e sua figura diante dos meus olhos se torna encantadora pela vigésima vez. Ela está com os cabelos presos em um coque bem no alto da cabeça, alguns fios estão soltos e sua cara está ainda com traços do travesseiro.

- Acordou de bom humor? - pergunto e me sento ao lado dela colocando seus pés sobre o meu colo.

- Como sempre, mas o que eu disse faz parte da minha sinceridade e não do meu humor - ela diz e esfrega a ponta do nariz com as pontas dos dedos e a camisa dança sobre o seu corpo. Ela estica a mão e pega um copo e coloca um pouco de leite e corta um pedaço do bolo que ela mesma fez. Ela sorri para mim com bigode de leite. Preciso encontrar a versão dela que acho mais bonita, preciso me decidir entre todas as opções que ela me oferece.

- É melhor com você aqui - falo olhando para o meu copo vazio.

- Eu sei, pelo menos tem comida - ela brinca e coloca um pedaço de bolo na boca.

- Sim, em todos os sentidos - tiro o sorrisinho brincalhão da sua cara e coloco um tímido por ter me devorado ontem à noite.

- É bom estar aqui, é como se os mundos que eu precisasse estar fossem extintos - ela diz - É como se o tempo abrisse uma fenda e me dissesse que aqui eu posso ficar sem medo do tempo acabar - ela fala sério e eu sorrio.

- Então, fique durante esse tempo infinito - peço sem pensar no peso das palavras e no real sentido do pedido.

Meu celular toca e eu ignoro.

- Não vai atender? - ela pergunta.

- Não é mais importante do que você.

- Mas está insistindo muito seja lá quem for - ela diz e eu olho para a tela e vejo a cara do Gio.

- Ele pode esperar - falo e experimento o bolo que ela fez - Isso é muito bom - elogio e ela dança com as sobrancelhas .

- Eu sei - ela se orgulha e bebe mais um pouco do leite.

Meu celular toca de novo, Gio está insistindo muito e isso pode ser importante... ou grave.

- Acho que vou ter que atender - falo.

- Atenda, deve ser urgente - ela diz e eu atendo.

- Alô - falo.

- Porra, Alexander, que demora! O filho da puta invadiu nosso sistema agora de manhã. O maldito conseguiu entrar e sair sem ser percebido - Gio fala e eu desço um soco sobre a bancada. Ela me olha assustada e retira os pés do meu colo - Sem contar que descobri algumas coisas sobre o tal vizinho do pai da Brooke, o maldito tem mil nomes - Maldito.

- É ele? - pergunto.

- Ainda estamos rastreando, não sabemos se foi programado ou se ele estava online, mas ele entrou e tudo indica que vai fazer algo maior do que estávamos pensando - ele está com voz mais tensa e eu adoraria falar para Brooke que o vizinho do pai dela está com os minutos contados, mas ainda não posso. Faço questão de enviar a coroa de flores.

- O que ele fez? - pergunto.

- Inverteu os dados de pagamento e a Thirty agora terá que aplicar dinheiro em vez de entregar mercadorias compradas pelo cliente - ele explica.

- Filho da puta - falo alto e me levanto.

- Estou indo para o escritório. Preciso da base de reconhecimento que está lá. Eu deveria ter trazido para casa, mas já que estou indo para lá, vou tentar resolver por lá mesmo - ele diz - Essa foi a pior brincadeira dele, pior do que deixar o sistema flutuando e sem comando, ele perdeu o medo - ele diz - Preciso que você vá para o escritório também, vamos tentar rastrear o IP verdadeiro dele em dupla, preciso encontrar esse sujeito - ele conclui.

- Estou indo para lá - falo e desligo.

- Está tudo bem? - ela pergunta.

- Não - me aproximo dela e beijo sua testa - Um problema no trabalho - respondo - Um problema que vou resolver hoje, sem dúvida alguma - falo e vejo seus olhos preocupados.

- Mas hoje é domingo - ela protesta.

- Eu sei, mas eu preciso ir - falo e ela consente com a cabeça - Mas, você vai precisar ir até a casa do seu pai - falo e ela levanta a cabeça me olhando.

- Não, hoje eu pedi uma força para Ashley e ela vai cuidar dele para mim - ela diz e eu sorrio.

- Então, quando eu chegar você vai estar aqui? - pergunto.

- Se você quiser... - ela faz charme.

- Não quero ir - falo e abraço.

- Resolva, quando voltar, eu vou estar usufruindo de sua televisão e do seu sofá - ela diz.

- Prometa que vai me usar também - peço.

- O tempo todo - ela brinca e eu selo seus lábios.

Vou para o quarto olhando a tela e vendo as informações que Giovani passou. Troco de roupa e em menos de dez minutos estou a caminho do escritório. Esse filho da puta está debaixo do nosso nariz e eu vou pegá-lo. De um jeito ou de outro.

 

***

Brooke

 

Ele sai e eu olho para as caixas, e tenho a sensação de que elas estão me encarando também. Levanto-me e vou em direção a elas. A primeira que abro estava escrito “roupas básicas”. Pego a primeira peça e vejo que são camisetas e bermudas, são muitas e cada uma delas está guardada em sacos transparentes.

Levo a caixa para o seu closet e pego meu celular para que eu tenha uma trilha sonora para me acompanhar.

A primeira é Calvin Harris, Don’t Let me Down, e sua batida ajuda na tarefa. Espero que ele não se importe, eu estava agoniada em andar pelo apartamento com essas caixas esparramadas por aí.

Abro as gavetas e vejo como elas estão organizadas e repito exatamente como estão e facilmente as roupas da primeira caixa vão para o closet.

Antes de eu abrir a segunda, resolvo separar as caixas por setor, quarto, escritório, assim fica mais fácil e é assim que continuo.

Abro a segunda e tem mais roupa básica; a terceira tem cuecas e todas embaladas com plástico transparente. Procuro na internet o motivo disso e é para não pegar poeira. Se ele tivesse guardado assim que se mudou elas não pegariam nenhuma poeira. Resmungo sozinha dentro do closet e ajeito o que está fora do lugar.

As caixas do quarto terminam e vou para o escritório.

Antes que eu abra as caixas, eu organizo tudo que está fora do lugar. Imagino que a pessoa que trabalha com ele tenha sido proibida de mexer nisso e talvez ele fique bravo, mas pelo menos ele vai ser um bravo com mais espaço em seu apartamento.

Pego suas medalhas e penduro uma por uma em ordem cronológica no quadro feito para isso. Os troféus ganham destaque entre os livros que falam sobre o assunto. Suas fotos, que estavam empilhadas entre dois livros, vão para os porta-retratos que estavam em uma das caixas com a palavra “Fotos” do lado de fora. Na realidade, deveria estar escrito “não abra essa caixa, está uma zona”.

Organizo em escala de tamanho e coloco os outros livros enfileirados nas estantes. Coloco os floretes que havia deixado para fora, dentro da caixa e encontro outra caixa com uma espada. Essa não tem uma bolinha na ponta e furaria alguém tranquilamente.

Vejo o suporte para ela na parede que havia visto na internet, feito especialmente para isso.

Olho ao redor e restam apenas duas caixas, uma está escrito “documentos”, a outra está escrito “coisas a serem definidas”.

Abro a caixa das coisas e vejo souvenires, são de vários pontos do mundo e eles ficariam perfeitos no aparador do corredor. Ele tem uma arandela logo acima e vai deixar com aspecto de vitrine.

Coloco um a um, lado a lado, e volto para o escritório e olho para a caixa de documentos. Isso é um pouco invasivo e eu não quero mexer onde não devo, mesmo tendo feito isso até o presente momento.

Vou para a cozinha e deixo tudo limpo e organizado. Vejo a sala que ganhou mais espaço e agora percebo o trabalho da decoradora. Vejo dois ganchos perto da mesa de jantar e com certeza são para os quadros e acredito que ele não tenha continuado por falta de tempo.

Penduro os quadros e sinceramente não acredito que isso possa ser enquadrado como obra de arte. Mas, para ricos isso é tendência, para mim é um dinheiro gasto com coisa alguma.

Pego todas as caixas e plásticos e as desmonto. Coloco-as na área de serviço e ao meu redor agora tudo está organizado e tem comida. É praticamente o paraíso.

Vou para o quarto e pego meu celular que toca Rude, do Magic, e essa letra é formidável. Aumento o volume e coloco sobre a bancada da cozinha. O relógio denuncia que ele saiu há mais de três horas e pelo visto o problema é maior do que imaginei. Todos nós temos problemas.

Começo a preparar o almoço e já comprei tudo para a receita que vou fazer. Bom, eu coloquei no carrinho e usei um cupom de desconto, quem pagou foi ele.

Danço conforme o ritmo, quando a música acaba, coloco para repetir. E faço isso outras vezes até que o almoço esteja pronto e eu a escutei pelo menos dez vezes. Definitivamente eu não tenho maturidade para escutar música.

Danço no meio da sala e estou feliz como nunca estive e talvez eu nem mereça.

- É isso que faz quando está sozinha? - escuto a voz dele e me assusto.

- E faço comida também - falo e vou correndo em sua direção e pulo em seu colo - Você demorou muito - falo e beijo sua boca.

- Um problema sério - ele diz e seu rosto está fechado e parece que ele não resolveu.

- Conseguiu resolver? - pergunto e ele caminha até o sofá e me leva atracada em seu colo.

- Só se eu matar alguém para resolver isso - ele diz e seus olhos estão sobre os quadros e ele olha para o lado e percebe que as caixas não estão mais espalhadas. Ele se levanta, olhando para os lados.

- O que foi? - pergunto e ele entra em cada um dos cômodos procurando e dá de cara com o primeiro organizado, o escritório agora parece um escritório.

- O que você fez? - ele pergunta.

- Me desculpa, é que eu estava sem fazer nada e você não chegava nunca; achei que pudesse ser de grande ajuda livrar seu caminho das caixas - me justifico e sinto medo.

Ele se aproxima dos floretes na caixa sobre a base da estante e depois olha as fotos, as medalhas e troféus.

- Não deveria - ele diz sorrindo.

- Me perdoa, eu não mexi naquela caixa, estava escrito documentos e eu não queria ser intrometida - falo e ele vai para o quarto e entra no closet - Tirei da caixa e coloquei aí, não roubei nada - tento brincar e ele se aproxima violentamente de mim.

- Roubou sim, mas não vou falar sobre isso agora - ele me beija docemente - Não precisava se preocupar - ele diz.

- Não era preocupação, era irritação em olhar para as caixas - falo e ele enche meu rosto de beijo.

- Conseguiu melhorar o meu dia - ele diz.

- Quem não fica feliz com uma casa organizada? - falo em tom de brincadeira.

- Não foi por isso - ele diz e caminhamos até a sala.

- E? - pergunto e sento em seu colo assim que ele se senta no sofá.

- Você me tirou de onde estava, estava perto de um problema e quando a vi dançando no meio da sala, eu pude jurar que estava vendo um anjo - ele diz e me abraça.

Meu pai sempre diz isso quando me vê... Querubim.

- Está com fome? - pergunto e escuto o celular dele tocar, ele pega no bolso e eu me sento ao lado dele.

- Oi - ele atende e esfrega os olhos - Não sei, apenas coloque em nível um, essas plataformas - ele fala em códigos e eu vou para a cozinha beber água. Quando volto, ele já desligou e está com a cabeça encostada no sofá. Aproximo-me dele e retiro seus sapatos e os coloco de lado.

- Gosta de cuidar - ele diz.

- Só quando eu me importo - respondo e me aninho em seu colo. Foi nele que pensei assim que acordei e isso está me tirando da realidade. Penso em meu pai.


20

 

Alexander

 

 

Almoçamos tarde e agora ela está deitada no sofá jogando alguma coisa no celular.

- Esse jogo foi meu vizinho do Brooklyn que fez, ele é muito bom - ela elogia. Já eu vou matá-lo em breve, estou apenas esperando o comando de Giovani que a essa hora está pegando até o seguro social dos bisavós dele.

- Quem é muito bom? O jogo ou o idiota? - pergunto andando em sua direção. Por mim, já o mataria e depois eu voltaria para cá e poderia ficar tranquilo com ela.

- O cara é muito bom! Esse jogo é muito legal, e eu estou presa na fase oito, não consigo passar - ela diz e eu estico a mão assim que me sento ao lado dela. Ele não é tão bom, Giovani está se assegurando disso.

- Posso ver? - pergunto sem muita paciência e eu não posso falar nada para ela, eu não quero que ela pense que seu pai é vizinho de um monte de merda.

- Pode - ela me entrega - Lavou toda a louça? - ela pergunta de maneira desaforada.

- Sim - respondo ríspido a olhando pelo canto dos olhos.

- Assim que é legal, um faz a comida e outro limpa - ela diz e eu olho para os gráficos.

- Ele usou um micro-ondas para desenhar esse jogo? - pergunto e ela gargalha.

- Você não foi com a cara dele, por isso está achando o jogo ruim - ela diz e nem imagina que dos meus problemas, agora, é ele que encabeça a lista de suspeitos, ou melhor, ele é o único e pode com certeza ser o culpado.

- Não, está tudo ruim aqui - falo e ela se apoia em meu ombro, agachada do meu lado no sofá, olhando o que estou fazendo - O gráfico é ruim, o sistema de contagem e progressão, sem contar no amadorismo em copiar um sistema alheio, Super Mario é um clássico e deve ser respeitado - falo e continuo jogando.

- Ei, você já está na fase onze - ela diz espantada e até um pato seria capaz de desenhar algo melhor que isso. Mas o pato em questão é o maldito que possivelmente tem tirado a minha paz.

- Jogo ruim, fácil e com gráfico feito no Paint - falo e ela volta a gargalhar - Pior que isso eu ainda não vi - resmungo e passo para a próxima fase.

- Você é bom nisso - ela elogia.

- O jogo que é ruim, acredite, é muito ruim e eu sei bem o que estou falando - falo e devolvo o celular para ela - Eu sei ver qualidade em alguma coisa - ela não imagina meu ódio por esse cara.

- Como sabe? - ela questiona.

- Vem comigo - a levo para o meu escritório e ligo meu iMac.

- Promete que essa caixa não vai sobreviver essa semana? - ela pede e eu a abro. Tem alguns contratos, coisas confidenciais e muitos papéis. Não faço ideia do que esteja aí, apenas coloquei tudo que estava no meu antigo escritório, meu antigo quarto e indiquei que eram documentos.

- Prometo - falo e me sento na poltrona e a chamo para sentar no meu colo. A primeira imagem é o logo da Oracle Technology e, em seguida, eu abro um arquivo antigo - Veja, tente jogar - falo e ela olha para mim assustada - O que foi? - pergunto.

- Eu não sei jogar isso - ela diz.

- Use as setas para caminhar e o espaço para pular os objetos - a ensino e ela tenta e de primeira erra, mas na segunda vai bem e parece não saber muito o que está fazendo.

- Tirando a música irritante de fundo, ele é legal - ela diz e continua jogando. Ela me olha de soslaio e verifica se eu estou olhando seu jogo.

- Fiz esse jogo quando tinha dezesseis anos, foi meu primeiro milhão de dólares - falo e ela me encara, assustada e sua boca está aberta. Ela se levanta e me olha como se eu fosse um estranho.

- Era muito novo e já era rico, achei que era fortuna de família - ela diz e pega o celular dela de novo e olha para a tela.

- Sim, não dependi do meu pai para ganhar dinheiro - falo e vou até a caixa com documentos e ela se senta enquanto eu começo a guardar os papéis em ordem nas gavetas da estante - Lavei a louça e estou me livrando da última caixa - falo e ela sorri.

- Pelo menos a última, né - ela volta a mexer no celular e, de repente, ele toca, ela atende olhando para os papéis que estão na minha mão. São contratos da Oracle.

- Alô? - ela diz - Oi, Ashley. Estou te ouvindo - ela diz e eu presto atenção no que ela diz, a outra pessoa eu não consigo ouvir - Tudo bem, vou dar um jeito de chegar aí daqui a pouco - ela diz e desliga.

- Está tudo bem? - pergunto e paro de mexer na caixa.

- Preciso ir na casa do meu pai - ela diz preocupada, seu rosto está aflito.

- Você quer que eu o coloque em algum lugar para ele receber um tratamento mais adequado e com pessoas que possam cuidar dele em tempo integral? - pergunto e seu rosto está triste.

- Não, eu só preciso ir até lá - ela diz e vai para o quarto. Sigo-a e a vejo colocar sua roupa, calçar seu tênis e pegar sua mochila - Eu posso ir de ônibus - ela diz e seus olhos estão perdidos dentro do meu apartamento. Algo de sério deve ter acontecido com Isaac, e eles só têm um ao outro.

- Ficou louca? - falo e me aproximo dela, a percebo tão trêmula e isso me atinge - Eu levo você e fico com você o tempo que for necessário - falo e ela acena para irmos. Ela está abraçada com a mochila e assim ela fica até entrarmos no carro.

O percurso é feito em silêncio e a vejo mordendo o canto da unha.

- Ele está bem? - pergunto faltando apenas uma quadra.

- Vai ficar - ela responde e me olha. Sinto uma ponta de dor em seu olhar.

Estaciono o carro e faço menção em descer e ela me segura.

- Não - ela fecha os olhos respirando fundo e os abre me encarando - Alec, preciso lidar com isso sozinha. Já estou acostumada quando acontece isso com ele - ela fala calma mas resoluta.

- Mas eu estou de carro se ele precisar - insisto.

- Não, não vai - ela está séria e isso me quebra em alguns pedaços - Por favor, Alec - ela diz e sela a minha boca demoradamente - Ele vai ficar ainda mais nervoso com mais pessoas à sua volta - ela diz nervosa e eu a respeito. O que investiguei sobre ela não me deu acesso ao seu lado emocional.

- Vou te ver amanhã? - pergunto.

- Vou fazer o possível - ela sorri sem dentes e desce do carro; vai em direção à porta do prédio e eu a espero entrar. Ela me mandou embora e eu obedeci.

Volto para a city e aumento o volume do carro, preciso de barulho no lugar do silêncio dela.


“Eu te conheci no escuro”, James Arthur canta em Say You Won’t Let Go.


Estou a duas quadras da minha casa e a noite está começando. Meu celular toca, é Gio e isso já me irrita porque eu sei que é alguma merda por conta do hacker.

- Fala - atendo via bluetooth.

- Pegamos ele - ele diz.

- CARALHO! - falo alto dentro do carro e soco o volante - Estou a caminho da sua casa - aviso.

- Ok - desligo e acelero. Hoje eu mato esse bastardo monte de merda.


21

 

Zero

 


- O caminho agora é sem volta - falo alto. A adrenalina se multiplica e eu sei o tamanho do estrago que vai ser feito. Não há razão para tentar impedir. E agora... é tarde demais. Minhas mãos estão tremendo, sinto o suor em minha testa e sinto que posso falhar.

O objetivo é o mesmo há tantos anos e eu já me diverti o suficiente durante esses meses quando tudo isso começou, mas a verdade é que começou muito antes, e minha vida nunca mais foi a mesma. Minhas condições seriam tão diferentes... Como a minha vida sofreu essa mudança, nada mais justo do que fazer da vida do culpado o mesmo inferno que eu estou vivendo.

Aumento o volume dos meus fones e agora o mundo lá fora não existe mais para mim. Não escuto os ruídos, escuto apenas a frase: Vamos, siga em frente.


22

 

Alexander

 

 

Gio entra no meu carro e está com o laptop em mãos.

- Não sabemos o que vamos encontrar ou como ele vai reagir - ele diz e na minha frente eu vejo vermelho.

- Foda-se - falo e acelero.

- Siga na direção sudeste, na Steve Flanders Square, é o caminho mais rápido, em direção a Park Row - ele orienta.

- Me passa o endereço - peço.

- Não tenho ele em definitivo, ele está rastreando o sinal em tempo real e a camuflagem não me deixa chegar no endereço final, é como se ele me orientasse “pela força do sinal” - ele explica de maneira simples.

- Esse maldito vai ter o nariz quebrado, e talvez todo o resto - ameaço.

- Ele é muito bom, nunca encontrei alguém que me deixasse por meses nesse jogo de gato e rato - Gio admite a superioridade de seu oponente e eu nego com a cabeça.

- Pode até ser bom, mas está canalizando para o lugar errado - falo e Gio digita alguma coisa

- Eu sei, mas não posso simplesmente condenar, eu já fiz isso e me trouxe problemas maiores depois e até hoje eu preciso ter cautela com o que eu faço - ele lembra do seu tempo de adolescente quando Wall Street parou por conta de sua brincadeira. Se não fossem os milhões de sua família, ele ainda estaria preso por crimes na internet, invasão de rede, apropriação, falsidade ideológica e a lista só aumenta quando o assunto é a década de noventa e a irresponsabilidade dele. Escuto-o atender uma ligação. Olho para ele e ele está com o fone nos ouvidos.

- Sim, estamos a caminho - ele responde - Não vamos envolver a polícia ainda, primeiro vamos averiguar - ele diz e olha para a tela e eu sigo a orientação dele - Quantas viaturas estão nessa região? - ele pergunta e seja lá quem for essa pessoa, tem tantos acessos quanto o hacker maldito que estamos caçando - Ou seja, se precisarmos, teremos uma em menos de oito minutos? - ele pergunta e vejo-o acenar com a cabeça - Sim, ele está aqui comigo no carro - agora ele fala de mim - Não, ele não está nem perto de estar calmo. Talvez a viatura seja para ele e não para o nosso amigo “Zero” - Gio fala a verdade. Não sei se vou poder responder por mim.

Gio escuta alguma coisa e por isso me mostra o caminho que sua tela indica e eu faço o trajeto.

- Não temos como derrubar o sistema dos endereços que estão aparecendo como origem desses IPs? - Gio pergunta e digita alguma coisa na tela de comando menor que aparece no lap - Então você já tentou isso - ele lamenta - É, eu sei, ele é muito bom, é como se tivesse passado muito tempo estudando cada erro que pudesse cometer e até agora ele errou apenas hoje quando permitiu, provavelmente sem querer, um acesso remoto. Ele pode ter feito sem olhar o que era - a voz dele é animada e, ao mesmo tempo, sinto que ele está se divertindo com tudo isso.

Aperto o volante e me esqueço por alguns instantes de Brooke, ela com certeza estava precisando de mim e de novo meu tempo está sendo direcionado ao meu trabalho. Sempre foi assim e foi por isso que eu demorei tanto tempo para descobrir o quanto meu sofá é confortável.

- A probabilidade desses três endereços agora é maior, você viu aí a tela? - ele diz sorrindo - Sim, ele está confiante por ser domingo à noite - ele para de falar - Caralho, ele pode estar entrando para dar a cartada final, porra! - ele fala e leva as mãos até os cabelos - Ele está entrando em duas plataformas ao mesmo tempo com recursos diferentes - ele não está falando comigo, ele fala com essa voz de seu ouvido - O que é isso? - ele pergunta - Você está vendo? Ele está abrindo as portas e colocando lixo no caminho, ele pode fazer algo que pode foder com tudo - ele digita rápido e eu estou indo pelo percurso que aparece na tela do meu celular simultaneamente com a dele.

Sinto a raiva subir pela minha garganta. Se esse maldito fizer isso, e eu sei bem o que é, todo o sistema das empresas será interrompido no primeiro instante e depois vai desaparecer.


23

 

Brooke

 

 

- Oi, pai - atendo seu pedido e vou em sua direção. Ele está olhando para mim com tanta coisa no olhar que eu não poderia descrever em uma única vida. Quando cheguei, pedi para que Ashley fosse embora, ele estava nervoso e não queria ninguém, apenas eu. Jack não estava aqui, provavelmente ele estava lá, fazendo mais jogos ruins, segundo Alexander.

- Estou com sede - ele diz.

- Eu trago água para o senhor - falo e Ashley entra no apartamento. Nessas situações eu não tranco a porta, eu posso precisar de um socorro mais rápido - Oi - falo e ela me olha triste. Vou até a cozinha e pego o copo com água.

- Ele está melhor? - ela pergunta e eu dou água para ele.

- Sim - ela conhece a minha dor, mas não a sente - Pode ficar tranquila, já fez muito, ele apenas teve uma crise por eu não ter vindo aqui hoje.

- Não tranque a porta, assim se precisar é só gritar - ela diz e vejo Jack dentro da minha sala. Ele está pálido, parece que viu uma assombração.

- Está tudo bem? - pergunto a ele.

- Sim... está - ele responde e olha para o meu pai - E como ele está? - ele pergunta.

- Está melhor - respondo e penso que alguém aqui precisa estar melhor.

- Tenho que terminar um lance que comecei, mas estou no meu apartamento - Ashley fala - É só gritar que eu venho - ela aponta para a porta e eu aceno que sim.

- Eu... eu... - Jack está estranho - Pode contar comigo, eu vou resolver um assunto, espero resolver logo - ele murmura e me olha - Pode me chamar - ele diz e sai em direção ao seu apartamento. Escuto-o bater a porta com força já que a minha está aberta. Ashley sai e eu fico ali, de joelhos diante dele, o homem que esperava um pouco mais da vida.

- O senhor quer ficar aqui na sala? - pergunto assim que ele termina de beber a água.

- Fico aqui, não se preocupe, estou melhor - ele diz e leva sua mão até meu rosto. Ele não precisa falar nada, eu compartilho de sua dor, ela é pesada para mim, mas não se compara ao peso que é para ele.

Eu gostaria de voltar no tempo, de poder evitar tudo isso, mas eu sou humana, meu pai, penso comigo, e olho no fundo dos seus olhos.

- Maldição! - escuto a voz de Jack. Ele esbraveja e soca alguma coisa. Cada um tem um tipo de demônio para domar ou para alimentar. Sinto minha perna dar uma pequena fisgada e há alguns dias não a sentia doer.

- Vou arrumar a dispensa - falo e encosto a porta da sala acatando o que Ashley me pediu - Quer que eu ligue a televisão? - pergunto e ele acena que sim. Só sobrou isso para ele e uma volta no quarteirão em alguns domingos de manhã.

Ligo a televisão e olho para ele mais uma vez e vou em direção à dispensa.

Nada será como antes.


24

 

Zero

 

 

Espero que saibam como trabalhar com reciclagem, penso, e olho o percurso deles. Eles estão atrás de mim, estou muitos passos na frente de todos os envolvidos.

Dou mais um comando e espero que agora seja um dos últimos antes do acorde final. Esse som de circuitos funcionais e de comandos pré-estabelecidos são como uma sinfonia. Aprendi a gostar de tudo isso, mas o início foi apenas ódio, revolta e agora sobrou, além do gosto por tudo isso, um senso de que a justiça precisa ser feita.

Nada de dois pontos, meu caro adversário. Olho negando para a tela. Vamos, você pode fazer melhor do que isso, são apenas algumas portas abertas e alguns lixeiros a caminho, eu convidei todos para esse jogo.

Não, meu amiguinho, o caminho não é esse, vou ajudar vocês. Está mais divertido agora, mas o resultado não será esse. Estou há muito tempo trabalhando nisso e diversão não é o que procuro.

Dou mais dois comandos, duas telas se abrem e eu vejo o sistema mudar diante dos meus olhos.

- Que porra é essa? - falo para mim - Não acredito!

Sinalizo o penúltimo comando antes de poder concluir e algo está me bloqueando, não estou conseguindo. Eu não vou perder agora que estou cruzando a linha de chegada.

- Onde foi que eu errei? - falo e sei que estou sentindo o nervoso correr em minhas veias.

Altero o percurso, eu tenho um plano B e C, caso precise.

Sinto que estou no jogo batalha naval, e eles vão acertar a água.

Minha tela muda de cor e aparência, e isso não é bom. Eu vejo números diferentes do que digitei e isso não é possível. Eu projetei cada passo até aqui e esses últimos meses não estão sendo apenas brincadeira, isso tudo não é apenas um jogo que possa ser mudado ou jogado em outra plataforma. Não há vidas extras, é isso e hoje tudo isso acaba. Para sempre. Preciso de música e aumento o som.

Meus fones estão no volume máximo e isso me dá a concentração que preciso.

- Vamos lá! Estamos quase chegando! - converso como se mais alguém estivesse comigo.

Não é possível! Cercaram o meu trajeto!

Atento-me à tela com mais empenho e, então, eu vejo a porta atrás da minha tela se abrir.


25

 

Alexander

 

 

- É aqui - ele diz e minha respiração está rápida, não estou tentando nem de perto ficar calmo. Seguro a direção do carro com força - Calma, vamos tentar acessar a câmera dele e olhar para a cara do sujeito - Gio fala e meu corpo está tremendo por dentro.

- Calma é um pedido impossível de ser acatado - falo.

- Conseguiu acessar? - ele pergunta para a pessoa misteriosa que está com ele - Estou esperando o sinal - ele fala - Está conectando - Gio está tenso, mas ele tem uma maneira diferente de reagir.

Olho para o lugar e penso o que vai acontecer nos próximos minutos.

Vejo Giovani digitar rapidamente e me sinto em uma caçada policial, existe um barulho insistente em minha cabeça e minhas mãos se fecham em torno da direção minutos antes de eu encostar minha testa sobre ela.

- Recebi, a imagem está começando a aparecer - Desapoio minha cabeça e vejo as mãos de Gio irem até sua cabeça - CARALHO.

Escuto e olho para a tela do laptop em seu colo. Um incêndio acontece em minha garganta e antes que eu pudesse pensar ou ter uma reação lógica, eu saio do carro e caminho em direção ao lugar. Eu sei que apartamento é.

- Alexander! - Gio sai do carro e vem atrás de mim.

- Não! - me viro e falo olhando para a cara dele - Eu resolvo isso, do meu jeito - ele para no meio da rua e suas mãos estão na cabeça.

- Ele entrou - escuto Gio falando com a tal pessoa e eu caminho rapidamente e não vejo nada na minha frente, apenas vejo tudo vermelho.

Minhas mãos estão suando e meu coração está prestes a entrar em colapso pela ira e analiso os meses de inferno que tenho vivido por conta deste maldito hacker.

Entro em disparada sem olhar para lado algum e abro a porta.


26

 

Brooke

 


- Por quê? - escuto a pergunta sair como um trovão que anuncia uma tempestade e meu mundo se desfaz, facilmente, como as cinzas de um cinzeiro abandonado.

Seus olhos estão tristes e ele está em uma versão nova para mim. Eu negligenciei todos os meus instintos, eu não busquei as informações, eu estava me sentindo humana o suficiente para não digitar seu nome e descobrir quem ele é.

Eu falhei. De novo.

Olho para Alexander que faz uma pergunta simples e eu tenho uma história complexa para contar. Ele entra e bate a porta e a placa que ganhei do meu pai, escrito Querubim, cai no chão. Vejo seu punho acertar a parede e tudo em torno dele está fazendo barulho.

- Eu... - ele levanta a mão e seu olhar agora é de dor e eu a sinto me atingindo como uma chuva gelada que anuncia o inverno - Perguntei, mas eu não quero ouvir, eu não posso ouvir - ele ainda fala alto e leva as mãos até os seus cabelos. Ele não vai entender, eu não entenderia, mas eu tenho os meus motivos, mesmo sabendo que não tenho razão alguma.

- Alec... - ele se aproxima bruscamente de mim e eu me levanto e dou a volta na minha mesa. O espaço é pequeno e estamos muito próximos e, ao mesmo tempo, estamos longe um do outro como nunca estivemos.

- Não! - ele mantém o tom de voz muito alto - Eu fui manipulado. Passei um inferno nos últimos meses, gastei meu tempo e abri mão de outras coisas para me dedicar ao cretino que estava acabando comigo - ele olha para o chão e nega com a cabeça. Vejo que ele está buscando se acalmar, mas eu não sei se ele vai conseguir.

- Posso explicar - tento me aproximar ainda mais dele e ele levanta a palma na minha direção. Tudo está escuro aqui dentro. É como uma ruína aberta diante dos meus pés e ele não é o meu alvo, nunca foi ele e ele não quer me ouvir.

- Quando tudo isso começou, eu pensei que estava lidando com mais um querendo me derrubar. Ser o maior nome de sistemas da informação gerava alguns inimigos constantemente, mas todos eles iam embora na manhã seguinte - ele anda no pequeno espaço da minha dispensa com uma mão na cintura e outra está em sua boca - Mas os dias foram passando e a cada semana percebíamos que estávamos lidando com alguém muito bom - ele para e olha no fundo dos meus olhos e eu sei que meu rosto está molhado, eu tentei não chorar, mas não consegui. Estou negando com a cabeça. Percebo ele se acalmando, lentamente.

- Não é com você - falo.

- Não quero saber. Eu deixei outra parte da minha vida por conta de alguém que estava me tirando o sono, então, você chegou em minha vida e eu me senti aliviado pela decisão que havia tomado - ele dá um passo e se aproxima de mim o sufiente para eu sentir sua respiração em meu rosto - Minha vida estava completa com você, e o hacker até deixou de ser importante - olho para o chão - Você não consegue olhar nos meus olhos, você não pode - ele usa a frase que eu coloquei em um dos meus comandos de invasão. Eu concordo com ele, eu não posso, eu não consigo. Sua voz volta a ficar alta e, de repente, tudo fica em silêncio e nossas respirações são diferentes da noite passada.

- Me falou que não tinha tamanho para ser uma ameaça e eu avisei sobre o poder do veneno - ele lembra de nossas conversas e agora, além de doer, tudo parece entrar em erosão - Me pediu para não te machucar e olha o que você fez comigo - ele diz e não existe uma voz alterada desabafando a fúria que se materializa em cada palavra. Existe dor, decepção e meu completo e íntimo descontentamento em ser tão pequena como sou.

- Me escuta - peço e olho para ele.

- Não quero, não posso - ele diz e seus olhos transmitem a mesma dor que vejo nos olhos do meu pai. O que foi que eu fiz?, pergunto-me internamente.

- Sempre soube que era eu? - ele pergunta e eu nego com a cabeça.

- Não... - falo em sussurro - Pela primeira vez renunciei em ser isso. Eu estava sendo a Brooke, me deixando levar pelas descobertas, não queria saber nada sobre você que não fosse através de você e o meu tempo era pouco, os dias que não nos víamos, eu realmente estava trabalhando - consigo completar uma frase sem ser interrompida.

- Eu investiguei você, fez Letras e sei o seu número social, como conseguiu me enganar? - ele pergunta e sua voz é triste e soa como um canto fúnebre em meus ouvidos.

- Já troquei tantas vezes aquelas informações que não sou capaz de lembrar qual número social que inventei da última vez - confesso e ele nega com a cabeça. Sua boca é pressionada como se segurasse um palavrão dentro dela.

- Pensei que fosse bom em detectar desordens pessoais, e agora percebo que estava cego - ele coça a testa e me encara - Foi por conta do dinheiro? - ele está tão ferido e eu não sei como resolver, não sei como fazer parar de doer, porque agora não se trata de um plano elaborado, se trata do plano que saiu do controle e está em meu coração.

- Não... - não era você o alvo, você precisa saber, penso comigo, e ele volta a negar com a cabeça.

- Pode ficar com tudo, sabe como fazer, agora já não me importo - ele fala baixo. Ele se acalma para falar, mas não é assim que ele está por dentro. Ouvir que ele está abrindo mão de tudo que sempre priorizou, faz sangrar ainda mais, porque nunca foi o dinheiro.

- Não era o dinheiro - ele parece não me ouvir.

- Fique com tudo, ou fique com o que restou de mim, apenas isso, alguns milhões que para nada servem diante de tudo isso - ele me encara e eu não vejo ódio, eu vejo apenas dor, a dor que eu causei - Você tinha razão, depois de um determinado ponto não conseguimos voltar atrás - seus olhos se tornam uma tortura para mim - Pensei que o cupom de desconto fosse o seu ato imperdoável, e não me atentei à pequena gota de veneno que foi depositada em mim enquanto eu estava totalmente vulnerável diante de você - sua voz é tão dolorida quanto seu olhar e algo em brasa atravessa meu peito.

Meus olhos se enchem e meu rosto está molhado, fervendo e eu adoraria ter algo que pudesse pelo menos fazer com que ele não sofra.

- É por isso que sempre evitei esse tipo de coisa - ele nos liga com o indicador - Eu sempre soube que apesar da fração de felicidade, inevitavelmente isso - ele nos liga novamente da mesma forma - Foi feito especialmente para doer - fecho meus olhos e nego internamente. Dói mais agora, e dói mais em mim.

A culpa pelo pecado é, fatidicamente, de quem o comete.

- Alexander - falo e ele nega, ele não quer me ouvir e eu sou obrigada a concordar com ele. Deixo o choro sair e abaixo a minha cabeça.

- Foi tão rápido, demorou uma fração de uma porra de um segundo - levo meus olhos até ele e o vejo com as mãos na cabeça - Levou o tempo de um instante, apenas isso - ele me encara duramente e totalmente fragilizado - E, no momento seguinte, já era amor - vejo uma lágrima descer - Então, quando tudo se transforma - ele leva a mão até a boca e volta a negar com a cabeça e volta a falar - Você percebe que apesar de já estar no mundo, só nesse instante acabou de nascer - ele confessa o seu amor por mim e eu não sinto que sou capaz de merecer.

- Me escuta! - peço.

- Não! Você tem noção do que fez? Me fez escutar meu coração e agora parece que mais nada faz sentido - percebo que a questão não é mais o sistema que eu queria detonar. É o sentimento que criei e joguei fora.

Ele para e me encara com olhos lacrimosos e eu me afasto. Caminho até a tomada e puxo, olhando para ele e colocando um fim em tudo isso. Tudo está acabado e nada será como antes.

Eu o vejo se abaixar e pegar a placa que havia caído. Ele olha e lê o que está escrito.

- Querubim... - ele lê e me encara - Sabe o que isso significa? - não consigo responder e o vejo de onde estou; no conto de fadas, eu não sou o lado bom, eu sou o tipo de coisa ruim que acontece com as pessoas.

Encaro-o pedindo apenas que ele me ouça e ele não quer ouvir.

- Eu sou capaz de entender o seu olhar e é por isso que dispenso sua longa explicação - ele diz, entrega a placa para mim e abre a porta lentamente. Antes de sair ele me olha por cima do ombro - Podemos decidir se vamos ser um anjo ou demônio na vida de alguém, e eu lamento por sua decisão - ele conclui, sai e fecha a porta silenciosamente, mas seu problema faz com que ela se abra lentamente, permitindo que eu o veja caminhar para fora da dispensa, para fora do apartamento e para longe de mim.

Agacho-me abraçando as minhas pernas e deixo que o grito de anos em busca de coisa alguma saia. É um pedido para que apenas doa um pouco menos.

Tudo está acabado.


27

 

Giovani

 

 

Estou encostado no carro falando ao telefone através do fone em meu ouvido.

- Ele está saindo - aviso e olho Alexander caminhar lentamente - Não há mais sinal do que foi feito em nossos sistemas? - pergunto - Perfeito, valeu - desligo e coloco o fone no meu bolso.

Ele se aproxima e entra no carro e se senta no banco do passageiro. Não falo nada, vou até o assento do motorista e dou a partida.

Sigo pela Brooklyn Bridge e o silêncio dele é absurdamente assustador e ele pularia daqui se estivesse sozinho.

Alexander nunca foi de envolvimentos, um dos poucos do Clube que nunca fez questão de saídas permanentes com mulheres e talvez seja isso que o tenha feito se apaixonar por ela. Ela passou a ser a constante que ele nunca teve em sua vida, em nenhum aspecto.

Ele se entregou porque teve tempo para isso. Antes, esse tempo era do Clube e nossas apostas sobre trepadas. E quando ela chegou, passou a ser algo mais importante.

Passou a ser ela.

Ele está com a mão na cabeça e o cotovelo apoiado no vidro, seu olhar está perdido, assim como ele e eu não estou com pressa. Estou preocupado.

A reação negativa do amor é essa, quando ele se torna inviável.

- Tudo voltou ao normal - ele fala tentando ser frio e eu fico em silêncio. Deixo espaço para ele falar - Pelo menos não vamos mais ter visitas inesperadas e traiçoeiras em nosso sistema - ele fica em silêncio de novo e eu gostaria de fazer alguma coisa, mas esse é o ponto em que não consigo entrar, nesse sistema minhas senhas são ineficazes - E também não haverá mais café, bolo ou cupons de desconto - agora sua voz, em quase um sussurro, dói ao sair e eu conheço meu sócio, porque antes de haver a Oracle, somos amigos.

Agora a questão é um coração destruído por quem estava morando nele.

- Isso nunca acaba bem - ele fala e cessa de vez as palavras. Percebo-o se acomodando no banco.

- Alguma explicação? - pergunto.

- Não quis ouvir. Ali, eu estava diante da mulher que mudou a minha vida em pouco tempo, ela foi o motivo que me fez fugir da realidade que o hacker estava me trazendo. Era como correr dos braços dela e voltar em sua direção, era sempre ela - ele fala e sua voz aumenta. Agora é o momento em que a fúria toma conta.

- Deve haver uma razão - falo e ele está negando com a cabeça.

- Foder a minha vida - ele responde.

- Não, Alexander, agora não é momento e você não conseguiria pensar sobre isso, mas existe um pano de fundo e é isso que preciso descobrir - falo e ele pouco se importa com o que estou falando.

Sigo em direção à minha casa e em todo o trajeto, o nosso silêncio só me fez pensar no real motivo que levou Brooke a fazer o que fez.

- Consegue voltar para casa? - pergunto antes de sair do carro.

- A pergunta seria outra - ele diz olhando para os dedos da própria mão.

- E qual seria? - questiono.

- Se eu quero voltar para lá - ele me olha e volta a olhar para os próprios dedos que estão entrelaçados - Ela está lá, por toda parte - ele diz e respira fundo, soltando o ar, buscando um alívio que não vai acontecer - Ela está aqui dentro - ele fala para ele mesmo e eu entro com o carro na garagem da minha casa.

- Vamos - falo e desligo o carro - Fique aqui - peço em tom de ordem e ele sai do carro, me seguindo até a sala e se jogando no sofá.

Vou até o bar e pego uma garrafa de whiskey e dois copos e coloco sobre a mesa no centro da sala, me sento na poltrona de frente a ele.

- É muita ironia, Gio - ele diz e coloca seus braços embaixo da cabeça.

- Como assim? - pergunto.

- Todos saem do clube depois de encontrar alguém aqui fora, no mundo real, onde as flores passam a ser tradicionais, e eu saí por conta de um hacker e isso me deixava em um patamar diferente dos outros - ele para e fecha os olhos - E no fim das contas, ela me arrastou porta afora do Palácio sem ter ideia de que estava fazendo isso - ele conclui e se levanta. Ele enche os dois copos e bebe o dele quase de uma única vez.

- É verdade - concordo.

- Como faz pra isso parar? - ele pergunta - Vamos, você tem resposta e solução para tudo - ele diz e enche o copo novamente e eu bebo apenas um pequeno gole.

- Não tenho respostas e muito menos soluções para assuntos do coração a dentro, esse é um sistema que se torna inoperante diante dos meus comandos - falo e cruzo as minhas pernas.

- Você pediu para eu ter cuidado, porque ela era diferente, ela era frágil e veja, o que eu sou diante de tudo isso? O que sobrou de mim? - ele pergunta e bebe mais uma boa dose.

- Acho que a pergunta não seria essa - falo e ele me encara.

- E qual seria? - ele questiona e se apoia nos braços com os cotovelos sobre os joelhos. Ele está olhando para o líquido dentro do copo e tenta se encontrar.

- O que você se tornou depois disso? - falo e ele suspende seus olhos em minha direção.

- Não existe nada sábio quando o assunto é esse sistema inoperante, não há algoritmo que possa ser inserido com sucesso - ele bebe mais um gole - O que sobrou de mim depois de tudo que vivi nesses últimos dias foi ela, apenas ela - ele vira o restante que está em seu copo e, finalmente, ele se encontra. Não no copo, mas na resposta que ele mesmo concluiu. Esse é o algoritmo que faz o sistema inoperante se tornar ativo e funcional - As aparências enganam, meu caro amigo - ele repete a frase que usei quando voltávamos de sua última noite no Palácio Hanzel.

 

***

 

Há dois dias não vejo Alexander e eu tenho dado esse espaço para ele. Ele foi embora da minha casa na segunda-feira, logo pela manhã, e não nos vimos mais. Nossa conversa se resume a mensagens com teor profissional.

Mas eu preciso, agora que a poeira abaixou, entender o que aconteceu e é por isso que estou diante desta porta, esperando que ela seja aberta e eu quero saber os motivos, todos eles.

- Gio? - Brooke responde estranhando a minha presença. Ela está com os olhos fundos, tristes, e isso me lembra o meu amigo enquanto consumia sozinho uma garrafa de whiskey na sala da minha casa.

- Sim - falo sério - Posso entrar? - pergunto e ela olha para a própria roupa e eu conheço esse agasalho. Era de Alexander.

- Cla... ro - ela está nervosa, gaguejando, e eu entendo - Por favor, sente-se, eu não tive muito tempo de arrumar as coisas. Meu pai está internado e tudo está desmoronando - ela fala pegando as coisas espalhadas, quebradas e amonto-as sobre a mesa da cozinha. Algo me diz que alguém andou quebrando tudo por aqui - Não tenho café para oferecer - ela diz e encosta na pia.

- Não quero café - me aproximo dela e coloco meu indicador em seu queixo e analiso o estrago em seu sistema inoperante. Sim, atingiu-a da mesma forma.

- Ele pediu que você viesse aqui? - ela pergunta e seus olhos estão inchados. Não existe uma forma eficaz para isso, apenas o tempo e às vezes ele não está a nosso favor.

- Não, ele nem imagina que eu esteja no Brooklyn, na sua casa - aponto para a porta aberta que indica uma dispensa e eu sei que não é e ela consente com a cabeça. Eu sei que é ali, acompanhei em tempo real a discussão dos dois e vi e ouvi o momento em que meu amigo confessou que sua paixão havia se transformado em amor.

Caminho poucos passos e ela está vindo atrás de mim. Somos feitos da mesma sequência numérica, somos hackers e, admito, ela é boa e me deu mais trabalho que muito marmanjo intitulado engenheiro de sistemas. Vejo-a esticar a mão e acender a luz. O espaço tem dois metros por um, é um cubículo, e eu me pergunto como ela conseguia fazer tudo aquilo em um espaço tão apertado.

Olho para a cena do crime e o que eu vejo é um monitor em cima de uma CPU, este consta com três ventiladores, além de quatro roteadores pendurados na parede. Tudo agora está desligado. Ela criou um sistema flutuante e não detectável. Isso é muito foda de se fazer e, com isso, ela me fez de bobo. Gosto de saber que ainda posso aprender. Sorrio discretamente para ela não perceber.

- Você fez um estrago, mocinha - falo e ela entra e se senta na cadeira de madeira atrás da mesa e de frente para a porta. Nada aqui é confortável e ela criou um mundo inteligente e sorrateiro com quase nada de recurso.

- Não maior do que em mim mesma - ela fala e olha para os dedos.

- Ele não me disse nada, não tenho contato com ele há alguns dias. Agora, como sócio, eu preciso saber o motivo que levou você a desgraçar com a nossa empresa por todos esses meses - falo e ela me olha.

- Eu tentei explicar, não que ele fosse acreditar, mas eu tentei - ela fala e vejo a lágrima descer no seu rosto.

- Eu também não garanto que vou acreditar, mas eu sei que toda história é feita por duas partes, e eu preciso saber, eu preciso saber para não ter que passar mais tempo brincando de gato e rato - falo e ela se levanta. Ela sai e eu olho para os rabiscos dela em um pedaço de papel que está preso na parede.


“Alec, você foi a perspectiva feliz que tive sobre a minha falha pessoal... também foi amor no momento seguinte, e ainda é nesse momento, e acho que é para sempre”


Pego o papel e o coloco em meu bolso. Vejo seu teclado antigo e me lembro quando meu primeiro computador chegou, ele tinha o custo de um carro zero e ela com muito menos fez muito mais.

Escuto-a se aproximar, ela está com alguns cadernos nas mãos.

- Meu pai - ela trava e sua voz está embargada. Ela abre o primeiro caderno e aponta para um nome que conheço.

- Thirty Hours? - pergunto me referindo a uma das empresas que foi atingida por ela.

- Sim - ela diz e me mostra o esboço do sistema, criado no papel e é algo antigo - Meu pai desenhou esse projeto. Ele fez tudo, sua mente é brilhante, pelo menos era antes de ele ter o derrame - ela deixa o caderno em minhas mãos e se senta na cadeira novamente.

- Eu não estou entendendo - falo e seus olhos estão no caderno em minhas mãos. - Dean e Maulei nos procuraram e pagaram uma fortuna e exigiram a melhor segurança. Gastaram os milhões que exigimos para criar o sistema de segurança, eles estavam muito preocupados com isso.

- Ele desenhou cada passo para criar essa empresa. Eu lembro dele sentado analisando cada hipótese, cada falha e cada necessidade. Essa empresa, uma das pioneiras e que retém noventa por cento do mercado, pertence ao meu pai - ela fala e eu quero entender isso - Ele fez o projeto, aqui nesse computador, mas não tinha dinheiro para colocar em ação, até que ele encontrou dois investidores que aceitaram entrar com a grana. Ele confiou e entregou o projeto e em uma tarde ele foi até Dean Prosb e Maulei Shan e eles o dispensaram, mostrando o sistema já funcionando. Naquele mesmo dia, ele teve um derrame e sua vida passou a ser metade de uma vida. Ele passou dias e mais dias analisando o mercado, detectou as necessidades e percebeu que o mercado online estava carente de alguns pontos, como entrega rápida e preço. Meu pai correu atrás das falhas, criou um sistema inteligente, integrado às ultimas pesquisas de cada usuário da internet e, assim, as pessoas receberiam ofertas sobre seus últimos interesses e já com o valor do frete e o prazo de entrega. Era mais do que um pop-up de promoção, era o alerta sobre o desejo do consumidor e o acesso barato e rápido a ele - ela diz e eu sei, a Thirty faz isso, ela tem as últimas buscas e envia para os clientes as informações completas. A venda é garantida.

- Mas, e as outras empresas? - pergunto sobre as outras que foram afetadas

- Era apenas uma distração. Enquanto eu movimentava o algoritmo da Joe e da Herins, que foram as primeiras, eu instalava um rastreio alertando cada centavo que entrava na Thirty Hours e contabilizava para minha cobrança futura. A Xtiling é um braço da Thirty, mas ela também foi usada como distração - ela explica e eu me lembro de ficar em uma sinuca numérica com esse jogo que ela fez.

- Você roubaria tudo como cartada final? - pergunto.

- Não, jamais, mas eles também não receberiam, ou demorariam para receber. Eu ia desviar tudo deles, tudo de suas contas particulares para mais de quatrocentas instituições espalhadas no mundo e ainda assinaria como cada um, assim eles não teriam como voltar atrás, a não ser que quisessem manchar o nome da empresa, que até então, parecia se importar com o próximo - ela tinha um plano que poderia foder definitivamente com eles.

- Mas, por que não tentou através dos meios legais apropriar o que era de seu pai? - questiono e olho as anotações que fazem todo sentido para mim.

- Você acha que não tentei? Contratei advogados, todos desistiram assim que entraram em contato com Dean e Maulei. Gastei minhas economias dos dois empregos que tinha e nunca era o bastante. Eu tentei agir fora do esgoto, mas era lá que eles estavam - ela fala e essa garota de olhar azul e angelical tem um inferno de conhecimento sobre a tecnologia da informação.

- Você acha que eles pagavam para os advogados abandonarem o processo? - pergunto.

- Não acho, eu tenho certeza, e com isso meu pai foi piorando e só restou esse apartamento e eu em sua vida - ela diz.

- Você estava com Alexander na última invasão e ela parecia ser em tempo real - falo e me lembro do domingo que ela estava com ele. Ele mesmo me disse que ela estava em seu apartamento e, agora, entendendo o quanto ela conhece sobre esse mundo, ela poderia ter feito através de um celular e com muita facilidade.

- Visitas programadas - ela coça a testa e me olha suspendendo os ombros - Aos domingos eu deixava tudo programado com mais de oito mil endereços de IPs só dos Estados Unidos, e mais uns duzentos mil espalhados pelo mundo, você sabe do que estou falando - ela diz e eu sei. Ela camufla o IP dela com milhões de outros IPs e isso me fazia perder o tempo que ela precisava para entrar, fazer o que queria e sair sem deixar pegadas.

- Mas você falhou no domingo - falo e ela concorda e respira fundo.

- Eu estava tão nervosa, trêmula, e comecei a dar os comandos sem me atentar - ela coça sua cabeça e seus cabelos estão tão bagunçados, presos de qualquer jeito, que não parece a garota da John John - Eu não fazia ideia de que estava me apaixonando pelo cara que, sem querer, eu estava destruindo. Apesar de conhecer Alexander há alguns meses, eu não tinha um plano contra ele, eu tinha um plano contra uma empresa e não fazia ideia de que a Oracle era dele, e sua também; vocês nunca foram meu foco e eu cometi um erro. Eu investiguei Michel porque ele começou a aparecer com dinheiro e isso me deu motivos, eu suspeitava dele o tempo todo, mas Alexander não me deu motivos para isso e eu tomei a liberdade de não fazer. Cada surpresa, cada item que eu descobria sobre a sua vida me fazia mais feliz, as coisas novas que ele me mostrava de sua vida me conquistavam e ele era o nome nunca digitado nesse computador, nem sequer sua rede social eu sei ou visitei. Eu passei muito tempo com ele e isso não me deixava com vontade de descobrir quem era Alexander quando não estava comigo. Porque quando eu estava com ele, eu era uma pessoa melhor, eu me sentia livre desse mundo que criei - ela desabafa.

- Tudo ficou tumultuado - falo e ela se pune internamente e isso é visível.

- Se ele não tivesse me mostrado o jogo que fez, eu não iria saber antes do grande final que havia planejado - ela chacoalha a cabeça e se abraça, como se sentisse arrepio de pensar no resultado de sua justiça - Assim que eu vi a logo da Oracle girando em sua tela, meu coração ficou atordoado, e eu não conseguia pensar direito. Eu fingi que estava tudo bem, mas não estava e, para completar, ele começou a guardar os documentos que estavam em uma caixa e, aí, veio a certeza olhando para aquela quantidade de papéis timbrados da Oracle - ela me olha com desespero - Naquele momento eu comecei a elaborar uma maneira de sair dali e concluir o plano de vez, mas qualquer coisa que eu fizesse poderia despertar o interesse dele em querer passar a noite comigo, então, meu celular tocou e era Ashley, que estava aqui com meu pai, como eu havia pedido, e ela me avisou que ele estava chorando, sentado no sofá perguntando por mim. Eu estou aqui todos os dias e, pela primeira vez em muito tempo, eu faltei. Eu sou o porto seguro dele, mas eu não tenho mais ninguém por mim - ela confessa - Agora, ele está no hospital e eu não posso ficar com ele, ele não tem plano médico, ele só tem a mim - ela fala.

- Eu entendo seu sentimento, mas não o admito - explico - Fez três pessoas trabalharem muito por conta disso - a advirto serenamente e, por alguma razão, eu me sinto comovido pela história dela e acredito nela - Agora, vamos resolver um problema de cada vez - falo e folheio os outros cadernos e tudo tem coerência, tem lógica, e ela me olha, vestida com o agasalho dele, como se ali estivesse uma pequena fagulha de paz.

- Eu sei que todo o sistema está normal e eu peço desculpas. Eu jamais afetaria você que já me salvou uma vez ou ele que... - ela para de falar e eu sei, o amor é encontrado de maneiras diferentes, e sempre aprendemos alguma coisa com ele.

- Tudo está normal, mas isso - mostro os cadernos - Nós podemos resolver - sorrio malignamente para ela e ela sorri sem entender, mas ela sorri porque eu acabo de lhe oferecer esperança, e depois do tempo, isso é o melhor que se pode oferecer para outra pessoa. É só analisar o sorriso de um ente querido que vê seu parente internado e o médico chega e avisa sobre a melhora, ou sobre um pai que recebe a notícia que a guerra acabou e seu filho vai voltar. A esperança é aquilo que pode durar um pequeno instante ou uma vida toda. Esperança é aquilo que segura nossa mão, que posiciona nossos pés e, o mais importante, faz nossos joelhos tocarem o chão.

- Você está falando sério? - ela pergunta e agora eu vejo um sorriso mais claro e menos triste.

- Sim, a brincalhona aqui é você, mas você sabe que o primeiro passo é voltar para o “esgoto”, pegarmos o que precisamos e, depois disso, serão audiências. Nem a Oracle, nem eu ou Alexander apareceremos. Entrego o que você precisa, incluindo um advogado que vai adorar essa brincadeira - sorrio para ela e ela vem em minha direção.

- Depois de tudo que eu fiz com você, ainda quer me ajudar - ela fala pendurada em mim.

- Vou confessar um segredo, me fez passar raiva, muita raiva, mas admito que me fez aprender mais e me tirou da zona de conforto - falo e a solto.

- E ele? - ela pergunta.

- Infelizmente, eu não consigo resolver isso, não agora - falo e seus olhos ficam tristes.

- Talvez não seja uma boa ideia. Passei anos aprendendo tudo que podia para me vingar e isso me tirou da vida dele - ela lamenta e mexe na ponta do agasalho.

- Um problema por vez, Brooke. Esteja ciente de que é um trajeto demorado e que enfrentará audiências intermináveis - explico.

- Você entende que é uma questão de justiça? - ela me pergunta olhando nos meus olhos, e olhando para essa garota de cabelos bagunçados, baixinha e de olhos tristes, vejo que o perigo tem fantasias sensuais.

- Eu entendo seu ponto de vista, mas poderia ganhar muito mais do que essa empresa fatura, você tem um bom conhecimento sobre a área - falo e ela dá de ombros.

- Não era pelo dinheiro, eu não me importo com dinheiro, o problema foi o que fizeram com meu pai, eu só tenho ele - é bom encontrar alguém que tem objetivo pessoal e não financeiro. Isso mostra que a humanidade ainda tem salvação.

- O que foi feito está no passado e isso não vai mudar. Você é realmente muito boa e deveria ter um foco diferente, pode sair a qualquer momento da John John. Sem contar que eu preciso admitir, eu não te peguei, foi você que falhou e isso valeria milhões no mercado digital - falo e a encaro - Fez faculdade de Letras, cuida do pai, mora longe e vive uma maratona, em que momento aprendeu sobre isso? - pergunto e ela dá a volta na mesa e me entrega um envelope.

- Abra - ela pede e eu obedeço.

Meus olhos estão lendo, mas eu não acredito. Estou sorrindo e olhando para três diplomas, uma graduação e duas pós. Ela é engenheira de tecnologia, se especializou em programação e banco de dados. Ela é um adversário que procurei a minha vida inteira.

- Estudar apenas e os diplomas não lhe trouxeram o conhecimento que você tem - falo e ela sorri sem graça.

- Treinei bastante - ela fala.

- Como? - estou curioso sobre o percurso que ela fez até chegar onde chegou.

- Bom, já que tocou no assunto, ano passado, o relógio da Times, lembra? - ela pergunta e é claro que me lembro, em vez da hora era o Pac-Man do jogo comendo uma maçã.

- Não acredito, na época achei muito juvenil, mas eu ri muito e me arrependi de não ter tido a mesma ideia - falo e me apoio na mesa dela.

- É, aquilo foi uma aposta. Meu vizinho cria jogos online e criou um que seria concorrente do lendário Pac-Man. Eu queria dar uma força para ele conseguir vender o jogo porque nenhuma grande marca quis - ela fala e eu me lembro, na tela do Times, era o Pac-Man comendo a maçã e explodia de tanto comer e aparecia um slogan em seguida - Ele deixou o jogo livre online, e foram mais de dois milhões de acessos para baixar em vinte e quatro horas. Então, ele começou a cobrar um dólar por download e no jogo existe uma loja em que os jogadores compram tudo para passar de fase e ganhar bônus. Ele fatura muitos milhões ao ano com esse jogo e mora aqui do lado - ela fala e eu estou olhando para um monstro, um mini monstro, que precisa ser moldado e precisa enxergar o quanto vale seu conhecimento no mercado de trabalho.

- Ferrei o sistema de Wall Street na década de noventa - falo e ela olha surpresa.

- A pane que aplicou apenas um dólar em cada empresa e depois travou? - ela pergunta.

- Sim, essa mesma. Minha família precisou se desdobrar e eu fiquei longe dos computadores por um tempo - sorrio - Pelo menos eles pensavam isso.

- Olha, eu não sou a melhor pessoa no momento para falar sobre culpas, mas por que você nunca falou da outra pessoa que estava com você quando fez isso? - a encaro e essa informação é assustadora vindo de alguém que não conhece a minha história de perto, apenas pelos jornais - Eu não sabia que era você, não fui olhar quem fez, eu fui ver o que foi feito, como conseguiram e isso não seria possível naquela época com os recursos limitados que tinham nas mãos. Alguém segurou a porta aberta e você entrou, ou... - ela se aproxima e cerra os olhos para mim. Ela aponta o indicador para o meu nariz fazendo deboche de algo sério - Ou foi você que abriu e segurou a porta enquanto alguém entrou e fez a festa? - ela é perigosa. Gosto dela.

- A porta estava aberta e isso basta - falo e ela sorri.

- Eu não sabia que estava lidando com alguém tão bom - ela diz.

- Idem para isso - falo.

- Mas, posso fazer uma observação? - ela pede e eu aceno que sim - Seu sistema de segurança é muito bom, um dos mais difíceis que encontrei, e olha que conheço algo sobre o Pentágono, Casa Branca e o Banco Central - ela fala.

- Eu sei, você me enviou IPs desses endereços, quando me lembro disso eu não gosto muito de você - falo com cara de coisa alguma e ela levanta as palmas como se dissesse fazer o quê?

- Então, mas concorda comigo que foi fácil descobrir onde havia um número oscilante? Quatro tentativas depois, eu já sabia que faturavam mais de quarenta milhões por semestre - caralho, que porra é essa?

- Não preciso concordar com isso agora, ok? - falo e ela está sorrindo - Quanto a Alexander, não acho interessante e nem inteligente que você entre em contato com ele por enquanto - dou uma dica valiosa conhecendo-o como eu conheço.

- Eu diria o que para ele? Oi, fodi sua vida. Meu pai foi roubado, mas eu não sabia que era você e agora eu te amo e quero ficar com você - ela fala debochando.

- Muito clichê - falo e sorrio - No momento certo ele vai saber disso e do jeito certo também - falo e caminho para fora do seu QG - Guarde todos esses cadernos, separe tudo que diz respeito a esse projeto feito pelo seu pai - recomendo e pego meu celular e faço uma ligação - Oi, sou eu - falo e escuto a risada depois de uma breve piada - Não, está tudo bem agora, mas podemos mudar esse cenário - falo e escuto a gargalhada - Me envie o contato daquele advogado que cuida de crimes na internet - peço - Não, eu não vou suborná-lo mais uma vez através de você. Ele já pegou muito do meu dinheiro. Não que eu me arrependa, mas acho que está na hora de eu conhecer esse cara e, de quebra, entregar algo que ele vai gostar - sorrio e escuto a pergunta - Não, sem trapaças - falo e desligo.

- Tenho um pouco de medo de você nesse momento - ela diz e me acompanha até a porta.

- Idem para isso também - falo e beijo seu rosto - Quando Deus não muda a tempestade, muda o homem que luta contra ela - concluo olhando em seus olhos e saio. Sigo para Nova York. Preciso resolver essa questão.


28

 

Alexander

 


Caminho até a cozinha e deixo meu celular sobre a bancada. Olho para ela e me lembro de Brooke nua, bem aqui, sendo minha mais uma vez. Ela foi minha e algo meu agora pertence a ela.

Pego meu celular e procuro o video que fiz dela dançando bem aqui, enquanto cozinhava e reclamava das etiquetas que ainda existiam.

Uma revolta crescente sobe em meu peito e eu me vejo jogando o celular contra a parede. Caminho até a sala e me jogo no sofá, de frente para a varanda e olho, esperando que algum tipo de calmaria chegue e me tire disso.

Escuto a porta do elevador se abrir e os passos vindo em minha direção.

Ele para antes que pudesse ver o seu rosto. Ele está a alguns passos atrás de mim.

- Não tem respondido os e-mails, não sai desse apartamento, está esperando pela morte? - ele zomba.

- Confio em suas decisões na Oracle - respondo e deixo claro que não quero conversa.

- Mas algumas coisas mudaram e talvez devesse opinar - ele diz.

- O que você fizer, eu concordo - eu sei que não sou assim, mas não quero saber do mundo. Estou puto da vida com o mundo.

- Tem coisas acontecendo independente de sua frustração - ele diz parado em minhas costas - Destruir um celular não vai fazer com que as coisas se tornem menos agressivas dentro de você - eu o odeio.

- Eu estou frustrado independente das coisas - respondo secamente - E o celular escapou da minha mão - falo.

- Sei... - o vejo ficar de frente para mim - Você está péssimo - Giovani diz olhando para mim. Estou há quatro dias nesse apartamento, e meu trajeto é do quarto para esse sofá, como um purgatório.

Se ele soubesse o meu parâmetro para péssimo, ele não falaria isso.

- É bom ver você também - falo sem olhar para ele, estou olhando em direção à varanda.

- Pelo menos tome banho - ele diz, e coloca em minha direção uma caixa e eu não faço questão de pegar. Torço para ser uma bomba. Ele se senta na poltrona quase de frente para mim - Não vai abrir? - ele pergunta ainda segurando a caixa. Parece estar mais interessado do que eu.

- Deixa aí, depois eu vejo - falo e olho para ele. Eu sei, minha barba está grande, essa calça de malha me deixa com uma aparência de mendigo e minhas refeições estão fazendo jus a isso também.

- Deveria ver agora - seu tom é autoritário e sabe-se lá onde ele conseguiu essa caixa.

- Não - respondo e não me importo - Me entregam coisas o tempo todo e ultimamente desfazer das caixas não me trouxe grande sorte.

- Mas deveria - ele coloca a caixa no meu colo e eu espio levantando a tampa de lado usando apenas uma mão. Um bilhete e uma rosa negra.

Isso já se tornou familiar, outros receberam isso. Olho para Giovani que pega o celular e faz uma ligação.

 

Alexander


Nem tudo que é segredo é secreto. Coisas nasceram para serem escondidas e depois descobErtas.

Tudo agora é uma questão de tempo.

 


- Mais uma rosa e mais um bilhete - ele diz assim que eu entrego o papel para ele.

Giovani parece preocupado demais com isso e eu sei que Ramon e Benjamin receberam. Ainda acho que não passa de uma brincadeira de alguém que sabe que somos amigos.

- Onde conseguiu isso? - pergunto. Olho para a caixa e não tem remetente.

- Estava na sua portaria - ele diz e isso me preocupa. Quem será esse porteiro que não sabe de algumas regras básicas, como por exemplo, entregas são pessoais?

- Alguma brincadeira de mau gosto - falo.

- Algumas brincadeiras precisam ser levadas a sério - ele diz.

- Tenho problemas maiores do que o de um admirador secreto, isso aí não me preocupa - jogo a caixa de qualquer jeito sobre a mesa e a rosa pula para fora.

- Em algum momento você vai precisar sair dessa cova que abriu - ele fala bravo e sou eu que tem o direito de ficar puto por aqui.

Ela saiu e levou tudo com ela, desde os meus problemas com o trabalho até meu coração. Demorei mais de trinta anos para me envolver e em dez dias me vejo apaixonado e me fodo bonito na mão daquela... Não consigo pensar em nada ruim quando penso nela, porque ela ainda está aqui.

- Há tantos dias sem sair de casa, logo os vizinhos vão chamar o necrotério - ele zomba.

- Pelo menos me daria menos trabalho - falo e estico minhas pernas - Mas estou melhorando - minto.

- Isso é bem nítido - ele usa toda ironia de uma vida e eu estou dispensando esse tipo de coisa no momento. Aliás, estou dispensando muita coisa no momento.

- Esse seu acesso ao meu apartamento precisa ser revisto - falo e escorrego pelo sofá.

- Precisa reagir - ele diz.

- Sério? - devolvo a porra da ironia.

- Precisa sair daqui, mas antes tome um banho - ele diz.

- Acha que não tentei? - me levanto e vou até o meu bar e pego uma garrafa de whiskey e dois copos - Acha que apenas aceitei isso e pronto, decidi definhar aqui longe de todo mundo? - falo e coloco whiskey nos dois copos.

- Quer ouvir o que tenho a dizer? - ele pergunta.

- Depende, envolve a garota do café e dos cupons de desconto? - pergunto e ele se inclina considerando me perguntar sobre o que estou falando. Ele pega o copo com whiskey e bebe um gole bem pequeno.

- Bom, não sei se é a mesma pessoa, mas eu sei algo sobre alguém que tentou justiça de um jeito diferente e nós nunca fomos o alvo real - ele diz e eu o fuzilo com o olhar.

- Se eu não era o alvo, por que estou assim? - bebo mais um pouco.

- O pai da Brooke é o criador da Thirty Hours e ele foi roubado por Dean e Maulei - ele fala e isso me preocupa.

- Não quero saber de porra nenhuma - respondo e vejo a satisfação no rosto de Giovani em perceber a brecha que acabei de abrir para Brooke voltar à minha vida.

- Eu tenho tempo e posso explicar - ele diz bebericando mais um gole - Mas, antes tome um banho e vamos almoçar - ele diz.

- Não, não vou sair - falo áspero.

- Parece uma criança - ele diz.

- E você está parecendo a minha mãe - respondo.

- Não vai adiantar - ele diz e se levanta. Seus olhos estão diferentes, seu olhar me intimida e acho que é importante que eu obedeça.

- Mas sair também não resolve - falo - e eu não quero falar sobre ela, já me basta ter feito papel de idiota - resmungo.

- Precisa encarar a questão de frente - ele ordena.

- Não quero e não vou falar sobre ela, entendido? - o enfrento.

- Você tem certeza?

- Sim, nada dela me interessa, para ser honesto não me importo - o encaro duramente.

- Isso me proporciona alguns benefícios - filho da puta.

- Foda-se - falo e dou de ombros.

- Você tem dez minutos e isso não é uma negociação. Estou com fome e pouca paciência. Pedro Villas Boas[1] está na cidade, preciso acertar alguns detalhes com ele e não tenho muito tempo. Amanhã mesmo ele vai voltar para o Brasil, ele está aqui apenas para sua esposa fazer compras - ele diz e eu nego com a cabeça. Levanto-me e vou arrastado fazer o que ele me pediu tão gentilmente.

Inferno!

 

***

 


Estou no meu escritório e aborrecido com Giovani. Ele tentou de várias formas falar sobre ela e eu evitei. Não preciso falar dela, ela está aqui o tempo todo, desfilando pela casa e me falando tudo que eu precisava ouvir e não queria.

“Para que conquistar mais se não aproveita o que já conquistou?, ela disse.

- Maldita seja - falo e levo minhas mãos até a minha cabeça, é como se tudo agora estivesse ao redor dela.

Durante doze dias, apenas por fodidos doze dias, eu fui o cara feliz, com a garota de olhos azuis e que cabia perfeitamente no meu colo. Sou capaz de sentir seu peso em minhas pernas, sou capaz de sentir o seu gosto ao me lembrar do seu orgasmo, ainda escuto a porra da sua voz, escuto seu gemido e tudo agora é pior.

Sinto falta do hacker fodendo a minha vida, porque pelo menos você estaria por perto e de alguma forma você era um tipo de anjo, aquele que faz café.

Uma forma bruta de saudade sobe pelo meu esôfago e quando percebo arremesso o laptop contra a parede.

- O que está acontecendo aqui? - Vejo Kim entrar no meu escritório e eu não ouvi o barulho do elevador.

- Meu apartamento está com muita acessibilidade - falo e saio desviando dela.

- E você parece um maluco, o que está acontecendo? Que barba é essa? E pelo visto não está comendo - ela e Giovani estão se revezando? No período da manhã é ele e, agora no jantar, é ela.

- Não é um bom momento - falo e ela me segue até a sala.

Ela para na minha frente e suspende uma sobrancelha e cruza os braços.

- O que você quer? - pergunto ríspido.

Ela simplesmente me olha, ela não é mulher de discursos e eu entendo tudo que ela transmite.

- Seu casamento está se aproximando, não acha prudente cuidar dos detalhes? - a alerto e me jogo na porra do sofá que nem existia até duas semana atrás na minha rotina.

- Dum... - ela chama de um jeito carinhoso.

- Não... - nego com a cabeça e amoleço. Com ela eu posso, ela é a pessoa que posso chorar por horas, a única no mundo que me veria assim, totalmente destruído por dentro.

- É ela? - a pergunta soa como algo quase ofensivo de tanto que dói.

- Era... - respondo com uma faca atravessando meu peito e ela me abraça.

Desmorono.

Ela me deixa ali, com a cabeça apoiada em seu ombro, ela não cobra nada, nenhuma resposta, ela apenas está ali, enxugando meu rosto.

Vejo em seus olhos que tudo vai ser resolvido, mas eu não consigo acreditar no papel de otário que eu fiz. Aposto que Gio ligou para ela, porque ele sabe que ela tem tudo de mim, ela arrancaria meus rins se fosse preciso e eu sorriria para ela.

- O que foi que Giovani te disse? - pergunto e ela sorri.

- Que às vezes o vento está na direção certa e que nós precisamos ajustar as velas - ela diz.

- Ela me fodeu por meses, mas não se compara com o que fez ao sair da minha vida - abro meu coração e ela sorri para mim - Por que está sorrindo? - pergunto.

- Porque você é humano e fico aliviada em poder saber que aqui - ela coloca a mão em meu peito - bate um coração que agora pertence a alguém - ela fala.

- Como eu resolvo isso? - pergunto.

- Isso não se resolve, se tivesse solução não existiria sentimento. O amor é essa forma idiota de sentir o mundo te esperando e te sufocando, é como se o ar não chegasse até os seus pulmões e, no mesmo instante, você está lá, cheio de fôlego para o próximo salto - ela fala e eu me deito em seu colo.

Deixamos apenas o silêncio, o incrível e extraordinário barulho do silêncio entre nós.

Quando éramos adolescentes, tínhamos uma tática, um salvava o outro de pessoas que não queríamos. Ela me salvava de Rosemary e eu tirava Mat do caminho dela e, depois, eu continuei salvando-a, mas apenas Benjamin era quem eu repelia e no fim é com ele que ela vai casar.

- Giovani é um chato, não deveria ter te ligado - falo.

- O melhor chato do mundo, o mantenha por perto - ela diz.

- Isso vai passar - digo e olho para ela.

Seu sorriso é perfeito, Kim, não acredito que vai casar com o mais puto do Clube... ex-Clube... não sinto falta daquele lugar. Um pensamento leva a outro e eu sorrio.

- Obrigado - agradeço.

- Apenas viva, ame e, acima de tudo, perdoe. O mundo é feito de pequenas e perdoáveis tragédias - ela diz e eu me levanto a levando junto.

- Em que momento você se tornou tudo isso? - pergunto olhando para o brilho incrível que está em seus olhos.

- Quando eu senti que poderia morrer, quando os golpes me atingiram, quando o gosto de sangue estava em minha boca e eu pensei que fosse o fim - ela me fala do seu sequestro e, por Deus, eu desejo matar quem fez isso.

- Eu mataria quem fez isso - falo e beijo suas mãos.

- Ele não tem uma vida para ser findada, ele vive se escondendo e nunca foi pego. De mim apenas as lembranças, nenhum sentimento, tento canalizar o que sinto para as pessoas que eu amo e eu sugiro que você faça o mesmo - ela diz.

- Não está sendo fácil - admito. Nunca saberemos quanto tempo a outra pessoa vai ficar dentro de nós depois da despedida. Ela ainda está aqui.

- Quem disse que é fácil? - ela beija o meu rosto - Eu preciso ir e preciso saber que você não vai pular da varanda - ela fala e me abraça.

- Não posso pular, tenho que entrar com Rosemary na igreja - falo e ela sorri olhando para mim.

Acompanho-a até o elevador e volto para a merda do sofá.

Se eu soubesse não tinha comprado esta porra.


29

 

Brooke

 

 

Olho para o meu pai dormindo e sinto alívio por vê-lo em casa. Mas agora, a minha vida será diferente. Esse segundo derrame o deixou pior e vai demorar para ele se levantar da cama.

Fecho a porta e vou para a sala. Ashley e Jack estão sentados lá, foram eles que me ajudaram a trazer meu pai até aqui.

- Como ele está? - Ashley pergunta.

- Ele vai dormir por um bom tempo - respondo e vou para a cozinha.

- Você precisa comer alguma coisa - Jack diz.

- Não quero, não tenho fome - falo e olho para ele - Estou me sentindo perdida - eu contei a eles o que aconteceu. Não sobre a minha outra pessoa, a Zero, falei sobre a Brooke e sobre o fim com Alexander.

- As coisas vão se ajeitar - Ashley se aproxima de mim e Jack vem atrás.

- Não vejo saída, a única coisa boa é que você conseguiu minha vaga na John John - falo e sorrio para ela.

- Você já conseguiu outra coisa? - ela pergunta e eu gostaria de poder contar tudo, mas eu não posso. Pedi demissão da John John porque seria insuportável vê-lo entrar naquele lugar e sair com alguma mulher.

- Estou me ajeitando - respondo.

- Se precisar de alguma coisa, é só me chamar - Jack diz.

- Eu vou dormir aqui com você - Ashley diz e Jack beija o meu rosto e o dela, em seguida vai embora.

- Obrigada - agradeço.

- Por que você não liga para ele? - a solução dela parece ser tão prática e na verdade é, mas no meio disso existe a minha capacidade de executar idiotices com sucesso. Sem contar que disquei o número dele todos os dias, todos os minutos e nunca concluí a ligação.

- Porque ele não quer saber mais de mim - falo e dói ter que escutar isso de mim mesma, porque é essa a verdade.

- Não quero ver você assim - ela diz e me abraça.

Minha amiga, acredite, eu mereço estar assim.


30

 

Alexander

 

 

Arrasto-me até o escritório da Oracle e nada anima meu dia. A chuva que começou a cair assim que cheguei aqui só me faz lembrar dela. Será que ela pensou em me ligar?

Abro a porta do escritório e vejo a sala de Hilbrand vazia. Hilbrand é o cara que consegue transformar uma simples programação em algo complexo em menos de um minuto. Ele é bom em design. É ele quem vai cuidar do projeto de Andrew na primeira etapa e depois eu assumo. A porta da sala de Gio está fechada. Com certeza está em alguma reunião importante. Ele nunca fecha a porta.

Vou para a minha sala e ligo os oito monitores, abro meu laptop e vejo a infinidade de e-mails que talvez em outra vida eu responda. Ou mais tarde, depois do almoço.

Vejo os monitores me avisarem sobre o percurso de cada cliente. Nas telas alternam as variáveis de cada uma e eu analiso a pequena queda de movimento da Thirty Hours e tento não prestar atenção nisso.

Olho para o meu celular e vejo mensagens antigas, que deveriam ser apagadas, mensagens dela enquanto estava na minha vida.

Ela ainda está.

Aperto o F5 e atualizo o monitor sete que me mostra a entrada do escritório e a sala do Giovani. A porta ainda está fechada e assim que ele abrir, eu vou retomar a minha vida. Só não sei de que ponto.

Fica difícil recomeçar, mas é preciso.

Falta pouco para o casamento de Kim e só de pensar que o que me sobrou foi Rosemary, eu imagino que tipo de pecado eu deva estar pagando. Eu olho para as fotos que Benjamin me enviou hoje cedo e apenas sorrio. Gosto dele, e ele está mostrando a que veio. Eles estão em um barco e eu sei de quem é esse barco. Wallace.

Deixo o celular e esfrego meu rosto, percebo que não fiz a barba e isso não me importa.

Olho para os monitores e a bolsa está operando em alta, segundo o monitor número dois; a Xtiling está com uma nova atualização no monitor quatro e Gio está abrindo a porta da sua sala, no monitor um. Mas que porra é essa? Falo alto dentro da minha sala. O maldito está apenas de colete? Cadê a porra do paletó? Está assim na frente dela... é ela!

Engulo seco e não vejo nada na minha frente. Saio da minha sala e eu juro que vou matar esse filho da puta. Aproximo-me e vejo o momento em que ele beija o rosto dela e eu juro que não respondo por mim.

- Era esse o seu plano? - pergunto agressivamente e vou para muito perto dele que está segurando um papel. Ela se afasta e me olha e eu não quero correr o risco de olhar para ela.

- Não estou entendendo - ele diz com um sorriso no rosto e eu sinto meu punho fechar.

- Era isso que você queria? Poderia ter descoberto tudo antes, ganhou tempo e agora ela está aqui - a encaro e ela está sorrindo e não deveria, ninguém sorri em funerais.

- E você chegou a essa conclusão sozinho? - ele está debochando de mim, cretino.

- Vou deixar vocês resolverem isso - ela diz e se vira de costas para mim. Como ela ousa?

- Não - falo e seguro-a pelo cotovelo e sinto o que a saudade faz com a gente. Senti falta da pele dela, nua, molhada para mim.

- Eu não estou te entendendo - Giovani está me provocando - Eu acho que já conhece Brooke Foreman, ela é a nossa nova funcionária - ele fala e eu tento, mas não consigo, segurar a minha boca. Ela se abre. Eu estou encarando esse puto com um sorriso na boca - A propósito, Brooke, isso é seu - ele pisca para ela e tenta entregar o papel, mas eu o pego na metade do caminho. Que merda está acontecendo aqui?

- Eu acho que deveria ser consultado sobre isso - falo e solto do braço dela e levo minha mão até a boca.

- O comunicado foi feito e deve estar entre os quarenta e nove e-mails que te enviei e não obtive resposta e, segundo o que me disse em seu apartamento, minhas decisões eram confiáveis - ele sobe e desce as sobrancelhas.

- Posso saber quando ela começa? - pergunto e aponto o dedo para ela.

- Na realidade, ela começou há dois dias e estávamos revendo as falhas de nossas plataformas. Eu avisei você que contrataria o hacker, sou um homem de palavra e muito atarefado. Se me der licença - ele está de braços cruzados e eu o mataria agora se não tivesse que resolver outra questão. Pego-a pelo cotovelo de novo e o papel está sendo massacrado em minha outra mão. Caminho para a minha sala, mas não antes de ouvir de Giovani com voz zombeteira: Problema resolvido. Posso ver seu sorriso mesmo sem olhar para a cara dele.

Levo-a para minha sala e fico de frente para ela com os braços cruzados.

- Vai me matar? - ela pergunta.

- VOCÊ TEM IDEIA DA MERDA QUE FEZ? - pergunto em um tom de voz que ela já conhece, foi assim que entrei em sua dispensa.

- Você precisa me ouvir - ela pede.

- PREFIRO TE MATAR A TER QUE TE OUVIR - fodeu com a minha vida e ainda quer fazer a porra do discurso.

- Morri um pouco quando entrou na minha dispensa, mas quando saiu, tudo ficou pior - ela fala mais baixo do que eu e eu estou encarando-a. Respiro fundo, tento buscar alguma calma, mas eu não consigo.

- Morreu um pouquinho? - pergunto com a voz mais baixa, mas a fúria ainda está ali.

- Sim, cada dia tudo fica pior - ela não tira os olhos dos meus.

- É mesmo? - mantenho o sarcasmo e a ira - E a senhorita gostaria de começar por onde? - pergunto e fecho meus punhos.

- Talvez do início? - ela pergunta.

- Me escolheu a dedo? - pergunto.

- Eu não sabia que você é o dono da empresa que cuidava dos bandidos que roubaram o meu pai - ela fala e eu deveria ter deixado Giovani me contar tudo no dia em que esteve na minha casa.

- Não sei do que está falando - me defendo.

- Meu pai é o criador da Thirty Hours. Ele foi roubado, tiraram o projeto de vida dele e ele sofreu um derrame. Sobrou para mim cuidar dele e de mim - ela fala sem medo e me enfrenta com seus olhos azuis. Tudo nela está bonito, seu casaco azul escuro, sua calça branca e seus cabelos. Sua voz é mais suave agora, ela prolonga cada palavra, ela parece estar bem feliz em olhar para mim. Você me derrotou, maldita.

- E por isso eu tive que sofrer com tudo isso? - questiono.

- Não sabia que era você. Mas naquele domingo, que inferno, por que foi me mostrar aquele jogo? Quando vi o símbolo da Oracle e depois os papéis timbrados, meu Deus, eu queria pular da janela, mas já era tarde, eu já havia programado a invasão e todos os vírus e lixos estavam a caminho, era um caminho sem volta. E então, meu pai passou mal e eu precisei sair, mas a verdade é que eu fugiria de você naquela noite e levaria meu plano adiante, mas quando você estava me levando embora, me senti péssima e pensei em voltar atrás, mas já era tarde - ela não tem medo de assumir o que fez e isso não merece o meu aplauso - Eu estava nervosa e comecei a deixar rastro e, então, Giovani me encontro. Ele achou minha falha e sou grata por isso, sou grata por meu coração ter me atrapalhado e o estrago não ter sido tão grande.

Percebo-a mais nervosa agora, como se não gostasse do que está em sua mente.

- Foi você que me escolheu, resolveu me dar carona e um agasalho. Eu estava seguindo a minha vida e você apareceu no meio daquela chuva - ela retruca serena, como se estivesse feliz em estar ali, olhando para mim. Estou com vontade de sacudi-la, e não é pelo que fez com a minha empresa, mas pelo que fez com a minha vida. Tudo parece que voltou para dentro das caixas e ainda tenho um sofá no meio da minha sala que agora parece bem maior sem ela esparramada sobre ele.

- Fui gentil - rebato.

- E eu não fui? - ela pergunta e me olha com um pedido de paz em seus olhos perfeitos.

- Você está ouvindo o que está me dizendo? - a enfrento - Mudei a minha vida por causa de um hacker, o estrago foi grande sim, você não faz ideia - falo e me aproximo dela e ela não sabe como tudo ficou depois que ela se tornou ausente fisicamente - Seu vizinho quase levou toda a culpa - ainda quero dar um soco nele, isso não mudou - Você foi o meu pesadelo enquanto eu me apaixonava por você - confesso.

- Jack é um coitado. Poderia ganhar mais se não fizesse gráficos de jogos usando o micro-ondas, e eu precisava deixá-lo por perto, era a internet dele que eu usava para uma das minhas redes. E perdi as contas de quantas vezes usei o IP dele para distrair vocês - ela mexe no cabelo e o coloca atrás da orelha - Mas, me diga uma coisa, o que você mudou? - ela aproxima seu rosto do meu - Eu errei, assumo, e estava disposta a fazer qualquer coisa para recompensar isso, mas me diga o que foi que você mudou? - ela indaga - Eu mudei, não me reconhecia mais quando estava fazendo as programações de minhas invasões, eu queria sempre terminar logo e ficar perto de você. Eu. Mudei, Alexander - ela pontua cada palavra.

- Deixei coisas para trás - falo e me inclino o suficiente para sentir seu perfume, seu hálito e quase ouço seu coração.

- Eu também - ela cruza os braços e me encara - Porque todos os dias, olhar para nossa foto juntos em seu perfil no Facebook também não foi fácil, porque ali estava uma lembrança de um dia verdadeiramente feliz - ela me olha triste e eu engulo seco, estou perdido nessa pergunta.

- Me destruiu - falo e me viro de costas para ela e caminho para o outro lado da minha mesa.

- Me destruí - ela diz e apoia as palmas das mãos sobre a minha mesa - Eu não fazia ideia quem era você. Já nos conhecíamos, mas você não tinha cruzado o meu caminho. Eu não fiz com você o que deveria ter feito, eu deveria ter vasculhado cada tapete que você pisou, mas não, a emoção, as surpresas, meu coração sendo preenchido me tiravam da cruel realidade de viver a minha vida. Então, nos separamos e eu soube quem era você e precisava entender o que um homem tão jovem estava fazendo da vida que não tinha nenhum relacionamento, que não tinha sequer uma foto com alguma mulher em sua rede social. Onde você estava escondido enquanto a porra da vida estava acontecendo? - de onde saiu essa coisa linda que está me duelando com olhar e essa língua vermelha?

- Como ousa? - apoio as minhas mãos como ela e a encaro.

- Ora, meu querido, já não estávamos mais juntos e eu precisava ter contato com você. Disquei seu número mil vezes e nunca liguei, então, me sobrou o que faço de melhor - ela respira fundo - Investiguei seus passos nos últimos anos e você tem milhas o suficiente para dar a volta ao mundo. Madri, pelo visto, é especial e não quero saber por quê. Então, todos os dias, eu matava minha saudade de você, olhando para as suas informações, olhando as câmeras de Nova York que te gravaram indo para o Tribecca, ou para casa da morena que trombou comigo, e passei a buscar câmeras ao redor que flagrassem você em tempo real, e eu percebi que você não estava saindo de casa. Até que Gio me procurou e me falou que seu funcionário estava indo embora para Finlândia e precisava de alguém que soubesse datilografia. Essas foram as palavras dele - ela se aproxima ainda mais de mim. Ela deveria ter um pouco de medo, mas não tem - E tudo que descobri de você só me ajudou em uma coisa - ela coloca a boca perto do meu ouvido e eu fecho os meus olhos - Eu havia me apaixonado pela pessoa mais extraordinária que conheci - ela se afasta e olha nos meus olhos - Essa informação você não encontraria nos sistemas em que me investigou, porque lá tudo era falso e isso é o tipo de informação verdadeira que o mundo não precisa saber, apenas você - ela está me transmitindo um tipo de paz que perdi quando ela se foi - A verdade, Alexander, é que com você, eu era a parte boa de um conto de fadas, eu me sentia assim - ela diz e engulo seco.

- Não consigo saber se o que está me dizendo é real. Eu me lembro da sua primeira invasão, e depois passou a ser mais ousada e minha vida estava sendo destruída pelas mãos da mulher que seguraria meu coração - olho para baixo e eu quero odiá-la, quero que ela vá embora, não quero que ela trabalhe aqui, eu não acredito que Giovani a contratou.

- Você não precisa saber disso. Eu durmo e acordo todos os dias sabendo que é real, isso me deixa em paz, porque se eu tirei sua tranquilidade sem querer, saiba que, para a minha vida, você trouxe muito mais. Não quero que compreenda e seja gentil comigo pelo que fiz, quero apenas que saiba que eu jamais teria apertado os primeiros comandos se eu soubesse que isso me levaria para longe do grande amor da minha vida - suas palavras soam sinceras e mesmo que não fossem, é nisso que quero acreditar. Mas eu não posso.

- Poderia ter roubado muito dinheiro com o que entende - falo.

- O que minha mãe pensaria de mim? Não sou ladra, não serviria bebidas para ricos e esnobes à toa, sempre trabalhei - ela diz e eu não sei o que dizer.

- Como foi parar na John John? - pergunto e isso pode ser a resposta para pegá-la no pulo.

- Eu trabalhava em um mercado no Brooklyn e fui dispensada por conta dos atrasos... - ela fala sentido - Eu cuidava do meu pai no começo, dando banho, comida na boca e tudo mais, como se ele fosse uma criança e eu sempre estava cansada - ela limpa a garganta e continua - Ele demorou muito tempo para se recuperar do derrame e ficar daquele jeito que você o conheceu, e, então, eu precisava ganhar dinheiro e não queria trabalhar na área de minhas formações acadêmicas, porque eu já tinha um plano em mente e eu gostaria de passar despercebida. Eu queria usar o que aprendi contra os culpados e eles são frequentadores da John John, foi aí que comecei a colocar em prática. Escutava tudo que Dean planejava e sua voz me enojava, foi ele que tirou tudo do meu pai - ela olha nos meus olhos o momento todo - Julianne conhecia Lucy e me apresentou, dois dias depois, eu já estava trabalhando lá.

- Você estava na John John há seis meses? - pergunto e tento não deixar que o que ela está me falando me afete... mais.

- Nove meses - ela diz e eu faço as contas e percebo que esse foi o tempo em meu inferno começou - Comecei a tirar fotos de Dean com outras mulheres, comecei a guardar provas de suas traições e eu queria transformar a vida dele em um verdadeiro inferno - ela confessa.

- Mas acabou fazendo isso da minha vida - falo e me levanto, coçando a minha testa e esfregando minha boca com as mãos. A verdade é que ela transformou a minha vida pessoal em inferno quando ela não estava mais ali, sentando em meu colo e mexendo em meu cabelo.

- Eu sinto muito por isso, de verdade, de todo meu coração, e eu sei que nada do que eu disse vai mudar, mas ao menos acredite, quando a Brooke estava com você, Zero estava morto - ela fala e só por escutar o seu codinome sinto raiva novamente.

- Investigou a minha vida toda? - pergunto e minha voz ainda está áspera.

- Sim, mas apenas o suficiente para saber se anda aproveitando seu sofá ou as tigelas com etiquetas - ela se ajeita em cima das próprias pernas como se buscasse uma posição confortável e me encara.

- Todo mundo tem um passado - justifico sucintamente.

- Eu sei, e fico feliz em saber que colocou isso desta forma - ela responde. Ela é perigosa.

- Passei um inferno por sua causa - assumo.

- Lamento por isso, mas agora é tarde, não tarde demais, apenas tarde o suficiente - ela fala e sua voz está dolorida e meu coração não consegue entender que ela fodeu com minha vida por meses. Ele está aqui e eu estou feliz em estar perto dela, mas meu cérebro me lembra de ser coerente - Agora se me der licença, preciso ir. Eu acredito que você deva decidir se eu posso ficar em definitivo com meu emprego. A oferta é boa, o salário cobre as despesas do meu pai e ainda tem o benefício do plano de saúde.

Ela se cala e espera pela minha resposta. O que sinto por ela se confunde em meu peito. Sinto sua falta, sinto a falta dos dias corridos que estivemos separados, sinto a falta dela mexendo em meu cabelo ou jogando na minha cara que preciso aproveitar o que já possuo. Eu pensava que a possuía, fui um tolo.

- Gio está certo, você é muito boa no que faz. Não é por causa de uns trocados que vou deixar que um concorrente a contrate. Você pode ficar - respondo sua pergunta sabendo que a magoei. Sim, querida, meu coração também sangra e minha vontade é fazê-la pagar por cada fisgada que meu coração deu sofrendo por sua ausência.

Ela apenas anui com a cabeça e se dirige à porta. Mas antes de sair, olha para trás e me encara mais uma vez.

- Existe uma realidade ruim quando se passa muito tempo fomentando uma vingança. - e sai.

Primeiro, ela saiu da minha sala, depois, do escritório e foi em direção ao corredor. Ela estava saindo da minha vida pela segunda vez.

Solto o corpo sobre a cadeira e empurro meus cabelos para trás.

Ela é a mulher que revirou a minha vida em poucos dias me mostrando o quanto sou frágil diante dela. Respiro fundo e tento ao menos me orientar. Eu não posso simplesmente esquecer o que ela fez. Ela invadiu meus sistemas, brincou com a minha sanidade, depois, entrou na minha vida fazendo café, usando cupons de desconto e ainda tenho que encarar a maldição daquele sofá.

Olho para o papel que Giovani queria entregar para ela e o abro.


“Alec, você foi a perspectiva feliz que tive sobre a minha falha pessoal... também foi amor no momento seguinte, e ainda é nesse momento, e acho que é para sempre”


- Deus - falo alto e saio da minha sala, saio do escritório e vejo que o elevador está descendo e parou no andar vinte e dois.

Abro a porta que dá acesso às escadas e desço rapidamente, pulo os degraus. Eu tenho pressa, eu tenho que falar com ela, tenho que dizer a ela que ela me salvou das minhas fugas e me deixou ficar onde eu nunca imaginei que pudesse estar.

Os degraus parecem não ter fim, e quanto mais eu desço, mais sinto medo dela já ter ido, mesmo sabendo onde encontrá-la. É só fechar os meus olhos que a vejo aqui dentro de mim.

Empurro a porta de acesso ao térreo e a vejo quase cruzando a porta. Carlos me encara e eu a seguro pelo cotovelo e a trago para junto de mim. Tento recuperar meu fôlego e olho no fundo dos olhos perfeitos, azuis e acolhedores. Busco ar, busco me restaurar, tento organizar as palavras e percebo que foi ali que ela me conquistou pela primeira vez, quando trouxe com ela meu dinheiro, meu pendrive, um cartão e tudo aquilo que nunca encontrei se não nela, apenas nela. Depois desse dia, ela passou a me conquistar diariamente e todo sufoco que passei durante os meses de invasão, agora pouco importam.

Estou sem fôlego, respiro fundo e demora até que recupero meu ar.

- É incomum as pessoas mudarem a minha vida em tão pouco tempo. Na realidade, isso não faz parte do meu histórico - falo e a beijo sob o olhar de Carlos e dos outros que estavam na recepção. Eu precisava tanto disso. Como eu senti falta dela assim, encostada em mim e me permitindo estar assim. Sinto-a sorrir enquanto a beijo. Deus!

Senti toda a falta que alguém pode sentir de outra pessoa e acredito que seja isso que faltava em minha vida. Alguém de verdade, sem contratos e sem oceanos para serem atravessados. Ela desliza suas mãos em minhas costas e eu abro meus olhos. Vejo uma lágrima descendo em seu rosto.

Aperto-a contra meu corpo, ela está aqui e eu estou em paz.


Epílogo

 


Evan Louis Maccouant

 


Talvez tenha sido algo em seu olhar naquela noite em que a beijei. Talvez.

Victoria, naquele momento, preencheu, ou apenas me mostrou, que havia algo aqui dentro que ainda valia a pena. Ela tinha razão.

Eu a olho com a mesma intensidade, com a mesma vontade como se fosse a primeira vez; eu me apaixono por ela todas as manhãs e de maneiras diferentes. Ela é o saldo positivo de uma equação que eu havia descartado.

Ela está ali, abaixada na altura de Cora, enquanto ajeita os cabelos da minha pequena princesinha. Por favor, Cora, não cresça! Peço internamente.

- Olha, papai - Romeo me surpreende com as mãozinhas cheias de doce. Ele comemora seu ato furtivo e seus dentes estão sujos, assim como sua boca e sua camisa, que eu me lembro ser branca quando saímos de casa.

- Isso ainda não foi servido - o advirto.

- Eu sei, por isso peguei, estava com pressa - ele abre um sorriso sujo, que me convida a gargalhar, mas eu não posso fazer isso. Prefiro criar um homem de bem.

- Romeo - falo e me abaixo diante dele - Isso não é o correto - aponto para os doces em suas mãozinhas - Não pode fazer isso, se não foi servido para todos, significa que ninguém ainda pode comer - explico.

- Mas a moça alta de roupa branca disse que tudo bem, disse que a cor do meu cabelo era bonita e me deixou sair - mulheres, de alguma forma sempre nos corrompem.

- Mesmo assim, não quero que faça mais isso, você entendeu? - pergunto. Ele chacoalha a cabeça em sinal positivo e olha para as mãos com os doces.

- Mas... esses eu posso comer? - com certeza ele já comeu outros e, agora, não há nada a ser feito.

- Pode, mas não quero que isso se repita - a não ser quando for mais velho e souber que não pode confundir isso com coisas alheias

- Vamos, Romeo! - um garoto passa por ele e também carrega doces em suas mãos. Pelo visto alguém na cozinha gosta de crianças. Romeo olha para mim e eu aceno que sim e ele vai atrás do novo coleguinha.

- Levando uma surra do garoto? - Sebastian chega com Ramon e me sacaneia. Vejo Robert se despedindo de Alexander que está com Giovani conversando com os noivos. Robert avisou assim que começou a cerimônia religiosa que tinha um compromisso amanhã na Europa e seu voo sairia logo mais.

- Nunca ganho dele - entro na brincadeira e bebo um gole muito pequeno de minha bebida. É um tipo de batida com vodca e suco de laranja, desconfio que Benjamin tenha escolhido isso no cardápio da noite.

- Uma peça a menos nesse dominó, justo ele, o mais puto; e de quebra, estamos vendo Kim de noiva. E o mais impressionante, Alexander não está armado - Sebastian observa. De maneira cômica faz menção sobre algo que Benjamin tentou evitar a vida toda. Todos nós tivemos sucesso com isso, até isso ter sucesso sobre nós.

- Sim, agora está feito e é quase inacreditável olhar para Benjamim podendo beijar Kim sem que Alexander tenha um surto. Acho que já presenciei mais de mil ameaças de morte de Alec contra Ben, lembra de Aspen? Ali, eu achei que seria o fim - Ramon fala sério e olhamos para os noivos caminhando em direção à pista de dança. - Ela sempre foi linda e Alexander sempre padeceu por conta disso. Mas a verdade é que Alexander encontrou alguém, e diferente de nós, ele saiu do Clube antes de conhecê-la - ele fala e olhamos para Alexander que está ao lado de Giovani, conversando animadamente com Brooke, a escolhida por Alexander e destinada a aguentar seu ciúme, penso comigo. Fomos apresentados um pouco antes da cerimônia e parece que ele está de fato apaixonado por ela.

- Aposto que tem dedo de Giovani nesse namoro de Alexander - Sebastian diz sorrindo - O cara está sempre envolvido, sempre sabe de tudo e sempre tenho a sensação de que ele está um passo à frente - ele conclui.

- Ele é apenas ligado em tecnologia e consegue descobrir algumas coisas mais facilmente - Ramon diz com seu tom mais sóbrio.

- Giovani é muito inteligente e sua perspicácia para resolver alguns assuntos é extraordinária, além de saber tudo sobre o mundo digital - falo e eu tenho propriedade no que digo.

Observo a festa e vejo Vick dançando com Vivian. Isso me faz sorrir.

- E você, latino, quando vai bancar uma festa dessa para nós? - Sebastian está cheio de graça e o vejo olhando para Vivian. Ele está diferente, parece integralmente feliz.

- Já me sinto casado, moramos juntos e está tudo bem desse jeito. Não enche o meu saco com isso. Já alimento vocês o suficiente em minhas festas em Malibu - Ramon sorri e toma sua bebida. Percebo-o procurar por Christen que chega por trás dele, o beija rapidamente, nos cumprimenta com um sorriso e vai ao encontro de uma mulher que a abraça.

Wallace surge na entrada e eu aceno para ele discretamente com a cabeça e ele vem em nossa direção.

- Senhores - Wallace nos cumprimenta. Ele observa atentamente todos que estão na festa e segura em suas mãos um copo. Eu sei que é água, e sei por que ele está bebendo água, convivi anos com ele no Clube para conhecer alguns truques. Todos que frequentaram aquele lugar sabem de alguns segredos uns dos outros. Sebastian olha atentamente para o copo dele e sorri. Wallace devolve um sorriso tão discreto que por pouco é inexistente.

- Quando será que vamos ver Wallace nessa situação? - Sebastian joga a cabeça na direção dos noivos - Quando você vai ser amarrado? - ele pergunta fazendo uma piada de duplo sentido sobre os gostos peculiares de Wallace.

- Eu sou o que amarra - ele diz e bebe um pouco de água.

- Isso é água? - Sebastian pergunta e já abre um sorriso filho da puta no meio da cara.

- Sim - ele responde e seu rosto denuncia.

- Você deixou alguém amarrado em sua casa enquanto está aqui? - Sebastian pergunta e gargalha.

- E outra a chupando - ele responde sério, como se estivesse em uma reunião de negócios. Sebastian segura o copo e simula um pequeno aplauso. Wallace conhece Sebastian e temos intimidade para passar dos limites um com o outro em nossas brincadeiras. Por mais que alguns de nós tenhamos saído do Clube, acredito que o Clube, de alguma forma, nunca sairá de nós.

Foi lá que todos os limites foram testados, dividimos experiências e depois da minha saída, eu sei que algo mais intenso e perigoso começou a acontecer. Sinto-me salvo por isso, mas, ao mesmo tempo, uma espécie de culpa me assombra algumas noites. Mas isso eu guardo para mim, assim como outras assombrações que algumas vezes surgem me lembrando do passado.

Percebo Andrew, Carl, Bryan e Cesar apertarem os passos em nossa direção. Seus rostos estão tensos e o assunto anterior perde a graça.

- Como estão? - Andrew, que foi o que chegou depois e não havíamos nos cumprimentado, abrevia e olha para os lados, nos levando para uma área mais distante do barulho. Ainda conseguimos ter a mesma visão de antes, mas o som já não está mais tão alto.

- O que aconteceu? - Ramon pergunta e a tensão é palpável. Andrew olha ao redor novamente para se certificar que ninguém está por perto.

- Conte, Bryan - Andrew fala e Bryan, que está mais tenso que Andrew, se aproxima e com isso formamos uma roda. Parece uma reunião do jardim da infância e acredito que seja quase isso.

- Recebi um bilhete ameaçador e uma rosa negra ontem na minha casa - ele diz e Ramon o encara. Noto que existe algo sério acontecendo.

- O que dizia o bilhete? - Ramon pergunta.

- Falando algo sobre ser secreto e não ser segredo - ele fala nervoso e vira sua bebida toda. Estou tentando entender e não estou conseguindo.

- Parece ser sempre o mesmo então... - Ramon comenta.

- O que está acontecendo? - pergunto.

- Alguns de nós recebemos uma carta e uma rosa negra, com uma espécie de ameaça - Ramon explica e mesmo assim isso parece surreal e fúnebre. Uma rosa negra?

- Quem recebeu? - pergunto.

- Eu, Benjamin, Alexander recebeu há poucos dias, agora Bryan - Ramon explica e Cesar se aproxima ainda mais.

- Recebi no início da semana - ele diz discretamente e parece estar muito receoso em dividir isso.

- Você? - Bryan pergunta assustado.

- Eu não falei nada para ninguém porque acho que isso possa ser uma brincadeira de mau gosto - ele diz e bebe, e não parece que ele ache que isso é realmente apenas uma brincadeira.

- Seja lá quem for, é alguém que sabe muito sobre nós. Sabe sobre nossos horários, com quem saímos. Kim foi sequestrada e deixaram um recado atrás de uma foto dela e de Benjamin juntos, quando ainda estavam em segredo para Alexander - Ramon explica.

- Quem poderia saber tanto e sobre todos? - pergunto. Isso é sério, ameaças precisam ser levadas a sério, sempre.

- Alguém que sabe mais do que nós - Carl, enfim, fala e eu tento pensar em quem poderia ser ou, pelo menos, o motivo das ameaças - Você recebeu alguma ameaça? - ele pergunta para mim.

- Não - respondo.

- A lógica, então, é que a ameaça diz respeito à unica coisa que temos em comum - Bryan diz.

- Madri - Wallace praticamente sussurra.

- Talvez - Andrew diz.

- Mas eu não recebi - Wallace diz.

- Eu também não - Carl avisa e Andrew também confirma que não recebeu.

- Não consigo pensar no que realmente temos que possa interessar esse admirador - Cesar fala e Bryan concorda.

- Eu só sei que essa pessoa está a um passo à nossa frente - Bryan diz e isso me faz olhar na direção de Giovani, porque estávamos falando exatamente sobre isso e vejo que Ramon e Sebastian também o encaram.

Um silêncio quebrado pelo som que vem ao longe está ali, enquanto os olhos se desafiam, enquanto cada um espera uma resposta, enquanto cada um tenta segurar para si sua opinião sobre o culpado por isso.

Vejo Ramon olhar para o copo e depois para mim; Carl e Andrew falam entre si e Cesar e Bryan se encaram. Sebastian se aproxima de Wallace - Alguma encomenda que saiu frustrada? - ele pergunta.

- Não, tomamos cuidado com isso - Wallace responde e o silêncio volta e Sebastian me olha preocupado.

- Quem é o único que participa ativamente de praticamente tudo e consegue informações privilegiadas? - Andrew pergunta e leva o queixo na direção de Gio e eu nego internamente. Giovani não precisa disso.

- Giovani? - Cesar pergunta um pouco incrédulo ante à possibilidade.

- Será? Mas por quê? - Carl questiona - O que ele ganharia com isso? Ele participa do Clube há tanto tempo quanto nós. Se formos expostos, ele também sai perdendo.

- Desculpa, mas o que Andrew falou faz sentido. Tudo aponta em uma direção se começarmos a juntar as peças. Ele parece saber tudo sobre todos, sempre bem informado e tem contato com alguém que sempre o ajuda - Bryan conclui.

Vejo todos olhando para Giovani e meu cérebro não consegue assimilar essa informação como algo possível.

- Será que ele seria capaz de fazer isso? - pergunto mais para mim mesmo e o vejo olhando para a tela do celular e caminhando para fora do salão de festa. Será?

Por favor, meu amigo, não seja você, rogo aos céus.

 

 

                                                   Barbara Biazioli         

 

 

 

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